Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
CASAMENTO FORÇADO
Primeiro ele a queria como amante... Depois, como esposa!
Vicky era uma secretária competente e bonita. E Max Forbes descobriu, em pouco tempo, que ela poderia ser muito mais! A jovem ruiva parecia a mulher ideal para ser sua nova amante. Sobrava-lhe charme, sensualidade e mistério.
Para Vicky, aquele relacionamento tinha de se manter no campo estritamente profissional, por mais difícil que fosse resistir ao charme de Max. Para proteger seu
grande segredo — sua filha Chloe —, ela não podia deixar aquele homem entrar em sua vida... E mesmo depois de uma ardente noite de paixão, Vicky continuou se mostrando uma mulher reservada e recatada. Mas um dia, acidentalmente, Max viu
Chloe, e todo o segredo que envolvia Vicky Lockhart foi desvendado: a menina parecia demais como pai, o irmão gêmeo de Max...
— Ah, sim, srta. Lockhart! — Uma distinta senhora de meia-idade entrou na imponente sala de espera da Empresa Paxus, com um sorriso radiante. — Sou Geraldine Hogg, a responsável pelos trabalhos de digitação — apresentou-se ela, cumprimentando Vicky com um firme aperto de mão. — Estou com sua ficha de inscrição aqui, minha querida. — Ela agitou os papéis grampeados que tinha em mãos. — E você terá uma boa surpresa.
O coração de Vicky disparou, não gostava de surpresas. Havia se candidatado à função de digitadora da Paxus porque o salário era excelente e precisava de dinheiro até que pudesse pôr sua casa em ordem. Procurava por um emprego que não exigisse demais dela e que lhe deixasse tempo livre para reorganizar sua vida.
— Vamos para a minha sala e eu lhe explicarei tudo, certo?
Geraldine Hogg tinha uma postura firme, porém amigável, e parecia ser determinada, sem ser agressiva. Vicky sentiu que trabalharia bem tendo como chefe aquela mulher que agora a conduzia por um corredor luxuosamente acarpetado, flanqueado por diversas portas.
— Preciso lhe dizer que você me parece um tanto quanto desqualificada para o emprego — acrescentou Geraldine.
Vicky suprimiu um suspiro de desapontamento. Seu último emprego na Austrália fora bem diferente daquele. Lá, era uma das assistentes pessoais do diretor de uma companhia pública em expansão.
— Entre, querida. Café? — Ela indicou uma cadeira para Vicky e chamou a copeira. — O café daqui é maravilhoso. Nada daquelas porcarias instantâneas.
— Ótimo, eu adoraria uma xícara. — Vicky se sentia ligeiramente confusa e nervosa.
— Bem, serei objetiva com você. — Geraldine sentou-se à escrivaninha e lhe deu um olhar atento. — Vamos direto à pequena surpresa que lhe reservei! Antes de tudo, deixe-me dizer que fiquei impressionada com seu currículo. Muitas qualificações! Você deve ter sido de grande valor para a companhia na qual trabalhou!
A cabeça de Vicky girava.
— Eu gosto de pensar que sim. — Ela tentou um sorriso confiante, e agradeceu silenciosamente à interrupção da jovem garota que trazia duas xícaras de café.
— Bem, antes de tudo, achamos que seria um desperdício empregá-la como digitadora.
Vicky podia sentir as lágrimas de desapontamento brilhando em seus olhos. Desde que deixara a Austrália, quatro meses atrás, tivera vários trabalhos temporários, nenhum deles satisfatório. E para dois empregos aos quais se candidatara, não tivera sucesso. E agora, a menos que obtivesse um emprego apropriado, sucumbiria pelos atuais problemas financeiros, pois não conseguiria se manter com suas escassas economias.
Geraldine prosseguiu com um tom de satisfação:
— Não se sinta tão rejeitada assim, querida. O chefe de nossa organização está precisando de uma secretária. Tenho de admitir que você é um pouco jovem para a função, mas suas qualificações a tornam apta para o cargo.
Trabalhar para o chefe da empresa? Vicky sabia que nada acontecia por acaso, mas a oportunidade parecia boa demais para ser verdade.
— Eu a levarei agora mesmo para vê-lo, e, apesar de não poder garantir que o emprego será seu, sua experiência anterior certamente contará a seu favor.
Para Vicky tudo aquilo parecia um sonho estranho que acabaria no momento em que abrisse os olhos. Na verdade candidatar-se ao emprego naquela companhia fora um sonho desde o início. Vira o anúncio no jornal, e o nome da empresa despertara lembranças escondidas em algum lugar escuro de sua mente.
Shaun mencionara várias vezes o nome daquela empresa como uma das muitas que sua família possuía. E aquele nome ficara gravado porque era o mesmo da rua em que ela vivera com a tia, em Sidney. Shaun era a única pessoa no mundo que lhe causava repulsa, e respondera ao anúncio não somente pelo ótimo salário oferecido, mas também pela curiosidade de conhecer de perto a grande dinastia Forbes.
Agora, observava a decoração luxuosa das salas enquanto era conduzida ao terceiro andar. As áreas centrais eram amplas e ladeadas com pequenos escritórios privativos, protegidos de olhos curiosos por vidros escuros. Havia floreiras de plantas exóticas naturais por todos os lados.
— Espero que você não se importe de subir pela escada — disse Geraldine, ofegante a seu lado. — Não suporto elevadores, sou adepta a exercícios.
Vicky, ocupada em observar tudo a sua volta, apenas sorriu de modo conivente. De alguma maneira, era-lhe difícil associar Shaun àquele ambiente limpo e bem-estruturado. Preocupou-se em voltar sua atenção ao monólogo de Geraldine sobre às sólidas e bem-sucedidas propriedades Forbes, das quais a empresa Paxus era um pequeno, porém florescente, satélite. Vicky perguntava a si mesma se alguma menção seria feita sobre Shaun, ou pelo menos sobre o único irmão dele que vivia em Nova York, mas o nome dele não foi citado durante a conversa que girava sobre linha de crescimento, lucro e preço das ações.
— Trabalho para a família Forbes há vinte anos. Eu desejava uma carreira de instrutora de esportes, mas a vida me levou por outros caminhos.
— Eu serei uma trabalhadora esmerada, srta. Hogg — arriscou ela, enquanto acompanhava os passos rápidos da outra mulher, tentando nervosamente recolocar a fivela que segurava seus cabelos longos e cacheados, sem perder o passo. Precisava daquele emprego e não queria causar má impressão, mesmo que fosse praticamente impossível parecer madura e sofisticada quando seus cabelos ruivos eram rebeldes de natureza, e sua expressão, por mais que tentasse parecer austera, era infantilizada por inúmeras sardas.
— Aqui estamos! — Geraldine Hogg parou abruptamente em frente a uma das portas do corredor e bateu levemente. — Com licença — disse ela, abrindo apenas uma pequena fresta e, misteriosamente, perdendo todo aquele ar de mulher segura. — Trouxe a srta. Lockhart para vê-lo.
— Quem?
— Srta. Lockhart.
— Agora?
Vicky, embaraçada, perguntou-se se aquela oferta de emprego era uma surpresa para ele ou se os chefões das organizações eram mesmo isentos de boas maneiras.
— Eu o informei há uma semana — disse Geraldine em tom formal.
— Deixe-a entrar, Gerry.
Geraldine abriu a porta completamente e deu um passo atrás para permitir que Vicky adentrasse a sala.
O homem estava sentado atrás de uma mesa imensa, em uma cadeira de couro giratória.
Com o coração disparado, Vicky sentiu a porta sendo vagarosamente fechada atrás de si. Então lá estava ela, abandonada no meio do enorme escritório, a respiração ofegante e perguntando-se se as pernas trêmulas agüentariam o peso do corpo por mais tempo.
Tudo que podia ver era o pesadelo a sua frente.
— Você está bem, srta. Lockhart? — A pergunta tinha um tom impaciente e despreocupado. — Você parece estar à beira de um desmaio e não tenho tempo para lidar com uma secretária desfalecida.
— Estou bem, obrigada. — Realmente, considerando-se o choque que a sobressaltara, estar de pé significava mesmo estar bem, certo?
— Sente-se. — Ele indicou com a cabeça, secamente, uma cadeira a sua frente. — Temo que minha memória tenha fraquejado quanto a sua vinda aqui hoje...
_ Tudo bem! — De repente, Vicky recuperou a voz — Na verdade, não há necessidade de perder seu tempo, entrevistando-me. Acho que não me adequaria, em absoluto, para o emprego.
Ela apenas queria sair dali o mais rápido quanto as pernas permitissem. A pele estava em chamas, e as têmporas latejavam.
Ele não respondeu. Em vez disso, fitou-a longamente, os olhos acinzentados repentinamente atentos à face ruborizada.
— Mesmo? — perguntou ele com lentidão. — E por que acha que não serviria? — perguntou, levantando-se. Altíssimo e com um corpo bem-estruturado, caminhou até a janela atrás de sua cadeira, e virou-se, encostado ao peitoril,
para encará-la.
Entre a tensão emocional e os pensamentos tumultuados, Vicky tentou localizar a razão. Em vão. Não conseguiu encontrar nem uma palavra sequer para dizer.
— Você sabe que realmente parece um pouco nervosa. — Ele cocou o queixo pensativamente, enquanto continuava a estudar-lhe o rosto, com a paciência de um predador mirando sua presa. — Você não é um desses tipos neuróticos, é?
— Sim — concordou Vicky, aceitando qualquer tábua de salvação que a tirasse daquele lugar. — Completamente neurótica. Sem utilidade para um homem como você.
— Um homem como eu? E que tipo de homem é esse?
Vicky baixou os olhos para não responder aquela pergunta. A força da resposta que ela lhe daria poderia colocá-lo de joelhos a seus pés.
— Sente-se. Você está começando a me interessar, srta. Lockhart. — Assim que ela se acomodou na cadeira mais próxima, ele prosseguiu: — Agora, diga-me por que estou começando a sentir que há algo estranho no ar.
— Não sei o que quer dizer com isso.
— Certo, deixemos isso de lado.
Ele tem um horrível complexo em relação a mim. Sempre achou que podia conduzir minha vida.
Vicky podia claramente ouvir a voz de Shaun, cheia de ressentimentos como sempre fora todas as vezes que se referia ao irmão, Max Hedley Forbes. Sim, esse era o nome do homem sentado a sua frente. Ouvira-o muitas vezes dos lábios de Shaun, com amargura e antagonismo, sempre o acusando de ser egoísta, de tratar com enorme rudeza seu único irmão, fazendo-o ser rejeitado pelo próprio pai.
Quando se candidatara ao emprego, jamais ocorrera a Vicky que os caminhos de seu destino passariam por ali.
Max Forbes sempre vivera em Nova York e, portanto, ela jamais pensara que terminaria por encontrá-lo em um edifício comercial em Warwick. O passado apertou-lhe o coração, e ela rapidamente fechou os olhos, cedendo à vertigem que ameaçava sobrepujá-la.
Shaun podia ter se tornado um pesadelo, mas o homem que a analisava friamente agora, tinha sido o principal causador das dores, angústias e inseguranças de seu irmão.
— Então — a voz aveludada trouxe-a de volta à realidade — você se diz completamente neurótica, contudo, o seu currículo diz que teve um emprego de alta credibilidade na Austrália, o qual você deixou com excelente referência. Como explica isso? Talvez suas neuroses estivessem sob controle naquela ocasião?
Vicky absteve-se de responder, olhando através da janela a linha sinuosa dos edifícios altos da redondeza.
— Geraldine deu a você alguma indicação porque este cargo tornou-se disponível? — Max deu alguns passos pela sala e se sentou sobre a mesa, encarando Vicky diretamente.
— Não, mas honestamente não vejo necessidade de explicações. Na verdade, candidatei-me para trabalhar com digitação e...
Os lábios dele estremeceram levemente, e, quando respondeu, a voz era séria:
— É claro. Entendo muito bem que você não queira desperdiçar seus indubitáveis talentos em um bom emprego, com perspectivas de carreira...
Vicky dirigiu-lhe um rápido olhar, desconcertada pela ponta de humor sob o sarcasmo.
— Eu não quero assumir nada que exija muito de mim porque temo não ser capaz de fazer corretamente.
— Como assim? — perguntou ele, enquanto folheava o currículo dela.
— Bem — gaguejou Vicky —, retornei recentemente da Austrália e tenho uma porção de coisas concernentes às providências que uma mudança desse tipo exige. — A explicação soou tão inverossímil que ela sentiu a face ruborizar.
— Por que decidiu ir para Austrália?
— Minha mãe... faleceu... e senti que a mudança me faria bem. Acontece que fiquei mais tempo que o planejado. Logo consegui um emprego em uma excelente companhia e fui promovida nos primeiros seis meses. Eu... Bem... Permanecer lá me pareceu mais fácil do que voltar para a Inglaterra e lidar com...
— Com sua perda?
Vicky ficou estática pelo discernimento do homem. Uma vez considerara Shaun muito perceptivo e sensível. Talvez essa qualidade fizesse parte da família Forbes.
— Eu apreciaria se nós pudéssemos terminar essa entrevista agora. — Ela começou a se levantar, percebendo os espantados olhos acinzentados, fixos nela. — Lamento ter tomado seu tempo. Percebo que é um homem muito ocupado, e tempo é dinheiro. Se eu tivesse conhecimento da situação, teria telefonado para cancelar a entrevista. Como eu disse, não estou interessada em um emprego que irá monopolizar o meu tempo livre.
— Suas referências fornecidas por James Houghton são brilhantes... — continuou ele friamente, ignorando a tentativa dela de abandonar a sala. — Muito impressionante mesmo, principalmente porque conheço muito bem James Houghton.
— Você o conhece? — Ouvindo aquilo, diversas catástrofes em potencial delinearam-se em sua mente, e ela voltou a se sentar. Não era conveniente que Max Forbes tivesse contatado seu antigo chefe na Austrália. Vicky tinha muitos segredos que não tinha intenção de revelar.
— Estudamos na mesma escola, muitos anos atrás. — Ele se levantou e começou a andar pela sala enquanto falava. Se a tática era desconcertá-la, então ele estava conseguindo. — James é um bom homem de negócios, e uma recomendação dele é enormemente satisfatória. — Ele fez uma pausa e o silêncio a arrepiou. — Onde você morou na Austrália.
— Em Sydney. Minha tia tem uma casa lá.
Havia uma ponta de perigo nesse tipo de questionário, mas Vicky não tinha idéia de como escapar.
— Você tinha uma vida social muito intensa?
— Como assim? — perguntou ela cautelosamente. Ajudaria muito se ele voltasse ao campo de visão de tal maneira que ela pudesse interpretar-lhe a face. Mas, pensando bem, talvez fosse melhor que não pudesse vê-lo. Afinal de contas, ele seria capaz de ver-lhe as expressões, e tinha muito mais coisas para esconder do que ele jamais imaginaria.
— Com colegas de trabalho, digamos assim.
Ela podia sentir a aproximação dele. A proximidade daquele homem estava causando-lhe claustrofobia. Do canto dos olhos, podia percebê-lo junto à parede, mãos nos bolsos da calça, cabeça levemente inclinada para um dos lados como se estivesse pesando em tudo meticulosamente.
Ele está gravando palavra por palavra, pensou Vicky em um repentino pressentimento, para serem usadas como evidência contra mim em alguma futura ocasião.
Rapidamente, e para seu alívio, ela se lembrou de que não haveria outra ocasião. Mesmo com todo seu poder, ele não poderia obrigá-la a trabalhar em sua empresa. Dali a pouco estaria longe dali e nunca mais veria aquele homem.
Vicky forçou um sorriso confiante.
— Sim, eu tinha uma vida social moderada. Fiz muitos amigos em Sydney. Os australianos são muito amáveis.
— Assim ouvi dizer. Meu irmão certamente pensava assim.
— Seu irmão morou lá? — Vicky sentiu uma coloração traidora aquecer suas faces.
— Shaun Forbes, meu irmão gêmeo.
Shaun nunca lhe contara! Eles estiveram em contato por aproximadamente um ano e meio, e ele jamais mencionara que o tão odiado irmão, era seu gêmeo idêntico. Ela imaginava como deveria ter sido desgastante e sofrido para Shaun, não ter vivido à altura de um irmão que saiu do mesmo ventre, na mesma hora, e que tivera a mesma criação e privilégios.
Ver Max Forbes ali, causara-lhe um tremendo choque.
Havia muito na estrutura física daquele homem que a arremessava doentiamente ao passado e às lembranças que procurava, havia tanto tempo, banir da memória.
— Ele era bastante conhecido na sociedade local, suponho. — Ele caminhou de volta à mesa, os lábios levemente torcidos.
— Não. Nunca ouvi esse nome antes.
As palavras quase pararam em sua garganta. Sentia-se brincando com fogo. A vida não tinha sido fácil desde que voltara para a Inglaterra. A família do último inquilino que ocupara a casa de sua mãe tinha sido desleixada e, infelizmente a imobiliária que administrava o imóvel não assumira o prejuízo. Assim, além da insana tarefa de procurar emprego e reorganizar as finanças, havia o problema da casa, que necessitava urgentemente de reparos.
E havia Chloe.
Vicky fechou os olhos, e uma sensação de náusea percorreu-lhe o corpo.
— Estou surpreso. James tinha bastante contato com Shaun. Pensei que você o conhecesse da empresa.
Vicky, sem conseguir controlar o cérebro, balançou a cabeça e olhou sem expressão para o homem que a mirava.
— Não? — insistiu ele.
— Bem, talvez... — ofereceu ela em uma voz quase inau-dível.
— De qualquer forma, Shaun talvez nem a houvesse notado — colocou Max.
O homem certamente não tivera a intenção de insultá-la, mas conseguira. Se ela ao menos pudesse contar quanto seu abominável irmão tentara seduzi-la. Encantara-a com sua fala macia, oferecimentos de flores e bajulações inócuas. Dizia que ela fora destinada a salvá-lo de si mesmo e a agradecia com lágrimas por fazê-lo querer ser um ser humano melhor. Vicky caíra na armadilha, completamente. Mas pouco tempo depois, a máscara de bom moço de Shaun começou a cair, evidenciando-lhe o mau-caráter.
— Muitíssimo obrigada — disse ela friamente.
— Por que decidiu deixar a Austrália se tinha um emprego brilhante e uma vida social agitada?
A pergunta era irrelevante, considerando que ela não tinha intenção de trabalhar para o homem, mas o medo de aumentar ainda mais a curiosidade dele, impediu-a de dizer-lhe que cuidasse de sua própria vida.
— Eu nunca pretendi construir minha vida lá. Senti que era hora de voltar para a Inglaterra.
A imagem da pequena Chloe novamente lhe veio à mente. Tudo estava centrado em Chloe.
— E você teve empregos temporários desde que voltou? Ganha-se pouco trabalhando assim, concorda?
Uma miséria, seria a resposta correta.
— É possível pagar apenas as necessidades básicas.
— E onde está morando? — Por um minuto os olhos inquisidores deixaram de encará-la, concentrando-se no currículo que tinha à sua frente.
— Moro nas redondezas de Warwick.
— Casa alugada?
— Minha mãe deixou a casa para mim quando faleceu. Esteve alugada nos últimos anos.
Ele empurrou o papel e recostou-se na cadeira, mãos entrelaçadas atrás da cabeça. Então a fitou sem se incomodar em disfarçar a curiosidade.
— Jovem senhora, recém-chegada do exterior, e, sem dúvida alguma, querendo remobiliar a casa, rejeita um emprego que é infinitamente superior ao qual ela originalmente se candidatou. Ajude-me com uma explicação lógica... Se há algo que não suporto, é mistério. Sempre achei que mistérios existem para serem decifrados, e sempre os decifro. Adivinhe como.
— Como? — perguntou Vicky, hipnotizada pelos olhos dele.
Quando conhecera Shaun, ficara atraída primeiramente pelos olhos dele. Aqueles mesmos olhos acinzentados, os cabelos negros e as linhas bem esculpidas da face. Ele era lindo! Se ela tivesse tido algum juízo, teria conseguido enxergar além da beleza estonteante e ver a inquieta e exaltada energia de um homem que era capaz de se tornar cruel em questão de segundos.
— Eu nunca desisto de desvendar mistérios — respondeu ele com um sorriso perigoso que a fez tremer.
Max Forbes era parecido demais com o irmão, mas ao mesmo tempo tinha desigualdades notórias. Se a aparência de Shaun cativava pela beleza, a de seu irmão hipnotizava pelo poder. Vicky imaginava que Max conquistava seus objetivos pelo simples fato de ser indiferente às convenções sociais e dizer precisamente o que queria, a despeito das conseqüências, com seu carisma rude do tipo "eu faço o que quero", era irresistível para as mulheres.
Max Forbes olhou para a pequena figura na cadeira. Parecia mais uma criança inocente, com a face travessa, alva e sardenta, do que uma mulher. Mas os instintos dele lhe diziam que a história era diferente. Algo não se enquadrava naquela inocência, e seu desejo de descobrir o quê, realmente o surpreendia. Há muito tempo não sentia uma curiosidade tão eletrizante sobre alguém. Observou as faces rosadas do rosto feminino.
Oh, sim. A vida deixara de ser meramente um caso de ganhar dinheiro e fazer amor, ambos que ele exercia com alto grau de habilidade e, ultimamente, sem muito prazer ou satisfação. Vicky Lockhart tinha algo a esconder, e aquele simples mistério fez com que uma onda de prazer percorresse seu corpo inteiro.
— Que interessante — disse ela polidamente.
O sol, penetrando através da janela, atingiu seus cabelos ruivos que pareciam em chamas. Era, pensou ele, o mais incomum tom de vermelho. E não era tintura.
Claro que ela não fazia o seu tipo, em absoluto. Sempre se sentira atraído por mulheres altas e de seios volumosos. Mas então se pegou imaginando se, por debaixo daquela fachada doce e infantil, havia uma mulher ardente e indomável, pronta para o amor.
Max sorriu com o pensamento e ficou admirado em notar que seu corpo havia respondido vigorosamente à imagem que construíra. Ficar excitado daquele jeito fez com que se sentisse um adolescente e então recobrou sua postura formal.
— Não sei se Geraldine mencionou o salário... — Esperando que ela mordesse a isca, ele anunciou um salário que era quatro vezes maior que o do cargo ao qual ela se candidatara. Pôde então ver o brilho de interesse iluminar os olhos castanhos da ruiva, e as delicadas mãos se apertarem no braço da cadeira, como se precisasse de apoio.
— E um salário muito bom.
Ela vai aceitar, pensou ele. Podia ler isso na expressão dela.
— Mas, realmente, lamento ter que dizer não. Levou alguns minutos para que ele digerisse a recusa.
— O quê? — Max a fitou e foi assaltado por uma humilhante sensação de fraqueza. Nem mesmo entendia por que estava tão furioso pela recusa dela, apenas sabia que queria sacudi-la até que ela concordasse em trabalhar para ele. Ele sorriu com o absurdo. Deveria estar perdendo o juízo. Deixar Nova York e mudar-se para o Reino Unido causara-lhe, com certeza, algum dano mental. Por que estaria olhando para uma mulher estranha e sentindo-se daquele jeito?
Max começou a tamborilar a caneta sobre a mesa.
— Certo, se não posso persuadi-la...
— Estou lisonjeada que tenha estado preparado para tentar...
Ela ficou de pé e lhe deu um sorriso de alívio que o irritou visivelmente.
— Milhares de pessoas se matariam pelo emprego que acabei de lhe oferecer.
Ele ouviu a irritação em sua própria voz e sorriu educadamente. Então, completando seu inexorável declínio para a irracionalidade juvenil, baixou os olhos até os seios dela. Duas pequenas protuberâncias sob a blusa e o blazer. Como seriam? Minúsculos, ele supunha. Firmes e com mamilos rosados. Cabelos ruivos caindo sobre um corpo nu e seios rosados no tamanho exato para caber em suas mãos...
— Tem certeza de que não deseja reconsiderar?
— Absoluta. — Vicky levantou-se e estendeu-lhe a mão. Ele podia jurar que aquela mão estava-lhe sendo oferecida
apenas por cortesia, quando o que ela queria realmente fazer era desaparecer dali sem nem ao menos se despedir.
Em um arremedo de boas maneiras, ele lhe beijou a mão.
Qual seria a história dela? Ela ficara nervosa, era fato, mas por quê? Algum detalhe do passado? Não, ele nunca a vira antes, com certeza. Havia algo inesquecível na etérea delicadeza daquela face e no desalinho daqueles cabelos notáveis. E ela estivera morando na Austrália, portanto...
— Se eu falar com James, mencionarei que a conheci — murmurou ele, acompanhando-a até a porta.
— Naturalmente — respondeu ela. — Você tem contato regular com ele?
— Eu costumava ter. Ele ocasionalmente vigiava meu irmão rebelde.
— E não faz mais isso?
Ele notou no embaraço da voz dela uma ponta de interesse.
— Meu irmão morreu há pouco tempo em um desastre de carro, srta. Lockhart.
Vicky assentiu e, em vez de proferir as habituais condolências, alcançou a maçaneta da porta, pronta para escapar dali. Sabia que deveria expressar alguma espécie de pesar cortês, mas honestidade e coerência a impediram. Não tinha nada a lamentar pelo destino de Shaun. Perdoar era divino, mas ela não tinha propensão para divindade.
— Bem, talvez nos encontremos outra vez — disse ele enquanto pensava: Muito mais cedo do que você imagina.
— Acho difícil — disse ela ao abrir a porta. — Mas muito obrigada pela oferta de emprego, de qualquer maneira. E boa sorte em encontrar alguém para a função.
O jardim da modesta casa que pertencera à mãe de Vicky fora a primeira decepção após seu retorno a Inglaterra. Anos e anos de inquilinos descuidados haviam destruído o lugar.
Quebrou-lhe o coração pensar no tempo que sua mãe despendera cuidando daquele jardim, na época, imaculado. Uma década atrás, após a morte do marido, pai de Vicky, o pequeno jardim fora a tábua de salvação que funcionara como atenuante para a dor dela, até que a doença tirou-lhe a energia para continuar o cultivo de que tanto gostava. Agora restava apenas uma profusão de ervas daninhas.
Vicky, com roupas sujas e suadas pelo esforço, passara a manhã de sábado limpando o jardim, mas ainda assim apreciou o fato de finalmente estar tendo um tempo livre para lidar com aquele pequeno espaço de terra.
Era a primeira vez que se dedicava à tarefa, e somente porque Chloe fora passar algumas horas na casa de uma colega da escola.
O pensamento sobre sua filha de cinco anos, automaticamente trouxe-lhe um sorriso aos lábios. Chloe tinha se adaptado à nova escola e às colegas, o que era um grande alívio. Com luvas de jardinagem, ela enfiou a mão sob a terra, o pensamento ainda em sua bela filha de cabelos negros e brilhantes, tão fisicamente diferente dela.
— Pensei que poderia encontrá-la aqui. Espero não ser inconveniente — disse uma voz grave por detrás dela. O choque foi tanto que a fez arremessar-se contra um arbusto. Após lutar contra a folhagem, terra e gravetos pontiagudos, Vicky estava decididamente em sua pior forma.
Max Forbes, sob o saudável sol do inverno, ao contrário, estava incrivelmente bem.
