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Robert Hawthorne , Duque de Killingsworth , foi preso injustamente por seu irmão gêmeo John, que por oito anos se passou por ele , a fim de manter o seu legado.
Após uma fuga ousada , Robert consegue seu patrimônio sem levantar suspeitas . Em seu primeiro dia de liberdade, o Duque deve se casar com uma mulher que ele não conhece e evitar que ela descobra sua verdadeira identidade , antes que ele consiga provar que ele é o legítimo herdeiro.
Victoria Lambert sabe que não tem escolha. Ela não ama o Duque , mas ela sabe que é o melhor de Londres.
No dia do casamento , Victoria encontra um Robert, mais atencioso e agradável, muito diferente descobre nele um sex appeal que a faz decidir se tornar uma tentação que seu marido não possa resistir.
Capítulo 1
Londres, 1852
Robert Hawthorne contemplou um rosto que levava oito largos anos sem ver.
Um rosto que logo que reconhecia. A última vez que o tinha cuidadoso, não tinha visto mais que o semblante imaculado de uma vida sem estrear, uns rasgos que careciam
de rugas, de caráter e de profundidade.
Uma cara sobre a que não se escrito, e que agora, por desgraça, narrava uma incrível historia de inconcebível crueldade.
As patas de galo e as rugas de expressão eram fruto da agonia, uma angústia não necessariamente provocada pelo mal-estar físico, mas sim mas bem pelo transtorno
emocional, que pode gravar-se com a mesma
ou maior intensidade, e deixar bem visível seu selo para qualquer que se atreva a olhar. Em efeito, o tortura físico e psíquico sofrido eram tão evidentes como o
passado do tempo.
A escura barba que um dia fora tão suave como a pelusilla de um recém-nascido, via-se agora grosa, áspera e descuidada. Sua pálida pele parecia quase doentia, mas
como ia ser de outro modo se levava anos
sem que lhe tocasse o sol?
Essa palidez insalubre podia lhe supor um pequeno problema.
Entretanto, enquanto estudava aquele semblante que tinha ante si, Robert decidiu que eram os olhos o que mais o impressionava. Não a cor, de um azul como o de um
céu justo antes de que o entardecer dê
passo de noite. Não, a cor seguia sendo exatamente como o recordava, mas o que podia ver-se neles tinha trocado notavelmente.
Refletiam as conseqüências de uma traição devastadora. Também isso podia lhe supor um problema, porque um homem não pode ocultar o que revelam seus olhos. Ao menos,
um homem bom não.
Robert apartou a vista do espelho onde se refletia o homem ao que tinha sujeito à cama com cintas de seda tiradas de várias camisolas que penduravam do armário.
Os olhos daquele homem eram do mesmo azul
intenso que os seus, mas neles ardia uma mescla de fúria e ódio. perguntou-se por que nunca antes tinha detectado nele aqueles sentimentos.
Tinha tido ocasião de olhá-lo aos olhos durante os primeiros dezoito anos de sua vida. Certamente, em alguma daquelas olhadas, tinha tido que descobrir ao monstro
que ocultavam.
-por que, John? -perguntou, com a voz rota de não usá-la durante os anos nos que não lhe tinha permitido falar-. por que me encerrou? O que fiz para merecer tamaña
injustiça?
O lenço com seus lhes inicie bordadas que lhe tinha metido na boca lhe impedia de fazer outra coisa que grunhir, e embora fora um pouco injusto, não queria arriscar-se
a que gritasse e despertasse ao serviço.
Além disso, duvidava de que John fora a lhe proporcionar uma resposta veraz.
Não obstante, as perguntas tinham atormentado ao Robert durante mais de três mil dias: enquanto percorria nervoso sua cela, quando jazia no cama de armar, para ouvir
os gritos dos homens que sucumbiam
à tentadora e enloquecedora promessa de liberdade.
Aterrava-lhe recordar a freqüência com que ele mesmo tinha estado a ponto de render-se à loucura. Mas tinha conseguido escapar, e ali estava por fim, fazendo frente
a um rival que não sabia que o fora
até que foi muito tarde, e com apenas uma vaga idéia do que faria para recuperar o que lhe tinham arrebatado.
Não podia negar que John sempre tinha sido um libertino, que desfrutava de sua própria perversidade, e cujas transgressões se toleravam como brincadeiras inofensivas.
Em sua juventude, tinha-os enganado
a todos, mas ao Robert não consolava não ser o único que o tinha julgado mau.
Desejava sentir deleite ante a luta de seu cativo por livrar-se dos laços que o mantinham pacote aos quatro postes da magnífica cama em que tinha nascido, mas o
único que experimentava era um profundo
desassossego. Como se pudesse contemplar sua própria alma e a encontrasse murcha e vazia, totalmente desprovida de valor.
-Pensava que fomos algo mais que irmãos. Acreditava que fomos amigos. Compartilhávamos confidências. Te teria crédulo minha vida. Mais ainda, com gosto teria sacrificado...
-Inspirou com força, apertando
os dentes, e se voltou, quase incapaz de suportar aquela imensa dor. Tinha querido a seu irmão (ainda o queria, do modo em que só se querem os irmãos), e esse mesmo
amor incondicional fazia mais dolorosa
a traição.
Se não podia confiar no John, de quem ia confiar se?
Por um momento, agradeceu que seus pais já não vivessem, porque assim nunca saberiam a verdade do acontecido, mas sua gratidão era fugaz, como a vida, e só desejava
poder retornar aos maravilhosos dias
de sua juventude, quando toda sua preocupação consistia em satisfazer as elevadas expectativas de seu pai, algo que tinha obtido com assombrosa regularidade.
Se pensava muito em suas atuais circunstâncias, começava a sentir-se desorientado, perdia o norte. A recuperação do que lhe correspondia por direito era crucial,
não só a nível pessoal mas também também
patrimonial. Não podia desentender-se do que, a olhos do dever, da honra e dos que o tinham precedido, era sua obrigação emendar sem retroceder em seu empenho. O
devia ao passado, e também ao futuro.
Impulsionado por uma energia que ignorava possuir até que o tinham roubado tudo, concentrou-se na tarefa que tinha por diante, consciente de que devia executá-la
quanto antes.
-Deixa de te revolver, John. Assim só conseguirá te fazer danifico. Confia no conselho que te dou, fruto da experiência: não convém que esteja debilitado quando
receber sua justa recompensa. Asseguro-te
que tenho previsto te dispensar algo mais de compaixão que você a mim, mas devo tomar medidas para proteger minha pessoa, meu patrimônio e a meus herdeiros.
Meneou a cabeça com uma mescla de tristeza e incredulidade. depois de tanto tempo, ainda não alcançava a compreender como tinha acontecido todo aquilo.
-Não me explico como conseguiu levar a bom término seu engano. Quanto tempo esteve maquinando te desfazer de mim e ocupar meu lugar? Só o planejamento deveu te resultar
muito dificultosa, com tão numerosos
detalhes. Quase admiro sua astúcia.
Robert deixou o espelho na mesinha de noite, apoiado em uma pilha de livros que seu irmão sem dúvida devia ter desfrutado lendo antes de dormir; ambos os deleites
-o de ler o livro que gostasse e o de
descansar tranqüilo- logo lhe negariam, igual a muitos outros prazeres.
Ajustou o ângulo do espelho para poder ver-se bem da cadeira de respaldo alto forrada de veludo cor veio, que tinha aproximado da cama. perguntava-se em que momento
se modernizou a casa com a iluminação
de gás, e o que outras mudanças encontraria. Resultava desconcertante dar-se conta de que a vida tinha contínuo como se não passasse nada. Um instante depois, consolou-o
o mesmo pensamento, porque significava
que voltaria a acontecer: a vida continuaria sem que ninguém, salvo os dois irmãos gêmeos, precavesse-se da incrível mudança que tinha tido lugar.
Com umas tesouras que encontrou no vestidor, junto a seu dormitório, cortou-se as jubas moréias seguindo o contorno das orelhas e a nuca.
-Nem um piolho -murmurou-. depois de tudo, essa é a finalidade do isolamento, suponho. Um homem isolado não pode contagiar enfermidades, nem rebeldia. Tem suas vantagens.
além de um sem-fim de desvantagens que poucos homens podiam suportar muito tempo. Ainda o assombrava que ele tivesse conseguido manter a prudência. Não queria nem
pensar que possivelmente não tivesse sido
assim, que sua fuga fora só uma complexa ilusão e que, ao despertar, descobrisse que seguia sendo o detento do corredor D, galeria três, cela dez.
obrigou-se a se separar de sua mente aqueles pensamentos perturbadores e, concentrando-se no que sabia que era real, olhou-se ao espelho e estudou suas mechas recortadas.
O corte de cabelo estava longe
de ser perfeito, mas isso não o inquietava. Pediria a seu assistente que o retocasse pela manhã. Duvidava que o criado dissesse nada se o cabelo de seu senhor lhe
parecia mais rebelde do habitual.
depois de tudo, não se questionava a um duque.
Continuando, Robert usou as tesouras para recortá-la larga barba até deixá-la manejável, logo agarrou a terrina de barbear, bateu nele a broxa e começou a aplicar-se
generosamente o espumoso sabão. Ao
inalar sua fragrância, recordou a primeira vez que seu assistente o tinha barbeado, ante o olhar orgulhoso de seu pai.
-Está a ponto de te converter em um jovem cavalheiro -lhe havia dito. Robert tinha escutado as palavras de seu pai não com vaidade, a não ser com a tranqüilidade
do que se sabe merecedor de dita consideração.
Não recordava que seu pai houvesse dito o mesmo ao John em seu primeiro barbeado. Talvez esse fora a origem do problema. John sempre tinha sido o segundo: o segundo
em nascer, o segundo aos olhos de seu
pai, o segundo na linha hereditária.
Robert esquadrinhou a seu irmão menor, menor por menos de um quarto de hora, e mesmo assim nascido não só um dia mais tarde mas também em um ano distinto: Robert
tinha vindo ao mundo antes da meia-noite
de 31 de dezembro, enquanto que John tinha chegado o primeiro dia do novo ano. Entretanto, em matéria de primogenitura, os minutos contavam tanto como os anos.
-Não posso dizer que me entusiasmem suas costeletas, tão largas e povoadas. São a última moda ou é que segue sendo um uva sem semente que faz as coisas a sua maneira
sem lhe importar se forem ou não de
recibo? -inclinou-se sobre ele e acrescentou-: Ou legais. Mas como vou demonstrar a verdade se for sua palavra contra a minha? Hei aí meu dilema e a razão pela que
devo te tratar tão injustamente como
você a mim.
Ignorando os grunhidos do John, Robert devolveu a terrina à mesa, agarrou a navalha de barbeiro e, com muito cuidado, começou a retirar o que ficava de barba, deixando
umas costeletas muito parecidas com
as do John. depois de deixar-se ver por Londres ao dia seguinte ou ao outro, as trocaria por um estilo que gostasse mais. Não queria que ao princípio seu aspecto
fora muito distinto para que ninguém pensasse
que passava algo, embora, em realidade, quão único ia fazer era corrigir o que levava anos acontecendo.
Ansiava dar um banho de sabão perfumado, mas para isso teria que pedir aos criados que lhe subissem água quente, de modo que deixaria esse luxo para a manhã seguinte.
Aquela noite, conformaria-se lavando-se
como pudesse com a água que encontrasse em seu dormitório e no vestidor.
-Para explicar minha palidez, terei que dizer que estou algo indisposto. Com isso bastará até que possa tomar o sol. Por seu aspecto, diria que desfrutaste que boa
saúde. Mas isso trocará logo, irmão.
Concluiu sua tarefa e apoiou o fio da navalha sob o queixo do John. Não tinha claro que reação devia esperar: medo, remorso, arrependimento? Pelo contrário, John
se mostrou ainda mais rebelde, como se
fora ele o traído.
-por que não te limitou a me matar, John? Não podia olhar um rosto tão parecido ao teu e ver como lhe arrebatava a vida? Foi a lembrança do seio materno que tínhamos
compartilhado o que te deteve? Ou acaso
um pouco muito distinto? -Terrivelmente entristecido, apartou a navalha da garganta de seu irmão. Como tinha chegado a acontecer aquilo?
afastou-se da cama e começou a mover-se com maior urgência. Tinha muito que fazer antes de que amanhecesse e pouco tempo para fazê-lo. Quando se tinha coado na residência
familiar de Londres e no dormitório
de seu irmão, tinha encontrado ao John dormido. Agora tinha que lhe fazer a seu irmão quão mesmo este tinha feito a ele.
voltou-se para a cama.
-por que me drogou e me encarcerou? O que pergunta tão tola! Fez-o para herdar o ducado.
A história da Inglaterra estava infestada de histórias de homens que tinham liquidado a quem se interpunha entre eles e a coroa, assassinado a sobrinhos em torres,
a irmãos no campo de batalha e a pais
durante o sonho. Para alguns, um título era tão prezado como uma coroa. Enquanto não tirasse o chapéu o engano, o que importava como um se convertesse em herdeiro?
-Mas como demônios conseguiu te sair com a tua? Não suspeitaram nossos pais? E o serviço? Meus amigos e conhecidos?
"Alguém teve que dar-se conta de que te fazia passar por mim. Como pôde explicar que só um dos dois retornava a casa depois de uma noite de farra?
Tinham saído a celebrar seu décimo oitavo aniversário. Robert recordava ter bebido, o perfume de uma mulher... e haver despertado sozinho, na prisão. Primeiro a
raiva, seguida imediatamente do desespero.
Até que averiguou a verdade...
-Teve sorte de que nossos pais adoecessem pouco depois de que te desfizera de mim. Reza para que fora assim, porque, querido irmão, temo que nunca poderia te perdoar
o que tivesse segado suas vidas.
"Devo dizer que avaliação que me fizesse chegar o periódico no que se publicava sua necrológica, junto com sua sucinta nota. Do contrário, teria perdido o tempo
buscando-os em lugar de vir diretamente
a por ti.
Tinham-lhe acontecido um sobre por entre os barrotes do ventanuco da porta. Quase incapaz de acreditar que lhe enviassem alguma comunicação -e sem suspeitar que
ninguém salvo seu carcereiro sabia onde
estava-, tinha contemplado como o sobre caía ao estou acostumado a descrevendo uma trajetória ondulada.
No interior, tinha encontrado um recorte do Teme que anunciava a repentina morte dos duques do Killingsworth a conseqüência de uma gripe. Em plena conflito com sua
difícil situação, ainda incapaz de saber
como tinha chegado até ali, leu o artigo três vezes, impassível, como se se tratasse de meros conhecidos.
Depois, tinha desdobrado a nota que acompanhava a necrológica.
pensei que quereria sabê-lo.
Robert Hawthorne, duque do Killingsworth.
ficou-se olhando aquelas palavras até que se rabiscaram, sem lhes encontrar sentido. Quando por fim o tinha compreendido, havia-lhe flanco acreditar na magnitude
de seu significado.
-Devo reconhecer a brilhantismo de seu plano. Era muito mais fácil fazer desaparecer ao John que ao Robert. Ao John ninguém o buscaria, verdade? depois de tudo,
ele não era o herdeiro. Isso teve que te
chatear, saber que o desaparecimento do John não desencadearia reação alguma. Entretanto, se desaparecia Robert, a coisa trocava, não é assim? Teria necessitado
uma prova concludente de meu falecimento
para poder ocupar meu lugar.
"Assim, embora conseguiu te desfazer de mim, não podia seguir sendo John. Isso te teria complicado as coisas, porque só com minha morte conseguiria o ducado, e,
como já hei dito antes, não tem valor para
me matar, por isso suponho que terei que te estar sempre agradecido. Espero que me desculpe se não o manifesto devidamente.
meteu-se a mão por dentro da camisa e tirou o capuz de cor marrom que tinha levado durante sua arriscada fuga. Estava desenhada de modo que, quando o detento a punha
na cabeça, o tecido caía até o queixo,
ocultando seu rosto e sua identidade por completo, salvo pelos olhos, que apareciam por dois buracos.
-A estas alturas, já teriam descoberto que o detento D3-10 escapou. Recorda quando visitamos as instalações com papai, quando concluíram as obras, antes de que começassem
a acomodar aos detentos? claro
que sim. Foi então quando começou a conceber seu plano?
Assinalou a chapa de bronze do peitilho de sua camisa, que logo seria de seu irmão.
-Na prisão, perde-se o nome. Sem nome, não é nada. Nada. Só um número. O detento D3-10. O do corredor D, galeria três, cela dez. E agora, esse detento desapareceu.
"Virá a te avisar o zelador ao que subornaste, porque seguro que pagaste a alguém para obter seu propósito, ou fugirá por temor a que o descubram? Em qualquer caso,
não me preocupa: estará no Pentonville
antes de que amanheça, com isto posto na cabeça -acrescentou agitando o capuz.
"Sei o que está pensando, que saberão que é você e não eu. -Riu pela primeira vez em anos, mas sua risada carecia de entusiasmo ou alegria, e se perguntou se produziria
a seu irmão o mesmo calafrio que
a ele; se estava mais perto da loucura do que pensava-. É o bom de meu plano. Não se darão conta porque não sabem que aspecto tenho. Não sabem se esta manhã levava
cabelo comprido ou barba, porque o único
momento em que os detentos não levam capuz é quando estão na cela, sozinhos. Sozinhos, sempre sozinhos. Trabalhamos em nossa cela, dormimos em nossa cela, comemos
em nossa cela.
"O novo sistema de reclusão individual que a Inglaterra adotou para a reforma dos delinqüentes é um autêntico inferno, John. Logo será testemunha de sua desumanidade.
Nem sequer quando nos deixam passear
pelo pátio com o capuz ficado nos permite falar. A segregação e o isolamento estão à ordem do dia, e assim devem seguir. Sabe o que é não poder compartilhar uma
brincadeira, uma preocupação, um medo, um
sorriso, uma gargalhada?
"Te dou de presente o que aprendi com minha experiência: ponha o capuz e cala. Nem te incomode em lhes dizer que não deveria estar ali. Não lhe escutarão. Não lhes
diga que foi um engano. Ignorarão-lhe.
"Só te permite fazer uso da voz para cantar hinos na capela todos os dias. Vi a homens emocionar-se por poder ao menos cantar.
Robert olhou a odiado capuz, da mesma cor que sua túnica e suas calças. Tinha conseguido escapar enquanto estava na capela. Os bancos eram cubículos de altas paredes
com um detento em cada um. Uma noite,
enquanto rezava, Robert observou que, quando baixava a cabeça, já não via os guardas e, por lógica, eles tampouco o viam ele. Naqueles instantes, voltava-se invisível.
Durante semanas, com paciência tinha
dedicado esse tempo a soltar as tabuletas do chão de seu cubículo. Finalmente, tinha obtido por fim tirar suficientes tabuletas para abrir um pequeno buraco pelo
que penetrar. Esse mesmo dia, havia reptado
por debaixo da capela até chegar ao edifício principal. Ali, um estreito orifício de ventilação o tinha conduzido ao exterior, a sua liberdade.
Olhou ao John e voltou a agitar o capuz.
-Terá que levá-lo, irmão, porque se não lhe açoitarão até que lhe ponha isso. Então lhe porá isso para ocultar a vergonha da surra. Estará completamente solo enquanto
te pergunta quando irei te buscar.
"Tenha por seguro que o farei assim que encontre o modo de demonstrar que eu sou Robert e você é John. Reza para que isso ocorra logo.
Bateram na porta. O coração lhe golpeou as costelas com uma intensidade quase dolorosa. Seu irmão se esforçou de verdade por romper os nós que o amarravam à cama;
o lenço sufocava seus gritos de socorro.
Para silenciá-lo ainda mais, Robert lhe tirou o travesseiro de debaixo da cabeça, a pôs na cara e correu as grosas cortinas de veludo que penduravam do dossel.
aproximou-se da porta e falou através dela.
-Estou indisposto. O que ocorre?
-Lamento incomodá-lo, senhoria, mas acaba de chegar um tal Matthews e parece muito agitado. Insiste em que deve vê-lo imediatamente por um assunto urgente relacionado
com a prisão do Pentonville. Se obstina
em...
-lhe diga ao Matthews que me reunirei com ele na entrada de serviço, e te encarregue de que não haja nenhum criado rondando por essa zona da casa.
-Todos os criados dormem já.
Salvo o homem que havia ante sua porta. Bem.
-Então, dá meu recado ao Matthews e te deite você também.
-Sim, senhoria.
Ouviu afastá-los passados do mordomo. Voltou para a cama, correu as cortinas, apartou o travesseiro de um puxão, olhou a seu irmão e sorriu.
-Pelo visto, John, tem um fiel aliado no Matthews. Quanto teve que lhe pagar para que ao detento D3-10 jamais lhe concedesse a liberdade?
Enquanto olhava a seu irmão, por um momento, esteve a ponto de trocar de opinião, de lhe dizer: "vamos falar e a solucionar isto. Sou o herdeiro legítimo, mas cuidarei
de ti. Sempre pensei em me ocupar
de suas necessidades sem as questionar".
Mas nesse momento se viu no espelho. John lhe tinha arrebatado oito anos de sua vida. Não tinha intenção de ser tão cruel, de deixar que seu irmão se apodrecesse
no inferno tanto tempo, mas umas semanas
não lhe viriam mau.
Várias horas mais tarde, Robert despertou sobressaltado e desorientado. A cama era muito branda, a habitação muito grande. Pouco a pouco, começou a recordar. fugiu-se.
ocultou-se nas sombras e introduzido
furtivamente na casa. Tinha encontrado ao John dormido, crédulo.
O zelador tinha vindo pouco depois de meia-noite a lhe comunicar ao duque que o detento D3-10 tinha escapado. O forte murro com que tinha deixado inconsciente ao
John tinha servido para aplacar sua ira
naquele momento, mas agora, a fúria que tinha estado inflamando-se em seu interior o revolvia de novo, por mais que se esforçasse em esmagá-la. Tinha sucumbido a
noite anterior, serviu-se dela para executar
sua vingança.
Sempre tinha pensado que esta seria doce. Surpreendeu-lhe encontrá-la amarga. sacudiu-se a culpa. Tinha-lhe dado ao John seu castigo. Era justo, e não se obcecaria
pensando em quão medidas tinha tomado,
embora a crueldade de seu irmão se encarregou de condená-lo, por partida dobro.
Convexo, imóvel, escutou sua própria respiração acelerada, o vibrante batimento do coração de seu coração nas têmporas. Depois ouviu o melodioso canto de uma cotovia
fora, na janela. Seria isso o que o
tinha despertado?
Relaxando seus tensos músculos, inspirou profundamente, uma fragrância tão pura que, de ter sido um homem sentimental, poderia ter chorado. Mas, por desgraça, tinham-no
despojado brutalmente de qualquer
tendência ao sentimentalismo que pudesse ter chegado a albergar.
Mesmo assim, apreciava o aroma a limpo e a comodidade do brando colchão de plumas sobre o que repousava suas costas. Aquela noite desfrutaria de do tato da pele
suave e cálida de uma mulher sob seu corpo.
permitiria-se todos os vícios que lhe tinham negado injustamente os ardis de seu irmão. Esse era um aspecto daquela insustentável situação que o atormentava.
Fazia algo para merecer o abusivo trato do John? Não tinha cometido nenhum delito, nem tinha feito mal a ninguém. Tinha ido à escola e tinha estudado muito. Tinha
aprendido maneiras, etiqueta e protocolo.
preparou-se para ocupar o lugar de seu pai quando este falecesse -algo que supunha que demoraria muito em acontecer-, mas até esse momento tinha atendido suas obrigações
e responsabilidades com o decoro
próprio do herdeiro.
Um primogênito exemplar. Teria sido seu empenho em satisfazer a seus pais o que tinha posto ao John em seu contrário? Ou era só por ter nascido antes? Não o tinha
decidido ele. De fato, tinha decidido
poucas coisas em sua vida. Lhe tinham imposto obrigações, e o dever lhe exigia sua aceitação e seu cumprimento ineludibles, sem evasivas.
Apesar de tudo, aquele injusto castigo o tinha colocado na desagradável tesitura de ter que demonstrar quem era e de tomar medidas que lhe garantissem o ducado.
Não duvidava de que John tentaria lhe usurpar
de novo o título mediante alguma classe de traição, mas a próxima vez estaria preparado. Não voltaria a pilhá-lo despreparado.
Distendeu os músculos, desfrutando da extraordinária sensação da seda em contato com sua pele; ficou as mãos na nuca e contemplou o dossel suspenso sobre sua cama
enquanto os primeiros raios de sol penetravam
no dormitório. Tinha deixado abertas as cortinas da janela e as do dossel. Não queria perder-se nada. Tinha previsto dar-se alguns caprichos em seu primeiro dia
e sua primeira noite como duque do Killingsworth:
um fumegante banho com sabão de sândalo seguido de uma enérgica massagem de panos quentes por todo o corpo; roupa poda; um copioso café da manhã enquanto lia o Teme;
uma tranqüila excursão por Londres;
um brioso passeio a cavalo pelo Hyde Park; uma escapada em carruagem; outra comida; outro banho; mais roupa limpa; e logo uma noite de dissipação para celebrar sua
recém adquirida liberdade. Uma garrafa
do melhor vinho, um puro, possivelmente uma partida de cartas, e uma mulher; formosa, de curvas voluptuosas e cabelo sedoso. Por fim saberia o que era introduzir-se
por completo em uma, perder-se em seu
calor e sua suavidade enquanto seu corpo alcançava o alívio.
Aquela noite o teria tudo depois de tanto tempo de privação. Tomaria uma e outra vez até sentir-se satisfeito, exausto, incapaz de mover-se.
Faria o mesmo a noite seguinte. E a outra. Devia recuperar a juventude perdida. Logo se ocuparia de seu ducado, mas primeiro o faria de sua dignidade.
Por um instante, quando lhe tinha levado ao Matthews a seu irmão inconsciente, tinha temido que tirassem o chapéu seus planos. O guarda só o tinha reconhecido como
o homem que lhe tinha pago. O medo do
Matthews se pôs de manifesto ao balbuciar suas sinceras desculpas pela fuga do detento, e Robert se ficou pensando se aquele homem se teria convertido em secuaz
do John por algo mais que umas moedas. Matthews
se tinha mostrado mais que disposto a aceitar a explicação do Robert de que o detento tinha ido a sua casa para lhe fazer danifico, e que devia levá-lo de novo ao
Pentonville e devolvê-lo a seu estado
anterior: o de um detento sem promessa de liberdade.
Sentiu que a culpa turvava de novo a alegria da manhã, e tratou de não pensar nisso. Por egoísta que parecesse, ninguém o privaria daquele dia. Merecia-o: beber,
passar a noite com mulheres e saciar por
fim os apetites de seu corpo. Enquanto mantivera a boca fechada e o capuz posto, John sobreviveria perfeitamente até que Robert decidisse a melhor maneira de demonstrar
a verdade do ocorrido.
abriu-se a porta que levava do banho ao dormitório, e Robert conteve a respiração. Não tinha demorado para lhe chegar a seguinte prova. Uma vez, tinha formulado
a teoria de que os criados não olham verdadeiramente
a seus amos, mas sim desviam ou baixam a vista. Se sua teoria resultava ser certa, iria bem, do contrário... bom, teria preocupações maiores.
O criado entrou sigilosamente na habitação. Era sua ajuda de câmara, ou melhor dizendo o de seu irmão, e de repente se deu conta de que estava em um pequeno apuro,
porque não reconhecia a aquele homem.
Era alto, magro e de bom porte, e embora parecia bastante jovem, era algo calvo, e no cocuruto lhe refletia o sol que alagava a habitação.
Robert tinha esperado que Edwards, em seu dia seu fiel criado, seguisse servindo a seu irmão, mas pensando-o bem era lógico que o tivesse despedido. O homem poderia
ter detectado sutis diferencia no herdeiro
e, embora certamente teria calado suas suspeitas, devia ser um risco que John não estava disposto a assumir.
Aquele ajuda de câmara desconhecido possivelmente advertisse leves diferencia entre o duque de ontem e o de hoje; por exemplo, que o de hoje não tinha nem idéia
de como se chamava.
-bom dia, senhor -disse o homem enquanto cruzava a habitação.
-bom dia -resmungou Robert. Seu tom era indeciso, inseguro, absolutamente o que estava acostumado a empregar um homem ao mando, um homem ao que se tratava com respeito
embora só fora por sua fila.
O criado se deteve de repente no centro da habitação, como consciente de que ocorria algo. Olhou a cama (nem tanto ao homem que jazia nela), as janelas, e imediatamente
depois as paredes, o teto e o chão.
Robert se perguntou se, como ele, teria a sensação de que o dormitório lhe jogava em cima. mordeu-se a língua e guardou silêncio.
-Não estou acostumado a ver as cortinas já corridas -esclareceu o criado-. Deve estar desejando começar o dia.
-Certamente. -Não lhe custava admiti-lo. Era a primeira vez em anos que, ao despertar, tinha ansiado começar o dia quanto antes.
-pedi que lhe preparem o banho. -O homem se dirigiu ao armário, abriu as portas, e começou a reunir objetos.
Robert contemplou a possibilidade de ficar na cama um pouco mais, inclusive de que lhe servissem ali o café da manhã, mas a quantidade de comida que tinha previsto
ingerir a agarraria melhor de um aparador.
Saiu da cama. De pé, com uma camisola de dormir que tinha tirado de uma gaveta e descalça, sentiu-se de repente vulnerável.
O criado ainda não o tinha cuidadoso bem, e quando o fizesse... já seria o duque. Fechou os olhos e recordou a voz autoritária de seu pai. Com ele, nunca havia a
menor duvida de quem estava ao mando, nem
sequer antes de herdar o ducado de seu próprio pai. Era um homem seguro de si mesmo. Robert tão somente devia seguir o exemplo e os ensinos de seu progenitor. Sentiu
que a calma o invadia. Podia fazê-lo.
Faria-o. Abriu os olhos.
-Eu gostaria de dar um passeio a cavalo pelo parque esta manhã -disse-. te Encarregue de que me preparem o cavalo.
O homem se voltou ligeiramente, com o nevoeiro tão franzido que parecia que a calva fosse para a frente, e Robert pôde ver em seguida que não se atrevia a falar.
-O que ocorre? -espetou impaciente, como estava acostumado a mostrar-se seu pai quando um servente demorava para responder.
-Com o devido respeito, senhoria, não estou seguro de que fique tempo para dar um passeio a cavalo esta manhã.
-E como é isso? Acaso tenho algum compromisso ineludible?
-Só suas bodas, senhoria.
Capítulo 2
Chegado por fim o momento, Toureie Lambert desejou que não fora assim. Um desafortunado descobrimento que logo que podia conciliar com a emoção que havia sentido
a noite anterior, enquanto se preparava
para deitar-se. Durante meses, tinha esperado ansiosas suas bodas com o duque do Killingsworth. O problema era que já não estava segura de querer casar-se. Insólito
mas certo.
Com um suspiro, olhou-se no espelho móvel de corpo inteiro enquanto sua donzela revoava a seu redor como uma mariposa que não conseguisse decidir onde posar-se,
retocando o cabelo castanho escuro de Toureie,
ajustando a coroa de flores de flor-de-laranja que sustentava o véu de encaixe, comentando entre risitas quão preciosa estava no dia mais especial de todos.
Toureie não podia negar que era um dia especial, e precisamente por isso se o fazia estranho sentir-se de repente tão cheia de dúvidas. O compromisso e as bodas
eram a fofoca de todo Londres: como ela,
a filha de um latifundiário sem título, tinha conseguido pescar ao solteiro mais cobiçado -e com o título mais interessante- de toda a nobreza. Mexericavam sobre
seu romance como se ela tivesse feito algo
especial, mas por sua vida que não recordava ter feito outra coisa que sorrir ao duque e manter com ele conversações que, em geral, pareciam lhe agradar.
sentia-se atraída pelo Killingsworth, mas o que sabia verdadeiramente dele? Que lhe davam muito bem as charadas, que era um excelente bailarino, e que adorava dar
largos passeios. Ah, sim, e que era muito
bonito. Não é que pensasse que uma cara bonita fora requisito indispensável na eleição de marido, mas sem dúvida não estava de mais que seu prometido fora agradável
de olhar.
Tinha uns assombrosos olhos azuis e, embora estranha vez brilhava neles a alegria, porque era decididamente um indivíduo sério, faziam-na sentir-se especial quando
a olhavam com tanta intensidade que freqüentemente
se ruborizava sob seu escrutínio. Jamais revelava o que estava pensando em momentos como aquele, como se o envergonhassem seus próprios pensamentos, e ela se perguntava
com freqüência se estariam pensando
o mesmo: como seria seu primeiro beijo de verdade.
Ele era tão correto, que nunca lhe beijava mais que a mão enluvada, nem sequer depois de ter pedido aquela mesma mão em matrimônio. Entretanto, essa noite... bom,
essa noite muito possivelmente a beijasse
bastante mais, sem que nenhum tecido se interpor entre os lábios dele e sua pele.
A idéia de semelhante intimidade a acalorou, e se perguntou se seria esse o motivo de sua inquietação: ser consciente de que logo manteria um contato embaraçosamente
íntimo com um homem que gostava muitíssimo
mas ao que não amava. O amor não devia ser absorvente?
Como é lógico, tinha pensado em suas bodas em todo momento de cada dia durante os últimos seis meses, mas não tinha pensado em seu prometido.
Tinha pensado em vestidos compridos, em anáguas, em véus, em convites e em seu enxoval. Tinha estado tão ocupada com os detalhes das bodas que logo que tinha dedicado
um instante aos pormenores de seu
matrimônio ou de sua noite de bodas. Agora que o momento que tanto tinha organizado por fim chegava, parecia-lhe muito logo, sem que estivesse totalmente preparada
para tão importante passo. A verdade
era que se sentia aterrada.
-Vitória, deixa já de franzir tanto o nevoeiro, te vai cair o véu -a repreendeu sua mãe, de pé a um lado, com as mãos apoiadas nos amplos quadris que tão úteis lhe
tinham resultado para dar a luz a suas
duas filhas, e os pés separados como os de um capitão de navio convencido de que não há quem se atreva a lhe desobedecer-. Seu pai pagou uma soma principesca por
seu traje. O vestido e o véu se parecem
muito aos que levava a rainha Vitória o dia que contraiu matrimônio com seu adorável Alberto.
A veneração de sua mãe pela rainha resultava às vezes irritante. Como se Grã-Bretanha nunca antes tivesse tido uma rainha. Além disso, todos os maridos lhe pareciam
adoráveis menos o seu.
-Tudo está perfeito, mamãe, e agradeço o gasto que papai tem feito para que este dia seja memorável. O que passa é que... -interrompeu-se, mas muito tarde.
-Solta-o já, menina.
Toureie tentou respirar fundo, mas o espartilho de baleias lhe impedia até a mais mínima inspiração. Soltou dois suspiros diminutos antes de confessar:
-Tenho dúvidas sobre as bodas.
-Mas se tiver eleito umas flores e uns laços preciosos -espetou sua irmã, de dezessete anos, de pé junto a ela.
-Diana, não falo dos detalhes decorativos, mas sim das bodas em si, do intercâmbio de votos, de me converter em esposa.
Sua mãe saltou um bufido nada feminino, mais próprio de sua origem ordinária que de seu presente status social.
-um pouco tarde para isso, filha.
Toureie tinha esperado um conselho um pouco mais instrutivo. depois de tudo, sua mãe tinha muita mais experiência com os homens, o matrimônio Y... os deveres conjugais.
-Mamãe, estive tão ocupada preparando as bodas que não tive tempo de me preparar para o matrimônio. Não estou segura de amar a esse homem. -Essa confissão soava
horrível, de modo que a corrigiu imediatamente-.
Ou ao menos não tanto como deveria.
Apartando à donzela, sua mãe se aproximou e começou a lhe estirar o vestido aqui e lá como se acreditasse que cavando-lhe um pouco poderia corrigir também as rugas
de preocupação do rosto de sua filha.
-O amor está muito sobrevalorado -disse ao fim-. o melhor que uma mulher pode esperar de um homem é que seja bom, generoso com as atribuições para gastos, e que
acabe depressa com suas obrigações maritais
na cama.
Pelo espelho, Toureie viu como Diana ficava boquiaberta ante a inesperada vulgaridade de sua mãe. Ao igual a sua irmã, Toureie sabia que não se fala do que acontece
entre um homem e uma mulher sob os lençóis,
ao menos não tão alto como para que alguém possa ouvi-lo.
Toureie fechou imediatamente a boca, logo se umedeceu os lábios e se atreveu a dizer o que ela e seus amigas estavam acostumados a comentar:
-Acreditava que o ato do matrimônio durava toda a noite.
-Céu santo, não. Se a dama tiver sorte, seu marido terá terminado em menos de dez minutos.
-E se não a tem?
-Então se converte em uma questão de resistência. De todas formas, seu duque parece um homem do mais viril. Estou segura de que não lhe custará acabar logo com o
assunto, de modo que não vejo razão alguma
para preocupar-se adiantado. -Sua mãe começou logo a abaná-la cara com as mãos, como se de repente se acalorou e precisasse refrescar-se-. Ai, não deveria falar
de assuntos tão pessoais.
-claro que sim -disse Toureie, voltando-se para olhar a sua mãe-. Não estou segura do que devo esperar. Tenho uma vaga idéia, mas não sei com exatidão o que é o
que acontece entre um homem e uma mulher
quando já estão casados e se apagam as luzes.
A mulher começou a abanar-se com maior energia.
-É algo muito íntimo para falar disso.
-Estupendo. Agora estou aterrada ante a perspectiva de experimentar algo do que nem sequer uma mãe pode falar com sua filha.
A mulher deixou de mover as mãos e franziu o nevoeiro enquanto estudava a sua primogênita durante o que pareceu uma eternidade. Por fim, acariciou-lhe a bochecha.
Seu sorriso era quase triste.
-Não demorará para saber do que se trata, mas te asseguro que não há motivo para assustar-se. O ato não é mais que um impedimento para que durma logo que quisesse.
-Dói?
-Só um pouco e só a primeira vez, ou a primeira e a segunda, até que o corpo da mulher aprende a alojar ao do homem.
-Possivelmente deveria haver uma escola para essas coisas -interveio de repente Diana.
-Diana... -suspirou a mãe.
-A verdade, mamãe, se o corpo deve "aprender", o melhor é uma escola, não? E se o corpo de uma mulher não aprende a alojar o do homem? E o que é o que terá que alojar?
Toureie se esforçou por não rir da provocação de sua irmã, enquanto as bochechas de sua mãe se acendiam.
-Não me sinto nada cômoda falando deste tema. depois de tudo, eu o faço com seu pai, e é um assunto muito íntimo. Estou convencida de que o duque o converterá em
algo do mais prazenteiro.
-Mas me ama? -perguntou Toureie, voltando para lado sério de suas preocupações.
-Estou segura de que te tem muito carinho.
-Mas o carinho não é amor.
-Tenta ter amor sem carinho, filha. Descobrirá que não funciona.
Toureie não duvidava de que o duque a apreciava, mas freqüentemente lhe preocupava que valorasse mais o dinheiro e as terras que obteria daquele matrimônio. Seu
pai era um rico fazendeiro, proprietário
de mil e seiscentas hectares que lhe proporcionavam abundantes ganhos, tanto como para que a dote de Toureie a convertesse em uma boa partida e lhe permitisse mover-se
em círculos até fazia muito pouco
fechados a sua família. Sua mãe se encarregou de que a aristocracia soubesse que sua filha maior contribuía ao matrimônio uma grande fortuna.
Toureie sempre tinha querido um matrimônio apropriado, mas agora temia haver ficado curta em suas aspirações. Apropriado soava tão aborrecido...
Não podia negar que se sentia cômoda com o duque, mas não havia uma gota de paixão entre eles. Nem de verdadeira emoção, nem de maravilha. Tinha desfrutado mais
ao escolher o vestido que ao aceitar sua
proposta de matrimônio. Os últimos meses tinham sido uma voragem de entrevistas com costureiras, papeleiros, cozinheiros e floristas. Logo que tinha tido tempo de
respirar, menos ainda de dar-se conta
de que a idéia de passar o resto de sua vida com o duque não gostava tanto como os preparativos das bodas. E se vivia muitos anos?
-Você ama a papai? -perguntou.
-Eu tenho em muita estima a seu pai. Tratou-me bem todos estes anos e, como já hei dito antes, essa é a máxima aspiração de qualquer mulher.
-Não me parece o bastante. Agora que estou a ponto de me casar, a verdade, não acredito suficiente.
Até então, Toureie não se deu conta de que a estima não era amor, mas então, o que era o amor? Um sentimento escorregadio que ainda não tinha experiente. Queria
a seus pais, a sua irmã, mas não podia dizer
que tivesse amado a um homem com o que não mantivera um vínculo familiar. Não necessitava o amor tempo para aparecer, para desenvolver-se? Não devia um perguntar-se
como ia sobreviver se o objeto de seu
afeto desapareceria?
Sua mãe deixou escapar um forte suspiro, como se estivesse levantando um baú cheio de problemas.
-Parece-me que tem lido muito ao Jane Austen ultimamente. Confunde o romance de suas tolas novelas com a realidade do amor em um matrimônio. As jovencitas não deveriam
ler esses livros que lhes levam a
lhes fazer uma idéia tão pouco realista do noivado.
-Admito que adoro ao senhor Darcy -confessou Diana, levando-se impetuosa a mão ao coração com gesto sonhador-. Essa alma atormentada.
-Um homem muito orgulhoso -assinalou sua mãe-. Embora essa é precisamente a questão.
-Dissento. A questão é que Elizabeth se apaixona locamente dele e ele se apaixona locamente dela.
-Bobagens. Uma mulher não procura amor. Busca um matrimônio vantajoso, algo que sua irmã obteve muito além de minhas expectativas. Confiava em que se casasse com
um visconde, e apanhou a um duque. Se fosse
lista, menina, seguiria seu exemplo.
-Eu não me vou casar nunca -anunciou Diana com absoluta segurança, deixando cair em uma cadeira.
Uma expressão de horror absoluto se estendeu pelo rosto de sua mãe.
-Não diga tolices. Claro que te casará.
-Nem pensar. por que entregar-se a um só homem? Como vou ou seja qual deles é com o que deveria passar o resto de minha vida? Cada um é tão distinto dos outros.
Talvez hoje goste de um homem desenvolto
e amanhã um mais reflexivo.
-O que deveria fazer é preocupar-se por encontrar um homem que aceite a uma mulher que nem sequer sabe o que quer.
Toureie continha a risada enquanto Diana se esforçava por aliviar o abatimento de sua irmã. Tinha um conceito assombrosamente festivo da vida, e desfrutava irritando
a sua mãe, tão fácil de provocar.
-Vamos, mamãe -insistiu Diana-. Viver com o mesmo homem toda a vida é como que lhe sirvam o mesmo prato em todas as comidas. depois de um tempo, aborrece-o. Embora
antes fosse seu favorito, termina te
fartando dele.
-Céu santo! De onde tira todos esses disparates?
-É que não entendo como uma dama pode decidir hoje o que gostará de amanhã.
-Não diga tolices!
Entretanto, Toureie começava a temer que sua irmã tivesse dado no prego. Ela queria algo distinto do que lhe serviam, mas já lhe tinham preparado a comida. Não podia
devolver o prato à cozinha sem ofender
ao cozinheiro.
-E se depois de casar-se Toureie conhece um homem que gosta muito mais que o duque? -inquiriu sua irmã-. O que fará então?
-É um risco que se corre ao aceitar uma oferta de matrimônio, e precisamente por isso não terá que precipitar-se.
-Mas o que fará?
-Esquecer do outro, do homem com o que não esteja casada.
-Alguma vez conheceste a alguém que te fizesse desejar não te haver casado com papai? -perguntou Diana.
Sua mãe fechou brevemente os olhos.
-minhas filhas, ides matar a desgostos. -Abriu os olhos e lhes lançou um intenso olhar-. vamos pôr fim a esta loucura imediatamente. Vitória se casa com um homem
muito agradável.
Toureie não passou por cima o fato de que sua mãe não tinha respondido à pergunta que lhe tinha feito sua irmã. Teria conhecido a alguém depois? O que faria ela
em circunstâncias similares? Se não estava
apaixonada por duque, parecia provável que conhecesse algum outro, mas o descartaria porque jamais poderia ser infiel nem a seus votos nem a seu marido, o que significava
que teria que ser infiel a seu
coração.
-Agradável porque é duque -replicou Diana.
-Está começando a me tirar de gonzo, Diana.
-Entusiasmaria-te tanto que se casasse com ele se não o fora?
-Não entendo por que falamos disto hoje, em lugar de faz seis meses, quando o duque a pediu em matrimônio.
-Porque agora Toureie tem dúvidas e então não.
-Todas as noivas têm dúvidas o dia de suas bodas. Atreveria-me a dizer que os noivos também. A realidade do momento é inquietante, porque supõe dar um grande passo.
-Sua mãe olhou a Toureie e lhe sustentou
o olhar-. Você o ama?
Amava-o? Gostava o bastante. Desfrutava de sua companhia, mas havia momentos...
-Às vezes se ausenta -admitiu.
-Bom, é natural, minha filha. Não vive em nossa casa. A partir de hoje, suas ausências serão menos freqüentes.
-Não, não falo de que não esteja na mesma habitação que eu. Refiro às vezes em que está sentado a meu lado mas parece haver-se ido.
-Que arrevesada adivinhação! Não pode não estar contigo se estiver a seu lado.
-Não sei explicá-lo bem, mamãe, mas ultimamente suas ausências foram em aumento, e resultam fastidiosas. É como se tivesse pensamentos tão substâncias absorventes
que o levassem muito longe de mim, logo
volta a me olhar quase como se se surpreendesse de me encontrar a seu lado.
-Por isso diz, parece como se estivesse distraído.
-Distraído é um qualificativo tão bom como qualquer outro, suponho, embora não estou segura de que seja só isso.
-É duque, Vitória. Tem quatro propriedades das que cuidar, e ou seja quantos criados, arrendatários, preocupações... É perfeitamente compreensível que suas responsabilidades
o tenham distraído e pareça
que te empresta menos atenção. Seu pai muitas vezes não me faz nem caso. Não há por que preocupar-se.
-Suponho que não, mas mesmo assim...
-Vitória, está-me pondo nervosa. Seu pai e eu nos esforçamos muito para que possam ter uma vida melhor que a que tivemos nós. Meus sonhos se cumpriram além de minhas
expectativas. Sei feliz.
E o que passava com seus sonhos?, queria perguntar Toureie. Temia que fora muito tarde para lhes dar capacidade. Tudo lhe tinha parecido tão romântico quando o duque
a tinha cativado, mas agora...
-Apresentarão-lhe à rainha -acrescentou sua mãe, trocando de tema, enquanto o recolocaba o véu sobre os ombros-. Não lhe acontecerá inadvertido que te chama como
ela, e quando lhes fizerem amigas, algo
que sem dúvida ocorrerá, convidarão-me a palácio.
-Mamãe, sou plebéia.
-depois de hoje, será duquesa, carinho. Quererá te conhecer. Estou segura.
Outro dos sonhos de sua mãe: que suas filhas tivessem o privilégio de ser apresentadas à rainha. Toureie começava a ter a sensação de que sua vida consistia em fazer
realidade os sonhos de sua mãe em lugar
dos seus.
Voltou a olhar-se ao espelho e começou a perguntar-se quem era aquela dama que se encontrava de pé diante dela. Tinha-a visto antes? conhecia-se de verdade ou sempre
tinha sido um reflexo dos desejos de
sua progenitora?
Capítulo 3
"Só suas bodas, senhoria."
As palavras de sua ajuda de câmara tinham golpeado ao Robert com a violência de um aríete. Apesar das múltiplos questione que tinha tido em conta ao urdir sua fuga
e o castigo que imporia a seu irmão,
a possibilidade de que este estivesse casado -ou fora a está-lo- jamais lhe tinha passado pela cabeça.
Entretanto, do momento em que aquelas fatídicas palavras tinham sido sortes, Robert tinha iniciado uma luta interna consigo mesmo enquanto o servente o preparava
para tão extraordinário acontecimento.
Umas bodas. Suas bodas. Não, as bodas de seu irmão. Bom, já não. Mas devia sê-lo? Devia ser as bodas do John? Ou era simplesmente as bodas do duque do Killingsworth?
O matiz era nimio, mas incrivelmente importante, e o atormentava lhe impedindo de avaliar a situação com objetividade. Finalmente, tinha decidido que não ficava
mais remedeio que seguir adiante com o plano
previsto.
Robert se encontrava já diante da igreja, procurando digerir a decisão que tinha tirado de prosseguir com a maldita cerimônia. Tinha chegado à conclusão de que a
maior parte dos matrimônios de aristocratas
se apoiavam em múltiplos fatores, e nenhum deles era o amor. O benefício político, o benefício econômico, um pai desesperado por desfazer-se de uma filha, um homem
em busca de um herdeiro. Não lhe cabia
a menor duvida de que a dama, fora quem fosse, teria mimado em casar-se com o duque do Killingsworth por seu título e por sua posição, não pelo homem em si. Em outras
palavras, teria mimado em casar-se
com o duque, não com o John, e por conseguinte adquiriria o que ela, ou seu pai, tinham negociado: o matrimônio com o duque do Killingsworth.
O fato de que o homem que hoje se apresentava ante ela como duque do Killingsworth fora distinto do anterior constituía um detalhe sem importância que não suporia
nenhum inconveniente para ela. Ao Robert
parecia inconcebível que essa mulher pudesse albergar afeto algum pelo John, e embora não se atrevia a esperar que chegasse a apreciá-lo a ele, devia admitir que,
do momento em que tinha tido julgamento
suficiente para compreender suas obrigações como herdeiro, Robert tinha sabido que teria que casar-se, e que sua eleição de esposa se apoiaria na idoneidade da mulher
para converter-se em duquesa do Killingsworth,
não em nenhuma dessas idéias românticas do amor que declamavam os poetas.
O matrimônio era um dever. Encontrar a uma dama que complementasse sua posição entre a aristocracia constituía um imperativo. Que John tivesse empreendido a tarefa
em seu lugar, economizava ao Robert a
moléstia de fazê-lo ele mesmo. Como é lógico, também o colocava na precária situação de não saber nada absolutamente da jovem -dava é obvio que seria jovem- e de
perguntar-se o que saberia ela do John.
Era de supor que muito pouco, dado que tinha aceito casar-se com ele.
De modo que aquela noite teria esposa, e como ainda não tinha satisfeito os apetites de seu corpo, sentia-se cheio de espera, de alívio e de ilusão. Assumiria de
boa vontade seu novo papel de marido, e
se encarregaria de que sua esposa adotasse o seu com idêntico entusiasmo.
junto ao Robert, havia um homem alto, de cabelo escuro, quase de sua mesma idade; estava virtualmente convencido de que se tratava do marquês do Lynmore. Como o
homem tinha dado é obvio que Robert era
quem ele acreditava que era, e ele a sua vez era seu padrinho, não tinha visto necessidade alguma de apresentar-se.
Além disso, não ia lhe dar uma cotovelada, lhe piscar os olhos um olho e lhe sussurrar:
-Né, amigo, resulta-me familiar. Quem é?
A incerteza não era mais que uma pequena desvantagem que devia suportar e superar.
O bom daquele dia era que John o tinha disposto tudo e todos conheciam sua missão e a dele, assim, não se tinha visto obrigado a dar uma só ordem. Sua ajuda de câmara
sabia perfeitamente o que Robert devia
ficar para a ocasião -uma levita cor veio com umas calça vários tons mais clara-, e o tinha ajudado a vestir-se depois de lhe recortar devidamente o cabelo. O chofer
da carruagem, adornado com o brasão
ducal, sabia com exatidão onde e quando deixá-lo e, a sua chegada, tinha-lhe famoso a carruagem descoberta estacionada perto e lhe tinha explicado que era o que
utilizariam ao concluir a cerimônia para
o traslado do duque e sua nova duquesa. Um homem se reuniu com ele nos degraus da igreja e o tinha escoltado até onde devia colocar-se. A grandes rasgos, o dia ia
resultar muito fácil.
Enquanto esperava a que chegasse a noiva, inspecionou à multidão apinhada no interior do templo, e experimentou um instante de vertigem. Tantos rostos, tantas pessoas
sentadas em bancos abertos, sem paredes
que os separassem entre si. E todas olhando-o fixamente. Alguns inclinados para sussurrar algo a quem tinham ao lado. Era uma imagem que tinha visto em numerosas
ocasiões durante sua juventude, mas que
de repente lhe parecia estranha, desconcertante.
O que estariam dizendo? O que estariam pensando?
Teve que recordar-se que a seu redor tudo era normal. Que era normal que a gente estivesse sentada em bancos abertos, não isolada de outros, que as pessoas deviam
ter a liberdade de sussurrar umas a outras,
que não lhes devia negar o prazer da mútua companhia.
Muitos dos que o olhavam eram anciões, e entre eles lhe pareceu reconhecer a alguns amigos de seu pai e de seu avô. Homens que tinham aprovado a construção do Pentonville
em 1842, que tinham acordado e
defendido o sistema de confinamento individual, que se consideravam pensadores modernos.
A ironia de suas crenças e o modo em que estas lhe tinham afetado não lhe aconteciam desapercebidos. Esses homens nunca experimentariam o que tinham obrigado a viver
a outros. Robert sim o tinha sofrido,
e assim que já não tivesse que preocupar-se com demonstrar quem era e pudesse ocupar tranqüilamente seu posto na Câmara dos Lores, converteria-se em defensor dos
encarcerados naquela era de ilustração,
que, em sua modesta opinião, não tinha nada de ilustrada.
O isolamento não reformava aos homens como se sustentava, mas sim os voltava loucos. Desgraçadamente, ele tinha tido freqüentemente a sensação de que estar sozinho
o conduzia ao bordo da loucura. Não pensava
que fora a sucumbir a ela, mas tinha vivido momentos de dúvida, de incerteza, nos que não estava seguro de como conseguiria manter-se cordato naquele manicômio de
desespero.
de repente, a música do órgão foi in crescendo, e esse som repentino o deixou sem respiração. Na capela do Pentonville havia um órgão Gray e, por um instante, viu-se
transportado ao horror do isolamento
e a solidão...
Notou que se apoderava dele um suor frio e, inexplicavelmente, sentiu-se desprotegido e vulnerável. Até então, não se tinha dado conta de quão acostumado estava
a ocultar sua identidade, a que ninguém
soubesse quem era, a que não lhe vissem a cara, a olhar o mundo através de uns pequenos orifícios; e tampouco se precaveu da segurança que aquilo lhe proporcionava.
Agora já não o rodeava nenhuma das coisas
com as que se familiarizou durante os últimos oito anos. Pensou que despojar-se das vestimentas do cativeiro lhe agradaria; em troca, encontrava-se desejando o que
lhe era conhecido.
Não é que queria retornar ao Pentonville. Simplesmente, não se sentia nada preparado para o momento. Tinha esperado que em suas primeiras incursões no exterior atrás
de sua fuga só participassem pequenos
grupos de pessoas, aquelas das que ele tivesse decidido rodear-se, não uma igreja lotada de desconhecidos.
Queria sair correndo, fugir, mas essa vez não podia. Não tinha solto as tabuletas de debaixo de seus pés; não havia nenhum buraco aberto pelo que penetrar. Devia
permanecer firme e resolver a situação
o melhor possível. No pior dos casos, seria muito melhor que o que tinha suportado no dia anterior.
Tinha chegado o momento. O momento de rematar a farsa que seu irmão tinha iniciado.
centrou-se em quão jovem caminhava para o altar arrojando pétalas de uma cesta que tinha pendurada do braço. Outras duas damas jovens a seguiam de perto. Preciosas.
Sorridentes e elegantes. Desconhecidas
para ele. perguntou-se se devia saber seus nomes, se se veria obrigado a falar com elas. Esperava que não. Tinha perdido por completo a prática no que se referia
a falar com mulheres, de fato, a falar
com qualquer. Quando por fim chegaram a ele, limitou-se às receber com uma inclinação cortês de cabeça.
Devolveu sua atenção ao corredor, onde uma dama e um cavalheiro -um homem que supôs seria o pai dela- se aproximavam agora a ele. A noiva, sem dúvida. O vestido
era branco de cetim, com uma cauda de encaixe
adornada de flores. O véu, também de encaixe, caía-lhe pelos ombros.
Devia reconhecê-los? Era ela alguém a quem tinha conhecido durante sua juventude? Tinha título seu pai?
