A profunda cicatriz que marca o rosto de sir lain MacLagan é um lembrete diário da esposa que ele perdeu, e do inimigo que ainda o persegue. Obrigado pelo rei da Escócia a se casar novamente a. fim de unir dois poderosos clãs, lain relutantemente desposa Islaen MacRoth, uma mulher cuja aparência delicada esconde uma natureza divertida e sedutora, que se mostra perigosamente atraente para um homem que jurou nunca mais pôr em risco o seu coração...
Criada com onze irmãos endiabrados, Islaen tem pouco tempo para idéias românticas e tolas. Mesmo assim, ela espera algo mais do que um casamento forçado com um homem que dividirá sua cama, mas não sua vida. Passo a passo, Islaen começa a derrubar as defesas de lain. Mas seu atraente e inflexível marido será capaz de aprender a lhe dar amor com a mesma generosidade com que demonstra tamanha paixão e desejo?...
Ao contornar o jardim, ela avistou-o, sentado e olhando para as rosas como se elas pudessem falar a qualquer momento. Tinha novamente aquele ar triste e perdido no rosto. Às vezes, ela se permitia acreditar que ele revelava esse lado espontaneamente em sua presença, e saboreava a alegria provocada pela idéia. O sentimento nunca durava muito, pois ela era prática demais, e logo se lembrava de que só pudera ver aquela expressão porque o espreitava quando ele acreditava estar sozinho.
A noite, seria apresentada na corte. Fora levava até lá para estabelecer uma aliança por meio do casamento, de preferência um elo que melhorasse a posição da família em relação ao rei. Desde o momento em que pusera os olhos naquele homem, tivera de lutar contra a esperança de que fosse ele o escolhido. Ele tinha todas as qualificações, mas sua sorte nunca fora tão boa. No lugar do homem pelo qual seu coração clamava, sem dúvida lhe restaria um afetado cortesão ou mesmo alguém adiantado em anos, e provavelmente ultrapassado em todos os aspectos.
Aos dezenove anos, havia passado da idade de se casar, mas seu pai adiara o momento de assegurar um matrimônio, esperando que ela se desenvolvesse e adquirisse curvas mais próprias a uma mulher do que a uma criança. Isso não tinha acontecido. Era pequena, e nem todas as poções e misturas seriam capazes de mudar isso. Apenas ela e Meg sabiam que, talvez, fosse mais feminina do que aparentava, o que, no entanto, não alterava o fato de se julgar pouco atraente. Ouvira esse comentário muitas vezes, o suficiente para acreditar nele. Com tão pouco a oferecer a um homem, alguém como Iain MacLagan não era para ela.
Seus cabelos eram da cor do vinho tinto, de um vermelho tão profundo que muitos juravam que havia neles um toque de tinta púrpura, apesar de sua firme negativa ao ser interpelada sobre tal estranheza. Os fios eram espessos, com forte tendência para encaracolar, tão rebeldes que estavam sempre escapando de fitas e tiras que deveriam prendê-los, conferindo-lhe uma aparência desleixada. Seus olhos eram castanhos com reflexos dourados, e tinha os cílios tão escuros e longos que estava sempre negando as acusações de não serem naturais. Sabia que sua pele era adorável e alva, mas fora amaldiçoada com sardas que, embora poucas e claras, não podiam ser removidas. Suspirou.
Não soube se foi esse suave suspiro ou apenas a sensação de ser observado que levou Iain MacLagan a, de repente, olhar em sua direção. Ficou paralisada como uma lebre assustada, imobilizada pelos olhos azuis que brilhavam intensamente, embora sem emoção, no rosto de traços rígidos. Esperava que a qualquer momento ele a atacasse com a voz fria e distante, tão conhecida na corte, e que a censurasse pela insolência de invadir sua privacidade.
Iain pensou em castigá-la com palavras duras, mas ela parecia uma criança assustada, e o ar frágil o deteve. Ela estava despenteada, com uma vasta quantidade de cabelos vermelhos escapando do adereço na cabeça. Seus olhos eram como poços profundos no delicado rosto de marfim, cujo formato lembrava um coração. Dentes brancos e perfeitos mordiam o lábio inferior. Havia poucas curvas para indicar que era uma mulher adulta, mas percebia que ela já havia ao menos ultrapassado o primeiro fluxo. Ela também tinha pouca altura e pouca carne no corpo, o que se podia deduzir pelo pescoço fino e pelos braços delgados e frágeis.
Imaginou que espécie de tolo a deixava perambular desacompanhada. Sua juventude não serviria como proteção. Embora considerasse abominável a idéia de desejar e possuir uma menina tão jovem, sabia que outros pensavam de maneira diferente. Havia também aqueles homens que pouco se importariam com o fato de ela ser obviamente bem-nascida e inocente. Apesar da delicadeza e da fragilidade, ela era bela.
— Não há o que temer.
— Não queria invadir sua privacidade, sir MacLagan. — Ela sentiu um forte desejo de desaparecer de repente.
— O jardim deve ser apreciado por todos. Venha se sentar. Sabe meu nome, mas eu não sei o seu. Venha.
Ela sentou-se ao lado dele com evidente relutância.
— Sou Islaen MacRoth.
— Islaen. Combina com você — murmurou. Ela tinha a voz suave, baixa e ligeiramente rouca. — Não a vi aqui antes. Recém-chegada?
— Sim. Serei apresentada esta noite. — Ela o viu erguer as sobrancelhas e percebeu que a julgava jovem demais. — Completei dezenove anos recentemente. Meu pai me manteve em casa na esperança de que eu crescesse, mas desistiu.
Um sorriso bailou nos lábios de Iain, porque, mesmo com o adereço na cabeça e a postura dolorosamente ereta, ela mal alcançava a altura de seu ombro. As mãos que seguravam a saia eram pequenas e delicadas, com dedos longos. Exceto pelos grandes olhos escuros que o fitavam, tudo em Islaen MacRoth era pequeno, incluindo o nariz levemente arrebitado e coberto por sardas claras. Não podia deixar de pensar em como ela encontraria um marido, razão pela qual, sem dúvida, fora levada à corte.
— Tenho dinheiro, uma boa propriedade perto da fronteira e venho de uma excelente linhagem.
— Você consegue ler mentes? Esse pensamento que me atribui é bastante indelicado.
A culpa conferia à sua voz a severidade que desejava demonstrar, a fim de soar convincente. Era um insulto a uma mulher pensar que não fosse capaz de encontrar um marido, e ele não tivera a intenção de ofendê-la. Ela parecia uma menina doce.
Condenou-se ao sentir que seu corpo reagia à presença dela, como o de um homem na presença de uma bela mulher, sem questionar sua idade. Lutou contra a sensação, embora não com a mesma facilidade que passara a ter desde a morte de Catalina. Aquilo o perturbou profundamente, porque sentia que era de vital importância manter a paixão sob firme controle.
— Não, percebo apenas a verdade, e reconheço esse olhar porque o tenho visto com freqüência. Considero grosseiros apenas os que riem ou ficam boquiabertos.
— Compreendo. — De repente, seu rosto ganhou uma intensa rigidez. — Seria errado um homem desposá-la e obrigá-la a ter seus filhos.
Sem saber o que havia provocado um comentário tão estranho ou a repentina dureza em sua voz, ela ergueu o corpo tentando aumentar a reduzida estatura.
— Por que diz isso? Sou uma mulher, e os homens se casam com as mulheres para ter filhos. Posso fazer tudo isso tão bem quanto qualquer outra.
— Não, não pode. Não tem nem quadril, menina tola.
— Não? Então, diga-me sobre o que estou sentada.
— Sobre um arremedo de quadril.
— Minha mãe tinha aparência semelhante e teve doze filhos, todos saudáveis. Ela não morreu no parto. Morreu afogada ao sair para pescar salmão quando eu tinha cinco anos. Se ela foi capaz de ter filhos, eu também sou.
— Não pode ter uma lembrança exata de sua mãe, criança. — Ele se levantou e a olhou de cima. — É uma criatura pequena que não serve para ter filhos.
Tentando minimizar os efeitos daquela elevada estatura sobre si, ela também se levantou.
— Então, para que Deus me fez?
— Só Ele sabe. Sim, e só Ele sabe como me envolvi nessa discussão. Se quer um conselho, entre para um convento e esqueça os filhos.
— Você é homem. O que sabe sobre o assunto? — ela perguntou com desdém, deixando escapar um grito ao ser agarrada pelos ombros.
Iain não a assustou com o gesto subitamente intenso, pois sentia uma profunda confiança nele. O que não compreendeu foi o motivo daquilo. A conversa seguira por um estranho caminho, que a tinha deixado confusa. Certamente não fora nada parecida com a que havia imaginado que teriam quando, por fim, conseguisse falar com ele. Por outro lado, pensou, estranho seria se ele começasse a recitar frases poéticas ou falar de amor eterno, como sonhara. O pensamento provocou um sorriso debochado que ela quase não conseguiu conter. Pensando bem, perto de sua ridícula fantasia, a discussão até que parecia razoável.
— Sei mais do que gostaria de saber, pequena. Gerar um filho com uma criatura semelhante a você é quase como cortar a garganta dela. E algo que vai fazê-la gritar durante a noite toda, expelindo na manhã seguinte apenas uma criança morta e todo o sangue do próprio corpo. Sei bem disso.
Ela cambaleou ao ser solta de repente.
— O destino de uma mulher com quadris largos como um lago também pode ser esse — ela respondeu com uma calma aparente, percebendo, pelo horror estampado nos olhos dele, que falava sobre uma experiência muito pessoal.
— Pense o que quiser, menina — ele disse em tom frio, como se houvesse recuperado o controle emocional.
— Sim, é o que vou fazer. Vou me casar, e em um ano terei meu primeiro bebê. Não! Terei gêmeos, e poderá ir ao batizado, sir MacLagan — ela afirmou com uma mescla de confiança e desafio infantil.
A declaração arrogante quase o fez gargalhar. Ela parecia segura e beligerante, o que o fez ter certeza de que a menina pouco ou nada sabia sobre o que falava. Algumas mulheres eram muito protegidas pelos pais, e isso as tornava ignorantes a respeito dos fatos da vida, situação que perdurava até se casarem e serem arrancadas da casa da família.
— A vida é sua. Pode destruí-la como preferir. Islaen deteve-se antes de responder, pois naquele instante viu ao longe uma silhueta familiar. — Agora tenho de ir, sir MacLagan. Ela se virou e correu antes mesmo de ouvi-lo se despedir. Suas saias estavam bastante erguidas e, mesmo notando que suas pernas eram delgadas, Iam teve de reconhecer que eram bem-feitas. Gostaria de saber o que a fizera afastar-se com tanta pressa.
Viu, então, uma mulher alta e magra inteiramente vestida de preto caminhando pela alameda. Os traços angulosos despertaram em sua mente a lembrança de uma ave de rapina. A impressão tornou-se mais forte quando ela parou diante dele, tornando-o alvo de seu olhar frio e cinzento.
A mulher era tão diferente da menina com quem estivera falando até pouco antes que ele quase riu. Elas formavam um estranho par. Porém, a severa guardiã devia ser justamente do que a garota necessitava para não escapar completamente ao controle.
— Viu uma moça andando por aqui, milorde? Ela devia estar desalinhada, despenteada e sozinha.
Com maneiras impecáveis, que sempre causavam forte impressão, Iain respondeu que acabara de ver a jovem. Da mesma forma, e com a mesma polidez, indicou a direção errada. Ao vê-la caminhando de volta ao castelo, tentou entender por que fizera aquilo.
Depois de alguns momentos de conversa com a menina, já agia de forma bastante estranha. Como ela estaria sempre por perto, decidiu que teria de tomar mais cuidado. Sua atitude fria e dura havia sido construída com grande esforço, e não tinha intenção de destruí-la por causa de uma jovem e pequenina dama com cabelos rebeldes da cor do vinho. Um cavaleiro digno de sua armadura não podia abrir mão de uma estratégia de defesa bem-sucedida. Lutou contra as próprias emoções ao se lembrar da imagem delicada. Ela era menor e ainda mais frágil do que havia sido Catalina. A única razão que encontrava para ter falado com tamanha rispidez era a certeza de que ela enfrentaria o mesmo destino. Iria para o leito nupcial, teria a semente da vida plantada em seu ventre e morreria para ser sepultada ao lado do bebê, dois inocentes ceifados de um só golpe. Meneou a cabeça, lamentando que não existisse uma lei contra o casamento de mulheres tão pequeninas e frágeis. O matrimônio, para elas, eqüivalia a uma sentença de morte.
Islaen parou de pensar em gravidez e parto assim que deixou Iain. Sua única preocupação era escapar do sermão de Meg, algo que, infelizmente, foi impossível. As palavras de censura começaram a jorrar assim que ela entrou no quarto. Prima distante de seu pai, Meg havia sido contratada para educá-la depois da morte de sua mãe e se dedicava ao trabalho com vigor admirável. Saber que o pai e os onze irmãos mimavam a única menina da família e a poupavam de todos os dissabores não a tornava mais branda.
Cada um dos homens da família tratava Islaen com tolerância amorosa e humor inabalável. Às vezes, Meg achava que eles se esqueciam de que ela era uma menina. Já tivera de tirá-la de lutas corporais, disputas de equitação e duelos com facas. O fato de Islaen não ter as habilidades necessárias para se tornar uma verdadeira dama também não ajudava. Além disso, sabia que ela não tentava com muito empenho, conforme havia demonstrado um incidente na semana anterior. Damas de verdade não ficavam de quatro no chão para participar de jogos de dados!
Porém, apesar de tudo isso, não sentia que havia fracassado. Fizera muitos progressos. Quando o primo a levara para cuidar da menina, encontrara alguém tão livre e indomável quanto qualquer rapaz. Com determinação, tinha conseguido aparar diversas arestas.
— Ele não é o homem mais belo que você já viu? — Islaen indagou, suspirando, depois de Meg ter revelado a travessura de Iain MacLagan ao indicar-lhe a direção errada.
Os olhos perpicazes de Meg tornaram-se ainda mais atentos, observando a jovem esparramada sem muita graça ou elegância na tina.
— Ele tem uma cicatriz.
— É só uma pequena marca — Islaen respondeu. — Mal se pode vê-la.
Lembrando-se da cicatriz que se estendia desde a têmpora até quase o lábio do homem, Meg respondeu:
— Ah, sim, é quase invisível. Somente uma minúscula marca na pele.
Islaen ignorou o sarcasmo, algo que nunca tivera dificuldades para fazer. Muito antes de Meg chegar, ela havia aprendido tanto a ignorar quanto a retribuir esse tipo de comentário, uma vez que todos em sua família tinham línguas ferinas.
— Gostaria de saber como ele a conseguiu. De algum jeito galante, suponho. Um duelo pela honra ou pelo coração de uma bela dama... — disse, deixando-se levar pela imaginação.
Meg não escondeu o desdém.
— Ou pela cama. É esse tipo de coisa que causa cicatrizes como aquela em um homem. Eles empunham espadas e lutam apenas para poder usar a outra lança... Os homens só pensam em duas coisas.
— Sim, lutar e se deitar com uma mulher, sangue e carne, violência e luxúria, espadas e sedução, morte e sexo...
— Acho que já é o suficiente, menina sem modos. Agora saia do banho ou vai ficar enrugada.
— Deus não permita que eu adicione rugas às sardas — Islaen resmungou, enquanto saía da tina. — Gostaria de ter um marido como sir Iain. Não teríamos belos filhos? E seriam fortes, como meus irmãos e meu pai. Seria tão bom...
Seguindo as instruções do primo, Meg registrou a preferência de Islaen. Na primeira oportunidade, informaria o pai dela. Seria bom se ela pudesse desposar alguém que apreciasse, mas ninguém alimentava muitas esperanças a esse respeito. Era uma menina frágil e pequenina, que muitos homens teriam medo de ferir. Acontecera o mesmo quando seu primo se casara com a mãe dela, mas, por fim, ficara comprovado que todos haviam se enganado. O problema era que poucos se lembravam de como ela havia sido fértil, forte e saudável. Além disso, a garota era um pouco mais delicada e menos graciosa que a mãe, que sempre fora elogiada pela rara beleza.
Meg se perguntava se não havia sido um erro esconder a verdadeira aparência de Islaen de todos na família. Um marido não poderia ser mantido na ignorância. Ela tentara apenas impedir que a menina fosse ridicularizada, fazendo-a se apresentar da maneira mais encantadora possível. Talvez essa justificativa bastasse para que fosse perdoada pelo logro quando a verdade, por fim, viesse à tona. Enquanto ajudava Islaen a se vestir, tentava se convencer de que sua menina não sofreria do marido exatamente o escárnio do qual tentara protegê-la. Uma situação como essa a magoaria profundamente, provocando uma ferida que talvez nunca cicatrizasse.
Islaen vestia suas melhores roupas. Seu pai era um homem rico e não medira despesas. A camisa era da mais fina seda, assim como as ceroulas que ela insistia em usar. O espartilho era de um rico veludo marrom com elaborados bordados nas mangas, repetindo o padrão da sobressaia dourada. Sapatos de veludo dourado protegiam seus pequeninos pés. A capa que se tornava cada vez mais popular ficaria para uma próxima ocasião, porque Islaen ainda não havia aprendido a vestir a peça volumosa e caminhar com um mínimo de graça, tendo dificuldades especialmente com as mangas largas e com a cauda que se arrastava pelo chão. Depois de ajeitar o fino véu sobre a cabeça dela, Meg estudou o resultado final com um olhar crítico.
Satisfeita ao constatar que não havia amarrotados ou pregas impróprias, e que os cabelos estavam bem penteados e presos, declarou-a pronta. Levou-a, então, para junto dos homens no grande salão, onde começaria a busca por um marido apropriado e onde a menina conheceria o rei.
Islaen tentava controlar o nervosismo. Não queria cometer nenhuma tolice. Não gostava da situação, mas já havia decidido suportá-la. Passara da hora de ter um marido. Ir à corte abria um leque de possibilidades e opções. Somente lamentava que a escolha não estivesse inteiramente em suas mãos.
O ressentimento que ameaçou dominá-la foi rapidamente sufocado. Era assim que se resolviam tais questões. Devia se sentir grata por não ter sido prometida ainda no berço. Tivera a oportunidade de encontrar um marido, e não haviam sido poucas as chances de escolher em casa. Porém, ao completar dezenove anos sem nenhum compromisso assegurado, seu pai decidira tomar o problema nas mãos. Não podia culpá-lo por isso. Mesmo que não concordasse com seus métodos, sabia que ele agia impelido pelo amor, porque desejava vê-la feliz. Os arranjos políticos, defensivos ou financeiros decorrentes de seu noivado seriam apenas adições satisfatórias, não necessidades. Olhando para o pai, que conversava com Meg, ela esperou ter uma agradável surpresa com sua escolha. Apenas dessa forma poderia superar a frustração de não ter Iain MacLagan.
— A jovem está interessada em sir Iain MacLagan — Meg informou a Alaistair MacRoth na primeira oportunidade. — Conhece o homem?
— Sim. — Alaistair ajeitou-se mais confortavelmente no banco. — Viúvo há mais de um ano. Dizem que ainda lamenta a morte da esposa, pois não se interessa por outra mulher. Dizem também que é um homem frio e que enterrou os sentimentos junto com a esposa. Mas é um bom partido porque a terra que Islaen vai levar para o marido é vizinha à dele. Tem certeza de que ela está interessada? O homem não é dos mais bonitos, e ainda tem no rosto aquela horrenda cicatriz!
— Sua filha diz que mal se pode ver a marca. Dê uma olhada para ela agora, primo, e perceba quem seus olhos buscam.
Foi fácil confirmar o que Meg dizia, porque o rosto de Islaen demonstrava a admiração pelo homem sentado à mesa do rei.
— Bem, vou fazer uma tentativa, mas não creio que se consiga alguma coisa. Ouvi dizer que ele é perseguido por um assassino, um homem que ele culpa pela morte de Catalina, sua falecida esposa. Um antigo amante, posso apostar! É possível que ele não se case de novo por medo de ficar viúvo outra vez. Bobagem... — Ele meneou a cabeça grisalha. — É melhor ser feliz por pouco tempo do que nunca sentir o sabor da felicidade. Se puder, faça-a notar Ronald MacDubh. O homem é afilhado do rei e já manifestou interesse por ela.
— Você quer dizer que ele se interessou pelo dinheiro dela. As moedas parecem passar por entre os dedos desse sujeito, dedos que, aliás, ele não consegue manter afastados de um corpo feminino.
— Ele é jovem e não é repugnante em aparência. Também é íntimo do rei. Os outros são todos mais velhos e menos atraentes. Há muitas mulheres de corpo desenvolvido na corte. Os rapazes querem uma esposa que não se perca entre as cobertas, com curvas para acariciar.
Alaistair gostaria que suas palavras não fossem verdadeiras. Porém, mesmo sendo o dote de Islaen suficiente para atrair a cobiça de alguns homens, havia dinheiro e terra também em outras famílias. E nessas famílias as jovens tinham curvas, corpos capazes de preencher um leito conjugai. Delicadeza de aparência podia despertar sentimentos fraternais, mas era só isso, a menos que se fizesse acompanhar por seios fartos e nádegas carnudas. Os olhos dos jovens pretendentes brilhavam quando se falava no dote de Islaen, mas esse brilho se apagava e morria quando eles viam a dona do dinheiro e das terras. O interesse deixava de existir. Um dote menor e uma mulher maior... Essa era a combinação que muitos jovens preferiam.
Como Islaen não esperava despertar muito interesse, não ficou desapontada ao não receber uma enxurrada de propostas. Os homens de sua família faziam todo o trabalho, enquanto ela se divertia seguindo lain MacLagan com os olhos. Em breve, sua família encontraria um marido para ela, e então não poderia mais se dedicar a esse tipo de jogo delicioso. Devia aproveitar enquanto podia. Mais tarde, as lembranças seriam úteis. Era bem possível que o matrimônio exigisse muita imaginação e variadas fantasias para se tornar suportável.
Sabia que poucos homens poderiam se igualar à imagem que tinha de lain, e seria difícil não fazer constantes comparações entre ele e um eventual marido. Teria de se esforçar muito para não buscá-lo em outros homens. Seria tolice arruinar suas chances de felicidade com outra pessoa por não poder desistir de um sonho juvenil. Seria também injusto com seu futuro esposo.
Isso apenas seria verdadeiro, obviamente, se fosse abençoada com um marido que também se dispusesse a tentar construir o melhor matrimônio possível, uma união verdadeira, plena, rica e duradoura. Havia, porém, uma grande chance de nunca encontrar alguém tão bom, por maior que fosse o cuidado com que o pai procurava pretendentes para ela. Sabia o suficiente sobre o mundo para compreender que os homens nem consideravam o casamento um laço sagrado nem davam à esposa a devida importância, exceto como provedora de herdeiros legítimos. Com um marido assim, as lembranças de lain MacLagan bem poderiam ser sua única fonte de alegria, com exceção dos filhos que viria a ter.
Apesar de suas tentativas de justificar para si mesma os olhares insistentes que lançava para ele, teve de admitir que simplesmente gostava de observá-lo. Ele era um banquete para seus olhos. Quando percebia que estava sendo muito ousada, desviava o olhar, mas logo se via atraída novamente, envolvida pelo prazer de fitá-lo.
lain se vestia de azul-escuro e marrom. Pernas longas e musculosas podiam ser vistas nitidamente sob a calça marrom, e as mangas justas da blusa azul revelavam braços fortes. Ombros largos, cintura delgada e quadril estreito completavam a bela figura masculina. Ele era mais alto que a maioria, mas se movia com uma graça que era surpreendente para alguém de sua força e porte. Muitas mulheres o olhavam com aprovação, sem parecer se importar com o fato de ele não retribuir aos olhares insinuantes e sorrisos amistosos, permanecendo impassível diante de todos os flertes.
Seu rosto era marcante, com linhas definidas, e sua expressão ganhava personalidade em razão da cicatriz e do permanente ar distante. O sofrimento do luto tornara os ossos das faces mais proeminentes, aprofundando as depressões no rosto bem barbeado. A boca tinha um desenho harmonioso, embora os lábios fossem finos, um traço que se tornava mais acentuado pela constante tensão que os mantinha comprimidos. O nariz longo e reto e o queixo orgulhoso conferiam-lhe altivez, destacando-o entre os demais. A tonalidade morena acrescentava um toque formidável à constante sobriedade de sua expressão. Cabelos castanhos e curtos emolduravam esse rosto único, e as mechas grisalhas e incomuns para um homem de trinta e quatro anos davam a ele um charme maduro e intrigante.
Tudo isso servia de incentivo para a imaginação dela. Islaen pensava na perda que ele sofrerá e na dor que deixara marcas tão nítidas. Diante disso, era fácil pensar em si como a mulher que devolveria o amor e o riso à vida dele. Enquanto ela sonhava, havia pessoas trabalhando para dar uma chance ao seu sonho.
— MacRoth está muito empenhado em encontrar um marido para a filha — o rei observou em tom seco. — Ele já o procurou, MacLagan?
— Sim, já conversamos. — Iain desejava estar em qualquer outro lugar, pois identificava nos olhos do rei um brilho que o perturbava.
— E você disse não, presumo. — Ao vê-lo assentir, prosseguiu: — Posso saber por quê? O dote da jovem é impressionante.
— Já me casei uma vez, majestade. Deixe outro homem ter essa mesma chance. Tavis já assegurou a continuidade de nossa linhagem.
— É verdade, e Sholto ainda não se casou. Mas a Bíblia nos mandar crescer e multiplicar. Um homem não pode fazer isso sozinho.
— Já tentei, mas não era esse meu destino.
— Você desistiu depressa demais. Já conheceu a moça? Ela o segue com os olhos, se ainda não percebeu.
Iain olhou na direção de Islaen, que conversava com os irmãos gêmeos, Calum e Donald. Aos vinte e um anos, os rapazes eram altos, fortes e charmosos, tinham cabelos muito vermelhos e olhos castanhos. Embora parecesse estar completamente atenta a eles, Iain percebeu que, na verdade, ela o observava. Fitou-a com expressão carrancuda, o que não serviu para dissuadi-la.
— Talvez ela faça isso — disse. — Mas não importa.
O rei chamou Islaen com um gesto. Divertiu-se ao vê-la olhar ao redor, virar-se de novo para ele e apontar para si mesma, com expressão interrogativa. Ele assentiu e percebeu que os irmãos a empurravam de leve em sua direção. Quase riu quando ela, de alguma forma, conseguiu pisar nos pés dos dois antes de se aproximar. Observou que, apesar de ela fazer a reverência e dizer todas as palavras apropriadas, toda a sua atenção estava voltada para o homem alto e solene sentado ao seu lado.
Islaen estava nervosa. Não por estar conhecendo o rei, um homem que tinha poder de vida e morte sobre todos ali, mas porque não sentia nenhum calor no olhar de Iain. Decidiu concentrar-se no soberano. Sabia que não seria capaz de despertar o interesse de Iain MacLagan, mas, ao menos, não cometeria nenhuma tolice diante dele. Não suportaria permanecer na corte caso isso ocorresse.
— E muito parecida com sua mãe, criança. Nós a conhecemos quando seu pai a estava cortejando. Uma mulher adorável. Seu pai não trouxe todos os filhos, não é? — O rei sorriu. — Quantos são? É difícil contar.
— Onze. Ele trouxe apenas sete. Os quatro mais velhos permaneceram em casa, majestade. As esposas esperam filhos e não podem viajar.
— Imagine, MacLagan! Onze filhos fortes. MacRoth não precisa de exército. Ele mesmo criou o dele em casa. Algum neto?
— Sim, majestade, seis. Somente duas meninas, uma de Angus e outra de Colin.
Eles conversaram mais uma pouco sobre sua numerosa família. Islaen estava um pouco confusa, mas concluiu que se tratava apenas de simples curiosidade do rei. Iain não era tão ingênuo. Tinha um amargo pressentimento a respeito das intenções de seu soberano ao fazer tantas perguntas sobre a família MacRoth. Um profundo ressentimento crescia em seu peito enquanto ele contemplava o que estava por acontecer. Mas não havia como impedir o desenrolar dos acontecimentos. Ninguém contrariava a vontade de um rei, e nem mesmo suas mais sutis sugestões.
Ele havia ocupado o lugar ao lado do rei não só por ter sido convidado e por conhecer o prestígio conferido por tal posição, mas para escapar do assédio das mulheres da corte e de suas constantes maquinações. Estava sem uma mulher havia tanto tempo que a mais singela e simplória beleza podia representar uma grande tentação. Porém, reconhecendo o perigo que se aproximava, lamentou ter optado pela maneira mais covarde de tentar evitá-lo. Caíra em uma armadilha.
Era irônico. Saíra de Caraidland a fim de se afastar de uma mulher. Estivera cada vez mais próximo de sucumbir aos seus encantos, e sabia que ela não estava interessada em um breve interlúdio, mas em casamento. E, no momento, a mesma situação que o fizera fugir para a corte estava prestes a ser-lhe impingida.
— Uma linda menina. Maneiras impecáveis, reputação imaculada... Um homem pode se ver com uma companheira bem pior, ou nisso acredita meu afilhado, lorde Donald Fraser.
Por mais que tentasse, Iain não conseguiu reprimir totalmente a expressão de repulsa. Lorde Donald Fraser tinha quarenta e dois anos e já havia enterrado duas esposas. Vinho, meretrizes e jogo eram o centro de sua existência. Iain nem queria pensar no que poderia acontecer com aquela menina.
— Não faça mau juízo de MacRoth. O homem pouco vem à corte e não conhece Fraser como nós conhecemos. Não poderei recusar esse pedido de enlace, caso seja o único, mas prefiro que ele não aconteça. — O rei parou para beber um gole de vinho. — Os MacRoth são tão leais à Coroa quanto os MacLagan. Uma união entre essas duas famílias seria considerada muito propícia.
— Não preciso de uma esposa — Iain respondeu em tom sério, tentando não soar ríspido ou desagradável.
— Nem de uma mulher. Quer que todos acreditem nisso. Não é correto enterrar-se em vida com sua esposa. Um homem precisa do toque suave de uma mulher, ou endurece demais, e um homem excessivamente duro não se importa com nada. Sua lealdade deixa de ser inabalável.
— Vossa majestade sente que não pode mais confiar em mim?
— Não se ofenda, MacLagan. Foi só um comentário. As terras dela são vizinhas às suas.
— Eu não sabia disso, majestade.
— Ter essas terras nas mãos dos MacLagan, com os MacRoth comprometidos com sua defesa por meio do casamento, reforçaria aquela extensão da fronteira. Porém, se ficarem com Fraser ou com meu sobrinho, é provável que as disputas continuem, e que haja poucos olhos atentos aos ingleses. Já existem contendas suficientes, e seria bom ter uma área a menos como motivo de preocupação. Eu ficaria muito mais tranqüilo ao saber que aquela região está assegurada e protegida pela união de dois clãs leais. Casar-se com a única filha de um homem, uma jovem a quem o pai é amorosamente devotado... — Ele apontou com a cabeça na direção de Alaistair, que conversava com Islaen, demonstrando claramente seu afeto — ...é um laço mais forte do que muitos outros. Prova disso é o casamento de Tavis.
Iain assentiu, com a mandíbula contraída. Seu casamento com Catalina havia aplacado os sentimentos negativos dos MacBroth por Tavis não ter desposado outra filha da família, embora a tivesse mantido como amante. Devido à falta de castidade da jovem, a aliança não fora rompida, mas a relação se tornara tensa, porque esperanças haviam sido frustradas. O casamento de Tavis com Storm Eldon significava que, em pelo menos um ponto ao longo da fronteira, os ingleses se dispunham a assegurar a paz, porque erguer a espada contra um MacLagan significava pôr em risco a única filha de um senhor de guerra inglês.
Com exceção de uma ordem direta, nada poderia ter deixado mais claro o desejo do rei. A expressão no rosto do soberano indicava que a ordem direta seria dada, em caso de necessidade. A fronteira era fonte de preocupação para os reis de ambos os lados, quase sempre um território que escapava ao controle. Dois clãs locais unidos pelo casamento, fortalecendo a defesa da área de turbulência... Era uma tentação irresistível para o rei. Ele não hesitaria em ordenar o matrimônio e garantir o apoio que julgava necessário para a manutenção da paz na região.
Iain identificava com facilidade a sabedoria do ato e compreendia o desejo do rei. Mas isso não reduzia o ressentimento e a revolta contra a corda posta em seu pescoço. Nem mesmo saber que iria melhorar sua posição na corte, que teria mais dinheiro e terras e que satisfaria o pai servia de consolo. Porém, ciente de que não conseguiria escapar, resignou-se.
― Peço sua licença, majestade. Vou falar com lorde MacRoth.
Iain aproximou-se cauteloso de Alaistair MacRoth, que logo compreendeu que aquilo se tratava do cumprimento de uma ordem real. Enquanto discutiam os detalhes e arranjos, ele se perguntava se estaria mesmo fazendo o melhor pela filha. Sabia que a menina se interessara por Iain, embora o considerasse a antítese do sonho de qualquer donzela. Percebia claramente que o homem não queria desposá-la e, possivelmente, nenhuma outra mulher. E tinha de considerar sua frieza também. Islaen estava acostumada a viver cercada de afeto. Pelo que vira de Iain MacLagan, havia poucas chances de ela encontrar esse sentimento ao lado dele.
Lendo a preocupação nos olhos do pai de Islaen, Iain disse:
— Serei um bom marido para a menina. Não baterei nela nem irei me deitar com meretrizes ou com outras mulheres. Ela não sentirá falta de nada, lorde MacRoth.
Exceto de amor, Alaistair pensou, mas nada disse. Os outros pretendentes também não nutriam amor por sua filha. Sabia que era tendencioso, mas, aos seus olhos, ela era adorável, e não conseguia entender como os homens eram incapazes de enxergar tantas outras qualidades, fixando-se somente na ausência de curvas em seu corpo.
Reprimiu um suspiro. Iain MacLagan podia não amar Islaen, e talvez nem fosse capaz de experimentar tal sentimento, mas a garota o queria. E isso era mais do que ela havia manifestado pelos outros pretendentes cogitados até o momento. Talvez isso fosse suficiente para fazê-la feliz, e isso era o que ele mais desejava. Os compromissos que Iain tinha acabado de assumir superavam o que outros haviam prometido.
— E um conforto ouvir isso. E seria um conforto ainda maior se pudesse deixar de se comportar como um homem que está sendo enviado para a forca.
— Entendo seu ultraje, milorde. Perdoe minha atitude, mas deve saber que enterrei uma esposa jovem. Não desejava tomar outra sabendo que corro o risco de cavar também sua sepultura.
— Ela é muito mais forte do que parece. Muitos pensaram que a mãe dela também morreria cedo em função do casamento, mas Meghan provou que estavam enganados. Islaen nunca foi tratada como boneca. Os irmãos sempre a trataram como igual, e ela sobreviveu à prova. — Notando que Iain escutava com atenção, mas não parecia acreditar no que dizia, decidiu mudar de assunto. — Minha filha tem uma excelente propriedade, mas a terra precisa de cuidados.
— Isso não me preocupa, milorde. Tenho parentes perto de lá. Minha esposa e eu podemos morar com eles até que a propriedade esteja pronta para nos receber. Islaen não ficará sozinha, e Storm gostará de ter companhia feminina.
Alaistair notou que a expressão dura de Iain se suavizou ao mencionar a cunhada, e isso o acalmou. No fundo, ele era capaz de sentimentos ternos, afinal. Se alguém podia resgatá-los de serem enterrados para sempre, esse alguém era Islaen.
— Bem, venha falar com minha filha, então. Sei que ela não vai recusá-lo. Nem será necessário persuadi-la.
Alistair conduziu Iain até o grupo de jovens ruivos, e então arrastou de lá os quatro filhos mais jovens sem nenhuma sutileza.
Ao ficar sozinho com a garota, Iain observou-a. Pequena e bela, ela não fazia nenhum esforço para esconder como o apreciava. Era impossível sufocar ou ignorar os sentimentos agradáveis que isso despertava nele, e reconhecê-los era o suficiente para enchê-lo de preocupação. Se perdesse a armadura de frieza e indiferença que passara a usar desde a morte de Catalina, acabaria desejando tudo o que havia almejado antes, tudo que seu irmão encontrara com Storm, e isso mataria a jovem que agora sorria para ele com doçura. Resistiria com todas as forças.
— Posso me sentar? — perguntou, acomodando-se ao vê-la assentir.
Islaen estudou-o. Seu pai já havia informado a razão dessa conversa, embora ela se negasse a acreditar na realização de seu sonho. E a expressão no rosto de Iain não era animadora. Se pretendia mesmo propor casamento, certamente não era por escolha própria. Sim, desejava mais do que tudo ser a esposa dele, mas queria também que ele gostasse da idéia.
Porém, se ele não tinha escolha, ela também não. Além do mais, preferia ser ela a noiva a ver Iain MacLagan desposar outra. Reconhecia a evidente relutância em sua postura rígida, mas havia uma chance de conquistá-lo com o tempo e a convivência. Se recusasse a proposta, não teria nenhuma chance.
— Sabe sobre o que desejo falar?
— Suponho que sim, embora seu rosto não expresse a alegria de um pretendente entusiasmado.
— De fato, desejo falar sobre casamento. O rei acredita que uma união entre nós será positiva para todos.
— Não é a proposta dos sonhos de uma garota — ela resmungou. — Mas se o rei já decidiu...
— Exatamente. O rei decidiu. Acha que pode suportar a idéia?
— E claro que sim. Por que não poderia? — Viu-o apontar para a cicatriz no rosto. — Ah, isso não é nada. A propósito, como a conseguiu?
Iain quase sorriu. Jamais se considerara vaidoso, mas algumas reações provocadas por sua cicatriz o haviam magoado profundamente, ferindo-o quase tanto quanto a faca que marcara suas feições. Nos olhos adoráveis de Islaen, identificou a sinceridade de suas palavras.
— Fui atacado no sepultamento de minha esposa. Um homem enlouquecido acusou-me de ter roubado a mulher que ele amava e de tê-la levado à morte.
— Oh... E você a roubou desse homem?
— Não. O casamento foi acertado entre a família dela e a minha. Eu nada sabia a respeito dele. — Deteve-se e franziu as sobrancelhas. — E não sei por que falo com você tão livremente.
— Não contarei a ninguém. Além disso, não é justo que eu, como sua futura esposa, saiba se há algum homem se esgueirando por aí, prestes a enfiar uma adaga em você? E uma informação que pode ser útil.
— Sim, é verdade — respondeu, com um brilho divertido nos olhos.
Ela era perigosa, Iain concluiu. Além de ser bela, delicada e graciosa, tinha senso de humor e falava com franqueza. Admirava essas características. Em dois breves encontros ela o afetara mais do que as experientes e sedutoras damas da corte, atraindo-o, apesar de sua resolução. Teria de permanecer atento. Ela poderia atacar suas defesas até fazê-las ruir.
— Já amou alguém? — ela perguntou.
— Sim, ela foi entregue a outro antes de meu noivado.
— Ela ainda está casada?
― Não — respondeu lentamente, começando a perceber onde ela queria chegar. — Eu também não a amo mais. Islaen corou.
— Desculpe-me. Às vezes falo sem pensar.
— Não tem importância. Serei honesto com você. Eu não queria me casar. Já enterrei uma mulher, e é o suficiente para mim. O rei não quer que você despose nenhum de seus outros pretendentes porque não deseja que eles se apoderem das terras naquela área conturbada da fronteira. Sua família e a minha são leais e obedientes ao rei, e ele quer que unamos nossas forças.
Quanto romantismo, Islaen pensou. Porém, não esperara muito mais do que aquilo. Alguma coisa devia ter impelido um homem como Iain a fazer algo que, evidentemente, não queria fazer. Não era surpresa que o rei houvesse interferido na questão. Como suspeitara, nenhum dos dois tinha escolha.
— Ah, isso significará uma fortaleza contra invasões, um ponto da fronteira com o qual ele não terá de se preocupar.
Iain assentiu.
— O que não quer dizer que serei um mau marido. Como disse para seu pai, não bato em mulheres nem me deito com ninguém fora do casamento.
— É bom saber disso. Tais coisas podem ser motivo de discórdia no lar — ela arrastou as palavras, revirando os olhos, e ficou feliz ao ver um brilho divertido nos olhos notáveis de Iain. — Suspeito que lorde Fraser seja um devasso.
— Ah, sim? E como percebeu isso nele?
— Vai rir de mim, mas é porque... Ele lambeu os lábios e tinha as palmas suadas.
— Sinais evidentes de devassidão — lain respondeu, rindo suavemente.
O casal atraiu o interesse de todos, e a notícia sobre o noivado se espalhou rapidamente pelo salão. O anúncio oficial seria feito após o jantar, mas, quando o banquete foi retirado, todos já sabiam sobre o casamento. Não era segredo que o enlace havia sido decretado pelo rei. Islaen não sabia se devia se sentir embaraçada, zangada ou satisfeita enquanto ocupava o lugar ao lado de lain à mesa real. Não estava acostumada a receber tanta atenção.
E parte dessa atenção estava longe de ser favorável. Muitas mulheres cochichavam coisas desagradáveis a seu respeito. Não lhes importava que o rei tivesse decretado o enlace. Tudo o que aquelas mulheres viam era que uma menina pequenina com um corpo delicado e nenhum traço espetacular tinha atraído o homem que todas ali desejavam. Ser superada por uma garota da fronteira sem grande posição ou beleza era um veneno difícil de engolir. A interferência do rei era um bálsamo para a ferida da inveja, mas insuficiente. Muitas delas decidiram redobrar os esforços para envolver lain. Tinham certeza de que, despertado novamente para a vida, mas insatisfeito com a esposa, ele passaria a olhar para outras mulheres. E saber que o marido se deitava com outras poria Islaen MacRoth em seu devido lugar.
Islaen sentia e via tudo isso refletido em numerosos rostos, o que a envaidecia e preocupava. Orgulhava-se por ter sido a eleita para desposar um homem que tantas queriam, mas temia não ser capaz de satisfazê-lo. Percebia a ameaça de disputa em muitos olhares femininos. A batalha seria inevitável, e receava não conseguir vencê-la.
A insatisfação também dominava dois homens presentes no salão do rei. Ronald MacDubh e lorde Fraser não conseguiam esconder a fúria. Ambos precisavam com desespero do dinheiro que Islaen levaria ao matrimônio. Os dois tinham um estilo de vida semelhante, caro, e ambos deviam para pessoas que não esperariam com paciência pelo pagamento. As chances de encontrarem uma noiva de dote considerável eram poucas, especialmente porque tinham reputações desfavoráveis. MacRoth desconhecia o verdadeiro caráter desses homens. Nenhum dos dois se conformaria com a idéia de que a solução para seus problemas seria posta nas mãos de uma pessoa que não a desejava nem precisava dela. A notícia os atingira no bolso, onde estava sua sensibilidade.
Eles também se ressentiam pela propriedade que agora seria de MacLagan. Havia grandes oportunidades de lucro na fronteira. As lealdades eram frágeis na região, tornando-a propícia a um homem que só era leal a si mesmo. As chances de alguém alheio aos clãs que dominavam a fronteira assumirem o controle eram pequenas, e saber que um desses homens agarraria a única possibilidade existente os enfurecia. O ressentimento que ganhava força na alma desses homens era direcionado unicamente a lain MacRoth e servia de base para planos, ainda vagos, mas em franco crescimento, de vingança.
lain não era indiferente ao que acontecia no salão. Não estava interessado nas intenções das mulheres, como não se interessara por elas nos últimos tempos, mas estava atento aos frustrados pretendentes. Dinheiro e terra podiam fazer ferver emoções tão intensamente quanto amor e paixão, especialmente quando eram perdidos. Saber que os dois homens tinham desesperada necessidade de dinheiro e terra só aumentava a certeza de futuros problemas. Teria de se manter em guarda.
Sua vida não seria fácil a partir desse momento. Além do temor de engravidar Islaen e levá-la à morte, teria de pensar também na possibilidade de ela ficar viúva antes mesmo de engravidar. Sabia que seu senso de humor poderia ser considerado distorcido, mas pensar nisso o fez sorrir no exato instante em que o rei erguia o brinde de noivado.
Intrigada com o sorriso, Islaen respondeu distraída aos cumprimentos. Com um toque de amargura, ela tentava entender o motivo de tantas felicitações. Conquistara o nome do homem, não seu coração; ele havia sido escolhido pelo rei e obrigado a aceitá-la como esposa, impelido ao casamento por um soberano que desejava diminuir os próprios problemas.
Islaen baniu firmemente do coração essa amargura. O sentimento era inútil, pois só causaria mais dor e problemas. Não desejava verter esse veneno sobre seu casamento. Teria mais problemas na vida conjugai do que poderia resolver sozinha, e não precisava aumentá-los com uma atitude negativa. Quando o sorriso de Iain diminuiu, ela pensou que, talvez, ele também houvesse percebido todas as dificuldades que os esperavam.
Iain parou definitivamente de sorrir quando o rei anunciou que cuidaria da realização do casamento. Isso significava que a noite de núpcias ocorreria no interior do palácio, impossibilitando que ele deixasse a união por consumar. Protestou, alegando que sua família não poderia comparecer, mas a reação do rei, embora fosse de compreensão e solidariedade, não sugeria mudança de planos. Restava-lhe fazer uso de um dos muitos métodos conhecidos para evitar a concepção e esperar que Islaen não interpretasse sua atitude como uma ofensa pessoal. Islaen sentiu que, após o anúncio do rei, Iain se retraiu novamente, voltando a ocultar-se naquela concha imaginária, mas eficaz. Seria difícil estabelecer uma ligação verdadeira com alguém capaz de se isolar com tanta facilidade e rapidez.
De repente, percebeu que trilharia um caminho de pedras. O amor era seu maior interesse, mas, como uma pessoa prática, sabia que alimentar essa esperança seria se abrir para a dor. Buscaria, então, um relacionamento de amizade. Seria importante para ele como só uma esposa podia ser. Havia observado as mulheres com quem os irmãos tinham se casado, e sabia que podia ser como elas. Com ou sem amor, um homem podia depender inteiramente de uma mulher. No quarto, aprenderia a dar ao marido tudo que ele pudesse desejar, anulando assim a possibilidade de que olhasse e se interessasse por outras mulheres. Talvez nunca tivesse o casamento perfeito, mas se empenharia para chegar tão perto disso quanto permitissem as circunstâncias.
Islaen tentava acompanhar o ritmo dos homens. Iain e o rei estavam muitos passos na frente dela. Seus três irmãos, Calum, Nathan e Donald, paravam constantemente para não deixá-la para trás. Lamentava profundamente ter se preocupado tanto com a aparência. O vestido amplo e longo que usava a impedia de caminhar com a rapidez necessária.
Vaidade era sempre um problema. Havia desejado mostrar a Iain que podia se vestir tão bem quanto qualquer dama da corte, e agora, em vez de impressioná-lo com sua elegância, ia tropeçando e cambaleando como um bebê dando os primeiros passos. Estava vestida dentro dos rigores da moda, mas não tinha nenhuma graça.
— Por que vestiu essa coisa, se não sabe andar dentro dela?
Ela olhou furiosa para Nathan.
— Ando perfeitamente em meus aposentos. O solo aqui é irregular.
— Anda com menos equilíbrio do que o filho mais novo de Colin.
Aborrecida, Islaen começava a se afastar dos irmãos quando um de seus pés se enroscou no vestido longo e, com um grito aflito, ela começou a cair. Nathan tentou segurá-la, mas ela o levou para o chão na queda, e ambos começaram a rolar do pequeno aclive em que se encontravam. Quando chegaram ao pé da encosta, Nathan estava em cima dela, gargalhando. Ela praguejou enquanto o empurrava.
Nathan rolou para o lado, sem parar de rir, e Islaen ouviu as risadas dos outros irmãos, que se aproximavam. Ao escutar Iain chamando seu nome, fechou os olhos e desejou que, por um milagre, pudesse desaparecer. Era uma pena que um constrangimento tão grande não fosse capaz de matar.
Iain tentou não rir, o que foi bastante difícil, considerando as gargalhadas dos irmãos de Islaen e do próprio rei. Controlando-se, segurou-a com gentileza pelos braços para ajudá-la a se levantar.
— Vamos, Islaen, você não parece estar ferida.
— Não estou, mas acho que vou ficar aqui até desaparecer.
— Compreendo o que sente, mas não vai conseguir desaparecer.
― Não... — concordou, abrindo os olhos.
Ao se levantar e fitá-lo, concluiu que o brilho bem-humorado nos olhos dele os tornava ainda mais belos. Enquanto ele a ajeitava, como se estivesse lidando com uma criança, pensou que, para ver aquela luz no rosto dele, não se importaria em suportar muitos outros constrangimentos.
— Se não consegue andar com esse vestido, por que o escolheu?
— Para impressioná-lo — ela respondeu com franqueza. — Para tentar impedi-lo de olhar para todas as mulheres que tentam atrair sua atenção.
— Ah... Bem, não notei tantas assim, mas, mesmo que sejam muitas, não precisa se incomodar. Não me impressiono com esse tipo de tolice.
— O quê? Quer dizer que quase quebrei o pescoço por nada?
O rei não conteve o riso. Iain fez um esforço para se manter sério. Sua jovem noiva havia feito um grande sacrifício para impressioná-lo, e não queria que pensasse que estava zombando de seu esforço.
Quando chegaram ao castelo, Iain viu Islaen se retirar apressada e suspirou. Ela o afetava intensamente. Era como se trouxesse consigo a promessa de tudo o que sempre havia desejado em um relacionamento. Seria muito difícil manter a distância entre eles, mas teria de tentar. Perguntando-se por que tal pensamento o deprimia, Iain de repente deu-se conta de que estava praticamente cercado pelos irmãos dela.
— Querem falar comigo? Duncan, o mais velho dos sete, com vinte e sete anos, falou pelo grupo:
— Sim, queremos conversar sobre nossa irmã.
— Que surpresa.
— Não temos muito a dizer — prosseguiu Duncan, ignorando o sarcasmo de lain. — Mas vamos falar mesmo assim.
— Isso mesmo — confirmou Malcolm. — Deve ter notado que gostamos muito de Islaen.
— Sim, eu notei.
— Você é um homem frio — acusou Robert, o de vinte e seis anos. — Ela não está acostumada com isso. Não vamos ficar contentes se a magoar com essa sua natureza dura.
— Ou com qualquer outra coisa—acrescentou Duncan.
Todos os irmãos assentiram e, um a um, se retiraram, deixando-o sozinho. A caminho de seus aposentos, ele considerava o aviso que acabara de receber. Ninguém o ameaçara diretamente, mas não precisava de muita imaginação para entender o que havia por trás das palavras breves e francas dos MacRoth. Qualquer mágoa que causasse a Islaen seria retribuída doze vezes, porque não tinha dúvidas de que os irmãos ausentes e o pai deles concordavam com a postura dos sete com quem acabara de conversar.
Por um instante, sentiu o ressentimento natural de um homem preso em uma armadilha, mas logo sufocou o sentimento. Acabaria por direcioná-lo para Islaen, e ela não merecia. Estava tão encurralada quanto ele. Gostaria de saber como ela se sentia em relação a tudo.
— Por que vestiu esta coisa se não consegue andar com ela? — Meg perguntou irritada, tentando remover as manchas de terra e grama do vestido pesado e comprido.
— Queria mostrar a lain que posso ser tão elegante e bela quanto as mulheres que o assediam.
— Meretrizes! Não precisa se preocupar com elas. Você vai ser a esposa dele, e ninguém pode mudar um decreto do rei.
Mas Islaen ainda queria provar ao futuro marido que ele não estava fazendo um mau negócio. Na manhã seguinte, enquanto esperava impaciente pelo fim da prova do vestido de casamento, ela decidiu que mostraria ao noivo que podiam falar sobre tudo. Seria sua melhor e mais leal confidente.
Mais tarde, quando lain a cumprimentou pouco antes do jantar, viu nos olhos dela um brilho que já estava aprendendo a reconhecer. Islaen ainda estava tentando impressioná-lo.
Enquanto comiam, ele começou a perceber seu jogo. Era um jogo perigoso, embora ela não se desse conta disso. Se permitisse que ela se tornasse sua confidente, logo seria muito mais do que isso. Teria de combater essa nova investida e esperar que ela não se sentisse ofendida com sua atitude.
Irritada, Islaen concluiu que lain não estava cooperando em nada. Lidar com ele era como bater a cabeça contra a parede. Ele nunca era rude ou grosseiro, mas também não respondia como esperava. Quando se despediram, ela sentia uma terrível dor de cabeça. Retirando-se para um banco isolado da multidão que Perambulava pelo salão, ela tentou entender onde estava errando. Talvez estivesse sendo sutil demais.
— Sozinha?
Contendo uma imprecação, Islaen ergueu os olhos para identificar a companhia indesejada. Lorde Donald Fraser tinha no corpo e no rosto as marcas deixadas pela vida de excessos. A tentativa de se manter na moda só servia para revelar que o corpo estocava mais gordura que músculos. Porém, o que realmente a incomodava era o brilho naqueles olhos cinzentos e pequeninos. Ali estava estampada sua luxúria. Quando ele se sentou ao seu lado, mesmo sem ter sido convidado, logo percebeu que o homem não era muito afeito ao uso de água e sabão.
— Buscava apenas um momento de quietude — ela respondeu.
Lorde Fraser ignorou a indicação que deveria se retirar.
— Sim, a corte é mesmo movimentada. Seu casamento terá muitas testemunhas.
— De fato. Só lamento que a família de sir MacLagan não possa comparecer.
— E eu lamento que o rei a tenha sacrificado unindo-a a um homem sem coração.
— Fala com injustiça sobre meu futuro marido.
— Ah, moça, você age com bravura, e é admirável que tente defendê-lo, mas todos conhecem a verdade.
— Não imagino que verdade todos pensem saber. Eles se preocupam com o que não lhes diz respeito.
— E como não se preocupar? Se uma jovem de sua beleza é entregue a um homem que não se interessa por mulheres... É sabido que ele enterrou o coração com a esposa morta. E sepultou também o fogo de que necessita uma esposa. Há por aqui muitos homens que anseiam dar a você o que alguém frio como MacLagan jamais poderá oferecer. Eu sou apenas um deles, e espero que me note antes de reparar em qualquer outro.
Ao sentir um braço envolvendo seu corpo, Islaen ficou tensa. Não acreditava que o homem seria ousado a ponto de tentar seduzi-la diante de toda a corte, com seu noivo e seus irmãos a poucos passos de distância. Quando percebeu que ele tentava beijá-la, empurrou-o e com um grito de repulsa, levantou-se de um salto, disposta a buscar a proteção de um de seus familiares ou de Iain. Foi com alívio que encontrou o noivo bem perto dali. Cumprimentando com cortesia as três pessoas com quem ele conversava, Islaen entrelaçou o braço no dele, permanecendo ao seu lado. Lorde Fraser, que ainda se recuperava do choque de ter sido repelido com tanta violência, lançou um olhar frio e ameaçador em sua direção antes de se afastar.
Islaen decidiu que não poderia enfrentar lorde Fraser sozinha. Uma pessoa de sua estatura tinha de reconhecer as próprias limitações. Se Fraser a pegasse, só a sorte poderia salvá-la. Precisava de ajuda e proteção, mas não contaria a Iain o que tinha acontecido. Pelo menos, ainda não. Temia os problemas que um confronto poderia causar, e preferia evitá-los.
De repente, reparou na mulher que conversava com Iain. Lady Constance era exuberante e bela, e flertava abertamente com ele. Iain, se havia notado as atenções da mulher, fingia não ter percebido. Islaen irritou-se. Seu olhar furioso, porém, provocou apenas um sorriso condescendente na rival mais velha.
Sentindo a tensão na mão que segurava seu braço, Iain fitou-a, intrigado.
— Parece agitada, pequena Islaen.
Era a chance que ela esperava para afastá-lo do grupo. Apoiando o rosto em seu braço, sorriu para o noivo.
— Sinto-me cansada. Poderia, por gentileza, acompanhar-me aos meus aposentos, sir MacLagan? Gostaria de me recostar por alguns minutos.
— É claro que sim, minha querida.
O tratamento carinhoso assustou-a, mas ela conseguiu disfarçar o espanto enquanto o futuro marido pedia licença para se retirar. Lady Constance o ouvira chamá-la de minha querida, e não queria que ela pensasse que o tratamento era uma ocorrência incomum. No instante seguinte, Iain a acompanhava de volta ao quarto. Pouco acostumada a subterfúgios, Islaen se esqueceu de que dissera estar cansada, e caminhava ao lado dele com a habitual vivacidade.
— Pensei que não se sentisse bem — ele murmurou. Ele não tinha acreditado naquela desculpa. Quando Islaen o encontrara, tinha sentido que estava agitada e tivera certeza de que ela havia corrido ao seu encontro. Apesar de o estado de espírito dela já ter se alterado drasticamente, ele ainda não sabia o que a tinha levado a buscá-lo com tanta aflição. Alguma coisa a perturbara, e gostaria de saber o que havia sido. Lorde Fraser devia ter alguma coisa a ver com aquilo, porque o vira abordá-la.
— O quê? Ah, não, estou muito bem. Só me cansei de ver lady Constance se derretendo toda para cima de você, e decidi tirá-lo de perto dela.
Iain se esforçou para conter o riso.
— Ah, ela se derretia, então?
— Não vai me convencer de que não notou.
— Bem, agora que mencionou, acho que ela estava flertando um pouquinho.
— Ah, sim, um pouquinho — ela resmungou. — Ela quase arrancou as roupas e se atirou em cima de você.
— Isso, sim, eu teria notado.
— Você está brincando, mas é verdade. — Ela meneou a cabeça. — Não consigo entender.
— Obrigado — ele murmurou.
— Quero dizer, entendo que ela se derreta por você. O que me intriga é que ela faça isso na minha frente, de forma tão acintosa. Os costumes da corte me confundem. Não há leis aqui?
― Só as que a corte deseja seguir. Foram os costumes da corte que a fizeram correr para mim?
— Ah, bem... Sim. De certa forma. É minha primeira vez aqui.
— Você não compreendeu alguma coisa que lorde Fraser disse? Ou fez?
— Eu... me surpreendo com as maneiras da corte, só isso. Não é nada importante.
— Tive a sensação de que estava muito aborrecida. Islaen não ia contar o que havia acontecido. Porquê? Sabia que ela não era covarde. Então, o que a fizera se aproximar correndo dele, levemente trêmula, deveria ter sido algo sério. Tinha certeza de que ela não dizia nada para evitar problemas.
Pensar em lorde Fraser tentando impor sua vontade ou forçar sua indesejada atenção sobre Islaen o enfurecia. Era estranho... Não queria esse casamento, mas já agia como um homem apaixonado. Resolveu que ficaria de olho em lorde Fraser, caso ele ainda não houvesse desistido de assediar sua futura esposa.
Aliviada por Iain não insistir no assunto, Islaen correu para o interior de seus aposentos assim que chegaram à porta. Sabia que não o havia enganado com as respostas evasivas, mas sabia também que, por isso mesmo, ele permaneceria atento ao homem. E seria melhor assim. Pelo menos poderia esquecer lorde Fraser e sua persistência e concentrar-se na campanha para convencer Iain MacLagan de que seria uma boa esposa para ele.
