Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CANÇÃO DO AMOR / Barbara Cartland
CANÇÃO DO AMOR / Barbara Cartland

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

CANÇÃO DO AMOR

 

                   1889

Lady Sherington espiou através da janela os jardins dos fundos da casa do duque d’Aubergue, nos Champs Elysées.

 

Pensava, naquele momento, que Paris era muito mais excitante do que esperava.

 

Seus cabelos louros brilhavam à luz do sol e ela parecia muito jovem, na verdade ainda mais jovem do que realmente era, e muito bela.

 

Pensou que era uma sorte extraordinária a duquesa d’Aubergue ser sua amiga durante tantos anos.

 

Haviam se conhecido quando lord Sherington levou-a a uma recepção na Embaixada da França. Naquela ocasião, receou que seu vestido e suas jóias não pudessem competir com os das demais convidadas.

 

A duquesa, entretanto, a distinguira e acabaram ficando grandes amigas. Chegou o momento em que ela, mais do que nunca, desejou visitar Paris, e Lorraine d’Aubergue convidou-a para ficar em sua casa o tempo que ela quisesse.

 

Que sorte tenho disse lady Sherington para si mesma. Muita sorte mesmo!

 

A porta do salão abriu-se e ela voltou-se rapidamente, com uma expressão de expectativa no olhar, a fim de contemplar a mulher em quem estivera pensando.

 

Lorraine d’Aubergue estava extremamente chique, como só mesmo uma francesa seria capaz, e a elegância de seu traje fez com que lady Sherington constatasse mais uma vez que não podia competir com sua amiga.

 

Ah, você está aí, Susi! exclamou a duquesa, com levíssimo sotaque. Vim lhe dizer até logo. Não quer mudar de ideia e vir comigo ao almoço do príncipe? Parece que vai ser uma reunião muito interessante...

 

Sinto muito, Lorraine, mas você sabe que prometi...

 

Sei, sim, querida. Estava brincando, apesar de não poder dizer que aprovo o que você está fazendo.

 

Susi Sherington naquele momento pareceu preocupada.

 

Acha que estou agindo mal? perguntou, hesitante.

 

Mal propriamente, não. Digamos que está sendo um tanto indiscreta! Mas, chérie, por que você não deveria ser indiscreta em Paris, quando o sol está brilhando, você está livre e... apaixonada?

 

Lady Sherington lançou uma exclamação de protesto.

 

Lorraine!

 

Ao mesmo tempo ficou intensamente ruborizada.

 

Mas é claro que está insistiu a duquesa, e Jean de Girone também se sente muito apaixonado por você! Mas tome cuidado, Susi, para que ele não a magoe!

 

Por que você está me dizendo uma coisa destas?

 

Lady Sherington deu as costas e voltou a contemplar o jardim, desta vez sem conseguir ver o que estava à sua frente.

 

Minha querida, conheço Jean há muitos anos. É o homem mais atraente da França, mas também o mais imprevisível e aquele em quem menos se pode confiar.

 

A duquesa fez uma pausa e prosseguiu, em um tom diferente, que demonstrava preocupação:

 

Susi, sua paixão por ele não é coisa séria, não é mesmo?

 

Lady Sherington não respondeu e após um momento a duquesa continuou:

 

Sou merecedora de censura. Deveria ter deixado bem claro quando
ele lhe foi apresentado, de que se trata de alguém cuja especialidade é partir corações. Trata-se de um homem que se empenha em colher as mais belas flores e, quando elas murcham, simplesmente as joga fora. Lady Sherington não respondeu e a duquesa prosseguiu:

 

Não se trata apenas disto. Agora que Jean livrou-se daquela sua mulher tão cansativa, está à procura de dinheiro.

 

Mas ele se comporta como se fosse muito rico!

 

Foi rico, enquanto a condessa vivia. O pai dela, no entanto, tomou as devidas precauções, no sentido de que se o casal não tivesse filhos, o enorme dote de Marie-Thérèse deveria reverter para sua família, após a morte dela.

 

A duquesa esboçou um gesto expressivo, acrescentando:

 

Helas! Para Jean foi um golpe cruel do destino! Ter uma imensa fortuna nas mãos e perdê-la porque sua mulher amava a Deus e não a ele!

 

O que quer dizer com isto?

 

Talvez eu tenha feito muito mal em não lhe contar antes, mas queria que você se divertisse muito em Paris. Quando Jean dançou o tempo todo com você, naquela primeira noite em que se conheceram, eu sabia que você o acharia um homem muito divertido. É o melhor dançarino que conheci até hoje.

 

Continue solicitou lady Sherington, sentando-se ao lado de sua amiga.

 

Achei que Jean poderia lhe proporcionar a diversão de que você sentia falta há tanto tempo, poderia empolgá-la com as lisonjas de que é capaz, mais do que qualquer outro homem, e torná-la tão bela quanto você era, quando nos conhecemos. Pelo que vejo, foi muito bem-sucedido! Mas, minha querida Susi, nunca me perdoarei se, quando tudo acabar, ele a deixar infeliz e magoada, a exemplo do que fez com tantas outras mulheres!

 

Mas... eu não disse que estou amando o conde! declarou Susi em tom de desafio.

 

Você não precisa expressar através de palavras algo que é tão óbvio. Notei a expressão de seu olhar, quando entrei aqui no salão ainda há pouco. Você imaginava que Jean é que estava chegando...

 

Você está me deixando encabulada...

 

Apenas quero que você seja sensata. Flerte com Jean, faça-o sentir
que você é a única mulher do mundo! Lembre-se, porém, que para Jean o amor é como uma boa refeição: deliciosa, mas assim que acaba de comer, esquece-a facilmente!

 

Do jeito que você fala, a coisa se torna horrível!

 

Não foi minha intenção. Apenas quero que você se divirta com este namoro, mas lembre-se de que a coisa não deve passar disto. Saiba que os parentes de Jean, aliás gente muito distinta, já estão folheando os anuários da nobreza para encontrarem uma noiva rica e de boa família para ele. Deve ser alguém de grande fortuna e que possa manter o castelo de Girone, o mais imponente e histórico de toda a Provence. Jean nunca lhe falou a respeito?

 

Não disse muita coisa, não.

 

Ora essa! Isto quer dizer que Jean não está levando a coisa tão a sério quanto eu temia. Saiba que os grandes amores da vida de Jean são o castelo e a história dos Girone, que os tornaram uma das mais respeitáveis famílias da França.

 

Lembro-me de ter lido a respeito da Provence... Os trovadores, as batalhas, o cerco das cidades pelos exércitos invasores...

 

Tudo isto está no sangue de Jean e faz parte de sua mística, que atrai as mulheres como um imã.

 

Agora me dou conta de que fui muito tola em ouvi-lo declarou Susi, após um momento de hesitação.

 

Non, non! Você não deve sentir-se assim! Claro que deve ouvir Jean e claro que deve divertir-se em sua companhia! Não há ninguém em Paris capaz de exercer tamanho fascínio e que ao mesmo tempo seja tão alegre. Digo-lhe estas coisas, Susi, unicamente devido à posição em que você se encontra.

 

Compreendo. Obrigada por me avisar.

 

Detesto ser uma desmancha-prazeres! Quando você me falou das cláusulas do testamento de seu marido, certifiquei-me de que para você seria impossível desposar um francês. Não estou sugerindo sequer por um momento que as intenções de Jean fossem sérias, mesmo se você continuasse a ser tão rica quanto é. Quando ele voltar a se casar, terá de ser com alguém pertencente à antiga nobreza e que seja capaz de lhe dar filhos. Aliás, esses filhos já deveriam ter nascido há muito tempo, se sua mulher não fosse uma anormal, alguém que jamais deveria ter se casado, que deveria ter entrado para um convento.

 

Mas então por que ela o desposou?

 

Porque o pai de Jean queria ter uma nora suficientemente rica para manter o castelo, e a família de Marie-Thérèse desejava gozar o prestígio de vê-la tornar-se a condessa de Girone.

 

Sim... tinha me esquecido. Os franceses sempre gostam de arranjar casamentos.

 

Claro! É uma atitude muito sensata e na maioria das vezes dá muito certo. Acontece, porém, que o pobre Jean não teve muita sorte. Quem sabe alguma fada má, quando ele nasceu, determinou que sua vida não seria um leito de rosas...

 

Até parece que ela o amaldiçoou!

 

Foi isso mesmo o que aconteceu! Jean tem boa aparência, charme, inteligência, uma tradição de família que remonta aos príncipes da Provence e uma esposa que o odiou a partir do momento em que saiu da igreja a seu lado!

 

É verdade? Sinto tanto por ele!

 

E eu também. Mas lembre-se, querida Susi, de que ele voltará a se casar dentro em breve, com uma mulher rica e jovem, que o adorará. E, pelo fato de ela ser a condessa de Girone, fechará os olhos para muitas outras mulheres.

 

O relógio sobre a lareira bateu as horas e a duquesa soltou uma exclamação de horror.

 

Vou me atrasar e o duque vai ficar furioso! Prometi apanhá-lo. Levantou-se, passou os braços em torno de Susi e beijou-a.

 

Desculpe-me, querida, se lhe causei algum pesar, mas tenho de cuidar de você. Mesmo sendo mais moça, sinto-me muitíssimo mais velha e muitíssimo mais sensata. Não vá julgar que estou sendo presunçosa.

 

Sei que você tem as melhores intenções e sinto-me muito grata por seu afeto.

 

A duquesa tornou a beijá-la e saiu às pressas do salão, lançando antes um olhar preocupado para o relógio.

 

Assim que a porta se fechou, Susi Sherington levantou-se, aproximando-se mais uma vez da janela, a fim de contemplar o jardim.

 

A duquesa tinha razão, ao dizer que causara pesar. Naquele momento sentia falta de algo que deixara de existir.

 

Lorraine está certa. Devo agir com sensatez.

 

Sabia ao mesmo tempo que nunca, em toda sua vida, tinha-se sentido assim, como a partir do momento em que conheceu o conde de Girone. Logo que foi apresentada a ele, notou a expressão de seus olhos negros, e algo estranho lhe aconteceu.

 

Era um sentimento que se intensificou durante a noite, quando, após a dança, sentaram-se a conversar, o que aliás lhes pareceu desnecessário, pois sentiam que podiam entender-se sem precisar recorrer às palavras.

 

Sou tão simples, tão pouco sofisticada, que não somente acreditei em tudo o que ele me dizia, mas senti que era diferente, muito diferente do que qualquer outro homem, pensou.

 

Como se o próprio ato de pensar no conde o tivesse atraído, a porta do salão abriu-se e um criado anunciou:

 

O senhor conde de Girone, madame!

 

À despeito de sua resolução de mostrar-se sensata, à despeito de tudo o que ouviu a duquesa dizer, Susi Sherington sentiu seu coração disparar e uma excitação incontrolável apoderou-se de todo o seu corpo, enquanto ela se voltava e encarava o visitante.

 

O conde quedou-se por um momento a contemplá-la. Assim que o criado fechou a porta, aproximou-se dela, visivelmente interessado.

 

Era o homem mais belo e atraente que Susi até então conhecera. A expressão de seu olhar a prendia de uma tal maneira que ela se sentia como que hipnotizada.

 

Estendeu-lhe a mão, em um gesto automático, e no momento em que ele a tomou sentiu a maciez de seus lábios sobre sua pele. Um ligeiro arrepio percorreu todo seu corpo.

 

Mas como é possível que você esteja ainda mais bela do que da última vez em que nos vimos? perguntou o conde, com sua bela voz de barítono. Você é tão linda que não posso acreditar que seja real e que não faça parte do sonho que tive durante toda a noite.

 

Susi procurou dominar-se e retirou a mão.

 

É muita gentileza de sua parte convidar-me para almoçar declarou, um tanto tensa, mas talvez eu devesse recusar o convite.

 

O conde não tirava os olhos dela.

 

Mas o que foi que aconteceu?. Nada... estive pensando...

 

Alguém deve ter dito coisas a meu respeito. Quando a deixei ontem à noite a perspectiva de nosso almoço parecia tê-la deixado tão animada quanto a mim.

 

Susi não respondeu. Desviou o olhar e o conde pôs-se a contemplar seu pequeno nariz tão bem feito e a curva de seus lábios, antes de prosseguir:

 

Mudou de ideia? Ou está apenas tentando ser sensata, apesar de tarde demais para isso?

 

Eram exatamente as palavras que Lorraine empregara e Susi estremeceu, enquanto o conde sorria.

 

É exatamente o que eu suspeitava. Lorraine andou lhe fazendo sermões e disse que você não deve se envolver muito comigo.

 

Lorraine gosta muito de mim atalhou Susi, sentindo que devia defender a duquesa.

 

Eu também.

 

Susi prendeu a respiração. Era impossível ignorar que quando ele se exprimia daquela forma, algo muito estranho percorria-lhe todo o corpo, fazendo seus nervos vibrarem diante do fascínio que se desprendia do conde.

 

Sim, eu a amo! Ambos tínhamos consciência do que sentíamos, ontem à noite. Disse para mim mesmo que era cedo demais para colocar estas coisas em palavras. Além do mais, minha querida, você é muito inocente e eu não devo apressá-la.

 

Os lábios de Susi moveram-se, mas nenhuma palavra saiu. O conde continuou:

 

Por que perdermos tempo fingindo e tentando esconder a verdade? Amei-a a partir do momento em que a vi, e acho que não estou equivocado ao pensar que você também me ama.

 

A ternura com que ele se exprimia dificultava qualquer resposta, mas mesmo assim Susi conseguiu exclamar:

 

Não devemos prosseguir... você sabe que não devemos!

 

Por quê?

 

Porque...

 

Foi-lhe impossível terminar a frase.

 

Como era possível falar-lhe de casamento, quando ele mesmo não tinha abordado o assunto?

 

Porque pertencemos a mundos muito diferentes. Lorraine é de opinião que devemos ter apenas um flerte divertido e superficial.

 

E você acha que é disso que se trata?

 

Nunca... nunca tive muitos flertes, mas acho que não devemos falar a respeito disto como se se tratasse de algo... muito sério.

 

O conde sorriu e ao perceber a surpresa de Susi explicou-se:

 

Estou rindo, minha querida, porque você é ridícula, absurda! Ao notar a expressão de seu olhar, Susi desviou o rosto.

 

Você acha mesmo que se trata apenas de um flerte entre duas pessoas que se conheceram em uma festa e querem se divertir durante algumas horas, alguns dias, algumas semanas?

 

É assim que tem de ser.

 

Só porque esta é a opinião de Lorraine? Minha querida, você se sente capaz de controlar as batidas de seu coração, o tremor de sua voz, a expressão de seus olhos?

 

Ela não respondeu e ele prosseguiu:

 

Conversamos a noite passada. O que dissemos não importava realmente, pois o meu coração falava com o seu e exprimia amor, amor de verdade, Susi! Ambos sabíamos que se tratava de algo muito diferente do que havíamos sentido até então.

 

Era diferente para mim... não para você.

 

Não existe mais ninguém que possa saber disto, a não ser eu mesmo, não acha?

 

Ela continuou sem responder e após um momento ele disse:

 

Olhe para mim, Susi. Quero que você olhe para mim. Lentamente, como se tivesse receio de obedecê-lo e ainda assim se

 

sentisse obrigada a fazê-lo, voltou-se para ele. O conde notou que seus olhos eram muito azuis e exprimiam medo e preocupação.

 

Permaneceram durante alguns momentos no mais absoluto silêncio.. De repente, ele a tomou nos braços e colou seus lábios aos dela.

 

De início os lábios de Jean exprimiam ternura, sentindo a maciez dos dela, mas aos poucos foram se tornando possessivos, exigentes. Seus corpos aproximaram-se cada vez mais e seus beijos foram ficando mais carregados de paixão.

 

Chegou um momento em que o mundo parecia não respirar mais e que em todo o universo não existia nada além da força daqueles braços. Susi afastou-se e escondeu o rosto no pescoço de Jean.

 

Je t’adore, ma chérie, eu a amo! Juro que nunca um beijo foi para mim tão perfeito, tão maravilhoso!

 

A voz com que ele se exprimia era rouca e insegura.

 

Por favor... por favor... murmurou Susi. Não me faça sentir assim.

 

Assim como, meu amor? Você não precisa responder, pois eu me sinto da mesma maneira.

 

Não é... possível! Susi tentou dizer.

 

Enquanto ela falava o conde segurou-lhe o queixo e fez com que ela o encarasse.

 

Você é tão linda, tão incrivelmente linda! Trata-se porém de algo que vai além disso. É algo que desejei durante muito tempo. Começava a não acreditar que esse sentimento existisse até o momento em que a vi.

 

Voltou a beijá-la com paixão e avidez, até que ela sentiu o fogo daqueles lábios despertar uma chama dentro dela.

 

Parecia que todo o seu corpo estava inflamado por um ardor que se comunicava a ambos e que parecia jorrar do coração do próprio sol...

 

Uma hora mais tarde, quando estavam sentados sob as árvores em um restaurante no bosque de Boulogne, ele disse:

 

Agora podemos conversar.

 

Tinham ido até lá na caleça do conde sem trocar uma palavra sequer, mas Susi sabia que seu corpo tinha profunda consciência da proximidade do dele.

 

Sentada a seu lado na mesa do restaurante, percebeu que a personalidade daquele homem era tão marcante que dificilmente escaparia de seu magnetismo.

 

Ele é tão belo, tão irresistivelmente másculo..., pensou, enrubescendo.

 

Seu olhar não se desviava do dela. Intimidada, ocupou-se em tirar suas longas luvas brancas. Ao fazê-lo, notou que o sol incidia sobre seu anel de casamento e sentiu que seu brilho era na verdade uma censura.

 

Após um ano de luto, pela morte do marido, Susi tinha deixado de lado os vestidos negros, mas havia algo em sua natureza tão sensível que a fazia hesitar em voltar a usar cores vibrantes.

 

Naquele dia, estava toda vestida de branco. Brancos eram o chapéu que lhe cobria a cabeça e a pequena sombrinha orlada de rendas.

 

Seu cabelo, muito louro, os olhos azuis e a pele rosada tornavam-na ainda mais jovem e conferiam-lhe uma aparência virginal, pensou o conde.

 

Pensando melhor, preferiu adotar o termo ”adormecida” Sabia que a coisa mais excitante que poderia fazer na vida seria despertar aquela criatura encantadora para a percepção do amor, pois ela havia feito algo muito estranho ao seu coração, a partir do momento em que se conheceram.

 

Agora pode me contar todas as coisas mentirosas e pouco amáveis que Lorraine disse a meu respeito.

 

Não é nada disto! Apenas estava preocupada comigo, pois, como você já sabe, eu me acho muito... deslocada em Paris.

 

O conde sorriu.

 

Se você acredita nisto é porque jamais se contemplou em um espelho!

 

Antes que Susi pudesse dizer qualquer coisa ele acrescentou:

 

De certa maneira, concordo que você se sinta deslocada, não devido ao fato de ser pouco sofisticada, como estava pensando, mas por ser muito diferente das mulheres que estavam presentes no jantar de ontem à noite, e das amigas com as quais Lorraine preenche suas horas de tédio.

 

Mas por que seria eu... diferente?

 

Porque, minha querida, você é alguém saída de um conto de fadas, uma Bela Adormecida à espera do beijo que a trará de volta à vida.

 

Notou que o rubor invadia o rosto de Susi, enquanto falava de um beijo, e achou que era a coisa mais bela que tinha visto até então.

 

Se você continuar a ruborizar-se deste jeito, eu a levo neste momento para o meio do arvoredo e a beijo, até que nenhum de nós possa respirar ou pensar em algo que não diga respeito a nós mesmos!

 

Durante alguns instantes, Susi não conseguiu despregar os olhos dele. Olhou então à sua volta e declarou em voz baixa e assustada:

 

Por favor... você não deve falar assim... pois há pessoas que nos ouvem... e nos olham!

 

Todo mundo está muito preocupado consigo mesmo e precisamos conversar a respeito de nós, Susi, como você, aliás, bem sabe.

 

Pois então precisamos usar de sensatez! Acho que Lorraine ficaria muito chocada pelo fato de você me tratar pelo meu primeiro nome, levando em conta o fato de que nos conhecemos há muito pouco tempo.

 

O conde riu.

 

É impossível explicar para Lorraine ou para quem quer que seja que nos conhecemos desde o início dos tempos e que através dos anos estivemos à procura um do outro, até que finalmente o destino permitiu nosso encontro.

 

Você acredita nisso de fato?

 

Seus olhos assemelhavam-se aos de uma criança que ouve um conto de fadas e o conde disse:

 

Juro-lhe que acredito no que acabo de dizer, pois é verdade. Estive à sua procura durante toda a minha vida, e se imagina que vou deixá-la escapar, agora que a encontrei, então está muito enganada!

 

Mas... eu tenho que... Quer dizer, eu...

 

Mais uma vez sentia dificuldades de transformar em palavras aquilo que estava pensando. O conde segurou suas mãos, pousadas sobre a mesa.

 

Ao senti-la estremecer ao seu toque, disse:

 

Você precisa ficar sabendo que nos casaremos o mais cedo possível! Susi arregalou os olhos.

 

Casar?

 

Retirou as mãos e declarou em um tom de voz sensivelmente diferente:

 

Você deve esquecer que disse uma coisa destas.

 

Por quê?

 

Preciso lhe contar algo.

 

Sou todo ouvidos.

 

Durante um momento parecia que as palavras não sairiam. Finalmente, sem encará-lo, Susi disse:

 

Meu marido era um homem muito rico. Lorraine, sem dúvida, deve ter lhe falado a esse respeito. Casei-me muito jovem e ele era bem mais velho do que eu.

 

Havia algo em sua voz que denotava o que aquela diferença havia significado para ela, porém o conde não a interrompeu e Susi prosseguiu:

 

Minha família, que não possuía fortuna, ficou muito contente que alguém tão importante e rico quanto lord Sherington quisesse me desposar. Foi muito bom e generoso para com eles, como o foi para comigo, mas ao morrer, o ano passado, verificamos que seu testamento era um tanto diferente do que todos esperavam.

 

Susi, tensa, apertou as mãos pousadas sobre o colo e durante um momento parecia-lhe impossível seguir adiante. Fez o possível para se controlar e disse:

 

Meu marido deixou-me uma grande renda, mas se eu voltar a casar receberei apenas uma pensão de duzentas libras por ano!

 

Não conseguiu mais falar e desejou levantar-se e partir, antes que o conde pudesse dizer qualquer coisa.

 

Não ousava encará-lo.

 

Não conseguia suportar o fato de que a expressão de seu rosto talvez tivesse se alterado, de que o amor, que ele havia declarado ser tão real, tivesse desaparecido, dando lugar a outra reação, que ela temia profundamente.

 

Devido ao fato de ele ser tão compreensivo e afável, no que dizia respeito às mulheres, sentia que continuaria a dirigir-lhe galanteios, a flertar com ela e que não tentaria deixá-la em uma situação embaraçosa, devido ao que ela acabava de revelar. Ao mesmo tempo o êxtase e a exaltação que iam muito além do que ela jamais havia sentido se dissipariam.

 

Fez-se uma ligeira pausa, antes que Susi dissesse:

 

Você precisa ter filhos. Não conseguiu tê-los com sua primeira mulher.

 

O conde sorriu.

 

Também pensei nisto. Lorraine me contou que você se casou aos dezessete anos e que quando sua filha nasceu você tinha dezoito. Como hoje ela tem dezoito anos, isto quer dizer que você tem trinta e seis. Temos a mesma idade, minha querida.

 

Susi olhou para ele, surpresa, e o conde prosseguiu:

 

Calculei que poderemos ter dois filhos, antes que eu não permita que você tenha mais filhos.

 

Dois filhos?

 

Foi com a maior dificuldade que conseguiu formular tal pergunta.

 

É uma tradição da família Girone gerar somente homens, mas se tivermos uma filha e ela se parecer com você, eu a amarei acima de tudo.

 

Susi deu uma risada nervosa que era quase um soluço.

 

Mas como é que você pode me falar desse jeito? Como é possível você ter planejado tudo?

 

Minha querida, já lhe disse que a amo.

 

Mas os franceses não se casam assim... Lorraine disse que...

 

Esqueça-se de Lorraine e ouça-me. Você me pertence. Ninguém e nada vai nos impedir de nos casarmos. Levamos tantos anos para nos encontrarmos e por isso quero que a coisa seja para logo. Já escrevi para casa, prevenindo minha avó de que chegaremos dois ou três dias antes da cerimónia.

 

Mas como é possível... Quero dizer... Mergulhada na mais total confusão, Susi exclamou:

 

Trina! Você se esqueceu de Trina!

 

Não me esqueci, não, e é claro que ela pode vir conosco. Pelo que sei, você veio a Paris para retirá-la da escola, não é?

 

Mas o que será que Trina vai pensar de você e de mim?

 

Se ela for tão meiga e adorável quanto você, haverá de desejar apenas sua felicidade. Ambos sabemos, meu amor, que posso lhe proporcionar uma felicidade como você jamais sentiu até hoje.

 

Era verdade, pensou Susi. Ao mesmo tempo, sentia como se tudo rodopiasse à sua volta e era difícil pensar com clareza.

 

Devido ao fato de o conde já ter tudo planejado e porque ela, pelo visto, não tinha voz ativa em relação ao que devia fazer ou deixar de fazer, as coisas pareciam inevitáveis e ao mesmo tempo assustadoras.

 

Quando veio a Paris, a fim de hospedar-se com Lorraine, apresentou a desculpa de que precisava retirar Trina do convento.

 

Ao mesmo tempo sentia que queria viver uma vida muito diferente da que havia levado até então, mas sequer por um momento encarou a possibilidade de encontrar outro marido.

 

Habituou-se a se ver vivendo na mansão dos Sherington, no condado de Hampshire, com os retratos dos ancestrais da família do marido, de cenho franzido para ela, dependurados em todas as paredes, esperando o dia em que Trina se casasse e ela pudesse se mudar para um lugar mais ameno.

 

Devido ao fato de lorde Sherington não ter tido um varão, e como não havia um herdeiro para o título, o castelo e a propriedade em torno ti nham sido deixados para sua família, com a seguinte cláusula testamentária: a menos que o marido de Trina levasse um nome mais importante que o de Sherington, seria obrigado a colocar o nome de sua mulher ao lado do dele.

 

Era uma ideia complexa e um tanto pomposa, como só mesmo seu marido seria capaz de conceber, pensou Susi, sentindo-se no entanto envergonhada por estar sendo desleal.

 

O testamento estava recheado de instruções relativas ao que as pessoas deviam ou não deviam fazer. Havia legados para parentes e criados aposentados, dádivas a velhos amigos e generosas contribuições para obras de caridade e organizações das quais lorde Sherington participara. A única pessoa tratada com severidade foi a própria Susi. Parecia inconcebível, quando o testamento foi lido pelo tabelião, que lorde Sherington pudesse ter estabelecido aquela condição relativa a um novo casamento, deixando-a ir ao encontro de um novo marido quase sem um tostão, exatamente como ela se encontrava quando o conheceu,

 

Susi sabia que aquela cláusula fora incluída, não porque ele sentisse ciúmes de seu comportamento com outros homens, mas devido à sua juventude.

 

Durante os dez últimos anos de seu casamento, lorde Sherington, aos poucos, foi ficando deformado pela artrite, incapaz de se mover a não ser em uma cadeira de rodas, chegando quase a odiar Susi, pois ela era capaz de andar, montar e, desde que a ocasião se apresentasse, dançar. O governador-geral do condado deu um baile para toda a sociedade da região e eles não puderam furtar-se ao convite. Por uma questão de polidez, Susi não recusou os convites para dançar e durante o tempo todo sabia que seu marido a olhava ressentido e zangado, ao contrário dos homens presentes, que a admiravam.

 

Ele mostrou-se particularmente desagradável quando voltavam para casa, mantendo o mesmo comportamento durante alguns dias, até conseguir esquecer o fato.

 

Foram seu ressentimento e sua inveja que o levaram a estabelecer que ela, se possível, deveria permanecer sem se casar, até que fosse velha demais para querer um outro homem em sua vida.

 

À medida em que ouvia a leitura do testamento, Susi quase conseguia vê-lo apontando-lhe as vantagens de permanecer como lady Sherington: o luxo e o conforto da enorme casa, as comodidades de que gozaria enquanto morasse lá, os cavalos à sua disposição na cocheira, famosos por sua beleza, em toda a região...

 

Haveria também carruagens à sua disposição, um exército de criados, além de uma grande renda que ela poderia gastar conforme desejasse, dando recepções em Londres, viajando, tendo tudo aquilo que quisesse, contanto que não compartilhasse com outro homem.

 

Ainda sou jovem disse Susi para si mesma na noite que se seguiu ao enterro.

 

Ao deitar-se no leito imenso e confortável, no qual havia dormido durante tantos anos, pôs-se a chorar, desolada.

 

Entregue às recordações, esqueceu-se, por um momento, que o conde estava a seu lado e não tirava os olhos dela.

 

Finalmente, quando percebeu que o silêncio entre eles estava carregado de coisas que precisavam ser ditas, conseguiu murmurar:

 

Você sabe que é... impossível... do seu ponto de vista.

 

Cabe a mim decidir.

 

Não. A decisão deve ser minha.

 

Por que sua?

 

Porque preciso pensar em você.

 

Se você está preocupada comigo, então há de querer minha felicidade.