O vento despenteara seus cabelos negros e uma mecha caía-lhe na testa de uma maneira juvenil, opondo, às feições angulosas. O casaco de tweed abriu-se por completo, expondo a calça esporte escura e o colete creme sobre uma camisa em tom pálido. O choque de vê-lo em seu jardim fez com que ela desse alguns passos para trás.
— Cuidado para não cair outra vez.
— O que está fazendo aqui?
Agora que suas idéias voltavam ao normal diante da forte presença masculina, o pensamento voou em alta velocidade, e a lembrança de que Chloe estava ausente trouxe-lhe um certo alívio.
— Na verdade, acabei de vir de seu vizinho. Mundo pequeno, não acha? Os Thompson. Eles vivem a três casas daqui.
— Não conheço ninguém por aqui, exceto o casal idoso que mora em frente.
— Pensei em passar por aqui para saber se você já conseguiu achar um emprego.
De frente para ele e sem nada de salto, Vicky sentiu-se pequena e horrorosa. A longa trança presa ao acaso era um insulto ao bom gosto. E havia terra em sua face, roupas, mãos... As grosseiras botas de cano alto estavam cobertas de adubo. Quando tirou as luvas de jardinagem, imundas de terra, notou que o estado de suas unhas era terrível.
— Só se passaram três dias e ainda não tive sorte. Obrigada. — Ela não se moveu apesar do frio que penetrava através da roupa, fazendo-a tremer. Então enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta.
— Muito mal.
— Estou certa de que algo aparecerá.
— Oh, eu não sei. Empregos de digitação em firmas de grande porte são escassos.
Havia uma diversão velada na voz dele que a deixou ainda
mais nervosa.
— Escute, por que não entramos? — sugeriu ele. — Tenho tempo para uma xícara de chá, e você poderá me contar tudo sobre a Austrália.
— Não há nada para contar.
Um início de pânico começou a tomar conta de Vicky. Ele não poderia entrar na casa dela. Chloe não estava lá, mas os sinais dela estavam por toda parte. Max não sabia que ela tinha uma filha e era assim que as coisas deveriam permanecer.
Quando se candidatara ao emprego, covardemente havia omitido a existência de Chloe, porque tinha consciência de que ser mãe de uma criança era motivo possível para ser rejeitada em algumas firmas. A escola e Betsy, a mulher que a ajudava algumas noites, garantiriam sua independência para trabalhar.
Max a fitou, confuso. Queria esclarecer sua presença ali, a qual, na verdade, não tinha a menor idéia da verdadeira razão. Queria também limpar um pouco da terra do rosto dela, só para saber como ela reagiria. E, para sua frustração, também queria ficar ali, pois vê-la novamente o tinha deixado mais intrigado do que naquele primeiro encontro.
— Para ser sincero, não passei aqui por acaso — disse ele casualmente, ressentindo-se por ter que dizer uma mentira para disfarçar a patética fraqueza.
— Ah, não? — perguntou ela cautelosamente.
— Na verdade minha passagem tem a ver com sua casa.
— Como?
— Por que não entramos e conversamos a respeito? Ele jamais pensara que pudesse ser tão dissimulado. Mas
tudo aquilo porque não conseguira tirar a atrevida garota da cabeça. Vicky despertara seu interesse, por razões inexplicáveis, e lá estava ele, comportando-se como um ator inexperiente em um filme de terceira categoria. Nunca, jamais, fizera algo remotamente parecido, em sua vida inteira, por causa de uma mulher, e quase não podia acreditar em sua atitude agora.
Vicky não disse nada. Em vez disso, dirigiu-se à casa, lutando contra o vento forte. Max a seguiu, alguns passos atrás e, então, cerrou os dentes de raiva quando ela lhe disse para esperar do lado de fora até que se arrumasse. .— Por que do lado de fora?
— Porque esta é minha casa, e isso é o que eu estou dizendo para você fazer — irrompeu Vicky, fechando a porta de supetão.
Nunca fora tão rápida em uma ação. Em cinco minutos, escondeu todas as evidências de sua filha.
— Então — disse ela, puxando a porta abruptamente —, o que tem a dizer sobre minha casa?
— Alguém já lhe mencionou que você é completamente excêntrica?
— Não. — Ela o conduziu à sala de estar, que tinha sido redecorada e estava agora em tons verdes suaves. Consultando o relógio, viu que faltavam pelo menos duas horas antes que Chloe estivesse de volta. Tempo mais que suficiente para livrar-se de Max Forbes, cuja presença era o bastante para intimidá-la.
Ele se sentou na poltrona que lhe foi indicada e não disse nem uma palavra, como se estivesse esperando que Vicky se acomodasse também.
— Não quero me sentar — disse ela. — Estou muito suja.
— Eu não posso tratar de um assunto sério dessa maneira. — Max meneou a cabeça e levantou-se. — O que é uma pena, porque acho que você se interessaria pelo que tenho a dizer sobre sua casa. Agora, se suas esquisitices se sobrepõem a seu próprio interesse, então... — Ele fez um gesto eloqüente. — Bem, pelo menos eu tentei.
Vicky o olhou de forma duvidosa. Aquele homem não deveria estar ali. Ela não deveria tê-lo deixado entrar. Já vivera uma situação muito semelhante com o irmão dele. Desde o minuto que pusera os olhos em Shaun, soubera que ele lhe traria coisas ruins. Era lindo e falava macio. Então se curvara sobre a mesa de trabalho dela e a seduzira completamente. Mas ela deveria ter aprendido a lição! O irmão de Shaun devia ser ainda mais perigoso do que ele. E se a própria necessidade de se proteger não era suficiente para conservá-la longe de Max Forbes, precisava, ao menos, pensar na segurança de sua filha.
Cabelos escuros, olhos verdes, Chloe era a cópia perfeita de Shaun. Não havia como negar que era uma Forbes.
Da relação romântica só restara a menina. Se Shaun fosse decente, teria sumido de sua vida e da vida de Chloe, deixando-as viver em paz. Mas era um homem fraco!
Mesmo sob influência do álcool ou das drogas, ele não costumava ser violento. Mas para ganhar a complacência dela, ameaçava tirar-lhe a filha. Ele adorava fingir para o mundo que nunca gerara um filho, mas não se cansava de alertar Vicky que se sua família descobrisse a menina, moveriam uma ação milionária, alegando ter direito sobre a criança. Ainda mais depois que pudessem constatar a incrível semelhança com o clã dos Forbes.
Assim, por mais doloroso que fosse, vivera à sombra do medo. Algumas vezes, passavam semanas sem ver Shaun. De repente, ele reaparecia, exigindo seus privilégios sexuais. Ela dormia com ele e depois chorava lágrimas amargas.
Ter Max Forbes sob seu teto era como estar vivendo um mesmo pesadelo pela segunda vez. Ouvira o suficiente sobre o homem para saber que a existência de Chloe seria de grande utilidade para ele. Com certeza, moveria um processo de custódia na Corte judicial. Noventa e nove por cento dela sabia que sua filha estava segura, mas aquele ínfimo um por cento era o suficiente para aterrorizá-la.
Passara anos protegendo sua filha de um homem abusivo e vivera sobre o fio da navalha, esperando em temerosa expectativa que o pior acontecesse. Agora, tinha certeza de que precisava manter em segredo a existência de Chloe. Por tudo que ouvira, aqueles irmãos tinham mais em comum do que a semelhança física. Muito mais. E ela não fugira de um ciclo destrutivo para cair em outro. Jamais daria a um homem aquele poder sobre ela outra vez.
Max estava de pé, perto da porta, quando ela voltou à realidade.
— Sente-se, por favor. Posso ouvir o que você tem a dizer. — Vicky indicou a poltrona a qual ele acabara de desocupar.
— Você parece agir como se estivesse me prestando um grande favor. Asseguro-lhe, srta. Lockhart, que não poderia estar mais longe da verdade.
— Desculpe-me. Eu tenho... muitas preocupações.
— Por que não vai se trocar? Roupas limpas podem melhorar seu humor.
Ela franziu a testa e pareceu estar disposta a discutir aquela sugestão mas, em vez disso, informou-lhe que lhe traria uma xícara de chá.
Isso, pensou ela, conservaria aquele homem parado na sala. A última coisa que precisava era Max Forbes vagueando pela sua casa.
Pelo menos a sala era um lugar neutro. Ela escondera o retrato de Chloe na arca que ficava atrás do sofá. A maioria das peças de decoração que estavam ali haviam pertencido à sua mãe e ficaram trancadas no sótão enquanto a casa fora alugada. O anonimato não poderia ser melhor, pensou.
Quando voltou para a saleta com o bule de chá, encontrou-o inocentemente folheando o jornal que estava na mesinha de centro na frente da lareira.
— Voltarei em um instante — anunciou ela com firmeza e, prevenida, no caso de ele ter alguma idéia de inspecionar o lugar, fechou firmemente a porta da saleta que dava para os quartos.
Tomar uma ducha custou-lhe cerca de dez minutos. Vestiu uma calça jeans e uma camiseta limpas e trançou novamente os cabelos sem se preocupar em desfazer os nós. Mais tarde, lavaria os cabelos com xampu, iria penteá-los e desembaraçá-los.
— Agora — disse ela, entrando na sala e vendo, com alívio, Max ainda absorto no jornal —, você pode falar sobre a minha casa.
— Você ouviu os rumores?
— Que rumores?
— Sobre o supermercado que vão construir nessa rua. Bem, talvez seja um hipermercado, porque aparentemente haverá estacionamento para milhares de carros.
Vicky, sentada de pernas cruzadas na confortável poltrona em frente a ele, olhou-o aterrorizada. Por um minuto, esqueceu-se completamente de que deveria estar na defensiva.
— O que está me dizendo? — perguntou ela, inclinando-se para frente na poltrona e entreabrindo os lábios.
— Horrível, não é? — comentou ele, desatento do assunto. Simplesmente não conseguia tirar os olhos dela. Ali, curvada daquele jeito na poltrona, Vicky parecia ainda mais vulnerável. A camiseta era pequena e justa e lhe delineava os seios pequenos e bem formados de maneira encantadora.
Ele só não podia esquecer-se de que fora lá porque ela sugeria um mistério e não pela atração que sentia por ela.
Infelizmente, Vicky não parecia ter interesse nele. Acostumado com os insinuantes olhares femininos sobre si, o desinteresse daquela mulher tornava-se um poderoso afrodisíaco.
— Quem lhe contou isso? — perguntou ela, depois de alguns segundos de silêncio.
— Ah, você sabe como são os rumores. Chegam de repente em nossos ouvidos e nunca se sabe se eles têm ou não fundamento. Mas não me sentiria bem se não lhe contasse.
— Minha casa não valerá nada se um supermercado aparecer nessa rua. — Vicky tentou controlar suas emoções.'— Não que eu a queira vender, mas...
— Estou certo de que não passa de boatos — disse Max rapidamente, sentindo-se culpado ao ver o brilho das lágrimas nos olhos dela.
— E se por acaso não for? Meu Deus! Um hipermercado com estacionamento para milhares de carros! — Descontrolada, Vicky não conseguiu conter as lágrimas. Por alguns instantes, ficou pouco consciente do que estava acontecendo, até que sentiu Max sentar-se no largo braço almofadado da poltrona dela e tocar-lhe a face com um lenço. Com um gemido de desespero, Vicky pegou o lenço, enxugou as lágrimas e, com um suspiro, recostou-se na poltrona, fechando os olhos.
— Eu nunca deveria ter dito isso dessa maneira... — Nem ele acreditava em quão sincero estava sendo. Max estendeu a mão e tirou uma mecha ruiva da face úmida. A pele dela era como cetim, e as sardas sobre o nariz eram graciosas. Deslizando o polegar um pouco e não encontrando impedimento, passou-o de leve pela boca de Vicky.
— Não, foi muito bom. Assim estarei preparada para o pior. — Ela abriu os olhos e viu gentileza nos olhos acinzentados a sua frente. O que, inesperadamente, foi o bastante para sentir-se sufocada.
— Posso facilmente descobrir quanto há de verdade nesse rumor — disse Max suavemente, sentindo-se enrijecido enquanto continuava acariciando a face alva.
Aquela mulher era um enigma. Vicky era mais que uma garota vulnerável e lhe inspirava sentimentos ridículos de proteção, os quais ele nem mesmo sabia possuir.
— Você faria isso? — perguntou ela rapidamente.
No breve silêncio que se interpôs, Vicky percebeu os dedos dele em sua face e recuou, pressionando o corpo contra a poltrona.
Max voltou para a própria poltrona e cruzou as pernas. Então, vagarosamente olhou ao redor da sala.
— Não me lembro se mencionei isso na entrevista, mas posso conseguir um serviço de restauração para essa casa a um preço simbólico. O telhado precisa de uma revisão geral, e a lareira também.
— Mas eu não trabalho para você. — Ela fez uma pausa e olhou para ele. Então franziu a testa. — Não consigo entender o que o faz estar tão determinado a me contratar.
Havia uma genuína curiosidade naquela observação. Ela sabia por que não podia aceitar a oferta de trabalho dele, mas realmente não tinha idéia de por quê ele continuava tentando persuadi-la quando deixara claríssimo que não estava interessada no emprego.
Max suspirou longamente, resignado.
— Tudo bem. Na verdade, estou desesperado. Assumi o comando da empresa há sete meses, durante os quais entrevistei inúmeras candidatas. Mas nenhuma delas me pareceu capaz de pensar por si mesma.
— O que havia de errado com elas? Talvez você esteja sendo exigente demais.
— Sou um chefe pouco exigente. Tudo que peço é iniciativa e bom senso, além da habilidade de fazer as coisas comuns.
— E por que acha que eu possuo as qualidades certas?
Pela primeira vez, ela pôs de lado seus temores sobre o homem sentado a sua frente. Então pegou-se observando-o com atenção, notando quão enormes eram as diferenças entre ele e Shaun, embora, à primeira vista, parecessem quase a mesma pessoa. A face de Max, Vicky observou, era mais definida e parecia esculpida com linhas de humor que haviam faltado ao irmão. Max parecia mais autoritário e seguro de si do que Shaun. Sua aparência era de alguém que se cuidava muito e para quem a aparência era tudo. Na verdade, quanto mais olhava para ele, menos o homem parecia lembrar Shaun.
— Porque você trabalhou satisfatoriamente para um homem que respeito muito — respondeu ele. — Além disso, minha primeira impressão foi favorável e raramente me engano quando sigo meus instintos.
— Bem, você é um homem determinado.
— Talvez eu seja — concordou ele. — Ou talvez seja mais ingênuo do que você pensa. — Max sabia que estava diante de um grande desafio.
O pensamento de aquele homem ser ingênuo foi quase o suficiente para fazê-la irromper em uma gargalhada.
— Escute — disse ele rapidamente. — Eu pus todas as cartas na mesa porque tenho o pressentimento de que você e eu poderíamos trabalhar muito bem juntos. Tenho sofrido muito nestes últimos meses, meus arquivos estão desorganizados e praticamente todas as candidatas estão apenas interessadas em mim e em meu dinheiro... — Ele a olhou para ver qual o impacto que o comentário causara, e viu apenas uma expressão ofensiva e incrédula.
— Eu não poderia trabalhar para um homem que se considera uma dádiva de Deus para o sexo feminino — informou-lhe Vicky friamente. — Alguém que presume que toda mulher a sua volta está ávida para ir para a cama com ele. Alguém que não pode sobreviver sem um pente no bolso e um carro esporte para exibir sua imagem...
— Você está me interpretando de maneira totalmente errada.
Naquele momento o telefone tocou, e Vicky pulou da poltrona e correu para o hall. Ela ainda estava tremendo pelas memórias que as observações passageiras de Max lhe trouxeram de Shaun e de sua infidelidade, de sua obsessão em provar seu poder sobre as mulheres, de sua fanfarronice e convicção arrogante de que tinha direito de brincar com os sentimentos de qualquer mulher que quisesse. Então ouviu a voz de Pat Down ao telefone, dizendo-lhe que surgira um imprevisto e que ela levaria Chloe para casa em dez minutos.
Dez minutos...
Vicky desligou e correu para a sala de estar como um
furacão.
— E hora de você ir embora! — ordenou ela francamente. — Eu... eu de repente me lembrei de um compromisso muito importante. Na verdade, era a pessoa em questão... perguntando-me se eu ainda estava interessada no emprego...
— Em um sábado? — perguntou Max sem se mover. Com um gemido desesperado, Vicky agarrou o braço dele
e começou a puxá-lo para que se levantasse. Péssima idéia. Aquilo pareceu deixá-lo ainda mais colado ao sofá.
— Levante-se! — gritou ela finalmente. — Você não vê que estou com pressa?
— Estou tentando imaginar por quê. Nenhuma firma que se preze faz entrevistas em um fim de semana. Você se candidatou por acaso para algum emprego de striper em alguma boate?
— Eu pareço o tipo de garota que tiraria a roupa em uma boate? — Ela literalmente berrou, arrastando-o para a porta de saída.
— Dê-me um minuto para pensar sobre isso — disse ele vagarosamente, parando no caminho, frustrando-a ainda mais.
Max então a encarou e abriu um sorriso.
Era a primeira vez que ele sorria de maneira espontânea, e o efeito foi fulminante e a fez engasgar. Sumiram os duros contornos da face dele, e Max adquiriu uma aparência sexy e infantil, completamente diferente da aparência plástica de
seu irmão.
— Não há graça — Vicky falou asperamente.
— Aceita o emprego?
Em cinco minutos, Chloe entraria por aquela porta, com seu sorriso contagioso e as faces rosadas. Tinha que se livrar daquele homem, pensou.
— Tudo bem! Agora, por favor deixe minha casa para que eu possa continuar com... com... a minha vida.
Max a olhou surpreso.
— Pode começar na segunda-feira?
— Sim, segunda — Vicky concordou, esperando impaciente que ele saísse. Então deu um jeito de empurrá-lo até a porta, a qual abriu rapidamente.
— Reporte-se ao departamento pessoal — disse ele. — E depois vá a minha sala para conversarmos.
— Adeus. Eu o verei na segunda! — Ela o pôs porta afora e o observou enquanto o carro dele desaparecia de vista.
Quando o carro sumiu, Vicky bateu a porta e encostou-se pesadamente contra ela, imaginando a tolice que fizera.
Max precisava ir embora antes da chegada de Chloe, e qual o melhor método de se livrar daquele homem do que concordar com a proposta? O lado racional do cérebro aceitava aquilo livremente como um argumento válido, mas o lado emocional estava aterrorizado pelo buraco que ela cavara para si mesma.
Então decidiu que compareceria na segunda-feira e trabalharia por algumas semanas. Depois, daria uma desculpa qualquer e pediria demissão. E, pensando melhor, até que seria bom. Primeiro pelo dinheiro extra que ganharia e segundo porque poderia observar aquele homem e esclarecer a suspeita que havia visto nos olhos dele.
Não era uma boa idéia afinal, estar em um lugar onde pudesse saber se Max telefonaria para a Austrália para perguntar ao amigo sobre ela? De início, ele saberia sobre a gravidez dela. A ligação com Shaun, talvez levasse mais tempo para ser descoberta, porque ela sempre se determinara em manter a vida profissional separada da pessoal, e tinha desencorajado Shaun de aparecer no seu local de trabalho, desde que haviam começado a namorar. Mas ele poderia descobrir se perseverasse nas investigações.
Mas o pior de tudo era a desagradável suspeita de que alguma coisa naquele homem a tocara profundamente. Aprendera lições de Shaun, o suficiente para mantê-la afastada dos homens pela vida inteira. E preferiria morrer a admitir qualquer espécie de atração pelo irmão dele.
Bem, tinha agora em mãos uma situação problemática e precisava enfrentá-la.
Vicky passou o resto do fim de semana arrependida pelo seu precipitado acordo de trabalhar para Max Forbes.
Na segunda-feira, quando chegou na Paxus, sua aflição foi parcialmente aliviada quando soube que ele só trabalhava naquela unidade por meio período. A jovem do departamento pessoal que a recebeu ficou corada e tremeu as pálpebras quando lhe informou sobre Max. Será que a simples menção do nome do chefe fazia todas as funcionárias reagirem daquela maneira?
— Então ele não está na empresa agora, certo? — perguntou ela minutos depois a Mandy, a chefe da sessão, cujo conceito de moda incluía desconcertantes unhas longas pintadas de azul brilhante.
— Na verdade, acredito que ele reservou a manhã para lhe mostrar suas tarefas.
— Oh, formidável! — exclamou Vicky com horror, que escondeu sob meio-sorriso. Um sorriso que desapareceu assim que foi conduzida à sala de Max.
Depois de ter passado o fim de semana pensando nele, vê-lo agora, em carne e osso, era realmente alarmante.
Seria Max tão grande e musculoso quanto ela vira no sábado ou tinha crescido de alguma maneira nesse ínterim? Mesmo sentado atrás da escrivaninha, reclinado na cadeira de couro, seu tamanho parecia desconcertante. Ele tirara o paletó e arregaçara as mangas da camisa social listrada.
— Ah! — exclamou Max com satisfação. — Eu não estava muito certo de que você viria. Por favor, sente-se que lhe explicarei seus deveres. Primeiro de tudo, a máquina de fazer café está no canto de sua sala, lá fora...
Vicky que pegara em sua volumosa bolsa um bloco de notas e caneta.
— Apenas uma brincadeira — Max falou com um leve sorriso.
— Entendo que preparar chá e café faça parte de minhas funções, mas espero que isso ocupe um papel mínimo. — Ela sentiu a própria voz tomada por um involuntário tom de desgosto.
— Um papel mínimo — concordou ele. — Na verdade, eu mesmo preparo meu café. Ah, e costumo fazer uma xícara para minha secretária também. — Ele descansou os cotovelos na mesa e cruzou as mãos na frente do rosto, analisando-a por cima dos dedos. Aquilo a fez sentir-se uma cobaia de laboratório.
— Você mantém um escritório em Londres? — perguntou ela polidamente. — Pergunto porque Mandy mencionou que você divide seu tempo entre aqui e Londres.
— E Nova York, Madri e Glasglow... Suponho que você não tenha tido oportunidade de ler nada sobre as atividades da empresa.
Max levantou-se e pegou na estante alguns folhetos encadernados e os entregou a ela.
Em vez sentar-se na sua cadeira giratória, acomodou-se na ponta da mesa, dando a Vicky uma visão desconfortável das coxas musculosas sob o caro tecido de lã de sua calça.
— Não, não tive. — Ela folheou ao acaso um dos volumes e parou quando viu a foto de Shaun ao lado de Max e de um homem mais velho que só poderia ser o pai deles. O sangue começou a ferver em suas veias.
— Meu irmão — disse Max, percebendo o olhar fixo dela na foto.
— Vocês três fundaram a empresa? — A voz dela era inexpressiva, embora estivesse muito curiosa sobre qual seria a versão de Max. Sim, porque havia sempre várias versões sobre um mesmo assunto.
— Não exatamente. Você pode levar esses papéis para casa e olhá-los mais tarde. Agora, pretendo falar de alguns de nossos projetos.
Max apontou a porta, convidando-a a acompanhá-lo até a sala que Vicky ocuparia, onde havia vários arquivos.
— Louise, minha última secretária temporária parecia não captar o significado da palavra "ordem alfabética" e portanto esses arquivos estão inconsultáveis. Aqueles ali terão de ser atualizados. Seu computador está aqui, e lamento que haja trabalho que não acaba mais.
— Que espécie de trabalho?
Vicky caminhou até uma grande mesa em forma de "U" e pegou o primeiro arquivo da pilha disposta ali, o qual parecia conter documentos técnicos e cotações de preço.
— Você naturalmente também deve lidar com os meus compromissos comerciais e atualizar minha agenda pelo menos duas vezes por dia. Oh, sim, e reuniões... Você irá comigo às mais importantes, para tomar notas. Ocasionalmente, você precisará comparecer a alguma festividade social.
— Isso é impossível — disse Vicky rapidamente, sem pensar.
— Tudo na vida é possível — replicou ele, movendo-se na direção dela. — Por que uma ocasional exigência profissional desse tipo está fora de cogitação? Há alguma razão em particular?
— Não. Eu apenas suponho... que... funções sociais exigem uma companhia mais glamourosa do que a de uma secretária.
— Entendo. — Ele desviou do assunto, sem argumentar ou ceder à observação. — Agora, arquivos. — Max caminhou até o computador, ligou-o e a chamou com um aceno.
Permanecer ao lado dele era um exercício de autocontrole. O homem a tolhia, fazia-a sentir-se pequena. Shaun nunca parecera tão alto. Talvez ele fosse um pouco mais baixo, assim como fora também mais magro e com feições menos definidas.
— Conhece este programa?
Vicky assentiu com um gesto de cabeça.
— Bom, então você não terá problema em ajeitar isso tudo. Terá de manusear aqueles arquivos e atualizar o computador. E há alguns problemas... discrepâncias com despesas, problemas de classificação. Acho que você acertará tudo, mas terá que descobrir sua própria maneira de reorganizar essa bagunça, porque a função requer uma boa dose de iniciativa e responsabilidade. Fale-me sobre seu emprego com James.
Max se dirigiu à máquina de café e, enquanto esperava que a máquina começasse a funcionar, voltou-se para ela e cruzou os braços.
Vicky procurou um modo adequado e verdadeiro de contar-lhe o que fizera enquanto trabalhara para James, mesmo sem mencionar a grande amizade entre ela e seu ex-chefe.
Na verdade, havia um lado social forte com James e Carol, sua esposa. Fora babá dos filhos deles à noite, algumas vezes.
— Comecei como secretária dele. Aprendo muito rápido e, logo, deram-me mais responsabilidades. Tomava conta de alguns dos menores e mais problemáticos clientes, lidava com os serviçais, assim como resolvia os problemas comuns de administração e digitação.
— Então você não terá problema em compreender tudo isso... — disse ele, apontando para os arquivos. — Eu sabia disso. Assim que a vi, soube que seria capaz de fazer o serviço de olhos fechados.
— Eu ainda nem comecei — informou Vicky cautelosamente. Receber elogios antes mesmo de começar, não era nada bom, considerando seu plano de demitir-se tão logo fosse possível.
— Penso que providenciar minha agenda para o próximo mês é o mais importante nesse momento. — Ele entrou em sua sala, de onde voltou com uma agenda eletrônica e outra convencional de capa de couro, que entregou a ela. — Certo. Agora, comecemos com amanhã... — Ele puxou uma das cadeiras e estrategicamente posicionou-a próxima a dela, indicando-lhe que se sentasse. Estava agora tão perto que, enquanto escrevia, roçava casualmente o braço no dela. Vicky olhava com desconforto os pêlos negros e macios do braço musculoso. Max parecia tão mais real que seu irmão gêmeo, tão mais vigoroso...
Max começou a listar rapidamente seus planos para o dia, os quais ela checava nas anotações da agenda de couro. Algumas das anotações com a caligrafia dele exigiam um certo esforço de interpretação.
— Estou começando a entender seu problema com temporárias — disse ela com um sorriso disfarçado quando levantou os olhos e o surpreendeu observando-a. — Se o sistema de arquivos tiver qualquer semelhança com sua caligrafia, então terei que estudar hieróglifo antes de começar meu trabalho.