-Killingsworth, é um homem afortunado. Muito afortunado -murmurou Lynmore.
Quando a noiva se deteve ante ele, acompanhada de seu pai, Robert soube quanta razão tinha seu padrinho.
Era verdadeiramente preciosa. O véu de encaixe lhe dava um ar etéreo que não ocultava do todo seus rasgos. Tinha o cabelo escuro recolhido, por isso não podia saber
qual era sua longitude ou sua textura,
embora algumas mechas onduladas lhe caíam pela cara. Seus olhos, também escuros, estavam fixos nele, e se perguntou se eram negros ou pardos. Resultava difícil distingui-lo.
Era baixa, apenas lhe chegava
ao ombro, e parecia muito jovem. Ou possivelmente ele se sentia muito velho?
Em qualquer caso, podia imaginar que, quando chegasse a noite, John se jogaria contra a porta, esmurraria as paredes e o chão de sua cela, desesperado por fugir,
consciente do que Robert devia estar fazendo
com a mulher com a que ele tinha previsto casar-se.
Esse era o verdadeiro horror do Pentonville: as insofríveis imagens que o isolamento podia provocar na mente de um homem constantemente torturado pelo silêncio e
a solidão. Fazia falta determinação, controle
e concentração para manter a raia os pesadelos. Às vezes, por muito que o tentava, Robert não conseguia livrar-se delas porque se sentia derrotado, destroçado, exausto.
E essa tensão emocional... sim,
seu irmão a sofreria essa noite.
O arcebispo perguntou algo, o pai da noiva respondeu, e Robert se deu conta de que não podia seguir perdendo-se nas lembranças do inferno que tinha suportado; devia
centrar-se no que estava acontecendo.
Se alguém suspeitava que se trocou por seu irmão, veria-se obrigado a justificar sua própria intriga antes de estar preparado para isso, o que o situaria em uma
posição muito desvantajosa.
Devia permanecer alerta e seguir sendo cauteloso até que pudesse decidir o que medidas adotar.
A seu redor ninguém falava; todos pareciam estar esperando, e temeu que tivesse chegado um momento do dia em que devesse saber com exatidão o que tinha que fazer
sem a ajuda de ninguém.
-Se for tão amável de lhe oferecer o braço à noiva -sussurrou o arcebispo.
Naturalmente. O pai da noiva a entregava ao Robert. Conhecia essa parte da cerimônia porque tinha assistido a umas quantas bodas como convidado. Era singelo, de
modo que lhe ofereceu o braço.
Ela sorriu, com um sorriso incrivelmente tenro e alegre; os olhos lhe brilhavam com tal felicidade que o véu não podia ocultar a esperança, a fé e o afeto com que
ela o enchia.
Céu santo. Tinha cometido um terrível engano de julgamento. Ela não queria casar-se com o duque a não ser com o John. Por improvável que parecesse, John lhe interessava.
Se o afeto que se adivinhava em
seu gesto significava algo, provavelmente amasse de verdade a seu irmão.
Era um aspecto do matrimônio que nem sequer tinha considerado. As conseqüências do que estava a ponto de fazer quase o derrotaram.
Enquanto planejava cuidadosamente o que ia fazer durante as largas horas que tinha permanecido convexo no cama de armar de sua cela, olhando o teto alto e sem adornos,
meditando sua estratégia, sua fuga,
sua recompensa, jamais lhe tinha ocorrido que lhe partiria o coração a uma jovem, que poderia trair a uma inocente.
Devia sair a toda pressa da igreja, murmurando suas desculpas. Era preferível envergonhar à dama então que mortificá-la depois. Podia dizer que tinha trocado de
idéia, e não mentiria: as idéias do duque
eram distintas, porque o duque era um homem diferente. Um raciocínio sem dúvida arrevesado, mas veraz em qualquer caso.
Entretanto, se saía dali sem mais, encontraria-se em uma situação ainda pior, porque todos quereriam saber por que razão não estava disposto a seguir adiante com
a cerimônia.
Além disso, o plantão ante o altar estava acostumado a conduzir graves conseqüências, e embora não sabia quais eram, sim sabia que não poderia ocupar-se delas enquanto
não tivesse desfeito as outras ofensas
de sua vida. Amaldiçoou a seu irmão, amaldiçoou sua própria falta de planejamento, e de passagem amaldiçoou a sua futura algema. Por inocente que fora, ia complicar
ainda mais uma situação já complicada.
Não viu mais remedeio que seguir adiante com a cerimônia, embora não com o matrimônio. Encontraria uma desculpa para distanciar-se daquela mulher e permitir que
mantivera sua castidade. Mas quando tivesse
decidido como demonstrar que era o verdadeiro duque, o que faria?
Liberaria a seu irmão, desfaria aquele absurdo matrimônio, e lhe devolveria magnánimamente a seu amor, nem tanto por ele como por ela. Não era justo que se casasse
com outro homem, sobre tudo quando o
olhava com tal adoração.
Seus planos ainda podiam funcionar. Não tão bem como tinha esperado inicialmente, mas sairiam adiante. Com toda a diligência de que fora capaz, dedicaria-se a demonstrar
suas reivindicações. Depois, todos
ficariam livres da fastidiosa (e ilegal) intromissão de seu irmão.
obrigou-se a dedicar à noiva um sorriso tranqüilizador. Tomou o braço e, dando um passo para frente, ambos centraram sua atenção no arcebispo, cuja voz começou a
ressonar até o teto com as palavras que
logo selariam os destinos de ambos.
Robert olhou de soslaio à mulher que tinha que ser a esposa do John e agora seria a sua. Resultava muito mais interessante que o ancião arcebispo. Seus olhos eram
seu rasgo dominante: grandes e amendoados,
quase exóticos. perguntou-se o que ocultava aquela cortina de encaixe. Eram suas pestanas tão largas como parecia, ou se tratava só de um efeito óptico produzido
pelo véu? Tinha imperfeições, ou delicadas
rugas fruto da risada? Sorria freqüentemente, ou se reservava para as ocasiões especiais, como saudar o homem com o que ia casar se?
Conhecia as mulheres como mães, amas de chaves ou criadas, mas não tinha tido um conhecimento profundo delas, de suas reações ou de suas expectativas.
surpreendeu-se perguntando-as coisas mais tolas: que cores gostaria, quais seriam suas comidas favoritas, com que entretenimentos desfrutaria mais.
Logo se expôs a pergunta mais importante de todas: o que a tinha conduzido até aquele momento, o que tinha visto em seu irmão, o que a tinha impulsionado a querer
casar-se com aquele canalha.
Havia um pouco de bondade no John? Houve um tempo em que pensava que sim, mas sua conduta o tinha privado de todo favor aos olhos do Robert. Mesmo assim, devia haver-se
mostrado menos inclinado à vingança
e devotado a seu irmão a oportunidade de desculpar-se, de explicar-se, de retificar?
Porque certamente um anjo como ela não teria querido dançar com um demônio.
Ela voltou um pouco a cabeça e o olhou; logo esboçou um sorriso carinhoso. A ele lhe encolheu o coração, e desejou ser ele, e não seu irmão, o destinatário daquela
adoração.
Entretanto, não podia esquecer que John o tinha tirado tudo. Seria de justiça que agora lhe roubasse a dama a seu irmão, e se apoderasse não só de seu corpo mas
também também de sua alma e de seu coração
como se lhe pertencessem legitimamente, do mesmo modo que John se ficou com seu títulos, seu patrimônio ou sua posição na família e na sociedade?
Era algo que devia ponderar, debater em seu interior. Uma possibilidade que sem dúvida o manteria acordado pelas noites, com o que tinha desejado poder dormir sem
preocupações.
Uma vez mais, ofereceu-lhe à noiva um sorriso que esperou ocultasse suas dúvidas e seus pensamentos traiçoeiros.
Procurou apartar sua atenção dela e se concentrou nos ritos da cerimônia, ajoelhando-se quando devia ajoelhar-se e repetindo com fingido sentimento palavras que
não significavam nada para ele. Dessa forma,
pôde saber ao menos algo de grande importância: ela se chamava Vitória Alexandria Lambert. Um nome tão largo e rimbombante para uma mulher tão pequena e delicada.
O arcebispo mencionou um anel, Robert se voltou para seu padrinho e depois ficou olhando fixamente o fino aro de prata que este lhe tinha colocado na palma da mão
enluvada. Devia havê-lo suposto, deveria
haver-se preparado. O anel de sua mãe. Fechou a mão e se esforçou por fazer provisão da coragem necessária para concluir o que tinha começado.
distanciou-se de todos e de tudo até que chegou o momento do intercâmbio de votos, e só então foi consciente de que ambos se encontravam verdadeiramente unidos em
matrimônio. Então, o arcebispo anunciou
que Robert podia beijar à noiva, a Vitória Alexandria Hawthorne, a nova duquesa do Killingsworth.
Recordando as bodas de um primo longínquo, Robert levantou lentamente o véu. Céu santo, era ainda mais formosa com o rosto ao descoberto. Suas pestanas eram sem
dúvida tão largas como pareciam. Seus olhos
eram castanho escuro, com uma auréola dourada. Jamais tinha visto uns olhos como aqueles. E não tinha manchas, nem sardas, nem rugas de preocupação. Seus lábios
eram cheios e carnudos, e se perguntou quantas
vezes os teria beijado seu irmão. Notaria ela a diferença na forma de sua boca, no tato dos lábios dele contra os seus, no sabor de seus beijos?
Olhou-a, e lhe surpreendeu descobrir o brilho de umas lágrimas naqueles olhos escuros e profundos. Então se repreendeu, porque essas lágrimas de alegria convertiam
em uma burla o que ele acabava de fazer.
Ela pensava que ele tinha ratificado seu amor, acreditava ter intercambiado votos com o homem que a tinha pedido em matrimônio. Chorava porque era feliz, entusiasmada
ante a perspectiva de ser sua esposa
até que a morte os separasse. Chorava porque desejava aquele instante -em que ele selasse os votos de ambos com um beijo- mais que qualquer outra costure no mundo.
-Sinto-o -se ouviu sussurrar com voz rouca, justo antes de depositar um beijo minúsculo na comissura daquela boca terrivelmente tentadora.
A ela pareceram lhe surpreender suas palavras tanto como a ele mesmo; piscou, desapareceram as lágrimas, e franziu o nevoeiro. Ele se deu conta então de que possivelmente
tinha dado um passo em falso,
que talvez acabava de lhe desvelar que não era quem ela pensava.
Mas então, o arcebispo, com voz sonora, apresentou aos assistentes aos duques do Killingsworth, e ao Robert não ficou mais remedeio que escoltar a sua esposa até
o exterior da igreja.
Capítulo 4
Sentada na carruagem aberta, Toureie se esforçava por não tomar-se a mal que seu marido se mantivera imóvel em seu lado do veículo, com o olhar desviado, como se
desejasse estar o mais longe possível dela.
Tinham assinado seus documentos na sacristia da igreja, antes de dirigir-se ao veículo. Como as bodas de um aristocrata estava acostumado a atrair a uma multidão
de estranhos, tinham tido que abrir-se
passo entre a multidão, ela pendurada de seu braço enquanto ele tentava evitar que lhe voasse a cartola. Quando se afastavam da igreja, ambos tinham saudado com
a mão às pessoas ali reunidas mas a Toureie
lhe tinha dado a sensação de que ele punha pouco entusiasmo nisso. Era pura cerimônia, algo que terei que tolerar, e agora que já estavam longe da multidão, parecia
ter esquecido que a tinha sentada a
seu lado.
Procurou aferrar-se a sua felicidade e se separar de sua mente a inquietante sensação de que algo terrível tinha ocorrido, de que o tinha decepcionado muitíssimo,
possivelmente na eleição de seu vestido,
ou de seu penteado. Quando se tinha reunido com ele no altar, tinha-a cuidadoso como se apenas a reconhecesse.
Ou pior ainda, talvez tinha percebido suas dúvidas. Era tão inexperiente na ocultação de seus verdadeiros sentimentos... Embora levasse véu, possivelmente ele tinha
detectado o receio em seus olhos através
do encaixe.
Mas este só teria sido patente uns instantes, porque ela tinha visto o mesmo sentimento revoando nos olhos dele, e tinha querido lhe assegurar sem palavras que tudo
iria bem. Se queriam que seu matrimônio
funcionasse, um dos dois devia acreditá-lo. Por isso lhe tinha sorrido com todo o afeto de que tinha sido capaz, com toda a esperança em um futuro ditoso que tinha
podido demonstrar. Sua iniciativa parecia
lhe haver dado a confiança necessária para lhe oferecer o braço.
Assim que tinham ocupado seus postos ante o arcebispo, havia tornado a concentrar-se no Robert, incapaz de acreditar que estivesse a ponto de converter-se em sua
esposa.
Estava tão incrivelmente bonito... A escura cor veio de seu levita ressaltava seus rasgos e destacava o tom tão intenso de seus olhos. O entardecer, quando o céu,
a ponto de dar passo de noite, era do
mais vivo azul, sempre recordava a ele. O cinza claro do lenço lhe dava um ar de nobreza.
Entretanto, já não estavam na igreja, já não precisavam concentrar-se na cerimônia. Eram livres de dedicar-se toda a atenção o um ao outro. E entretanto, aí estava
ele, olhando ao redor enquanto percorriam
as ruas lotadas de gente como se nunca antes tivesse estado em Londres.
Durante seu noivado e o tempo que tinham acontecido juntos enquanto ela planejava as bodas, tinha sabido que devia acostumar-se a sua mania de ficar olhando fixamente
ao infinito, embora não por isso esse
gesto deixava de desconcertá-la.
-É pelo John? -perguntou-lhe ela em voz baixa.
Ele voltou a cabeça bruscamente, com o nevoeiro muito franzido e uma espécie de temor no olhar, algo que carecia por completo de sentido.
-O que acontece John? -perguntou, com voz áspera, como se tivesse tirado as palavras do fundo de um poço muito fundo.
Lhe sorriu carinhosa percebendo sua tensão, incapaz de imaginar o motivo mas ansiosa por tranqüilizá-lo.
-Parece tão triste que acreditei que possivelmente estivesse pensando em seu irmão. Sei o muito que te desiludiu a chegada de sua carta te comunicando que não ia
poder assistir à bodas, mas quero pensar
que esteve conosco em espírito.
O alívio pareceu alagá-lo, reduzindo a profundidade daquelas patas de galo que ela não tinha observado antes. Seria a intensidade do sol o que as acentuava? Isso
não tinha sentido, porque tinham viajado
freqüentemente em carruagens abertas em dias ensolarados.
-Sim -disse ao fim, tranqüilo-. Estou convencido de que está pensando em nós.
Ela estirou o braço e lhe apertou a mão.
-Talvez possamos ir ver o a América.
-A América -repetiu ele como se jamais tivesse ouvido falar dessa parte do mundo.
Ela sempre tinha pensado que só as noivas estavam nervosas o dia das bodas, mas, ao parecer, sua mãe tinha razão: os noivos albergavam as mesmas dúvidas e preocupações.
Nunca o teria pensado do Robert. Sempre o via tão seguro de si mesmo e de seu sítio no mundo. Agora em troca parecia... perdido.
-Eu gostaria de passear por sua plantação da Virginia. Desfruto de muito quando me os suas cartas -acrescentou-. Descreve seu entorno com tanto carinho.
-Virginia...
Ela riu um pouco.
-por que repete tudo o que digo?
Toureie quase pôde sentir o tato de seu intenso olhar enquanto lhe percorria o rosto. Tentou decifrar seu gesto. Seus olhos pareciam de algum modo distintos. Eram
do mesmo azul que a última vez que os
tinha cuidadoso, mas não exatamente iguais. Parecia quase receoso, como se temesse dar um passo em falso, como se não soubesse o que esperar dela.
-Sinto-me um pouco desconcertado, suponho -disse-. A importância do que acaba de acontecer... Não sei por que não me precavi antes disso.
Ela soltou uma risita.
-Eu me dei conta esta manhã, enquanto me vestia. As dúvidas, a preocupação. Mamãe me assegurou que é natural. Suponho que é porque trocamos o curso de nossas vidas.
-De uma forma que duvido que possamos chegar sequer a imaginar.
-Por isso a mim respeita, descansarei quando tivermos deixado atrás nossas obrigações.
-Que obrigações são essas?
-A mais imediata é o café da manhã que nos preparou mamãe.
-Eu já tomei o café da manhã antes de sair para a igreja.
Esta vez ela riu um pouco mais.
-Que brincalhão é! Sabe muito bem que me refiro ao café da manhã nupcial, o banquete para os que importam, como diz minha mãe.
-Ah, sim, tinha-o esquecido realmente.
-Oxalá pudéssemos esquecê-lo.
-Crie que nos sentiriam falta de se não fôssemos?
-Sem a menor duvida. Além disso, a minha mãe daria um síncope. Está encantada de que eu suba em sociedade.
-Então suponho que não convém que a envergonhemos.
-Não, não convém. Não quererá que te agarre mania, com o que te há flanco chavecá-la. Embora possivelmente baste com que estejamos um ratito. depois de tudo, é um
café da manhã informal.
Ele a olhou com olhos frágeis, como se se esforçasse por decifrar algo de monumental importância.
-Sinto muito, mas não estou familiarizado com esse tipo de eventos.
-Como pode dizer algo assim se o falamos até não poder mais?
-me refresque a memória.
Ela o olhou surpreendida.
-Típico. Minha mãe me advertiu que os homens estranha vez escutam de verdade o que dizemos as mulheres.
-Sua mãe é muito sábia, e eu te peço que desculpe meu anterior falta de interesse. Importaria-te me repetir o que obviamente já me há dito? Um café da manhã informal
não soa muito apetecível.
-Mas está de moda. Hoje em dia, todo mundo o faz assim. A comida se dispõe em uma larga mesa, na biblioteca. Os cavalheiros lhes preparam um prato às damas e depois
todos permanecemos de pé por ali enquanto
nos comemos isso. O truque está em preparar mantimentos que se possam comer facilmente sem sentar-se.
-Possivelmente não tenha sido tão má idéia que comesse algo antes de sair de casa.
Parecia dizê-lo completamente a sério. Lhe sorriu.
-Rogo-te que me sirva só racione diminutas. Ainda tenho o estômago revolto de estar diante de todos na igreja, com tantos olhos fixos em mim.
-Pensava que uma mulher tão formosa como você já estaria acostumada a ser o centro de atenção.
A Toureie a invadiu uma grande satisfação. Nunca lhe havia dito que fora formosa. De fato, pensando-o bem, jamais lhe tinha dedicado nenhum galanteio.
-Por isso te casaste comigo? Por minha beleza?
-Minhas razões são numerosas. Não posso as expor todas.
-Tenta-o.
-Tão estranhos lhe parecem meus cumpridos que buscas mais?
Aquele pequeno desprezo fez que se ruborizasse.
-Claro que não. Só que acreditava que, depois das bodas, os noivos se enchiam de cuidados.
-Não sei muito de ritos nupciais. Temo-me que vou estar te envergonhando todo o dia.
-Ai, Robert, sou eu a que possivelmente te morra de calor. Você nasceu para esta vida; eu só me casei com ela.
-Você jamais poderia ser uma vergonha para ninguém.
A forma tão sentida em que pronunciou essas palavras fez que ela se ruborizar-se.
-Vá, consegui precisamente o que pretendia evitar -disse Robert-. Te morri de calor.
-Acredito que nunca te tinha ouvido um elogio tão sincero.
-me desculpe se minhas palavras foram inadequadas. Ainda não acostumei a meu papel de marido. Não estou muito seguro de como devo me comportar.
-Sei você mesmo, Robert. É você a quem quero.
-Quanto?
-Muitíssimo -respondeu ela lhe apertando a mão outra vez-. Hoje sou a mulher mais feliz de todo Londres.
-É-o?
-Que demônios te passa? Parece tão inseguro... Você nunca o foste. ocorreu algo? Há algo que deva saber?
Robert parecia a ponto de lhe comunicar que o mundo, tal como o conheciam, ia chegar a seu fim de forma terrível em qualquer momento.
-O que acontece, Robert?
Lhe olhou a mão com a que sujeitava a sua.
-Não tem importância.
-Mas te vejo preocupado.
-Tenho muitas coisas na cabeça, isso é tudo.
-Dizem que as penas compartilhadas pesam menos.
Olhou-a com gesto amargo.
-Não acredito que isso acontecesse neste caso.
-Mesmo assim, desejaria que me contasse -insistiu isso ela.
-Possivelmente mais adiante.
Embora temia a resposta, devia perguntar-lhe.
-Tem algo que ver com que te tenha desculpado justo antes de me beijar?
Robert assentiu com a cabeça de forma quase imperceptível.
-Temo-me que chegará um dia em que lamentará te haver casado comigo.
-Não seja ridículo. Nunca lamentarei me haver casado com o homem ao que quero.
Ele voltou a cabeça como se, de repente, olhá-lalhe fizesse insufriblemente doloroso.
Aquele não era absolutamente o começo que Toureie tinha previsto para seu matrimônio. Ao contrário, devia ser uma ocasião gozosa.
Tinha chamado a atenção do duque durante a última Temporada social, quando sua mãe tinha visitado uma prima para lhe pedir que apresentasse a sua filha em sociedade.
Toureie já tinha completo os vinte,
não era nenhuma jovencita, e sua mãe estava louca de preocupação por que sua filha encontrasse casal. E a encontrou. Seu primeiro baile foi com o duque do Killingsworth,
e sua galanteria e sua amabilidade
lhe roubaram o fôlego imediatamente.
O cortejo do duque a tinha agradado e despertado a inveja de outras. Um passeio ocasional pelo Hyde Park. Uma ópera. Um jantar. Uma saída em carro. Nada espetacular.
Sempre com a correspondente carabina.
Entretanto, ele parecia tão contente com ela como ela com ele. Acreditava que faziam bom casal. Mas agora já não estava tão segura. por que se mostrava de repente
distante e já não resultava tão fácil
conversar com ele?
Toureie não tinha crescido nos círculos que ele freqüentava, e lhe preocupava que, apesar de tudo, não conseguisse ser uma duquesa adequada. Seu marido não demonstrava
o entusiasmo que tinha esperado dele
uma vez casados. ela tinha a culpa?
-se preocupa que chegue um dia em que você seja o que lamente haver-se casado comigo? -atreveu-se a lhe perguntar.
Ou talvez não chegou a formular a pergunta em voz alta. Possivelmente só a pensou, porque ele não deu amostras de havê-la ouvido nem fez gesto de responder; limitou-se
a seguir olhando tudo o que lhe rodeava,
salvo a ela.
Capítulo 5
Robert tinha a desagradável sensação de que arderia no inferno por tudo o que tinha feito aquele dia, e com motivo.
Tinha pensado que aquela mulher se casava com o duque do Killingsworth, que só lhe importava o título, o prestígio, as vantagens sociais, mas pelo modo em que o
olhava, pela forma em que lhe falava, em
que, inclusive então, tocava-lhe carinhosa o braço enquanto estavam ali de pé, no salão, saudando quão convidados chegavam ao domicílio dos pais dela, obviamente
sua hipótese era errônea. Sem a menor duvida.
Que parvo era! Ela o queria. "Muitíssimo."
Não, em realidade não o queria a ele -se repreendeu a si mesmo duramente-, a não ser ao John, que se tinha feito chamar Robert todos aqueles anos. Seu irmão, o mesmo
que lhe havia dito ao mundo inteiro
que John tinha partido para a América em busca de fortuna. Uma plantação na Virginia nada menos. Ele mesmo escrevia as cartas para contar-se suas imaginárias proezas.
Diabólico.
Ao menos agora, Robert sabia como John tinha justificado sua ausência, embora não tinha muito claro como tinha conseguido superar os primeiros escolhos tão facilmente.
A bom seguro, seus pais deveram lhe
perguntar por que um de seus filhos não havia tornado daquela noite de farra. Ao serviço teve que sentir saudades. Os amigos, conhecido-los, muitas pessoas deveram
supor que passava algo.
Sem dúvida Weddington albergou suspeitas...
-Não te parece, carinho?
Olhou à mulher que o examinava com absoluta adoração.
-Sinto muito. Estava distraído.
Observou-o preocupada um instante, logo sorriu com maior entusiasmo e elevou ligeiramente o queixo.
-Lady Catherine comentava o muito que seus pais lamentam não ter podido assistir à cerimônia de hoje. Assegurei-lhe que os visitaremos logo que possamos. Perguntava-te
se estava de acordo com minha proposta.
Quem demônios eram os pais de lady Catherine? Resultava-lhe algo familiar, mas a única Catherine que recordava era uma prima longínqua com a que seu pai tinha querido
casá-lo. A moça lhe tinha dado ao
John um murro no nariz e, felizmente, aí tinha terminado tudo. Ela preferia as árvores e as rãs ao chá e os vestidos de volantes. Claro que então só tinha doze anos...
-Lady Catherine... -murmurou.
Ela sorriu encantadora. Obviamente, já não tinha doze anos.
-lhe diga a seu irmão que não é necessário que se vá tão longe por mim. Não lhe guardo rancor, e eu adoraria voltar a vê-lo. Possivelmente agora lhe daria o beijo
que então queria, em lugar de um murro
no nariz.
-O direi. E faremos o possível por ir ver seus pais, embora talvez mais adiante. Minha esposa e eu vamos estar muito ocupados durante um tempo.
-Naturalmente, assim é como deve ser -replicou ela ainda mais sorridente.
Enquanto lady Catherine se afastava, Toureie apertou o braço de seu marido e sussurrou:
-Terá que me contar essa história algum dia. Me teria gostado de conhecer seu irmão.
antes de que Robert pudesse comentar não só a ironia mas também também a inexatidão dessa afirmação, um cavalheiro se situou frente a ele, exigindo sua atenção,
e Robert se surpreendeu uma vez mais pensando
no Weddington.
As lembranças o acribillaron. por que não tinha pensado no Weddington antes, nem questionado sua ausência em uma ocasião tão feliz?
Weddington era seu melhor amigo. Como podia havê-lo esquecido? Possivelmente porque fazia muitíssimo tempo que não pensava em nada mais que em sua fuga e sua vingança.
Entretanto, agora que dispunha de um instante para refletir, dava-se conta de que Weddington deveria ter estado ali, mas em troca não tinha entrado com ele na igreja.
Claro que não poderia ter sido assim
se Weddington já estava casado. O padrinho devia ser solteiro. Não obstante, independentemente de seu estado civil, teria assistido à cerimônia; teria estado presente
naquele inoportuno café da manhã para
lhes desejar ao Robert e a sua nova esposa o melhor. por que não estava? teria se casado de verdade? Ou estaria morto ou doente ou no estrangeiro?
A quem poderia lhe perguntar o paradeiro de seu amigo? A ninguém. Era uma pergunta da que ele mesmo devia saber a resposta. Mas não sabia. Desconhecia os pormenores
da vida de seu melhor amigo. Nem sequer
conhecia os da vida de sua esposa.
Nem os das vidas das pessoas que o rodeavam. Nem os da nação. O que tinha acontecido enquanto ele estava detento no Pentonville? Que batalhas se livraram? Mantinha
a Inglaterra a supremacia de seu reino?
Supunha que Vitória seguia sendo reina, mas começava a precaver-se de que não podia confiar em que suas hipóteses o tirassem daquele pesadelo.
Tinha pensado que teria tempo de digerir sua reinserção social, e em troca se encontrava na complicada junta de tentar parecer normal quando já não tinha nem idéia
do que isso implicava.
Sentiu que se asfixiava, que lhe fechava a garganta, e notou uma opressão no peito. Tinha estado isolado, sozinho, durante anos. Tinha fantasiado com sua liberdade,
estando perto de outros seres humanos,
com que o tocassem, falassem-lhe... mas agora via que a proximidade com outros fazia que lhe acelerasse o coração, que lhe suassem as mãos, que lhe ardesse todo
o corpo. Não sabia balbuciar outra coisa
mais que "Obrigado", "Me alegro de verte" ou "Te agradeço que tenha vindo". Como podia um manter uma conversação acalmada quando quão único queria dizer era: "me
fale, pelo que seja, de tudo. me deixe
desfrutar de do som de sua voz".
Sobre tudo do da voz de sua esposa. Gostava de seu tom cantarín; desejava que se dirigissem a ela para poder concentrar-se naquele suave som. A voz de Toureie revelava
tanto afeto, tanta devoção como se,
durante o instante em que alguém se situava ante ela, só lhe importasse essa pessoa e ninguém mais. Tinha um dom. Era tão delicada e encantadora... Podia entender
perfeitamente por que John a tinha eleito.
Ao Robert o faria feliz olhá-la, aspirar sua doce fragrância, ouvir sua voz, lhe acariciar o cabelo -de uma intensa cor mogno- e comprovar sua suavidade, olhar aqueles
olhos escuros e que lhe devolvessem
o olhar. Em troca, teria que distanciar-se, porque desejava tudo o que uma mulher pode lhe oferecer a um homem... e não tinha direito a roubar-lhe a ela, que estava
unida a ele por votos e documentos,
mas não pelo afeto.
Tinha esperado que o coração de Toureie fora livre e poder chegar a possui-lo com o tempo, mas ela já o tinha entregue a outro, ao menos em parte. O tinha entregue
a um homem ao que ele desprezava.
Ela o complicava tudo. Robert teria que fazer o que pudesse, logo que o fora possível, para assegurar-se de que o título seguia sendo dele. Como ia demonstrar suas
reivindicações seguia sendo a essência
da questão. Não havia rasgos físicos que o distinguissem de seu irmão. Seria a palavra de um contra a do outro.
Além disso, não lhe cabia a menor duvida de que John, que tinha vivido no mundo exterior durante todos esses anos, estaria mais capacitado para montar sua defesa
que ele, que levava oito sem falar com
ninguém. Entre as paredes daquele penal, a privação de companhia havia tornado loucos a alguns homens. Possivelmente fora esse seu caso, por pensar que poderia recuperar
facilmente o que era seu por nascimento.
Enquanto a gente desfilava ante ele, lhe oferecendo suas felicitações, acreditou reconhecer a alguns, mas não podia lhes pôr nomeie nem cara. Curiosamente, os homens
com os que tinha ido ao colégio e aqueles
que tinham sido amigos seus não estavam pressentem, e não pôde evitar perguntar-se se John os teria marginalizado a propósito.
Era lógico que não tivesse querido ter muito perto aos amigos íntimos do Robert. depois de tudo, corria o perigo de que descobrissem sua verdadeira identidade. Agora,
ele se enfrentava ao mesmo dilema.
Como faria para fingir que conhecia aqueles homens (e que eles o conheciam ele), que estava a par de suas vidas, que tinha estado com eles no clube na semana anterior
sem que se soubesse quem eram em realidade?
Agradecia que eles reagissem a sua distração com um sorriso de cumplicidade, com uma piscada conspirador, como se soubessem a causa: sua encantadora esposa.
E, em efeito, era uma distração. Logo que podia lhe tirar os olhos de cima enquanto ela concedia sua atenção absoluta a cada convidado. Que anfitriã tão deliciosa
era; que duquesa tão elegante seria! Mas
como se sentiria quando averiguasse que não devia ser duquesa? Porque não o seria se seu coração pertencia ao John, se aquela farsa matrimonial devia desfazer-se.
perguntou-se se haveria alguém ali a quem pudesse lhe confessar seu segredo, alguém a quem pedir conselho. E, quando se soubesse como se desfeito do John, o que
ocorreria? Obrigariam-no a pagar por seus
atos, como devia ser. Sabia que sua solução não tinha sido a melhor, mas, depois de oito anos de incomunicación, a um homem resulta muito difícil pensar com claridade.
Tampouco uma esposa bonita facilitava as coisas. Toureie tinha um perfil muito delicado e, quando sorria, embora fora pouco, lhe formava uma covinha na bochecha
que o fascinava, como todo o resto. Podia
entender perfeitamente por que John se afeiçoou com ela. perguntou-se o que teria suposto seu noivado, e se John lhe teria feito promessas que ela esperava ver cumpridas
essa noite.
Imaginava sem problema as promessas que lhe teria feito ele. Amá-la, honrá-la e respeitá-la não parecia suficiente. Amá-la profunda, apaixonada e imensamente; honrá-la
e respeitar a da mesma forma. E lhe
entregar sua devoção absoluta. Sabia que não dispunha de elementos para julgá-la, e que depois de tanto tempo em solidão suas valorações não eram muito confiáveis.
Entretanto, havia algo nela que ia além
da simples aparência. Logo que podia explicá-lo, mas transmitia uma força, uma determinação e uma dignidade incríveis.
Possivelmente fora a ausência de indecisão em sua voz ao falar; que soasse verdadeiramente contente de saudar os convidados, agradecida por seu tempo e sua atenção.
Talvez a forma em que lhes facilitava
as coisas.
Possivelmente fora o claro contraste entre ela e sua mãe, que, a seu lado, com seu pai, falava alto, nervosa, como se a assistência dos convidados fora mérito dele,
enquanto que Vitória Alexandria Hawthorne,
pelo contrário, parecia sentir-se honrada por sua presença.
Não era arrogante, nem vaidosa, nem jactanciosa, nem orgulhosa. Simplesmente, fascinava-o.
-Robert?
Olhava-a fixamente e, embora lhe tinha estado falando, nenhuma só de suas palavras tinha penetrado em sua mente, perdido em seus pensamentos. Com as bochechas vermelhas
de vergonha, ela inclinou a cabeça
ligeiramente para o homem que estava diante do Robert.
-Lorde Ravenleigh perguntava se tiver tido notícias do John.
Lorde Ravenleigh. Então o reconheceu. Claro, o conde do Ravenleigh, e a seu seu lado dois filhos gêmeos. Como se chamavam? Não se lembrava. Eram uma dezena de anos
menores que ele. perguntou-se se devia
lhes advertir da traição que algum dia um deles cometeria contra o outro.
-Meu irmão lhes envia saudações -se obrigou a dizer.
-Interessam-me suas aventuras. Crie que poderá trazer sua próxima carta ao clube para nos cativar a todos?
Robert pigarreou.
-É obvio. Agradará-me compartilhar suas cartas se recibo alguma mais. -Dado que John já não podia as escrever, duvidava que isso fora a ocorrer.
Toureie lhe tocou o braço, de forma algo distinta às vezes anteriores, como se tentasse lhe transmitir algo.
-Espero que perdoem a meu marido se não passar pelo clube em um tempo. Vamos ao Hawthorne House imediatamente depois do café da manhã.
Supôs que teria terminado por descobrir esse pequeno dado, mas agradeceu inteirar-se então. Aliviou-o grandemente. O café da manhã era só um inconveniente que devia
suportar por pouco tempo. Uma vez terminado,
iriam dali. Menos mal que não tinha previsto ficar em Londres. Precisava afastar-se e estudar suas alternativas.
-Claro, claro -respondeu Ravenleigh piscando os olhos um olho ao Robert-. Então, quando voltar a Londres.
O conde se inclinou para Vitória e lhe sussurrou algo que Robert não pôde ouvir, embora ela se ruborizou notavelmente.
Ravenleigh se retirou e seus filhos se aproximaram de oferecer suas felicitações. Robert observou a cicatriz de uma queimadura sob o queixo de um dos jovens. Recordou
ter ouvido que seu pai tinha marcado
ao gêmeo mais jovem ao nascer para poder distingui-los. Desejou que o seu tivesse feito o mesmo. Não lhe teria importado levar a marca do primogênito, sofrer uns
instantes de dor que não recordaria para
poder economizar-se logo anos de agonia que jamais poderia esquecer.
Os gêmeos foram os últimos em chegar, os últimos em retirar-se.
A mãe de Vitória se aproximou, com o rosto resplandecente, como se acabassem de lhe dizer que ia subir ao trono.
-Vitória e guiarão aos convidados à biblioteca onde vai se servir o café da manhã.
A biblioteca. Não tinha a mais remota idéia de onde podia estar, nem sequer de se devia sabê-lo.
-Eu a seguirei.
-Mas não é assim como se faz -replicou a mãe com uma piscada-. Os noivos conduzem juntos aos convidados.
-E se me distrai a beleza de sua filha e me perco...?
-Vitória se encarregará de que cheguem bem.
Seu embaraçoso intento de ocultar seu desconhecimento da casa lhe serve por uma vez. A senhora Lambert o deixou ali e partiu a oferecer indicações a outros.
-Vamos? -disse olhando a Vitória enquanto oferecia o braço esquerdo.
-De verdade tem medo de te perder?
-Devo confessar que hoje me sinto afligido. É um milagre que recorde meu nome.
-O pior já passou.
"Não, querida, temo-me que o pior ainda está pendente, quando averiguar a verdade. Como te liberarei do escândalo que se mora?"
-Estou desejando sair para o Hawthorne House -lhe sussurrou.
Ela voltou a ruborizar-se, e ele se deu conta de que possivelmente tinha pensado que tinha sussurrado isso para ocultar aos pressente seu desejo íntimo de estar
a sós com ela como um marido anseia estar
com sua esposa. Não podia desenganá-la, mas quando lhe pôs a mão no braço e sussurrou a sua vez: "Você não te separe de mim", não pôde por menos que se sentir agradecido
e decidido a preocupar do resto
mais adiante.
Conduziu-o por um corredor até a biblioteca. Uma mesa cheia de comida e adornada com flores ocupava o centro da estadia; ao longo da parede do fundo se dispuseram
mesas mais pequenas. A luz do sol entrava
em torrentes pelas janelas, e Robert pensou que sempre agradeceria a presença de cristal em lugar de pedra ou madeira.
-Devo confessar que ainda tenho o estômago muito revolto para comer.
-Acaba-me de assegurar que o pior já tinha passado -replicou ele olhando-a.
-Um verdadeiro cavalheiro não reprova a uma dama suas palavras.
Havia um gesto travesso em seu rosto, e Robert não pôde evitar perguntar-se se estava paquerando, se possivelmente tinha começado ele sem dar-se conta. Em seu dia,
lhe tinha dado bem cativar às damas,
embora em realidade lhe tinham dado bem muitas coisas. A falta de prática lhe tinha feito perder habilidade. Com esforço, conseguiu dizer ao fim:
-Possivelmente não seja um verdadeiro cavalheiro. -Em voz alta, aquelas palavras não soavam absolutamente tão engenhosas como em sua cabeça, e desejou não as haver
pronunciado.
Ela demorou um instante em reagir, mas quando o fez, surpreendeu-o com sua resposta.
-É o cavalheiro mais autêntico que conheci jamais. Acredito que esse teu rasgo foi o que me cativou de ti. Seus gestos cavalheirescos me apaixonaram do instante
em que nos conhecemos.
Estupendo. De modo que John era todo um conquistador. Não lhe surpreendia. antes de seu cautividad, também Robert tinha demonstrado dispor de abundante encanto.
Por desgraça, ao parecer, não tinha escapado
do Pentonville com ele; mas sim se tinha ficado ali, adoecendo.
-Você também me apaixonou assim que te vi -se atreveu a confessar por fim. A alegria daquela mulher resultava embriagadora, e estar com ela devia aliviar as preocupações
de um homem muito melhor que o
álcool.
Os convidados começaram a encher a sala, detendo-se brevemente na mesa central. Os cavalheiros colocavam comida em pratos que logo entregavam a suas respectivas
damas. Tudo parecia incrivelmente civilizado.
além de amedrentador. Robert levava muito tempo sem participar de eventos sociais.
-Gosta de um pouco de champanha? -disse ao divisar as licoreiras na mesa.
Ela assentiu com a cabeça, e lhe fez um gesto a um dos criados, que lhes trouxe duas taças.
-Suponho que não é correto começar a beber até que se faça um brinde -assinalou-. nos Ponhamos a um lado.
Em realidade, teria preferido esconder-se em um rincão ou escapar pela puertaventana do outro extremo da sala. Entraram ainda mais pessoas, e Robert as olhou, tentando
aprender o que ele tinha esquecido.
Os maneiras, os costumes, a etiqueta.
-Sua mãe parece encantada -sussurrou.
-É obvio. Hoje obteve o que sempre quis.
-O que é?
-Prestígio.
-E você, o que é o que sempre quiseste?
Ela ficou olhando como se lhe tivesse pedido que se tirasse a roupa, e ele se deu conta de que era uma pergunta cuja resposta já devia conhecer. Sem dúvida o tinha
perguntado antes, e Vitória lhe tinha
respondido. Tinham sido noivos, por todos os Santos. Devia saber muitos detalhe de sua vida.
Agarrou-lhe o braço, com a surpresa convertida em um gesto de preocupação.
-Prestígio não. Não sou como minha mãe. Não me casei contigo porque seja duque. Casei-me contigo porque...
-Quer-me.
Ela assentiu com a cabeça.
-Sei que o que sinto por ti deve parecer sinto saudades com o pouco tempo que passamos juntos...
"Pouco tempo? Quanto?"
-... e o pouco que sabemos um do outro...
"Pouco! Quanto?"
-... mas fazemos tão bom casal... Você deve sentir o mesmo, ou não me teria pedido que me casasse contigo. Certamente te atraiu de mim algo mais que meu dote.
Não tinha nem idéia de no que consistia seu dote. Era substanciosa? Propriedades? Dinheiro? Fora o que fosse, havia algo do que estava convencido:
-Asseguro-te que embora não tivesse dote alguma seguiria me sentindo atraído por ti.
A complacência dela ante suas palavras foi foto instantânea e fez que se ruborizasse; ele desejou ter calado seus pensamentos. Aquela conversação não fazia a não
ser piorar a situação.
Um tinido de cristal reclamou sua atenção. Um homem maior e robusto tinha elevado sua taça de vinho. Robert estava quase seguro de que se tratava do duque do Kimburton.
Se fazia o brinde, é porque devia
ser o cavalheiro de maior fila.
-Um brinde pela saúde e a felicidade dos duques do Killingsworth -disse.
Enquanto se elevavam todas as taças, Robert se perguntou se aquele pesadelo terminaria alguma vez. Tomou um sorvo de champanha e o saboreou. Aquele dia, aquela noite,
tinha previsto experimentar todas
as coisas que lhe tinham negado. O álcool era só um de seus muitos caprichos, mas o que mais desejava...
Não o teria, porque tinha esposa; uma esposa a que não podia tocar, com o que voltava a ser branco de privações.
Como podia um irmão tirar-lhe tudo a outro durante oito largos anos? Tinha pensado John devolver-lhe alguma vez?
Robert soube a resposta antes de terminar de fazê-la pergunta. Seu irmão tinha ocupado seu lugar, e sua intenção era conservá-lo para sempre. John se havia talher
bem as costas, mas ele encontraria seu
ponto fraco, acharia uma forma de reclamar o que lhe correspondia sem ter que deixá-lo encerrado.
Talvez Vitória fora a chave. Possivelmente John lhe agradeceria tanto que a devolvesse intacta que reconheceria que ele não era o verdadeiro duque. Ao melhor Robert
poderia enviá-lo a América com um pouco
de dinheiro para que encontrasse ali a felicidade. A Virginia, a uma plantação na Virginia. Parecia o mais lógico.
Fora qual fosse seu plano, não podia permitir que sofresse uma inocente. Aquela batalha era entre ele e seu irmão, e só eles deviam liberá-la.
de repente, viu que ela esperava algo dele, e então soube o que devia fazer. Chocou sua taça com a dela.
-Por sua felicidade, Vitória.
Lhe sorriu com tanto carinho que Robert desejou sair a toda pressa da biblioteca e deixar atrás aquela farsa, só que o farsante não era ele a não ser seu irmão.
Observou-a enquanto bebia um sorvo de champanha, tão delicada, recolhendo com a língua as gotitas borbulhantes que ficavam nos lábios. Pensou em recuperar essas
gotitas ele mesmo, com seus lábios nos dela,
com sua língua...
Pigarreou e lhe deu um saudável gole a sua taça. Não podia permitir o luxo de perder-se em sua beleza, em sua inocência, em sua feminilidade.
-Agora que estamos casados, não me tratará com formalidade, verdade? -perguntou ela.
-Com formalidade?
-Vitória? -recordou-lhe ela com uma risita e um gesto de surpresa.
Céu santo. Seu irmão não a chamava Vitória. Que diminutivo carinhoso podia usar John? Vitória... Vickie? Não, não tinha aspecto do Vickie, fora qual fosse o aspecto
que as Vickies tivessem. Vic? Olhos
pardos? Carinho? Meu amor? Preciosa?
Podiam ser muitíssimas coisas. Como ia deixar cair a pergunta na conversação sem parecer estúpido? Impossível, assim simplesmente se obrigou a sorrir.
-Claro que não, mas pensei que um brinde por sua felicidade precisava de um pouco de decoro.
-Hoje parece distinto -disse ela com o nevoeiro franzido de preocupação.
-Como te hei dito antes, é só porque não estou familiarizado com o papel de marido.
-Basta com que você seja mesmo.
-Tento-o... desesperadamente.
-Pois não o tente tanto -disse ela sonriendo.
Ao detectar movimento a seu lado, voltou-se e viu aproximar-se de uma jovem dama. Recordou-a como uma das que estavam junto a Vitória no altar. Agora era mais consciente
do parecido entre elas e deduziu
que devia tratar-se de algum familiar, uma irmã possivelmente. Outro dado que devia conhecer.
deteve-se ante eles e lhes dedicou um sorriso muito similar a de sua esposa. Uma irmã. Seguro. Mas quantas tinha? Tinha algum irmão? Se assim fora, já se teriam
aproximado.
-Senhoria, devo chamar agora "senhoria" também a Toureie? -perguntou com um gesto algo malicioso, como se o estivesse desafiando.
Mas ao Robert não interessava lhe seguir o jogo. Acabava de resolver o mistério. Toureie? Vitória. O nome preferido de sua esposa. Pegava-lhe, e se perguntou como
não se deu conta antes, por que não tinha
sido capaz de deduzi-lo ele mesmo.
-Entre membros da família, o trato é algo mais informal -lhe assegurou à irmã, respondendo por fim à pergunta.
-Então, posso te chamar Robert?
-Parece-me que te passaste que informal, Diana -disse Vitória (Toureie).
-Só se ao duque também o parece -acrescentou Diana, olhando-o desafiante.
Que relação tinha John com a irmã; o que esperava do duque que tinha diante?
-Possivelmente à volta de nossa viagem possamos falar de informalidades -respondeu, atrasando a decisão.
-Ah, muito bem. Por certo, oxalá John tivesse podido vir. Eu gostaria tanto conhecê-lo... Suas histórias me fascinam. Quando o capturaram os índios, e logo se fez
amigo íntimo do chefe da tribo. Qualquer
irmão menor se contentaria com uma pensão para poder vadiar, mas o seu tem feito algo com sua vida. É muito singular.
-Sem dúvida o é -murmurou Robert. Que fantasias teria inventado John para encobrir seus atos?
-Mamãe me envia a perguntar se quer te trocar já para a viagem -perguntou Diana a Toureie.
Toureie se voltou para o Robert antes de olhar a sua irmã.
-Sim, estou desejando partir.
-Isso é o bom de um café da manhã informal: basta com um brinde e já não é necessário esperar, porque todos os pratos se servem de uma vez -comentou Diana.
-Se me desculpa -disse Toureie lhe tocando levemente o braço a seu marido enquanto o olhava aos olhos-. Volto em seguida.
-Tome o tempo que necessite.
Viu como se afastavam as irmãs, e se perguntou o que teria visto Toureie ao olhá-lo tão intensamente como o tinha feito. A um impostor? Não, o verdadeiro impostor
era o homem ao que se prometeu. Como reagiria
ela à notícia se pudesse lhe confessar...?
de repente, deu-se conta de que não podia confessar-lhe a ninguém até que soubesse em quem podia confiar e em quem não. Agora estava no mundo exterior, rodeado de
pessoas, mas se sentia tão solo como na
prisão.
Capítulo 6
-Já sei a que te referia.
-De que falas? -perguntou Toureie, de pé diante do espelho, enquanto esperava a que sua donzela lhe grampeasse o último dos botões do vestido de viagem.
-De seu duque. De como lhe olhe. Não me tinha fixado antes, mas de repente parece ausente, como se estivesse na França ou em algum outro lugar igual de aborrecido.
-Acreditava que você gostava da França.
-Eu gosto de como beijam os franceses.
-Quando beijaste você a um francês?
-Já você gostaria de sabê-lo!
Toureie captou o olhar desafiante de sua irmã refletida no espelho.
-Se você beijaste a um francês, eu não sou virgem.
-Não se surpreenderá seu marido quando o descobrir?
A donzela, Charity, pigarreou.
-Me tirares o sarro -afirmou Toureie.
-Ah, sim?
-Se de verdade beijaste a um francês, me conte algo que eu não saiba de beijos.
-por que sempre me pilha?
-Porque sempre vai de farol -respondeu Toureie, olhando de novo ao espelho e observando como Charity lhe arrumava o cabelo para que o chapéu ficasse perfeito-. Acredito
que sente falta da seu irmão.
-Quem?
-O duque -replicou Toureie com um gesto de assombro-. Falávamos dele. De verdade, às vezes me parece que está transtornada... Essa tua facilidade para trocar de
tema.
-É que me aborreço muitíssimo. Preciso passar a outra coisa. Então, crie que sente falta da seu irmão?
Em efeito, Diana tinha o costume de trocar continuamente de tema, e Toureie devia estar sempre alerta para poder lhe seguir a conversação.
-Sim, acredito que por isso hoje não parece ele. estivemos falando de seu irmão pelo caminho. Entre gêmeos há um vínculo especial. Isso faz que a separação resulte
muito mais difícil, não te parece?
-Eu jogarei muitíssimo de menos quando for, e não somos as gemam.
-Felizmente. Tem um nariz estranho -lhe espetou Toureie, procurando aliviar o ambiente para que não o impregnasse a tristeza da partida. Nunca tinha estado longe
de casa sem sua família.
-Prefiro ter o nariz estranho a um buraco na bochecha.
-chama-se covinha.
-O duque lhe o olhe como se nunca tivesse visto um.
-Tem muito controlado a meu duque.
-Ah, assim agora é "seu" duque? -inquiriu Diana cruzando-se de braços-. Pelo visto, já não tem dúvidas.
Não, ainda as tinha, mas já era muito tarde. Quando Charity se apartou, Toureie se voltou com os braços estendidos:
-Eu também te vou jogar muito de menos.
Diana se equilibrou sobre ela e a abraçou com força.
-Manda a alguém para me buscar quando puder.
-Assim que nos tenhamos feito a nossa vida juntos. -Toureie retrocedeu um passo, tomou as mãos de sua irmã e as apertou-. Sei boa com mamãe quando eu não esteja.
-Não me danifique a diversão.
Toureie se inclinou para frente e lhe deu um beijo na bochecha.
-Tome cuidado com os franceses. ouvi dizer que dão beijos com língua.
-Assim é -respondeu Diana com um sorriso pícaro.
-Estou desejando chegar a sua mansão familiar -disse Toureie enquanto o chofer atravessava Londres-. Me falaste tanto do Hawthorne House que é como se conhecesse
cada corredor, cada estadia.
-Eu estou desejando compartilhá-la contigo -respondeu Robert com sobriedade e sem muito entusiasmo. que ela o conhecesse pouco não facilitava as coisas, mas sim
mas bem aumentava suas probabilidades de
dar um passo em falso: quantos menos detalhe soubesse, mais provável era que os recordasse com nitidez.
A Toureie pareceu decepcioná-la sua resposta, e era lógico. Estava tão cheia de vida que ele se sentia como um cadáver sentado frente a ela.
Seu vestido de viagem era verde escura. Na cabeça, luzia com desenvoltura um sombrerito com uma pluma ligeiramente inclinada para um lado; debaixo, o cabelo recolhido
em um coque. Robert queria lhe tocar
o cabelo, a bochecha, acariciá-la, mas temia que uma carícia não lhe bastasse.
-Eu gostaria que, quando nos tivermos situado, Diana passasse uma temporada em casa conosco.
-É obvio.
-Crie que ela e John se levariam bem?
-Duvido-o muito.
-Sério, por que?
"Porque se lhe tivesse interessado, a teria eleito a ela desde o começo."
-Vivendo na América, provavelmente prefira uma dama de natureza menos civilizada.
-me acredite, Diana pode chegar a ser do mais incivilizado se o propõe. Esta mesma manhã estava provocando a mamãe com a tolice de que não quer casar-se.
-por que te parece uma tolice que não queira casar-se?
-Porque esse é o objetivo de uma mulher na vida: procurar um matrimônio favorável.
-Assim, ao te casar comigo, obtiveste seu objetivo.
Ela elevou o olhar ao teto da carruagem.
-Acredito que em minha vida nunca tinha metido tanto a pata como hoje. -Olhou-o-. Não, me casar contigo não era "meu" objetivo na vida. Meu objetivo... -franziu
o nevoeiro-. Não estou segura de qual é
meu objetivo. Possivelmente ser uma boa esposa, uma mãe exemplar, uma duquesa encantadora.
-Então, não me cabe dúvida de que o obterá.
-Não me tinha precavido de que tivesse tanta fé em mim.
-Não te teria tomado por esposa se não fora assim.
Começava a confundir seus próprios pensamentos com os sentimentos que supunha a seu irmão. Não queria ser um reflexo do John.
-Quando nos fizerem o retrato oficial, teremos que pedir uma cópia pequena para seu irmão.
-O retrato oficial? -perguntou Robert.
Lhe sorriu indulgente.
-Sim. Você me disse que, pouco depois das bodas, pintava-se um retrato de todos os duques e as duquesas para pendurá-lo na galeria familiar.
-Ah, sim.
-E você quer que nos façam isso logo, dado que já somos os duques do Killingsworth.
-Logo -murmurou ele-, mas não imediatamente. Nunca me gostou de posar para retratos.
Além disso, não tinha sentido que se fizesse esse retrato se ela não ia estar muito tempo na galeria. Não podia lhe prometer que fora a seguir sendo duquesa. De
fato, o mais provável era que deixasse de
sê-lo. Os votos que tinha pronunciado na igreja eram para outro homem, e Robert não a obrigaria a cumpri-los.
-É muito aborrecido, verdade? -perguntou Toureie-. E sei que detesta te aborrecer.
Um rasgo que seu irmão e ele compartilhavam, e no Pentonville não havia outra coisa que aborrecimento.
-Temo-me que até ao Witherspoon supõe um desafio me ajudar com minha rotina matinal, porque não sou dos que estão quietos muito tempo -acrescentou, orgulhoso de
si mesmo por ter averiguado o nome de sua
ajuda de câmara.
Quando chegaram a sua casa de Londres onde foram trocar a carruagem por um carro de viagem, Robert tinha tido um golpe de engenho: tinha mandado sair a todo o serviço
e tinha insistido em que se apresentassem
à duquesa enquanto ele se limitava a caminhar a seu lado, tomando nota mental dos nomes ao tempo que o mordomo ia lhe apresentando a cada um. Sua assistente era
Witherspoon, e estava bem sabê-lo, dado
que o acompanharia ao imóvel no carro que seguia ao dele, e, de outro modo, não teria podido chamar o de nenhum modo.
Também Toureie levava consigo a sua donzela, Charity, que embora era bastante jovem, parecia capaz e se mostrava muito carinhosa com sua senhora.
-Por isso tenho entendido, a viagem é comprido -disse sua esposa.
-Sim.
-Jogamos a um de nossos jogos de palavras para nos distrair?
"Vá! Tinham jueguecitos para entreter-se."
-Assim o tempo passará mais rápido -prosseguiu ela-. vamos jogar aos topônimos. me diga uma letra.
-Uma letra?
-Do alfabeto. Não te lembra? Você me diz "a b", e eu te respondo: "Vou ao Bath a me dar um banho de borbulhas no balneário". Logo te digo eu uma. Já sei que você
gosta mais quando somos vários, mas também
podemos jogar os dois sozinhos.
-Não queria te contrariar, mas foi uma manhã muito larga e estou cansado -se desculpou, em lugar de confessar que não sabia nada dos jogos de palavras aos que jogavam
seu irmão e ela, e que, embora aquele
parecia fácil, não gostava. Para o jogo ao que estava desejando jogar, necessitava sua boca bem pega à sua. A classe de jogo ao que jogam homens e mulheres, não
aqueles jogos infantis.
Tinham idéia as mulheres do que acontecia na noite de bodas? Lógicamente, não foram visitar um bordel para informar-se dos pormenores. Ele tinha estado em um a noite
de seu décimo oitavo aniversário, mas
sua desfrute do que ali se oferecia se viu interrompido quando o tinham drogado e o tinham levado. Em seus oito anos de cativeiro, tinha passado muitas noites solitárias
imaginando ao detalhe o que poderia
fazer com uma mulher. Possivelmente carecesse de experiência, mas não lhe faltava imaginação, e naquele momento lhe estava custando refreá-la. Supunha tomar uma
liberdade que não lhe correspondia e, por
agradável que lhe resultasse, incomodava-o.