 

É isso mesmo que eu quero que aconteça. Isto quer dizer que seu castelo o qual, segundo Lorraine, lhe importa mais do que qualquer outra coisa no mundo, deve ser mantido de modo apropriado. Você, portanto, precisa de dinheiro.

 

Você acha que isto é mais importante do que o amor?

 

Você já amou muitas vezes.

 

Não nego que houve muitas mulheres em minha vida, mas você Pensa que o que senti por elas pode se comparar com o amor que sinto Por você?

 

Ela não respondeu, mas encarou-o por um momento e ele notou a surpresa estampada em seu olhar.

 

Oh, minha querida, você é tão ingénua, tão inocente em relação a tanta coisa... Como posso fazê-la compreender que o que sinto por você é completamente diferente de tudo aquilo que conheci no passado! Não há palavras que possam exprimi-lo. Só me resta demonstrá-lo e por isso que precisamos nos casar rapidamente.

 

Supondo que nos casemos; isto não quer dizer que eu esteja concordando, veja bem... E se você ficar desapontado comigo? Para você, será uma perda total.

 

O conde sorriu.

 

Eu não me desapontarei.

 

Mas, como pode ter tanta certeza assim?

 

É a mesma certeza que tive quando a vi e percebi que você é a mulher a quem tenho procurado durante todos esses anos.

 

Havia algo em sua voz que fazia com que o coração de Susi batesse com tanta força, que ela mal podia responder.

 

Nesse momento, o almoço foi servido e eles tentaram comer o que o conde pedira.

 

Quando terminaram, não se dirigiram imediatamente para a caleça do conde, mas deram um passeio por entre as árvores do bosque, até que descobriram um lugar retirado, ao lado de um riacho e sentaram-se em um banco.

 

O conde estendeu a mão e após alguns segundos de hesitação Susi esboçou um gesto. Com muita delicadeza Jean desabotoou-lhe a luva, retirando-a.

 

Beijou seus dedos um por um, e em seguida a palma da mão, provocando arrepios em seu corpo, acelerando sua respiração, e ela sentiu que seu coração quase lhe saltava do peito.

 

Eu a amo! ele declarou, muito terno. Voltou a beijá-la e indagou:

 

Você virá comigo para a Provence, depois de amanhã?

 

Tem certeza... de que devo? À

 

Quero que você conheça seu futuro lar.

 

Ainda não concordei que será... Como é que poderemos sustentá-lo?

 

Como já lhe disse, daremos um jeito. Aliás, já tenho uma ideia

 

Uma ideia?

 

Quando me certifiquei de que queria desposá-la, comecei a pensar no que poderíamos fazer em relação ao castelo, que é grande demais e exige muito dinheiro em sua conservação. É porém tão belo que eu quero que ele se mantenha da melhor forma possível, sobretudo a partir do momento que passar a pertencer também a você.

 

Lorraine tinha razão, ao declarar que o castelo era o grande amor de sua vida.

 

Susi indagou-se como poderia destroná-lo, junto ao coração de Jean...

 

Se isto acontecer, ele me odiará e acabará me censurando! disse a si mesma.

 

Em sua imaginação, via o teto desabando, os tapetes se esgarçando, as cortinas rasgadas e desbotadas...

 

Poderia seu amor, por mais maravilhoso que parecesse naquele momento, sobreviver ao desgaste dos anos, quando ele a reprovaria por tê-lo levado a cometer uma infidelidade em relação a algo que era parte dele mesmo?

 

Não posso fazer uma coisa destas, pensou Susi.

 

Retirou a mão, pois era difícil pensar no que quer que fosse quando ele a tocava e anunciou, empregando pela primeira vez o seu nome:

 

Jean, devo lhe dizer algo.

 

De que se trata?

 

Ao notar a tensão presente em seu corpo, sabia que Susi estava a ponto de dizer algo extremamente importante, pelo menos para ela.

 

Fez-se uma longa pausa, antes que Susi declarasse com voz quase inaudível:

 

Eu o amo... e é porque o amo que sei que... não posso magoálo... Assim sendo... tenho uma sugestão a fazer.

 

Ao sentir o tremor de sua voz, o conde se convenceu de que ela sentia dificuldades em se exprimir.

 

Esperou durante alguns momentos e ela prosseguiu:

 

Talvez seja um erro de minha parte... mas você não deve estragar seu futuro... nem perder sua casa...” Quem sabe... poderemos ficar juntos... sem nos casarmos?

 

As últimas palavras foram ditas com muita pressa e naquele momento o rosto de Susi, até então muito pálido, cobriu-se de intenso rubor.

 

Durante alguns instantes, apenas o silêncio pairou entre os dois. Em seguida o conde disse, em um tom de voz que ela jamais tinha ouvido:

 

Oh, minha querida, meu grande amor, agora sei o que você sente por mim!

 

Ao ouvi-la falar, sabia que sua sugestão era algo que seus elegantes amigos parisienses esperavam que ele mesmo fizesse. O fato, porém, de ela ter partido de Susi, que tinha uma formação tão convehcional e uma pureza imaculada, deu-lhe a perspectiva exata do que aquilo significava para ela.

 

Tomou suas mãos, e ao senti-la tremer, disse, com muita ternura:

 

Olhe para mim, Susi!

 

Ela o obedeceu e ele percebeu o quanto ela se encontrava envergonhada e intimidada naquele momento.

 

Eu a adoro! Quero ajoelhar-me a seus pés e beijar o chão em que você pisa. Agora sei, meu amor, que o seu amor iguala-se ao meu e que seria impossível para nós separarmo-nos um do outro!

 

Curvou-se, beijou-lhe as mãos e prosseguiu:

 

Sempre me lembrarei daquilo que você acaba de me oferecer. Devo, no entanto, recusar, pois ao mesmo tempo em que a quero e preciso de você, minha alma me diz que o que sentimos vem de Deus e sem a sua bênção ambos nos sentiríamos incompletos.

 

Oh, Jean...!

 

Havia lágrimas no rosto de Susi, que não se preocupou em disfarçá-las.

 

Então, sem se importar com o fato de que alguém pudesse vê-los, o conde passou os braços em torno de Susi, limpou-lhe as lágrimas e colou seus lábios nos dela.

 

Estou muito animada, irmã Antoinette! declarou Trina, enquanto se afastavam da estação, na magnífica carruagem do duque, à qual estavam atrelados dois cavalos.

 

Imagino que sim, Trina, mas como diz sempre a madre superiora, precisamos aprender a controlar nossas emoções.

 

Trina sorriu e replicou:

 

É algo difícil de se fazer, sobretudo ao levar em conta o fato de que não vejo mamãe há mais de um ano. Tenho certeza que ela vai notar o quanto mudei.

 

Espero que sim! Para início de conversa, você cresceu e já não está mais tão magra como era, quando veio para o convento.

 

Trina riu.

 

- Eu era só carne e osso, segundo dizia minha governanta, sobretudo quando deixei a Inglaterra, pois tinha tido coqueluche naquele mverno. Precisava mesmo era de sol e foi o que encontrei na França.

 

Exprimia-se com grande afeto e inclinou-se para contemplar as imPonentes residências, diante das quais passavam naquele momento. Suas janelas de cor cinza conferiam-lhe um ar tão caracteristicamente francês que ela as teria reconhecido em qualquer outra parte do mundo.

 

Já faz um ano que você viu lady Sherington pela última vez? perguntou a irmã Antoinette.

 

Sim, um ano e dois meses. Como a senhora sabe, durante as férias de Natal, após a morte de papai, mamãe deixou-me ir passar uns dias com Perdita na Espanha e nos feriados da páscoa fui a Roma encontrar minha amiga Verónica Borghese.

 

Claro, agora me lembro! Você já viajou um bocado, não é mesmo, Trina?

 

Será que isto me tornou mais sensata, conforme a madre superiora esperava? Não há dúvida, porém, que isto me levou a apreciar muito mais o mundo. No entanto, ainda acho que prefiro a Inglaterra a tudo o mais.

 

É assim mesmo que deve ser. Afinal de contas, a Inglaterra é o seu lar.

 

Trina sorriu e pôs-se a pensar no imponente castelo situado em Hampshire e onde ela tinha sido criada.

 

Algumas vezes pensava que seu lar era um tanto tristonho e podia entender muito bem porque sua mãe tinha feito pressão para que ela fosse ficar com suas amigas, logo após a morte de seu pai.

 

Só que no castelo havia cavalos para ela montar quando quisesse, seus cães a seguiam onde quer que ela fosse, além do que apresentavam-se dezenas de outras coisas para ela fazer e isto não existia em nenhum outro lugar.

 

Agora mamãe e eu estaremos juntas disse Trina para si mesma e vai ser incrível!

 

Sentiu-se imensamente feliz ao pensar que, daquele momento em diante sua mãe estaria muito mais tempo com ela, ao contrário do que havia acontecido no passado.

 

Seu pai havia sempre querido que sua mãe ficasse a seu lado e Trina sabia, mesmo que ele não dissesse, que lorde Sherington desaprovava o fato de ela e Susi cavalgarem sem a companhia de um criado, andarem de barco no lago ou patinarem no gelo.

 

Sua mãe era uma pessoa tão divertida! Muito mais divertida do que as meninas do convento, apesar de ter muitas amigas entre elas.

 

Ao se aproximarem dos Champs Élysées, onde se situava a residência do duque, pôs-se a rezar para que sua mãe ficasse contente com ela.

 

Quero que ela me ame, quero ser igualzinha a ela, pensou Trina. A carruagem parou bem diante da porta de entrada, e no momento em que Trina entrou no hall, sua mãe surgiu, vinda de um aposento ao lado.

 

Trina!

 

Mamãe

 

Ambas falaram ao mesmo tempo e Trina correu em direção à sua mãe, atirando-se em seus braços.

 

Querida mamãe! Eu já não aguentava mais de vontade de vê-la!

 

E eu contava as horas!

 

Susi levou a filha para o salão e ao contemplá-la melhor soltou uma exclamação.

 

Trina mostrou-se apreensiva, porém lady Sherington comentou:

 

Mas como você mudou! Está tão diferente! Trina, você até parece minha irmã gémea!

 

Era verdade. Trina havia crescido e estava da mesma altura de sua mãe. Seu corpo magro e anguloso de adolescente havia se desenvolvido a tal ponto que ambas estavam quase idênticas.

 

Tinham o mesmo cabelo louro, e os mesmos olhos azuis.

 

Ao contemplar a filha, Susi começou a rir.

 

Mas é absurdo! Ridículo! Podemos passar por gémeas!

 

Não gostaria de ter outra gémea no mundo que não você, mamãe. Susi sentou-se em uma cadeira.

 

Sinto-me um pouco atrapalhada. Esperava uma criança e em lugar disto vejo que você cresceu, é uma jovem mulher e, além disto, linda!

 

Você agora está se elogiando, mamãe! disse Trina, em tom de brincadeira.

 

Susi pareceu ter ficado surpreendida por um momento e então riu.

 

Oh, Trina, senti tanta falta de você. A casa ficou um tanto triste e lúgubre, após a morte de seu pai.

 

Eu sei e é por isso que você me pediu para ficar com minhas amigas durante as férias. Esta falta de egoísmo é bem própria de você, mamãe. Mas eu teria gostado tanto de estar com você!

 

Tia Dorothy e tia Agnes me fizeram companhia.

 

Pobre mamãe! replicou Trina, fazendo uma careta maliciosa, e ambas riram.

 

Elas encararam com ar de reprovação tudo aquilo que eu fazia e foi por isso que vim até a França para vê-la! É claro que até isso elas reprovaram!

 

Tenho certeza de que elas não aceitariam a duquesa. A sobrinha dela, que estuda na escola comigo, contou-me o quanto é elegante e espirituosa e como Paris inteira disputa os convites para as recepções que ela dá.

 

É verdade, e hoje à noite ela oferece uma recepção em sua homenagem. Convidou dezenas de rapazes simpáticos para conhecê-la e espero que você tenha um vestido apropriado para a ocasião.

 

Não se preocupe, mamãe. Gastei uma fortuna, quando você me disse para comprar roupas em Roma, durante a Páscoa!

 

Que bom! Gosto do vestido que você está usando. Fica-lhe muito bem. Você sempre teve muito bom gosto, Trina.

 

Pois tenho um guarda-roupa que a deixará deslumbrada, mamãe, mas precisamos fazer compras juntas.

 

Susi hesitou e declarou em seguida:

 

Não teremos muito tempo para compras.

 

Por que não?

 

Porque partiremos depois de amanhã.

 

Para onde vamos?

 

Susi tornou a hesitar e disse:

 

Prometi ir até a Provence visitar a condessa Astridde Gírone.

 

Quem é? Acho que já ouvi este nome.

 

Você já deve ter ouvido alguma menção aos condes de Girone, em seus livros de história.

 

Fale-me do atual conde. É seu amigo, mamãe?

 

Ao ouvir falar do conde Susi ficou toda vermelha e Trina teve uma reação de entusiasmo. Oh, mamãe, ele é seu namorado? Que ótimo!,

 

Você não deve dizer uma coisa destas. É um assunto que não posso discutir com você, Trina.

 

Enquanto falava, levantou-se e caminhou até a janela, como se quisesse evitar que Trina visse seu rosto.

 

Não adianta, mamãe disse Trina, rindo. Você não consegue esconder nada de mim. Fale-me a respeito do conde. Ele é um homem fascinante e está perdidamente apaixonado por você?

 

Trina!

 

Susi parecia chocada e ao mesmo tempo constrangida. Trina foi até onde ela estava e tomou-a pelo braço.

 

Querida mãe, não sou mais uma criança e apesar de você ter me enviado para um convento passei temporadas em Madri e Roma. Nestes lugares não se fala de outra coisa que não seja o amor...

 

Mas você é jovem demais...

 

Que bobagem! Você se casou quando tinha minha idade e se quer saber a verdade, já recebi uma proposta de casamento!

 

Oh, Trina! Por que foi que você não me contou?

 

É que meu pretendente não me despertou lá muito entusiasmo... Na verdade, não teria me casado com ele nem que fosse o último homem do mundo! Mas pelo menos minha cotação lá no colégio aumentou tremendamente, pois as meninas, até hoje, o máximo que receberam foram bilhetinhos...

 

Mas você contou para elas? perguntou Susi, horrorizada.

 

Claro que sim! Não podia deixar passar a oportunidade de me exibir um pouco e como elas não o viram, ficaram sem saber o quanto ele era desagradável.

 

Susi olhou para a filha e sacudiu a cabeça.

 

Não sei se rio ou se choro comentou. E eu, que estava esperando tomar conta de minha filhinha... protegê-la contra as maldades do mundo...

 

Trina abraçou a mãe.

 

Mas querida mamãe, você é que sempre precisou ser protegida! Tenho consciência deste fato desde a idade de oito anos...

 

Susi pegou o lenço e enxugou discretamente algumas lágrimas.

 

Agora, mamãe, você vai me falar do conde de Girone e contar direitinho porque iremos com ele para Provence.

 

Trina lançou um último olhar ao espelho.

 

A senhorita está encantadora! exclamou a criada que a atendia naquele momento.

 

Mera! respondeu Trina. Com este vestido eu me sinto animada a enfrentar as criações das melhores modistas parisienses.

 

O traje era belíssimo e lhe assentava muito bem. Era branco, pois sendo ainda muito jovem, esta tornava-se a cor mais apropriada. O tule que lhe rodeava os ombros e a cintura parecia entremeado de gotas de chuva.

 

Milhares de falsos brilhantes estavam costurados no tule e brilhavam, a cada movimento seu.

 

O traje de Trina fazia um contraponto perfeito com o de sua mãe. Naquela noite Susi pretendia surgir como uma viúva tomando conta de sua filha debutante e usava um vestido cor de malva.

 

Era um dos vestidos mais requintados de toda a sua coleção de trajes de viúva e ela, ao mandar fazê-lo, enfrentou a desaprovação de suas cunhadas.

 

Sabia que, ao usá-lo com os fabulosos diamantes dos Sherington, tinha a aparência de uma violeta saudando a primavera, após os escuros e tristonhos dias de inverno.

 

Mamãe, você está tão linda! exclamou Trina.

 

E você também, querida! Oh, Trina, sinto-me tão orgulhosa de você! A duquesa disse que você vai arrebatar Paris.

 

Espero que sim! Depois de todo o requinte que adquiri este ano, seria uma humilhação se ninguém me notasse!

 

Requinte?

 

É o que você esperava que me acontecesse, quando discutimos minha ida para uma escola francesa.

 

Susi riu.

 

Achava esta palavra ridícula, mas agora verifico o quanto ela é apropriada!

 

Claro que é! Sinto-me requintada, polida como uma maçaneta que foi lustrada e brilha de fazer doer a vista. Resta saber quem vai girá-la...

 

Trina!

 

Susi sentia-se um pouco chocada e ao mesmo tempo divertida com as coisas que sua filha lhe dizia.

 

Encaminharam-se para o salão e Susi percebeu que se sentia muito tensa.

 

Durante todo o tempo em que se vestia, estivera imaginando o que Jean pensaria de Trina e o que Trina pensaria de Jean.

 

Tinha sido uma tola, pensando que sua filha era ainda aquela quase menina que deixara há um ano no convento, mas ao mesmo tempo tinha certas dúvidas de que algo tivesse mudado, mesmo sabendo que Trina era uma jovem madura e com bastante confiança em si mesma.

 

Já havia bastante gente no salão e todos se voltaram quando elas entraram.

 

Logo o conde estava a seu lado e ao ouvir o som de sua voz, seu coração, como sempre, disparou.

 

Jean tomou sua mão e beijou-a.

 

Nunca a vi usando esta cor ele disse, em voz bem baixa, de forma que só ela ouvisse. Você está encantadora!

 

Era difícil não pensar em qualquer outra coisa que não fosse sua perturbadora presença, mas mesmo assim Susi conseguiu balbuciar:

 

Quero lhe apresentar... Trina.

 

Voltou-se para a filha, dizendo em tom que pretendia ser o mais convencional possível:

 

Trina, quero lhe apresentar o conde de Girone.

 

Ao falar, não lhe passou despercebida a surpresa no olhar do conde e o sorriso acolhedor de Trina.

 

Mas é incrível! ele exclamou, olhando para Trina e em seguida para Susi. Absolutamente incrível! Vocês poderiam ser gémeas!

 

Foi isso mesmo o que eu disse para mamãe quando cheguei! exclamou Trina, rindo.

 

Nesse instante, ocorreu um pensamento a Susi, mas era tão doloroso que se assemelhava a uma espada transpassando seu coração. Disse a si mesma que tinha sido por demais tola em não pensar naquilo antes.

 

Claro, ali estava a solução para todos os problemas que afligiam Jean...

 

Foi um ato da maior extravagância comentou Susi.

 

O quê? indagou o conde.

 

Reservar um vagão inteiro para você, no trem.

 

É o que sempre faço, quando viajo de Paris a Aries.

 

Jean exprimia-se em tom casual, mas ambos sabiam que naquele momento pensavam no passado, quando semelhante atitude podia até ser compreensível, pois semelhante luxo era pago com o dinheiro de sua mulher.

 

Além do mais, quero que você e Trina aproveitem cada momento de sua visita à minha casa e as primeiras impressões são muito importantes.

 

Sim, é verdade concordou Susi.

 

Pensou na surpresa e no encantamento que ele sentira quando viu Trina pela primeira vez. Talvez, à medida que os dias passassem, serlhe-ia mais fácil pensar nos dois juntos. Deixaria, quem sabe, de sentir aquela dor atroz que a invadia naquele instante...

 

Todos os seus instintos lhe diziam, na noite que se seguiu à festa da duquesa, que a atitude mais sensata a tomar seria partir imediatamente para a Inglaterra, levando Trina em sua companhia.

 

Seria muito difícil para Jean segui-las, a menos que ela o convidasse. Se fossem para qualquer outro lugar da Europa, tinha certeza de que ele a seguiria, por mais que ela tentasse escapar.

 

Em seguida, disse a si mesma que não deveria fugir. Se Jean se apaixonasse por Trina e tinha certeza de que isto acabaria acontecendo, então deveria ficar contente, pois valia a pena sacrificar a si mesma em nome da felicidade da filha.

 

Ao mesmo tempo, nunca lhe passou pela cabeça, que Trina tivesse a mesma reação que ela tivera, quando lorde Sherington a viu pela primeira vez em um baile e pediu-a em casamento três dias depois.

 

Caiu das nuvens, quando seu pai lhe comunicou que não somente estava muito contente com a ideia de vê-la casar-se com alguém tão distinto, como também já tinha dado seu consentimento.

 

Se Susi fez algum protesto, ele nem sequer foi levado em consideração. Além do mais, não tinha certeza do que sentia em relação ao fato de desposar lorde Sherington ou quem quer que fosse.

 

Sabia apenas que ele inspirava muito respeito e era muito velho.

 

Afinal de contas, com a idade de cinquenta anos, ele tinha vivido a metade de sua vida, enquanto a dela apenas se iniciava.

 

Ele enviou-lhe cartas, flores e presentes caros, o que provocou um comentário por parte de sua mãe:

 

Lorde Sherington está completamente apaixonado por você.

 

Até aquele momento de sua existência, Susi não tivera a menor participação na vida social e foi incrível perceber que era olhada com inveja por suas amigas e ouvir dezenas de vezes que ia fazer um casamento excepcionalmente brilhante.

 

Depois que se casou, conheceu poucos rapazes e moças de sua idade.

 

Lorde Sherington recebia seus amigos para jantar e tomar parte na caça ao faisão, no parque do castelo de Sherington. Eram esses convidados que, em retribuição, os recebiam em suas propriedades em Yorkshire e na Escócia, levando-os para assistir as clássicas corridas de cavalo, disputadas nos prados de Ascot.

 

Apesar de os homens mostrarem-se corteses para com ela, suas mulheres tratavam-na como se ela ainda fosse uma colegial.

 

Quando Trina nasceu, lorde Sherington começou a falar todo o tempo de seu desejo de ter um filho, mas, logo após, sua saúde começou a declinar.

 

Primeiro foi a bronquite, que o deixou quase inválido durante o inverno. Em seguida a artrite privou-o de praticar os esportes que tinham constituído parte de sua vida.

 

Susi tornou-se a enfermeira de um doente rabujento e frequentemente desagradável, mas o pior de tudo é que qualquer tipo de diversão tornou-se cada vez mais raro.

 

Foi então que Susi descobriu que podia escapar de seu esposo exigente e lamuriento, refugiando-se no quarto de Trina, onde podia rir e brincar com sua filha.

 

Assim que ela cresceu um pouco, Susi levava-a em sua companhia, enfrentando os olhares de reprovação da babá, e davam longos passeios na floresta ou andavam de charrete, dispensando a presença do cocheiro.

 

À medida que os anos passavam, dezenas de outras diversões se apresentavam, pois mãe e filha eram jovens, alegres, e riam o tempo todo, sobretudo quando não havia ninguém por perto que olhasse Susi com ares de censura, por não achar seu comportamento adulto.

 

Claro que nunca tinha lhe passado pela cabeça pensar em amor até há alguns dias ou alguns séculos? quando conheceu Jean de Girone.

 

Por que isto haveria de causar um efeito tão estranho em mim? indagou-se Susi.

 

Olhou de soslaio para Jean, sentado confortavelmente diante dela no luxuoso vagão, e que aparentava estar se sentindo muito à vontade, sem no entanto perder o controle da situação.

 

Seus olhos se encontraram e ela sentiu o tremor habitual a percorrer-lhe o corpo. Desejava ser tomada em seus braços e não conseguia deixar de censurar-se por se permitir tais pensamentos.

 

Sentiu-se intimidada e olhou para o outro lado do vagão., onde Trina lia uma revista.

 

Por que está sentada tão longe, Trina? Venha conversar com o conde.

 

Estou muito contente aqui e prometo que vocês nem vão notar que eu existo!

 

Não admito que você diga uma coisa destas! exclamou Susi, quase zangada.

 

Por que não, se é verdade?

 

Voltou a mergulhar na leitura da revista e o conde comentou, com um ligeiro sorriso:

Sua filha tem tato.

 

Mas quero que vocês se conheçam melhor.

 

Haverá muito tempo para isto. No momento, quero conversar com você.

 

De que se trata?

 

O conde veio sentar-se ao lado de Susi, a fim de que Trina não pudesse ouvir o que ele tinha a dizer.

 

Você lhe falou a nosso respeito? Susi não respondeu e ele esperou. Sentiu que ele estava à espera de uma resposta, por menos que ela quisesse falar.

 

Não exatamente, mas ela... adivinhou...

 

Ela seria muito pouco perspicaz se não percebesse que eu a amo e que você me ama.

 

Susi esboçou um gesto breve, como se estivesse querendo repudiar a ideia e após um momento ele disse:

 

Você não mudou de ideia, não é mesmo, Susi? Ontem à noite cheguei a pensar que havia uma espécie de barreira entre nós. Não tinha certeza do que se tratava, mas sabia que alguma coisa existia.

 

Já lhe disse... aquilo que você sugeriu é... impossível!

 

Não vamos começar tudo de novo! Pare de pensar em mim e pense

mais em você. Sei o que sua vida tem sido até agora e pretendo mudá-la completamente.

 

Susi pensou que se aquilo fosse possível, então seria a coisa mais maravilhosa que poderia lhe acontecer, mas ao mesmo tempo persuadiu-se de que precisava ser forte.

 

Se Jean se casasse com Trina, ela, pelo menos, poderia vê-lo e ouvir sua voz.

 

Em algum lugar de sua mente, algo lhe fazia uma pergunta tendenciosa, indagando se apenas aquilo bastaria, mas ela recusou-se a tomar conhecimento.

 

Trina, com sua grande fortuna e sua juventude, era exatamente o que Jean necessitava, e preenchia todas as expectativas relativas ao castelo de Girone.

 

Então, como se sentisse que ela estava pensando em seu lar, o conde começou a falar dele.

 

Durante toda a noite pensei o quanto será divertido mostrar-lhe os lugares onde cresci e onde se desenrolou a história de Provence.

 

Jean aumentou o volume da voz e Trina também se pôs a ouvir.

 

Seu castelo é muito antigo? perguntou.

 

Algumas partes datam da época dos romanos, mas o que mais nteressará a vocês são as estranhas inovações introduzidas por meu tetravô.

 

Quem era ele?

 

O conde Bernhard, um personagem lendário de Provence, um excêntrico, um homem que jamais será esquecido, especialmente porque lhe atribuíam poderes mágicos.

 

Mágicos? perguntou Trina. Como assim? O conde sorriu.

 

Quando estiver na Provence durante algum tempo, ouvirá os habitantes referirem-se a algumas pessoas como os fadas.

 

E o que é isto?

 

Na verdade são os visionários, os pintores, os poetas, os enfeitiçados que acreditam no sobrenatural, que vêem a Virgem nas folhagens das árvores e que sabem predizer o futuro.

 

E seu antepassado era uma dessas pessoas.?

 

Todo mundo acreditava que sim. Na realidade, acho que ele é um tanto hipócrita...

 

Por quê? indagou Trina.

 

Tinha vindo sentar-se ao lado dele, conforme sua mãe desejava,!

 

ouviu o conde com uma expressão de encantamento.

 

Meu tetravô era um inventor e estava muito além de seu tempo.

 

Durante toda sua vida, houve muitas contendas entre as diversas famílias de Provence e elas estavam lutando continuamente contra o resto da França. Bernhard, que conhecia muitas passagens secretas no castelo projetou mais algumas outras.

 

E como eram?

 

Não existia no castelo nenhuma sala da qual ele não desaparecesse em um abrir e fechar de olhos.

 

Que coisa sensacional exclamou Trina e o conde percebeu que Susi também ouvia, com um brilho no olhar.

 

Ele trouxe artesãos da Itália, homens que eram verdadeiros mestres naquele tipo de trabalho. Por exemplo, toca-se em uma lareira e ela gira completamente. Ou então é a parede que gira e ninguém conseguirá adivinhar que você se encontrava na sala até há poucos momentos.

 

Continue! solicitou Trina, no momento em que o conde fez uma pausa.

 

Há pequenas escadarias, escondidas nos torreões, através das quais se tem acesso ao telhado, tornando assim possível atravessar todo o castelo.

 

É a coisa mais sensacional que já ouvi! exclamou Trina. Você nos mostrará?

 

Mostrarei o que conheço. Pelo que sei, há muitas passagens ou entradas secretas que ainda não foram descobertas ou foram esquecidas ao longo dos anos.

E então, as pessoas achavam que o conde Bernhard era um mágico! Trina falou.

 

Achavam que ele tinha as asas de um anjo e a astúcia do demónio! Em mais de uma ocasião, seus inimigos cercaram o castelo, certos de que ele se encontrava lá e apesar de vasculharem-no, recorrendo a centenas de soldados, jamais conseguiam descobrir seu paradeiro.

 

Riu e prosseguiu:

 

Algumas vezes ele os provocava, do alto de uma torre e assim que os arqueiros disparavam suas flechas contra ele, Bernhard soltava uma gargalhada nas imediações do fosso.

 

Existe um fosso? perguntou Trina, admirada.

 

Sim, diante do castelo, bem como uma ponte levadiça.

 

É o castelo que sempre sonhei visitar! Deve ser idêntico aos que mamãe descrevia nos contos de fadas que ela narrava para mim, quando eu era criança.

 

Já disse a sua mãe que ela parece pertencer a um conto de fadas. Susi sabia que ele estava pensando no beijo que havia despertado a

bela Adormecida e corou.

 

E por que não vamos ficar no castelo? perguntou Trina.

