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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CATAMOUNT E O ASSASSINO DE DACOTA / Albert Bonneau
CATAMOUNT E O ASSASSINO DE DACOTA / Albert Bonneau

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 


NA TERRA DE SITTING-ELLL
Desde que a diligência de Fort-Pierre partira de Gettisburgo, a chuva ainda não parara de cair, impetuosa, alagando os caminhos, batendo violentamente nos lados da carruagem, cobrindo com o seu permanente crepitar o som dos guizos dos cavalos.
Embrulhado numa ampla capa de borracha, que o cobria até aos pés, e com um chapéu de oleado, que o fazia parecer um lobo do mar, Isaac Nicolson, o cocheiro, ia de cabeça baixa, e com ar aborrecido. De vez em quando incitava os cavalos, que avançavam então mais depressa, fazendo saltar a água das poças.
No fundo da carruagem, apenas se encontravam três viajantes, que tinham comprado bilhetes para Fort-Pierre. O primeiro deles, Mat Botwell, agente das Reservas, ia proceder à habitual inspeção dum setor que lhe era familiar; desde que a viatura iniciara a marcha, não deixara de fumar cachimbo, enchendo o compartimento com uma fumaceira infeta... De vez em quando, trocava algumas palavras com o viajante que ia sentado na sua frente, e que era nada menos do que Sydney Austin, negociante de peles, mais duma vez encontrado nos territórios índios.

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O terceiro viajante, Oscar William Byrnes, mantinha-se num canto, sem proferir uma palavra, amaldiçoando intimamente as circunstâncias que o tinham obrigado a sair
de Nova Iorque, quatro dias antes, para viajar naquela região perdida do Sul de Dacota.
Na verdade, era a primeira vez que o inspetor assim viajava em direção ao Oeste. Até então, nunca as exigências da profissão o tinham atirado para tão longe, O impermeável
tapava-lhe os joelhos e, com a pala do boné sobre os olhos, de sobrancelhas espessas, não deixava de, fingindo dormir, vigiar disfarçadamente os dois companheiros
de jornada.
De vez em quando, O. W. Byrnes sacudia os ombros, onde caía, gota a gota, água da chuva, que entrava por uma fenda da janela, ameaçando transformar-lhe o colarinho
num harmónio.
Na verdade, desde o início duma carreira bem trabalhosa, nunca O. W. Byrnes viajara em condições tão pouco confortáveis. Depois de ter deixado o caminho de ferro,
em Gettisburgo, para se meter nos territórios índios de Dacota, tivera de se servir daquele calhambeque, que certamente datava de trinta ou quarenta anos antes da
guerra da Secessão. Os solavancos, ininterruptos, faziam-lhe doer os rins. De vez em quando, acendia um cigarro, para vencer o cheiro desagradável do cachimbo de
Mat Botwell e, com a manga, limpava o vidro embaciado da janela, que não deixava ver a paisagem.
Na monotonia do caminho, apenas de vez em quando se via uma ou outra casa de madeira, fazendo lembrar as casas dos pioneiros, 6nos tempos heróicos. Os"ranchos" estavam situados mais longe, para Oeste, ao longo do fértil vale do Missuri.
Contemplando, enfastiado, a paisagem esfumada pela chuva, sob um céu baixo e cheio de nuvens negras, o inspetor evocava as cavalgadas épicas doutrora, naquela região.
Tinha sido dantes o território dos Sious Ogallalas, cujo famoso chefe, Sitting-Bull, tanto dera que falar. Os rebanhos de búfalos tinham desaparecido com o velho
chefe, dizimados por caçadores sem escrúpulos. Os últimos representantes dos "Sioux" tinham-se refugiado quase todos no Canadá, e os restantes, por ordem do governo,
viviam nos parques das Reservas, acabando uma existência sem glória.