Vencê-lo no jogo de xadrez poderia ser um passo ousado demais? Sabia que já o impressionara com sua habilidade, mas anunciar o xeque-mate... A última coisa que queria era ferir seu orgulho.
— Islaen, juro que não vou chorar. Reconhecendo o humor na voz dele, ela sorriu e disse:
— Xeque-mate.
— Acho que isso doeu mais em você do que em mim. — Ele riu.
— Sim, ela parece mesmo muito abalada — concordou uma voz sensual.
Islaen ergueu os olhos para o homem que Iain se levantara para cumprimentar e não conseguiu esconder o espanto. Nunca antes vira um homem tão belo! Desde o cabelo dourado e abundante até o corpo esguio e forte, tudo nele era perfeição. Não a surpreendia que a voz profunda lhe houvesse causado um arrepio. Iain a apresentou á Alexander MacDubh.
Observando a reação de Islaen, Iain entendeu por que seu irmão Tavis, mesmo depois de dez anos de casamento, ainda odiava receber as visitas de Alexander. Islaen estava fascinada. Era contraditório que ele, uma pessoa que não queria se casar, de repente se descobrisse odiando ver sua noiva atraída por outro homem. Ignorando o sorriso debochado de Alexander, concordou imediatamente quando Meg chamou Islaen para tomar algumas decisões relativas aos preparativos para o casamento.
—Ouvi dizer que o rei arranjou o enlace —Alexander comentou quando ficou sozinho com Iain.
— Como fez com você.
— Sim, mas você se deu muito melhor. Soube também que muitos desejam o rompimento dessa união antes mesmo de sua concretização.
— Já soube demais para um homem que acabou de chegar à corte.
— Ah, bem, tive uma conversa com lady Constance.
— Uma conversa?
— Breve. Seguida pelo generoso consolo de uma boa dama a um viúvo solitário.
— Você está viúvo há dois anos. Esse truque não funciona mais.
— Funcionou com lady Constance. E quanto ao seu casamento? Não tem nada a me dizer sobre os planos para a cerimônia ou sobre a criança que será sua esposa?
— Ela tem dezenove anos. — Iain quase riu da surpresa de Alexander. — Lorde Fraser e seu primo Ronald MacDubh haviam se candidatado à mão dela, e nenhum dos dois ficou muito satisfeito com a perda do dote considerável. A jovem dama tem onze irmãos e um pai, e todos me matariam em um instante se eu não conseguir mantê-la bem e feliz. Sim, vou me casar, mas não espero que proponha um brinde, a menos que seja para me desejar sorte para me manter vivo até o final do ano.
— Especialmente com MacLennon ainda espreitando. Parece que pisou na areia movediça, meu amigo.
— Sim. E estou afundando rapidamente.
— Ela parece uma jovem muito doce. Certamente haverá algo de positivo em tudo isso.
— Talvez haja algo de bom, mas não vou procurar nada. Ela pode acordar viúva horas depois de subir ao altar. Seria cruel brincar com os sentimentos dessa criança sabendo que minha vida corre sério risco.
— Iain, meu amigo, talvez esteja fugindo das coisas erradas.
— Sei bem do que devo fugir, Alexander.
— E sabe também o que pode perder? Eu não tive chance em meu breve casamento. Casei-me com uma mulher cujo coração não pertencia a ninguém, mas cujo corpo havia sido entregue a muitos. A única coisa boa que ganhei foi minha filhinha. Você nega a si mesmo a chance de ser feliz. A você e a ela.
— O que nego a ela é a possibilidade de sofrimento — disse friamente antes de mudar de assunto.
Iain não voltou a pensar nas palavras de Alexander até acompanhar Islaen ao salão para a última refeição do dia. A maneira como pretendia administrar sua vida era realmente injusta com ela, mas não encontrava uma forma de alterar esses planos. Ter a companhia de Alexander para o jantar foi um alívio, porque assim Islaen não percebia seu distanciamento. Porém, não conseguiu evitar o ciúme. Alexander a entretinha, a divertia, e flertava com ela. Mais tarde, quando a acompanhou de volta aos seus aposentos, Iain não sabia mais se considerava Alexander uma bênção ou uma maldição.
— O que acha de Alexander? — ele perguntou de repente quando pararam na porta do quarto dela.
— Ele é muito gentil. E agradável.
— E um implacável sedutor, também.
— Imagino que sim! Um homem como ele deve ser um sedutor irresistível. E sabe o que o torna tão bom na arte de seduzir? Ele é capaz de cortejar uma mulher sem que ela se sinta nervosa, ou tola, ou constrangida.
— Nervosa ou tola?
— Sim, ele deixa as mulheres à vontade. Deve ser aquela voz dele. E tranqüilizante como uma canção de ninar. Ele deve estar cansado de ser sempre alvo de todos os olhares, não?
— Você acha? — Iain se divertia com os comentários ingênuos sobre Alexander.
— Ah, sim! O homem sabe que é atraente, mas não é vaidoso. Se perder a beleza, talvez lamente por as mulheres não caírem mais em seus braços com a mesma facilidade, mas sua tristeza não irá muito além disso. Talvez ele até se sinta feliz, porque, então, as pessoas deixarão de ver somente sua beleza e verão o homem que ele é. Eu não gostaria de ser tão bela.
— Ah, mas você é bela.
— Não — ela protestou, corando. — Tenho sardas, e meu cabelo é de uma cor muito viva.
— O que não o torna menos bonito.
— Diz isso porque nunca o viu solto. — Ela corou de novo ao pensar quando isso aconteceria. — Viu apenas algumas mechas que escapam sempre das fitas. Meu cabelo é muito rebelde.
— Islaen, às vezes você se esforça para ser honesta.
Despediram-se de forma contida. Uma vez sozinha no quarto, Islaen se encostou à porta e suspirou. Sentia-se culpada. Não era honesta, embora houvesse tentado numerosas vezes. As palavras sempre ficavam presas em sua garganta. Havia uma confissão a fazer, algo que precisava dizer a Iain, e o tempo estava se esgotando. Se não falasse logo, ele ficaria chocado quando percebesse que grande mentirosa ela era.
Islaen estava deitada, mas não conseguia dormir. Na manhã seguinte se casaria com Iain MacLagan e sentia medo, não do casamento e de tudo que ele implicava, mas de desapontá-lo e de sofrer por isso.
De vez em quando ele abandonava a atitude fria e distante, mas logo a retomava, às vezes de forma mais intensa que anteriormente. Temia que a atitude se tornasse o homem, e que nunca conseguisse encontrar a pessoa que ele se esforçava tanto para esconder de todos. Esse fracasso a deixaria casada com um estranho, que manteria prisioneiro o homem que ela queria.
E também havia seu segredo. Não poderia ocultá-lo na intimidade do casamento. Várias vezes tinha encontrado a coragem necessária para falar com ele, mas a perdera ao encará-lo. Por um tempo, havia pensado em deixar tudo acontecer como uma surpresa, mas agora duvidava da inteligência dessa decisão. Não só porque seria algo injusto com Iain, mas porque não suportaria ver o desgosto em seu rosto quando ele descobrisse. Seria doloroso demais se ele a rejeitasse na noite de núpcias, exatamente na noite em que ele a tomaria como sua.
Decidida, levantou-se e procurou uma roupa. Era melhor revelar o segredo antes que trocassem os votos. O casamento poderia ser cancelado, se necessário fosse. Sua esperança era que, na pior das hipóteses, Iain insistisse em manter as velas apagadas. Talvez o tato não fosse tão ruim quanto a visão. Convencida de que a exposição imediata era a solução, a única coisa justa a ser feita, ela saiu do quarto para procurá-lo.
Era tarde, mas ainda havia diversas pessoas andando pelos corredores. Não era preciso ser muito perspicaz para perceber que os relacionamentos ali eram muitos e variados. O fato de ninguém desejar ser visto tornava sua missão mais fácil. A primeira e única real dificuldade surgiu quando ela estava a duas portas de seu objetivo. Uma mulher que ela sabia ser casada encontrava um homem igualmente comprometido, o que a fez esconder-se em um nicho de onde, para seu imenso desconforto, podia ver e ouvir o encontro, uma situação que comprovava que a cama não era necessária.
Quando finalmente alcançou a porta do quarto de Iain, parou com a mão erguida, pronta para bater. Sabia que sua atitude era a mais correta, mas não era a mais fácil. Ninguém gostava de expor um defeito ou uma vergonha. Porém, Iain tinha o direito de conhecer suas falhas antes de estar irrevogavelmente ligado a elas. Decidida, bateu na porta, certa de que seu coração acelerado podia ser ouvido por todos no corredor.
Iain estava deitado no centro da cama, tentando se embebedar, mas fracassando miseravelmente. Não estava sóbrio, certamente, mas não conseguia encontrar a inconsciência que lhe proporcionaria conforto. Era como se o destino estivesse sempre contra ele. Privá-lo da capacidade de se embebedar era um truque muito cruel, além de um desperdício de bom vinho. Sabia que não resolveria nada se embriagando, mas, ainda assim, continuou bebendo. Nada acontecia como ele queria ultimamente.
O rei frustrara seu plano de se casar com Islaen longe do castelo, o que teria permitido que não consumasse a união. Ali, as criadas relatariam rapidamente a falta de sangue no lençol. Como não haveria uma explicação satisfatória para isso, teria, realmente, que se deitar com ela. E, mesmo que fosse muito cuidadoso, havia sempre a chance de engravidá-la. Uma mulher de família tão numerosa devia ser fértil.
Lembrou-se de todas as histórias que ouvira sobre a mãe dela, uma mulher pequenina e aparentemente frágil, que havia gerado muitos filhos, todos saudáveis. Talvez Islaen fosse capaz da mesma proeza.
Meneou a cabeça, afastando essa idéia. Não podia arriscar. Sabia que estava sendo covarde, mas não apostaria a vida de outra mulher.
Visualizava Islaen se contorcendo no leito do parto, gritando durante horas, até ele ter certeza de que enlouqueceria com o som. E, quando os gritos cessassem, não haveria nada além de um lençol ensopado de sangue, e um caixão para ela e seu filho. Via Islaen e Catalina fundidas em uma só mulher, com o rosto delicado e adorável torcido de agonia, o corpo pálido e sem vida cercado de sangue e, ao lado dele, o bebê igualmente morto, azul pela falta de ar e com o cordão enrolado no pescoço.
Catalina o amaldiçoara naquele momento de dor e agonia, e estivera certa. Nunca devia tê-la possuído, com ou sem casamento. Ela jamais havia apreciado o ato, e tinha ficado aliviada com a gravidez que acabara por matá-la, porque, graças a ela, pudera bani-lo de sua cama. A voz angustiada ainda assombrava seus sonhos, culpando-o por sua morte cruel e prematura. Aos vinte anos, ela se despedira da vida sem deixar nenhuma semente. E Islaen tinha apenas dezenove anos, ele lembrou, se esforçando para não chorar de desespero.
— Oh, Deus, tenha piedade de mim! Faça com que ela seja estéril. Eu não suportaria passar por tudo aquilo novamente.
Batidas na porta interromperam seus pensamentos mórbidos. Assim que a abriu, pensou em fechá-la novamente. Porém, constatando que Islaen não era uma alucinação causada pelo álcool, puxou-a para dentro do quarto, examinou o corredor para se certificar de que não havia ninguém ali, e fechou a porta. Amaldiçoou a luxúria que tomou seu corpo. Sabia que ela não estava ali motivada por intenções românticas. Seu ar era solene, quase amedrontado.
Islaen não sabia como começar. Se havia imaginado que a tarefa seria difícil, agora que o via furioso antes mesmo de ouvi-la suspeitava de que tinha pela frente uma missão impossível. Com esforço, conteve o impulso de olhar ao redor para verificar se havia interrompido uma despedida de solteiro. Não a surpreenderia, apesar dos rumores sobre seu estilo de vida celibatário, porque ele apenas estava se casando em cumprimento a uma ordem do rei.
Outra razão para estar constrangida era a forma como ele se vestia. Ou melhor, a ausência de roupas, pois ele usava apenas as calças. Viu claramente os músculos definidos do peito nu, e seguiu a trilha de pêlos até o abdômen. Já tinha visto muitos homens seminus, e até mesmo nus, algo inevitável em uma casa ocupada por tantos irmãos, mas nunca antes sentira aquele calor. Nem tamanha urgência de tocar o peito de um homem. Obrigou-se a desviar o olhar de seu corpo e encará-lo.
Iain estava suficientemente bêbado para não se importar com seu estado de pouco recato.
— Ficou maluca, moça? O que faz aqui?
— Precisava falar com você — ela respondeu, seguindo-o até a mesa-de-cabeceira, onde ele pegou a garrafa de bebida.
Sentando-se na cama, Iain tomou um longo gole antes de fitá-la,
— Não podia ter esperado até amanhã? E se alguém a viu?
— Ninguém me viu, e as pessoas que eu vi não comentariam, mesmo que me vissem, porque não poderiam explicar sua presença no corredor a essa hora da noite. Além do mais, o que tenho a dizer não pode esperar. Há algo que você deve saber antes do casamento. Ou melhor, há algo que deve ver antes do casamento. Não sou exatamente como pareço.
— Tem alguma deformidade? Acha que eu a rejeitaria por uma cicatriz ou um sinal de nascença?
— Não é nada disso. — Ela começou a se despir. — Não posso mais enganá-lo. Seria injusto e desonesto.
Iain a viu remover o vestido e exibir-se apenas de camisola, uma espécie de vestido simples e sem mangas que a cobria até a metade das coxas claras. Havia algo de vagamente diferente nela, mas não sabia identificar o que era. Não conseguia pensar com clareza naquelas condições, com a mente entorpecida pelo álcool e o corpo incendiado pelo desejo.
Ela desamarrava as fitas da camisola e um rubor intenso tingia suas faces. Percebendo que pretendia se despir diante de seus olhos, Iain entrou em pânico. — Não é necessário tudo isso. Poderemos manter as velas apagadas.
Talvez devesse sair do quarto, pensou, mesmo que a atitude parecesse tola e insana. Infelizmente, seu corpo se recusava a obedecer aos desesperados apelos do cérebro.
— Não vai adiantar, pois ainda assim perceberá o problema. Não tenha medo de ferir meus sentimentos. Entenderei se não puder suportar. Tenho consciência de minha inadequação, por isso a escondi. Não suporto a idéia de revelar ao mundo um traço tão estranho.
Quando ela deslizou a camisola até a linha da cintura, Iain fitou boquiaberto os fartos seios cor de marfim e os mamilos rosados e túrgidos. Forçando-se a desviar o olhar ávido de tão rara beleza, tentou encontrar o defeito a que ela se referira. Uma horrenda cicatriz, ou qualquer outro sinal repugnante o ajudaria a afastar-se da exuberância daqueles seios arredondados. Mas ele nada via. Incapaz de se conter, tocou um deles. Sabia dos riscos, mas não era mais capaz de escutar os avisos da mente. Estava enfeitiçado. Não havia uma única parte de seu corpo que não doesse, ansiando pelo dela.
O calor da pele sob seus dedos o fazia tremer de desejo. Sabia que era tarde demais para recuar, para recuperar a razão. Precisava tocá-la, senti-la... Só lhe restava rezar para que ela o detivesse, para que fugisse, talvez. Mas Islaen nem parecia perceber o grave perigo que corria.
Com voz trêmula, sem compreender o fogo que ardia em seu corpo, ela murmurou:
— Agora entende? Sou desproporcional. Não precisa fingir. Saberei entender se não puder suportar essa deformidade em uma esposa.
— Oh, Deus... — Iain gemeu, deixando o vinho sobre o criado-mudo para tocar o outro seio.
Islaen antecipara várias reações, mas nenhuma se aproximava do que estava acontecendo. Se ele a tocava era porque não se sentia repelido. Mas havia uma expressão estranha em seu rosto, um fogo que tornava seus olhos ainda mais verdes, algo que ela não conseguia decifrar com a mente confusa como estava. Sentia o corpo todo arder, prejudicando seu raciocínio.
— Iain — ela gemeu ao sentir uma das mãos dele tocando-a no ventre. — Não vai dizer nada? Quer cancelar o casamento?
Incapaz de pensar, ele apenas repetiu:
— Meu Deus...
Iain beijou um dos seios. Os lábios envolveram o mamilo rosado e o sugaram com avidez. A língua o contornou lentamente. Islaen agarrou-se aos ombros dele, numa reação natural ao desejo que a dominava, soltando a camisola que cobria parcialmente sua nudez. Os olhos de Iain passearam famintos pelo corpo pequeno e curvilíneo. Abaixo dos seios fartos, havia uma cintura fina, um quadril arredondado, pernas bem torneadas, e um triângulo de caracóis vermelhos que era pura provocação. Segurou-a pela cintura, puxando-a para mais perto.
— Meu Deus... — repetiu, angustiado, antes de tomar o outro seio na boca. Islaen sentia as pernas trêmulas, e ondas de prazer a percorriam da cabeça aos pés. Não emitiu nenhum ruído quando Iain colocou-a sobre a cama e deitou-se sobre ela. Ele a beijava com avidez, invadindo com a língua sua boca intocada. Os pêlos do peito forte roçavam seus seios, estimulando-os, enquanto ele acariciava cada pedacinho de seu corpo. Islaen correu as mãos pelas costas largas, sentindo a tensão nos músculos e o tremor provocado pela paixão incontrolável. O lampejo de razão quando sentiu o membro que procurava pela entrada de seu corpo não foi forte o suficiente para que o detivesse. Com um grito breve e abafado, entregou a Iain sua inocência. Em troca, ele a levou ao êxtase, conduzindo-a às alturas, de onde mergulharam juntos no abismo do desejo.
Depois, durante algum tempo, permaneceram abraçados e quietos, ofegantes, recuperando aos poucos a capacidade de respirar com alguma normalidade. Islaen apreciava a sensação do peso dele sobre seu corpo. Uma voz fraca em algum lugar de sua mente a alertou sobre pecado e castigo, mas ela a ignorou. Aquele era o homem com quem se casaria em poucas horas, ou, pelo menos, com quem esperava se casar. Talvez fosse presunção, mas tinha a impressão de que ele não se sentira repelido por sua evidente falta de proporção. Por outro lado, Meg sempre dizia que um homem nunca é muito seletivo em relação às mulheres com quem se deita, desde que a urgência seja forte o bastante para cegá-lo.
Iain estava mortificado. Agira como um louco! E se sentia inclinado a repetir a loucura. Pior, derramara nela sua semente e sabia agora que seria difícil manter o controle. Pensando nisso, ergueu o corpo e fitou-a com ar atormentado, um olhar que confirmou os piores temores de Islaen.
— Não pode suportar, não é? Era o que eu temia — ela gemeu.
Não devia ter ido procurá-lo. Iain havia mostrado o que poderiam viver juntos, mas nunca mais repetiriam a experiência. Seu pior pesadelo tornava-se realidade.
Iain respirou fundo, sufocando os próprios temores. Alguém havia dado a Islaen a ridícula idéia de que era ela deformada. Era importante fazê-la entender que isso não era verdade.
— Islaen, você não é estranha ou feia. De onde tirou essa idéia?
— Sou desproporcional. Não é certo ser gorda em uma parte do corpo e magra em todos os outros lugares.
—Você é pequenina, mas tem carne suficiente para o toque de um homem. E seus seios são exuberantes. Quem disse que isso é estranho ou feio?
— Meg diz que pareço uma vaca. Tenho ubres, mas me falta o resto — ela respondeu em voz baixa.
— Escute, é verdade que tem mais seios do que se pode esperar para uma mulher da sua estatura e do seu porte, mas não há nada de feio nisso — ele afirmou, acariciando-os.
— Oh... Eu não me importo com eles quando faz isso. Ele reprimiu uma risada.
— Saiba que todos os homens aqui presentes adorariam estar no meu lugar, tocando tamanha perfeição. Sim, seus seios são fartos, mas não são desproporcionais. Combinam perfeitamente com sua cintura delgada, com as nádegas firmes e as pernas bem torneadas. Seu corpo é pura tentação, Islaen. E Meg não passa de uma vaca invejosa.
Ela o encarou, boquiaberta. Iain dizia a verdade. Por razões que não conseguia compreender, ele considerava seu corpo atraente. Ainda tinha dúvidas, pois não entendia o que levara Meg a mentir. Por outro lado, Iain também não teria motivos para mentir. Queria acreditar que ele a considerava bonita, mas passara muito tempo pensando o contrário. Confusa, decidiu ater-se ao presente.
— Bem, não posso crer que de repente me tornei uma beldade, mas... Isso tudo significa que vamos nos casar?
— Sim. E acabei de tomar de você o que deveria ter sido reservado para a noite de núpcias.
— Isso não importa, Iain. Ainda assim, entenderei se não puder suportar o que viu e...
— Doce e tola Islaen, o que não consigo suportar é a idéia de manter minhas mãos longe de você! Acha que seria assim, se seu corpo fosse repulsivo aos meus olhos?
— Não, eu... Oh... — Ela gemeu ao senti-lo sugando um dos seios e deslizando a mão por seu ventre. — Como faz isso? Como consegue fazer com que eu me sinta tão quente?
Ele estremeceu diante das palavras dela, enquanto inseria a mão entre as coxas macias.
— Não sei, moça. Como me faz ansiar pela última coisa que eu deveria buscar? Como é capaz de me fazer quebrar todos os juramentos que fiz a mim mesmo?
— Que juramentos são esses?
— Jurei jamais tocar outra mulher, mas não consigo manter minhas mãos longe de seu corpo. Jurei ser cauteloso depois do nosso casamento, porque assim evitaria engravidá-la. Não quero ser responsável pela morte de outra mulher. — Conduziu a mão dela à prova de seu desejo forte e incontrolável. — Toque-me. Veja o que faz comigo.
Os dedos longos e finos o envolveram, afagando, explorando. Compreendia o significado da declaração de Iain, mas não sabia como demovê-lo daquelas idéias absurdas. Só havia um meio de provar que ele estava errado, mas logo percebeu que ele não tinha intenção de engravidá-la.
Era difícil falar enquanto a mão delicada o acariciava lentamente. Iain queria apenas se abandonar às sensações que ela despertava em seu corpo, mas ainda lutava contra essa tentação. Mais tarde, quando a fizesse entender, quando ela fizesse a promessa de que ele tanto precisava, deixaria a paixão fluir livremente.
Com grande esforço, tentou encontrar as palavras necessárias para explicar a situação sem ofendê-la. Dizer a uma mulher que aceitaria o casamento, mas não queria filhos não era a coisa mais fácil de ser feita. Algumas mulheres ficariam até gratas por isso, mas Iain sentia que Islaen não era uma delas.
Fitando-a, soube que precisaria também convencer a si mesmo dessa decisão. Não conseguia deixar de pensar na alegria de ter nos braços uma garotinha alegre com os olhos de Islaen. Sonhava com uma família, mas precisava lutar contra essa fraqueza. Tais pensamentos o deixaram tão confuso que decidiu não se explicar. Apenas diria a ela o que precisaria ser feito. Esse era, afinal, seu direito como marido.
— Posso ao menos manter a promessa de evitar engravidá-la. Posso derramar minha semente fora de você. — Ele gemeu enquanto os dedos habilidosos brincavam com seu membro ereto. — Mas sei que vai ser muito difícil manter o controle e, portanto, preciso que faça isso para mim. — Ignorando o rubor de Islaen, explicou-lhe o método da esponja. — Prometa. — Ele encarou-a intensamente. — Prometa ou juro que nunca mais nos deitaremos juntos.
Islaen fitou-o por um momento. Não conseguia acreditar no que ele estava exigindo dela. Por um instante, pensou que a ameaça de manter-se afastado de sua cama fosse uma brincadeira, mas os olhos dele refletiam cada palavra proferida.
Eram pecados, tanto o que ele havia pedido, quanto o que ela decidira que precisava fazer. Iain não tinha o direito de obrigá-la a cometer o pecado de evitar a concepção. Como sua esposa, e aos olhos de Deus, ela tinha o direito de procriar. Depois de fazer uma prece rápida pedindo perdão, suplicando para não estar apenas aumentando a angústia e a culpa dele, encarou-o e mentiu:
— Se é isso que quer de mim, Iain, eu prometo.
— Sim — ele murmurou, antes de beijá-la com desespero.
A resposta dele à sua promessa foi tudo o que ela podia desejar. Afastando a culpa, deixou-se conduzir pelos caminhos do prazer até despencar no abismo do êxtase. Saciados, eles repousaram nos braços um do outro. Iain sabia que devia mandá-la de volta aos seus aposentos, mas, em vez disso, deixou-a descansar um pouco antes de amá-la novamente. O dia se anunciava no horizonte quando ambos sucumbiram à exaustão. A cabeça de Iain repousava sobre os seios que já não eram mais um fardo para a mulher que os carregava.
Iain despertou sentindo o frio da lâmina de uma espada invadindo suas veias. Quando ergueu a cabeça, que repousava sobre os seios de Islaen, experimentou uma mistura de alívio e consternação. Por um momento, havia pensado que o amante de Catalina o encontrara, o que teria provocado também a morte da noiva. Os oito MacRoth que cercavam sua cama não eram exatamente amistosos, mas sabia que eles nunca a feririam. E seriam apaziguados com o casamento.
— É melhor começar a se explicar, rapaz.
O frio na voz de Alaistair MacRoth provocou um arrepio em Iain. Não era sensato hostilizar o futuro sogro ou os cunhados, especialmente quando eles eram tantos.
— Papai? — murmurou Islaen, abrindo os olhos e percebendo lentamente que não se encontravam mais sozinhos.
Todos os MacRoth se viraram para ela, e arregalaram os olhos diante do que viram. Os belos e fartos seios de Islaen estavam expostos. Percebendo as expressões espantadas de seus familiares, ela corou intensamente. Seu desabrochar havia sido mantido em completo segredo. Ela se cobriu apressada.
— Por que escondeu de mim essa espantosa transformação, menina?
Mesmo embaraçada pelo questionamento público de uma parte tão íntima de seu corpo, Islaen tentou responder ao pai com honestidade.
— Eu mudei logo depois que... bem, me tornei mulher.
— Aos treze anos?! — ele perguntou, abismado.
— Sim — ela admitiu relutante, temendo ter magoado o pai com seu segredo.
— Passei seis anos esperando que você se desenvolvesse, e você já havia... Islaen, por que escondeu isso de mim?
— E por que não, se tudo que queriam era me colocar no mercado como uma vaca premiada? — rebateu, aborrecida por ser fitada pela família como se tivesse perdido o juízo.
— Escute aqui, menina...
Antes que a discussão ganhasse força, Iain interrompeu:
— Posso ter uma palavra com o senhor?
— Tenho mais de uma palavra para lhe dizer — Alaistair respondeu furioso. — Se está pensando em alegar que ela era impura para evitar o casamento, é melhor pensar duas vezes...
— Papai — Islaen protestou, exasperada com o insulto dirigido a Iain. Ele ainda nem tivera uma chance de falar!
— Pretendo me casar com ela, senhor. Nada mudou — Iain anunciou com firmeza. Notando que todos abandonavam a postura beligerante, ele aproveitou para se vestir. Em seguida, entregou a Islaen a camisola e, depois de sorrir para reconfortá-la, olhou novamente para Alaistair. — Podemos conversar a sós por um momento, senhor? — Ele se retirou para um canto do quarto.
Islaen se levantou com a clara intenção de segui-lo, mas Alaistair disse:
— Você fica aqui, menina. E seus irmãos farão com que minha ordem seja cumprida.
Islaen sentou-se com relutância. Imaginava o que os dois estariam dizendo, mas sabia que não conseguiria ouvir a conversa, pois os irmãos a vigiavam com atenção.
— Creio que não preciso dizer que estou aborrecido com o que encontrei aqui — Alaistair resmungou ao se aproximar de Iain no canto do quarto.
— Compreendo o que sente, senhor. Não há explicações ou desculpas. Eu enlouqueci, perdi o juízo. Ela veio me procurar para revelar o segredo que manteve por tanto tempo.
— Revelar...?
— Exatamente, senhor. Não tenho... Não tinha uma mulher há quase dois anos. Sei que isso não serve de desculpa, mas quando ela desnudou aqueles belos seios... — Iain meneou a cabeça. — Eu também tinha bebido.
— Você a machucou? — Alaistair levou a mão à espada num gesto ameaçador.
— Não.
— Bem, posso entender o que aconteceu aqui. Um homem não é capaz de resistir à tentação, especialmente quando está privado de satisfação por tanto tempo. E se foi ela quem o procurou... Estou certo de que você não a teria procurado com essa intenção.
— Senhor, ela não sabia o que estava fazendo.
— Talvez não. O que não entendo é por que ela escondeu suas formas, por que me deixou acreditar que ainda tinha corpo de menina. Nunca pensei que minha filha fosse infeliz com sua condição de mulher, embora ela tenha feito algumas reclamações a respeito.
— Não é esse o problema, senhor. Ela se considera feia.
— Essa menina é maluca. Garanto que eu e os rapazes nunca dissemos nada para convencê-la disso.
— Não. Meg a convenceu de que ela é desproporcional. Islaen me procurou por acreditar que eu a consideraria deformada e a rejeitaria. Ela queria revelar o segredo antes de trocarmos nossos votos.
— Agora ela deve saber que estava enganada. Nenhum homem enlouquece, como você diz ter acontecido, por uma mulher feia.
— Ela sabe que não encontrei defeito algum, mas não sei se consegui convencê-la de que sua forma não é desproporcional.
— Vou matar Meg. Ela nunca devia ter feito isso.
— Creio que ela agiu por amor, senhor, por medo de que a garota fosse ridicularizada.
— Sim, Islaen é a filha que Meg nunca teve. Ela jamais a teria magoado intencionalmente. Mesmo assim, vou conversar com ela. Deve haver uma forma de explicar essa mudança repentina na menina. Ela não pode voltar ao que era...
— Ela pode continuar escondendo seu segredo até partirmos para Caraidland. Poucos aqui voltarão a vê-la depois disso. Mais tarde, se alguém a reencontrar, diremos que o casamento a amadureceu.
— Sim, ou uma gravidez.
Iain desviou o olhar ao responder:
— Sim, ou isso.
— E agora chegamos ao problema seguinte. Ela não é mais virgem.
— A prova de sua castidade está no lençol. Alaistair não se virou para inspecionar a cama.
— O lençol será trocado hoje e, a menos que a prova seja vista pelos olhos certos, será ignorada. —Virou-se para o filho. — Robert, você deve buscar o rei imediatamente. Ele deve saber que tudo aconteceu como devia ter acontecido, mesmo que a noite de núpcias tenha precedido os votos matrimoniais. Não gostaria que houvesse rumores sobre o que sucedeu aqui, mas prefiro isso a que digam que minha filha chegou impura ao leito matrimonial. O rei arranjou esse casamento. Que ele seja nossa testemunha agora, e talvez até nosso conselheiro.
Islaen gemeu, embaraçada, atraindo o olhar solidário dos irmãos. Esperara que aquilo se mantivesse como um segredo de família, mas o envolvimento do rei no matrimônio fazia de sua castidade uma questão de grande importância. Ele precisava saber o que estava acontecendo. Islaen entendia, mas nem por isso se sentia melhor.
O fato de ser aquele o dia do casamento que tanto desejava fez com que o rei se dirigisse rapidamente ao quarto de lain. Ele não queria problemas, mas o chamado de Alaistair àquela hora da manhã sugeria que algo de errado estava acontecendo. Ao entrar nos aposentos e analisar rapidamente a cena, deduziu o que havia acontecido e relaxou. A união estava assegurada.
— Isso é absolutamente inesperado — o soberano manifestou-se em tom de moderada condenação.
— Sim, eu mesmo estou surpreso — lain reconheceu.
— Ah, bem, Robbie, a culpa não é só dele. Minha menina o tentou sem misericórdia.
A intimidade com que Alaistair se dirigiu ao rei chocou lain. Mais surpreendente ainda foi o fato de ele não protestar, como se considerasse o tratamento natural. Até então, não havia percebido como os MacRoth eram próximos do trono. Talvez devesse incluir o rei na longa lista de nomes dos que ficariam aborrecidos se fizesse Islaen infeliz.
— A jovem Islaen? — O rei riu. — Não, Alaistair. Ela não é uma tentação irresistível, como bem sabemos.
— Não intencionalmente, eu sei. Islaen, venha até aqui — Alaistair ordenou.
Vermelha, ela obedeceu ao pai, embora com evidente relutância. Quando ele chamou a atenção do soberano para seus seios fartos, o rei expressou grande surpresa com o que via, Islaen teve medo de desmaiar de vergonha. Incapaz de continuar suportando a invasão de privacidade, escondeu-se atrás de lain, usando o corpo dele como um escudo.
— Seguramente a mudança não ocorreu da noite para o dia — o rei murmurou, confuso.
— Não. Ela escondeu a transformação. Sua ama a convenceu de que seria melhor assim, pois certamente a julgariam estranha, desproporcional e até mesmo feia. Minha filha decidiu que devia revelar o segredo ao futuro marido, porque assim ele poderia julgar as formas dela por si mesmo, e veio até aqui ontem à noite para mostrar a lain o que havia ocultado de todos.
— Mostrar a ele? — O rei não conteve uma risada ao olhar para lain, solidário. — Duvido que outro homem tenha se visto diante de tamanha tentação! Então, você é humano, afinal.
— Pelo bem de Islaen, espero que minha fraqueza não seja anunciada. Ela veio até mim imbuída de bons propósitos, completamente inocente. O fato de ter perdido essa inocência é culpa minha.
— Está dizendo que a forçou a aceitá-lo antes das núpcias?
— Ele estaria morto, se fosse esse o caso — interrompeu Alaistair.
Islaen espiou o rei por trás do corpo de Iain.
— Eu não protestei, Majestade. Nem uma vez.
— Nem uma vez? — ele provocou, sorrindo ao perceber que até mesmo Iain estava embaraçado com a situação.
Islaen gemeu e se escondeu novamente, pressionando o rosto quente contra as costas do futuro marido.
— Bem, o casamento foi consumado antes de os votos serem feitos — o rei refletiu em voz alta. — Não é a primeira vez que isso acontece. Muitos casais desfrutam das alegrias do leito nupcial antes de subirem ao altar.
— Ah, mas tenho certeza de que os rumores serão de que minha Islaen não era mais casta quando sir Iain a levou para cama como sua esposa.
— E poderá haver insinuações de que ele não foi o primeiro. Entendo agora o problema. Robert, vá buscar a rainha. Ela espera notícias minhas. Traga-a aqui com suas amas. E traga a mulher chamada Meg também. Elas nos ajudarão a resolver o problema. Fique tranqüilo, Alaistair.
Quando as mulheres chegaram, Islaen descobriu que ainda podia sofrer constrangimento maior do que já enfrentara. O lençol foi inspecionado, sua castidade foi confirmada, e logo todos discutiam o que teria de ser feito em seguida. Islaen tentou se distanciar e passou a observar como o pai censurava duramente Meg por sua atitude.
Ficou acertado que a cerimônia da noite de núpcias e a visita matinal aos noivos seriam realizadas pelo casal real, por uma ama da rainha, por Meg e dois irmãos de Islaen, além de Alexander MacDubh, que representaria a família de Iain. Depois de tudo acertado, Islaen foi levada de volta aos seus aposentos.
— Iain, por que o mau humor? — Alexander perguntou mais tarde, quando foi informado sobre as circunstâncias e o papel desempenharia na situação. — Não pode negar que é tudo muito divertido!
— Talvez eu consiga rir quando tiver certeza de que todos escapamos ilesos.
— Escute, os MacRoth tem uma relação de parentesco distante com o rei, e ele os tem em grande conta. Não permitirá que nada arruíne a reputação deles.
— Sou o único que não sabia disso, então?
— Bem, você foi o primeiro de seu clã a passar mais tempo na corte, e o laço verdadeiro entre eles se formou antes de sua chegada. Todos têm conhecimento dele. Se houvesse dado mais atenção ao que se fala pelos salões da corte, também saberia.
— Pensei que estivesse aqui por outros motivos. Veio para ouvir fofocas?
— Vim pelas mulheres, mas elas sempre falam demais. Os homens deviam ouvi-las com mais atenção. E impressionante o que sabem, embora nem sempre tenham consciência da importância do conhecimento adquirido.
— Vou me lembrar disso. Agora, acho que preciso me vestir. Logo virão me buscar.
— Meu amigo, precisa se mostrar mais alegre. Vai se casar com uma bela mulher. Sua cama não estará mais vazia, e talvez ela até possa fazer você mudar de idéia sobre algumas coisas.
— No momento, suspeito de que ela esteja ocupada demais com os próprios pensamentos para se preocupar comigo ou com o que passa por minha cabeça.
Islaen fez uma careta quando Meg esfregou suas costas com mais vigor do que de costume.
— Pare com isso! Quer arrancar a pele das minhas costas? — protestou, retirando a esponja das mãos dela.
— Não se preocupe. Mesmo que fique sem nenhuma pele, aquele homem ainda a desejará na cama.
— Qual é o problema? Por que está tão zangada? Eu precisava dizer a ele. Não teria sido correto esperar até a noite de núpcias.
— Também não foi correto pular na cama do homem antes de se casar com ele.
— Eu não pulei na cama dele. Eu... caí. Não podia imaginar que ele reagiria daquele jeito.
— Um homem sempre reage dessa maneira quando vê certas partes do corpo feminino.
— Agora eu sei. E, mesmo assim, ele vai se casar comigo.
— É o que ele deve fazer. Não vai sair daí nunca? O que está fazendo? Tentando lavar o toque das mãos dele?
— Não — Islaen respondeu com franqueza enquanto saía da tina. — Eu gostei de sentir as mãos dele e não me envergonho de reconhecer. Porém, há algo que me incomoda, e vou falar sobre isso esperando que o assunto seja tratado como o maior segredo que já houve entre nós.
— Devo guardar segredo até de seu pai?
— Sim, infelizmente.
— Certo. Não direi nada a ninguém, então.
— Sabe que a primeira esposa de Iain morreu no parto?
— Sim, eu sei.
— Foi um parto longo, difícil e doloroso, e a criança também morreu. Iain tem muito medo de passar por isso de novo. A esposa do irmão dele teve filhos saudáveis, sem nenhum problema, mas Iain considera a maternidade uma sentença de morte para certas mulheres. Não consigo demovê-lo dessa idéia. Ele se nega a me deixar ter um filho.
— Ele não pode impedi-la, a menos que fique longe de sua cama. Essa é uma decisão que cabe a Deus, não a seu marido.
— Há uma maneira de Iain se deitar comigo sem me dar um filho. Esponjas...
— Isso é pecado! — Meg exclamou chocada.
— É pecado me impedir de ter filhos, sim, mas acho que o truque a que ele se refere pode ter sua utilidade. Não é bom para uma mulher ter um bebê por ano. Esse tipo de recurso pode dar à mulher algum tempo para recuperar as forças. Tenho certeza de que minha mãe usou as tais esponjas porque somos separados por dois anos, mais ou menos. É muita coincidência.
Meg franziu a testa e foi ajudar Islaen a se enxugar.
— Sim, talvez esteja certa. Se é pecado, deve ser dos menores. Vamos lá, criança. Sei que tem mais a dizer. Ele exigiu que você use essas coisas?
— Sim. Na verdade, ele ameaçou nunca mais se deitar comigo se eu me recusar. Eu não suportaria isso. Pretendo ter um casamento completo, o que será impossível se não compartilharmos uma cama, Meg.
— Tem razão. Muitos casamentos são salvos ou destruídos no quarto do casal.
— Foi o que pensei. Por isso, prometi que vou usar as tais esponjas.
— Então, está disposta a ser estéril, a nunca ter filhos? Vai murchar como uma flor seca!
— Eu sei. Quero ter filhos. Na verdade, acho que começaria a odiá-lo por me negar esse desejo tão caro, mas, ao mesmo tempo, entendo o receio dele. Eu menti, Meg. Olhei-o nos olhos e menti.
— Mentir... não é um pecado tão grave.
— Mas não é como pretendo me comportar com meu marido. Só menti porque, naquele instante, não sabia o que mais poderia fazer. Em algum momento eu direi a verdade. Pretendo ter meus filhos, Meg, e quando isso acontecer, o medo de Iain terá fim. E estou lhe contando tudo isso porque talvez precise de sua ajuda para sustentar essa mentira. Especialmente quando eu engravidar. Só espero não acabar aumentando o pavor dele.
— Não vai. As mulheres de sua família são férteis e não sofrem muito no parto. Por que acha que vai conseguir sustentar a mentira mesmo depois de grávida? Não seria mais fácil dizer a verdade?
— Não. Ele tem medo, Meg. Só um terrível pavor pode levar um homem a desistir de ter um herdeiro. Quanto mais tempo eu puder manter segredo, menos tempo ele terá para se preocupar com meu destino. E quando eu tiver nos braços um bebê saudável, quando ele compreender que nem todas as mulheres morrem no parto, finalmente revelarei minha mentira. E, se sentir que algo de errado pode acontecer, ele será o primeiro a saber de toda a verdade, porque não quero aumentar sua culpa e sua dor.
— A estrada que pretende trilhar é das mais difíceis, criança. Vai ter de ser muito cautelosa.
— Sim, eu sei. Almejo a cura, mas posso piorar a doença. Porém, sinto que morrer dando à luz não é meu destino. Acha que me agarro a uma esperança tola, Meg? Não posso correr o risco de estar errada.
— Você não está errada.
— Que bom. Lamento que a família de Iain não esteja aqui. Gostaria de conhecê-los, porque agora seremos parentes. Na verdade, nem sei quando poderei conhecê-los. Sei pouco sobre os MacLagan. Acho que o clã é pequeno, como o nosso.
— Sei pouco mais do que isso, mas, se não ouvimos nada de ruim a respeito da família, acho que não tem com o que se preocupar, criança.
Enquanto Meg escovava vigorosamente seus cabelos, Islaen pensou que, a menos que conseguisse ultrapassar a muralha que Iain erguera em torno de seu coração, viveria cercada de estranhos. Raramente deixara a fortaleza do pai, e nunca sem a companhia de alguém de sua numerosa família. Mas somente Meg a seguiria para Caraidland. Decidiu que faria Iain revelar alguma coisa sobre sua família e o lugar onde iriam viver. Talvez assim não se sentisse tão perdida quando chegassem lá. Adquiriria também conhecimento suficiente para evitar erros e deslizes. A empreitada para conquistar o afeto de Iain nunca seria bem-sucedida se ofendesse alguém de sua família, mesmo que por ignorância. Já havia sentido que ele era muito próximo dos parentes.
Penteada, permitiu que Meg a vestisse diante do espelho, acompanhando a transformação surpreendente. O corpete do vestido de um tom de ouro velho a levava a pensar em como tudo seria diferente se não tivesse os seios comprimidos por faixas. lain podia dizer que não se incomodava com sua silhueta, mas ainda não estava preparada para revelá-la a todos. Os olhares seriam muitos, mais do que poderia tolerar. Havia sido com alívio que ela recebera a decisão de lain sobre esperar até chegarem a Caraidland para deixar de usar as faixas. Porém, olhando atentamente, tinha a impressão de que Meg não as apertara como de costume.
— Bem, chegou a hora de ir se juntar à rainha, criança. Deseja beber uma taça de vinho antes? Para ganhar coragem, talvez? — Meg sugeriu.
Islaen aceitou a oferta. Depois de beber o vinho, respirou fundo, tentando sufocar um repentino ataque de nervosismo.
— Não entendo por que estou trêmula. Já tive minha noite de núpcias!
— Sim, mas logo deixará de ser a filha de seu pai para pertencer a sir lain MacLagan, e a nenhum outro.
— Espero sinceramente que ele me permita pertencer realmente a ele.
lain teve de se esforçar para não deixar cair o queixo quando Islaen foi levada até ele no salão repleto. Os cabelos vermelhos caíam numa profusão de ondas até quase os joelhos, e quase não se notava as pedras brilhantes que os adornavam. O tom do vestido realçava o reflexo dourado em seus olhos. Ele experimentou uma forte excitação ao pensar na beleza que era mantida oculta sob o vestido, comprimida por faixas. Ao tomar a mão dela, percebeu que outros tomavam repentina consciência da delicada e rara beleza de Islaen, algo que, ele suspeitava, seria fonte de inúmeros problemas por algum tempo. Apesar disso, não podia negar que se sentia orgulhoso enquanto a conduzia ao altar.
Islaen só ouviu parte das palavras do sacerdote. Sempre havia considerado lain um homem impressionante, mas em seu traje negro e prata ele a deixava sem fala e amedrontada. Era impossível deixar de pensar em como seria difícil conquistá-lo.
No final da cerimônia, quando ele tocou seus lábios com delicadeza, Islaen se descobriu combatendo a urgência de tentar arrancar do marido um beijo mais ardente. A expressão de lain revelou que ele compreendera sua reação ao breve contato. Lançou-lhe um olhar severo, ao qual ele retribuiu com um largo sorriso.
O banquete mal havia começado quando ela começou a se irritar. Era o dia de seu casamento e, mesmo assim, as mulheres tentavam atrair a atenção de seu marido. Os flertes e as insinuações impressionavam pela ousadia. Porém, encontrou certo toque de humor nas atitudes de lady Constance. A mulher parecia estar muito agitada tentando decidir quem desejava atrair, se Alexander ou lain. Alexander estava sentado à sua esquerda, e lain à sua direita. Quase conseguiu sorrir ao pensar que a mulher acabaria se machucando se continuasse virando a cabeça de um lado para o outro daquele jeito.
— Lady MacLagan, uma noiva não deve ficar tão carrancuda em sua festa de casamento — comentou Alexander.
Bem, elas podiam dar um descanso a meu marido, pelo menos hoje — resmungou Islaen.
— Um descanso do quê, querida? — lain perguntou. Tentando ignorar o calor provocado pelo tratamento carinhoso, ela respondeu:
— De assediá-lo. Não é correto que elas flertem com um noivo no dia do casamento!
— Flertar comigo? — lain repetiu, lisonjeado com a demonstração de ciúmes. — Pare de rir, Alex.
— Deixe-o rir — interferiu Islaen. — Todos vão pensar que sou divertida. E elas estão flertando com você, lain. É evidente!
— Para quem presta atenção. Não é o meu caso.
— Então, devia dizer isso à pobre lady Constante, porque a mulher está quase torcendo o pescoço na tentativa desesperada de distribuir sorrisos entre você e sir Alexander. E ele está rindo novamente. Devo ser engraçada, mesmo.
— Bancar a boba não conta — lain respondeu, em tom divertido. — Venha, vamos dançar. Os músicos já estão tocando, e nós somos os noivos. Temos de abrir a noite.
No final da dança, lain beijou-a de novo, de forma menos casta do que no final da cerimônia. Islaen nem notou os aplausos e assobios dos convidados. Sentia-se derreter com a promessa contida naquele beijo.
Antes que pudessem se sentar, Islaen foi reconduzida ao centro do salão pelo irmão Robert. lain voltou ao seu lugar e passou a observá-la.
Quando Islaen, por fim, retornou à mesa, estava ofegante e com as faces coradas, após dançar e rir com os irmãos. Pediu mais vinho a um pajem, que a atendeu prontamente. Depois de sorver alguns goles da bebida, repousou a cabeça no ombro do marido. Sorriu ao sentir que ele acariciava seus cabelos. Sabia que ele não era totalmente indiferente a ela.
Os pequenos gestos de afeto e os termos carinhosos que utilizava sem perceber davam-lhe esperança. Eram sinais de que estava começando a penetrar as barreiras que ele erguera.
lain estava cansado da celebração. Preferia estar em seus aposentos, nos braços de Islaen, desfrutando de seu corpo tentador, e sabia que o desejo não era resultado apenas do celibato prolongado. Era uma fraqueza que podia ser fonte de muitos problemas.
Um dos primos de Islaen, Dugald, aproximou-se e convidou-a para dançar. lain observou-os enquanto se afastavam. Reconhecia o rapaz de alguns eventos na corte. O pai, um nobre rico e próspero, exercia grande influência sobre o rei.
— Preocupado? — perguntou Alexander.
— Não. Apenas me pergunto até onde vai o poder da família para a qual acabo de entrar.
— Eles têm muita influência, meu amigo. Muitos antepassados de Alaistair se casaram bem. As mulheres eram conhecidas pela beleza e pelas famílias numerosas. A família da esposa dele era muito parecida. Os laços de sangue se enfraquecem, mas nunca se rompem. Houve alguns patifes e traidores, como ocorre com inúmeras famílias, mas eles nunca tiveram o poder de destruir o nome, a reputação, ou o prestígio construídos pelos outros. Eu não me surpreenderia se, por uma boa causa, Alaistair conseguisse conquistar o apoio de metade da Escócia.
— Ele já fez isso?
— Não. Nenhum deles, pelo que sei. Não é uma característica da família pedir que outros derramem sangue por uma luta que é só deles.
— O rei sabe disso, não é?
— Sim, há pouca coisa que nosso soberano não sabe. Porém, sua afinidade com Alaistair não é apenas política.
— Eu sei. Tenho a sensação de que caí na maior das armadilhas.
— Ou na melhor das alianças. Iain, está procurando problemas onde eles não existem.
O retorno de Islaen interrompeu a conversa. Calmo, Iain mudou de assunto, induzindo a esposa a falar sobre sua família. Como esperava, ela não se gabava das poderosas conexões, mencionando em tom casual pessoas influentes e ricas com quem seu pai mantinha relações próximas.
Islaen se sentia um pouco embriagada quando as mulheres a levaram aos aposentos de Iain, onde ela se deparou com uma cama coberta por pétalas de rosas.
— Como conseguiu suportar esse tormento por tanto tempo? — a rainha perguntou admirada ao vê-la remover a faixa.
Islaen corou.
— Nunca fiquei sem ela. — As mulheres a ajudaram a se lavar e a vestiram com a delicada camisola de renda e linho.
— Uma pena que não tenhamos encontrado um aposento mais adequado para um casal — observou a rainha, olhando ao redor.
— Não há problemas. Estamos próximos de sir Alexander e de minha família e, em breve, partiremos. — Sentou-se para que Meg penteasse seus cabelos. — Ouvi dizer que Caraidland é um excelente castelo, grande e confortável.
A conversa prosseguiu, mas a rainha e sua ama não ofereceram nenhuma informação sobre o lugar onde Islaen moraria. Como muitas damas da corte, elas se interessavam mais por fofocas e outras coisas que Islaen não considerava importantes, ou que pensava não ser de sua conta. A situação era um pouco frustrante.
— Aí vêm os homens — a rainha anunciou, rindo como uma adolescente.
Islaen corou quando o grupo entrou, causando grande comoção. Quando ela e Iain foram postos lado a lado na cama com taças de vinho na mão, teve certeza de que seus irmãos Duncan e Robert eram os piores do grupo. E, quanto mais ela corava, mais eles se divertiam. Assim que ficou sozinha com o marido, bebeu meia taça de vinho numa tentativa de se acalmar.
Iain se levantou e retornou com diversas esponjas. Ao vê-las, ela corou ainda mais intensamente e terminou de beber o vinho. A mentira que se dispusera a viver estava começando.
Sem dizer nada, colocou-se atrás da cortina que havia sido providenciada para assegurar um mínimo de privacidade e, com uma careta de desgosto, seguiu as instruções de Iain. Dessa vez, faria como ele desejava. Seria útil saber mais sobre o assunto para poder sustentar a mentira. Pelo que Meg dissera, ele não teria como saber se ela estava ou não usando a esponja, mas preferia ter certeza. Ainda envergonhada, voltou à cama sem olhar para o marido.
Sentindo-se culpado pelo que pedia a ela, Iain tomou-a nos braços.
— Islaen...
— Não. Não toque no assunto.
— Está tremendo? — Ele depositou beijos delicados em seu rosto. — Não é mais uma donzela.
― Sim, mas ontem à noite foi diferente. Aconteceu. Não foi planejado.
— O ato de amor é planejado com mais freqüência do que acontece naturalmente, especialmente entre um homem e sua esposa.
— Eu sei. A vida e as obrigações ficam no caminho. Mas vou precisar de algum tempo para me acostumar com isso.
Islaen estremeceu quando Iain a despiu e não conteve um gemido ao ser tomada nos braços fortes. Deliciou-se com a sensação de tê-lo tão próximo, sentindo a pele quente e os músculos firmes de encontro ao seu corpo. Quando ele a beijou, envolveu-o pelo pescoço, entreabrindo os lábios para deixar passar a língua que explorava sua boca. Imitou os gestos dele, sendo recompensada com um ruído rouco que a estimulou a ousar ainda mais. Descobriu rapidamente que participar do ato de amor era muito excitante. Quando Iain se afastou, ela o fitou, aturdida, impressionada com o poder de um beijo.
— Você aprende depressa — ele murmurou.
— E isso é bom?
— Não vai me ouvir reclamar — ele respondeu, tocando um de seus seios.
— Que bom...
Um pouco menos enlouquecido do que estivera na primeira vez, Iain conseguiu apreciar o desejo que provocava nela. Desposara uma mulher passional, ousada, disposta a dar na mesma medida em que recebia. Pensar em tudo o que poderiam viver juntos o inflamava. Ela era um tesouro, e ele estava apenas começando a descobrir todo o seu valor como amante.
Islaen gemeu ao sentir a língua de Iain tocando seu mamilo. Incapaz de suportar a provocação por muito tempo, agarrou-o pelos cabelos, pressionando o rosto dele contra o seio. Quando ele finalmente a atendeu, tomando na boca o mamilo intumescido, seu grito de prazer continha um tom de alívio. Arqueava o corpo contra o dele, sendo percorrida por ondas de calor.
Recebeu, ansiosa, o toque dele entre as pernas, mas sabia que não era o suficiente. Querendo minar o controle que ele conseguia manter, percorreu com as mãos o corpo inteiro de Iain, numa busca apaixonada pelo ponto que poderia levá-lo à loucura. Parte de sua mente embotada pela paixão chocou-se com a própria ousadia, mas ela facilmente a ignorou.
Iain estremeceu ao sentir os dedos longos e delicados deslizaram pela parte interna de sua coxa, subindo até tocar seu membro rijo. Com o rosto enterrado entre os seios macios, abandonou-se às carícias por um instante, mas logo percebeu que havia esperado demais para apreciar o toque sensual. Sem se controlar, afastou a mão dela e penetrou-a. Rangeu os dentes ao sentir o corpo dela tremer sob o dele e, reunindo os resquícios de seu controle, fitou-a.
— Machuquei você? — perguntou com voz rouca, notando que a paixão acentuava os reflexos dourados nos lindos olhos.
— Não — ela murmurou, deslizando as mãos pelas costas dele até alcançar as nádegas firmes. — Consegue sentir? — Esperava que ele não adivinhasse a razão da pergunta.
— O quê?
— A esponja.
— Ah... Não. Você a colocou, não?
— Sim, está lá. — Enroscando as pernas em sua cintura, ela o puxou contra o corpo, aprofundando a penetração. — E agora?
Iain precisou de um momento para recuperar o fôlego.
— Não. Nem mesmo agora. Tudo o que sinto é a acolhida quente e úmida de seu corpo.
— Onde você é sempre bem-vindo, sir MacLagan.
— É uma alegria saber disso, doce Islaen, porque pretendo visitá-lo com freqüência.
— Só precisa bater na porta, e ela se abrirá — ela cochichou. A frase terminou num gemido quando Iain começou a se mover.
Por alguns instantes, os movimentos foram lentos, cada um deles saboreando a sensação provocada pela união de seus corpos. Porém, não tiveram realmente paciência para aquele jogo vagaroso. Logo, Iain passou a investir com mais ímpeto, e Islaen aprovou a mudança, pois seu corpo clamava pela liberação.
Iain conseguiu apenas ver o primeiro brilho do êxtase refletido no rosto da esposa antes de se unir a ela no clímax. Quando sentiu que o ventre dela aceitava sedento o presente de sua paixão, estreitou-a nos braços e sentiu um breve pesar pelo fato de que a semente que vertia não teria chance de germinar. Parecia injusto que Deus o fizesse desejar filhos para, imediatamente, despertar em sua lembrança a facilidade com que esse desejo podia causar a morte.
Determinado, baniu esse pensamento e simplesmente desfrutou da sensação de ter uma mulher satisfeita sob seu corpo. Catalina sempre o levara a se sentir pouco menos que um estuprador. Nada que fizesse era suficiente para induzir uma resposta melhor do que aquela de cumprimento de um enfadonho dever. Islaen manifestava sua paixão com liberdade, queimando sob seu corpo, e ele se deleitava com isso. Ela apreciava até mesmo aquele momento depois do êxtase, pensou, satisfeito, sentindo-a acariciar suas costas de maneira letárgica, relaxada.
Quando Iain rolou para o lado, ela se levantou, lamentando que não tivesse nada para vestir. Apressada, dirigiu-se para trás da cortina, a fim de remover a esponja e se lavar.
Tinha certeza de que o marido a amaria novamente antes do amanhecer. Ele havia dito que não podia sentir a esponja, mas ainda não estava certa disso. Sendo nova no jogo do amor, sabia que ele aceitaria a desculpa de que se esquecera de recolocar a esponja depois de se lavar, e por isso daria a ela uma nova chance. Esperava que ele não notasse nada, pois não sabia o que faria caso isso acontecesse.
Antes de voltar para a cama, estudou atentamente a aparência da esponja após o uso. Não esperava que ele fosse tão longe para se certificar de que suas exigências tivessem sido atendidas, mas não correria riscos. Cada vez que fizessem amor, ela faria tudo o que fosse necessário para convencê-lo de que o obedecia. Esperava conseguir rapidamente o que queria, pois não suportaria a tensão de manter a farsa por muito tempo.
Respirando fundo, voltou à cama, ruborizando ao constatar que Iain a seguia com os olhos. Ele riu ao vê-la mergulhar sob as cobertas, tomando-a nos braços e sentindo o calor do rosto corado pressionado contra seu peito.
— Eles saltam — Iain murmurou rindo e beijando sua orelha. — É delicioso de ver. É tão excitante, que estou pensando em pedir para você correr pelo quarto enquanto eu fico assistindo.
— Está zombando de mim. — Sem saber se ele estava brincando, ergueu a cabeça para fitá-lo. — Não me pediria tal coisa.
— Bem, vou esperar até você se sentir menos constrangida com sua nudez. Tem um corpo fabuloso, moça. Devia se orgulhar dele.
— Você também tem formas esplêndidas, Iain.
— Não tenho mais nem menos que a maioria dos homens.
— Talvez, mas o conjunto é muito agradável.
— Se você gosta, nada mais importa.
— Não percebe mesmo, não é?
— O quê? — Ele começou a percorrer com as mãos as curvas do corpo delicado.
— Como as mulheres olham para você. Elas não olhariam para um homem feio com tanta ousadia, nem de maneira tão convidativa.
— Eu não disse que me considero feio. O fato é que não me interesso por prostitutas. Elas podem ser tentadoras para um homem cuja cama está vazia, mas agora tenho mais do que o suficiente para qualquer homem. Na verdade, vou precisar de todas as minhas forças para cuidar de você.