 

Por duas razões. Primeiro, porque minha avó, que mora em uma nansão no parque do castelo, há de querer pajear vocês duas, e segundo, por uma razão que ainda não revelei à sua mãe.

 

De que se trata? perguntou Susi, um tanto apreensiva.

 

Deixei o castelo!

 

Deixou o castelo? Como assim? indagou Susi, sem acreditar no que ouvia.

 

Somente durante os meses de verão. A soma que me ofereceram esta alta demais para que eu pudesse recusar.

 

O conde fez uma pausa e prosseguiu:

 

Isto quer dizer que posso viver lá durante todo o inverno sem me preocupar com as despesas.

 

Susi sabia que esta explicação tinha para ela um significado muito especial, mas declarou, com certa incoerência:

 

Mas você não deve fazer uma coisa destas. Tenho certeza de que você se aborrecerá e além do mais deve ser horrível pensar que gente estranha se instalou no lugar que você tanto ama.

 

Quando a sugestão me foi apresentada, tive a impressão de que, mais uma vez, o destino interferia. Era algo que eu não podia recusar.

 

Susi sabia o que ele queria dizer com tais palavras, mas não conseguiu encará-lo e coube a Trina perguntar:

 

Quem são os locatários? É gente rica? - Imensamente. E são ingleses.

 

- Ingleses?

 

Não ”sei se já ouviu falar deles disse o conde, dirigindo-se a Susi. A marquesa, viúva de Clevedon era, segundo dizem, uma mulher de grande beleza, há dez ou quinze anos.

 

Claro que já ouvi falar dela respondeu Susi. Lembro do meu pai dizendo que ela era a mulher mais bela que tinha visto em toda vida e durante muitos anos os jornais traziam retratos dela.

 

Foi o que me disseram. Bem, ela quer alugar o castelo de Gire porque acredita que, pelo simples fato de vir para Provence, recuperará sua beleza.

 

Trina e Susi olharam-no espantadas.

 

Mas como é possível uma coisa destas? O conde deu de ombros.

 

A Provence goza da reputação de restaurar a saúde das pessoas e e operar curas mágicas em relação a todo tipo de doenças, e é conhecida especialmente por retardar a velhice e devolver a juventude perdida.

 

Será que isto é verdade? perguntou Susi.

 

É uma lenda que as pessoas não se cansam de repetir, sobretudo na região de Aries.

 

E por que lá especialmente?

 

As mulheres de Aries gozam da reputação de serem as mais belas da França e têm muito orgulho disto. Atribuem tal fato a todo tipo de ervas e, poções e, pelo visto, a marquesa ouviu falar a respeito, na sua distante Inglaterra.

 

Você acredita nessas histórias?

 

Para dizer a verdade, acho que a beleza daquelas pessoas vem da mistura do sangue romano com o sangue grego. Isto se torna evident quando contemplamos suas sobrancelhas muito bem delineadas, os queixos muito bem talhados, os olhos negros e os cabelos que formam uma aura escura em torno de seus rostos nobres e altivos.

 

Que vontade de vê-las! comentou Trina.

 

Para certificar-se de que estão sendo notadas, andam como se fossem rainhas e sem a menor dúvida conservam a juventude durante muito tempo, mais do que muitas mulheres de outras partes do mundo.

 

E você está fornecendo os ingredientes necessários à sua locatária? indagou Trina.

 

Estive com a marquesa há dois dias e ela não conseguia falar de outro assunto.

 

Acho que as pessoas bonitas se afligem com a velhice comentou Susi.

 

Enquanto falava olhava para Trina, pensando que devia ser impossível o conde não perceber o quanto ela era bela.

 

Prometi para ela encontrar a receita do Elixir da Juventude, escrita em antigos livros e manuscritos que se encontram na biblioteca do castelo.

 

Eu o ajudarei a localizá-los e mamãe, que lê francês tão bem quanto inglês, poderá nos auxiliar.

 

Cá entre nós: precisamos encontrar algo que faça a marquesa sentir que seu dinheiro não foi gasto em vão disse o conde, rindo,

 

Ela vai ficar sozinha no castelo? perguntou Susi.

 

Não, acredito que seu filho permanecerá em sua companhia pelo menos durante uma parte da temporada e ela referiu-se também a alguns amigos, que pretende convidar por alguns dias. Na verdade, parece-me que a sua única preocupação é fazer recuar para bem longe a ameaça da velhice. É talvez o que eu farei dentro de alguns anos comentou Susi Baixinho.

 

Levando em conta o fato de que, no momento, você parece tão jovem quanto Trina, demorará pelo menos trinta anos até você precisar preocupar-se com as rugas. A esta altura eu, sem a menor dúvida, terei

uns oitenta anos! Imagine que a gente encontre o tal Elixir da Juventude... disse Trina. Talvez pudéssemos engarrafá-lo e vendê-lo por uma soma fabulosa em todo o mundo. As mães das meninas que estavam no convento comigo gastavam fortunas em cremes e loções que as tornassem mais bonitas.

 

Não deixa de ser uma ideia... observou o conde.

 

Caso elas queiram comprar nosso produto, deveríamos estabelecer a seguinte cláusula: deveriam passar um mês inteiro no castelo, pagando aluguel altíssimo. Você em breve ficaria tão rico que nunca mais precisaria voltar a ter outros inquilinos.

 

Você é tão cheia de ideias que insistirei para que você e sua mãe preparem o tal Elixir da Juventude para a marquesa. Devo confessar que quando ela me pediu tal favor achei-a uma criatura um tanto enfadonha e concordei unicamente porque queria seu dinheiro. Agora estou começando a achar a ideia divertida.

 

Claro que é, sobretudo se você tem a receita apropriada escondida em algum velho manuscrito que ninguém lê há séculos! Pense só, mamãe podemos destilar as ervas e misturá-las!

 

Acho melhor experimentarmos primeiro em nós mesmas, a fim de nos certificarmos que nossa freguesa não morrerá, devido a algum veneno obscuro! ponderou Susi.

 

O conde, sorrindo, disse:

 

Acho que vamos ter que fazer uma sociedade, mas é claro que um negócio de família.

 

Olhava para Susi e esta pensava o quanto Trina poderia ser útil muito mais do que ela.

 

Sua filha tinha ideias originais, o entusiasmo da juventude e a espécie de vitalidade que ela achava que o conde deveria encontrar em sua esposa.

 

Estou velha demais para fazer de qualquer empreendimento um sucesso, pensou.

 

Ao olhar pela janela, ficou a pensar por que o sol parecia não estar mais brilhando como antes.

 

Quando chegaram a Aries havia duas carruagens esperando por eles. A primeira delas, muito imponente, era puxada por quatro cavalos, e noutra seguiriam os criados e a bagagem.

 

Fantástico! exclamou Trina, enquanto se acomodavam. Não consigo esquecer que Provence é considerada um dos lugares mais belos da França.

 

Eu também acho disse o conde com simplicidade e, olhando para Susi, acrescentou: É um lugar para enamorados, pois onde quer que se vá, ouve-se os rouxinóis cantarem.

 

Susi pareceu surpreendida e ele prosseguiu: Você irá ouvi-los antes de dormir e eles lhe cantarão o amor num romance, que para as pessoas que vivem aqui faz parte do ar que respiram.

 

Falava em tom de voz profundo, que provocava em Susi estranhas sensações, difíceis de esconder. Sentindo-se intimidada, disse, rapidamente:

 

Fico contente por existirem rouxinóis. Sempre me disseram que não existem tantos pássaros na França quanto na Inglaterra, pois aqui eles são mortos.

 

Pois na Provence você achará muitos pássaros. Na minha propriedade há milhares deles.

 

Não devemos nos esquecer de que precisamos nos concentrar nas ervas observou Trina.

 

Mostrarei o lugar onde você poderá encontrá-las, mas agora quero que vocês sintam que o ar de Provence está perfumado com a fragrância do rosmaninho, da lavanda e da flor de laranjeira.

 

Vejo muitas igrejas por aqui e imagino os sinos tocando para as noivas com seus buqués de flor de laranjeira disse Trina.

 

Claro! concordou o conde e mais uma vez lançou um olhar significativo para Susi.

 

Prosseguiram o trajeto e Susi e Trina começaram a ficar entusiasmadas ao olharem à sua volta as formações rochosas, tão características da Provence.

 

Eram alvas, brilhavam intensamente ao sol e davam à paisagem um ar estranho, pagão e ao mesmo tempo muito romântico.

 

Em alguns dos altos rochedos que apontavam para o céu havia ruínas de cidadelas, que jamais haviam caído nas mãos do inimigo, enquanto abaixo delas surgiam desfiladeiros misteriosos, que podiam muito bem abrigar demónios e seres sobrenaturais.

 

Tudo aquilo era por demais fascinante. Subitamente, o conde inclinou-se para frente e disse:

 

Aí está o castelo!

 

A imponente edificação levantava-se ao lado de um rio de águas cristalinas e suas torres lançavam-se em direção ao céu muito azul.

 

Os séculos pareciam não tê-lo marcado e possuía uma beleza que fazia parte do cenário e que ao mesmo tempo participava do mistério da natureza a seu redor.

 

Como é belo! exclamou Trina.

 

Susi sabia que o conde estava esperando que ela dissesse o que pensava naquele momento, mas não conseguia fazer outra coisa a não ser contemplar aquela incrível edificação.

 

Consciente de que devia exprimir o que sentia, declarou em um tom de voz que era quase um sussurro:

 

É o cenário apropriado para alguém como você... e que você deve manter a qualquer preço...

 

Ele sorriu, como se soubesse o que ela estava pensando. Susi, por seu lado, sabia que ele estava contente, pois o instinto do conde lhe revelara que o castelo significava alguma coisa para ela, da mesma forma que para ele.

 

Atravessaram o rio por sobre uma ponte muito antiga e aproximaram-se cada vez mais do castelo.

 

Trina havia se debruçado na janela, a fim de poder ver melhor e o conde colocou a mão sobre a de Susi, dizendo-lhe baixinho, de tal forma que só ela conseguisse ouvi-lo:

 

Seja bem-vinda ao seu lar, querida!

 

Susi tentou demonstrar a preocupação que sentia, caso Trina os ouvisse, mas conseguiu apenas exprimir tamanho amor que o conde quase chegou a ter a impressão de que ela o havia beijado.

 

Entraram em uma alameda ladeada por árvores centenárias e no fundo da qual erguia-se uma mansão, construída no século XVIII.

 

A bela arquitetura, que estivera na moda à época em que ela foi levantada, era comum a muitas edificações daquele período.

 

À medida que a carruagem se aproximava, a porta da frente abriu-se e numerosa criadagem postou-se nos degraus a fim de saudá-los. Numerosos cãezinhos vieram ao encontro do conde, abanando o rabo e latindo, cheios de excitação.

 

O conde apresentou os criados mais velhos para Susi e Trina e eles entraram em um hall de proporções perfeitas, encaminhando-se para um salão que dava para um jardim atapetado de flores.

 

Na cadeira encontrava-se sentada uma senhora que poderia ter servido de modelo para uma pintura clássica. O cabelo, cuidadosamente penteado, era alvo como a neve e apesar de seu rosto apresentar numerosas rugas, ainda guardava traços da beleza aristocrática que ela um dia possuíra.

 

Em suas mãos cobertas de anéis, ressaltavam veias azuladas e não havia sombra de dúvida de que ela se encontrava muito contente por ver seu neto. O conde beijou-lhe as mãos e o rosto.

 

Como vai você, meu querido? disse ela em inglês, pois suas convidadas eram inglesas e era uma questão de polidez não se exprimir em qualquer outra língua que não a delas.

 

Estou muito contente em vê-la, grand’mere, e agora quero lhe apresentar minhas novas amigas. Em primeiro lugar, lady Sherington, a quem quero muito que a senhora conheça, e em seguida sua filha Trina.

 

A condessa estendeu a mão e disse:

 

Será que meus olhos estão me enganando ou quem sabe, com a idade, a miopia aumentou?

 

O conde riu.

 

É extraordinário, não é mesmo, grand’mere, que sejam não somente lindas como também quase iguais!

 

Cest extraordinaire! concordou a condessa. E agora deixem-me providenciar alguns refrescos. Vocês devem estar cansados, após uma viagem tão longa.

 

Os criados trouxeram sucos e doces, que Trina achou deliciosos. Faltava ainda uma hora para o jantar e Susi e Trina insistiram em ver o castelo.

 

Não aguentamos esperar, depois de tudo que você nos contou! declarou Trina. Por favor, vamos imediatamente!

 

Pois vamos lá disse o conde, bem-humorado. Vocês sabem que não há nada que eu deseje mais do que mostrar o castelo.

 

Trina estava incluída naquilo que ele acabava de dizer, mas ele olhou para Susi e esta disse a si mesma que naquele momento ele apenas estava sendo bem-educado e gentil para com ela.

 

O castelo era de fato fantástico e Susi imaginou quanto dinheiro tinha sido gasto na construção de seus muros tão antigos, que ostentavam magníficas tapeçarias, quadros e mobiliário que tinham sido colecionados durante séculos.

 

Havia tapetes persas, tecidos há centenas de anos, espelhos de molduras douradas desenhadas pelos grandes mestres, bem como mesas e consoles artisticamente esculpidos.

 

As enormes lareiras medievais poderiam abrigar com facilidade um tronco inteiro de uma árvore e muitas delas eram esculpidas em mármore, por artesãos que, à sua própria maneira, eram tão artistas quanto os pintores que haviam decorado os tetos com deusas e cupidos.

 

À medida que percorriam os aposentos, Susi e Trina mostravam-se cada vez mais entusiasmadas, até que esgotaram seu estoque de elogios. Chegaram finalmente à biblioteca.

 

Havia lá milhares de livros, a maior parte deles encadernados en couro, dourados a fogo e em perfeito estado de conservação.

 

Trina olhou à sua volta com olhar de desespero.

 

Tem alguma ideia de onde se encontram os livros sobre ervas?

 

No momento não, mas existe no castelo um velho bibliotecário que vem duas vezes por semana para manter tudo em ordem. Tenho certeza de que ele poderá nos orientar.

 

Ainda bem! Caso contrário mamãe e eu teríamos de permanecer aqui durante um século a fim de encontrarmos o que procuramos.

 

E é isto mesmo o que eu quero que aconteça! Disse em seguida, com muita animação:

 

Olhem pela janela, que vale a pena.

 

Elas obedeceram-no, distinguindo apenas mais outra vista magnífica da região.

 

Há algo de especial que você quer nos mostrar? perguntou Susi.

 

Voltou-se e neste momento verificou, para sua grande surpresa, que a porta pela qual haviam entrado ainda estava fechada e não havia o menor sinal do conde na biblioteca.

 

Jean! ela gritou, sentindo-se subitamente atemorizada pelo fato de ele tê-la deixado.

 

Neste momento, uma das estantes girou e ele surgiu. Trina deu um grito de alegria.

 

É uma das passagens secretas! Oh, por favor, mostre-me como se faz para desaparecer!

 

O conde explicou que havia um pequeno botão escondido em uma das prateleiras. Bastava apertá-lo para que a estante se abrisse.

 

Trina insistiu em experimentar e quando a estante se fechou sobre ela o conde voltou-se para Susi.

 

- E então, minha querida? Você se sentirá feliz em morar aqui comigo?

 

Você não deve me fazer semelhante pergunta respondeu Susi nervosa. Sabe muito bem que não devo lhe dar uma resposta.

 

Mas eu já tenho a resposta... retrucou o conde... Você disse que me amava e era tudo o que eu queria ouvir. Este será o nosso lar, querida, e aqui criaremos nossos filhos, fazendo tudo para que eles sejam tão felizes quanto nós.

 

Oh, por favor... por favor... seja sensato suplicou Susi.

 

Ele inclinou-se e por um breve momento seus lábios pousaram-se sobre os dela.

 

Isto é que é ser sensato! declarou com toda tranquilidade. Neste momento a estante se abriu e Trina voltou à biblioteca.

 

Ouçam que coisa fascinante! exclamou Trina. Nesta passagem, escrita em francês arcaico, está escrito que o conde Bernhard não somente conseguia desaparecer, mas fazia o mesmo com suas armas, seus tesouros e suas mulheres! Quantas será que ele tinha?

 

Levantou os olhos do livro e exclamou:

 

Mamãe, você não está me ouvindo!

 

Desculpe. O que você estava dizendo, meu bem?

 

Estava absorta, pensando no conde e em todas as dificuldades que ele estava criando em sua vida.

 

Na véspera, após o jantar, quando a condessa pensava em ir dormir, Jean dissera:

 

Grandmere, espero que não se importe se eu me mudar para aqui amanhã.

 

Mudar! exclamou a condessa, muito surpreendida. Mudar por quê? O que há de errado com o castelo?

 

Nada de mais. Não tive tempo de lhe dizer antes, mas eu o aluguei durante três meses.

 

Fez-se um momento de silêncio e a velha senhora olhou-o, como se não acreditasse no que acabava de ouvir, dizendo em seguida:

 

Alugou? Mas o que quer dizer com isto?

 

Minha inquilina é a marquesa de Clevedon. Ela e seu filho gozam de muita importância na Inglaterra e são muito ricos. Para falar francamente, grandmere, eu precisava do dinheiro.

 

Nunca ouvi nada mais extraordinário em toda minha vida replicou a condessa.

 

Tornou-se tão agitada que só conseguia exprimir-se em francês.

 

- C’est incroyable! É inacreditável que o conde de Girone chegasse ao ponto de receber dinheiro de desconhecidos em troca do aluguel de suas propriedades! Talvez não sejamos ricos, mas pelo menos temos orgulho!

 

Não adianta ter orgulho sem dinheiro replicou seu neto, com toda calma.

 

Dinheiro, dinheiro! É só nisto que todo mundo pensa? Se é disso que você precisa, a solução é fácil e você não precisa rebaixar-se, adotando o comportamento de um dono de mercearia que vende géneros de primeira necessidade.

 

Acho que não existe nada de degradante em alugar o castelo para alguém que apreciará sua beleza e não fará nada para destruir o que ele contém.

 

Isto é um raciocínio de gente tola! Sei que no momento você tem determinados problemas financeiros, mas sabe muito bem que é apenas uma questão de tempo, até encontrar uma esposa que tenha o mesmo dote que Marie-Thérèse ou quem sabe até mesmo maior!

 

Suas mãos tremiam, acompanhando a intensidade de seus sentimentos. Como o conde não falava, ela acrescentou:

 

Sua prima Josephine acaba de me escrever. Comunicou-me que o duque de Soisson confidenciou que sentiria muito orgulho se uma de suas filhas passasse a pertencer à família de Girone.

 

Quando eu quiser casar com a filha do duque de Soisson, direi comentou o conde com frieza. Grandmere, já não sou mais um garoto para permitir que arranjem casamento para mim, como aconteceu quando eu tinha vinte anos. Agora decido com quem me casarei e não admito qualquer interferência de minha família, por melhor que seja a intenção.

 

A avó, visivelmente contrariada, tocou uma sineta de prata a seu lado. Assim que uma criada apareceu, ela fez um gesto e indicou que queria Ser levada para fora do aposento, em sua cadeira de rodas. Sem dizer uma palavra e olhando teimosamente para um ponto fixo à sua frente, Saiu, deixando atrás de si um silêncio constrangedor.

 

O conde serviu-se de uma dose de conhaque e após um momento Susi comentou, preocupada:

 

Sinto muito que sua avó tenha ficado tão aborrecida... Claro que é humilhante para você deixar o lar de seus antepassados...

 

O conde sorriu.

 

Garanto para você que eles fizeram coisas bem piores enquanto viviam!

 

Não se trata disto... disse Susi, hesitando.

 

Não vejo porque discutir este assunto. A marquesa chega amanhã. Falaram de outros assuntos, porém o mal-estar persistiu e quando Susi se deitou não conseguiu conciliar o sono.

 

Sabia que era por sua culpa que o conde não se dispunha a casar com a filha do duque de Soisson ou com qualquer outra jovem que lhe trouxesse um belo dote, o qual, sem dúvida, lhe possibilitaria manter o castelo com o mesmo esplendor de antes.

 

Preciso ir embora! Tenho de deixá-lo! disse mais uma vez para si mesma.

 

Sabia, porém, que ele a impediria de tomar semelhante atitude e que, se ela insistisse, ele a seguiria até a Inglaterra ou a qualquer outro lugar para onde ela e Trina fossem.

 

Tenho de conversar com ele, amanhã mesmo!

 

No dia seguinte, ela não conseguiu encontrar uma oportunidade para manter um diálogo mais íntimo com o conde.

 

Como a marquesa deveria chegar no fim da tarde, Trina insistiu para que eles explorassem o castelo mais uma vez, e assim que terminaram de almoçar retiraram da biblioteca todos os livros de que necessitavam e trouxeram-nos para a mansão.

 

Já tinham descoberto numerosos manuscritos que falavam da eficácia das ervas locais, mas Trina dizia que ainda não eram suficientes.

 

A poção que prepararmos para a marquesa deve fazer efeito no momento em que ela tomá-la!

 

Talvez ela se sinta bem comentou Susi, mas não devemos esperar que as ervas sejam suficientemente eficazes para causar milagres em seu rosto.

 

Trina, no entanto, mostrava-se otimista. Havia encontrado numerosas referências a um tal de Vinaigre dês Quatre Voleurs, uma poção que continha o Elixir da Juventude.

 

Era um extrato usado outrora como preventivo contra doenças contagiosas, mas a septuagenária rainha da Hungria, que se casou com o rei da Polónia quando ele era muito jovem, atribuiu a atração que ele sentia por ela exclusivamente ao elixir.

 

Com toda certeza continha tomilho selvagem, erva-doce e rosmaninho, o que, segundo os antigos autores, retarda o envelhecimento. Existem, no entanto, muitos outros preparados, e estou decidida a descobri-los.

 

Percebeu, desde o café da manhã, que sua mãe não lhe prestava muita atenção e ao examiná-la mais detidamente notou que Susi estava abatida.

 

Apresentava naquele momento olheiras muito fundas e pareceu a Trina que sua mãe envelhecera bastante naqueles dois dias.

 

O que está acontecendo, mamãe? Você parece estar muito cansada.

 

Não dormi muito bem.

 

Foi a condessa que a deixou preocupada? Bem, ela é velha e para ela a única coisa que conta é a pompa e a glória dos condes de Girone. Não está preparada para que eles hajam como seres humanos...

 

Ela acha que eles devem ser responsáveis por aquilo que passou de uma geração a outra, e que deve prosseguir, tendo em vista as gerações futuras.

 

Agora você ficou do lado dela! Por que é que o conde haveria de querer casar com alguma mulher tola? Simplesmente pelo fato de ela ser rica?

 

É seu dever.

 

Pois acho esta posição tola e muito antiquada retrucou Trina. Sabia ao mesmo tempo que não tinha convencido sua mãe e ficou a pensar no que poderia dizer para fazer Susi compreender que era uma sorte ter alguém tão atraente quanto o conde apaixonado por ela.

 

Pobre mamãe! Passou por momentos tão difíceis todos esses anos, tomando conta de papai enquanto ele esteve doente! Quero que ela se Divirta e seja feliz.

 

Ao mesmo tempo, devido ao fato de Susi não dizer nada em relação as intenções do conde, Trina hesitava em abordar o assunto.

 

Tinha certeza de que Susi acreditava que ”sua filhinha” não percebia que o conde estava apaixonado por ela.

 

Se mamãe quer que eu pareça ingénua, agirei de acordo com suas expectativas, porém mais cedo ou mais tarde preciso impedi-la de destruir sua felicidade

 

Percebeu que naquele momento não tinha vontade de conversar e continuou a ler, voltando rapidamente as páginas do livro. Nesse instante a porta se abriu e o conde entrou.

 

A marquesa chegou? perguntou Susi.

 

Havia uma ligeira ansiedade em sua voz, como se ela sentisse que no último momento poderia ter acontecido algo que o deixasse desapontado.

 

Chegou, sim, com suas criadas, cocheiro, mordomo e secretário! Trina riu.

 

Pelo que vejo, ela não dispensa o luxo!

 

Precisavam ver sua bagagem! Cheguei a pensar que ela pretendia ficar três anos, em vez de três meses.

 

Quem sabe as malas estão cheias de cremes de beleza comentou Trina maliciosamente.

 

A partir do momento em que a cumprimentei ela começou a falar das ervas revitalizantes que espera encontrar por aqui. Espero que você tenha descoberto algo que a deixe contente, caso contrário ela pretende partir imediatamente.

 

Partir? exclamou Trina. O conde sentou-se.

 

É difícil de acreditar disse, olhando para Susi, mas acho que a marquesa é louca.

 

O que o leva a pensar assim?

 

Está obcecada com a ideia de que em algum lugar do mundo existe alguém que haverá de restaurar sua beleza. Tem quase sessenta anos e espera encontrar algum método mágico que a faça parecer tão jovem quanto Trina.

 

Você já lhe disse que é impossível?

 

Tentei convencê-la a ser sensata e o que vocês acham que ela me disse?

 

O quê? perguntou Trina.

 

Que se as ervas e a magia da Provence não puderem ajudá-la, pretende partir imediatamente para Roma, onde António di Casapellio ofereceu-se para fazer o milagre pelo qual ela tanto espera.

 

Quem é ele e como pode chegar a tais resultados?

 

Através do hipnotismo. Susi soltou uma exclamação.

 

Mas isto é um perigo!

 

Claro que é replicou o conde. Conheço muito bem a reputação do tal Casapellio. É um charlatão!

 

Você informou a marquesa?

 

Não adiantaria nada. Está convencida de que ele é capaz de fazer o que diz. Comunicou-me que está disposta a pagar até dez mil libras para o homem que lhe der o Elixir da Juventude!

 

Fez-se silêncio durante alguns instantes e Susi disse:

 

É inacreditável! É uma pequena fortuna!

 

Sim, eu sei. Duvido que você e Trina encontrem um elixir que valha esta soma, por mais que procurem.

 

Fez-se mais uma pausa e Trina perguntou:

 

Ela estaria disposta a pagar antes de experimentar?

 

É tão boba que pagaria qualquer coisa a quem conseguisse enganá-la. Casapellio não deixará de se aproveitar!

 

Ele a hipnotizará?

 

O homem com certeza é um perigo, mas não vejo o que ganho em falar mal dele. Além do mais, tenho certeza de que ela não acreditará em uma palavra do que eu disser contra ele.

 

Se a marquesa é tão tola quanto você diz, com certeza há de merecer tudo o que lhe suceder!

 

Mas não se trata só disso comentou o conde, preocupado.

 

O que é? perguntou Susi.

 

Uma determinada senhora foi procurar Casapellio e ele não somente hipnotizou-a como também drogou-a. Manteve-a neste estado até ela morrer e tirou até o último centavo que ela possuía. E olhem que era ainda mais rica do que a marquesa...

 

Susi soltou uma exclamação, horrorizada, e Trina disse:

 

Você precisa lhe contar a verdade! Por mais tola que seja, precisa perceber que perigos corre, ao se entregar a semelhante charlatão!

 

O conde não respondeu e após um momento Susi declarou:

 

Precisa fazer com que ela acredite em você.

 

Ao falar, tinha certeza de que bastaria o conde lhe dirigir a palavra para convencê-la do que ele bem entendesse. Jean, como se soubesse o que ela estava pensando, sorriu e disse:

 

Acho melhor você ir verificar por si mesma. Verá que a marquesa é o exemplo típico da mulher que tem apenas um rosto bonito e nada por detrás.

 

Gostaria de convencê-la

 

Quando ela puser os olhos em você, há de querer ser exatamente como você. Havia uma certa carícia em sua voz que fez com que Susi estremecesse. Trina divertiu-se interiormente com a reação de sua mãe.

 

Como era uma pessoa de muito tato, concentrou-se no livro que estava lendo e encontrou uma referência ao conde Bernhard.

 

De repente deu um grito e o conde e Susi olharam-na, assustados.

 

Tenho uma ideia! Uma ideia maravilhosa!

 

O que é? perguntou Susi.

 

Espere um momento, preciso refletir. Após uma breve pausa, ela disse:

 

A ideia me ocorreu quando o conde disse que a marquesa teria vontade de se parecer com você, mamãe. Talvez vocês se lembrem, ou melhor, não lembrarão, pois não estavam ouvindo, do que eu lhes falei a respeito do conde Bernhard. Deixe-me ler de novo.

 

Trina pegou o livro e leu lentamente:

 

O senhor conde, graças a suas poderosas faculdades mágicas, não somente conseguia desaparecer sem o menor ruído e sem deixar pistas, como também, graças a recursos que estavam acima dos mortais, conseguia esconder suas armas, seus tesouros e suas mulheres dos olhos daqueles que os procuravam.

 

A voz de Trina parecia vibrar em todo o salão. Ao terminar de ler olhou para sua mãe e para o conde, percebendo que lhes escapava o que ela estava tentando dizer.

 

Você está agindo com muita lentidão disse ao conde. Estou tentando conseguir dez mil libras para você. É fácil fazer com que a marquesa entregue esta soma a você. Por que haveria de fazê-lo em relação ao charlatão italiano?

 

Estou tentando seguir sua linha de raciocínio respondeu o conde, porém não vejo como...

 

É muito simples interrompeu Trina, impaciente. Você apresenta mamãe e conta a idade dela para a marquesa. Depois, mamãe toma o elixir e imediatamente vai parecer ainda mais moça do que é, pois em seu lugar... eu surgirei!

 

Os olhos do conde brilharam e Trina percebeu que ele compreendia o que ela estava tentando explicar. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Susi exclamou:

 

Mas isto seria uma fraude! Não é correto!