Toureie era uma tentação a que não podia sucumbir. Mas se conformava estando com ela no carro. Com não estar sozinho. Embora ambos guardassem silêncio, não estava
sozinho.
Então teve um pensamento horrível: estaria-o delatando seu mutismo?
Ela tinha começado todas as conversações, se as escassas frases que tinham intercambiado podiam chamar-se assim. deu-se conta de que sua esposa não parecia desfrutar
do que olhava pela janela. A via triste,
e tão só como ele.
ia ter que fazer algo, pensar em algum tema seguro, possivelmente inclusive acessar a jogar a algum daqueles jueguecitos. Olhou por sua janela com a esperança de
inspirar-se, e então algo lhe chamou a
atenção.
-Para! -gritou ao chofer-. Detén o carro!
-O que ocorre, Robert? O que acontece? -perguntou ela, endireitando-se de repente, sempre alerta.
Não podia explicá-lo. limitou-se a menear a cabeça. O carro se deteve balançando-se.
-Só será um momento -disse e, sem esperar ao lacaio, abriu a porta de repente e baixou. afastou-se do carro apenas uns metros para poder ter uma visão limpa.
O edifício era tão sinistro por fora como por dentro. Tão repugnante como formidável. Começou a suar. Teria jurado que podia ouvir o estrondo metálico das portas,
os passos arrastados dos detentos, escoltados
ao pátio de exercício ou à capela, a ausência de vozes...
-O que tem Pentonville que te fascina tanto?
Robert deu um salto, sobressaltado pela inesperada pergunta, pela súbita cercania de Toureie. Não a tinha ouvido sair do carro nem aproximar-se, mas se encontrava
a seu lado, esquadrinhando-o. Como não
sabia o que poderia adivinhar ela em seu rosto, apartou o olhar bruscamente, procurando despojar sua voz de qualquer tipo de emoção.
-O que te faz pensar que me fascina?
Ela soltou uma pretendida gargalhada, que soou mas bem como se se estivesse afogando.
-Porque já é a terceira vez que faz isto quando passamos por aqui: lhe pedir ao chofer que se detenha para poder te plantar exatamente nesse ponto e ficar olhando
fixamente essa horrível prisão.
De modo que seu irmão se ficou contemplando a prisão em duas ocasiões estando com ela. Curioso. Robert se perguntou quantas vezes teria ido John ali solo a olhá-la,
e se alguma vez, estando perto, haveria-se
sentido culpado por tudo o que lhe tinha arrebatado a ele, o legítimo herdeiro.
teria se exposto John então a possibilidade de lhe confessar a ela seus pecados, ou era a contemplação daquele edifício um contente aviso do êxito com que tinha
conseguido substituir a seu irmão? O que
teria pensado enquanto estava ali de pé? E o que podia lhe dizer Robert agora a sua esposa para explicar seu comportamento?
-Não sei bem por que me fascina. Obviamente, é uma fascinação insalubre. -Como contemplar o lar de um com a esperança de resgatar lembranças agradáveis de onde não
os houve.
-Vi uma gravura dos detentos fazendo exercício. Vão atados entre si...
-Não vão atados -a interrompeu ele-. Só os obrigam a sujeitar uma corda, com um nó cada cinco metros, para evitar que se aproximem muito. A distância lhes impede
de falar uns com outros.
-Na gravura que vi, levavam capuzes...
-Sim -voltou a interrompê-la; não queria ouvir nenhum outro dos detalhes com os que estava tão horrorosamente familiarizado-. É para lhes cobrir a cabeça.
-Parece-te mau? Assim se evita aos detentos a vergonha de que lhes veja a cara.
-Quem? -perguntou, sem poder evitar que lhe aflorasse a ira-. Os outros detentos? Imagina que tivesse que te passar a vida, dia detrás dia, em um baile de disfarces
onde todos levassem a mesma máscara.
É fácil voltar-se louco quando todo mundo tem exatamente o mesmo aspecto. Ver sair aos detentos é como ver um enxame abandonar a colméia. Não há forma de distinguir
a uns de outros. Pura monotonia. Tudo
é sempre igual. A mesma cela de quatro metros por dois. A mesma roupa, o mesmo capuz, o mesmo... -deteve-se. Não era sua intenção agitar-se assim, mas levava tão
em terrada em seu interior a tristeza daquela
existência que lutava por escapar com a mesma tenacidade que ele...
-Acreditava que este novo sistema carcelario se considerava muito melhor que o anterior. É limpo, moderno. E embora possivelmente os capuzes resultem algo molestos,
se eu estivesse encerrada aí, não quereria
que ninguém me identificasse. Acredito que agradeceria o anonimato enquanto esperava minha deportação a Austrália.
-Mas perderia esse anonimato a manhã em que lhe transladassem ao navio. Ali não se levam os capuzes. Os rostos ficam ao descoberto, assim por que incomodar-se em
ocultá-los?
Toureie franziu seu delicado nevoeiro.
-Entendo o que diz. Suponho que parece uma prática algo fútil, mas estou convencida de que a decisão não foi arbitrária. Certamente há uma boa razão que ignoramos.
-Não me ocorre nenhuma.
-O que não significa que não exista. Só que não podemos imaginá-la. Não me cabe dúvida de que todas as resoluções se tomaram com grande sabedoria e prudência. Mas
por que te fascina tanto este lugar?
ficou diante dele de forma que ou a olhava aos olhos ou tinha que olhar por cima de sua cabeça. Decidiu olhá-la aos olhos, e imediatamente se arrependeu de havê-lo
feito. Revelavam uma súplica que ele
não acabava de entender. Robert baixou o olhar a seus lábios e se deu conta de que aquele dia tinha cometido muitos enganos, porque a boca de Toureie lhe recordou
o perto que tinha estado de beijá-la na
igreja.
Ela se umedeceu o lábio inferior com a língua, e ao Robert se o agarrotó todo o corpo. Levantou a vista de repente e olhou por cima dela, para a prisão, o cárcere
modelo orgulho da Inglaterra. Não era
justo que ele tivesse passado oito anos de sua vida naquele lugar; não era justo que John passasse nele nem sequer umas noites. Não era justo que a mulher que tinha
diante quisesse a seu irmão.
Lhe acariciou a bochecha, obrigando-o a olhá-la de novo.
-Não me deixe -lhe sussurrou, suplicante-. Não sei aonde vai quando olha esse espantoso edifício, mas de algum modo te apanha. Embora esteja aqui de pé, já não está
comigo. Vamos, por favor.
Robert lhe agarrou as mãos; eram tão pequenas, tão suaves e cálidas. Inclusive através das luvas, podia sentir seu calor. Voltando levemente a cabeça, assentiu enquanto
lhe depositava um beijo no centro
da palma e lhe chegava uma intensa quebra de onda de seu perfume. Devia haver ficado uma gota na boneca, e ele se perguntou que mais se teria perfumado. O pescoço,
o canalillo entre os peitos, a curva
das pernas. Lugares que ele beijaria encantado, com ou sem o enfeitiço de sua fragrância.
apartou-se, por temor a que ela detectasse o desejo que albergava. Em oito anos não tinha conhecido o tato de uma mulher, o som de uma voz feminina, a doçura que
davam de presente ao mundo. Seu irmão,
entretanto, tinha tido todas essas coisas. Valoraria-a ele tanto como Robert, ou não teria nada em estima?
Ofereceu-lhe o braço e a conduziu ao carro. Uma vez acomodados no interior e de novo em caminho, surpreendeu-se contemplando a sua esposa, a amada de seu irmão,
e o assaltou a fúria de ver que a injustiça
continuava cevando-se em sua pessoa, uma fúria como nunca antes havia sentido.
De volta no carro, a Toureie já não ficavam vontades de seguir tentando cercar conversação. Estava tão cansada como ele; levantou-se antes do amanhecer para iniciar
os preparativos de suas bodas. Além
disso, embora a entristecia a falta de entusiasmo do Robert por qualquer tema que ela abordasse, devia admitir que possivelmente não conseguia interessá-lo em nenhuma
discussão substanciosa porque também
ele estava cansado, e não porque de repente a encontrasse aborrecida.
Ele sempre se mostrou muito reservado quando estavam juntos, mas, claro, nunca tinham estado a sós, a não ser em público, ou com a carabina lhes pisando os talões.
Tinha pensado que o matrimônio lhe deixaria ver o homem privado; não lhe tinha ocorrido pensar que ainda pudesse ser mais calado. Tinha imaginado que, quando por
fim estivessem sozinhos, chegariam a conhecer-se
melhor e nasceria neles a paixão que lhes faltava antes. Sempre se tinham encontrado cortesmente a gosto o um com o outro, mas inclusive isso parecia agora haver-se
desvanecido.
-É estranho, não crie? -aventurou-se a dizer por fim.
Ele a olhou.
-O que?
-Esta é a primeira vez que estamos completamente sozinhos. Esperava algo distinto.
-Em que sentido?
Ela se mordiscou o lábio, perguntando-se se devia atrever-se a confessar...
-Pensei que tomaria assim que pudesse.
Era impossível confirmá-lo a aquela distância, mas lhe pareceu que seu marido se ruborizou.
-Duvido que deseje que tome em um carro -lhe espetou ele com voz rouca, em evidente conflito com as imagens que aquilo lhe sugeria.
-Suponho que seria algo incômodo. -Embora não estava do todo segura. Podia tomá-la enquanto estava sentada, ou fazia falta que estivessem tombados? Por espaçoso
que fora o carro, o estalo continuado do
veículo resultaria desagradável.
-Sem a menor duvida -comentou ele lacônico.
-Alguma vez... em um carro? -perguntou ela.
Ele olhou pelo guichê.
-Não. E embora o tivesse feito, acredito que não lhe relataria minhas proezas a uma dama.
-Assim agora poderia estar mentindo para não me ofender.
-Não minto -esclareceu ele voltando de repente a cabeça.
-Embora não tenha previsto tomar, poderia te sentar a meu lado. Agora que estamos casados, é perfeitamente aceitável.
-Se sentir a seu lado, não sei se poderei resistir a tentação de tomar.
Pareceu-lhe que agora era ela quem se ruborizava.
-Poderíamos pôr a prova seu comedimento.
-Preferiria não fazê-lo.
-De modo que te sentaste aí para evitar a tentação?
Ele assentiu rotundamente com a cabeça e seguiu olhando a paisagem pelo guichê. Toureie se contentou como pôde com aquela confissão. Ao menos a desejava.
A insistência do Robert em não pôr a prova sua mesura ficou patente quando o carro se deteve ante uma hospedaria e os conduziram imediatamente a uma sala privada.
Toureie se tinha emocionado pensando que
o duque já não podia esperar mais para fazê-la sua, mas a estadia estava disposta para comer, não para dormir, e a mesa não parecia mais cômoda que o carro.
Robert tinha cruzado a habitação e se pôs a olhar pela janela enquanto os criados traziam a comida e o dispunham tudo com muito bom gosto. Pelo visto, o proprietário
estava acostumado a que o duque parasse
ali de caminho ao Hawthorne House, porque ao sair da estadia assegurou ao Robert que lhe prepararia cavalos frescos.
Agora, ela estava sentada à pequena mesa, frente a seu marido. Queria comer com tanto entusiasmo como ele o fazia, mas a incerteza sobre quando quereria ele consumar
seu matrimônio lhe tinha feito um nó
no estômago. Temeu que comer só lhe servisse para morrer de calor-se mais quando não pudesse tragar o mastigado.
-Quanto vamos ficar nos aqui? -perguntou ao fim.
Ele levantou o olhar do prato, perplexo, como se tivesse esquecido que estava acompanhado. Mastigou devagar, procurando enquanto isso a resposta. Por fim, tragou
e falou.
-Só até que nos troquem os cavalos.
-Parece que aqui lhe conhecem.
Por um instante, acreditou ver temor em seu rosto, mas se esfumou tão rapidamente, oculto atrás de sua couraça habitual, que Toureie supôs que o tinha imaginado.
-Faz tempo, meu avô acordou com vários hospedeiros o cuidado de alguns de nossos cavalos para que pudéssemos usá-los e viajar mais rapidamente de Londres a nossos
diversos imóveis. Eu só me beneficio de
sua estratégia.
-Onde passaremos a noite?
-Se te vir com ânimo, preferiria não parar. Estou ansioso por chegar ao Hawthorne House.
Toureie desejou que estivesse igual de ansioso por ficar a sós com ela. Talvez se sentisse mais cômodo em casa; possivelmente então as coisas fossem como esperava.
-Não me importa viajar toda a noite.
-Estupendo.
Robert voltou a concentrar-se em sua comida: cortou cuidadosamente uma parte de presunto, o meteu na boca e fechou os olhos como se nunca antes tivesse provado nada
tão delicioso.
Ela se cortou um pedaço para prová-lo. Não detectou nada especial: nenhum adubo tentador. Surpreendeu-lhe vê-lo saborear aqueles pratos: acreditava- homem de gostos
singulares, dos que preferem o incomum
ao sublime. Começava a dar-se conta de que seu noivado apenas lhe tinha permitido conhecê-lo.
Com o gorjeio dos pássaros na janela e o tinido da prata na porcelana, começou a ficar tensa. Resultava-lhe irritante, aterrador, não saber exatamente o que devia
esperar. ia ser essa sua vida? A ia ignorar
sempre? Não ia ou seja jamais o que ele pensava, sentia ou sonhava?
-Recorda a noite em que nos conhecemos? -decidiu-se a lhe perguntar.
Ele terminou de mastigar, tragou e bebeu um sorvo de água.
-Sempre recordarei o momento em que te vi pela primeira vez.
Suas palavras a ruborizaram. Eram mais galantes, mais do estilo que ela esperava.
Robert deu outro sorvo...
-Assusta-me -disse ela.
Ele se agitou, levou-se o punho à boca e tossiu várias vezes, com os olhos chorosos. Logo pigarreou.
-Perdoa. Estava-me engasgando. -Voltou a pigarrear, enxugou-se a boca com o guardanapo de linho e baixou o olhar ao prato, como se tentasse decidir quando poderia
continuar comendo. Depois a olhou-. por
que?
-Porque antes foi tão crédulo, estava tão seguro de seu sítio.
-Bom, possivelmente não devia havê-lo estado... tão seguro de meu sítio, quero dizer.
-Mas essa é uma das coisas que admiro por ti. Jamais vacila em suas decisões, nem em seus atos.
-me acredite, Toureie, tenho muitíssimas dúvidas.
Recostando-se na cadeira, estudou-a como se ela fora a lhe proporcionar a resposta ao que procurava.
-Preocupa-me que, com o tempo, troquem seus sentimentos para mim.
Ela riu um pouco.
-Claro que trocarão. Quando passarmos mais tempo juntos e nos conheçamos melhor se intensificarão. -Agarrou-lhe a mão que tinha na mesa-. Quero te conhecer melhor.
-Temo-me que isso não é possível. -Apartou a mão e se levantou. A ela lhe encolheu o coração-. me Perdoe, mas não estou acostumado a compartilhar minhas coisas,
meus sentimentos, meus pensamentos -disse,
penteando o ar com os dedos, perplexo, como surpreso de sua própria veemência-. portanto, não poderá me conhecer melhor. Neste momento, devo atender outros assuntos.
Sugiro-te que te ocupe de seu próprio
bem-estar antes de te reunir comigo no carro. Queria partir quanto antes. Se me desculpa -concluiu com um brusco movimento de cabeça.
Ela tragou saliva e assentiu.
-Agradeceria-te que não demorasse -acrescentou ele.
Dito isto, saiu da sala, e a deixou confusa e tremendo. O que tinha feito ela para que se desgostasse assim?
Quanto ao de não compartilhar, bom, dava-lhe até a manhã seguinte. Sua afirmação era absurda. Como podia um intercâmbio de votos transformar a um homem desse modo?
Capítulo 7
Robert não conseguia apartar o olhar de sua esposa, apesar do muito que desejava poder apagar de sua memória seu gesto de desconcerto, a desilusão que sua resposta
lhe tinha causado. A idéia de conhecê-lo
melhor implicava que já o conhecia algo, mas não era assim. Conhecia o John, e logo o conheceria melhor. Talvez devia lhe contar a verdade. Mas então tomaria por
um impostor. Queria falar com ela, mas
temia que descobrisse seu engano: ele era o duque legítimo, mas não o homem com o que acreditava haver-se casado.
Ao John tinha resultado mais fácil imitar ao Robert porque ele tinha estado aí e tinha podido observá-lo, ver com quem falava, como se dirigia às pessoas e como
o tratavam. Robert estava perdido; afogava-se
em muito ignorância.
Até a afirmação mais inocente, pronunciada sem pensar, podia delatá-lo.
Não haviam tornado a falar desde que Toureie se reuniu com ele no carro para prosseguir a viagem. Ela não apartava o olhar do guichê. Nem sequer quando tinha começado
a anoitecer Robert tinha conseguido
vislumbrar pouco mais que seu perfil entre as sombras que enchiam o veículo. Ao final, Toureie se tinha tirado o chapéu e o tinha deixado no assento.
O desgosto parecia havê-la silenciado. Agora tinha o aspecto de uma criatura derrotada, lambendoas feridas. Robert ansiava desculpar-se, mas era melhor assim; além
disso, à larga, lhe agradeceria o distanciamento.
Seu perfil era precioso, mas o que podia esperar de uma cara de anjo? Um anjo que se casou com o muito mesmo diabo.
Uma parte dele acreditava que devia desprezá-la só por isso. Entretanto, a seu lado não conseguia sentir outra coisa que o enfeitiço de sua beleza.
Sua fragrância deveria haver-se extinto já, mas perdurava. A luz da lua delineava suas perfeitas formas. Observou como baixava um pouco a cabeça e logo a endireitava
bruscamente. esforçava-se por não ficar
dormida.
Contemplou a possibilidade de lhe sugerir que cedesse ao cansaço, mas temia que lhe comentasse algo de outras viagens que tinham feito juntos, e o que ia responder
lhe então? Não recordava a noite em que
a tinha conhecido porque não a tinha conhecido de noite, não a tinha conhecido em um baile, e não se sentou seguro de si mesmo absolutamente a primeira vez que a
tinha visto.
Quando se instalassem no Hawthorne House, ocupariam asas distintas da casa; teria que dar com um modo de justificá-lo. Poderia fingir que estava doente, mas e se
Toureie se empenhava em cuidá-lo até que
sanasse?
Maldição! Ela era um contratempo que ele não necessitava.
Como ia explicar sua resistência a deitar-se com ela? Embora, em realidade, não resistia; estava mais que disposto.
Seu corpo suspirava pelo alívio que o de uma mulher podia lhe proporcionar, e, embora não o quisesse, sentia-se atraído por aquela.
Ao final, a cabeça lhe caiu para um lado e assim ficou. Robert tinha dormido muitas noites em posturas incômodas, e sabia que, à manhã seguinte, doeria-lhe o pescoço.
Não era assunto dele. Ela não era assunto dele. Só um inconveniente.
Mesmo assim, surpreendeu-se acontecendo o chapéu do assento dela ao dele. Percorreu com cuidado o espaço que os separava e se sentou a seu lado. Fechou os olhos
e recordou as múltiplos viagens que tinha
feito com seus pais, as vezes em que seu pai tinha rodeado a sua mãe com o braço e a tinha aproximado para que descansasse comodamente sobre ele. Resultava tão natural
quando seu pai o fazia, mas, claro,
ele amava a sua esposa, e freqüentemente dava a impressão de que se comunicavam sem falar.
Robert em troca logo que conhecia aquela mulher, e não tinha nem a mais remota idéia de se estaria cômoda junto a ele, mas sim sabia que era a impaciência dele por
chegar a casa a que a obrigava a descansar
naquelas condições. Não era justo que Toureie sofresse as conseqüências de sua falta de consideração. Devia ter acessado a que fizessem noite em alguma estalagem.
Com toda a suavidade de que foi capaz, rodeou-a com um braço enquanto com a outra mão lhe levantava cuidadosamente a cabeça para apoiar-lhe em seu ombro. Perfeito.
Como se sempre tivesse estado aí.
Robert conteve a respiração quando ela murmurou algo em voz muito baixa e se acurrucó ainda mais junto a ele. Estava quente, incrivelmente quente, e era tão delicada...
Não devia pesar mais que uma pluma.
Com a mão ainda apoiada em sua bochecha, não pôde resistir a tentação de acariciá-la. Sua pele era suave e sedosa. Imaculada.
Começaram a lhe arder os olhos. Algo do mais estranho. Piscou várias vezes até que a sensação desapareceu. Jamais lhe teria ocorrido que um contato tão inocente
pudesse lhe provocar o pranto.
-Robert?
ficou tenso para ouvi-la, com aquela voz tão suave como uma carícia na escuridão.
-Sinto te haver aborrecido -disse, tão baixo que lhe custou ouvi-lo.
Robert fechou os olhos com força, apoiou a bochecha na cabeça dela e voltou a sentir aquela incomum ardência de olhos.
-Não me desgostaste, Toureie.
-Parece tão distinto...
"Diga-lhe o conte a verdade." Lhe tinha apresentado a ocasião ideal. Tendo-a ali, acurrucada junto a ele. Mas assim que o revelasse tudo e soubesse que não era o
homem que a tinha pedido em matrimônio
se afastaria para sempre. Que dano fazia saboreando um pouco mais aquele abraço?
-Posso te confessar algo? -sussurrou ela.
Uma confissão? Tão inocente como ela? O que podia ser? Que em realidade não gostava das verduras?
-Claro -disse ele em voz baixa.
-Esta manhã estava pensando que nos casamos muito logo, antes de que eu estivesse preparada. Parecia-me que tinha detectado a dúvida em meus olhos.
-Não vi nenhuma dúvida.
-Dei-me conta de que logo que passamos tempo a sós. Nem sequer me beijaste como é devido.
-Não?
-Não -respondeu ela ainda mais baixo, sem olhá-lo.
-Crie que deveria remediá-lo?
Lhe escaparam as palavras sem logo que as pensar. Notou a quase imperceptível cabeçada de assentimento dela sobre seu ombro.
Logo Toureie se voltou para ele. Era pouco mais que sombras, capturadas por algum raio de lua que penetrava ocasionalmente pelo guichê. Não podia lhe ver o gesto,
e possivelmente fora melhor, porque assim
ela tampouco o via ele.
Acariciou-lhe a bochecha e lhe aconteceu o polegar pela boca.
-Faz tempo que não beijo a uma dama -espetou-, mas acredito que lembrança o básico.
-Eu nunca beijei a um homem.
Enquanto lhe sussurrava esta confissão, ele notou como se separavam seus lábios e como sua língua lhe roçava o polegar; então soube que estava a ponto de cometer
um terrível engano, mas não pôde deter-se.
Aproximou sua boca a dela.
Nunca havia sentido uns lábios tão tenros amoldar-se aos seus, nenhuma calidez como a daquela boca, que se abria para deixá-lo entrar. Invadiu-o uma paixão cegadora
enquanto explorava com sua língua o
que lhe oferecia, entrando e saindo rapidamente, saboreando tanto as texturas aveludadas como as mais rugosas.
Inclinou a cabeça em busca de uma posição melhor e imediatamente recebeu uma quebra de onda de seu perfume, de detrás da orelha. Imaginou ficando ali uma gota com
delicadeza. Pensou em lhe beijar aquele
ponto, mas não queria desatender sua boca, quão mesma o tinha tentado todo o dia com esboços de sorriso e fragmentos de conversação. Uma boca que podia formar uma
covinha quando quisesse. Pensou também
em lhe beijar a covinha, pensou em beijar cada centímetro dela, e ao tempo que o pensava, soube que nunca poderia ser.
estava tomando liberdades que não lhe correspondiam, mas tinha sido ela quem o tinha convidado a beijá-la, e levava muito tempo sem que ninguém o convidasse a nada
para rechaçar a tentadora proposta de
uma dama bonita. Assim aceitou e tratou de refrear o sentimento de culpa. depois de tudo, era só um beijo.
Só um beijo.
Visto assim, parecia insignificante, mas não o era. Esse gesto o tinha invadido e atravessado, e tinha cheio o imenso vazio de seu coração, que levava sozinho muito
tempo. Com um decidido movimento de
sua língua, ela o tinha afastado do escuro desespero. Não era tímida. Dava muito mais do que tomava, preparando com audácia um caminho que conduzia diretamente a
seu coração.
Um coração que tinha reservado para seu irmão.
Robert intensificou sua exploração, saboreando seu calor, degustando sua doçura. Naquele momento, era dela: sua esposa, sua duquesa, sua sedutora.
apartou-se um pouco e lhe beijou as comissuras dos lábios. Voltou a lhe apoiar a cabeça no ombro, escutou sua agitada respiração e a ruidosa circulação de seu próprio
sangue nas têmporas.
Havia tornado a cometer um lamentável engano.
-foi simplesmente... maravilhoso -disse ela logo que recuperou o fôlego-. Não entendo por que a sociedade desaprova os beijos.
Porque era muito mais fácil para um homem negar o prazer de uma dama a que nunca tinha provado. Mas privar-se dela tendo conhecido o sabor de sua boca... Robert
não sabia se teria valor para isso.
-Deveria tentar dormir -disse ele, com voz bronca.
-Agradou-te o beijo? -perguntou ela.
-Muitíssimo.
-Surpreende-me que a gente não passe o tempo beijando-se.
-O perigo de um beijo é que pode conduzir a outros prazeres mais íntimos, e não todos os homens possuem a fortaleza necessária para resistir a tentação de explorar
esses outros prazeres.
-O matrimônio suprime a necessidade de resistir.
-Sim.
-Chegaremos ao Hawthorne House amanhã?
-Muito provavelmente. Viria-te bem dormir um pouco.
Não queria falar do que ela pensava que ocorreria quando tivessem chegado a sua residência familiar, porque o que ao parecer desejava não podia acontecer. Não, se
queria devolver-lhe ao John.
Saboreou a sensação de tê-la perto, com seu corpo apoiado no dele e a mão em seu peito. Que inocente desdobramento de confiança!
Desejava tender-se por completo e que ela se tombasse a seu lado, sem que nenhum espaço os separasse. Não importava que os dois estivessem totalmente vestidos. Só
queria notar o peso de seu corpo a seu
lado, a mais incrível das sensações. depois de tanto tempo, já não estava sozinho.
Embora sabia que era uma mera percepção, um engano dos sentidos, agradecia o gozo que lhe proporcionava estar de novo no mundo exterior, onde podia viajar de carro
quando gostasse de simplesmente porque
assim o desejava, e abraçar a uma mulher e aproveitar de bom grau suas possibilidades...
Acariciou-lhe brandamente o cabelo. Mais seda. Ou possivelmente cetim. viu-se tentado a lhe tirar as forquilhas do recolhido para que aquelas mechas escuras lhe
enchessem as mãos. A luz da lua se refletia
neles, em sua pele clara, e lhe dava um aspecto etéreo.
Toureie suspirou, e ele se perguntou que imagens ocupavam sua mente. Pensava no homem ao que tanto queria? Ou no que a tinha beijado?
Não tinha previsto dormir aquela noite, porque o que sonhava acordado era mais maravilhoso que algo que sua imaginação pudesse conjurar.
Ela o tentava para que a fizesse por fim dela. A lei lhe outorgava esse direito, que era mais do que seu irmão lhe tinha concedido jamais. Era sua esposa; seu corpo
lhe pertencia. Mas seu coração... ao
parecer, era do John.
Não tinha intenção de lhe fazer pagar os pecados de seu gêmeo, mas se deu conta de que isso era o que estava fazendo. Ao tomá-la como esposa, ao não lhe revelar
a verdade.
Enquanto a abraçava, não pôde evitar desejar que fora realmente dela.
Capítulo 8
Sentado no chão, em um rincão de uma estadia em penumbra, o detento D3-10 contemplava a escuridão. Ao despertar, encontrou-se ali confinado, sem janelas, sem luz,
com o maldito capuz lhe cobrindo o rosto.
Não se atrevia a tirar-lhe.
E se alguém abria a porta? E se alguém via essa cara que ele odiava, essa cara que tanto se parecia com a de seu irmão?
perguntou-se o que estaria fazendo Robert naquele momento.
Não teria seguido adiante com as bodas? Pois claro que sim. Seu irmão sempre o tinha querido tudo, tudo o que não lhe pertencia. Também quereria à futura duquesa
do Killingsworth.
Deu um murro no estou acostumado a acompanhado de um grunhido.
"Não pode tê-la! Ela me pertence. Tudo me pertence!"
levantou-se e começou a mover-se de um lado a outro. As vozes de seus antepassados o torturavam. Tinha-lhes falhado.
Tinha que escapar. Devia recuperar o que era dele.
A luz do sol lhe dançava nas pálpebras, mas Toureie não queria despertar. Queria ficar onde estava. Ali se achava tão a gosto. sentia-se segura, a salvo. E sobre
tudo, querida.
Ao escapar por fim da nebulosa do sonho, descobriu o motivo: encontrava-se acurrucada em seu ninho, entre a suavidade felpuda do assento e o calor de um homem.
Seu marido.
Contendo a respiração para não incomodá-lo, girou com cuidado a cabeça até que pôde lhe ver a cara. Estava dormido, como ela fazia uns instantes.
A cabeça lhe pendurava em um ângulo que lhe produziria dor todo o dia. Estava despenteado: algumas mechas lhe caíam pela frente. Um de seus braços estava debaixo
dela, o outro descansava inocentemente
em seu flanco, sem abraçá-la, só ali posado.
Estudou seu rosto, os rasgos que acreditava conhecer, embora dormido lhe parecia um estranho. Tinha a boca algo aberta. Suas pestanas largas e espessas descansavam
nas bochechas. Nunca se tinha fixado
em suas patas de galo ou em suas rugas de expressão, nem em quão profundas eram, como esculpidas à força de sofrimento mais que de alegria.
Tocou-lhe o queixo sem barbear. Jamais o tinha visto tão desalinhado, mas a atraía aquele descuido. O fazia parecer muito normal, menos aristocrata.
precaveu-se de que o veria assim todas as manhãs durante o resto de sua vida.
Voltou a mão e, com o dorso, acariciou-lhe brandamente a escura e áspera barba incipiente. Quando logo que tinha começado a fazê-lo, ele abriu os olhos com um pestanejo,
e ela se encontrou olhando seu
azul intenso como a noite. Neles havia tristeza, a de quem observa o objeto de seu desejo em uma cristaleira sabendo de que nunca o terá.
Com ternura lhe aconteceu o polegar pela bochecha.
-Tem uma pele muito suave.
Sua voz ainda soava rouca de sonho, mas seus olhos revelavam a intimidade nascida do abraço, um abraço que não demoraria para estreitar-se enquanto sua boca jogava
com a dela...
-Pepino.
-Como diz? -inquiriu ele franzindo o nevoeiro.
Ela notou que se ruborizava.
-Uso uma nata especial de pepino.
-Sempre me gostou do pepino, mas para me comer isso não para me melar a cara com ele -comentou Robert com um leve movimento de cabeça-. As mulheres são umas criaturas
muito estranhas.
-Não sei se devo tomá-lo como um completo. -Percorreu-lhe a têmpora com um dedo-. Não parece ter dormido muito bem.
-passei quase toda a noite vendo como dormia você -explicou.
-Terá-te aborrecido muitíssimo.
-Estava fascinado. A luz da lua em seu rosto... Jamais tinha visto nada tão delicioso. -de repente pareceu incômodo-. Temos que nos soltar.
Mas ela não queria separar-se dele.
-por que não começamos a manhã com outro beijo perfeito?-espetou-lhe.
Lhe olhou os lábios e lhe apertou a boneca. Em algum momento da noite, afrouxou-se o lenço e desabotoado os dois primeiros botões da camisa. Agora, ela estudava
o movimento de sua garganta ao tragar.
-Por favor -sussurrou, e odiou seu próprio tom de súplica, e ter que ser de novo ela quem o propor em lugar de deixá-lo tomar a iniciativa. Robert era um homem;
aos homens correspondia desejar às mulheres,
e a elas mantê-los a raia até que estivessem legalmente casadas. Então, podiam derrubá-las barreiras e deixar que os arrasasse a paixão.
Viu-o fechar os olhos, suas pestanas descansaram em suas bochechas; logo baixou ligeiramente a cabeça e aproximou seus lábios aos dela. Toureie sentiu a carícia
suave e cálida de sua respiração justo antes
de que ele posasse sua boca com firmeza na dela.
Era um beijo precavido, não muito distinto do que lhe tinha dado na igreja, só que esta vez o tinha dado nos lábios e não na comissura da boca, mas estava carregado
de insegurança, como se temesse que
a ela não fossem agradar lhe suas insinuações.
Não estava segura de por que sabia, só de que sabia. Robert não a assediava com intenções amorosas nem com paixão. Parecia limitar-se a provar as águas do desejo
dela, e se perguntou se ele experimentava
desejo algum.
Seu beijo da noite anterior tinha sido mais apaixonado. Era porque o tinha dado na escuridão? A luz do sol o fazia envergonhar-se de um simples encontro de lábios?
Enquanto sua boca jogava com a dela, Toureie desejou que Robert perdesse o controle, que a desejasse, que a necessitasse...
-Robert -começou, e essa palavra lhe concedeu a oportunidade de deslizar sua língua na boca dela.
Nesse momento, tudo trocou. O beijo se fez mais apaixonado. Ouviu-o gemer, sentiu a agitação de seu peito contra o seu, a pressão quase dolorosa de seus dedos na
boneca. Sua língua lhe percorreu a boca,
e a acendeu como o fogo prende a lenha.
Ouviu um gemido, um suspiro, e lhe surpreendeu descobrir que procediam dela. Inclinou ligeiramente a cabeça para lhe facilitar o trabalho...
de repente, ele desapareceu, separou-se dela com o olhar de um homem horrorizado por sua própria conduta.
-me perdoe -disse com voz rouca e a respiração entrecortada.
-O que é o que tenho que perdoar?
-Não vou tomar te no carro, como um bárbaro.
Sabia que devia sentir-se ofendida, em troca, alegrou-se. Ele a desejava. De verdade. Acaso acreditava que o ato do amor precisava galanterias? O que aborrecido.
Naquele instante, pensou que preferia ao
bárbaro.
-Não me importaria -assinalou com sinceridade.
-Não te importaria? -perguntou ele como se tivesse esquecido seu comentário anterior.
-Que tomassem em um carro. A intimidade... Ultimamente não penso em outra coisa, em como serão as coisas entre um homem e uma mulher. Já sei que sonha escandaloso
mas certamente você também o pensaste.
Os olhos do Robert se obscureceram e seu olhar pareceu ensimismarse, como se visse em seu próprio interior aqueles mesmos pensamentos.
-A todas as horas desde que te conheci.
Ela soltou uma risada envergonhada.
-Sempre foste tão correto... Não tinha nem idéia. Nunca me deste a entender...
-É fácil conter o que nunca se liberou.
-Não entendo.
-Dar voz a meus desejos os faria mais difíceis de controlar. É humano e natural excitar-se com o aroma de uma fragrância, com uma carícia... -acariciou-lhe a bochecha
com o dedo-, com uma promessa.
-Não sabia que fosse tão poético.
-Possivelmente seria mais fácil se fingisse que me conheceu ontem.
Ela sorriu.
-Mas então não teríamos história, nem lembranças dos momentos que passamos juntos. Não posso apagar os doze meses de nosso noivado como se nunca tivessem existido.
Sem eles, talvez não teria estado ontem
a seu lado no altar.
-É obvio.
Que curioso. Pareceu-lhe detectar certa decepção em seu tom de voz.
-Precisamente porque me importa não quero me apartar dessas lembranças -acrescentou ela, tentando persuadir o de sua sinceridade.
-Se não das lembranças, ao menos te aparte um pouco de mim. Estou-me intumescendo.
-Sinto muito, nem sequer me havia...
Tentou separar-se dela sem dar lugar a maior intimidade. Quando se retirava para lhe deixar mais espaço, perdeu o equilíbrio ao bordo do assento, agitou os braços
para não desabar-se e, obtendo ao fim
endireitar-se, deixou-se cair no assento de em frente.
-Maldita seja! -rugiu quando, ao levantar-se de um coice, deu-se com o teto do carro na cabeça.
Toureie o viu se voltar e tocar o traseiro, e se deu conta de que se sentou sobre o alfinete de seu chapéu.
levou-se a mão à boca para não rir de seu cômico gesto de confusão. O carro diminuiu a marcha e a mudança brusca voltou a sentar ao Robert de repente. Vitória teve
que conter de novo a gargalhada.
O carro se deteve, abriu-se a porta e um lacaio apareceu.
-Vai tudo bem, senhoria?
-Tudo vai bem. Que o chofer pare na próxima estalagem; estou morto de fome.
-Sim, senhoria.
O lacaio fechou a porta. Toureie o ouviu falar com o chofer; logo ficaram de novo em marcha.
-Seu chapéu, duquesa.
Ela o agarrou. Robert não só se sentou no alfinete mas também também na pluma, que estava rota e pendurava a um lado desgracioso.
-E seu alfinete -acrescentou com aspereza.
Toureie tomou o objeto dobrado que lhe dava com uma pequena gargalhada que não pôde reprimir.
-Sinto muito.
-Mais te vale. Não está bem rir das desgraças alheias.
A impossibilidade de determinar o tom daquele comentário pôs fim à segunda gargalhada. Não era aborrecimento. Soava a algo jocoso, uma atitude mais acorde com o
que esperava dele.
-Parece-me que terá que comprar um novo.
-Prefiro que não leve adornos no cabelo, e menos ainda alfinetes ou forquilhas.
-Sem forquilhas, pareceria... -levou-se a mão à nuca e de repente se deu conta de que devia parecer um espantalho-... um pouco despenteada.
Uma expressão que foi incapaz de decifrar apareceu em rosto do Robert: desejo, ilusão. Não pôde evitar perguntar-se se estaria imaginando despenteá-la enquanto a
cativava com mais beijos.
Robert olhou pela janela, logo se voltou para ela.
-Aproximamo-nos de um povo. Logo pararemos.
-Bem -disse ela-. Acredito que preciso me arrumar um pouco.
Lhe lançou um olhar pícaro.
-Por mim não o faça.
Toureie olhou para outro lado. Aquela manhã parecia mais depravado. Também ela o estava. O matrimônio precisava certa adaptação, e Toureie começava a pensar que
o estavam fazendo esplendidamente.
Robert queria lhe percorrer os flancos com os dedos, lhe fazer cócegas. A breve gargalhada de antes lhe tinha feito desejar mais. Sua risada era um som alegre e
jovial, como a luz do sol que penetra em
um bosque escuro e permite vislumbrar algo mais luminoso ao outro lado das sombras.
Poderia passá-la vida cravando o traseiro com alfinetes com tal de ouvi-la rir.
Sentado à mesa da estalagem frente a sua esposa, perguntou-se quantas vezes teria rido John com ela. Se de verdade fora dela, procuraria o modo de fazê-la rir constantemente,
de que sonriera, de que seus
olhos resplandecessem. esforçaria-se por alegrá-la, porque ao fazê-lo-se alegrava ele também.
Lamentou não saber como diverti-la, salvo ficando em ridículo ele mesmo.
Toureie parecia ter recuperado o apetite, porque se terminou até o último dos ovos de seu prato. Tinha-o deixado sozinho um momento, pelo visto para beliscá-las
bochechas, porque agora as deixava rosadas.
Além disso, penteou-se, pois as poucas mechas de cabelo que lhe tinham solto durante a noite ocupavam de novo seu lugar.
Uma pena.
Odiava ser testemunha de qualquer privação de liberdade, embora fora da de uma mecha de cabelo, mas sobre tudo se era dela. Gostaria de vê-lo solto, caindo pelos
ombros.
-Até onde te chega a juba? -perguntou.
Ela levantou a vista do prato, carrancuda, e ele temeu por um instante que fora uma pergunta cuja resposta devia saber.
-Por debaixo do quadril -respondeu ao fim em voz baixa-. Ao melhor me gostaria de escovar isso alguma vez.
imaginou lhe acontecendo os dedos pelos cabelos, sem escovas nem pentes. Uma e outra vez, até que lhe enredassem na escura cortina. Recordava a mogno polida, de
um brilho tão intenso que só imaginá-lo
adornando seu corpo o excitava.
-Escovaria-me você o meu? -replicou ele em brincadeira.
Mas o afeto que viu em seus olhos só serve para acender ainda mais sua paixão.
-Se me deixa fazê-lo com os dedos -espetou ela.
Robert emudeceu, e só foi capaz de assentir com a cabeça.
-Então, sim, eu gostaria de muito te pentear alguma vez -acrescentou Toureie, deixando ver sua língua um instante ao abrir a boca.
Lhe manteve o olhar, desafiante, durante o que pareceu uma eternidade. Já não eram as mulheres as criaturas tímidas que tinha conhecido em sua juventude? Céu santo,
aquela era um perigo que não podia permitir-se.
Pigarreou e se levantou com menos energia que em sua última comida juntos.
-Se me desculpar, devo fiscalizar os preparativos de nossa partida.
Necessitava, se era possível, que o chofer os deixasse no Hawthorne House antes do anoitecer, antes de que tivesse outra oportunidade de abraçá-la, porque não estava
seguro de poder reprimir-se mais.
A Toureie o resto da viagem lhe resultou mais agradável, mais como o tinha esperado. Entreteve-o com anedotas de sua juventude, pelas que ele nunca se interessou
antes. Embora parecia depositar nela o
peso da conversação, mostrava-se cativado por algo que lhe contasse, como se estivesse tão apaixonado por sua voz como dos pormenores de seus relatos.
Ao princípio, ela tinha querido acontecer o tempo com um trocadilho, mas ele se limitou a negar com a cabeça.
-Qual é sua primeira lembrança? -tinha-lhe perguntado-. Começa por aí e me conte.
-Levará-me todo o dia.
-Temos todo o dia -lhe tinha replicado ele com um sorriso.
-Devolverá-me o favor?
-Talvez, mas primeiro você.
Assim tinha começado a lhe falar de sua lembrança mais antiga, a ombros de seu pai para ver um desfile. Falou-lhe de todas as disciplinas que sua mãe a tinha obrigado
a aprender: a equitação, que adorava;
o piano, que tolerava; a costura, que aborrecia; e a pintura, que sua mãe tinha qualificado de espantosa.
Quando lhe perguntava algo, ele se limitava a menear a cabeça e dizer: "Ainda não terminamos contigo".
Nunca tinha estado com ninguém que se interessasse tanto por todos os aspectos de sua vida. Os homens com os que tinha paquerado ocasionalmente preferiam falar de
si mesmos. Inclusive Robert, antes das
bodas, estranha vez tinha indagado em sua vida anterior. Adulava-a que de repente sentisse curiosidade.
-Diana e você estão muito unidas -sussurrou em certo momento.
-Muito. É mais que minha irmã. É meu amiga, mas é tão brincalhão... A mamãe a aturde. Ontem mesmo me estava tirando o sarro com que tinha beijado a um francês.
Algo que Toureie agora acreditava, porque sabia que os beijos com língua existiam.
-E por que ia fazer algo assim? -perguntou ele.
-Não sei, com a quantidade de ingleses aos que poderia beijar.
Ele soltou uma risita.
-E você sabe porque beijaste a muitos.
-beijei a um, o único que me importa -respondeu ela elevando o nariz.
Robert lhe concedeu um sorriso, ao parecer agradado com sua afirmação.
Entretanto, à medida que se aproximavam de seu destino, começou a mostrar-se mais reflexivo, de repente desprovido de curiosidade e interesse, com o olhar introvertido,
como o tinha visto em inumeráveis
ocasione, e ao dar-se conta de que já não a escutava, deixou de falar.
Era já muito tarde quando chegaram ao Hawthorne House, mas mesmo assim Toureie pôde ver claramente o rosto de seu marido. Uma série de tochas iluminava o caminho
e os degraus que conduziam à imensa mansão
que parecia ter surto da terra conforme se foram aproximando. Ao olhá-la, sentiu-se pequena, insignificante, claro que olhar a seu marido também estava acostumado
a lhe produzir esse efeito, porque era
alto e bem formado, e tinha um ar muito seguro.
Robert ficou junto ao carro, contemplando a mansão com uma espécie de assombro desconcertante, como se não a tivesse visto desde fazia anos. Quando por fim se dirigiu
à casa, chegou só até um dos enormes
leões de pedra que guardavam os degraus de entrada e acariciou uma das patas da escultura.
-Quando era um menino, sentava-me nesta imensa besta e fingia ser um explorador na selva africana.
Sua voz denotava certa tristeza, como se aquela antiga lembrança lhe resultasse doloroso de uma vez que reconfortante. Começou a subir os degraus, e ela o seguiu
em seguida. Seu comportamento lhe parecia
estranho, pois sabia que tinha estado na residência familiar fazia um mês como muito.
Um ancião saiu correndo da casa.
-Estávamo-lo esperando, senhoria. -O homem se deteve e lhe fez uma pequena reverência.
-Whitney, quanto me alegro de te voltar para ver.
A saudação quase sufocada do duque continha uma estranha mescla de dúvida e alívio que Toureie não pôde entender.
-É esta formosa dama a duquesa com quem nos disse que voltaria? -perguntou Whitney.
Robert se voltou, ao parecer um pouco surpreso de encontrá-la a seu lado, como se acabasse de recordar que ia com ele.
-Duquesa, me permita que lhe presente ao Whitney. Leva fiscalizando o funcionamento desta casa desde que eu tenho uso de razão.
-Whitney -disse ela com voz doce.
-Bem-vinda ao Hawthorne House, milady -respondeu Whitney com uma reverência.
-Quanto tempo leva aqui, Whitney? -inquiriu Toureie.
-Trinta e oito anos se os contasse, embora lhe asseguro que não o farei. Encarregarei-me de que transladem seus pertences imediatamente à asa familiar...
-Não.
Tanto Toureie como Whitney se voltaram para o duque, que tinha pronunciado aquele monossílabo com rotundidad, como se o mordomo tivesse sugerido algo inaudito. Parecia
muito incômodo, e seu olhar ia de
um a outro sem saber muito bem onde posar-se.
-Preciso estar algum tempo só -disse em voz baixa-. Se não te importar, carinho, acredito que, de momento, encontrará plenamente satisfatórias as habitações esta
asa.
Que se não lhe importava? Como não ia importar lhe que a castigassem a alojar-se na outra ponta da casa? E que se inteirasse todo o serviço? Que se não lhe importava?
tornou-se louco? É obvio que lhe importava.
Que demônios lhe ocorria? por que a tratava com tanta indiferença depois de todo o interesse que tinha mostrado durante a viagem?
antes de que pudesse recuperar-se de seu assombro o suficiente para articular uma resposta coerente, ele já se dirigiu de novo ao Whitney.
-Atende as necessidades da duquesa. Instalarei-me na asa familiar e não desejo que me incomode.
-Sim, senhoria -respondeu Whitney solenemente.
O duque subiu os degraus como um soldado caminho do campo de batalha, deixando detrás de si a sua esposa e ao serviço. Com um só movimento da mão, Whitney começou
a repartir ordens entre os diversos criados
que tinham aparecido discretamente pouco depois de que chegasse o carro.
Logo, Whitney se voltou para Toureie; seus olhos verdes e amáveis revelavam compaixão.
-O duque tem por costume procurar a solidão pouco depois de sua chegada.
-É isso certo?
-Sim, senhora. Depois da partida de seu irmão para a América e a perda de seus pais como conseqüência da gripe, nunca tornou a ser o mesmo.
-Em que sentido?
Whitney meneou a cabeça.
-Não sou quem para justificar ao duque ou sua conduta; só queria que soubesse que não é incomum que queira estar um tempo sozinho.
Entendia que o fizesse normalmente, mas justo depois de suas bodas? E deixando plantada a sua nova esposa na soleira?
-Quantas vezes trouxe uma esposa a casa e a deixou à porta como se fora um vulto mais? -perguntou Toureie irritada.
-É um homem difícil, milady.
-Pois possivelmente descubra que sua esposa é igual de difícil.
-Permite-me que lhe mostre seus aposentos? -perguntou Whitney.
A duquesa respirou fundo. Não era justo que descarregasse sua ira com o Whitney quando era com seu marido com quem estava desgostada. Era absurdo que a abandonasse.
Não pôde evitar pensar que algo ia muito
mal.
Sentado em uma luxuosa cadeira de mogno, Robert olhava a cama de sua mãe. Como tinha descoberto tristemente na residência de Londres, já ficava pouco dela ali:
seu aroma não perdurava, não se ouvia o
eco de sua risada, nem das canções de ninar que um dia lhe cantasse. Não ficavam roupas delas que pudesse tocar. Era como se nunca tivesse existido; entretanto,
sua lembrança o tinha sustentado durante
seus anos de isolamento.
Sempre se tinha levado melhor com sua mãe que com seu pai. Ela era quem o guiava, aconselhava-lhe, assessorava-o. Também a influência de seu progenitor tinha sido
importante, mas era a sua mãe a quem sempre
se esforçava por agradar, quem sorria ao ver as flores silvestres que agarrava para ela, como se procedessem do mais delicioso dos jardins. Para ela pintava seus
quadros. Era a aprovação de sua mãe a que
Robert sempre tinha procurado e obtido.
Como ia instalar agora a outra mulher naquela habitação? Como ia alojar se ele no dormitório de seu pai? Significaria aceitar que já não viviam.
Durante oito anos, tinha desejado que todo aquilo fora um pesadelo, fugir-se e encontrar a seus pais ainda vivos. Mas o pesadelo continuava ao outro lado dos muros
do Pentonville.
Não lhe cabia dúvida de que John já tinha feito seu aquele dormitório. Possivelmente também ele encontraria consolo e fortaleza dormindo na mesma cama que seu pai,
seu avô, seu bisavô e todos os que o
tinham precedido. Era uma tradição. Homens bons e fortes que tinham servido ao rei, à rainha e ao país. Homens com um destino. Homens com um dever. Homens leais.
o tinham educado a imagem e semelhança daqueles homens, enquanto, ao parecer, John tinha crescido longe de sua influência.
Com um suspiro, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. Estava esgotado de fingir ser a versão que seu irmão tinha criado dele. Era uma loucura.
Devia ir ao lorde Chanceler, o chefe da administração de justiça, e declarar seu direito ao ducado... Mas como demonstraria que de verdade era Robert? Seria a palavra
de um irmão contra a do outro.
ocuparia-se disso ao dia seguinte, quando tivesse descansado.
Sua esposa se encontrava comodamente instalada e fora de perigo em outra asa da casa, e lhe ocorriam múltiplos raciocine para evitá-la, algo que devia obter a toda
costa. Enfeitiçava-o com seus relatos
e seus sorrisos, e sua condenada inocência que ele poderia destruir facilmente com a verdade. Devia evitar à única pessoa que conhecia o John o suficiente para desmontar
a farsa do Robert, que em realidade
não era tal.
Ele era Robert Hawthorne, duque do Killingsworth. Mas para ela seria um impostor, porque não era o homem ao que amava, o homem com o que tinha prometido casar-se.
Também se ocuparia disso ao dia seguinte.
Essa noite quão único queria era dormir em uma cama cômoda, envolto em calor e familiaridade.
Aquela noite, o verdadeiro duque do Killingsworth estava em casa.
Capítulo 9
De pé, junto à janela, com as pesadas cortinas de veludo corridas, Toureie contemplava a noite enquanto os criados foram de um lado a outro, guardando suas coisas.
A habitação era preciosa, embora cheirava
um pouco a fechado pelo desuso.
Diminutas flores brancas salpicavam o papel pintado de cor burdeos, tonalidade que parecia preponderar na casa, junto com um verde caça escuro. Também o dourado,
o prateado e o branco. Os tetos que tinha
visto em seu trajeto até o dormitório a tinham deixado boquiaberta. Todos com afrescos pintados. No amplo vestíbulo que conduzia aos dormitórios, uma série de quadros
albergavam um camafeu esculpido em
mármore. Na habitação onde se encontrava, no teto se viam pinturas de anjos rodeados de flores diversas ou descansando em jardins.
Uma grosa colcha de veludo burdeos cobria a cama, e as cortinas do dossel, também de veludo, estavam corridas. Aquele dormitório, com suas cadeiras, suas mesas e
seu divã, tinha sido desenhado para agradar
a uma hóspede feminina.
Por desgraça, o fogo aceso da chaminé de mármore não conseguia esquentar o coração de Toureie. Tinha jogado Robert com ela todo o dia, agradando-a com perguntas
sobre sua juventude? Que perverso jogo era
aquele? Beijá-la com tão desmedido abandono para apartar a de sua vista assim que chegassem?
O que tinha feito mal? por que a desprezava assim?
-Já está tudo, senhora -disse Charity em voz baixa-. Quer que a ajude a deitar-se?
Procurando aferrar-se a seu orgulho, olhou a sua jovem donzela. Os olhos da moça revelavam tristeza. Compaixão, inclusive. Que humilhante que todos soubessem que
seu marido não a queria.
-Ainda não -respondeu, sonriendo amável e fingindo que o comportamento de seu marido não a desconcertava.
Charity franziu ainda mais o nevoeiro.
-Trago-lhe algo de comer?
-Não, obrigado. Acredito que irei dar um passeio.
-Mas é de noite.
-Pedirei ao Whitney que me busque um candil.
-Antes me pareceu ouvir trovões.
-Não me passará nada, Charity. Ao igual a meu marido, também eu preciso estar um momento a sós.
Robert se sentia como um fantasma, perambulando pela casa: abria uma porta, entrava em uma habitação, inalava com força aqueles aromas familiares, tocava uma relíquia,
uma estatueta, uma ninharia, procurava,
tratava de achar o que tinha sido dele. Seu irmão lhe tinha arrebatado muito mais do que acreditava. Não só os anos que jamais poderia recuperar mas também também
as lembranças, os momentos passados naquela
casa, com sua família.
Como é lógico, não tinha tido ocasião de assistir ao funeral de seus pais. Ao dia seguinte visitaria o mausoléu familiar. Apresentaria-lhes seus respeitos. concederia-se
o capricho de lhe dedicar um instante
a sua dor. Não estava seguro de ter assimilado ainda sua morte. Enquanto estava em Londres, feito-se à idéia de que eles se encontravam no Hawthorne House, e agora
de que estavam em Londres.
Talvez por isso tinha pressa por chegar ali, à casa. Acreditava que se reencontraria com eles. Mas ali não estavam. Embora os buscasse por todo o planeta, jamais
voltaria a vê-los.
Pôs fim a seu percurso no dormitório que um dia lhe tinha pertencido; não estava preparado para transladar-se ao de seu pai, mas se John já se instalou ali, como
ia justificar ele seu desejo de dormir
em sua antiga habitação?
Por nostalgia. Assim de singelo. Whitney não lhe perguntaria nada. Nenhum dos criados o faria. depois de tudo, era o senhor da casa. Seus postos de trabalho dependiam
de sua discrição frente à conduta
de seu amo.
Tinha já a mão no pomo quando ouviu o leve tamborilar de uns pés na escada. Os degraus ressonaram com uma cadência que lhe trouxe lembranças, e soube a quem veria
aparecer no patamar.
Como suspeitava, era Whitney. Um pouco mais lento, algo ofegante, mas com o mesmo passo rápido e decidido de sempre.
-Senhoria, perdoe que o incomode, mas acreditei oportuno lhe comunicar que a duquesa ainda não tornou.
Robert se passou os dedos pelo cabelo, ainda surpreso de encontrar-lhe tão curto. Logo, inclinou um pouco a cabeça como se acreditasse que isso o ajudaria a decifrar
a afirmação do Whitney.
-Perdoa, Whitney. Não te entendo. Voltar de onde?
-A duquesa saiu faz mais de uma hora. Disse que desejava dar um passeio.
-De noite? -Olhou para os grandes ventanales que deixavam acontecer a luz do sol e da lua até o fundo do corredor. Viu um raio e soube que em seguida lhe seguiria
um trovão-. Está chovendo -disse, um pouco
desconcertado.
-Sim, senhor. Não chovia quando saiu a duquesa, mas temo que se perdeu. Parecia afligida, distraída. levou-se um candil, mas pouco mais.
-Um candil? Mas se ia passear, não há luz em...? -interrompeu-se.