— Eu não lhe disse?
Os fios de cabelos ruivos que insistiam em escapar da fivela e a pele macia e lisinha do braço de Vicky estavam causando-lhe uma pecaminosa excitação.
Lá estava ela, vestida três vezes mais do que Lorey, a mulher que ele namorara meses atrás... e assim mesmo o efeito era positivamente sufocante. Ela tirara o casaco, mas sua blusa estava pudicamente abotoada até o pescoço. Visualizando indistintamente o contorno dos seios, imaginou como seria desabotoar os pequenos botões perolizados. O pensamento lhe causou um antecipado frenesi.
Então começou a imaginar uma cena onde as mãos de Vicky estivessem levemente atadas à cama com tiras de seda, enquanto ele a despia vagarosamente, explorando cada pedacinho daquele corpo com a língua. Ele a deixaria louca de prazer, apreciando o descontrolado estremecimento. Naturalmente ela lhe imploraria que não parasse e que arrancasse seu sutiã com a boca.
Quando voltou de seu devaneio, Vicky o estava encarando como se pudesse ler cada um daqueles pensamentos impuros e maliciosos. Max corou violentamente. Deus do céu! A mulher era apenas sua secretária!
— Acredita em mim, agora? — perguntou ele, pigarreando e tentando concentrar sua atenção nas reuniões, calendários e compromissos comerciais.
— Vejo aqui na agenda que você irá a Londres duas vezes essa semana — disse ela. — Duas reuniões em Temple e uma em Uxbridge.
— Eu sei. Talvez... — ele franziu a testa — ...eu deva cancelar as viagens para passar um pouco mais de tempo ou até que você se acostume à rotina do escritório.
— Não há necessidade. — Não agüentando mais o toque, Vicky afastou o braço discretamente, mas com firmeza. — Será bom ter algum tempo livre para me enfronhar nesses arquivos.
Max sentiu seu orgulho masculino ferido ao notar que a presença dele no escritório era obviamente um fardo pesado para ela.
— Bem, você tem total liberdade para trabalhar do seu jeito. Mas presumo que precisará de algumas informações minhas.
Agora ele estava amuado e frio. O adulto charmoso parecia ter sido substituído por um adolescente mal-humorado.
De onde aquela emoção vinha, ele não tinha idéia, uma vez que isso nunca lhe acontecera antes.
— Eu sei disso — esclareceu Vicky rapidamente. — Se precisar de sua ajuda, pedirei. Mas penso que aprenderei o serviço por mim mesma. E posso também consultar a sra. Hogg.
— Srta. Hogg — corrigiu ele.
— Como?
— Srta. Hogg. Geraldine prefere a boa convivência da irmã à companhia de um homem. — Ele sorriu, e Vicky relutantemente devolveu o sorriso.
— Bem, como eu estava dizendo... — O que afinal ela estava dizendo? — A srta. Hogg poderá me ajudar se eu tiver alguma dúvida. Ela mencionou que a filial daqui é ainda muito nova e...
— Esta filial está crescendo de um modo sem precedente, daí o meu maior envolvimento nesse escritório. Todos os nossos clientes são novos e portanto devem ser tratados com muita atenção. Eu passo o dia todo ocupado e temo não poder lhe dar a assessoria de que você vai precisar, mas posso sempre passar pela sua casa após o trabalho...
— Não! — Vicky quase entrou em pânico. — Isto é, tenho posições definidas sobre o que é trabalho e o que é lazer.
— Isso significa que você troca sua personalidade no minuto que põe os pés fora do estabelecimento comercial? — Ele a fitou com ar insolente. — Então, quando deixa o escritório, você solta os cabelos e suspende a saia impecável?
— É claro que não — respondeu ela friamente. — Apenas acho que é importante separar o trabalho do lazer, caso contrário as duas coisas se misturam e, quando nos damos conta, percebemos que estamos vivendo apenas para trabalhar. — Saia impecável? Como podiam duas palavrinhas ter um significado tão depreciativo? Ele a fez parecer uma aposentada idosa. Certo, houvera um tempo, não muito distante, quando costumava usar saias curtas e tops justinhos e atraentes, mas isso fora antes de aprender que uma roupa recatada era uma arma de defesa contra as mãos maliciosas de Shaun. Só de vê-la formalmente vestida, tinha sido algumas vezes o suficiente para detê-lo na invasão de seu corpo. E então ela acabara se acostumando àquela maneira de se vestir.
— Você não acha um pouco doentio essa coisa de não compartilhar a sua vida? — Max afastou um pouco a cadeira a fim de analisar-lhe o rosto, agora levemente corado. — Você me lembra alguém de dupla personalidade —, disse provocativamente.
Vicky sentiu raiva ante a insinuação.
— Eu lhe asseguro de que sou perfeitamente normal — informou ela em um tom que indicava fim de conversa. E então virou-se para a agenda a sua frente com obstinada concentração.
— Nunca insinuei o contrário! — protestou ele, fingindo-se ofendido. — Apenas acho que é perfeitamente natural, de vez em quando, trocar o trabalho pelo lazer.
— Bem, talvez você esteja certo — disse Vicky com um dar de ombros. — Posso lhe contatar quando estiver em Londres e eventuais problemas surgirem?
— Você pode me mandar e-mails ou telefonar a qualquer hora, é claro. — Max respeitou um breve período de silêncio, então assumiu um tom explicativo: — Sabe que, conforme minha experiência, mulheres que preservam com fanatismo sua vida pessoal, normalmente tem algo a esconder?
Ele atingira o alvo sem querer. Podia sentir aquilo na rigidez do corpo dela.
— Não tenho nada a esconder — Vicky informou secamente. — E mesmo correndo o risco de parecer impertinente no meu primeiro dia de trabalho, gostaria de dizer que não gosto de sua intromissão na minha vida privada...
— Não percebi que estava me intrometendo na sua vida. Pensei que estivesse fazendo um comentário geral... Mas tudo bem, você é dona de sua privacidade, e se tem algo do que se envergonha...
— Não me envergonho de nada!
— Certo, certo! — Max estava jogando, fazendo insinuações para ver se ela contava algo ou se, até mesmo, se contradizia, e ela sabia disso. — Todo mundo tem um esqueleto ou dois escondidos no armário — comentou ele com insistência.
Vicky apenas o olhou e então voltou à agenda.
Max entendeu que não ia conseguir nada com aquele procedimento, a mulher não estava lhe dando a mínima atenção. Admitindo a derrota, ele parou o bombardeio de perguntas e então os dois trabalharam pelas três horas seguintes, um ao lado do outro. Vicky entendia as coisas rapidamente, notou ele. Era um alívio trabalhar com alguém que seguia seu ritmo. As perguntas dela eram sempre pertinentes e nunca necessitavam de muita explicação.
De volta a sua sala, ele podia observar Vicky enquanto trabalhava no computador, analisava documentos e atendia telefonemas. De vez em quando, até mesmo deslocava um pouco sua cadeira mais para a esquerda a fim de ver melhor aquela mulher que o estava fascinando. Os cabelos ruivos estavam presos mas ela constantemente colocava um ou outro cacho rebelde atrás das orelhas.
Max somente percebeu quanto estava obstinado pela presença de sua nova secretária, quando Vicky educadamente entrou em seu escritório com uma pergunta.
— Eu estive lidando com os arquivos e...
— Sente-se — Max indicou uma cadeira à frente de sua mesa. — E?
— Parece que dois arquivos foram feitos para essa conta e arquivados sob diferentes nomes. — Ela entregou-lhe os arquivos que continham dois tipos iguais de caligrafia. — O problema é que a informação em ambos não corresponde. É como se uma das suas secretárias houvesse lidado com um deles meses atrás e o arquivado fora de ordem. Quando houve uma nova ocorrência, não encontrando o arquivo, ela criou outro e disse ao cliente o oposto do que dissera anteriormente. — Ele levantou-se e examinou ambos os arquivos, entendendo o que Vicky queria dizer. Uma mecha de cabelos havia escapado e cobria-lhe a nuca com um longo cacho dourado.
— Deixe aqui. Eu lidarei com isso.
— Eu não me importo... — Ela levantou os olhos e quando encontrou os dele, desviou rapidamente. — Desculpe-me. Mas eu estava tão acostumada a lidar com esse tipo de problema no meu último emprego na Austrália, que poderia facilmente voltar a minha forma antiga. — Mas, de repente, ela se lembrou de que aquilo seria impossível, uma vez que estava ali por apenas poucas semanas.
— Tenho uma idéia — disse Max. — Poderíamos visitar alguns clientes e então eles a conheceriam pessoalmente, em vez de apenas por telefone, e vice-versa. Verifique minha agenda e me informe quais são os meus compromissos na... digamos... próxima terça-feira. Poderemos passar algumas horas com alguns dos clientes e depois almoçaremos em um maravilhoso pub perto daqui.
Vicky começou a pensar em Brenda, que tomava conta de Chloe. Bem, se o compromisso não passasse das seis da tarde, então tudo bem.
Ela o encarou e percebeu que o homem a fitava com intrigante interesse.
— Vou pegar sua agenda — informou-lhe, saindo do escritório antes que ele pudesse questioná-la mais uma vez sobre sua misteriosa vida secreta. Enquanto tirava a agenda da gaveta, pensou se não seria oportuno dizer algo que satisfizesse a curiosidade masculina dele. Talvez, pensou, pudesse inventar uma vida dupla como striper. Isso acabaria com a curiosidade do homem.
Quando retornou à sala dele, a boca esboçava um pequeno sorriso pelo jocoso plano secreto.
— Qual é a graça? — perguntou Max.
Ela o fitou e viu a imagem de um homem que a olhava de maneira como se ela estivesse nua dançando para ele. De súbito, a mente foi povoada por uma sensação erótica suficientemente forte para que ela perdesse a razão. Então sentou-se rapidamente e começou a consultar a agenda de couro que tinha em mãos, rezando para que a tremedeira passasse.
Vicky murmurou algo sobre não haver graça alguma e falou formalmente:
— Terça-feira está ótimo. Se você me disser que clientes gostaria de visitar, posso tentar contatá-los.
— Poderíamos visitar a Prior & Truman às nove e, em seguida, a Robins. Certifique-se em deixar um intervalo de duas horas para o almoço, digamos entre treze e quinze horas. Mais dois clientes na parte da tarde e então teremos tido um dia totalmente ocupado.
— E qual cliente você gostaria de convidar para o almoço?
— Nenhum. Acho que você e eu poderíamos nos beneficiar de um tempo juntos. — Ele propositadamente ficou em silêncio alguns instantes. — Para lidar com alguns pequenos problemas de trabalho, você precisa se conscientizar de que precisamos discutir sobre eles.
Max não estava rindo quando disse aquilo, ela percebeu, mas havia vestígios de certa diversão ali.
Ela lhe lançou um olhar profissional.
Shaun a fizera tomar conhecimento da arte da paquera, e até mesmo usara as mais óbvias táticas. No começo, muitas vezes se insinuava sobre a mesa dela e, mais tarde, conquistava-a com flores extravagantes e jantares caros. Tais manobras duraram até que ele conseguiu levá-la para a cama. Então gradualmente, os gestos carinhosos foram diminuindo, até o dia em que as flores e os jantares tornaram-se coisas do passado.
Bem no fundo da memória, Vicky sempre relacionava gravidez a sofrimento, porque foi nessa ocasião que os insultos verbais começaram. O sarcasmo e o bater de portas de Shaun a faziam chorar descontroladamente e desejar desaparecer da face da Terra.
Perguntava-se se Max Forbes tinha o mesmo gênio de Shaun, e quanto mais o observava, mais confusa ficava, porque os instintos lhe diziam que ele não era nada igual ao irmão. Mas mesmo assim, ela era esperta o suficiente para saber que os instintos muitas vezes se enganavam.
Então, quando a imaginação chegou ao auge, disse a si mesma que nada daquilo importava, porque sendo ele igual ou não ao irmão, ainda assim, era um perigoso e indesejável invasor na vida dela.
— Algo mais? — perguntou ele, empurrando a cadeira para trás e se espreguiçando. — Amanhã tenho algumas reuniões importantes e, como você sabe, estarei ausente do escritório. Acha que poderá lidar com tudo aqui, sozinha?
— Farei o possível.
Uma sensação desagradável a assolou quando pensou sobre qual tipo de emprego a esperava quando saísse dali. Provavelmente voltaria a digitar papéis e documentos antigos que as empresas queriam ter em arquivos de computador. Trabalhos temporários e maçantes era tudo que vinha conseguindo ultimamente.
— Sabe onde me encontrar. Todos os meus telefones, incluindo o do meu apartamento em Fulham, estão na minha agenda.
— Acho que não haverá nada muito urgente para que eu precise entrar em contato com você em sua casa.
— Nunca se sabe — replicou ele, colocando o paletó e batendo no bolso para se certificar de que o celular estava lá.
Vicky que, automaticamente, o seguira até a porta, disse em tom jocoso:
— Você é o diretor da empresa, não um famoso cirurgião de plantão. Não acha que a vida pode continuar mesmo que esteja ausente por dois dias? — Então, de repente, lembrou-se de que falava com seu chefe. Quando não estava em guarda, era muito fácil brincar com ele. Entretanto, brincar com ele não estava em seus planos.
— Talvez — admitiu ele, oferecendo-lhe um daqueles sorrisos especiais. — Mas não se preocupe, eu retornarei logo.
As palavras de Max soaram como um mau agouro, avisando-a de que existia uma linha que os unia e que poderia complicar a vida dela.
Pelo menos, foi assim que lhe pareceu.
A terça-feira, que parecia estar a um milhão de anos, chegou com incrível velocidade.
Durante os dois dias que Max estivera longe do escritório, Vicky mergulhara na organização do arquivo, no atendimento de clientes, digitação de cartas e memorandos.
Com freqüência repetia a si mesma que não estaria ali por muito tempo para ver os resultados benéficos de seu trabalho, mas, no íntimo, uma pequena voz começava a cantar uma canção diferente.
E se Max descobrisse algo sobre Chloe? Ele a teria bombardeado de perguntas para, de repente, esquecer o assunto? Bem, talvez a curiosidade do homem fizesse parte de seu método de entrevistar pessoas, para se certificar de que poderiam lidar com o temperamento dele.
Certamente ela não ficaria ali para sempre, mas por que não por um pouco além do que planejara? O salário era excelente, melhor do que qualquer quantia que esperara ganhar ali em Warwick, e, com aquele dinheiro, poderia reformar sua casa. Então por que não aproveitar a oportunidade? Sim, certamente era perigoso ficar ao lado daquele homem, mas era um perigo com o qual poderia lidar. Saberia manter Max a distância, e se ele recomeçasse com as perguntas sobre sua vida pessoal, então ela se demitiria imediatamente. E o que havia de errado nisso? Na verdade, consideraria aquilo como um jogo, onde ela dava as cartas e estabelecia as regras. Afinal, sabia tudo sobre aquele homem, e ele não sabia nada sobre ela. Tudo que precisava era não se apavorar.
Na segunda-feira seguinte, Vicky tinha progredido bastante na organização da papelada, incluindo respostas a cartas empoeiradas que haviam sido ignoradas durante a rápida sucessão de temporárias ineficientes.
Max ficava ausente do escritório a maior parte do tempo e, quando presente, permanecia trancado em sua sala, mergulhado em números.
Naquele momento, enquanto guardava as coisas para encerrar o expediente, Vicky o olhou rapidamente. Através da divisória de vidro fume, Max era menos ameaçador do que em carne e osso e, portanto, mais fácil de lidar.
Não que ele estivesse lhe causando algum problema. Na verdade, havia vezes que ela quase se esquecia da atração invisível que havia entre eles. Ainda não podia rotulá-lo como inofensivo, mas pelo menos não o encarava com o mesmo terror do início.
Vicky bateu levemente à porta dele, e pôs a cabeça dentro da sala para avisar que já ia embora.
Com um pequeno gesto, Max a convidou a adentrar. Ela consultou o relógio, calculando quanto tempo podia ficar por ali. Pegava Chloe às seis da tarde, o que não lhe deixava muito tempo livre. Até poderia se atrasar um pouco, mas detestava fazer aquilo.
Vicky entrou na sala e nem mesmo fechou a porta atrás de si.
— Se você puder ficar um pouco... — começou ele com desdém, as mãos entrelaçadas atrás da cabeça. — Como está indo no emprego? Gostando?
— É muito cedo ainda para responder. — Ela não queria se comprometer, dando-lhe uma resposta entusiástica. Sabia que, se decidisse demitir-se, teria que ter uma desculpa pertinente, assim como não ter se adequado ao serviço. E, ademais, não queria dar a ele a oportunidade de pensar que estivera certo ao dizer que ela daria conta do recado.
— Pelo que posso perceber, você tem se saído muito bem. — insistiu ele.
— Você tem estado fora do escritório a maioria do tempo.
— Mas tenho acessado os arquivos que você está organizando através do meu computador, e estão muito bem. — Max ajeitou-se na cadeira e começou a brincar com sua caneta Mont Blanc. — Amanhã teremos seu primeiro encontro com os clientes. Nervosa?
Ela impacientou-se, pensando na desculpa que teria que dar à Brenda pelo atraso.
— Estou esperando ansiosamente por isso — disse ela.
— Lamento por não ter estado mais presente para inteirá-la do serviço, uma vez que tudo aqui é novo para você.
Vicky perguntou-se por que Max a chamara para indagar sobre níveis de satisfação, quando se mostrava tão impaciente para continuar a conversa. Estaria com a impressão errada de que ela queria vê-lo?
— Não há problema — respondeu ela prontamente.
— Você deve ter muitas dúvidas. — Os olhos acinzentados vagaram pelo traje formal dela, a saia na altura dos joelhos, blusa fechada até o pescoço e blazer, obliterando qualquer vestígio de feminilidade. Talvez, pensou, seu escritório estivesse mais bem servido se ela usasse algo menos militar, como uma minissaia de seda e uma blusa aderente, de preferência sem sutiã.
Max riu intimamente ante a irreverência de seus pensamentos. Conhecia várias mulheres executivas, superpoderosas que ficariam repugnadas com aquilo. Sobretudo porque ele sempre defendera a idéia sobre igualdade de sexos e fizera disso uma política em suas empresas.
— Não, nenhuma que me ocorra agora.
— Como? — Percebendo envergonhado que perdera o fio da conversa, Max se esforçou. — Ah, sim... suas dúvidas. Podemos discuti-las em um jantar. Aqui, durante o expediente, sempre há interrupções. Posso apanhá-la por volta das sete e meia. Que tal?
— Não, obrigada. A brusca recusa o intimidou. Por mais que houvesse dito a si mesmo que o jantar seria para discutir o trabalho, sabia que aquilo estava longe da verdade. Então, observando o semblante de desaprovação dela, sentiu-se como um adolescente desapontado.
Exceto pelo fato de que não era um adolescente.
— Por que não? Não imagine que isso seja outra coisa além de trabalho. — Com satisfação, ele viu a pele alva de Vicky enrubescer. — Sua honra estará absolutamente preservada comigo, minha querida. Na verdade, sempre acreditei ser de vital importância que sexo e trabalho não se misturem. A combinação é normalmente letal. Achei apenas que, longe do escritório, sem a interrupção de telefonemas e a entrada e saída de pessoas, você acharia mais fácil concentrar-se nas dúvidas que possa ter. Mas, se tem outros compromissos prementes...
Ele olhava vagamente para um papel sobre a mesa, praticamente informando-a de que era seu chefe.
— Sim, eu realmente tenho e preciso ir... — Havia um tom de desculpas na voz de Vicky, e aquilo o frustrou.
— Não aprovo quem se preocupa com a hora de ir embora — retrucou Max severamente. Sentia o maxilar começando a doer e tentou relaxar os músculos.
Ela poderia ter algum compromisso para a noite, mas por que o desespero de sair correndo? O que havia de tão importante às cinco e meia da tarde? Obviamente, aqueles planos não eram inocentes. Se precisasse ir ao dentista ou cabeleireiro, naturalmente ela teria dito.
Max sentiu uma faísca de curiosidade, e, aliado a isso, algo mais perturbador. Ciúme!
Toda aquela pressa parecia indicar um encontro com um homem. Sexo vespertino ilícito! Será que ela imaginava que seria despedida se revelasse um caso inapropriado?
Sexo ilícito à tarde. Ilícito, frenético, excitante e... oculto. Ou talvez escancarado. Quem saberia? Algum insignificante empregadinho de escritório bateria à porta da casa dela, e então os dois tirariam a roupa e se entregariam ao urgente
prazer...
— Talvez eu deva dar-lhe um aviso com dias de antecedência se precisar que você fique cinco minutos depois do expediente — Max disse com sarcasmo.
— Oh, não, cinco minutos nunca serão problema — respondeu ela sem jeito. — Eu apenas... você sabe, tenho muito trabalho com a casa... há sempre alguém esperando... encanador... eletricista...
— Tudo bem. Eu a verei amanhã às oito, uma vez que temos que estar na Prior & Truman às nove.
Mesmo depois de passar na casa de Brenda para pegar a filha e ter chegado em casa para as tarefas noturnas diárias, Vicky continuava sentindo-se um pouco nervosa. Como se a qualquer minuto fosse se deparar com o rosto moreno e zombeteiro de Max Forbes, mirando-a através da janela da sala.
Depois de trocar as roupas formais de trabalho, começou a preparar frango frito para o jantar. Chloe sentou-se à mesa da cozinha, tagarelando sobre a escola ao mesmo tempo em que desenhava com seus lápis coloridos. Pelo canto dos olhos, Vicky observou sua linda filha, os cabelinhos escuros pendendo sobre o rosto inocente e então sentiu uma ponta de medo.
Meu Deus! Se mesmo ali, em sua própria casa, sentia-se acuada pela idéia de que Max aparecesse inesperadamente, como um coelho saindo da cartola, o que estava fazendo afinal? E daí se o dinheiro era abençoado? E daí se ela estava descobrindo que o emprego era excitante? Não, não. Estava brincando com fogo, e sabia muito bem o que acontecia com mulheres tolas que brincam com fogo. Todas se queimam!
Na manhã seguinte, levantou-se determinada. Começaria a se preparar para a inevitável demissão.
Até poderia relaxar em suas tarefas e provocar sua demissão, porém aquilo não era de seu feitio. Optou então por começar a dar algumas dicas.
Max estava no escritório esperando-a, quando ela chegou com quinze minutos de antecedência. Ele começou uma explanação sobre a importância dos clientes a serem visitados naquele dia para a Corporação Forbes. Vicky escutava atenta enquanto preparava sua pasta de couro com papel e canetas para as reuniões.
O clima estava confortável entre eles.
Quinze para as nove, estavam prontos para sair, e ela se sentia preparada para enfrentar os clientes. Mas, sinceramente, não se preparara para a deliciosa experiência de acompanhar Max Forbes. A cada minuto que passava, o respeito e admiração que sentia por ele, ficavam mais sólidos.
Agora quase não acreditava que ele e Shaun pertenciam à mesma família.
Durante o almoço, discutiram perspectivas que tinham com os clientes e detalhes sobre a Forbes. Max falou sobre Nova York, e Vicky lhe contou como se sentia vivendo em Warwick depois de ter passado tanto tempo na Austrália.
Um pouco depois das três da tarde, quando já haviam visitado o último cliente, não fazia sentido voltar para o escritório.
— Eu lhe darei uma carona até sua casa.
— Mas meu carro está na empresa — retrucou Vicky grata pela desculpa.
— Você poderá tomar um táxi para o trabalho amanhã cedo.
— Não, prefiro ir buscá-lo. — Ela olhou distraidamente pela janela do carro para os campos verdes, uma vez que ainda estavam a uma pequena distância do centro.
— Por quê? — perguntou ele com uma ponta de impaciência.
— Gosto de ter meu carro — disse Vicky teimosamente. — Não há transporte público perto de casa, e não gosto de pensar no que eu faria se algo acontecesse e precisasse ir a algum lugar rapidamente.
— Algo como o quê?
Ela deu de ombros e vagarosamente fixou o olhar no perfil dele, os ângulos marcados das feições, os cabelos negros. Chloe tinha os mesmos cabelos emoldurando seus lindos olhinhos acinzentados. Vicky sentiu um súbito mal-estar, que tentou reprimir.
— Eu poderia cair e quebrar um braço...
— Nesse caso, você não seria capaz de dirigir em busca
de ajuda.
— Ou eu poderia me queimar com leite fervendo...
— Ou morrer, claro. Mas ainda assim não precisaria do carro.
— Tudo bem. Eu podia descobrir ao acordar que não havia pó de café e ter que sair rapidamente para comprar.
— Então agora você me diz que é viciada em café.
Havia um repentino senso de humor na voz dele que a fez corar de prazer. — Ah, sei, ataques repentinos...
— O quê?
— Viciados em café... — Max sorriu e a contagiou com seu bom humor.
— Você sabe que passei anos pensando sobre esses meus estranhos defeitos de personalidade? Obrigada por classificá-los para mim. Viciada em café. Certo. Amanhã serei outra pessoa.
Desta vez ele riu. Uma gargalhada gostosa que a fez sentir uma enorme onda de prazer.
— Certo, voltaremos ao escritório — cedeu ele. — Mas por que não bancamos os desertores e aproveitamos um pouco de nosso tempo livre antes de voltar lá?
— Um tempo livre? Bancar os desertores? — Vicky sorriu relaxada e feliz, apesar de todos os temores que teimavam em importuná-la. Dali a pouco, ergueria suas defesas novamente, mas, por hora, sentada ao lado dele no potente carro, depois de um dia inesperadamente agradável, sentia-se muito preguiçosa para trabalhar. — Certamente essas não são palavras do comandante de um império.
— Todo mundo precisa de ociosidade uma vez ou outra, principalmente quando pode contar com uma boa companhia — murmurou ele. — Escute, tenho uma idéia.
— Qual?
— Moro bem perto do escritório, poderíamos ir até lá. E antes que você comece a protestar, quero explicar que estou sugerindo isso porque fiz algumas reformas na minha casa e você poderá ter uma idéia do padrão de trabalho de que a Forbes é capaz e então utilizar nossos trabalhos na reforma de sua própria casa.
— Eu ainda não decidi se vou ficar na empresa — disse Vicky com franqueza.
— O que quer dizer com isso? Ela engoliu em seco.
— Bem, estou em período de experiência — replicou ela, evitando os olhos de Max. — Você pode muito bem achar que não sou adequada para o emprego e... e... Bem, quero um pouco mais de tempo para me decidir também.
— Por quê? Há problemas que você não me contou?
— Não! Eu estava apenas falando... hipoteticamente. Antes que ela pudesse perceber, Max estacionou na frente
da casa dele, a qual ficava em um condomínio fechado, cerca de vinte minutos afastado do centro. O jardim era protegido por uma verdejante cerca viva.
— Eu... eu não percebi que você estava me trazendo para sua casa — gaguejou ela, saindo do carro e olhando para o relógio de pulso.
— Oh, pensei ter lhe mencionado isso.
Vicky perguntou-se por que se sentia como vítima de uma hábil manobra masculina.
Max abriu a porta e gesticulou para que ela o precedesse. Hesitante, Vicky esbarrou nele ao entrar e sentiu os pêlos do braço se eriçarem.