 

Pois acho que seria bem pior deixarmos essa mulher confusa ir para a Itália e ser drogada pelo charlatão até morrer. Seja sensata, mamãe! Não somente lhe faremos um favor como também conseguiremos dez mil libras para o conde, que permitirão a manutenção do castelo durante um bom tempo.

 

Não deixa de ser uma ideia disse o conde lentamente. Susi, porém, tem razão. É uma fraude.

 

Mas o que importa? perguntou Trina, zangada. Os fins justificam os meios, conforme os jesuítas pregam há tanto tempo. Não lhes parece?

 

Os olhos do conde brilharam.

 

Você está começando a me convencer.

 

Tudo o que posso dizer, é que você seria por demais tolo se permitisse que dez mil libras escapassem de suas mãos, sem mais nem menos.

 

Olhou para sua mãe enquanto falava e notou que Susi parecia preocupada.

 

Talvez seja chocante para você, mamãe, pois sei que você odeia mentiras e trapaças. Mas qual é a alternativa? Suponhamos que a gente não consiga dissuadir a marquesa de se entregar ao italiano e ela morra devido ao seu tratamento. Sente-se preparada para carregar este peso na consciência?

 

Você não consegue chamá-la à razão? perguntou Susi ao conde.

 

Duvido muito. Quando as mulheres ficam obcecadas por uma ideia e não conseguem pensar em mais nada, toda a sabedoria de Salomão, combinada com a eloquência de Demóstenes, não conseguiria fazê-las mover-se em outra direção.

 

Mas imaginemos que ela lhe dê as dez mil libras e descubra que o elixir não presta... Ainda assim terá de ir a Roma...

 

Precisamos correr o risco. Ao mesmo tempo, apesar de ser tão rica, não acredito que a marquesa conseguirá achar mais dez mil libras com tanta rapidez. Talvez tenha de esperar durante um ano e quem sabe até lá tomará um pouco de juízo?

 

Trina bateu palmas, entusiasmada.

 

Já sei que você aceitou minha ideia e agora precisamos planejar tudo muito detalhadamente. Você deve dizer à marquesa que não somente está providenciando o Elixir da Juventude para ela, como também que dentro de dois ou três dias estará pronto para lhes dar uma demonstração de como a coisa funciona.

 

Sorriu, antes de acrescentar:

 

A única dificuldade é que mamãe não demonstra a idade que tem, a não ser hoje. Apresenta rugas ao redor dos olhos que eu não tinha visto antes.

 

O conde, como se as notasse pela primeira vez, voltou-se rapidamente para Susi.

 

O que está acontecendo? O que a preocupa?

 

Trina levantou-se e foi até a janela, no lado oposto do salão, como se quisesse mais luz para ler o livro que tinha nas mãos.

 

Estou bem respondeu Susi.

 

Então, como se não conseguisse se dominar, pousou sua mão sobre a do conde, que lhe apertou os dedos.

 

Sei porque você está preocupada, minha querida ele disse em voz baixa, de forma que só ela pudesse escutar. Deixe tudo comigo e, é claro, com sua filha, que é tão inteligente!

 

Deveríamos... ir embora.

 

Se for, irei em sua companhia e juro que não existe lugar algum no céu ou na terra onde você possa se esconder de mim.

 

Susi encarou-o, cheia de preocupação e ele disse com paixão:

 

Eu a adoro! Se para não perdê-la tivesse de demolir o castelo pedra por pedra, eu o faria sem a menor hesitação.

 

Falava com tamanha sinceridade que Susi sentiu as lágrimas invadirem-lhe os olhos.

 

Como é que você pode me dizer coisas tão... maravilhosas? perguntou, muito emocionada.

 

Responderei a esta pergunta quando estivermos a sós.

 

Levou, sua mão aos lábios. Ao beijá-la, notou uma súbita alegria que parecia transformar seu rosto e disse:

 

Sinto o que você sente e não adianta nenhum dos dois querer lutar contra isto.

 

Trina voltou até a mesa.

 

Acho que agora já temos bastantes indicações para poder fazer o elixir disse, muito prática. - Será composto de várias ervas que, segundo seus livros, possuem propriedades especiais. Se elas não rejuvenescem o corpo, podem pelo menos torná-lo mais forte e saudável.

 

Espero que você tenha localizado o livro escrito há trinta anos pelo abade Tisserand. Veio até Provence para morrer aqui, porém, graças ao ar e a nossas ervas, morreu quase centenário comentou o conde.

 

Existem aqui livros muito mais velhos e todos eles dizem que o rosmaninho rejuvenesce aqueles que o usam.

 

Pois é uma erva facílima de se obter.

 

Vamos precisar de funcho e basilicão. Farei uma lista completa e no momento que tivermos todas as ervas à nossa disposição, mamãe e eu começaremos a destilá-las e misturá-las, até começarmos a acreditar no Elixir da Juventude, do mesmo modo que a marquesa.

 

E daí, o que é que você pretende fazer? indagou Susi, um tanto preocupada.

 

É nesse momento que você vai ter de agir, mamãe. Quando for apresentada à marquesa, converse com ela e convença-a de que você também está interessada em parecer tão jovem quanto era.

 

Ficarei com tanto medo que não serei capaz de dizer nada!

 

Eu estarei a seu lado garantiu o conde.

 

- Basta apenas que você seja espontânea disse Trina. Quando O conde disser que pode conseguir o Elixir da Juventude de alguém que vive em uma caverna nas rochas, você se oferece para tomá-lo a fim de Verificar que efeitos ele produz.

 

Trina olhou para o conde.

 

É preciso achar um aposento no castelo que possa ser usado para nossas experiências.

 

Há tantos... O difícil é escolher!

 

Sim, claro, mas acho que o mais dramático de todos seria aquele em que, por exemplo, a cadeira desapareça pelo assoalho.

 

Acho que você tem razão. O único problema é que, por mais que a gente lubrifique a maquinaria, a marquesa pode ouvir o ligeiro barulho que ela faz.

 

Se não me engano, existe um piano naquele aposento.

 

Trina, você é um génio exclamou o conde. Direi à marquesa que a paciente, Susi, precisa permanecer no escuro enquanto o Elixir faz seu efeito. Podemos escondê-la usando biombos ou cortinas. Enquanto eu toco o piano, Susi desaparece pelo chão e você toma seu lugar.

 

Pois então está combinado! Acho que vamos ter um desempenho primoroso!

 

Mas e se eu desapontá-los? gaguejou Susi. Mais uma vez o conde tomou suas mãos.

 

Pode deixar tudo comigo. Tudo o que você tem a fazer é mostrarse muito bela e não tão jovem quanto sua filha.

 

Acho que devemos fazer mamãe parecer um pouco mais velha do que é, quando a apresentarmos à marquesa.

 

Vai ser difícil replicou o conde.

 

Nem tanto. Hoje, com estas olheiras, ela parece mais velha, mas amanhã elas não existirão mais, a menos que a gente dê um jeitinho...

 

O que você quer dizer com isto? perguntou Susi, apreensiva.

 

Trouxe meu estojo de pintura. Já se esqueceu de que aprendi a pintar e a desenhar lá no convento? Além de muitas outras coisas, é claro!

 

Teatro, por exemplo! disse o conde, sorrindo.

 

Li muitas peças e sempre penso que se fosse um homem gostaria de ser produtor de teatro.

 

E por que não atriz? perguntou o conde. Trina riu.

 

Já pensou a cara que mamãe faria se eu sugerisse pisar em um palco?

 

Estava pensando em teatro amador. Um antepassado meu tinha um teatro, não aqui, mas em Paris. Claro que ele imitava o rei Luís XIV, pois madame de Pompadour mandava encenar para ele comédias muito divertidas no teatro de Versalhes.

 

. Você está me dando ideias em relação a futuros planos disse Trina.

 

Susi protestou.

 

Não a encoraje! disse, dirigindo-se ao conde. Já imaginou o quanto nossos parentes e amigos ficarão chocados se Trina voltar para a Inglaterra com semelhantes ideias? Sobretudo minhas cunhadas! Elas têm certeza de que tudo o que vem da França é invenção do diabo!

 

No momento, esqueça a Inglaterra e seus parentes. Acho que vamos nos divertir muito, Susi.

 

Trina riu.

 

Reflita bem, mamãe. Estamos praticando uma boa ação em relação àquela mulher tão tola.

 

Na verdade... não sei o que pensar. Olhou para o conde e acrescentou:

 

Mas se isto lhe ajudar, farei tudo o que você me pedir.

 

A expressão de seu olhar fez com que ela corasse e Trina disse:

 

Vamos começar a trabalhar. Quanto mais cedo tivermos as dez mil libras na mão, melhor!

 

Naquela noite jantaram sozinhos, pois a condessa não apareceu durante o dia inteiro. Susi, ansiosa, perguntou por ela e o conde replicou:

 

Está nos punindo... Durante toda sua vida, sempre que se sentiu preocupada, grandmere vai para a cama, a fim de causar sentimentos de culpa às pessoas que a ofenderam.

 

Que ideia tão engraçada! exclamou Trina.

 

Percebeu que quando tomava uma atitude dessas meu avô ficava muito aborrecido. Ele a adorava, pois, como vocês podem imaginar, ela era uma criatura muito linda. Apesar de seu casamento ter sido arranjado, apaixonaram-se um pelo outro no momento em que se conheceram.

 

Fale-me a respeito de seus avós solicitou Trina.

 

Grandpere era um homem muito bonito e foi um grande boémio até se casar. Vieram, ele e grandmere, morar no castelo.

 

O conde sorriu e prosseguiu:

 

Grandmere, a despeito de sua aparência suave e feminina, era uma pessoa muito decidida e sempre acabava fazendo com que as coisas saíssem do seu jeito. Sempre que grandfere se opunha a ela, costumava ir para seu quarto e trancar-se. Meu pai costumava me contar como grandpere, nessas ocasiões, batia à porta sem cessar, mas não merecia qualquer resposta, a menos que se humilhasse e pedisse perdão por alguma coisa que havia feito.

 

O conde riu e prosseguiu:

 

Eles então faziam as pazes e pareciam muito felizes, a tal ponto que o amor que sentiam um pelo outro ficava patente para quem quer que os visse.

 

Não é de admirar que você queira ser feliz tanto quanto eles o foram disse Susi em voz baixa.

 

Corou ao ouvir a resposta do conde:

 

Sou feliz!

 

Trina, sempre muito discreta, saiu para o jardim. Ao vê-los a se contemplar embevecidos sabia que eles mal perceberiam que ela os tinha deixado.

 

Tenho certeza de que o conde quer casar com mamãe, mas ela está tornando as coisas difíceis. Se ele conseguir as dez mil libras, isto os ajudará a viver com bastante conforto até que eu entre na posse da fortuna de meu pai, quando atingir os vinte e um anos. Poderei então entregar a mamãe aquilo que lhe caberia, se papai não tivesse feito aquele testamento horrível e injusto.

 

Naquele momento, era impossível para Trina dar o que quer que fosse para sua mãe, pois seu pai tinha nomeado alguns inventariantes que controlavam completamente sua fortuna até que ela atingisse a maioridade.

 

Tencionava dar a sua mãe tudo aquilo a que ela tinha direito, mas sabia que agora seria um erro agir nesse sentido, pois os inventariantes poderiam tomar determinadas medidas e impedi-la de contrariar o testamento paterno.

 

Ficarei em silêncio, até que seja tarde demais para eles poderem fazer qualquer tipo de interferência disse para si mesma, no momento em que ouviu a leitura do testamento.

 

Agora, porém, achava que se comunicasse a Susi suas intenções, talvez ela concordasse em desposar o conde e todos seriam muito felizes.

 

Ao mesmo tempo, era suficientemente perspicaz para compreender que ele se sentia humilhado pelo fato de saber que o dinheiro gasto com o castelo tinha vindo de uma esposa a quem não amara e com quem tinha sido muito infeliz.

 

Trina, a seu modo, era tão observadora quanto Susi.

 

Notaram, enquanto percorriam o castelo, que cada vez que admiravam alguma nova aquisição, uma tapeçaria, um belo quadro a óleo ou algum aposento recentemente decorado, o conde se punha na defensiva quando tinha de dizer: ”Minha mulher comprou aquilo” ou ”isto aqui foi um presente do meu sogro”.

 

Devido ao fato de ter de depender de uma mulher durante tantos anos, pensou Trina, é óbvio que agora não sente o menor desejo de voltar a assumir a mesma posição.

 

Era porém inegável que o castelo exigia uma enorme quantidade de dinheiro para sua manutenção, bem como os jardins, que se estendiam até as margens do rio.

 

De qualquer forma tenho de encontrar uma solução disse Trina para si mesma.

 

Durante todo o tempo em que lhe ocorriam tais pensamentos estivera passeando e de repente encontrou-se em meio aos ciprestes que margeavam o rio.

 

O sol já havia se posto, mas ainda havia uma ligeira claridade no horizonte. Surgiam as primeiras estrelas e a lua, em quarto crescente, refletia-se na superfície das águas.

 

Tudo aquilo era muito belo e ao mesmo tempo encerrava um mistério estranho, quase irreal, e que ela não se recordou de ter sentido antes.

 

Parecia até que as histórias de magia e encantamento, peculiares à Provence, eram diferentes de tudo o mais que existia na França. Enquanto tais pensamentos lhe ocorriam, começou a ouvir o canto dos rouxinóis.

 

Não se encontravam muito próximos, mas naquele silêncio que se seguia ao crepúsculo os passarinhos chamaram sua atenção. O som aproximava-se cada vez mais e ela ouviu, maravilhada, o seu canto, até se certificar de que se tratava de dois rouxinóis.

 

Um cantava para o outro e esperava a resposta, após o que ambos cantavam ao mesmo tempo. Trina sentia que seu coração cantava con eles. Ouviu passos que se aproximavam e pensou que o conde viera à sua procura. Fez um sinal com a mão, indicando que ele não deveria falar ou romper o encantamento daquele instante.

 

Os rouxinóis continuaram gorjeando, até que o canto tornou-se mais fraco e Trina imaginou que eles estivessem voando em direção às estrelas.

 

Quase chegava a ter a sensação de que podia vê-los e segui-los, ao contemplar o céu conseguiu perceber apenas o brilho das estrelas e a lua que brilhava no firmamento.

 

Por um momento, sentiu que também poderia voar. Ao lembrar-se de que o conde se encontrava a seu lado, soltou um ligeiro suspiro e voltou à realidade.

 

Foi uma canção de amor disse bem baixinho, voltando a cabeça.

 

Para sua grande surpresa não era o conde que se encontrava a seu lado e sim um homem a quem nunca tinha visto.

 

Ele era muito alto, tinha os ombros largos e ainda estava suficientemente claro para ela perceber que ele era bonito, mas de um modo bastante diferente do conde. Na verdade, havia algo nele que denotava sua nacionalidade inglesa.

 

Ficaram se olhando durante um momento, à luz do luar, que criava como que uma aura em torno dos cabelos louros de Trina. Como ele não falasse, Trina adiantou-se:

 

Penso que o senhor deve ser o marquês de Clevedon. Ele sorriu.

 

E tenho certeza que a senhorita é lady Sherington. O conde contou-me de sua presença aqui.

 

Trina estava para dizer que na realidade era a filha de lady Sherington quando se lembrou de que era importante que a marquesa não soubesse de sua existência.

 

Replicou a tempo. O senhor é muito perspicaz.

 

Nem tanto. Nosso locatário disse a minha mãe que tinha uma linda hóspede em sua casa. Permita-me dizer que ele não exagerou.

 

Obrigada.

 

Trina não ficou corada e nem sentiu-se encabulada com o elogio porque, ao contrário de Susi, já estava habituada àquela situação, que havia ocorrido várias vezes durante sua recente viagem a Roma.

 

Desviou os olhos do marquês e pôs-se a contemplar o rio e o horizonte distante.

 

Com que então estava ouvindo a canção de amor... Não me disseram que os rouxinóis eram uma das atrações da Provence.

 

Ele se exprimia em tom ligeiramente zombeteiro e Trina sentiu que ele encarava com ironia os relatos sobre aquela região da França. Quem sabe o que pensaria do tal Elixir da Juventude, tão desejado por sua mãe...

 

Enquanto ele falava, Trina pensou, com surpresa, que o conde não havia anunciado sua chegada.

 

Hoje à tarde, a caminho do castelo ele disse, quase como se estivesse respondendo à sua pergunta não formulada, constatei como tudo isto aqui é belo e diferente. Nunca tinha visitado esta parte da França.

 

Eu também não e acho tudo isto aqui fascinante.

 

Eu diria que a palavra ”romântico” soa melhor. Quando vi seu perfil, recortado contra a sombra dos ciprestes, achei que tinha à minha frente uma ninfa do rio ou talvez um fantasma do passado.

 

O senhor, com certeza, está entrando no espírito do lugar e deve achar o castelo bastante diferente de qualquer outro que já tenha visto.

 

Sim, é magnífico.

 

Havia de novo aquele tom ligeiramente zombeteiro em sua voz, como se ele estivesse resolvido a ser cínico em relação a tudo e, quem sabe, a todos.

 

Acho que talvez deva voltar para o castelo observou Trina.

 

Então vai me deixar a sós com meus pensamentos? Tem medo deles?

 

Nem um pouco, mas preferia que ficasse comigo.

 

Claro que me sinto honrada, mas tenho a impressão de que sua ansiedade se deve ao fato de que o senhor receia a solidão.

 

O marquês riu.

 

Talvez, nas presentes circunstâncias, eu não seja tão eloquente quanto um francês seria, mas dir-lhe-ei com toda franqueza que gostaria de conversar com a senhorita. Por que não nos sentamos?

 

Enquanto falava, indicou um banco de pedra que Trina ainda nãoj havia notado.

 

Sem dizer uma palavra caminhou em sua direção, consciente de que nem o conde e nem Susi estariam muito ansiosos para que ela voltasse.! Além do mais, para ser honesta, tinha de reconhecer que naquele momento estava mais interessada no marquês.

 

Sentia que seria um erro subestimar sua inteligência e por mais tola e ingénua que sua mãe se mostrasse, ele era uma pessoa bem diferente,

 

Trina sentou-se no banco de pedra e a barra de sua saia varreu o chão à sua volta. Sua cintura, recortada à luz do crepúsculo, parecia muito delgada e seus ombros e pescoço mostravam-se muito alvos, à luz da lua que nascia.

 

O marquês sentou-se a seu lado e pôs-se a encará-la.

 

Trina sabia que ele não tirava os olhos dela e imaginou o que ele deveria estar pensando. Ainda sinto que você não é real ele disse, após um momento, O castelo, o luar e os rouxinóis são uma fantasia, e mesmo que os encontre aqui amanhã de manhã, você terá desaparecido.

 

Espero passar a noite confortavelmente em minha cama...

 

Agora sei que você é inglesa observou o marquês. Somente uma inglesa poderia dissipar a poesia do momento com um comentário tão prático!

 

E somente um inglês seria suficientemente sem tato para apontar semelhante falha!

 

O marquês riu e respondeu:

 

Estou em uma casa francesa e tento adquirir a facilidade com que os franceses fazem elogios. Agora, porém, sei que isto é o resultado de uma vida inteira de treino e educação!

 

Enquanto os franceses estudam arte, os ingleses aprendem a correr atrás de uma bola ou a dar murros nos narizes uns dos outros! Sinto que isto que você diz é verdade, pois lembro-me de que atravessei uma fase durante a qual não gostava das mulheres e até mesmo imaginava para que elas haveriam de servir neste mundo.

 

O francês já sabe a resposta, assim que ele acaba de nascer! disse Trina, sorrindo.

 

Você não acredita em tudo o que um francês lhe diz, não?

 

Bem que gostaria! Acontece que algo muito crítico e muito inglês em meu cérebro me previne de que eu não devo acreditar em sequer uma palavra do que eles dizem!

 

O marquês voltou a rir.

 

Acho que concordaremos e discordaremos em relação a vários assuntos, mas espero que você não parta antes de eu voltar. Digo isto com uma grande sinceridade inglesa...

 

Vai embora?

 

Só vim para saber se minha mãe estava instalada confortavelmente. Amanhã devo partir para Monte Carlo, onde ficarei durante uma semana.

 

Pois então espero estar por aqui quando você voltar.

 

É exatamente o que eu queria ouvir. Trina levantou-se.

 

Posso lhe desejar bon voyage e bonne chance nos cassinos?

 

Receio que vá achá-los muito aborrecidos e prosaicos, após a magia dos rouxinóis e a sua, é claro!

 

Agora está sendo muito lisonjeiro e muito francês!

 

Trina estendeu-lhe a mão enquanto falava e o marquês apertou-a.

 

Boa noite, lady Sherington!

 

Pareceu hesitar durante alguns segundos e em seguida inclinou a cabeça.

 

Ao sentir os lábios dele em sua mão teve a sensação de que não se tratava de um mero beijo de polidez e disse a si mesma que sua partida representava um grande alívio.

 

Mais tarde pensou que aquele era o tipo de diálogo do qual Susi jamais participaria. Teria sido muito difícil explicar-lhe exatamente o que tinha sido dito ou como deveria se comportar, quando o marquês voltasse.

 

Trina recolheu rapidamente a mão e embrenhando-se por entre os ciprestes voltou às pressas para a mansão.

 

Ele não fez a menor menção de segui-la e ela teve a sensação de que o marquês achava que isto poderia constrangê-la.

 

Ele é inteligente e perspicaz, refletiu Trina. Pensou que quando o conde falava de sua mãe, ele não conseguia disfarçar o calor de sua voz e a expressão de seu olhar, pois Susi estava sempre a provocar sua ternura.

 

Também lhe ocorreu que o marquês, convencido de que ela-era lady Sherington, uma mulher viúva, flertara com ela como não o teria feito com outra mulher.

 

O marquês possuía um fascínio muito especial. Era bastante diferente do conde e, no entanto, à sua maneira, era um homem muito atraente.

 

Com uma ponta de melancolia, Trina disse para si mesma que em outras circunstâncias teria sido divertido voltar a encontrá-lo e conversar com ele. Ele fazia com que ela se sentisse provocante, de um modo muito estranho, que não conseguia precisar.

 

Não tinha conhecido muitos ingleses até então. Em Roma havia alguns, porém passara a maior parte do tempo com os amigos e irmãos mais velhos da amiga italiana com quem estivera no convento e que a convidara para ficar em sua casa.

 

Eles lhe dirigiam galanteios, desde que o dia começava até a hora de dormir, mas ela sempre os mantivera à distância, rindo de sua eloquência e não os levando a sério.

 

Essa experiência lhe proporcionara uma sofisticação que ela até então não possuía, apesar de que a temporada passada na Espanha lhe ensinara um bocado a respeito dos homens e do modo como eles abordavam as mulheres.

 

O marquês era muito diferente de todos os homens que havia conhecido. Talvez isto se devesse ao fato de ele ser inglês, ou talvez porque fosse mais velho. Imaginava que tivesse vinte e nove ou trinta anos.

 

Embora não tivesse a menor razão para pensar assim, tinha a sensação de que ele era ligeiramente devasso e de que gostava de partir os corações, um pouco à maneira do conde.

 

Quaisquer que fossem suas suposições, disse para si mesma que aquela era a primeira e última vez que o veria.

 

Era um pensamento um tanto desanimador, e ela sentiu-se um tanto arrependida por enganar a marquesa e tentar extrair dela dez mil libras.

 

Assim que voltou à mansão, Trina decidiu ir direto para a cama.

 

Ao passar por perto do salão, ouviu as vozes de sua mãe e do conde e convenceu-se de que eles não gostariam de ser interrompidos.

 

No momento em que se despia, ocorreu-lhe que era muito estranho o fato de o conde não lhe ter dito que o marquês se encontrava no castelo.

 

Eles, com toda certeza, haviam-se encontrado e teria sido muito natural que ele mencionasse a presença do marquês, quando voltou à mansão para o jantar.

 

Imaginou que a razão de sua atitude devia-se ao fato de que o conde tinha plena consciência de que o marquês, com sua atitude cínica e extremamente célica em relação a tudo, assustaria Susi.

 

Ele até que é sensato, pois mamãe assusta-se facilmente e tenho certeza de que ela jamais conseguiria conversar com o marquês como eu hoje à noite.

 

Era uma grande sorte ele partir no dia seguinte, pela manhã, e decidiu que assim que tivessem as dez mil libras também deveriam fazer o mesmo.

 

Tinha a sensação incómoda que por mais fácil que fosse enganar a marquesa, o mesmo não aconteceria no que dizia respeito ao marquês.

 

Depois, chegou à conclusão de que estava sendo desnecessariamente apreensiva.

 

Quem, por mais imaginação que tivesse, seria capaz de supor que uma mãe pudesse ser tão igual à sua filha, como acontecia com ela e Susi?

 

Havia entre elas uma semelhança superficial, na medida em que seus cabelos, peles e olhos tinham a mesma cor. No entanto, para um observador arguto e desconfiado, as diferenças eram mais do que óbvias.

 

Susi, a despeito de sua aparência juvenil, já tinha dado à luz a uma criança e em consequência seus seios eram um pouco mais cheios do que os de Trina e sua cintura não era tão delgada. O jeito como ela andava também não denotava a exuberância e a espontaneidade de uma garota de dezoito anos. Seu rosto apresentava uma certa firmeza nos traços, ao contrário da suavidade de Trina.

 

Separadas, seria muito fácil que uma encarnasse a outra, mas se ficassem juntas, Trina era o bastante astuta para adivinhar que alguém como o marquês seria capaz de perceber quem era a mais velha, e isto sem a menor hesitação.

 

Precisamos ir embora daqui disse novamente para si mesma. Isto, porém, não queria dizer que tivessem de voltar para a Inglaterra. Podiam ficar em Paris, onde a duquesa ficaria encantada em recebê-las.

 

Sua visita foi tão curta, querida Susi! comentou, no dia em que se despediram dela. Compreendo muito bem que você sinta vontade de ver o castelo de Jean, mas assim que você se cansar da vida no campo, volte para Paris. Farei de você e de Trina as mulheres mais requisitadas de toda a cidade.

 

Exprimia-se com sinceridade e Trina naquele momento achou que adoraria aceitar tão generoso convite.

 

Para mamãe seria muito bom fazer sucesso, pensou, preocupando-se mais com sua mãe do que com ela mesma. Sempre foi reprimida e esnobada por aquelas horríveis irmãs de papai e, enquanto cuidou dele, jamais lhe passou pela cabeça fazer algo que ele não aprovasse.

 

Ao deitar-se, Trina pensou mais uma vez como poderia ajudar sua mãe financeiramente, assim que atingisse a maioridade.

 

Enquanto isso, posso lhe comprar vestidos, fingindo que são meus, e se os inventariantes se queixarem de que sou extravagante, criarei tantos problemas que eles me darão todo o dinheiro que eu quiser dizia a si mesma.

 

Gostaria de poder continuar pensando em sua mãe, mas, de repente, estava recapitulando sua conversa com o marquês.

 

Para ser honesta comigo mesma, devo reconhecer que é o homem mais atraente que já conheci até hoje disse, antes de adormecer.

 

Pela manhã, começaram as primeiras dificuldades no sentido de não deixar a marquesa ou seus criados perceberem a existência de Trina.

 

Isto quer dizer que não poderemos andar juntos a cavalo disse o conde. Sinto muito, Trina, mas quando fizemos nossos planos, não imaginava que você pudesse sofrer tantas restrições.

 

Conseguirei aguentar muitas privações, contanto que você consiga as dez mil libras retrucou Trina, sorrindo. Seria melhor que você levasse mamãe para dar uma volta a cavalo, enquanto eu começo meu trabalho lá na estufa. Dei uma espiada antes do café da manhã e vi muitos pés de rosmaninho.

 

Lá você também encontrará funcho e tomilho. Ordenei aos jardineiros que trouxessem numerosas outras ervas que crescem nos jardins do castelo. Tenho certeza de que serão de utilidade para você.

 

Com toda certeza! E se estivermos na época dos lírios-do-vale, também haverei de querer alguns.

 

Pode pedir tudo o que desejar. Quanto tempo acha que levará para preparar a poção mágica?

 

Quero trabalhar rapidamente e terminar logo com isto. Você sabe o quanto mamãe ficará preocupada, até que nossa comédia seja encenada! Se demorarmos muito, ela parecerá tão velha que o contraste entre nós tornará a transformação desnecessária!

 

Pode deixar sua mãe por minha conta.

 

Tinha a impressão, apesar de ele não dizer nada, que ele também achava que tudo devia estar consumado antes da volta do marquês.

 

Foi até a estufa, que felizmente não era frequentada pela criadagem da marquesa, e com os antigos manuscritos e livros servindo de guia começou a escolher as ervas.

 

Extraía-lhes o suco, misturava-os um por um, até conseguir deles un gosto agradável.

 

Decidiu adicionar um pouco de mel à poção, a fim de adoçá-la.

 

Quando era criança, sua babá lhe dissera que o mel tinha qualidades ”mágicas”, pois a abelha-mestra costumava viver vinte anos. Todo dia, no café da manhã, encontrava à mesa um pote de mel, proveniente do apiário do castelo de seu pai.

 

Na hora do almoço, perguntou ao conde se na Provence existia algum tipo de mel especial.

 

Claro que sim, aliás, vários, para falar a verdade. Há mel de lavanda, de flor de laranjeira e até mesmo um mel muito especial, que as abelhas fabricam com as flores da primavera...

 

É esse mesmo que precisamos adicionar ao nosso Elixir da Juventude concluiu Trina.