Sorrindo de um jeito inconscientemente sedutor, Islaen esfregou o corpo contra o dele, num convite que Iain aceitou sem demora. Ela ficou um pouco tensa ao ser penetrada, mas quando ele não disse nada, nem deu indícios de notar qualquer diferença, voltou a arder em seu desejo por ele. E não pensou mais no assunto até que se encontrasse deitada sob o corpo saciado.
— Precisa ir se lavar? — Iain perguntou depois de um tempo, afastando-se um pouco.
Foi difícil disfarçar o entusiasmo provocado pela constatação de que ele não percebera mesmo nada diferente.
— Acho que posso esperar um pouco mais, não?
— Certamente. — Ele se deitou de costas e tomou-a nos braços, deliciando-se com a maneira como ela se aninhava em seu peito.
— Ótimo. Sinto-me esgotada demais para me ocupar disso agora.
— Ah, e eu aqui ansioso para ver seus seios saltitantes de novo.
— Você é um patife.
— Talvez.
— Quem sabe em outra ocasião?
— Sim, quem sabe? Temos todo o tempo do mundo. — O comentário o fez recordar-se de Duncan MacLennon, o que causou-lhe uma angústia intensa e imediata.
Islaen percebeu uma nota dissonante na voz dele, mas sabia, por instinto, que nada descobriria se o interrogasse naquele momento. De repente, lembrou-se de Iain ter mencionado um homem que pretendia matá-lo e abraçou-o com mais força. Teria de fazer alguma coisa, resolveu com firmeza, para remover aquela sombra da vida deles.
Olhando por cima de um ombro para ter certeza de que nem Ronald nem lorde Fraser a observavam, Islaen correu para um canto afastado. Com um suspiro aliviado, sentou-se sobre uma arca. Não estava tão distante dos olhares das pessoas reunidas no salão, como teria preferido, mas esperava poder escapar por algum tempo do assédio dos dois homens que insistiam em persegui-la. Estava ficando farta de toda aquela atenção indesejada e da ousadia com que eles a abordavam, uma atitude totalmente imprópria, considerando que era uma mulher casada.
Tentando encontrar o marido, franziu a testa ao vê-lo no salão. Ronald e lorde Fraser não eram os únicos a ignorar os sagrados laços do matrimônio. Lady Constance nunca desperdiçava uma chance de assediar Iain, e ela não era a única, apenas a mais persistente.
— Logo o marido dela vai chegar.
Islaen sobressaltou-se e olhou carrancuda para Alexander, que se sentava ao seu lado.
— Você me assustou. O marido dela vem para cá?
— Sim, e nossa bela meretriz passará a exibir o recato de uma freira.
— E esse comportamento realmente engana o homem? Ele deve ouvir comentários sobre como ela age quando não está em sua presença.
— Ele ouve, mas não se importa, desde que ela se comporte adequadamente quando ele está presente. Não pense que ele age de maneira mais adequada quando está longe dela.
— Por isso você agora a evita, porque o marido está a caminho?
— Sim, ele me odeia. Teria me desafiado, mas não é tão competente com a espada quanto acredita ser. E eu não quero matar um homem só porque a esposa dele é uma meretriz. Você não precisa temer que Iain aceite seus convites. Ele não gosta dela.
— Eu não havia percebido que isso tinha importância — comentou, fazendo Alexander sorrir.
— Não tem. Não para a maioria dos homens. Mas Iain prefere ter ao menos alguma simpatia pela mulher com quem se deita. Nisso ele é diferente dos irmãos. Antes de encontrar sua Storm, Tavis só se importava em saber se a mulher estava limpa. Sholto é um patife. Mais até do que Tavis era antes do casamento. Suponho que esteja seduzindo todas as mulheres na França, para onde fugiu depois de escapar com vida de um marido traído e furioso.
— Imagino que os homens daqui esperem que ele continue por lá.
— É bem provável — Alexander riu. — Porém, todos querem o que Tavis conseguiu.
— Uma saxã? — indagou, e correspondeu ao sorriso dele antes de prosseguir, séria: — Tem certeza disso?
— Sim. Cada um deles disse isso ao menos uma vez. Sholto continua buscando, e Iain... Bem, agora ele teve seu sonho destruído por aquela vagabunda da Catalina.
— Muitas mulheres já morreram no parto.
— Sim, apesar de triste, é verdade. Mas elas praguejaram, amaldiçoaram e culparam o marido a cada contração, até o último suspiro antes da morte?
— Ela fez isso?
— Sim. E Iain se sentiu ainda mais culpado porque não a amava, embora tivesse tentado. Ela nunca se esforçou. Catalina amava outro homem, tomava cada toque e cada palavra do marido como um veneno, um tormento que ela tinha de suportar pela família. Ela fez até mesmo Tavis sentir-se culpado, pois foi o envolvimento dele com outra mulher da família MacBroth, uma jovem que ele havia desprezado, que levou a esse enlace. Katerine MacBroth era e ainda é uma meretriz, mas a família esperava que Tavis a desposasse. O casamento de Iain e Catalina apaziguou um pouco o rancor causado pela frustração dessa expectativa e fortaleceu uma antiga aliança. Porém, acho que Iain pagou um preço alto demais.
— Acho que essas coisas deviam servir para provar que casamentos arranjados não deviam mais existir. Só causam dor e problemas.
— É isso que sente com relação ao seu?
— Não, mas há algumas circunstâncias estranhas nessa união. Creio que não se surpreenderá ao saber que eu quis Iain. E não fui eu quem ele recusou, mas a idéia de tomar uma esposa. Mas você já deve saber tudo isso.
— Sim, e sei também que tem um caminho difícil pela frente, moça. Mas não precisa se preocupar com eventuais rivais. Os MacLagan não são santos, é verdade, mas respeitam seus votos e cumprem as promessas que fazem.
Islaen tentou se lembrar desse comentário. O fato de Iain nunca se ausentar de sua cama, nem mesmo quando tinha suas regras mensais, também a tranqüilizava. Em várias noites eles até se recolhiam aos seus aposentos na mesma hora. E também havia o fato de ele nunca estar longe do alcance de sua visão. Ainda assim, era uma provação ver como as mulheres flertavam com ele. E foi um alívio ouvir seu pai anunciar os planos de partir.
— Quando? Logo?
— Sim, há apenas algumas coisas que precisam ser concluídas. Está cansada da corte?
— Muito — ela confessou, notando que uma mulher exuberante sorria para seu marido.
— E está feliz com seu casamento?
— Sim, estou. Não vou mentir, porque deve saber que temos problemas, mas meu marido foi honesto comigo desde o início, e sei bem o que terei de enfrentar. Às vezes fico triste, mas nada que se aproxime do que eu sentiria se não tivesse me casado com ele. Eu o desejei e o tive. Se tenho de engolir certa amargura para poder saborear a parte doce de tudo isso, que assim seja.
— Entendo o que quer dizer, criança. E rezo por você.
Islaen sabia que podia contar com as preces do pai, mas nem todas as orações eram suficientes para livrá-la do assédio de Ronald MacDubh e lorde Fraser. Certa noite, após a refeição, Ronald a encurralou quando não havia ninguém que pudesse ajudá-la. Iain conversava com o rei, e nenhum de seus irmãos estava próximo o bastante para vê-la ou perceber que tentava chamá-los. Resignada, tentou se livrar dele com diplomacia, mas era cada vez mais difícil ser educada. Não queria insultar um afilhado do rei, mas já começava a pensar que essa era a única maneira de se livrar do assédio.
— Não consigo acreditar que seu marido a deixe sozinha por tanto tempo.
— Ele tem negócios com o rei — Islaen respondeu em tom seco, tentando evitar que ele a empurrasse contra a parede.
— E por isso deixa a bela esposa sozinha, sem nada para fazer. Posso ajudá-la a passar o tempo — ele murmurou insinuante, conseguindo finalmente prendê-la entre seu corpo e a parede.
Islaen estava chocada. Parecia incrível, mas o homem pretendia mesmo beijá-la diante do salão repleto de convidados. Tomada pela repulsa, preparava-se para empurrá-lo quando sentiu que ele era puxado violentamente para trás.
Ficou levemente desapontada ao perceber que quem a resgatava era Alexander, ao mesmo tempo em que se surpreendeu com o fato de um homem tão belo parecer tão duro e ameaçador. Ele segurava Ronald pela gola do casaco, mantendo-o suspenso no ar.
— Creio que a dama já deixou bem claro que não deseja sua ajuda para passar o tempo.
— Resgatando minha esposa?
Islaen não entendia como Iain podia ter chegado ali tão depressa. Era evidente que ele a tinha estado observando de longe.
— Não sabia se você havia percebido que ela precisava de ajuda.
— Eu teria resolvido tudo sozinha — ela declarou em tom defensivo, mas nenhum dos dois deu-lhe atenção.
— Sei. O rei quer falar com ele. — Iain apontou para Ronald.
Ronald ficou ainda mais pálido quando, com um sorriso frio, Alexander o arrastou dali. Islaen viu quando o rei fez um sinal para que os dois homens o seguissem, e somente então percebeu que todos acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos com grande interesse. Era constrangedor.
Iain fitou-a e lutou para controlar a raiva antes de falar. Sabia que ela não fizera nada para atrair a atenção de Ronald. Muitas vezes, havia desejado interferir ao vê-la sendo assediada, mas havia concluído que seria melhor se ela aprendesse a lidar sozinha com esse tipo de situação.
Porém, ao ver Ronald encurralando-a, não hesitara. Tinha se levantado rapidamente e informara o rei sobre a intenção de matar seu afilhado. E teria sido forçado a desafiá-lo, não fosse pela presença providencial de Alexander.
Esse sentimento incontrolável de fúria o perturbava. Percebeu que estava falhando ao manter a distância entre ele e Islaen, mas não havia nada que pudesse fazer. Ela era uma feiticeira, atraindo-o cada vez mais, encantando-o sem nem mesmo se esforçar. Era algo perigoso, pois não sabia como resistir.
— Devia ter me contado que ele estava se tornando um problema.
Islaen ficou com raiva ao ouvir a acusação na voz dele.
— Estava lidando com o tolo muito bem sozinha, muito obrigada.
— Ah, sim, tão bem que ele a encurralou contra a parede e se preparava para beijá-la diante de metade da corte.
Ela cerrou os punhos e encarou-o.
— Eu não teria permitido. E as pessoas não estavam prestando atenção até você e Alexander fazerem um espetáculo. E, como se não bastasse, agora você piora as coisas me acusando diante de todos, quando sabe muito bem que não tenho culpa de nada. Pois saiba que não vou admitir esse tipo de tratamento.
Furiosa, chutou a canela do marido e se retirou, convencida de que já havia suportado mais do que podia da corte e dos homens em geral.
Iain se prepava para segui-la quando foi abordado por Alistair.
— Provocou uma explosão temperamental, é? Ainda aturdido com a intensidade e a rapidez da reação dela, Iain respondeu:
— Foi só uma pequena divergência de opiniões, mais nada.
— E claro — ele murmurou. — Se eu fosse você, esperaria um pouco antes de ir atrás dela. Deixe-a terminar o banho.
— Ela tomou banho hoje cedo — Iain resmungou, incerto de apreciar os conselhos a respeito de como lidar com a própria esposa.
— Ela sempre toma banho quando fica nervosa. Estará mais calma depois.
Islaen escovava os cabelos úmidos quando lain entrou no quarto. Não havia se retirado esperando que ele a seguisse, mas já se perguntava por que ele demorava tanto. O banho a acalmara, mas ainda se sentia insultada. Ele agira como se a estivesse acusando de encorajar o assédio de Ronald.
lain viu-a fitá-lo e desviou o olhar. Observá-la sentada na cama, com os cabelos soltos e as pernas expostas, despertou seu desejo, mas ele o controlou. Devia-lhe um pedido de desculpas e não precisava do conselho de ninguém para saber que seria melhor oferecê-lo antes de tentar se aproximar dela. Quando ele começou a se despir e apagar as velas, Islaen deixou a escova de lado e se deitou sob as cobertas, de costas para o marido.
Ele a enlaçou pela cintura.
— Islaen... — Ela estremeceu. — Islaen, eu sinto muito. Fiquei zangado por ele ousar se aproximar de você. Como ele foi levado para fora do alcance de minha ira, acabei sendo injusto com você. Sei bem que não encorajou o idiota.
Virando-se para encará-lo, ela respondeu:
— Sabe que não precisava dizer tudo isso, não?
— Eu sei que não, mas vou me sentir melhor se pedir desculpas. Eu errei.
Ela riu.
— Está se desculpando porque não quer dormir sem antes visitar meu corpo, não é?
— Digamos que estou com saudades... — Ele sorriu e começou a despi-la.
Islaen já o havia perdoado.
Espreguiçando-se, Islaen observava o marido se vestir. Ao perceber que ela estava acordada, lain aproximou-se para beijá-la.
— Vai passar o dia na cama? — ele perguntou.
— Sozinha? Acho que não.
— Então, é melhor se levantar. E eu vou deixar você se vestir, antes que mude de idéia.
Depois que ele saiu, ela suspirou e saiu da cama. Não sentia vontade de deixar seus aposentos. Ali, na intimidade do quarto, à noite e de manhã cedo, lain a tratava com ternura e deixava cair a máscara de frieza. Porém, em alguns minutos, quando o encontrasse do lado de fora, sabia que veria novamente o homem reservado e retraído, cercado por um escudo intransponível.
Encolhendo os ombros, afastou esses pensamentos. Ela vira como as coisas podiam ser entre eles, percebia isso cada vez que se deitavam juntos, isolados do mundo. Não tinha dúvidas de que, nesses momentos, ele se sentia contente. Já era um começo, uma base sobre a qual poderia construir.
lain quase sorriu quando ela se uniu a ele à mesa do salão. Derreter-se como um noivo apaixonado não era a melhor maneira de mantê-la afastada. Porém, era difícil agir com frieza quando tinha a mente repleta de deliciosas lembranças da paixão vivida na noite anterior. Sabia que devia evitar essas noites de luxúria, mas era impossível resistir aos encantos de Islaen. As vezes, tinha a sensação de ser, ao mesmo tempo, dois homens diferentes, e se perguntava se não a confundia com seu comportamento inconsistente. Bem, talvez essa fosse uma forma de impedir que os sentimentos de Islaen por ele se aprofundassem.
Achando que lain se comportaria de forma reservada, Islaen permitiu que a rainha a conduzisse para junto das outras mulheres. Sentou-se para bordar, mas logo percebeu que o trabalho manual não era o motivo da reunião. O que as motivava eram as fofocas. Apesar de ter se chocado com alguns comentários, tentou disfarçar. Era difícil não sair em defesa de pessoas cujos nomes eram mencionados com maldade, mesmo não as conhecendo. Começou a sentir uma forte dor de cabeça enquanto tentava discernir entre rumores e mentiras.
— Acho que isso vai interessá-la, lady MacLagan — disse lady Constance, irritando-a ainda mais.
— E o que seria isso?
— Lady Mary Cameron chegou hoje à corte. Talvez a conheça pelo nome de solteira, lady Mary Chisolm.
— Não a conheço. O nome nada significa para mim.
— Bem, é melhor conhecê-la, então.
— É mesmo?
— Sim. Ela é a mulher que Iain amava.
— Ah, ele me falou a respeito dela.
— E mencionou que ela está viúva? Islaen sentiu um arrepio, mas manteve-se aparentemente calma.
— Não. Não é um assunto que nos interesse.
Antes que lady Constance pudesse destilar mais veneno, a rainha mudou de assunto. Islaen respirou aliviada e, assim que conseguiu, afastou-se do grupo. Ao chegar ao quarto, atirou-se sobre a cama e sufocou um grito de frustração e revolta. Não precisava de mais um problema. Iain havia dito que não amava mais lady Cameron, mas a chama do antigo amor podia estar apenas sufocada, pronta para renascer ao primeiro reencontro. Pensar nisso causava-lhe uma dor que jamais imaginara poder sentir.
Estava apaixonada por Iain, concluiu com certa tristeza. Suspeitara disso desde que pusera os olhos nele, mas tinha tentado não pensar muito no assunto. Porém, o perigo real a obrigava a encarar os fatos. Nenhum dos outros problemas a tinha ameaçado realmente com a perda do amor de Iain. Como ela não o tinha, esforçara-se para conquistá-lo. No entanto, enfrentava agora a possibilidade de tudo pelo que havia lutado ser entregue a outra mulher.
Balançando a cabeça com vigor, levantou-se, determinada. Sabia que corria o risco de perdê-lo, mas não ficaria imóvel vendo aquilo acontecer. Decidida, dirigiu-se ao salão, esperando chegar lá antes de lady Cameron.
Iain olhou ao redor procurando pela esposa. Já pensava em ir aos aposentos deles verificar se ela tinha se retirado quando dedos delicados o puxaram pela manga.
— Mary! — exclamou, surpreso.
— Cheguei a pensar que não se lembraria de mim. Já faz quatro anos.
— Você não mudou nada.
Foi impossível conter uma onda de ressentimento. Iain sofrerá muito quando ela fora entregue a outro homem. Havia sido naquela época que começara a proteger o coração, decidido a nunca mais sentir aquele tipo de dor. A mulher deixara marcas em sua alma, mas um olhar para ela era o suficiente para constatar que não havia sofrido.
Mary estudava o homem com quem havia considerado se casar antes que outro, mais poderoso e muito mais rico, tivesse pedido sua mão. A idade e as dificuldades da vida só haviam acentuado a beleza dele. A única coisa que lamentava era nunca tê-lo tido como amante. No início, precisara resguardar a virgindade para o marido, e lain sempre a tratara como a mais casta das donzelas. Depois do casamento, ele estivera fora de seu alcance. Porém, nunca deixara de pensar em como seria deitar-se com ele, e no momento estava disposta a saciar essa curiosidade.
— Sempre galante — ela respondeu sorrindo.
— Não. Você realmente não mudou desde a última vez que nos vimos. Mas eu mudei.
Ela tocou a cicatriz em seu rosto.
— A marca apenas o torna mais atraente, lain. Dá um ar de perigo, de aventura... Está casado?
— Sim, há duas semanas. E estava prestes a sair em busca de minha esposa.
Islaen entrou no salão e olhou ao redor, tentando localizar lain. Apesar da estatura dele, nem sempre era fácil encontrá-lo, porque a multidão reunida na corte crescia a cada dia.
— Procurando alguém, amor? Fitando Alexander rapidamente, ela assentiu.
— Sim, lain. E você não devia me chamar de amor.
— Talvez, mas vou fazê-lo mesmo assim.
— Pode provocar comentários.
— E não seria divertido?
— Você tem uma idéia estranha a respeito de diversão, Alexander MacDubh.
Quando Islaen finalmente avistou o marido, ficou tensa. Havia uma loura de curvas exuberantes ao lado dele. Ela era alta para uma mulher, tinha um corpo que os homens certamente desejavam, e era graciosa e elegante ao mesmo tempo. Mas o que realmente a amedrontou foi a suavidade que identificou na expressão de lain enquanto ele fitava a desconhecida.
— Alexander, com quem meu marido está conversando? — perguntou, embora já conhecesse a resposta.
— Lady Mary Cameron. Você não a conhece.
— Está enganado. Sei quem é lady Cameron. E sei por que ela está tocando o rosto do meu marido e sorrindo como um gato diante do pires de leite.
Apesar de ser uma das coisas mais difíceis que já fizera, Islaen não perguntou a lain sobre Mary. Havia decidido que a melhor coisa a fazer seria confiar no marido. E, na verdade, confiava nele. Era de Mary que desconfiava. A mulher era persistente e não parecia ter escrúpulos.
Bebendo mais um pouco de vinho, tentou manter a calma, algo que se repetia havia três noites, desde que Mary chegara. A mulher havia conseguido usurpar o lugar de lady Constance, monopolizando toda a atenção de lain. Porém, logo se convenceu de que deveria se sentir grata, pois ela não conseguiria nada além disso.
— lain, estamos negligenciando sua jovem esposa. Islaen imaginou-se despejando sua taça de vinho sobre os cabelos elegantemente penteados de Mary, e se perguntou qual seria a proporção do escândalo provocado. Porém, apenas respondeu com doçura:
— A jovem esposa está muito bem, obrigada, lain estranhou o tom doce de Islaen e a dureza de seu olhar. Sabia que a estava negligenciando e dando atenção excessiva a Mary, mas não conseguia se conter. Nem a crescente retração da esposa nem os olhares cada vez mais beligerantes de seus irmãos eram suficientes para detê-lo. Mary era uma lembrança de um tempo feliz. Sabia que não poderia voltar no tempo, mas era difícil resistir à tentação de recapturar ao menos parte do passado.
— Sim, você tem Alexander, não é? — Lady Mary ronronou, antes de envolver lain em uma discussão a respeito de um conhecido comum.
Islaen olhou para Alexander e confirmou suas suspeitas no rosto do amigo. Ele também sabia o motivo do comentário de lady Mary.
— Acredita que ela seria mesmo capaz de tentar esse jogo?
— Não tenho dúvidas disso. A meretriz trapaceira!
— Ela é?
— É. Sempre foi. E sempre será uma vagabunda, lain nunca percebeu.
— E você nunca disse a ele.
— Não. Eu já havia passado por isso com Tavis. Engraçado... O nome dela também era Mary.
— Metade das mulheres do país se chama Mary.
— E claro. Bem, para ser direto, e perdoe-me se a ofendo com meu vocabulário objetivo, Mary preservou sua virgindade intacta, mas essa foi a única parte de seu corpo que chegou ao casamento sem jamais ter sido tocada. Para lain, tudo nela era pureza. Ele não enxergava a verdade, e ela sabia como esconder sua verdadeira natureza. Essa mulher conhece mais truques que a mais habilidosa cortesã.
― E a outra Mary? A de Tavis?
— Tavis e eu ficamos afastados por causa daquela mulher. Só nos reaproximamos depois de ele ter encontrado Storm. Mas claro que ele ainda rosna como um cão sempre que me aproximo dela.
— Tentou roubá-la uma vez, não é?
— Sim, mas isso foi antes de ela se casar com Tavis. Parece que meu destino é sonhar com as mulheres MacLagan.
A insinuação contida naquelas palavras e a maneira como ele a olhava fizeram Islaen corar. Saber que um homem como Alexander a desejava era motivo de grande vaidade.
—Deve haver alguém esperando por você, Alexander MacDubh.
— Se existe, essa mulher se escondeu muito bem. Na próxima semana vou completar trinta e dois anos, e ainda não a encontrei.
— Ah, precisa mesmo se preocupar. Um homem idoso, alquebrado pela idade...
— Não tem graça.
— Alexander, você vai encontrar alguém. Só precisa deixar de ser velhaco e prestar mais atenção às mulheres à sua volta.
— E agora me acusa de ser um velhaco?
— Não é uma acusação injusta, é?
— Não. Mas eu a perdôo se dançar comigo.
Ela riu e aceitou o convite. Ao ver que muitos os observavam com ar malicioso, Islaen suspirou. Era evidente que as pessoas da corte não acreditavam na amizade entre um homem e uma mulher. Ao olhar para lain, percebeu que ele também nutria dúvidas, e isso a aborreceu e magoou. Sentiu-se ofendida com a falta de confiança, e não conseguia deixar de pensar Por que, se ele realmente acreditava que estivesse envolvida com Alexander, não fazia nada para impedir o relacionamento.
Pela primeira vez desde a chegada de Mary, lain deixou de ouvir o que ela dizia. Ver Alexander e Islaen se divertindo juntos o incomodou mais do que poderia ter imaginado. Confiava em Islaen, mas sabia que Alexander era um sedutor inveterado. Havia negligenciado a esposa para dar atenção a outra mulher, e agora temia tê-la tornado vulnerável ao charme de Alexander.
Era vergonhoso descobrir que se sentia impelido a apelar para a violência a fim de impedi-la de tomar um amante, quando ele mesmo cogitava essa possibilidade. As insinuações de Mary sobre um possível envolvimento entre os dois eram sutis, mas claras, e ele estava encontrando dificuldades para resistir à tentação. Com o transcorrer da noite, os convites de Mary se tornavam mais insistentes, enquanto ele enfraquecia.
Islaen ouviu o murmúrio suave de vozes quando voltava do reservado. Ao reconhecer a voz masculina, esgueirou-se para as sombras com o coração batendo furiosamente, antecipando a dor que teria de suportar. O casal hesitou ao passar por seu esconderijo, e ela prendeu a respiração com medo de ser encontrada.
Mary franziu a testa quando Iain hesitou, pois já contava o êxito. Tinha começado a fazer planos para livrá-lo da esposa e desposá-lo. Nos quatro anos em que haviam estado separados, ele conquistara riqueza e poder, coisas que ela desejava com desespero. E, uma vez que era próximo do rei, havia para o futuro a promessa de ainda mais dinheiro e poder.
— Por que hesita, meu amor?
— Mary, sou um homem casado.
— Somente porque não cheguei a tempo de impedir essa tolice. — Ela o abraçou e beijou com toda a habilidade que havia desenvolvido ao longo dos anos com muitos amantes. — Fomos arrancados dos braços um do outro — ela murmurou com voz rouca, conduzindo-o na direção de seus aposentos. — Fomos forçados a aceitar outros parceiros. Agora, meu amor, chegou a hora de tomarmos o que é nosso por direito. Sempre nos amamos, mas nunca concretizamos esse amor.
Iain se deixou levar. Depois daquele beijo, sentia-se atordoado, incapaz de pensar com clareza, pois não tinha sido como havia esperado. Mary não despertara sua paixão, apesar da evidente experiência. Excitara-se um pouco com a lembrança, mas nada além disso. Começou a pensar em como Islaen o estimulava com incrível facilidade, e questionou se valeria a pena arriscar o que tinha com ela em troca de uma viagem ao passado com Mary.
A dor que havia começado a sufocar Islaen tornou-se insuportável quando, depois de ser beijado, Iain se deixou conduzir até o quarto de Mary sem protestar. Foi impossível conter o pranto, embora ainda conseguisse abafar os soluços. Quando se apoiou à parede e começou a escorregar, certa de que cairia, dois braços fortes a sustentaram. Com o rosto escondido no peito de Alexander, entregou-se ao desespero, chorando como uma criança.
— O que faz aqui? — perguntou assim que conseguiu se acalmar.
— Eu sabia que você havia vindo para cá, e queria impedi-la de ver o que acabou de ver.
— Ei, o que está fazendo com nossa irmã? — O grito furioso de Malcolm ecoou no corredor por um instante antes de Alexander ser arrancado de perto dela.
— Ele não estava fazendo nada de errado — Islaen se apressou a dizer.
— Eu só queria consolar a moça.
— Sim, e sabemos como você costuma fazer isso, Alexander MacDubh. Na sua cama — grunhiu Malcolm.
— Islaen jamais me usaria dessa maneira. — Alexander piscou para ela. — No entanto, estou à disposição caso ela...
— Agora chega — Robert interrompeu-o, passando um braço em torno dos ombros da irmã em um gesto de consolo. — Esteve chorando, não é? Viu o patife, imagino. Pois não se desespere, irmãzinha. Vamos agora mesmo fazê-lo pagar por isso.
— Essa é a outra razão da minha presença aqui, moça — Alexander disse com calma. — Eu queria impedir um assassinato.
—Vocês não fariam isso. — Ela ofegou, empurrando Robert, e identificou a intenção dos irmãos nos rostos endurecidos. — Não podem fazer isso. —Ele a envergonhou e magoou. —Isso não é da sua conta, Donald. —Você é nossa irmã, e não vamos permitir que ele a trate dessa maneira — sibilou Nathan.
— Não me importo.
— É claro que se importa. Está estampado em seu rosto.
— Sim, eu me importo, mas não o suficiente para querê-lo morto. Houve um momento em que pensei em matá-lo com minhas próprias mãos, e parte de mim ainda sugere que eu os incentive a ir até aquele quarto e acabar com os dois. Porém, não posso permitir que façam isso, pois me magoariam mais do que ele jamais conseguiria. Ele não seria o único a sangrar, caso suas espadas o tocassem.
Vendo que a declaração havia reduzido drasticamente a fúria dos irmãos, Alexander decidiu interferir novamente.
— Vá para seu quarto, moça.
Islaen seguiu a sugestão dele. Precisava ficar sozinha, nem que fosse apenas por alguns instantes. Só lamentava não poder se refugiar em outro lugar que não fosse o quarto que dividia com Iain.
Assim que Islaen se retirou, Alexander fitou os irmãos dela. Formavam um grupo impressionante de homens altos, fortes e charmosos, e ainda havia mais quatro como eles em casa. Iain encontraria adversários à altura em cada um deles. No entanto, sabia que o sangue do amigo não seria o único derramado em caso de um confronto. Gostava de Islaen, mais do que deveria, e queria poupá-la do sofrimento que enfrentaria caso houvesse uma luta.
— Não podem sacar espadas contra ele — disse.
— Só o defende porque ele é seu amigo — Nathan rebateu.
— Sim, e porque Islaen é minha amiga.
— Não sei se o quero perto de minha irmã.
— O que você quer não me interessa. Ela terá sempre minha amizade, com ou sem a sua aprovação. Islaen sente carinho por mim. Poucas mulheres já me ofereceram isso.
— Todas as mulheres gostam de você, e mais do que deveriam — Duncan comentou.
— Elas gostam do meu corpo e do meu rosto, mas nenhuma presta atenção ao que há em essência. E não é essa a questão em debate aqui. Islaen já explicou por que não podem apontar suas espadas para Iain. Ela ama aquele tolo. E também ama todos vocês. Independentemente de como a batalha termine, ela sofrerá ainda mais. Isso não faz sentido.
— Odeio admitir, mas ele tem razão — disse Robert.
— Então, nada faremos contra o crime desse canalha que desposou nossa irmã? — Nathan protestou, furioso.
— Eu não disse que ele deve ficar impune. Uma boa surra poria um pouco de juízo na cabeça dele. E talvez eu me una a vocês.
— Tem certeza de que o homem é seu amigo? — Robert perguntou, sorrindo.
— Sim, mas nem por isso tenho de aprovar tudo que ele faz. Não, especialmente se suas ações ferem a bela mulher que o ama e favorecem uma meretriz sem escrúpulos. Uma boa surra no momento certo vai ajudá-lo a compreender que está dando valor ao que não presta e desprezando o que é realmente valioso.
Iain interrompeu o beijo e olhou para Mary. As mãos dela o despiam com uma velocidade espantosa. Havia uma avidez em seus movimentos que era quase repugnante. Por fim, teve de admitir que não queria estar ali. Havia prometido ser fiel a Islaen, mas lá estava ele, no quarto de outra mulher. Afastando-se, começou a ajeitar as roupas.
Sabia que Mary conseguiria excitá-lo e que poderia sentir prazer com ela, desde que se esquecesse de Islaen por alguns momentos. Mas isso era justamente o que não se sentia capaz de fazer. Islaen e as promessas que fizera a ela se interpunham entre ele e a mulher que o fitava com um misto de perplexidade 6 raiva.
— O que está fazendo? — ela perguntou em tom frio.
— Indo embora. Não devia ter vindo. Sou um homem casado.
— Vai me deixar por aquela criança com quem foi obrigado a se casar?
— Fiz promessas a ela e não pretendo quebrá-las. Ela não fez nada para merecer esse tratamento.
—Tem idéia do que está desprezando? — Mary começou a gritar. — Recusei meus favores a homens melhores do que você! Não percebe o que podemos ter juntos? Se combinarmos nosso poder e nossa riqueza, seremos quase reis! Acha que aquela criança pode lhe dar tudo isso? Ela nem tem seios. Você é um idiota, Iain.
Durante alguns instantes, ele apenas a observou. Deu-se conta, então, de que, pela primeira vez, a enxergava como realmente era. A mulher que ele abraçara e com quem falara de amor quatro anos atrás nunca tinha existido. Mary era capaz de usar todos os meios, inclusive o próprio corpo, para obter poder e fortuna. Desposara lorde Cameron pois ele tivera mais a oferecer na época. E agora que o tinha reencontrado, via nele uma possibilidade de satisfazer sua ganância.
— Acha que sou um idiota por desistir do que está me oferecendo? Não. Sou um idiota, sim, mas por ter pensado que poderia recuperar o que nunca existiu.
— E o amor que nos uniu no passado? Como pode abrir mão da chance de recuperar tudo que perdemos?
— Não perdemos nada. Na verdade, começo a perceber que lorde Cameron evitou que eu cometesse um terrível erro. E só rezo agora para não ter acabado de cometer um ainda maior.
No quarto, Islaen se lavou, despiu-se e pôs a camisola. Apagou quase todas as velas, exceto a que ficava do lado da cama onde Iain dormia, e se encolheu sob as cobertas. A cama sempre havia sido um bom lugar para estar quando ficava triste, magoada ou furiosa, mas agora nem ali encontrava conforto.
O som da porta se abrindo interrompeu o fluxo abundante de lágrimas. Não podia acreditar que Iain tinha vindo para sua cama imediatamente depois de deixar a de Mary. Quando ele se deitou e a tocou sem dizer nada, ela se retraiu. Não suportava a idéia de ter em seu corpo as mesmas mãos que tinham acariciado Mary havia pouco.
Ao senti-la esquivar-se de seu toque, Iain angustiou-se. Soubera que ela tinha descoberto tudo assim que entrara no quarto. Apesar dos esforços óbvios para disfarçar, ela havia estado chorando. Achou que não se sentiria pior do que no momento nem mesmo se tivesse se deitado com Mary. Perceber a retração da sempre doce e calorosa Islaen fez com que desejasse se ajoelhar e implorar seu perdão. E ali estava a prova do que ele já suspeitava. Apesar de todo o esforço para manter a distância entre eles, não suportava a idéia de magoá-la.
— Eu não pude... — ele murmurou.
— Não se deitou com ela? — Islaen perguntou em voz baixa.
— Não. Não pude. Não vou mentir para você. Fui ao quarto de Mary com a intenção de me deitar com ela.
Islaen se virou para fitá-lo, imaginando se ele sabia como sua honestidade era importante para ela.
— Eu sei. Vi vocês juntos no corredor. Ele fez uma careta ao se lembrar do beijo que trocara com Mary.
— Sim, eu hesitei, mas não por muito tempo, não é? Eu queria voltar no tempo, reviver aquela época em que ela e eu pensávamos estar apaixonados, há quatro anos.
— Nunca foram amantes?
— Não. Nunca. Confesso que sentia certa curiosidade, uma vontade de saber como seria ir para a cama com ela.
— Consigo compreender isso, Iain. — Também sentira essa mesma curiosidade com Alexander, embora nunca tivesse tido a intenção de saciá-la ou confessá-la.
— Acho que é mais compreensiva do que eu seria.
— Bem, é fácil ser compreensiva, uma vez que você não se deitou com ela.
— Não. Respeitei nossos votos de casamento, mas vou admitir que não foram apenas eles que me detiveram, apesar de estarem sempre presentes. Eu estava procurando o passado e, de repente, soube que nada encontraria naquela cama. Algo me fez entender que o passado havia sido uma mentira. A mulher que eu pensei ter amado nunca existiu. Vi nos olhos dela o mesmo brilho que vi no de outras mulheres, meretrizes posando de finas damas. E quando ela compreendeu que eu a deixaria, condenou-se com as próprias palavras. Ela nunca foi uma jovem pura forçada a desposar um senhor de idade. Mary é uma mulher gananciosa e astuta que escolheu o pretendente mais rico, mais poderoso e mais adequado aos seus propósitos. Agora, viúva, reconheceu em mim a chance de aumentar sua fortuna e seu poder. Prefiro não pensar em como ela pretendia tirar você do caminho, pois teria de se casar comigo para pôr as mãos em minhas posses, mas... Enfim, tomei minha decisão no momento em que ela se revelou como realmente é.
Doía saber que ele não havia rejeitado Mary por amá-la, mas Islaen não era tola. Era suficiente que ele houvesse se recusado a se deitar com uma bela mulher, alguém que ele pensara amar no passado, considerando os votos que haviam trocado. Talvez nunca conquistasse o amor dele, mas tinha certeza de que teria sempre sua lealdade e respeito.
Islaen beijou-o, assumindo o controle. Enquanto beijava o pescoço forte, deslizava as mãos por seu corpo sem pressa, explorando-o. A maneira como ele reagia a incentivava a prosseguir com as carícias ousadas, e cada beijo inflamava o desejo que já havia se acendido em ambos.
Deslizou a ponta da língua por um mamilo. As mãos dele a seguraram pelos cabelos, da mesma forma que tantas vezes ela fizera. Encorajada por esse sinal de aprovação, Islaen continuou sugando e lambendo até ouvi-lo gemer. Fascinada, notou que os mamilos masculinos também se enrijeciam com o estímulo, como os dela.
— Gosta disso? — ela perguntou com voz rouca.
— Precisa perguntar? — ele murmurou ao sentir as carícias descerem para o abdômen.
— Bem, você podia ser um pouco mais galante. — Islaen mergulhou a língua em seu umbigo e sentiu-o contrair-se.
Os beijos agora cobriam suas coxas. O hálito morno e os cabelos sedosos acariciavam sua virilha, e ele se sentia em brasa.
— Iain? Lembra-se daquela primeira noite em que fui procurá-lo em seu quarto? — Islaen perguntou entre um beijo e outro.
— Sim — ele respondeu aturdido, completamente dominado pelo desejo, tremendo ao sentir os lábios mais e mais próximos de uma área que clamava pelo toque. — Na véspera do nosso casamento.
— Sim. Vi um casal no corredor. Eles faziam amor.
— Que vergonha!
— Vergonhoso, de fato. A mulher fazia com o homem algo em que fiquei pensando mais tarde, quando nos deitamos juntos.
— O que ela fazia?
— Bem, não sei bem como explicar. Deve ser algum truque de meretriz.
Ele quase parou de respirar ao sentir os lábios se aproximando de sua ereção.
— Então... mostre-me.
— Vai me dizer se for algo que eu não devo fazer?
— Sim, sim...
Quando Islaen deslizou a língua lentamente por toda a extensão de seu membro, ele se contorceu de maneira tão intensa e inesperada que ela se assustou.
— Iain?
— Não... Não pare. Por favor, não pare — suplicou, segurando-lhe a cabeça para levar novamente a boca úmida e quente à parte mais sensível de seu corpo.
Iain fechou os olhos e entregou-se ao prazer que Islaen lhe proporcionava. Quando ela o tomou completamente entre os lábios, foi impossível conter um tremor. Rangendo os dentes, tentou controlar a resposta instintiva de seu corpo. Queria desfrutar do prazer dessa carícia tão íntima por tanto tempo quanto fosse possível.
Sentindo que ele se aproximava do clímax, Islaen acomodou-se de forma a recebê-lo em seu corpo, deslizando lentamente pelo membro ereto e despindo a camisola para exibir-se aos olhos do marido. Era surpreendente que pudesse desejar tanto um homem, e que fosse capaz de expressar esse desejo com tanta liberdade.
Iain tremia. O desejo de Islaen o excitava ainda mais, e ele estava prestes a perder o controle. Sem querer pôr um fim repentino àquele delicioso momento de paixão, sentou-se e agarrou-a pelos quadris, impedindo-a de se mover. Beijou-a e saboreou os seios macios e quando, por fim, retomou os movimentos ritmados, ela logo atingiu o clímax, agarrando-se a ele, levando-o junto na deliciosa explosão sensual.
Mantiveram-se na mesma posição por algum tempo até que ele a deitasse e a aninhasse no peito.
— Isso significa que estou perdoado? Sorrindo sonolenta, Islaen respondeu:
— Talvez... Vou ter de pensar um pouco mais antes de responder.
— Se isso não foi um perdão, deixe-me descansar um pouco antes de me desculpar de verdade. Não sei se sobreviveria a um perdão pleno e incondicional nesse momento.
Os dois riram juntos.
Islaen acordou com uma sensação estranha. Iain dormia profundamente ao seu lado e o quarto estava escuro, mas ela sentia uma presença ameaçadora. Lembrou-se de o marido ter mencionado um assassino que o perseguia. Certa de que ninguém entrava no quarto de outra pessoa encoberto pela escuridão e pelo silêncio sem ter intenções nefastas, sentiu o sangue gelar nas veias.
Um movimento ao lado de Iain, seguido pelo reflexo de uma lâmina, a fez entrar em ação. Numa reação instintiva, empurrou o marido para fora da cama com toda a força e, enquanto o baque do tombo e o grito do invasor ainda soavam na noite, ela se levantou de um salto para acender uma vela.
Iain gritou assustado ao ser empurrado para fora da cama quente, mas o tombo o pôs em imediato estado de alerta. Alguém esperneava e movia os braços desesperadamente tentando se livrar de seu peso, e era alguém alto e forte demais para ser Islaen. Ele rolou para o lado e se pôs em pé. No mesmo instante, a luminosidade pálida da vela que Islaen acabara de acender iluminou os traços de Duncan MacLennon. Infelizmente, lain estava nu e desarmado, e havia uma cama e um adversário entre ele e a espada.
— Desta vez vai morrer, MacLagan. E vou mandar para o inferno a vagabunda com quem se casou, também.
— Sua vingança é comigo, MacLennon. Islaen não tem nada a ver com isso.
— Ela é sua. Para mim, é o suficiente. E antes de morrer, vai me ver tomando sua mulher como você tomou a minha. Vai terminar seus dias vendo essa meretriz sendo forçada a se deitar comigo, como você forçou Catalina a se deitar com você.
— Eu nunca a forcei a nada.
— Catalina nunca teria se deitado com você por vontade própria.
— Ela se dispôs a cumprir o dever que pensava ter com a família.
— Ela teria ficado comigo por amor. E você a roubou de mim.
Islaen sentiu um arrepio de medo. Estava assustada com a insanidade de Duncan MacLennon, mas não perdeu tempo. Iain estava desarmado, e essa era sua principal preocupação. Depois de vestir a camisola, correu até a arca sobre a qual se encontrava a espada do marido. Virou-se de novo para a cena do embate e começou a se aproximar, aguardando o momento de lançar a arma para Iain. Ao perceber que MacLennon dava-se conta de sua presença, aproveitou a oportunidade.
— Iain, a espada — gritou, lançando-a em sua direção.
Ele mal havia empunhado a arma quando MacLennon investiu contra Islaen. Ela girou para se esquivar do golpe, mas não foi suficientemente rápida. A lâmina cortou a parte externa de uma perna, na altura da coxa, arrancando de seu peito um grito de dor. Começou a correr para escapar de um segundo golpe, mas logo a atenção do invasor já estava novamente focada em Iain. Tomando todo o cuidado para não revelar sua intenção, ela começou a contornar a cena do combate para tentar chegar à porta e pedir ajuda.
Iain bloqueava com sua espada os selvagens golpes de MacLennon. Preocupado com Islaen, notando que ela tentava se aproximar da porta e que perdia sangue, embora caminhasse sem grande dificuldade, sinal de que o ferimento havia sido superficial, ele se distraiu por um segundo e foi atingido na lateral do corpo. Não era um ferimento que o incapacitasse, mas ele sabia que a lenta perda de sangue era capaz de levar um homem à morte. Agora, só havia uma maneira de eliminar o inimigo antes de estar fraco demais para isso: precisava tomar a ofensiva.
Notando que Iain mantinha MacLennon ocupado demais para se incomodar com ela, Islaen correu para a porta e, ao abri-la, gritou:
— Socorro! Papai, Robert, todos, venham depressa! Um homem está tentando matar Iain!
MacLennon praguejou ao ouvir a resposta imediata ao pedido de socorro. Ele investiu determinado contra o corpo de Iain, que saltou para trás, consciente de sua vulnerabilidade. Nesse instante, MacLennon correu para a janela. Ele já desaparecia quando Iain tentou Persegui-lo e a família de Islaen surgiu no quarto, diversos homens vestindo apenas ceroulas, todos empunhando espadas afiadas. Porém, eles só puderam ver rapidamente o vulto que escapava pela janela.
— Atrás dele — Islaen ordenou histérica, desesperada para pôr fim à ameaça.
Os irmãos dela obedeceram, mas Alaistair hesitou, porque havia notado o sangue na perna da filha.
—Você está ferida!
— Não é nada, pai.
— Sim, mas seu marido também está.— Decidindo que sua presença era mais necessária ali, ele depôs a espada. Islaen notou como Iain se apoiava ao parapeito da janela, com as mãos sobre o ferimento em um lado do corpo, e correu para ajudá-lo. Ao sair para pedir socorro, não tinha visto como a luta progredira. Alaistair ajudou o genro a se deitar, insistindo para que a filha também fosse para a cama. Islaen se perguntou se o colapso do marido não se devia à decepção por MacLennon ter escapado novamente. Despertada por seus irmãos, Meg entrou correndo no quarto para ajudar a cuidar dos feridos.
Apesar de seus protestos, o pai, o marido e Meg insistiram em fazê-la tomar uma poção. Já estava quase sucumbindo ao sono causado pela mistura quando um de seus irmãos retornou. Ela ouviu apenas o suficiente para saber que o assassino ainda estava livre para atacar novamente, antes de adormecer.
— Pensei que o homem só estivesse atrás de você — Alaistair comentou ao ver que a filha dormia profundamente.
— Foi o que eu pensei, também. Ele a atacou quando Islaen conseguiu jogar a espada para mim, mas, antes, falou claramente que pretendia matá-la.
— Então, ele deve ser morto depressa — Malcolm decidiu, furioso.
— Também acho — concordou Nathan, com expressão carrancuda. — Pena não termos encontrado o miserável.
— Ele desapareceu como um fantasma! — exclamou Donald, aproximando-se da cama para afagar os cabelos da irmã. — Quando eu puser as mãos nele... — Olhou para Iain. — E surpreendente que o assassino o tenha encontrado aqui. Ele poderia ter se deparado com nossa irmã sozinha e desprotegida.
Iain levantou-se e vestiu as ceroulas. Islaen não havia contado que toda a família sabia de seu encontro com Mary, mas era evidente que não havia segredo entre as paredes do palácio. Porém, esse não era o melhor momento para discutir a questão. Constrangido, fingiu não ter entendido a insinuação.
— No início não pude protegê-la adequadamente. Na verdade, foi a atenção de Islaen que me salvou de ser morto enquanto dormia. — Ele resumiu tudo que acontecera enquanto, com a ajuda relutante de Nathan, terminava de se vestir.
Depois de ouvir o relato, os irmãos decidiram que não havia muito que pudessem fazer. Iniciariam uma busca e reforçariam a vigilância. Não era o suficiente para contentá-los, mas era o que se podia fazer de imediato. Enquanto os MacRoth retornavam a seus aposentos, Iain foi procurar Alexander. Mais tarde, pediria uma audiência com o rei. Sabia que nenhum dos dois poderia ajudá-lo muito, mas agora a vida de Islaen também corria perigo, e não ficaria parado esperando por um novo ataque.
Quando Islaen acordou, encontrou o irmão Nathan deitado a seu lado.
— Onde está Iain? Ele foi ferido.
— É surpreendente que ele estivesse aqui. Aquele maluco a teria encontrado sozinha, se o seu marido não houvesse voltado da cama da meretriz.
— Ele não se deitou com ela.
— Nós o vimos seguindo aquela mulher.
— Sim, mas não se deitou com ela. Ele me contou.
— E você acreditou nele?
— Sim. Não vou reproduzir nossa conversa, porque não é da sua conta, mas sei que ele disse a verdade.
— Ele teve a intenção.
— Sim. E ele também me disse isso. Mas honrou nossos votos, o que não é pouco.
— Não, eu sei que não — ele concordou, relutante. Depois de descobrir o que seria feito em relação a MacLennon, Islaen pediu ao irmão que chamasse Meg. Ignorando a desaprovação da ama, vestiu-se e foi procurar o marido. Queria ter certeza de que ele não estava se esforçando além do que era necessário.
Para seu desânimo, acabou encontrando lady Mary. Como se não bastasse, a mulher estava acompanhada de Lady Constance.
— Perdeu o marido? — Lady Mary perguntou com um sorriso frio. — De novo?
— O lugar é grande. Suponho que não o tenha visto...
— Não desde ontem à noite... nos meus aposentos.
— De costas, certamente, quando ele a abandonava.
— Ah, então ele disse que não fez nada, e você, como uma esposa obediente, aceitou essa versão dos fatos.
— Sim, eu acreditei nele. E, se não tivesse um assunto mais importante para resolver, eu tentaria entender por que quer me fazer pensar o contrário. Adultério é algo que se deve esconder como um pecado vergonhoso, e não exibir como uma proeza admirável.
— Iain disse que não se deitou com essa mulher? — perguntou Lady Constance.
Antes que Islaen pudesse responder, Lady Mary riu.
— Ela só diz isso para preservar as aparências. E que marido não teria mentido? Iain decidiu que é cedo demais para contar sobre mim, só isso.
— Milady, mesmo que ele tivesse sido muito rápido em suas atenções na cama, o que não costuma acontecer, ele não teria tido tempo para muita coisa entre o instante em que a acompanhou até seus aposentos e o momento em que voltou ao nosso quarto. Sendo assim, continuo acreditando na palavra de Iain. Ele não se deitou com você. Meu marido tem seus defeitos, como qualquer homem, mas mentir não é um deles.
— É verdade, MacLagan não mente — Lady Constance interferiu. — Mas você é uma mentirosa, lady Mary. Não venceu a aposta. Quero meu dinheiro de volta.
— Acredita nessa criatura patética? — lady Mary gritou descontrolada.
Islaen afastou-se apressada, pois não tinha nenhum interesse no confronto entre as duas mulheres. Elas a enojavam. Era horrível pensar que transformavam a destruição de um casamento em motivo de apostas. Sentia uma forte necessidade de deixar rapidamente a corte e todos aqueles parasitas e pervertidos. Talvez pudesse convencer Iain a ir embora mais cedo.
Porém, mesmo que o convencesse a partir imediatamente, teriam sempre de voltar. Iain era o representante de seu clã na corte, responsável por se manter informado de todas as intrigas e seus possíveis eleitos e benefícios. Teria simplesmente de endurecer e aprender a suportar a vida ali, porque nunca o deixaria visitar aquele antro de imoralidade sem a sua companhia. Não entendia como alguns homens conseguiam voltar para casa e encarar a esposa depois da devassidão a que se entregavam na corte.
Meg finalmente a encontrou e convenceu-a a voltar ao repouso. Como sua perna doía e lain estava em uma audiência reservada com o rei, Islaen deixou-se levar para o quarto. Logo adormeceu, e só acordou muito mais tarde, com o sol se pondo.
Vestindo-se depressa, dirigiu-se ao salão, certa de que encontraria o marido, e tão compenetrada estava em encontrá-lo que só viu lorde Fraser quando praticamente tropeçou nele. O homem estava embriagado, e não havia ninguém no corredor.
— Sozinha? Seus protetores se descuidaram? — perguntou, avançando na direção dela. — Não sabe como esperei por esse momento. Não sou tão idiota quanto o jovem Ronald MacDubh. Atacá-la diante da corte foi loucura! O idiota foi banido, sabe?
— Eu não sabia. Não pensei mais no patife depois que Alexander o levou para longe de mim. E agora, se me der licença...
— Alexander, é? Ele tem sido o depositário de seus favores, então?
— Está me insultando. E também está embriagado. Deixe-me passar, e sugiro que vá para sua cama.
— Quando eu for para a cama esta noite, você estará comigo.
Ele a atacou. Islaen tentou se esquivar, mas pisou na barra do vestido e tropeçou. Chocou-se contra a parede, e lorde Fraser aproveitou para pressioná-la com o próprio corpo. Islaen tentava se livrar, mas, tomada por um pânico crescente, percebeu que, bêbado como estava, o homem ainda podia dominá-la com facilidade.
— Meus irmãos e meu marido o matarão por isso .— ela ameaçou, ao ser jogada no chão.
— Eles nada farão contra mim. E terei lady Mary como minha aliada. Ela a odeia e acredita que, quando eu a possuir, seu lain voltará para ela. — Fraser arfou, tentando dominá-la, apesar de sua resistência. Conseguiu rasgar a frente de seu vestido e franziu a testa ao ver uma faixa em vez dos seios nus que esperava tocar. — O que é isso? — indagou, empunhando a adaga.
Islaen tentava soltar as mãos, mas ele mantinha seus pulsos sob os joelhos, apertando-os com tanta força que ela temia que os quebrasse. Tentar empurrá-lo só a esgotava, deixando-a sem ar. Quando ele começou a cortar a faixa, sentiu a ponta da adaga ferir sua pele delicada. Ao livrá-la do tecido, ele olhou boquiaberto para a região exposta, e o brilho naqueles olhos causou-lhe intensa repulsa.
— Por que escondeu um tesouro tão precioso? — ele perguntou, já apertando seus seios.
Ao mudar de posição, ele soltou as mãos dela. Islaen o atingiu no rosto, mas a pressão em seus braços havia interrompido a circulação do sangue, reduzindo sua força. As garras que deveriam ter sido eficazes apenas arranharam a pele do rosto de Fraser que, furioso, esbofeteou-a e segurou seus punhos novamente, erguendo-os acima de sua cabeça.
No momento em que a boca úmida encontrou um seio, ela sentiu que o estômago se rebelava. Lutando ferozmente, gritou ao sentir os dentes marcando sua Pele. Os movimentos aflitos só o excitavam ainda mais, porque provocavam uma constante fricção entre seu corpo e o dele.
Sentindo que a mão de lorde Fraser tentava ganhar acesso à área protegida por suas saias, Islaen decidiu que era inútil lutar. Ele já rasgara suas roupas numa tentativa desesperada de conseguir o que queria. Havia apenas uma última arma ao seu alcance. O corredor em que estavam era deserto e pouco usado, mas o som se propagava à distância. Alguém a escutaria. O medo de ser vista naquela lamentável posição desapareceu, comparado ao que o homem estava prestes a conseguir. Islaen usou toda a energia para gritar o mais alto possível. Gritou o nome do marido várias vezes, e depois todos os palavrões que conhecia. Lorde Fraser enfiou um lenço em sua boca, quase a sufocando no esforço de silenciá-la. Restava a ela rezar para que alguém a tivesse escutado.
Iain hesitou, franzindo a testa enquanto tentava decidir que direção devia tomar. Havia um corredor pouco utilizado que encurtaria o caminho e, com as mãos sobre o ferimento dolorido, decidiu prosseguir por ali. Alexander o acompanhava carregando a bandeja com comida.
— Eu posso ir sozinho agora.
— Não, não, Iain. Sua esposa não vai jantar, se tiver de esperar por você carregando a bandeja.
— Eu não disse que a comida era para Islaen.
— Não. Mas espero que tenha começado a se interessar por sua jovem esposa.
— Tenho a impressão de que você está muito interessado nela, Alexander MacDubh.
— E como não estaria, se a confortei enquanto o marido dela corria atrás de uma vagabunda? Se passei a noite conversando com ela, enquanto o marido sorria das idiotices que essa meretriz dizia?
— Podemos esquecer lady Mary, por favor?
— Sim, se você realmente puder esquecê-la.
— Eu já esqueci.
— Quando?
— Não é da sua conta, mas comecei a esquecê-la momentos depois de entrar no quarto dela. Sendo assim, não precisa mais confortar minha esposa. Eu mesmo cuidarei dela de agora em diante.
— Espero que esteja falando sério, meu amigo, porque, na próxima vez em que tiver de consolá-la, ela não voltará para você.
Antes que Iain pudesse responder, os dois ouviram um grito. Iain reconheceu a voz que chamava seu nome. Correu na direção do som, enquanto Alexander jogava a bandeja no chão e o seguia.
A cena com que se deparou encheu-o de ódio. Com um grunhido feroz, atirou-se sobre o homem deitado em cima de Islaen. Lorde Fraser foi lançado contra a parede e esmurrado antes de ter a chance de reagir.
Islaen estava aturdida e chocada. Num momento se preparava para a consumação do estupro e, no instante seguinte, seu marido a livrava do terrível destino planejado por lorde Fraser.
Alexander removeu o lenço de sua boca e, sem mais que um rápido olhar de espanto para seus seios marcados por dentes e hematomas, começou a cobri-la com o que restava de suas roupas.
— Esteve guardando segredos, moça — ele comentou.
— Eles são grandes demais — ela respondeu, confusa. Ele a ajudou a se sentar e beijou-a na testa.
— Fique aqui enquanto vou tentar impedir seu marido de matar lorde Fraser. O homem merece morrer, mas um assassinato causaria grande escândalo.
Islaen viu Alexander conter Iain, impedindo-o de continuar surrando o já gravemente ferido lorde Fraser. Livre das mãos de Iain, o homem caiu imóvel.
Iain correu para perto da esposa, ajoelhando-se ao lado dela.
— Ele... está morto? — ela perguntou trêmula.
— Não. Ele conseguiu o que queria?
— Quase... Por favor, preciso de um banho. — As lágrimas começavam a brotar de seus olhos, e em breve a torrente seria incontrolável.
Iain estendeu as mãos para levantá-la do chão, mas Alexander o deteve.
— Sua ferida se abriu quando estava surrando o desgraçado. Eu a carrego. — Ajudou Iain a se levantar, e depois pegou Islaen nos braços. — Não olhe para mim com essa cara feia, Iain, Você a derrubaria. Vai precisar das forças que ainda tem para voltar ao quarto. O que faremos com ele?
Iain olhou para lorde Fraser e conteve o impulso de chutá-lo. O homem estava inconsciente, mas nem por isso sentia menos vontade de espancá-lo.
— Vamos deixá-lo aqui. Alguém o encontrará, ou ele rastejará de volta sozinho.
No quarto, enquanto Meg ajudava Islaen a se banhar atrás de uma cortina e tentava acalmá-la, Alexander cuidava de Iain.
— Viu o que aquele animal fez com ela? — Iain perguntou por entre os dentes. — Eu devia matá-lo!
— E como explicaria o assassinato? Quer que sua esposa seja exposta a essa vergonha? Sabe que ninguém vai acreditar que ele não a possuiu, e outros a acusarão de tê-lo incentivado, e de inventar o estupro apenas para escapar de sua ira.
Com o ferimento limpo e novamente fechado, Iain bebeu um gole de cerveja, tentando amenizar a dor. Sabia que Alexander dizia a verdade, mas amaldiçoava a injustiça de tudo aquilo. O silêncio necessário para proteger a reputação de Islaen seria a salvação de lorde Fraser, e ele sentiu o ódio aumentar quando, mais tarde, deitado ao lado da esposa, viu os hematomas deixados pelas mãos e pelos dentes da criatura imoral e pervertida. Encontraria um meio de fazer o miserável pagar, nem que tivesse de esperar anos pela vingança.
Islaen manteve-se calada e tensa ao lado do marido. O banho havia ajudado a acalmá-la, mas temia que Iain sentisse repulsa por ela, que achasse seu corpo maculado por Fraser. Não parecia haver parte alguma dela que ele pudesse ver sem ser lembrado do ataque brutal.
Iain gentilmente puxou-a para seus braços e, ao senti-la se retrair, a raiva contra Fraser se renovou.
— Não tenha medo de mim, moça — ele murmurou.
— Não tenho medo de você, Iain. Como poderia? Não sei como você suporta me tocar.