O pequeno hall com piso de madeira nobre era lindo. Um corrimão curvo levava aos quartos no andar superior, e tudo ali era decorado com extremo bom gosto.
— A decoração não é minha — Max confessou, percebendo o olhar apreciativo dela. — Duas senhoras armadas com livros de decoração, conseguiram me persuadir a fazer tudo que está aí. E ficou precisamente do jeito que eu queria.
— Então você ficou satisfeito? — Sentindo-se mais segura, ela deu alguns passos a mais no hall, admirando as diversas tonalidades de sépia que davam impressionante contraste com a pintura verde e cerâmica das paredes.
— Gostei muito do resultado final.
— Confesso não ter muito dom para decoração de interiores — Vicky admitiu. — De maneira que duas senhoras com livros me seriam de grande ajuda também.
— Isso pode ser arranjado — Max murmurou, guiando-a para além do hall.
Ela se viu em uma cozinha ricamente projetada, repleta de utensílios e aparelhos eletrônicos de última geração. Tudo ali parecia intocado.
— Posso deduzir que você não cozinha — comentou ela. — Tudo parece novo.
— Tudo é novo. As decoradoras terminaram há uma semana apenas. Aceita um café?
Ela estava tão acostumada a fazer café para ele na empresa, que a repentina inversão de papéis e aquele clima de intimidade a estavam deixando encabulada.
— Sim, obrigada, talvez uma xícara. — Antes que algum silêncio pudesse se instalar, Vicky disparou perguntas sobre o que fora reformado ali, quanto tempo levara etc... etc. Mas sua consciência não lhe deixava esquecer de que estava na casa de Max Forbes. Sozinha.
Depois de preparar o café, servir duas xícaras e colocá-las sobre o balcão, ele tirou a gravata e a colocou sobre o encosto de uma das cadeiras. Vicky prestou tanta atenção naquele gesto que ignorou completamente o que Max estava lhe contando.
— Então isso seria algo que você precisaria se acostumar.
— Acostumar-me? Desculpe. Eu me distraí...
Ela ficou rubra, e Max fez o possível para controlar o mau humor. Tendo coagido a mulher para sua casa, usando táticas que jamais aplicara antes, estava furioso em descobrir que a reação dela demonstrava a cautela de alguém repentinamente pego em uma armadilha.
— Eu disse — repetiu ele vagarosamente —, que dizer adeus a sua privacidade seria algo a que você teria de se acostumar.
Ela bateu a xícara contra a superfície do balcão, espirrando café para todo lado.
— Posso ser sua secretária, mas isso não significa que precise abrir mão de minha privacidade!
— O que está dizendo? — Ele estava perplexo pela indignação dela. — Se houvesse prestado atenção no que eu estava falando, não teria tirado conclusões erradas.
Vicky se deu conta de que ele tinha toda razão.
— Desculpe-me. Meus pensamentos estavam a milhas de distância.
— A milhas de distância de onde? — Max sentia uma comichão em iniciar uma conversa que a deixasse mais vulnerável, que a tornasse mais íntima do que a habitual cortesia de secretária. Na verdade, uma vez ou outra, vira-a ceder às emoções, mas sempre por um tempo ínfimo e então retornava ao isolamento dentro de si mesma. Havia algo de suspeito no comportamento daquela mulher, e a ansiedade por ouvir pequenas confidencias estava começando a ficar fora de controle. Agora, ele perdia o sono no meio da madrugada, sem razão alguma. E mesmo que fizesse esforço, os pensamentos sempre retornavam incansavelmente para a pequena feiticeira de pele alva que o fitava do outro lado do balcão.
Ainda mais frustrante era o fato de que sua interminável vida social tinha se reduzido gradualmente a reuniões de trabalho, jantares com clientes e refeições sozinho no restaurante italiano local. O pensamento de outra mulher, do tipo fácil de assediar com duas palavrinhas de elogio e alguns jantares caros, deixava-o entediado.
A culpada dessas mudanças era Vicky.
— Em nenhum lugar específico — explicou Vicky, acabando de beber o café rapidamente.
Max forçou um sorriso que mais parecia uma careta.
— Quando uma mulher tem esse brilho no olhar é porque está pensando em um homem.
Jogara o anzol novamente e sem muita sutileza, pensou ele. Por Deus, para onde tinha ido sua autoconfiança?
— Nem todas as mulheres são iguais, naturalmente — respondeu ela.
Ela colocou a xícara vazia bem no centro do balcão, insinuando claramente que desejava ir ao escritório a fim de apanhar o carro.
— Com certeza — Max achou por bem concordar.
— Algumas de nós, às vezes, têm as minúsculas mentes ocupadas com algo que não seja um homem.
Certo, pensou ele, mereci essa resposta.
— Tudo bem, você venceu. — Ele corou. — Posso ver que você está pronta para ir. A propósito, aqueles rumores sobre o supermercado a ser construído perto da sua casa... eram mesmo apenas boato.
— Isso é um alívio.
— E no caso de você estar interessada — continuou Max — no serviço de reforma que pretende fazer na sua casa, sugiro que entre em contato com Mandy.
A quem ela pensava estar enganando? Era claro que havia um homem em sua vida, e Max não conseguia entender por que Vicky escondia o fato. O mero pensamento de um homem tocando aquele corpo que agora povoava suas fantasias fez com que uma onda de furor o invadisse.
— Você está indo depressa demais! — exclamou ela suavemente, caminhando na frente dele para a porta de saída. Então olhou por cima do ombro e sorriu. — Não acha que devo ter algum tempo de serviço antes de desfrutar o privilégio de obter um desconto no trabalho de reforma feito pela empresa?
Deus, como ele queria tomar aquele delicado rosto entre as mãos e beijar Vicky com sofreguidão até tirar-lhe o fôlego, até que todo segredo fosse revelado.
Ela parou diante da porta de entrada e esperou que ele a abrisse. Em vão. Max fixou o olhar nela. O simples pensamento de que bastava inclinar-se e poderia tocar-lhe os lábios ou passar as mãos na pele macia o fez tencionar. A perspectiva de transformar fantasia em realidade deixou seus nervos em frangalhos. Max notou as pupilas dilatadas quando ela o fitou, sem dizer uma palavra.
— Não se preocupe em passar pelo período de experiência... Apenas marque a data para o início dos trabalhos.
Observando os longos cílios daqueles olhos que se desviavam dos dele, Max não se conteve e tocou a face dela.
— O que está fazendo? — Vicky protestou, levantando os olhos e recuando.
Ele abaixou a mão abruptamente e então percebeu com desgosto que estava tremendo por culpa do fugaz contato.
— Havia tinta na sua face — desculpou-se ele abrindo a porta e dando-lhe passagem. — Eu quero que você digite aquelas cartas que lhe ditei no carro — continuou em tom profissional.
Os sentimentos o haviam traído, pensou. Agira como se seu corpo não fosse dominado pela mente.
— Precisarei delas na hora do almoço de amanhã. Por favor, cancele meus compromissos para a próxima segunda-feira, estarei em Nova York por três dias. Problemas com Eva, uma das subsidiárias. — Max a olhou sentada a seu lado enquanto dava partida no carro. — Seria útil se eu tivesse uma secretária lá comigo.
— Se você quiser, posso pedir a Tina, a secretária de Roger, para lhe acompanhar. Eu sei que ela gosta de viagens além-mar.
Max mantinha os olhos fixos na estrada e respondeu:
— Deixe como está. Verei o que pode ser feito por lá mesmo.
Ele aguardaria a hora certa. A paciência nunca fora seu forte, mas estava aprendendo depressa a controlar suas emoções.
Na segunda-feira, assim que Vicky se sentou a sua mesa de trabalho e ligou o computador, o telefone tocou.
Era Mandy, do departamento pessoal, avisando-lhe que agendara um dos arquitetos da companhia para averiguar o custo da reforma que precisava ser feita na casa dela. Vicky teve um choque.
— Reforma? — perguntou aturdida.
— Você mencionou ao chefão que queria aproveitar-se da prerrogativa que a empresa oferece de subsidiar serviços de reforma aos empregados?
— De passagem, talvez... mas não lhe disse que isso era urgente.
— Com o tempo você aprenderá. Max Forbes não dorme no ponto. — Havia admiração na voz da mulher. — Ele obviamente decidiu que sua casa necessita de um reparo. Pobrezinha. Vir da Austrália e encontrar a casa caindo aos pedaços...
— Como? — indagou Vicky incrédula.
— Este é o problema com inquilinos — continuou Mandy confidencialmente. — Mas, de qualquer forma, Andy Griggs, o arquiteto, é formidável. Eu agendei a visita para a próxima segunda-feira, ao meio-dia e meia. Você poderá encontrá-lo na hora do seu almoço, o que acha?
Mas o que era aquilo, Senhor? Não queria reforma alguma em sua casa! Na verdade, se a memória não lhe falhasse, estava pensando em se demitir da empresa, porque a intuição lhe avisava que, em breve, teria muitos problemas.
— Não! Quero dizer... eu não quero... qualquer tipo de reforma.
— Entendo — disse Mandy com cumplicidade. — E quem gosta da confusão de uma reforma em casa? Mas você pelo menos trabalha, de modo que poderá estar fora enquanto os pedreiros e pintores estiverem por lá.
— Próxima segunda-feira... tudo bem. — Vicky pensou que seria melhor encerrar aquela conversa e se dedicar ao trabalho. Depois resolveria toda aquela confusão sobre a reforma.
No final do expediente, após um dia exaustivo, esqueceu-se do assunto, pegou o carro e dirigiu para a casa de Brenda para apanhar Chloe com seus trabalhos de pintura e desenho feitos na escolinha.
Em mente, Vicky alimentava a idéia de transformar a cozinha e a pequena sala de jantar em um só ambiente, dividido apenas por um balcão com banquetas altas, sobre o qual elas fariam suas refeições. Chloe adoraria aquilo. Certamente a faria lembrar-se da sorveteria que costumavam ir semanalmente em Sidnei, onde as banquetas eram uma atração tão grande quanto os cinqüenta e um tipos de sorvete.
Nas paredes, haveria um mural de avisos, ou até dois, onde Chloe poderia afixar seus trabalhos de arte.
Enquanto dirigia, deliciava-se com as histórias que Chloe contava sobre os amiguinhos da escola e com as risadas contagiantes da filha.
— O Rick destruiu a cabeça do boneco que fizemos na classe, mamãe — contou Chloe. — A professora tirou os botões, mas levamos séculos para fazer uma nova boca.
— Que botões?
— Os botões que eram os olhos! — respondeu a menina impaciente. — Estou com fome. O que vamos comer?
— Algo nutritivo e cheio de amor — disse Vicky. — Caçarola de frango com batatas e cenouras.
— Posso pôr ketchup?
— Claro!
Quando entraram em casa, os pensamentos de Vicky voltaram-se mais uma vez à reforma.
Havia os quartos de dormir. Sim, eram ótimos, mas... digamos que a reforma fosse realmente iniciada... não seria maravilhoso juntar dois daqueles quartos para formar uma bela suíte com banheiro privativo? Talvez, quem sabe, até mesmo um closet?
E o quarto de Chloe seria beneficiado, tirando aquele guarda-roupa antiquado e substituindo-o por um moderno armário embutido.
— Não posso comer toda essa cenoura, mamãe.
Vicky olhou para o prato da filha e notou que a servira de modo realmente exagerado.
— Desculpe-me, filhota. Acho que eu estava distraída.
No dia seguinte, contataria Mandy e explicaria que houvera um terrível engano e que não estava interessada em fazer uma reforma no momento. Então deixaria de pensar em suítes com closet e em cozinhas americanas. No lugar disso, pensaria em uma possível pintura e em se livrar de alguma mobília velha e pesada.
Mas na manhã seguinte, Vicky decidiu justamente o contrário. Pensou que chamaria muita atenção se recusasse a oferta sem nem mesmo saber o custo. Depois que Andy Griggs lhe desse o orçamento, então poderia dizer com sinceridade que a reforma seria muito cara e que não tinha condições de fazê-la. Quem iria suspeitar de uma recusa fundamentada na dificuldade econômica? E também havia a vantagem de um dia, quando já estivesse longe da empresa e com algum dinheiro guardado, poder pôr em prática os conselhos do arquiteto. Na Austrália, acostumara-se a ambientes espaçosos e cheios de luz, e aquela casa lhe dava um pouco de claustrofobia.
Perto da hora de sair, o telefone de Vicky tocou. Com o pulso acelerado, ela de alguma forma sentiu que era Max Forbes. O trabalho tinha sido tranqüilo aqueles dois dias. A única comunicação com seu chefe fora via e-mail, e o serviço fluíra perfeitamente.
A voz profunda e aveludada do outro lado da linha a deixou em estado de antecipada excitação. Aliás, na presença dele, seus sentidos pareciam estar sempre em alerta.
— Vicky, é Max. Que bom que a encontrei em casa.
Ela brincava com o fio do telefone, perguntando-se o que justificava aquele telefonema quando e-mails era o modo mais fácil de ambos se comunicarem, com a vantagem de não lhe alterar os nervos.
— Como estão as coisas em Nova York? — perguntou ela educadamente. — Tenho lidado com todos seus e-mails e já mandei o fax para a Roger's & Walnut House; conforme você pediu.
— Ótimo. Estou telefonando porque aqui surgiu uma situação bem desagradável. — A voz dele era fria, e Vicky tremeu com a expectativa de saber quem provocara a situação desagradável. Já o conhecia bem profissionalmente para saber que havia um coração de pedra dentro dele que o fazia um adversário temeroso.
— Há algo que queira que eu faça aqui? — indagou ela ansiosa.
— De início, você deve cancelar minhas reuniões para a próxima semana e reagendá-las. Repasse as que não podem ser transferidas para Ralph Anderson.
Vicky anotou rapidamente.
— Alguma coisa mais?
— Sim. Preciso de você aqui... e isso não é um pedido, é uma ordem. Cabeças vão rolar nesta filial, e tudo precisa ser meticulosamente documentado. Vou encontrar meus advogados essa tarde para oficializar a decisão, e o conteúdo é altamente confidencial. Eu até poderia conseguir uma secretária aqui na empresa que fizesse o trabalho, mas o que está acontecendo é realmente muito secreto para ser confiado a qualquer pessoa.
Vicky podia sentir o tom decidido de Max. Ele não iria permitir que ela se safasse daquilo, e por mais que estivesse decidida a se demitir, não o queria fazer em condições desfavoráveis. Afinal, precisaria de uma boa referência para quando fosse se candidatar em outra empresa, e uma funcionária que controla a hora da saída, como ele dissera antes, jamais obteria um bom emprego.
— Durante quanto tempo você precisará de mim? — perguntou ela, com o coração apertado só de pensar nas lágrimas da filha ao saber que a mãe iria viajar sem ela. Elas nunca haviam se separado antes.
— Três dias no máximo — disse ele friamente. — E não se preocupe, estou ciente de que uma viagem ao exterior não é algo em que você esteja interessada, mas desta vez não há escolha. Pegue um Concorde. Você sabe onde estou hospedado... reserve um quarto para você no mesmo hotel. Garanto que não haverá problema neste sentido.
— Isso é tudo? — suspirou Vicky.
— Mande-me um e-mail informando o horário de sua chegada e prepare-se para estar trabalhando no minuto que descer do avião.
— Certamente — disse ela com sarcasmo. — Eu não esperava outra coisa...
A adrenalina no seu sangue estava ainda em ebulição quando, uma hora depois, perguntava à Brenda se podia ficar com Chloe.
— Não se preocupe, Vicky — assegurou Brenda, enquanto tomavam uma xícara de café na casa dela. — Apenas espero que este emprego não comece a comandar a sua vida. Tenho visto algumas mulheres executivas que passam a vida em estado de permanente exaustão. Apesar de que isso não parece estar lhe prejudicando, de maneira alguma.
— O que quer dizer?
No canto da sala, Chloe e Alice, a filhinha de Brenda, estavam brincando com suas bonecas Barbie.
— Nunca a vi tão... tão bem... há meses. Pele reluzente, olhos brilhantes. Qualquer que seja a maneira como seu chefe esteja lhe satisfazendo, esse trabalho combina com a sua natureza.
— Ele está me satisfazendo? — Vicky falou rindo por causa das noções erradas de Brenda. — Muito trabalho, uma carga enorme de responsabilidade e infindáveis comentários sarcásticos, para não mencionar bisbilhotice, curiosidade e insinuações perversas.
Brenda riu em resposta.
— Bem, tome cuidado. Uma garota pode ficar viciada nesse tipo de jogo.
O vôo para Nova York foi tranqüilo, mas uma ponta de excitação assolou Vicky quando aterrissou no Aeroporto de Heathrow, Londres, com sua pequena mala de viagem e foi tratada com toda subserviência destinada às pessoas com dinheiro o bastante para viajar de primeira classe.
Apenas quando se hospedou no Hilton Hotel em Nova York, é que a excitação deu lugar à apreensão.
Meu Deus, estaria ali com Max Forbes por dois ou três dias e, desta vez, não seria apenas das oito e meia às cinco horas da tarde.
Ele combinara de se encontrarem no bar do hotel, e ela estava nervosa quando vestiu o terninho cor de aveia, com uma camisa de mangas compridas, e prendeu os cabelos em um coque. Quando se olhou no espelho, parecia impecavelmente profissional, mas ainda assim era impossível evitar a impressão de que a pessoa que usava aquelas roupas clássicas se sentiria muito melhor com jeans e camisão.
Quando adentrou o bar, Max já estava lá, em uma mesa de canto, com um copo na mão. Ele nunca lhe parecera tão cansado. Como que para confirmar a impressão, ele esfregou os olhos fortemente antes de perguntar o que ela gostaria de beber e acenar para o garçom.
— Você está bem? — perguntou Vicky. Ele assentiu.
— É muito bom vê-la. Estou satisfeito que tenha vindo. Precisou fazer muitos arranjos?
— Sim, mas tudo está resolvido. — Ela deu de ombros e afastou-se, permitindo que o garçom colocasse o cálice de vinho branco gelado a sua frente. — O que está acontecendo por aqui, afinal?
Ela bebeu um pouco de vinho e se sentiu parcialmente relaxada.
— Eu lhe contarei tudo agora mesmo. A propósito, você já jantou? — Ele não esperou Vicky responder. Acenou para o garçom e pediu duas saladas de lagosta e pão. — Para resumir, alguns dias atrás, recebi um telefonema um tanto preocupante de um dos meus contadores do Eva. Para lhe dar uma idéia, Eva é uma de nossas menores filiais e sempre foi a menina dos olhos do meu pai. Uma empresa de jogos para computadores. Como você sabe, esses jogos têm uma aceitação extraordinária, e os lucros da Eva aumentaram consideravelmente nos últimos cinco anos. — Ele bebeu um grande gole do uísque, como que dando vazão a alguma frustrante emoção. — No ano passado, consideráveis quantias foram aparentemente perdidas. Depois de uma breve investigação, foi descoberto que o gerente da empresa, um homem que conheço há anos, tem desviado o dinheiro aos poucos, na forma de clientes fantasmas, assinaturas forjadas etc. — Max esfregou os olhos, mostrando cansaço, e recostou-se pesadamente na cadeira, semicerrando as pálpebras. — Passei os últimos dois dias trancado com o contador, e hoje três excelentes advogados chegaram à conclusão de como lidar com o problema. Até agora, o gerente da Eva não está ciente de que descobrimos suas falcatruas. Achamos que o melhor é surpreendê-lo com a evidência.
— Ele irá para a prisão? — perguntou Vicky horrorizada.
— Não sei — respondeu ele. — Fraude merece punição, mas se ele for demitido, isso já será o bastante. O homem será forçado a se aposentar antecipadamente, e sua reputação dentro da indústria de computação estará terminada. Além disso — Max suspirou —, ele tem uma família. E eu sou padrinho de um dos filhos! — Ele se endireitou na cadeira quando a comida foi colocada à mesa. — É um pesadelo. Você entende por que é importante que uma secretária que não o conheça venha para lidar com o que está acontecendo? Quanto menos pessoas souberem do caso, menor será nosso prejuízo. Em um momento desses, as ações da empresa podem despencar ao primeiro boato.
— Então o que você fará?
— O que acha que eu deveria fazer?
— Não me diga que levará a sério a opinião de uma simples secretária? — Vicky perguntou, na tentativa de neutralizar o estado de espírito dele.
— Estou sempre pronto para ouvir sugestões. — O tom não deixava dúvida quanto a sinceridade de Max.
— Bem, penso que ele deve ser afastado do cargo imediatamente, claro. E você tem razão, fraude deve ser punida com o envolvimento da polícia, mas se eu conhecesse a família deste homem, suponho que ficaria tentada a demiti-lo com todas as advertências necessárias e encarar isso tudo como uma experiência salutar.
— Você tem um coração muito bom.
— Somente para determinadas coisas — retrucou Vicky. — Importa-se de me dizer quais coisas?
Pronto, de novo a curiosidade o atacava.
— Qual é a programação para amanhã? — Era óbvio que a pergunta dela colocava um ponto final no assunto.
As horas seguintes foram gastas discutindo vários aspectos do problema e o que Max esperava dela em termos de trabalho. Quando Vicky foi para seu quarto, sentia-se exausta. Os pensamentos estavam confusos não apenas pelo problema profissional mas também pela ciência de que, com aquela viagem a Nova York, estava dando outro passo em direção à armadilha de um emprego que sabia que não poderia durar.
Os dois dias seguintes foram os mais excitantes de sua carreira. A realidade provara ser mais estranha que a ficção. O homem envolvido na apropriação não era um fraudador tão insensível quanto ela esperara. Quando intimado a comparecer à reunião com os advogados e contadores, ele rapidamente confessou tudo.
Sentada ao fundo da sala, Vicky anotou tudo que foi dito, com sua impecável taquigrafia. Uma habilidade que há tempos não utilizava e pela qual era agora imensamente grata. Embora Max estivesse falando em um gravador, ela não pensou que pudesse transcrever o colapso emocional diretamente de uma fita.
Harry Gutowsky chorou alto, com soluços de culpa, medo e remorso.
Ele tinha, confessou, originalmente visto o desfalque como uma medida emergencial. Pretendia devolver cada centavo que tomara, mas tudo logo se transformara em uma bola de neve. A filha dele se envolvera em um acidente de carro e o seguro-saúde cobrira apenas a cirurgia e a internação. Porém, muito mais precisava ser feito, ou sua filha ficaria aleijada para o resto da vida. Assim, a bola de neve apenas aumentou.
Durante as longas horas em que ouviu o contador, Max permaneceu sentado em silêncio, fazendo apenas o mínimo de perguntas, embora os olhos lacrimejantes de Harry estivessem quase que o tempo todo voltados para ele. A face de Max não expressava qualquer sentimento.
No fim do segundo dia, e depois de algumas discussões com o contador e com o chefe dos advogados, Harry Gutowsky soube que não enfrentaria a justiça. Max afirmou que reembolsaria cada centavo da dívida, usando sua fortuna pessoal, uma oferta que foi recebida com um arfar de gratidão pelo homem mais velho. Mas em retorno, Harry teria que deixar a empresa imediatamente e a pensão da aposentadoria seria alterada para compensar a fraude.
— E quanto à Jessie? — perguntou Harry, chorando. — Ela estava progredindo tão bem... minha pobre menina... com apenas catorze anos.
— Providenciarei que todo o custo com a saúde dela seja coberto até a cura total — disse Max.
A solução foi inacreditavelmente generosa, pensou Vicky duas horas depois quando entrou na sala de conferências do hotel, com toda a documentação que requeria assinaturas dos envolvidos.
A mente voltou-se para as palavras e expressões de Max durante aqueles dois últimos dias, e algo forte e perturbador agitou-se dentro dela. Uma confusa impressão de que o segredo sobre Chloe era de alguma forma um ato de traição, e que ela deveria contar-lhe sobre a filha. Mas ainda não o conhecia o suficiente para afirmar que ele não abusaria da revelação. O pensamento pairou sobre ela como uma nuvem negra de ameaça. A tentação de revelar o segredo era quase irresistível, mas o medo a fez decidir que guardaria aquilo consigo.
Afinal de contas, Chloe não fazia parte de sua vida profissional e nunca faria. Ele nunca descobriria! Melhor isso agora do que chorar depois.
Vicky terminou as anotações a serem digitadas e deu um suspiro de alívio. No dia seguinte pegaria o vôo de volta e chegaria a tempo de buscar Chloe na escola. Elas tinham se falado todos os dias, e a descoberta de que a filha não ficara chorando sua ausência a fez pensar que seu bebezinho estava mesmo crescendo.
Sentira falta de Chloe, claro, mas tinha que admitir que os últimos dois dias tinham sido maravilhosos. A fugaz liberdade a fez ver como era difícil a vida dela como uma família sem a presença paterna. Culpada, pensou em como era gostoso ter uma noite de sono profundo-e acordar de manhã sem a insistente conversa infantil. Por alguns segundos, pensou como deveria ser maravilhoso ter um parceiro para dividir aquilo tudo.
Então imaginou que espécie de pai Max seria. Na solidão da enorme sala de conferência, ela corou e olhou em volta, como temendo que alguém pudesse ler seu pensamento.
Absorta como estava na imagem de uma pessoa inatingível, ela teve um sobressalto quando o viu aparecer na porta. Ele estava com roupa esportiva, uma calça verde-oliva e camisa de mangas curtas, que realçava seu porte atlético.
— Eu já terminei — anunciou Vicky, no caso de ele ter vindo para saber por que ela estava demorando tanto. Havia muito mais para digitar do que ela esperara.
— Bom. Nesse caso você pode tomar um banho, vestir sua roupa de festa e jantar comigo. — Ele sorriu levemente. — A menos que tenha outros planos.
— Nenhum outro plano — murmurou Vicky, desligando o computador.
— Encontro-a no bar em quarenta minutos. — Ele consultou o relógio. — Então pegaremos um táxi até o restaurante.
— Com alguém mais?
— Não. Todos têm família e casa — disse Max secamente. — E depois de tantas horas de ausência nos últimos dois dias, eles devem estar loucos para ter um descanso no próprio lar. Iremos apenas você e eu para celebrar o melhor resultado que podíamos alcançar, dadas as circunstâncias.
Max fez uma careta como despedida, e Vicky rapidamente juntou a papelada. Ela correu para o quarto, tomou um banho rápido e então dedicou o pouco tempo que faltava vasculhando as roupas. Parecia não haver nada adequado.
Finalmente apareceu no bar do hotel dez minutos atrasada, usando uma calça preta e uma blusinha creme de lã, de mangas compridas que colocara na mala na última hora, e pela qual se sentia agora agradecida, uma vez que as outras três blusas que levara eram excessivamente formais.
Max a estava esperando e a avistou antes que ela o visse. Então teve alguns segundos para admirar-lhe discretamente os quadris e a cintura bem-feita, modelados pela calça justa. Meu Deus, o que havia naquela mulher que o fazia se sentir como um adolescente?
Nos últimos dois dias, estivera observando cada atitude e expressão dela. Agora até já sabia quando Vicky estava ou não de acordo com o que ele dizia. E o mais espantoso é que inconscientemente, sempre esperava pela aprovação dela para algumas de suas decisões.