Búfalos, índios... Tudo isso parecia agora bem longe e, no entanto, ainda há uma década os pioneiros tinham de se defender contra os ataques dos Peles-Vermelhas,
que se esforçavam por lhes proibir o acesso aos seus territórios. Chegara o homem branco, e o "cavalo de ferro", como os índios chamavam ao comboio, penetrava cada
vez mais no Dacota. Dentro em pouco, chegaria a altura de desaparecerem também as velhas diligências.
Mas, por enquanto, forçoso era contentar-se com aquela traquitana. O. W. Byrnes voltou a ajeitar-se, para se defender o melhor possível da água que continuava a
entrar-lhe entre o pescoço e a camisa, provocando-lhe uma sensação desagradável. Mais uma vez praguejou contra o capitão Fierce, que o fizera sair de Nova Iorque.
Era um velho amigo de infância, mas era preciso que fosse muito insensato, para assim o mandar para tão remota região.
No entanto, o inspetor cessou de resmungar.
Sidney Austin, que pouco antes tirara do bolso um jornal, soltara uma exclamação, voltando-se para o agente das Reservas, que novamente enchia o cachimbo:
Ainda não o apanharam...
Tirando do bolso o isqueiro, Mat Botwell respondeu:
Se lhe deitarem a mão, terão muita sorte. É um
homem dotado duma habilidade pouco vulgar.
O. W. Byrnes endireitara-se um pouco, descerrando ligeiramente as pálpebras. Pela primeira vez, as palavras trocadas pelos dois companheiros de viagem pareciam despertar
nele um interesse indiscutível.
- Em três semanas, já vai na terceira vítima, disse o traficante. Fort-Pierre vive atualmente numa verdadeira atmosfera de terror.
- Ponha-se no lugar deles, retorquiu o agente das Reservas, voltando a acender o cachimbo. Não é nada agradável a perspetiva de esperar, a todo o momento, ser degolado
como um vulgar frango.
Depois, guardando no bolso o isqueiro, Mat Botwell continuou:
- É um homem destemido, e não escolhe as vítimas. Homem, mulher, ou criança, tanto lhe importa, contanto que mate. O penúltimo foi o tenente Stark"
Aninhado no seu canto, o inspetor estremeceu. O tenente Stark... Era precisamente por sua causa que ele se dirigia a Fort-Pierre, chamado pelo capitão Fierce. O
infeliz oficial fora a quarta vítima do bandido conhecido agora, em toda a América, como o "Assassino de Dacota".
Depois dele, prosseguiu o traficante, houve já outra vítima: Malemute Kid.
Malemute Kid? perguntou Mat Botwell. Sabia
que tinha havido outro, mas ignorava que tivesse sido esse.
- Um pobre diabo, completamente inofensivo. O assassino nem sequer tem a desculpa, se é que há desculpa, de ter assassinado para roubar.
- É que o assassino não é um ladrão. Nunca despojou as vítimas, o que torna o caso ainda mais desconcertante.
Seguiu-se um período de silêncio, durante o qual só se ouviu o cair das bátegas.
O. W. Byrnes voltou a cerrar os olhos. Portanto, houvera outra vítima, depois de o terem chamado para tentar desmascarar o sinistro assassino de Dacota. A série
continuava, e tudo levava a crer que não terminara ainda. Interrompeu o curso dos seus pensamentos mais uma vez. Inclinando-se para o agente das Reservas, que continuava
a fumar, Sydney Austin dizia:
- Parece que chamaram um polícia de Nova Iorque. As suas palavras foram recebidas por uma gargalhada:
- Essa é boa. Um polícia de Nova Iorque... Eles acreditam que um, polícia é suficientemente astuto para descobrir a boa pista?
O traficante fez uma careta:
- A verdade é que, até agora, o sherife de Fort-Pierre...
- Admito que o mistério continue, interrompeu o agente das Reservas, mas é preciso sermos justos... Ralph Houston, o sherife. de Fort-Pierre, só entrou em funções
há dois meses. É preciso dar-lhe tempo para organizar as coisas, e respirar...