—Você não teve culpa. Se não estivéssemos tão machucados, a ponto de sentirmos mais dor do que prazer, eu a amaria agora mesmo, e você veria o quanto eu desejo tocá-la.
Depois de ficar deitada nos braços fortes do marido durante algum tempo, Islaen começou a acreditar nele e conseguiu relaxar. Assim que o medo de ser rejeitada foi atenuado, sentiu-se tomada pela exaustão. O dia tinha sido longo e repleto de perigo, e sabia que logo estaria dormindo.
— Sente-se melhor? — ele perguntou suavemente, acariciando-a nos cabelos.
— Sim, mas... lain?
— Sim?
— Podemos ir para casa? — ela sussurrou, temendo pressioná-lo, mas desesperada para deixar a corte.
— É claro que sim. Amanhã mesmo, se eu puder resolver todos os assuntos pendentes, mas depois de amanhã, certamente. Vamos para casa.
Ela relaxou e dormiu.
— Tem certeza de que pode cavalgar? — lain perguntou ao ajudar Islaen a montar.
— É claro que sim. Beltraine me trouxe até aqui. Ele pode me levar para longe daqui também. Acha que suas éguas vão gostar de ter este novo garanhão no estábulo, lain?
— O cavalo é seu? — ele perguntou admirado.
— Sim — respondeu Alaistair. — Ele cresceu em casa e, como parecia gostar de Islaen, decidi que seria dela. Minha filha monta muito bem.
Superado o terror provocado pelo ataque, Islaen aceitara permanecer na corte por mais dois dias, até ela e o marido se recuperarem dos ferimentos. Apesar de ter se afastado completamente de todas as atividades sociais, ela percebera duas mudanças na corte. Lorde Fraser havia simplesmente sumido. Considerando a surra que tinha levado de lain, e o desaparecimento de todos os parentes que o acompanhavam, ela imaginava que a família o levara embora para evitar um escândalo. Lady Mary também desaparecera, e Islaen achava que ela havia fugido com medo de ser implicada por lorde Fraser naquele ato repreensível. Islaen nunca mencionara a participação indireta da mulher no ataque que havia sofrido, e não tinha certeza se devia revelar esse detalhe. Tudo que esperava era nunca mais ver nenhum dos dois.
A viagem de volta a Caraidland foi longa. Alexander e vários homens armados os acompanhavam, protegendo o casal ainda enfraquecido por todos os eventos dos últimos dias. Meg integrava o grupo e cuidava pessoalmente das necessidades de Islaen. Os irmãos de Islaen também faziam parte da comitiva, e no terceiro dia de viagem, quando os pontos de lain foram removidos e todos respiraram aliviados com a cicatrização do ferimento causado pela espada, eles anunciaram a intenção de ter uma conversa particular com o cunhado. Alexander estava entre eles, e Islaen não conseguiu impedi-los.
Os homens se afastaram para um local protegido por arbustos e árvores frondosas, onde se envolveram no embate físico prometido anteriormente, quando lain se aproximara de lady Mary. Mesmo acreditando que a traição não houvesse acontecido, tinham se disposto a punir qualquer sofrimento infligido à irmã. Decidiram, juntos, que lain os enfrentaria em duplas.
Duncan e Alexander foram os primeiros. O método de Duncan era bom, mas previsível, e lain o venceu sem dificuldade. Alexander logo foi ao chão e, em vez de se levantar para retomar a luta, começou a rir.
— Tinha me esquecido de como você é rápido, lain.
— Já chega?
— Sim, é o suficiente. Só queria um soco ou dois. Sucederam-se Malcolm e Leith. Foi mais difícil superá-los, mas lain, de novo, venceu a contenda.
Quando enfrentou os gêmeos, o último par de oponentes, lain não entendia como ainda conseguia se manter em pé. Sabia que a experiência o cobriria de honra aos olhos da família da esposa, e que agora todos o respeitariam incondicionalmente, e isso o recompensava. Além do mais, todos haviam se retirado depois de um ou dois golpes. Se tivesse de lutar até incapacitá-los, não teria ido além da primeira dupla.
Ao final da luta, deitado no chão ao lado dos gêmeos, exausto, lain perguntou sorrindo:
— Quem venceu? Todos gargalharam.
— Bem — anunciou Robert —, agora vamos voltar ao acampamento. A pior parte está por vir. Islaen vai nos matar por isso.
Ao ver o grupo retornar, Islaen notou que o marido estava bastante machucado, mas viu que os irmãos também tinham hematomas e cortes, o que comprovava que haviam sido justos. Ao ouvi-los falar sobre a contenda como se fosse algo glorioso e digno de honra, ela se sentiu tentada a deixá-los se afogando no próprio sangue.
Resmungando sobre a idiotice incompreensível dos homens, Islaen providenciou tudo de que precisava para cuidar do marido. Depois disso, como já havia feito a refeição, e lain se recusara a comer, decidiu recolher-se. Quando se deitou ao lado dele e o ouviu rir, não se conteve.
— O que é tão engraçado, afinal? Gosta de sentir dor?
— Não, mas foi uma luta esplêndida. E amanhã estarei bem.
— Ah, é claro! Amanhã vai estar dolorido e duro como um pano molhado deixado ao relento em uma noite de geada!
— Sim, mas vai passar. E era algo que precisava ser feito.
— Todos vocês dizem a mesma coisa, mas não consigo entender.
— Nem eu esperava que entendesse. Na verdade, não posso explicar. Havia um forte ressentimento entre mim e seus irmãos, uma raiva que fiz por merecer com meu comportamento leviano, e agora resolvemos essa situação tensa. Você vai ver. Tudo vai mudar.
Na manhã seguinte, quando os homens montaram, todos gemendo e rangendo os dentes, Islaen os observou atentamente. lain tinha razão. A tensão havia desaparecido.
Quando as dores já eram mais amenas e os hematomas desapareciam, chegaram ao trecho da viagem em que a família dela se despediria. Islaen sabia que era tolice, mas não conseguia sufocar o medo causado pela separação. Não podia detê-los, pois Colin enviara uma mensagem informando sobre ataques ingleses. Sua família tinha de voltar para casa, em vez de visitar Caraidland, conforme havia sido planejado. Como amava o marido, não entendia a sensação de solidão causada pela separação dos irmãos e do pai. Era difícil conter as lágrimas enquanto se despedia de cada um deles com um beijo.
— Assim que for possível, iremos todos conhecer a família de lain — disse Alaistair.
— Eu sei, papai.
— Não fique tão triste. Você disse que queria esse casamento, que seria feliz com esse homem.
— Sim, eu sei, e estou feliz. Mas lamento não poder tê-los comigo também.
— Você sempre terá sua família. Não existe um único lugar no mundo onde possa se livrar de nós. Apenas vamos demorar um pouco mais para chegar, caso precise.
Islaen continuava pensando nas palavras do pai enquanto os via ir embora. Também repetia a si mesma que agora era uma mulher adulta, e que não podia chorar só porque não estaria cercada pela família. Porém, nada daquilo adiantou, e as lágrimas não pararam de correr.
Iain suspirou e se aproximou dela. Havia suspeitado de que o momento da despedida seria difícil para a esposa. Ela acabaria se acalmando e encontrando conforto na idéia de que os parentes não estariam tão distantes, mas, de imediato, era evidente que se sentia perdida. Com certa culpa, admitiu que o sentimento era causado por sua negligência, por não estar dando a ela nada que pudesse substituir o amor dos familiares.
— Islaen, eles não estarão tão longe assim.
— Eu sei. E agora que se espancaram e se tornaram grandes amigos, talvez possamos vê-los várias vezes.
— Sim, é claro que os veremos. Se eles vierem um a um, você terá sempre um irmão em casa — ele brincou.
Islaen riu.
Momentos depois, todos montaram e retomaram a viagem. No dia seguinte, quando o sol se pusesse, estariam em Caraidland. Islaen tentava manter a calma. Se todos pareciam felizes com o retorno, Caraidland devia ser um bom lugar.
Na tarde seguinte, quando o grupo avistou Caraidland do alto de uma colina, Iain disse a Alexander em tom debochado:
— Tavis vai ficar muito feliz com a sua chegada. Alexander riu.
— É verdade. Sempre sou recebido com grande entusiasmo em Caraidland.
Um cavaleiro solitário se aproximou deles gritando com entusiasmo. Islaen notou que seus cabelos eram de um tom vibrante de vermelho. Sabia que os MacLagan eram morenos, o que eliminava a possibilidade de ser um parente.
— Phelan, um dia vai acabar sendo morto! Alguém pode pensar que é um maluco atacando, e então... — Iain comentou rindo.
— Bobagem. A bela mulher é sua esposa?
— Sim. Islaen MacRoth, agora MacLagan. Islaen, o maluco aqui é sir Phelan 0'Connor.
O rapaz beijou sua mão com toda a elegância de um cortesão.
— Milady...
— Pode me chamar de Islaen.
— Desde que me chame de Phelan, também... O sir que antecede meu nome significa apenas que eu estava no lugar certo na hora certa.
Ele estava apenas sendo modesto. Para merecer o título ainda tão jovem, Phelan devia ter realizado alguma façanha grandiosa.
— Seu pai está preparando um banquete. Caraidland entrou em total comoção desde que seu escudeiro chegou há algumas horas.
— E por isso estava cavalgando pelas colinas, Phelan?
— Sim, porque todos querem me fazer trabalhar. Não foi fácil escapar de Storm. Agora, acho que devo voltar e prevenir Tavis sobre a chegada do belo cavaleiro que o acompanha. Ele não vai gostar nada da notícia.
— Não, vamos fazer uma surpresa. Instruí Murdo a não mencionar a presença de Alexander. Talvez ele mesmo possa explicar a Tavis por que nos abençoa com sua agradável companhia.
— Um homem não pode viajar com amigos sem que se suspeite de suas razões?
Islaen compreendeu que Alexander não havia contado a Iain por que os acompanhara. O amigo temia que Iain não se dedicasse a introduzi-la no seio do clã, e se dispunha a ajudá-la. Iain podia não aprovar a atitude de Alexander, mas uma explicação ao menos o tranqüilizaria.
— Não quando ele arranca suspiros da esposa do amigo — respondeu Iain.
— Está suspirando, milady? — Alexander perguntou a Islaen.
Ela fechou os olhos, colocou uma das mãos no peito e as costas da outra na testa.
— Então, não ouviu? — respondeu, rindo. — Mais um pouco e estarei desfalecida aos seus pés.
— Vai estar aos pés dele se não segurar as rédeas — Iain resmungou, enquanto os demais riam.
Prosseguiram a viagem na direção do castelo onde a atividade era intensa. Agora que sabia que era esperada, Islaen não estava mais tão nervosa. Só esperava não cometer nenhum erro e causar uma boa primeira impressão. Afinal, estava chegando em casa. O tempo se encarregaria do resto.
— Ela é uma moça bonita, mas também é muito pequena — Colin MacLagan disse aos filhos.
Iain suspirou e assentiu. Sabia que teria de responder a muitas perguntas, e chegara a pensar em ficar trancado no quarto até que Islaen se juntasse a ele, mas isso só adiaria o inevitável. Além do mais, esclarecer todas as dúvidas ajudaria na adaptação da esposa ao novo lar.
— Ela é uma boa mulher. Conhece os MacRoth?
— Na verdade, não. Sei que são boas pessoas e que o homem tem muitos filhos.
— Onze.
— Uma prole digna de orgulho. Islaen é a única filha?
— Sim. E a caçula, também.
— E os irmãos têm a mão pesada, não é? — Tavis perguntou rindo.
— O que não é tão ruim... — Iain respondeu sorrindo, tocando o hematoma sob o olho esquerdo. — Eles a guardaram bem.
— E você ainda tem algum problema com a família?
— Não. Já resolvemos todas as nossas diferenças.
— Homens — Storm resmungou. — Primeiro se esmurram, depois apertam as mãos. Que tolice!
— Islaen disse o mesmo. Mas foi uma boa briga. Os irmãos dela são bons nisso.
— Mas você é melhor.
— Sim, Tavis, mas não serei tão bom se houver uma próxima vez. Eles são observadores e aprendem rápido.
— E por que eles não vieram até aqui com vocês?
— Porque os ingleses atacaram, pai. Recebemos a mensagem quando estávamos a caminho daqui.
— E muito sério?
—- O suficiente para eles voltarem para casa, em vez de seguirem conosco.
Enquanto continuava respondendo a todas as perguntas, Iain percebia que sabia pouco sobre Islaen, sua família e sua vida. Ele também compreendia que precisava ser evasivo. Embora a família não interferisse em seus assuntos pessoais, era natural que se interessasse por como ele estava vivendo o novo casamento. Finalmente, aproveitando uma pausa, pediu licença para ir procurar a esposa.
— Ele não contou tudo — Colin resmungou ao ver o filho sair da sala. — Não tem nada a dizer, Alex?
— Eu? O que eu poderia dizer sobre o casamento de Iain?
— Você sempre sabe mais do que deveria saber sobre as mulheres do nosso clã — Tavis acusou em tom debochado. — Dessa vez não veio até aqui só para me aborrecer flertando com Storm.
— Você me magoa, Tavis — Alexander murmurou, piscando para Storm, que riu e meneou a cabeça.
— Chega de provocação, Alex — ela disse. — Conte-nos o que sabe. É um bom casamento? Vai dar certo?
— Apesar dos esforços de Iain, sim, acho que o casamento vai funcionar. Ela é uma boa mulher, e o ama profundamente, embora não confesse. Sabe que Iain fugiria ao ouvir a primeira palavra de amor. Ela já o conhece bem.
— Iain se mantém apegado aos seus medos — Colin deduziu com um suspiro.
— Sim, mas não é apenas a morte da mulher durante o parto que o aflige. Ele tem motivos reais para temer pela própria vida.
— MacLennon — Tavis se lembrou, irritado.
— Ele mesmo.
Alexander contou-lhes a respeito do ataque sofrido por Iain, assim como do jogo de lady Mary. Quando terminou de relatar tudo que havia acontecido na corte, os MacLagan estavam revoltados.
— Eles deviam ter saído da corte há semanas — Storm murmurou.
— Tudo isso aconteceu nos últimos dias, mas vai ser melhor de agora em diante. Maura ainda está por aqui?
Ao ouvir o nome da mulher que havia assediado Iain com tanta persistência antes de ele partir, Storm fez uma careta.
— Sim, embora tenha mudado o alvo de suas atenções. Mas ela ainda não se casou e não está muito distante daqui.
— Bem, pelo menos ela é uma só. Na corte eram muitas...
— Acredita mesmo que essa moça vai conseguir salvar Iain de si mesmo? Vai conseguir impedi-lo de ser o homem frio que ele deseja ser?
— Sim, Colin, mas seria melhor se MacLennon estivesse morto. Enquanto ele viver... — Alexander encolheu os ombros. — Bem, observe-os quando eles descerem para o banquete. Vai entender o que estou tentando dizer. Se não fosse tão triste, a situação seria engraçada. Iain percebe que está amolecendo e se retrai, enquanto a pobre Islaen se esforça para impedir esse distanciamento, oscilando entre a tristeza e a irritação.
— Bem, o mais importante hoje é que ela está muito nervosa — disse Storm. — E nós temos de deixá-la à vontade.
Islaen se olhou no espelho e suspirou aborrecida. Não estava acostumada a deixar os seios livres, e tudo que via quando examinava seu reflexo era um enorme monte de carne sob o vestido.
— Pareço uma meretriz — ela disse a Meg.
— Vai acabar me levando à loucura. Quer mudar de roupa outra vez?
— Não, ela não quer.
As duas mulheres olharam para a porta. Iain passara os últimos minutos ali parado, vendo a esposa se martirizar diante do espelho. Era divertido vê-la tentar esconder o que muitas mulheres teriam exibido com orgulho. Era evidente que Islaen precisaria de um tempo até se acostumar com a liberdade.
— Mas, Iain, eu...
— Você está ótima.
— Tem certeza? Não quero que sua família me julgue despudorada.
— Eles jamais pensarão tal coisa. Agora vamos, ou não haverá muita comida na mesa quando chegarmos.
Ela sorriu e se deixou conduzir até o salão. Seu vestido era lindo, feito de material fino e costurado com capricho, mas ainda temia estar expondo mais do que era apropriado. Corou de nervosismo e vergonha quando, ao entrar no salão, se tornou o alvo de todos os olhares.
Colin a colocou à sua direita, no lugar mais importante, e a tratou com simpatia e cordialidade. Em poucos minutos, Islaen estava à vontade em sua nova casa.
O que ainda a incomodava era estar sentada diante da adorável esposa de Tavis, Storm, pois nunca estivera tão perto de uma saxã. Perceber que ela era aceita e amada pelos MacLagan ajudou-a a superar a resistência. Storm era simpática e agradável, e mostrava-se mais do que disposta a aceitar uma nova lady em Caraidland. Talvez estivesse até feliz com a chegada de mais uma mulher ao castelo.
Seria agradável ter uma amiga, Islaen decidiu.
Tinha Meg, mas ela era mais uma mãe do que uma amiga, e não tinha experiência com os assuntos do casamento. Poderia se beneficiar de uma companhia feminina, alguém em quem pudesse confiar. Storm vivia com os MacLagan havia dez anos, e certamente poderia ajudá-la em sua adaptação à nova família.
Logo depois do jantar, músicos começaram a tocar. Colin havia organizado uma festa completa, apesar do pouco tempo disponível para prepará-la. Sua dedicação ao evento era prova da satisfação que sentia com o casamento do filho. Mas ele também se mostrava cauteloso.
Islaen decidiu que não era ela o alvo dessa precaução. Ele devia saber dos problemas e temores do filho.
Todos os membros da família queriam dançar com ela. Depois de um tempo, exausta e com muito calor, voltou à mesa para beber um pouco de cerveja. Quando ergueu o olhar do copo, encontrou Storm sentada ao seu lado.
— Não precisa ficar tão preocupada, Islaen. Posso chamá-la assim, não é?
— Oh, sim! Seria complicado demais passarmos o dia todo nos chamando de milady.
— Então, vamos reservar as formalidades para quando estivermos aborrecidas uma com a outra.
— Acha que esse dia vai chegar?
— É claro que sim! Tenho um temperamento difícil, e sei que você também não é completamente dócil.
— Não. Receio que tenha razão.
— Mas as dificuldades serão rapidamente superadas.
— Certamente. Não guardo rancor.
— Nesse caso, vamos nos dar muito bem. Temperamento forte é algo comum por aqui, mas ressentimento é algo raro. Iain tem a natureza mais calma de todos os MacLagan, e Sholto é o mais alegre e animado. Sabemos que, mais cedo ou mais tarde, todos nós perderemos a cabeça por algum motivo. Somos livres para expressar nossos sentimentos, mesmo que sejam negativos, e sabemos que não vamos passar o resto da vida pagando por essa espontaneidade.
— É assim também na minha família. — Islaen ainda sentia certa dor pela separação recente.
— Vai passar — Storm disse com um sorriso doce. — Console-se com a certeza de que pode vê-los sempre que quiser.
— Deve ser difícil ver sua família, não?
— Nem tanto. Aperfeiçoamos a arte de nos visitarmos sem levantar suspeitas ou correr perigo. Na verdade, o maior risco são os bandidos, os patifes sem pátria e sem moral. No ano passado, Phelan quase foi morto por saqueadores.
— Imagino que ele os tenha feito se arrepender do ataque.
— Sim, é claro, mas ele sofreu um ferimento que o manteve com papai durante todo o inverno.
— Phelan mora aqui?
— Sim. Ele é irlandês, por isso ninguém o queria quando chegou o momento de começar seu treinamento. Assim que me casei e vim viver aqui, ele me acompanhou. Colin o aceitou e não perde uma chance de dizer que nunca se arrependeu disso. — Storm sorriu ao ver como Islaen olhava para o marido. — Alex tem razão. Você ama Iain.
— Alexander fala demais.
— Às vezes, sim, mas dessa vez ele falou para suprir nossa necessidade de informação. Precisávamos saber qual era a verdadeira situação entre vocês.
— E Iain não disse nada.
— Praticamente nada. Tem uma dura batalha pela frente, sabe? Não a invejo por isso. Alex disse que já sabe tudo sobre Iain.
— Bem, nem tudo. Sei que ele tem medo do parto.
— Muito medo.
— Mesmo depois do nascimento de seus filhos? Ele a vê bem, forte e saudável, vê os sobrinhos robustos... Isso não o fez mudar de idéia?
— Não sei. Foi tudo muito difícil com Catalina. Ele se encheu de culpa. Mas acredito que você pode curá-lo, Islaen. Porque você não tem medo.
— Não. As mulheres da minha família têm muitos filhos, todos saudáveis, e até hoje nenhuma teve problemas no parto.
Por um momento ela se sentiu tentada a contar a Storm sobre o que Iain a fizera prometer, e como o estava enganando, mas resistiu. Storm oferecia amizade, mas ainda era cedo demais para testar esse elo com um segredo tão importante.
— Ele também tem medo de deixar você viúva. MacLennon é uma ameaça constante.
— Sim, eu sei.
— O homem vive para caçar Iain, e ninguém consegue encontrá-lo e pôr fim à ameaça.
— Não acredito que Iain sinta medo dele. Bem, não mais do que qualquer homem normal teme uma faca em suas costas.
— Não é MacLennon ou a morte que Iain teme, mas a possibilidade de fazer você sofrer. Ele é um homem perseguido e considera cruel conquistá-la, ganhar seu coração, sabendo que MacLennon pode conseguir o que quer a qualquer momento. A morte nem sempre é tão clara e visível. Ele considera injusto ligar seu coração ao dele sabendo dessa ameaça.
O argumento era tão lógico que Islaen enxergou a verdade nele. E reconheceu também sua estupidez. Quanto mais pensava em tudo aquilo, mais zangada ficava. Era a fúria da impotência. MacLennon ainda podia caçar Iain por muito tempo e, a menos que o marido o visse morto, usaria seu espectro para mantê-la distante.
— As vezes acho que esse homem é louco. Ou tolo — ela resmungou, arrancando uma gargalhada de Storm.
— Talvez. Mas as intenções dele são boas. Quando Islaen disse o que Iain podia fazer com suas boas intenções, Storm deu risada. Elas ainda riam quando Tavis foi buscar a esposa para dançar. Islaen suspirou ao ver o casal se afastar. Vira no olhar de Tavis um brilho que temia jamais ver nos olhos do marido.
Pensou novamente no que Storm havia dito sobre a ameaça de MacLennon e suspirou, exasperada. Não sabia por que ainda se incomodava. O mais sensato seria simplesmente cuidar da própria vida e deixar o marido com sua mente confusa e seu coração endurecido cuidando da vida dele. Se Storm estivesse certa, essa era uma batalha quase impossível de vencer. Só a morte de MacLennon poria fim à reticência de Iain, e Islaen tinha consciência de que não poderia fazer nada sozinha.
Porém, sabia que não desistiria de conquistar o coração de Iain, e isso era algo que nada tinha a ver com bom senso. Amava-o, e desejava que o sentimento fosse retribuído. O amor que sentia pelo marido clamava por liberdade, por expressão, por recompensa, por acolhida. Às vezes, tinha de morder a língua para não pronunciar as palavras. Queria muito conhecer toda a glória do amor correspondido.
Sua frustração logo encontrou um alvo: Duncan MacLennon. O homem não tinha o direito de buscar vingança. Iain não cometera nenhum erro, nem o ofendera. Se queria encontrar um culpado pela perda de seu grande amor, devia procurar a família de Catalina, que a tinha forçado a se casar com outro homem. Iain apenas acatara um arranjo entre as duas famílias. Pelo que ouvira e pelo que podia deduzir, Iain havia tratado a esposa amarga com mais gentileza e atenção do que qualquer outro homem teria feito.
Suspirou novamente. Tudo aquilo fazia sentido, mas, mesmo que tivesse uma chance de falar com MacLennon, o homem jamais a ouviria. A dor o enlouquecera. Islaen suspeitava de que ele buscava a própria morte com a mesma avidez com que buscava a de Iain. Podia entender sua loucura, mas sabia que essa compreensão não diminuía a ameaça. Ela mesma poderia ser a próxima a se tornar uma assassina de olhar vazio, porque, se Iain morresse pelas mãos desse lunático, sua dor seria muito maior e mais profunda do que poderia suportar. Era horrível pensar nisso, mas tinha certeza de que desejaria a morte de MacLennon.
Era irônico. Iain queria protegê-la da dor, mas o sofrimento passara a fazer parte de sua vida desde que o vira pela primeira vez. E, se dissesse isso a ele, Iain procuraria matar de alguma maneira os sentimentos que despertara nela. Era assim que sua mente funcionava. Ele veria o sofrimento do presente como uma necessidade para evitar um sofrimento maior no futuro.
Quando ele se aproximou, Islaen o encarou furiosa. Queria dizer que ele era um idiota, falar sobre a dor que sentia por causa dele, por sua insistência em se manter afastado. De nada adiantaria, ela sabia, mas pelo menos se sentiria melhor. Já havia engolido tantas palavras, que sentia o estômago doer.
— Alguém a aborreceu? — Iain perguntou cauteloso ao ver o brilho em seus olhos.
Foi um esforço supremo não revelar quem a havia aborrecido, mas ela conseguiu resmungar apenas:
— Minha cabeça está doendo. Isso me deixa de mau humor.
— Teve um dia difícil. Não quer ir se deitar? Como aquilo era possível? Como ele conseguia afagá-la com uma das mãos e empurrá-la com a outra?
— Sim, acho que vou me deitar, se não se importa.
— Não me importo. E tarde, e confesso que também me sinto esgotado. Vá na frente. Eu vou em seguida.
Ela se retirou sem dizer mais nada, deixando o marido justificar sua ausência. Estava cansada depois da longa viagem. Além do mais, não conquistaria a simpatia de sua nova família se dissesse a todos que ia se recolher antes de ceder ao impulso de estrangular o marido.
— Como foi o banquete? — Meg perguntou ao vê-la entrar no quarto. — Não muito bem, a julgar por sua aparência.
— Se tivesse participado das festividades, você saberia.
— Não julguei apropriado. Por que todo esse mau humor, afinal?
― Meg, acha que é possível odiar a pessoa que você ama?
― É claro que sim — ela respondeu, enquanto ajudava Islaen a se despir. — Eu a amo, como bem sabe, mas em alguns momentos sinto vontade de esganá-la! Pouco sei sobre o que acontece entre um homem e uma mulher, mas imagino que seja assim também. Amar um homem não significa que você deve gostar de tudo o que ele diz.
— Não, isso seria impossível. O amor só significa que as coisas ruins não farão você ir embora, não a afastarão.
— O que ele fez agora? Não é uma mulher, é? Pensei que houvéssemos deixado esse problema para trás quando saímos daquele bordel que chamam de corte.
— Não, dessa vez não é uma mulher. É bem possível que haja por perto alguém que possa me importunar, mas ela ainda não apareceu.
— Então, o que a aborrece?
— Iain, é claro.
— Não pode esperar que um coração trancado se abra com um simples sorriso.
— Eu sei. Isso exige empenho. Mas encontrei outro problema. Iain não falou comigo sobre isso, e talvez seja algo irreal. Mas Storm levantou a questão. Parece que Iain acredita que seria crueldade conquistar meu coração.
— Crueldade? Por quê?
— Storm me contou que ele não tentará me conquistar enquanto for perseguido pela morte.
— Ah! MacLennon, aquele maluco!
— Exatamente.
— A morte persegue a todos nós, criança. Todo homem sabe disso. Não entendo por que seu marido age dessa maneira.
— Também não entendo. Deve ser porque ele se sente incapaz de vencer a ameaça. O homem é como uma nuvem de fumaça! Ninguém consegue capturá-lo. Ele espreita das sombras e está sempre pronto para atacar sem aviso prévio... Não é um confronto direto, justo.
— Como se pode lutar contra isso?
— E impossível, e aí está a razão da minha raiva. Iain quer me preservar, me poupar da dor. Não posso dizer a ele que é tarde demais, porque ele tentaria me afastar, negando-me o pouco que tenho dele agora. Isso eu não suportaria.
Meg tinha pouco conforto ou conselho a oferecer, e era sábia o bastante para saber que não podia fazer mais do que ficar ali, caso Islaen precisasse de ajuda.
Quando Iain entrou no quarto, Islaen pensou em fingir que dormia, mas desistiu. Não faria esse jogo. Não se refugiaria dentro de si mesma nem se tornaria fria e distante de tudo e de todos. Na verdade, sabia que não seria capaz, mesmo que quisesse. Era algo que ia contra a sua natureza. Não falar sobre o amor que sentia por ele era tudo que podia fazer. Engolia as palavras, mesmo que elas a sufocassem, mas não se sentia capaz de esconder os outros sinais do amor. Eles surgiam com facilidade, inesperadamente, negando-lhe qualquer chance de controle.
Quando Iain puxou-a para perto, Islaen tocou-o e sentiu as batidas aceleradas de seu coração. Sabia que a reação devia-se ao desejo, mas queria intensamente que fosse provocada por amor. Gostaria de alcançá-lo por dentro e arrancar a muralha que o envolvia. Ao se sentir tomada pelo fogo que o fazia arder, desejou que um dia Iain pudesse entregar seu amor com a mesma generosidade com que ofertava sua paixão.
Um pouco ofegante, Islaen se esforçava para acompanhar os passos largos do marido. Acreditara que percorrer ao lado dele a propriedade que tinha levado como dote para o casamento seria uma boa oportunidade para ficarem a sós. Em vez disso, já havia corrido toda a parte interna da casa, e agora percorria as terras, ouvindo de tempos em tempos um comentário frio sobre algo que devia ser reparado. Apesar de ter pela futura casa o mesmo interesse que ele estava demonstrando, Islaen começava a se lamentar por não ter ficado em casa. Seus pés já estavam mais do que arrependidos.
Iain parou para analisar a casa de um colono. O imóvel precisava de uma reforma urgente. Seu pai sempre havia dito que os serviçais tinham de estar bem acomodados, pois assim teriam alguma coisa a preservar, algo que motivaria sua lealdade. Quando um senhor cuidava bem até mesmo do menos importante de seus empregados, todos se esforçavam para tê-lo sempre como senhor.
Quando se virou para comentar com Islaen a lição aprendida com o pai, ele franziu a testa. A esposa estava apoiada em um tronco de árvore, com uma das mãos sobre o peito, ofegante, e essa atitude o preocupou.
— Se não se sente bem, devia ter ficado em casa — ele comentou, aproximando-se dela.
Islaen tentou decidir se ainda tinha forças para esmurrar o nariz dele.
— Não me sinto mal.
— Tem certeza? Você parece estar quente — ele Murmurou tocando sua testa.
— Correr provoca esse tipo de reação.
— Eu não fiz você correr.
— Iain — ela disse, irritada, enquanto se sentava e tirava uma das botas —, para cada passo seu, eu tenho que dar pelo menos dois. — Ela examinou o próprio pé, espantada por ele não estar coberto de bolhas.
Iain se ajoelhou diante dela, olhando com cobiça para a porção de perna que ela exibia.
— Vou me lembrar de andar mais devagar, meu bem. Não quero que canse essas belas pernas.
— Iain! — ela protestou quando ele começou a acariciar sua coxa por baixo da saia. — Estamos em um lugar aberto! — Ela se levantou de um salto, chocada.
Iain a enlaçou pela cintura, mas o interlúdio foi interrompido pelo sibilar suave e mortal de uma flecha. A ponta afiada rasgou o tecido da manga do vestido de Islaen, ferindo de raspão a parte interna de seu braço, antes de cravar-se no tronco da árvore.
— Iain — ela gemeu ao perceber que, se a flecha tivesse se adiantado um segundo, ela agora estaria presa à árvore.
Praguejando, ele a segurou pelos tornozelos, jogando-a ao chão no momento em que uma segunda flecha cortou o ar, cruzando o espaço vazio em que Islaen se encontrara um instante antes. Ela nada disse enquanto era afastada da árvore, mantida no chão e perto de Iain, até eles estarem abrigados atrás de dois troncos largos que cresciam juntos.
— Não pode se esconder da justiça para sempre, Iain MacLagan.
— Assassinar uma mulher inocente não é justiça, MacLennon.
— E, sim! A justiça que vai tirar de você o que tirou de mim.
― Apareça, MacLennon. Saia do seu esconderijo.
Venha me enfrentar de homem para homem, e vamos acabar com isso de uma vez.
— Não. Um assassino de mulheres não merece a honra de uma luta justa.
Islaen rastejou para ficar ainda mais perto de Iain, tentando amenizar a dor que certamente fora causada pela acusação absurda de MacLennon. Não sabia o que poderia fazer para proteger o marido dessas acusações, pois Iain acreditava nelas. Ele provavelmente não daria grande importância ao fato de ela não julgá-lo culpado do crime pelo qual MacLennon pretendia executá-lo.
Islaen sofreu um sobressalto ao ouvir o baque de mais uma flecha se cravando no tronco atrás do qual se escondiam. O homem os tinha à sua mercê, e a gargalhada insana que escutavam era a prova de que ele sabia disso. Quando ela já começava a pensar que o fim estava próximo, o som de um cavalo se aproximando a galope alimentou sua esperança de sobreviver. O grito de Phelan atravessou o bosque, e logo depois ouviu-se o som de um animal se afastando rapidamente. MacLennon tinha escapado de novo. Islaen queria gritar sua frustração, e nem conseguia imaginar o que Iain estava sentindo.
Ele se levantou de um salto e fitou-a com intensidade por um breve instante antes de deixá-la. Caminhou até Phelan, Tavis e Murdo, seu escudeiro, tirou o irmão da sela e montou.
— Cuidem de minha esposa — disse ao partir galopando.
Islaen viu Tavis se levantar do chão e limpar a terra das roupas. Logo em seguida, percebeu que ele olhava para seu braço, e a expressão de fúria no rosto do cunhado fez com que ela percebesse que estava sangrando.
— E só um ferimento superficial — disse, notando que Tavis já tirava da cintura o pequeno cantil com água e umedecia um lenço.
— Tem certeza? — ele perguntou antes de se concentrar na limpeza da ferida.
Rangendo os dentes para suportar o ardor causado pelo procedimento, ela notou que tinha as vestes rasgadas e sorriu.
— Tudo isso foi causado por seu irmão. Ele me jogou no chão e me arrastou como se eu fosse um fardo. Não vou me surpreender se encontrar alguns hematomas amanhã, mas não há nada mais sério.
— Foi por pouco. Muito pouco. — Tavis rasgou um pedaço do saiote de Islaen para usar como bandagem. — Eu não sabia que agora ele também a persegue.
— O homem atormenta Iain com a promessa de me matar, mas só me atacou quando ele estava ao meu lado. E verdade que atirou em mim primeiro, mesmo Iain sendo um alvo mais fácil, mas acho que foi só para perturbá-lo. Ele diz que quer obrigá-lo a me ver morrer. — Decidiu omitir a ameaça de estupro. — Como nos encontraram aqui?
— Iain tem sido observado atentamente desde o primeiro ataque, embora não tenha notado.
Era verdade. Havia sempre um homem armado perto dele. Quando não era o irmão, era Murdo, ou um dos soldados do castelo. Achara que a escolta tinha sido ordem de Iain, mas agora desconfiava de que ele nem sabia que estava sob proteção. MacLennon conseguira se aproximar dele na corte, mas somente porque entrara no quarto por uma janela tão alta que todos julgavam inacessível. Para um homem normal, ela teria sido.
― Olhe por sua janela, ou pela porta do quarto, e verá sempre um homem armado. Mesmo no meio da noite.
― Eles são silenciosos.
― É verdade. Porque não queremos que Iain reclame. Mas, a partir de hoje, vocês terão uma sombra extra.
— Seria melhor se pegassem aquele maluco. Assim ninguém mais teria de se preocupar.
A expressão solene de Tavis sugeria que ela não alimentasse esperanças vãs.
Iain estudou os rastros à beira do penhasco pela quinta vez, mas não havia como negar a mensagem transmitida pelos sinais.
— Ele saltou o desfiladeiro — murmurou, espantado. Phelan balançou a cabeça.
— O homem é louco. Acha que ele conseguiu?
— A única maneira de descobrir é verificar o outro lado.
— Sim, e quando dermos toda a volta para chegar lá isso não importará mais, pois ele terá desaparecido.
— Pode tentar pular, se quiser.
— Posso parecer meio maluco às vezes, meu amigo, mas não sou tão idiota.
— Ele tem a coragem de um homem morto — resmungou Murdo.
— É verdade — concordou Iain. — Não se importa com a vida, e por isso ri na cara da morte como nenhum homem são faria.
— E, se ele não conseguiu saltar para o outro lado, Correu na água lá embaixo.
— Nesse caso, teríamos motivo para comemorar Phelan.
— Teremos de ir ao outro lado para saber. Precisamos da resposta, seja ela qual for. E melhor voltar para sua esposa, Iain — Phelan sugeriu sorridente. — Suponho que ela prefira que você cuide daqueles ferimentos.
Phelan partiu num galope urgente, e Iain olhou mais uma vez para o desfiladeiro. Como podia lidar com um homem louco o suficiente para tentar aquele salto? Se tivesse chegado ao outro lado, certamente voara nas asas da sorte. Não havia como argumentar com um homem tão destituído de razão e medo. Isso tudo só acabaria quando um deles morresse.
Iain voltou para perto de Tavis e Islaen. Podia ler a esperança no rosto deles, e percebia também que Islaen não gostava de esperar pela morte de um homem. Seu ódio por MacLennon aumentou, porque agora ele causava sofrimento também a sua esposa.
— Ele saltou o desfiladeiro — Iain relatou com tom inexpressivo. — Phelan foi verificar se ele conseguiu chegar do outro lado, ou se despencou para a morte na água.
Tavis meneou a cabeça. Quando Iain ameaçou desmontar, ele repetiu o movimento, indicando que o irmão devia permanecer onde estava. Depois de ajudar Islaen a se ajeitar na frente do marido, ele se acomodou atrás de Murdo.
De volta à propriedade que um dia seria seu lar, Islaen e Iain montaram seus próprios cavalos. Pouco foi dito no caminho para Caraidland. Islaen estava magoada com a frieza dele. Iain nem havia perguntado sobre seu ferimento. Entendia o que afetava tanto seu humor, mas, mesmo assim, o tratamento a machucava. E também a amedrontava. Podia quase ouvir as portas do coração dele se fechando com mais firmeza. O ataque agregaria mais peso às crenças de Iain.
Quando chegaram a Caraidland, Meg a levou rapidamente para o quarto. Islaen queria se unir aos outros no salão para saber o que planejavam fazer com relação a MacLennon, mas também ansiava por sua cama e por um pouco de tranqüilidade.
Depois de examiná-la, Meg anunciou que o ferimento era mesmo um arranhão sem importância.
— Não entendo por que o sujeito quer matar você também. Nada fez àquele lunático! Você nem o conhece!
— Sou casada com Iain. E um crime mais do que suficiente aos olhos desse homem. Na verdade, sou só um instrumento pelo qual ele pode atingir Iain. Espero que ele tenha morrido naquele desfiladeiro, que Deus me perdoe. E, se não morreu, espero que a família de Iain encontre um meio de pôr fim a esses ataques.
Iain terminou de beber o vinho e encheu novamente a caneca. Sabia que se embebedar não era solução, mas precisava tentar lavar da boca o gosto amargo da frustração. Quando Phelan entrou no salão e balançou a cabeça, ele não conteve a fúria e reagiu com um impropério irado. Havia esperado receber a notícia de que o inimigo morrera no desfiladeiro. Nesse caso, não teria o prazer de matá-lo, mas o problema estaria definitivamente resolvido.
— Estudei os rastros por quase meia hora. Não há duvidas. Ele conseguiu saltar — Phelan anunciou cansado, sentando-se e aceitando uma caneca de vinho.
—Devia ter nos contado que ele também pretenda matar a moça.
— Sim, eu deveria, mas não acreditava realmente nisso. Ele a feriu durante o outro ataque, mas somente quando ela me entregou a espada.
— Desta vez foi diferente.
— Sim. Se ela não tivesse se movido repentinamente, ele a teria pregado à árvore com uma flecha. A segunda flecha também foi disparada contra ela, mas eu a tirei da mira. E, nas duas ocasiões, eu era um alvo fácil. Islaen é minha esposa, e essa é a razão suficiente para MacLennon passar a odiá-la. Ele quer que eu a veja morrer. Sente que essa seria uma retribuição justa pela morte de Catalina.
— E depois ele quer matá-lo.
— Sim, depois será minha vez de morrer. — lain refletiu por um instante e decidiu ser completamente honesto. — Ele também mencionou a possibilidade de tomá-la na minha frente, de preferência depois de me ferir de morte. Seria uma forma de me punir por ter me deitado com Catalina.
— Não podemos mais ser brandos — Tavis anunciou.
— Não. Eu não terei nenhuma piedade. Ele baniu esse sentimento de meu coração quando feriu Islaen naquela noite, embora, então, eu ainda não acreditasse em sua intenção de matá-la. O homem não tem razão nenhuma para atacá-la.
— Ele também não tem motivos para atacar você — Storm lembrou. — Ele o culpa por algo que você nunca fez.
lain sorriu, abatido.
— Jamais concordaremos a respeito dessa questão. O que importa aqui é que MacLennon me culpa, e por isso quer me matar, para vingar a morte de Catalina. Mais importante ainda, ele agora incluiu Islaen nessa vingança.
― Ela será vigiada e protegida — Tavis declarou com firmeza.
― Como eu tenho sido?
― Eu não sabia que havia notado.
― Não tropeço neles o tempo todo, mas é difícil não notar uma sombra constante. Bem, acho melhor mandar avisar a família dela. Eles matariam o homem sem piedade se soubessem que ele tirou sangue de Islaen, e é importante que saibam que ele deseja matá-la. Haverá mais olhos atentos às sombras que servem de cobertura para o inimigo. Precisamos desse reforço, mesmo que a notícia os enfureça. Eles me culparão pelo perigo que agora ela corre.
— Não disse nada a eles naquela noite na corte?
— Sim, Storm, eu disse, mas naquela noite ele teve uma razão concreta para atacá-la, como já expliquei.
— Eu vou levar a mensagem aos MacRoth — Phelan se ofereceu. — Partirei amanhã bem cedo, antes de o sol nascer.
— Tome cuidado, Phelan. Os ingleses atacaram na região da fronteira, e ainda podem estar causando problemas por lá. Não vai querer se envolver nesse tipo de dificuldade.
— Não, mas confesso que gostaria de cruzar espadas com um ou dois ingleses. Serei cauteloso, não tema, lain. Porém, é melhor que me dêem alguma coisa que possa me identificar para além de qualquer dúvida. Não sou escocês, não falo como um escocês, e isso pode me custar caro em tempos de problemas na fronteira.
—- Mandaremos alguns homens com você — disse Tavis. — Escolha quem achar melhor, se é que temos Suem capaz de acompanhar seu ritmo. Que seja um escocês, e que ele fale primeiro. Como você mesmo disse, o sotaque é importante.
— Tem certeza de que Islaen não sofreu um ferimento mais grave? — insistiu Storm. — Talvez eu deva ir vê-la.
— Não é necessário. Meg está cuidando de tudo. Islaen sofreu apenas um arranhão.
— Não que você tenha notado, irmão — murmurou Tavis.
— Eu notei.
— Ele ficou calado e distante, é?
— Exatamente, Storm. Ele veio até aqui sem dizer uma única palavra. E, antes, já havia me incumbido de cuidar dela enquanto ia atrás de MacLennon, apesar de Islaen estar perdendo sangue.
— Ela não perdeu muito sangue. Eu já disse que foi só um arranhão.
Naquele momento Alexander entrou no salão.
— Islaen está bem?
— Está! — Iain respondeu, ainda mais irritado com a demonstração de interesse por parte do amigo.
— Onde passou o dia todo, Alex? — perguntou Storm.
— Fui visitar alguns amigos.
— E você tem muitos, não é? — provocou Iain. Alexander sorriu e aproximou-se da mesa para se servir de vinho.
— Talvez eu deva visitar Islaen.
— Meg já deve tê-la posto na cama.
— Melhor ainda.
— Alex, comporte-se — disse Storm, reprimindo um sorriso.
— Por você, Storm, eu faço qualquer coisa. — Ele se tornou subitamente sério. — Tem certeza de que Islaen está bem?
— Sim, tanto quanto tenho certeza de que está preocupado demais com minha esposa.
— Que mau humor! Lamento trazer notícias que o deixarão ainda mais aborrecido, Iain.
— Que notícias? Onde esteve, Alex? Ele sentou-se antes de responder:
— Isso não importa.
— Com uma mulher — Storm afirmou. Ignorando-a, Alexander prosseguiu:
— Lorde Fraser não morreu depois da surra que deu nele, amigo.
— Tem razão, não é uma boa notícia.
— Mas ficou incapacitado. Aleijado. E com algumas cicatrizes.
— Aleijado? — Iain tentou se lembrar do que havia feito com Fraser, mas era difícil, pois estiver a cego de fúria ao atacá-lo.
— Ele quebrou a perna quando você o arremessou contra a parede.
— Mas ele se levantou depois disso.
— O medo dá forças. Ele estava tentando fugir, mesmo com a perna quebrada.
— Está dizendo que ele vai mancar para sempre? — Storm adivinhou.
— Exatamente. E a família dele considera essa conseqüência um pagamento justo pela atrocidade cometida.
— Então, não vai haver nenhuma acusação legal. Nenhum julgamento — deduziu Colin com alívio.
— Não, a família não vai exigir retribuição ou punição, mas Fraser clama por vingança, e ninguém consegue calá-lo.
Iain explodiu numa seqüência furiosa de impropérios, terminando com um rápido pedido de desculpas para uma chocada Storm.
— Mais uma faca tentando acertar minhas costas. Lorde Fraser nunca me atacará pela frente. Ele sempre foi um covarde.
— Sim, você o conhece bem. E sugiro que procure saber mais sobre o homem.
— O que quer dizer?
— Não é só você que ele deseja atingir. Ele afirma que Islaen também é culpada. Diz que ela o envolveu, que o provocou e tentou, e que só denunciou o estupro quando você os surpreendeu no corredor. Ele a acusa de comportamento impróprio. Diz para quem quiser ouvir que sua esposa é uma meretriz, e alega que você tentou matá-lo para impedi-lo de revelar a verdade sobre sua mulher. E ele está espalhando as acusações aos quatro ventos, porque a história já chegou aqui.
Iain estava pálido de raiva, e conseguia se controlar com grande esforço.
— Ninguém vai acreditar nisso.
— Ninguém que a conheça — Alexander corrigiu.
— Mas não são muitos — Iain acrescentou.
— Não. Lamento, meu amigo. Não devia ter impedido que matasse aquele verme. Agora o escândalo é inevitável.
— Ele cortou a própria garganta.
— Não vai poder fazer nada enquanto ele não agir-Vai ter de esperar pelo ataque.
— Por quê?
— Não pode matar um homem que está preso à cama. Isso causaria uma rixa entre as famílias e muitas mortes. Também não pode atacar um aleijado.
Receio que tenha as mãos atadas, meu amigo, e só as soltará quando ele o atacar.
― Ou quando atacar Islaen.
― Sim. De outra forma, na melhor das hipóteses,
você seria acusado de covardia e, na pior, condenado por um crime. Sua única chance de matar o miserável e escapar ileso é agir em legítima defesa no momento em que ele fizer alguma coisa contra você ou sua esposa.
— Devo levar também essa informação aos MacRoth? — Phelan perguntou em voz baixa.
— Sim, conte a eles. Agora vou me deitar. — Iain se levantou de repente. — Não há mais nada que eu possa fazer.
Iain tentava entender que pecado Islaen havia cometido para ser castigada com um marido que parecia atrair todo tipo de destruição. Antes, ela vivia feliz e segura com a família, e agora era alvo da loucura de dois homens, ambos dispostos a cobrar a retribuição por crimes que ela jamais cometera. Pior, estava casada com um homem que não era capaz de protegê-la realmente, um homem que só podia esperar pelo ataque do inimigo e rezar para que ela não estivesse morta antes que pudesse pôr um fim às ameaças.
Encontrou a esposa dormindo e, silencioso, despiu-se e foi para a cama. Ela murmurou seu nome e aninhou-se em seu peito. Tentando banir todas as preocupações, esperou que o vinho que consumira o ajudasse a dormir. Uma risada amargurada ecoou em sua mente quando percebeu que o calor de Islaen o ajudava a se acalmar.
Islaen acordou sobressaltada, censurando-se por ser tão fraca e infantil. Um pesadelo interrompera seu sono, uma cena produzida pelos eventos daquele dia. Deixar o medo privá-la do sono tão necessário, não era apropriado. Deixar de dormir significava estar alerta para se defender em caso de necessidade. Não se deixaria derrotar por um lunático, especialmente sabendo que ele pretendia usá-la para aprofundar a dor que já impunha a Iain.
Escapando com habilidade do braço que a envolvia pela cintura, levantou-se e foi até a janela, de onde viu a sentinela alerta, mas discreta. Sabia que havia outro homem na porta do quarto.
Ele nos fez prisioneiros em nossa própria casa. Não nos sentimos seguros nem em nossos aposentos. Começo a pensar que esse Duncan MacLennon é um feiticeiro. Se direcionasse esse ódio e essa capacidade de destruição contra os ingleses, a Escócia nunca mais teria de se preocupar.
— Islaen?
A voz do marido desviou-a dos pensamentos amargos, e ela se virou rapidamente.
— Aqui, Iain. Na janela.
— É melhor voltar para a cama. Vai acabar se resfriando.
Reprimindo um sorriso, retornou para perto dele. Apesar da confusão e das dúvidas sobre os sentimentos que Iain nutria por ela, sabia que a preocupação com sua segurança era sincera. Ouvira o medo na voz dele e conhecia os homens o suficiente para saber que o tom mal-humorado era causado pelo receio de que ela tivesse identificado essa apreensão. Como estava bem, ele se sentia um tolo por ter se preocupado.
— Seus pés estão gelados — ele resmungou ao abraçá-la. — Precisava de ar?
— Perdi o sono, só isso.
— Está sentindo dor?
— Não. Apenas um leve ardor.
— Eu devia ter perguntado antes.
— Estava ocupado com outras coisas.
— Sim... com um assassinato. Quando vi você ferida, fiquei cego para tudo que não fosse o impulso de matar. Por isso fui atrás dele.
— Sabia que o ferimento era superficial. Não precisava ficar para cuidar de mim.
— Mas você estava assustada, e isso é razão suficiente. Eu devia ter ficado para acalmá-la e confortá-la, e para cuidar do seu machucado.
— Tavis cuidou bem de tudo. Era mais importante que você tentasse pegar o homem que o ameaça, Iain. Sim, fiquei assustada e desejei ter você ao meu lado, mas isso não é importante. Foram sentimentos tolos e egoístas que logo superei. É muito mais importante deter aquele lunático, e compreendo sua necessidade de encontrá-lo e eliminá-lo pessoalmente. Também quero que essa ameaça deixe de existir, embora me incomode muito desejar a morte de alguém.
Iain aninhou a cabeça nos seios da esposa.
— Não se atormente com isso, minha querida — ele disse, bocejando. — Ele não nos dá alternativa.
Islaen lavou o rosto e enxaguou a boca. A porta se abriu e, por um instante, ela foi dominada pelo pânico, até ver que era Meg. Ao encontrá-la pálida e tonta, a ama correu para ampará-la.
Não se sente bem — Meg constatou, tocando a testa de Islaen para verificar se havia sinais de febre. — Esteve vomitando?
— Sim, pela sexta manhã consecutiva. Hoje foi tudo um pouco mais lento, ou você nem teria percebido.
— Por que quer esconder seu estado, menina tola? Posso cuidar disso com uma poção, ou...
— Não há poção que resolva. Pense: o que faz uma mulher vomitar de estômago vazio, e sempre pela manhã?
— Está esperando um filho! Tem certeza?
— Minhas regras vieram pela última vez quinze dias depois do casamento.
— Ah, então não há dúvida. Você sempre foi muito regular. E agora o enjôo matinal...
— Sim, há quase uma semana. Na verdade, estou enjoando há duas semanas, mas só comecei a vomitar há uma. E uma pena que tenha mudado.
— Não vai durar muito. Seu marido já sabe?
— Não, e pretendo esconder dele enquanto puder.
— Entendo. O tempo passa muito devagar para quem tem medo. É uma pena que não possa partilhar esse momento com ele.
— E a minha penitência pela mentira que contei.
— Deus não a puniria por isso. O correto é que siga a vontade Dele, e não a de seu marido.
— Será a única vez, Meg. Juro que obedecerei a meu marido e o honrarei sempre.
— Você vai honrá-lo dando a ele um herdeiro. Uma mulher não pode honrar um homem de maneira melhor do que essa.
— Talvez. Ajude-me a me vestir, Meg. Preciso comer alguma coisa.
— Tem certeza?
— Sim, é a única maneira de pôr fim ao enjôo. — Comia devagar, mas a comida sempre acalmava seu estômago.
Depois de fazer a refeição, saiu para caminhar pelo jardim, para respirar ar puro. Iain estava fora, como sempre, alegando ter de visitar de novo Muircraig, o futuro lar deles. Havia pouco que ela pudesse fazer, pois Storm raramente precisava de ajuda para manter Caraidland funcionando à perfeição.
— Um ar tão carrancudo em uma manhã tão adorável Islaen assustou-se, mas conseguiu sorrir para
Storm. Estavam se aproximando cada vez mais. Infelizmente, ainda não se sentia suficientemente segura dessa amizade para fazer confidencias. Falavam sobre muitas coisas privadas, mas ainda havia alguns segredos que preferia guardar.
— Estou me sentindo muito ociosa.
— Então, venha comigo. Estava mesmo indo brincar com as crianças.
— Tem certeza de que não vou incomodar?
— Certeza absoluta. Tenho cinco filhos, e sou uma só. Mãos extras são sempre bem-vindas. Às vezes, Tavis me acompanha, mas ele saiu com Iain.
— Sim, eu sei. Foram a Muircraig.
— Exatamente. Iain está preparando o futuro lar de vocês.
— Eu sei. E aproveita para se esconder.
— Infelizmente, tenho que concordar com você. Mas ele não vai conseguir ficar longe por muito tempo.
— Não — Islaen resmungou. — De vez em quando ele me procura para aliviar certas... necessidades.
— E isso é ruim?
— Bem, não é, mas... Ah, esqueça. Acho que estou sensível demais. O problema é que ele não fica comigo mais do que o tempo necessário para saciar o apetite do corpo. Da última vez, ele chegou depois do jantar, e na manhã seguinte, quando acordei, ele já havia partido.
— Tem razão, isso é muito frio.
— E eu começo a me sentir como uma prostitua.
— Não deve pensar dessa maneira, Islaen. Sei que ele não quer causar essa impressão. Mantenha a esperança, pensando que ele não consegue ficar longe de você. Sei que parece apenas luxúria, mas ele não precisa de você para saciar esse tipo de necessidade. Deve haver em Muircraig uma ou duas mulheres que se sentiriam honradas com a atenção do novo senhor, mas ele viaja horas para vir se deitar em sua cama.
— E o que eu penso. E só por isso contenho o impulso de esmurrar aquele nariz arrogante. — Sorriu ao ouvir a gargalhada de Storm. — Ele não me dá chance de conquistá-lo, entende? Esperava que, longe da corte, pudéssemos passar mais tempo juntos, e essa convivência me permitiria enfraquecer sua intenção de nos manter distantes. Tenho certeza de que só preciso disso, uma oportunidade para abrir uma brecha na muralha que ele construiu em torno do coração. Sei que posso fazê-la desmoronar. Mas não consigo nem tentar enquanto ele permanece longe, fora do meu alcance. Isso vai nos manter afastados como dois estranhos.
— A distância dificulta a realização do seu plano, eu sei, mas não diminua a importância dessas visitas que ele faz à sua cama.
— Oh, eu não subestimo nossos encontros! Estou apenas cansada de ver meu marido se aproximar apenas à noite. Bem, pelo menos assim não preciso encarar o estranho todas as manhãs. O desconforto cresce com o passar do tempo.
A conversa foi bruscamente interrompida quando elas entraram no aposento das crianças. Aingeal e Taran, os gêmeos, tinham nove anos e já começavam seu treinamento, mas também estavam lá com os irmãos menores. Com tanto para fazer, o tempo que podiam passar com a mãe era considerado mais importante do que qualquer treinamento, pois eram momentos raros. Islaen lembrava-se da mãe e do pai fazendo a mesma coisa até todos terem idade para se reunir em torno da mesa do jantar todas as noites.
Ela sorriu quando a caçula, Blythe, de dois anos, caminhou em sua direção. Logo todos estavam envolvidos num jogo. Era tudo muito lento, porque cada criança tinha muito para contar a Storm, mas ninguém reclamava. O jogo era usado apenas para mantê-los sentados num círculo enquanto os pequenos tiravam proveito de ter a atenção da mãe e seu carinho. Enquanto observava o jogo e ajudava a impedir que Blythe pusesse na boca as peças do brinquedo, sentiu que Iain jamais poderia acusá-la ou culpá-la por ter se negado a aceitar sua decisão de privá-los de ter uma família.
Iain franziu a testa ao entrar no salão. Não havia encontrado Islaen no quarto, e só se detivera o tempo necessário para se lavar antes de ir procurar por ela. Mas ela também não se encontrava ali, e já não sabia onde poderia encontrá-la.
— Procurando Islaen?
— Sim, Tavis. Você a viu?
— Ouvi dizer que ela está com Storm. Como estou indo encontrá-la, você pode vir comigo.
— Elas estão com as crianças? — Iain perguntou ao reconhecer o caminho.
— Sim, esse é o horário em que Storm fica com eles. Não está ouvindo? — O som de crianças brincando era cada vez mais alto. — Deus nos ajude! — Tavis abriu a porta e entrou no ambiente repleto de riso e alegria. — Que barulho!
Iain viu a esposa sentada com as crianças, rindo e segurando Blythe nos braços. Islaen estava corada e desalinhada, mas parecia feliz. Era evidente que gostava de estar na companhia das crianças. Também era óbvio que elas a tinham aceitado de imediato e completamente.
Ele se sentiu tomado pela culpa. Por causa dos medos que não conseguia dominar, estava negando a ela essa experiência. Porém, cada vez que a tinha nos braços, seu medo crescia. Nem mesmo a culpa que sentia agora aplacava o temor.
Quando se aproximou de Iain, ajeitando os cabelos e as roupas, Islaen tentou decifrar sua expressão. Ele tinha um ar distante, mas havia em seus olhos uma sombra que sugeria pensamentos turbulentos.
— Dessa vez você veio depressa — ela disse, sorrindo ao cumprimentá-lo. — Teve algum problema?
— Não. — Ele estendeu a mão para ajeitar os cabelos dela. — Preciso de mais tempo aqui para reunir suprimentos. Onde está Alex?
— Voltou para casa hoje cedo. Disse que já havia passado muito tempo longe da filha.
— Bem, não vou sentir falta dos conselhos dele.
— Por que não me contou sobre lorde Fraser?
Iain amaldiçoou Alexander pela boca grande.