Vicky sentia-se ansiosa quando deixaram o hotel e seguiram para um dos restaurantes favoritos de Max. Elegante, bem freqüentado e com comida internacional, mas sem a atmosfera de esnobismo elitista dos restaurantes caros.
Ao contrário de todas as mulheres com as quais ele costumava sair, Vicky não pareceu impressionada com o lugar. Na verdade, ela jamais torceria aquele narizinho perfeito ou faria qualquer comentário caso o restaurante não fosse de seu agrado. E por que não admitir, pensou ele, que de fato, queria antes de tudo impressioná-la? Queria mostrar-lhe quanto era conhecedor do mundo, sofisticado e despretensioso.
Max esforçou-se para deixá-la à vontade. Eles conversaram sobre o resultado da fraude vergonhosa de Harry Gutowsky e da atuação dos advogados.
— Você está satisfeito? — perguntou ela, bebericando seu vinho branco gelado.
— Acho que fomos bem compreensivos com Harry — disse Max. — Em vez de aposentado, ele poderia estar na cadeia agora.
— Você foi muito generoso assumindo o desfalque e ainda se responsabilizando pelo tratamento da filha dele.
Max, vendo a franca admiração no rosto de Vicky, não sabia se se sentia lisonjeado ou nervoso. O gesto generoso fora feito sem pensar. Harry era amigo de seu pai e, certamente agira dessa maneira movido pelo desespero de estar com uma filha doente. Max tinha dinheiro e ajudar o homem não era sacrifício algum.
Não, ele não queria a admiração de Vicky por aquele gesto. Queria muito, muito mais que isso. Era bom vê-la falante e relaxada.
— Não foi nada — ele falou com um dar de ombros.
— Oh, foi sim — insistiu ela. — Pode não ser nada para você, mas a maioria dos homens teria apenas lhe voltado as costas e saído da situação sem sentir qualquer remorso.
Bajulação para um simples ato de humanidade, não era exatamente o que ele queria.
As faces dela estavam agora bem coradas, e Max se surpreendeu ao notar que a segunda garrafa de vinho que ele pedira estava vazia. Vicky começou a brincar com os restos de vegetais em seu prato, e ele não pôde deixar de sorrir, porque havia algo gracioso e infantil naquela distração, considerando a maneira profissional de ela encarar a vida.
— Belo rosto — observou ele. — É de alguém em especial? — Ele tentou não dar uma gargalhada quando Vicky apressou-se em cruzar os talheres, olhando em volta para ver se alguém a estava observando.
— Acho melhor irmos — sugeriu ele. — E não se incomode. Ninguém está olhando para você — sussurrou junto ao ouvido dela.
Vicky sorriu acanhadamente, e aquilo fez o coração de Max bater descompassado.
Eles precisavam sair dali. Ela o estava enlouquecendo. Depois de pagar a conta e tomar um táxi, ele estava tão atormentado pela presença dela que sentia a própria pele pulsando. Haviam bebido demais, e o clima era devastador para os sentidos masculinos.
— Vou ficar aqui no térreo e tomar mais um drinque no bar antes de subir — disse ele na porta do elevador do Hilton.
— Por favor, acompanhe-me até o meu quarto — suspirou Vicky, apoiando-se no braço dele. — Estou um pouco tonta.
— Tudo bem — concordou Max relutante. — Você precisa de uma bela noite de sono. Deve estar exausta!
— Nunca me senti melhor! — Os olhos dela cintilavam. Ele notou, enquanto o elevador subia, que a mão dela estava ainda em seu braço produzindo um efeito devastador e visível em seu corpo.
Levando-a até o quarto, Max a observou lutar com o cartão que destravava a porta. Então, gentilmente, pediu licença e pegou o cartão da mão dela. Depois de abrir a porta, afastou-se educadamente para que ela pudesse entrar.
Ao entrar, ela virou-se para encará-lo.
— Tive uma noite deliciosa — murmurou Vicky e adentrou a pequena sala da suíte, de tal maneira que ele não pôde evitar segui-la. Ela se voltou abruptamente e aproximou-se dele. — E quanto a você?
— Fantástica.
— Então por que parece tão irritado? — provocou ela. A boca de Vicky estava ainda delineada por um sorriso quando Max inclinou a cabeça e a cobriu com seus lábios. Era como provar néctar pela primeira vez.
Após uma pausa momentânea, ela se entregou ao beijo com paixão, pressionando o corpo contra o dele e sentindo a evidente excitação.
Max não conteve um gemido. Sem saber como, ambos se viram deitados no sofá. Ele queria ver aqueles seios, prová-los. Queria tocar cada pedacinho do delicado corpo.
Quando ela tirou a blusa de lã, expondo os seios pequenos e perfeitos, cobertos com um sensual sutiã de renda, ele sentiu a respiração parar na garganta.
Através da renda, os mamilos enrijecidos mostraram um tom rosado que para Max foi um convite imperioso, ao qual ele cedeu sem restrição.
Com mãos ligeiras, arrancou-lhe o sutiã com tanta urgência que a assistiu gemer de prazer.
Vicky puxou a cabeça dele para os seios e estremeceu quando sentiu o toque da língua quente e ávida em seu mamilo.
Descontrolado de desejo, deslizou as mãos frenéticas forçando-a a separar as pernas e massageando-a entre as coxas.
Na próxima vez, porque haveria sem dúvida uma próxima vez, pensou Max, iria devagar. Tomaria o ato de fazer amor como um trabalho de arte. Mas agora, naquele exato momento, estava feroz e desejava-a demais para poder exigir seu autocontrole.
Max mandou um e-mail de Nova York para Vicky avisando que chegaria na empresa no dia seguinte, às nove e meia da manhã.
Não querendo estar em sua sala, ela trancou-se covardemente no toalete das mulheres, sentindo o coração descompassado.
Ficaria por ali durante uns quinze minutos. Um infindável espaço de tempo que ocupou retocando o pó compacto e usando aquilo também como desculpa para o caso de alguém entrar e perguntar-se o que a pequena e ruiva Vicky Lockhart estava fazendo lá, com as faces coradas e olhos brilhantes demais.
A única coisa que sabia era que a mente se ocupara, nos últimos dias, pensando em uma só coisa. Ou melhor, uma só pessoa.
Quando pensava em Max Forbes, a razão parecia desaparecer, dando lugar a memórias que faziam seu corpo doer.
O pior e o mais humilhante de todos os pensamentos era a certeza de que nada daquilo teria acontecido se ela não o houvesse convidado a entrar em seu quarto. Realmente bebera mais que o normal, mas sabia que culpar alguns cálices de vinho pelo acontecera entre eles, seria um ato de covardia. A verdade nua e crua era que se sentira à vontade demais com ele no restaurante e entregara-se totalmente. Retirara os obstáculos e sucumbira ao poder da viril masculinidade de Max e ao seu charme sensual, contra o qual lutara desesperadamente, desde o primeiro minuto que o vira.
Para não dispensá-lo à porta de seu quarto e correr o risco de ser chamada de grosseira, tinha-o convidado a entrar. Então, fizera o impensável.
O corpo estivera ardente de desejo desde o início do jantar, em uma intensidade que só aumentava, cada vez que ele a olhava.
Na hora que alcançaram a porta do quarto, a imaginação voava tão alto que ela não sentia vontade alguma de pôr um ponto final naquela sensação de desvario.
Sentira-se sensual e sedutora. Só a lembrança era o bastante para fazê-la estremecer de arrependimento.
Espantoso o que alguns cálices de vinho e uma imaginação fértil poderiam causar em uma mulher, pensou Vicky, com amargura.
Começara vagarosamente a tirar a blusa, os dedos brincando com o tecido macio, enquanto ele permanecera em silêncio, apenas observando com olhos cheios de desejo, o que ela tão avidamente lhe oferecia.
Qual homem não estaria queimando inteiro de entusiasmo por uma oferta tão gratuita? Ela se entregara quando correspondera ao beijo dele e quando fez o ridículo strip-tease, o qual provavelmente causava risos em Max até agora.
Mas ele não estivera rindo durante o ato de luxúria que ambos experimentaram. Ela vira a intensidade da excitação nos olhos dele. Quando suas bocas se encontraram, Vicky sentira como se aquele momento fosse algo pelo que esperara a vida toda.
Quando Max havia lhe tirado o sutiã, uma maravilhosa sensação a invadira. Então guiara a cabeça dele até seus seios porque seus mamilos intumescidos exigiam uma resposta urgente. Oh, só aquele pensamento, agora, fazia-a gemer de vergonha.
E com que deleite recebera os carinhos dele em sua pele? E o prazer com que se entregara-se à boca sedenta de Max.
A luz da lua que se filtrava através das janelas para dentro do quarto, sombreava os corpos, fazendo o ato parecer cena de cinema.
Vicky podia se recordar da fascinação que sentira enquanto ele terminava de despi-la. As mãos másculas não foram capazes de desabotoar os botões da própria camisa, e ele acabou por rasgá-la em um gesto violento.
Apenas algumas horas antes, eram o arquétipo de chefe poderoso e secretária eficiente. Ela tomando notas, as pernas corretamente cruzadas, a saia discreta. Ninguém jamais teria imaginado que um pouco mais tarde, ela teria perdido toda inibição e se atirado nos braços do chefe com a febril paixão de uma mulher que passara a vida adulta inteira em abstinência sexual.
Vicky inspecionou o rosto no espelho do banheiro, sentindo culpa e vergonha. Teria que se livrar de ambas, antes de aventurar-se a voltar para sua sala. Sim, bancara a tola, mas não perderia a dignidade.
Fingiria que o lamentável episódio não deixara marca indelével alguma em sua alma. Nossa, que mentira!
O fato era que um momento de abandono e fraqueza lhe custara muito caro.
Nem mesmo no auge de sua paixão com Shaun, antes da repugnância por ele, ela sentira um desejo tão perigoso e ardente. Não fora capaz de prolongar as preliminares com Max. Quando a boca dele deixara seus seios e percorrera seu corpo, ela gemera alto. Contorcendo-se, sentira mãos fortes e ávidas agarrarem seus quadris, enquanto a língua quente borboleteava suavemente, saboreando-lhe a feminilidade, mergulhando cada vez mais fundo em sua essência. O orgasmo viera logo a seguir, acompanhado de gritos e gemidos descontrolados. O corpo trepidante vibrara, parecendo que o êxtase não teria fim.
Max esperara pacientemente até que ela parasse de ofegar. Então foi a vez de Vicky explorar o corpo dele, com a determinação de um maestro que afina um instrumento. Em pouco, pouquíssimo tempo, a desesperada necessidade de possuí-la deu vazão ao prazer daqueles carinhos eróticos.
Fora um ato maravilhoso, e ela não podia lamentar-se agora. Deixara tudo acontecer e teria que arcar com as conseqüências.
Quando acabara de retocar o batom e o estava guardando na bolsa, Catherine, a secretária de um dos diretores da empresa, entrou no toalete e, quando a viu, respirou aliviada.
— Vicky! Estive procurando por você em todo lugar! O que fez para ele?
— Fiz para ele? Ele quem? — perguntou ela dissimulando.
— Seu chefe! Ele chegou há dez minutos e entrou feito um furacão na sala de Jeremy, espumando de raiva. Eu nunca o vi tão furioso. O que aconteceu?
— É melhor eu ir, Catherine. Antes que ele se irrite com minha demora também.
Max a estava esperando em sua própria sala e gesticulou para que ela entrasse assim que a viu. Indicando a cadeira à sua frente, esperou que ela se sentasse.
— O que isso significa? — perguntou agressivamente, batendo a mão sobre um papel sobre sua mesa.
Vicky sentiu-se hipnotizada com atitude dele.
— Achei que assim seria melhor... e penso que... que devido à minha própria estupidez... — Ela não ousava encará-lo.
Max inclinou a cabeça, esperando que ela terminasse a frase.
— Apenas acho que o que aconteceu em Nova York prejudicou minha posição aqui, só isso — concluiu ela. — E não aja como se não soubesse do que estou falando! — avisou antes que ele tivesse dito uma palavra qualquer.
— Não acho que uma relação chefe-secretária seja possível quando ambos dormiram juntos, não concorda? — Na verdade, pensou ela dolorosamente, quando a secretária dormiu com o chefe.
— Aconteceu — disse ele suavemente, recostando-se na cadeira. — Essas coisas acontecem, acredite ou não. As pessoas bebem demais e...
— Eu sei disso! Você está me culpando?
— Não estou culpando ninguém. Estou meramente dizendo que a natureza humana não é sempre forte. Cometemos um erro... — ele parou dando tempo para que ela refletisse sobre as palavras —, mas isso não significa que devemos superestimar o erro. Ao menos, é claro, que você sinta que não é capaz de superar o incidente... Nesse caso, eu entenderia perfeitamente essa sua carta de demissão.
— O que quer dizer com "não ser capaz de superar o incidente"?
— Bem, você poderia estar sentindo-se mais envolvida por mim do que gostaria de admitir...
Vicky emitiu uma risada histérica, tentando mostrar-lhe o quão absurda a observação dele lhe parecera.
— Foi um erro, como você disse. Nada mais que um lamentável erro.
— Então qual é o problema? Esqueçamos isso. Continuemos nossas vidas. Não quero perder uma excelente secretária e não acredito que você queira jogar fora um emprego bem remunerado. De forma que proponho um acordo: consideremos isso como experiência de vida e a guardaremos apenas para nós. Acredite-me, sinto-me tão exposto quanto você. Não aprovo chefes fazendo sexo com secretárias. Você poderia muito bem me acusar de assédio sexual... Isso prova minha confiança em você e minha crença de que poderemos continuar trabalhando juntos. Por isso, peço-lhe que permaneça na empresa.
— E se descobrirmos que não funciona dessa maneira?
Vicky observou que ele não usara o eufemismo fazer amor, ele dissera fazer sexo. Lamentável, mas não catastrófico.
— Se não funcionar, então... — Ele deu de ombros e fixou os olhos acinzentados nela. — ...chamaremos isso de uma experiência em nossas vidas.
Meu Deus! Que duas belas opções tinha. Demitir-se seria mesmo a melhor solução?, perguntou-se Vicky. E se o homem decidisse ir atrás dela tão somente pelas suas qualidades profissionais que ele tanto valorizava? Naturalmente, não teria escrúpulos em procurá-la em casa. E se aparecesse justamente quando Chloe estivesse lá?
Mas Vicky tinha consciência de que permanecer na empresa era cutucar um vespeiro.
Fazer amor com Max mexera com suas emoções. Ela não sabia o que sentia além de medo. Medo não apenas do que Max poderia fazer, caso descobrisse a verdade de sua situação, mas também do que poderia causar a si mesma por permitir-se ficar horas e horas por dia ao lado dele. Estava achando cada vez mais difícil sustentar suas defesas. Um hora, cometeria um erro fatal.
— Tudo bem, mas ficarei somente com uma condição. Se por alguma razão eu vier a decidir que não sou capaz de trabalhar para você, então poderei demitir-me sem ser persuadida a ficar. Você respeitará minha decisão.
— É claro — disse Max, sentindo-se vitorioso e aliviado. Não saberia o que fazer se ela insistisse na decisão de se demitir. Na realidade, tinha de admitir que não conhecia uma porção de coisas até que ela surgira e virará seu mundo de pernas para o ar. Não adiantaria fingir. Estava sentindo-se em um mar revolto, agarrado à uma prancha de madeira, sem a menor idéia de para onde estava indo ou quando sua provação acabaria.
— Ótimo — Vicky falou tranqüilamente, enquanto ele continuava a mirá-la.
Max perguntava-se quanto aquela relação deles significara para ela. Certamente, pela maneira arredia, ela não estava dando muita importância. O pensamento o assolou de tal forma que o fez ter vontade de forçá-la a confessar que ele fizera a terra parar. Na realidade, estava dominado por um ridículo desejo de ouvi-la dizer que ele era o melhor.
Irritado, começou a tamborilar com a caneta na mesa, enquanto a mente viajava, visualizando o lindo corpo nu de Vicky. Cada pedacinho dela fora uma revelação incomparável. O gosto dos mamilos ainda permanecia em sua língua, fazendo-o sentir-se inquieto. Dormir com ela, em vez de diminuir-lhe as fantasias, fizera com que se proliferassem. Naquele instante, podia facilmente trancar a porta do escritório e tomá-la nos braços. Despi-la do clássico vestido cinzento e deitá-la sobre a mesa, nua e deliciosamente entregue à sua boca e mãos. Adoraria sentir-lhe os seios enquanto o telefone tocasse insistentemente e o computador anunciasse bips e bips de mensagens chegando em sua caixa de correio. Não podia pensar em nada mais erótico do que deixar o mundo financeiro esperar até que satisfizesse seu desejo.
Tentando, com grande esforço, dissipar os pensamentos obscenos, pegou a pasta de serviços sobre a mesa e começou a discutir com ela o que acontecera na empresa naquela semana e quais eram as perspectivas para os próximos dias.
Ela já estava saindo, quando ele perguntou:
— O que Andy Griggs disse sobre sua casa?
Vicky voltou-se para ele. Na verdade, Andy Griggs havia desaparecido de seu pensamento.
— Vou vê-lo apenas esta noite. Precisei cancelar o compromisso anterior. Mas é claro que não darei continuidade a essa história da reforma, até que decida sobre continuar trabalhando ou não...
Max sentiu uma desagradável sensação de impotência, pânico e raiva.
— Naturalmente — disse ele, com um sorriso calmo. — De qualquer forma, você já tem em mente o que gostaria de fazer na casa?
— Bem... — Vicky hesitou. — Mesmo sabendo que a casa precisava de uma reforma urgente, não me preocupei muito com isso desde que voltei para a Inglaterra porque estava ocupada demais com outros assuntos de minha vida. Mas na semana passada, examinei-a com mais atenção. — Ela suspirou. — Há muitas coisas a serem mudadas. Os quartos precisam ser refeitos. Quatro quartos pequenos não é nada funcional. Preciso de dois quartos grandes, talvez com uma pequena saleta, e poderia fazer alguma coisa a respeito de ter um quarto... — Vicky quase dissera "quarto de brinquedo", mas deteve-se a tempo. — Bem, um lugar para trabalhar com um computador... — Nossa, não tivera intenção de dizer tanta coisa! — Não tenho idéia de por que estou planejando tudo isso — falou então firmemente —, uma vez que há uma boa chance de não permanecer na empresa e, mesmo que permaneça, não tenho dinheiro suficiente.
— Dinheiro não é problema.
— Talvez não seja para você... — Ela abriu a porta. — Alguma coisa mais? — perguntou em tom profissional.
— Não, obrigado. Estarei fora do escritório esta tarde. — Max fez uma longa pausa. — Espero que não haja uma surpresa esperando por mim amanhã cedo, quando eu chegar.
Vicky voltou para sua sala, aliviada por estar longe dele, mesmo que as coisas não houvessem acabado conforme planejara.
O plano era estar agora dirigindo-se a uma agência de empregos. Mas lá estava ela, sentada em sua cadeira giratória, e ciente de que sentia um certo alívio por não estar desempregada. Era, na verdade, o mesmo sentimento que a encorajara algumas noites atrás a se oferecer para um homem do qual precisava fugir. Apesar de os olhos estarem acompanhando um documento no computador a sua frente, a mente brincava com jogos perigosos em algum outro lugar. Um lugar onde seu coração parecia estar vagando.
Absorta em pensamentos, teve um sobressalto quando Max entrou na sala uma hora depois, vestindo o paletó e verificando os bolsos em um gesto automático. Ela parou de digitar e sentiu um calor percorrer-lhe o corpo. Podia quase contar as pulsações de seu coração. Meu Deus, apaixonara-se por ele, e aquilo era como se alimentar de veneno.
Max precisou repetir três vezes que a veria na manhã seguinte antes que ela se concentrasse e concordasse, sem ousar abrir a boca por saber que sua voz a trairia. Todavia, os olhos quase o devoraram. Sentia-se como uma pecadora, caindo na tentação de querer cometer o pecado novamente, tocar o corpo másculo e beijar os lábios carnudos e sensuais.
Quando ele se foi, Vicky sentiu o corpo enfraquecer. Seria uma bênção poder sair do escritório pouco antes das cinco, correr para Chloe e tentar recuperar a sanidade perdida. Chloe seria um tônico com sua tagarelice incessante. Não haveria então espaço na cabeça dela para Max.
Infelizmente, conseguir afastar os pensamentos de Max foi impossível.
Depois de chegar em casa, trocar a roupa de trabalho, preparar uma comidinha para Chloe e colocá-la na cama, Vicky recebeu o arquiteto.
Percebeu na expressão dele que a casa realmente precisava de uma reforma séria e urgente.
— Você há de convir que, com a umidade que há nessas paredes — começou ele, mostrando o papel de orçamento que tinha em mãos —, algo deve ser feito rapidamente pois elas correm um sério risco de ruir. — Depois de uma xícara de café o arquiteto continuou a expor suas próprias idéias, as quais Vicky ouvia com o coração apertado.
— Não tenho dinheiro para tudo isso — confessou ela. — Quero dizer, além da umidade há serviços de pintura, papel de parede, alguma mobília nova...
— Não se preocupe com a umidade.
— Bem, o que você pode fazer sobre isso? — Vicky não jantara ainda e começava a sentir um pouco de dor de cabeça e irritação. — Você precisará remendar as partes úmidas de alguma maneira.
— Remendos nunca ficam bons — disse ele gentilmente. Para um experiente arquiteto de meia-idade, ele certamente tinha uma excelente técnica de vendedor, pensou ela.
— Bem, pensarei sobre tudo que você falou — concluiu ela.
— E eu mandarei meu relatório detalhado em breve e a aconselho a fazer tudo da maneira certa — completou ele andando em direção à porta de saída. — Tenha certeza de que o custo será uma fração do que você pagaria se fizesse o serviço fora da empresa. E em prazo recorde.
Vicky abriu a porta rapidamente antes que se sentisse subjugada pela conversa persuasiva do arquiteto.
— Na verdade — insistiu ele —, disseram-me que este projeto era especial e que precisava ser iniciado na próxima semana. Pense bem, em menos de um mês, você pode transformar isso na casa de seus sonhos.
Vicky riu.
— Vá embora antes que, finalmente, acabe me convencendo. Pensarei a respeito.
Quando ele se foi, ela soltou os cabelos, correndo os dedos pelo longo comprimento, e pensou se não deveria cortá-los em camadas, em um estilo moderno mais adequado para uma mãe. Então foi para a cozinha e preparou um sanduíche natural.
Andy Griggs fizera uma boa avaliação sobre o estado da casa e sobre o que precisaria ser feito. Fora profissional e honesto, portanto, não era culpa dele que algumas sugestões parecessem-lhe tão necessárias e urgentes.
Quando Andy lhe entregasse o projeto, guarda-lo-ia em uma gaveta, e só ocasionalmente o veria, para sonhar...
Certamente não havia jeito de conseguir dinheiro para transformar o projeto em realidade, ainda mais sem subsídio de custos, mas quem sabia o que iria acontecer no futuro.
Quem sabe não ganharia na loteria? Isto é, se por acaso resolvesse jogar.
Ela estava lavando o prato e o copo que usara, ouvindo rádio que tocava baixinho quando a campainha tocou.
Andy devia ter esquecido algo, pensou irritada, desejando ir direto para seu quarto, ler um livro de cabeceira e ter uma boa noite de sono. Ou talvez o homem vira interesse nos olhos dela às propostas renovadoras e, em um ato de puro sadismo, voltara para relatar algo mais.
Sorrindo com o pensamento, abriu a porta. Max Forbes estava de pé em sua frente, ainda de terno, embora houvesse tirado a gravata e desabotoado o colarinho. A brisa havia desalinhado-lhe os cabelos e, na escuridão da noite, a face parecia mais angulosa do que o usual.
O que ele estava fazendo ali?
Ela resistiu à tentação de se virar para a escada a fim de ter certeza de que Chloe não acordara com a campainha e estaria descendo.
Uma série de inúteis porquês atingiam-lhe a mente como batidas de martelo. Por que se candidatara a um emprego naquela empresa? Por que o aceitara depois de saber quem seria seu chefe? Por que se sentira persuadida a ficar, mesmo que seu bom senso repetidamente a houvesse alertado para a besteira que iria fazer? E, mais brutal de tudo, por que cedera a ele, entregando-lhe não apenas o corpo mas também o coração?
— Oh, olá! — exclamou Vicky. — O que está fazendo aqui? Os longos cabelos cacheados soltos realçavam sua feminilidade, assim como a blusa cavada e a calça jeans justa.
— Eu estava nas redondezas e decidi passar para saber as observações de Andy.
Ela continuou parada na porta, não fazendo a mínima menção para que ele entrasse.
— Você estava nessa área, outra vez?
— Warwick é um lugar pequeno. Um casal de amigos mora perto daqui e sempre me convida para um drinque. Acho que eles querem ver se me interesso pela filha deles... Mas ela é desinteressante e inexpressiva. Então, o que Andy disse?
— Bem, ele tem uma porção de boas idéias — contou Vicky, ainda bloqueando qualquer possibilidade de ele entrar. — Eu disse a ele que pensaria a respeito e então voltaria a contatá-lo.
— Mas você não será prejudicada pelo que aconteceu entre nós, e essa foi uma das razões por quê passei aqui. As últimas duas horas, há uma coisa martelando dentro da minha cabeça. Você se sente insegura na minha presença? Acha que, pelo fato de termos feito amor, posso lhe agarrar quando estivermos sozinhos?
— Claro que não — replicou Vicky.
— Verdade?
O que ele queria afinal, perguntou-se ela. Massagear seu ego masculino, forçando-a a admitir que a incomodava e que se sentia descontrolada na sua presença?
— Sim, é verdade. Agora se isso é tudo...
— Não, há mais coisas. — Ele lhe estendeu algumas folhas de papel dobradas que tinha em mãos. — Esse documento que você digitou destinado a Dobson está completamente errado.
— Mesmo? — Vicky pegou os papéis, embaraçada pelo erro, apesar do especial cuidado que tivera com a redação, devido à importância do cliente.
— Você tem um computador com impressora aqui? Terá que fazer todas as alterações agora, porque preciso voltar ao escritório para mandar os documentos por fax ainda hoje. Bill estará em reunião com a Dobson amanhã bem cedo.
— Você fez as alterações no disquete? Se sim, pode deixá-lo comigo que passarei amanhã antes da reunião de Bill.
— Sinto muito. — Ele meneou a cabeça. — Acrescentei alguns parágrafos extras, e teremos de trabalhar juntos. De forma que... preciso entrar.
Max olhou para Vicky, praticamente petrificada, e conseguiu sustentar o implacável sorriso que trazia na face. Sabia que não deveria estar ali, mas já que estava não iria recapitular.
— Há algum problema? — perguntou ele educadamente. — Não ficarei muito tempo, apenas o suficiente para arrumar essa papelada. E lhe digo que, se você não houvesse digitado informações erradas, eu não estaria aqui.
Max a viu empalidecer, e um sentimento de culpa o invadiu. Afinal de contas, sabia muito bem que as mudanças que queria fazer tinham sido simplesmente uma desculpa para ir até a casa dela. Não conseguia tirar da cabeça que Vicky tinha um amante às escondidas e achou que se aparecesse por acaso, podia pegá-la em flagrante.