- E, entretanto, cautela... retorquiu Sydney Austin, trocista. Parece-me que foi tolice arranjarem um sherife demasiado jovem. Era preferível um homem mais velho,
cheio de experiência.
tom Brasford, o antigo sherife, era um homem
incapaz, e um bêbado. Em tais condições, admito que tenham elegido Houston que, embora novo, é um homem sério, que não hesitará em arriscar a pele para garantir
a segurança dos seus concidadãos.
O seu interlocutor fez uma careta, e parecia cético, pelo que o agente das Reservas se apressou a acrescentar:
- Estava capaz de apostar que o tal polícia que mandaram vir do Este, será ainda mais impotente do que o Houston para deitar a mão ao criminoso.
E, perante o ar de dúvida do traficante, Mat Botwell insistiu:
- Do que se precisa, não é dum janota que só venha fazer asneiras, sem nada conhecer da vida da região, mas sim dum homem forte do Oeste, habituado a manejar um
bom revólver. Para apanhar o assassino de Dacota, mais vale saber acertar bem num alvo, do que perder-se em subtilezas estéreis. Os bandidos do Far-West só se submeterão
à lei do mais forte. É por isso que eu penso que a solução boa para acabar com o terror que domina Fort-Piexre, ainda está por achar. Sem que isto diminua os méritos
de Ralph Houston, a quem teimo em conceder toda a minha estima.
A discussão ficou por ali. Apesar do ardente interesse que nele despertara o diálogo, O. W Byrnes evitou envolver-se nele, por pouco que fosse. 10 O que
-acabara de ouvir, provava-lhe a pouca consideração que os seus companheiros de viagem tinham pelos melhores polícias do Este... Sentia-se ferido no seu pundonor.
A chuva torrencial ameaçava invadir a carruagem.
- Ainda bem que estamos perto de Fort-Pierre, resmungou Sydney Austin, senão chegávamos em bonito estado.
- Estamos quase na última linha das colinas, afirmou o traficante. Dentro em pouco, desembocaremos no vale do Missuri.
- Hospeda-se no hotel? perguntou Mat Botwell.
- Não vale a pena, fico na agência da Companhia.
- Tem razão. É mais prático. Eu vou para o "Black Hills".
O. W. Byrnes continuou a fingir que dormitava. Também pensava em ir hospedar-se no "Black Hills" mas antes disso, e assim que chegasse, tinha de se avistar com o
capitão Fierce. E talvez só pudesse descansar ao fim de muitas horas.
Um solavanco mais violento do que os outros, arrancou o inspetor ao seu torpor, atirando-o de encontro ao agente das Reservas.
- Desculpe, balbuciou ele, endireitando-se, e voltando a pôr o boné, que caíra.
- Não tem importância, respondeu Botwell. Que raio de tempo para viajar. Felizmente estamos quase no fim.
A diligência acabava de passar entre duas colinas arborizadas. Os três cavalos, sentindo que estavam perto do fim da jornada, aceleraram a marcha, ajudados por uma
forte chicotada de Isaac Nicolson.
Num ângulo da estrada, a carruagem, obliquou para a esquerda. Fort-Pierre estava a menos de meia milha mas, para lá chegar, ainda era preciso vencer uma subida bastante
íngreme.
Fort-Pierre fora construído numa colina. Rodeado por uma paliçada sólida, servira outrora para vigiar o vale do Missuri, e defender, dos ataques dos Ogallaias, os
primeiros pioneiros que se tinham estabelecido em terrenos férteis, muito propícios à cultura e à criação de gado. À sua volta, tinham abatido árvores, e preparado
terrenos. Pouco a pouco, sentindo-se acompanhados, os pioneiros estabeleceram-se em volta do forte. As barracas dos índios, que dantes se viam espalhadas pelas encostas,
haviam sido substituídas por habitações de madeira, desde que os Sioux tinham sido obrigados a confinarem-se nas Reservas designadas pelo governo de Washington.