Não devia censurar nem manifestar dúvida alguma sobre o comportamento de sua esposa ante um criado. Nem sequer ante um de tanta confiança como Whitney.
-Acordada ao serviço. Reúne algumas abajures e que preparem uns cavalos. Teremos que ir procurar a.
-Sim, senhor.
Robert caminhou até o final do corredor e olhou pela janela à escuridão. Era ele o responsável pela fuga de sua esposa? Era porque a tinha evitado e relegado a um
dormitório da outra asa?
É obvio. Devia sentir-se desolada por sua falta de atenção. Que esposa quereria que lhe dissessem que não era bem-vinda na asa familiar?
casou-se com ele de boa fé, e ele tinha estado tão preocupado por suas próprias necessidades que não tinha considerado as dela. Podia ser o duque que ela merecia
embora não pudesse ser o marido. Podia
ser um amigo embora não fora um amante.
Baixou a toda pressa a ampla e magnífica escalinata de mármore.
-Whitney!
O mordomo apareceu quase assim que Robert chegou ao vestíbulo. Sustentava um casaco e ajudou ao Robert a ficar.
-Faz que levem as pertences de minha esposa ao dormitório da duquesa.
-Ao de sua mãe?
-Minha mãe já não está, Whitney. Há uma nova duquesa do Killingsworth.
-Sim, senhoria. Encarregarei-me de que transladem suas coisas imediatamente. Suponho que você dormirá nos aposentos de seu pai... como sempre.
Estudou o gesto do Whitney, tratando de averiguar se o questionava ou lhe oferecia uma pista do que era normal naquela casa. Suspeitava que Robert não sabia?
Não podia suspeitar. Não era mais que...
Estava cansado, esgotado, e não gostava de analisar a conduta de outros, nem dar a suas palavras mais importância da que mereciam.
-Sim, Whitney. O duque e a duquesa do Killingsworth dormirão em seus respectivos aposentos.
-Muito bem, senhoria. Os que o acompanharão na busca o esperam nos estábulos.
-Obrigado, Whitney. -voltou-se para a porta.
-Me alegro de que haja tornado, senhor.
deteve-se e, sem voltar a vista, porque temia que o mordomo descobrisse a verdade em seus olhos, disse em voz baixa:
-Eu também me alegro.
Depois, precipitou-se à tormenta.
Toureie se deu por vencida. Definitivamente, perdeu-se.
Ia tão absorta em seus pensamentos que logo que tinha emprestado atenção ao caminho que percorria, ou mas bem o que não percorria. Esse era o problema. Tinha abandonado
o atalho lajeado e se entrou no
bosque, e agora que os escuros nubarrones tampavam a lua, já não sabia voltar. Para piorar as coisas, tinha estalado uma tormenta inesperada que a tinha impregnado
até os ossos, e aquela umidade fria se
somava a sua desgraça.
Estava rodeada de árvores, e o candil dava tão pouca luz que logo que via um pequeno lance diante de si. Apoiou as costas em uma árvore e se deslizou até o chão,
sem poder conter as lágrimas. Jamais se
havia sentido tão abandonada, tão pouco desejada, tão desgraçada.
O que tinha sido do homem que tinha rido feliz com ela? Pelo visto, não tinha chegado a conhecer bem ao Killingsworth, mas lhe parecia conhecê-lo melhor antes das
bodas que depois. por que a tinha banido
a um rincão da casa? Sua conduta não tinha sentido.
Aquele ia ser sua viagem de bodas, o momento de intimar, de consumar seu matrimônio. Mas em realidade tinha sido ela quem tinha iniciado todas as conversações, quem
tinha instigado todos os beijos. Tinha
divagado sem cessar sobre sua vida, seus sonhos, sua cor favorita enquanto ele se limitava a olhá-la, ali sentado, como se ela fora um espécime de laboratório. Todas
as dúvidas que tinha tido no dia anterior
pela manhã a assaltavam de novo, duplicadas, triplicadas. Como ia apaixonar se por ele se não passavam tempo juntos? Como ia conhecer o melhor se ele não fazia mais
que lhe expor perguntas mas alguma vez
respondia às suas? E como diabos podia ser um bom marido se alguma vez estava com ela?
Devia aceitar sumisamente o trato que lhe dava ou recriminar-lhe.
Seu comportamento era incompreensível, absolutamente o que podia esperar-se de um homem que a tinha cortejado. Tampouco lhe importava. Provavelmente morreria de
frio ali mesmo, sem chegar ou seja como
seria deitar-se com um homem pelo que sentia um grande afeto.
Queria viver e ser amada, e embora se dizia que o matrimônio com um aristocrata resultava freqüentemente decepcionante, tinha albergado a esperança de que o seu
seria um dos poucos invejáveis. Não queria
conformar-se com a complacência. Queria entusiasmo, emoção, paixão.
Ouviu o trote longínquo de uns cavalos pelos atoleiros cada vez mais profundos e viu umas luzes que dançavam na escuridão.
-Vitória!
Reconheceu a voz: a de seu marido. Não sabia por que lhe surpreendia tanto que tivesse ido procurar a, mas assim era. Também se sentia aliviada. Talvez sim lhe importasse
um pouco, depois de tudo. Possivelmente
lhe havia dito a verdade: precisava estar algum tempo sozinho. Mas que inoportuno. Imediatamente depois das bodas. Esses não deviam ser momentos nos que alguém desejasse
solidão.
-Vitória!
Fossem quais fossem as razões de seu comportamento anterior, tinha ido procurar a, e o agradecia. levantou-se como pôde e elevou o candil.
-Aqui! Estou aqui!
Então a chuva cessou tão repentinamente como tinha começado, as nuvens se abriram e, à luz da lua, pôde ver o perfil dos cavaleiros. Não lhe custou distinguir a
seu marido entre eles. Por seu porte. Seu
ar régio. Ninguém o confundiria jamais com um camponês.
Robert desmontou rapidamente e correu para ela enquanto se tirava o grosso casaco.
-Está bem?
-Sim, hei... saí a dar um passeio, mas começou a chover e me perdi.
Lhe jogou o casaco pelos ombros e logo a abraçou, apertando-a contra seu corpo, e entre o calor de este e o do objeto que lhe tinha cedido, ela notou como o frio
ia remetendo. Sua proximidade forte e robusta
lhe produzia uma sensação muito agradável.
-Estava preocupado -lhe disse, inclinando a cabeça e lhe aproximando os lábios ao ouvido-. Me deste um bom susto.
Embora não tinha sido essa sua intenção, envergonhou-a precaver-se de que no fundo se alegrava. Se estava preocupado era porque lhe importava.
-Sinto muito. Precisava me afastar, para pensar. Robert, o que tenho feito mal? por que já não me quer?
Toureie notou que a abraçava com mais força, quase aprisionando-a.
-Sim te quero -respondeu ele com voz áspera-, mas se não tomar cuidado, farei-te mal.
-Não sou tão delicada que não possa me tocar.
Ouviu um leve grunhido, mas não era de um animal do bosque; pareceu-lhe que procedia de seu marido.
-Mais vale que voltemos para casa para que te seque -disse, apartando-se.
Levantou-a em braços, aproximou-se de seu cavalo e, com a ajuda de outro homem, subiu-a à cadeira e montou a suas costas. Logo a rodeou com os braços para agarrar
as rédeas. Quando o animal ficou em marcha,
ela se surpreendeu apoiando-se no Robert.
-pedi que transladem suas coisas à asa familiar -disse, solene-, ao dormitório que há junto ao meu.
-Mas você não quer que esteja ali.
-É onde deve estar. Estava equivocado ao acreditar o contrário.
-Sei que não me ama, Robert, mas sempre pensei que ao menos você gostava, que te interessava algo mais que meu dote.
-Já falaremos quando estivermos em casa e deixem de te tocar castanholas os dentes.
Sua voz denotava certo tom de recriminação que também lhe agradeceu. Enquanto demonstrasse algum tipo de emoção, não tudo estava perdido.
O dormitório era magnífico. que correspondia à senhora da casa. O fogo ardia no lar. Depois de uma cortina de seda, em uma banheira de cobre, tinham-lhe preparado
um banho quente.
Seu marido a tinha subido em braços pela ampla escada como se não pesasse nada e, embora ela tinha protestado fracamente dizendo que podia caminhar, tinha desfrutado
de do traslado, acurrucada contra ele.
Robert a tinha depositado na cama, as roupas molhadas a modo de ímã entre eles, cada um empapando do calor do outro. Deixando detrás de si um aroma a chuva, Robert
tinha saído depois pela porta do lado
oposto da habitação, uma porta que sem dúvida conduzia ao vestidor, e daí a seu dormitório. Tinha-o ouvido chamar o Witherspoon justo antes de fechá-la com firmeza
a suas costas.
Enquanto sua donzela a preparava, sua ajuda de câmara o preparava a ele. Possivelmente logo descobriria se sua mãe tinha julgado com acerto a virilidade do duque,
saberia se era rápido ou lento. E, embora
para seu progenitura a rapidez era preferível, Toureie não podia evitar pensar que a calma resultaria mais agradável. Poderia desfrutá-lo mais, como o banho.
Enquanto seu corpo se deleitava com a água quente, pensou em quão agradável tinha sido despertar em seus braços essa manhã. perguntou-se se ficaria com ela depois
de que fizessem o amor, se poderia voltar
a ficar dormida nesses mesmos braços.
Teria podido ficar inundada na água quente toda a noite (depois da fria umidade da tormenta que a tinha surpreso, aquele banho lhe estava sentando estupendamente),
mas sabia que seu marido logo se reuniria
com ela, e queria estar preparada. sentou-se diante do penteadeira onde já lhe tinham preparado a escova, o pente e o espelho de prata. Charity lhe desenredou o
cabelo e o secou com uma toalha suave. Logo
a ajudou a ficar uma camisola rosa que transparentaba suas curvas e deixava pouco à imaginação. Toureie se meteu na cama e se tampou até o queixo; depois, pensou-o
melhor e tirou o chapéu até o peito.
Não queria parecer muito libertina, mas tampouco que seu marido pensasse que temia sua visita.
Quando bateram na porta, quão único Toureie pôde pensar foi que o momento que tanto esperava e tanto a aterrava tinha chegado por fim. E voltou a lhe parecer muito
logo, sentiu que ainda não estava preparada
de tudo.
ficou olhando-os punhos apertados enquanto Charity abria a porta. Ouviu-a murmurar algo antes de sair da habitação e fechar a porta; logo ouviu aproximar-se de seu
marido, seu passo muito mais firme que
o dos criados.
-Como te encontra? -perguntou-lhe no mesmo tom de desculpa que tinha empregado no bosque.
Ela levantou o olhar e a surpreendeu encontrá-lo completamente vestido, e não com uma camisola, como tinha esperado, a não ser com calças e camisa, ali de pé, com
uma taça na mão! Uma taça e um platito.
Nada de vinho nem champanha para celebrar sua iminente união e tranqüilizá-la, a não ser algo em uma taça.
-Trouxe-te um pouco de chocolate quente -disse, e a Toureie lhe pareceu que se ruborizava ao dizê-lo-. pensei que te ajudaria a dormir.
-Ah. -incorporou-se com cuidado, procurando não desentupir-se. Quando terminou de contorsionarse, lhe entregou a taça e o prato.
-Posso? -inquiriu, assinalando uma cadeira com a cabeça.
Ela assentiu e tomou um sorvo de chocolate. Lhe teve sabor de glória e lhe pareceu um detalhe muito acertado, porque se deu conta de que a relaxava mais do que o
teriam feito o vinho ou o champanha.
Robert se aproximou a cadeira, sentou-se e se inclinou para frente, com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos entrelaçadas e o olhar abatido.
-Devo me desculpar pelo de antes -disse, olhando a-. Por te enviar à outra asa. Sou consciente de que meu comportamento pode te haver feito sentir... não desejada...
e possivelmente tenha sido o causador
de sua incursão no bosque.
-Ia distraída, pensando nisto e aquilo, sem emprestar muita atenção aonde me levavam meus pés -repôs ela em seguida para tranqüilizá-lo.
Ele esboçou um sorriso.
-Sim, mas se me tivesse assegurado de que se sentia bem-vinda aqui, talvez não te teria gostado de te afastar tanto.
Toureie posou o prato e a taça em seu regaço e o estudou enquanto tratava de decidir se devia lhe perguntar por que não tinha procurado que se sentisse mais a gosto,
por que ia completamente vestido, por
que havia lhe trazido chocolate quente em lugar de vinho ou champanha.
-Este era o dormitório de minha mãe -explicou, solene-. Não estava seguro de querer que o ocupasse outra pessoa...
-Seis meses, Robert. Não queria parecer uma arpía, mas tiveste seis meses para te fazer à idéia.
-Minha mãe e eu estávamos muito unidos, e quando chegou sua hora...
-Não pretendo ocupar seu lugar.
-Não quis dizer isso. Só tratava de te explicar minha reação quando chegamos.
-Posso me transladar a outra habitação. passamos pelo menos por meia dúzia de portas de caminho a esta, e não me importa...
-Não -levantou a mão para interrompê-la, logo se levou um dedo aos lábios e franziu o nevoeiro como se concedesse muita importância às palavras que estava a ponto
de pronunciar-. Quando tomei por esposa,
converteu-te em duquesa do Killingsworth, e este é o dormitório da duquesa, não o de minha mãe. O que quero dizer é que todas as duquesas dormiram aqui. Minha mãe
o ocupou por duquesa, não por mãe. Foi
um engano não te trazer aqui, e te peço desculpas.
-Parece-me que te desculpaste mais comigo desde que nos casamos que em todo nosso noivado.
Robert sorriu ligeiramente.
-com certeza que sim. Os dois últimos dias foram... extraordinários. Por isso estou incomprensiblemente esgotado, muito cansado para ser um marido atento esta noite.
-Ah. -Toureie percorreu com o dedo o bordo da taça-. Então hoje durmo sozinha.
-Sim. Não acredito que a união de uns maridos deva precipitar-se.
Ela o olhou de esguelha e esta vez não lhe coube dúvida: ruborizou-se.
-boa noite, duquesa -se despediu, levantando-se de repente.
-Robert?
Em seu afã por afastar-se dela quanto antes, já tinha dado alguns passos para a porta, mas se voltou devagar para olhá-la.
-Sim?
-Quer-me?
Ele fechou os olhos devagar e suspirou.
-Aprecio-te. Jamais te faria mal.
-Se não tivesse tido uma dote substanciosa, teria-te casado comigo?
Robert abriu os olhos, deu um passo para a cama e se agarrou ao poste quadrangular.
-Acredito que me teria casado contigo embora não tivesse tido dote.
-O que é o que mais você gosta de mim?
Franziu o nevoeiro e inclinou a cabeça.
-Pede-me que escolha uma só coisa?
Ela assentiu com a cabeça.
-Dói-me admiti-lo, mas não estou segura do lugar que ocupo em sua vida. Sempre parece ter pressa por escapar de mim, inclusive quando tudo vai bem e eu...
-Seu sorriso -a interrompeu antes de que pudesse finalizar seu desvario.
Seu sorriso? Meneou a cabeça, assombrada.
-Mas um sorriso é tão intrascendente...
-Dissento. Contemplar a teu é um prazer. Te forma uma covinha diminuta na bochecha direita que te faz parecer pícara e misteriosa ao mesmo tempo. Sedutora. E tenra.
Seu sorriso é como um arco íris do reverso;
seus olhos os poços de ouro de cada extremo.
-Não sabia de seus dotes poéticas.
-Os detentos do Pentonville dos que falávamos ontem não vêem nunca um sorriso.
-Com esses capuzes, duvido que tampouco vejam um nevoeiro franzido.
Esperava que seu comentário despreocupado o fizesse rir, mas ao parecer não sortiu esse efeito, porque seguiu muito sério.
-O sorriso é algo mágico, Toureie. Ilumina o coração. Até um sorriso fugaz pode alegrar. Imagina que nunca ninguém lhe sonriera. Recentemente que comecei a apreciar
seu poder... desde que me ofereceu a
tua.
O elogio a afligiu.
-Não sei o que dizer. Meu sorriso sempre me pareceu muito corrente.
-Nenhum sorriso é corrente, mas a teu é excepcional. Sei que nos aconselham que não sorriamos quando nos fazem um retrato, mas eu gostaria de muito que rompesse
a tradição, que fosse a primeira duquesa
do Killingsworth que sorri para seu retrato, e que me façam uma miniatura para levá-la sempre comigo.
-demora-se tanto em pintar um retrato que estou convencida de que me doerá a mandíbula, mas o agüentarei por ti.
-Esse mesmo sorriso. Essa é a que quero levar sempre comigo.
Ela nem sequer se deu conta de que sorria.
-Sorrirá-me você?
-Tenho pouca prática, mas verei o que posso fazer. Que durma bem.
Foi uma despedida mais amável que a anterior, e o deixou ir. Se acurrucó sob os lençóis enquanto bebia o chocolate morno. Desconhecia por completo algumas facetas
de seu marido. Quem haveria dito que concederia
tanta importância a um sorriso? E que seguisse preocupando-se tanto por aqueles desafortunados detentos.
Com quem se casou?
Ela é a duquesa do Killingsworth. Você é o duque do Killingsworth. É sua esposa.
Mas não sou quem a cortejou, quem a conquistou, quem lhe pediu o matrimônio.
Não tenho direito a desejá-la como a desejo. Nenhum direito!
Mas ela é sua duquesa. Sua duquesa!
Ela não tem a culpa.
Descalço, com a ostentosa camisola de seda de seu irmão, Robert percorria nervoso a grosa carpete de seu dormitório, de um lado a outro, em círculos, tampando-os
ouvidos com as mãos, sem poder afogar as
vozes de sua cabeça.
Embora estava pouco disposto a admiti-lo, tinha mantido muitas conversações consigo mesmo enquanto estava no Pentonville, emprestando vozes distintas a seus pensamentos
e, apesar de que sabia perfeitamente
que todos eram deles e os controlava, era em ocasiões como essa quando tinha a sensação de que se estava voltando louco de verdade.
Porque não podia deter as vozes, não podia impedir que o tentassem, que tentassem lhe conceder a liberdade de fazer exatamente o que queria fazer: converter a Toureie
em sua esposa de todas as formas possíveis.
Inclusive antes de que Whitney o tivesse alertado de seu desaparecimento, Robert já tinha decidido que merecia a honra de dormir na asa familiar. Que fora a ficar
ou não era outra questão, mas ela se casou
com o duque do Killingsworth de boa fé e tinha direito a dormir no dormitório da duquesa.
Teria transladado suas coisas à manhã seguinte em lugar daquela noite, mas, sabendo que ela ainda não se retirou a descansar, a demora carecia de sentido.
Como podia sair tão mal um pouco tão singelo como um passeio noturno? Como tinha podido perder-se? Seu temor era que tivesse pensado converter o passeio em uma fuga.
Não o reprovava. O matrimônio com ele
certamente não era absolutamente o que ela tinha esperado.
Apenas lhe falava e, quando o fazia, não sabia o que lhe dizer. Era assombroso o que oito anos de falar com a gente mesmo podiam lhe fazer a um homem. Embora sempre
tinha sido um conversador engenhoso,
e durante seu fechamento no Pentonville se entreteve a si mesmo até o ponto de fazer rir em alguma ocasião, agora se via completamente incapaz de manter uma conversação
do mais intrascendente.
O tempo. Podiam falar do tempo. De fato, possivelmente ela não tivesse saído se, quando se aproximavam do Hawthorne House, ele houvesse dito: "O ar cheira a chuva.
Haverá tormenta antes de meia-noite".
Porque a tinha cheirado, e tinha saboreado seu aroma, mas se tinha guardado suas observações para si. Assim que ela tinha saído sem pensar nas conseqüências de uma
tormenta. Ele tinha ido procurar a sem
pensar no que aconteceria quando a encontrasse. Nem sequer lhe tinha ocorrido selar um cavalo para ela, e essa falta de previsão lhe tinha suposto a deliciosa tortura
de levá-la sentada entre suas coxas,
com as costas lhe roçando o peito a cada passado do cavalo, lhe transmitindo seu calor e impregnando sua roupa de seu aroma.
Tinha sido um milagre que a encontrassem, um milagre que lhe tinha permitido abraçar um nada mais vê-la, estreitá-la entre seus braços, tão forte que lhe tinha notado
os mamilos, endurecidos pelo frio
da noite quando ela apertava o peito contra o seu. Até estando impregnado e morto de frio, não lhe teria importado acontecer a noite ali de pé, até que o sol aparecesse
pelo horizonte, só abraçando-a,
inspirando o doce aroma que ainda impregnava suas fossas nasais. Nem a chuva o tinha levado.
Supunha que, uma vez revelada a verdade e disolvido o matrimônio, quando entrasse no dormitório contigüo ao dele, este ainda conservaria seu aroma.
Porque agora Toureie estava ali tombada e tão somente os separava uma porta. Uma porta pesada e recarregada, claro, como tudo o que havia naquela casa. Mas bastaria
com que a abrisse e lhe fizesse saber
que lhe tinha mentido sobre muitas coisas.
Muito cansado para ser um marido atento?, como havia dito a ela.
Céu santo. Tinha sido mais que atento. Tinha tido que apertá-las mãos até fazer-se danifico para evitar que estas se equilibrassem sobre aquele cabelo solto, que
um de seus dedos seguisse o percurso sinuoso
de seu grosso lábio inferior, onde tinha descansado uma gota de chocolate até que ela a tinha recolhido com a língua.
Aquele pequeno gesto quase tinha sido sua perdição. Seu corpo se havia posto rígido com tal rapidez que se enjoou.
Muito cansado?
Pensou que até em seu leito de morte encontraria a energia e a resistência necessárias para lhe fazer o amor.
Tinha-o comovido vê-la esforçar-se por conservar seu recato, procurando não desentupir-se enquanto se incorporava na cama. Mas os lençóis se deslizaram um pouco
quando tinha estirado o braço para agarrar
a taça de chocolate, e lhe tinham permitido divisar a curva de um seio perfeito, moldado pela suave malha de sua camisola. Não o fazia falta vê-lo para saber que
lhe pareceria magnífico. Não precisava
albergá-lo na palma de sua mão nem acariciá-lo para sabê-lo extraordinário.
Bastava-lhe vendo a forma que dava a sua camisola para estar seguro de que toda lhe pareceria extraordinária.
deixou-se cair no sofá que havia ante a chaminé, e o fogo que ali ardia lhe pareceu quase frio comparado com o calor que irradiava seu corpo quando pensava em sua
mulher. O que precisava era outro banho
de água fria, quão último tinha esperado ver-se obrigado a suportar. Um banho de água geada que lhe fizesse tocar castanholas os dentes.
Mas algo devia aplacar seu ardor, porque não podia procurar o alívio da forma que a seu corpo gostaria.
Não podia deitar-se com sua esposa porque ele não era o homem ao que lhe tinha concedido essa honra. Não podia deitar-se com outra mulher porque estava casado e,
embora não tivesse intenções de fazê-la
sua, ela tinha contraído matrimônio com ele pensando que o fazia com o homem que o tinha pedido.
De modo que respeitaria seu enlace até que pudesse dissolvê-lo.
Devia ir-se dormir, seguir o conselho que lhe tinha dado a ela e descansar para, ao dia seguinte, poder revisar os livros e os registros em busca de algo que lhe
servisse para conservar o que seu irmão
tinha querido lhe arrebatar.
Entretanto, quando ao fim se retirou, quase duas horas depois, depois de fazer pouco mais que contemplar o fogo e pensar na mulher da habitação contigüa, não sonhou
conservando seu ducado, a não ser a
sua esposa.
Capítulo 10
À manhã seguinte, Toureie despertou assombrosamente descansada. A noite anterior, depois de terminá-la taça de chocolate quente, ficou-se tombada, escutando o rangido
do chão de madeira sob os pés de seu
marido, que esteve passeando inquieto até altas horas da madrugada. Do instante em que se reuniu com ele ante o altar, tinha-o notado intranqüilo, distinto. A viagem
do dia anterior tinha sido o bastante
agradável para lhe dar a entender que seu matrimônio também o seria, mas a sua chegada tinha ficado claro que se equivocava.
Algo o preocupava, ele mesmo o havia dito. Oxalá o compartilhasse com ela. por que os homens sempre pensavam que deviam ter a fortaleza necessária para carregar
com seus pesares eles sozinhos?
Com um suspiro, apartou os lençóis e saiu da cama. Cruzou a estadia, retirou um pouco as cortinas com ambas as mãos e apareceu. Brilhava o sol e pouco ficava da
tormenta da noite anterior, apenas algum
atoleiro. ia ser um dia fantástico. O primeiro de seus dias como senhora da casa. aproximou-se de novo à cama e atirou do cordão da campainha para chamar a sua donzela.
Quase não podia estar-se quieta enquanto Charity a preparava para começar o dia. perguntou-se onde estaria Robert nesse momento. Atendendo seus negócios, aguardando-a
no salão de café da manhã?
Não tinham feito planos, por isso não tinha nem idéia do que esperar. Mesmo assim, estava segura de que seu dia se pareceria muito ao de sua mãe: reunir-se com seu
marido, repassar as questões das que
devia ocupar-se e decidir o que deviam lhes preparar para comer.
Uma vez embelezada com um vestido verde claro, deu um passeio tranqüilo pela mansão em busca do salão de café da manhã, detendo-se várias vezes para pedir indicações
aos criados. A casa era imensa, e se
perguntou se algum dia aprenderia a mover-se por aquele labirinto de corredores. Esperava que os tentadores aromas a guiassem até o salão, mas ao entrar descobriu
por que não tinha sido assim.
Naquela estadia não havia comida.
Não se tinha ficado dormida, nem tampouco se levantou muito logo. Era uma hora apropriada para que se servisse o café da manhã. Obviamente, devia pôr ordem, e queria
fazê-lo antes de que seu marido estivesse
preparado para ser servido.
Olhou ao lacaio que estava de pé junto ao aparador, como se de verdade ali houvesse algo importante que guardar.
-Onde estão as cozinhas? -perguntou-lhe.
-Por essa porta, senhora -respondeu o lacaio assinalando com a cabeça-. Siga o corredor e à esquerda. Não tem perda.
Então cruzou a estadia e lhe abriu a porta em questão. Ela passou e prosseguiu seu caminho. Ao aproximar-se da porta abovedada de tijolo que sem dúvida conduzia
às cozinhas, compreendeu em seguida por
que o café da manhã ainda não se serviu. ouviam-se sonoras gargalhadas como levadas pelo vento junto com um delicioso aroma a porco, vitela e confeitaria que lhe
fez a boca água. Até aquele momento, não
se tinha precavido da fome que tinha.
Se a cozinheira não tivesse estado muito entretida paquerando com algum dos serventes, Toureie já estaria acalmando as pontadas de seu estômago. E seu marido? Certamente
estava morto de fome e confiando
em que a comida estivesse esperando-o. Devia resolver aquele assunto imediatamente. Ela era a duquesa, e agradar a seu marido sua máxima prioridade. Dava igual a
ainda não lhe tivessem apresentado à cozinheira.
apresentaria-se ela mesma e se encarregaria de que o café da manhã estivesse preparado para que quando Robert...
Chegou à entrada e se deteve, incapaz de acreditar o que estava vendo e ouvindo.
Certamente era a cozinheira a que ria, mas não com um servente. Não, senhor. O homem com o que o estava passando tão bem não era outro que o próprio duque. Estavam
sentados o um fronte ao outro, na mesa
onde Toureie supunha que comia o serviço.
Nunca o tinha visto tão contente, tão depravado, como se estivesse justo onde devia estar; algo estranho, dado que ela sempre o havia visto muito adequado no lugar
que lhe correspondia, mas não podia descrever
de outro modo a cena que estava presenciando. Lhe via cômodo, muito a gosto com seu entorno.
Interrompeu suas gargalhadas para meter-se algo na boca, fechou os olhos, mastigou-o com fúria e jogou a cabeça para trás. Parecia extasiado e a cozinheira -uma
mulher baixa de cabelo grisalho que sem
dúvida acostumava a provar tudo o que preparava- o olhava como a seu filho predileto.
Toureie estava hipnotizada, olhando como se moviam os músculos do pescoço do Robert ao tragar. Não ia bem vestido: levava só umas calças, botas e uma camisa branca
folgada com dois botões desabotoados
e o pescoço e a parte superior do peito ao descoberto.
Robert abriu os olhos e lhe dedicou à cozinheira um sorriso de verdadeiro prazer.
-Ah, senhora Cuddleworthy, ninguém faz o bolo de framboesa como você.
-É um milagre que ainda saiba fazê-la. Levava anos sem me pedir isso -Hacía años que no era tan agradable, señor.
-A partir de agora, quero que me faça isso todas as manhãs. E também para o chá. Inclusive poderia tomar a de prostre no jantar. -Elevou um dedo como se caísse na
conta de algo muito importante-. E com
a comida.
-Sentiu saudades que me pedisse que não a fizesse mais. Sempre tinha sido seu favorita.
-Está claro que aquele dia não era eu.
Retirou um pouco a cadeira, inclinou-se para frente e lhe deu um beijo na bochecha. A anciã se ruborizou e começou a rir como uma colegiala.
-Fazia anos que não era tão agradável, senhor.
-Um descuido que procurarei evitar no futuro. -Com uma faísca no olhar, agarrou outro pedaço de bolo. De repente, deteve-se, a mão congelada sobre o prato. Tinha
devido de precaver-se da presença de Toureie,
porque voltou bruscamente a cabeça e posou o olhar nela. levantou-se imediatamente, com o correspondente estrépito das patas da cadeira sobre o chão de pedra.
Ela se sentiu como uma intrusa, de pé na soleira da porta, contemplando aquele intercâmbio amistoso entre o senhor da casa e sua cozinheira. Mais ainda, custava-lhe
digerir o fato de que o homem que tinha
diante fora o mesmo que a tinha pedido em matrimônio.
Em alguma ocasião o tinha ouvido rir ou lhe tinha roubado alguma sorriso, mas nem o um nem o outro nasciam de um regozijo tão absoluto. Jamais o tinha visto rir
com tantas vontades, nem sorrir com um afeto
tão puro; menos ainda beijar na bochecha a uma faxineira. De fato, ele sempre tinha tratado aos criados como se não existissem.
Poderia ser que houvesse um senhor de Londres e um do Hawthorne House, um homem cuja personalidade trocasse segundo onde vivesse? Ou tinha sido o matrimônio o que
o tinha transformado? comportava-se de
outra forma da cerimônia. Não, não desde, também durante: tinha-a cuidadoso como se não a conhecesse, desculpou-se...
Notou que a tensão começava a propagar-se pela estadia e acabava com a atmosfera relaxada que tinha reinado até fazia apenas um instante.
-bom dia, duquesa -disse Robert inclinando um pouco a cabeça.
-bom dia. Lamento interromper, mas não há comida no salão do café da manhã...
-Quanto o sinto, senhora -a interrompeu a cozinheira-. O duque queria tomar o café da manhã aqui, na cozinha, como quando era um menino. Tenho suposto que você quereria
que lhe subissem o café da manhã
ao dormitório. Agora mesmo me encarrego de que surtam devidamente o aparador.
-Não, não, não é necessário. Basta-me com um prato.
-Em seguida o preparo.
Com o olhar ainda fixo no Killingsworth, Toureie emprestou pouca atenção à cozinheira, que começou a mover-se rapidamente pela cozinha, colocando vários bocados
de comida em um prato grande. Ao Robert
parecia lhe incomodar a presença de sua esposa.
-Te vê mais depravado aqui que em Londres -disse ao fim, embora não falava de sua relação com ela.
-Hawthorne House foi sempre meu lar. À casa de Londres só vou de visita, porque às vezes não fica mais remédio.
-Aqui tem, senhora -disse a cozinheira-. me Permita que o leve a salão de café da manhã...
-Não faz falta -a me interrompeu Toureie-. Posso comer isso aqui.
-Claro, senhora -acrescentou a cozinheira.
-Cuddleworthy, verdade? -inquiriu Toureie centrando sua atenção na anciã.
-Sim, senhora -confirmou a cozinheira com uma reverência.
A Toureie lhe pareceu que ia bem o nome*. Podia imaginar-se a um menino sentado no regaço daquela mulher, com a cabeça apoiada em seu volumoso busto enquanto ingeria
bolo de framboesa, manchando-a boca
e as mãos, e manchando também o avental dela no que estava sentado. Devia ser tão cômoda como uma cama branda.
-Se não te importa -acrescentou Toureie olhando de novo a seu marido.
-Claro que não. É a senhora da casa. Pode fazer o que quiser.
Não era exatamente a resposta que esperava, porque, apesar de suas palavras, não parecia que queria tê-la ali. Ele retirou uma cadeira. Ela se aproximou da mesa
e se sentou. A senhora Cuddleworthy lhe
pôs o prato diante.
Robert se inclinou, deu-lhe um beijo na têmpora e disse:
-Se me desculpar, carinho, tenho alguns assuntos urgentes que atender.
E se foi sem mais, deixando-a perguntar-se de novo por que o inquietava tanto sua presença. Que demônios passava?
A senhora Cuddleworthy parecia tão surpreendida como Toureio por sua brusca partida. Olhando o prato, Toureie desejou ter decidido tomar o café da manhã no salão,
depois de tudo. Ao menos aquela habitação
era mais luminosa, menos cansativo, mais alegre que a cozinha. E naquele momento precisava animar-se.
-Preparo-lhe uma taça de chá?
Toureie olhou à cozinheira e sorriu.
-Sim, por favor.
Removeu a comida pelo prato; tinha perdido o apetite. Não entendia a reserva de seu marido, seu afeto forçado, seu beijo fugaz. Era como se atuasse, como se fizesse
o que se esperava dele e não o que ele
queria.
sobressaltou-se quando a cozinheira lhe pôs o chá diante.
-Obrigado.
-Não gosta do que preparei? -quis saber a senhora Cuddleworthy.
-Está delicioso -confirmou Toureie obrigando-se a tomar um bocado.
-Devo dizer que me orgulho de meus bolos de framboesa.
-Pelo visto, ao duque adora -comentou Toureie.
-Sim, sempre lhe gostaram. De menino, lorde Robert me rogava que as fizesse. Por isso nunca entendi que me proibisse voltar às preparar.
Toureie, que acabava de levantar a taça de chá para dar um sorvo, ficou paralisada ali sentada, com a taça em alto, tentando encontrar sentido às palavras da mulher.
-Proibiu-lhe que preparasse algo que adora?
A cozinheira assentiu com a cabeça.
-Até esta manhã. baixou antes de que amanhecesse a me pedir meus bolos. Do mais estranho.
Certamente o era, tendo em conta o muito que tinha desfrutado comendo uma.
-Perguntou-me por que -murmurou Toureie, sem esperar uma resposta.
-Nem a menor ideia -respondeu a cozinheira de todas formas-. Foi justo depois de converter-se em duque. Quando são muito jovens, às vezes lhes sobe à cabeça... o
poder de sua posição. Trocou bastante depois
disso, sim, senhora. o dos bolos foi só o princípio. Possivelmente pensou que o gosto pela confeitaria era coisa de moços, não de um homem com as responsabilidades
que ele tinha adquirido.
-Sendo seu favorita, o lógico teria sido que a pedisse três vezes ao dia. Sempre me reconforta comer algo que eu gosto.
-Isso penso eu -murmurou a mulher enquanto desviava sua atenção ao forno. Outra peculiaridade de seu marido que devia limar, pensou Toureie.
Robert sempre tinha pensado que se se livrava da prisão do Pentonville, desapareceria o desespero, e assim tinha sido, brevemente, mas enquanto estudava os livros
contáveis e os documentos que tinha diante,
esta voltou a cair sobre ele com grande estrépito, como quando as portas do cárcere se fechavam a seu passo.
Os livros pareciam indicar que, de algum modo, seu irmão tinha levado o imóvel ao bordo da ruína. equivocou-se ao lê-lo ou possivelmente John não sabia anotar os
ganhos, porque aquilo não podia ser.
Sua família tinha recursos, explorações mineiras, cavalos, investimentos...
recostou-se na cadeira, olhou os afrescos do teto e se perguntou por que lhe surpreendia descobrir que seu irmão tinha antepor suas prioridades às das propriedades
e os títulos familiares. John sempre
tinha preferido jogar a trabalhar, sempre se tinha saltado as horas de classes, tinha vadiado tanto como tinha podido, tinha paquerado com as criadas jovens, e o
tinham jogado de uma escola detrás de outra.
perguntou-se se seu irmão teria previsto trocar depois de casar-se, ou se o apaixonar-se por Vitória talvez o tinha transformado. Porque tinha que haver-se apaixonado
por ela. Que homem não o faria?
Robert fechou os olhos e, sem esforço algum, pôde vê-la perfeitamente. Seu cabelo resplandecente, seus olhos pardos, a covinha que lhe formava na bochecha direita
quando ria. por que só em um lado? O que
outras incoerências revelaria seu corpo? Pensou que seria o mais afortunado dos homens se lhe concedesse a oportunidade de explorar seu rosto, de percorrê-lo, de
tocar com o dedo, não, melhor com a língua,
aquela fenda diminuta que só aparecia quando estava muito contente. Gostaria de passear os dedos por seu pescoço, encher de beijos cada centímetro de seu corpo.
E se não lhe permitisse liberdades neste
âmbito, conformaria-se com não fazer outra coisa que contemplá-la durante horas.
abriu-se a porta e, ao levantar de repente a cabeça, Robert viu que sua esposa entrava indecisa na habitação. Possivelmente se perguntava por que seu marido não
lhe emprestava atenção. ia ter que encontrar
um modo de justificar sua distância. Alguma enfermidade contagiosa, possivelmente.
Estremeceu-o a idéia de que um rumor assim pudesse propagar-se. Então nenhuma mulher o quereria, e necessitava desesperadamente uma. Confiava em poder mascarar melhor
o desejo de seu olhar que o desejo
que se manifestava por debaixo de sua cintura. Para controlar seu corpo, jogou uma olhada às deprimentes cifra dos livros contáveis antes de levantar-se muito devagar.
Mas ela não o olhava, seus olhos estavam fixos em algo que havia a suas costas. O quadro, claro. O retrato de sua mãe com seus dois filhos, um a cada lado dela.
-Céu santo, esses são John e você com sua mãe? -inquiriu.
-Sim.
-São idênticos.
-Claro. Somos gêmeos.
Ela meneou a cabeça, e a diminuta covinha apareceu assim que se elevou a comissura de seus lábios.
-Sempre soube que foram gêmeos, mas nunca tinha visto um retrato dos dois. Pensei que haveria algo que lhes distinguisse. Uma sarda, talvez um queixo distinto.
-Não há nada, o que faz impossível que alguém nos distinga.
-Quantos anos tinham quando se pintou esse retrato? -perguntou.
-Acredito que quase oito.
-Era estranho?
-Estranho?
-Ter um gêmeo. Não imagino a sensação de olhar a alguém idêntico a ti.
-Não me parecia estranho. Quando olhava ao John, via o John, dava-me igual a seu aspecto fora idêntico ao meu.
Sorriu mais e sua covinha se pronunciou.
-E alguma vez lhes fizeram acontecer o um pelo outro?
Como devia responder a aquela pergunta, com a verdade? Era a oportunidade perfeita para lhe explicar a situação, para lhe falar do engano do John. Mas não teve valor.
Não queria perdê-la, de modo que se
limitou a dizer:
-Alguma vez.
-E lhes descobriram?
-Não -respondeu com voz fica-. Não se inteirou ninguém.
Toureie se aproximou do escritório com uma faísca de interesse nos olhos.
-me conte alguma vez. me diga o que fizeram e como conseguiram enganar a todo mundo.
-Não foi tão difícil. Como bem diz, somos idênticos, e até nossos gestos são muito parecidos. Eu diria que quão única de verdade podia nos distinguir era nossa mãe.
A ela nunca a enganávamos.
-Mas o tentaram?
-Alguma vez.
-me fale de alguma em que conseguisse te fazer passar pelo John.
Sobreveio-lhe uma lembrança de fazia muitos anos, um que tinha enterrado em sua memória e não havia tornado a resgatar.
-Não é algo do que me sinta orgulhoso.
-Guardarei-te o segredo.
-Piorará sua opinião de mim.
-Impossível.
Percorreu com o dedo o canto do escritório, estudando o fino grão da madeira. Jamais o tinha contado a ninguém. Até o John lhe tinha guardado o segredo quando não
tinha por que.
-Deve-me uma, irmão -lhe tinha recordado depois.
Não acreditava que fora esse incidente o motivo pelo que John o tinha encerrado no Pentonville.
-Robert?
Levantou o olhar. Quase tinha esquecido que ela estava ali.
-Aonde vai? -perguntou-lhe, meneando a cabeça.
-Como?
-Te perde o olhar. Vi-te fazê-lo muitas vezes. Fico sozinha, embora esteja a meu lado.
-Roubei uma maçã -começou a explicar precipitadamente, depois de decidir que era preferível lhe contar a história a lhe dizer no que pensava quando ficava absorto-.
Em uma loja do povo. Ao John gostava
de muito a filha do lojista, e eu me fiz passar pelo John para paquerar com ela, porque lhe dava beijos.
-Assim que lhe roubou os beijos?
-Sim, e uma maçã. O lojista me viu me levar a maçã, não os beijos, e lhe comunicou o roubo a meu pai. Só que, como eu lhe havia dito a sua filha que era John, o
lojista disse a meu pai que tinha sido John
quem tinha roubado a maçã, e meu pai o castigou.
-Castigou-o? Por roubar uma maçã?
-Meu pai tinha um código moral muito estrito. A gente não agarrava o que não era dele. John e eu tínhamos então quatorze anos, mas meu pai o obrigou a tender a mão
com a que supostamente tinha roubado
a maçã e lhe pegou três vezes com uma vara. Logo lhe fez pagar a maçã.
deu-se conta de que estava apertando o punho. Os golpes os deram ao John, mas ao Robert doeram igual, porque o obrigaram a presenciá-lo para que aprendesse a lição.
-Devi haver dito a verdade e lhe economizar ao John o castigo, mas não queria decepcionar a meu pai. Ou talvez foi só debilidade. Covardia. John não tinha mais prova
de que tinha sido eu que sua palavra.
E agora Robert se via no mesmo apuro.
Inclinando-se sobre o escritório, lhe agarrou o punho apertado e com a outra mão foi lhe estirando pouco a pouco os dedos. Logo lhe deu um beijo na palma da mão
como se o tivessem castigado a ele. Robert
dobrou um pouco os dedos para poder lhe acariciar a bochecha.
-Foi uma brincadeira inocente. Estou convencida de que John se fez passar por ti muitas vezes.
-Certamente tem razão, mas, agora que o penso, talvez meu pai sabia a verdade. Por isso me castigou me obrigando a presenciar o castigo do John. Se essa era sua
intenção, foi muito inteligente por sua
parte. Jamais voltei a me fazer passar pelo John.
Apartou a mão da de Toureie para evitar fazer algo perigoso, como agarrá-la pela nuca para poder beijá-la.
-Pedi-lhe à moço de quadras que me sele um cavalo para ir montar -lhe comunicou, sem outra finalidade que trocar de tema e que soubesse que mais valia que voltasse
para suas coisas porque ele ia continuar
com as suas.
-Posso te acompanhar? -perguntou ela.
-Tenho a varíola -pronunciou essas palavras em um tom apenas audível para seus próprios ouvidos.
-Como? -inquiriu ela inclinando a cabeça.
-Que... vi rastros... de raposa*.
-Vai de caça então?
-Não, só a olhar.
Lhe deu de presente um sorriso que quase o desmontou, e naquele momento pensou que de verdade poderia odiar a seu irmão por ter direito algum sobre aquela mulher.
-Eu também quero olhar.
Toureie seguia tentando-o além de toda lógica, e sua resistência começava a debilitar-se.
-Melhor em outra ocasião. Tinha pensado visitar o mausoléu familiar, e não é precisamente um lugar alegre.
-Queria apresentar meus respeitos a sua família.
O que podia alegar a uma declaração tão sentida?
-Pedirei que preparem outro cavalo.
-Obrigado. irei pôr me o vestido de montar e me reunirei contigo nos estábulos.
Ela o desconcertava, confundia-o, era uma ameaça para seus planos. Mas foi incapaz de fazer outra coisa que assentir com a cabeça e dizer:
-Agradará-me sua companhia.
Capítulo 11
Ao final, foram andando, com os cavalos detrás, porque o mausoléu familiar não estava tão longe da casa. Chegaram a ele atravessando uns jardins elaborados e bem
cuidados que a Toureie lhe deram a impressão
de ter sido desenhados para proporcionar tranqüilidade a qualquer que os percorresse, de modo que, ao chegar a seu destino final, acompanhasse-os uma sensação de
paz.
O mausoléu era esplêndido, como tudo o que tinha visto no Hawthorne House. levantava-se em um claro, e suas agulhas de pedra competiam em altura com as árvores circundantes.
Uma série de vidraças adornava
o frio edifício e coloria a luz do sol.
Toureie pensou que, provavelmente, fossem as tumbas de mármore as que esfriavam o interior. Havia várias junto às paredes, e sobre cada uma delas, o intrincado relevo
de um homem junto a uma mulher, ambos
na flor da vida, embora a morte não lhes tivesse chegado até muito depois; um detalhe para quem ali jazia e também para quem os visitava, que sempre os viam em seu
melhor momento.
No centro do edifício repousavam os restos dos quintos duques do Killingsworth, os pais do Robert, que tinham deixado este mundo muito logo.
E ali estava Robert, com as mãos apoiadas na figura marmórea de sua mãe, a cabeça inclinada, os olhos fechados em solene reflexão. Embora tinham acontecido oito
anos desde que falecessem, era óbvio que
sua perda ainda lhe doía. Outra faceta dele que ainda não conhecia: a de um homem que sentia profundamente.
Lhe encolheu o coração ao ver o muito aflito que estava. aproximou-se dele devagar e lhe pôs uma mão nas costas para lhe proporcionar um pouco de consolo.
-Eu não estava com eles quando morreram -explicou com voz rouca.
Lhe agarrou o braço com a outra mão e o apertou, tratando de confortá-lo, embora sabia que nada seria suficiente.
-Acontece a muitos filhos.
-Devi ter estado ali.
Parecia aborrecido. E não o reprovava. Seus pais não tinham morrido muito maiores.
-Nunca conheci a ninguém que sentisse tanto a morte de um ser amado. Devia querê-los muito. -E não pôde evitar confiar em que algum dia a quisesse tanto a ela.
-estive contendo a dor. Esta é a primeira vez... -esclareceu-se garganta-. Não tinha vindo a vê-los até hoje. Não... não podia, mas ao ver suas figuras esculpidas
em mármore branco, sua morte resulta tão
real...
-Eles não quereriam que seguisse lhes chorando.
-Seguro que não. Importaria-te me deixar a sós uns minutos?
Embora teria preferido que ele agradecesse sua proximidade, entendeu o doloroso da situação, porque ela tinha estado muito unida a seus avós, e os tinha perdido
quando era menina. Voltou a lhe apertar
o braço antes de sair devagar ao encontro do sol, agradecida por aquele calor que afugentava o frio do mausoléu.
Robert demorou um momento em sair, com os olhos um pouco avermelhados, e Toureie pensou que possivelmente tinha chorado. Nunca lhe tinha ocorrido que pudesse ser
um homem sentimental. Seu noivado só lhe
tinha permitido ver a superfície, e lhe pareceu injusto que as convenções sociais não permitissem a um casal compartilhar momentos de solidão nos que poder conhecer-se
melhor antes de ver-se obrigados
a intimar.
Ele jogou uma olhada ao redor e respirou fundo enquanto se atirava das luvas. Logo, por fim, posou a vista nela. Agora o via claro: tinha chorado.
-Acredito que deveríamos procurar um entretenimento mais agradável.
-Como ir em busca de sua raposa?
Por um instante, ele se mostrou desconcertado, depois sorriu.
-Sim, vamos ver se o encontramos.
Quão último Toureie tinha esperado era que seu marido a intrigasse. Era uma contradição, um mistério, um completo desconhecido. Essa era a melhor forma de descrevê-lo.
Como se o acabassem de apresentar.
Possivelmente o matrimônio fora assim. O noivado proporcionava poucas ocasiões de conhecer intimamente ao sujeito do próprio afeto, com o que alguém se perguntava
o que era o que originava o carinho.
Começava a dar-se conta de que até que não se casou com o Killingsworth seus sentimentos se apoiaram unicamente em pequenezes circunstanciais: sua maneira de dançar,
o modo em que levava uma conversação,
a cor de seu cabelo, a forma de sua frente, o corte afiado de seu nariz, seu queixo firme, seus olhos faiscantes.
Sua valoração dele não se sustentava em nada substancial, em nada de importância. Não era de sentir saudades que tantos casais parecessem descontentes com sua eleição.
Mas agora, por fim, começava a conhecê-lo melhor, e se dava conta de que era um homem fascinante. Por como a tinha abraçado no carro, como a tinha tranqüilizado
a noite anterior com uma taça de chocolate
quente, como brincava com a cozinheira, como seguia chorando a perda de seus pais.
Alguma vez tinha ouvido dizer que a procissão vai por dentro, mas só agora começava a compreender a complexidade da expressão e do caráter de seu marido. Sua pessoa
pública era completamente distinta da
privada, e estava descobrindo que o homem que cavalgava para seu lado começava a ocupar um rincão de seu coração que jamais acreditou que pudesse lhe entregar.
adorava o modo em que ele o olhava tudo como se fora um milagre, como se apreciasse a beleza singela da natureza que os rodeava enquanto se dirigiam ao bosque a
lombos de seus cavalos. Parecia que agradecesse
estar vivo, que o sol lhe esquentasse o rosto e os cantos dos pássaros enchessem o ar.
Robert não tinha aberto a boca desde que tinham saído do mausoléu. de vez em quando, olhava-a, sorria-lhe quase timidamente e apartava a vista. Toureie se perguntava
se o envergonharia não ter sido capaz
de lhe ocultar o muito que queria a seus pais. Pensou em lhe explicar que ela o queria mais pelo que tinha visto, mas temeu que isso só servisse para distanciá-lo,
para que se sentisse mais coibido. De
modo que preferiu recuperá-lo com um aviso da tarefa que os ocupava.
-O que fará com a raposa quando o encontrar? -perguntou-lhe.
Abriu uns olhos como pratos e soltou uma pequena gargalhada.
-Ah, não, não... não procuro nenhuma raposa. Levo muito tempo sem montar...
-Montou ontem à noite, quando saiu a por mim.
-Bom, sim, mas isso não conta. Estava concentrado na busca e não pude desfrutá-lo.
-Montamos juntos a semana passada -lhe recordou.
Franziu o nevoeiro.
-Sim, mas isso foi em Londres.
Sua réplica soou a pergunta, como se não estivesse seguro.
-No Hyde Park -confirmou ela.
-Cavalgar pelo campo é muito distinto. -Deteve seu cavalo junto a um grupo de árvores-. por aqui prefiro caminhar.
E desmontou sem olhá-la.
-A erva é muito espessa nesta zona; também te resultará mais fácil ir a pé.
-De acordo.
Então a olhou, sem mover-se.
Toureie esperou. Ele também.
-Necessito ajuda para desmontar -disse ela ao fim.
Robert se sobressaltou um pouco, como se despertasse de repente de uma larga sesta.
-Sim, claro.
aproximou-se e se limpou as mãos nas calças antes de rodear com elas sua cintura com tanto cuidado como se fora de cristal e pudesse romper-se facilmente. Nunca
a havia meio doido com tal delicadeza, com
tal atenção. Nem sequer quando dançavam.
Toureie se separou da cadeira de montar e se apoiou nos ombros dele, surpreendida de encontrá-los tão firmes, tão sólidos. Pareceu-lhe algo mais largo de costas
do que recordava. Talvez fora porque sempre
lhe tinha posto uma só mão no ombro quando dançavam. Robert a levantou e a sustentou em alto um instante antes de posá-la no chão enquanto os dois se olhavam fixamente.
Durante um momento, Toureie teve
a sensação de que olhava aqueles olhos pela primeira vez, como se nunca os tivesse visto antes.
Albergavam calor, admiração, e pareciam vê-la tão distinta como ela a ele. Possivelmente não fora tão mau que não se precipitaram em fazer o amor, porque assim podia
criar um vínculo afetivo entre eles
antes de que nascesse o vínculo físico.
Quando seus pés tocaram o chão, ela se balançou um pouco para o Robert, enquanto ele ainda a sujeitava pela cintura. Sentiu a flexão e posterior extensão de seus
dedos ao tempo que seu olhar ardente se
posava em seus lábios. Estava convencida de que ia beijar a, por isso não pôde lhe surpreender mais que de repente a soltasse e se retirasse precipitadamente.
-vou atar aos cavalos para que sigam aqui quando voltarmos de nosso passeio pelo bosque -disse.
Observou-o enquanto se trabalhava em excesso em sujeitar aos cavalos a um arbusto. Que curioso que seu acanhamento natural se manifestasse nos momentos mais insuspeitados.
voltou-se para ela e esboçou um tênue sorriso, que Toureie, sem saber muito bem por que, encontrou encantadora.
-Vamos? -perguntou ele, assinalando para o bosque com a cabeça.
-Tem-te feito algo nas costeletas -comentou ela, perguntando-se como não se deu conta antes e se não seria essa a razão pela que o via tão distinto.
Antes, estavam acostumados a cobrir boa parte de suas bochechas e descendiam deixando ao descoberto só o robusto queixo. Agora se estava esfregando o queixo e as
bochechas, e se passava os dedos por umas
finas costeletas que não foram mais à frente do lóbulo da orelha.
-Sim, esta manhã. Resultavam-me molestas. Um poquito ostentosas.
Ela fechou os punhos para não fazer o que de repente se converteu em um impulso irrefreável: acariciar-lhe -Por favor.
-Eu gosto de como fica.
Ele soltou seu risita vergonhosa, olhou ao chão e logo a ela.
-Sério?
-Sim, são mais agradáveis -se surpreendeu dizendo-. Não sei como explicá-lo, mas ficam melhor.
-Felicitarei a minha ajuda de câmara de sua parte.
-Por favor.
ficaram ali de pé, como se aquela fora uma incômoda primeira entrevista, sem saber muito bem o que dizer mas querendo dizer algo.
-me siga -declarou ele, rompendo o feitiço, antes de encaminhar-se para o bosque.
Ela se apressou a lhe dar alcance, intrigada por aquele homem tão distinto ao que tinha conhecido em Londres. Se não fora porque sabia que era de todo ponto impossível,
teria pensado que se tratava de
alguém completamente diferente.
Robert logo que tinha percorrido uns metros quando o bosque começou a espessar-se e decidiu esperar a sua esposa. Ela avançava devagar, com cautela, com elegância.
Não sabia se alguma vez tinha visto alguém
abrir-se passo entre as matas com tanta graça.
Quando já estava perto, Toureie levantou a vista do chão, sorriu, tropeçou, gritou...
Ele foi a seu resgate imediatamente, tomou a mão, agarrou-a pela cintura, e foi como se o tempo se deteve. Embora ambos levavam luvas de pele de montar, na frieza
do bosque, Robert pôde sentir que o calor
da pele de sua esposa se transmitia à sua. Queria aproximar-lhe apertar todo seu corpo contra o seu até que aquele calor o atravessasse por completo. Ao mesmo tempo,
queria sustentá-la a certa distância
para poder contemplar seus maravilhosos olhos pardos. Nunca tinha visto uns olhos tão grandes, tão bonitos, que, quando ela sorria ou ria, brilhavam como um milhar
de estrelas no céu noturno.
Podia entender por que seu irmão a tinha eleito. Seu irmão. E ela tinha eleito ao John. A realidade daquela eleição o golpeou com força na boca do estômago.
-Posso te soltar já? -perguntou ele, confiando em que não notasse que soava como se se estivesse afogando.
Ela assentiu com a cabeça.
-Bem. -Soltou-a e retrocedeu-. Iremos mais devagar para que não haja contratempos.
-Jogava neste bosque de pequeno?
Robert reatou a marcha mais devagar até que lhe deu alcance, logo aumentou o ritmo ligeiramente. Ela não tinha as pernas tão largas como as suas, assim que se adaptou
a seu passo.
Pensou que, por ela, poderia adaptar-se a muitas coisas. Talvez seu irmão tinha tido a mesma sensação, embora não até o extremo de liberar ao Robert de seu inferno.
De havê-lo feito, teria se sabido que
era um impostor, e a mulher que acreditava ir converter se em duquesa teria descoberto que não seria assim. Sua decepção bem poderia ter acabado com seu compromisso.