 

O conde prometeu que tomaria providências para que o trouxessem à mansão, declarando em seguida:

 

Esta tarde sua mãe e eu iremos visitar a marquesa. Acho, Trina, que você pode aplicar um pouco de pintura em sua mãe, a fim de fazer com que ela pareça mais velha.

 

Susi naquele momento parecia feliz e bem mais jovem, pois seu passeio com o conde a deixara muito animada.

 

Pois eu acho que eu deveria fingir que sou lady Sherington. Mamãe é que deveria surgir sentada na cadeira, em meu lugar!

 

Não deixa de ser uma ideia! disse o conde, rindo. Susi, porém, exclamou:

 

Vocês estão me fazendo sentir vergonha! Se pareço tão jovem, é porque me sinto feliz.

 

É assim que quero que você se sinta sempre disse o conde. Ficaram enlevados, olhando um para o outro, e Trina foi esquecida. Mais tarde, dirigiu-se até o quarto de sua mãe, onde Susi vestia um traje bastante elegante, que a fazia parecer um pouco mais velha e contrastava com seus vestidos simples, os quais constituíam a maior parte de seu guarda-roupa.

 

O vestido era cor de violeta e Trina decidiu que sua mãe deveria usar um colar, brincos e bracelete de ametistas, a fim de completar o efeito daquele traje tão chique.

 

Sempre achei estas jóias antiquadas e tenho certeza que tia

68


Ruthy influenciou papai para que ele as comprasse! Elas, porém, são perfeitas para a ocasião.

 

Ele me deu jóias tão lindas que eu seria uma ingrata se me queixasse.

 

Você nunca se lamentou, mamãe, porém sabe tanto quanto eu que a ametista é uma pedra muito sem vida. Gosto demais de seus diamantes e das turquesas.

 

Pode usar todas as minhas jóias, se quiser.

 

O mesmo digo eu, mamãe. Quando você se casar com o conde e não tiver mais dinheiro para gastar com coisas tão frívolas quanto as roupas, pretendo lhe comprar muitos e muitos vestidos, além do que lhe darei um presente...

 

Você não fará nada disto! disse Susi, quase automaticamente. Em seguida acrescentou:

 

O que a leva a pensar que me casarei com o conde?

 

Mas é claro que casará, mamãe. Ele é tão bonito, encantador, e está muito apaixonado por você.

 

Como posso permitir que ele desista de tanta coisa por mim? Ao ouvir esta frase, Trina certificou-se, sem que sua mãe lhe dissesse, que o conde queria de fato se casar com ela e já havia comunicado sua intenção.

 

Ele foi muito infeliz com a primeira mulher, com quem se casou por dinheiro disse Trina, procurando ser bem prática. Não é possível condená-lo a passar o resto de sua vida sendo infeliz com uma outra.

 

Mas suponhamos que ele, depois de casar comigo, lastime-se por não poder gastar muito dinheiro com o castelo.

 

Se você é capaz de dizer uma coisa destas, mamãe, então acho que não está apaixonada.

 

Susi encarou-a, muito surpreendida, e Trina prosseguiu:

 

Tenho certeza de que o conde a ama, como jamais amou em toda a sua vida, e apesar de você estar criando dificuldades, mamãe, sabe muito bem que o ama da mesma forma.

 

Os olhos de Susi encheram-se de lágrimas.

 

Oh, Trina... estou tão preocupada... O que devo fazer?

 

Case-se com o conde e deixe todas as preocupações por conta dele!

 

Trina passou os braços em torno dos ombros de sua mãe e beijou-a no rosto.

 

Como é que pode ser tão tola? O homem mais atraente que se possa imaginar está perdidamente apaixonado por você e lhe oferece uma vida maravilhosa, longe da Inglaterra e dos desagradáveis parentes de papai. Eu não hesitaria um segundo em agarrá-lo, antes que alguém o faça!

 

Oh, Trina! Você diz coisas terríveis! Suas lágrimas agora davam lugar à alegria.

 

Tenho tanta, mas tanta sorte... em poder contar com você e com Jean! Há anos que já não sei o que é rir com gosto e sentir vontade de dançar ou sair voando pelo céu.

 

Isto é amor!

 

Enquanto falava, lembrou-se de como, na noite anterior, os rouxinóis tinham voado em direção às estrelas, entoando sua canção de amor.

 

Fez Susi limpar as lágrimas e com muita delicadeza colocou uma ligeira sombra sob seus olhos, adicionando algumas pequenas rugas nos cantos.

 

Deu um passo atrás, a fim de ver o efeito causado pela maquilagem.

 

Olhe para mim, mamãe ordenou, declarando em seguida: Bem, acho que você agora parece um pouco mais velha, mas ainda é muito bonita. Não me surpreende que o conde tenha se rendido, no momento em que a viu pela primeira vez.

 

Passou-lhe pela mente que o marquês poderia ter se sentido exatamente assim em relação a ela.

 

Então, disse para si mesma que ele era muito mais cínico do que o conde e seria preciso muito mais do que um palmo bonito de rosto para perturbar seu equilíbrio.

 

Tentando não pensar em si mesma ou no marquês, Trina concentrou-se em pentear os cabelos de sua mãe em um estilo diferente e em seguida a fez colocar um chapéu muito sofisticado, coroado com flores cor de malva e fitas de veludo, que combinava com o vestido.

 

Você até parece que vai às corridas no prado de Ascot ou a uma recepção na corte. Ninguém diria que vai a uma simples visita no campo observou Trina, sorrindo.

 

Será que Jean vai me achar muito formal perguntou Susi, ansiosa.

 

Não importa o que o conde pense. É preciso concentrar-se na marquesa, mamãe. Não se esqueça de solidarizar-se com ela em sua busca ao Elixir da Juventude e diga que se trata de algo que você sempre quis encontrar.

 

Finalmente Susi ficou pronta e quando desceram as escadas Trina percebeu que o conde estava maravilhado com seus esforços.

 

A fim de fazer Susi sentir-se mais à vontade, falou com ela de um modo que trouxe a cor a seu rosto, um tanto pálido, provocando um brilho em seus olhos.

 

Ele é o tipo de marido que mamãe precisa Trina disse para si mesma, enquanto a carruagem que os transportava se afastava.

 

Entrariam no castelo em grande estilo, atravessando a ponte levadiça e parando diante da porta principal.

 

Por detrás da mansão havia gramados verdejantes que iam até as antigas muralhas, bem como canteiros traçados no tempo de Luís XIV.

 

Trina, entretanto, não perdeu tempo em contemplá-los e foi direto para a estufa.

 

Quando Susi e o conde voltaram, uma hora mais tarde, uma criada veio dizer a Trina que monsieur lê Comte e madame estavam à sua espera no salão.

 

Retirou o avental que lhe cobria a saia, lavou as mãos e desceu a escadaria correndo.

 

Susi já tinha tirado o chapéu e o colocara sobre uma cadeira, juntamente com as luvas e a bolsa.

 

O que aconteceu? Contem-me! perguntou Trina, entrando às pressas no salão.

 

O conde esperou que Susi falasse em primeiro lugar.

 

A marquesa deve ter sido mesmo muito bonita, mas, Trina, é uma figura um tanto patética.

 

Como assim?

 

Ela obviamente não liga para nada e para ninguém, a não ser para a beleza perdida! Meu Deus, espero que nunca venha a ficar assim!

 

E como seria possível? Você nunca pensa em si mesma e passa O tempo todo preocupada com os outros.

 

Pelo que vejo, a marquesa vai fazer parte da lista - disse o conde - porém sua mãe tem razão. Ela é patética.

 

Ela parecia um tanto obcecada disse Susi, quando se referiu ao fato de que precisava encontrar o Elixir da Juventude.

 

Você lhe disse que ele existe?

 

Jean se encarregou de fazê-lo.

 

”O que sua mãe está tentando dizer é que ela não sabe mentir disse o conde, sorrindo. Disse à marquesa que um elixir maravilhoso, cuja fórmula é das mais secretas, chegaria aqui dentro de dois dias. Acha que é muito cedo?

 

Não, penso que até lá ele estará pronto respondeu Trina, mas eu gostaria que tivéssemos ensaiado mais aquele truque de desaparecer chão adentro com a cadeira.

 

Acho que poderíamos usar as outras entradas secretas disse o conde, mas você tem razão em pensar que será muito mais convincente se alguém desaparecer bem no centro da sala e não junto a uma parede ou a uma estante de livros, que poderiam tornar-se imediatamente suspeitos.

 

Daremos um jeito. Agora só lhe peço que me encontre uma garrafinha de farmácia que pareça bem antiga, a fim de que eu ponha o elixir dentro dela, quando estiver pronto.

 

Sei exatamente do que você precisa.

 

Mas enquanto isto continue a me contar o que a marquesa disse.

 

Ela ainda é bela, apesar de um tanto fanada respondeu Susi. A tintura que usa no cabelo é brilhante e lhe dá o aspecto de uma boneca pintada.

 

Percebo. Quem sabe poderíamos fabricar para ela uma espécie diferente de tintura? Alguns livros fornecem detalhes relativos a quais ervas usar e como tingir o cabelo. Um deles chega a dizer que o sangue de lebre é muito eficaz, no sentido de ajudar o cabelo a crescer.

 

Susi pareceu ficar chocada.

 

Não imagino que possa existir nada de mais desagradável!

 

Pois existem receitas ainda piores! Mas você estava me falando da marquesa. Sobre o quê ela conversou?

 

Susi sorriu.

 

Só conseguia falar de sua aparência e dos diferentes tratamentos que tentou. Foi até Paris no ano passado.

 

Tenho certeza de que a fizeram pagar fortunas por aquilo que ela queria observou o conde.

 

De acordo com ela, em Paris, prometeram-lhe que melhoraria muito, mas quando voltou para a Inglaterra descobriu que a massagem que lhe haviam aplicado fez com que sua pele se tornasse flácida.

 

Acho que era mesmo de se esperar.

 

Isto a fez concluir que os tratamentos externos eram inúteis e que em algum lugar encontraria o Elixir da Juventude.

 

E não voltou a dizer o quanto pagaria por ele?

 

Disse que daria até o último centavo que possui se voltasse a ser como naqueles dias em que as pessoas se levantavam de suas cadeiras no parque a fim de vê-la passar e sua carruagem era rodeada de admiradores quando ia à ópera ou ao teatro.

 

Até certo ponto posso entender o que ela sente agora.

 

Isto reforçou minha resolução de envelhecer com dignidade disse Susi. Por favor, quando vocês notarem que estou preocupada demais com meu rosto, digam-me que estou sendo uma tola e que não há nada que faça o tempo parar.

 

Dirigia-se a Trina, porém olhava para o conde e este disse calmamente:

 

Acho que cada idade tem seus atrativos. Para mim, grandmere ainda é muito bonita e admiro-a cada vez mais, sempre que a vejo.

 

Esteve com ela hoje? perguntou Trina. O conde fez que sim.

 

Ela me perdoou o suficiente para concordar em me receber! Ao mesmo tempo, pretende ficar encerrada em seu quarto até sentir que pode encarar um mundo no qual seu neto rebaixou-se por algo tão vil quanto o dinheiro!

 

O jeito como ele se exprimia fez Trina rir, porém Susi observou:

 

É uma pena que ela tenha ficado aborrecida.

 

Ela declarou algo com muita firmeza e sei que está falando sério: disse que jamais se encontrará com minha locatária. O conde fez uma pausa e acrescentou:

 

É a melhor coisa que poderia ter acontecido. Não sabia como dizer

a grandmere para, de modo algum, mencionar a existência de Trina.

 

Tudo está caminhando da melhor maneira possível disse Trina e as coisas entrarão nos eixos quando você receber as dez mil libras. Em seguida, poderemos todos ir embora.

 

Você acha que é isso que temos de fazer? perguntou Susi.

 

Claro que sim. Não haveremos de querer estar aqui quando a marquesa descobrir que o elixir não funciona como ela esperava. Prometo-lhes, porém, que ela se sentirá muito melhor de saúde.

 

Ela não está com boa aparência. Posso estar enganada, mas penso que ela faz um regime rigoroso demais para se manter esbelta. Não tocou em nada durante o chá comentou Susi.

 

Quando tiver tempo, mamãe, quero que venha experimentar o elixir que preparei. O gosto é bom, mas quero ter certeza de que ele não provoca indigestão ou deixa as pessoas tontas.

 

Não incomode sua mãe disse o conde. Deixe-me provar ho elixir. Claro, mas duvido que suas reações sejam tão sensíveis quanto as de mamãe. Pois então ambos tentaremos declarou Susi com firmeza. Ela e o conde tomaram um copo do elixir antes de irem se trocar para o jantar e quando voltaram para o salão Susi declarou: - Estou tentando apurar se me sinto diferente. Sinto-me tão ben que é difícil saber que efeito o elixir teria sobre mim. E você, o que me diz? perguntou Trina ao conde.

 

Sinto-me capaz de carregar o mundo nas minhas costas, atravessar o canal da Mancha a nado e voar até a lua! Não é o elixir que o faz sentir assim!

 

Eu sei, mas sua mãe não acreditará em mim quando eu lhe disser que ela é o único elixir de que necessito!

 

Pois então faça com que ela acredite em você respondeu Trina, e ambos sorriram um para o outro com certa cumplicidade.

 

Riram bastante durante o jantar, que, aliás, estava delicioso, e quando terminaram Trina pensou mais uma vez que deveria deixar sua mãe a sós com o conde.

 

Sem que eles sequer notassem o que estava fazendo, foi dar uma volta no jardim.

 

A lua agora estava mais cheia e quando chegou ao lugar onde ouvira os rouxinóis cantar, uma luz prateada refletia-se nas águas do riacho.

 

Os rouxinóis não marcavam sua presença e então ela encaminhou-se para o banco de pedra onde havia se sentado com o marquês e ficou a imaginar o que ele estaria fazendo naquele momento. Será que ele estava pensando nela, como ela pensava nele?

 

Tinha certeza de que em Monte Carlo ele encontraria mulheres encantadoras e sofisticadas, desejosas de flertar com ele e tornar sua estadia lá extremamente divertida.

 

Ficou a imaginar porque ele não tinha se casado até então e achou que talvez fosse um daqueles homens mundanos de quem os cínicos diziam: ”Passa seu tempo indo de um leito para outro”.

 

Trina sabia um bocado a respeito da sociedade de Londres, apesar de haver poucas garotas inglesas no convento.

 

Quando esteve em Madri e Roma, ouvia todas as fofocas, que eram aliás o assunto principal da conversa entre adultos e descobriu muita coisa a respeito das intrigas amorosas dos países em que estava, bem como de seu próprio país.

 

Era óbvio que o príncipe de Gales era muito admirado na Europa e que seus casos amorosos múltiplos, por sinal eram muito conhecidos e comentados, de Bordéus a Varsóvia e de Madri até as praias do Adriático.

 

Como era muito curiosa, escreveu a sua mãe e pediu-lhe que lhe enviasse toda semana o Illustrated London News, o Graphic e o Ladies Journal.

 

Encontrava neles retratos de todas as celebridades da sociedade, a respeito das quais ouvira falar, e acompanhava tudo com grande interesse.

 

Era um mundo do qual Susi chegara a participar, antes que seu marido ficasse doente e incapaz de sair de casa.

 

Trina recordava-se de que quando era menina vira certa vez sua mãe usando uma tiara de diamantes, que fazia parte da coleção dos Sherington, bem como um colar de diamantes que parecia um bocado pesado para seu pescoço, pulseiras, anéis e broches muito mais apropriados para uma mulher mais velha.

 

Você está se parecendo com uma princesa de um conto de fadas, mamãe Talvez o príncipe esteja à sua espera no baile

 

Susi sorriu.

 

Seu pai é o meu príncipe, querida.

 

Naquele tempo, Trina pensava que seu pai, apesar de muito distinto, era velho demais para ser um príncipe de conto de fadas.

 

Agora ficava surpresa ao perceber que a espécie de príncipe que desejava para sua mãe se parecia muito com o marquês.

 

Continuou pensando nele, como que invocando sua presença, e de repente alguém sentou-se a seu lado.

 

Deu um grito abafado, muito assustada.

 

Era o marquês e com a luz do luar a iluminar-lhe o rosto ele parecia ainda mais belo e forte do que na véspera.

 

Boa noite, lady Sherington. Está sem dúvida surpreendida por voltar a me ver?

 

Pensei que tivesse ido para Monte Carlo respondeu Trina, sentindo uma certa dificuldade em se expressar.

 

Fui, sim, mas quando cheguei a Aries, soube que os trens estavam com bastante atraso, devido a um deslizamento de terra. Esperei durante muitas horas e então resolvi que não tinha a menor intenção de ficar em algum hotel desconfortável. Voltei para cá no meio da noite.

 

Trina deu um suspiro de alívio.

 

Isto significava que ele não tinha visto sua mãe, se bem que, por um momento, ela chegou a pensar que talvez Susi e o conde houvessem combinado não lhe contar que o marquês se encontrava no castelo.

 

E vai partir amanhã?

 

Tem tanta pressa em se livrar de mim?

 

Não, claro que não! Apenas fiquei interessada. Para você, deve ter sido aborrecido, ter de mudar seus planos no último momento.

 

Devo lhe confessar que fiquei contente por ter a oportunidade de voltar a vê-la?

 

Não espera que eu acredite nisso, não é?

 

Pois então digamos que eu estava me sentindo romântico e esperava que os rouxinóis estivessem em forma hoje à noite.

 

Já notou que hoje eles resolveram não se manifestar?

 

Que malcriados! Terei de contar com você. Quer me cantar uma canção de amor?

 

Duvido que minha voz possua o mesmo encanto.

 

Pois então precisamos conversar. Agora que já nos conhecemos muito melhor, sugiro que me fale a seu respeito.

 

Seria muito enfadonho. Quando apareceu, eu estava justamente pensando em você.

 

Estava pensando em mim? ele perguntou, intrigado.

 

Trina compreendeu que ele se aproveitaria da situação e respondeu:

 

Não se tratava de nada pessoal. Refletia sobre a vida em sociedade, na qual tenho certeza de que você exerce um papel importante.

 

Pelo tom de sua voz posso dizer que isto não a impressiona especialmente.

 

Não me sinto preparada para fazer críticas. Trata-se de um mundo do qual nada sei, a não ser através daquilo que li e ouvi.

 

E que com toda certeza era não somente pouco verdadeiro, como também cheio de calúnias!

 

Trina riu.

 

Como é que tem tanta certeza?

 

Diga-me o que leu ou ouviu. Tenho certeza de que consigo repetir exatamente o que lhe foi dito.

 

Acho que seria muita indiscrição de minha parte, mas você sabe muito bem que a Europa sente-se fascinada pelo príncipe de Gales e por aqueles que são considerados seus amigos.

 

Pelo que minha mãe me disse, esta é a sua primeira visita à França.

 

Trina compreendeu tarde demais que, por um momento, havia esquecido o fato de que ”deveria passar por Susi, pois estivera pensando em suas viagens a Madri e Roma.

 

Passei por Paris em minha viagem para cá.

 

Esperava que com aquela desculpa conseguisse consertar a gafe que tinha cometido.

 

Espero que tenha achado as fofocas parisienses muito informativas...

 

Achei-as fascinantes replicou Trina, esperando mudar de assunto.

 

Na verdade, estávamos conversando a meu respeito relembroulhe o marquês, e eu me senti muito lisonjeado por você admitir que estava pensando em mim, da mesma forma que pensei em você.

 

Por quê?

 

Porque você não só é diferente daquilo que eu esperava mas, de certo modo, é diferente de qualquer pessoa a quem conheci até hoje.

 

Não vou perguntar sob que aspectos disse Trina, em atitude defensiva.

 

Pois então eu lhe direi. Você é muito bonita, como bem sabe, mas há algo mais: uma espécie de vibração que você irradia e que jamais encontrei antes, mas que é bastante intrigante.

 

Mais uma vez você voltou a expressar-se de modo muito inglês... Se estava tentando fazer com que ele desistisse de tecer comentários muito íntimos a seu respeito, fracassou.

 

Acho que a maior parte das pessoas levam em consideração apenas as palavras que ouvem e quase nunca encaram mais profundamente os motivos, sentimentos ou verdades que estão por detrás delas.

 

Esta declaração deixou Trina intrigada.

 

Tenho certeza de que você está com a razão disse em um tom bem diverso do que empregara antes. As palavras são apenas um veículo, muitas vezes pouco adequado para expressar emoções. É por isso que acredito que todos os grandes mestres da humanidade empregavam uma linguagem esotérica quando se dirigiam a seus discípulos e até hoje elas não foram adequadamente interpretadas pelos não iniciados.

 

Quem lhe disse isto?

 

Não importa... mas é verdade, não é mesmo?

 

Então, você acha que os discípulos sentiam aquilo que lhes era ensinado e que isto para eles era mais profundo do que simplesmente ouvir com seus ouvidos?

 

Claro. É exatamente o que eu queria lhe dizer, mas você expressou meu pensamento melhor do que eu.

 

Pois acho que você se expressa com muita propriedade. Basta apenas que permaneça autêntica.

 

Trina deu um suspiro.

 

Agora você volta a fazer com que tudo se torne pessoal. Estava gostando de conversar com você, porque ambos usávamos nossos cérebros e tenho certeza de que isto não é algo muito comum.

 

Enquanto ele falava, Trina pensava que aquele era o tipo de conversa que o marquês gostaria de ter tido com alguém mais bem informado do que ela.

 

As professoras do convento, até mesmo as melhores, tinham se revelado incapazes de responder as perguntas que ela lhes fazia e nos livros encontrou somente algumas respostas às suas inquietações.

 

Muitas de suas leituras eram, no entanto, tão eruditas que a madre superiora do convento lhe disse, com certo desdém, que tais livros estavam muito acima de sua compreensão.

 

Trina, porém, sempre queria procurar o inatingível.

 

Agora, ocorria-lhe o pensamento inesperado que o marquês era alguém a quem ela sempre esperara encontrar, não porque ele fosse um homem atraente, mas porque pensava da mesma forma que ela.

 

-Imagino disse o marquês, como se estivesse raciocinando em voz alta, que enquanto cuidava de seu marido durante os anos em que esteve doente, não tivesse mais nada a fazer, a não ser ler.

 

Trina ficou novamente surpreendida, ao perceber que ele a tomava por Susi.

 

Sim... claro. Eu... tive tempo de sobra para isto.

 

Está surpreendida por eu achá-la diferente? A maior parte das mulheres que são lindas como você se preocupam mais com a aparência e muito pouco com o intelecto.

 

Trina sabia que ele estava se referindo à própria mãe e disse:

 

Pois deveriam ter tido uma babá como a minha, que sempre dizia: ”Beleza não se põe na mesa e não dura muito, portanto é preciso aproveitar ao máximo!”

 

O marquês riu.

 

Tenho certeza de que minha babá também dizia coisas do género, só que próprias para um menino.

 

As babás são pessoas muito práticas, muito terra à terra disse Trina, sorrindo. Agora tenho de ir embora. Na mansão já devem estar preocupados, imaginando o que aconteceu comigo.

 

Por que está sozinha? O conde deveria fazer-lhe companhia, não só ontem à noite, como hoje também.

 

Está fazendo companhia à avó, que não se sente bem.

 

O que ele perde por um lado, eu ganho por outro! Teria ficado muito desapontado se não a encontrasse aqui, e muito... despeitado, se você não estivesse sozinha.

 

Então, talvez eu tenha sido uma compensação para o fato de que você agora não se encontra sentado a uma mesa de jogo, com duas lindas mulheres a seu lado, ajudando-o a desafiar a deusa da fortuna.

 

Sua imaginação vai longe, lady Sherington disse o marquês com secura. Jogo raramente e para sua grande surpresa devo lhe dizer que vou a Monte Carlo a fim de visitar uma pessoa amiga que está doente e deseja muito minha companhia.

 

Espero que ela seja bem bonita disse Trina, sem conseguir se controlar.

 

Mais uma vez agredia o marquês, como havia feito na noite anterior

 

Parecia até que um demónio interior a levava a provocá-lo.

 

Havia se levantado, enquanto falava, e o marquês fez o mesmo.

 

Percebo ele disse em tom divertido que está resolvida a me; transformar em um aventureiro. Muito bem, lady Sherington, estou mais do que preparado para desempenhar o papel que me atribuiu.

 

Trina encarou-o, imaginando como podia responder àquela declaração e querendo dizer algo espirituoso.

 

Então, para sua grande surpresa, antes que pudesse dizer qualquer coisa, os braços do marquês rodearam-na e ele a atraiu para si.

 

Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, antes mesmo de ter tempo para afastá-lo, seus lábios pousaram-se sobre os dela e os mantiveram prisioneiros.

 

Ela ficou tão surpresa que por um momento nem sequer se debateu.

 

Pensou que os lábios dele eram atrevidos e que absolutamente não esperava ser beijada, mas nesse momento o abraço tornou-se mais apertado e ela achou impossível desvencilhar-se. Subitamente, constatou que se submetia à vontade dele de um modo para o qual não encontrava a menor explicação.

 

Algo estranho e maravilhoso parecia invadir-lhe os seios, a garganta e vibrar em seus lábios, colados aos do marquês.

 

Aquilo tudo proporcionava-lhe sensações que ela jamais imaginara ser capaz de experimentar.

 

Tudo aquilo era tão maravilhoso, tão perfeito... era o mesmo que sentira, quando ouvira a canção dos rouxinóis.

 

Sentiu-se como se o marquês a transportasse para o céu, em direção às estrelas, e eles se fundiam com o luar refletido nas águas, com as árvores, as flores e os jardins que rescendiam a perfumes.

 

Apoderou-se dela uma vibração que não poderia ser colocada em palavras. Era um enlevo, um momento glorioso, que a fazia sentir-se como parte daquele homem.

 

O tempo parecia ter deixado de existir e ela tinha a impressão de que haviam se escoado minutos ou séculos. Foi então que o marquês levantou a cabeça.

 

Com um murmúrio abafado, quase inaudível, mas que vinha das profundezas de seu ser, Trina livrou-se de seus braços.

 

Começou então a correr para bem longe dele, escapando por entre o gramado com uma rapidez que parecia impossível a alguém que não fosse muito jovem.

 

Chegou à mansão e sem pensar abriu a porta do salão que dava para o jardim. Somente então percebeu que seu coração batia com tamanha força que ela mal podia respirar.

 

Trina deixou-se cair sentada sobre uma cadeira, exausta. Fez o possível para controlar a respiração ofegante.

 

Sabia que o que sentira, quando o marquês a beijou, era algo do qual nunca mais conseguiria escapar, mesmo que não voltasse a vê-lo nunca mais.

 

Ele tinha roubado uma parte de seu ser que ela jamais poderia recuperar.

 

Ao despertar, na manhã seguinte, o primeiro pensamento de Trina foi: como é que ele ousou me beijar? Ao mesmo tempo, foi-lhe impossível deixar de acrescentar: Mas que maravilha!

 

Se bem que vários rapazes tivessem tentado beijá-la em Roma, manteve-os a uma distância prudente e decidiu firmemente que jamais permitiria que outros lábios pousassem nos seus, enquanto não estivesse apaixonada.

 

O marquês a havia tomado de surpresa e pensou que normalmente não só teria lutado contra ele como também teria ficado muito zangada com tamanha ousadia.

 

Não conseguia, entretanto, esquecer o deslumbramento que ele havia provocado nela a tal ponto, que tivera a impressão de que ele a transportava para as estrelas e que com seus lábios ele lhe arrancava o coração e ela tornava-se parte dele.

 

Nunca mais voltarei a vê-lo.

 

Porque temia seus próprios pensamentos, vestiu-se rapidamente e desceu correndo as escadas, indo ao encontro de sua mãe e do conde, que já estavam tomando o café da manhã.

 

Ontem você não me foi dar boa-noite disse-lhe Susi, em tom de censura.

 

Achei que você já deveria estar dormindo.

 

A verdade é que, após tudo aquilo que sentira com o marquês, teria sido impossível conversar com alguém ou abordar qualquer outro assunto que não se referisse a ele.

 

Hoje, após nosso passeio a cavalo disse o conde, informarei a marquesa que o elixir chegará à noite e que poderemos demonstrar seus poderes amanhã.

 

Susi encarou-o, como se estivesse surpreendida com o tom de urgência de sua voz.

 

Se quer saber a verdade ele acrescentou, preferia que não tivéssemos embarcado nesta aventura.

 

Sinto o mesmo disse Susí, mas ao mesmo tempo sei o quanto isto significa para você.

 

Acho que é necessário, mas mesmo o castelo parece ter perdido importância.

 

Trina sabia muito bem o que ele estava tentando dizer: que a única coisa que importava era seu amor por Susi e que a desejava para sua esposa.

 

Ao mesmo tempo, podia compreender a relutância de sua mãe em permitir que ele se sacrificasse tanto.

 

Trina tinha certeza de que a razão estava do seu lado, ao pensar que o conde jamais estivera tão apaixonado em sua vida e sabia também que a felicidade seria a recompensa para quase tudo o mais. Compreendia o quanto a história de seus antepassados era importante para os nobres da França e da Itália. Aquilo fazia parte de seu sangue e até mesmo do ar que respiravam.

 

Se eu pelo menos pudesse encontrar uma solução, pensou Trina, tudo estaria perfeito.

 

A perfeição, no entanto, era algo que poucas pessoas encontravam neste mundo e ela disse a si mesma que não dispunha de uma varinha mágica para fazer com que sua mãe e o conde vivessem felizes para sempre.