Não sabia ao certo por que não havia dito nada a Islaen. Não quisera magoá-la repetindo os detestáveis insultos, mas aquilo não era motivo suficiente para mantê-la ignorante sobre um perigo que ainda a ameaçava.
— Não sei por quê. Ele falou coisas muito desagradáveis sobre você — disse, levando-a para o salão.
— Sim, eu sei. Ele me acusou de provocá-lo e disse que sou uma meretriz. O idiota! Eu, uma provocadora!
Sorrindo, ele a sentou à mesa e serviu vinho.
— Você certamente me provoca, meu bem — ele murmurou. Depois, virou-se para o jovem pajem, que se mantinha por perto, prestativo. — Pode providenciar pão e queijo para nós, David?
— Isso é muito conveniente, considerando que somos casados — ela respondeu, corando de maneira encantadora.
— Sim, é verdade. — Iain ficou sério novamente. — Como estava dizendo, não sei ao certo por que não lhe contei. Sempre acreditei que, para se proteger de uma ameaça, é sempre melhor conhecê-la, mesmo que isso cause dor.
— Acredita nas ameaças? Talvez ele esteja apenas fazendo barulho, criando comoção.
— Ele é homem de fazer barulho por nada, sim, mas não temos como saber se dessa vez será diferente.
— Estamos nos atormentando por causa de um maluco. Ou melhor, de dois malucos. Eles vêem erros onde não há nada de errado, e querem culpar alguém por algo que não é culpa de ninguém. Eu não provoquei o idiota do Fraser, e você o atacou para me defender de uma terrível violência. Precisa parar de se culpar por coisas que não fez e sobre as quais não tem controle. Eu não o culpo.
Ele segurou a mão dela e a beijou, sorrindo ao perceber que ela tremia.
— Sua natureza é muito generosa. Por isso, é capaz de perdoar.
Islaen sorriu e balançou a cabeça numa negativa silenciosa.
— O que vamos fazer com relação a Fraser?
— Nada — respondeu uma voz da porta.
Islaen não conteve uma exclamação de espanto ao ver seu irmão Robert ao lado de Phelan. Com um grito de alegria, correu para ser acolhida em seus braços abertos, beijando seu rosto e rindo quando ele caminhou até a mesa sem soltá-la, depositando-a de volta na cadeira. Por algum tempo, monopolizou sua atenção, enchendo-o de perguntas.
Nesse momento, David, o pajem, chegou com o pão e o queijo que Iain havia pedido, mas logo se afastou, a fim de reforçar as porções.
— Agora, se já está convencida de que vamos sobreviver sem sua presença — disse Robert —, eu gostaria de trocar algumas palavras com seu marido.
— Deixarei vocês conversarem — ela disse ao se levantar. — E vou providenciar uma cama para que você passe a noite.
— Vou ficar mais do que uma noite. Nosso pai decidiu que não devo retornar enquanto não puder dizer a ele que Fraser e MacLennon viraram comida de minhoca. Se eu voltar antes disso, minha vida não vai valer nada.
Islaen assentiu e saiu em busca de Storm. Esperava que a presença de Robert e sua insistência em ficar não aborrecessem Iain.
— Acha que não sou capaz de cuidar dela? — Iain resmungou assim que Islaen saiu do salão.
Robert balançou a cabeça.
— Não estou aqui por duvidar da sua habilidade. Estou aqui por preocupação. Quando há tantas espadas apontadas para alguém que se ama tanto, é natural que se queira estar por perto, mesmo sabendo que a presença não é necessária.
Iain relaxou e sorriu com ar cansado.
— Mais uma espada a nosso favor não vai fazer mal. Assim como outro par de olhos atentos às sombras.
— É uma grande tentação pôr fim à ameaça representada por aquele estúpido Fraser com um dardo na escuridão da noite.
Phelan riu.
— Alex estava certo sobre essa família. Nunca vi tanta gente temperamental reunida no mesmo lugar.
Robert assentiu.
— Estamos todos prontos para ir atrás de Fraser e cortar o miserável em pedaços, mas as mulheres bloqueariam a porta do salão. Alex ainda está aqui?
— Não, partiu hoje de manhã.
— Melhor assim. Não sei se gostava muito daquele homem cercando minha irmã.
— Também não sei se gostava muito dele cercando minha esposa.
Robert riu.
— Vamos, conte o que tem feito, embora pareça não ter conseguido fazer muita coisa.
Falar sobre o perigo que ele e Islaen haviam enfrentado e sobre o pouco que podia ser feito a respeito disso era a última coisa que Iain queria fazer. Ele havia usado a desculpa de reunir provisões para ir a Caraidland, mas o que realmente desejava era passar algum tempo a sós com Islaen, de preferência no quarto. Na cama.
Porém, não podia dizer tal coisa ao irmão dela. Por isso, contendo a frustração, envolveu-se em uma discussão inútil com Robert e tentou não pensar nela.
O dia se tornou noite, e Iain se perguntava quando conseguiria ter algum tempo com a esposa. Sua família estava reunida para conhecer o representante dos MacRoth. Como sempre, queriam notícias, qualquer coisa que Robert soubesse, e eles não. A comida era boa, e a companhia agradável, mas não era disso que ele necessitava. Descobriu-se observando Islaen com mais freqüência do que gostaria, e já estava um pouco zangado com a maneira como ela o atraía, apesar de tudo que ele acreditava ser melhor para os dois.
— Percebeu? — Storm cochichou para Islaen. — Iain voltou cedo para casa e não a arrastou para a cama assim que a viu.
— Ele não teve tempo. Robert chegou e queria conversar. Iain não podia dizer: Desculpe, Robert, mas preciso muito ir para a cama com sua irmã. Só voltei para casa por isso. Note como ele olha para mim e diga que não é nisso que ele está pensando agora. — Quando Storm olhou e enrubesceu, Islaen perguntou: — Qual é o problema? Já vi Tavis olhando para você de maneira bem parecida. Ainda não se acostumou?
— Bem, o olhar de Tavis não é como o de Iain.
— Sim, nos olhos dele existe amor suavizando a luxúria, ao contrário do que acontece com Iain.
Storm não tinha certeza daquilo, mas decidiu não revelar sua opinião.
— Não era a isso que eu me referia. Sei o que significa aquele olhar e... Bem, bem...
— Bem, bem... o quê?
— Há uma raiva evidente por trás do desejo.
— Sim, eu sei. Está sempre lá.
— E você nunca se perguntou por quê?
— Porque fiz alguma coisa para aborrecê-lo, é claro.
— Exatamente. E não sabe o que é?
— Nem imagino.
— Fez Iain querer você.
— Isso não faz muito sentido.
— Pense, Islaen. Iain quer manter o coração trancafiado, mas, ao mesmo tempo, ele quer você. E talvez a queira mais do que considera conveniente. Ele a procura porque não consegue se manter afastado, mas, com a lógica distorcida dos homens, ele a culpa por isso. Aposto que a acusa de tê-lo enfeitiçado!
— Ainda assim, pode ser apenas luxúria.
— Se fosse apenas luxúria, ele não seria tão específico. Nem estaria aborrecido.
— Entendo o que está dizendo, Storm, mas acho melhor não pensar nisso. E o tipo de pensamento que pode me fazer sofrer muito. E talvez você esteja enganada. Ele pode estar apenas de mau humor, mas não o suficiente para sufocar a luxúria que o trouxe de volta para casa. Não... É melhor que eu simplesmente espere algo além de um simples olhar e algumas horas de prazer no quarto. Porém, por enquanto, isso é tudo o que ele veio buscar.
— Islaen, você parece amarga demais.
— Acontece de vez em quando. Não é nada... e passa depressa.
— Fico feliz. Pode parecer que você não tem muito agora, e conheço bem o sofrimento de conter o amor que se deseja oferecer a um idiota que não o quer, mas isso vai mudar. Tenho certeza disso. No início, eu também contava apenas com o desejo de Tavis. Muitas vezes, ele me magoou por não querer me amar. Também senti a amargura e a dor provocadas pela rejeição, mas nunca deixei de amá-lo. Quando estava com ele, oferecia tudo o que tinha, com exceção das palavras. É o que você deve fazer. Tavis também tinha as próprias feridas, algumas marcas profundas e dolorosas, mas todas cicatrizaram. Tenho certeza de que com Iain não vai ser diferente.
— Espero que, quando isso acontecer, ele se aproxime de mim.
Na primeira oportunidade que teve, Iain levou Islaen para o quarto. O desejo ardia em seu corpo, e ele não se incomodava se as pessoas deduziam a razão de tanta pressa. Chegando lá, ele jogou-a sobre a cama sem nenhuma cerimônia.
— Passei horas sentado, pensando em você sob meu corpo, nua e ardendo com o mesmo desejo que me queima.
— Ah, então por isso me olhava com aquele ar furioso...
Islaen ficou admirada com a rapidez com que o marido a despiu. Sabia que encontraria um ou dois rasgos nas roupas na manhã seguinte. Também era surpreendente que essa velocidade a excitasse. Estava contaminada pela poderosa necessidade que ele demonstrava.
— O olhar furioso era porque você não media esforços para ficar longe de mim. — Suspirou aliviado quando, ao jogar longe a última peça de roupa, sentiu o contato com a pele macia. — Eu precisava disso.
— Só disso? — ela murmurou, deslizando as mãos por suas costas.
— Não... — Iain gemeu, antes de beijá-la com avidez. Correspondendo ao beijo, Islaen pensou que, se paixão era tudo que Iain estava disposto a oferecer, ele certamente não estava economizando. Apesar de não ter como comparar, tinha certeza de que nenhum outro homem seria capaz de despertar nela as mesmas sensações. A excitação que experimentava com ele era única.
Não conteve um grito ao sentir os lábios tocarem seus seios. Chegara a pensar que fosse impossível, mas descobriu-se ainda mais sensível ao toque. Quando ele começou a sugá-los, quase perdeu os sentidos, dominada pelo desejo intenso. Sentiu um breve alívio quando ele passou a percorrer o caminho por seu ventre e coxas.
Porém, a esperança de recuperar parte do controle desapareceu quando Iain tocou com os lábios os caracóis avermelhados que emolduravam sua feminilidade. Islaen ficou paralisada pelo choque, antes de tentar se esquivar. Não tinha reservas para acariciá-lo de maneira tão íntima, mas ficou insegura quanto a aceitar a retribuição, apesar das súplicas de seu corpo. Iain segurou-a com firmeza e insistiu no beijo íntimo.
— Prometo que vai gostar — ele sussurrou. Com alguns movimentos da língua, ele cumpriu a promessa. Toda a resistência inicial desapareceu, e Islaen abandonou-se ao prazer. Não fez outra tentativa de escapar da carícia ousada e, ao sentir que o deseJo a percorria em ondas cada vez maiores, gritou o nome dele. Iain a penetrou profundamente, movendo-se com ímpeto e rapidez. Agarrou-se a ele quase com desespero e, juntos, explodiram num clímax violento e prolongado.
Assim que a mente superou o torpor provocado pelo desejo, Islaen foi tomada por um forte constrangimento causado por seu comportamento despudorado. Era um pouco difícil encará-lo depois de ele a ter acariciado daquela forma. Iain riu e a apertou entre os braços.
— Tanto recato de uma mulher que saboreou cada pedaço de meu corpo — ele murmurou, beijando-a na cabeça.
— É diferente — Islaen respondeu, reconhecendo que soava tola.
— Não é, e você sabe. Pensei nisso nos últimos quinze dias.
— Pensou?
— Sim, o tempo todo. Não entendia por que ainda não havia desfrutado desse prazer. Sabia que seria como sorver o mais delicado néctar, e agora tenho certeza de que nunca provei nada mais doce. Porém...
— Porém? — ela o incentivou.
— Estava preparada? Islaen estranhou a pergunta. Então, ele não podia perceber esse tipo de coisa? Não sentia como era fácil penetrá-la e levá-la ao clímax?
Demorou um instante para compreender que não era essa a dúvida dele. Iain queria saber se estivera pronta para recebê-lo sem correr o risco de conceber. Queria saber se estava usando as esponjas. Não entendeu por que ele se inquietava com isso agora, se não voltara ao assunto desde a noite de núpcias.
— Sim, eu me preparei assim que você chegou — ela respondeu, tomada por uma repentina fúria ao ouvi-lo suspirar de alívio.
Foi com esforço que conteve o impulso de tocar o ventre, onde crescia a cura para o medo de Iain. Daria a ele um filho saudável e superaria o parto sem dificuldades. Islaen orava todos os dias para que Deus atendesse a esse pedido.
Islaen estendeu o braço e encontrou a cama vazia. Suspirando, levantou-se apressada e correu ao lavatório, pois o estômago já se rebelava. Fraca, mas livre da náusea, tratou de se limpar rapidamente. Com uma compressa fria pressionada contra a testa, voltou para a cama por um momento e decidiu que, afinal, tinha sido melhor que Iain houvesse partido cedo. Os homens podiam demorar para adivinhar uma gravidez, mas até o mais lento deles suspeitaria de uma mulher vomitando todas as manhãs.
Mesmo assim, sua ausência a entristecia. Ainda pensava nisso quando ouviu a porta do quarto se abrir, e se assustou ao ver Storm no lugar de Meg.
— Meg não se sente muito bem. Por isso vim ver se precisa de alguma coisa. Também se sente mal?
— É só uma dor de cabeça.
— São horríveis? Deixe-me trocar essa compressa. Storm já estava trás da cortina, onde ficava o lavatório e todos os objetos utilizados para higiene pessoal, quando Islaen compreendeu seu erro. Ao ver a expressão chocada, soube que ela havia encontrado as esponjas. Deixava-as à vista para que Iain nunca duvidasse de que estavam sendo utilizadas. A raiva no rosto de Storm provocou-lhe um imediato desconforto.
— Islaen, nunca pensei que fosse capaz... Por isso diz que não teme o parto! Porque sabe que não vai ter de passar por ele. Acha que está ajudando Iain com essa atitude?
— Sente-se aqui, Storm. Essa é uma história longa e muito complicada.
Hesitante, Storm entregou-lhe a compressa e sentou-se.
— Espero que seja algo que me tranqüilize. Somos amigas, mas amo Iain como a um irmão, e sinto essa atitude como uma traição.
— Foi ele quem exigiu que eu usasse as esponjas. Ele me fez prometer que as usaria.
— Isso não a obriga a ceder.
— Eu tive de prometer que as usaria, ou ele não se deitaria comigo. — Islaen resumiu tudo que havia acontecido na véspera do casamento e na noite de núpcias.
— Ele acredita que condenar sua alma é melhor do que arriscar sua vida em um parto — Storm concluiu, irritada.
— Então, você também acha que esse é um pecado mortal.
— Sim, e um pecado contra você mesma, também. Não acredito que não queira ter filhos de seu marido.
— Ele não me deu escolha.
— Entendo. E acho que ele já percebeu que essa e uma atitude cruel. Ele só quer proteger você, mas tudo isso... Ah, tudo isso é um desastre! Como vai poder mostrar a ele que nem toda mulher morre no parto, se é obrigada a usar essas coisas?
— Não usando. Quero dizer, utilizei a esponja uma vez na nossa noite de núpcias. Depois, parei e encontrei um meio de saber se ele perceberia a diferença. Quando tive certeza de que Iain não podia saber, deixei de usá-las.
— Pobre Islaen. Ele a obriga a mentir, e posso perceber que isso a incomoda. Eu detestaria me ver nessa situação.
— Preciso pedir que guarde segredo sobre o que acabei de contar.
— E claro que vou guardar segredo.
— Concordou depressa demais.
— Porque sei que você mesma vai acabar revelando a verdade.
— Sim... quando o bebê nascer.
— E quando será?
— Em seis ou sete meses. E difícil dizer com certeza.
— Tão depressa!
— Menos do que eu gostaria. Teria sido melhor se eu pudesse afirmar que concebi na primeira noite em que nos deitamos juntos.
— As esponjas não são infalíveis. Eu as estava usando quando fiquei grávida de Blythe.
— Eu imaginei. Ela e Moran têm idades muito próximas. Sei que é um recurso útil nesse tipo de controle. Minha mãe teve filhos a cada dois anos, e é o que pretendo fazer.
— Ótima idéia. Eu ia mesmo conversar com você sobre esse assunto. Ter um filho exige muito de uma mulher, não só na gestação e no parto, mas depois também. É necessário recuperar-se, e o bebê também precisa desse tempo com a mãe. Acredito que o intervalo entre as crianças tenha assegurado minha sobrevivência, assim como a de todos os meus filhos. Então, Colin vai ter um neto, afinal — Storm concluiu, sorrindo.
— Ele já tem cinco!
— Sim, mas ele quer que todos os filhos conheçam essa alegria. Colin já está no inverno de sua vida e quer ver todos os filhos felizes. Ele sabe que Iain precisa dessa experiência para voltar a viver.
— Devo manter minha condição em segredo por tanto tempo quanto for possível.
— Bem, ainda vai demorar para seu estado se tornar evidente, mas... Por que quer guardar segredo?
— Por causa dos medos de Iain.
— É claro. Ele vai ficar desesperado quando souber. Vai se consumir de preocupação.
Islaen assentiu.
— Quanto menos tempo ele tiver de conviver com essa apreensão, melhor.
— Está com medo, Islaen? Muitas mulheres ficam apreensivas. Eu fiquei.
— Bem, tenho certo receio. Se alguma coisa der errado...
— Vamos rezar para que tudo corra bem.
— Tenho rezado muito, mas, se alguma coisa acontecer, contarei a Iain sobre minha mentira. Não quero que ele se sinta ainda mais culpado. Ele vai saber que assumi o risco, que o enganei e contrariei sua vontade. Assim, ele não poderá se culpar.
— Vou ajudar você, mas sinto que não será necessário. Sei que tudo vai correr bem. Agora, mudando de assunto, estava pensando em começar a visitar os colonos hoje. O inverno se aproxima, e preciso ter certeza de que todos estão preparados para enfrentar os rigores da estação.
— Iain já partiu novamente?
— Sim. Phelan foi com ele. Vamos, vou mantê-la ocupada para aliviar esse sentimento de perda.
Storm cumpriu a promessa. Mesmo com as concessões feitas ao seu estado, Islaen ia para a cama exausta todas as noites, e era grata por isso.
Em certa ocasião, quando se lavava antes de dormir, deu-se conta de que não via o marido havia uma semana. Não deixara de sentir falta dele, mas o trabalho duro a ajudava a passar o tempo. Os dias não eram tão longos quanto antes, e à noite, em vez de ser castigada pela solidão, era dominada pelo cansaço e dormia rapidamente. Talvez fosse essa o artifício de Iain para passar tanto tempo longe dela. Trabalho. Esgotando o corpo, ele impedia o desejo de dominá-lo e obrigá-lo a voltar para seus braços.
Iain suspirou enquanto comia o pão e o queijo servidos por um pajem sonolento. Phelan havia ido para a cama, cansado demais para pensar em comer. Depois de uma semana de trabalho duro, a cavalgada noturna para Caraidland havia extinguido as poucas forças que restavam aos dois.
Por quanto tempo poderia prosseguir assim e se manter são? Voltara a Caraidland por um único motivo: Islaen. Por mais que trabalhasse, não conseguia sufocar o desejo por ela. Acabava sempre voltando, porque a necessidade de vê-la, de falar com ela e de abraçá-la se tornava forte demais para ser ignorada. Finalmente, levantou-se da mesa e foi para o quarto.
Islaen despertou para a paixão. Estava tão excitada que mal se deu conta de que não estava sonhando com o retorno do marido. Mais tarde, deitados lado a lado, saciados, tentou adivinhar por quanto tempo ele ficaria daquela vez, mas logo afastou o pensamento desolador.
― É você mesmo, Iain? — ela murmurou.
— É claro que sou! Quem esperava que fosse?
Ela riu.
— Bem, está escuro, e o jeito como me acordou não me deu muito tempo para pensar...
— Islaen, nem brinque com isso.
— Por que não? Vai me castigar?
— É direito do marido bater na esposa indecorosa.
— Indecorosa? Eu?
Iain se levantou para buscar uma toalha umedecida com a qual os limpou.
— Muito indecorosa. Impertinente e insolente também.
— Ora, ora, sou um fardo de defeitos e culpas!
— Sim, mas eu me esforço para relevá-los. — Ele riu, beijando-a nos lábios.
— Muito galante!
— Eu sei.
— E vaidoso.
— Vaidoso? Agora sim, eu devia castigá-la por essa acusação injusta.
— E que tipo de punição tem em mente?
— Se ficar acordada mais um pouco, vai acabar descobrindo.
Não foi difícil permanecer acordada para viver com Iain momentos de gloriosa paixão.
Na manhã seguinte, quando acordou e o viu ainda ao seu lado, Islaen se sentiu ao mesmo tempo feliz e assustada. Seria maravilhoso passar mais tempo com o marido, mas temia que aquele fosse o fim de seu segredo. O enjôo matinal se tornara menos freqüente, sinal de que começava a ceder, de acordo com Storm. Mas ainda não podia ter certeza de que estaria bem todos os dias. Havia alguma vantagem na ausência de Iain, afinal.
Ela se assustou ao sentir as mãos quentes em seu corpo.
— Iain! Pensei que ainda dormisse...
— Mas eu estou dormindo. E sonhando...
— Seus sonhos são muito reais, então.
— Você nem imagina quanto!
O dia já estava quase chegando ao fim quando eles saíram da cama. Islaen foi procurar Storm. Sentia-se culpada por não ter colaborado com todo o trabalho que precisava ser feito.
— Não se preocupe, Islaen. Você me ajudou muito, e sei que logo voltará a fazê-lo. Aproveite esse tempo com Iain. É importante.
— Mas eu me sinto culpada por deixar você sozinha com todo esse trabalho.
— Não se incomode. Cuido de tudo por aqui há dez anos, e voltarei a fazer tudo sozinha quando você se mudar para Muircraig. Melhor não me acostumar muito com sua ajuda. Iain vai ficar por mais tempo dessa vez?
— Acho que não. Ele está reunindo suprimentos. Parece que se lembrou de repente que essa é sua desculpa para vir até aqui.
Storm riu.
— Islaen...
— Não, não precisa dizer. Sei que pareço um pouco amarga, mas não minto quando afirmo que isso passa depressa. Prometi a mim mesma que, enquanto estiver comigo, ele jamais encontrará uma desculpa para sua negligência no meu comportamento. Sendo assim, tenho de engolir tantas palavras que, às vezes, simplesmente falo sem pensar. Por favor, seja paciente comigo.
— Eu a compreendo. Você não é a única que precisa de paciência. Quanto mais observo o comportamento de Iain, mais me espanto com sua tolerância. Eu já teria atacado Tavis por bem menos. Se precisa pôr para fora a amargura que engole quando está com ele, conte comigo para ouvi-la. Eu já teria sufocado.
— Confesso que me sinto perto disso. Se ouvir um estrondo no meio da noite, não se assuste. Sou eu cedendo ao impulso de chutá-lo para fora da cama.
Rindo, Storm balançou a cabeça.
— Na verdade, não é engraçado. Escute, logo o inverno vai chegar, e então ele terá de ficar. Viajar é perigoso, e não haverá nenhum trabalho que possa ser feito em Muircraig. Como se sentiu hoje?
— Não enjoei. Talvez eu tenha a sorte de não vomitar enquanto ele estiver aqui. Ainda é cedo para Iain saber que espero um filho. É horrível, mas hoje percebi que, apesar do meu sofrimento, há vantagens nas ausências prolongadas do meu marido.
— Sim, ele não está aqui para ver todas as mudanças.
— Exatamente. E, como acredita que me esforço para não conceber, ele não vai pensar que espero um filho. Não de imediato. Apenas espero não estar colaborando para aumentar seu fardo de culpa.
— Agora chega. Não se deixe dominar pelo medo. Todas as mulheres temem o parto, mas você não deve se deixar contaminar pelo pavor de Iain. Sabe que isso pode fazer mal a você e à criança.
— Tem razão, é claro. Quero arrancar a escuridão do coração de meu marido, e não absorvê-la no meu. Devo me esforçar para me lembrar disso. Como você mesma disse, logo o inverno chegará. Em breve, não terei como esconder minha condição, e então enfrentarei uma grande batalha.
— Sim, o medo de Iain ganhará força. Ah, aí vem ele procurando por você. Agora vá.
— Tem certeza, Storm?
— Absoluta.
Islaen passou boa parte da tarde com Iain, embora não soubesse por que se dava a esse trabalho. Ele parecia querer sua companhia, mas estava distante. Era doloroso observar a maneira diligente como ele trabalhava preparando a partida. Finalmente, desistiu e, alegando precisar de um banho antes da refeição da noite, deixou-o. Precisava se afastar da frieza do marido e do esforço em tentar superá-la, ou não seria capaz de aceitá-lo em sua cama mais tarde.
Iain a viu se afastar e culpou-se. Ele a segurava com uma das mãos e a empurrava com a outra. Não era apenas insano, mas cruel, e não conseguia fazer nada para modificar esse comportamento contraditório.
— Alguma sorte? — ele perguntou ao ver que Robert se aproximava.
— Nenhuma. MacLennon continua por perto.
— Ele sempre está por perto — Iain disse ao cunhado. — Não perde uma chance de me atacar.
— Tem razão. Sempre que consigo encontrar seu rastro ou vê-lo, ele escapa como se evaporasse. Tem certeza de que o homem não é um espírito?
— Ele está bem vivo, embora muitos queiram mudar essa situação. Mas sobrenatural mesmo é a maneira como ele consegue escapar de tudo e de todos.
— A hora dele vai chegar. Ele brinca com a morte mas não pode vencê-la sempre. E receio ter mais notícias desagradáveis para dar, cunhado. É sobre Fraser...
— O verme de boca imunda também está por perto?
— A família dele mandou um mensageiro para nos prevenir. Fraser desapareceu levando doze homens armados.
— E ele veio para cá?
— Ninguém sabe ao certo, mas todos acreditam ser bem provável. Eles não querem rivalidade com sua família ou a minha, e por isso mandaram o mensageiro. Comenta-se que os próprios parentes estão fartos do idiota, e não desejam mais protegê-lo da própria sandice.
— Mas o estão procurando.
— E difícil cortar um laço de sangue. Acho que a família não quer ser acusada de omissão. Aconteça o que acontecer com o imbecil, eles terão as mãos limpas. Você costuma prevenir Islaen sobre essas ameaças?
— Nem sempre. E, nesse caso, é só uma possibilidade. Ela está protegida e é sempre vigiada por guardas armados por causa de MacLennon. Não precisamos preocupá-la ainda mais.
— Tem razão. Por causa de MacLennon, minha irmã está alerta para o perigo. Bem, vou me lavar. Pretende fugir de novo para Muircraig?
Iain resmungou uma resposta afirmativa, e depois observou o cunhado se afastar. Apesar de saber que fugir era a palavra certa, ficara incomodado ao escutá-la na boca de outra pessoa.
Islaen despertou sozinha na cama e não se surpreendeu. Iain a mantivera acordada durante quase a noite toda, tomado pela paixão. Por quanto tempo ainda poderia perdurar essa avidez? Considerando o quanto ele a mantivera ocupada, não se espantaria se ele passasse mais quinze dias distante. Suspirando e censurando-se pela atitude amarga, ela se levantou. Storm havia dito que ainda restava muito trabalho, e esperava poder se ocupar.
Durante quase três semanas, Islaen trabalhou muito. Preenchia cada minuto do dia, tentando não pensar na ausência de Iain. A ocupação constante a ajudava a não passar as noites acordada, mas, quando a terceira semana de trabalho duro se aproximava do fim, ela se descobriu olhando freqüentemente para Muircraig como se pudesse chamá-lo de volta.
— Está cansada, Islaen?—Storm perguntou, aproximando-se dela na porta do galpão de defumar carnes.
— Não. O que não suporto mais é trabalhar com carne. Receio que meu estômago esteja sensível demais para isso.
— Venha, vamos sair daqui e descansar um pouco. Também estou precisando me afastar desse cheiro. E de uma bebida qualquer. Além do mais... — Storm parou ao ver um menino maltrapilho se aproximar correndo.
Os homens que guardavam a propriedade tentaram detê-lo, mas Storm ergueu a mão indicando que não deviam fazer nada. O menino era tão pequeno que não poderia causar mal a duas mulheres adultas, mesmo que estivesse armado. Islaen ouviu o relato aflito da criança, mas, por não compreender muito bem o gaulês, não sabia o que estava acontecendo.
— Preciso ir, Islaen — Storm anunciou já a caminho de seus aposentos, como se pretendesse ir buscar roupas, ou algum outro item necessário.
— O que está havendo? Não entendi nada... — Islaen queixou-se, correndo atrás de Storm.
— Ah, então é isso! Estava mesmo me perguntando como se manteve tão calma.
— O que aconteceu? — Islaen desesperou-se.
— Não é nada grave, mas... Robert foi ferido.
— Oh, não!
— Acalme-se, Islaen. O menino disse que não é nada grave, mas ele precisa de um curativo.
— Eu vou com você.
— Tem certeza de que deve ir? Não sei se é aconselhável montar nesse estágio...
— Nada de mau vai me acontecer. Beltraine é forte e rápido... Ele nos levará até onde está meu irmão.
Um dos guardas insistiu em acompanhá-las, despertando em Islaen a lembrança da ameaça de MacLennon. Robert teria sido vítima da loucura do homem?
— Não fique tão apavorada, Islaen. Ele vai ficar bem — Storm disse ao montar atrás dela.
— Espero que sim. Se há um favorito na nossa família, ele é Robert. Para onde vamos, Storm?
— Para a casa da velha Sorcha, uma das colonas. Robert foi levado para lá.
Islaen lembrou-se de já ter estado no local e partiu sem demora. Um homem armado cavalgava ao seu lado. Desde que se casara, havia se habituado à presença de um protetor constante. E, como sabia que a ameaça era real e iminente, já não se importava mais com aquilo.
Quando se aproximaram da casa de Sorcha e reduziram a velocidade, Islaen foi tomada por uma estranha sensação. Prevenida pelo pressentimento, ela deteve a montaria. Inclinada para a frente na sela, estudou atentamente o lugar, tentando entender de onde vinha a impressão de perigo. Não podia ficar ali parada enquanto Robert precisava de socorro, mas hesitou. Alguma coisa não se encaixava.
— O que está esperando, Islaen?
Naquele momento, ela compreendeu o que parecia tão incomum.
— Não estou vendo o cavalo de Robert.
— Talvez ele tenha fugido. Pode ter se assustado com o que aconteceu.
— E nós não o teríamos visto voltando ao estábulo?
— Sim, talvez, mas... Robbie, o que acha?
O guarda tinha uma expressão sombria e tensa.
— Acho que está tudo muito quieto por aqui.
— Quieto demais, talvez...
— Robert pode estar precisando de ajuda.
— Sim, Islaen, por isso viemos.
— Mesmo assim, fico aqui parada tomada por impressões e presságios.
— Acha que devemos voltar e trazer mais homens?
— Isso levaria tempo, e Robert pode precisar de ajuda imediata. Para onde foi o menino?
— Não o vi depois de ele ter transmitido a mensagem — Storm respondeu intrigada.
— Não acha isso muito estranho? Porém, nada aconteceu desde que paramos aqui.
Quando ela já estava quase decidindo que podia ir ao chalé, Robbie gritou, e o ruído que precedeu aquele grito gelou o sangue em suas veias. Ela e Storm se viraram a tempo de vê-lo caindo da sela. Islaen não se surpreendeu ao notar uma flecha enterrada nas costas dele. O som a prevenira. Quando fez menção de ajudá-lo, Storm a deteve.
— Não podemos fazer nada por ele. Não vão permitir. Atrás de nós, Islaen.
Ela olhou por cima de um ombro e não conteve um grito de alarme. Seis homens armados cavalgavam na direção das duas. Sem nenhuma hesitação, Islaen instigou Beltraine, que se lançou para a frente num galope frenético. Os homens estavam entre elas e Caraidland. Por isso, buscou Murcraig, embora tivesse pouca esperança de escapar ou ajudar Storm a fugir.
— Eles estão tentando nos cercar — Storm gritou. — Há mais de seis.
Praguejando, Islaen tentou várias manobras evasivas, mas os homens eram habilidosos. Além do mais, embora fosse boa cavaleira, não tinha experiência nessa prática perigosa. Com pouca esperança de sucesso e já quase rodeada pelo grupo, Islaen tentou passar pelo cerco. Gritou ao sentir que as rédeas eram arrancadas de suas mãos. Assustado, Beltraine quase as derrubou. Islaen segurou-se sabendo que, se caísse, levaria Storm com ela. Quando o cavalo se acalmou, ela estava tonta e cercada por vários homens.
— Uma armadilha — Storm murmurou. — Mas de quem, e por quê?
— Acredito que ele vai nos dizer — Islaen respondeu no mesmo tom, notando que um dos homens se aproximava. — Não é MacLennon. É muito gordo e baixinho.
— Ah, duas adoráveis criaturas em uma só rede.
— Quem é você e o que quer? — Islaen perguntou, tentando não demonstrar o medo.
— Quando souber quem sou, milady, também saberá o que quero.
Algo na voz dele alimentou o medo de Islaen. Tensa, esperou que a criatura removesse o elmo, e não conteve uma exclamação sufocada quando viu seu rosto. Apesar do nariz torto e das numerosas cicatrizes que o desfiguravam, era fácil identificá-lo.
— Fraser!
— Ah, então ainda se lembra de mim, docinho? E não tem mais nada para dizer?
— Você é maluco, Fraser — Storm irritou-se. — Se ferir uma de nós, terá tantas espadas contra você que será cortado em mil pedaços.
— Ah, a vadia saxã de Tavis...
— Ela não tem nenhuma importância para você, Fraser. Deixe-a ir. Seu assunto é comigo, não com ela.
— E acha que vou libertá-la para que ela vá alertar o clã? Não. As duas virão comigo. — Ele fez um gesto ordenando que um de seus homens tomasse as rédeas de Beltraine.
— Para onde vai nos levar?
— Para o inferno, milady. Para o inferno. — Fraser gargalhou, e Islaen não conseguiu conter um arrepio de pavor. Sentia que Storm também era dominada pelo medo. — E com a isca que agora tenho em minhas mãos, não vai demorar muito tempo para seu marido juntar-se a nós.
A raiva que Iain sentia por ter cedido mais uma vez à tentação de ver Islaen foi rapidamente esquecida quando entrou no salão e encontrou Tavis tentando estrangular um homem. Robert assistia à cena com evidente fúria.
— O que está acontecendo?
Tavis sacudiu o homem como se fosse um boneco.
— Fraser.
Iain sentiu o sangue gelar nas veias.
— Islaen?
— Ele a mantém refém. Ela e Storm. É o que este cachorro afirma.
— E foi tudo que ele conseguiu dizer antes de seu irmão agarrá-lo pelo pescoço — Robert explicou em tom duro.
— Tavis, sua atitude não vai ajudar — Colin interferiu com uma calma admirável. — Deixe o homem terminar de falar.
Quando os guardas que se reuniram no salão seguraram o sujeito para mantê-lo em pé, o mensageiro de Fraser precisou de alguns instantes para recuperar o fôlego.
— Ele quer Iain... Está disposto a trocar as mulheres por Iain MacLagan. Eles estão no chalé de Sorcha.
Robert segurou o braço de Iain quando ele se virou.
— Aonde pensa que vai?
— Você ouviu as condições.
— E uma armadilha!
— Acha que não sei? Não tenho escolha. Não podemos deixar Storm e Islaen nas mãos dele.
— E também não podemos pôr você nas mãos dele. Ele terá, então, três vítimas indefesas.
— Não entendo como ele espera escapar ileso depois de cometer essa loucura —Tavis rosnou furioso. Depois, olhando para o mensageiro, sorriu com crueldade e sacou sua faca. — Talvez o covarde aqui possa nos dizer. Não vai ser difícil fazer esse cachorro latir. — Olhou para o pai. — Não podemos traçar um plano sem antes termos conhecimento da intenção de Fraser.
— Eu vou... — Iain começou.
— Não vai a lugar nenhum — Tavis interrompeu com a autoridade do filho mais velho. — Se for ao encontro dele, não escapará com vida. E, com você morto, as mulheres também morrerão. Talvez ele mantenha Storm viva para negociar a fuga, mas eu não apostaria nisso.
Colin foi fechar as portas do salão.
— Vá em frente, Tavis — ele ordenou.
Iain não gostava da idéia de torturar um homem, e sabia que o irmão também não tinha estômago para isso, mas viviam uma situação extrema. O homem não falaria, a menos que acreditasse que poderiam ser mais cruéis que seu senhor. Para alívio de Iain, o mensageiro não ofereceu muita resistência. Foi preciso grande controle para não matar o infeliz, porém, quando ele revelou tudo que Fraser ameaçava fazer para se vingar.
— Ele não havia planejado capturar a segunda mulher, mas vai usá-la para negociar a fuga, caso seja atacado.
— Se eu for até lá, Tavis, você terá Storm de volta.
— Sim, e ela me mataria se eu a trouxesse de volta em troca da sua vida e da de Islaen. Iain, o homem deve estar realmente maluco, se acredita que pode escapar disso com vida. Você não vai conseguir lidar com alguém nessas condições. Vamos ter de resgatá-las.
— Isso pode ser perigoso.
— É perigoso, eu sei, mas não temos alternativa. ― Virou-se para o mensageiro, e rosnou: — E, se qualquer coisa acontecer com nossas mulheres, você, cachorro sarnento, será pendurado pelos dedos dos pés do lado de fora das muralhas de Caraidland. Servirá de banquete para os abutres. Sabia que eles também apreciam refeições vivas? Prendam-no!
— O que vamos fazer? — Robert perguntou aflito.
— Vamos buscar as mulheres e, se tivermos sorte, vamos trazê-las vivas e ilesas — Colin decidiu com firmeza.
Islaen não conteve um grito quando Fraser puxou-a de cima da sela. Sabia que tivera sorte por ter caído sem se ferir. Storm estava um pouco atordoada, mas também não sofrerá nenhum ferimento. Estendia a mão para ajudá-la quando sentiu que Fraser a agarrava pelo cabelo e a colocava em pé.
— Storm?
— Estou bem, Islaen. Bati a cabeça, mas não foi nada. Onde está Sorcha?
— A velha meretriz que vivia aqui? — Fraser riu. — Morta, é claro.
— Seu bastardo — Storm cochichou ao ser empurrada contra Islaen.
— Ela não teria sobrevivido ao inverno.
— Milorde? — Um homem chamou da porta do chalé. — O homem que ferimos desapareceu.
— Não tem importância. Mesmo que consiga pedir ajuda, não saberá revelar mais do que mandei dizer em minha mensagem.
— Iain não é tolo, Fraser. Não virá até aqui como um cordeiro de sacrifício — Islaen anunciou com frieza.
— Oh, eu acho que vai. Pela esposa, ele virá. E temos também a saxã de Tavis. — Ele afagou o rosto de Storm, que afastou-o com um tapa.
— Não ouse tocar em mim, seu porco! Fraser a atingiu com uma bofetada na boca.
— Cadela saxã! Poucos na Escócia me criticariam por matar a cria de um senhor da fronteira.
Islaen se ajoelhou ao lado de Storm, que havia caído com a violência do golpe, e olhou para Fraser com fúria.
— Pois saiba que muitos o matariam se a machucasse. Para começar, posso citar todos os homens do clã MacLagan. Se acha que vai sobreviver depois desse ato insano, é mais louco do que eu imaginava.
— Tenho o direito de me vingar.
— Por que quer se vingar? Porque um homem o impediu de estuprar a esposa dele?
— Ele não está aqui agora para me impedir, está? Mas, antes, devo posicionar meus homens. — Ele se virou e saiu com o grupo.
— Você está bem, Storm? — Islaen perguntou preocupada.
— Já estive pior. O problema é que não vejo possibilidade de escaparmos.
— Não acha que lain virá, acha?
— Não sei. Seu primeiro impulso será aceitar a condição imposta por Fraser, mas espero que o bom senso prevaleça. Eles devem saber que não vão nos ajudar cumprindo as exigências do homem. Precisam entender que estão lidando com um louco. Só um perturbado teria a ousadia de fazer o que ele está fazendo.
— Eu sei. Ele não vai escapar com vida, mesmo que consiga o derramamento de sangue que deseja. Ele não é habilidoso como MacLennon, o que me dá esperança.
Segurando as mãos de Islaen, Storm disse, hesitante:
— Ele pretende...
― Sim, eu sei. Pelo menos, não ameaçou você.
— Isso não significa que vai me deixar escapar.
— Sei disso também. Temos de rezar por um resgate rápido, ou por algo que o distraia.
— Talvez tenhamos alguma chance se o enfrentarmos juntas. Estou com minha adaga. Os idiotas não nos revistaram.
— Então, vamos esperar que ele seja estúpido o bastante para nos deixar juntas.
— Até agora, ele não demonstrou grande inteligência. Apesar de saber que seu irmão estava por perto e que podia usá-lo como isca.
— Todos sabem disso. Robert tem procurado por MacLennon diariamente, sem fazer segredo disso.
— Sim, mas... Se ele sabia sobre Robert, talvez saiba também que lain não se encontra em Caraidland, e sim em Muircraig.
— Já pensei nisso. Estamos sozinhas, e devemos agir de acordo com essa condição até prova em contrário.
— É isso. Aquele porco não vai nos aviltar com facilidade. Talvez possamos encontrar algum conforto nisso.
Sozinhas, as duas examinaram a casa e encontraram em uma das paredes uma área por onde poderiam escapar, desde que trabalhassem com afinco para abrir um buraco nos tijolos desgastados. Porém, só poderiam agir depois do anoitecer, quando teriam alguma chance de despistar os homens de Fraser. Tentaram não pensar muito no que poderia acontecer durante as horas de luz que ainda restavam.
Quando Fraser voltou, elas o encararam de mãos dadas. Ele não era alto ou forte como os MacLagan, mas poderia dominá-las com facilidade, a menos que Storm conseguisse usar a adaga.
Para horror de Islaen, Fraser não lhes deu a menor chance. Com rapidez surpreendente, investiu contra Storm, acertando-a no queixo. Ela caiu inconsciente, sem emitir um único gemido.
Islaen olhou-o, tomada por uma mistura de ultraje e pavor.
— Agora, você vai pagar pelo que seu marido fez comigo.
— Ele fez o que qualquer homem teria feito diante daquela ameaça — ela respondeu, recuando apavorada.
— Ele quase me matou.
— Ele pretendia matá-lo, e você merecia morrer. Teve sorte por escapar com vida.
— Sorte? Sua vagabunda! — Agarrou-a pelo cabelo. — Ele me deixou aleijado e coberto de cicatrizes.
Islaen sufocou um grito ao ser empurrada contra a parede. Quando Fraser rasgou a parte da frente de seu vestido e a camisa embaixo dele, o horror ganhou força, mas ela o combateu. Não teria chance de vencer a luta desigual se não mantivesse a calma, o que se tornou quase impossível quando ele começou a apertar seus seios.
— Sabe o que mais ele fez comigo? — Fraser vociferou. — Ele destruiu minha masculinidade. O bastardo me tornou impotente. Mas a esposa dele será minha cura. Por Deus, você vai devolver a vida ao meu membro ou vai morrer tentando.
Ao começar a desamarrar a calça, Fraser soltou-a por um breve instante, e Islaen aproveitou o momento. Com os dedos em forma de garras, investiu contra o agressor. Quando ele gritou e levou as mãos ao rosto machucado, conseguiu escapar. Porém, o ferimento não era grave o bastante, nem ela era suficientemente rápida. Com um urro selvagem, ele a agarrou pela saia. O tecido se rasgou com a violência do ataque, e Islaen caiu. Antes que pudesse se levantar, ele estava sobre seu corpo.
Segurando os braços acima de sua cabeça, ele esfregava o órgão flácido contra seus seios, e Islaen conteve a ânsia de vomitar. Tentava se livrar do ataque revoltante, mas ele ria de seu desespero. Islaen temia pela criança em seu ventre, certa de que uma vida tão frágil não sobreviveria ao castigo que o monstro planejava infligir-lhe.
Notando um pequeno movimento à sua direita, Islaen sentiu um lampejo de esperança. Infelizmente, Fraser também percebeu o perigo. Storm o atacou com sua faca, mas ele se virou a tempo de evitar o golpe.
— Cadela! Vadia saxã! — Ele a agarrou pelo pulso e esbofeteou-a. — Vai pagar caro por isso.
Storm gritou ao ter o pulso torcido, e Islaen viu-a soltar a adaga. Fraser a derrubou e colocou-se sobre ela, agarrando o pescoço delicado. Era como se as unhas de Storm não o ferissem, porque ele continuava apertando com força, espremendo a vida para fora de seu corpo.
Horrorizada, Islaen correu para pegar a arma. Sem pensar no que estava fazendo, movida apenas pela necessidade de contê-lo, ela enterrou a lâmina nas costas de Fraser. Ele gritou e se virou, jogando-a contra a parede e deixando-a tonta e sem ar.
Islaen sentiu vontade de chorar ao vê-lo se levantar e caminhar em sua direção. Em pé, preparou-se para enfrentá-lo, e foi então que, ainda olhando para ela, o homem caiu de joelhos. Ela ainda teve um breve momento de horror quando as mãos crispadas agarraram sua saia, mas, naquele exato momento, os olhos de Fraser se reviraram. Em seguida, ele caiu com o rosto no chão e parou de se mover. Islaen olhou para Storm, que estava ajoelhada tentando respirar, e correu para perto dela.
— Ele está morto? — Storm perguntou com voz rouca, caindo nos braços de Islaen.
— Acho que sim. Eu nunca...
— Imagino o que está sentindo, mas vai passar. Só precisa superar o choque e lembrar o que ele planejava fazer conosco. — Storm balançou a cabeça. — A culpa foi minha. Não planejei bem o ataque. Acordei, vi o que ele estava fazendo, e simplesmente agi num impulso. Queria impedi-lo de concluir o ato.
— Ele não teria conseguido. Aparentemente, Iain o atingiu definitivamente durante a luta.
— Ah, sim... Considerando o que ele tentava fazer, é de se imaginar que Iain tenha acertado alguns golpes em regiões... estratégicas. E nisso residia a semente de sua loucura.
— Foi o que pensei. O que faremos? Se os homens de Fraser descobrirem que o matamos, eles nos matarão. É bem provável que sejam leais.
— Duvido, mas é melhor não corrermos riscos. Venha, vamos ver se conseguimos remover aqueles tijolos desgastados. Ouviu alguma coisa?
— Eu, sim... — Islaen empalideceu ao ver Fraser se levantar. — Por Deus, ele não está morto!
Nesse momento, um dos homens de Fraser entrou correndo na casa.
— Os MacLagan estão chegando! Mataram cinco homens antes mesmo de percebermos a presença deles. É melhor fugir enquanto pode, milorde! O jogo está perdido.
― Não, não completamente. Mate as duas vadias.
O rapaz olhou aterrorizado para Storm e Islaen. Não estava chocado apenas com a ordem, mas com a evidência de como haviam sido tratadas por seu senhor. Nesse instante, Islaen soube que ele não as mataria.
— Não posso — o jovem disse. — Não nos havia dito... O que fez com elas? São mulheres jovens e indefesas. Não cumprirei essa ordem.
— Muito bem. Então vai morrer com elas. Islaen gritou quando Fraser enterrou a espada no abdômen do rapaz. Ele cambaleou alguns passos, olhando surpreso para seu senhor, antes de cair. Rindo, Fraser se dirigiu à porta, saiu e trancou-a por fora. Islaen correu, então, para perto do jovem caído.
— Ele não está morto — constatou aliviada, sentindo sua pulsação.
— Não sei por que nos preocupamos tanto. Ele é um dos homens de Fraser.
— Ele é apenas um rapaz que se recusou a nos matar.
— Sim, eu sei. O medo me faz perder a razão. Vamos cuidar do ferimento. — Elas rasgaram tiras de seus saiotes para improvisar ataduras. — A espada atingiu a lateral de seu corpo.
— Vamos tentar fugir, ou devemos esperar por Iain e Tavis? — Islaen parou e olhou ao redor, farejando o ar — Esse cheiro... Fumaça!
— O cachorro imundo! Venha, me ajude a arrastar o rapaz para os fundos do chalé. Temos de sair daqui. Não podemos mais esperar nossos homens.
Iain olhou para o pequeno chalé e conteve o ímpeto de correr até lá empunhando a espada. Tavis parecia lutar contra o mesmo impulso. Nada havia sido mais difícil do que progredir com a lentidão necessária naquele momento. Sentiu-se ainda mais tenso ao ver Fraser sair da casa.
— Fraser! — ele gritou. — Desista. Você perdeu.
— Sim, mas você também perdeu, Iain MacLagan — Fraser gritou de volta, pegando um graveto da fogueira diante da casa.
— O que o maluco está fazendo? — Tavis grunhiu, sinalizando para que os arqueiros se preparassem.
Fraser voltou para perto da fogueira, rindo de um jeito que causava arrepios em Iain.
— Sim, MacLagan, você também perdeu.
— Não! — Iain gritou ao perceber qual era sua intenção.
Fraser arremessou a vareta em chamas no telhado de sapé. Os arqueiros MacLagan dispararam as flechas que, um instante depois, crivaram seu corpo. Com um grito alucinado ecoado por Tavis, Iain se lançou para a casa, mas, quando a alcançou, as chamas já a cercavam. Quando ele e Tavis tentaram se aproximar, Colin, pálido e abatido, ordenou que os homens os contivessem. O casebre queimava tão depressa que ninguém escaparia dele com vida.
— Não há tantas chamas nos fundos — um dos homens gritou, e todos correram para lá.
Islaen nunca sentira tanto medo. Ela e Storm estavam conseguindo abrir um buraco na parede, mas o processo era muito lento. O lugar se enchia de fumaça. Seus olhos ardiam e ela se sentia sufocar. Storm não estava muito melhor. Pedaços incandescentes do telhado caíam no interior da casa quando elas conseguiram abrir um espaço suficiente pelo qual passar.
— Vá na frente, Islaen — Storm ordenou. — Não discuta comigo. Está esperando um bebê. Saia, e depois puxe o rapaz desacordado.
Islaen sabia que perderia segundos preciosos discutindo com Storm e, por isso, obedeceu. Depois, agarrando os braços do jovem ferido, ela o arrastou para fora, e ainda fazia muita força para tirá-lo da casa em chamas quando foi repentinamente puxada para trás. Iain e Tavis tiraram o homem desfalecido do casebre, antes de Tavis finalmente salvar sua Storm. Segundos depois, o telhado desabou numa chuva de fagulhas e chamas, e Tavis, que estava mais próximo do incêndio, foi atingido por algumas brasas. Islaen o viu praguejar quando várias mãos atacaram os pontos brilhantes ao mesmo tempo. Só quando Iain arrancou a própria túnica e a cobriu, conseguiu sair do estado de torpor. E apenas então percebeu que havia estado ali parada, seminua, cercada por homens do clã MacLagan.
Iain viu suas roupas rasgadas, os hematomas em seu corpo, e sentiu vontade de chorar.
— Tivemos de esperar a hora certa para atacar. Tivemos medo de que ele as matasse.
— Eu sei — ela gemeu abalada.
— Se houvesse aceitado as condições de Fraser, talvez a tivesse poupado disso.
— Estou viva, Iain. Isso é tudo que importa.
— E o que eu sinto, Islaen. Acredite em mim. Não importa o que aquele miserável tenha feito com você. O que importa é que está viva.
— Ele não conseguiu, Iain. Sei o que está pensando, mas... Ele não conseguiu.
— Não precisa mentir, Islaen. A culpa não é sua.
— Mas eu estou dizendo que ele não...
— Às vezes — Robert interferiu —, o choque é tão grande que a mulher apaga da mente tudo que aconteceu. E o que dizem. E melhor levá-la de volta a Caraidland.
— Sim — concordou Iain. — Meg vai cuidar dela.
— Iain, escute...
— Vamos, Islaen, Meg a espera. Vai aprender a aceitar tudo isso. E vai entender que não tem importância para mim.
— Iain, não fui estuprada!
— Islaen, todos nós aqui podemos ver as evidências. O vestido rasgado não era prova de nada. Islaen olhou para Storm e viu que, pálida e sem fala, ela olhava para suas pernas. Havia nelas grande quantidade de sangue, um rastro que corria das coxas até os tornozelos. Por um momento, viveu o pavor de pensar que estava perdendo o filho, mas então sentiu o ardor em uma das pernas, no alto da coxa, e relaxou. Sofrerá um ferimento qualquer na luta com Fraser, ou ao passar pelo estreito buraco na parede.
— Lamento desmenti-lo diante dos homens de seu clã, Iain, mas sou obrigada a dizer que sua nobre compreensão não é necessária — ela anunciou furiosa. — Escute o que vou dizer, seu cabeça-dura. Eu sei o que aquele desgraçado fez comigo. Ele tentou, é verdade, mas não conseguiu. Fraser não teria sido capaz de penetrar um buraco na lama. No dia em que o espancou na corte, você esmagou suas partes íntimas, e ele não conseguia mais enrijecer o membro, nem mesmo se o amarrasse a uma barbatana!
Um silêncio súbito se seguiu ao anúncio direto, e Islaen corou ao pensar no que acabara de dizer.
— Você foi absolutamente clara — Iain respondeu aturdido.
Um segundo depois, todos começaram a rir. Islaen temia morrer de vergonha. Nenhuma dama usaria linguagem tão vulgar, mas era tarde demais para voltar atrás.
— Vou para casa — ela murmurou.
— Espere — Iain chamou, seguindo a esposa e tentando conter o riso. — Vou buscar meu cavalo.
— Muito obrigada, mas prefiro montar o meu. — Levando os dois dedos indicadores à boca, assobiou para chamar Beltraine, que atendeu imediatamente.
Islaen estava tentando pensar em como poderia montar sem expor demasiadamente as pernas, quando ouviu alguém mencionar o jovem ferido. Um dos homens disse que ele era do bando de Fraser, e outros sugeriram algumas coisas que poderiam fazer com ele. Storm tentava falar pelo rapaz, mas perdera a voz em função da tentativa de estrangulamento.
— Não façam nada contra ele — Islaen disse em voz alta.
— Por que não? Ele ajudou vocês? — quis saber Iain.
— Ele se recusou a nos matar, embora tenha recebido uma ordem direta de Fraser. Por isso, foi ferido com a espada.
— Mas ele fazia parte do grupo que a raptou, minha querida. E não tentou impedir essa atrocidade.
— Quando entrou na cabana para avisar que vocês se aproximavam, ele reagiu horrorizado ao ver o que Fraser havia feito conosco. E ficou completamente chocado quando ouviu a ordem direta para nos matar. Acredito que ele é só um jovem tentado pela idéia de uma aventura. Não sabia o que Fraser realmente pretendia. E talvez os outros também não soubessem. Ele poderia nos ter matado, mas não o fez, e se Fraser não estivesse também enfraquecido pela facada que demos nele, o jovem poderia ter morrido por isso. Ele merece uma recompensa. Merece uma chance.
— Tem razão.
Islaen começou a se sentir fraca quando Iain foi providenciar o transporte do rapaz para Caraidland. Pretendera partir imediatamente, mas, insegura, decidiu esperar pelo marido. Ele montou e, percebendo sua palidez, ordenou que Robert a pusesse diante dele em seu cavalo. Fraca, Islaen não protestou.
— De onde vem o sangue em suas pernas? — ele perguntou quando iniciaram a viagem de volta.
— Devo ter me cortado quando enfrentei Fraser, ou quando passei pelo buraco na parede. Encontraram Robbie?
— Sim, ele tentava voltar para Caraidland quando o encontramos. Robbie vai ficar bem.
— E Fraser?
— Morto.
— Estamos livres de uma ameaça, então. É uma pena que a loucura de MacLennon não o torne tão idiota quanto Fraser.
— Sim, é uma pena — Iain concordou, notando que a esposa fechava os olhos e apoiava a cabeça em seu peito. Ele a amparou com os braços e a deixou dormir.
Olhando para o rosto abatido, lembrou-se do pânico que sentira ao tomar conhecimento de que Islaen era prisioneira de Fraser. Não conseguia deixar de pensar em todos os dias que passara longe dela, dias que jamais poderia recuperar. A profundidade do medo revelou algo que ele teria preferido seguir sem saber. Ela não o estava mais atraindo... ela já o tinha conquistado por completo.
Gamei Brodie, o rapaz que Islaen e Storm tinham salvado da morte, estava jurando devoção eterna e sacrifício da própria vida para servi-las. Islaen decidiu que ele havia escutado muitos menestréis cantando feitos da cavalaria. E pior, acreditara neles.
Assim que conseguiram se desculpar, ela e Storm o deixaram, e quando tiveram certeza de que não seriam ouvidas, explodiram em gargalhadas. Ainda riam muito quando entraram no salão onde Tavis e Iain as aguardavam. Elas contaram aos maridos o que as divertira tanto, mas era evidente que nenhum dos dois via o humor da situação. A contrariedade dos dois irmãos tornou-se ainda mais óbvia quando, com o passar do tempo, devidamente curado, Gamei passou a se esforçar mais para demonstrar sua devoção. Iain mal conteve a fúria quando o surpreendeu cantando canções de amor enquanto Islaen, sentada ao lado do fogo no salão, dedicava-se a suas costuras. Ele se sentou ao lado da esposa e olhou carrancudo para o rapaz, que nem percebeu sua presença. Não era só a atenção dedicada a Islaen que o incomodava, porque o jovem tratava Storm com o mesmo desvelo, mas a juventude e a beleza dele, características que faziam Iain pensar na distância que o separava da jovem esposa. Não conseguia deixar de pensar na possibilidade de Gamei despertar em Islaen a mesma percepção.
— Storm está enfrentando dificuldades para pôr as crianças na cama — ele mentiu. — Talvez possa acalmá-los com seu canto, Gamei.
Satisfeito, ele viu o jovem se retirar do salão.
— Eu estava gostando das canções, Iain.
— Bobagem.
— Gamei tem uma voz doce. E sei que Storm nunca tem problemas para pôr os filhos para dormir.
— Está me acusando de mentir?
— Oh, não! Estou dizendo apenas que pode ter se enganado. E tenho certeza de que se esqueceu de que Tavis ameaçou fazer Gamei engolir o alaúde se ele não parar de cantar para Storm.
— Tem razão, eu havia esquecido... — ele respondeu sorrindo, acomodando-se mais confortavelmente no diva.
— Mentira.
— Tem razão novamente. Eu não esqueci.
— O menino tem boas intenções, Iain.
— Islaen, ele tem quase vinte e um anos. Não é um menino.
— Ele ainda é um menino em vários aspectos.
— Não no que me preocupa.
— Gamei nem pensa nisso. Para ele, Storm e eu somos damas inatingíveis, musas de suas canções. Ele canta um amor platônico feito de devoção e idolatria. O amor da corte...
— Já vimos o amor da corte quando estivemos no palácio. Não é puro, muito menos platônico.
— Eu me referia ao antigo amor da corte. Tudo bem, admito que ele pode ser cansativo, mas é bem-intencionado. Ele sente que nos deve o fato de estar vivo.
— E deve, realmente.