— Bem — ela hesitou, mordendo o lábio inferior em um gesto nervoso —, eu estava prestes a ir para cama...
— Essa hora? Já ouvi falar em vidas sossegadas, mas não são nem nove horas ainda... — Ele sorriu, perguntando-se se ir para cama em uma hora daquelas não estaria diretamente ligado ao amante secreto. O misterioso homem agora parecia-lhe mais real do que nunca. Estaria ele no quarto, deitado na cama, esperando-a? Max tentou observar tudo em volta, procurando vestígios.
— Bem, se tem certeza de que isto não levará muito tempo
— disse ela, permitindo o acesso dele à sala.
Chloe estava segura no quarto, em sono profundo. Não havia quase chance de que acordasse de repente e descesse a escada. Normalmente dormia como um anjinho e acordava bem cedo. Não costumava levantar-se durante a noite, procurando uma cama mais quentinha.
Mesmo assim, levou-o para longe de qualquer ponto perigoso, direto para a relativa segurança da cozinha.
— Desculpe a bagunça — disse ela, abrindo espaço na mesa para que ele espalhasse a papelada. A cozinha era pequena, porém era o lugar mais iluminado da casa. Nada de luz opaca e difusa criando atmosfera romântica. — Eu acabei de comer.
— Oh! Verdade? O quê? — Ele sentou-se à vontade em uma das cadeiras e pôs os papéis na mesa, sem deixar de observá-la.
— Apenas um sanduíche natural... queijo branco, alface, tomate, peito de peru e picles.
— Você me deixou faminto — comentou ele casualmente. — Não comi nada até agora.
Vicky parou o que estava fazendo e sorriu para ele.
— Isso é uma indireta para obter algo para comer?
— Bem, eu teria tido tempo para jantar esta noite se não precisasse corrigir isso.
— Lamento não ter nada especial na geladeira. Mas posso lhe preparar um sanduíche de queijo.
— Um sanduíche natural igual ao que você comeu seria melhor.
Ele esticou as longas pernas, cruzando-as na altura dos tornozelos e entrelaçou as mãos atrás da cabeça.
— Sou como criança. Seu sanduíche me deu água na boca.
Vicky preparou cuidadosamente o sanduíche e lhe entregou em um pratinho. Então encostou-se no balcão com os braços cruzados.
— O que suas namoradas cozinham para você? — perguntou ela inocentemente. Namoradas, pensou ela, não amiguinhas de uma noite, e sim namoradas que fazem coisas amorosas como cozinhar deliciosas refeições.
— Certamente não sanduíches naturais — respondeu ele sucintamente.
— O que então?
— Se bem me recordo, algumas delas tentaram preparar refeições com três pratos requintados...
— Tentaram?
— Minha cozinha não está equipada para preparar três pratos complicados. Meu Deus, Vicky, isso está delicioso!
Quem ouvisse pensaria que ele estava comendo uma iguaria fora do comum.
— Se bem me lembro, você tem uma cozinha muito bem equipada.
— Oh, isso foi antes de instalarem a nova cozinha. Você tem algo para beber? Digamos, um suco?
— Certeza de que isso é tudo? Posso descongelar uma torta de ameixa para depois — informou Vicky com uma ponta de sarcasmo. Mas então retomou rapidamente: — Estou brincando.
— Torta de ameixa? Uma lembrança esquecida.
— Oh, pelo amor de Deus! Se suas namoradas podem fazer pratos elaborados, serão perfeitamente capazes de fazer um sanduíche natural e torta de ameixa. Por favor, pare de agir como se isso exigisse talento.
— Uma boa torta de ameixa requer uma grande dose de talento — Max replicou. — E minhas namoradas não fazem sanduíches naturais para mim, ou outras coisas, porque não as encorajo a isso.
— Você não as encoraja a cozinhar? — perguntou ela confusa. — Qual o sentido de ter aquela cozinha se não a usa? — Ela teve um átimo de compreensão. — Ah, já sei... É você quem cozinha! — Vicky o imaginou preparando uma comida, usando apenas um avental. Aquele era um irresistível pensamento feminista.
Se fosse mulher dele, insistiria que preparasse a refeição usando nada além de um avental branco. Então passaria as mãos por debaixo do avental e lhe acariciaria o corpo nu. Ela afugentou o pensamento erótico.
— Não seja absurda. — Max terminou de comer com gratificante prazer e levantando-se levou o prato até a pia e o lavou, sem esperar que ela o ajudasse. — Não gosto de mulheres cozinhando para mim, porque pode dar-lhes idéias...
— Que tipo de idéias?
— Idéias de permanência.
— Entendi. Idéias casamenteiras. Você é muito esperto.
Que homem em sã consciência quereria uma mulher com idéias de casamento, se podia desfrutar de uma relação sem compromisso?
Max voltou-se lentamente para encará-la e colocou o pano de prato sobre o ombro. Aquilo o deixou ainda mais masculino.
— Não acho que isso tenha muito a ver com o propósito de minha visita, você acha?
Vicky sentiu-se corar de vergonha.
Por falta de opção permitira que ele entrasse e, agora, lá estava ela, puxando conversa sem nexo só por curiosidade.
— Você tem razão.
Ela sentou-se à mesa e examinou os papéis. A primeira linha corrigida com marca-texto vermelho fez com que franzisse as sobrancelhas.
— Você tem certeza de que isso não foi digitado corretamente? Quero dizer, você apenas reescreveu o que foi dito no original.
— Acrescentei alguma coisinha — informou Max.
— Coisinhas relevantes?
— Você está me questionando?
— Não, claro que não, apenas imaginei... — Vicky silenciou enquanto inspecionava o restante do documento.
— Meu computador está na lavanderia. Dê-me alguns minutos e serei capaz de digitar tudo isso — disse ela, levantando-se.
— Por que você guarda seu computador na lavanderia? Ele a seguiu através da porta da cozinha e, rapidamente, entraram em um cômodo frio que continha uma máquina de lavar, uma secadora de roupas, roupa de cama empilhada, um tanque e botas de borracha encostadas em um canto. Vicky acendeu a luz, puxou uma cadeira para frente da mesa onde estava o computador.
— Sempre pretendo mudar o computador de lugar — admitiu Vicky, ligando-o e esperando que a tela se iluminasse. — Quando voltei da Austrália, foi a primeira coisa que comprei, pensando que poderia trabalhar em casa. Estava ausente quando o computador chegou, então meu vizinho instalou-o aqui e só de pensar em reinstalá-lo em um quarto é tão desanimador que acabei deixando-o aqui mesmo. — Ela olhou para tela, num movimento inconsciente passou a língua nos lábios e clicou para abrir o novo arquivo. Rapidamente começou a digitar. — Na verdade, gosto dele aqui.
— Você gosta de sua lavanderia?
— Não fique tão surpreso. Todo mundo tem um lugar especial. Você deve ter um, não tem?
— Sim, minha cama.
— Bem, esta lavanderia é meu lugar especial — informou Vicky, olhando para a tela. — Eu costumava fazer piquenique aqui quando era garota. O que fazia esse lugar ser excitante, era por não estar anexado à casa. Meus pais não se importavam que eu brincasse aqui, e sempre que mamãe passava roupa, eu estava por perto. — Vicky sorriu pela repentina lembrança. — Lembro-me dela pulando minhas bonecas e meus aparelhos de chá de plástico, espalhados pelo chão. Que feliz foi minha infância!
Vicky não percebera que ele se colocara atrás dela. Só percebeu quando Max se inclinou e então sentiu a cabeça dele ao lado da sua, na intenção de ler o documento enquanto, ela o digitava.
Ela podia sentir-lhe o calor e o hálito quente. Os seios estavam começando a doer. Será que ele poderia notar os mamilos intumescidos sob a fina camiseta de algodão?
Vicky concentrou-se na tela e tentou trabalhar mais rápido. Max colocou uma mão em cada braço da cadeira dela. Apesar de não evidenciar, ele a estava aprisionando. Se ela se movesse alguns centímetros, a pele encontraria a dele. O pensamento provocou um certo desfalecimento.
— Não, não. Esses números não parecem estar certos. — Max estendeu a mão até o teclado e digitou os números supostamente incorretos. Com isso o braço involuntariamente tocava o corpo palpitante de Vicky. Quando ele comentou o acerto e voltou a mão para o braço da cadeira, ela praticamente não ouviu, de tão perturbada que estava.
Quando terminou o trabalho, pediu a Max que ligasse a impressora. Ele se afastou, permitindo a ela endireitar o corpo.
— Muito bem feito — elogiou ele, enquanto examinava as páginas impressas.
Se Max lhe dissesse que havia uma ou duas coisas ainda para corrigir, ela atiraria o computador em sua cabeça. Não era justo que invadisse sua vida particular daquele jeito e ainda lhe atormentasse. Vicky precisava de um tempo para pensar sobre o acontecera entre eles, e aparecer sem ser convidado não tinha sido uma boa idéia.
— Está tudo em ordem? — perguntou ela, antes de desligar o computador e tirar o plugue da tomada. — Apenas por precaução — informou ela, vendo que estava sendo observada por olhos curiosos. — É uma casa velha.
— Ah, sim, isso me lembra Andy. O que ele disse? — perguntou Max, seguindo-a para fora da lavanderia de volta à cozinha.
— Há uma certa umidade nas paredes. — Ela lembrou do tom do arquiteto quando falara sobre a excessiva umidade e o perigo de ruir. — Andy vai me mandar um relatório com sugestões e orçamentos e precisarei pensar a respeito disso.
Aquele encontro transcorria bastante tranqüilo, uma vez que Vicky fora disciplinada na função profissional e principalmente porque Chloe permanecera adormecida. Mas era melhor não provocar o destino.
— Sinto que você não quer falar sobre o assunto — Max comentou colocando os documentos dobrados embaixo do braço.
— É tarde.
— Tem razão. — Ele olhou demoradamente para o relógio. — Daqui a quinze minutos serão dez da noite, afinal.
— Exatamente. É tarde.
— Não posso acreditar que esteja falando sério.
— Nunca fui uma ave noturna — Vicky murmurou como se pensasse em voz alta.
— Você diria que é tarde demais para tomarmos uma xícara de café? — perguntou ele. — Veja bem, não insinuei nenhum drinque. — Os olhos dele alcançaram os de Vicky maliciosamente, parecendo dizer: Nós dois sabemos onde o álcool pode nos levar.
— Um cafezinho rápido então.
Ela controlou a irritação. O envolvimento com ele não era apropriado. Precisava lutar contra aquilo, sem demonstrar. Ocorreu-lhe que covardemente podia aproveitar-se da situação e forçá-lo a despedi-la.
— É claro. Não ousaria mantê-la afastada de sua rotina noturna — murmurou ele educadamente.
— Eu não disse que minha rotina noturna envolvia ir para cama às nove horas. Também saio à noite. — Ela abriu a torneira para encher a chaleira com tanta fúria que espalhou água por todo lado.
— Ah, você sai? Aonde costuma ir? Há muitos pontos noturnos aqui por perto? Eu costumo ir a Londres para a vida noturna, acredita?
— Depende de que tipo de vida noturna você procura. Ela esperou parecer tranqüila quanto a sua vida noturna, em vez de misteriosa. Na verdade, sua vida noturna já não existia havia anos.
Mesmo quando morava na Austrália, com medo de represália de Shaun, alterara seus hábitos sociais, de forma que, quase sempre, ficava sozinha com Chloe.
Diversão, fora lhe dito, não era para constar na sua agenda. Shaun não a quisera, mas o mero pensamento de que alguém pudesse querê-la, deixava-o enlouquecido. Ele gostava de controlar-lhe a vida, usando-a quando lhe convinha, observando-a com sadismo quando ela parecia ciente que uma palavra errada seria o suficiente para ameaçar a própria vida.
Olhando para o passado, espantava-a ter permitido-se viver tanto tempo pressionada pelo medo, acreditando que não havia saída. Se lhe obedecesse, Shaun jamais lhe tiraria Chloe. Só agora, ela raciocinava que, pelo próprio temperamento agressivo, a lei o impediria. Mas na ocasião o medo superava tudo.
— Você é jovem. Ainda freqüenta casas noturnas? — Max esticou a mão para pegar a caneca de café, e os dedos deles se tocaram.
— Oh! Deus me livre. Não freqüento casas noturnas desde... há séculos. — Ela quase sorriu ao pensar em ir a casas noturnas com uma filhinha a tiracolo.
— Por que não?
— Porque não gosto desse tipo de ambiente — disse ela vagamente, o que era verdade.
— Então você...
— Vou ao cinema, teatro... Beba o café ou ele vai esfriar. — Para dar exemplo, ela engoliu grandes goles da. bebida e colocou a caneca vazia sobre o balcão. Ficou desapontada em ver que ele não a imitara, continuando a bebericar o seu como se tivesse todo o tempo do mundo.
— Você está me encantando, aí de pé, batendo com o pé no chão e mexendo com os dedos nervosamente.
Vicky que não tinha percebido que estava fazendo aquilo e parou prontamente.
Max terminou o café, levantou-se e dirigiu-se para fora da cozinha com uma rapidez que ela precisou correr para alcançá-lo.
— Obrigado pela ajuda, Vicky, embora tenha sido de má vontade.
— Sinto muito, mas não tive intenção de demonstrar má vontade. É que sou chata quando algo altera minha rotina. Isso é capaz de mudar meu estado de espírito.
— Lembrarei disso para o futuro — ele retrucou secamente.
Max abriu a porta da frente e, de imediato, uma ventania forte invadiu o hall, passando por eles e batendo violentamente a porta da cozinha, a qual ficara aberta.
A pancada alta reverberou pela casa como um trovão, seguida por um grito no andar superior.
O sangue de Vicky congelou. Por um segundo, ela não conseguiu se mover. Pensou imediatamente nas horríveis explicações que teria de dar a respeito daquela voz infantil gritando no quarto lá em cima.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou ele, estreitando os olhos na direção da escada vazia. Então deu um passo para dentro do hall, apesar da tentativa de Vicky de tentar impedi-lo.
— Mamãe! Onde está você? — gritou Chloe.
Vicky subiu a escada de dois em dois degraus, com o coração disparado. Estava sem fôlego quando entrou no quarto da filha. Então fechou a porta para garantir que Max a esperasse lá embaixo para explicações. Sim, curioso como se mostrara estar a respeito dela no início, podia perfeitamente querer subir para descobrir o que estava acontecendo.
— Quietinha! — sussurrou ela. — Calma, meu amor, estou aqui. Foi apenas o vento que bateu a porta da cozinha.
— Pensei que fosse trovão, mamãe.
— Volte a dormir, querida. Amanhã você tem aula, a professora não gosta de dorminhocas na classe!
Se parecesse mais bondosa, pensou, acabaria alarmando a filha, em vez de convencê-la.
— Posso descer para tomar alguma coisa? — perguntou Chloe.
— Não, meu amor.
— Por que não?
— Porque não há nada na geladeira. Vou ao supermercado amanhã.
— Posso ir procurar?
— Está muito escuro, Cio.
— Por favor, mamãe...
Vicky percebeu que em vez de conseguir que a filha voltasse a dormir, ao contrário, despertara-a completamente. Em um minuto Chloe estaria fora da cama.
— Façamos o seguinte. Se você ficar quietinha aqui, desço e lhe preparo um milk shake, que tal?
— Em quanto tempo?
— Em um minuto.
A sugestão pareceu fazer efeito, porque Chloe voltou a se deitar e, em dez minutos, dormia suavemente como um passarinho.
Vicky saiu do quarto na ponta dos pés, fechou a porta e desceu a escada, esperançosa de que Max pudesse ter deixado a casa, respeitando a privacidade dela.
Errado. Ele estava parado no hall escuro, uma expressão sorridente no rosto.
— Importa-se de me dizer o que está acontecendo?
— Eu preferiria não dizer — declarou Vicky, esforçando-se para não parecer culpada e completamente apavorada. — Ou melhor, não por enquanto, por favor.
— Agora eu sei. Você vai para cama cedo porque isto é o que uma criança exige de uma mulher, não é? Ter que ninar é um dos hábitos noturnos, certo? Quantos anos ele tem? Cinco, seis?
— É ela, não ele — disse Vicky secamente. — E eu lhe explicarei tudo amanhã, se for embora agora.
— Não — respondeu ele friamente. — Você mentiu sobre ela na sua entrevista e, como sou seu empregador, tenho o direito de saber quais outras mentiras contou.
— Não contei nem uma outra mentira.
— Depende. Eu farei meu julgamento.
Max deu alguns passos à frente, e ela o olhou desafiadora.
— Está bem. Contarei o que quer saber. Vamos para a sala de estar e, quando eu terminar, quero que você vá embora. Fui clara?
Sem responder, ele a seguiu para a sala de estar.
Max acomodou-se em uma poltrona, e Vicky se sentou no braço da outra, fitando-o, dedos entrelaçados sobre os joelhos, a mente estourando pela frenética necessidade de se livrar dele o mais depressa possível. Todos os medos iniciais ressurgiram, ameaçando devorá-la. Ele poderia levar Chloe embora se descobrisse a identidade da criança.
Era um homem influente e poderoso. Vicky procurou pensar racionalmente. Max não tinha idéia que Chloe era sua sobrinha, e não havia razão para que soubesse.
Por um lapso de momento, ela sentiu um lampejo de culpa por estar privando a filha da convivência com um parente, mas o instinto de sobrevivência foi soberano.
— Eu tenho uma filha, ela tem cinco anos. Sei que deveria ter-lhe contado, mas eu estava apavorada.
— Apavorada com o quê?
— Você não tem idéia do que é ser...
— Não? Então por que não me esclarece?
A expressão dele fez com que Vicky se sentisse uma pobre donzela em um melodrama mexicano.
— É muito difícil ser uma mãe sozinha — explicou ela. — Você não imagina como é difícil cuidar de uma criança.
— Onde está o pai?
— Ele está morto. Morreu em um acidente de carro.
— Ele era australiano?
— Ele viveu lá. Eu menti sobre minha filha porque sei que isso poderia dificultar para que eu conseguisse um emprego. Muitos empregadores nem terminam a entrevista quando sabem que há uma criança envolvida. Eles pressupõem compromissos quebrados, atraso nos horários, faltas ao serviço. — Ela suspirou. — Você está certo. Eu nunca deveria ter aceitado trabalhar, tendo uma filha tão pequena para criar.
— Não posso acreditar que recorreu a todo esse subterfúgio para esconder o fato de ter uma criança. Não faz sentido. Posso entender alguma coisa agora... a necessidade de sair da firma na hora exata, a atitude evasiva quando precisava fazer hora extra. Agora as coisas estão mais claras. Mas por que mentiu? A maioria das mulheres que trabalha para mim são casadas e tem filhos. Não se trata de uma empresa antiquada e chauvinista. Não se trata de um lugar onde boatos sobre uma mãe solteira poderiam comprometer sua reputação, e você sabe disso. — Ele deu uma gargalhada estridente. — Por que não me conta a história inteira? O que mais há por detrás disso tudo?
— Não há nada mais — replicou Vicky, levantando-se. — E se acha que não devo continuar trabalhando com você, eu entenderei...
— Há apenas uma coisa que não consigo entender — disse Max pensativo.
— O quê??
— A todo instante, você menciona que pode deixar a empresa. Eu me pergunto por que você faria isso?
Vicky queria desesperadamente que ele fosse embora. Toda aquela cisma e especulação estavam esgotando-lhe os nervos.
— Você é uma dessas mulheres que precisa de constante auto-afirmação?
— Oh! Por favor!
— Então por que está sempre ameaçando ir embora? Não havia necessidade de se sentir insegura. Você me contou seu pequeno e obscuro segredo, e não acho que seu estado civil afetará seu emprego. De forma que espero vê-la no escritório manhã. — Ele se levantou e caminhou até a porta de saída Então, acrescentou sério: — E não se preocupe que não farei nenhuma exigência que não seja razoável. Não sou um bicho-papão. Realmente acho que funcionárias com filhos não são tão disponíveis quanto as solteiras, mas... gostaria de ter sabido a verdade desde o início. O que espero é não descobrir outras mentiras. Compreendeu? Você está em um cargo de confiança. Uma mulher mentirosa é a última pessoa que quero trabalhando ao meu lado.
— Eu não sou mentirosa! Cometi um erro, disse uma única mentira e pedi desculpas. Não tenho o hábito de sair por aí mentindo. Mas se você pensa desse jeito, então ficarei feliz em me demitir!
Max pareceu repensar no assunto.
— Vou dar-lhe uma chance, Vicky, porque você é excelente no que faz. — Ele abandonou a atitude autoritária e amenizou o tom de voz. — Posso entender o porquê da vontade de renovar esta casa. Espero que no seu projeto tenha pensado em um quarto de brinquedos.
Quando ele abriu a porta completamente, Vicky viu Chloe sentada ao pé da escadaria, suavemente atingida por um foco de luz, com os cabelos negros embaraçados pelo sono e segurando um velho ursinho de pelúcia, seu companheiro desde o nascimento.
Max quis dizer algo, mas as palavras morreram nos lábios.
— Você prometeu me levar um milk-shake, mamãe — disse Chloe.
Percebendo o sentido de inevitabilidade que envolvia a situação, Vicky aceitou que o destino estava brincando com ela desde que aceitara o emprego. Olhou para a filha e soube que não havia mais nada que pudesse fazer.
Na escuridão do ambiente, Chloe finalmente notou a presença do homem parado na porta e arregalou os olhinhos.
— Shaun? — sussurrou indecisa. Então correu para Vicky, os olhos fixos em Max, e agarrou a mão da mãe.
Vicky a abraçou de imediato e percebeu que a filha tremia.
— Mamãe, o que Shaun está fazendo aqui?
— Não é Shaun — sussurrou Vicky, ciente de que os olhos de Max exigiam respostas. — Que tal aquele milk-shake?
— Ela me chamou de Shaun — comentou Max apenas. Vicky o encarou com severidade, solicitando, sem dúvida, que ficasse quieto. Em seguida, dirigiu-se à cozinha, com Chloe nos braços, ciente de que sua filha estava agora extremamente apreensiva, pela imagem desagradável com a qual se deparara.
Desconcertado, Max as seguiu. Vicky teve uma visão de ambos se espreitando e o peso da explicação a dar fez com que se sentisse esgotada e doente. Acendeu a luz da cozinha e, sem olhar para Max, acomodou Chloe no balcão e começou a preparar um milk-shake, com a naturalidade de quem não tivesse tido a vida virada de ponta-cabeça naquele instante. Parecia a calmaria depois da tempestade. Ela sentiu vontade de soltar uma histérica gargalhada de nervoso, mas conteve-se, pois calma era do que precisava. Calma e fria determinação.
— Tudo bem, doçura — sussurrou serenamente para a filha. — Agora você toma seu milk-shake na cama, e mamãe lhe explicará tudo amanhã.
— Shaun voltou do céu para nos visitar?
— Não, querida. Claro que não. Este homem apenas se parece com ele, nada mais. — Ela passou por Max e começou a subir a escada com a filha nos braços. — Não há necessidade de nos seguir — declarou com frieza. — Descerei logo.
— Estarei esperando.
Não se atreva a me ameaçar, ela teve vontade de falar, mas o medo a fez calar-se.
— Mas quem é ele? — perguntou Chloe, já na cama. — Por que ele se parece com Shaun?
Vicky imaginou os sentimentos de surpresa, confusão e espanto que estavam na cabeça da menina. Shaun não fizera esforço para cultivar um relacionamento entre eles, conseqüentemente, Chloe o via como um estranho, que lhe trazia ocasionalmente um presente, dependendo do estado de espírito e de ter ou não dinheiro na ocasião. Desde o início ele insistira que ela o chamasse de Shaun, o que foi excelente, porque papai implicava em uma intimidade afetiva que faltava na relação deles. Mais tarde, Chloe passou a tratá-lo com indiferença porque percebeu o efeito ruim que o homem causava na mãe, apesar do enorme esforço de Vicky para proteger a filha do lado asqueroso do pai.
— Eles são parentes — disse Vicky, acariciando os cabe-linhos negros da menina, até que, em pouco tempo, os pequenos olhos começaram a se fechar. — Conversarei com você a respeito disso amanhã.
Max Forbes andava ansioso pelo hall, esperando que Vicky reaparecesse para bombardeá-la de perguntas.
No alto da escada, ela fez uma pausa, respirou profundamente e então desceu. Max a estava esperando na sala, junto à janela, mãos nos bolsos. Vicky sentou-se na poltrona mais próxima a ele e sentiu que seu corpo transpirava.
— Suponho que queira uma explicação...
Quando não obteve resposta, ela continuou com raiva.
— Bem, ficar aí em silêncio não vai melhorar as coisas para nenhum de nós dois.
Em vez de responder com uma explosão verbal, Max caminhou até a porta da sala e a trancou. Então a encarou.
— A porta está fechada — disse ele suavemente. — E você pode se considerar presa aqui até que me conte o que está acontecendo. E não pense em omitir detalhes. Quero que comece do início e conte toda a verdade. E então... — Ele sentou-se no sofá e cruzou as pernas. — ...decidirei o que fazer com você.
— O que fazer comigo? Você não pode fazer nada comigo. — Vicky parecia um pouco mais corajosa do que realmente se sentia.
— É claro que posso. — Max lhe lançou um olhar calmo que não disfarçava sua fria e dura determinação.
Um arrepio de medo percorreu a espinha dela, tirando-lhe a fala.
— Comece pelo princípio, esclarecendo-me onde meu irmão entra nessa história. Shaun? Foi esse o nome que sua filha citou com semblante abalado, não foi?
O verniz de bondade estava desaparecendo da voz dele. Certo, aquilo aconteceria mais cedo ou mais tarde.
— Não que eu não houvesse adivinhado a identidade dela — acrescentou ele. — A menina podia ser o clone do meu irmão. Mesmos cabelos, mesma complexão, mesmos olhos... Há pequenos segredos que são difíceis de esconder. — Ele sorriu para a expressão apreensiva dela.
Ali estava um homem, pensou ela, com todo o tempo do mundo para pregá-la na parede e crucificá-la.
— Do que está falando? — murmurou Vicky.
— Por favor. Conte-me tudo.
— Não tenho nada a esconder.
— Pare com isso. Agora! — Max bateu o punho cerrado no braço da poltrona com tanta força que ela se assustou. — O que aconteceu? Você conheceu meu irmão na Austrália e decidiu que ele era um bom parceiro? Isto é, bom parceiro até que você descobrisse que os gastos dele normalmente excediam, e muito, o salário que ele recebia da empresa. Ou foi antes de descobrir o caráter dele que você decidiu que valeria a pena ter uma criança que lhe garantisse um compromisso formal? No fim, você se sentiu traída, porque Shaun não se casou com você, certo?
— Tudo o que você concluiu está errado.
Sem dar tempo a ela, Max continuou á.tirar uma série de conclusões precipitadas, acusando-a sem benevolência. Ele elaborara suas próprias teorias, e parecia não querer ouvir nada que as contrariasse.
— Não foi nada disso que aconteceu.
— Eu imagino. Mas as coisas devem realmente ter ficado amargas quando Shaun morreu. Nem casamento, nem dinheiro... O que havia lá para uma pobre garota fazer a não ser voltar para a Inglaterra e checar que outras fontes de dinheiro estariam disponíveis?