-Sim -respondeu ao fim, recordando um tempo em que era feliz, em que queria a seu irmão e pensava que ele também o queria. perguntou-se se Abel se equivocou tanto
com os sentimentos do Caín. Ao menos John
não tinha matado ao Robert. Embora em muitos momentos o tinha desejado, agora lhe agradecia que não tivesse tomado essa decisão; agradecia-lhe a presença da mulher
que caminhava a seu lado e cuja doce
fragrância lhe chegava de vez em quando mesclada com o aroma acre da natureza que os rodeava.
-A que jogavam? -quis saber ela.
-Às guerras napoleônicas. Ao John gostava de ser Napoleón.
-E você foi Wellington?
-Claro.
-Sempre pensei que deve ser muito divertido ter um irmão gêmeo. me fale de alguma das vezes em que John se fez passar por ti.
Tinha-lhe apresentado a ocasião perfeita para lhe revelar a verdade. "Quando foram noivos. Quando te pediu em matrimônio."
Mas não teve valor. convenceu-se de que o bosque não era o lugar adequado para uma confissão desse calibre, embora suspeitava que, em realidade, a razão pela que
o pospor era a certeza de que, se lhe dizia
a verdade, perderia-a para sempre. E não estava preparado para isso.
Tinha-lhe proporcionado consolo no mausoléu, e seus sorrisos lhe alegravam a alma. De modo que tomaria emprestada por um tempo. John se tinha apropriado de bastante
mais.
-Foram muitas para as recordar. -De meninos, apenas lhe incomodava descobrir que John o tinha suplantado para lhe roubar o primeiro beijo a uma garota que gostava
a ele, para convencer à senhora Cuddleworthy
de que seus pratos favoritos eram os que em realidade odiava, para desafiar a seu pai como ele jamais o teria feito, embora quando chegava o castigo, John voltava
a ser John, e era Robert quem devia suportar
os sermões de seu pai e sua mão dura. Nem sequer de menino tinha podido demonstrar que John era o peralta, que se fazia passar por ele.
Se nem seu próprio pai lhe acreditava, como ia fazer o resto da Inglaterra?
Claro que Robert tinha sido igual de pícaro quando se feito passar pelo John. Toureie estava no certo. Tinha sido muito divertido enganar a outros, mas John tinha
levado a brincadeira muito longe. Já eram
homens, e era hora de que se comportassem como tais e deixassem a um lado seus jogos infantis.
-Más lembranças?
Voltou a cabeça para olhá-la. A intensidade com que o estudava o deixava pasmado. Teria esperado que seu irmão queria casar-se com uma mulher de pouco miolo e corpo
voluptuoso, e não é que tivesse nada
que reprovar ao corpo de Vitória. Tinha boa figura, embora não era espantoso. Supunha que um homem encontraria grande satisfação em percorrer com suas aquele mãos...
Toureie se deteve e lhe sussurrou:
-Robert, está-te indo outra vez.
ia. perdia-se em pensamentos que não podia convidá-la a compartilhar. deteve-se também.
-Desculpa. Perguntava-me por minhas lembranças.
-Sim, e estava franzindo o nevoeiro.
-Não, só recordava todas as vezes que John me meteu em alguma confusão fazendo-se passar por mim.
-Como você a ele.
-Sim.
-Sempre pensei que o encargo dos irmãos é meter-se em confusões uns aos outros.
-Sim, mas John se excedia. E eu pagava suas travessuras; acredito que por isso o fazia. Não se fazia passar por mim por ver se conseguia que não o descobrissem,
a não ser para me causar problemas.
-E se conseguia te colocar em confusões era porque não o tinham descoberto, com o que ganhava duplamente.
-Suponho que sim.
-por que crie que...? -começou ela, mas ele ouviu um leve roce de maleza perto e lhe pôs um dedo nos lábios para silenciá-la, tratando de ignorar o quente fôlego
que lhe impregnava a luva, mais que disposto
a desviar a conversação de suas lembranças do John.
-Vêem -lhe sussurrou.
Tomando a da mão, avançou com cuidado entre os arbustos até que o claro e o pequeno lago que recordava se fizeram visíveis. Justo como suspeitava...
Situou-a diante de si, deleitando-se em sua surpresa contida ao ver a cierva e ao cervo bebendo.
Ela se voltou para olhá-lo, e a beleza de seu sorriso, a covinha de sua bochecha, o gozo de seu olhar foram sua perdição. Robert se tirou a luva e lhe acariciou
as mechas de cabelo que lhe tinham solto
das forquilhas, sustentando-os em seu sítio. Eram tão suaves... Logo lhe acariciou a bochecha, seda sob seus dedos.
-É preciosa. -Apesar de seus bons propósitos, posou seus lábios nos dela, absorvendo seu sabor, saboreando seu calor, a umidade de seus lábios, o tato de sua língua
na dele.
Não recordava haver a aproximado, havê-la apertado contra seu corpo, mas de repente ali estava, suas curvas contra seu peito, as mãos descansando em seus ombros.
Como um náufrago em busca de salvação,
beijou-a com maior intensidade, passeando a língua por sua boca, desejando mais, muito mais, seu corpo dolorido por sua necessidade insatisfeita, necessidade que
não era ela quem devia satisfazer...
Embora os documentos dissessem outra coisa, Toureie pertencia ao John. Seu irmão se esforçou por arrebatar-lhe tudo, mas não lhe roubaria algo ao que não tinha direito.
Interrompeu o beijo e se apartou
cambaleando-se, ofegando. Ela ficou olhando com a respiração também agitada, os lábios inchados, as bochechas avermelhadas, a covinha invisível, como se jamais tivesse
existido.
-me perdoe -gaguejou ele-. Não tenho direito.
-É meu marido. Tem todo o direito.
-No bosque não.
Lhe pôs a mão no peito, justo em cima do coração, e ele se perguntou se cartório o firme e robusto batimento do coração que ameaçava lhe arrebentando as costelas.
A covinha voltou a aparecer.
-Nem no carro tampouco.
Ele negou com a cabeça, tragando saliva.
-Não, no carro tampouco.
-Nem quando está esgotado.
-Nem quando estou esgotado.
Ela inclinou a cabeça, pensativa.
-Se não fora porque me olha como se queria me devorar aqui mesmo, como um animal selvagem deste bosque, pensaria que não te interesso absolutamente.
Robert levantou o olhar ao toldo de ramos suspensos sobre sua cabeça. Possivelmente se contava as folhas, a prova de seu desejo por ela minguaria.
-me acredite, Toureie, interessa-me muito.
-Então, por que te empenha em não manifestar esse interesse?
Ao baixar o olhar, viu que a covinha tinha desaparecido e que o olhava com preocupação. Como justificar sua conduta sem revelar a verdade nem aumentar as suspeitas?
-Como você bem diz, passamos pouco tempo a sós. No meu entender, seria preferível que intimássemos pouco a pouco.
Lhe deslizou a mão do peito ao pescoço e logo até sua mandíbula.
-Não tenho medo. Sei que não me fará mal, assim não demore muito em fazer... o que seja.
antes de que ele pudesse reagir, ela deu meia volta e o deixou perguntando-se se suas palavras tinham dobro sentido, se era consciente do que havia dito, se a envergonhava.
Céu santo, sentia-se tentado de tomá-la ali mesmo, no bosque; de fazê-la sua para não ter que devolver-lhe ao John; de abraçá-la, porque não desejava absolutamente
deixá-la escapar.
-Acredito que deveríamos voltar para a mansão -assinalou detrás pigarrear-. "antes de que faça algo que ambos lamentemos."
Ela o olhou por cima do ombro com um olhar provocador, e algo em seus olhos lhe disse que conhecia as batalhas que liberava em seu interior e que se proposto lhe
impedir a vitória, porque com sua derrota
sairia ganhando.
Mas se sentiria derrotada ela então?
Toureie desviou bruscamente o olhar e começou a percorrer o atalho que tinham tomado para chegar a aquele lugar, e ele a seguiu.
Devia demonstrar imediatamente quem era, antes inclusive de desfazer o dano que seu irmão tinha causado às propriedades familiares. Já se encarregaria de todo isso
depois.
Mas acima de tudo, devia desfazer-se daquela mulher se queria evitar a loucura que tinha conseguido esquivar durante seu fechamento no Pentonville.
Capítulo 12
Robert não voltou a dizer uma palavra até que chegaram ao Hawthorne House. E inclusive então, assim que a devolveu à mansão e se assegurou de que estava a salvo
dentro, dedicou-lhe um simples "Nos veremos
para o jantar".
Depois, voltou a sair. Ela se aproximou de uma janela para olhar, e o viu percorrer o atalho empedrado que conduzia à mansão com as mãos enlaçadas à costas e a cabeça
baixa, abatido. Parecia sentir-se
muito desanimado e muito sozinho.
por que não procurava sua companhia para aliviar sua solidão? Não tinha sentido. Atraía-a para si para apartá-la imediatamente.
A partir de meia tarde, Toureie passou uma quantidade desmedida de tempo arrumando-se para o jantar. Escolheu um vestido lilás rematado com encaixe de Bruxelas,
e ficou um colar de pérolas. Singela mas
distinguida. O cabelo em um elegante recolhido.
A julgar pela reação de seu marido quando se reuniu com ele na biblioteca, tinha obtido um aspecto sedutor. Robert, de pé junto ao fogo, agarrou-se com força ao
suporte da chaminé, como se fora quão único
pudesse lhe impedir de equilibrar-se sobre ela e tomá-la em seus braços. Era muito excitante ver o desejo tão vivo que ardia em seus olhos.
Embora sempre lhe tinha emprestado atenção, nos últimos dois esta dias ia em aumento. Entendia-o perfeitamente, porque ela sentia o mesmo: uma tensão no estômago
que lhe produzia um formigamento no peito
e um fervor a fogo lento na parte inferior de seu corpo, a necessidade de tocá-lo e de que ele a acariciasse.
O fogo ia crescendo, e Toureie pensou que, quando ao fim se fundissem o um com o outro, o incêndio que produziriam faria arder a cama.
-Gosta de uma taça de vinho antes de jantar? -perguntou ele, com voz rouca, fazendo que suas palavras soassem como se lhe chegassem das novelo dos pés.
-Sim, por favor.
Soltou o suporte da chaminé e se dirigiu a uma mesita em que havia várias licoreiras. Embora Robert estava de costas, Toureie pôde distinguir o tinido das taças
típico de alguém incapaz de controlar suas
mãos trementes. Viu-o deter um instante, tranqüilizar-se e continuar com sua tarefa, esta vez sem tremores.
Quando Robert se voltou de novo para ela, Toureie descobriu, decepcionada, que tinha conseguido controlar seu desejo. Tomou a taça que lhe oferecia.
-Por sua felicidade -espetou ele, fazendo chocar sua taça contra a dela.
-Pela tua -respondeu Toureie, estudando-o por cima do bordo enquanto bebia o escuro vinho tinjo.
Ele deu um gole e depois retrocedeu para aproximar-se do fogo. Pelo general, o fogo era desnecessário no verão, mas o edifício era muito antigo, e seus muros conservavam
o frio. Toureie se viu tentada
de aproximar-se dele, por ver se voltava a retroceder. Pensou que talvez poderia persegui-lo por toda a estadia com essa estratagema. Em lugar disso, passou um dedo
pelo bordo da taça.
-Está muito bonito esta noite -declarou-, embora, como a quase todas as damas, sempre me pareceste muito atrativo.
Robert olhou o chão com tal veemência que ela começou a perguntar-se se estaria procurando seu reflexo na madeira polida.
-Às vezes, quando me Miro no espelho, surpreende-me descobrir quão velho estou.
-Sim, claro, é um vejestorio.
-Em ocasiões me sinto assim -replicou ele, olhando-a.
Ela se aproximou devagar ao calor do fogo, mais perto dele, e agradeceu que não saísse disparado.
-Eu acredito que os homens melhoram com a idade, mas não estou segura de que o passado do tempo faça mais formosas às mulheres.
-A ti não posso imaginar a não ser formosa.
-Mas quando estiver enrugada e murcha...
-Sua beleza reside em seus olhos e em seu sorriso.
-Já te há posto poético outra vez.
-A verdade é uma forma de poesia.
Notou que o calor do peito subia às bochechas.
-Não me tinha dado conta do pouco que falávamos de verdade. Estávamos acostumados a jogar a nossos trabalenguas ou mexericar sobre o atroz traje de lady Sylvia ou
o intento de lorde Eastland de cobri-la
calva penteando-se para frente. Eu gosto mais nossas conversações de agora.
-A mim também. -Agarrou-lhe a taça, aproximou-se da mesita e a deixou ali junto com a sua-. É hora de jantar.
-pensei que possivelmente deveríamos começar a organizar algum entretenimento -disse Toureie quando já quase estavam terminando o jantar, que tinham degustado em
um silêncio quase absoluto, com o tinido
ocasional da prata na porcelana como única prova de sua presença. Ele sempre tinha sido um conversador tão entretido nas comidas que lhe surpreendia descobrir que,
na intimidade de seu lar, preterisse
que não o incomodassem com um bate-papo intrascendente.
-Possivelmente dentro de uns meses, quando nos tivermos feito a nossa vida juntos.
-Sei que te leva muito bem com o marquês do Lynmore. A quem mais você gostaria de convidar?
-O duque do Weddington e eu sempre fomos muito bons amigos -respondeu depois de tomar um sorvo de vinho, ao parecer, divertido.
-Surpreende-me essa revelação. Negou-lhe a saudação quando nos cruzamos isso na galeria de máquinas da Exposição Universal.
Robert a olhou como se de repente lhe tivesse comunicado que o sol se cansado do céu. bebeu-se de repente o que ficava de vinho e se levantou.
-Discutiremos os detalhes em outro momento. Se me desculpar, tenho assuntos que atender e não desejo que me incomode. Verei-te no café da manhã.
Saiu a toda pressa da habitação, e a deixou uma vez mais com a sensação de ter feito algo horrível.
Que demônios era a Exposição Universal? até que ponto era universal? O que se expor nela? Máquinas, obviamente, mas que mais? Onde se organizava? E com que motivo?
Que mais tinha ocorrido enquanto estava na prisão?
Tinha acreditado que seu maior temor era não saber comunicar-se com sua esposa, mas agora via que podia colocar a pata até com a mais mínima hipótese, como que ainda
existia a monarquia... Quem demônios
era o primeiro-ministro? Que colônias ficavam a Inglaterra?
Passeando nervoso pela biblioteca, perguntou-se onde poderia encontrar todas essas respostas. Não podia lhe soltar: "Ah, por certo, importaria-te me contar com detalhe
o que é o que aconteceu nos últimos
oito anos?".
Não levantaria isso as suspeitas de sua esposa? Embora era muito provável que já o tivesse feito.
Ela era preciosa, e ele não tinha querido aproveitar a noite de bodas. Só um louco a evitaria. Não seria essa uma assombrosa paradoxo: sobreviver ao Pentonville
sem voltar-se demente para terminar em um
psiquiátrico?
Seu comportamento era errático. Sabia, e via que ela se dava conta. Notava que o punha a prova, que sopesava suas reações. Sem dúvida lhe custava compreender as
razões de sua estranha conduta.
deixou-se cair em uma cadeira, apoiou os cotovelos nos joelhos e enterrou a cabeça nas mãos. impôs-se uma tarefa impossível. Possivelmente devesse limitar-se a ir
ao lorde Chanceler e lhe expor seu caso.
Céu santo, sentia-se como o protagonista da novela do Alejandro Dumas que tinha começado a ler a noite anterior, já que não conseguia conciliar o sonho, com a intenção
de esquecer-se um pouco de sua esposa.
Só que ele não tinha mosqueteiros que o salvassem. Unicamente se tinha a si mesmo.
E que justiceiro tão espantoso e inútil estava resultando ser.
Toureie se disse que mais lhe valia retirar-se a seus aposentos, voltar para dormitório Y... deprimir-se, embora ela nunca tinha sido muito dada à depressão. Parecia-lhe
uma atitude que se alimentava a
si mesmo. quanto mais se deprimia um, mais propenso era a seguir deprimido, como tinha demonstrado seu desgraçado passeio da noite anterior.
Embora seu marido lhe tinha deixado claro que não queria que o incomodassem, Toureie se surpreendeu dirigindo-se de todas formas à biblioteca. Em busca de um livro
que a consolasse enquanto esperava sua
volta tombada na cama. Porque certamente essa vez, depois do dia quase perfeito que tinham passado, iria a seu encontro. Sabia que a desejava, então, por que a menção
do Weddington o tinha feito sair escopeteado
do comilão?
O lacaio, vestido com uma librea cor burdeos, abriu-lhe a porta com uma pequena reverência.
Toureie entrou na biblioteca. A estadia parecia interminável da soleira da porta até o extremo oposto, onde a chaminé dominava a parede. Enquanto esquivava as diversas
mesas e cadeiras, o retrato captou
sua atenção. A anterior duquesa tinha sido uma mulher formosa; seus filhos, até de meninos, denotavam o encanto que atrairia a Toureie por volta de um deles.
Seu marido, que estava sentado depois do escritório, ficou em pé.
-Hei-te dito que não queria que me incomodassem.
-Quero um livro, e este me parece o sítio mais adequado para buscá-lo -replicou ela.
-Agradeceria-te que te desse pressa, para que possa continuar com meus assuntos.
-E que assuntos são esses?
Olhou-a como se lhe tivesse arrojado um jarro de água fria.
-Não são de sua incumbência.
Talvez não, mas sentia curiosidade, mais por sua conduta que pelo que o ocupava.
dirigiu-se sem pressa por volta de um dos laterais da sala onde as paredes estavam forradas de estanterías, do chão ao teto.
-Os livros estão ordenados de algum modo?
-Os livros eram de meu pai. Nunca me fixei em como os ordenava.
O olhou de esguelha.
-Uma vez me disse que te apaixonava a leitura.
-Apaixona-me a leitura, sim, mas não ordenar os livros.
-Qual é sua novela favorita? -perguntou-lhe, enquanto acariciava os lombos.
-Não tenho uma favorita.
-Todo mundo tem uma favorita.
-Muito bem. O último mohicano -suspirou.
-Que interessante! Suponho que o que você gosta de é a aventura.
-Suponho. Qual é a tua?
Disse-o com menos acritud, como se tivesse aceito que não conseguiria dissuadi-la tão facilmente.
-Jane Eyre.
-Não conheço essa autora -replicou.
Toureie soltou uma gargalhada e meneou a cabeça.
-De verdade, Robert, que brincalhão é. A autora é Charlotte Bronté. Sua irmã escreveu Cúpulas borrascosas. Heathcliff é o herói atormentado dessa. Por isso é uma
das favoritas de Diana. adora os homens
atormentados.
-Pois sua irmã parece muito tenra.
-E o é! Além disso, ela não tortura aos homens -acrescentou, com o nevoeiro franzido-, embora me atreveria a dizer que possivelmente o tente, se é que encontra algum
que queira cortejá-la.
Continuou inspecionando as estanterías em busca de algo que captasse seu interesse.
-Ah, olhe, seu pai tinha um exemplar do David Copperfield. -Franziu o nevoeiro enquanto acariciava o lombo-. Mas quando Dickens publicou esta novela, seu pai já
havia falecido. -Olhou ao Robert por cima
do ombro.
Ele se apartou um pouco do escritório, sentindo-se de repente inseguro, apanhado como um animal que se precave tarde de que pisou onde não devia.
-Bom, eu comprei alguns livros desde sua morte, mas são os criados os que se encarregam de ordená-los.
-Talvez deveria tentar catalogá-los todos -se ofereceu ela-. Organizados de um modo que nos permita encontrar mais facilmente o que procuramos.
-Eu gosto de me surpreender com o que encontro -respondeu ele, e a Toureie lhe deu a impressão de que possivelmente não falava só de livros.
-eu gosto de ler em voz alta -respondeu ela-. Posso te ler um pouco?
-Toureie, de verdade, há coisas das que devo me ocupar imediatamente.
-Não pode as fazer enquanto te leio?
Por um instante, deu-lhe a impressão de que ele estava a ponto de ceder...
-Sinto-me sozinha, Robert -acrescentou.
Ele assinalou com a mão uma cadeira que havia junto ao fogo.
-Por favor, seria um imenso prazer para mim, se dispuser de tempo.
-Agora mesmo, tempo é o que me sobra.
Como o tinha à mão, escolheu David Copperfield. sentou-se na cadeira e Robert a acompanhou instalando-se em que havia em frente.
-Pensei que foste encarregar te de seus assuntos enquanto eu lia -disse ela.
-troquei que idéia.
-O que estava fazendo antes de que viesse a te incomodar?
-Estudando a conveniência de escrever uma carta ao Weddington lhe pedindo permissão para visitá-lo.
-vamos voltar para Londres então?
-Suspeito que está na mansão Drummond, perto da costa, a só umas horas daqui. Mas se não estar aí, então não. Ainda não estou preparado para voltar para Londres.
-Recorda quando...?
-Não foste ler me algo?
A morreu de calor um pouco seu tom, que não chegava a ser uma recriminação mas albergava certo reflexo de impaciência. Abriu o livro e começou a ler.
Robert não sabia por que tinha tentado dissuadir a de que lesse. Talvez porque quanto mais tempo passasse com mais lhe ia custar deixá-la partir quando chegasse
o dia em que não ficasse mais remédio.
adorava o suave tom de sua voz. Procurava emprestar atenção ao relato, mas se surpreendia perdido nela. Começava a sentir-se irremediavelmente apaixonado.
Toureie não paquerava com ele, nem o provocava. limitava-se a ler o livro, com a cabeça baixa. Mesmo assim, ele sentiu que se daria por satisfeito se pudesse passar
o resto de seus dias sem fazer outra
coisa que ficar sentado à sombra de sua presença.
Toureie jazia sob os lençóis, contendo a respiração enquanto escutava ranger o chão, sinal de que seu marido passeava de novo inquieto por sua habitação.
Eram quase as dez quando, esgotada, tinha deixado de ler. Robert logo que tinha movido um músculo do momento em que ela tinha começado a fazê-lo, o cotovelo apoiado
no braço da cadeira, o queixo sobre
a mão, a cabeça ligeiramente inclinada, o olhar fixo. Ou isso lhe tinha parecido cada vez que, ao levantar a vista, tinha-o visto escutando com atenção, como cativado
pela história.
De modo que tinha prosseguido, mais do que o teria feito em outras circunstâncias. Jamais tinha conhecido a ninguém tão interessado em sua leitura em voz alta.
Logo, ele a tinha acompanhado a seu dormitório, tinha-lhe dado as boa noite, e ela tinha ouvido como abria e fechava a porta do dele. Estava convencida de que depois
do dia que tinham acontecido juntos
iria a ela. depois de que Charity a tivesse preparado para dormir e se foi da habitação, também Toureie tinha estado passeando de um lado a outro uns minutos antes
de suspirar profundamente e meter-se
por fim na cama. havia-se recolocado o cabelo estendido pelos travesseiros e se tampou até o queixo para desentupir-se depois até o peito e logo até a cintura.
Enquanto estava assim tombada, completamente imóvel, com o abajur baixo e o olhar fixo no dossel da cama, tinha começado para ouvir os passos inquietos de seu marido.
por que não entrava?
Contemplou a idéia de levantar-se e chamar a sua porta para lhe avisar de que estava preparada para ele, mas aquilo lhe parecia muito descarado; por outra parte,
certamente logo deixaria de passear-se
e se reuniria com ela.
Ao cabo de um momento, Toureie começou a jogar com seus polegares, logo a contar as figuras do teto e os tictacs do relógio que havia sobre o suporte da chaminé.
por que não entrava?
Quando começaram a lhe arder os olhos e a umedecer-se o disse-se que era porque lhe tinha lido muito momento. Quando um dos relógios do corredor deu a meia-noite
e cessaram ao fim os passeios na habitação
contigüa mas seu marido não foi vê-la, ficou de lado e deixou que as lágrimas que tinha estado contendo lhe rodassem pela bochecha até o travesseiro.
Capítulo 13
Ao duque do Weddington:
passou muito tempo, meu amigo. Queria que me desse permissão para ir verte ao Drummond.
Sinceramente,
Robert, duque do Killingsworth.
Ao duque do Killingsworth:
Temo-me que não.
Weddington.
Enquanto sua carruagem se dirigia à mansão Drummond, a carta do Weddington, que Robert se colocou no bolso da jaqueta, pesava-lhe como uma laje. Tinha sido uma covardia
não querer ir sozinho, mas pensou
que Weddington não se atreveria a lhe fazer um desplante se Toureie estava com ele.
depois de que lhe perguntasse por seus amigos, por aqueles com os que mantinha uma relação mais estreita, e lhe revelasse que John tinha desprezado ao Weddington,
lhe ocorreu que possivelmente seu velho
amigo seria alguém em quem poderia confiar.
A seca nota do Weddington havia dito ao Robert muito mais sobre o estado de sua amizade do que poderia lhe haver insone uma carta mais larga. Weddington e ele eram
amigos da infância, tinham navegado juntos.
Que não queria vê-lo...
Bom, não lhe cabia dúvida de que John era o responsável, e de que havia algo mais que uma simples negação da saudação. O comportamento do John tinha sua lógica,
por irritante que resultasse. Desfazer-se
de seu ajudante de câmara... desfazer-se de seu mais íntimo amigo.
Se como mínimo obtinha ao menos recuperar a confiança do Weddington, possivelmente descobrisse algum modo de demonstrar que dizia a verdade.
E devia fazê-lo quanto antes, porque cada vez lhe custava mais não abrir a porta que separava seu dormitório do de Toureie.
Cada instante que passava com ela era um autêntico prazer, salvo aqueles momentos nos que via a dúvida aflorar a seus olhos porque ela precisava mais dele do que
ele podia lhe dar. Em numerosas ocasiões
se decidiu a contar-lhe tudo, mas então lhe sorria e a idéia de que aquele sorriso nunca voltasse a ser para ele o movia a reconsiderá-lo. Era egoísta por sua parte
e injusto para ela, mas tinha vivido
tanto tempo com tão pouco que era como um homem faminto, habituado a conformar-se com as migalhas, ao que de repente lhe oferece um banquete.
dizia-se que ao dia seguinte o confessaria tudo, e ao dia seguinte se convencia de que seria melhor ao outro... e agora tinha decidido esperar até depois da visita
ao Weddington. Se seu amigo o rechaçava,
Robert certamente necessitaria o consolo que Toureie podia lhe proporcionar.
-O que sabe de sua esposa? -perguntou-lhe ela inesperadamente, irrompendo em seus pensamentos.
-Da esposa de quem?
-Do Weddington.
Nada absolutamente. Nem sequer sabia que se casou. Maldição, quando tinha ocorrido isso?
-Estou convencido de que o quer. É a classe de homem ao que qualquer mulher adoraria.
-Quanto faz que Weddington e você são amigos?
-Conhecemo-nos no Eton. Como nossos imóveis estão a só umas horas de distância, passávamos bastante tempo juntos quando não havia classe. Aos dois gostava de passear
em navio, e a casa do Weddington está
quase à borda do mar. Não me surpreenderia que tivesse aprendido a navegar antes que a andar.
-Nunca me falaste que seus amigos.
-Não tenho muitos. Como John e eu fomos da mesma idade, ele satisfazia mais ou menos minha necessidade de amigos. E eu a sua, suponho. Mas ao Weddington... bom,
eu confiava nele e cheguei a respeitá-lo
muitíssimo. Distanciamo-nos com os anos, e o lamento. O certo é que não sei como nos receberá.
-Tendo em conta o incidente da Exposição Universal, eu diria que não nos receberá.
-Talvez não deveria te haver pedido que viesse comigo. Se te incomodar muito esta visita, direi-lhe ao chofer que dê a volta...
-Não -replicou ela com um ligeiro movimento de cabeça-. Meu sítio está a seu lado.
Como desejava que esse sentimento fora certo.
-Não podia ter eleito uma dama mais extraordinária por esposa -disse com voz fica.
-Às vezes tenho a impressão de que não está nada contente comigo.
-Sua presença me cheia de um gozo infinito.
-E por que te passeia por seu dormitório em lugar de vir ao meu?
Olhou pelo guichê desejando não lhe fazer danifico e precavendo-se, ao mesmo tempo, de que não bastava desejando-o.
-Não acreditava que me ouvisse.
-A casa é velha, e o estou acostumado a range.
Voltou a olhá-la.
-Quer que vá a seu dormitório?
Ela se olhou as mãos enluvadas, posadas em seu regaço.
-O dia das bodas disse que tinha dúvidas sobre nosso matrimônio, assim pensei que talvez agradeceria um pouco mais de tempo... -improvisou ele com dificuldade. Céu
santo, não lhe dava bem mentir.
-As dúvidas foram desaparecendo. Vi coisas de ti que desconhecia, e agora estou segura de me haver casado com o homem com o que estava destinada a contrair matrimônio.
-Toureie...
-Meus sentimentos por ti cresceram, Robert. Já sei que aconteceu pouco mais de uma semana, mas hoje te quero muito mais do que te queria ontem. Você me quer?
-Muitíssimo.
-Diz-o como se fora algo terrível.
E o era. Desejar tanto algo que não podia ter. Começava a cansar-se de preocupar-se com que Toureie o descobrisse tudo, mas aquele era o pior momento para contar-lhe
agora que se aproximavam de seu destino.
Assim, em vez disso, cortou o espaço que os separava inclinando-se para frente, tomou as mãos e lhe disse o que pôde:
-Toureie, sei que às vezes meu comportamento te parecerá estranho...
-Se eu só...
-Chis -lhe apertou os dedos-. me Escute.
Ela assentiu com a cabeça.
Robert se aproximou as mãos enluvadas à boca e as apertou contra seus lábios, olhando-a intensamente aos olhos, com a confiança de que ela pudesse ver neles sua
alma.
-Toureie, estive muito tempo... perdido. Acredito que essa é a melhor forma de descrevê-lo. Mas ao fim tenho a sensação de que me encontraram.
Ela esboçou uma meia sorriso e lhe saiu a covinha.
-Essa é a letra de um hino que eu adorava, Amazing Grace.
-Ah, sim, recordo-o. Mas em meu caso é mas bem uma volta.
-Uma volta a que?
-Ao que devia ter sido.
-Nunca tive queixa de como foi.
-Não era feliz, Toureie. Desde que me casei contigo trocaram muitas coisas. -Beijou-lhe os nódulos-. Me custa acreditar a sorte que tive, porque te adoro, de verdade.
Soltou-lhe as mãos e voltou para seu assento, algo violento por tudo o que havia dito. excedeu-se um pouco, mas não queria que ela duvidasse de seu afeto, sobre
tudo se se passava a noite acordada esperando-o
enquanto ele se passeava nervoso pela habitação, procurando não cair na tentação de abrir aquela porta.
-Já chegamos -disse ao divisar o caminho que lhe era tão familiar.
O carro se deteve bruscamente. Embora estava ansioso por sair e resolver o assunto, esperou a que o lacaio abrisse a porta e ajudasse a Toureie a baixar. Por covardia,
evitou olhá-la diretamente, temeroso
do que pudesse ver em seus olhos, em seu rosto. Preferia viver sua vida na ignorância ditosa de seus verdadeiros sentimentos, porque o que ela sentisse o sentia
pelo John, não por ele.
Uma vez fora, tendeu-lhe o braço, e assim que ela posou sua mão nele, escoltou-a pela escada que conduzia a grande mansão. Notou que, à medida que se aproximava
da porta, se o fazia um nó no estômago,
e quando o mordomo a abriu, não ficou mais remedeio que obrigar-se a entrar contra os desejos de seu amigo.
Mas, uma vez dentro, tranqüilizou-se. havia-se sentido tão a gosto naquela casa como na sua.
-Bem-vindo ao Drummond, senhoria -disse o mordomo.
-Wafkins, seria tão amável de lhe comunicar ao duque minha presença? -disse, lhe tendendo seu cartão.
-É obvio.
Toureie se tinha solto de seu braço e estudava vários retratos que penduravam de uma das paredes.
-Nervosa? -perguntou-lhe.
-um pouco -respondeu ela.
-É um homem muito agradável.
-ouvi dizer que é primo longínquo da rainha.
-Eu também.
Ela se voltou em redondo, boquiaberta, com os olhos como pratos.
-Alguma vez lhe havia isso dito? -inquiriu ele, inclinando a cabeça.
-Pois não.
-Não é nada extraordinário. Quase todos os aristocratas estão aparentados de uma ou outra forma.
Ouviu um suave tamborilar de passos dirigir-se para eles e desfrutou de um instante de alegria quando aquela mulher pequena e sorridente lhe tendeu os braços.
-Eleanor?
-Olá, Robert. passou muito tempo.
Certamente. Eleanor Darling, a filha do conde do Beaumont. A primeira vez que a tinha visto, expôs-se a possibilidade de cortejá-la, mas ele ainda não estava preparado
e ela só tinha dezesseis anos. Não
lhe surpreendia que Weddington não tivesse duvidado em conquistá-la.
Tomou a mão que lhe brindava e a beijou.
-Está estupenda.
Ela riu.
-Você não. Encontro-te algo pálido.
-Pela chuva, temo-me.
-Tampouco choveu tanto, e hoje faz um dia precioso.
-Certo. me permita a honra de te apresentar a minha esposa.
Eleonor se mostrou tão cortês como sempre recebendo a seus convidados, e Robert não pôde evitar perceber que Toureie se defendia bem, e que seria uma boa duquesa,
embora por pouco tempo.
Quando Eleanor devolveu sua atenção a ele, Robert lhe perguntou:
-Weddington não quer lombriga?
-Não está aqui. saiu a navegar com o Richard.
Lhe lançou um olhar que parecia dizer "Não ponha essa cara. Sabe perfeitamente quem é Richard".
-Nosso filho -acrescentou.
-Ah, sim, parabéns.
-Com cinco anos de atraso.
-Cinco anos. -Confiou em que ela detectasse a pena em sua voz, e começou a suspeitar que, no relativo a aquela amizade, John possivelmente tinha feito algo que ele
não poderia desfazer-. Talvez não deveria
estar aqui a sua volta. Enviei-lhe uma carta e me respondeu...
-Sei o que te respondeu. Não há segredos entre nós. Mas o que mesmo assim tenha vindo diz muito. -Acariciou-lhe a bochecha-. Muito. E acredito que agradecerá que
tenha dado este passo para resolver suas
desavenças. Gosta de tomar um chá no jardim enquanto o esperamos?
A Toureie gostou de Eleanor Stanbury, a duquesa do Weddington. Tinha os olhos azul claro e um sorriso cálida, e quando falava de seu marido e de seu filho, o amor
que sentia por eles se manifestava em
cada palavra.
-Richard se parece muito a seu pai. Já verá, Robert. É como um Weddy pequenino. Já faz quase todos seus gestos. É assombroso. ,
-Estou desejando conhecê-lo.
Ela se inclinou sobre a mesa redonda coberta com uma toalha e lhe deu um tapinha na mão.
-Faz tempo que queria que o conhecesse. Me alegro muitíssimo de que esteja aqui.
Toureie encontrava comovedor o afeto que aquela mulher sentia pelo Robert, e não deixava de perguntar-se qual teria sido a causa das desavenças entre o Weddington
e seu marido.
-Bom, me fale de suas bodas, Vitória -disse Eleanor, desviando sua atenção do Robert.
-me chame Toureie, por favor.
-Ah, eu gosto. me conte, Toureie. encheu-se a igreja a arrebentar de curiosos?
-Apenas me fixei -confessou Toureie-. Estava tão nervosa, mas bem aterrada.
-Sei exatamente a que te refere. Foi o dia mais feliz de minha vida e não recordo quase nada dele. E Weddy teve muchísima paciência comigo. Eu não fazia mais que
chorar a cada cinco minutos. Não sei por
que. me fale de seu vestido.
-Não era nada especial.
-Estava preciosa, e o vestido era fabuloso -assinalou Robert-. Cetim branco com encaixe, e flores na cauda.
Eleonor sorriu.
-Como o da rainha Vitória. O minha era muito parecido. Trocou-nos as bodas. antes dela, bastava com que as noivas levassem um vestido bonito e um véu. O véu era
o adorno que proclamava "Hoje me caso".
Agora estão de moda o cetim branco, o encaixe, as pérolas e as flores de flor-de-laranja. Eu guardei meu vestido com a esperança de ter uma filha que possa levá-lo.
Mas primeiro tenho que dar um hermanito
ao Weddy. Uma lata. Não me refiro a ter filhos, claro, mas sim a que se espere que toda mulher tenha dois varões. Do contrário, faça o que faça, a considera uma
fracassada.
-A ti ninguém poderia te considerar uma fracassada, Eleanor -interveio Robert.
Ela sorriu carinhosa.
-Agradeço-te que pense isso.
-Então, só têm um filho? -perguntou Toureie.
-Sim, eu ainda não perdi a esperança, mas já aconteceram cinco anos. De fato, por isso estamos aqui em lugar de em Londres. Weddy está convencido de que a brisa
marinha é justo o que necessitamos para
acelerar o processo.
-E quanto tempo levam já casados? -quis saber Robert.
Eleanor o olhou perplexa.
-Assombra-me que o tenha esquecido.
Robert olhou a uma e a outra alternativamente, e Toureie sentiu um pouco de lástima por ele, como se de repente se visse em um apuro sem saber muito bem por que.
-Sinto muito... -começou.
-Algo mais de cinco anos -o interrompeu Eleanor-. Nos casamos justo oito meses antes de que nascesse Richard. Weddy e eu tínhamos a impressão de que você tinha sido
o responsável por propagar por Londres
o rumor de que me tinha proposto caçar ao Weddy e que me tinha ficado grávida para que não tivesse mais remedeio que casar-se comigo.
Ao olhar a seu marido, a Toureie lhe pareceu que estava desejando que o mar, que se via ao longe, arrastasse-o e o levasse.
-Equivocávamo-nos? -inquiriu Eleanor.
Toureie o viu tragar saliva.
-Não sei o que dizer, Eleanor, salvo que lamento o dano que qualquer rumor tenha podido lhes causar.
-Isso não é resposta, não crie?
-Não, não, não é resposta, mas é o melhor que posso te oferecer de momento.
Ela voltou a inclinar-se sobre a mesa e lhe apertou a mão.
-Trocou, Robert, quando herdou o ducado. Weddy jogava muitíssimo de menos. Não acredito que goste que te haja dito isto, pelo orgulho e todas essas bobagens, mas
assim é. -de repente se animou e um sorriso
lhe invadiu o rosto-. Aí vêm!
ficou de pé e começou a saudar com a mão. Robert e Toureie se levantaram também. Toureie pôde ver um homem alto e moreno com um menino pequeno e moreno, a ombros.
Depois viu que as pernadas do homem vacilavam,
que diminuía a marcha, baixava-se ao menino dos ombros, abraçava-o com força e acelerava o passo.
Quando estiveram o bastante perto, Eleanor lhe gritou;
-Weddy, olhe quem veio a nos ver: o amigo pródigo que acreditávamos perdido.
Rodeou a mesa e saiu ao encontro de seu marido a uns metros de onde estavam, deu-lhe um beijo na bochecha e agarrou ao menino. O duque apertou os dentes e olhou
ao Robert com dureza.
-Weddington, me alegro de verte -disse Robert ao fim.
-Killingsworth.
-Weddy, deixa que lhe presente à esposa do Robert, Toureie.
Weddington a olhou, e lhe pareceu notar que Robert lhe aproximava como se acreditasse em perigo. E a julgar pelo ódio que se via no semblante do Weddington, não
lhe teria sentido saudades que assim fora.
-Um prazer -assinalou Weddington, embora soou a algo menos a isso. Seu olhar se deslocou ao Robert-. Bom, Killingsworth, me diga, que rumores posso propagar por
Londres? O que posso dizer dela que lhe
aduela de verdade?
-Não diga agora algo que depois vás lamentar -lhe advertiu Robert.
-Já lamento te haver saudado, te haver dirigido sequer a palavra.
-desculpou-se, Weddy -interveio Eleanor.
Weddington lhe acariciou a bochecha a sua mulher, e o profundo amor refletido em seus olhos lhe roubou o fôlego a Toureie.
-Deve-te mais que uma desculpa, princesa. -Voltou a olhar ao Robert-. Se não estar em sua carruagem e em marcha em menos de três minutos, abrirei o estojo onde guardo
as pistolas de duelo de meu pai...
-Abre-o.
-... e te desafiarei...
-me desafie.
-... a um duelo a morte.
-Adiante.
-Está louco? -gritou Toureie.
-Weddy, não! -chiou Eleanor.
-Tem cinco minutos para te despedir de sua esposa para sempre -acrescentou Weddington com a tranqüilidade de que vai dar um passeio-. Te vejo no penhasco em outros
cinco.
Passou a toda pressa por diante de sua mulher e entrou na casa.
Eleanor olhou a Toureie, logo ao Robert, depois ao menino que sustentava em braços.
-Céu santo. Isto não está bem. Não está nada bem. -dirigiu-se à casa, deteve-se, voltou-se para o Robert-. Tranqüilo, Robert, convencerei-o de que o esqueça.
-Não te incomode, Eleanor. Necessita-o, o merece, de fato -replicou Robert.
-Os duelos já não estão bem vistos, mas ninguém diz nada de disparar. E ele é bastante bom atirador -assinalou Eleanor.
-Sei. É um excelente atirador -esclareceu Robert.
-Sinto muito. Isto é minha culpa. Devi te haver pedido que te partisse...
-Não, Eleanor, não é tua culpa. lhe ajude a preparar-se.
Eleanor soltou uma espécie de gemido de pena e entrou correndo na casa.
-Está demente? -perguntou-lhe Toureie a seu marido.
Ele a olhou divertido.
-Parece-me que isso já me perguntaste isso.
-Não, perguntei-te se estava louco.
-É o mesmo.
-Não pensará seguir adiante?
-É obvio.
-Não tem padrinho.
-Não o necessito.
-disparaste uma pistola alguma vez?
-Quando tínhamos quatorze anos, agarramo-lhe as pistolas a seu pai sem que se inteirasse e fomos ao penhasco a tentar nos bater em duelo.
-E o que ocorreu?
-Não me deu; deu a uma rocha.
-E você a que lhe deu?
esfregou-se a ponte do nariz.
-A uma gaivota. Decidimos que era mais difícil lhe dar à gaivota porque se movia, embora não fora ao que estava apontando, e ganhei eu.
-Agora estava iracundo. Não acredito que aponte a uma rocha!
-Tampouco apontava à rocha então...
-Não te burle de meus temores! Poderia te matar perfeitamente.
-Se o fizer, eu gostaria muitíssimo que minha última lembrança fora teu beijo.
Sujeitou-lhe a cara entre suas mãos grandes, inclinou-lhe a cabeça e posou seus lábios nos dela. Tinha sabor de chá açucarado e a bolo de framboesa. Aquele beijo
era o mais tenro que tinha experiente jamais.
Mais atrevido que nenhum dos que lhe tinha dado antes, voraz, devastador para seu coração.
Ela não queria isso. Não queria que lhe acariciasse com os polegares a comissura dos lábios e fizesse o beijo mais íntimo do que devia ser. Ou possivelmente fora
sua língua a que gerava aquela intimidade
ao passear-se por sua boca com tanta paixão. Ou talvez porque ela se apoiava nele, e procurava sua boca, seus lábios, sua língua, e o esporeava, incrementando a
loucura do momento.
Não podia pensar que fora a morrer de verdade. Aquilo tinha que ser uma brincadeira. Uma graça que os dois amigos representavam sempre que voltavam a reunir-se.
Como quando duas damas intercambiavam conselhos
de moda e se revelavam o melhor sítio para adquirir um leque ou um xale. Só que eles intercambiavam balas.
Toureie se retirou.
-Isto é uma loucura.
-Sei.
Voltou a beijá-la com uma urgência que contradizia a calma das palavras que acabava de pronunciar. Ela se referia ao duelo, mas tinha a impressão de que ele falava
do beijo. A gente tinha engendrado ao
outro, assim estavam vinculados.
Sentiu uma pena inexplicável, como se se tivesse casado com um homem ao que acreditava conhecer, tivesse descoberto que não o conhecia absolutamente e de repente
desejasse que não tivesse sido assim.
Colocou suas mãos sobre as dele, que lhe sustentavam a cara, e se perguntou como seriam aquelas mãos acariciando-a com a mesma ternura que revelava sua boca naquele
instante.
Robert lhe tinha confessado que tinha estado perdido um tempo... e ela não sabia se devia assustar-se ainda mais. Voltaria a perder-se?
Seu marido interrompeu o beijo e apoiou a frente na dela.
-Se não voltar...
-Não pensará de verdade que te vai matar?
apartou-se um pouco e a olhou fixamente.
-O duque do Killingsworth insultou a sua esposa. Acredito que é muito possível que procure compensação.
-A morte por um insulto não me parece muito justo. Que ponha um olho arroxeado ou te rompa o nariz.
Robert sorriu com tristeza enquanto lhe percorria os lábios trementes com um dedo.
-Não seria suficiente para mim se estivesse em seu lugar.
Depois, deu meia volta e começou a afastar-se dela, da casa.
Deixou-a triste e sozinha, com a certeza de que não conhecia aquele homem absolutamente. Absolutamente.
Uns minutos mais tarde, Eleanor saiu da casa com seu filho da mão.
-Weddy foi a seu encontro. Gosta de uma taça de chá?
Enquanto os homens lutavam, as damas permaneciam no fronte doméstico. Toureie pôde fazer pouco mais que assentir com a cabeça.
De modo que se sentaram à mesa do jardim enquanto a brisa agitava os borde da toalha, o chá se esfriava sem tocar nas taças de porcelana e o sol brilhava no alto.
Falaram da última moda em vestidos, de
flores, do tempo e de quão assombroso era o muito que Robert se parecia com seu pai, as duas fingindo interessar-se por qualquer tema que a outra abordasse.
Passou meia hora antes de que se ouvisse um disparo ao longe. Uns segundos mais tarde, ressonou outro.
Capítulo 14
Do bordo do escarpado, Robert contemplou o bater das ondas contra as rochas, mas não pensou em sua morte iminente, só em Toureie, sua esposa.
Tinha desfrutado vendo-a conversar com a Eleanor. Devia reconhecê-lo: John tinha eleito uma dama exemplar para duquesa do Killingsworth. Ela o fascinava, e tinha
detectado em seus olhos verdadeira preocupação
ante a possibilidade de sua morte. E seu beijo de despedida... Ainda podia saboreá-lo em seus lábios.
Toureie amava a seu irmão. Disso não cabia dúvida. Experimentou um momento de desespero que excedeu qualquer outra angústia vivida nos últimos oito anos. Ela nunca
poderia ser dela, ele jamais seria o
dono de seu coração.
disse-se que havia outras mulheres, que se saía vivo daquilo e conseguia recuperar o ducado, poderia liberá-la e encontrar a alguém que ocupasse seu lugar. Mas acharia
outra com tal mescla de acanhamento
e descaramento? Teria outra mulher seu sorriso ou sua risada? Encontraria tanta satisfação na mera contemplação de alguma outra?
Tinha sido muito egoísta por sua parte levá-la ali, mas desejava que estivessem juntos o máximo tempo possível.
Ouviu um roce de roupa na erva, o crepitar de umas botas na terra. A chegada de seu oponente. Um homem ao que sempre tinha considerado seu único amigo de verdade.
John tinha conseguido despojá-lo inclusive
disso. O tinha tirado tudo, e, ao fazê-lo, fazia machuco a outras pessoas.
Embora Robert sabia, e sabia bem, que não tinha estado em sua mão deter seu irmão, sentia-se responsável. Ele era o verdadeiro duque do Killingsworth, e embora não
tinha exercido como tal, recaía nele
a responsabilidade de reparar o dano causado pelo John.
Weddy, também conhecido como Geoffrey Arthur Stanbury, quinto duque do Weddington, situou-se a seu lado. Respirou fundo.
-mora-se uma tormenta.
-Certo. -Era algo mais que aqueles nubarrones escuros; cheirava-se no ar.
-Então mais vale que nos ocupemos do nosso quanto antes. Seu corpo estará empapado de sangue quando o transladar à casa. Preferiria que não se empapasse também de
chuva.
-Pensei que possivelmente depois me jogaria no mar.
-Eleanor insiste em que te devolva à casa, para que possam te enterrar como é devido. -Pô-lhe o estojo das pistolas diante-. Como não temos padrinhos, pode inspecionar
as pistolas e escolher primeira arma.
Robert tirou uma pistola do estojo.
-Não preciso as inspecionar. Confio em ti.
-As mesmas normas que quando fomos meninos?
-É obvio.
-Procura apontar melhor. Não há por que lhe negar ao céu o direito a que o sulquem as aves.
Weddington agarrou a pistola que ficava, deixou no chão o estojo de madeira esculpida e deu meia volta.
-Queria te pedir um favor -disse Robert, olhando novo fixamente o mar.
-Não faz falta que me peça isso. Colocarei-te uma bala no coração. Sua morte será rápida. Não posso dizer o mesmo da vergonha que causou a Eleanor. Durou-lhe algum
tempo.
-Não é isso o que ia pedir te. -voltou-se devagar e sustentou o olhar do homem ao que uma vez tinha chamado amigo-. Se te sair com a tua, e não me cabe dúvida de
que assim será, pediria-te que fosse ao
Pentonville e te servisse de sua influência para visitar detento D3-10.
-E que mensagem lhe dou?
-Acredito que saberá assim que o veja.
-É um favor algo críptico, mas considera-o feito. Podemos continuar? -perguntou inclinando um pouco a cabeça.
-Adiante.
afastaram-se vários metros, logo se detiveram, dando-a costas.
-Dez passos -anunciou Weddington.
Robert contou os passos.
Um.
"Deveria lhe haver contado a verdade a Toureie desde o começo."
Dois.
"Não lhe permitiriam casar-se com o John depois de haver-se casado com seu irmão."
Três.
"Um inferno para o John."
Quatro.
"Injusto para ela."
Cinco.
"Deveria dizer a verdade ao Weddington."
Seis.
"Mas e se nem sequer seu melhor amigo podia distinguir aos dois irmãos...?"
Sete.
"Weddington desafiaria a um duelo ao John assim que soubesse a verdade."
Oito.
"Quem herdaria o ducado se Weddington matasse ao John?"
Nove.
"Não havia algum primo por alguma parte?"
Dez.
"Diabos! Que mais dava já?"
voltou-se. Weddington já tinha levantado sua pistola e estava lhe apontando com ela.
-Está preparado? -perguntou Weddington.
-Sim.
-Fogo!
Robert esperou. Weddington esperou.
Robert levantou o braço de lado, até a altura do ombro, e disparou ao mar. Ouviu o grasnido de uma ave. Maldição, esperava não lhe haver dado, mas não ia olhar,
não lhe daria as costas à morte. Queria
olhar a à cara quando chegasse.
Ouviu ressonar o estalo a seu redor, viu a nuvem de fumaça que saía da pistola do Weddington, mas não sentiu nada mais que o vento lhe agitando a roupa.
-Robert? -perguntou Weddington aproximando-se vários passos.
-Quem demônios acreditava que era?
-O covarde de seu irmão. Onde diabos te tinha metido?
-Faz cinco anos, suspeitei que era John quem estava difundindo aqueles infames rumores fazendo-se passar por ti, mas me resultou tão difícil prová-lo como a ti demonstrar
que é Robert.
Tinham descendido pelo caminho irregular que ia do escarpado à praia até chegar a uma rocha à borda do mar. sentaram-se nela, contemplando as águas turbulentas,
e Robert não pôde evitar pensar o muito
que aquelas ondas se pareciam com sua vida.
-Então, crie que subornou a um zelador para que te retivera no Pentonville sem possibilidade de julgamento?
-Devo confessar que não tenho uma imaginação muito viva. Essa é a única explicação que me ocorre. Além disso, o zelador veio para casa a lhe contar ao John que me
tinha fugido. Parecia muito alterado por
meu desaparecimento e muito aliviado ao ver de novo a seu cuidado de quem ele acreditou o detento D3-10.
-Parece que o perfeito sistema penal da Inglaterra tem algumas falhas. Mas que lhe retiveram oito anos! Incrível. Esse lugar é mais uma espécie de calabouço que
outra coisa. supõe-se que os detentos só
devem estar ali dezoito meses antes de que os embarquem rumo a uma colônia penitenciária. Como é que alguma vez subiram a um dos navios de traslado?
-dentro das celas, tínhamos um pôster com todos nossos dados, o número, a data de ingresso na cela e a data prevista de saída. O zelador, Matthews, trocava meu cada
certo tempo, quando se aproximava a
data de minha partida.
-E ninguém se dava conta?
-Ele estava a cargo de meu bloco de celas. por que ia questionar o ninguém? E, como sempre levávamos a cara tampada pelo capuz, como ia ou seja alguém que era sempre
o mesmo homem o que passeava pelo pátio
de exercício? Não nos podia reconhecer.
-Acredito que eu me teria tirado o maldito capuz.
-Isso você crie. Todos poderíamos havê-lo feito, mas quando não se esteve ali, é difícil entender o ambiente de opressão ao que estávamos submetidos. Fazíamos o
que nos diziam porque sabíamos que era a
única forma de sobreviver. Muitíssimos homens se voltam loucos ali dentro, Weddington. É um sistema atroz.
-Bom, agora já é livre, e está no sítio que te corresponde.
-Ainda está a questão do John e nosso ajuste de contas. Não pensará que vai aceitar que eu seja o duque sem mais, sem tentar uma nova traição.
-lhe envie uma mensagem ao zelador e lhe diga que o metam em um maldito navio de transporte imediatamente, para que cumpra cadeia perpétua na Austrália.
-E me passar a vida vigiando minhas costas, me perguntando se teria conseguido escapar e retornar? Para que possa voltar a me encarcerar e logo o eu encarcere a
ele? Não, necessito uma solução permanente.
Pela extremidade do olho, viu o Weddington voltar-se para ele.
-E sua esposa? Toureie, chama-se?
-Sim, Toureie. Diminutivo de Vitória. Não sabe. Foi John quem a pediu em matrimônio, e ao John a quem se prometeu. Minha desgraça foi escapar a noite antes das bodas,
não saber que isso ia ocorrer. -Olhou
ao Weddington-. Ainda não consumamos o matrimônio, e me estou ficando sem desculpas para não ir a seu dormitório.
-Pois deixa de inventar desculpas. Apesar do zangado que estava, não pude evitar ver quão formosa é. Além disso, custa-me acreditar que preferisse ao John antes
que a ti.
-Preferia-o a ele antes de que nos casássemos.
-Porque não podia compará-lo contigo. Como vais demonstrar quem é?
-Não tenho nem idéia.
-Eu estaria mais que disposto a testemunhar que você é o verdadeiro duque do Killingsworth.
-E ao John não custaria que Lynmore declarasse o mesmo dele. E assim poderíamos nos passar uma eternidade, cada um procurando um amigo mais que assegurasse que é
Robert, em cujo caso, ganharia o que tivesse
mais amigos.
-Não é uma má forma de sair vitorioso.
-Só que eu estive encerrado uns quantos anos e agora mesmo não ficam muitos amigos. Por certo, como sabia que era eu?
-Não sabia. Até que lhe disparaste ao pássaro. Se não tivesse estado tão zangado contigo, possivelmente me teria dado conta nada mais verte. Eleanor não merecia
o que John lhe fez.
-Encontrarei um modo de compensá-la.
-É muito tarde para isso. Além disso, não é tua coisa. Acreditei que não poderia querê-la mais do que a queria. Levávamos oito meses casados quando nasceu Richard.
Os rumores tinham começado a circular
antes disso, claro. Aumentaram quando nasceu. A pobre Eleanor lhes fez frente dizendo que nosso filho tinha chegado antes porque os Weddington sempre tinham tido
pressa por ficar mãos à obra. O certo é
que ela já estava grávida quando nos casamos. Culpa minha. Custava-me me conter. E segue me custando, a verdade.
-Seu filho se parece com ti.
-Sim. Mas eu lhe vejo muitas coisas da Eleanor. É um menino muito preparado. A propósito de meninos, terá que ter um herdeiro.
-Não até que tenha solucionado o do John. -Percorreu-o um calafrio-. Não quero nem pensar no que faria a meu filho, a alguém que fora a herdá-lo tudo.
-Faz que atirem a chave de sua cela.
-Oxalá fora tão fácil. Falando contigo, aqui sentado, dei-me conta de que não se trata só de que demonstre que sou Robert. Devo garantir o futuro de minha família.