 

Trina ficou olhando os dois se afastarem nos esplêndidos cavalos do conde e sentiu-se, ao se ver a sós, um pouco como Cinderela. Percebeu o quanto os dois estavam apaixonados, e sorriu.

 

Tinha muito o que fazer, pois o elixir deveria ficar pronto para o dia seguinte. Foi correndo até a estufa a fim de verificar se o conde havia deixado lá o vidro de farmácia que lhe solicitara.

 

Ele havia providenciado dois, ambos muito antigos, um deles cor de âmbar, e que parecia ter aprisionado em seu interior um pouco de sol e o outro feito de cristal escuro.

 

Havia encontrado na biblioteca do conde um ”Catálogo dos Perfumes”, fornecido às principais cortes estrangeiras.

 

Nele havia listas de potes feitos de faiança, argila, porcelana, vidro e cristal e que continham pomadas extraídas de flores, cremes para a pele feitos de caracóis, pepinos e alabastro, bem como pasta para os bigodes.

 

Havia também frascos feitos de cristal que continham loções de todo tipo e, evidentemente, lavanda.

 

Trina pensou que talvez devesse ter procurado uma daquelas antigas receitas de beleza, a fim de satisfazer a marquesa.

 

Não houvera, entretanto, tempo para se concentrar em mais nada que não fosse o elixir e ela decidiu que o frasco cor de âmbar seria o mais apropriado, especialmente porque sua rolha era prateada e reproduzia a imagem de um fauno dançando.

 

Faltavam um ou dois ingredientes que Trina queria introduzir no produto que já havia destilado.

 

Dois deles eram ervas muito antigas que o conde lhe informou terem sido plantadas no jardim do castelo, na época da rainha Catarina di Medicis.

 

Houvera grande interesse em produtos de beleza, porque a rainha Catarina tinha ciúmes mortais da amante do rei, Diane de Poitiers.

 

Sua beleza e o fato de que ela jamais envelhecia eram atribuídos à feitiçaria, mas a razão verdadeira era que ela só tomava banhos frios e preferia comida simples e legumes frescos às refeições pesadas que eram de bom tom na corte..

 

O que será que a marquesa come? pensou Trina, pois apesar de Susi dizer que ela estava emagrecendo, desconfiava de que sua alimentação era muito pouco apropriada.

 

Talvez pudéssemos fazer-lhe sugestões no sentido de adotar um regime alimentar que lhe proporcionasse mais saúde, juntamente com o elixir, pensou, enquanto cortava as ervas.

 

Sorriu, pois estava se concentrando na beleza da marquesa como se tivesse naquilo um interesse mais do que pessoal.

 

Se a fizermos sentir melhor, isto automaticamente melhorará sua aparência e não experimentaremos tanta culpa em relação ao dinheiro disse a si mesma.

 

Sabia, apesar de Susi não lhe ter dito nada, que o fato de enganar alguém ia contra seus princípios e sua franqueza, mesmo se esse alguém fosse uma pessoa tão tola quanto a marquesa.

 

Nós a estamos salvando de coisas ainda piores e parece-me uma atitude elogiosa, apesar do que se possa pensar a respeito, refletia Trina.

 

As ervas já estavam preparadas, e prontas para serem adicionadas ao resto do elixir, no momento em que Susi e o conde regressaram. Trina arrumou-se um pouco e foi até o salão ao encontro dos dois.

 

No momento em que abria a porta ouviu que falavam dela e permaneceu onde estava.

 

Não falei disto antes dizia sua mãe, em voz baixa, porque pensei que quando você... visse o quanto Trina se parecia comigo... você se apaixonaria por ela.

 

Quer dizer que você imagina que me apaixonei por você só por causa de sua aparência, por mais fascinante que ela seja? perguntou o conde.

 

Pensei prosseguiu Susi, como se ele não tivesse dito nada que você perceberia que Trina pode lhe dar... tudo aquilo de que sou incapaz.

 

Você deve estar se referindo a dinheiro...

 

Sim. Trina será rica, muito rica, e você não teria a menor dificuldade em manter o castelo, o parque e as demais propriedades que lhe pertencem.

 

Fez-se silêncio por um momento e em seguida o conde disse:

 

Olhe para mim, Susi!

 

Você não está prestando atenção no que estou lhe dizendo exclamou Susi.

 

Tudo isso que você está dizendo claramente já foi insinuado pelo menos umas doze vezes, minha querida. Como sei tudo o que você pensa, tudo o que você sente, sei também que isto já lhe passava pela mente desde que Trina chegou a Paris.

 

Já que sabia o que eu estava pensando, então por que não compreendeu que esta é a melhor solução para você? É isto que acabará lhe proporcionando felicidade.

 

O conde riu.

 

Eu a adoro! Você, até certo ponto, é incrivelmente ingénua e acho que esta é uma das razões pelas quais eu a amo tanto. Você acredita realmente, meu anjo, que um homem de minha idade não se conheça a fundo ou que ele possa transferir seu coração de uma mulher para outra porque isto lhe convém mais?

 

Houve muitas mulheres em sua vida gaguejou Susi.

 

Muitas, de fato concordou o conde, mas elas sempre me decepcionaram. Acho que é porque esperava demais; esperava que elas preenchessem o ideal que está encerrado em um cantinho todo especial, dentro do meu coração.

 

Fez uma pausa, antes de acrescentar com muita ternura:

 

Isto, antes de conhecê-la.

 

Oh, Jean, por que é que você diz estas coisas tão sublimes para mim?

 

Porque eu a amo e porque você me ama. E também porque, meu amor, sua filha para mim é apenas um pálido reflexo de você, e eu não estou disposto a aceitar essa alternativa!

 

Estou tentando ajudá-lo.

 

Eu sei, meu anjo, mas é um esforço muito tolo e bem pouco eficaz...

 

Você está caçoando de mim!

 

É porque eu a amo demais por pensar mais em mim do que em você mesma. Já imaginou o que seria se eu fizesse o que você deseja e se você tivesse de me contemplar a amar Trina e a fazer com ela tudo o que você e eu planejamos fazer juntos?

 

Eu ficaria muito contente por você.

 

Você sabe muito bem que seria impossível e quando estivesse sozinha, à noite, haveria de me querer como eu a quero. Oh, minha amada, eu a adoro por pensar em mim, mas não me interessa mesmo esse tipo de solução. Sei que você é a única mulher no mundo que me tornaria feliz.

 

É verdade?

 

Mas claro que sim!

 

Oh, querido... eu o amo tanto!

 

Fez-se silêncio e Trina percebeu que o conde estava beijando sua mãe.

 

Fechou a porta sem fazer ruído e afastou-se com um sorriso.

 

Trina também sabia que Susi fizera planos no sentido de que o conde se casasse com ela, de modo a poder compartilhar de sua fortuna.

 

Minha querida mãe é tão inexperiente nas coisas do mundo e até agora nunca esteve apaixonada. Conhece muito pouco a respeito disto e ainda menos a respeito dos homens, pensou Trina, ao se afastar.

 

Achou que nisto residia a atração que o conde sentia por Susi.

 

Ele teria ficado muito enfadado com uma garota jovem, mas Susi intrigava-o como mulher e, ao mesmo tempo, sua falta de sofisticação e sua pureza eram algo que ele não encontrava na vida dissipada que levara em Paris.

 

Eles foram feitos um para o outro! Mamãe, porém, jamais poderá compreender que por mais que goste dele, não estou nem um pouco apaixonada por Jean de Girone disse a si mesma.

 

Alguma coisa dentro dela perguntava se não havia mais alguém que ela amava um tipo muito diferente de homem porém não tinha resposta para isto. Sua única certeza era que quando voltasse para Paris a duquesa providenciaria dezenas de admiradores que a divertiriam e também a interessariam.

 

Após o jantar, ficou a imaginar se voltaria ao lugar onde ouvira os rouxinóis. Pensou que seria um desapontamento ficar por lá sozinha, depois de ter-se encontrado duas noites com o marquês.

 

Prendeu a respiração, ao recordar do beijo que ele lhe dera na noite anterior. Era angustiante pensar, que talvez naquele momento ele estaria beijando outra mulher na Riviera.

 

Disse para si mesma que seria muito tola se desse tamanha importância a seu beijo.

 

Ela o provocara e ele revidara de um modo surpreendente para ela, pois não tinha tanta experiência assim nas artes do namoro, como ele imaginara.

 

Tinha certeza de que as mulheres experientes com as quais ele saía teriam esperado serem beijadas se se encontrassem a sós com um homem tão atraente, achando que aquilo era apenas um elogio à sua beleza e a suas atrações.

 

Como é que o marquês poderia adivinhar que esta era a primeira vez que ela era beijada e que aquilo provocara nela emoções maravilhosas, que nunca imaginara pudessem existir?

 

Imaginou que enquanto ele viajava para Monte Carlo poderia estar pensando, com um sorriso cínico nos lábios, que havia pregado uma peça no conde, ao beijar a mulher pela qual ele, no momento, estava apaixonado.

 

Não significo nada para ele e a esta altura já terá se esquecido de mim, refletiu Trina.

 

Deixou o salão mas não foi para o jardim.

 

Em vez disto foi para a cama e depois que Susi veio lhe dar boanoite, com os olhos brilhantes de felicidade, Trina, para sua grande surpresa, pôs-se a chorar.

 

Na manhã seguinte o conde detalhou todos os planos de ação para o dia, mostrando-se muito eficiente.

 

Combinei com a marquesa que ela nos encontrará no salão de música, às três da tarde. Até lá temos muito o que fazer.

 

Percebeu que Susi e Trina prestavam atenção nele e prosseguiu:

 

Localizei biombos muito bonitos, com os quais pretendo ocultar a cadeira na qual você e Susi se sentarão.

 

Se eles forem suficientemente pesados, não cairão, o que seria um desastre! comentou Trina.

 

É isto mesmo! concordou o conde. Por cima deles, a fim de fazer uma espécie de caixa na qual vocês ficarão encerradas, colocarei um xale chinês.

 

Eu... estou me sentindo um pouco assustada disse Susi. Vocês precisam me dizer exatamente o que devo fazer.

 

Você ficará sentada na cadeira disse o conde. Ninguém mais haverá de perceber, mas a cadeira vai ficar pregada no chão, de tal modo que você não se assustará quando ela se mover.

 

O conde sorriu e prosseguiu:

 

O conde Bernhard acionava um mecanismo especial, através do qual a cadeira descia. Trina ficará lá embaixo, a fim de ajudá-la a levantar-se.

 

Ela senta-se imediatamente em seu lugar e você gira a manivela que levanta a cadeira, fazendo com que ela volte à posição primitiva.

 

E se ela emperrar? perguntou Susi. Eu não tenho muita força...

 

Garanto-lhe que é muito fácil e para que você não se preocupe desnecessariamente, vou levá-la até lá, agora de manhã, e mostrar o que deve fazer.

 

Estava pensando uma coisa... disse Trina. Quando terminarmos, você e eu estaremos no salão de música, mas mamãe estará lá embaixo, no lugar secreto. Como é que você nos tirará do castelo e nos trará para cá?

 

Já pensei nisso. Você ficará com a marquesa, contando-lhe os efeitos que o elixir exerceu sobre você e de como você se sente rejuvenescida.

 

Tenho certeza de que serei muito eloquente...

 

Enquanto você estiver fazendo isto, eu desapareço e vou até o lugar secreto. Susi e eu deixaremos o castelo do mesmo modo que você entrou nele.

 

Como assim? perguntou Trina.

 

Meu antepassado mágico pensou em tudo respondeu o conde. Quando ele desaparecia do salão de música, através do assoalho, saía do castelo por uma passagem subterrânea que termina perto do estábulo.

 

Os olhos de Trina brilharam.

 

Quero vê-la...

 

É um modo de fugir dos mais engenhosos, pois já naquele tempo, como agora, a saída ficava escondida pelos arbustos. Voltaremos para a mansão através do bosque, e do castelo ninguém conseguirá nos ver.

 

Isto está ficando cada vez mais excitante! exclamou Trina. Somente Susi não ficou muito entusiasmada com os planos.

 

O conde partiu com Susi em direção ao castelo, a fim de mostrar-lhe o funcionamento da cadeira.

 

Terei tempo de sobra para lhe mostrar, Trina, pois logo após o almoço eu a levarei até o lugar secreto. Susi e eu chegaremos à porta da frente por volta das três.

 

Trina percebeu que ele estava se divertindo com aquela trama, tratando-a como se aquilo fosse a encenação de uma peça de teatro, na qual tudo deve funcionar com perfeição e para a qual todos os atores devem estar preparados, sem errar uma linha sequer.

 

Que música você vai tocar? perguntou Trina.

 

Para início de conversa, algo bem alto, pois, como você sugeriu, a maquinaria pode ranger. Em seguida, executarei uma música bem suave, enquanto o elixir produz seus efeitos e Susi se transforma em uma jovem e bela donzela!

 

Trina encontrou entre seus vestidos dois que eram idênticos.

 

Não consigo imaginar porque encomendei dois vestidos iguais. É que se tratava de um modelo tão lindo de verão que fiquei entusiasmada.

 

Pois é exatamente o que precisamos disse Susi.

 

Trina certificou-se, antes do almoço, de que seu penteado estava exatamente igual ao de sua mãe e até mesmo o conde, ao contemplá-las, não encontrou o que criticar em sua aparência.

 

Você acha mesmo que ninguém conseguirá distinguir uma da outra? perguntou-lhe Susi.

 

Você sabe muito bem que jamais a confundirei respondeu o conde mas, no que lhe diz respeito, sou um obcecado... Além do mais, sou descendente de um mago...

 

Esperemos que a marquesa não tenha os mesmos poderes disse Susi.

 

Seria impossível! Tais poderes pertencem exclusivamente aos provençais e temos muito zelo para não permitir que os estranhos lancem mão de nossos poderes especiais.

 

Riram e Trina ficou persuadida de que era bem pouco provável que alguém, especialmente uma mulher tão estúpida quanto a marquesa, notasse alguma diferença entre ela e Susi.

 

Se fosse o marquês, seria diferente, pensou.

 

Ao mesmo tempo, ocorreu-lhe que ele acreditara que ela tinha dezoito anos a mais do que a sua idade real!

 

O marquês, com toda certeza, não é um mago! disse para si mesma, com desprezo. Sentia-se contente por ele não estar presente ao acontecimento daquela tarde.

 

Apesar de Trina ter certeza de que seus nervos eram fortes, descobriu que seu coração batia descompassadamente quando, ao chegar juntamente com o conde, no salão de música, ele deixou-a sozinha.

 

Tinha sido muito divertido andar através do bosque, descobrir a entrada secreta que levava ao esconderijo, e percorrê-la quase engatinhando.

 

Ao chegarem ao esconderijo, descobriram nele uma maquinaria aparentemente das mais complicadas.

 

É muito fácil acionar a manivela disse o conde. Demonstrou o que dizia e a cadeira desceu do aposento de cima. Trina olhava tudo aquilo fascinada e perguntou:

 

Tem certeza de que não se encontra ninguém lá em cima, neste momento?

 

Tranquei a porta, após ter providenciado os biombos, com o xale chinês por cima.

 

Você pensa em tudo!

 

O conde então a fez sentar-se na cadeira, enquanto acionava a manivela que levantaria a cadeira até a sala de música.

 

A maquinaria era tão bem construída que, mesmo após tantos anos, ela funcionava às mil maravilhas.

 

O conde voltou a girar a manivela, a cadeira desceu e Trina perguntou, entusiasmada:

 

Como foi que o conde Bernhard conseguiu imaginar algo tão engenhoso?

 

Ele estava muito adiante de seu tempo e era uma pessoa muito inventiva. Lembre-se de que ele era movido por um desejo ardente de viver.

 

Naqueles dias havia tantos inimigos para se temer!

 

Agora temos um único: a pobreza! Trina refletiu durante um momento e disse:

 

Ouvi o que mamãe lhe disse ontem à noite. Sabia que aquilo a preocupava, mas ela não me falou sequer uma palavra a respeito.

 

Nunca conheci uma pessoa tão pouco egoísta e tão terna quanto sua mãe disse o conde. Surpreende-se por eu não desejar mais perdê-la, depois de a ter conhecido?

 

Ficaria muito zangada com você se agisse assim observou Trina.

 

Agora que podemos conversar abertamente, quero lhe dizer que você é exatamente a pessoa com quem ela devia se casar.

 

Fico contente em saber que você aprova seu futuro padrasto! disse o conde, sorrindo.

 

Trina riu.

 

Na verdade você não me parece bastante velho para isto, mas eu o aceito com o maior prazer!

 

Ambos riram, sem se preocupar em declarar que nenhum deles desejava qualquer outro tipo de relacionamento.

 

Voltaram em seguida até a mansão, à procura de Susi.

 

Trina rezou para que tudo desse certo, enquanto esperava que a música lhe desse o sinal para acionar a manivela.

 

Pensava que o conde era uma pessoa encantadora e que merecia ser feliz, da mesma forma que sua mãe.

 

Eu o ajudarei em tudo aquilo que puder prometeu a si mesma. Ao atravessar a ponte levadiça que os levaria para o centro do castelo, o conde percebeu que Susi tremia.

 

Por favor, não se assuste, minha querida ele disse. Se quiser, podemos desistir agora mesmo. Não posso suportar vê-la preocupada.

 

Nada do que ele dissesse poderia ter reafirmado mais o desejo de Susi no sentido de ajudá-lo.

 

Eu só tenho medo de decepcioná-lo, mas quero auxiliá-lo e farei tudo o que você me pedir.

 

Mas é muito fácil! Quero que você me ame!

 

Viu uma luz brilhar em seus olhos e sentiu, no momento em que ela descia da carruagem, que Susi adquirira uma nova confiança em si mesma.

 

A marquesa estava à espera deles no hall do castelo e dava a impressão de estar muito animada. Na verdade, era quase impossível perceber o que sentia, pois seu rosto estava literalmente lambuzado com cosméticos.

 

Seu cabelo era da cor de ouro velho, sem o menor brilho e fazia com que o de Susi se assemelhasse a um raio de sol na primavera. Seus cílios pesavam, de tanta pintura.

 

Trouxe o elixir? perguntou ansiosa, apesar de saber muito bem o que continha aquele embrulho na mão do conde.

 

Está aqui comigo.

 

Foram até o salão de música e Susi notou que o conde havia puxado ligeiramente as cortinas, a fim de que o aposento ficasse na penumbra. O salão estava cheio de vasos de flores que faziam o ar recender.

 

Mas que beleza, este salão! exclamou a marquesa. Não me lembro de ter estado aqui antes.

 

Hoje existe uma atmosfera apropriada para a experiência que vamos realizar disse o conde. - Como já lhe disse, lady Sherington vai sentar-se na cadeira rodeada por biombos. Tomará o elixir e devemos ficar no mais profundo silêncio, a fim de que ele funcione. O único som será a música que executarei.

 

O senhor acha que é importante?

 

Muito! respondeu o conde, bem sério. Qualquer choque ou perturbação poderá provocar o efeito oposto ao que pretendemos.

 

Compreendo!

 

Susi olhou para ela e pensou que em sua ansiedade ela era uma figura ainda mais patética do que lhe pareceu, quando foram apresentadas.

 

Havia ainda muita beleza em seu rosto, mas a ausência de uma personalidade forte era patente.

 

Deve ser terrível, passar os últimos anos de vida pensando unicamente na juventude, pensou Susi. Acho que sempre é possível fazer coisas que possam ajudar outras pessoas e até mesmo aprender sempre mais, por mais velhos que fiquemos. Como é que esta criatura é tão tola a ponto de desperdiçar sua vida com inutilidades?

 

Sabia, porém, que era impossível comunicar tais pensamentos. No momento em que o conde desembrulhou o frasco cor de âmbar, a marquesa soltou um gritinho, excitada e extasiada.

 

Então este é o Elixir da Juventude! O elixir que procurei durante tanto tempo! Quero bebê-lo já!

 

Não disse o conde com firmeza. Seria um erro. Primeiro quero lhe dar provas de como o elixir funciona. Devo lhe prevenir que, devido ao fato de a senhora ter mais idade do que lady Sherington, não deve esperar que apenas um frasco funcione tão rapidamente quanto seria de se desejar.

 

Claro que compreendo.

 

Por favor, sente-se aqui sugeriu o conde, indicando a cadeira que tinha escolhido.

 

Farei tudo o que o senhor me disser. Já que me trouxe o elixir, conde, tenho algo para o senhor.

 

Abriu a bolsa e retirou dela um cheque de dez mil libras, que entregou ao conde.

 

O conde hesitou durante um momento e Susi sentiu que seu instinto levava-o a recusar, a ser honesto e dizer-lhe que o que tinham a lhe oferecer não funcionaria e que era melhor ela guardar seu dinheiro.

 

Ocorreu-lhe, porém, que na Itália, António di Casapellio estava à espera da pobre e tola marquesa, a fim de hipnotizá-la e roubá-la.

 

Muito obrigado disse o conde.

 

O modo abrupto como ele se exprimiu fez Susi sentir o quanto lhe era desagradável agir daquela forma.

 

Colocou o frasco sobre a mesa, na qual já havia um copo pousado sobre uma bandeja de prata, pegou o cheque e enfiou-o no bolso.

 

Está pronta para beber o elixir, lady Sherington? perguntou para Susi.

 

Não vejo a hora de tomá-lo. Tenho trinta e seis anos e sinto medo de que a velhice se aproxime. Será maravilhoso voltar a ser jovem.

 

A marquesa soltou um profundo suspiro.

 

É isto o que eu sempre desejei: olhar em um espelho sem estremecer, sentir o brilho no olhar de um homem, no momento em que ele me vê e saber que toda mulher que põe os olhos em mim sente inveja.

 

Sua voz tremia de emoção e ela prosseguiu:

 

Ainda consigo ouvir os vivas da multidão cada vez que eu fazia uma aparição pública em Londres. Havia sempre uma pequena multidão diante do palácio de Clevedon, quando eu saía de manhã a fim de cavalgar no parque e eu me sentia como se estivesse participando de um cortejo real.

 

Susi já ouvira a marquesa dizer tais palavras e ficou a imaginar se ela conseguia pensar em algo que não fosse seus triunfos de anos atrás.

 

Sabem o que o imperador da França, Luís Napoleão, me disse, a primeira vez que fui a Paris? perguntou a marquesa, logo-interrompendo-se. Não, não, acho melhor contar mais tarde. Por favor, conde, não vamos perder mais tempo. Dê o elixir para lady Sherington.

 

O conde encheu o copo e disse para Susi:

 

Sente-se e mantenha os olhos fechados.

 

Susi obedeceu-o e tomando o copo de suas mãos bebeu o conteúdo. Ele imediatamente fechou os biombos em torno dela, colocando o xale chinês por cima.

 

Em seguida, sem dizer nada, caminhou calmamente até o piano e sentou-se.

 

Ao fazer soar os primeiros acordes percebeu que Trina desempenharia com eficiência o que lhe fora recomendado.

 

Ela, com efeito, já estava a postos em seu esconderijo.

 

Conseguia ouvir o som de vozes no aposento de cima, e um ligeiro rangido lhe revelou que o conde fechara os biombos.

 

Lentamente, sem a menor pressa, conforme ele lhe recomendara, girou a manivela e no ato a cadeira desceu com Susi.

 

Sorriram uma para a outra, mas o conde lhes recomendara que não deviam trocar sequer uma palavra.

 

Trina tomou o lugar de Susi e imediatamente a cadeira começou a subir.

 

Prendeu a respiração, de medo que algo não funcionasse, até que a cadeira voltou à posição primitiva. O intrincado mecanismo inventado pelo conde Bernhard havia séculos funcionava às mil maravilhas!

 

Sentiu-se mais calma e ouviu a música que o conde executava ao piano.

 

Pensou nos rouxinóis e na canção de amor que eles entoaram naquela primeira noite, quando, para sua grande surpresa, tinha encontrado o marquês de pé, diante dela.

 

Agora pensava o quanto ele era belo, forte, dominador. Nesse momento a música parou e ela ouviu os passos do conde que se aproximavam.

 

Manteve os olhos fechados e percebeu que ele abria os biombos. Sentia que ele estava parado diante dela.

 

Acorde, lady Sherington! ele disse.

 

Trina piscou os olhos, como se estivesse acordando e o conde estendeulhe a mão, ajudando-a a levantar-se da cadeira.

 

Agora, diga-nos como está se sentindo.

 

Trina notou que a marquesa a olhava com uma expressão de deslumbramento.

 

De repente, teve a impressão de que seu coração ia parar de bater, pois à pequena distância da marquesa, na entrada do salão, encontrava-se, nada mais nada menos do que o marquês!

 

Pareceu a Trina que tudo aquilo se transformava em um pesadelo e não tinha a menor ideia de como deveria agir.

 

Sem perceber que o marquês se encontrava lá, o conde levou-a para perto de sua mãe.

 

Agora, vamos ver como o elixir funcionou.

 

Enquanto falava, pensava que até mesmo alguém tão tola quanto a marquesa não conseguiria deixar de perceber a diferença entre Susi e Trina.

 

As sombras escuras e as pequenas rugas nos cantos dos olhos, que Trina executara com tanta aplicação no rosto de Susi, nela não existiam.

 

Havia algo de muito jovem, de muito primaveril em Trina que a fazia parecer uma deusa resgatada das profundezas do inferno.

 

Existe, sim, uma diferença exclamou a marquesa, extasiada. Consigo vê-la! As rugas desapareceram do seu rosto!

 

Como se sente? perguntou o conde a Trina.

 

Enquanto estivera esperando no esconderijo, ensaiou o que ia dizer, mas agora sentia a maior dificuldade em falar, devido à presença do marquês.

 

De início senti-me... estranha... um pouco tonta... mas depois... parecia que algo de muito vivo se mexia dentro de mim... era estranho... e ao mesmo tempo... excitante.. Agora tenho vontade de... dançar... cantar... pois sinto-me feliz!

 

Sabia que as coisas iam se passar exatamente assim disse o conde

 

O elixir funciona! Funciona de verdade! exclamou a marquesa. Posso tomá-lo agora ou devo esperar?

 

Acho que, no seu caso, o mais sensato seria esperar replicou o conde, até pelo menos hoje à noite. Seria melhor que a senhora dormisse um pouco mais, a fim de dar condições para o elixir fazer mais efeito.

 

Pois então vou tomá-lo hoje à noite concordou a marquesa.

 

Tome apenas um copo por dia recomendou o conde. O conteúdo do frasco deve durar uma semana ou mais.

 

Sim, sim! Um copo, claro! Mas como ficarei impaciente, se ele não funcionar imediatamente!

 

O excesso poderá fazer mais mal do que bem.

 

Está bem, então me limitarei a um copo.

 

Tenho certeza de que a senhora gostaria que lady Sherington se sentasse por alguns momentos e conversasse. Há muitas perguntas que a senhora, com toda certeza, gostaria de lhe fazer e portanto vou deixá-las.

 

Beijou a mão da marquesa e caminhou para a porta. Trina, preocupada, lançou um olhar naquela direção.

 

Para seu grande alívio, o marquês não se encontrava mais lá.

 

Talvez não tenha passado de um sonho, mas era tão real... refletiu Trina.

 

Sentia-se, no entanto, atemorizada.

 

A marquesa estava pronta para começar o interrogatório.

 

Diga-me como se sente. Tenho o maior interesse em saber como o elixir funciona.

 

Trina deu as explicações necessárias e a marquesa perguntou:

 

Sentiu um formigamento em todo o corpo, como se de repente ele se tornasse mais ativo do que antes?

 

É muito difícil exprimir em palavras o que senti.

 

Na realidade, estava por demais perturbada, pois aquela súbita aparição do marquês a deixara desconcertada.

 

O que o fizera regressar?

 

Com toda certeza, não se tratava de mais um deslizamento de terra na estrada de ferro. Não seria também por sua causa. Tinha certeza que não. Então, por quê? Por quê?

 

A marquesa não parava de falar o tempo todo, repisando os mesmos assuntos, porém Trina não conseguia concentrar-se no que ela dizia.

 

Sentiu um imenso alívio quando, dez minutos mais tarde, a marquesa levantou-se, como se percebesse que não havia mais nada a ser dito.

 

Vou levar o Elixir da Juventude para meu quarto e com muito cuidado! Seria um desastre se alguma criada distraída derrubasse o frasco no chão. Muito obrigada, lady Sherington. Por que não vem me visitar amanhã? Podemos trocar impressões e a senhora vai ver o que esta poção maravilhosa fez por mim!

 

Sim, é claro concordou Trina.

 

Obrigada mais uma vez, do fundo do meu coração. Amanhã de manhã, se eu tiver sua aparência, serei a mulher mais feliz do mundo.

 

Apertando o frasco contra o peito, a marquesa saiu do salão, sem esperar por sua convidada.

 

Trina sabia que, apesar de o conde dizer que voltaria para buscá-la, demoraria um pouco para chegar.

 

Levaria pelo menos quinze minutos para se afastar, de tal modo que os criados o vissem e mais uns quinze minutos para voltar através do bosque e entrar na passagem secreta, através da qual retiraria Susi.

 

Irei a pé. Afinal de contas, se passar pelo jardim, ninguém ficará surpreendido.

 

Já estava quase na porta do salão de música quando lembrou-se de que Susi possivelmente esquecera das luvas e da bolsa, antes que os biombos se fechassem sobre ela.

 

Trina pegou-os da cadeira onde estavam pousados e saiu do salão. Ao chegar ao corredor, levou um enorme susto.