— Isso já está indo longe demais! — gritou Vicky.
— Eu não acho. Na verdade, penso que nós ainda nem começamos.
Havia uma amarga resolução estampada no rosto dele. Jamais alguém poderia imaginar que, no íntimo daquele homem, havia algo de humor, aquele sentimento que a fizera sorrir e encantar-se por ele. Agora o oposto estava acontecendo. Cada palavra dele parecia congelar os sentimentos de Vicky.
— Você fez um belo jogo, tenho que admitir. Está de parabéns, você se saiu uma ótima caçadora de dinheiro.
— Não sou uma caçadora de dinheiro! — gritou ela com raiva e frustração.
— Não? Então está me dizendo que é mera coincidência estar trabalhando para o irmão de seu ex-amante?
— Eu apenas...
— Apenas o quê? Espera que eu acredite que passou por acaso na frente de uma empresa com o nome Forbes e se candidatou a um emprego?
— Você não entende. Eu vi o nome sim, e fiquei curiosa...
— E bastou um pouco de curiosidade para aguçar o seu cérebro, não é mesmo? Quando me viu, você deve ter pensado que atingira o alvo! Então tudo o que tinha a fazer era me envolver, vagarosamente porém com firmeza, e não perdeu tempo. Sem pressa, fez finalmente aparecer uma criança, como um mágico que tira um coelho de dentro da cartola.
— Chloe. O nome da criança é Chloe. — As palavras dele ativaram uma lembrança que a atingiu como um ácido. Shaun chamara a própria filha de uma criança. Aquilo a enraivecera na ocasião e, agora, ouvindo as mesmas palavras desumanas da boca do irmão dele, ela igualmente se sentia furiosa. — E para a sua informação — disse ela veementemente —, a idéia de obter dinheiro de seu irmão ou de qualquer outro membro de sua família, nunca passou por minha cabeça! — Ela se levantou e aproximou-se dele como um anjo ruivo, vingativo e raivoso.
— E espera que eu acredite nisso? — Os lábios dele se torceram com escárnio e desprezo.
Sem pensar, Vicky levantou a mão e lhe deu um tapa na cara. O ato de violência surpreendeu-a tanto quanto a ele, mas antes que pudesse recuar, Max a segurou pelo pulso com tanta força que quase a fez cair por cima dele.
— Você sabia exatamente o que estava fazendo. Por que não admite isso? Por que outro motivo aceitou o emprego, que não para se insinuar a mim, até que o momento oportuno aparecesse para que você revelasse seu segredo?
Os olhos acinzentados cintilavam com fúria, e Vicky deu um passo atrás com um grito de horror.
Como se lesse a mente dela, Max soltou-lhe o pulso com um movimento grosseiro, antes de dizer em tom perigosamente suave:
— Bem, minha querida, sou bem diferente de meu irmão. Quando decidiu brincar comigo, você decidiu brincar com fogo... E fogo queima. Sabe o que posso fazer? Posso levá-la a um tribunal e exigir custódia da minha... da criança do meu irmão. Provavelmente, conseguiria tomá-la de você. Afinal de contas, ela seria herdeira de uma enorme fortuna.
Ela sentiu o rosto empalidecer.
— Você não poderia... Não ousaria.
Max a fitou por alguns segundos, observando-lhe o olhar aterrorizado.
Será que ele fora sincero naquela ameaça? Certamente não. Sabia que a lei não daria a custódia de sua filha para aquele homem, embora o poder econômico dele semeasse dúvidas em sua mente.
— Por que não? — Ele deu de ombros, então esfregou a face na qual ela batera.
— O que quer dizer com, por que não? — perguntou Vicky com um sussurro apavorado. — Chloe é a razão da minha vida inteira! Se você tentar tomá-la... — A voz fraquejou, e ela irrompeu em lágrimas, soluçando descontrolada.
— Oh! Pelo amor de Deus — murmurou Max, levantando-se. — Não pretendo afastar sua filha de você. Foi apenas uma ameaça.
Ele colocou um lenço na mão dela, e Vicky o pegou, secando os olhos em seguida.
— Como pensa que eu me sinto? Em um momento tenho uma boa secretária, no momento seguinte, descubro que a boa secretária é mãe da minha sobrinha! E você fica aí, soluçando e implorando que eu acredite que não há nada escondido por detrás disso tudo?
Ela ergueu os olhos vermelhos e disse:
— Sim.
— Sim? Isso é tudo que tem a dizer? Espera que eu conclua que tudo foi uma mera coincidência? — Ele parou na frente dela. A expressão inquisitiva a fez desviar o olhar rapidamente.
— Sim — Vicky repetiu com fraqueza.
Max levantou-se abruptamente, tirou o lenço das mãos dela e o enfiou no bolso.
— Sente-se e tente se explicar — demandou ele.
— Só se você estiver preparado para me ouvir.
— Tentarei.
Bem, aquilo era melhor do que nada, mesmo que a expressão hostil dele ainda continuasse em seu rosto.
— Conheci seu irmão na Austrália quanto eu tinha dezenove anos. Quando minha mãe morreu, permanecer na Inglaterra passou a ser uma dor muito grande. As recordações eram muitas e optei por deixar o país. Então, aluguei a casa e fui para a Austrália morar com uma tia, uma semana depois do funeral de minha mãe. Pensei em ficar por lá uns três meses, mas acabei morando por quase seis anos.
— E por quê?
— Havia muitas razões. O clima era maravilhoso, e minha tia Ruth adorava tanto a minha companhia que conseguiu persuadir-me a prorrogar o visto em meu passaporte. Depois disso, parecia que o destino queria que eu ficasse. Consegui um bom emprego como assistente pessoal do diretor de uma empresa de relações públicas. Era uma responsabilidade enorme, e adorei isso, embora soubesse que James me contratara principalmente pelo meu sotaque britânico. Ele sentia falta da Inglaterra. Costumava dizer que minha presença o fazia sentir como se houvesse seu próprio jardim de rosas particular no escritório. — Vicky esboçou um sorriso de afetuosa memória, e Max a olhou com cara feia.
Os dedos dele doíam pela pressão contra o braço da poltrona no esforço de controlar sua raiva e ciúme. Saber que o irmão dormira com ela, tivera uma filha dela, enchia-o de ódio. Mas enquanto sua vontade era derrubar a casa, lá estava ela, sorrindo à menção do ex-chefe. Outro amante? Max esforçou-se para manter o bom senso, embora seu queixo doesse de tensão.
— Que beleza! E ele era outro de seus amantes, além do meu irmão?
— Que coisa absurda você está dizendo!
— Era? Eu a tomei como uma jóia preciosa e agora estou aqui, confrontando-me com uma mulher que teve uma filha com meu irmão, dormiu comigo e só Deus sabe com quantos mais.
— Eu sei que você sente...
— Sente o quê?
— Raiva de mim, decepção...
Max tentou modular o nível de voz quando falou novamente, afinal não era bom alvoroçar os vizinhos com tanta gritaria.
— Raiva? Decepção? Sim, servem como começo.
Vicky olhou para ele, temerosa pela reação grosseira, mas sabia que fizera muito mais que desapontá-lo. Tinha consciência de que destruíra completamente a confiança dele, e sentia-se péssima.
— Conheci seu irmão quando comecei a trabalhar para James. Admito que por um tempo fiquei... encantada por ele. Eu acabara de passar por um mau momento em minha vida, estava ainda tentando me recuperar da morte de minha mãe, e Shaun foi como um bálsamo. Estava sempre de bom humor e feliz, e fiquei completamente embriagada pelo lema dele de viver um dia de cada vez.
Ela arriscou olhar de soslaio para Max. Ele permanecia sentado muito quieto. Somente o músculo do queixo mostrava que acompanhava o que ela estava lhe contando.
Começamos a namorar e foi divertido, por um tempo. Eu nunca experimentara a vida em uma pista veloz, e Shaun era justamente alguém que vivia em alta velocidade. Carros esportes, festas noturnas até altas horas, amigos exóticos... Foi tudo muito excitante por um tempo.
As palavras ressoavam na cabeça dele. Opor algum tempo aguçava-lhe o espírito temporariamente, porque significava que o pior estava para vir, mas ele sentia que não podia concentrar-se em nada do que ela estava dizendo. A mente estava muito ocupada imaginando-a na cama com Shaun. Torturava-se pensando que nada do que Vicky pudesse dizer ou fazer, por mais horrível que fosse, poderia cessar seus crescentes sentimentos por ela.
— E como foi?
— O que você achava de seu irmão? — perguntou ela timidamente. Algumas vezes se perguntara se não julgara mal Shaun, ou se houvera algo nela que o fizera transformar-se em um monstro. Talvez não fora ele afinal. Talvez a culpa fosse dela.
— Selvagem, devastador e perdulário. Estou surpreso que o tenha achado tão encantador. Você gostou de viver sob o fio da navalha?
— Suponho que gostei por algum tempo.
— Você continua insistindo nessa idéia, por algum tempo isso, por algum tempo aquilo. O que significa? — Max levantou-se e começou a andar pela sala.
— Significa que depois de alguns meses... eu comecei a descobrir o verdadeiro Shaun.
Max parou de caminhar e a encarou.
— Seja mais clara e objetiva.
— Você se comunicava com Shaun?
— Oh, sim. Trocávamos cartões de Natal. — Ele torceu a boca com amargura. — Minhas tentativas de me comunicar com meu irmão terminaram quando tínhamos dezesseis anos. De lá para cá posso dizer que vivemos como estranhos.
— Então talvez você não saiba que Shaun...
— Envolvia-se com drogas? — perguntou ele intuitivamente, observando os traços da expressiva face dela. — É claro que sabia. Esse foi um dos motivos pelo qual ele foi mandado para a Inglaterra. Era uma oportunidade de se refazer e recomeçar vida nova. Antes de partir, tentei alertá-lo a ter juízo, tentei fazê-lo ver que estava prejudicando a si mesmo usando drogas, mas Shaun não me deu ouvidos. Através de amigos comuns que tínhamos, soube o que ele andava fazendo ria Austrália. Presumo que sua caminhada pelo caminho certo não durou muito tempo.
— Não — ela confirmou.
Aquele assunto era pessoal demais para que ela o expusesse abertamente, como se nada houvesse realmente acontecido, ou como se não houvesse sido muito prejudicada com tudo aquilo.
— Então, o que aconteceu?
Pela primeira vez desde que começara a explicação, Vicky o olhou com expressão fechada e teimosa.
— Prefiro evitar esse assunto — murmurou ela.
— Por quê?
— Porque é irrelevante.
— Acontece que eu o acho de extrema importância.
— Por que lhe é tão importante saber o que aconteceu entre seu irmão e mim?
— Você foi a última pessoa a conviver com meu irmão e, o que quer que tenha acontecido entre nós no passado, ainda gostaria de saber o que passava na mente dele quando morreu.
— Bem, não posso lhe fazer esse favor — disse ela, corando. — O que importa agora é como lidar com essa situação.
A voz de Max era fria quando falou:
— Você está fora do emprego, só assim poderemos lidar com esta situação. Você percebe por quê? — Ele não lhe deu tempo para responder sua retórica pergunta. — Eu não acredito que será conveniente dar assistência a minha sobrinha a distância. Quero desempenhar meu papel de tio estando próximo dela. — A expressão no rosto dele mostrava seu descontentamento.
— Eu nunca disse...
— Não há necessidade de dizer nada. Quaisquer, que sejam seus motivos, se você pretendia ou não que eu descobrisse sobre ela, suspeito que uma polpuda oferta de dinheiro poderá compensar a perda do emprego.
Max ficou de pé e andou vagarosamente pela sala, enquanto ela o observava em atemorizante fascinação. Ele lhe tirara o emprego, o qual era absolutamente bom, mas ela não podia permitir que o homem consumisse sua dignidade, aterrorizando-a com suposições.
— Posso viver feliz sem o seu dinheiro — replicou Vicky agressivamente. — Saiba que seu irmão nunca deu absolutamente nada para a filha dele. Tenho sustentado a mim e a minha filha durante todos esses anos e posso perfeitamente continuar a fazê-lo. — Vicky podia sentir as lágrimas nos olhos e piscou para dissipá-las.
— Inesperadamente, eu tenho uma sobrinha, alguém que merece carregar o nome da família. E não pretendo fugir da responsabilidade de educá-la, e por favor... — Ele levantou uma mão para impedir o protesto que ela ameaçava fazer. — Poupe-me de seu orgulho ferido. Para tudo há uma solução e esta é a minha. Minha sobrinha deve herdar o nome da família e, por uma questão legal, você também. Entenda... Eu estou propondo casar-me com você.
Depois do silêncio causado pelo choque, Vicky irrompeu em uma risada nervosa.
Riu tanto que chegou a sufocar. Os olhos marejaram de lágrimas e, na falta de um lenço, ela os enxugou com a camiseta.
— Não sei onde está a graça — disse ele.
— É claro que não me casarei com você. — Realmente não havia nada de engraçado na proposta. A reação dela fora na verdade uma reação nervosa. Imagine casar-se com ele! Justo ela, a pessoa que melhor sabia no mundo o tamanho do desgosto de um relacionamento sem amor? — Nós não nos amamos, portanto, qual seria o sentido dessa união?
— O sentido seria legitimar minha sobrinha e criar um ambiente estável para a felicidade dela.
— Nós seríamos infelizes, e a infelicidade não cria estabilidade.
— Como você sabe disso? Se bem me recordo, nós nos demos muito bem...
— Isso foi antes de tudo... acontecer. — Vicky não queria ser lembrada dos bons momentos que vivera nos braços dele. Apesar de sua cautela e da ciência de quanto aquele homem lhe era inadequado, ela se via atraída pela personalidade forte e seduzida pela inteligência dele. — Além do que, você é um solteiro convicto. Não entende quantas desvantagens essa decisão traria para você? Seu próprio irmão não aceitou o simples pensamento de ter a vida dele invadida pela chegada de sua própria filha. — Ela não queria reviver a batalha que fora seu passado com Shaun, mas de algum modo não podia evitar. — Oh, Shaun via a filha, quando lhe convinha, mas nunca permitiu que ela o chamasse de papai.
— Eu não sou meu irmão — anunciou Max com ênfase —, apesar de sermos tão parecidos fisicamente.
— Eu não me casarei com você. Se quiser ver Chloe uma vez ou outra, sinta-se à vontade, mas isso é tudo. — Ela teve outra centelha de inspiração para provar como a idéia dele era inviável. — Você já pensou que poderia até mesmo não combinar com ela? Com quantas crianças tem convivido recentemente?
— Esse argumento não se justifica — Max aparteou.
— Como? Crianças podem ser pegajosas e chatas, costumam choramingar, o que enerva homens despreparados. E tem mais... Elas adoram roupas caras e adereços, constantemente precisam de sucos, e a hora das refeições parece acontecer em um verdadeiro campo de batalha.
— Estou certo de que...
— De que poderia contornar tudo isso? Pois saiba que sua atitude é muito presunçosa.
— Está sugerindo que primeiro eu tente me aproximar para conhecer Chloe?
— Isso poderia ajudar.
— De que ela gosta?
— Do que a maioria das garotas gosta? Porcarias comestíveis, Mickey Mouse, diversão fora de casa... — Vicky quase sorriu só de pensar em Max Forbes, impecavelmente vestido e chefe de milhares de funcionários, divertindo-se ao lado de Mickey, consumindo sacos de pipoca e assistindo filmes infantis. Saberia ao menos quem era Mickey Mouse?
— Então vamos levá-la para a Disneylândia. Reservarei o hotel e os vôos e lhe direi onde e quando. — Max caminhou em direção à porta enquanto ela permanecia boquiaberta pela reviravolta dos acontecimentos. — Não se mostre tão chocada. Foi você quem pôs a idéia na minha cabeça. E não se levante. Conheço o caminho da saída.
Max Forbes era determinado, isso Vicky precisava reconhecer. Ele lhe dera quatro dias para arrumar a vida, antes dos dez dias de férias que passariam na Disneylândia. Férias garantidas para conquistar o coração da maioria das. crianças.
Mesmo antes de embarcarem no Aeroporto de Gatwick, ela já sentia a alegria na expressão da filha.
Chloe aceitara o fato de que daquele homem que tinha impressionante semelhança com o pai dela e que estava proporcionando-lhe aquela viagem cara e inesperada, era seu tio. Mas mesmo assim, durante o vôo, Chloe diversas vezes se enganara chamando Max de Shaun. Vicky, sentada no assento do corredor ao lado dela, estremecera quando ela friamente, corrigira o erro.
Sobre a cabeça de Chloe, Max captou o olhar apreensivo de Vicky e disse inocentemente:
— Não se preocupe com isso. Ela é apenas uma criança. E também, convenhamos, Shaun e eu éramos gêmeos.
— Sim, mas... — persistiu Vicky.
— Ele é mais bonzinho do que Shaun — disse Chloe, sorrindo. — Você não acha, mamãe? Shaun às vezes era assustador.
— Acho que você borrou o seu desenho — disse Vicky, tentando distrair a filha.
— Não está borrado, mamãe — explicou Chloe, observando o desenho.
— Mas pode manchar se você não prestar atenção.
Depois de um excelente vôo, seguido por uma deliciosa refeição no hotel, o dia transcorreu sem problemas.
Sim, Max Forbes era definitivamente um homem determinado. Quisera causar impacto sob a sobrinha e conseguira em questão de poucas horas.
Ganhara Chloe com uma inesperada habilidade, entusiasmando-a com os brinquedos da Disney, expressando um profundo interesse por Barbies e, até mesmo, comprando uma Barbie Ferrari para ela como presente para o próximo aniversário. E para coroar tudo aquilo, demonstrara um misterioso talento especial ao convencê-la de que o colorido do desenho dele no avião, fora inferior ao dela. Enquanto lanchavam ele se ofereceu para tirar o tomate e o alface do hambúrguer com batatas fritas. Max, ao fim do dia, tinha uma criança ávida por vê-lo na manhã seguinte e uma mãe que sentia como se o chão sob seus pés fosse de areia movediça.
— Precisamos levantar cedo amanhã — avisou ele. Chloe estava exausta e sentada em seus ombros, Vicky caminhava a passos cuidadosos pelo saguão do hotel, ao lado da perturbadora presença de Max Forbes. Infelizmente, quanto mais o via junto à filha, mais profundamente se sentia apaixonada. Observara veladamente os dois juntos, esperando que a máscara dele caísse, mas aquilo não aconteceu. Ele estava mesmo encantado com Chloe. Vicky se perguntava se aquela alegria, assim como os sentimentos de responsabilidade por ela própria, tinham ligação com os sentimentos dele pelo irmão, agora morto e perdido para ele. Perguntava-se se Max estava tentando, através de Chloe, compensar as diferenças que sempre existiram entre os dois irmãos.
Se Chloe realmente se encantasse com Max, então Vicky estaria presa em uma armadilha que não havia previsto.
— A que horas devemos sair?
— Antes das oito, se quisermos aproveitar ao máximo os passeios. A qual parque você quer ir primeiro?
— Parque?
— Você não leu o folheto que lhe dei?
— Não inteiramente — admitiu Vicky, dando um suspiro de alívio quando as portas do elevador se abriram. Felizmente estavam hospedados em andares diferentes, um inconveniente pelo o qual o hotel se desculpara e pelo qual ela ficara profundamente grata. As portas se fecharam.
— Deixe que seguro Chloe. Eu a levarei até o quarto de vocês. — Ele pegou a criança quase adormecida, antes que Vicky pudesse protestar. — Eu as encontrarei às sete e meia no salão do café.
Max recostou a cabecinha da menina em seu ombro, deu um passo atrás para que Vicky pudesse passar quando as portas se abriram para o luxuoso tapete do corredor.
— Procurarei ser pontual.
— Creio que devemos ir primeiro ao Reino Mágico, e é preciso chegar lá antes que esteja lotado.
Eles chegaram ao quarto, Vicky passou o cartão magnético para que a porta abrisse e se voltou para Max:
— Pode dá-la a mim agora.
Ele passou por ela em direção às camas e deitou Chloe em uma delas. Então olhou criticamente em volta do quarto.
— Não é tão grande quanto eu esperava.
— Grande demais para somente nós duas.
Ele passou por ela devagar, mas antes de sair, perguntou casualmente:
— O que Chloe quis dizer quando falou que eu era mais bonzinho do que Shaun? Ele bateu nela?
— Não — respondeu Vicky, espantada com a abrupta mudança na conversa.
— Ele alguma vez bateu em você?
Ela hesitou uma fração de segundo antes de responder sem firmeza:
— Não.
— Por que tolerava isso?
Ela mantivera as luzes apagadas para que a filha não acordasse, mas agora se arrependera do gesto, porque a escuridão induzia a conversa deles a um nível de intimidade que a amedrontava.
— Quando isso começou? Você estava grávida na ocasião?
— Shaun não era um espancador compulsivo. Ele me bateu apenas duas vezes. A primeira quando eu lhe disse que estava grávida, e a segunda quando pedi que ficasse longe de mim, depois que Chloe nasceu. Mas fora isso ele era...
— Um parceiro perfeito?
— Isso faz alguma diferença agora?
— Não faria se o passado não tivesse tão grande influência em nossas vidas. Não percebe que se recusando a discutir esse assunto nunca se libertará desse pesadelo? Conte-me tudo, Vicky.
— Por quê? Porque você está determinado a conquistar minha filha e pensa que deve também se unir a mim para poder facilitar as coisas?
— Porque eu quero saber. Por que você não disse a ele para deixá-la em paz? — insistiu Max.
— Porque Shaun me ameaçava. Dizia que Chloe pertencia a ele e que se eu não o quisesse por perto, contaria a sua família sobre a identidade dela e que então os Forbes tomariam providências para afastá-la de mim. Fui uma tola em acreditar nele.
— Shaun sempre gostou de coagir as pessoas mais fracas que ele. Adorava controlar situações — murmurou ele quase que para si mesmo. — Você era jovem e vulnerável, e ele tirou vantagem disso.
— Porém agora não sou mais jovem, nem vulnerável.
— Mulheres jovens e vulneráveis não têm charme algum para mim.
Com isso ele saiu do quarto, deixando-a imaginando o que ele quisera dizer com aquela observação. Estaria tentando dizer-lhe que ela tinha um certo charme para ele? Ou apenas fizera um comentário sem pensar? Ou talvez estivesse apenas tentando salientar uma diferença a mais entre ele e o irmão. As possíveis interpretações eram infindáveis, mas realmente não importavam naquele momento.
Vicky e Chloe chegaram ao salão de café do hotel na manhã seguinte e encontraram Max esperando por elas, vestindo uma bermuda verde e uma camiseta creme. Naquela manhã, o calor era intenso, e a meteorologia predissera temperatura elevada e céu azul, sem nuvens.
— Hoje teremos um dia cheio — disse ele à sobrinha. — Há uma porção de personagens a conhecer e diversos passeios emocionantes a fazer. Você já esteve em um parque de diversões antes?
— Não — disse Chloe. — Mas eu já vi um palhaço.
— Oh, adoro palhaços.
— E também já dirigi aqueles carrinhos de corrida do lado de fora do supermercado que mamãe vai.
— Oh, aquela corrida de carros. Eles são velozes, não são?
— Bem, eles correm, mas é de mentirinha, não vão a lugar algum, não é mamãe?
— Sim, meu anjo. Mas talvez o tio Max pense que aqueles carros falsos realmente correm e vão a certos lugares.
— Obrigado por explicar isso por mim, mamãe — disse ele, levantando uma sobrancelha divertido.
Vicky percebeu o tom bem-humorado na voz dele, mas manteve a expressão inalterada.
— Então a que passeios você quer ir? — perguntou ele, dando uma mordida no croissant, deixando os lábios cheios de migalhas.
A visão hipnotizou Vicky, que imaginou quão agradável seria lamber cada migalha daquelas. Levaria horas, porque ' sua língua também se ocuparia da pele de Vicky. Era difícil estar com ele, vê-lo e desejá-lo, sem poder tocá-lo. Uma verdadeira agonia.
— Quero ir a todos! — exclamou Chloe, com o rosto sujo de geléia de amora.
— Mesmo na Torre do Terror? — perguntou ele dramaticamente, dando mais uma mordida no croissant, e depois lambendo distraidamente um dos dedos.
O homem não tinha idéia de como era assustadoramente parecido com sua sobrinha. Não somente a cor dos cabelos e dos olhos, mas até mesmo o espaço entre os olhos e a forma da boca. Chloe era inegavelmente uma Forbes.
— O que é isso?
— Não me diga que sua mãe não leu a descrição das atrações para você.
— Não, não leu.
Dois pares de olhos acinzentados perplexos a encararam, e Vicky não pôde evitar sorrir.
— Ela é muito criança para esse passeio, Max. Você pode ir sozinho.
— Por mais amedrontadora que a atração seja, nada assustará o grande Max Forbes!
— Nada? — perguntou Chloe encantada. .
— Bem. Aranhas, obviamente.
— Não tenho medo de aranhas, tenho, mamãe? — Chloe olhou para a mãe, esticando o rostinho para ser limpo com um guardanapo.
Este, pensou Vicky, era o relacionamento que deveria ter havido com Shaun. Eles deveriam ter aproveitado a companhia um do outro. Em vez disso, nas raras visitas para ver a filha, estava sempre de mau humor, gritando e, depois de quinze minutos de afeição paternal, a indiferença e, finalmente, a irritação. Ele levava-lhe brinquedos inadequados à idade e depois ficava zangado quando ela não se deliciava com eles. Vicky permanecia infeliz pelos cantos da sala, sem saber o que fazer e desejando apenas que ele fosse embora. Shaun não conseguiria encantar a filha nem com anos de convivência. Max, em compensação, em questão de dias a cativara totalmente.
— Não das aranhas dos livros — disse Vicky, sorrindo.
— Não tenho medo de nada — assegurou Chloe para ele, abandonando o que comia em favor da conversa. — Eu sou como você! Posso ir à Torre do Terror? Por favor... diga que sim!
— Absolutamente não — intrometeu-se Vicky. — Trata-se de um... — Ela tirou o folheto da bolsa e o abriu-o. — Está escrito aqui: "apavorante atração que garante aterrorizar as mais insensíveis pessoas". De qualquer forma há um limite de altura e idade. Além disso, essa atração especial não fica no Reino Mágico, de forma que você terá de procurar algo menos aventuroso.
Mais tarde, quando eles entraram no mundo da fantasia do Reino Mágico, Max perguntou-lhe:
— E você? Já esteve em um lugar como este?
— Não. — Ela parou e fitou longamente o castelo de contos de fadas da Disney, com suas torres apontadas para o céu. — Na verdade, nunca estive no exterior até a idade adulta. Minha família não tinha dinheiro para supérfluos, infelizmente. Fui para Alton Towers quando tinha quinze anos e, pelo que me lembro, não era como aqui.
Chloe, desesperada para seguir, puxava a mão da mãe. Estava excitada como Vicky nunca vira antes.
— Há atendimento médico nesse lugar para crianças desesperadas por terem sido prividas de diversões? — perguntou Vicky a Max, e ambos riram.
E assim eram as coisas. Era arrastada por uma criança, sob o sol brilhante enquanto o coração queimava de amor pelo homem a seu lado. Não fosse por diversas nuvens em seu horizonte particular, Vicky poderia dizer que a felicidade estava muito próxima de seu alcance.