E como o faço?
Caiu-lhe uma gota de chuva no nariz.
-Mais vale que voltemos antes de que nos empapemos.
Weddington ficou de pé e tendeu a mão ao Robert. Este a agarrou e deixou que seu amigo o ajudasse a levantar-se, aliviado ao comprovar que sua amizade tinha conseguido
sobreviver aos manejos do John.
-Sempre pode matá-lo -assinalou Weddington.
-Não cria que não o pensei, mas em que classe de homem me converteria isso?
Weddington se inclinou para aproximar-se.
-Em um vivo.
-Lhe pode acreditar isso? Ainda me custa fazê-lo. Tornou-lhe a dar a um pobre pássaro! -exclamou o duque do Weddington.
Depois de ouvir os disparos ao longe, Toureie se tinha ficado petrificada.
-Deveríamos ir ver o que ocorreu -tinha sussurrado ao fim.
-Prometi ao Weddy que não iria, ouvisse o que ouvisse.
Toureie não lhe tinha prometido nada a ninguém. Mas não conhecia a zona, não podia correr o risco de voltar a perder-se. De modo que tinha seguido sentada ali quase
uma hora, aterrada ante a possibilidade
de que Robert tivesse morrido.
Ao começar a chover, tinha divisado aos dois homens que se dirigiam a bom passo para a casa enquanto o vento levava até o jardim suas gargalhadas. Como não parecia
que fosse descampar, os Weddington lhes
tinham pedido que ficassem para jantar.
-O disparo não teve nenhum mérito -se defendeu Robert, sentado a um extremo da mesa enquanto Weddington ocupava o outro-. Não apontava ao pobre inseto.
-Não apontava a nada!
-Devo dizer, Weddy, que não foi nada delicado por sua parte deixar que Toureie e eu nos preocupássemos se não tinham intenções de seguir adiante com o duelo. Estou
muito desgostada contigo, e não me cabe
dúvida de que Toureie o estará com o Robert. -Olhou a jovem, sentada em frente dela-. Acredito que deveríamos lhes negar nosso consolo uns dias.
-Vamos, Eleanor, não seja cruel. Já sabe o muito que sofro quando não me faz conta.
-Não mais que eu esta tarde, quando pensei que poderia voltar pendurando do ombro do Robert.
-Ai, princesa, tenha um pouco de fé em minha habilidade para acertar um tiro.
-ouvimos dois tiros, Weddy.
-Bom, sim, Robert só tinha mutilado ao pobre pássaro. Eu tive que rematá-lo. Era o mais nobre que podia fazer.
-Como podem tomar o a brincadeira? -perguntou Toureie ao fim. Tinha guardado silêncio durante toda a terrível experiência. Quando começou a chover, quando seu marido
voltou por fim, quando lhe assegurou
que estava bem e os dois amigos começaram outra vez a rir do pássaro, e logo decidiram que a tormenta não faria mais que piorar...
-vamos assear nos e o falamos durante o jantar -havia dito Weddington.
Só que, em realidade, não o estavam falando. Falavam do pobre pássaro que se havia interposto na trajetória da bala, que má sorte! Ja, ja, ja!, e não de que Toureie
tivesse estado aí sentada uma hora sem
saber se seu marido estava vivo ou morto.
-Sabe quanto ressona um disparo? -inquiriu ela-. Sabe quão ensurdecedor é o silêncio que o segue? Tem idéia de quão aterrador resulta estar aí sentada sem saber
o que aconteceu? E querer ir te buscar mas
não poder por não saber com exatidão onde está o penhasco quando há penhascos por toda parte...?
-Toureie -disse Robert em voz baixa, pondo a mão sobre a que ela tinha na mesa.
Mas Toureie não queria tranqüilizar-se. Queria... Não sabia o que queria, salvo desafogar-se.
-Além disso, sua esposa se negava a mover-se porque te tinha prometido que não iria te buscar, assim aqui estávamos, sentadas, como se não passasse nada, tomando
o maldito chá...
-Toureie. -Robert lhe apertou a mão-. Tranqüila, carinho. foi muito desconsiderado por nossa parte.
-Quem demônios se bate em duelo já?
-Pelo visto Weddington.
-Ainda te faz graça! -exclamou, levando uma mão à boca, envergonhada de ter gritado.
Robert se levantou em seguida, fazendo chiar a cadeira ao arrastá-la pelo chão.
-Se nos desculparem um instante...
-É obvio -respondeu Weddington.
situou-se detrás de Toureie e lhe pôs as mãos nos ombros.
-Vêem, saiamos um momento.
-Segue chovendo, por isso ainda estamos aqui!
-Não, estamos aqui porque nossos amigos nos pediram que fiquemos. E quando digo que "saiamos", refiro-me simplesmente a que saiamos da habitação.
Toureie ficou de pé e se dirigiu aos duques:
-me desculpem.
-Não é necessário que te desculpe -assinalou Eleanor-. Aproveitarei sua ausência para lhe dizer umas palabritas a meu Weddy. Tinha pensado fazê-lo na intimidade
de nosso dormitório, mas também posso fazê-lo
aqui.
-Me vai sentar mal o jantar -protestou Weddington.
Mas ante o olhar assassino de sua esposa, limitou-se a suspirar, posou o garfo e disse:
-Muito bem, que me sente mal o jantar. Melhor a mim que a ti.
Robert tirou toureie do comilão e, uma vez no corredor, agarrou-lhe a mão e a levou por um labirinto de estadias.
-Aonde vamos? -perguntou ela.
-A algum sítio onde tenhamos mais intimidade.
Por fim chegaram a um corredor escuro. Um lacaio abriu uma porta e Robert colocou a Toureie no que ela reconheceu imediatamente como uma biblioteca. Ao fundo, uns
candelabros acesos piscavam a ambos os
lados da estadia. Entretanto, o extremo onde se encontravam estava na penumbra. Assim que o lacaio fechou a porta atrás deles, Robert a atraiu para si.
-Sinto muito, Toureie. Sinto-o muitíssimo.
Ela apoiou a cabeça em seu peito, confortada por seu calor, por seu aroma. Quando Weddington e ele tinham chegado por fim à casa estavam empapados. Os criados tinham
conduzido ao Robert a um dormitório
no que, pelo visto, deu-se um banho e se pôs umas roupas do Weddington, mas até contudo, ela detectava seu aroma único, uma fragrância que tinha temido perder para
sempre para ouvir o primeiro disparo.
-Sei que me hei posto insuportável...
-Não, não -a interrompeu ele-. Não estou acostumado a estar casado, a pensar em alguém mais que em mim mesmo. Não pensei no que podia sofrer você, e deveria havê-lo
feito. Sinto a angústia que te causou
minha falta de consideração.
Apartando-se um pouco, Toureie estudou seu semblante, a genuína preocupação refletida na profundidade de seus olhos azuis. Ainda não tinha desfrutado do suficiente
daqueles olhos, não o bastante para perdê-los.
de repente, deu-se conta do muito que tinha começado a querê-lo, e de quão tola tinha sido ao duvidar de se devia casar-se com ele.
-Embora Weddington deveria sabê-lo -repôs ele, lhe acariciando a bochecha com os nódulos-. Tem casado um poquito mais. Se amanhã deixou que chover, acredito que
o desafiarei a um duelo...
-Nem te ocorra!
Robert lhe manteve o olhar só um instante mais antes de baixar a cabeça um pouco. A luz das velas lhe iluminava o rosto, assim que ela pôde vê-lo com claridade,
pôde ver como o desejo lhe obscurecia os
olhos, incitando-a a ela ao desenfreio, um desenfreio do que nem sequer se sabia capaz.
-Nem te ocorra desafiá-lo a um duelo -sussurrou, assombrada da aspereza de sua própria voz-. Mas poderia me beijar.
Ele abriu um pouco os olhos, como surpreso, antes de que um estranho caleidoscopio de emoções que ela não soube decifrar invadisse seu semblante. Logo, sua boca
se posou sobre a dela, e Toureie esqueceu
por completo toda intenção de decifrar nada. Só era consciente do fogo abrasador de seus lábios, do encanto tentador de sua língua, e da forma tão deliciosa em que
empregava suas habilidades. E tinha muitas
habilidades.
Ela se pendurou de seu pescoço e o percorreu com os dedos até que estes se perderam em seu cabelo. Com um grave gemido, ele a aproximou mais, seus braços como sólido
aço, e ela ficou nas pontas dos pés
para lhe facilitar a tarefa.
Robert aceitou gostoso o que Toureie lhe oferecia, e respondeu com um gemido animal e um beijo mais intenso. Um calafrio de prazer lhe percorreu o corpo até os dedos
dos pés; todo seu ser parecia render-se
e contrair-se, como se cada sensação atraíra a outra de maior magnitude.
Toureie enterrou os dedos no cabelo do Robert agarrando-se a ele, procurando um ponto de ancoragem, um modo de prolongar a proximidade. Aquela tarde tinha acreditado
que o perdia, e agora se dava conta
de que nunca o tinha tido, não em coração, corpo e alma. Tinha estado dançando ao redor do amor como se fora um lago gelado, temerosa de abordá-lo, aterrada de que
pudesse gretar-se e despedaçar-se sob
seu peso. Tinha procurado proteger o coração, e isso lhe tinha doído mais.
Já não procurava a segurança, porque ele não era seguro. Era um perigo para o coração, mas também a salvação.
Suspeitava que ele albergava os mesmos temores, e por isso ainda não lhe tinha feito o amor, porque notava que ela se guardava seu coração, e ele o queria tudo.
Pela primeira vez desde que o conhecia,
estava disposta a dar-lhe Tudo, todo seu ser.
Pô-lhe as mãos no peito, as deslizando por debaixo de sua jaqueta, e notou o batimento do coração intenso, quase violento, de seu coração.
Lhe percorreu o pescoço com a boca, úmida e mais quente do imaginável, riscando ondulações com a língua sobre sua pele, deixando a seu passado um rastro de frescura.
Logo iniciou de novo a ascensão, e
ancorou sua boca na de enquanto lhe acariciava o flanco com a mão até deter-se por fim em seu peito.
Percorreu-o um violento calafrio e apartou de repente sua boca da dela, apertando seu delicado rosto contra seu peito, e o eco de sua ofegante respiração os envolveu
aos dois.
Também ela respirava com dificuldade, e pensou que devia opor-se à posição de sua mão, mas era como se seu peito se inchou para adaptar-se a ela, como se se houvesse
sentido atraído por seu milagroso tato.
Uns instantes depois, ele a soltou ao fim e se apartou. Estudou-a brevemente antes de pentear-se com as mãos.
-Deixei-me levar um pouco.
-um pouco.
-Mas não vou desculpar me porque me provocaste.
-Por isso o tem feito? Porque te provoquei?
-Beijei-te porque queria fazê-lo. Desesperadamente. -O recolocó algumas mechas de cabelo soltos-. Te despenteei.
-Crie que nossos anfitriões se darão conta?
encolheu-se de ombros.
-Suspeito que esperam que voltemos um pouco desalinhados. Levamos um momento fora. -apartou-se um pouco dela-. Deveríamos retornar ao comilão.
-Sim, suponho que sim.
Voltou a aproximar-se, como se duvidasse entre continuar com o beijo ou prosseguir com o jantar.
-Sinto ter perdido os nervos na mesa -se desculpou ela.
Ele esboçou um sorriso do meio lado que ela começava a identificar como o sorriso amável e indulgente com a que pretendia obter que ela se sentisse melhor.
-Parece-me que passamos muito tempo nos desculpando.
-Crie que é porque somos recém casados? Às vezes não estou segura de como atuar, do que dizer. Não me sinto cômoda de tudo sendo esposa.
-Nem eu sendo marido. Sugiro que observemos atentamente ao Weddington e a Eleanor. Dá a impressão de que eles já o têm tudo sob controle.
-Caem-me bem -declarou ela.
-A mim também. Embora possivelmente queiram terminar de jantar.
-Ai, sim -disse Toureie quase com um salto, sobressaltada pelo aviso-. com certeza que sim. Provavelmente tenham começado a preocupar-se conosco.
Robert abriu a porta e ela o seguiu ao corredor.
-Espero que saiba voltar para comilão.
-Poderia encontrá-lo com os olhos enfaixados.
Ofereceu-lhe o braço e ela o enlaçou com o seu, desejando em parte que a conduzisse ao dormitório.
-Possivelmente eles criam que o do duelo não era mais que uma travessura, mas eu não, Weddy. Não me engana. saíste que aqui com a intenção de matá-lo.
Weddington estudou o rosto de sua esposa, aquele queixo levantado, signo de que não estava disposta a tolerar tolices. Queria-a tanto, que se conformava com que
seu filho conhecesse uma mulher a que quisesse
tão somente a metade.
-Sim, tinha intenção de matá-lo -admitiu a contra gosto, não muito orgulhoso de seu propósito inicial.
-E por que não o tem feito?
-Porque não é o homem que te ofendeu.
-Então, não foi Robert?
-Não.
-Foi John, como suspeitava?
-Sim.
-E onde estava Robert enquanto acontecia todo isso?
-É complicado, Eleanor, e não quero que nos surpreendam falando disso. Basta com que saiba que Robert esteve... indisposto todos estes anos. Por desgraça, ainda
não lhe contou nada a sua esposa.
-por que?
-É complicado.
-Só sabe dizer isso...
-Porque é a verdade. -Jogou uma olhada à porta, decidiu que Robert ainda podia demorar um momento em acalmar a sua esposa e começou a lhe contar a Eleanor o que
lhe tinha acontecido a seu amigo. Ela o
escutou sem pronunciar uma só palavra, até que teve terminado.
-Que horror para ele! E para ela! Não se casou com quem pensava casar-se.
-Não, casou-se com um homem melhor.
Sua esposa apertou os lábios com força.
-Sabe que é certo, princesa.
-Mesmo assim, deve lhe contar a verdade.
-Fará-o.
-Quando?
-Quando chegar o momento.
-Não te parece mal que se casou com ela -espetou Eleanor com ironia.
-ia casar se com o duque do Killingsworth, e é com quem se casou.
-Mas é um homem distinto ao que acreditava.
-Seu matrimônio não é nosso problema, Eleanor.
-Ela me cai bem, Weddy.
-Então deveria te alegrar de que se casou com o Robert e não com o John.
-Homens. Sempre fazendo abacaxi.
-Porque vocês fazem o mesmo.
-Não estamos em guerra.
-Deixa-o estar, Eleanor. Há questões mais importantes em jogo.
-Como o que?
-Seu títulos e suas propriedades -disse ele com o nevoeiro franzido.
-Típico de um homem confundir assim suas prioridades. Se as considerar mais importantes que ela, então não a merece.
-Eleanor, nestes momentos necessita nosso apoio e nossa amizade mais que nada. Não nossa censura.
Ela enrugou sua tentadora boca, como fazendo panelas.
-Muito bem. Deixarei-o estar por agora, mas se não o diz logo, terei que me encarregar de recordar-lhe.
-O advertirei.
-A propósito de advertências, preocupa-me esta tormenta, Weddy. Começa a ser bastante violenta. Tinha pensado lhes propor que passem a noite aqui para que não tenham
que viajar com tanto barro, mas não
sabia se te pareceria bem.
-Parece-me perfeito que lhes ofereça nossa hospitalidade para esta noite, mas te assegure de instalá-los na outra asa, tenho planos para ti esta noite.
-Tem prevista alguma travessura?
-Não o duvide.
Seu sorriso se murchou e franziu o nevoeiro.
-Crie que Robert conseguirá solucionar seu problema?
-Eu farei o que possa por lhe ajudar, mas me temo que é ele quem deve arrumar as coisas. Embora você também pode lhe dar uma mão.
-me diga como. Farei o que seja.
-Se se apresentar a ocasião, ressalta suas virtudes, que Toureie se apaixone por homem com o que se casou.
-Não me há dito que seu matrimônio não é nosso assunto?
-E não o é.
-Pois o que me pediste que faça contradiz essa opinião.
-Quando tirar o chapéu seu engano, tudo será mais fácil para o Robert se ela o quiser mais que a seu irmão.
-Me faz estranho falar de "engano" quando ele é o duque legítimo.
-Por desgraça, não se considera o marido legítimo.
-É o marido perfeito.
-Sem dúvida. Fará então o que te pedi?
-Só se me promete ser muito mau quando formos à cama -respondeu ela com um sorriso pícaro.
-Serei tão mau como quer -lhe assegurou ele inclinando-se para ela.
-Quero-te, Weddy.
-Não mais que eu a ti.
Capítulo 15
A tormenta piorou. O vento fora uivava. Um trovão especialmente sonoro tinha feito que Eleanor subisse a toda pressa à habitação de seu filho para comprovar que
se encontrava bem apesar de que tinha uma
institutriz que se ocupava dele, convencida de que o tinha ouvido chorar. Toureie não tinha ouvido nada, salvo o vento e os trovões e, ao olhar ao Weddington, este,
encolhendo-se de ombros e sonriendo,
limitou-se a dizer:
-Os ouvidos de uma mãe são especiais. Eu já aprendi a não questioná-la.
Uns minutos mais tarde, Eleanor voltou com seu filho pego em braços. O menino ia em camisola e descalça. Parecia muito mais vulnerável que aquela tarde, quando tinha
chegado a ombros de seu pai.
-Como supunha, estava-o passando fatal. As tormentas o assustam um pouco -declarou Eleanor.
-E que fazia a institutriz? -quis saber Weddington.
-Estava fazendo seu trabalho, balançando-o, arrulhando-o, mas às vezes um menino necessita a sua mãe.
Weddington se inclinou para Toureie, sentada em um sofá do salão.
-E outras é a mãe quem necessita a seu filho. É Eleanor a que tem medo das tormentas.
-O que murmura, Weddy?
-A verdade, meu amor -respondeu ele, lhe piscando os olhos um olho a Toureie.
Então esta viu um aspecto do Robert que jamais teria imaginado que existia. Seu marido se levantou de sua cadeira perto do fogo e se aproximou da Eleanor, mas se
dirigiu ao menino.
-Olá, Richard -disse em voz baixa-. Sou seu tio Robert. Não nos apresentaram oficialmente, mas me alegro de te conhecer.
-lhe dão medo as tormentas? -perguntou Richard.
-Muitíssimo. Sabe o que acredito? Acredito que deveríamos ter um cão aqui que nos protegesse.
-Nós não temos cão.
-Eu sim. Levo um no bolso. Mas tenho que te advertir que, se o tirar jogar, sairão também outros animais. Quer vê-lo?
Richard assentiu com a cabeça, entusiasmado.
-Eu gosto dos cães.
-E a mim. Mas a meu cão não gosta de muito a luz. Se a sua mãe não importa, vou baixar um dos abajures ao chão.
-Claro que não me importa -espetou Eleanor-. Eu também quero conhecer esse teu mascote.
Igual a Toureie, que observava Fascinada como seu marido baixava o abajur e a colocava perto da parede. Logo, Robert se sentou no chão.
-Vêem te sentar aqui, Richard -lhe disse ao menino dando uma palmada no espaço que havia a seu lado.
O pequeno escapou do regaço de sua mãe e, sem medo, aproximou-se do Robert e se sentou a seu lado, olhando-o com absoluta confiança. Este se rebuscou nos bolsos.
-Ah, aqui está.
Tirou os punhos muito apertados e lhe fez um gesto com a cabeça.
-Olhe à parede.
Richard fez o que lhe dizia.
Robert abriu as mãos e as colocou diante do abajur de tal modo que formaram a sombra de uma cabeça de cão na parede.
-É um cão! Vejo-o! Vê-o, mamãe? -exclamou Richard entre risadas e Palmas.
-É obvio -respondeu Eleanor, sentada no sofá junto a Toureie-. Que tio tão preparado tem!
-Não é seu tio de verdade, não? -sussurrou Toureie, perguntando-se se possivelmente não tinha entendido bem a relação que havia entre eles.
-De sangue, não; só de coração. Houve um tempo em que Robert e Weddy eram como irmãos, e suspeito que logo voltarão a sê-lo.
-Robert não me contou a causa das desavenças entre seu marido e ele.
-Uma pequena maldade que já esquecemos. Não tem sentido lhe dar mais voltas.
Toureie não podia imaginar que seu marido fora capaz de nenhuma maldade, mas, a julgar pela indignação com que Weddington o tinha recebido, devia supor que Robert
era o culpado de sua disputa. Isso lhe
chateava e a intrigava, mas se obrigou a esquecê-lo para poder concentrar-se em seu marido e em seu jovem público.
-Recorda que te hei dito que quando meu cão sai a jogar o acompanham outros animais? Acredito que já os ouço chegar.
-Onde? -gritou Richard, olhando a seu redor.
-Aqui -lhe indicou Robert enquanto movia as mãos-. Sabe o que é isto?
-Uma tartaruga.
-Conhece a fábula da tartaruga Y...? -perguntou ao tempo que trocava a posição dos dedos.
-... a lebre! -gritou Richard.
-A tartaruga e a lebre. Muito bem.
-Que mais? -interrogou-o o menino, ficando de joelhos e dando botes.
-Bom, vamos ver. Algo exótico, acredito. -Recolocó os dedos.
-Um elefante!
-Que preparado é!
Toureie estava ali sentada, observando como seu marido movia as mãos para criar as sombras de um animal detrás de outro: um ganso, um cervo, um pato, um porco...
Seu repertório parecia interminável. Nunca
o tinha visto desfrutar tanto com nada, e quase sentia ciúmes daquele menino que monopolizava sua atenção.
-Como aprendeste a fazer todo isso? -perguntou-lhe ao fim.
-Digamos que houve uma época em que tinha bastante tempo -respondeu sem apartar a vista das sombras.
-Algumas são extraordinárias -acrescentou ela.
Um caracol, um cavalo, dois pássaros.
-pratiquei o bastante.
-E quando foi isso? -perguntou ela.
-A momentos perdidos.
-Insígnia me! -soltou Richard de sopetón.
-Encantado. -sentou-se ao menino no regaço e lhe aconteceu os braços por diante para poder lhe agarrar as mãos.
Ver as enormes mãos do Robert moldando com paciência as mãos diminutas do menino lhe chegou a Toureie muito fundo. Ao coração, pensou. As lágrimas começaram a lhe
arder nos olhos. Algum dia se derrubaria
assim com seus filhos. Tinha pensado muito na classe de marido que seria, mas logo que tinha considerado a classe de pai que poderia chegar a ser. Vendo-o então,
deu-se conta de que seria um pai estupendo,
e se surpreendeu desejando que não demorassem muito em ter filhos.
-Não parece que a tormenta vá amainar em seguida -lhe disse Eleanor inclinando-se para ela-. por que não passam a noite aqui? Terão uma asa inteira para vós, e como
está claro que ao Robert serve a roupa
de meu Weddy, amanhã lhe podemos procurar mais. Quanto a ti, você e eu devemos usar uma talha parecida.
-Não queremos abusar.
-Pior será se tivermos que sair sob a tormenta a desentupir sua carruagem.
-Se de verdade não for moléstia.
-Não é moléstia absolutamente. Estamos encantados de que Robert tenha voltado para nossa vida. Jogávamos muito de menos.
Quase uma hora depois, Richard, ainda acurrucado no regaço do Robert, disse com um bocejo:
-Outro.
Toureie tinha perdido a conta dos "outro" que o menino lhe tinha pedido. perguntou-se se Robert lamentava lhe haver ensinado o primeiro animal, que tinha levado
a segundo e assim sucessivamente.
Viu-o retorcer-se para apoiar-se na parede com o menino acurrucado em seus braços, olhando ao pequeno com imensa ternura. Era óbvio que adorava a aquele menino ao
que acabava de conhecer.
-Parece-me que é hora de voltar para a cama -disse Eleanor ficando de pé. aproximou-se do Robert e se inclinou para agarrar a seu filho em braços.
-É um menino estupendo -assinalou Robert, e a Eleanor pareceu detectar algo em sua voz. Tristeza, possivelmente. Desejo.
-Nós também o pensamos -confirmou Eleanor.
-Acompanho-te a deitá-lo -comentou Weddington levantando-se.
O casal saiu da habitação e Robert ficou ali sentado, com uma perna dobrada, a boneca apoiada no joelho e o olhar na janela, onde as cortinas ainda corridas permitiam
ver o espetáculo desencadeado pela
magnífica tormenta.
Era aquilo uma lágrima?
Robert pigarreou um pouco, fechou os olhos, pressionou-se a ponte do nariz com o índice e o polegar e logo se esfregou os olhos.
-Dói-te a cabeça? -perguntou ela.
Ele baixou a mão e lhe dedicou um intenso sorriso.
-Não, só pensava.
-No que?
-No que seria capaz de fazer por proteger a meus filhos de qualquer dano.
-E o que faria?
-Algo. Tudo.
-Nunca entendi por que os homens acreditam que somos muito delicadas para fumar puros, beber uísque e lhe atiçar a uma bolinha -sussurrou Eleanor a Toureie.
Estavam sentadas em um rincão da sala de bilhar, vendo como os homens fumavam, bebiam e empunhavam os tacos. Pelo visto, necessitavam silêncio para jogar, embora
sua conversação e suas risadas não pareciam
lhes perturbar. Às damas lhes tinha permitido a entrada no que Weddington denominava o domínio do homem porque Eleanor tinha insistido. Toureie não pôde evitar perguntar-se
se também Robert seria algum
dia tão condescendente com seus desejos.
-Como conheceu o Robert? -perguntou Eleanor, trocando de tema por completo.
-No primeiro baile da última Temporada. Foi o primeiro duque que me tirou dançar. Eu estava entusiasmada.
-Por seu título?
Toureie percebeu certo tom de censura na voz da Eleanor, mas o entendeu. Ela estava tão apaixonada por seu marido que provavelmente esperava que todas as mulheres
procurassem em um homem algo mais que
um título.
-Só ao princípio -admitiu Toureie-. Mas era tão atento e agradável que me conquistou por completo.
-E se não fora duque?
-Seguiria apreciando-o.
-"Apreciando-o"?
Eleanor tinha saltado ante a expressão como um gato a por uma mosca.
-Queria ao Weddington antes de te casar com ele? -inquiriu Toureie em lugar de responder à pergunta da Eleanor.
-É obvio.
-Não sei como pode apaixonar-se alguém com um noivado convencional.
-Suponho que o meu foi do menos convencional. Assim só aprecia ao Robert?
Toureie notou que o rubor lhe cobria as bochechas. Não estava segura de se devia lhe contar a aquela mulher o que nem sequer lhe tinha confessado ainda a seu marido.
-Tenho a sensação de que não pude conhecê-lo de verdade até que nos casamos.
-E te afeiçoaste com ele -terminou Eleanor por ela.
Toureie assentiu com a cabeça; Eleanor sorriu.
-Me alegro de que seu afeto tenha crescido das bodas.
-por que?
-Porque o homem casado está acostumado a ser bastante distinto do homem que corteja. A repentina constatação dessa diferença pode resultar muito decepcionante. Conheço
muitas mulheres que desejariam que
seus pretendentes não se converteram nunca em seus maridos.
Os lábios de Toureie desenharam um amplo sorriso.
-Com o Robert me aconteceu justo ao contrário. Prefiro-o como marido.
-Por como lhe olhe, eu diria que é bastante óbvio que te adora -lhe sussurrou Eleanor.
Toureie olhou aos homens. Sua amizade era evidente. Embora Weddington lhe parecia bonito, não podia negar que encontrava muito mais bonito a seu marido. tirou-se
a jaqueta, desabotoou-se um pouco a camisa
e a tinha arregaçado, como se isso lhe facilitasse a concentração. Gostava de vê-lo concentrar-se na bola justo antes de lhe dar e seu sorriso de satisfação quando
esta aterrissava em uma fresta; e como
grunhia e exibia sua resignada desilusão se falhava...
Era simplesmente maravilhoso.
-E acredito que as tormentas se emprestam bem ao romance -disse Eleanor em voz baixa.
Surpreendida por essa revelação, Toureie se voltou para ela.
-Seu marido há dito que lhe dão medo as tormentas.
Eleanor enrugou o nariz.
-um pouco. Mas meu temor tem seu propósito. Os homens são bastante ignorantes no que respeita ao romance. Não estou segura de por que, mas costa um pouco educá-los...
quase como adestrar a um cão.
A Toureie lhe abriram os olhos como pratos.
-Está comparando a seu marido com um mascote?
-Claro que não. Só digo que aos homens às vezes terá que orientá-los para o romance para que criam que tudo foi idéia dela. Tenho descoberto que as tormentas são
o melhor momento para abraçar-se.
-Só para abraçar-se?
Eleanor assentiu entusiasta.
-Lhe subtrai importância às coisas pequenas: abraçar-se em um dia de tormenta, beijar-se até o esgotamento, falar na escuridão de sonhos e planos, e acurrucarse
para alívio do coração. Os homens são bastante
estúpidos no que respeita às mulheres. nos corresponde lhes inculcar que o cortejo não termina quando se intercambiam os votos nupciais.
"Como agora. Os homens pensam que devem escapulir-se para desfrutar de seus puros e de seu uísque, porque é algo que ofende nossa sensibilidade. Mas eu adoro ver
meu Weddy saborear sua puro e sua taça,
e confesso que em alguma ocasião desfrutei com ele de seus caprichos.
-Não me diga!
-Como o ouve. A vida terá que vivê-la. E, com o Weddy, gosta de fazê-lo.
-É muito afortunada, Eleanor.
-Não acredito na sorte. Penso que somos responsáveis por nossa própria felicidade. Neste mesmo instante, eu poderia estar em outra parte da casa. Sozinha. Mas prefiro
não fazê-lo. Prefiro estar onde ele
esteja. E o maravilhoso disso, Toureie, é que há ocasiões em que é ele quem decide estar onde eu estou. Por isso eu adoro ser sua esposa. Por isso o quero.
Toureie se deu conta de que as bolas já não se chocavam na mesa.
-Falta-te prática -comentou Weddington enquanto ele e Robert se aproximavam delas devagar.
-Sem a menor duvida -respondeu Robert.
-ganhaste, Weddy? -inquiriu Eleanor.
-Claro, princesa.
Robert olhou a sua esposa, encolheu-se de ombros e sorriu, como se pensasse que ela podia envergonhar-se de sua falta de perícia. Toureie sentiu a necessidade de
consolá-lo.
-Não me surpreende que tenha ganho, Weddington. Tem a mesa em casa. Seguro que pratica constantemente.
-Sempre que posso.
-O que fazemos agora? -quis saber Eleanor-. Jogamos às charadas?
-Estava pensando que podíamos ir à casa de banhos -propôs Weddington.
-Não acredito.
-A casa de banhos? -repetiu Toureie.
-Um lugar horrendo. Uma tinaja enorme de água geada -explicou Eleanor.
-É são inundar-se nela -repôs Weddington-. Meus antepassados o têm feito durante gerações. Além disso, para o Robert e para mim é um ritual. Quando vem de visita,
sempre vamos ao menos uma vez.
-Mas esta noite, Weddy? Está chovendo.
-E? Nos vamos molhar igual.
-Pois lhes molhar sem nós.
-Se insistir. -Fez uma pequena reverência-. Senhoras, vemo-lhes dentro de um momento.
Robert olhou a Toureie.
-Importa-te que vamos?
-Não. te divirta com seu amigo.
-Talvez demoramos um pouco. Não faz falta que me espere levantada.
-De acordo. Vejo-te amanhã.
Quando se inclinou para lhe dar um beijo fugaz na bochecha, notou-o algo violento.
-Que durma bem.
Ao vê-los sair da habitação, não pôde explicar o desejo agudo que de repente lhe atravessou o peito.
-Deste-te um mergulho de cabeça alguma vez? -perguntou Toureie.
-Alguém -respondeu Eleanor, ruborizada-. Weddy me esquentou depois, e esteve bem, mas isso não podemos fazê-lo quando convidou, verdade?
-Suponho que não. Pergunto-me o que lhes atrai de mergulhar-se em água fria.
-Não tenho a menor ideia.
Capítulo 16
-Não irás mergulhar te de verdade -disse Robert, e sua voz ressonou entre os muros de pedra que circundavam a piscina.
-Nem pensar -respondeu Weddington enquanto se refugiava no que servia de vestuários.
A casa de banhos se construiu a boa distância da mansão. A entrada ao edifício de pedra estava guardada por pilares também de pedra. Apesar da chuva, tinham conseguido
levar consigo umas tochas, que tinham
colocado nos candelabros da parede. Sombras horripilantes dançavam pelo interior do edifício. Um lance de larguras degraus de pedra facilitavam a saída da piscina.
Weddington saiu do "vestuário" com as mãos em alto e uma garrafa em cada uma.
-Quero a Eleanor com toda minha alma, mas me segue por toda a mansão, e pensei que necessitávamos um pouco de tempo para conversar a sós.
-Como nos velhos tempos?
-Como nos velhos tempos.
sentaram-se no chão de pedra, com as costas apoiada na parede. Weddington abriu uma garrafa e a passou ao Robert, logo abriu a outra para si mesmo.
-Pela amizade renovada -proclamou, fazendo chocar sua garrafa contra a do Robert.
-Pela amizade conservada.
Robert deu um gole e o uísque lhe abrasou a garganta. Boqueó, soltou um forte bufo e dedicou a seu amigo um sorriso de orelha a orelha.
-Vá, é bom!
-E há mais onde estavam estas.
-Crie que seu pai chegou ou seja que não vínhamos aqui a nos dar saudáveis mergulhos de cabeça?
-Pode que o suspeitasse.
Robert deu outro gole, dobrou a perna e apoiou a boneca no joelho, com a garrafa pendurando. Depois, jogou a cabeça para trás e contemplou o baile das sombras no
teto.
-tivemos nossos bons bate-papos aqui.
-Sim, senhor. Falei a Eleanor de sua situação.
Robert voltou a cabeça para seu amigo para poder olhá-lo melhor.
-Perguntou-me por que não te tinha matado, e como sabia que era minha intenção... -Weddington se encolheu de ombros-. Nunca lhe menti e não lhe oculto nada. Não
o dirá a ninguém.
Robert voltou a olhar ao teto.
-Esta situação já lhes prejudicou o bastante. Não quero que lhes faça mais dano.
-Suponho que desde esta tarde a agora não te terá ocorrido algum modo de resolvê-lo.
Robert se levou a garrafa aos lábios, deu um novo gole à beberagem embriagadora, baixou a garrafa e se lambeu os lábios.
-Não. Mas quando jogava com o Richard, não podia deixar de pensar que, enquanto John siga vivo, jamais terei a tranqüilidade de que meus filhos estejam a salvo.
-Possivelmente se lhe garantisse que nunca ia faltar lhe nada...
-Já pensei nisso, não é uma questão de dinheiro. Nunca lhe negou uma pensão com a que pudesse viver do modo ao que está acostumado. Teve que ser pelo ducado em si.
Pelo título. Por todos os títulos. O
prestígio, o poder, o respeito que se concede a alguém com certa categoria social. Já demonstrou até onde é capaz de chegar com tal de ser duque. Não acredito que
o que eu esteja pendente dele o dissuada.
-O que vais fazer então?
-Não sei.
-Parece-me que pode ter outro problema com o que não contava.
-Qual?
-Você algema.
-Sou perfeitamente consciente de que é um problema.
-É consciente de que te quer?
Rendo-se pelo absurdo da pergunta, deu outro gole e deixou que o calor do uísque lhe percorresse o corpo.
-Quer ao John.
-Não era ao John a quem não podia lhe tirar os olhos de cima no salão.
Robert se voltou bruscamente para o Weddington.
-Porque acredita que eu sou John. Se descobrisse que não sou o homem que a pediu em matrimônio, não me emprestaria nenhuma atenção.
-Equivoca-te. Gosta do que vê quando lhe olhe. É você o que a faz sorrir. Foi a idéia de te perder no duelo o que a desgostou. E sei de sobra que você a quer.
-Não posso querê-la.
-Mas a quer.
-Mas não posso. Foi John o que...
-De verdade crie que ela poderia ter querido a seu irmão?
-Sim! -levantou-se como um raio, dando um gole mais enquanto o fazia-. O dia das bodas me disse quanto me queria. "Muitíssimo." Só que não falava de mim, mas sim
do John. -sentou-se em cuclillas-. A manhã
depois de minha fuga, nada mais despertar, inteirei-me de que tinha que me casar. Quando quis me dar conta de que não era um simples enlace entre uma dama e um duque,
já era muito tarde. -Olhou a garrafa
que se balançava entre seus joelhos-. Não quero renunciar a ela, mas quando averiguar a verdade quererá me perder de vista.
-Robert, somente a conheço de uma tarde e uma noite, mas te juro por minha vida que não imagino a uma mulher tão tenra apaixonando-se por um homem sem escrúpulos
como seu irmão.
Robert elevou a vista.
-Não acredito que ela esteja a par do que ele fez. Todo Londres está convencido de que o irmão gêmeo do duque do Killingsworth emigrou a América.
-Eu ouvi rumores. Recorda o muito que falava de partir? Por isso, quando por fim se foi, não sentiu saudades.
-Só que não se foi. Pelo visto, tem escrito historia de suas fantásticas aventuras.
-Também ouvi falar delas. Parece-me uma loucura. Razão de mais para que ponha a sua esposa de sua parte.
Robert deu outro gole a seu uísque enquanto recordava de repente algo que Toureie lhe havia dito.
-Disse-me que tinha dúvidas sobre seu matrimônio comigo, ou com o homem que pensava que eu era. Tudo isto é muito complicado.
-Olha-o assim: John é um intrigante. É muito provável que jamais lhe revelasse seu verdadeiro eu. E, se esse for o caso, de verdade crie que a merece? Você conhece
seu irmão. por que teria que condená-la
a uma vida com ele? Não é que pense que possa seguir com ela: a lei prohíbe o matrimônio entre cunhados.
-Mas certamente se a devolvo virgem, se consigo invalidar o matrimônio, que os tribunais entendam que não foi sua culpa casar-se com o irmão equivocado...
-Possivelmente deveria pensar que se casou com o irmão correto. Não deveria lhe impedir que se apaixone por ti, do verdadeiro Robert Hawthorne.
Com uma boa quantidade de uísque no estômago, Robert acreditou bastante razoável a opinião do Weddington sobre seu caso. De fato, era quase brilhante.
deixou-se cair na cadeira do dormitório ao que o tinha levado Weddington com uma piscada e uma cotovelada, enquanto lhe comunicava que Toureie estava no dormitório
contigüo. Weddington lhe tinha proposto
lhe enviar a sua ajuda de câmara, mas Robert tinha declinado a oferta. Queria estar a sós com seus pensamentos.
preocupou-se tanto por evitar que ela descobrisse que não era o homem ao que conhecia como Robert que não lhe tinha ocorrido lhe deixar descobrir ao que realmente
era. Seguia sem pensar em deitar-se com
ela. Se o matrimônio finalmente se anulava, não queria levar-se nada que não pudesse devolver, como sua inocência.
Mas podia passar mais tempo com ela, gastar-se dinheiro nela. Podia inclusive lhe escrever sonetos. Bom, possivelmente lhe escrever sonetos fora um pouco ambicioso,
dado que não tinha escrito um em sua
vida e só os tinha lido quando o professor o tinha obrigado a fazê-lo.
Sua mente vagava em uma direção de escassa trascendencia. agachou-se, agarrou-se a bota e atirou, atirou, atirou até que conseguiu tirar-lhe logo a jogou ao chão.
recostou-se na cadeira e sustentou um dedo em alto. Devia reconduzir seus pensamentos para o plano. Sim, o plano. Sonetos. Não, sonetos, não. Isso seria desastroso.
Podia lhe ler os sonetos de outro. os
do Shakespeare, por exemplo. Se não recordava mau, tinha escrito uns quantos bastante bons que podiam apelar ao coração de uma mulher.
Tempo, dinheiro, sonetos. Que mais? Sabia tão pouco do cortejo... Quando teria podido dedicar-se a isso, a polir suas habilidades, treinava-se na arte das sombras
chinesas, e estas não lhe serviam de muito
para conquistar a uma mulher.
Ouviu um golpecito em sua porta. Maldição. Weddington lhe tinha enviado a seu criado depois de tudo. Robert jogou uma olhada à bota abandonada no chão e a que ainda
levava posta e decidiu que possivelmente
não lhe viria mal um pouco de ajuda.
-Adiante!
A porta se abriu, mas não era o criado. Era sua esposa. Ali de pé, em camisola e xale, e com os pés descalços se sobressaindo por debaixo.
-Pareceu-me te ouvir.
-Sinto muito. Procurarei fazer menos ruído.
Fim de seus planos de seduzi-la. Aquela teria sido a ocasião perfeita para lhe dizer algo engenhoso e o único que lhe tinha ocorrido era uma desculpa. "Deixa-o,
Robert, jamais lhe ganhará."
-Não me incomoda. Ainda não dormia. Em realidade, refletia sobre um problema que possivelmente você poderia me ajudar a resolver.
endireitou-se. endireitou-se? Que demônios fazia ainda sentado? Tinha entrado uma dama na habitação. Sua dama. levantou-se imediatamente, cambaleou-se um pouco,
conseguiu guardar o equilíbrio e se precaveu
de quão estúpido devia parecer inclinado na direção do pé descalço, mais baixo que o outro. Sim, senhor, um homem tão fino e galhardo... não ficaria mais remedeio
que apaixonar-se locamente dele.
-Que problema tem? No que posso te ajudar? -perguntou.
-Possivelmente deveria te ajudar eu a ti primeiro. Ainda leva uma bota posta -indicou ela, baixando timidamente o queixo.
olhou-se.
-Ah, sim, é certo. E eu que pensava que a tormenta tinha escorado a casa para um lado, como os navios no mar.
-Está bêbado?
-Não, não. Só estou contente.
-Quer que te ajude a te tirar a bota?
-Não, não, posso eu sozinho, obrigado.
"Outra oportunidade perdida, Robert. Teria tido que aproximar-se para te ajudar."
-Que problema tem? -repetiu.
-Primeiro você expulsa.
-Muito bem.
deixou-se cair na cadeira, levantou o pé, agarrou-se a bota e atirou, atirou...
-Necessita ajuda -resolveu ela, aproximando-se.
Seu aroma a rosas e lilás o envolveu, tão embriagador como o uísque que acabava de tomar-se. Ela se ajoelhou, sujeitou a bota e atirou, embora com igual sorte que
ele.
-Meu assistente está acostumado a consegui-lo quando fica... -interrompeu-se. Uma coisa era que sua ajuda de câmara se colocasse como ele ia propor lhe e outra muito
distinta que o fizesse ela.
Toureie o olhou com aqueles escuros olhos, e ele pensou que poderia perder-se facilmente neles. Não, perder-se não. Como lhe tinha confessado esse mesmo dia, com
ela poderia reencontrar-se.
-Como o faz seu assistente?
-Bom, pois se... se... já o faço eu. -Tentou subir o pé, mas ela não quis soltá-lo.
-Já o tentaste. Como o faz seu assistente?
-fica de costas, coloca-se escarranchado sobre a perna, eu a levanto, ele me agarra a bota, eu lhe ponho o outro pie no traseiro e empurro -terminou rapidamente.
-Entendo.
-Supunha-o. me devolva o pé, por favor.
Mas ela não o fez. colocou-se escarranchado sobre a perna, levantou-lhe o pé e agarrou com força a bota. Com a camisola levantada, lhe viam as pantorrilhas. Eram
preciosas. Robert queria aproximar-se e
as acariciar, e logo encher-se as de beijos.
-Empurra, depressa -lhe gritou ela-. Seu pé me pesa muito.
Seu olhar subiu pelos quadris. Céu santo. Seu traseiro não se parecia em nada ao do criado. Lhe começou a secar a boca. Pelo bem dela, devia terminar com aquilo
quanto antes.
-Vamos, a que esperas? -recriminou-lhe ela.
Sem mais preâmbulos, pô-lhe o pé no traseiro, firme, muito firme, e redondo, e empurrou. A bota saiu, ela se cambaleou para frente, recuperou o equilíbrio e se endireitou.
-Está bem? -perguntou-lhe ele, levantando-se como uma bala.
-Perfeitamente -respondeu ela, abraçada à bota.
-Agradeço-te a ajuda. Prefiro ter os dois pés à mesma altura.
Ela soltou uma risita com a que lhe formou a covinha.
-O que acontece? -quis saber ele.
-Às vezes parece tão distinto que não sei o que pensar.
E esse era o problema. Começava a passar-se o a bebedeira, e a idéia do Weddington de seduzi-la de repente lhe parecia nefasta.
-Há-me dito que tinha um problema com o que podia te ajudar.
-Ah, sim. -Com muito cuidado, deixou a bota no chão e se cruzou as mãos sobre o peito.
-Não me sai o elefante.
-Como diz? -inquiriu ele com a cabeça um pouco inclinada.
-Os pássaros e o cão e o cervo com sua gargalhada os faço bem, mas o elefante me desconcerta.
Ele sim que devia parecer desconcertado, porque ela acrescentou:
-As sombras. o de antes. Com o Richard.
-Ah, sim, o elefante. Em realidade, é muito fácil. -Olhou ao redor em busca de uma parte de parede espaçoso-. Te importa te sentar no chão?
-Não.
-Estupendo. -Agarrou da mesa um abajur aceso e a pôs a seu lado-. vamos prová-lo aqui. Sente-se diante de mim para que possa te rodear com meus braços como ao Richard.
Assim me resulta mais fácil te ajudar
a colocar bem os dedos -se sentiu obrigado a lhe explicar. Agora que recuperava a sobriedade com assombrosa rapidez, dava-se conta de que era preferível evitá-la,
porque, se lhe dava a mais mínima liberdade,
manter controlada sua paixão não ia ser fácil. Era como levar a um detento às portas do Pentonville, as abrir e lhe dizer: "Muito bem, sal um momento e logo volta
a entrar". De todo ponto impossível.
Para poder lhe sustentar as mãos diante do abajur, tinha que aproximar-se muito a ela, e lhe resultava mais fácil se colocava uma perna a cada lado de seu quadril.
Ela não demorou para acurrucarse em seu
regaço. Ante as possibilidades, a ele lhe acelerou o coração e lhe secou a boca. Pensou que quando terminasse de ajudar a com seu "problema" possivelmente faria
uma excursão à casa de banhos, mas esta
vez para mergulhar-se de verdade na água gélida. De cabeça. De lado. De todas as formas imagináveis. E ficaria ali até que ele e sua virilidade, que reclamava a
gritos um pouco de atenção, ficassem reduzidos
a nada.
-O elefante -lhe recordou ela.
-Sim, o elefante.
Agarrou-lhe o braço esquerdo e lhe notou o pulso acelerado. Estava tão nervosa como ele?
-Levanta o braço, dobra a boneca, relaxa a mão, deixa-a pendurando. Tem umas mãos tão pequenas... Tão suaves... -Acariciou-lhe o dorso do braço com o polegar. De
cetim. Recordou a pele de seu pescoço de
sua excursão à biblioteca, fazia umas horas, tão perto de sua boca; tinha o mesmo tato.
-O elefante -voltou a lhe recordar ela, quase sem fôlego.
lhe ensinar a Toureie a fazer sombras chinesas não era o mesmo que lhe ensinar ao Richard. Custava-lhe centrar-se tendo tão perto recompensa tão deliciosas. Podia
lhe mordiscar a orelha, passear seu fôlego
por seu cabelo.
-Baixas o coração e o anular. Esses fazem de tromba, vê? Logo levanta um pouco o mindinho e o índice para as presas. Com o polegar, faz a forma da boca. O baixas
para abri-la e o sobe para fechá-la.
Agarrou-lhe a outra mão.
-Logo cava a mão direita sobre a esquerda para a cabeça, e curvas os dedos para que passe um pouco de luz que forme o olho. E já o tem. Estamos na África.
-viajaste a África alguma vez? -perguntou ela em voz baixa.
-Só com a imaginação.
-Eu não estive em quase nenhum sítio. Eu gostaria de viajar.
-Aonde você gostaria de ir?
-Sempre tive ilusão por ir ao Egito. Não sei por que, mas eu gostaria de ver as pirâmides.
-Possivelmente vamos algum dia. Poderíamos fazer um cruzeiro pelo Nilo.
-Faria falta muito valor para isso.
-Não dá tanto medo quando vai com alguém.
Ela voltou um pouco a cabeça e seus lábios ficaram à altura dos dele. Não tinha mais que mover a boca... Olhou-a.
-Eleanor diz que as tormentas são boas para acurrucarse. Que entoe, Weddington a abraça e a beija até o esgotamento...
-Que a beija até o esgotamento? Não acredito que lhe adulasse tal descrição de seus esforços amorosos.
-Ela o quer com loucura... Me cansam os braços.
-Sim? Sinto muito. Apóia-os em meus. -Moveu os braços para que ela pudesse apoiar-se neles.
-Hei-te dito alguma vez que me aterrorizam as tormentas?
Céu santo. O havia dito? Devia saber a resposta ou era uma pergunta retórica?
-Se me houver isso dito não me lembro. -Como um vândalo insensível. Pensou que recordaria cada palavra que lhe havia dito do instante em que a tinha conhecido.
-Pois sim. Aterrorizam-me -declarou-. Sobre tudo aqui, junto ao mar. São muito ruidosas, e o vento parece tão violento... Além disso, não posso dormir, por isso
me consolava com as sombras chinesas, mas
preferiria que me consolasse você...
E ao Robert bastou com isso.
Capítulo 17
Toureie experimentou um instante de indecisão ao ver arder de repente o desejo nos olhos do Robert, como se o tivesse estado contendo e agora pudesse liberá-lo.
Não podia ignorar a ternura que seus jogos
com o menino lhe tinham inspirado. Queria conhecer o de todas as formas possíveis. Estava cansada de ser a esposa paciente.
Desejava lhe abrir seu coração por completo. Então lhe sustentou a cara e a beijou, e ela se deu conta de que se estava apaixonando por seu marido.
Jamais tinha conhecido umas carícias tão tenras e uns beijos tão tentadores, que a impulsionavam a render-se a sua sedução. Não pela força ou a insistência, a não
ser simplesmente lhe concedendo o que
pedia sem lhe exigir mais.
voltou-se para melhorar o ângulo, a posição de seus corpos, e lhe dar permissão para que a beijasse com maior paixão, algo que ele fez entusiasmado. Lhe pagou com
a mesma moeda, pendurando-se de seu pescoço,
apenas consciente de que ele voltava a trocar de postura e a depositava com cuidado sobre a grosa carpete em que estavam sentados.
Com um braço a rodeava, e os dedos da mão que ainda lhe sujeitava a cara foram ascendendo pouco a pouco até enredar-se em seu cabelo, que uma das donzelas da Eleanor
lhe tinha penteado para trás e trancado
antes de que se fora a dormir.
Encheu-lhe de beijos a mandíbula e o pescoço, murmurando seu nome como se fora uma bênção. Logo voltou a beijá-la, com uma sutil diferencia: já não se continha.
Era como se não tivesse suficiente, como se ela nunca fora a satisfazer o desejo que lhe ardia dentro. Seus gemidos a envolviam, ao tempo que sua língua a explorava
e seus lábios a provocavam.
-O que quer? -inquiriu ele, enquanto seu fôlego se mesclava com o dela e o beijo logo que cessava com sua pergunta.
-O que quer você? -replicou-lhe ela.
-Tudo o que esteja disposta a me dar esta noite. -apartou-se um pouco e em seus olhos de intenso azul, agora tão próximos, viu bolinhas de um negro escuro. Detectou
neles a paixão e as dúvidas, mas sobre
tudo o afeto, e a possibilidade de amor-. Quero que te solte o cabelo -acrescentou com voz rouca-, que te desabotoe a camisola. Quero te sentir em meu peito nu,
em minhas costas, em meu cabelo. Quero te
olhar e estar tão perto que o veja tudo. Mas mais que nada, quero que você queira o que posso te oferecer. me dê permissão e serei tão suave como o cair da noite.
Permissão? Que petição tão estranha para um marido. Alguma vez lhe tinha dado a impressão de que não o concederia, de que ela não desejava aquele momento? Não era
ela a que o incitava e o insistia a que
continuasse?
Jamais teria pensado que seu marido, um duque, pudesse duvidar de que ela o desejava. Um homem que governava propriedades e começava a governar seu coração. Sorriu
carinhosa e ele baixou a cabeça e lhe
beijou a bochecha.
-eu adoro quando te forma a covinha -sussurrou-. Faria o que fora porque nunca desaparecesse.
A aspereza de sua voz lhe produziu um calafrio, lhe fez um nó no estômago e lhe dilatou o coração.
-Por favor -se ouviu suspirar-. Por favor.
Ele voltou a beijá-la e ela pensou que aquele momento poderia ser o prelúdio de algo grandioso. Era tão hábil, sua língua não parava de mover-se, dançava com a dela
uma dança antiquísima. Pareceu-lhe notar
que lhe desfazia a trança ao tempo que sua boca tecia sua magia. de repente já não estava, sua respiração agitada detrás dela, enquanto lhe desembaraçava o espesso
arbusto de cabelo e o soltava, afundando
as mãos nas espessas mechas de seu cabelo.
-Tão formoso, tão suave... -Enterrou a cabeça em seu cabelo como se fora o mais maravilhoso dela. Percorreu-o um estremecimento, seu corpo se esticou, e foi como
se necessitasse um instante para recuperar-se
de um achado transcendental.
Voltando a cabeça para ela, beijou-lhe a mandíbula, o queixo, o pescoço. Cada toque acendia em Toureie um fogo que se propagava por todo seu ser. Pela extremidade
do olho, via oscilar as sombras. Pensou
que lhe dava muito bem fazer sombras chinesas, mas suas mãos eram igual de mãos direitas provocando prazer.
Robert se incorporou para tirá-la camisa pela cabeça, e ela se surpreendeu lhe apoiando a mão no peito.
-Tão formoso, tão firme... -disse com um sorriso.
Ele riu, um som que começava a lhe encantar.
Quando voltou para ela esta vez, Toureie desfrutou de seu gozo e seu assombro enquanto percorria os botões de sua camisola. Viu como seus dedos desabotoavam um,
logo o outro. Sem pressa, sem precipitação,
como se abrisse um presente, saboreando cada instante da viagem para o descobrimento do que se encontrava oculto sob o pacote.
Uma vez desabotoado o último, ela conteve a respiração enquanto ele a despia. O assombro de seu olhar quase a fez chorar. Moldou seus peitos com as mãos, gemeu brandamente
e os sustentou com delicioso
cuidado. Toureie tinha pensado que talvez se sentiria coibida ou assustada, mas não foi assim: desejava que não parasse nunca.
Com um gemido profundo, ele a atraiu para si, e o calor de seu peito penetrou a frieza da pele dela.
-Não imagina o muito que desejei estar tão perto de ti; desde que te vi caminhando para o altar.
antes de que ela pudesse responder, ele a estava tocando com as mãos, com a boca, percorrendo-a com a língua, e ela também o fazia, saboreando a firmeza de seus
músculos, o calor aveludado de seu corpo.
Sim, isso era que a quisessem a uma, que se ocupassem dela. Não podia haver amor sem aquilo... Não, não era possível. Era parte essencial da complexidade de uma
relação, a busca, o desfrute...
Bateram na porta. Ela chiou quando esta se abriu e soaram uns passos. Robert a aproximou e lhe enterrou a cara no peito. Toureie inalou seu aroma único e embriagador,
procurando ocultar a humilhação de
ver-se surpreendida em uma situação tão incômoda, até sendo consciente de que seu marido se esforçava por tampá-la e protegê-la.
-Sinto interromper, mas me alegra comprovar que seguiste meu conselho -disse Weddington.
-Não o segui.
-Não? Pois o parece. Bom, não importa. encalhou um navio na tormenta, longe da costa. vou sair a ver se consigo levar aos superviventes até a praia.
-Te darei uma mão.
-Perfeito, mas date pressa. O navio se está escorando e se...
-Vou em seguida.
-Bem.
fechou-se a porta de repente. Robert deixou a Toureie no chão e se separou dela.
-Sinto-o mas tenho que ir.
Ela se incorporou e começou a grampeá-los botões, olhando como voltava a ficá-la camisa e as botas.
-Mas se estiver bêbado.
-Limpei-me o bastante. -Olhou-a-. Embora acredite que poderia me embebedar facilmente com seus beijos.
Pensou que possivelmente ela se embebedou um pouco com os seus.
ficou de pé e terminou de calçar-se.
-vais ajudar lhes? -perguntou ela.
-Sim, claro. Não te angustie. Já ajudei antes. Sei o que terá que fazer.