 

À sua espera, belo, forte e dominador, estava o marquês!

 

Durante um momento, Trina não conseguiu despregar os olhos do marquês e sentiu que ele estava zangado.

 

Quero conversar com a senhora, lady Sherington.

 

Estava indo para casa.

 

Ele não respondeu e ambos prosseguiram corredor afora. Ao passarem pela biblioteca, o marquês abriu a porta.

 

Trina não tinha outra alternativa e entrou, indo para perto da lareira.

 

Pensou nas longas horas que ela e sua mãe tinham passado ali, à procura de livros sobre ervas, que lhes permitiriam preparar o Elixir da Juventude para a marquesa.

 

Depois não conseguiu pensar em mais nada, pois o marquês aproximava-se dela.

 

Quero uma explicação e espero que ela me satisfaça!

 

Não sei a que está se referindo. Pensei que tivesse ido embora.

 

Fui, sim, mas quando cheguei ontem a Nice, li nos jornais que o amigo a quem fora visitar tinha morrido. Voltei, portanto, mas pelo visto em um momento bem pouco oportuno...

 

O modo como ele se exprimia fez com que Trina percebesse que ele não só suspeitava do que tinha acontecido em sua ausência como também estava extremamente zangado.

 

Muito nervosa, balbuciou rapidamente:

 

Quero... voltar para a mansão... Tenho certeza de que o conde responderá... a todas as suas perguntas... se quiser interrogá-lo...

 

Prefiro fazê-las à senhora. Não tenho nada a lhe dizer.

 

Não é verdade e sabe muito bem disso!

 

Trina não respondeu e após um momento ele disse:

 

Sei muito bem que minha mãe veio até a Provence a fim de procurar ervas que, segundo ela, a tornariam jovem novamente. Imagino que este é o conteúdo do frasco que ela carregava, quando saiu do salão de música.

 

Fez uma pausa e prosseguiu:

 

Estou interessado em saber, lady Sherington, quanto ela pagou pelo frasco e como conseguiu enganá-la ao surgir de repente sentada naquela cadeira, que evidentemente deve ser algum truque muito bem imaginado.

 

Trina sentiu que ele se aproximava perigosamente da verdade e levantando o queixo, em atitude de desafio, respondeu:

 

Acho que sua mãe pode lhe fornecer as necessárias explicações.

 

Primeiro era o conde e agora, minha mãe. Estou questionando a senhora, lady Sherington.

 

Nada tenho a lhe dizer.

 

Por quê? Sente-se envergonhada pelo que fez?

 

Absolutamente. Apenas participei da experiência...

 

Foi uma experiência? Agora estamos chegando a algum lugar! Que tipo de experiência? E por que se escondeu por detrás daqueles biombos?

 

Ele levantou a voz e agora empregava um tom dos mais agressivos.

 

Acho, senhor, que tenho todo o direito de recusar a ser interrogada pelo senhor e portanto volto a lhe dizer que estou indo para a mansão. Se quiser me acompanhar tem, é claro, toda liberdade de fazê-lo.

 

Enquanto falava, tinha consciência de que seu coração batia descompassadamente.

 

Minha mãe foi enganada por um charlatão após o outro declarou o marquês, mas não esperava que o conde de Girone e muito menos a senhora fossem acrescentados à lista dos que extorquiram dinheiro dela, sob falsos pretextos.

 

Trina gostaria de responder que nem ela nem o conde tinham tomado semelhante atitude, mas era-lhe impossível negar que Jean tinha no bolso um cheque de dez mil libras.

 

Quem é a senhora e que proveitos está auferindo disto tudo? perguntou inesperadamente o marquês.

 

Trina olhou-o surpreendida e ele prosseguiu:

 

Não acredito que seja lady Sherington. Minha mãe disse-me que ela tinha trinta e seis anos e era viúva. É impossível que você tenha essa idade.

 

E o que o leva a ter tanta convicção?

 

Agora que a vejo à luz do dia sou capaz de apostar que você tem. a metade da idade que afirma.

 

Ocorreu a Trina que tinha toda razão, quando constatara que o marquês era um homem perspicaz.

 

Sabia que o tinha deixado aborrecido e declarou, com um sorriso tímido:

 

O senhor é muito... galanteador.

 

E também estou pronto para jurar que o beijo que lhe dei foi o primeiro, em toda sua vida.

 

O rubor invadiu o rosto de Trina e ela, desejando subtrair-se àquele olhar penetrante, deu-lhe as costas.

 

Recuso-me a prosseguir com este diálogo.

 

Pretendia transmitir uma impressão de orgulho e dignidade, mas em vez disso sua voz encerrava profunda timidez.

 

Preparava-se para sair quando o marquês agarrou-a pelo pulso e a deteve.

 

Responda! Quem é você? Alguma atriz que o conde contratou, a fim de enganar minha mãe?

 

Solte-me!

 

O marquês segurou-a com mais força.

 

Partirá só depois de me responder!

 

Pois então vai ter de esperar a noite toda!

 

Agora não tenho a menor dúvida que quando ouvia os rouxinóis comportava-se como uma artista muito experiente...

 

Havia tamanho cinismo e amargura em sua voz que Trina ansiou por responder que naquele momento não estivera representando.

 

A evocação daquele beijo perturbador, as estranhas sensações que ele provocara nela deram-lhe a convicção de que não podia continuar a se prestar àquele papel. Devia contar-lhe toda a verdade e implorar seu perdão.

 

Sabia, ao mesmo tempo, que não podia ser desleal em relação ao conde. Sabia também que logo que o marquês descobrisse que ela estivera enganando sua mãe, jamais voltaria a lhe dirigir a palavra.

 

Preocupada, tentou mais uma vez desvencilhar-se, dizendo:

 

Solte-me! Não tem o direito de me manter aqui, contra minha vontade.

 

Pelo contrário, acho que tenho todo direito. Você tomou parte em uma farsa a fim de expor minha mãe ao ridículo e agora vai ter de me dizer a verdade, caso contrário não a soltarei!

 

Não seja ridículo! exclamou Trina. Suas ameaças não passam de palavras vazias!

 

Pois provarei que elas são para valer, a menos que você me diga o que eu quero ouvir.

 

Pois não tenho a menor intenção de fazê-lo. Quando o conde vier à minha procura, o que, aliás, vai acontecer dentro de instantes, o senhor não terá como lhe dizer que está me mantendo como refém.

 

Você fala como se tivesse certeza de que ele não quer perdê-la. É seu amante?

 

Trina, indignada, respondeu:

 

Não, claro que não! Como pode sugerir uma coisa destas?

 

Do modo como ele falava a seu respeito, para minha mãe, não havia a menor dúvida de que estava apaixonado por você. Presumi daí que ele teve de alugar o castelo por precisar de dinheiro e você o está auxiliando nessa tarefa.

 

Tem uma imaginação muito fértil, senhor replicou Trina, em um tom de voz que pretendia fosse tão sarcástico quanto o dele.

 

E você a estimula. Não é difícil perceber o que você anda tramando.

 

Fez uma pausa e Trina imaginou como poderia livrar-se dele. Ele ainda segurava seu pulso com toda a força de sua musculatura de aço e ela sabia que dificilmente conseguiria desvencilhar-se dele.

 

O que eu quero saber é quanto minha mãe lhes pagou por aquela porcaria e pela mistificação ocorrida naquela cópia barata de um gabinete de mágico.

 

Trina achou que ele estava chegando cada vez mais perto da verdade. Em consideração ao conde, não deveria deixá-lo saber da existência de Susi, ou da enorme quantia que sua mãe tinha pago por aquilo que acreditava ser o Elixir da Juventude.

 

Se o senhor está mesmo decidido a não me soltar, talvez possamos nos sentar. Estou achando extremamente cansativo ficar de pé e discutir inutilmente.

 

Muito bem, mas tenho uma ideia melhor.

 

Sempre segurando-a pelo pulso, ele caminhou em direção à porta do castelo, abriu-a e em largas passadas começou a percorrer o corredor.

 

Trina conseguia sentir as ondas de ódio que irradiavam dele e não lhe proporcionavam a menor esperança de fugir.

 

Continuaram pelo longo corredor, que ela sabia ia dar no fundo do castelo. Estava muito intrigada em saber qual seu destino final, porém o marquês parecia muito seguro de si mesmo.

 

Pensou que se acaso encontrassem algum dos criados, ele acharia muito estranho que o marquês a arrastasse daquele jeito pelo pulso, porém não depararam com ninguém.

 

Trina presumia, embora não tivesse certeza, que estavam em uma parte do castelo que não era usada com muita frequência.

 

Logo chegaram a uma escada suficientemente larga para permitir que duas pessoas descessem por ela lado a lado.

 

Depois de alcançarem dois ou três patamares abaixo, Trina perguntou:

 

Para onde está me levando? Isto é ridículo! O conde está à minha espera na mansão.

 

Pois então ele vai ficar um pouco desapontado.

 

Trina ficou surpreendida com o fato de que o ar agora estava mais fresco e até quase frio, após o calor dos aposentos que acabavam de deixar.

 

Faltavam ainda alguns degraus, porém ela parou, recusando-se a prosseguir.

 

Recuso-me a ir mais adiante! Deixe-me voltar ou gritarei por socorro!

 

O marquês olhou à sua volta, como se quisesse chamar a atenção dela para as antigas paredes de pedra. Trina notou subitamente que elas estavam nuas, sem quadros ou tapeçarias, como ocorria em outras partes do castelo.

 

De repente, lembrou-se de que já havia visto aquela escadaria antes, quando o conde levou-lhe e a Susi para conhecer o castelo, no dia em que tinham chegado.

 

Por aqui se chega até as masmorras dissera o conde naquela tarde. Eu as mostrarei em alguma outra ocasião. Há tantas coisas mais para serem vistas...

 

Agora Trina sentia medo.

 

Por que está me trazendo para cá? perguntou, e sua voz tremia.

 

Você verá disse o marquês em tom enigmático.

 

Apesar de ela tentar resistir, ele quase a arrastou pelos últimos degraus.

 

Agora a luz vinha unicamente através de pequenas aberturas nas espessas paredes. Pouco mais adiante, havia uma porta de, carvalho, muito pesada, com uma enorme fechadura de ferro.

 

É por aqui que se chega... às masmorras... ela balbuciou.

 

Sei disso e acho que você vai achar uma experiência salutar ser encarcerada em uma delas até se dispor a me dizer o que quero ouvir.

 

Você enlouqueceu! Não é possível que esteja se comportando de modo tão insano!

 

Você pode pensar assim, mas já que usa métodos medievais, deve esperar punições medievais!

 

Parou, ainda segurando-a pelo pulso, girou a chave, abriu a porta e ela viu diante de si degraus que desciam ainda mais.

 

A luz ténue que escoava pelas seteiras revelava pesados grilhões afixados nas paredes e que deveriam um dia ter sido usados para sujeitar os prisioneiros.

 

Ela soltou uma exclamação de horror e o marquês disse:

 

Acho que você não achará este aposento muito confortável, mas quando estiver disposta a me dizer a verdade, verá que há um sino atado a uma corda, do lado direito da porta. Toque-o e eu virei libertá-la.

 

Completamente atónita com o que ouvia, Trina olhou a corda e estava a ponto de falar quando o marquês acrescentou:

 

Se você pensa chamar a atenção tocando o sino ou gritando, deixe-me informá-la que é impossível, para alguém que não esteja neste setor do castelo, ouvi-la. Espero que aprecie sua solidão, lady Sherington!

 

Deu um passo atrás, enquanto falava, e antes que Trina pudesse entender o que estava acontecendo, ele já saíra pela porta de carvalho, trancando-a.

 

Ouviu que seus passos se afastavam gradualmente e ele subia a escada.

 

Mal podia acreditar que ele se fora ou que a tivesse trancado na masmorra. Aquilo devia ser um pesadelo horroroso do qual ela não podia acordar.

 

Sentiu um cheiro desagradável de mofo e o rosto e as mãos estavam ficando enregelados.

 

Durante um momento, pensou em esmurrar a porta e gritar. Sabia porém que aquilo era completamente inútil, além de muito pouco digno.

 

Tanto quanto conhecia o castelo, tinha certeza de que o lugar onde estava aprisionada situava-se na parte de trás.

 

Ficava também além do estábulo, no qual desembocava a passagem secreta usada pelo conde e Susi.

 

Portanto, não haveria ninguém que pudesse ouvi-la, por mais que ela gritasse, e, como o marquês dissera, ninguém que estivesse no castelo suspeitaria sequer por um momento de que ela se encontrava por lá.

 

Não capitularei! exclamou Trina, em atitude de desafio.

 

Queria odiá-lo pelo que ele tinha lhe feito e ao mesmo tempo não conseguia deixar de sentir um certo respeito por um homem tão decidido e dominador.

 

De certo modo, embora detestasse admiti-lo, ele tinha toda razão. Eles estavam enganando sua mãe e ele a protegia, como só mesmo um bom filho faria.

 

Estou arranjando desculpas para ele murmurou.

 

Mesmo assim, queria desafiá-lo e, se fosse humanamente possível, derrotá-lo, usando suas próprias armas.

 

A questão era saber como.

 

Tinha certeza de que ele estava decidido a não soltá-la enquanto não lhe dissesse a verdade e seria impossível mentir, de modo convincente, a ponto de enganá-lo.

 

Como poderia sair daquela situação? Poderia, por exemplo, tocar o sino e dizer:

 

Desculpe. Ajudei o conde a tomar dez mil libras de sua ingénua mãe, em troca de algumas ervas que dissemos ser o Elixir da Juventude. Ela acha que, graças a isto, deixei de parecer uma mulher de trinta e seis anos e readquiri a juventude!

 

Não hei de fazer uma coisa dessas! Trina disse a si mesma, em atitude de desafio. Se capitular, ele se tornará mais seguro de si mesmo, mais do que já é e até mesmo mais autoritário.

 

Sentia muito frio e pôs-se a andar de um lado para o outro, a fim de ativar a circulação do sangue.

 

Olhou para os pesados grilhões e achou que tivera sorte por ele não usá-los para imobilizá-la.

 

Não conseguia deixar de pensar nos prisioneiros que tinham permanecido ali, ano após ano, no mais completo desespero, perdendo aos poucos a esperança de serem salvos.

 

Certa vez ouvira uma história na qual os prisioneiros só podiam tocar o sino quando um de seus companheiros morria.

 

Estremeceu ao pensar nisso.

 

Então, disse a si mesma que o marquês a estava assustando, só porque estava zangado e porque estava decidido a alcançar seus fins.

 

Não morrerei, porém apanharei um resfriado que não poderia chegar em pior momento.

 

Enquanto caminhava pela masmorra, imaginou que os prisioneiros que haviam estado lá um dia diziam-lhe que era inútil lutar contra o inevitável.

 

Teria de fazer o que o marquês quisesse, mesmo que ele, sem a menor sombra de dúvida, se vangloriasse de sua vitória, aliás obtida por meio de um combate desigual.

 

Quamo é que eu poderia ter imaginado que o amigo dele morreria e que ele voltaria no momento menos apropriado? falou para si mesma.

 

Ao mesmo tempo, sabia que se ele não regressasse, ela nunca mais o veria.

 

Tinha certeza de que agora que o conde estava na posse das dez mil libras e sentia-se ansioso para que ninguém percebesse sua existência, providenciaria imediatamente sua partida para Paris.

 

O que será que ele pensaria, quando voltasse ao castelo e descobrisse que ela não estava lá?

 

Tinha a impressão de que o marquês lhe diria que não tinha a menor ideia de seu paradeiro. Seria, aliás, a coisa mais óbvia a ser dita.

 

Lady Sherington? Acho que foi para a mansão há algum tempo. Sem dúvida nenhuma a encontrará no jardim.

 

O conde acreditaria nele e nunca lhe passaria pela cabeça que ela estava naquele momento encerrada na masmorra do castelo.

 

Por esse lado, não havia a menor esperança de ser salva.

 

Acho que vou ter de desistir suspirou.

 

Subitamente, ocorreu-lhe o pensamento de que o conde Bernhard poderia ter imaginado que um dia ele talvez se tornasse prisioneiro em seu próprio castelo.

 

Nesse caso, como ele havia construído passagens secretas em todo o castelo, não era de se duvidar que tivesse feito o mesmo na masmorra!

 

Os olhos de Trina brilharam. Examinou minuciosamente as paredes, notando os menores detalhes.

 

Haveria algum lugar onde o conde Bernhard tivesse escondido uma mola ou até mesmo uma pequena manivela, como ela vira em outras partes do castelo?

 

Existia sempre uma decoração escondendo suas invenções engenhosas, como por exemplo um painel esculpido, uma lareira de mármore ou uma abertura no assoalho, como a que tinham usado na sala de música.

 

Trina tocou em um ou dois tijolos. Estavam frios, ligeiramente úmidos e ela pensou que se houvesse algum mecanismo embutido neles, agora estaria completamente enferrujado.

 

Prosseguiu, no entanto, em sua inspeção, examinando os detalhes com o maior cuidado e tentando imaginar onde poderia estar escondida alguma passagem secreta.

 

Estava quase rezando para encontrar um modo de escapar, pois isto deixaria o marquês desconcertado quando ele voltasse, esperando encontrá-la arrependida, e em vez disto surpreendesse a masmorra vazia.

 

Talvez então ele acredite não somente no elixir mas que sou lady Sherington e tenho trinta e seis anos, pensou, sorrindo.

 

Continuou em sua busca, sentindo-se tão impotente quanto os prisioneiros que lá haviam estado um dia.

 

Acho que vou ter de desistir, pensou, desesperada.

 

Havia nela, porém, algo de muito obstinado que a fazia recusar-se a admitir a derrota, a menos que isto se tornasse algo imperioso.

 

Tocou a parede do lado leste e percebeu que, ao contrário das outras, estava seca! Isto pelo menos lhe dava a esperança de que, se houvesse algum mecanismo lá, ele talvez estivesse funcionando em ordem.

 

Não havia a menor razão para pensar que os tijolos diferiam uns dos outros, mas ela verificou um por um, procurando alguma fenda ou qualquer coisa que sugerisse uma mola escondida.

 

Tinha quase chegado ao fim da parede quando seu pé prendeu-se em um dos grilhões. Tropeçou e a muito custo conseguiu manter o equilíbrio.

 

Não adianta, pensou. Sinto frio e quando escurecer ficarei com medo, pois estou inteiramente só

 

A fim de não cair, tinha-se agarrado ao grilhão embutido na parede e sentiu que algo se movia.

 

Ocorreu-lhe uma ideia e puxou com mais força.

 

Tinha a impressão que algo cedia e tomada de curiosidade e de esperança, puxou com ambas as mãos, empregando toda a força de que se sentia capaz.

 

Então soltou um grito de entusiasmo. O grilhão ficou em suas mãos, arrastando parte da parede ao qual estava ligado!

 

Uma passagem secreta! Era exatamente isto que eu estava procurando e agora o marquês vai ficar com um sorriso amarelo.

 

Ajoelhou-se e olhou para dentro.

 

Achava que tudo estaria na mais profunda escuridão, mas notou um ligeiro clarão à distância.

 

Sabia que toda passagem que não tivesse sido usada durante muito tempo poderia ser perigosa, não somente porque poderia desmoronar em cima dela, mas também porque o ar poderia estar envenenado.

 

No entanto, disse a si mesma que estava disposta a correr qualquer risco a render-se ao marquês, conforme ele pretendia.

 

Começou a rastejar através da passagem, sentindo que havia muito pouco ar, mas percebeu que seria uma tolice parar no meio do caminho

 

A passagem era mais larga do que imaginara e bastante baixa. Apesar disso, conseguia deslocar-se com facilidade.

 

Prosseguiu, verificando que a terra sobre a qual seu corpo se apoiava estava seca. Durante todo o tempo via uma réstia de luz adiante.

 

Era uma distância de talvez uns cinquenta metros, mas lhe parecia muito maior. Sentia-se um tanto assustada, apesar de não querer admitilo, e receava desmaiar, devido ao ar viciado.

 

Subitamente encontrou-se em um aposento circular, de paredes bem altas, e a luz vinha através de pequenas aberturas à altura do teto.

 

A primeira reação de Trina foi de desapontamento. Não se tratava de uma passagem que desse para fora e através da qual pudesse escapar, conforme havia esperado, mas que dava para uma outra parte do castelo da qual, pelo visto, não poderia sair.

 

Era difícil ter certeza porque algumas pedras haviam desmoronado bem no centro do aposento. Se houvesse de fato uma saída do outro lado, teria de remover tudo aquilo.

 

Ao examinar de perto aquele inesperado obstáculo, verificou que não se tratava de uma pilha de pedras, como havia pensado inicialmente, e sim de algo que os séculos haviam transformado em poeira.

 

Pôs-se a remever aquilo e de repente descobriu algo que lhe opunha resistência.

 

Pensou mais uma vez que devia se tratar de pedras que haviam desmoronado, porém viu algo que brilhava.

 

Arregalou os olhos, continuou a remover a poeira, e viu diante de si uma placa redonda e escura. Era feita de determinada substância que, apesar da sujeira e da antiguidade, refletia a luz que vinha da seteira.

 

Ocorreu-lhe uma ideia! As páginas que lera para sua mãe, relativas ao conde Bernhard, dizia o seguinte:

 

... conseguiu, através de poderes fora do alcance dos mortais, esconder suas armas, seus tesouros e suas mulheres, dos olhos daqueles que os procuravam!

 

Trina deu um grito e começou a remover furiosamente o pó com ambas as mãos.

 

Levou algum tempo até que ela se desse conta da importância do que havia acabado de descobrir. A essa altura, suas mãos estavam sujas, seu vestido apresentava-se coberto de pó e seu rosto estava quase negro.

 

Seus olhos, porém, brilhavam como estrelas e com alguma dificuldade voltou rastejando para o lugar de onde saíra.

 

Somente quando chegou à masmorra, percebeu que a excitação da descoberta a deixara fraca. Sentou-se durante alguns instantes no chão, tentando respirar ar fresco, e ao mesmo tempo murmurava uma prece de gratidão e que lhe vinha espontaneamente aos lábios.

 

Obrigada... meu Deus... Obrigada... obrigada!

 

Agora mamãe pode se casar com o conde e não haverá mais problemas ou preocupações.

 

Estava quase a ponto de chorar, de tal forma aquilo a emocionara.

 

Pôs-se de pé e agarrou a corda amarrada no sino, puxando-a repetidas vezes.

 

Sentia-se impaciente e como o marquês não veio imediatamente pensou que ele talvez tivesse mudado de opinião e estivesse resolvido a deixá-la trancada lá, até que se mostrasse tão humilde e cordata quanto ele desejaria.

 

O coração disparou ao ouvir seus passos que se aproximavam e logo em seguida a chave girando na fechadura.

 

Assim que ele abriu a porta, Trina saiu, como se não pudesse esperar mais.

 

Leve-me de volta... leve-me de volta... exclamou, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, e eu lhe direi tudo... tudo! Mas primeiro tenho de ir até a mansão.

 

Somente quando percebeu que ele a contemplava muito surpreendido deu-se conta de sua aparência.

 

Não importa! disse com impaciência, como se ele tivesse feito alguma pergunta. Leve-me de volta! Terá uma explicação para tudo o que ocorreu, bem como o dinheiro! Tudo isto é uma maravilha! Uma maravilha! Mas primeiro tenho de contar para o conde.

 

O que você vai contar? perguntou o marquês.

 

Como ele não mais a segurava, Trina já estava no primeiro patamar da escada.

 

Vamos! Não podemos perder tempo com conversas! Tenho de dizer a ele! Tenho de dizer a ele!

 

Assim que disse essas frases saiu correndo e o marquês foi em seu encalço.

 

No momento em que chegou ao corredor, percebeu que ela pretendia sair do castelo por uma porta dos fundos.

 

Alcançou-a quando ela já estava no gramado, tendo diminuído o passo, pois quase não conseguia respirar.

 

Acho que é inútil perguntar o que está acontecendo, não? falou o marquês.

 

Agora não posso falar... tenho de ir até a mansão!

 

O marquês manteve-se em silêncio, como se estivesse diante do inevitável, até que a mansão estivesse à vista.

 

Quando o conde perguntou por você eu lhe disse que já tinha voltado para casa e que ele deveria procurá-la no jardim.

 

Imaginei... que o senhor diria... isto mesmo...

 

O vento desmanchava seu cabelo louro e ela o jogou para trás.

 

O marquês sorriu, porém não disse nada, e logo Trina entrava pela porta do jardim, que dava para o salão.

 

Como era de se esperar, o conde e Susi estavam sentados no sofá, conversando.

 

Ao vê-la naquele estado olharam-na surpresos e o conde se pôs de pé.

 

Trina... mas o que foi que aconteceu? perguntou Susi, horrorizada.

 

Achei! Achei! Está lá na masmorra... o tesouro do conde Bernhard... foi lá que ele o escondeu, há séculos!

 

Estava sem fôlego e as palavras atropelavam-se, tornando-se quase incoerentes.

 

Notou a expressão de espanto no rosto do conde e voltou a dizer:

 

Está tudo lá... uma placa de ouro... um cofre pesado, cheio de jóias e sacos... repletos de moedas... de ouro!

 

Um tesouro? perguntou o conde. Susi, aproximando-se de Trina, disse:

 

Meu bem, mas o que foi que aconteceu? Está tão suja! Não se machucou? Diga-me que não se machucou!

 

Não, mamãe, não estou ferida... apenas excitada, pois eu... o encontrei para você... agora você pode se casar... e morar no castelo... e parar... de se preocupar!

 

Enquanto falava, lembrou-se de que o marquês deveria estar atrás dela. Voltou-se e constatou que seus olhos tinham uma expressão impossível de ser decifrada.

 

O marquês quer saber a verdade disse com uma ponta de sarcasmo. Acho que agora podemos lhe dar uma explicação... bastante convincente... não precisamos continuar a fingir.

 

Sem dúvida declarou Susi. Eu estava detestando essa história. Mas, meu bem, você precisa se lavar e mudar de roupa. Você não pode ficar nesse estado.

 

Que importância tem? perguntou Trina. Temos de ir buscar o tesouro e eu voltarei a me sujar.

 

Olhou para o conde, mas ele estava por demais perturbado para poder expressar o que sentia.

 

O que está esperando? Precisamos ir lá, ver o tesouro!

 

Sim, o que estamos esperando? perguntou o conde, forçando-se a se exprimir com calma. A carruagem está na porta da mansão, à nossa disposição.

 

Pois, então, vamos rápido! Rápido! murmurou Trina, cheia de impaciência. Quero que venham ver o que descobri... imediatamente.

 

Tomou Susi pela mão, enquanto falava, como que querendo arrastá-la para fora do salão.

 

É claro que queremos ir disse Susi, mas...

 

O conde, como se entrasse naquele clima de excitação, disse:

 

Iremos todos! Como é possível esperar? Se for verdade, é a coisa mais fantástica que já nos aconteceu!

 

Mas é verdade! declarou Trina. Tinham chegado ao hall e de repente Susi disse:

 

Meu chapéu... não posso sair assim!

 

Mas o que importa, mamãe? Além do mais, se você puser as mãos no tesouro, vai ficar tão suja quanto eu.

 

Todos nós tocaremos nele disse o conde com firmeza.

 

Trina quase empurrou Susi para dentro da carruagem e o conde, bem como o marquês, acomodaram-se a seu lado.

 

Jean agia como se estivesse contente de deixar Trina tomar todas as iniciativas, porém Susi notou, à medida que a carruagem se afastava, que seus olhos estavam pregados no rosto de Trina. A aparência de sua filha era de chamar a atenção.

 

Retirou da cintura um lencinho todo bordado e inclinou-se a fim de limpar a sujeira do rosto de Trina, como fazia quando ela era criança.

 

Trina fez menção de tomar o lenço e agir por si própria, porém Susi disse, aflita: Não! Não toque no lenço! Você pelo menos poderia ter ido lavar

 

as mãos! Trina riu.

 

Oh, mamãe, depois de tudo o que aconteceu, importa se minhas mãos estão ou não sujas? Pense só no que tudo isto significa para você! Tenho a vida inteira diante de mim para poder lavar as mãos!

 

Susi, nesse meio tempo, continuava a limpar o rosto da filha como podia.

 

Talvez isto aqui funcione melhor sugeriu o marquês. Retirou do bolso um enorme lenço de linho e Trina sorriu para ele.

 

Estava tentando encontrar uma passagem secreta através da qual pudesse escapar de você!

 

Imaginei que talvez pudesse existir alguma, quando ouvi as histórias relativas ao castelo. Achei, porém, que seria pouco provável encontrá-la naquele local, pois a masmorra fica abaixo do nível do solo o marquês replicou.

 

Quem foi que lhe contou a respeito das passagens secretas? perguntou o conde, interessado.

 

Os criados não falam de outra coisa desde que chegamos e li a respeito de seu excêntrico antepassado, depois de ter concordado em alugar o castelo.

 

O conde riu.

 

Já tinha me esquecido que você estudou história! O marquês olhou para Susi.

 

Agora estou começando a compreender porque não contaram para minha mãe que havia uma outra mulher bonita hospedada na mansão!

 

O conde voltou a rir.

 

Vejo que, entre outros talentos, você também acumula o de detetíve.

 

Gostaria de saber tudo o que está se passando, mas após ver o tesouro, é claro.

 

Sim, no momento isto é mais importante do que tudo.

 

Trina achou que havia um leve clima de agressividade entre os dois.