― O rapaz não tem ninguém, Iain. Não posso colocá-lo para fora daqui.
— Ele tem parentes.
― Parentes que o expulsaram de casa.
— Sim, porque ele causou uma terrível confusão cantando suas canções de amor para a esposa de outro homem. E ele ainda não aprendeu a lição, é evidente.
— Na verdade, o que aconteceu foi que ele desafiou o tal homem porque ele havia gritado com a esposa. Isso significa que é melhor não gritar comigo, Iain.
— Eu nunca gritei com você — protestou.
— É claro que não. — Islaen não conteve o riso.
— Você é terrível! E aquele sujeito está se tornando um inconveniente terrível.
Ela assentiu e refletiu sobre as palavras do marido. Logo a situação deixaria de ser engraçada. Como não podia simplesmente expulsá-lo, tinha de pensar em alguma coisa para afastá-lo da barra de sua saia. E não tardou a encontrar a solução perfeita para todos.
— Iain, já sei o que faremos! Vamos mandá-lo para a casa da minha família.
Ele sorriu.
— Seria uma alegria vê-lo pelas costas, mas acho que seus irmãos não iam gostar disso. Eles também têm esposas a quem ele pode jurar lealdade e para quem pode cantar.
— Sim, mas isso já aconteceu antes, e eles abem como curar o rapaz de suas enfermidades. Tivemos um primo afligido por esse tipo de idiotice melodiosa, e eles o curaram, sem matar a semente de sua doçura. Entende o que digo?
— Acho que sim. Os ideais permaneceram, mas a idiotice acabou. Sim, é uma boa idéia. Sei que o rapaz não é mau. Quer falar com seus irmãos?
— Vou pedir a Robert para enviar um mensageiro à casa de papai — ela anunciou, já se levantando. — Não creio que ele vá se recusar a recebê-lo.
Iain a viu sair da sala e suspirou. Estava demonstrando o ciúme, mas não tinha como se conter. Seu único conforto era ver Tavis agindo da mesma maneira. Mas o comportamento possessivo revelava seus sentimentos, algo que seria sensato esconder. Ou não? Bem, um homem não precisava amar para ser possessivo. Islaen tinha uma excelente compreensão dos homens, e jamais havia dado indícios de ver algo além de sentimento de posse em sua impaciência com o jovem cantor.
Assim que o rapaz deixasse sua casa, ele iria a Muircraig. Permanecera em Caraidland até ter certeza de que Islaen estava bem, de corpo e mente, sem nenhum efeito do ataque de Fraser. Depois, ficara mais um pouco porque não gostava da idéia de deixá-la sozinha com o jovem, ardente e belo Gamei. Logo Gamei estaria partindo, porque tinha certeza de que Alaistair aceitaria o rapaz em sua casa.
Ele se levantou para ir tomar um banho quente. Sabia que, com as emoções tumultuadas como estavam, seria perigoso fazer amor com Islaen. Mas, agora que ela estava curada, não conseguia pensar em outra coisa. E sabia que não partiria para Muircraig sem amá-la mais uma vez.
— O espinho foi removido — Islaen disse ao marido ao ver o jovem Gamei se afastando com seu irmão Duncan.
― Não era só em mim que ele causava desconforto.
― Não. Notei que Tavis está de bom humor hoje.
― Juro, esse garoto é mais irritante que Alexander
― Iain resmungou ao acompanhar a esposa para dentro do castelo.
Ela estranhou o fato de estar sendo conduzida ao quarto.
— O que está fazendo, Iain?
Ele fechou a porta.
— Notei que já se curou do ataque.
— Eu estou ótima. Sempre estive.
— Sim, eu sei, mas achei que devia ser galante.
— Ah... — Ela o viu se despir e entendeu a razão de estarem no quarto. — E agora desistiu de ser galante?
— Não! Pretendo ser galante, mas de outra maneira. E você vai me dizer se consegui depois...
— Depois? Depois do banho? — ela perguntou, rindo ao vê-lo apenas de ceroula.
— Um de nós está usando roupas demais.
— Sim, mas pretendo corrigir essa disparidade em breve. — Rindo, ela desamarrou as fitas da ceroula.
— Melhor agora?
Iain jogou-a na cama e, quando terminou de despi-la, o bom humor de Islaen se transformara em desejo. Ela o abraçou e saboreou a sensação da pele quente, correspondendo aos beijos com ardor, deleitando-se com o intenso ato de amor, até atingir o clímax.
E foi apenas quando recuperou a clareza de raciocínio e o ritmo dos batimentos cardíacos, ela começou a desconfiar de alguma coisa. Tinha impressão de que a impetuosidade de Iain era motivada pelos planos de partir outra vez.
Iain tentava encontrar uma forma de dizer a ela que iria para Muircraig em algumas horas. Fazer amor com a esposa só reforçara a convicção de que estava muito próximo de quebrar todas as regras. Manter entre eles a distância que julgava necessária o fazia sentir-se vazio e sozinho, e a tentação de terminar com esse tormento era muito grande.
— Preciso voltar a Muircraig — ele falou em voz baixa entre um beijo e outro em seu pescoço.
Islaen ficou tensa.
— Ah, sim? E quando pretende partir?
— Por volta do meio-dia.
Islaen tentou conter a fúria, mas daquela vez foi impossível. Empurrou Iain e se sentou na cama para encará-lo, cerrando os punhos para conter a vontade de agredi-lo.
— É claro! E, como vai embora, decidiu aproveitar a última noite em casa para buscar alívio nos braços da esposa.
— Islaen, escute...
— Não quero escutar mais nada! — Ela o esmurrou, obrigando-o a contê-la.
Sabia que ela tinha o direito de estar furiosa, e que levá-la para a cama e fazer amor com ela quando tinha a intenção de partir era uma atitude egoísta e insensível, mas não imaginara que ela ficaria tão furiosa. Hesitante, tentou encontrar as palavras certas para acalmá-la, sem revelar por que não a procurara antes, quando não tinha planos de partir de imediato.
— Islaen, não é como está imaginando. Você passou por um momento difícil com Fraser. Precisava se recuperar.
— Eu me recuperei no dia seguinte.
― Isso é o que você pensa, mas ainda posso ver as marcas deixadas pelo ataque.
— Não sinto dor.
— É bom saber disso, porque odiaria pensar que a machuquei para saciar meu impulso. Esse era meu maior medo, mas hoje cheguei ao meu limite. Saber que partiria me fez correr esse risco, Islaen. E errado um marido querer fazer amor com sua esposa antes de deixá-la? Quero apenas algumas lembranças que sirvam para aquecer minha cama vazia em Muircraig. Sim, e também quero deixar você na companhia de boas lembranças.
— Está tentando me envolver com palavras doces.
— Sim, mas essas palavras doces são verdadeiras. Não poderia partir sem levar comigo o sabor de seus beijos, não quando sei que vou demorar para tê-la em meus braços novamente.
Iain beijou um seio de Islaen, excitando-se com os movimentos do corpo contra o dele.
— Então não vá ou me leve com você. — Sabia que pressioná-lo não era uma atitude muito inteligente. Melhor seria deixá-lo ir. Queixas e recriminações não a ajudariam em nada, e custariam mais do que estava disposta a pagar.
Fechando os olhos, decidiu que não resistiria. Já passava tempo demais sem ele. Quando os lábios de Iain percorreram seu corpo, ela estremeceu, e logo se sentiu inundada por aquela urgência que só ele podia saciar. Os dois mergulharam juntos no abismo do clímax, seus gritos se misturando no que Islaen acreditava ser a mais doce e perfeita das harmonias.
Quando ele se preparou para partir, Islaen teve de conter o ímpeto de atacá-lo novamente. Sabia que não podia forçá-lo a ficar, como não podia forçá-lo a amá-la. Sozinha, ela voltou ao quarto e se jogou sobre a cama, onde ficou chorando até extravasar uma tonelada de sentimentos contidos.
— Corro algum risco se entrar?
— Não, nenhum, Storm — Islaen respondeu rindo e secando as lágrimas.
— Melhor agora?
— Sim, muito melhor.
— Eu prefiro quebrar objetos, jogando-os contra a parede, mas depois, quando tenho de recolher os cacos e limpar a sujeira, sempre me arrependo.
— Por isso prefiro chorar e gritar.
— Eu entendo. Mas os maridos têm certa dificuldade para compreender esse tipo de reação.
— O problema, Storm, é que me cansei do jogo, mas não consigo pensar num jeito de encerrá-lo. E sei que logo vai ficar ainda pior.
— Por quê?
— Na próxima vez em que meu marido voltar para casa, vou ter de contar sobre a criança que estou esperando.
— Tem sorte por ainda não estar aparecendo.
— Ele mencionou alguma coisa sobre minha cintura não ser mais tão delgada quanto antes, mas improvisei uma resposta qualquer. Disse que ainda estava crescendo. Iain sempre me considerou uma criança, por isso não questionou minha explicação.
— Criança? Se fosse criança, não estaria grávida.
— Eu sei. Mas Iain superestima a diferença de idade entre nós, então... Oh, Storm, se ao menos eu soubesse que ele não consegue me afastar de seus pensamentos com a mesma facilidade com que me afasta de seu olhar. Se soubesse que ele pensa em mim, no nosso casamento, no que não vivemos, mas ainda podemos ter.
―Tenho certeza de que ele pensa em tudo isso.
Islaen sorriu. Gostaria de ter a mesma certeza, mas era impossível. Quando um homem está tão determinado em se manter distante de uma mulher, é razoável pensar que ele é capaz de bani-la dos pensamentos com a mesma facilidade com que a afasta de seus braços.
Islaen estava no estábulo, alimentando seu cavalo, quando Wallace, um dos criados, aproximou-se dela com uma cadeira.
— Não devia passar tanto tempo aqui, milady. Não na sua condição. Sente-se, por favor.
— Minha condição? — ela perguntou com calma.
— O bebê... Não sabia?
— Sim, eu sabia, mas não entendo como você percebeu. Ninguém notou até agora, e só contei a Storm e a Meg.
— Bem, estou sempre cuidando das éguas. — Ele corou intensamente. — Por favor, não quis dizer que...
— Não se desculpe. Quando um homem ama os animais como você os ama, não é insulto ser comparada a eles. Especialmente quando esses animais são as belas éguas de Iain. — Ela decidiu que esse era um bom momento para pôr em prática uma idéia que acalentava havia algum tempo. — Na verdade, gostaria de conversar com você sobre isso.
— Não sei nada sobre bebês, milady.
— Acha que são muito diferentes de bezerros e potros?
— Não. Acho que não. Está com medo?
— Toda mulher tem um certo temor do parto. Wallace, vou confiar em você.
— Pode confiar em mim, milady.
— Sim, eu sei. Sabe que Iain tem medo do parto também?
— Milady, isso não é segredo para ninguém que o conheça. Por isso não contou a ele sobre o bebê?
— Sim, por isso e porque, quando nos casamos...— Ela parou ao sentir que um rubor tingia seu rosto, mas respirou profundamente e prosseguiu: — Ele me fez prometer que eu tomaria providências para nunca ter filhos.
— Oh...
— E eu não cumpri a promessa. Decidi que mentir era um pecado menor do que evitar a concepção. Além do mais, tenho certeza de que posso mostrar a eles que nem todas as mulheres precisam sofrer como sua falecida esposa. Ele precisa superar esse pavor. Se eu não fizer nada, se deixar o sentimento dominá-lo, nós dois sofreremos por isso. Quero ter filhos, e sei que ele também os quer.
— Sim, milady, tenho certeza de que ele deseja herdeiros. Ele ama as crianças. Já viu como brinca com os filhos do irmão?
— Sim, eu notei. Em breve terei de contar a ele sobre a gravidez. Já é difícil esconder meu estado de observadores mais atentos. Iain só não percebe porque acredita que estou protegida contra uma concepção. Já reduzi muito o tempo de espera e angústia para meu marido. Agora, preciso encontrar uma maneira de facilitar ao máximo o parto.
— Não pode estar pensando que tenho a resposta, milady.
― Wallace, os animais têm seus filhotes com muito mais facilidade do que nós, mulheres.
― Porque são muito maiores.
― Sim, eu sei. Entendo que existem diferenças, mas nem por isso seu conhecimento perde a importância e a validade. Não estamos na melhor época do ano para observar os nascimentos, mas sei que pode me dizer alguma coisa sobre eles.
— Milady, sou um homem rude. Não sei se poderei falar sobre esse assunto de maneira adequada. Quero dizer...
— Não se preocupe com seu vocabulário, Wallace. Tenho onze irmãos. Duvido que possa dizer alguma coisa que eu nunca tenha ouvido ou que me choque. Preciso do conhecimento. Tenho de curar meus medos, ou não poderei ocultá-los de Iain. Quero ter essa criança silenciosamente, como os animais. Ouvir minha dor vai alimentar a aflição de Iain. Vai me ajudar? Vai dividir comigo seu conhecimento?
— Sim, milady. Só espero ser tão útil quanto imagina que poderei ser.
— E o que também espero. Podemos começar?
— Vai ao estábulo outra vez? — Meg perguntou, chocada, ao ver Islaen pegar o manto.
Suspirando, ela assentiu. Tornara-se visitante regular do estábulo, e Wallace perdera a resistência em relação a ela. Apesar de não estar segura de ter aprendido muito que pudesse auxiliá-la no parto, aprendera diversas coisas interessantes.
— Sim, e irei todos os dias até o frio ou o tamanho da minha barriga me impedir.
— Aquele lugar é sujo.
— É mais limpo que muitas hospedarias onde já estive. Wallace cuida muito bem dos animais.
— Mas não é um homem de quem deva se tornar amiga.
— Por que não? Ele é um bom homem. Seu trabalho é de grande valor.
— Não sabia que tinha tanto amor pelos animais. Insisto, não é correto passar tanto tempo lá.
— E eu insisto em ir. É importante.
— Por quê?
— Não espero que entenda, mas é algo relacionado ao parto que em breve terei de enfrentar.
— Wallace não sabe nada sobre bebês. Só sobre animais.
— Não há tanta diferença. Preciso saber tudo que puder sobre um nascimento, Meg. Se não para colaborar, pelo menos para manter minha dor em segredo. Iain não deve ouvi-la.
— Se quer saber minha opinião, já há segredos demais por aqui.
Islaen se sentia realmente sufocada por tudo aquilo. A mentira que contara ao marido a devorava por dentro. Também era difícil esconder que estava esperando um filho dele, algo que, para ela, era motivo de grande orgulho e alegria, mas que não podia partilhar.
— Sinto muito, criança — Meg lamentou-se. — Falei demais. Foi indelicado e impróprio.
— Não, foi verdadeiro, puro e simples.
— Talvez, mas sei bem que não queria que fosse assim, que não gosta de guardar segredos de seu marido.
— Bem, pelo menos um deles logo chegará ao fim, Meg — ela disse, pondo as mãos sobre o ventre arredondado.
Ao ver o grupo de homens entrar em Caraidland, ela sofreu um sobressalto. Iain retornava. Era uma alegria revê-lo, mas sabia que essa visita seria atribulada e difícil. Teria de contar a ele sobre a criança. Era melhor do que esperar que ele descobrisse sozinho. Seria um confronto difícil, e Islaen não estava ansiosa por esse reencontro.
— Você o quê? — Iain gritou, sentando-se repentinamente na cama.
Vendo sua palidez, Islaen decidiu que estava certa. Um medo como o dele não seria fácil de superar. O aspecto positivo da situação era que restavam pouco mais de três meses de espera.
Ela removeu o manto que usara fora do quarto e repetiu: — Estou grávida.
Iain olhou para o ventre da esposa.
— De quanto tempo? — perguntou, desconfiado.
— Mais de cinco meses.
— E só agora me contou?
— E só contei porque começou a aparecer, ou ainda estaria quieta. Você não queria filhos. Quero dizer, não queria que eu ficasse grávida. Pensei que a notícia o deixaria ansioso, por isso esperei até não poder mais esconder a gestação. Ninguém gosta de dizer algo que o outro não quer ouvir.
Ele se levantou e começou a andar pelo quarto.
— Então, sou o último a saber, não é?
— Bem, eu só contei a Storm e Meg, mas, sim, talvez seja. Como pode ver, agora minha condição é muito clara, mas ninguém fez comentários.
— Se houvesse contado antes, talvez pudéssemos...
— Não fale mais nada, Iain. Essa foi outra razão pela qual guardei segredo. Sei que há maneiras de arrancar uma criança do corpo de uma mulher, mas eu jamais faria tal coisa. É melhor encerrarmos essa conversa agora mesmo.
— Sim, sim, você tem razão. Eu também não teria sido capaz de obrigá-la. — Iain começou a reunir seus pertences. — Deve ter sido naquela primeira noite. Eu devia ser enforcado por minha falta de controle.
— O que está fazendo? Não vai voltar para Muircraig, vai?
— Vou para os meus aposentos — ele anunciou, começando a se retirar.
— Você já está neles. Somos casados, dormimos no mesmo quarto. O fato de eu estar grávida não muda nada. A cama é grande o bastante para nós três. — Ela notou que o marido parava na porta. — Iain, isso não é necessário.
— Você está esperando um filho.
— E daí?
— Precisa de repouso. Cuidado.
— Por isso vai deixar nossa cama?
— Se ficar, vou querer fazer amor com você.
— Bem, pelo menos agora sabe que não vai me engravidar. E não há nada de errado em fazer amor comigo. Sou sua esposa.
— Mas isso pode oferecer perigo a você ou à criança.
— Estou nesse estado há meses. Fizemos amor várias vezes.
— Devia ter me contado antes. Foi sorte não termos causado nenhum problema.
— Iain, não vai me fazer mal algum — ela disse, pegando-o pela mão.
― Não quero correr o risco — ele respondeu, soltando-se e deixando-a sozinha.
Aturdida, Islaen ficou olhando para a porta de comunicação entre os dois quartos. Podia ir atrás dele e continuar com a discussão, mas seria inútil. Além do mais, seu orgulho a impedia de segui-lo. Daria ao marido um tempo para refletir. Sabia que ele acabaria ouvindo a voz da razão.
A mágoa provocada pela reação de Iain foi aplacada pela resposta de todos os outros ao anúncio feito por ele. Todos já imaginavam que ela esperava um filho, mas ninguém havia feito comentários, um sinal evidente de que a respeitavam.
Naquela noite, ela foi para a cama cedo. Sabia que todos ficariam comemorando até tarde, mas não se sentia disposta a participar dos festejos. Sozinha, refletiu que nem tinha muito para celebrar. Aquele era um momento em que os casais se uniam ainda mais, alegres com a chegada de um filho, cheios de planos para o futuro... Mas Iain se encharcava de vinho e cerveja, e acabaria sendo carregado para o quarto em total torpor. Sabia que teria pouco apoio do marido, mesmo que toda a família tentasse convencê-lo a se animar com a situação. Quando já estava quase adormecendo, Islaen pensou, vingativa, que os excessos da noite o deixariam enjoado na manhã seguinte. E o castigo ainda seria pequeno.
Iain tentou se sentar na cama, mas gemeu e caiu sobre os travesseiros. Tavis colocava uma compressa fria sobre sua testa.
— Que tipo de idiotice é essa, Iain? — o irmão perguntou enquanto tentava fazê-lo beber uma amarga poção.
— Do que está falando? Da bebida? Já me embriaguei antes.
— Raramente. E estou falando de sua atitude de maneira geral. Deixou sua esposa sozinha esta noite. Storm me pediu para dizer que isso é cruel, que não devia exibir seus medos com tanta clareza. Acha que ela não teme? É seu primeiro filho. Ela deve estar assustada.
— Ela sabe o que penso sobre o assunto. E sabe como me sinto.
— Sim, mas não precisa agir como um ogro furioso. Por que veio dormir aqui, em vez de ficar com ela?
— Porque ela está grávida, e não quero correr o risco de fazer mal a ela ou ao bebê.
— Por favor, pare de agir como se já preparasse para o enterro — Tavis disparou, furioso.
Com grande esforço, lain tentou seguir o conselho do irmão. Sabia que era errado atormentar Islaen com seus medos e, por isso, tentou escondê-los, embora ainda o devorassem. Sentia-se tentado a voltar a Muircraig, mas permaneceu em Caraidland, dominado pela necessidade de observá-la e assegurar-se de que tudo corria bem, de que ela estava saudável. lain acreditava estar se saindo muito bem, até certa noite, quando os dois se sentaram juntos no salão. Ele tentava ler uma carta de Alexander, e Islaen costurava.
— Será que pode parar de olhar para a minha barriga? — ela pediu, irritada. — O bebê não vai pular daqui de dentro.
— Não seja tola — ele respondeu taciturno, reconhecendo a acusação.
— Sim, é tolice. Não precisa ficar olhando para mim o tempo todo. Ainda temos alguns meses antes do parto, e quando chegar a hora, o caminho da saída será outro.
lain suspirou. Com esforço, conseguiu parar de olhar para ela constantemente, mas agora tinha outra preocupação. Islaen passava muito tempo no estábulo conversando com Wallace. Isso podia ser prejudicial para uma mulher em seu estado.
― Islaen... Por que passa tanto tempo no estábulo?
― Estou estudando os animais — ela respondeu, guardando a costura no cesto para ir se deitar.
— Ah, sim... E por quê?
— Porque estou esperando um filho.
― E o que isso tem a ver com os animais no estábulo?
― Os animais dão à luz com mais facilidade. Boa noite, lain. — Ela se retirou sem dar mais explicações, subitamente irritada.
lain não tentou voltar ao assunto. Se ir ao estábulo servia para mantê-la calma, ele não tentaria impedi-la. Só lamentava que ele mesmo não conseguisse encontrar uma forma de aliviar o medo.
Partiu para Muircraig, mas permaneceu lá apenas uma semana. Quando voltou, era tarde da noite. Entrou em seus aposentos, resistindo ao impulso de ver Islaen. Ficaria mais tranqüilo com a certeza de que ela estava bem, mas a visita representaria uma tentação difícil de ignorar. Sabia que era melhor que se mantivessem em camas separadas, mas sentia falta do calor da esposa, e essa falta tornava cada vez mais difícil a dura tarefa de se convencer da necessidade de tal cuidado.
Islaen estava acordada, ouvindo os movimentos do marido no quarto vizinho. Daquela vez, ele se ausentara por pouco tempo. Por outro lado, chegara em casa e não fora vê-la. Furiosa, ela se levantou. A separação imposta por lain já havia se prolongado por mais tempo do que era razoável.
Iain a viu entrar no quarto e caminhar na direção de sua cama. A camisola fina revelava as transformações sofridas por seu corpo. Os sinais evidentes da gravidez despertavam seus piores temores, mas vê-la também incendiava o desejo.
— Algum problema, Islaen? — ele perguntou.
— Sim, um grande problema. — Ela se deitou ao lado do marido. — Minha cama está vazia. Meu marido não vai me visitar.
— Há um bom motivo para isso.
— De fato? Ainda não conheço essa razão.
— Islaen, se dividirmos uma cama, não resistirei ao desejo de possuí-la.
— E bom saber disso. Pensei que houvesse perdido o interesse por causa das mudanças em meu corpo.
— Não perdi o interesse. Mas não vou ceder ao desejo.
— Por que não?
— Porque posso machucar você ou o bebê.
— Nunca ouvi falar nisso.
— Está se fazendo de tola.
— Não, é você quem está se fazendo de idiota. Tavis deixou a cama de Storm?
— Bem, não, mas...
— Meu pai nunca saiu da cama de minha mãe. Não sei de onde tirou essa idéia.
— E um conceito razoável. Os médicos o defendem.
— Sim, e também fazem sangrias em homens com ferimentos abertos, tirando mais do que os pacientes podem se dar ao luxo de perder. A menos que tenha a intenção de me espancar, não vejo como poderia me machucar. Logo estarei gorda demais para sentir prazer ou desejar fazer amor, Iain. É bobagem desperdiçar um tempo tão precioso.
Era difícil sustentar a resistência diante da argumentação sólida e serena. E era razoável que ela soubesse mais do que ele sobre o assunto. Além do mais, sentir o calor do corpo de Islaen afetava seu julgamento.
― Considerando o que envolve o ato de amor, não posso acreditar que seja seguro — ele ainda insistiu.
― Desde que não tente entrar quando a criança quiser sair...
— Islaen!
— Bem, é verdade, não é? Iain, escute: o período mais delicado é o início, nos primeiros três meses. Agora, a criança está firme em meu ventre. Você não pode tirá-lo de lá com um ato tão natural, e nem pode atingi-lo, se é o que está pensando.
— Eu sei que não, mas... — Ele parou de falar ao sentir a língua morna em seu peito, afagando um mamilo. Tinha a intenção de empurrá-la, mas viu-se segurando-a pelos cabelos.
Islaen sorriu aliviada ao sentir a rendição. Sabia que só precisava de mais um argumento para convencê-lo de que era seguro fazer amor.
— Iain, eu já esperava um filho quando Fraser tentou me violentar. — Talvez fosse verdade, mas, mesmo que não fosse, sua intenção era boa, o que justificava a tentativa.
— Jesus! Ele foi tão violento!
— Sim, e também estava grávida quando MacLennon nos atacou. Ele também me feriu, lembra? E você não foi exatamente delicado quando tentou me proteger. — Ela ia beijando o corpo do marido, e já chegava às pernas fortes.
Era difícil raciocinar enquanto ela o inflamava com beijos úmidos e quentes, mas as palavras penetraram a densa névoa da paixão e faziam sentido.
— E quando Fraser tentou novamente na casa da velha Sorcha... — ele murmurou. De repente, lain se sentou. — O sangue em suas pernas.
— Foram só alguns cortes. Você os viu — ela respondeu sem interromper a sedução lenta. Agora ela dedicava toda a atenção ao membro rígido e pulsante, deslizando a língua por ele. — Nada disso causou mal a mim ou à criança.
— Teve sorte... — ele disse com esforço, tremendo de desejo.
— Eu sei. Só queria fazer você entender que nada do que fizermos será pior do que já aconteceu comigo. Fazer amor é bom, lain.
Fechando os olhos, ele gemeu ao sentir a boca envolvê-lo completamente.
— Devagar, Islaen. Devagar... Quero saborear todo o prazer que você pode me dar.
— Nesse caso, é melhor deixar você se acalmar um pouco — ela decidiu, interrompendo-se.
Ele estendeu os braços para despi-la.
— Acalmar? Pensei que quisesse me enlouquecer de desejo.
— E claro que sim...
lain acariciou os mamilos intumescidos com a língua, antes tomar os seios fartos na boca. Ela gemeu, agarrando-o pelos cabelos. Por fim, ele tocou-a no rosto, beijando-a com carinho.
— Mereço uma recompensa por ser tão razoável?
— Recompensa? — ela perguntou, aturdida.
— Sim. Eu me acalmei, não?
Compreendendo o que o marido desejava, ela sorriu, e lentamente deslizou por seu corpo até se posicionar entre as pernas musculosas, usando a língua para acariciá-lo. O gesto ameaçou o pouco controle que lain ainda conseguia manter. Com um gemido rouco, ele a segurou pelos braços, colocou-a sobre o corpo e a possuiu com cuidado e gentileza comoventes.
O clímax foi poderoso e simultâneo. Relutante, pois apreciava sentir a intimidade depois do ato, lain mudou de posição, retirando-se do corpo da esposa. Ele a acomodou ao seu lado na cama, cobriu-os, e suspirou ao sentir que Islaen se aninhava em seu peito. Era bom tê-la novamente nos braços.
— Suponho que esteja saboreando a vitória — ele comentou em tom brincalhão.
— Não, não a vitória. Quero dizer...
— Eu estava brincando.
— Eu sei, mas há sempre alguma verdade nas brincadeiras que fazemos.
— Talvez. Eu estava errado. Estava nos obrigando a fazer o que nenhum de nós queria, e não havia necessidade desse sacrifício. Mas é que... Não, não vou mais falar. Você já deve saber a que me refiro.
Islaen não respondeu. Entendia perfeitamente o que o marido queria dizer, mas não dizia. Ela o abraçou com força, e nesse exato instante a criança se mexeu em seu ventre. lain ficou tenso. Tímido, ele tocou a barriga arredondada, e sobressaltou-se ao sentir um novo movimento do bebê.
— Você acaba de sentir seu filho, lain. Alegre-se.
— Sim, eu... Como consegue dormir com todo esse movimento em seu corpo?
— As vezes é difícil. E outras vezes nem toda a agitação consegue me manter acordada.
Era verdade. Momentos mais tarde, apesar de o bebê não ter parado de se mexer, ela adormeceu. Lain perguntou-se, intrigado, se ela também teria encontrado dificuldades para dormir sozinha. E, se a cama vazia era a causa de sua insônia, ele era o grande culpado.
lain ainda ficou acordado por muito tempo, tocando o ventre da esposa. Cada sinal de vida causava uma sensação intensa que misturava alegria e terror. Ele rezou muitas vezes até que, exausto, fechasse os olhos e adormecesse.
No dia seguinte, o tempo mudou, anunciando a aproximação do inverno. Islaen se alegrou, pois sabia que isso manteria o marido em Caraidland por mais tempo.
Porém, na noite em que o tempo finalmente melhorou, lain fez amor ardente com ela, e Islaen soube que ele partiria novamente. Não foi com surpresa que ouviu a notícia pouco depois, quando estavam deitados e abraçados sob as cobertas.
— Muircraig não vai ficar pronta para nós neste inverno — ela constatou.
— Não. E mesmo que fique, acho que devemos permanecer aqui.
— Até o bebê nascer.
— Sim. Aqui você terá ajuda, e não posso levar tudo que temos aqui para Muircraig.
— Não está pensando em passar o inverno lá, está?
— Não. Estarei com você quando a hora chegar.
Era bom saber daquilo. Queria que ele estivesse por perto para ouvir sua confissão, caso algo acontecesse. Assim, lain não se culparia por seu destino. De certa forma, tudo seria mais fácil para ela se o marido não estivesse por perto, mas sabia que faria tudo que pudesse para tê-lo ao seu lado quando a criança nascesse.
Esfregando as mãos numa vã tentativa de aquecê-las lain analisava o solo para verificar a existência de sinais deixados pela passagem recente de um homem. Phelan já os vira, e sua habilidade nesse campo era indiscutível. lain mal podia esperar pelo confronto com MacLennon. Estava farto de viver pela metade, de estar sempre esperando pelo próximo ataque.
Por isso passava tanto tempo em Muircraig. Queria atrair MacLennon, afastá-lo de Islaen. Ele era o principal alvo do inimigo. Permanecer em Muircraig enquanto Islaen estava em Caraidland era uma maneira de garantir que MacLennon tentaria encontrá-lo primeiro.
— Procurando por mim, MacLagan?
A voz fez o sangue de lain gelar nas veias. Surpreso com a repentina aparição, ele se virou para encarar o inimigo. MacLennon empunhava a espada.
— Isso está se tornando cansativo, MacLennon.
— Logo você vai poder descansar. Hoje você vai morrer, MacLagan.
— É o que está sempre dizendo, mas nunca cumpre a ameaça. Por que não tenta agora? Ou está cansado de tantos fracassos?
Com um grito de fúria que certamente seria ouvido pelos homens de lain, MacLennon atacou. lain se surpreendeu com a força do golpe. Era difícil antecipar tal violência de um homem tão pequeno e esguio, mas a verdade era que o oponente era muito forte. Devia ser uma força proporcionada pela loucura e pela fúria. Alarmado, lain também reconheceu que o frio o tornara mais lento, enrijecendo-lhe os membros e privando-o da tão necessária agilidade. O prejuízo poderia ser fatal.
O som de cavalos se aproximando impeliu MacLennon a investir mais uma vez contra ele. Iain ficou perplexo com a ferocidade do ataque. Bloqueou o golpe da espada, mas sentiu imediatamente uma dor intensa na lateral do corpo e cambaleou, percebendo que MacLennon segurava na outra mão uma adaga ensangüentada. A gargalhada do homem alimentou o pavor de Iain, que se preparou para ser novamente atacado, dessa vez de maneira fatal. Porém, o inimigo preferiu desaparecer antes de ser alcançado por seus homens. Phelan, Murdo e Robert chegavam quando Iain o viu pela última vez sumindo entre as árvores do bosque.
— Atrás dele. Por ali!
Robert desmontou para amparar o cunhado, que se sentava no chão acometido de forte tontura. Phelan e Murdo partiram em perseguição a MacLennon.
— Iain, dessa vez ele quase conseguiu — Robert murmurou enquanto tentava estancar o fluxo de sangue. — Felizmente, o ferimento não é fatal.
— Não vi quando ele empunhou a faca. Devo estar ficando mais lento com o passar dos anos.
— O que mais me preocupa é que nós não o vimos. E devíamos ter visto.
— Nós nunca o vemos, não é? Começo a pensar que estamos lidando com um espectro. Ele deixa rastros sutis, mas, mesmo quando encontramos a pista, nunca achamos o homem que as deixou. — De repente, ele caiu contra Robert, mergulhando na inconsciência.
— MacLennon venceu? — Phelan perguntou horrorizado ao retornar com Murdo.
— Não. Ele apenas desmaiou. Perderam o homem novamente?
― Sim. Maldição!
― Acho melhor levarmos Iain para Caraidland.
― Sim, ele terá cuidados mais adequados.
Islaen desesperou-se ao ver o marido chegar carregado em uma cama improvisada, mas Robert apressou-se em acalmar a irmã.
— Foi só um corte. Nada fatal. Ele está fraco, mas vai se recuperar.
— MacLennon? — ela perguntou aflita.
— Sim, e nós o perdemos novamente. Creio que Iain não poderá voltar a Muircraig antes da primavera.
Mais tarde, sentada na beirada da cama e esperando que o marido acordasse, Islaen concluiu que Robert devia estar certo. Desde que não houvesse infecção ou febre, o ferimento não seria fatal. Mas era profundo, exigira pontos, e levaria algum tempo até que ele pudesse se mover sem medo de abrir novamente a ferida. Quando ele se sentisse curado para voltar ao trabalho, estariam em pleno inverno. Não haveria mais nada a fazer em Muircraig até a primavera.
— Meu marido, vai ter de ficar ao lado de sua esposa, só para variar. Não há mais nenhum lugar para onde possa fugir.
— Islaen... — Iain gemeu, lutando contra a inconsciência ao ouvir a voz dela.
Ela sorriu ao vê-lo abrir os olhos.
— Sim, sou eu.
— Como vim parar aqui?
Robert, Phelan e Murdo o trouxeram. Eles decidiram que seria melhor para você.
— E tão grave assim?
— Não, mas é um corte profundo, e você precisa repousar para garantir uma cicatrização limpa, sem infecção. Procure ficar quieto para não repuxar os pontos. Perdeu muito sangue. Não precisa perder mais por esforço desnecessário.
— Nós quase o pegamos, Islaen. — Ele segurou a mão dela. — Estou ficando cansado desse jogo.
— Eu também, e não estou nele há tanto tempo quanto você. Tem certeza de que não estamos lidando com um feiticeiro?
— Ou com um fantasma? — Ele riu. — Não. MacLennon vai sangrar quando eu enterrar nele minha espada. Agora descanse, Islaen. Eu vou ficar bem.
— Eu sei que vai. Precisa de algo? Quer alguma coisa?
— Quero a cabeça de MacLennon numa bandeja, mas sei que não vai poder cuidar disso — ele brincou sonolento.
— Talvez eu pudesse tentar, se não tivesse de considerar duas vidas.
— É claro... — Iain resmungou já meio adormecido.
Ela ficou ao lado do marido, velando seu sono, tocando sua testa para verificar se havia algum sinal de febre. Tinha a sensação de que não era apenas o ferimento que o fazia dormir tão profundamente. Havia em seu rosto marcas deixadas pela exaustão. Esperava que o cansaço não o enfraquecesse a ponto de permitir uma infecção. Islaen só desistiu da vigília quando Storm chegou para buscá-la, dizendo que Tavis ficaria cuidando do irmão.
Islaen olhou para o marido pensando seriamente em atingi-lo na cabeça com a bandeja que tinha nas mãos. Ele estava quase suficientemente curado para ter os pontos removidos, mas se sentia seriamente tentada a provocar nele novos ferimentos.
― Por que não experimenta passar o dia todo na cama para ver se consegue ficar feliz? — ele disparou.
― Eu pelo menos tentaria não tornar miserável a vida de todos à minha volta.
Iain tentou se acalmar. Era difícil, mas Islaen não podia sofrer tantas contrariedades naquele momento.
— Desculpe-me — ele disse, sorrindo. — Não suporto mais ficar na cama.
Ela se sentou ao lado dele e segurou suas mãos.
— Logo vai estar andando por aí, e então vai gostar novamente da cama.
— Mulher sem pudor!
— Provavelmente... Logo vai se livrar dos pontos. A ferida cicatrizou bem.
— Mal posso esperar... — Ele a tomou nos braços e beijou-a.
— Não sei se devia estar se esforçando tanto — Islaen murmurou sedutora.
— Não é esforço algum — ele respondeu com voz rouca enquanto abria seu vestido.
— Tem certeza de que não vai abrir o ferimento?
— Quer uma prova?
Islaen não disse mais nada até estar saciada nos braços do marido.
— Você tinha razão. — Ela riu, olhando em volta para encontrar as roupas. — Onde pôs meus saiotes?
— Joguei para o lado.
— Homem sem pudor!
— Completamente. E você devia aprender a se controlar, mulher. — Ele riu.
— Ora, ora, parece que já se sente bem melhor, não é?
— Algumas poções são inigualáveis. Islaen levantou-se e começou a se vestir.
— Quer mais alguma coisa?
— Islaen...
— Iain, o bebê está ótimo. Está tão bem que parece dançar dentro de mim.
— E isso é... doloroso?
Ela pôs a mão dele sobre seu ventre.
— Não. Mas também não é confortável.
— Não acha que devia ver um médico?
— Para quê? Ele faria uma sangria, ou usaria sanguessugas... Não, obrigada. Não gosto de médicos.
— Eu já notei. Por que não?
— Não sei bem. Já tive oportunidade de ver como trabalham, e aquilo me deixou revoltada. Acho que foi por causa de meu primo Ninian. Ou não... Não. Eu já detestava todos eles quando Ninian foi tratado.
— O que aconteceu com ele?
— Foi ferido em um saque. Os parentes o levaram ao médico. Eu estava lá, porque meu pai e meus irmãos também participaram da luta. O pobre Ninian já estava fraco pela perda de sangue, mas o abutre e seu assistente queriam mais. Meu tio estava tão desesperado que concordava com tudo. Até as sanguessugas ele permitiu. E Ninian não tinha mais sangue para perder, Iain. Qualquer idiota podia perceber.
— Ele morreu?
— Não.
— O que aconteceu, então?
— Ah, bem... Todos saíram. O médico, seu assistente e o pai de Ninian. Foram procurar uma bebida e privacidade para conversar. Nathan e eu removemos as sanguessugas, enquanto Robert ia buscar um bezerro. Quando retornaram, os homens encontraram as parasitas bem gordas, algumas tão cheias que caíram. O pai de Ninian olhou para as criaturas, pensou em todo o sangue que haviam arrancado de seu filho, já tão fraco, e mandou o médico embora. Ninian nunca contou a verdade a ninguém. Ele também não gosta de médicos. Sabe que poderia ter morrido, se nós não o houvéssemos livrado das sanguessugas.
— Provocar sangramento é uma prática comum e bem-aceita, Islaen.
— Iain, quando uma pessoa sofre um ferimento, é preciso conter o sangramento. Perder sangue demais pode causar a morte. Todo mundo sabe disso. Ninguém vai me convencer de que é sensato tirar sangue de alguém deliberadamente.
— Concordo com você. Sente-se melhor?
— Eu não me sentia mal. Apenas prefiro me deitar quando o bebê fica muito agitado. Ajuda a acalmá-lo, e não corro o risco de me desequilibrar por causa dos movimentos.
Iain assentiu. Ela estava cada vez maior, e a velocidade das transformações o apavorava. Não podia demonstrar o medo, ou a contaminaria. Por isso, procurou o irmão para desabafar.
— Ela parece grande demais para você, Tavis? — Iain perguntou assim que Islaen deixou o quarto.
— Ela está começando a arredondar.
— Eu sei. Foi o que eu disse. O que perguntei é se ela não está redonda demais.
— Não. Iain, não procure problemas onde eles não existem.
— Os movimentos do bebê a levam a procurar a cama. Isso não pode ser normal.
— Se não é, Storm nunca teve uma gestação normal. Ela não precisava se deitar, mas se sentia mais segura assim, porque os movimentos a deixavam instável, insegura.
— Foi o que Islaen me disse.
— Então, ouça sua esposa. Ela sabe o que está sentindo. Uma mulher conhece o próprio corpo.
— Talvez. Mas não consigo deixar de me preocupar com o que ela sente, Tavis. Se eu me impressiono com a força dos movimentos do bebê...
— Sempre me impressionei com isso — disse Tavis, rindo. — Não deve ser confortável, não é? Mas não a deixe perceber sua apreensão, Iain.
— Ela já sabe que me preocupo.
— Sim, eu sei, mas não precisa ficar exibindo seu pavor a todo instante.
— Catalina passou todo o tempo na cama.
— Catalina era uma idiota. Se quer saber, talvez tenha sido essa a causa de sua morte. Depois de passar meses na cama sem fazer nada, ela não podia ter a força necessária para expulsar a criança de seu corpo. Não pense mais nela. Islaen não é como Catalina. Não há nenhuma semelhança entre elas. Islaen é forte, embora seja pequena, e é saudável. Não se esqueça disso. Procure mantê-la contente, segura, e não piore os temores naturais de uma mulher grávida exibindo os seus medos. Tudo vai correr bem.
Iain assentiu, reconhecendo a verdade das palavras de Tavis. Teria de se esforçar para não demonstrar seus temores.
No dia em que os pontos foram removidos, ele tentou ficar em pé e andar, mas se sentiu fraco. Islaen havia previsto essa fraqueza, e agora ela tentava não rir diante de sua evidente contrariedade. O esforço que fazia era hilário, e Iain acabou rindo também. Sabia que era inútil ficar nervoso. Não recuperaria suas forças tão depressa quanto gostaria.
Islaen viu o marido dormindo e sorriu. Era injusto que o método utilizado para acalmá-lo não funcionasse com ela também. Não sentia sono. A atividade constante em seu ventre colaborava para mantê-la acordada, apesar do desejo saciado.
Inquieta, ela se levantou e vestiu o robe para ir olhar pela janela. Já podia sentir no ar o toque do inverno. Os primeiros flocos de neve começavam a cair. A estação traria muitas doenças e fome, mas, pela primeira vez, se alegrava com sua chegada, porque ela assinalava o fim do período de trabalho em Muircraig.
— Islaen?
— Aqui, Iain. Na janela.
— Ficou maluca? — ele resmungou, levantando-se apressado e vestindo o robe enquanto caminhava até a esposa. —Vai adoecer se expondo ao frio dessa maneira.
— Só mais um momento, Iain. Veja. Está nevando. E só o começo, mas Wallace prevê uma longa e violenta nevasca.
— Gosta da neve, Islaen? — ele perguntou, enlaçando-a pela cintura.
— Sim, muito.
― E bonita, mas significa que o inverno chegou e que vai ficar conosco por algum tempo.
― Sim. E significa que você também vai ficar por um tempo. Isso é bom.
Mordendo o lábio, Islaen conteve um grito ao sentir a forte contração. Até ali tudo havia sido muito fácil, mas sabia que logo seria impossível continuar escondendo que entrara em trabalho de parto horas antes. Esperava não ter de suportar a dor por muito tempo ainda. Era importante manter Iain na ignorância o máximo possível. Um olhar para o marido a fez compreender que não seria tão fácil. Ele a estudava sem prestar muita atenção ao que diziam o pai e o irmão.
Meg também a observava e se inclinou para murmurar:
— Não vai se deitar, criança?
Islaen sorriu e balançou a cabeça. Meg a ajudava em tudo, e ela era grata por isso. Sem aquela valiosa ajuda, jamais teria conseguido esconder de Iain os pequenos problemas e desconfortes da gravidez.
— Não. Prefiro ter a criança aqui a fazer Iain esperar o trabalho de parto sem saber o que está acontecendo no quarto.
― Você é maluca. Não vê que chegou a hora?
― Eu sei que a hora se aproxima, mas, se Wallace estava certo, ainda falta algum tempo.
― Você é uma mulher. Wallace entende de vacas e éguas.
— Sei que não gosta de ouvir isso, mas elas têm seus filhotes como nós, apenas de uma forma mais silenciosa. Eu aprendi muito nesses últimos meses.
— O estábulo não é lugar para uma dama. E as contrações estão muito próximas agora.
— Sim, mas não o bastante. Ainda não. Não me pressione, Meg.
— Quando vai confessar seu truque?
— Quando tiver nos braços um bebê saudável e forte. Na verdade, isso a preocupava mais que o parto. Iain acreditava que a concepção havia acontecido na primeira vez em que tinham se deitado juntos. Não se lembrava de que seu fluxo mensal viera pouco depois do casamento. Não suspeitava de que havia quebrado a promessa que fizera a ele. Era tentador deixar tudo como estava, mas ela sabia que não seria capaz de sustentar eternamente essa mentira. Não suportaria a angústia e a culpa. Precisava confessar seu pecado, porque ele era um veneno que intoxicava seu sangue lentamente. Só esperava que ele a compreendesse e perdoasse.
Tentando costurar, embora nem enxergasse o trabalho que tinha nas mãos, ela esperava que o rosto não traísse a dor que a afligia. E se alegrava com a progressiva intensidade das contrações, pois isso indicava que o desfecho estava próximo.
Tavis olhava para a cunhada com evidente desconfiança. Após ter enfrentado o nascimento de diversos ninos, aprendera a reconhecer os sinais de um trabalho de parto. Assim que identificou uma oportunidade de deixar a mesa sem provocar suspeitas em Iain, levantou-se para ir falar com Storm, que se esforçava para ensinar a Aingeal um ponto de bordado. A filha aproveitou a interrupção para sair apressada, porque não gostava das lições.
— Ela nunca vai aprender nada se continuar interrompendo as lições, Tavis.
— Sei que dessa vez serei perdoado, Storm. Tente não ser muito óbvia, mas dê uma olhada em Islaen.
Não era fácil ser sutil quando a curiosidade era despertada dessa maneira direta, mas Storm se conteve. Mais difícil foi esconder o choque diante do que ela viu. Todos os sinais sugeriam adiantado trabalho de parto.
— Por Deus! O que ela pensa estar fazendo?
— Não sei, mas você precisa encontrar uma forma de levá-la para o quarto sem alertar Iain. Se ela pedir licença, ele a seguirá, e então o desespero será inevitável. Se você a levar, talvez possamos adiar o pânico de meu irmão.
— Ele vai ficar aflito, certamente. Seu irmão ama Islaen, embora não queira admitir.
— Eu já notei. Agora, leve aquela maluca para o quarto, antes que o bebê nasça aqui mesmo, no salão.
Storm convidou a cunhada para ajudá-la a organizar as roupas das crianças, e as duas se retiraram sem levantar suspeitas. Fora do salão, Meg e Storm a criticaram duramente enquanto a ajudavam a subir a escada. Elas se aproximavam da porta do quarto, quando a bolsa de água se rompeu. Uma palavra de Storm, e as criadas entenderam que deveriam guardar segredo.
A escada dos fundos do castelo foi usada para o transporte da água fervente e das toalhas limpas. Também por lá uma das criadas foi informar Wallace, uma circunstância que espantou a maioria das mulheres, surpresa essa que cresceu muito quando o homem pediu um banho antes de se unir a elas. Robert foi enviado à casa dos MacRoth e orientado a sair sem despertar suspeitas.
No quarto, Meg e Storm ajudaram Islaen a trocar as roupas por uma camisola larga e fizeram tudo que podiam para garantir seu conforto, o que não era fácil, considerando a intensidade das dores e a necessidade de se manter em silêncio.
Por um momento, Islaen ressentiu-se. Tinha os próprios temores, naturalmente, mas Iain estava preocupado demais consigo mesmo para notar, obrigando-a a enfrentar a batalha sozinha. E estava cansada de lutar.
Porém, logo superou o instante de fraqueza. Era necessário que vivesse aquele momento sozinha. Iain não tinha culpa de sentir medo. E enfrentar o parto sem o apoio do marido seria sua penitência por ter mentido para ele.
— Mandei avisar no salão que já nos recolhemos — Storm disse ao voltar ao quarto. — Isso os reterá por algum tempo.
— Não seria ótimo se tudo estiver acabado quando Iain vier se deitar? — Islaen gemeu entre uma contração e outra. — O rompimento da bolsa não é uma indicação de que o parto está próximo?
Storm suspirou e banhou a testa da cunhada com uma compressa fria. Ela estava de joelhos, agarrada as colunas da cama. Todos os sinais apontavam para o nascimento iminente, mas nada acontecia. Islaen sufocava os gritos, que brotavam de seu peito como simples gemidos de dor. Sua força era admirável, proporcional ao amor que ela sentia por Iain. Mas era estranho presenciar a cena silenciosa. Afinal, Storm pensou, os gritos eram parte integrante do trabalho de parto.
— Pode ser, mas nem sempre é assim — ela respondeu. — Algumas mulheres levam mais tempo, outras, menos.
— Pode mandar chamar Wallace? Eu ficaria mais tranqüila se ele pudesse me examinar. Ele sabe dizer se o bebê está na posição correta.
Storm temia a possibilidade de a criança ter se virado, mas disse:
— Não há nada a temer. Ainda é cedo demais para esse tipo de preocupação.
— Não estou preocupada, Storm. Só quero me prevenir. Minha mãe teve vários filhos que nasceram ao contrário.
Sem dizer mais nada, e ignorando os protestos de Meg, Storm mandou chamar Wallace. O homem chegou logo depois, porque estivera sentado na cozinha aguardando por um eventual chamado. Constrangido por ser o único homem em um aposento dominado por mulheres, ele se dedicou imediatamente ao exame, pousando as mãos sobre o ventre de Islaen.
— Milady, a criança está na posição errada. Precisa ser virada.
— Virada? — Meg gritou. — Não pode fazer isso! Não está lidando com um bezerro!
— Por que acha que não é possível? — Storm perguntou.
― Ela é só uma mulher, e é pequena! Ele não pode... Bem, o espaço não é o mesmo de uma égua, por exemplo! Como ele alcançaria a criança?
― Da mesma forma que alcança um bezerro ou um potro, sua tola. — Islaen irritou-se. — Se o bebê pode sair, por que acha que a mão não pode entrar?
— Exatamente — Wallace confirmou, olhando para Storm com grande esperança. — Notei que tem as mãos pequenas, milady. Pode tentar? Eu a orientaria. O parto não é impossível com o bebê na posição em que está, mas é perigoso. Um pouco de dor agora pode evitar problemas mais sérios depois. Sei que ajudou no parto de uma égua na última primavera.
— É verdade. Não vou dizer que estou animada com tudo isso, mas se é necessário...
Aflita, ela foi lavar as mãos, antes de se ajoelhar entre as pernas de Islaen. Meg banhava o rosto de Islaen, enquanto Storm introduzia a mão pelo canal do parto, seguindo à risca as instruções de Wallace, que se mantinha de costas. Um grito sufocado escapou do peito de Storm, e a tensão foi imediata.
Por um momento, Islaen se sentiu aterrorizada. Com um grande esforço, tentou conter o medo, sabendo que o sentimento a enfraqueceria, e precisava de todas as forças para trazer o filho ao mundo.
— Desculpe-me, Islaen — Storm disse. — Não queria assustá-la, mas é que há mais de um bebê aqui, e me assustei ao encontrar uma cabeça atrás das costas da criança que estava tentando virar. Você terá gêmeos, como eu tive.
— Minha mãe teve dois pares — Islaen gemeu. — Preciso de alguma coisa para morder, ou não conseguirei me manter em silêncio.
— Aqui, criança. — Meg colocou uma espessa tira de couro entre seus dentes.
— Quando posicionar a cabeça da criança onde ela deve ficar, certifique-se de que o cordão não está enrolado em seu pescoço — Wallace instruiu.
— O cordão não está enrolado. Os dois bebês estão livres. Pronto, Wallace?
— Sim, milady.
Storm removeu a mão e foi lavá-la novamente.
Enquanto isso, Tavis se esforçava para manter o irmão no salão, mas a tarefa era quase impossível. Iain não conseguia passar muito tempo longe de sua pequena Islaen. Ele já se dirigia à escada quando Tavis o seguiu.
— Iain?
Colin acompanhava a cena, atento e preocupado.
— O que é? — Alguma coisa no tom de voz de Tavis o deixou apreensivo.
Segurando-o pelos ombros para oferecer conforto, ele anunciou:
— O bebê está a caminho.
Iain se sentiu como se houvesse recebido um violento soco no estômago. O anúncio o fez cambalear. Esperava que Islaen tivesse a criança a qualquer momento, mas também esperava algum tipo de sinal para preveni-lo com alguma antecedência. Não houvera nenhum. Nada que ele tivesse notado, pelo menos.
— Você sabia? — ele perguntou desconfiado. — E não disse nada?
— Ela não queria que você soubesse, Iain. E só percebemos quando o trabalho de parto já estava bem adiantado.
― Oh, Deus... — Ele subiu a escada correndo, seguido de perto pelo irmão e pelo pai.
Iain parou diante da porta fechada, mas do outro lado havia apenas o silêncio, uma circunstância que o apavorou ainda mais. Um gemido abafado e a voz suave de um homem soaram lá dentro, e o punho de Iain castigou a porta. O escândalo não serviu para nada. Em vez de entrar, ele se viu diante de Meg, que se plantou com firmeza entre ele e a porta novamente fechada.
— Não pode entrar. Aqui não é lugar para um homem.
— Há um homem lá dentro agora. Eu ouvi.
— É Wallace. Ele acalma milady como faz com as fêmeas que vão parir, e é como uma parteira. Não vai entrar, milorde.
— Sua velha bruxa, quero ver minha esposa!
— Já disse que não vai entrar. Está em estado lamentável, pensando em morte, e não vai ajudá-la perturbando o ambiente com essa disposição sombria. Fique aqui, ou volte ao salão e se embriague, mas não vai deixá-la nervosa com seus velhos medos. — Ela entrou novamente, fechou a porta e a travou com o ferrolho.
—Vou ficar bem aqui, sua bruxa — ele gritou. Depois começou a andar pelo corredor tomado pela agitação.
Colin se afastou e voltou momentos mais tarde com uísque. Acompanhado pelo pai e pelo irmão, Iain sentou-se bem na frente da porta. Tavis e Colin beberam um ou dois goles, enquanto Iain esvaziava vários copos. A ausência do barulho normalmente associado a uma mulher em trabalho de parto também começava a importuná-los. Era sombrio não ouvir as manifestações verbais da dor que eles sabiam existir. Um grito seria quase motivo de alegria.
Islaen sentia-se tentada a dar um grito que faria ruir as sólidas paredes de Caraidland. Com a entrada de seu filho no mundo, ela tinha a sensação de estar sendo rasgada ao meio. Os dentes quase destroçaram o couro que ela mordia. Pior de tudo era saber que ainda não havia acabado. Seu corpo exausto já se contorcia novamente para a expulsão do segundo bebê. Apesar disso, ela sorriu ao ouvir o choro forte do primogênito e, uma fração de segundo depois, os murros de Iain na porta.
— Quero entrar! — ele gritava. — Agora!
— Não! — Meg respondeu no mesmo tom.— Ainda há coisas que precisam ser feitas.
— Islaen — Iain chamou angustiado. — Islaen, você está bem?
Não foi fácil, mas ela respondeu:
— Sim. Tudo vai indo muito bem, Iain. Seja paciente. Estamos quase terminando aqui.
— Aí está. — Tavis sorriu para o irmão. — A criança está viva, e sua esposa também. Isso não o acalma?
— Islaen diria estar bem mesmo que tivesse de usar o último sopro de vida para isso. Quero ter certeza. Preciso vê-la.
— Ela ainda precisa de cuidados. Limpeza, outras roupas... Depois você vai poder entrar e olhar tudo que quiser. O pior já passou, rapaz.
Não era verdade, e ambos sabiam. Agora vinha o perigo. Com Catalina, o sangramento havia se estendido até extinguir a vida do corpo da jovem mulher, e ainda havia o risco de febre alguns dias depois do parto. Um bebê vivo nada significaria para ele se Islaen não estivesse ao seu lado. Não podia perdê-la.
Cada minuto diante daquela porta fechada era uma tortura para Iain. Via nitidamente todas as possibilidades de morte, cada horror que poderia encontrá-la nesse período de fragilidade depois do parto. Ele ainda esperava angustiado, e nem prestou muita atenção a um segundo choro de bebê.
― Marquem o primogênito — Islaen pediu, esgotada ao ouvir o choro da segunda criança. Não entendia por que seu corpo ainda doía, porque não sentia alívio. — Não quero nenhuma dúvida quanto a quem tem os direitos de herança. Vocês três serão testemunhas disso. Como fez meu pai, Meg.
Implorando perdão por ferir uma criatura tão indefesa, Meg cortou a palma direita do primogênito e suturou o corte, de forma a criar uma cicatriz. Os MacRoth chamavam esse sinal de Marca da Herança, porque assim não haveria como questionar quem daria prosseguimento à linha de sucessão. Feito isso, Meg se virou para Islaen, tentando disfarçar o medo e a apreensão.
— Qual é o problema, Wallace? Por que ela ainda se contorce como se estivesse em trabalho de parto?
— Porque ainda há um bebê por nascer — ele anunciou depois de apalpar o ventre de Islaen.
— Meu Deus! Vou ter uma ninhada, como uma cadela? — Islaen desesperou-se.
— Não. Esse será o último, mas não tenha muitas esperanças de que sobreviva. Seria um milagre — ele disse.
Islaen sabia que mais tarde sentiria tristeza pelo filho perdido, mas agora estava exausta e dolorida demais para lamentar pelo terceiro bebê. Só queria que tudo terminasse depressa. Queria descansar, e sabia que o repouso era importante para ela.
A menina que saiu de seu útero era pequenina, e seu choro era quase um miado. Wallace ordenou que as mulheres cuidassem de Islaen, enquanto ele acolhia o bebê. Limpa, com outra camisola, e completamente exausta, Islaen recebeu dos braços de Wallace a criança enrolada em muitos cobertores.
— Deixe-a mamar primeiro, milady. E providencie o quanto antes uma ama de leite. A menina vai precisar de muito leite para ter uma chance de sobrevivência, e a senhora estará cansada demais depois de amamentar os irmãos dela. Grizel, a mulher do ferreiro, poderá ajudá-la. Ela é limpa, amorosa, e tem muito leite, porque o bebê morreu poucas horas depois do parto.
Islaen olhou para a criança em seus braços. Ela parecia fraca, e era pequena demais. Ela tratou de seguir as orientações de Wallace, que saiu para ir buscar a ama de leite e um sacerdote para batizar as crianças. Quando abriu a porta, ele quase foi derrubado por Iain, que corria para perto da esposa.
Islaen olhou para o marido com ar completamente exausto. Ele aprecia estar ainda pior que ela, e o pensamento a fez sorrir. O sorriso teve vida breve, pois ela lembrou que ainda tinha de contar a ele sobre sua mentira.