Parecia angustiada? Certamente porque o estava.
-Mas há tormenta...
-Sim, e essa foi a causa do problema. -Agarrou a jaqueta que tinha deixado pendurada do respaldo de uma cadeira.
-E como vais ajudar lhes? Se estiverem no navio...
-Agarraremos um bote de remos e iremos trazendo-os para a borda por grupos.
-Quando ajudaste antes?
-Quando fomos meninos.
levantou-se, tremente, de repente mais aterrada que nunca pela tormenta, horrorizada ante a possibilidade de perdê-lo quando acabava de começar ao ter de verdade.
Seu corpo ainda bulia por algo que não
acabava de compreender. Os lábios inchados lhe formigavam, impregnados de seu sabor.
Ele se deteve de repente e a olhou fixamente.
-O que?
-O cabelo. Chega-te por debaixo do quadril, como uma cortina de veludo, nem castanho nem avermelhado, de um mogno escuro. Precioso.
Envergonhada por seus elogios, se recolocó a juba, deixando-a cair por diante dos ombros.
-Tomará cuidado, verdade?
Lhe sorriu com certo ar despreocupado.
-É obvio.
aproximou-se de uma pernada, pô-lhe as mãos nos ombros e a beijou, e o desespero daquele beijo quase a fincou de joelhos. surpreendeu-se pendurando-se de seu pescoço,
reacia a deixá-lo partir.
Ele se soltou.
-Tenho que ir.
dirigiu-se à porta.
-Robert? -chamou-o.
deteve-se e se voltou a olhá-la.
-Estarei aqui quando voltar para te ajudar a te tirar as botas.
Lhe dedicou um sorriso de orelha a orelha.
-Se for assim, beijarei-te até o esgotamento.
Toureie riu enquanto ele desaparecia pela porta. riu-se, céu santo, a pesar do perigo ao que se dirigia; e soube que sem dúvida estaria ali quando ele voltasse.
ficou sentada na cadeira um minuto inteiro antes de dar-se conta de que não podia limitar-se a esperá-lo. Certamente poderia ajudar em algo. Se recolocó o xale para
agasalhar-se melhor e foi em busca da
Eleanor, convencida de que ela tampouco estaria dormindo. Os criados a orientaram pela imensa mansão, e encontrou à duquesa do Weddington de pé diante de um ventanal,
três pisos mais acima, olhando ao
mar enquanto as lágrimas rodavam por suas bochechas.
-Eleanor?
Esta sorveu e se enxugou as bochechas.
-Sinto muito. Ódio o mar, sabe?
-Não. Não tinha nem idéia. por que vivem aqui então?
-Porque ao Weddy adora. É o único que me pode roubar isso E temo que um dia me arrebate isso para sempre.
Toureie se situou junto a ela diante do ventanal. Quando um raio iluminava o céu, o mar, o navio encalhado, a tormenta se faziam mais aterradoramente visíveis.
-Vi como lhe olhe. Nem sequer o mar lhe pode arrebatar isso
-Uma vez veio ao povo uma cigana adivinha e cometi o engano de lhe pedir que me lesse o futuro nas cartas do tarot. Disse-me que o mar arrebataria a dois de meus
seres queridos.
-Nada nem ninguém lhe poderá arrebatar isso Luego, los sirvientes se los llevaban a algún dormitorio para que pudieran descansar. Veintisiete en total, pasaje y
tripulación.
Eleanor negou com a cabeça.
-Não, disse-me que não teria ao que amo durante muito tempo. pensei mil vezes em lhe pedir ao Weddy que translademos a outra de suas propriedades, longe do mar,
mas prefiro o ter feliz a meu lado uns anos
que cem infeliz.
-Eleanor, ninguém tem o poder de ver o futuro.
-Talvez não. Possivelmente seja uma tolice. Mas temo que não tenhamos bastante tempo, com todo o agitação social de Londres nesta época do ano. Não quero que nada
nos distraia ao um do outro. Jamais estarei
preparada para que me deixe, mas enquanto possa, irei criando lembranças. Bom, estou-me pondo pessimista e temos muito trabalho. Logo haverá pessoas às que esquentar,
vestir e dar de comer. Pode me ajudar
se quiser.
-me diga o que tenho que fazer.
Acenderam fogo em todas as chaminés da mansão. Esquentaram mantas diante delas, e sopa na cozinha. Quando os criados subiram aos primeiros superviventes, levaram-nos
a cozinha, onde puderam tirá-la roupa
empapada depois de um biombo, em privado e sem passar muito frio, porque os fornos estavam em marcha. Toureie lhes dava mantas quentes e, quando já estavam bem tampados,
acompanhava-os ao enorme comilão,
onde lhes serviam sopa quente e lhes asseguravam continuamente que tudo ia sair bem.
Logo, os serventes os levavam a algum dormitório para que pudessem descansar. Vinte e sete em total, passagem e tripulação.
Toureie não podia imaginar o que teriam feito se Drummond não fora tão incrivelmente grande. Mas couberam todos.
Houve um momento em que Toureie se jogou uma capa por cima e baixou com cuidado à borda para presenciar de perto os trabalhos de resgate, convencida de que poderia
fazer mais ali que dentro da casa, onde
o abundante serviço se encarregava de tudo. Mas ela não tinha força suficiente para mover os remos do bote que Robert e Weddington levavam até o navio. Logo que
podia agüentar o embate do vento, ali, de
pé na praia. Entretanto, viu seu marido arriscar a vida por aqueles desconhecidos, e seu amor por ele cresceu como as ondas do mar.
Não podia ficar olhando; a angústia e o pânico de perdê-lo foram em aumento. Até que não chegou à casa, não se deu conta de que agora seria uma preocupação adicional
para o serviço, porque teria que secar-se
e esquentar-se. Eleanor lhe levou outra camisola ao dormitório.
-Sinto muito, não pensei nas conseqüências -assinalou, já vestida com roupa seca e sentada diante do fogo-. Em seguida baixo a te ajudar.
-Acredito que o serviço o tem tudo controlado. E não te reprovo que tenha baixado. Esta é só a segunda vez que acontece uma catástrofe assim desde que estou aqui,
mas eu sou incapaz de presenciá-la tão
perto da borda.
-Estava Robert aqui a vez anterior?
-Não da que eu fui testemunha. Acredito que ocorreu em outra ocasião, quando eram meninos. Os navios e as tormentas não revistam fazer bom casal.
-Não o conheço, Eleanor. -Olhou fixamente a sua nova amiga-. Me tinha imaginado dando isso ordens a todo mundo. Nunca teria suposto que subiria a um bote, e que
sairia ao mar em meio da tempestade. Aterrorizou-me
vê-lo. Mas de uma vez, parecia tão seguro de si mesmo, tão impertérrito, tão decidido.
Eleanor se ajoelhou diante dela e tomou as mãos.
-Houve um tempo em que Weddy pensava que não havia um amigo mais fiel que Robert. Depois, o Robert ao que conhecíamos desapareceu de algum modo. Mas agora tornou.
Confia em seu coração e verá o Robert
que todos queremos.
Toureie, a quem o comentário da Eleanor lhe pareceu algo críptico, ficou olhando.
-Quando diz que desapareceu, refere-te A...
-Ah, está aqui!
-Weddy! -Eleanor se levantou de repente, cruzou a habitação correndo e se equilibrou sobre seu marido, sem lhe dar outra opção que estreitá-la entre seus braços
para evitar que ambos perdessem o equilíbrio
e caíssem ao chão.
-Estou empapado, Eleanor, e você o estará também se não te separar de mim.
-Acredito que prefiro não me separar, assim nos secamos e nos esquentamos o um ao outro.
Weddington olhou a Toureie por cima da cabeça da Eleanor.
-Robert virá em seguida. Estão-lhe emprestando mais minha roupa.
Toureie estava no dormitório dele quando voltou, vestido só com umas calças e descalça. Parecia exausto, e não sentia saudades. Olhou-a, logo se olhou os pés.
-Ajudou-me o assistente do Weddington -explicou, quase desculpando-se.
-Vi-te em meio da tempestade. Estava aterrorizada.
-Eu também.
-Mas seguiste saindo ao mar.
-Necessitavam ajuda, e eu estava em condições de emprestá-la.
-E se tivesse morrido?
-Mas não foi assim. Não tem sentido falar do que poderia ter passado.
-Pois discutamos o que sim passa. É meu marido, mas ainda não gozamos da intimidade que nos corresponde. por que não me deseja?
-Céu santo. Claro que te desejo, com todas as fibras de meu ser.
-Então, tome.
Robert contemplou seu convite enquanto a via desabotoar a camisola, abrir-lhe e deixar que se deslizasse por seus ombros. Desde quando eram as mulheres tão incrivelmente
descaradas?
E desde quando era ele tão incrivelmente débil? Olhou-a assombrado e agradecido enquanto o objeto escorregava pouco a pouco por seu magnífico corpo, revelando centímetro
a centímetro sua tentadora e absoluta
nudez, sua vulnerabilidade, seu pasmosa beleza.
Era deliciosa, aquela conjunção de linhas e curvas...
Agachando-se de repente, agarrou rapidamente a camisola e o subiu até o peito.
-Não -disse ele, com mais brutalidade da que pretendia, e ela ficou paralisada, seus olhos como os da cierva do bosque ao saber-se observada-. me Deixe que te olhe
um momento.
Ela se umedeceu os lábios e franziu o nevoeiro.
-Pensei que uma vez nua, tudo iria muito rápido. Pareceu-me que talvez te decepcionei.
-O que poderia me decepcionar?
Ela apartou um pouco a camisola e revelou um peito perfeito.
-Meus peitos são algo...
-Voluptuosos?
-ia dizer grandes.
-Eu tenho as mãos grandes.
Lhe olhou as mãos, imóveis aos flancos. Nesse mesmo instante, levantou o olhar e seus olhos se encontraram com os dele, voltou a soltar a camisola e este fez de
novo seu lento percurso até o chão.
Era uma tentação. E ele não era nenhum santo, só um homem. Tinha agüentado muito tempo, tinha conseguido manter a raia a loucura e a solidão. Essa noite estava muito
cansado. Esgotado de lutar contra a
tormenta, de lutar contra seu irmão, contra seus desejos. Exausto, maldita fora.
rendeu-se à sedução de sua voz, de seu aroma, de sua presença, do rubor de sua pele nua. rendeu-se porque não tinha forças para resistir nem o desejo de fazê-lo.
Tão devagar como ela se desabotoou a camisola, ele se desabotoou as calças, sem deixar de olhá-la se por acaso detectava algum temor, ou dúvida, ou mudança de opinião.
Mas não viu nenhum, só ilusão, e, céu santo, desejo.
Weddington tinha razão. Ela desejava ao Robert, ao homem que tinha diante. Não a seu irmão John, a não ser a ele. E, embora não podia lhe exigir o coração, enquanto
o que ela desejasse fora que seus corpos
se fundissem, ele aceitaria a oferta, feliz, e obteria que ela se sentisse igualmente satisfeita de sua decisão.
Respirando fundo, baixou-se as calças, os tirou e se situou diante de Toureie tão nu e vulnerável como ela.
-minha mãe, é formoso -sussurrou ela, e ele viu a admiração em seus olhos-. Não sabia que um homem pudesse parecer tão... magnifico. Como um guerreiro, ou um deus.
-Não sou tão magnífico -murmurou ele, de repente coibido por seus elogios, tentado de agarrar as calças e tampar-se. Em suas fantasias, sempre tinha imaginado uma
estadia bem iluminada, a seu amante e
a ele nus, mas na realidade tinha esperado que o ato tivesse lugar em total escuridão, sob os lençóis, vendo com as mãos mais que com os olhos.
-Para mim o é -insistiu ela, baixando a cabeça e olhando o de reojo, sua covinha intermitentemente visível-. Estou desejando te tocar.
Agora que tinha chegado o momento, sua esposa se mostrava tímida. E a adorava por isso.
-Deixa que termine de te explorar -espetou ele, embora sabia que logo a exploraria em profundidade, mas não queria que sua primeira vez juntos fora precipitada,
e possivelmente também ele se sentia um
pouco coibido. Jamais tinha tomado a uma mulher antes, e se o tinha feito não o recordava.
Essa tinha sido a finalidade de sua última celebração, a última noite antes do Pentonvillc, quando seu irmão e ele estavam a ponto de cruzar a soleira da idade adulta
com vinho, mulheres e jogo. Recordava
o vinho e o jogo. As mulheres... estava convencido de que para então já o tinham drogado, e se tinha feito algo, estava quase seguro de que o tinha feito muito mal.
Queria que aquele momento com Toureie fora perfeito, porque suspeitava que também seria sua primeira vez. Sua vista descendeu até a suave protuberância de seus peitos.
Enquanto ele a contemplava e memorizava
suas curvas, era consciente de que ela também examinava seu corpo.
-Está nervosa? -perguntou-lhe.
Ela assentiu com a cabeça.
-Assustada?
Negou com a cabeça.
-Me alegro de que um dos dois não o esteja.
-Do que tem medo? -quis saber ela.
De fato, estava aterrorizado, ante a possibilidade de fazê-lo mau, de não agradá-la.
-Sei que as mulheres sentem um pouco de dor. Não quero te fazer danifico, e temo que por não te incomodar seja torpe e o faça mau...
Ela se aproximou e lhe pôs um dedo nos lábios para silenciá-lo, ao tempo que acendia o fogo de sua paixão. Olhou-o fixamente aos olhos, e ele se perguntou se poderia
chegar a lhe ver a alma.
Lhe formou a covinha na bochecha.
-por que sempre fala mas bem pouco salvo agora, quando preferiria que calasse? Acredito que me apaixonei por ti.
-Céu santo. -Notou que lhe afrouxavam os joelhos, e se não chegar a aproximar-lhe e ancorar-se a sua boca procurando apoio nela, provavelmente se teria derrubado.
Como tinha desejado esse momento. Tinha-o imaginado durante oito largos anos, tinha sonhado com ele, fantasiado com ele, mas nada o tinha preparado para a realidade
do corpo nu de uma mulher completamente
pego ao dele, de pés a cabeça. E não o de qualquer mulher. Não o de uma mulher a que tivesse pago nem o de uma criada a que tivesse coagido... a não ser o de uma
mulher que possivelmente o queria, que
acreditava estar apaixonada por ele. O que faria falta para que estivesse convencida?
Tão segura como ele o estava. Ele a amava. E embora jamais lhe tivesse concedido aquele instante, a teria amado igual. Amava seu sorriso e sua covinha. Amava sua
risada e o assombro de seus olhos quando
contemplava a um cervo.
Ela fazia suportável o silêncio. Com lhe bastava estar a seu lado, mas ter mais, ter aquilo... Era tudo o que desejava seu coração. E o defenderia com sua vida.
Encontraria um modo de demonstrar quem era,
de evitar que John fora uma ameaça no futuro.
Quando pudesse pensar com claridade. Quando sua mente não estivesse perdida nas sensações que lhe provocava. Porque estava perdido, perdido naquela maravilha que
era ela, na suavidade de sua pele sobre
a sua, na esponjosidade de seus peitos contra o seu, na maravilhosa carícia de suas mãos por seus ombros, por suas costas, enquanto ele a beijava e ela o beijava
a ele.
Sem apartar a boca da sua, tombou-a na cama, e logo um matagal de braços e pernas se entrelaçaram, para que nada pudesse interpor-se entre os dois. Ela estava onde
devia estar: debaixo dele, com o cabelo
estendido sobre os travesseiros.
Talvez ele também estava onde devia estar. Levantou a cabeça, olhou-a e recuperou a confiança. Faria-o bem por ela. Por ela.
Toureie notou uma mudança em seu olhar. Uma determinação que não podia explicar. Percorreu-lhe os ombros até o cabelo.
Sim. Estava exatamente onde devia estar, agasalhado entre suas coxas, apoiado nos cotovelos, olhando-a com uma intensidade feroz. Depois já não lhe pôde ver os olhos
porque tinha baixado a cabeça, beijando-a
na boca antes de deslizar-se por seu corpo para posar um beijo mais pausado em seu peito.
Ao tempo que sugava, descrevia círculos com a língua e, embora aquilo lhe parecia uma degeneração, ela não queria que parasse. Seus dedos se afundaram no cabelo
dele, e o sujeitou forte, saboreando suas
carícias tanto como ele as dela.
-É tão bonita... -sussurrou-lhe enquanto sua boca ia de um peito a outro, e seus dedos a acariciavam ao tempo que seus lábios e sua boca se encarregavam de todo
o resto.
Percorreu-lhe o flanco com a mão e descendeu até situar-se entre suas coxas, para terminar no núcleo mesmo de sua feminilidade.
Ela pensou que possivelmente deveria haver-se surpreso, horrorizado, mas tudo parecia tão correto, tão perfeito, tão incrivelmente estimulante. Seu corpo se arqueou
contra a mão dele, como se soubesse
melhor que ela mesma o que fazia falta para pôr fim a aquela ânsia que lhe tinha nascido muito dentro. E sem dúvida sabia, porque o que ocorreu foi que saboreou
aquele roce e desejou senti-lo em cada centímetro
de seu ser.
Os dedos dele a acariciaram intimamente, e ela soltou um pequeno gemido.
Robert se situou mais acima.
-Em seguida, Toureie, em seguida. -Beijou-a e ao tempo que deslizava a língua em sua boca começou a introduzir-se em seu interior. Estava preparada para ele, muito
preparada.
Quando a penetrou por completo, a dor que sempre tinha ouvido dizer que experimentaria não era absolutamente o que ela esperava. Só a segurança de que se quebrado
a barreira, de que por fim era de verdade
sua esposa.
Ele enterrou o rosto na curva de seu pescoço.
-Que bem se está dentro de ti -disse com voz rouca-. É como veludo quente.
Ouviu-o tragar saliva, e notou que algo quente e úmido aterrissava em sua pele. Uma gota de suor, sem dúvida, porque também suas costas se empapou pela transpiração.
Não eram lágrimas. Não a gratidão incontenible
por que ao fim seus corpos se fundiram.
Robert se tinha ficado imóvel, como se absorvesse o momento, as sensações, tudo o que parecia lhes rondar. Isso era tudo, então? Uma união que parecia precisar mais...
Pouco a pouco, ele começou a encher seu rosto de beijos, e o pescoço, e os ombros. E começou a mover-se em seu interior; devagar ao princípio, com largas investidas
que a percorriam por completo...
elevou-se sobre ela, acelerando o ritmo com uma urgência nova, o rosto convulso de concentração, o olhar fixo na sua, de uma intensidade selvagem, quase aterradora.
Toureie se agarrou bem a ele enquanto a cavalgava e iniciou seu próprio movimento, a sensação se foi incrementando cada vez mais, até que acreditou que ia estalar...
E quando por fim o fez, o mundo inteiro
explorou a seu redor. Seu marido explorou com ela, e Toureie pensou que nada voltaria a ser o mesmo.
Robert sempre tinha sabido que lhe tinham negado muitas coisas, mas a verdadeira envergadura do que não tinha tido sempre tinha sido um mistério escorregadio que
acabava de resolver. Convexo, com Toureie
acurrucada a seu lado, enquanto lhe acariciava distraído o flanco nu, a crueldade de seu irmão lhe manifestou com absoluta claridade.
A prisão era para os delinqüentes, para os criminosos, para os que roubavam e enganavam e matavam. Ele não tinha feito nada para merecer o encarceramento e, embora
isso sempre o tinha sabido, a indignação
que o consumia agora como conseqüência da injustiça quase lhe dava medo.
Queria uma vingança imediata, mas inclusive enquanto o pensava se cansou, e se deu conta de que quão único desejava de verdade era que tudo terminasse para poder
viver sua vida em paz com Toureie.
Mas ainda não sabia como obter esse objetivo. Além disso, não lhe cabia dúvida de que John veria aquela situação de forma muito diferente, porque ele a tinha cortejado,
tinha-a pedido em matrimônio. John
era o homem com o que ela ia casar se.
Tratou de aliviar a sensação de culpa que o invadia ao precaver-se do que tinha feito. recordou-se que lhe havia dito que tinha dúvidas sobre seu matrimônio com
o duque. disse-se que aquela noite todas
suas dúvidas se desvaneceram como a névoa tocada pelo sol.
Ela o desejava. apaixonou-se por ele. E não podia negar que ele a queria. Muitíssimo.
A tormenta ainda rugia fora, estalavam os trovões e os relâmpagos, mas ali tinham um refúgio seguro, ao casaco de seu calor.
-Aonde vai?
Ele voltou um pouco a cabeça e olhou a sua esposa.
-Como diz?
-Vejo em seu olhar que já não está comigo.
-Pensava em quão afortunado sou de que forme parte de minha vida, e tudo o que faria por seguir te tendo a meu lado.
-Seguir me tendo a seu lado não será tão difícil. Eu gosto dos bombons, as flores e as pérolas.
Ele sorriu.
-Assim que te pode subornar.
Ela se acurrucó mais junto a ele, lhe percorrendo o peito com os dedos.
-Havia-lhe isso dito alguma vez?
-Acredito que não.
-tive que lhe dizer isso em algum momento, ou se não é que me conhece muito muito bem, porque foi você quem deu de presente o colar de pérolas que levava o dia de
nossas bodas.
alegrou-se de que ela não o estivesse olhando, de que não visse o gesto que deveu aparecer em seu semblante. Sempre haveria coisas que não saberia. Sempre caberia
a possibilidade de que ela descobrisse
a verdade.
Devia confessar-lhe já, agora que jazia satisfeita e feliz em seus braços. Tinha que lhe dizer que ele não era o homem que acreditava. Mas não se via com ânimo de
lhe contar a verdade, de arruinar a felicidade
de Toureie, nem a própria.
Ao dia seguinte o diria tudo.
Capítulo 18
-Embora me assegure o contrário, já vejo que ontem à noite seguiu felizmente meu conselho.
De pé junto ao carro, esperando a que sua esposa se despedisse da Eleanor, Robert ignorou a seu amigo.
Era meia tarde, a chuva tinha cessado e os céus cinzas se tornaram azuis. Depois do resgate da noite anterior, Weddington e ele tinham dormido até fazia apenas uma
hora. Robert teria preferido não sair
da cama, porque Toureie estava nela, dormindo a seu lado. adorava vê-la dormir. Tinha o costume de esfregá-los pés durante a noite. perguntava-se se essa seria a
razão pela que os maridos dormiam em camas
separadas, embora devia admitir que ele tinha agradecido a proximidade e tinha encontrado reconfortantes aquelas pequenas manias.
-Sem comentários? -perguntou Weddington.
-Não me tinha dado conta de quão pesado é.
-E útil também. Quero que te leve isto.
Robert olhou o estojo de madeira que Weddington lhe oferecia.
-Não, obrigado. Não acredito que volte a me bater em duelo. A Toureie lhe desgosta muito.
-Como meio de amparo. Fugiste-te que o Pentonville. Também seu irmão poderia fazê-lo. É tão preparado como você.
Robert não podia negá-lo. Em alguns aspectos, era-o inclusive mais.
-Contaste-lhe a verdade a Toureie? -quis saber Weddington.
Robert fez uma careta, nada orgulhoso da resposta que se via obrigado a dar.
-Não.
-Duvido que lhe importasse -repôs Weddington.
Como não ia importar lhe?, perguntou-se Robert.
-A Eleanor gosta.
-E a ela Eleanor.
Ao pouco, Toureie já estava por fim lista para partir. Robert se despediu do Weddington, subiu à carruagem detrás de sua esposa e se sentou a seu lado. Lhe dedicou
um sorriso tímido. Tomou a mão. O carro
iniciou o percurso pelo caminho que saía da mansão Drummond. Robert se conteve enquanto foi possível, logo já não pôde evitá-lo.
Toureie começava ou seja quando o desejo desenfreado se apoderava de seu marido, mas depois da noite anterior já não tinha motivos para refrear-se, assim não o fez.
Beijou-a, insistente, exigente, mas já não aterrador. Havia tanta bondade nele, tanto afeto... E tanta paixão...
Começou como um fósforo sustentado em alto, chama-a apenas um brilho de luz, mas depois se transformou em um fogo, como a fogueira de uma noite invernal, que arde
com tanta intensidade que não há quem
a contenha. Ela queria seus beijos, suas carícias. Queria-o tudo.
Ele a arrastou até seu regaço para poder chegar melhor a seu corpo, para estreitá-la entre seus braços, para beijá-la com maior paixão, despenteando-a com as mãos.
E não lhe importou.
Robert lançou o chapéu de Toureie ao outro assento, e ela supôs que o alfinete ia enganchado nele, e pensou na reação de seu marido ao sentar-se em cima a outra
vez. Só que não riu. Não podia rir porque
apenas ficava fôlego para confrontar aquela investida de paixão.
Desejava a seu marido, desejava-o com veemência.
Ouviu o tinido de suas forquilhas ao cair ao chão da carruagem, e notou que o cabelo solto lhe derramava pelos ombros.
-Céu santo, Toureie, não deveria ter começado o que não posso acabar. -Respirava com dificuldade, sua boca lhe abrasava o pescoço enquanto ia lhe desabotoando os
botões.
-Pode acabá-lo.
-Não, aqui não, no carro não. Quero-te em uma cama, debaixo de mim. Quero que estejamos completamente nus. Quero-o tudo. Mas a espera será uma doce tortura.
Ela acessou. Estava ardendo, e ardia ainda mais em qualquer lugar que ele punha as mãos.
-Quanto fica? -perguntou Toureie, com a voz rouca de desejo.
-Uma hora, acredito. Não mais. Possivelmente algo menos.
-Pois nos atormentemos até então.
E ele a atormentou com aprimoramento. Baixou-lhe o decote e beijou cada fragmento de sua pele que ficava ao descoberto, tocando-a, acariciando-a, abraçando-a. Quando
inclinou a cabeça e lhe beijou o peito,
ela esteve a ponto de cair de seu regaço.
Queria que parasse, queria que seguisse, queria que encontrassem uma cama. Já! Naquele mesmo instante.
Toureie lhe devolveu o favor lhe desabotoando a camisa, lhe beijando o peito, saboreando a salinidade de sua pele. Ele gemeu seu nome, e seus dedos lhe rodearam
os peitos. Ela pôde sentir sua dureza contra
o quadril, e pensou que, se se levantava as saias, se se dava a volta e se sentava escarranchado em cima dele, sua parte íntima que pedia a gritos atenção poderia
encontrá-la na parte dele que demandava
o mesmo.
Esse desejo de fundir-se em um era instintivo. Como se fossem perecer se não o faziam. Entretanto, enquanto considerava as manobras necessárias para obtê-lo, deu-se
conta de que ele tinha razão.
No carro não podiam, retorcidos, dando tombos.
A carruagem começou a deter-se. Robert se apartou bruscamente de sua esposa e olhou pelo guichê.
-Menos mal, já chegamos. Terá que arrumar-se.
Ela acabava de subir o decote e ele de grampeá-la camisa quando o carro se deteve e o lacaio abriu a porta. O gesto do homem não variou um ápice enquanto ajudava
a seus desalinhados senhores a descer da
carruagem.
Toureie ainda levava o cabelo solto, e seu chapéu seguia no assento, mas não lhe importava. Robert se agachou, agarrou-a em braços e se dirigiu à casa. Ela colocou
o rosto na calidez de seu pescoço.
-Posso andar, sabe?
-Eu gosto de te levar.
Subiu correndo a escada, com passo firme. A porta se abriu antes de que chegasse a ela.
-Me alegro de que estejam de volta, senhor -disse Whitney.
-E nós -replicou Robert sem deter-se, encaminhando-se para a ampla escada que conduzia à asa familiar-. lhe Diga à senhora Cuddleworthy que a duquesa e eu jantaremos
em nossas habitações esta noite, mas
não queremos que nos incomode até que eu chame.
-Muito bem, senhor.
-Robert, os serventes murmurarão.
-Porque murmurem.
-por que sempre fecha os olhos quando fazem o amor?
Toureie, tombada em cima de seu marido, apoiou a cara em seu peito para que ele não a visse envergonhada.
-Não sempre.
-Quase sempre.
-Você não fecha os olhos?
-Não.
-Alguma vez?
-Quase nunca.
Uma vez nus, a nenhum dos dois gostava de voltar a vestir-se. Levavam toda a tarde no dormitório dele. Tinham-lhes subido o jantar e a tinham tomado em indecorosa
nudez.
-por que? -insistiu ele-. por que fecha os olhos?
Ela levantou a cabeça e lhe afundou o queixo na clavícula.
-Ai! -Robert deslizou a mão sob o queixo de Toureie para evitar a pressão-. por que me tem feito isso?
-Porque você pergunta é muito pessoal.
-Muito pessoal? Como pode haver algo muito pessoal entre nós depois de tudo o que temos feito esta tarde?
Toureie não podia negar que seu marido tinha bastante razão. Era todo um aventureiro. Se não recordava mau, ainda não tinham feito o amor duas vezes na mesma postura.
Tinha-lhe posto travesseiros sob os
quadris para elevar-lhe e modificar seu ângulo de entrada. Faziam o amor sentados em uma cadeira. Tinham-no feito de pé.
Robert parecia insaciável.
Com a ponta de uma mecha de cabelo, fez-lhe cócegas no nariz.
-Vamos, Toureie, me diga por que fecha os olhos.
Ela soltou um bufo.
-Porque o que fazemos é muito íntimo para olhar. Sei perfeitamente o que está ocorrendo sem necessidade de abrir os olhos.
-eu gosto de olhar.
-É um pervertido. Casei-me com um pervertido.
-Não sou um pervertido. Interessa-me. Sou curioso. Se fechasse os olhos, não poderia ver o rubor que te alaga do couro cabeludo até o mais pequeno dos dedos de seus
pés quando o gozo se apodera de ti.
-Sim, claro, seguro que é o rubor o que te interessa.
-Quero que olhe a próxima vez.
-vai haver uma próxima vez?
Lhe dedicou um sorriso perverso, e ela notou uma pressão no traseiro.
-Bem, suponho que sim a haverá -lhe respondeu lhe devolvendo o sorriso.
-Olhe esta vez.
-por que se preocupa tanto?
-Não sei. A idéia de que olhe... bom, assim pode ver como me afeta.
-Não acredito que possa olhar. Além disso, não sempre fecho os olhos.
-Fecha-os quando estou dentro de ti.
-Como pode falar de algo assim tão alegremente?
-Como quer que o diga?
-Preferiria que não o dissesse.
-te levante -espetou ele lhe dando um tapinha no traseiro.
-Acreditava que íamos A...
-E assim é. Mas primeiro preciso fazer uma coisa.
Ela rodou de em cima dele e se tampou com o lençol até o peito.
-Não, deixa o lençol. Necessito-a.
Arrebatou-lhe o lençol e começou a atá-la à parte superior de um dos postes da cama.
-O que está fazendo? -perguntou ela ao tempo que dobrava os joelhos e se abraçava a elas.
-Agora o verá. -Atou o extremo oposto do lençol ao outro poste.
Quando terminou, havia uma parede branca à direita de Toureie. Robert situou uma mesa diante de si, aproximou a mesinha, recolocó os abajures...
-Com isto valerá -assinalou satisfeito ali de pé, com as mãos nos quadris.
Ela se voltou para onde ele olhava e viu a silhueta de uma mulher sentada.
-Ai, não -protestou ela, soltando-as pernas e engatinhando até os pés da cama.
Ele a agarrou pelo tornozelo, deteve-a e a atraiu de novo para si. Agarrou-lhe o outro tornozelo, separou-lhe as pernas, colocou-as a ambos os lados de seu quadril,
baixou-se e a imobilizou.
-Pensei que você gostava das sombras chinesas.
-Eu gosto de ver o que faz com as mãos.
Um olhar de puro triunfo masculino lhe iluminou os rasgos.
-Ah, pois não se preocupe, que vou fazer algo com elas.
-Não referia a isso -repôs, quase sem fôlego, incapaz de acreditar que estivesse já tão incrivelmente excitada.
-Olhe, Toureie, não é tão perverso -a insistiu ele ao tempo que lhe voltava a cara com a mão.
Ela o olhou e desejou ter a fortaleza necessária para resistir, mas lhe pôde a curiosidade. E ali estavam: duas sombras, uma mulher tombada de barriga para cima
e um homem em cima dela.
-Parece que está dentro de mim, mas não o está.
-Deste-te conta de que não estou dentro de ti, verdade?
-É difícil não dar-se conta de quando está.
Ele sorriu.
-Como é que as palavras e as brincadeiras provocadoras não lhe incomodam mas não te interessa olhar?
-Não sei.
-Parece bastante aborrecido, não? -assinalou voltando a estudar as sombras.
Viu baixar a sombra de acima e notou que Robert lhe mordiscava o lóbulo da orelha.
-Segue-te parecendo aborrecido? -perguntou-lhe ele com uma voz grave que a fez esticar-se.
Notou que a língua do Robert se passeava por sua pele.
-Ainda te aborrece?
-Não -suspirou ela, fechando os olhos muito devagar.
-Não feche os olhos. Olhe as sombras.
Viu como o homem ficava de joelhos, com os ombros para trás e seu membro em ereção. Viu a mulher incorporar-se um pouco e percorrer com suas mãos as coxas do homem,
subir ao estômago, ao peito, e descender
de novo até o fundo para deter-se no que lhe oferecia.
A sombra se estremeceu, o homem jogou a cabeça para trás e seu profundo grunhido ressonou entre os dois. Ele levantou os punhos e ela viu que as mãos da mulher se
deslizavam por ele, rodeando-o e acariciando-o,
em algumas zonas muito nítidas, em outras imprecisas, de sombras trêmulas e linhas indefinidas.
Ela se perdeu no baile de sombras enquanto o homem tomava pelos braços e a levantava o tempo que ele se recostava, atirando dela até situá-la escarranchado sobre
seus quadris. Ela se estirou sobre ele
como um gato preguiçoso a ponto de beber-se a lengüetazos uma terrina de leite, e começou a lambê-lo, percorrendo com sua língua a pele nua dele, saboreando-o, desfrutando-o.
Com um grave gemido, lhe envolveu
os braços com as mãos e a atraiu para si até que seus peitos ficaram suspensos sobre ele.
Então começou a lhe fazer o que ela estava lhe fazendo a ele, provocando-a com a língua, riscando círculos ao redor de seus mamilos enquanto lhe beijava o peito
e sua mão se deslizava para baixo, entre
os dois, para acariciá-la e voltá-la louca de desejo.
Ela apartou o olhar das sombras do lençol e olhou ao Robert. Este tinha volta a cabeça, o olhar fixo no baile de sedução refletido naquele tecido, olhando-se, olhando-os...
Toureie notou que o prazer se apoderava dela. O tomou pelos quadris, e a subia, baixava-a..., até que gritou com um alívio instantâneo, mais intenso que nada do
anterior, mas perfeitamente acessível...
Outro.
Gemeu enquanto ele começava a introduzir-se em seu interior com força, controlando seus movimentos com mãos firmes que se cravavam em seus quadris.
Agora era ela a que jogava a cabeça para trás, voltava-a de lado e se olhava enquanto deslizava as mãos por seu próprio estômago e se agarrava os peitos, provocando-o
com sua crueldade, tocando-se como
ele estava acostumado a tocá-la. Resultava estimulante abandonar sua reserva, expressar seu desejo com tanta liberdade...
Ele soltou um grunhido selvagem, arqueou as costas e deu uma última sacudida a seus quadris ao tempo que a atraía para si. Um prazer incrivelmente intenso a percorreu
de pés a cabeça e uma vez mais se
surpreendeu gritando.
Viu como a mulher da sombra se desabava e se fundia com sua sombra amante.
-Já pode fechar os olhos -disse ele com uma risita de satisfação enquanto a estreitava entre seus braços.
Voltando a cabeça, ela sorriu ao ver o casal satisfeito que jazia em sombras, e sorriu de novo antes de deixar-se levar pelo sonho, feliz.
Capítulo 19
Robert passou as seguintes manhãs encerrado na biblioteca ou no estudo, enquanto Toureie se encarregava da administração da casa. Pelas tardes, passeios a pé e a
cavalo, excursões pelo campo, compridos
e acalorados beijos sob as taças das árvores onde descansavam, lanches ao ar livre e percorridos pela borda do rio.
Depois, desfrutavam de uma agradável janta e liam um pouco; lhe lia, porque lhe encantava o som de sua voz. Jamais tinha conhecido a um homem tão cativado pela conversação
de uma mulher, como se nunca
tivesse suficiente.
As noites... sempre lhes pareciam curtas. Faziam o amor, dormiam, despertavam e voltavam a fazer o amor. Cada vez que seus corpos se fundiam, aumentava a fluidez
de sua relação íntima.
Toureie chegou a conhecer o corpo de seu marido quase tão bem como o seu. E não lhe cabia dúvida de que lhe acontecia o mesmo. Sabia como lhe provocar sensações
que a percorriam da cabeça aos pés, quando
retirar-se e voltá-la louca, quando empurrar e lhe conceder alivio. Era simplesmente assombroso.
Mim querida irmã:
pensei muito em ti desde que parti em viagem nupcial rumo ao imóvel de meu marido, ou deveria dizer que pensei muito na conversação que tiveram mamãe e você a manhã
de minhas bodas? Embora só tenho casada
um mês, atreveria-me a dizer que nunca me cansarei do prato que me servem.
Acreditava conhecer muito bem ao homem com o que ia casar me, mas cada dia me traz um novo descobrimento e um amor mais profundo. foi maravilhoso me dar conta de
que jamais me cansarei de estar com ele.
Embora todas as noites percorram o mesmo atalho do jardim antes de jantar, sempre me chama a atenção algo que eu adoro: o estrondo de suas gargalhadas, o timbre
de sua voz, seu sorriso, a ternura de seu
olhar, a paixão de seus beijos.
Ai, querida irmã, seus beijos. São eternos mas se acabam em seguida. Não estou de acordo com mamãe em que fazer o amor devagar é algo que terá que suportar. Eu acredito
que mas bem terá que saboreá-lo.
Escrevo-te para te contar isto só porque desejo aliviar seu temor de te sentir insatisfeita se te conformar com um só homem, porque, embora seja só um, seus estados
de ânimo são diversos e é um mistério
constante que terá que ir desvelando pouco diminuo.
Satisfaz-me saber que me levará toda a vida...
Para ouvir um suave golpe na porta, Toureie deixou de escrever, olhou por cima de seu ombro e deu permissão para que entrassem. O mordomo abriu a porta e entrou
na habitação.
-Lamento incomodá-la, senhora, mas o duque deseja vê-la um momento na biblioteca.
-Já tornou? Não o esperava até o anoitecer. -levantou-se, perguntando-se se seu marido teria concluído depressa seus negócios no povo porque não suportava que estivessem
afastados, quão mesmo ela-. lhe
Diga que irei em dez minutos.
-Sim, senhora.
Quando o mordomo fechou a porta, Toureie se dirigiu ao penteadeira, olhou-se no espelho e estudou seu aspecto. Como Robert havia tornado logo, estava quase segura
de que não havia necessidade de que investisse
muito tempo em arrumar-se. Suspeitava que seu cabelo não demoraria para alvoroçar-se e seu vestido em amontoar-se no chão.
Era estranho que queria vê-la na biblioteca em lugar de reunir-se com ela diretamente no dormitório. Esperava que não tivesse passado nada. Teve um mau pressentimento.
Saiu correndo ao corredor e baixou a escada; depois, dirigiu-se à biblioteca.
Quando o lacaio lhe abriu a porta, entrou rápida na habitação e viu seu marido de pé junto à janela, olhando os jardins. Não identificou sua roupa; não era a que
levava quando se partiu pela manhã. Mas
o reconheceria em qualquer parte: seu porte, a inclinação de sua cabeça, a forma de suas costas.
Surpreendeu-a que não se voltasse a olhá-la, que não acusasse sua chegada.
-Whitney me há dito que queria lombriga.
Ele seguiu sem voltar-se.
Procurando reprimir a sensação de que algo não ia bem, Toureie cruzou a estadia forrada de grosas tapetes. Rodeou-lhe a cintura com os braços e apoiou a bochecha
em suas costas.
-Joguei-te muitíssimo de menos.
-Ah, sim? -murmurou ele.
-Duvida-o? Você não me sentiste falta de?
-mais do que imagina.
Tomou as mãos para escapar e poder voltar-se para olhá-la. Ela deu um passo atrás, sem saber muito bem por que, simplesmente porque sentiu uma necessidade imperiosa
de fazê-lo. Algo tinha trocado. Algo
que não era capaz de identificar nem explicar. Seus olhos, pensou. Havia algo distinto neles, em sua forma de olhá-la. Lhe arrepiou o pêlo da nuca.
Retrocedeu um pouco mais.
-Você não é meu marido.
-Infelizmente, não.
Tratou de sorrir, de rir, de entender.
-Ah, está-nos gastando uma brincadeira. Por isso há dito ao Whitney que o duque estava aqui e que queria lombriga, mas em realidade é John. vieste a surpreender
ao Robert. vai se pôr muito contente. Entristeceu-lhe
muito que não pudesse vir a nossas bodas. Mesmo assim, teria preferido que nos comunicasse que vinha.
Ele a esquadrinhou como se fora a parva do povo, como se balbuciasse coisas sem sentido, e ela se precaveu de que realmente estava divagando. Não se explicava sua
inesperada aparição nem seu estranho comportamento,
mas certamente não se comportava como o irmão pródigo a sua volta.
-Acabo de cair na conta de por que me olha assim. Não tem nem idéia de quem sou. Sou Toureie, a esposa de seu irmão.
-Sei quem é.
-John, por favor, me permita que...
-Não sou John.
-Então, um primo? O que parecido mais assombroso...!
-Toureie, céu, não sou John, nem sou nenhum primo.
Sua voz revelava certo reflexo de advertência, como o grunhido de um cão quando alguém se aproxima muito a seu osso. surpreendeu-se retrocedendo um passo mais.
-Pois quem é?
-Sou Robert Hawthorne, duque do Killingsworth.
Toureie ficou petrificada, olhando fixamente a aquele homem, tentando encontrar sentido a suas palavras. Moveu a cabeça, incapaz de decifrar o que significavam,
embora sabia perfeitamente. Não tinha sentido.
Era absurdo.
-Conheço o Robert. Ele... -começou a dizer negando com a cabeça. Robert tinha um olhar mais amável, doce, vulnerável. Sua alma tinha rasgos dos que carecia a daquele
homem. Tão somente olhando-o, deu-se
conta de que lhe resultava familiar de uma vez que desconhecido. Meneou a cabeça com maior energia.
-Você não é Robert Hawthorne. Não é meu marido.
-Não, não sou seu marido. Ele me privou que essa honra, do mesmo modo que tentou me privar de todo o resto. -aproximou-se um passo mais a ela-. me Olhe bem, Toureie.
me olhe aos olhos. Tem-no feito outras
vezes. Durante seis meses enquanto preparávamos nosso enlace, durante os seis meses de nosso noivado...
-Não. -Retrocedeu um pouco mais. Queria sair correndo e chiando pelos corredores-. Não te conheço. Casei-me com o homem ao que olhei aos olhos...
-Não, equivoca-te! -Agarrou-a pelos braços e a sacudiu, com o rosto retorcido de agonia-. É o que intento te dizer! Não te casaste com o Robert, a não ser com o
John!
Capítulo 20
Retorcendo-se e livrando-se a puxões da sujeição daquele homem, Toureie retrocedeu, e o horror de suas palavras lhe assentou na boca do estômago.
-Isso não pode ser. Eu... eu... -levou-se a mão à boca. Ao princípio, não lhe tinha parecido que se casou com um desconhecido? Não tinha encontrado estranha sua
reserva?
Entretanto, apaixonou-se por seu marido. Tinha descoberto nele uma doçura, uma amabilidade extrema. Desfrutava de sua companhia, desfrutava de tudo o que fazia com
ele.
-Sabe que digo a verdade, Toureie. Vejo-o em seus olhos.
Ela pensou que o que via em seus olhos deviam ser lágrimas, porque as notava nos olhos e na garganta. Notou que a umidade lhe rodava pelas bochechas. Lhe resultava
familiar, com uma familiaridade que ia
além da forma de seu nariz, da grossura de seus lábios, do azul de seus olhos. Tinha passado tempo em companhia daquele homem. por que se dava conta agora e não
quando o tinha visto pela primeira vez diante
da janela?
-É possível -admitiu ela com voz rouca-. Não te vejo como a um estranho, mas sim como a alguém a quem conheci.
-Alguém com quem dançaste com um vestido branco de encaixe estampado de rosas rosa?
Deu-lhe um salto o coração ao recordar o que tinha posto a noite em que conheceu duque do Killingsworth.
-Alguém que te dava morangos empanados em açúcar quando foi de picnic junto ao Támesis?
Notou uma opressão no peito que apenas lhe permitia respirar.
-Alguém que te pediu que lhe concedesse a honra de te converter na duquesa do Killingsworth?
Toureie soltou um grito contido. Céu santo, só podia saber essas coisas se era quem as tinha vivido. Começaram a lhe tremer as pernas e teve que deixar cair em uma
cadeira próxima.
-Não o entendo -sussurrou, odiando a dúvida e o temor de sua própria voz.
-Não tem por que -disse, amável-. Desde que tenho uso de razão, John cobiçou o que me pertencia por direito. Como primogênito, corresponde-me herdá-lo tudo. Segundo
as leis inglesas, a vinculação...
-Conheço perfeitamente as leis inglesas... -espetou ela, perdendo a paciência, desesperada-se porque chegasse ao fundo do assunto. Albergava uma longínqua esperança
de que todo aquilo fora uma brincadeira
horrível. Uma pequena parte dela se sentia profanada, mas a maior parte não queria outra coisa que ver seu marido, que a abraçasse e lhe dissesse que tudo ia sair
bem. Só que não era seu marido o que estava
de pé diante dela agora. Era outra pessoa, de outra vida.
-É obvio -lhe concedeu ele com um sorriso zombador-. Mas como meu irmão queria meu títulos e minhas propriedades, é lógico pensar que também queria possuir a minha
dama.
Mas não queria. Em realidade, não. Tinha tratado de evitá-la. Tinha sido ela a que tinha ido atrás dele como um cachorrinho necessitado de consolo até que ele tinha
claudicado.
"Tenta-me muito", tinha-lhe sussurrado.
-Se nem sequer sabia de minha existência -lhe recordou-. Ele estava na Virginia...
-Não, o de que estava na Virginia foi uma mentira cuidadosamente ideada para proteger à família.
-Mas suas cartas...
-Escrevi-as eu mesmo.
-por que?
aproximou-se uma cadeira para poder sentar-se diante dela, tão perto que lhe parecia estar presa. Tinha palpitações, e lhe suavam as Palmas das mãos. sentia-se como
um animal encurralado, nada segura de
poder fugir.
-Onde está...? -Não sabia como chamá-lo-. ... meu marido? -atreveu-se a perguntar.
-Suponho que terá saído a ocupar-se dos assuntos do imóvel.
-E quando volta?
-Você e eu devemos acordar um plano de ação.
-Não entendo como pôde acontecer isto -disse ela pressionando-as têmporas com a palma das mãos.
-Intento lhe explicar isso o melhor que posso. -Agarrou-a pelas bonecas e lhe baixou as mãos ao regaço-. Por incrível que pareça, meu pai sabia que não podia confiar
em que John não queria ocupar meu lugar
em vez do que lhe correspondia, assim, a noite em que cumprimos a maioria de idade, enviou-o ao Pentonville...
-Ao Pentonville? É uma prisão.
-Sim, a outra opção era Bedlam. Meu pai pensou que Pentonville, ao ser um complexo moderno, constituiria uma opção melhor.
-Mas o cárcere é para os delinqüentes, e seu irmão não tinha cometido nenhum delito.
-Mas o teria feito. Meu pai estava convencido disso. De modo que pagou generosamente a um zelador para que tivesse ao John encerrado entre os muros do Pentonville.
-E você estava a par dessa injustiça?
-Sim.
Ela se estudou as mãos e logo o olhou.
-Por isso ficava parado ali diante de vez em quando?
-Sim, odiava pensar que meu irmão estivesse encerrado ali. Tentava decidir se seria seguro soltá-lo. Sua liberdade se converteu em um inferno para mim. -levantou-se
da cadeira com tal violência que Toureie
se apertou contra o respaldo por temor a que fora a lhe pegar.
Ele deu a volta à sua e se situou detrás, agarrando-se ao respaldo com tanta fúria que os nódulos lhe puseram brancos, a mandíbula apertada enquanto prosseguia.
-Meu irmão se fugiu. Não podia ter eleito pior momento: a véspera do dia em que você e eu íamos casar nos. Veio à casa de Londres e fez que me levassem ao Pentonville
em seu lugar. -Esquadrinhou o teto,
como se as lembranças se alojassem nele-. Me confinaram em uma cela de isolamento, assim que me levou um tempo poder falar com o zelador e convencer o de que tinha
cometido um equívoco. Soltaram-me em
segredo faz três dias.
"Então começou meu inferno -acrescentou, voltando a olhá-la-. Fiz algumas indagações discretas e averigüei que meu irmão tinha seguido adiante com a cerimônia, que
John se estava fazendo passar pelo Robert,
e não só me tinha roubado meu títulos e minhas propriedades mas também a minha dama. E a julgar por sua reação de antes, devo supor que além te roubou o coração.
"Amém de seu corpo e de sua alma."
Naquele momento, a Toureie lhe pareceu que a odiava da cabeça aos pés. Voltou a olhá-las mãos, incapaz de suportar seu escrutínio, como se pudesse ver tudo o que
seu irmão tinha feito com ela, cada beijo,
cada carícia...
-Sua história é incrível.
-Não é uma história, é a verdade.
atreveu-se a levantar o olhar.
-A solução de seu pai ao que percebia como um problema me parece cruel. Não, não me parece isso, é-o -retificou meneando a cabeça-. Tinha que haver outra forma de
proteger o que criar teu.
-O que acredito meu? É meu, Toureie. ia ser teu também. Deitaste-te com meu irmão?
Ela notou que lhe acendia o rosto.
-Deitaste-te com ele?
Assentiu com a cabeça. Ele se voltou e lhe deu as costas.
-Poderia matá-lo só por isso -murmurou.
-Não -espetou ela levantando-se como uma mola-. Não merece morrer. Se o que diz é certo...
Ele se voltou imediatamente.
-Dúvidas de mim?
Toureie tragou saliva.
-Não sei o que acreditar.
-te acredite isto: não aconteceu uma só noite em que não tenha pensado em ti, nem um instante em que não me tenha preocupado pelo que pudesse te haver ocorrido.
Não aconteceu um segundo sem que visse seu
rosto, ouvisse sua risada ou recordasse seu sorriso.
Aquilo era um disparate, e começava a duvidar de sua prudência, da daquele homem e da de seu marido.
-Mas como é possível que não tenha notado a diferença? Embora sejam idênticos...
-Ainda dúvidas de que sou o homem que te cortejou?
Notou que as lágrimas lhe ardiam nos olhos, que lhe queimavam a garganta. Pensou que possivelmente estava doente. Ao princípio, dava-lhe a impressão de haver-se
casado com um desconhecido. De fato, assim
tinha sido.
Ele separou de um golpe a cadeira, que caiu ao chão, ajoelhou-se ante ela e tomou as mãos.
-Quem sou, Toureie?
Tinha a boca muito seca para falar, e um nó de emoção na garganta.
-Sou o homem que te conquistou?
Ela estudou seu rosto, seus olhos... Assentiu com a cabeça.
-Sou o duque do Killingsworth?
Era-o? Não sabia. Só sabia que aquele não era o homem com o que se casou.
-Preciso ver... -ia dizer "ao Robert", mas e se o estava olhando aos olhos naquele mesmo instante?- a meu marido.
-Crie que sou o duque do Killingsworth, que sou Robert? -insistiu ele.
-por que ia mentir me? -repôs ela em lugar de responder a sua pergunta.
-Já lhe hei isso dito. Queria o que eu tinha.
-Se o que diz é certo... -As lágrimas lhe nublaram a visão e começaram a lhe rodar pelas bochechas.
-É verdade, Toureie. Deve me acreditar. por que ia inventar me uma história tão retorcida?
-O que é o que esperas de mim?
-Deve entender que é muito provável que, mesmo que se em frente à verdade, siga assegurando que é Robert -disse, lhe apertando as mãos-. Temo que acredita que é
Robert. Pior ainda, temo-me que está louco.
A noite em que se fugiu...
Como lhe sustentava as mãos, ela notou o tremor que o percorria.
-O que? O que aconteceu a noite de sua fuga?
-Atou-me e me amordaçou.
Toureie pôde ver o horror do que aquele homem tinha suportado refletido em seus olhos.
-Deixou-me inconsciente de um golpe. Quando despertei, estava sozinho. Completamente solo em um lugar escuro.
Ainda lhe custava acreditá-lo, mas tampouco podia negar que seu marido não era o mesmo homem com o que tinha acessado a casar-se. Agora o via muito claro. As dúvidas
lhes inicie dele...
-vais voltar a enviá-lo ao Pentonville?
-Não. Nunca estive de acordo com a solução que papai deu ao problema. Só queria agradá-lo, mas agora vejo que foi muito injusto com meu irmão. Mesmo assim, não posso
correr o risco de que volte a me tirar
o que é meu.
Ela não pôde fazer muito mais que assentir para demonstrar que compreendia a situação.
-O que quer que faça?
-Quero me reunir com ele, falar com ele...
-Voltará em qualquer momento.
-Aqui não. Quero vê-lo longe da casa, onde o serviço não possa nos ouvir. Não me cabe dúvida de que chegar a um acordo suporá muitos gritos. Não quererá ouvir o
que tenho que lhe dizer, se admitir que
ele é John, possivelmente nos baste para sair desta ofensa.
-Não entendo por que não pode te reunir com ele aqui.
-Porque é muito provável que fique violento.
-Não me parece um homem dos que recorrem à violência.
-E te parece dos que vivem a vida de outro?
-Não.
-Há muitas coisas de meu irmão que você não sabe, Toureie. Não esqueça que ao tomar como esposa te enganou muito mais que a mim.
Ao Robert adorava seus passeios com Toureie ao anoitecer. Tinham tomado por costume passar esse tempo juntos antes de jantar para liberar-se das preocupações do
dia. Aquela tarde, reuniram-se nos estábulos
assim que ele havia tornado e, embora a ela parecia gostar de muito o passeio ao princípio, agora se mostrava particularmente solene, algo impróprio de sua natureza
alegre.
Sabia que não podia seguir enganando-a mais tempo. Tinha que lhe dizer a verdade. E, quando a dissesse, teria que confiar em que ela seguisse sentindo o mesmo por
ele.
Não tinha previsto apaixonar-se por ela, mas tinha ocorrido. Não havia nada nela que não valorasse. Nada que não adorasse.
passou-se a tarde cavalgando sem rumo pelo campo, tentando decidir o modo de lhe comunicar a notícia, quando seria o melhor momento. antes de voltar a lhe fazer
o amor? Porque sem dúvida o faria. Carecia
de força de vontade no relativo a ela. Talvez seria preferível que o contasse depois, quando jazesse em seus braços, com a pele iluminada pelo rubor de seu alívio.
Devia dizer-lhe durante o jantar, para que pudesse lhe proibir a entrada a seu dormitório se assim o desejava. Ou pela manhã, para poder tê-la entre seus braços
uma noite mais.
E se serviria das mesmas desculpas ao dia seguinte, e ao outro. Precisamente por isso se encontrava agora em tão inadmissível apuro. Porque não tinha querido ferir
seus sentimentos e, ao final, muito a
seu pesar, isso era o que ia acontecer.
-Vai tudo bem, Toureie? -perguntou por fim.
Ela o olhou e lhe sorriu, lhe dando de presente a covinha que tanto gostava.
-Claro. Estou algo distraída.
-Não é essa uma das coisas que lhe incomodam de mim, que me perca por completo em meus pensamentos?
Ela assentiu com a cabeça, e lhe pareceu ver que as lágrimas apareciam em seus olhos antes de que apartasse o olhar.
-Toureie?
-Estou bem. Perguntava-me quando crie que poderemos voltar para Londres.
Ele tinha que voltar para Londres. Devia decidir o melhor modo de resolver o assunto do John, que era precisamente a razão pela que não podia seguir pospondo contar-lhe
a Toureie.
Tinha pensado que possivelmente haveria uma forma de soltar ao John sem que ninguém saísse prejudicado, mas o problema era como assegurar-se de que seu irmão não
fazia mais danifico. Poria em perigo a
Toureie se não lhe contava a verdade, e se John ia ver os alguma vez, possivelmente ela o identificasse como o homem que lhe tinha proposto o matrimônio.