 

Isto não a surpreendia, quando recordava as coisas desagradáveis que o marquês dissera a respeito do conde.

 

Disse a si mesma que nada daquilo lhe importava naquele momento.

 

Tinha certeza de que o tesouro, devido à sua antiguidade, seria excepcionalmente valioso e, após descobri-lo, talvez nem Jean e nem os futuros condes de Girone teriam de desposar uma mulher que lhes trouxesse um grande dote.

 

Ao mesmo tempo, mostrou-se um tanto apreensiva, quando chegaram ao castelo, e ela pôs-se à frente de todos, no corredor que levava à masmorra.

 

E se ela tivesse se enganado e aquele tesouro, enegrecido pela idade, não contivesse nada além de umas poucas moedas que figurariam melhor em algum museu?

 

Ela e o marquês haviam deixado a porta da masmorra aberta e ela aproximou-se da abertura que tinha feito na parede.

 

A passagem é estreita, só cabe uma pessoa de cada vez observou Trina.

 

Olhava para o conde, enquanto falava.

 

Reivindico o direito de ser o primeiro ele declarou com um sorriso.

 

Claro!

 

O conde tirou o paletó e, ficando de joelhos, enfiou-se dentro da passagem, como Trina tinha feito. Susi segurou seu paletó.

 

Que frio faz aqui! E é tudo tão úmido! Afinal de contas, o que foi que você veio fazer aqui?

 

Os olhos de Trina brilharam e ela olhou para o marquês.

 

Está disposto a explicar para mamãe o que eu vim fazer na masmorra?

 

É claro. Tranquei sua filha aqui, lady Sherington, porque ela recusou-se a me dizer a verdade.

 

Trancou Trina.. na masmorra? repetiu Susi, horrorizada. Mas como foi fazer uma coisa tão terrível?

 

Acho que a senhora mimou-a bastante quando ela era criança. Agora que a vejo em sua companhia estou convencido de que ela não pode ter mais de treze ou catorze anos!

 

Susi levou algum tempo para perceber que ele a estava elogiando e então disse:

 

Trina tem dezoito anos. Não gostaria de pensar que o senhor foi pouco gentil para com ela

 

O marquês sorriu.

 

Compreenda-me, lady Sherington: ela estava fingindo ser a senhora e fiquei na expectativa de que ela me dissesse a verdade.

 

Sinto muito. Sinto muito mesmo. Sabia que jamais deveríamos ter feito o que fizemos, mas eu queria ajudar Jean e, embora o senhor talvez não acredite, todos queríamos salvar sua mãe daquele italiano horrível e perverso.

 

Que italiano é este? perguntou o marquês. Susi olhou para Trina.

 

Será que disse o que não devia?

 

Claro que não, mamãe. Eu mesma pretendia contar ao marquês, quando a ocasião se apresentasse.

 

Viu que o marquês estava à espera de uma explicação e prosseguiu:

 

Sua mãe disse ao conde, que se não encontrássemos para ela o Elixir da Juventude, partiria imediatamente para Roma, onde se entregaria aos cuidados de um homem chamado António di Casapellio, que a teria hipnotizado e drogado.

 

Já ouvi falar de Casapellio. A senhora tem certeza do que está dizendo?

 

Pode perguntar ao conde disse Trina. Apesar de nossa atitude ser repreensível, pelo menos não causamos nenhum dano físico à sua mãe, o que não teria acontecido, se ela tivesse caído nas mãos do italiano.

 

O marquês franziu o cenho, preocupado.

 

Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ouviu-se o grito do conde e ele surgiu na abertura da parede empurrando um grande cofre.

 

Era um, entre os muitos objetos que Trina havia descoberto.

 

A camisa muito branca do conde agora estava tão suja quanto o vestido de Trina, mas ele conseguiu não sujar o rosto. Levantou-se, foi até Susi e abraçou-a, dizendo:

 

Diga quando iremos nos casar, querida! Graças a sua filha, agora sou um homem muito rico

 

O conde levantou um brinde.

 

À Trina e à nossa futura felicidade!

 

Olhava para Susi, enquanto falava. Notou a expressão de seu olhar e sentiu-se o homem mais feliz do mundo.

 

Mal podia acreditar que tudo aquilo fosse verdade. Depois de tantos séculos, o tesouro do conde Bernhard fora descoberto em um momento providencial!

 

Devido ao fato de amar Susi, estava disposto a desistir do castelo e de muitas outras coisas que reputava serem necessárias a seu conforto. Percebia também que ela, por ser tão delicada e perspicaz, sempre se sentiria culpada.

 

Agora, tudo seria perfeito, pois sabia muito bem que aquilo que estava no chão da masmorra possuía um valor quase impossível de ser estimado.

 

Quando ele e o marquês trouxeram, um após outro, os remanescentes do tesouro, compreendeu em toda a sua extensão o inestimável valor daquela descoberta.

 

Ficou admirado por sua família não ter percebido antes, que o conde Bernhard, com sua paixão por passagens secretas e esconderijos de todo tipo, providenciaria um lugar bem escondido, onde poderia enrustir tudo o que era valioso, em tempo de guerra.

 

Apesar de nos livros de história constarem muitos detalhes sobre seus poderes mágicos, havia poucas referências sobre sua morte, o que era de estranhar.

 

De fato, a família Girone nem sequer sabia onde ele tinha morrido e como.

 

Poderia ter sido em uma batalha, por ocasião de alguma viagem ou no próprio castelo.

 

O fato de haver um tesouro tão grande no castelo fez o conde pensar que talvez seu antepassado estivesse longe do lar quando sua vida chegou ao fim.

 

No momento, porém, o que importava de fato era aquilo que ele havia escondido.

 

Enquanto o marquês e o conde retiravam o tesouro, através da passagem secreta, Susi e Trina colocavam-no sobre as lajes de pedra da masmorra, e a pilha aumentava cada vez mais.

 

Havia dúzias de pratos de ouro, bem como taças e frascos do mesmo metal, tijelas de todo tamanho, tudo ornamentado com pedras preciosas.

 

Havia também mais cofres, semelhantes aos que o conde trouxera em primeiro lugar. Eram obras-primas de artesanato e continham jóias engastadas em ouro e prata, que fariam as delícias de qualquer museu do mundo.

 

Grande parte do tesouro era composta por moedas de ouro. As sacolas que as continham tinham-se transformado em pó, no decorrer dos séculos.

 

O conde declarou que era muito importante ninguém ficar sabendo da descoberta, pelo menos naquele momento.

 

Trina trouxe de um aposento, situado ao lado do topo da escadaria, tudo o que pudesse conter as moedas. Teve a brilhante ideia de providenciar algumas fronhas, pois era impossível àquela altura conseguir sacos.

 

Mesmo assim, sobraram muitas moedas e o conde e o marquês decidiram esperar até o dia seguinte, a fim de guardá-las.

 

Quando finalmente acabaram, Susi soltou uma exclamação de horror, ao ver a aparência do conde, enquanto Trina ria dele e do marquês.

 

Vocês estão negros como carvão! Nem sei o que seus criados vão dizer ou imaginar, quando os virem neste estado!

 

Temos que pensar em alguma explicação convincente disse o conde. Lembrem-se, porém: nem uma palavra a respeito do tesouro, na frente dos criados.

 

Tem medo de que eles possam roubá-lo? perguntou Susi.

 

Meus criados jamais fariam uma coisa destas, mas não podemos impedi-los de falar. Inicialmente, a aldeia em peso ficaria no auge da excitação e em seguida as notícias dos jornais trariam para cá multidões de curiosos de toda a França.

 

Sorriu e acrescentou:

 

O conde Bernhard ainda é uma celebridade, pelo menos nesta parte do mundo.

 

Tomaremos muito cuidado prometeu Susi. O conde sorriu para ela e disse:

 

Bem, agora vamos todos para casa tomar um banho. Minhas mãos estão tão sujas, que sinto medo de tocar no que quer que seja. Contudo, não me lembro de ter sido tão feliz em toda minha vida completou, sorrindo.

 

Olhou para Susi, enquanto falava, e ela sabia o que a felicidade representava. Durante alguns momentos tudo o mais foi esquecido.

 

Saíram da masmorra, e enquanto o conde trancava a porta com todo cuidado e punha a chave no bolso, Trina sentiu que o marquês estava sendo deixado um pouco de lado.

 

Não gostaria de jantar conosco, hoje à noite?

 

Ao falar, sentiu que estava abusando um tanto da hospitalidade do conde.

 

Ao mesmo tempo não podia deixar de ser honesta consigo mesma e admitir que desejava a companhia do marquês. Tinha muita curiosidade em saber o que ele sentia em relação a ela, agora que estava a par da verdade.

 

Mas é claro que vai jantar conosco! concordou o conde, antes que o marquês pudesse falar. Estava para convidar o marquês, pois temos muito o que conversar.

 

Terei muito prazer em aceitar seu convite.

 

Acho melhor jantarmos um pouco mais tarde, pois vamos levar algum tempo para nos limpar.

 

Partiram na carruagem que estivera à espera deles o tempo todo e o conde, sem fazer caso de sua mão suja, tomou a de Susi.

 

Parece inacreditável que todas estas coisas maravilhosas tenham estado escondidas durante tanto tempo ela disse. São mesmo tão valiosas conforme você esperava, quando Trina disse que tinha descoberto um tesouro?

 

Não vejo a hora de começar a avaliá-lo, mas isto não tem a menor importância diante do fato de que poderemos nos casar imediatamente. Amanhã mesmo, se possível.

 

Susi soltou um gritinho, horrorizada.

 

Amanhã? Mas é cedo demais!

 

Muito bem, depois de amanhã, então! Não espero mais do que isto! Susi não disse nada e Trina interveio:

 

O conde tem razão, mamãe. Não faz sentido esperar. Será uma maravilha saber que você não precisa se preocupar com mais nada, exceto com seu marido, é claro!

 

Olhou maliciosamente para o conde, que disse rapidamente:

 

Se você está pretendendo assustar Susi, eu a trancarei na masmorra, exatamente como fez o marquês!

 

Foi uma atitude imperdoável da parte dele! exclamou Susi, indignada. Como você deixou que ele a tratasse dessa maneira?

 

Eu tinha muito pouca escolha.

 

Naquele momento não sentia a menor vontade de conversar sobre o que tinha acontecido entre ela e o marquês.

 

Ficou contente quando a carruagem chegou à mansão e ela pôde recolher-se a seu quarto.

 

A criada que estava a seu serviço ficou horrorizada quando a viu naquele estado.

 

Mas o que foi que aconteceu, mmselle

 

Estivemos explorando os recantos mais antigos do castelo.

 

Não sentia vontade de dizer mais nada e a criada afastou-se, murmurando que aquele vestido tão caro nunca mais seria o mesmo.

 

Deitada na enorme banheira, Trina pensou com alegria que tinha resolvido o problema de como ajudar sua mãe.

 

Sua única preocupação agora era de natureza pessoal: o que faria? No momento não podia impor sua presença junto à sua mãe e ao conde.

 

Eles haveriam de querer ficar a sós durante a lua-de-mel e ela não tinha a menor vontade de voltar para a Inglaterra.

 

Lá, não somente suas tias a atormentariam, como também ficariam escandalizadas com o fato de sua mãe casar-se tão cedo, logo após a morte de seu pai, e ainda por cima com um francês!

 

Decidiu que pelo menos por algum tempo poderia ficar em companhia da duquesa, em Paris. Mais tarde voltaria a pensar no que fazer.

 

Mais do que tudo, gostaria de conhecer o marquês melhor, mas tinha a sensação desagradável que ele talvez pudesse pensar de modo diverso.

 

Nenhum homem gostava de ser enganado e ele ficara muito decepcionado com o fato de ela passar por uma mulher mais velha e experiente. Isto talvez o levasse a decidir que não estava mais interessado nela.

 

A ideia era muito desencorajadora, mas mesmo assim Trina sentiu-se um tanto animada, pois afinal de contas ele vinha jantar.

 

Escolheu, com o maior cuidado, o traje que deveria usar. Mudou de opinião umas doze vezes, até que finalmente se decidiu por um vestido de renda branca, tão belo que lhe dava uma aparência diáfana, como se ela fosse vestida por mãos de fadas.

 

A criada lhe fez um penteado diferente e em vez de usar jóias tirou uma camélia branca de um vaso e colocou-a no cabelo.

 

Está encantadora, mmselle! exclamou a criada. Trina esperava que o marquês fosse da mesma opinião.

 

Quando ele chegou para o jantar, pensou que nenhum homem parecia mais magnífico ou imponente em seu elegante traje de noite.

 

Beijou a mão de Susi do modo mais convencional possível e acenou ligeiramente com a cabeça para ela. Trina ficou a imaginar se ele ainda estava zangado.

 

Riram muito durante o jantar e era impossível guardar melancolia em relação ao que quer que fosse.

 

O conde estava tão bem-humorado e ele e Susi mostravam-se tão felizes que seu contentamento tornou-se contagiante. Trina conseguiu enxergar um lado do marquês que não imaginava pudesse existir.

 

Era espirituoso e alegre e durante todo o jantar ele e o conde mostraram-se muito divertidos.

 

Somente quando os criados saíram da sala, eles puseram-se a falar do assunto que ocupava seus pensamentos.

 

O que pretende fazer em relação ao tesouro? perguntou o marquês.

 

Já enviei um telegrama ao curador do Museu do Louvre, que é meu conhecido, solicitando que venha para cá o mais breve possível. Deve demorar um ou dois dias para chegar.

 

Fez uma pausa, olhou para Susi e disse:

 

Não se importa, meu amor, se nossa lua-de-mel começar aqui?

 

Não quero estar em nenhum outro lugar do mundo ela respondeu, corando fortemente.

 

Estive pensando em sua situação, agora que vai se casar, e tenho uma sugestão disse o marquês.

 

Todos o encararam e ele prosseguiu:

 

Sei que haverá de querer levar sua esposa para o castelo. Gostaria, portanto, se isso fosse possível, que minha mãe se mudasse para cá e ficasse na mansão com sua avó.

 

O conde estava evidentemente surpreendido e o marquês prosseguiu:

 

Ouvi falar muito de Madame la Comtesse, graças ao embaixador francês em Londres. Seu pai, o marquês de Vallon, segundo eu soube, foi apaixonado por ela durante muitos anos.

 

Claro! concordou o conde. Lembro que minha avó falava dele e acho que o conheci.

 

O filho dele refere-se à sua avó com uma das mulheres mais interessantes e belas que ele já conheceu.

 

O marquês fez uma pausa e prosseguiu:

 

Ainda não fui apresentado à comtesse, mas pelo que ouvi falar dela, penso que é a pessoa certa para ajudar e influenciar minha mãe, neste exato momento de sua vida.

 

Que ideia maravilhosa! exclamou Susi.

 

Talvez, ao ver como outra mulher, tão bela quanto ela, aceita a velhice com equilíbrio e dignidade, minha mãe não precisasse mais recorrer a charlatães e escroques.

 

Foi este, aliás, nosso comportamento reconheceu o conde com toda franqueza. Ah, isto me faz recordar algo.

 

Tirou do bolso um cheque e entregou-o ao marquês.

 

Se está em seu nome, gostaria que o endossasse disse o marquês.

 

O conde pareceu surpreendido e ele explicou:

 

Pretendo descontá-lo e guardar o dinheiro no momento, pois não quero que minha mãe fique com toda esta soma à sua disposição. Certamente a esbanjaria. Também decidi que não permitirei que de agora em diante ela caia nas garras de alguém como Casapellio, que procurará submetê-la à extorsão.

 

Receio que será uma tarefa difícil observou o conde.

 

Sinto que fracassei, pois a deixei sozinha e não fiz com que ela se aproximasse de boas companhias.

 

Acho que a solidão exerceu um papel importante nisto tudo disse o conde.

 

É isto o que eu gostaria de evitar no futuro. Se a comtesse concordar, queria demais que ela ficasse aqui.

 

Tenho certeza de que será possível. Quando contei, hoje à tarde, para grandmere o que tinha acontecido, ela ficou tão entusiasmada que decidiu ir ver o tesouro amanhã mesmo.

 

Eu achei que ela ficaria contente disse Susi.

 

Até mesmo aceitou a ideia de eu desposar uma inglesa sem dote disse o conde sorrindo.

 

Tem certeza? perguntou Susi. Tomou a mão de Susi nas suas e declarou:

 

Certeza absoluta. Grand-mere me ama e eu lhe disse, com muita convicção, que jamais poderia ser feliz sem você.

 

Oh, Jean...!

 

Falará com sua avó hoje à noite? perguntou o marquês, ansioso para que tudo se resolvesse.

 

Claro que sim. Prometi-lhe que Susi e eu iríamos lhe desejar boanoite, após o jantar.

 

Não a convidou para jantar conosco? indagou Susi.

 

Claro que sim, mas ela estava tão animada com o que tinha acontecido que o esforço de levantar-se e vestir-se teria sido excessivo. Insistiu, porém, em nos brindar com uma taça de champanhe!

 

Tenho certeza de que sua avó também se sente só a maior parte do tempo observou Trina. Deve ser muito duro para alguém, após ter sido o centro da admiração de seus amigos, encontrar-se sozinha, mesmo em um lugar tão belo quanto este.

 

Estou convicto que grandmere e a marquesa encontrarão muitos interesses em comum e, como disse o marquês, no futuro deveremos providenciar amigos leais e corretos, que as divirtam e as tornem felizes.

 

Passou pela cabeça de Susi que o que toda mulher mais velha desejava, na verdade, eram netos que ocupassem seus pensamentos e todo o seu tempo disponível.

 

Quando seus olhos se encontraram com os do conde adivinhou que ele estava pensando o mesmo, o que a fez sentir-se envergonhada.

 

Naquele momento estava tão bela que os dedos de Jean apertaram os seus com mais força.

 

Não havia necessidade de palavras. Estavam tão ligados um ao outro que seus pensamentos vibravam, como se fossem música.

 

Agora que terminamos de jantar, acho que deveríamos ir visitar sua avó. Já está ficando tarde disse Susi.

 

Levantou-se, enquanto falava, e saiu da sala em companhia de Trina, seguida pelos cavalheiros,

 

Susi subiu a escadaria, ao lado do conde, que lhe rodeava a cintura com o braço e Trina foi para o salão, consciente de que o marquês a seguira. Agora encontravam-se a sós.

 

Foi até a janela a fim de observar o que ainda restava do crepúsculo.

 

Fazia muito calor. A ligeira brisa que soprara durante o dia havia caído e agora tudo estava parado, como se até mesmo a terra tivesse parado de respirar.

 

Quando Trina menos esperava, o marquês a tomou pela mão e, saindo pela grande porta, levou-a para o jardim.

 

Trina não falou nada, mas ele a segurava com força e ela constatou que havia nele uma determinação que a fazia tremer.

 

As estrelas brilhavam e a lua transformava o castelo em prata. Parecia que ele tinha saído de um conto de fadas e agora povoava seus sonhos.

 

O marquês levou Trina em direção aos ciprestes e ela percebeu que iriam até o banco de pedra, próximo ao riacho, onde tinham ouvido os rouxinóis cantarem.

 

Somente quando chegaram lá o marquês soltou sua mão e ela permaneceu no mesmo lugar em que se encontrava, naquela noite em que ele viera a seu encontro e ela o confundira com o conde.

 

Não olhou para ele e sim para o riacho, que brilhava à luz do luar.

 

Foi então que ouviu à distância o canto emocionante dos rouxinóis.

 

Estendeu a mão, como havia feito naquela noite, indicando ao marquês que ele deveria manter silêncio. Então, à medida que o canto dos pássaros se aproximava, ela se sentiu como se estivesse de volta ao passado.

 

O que havia acontecido naquele momento voltava a ocorrer agora. Tantas coisas tinham acontecido, desde então, que ela se sentia como se tivesse passado por todas as emoções existentes no mundo, para um ser humano.

 

Um rouxinol cantava e, como se se tratasse de algo inevitável, foi logo correspondido por outro, até que se puseram a cantar em uníssono.

 

O som era tão belo, tão comovente, que, mesmo sem querer, Trina voltou-se para o marquês, a fim de perceber o que ele estava sentindo.

 

Ele se encontrava mais próximo do que ela esperava, com os olhos pregados em seu rosto. Ao fitá-lo, ele disse, muito calmamente:

 

É uma canção de amor, minha querida, e era isso que eu esperava ouvir.

 

Ao ouvi-lo expressar-se com tamanha ternura, Trina arregalou os olhos e de repente, sem compreender muito bem o que estava fazendo, encontrou-se em seus braços.

 

Sentiu seus lábios se apoderarem dos dela e percebeu que era aquilo que esperava havia muito tempo e que receava perder.

 

Seu beijo transportou-a para o céu, como já tinha acontecido antes, só que ele agora parecia mais persuasivo, mais maravilhoso e mais excitante do que da primeira vez.

 

Seu coração batia de encontro ao peito do marquês e ela cientificou-se, à medida que seus corpos se misturavam, que o mesmo ocorria com suas mentes.

 

Ela lhe pertencia e rendeu-se completamente a seu poder e a sua dominação, pois não lhe sobrava nenhuma resistência.

 

Agora, ouvia-se somente a canção dos rouxinóis, mas Trina sentia que aquilo era o cântico dos anjos sendo entoado no âmago de seu coração. O enlevo que o marquês lhe proporcionava, misturava-se com a magia da lua e das estrelas e emanava do próprio Deus.

 

O marquês levantou a cabeça.

 

Eu a amo!

 

Era impossível falar e Trina escondeu o rosto em seu ombro.

 

Apaixonei-me por você quando caminhei através dos ciprestes e a vi contemplando o céu. Pensei que você era bela demais para ser humana.

 

Você... me ama... de verdade?

 

Amo-a, sim, e no meu mundo não existe mais ninguém além de você. Ao mesmo tempo, sinto-me... zangado!

 

Zangado? Por que eu o enganei?

 

Não, não foi por causa de seus truques mágicos. Eles não têm a menor importância. É porque você me levou a acreditar que era sua mãe e eu achava que ela pertencia ao conde.

 

E isto o deixou preocupado?

 

A tal ponto que, após beijá-la, decidi nunca mais tornar a vê-la!

 

Oh... não!

 

Era uma exclamação quase de dor e Trina lembrou-se o quanto desejava vê-lo.

 

Anteontem, quando parti para Monte Carlo, decidi que não voltaria para o castelo, conforme pretendia.

 

Trina prendeu a respiração.

 

Como pode ter lhe ocorrido um pensamento tão cruel, quando eu morria de desejo de vê-lo novamente?

 

Como é que eu podia saber? Achei que você não passava de uma bela mulher, vaidosa e que desejava ter a seus pés todos os homens. Não senti a menor vontade de ser mais um nome acrescentado à sua lista.

 

Não existe... ninguém em minha vida.

 

Então eu tinha razão? Ninguém a beijou, a não ser eu?

 

Não!

 

Oh, meu amor, você não sabe o quanto lutei para não acreditar naquilo que meu instinto me dizia. Ficou surpreendida por eu ter ficado zangado?

 

Por favor... perdoe-me...

 

Contemplou seu olhar suplicante. Estava tão linda à luz do luar que ele sentiu que aquela imagem nunca mais sairia de sua mente.

 

Ao mesmo tempo, sabia que tanta beleza não era apenas celestial porém intensamente humana. Seus lábios procuraram os dela e beijou-a com tamanha intensidade que o mundo parecia rodopiar à sua volta e ambos ficaram sem fôlego.

 

O marquês levou Trina até o banco de pedra no qual haviam se sentado a primeira vez.

 

Agora faremos planos. Se sua mãe e o conde de Girone pretendem se casar depois de amanhã, sugiro que nos casemos amanhã, à noite.

 

Amanhã? perguntou Trina, atónita.

 

Por que não? perguntou o marquês. Devido ao fato de estarmos na França, primeiro teremos de passar pelo casamento civil. Imagino que haja alguma igreja inglesa em Aries.

 

Mas é muito... cedo!

 

O que mais você sugere que façamos, sem que sua mãe a fique vigiando durante o tempo todo? Mal posso acreditar que você pretenda passar sua lua-de-mel com ela!

 

Não, claro que não. Na verdade, estava planejando ir até Paris e ficar com a duquesa d’Aubergue, pois recebi um convite dela...

 

E você está achando que eu permitirei? Trina dirigiu-lhe um sorriso e ele riu.

 

Pois, muito bem... sinto ciúme... muito ciúme...! É por isso que pretendo casar com você agora, imediatamente, antes que a perca.

 

Você não deve ter medo de uma coisa dessas.

 

Como é que posso ter certeza? Não tenho certeza de nada, no que diz respeito a você. Você zombou de mim, provocou-me, brigou comigo de um modo que achei extremamente irritante e ao mesmo tempo encantador!

 

Aproximou-se dela ainda mais e disse baixinho:

 

Eu a desejo! Eu a desejo como nunca desejei ninguém em toda a minha vida, e a amo como nunca imaginei ser possível amar qualquer mulher. Você me pertence, Trina, e não pretendo esperar!

 

Havia tamanha determinação em sua voz que Trina sentiu-se arrepiada diante de tanta autoridade.

 

Sabia que por mais que resistisse acabaria fazendo tudo o que ele desejava, não somente naquele momento, mas para o resto da vida.

 

Ele era o conquistador, o vitorioso, o tipo de homem a quem ela sempre havia admirado. Talvez ele lhe desse alguma autonomia, mas seria sempre seu senhor.

 

Trina sabia também que seria muito bom estar com ele, dar-lhe ânimo para lutar por aquilo que ele desejava e que seria maravilhoso, quando finalmente se rendesse a ele.

 

Mas suponhamos que queira ter um casamento suntuoso? Afinal de contas, você é uma pessoa de grande importância na Inglaterra. Seus amigos esperam que nos casemos na igreja mais elegante de Londres, com pelo menos dois pajens e dez damas de honra, além de oferecermos uma recepção para quinhentos convidados.

 

Pois então ficarão decepcionados e você também! Não a levarei de volta para a Inglaterra, enquanto não tiver certeza de que você me ama tanto quanto eu a amo e enquanto não precisar recear me afastar de você.

 

E onde você sugere que passemos nossa lua-de-mel? Sabia, ao formular a pergunta, que ele já tinha feito planos.

 

Meu iate chegou em Marselha hoje, a caminho de Monte Carlo. Telegrafei ao capitão e disse que providencie tudo, pois vamos chegar em breve!

 

Você tinha tanta confiança que me casaria com você?

 

Se você se recusar posso trancá-la na masmorra, até você concordar! Trina riu e disse:

 

Tentei desesperadamente escapar. Só queria ver sua cara, quando você abrisse a masmorra e não me encontrasse mais lá!

 

Mesmo assim eu a teria capturado! Você jamais conseguirá escapar de mim! Tinha certeza disto, mesmo quando tentei ir embora!

 

Você seria mesmo capaz de se afastar e me esquecer? perguntou Trina, baixinho.

 

Para dizer a verdade, não! Sabia que tinha de voltar a vê-la, após passar uma noite inteira sem dormir no hotel em Nice, antes de pegar o primeiro trem para Aries. Mesmo que você pertencesse a cem condes, ainda assim teria de ser minha.

 

Como se ainda receasse que ela pudesse pertencer a outros homens, segurou-lhe o queixo e fez com que ela o encarasse.

 

Beijou-a, então, com possessividade, dominado pelo desejo. Era um beijo muito diferente de todos os que lhe havia dado até então.

 

Somente a largou quando sua paixão tornou-se por demais tempestuosa e Trina, com um murmúrio de protesto, defendeu-se com as mãos, como se quisesse se proteger.

 

Os olhos do marquês pareciam duas chamas acesas e ao dirigir-se a ela sua voz tremia um pouco:

 

Desculpe-me, querida. Eu a amo com tamanha paixão que cheguei a esquecer o quanto você é jovem e inexperiente, apesar de pretender ser o contrário.

 

E isto não o deixará... aborrecido?

 

Pelo contrário! Acho muito excitante, e a tal ponto que você não deve permitir que eu a assuste.

 

Puxou-a para ele, mas desta vez com maiores cuidados.

 

Oh, meu bem, você é tudo aquilo que eu procurava em uma esposa, apesar de jamais ter encontrado.

 

Tem certeza do que está dizendo?

 

Achava que as mulheres muito jovens eram desajeitadas, tolas, desmioladas... Enganei-me.

 

Pousou delicadamente os lábios sobre sua pele e prosseguiu:

 

Achei que queria sofisticação e uma mulher que tivesse conhecimento do mundo e mais uma vez enganei-me. O que quero é apenas você e que me pertença agora e para toda a eternidade.

 

Trina passou os braços em torno de seu pescoço.

 

É também o que eu desejo murmurou. Quero pertencer a você. Quero torná-lo feliz. Por favor... por favor, me ensine as coisas do amor... de modo que você não se desaponte comigo.

 

Isto jamais acontecerá. Ensinar-lhe o amor, meu tesouro, será a coisa mais maravilhosa que me acontecerá na vida.

 

Voltou a beijá-la, sem a selvagería de antes, mas ao mesmo tempo como se a estivesse solicitando. Trina sentiu que não somente todo o seu corpo respondia àquilo que ele pedia dela, mas que o mesmo ocorria com sua mente e sua alma.

 

Muito ao longe, vagamente, ouviu o canto dos rouxinóis e achou que eles voavam em direção ao céu.

 

Só que agora ela e o marquês voavam junto com eles, à procura das estrelas. Agora todos faziam parte da mesma canção de amor.

 

                                                                                Barbara Cartland  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

              Voltar à Página do Autor