A pequena cidade desenvolvera-se com rapidez, e comerciantes e traficantes estabeleceram-se em grande número, nas redondezas. Um grande armazém, Bancos, "saloons",
etc. surgiram rapidamente, para satisfazer as necessidades e os prazeres das populações recentemente instaladas num território onde, pouco tempo antes, os índios
caçavam búfalos.
O sossego de Fort-Pierre fora perturbado depois, alguns anos antes, por ocasião da revolta de Sitting Buli, e do massacre do general Custer e dos seus cavaleiros
do 7. regimento, mas a tropa vencera definitivamente e, por seu turno, o velho revoltado vira-se obrigado a partir. Um esquadrão do mesmo regimento, comandado pelo
capitão Fierce, assegurava agora a tranquilidade dos habitantes que, de resto, os Sioux não tinham voltado a procurar ameaçar.
Logo que chegaram à estação, o cocheiro apressou-se a fazer entrega dos sacos do correio dos Estados Unidos, a cargo da diligência, e os passageiros, maçados por
uma imobilidade tão prolongada, resolveram-se a sair.
Sozinho, batido pela chuva, um homem aproximara-se da carruagem. Pertencia ao 7. regimento de cavalaria, como o provava o uniforme, parcialmente coberto por um amplo
capote. Ao ver descer o inspetor, em primeiro lugar, dirigiu-se-lhe:
- É o senhor Byrnes?
- Eu mesmo, respondeu o outro.
- O meu capitão encarregou-me de o esperar, retorquiu o soldado, e deu-me isto.
E o soldado entregou-lhe um capote, semelhante ao que ele envergava. Byrnes apressou-se a vesti-lo, para se proteger da chuva. Nas suas costas, Mat Botwell e Sydney
Austin trocaram um olhar. Os dois homens tinham ouvido as poucas palavras que ele trocara com o soldado, e ficaram com a certeza de que devia ser ele o famoso polícia
a quem o capitão Fierce chamara.
- Entremos no "Gallop", disse o agente das Reservas, apontando para o "saloon" mais próximo.
- Da melhor vontade, assentiu o traficante. Poderemos assim secar os fatos, do que bem precisamos.
O. W. Byrnes fez um trejeito, por ter a certeza de que os dois tagarelas não tardariam em espalhar a nova da sua chegada entre os seus conhecidos de Fort-Pierre.
Mas não se demorou, e deu ao cocheiro uma nota de cinco dólares, recusando generosamente o
troco e, depois de o soldado ter tomado conta da mala, começou a subir a rampa que levava ao quartel do 7. regimento de cavalaria.
Não trocaram uma palavra durante todo o trajeto, preocupados em se defenderem da chuva que os fustigava.
Começava a cair a noite, quando atingiram a entrada do bairro de Fort-Pierre, onde estava o quartel. O soldado identíficou-se perante a sentinela e, seguido pelo
inspetor, dirigiu-se a um vasto barracão, no alto do qual pendia, encharcada, a bandeira estrelada.
Já havia luz acesa no interior e Byrnes, assim que franqueou a entrada, viu que estava na messe dos oficiais. Um corredor estreito seguia ao longo de várias divisões.
Cartazes cobriam as paredes, enaltecendo os feitos valorosos do 7. regimento.
Um cheiro a tabaco, mais agradável do que o que tanto incomodara o viajante na diligência, impregnava a atmosfera saturada de humidade. Apareceram alguns soldados
que se afastaram assim que chegou um oficial, alto e magro, que se dirigiu ao encontro dos recém-vindos:
- Até que enfim, Byrnes. Dá cá um abraço, meu homem!
- Fierce!
Os dois amigos voltavam a encontrar-se, ao fim dalguns anos. O. W. Byrnes tirou o capote encharcado, entregando-o ao soldado.
- Harry, disse o comandante, leva a mala para o quarto B.