— Islaen, você está bem?
— Sim... apenas cansada. Já viu seus filhos?
— Meu Deus... — ele gemeu, tão chocado quanto o pai e o irmão diante dos três bebês sobre a cama, todos envoltos em cobertores.
Trigêmeos! Vivos! E todos haviam nascido de uma mulher pequenina, alguém de cuja força ele chegara a duvidar. Era mais do que sua mente podia compreender.
— É pouco provável que a menina sobreviva, Iain — Islaen contou com voz fraca. — Sinto muito.
Wallace foi buscar uma ama de leite e um sacerdote. E eu tenho algo a dizer que...
― Pode me dizer mais tarde, meu bem — ele a interrompeu.
― Não... Agora. Menti para você, Iain. Nunca usei aquelas coisas. Pode me perdoar?
― Sim — ele respondeu emocionado. — Está perdoada.
Ela fechou os olhos, vencida pelo sono.
— Obrigada. Estava cansada de carregar essa culpa, mas eu precisava provar que uma mulher pode ter filhos sem trazer a morte à casa de seu marido.
— Agora eu sei... graças a você — ele sussurrou. Sem se importar com todos que o observavam, ele abraçou a esposa e chorou, em um mistura de alívio e alegria.
Sorrindo, Islaen viu o pai se derreter em atenção para os bebês. Ele e seis filhos haviam chegado a Caraidland três dias depois do nascimento dos trigêmeos. Todos temiam pela menina, cujo nome era Liusadh, mas, apesar da constante possibilidade de tristeza, ninguém, nem mesmo a mãe, podia esconder o encantamento com os meninos, Morogh e Padruig. Bebês tão saudáveis eram uma bênção impossível de ignorar. Além do mais, não seria correto privá-los de amor em conseqüência de uma dor que nem podiam compreender.
— Como está a menina hoje, meu bem? — Alaistair perguntou ao entregar o inquieto Morogh à filha.
Islaen aproximou o bebê do seio para amamentá-lo.
— Ela continua viva, papai. Grizel afirma que seu apetite é cada vez mais forte, como seu choro.
— Bom sinal. Mas não alimente muitas esperanças. Gostaria de poder poupá-la desse sofrimento.
— Ninguém pode. Vamos orar diariamente por ela e ninguém está mais empenhado que Grizel em mantê-la viva. Minha filha está nas mãos de Deus.
Alaistair assentiu, depois sorriu para Padruig, que esperava sua vez de mamar.
— Este menino é de natureza muito doce.
— Sim, é o que parece. Morogh parece ser mais agitado.
— Ele é o primogênito. O herdeiro. Nasceu mais forte que o irmão e a irmã. Sabe o que penso, Islaen? Se a pequena Liusadh sobreviver, ela será mais agitada que os dois meninos. Uma criatura capaz de sobreviver contrariando todas as chances demonstra uma força de espírito que promete tingir de branco os cabelos dos pais.
— Talvez tenha razão.
— E seu casamento? E frutífero, evidentemente, e suponho que seu marido tenha superado os temores antigos, mas... E quanto ao resto?
— Pai, Iain me perdoou pela mentira que contei e superou o pavor de ter filhos, mas não espere outro neto tão cedo. Decidimos ser cautelosos.
— Uma decisão sábia. Sua mãe e eu sempre fomos muito cuidadosos. Deus não quer que nossas mulheres morram tendo filhos. Uma gestação por ano é desgastante demais. E um pecado desperdiçar a vida dada por Deus, e é isto o que a freqüência exacerbada de partos provoca. É um desperdício da vida. Sua mãe provou que é possível ser fértil e cuidadosa.
— É bom saber que concorda comigo.
— Mas ainda não está feliz, está?
— Iain é um bom homem. Ainda é cedo, e não posso esperar que ele corresponda aos meus sentimentos simplesmente por causa do que sinto por ele. Não se preocupe comigo. Tenho mais do que muitas mulheres e saberei encontrar minha felicidade nisso.
Gostaria de se sentir tão confiante quanto parecia. Quando Iain chegou no quarto mais tarde, levando a refeição que comeriam juntos, ela não sentia nenhuma confiança. E não ajudava muito pensar que não haviam realmente conversado desde o nascimento das crianças. Ele tinha dito que a perdoava, sim, mas, com o passar dos dias, não voltara a tocar no assunto, e aquele silêncio despertava dúvidas. Depois de comer, ela bebeu um bom gole de vinho e decidiu ser franca e direta.
— Iain?
Desviando o olhar dos filhos adormecidos, ele a encarou.
— Sim. querida?
Ainda tinha dificuldades para acreditar que sua esposa tivera três bebês. A menina ainda era uma incógnita, mas confiava em Deus e tinha esperanças de criá-la com os dois meninos. Islaen estava viva, em franca recuperação, e impaciente por ainda ser obrigada a permanecer deitada.
— Iain, você realmente me perdoou pela mentira? Ele se sentou na cama e a tomou nos braços.
— Já disse que sim. Logo depois do parto, eu disse que a perdoava.
— Sim, eu ouvi, mas nunca mais tocou no assunto, e eu fiquei apreensiva.
— Não havia mais nada a dizer. Não tenho como expressar minha gratidão pelas crianças.
— Liusadh...
― Não pense nisso. Se Deus quiser, ela viverá. Se não, encontraremos alegria nos meninos e nos outros que virão.
— Então, quer outros filhos, Iain?
— Sim, mas só quando você estiver forte o bastante para fazer germinar minha semente. Jamais insistirei para que tenha meus filhos.
— Quero ter outros bebês, mas não pretendo enganá-lo novamente, Iain.
— Eu acredito em você, Islaen. Não faz parte de sua natureza mentir, e peço perdão por tê-la forçado a isso.
— Você teve bons motivos.
— Razões egoístas. Não queria sofrer novamente com aquela culpa.
— Você não teve culpa de nada. Ninguém pode prever o que vai acontecer quando uma mulher dá à luz.
— Agora eu sei. Você é menor do que Catalina, mas superou bem o esforço de ter trigêmeos. E Storm também. Nada em Catalina sugeria que ela não seria capaz de me dar um filho. Eu me culpei por saber que ela nunca me quis. Foi como se eu a houvesse amaldiçoado.
— Isso é absurdo.
— Sim, agora eu sei disso. — Ele a abraçou. — Não posso afirmar que não vou sentir medo quando você engravidar, mas não será como o pânico de antes. Tavis diz que ainda se preocupa cada vez que Storm fica grávida. Há sempre um risco, mas... — Ele olhou para os filhos. — As recompensas são grandes para quem o enfrenta, e eu estou disposto a isso. Porém, nunca de esqueça de que não vou obrigá-la a enfrentar esse mesmo risco, se não quiser. Se decidir que não quer mais ter filhos, eu ficarei satisfeito com os que já temos.
— Eu sei, Iain. E saberei determinar a hora de parar. Storm já disse que terá apenas mais um filho, talvez dois, e depois não engravidará novamente, porque quer ver todos eles crescidos enquanto ainda for jovem e tiver energia para participar da vida de cada um.
— É uma decisão razoável. Agora descanse, meu bem. — Iain se levantou e pegou a bandeja. — Alexander mandou recomendações e votos de felicidade. Ele diz que virá em breve visitá-la.
— Iain, se não o quer por perto, só precisa dizer.
— Ele é um amigo.
— Sim, ele é, e duvido que você possa encontrar amigo melhor.
— É verdade. — Ele a beijou na testa. — Agora descanse, Islaen. Amanhã poderá sair da cama por um breve período.
— Vai ser ótimo — ela murmurou fechando os olhos. — Durma bem, Iain.
— Você também — ele respondeu, embora soubesse que não dormiria bem, porque sua cama estava vazia e as noites eram longas demais.
Islaen quase lamentou sua primeira refeição no salão. Interpretando sua presença como um sinal de total recuperação, a família anunciou o momento de partir.
— A primavera se aproxima — disse Alaistair ao se despedir. — Se a menina sobreviver ao inverno, talvez possa crescer e chegar à idade adulta. O frio e o maior perigo para os pequenos, especialmente para os mais fracos. Vou rezar muito para que a primavera venha logo e quente. — Ele abraçou a filha.
— Gostaria de poder ficar até ter mais certeza do que vai acontecer com ela.
— Sei que não pode. Julgávamos o destino dessa criança certo quando ela deixou meu útero, mas quinze dias se passaram, e nada aconteceu, felizmente. Pode ir, pai. Mandaremos um mensageiro com notícias, se algo acontecer, ou quando tivermos certeza do que vai acontecer. — Ela suspirou. — Odeio essa espera.
Alaistair beijou-a pela última vez e montou, esperando que os irmãos de Islaen também se despedissem.
— Agora vamos entrar — lain disse quando o grupo partiu.
— Estava pensando em sair para cavalgar...
— Ficou maluca?
— Não, mas logo ficarei, se tiver de passar muito mais tempo naquele quarto. Por que não posso ir repousar em outro aposento? Prometo ficar sentada.
Ele pensou por um instante, depois assentiu. Exagerar no confinamento causava uma inquietação que podia provocar uma atitude precipitada. Além do mais, ela já se havia recuperado o suficiente para voltar a se mover com parcimônia.
Islaen sentia a paciência diminuir na mesma medida em que a força do corpo crescia. lain a observava o tempo todo, o que era irritante, e até Storm exagerava nos cuidados e na atenção, o que a fez decidir que era hora de pôr um ponto final em tudo aquilo. Quando, depois de um mês, Storm insistiu em pegar os bebês para ela, Islaen olhou muito séria para a querida amiga.
— Sabe muito bem que isso não é mais necessário. Não quebrei os braços no parto.
Storm riu.
— Desculpe, Islaen. Também odiava ser tratada como inválida. No entanto, aqui estou eu fazendo o mesmo com você.
― Não, sou eu quem deve pedir desculpas. Fui indelicada, e você só queria ajudar.
― Você é naturalmente impaciente, Islaen. Não precisa se desculpar. Porém, não deixe de levar em consideração o comportamento de lain com relação a você e aos bebês. Ele mudou.
— Sim, eu sei, mas a mudança foi provocada pelos bebês. Todo homem trata bem a mulher que lhe deu filhos. lain os queria, embora tenha negado, e agora age impelido por esse sentimento. Seria tolice ignorar tudo isso. Seria procurar pelo sofrimento que ele não tem intenção de causar. Prefiro encontrar alegria no perdão que ele já me deu.
— É claro que ele a perdoou. Sua mentira não foi maldosa. Gostaria de poder desmenti-la e afirmar que lain a valoriza por quem é agora, mas entendo sua relutância. Eu teria adotado a mesma atitude. É difícil saber ao certo. De qualquer maneira, você prefere não deixar o coração assumir o controle.
— Ele já me controlou demais. Não se preocupe comigo, Storm. Tenho mais do que a maioria das mulheres. Confesso que seria mais fácil se você e Tavis não estivessem aqui exibindo o que não tenho, me fazendo sentir inveja e insatisfação... — Ela sorriu.
— Tudo que tenho foi conquistado com grande esforço. Passamos mais de um ano casados sem encontrar a felicidade. O amor correspondido raramente é fácil ou imediato. Ele é construído com a convivência.
— Desde que ele surja um dia... Só peço a Deus que me dê paciência para esperar por ele sem perder a fé. Seria mais fácil se lain não se retraísse cada vez que vejo um sinal de amolecimento, uma esperança de conquistar seu coração.
— Ele não pode fugir para sempre.
Islaen não tinha tanta certeza disso. O tempo passava depressa, e ela estava pronta para recebê-lo de volta em sua cama, ansiando pelos braços do marido e pelo calor de seu corpo, mas ele não tomava a iniciativa de procurá-la. Ela dizia a si mesma que Iain estava esperando por sua completa recuperação, talvez pensando que ainda fosse necessário aguardar por mais tempo, mas seus medos cresciam a cada noite que dormia sozinha. Era como se ele houvesse perdido completamente o interesse pela paixão que antes tinham vivido. Quando ele a beijava para desejar boa noite, sempre se retirava com uma aparência serena que a deixava ofegante e frustrada.
Naquela noite, Iain fechou a porta de comunicação entre os quartos e ficou ali parado, tentando recuperar o controle. O corpo clamava pelo de Islaen, sentia uma necessidade desesperada de fazer amor com ela. Sabia que ela não o rejeitaria se fosse procurá-la. Preparando-se para mais uma noite de insônia, ele pensou em partir. O tempo já estava melhor, e podia retomar o trabalho em Muircraig. Se não estivesse tão perto dela, talvez fosse mais fácil. Pelo menos não se veria tão atraído por aqueles olhos sedutores.
Islaen via o marido orientando seus homens em relação aos preparativos para a partida. Suspirou, tentando não demonstrar o sofrimento. Ele se refugiaria em Muircraig novamente. Tivera todo o inverno para conquistá-lo, mas havia fracassado. Era difícil não pensar que podia estar sonhando com o impossível.
― Por que esse ar tão triste? Ele não vai para a guerra. Só para Muircraig — Robert comentou ao passar um braço sobre seus ombros.
— Sim, para Muircraig. Começo a odiar aquele lugar.― Pelo menos não é uma mulher.
— Não, mas pode ser.
— Gostaria de saber o que dizer para fazê-la se sentir melhor.
Ela sorriu para o irmão.
— Eu também. Mas não se preocupe. Eu quis isso. Realizei o desejo de me casar com o homem que eu mesma escolhi. Agora tenho de encontrar um meio de viver com ele da melhor maneira possível. Na verdade, tenho mais do que muitas mulheres. Talvez me lamente por ser ambiciosa demais.
— Você não é ambiciosa. Está apenas buscando o que todos queremos. E não desista, Islaen. Um dia vai descobrir que o sonho está ao alcance de suas mãos. Paciência, querida. Ele é um bom homem, e sei que nunca teve a intenção de magoar você. Por isso nunca mais o espanquei depois daquela primeira vez.
Ela riu.
— Por que vai viajar para Muircraig, Robert?
— Por várias razões. A maneira mais certa de fazê-la feliz é manter Iain vivo, por isso decidi protegê-lo. Lá também tenho com o que me ocupar, além de ficar vigilante, pois há muito trabalho a ser feito. E, finalmente, quero me assegurar de que ele não se veja cercado por muitas tentações. Maura e lady Mary nunca desistem. Maura não representa uma grande ameaça, porque ficou noiva faz pouco tempo e é suficientemente sábia para compreender que é melhor garantir o certo, desistindo do que é mais arriscado. Lady Mary é diferente. Não confio naquela mulher. Confio em Iain, mas conheço os homens.
— Entendo o que quer dizer. Cuide de tudo por mim, Robert — ela concluiu, notando que o marido se aproximava. — O tempo está propício para a jornada.
— Sim, é verdade. Espero que continue assim. É um clima muito bom para o trabalho — respondeu Iain.
— Vai tomar cuidado? — ela pediu, segurando mão dele.
Levando as mãos dela aos lábios, Iain sorriu.
— Estou cercado de guerreiros e serviçais. Não se preocupe.
— É fácil falar... Vai passar muito tempo fora?
— Há muito trabalho a fazer. Não quero deixar nada inacabado para o próximo inverno.
— Não. É claro que não.
— Cuide-se bem, Islaen. — Ele a beijou nos lábios. — Estarei orando por nossa menina. — E ele partiu repentinamente, como se temesse fraquejar.
Islaen ficou parada onde estava até o grupo de cavaleiros desaparecer, e então, com um suspiro profundo, voltou ao interior do castelo. Era uma pena que Alexander houvesse se limitado a uma visita tão breve. Mas não podia ser tão egoísta. Além do mais amigos, parentes e vizinhos jamais poderiam ocupar lugar que era de seu marido. E, no caso de Alexander seria crueldade retê-lo. Havia outras formas de preencher o tempo sem exigir demais de outras pessoas.
Islaen se dirigiu ao quarto dos bebês, onde Grizel cuidava de Liusadh. De início, relutara em conviver com a filha, sabendo que sua sobrevivência ainda era incerta. Mas, fortalecida fisicamente, decidira enfrentar a possibilidade de sofrimento e dar à criança uma chance. Sabia que nada amenizaria a dor de perder sua filha, mesmo tendo se preparado para isso desde o parto, mas sabia também que se arrependeria de não ter aproveitado cada minuto com ela enquanto Deus decidisse deixá-la a seus cuidados.
Sorrindo, ela viu Grizel pegar a menina enrolada no cobertor. Seria doloroso se o constante cuidado de Grizel e seu amor por Liusadh fossem responsáveis pela sobrevivência da menina, mas estava disposta a tudo para impedir a morte do bebê. Não ter o amor pleno de Liusadh seria um pequeno sacrifício que faria em troca da vida dela.
— Ela é muito pequena — Islaen comentou em voz baixa. — E como se ainda fosse uma recém-nascida. — Acomodou-a no braço.
— Depois de segurar os dois meninos, é natural que tenha essa sensação. Mas ela está crescendo, milady.
— Estranho que ela não seja parecida com os irmãos, não é? Na verdade, ela é o oposto deles. Os dois meninos têm a minha cor de cabelo e os olhos de Iain, e ela tem o cabelo do pai e meus olhos. Sempre imaginei que todos os gêmeos fossem iguais.
— Os gêmeos de milorde Tavis não são exatamente iguais. Também misturam de maneira distinta os traços do pai e da mãe. Mas a semelhança entre eles é inegável. Sua filha vai ser uma linda menina, milady. Gostaria... de cuidar dela agora?
― Não, ainda não posso oferecer tudo de que ela necessita. Temos muita sorte por contarmos com sua ajuda, Grizel. Um bebê como Liusadh precisa de alimento e calor constantes. Ela não sobreviveria se tivesse de dividir o sustento com os irmãos. Espero que minha filha entenda essa nossa decisão quando crescer.
— Ela entenderá, milady. Eu mesma farei com que entenda. E ela vai crescer — Grizel afirmou com veemência impressionante.
— Começo a acreditar que sim. E melhor cobri-la, ou ela pode se resfriar. — Ao ver a criança desaparecer no xale que Grizel mantinha preso ao peito, Islaen cochichou: — Mais um mês, e acho que o medo de perdê-la deixará de existir.
Do lado de fora do quarto, ela encontrou Storm, que imediatamente perguntou:
— Como vai Liusadh?
— Bem — Islaen respondeu a caminho de seus aposentos. — Se ainda vê apreensão em meu rosto, é só porque temo que a situação mude.
— Cada dia que ela vive é mais uma razão para: termos esperança. Ela já viveu mais tempo do que todos imaginávamos que viveria. Busque forças nisso, Islaen. Ela não adoeceu nem uma vez! E se fortalece a cada dia que passa.
— Mas é tudo tão lento... Quando a seguro, sinto meu coração apertado de medo, porque ela é muito pequena.
— Ela começa a vida como uma criatura pequenina. Em algum tempo vai ganhar peso. Talvez até ganhe agora o tamanho que não pôde alcançar no útero.
— Os meninos provavelmente ficavam com todo o alimento.
— Ela nunca será muito grande. Nunca terá o tamanho dos irmãos, é certo.
— Eu sei que não, mas é difícil pensar em tudo isso quando a seguro em meus braços. Ela tem tão poucas armas para lutar contra tantas forças contrárias. — Mas ela luta, Islaen, e por isso sabemos que a força está com ela.
― Sim, eu sei, mas vou reforçar minhas preces.
Storm a acompanhou para ajudar a trocar os meninos e entreter Padruig enquanto Morogh mamava. Assim que Morogh adormeceu satisfeito, deixou Islaen com os bebês.
Por um tempo, Islaen brincou com os filhos cada vez mais ativos, deixando de lado o receio pela irmã deles. Era impossível não compará-los com a criatura pequenina e frágil que ainda inspirava tantos cuidados.
Depois de brincar, ela colocou os filhos na cama e cantou até que adormecessem. As vezes, desejava que crescessem depressa para que pudesse ver que tipo de homens se tornariam, mas, em outros momentos, gostaria de que se mantivessem bebês, pois assim poderia tê-los sempre em seus braços.
Ajoelhada ao lado da cama, ela uniu as mãos numa prece fervorosa. Seus pensamentos estavam agora com Liusadh, a pequenina que se agarrava à vida com tanta tenacidade. Ela orou:
— Senhor, deve estar muito cansado de me ouvir, mas peço que me escute mais uma vez. Agradeço por meus filhos, mas meu coração de mãe clama por mais. Se é ganância, peço que me perdoe, mas rezo pela vida de Liusadh, minha terceira criança. Deus, por favor, reconheço o valor de tudo que já me deu, mas, eu imploro, deixe a menina viver. Só peço mais esse Pequeno milagre.
O pequeno milagre foi impedido de puxar o cabelo do irmão Morogh. Grizel, a mulher que Islaen considerava responsável pela sobrevivência da filha, estava sempre atenta. Deus e Wallace eram os outros merecedores da gratidão da mãe enlevada. Liusadh era muito pequena, mas muito ativa. Islaen estava tão feliz por ver a filha bem e crescendo, que nem sentia ciúme por vê-la recorrer a Grizel mais vezes do que a ela.
Grizel seguira as orientações de Wallace sobre calor e alimento constantes. Até recentemente, era como se Liusadh estivesse sempre presa ao seu peito pelo xale. Não só ela havia carregado a menina junto do calor de seu corpo o dia todo, como dormira com ela todas as noites para impedir que o frio e a umidade a atingissem. Islaen sentia que a dor que a mulher enfrentara ao perder o filho tinha se transformado em determinação pela sobrevivência de Liusadh.
Iain ainda não retornara. Islaen bem sabia que Muircraig não era nenhuma ruína, mas Iain trabalhava como se estivesse construindo o lugar desde a primeira pedra. Ou pretendia levar a família para morar num palacete digno de um rei.
— Ele não pretende voltar esta noite? — Storm perguntou, notando que Islaen olhava pela janela com ar sombrio.
— É claro. Ele vai voltar para comer uma refeição quente e nutritiva, beber litros de cerveja, e depois cair na cama dele e roncar a noite toda.
— Na cama dele? Ele ainda está dormindo no outro quarto?
— Ainda. E como se a distância não fosse suficiente, ele precisa fugir para Muircraig. Não entendo o que pode ter mudado tanto em mim depois do nascimento dos bebês.
― Islaen, há meses você voltou ao que era antes da gravidez.
— Então, o que é? Deve haver alguma razão.
— Talvez ele tenha medo de uma nova gravidez.
— Não é isso, porque já disse a ele que pretendo usar as esponjas. Não quero ter um filho por ano. Se ficar grávida novamente, não vou lamentar, mas prefiro descansar um pouco antes do próximo bebê. Especialmente se corro o risco de ter três de cada vez.
— Iain sabe disso?
— Sim, já conversamos sobre o assunto. Temos dois meninos e uma menina. Não precisamos de outros filhos. Talvez...
— O que é?
— Talvez ele tenha outra mulher.
— Não. Os MacLagan têm seus defeitos, mas infidelidade não é um deles. Você o rejeitou? Evitou-o por alguma razão?
— Como poderia, se ele não me procurou? E sempre estive disponível. Acho que o problema, Storm, é que ele não queria se casar comigo.
— Ele não queria se casar com ninguém. Iain não queria enterrar outra esposa, e você já o livrou desse temor. Quanto a ter alguma outra mulher, esqueça. Se Tavis consegue ser fiel, Iain também é capaz disso.
— Mas eu o desobedeci. Isso pode ter provocado seu desinteresse por mim.
― Ele já entendeu sua atitude, Islaen. Ouvi quando ele disse que a perdoava. Não precisa se preocupar com isso.
Pensar que podia haver outra mulher oprimia seu peito de maneira insuportável, mas era impossível deixar de lado essa possibilidade. Sabia de fonte segura que Mary voltara para sua casa e ainda não se casara.
Dizer a si mesma que era errado desconfiar do marido também não ajudava em nada. Iain amara Mary, sentimento que nunca tinha nutrido por ela. Ter recusado as ofertas de Mary uma única vez não significava que ele rejeitaria a mulher de maneira permanente. Seu senso de honra certamente fraquejaria em favor dos ditames de seu coração.
Lembrar que ele se desiludira com Mary também era inútil, pois era um sentimento que podia desaparecer com o tempo. A lembrança de um amor correspondido podia ser mais forte do que a amargura de uma decepção. Mary era capaz de usar esse tipo de artifício em benefício próprio. Ela era o tipo de criatura capaz de parecer inocente, mesmo sendo culpada. Também era uma mulher que aprendia com seus erros e tinha o cuidado de controlar o próprio temperamento de forma a não expor sua verdadeira natureza e seus caprichos pela segunda vez. E Mary também era uma mulher capaz de tentar um homem, independentemente de seus sentimentos por ela. Iain estava havia seis meses sem uma mulher, se estivesse realmente sendo fiel.
A culpa não é minha, Islaen pensou, furiosa. Estivera mais do que disposta a recebê-lo novamente em sua cama, e fizera várias insinuações para convencê-lo a voltar depois do nascimento dos filhos. Mas ele se mantivera inatingível.
Sozinha em sua grande cama vazia, perguntou-se se ele também estaria solitário. Parecia impossível que um homem ardente como ele pudesse viver tanto tempo sem uma mulher. Durante uma semana, ela se torturou pensando no marido com uma amante, até que, esgotada, decidiu pedir os conselhos de Storm. Devia haver alguma coisa que pudesse fazer.
A amiga trabalhava no jardim, e Islaen sentou-se em um banco de pedra próximo de um canteiro. As flores desabrochavam, emanando um perfume delicioso. O cheiro da renovação da primavera. Islaen compreendia agora por que nem mesmo os homens zombavam de Storm por plantar o que muitos consideravam frívolo. Era relaxante poder se cercar da beleza da natureza.
— Storm, estou com um problema — ela disse de repente.
— Eu já imaginava. Tem estado abatida ultimamente. Ainda está pensando que Iain tem uma amante?
— Receio que sim. Sei que ele é fiel, que é honrado e cumpre os votos que faz, mas também sei que ele está há meses sem uma mulher.
— E você está sem um homem há meses, também.
— Exatamente! Pensar no que sinto só torna a dúvida ainda mais forte. Um homem não se norteia pelas mesmas regras que nós seguimos.
— Talvez deva ir procurá-lo. Devia ir se deitar na cama dele, mostrar que o deseja...
— Já pensei nisso. Foi o que fiz quando ele se mudou para o outro quarto ao saber que eu estava grávida. Porém, agora, quando ele vem dormir em Caraidland, parece morto para o mundo! Não acho que eu conseguisse despertá-lo. Além do mais, por que devo sempre tomar a iniciativa? Sei que estou sendo orgulhosa, mas, francamente, nunca vai haver um momento em que poderei parar de correr atrás dele, em que não terei de puxá-lo para mim?
— Acho que agora a entendo, finalmente. Sei que tive de lutar pelo amor de Tavis, mas ele nunca deixou minha cama. Por isso não sei o que dizer ou como ajudá-la. Tivemos muitos problemas, mas não eram os mesmos. Se eu fosse escocesa, Tavis teria se casado comigo logo que cheguei aqui. Só precisei fazê-lo entender que me amava. Você poderia fazer Iain reconhecer que a ama e ainda ter problemas. Não sei o que dizer.
— O que faria no meu lugar? Tenho muitas idéias. Só preciso de uma direção.
— Bem, eu engoliria a raiva e daria a ele mais uma chance. Logo ele vai voltar, isso é certo.
— Sim, eu sei. Ele não consegue passar muito tempo longe dos filhos.
— Eu acho que ele vem para ver você também. Dê mais uma chance a Iain. Os temores que o atormentavam eram profundos, intensos... Ele pode ter entendido que estava errado, mas isso não significa que tenha deixado de ver a gravidez e o parto como grandes perigos. Você teve três bebês, Islaen. Muitos ainda têm dificuldade para entender como conseguiu trazer ao mundo três crianças vivas e se recuperar tão depressa. Iain pode estar sentindo a mesma coisa. Ele pode estar esperando até ter certeza de que você se recuperou completamente.
— Já faz seis meses, Storm. Não acha que é tempo demais?
— Sim, mas deve lembrar que ele não vê a concepção e o parto como a maioria dos homens.
— Tem razão. Ele pode pensar que é necessário mais tempo para uma mulher se recuperar. Eu estou bem, mas ele não consegue enxergar a realidade. Muito bem, acha que devo dar a ele mais uma chance. E depois?
― Seduza-o sem trégua até fazê-lo enxergar a realidade.
― Estou começando a gostar da sua sugestão.
— Ponha-a em prática, então. Não consigo pensar em mais nada.
— Cheguei a pensar em pegar minhas coisas e voltar para a casa de meu pai, mas tenho medo de que ele não vá me buscar.
— Esse seria o último artifício, o truque do desespero.
— Exatamente. Eu diria a ele o que penso: não tenho um casamento, por isso posso voltar a ser a garotinha do papai.
— Sim, eu entendo. Mas, antes, procure-o uma última vez. Só mais uma. E não seja sutil. Procure-o na cama dele. E quando estiver acordado, alerta, mas despreparado para vê-la.
— Storm, ele nunca está despreparado para mim quando vem a Caraidland. Para pegá-lo de surpresa, eu teria de ir a Muircraig.
— Exatamente! A cavalgada é longa, mas acho que vale a pena tentar. Você o teria de volta.
— Não tenho tanta certeza. Mas é uma idéia razoável. Melhor do que as minhas. Mas... que desculpa vou dar para ir até lá?
— Leve uma refeição para seu marido. Afinal, por que precisa de uma desculpa? Vocês são casados, e estão longe um do outro!
― Posso dizer que quero ver como vai indo o trabalho, como está Muircraig...
― Sim, pode dizer o que quiser. Muircraig também lhe pertence. Será sua casa. Ele jamais consideraria estranho que você desejasse ir conferir o progresso da restauração.
— E então, quando estivermos sozinhos, eu o seduzirei.
— Exatamente.
— Como?
— Não vai ser difícil. Um homem sozinho há seis meses não vai oferecer muita resistência.
— Sim, e ele sempre me desejou. Meu maior medo é ter perdido até mesmo o desejo de Iain.
— Não acredito nessa possibilidade, mas entendo o que diz, e afirmo que só ele pode curar esse medo. É muito difícil amar sem saber se esse amor é correspondido. Sei bem disso. Não ouso dizer que ele a ama, mas tenho certeza de que ele gosta muito de você. A maneira como agiu todas as vezes que esteve em perigo é prova disso.
Islaen tentava se lembrar disso na medida em que os dias iam passando. Tentava se animar com esse pensamento, sufocar o medo, mas, infelizmente, sabia que o caráter de Iain era o maior responsável por sua reação nos momentos em que ela estivera em perigo. Ele era um homem que sempre tentaria proteger os menores e os mais fracos.
Uma semana depois da conversa que teve com Storm, Islaen acordou no meio da noite. O barulho no quarto ao lado indicava que Iain havia retornado. Ela esperou, tensa, mas não se surpreendeu quando o silêncio retornou sem que ele houvesse ido procurá-la.
Em silêncio, ela se levantou e foi até lá usando a porta de comunicação. Precisava vê-lo. Tinha a impressão de que havia anos não via o homem que chamava de marido.
Ao vê-lo, ela foi tomada de assalto pela preocupação. E logo se sentiu culpada, pois ficara satisfeita ao constatar que a vida que estavam levando também o atingia duramente. Ele parecia abatido e cansado. Mesmo adormecido, havia em seu rosto um ar descontente, e linhas que não desapareciam nem com o relaxamento do sono.
Era uma pena que Iain não pudesse confiar nela, embora Islaen tivesse conhecimento do mal que o atormentava. MacLennon ainda era uma ameaça. Mas não era apenas isso. Havia algo mais, e era frustrante não poder conhecer os problemas do marido. Ficava à mercê dos próprios medos, e tinha a sensação de que eles eram piores do que o problema real. Suspirando, ela cerrou os punhos para resistir ao impulso de tocá-lo e voltou para a cama.
Na manhã seguinte, encontrou Iain no quarto dos filhos, e foi com grande esforço que conteve um amargo ataque de ciúmes por ele ter ido ver os bebês, enquanto se empenhava tanto em evitá-la. Porém, sabia que, o que quer que acontecesse entre eles, sempre ficaria feliz com o amor que ele tinha pelos filhos. As crianças precisavam de amor paterno, e poucos homens se dispunham a ofertá-lo.
Ela respirou fundo. Havia jurado que não daria motivos para justificar sua negligência, e pretendia cumprir essa promessa, apesar da urgência que sentia de agredi-lo, atacá-lo com um objeto contundente, ou feri-lo com os próprios punhos. Controlada, ela se sentou diante do marido.
— Eles parecem maiores cada vez que os vejo. Logo estarão andando.
Sim, provavelmente na próxima vez que decidir agraciar sua família com uma visita. Respirou fundo Para controlar a ira antes do responder.
— Sim, Morogh já consegue ficar em pé. — Ele vai ser terrível!
— Tem razão. Padruig é mais quieto. Mas meu pai acha que Liusadh será a pior. E ele disse isso antes de sabermos que ela sobreviveria. Meu pai disse que uma menina capaz de enfrentar e vencer a morte ainda tão pequena será capaz de tudo quando crescer.
Eles passaram um bom tempo falando sobre as crianças e brincando com elas, até os meninos começarem a se agitar. Era hora de comer. Sem pensar, Islaen começou a amamentar Morogh, e corou ao perceber que o marido a fitava com um brilho diferente no olhar. Por um momento, ela sustentou aquele olhar, até que, apressado, lain se retirou. Se ainda a desejava, ela pensou, por que não fazia nada para tê-la? Era seu direito de marido! Suspirando, ela se dedicou integralmente ao cuidado com os filhos, enquanto Grizel tomava conta de Liusadh. Islaen estava ficando farta de tentar entender o marido. No final, tudo que conseguia era uma terrível dor de cabeça.
Longe da esposa, lain foi se trancar em seus aposentos. A água fria que jogava no rosto de nada adiantava, e ele se atirou na cama enquanto recitava uma variada seqüência de impropérios.
Ao ver a esposa amamentado o filho, fora tomado por toda a luxúria que até então conseguira sufocar. Estivera muito próximo de amá-la ali mesmo, no chão, no meio das crianças. Porém, antes de sucumbir ao impulso selvagem, havia deixado o quarto. Fugir, no entanto, não saciava a fome que sentia por ela. Talvez devesse simplesmente ceder e voltar à cama da esposa.
Não era fácil, mas ele se livrou da tentação. Tinha de manter tudo como estava. Era melhor para os dois. Já sabia que não podia haver um meio-termo em seu relacionamento com Islaen. Era tudo ou nada. Apesar do sofrimento, havia decidido que seria nada, e se manteria firme. Depois de sentir a própria fraqueza no quarto dos filhos, decidiu que seria melhor abreviar ao máximo a visita. Ainda não construíra toda a resistência de que precisava. Mas, pouco mais tarde, ao receber um convidado inesperado, ele pensou que, talvez, devesse mudar de idéia.
— Alex — Islaen gritou com alegria ao vê-lo no salão naquela noite. — Quando chegou?
— Há pouco tempo. — Ele beijou as mãos de Islaen. — Você está linda, como sempre.
— Adulador! Como vai sua filha?
— Bem, e eu estou ansioso para ver os seus. Sei bem como os bebês crescem e mudam em pouco tempo.
Islaen havia se convencido de que devia ser cuidadosa, pois Alexander ainda a fitava com evidente desejo. Porém, apreciava a companhia do amigo e, durante o jantar, expressou abertamente a alegria de tê-lo por perto de novo. Ele era capaz de fazê-la rir e se sentir feminina, coisas que lain não fazia havia muito tempo. Ao notar que o marido os olhava, carrancudo, decidiu ignorá-lo. Se ele não gostava de ver a esposa conversando com Alexander, que fosse fazer companhia a ela. Mas lain não queria se aproximar, e também não queria que ninguém se aproximasse.
Quando Islaen pediu licença para se recolher, Alexander foi conversar com lain.
― Notei que ficou muito feliz com a minha visita.
— Você tem um jeito todo especial de esgotar as boas-vindas rapidamente.
— Por quê? Por que dou a sua esposa a atenção que você nunca deu?
— Está abordando uma questão que não é da sua conta.
— Você é um tolo, Iain MacLagan. Está jogando fora o que todo homem quer conquistar.
— E preciso. Há um machado sobre a minha cabeça. Ela pode se tornar viúva a qualquer momento, e assim saberei que, ao menos, ela tem o coração livre.
— Que coração? Acha que restará alguma coisa depois de tanta rejeição? Todos nós temos um machado sobre a cabeça, amigo.
— Sim, mas a maioria não sabe quem o empunha ou quando virá o golpe. Logo MacLennon me encontrará.
— Como pode ter certeza?
— Porque ele está mais perto. E atormentado como jamais esteve, sentindo-se pressionado. Meus aliados se aproximam dele. Ele precisa atacar rapidamente, porque também se sente ameaçado por uma espada.
— O que não significa que você vai morrer.
— Há uma grande possibilidade, e você sabe disso. Pelo menos posso salvar Islaen de um grande sofrimento.
— E acha que a decisão é sua? O coração pertence a ela. Talvez ela prefira correr o risco.
— Como marido dela, é meu dever protegê-la da dor. É o que estou fazendo.
— Está? Ou está se protegendo? Sabe o que penso que está fazendo?
— Não, mas sei que vai me dizer.
— E vou mesmo, porque você precisa pensar nisso. Não é só o sofrimento dela que tenta impedir, mas o seu. Está se mantendo afastado porque prefere não saber o que poderiam viver juntos. Prefere ignorar o que vai perder se um dia não a tiver mais ao seu lado, ou se você morrer.
― É mesmo? Digamos que esteja certo. O que você, em sua suprema sabedoria, sugere que eu faça? Ignorando o sarcasmo, Alexander respondeu: — Pare com esse jogo. Você não tem um casamento. Se Deus decidir levá-lo do mundo, Ele o levará. Não pode impedir. Por que insiste em desperdiçar o tempo que tem aqui? Sim, porque é o que está fazendo agora. E está desperdiçando a vida de Islaen também. Você a mantém presa em um casamento estéril pensando protegê-la, mas, se fosse perguntar, saberia que não é isso o que ela quer. Islaen quer viver plenamente, e não se trancar em um casulo, isolando-se da vida e do amor por medo de morrer no dia seguinte. Sugiro que faça o mesmo.
As palavras de Alexander o atingiram profundamente, e Iain não encontrou uma resposta apropriada. Resmungando um impropério, ele deixou o amigo, saiu do salão e foi se refugiar em seus aposentos. Não queria pensar em tudo que acabara de ouvir. Preferia negar e esquecer, mas as palavras martelavam seu cérebro exigindo atenção. A noite seria longa.
Segurando Morogh sobre o quadril, Islaen viu Iain se preparar para partir. Ele já verificava os arreios da sela de sua montaria. Seu irmão o acompanharia, e Alexander também havia sido chamado, mas recusava o convite. Devia estar feliz por Iain estar sempre tão protegido, mas preferia que alguém o impedisse de partir. Se ele fosse forçado a ficar em casa, talvez pudessem reduzir a distância que parecia cada vez maior entre eles.
— Muircraig deve estar quase pronta — ela murmurou quando ele se aproximou para beijá-la na testa.
— Quase. Acredito que no inverno já estaremos lá. E então, eu estarei completamente sozinha, Islaen pensou, mas não disse em voz alta.
— Bem, cuide-se — ela recomendou.
— Sim, e você também.
Era difícil deixá-la, mas ele se afastou apressado antes de perder as forças.
Islaen suspirou, acenando sem vigor para o grupo que se distanciava. Seria bom para a família se mudar para Muircraig, mas não podia ignorar os riscos. Se ele encontrasse um meio de evitá-la no novo lar, de excluí-la de sua vida, estaria realmente sozinha. Pelo menos em Caraidland tinha amigos, pessoas que gostavam dela. Jamais poderiam compensar a ausência do homem amado, mas a presença delas amenizava sua dor.
Islaen pegou Padruig dos braços de Grizel, porque Liusadh o atormentava, e seguiu para o quarto das crianças, onde sabia que encontraria Storm. Foi com certo desânimo que ela encontrou também Alexander. Quando conseguiu afastar Storm das crianças, Alex as seguiu. Islaen decidiu que não tinha importância se ele ouvisse o que pretendia dizer. O homem sabia o que a atormentava, e, portanto, não havia necessidade de sigilo. Na verdade, era como se todos em Caraidland soubessem de sua aflição.
— Já dei uma chance a Iain, Storm — ela anunciou quando se afastaram para um canto discreto.
― Sim, eu sei. — Ela se sentou sobre uma arca ao lado de Alexander.
― E você viu o que ele fez com essa chance.
— Sim, eu vi.
― Então, agora vou tentar fazer o que você sugeriu.
— Quando?
— Em uma semana. Darei a ele uma semana.
— Para ele baixar a guarda?
— Sim, para não desconfiar de nada. — Ela olhou para Alexander e se sentiu feliz por não tê-lo excluído da conversa, porque de repente pensava em torná-lo útil aos seus propósitos. — Alex?
— Oh, não. Tenho a sensação de que vou me arrepender de ter ficado aqui.
— Não. Só preciso que divida comigo seu conhecimento em uma área específica.
— E que área é essa? — ele indagou desconfiado.
— Quero que conte tudo sobre sedução. — Ela sorriu, e Alexander não conteve uma gargalhada.
— Ele vai suspeitar de que participei disso, é claro — Alexander comentou quando ele e Islaen se aproximavam de Muircraig.
— Se tudo correr bem, esse não será um grande problema. Espero que o plano funcione — ela respondeu nervosa.
— Islaen, se o encontrar sozinho e empregar parte do que lhe ensinei, a rendição estará assegurada.
Ela riu.
Quanta vaidade! Você se esquece, Alex, de que eu não tenho a sua beleza, nem possuo a sua voz sedutora e provocante.
— Eu acho sua voz muito sedutora.
— Comporte-se! Beltraine pode ficar enciumado. Muircraig se erguia diante deles. De longe, o lugar parecia mais do que pronto para ser habitado, e essa impressão se confirmava na medida em que se aproximavam. A fortaleza era capaz de abrigar e proteger seus habitantes de exércitos hostis e clima inóspito. Era doloroso não encontrar razões concretas para a negligência de Iain. Se o lugar estivesse em ruínas, teria sido capaz de entender suas prolongadas ausências, o que teria acalmado sua dor. Mas o que via era um lugar digno de orgulho e admiração.
Ao passar pelos portões, Islaen teve de lutar contra a urgência de voltar a Caraidland sem anunciar sua presença. Ao lado de Iain, viu a mulher que havia esperado nunca mais encontrar. Identificá-la a encheu de coragem. Não fugiria como se tivesse cometido um erro. Se Iain usava Muircraig como um ninho de amor clandestino, o errado era ele.
— Acalme-se. A presença da loba não significa que alguma coisa aconteceu — Alexander opinou.
Islaen não tinha tanta certeza disso. Iain parecia mais do que culpado. Ela tentou manter a calma ao se aproximar do marido, dizendo a si mesma que Robert não teria permitido que algo acontecesse. Por outro lado... Como ele poderia ter impedido? Bem, daria ao marido o benefício da dúvida, ao menos até ter prova em contrário. Lady Mary não gozaria do mesmo privilégio.
Iain olhou para a esposa com ar quase horrorizado. Ela nunca havia ido a Muircraig antes. Era muito azar que chegasse justamente naquele momento. Como poderia explicar a presença de lady Mary? Logo, livrou-se do choque. Apesar de a situação ser delicada e constrangedora, não tinha motivos para se sentir culpado.
— Islaen — ele a cumprimentou, beijando sua face, tentando não demonstrar o quanto se excitava com seu perfume natural. — O que a traz a Muircraig?
— Decidi vir verificar como estava a restauração. Como vai, lady Mary?
— Bem, milady. — Ela disfarçou a fúria causada pela inoportuna interrupção. — Ouvi dizer que é mãe.
— Sim, eu sou. Tive trigêmeos há quase seis meses. Mary sorriu e segurou o braço de Iain.
— Que encantador! Iain estava se preparando para me mostrar Muircraig.
— Pode ver o lugar muito bem daqui — Iain respondeu enquanto se soltava. — Ou, se quiser mesmo conhecer a fortaleza por dentro, Robert poderá acompanhá-la.
— Mas, Iain... — lady Mary murmurou desapontada. — Vim de muito longe só para ver você.
— Minha esposa também, milady.
A raiva que a mulher não conseguia esconder quase fez Islaen rir, mas ela conteve o impulso cruel. Além do mais, a facilidade com que Iain rejeitava os avanços de lady Mary nada significava. A mulher ainda era uma ameaça e, até se sentir mais segura de seu casamento, seria tolice não reconhecê-la como tal.
Foi difícil não bombardear Iain com perguntas enquanto ele a conduzia pelos cômodos e corredores de Muircraig. A presença de lady Mary era só uma dentre muitas coisas para as quais aguardava uma explicação. Porém, o questionamento direto não seria a melhor maneira de obter as respostas. Se ele quisesse se explicar, certamente o faria na primeira oportunidade.
— Tem razão, Iain, no inverno já estaremos instalados aqui — ela disse. — Tem certeza de que já não está pronto? — Ela sabia que sim, mas queria ouvir a resposta do marido.
— Ainda há algumas coisas que precisam ser feitas antes que eu considere a fortaleza segura para abrigar minha família.
— Muito bem.
O marido com certeza havia aprendido muito na corte. Ele a afastava novamente, rejeitava-a, mas fazia parecer que só pensava em seu próprio bem. Gostaria de ter aquela mesma habilidade com as palavras.
Iain olhou para a esposa e viu em seus olhos um brilho que o atingiu como uma faca. Ela não acreditava no que dizia. E não podia culpá-la. Muircraig era uma fortaleza segura e confortável. O trabalho que realizava no momento consistia apenas em reforçar as defesas e acrescentar alguns detalhes aos aposentos íntimos para aumentar o conforto, pondo em prática idéias que vira na França e coisas que havia aprendido com os visitantes estrangeiros na corte. Sabia que poderia muito bem fazer tudo aquilo depois que a família já estivesse instalada no castelo. Na verdade, estava se escondendo em Muircraig, e sentia que ela suspeitava disso e de seus motivos para agir dessa forma. Então, por que não o questionava, se era sempre tão direta?
— É hora de comer — ele murmurou, ao perceber que os homens começavam a baixar as ferramentas de trabalho. — Não temos mais que uma ração de acampamento para oferecer.
— Sabe muito bem que isso não me incomoda.
Talvez a refeição o torne mais afável e propicie a realização do que planejei.
― E o que planejou?
―Trouxe uma refeição para nós. As melhores delícias de Caraidland e um vinho excelente. Deixei tudo no alforje preso à sela de Beltraine.
― Um banquete! — ele exclamou. — Muito melhor do que o conteúdo daquela panela em torno da qual os homens se reúnem.
— Exatamente. Porém, seria indelicado comer tudo aquilo diante de seus homens. Não trouxe o suficiente para todos.
— Podemos comer no interior do castelo — ele sugeriu, tentando não se deixar dominar pela sensação de estar caindo em uma armadilha.
— Em um dia tão agradável? Não é sempre que podemos desfrutar de tanto sol e calor, Iain. Trouxe um cobertor para estender sobre a relva, e notei bem perto daqui um lugar agradável onde há água fresca e flores.
— Não devíamos ficar sozinhos. MacLennon está por perto, esperando uma chance de atacar.
Islaen apontou para o cavalo, onde havia um berrante pendurado à sela.
— Podemos pedir ajuda em caso de necessidade. O lugar a que me refiro fica perto daqui. Os homens certamente ouvirão um pedido de socorro e chegarão rapidamente.
— Sim, certamente, se ele nos der tempo para isso.
— Se MacLennon for capaz de um ataque tão rápido e silencioso, nem todos os homens aqui reunidos poderão protegê-lo, Iain. Por favor! Não tenho muitas oportunidades para desfrutar dos agradáveis dias de verão.
Ele suspirou, resignado. Islaen estava presa à casa e ao trabalho de criar as crianças. Conseguira algumas horas de liberdade, e não podia simplesmente desapontá-la por medo de fraquejar em sua resolução, caso ficassem sozinhos. Quando viu lady Mary caminhando em sua direção, decidiu que tinha mais um motivo para aceitar o convite, afinal. Preferia se arriscar a quebrar os votos de contenção com Islaen a se expor à persistente e cada vez mais irritante lady Mary.
— Iain, aonde vai? — ela perguntou ao vê-lo ordenar que seu cavalo fosse selado.
— Vou fazer uma refeição tranqüila e privada com minha esposa, milady.
— E eu? Sou hóspede em seu castelo!
— Há muita gente aqui para atender às suas necessidades, milady. Pode recorrer a Robert, Alexander, Phelan... Isto é, se puder encontrar Phelan.
Murdo trouxe o cavalo mais depressa do que Iain esperava, o que o fez olhar para o rapaz com ar intrigado.
— Milorde, sir MacDubh já me havia prevenido. Mantive o cavalo pronto à sua espera.
Alexander sorriu com ar inocente.
— Entendo — Iain respondeu irritado.
Ao montar, Islaen esperou que ele não entendesse realmente, ou acabaria frustrada em sua intenção de pôr fim à abstinência que tornava suas noites tão longas. Se o plano falhasse, teria apenas mais um truque a empregar, e odiaria ter de lançar mão de medida tão drástica. Sorrindo, ela o conduziu para longe de Muircraig.
Islaen estendeu o cobertor e viu o marido amarrar os cavalos. Por que tinha de amá-lo tanto? Se vivesse um casamento como tantos outros, provavelmente consideraria uma bênção contar com suas prolongadas ausências e seu constante distanciamento. Encontraria felicidade na administração da casa e no uso do prestígio conferido pelo matrimônio. Em vez disso, vivia tentando conquistar o coração do marido, embora não tivesse avançado muito desde o início. Uma pessoa com um mínimo de bom senso já teria desistido.
Suspirando, ela dispôs a comida sobre o cobertor pensando que, provavelmente, o que havia planejado não seria uma solução definitiva. Talvez conseguisse levá-lo de volta para sua cama, o que não seria suficiente para construir o tipo de relacionamento que ela desejava. Precisava do amor de Iain, mas começava a suspeitar de que ele não dispunha desse sentimento para oferecer. Pensar nisso a enchia de pavor, porque tornava sombrios e vazios todos os anos de vida que ainda tinha pela frente.
— Esqueceu alguma coisa? — ele perguntou. — Parece aborrecida.
— Não, está tudo aqui. — Ela sorriu. — Tenho certeza de que me lembrei de todas as suas preferências.
— Sim, e em quantidades espantosas. Vejo que me considera um homem de enorme apetite.
— Se não consumirmos tudo, você poderá guardar o que sobrar para melhorar o que chama de ração de acampamento.
— É o que vou fazer, e manterei tudo bem escondido, porque um tesouro dessa magnitude pode tentar até o mais honesto dos homens a roubar.
Iain perguntou sobre as crianças, o que não a surpreendeu, mas a obrigou a sufocar um suspiro. Era bom que ele tivesse tanto interesse pelos filhos, mas era como se não tivessem mais nada em comum.
Ela baniu da mente os pensamentos desanimadores. Se ficasse triste ou zangada, não conseguiria pôr seu plano em prática.
Tentando se lembrar de tudo que havia aprendido com Alexander, começou a seduzir Iain. Ou, ao menos, era o que esperava estar fazendo. A qualquer momento, ele poderia adivinhar sua intenção e anunciar o momento de voltar a Muircraig. Também temia que ele permanecesse impassível, demonstrando claramente a perda do interesse nela. Nesse caso, tudo estaria irremediavelmente perdido.
A refeição prosseguia, e Iain demonstrava apenas confusão com as atitudes dela. Islaen se sentia cada vez mais frustrada. De acordo com Alexander, o prolongado celibato tornaria Iain altamente suscetível ao jogo de sedução, assegurando seu sucesso, mas eles já terminavam de comer e se dedicavam à sobremesa, e o marido ainda nem tentara beijá-la. A única pessoa que ela havia conseguido seduzir era ela mesma, porque se sentia muito quente e inquieta.
Iain viu a esposa partir um pedaço da carne assada e colocá-lo em sua boca. Era delicioso ficar exposto ao sol e ser alimentado, mas tinha certeza de que Islaen tramava alguma coisa. Ela o tocava constantemente, inclinando-se em sua direção e roçando o corpo no seu. E também flertava abertamente, o que não combinava com a natureza dela. As vezes, ela hesitava, e uma expressão irritada passava rapidamente por seu rosto, mas em seguida retomava o ataque aparentemente inconsciente aos seus sentidos tão privados de atenção. Iain cruzou os braços sob a cabeça para conter o impulso de agarrá-la. A resolução de se manter afastado se desfazia rapidamente. Era cada vez mais difícil resistir ao ímpeto de deitá-la sobre o cobertor e possuí-la. Se não a conhecesse melhor, pensaria que ela tentava seduzi-lo.
O pensamento ganhou força em sua mente. Ela ainda era inocente, ainda desprovida de prática nas artes do amor, mas conseguira se meter em sua cama na última vez em que decidira manter-se distante. Quanto mais a observava, mais tinha certeza de que Islaen tentava seduzi-lo. Ainda que sutil e hesitante era um jogo de sedução.
Por um momento, pensou em recolher tudo e voltar imediatamente a Muircraig, de onde a mandaria de volta a Caraidland, mas as palavras de Alexander ecoavam em sua mente. Desde o nascimento dos filhos, Islaen e ele tinham se tornado pouco mais do que estranhos. O fato de ela se empenhar tanto para atraí-lo de volta, nem que fosse apenas para sua cama, demonstrava que a situação atual não a agradava. Era obrigado a admitir que também não estava satisfeito.
Quando ela se debruçou para limpar seus lábios, Iain tomou uma decisão. Havia desperdiçado meses de vida em comum, e não jogaria fora nem mais um minuto. Nenhum dos dois lucrava nada com suas patéticas tentativas de defendê-los do sofrimento. Não os protegia, e estava infeliz num casamento que não era realmente um casamento. Tudo que podia fazer era esperar que o corpo faminto não assumisse o controle sobre o cérebro.
— Islaen, está tentando me seduzir? — Ele sorriu ao vê-la ruborizar.
— É tão óbvio assim?
― Não. No início, não tive certeza.
― Bem, eu... não queria parecer óbvia. Minha intenção era fazer você pensar que a idéia tinha sido sua.
Ele riu.
— Então, o que faremos agora?
— Não sei. Já usei todas as sugestões de Alexander.
— Alexander?
— Sim, achei que seria apropriado pedir os conselhos de um especialista.
— Desde que tenham sido conselhos apenas teóricos...
— Ele se comportou muito bem, apesar de ter rido muito.
— Posso imaginar. Então, decidiu lançar mão de recursos extremos?
— E você já devia ter sucumbido.
— Oh, mas eu sucumbi.
— Sucumbiu...? Mas continua tão relaxado quanto no início, Iain.
— Minha dúvida, Islaen, é se você tem certeza de que está mesmo disposta a... Bem, você sabe. O parto foi difícil, doloroso...
— Iain, os bebês estão com seis meses! Reconheço que tive uma recuperação um pouco mais lenta do que a maioria das mulheres, porque foram três bebês, afinal, mas... Seis meses?
— Achei que devíamos esperar até eles começarem a falar — ele propôs, gargalhando ao ver a expressão horrorizada no rosto dela.
— Iain, acho que perdeu a noção do perigo. Não devia me provocar em um momento como esse.
— Está nervosa, meu bem? — Ele começou a soltar seus cabelos.
— E claro que sim! Não sabia se estava agindo corretamente.
— Estava indo muito bem até eu anunciar sua vitória. Há algo que queira me perguntar?
— Perguntar? Por que acha que tenho perguntas a fazer?
— Sobre lady Mary?
— Ah, então é isso. Confio em você, Iain. Ele traçou o contorno de sua boca com um dedo.
— É muito bom saber disso. Lady Mary tem sido apenas um aborrecimento. Francamente, não sei mais como agir para me livrar dela. Seria ótimo se essa fosse a última visita. Vou ser honesto com você. Cheguei a pensar em usá-la como a meretriz que é para aliviar o incômodo causado pela abstinência...
— Eu nunca pedi que se afastasse da minha cama.
— Não. Eu impus essa distância, e saber que era minha a decisão me fez ficar longe de Mary. Além do mais, sabia que ela não poderia me dar o que eu realmente desejo.
— E o que você deseja? — Ela o abraçou ao senti-lo roçar os lábios nos seus. Estava tão faminta que o menor contato era suficiente para incendiá-la.
— Você. Preciso de você.
— Está sendo muito lento ao demonstrar.
— O que sinto é tão forte que tenho medo de feri-la. Minha urgência é tão avassaladora que sinto um impulso de possuí-la agora mesmo, em vez de fazer amor devagar, com toda a doçura que você merece.
Ele a beijou lentamente, saboreando os lábios macios, perdendo-se naquele calor. Mas a aparente calma era negada pelas mãos ansiosas que lhe percorriam o corpo. Ele a apertou entre os braços, colocando-a sobre si. Ambos se moviam freneticamente, aumentando a fricção entre os corpos, manifestando a necessidade desesperada e crescente.
— Islaen, minha esposa — Iain disse com voz rouca ao mudar de posição, deitando-a sobre o cobertor e introduzindo a mão sob suas saias. — Alguma vez teve suas saias levantadas e foi possuída por um homem enlouquecido de desejo?
— Não, e você sabe disso. É divertido?
— Você mesma vai me dizer em alguns minutos. Um grito de prazer e alívio brotou de seu peito quando Iain a penetrou. Foi rápido e furioso, e o alívio chegou ao mesmo tempo para os dois. A urgência que sentiam não permitia gentilezas.
— Islaen, você está bem? Ela abriu os olhos e sorriu.
— Sim.
— Tem certeza de que não machuquei você?
— É claro que tenho. Não sou tão delicada quanto imagina.
— Mas não é correto tomar a própria esposa como se fosse uma camponesa, uma meretriz ou...
— A esposa está se divertindo muito.
— Ah, sim?
— Muito! Agora... Se é assim que se deita com uma camponesa ou uma meretriz, como faz amor com uma mulher de taverna?
Ele riu, erguendo o corpo para despir a túnica.
— Sobre a mesa.
— E não se fere nas farpas? Bem, de qualquer maneira, não temos uma mesa aqui.
— Pena... — ele murmurou ao vê-la livrá-lo das botas. — Teria sido uma refeição deliciosa. A melhor de todas que já saboreei.
Ela sorriu e se ocupou de soltar sua espada.
— Não gostaria de ter farpas cravadas no meu traseiro.
— Eu usaria uma toalha do mais fino linho para proteger esse traseiro tão lindo. Não, deixe-a perto de mim— ele pediu, notando que Islaen empurrava a espada para a extremidade do cobertor.—Talvez até uma almofada.
— Muito galante. E como seria se deitar com a mulher do chefe do moinho?
— Usaríamos os sacos de grãos, é claro.
— Ah... Mas também não os temos aqui.
— Não tem importância. Eles estão sempre escorregando, o que dificulta muito os movimentos, podendo até interromper o ato.