Mesmo os pensamentos sobre Shaun haviam perdido o poder sobre ela. Pareciam ter se dissipado em uma nuvem, ofuscados pela presença dinâmica do irmão ali presente.
Teria sido sempre assim? Ela podia quase sentir uma certa compaixão por Shaun agora, uma emoção que era impensável havia três ou quatro meses. O fantasma de Shaun a abandonara, podia sentir isso.
A manhã foi ocupada por deliciosos passeios. Os três sentaram nos carrinhos, com Chloe entre eles e quem os visse pensaria que formavam uma típica família inglesa, faltando apenas o cachorro para completar.
Era imaginação dela, ou toda aquela faminta luxúria masculina havia sido corroída? Desde que Max descobrira sobre Chloe, o interesse sexual que tinha por ela, morrera. Estava se comportando com tão maravilhosa desenvoltura, conversando com ela amigavelmente e sem ameaças, que lhe dava até vontade de chorar. Em vez disso, Vicky forçava sorrisos abertos e brilhantes. Durante o almoço, olhava para ele disfarçadamente, observando a maneira que sua atenção era voltada inteiramente para a sobrinha, deixando-a de lado. Quando ele a olhava, não a via como uma mulher, mas como mãe de Chloe. Com todas as cartas na mesa, ela não podia esperar por uma situação melhor que aquela. Nem podia supor que se sentiria tão desolada.
— Você está ficando vermelha — comentou ele enquanto se dirigiam aos Estúdios MGM.
— Obrigada — disse Vicky sentindo que uma indesejável cor rubra tomara conta do seu rosto. Aquilo a irritou
— Algo a aborreceu? — perguntou ele diante do súbito mau humor.
— Não.
— Em que está pensando?
— Estou pensando que Chloe está tendo um dia maravilhoso — mentiu ela, olhando para a filha. — Nunca fui capaz de proporcionar-lhe tanta diversão.
— Isso não mais será problema de agora em diante.
— Porque ela ganhou um tio com uma carteira recheada para fazer-lhe todas as vontades? Caso não saiba, dinheiro tanto soluciona problemas, quanto os causa. Principalmente às crianças.
Ele a fitou e viu a boca apertada. Sentiu um desejo irracional de acariciá-la. Queria tocar no rosto dela e causar um sorriso. Os sentimentos pela sobrinha, inesperados como tinham sido, foram notavelmente fáceis de compartilhar, mas para um homem que nunca tivera problema com mulheres, a mãe dela estava provando ser tão intransponível quanto a Muralha da China. Ele tomara a decisão de não forçá-la a ceder, de cativá-la sem sufocá-la, e estava perplexo que ela não reagia ao plano. Mesmo quando conseguia levar um sorriso à face dela, os olhos fugiam dos seus e encontravam refúgio na filha.
Não fosse por Chloe pulando na frente e deslumbrada com tudo em volta, ele estaria seriamente tentado a agarrar Vicky, levá-la de volta para o quarto do hotel e retê-la lá a qualquer custo.
— Diga-me, você está enciumada que sua filha esteja se dando bem comigo?
— Não seja ridículo!
— É isso? Você está com ciúme...
Sem pensar, ele puxou a fita que amarrava os cabelos ruivos e passou os dedos através dos cachos macios, brincando com ela. Foi tão gostoso, que ele simplesmente continuou acariciando-os, e então ela se afastou.
— O que está fazendo?
Ele se esquivou da pergunta. Não havia maneira educada de dizer-lhe que estava lutando contra a necessidade de satisfazer seu desejo e ter prazer ao lado dela.
— Estou tentando ganhar sua atenção.
— Bem, não está agindo do modo certo.
Então Chloe chegou perto deles, e Vicky forçou um sorriso.
Por pouco, sua filha não presenciara Max brincando com seus cabelos. Por que ele estava agindo assim? Ela tentou disfarçar as chamas inesperadas que atingiram seu interior, conversando com Chloe.
Max pôde sentir a tensão no corpo feminino. Podia ver claramente a expectativa dela, e aquilo o excitava e o frustrava ao mesmo tempo. Era como se soubesse os números do segredo do cadeado, mas não a seqüência exata. Parecia que por mais que lidasse com os dígitos, jamais conseguiria acertar.
O suave roçar do corpo dela contra suas coxas era um doce e agonizante lembrete do quanto a mulher era capaz de atormentá-lo, sem satisfazê-lo.
Vicky parecia ter uma teimosia inerente, como se a vida houvesse lhe endurecido a docilidade.
Ele observou os seios firmes sob a leve camiseta salmão. Sob circunstâncias normais, o único ato de fazer amor vivido entre eles, que tinha sido o mais satisfatório que ele jamais experimentara, teria naturalmente sido repetido mais vezes, mas ela fincara os pés nos chão e nada a removia da realidade.
Quando alcançaram os estúdios da MGM, a imaginação dele tinha ido às alturas.
Após algumas filas exaustivas para as diversões que Chloe parecia desesperada por experimentar, viram-se em frente da Torre do Terror, uma sólida casa marrom desenhada para parecer aterrorizante.
— Maior do que eu pensava — murmurou Max. — E nada apropriada para você, menininha.
Ele deu um tapinha no alto da cabeça de Chloe, e ela sorriu de modo triste.
— Mas sinta-se à vontade para ir — disse Vicky, posicionando-se atrás da filha, evitando uma nova carícia.
— Eu não ousaria abandonar duas encantadoras damas...
— Vá em frente. Nós compraremos um sorvete e o esperaremos por aqui, não é, Chloe? — Simulando surpresa, Vicky ergueu as sobrancelhas para ele e sorriu. — Ou você está com medo? Você nos contou que tem medo apenas de aranhas...
— Por que você não vai, já que é tão corajosa?
— Ah, então você está com medo! — Vicky cruzou os braços e lhe deu um sorriso triunfante. — Acho que vou aceitar sua sugestão, se você não se importa de esperar por mim...
Os olhos de Chloe ficaram redondos de admiração.
— Vou adorar vê-la saindo daí tremendo e com o rosto pálido de susto — murmurou ele em seu ouvido, antes que ela se dirigisse à fila.
— Covarde — murmurou ela, rindo.
Por mais aterrorizante que fosse a atração, ela decidiu que não poderia desestabilizá-la mais do que o homem a seu lado. Que homem na face da Terra poderia fazer com que todos os seus sentidos vibrassem ao mesmo tempo e transformar em caos seu sistema nervoso em questão de segundos?
Quarenta minutos depois, ela descobriu que nascera para fortes emoções.
Durante a semana seguinte, divertiu-se a valer em brinquedos violentos enquanto Max e Chloe experimentavam as atrações para crianças pré-escolares e passeios que fariam um bebê de três meses sentir-se em casa.
Max era uma companhia agradável e bem-humorada. Os três exploravam os parques durante o dia, em uma tarefa muito cansativa, almoçavam em algum lugar divertido e separavam seus caminhos no início da tarde. Vicky não tinha idéia do que ele fazia, mas suspeitava que trabalhasse. Apesar de ter dito que aquelas seriam suas férias, levara seu computador.
À noite, jantavam os três juntos e, depois disso, Vicky ia para o quarto com a filha em uma hora razoável para fazê-la dormir e ficava por perto, lendo uma revista ou assistindo à tevê.
Foi um choque quando ela acordou na manhã de terça-feira e percebeu que as férias estavam no fim. Eles viajariam no dia seguinte.
Não podia acreditar que, apesar de todas as precauções, estava ainda mais apaixonada por Max. E ainda permitira-se sucumbir à magia do lugar, assim como Chloe, sem pensar com bom senso. Exceto aquela passageira ocorrência quando ele lhe tocara os cabelos, Max fora o protótipo do bom comportamento. Mesmo que a hostilidade fosse uma defesa contra rendição, ela acabara abrindo mão. Ele a fazia rir facilmente e não lhe dera tempo para ficar pensando em seus problemas pessoais, fazendo-a descobrir que era bem fácil adiar as complicações de sua vida, mesmo que fosse ele o problema maior.
Vicky sabia que, dias depois, seria obrigada a acordar e enfrentar as conseqüências, manejando com a dor que estava criando para si mesma, simplesmente porque gostava dele sem os limites que sabia serem essenciais naquela relação.
Vicky ainda achava que poderia adiar a realidade pelos próximos dois dias, até que ele lhe disse, após o almoço:
— Precisamos conversar.
Ela viu a implacável expressão dele e sentiu um calafrio subir-lhe pela espinha.
— Como poderemos?
— Providenciei uma baby-sitter para essa noite. Ela chegará às sete e meia. Eu a arranjei por intermédio do hotel e, antes que você se preocupe, o serviço de babás é muito profissional. São todas treinadas e cadastradas. Eu me informei bem antes de contratá-la. Sendo assim, poderemos jantar e... conversar. Já é tempo de resolvermos o que vamos fazer sobre a atual situação.
Apesar de relutante, Vicky admitia que ele estava certo. A viagem fora para provar, com sucesso, que Chloe teria afinidade com ele. Não havia argumentos para recusar o convite.
Chloe já estava dormindo quando a baby-sitter chegou, e Vicky estava pronta para sair. Sentia-se um pouco estranha em seu primeiro traje elegante das férias. Um vestido de seda com pequenas flores em tom pastel, bem acima dos joelhos, e sandálias de salto alto. Sentia-se nervosa porque o veria sem a conveniente presença de Chloe.
Max a estava esperando no bar do hotel. A pele bronzeada dava-lhe a aparência de alguém de origem italiana.
Enquanto ela caminhava até a mesa, ele não desgrudou os olhos de seu corpo. Quando Vicky se sentou, ele chamou o garçom para pedir-lhe um drinque. No silêncio que se seguiu, ela nervosamente colocou os cabelos por detrás das orelhas, procurando se sentir à vontade. Em vão.
Ele tomou um grande gole de seu uísque com soda.
— Estou feliz que tenha vindo.
Vicky se sentia como uma candidata em uma entrevista. Nervosa, deu um gole no vinho branco gelado.
— Estou cansada. Na Inglaterra, Chloe dorme por volta das oito horas. Mas aqui ela acha cedo.
— Chloe é uma criança maravilhosa. Graças a você. Parabéns. Contra todas as possibilidades, você conseguiu realizar o impossível.
— Sou apenas uma em um milhão de mulheres que se encontra em uma situação onde não existe outra escolha.
— Você conviveu com todas as ameaças e os abusos verbais de meu irmão... E, pelo que sei, não tem dinheiro economizado para o futuro.
— Nunca pensei que meu futuro precisasse de economias — mentiu ela. — Sei que pretende fazer um longo resumo de meu desafortunado passado para, em seguida, concluir que você deve ficar com a guarda de Chloe. — Ela sabia que precisava recuperar um pouco da perdida hostilidade se quisesse evitar a completa demolição emocional. — Bem, isso não funcionará. — Vicky bebeu um pouco do vinho. — Você pode ver Chloe, é claro, mas dentro de datas e horários especificados. Talvez a cada quinze dias. Não quero a vida dela dividida.
— Você não acha que ela tem o direito de saber tudo que lhe é possível sobre a família do pai? Por que lhe negar uma herança que é dela?
— Ela é apenas uma criança. Não sabe nada sobre sua herança.
— Mas ela deixará de ser criança em alguns anos — disse ele com raiva. — Peço a Deus que me conte qual é o seu problema. Estou lhe oferecendo segurança e proteção financeira. Um arranjo que não pode falhar, e a melhor solução para nós três! O que mais você precisa para se convencer?
— Eu não quero um arranjo. Quero... trovão. Relâmpagos. Fogos de artifício. Magia.
— Como os que teve com meu irmão? — zombou ele. — Aquela espécie de fogos de artifício?
Vicky levantou-se imediatamente.
— Acho que já ouvi demais.
Ela pegou a bolsa e tentou reassumir seu autocontrole.
— Sente-se! — murmurou ele de modo autoritário. — Fugir não resolverá nada.
— Não há nada para resolver!
— Case-se comigo, e seus problemas acabarão!
Era uma ordem, não um pedido, atirada contra ela por um homem cujos olhos estavam reluzindo como cacos de vidro prateado. O corpo dele estava tenso, querendo dobrá-la pela sua indomável vontade.
— Se eu me casar com você... aí então é que meus problemas começariam! — Vicky fez uma pausa. — Vou fazer as malas. Chloe e eu o encontraremos amanhã perto da piscina.
— Ouça-me — ele comandou, ficando de pé e seguindo-a a passos largos para fora do bar.
— Por que eu deveria? Por que você é rico? Importante? Um Forbes?
— Porque há uma coisa que quero lhe contar...
— O quê?
— Você está sendo teimosa — murmurou ele.
— É isso o que quer me contar?
— O que há de tão errado em alguém tomar conta de você?
— Prefiro acreditar que está apenas preocupado com o destino que terá a herança que dará a minha filha.
— Apenas responda a minha pergunta!
— Eu não preciso de você! Não quero que tome conta de mim. Sou perfeitamente capaz de tomar conta de mim mesma e de minha filha! Não preciso de caridade.
— Nunca insinuei isso.
— Então o que você está insinuando?
— Estou querendo lhe dar...
— Não estou interessada.
— Ótimo.
Por alguns segundos, eles se fitaram na escuridão e, em seguida, ele foi embora. Vicky o seguiu com os olhos até que ele desapareceu no hall do hotel. Então ela. também voltou vagarosamente para seu quarto, sem entender muito bem porque tudo tinha saído tão errado.
Vicky estava na loja de souvenir e, apesar da distração com as compras, não conseguia esquecer o diálogo que tivera com Max na noite anterior.
A quem ela estava querendo proteger? Chloe? Não. Sua filha aceitara Max Forbes com todo o coração. Na verdade, admitiu, estava tentando proteger a si mesma. Mas passaria a vida pagando pelo que acontecera no passado? Deveria se condenar a um futuro solitário só porque não conseguia deixar de comparar todos os homens com Shaun?
Max Forbes era o oposto do irmão, por que tinha que agir daquela forma em relação a ele?
Vicky se dirigiu para o balcão de papelaria, observando que Mickey e Minnie estavam em todo lugar, nas canecas, xícaras e lápis.
E se ele não a amasse? Seria o fim do mundo? Não era melhor tê-lo em sua vida como um amigo, em vez de inimigo? Porque, com certeza, ele iria estar em sua vida de uma maneira ou de outra.
Ela vira a expressão de felicidade dele ao brincar com Chloe. A curiosidade de um homem cansado do mundo à procura de algo novo e mágico como a inocência de uma criança. Quando olhava para a sua sobrinha e via a incrível semelhança entre eles, devia sentir uma forte emoção.
Se aceitasse casar-se com ele, um casamento de conveniência, ela perderia seu objetivo de só se casar por amor. Bem, não seria a primeira no universo, seria? E Chloe teria pai e mãe, uma verdadeira família.
Uma vendedora sorridente aproximou-se e perguntou se podia ajudar, o que fez Vicky rapidamente agarrar um quadro do Pluto da prateleira e uma caixa de papel e envelopes para cartas com o logotipo da Disney. Chloe adoraria aquilo, porque costumava endereçar cartas diariamente a ela. Com Max em sua vida, ela teria agora dois destinatários para suas cartas de três linhas.
Vicky saiu da loja e, em vez de subir para o quarto para liberar a baby-sitter de seus deveres, dirigiu-se para a lanchonete da piscina e pediu um café. Parecia ser usual em Miami que uma simples xícara de café viesse acompanhada com um enorme biscoito coberto com açúcar cristal.
A lanchonete estava quase vazia, havia apenas alguns casais sentados às mesas em frente a grandes taças de sorvete. A maioria estava consultando os folhetos, planejando diversões. O ambiente era claro e alegre e não condizia com meditações solitárias. Mas a mente de Vicky não obedecia ao clima, e insistia em vagar pelo passado e pelo futuro.
Ela estava tonta com tantos pensamentos, mas sabia que queria Max em sua vida. Queria o bom humor dele, a inesperada bondade, sua generosidade, até mesmo a maledicência cínica das outras funcionárias do escritório quando soubessem da novidade. Amava cada faceta da personalidade dele e também cada pedacinho de seu corpo fabuloso. Terminando o café, levantou-se da mesa decidida.
Max estaria no bar do hotel ou no quarto dele.
No bar, não estava. A idéia de ir ao quarto dele era um pouco temerosa, especialmente quando não estava certa do que iria lhe dizer, mas a hesitação durou pouco e, cinco minutos depois, estava batendo à porta de Max, com os nervos à flor da pele.
Quando ele abriu a porta, Vicky ficou chocada ao vê-lo. Parecia que Max tinha passado a noite em claro. Os cabelos estavam desalinhados, e as feições eram inexpressivas. Os olhos acinzentados mostravam-se cruéis, conforme ela já esperava.
— O que você quer? — perguntou ele secamente.
O coração de Vicky doeu, e ela se deu conta de que não se preparara para o que teria a dizer.
— Pensei que poderíamos ter uma conversa — disse ela com coragem .
— Sobre o quê? Você já não disse tudo o que queria? Fui um tolo por pensar que poderia acabar com suas defesas. Você se isolou em um mundo particular, e não deixa ninguém entrar, certo? Muito menos o irmão do homem que arruinou sua vida. Você não consegue aceitar que isso faz parte do passado. Talvez tenha crescido tão acostumada a ser vítima que começou a gostar disso. Bem, nem sei por que estou dizendo tudo isso. Vá para seu quarto.
Ele deu meia-volta, preparando-se para fechar a porta.
— Não! — Vicky gritou — Não...
— Não o quê? — perguntou ele impiedosamente.
— Não feche a porta. Por favor!
— Dê-me uma única razão pela qual eu não a deveria fechar. Não foi isso que você fez comigo?
A expressão de vulnerabilidade de Max aqueceu o coração dela. Não havia pensado que o estava dispensando. Estivera apenas protegendo-se, da única maneira que sabia, contra a possibilidade de se ferir novamente.
— Vai me deixar entrar? — indagou calmamente, estacando o braço e colocando a mão sobre o peito dele.
Percebeu o corpo tenso, mas conservou a mão, sentindo o calor másculo da pele através da camisa.
— Entre e feche a porta.
Max caminhou até a pequena poltrona no canto do quarto e, com o coração batendo violentamente, Vicky fechou a porta e caminhou até a cama dele, sentando-se.
Ela podia ouvir o ruído do ar-condicionado, o qual intensificava o silêncio entre eles.
Max esfregou os olhos e a encarou, esperando que Vicky falasse. Invadira o território dele, portanto caberia a ela falar, independente do grau de receptividade.
— Não tive intenção de magoá-lo — começou ela hesitante. — Vim aqui por uma sugestão sua, e você não pode dizer que tentei monopolizar a atenção de Chloe. Na verdade, quase não conversei com ela nesses últimos dias!
— Nós não estamos falando sobre Chloe.
— Não — murmurou ela. — E suponho que você esteja certo. Tive uma péssima relação com Shaun e deixei isso influenciar minha vida. Quando o vi, senti que meu passado estava me alcançando outra vez e fiquei com medo. Aterrorizada, para ser mais precisa. Pensei que você agiria exatamente como Shaun. Mas não demorou muito tempo para que eu percebesse... — A voz dela se esvaeceu.
— Percebesse o quê?
Havia uma cautela no tom dele que não existia alguns minutos atrás.
— Que você não era igual a Shaun. Seu irmão era cruel, sádico e viciado em drogas.
— E o que sou eu?
— O oposto de seu irmão. Eu deveria ter deixado o emprego tão rápido fosse possível. Tinha planejado isso, mas...
— Mas o quê?
— Mas eu acabei gostando do trabalho. Então, mesmo sabendo que era perigoso trabalhar para você, senti-me tentada a continuar um pouco mais de tempo no emprego. Eu adorava o desafio de toda aquela responsabilidade, e isso sem contar o dinheiro, que me era muito útil. Eu tinha finalmente a possibilidade de gastar um pouquinho com Chloe e com a casa. Então disse a mim mesma que logo me demitiria, mas então...
— Então seu passado saltou a sua frente quando você menos esperava.
A voz de Max era cínica, e ele estava deliberadamente dificultando as coisas para ela.
— Sim, exatamente.
— Então, diga-me por que veio ao meu quarto. Para aliviar sua alma com uma confissão?
— Para lhe dizer que fui uma tola — replicou ela com um profundo suspiro e, desta vez, viu algo diferente no olhar dele.
— Oh, sim? E por que foi uma tola?
— Porque...
A voz vacilou. O que Max faria se ela confessasse que se apaixonara perdidamente por ele? Riria? Pareceria envergonhado? Retiraria a oferta de casamento?
— Porque... o quê? — insistiu ele.
— Pensei sobre o que você me ofereceu... você sabe... sua proposta.
— O que a faz pensar que minha proposta continua válida?
— Sinto muito... eu pensei...
— Mas apenas digamos, hipoteticamente, que eu estivesse ainda preparado para assumir um relacionamento com você.
— Bem, falando hipoteticamente, cheguei à conclusão que estaria preparada para aceitar tal acordo. Observei como você trata Chloe... a menos que tenha sido um artista...
— Não escondo meus sentimentos — respondeu ele com raiva.
Vicky teve vontade de gritar: Bem, então o que você sente por mim? Além da ocasional explosão de luxúria?
— Neste caso, acho que isso pode ser uma boa idéia. Sei que não é uma situação ideal... mas pode funcionar.
— Eu estive pensando também.
A voz dele era séria, e Vicky soube o que ele ia dizer antes mesmo que pronunciasse a primeira palavra.
— Não posso me casar com você, Vicky.
— Não? — Ela sentiu uma ponta de desespero. — Tudo bem. Eu... bem... fui uma tola em ressuscitar aquela proposta, de qualquer modo. Quando voltarmos para Londres, poderemos combinar alguma coisa... Sei que Chloe ficaria com o coração despedaçado se não o visse outra vez...
Ela estava desesperada para alcançar a porta, mas parecia que seus pés estavam presos ao chão.
— Você não quer saber por que mudei de idéia?
— Não... realmente... já ouvi demais.
— Estive pensando... — disse ele, olhando para o chão.
— Não há necessidade de me explicar nada. Eu entendo.
— Há, sim.
Houve uma pausa demorada, e ela disse afinal:
— Explique-se então.
— Sei que você esteve observando como eu e Chloe nos relacionávamos. Eu também estive observando vocês duas, e pude perceber como se comunicam e se gostam. Chloe a olha freqüentemente pedindo ajuda e... você estava certa. Casamento e família são muito importantes na vida das pessoas. Há muito mais envolvido do que apenas pessoas que compartilham a mesma casa e vivem sob o mesmo teto.
Cada palavra dele era uma punhalada em seu coração, mas ela se manteve em silêncio.
— Sempre fui descrente do amor. Vi muitos amigos começarem seus relacionamentos com esperança e terminarem em cinzas. Até mesmo seu relacionamento com Shaun foi assim. O fato é que pude entender que emoção é tudo que temos, e sem ela, o casamento é uma farsa, o verdadeiro inferno na Terra. Portanto, eis aí porque mudei de idéia.
— Você está tentando dizer que não me ama? — perguntou ela para esclarecer a situação. Nunca peça a alguém franqueza. Evite isso a qualquer custo.
— Eu não disse nada disso.
As palavras dele caíram no silêncio como bombas. Primeiro ela pensou que talvez houvesse ouvido errado, depois lhe ocorreu que interpretara mal o que ele dissera. Havia uma negativa dupla na frase. Talvez ele estivesse fazendo trocadilhos, apesar da expressão séria.
Max continuava esperando que ela falasse alguma coisa.
— Então o que você disse?
Vicky sabia que aquela resposta poderia levá-la às lágrimas.
— Estou lhe dizendo que a amo e não posso colocá-la em um casamento sem amor. Pensei que poderia mostrar a você quanto... quanto eu... Bem, você sabe o que quero dizer... — Ele corou, e a voz era incerta, como se cada palavra fosse um esforço. — Eu... mas isso não funcionou... e...
— Então você me ama? — insistiu ela com o coração disparado.
— Sim, eu a amo, Victoria Lockhart — respondeu ele, desta vez com voz firme e olhos fixos no dela.
Vicky sorriu e foi sentar-se no braço da poltrona onde ele estava.
— Você se incomodaria de me dizer isso repetidas vezes, porque estou achando difícil de acreditar.
Max continuou fitando-a, e, de repente, o brilho bem-humorado voltou aos olhos dele.
— Por que eu faria isso?
— Porque parece que passei minha vida inteira procurando por você e preciso que me diga que o amor que sinto será retribuído. Você se esqueceu de que sou uma mulher cuja auto-estima foi destruída pela vida...
A auto-estima dela nunca estivera em um patamar mais alto. Quando pensava em Shaun e na desordem emocional que sofrera, parecia agora que estava pensando em uma pessoa diferente.
— Bem, poderá haver um pequeno preço a pagar... — brincou ele.
Vicky o olhou com inocência, mas havia um sorriso travesso em sua face que combinava com o dele.
Max a puxou para seu colo e a beijou com paixão.
— Vou agarrá-la aqui e obrigá-la a certas coisas.
Vicky riu, tentando se desvencilhar do inesperado abraço.
— Não há necessidade — disse ela, acariciando-lhe o peito másculo.
Max entrelaçou os dedos nos cabelos em volta do rosto dela e acariciou-lhe a testa, os olhos e as faces.
Ela sentia os seios latejarem com as suaves e sedutoras carícias.
— Sei que o seu senso de responsabilidade o faria aguardar pelo casamento, mas...
— Se você soubesse — murmurou ele, agora deslizando as mãos por todo o corpo feminino.
— Se eu soubesse o quê?
As palavras dela calaram-se com um arfar de prazer quando Max lhe desabotoou a blusa e retirou seus seios de dentro do sutiã, roçando os polegares nos bicos rígidos com movimentos eróticos.
— Quando lhe fiz a proposta de casamento, eu queria me casar com você. Estava determinado a conquistar o seu amor, a todo custo. E agora, minha querida... — Os dedos dele reiniciaram a experiente manipulação dos seios, fazendo-a estremecer de prazer. — Agora não pretendo deixá-la ir embora. Jamais. — Ele abaixou a cabeça para rastrear a ponta da língua delicadamente em volta dos mamilos dela, circulando-os, tocando-os, até que a ofegante respiração dela virasse pequenos gemidos de prazer. — Eu quero me casar com você, como quero que Chloe seja uma verdadeira filha para mim.
Max a suspendeu no colo e a levou até a cama. Então sugou vorazmente os seios, percorrendo com a língua os deliciosos caminhos daquele corpo macio e quente.
— E então, quem sabe? — Max fitou Vicky, e os olhos acinzentados brilharam de paixão e ternura.
— Mais bebês?
Ele riu.
— Se você pensa que encontrou o arquétipo do solteirão, então, minha querida, está errada, porque a perspectiva de me tornar caseiro nunca me pareceu tão boa...
— Você está me dizendo que domei um tigre? — Vicky sentia uma felicidade imensa invadindo-a.
— Não completamente — respondeu Max, ficando de joelhos na cama e abrindo o zíper da calça bem na frente dela. — Em um certo aspecto, muito importante, meu amor, você nunca será capaz de me domar...
Cathy Williams
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