Posso perfeitamente ficar no hotel, disse o inspetor. Nada disso, ficas no quartel. No hotel, todos
os teus gestos seriam vigiados e olhar-te-iam como um animal raro...
O inspetor desistiu de continuar a opor-se, lembrando a mímica expressiva dos comjpanheiros de jornada.
- Como queiras. Na verdade, será melhor... Observaram-se durante uns momentos, parecendo
encantados em voltarem a encontrar-se.
- Estás na mesma, disse por fim O. W. Byrnes. Continuas com, o mesmo ar distinto que tinhas no tempo em que viravas a cabeça às raparigas...
- Engordaste um pouco, meu velho O. W. mas estás ainda muito apresentável.
E trocaram um vigoroso aperto de mão. O inspetor preparava-se ainda para evocar um passado que lhe era grato, mas o capitão não o deixou prosseguir.
- Esperávamos por ti, disse ele, num tom breve. Mais tarde conversaremos, A diligência chegou com meia hora de atraso.
E, antes que O. W. Byrnes pudesse responder-lhe, Fierce arrastou-o para a porta que havia no fundo do corredor.
O inspetor, que se sentia cansado, preferiria repousar um pouco, mas o capitão abriu a porta e disse-lhe:
- Entra.
O inspetor entrou, e viu que dois homens estavam sentados a uma mesa, discutindo em voz baixa. Calaram-se quando ele e o capitão entraram, e os seus
rostos foram iluminados em cheio, pela luz dum candeeiro de petróleo.
Num rápido olhar, vendo a estrela de prata que a primeira personagem ostentava no colete, o inspetor percebeu que se tratava do sherife, cujos méritos já ouvira
gabar. Quanto ao outro homem, tinha a insígnia de corregedor.
O capitão entrou e, fechando a porta, disse:
- Apresento-lhes o inspetor Byrnes...
Capítulo II
A SÉRIE SANGRENTA
O. W. Byrnes inclinou levemente a cabeça e os dois homens corresponderam, levantando-se, e conservando os chapéus na cabeça. O capitão completou as apresentações:
- O sherife Ralph Houston, o corregedor Fred Cormick.
O inspector apertou a mão dos dois. A primeira vista, Houston deu-lhe a melhor das impressões. Era um rapagão de vinte e cinco anos, rosto moreno, cabelos negros,
um fino bigode, e uns olhos escuros e resolutos, que fixavam com franqueza.
Quanto ao corregedor, pareceu-lhe de menor envergadura. Era um homem baixo, cujos olhos claros brilhavam atrás duns óculos de tartaruga, e parecia absorvido na tarefa
de mastigar uma ponta de charuto.
- Esperávamos por si, inspetor, murmurou ele, em voz abafada. Vai ter que fazer...
Sentem-se, meus senhores, disse então Fierce, oferecendo uma cadeira ao recém-chegado, ao passo que ele se instalava do outro lado da mesa.
Por detrás dele, pendurado na parede, via-se um mapa do Sul de Dacota.
- Jantaremos dentro em pouco, na nossa messe mas, antes disso, quis que não demorasse em tomar contacto com o ambiente, disse o oficial, voltando-se para o visitante.
Foi por isso que convoquei o sherife e o corregedor.
O. W. Byrnes acenou com a cabeça, num trejeito aprovador, ao mesmo tempo que, por debaixo da mesa, estendia as pernas. Pairava no ar um cheiro a cabedal e a cão
molhado, que se misturava com o aroma agradável do tabaco.
- Quer um cigarro? perguntou o capitão, oferecendo a cigarreira ao inspetor, que tirou um. Antes de o acender perguntou, voltando-se para os companheiros :
- Pelo que li nos jornais, julgo que me chamaram para pôr cobro à atividade criminosa dum malfeitor, a quem chamam o assassino de Dacota, não é?