Ela corou, mas riu da imagem descrita pelo marido.
— Essa conversa é absurda.
— Sim. Por que não me pergunta sobre a filha do ferreiro?
Olhando-o com desconfiança e vendo que ele terminava de se despir, Islaen perguntou:
— Como se deitaria com a filha do ferreiro?
— Sobre a bigorna. Ela riu.
— Longe da forja?
— Bem longe. Nenhum homem quer sentir tanto calor.
— Bem, também não temos uma bigorna. — Ela deslizou a mão por sua coxa e notou que os olhos dele se tornavam mais escuros pelo desejo.
— Temos um cobertor.
— Sim. Isso nós temos.
Ver o corpo de Iain nu e excitado a inflamava como nenhuma outra coisa. Havia nele um ar descuidado e livre, algo que não percebia havia muito tempo. De repente, sentiu-se esperançosa. Iain havia decidido por fim a abstinência e transformar o casamento em uma união verdadeira?
— O cobertor é um lugar perfeito para um homem se deitar com a esposa.
— Talvez tenha razão.
— Mas temos um problema.
— É mesmo? Qual?
— O marido está aqui, completamente nu...
— Uma imagem esplêndida, devo confessar.
— Sim, talvez... Mas a esposa continua vestida. Como podemos resolver esse problema?
— Alguém vai ter de despi-la, não acha? — Islaen disse suavemente, antes de emitir um arquejo chocado. — lain! — gritou em desespero ao ver a espada apontada para o pescoço do marido.
Horrorizada, ela ainda gritava quando a mão forte a agarrou pelos cabelos e a pôs em pé.
Seu sangue ficou gelado quando uma voz doente e pastosa murmurou:
— Oh, por favor, deixe-me resolver o pequeno problema do casal. Será uma honra...
MacLennon.
Iain sentia que seu pior pesadelo se tornava realidade. Tinha o berrante e espada ao alcance da mão. Por causa da agitação de Islaen, a espada do inimigo não se mantinha tão firme contra seu pescoço linha uma chance. Porém, quando se moveu para alcançar sua arma, MacLennon afastou-se dele, aproximando a lâmina do pescoço de Islaen, cortando a pele apenas o suficiente para provocar um filete de sangue.
— Mais um movimento e ela morre, MacLagan.
lain ficou onde estava. Islaen também estava paralisada. Haviam caído em uma armadilha da qual não poderiam escapar.
— Muito bem, agora jogue a espada e o berrante na direção das árvores.
— Não, lain! — Islaen gritou, calando-se ao sentir que MacLennon provocava um novo corte em seu pescoço.
— Solte-a, MacLennon — Iain pediu ao obedecer à ordem. — É a mim que você quer.
— Sim, é você que eu quero, mas quero que sofra, e acho que tenho aqui comigo um excelente instrumento para sua tortura, MacLagan. Um instrumento delicioso. — Empurrando Islaen contra Iain, ele soltou a corda que levava enrolada em um ombro e jogou-a para ela. — Amarre-o.
— Não, eu não posso. Não vou... — A espada de MacLennon a fez calar.
— Obedeça, Islaen — Iain ordenou, rezando para que alguém aparecesse nos próximos minutos. Tinha de ganhar tempo.
— Isso mesmo, Islaen, obedeça — MacLennon debochou. — Seja uma boa esposa e faça o que seu marido está dizendo. Ajoelhe-se, Iain, e ponha as mãos para trás. Agora, bela Islaen, amarre-o exatamente como eu vou dizer.
Tremendo de medo, tomada pela impressão de estar preparando o marido para a morte, Islaen começou a amarrá-lo, seguindo precisamente as orientações de MacLennon. A maneira como Iain a fitava sugeria que ele tentava dizer alguma coisa, transmitir uma mensagem. Talvez estivesse tentando convencê-la a ser cuidadosa, a ganhar tempo. Porém, tempo era algo que não tinham. A maneira como MacLennon exigia que o amarrasse significava que ele não poderia se mover sem se enforcar. Ela parou.
— Não posso! Isso é tortura!
— Milady, então vai ser uma mulher desobediente? — MacLennon perguntou rindo enquanto se colocava diante de Iain. — Devo cortá-lo para convencê-la a obedecer? Talvez uma cicatriz na outra face. Ou separá-lo do orgulhoso amigo de toda uma vida...
Empalidecendo ao vê-lo aproximar a espada do órgão sexual de Iain, Islaen terminou de amarrar o marido.
— Terminei. Pode parar de atormentá-lo agora.
— Mas, querida milady, eu ainda nem comecei!
― Ele se levantou e sorriu com frieza para Iain. — Vou deixá-lo na companhia de seu amigo por mais algum tempo.
Ele riu e empurrou Iain, causando uma tensão extra na corda. Islaen gemeu de aflição, antes de investir contra o homem, enfurecida com sua crueldade. O primeiro golpe nem chegou a acertá-lo, e ele jogou-a no chão com facilidade. Islaen olhou para ele e soube que, mesmo que pudessem ganhar tempo, esse tempo seria de horror, preenchido com toda forma de tortura que a mente pervertida de MacLennon pudesse conceber. Ele sabia que a chance de que alguém os socorresse era mínima, e pretendia tirar proveito daquilo. — Milady, creio que estava prestes a se despir... Não se deixe deter por minha presença.
Por um momento, Iain pensou em gritar por socorro, mas conteve o impulso desesperado. Ninguém os ouviria. Além do mais, tal reação só serviria para provocar a morte rápida deles. Quando os salvadores chegassem, encontrariam apenas seus corpos. Tinha de ser forte e deixar MacLennon fazer seus jogos doentios, pois havia sempre a chance de alguém estranhar a ausência prolongada e sair para procurá-los. No entanto, saber o que o homem planejava para Islaen o levava a duvidar das próprias forças. Não seria capaz de ficar em silêncio enquanto a esposa era violentada. Nem mesmo para salvar a vida de ambos.
Era horrível pensar que Deus lhe havia dado a alegria de ter Islaen ao seu lado, e que ele desperdiçara o pouco tempo que tinham tido juntos.
— Islaen, eu sinto muito — ele disse com voz rouca, ofegante pela corda que apertava seu pescoço.
— Por quê? Porque esse maluco idiota acredita que sua dor pode servir para pôr fim à dele? Porque ele pensa que nossas mortes trarão de volta Catalina, que já se foi há tanto tempo?
— Cale a boca e dispa-se — MacLennon disse por entre os dentes. — A morte de Catalina deve ser vingada.
— Então fale com Deus, seu idiota! Foi Ele quem a levou. Ela morreu ao dar à luz.
— Morreu para trazer ao mundo um filho dele! — MacLennon gritou.
— Sim, como teria morrido se você fosse o pai da criança. O que teria feito? Teria se vingado de si mesmo? Teria se atirado sobre a própria espada e caído no túmulo de sua adorada?
Um golpe violento a jogou novamente ao chão. MacLennon hesitou com a espada apontada para o peito de Islaen.
— Não, não... Não vai me fazer matar você. Ainda não. Em pé!
Islaen levantou-se, perguntando-se, surpresa, se não era exatamente aquilo o que estava fazendo. Estaria tentando convencê-lo a matá-la? Não. Não tinha vontade de morrer, nem mesmo sabendo o que ele planejava fazer com ela. A raiva nascida do medo e da frustração havia provocado suas palavras. A amargura e a impotência transbordavam na forma de um corajoso discurso. Porém, ainda não sabia se conseguiria enfurecê-lo a ponto de induzi-lo a cometer um erro de julgamento que lhes proporcionasse uma chance.
— Tire a roupa — ele ordenou. — Não vai conseguir me deter. Ele vai me ver tomando sua mulher como ele tomou a minha.
Com o coração na garganta, Islaen encolheu os ombros fingindo indiferença e começou a desamarrar o vestido.
— Tem certeza de que consegue? Acha mesmo que não enterrou sua masculinidade com Catalina, como fez com sua sanidade mental? — Ela se preparou para receber o golpe do punho fechado, mas, com esforço visível, MacLennon controlou-se.
— Tem uma língua ferina, milady. Tome cuidado, ou alguém pode cortá-la.
— Você parece gostar de cortar pedaços de pessoas.
Pelo canto do olho, ela viu um sólido pedaço de madeira e, ao despir a túnica, passou a traçar um plano. Abandonando a provocação direta, Islaen concentrou-se em remover as roupas bem devagar, segurando cada peça antes de deixá-la cair. Quando se abaixou para enrolar a meia, viu no rosto do agressor a expressão que havia esperado. MacLennon era louco, mas ainda sentia a luxúria natural de um homem. Se fosse cuidadosa e astuta, poderia usar esse desejo contra ele.
Ofegante depois de tentar se mover para proteger a esposa, Iain ficou quieto. Por um momento, chegara a temer que MacLennon estivesse certo, que Islaen estivesse agindo de forma a provocar a própria morte. Mas sabia que ela jamais faria isso.
Agora estava confuso, porque a raiva de antes havia desaparecido do semblante de Islaen. Ela se despia como se tivesse a intenção de seduzir MacLennon, e pelo brilho que via nos olhos dele, estava conseguindo. Não entendia por que ela faria tal coisa. Quando o plano finalmente se tornou evidente, ele se sentiu orgulhoso de sua coragem e apavorado com o risco de um sofrimento ainda maior. Se o adversário se enfurecesse, poderia feri-la ainda mais.
Ao despir o saiote, Islaen o segurou no ar antes de soltá-lo, como fizera com todas as outras peças de roupa. Quando o olhar de MacLennon se desviou por um instante para suas pernas nuas, ela arremessou o saiote contra ele. A peça cobriu a cabeça do homem e, enquanto ele tentava se livrar da venda inesperada, Islaen armou-se com o pedaço de madeira. Ele estava se livrando do tecido quando ela o atingiu no estômago com toda a força que tinha. MacLennon dobrou-se ao meio, e ela investiu de novo, batendo na cabeça dele, derrubando-o. Islaen fitou-o admirada por um instante, surpresa por ter conseguido pôr o plano em prática.
Livrando-se rapidamente do choque, pensou em pegar a espada do inimigo para cortar a corda que prendia o marido, mas desistiu da idéia e correu para perto de Iain. Jamais seria capaz de manejar uma espada com a destreza necessária para libertá-lo sem feri-lo. Tentando manter a calma para não perder tempo, começou a desfazer os nós.
— Você podia estar morta, sua maluca! — Iain exclamou ao sentir a corda se afrouxar em seu pescoço.
— Ele me mataria de qualquer maneira. Por que está reclamando?
— Pegue o berrante e peça socorro.
— Antes quero libertá-lo. Assim, vai poder ao menos se afastar do alcance da espada do miserável. Está machucado? — ela perguntou ao ouvi-lo gemer.
― Não. Dolorido, apenas. — Ele se levantou assim que o último nó foi desfeito.
― Vou buscar a espada de MacLennon. Devia ter feito isso antes, mas queria soltá-lo, e sabia que não seria capaz de usar a arma para isso.
— Cuidado, Islaen!
Ela havia dado apenas um passo na direção de MacLennon quando, como por magia, ele se levantou e correu em sua direção. Islaen tentou fugir, mas ele a agarrou pelo cabelo, usando-o para puxá-la e girá-la no ar, obrigando-a a encará-lo. A bofetada no rosto a lançou ao chão, e então ele saltou sobre ela. Por um momento, ela teve medo de que MacLennon ainda tivesse a intenção de estuprá-la, e de que Iain não se recuperasse a tempo de salvá-la. Aterrorizada, sentiu as mãos dele se fecharem em torno de seu pescoço. Por mais que tentasse, não conseguia se soltar, pois ele estava enlouquecido pela fúria, incapaz de sentir a dor causada por suas unhas.
Tentou chutá-lo, mas ele riu. Então, de repente, um braço envolveu o pescoço de MacLennon. Islaen já começava a ser tragada pela escuridão da inconsciência quando ele a soltou. Por um instante, ela se concentrou apenas em voltar a respirar, em devolver a vida ao corpo já entorpecido.
Iain experimentou um forte alívio quando viu que ela se movia. Havia temido ter demorado demais, detido como fora pelas cãibras que o castigavam.
— Islaen, vá até os cavalos — ele gritou, antes de ser atingido por MacLennon, que conseguira se soltar.
Islaen se ergueu, cambaleando, e correu para o berrante, em vez de seguir até os cavalos, como ordenara o marido. Não fugiria sozinha. Sabia que jamais se perdoaria se o deixasse ali, entregue ao inimigo.
Com a atenção dividida entre a esposa e MacLennon, Iain conseguia apenas se manter fora do alcance do atacante.
— Islaen, eu disse para pegar os cavalos e sair daqui.
— Já estou indo — ela respondeu, mesmo sabendo que não seria ouvida, porque a voz era rouca e fraca.
Quando percebeu o que ela pretendia fazer, Iain conseguiu voltar toda a sua atenção para MacLennon. Sabia que ela estava procurando o berrante e que não seria fácil encontrá-lo. Assim que ela o tocasse, o socorro chegaria em instantes.
Islaen buscava o berrante com desespero, tateando o solo, e quase chorou ao encontrá-lo, pois finalmente tinha nas mãos a possibilidade de encerrar aquele pesadelo. O ânimo transformou-se em nervosismo quando a primeira tentativa de soprá-lo provocou um som fraco que ninguém ouviria nem mesmo do outro lado da clareira. Rezando para pedir forças, ela respirou fundo várias vezes, apesar da dor na garganta, e tentou novamente. Dessa vez o som produzido foi mais alto e claro, mas o esforço a esgotou. Caída no chão, ela rezou para que aquilo fosse o suficiente para conseguir a ajuda de que tanto precisavam.
Alexander ergueu os olhos do jogo de dados que disputava com Robert ao ouvir Phelan entrar galopando em Muircraig.
— Onde esteve?
— Por aí.
— Muito esclarecedor. Lady Mary acabou de ir embora, e não estava muito contente.
— Eu sei. Ela passou por mim na estrada. Onde está Iain? — Ele desmontou. — Acho que está perdendo, Robert. É melhor não jogar com Alexander.
― Devia ter dito isso antes de eu perder quase tudo que tinha. Iain não está aqui.
— Para onde ele foi?
— Saiu com Islaen — respondeu Alexander. — Ela planejava seduzi-lo. Deve ter funcionado, ou eles já teriam voltado.
— Nesse caso, não sei se devo ir procurá-lo — Phelan murmurou sério.
— E por que haveria de ir procurá-lo?
— Porque vi sinais inquietantes quando estava cavalgando.
— MacLennon?
— Receio que sim. Houve um esforço para apagar os sinais, e não consigo pensar em nenhum outro homem que queira se aproximar dessa área sem ser notado.
— Não há nenhum outro. — Alexander levantou-se tenso, mas ainda hesitante. — Porém, Iain está alerta ao perigo. Eles foram preparados.
— Como um homem pode se manter alerta quando saboreia uma iguaria de que se absteve por seis meses? — Robert perguntou.
— Tem razão.
— Por outro lado, ele pode ficar aborrecido com uma interrupção. Especialmente porque não tenho provas — disse Phelan.
— E eu não gostaria de ver minha irmã com o marido em situação de intimidade — Robert confessou.
— Se o que temem é surpreendê-los em circunstancias embaraçosas, podemos anunciar nossa aproximação em alto e bom som — sugeriu Alexander.
— Então, acham que devemos preveni-lo — deduziu Phelan.
— Sim, eu acho. Como já concordamos, não pode ser ninguém além de MacLennon.
— Não — disse Robert. — É melhor irmos, então. Esperem!
A nota única cortou o ar em Muircraig.
— Eu ouvi — disse Alexander, correndo na direção do cavalo. — O bastardo os encontrou!
— Vamos, homens, não podemos hesitar ou esperar — disse Phelan. — Sabe onde eles estão, Alex?
— Sim. Podemos chegar lá em poucos minutos.
— Vamos rezar para que Deus nos conceda esses minutos — Robert murmurou ao deixar Muircraig num galope frenético.
Islaen lutou contra a escuridão que ameaçava envolvê-la e se levantou com esforço. Não podia se dar ao luxo de perder tempo sentindo dor. Olhando para os dois homens que se enfrentavam, tentou pensar em uma maneira de ajudar.
Gritou aflita ao ver MacLennon se armar com a madeira que ela usara para atacá-lo. Enquanto acompanhava a luta, olhava em volta procurando a espada de Iain, mas não a viu em lugar nenhum. MacLennon, então, investiu contra Iain, atingindo-o duramente, e conseguiu recuperar sua arma. Tentando não fazer nenhum ruído, Islaen se aproximou da madeira que MacLennon descartara. Ela a alcançou no mesmo instante em que o homem, já de posse da espada, se virava para Iain com um sorriso triunfante.
Iain se esforçava para permanecer consciente. O golpe na cabeça causara um corte, e o sangue escorria no seu rosto, cegando-o. Não tinha condições de se defender, de evitar o golpe que seria desferido a qualquer momento. Esperava que Islaen tivesse fugido após produzir o som pedindo ajuda. Como MacLennon não parecia ter notado, havia grande chance de que o capturassem e o matassem dessa vez.
Ele viu MacLennon se aproximar em meio a uma névoa e tentou se esquivar, mas sentiu a lâmina atingir um lado de seu corpo. A gargalhada cruel indicava que o oponente brincava com ele. Nu e indefeso, desarmado e tonto... que péssima maneira de enfrentar um inimigo ensandecido! Haveria pouca glória em sua morte.
Pela primeira vez na vida, Islaen soube o que era ódio de verdade ao ver MacLennon brincando com Iain. Era cruel demais! O marido estava desarmado, indefeso, mal podia ver onde estava o inimigo, e não poderia lutar mesmo que tivesse uma espada. Ele devia saber que o golpe mortal estava prestes a ser desferido, e MacLennon se divertia prolongando a tortura. Bem, aquele seria seu fim. Entretido como estava com a diversão doentia, ele permitira que Islaen se aproximasse o bastante para atacá-lo com a madeira. Saber que teria de agredi-lo novamente a levava a odiá-lo ainda mais.
Quando MacLennon recuou um passo depois de atingir a coxa de Iain, Islaen atacou, acertando-o na cabeça com a força gerada pelo ódio. Seu estômago se revoltou quando ouviu o som causado pelo impacto.
MacLennon se virou. Chocada, ela viu o ferimento que conseguira causar e se espantou por ele ainda estar em pé. E ele não apenas estava em pé, como avançava na direção dela. Deu um grito que a fez tremer antes de acertá-la com força. Islaen teve a impressão de voar para trás, e depois aterrissar com violência. Outro golpe atingiu sua cabeça, e a última coisa que sua consciência registrou foi um grito que parecia ter brotado de uma criatura que não era humana.
Iain não conseguia enxergar claramente, mas sabia que MacLennon se voltara para Islaen. Ao ouvir um baque surdo, ecoou o grito da esposa. Tentou se aproximar, embora mal pudesse controlar seus movimentos, mas foi detido por um grito de MacLennon. Seu inimigo segurava a cabeça com as duas mãos, e cambaleou algumas vezes antes de cair. O silêncio que se seguiu foi ainda mais assustador do que o grito desumano.
Movendo-se até os dois, Iain tropeçou e caiu de joelhos. Depois de tentar se levantar várias vezes, prosseguiu rastejando até chegar bem perto de Islaen. Parou antes ao lado de MacLennon para se certificar de que o homem não poderia se levantar para ameaçá-los novamente.
Nem precisou verificar sua pulsação para sabe que estava morto. Não precisava de visão perfeita para ter certeza de que um ferimento como aquele era fatal. Era surpreendente que ele não houvesse caído de imediato.
— Islaen — ele gemeu ao chegar perto dela. — Islaen, pode me ouvir?
Nunca antes se sentira tão impotente. Mal conseguia enxergar, e sabia que estava prestes a perder a consciência. Islaen precisava de ajuda, mas ele não conseguia nem mesmo ficar em pé. Apenas podia rezar para que ela estivesse viva e para que o socorro chegasse a tempo.
Quando os dedos trêmulos não encontraram pulsação, ele quase chorou. Aproximando o ouvido de seu peito, conseguiu ouvir as batidas do coração e, aliviado caiu sobre ela. Mergulhou na inconsciência sabendo que, mesmo que em Muircraig ninguém houvesse escutado o chamado, alguém os encontraria após uma ausência prolongada.
— Por Deus! — Alexander exclamou ao encontrá-los. — Estão todos mortos!
— Não! — Robert gritou, desmontando e correndo na direção da irmã.
Com cuidado, ele removeu Iain de cima de Islaen. Ela estava ferida no rosto e tinha a camisa manchada de sangue. Depois de se certificar de que ela vivia, Robert levou mais algum tempo para ter certeza de que o único ferimento era um terrível corte na parte posterior de sua cabeça.
— Iain também está vivo — anunciou Alexander. — Porém, sofreu um grave ferimento na cabeça.
— Islaen também está ferida — Robert respondeu enquanto a envolvia com o cobertor usado no piquenique.
— E MacLennon? —Alexander perguntou a Phelan.
— Morto. Alguém o acertou na cabeça.
— Ótimo! O bastardo tem sido uma praga há muito tempo. Ajudem-me a vestir a calça em Iain. Ele não gostaria de ser levado para casa nu.
Alexander e Phelan haviam acabado de cobrir Iain quando os homens de Muircraig chegaram. Enquanto Phelan e Murdo limpavam os ferimentos dele, Alexander providenciava uma maça improvisada. Islaen poderia ser carregada nos braços por um dos homens sobre um cavalo, mas Iain era pesado demais para isso.
— O que faremos com o corpo de MacLennon? — ele perguntou a Robert, que tentava reanimar a irmã sem muito sucesso. — Deixamos para os abutres?
— A idéia é tentadora.
— Para mim também, Robert, mas creio que é melhor levarmos o corpo conosco.
— Por quê? O homem não merece desfrutar de direitos cristãos. Era louco e atormentou duas pessoas que nada haviam feito para prejudicá-lo.
— Eu sei, Robert, mas ele atormentou Iain por mais de dois anos. — Alexander suspirou. — No lugar dele, acho que ia gostar de ter certeza de que o inimigo está realmente morto.
— Ele o matou! Deve saber que está morto.
— Iain pode ter caído antes de ter tido certeza. É melhor levar o corpo para que ele não tenha nenhuma dúvida de sua vitória.
— Mas... — Robert olhou para a irmã inconsciente e para o cunhado, igualmente sem sentidos. — Ele venceu mesmo?
— Islaen — Iain gritou, tentando se levantar. A mão forte em seu peito o conteve. Por um momento de pânico, ele temeu estar ainda no bosque, à mercê de MacLennon. — Onde está Islaen? Preciso vê-la.
— Ela está viva. Agora, beba isto.
Depois de engolir com dificuldade a poção de ervas que Alexander o ajudava a sorver de uma caneca, Iain quis saber:
— Onde ela está?
— No quarto, aos cuidados de Meg e Storm. Ainda inconsciente.
— Por quanto tempo?
— Desde ontem.
— Preciso ir vê-la...
― Você precisa ficar na cama, amigo.
Iain sabia que Alexander estava certo. Sentia a fraqueza no corpo, e ainda estava tonto. Tentar se levantar seria inútil. Mesmo assim...
— Preciso ver Islaen.
— Já disse que ela está viva. Isso é suficiente, por enquanto.
— E MacLennon?
— Morto. Lembra-se de ter acertado a cabeça do miserável?
— Não fui eu. Foi Islaen.
— O quê? — Alexander reagiu espantado.
— Sim, ela...
— Espere! Prometi que avisaria sua família quando você acordasse e, se todos estiverem aqui, você poderá contar a história uma única vez.
Quando todos se reuniram em torno da cama, ele relatou o que havia acontecido no bosque. Cada lembrança o fazia reconhecer com mais clareza tudo que Islaen havia suportado.
— Ainda não consigo acreditar que Islaen tenha derrubado o homem —Alexander murmurou, meneando a cabeça. — Ela é tão pequena!
— A força de uma mulher pode surpreender, meu amigo — Colin comentou, com um sorriso de admiração. — Se fossem treinadas como são os rapazes, muitas seriam guerreiras invencíveis.
— Ela devia ter fugido, como eu mandei.
― Storm também não teria me obedecido em situação similar — disse Tavis. — Você estava desarmado, em perigo... Ela jamais o teria abandonado. Como nós não as teríamos abandonado.
— Eu sei, Tavis, mas aquele maluco já havia estado muito perto de matá-la antes, e eu a queria fora do alcance do miserável. Tem certeza de que ele está morto?
— Absoluta — disse Colin. — Temos o corpo para provar. Sabíamos que ia precisar vê-lo para ter certeza.
— Eu vi o corpo. Só queria que alguém concordasse comigo sobre o que vi no bosque antes de perder a consciência. Confuso como estava, não sabia se estava sonhando, ou se realmente não havia pulsação, como pensei. Aquele tormento se estendia há tanto tempo...
— Agora acabou — disse Tavis. — Logo vai estar andando por aí, livre...
— E Islaen?
— Vai precisar de mais tempo, mas também se recuperará. Storm virá falar com você quando sair do quarto dela.
Iain assentiu. Ficaria mais calmo se pudesse escutar um relato detalhado sobre o estado da esposa.
Assim que todos saíram, Alexander sentou-se na beirada da cama, e Iain fechou os olhos. A visita o esgotara. Queria esperar por Storm, mas acabou adormecendo, e acordou e cochilou mais duas vezes antes de ver a cunhada entrando no quarto com uma bandeja.
— Mingau?
— Só hoje, Iain. E mais seguro. Agora coma, e eu vou lhe contar tudo sobre Islaen e sobre como ela está. Ou melhor, tudo que posso dizer.
— Como assim, tudo que pode dizer? — Faminto, ele começou a comer o mingau.
— Não sou médica, Iain.
— Graças a Deus! Os idiotas a sangrariam, e ela não precisa disso.
— Não mesmo. Mas tudo ainda é muito recente, e, pelo que sei, foi uma ocasião muito difícil. Talvez por isso ela ainda esteja inconsciente. Islaen está esgotada, e isso prolonga a letargia provocada pela pancada na cabeça.
— Você não parece muita segura disso.
— E como poderia estar? Não sei muito sobre ferimentos na cabeça. Ninguém sabe.
— Não está me acalmando muito. Não pode me dar uma boa notícia?
— Ela está viva, Iain. O ferimento em sua cabeça é grande, mas Meg, eu e Wallace o examinamos, e nenhum de nós encontrou nada de alarmante sob a pele. O corte aberto pela pancada não é muito grande, e ela se movimenta e resmunga, embora permaneça adormecida. Acho que isso é um bom sinal. Deve indicar que ela não está muito longe de nós.
— Imagino que sim. Mas gostaria de vê-la.
— Vai ter de esperar mais um pouco, Iain. Talvez possa ir vê-la amanhã.
— Obrigado por ter cuidado tão bem dela, Storm.
— Eu gosto de Islaen. Nós nos tornamos grandes amigas nos seus prolongados períodos de ausência.
— Acho que mereço a condenação que ouço em sua voz.
— Não é condenação, Iain. Eu só...
Não precisa mentir para me agradar. Tenho sido Poupado demais.
Seus temores eram reais, Iain.
Sim, mas eu me deixei dominar por eles, e vivi escondido como um animal acuado. Alexander não me poupou.
— Alexander fala demais.
— Talvez, mas dessa vez ele está certo. E, ao falar com franqueza sobre o erro que eu estava cometendo, ele abriu mão de algo muito importante.
— O quê?
— O direito de conquistar Islaen.
— Ah... eu já me perguntava se você teria notado.
— Sim, eu notei, e o próprio Alexander me disse.
— Nunca houve nada além de amizade entre eles, Iain.
— Eu sei. Islaen acredita que ele só se encantou por ter encontrado nela alguém capaz de enxergar além de seu rosto perfeito. Nem eu mesmo sabia o quanto Alexander possui além de beleza. Ele foi capaz de ver o que eu não via, e me fez enxergar isso. Eu estava tentando proteger Islaen, tentando me certificar de que ela não sofreria nem ficaria sozinha para criar um filho meu, caso MacLennon vencesse, mas estava protegendo a mim mesmo, e nem isso eu estava conseguindo. Entende o que eu quero dizer?
— Sim. Não queria gostar dela. E eu não sou a pessoa mais indicada para ouvir tudo isso.
— Eu sei, mas queria testar minhas palavras. Acha que ela vai conseguir entender e me perdoar?
Storm decidiu que não cabia a ela dizer com que facilidade Islaen poderia perdoá-lo.
— Se tiver palavras tão doces para ela, certamente.
— Bem, acho que posso pensar em algumas. — Ela sorriu. — Espero não ter perdido minha chance.
— Não. — Ela se levantou e pegou a bandeja. — Descanse, Iain, e... Posso fazer uma sugestão?
— E claro que sim.
— Procure conversar com ela em algum lugar onde ninguém possa interrompê-los, e tente também garantir alguns dias durante os quais possa provar suas palavras. Isso pode demorar um pouco. Islaen precisa se recuperar, e vai haver sempre gente em torno dela.
Iain suspirou e assentiu, reconhecendo a sabedoria do conselho. Robert mandara um mensageiro à casa dos MacRoth, e logo haveria ainda mais gente cercando sua esposa. Tudo que teria seriam alguns momentos roubados e nenhuma privacidade. Paciência era a palavra de ordem.
Quando Iain acordou, foi com um violento sobressalto. Islaen gritava seu nome, e ele se sentou na cama, confuso. Já se levantava apressado, pensando em ir atendê-la, quando Alexander se aproximou da cama.
— Tenha pelo menos a decência de vestir a calça antes de ir ao quarto dela — sugeriu, ajudando-o na tarefa.
— De onde você surgiu?
— Do colchão no canto do quarto. Decidimos que seria melhor observá-lo de perto por mais algum tempo.
Ao se levantar, Iain percebeu que ia mesmo precisar do braço que Alexander passava em torno de seu corpo. A dor na cabeça havia diminuído consideravelmente, mas ainda o incomodava. Quando começaram a caminhar na direção da porta, Iain amaldiçoou a fraqueza que o retardava.
Com o retorno lento da consciência, Islaen foi tomada de assalto pelas lembranças do confronto com MacLennon. A visão que mais a atormentava era a de lain indefeso diante de um inimigo perigoso, cruel, transtornado e armado. Pior ainda era não saber o que havia acontecido depois de ter sido atingida pelo golpe de MacLennon. Pensar que lain podia estar morto a fez gritar o nome dele. Ela se sentou devagar, e gritou novamente ao sentir a forte dor na cabeça. Segurando-a entre as mãos, tentou sair da cama, impelida pela necessidade de ver o marido, mas Meg e Storm a contiveram.
— Não pode sair da cama — Meg anunciou, tentando deitá-la novamente.
— Preciso ver lain — ela protestou, constatando que não tinha forças para deixar o leito.
— Não pode vê-lo.
— Storm! Ele está morto? MacLennon o matou?
— É claro que não — lain respondeu ao entrar no quarto.
A cabeça de Islaen doía tanto, que ela tinha dificuldades para enxergar nitidamente.
— lain? É você, lain?
— Sim, sou eu — ele confirmou, acomodando-se ao lado dela na cama.
— Oh, lain! Tive medo de que estivesse morto! Não consegui lembrar o que aconteceu depois de MacLennon ter me acertado na cabeça. Devo ter desmaiado.
— Sim, e passou dois dias inconsciente.
— Como escapou dele?
— Ele caiu logo depois de ter acertado aquele golpe em sua cabeça.
— Então, o grito que ouvi...
— Também ouvi o grito. Foi MacLennon. Você o havia acertado antes, e o impacto da pancada acabou por derrubá-lo, embora tenha demorado a surtir o efeito desejado.
— Ele...?
— Está morto, Islaen.
— Eu devia me sentir feliz por isso. Estou, confesso, mas lamento que não tenha podido ser diferente.
— Ele precisava morrer. Jamais nos teria deixado em paz de outra maneira. A loucura o impelia a insistir até que nós dois estivéssemos mortos. Éramos nós... ou ele.
Ela assentiu bem devagar, temendo piorar a dor na cabeça. lain tinha razão. MacLennon os deixara sem alternativa. A única forma de detê-lo em sua loucura era matá-lo. Só lamentava ter sido ela a autora do golpe fatal. Apesar de tudo que o homem fizera, algo nela se rebelava com a violência do ato cometido.
— Islaen, beba esta poção — Meg ordenou, aproximando-se da cama com uma caneca.
Islaen fez uma careta infantil e virou o rosto, encolhendo-se ao lado do marido.
— Não vou beber nada. lain interferiu:
— Essa atitude não condiz com o comportamento
de uma mulher adulta.
— Se tivesse de beber uma das poções de Meg, também agiria como criança.
— Ainda não matei ninguém — Meg resmungou aborrecida.
— Mas esteve bem perto disso uma ou duas vezes.
— Islaen — lain censurou-a com firmeza.
— Ah, está bem — ela cedeu, tentando se sentar, nas desistindo ao ser acometida por uma repentina tontura. — Estou mais fraca do que imaginava.
lain assentiu e a sustentou com um braço.
— Eu ainda estou fraco, mas já posso sentir que minhas forças retornam devagar. Você esteve inconsciente por mais tempo. Vai precisar de mais cuidados e de um período de repouso mais longo para se recuperar completamente. Para que serve a poção, Meg?
— Para matar — resmungou Islaen. Meg ignorou o comentário sarcástico.
— Para aliviar a dor. Imagino que ela tenha uma terrível dor de cabeça. — Meg assentiu com ar de aprovação ao ver Islaen beber todo o conteúdo da caneca, apesar das inúmeras caretas. — Fiz a mistura mais fraca.
— Essa infusão vai me fazer dormir? — Islaen perguntou, acomodando-se nos braços de lain.
— Não precisa de ajuda para isso. Vai dormir muito nos próximos dois ou três dias.
— Mas eu acabei de acordar.
— Ela tem razão, Islaen. Comigo também foi assim — lain anunciou. ― Eu tentava ficar acordado, mas não conseguia.
— Bem, agora que já viu que ela está bem, milorde, pode voltar para sua cama — Meg disse com austeridade.
Contendo o desejo de se agarrar a ele, Islaen murmurou:
— Ela tem razão, lain. Não precisa ficar aqui, se não quiser.
— Eu quero. E vou ficar bem aqui.
— Mas eu preciso cuidar dela e...
— Meg, Islaen e eu somos casados. Não vou ver nada que já não tenha visto antes.
— Quanta gentileza — Alexander manifestou-se pela primeira vez desde que entrara no quarto.
Por um momento, Islaen chegou a se preocupar com a necessidade de resguardar um mínimo de privacidade. Mas o desejo de ter lain ao seu lado era maior do que qualquer coisa. O medo de descobrir que ele havia morrido deixara um gosto amargo em sua boca.
― Acho que é melhor que deixemos Islaen descansar ― lain anunciou a todos os presentes. — Se a família dela viajar com a mesma rapidez de quando as crianças nasceram, amanhã eles estarão aqui. Ela deve estar descansada para recebê-los.
Meg franziu a testa, mas assentiu.
― Sim, e eles vão insistir em vê-la — ela acrescentou. — Eu fico aqui agora, lady Storm. Precisa descansar. Os MacRoth estão a caminho, e todos sabemos que haverá muito trabalho por aqui quando eles chegarem.
Islaen acordou assustada, em parte pelo sobressalto de lain, em parte porque ouvira um estrondo. A porta do quarto havia batido com violência.
— Papai! Ainda não aprendeu a bater antes de entrar?
— Você não teria ouvido — Alaistair respondeu sem rodeios, estudando os hematomas no rosto da filha. — A luta foi dura, pelo que estou vendo.
— Luta? As bofetadas foram doloridas, isso sim! Ah... Papai, acha que pode esperar um instante lá fora? Há uma ou duas coisas que preciso fazer antes de me sentar e conversar.
Storm surgiu no meio dos irmãos de Islaen, que se reuniam perto da porta. Eficiente, ela conduziu todos eles de volta ao corredor. Islaen quase riu ao ver o pai carregar Iain para o quarto vizinho, onde o ajudou a cuidar de suas necessidades, como Storm a ajudava com as dela.
— Vou buscar seu desjejum — ela anunciou. — E não faça cara feia. Não será mingau.
Quando Storm abriu a porta do quarto para sair, todos os MacRoth entraram.
— Por Deus! Todos os meus irmãos estão aqui? Ah... Não. Vejo que os gêmeos mais velhos não vieram.
— Não — Colin confirmou depois de beijá-la na testa. — E também deixamos Gamei em casa. Ele se lamentava por não ter conseguido protegê-la.
— Pobre Gamei. Tive esperanças de que vocês o fizessem ver as coisas de um jeito mais realista.
— Ele é um bom rapaz, meu bem — o pai dela opinou ao sentar-se na cama. — E é sábio, também, quando decide parar de falar bobagens. Agora, apresente seu marido a Angus e Conan, e depois nos conte tudo que aconteceu.
Islaen sabia que Robert já devia ter feito aquilo, mas atendeu ao pedido do pai. Storm e Meg chegaram com a comida quando ela estava no meio do relato, e Islaen começou a se alimentar enquanto Iain terminava de contar a história. Na verdade, as lembranças ainda eram muito recentes e amargas para que ela pudesse descrevê-las com calma. Quando ele terminou, e todas as dúvidas foram esclarecidas, Islaen se sentia exausta. A cabeça doía menos que antes, mas ainda a incomodava. Apoiada em Iain, ela se aninhou em seu peito.
— Estou orgulhoso de você, minha querida — Alaistair confessou com tom admirado.
— Ela devia ter fugido quando mandei — Iain protestou.
― Essa não teria sido Islaen. Você precisava de ajuda. Compreendo que uma mulher tenha o dever de obedecer ao marido, mas também posso ver claramente a razão da desobediência nesse caso. E reconheço que aprovo a atitude de minha filha. Ah, as crianças! — ele exclamou com alegria quando Storm, Meg e Grizel depositaram os trigêmeos na cama da mãe.
Islaen percebeu, de repente, que não sentira necessidade de alimentar os pequeninos, e olhou consternada para Storm, que colocava Padruig em seus braços.
— Storm, acho que não posso...
— Eles foram alimentados. Suspeitei que seu leite havia secado e tomei todas as providências necessárias. O choque causado pelo ataque, a fraqueza provocada pelo ferimento... De qualquer maneira, agora eles precisam de outros alimentos, e passaram a beber leite de cabra. Grizel tem cuidado bem das crianças, embora tenha sido forçada a pedir ajuda a outra jovem, pois os três querem comer ao mesmo tempo. Não é nenhuma tragédia desmamar os filhos, Islaen.
Sabia daquilo, mas não podia evitar o sentimento de perda. Sempre havia gostado de amamentar os filhos, e não conseguia sufocar o ciúme que sentia de Grizel, mesmo sabendo que o sentimento era tolo, egoísta e infundado.
— Não precisa ficar tão aflita — Alaistair censurou a filha, pegando Padruig de seus braços.
Storm, Grizel e Meg saíram do quarto sem fazer alarde.
— Eu sei que é bobagem, papai, mas tenho a sensação de que os perdi.
— Tem razão, é bobagem. Até Liusadh vai se aproximar mais de você quando se alimentar não for sua principal preocupação. É claro que a ama será sempre muito querida para ela, mas você é a mãe. Muitas damas deixam de alimentar seus bebês, mas nem por isso perdem o amor dos filhos. Pode alimentá-los com leite de cabra e mingau, e assim não estará completamente ausente na hora das refeições dos pequenos. Você os teve em seu ventre por nove meses. Essa é uma marca que não se apaga.
— Tem razão. Acho que não estava preparada para essa perda, por isso a senti tão profundamente por um instante. — Ela olhou para lain, que sorria embevecido para a filha. — Liusadh já reconhece o pai e o encanta com suas gracinhas.
Quando a neta o encarou e sorriu, Alaistair não conseguiu esconder a emoção.
— Ela tem os olhos de sua mãe. Mesmo com o cabelo escuro de seu marido, essa menina ainda será uma beldade.
Pouco depois, Alaistair se retirou do quarto de Islaen, que sorriu ao ver os filhos serem levados nos braços dos tios atenciosos. Era bom saber que, o que quer que acontecesse no futuro, seus filhos jamais ficariam sem amor. Bocejando, ela se aninhou no peito de lain sabendo que logo estaria dormindo.
— Ainda está aborrecida por seu leite ter secado? Ela corou. Devido às ausências prolongadas, não estava acostumada a discutir esse assunto com o marido.
— Já passou. Foi inesperado, só isso, e me deixei tomar pelo receio e pelo ciúme. Já sentia que Liusadh não me pertencia, e de repente tive a sensação de que perdia também os meninos. Mas meu pai tem razão. Amamentar é só parte da vida de uma mãe, e posso perfeitamente encontrar outras formas de me manter presente na vida de meus filhos e de demonstrar meu amor por eles. Meu pai nunca esteve presente em minha vida como minha mãe ou a ama de leite, mas nunca deixei de amá-lo. Pensar nisso me acalma.
— Ótimo. Agora descanse, Islaen.
— Se não quer dormir, lain, não precisa ficar comigo.
— Eu vou ficar.
Havia na voz dele um tom diferente, uma nota que a intrigava e alimentava sua esperança. Era quase como se ele fizesse um voto. Antes de MacLennon aparecer, ela tivera a impressão de que algo havia mudado nos sentimentos do marido, mas tivera medo de alimentar esperanças. Se não estivesse tão sonolenta, tentaria discutir o assunto com ele. Era hora de pararem de esconder o que sentiam, de tentar adivinhar o que havia no coração do outro, de se abrirem como marido e mulher. Mas esse tipo de discussão exigia concentração e firmeza, e naquele momento ela não dispunha de uma ou outra. Antes de adormecer, ela pensou que, se tudo que havia conseguido era trazê-lo de volta para sua cama, a conquista teria sido suficiente. Por enquanto...
lain praguejou quando, com a ajuda de Alexander, levou uma arca para uma das carroças que esperavam diante da porta. Os MacRoth haviam chegado uma semana antes, e ainda não davam sinais de que pretendiam partir. Quando conseguia ficar sozinho com Islaen, ela estava sempre cansada demais para ter uma conversa séria. Não tinha avançado nada para resolver os problemas que ameaçavam seu casamento.
— Não quer me dizer por que está tão nervoso? Lamenta a decisão de deixar Caraidland?
— Não, Alex. São os MacRoth...
— Eles estão ajudando muito. Vai conseguir se mudar para Muircraig com uma única viagem, Iain.
— Sim, eu sei, mas passo o tempo todo tropeçando neles! Não consigo ficar sozinho com Islaen. Quando vamos para o nosso quarto, à noite, ela dorme imediatamente.
— Se foi capaz de manter uma abstinência de seis meses, pode perfeitamente suportar quinze dias de privação.
— Não é só isso. Na verdade, não é isso. Alex, estive pensando em tudo que você me disse sobre perder tempo e desperdiçar oportunidades e... Bem, no dia em que MacLennon nos atacou, eu havia decidido que você estava certo.
— Ah... E ainda não teve chance de conversar com Islaen sobre isso.
— Exatamente. Storm me aconselhou a esperar um momento de privacidade, porque ela acha que vou precisar de todo empenho para convencer Islaen de minha intenção.
— Sim, ela pode ter dúvidas. É uma mudança muito radical.
— É isso. E já começo a temer que tenha de esperar mais um ano para conseguir falar com ela a sós.
— Que exagero, Iain!
— Não tem nenhuma sugestão sobre como posso me livrar dos MacRoth sem ofendê-los?
— Não quero me intrometer nisso.
A chegada de dois irmãos de Islaen interrompeu a conversa, e Alexander aproveitou para se afastar. Iain não voltou a vê-lo até que já estivessem prontos para deixar Caraidland. Alexander estava cercado pelos MacRoth, e Iain disse a si mesmo para não alimentar suspeitas, antes de ir atrás da esposa.
Islaen abraçava Storm e lutava contra as lágrimas. Queria ir viver em sua própria casa, mas odiava deixar Caraidland. Iain voltara a dormir em sua cama, mas ainda não fizera amor com ela, e ainda não ocorrera nenhuma melhora na comunicação entre eles. Temia a solidão que poderia ter de enfrentar, se o casamento se mantivesse como antes depois da mudança para Muircraig.
— Islaen — Storm disse com um sorriso trêmulo —, não vamos estar muito longe uma da outra. E bom que possa viver em sua própria casa com Iain, em vez de seguir dividindo seu marido com outras pessoas.
— Não tenho tanta certeza disso.
— Há algum problema entre vocês?
— Não, nenhum. Mas também não há mais nada. MacLennon está morto, mas duvido que o medo de Iain com relação à gestação e ao parto tenha desaparecido. Agora esse medo é menor, eu sei, mas ainda não estamos nem perto de ter uma ligação verdadeira. Ele dorme em minha casa, mas não voltou a fazer amor comigo.
Storm teve de se controlar para não revelar tudo que Iain havia conversado com ela, porque era forte a urgência de apagar dos olhos da amiga aquela profunda tristeza.
— Dê tempo ao tempo, Islaen. Talvez ele não saiba como começar. Com relação a não terem feito amor, bem... Você tem estado cansada ultimamente. Não creio que tenha se recuperado por completo, e a visita de sua família causou grande agitação e desgaste ainda maior.
— Sim, eu tenho dormido assim que minha cabeça encontra o travesseiro. Espero que esteja certa, Storm, ou Muircraig não será um lar, e meu casamento não será um casamento. Terei apenas um homem que usará meu corpo de vez em quando, e nada além disso.
— Não seja tão pessimista. Sinto que tudo vai melhorar entre vocês, Islaen. Agora, trate de se apressar. É hora de partir.
Sentada em uma carroça com as crianças, Meg e Grizel, Islaen viu lain cavalgar entre os homens, aproximando-se de tempos em tempos de uma ou outra carroça para se certificar de que tudo ia bem. Era doloroso vê-lo tão distante. Não sabia se ainda teria paciência ou energia para continuar lutando por um lugar no coração dele. Seu amor era forte como antes, mas a falta de iniciativa de lain a desanimava. Depois de tantos meses, estava cansada de lutar sozinha.
Uma vez em Muircraig, ela se ocupou de supervisionar a colocação de todas as coisas em seus lugares. Várias vezes, viu Alexander conversando com um dos irmãos, mas a suspeita de que ele podia estar tramando alguma coisa teve vida curta, pois estava atribulada demais para se preocupar com aquilo. Se Alexander estivesse interferindo novamente em assuntos da família, ela descobriria depois.
— As coisas não vão bem — Alaistair dizia a Alexander, olhando preocupado para a filha e seu marido.
— Mas logo vão melhorar.
— Você sabe muito sobre o que acontece entre os dois, não é?
— Ambos são meus amigos, e quero muito que sejam felizes, o que só poderá acontecer com a manutenção desse casamento que foram forçados a aceitar.
— Eles estão juntos há meses, mas ainda não se entenderam.
— Está enganado. Tudo se encaminhava para uma solução pouco antes da morte de MacLennon. Infelizmente, o vilão os atacou antes que lain pudesse conversar com Islaen sobre a mudança em seus sentimentos por ela.
— O ataque ocorreu há mais de uma semana. Ele desistiu de falar?
— lain precisa de tempo e privacidade para iniciar essa conversa e provar seus sentimentos.
— Ele terá toda a privacidade de que necessita, porque estou cansado de ver minha filha fingir que nada está errado.
Alaistair procurou os filhos e anunciou que a família partiria assim que tudo estivesse pronto.
— Mas, papai — Islaen protestou ao ser informada de que tudo já estava pronto —, trouxemos comida para todos! Não prefere esperar o amanhecer?
— Não. Só ficamos para ajudar na mudança. Vamos voltar a Caraidland para pegar nossas coisas, e de lá partiremos.
— Antes do inverno, nós todos iremos visitá-los — lain prometeu ao acenar para a família da esposa. Ele mantinha um braço em torno da cintura de Islaen, que não escondia a tristeza com o adeus. — E levaremos as crianças. Eles já terão idade suficiente para viajar.
— Certamente. Devo providenciar sua refeição?
— Sim, eu gostaria de me recolher cedo. Muito cedo...
Sentindo-se corar, Islaen tratou de ir cuidar do jantar. Iain podia estar dizendo apenas que queria ir dormir cedo, ela disse a si mesma. Ultimamente, ele não demonstrava nenhum outro desejo quando estava na cama. Tudo que queria era dormir. Não devia alimentar esperanças... mas era impossível conter o entusiasmo que desabrochava em seu peito. Recentemente, pensava muito em fazer amor com Iain. Acordava lamentando ter dormido tão depressa e tão profundamente, estranhando que ele não tentasse acordá-la. Mas, por mais que esperasse ansiosa pela reaproximação física, estava decidida a não tomar a iniciativa.
Iain manteve uma conversa amigável durante a refeição, e tratou de se certificar de que a esposa não bebesse mais do que alguns goles de vinho. Já seria difícil o bastante dizer tudo o que pretendia, e não queria ter de repetir tudo por ela estar entorpecida pelo vinho. Ele a deixou ir primeiro para o quarto, usando o tempo para se preparar e fortalecer a resolução que, de repente, parecia menos firme que antes. Seu maior medo era ser rejeitado ou ver o desinteresse nos olhos dela. Temia ter esperado demais, ter matado os sentimentos que Islaen nutrira por ele no passado. Esvaziando a caneca de vinho, ele se levantou e decidiu agir de uma vez, antes que a espera o enlouquecesse.
Quando o marido entrou no quarto, Islaen o observou de maneira discreta. Tinha se despido rapidamente e se deitara, mas seria inútil fingir que estava dormindo. A súbita mudança de atitude de Iain a deixava nervosa.
— Islaen, precisamos conversar — ele anunciou ao se deitar.
Falar não era o que ela pensava em fazer quando o tinha tão perto, mas não expressaria seus reais desejos. Além do mais, temia o que ele estava prestes a dizer. Se ela via o fracasso do casamento, ele também devia ver e, diferente dela, não era impelido pelo amor a tentar reparar a situação de uma forma ou de outra. Era melhor ir direto ao ponto, pois a espera só aumentaria a ansiedade e causaria ainda mais sofrimento.
— Posso ir para a casa do meu pai — ela declarou, de repente.
Iain, que procurava encontrar a melhor maneira de começar a falar, empalideceu.
— O que disse?
— Meu pai me aceitará de volta, se eu disser que a decisão foi minha. Não vai haver nenhuma dificuldade.
— O que está dizendo?
— Vai me mandar embora, não vai? Ele a abraçou com força.
— Por Deus, Islaen, não! Por que eu faria tal coisa?
— Porque... nosso casamento deixou de funcionar há muito tempo?
— Estamos casados há um ano e meio. Não é tanto tempo assim. Além do mais, se não funcionou até agora, a culpa é toda minha. Eu não deixei as coisas acontecerem. Convenci-me de que seria melhor assim.
— Por quê?
— Não consegue imaginar?
— Bem, eu... Sim, mas não tenho certeza.
— Eu queria poupá-la da dor, Islaen. Queria impedir seu sofrimento.
— Nunca pensou que poderia ser doloroso e sofrido ter um marido vivo, mas frio, indiferente e distante?
— Sim, mas me convenci de que esse seria um sofrimento menor. Você ainda poderia encontrar outro homem para amar, alguém com quem pudesse se casar.
— Ou talvez eu não tivesse me arriscado de novo. Depois de ter dado tudo ao meu marido sem receber nada em troca, não teria coragem ou energia para tentar novamente. O fracasso também é um amargo sofrimento, Iain — ela disse, provocando um olhar surpreso. — Está me dizendo que não vai mais fugir de mim, que talvez tenhamos uma chance de fazer de nosso casamento uma união real, e de Muircraig um lar...?
— Você gostaria disso? — Ainda havia muito a dizer, mas ele já começava a despi-la, incapaz de conter o desejo que sentia por ela.
— Sim. Eu gostaria muito. Isso é tudo que eu sempre quis, Iain. Beije-me — ela sussurrou.
— Ainda não terminamos de conversar — ele lembrou, mesmo atendendo ao pedido.
— Eu sei, mas agora que você tranqüilizou alguns dos meus medos, estou pensando em outras coisas. Faz tanto tempo, Iain... Achei que não me quisesse mais...
— Não imagina como senti falta de sua doçura — ele murmurou antes de beijar o pescoço delicado e tentador.
Islaen segurou-o pelos cabelos ao senti-lo sugando um mamilo, mas ainda conseguiu falar:
— Sentiu falta... mas se manteve distante.
— Foi necessário — ele explicou enquanto terminava de despi-la. — E foi uma tortura. Não houve um único momento em que meu corpo não tenha clamado pelo seu.
― Conheço bem esse tormento, Iain. Vamos acabar com ele agora.
Os corpos se uniram avidamente. Islan se agarrou a ele, correspondendo ao fogo do marido como se nada mais importasse. A paixão e o desespero no beijo dele correspondiam às investidas impetuosas do corpo quente. Ela saboreava cada momento da união física como se fosse o último. Queria prolongar a experiência, mas ansiava pelo clímax, e abandonou-se ao prazer. Escutou-o gritar seu nome conforme atingiam, juntos, o êxtase.
Saciado e incentivado ao saber que ela ainda o desejava, Iain retomou a conversa.
— Agora, onde eu estava mesmo quando você me interrompeu? — perguntou, acariciando-a lentamente em um dos seios.
— Iain, se quer conversar, sugiro que não me toque dessa maneira, ou vou acabar me distraindo de novo.
— A possibilidade é tentadora. — Ele riu.
— O que quer me dizer?
— Quero esclarecer tudo entre nós.
— Quer recomeçar do zero? É isso?
— Exatamente, Islaen. Não foi só de você que tentei fugir. Fugia de mim mesmo, de tudo que você me faz sentir. Depois de perder Mary, depois da morte de Catalina, eu me fechei para todos os sentimentos, tranquei minhas emoções. Cerquei meu coração com uma armadura tão forte quanto a de qualquer guerreiro. Não queria sentir mais nada. No momento em que nós nos conhecemos, Islaen, você provocou a primeira rachadura nessa muralha. Acho que percebi que perderia a batalha quando me dei conta de que você era capaz de me fazer sorrir. Como sabe, o desejo físico não precisa da participação do coração, e apesar de nunca ter desejado outra mulher como a desejo, sempre acreditei que poderia separar as duas coisas. Um homem sempre aprende a manter a luxúria isolada dos sentimentos. É difícil explicar, mas...
— Não precisa ser tão exato, Iain.
— Ótimo, porque talvez eu não possa — ele confessou, sugando-lhe um dos seios e, depois, calmamente tomando o outro.
— Quando decidiu parar de fugir? Não pode ter sido apenas hoje. Foi quando MacLennon morreu? — Ela cerrou os punhos para resistir ao impulso de corresponder às carícias.
— Não. Foi antes disso — ele explicou, deslizando a mão por suas coxas, tocando-a intimamente enquanto prosseguia: — Quando foi capturada por Fraser, cheguei a pensar que minhas razões para manter distância eram justificadas, afinal. Se havia a menor chance de você experimentar um décimo da dor que senti quando pensei que podia estar morta, então eu tinha mesmo o dever de protegê-la daquela experiência. E, na verdade, estava tentando me proteger, também. Temia por mim e por você. Mas algo me fez mudar de idéia. Alexander... Ele me fez pensar que Deus decide o momento em que cada um de nós vai morrer. Eu não tinha de aceitar o destino que MacLennon tentava me impor. Ele me fez entender que eu estava nos privando, desperdiçando o precioso tempo que Deus nos concedeu. E, quando você chegou a Muircraig com a intenção de me seduzir, eu já estava decidido. Não queria mais perder tempo. Estava disposto a lutar para recuperar o tempo perdido. E agora, Islaen, não quero mais ficar longe de você. Quero viver cada instante de prazer plenamente, saborear cada segundo dessa união...
Quando ele se interrompeu e beijou-a, Islaen ansiava por ele, estimulada pelas carícias sensuais. Fechou os olhos, abandonando-se às sensações ao senti-lo penetrar seu corpo. Ele se movia devagar, e tomou seu rosto entre as mãos.
— Abra esses lindos olhos ― sussurrou. — Quero ver seu prazer. — Beijou-a nos lábios. — Quero que você veja o que faz comigo, querida. — Sentindo que Islaen estava perto do clímax, aumentou o ritmo, desejando unir-se a ela. — Sim, querida, olhe para mim. Quero que veja meu amor.
Juntos, chegaram ao êxtase. Quando Iain recuperou-se um pouco, deitou-se ao lado dela, apoiando-se no cotovelo para fitá-la. Beijou-a de leve no rosto, orgulhoso ao saber que era capaz de proporcionar-lhe tais sensações, algo que ela nunca tentara esconder. Esperava que fosse um sinal de que poderia reconquistá-la. Admitiu que precisava desesperadamente ser amado por ela.
Islaen estava com medo de abrir os olhos. Escutara-o murmurar palavras de amor, mas temia que tivesse sido um sonho. Desejara tanto ouvi-las que não acreditava que fossem reais.
— Está dormindo, querida?
— Não.
— Juro que agora tudo vai ser diferente, minha adorada esposa. Sei que vou precisar de tempo para provar o que digo e...
— Não, Iain.
Não tenho sido um bom marido. Não tenho dado o que sei que você necessita...
— Você nunca me prometeu nada. E nunca mentiu para mim. Se agora diz que tudo vai ser diferente, eu acredito.
— Eu não mereço você, Islaen. Sempre teve muita paciência com o idiota com quem se casou.
—Você não é um idiota. — Ela riu. — Fez o que achou que fosse certo. Sim, eu tive raiva algumas vezes, mas não conseguia me desviar do caminho que escolhi assim que pus os olhos em você pela primeira vez.
— Por quê, Islaen?
— Porque eu amo você — ela sussurrou, recebendo um beijo de tirar o fôlego. — Nossa, não esperava isso...
— Por que não? — ele perguntou. — Um homem não pode ficar maravilhado ao descobrir que seu amor é retribuído, mesmo ele tendo agido como um tolo?
— Seu amor retribuído?!
— Ah, Islaen, será que não ouviu o que eu disse?
— Eu não tinha certeza. Quis escutá-lo dizer essas palavras por tanto tempo que achei que estivesse sonhando.
— Não, querida, você não estava sonhando. Eu amo você. — Ele riu quando ela o abraçou com força, e brincou: — Não precisa espremer as palavras. Eu as direi sempre a partir de agora.
— Espero que nunca se canse de dizê-las, Iain, porque eu nunca me cansarei de escutá-las. Tive tanto medo de que você não me amasse.
— Ah, Islaen, eu soube que a amaria desde o começo. Você me enfeitiçou. Vou amá-la até conseguir apagar todas as suas dúvidas.
Ela ia começar a dizer que não tinha mais nenhuma, que seu coração e seus olhos lhe diziam que ele falava a verdade, mas então sorriu lentamente.
― Bem, acho que tenho mesmo algumas.
Vendo o olhar travesso da esposa, ele também sorriu.
― Então, é melhor que eu comece agora mesmo. Acha que precisará que eu prove meu amor com freqüência?
― Para sempre — ela sussurrou, inclinando-se para beijá-lo. — Nesta vida e além.
Hannah Howell
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