Ele nunca tinha querido que as coisas se complicassem tanto. Só pretendia recuperar o que era seus por direitos.
Já estavam a bastante distância da casa, caminhando pela zona dos jardins onde os arbustos eram altos e a folhagem densa.
-A verdade é que o estive pensando muito. Acredito que possivelmente...
Ouviu ranger uns ramos. Ao tempo que ele se voltava, Toureie-se escabulló. Os dois homens que o agarraram eram enormes, fornidos e, embora se revolvia contra eles,
sabia que tinha pouca esperança de escapar.
Um deles lhe deu um forte murro no estômago que o deixou sem respiração. Retorceram-lhe os braços à costas...
-Não lhe façam mal! -gritou Toureie.
Uma soga lhe cravava nas bonecas. Respirando com...
-Ponham o de pé.
..dificuldade, elevou o olhar para ouvir uma voz que lhe era familiar. Levantaram-no de um puxão e ele se esforçou por manter-se em pé apesar de que suas pernas
só queriam desabar-se, nem tanto pela dor
que ainda sentia debaixo das costelas como pelo que lhe concentrava no coração.
Toureie estava ali, absolutamente surpreendida pela aparição de um homem idêntico a seu marido. Então se deu conta de que ela sabia que John e seus valentões o estariam
esperando.
A dor daquela amarga traição o desfez por dentro.
-Toureie...
-Agora já sabe a verdade, irmão -interveio John-. Sabe que você é John e eu sou Robert.
Ignorando a seu irmão, centrou-se em sua esposa.
-Toureie, Robert sou eu. Deve me acreditar.
-por que não me disse a verdade desde o começo? por que te tem feito passar por...?
-Eu não me tenho feito passar por ninguém! -Suas palavras ressonaram-. Eu sou Robert.
-Tem-te feito passar pelo homem que me cortejou e me pediu o matrimônio. Todo este tempo soubeste que eu te acreditava outra pessoa. Entreguei-te meu coração.
-E eu lhe entreguei isso tudo.
-Que poético, John.
-Eu não sou John, e sabe bem -replicou Robert ao John com um olhar furioso.
-Claro que é John.
Lutou em vão por escapar dos homens que o sujeitavam.
-Sou Robert Hawthorne, duque do Killingsworth. -Olhou a sua esposa-. Tem que me acreditar, Toureie.
-por que não me contaste isso? Se for certo, por que não me há dito nada.
-Dúvidas de que seja certo?
-Como não vou duvidar o se me enganaste desde que nos conhecemos?
-Enganaste-a e traiu como me traíste -rematou John-. Levem a mausoléu.
-por que ao mausoléu? -quis saber Toureie.
-É o único lugar que não se atreveria a profanar para poder fugir.
-Toureie... -Robert o tentou uma vez mais, mas ela se afastou dele, e então detectou o olhar de triunfo nos olhos de seu irmão.
-Não esqueçam lhe atar os pés quando chegarem ali -ordenou John-. Se por acaso me equivoquei ao acreditá-lo incapaz de profanar esse lugar. depois de tudo, roubou-me
meu títulos, minhas terras e a meu
amor.
Uma pontada de dor atravessou o peito do Robert ao ver que Toureie aceitava que John a rodeasse com o braço como gesto de consolo, e sentiu que a tinha perdido para
sempre.
Toureie pensou que jamais esqueceria o gesto de traição demolidora que tinha aparecido no rosto de seu marido ao precaver-se de que lhe tinha tendido uma emboscada.
Só que ela não sabia o que ia ocorrer.
Tinha-a surpreso tanto como a ele, mas ainda não se recuperou das revelações daquela tarde.
Já não estava segura do que devia acreditar, pelo que devia fazer. sentou-se em uma cadeira, em seu dormitório, e contemplou como anoitecia, total e absolutamente
exausta pela terrível experiência, confundida
por seus sentimentos, preocupada com o homem ao que tinha traído.
Dois homens diziam ser Robert Hawthorne. Com um tinha prometido casar-se; com o outro se casou. Alguém lhe tinha gostado; ao outro o amava. Importava que se casou
com o John? A seu coração dava igual não
ser duquesa. Mas se era John, seu marido necessitava ajuda. Desesperadamente.
Ouviu que se abria uma porta, a que separava o dormitório do duque do dele. Tinha esperado com tanta ilusão que ele fora a vê-la essa noite, mas agora só desejava
que aquele homem partisse.
Ele se situou a seu lado e se apoiou no marco da janela. Notou que a olhava fixamente.
-No que pensa? -perguntou ele.
-Trato de decidir se estou casada com o homem com o que intercambiei os votos nupciais ou com o homem cujo nomeie figura na ata matrimonial.
-Eu me estive perguntando o mesmo, mas até que saibamos se estiver grávida de meu irmão, a questão é discutível.
-Não entendo -disse ela, voltando-se para ele.
-Não me meterei em sua cama durante um mês. Se nesse tempo se sabe que não está grávida, tomarei por esposa, como tínhamos acordado inicialmente. Entretanto, se
o estiver... -interrompeu-se.
-Então, o que?
-Não posso me arriscar a que seja um varão, um herdeiro. Teria que me divorciar de ti alegando adultério.
-vais divorciar te de mim sem te haver casado comigo?
-Embora eu não subisse ao altar, meu irmão contraiu matrimônio contigo e você, de boa fé, acreditaste que te casava comigo.
-Bastará com que expliquemos que seu irmão -lhe custava chamar a seu marido John- se feito passar por ti.
-Não. Não permitirei que minha família se veja envolta em um escândalo assim. Acontecido-o ficará entre nós.
-Prefere que todo Londres pense que sua esposa te foi infiel?
-Espero que não nos vejamos obrigados a tomar essa decisão.
-E o que vais fazer com... ele?
-Ainda não sei.
-E se eu o convencesse para que renunciasse a tudo isto e fôssemos os dois longe daqui...?
Ele soltou uma falsa gargalhada.
-Não renunciaria a tudo isto, nem sequer por ti.
-Há-me dito que me quer.
-Também te há dito que é Robert, o duque. As mentiras lhe brotam da boca como o vinho brota de uma garrafa. Não pode confiar nele, Toureie.
-Não sei por que tiveste que encerrá-lo no mausoléu.
-Era isso ou o cárcere do povo.
-O que vais fazer com ele? Não pode deixá-lo aí eternamente. É um lugar muito frio.
-Só ficará aí até que dita o que fazer com ele.
separou-se da janela, agachou-se e lhe acariciou o queixo.
-Não tinha direito a ti. Poderia lhe perdoar que me tenha arrebatado o ducado, mas a ti, isso não o perdoarei nunca. -inclinou-se, seu rosto muito perto do dela-.
Porque, como vê, eu também te quero. -Soltou-a
e se endireitou-. Vamos jantar.
Disse-o como se a ela não lhe tivesse partido o coração, como se seu mundo não se derrubou.
-Não tenho apetite.
-Deve repor forças. Tudo isto não tem feito mais que começar.
Robert logo que sentia o frio cortante ou a fome que lhe roía as vísceras. Suas mãos e seus pés atados estavam tão intumescidos como seu coração.
Jazia de flanco, onde os valentões de seu irmão o tinham atirado sem cerimônias. Como as arrumava John para juntar-se sempre com a escória da sociedade?
Pelo menos, no Pentonville, havia luz. Ali não havia outra coisa que a lúgubre escuridão do desespero.
Toureie duvidava dele e a dor daquela dúvida era como uma espada afiada que lhe atravessava o coração. Tinha necessitado mais fortaleza da que acreditava possuir
para não chorar de angustia ao vê-la partir
com o John.
Se Toureie duvidava dele, do que lhe servia demonstrar que era o verdadeiro duque?
O ducado, as propriedades, os títulos... já não lhe importavam.
Viu um feixe de luz percorrer as vidraças da fachada do mausoléu. Ouviu o chiar da chave na fechadura. A porta se abriu e então soou a suave voz de sua esposa.
-Obrigado, não lhes necessito. O duque me há dito que subam à casa e comam algo. Eu ficarei aqui até que voltem.
Toureie entrou na sala e fechou a porta. Em uma mão, levava um candil, no outro braço um montão de mantas, como se não soubesse que a comodidade física já lhe dava
igual.
Robert preferiu olhar ao chão antes que a ela. Ouviu o eco de seus passos ocos a seu redor, logo um ruído seco quando ela deixou o candil no chão.
-Trouxe-te umas mantas -lhe comunicou em voz baixa, como se temesse incomodá-lo.
Ele a olhou, depois voltou a vista ao chão.
-Quer que te ajude a te incorporar? -perguntou-lhe.
-Não.
-Eu não gosto que lhe tenham aqui encerrado, mas seu irmão teme que tente lhe usurpar sua autoridade...
-Sente saudades, porque não tem nenhuma -replicou ele com um olhar feroz-. Te conta um punhado de mentiras e você lhe crie.
Apertando as mantas contra seu peito, Toureie se ajoelhou no duro chão de pedra.
-Estava conmocionada. Tem idéia do que é descobrir que não está casada com quem acreditava?
-Pensava que te casava com o duque do Killingsworth, e é exatamente o que tem feito.
-Segundo seu irmão, não.
-Minta, Toureie. por que te custa tão pouco lhe acreditar nele em vez da mim?
-Porque ele nunca me enganou...
-Claro que te enganou, enganou a todo Londres fazendo-se passar por mim.
-E você o podia ter solucionado me dizendo a verdade desde o começo, mas não o tem feito. Sabia que não foi o homem que me tinha declarado. por que não cancelou
as bodas?
-Porque não podia imaginar que fora outra coisa que um matrimônio de conveniência. Pensei que desejava te casar com o título, não com o homem.
-O título não me dá calor pelas noites.
-Então não te conhecia o suficiente para saber como pensava.
-E agora?
-Agora te conheço muito bem, mas, pelo visto, você a mim não.
-Pois me conte o que não sei.
Não queria lhe contar nada. Queria que acreditasse tão somente com o que já sabia dele. Isso bastaria. Se de verdade o amava, isso seria suficiente. Mas também se
deu conta de que, para ela, aquela petição
era razoável... e em realidade o era.
-Acredito que sim que vou incorporar me.
Ela deixou as mantas a um lado, agarrou-o do braço e atirou tanto como pôde para ajudá-lo a levantar-se, até que Robert conseguiu apoiar as costas na tumba de sua
mãe, com os joelhos dobrados para manter
o equilíbrio.
-Quer que te agasalhe com uma manta? -perguntou-lhe ela.
-Não, estou bem.
-Está pacote como um peru de Natal e diz que está bem?
-Pacota graças a sua sugestão de dar um passeio pelos jardins.
Ela baixou a vista ao chão.
-Não sabia que ia A... -Meneou a cabeça-. Me disse que queria falar.
-E segue acreditando que ele é o duque do Killingsworth.
-me conte o que devo saber -repôs ela olhando-o.
-Deveria saber, sem que eu lhe diga isso, que Robert sou eu.
-Suponhamos que é certo. Mesmo assim, enganou-me. Não é o homem ao que me prometi. .
-Tem razão -suspirou ele-. Não tinha previsto... -"me apaixonar por ti." Mas não terminou a frase, porque tampouco isso importava já-. Me pediste que te conte o
que não sabe. Não sei o que sabe, assim
que te vou contar o que sei eu.
"Pouco antes de que fizéssemos dezoito anos, John propôs que organizássemos uma grande celebração que começaria na noite de meu aniversário e terminaria na madrugada
do dele. Planejamo-lo tudo: os locais
aos que iríamos, lugares nos que me garantiu que nos receberiam bem. Devi ter suspeitado algo então, não sei por que.
"Percorremos todo Londres, bebendo uísque na carruagem. Fomos a uma casa nos subúrbios da cidade. Eu não tinha estado ali nunca, mas pelo visto John sim, porque
o conhecia todo mundo. Dentro, esperavam-nos
mais bebidas, farra e mulheres. Lembrança que John me deu um copo de uísque, pô-me na mão a de uma senhorita, e me disse que bebesse, que ela se encarregaria do
resto. -Meneou a cabeça.
"Lembrança que subi a escada e entrei em uma habitação... minha seguinte lembrança é que despertei em uma cela, vestido com um traje de preso, pedindo ajuda e recebendo
em troca uma surra. Era o detento
D3-10. E quando soube que estava no Pentonville, dava-me conta de que me tinha metido em uma boa confusão.
"Pensei que possivelmente John também estava ali, em outra cela. Que tínhamos ido parar a uma rede de comércio de escravos ou algo similar. Ou que as pessoas da
casa a que tínhamos ido tinham utilizado
para substituir a seus amigos sentenciados. Todas as explicações que me ocorriam me pareciam absurdas, mas também o era a situação. Sentia-me estúpido, e não entendia
por que acontecia todo aquilo.
"Como sabe, obrigavam-nos a levar o capuz posto quando saíamos ao pátio de exercício, mas eu procurava olhar aos olhos aos outros detentos em busca de uns parecidos
com meus. Às vezes, tentava lhe sussurrar
ao homem que tinha diante, mas o único que conseguia era o isolamento absoluto durante um tempo.
"Então, um dia, não sei quantos tinham passado, recebi uma carta. Dentro havia um recorte do Teme. Era a necrológica dos duques do Killingsworth.
-Seus pais -sussurrou ela.
Ele assentiu com a cabeça.
-A carta só dizia: "pensei que quereria sabê-lo". Ia assinada pelo Robert Hawthorne, duque do Killingsworth. Então soube que não encontraria ao John entre os detentos,
que nossa celebração de aniversário
tinha sido uma retorcida mutreta para desfazer-se de mim.
-Mas por que essa noite, quando ainda não foi duque? Além disso, alguém teve que dar-se conta de que faltava um de vós.
-John havia dito a nossos pais em incontáveis ocasione que queria viajar a América. Suponho que, fazendo-se passar pelo Robert, convenceu-os de que John tinha querido
cumprir seu sonho de cruzar o Atlântico
justo depois de nossa celebração de aniversário. Possivelmente lhes disse que se embebedou um pouco e se largou, mas isso é só minha hipótese.
Ela começou a esfregá-los braços energicamente, e ele não soube se o fazia pelo ar frio que os rodeava ou pelo horripilante de seu relato.
-Não me crie -assinalou.
-Ele me há dito que seu pai o dispôs tudo porque sabia que quereria te levar o que não te correspondia.
-O que ganhava meu pai com isso?
-E o que ganhava seu irmão?
-O ducado.
-Mas demoraria para o ter. Ele não podia saber que seus pais morreriam tão logo.
Robert tragou saliva e se obrigou a expressar a suspeita que o tinha atormentado quase todos esses anos.
-Salvo que soubesse que herdaria o ducado breve.
Toureie deixou de esfregá-los braços.
-Mas isso só podia sabê-lo...
Robert assentiu com a cabeça.
-E se seu plano incluía matar a nosso pai?
de repente, Toureie sentiu um calafrio que nada tinha que ver com o frio mármore que a rodeava.
-por que não cancelou as bodas?
-Pensei-o, mas tem que entender que tinha estado isolado muito tempo, privado da possibilidade de compartilhar meus pensamentos com ninguém mais que eu mesmo, e
de repente me encontrei de pé ante o altar,
tratando de decidir o que devia fazer. Não sabia como demonstrar que eu era Robert, e temia que, se não seguia adiante com a cerimônia, fariam-me perguntas que não
estava preparado para responder. depois
das bodas, não pude te dizer a verdade porque me confessou que me queria muitíssimo, e pensei que se te dizia a verdade, teria que me enfrentar às autoridades antes
de ter decidido qual era a melhor forma
de provar minha identidade.
"Tinha previsto não te pôr uma mão em cima e, quando pudesse liberar o John, encontrar um modo de desfazer o matrimônio e alguma forma de burlar a lei, embora fora
com uma ata do parlamento, com o fim
de que pudesse te casar com o homem ao que te tinha prometido.
Sua voz estava carregada de sinceridade, de desespero por que acreditasse, por que confiasse nele, por que o compreendesse.
-Como te fugiu?
Toureie escutou em silêncio, encantada, a descrição de sua rotina diária, do isolamento constante, salvo pelo passeio no pátio de exercício e o trajeto à capela;
que até nos momentos de culto os tinham
isolados, e o silêncio os rodeava exceto quando cantavam; e como tinha conseguido soltar as tabuletas do chão e escapar.
Falou-lhe do Matthews, e de como o zelador se levou ao John em seu lugar.
-Embora, em realidade, não era meu lugar. Jamais devi ir parar ali, para começar.
Toureie viu como os olhos lhe enchiam de lágrimas, e como piscava para desfazer-se delas. Ele apartou o olhar e ela se fixou no trabalhoso movimento dos músculos
de seu pescoço.
-Toureie, não imagina o que foram esses oito anos -lhe confessou com voz áspera e rasgada-. Que ninguém te tocasse salvo para te empurrar; não poder falar nunca
com ninguém nem sequer de coisas intrascendentes,
do tempo, da cor dos olhos de uma mulher, de seu garbo ao caminhar; por não mencionar dos desejos do coração, das esperanças, dos sonhos.
-E mesmo assim manteve a distância até a noite da tormenta em que te pedi que não o fizesse.
-Eu não tinha direito a te tocar.
-Mas o fez.
-Se quiser uma desculpa... -Meneou a cabeça-. A queira ou não, merece-a. Sinto muito, Toureie. Sinto o dano irreparável que tenha podido te causar...
-Como vais demonstrar quem é?
-Crie-me?
Sua voz soava cheia de esperança, de desespero por que acreditasse.
-Quão único sei é que te quero -admitiu ela.
Com um profundo suspiro, ele baixou a cabeça.
-Não é suficiente.
Aquilo lhe partiu o coração, mas suspeitava que sua reticência a reconhecê-lo como o duque era igual de dolorosa para ele. Se o amava, não deveria lhe acreditar?
De entre as mantas, tirou a faca que tinha oculto nas dobras.
-Seja quem é, não merece este trato. -Começou a cortar a corda que lhe sujeitava as pernas-. Vá a Londres e averigua com quem devem falar os lores quando surge uma
disputa por seu título.
-Com o lorde Chanceler.
Depois de lhe liberar os pés, ela se deteve e lhe lançou um olhar furioso.
-Se sabia, por que não falaste já com ele?
-Porque não posso demonstrar que eu sou o duque. É a palavra do John contra a minha.
-E isto te parece melhor? Jogar a lhes encarcerar o um ao outro?
-Não, tem razão. Devo confiar nos tribunais.
Ela se aproximou e ele se retorceu para lhe dar acesso a suas mãos. Quando teve talhado as ataduras, ele soltou um grunhido e começou a esfregá-las bonecas e a exercitar
os dedos.
-Vá a Londres -ordenou ela.
-Vem comigo? -perguntou-lhe ele, lhe acariciando a bochecha.
sabendo de que seu amor não era suficiente para ele? Com lágrimas lhe abrasando os olhos, ela sacudiu lentamente a cabeça.
-Não posso.
Para ouvir a porta, Toureie se voltou de repente e o coração lhe deu um salto quando viu o outro homem que assegurava ser Robert.
-Tenho suposto que te encontraria aqui -espetou-. Imagina minha surpresa ao ver que meus guardas se dirigiam à casa.
O marido de Toureie lhe tirou a faca da mão e ficou em pé com dificuldade.
-O que vais fazer com isso, irmão? -perguntou o homem que estava junto à porta.
-Depende do que me obrigue a fazer.
-Parece que estamos em ponto morto, mas sinto curiosidade. me diga, como conseguiu te fugir do Pentonville?
-Pelo chão da capela.
-Ah, muito preparado.
-E você?
-Eu não me fugi. Soltaram-me. Assim que me tiraram da cela de isolamento, insisti em que queria falar com o Matthews...
-O zelador.
-Sim. A fortuna me sorriu o dia que conheci o Matthews. Era aficionado à bebida e ao jogo. Por desgraça, estranha vez tinha sorte. Devia muito dinheiro a uns quantos
indesejáveis. mostrou-se muito interessado
no que pudesse lhe oferecer. Além disso, tem um segredo que ninguém mais conhece, e o que eu soubesse lhe fez precaver-se de que tinha cometido um terrível engano.
Ele se encarregou de minha liberação.
Agora está de caminho a América.
-Muito oportuno. A única testemunha de suas maquinações desapareceu.
-Sei bem o que me toca fazer -sorriu John.
-O que aconteceu mamãe e papai? Alguma vez perguntaram por que só voltou um de nós aquela noite?
John pôs cara de assombro.
-Jamais souberam que só havia tornado um de nós, hermanito -confessou-. Foi complicado me fazer passar pelos dois... nunca de uma vez, claro, e só durante uns dias,
até que "John" os convenceu de que partiria
para a América em busca de fortuna.
-E Weddington?
-Era uma moléstia. Sempre insinuando que possivelmente eu era John, ou seja você. Tive que prescindir daquela amizade. Embora me custou um pouco acabar com ela por
completo. Não o consegui até que se atou
com essa putita.
-foste diabólicamente ardiloso.
-Não ficava outro remédio. Você não parava de dizer que foi o herdeiro.
-Teria-me solto alguma vez?
-Não sei. Matthews desempenhou muito bem a tarefa que lhe encomendei. Eu só ia ter te ali uns meses, até que lhe transladassem, mas ele tinha medo de que, ao te
tirar da cela de isolamento, tirasse o chapéu
o que tinha feito. -John se encolheu de ombros-. Ou isso confessou quando se enfrentou a seu benfeitor. E agora volta a tentar usurpar meu lugar.
-Joga com vantagem, mas estou disposto a lhe ceder isso tudo.
-Incluída sua esposa?
-Não, a ela não.
-Mas se eu for Robert, então está casada comigo...
-lhe conceda o divórcio.
-O divórcio é um escândalo. Além disso, embora se livre de mim, não poderá casar-se com o irmão de seu marido.
-Na América sim.
John arqueou uma sobrancelha.
-Vai a América?
-Sim, acredito que iremos.
-Mandará-me cartas? eu adoro saber de suas aventuras. Embora acredite que deveria ir ao oeste. Virginia começa a ser um pouco aborrecida.
-Escreverei-te cartas de onde queira.
Toureie viu que o homem situado junto à porta negava lentamente com a cabeça.
-Por desgraça, não confio em ti, irmão.
Horrorizada, viu-o tirar uma pistola.
-Não! -gritou, levantando-se e colocando-se diante de seu marido. Notou que o fogo lhe atravessava o corpo e lhe estalava dentro, ouviu o eco de uma explosão que
pensou que poderia derrubar o teto e se
encontrou de novo no chão enquanto a escuridão ia roubando a visão. Quem tinha apagado o candil?
-Céu santo. Toureie? Toureie?
Notou que um fluido quente brotava de seu corpo e se encharcava. Tudo o que a rodeava se voltou negro, até a voz que a chamava soava longínqua. Sentiu que a envolviam
em mantas, que a levantavam uns braços
fortes e firmes.
-Por todos os Santos, não fique aí parado! Vê o povo a procurar um médico. Rápido!
Enquanto sucumbia ao doce abismo do esquecimento, Toureie se precaveu de que acabava de ouvir a voz do verdadeiro duque do Killingsworth.
Capítulo 21
Estava sentada em um campo, rodeada de matas de framboesa em flor, e as flores diminutas a chamavam. Seu marido, tendido a seu lado, com a cabera apoiada em seu
regaço, arrancou uma flor sem sarças espinhosas
e a entregou. Enquanto a flor descansava na palma de sua mão, viu-a transformar-se milagrosamente em uma framboesa. Logo a pôs nos lábios do homem ao que amava...
Toureie se esforçou por sair da escuridão, seu corpo dolorido como se a tivessem arrojado de um precipício. voltou-se um pouco; a dor lhe atravessou o flanco. Gemeu.
-Chis, agora descansa.
Notou que uns dedos lhe apartavam o cabelo da frente. Ao abrir os olhos, viu aquele mesmo homem sentado junto a sua cama. Seus olhos refletiam tanto amor e tanta
preocupação por ela que pensou que embora
lhe pusessem diante uma fila de cem homens idênticos a ele poderia distinguir o de todos outros.
Tinha estado ali cada vez que ela tinha aberto os olhos, tinha-lhe dedicado um sorriso tranqüilizador, tinha-lhe umedecido a frente, tinha-lhe dado umas colheradas
de caldo e lhe tinha pedido que ficasse
boa logo, como se dependesse dela.
-Robert?
-Chis -lhe disse uma vez mais, tomando a mão e lhe dando um beijo nos dedos-. Te aconteceu algo horrível. Tem que descansar.
Ele tampouco tinha bom aspecto, e não podia imaginar que o seu tivesse sido pior. Barba de vários dias, o cabelo despenteado, os olhos avermelhados, o pescoço da
camisa desabotoado.
-Sei como demonstrar que você é Robert -sussurrou ela.
-Céu santo, Toureie, estiveste a ponto de morrer. De verdade crie que me preocupa o maldito ducado? -inquiriu ele, com a voz áspera de emoção-. mais do que me preocupa
você?
Pôde ver lágrimas em seus olhos, que ele se esforçava por conter. Tremia-lhe a mão quando a pôs na bochecha.
-passei oito anos sozinho, mas quando acreditei que ia perder te, que jamais voltaria a ver seu sorriso ou essa covinha diminuta, que nunca mais ouviria sua risada...
"solidão" não é palavra suficiente
para descrever o sentimento que me invadiu. Um desespero tão intenso que renunciaria a tudo, a meu títulos, a minhas propriedades, a meu nome, por te abraçar um
instante mais. Tão somente um instante.
As lágrimas lhe queimavam os olhos, e desejou ter forças para abraçá-lo.
-Não poderia viver sem ti. -Desviou o olhar, e ela detectou o movimento trabalhoso dos músculos de seu pescoço enquanto tentava recuperar o controle de suas emoções.
Quando voltou a olhá-la, surpreendeu-a a fúria que enchia seus olhos.
-E como volta a te pôr em perigo... no que pensava para me cobrir desse modo?
Agarrou-lhe a mão com a que ainda lhe acariciava a bochecha.
-Em que eu tampouco poderia viver sem ti.
Robert soltou um soluço que parecia vir do mais profundo de sua alma. Apoiou a cabeça em seu peito e lhe acariciou o cabelo.
-Não quero te perder nunca -disse ele.
Ela queria lhe dizer que isso não ocorreria, que tinha encontrado uma solução, mas começou a sentir-se cansada, as pálpebras lhe pesavam. Precisava lhe dizer como
demonstrar quem era. Justo antes de ficar
transposta, sussurrou: "Framboesas...".
Framboesas.
Toureie levava já vários dias balbuciando algo sobre a bendita fruta.
Robert sentiu que os dedos de sua mulher se relaxavam entre seu cabelo e, ao levantar o olhar, descobriu que havia tornado a dormir. Ao menos, tinha estado acordada
um instante. Possivelmente ao dia seguinte
se manteria acordada uns minutos mais.
Pentonville lhe tinha parecido um inferno, mas não era nada comparado com a agonia dos últimos três dias. Nunca se havia sentido tão impotente. Ao dar-se conta do
que tinha feito ela, pelo que tinha feito
John e ver o atoleiro de sangue junto o corpo de sua esposa... uma emoção que era incapaz de descrever lhe tinha brotado de dentro, e esperava não ter que senti-la
nunca mais. Pânico frio e desumano. E,
quando tinha passado...
Quando se apartava sigiloso dela, descobriu que estava acordada outra vez, olhando-o, com os olhos limpos, a covinha diminuta visível e um esboço desse sorriso que
ele pensava que não voltaria a ver jamais.
-Bolo de framboesas -disse ela em voz baixa.
Ele sorriu e se aproximou.
-Quer que lhe peça à senhora Cuddleworthy que te faça uma?
-Não, assim é como pode demonstrar que você é Robert, duque do Killingsworth.
-Como diz?
-A primeira manhã que estive aqui, a cozinheira me disse que, de pequeno, a lorde Robert adorava o bolo de framboesas.
-Sim, é certo.
-Ao John não gosta. Não sei como não me acordei antes...
-Toureie, carinho, já não importa.
-Sim importa. Você é o duque, e é muito fácil demonstrá-lo.
-Com um bolo de framboesas.
Sua covinha se acentuou.
-Muito fácil -disse, esgotada, com olhos amorosos, não febris.
Ele se levou suas mãos aos lábios e as manteve ali. De modo que, até presa da febre e em conflito por curar-se, tinha estado sonhando salvando-o uma vez mais.
-É ainda mais fácil que isso -lhe respondeu ele-. Não tenho mais que ser Robert, duque do Killingsworth.
-Não o entendo. E assim como provas que...?
-Toureie, dei-me conta de que não tenho que demonstrar quem sou. Já não. Quando John te disparou -meneou a cabeça tentando não recordar o sangue que lhe tinha empapado
a roupa ao agarrá-la em braços e
o pânico que havia sentido-, quando te lançou diante de mim, quando te vi no chão, pela primeira vez desde que me fugi do Pentonville, converti-me de verdade no
duque do Killingsworth. Não ia permitir
que ninguém no mundo inteiro se interpor entre eu e o que devia fazer para te salvar.
-Ouvi-te -sussurrou ela assombrada-. No mausoléu. E pensei: "Quem quer que falou, esse é o duque".
Robert lhe sorriu.
-Ninguém questionou minhas ordens. Nem sequer quando lhes pedi que sujeitassem ao John.
Um olhar de preocupação lhe percorreu o rosto.
-Onde está agora?
Lhe apartou as mechas de cabelo da frente.
-Onde já não pode voltar a nos fazer danifico nem a mim nem a meus.
-Onde? -insistiu ela.
-Há um psiquiátrico no campo, não muito longe daqui. Pedi que o levassem ali. Não está em seu são julgamento, Toureie. Às vezes me parece que realmente crie ser
eu.
-E como pôde voltar-se...?
Lhe selou os lábios com o polegar.
-Não sei. Não sei se alguma vez saberemos a verdade sobre o John Hawthorne.
O que sim sabia era que as últimas palavras do John enquanto o levavam ainda o torturavam. "Qui-me primeiro !",tinha-lhe gritado. Robert lhe tinha respondido como
um menino provocado por um fanfarrão.
-Mas é para mim a quem quer agora.
Quando ela se recuperasse, poria a prova seu amor... e o próprio.
Capítulo 22
À medida que recuperava forças, Toureie não pôde evitar dar-se conta de que seu marido se mostrava muito atento a suas necessidades, mas também cauteloso ao as atender.
Trazia-lhe as comidas em uma bandeja
de prata, como se não tivessem criados que pudessem fazê-lo. Olhava-a comer como se fora a atividade mais assombrosa do mundo.
Pelas tardes, envolvia-a em uma manta e a tirava o jardim para que lhe desse o sol. Para consternação do consciencioso jardineiro, Robert passava um momento arrancando
as flores mais formosas do jardim
até lhe encher o regaço a Toureie com um sortido de cores e fragrâncias. Logo se sentava a seu lado e a acossava com perguntas sobre a Exposição Universal e os múltiplos
inventos e mudanças que se produziram
durante sua ausência. Assim era como tinha começado a chamar o tempo que tinha passado no Pentonville; já não era seu encarceramento, nem sua reclusão, nem o horrível
ato de seu irmão a não ser sua ausência.
Não queria que ninguém soubesse nunca que seu irmão se trocou por ele durante uns anos. Queria que lhe falasse de todos os inventos modernos para poder seguir adiante
como se nunca se ausentou.
Enquanto lhe contava uma ou outra coisa, ela mesma se assombrava do muito que se progrediu em oito anos.
A última hora da tarde, ele saía um momento, e embora sempre lhe dizia que era para encarregar-se dos assuntos do imóvel e ela era consciente de que tinha muitas
obrigações que atender, suspeitava que
ia visitar seu irmão. Sabia que ao Robert o entristecia que seu irmão estivesse afastado da sociedade, e mais ainda não saber a razão pela que John se tornou contra
ele e acreditava ser Robert.
Além disso, tinha começado a lhe perseguir a dúvida sobre a morte de seus pais. O arsênico era fácil de conseguir, podia comprar em qualquer farmácia, e era popular
entre as damas, que o empregavam para
realçar a cútis. A lei exigia que se assinasse o "registro de substâncias tóxicas" ao adquiri-lo, mas o que se fazia com ele depois... bom, não todo mundo o usava
para a cútis. estava-se convertendo na
arma homicida favorita das mulheres casadas que desejavam desfazer-se de seus maridos. Robert tinha contratado a um homem para que viajasse por todo Londres examinando
os registros dos farmacêuticos. encontrou-se
sua assinatura em um deles, o da compra de arsênico um mês antes de seu décimo oitavo aniversário. Como Robert jamais tinha comprado o veneno, supôs que, uma vez
mais, tinha sido seu irmão, fazendo-se
passar por ele.
Entretanto, aquilo só demonstrava que John tinha comprado arsênico, não que o tivesse usado. A Toureie nunca lhe tinha parecido que a cútis do John o necessitasse.
Sabia que a seu marido o angustiavam suas averiguações, por isso estava quase segura de que Robert passava algum tempo com seu irmão, tentando discernir o que o
tinha transformado em um homem tão distinto,
embora aquilo era uma tarefa impossível. Voltava para primeira hora da noite, mais triste, solene e reflexivo. Ela procurava animá-lo lhe lendo fragmentos das cartas
que lhe enviava Diana para lhe contar
seus progressos na busca de um homem que não a aborrecesse aos dois dias.
Quando Tourear se retirava a seu dormitório, ele se reunia com ela e se limitava a abraçá-la, como se fora algo delicado, muito frágil para nada mais. E falavam.
-Quero entender a classe de homem que é, o que suportaste e como pôde te afetar.
-É um poquito morbosa, não?
-Golpeavam-lhe ou açoitavam?
-Não. Não era tão mau. Bom, os guardas lhe pegavam se falava ou não te punha o capuz para te tampar a cara. Mas tinham um castigo pior: a cela de isolamento.
-Não entendo no que se diferenciava da cela normal.
-Ao menos em minha cela ouvia atividade. Embora estava sozinho, não me sentia sozinho de tudo, porque sabia que havia outros por ali. Ouvia-os mover-se enquanto
trabalhava em meu tear. Nesse sentido, era
afortunado. Meu trabalho consistia em tecer em minha cela todo o dia.
-Como pode te considerar afortunado por uma experiência assim?
-Sobrevivi. Essa foi minha sorte. Além disso, de quando em quando, traziam-nos algum livro para que lêssemos. O pior eram as noites, porque o silêncio era absoluto.
-Foi então quando aprendeu a fazer sombras chinesas?
-Sim, em todas as celas havia luz de gás, para que pudéssemos ver quando se fazia de noite. Até que passavam os guardas para as apagar, às nove, eu aproveitava para
jogar com as mãos e ver que classe de
criaturas podia simular. Minhas criações me transportavam além das paredes depois das que vivia. Os elefantes da África e os camelos do Egito. Provava com todos
quão animais conhecia. E também com pessoas.
Sei fazer uma bruxa e um ancião com barba.
-Não posso nem imaginar quão sozinho devia te sentir.
-Não quero que imagine. Não quero que imagine nada daquilo.
Logo lhe dizia:
-me fale de sua vida, das coisas que você gosta. Quero sabê-lo tudo de ti.
-A ver... Minha cor favorita é o vermelho. Minha estação preferida, a primavera. Eu gosto de dar largos passeios Y...
Mas à medida que foi recuperando-se, uma parte dela temia que não fora sua convalescença o que lhe impedia de lhe fazer o amor, a não ser a idéia de que não tinha
sido ele quem a tinha eleito como duquesa
do Killingsworth, a não ser seu irmão, e ela era um aviso constante da traição daquele.
As dúvidas a bombardeavam com freqüência e intensidade cada vez maiores, como as ondas sacudiam a praia durante uma forte tempestade. Sobre tudo a última hora da
noite, quando se preparava para deitar-se,
perguntando-se se seu marido assumiria seu papel de amante.
Sentada diante do penteadeira, escovava-se o cabelo distraída enquanto pensava no lugar que ocupava na vida do Robert. Supunha que qualquer mulher se daria por satisfeita
com a atenção que lhe emprestava,
mas lhe custava conformar-se com menos quando tinha tido mais. E talvez fora esse a origem de seu crescente descontente. Tinha-o estado pensando enquanto se dava
um banho relaxante, enquanto Charity a
ajudava a ficar a camisola, quando sua donzela se foi a dormir e ela se ficou esperando a chegada de seu marido.
O divórcio era a solução que sempre lhe ocorria. Ele era muito jovem quando o encerraram. Tinha assistido a muito poucos bailes, a muito poucos jantares. Nunca tinha
tido a oportunidade de examinar às
jovens debutantes, nem de escolher a que mais o atraíra. casou-se com ela porque ela era quem se reuniu com ele no altar.
-Prometeu-me que um dia me concederia o privilégio de te escovar o cabelo.
Ao elevar o olhar, viu o reflexo de seu marido, de pé a suas costas, vestido com uma camisola de seda azul, do mesmo tom que seus olhos.
-Não te ouvi entrar -comentou ela.
-Parece imersa em seus pensamentos, como freqüentemente me reprova . Está aqui mas não está. Onde estava?
-Não tem importância -mentiu ela. Ao dia seguinte lhe pediria o divórcio, mas aquela noite não. Queria passar uma noite mais com ele... e enquanto pensava isso,
lhe ocorreu que possivelmente o pediria
ao seguinte, ou ao outro. Quantos dias podia pospor fazer frente à verdade?
Robert se situou detrás dela e, com doçura, tirou-lhe a escova da mão.
-Tudo o que tem que ver contigo é importante. -Deslizou-lhe a escova devagar pela juba-. Recordo a primeira vez que te vi o cabelo solto, estendido sobre o travesseiro
dessa cama.
Ela o observou no espelho, a intensidade com que a olhava.
-Minha primeira noite aqui, a noite da tormenta, quando me trouxe uma taça de chocolate quente.
-Pensei que me ia fraturar os dedos das mãos, de tanta força como me apertava isso para evitar te tocar.
-Eu queria que me tocasse.
-Mas pensava que era outra pessoa.
Algo lhe veio à cabeça.
-Varíola -sussurrou-. A primeira manhã na biblioteca, disse-me que tinha varíola, não que tinha visto rastros... de raposa.
Ele se mostrou notavelmente envergonhado.
-Tratava de inventar uma desculpa convincente para não cumprir com meus deveres conjugais. Queria que entendesse que era por mim, não porque houvesse nenhum problema
contigo.
-Mas não tem varíola.
-Não.
-Mas procurava um modo de me evitar.
-Não de te evitar. De evitar te fazer o amor. Tinha a descabelada idéia de que poderia te devolver ao John intacta.
Ela manifestou seu entendimento com uma inclinação da cabeça, e tragou saliva.
-Nisso pensava antes, quando estava absorta em meus pensamentos, no injusto que é para ti te encontrar de repente casado com alguém a quem você não escolheste.
-Meus pensamentos vão por roteiros similares. Quando se levavam ao John, teve o descaramento de me recordar que o tinha querido a ele primeiro.
-Não. -Ela se voltou de repente e levantou a cabeça para olhá-lo-. Não, já lhe disse isso aquela noite na carruagem... Tinha dúvidas...
Lhe acariciou a bochecha.
-Recordo-o, mas, quando me olha, vê o homem que te pediu em matrimônio?
Toureie meneou a cabeça devagar.
-Não, vejo o homem do que me apaixonei.
Robert ficou de joelhos e lhe sujeitou a cara entre suas mãos grandes e fortes.
-Vê o Robert, duque do Killingsworth.
-Não, não vejo um nome nem um título, só vejo um homem. Ao homem que me abraçou toda a noite sentado em uma carruagem em uma postura incômoda, ao que tentou ocultar
o pranto pela perda de seus pais, ao
que levou a um menino de viagem pelas sombras da selva africana e do deserto egípcio, ao que arriscou sua vida por salvar a outros de uma tempestade, ao homem ao
que seu irmão tratou insufriblemente mau
mas que mesmo assim quer ajudá-lo, ao homem cuja esposa o traiu mas ele continua lhe lendo no jardim. Sinto ter duvidado de seu nome, mas, por favor, me acredite
quando te digo que jamais duvidei que meus
sentimentos por ti. Quero-te mais que a nada neste mundo.
-Ai, Toureie -disse ele, apertando-a contra seu peito, baixando a da cadeira e sentando-a em seu regaço-. Não imagina quão insuportável é não sentir o amor, estar
incomunicado e sozinho, com a única companhia
de seus pensamentos.
-E das sombras chinesas.
Robert se tornou para trás, lhe sustentando a cabeça, com os dedos afundados em seu cabelo e o olhar fixo nela.
-Pensei que ia voltar me louco. Tinha planejado minha vingança, o modo de fazer sofrer ao John. Então, você entrou em minha vida, e o único que queria foi você.
Ela notou que lhe esticava o pescoço e seu abraço se fazia mais intenso.
-Quero-te com loucura. Procurei não cair na tentação de te beijar, de te fazer o amor, de estar contigo. Vitória Alexandria Lambert Hawthorne, faria-me a honra de
seguir sendo minha esposa, de ser a mãe
de meus filhos e a proprietária de meu coração?
Toureie notou que as lágrimas voltavam a lhe brotar e lhe rodavam pelas bochechas. O olhar que lhe dedicou era tão sentida como suas palavras, amor puro e verdadeiro.
-Sim -respondeu ela, a voz rouca, afogada, e um nó na garganta-. Sim.
Lhe cobriu a boca com a sua, como se queria selar aquela palavra eternamente. Beijou-a como se pensasse que nunca mais ia poder fazê-lo, como se o fora a vida nisso,
como se nunca fora a ter suficiente,
como se a amasse com todo seu coração e toda sua alma, como se ela fora a razão de sua existência.
E Toureie lhe devolveu o beijo com a mesma intensidade. Amava-o. Tinha entre seus braços ao desejo de seu coração, tudo o que sempre tinha desejado: que a amassem,
que cuidassem dela, que a valorassem.
Ele o era tudo para ela porque ela o era tudo para ele.
-Como está sua ferida? -perguntou ele ao tempo que lhe beijava o pescoço por detrás da orelha antes de passear a língua pelo contorno desta.
-Completamente curada.
-Possivelmente deveria inspecionar a cicatriz.
Ela se recostou um pouco, sonriéndole enquanto lhe enxugava as lágrimas que tinham começado a secar-se.
-Você crie?
Ele assentiu solene com a cabeça, e ela pensou que, embora brincasse, talvez dizia a sério o da cicatriz.
levantou-se de em cima dele, sentou-se apoiada nos talões e se desabotoou o primeiro botão.
-Já o faço eu -assinalou ele, lhe apartando as mãos antes de que prosseguisse a tarefa.
Toureie notou um leve tremor nos dedos de seu marido, e recordou a primeira vez.
-estiveste encerrado oito anos.
-Sim -confirmou, olhando-a.
-passaste muito tempo sem uma mulher.
-Sempre estive sem uma mulher.
Ela ficou olhando, incrédula.
-Eu fui a primeira?
-E será a última.
Toureie voltou a notar aquelas lágrimas persistentes.
-Não posso acreditar que... contivera-te tanto. Legalmente...
-Tinha direito, Toureie. Já sei. Mas não teria sido justo para ti. Não queria me servir de ti para aplacar minha luxúria. Quando por fim me aproximei, não foi por
luxúria. -Inclinou a cabeça-. Bom, possivelmente
um pouco. Não acredito que um homem possa livrar-se por completo dela.
-Fez-o tão bem que jamais teria pensado que nunca...
-tive oito anos para ponderar as possibilidades. Algum dia terei que te ensinar algumas sombras chinesas pouco convencionais.
-Perversas?
-Sem a menor duvida.
Agora era ela quem devia ponderar as possibilidades enquanto ele voltava a centrar-se nos botões e os desabotoava um a um. Deslizou as mãos por debaixo da malha
aberta e lhe deslizou pouco a pouco a camisola
pelos ombros até que este se amontoou ao redor de seus quadris. Fechou os olhos e franziu o nevoeiro, como se algo lhe doesse muito. Quando os abriu, Toureie pôde
ver que a dor era mais profunda do que
ela imaginava.
-Deveu ter deixado que a bala me alcançasse -repôs ele, com a voz rouca de emoção. Baixou a cabeça e lhe beijou a cicatriz do flanco que assinalava a entrada da
bala, que milagrosamente não havia meio
doido nenhum órgão interno.
Ela deixou que seus dedos se perdessem entre seus cabelos e o beijou na frente.
-Como ia fazer algo assim? te perder teria sido muito pior que qualquer dor física que tenha podido sofrer.
-Se um dos dois devia fazê-lo, teria preferido ser eu.
-Precisamente por isso. Se tivesse morrido, o teria sofrido eu.
Ele a olhou com os olhos entrecerrados.
-Parece-me que seu argumento é um pouco arrevesado.
-Procuraremos que nenhum dos dois volte a passar por algo assim.
-De acordo. Prometido. Não voltará a sofrer.
ficou de pé e se agachou para levantá-la; a camisola lhe deslizou pelas pernas até o chão. Logo lhe aconteceu um braço por debaixo dos joelhos e tomou em braços.
-Posso andar, Robert -murmurou ela ao tempo que se pendurava de seu pescoço e se acurrucaba mais contra seu peito.
-Necessito que reserve suas energias.
-por que?
-Porque vais necessitar as para o que tenho em mente.
O que tinha em mente era um prazer absoluto que começou no mesmo instante em que a depositou na cama e se desprendeu de sua camisola. Quando se aproximou dela, estava
esplêndido, preparado e disposto.
converteram-se em um matagal de extremidades, sua boca na dela, suas mãos a acariciavam e se detinham o passar pela ferida em processo de cicatrização.
-Já não me dói -lhe informou ela quando voltou a deter-se, como à espera de que ela gritasse de dor.
-Não quero que volte a te doer nunca.
-Pois me beije.
Pareceu-lhe vê-lo pensativo um instante, como se se perguntasse o que tinha que ver uma coisa com a outra, mas em seguida deixou de lhe importar. Ancorou sua boca
na dela, e se beijaram com paixão, com
a intensidade de um homem faminto e de uma mulher ansiosa pelo que lhe tinha negado tanto tempo.
Lhe acariciou os ombros e as costas. Lhe beijou o pescoço, o queixo, a mandíbula, saboreando o eco de seus gemidos enquanto se elevava sobre ela.
Agasalhado entre suas coxas, olhava-a com um gesto de absoluta adoração. Ela confiou em que ele pudesse ver que sentia o mesmo, enquanto lhe acariciava as pantorrilhas
com a planta dos pés. Abrindo-se
passo com os dedos por entre sua juba, sustentou-lhe a cabeça e lhe beijou a frente, o nariz, os lábios, o queixo.
-foste um presente inesperado, e acredito que, já que te tenho desenvolvido, vou desfrutar jogando contigo.
-O que vais fazer?
Lhe piscou os olhos um olho antes de deslizar-se para baixo, enquanto sua boca dedicava a um peito um círculo de beijos para depois lhe lançar um sopro de ar fresco
ao mamilo. Ela notou que este se enrugava
e se endurecia, erguendo-se, ao tempo que lhe esticava a zona sensível de entre suas coxas. arqueou-se um pouco, apertando-se contra o estômago plano dele, em busca
de alívio enquanto Robert a torturava
negando.
Passeou a língua pelo mamilo antes de rodear-lhe por completo com a boca, chupando-o, acariciando-o, voltando-o para chupar.
-Robert -o chamou com voz rouca.
-Mmm?
-Já desfrutaste bastante de seu presente. Vêem mim para que eu possa desfrutar de ti.
-Ainda não.
Viajou até o outro peito, deixando detrás de si um rastro de pele umedecida pelo beijo. Dedicou-lhe as mesmas cuidados que ao outro enquanto lhe percorria os flancos,
os quadris, as coxas, com as mãos.
Umas mãos maravilhosas, grandes.
Lhe devolveu o favor, lhe acariciando até onde chegava: os ombros, as costas, o peito, os flancos. adorava seu tato. Crescia a tensão, a urgência que percebia nele,
embora tentasse reprimi-la para ir devagar.
-Está-me voltando louca -murmurou ela.
-Lhe merece -respondeu isso ele, em voz baixa e rouca-. Você me produz o mesmo efeito a qualquer hora do dia. Quero-te tanto que me conformaria passando o resto
de minha vida aqui contigo, na cama.
deslizou-se um pouco mais e lhe beijou o abdômen. um pouco mais abaixo, passeou os lábios pela cara interna de suas coxas, lhe provocando deliciosos calafrios em
todo o corpo. Como era possível que o contato
em um ponto produzira sensações em outro? Entretanto, assim era. Constantemente.
Então Robert se tornou decididamente perverso e a olhou com olhos ardentes de desejo justo antes de posar os lábios em sua parte mais íntima. Passeou a língua por
ela, riscando círculos incessantes. Deslizou
as mãos por debaixo de seus quadris e a elevou um pouco com o fim de poder desencadear nela um prazer delicioso.
Toureie se agarrou com força aos lençóis, procurando algo ao que ancorar-se, embora ele a incitava a ascender por cima do mundano, a elevar o vôo. Apertou as coxas
contra os ombros dele, percorreu-lhe
as costas com os pés e notou que seus breves gemidos aumentavam, aceleravam-se...
Ato seguido o chamava por seu nome, rogava-lhe que parasse, suplicava-lhe que seguisse, seu corpo convulso com a força da liberação, enquanto a letargia se propagava
por todo seu ser como a lava fundida
pela ladeira. À medida que ia recuperando o fôlego, precaveu-se de que ele tinha apoiado a bochecha em seu abdômen, como se pensasse que precisava um instante para
recuperar do cataclismo que a tinha pilhado
por surpresa.
Ela afundou os dedos em seu cabelo.
-Vêem -lhe sussurrou, surpreendida ao descobrir que pareciam não ficar energias. Mas sua letargia era maravilhosa.
E quando ele subiu e se situou em cima, descobriu suas energias renovadas. Quando entrou nela com a segurança nascida do amor e da aceitação, pensou que nada no
mundo inteiro podia lhe proporcionar maior
satisfação.
Ele começou a mover-se como um homem obcecado, alguém com uma finalidade, pensando não só em si mesmo mas também também nela, balançando-se, acariciando, deixando
claro que não faria essa viagem sozinha.
Com um suave grunhido, beijou-a e ela percebeu como a tensão aumentava em seu interior, e também no dela.
Toureie não esperava uma segunda ascensão, supunha que o primeiro a tinha deixado esgotada, mas ali estava, apoderando-se dela. Cravou-lhe os dedos nos ombros, em
busca de algum cabo ante a tempestade
que estava a ponto de desatar-se nela, nos dois...
E quando por fim estalou, fez-os ascender, e descender, e voltar a ascender. Notou como ele bombeava o sêmen em seu interior, e como seu corpo se fundia com o seu.
Quando cessaram os espasmos, Toureie
pensou que jamais poderia voltar a mover-se. Ainda entre seus braços, Robert enterrou o rosto na curva do pescoço de sua esposa.
Ela notou os pequenos tremores que ainda o sacudiam.
-lhe relaxe -lhe disse, lhe esfregando as costas empapada em suor.
-Te vou esmagar.
-Não, não me esmaga.
-me dê só um instante.
-Dou-te toda uma vida.
A risada sufocada dele soou como se viesse do mais profundo de uma alma exausta enquanto ele se tombava a um lado e a atraía para si.
-Aceito encantado.
Epílogo
prometeu-se que jamais voltaria a sofrer, mas ouvia seus gritos de angústia, embora sabia que estava fazendo um esforço sobre-humano por que não a ouvisse. Não ia
terminar alguma vez sua agonia?
-Quer deixar de te passear? Está-me enjoando.
Robert lançou um olhar furioso ao Weddington, sentado em um banco do corredor, à porta do dormitório do duque. Todos os herdeiros do Killingsworth tinham nascido
naquela cama. Era quase meia-noite quando
Tourear tinha despertado ao Robert para lhe comunicar que necessitava que a transladassem. Ele tinha tomado por costume dormir na habitação dela. Preferia-a à sua.
depois de tudo, era onde sempre podia
encontrá-la, estreitá-la entre seus braços e escutar sua suave respiração durante a noite. Era onde faziam o amor, sussurravam-se secretos e compartilhavam sonhos,
onde se deixava vencer pelo sonho, querendo-a
cada dia mais.
-Leva mais de dezoito horas.
-Tranqüilo, não é tão mau como parece.
-Para ti é muito fácil dizê-lo. Eleanor só aconteceu por isso uma vez. Toureie já o tem feito hoje duas vezes, e isso não lhe está facilitando as coisas.
Robert lamentou suas palavras assim que pôde ver o rosto do Weddington.
-Sinto muito, Weddington.
-Parece que ides ter onde escolher, meu amigo, tudo servido no mesmo dia. Que o desfrutem. Eleanor está se desesperada por ter outro filho. Talvez poderiam nos dar
um dos seus.
-Não acredito, e perdoa o que te hei dito. É que...
Toureie emudeceu, mas se ouviram outros sons. Logo, abriu-se a porta e Eleanor apareceu.
-Já está.
Robert soltou um grande suspiro de alívio.
-Então, só foram dois?
-Não, foram três.
-Três?
Ela assentiu com a cabeça, esboçando um sorriso pícaro.
-Logo estarão preparados para conhecer seu pai.
-E Toureie? Quando posso vê-la?
-Em seguida. Também terá que prepará-la.
-Está bem?
-Está estupendamente, tendo em conta o que acaba de passar.
-O que acaba de passar?
Eleanor riu.
-Que pariu três bebês. Weddy, lhe diga que se tranqüilize e que não se preocupe.
-Tentei-o, princesa, mas não me faz conta.
Eleanor lhe fechou a porta nos narizes, e Robert se apoiou na parede; as pernas já não lhe agüentavam mais.
-Três -repetiu.
Passou uma eternidade até que saiu o médico e Eleanor fez um gesto ao Robert para que entrasse no dormitório. Toureie estava tombada na cama, com três pequenos vultos
junto a seu flanco que, de algum modo,
rodeava com seu braço. Robert se ajoelhou ao lado da cama.
-Ai, Robert, olhe o pequeñitas que são.
-São três -assinalou, impressionado por sua extraordinária beleza. Apesar de seus rostos enrugados e sua pele rosada, eram preciosas. Fazia tempo que tinha deixado
de contar as coisas que o engano de seu
irmão lhe tinha arrebatado, e, em troca, tinha começado a lhe agradecer tudo o que havia lhe trazido: a Toureie e agora a três filhas.
-Sim.
-Quão único posso dizer é que menos mal que são meninas. Nem um só herdeiro entre elas.
Não desejava absolutamente que seu primogênito tivesse um irmão gêmeo. Não queria que seu herdeiro tivesse que acontecer o que tinha passado ele. Não desejava um
segundo filho varão que perdesse o norte,
como seu irmão John. Robert continuava visitando-o uma vez por semana, mas sempre era difícil e decepcionante, porque John seguia convencido de que ele era o herdeiro
legítimo, e que Toureie lhe pertencia.
Robert não tinha nem idéia de como lhe fazer raciocinar, de como ajudá-lo.
Curiosamente, a irmã de Toureie tinha começado a visitar também ao John. "Fascina-me -havia dito Diana em uma ocasião-. Nunca é exatamente o mesmo homem."
Tinha com ele uma paciência infinita, e Robert não podia evitar perguntar-se se possivelmente seria ela a chave de sua salvação, porque seu maior desejo era recuperar
ao irmão ao que tinha conhecido de
menino.
-Solucionarei esse contratempo a próxima vez -lhe assegurou Toureie.
Ele se inclinou para beijá-la.
-Obrigado por ter meninas esta vez.
-Pensava que aos duques não gostava de ter filhas salvo se já tinham filhos.
-Eu sou feliz com o que você me dê.
-A próxima vez te darei um varão.
-Se não, seguiremos tentando-o até que o consigamos.
Ela riu.
-Embora o consigamos, mais te vale seguir tentando-o.
-Farei-o. Prometo-lhe isso.
E ela sabia que era uma promessa que podia cumprir.
Nos anos que seguiram...
diz-se do Robert Hawthorne, duque do Killingsworth, que nenhum outro homem lutou mais diligentemente nem com maior determinação que ele pelos direitos dos detentos
e a reforma das prisões.
Também se diz do duque que nenhum outro homem amou tanto a sua esposa e a seus filhos.
Lorraine Heath
O melhor da literatura para todos os gostos e idades