O oficial e os seus vizinhos fizeram um sinal afirmativo, e Fred Cormick foi o primeiro a falar:
- Há quase um mês que reina o terror em Fort-Pierre. Todos os nossos concidadãos se sentem ameaçados pelo miserável que espreita na sombra. Até agora, temos feito
todo o possível para descobrir o assassino. O sherife empregou todo o pessoal nas investigações, mas nada. O miserável continua em sossego, e temos a lamentar uma
quinta vítima, um infeliz inocente, que tudo indicava estar longe de ser atacado.
E, sem dar tempo a que Fierce proferisse uma palavra, o corregedor prosseguiu, continuando a mascar o charuto:
- O monstro mata pelo prazer de ver correr sangue. Não tem piedade de ninguém, qualquer que seja o sexo ou a idade. O temor que dantes causavam os Sioux, não é nada
em comparação com o terror que hoje reina em todo o distrito.
Fred Cormick animava-se cada vez mais, e sublinhou a última frase com um forte soco na mesa. A seu lado, o sherife esperava, imóvel, preso de profunda preocupação.
Por fim, disse:
- Parece-me que faria melhor deixar falar o capitão... Ele sabe melhor...
Mas Fierce tomou a palavra:
- Fred Cormick já lhe deu uma ideia do ambiente, Byrnes. Desde o início do mês, deram-se cinco crimes em Fort-Pierre e, pelos seus pormenores, não podemos duvidar
de que foram todos cometidos pela mesma mão. O assassino espera as vítimas num lugar isolado, e depois ataca... Antes que os infelizes possam pensar no terrível
perigo que os ameaça, caem;, atingidos mortalmente.
O capitão calou-se um momento. A chuva continuava a bater com violência nas janelas. No corredor vizinho ouviram-se passos pesados.
- Todos morrem com a mesma ferida, provocada pela mesma arma. Uma lâmina triangular, enterrada nas espáduas, até ao cabo. O criminoso tem a habilidade dum carniceiro
e age com mão firme e implacável.
- E não há razão alguma para todos esses assassínios? Roubo, inveja, ódio, vingança?
- Temo-nos esforçado para descobrir o motivo desses crimes, interrompeu o sherife. O roubo não é,
pois nenhuma das vítimas foi roubada. Tudo leva a
crer que o criminoso mata apenas pelo prazer de matar.
Indignado e comovido, Ralph Houston esclareceu:
- No dia 3 de Março, Bill Hollister, moço do
"Triângulo A", o rancho de Allison, um dos mais ricos criadores de gado da região, foi encontrado morto, junto do "saloon" "Gallop", Conforme o capitão acaba de
afirmar, atingido nas espáduas, e sem, sangue. Investiguei imediatamente. Hollister só tinha amigos nesta região, e era um excelente moço, que passava a vida a assobiar.
Ainda tinha no bolso dos safões os dólares que recebera do salário, no fim da semana. O sherife calou-se por momentos, para logo continuar, perante o olhar intrigado
do inspetor:
- A 10 de Março, quando todos estavam ainda sob a impressão daquele crime, encontrou-se, na granja de Billy Bowke, o cadáver duma velha, Dora Cladel, que costumava
lavar a loiça no "saloon"... Apunhalada nas costas como Hollister. Nem os seus cabelos brancos e os seus setenta e dois anos fizeram recuar o assassino.
O. W. Byrnes abanou a cabeça devagar, sacudindo a cinza do cigarro. Ralph Houston continuou a narrativa:
-A 16 de Março, foi a vez de Donavan Clusky, um belo rapaz, que regressava de Deadwood. O corpo foi encontrado no prado, a menos de meia milha. O cavalo de Clusky
vagueava, sem o cavaleiro, e foi ele que chamou a atenção dum dos meus homens que por ali passava, e que descobriu o cadáver no meio da erva.
- com a mesma ferida? perguntou o inspetor.
Absolutamente a mesma, afirmou Fierce. Se o
assassino quisesse assinar o crime, não o faria doutra maneira.
- E repare, acrescentou Fred Cormick, que se encontrou, no fato de Clusky, um saco de pepitas de ouro, que o desgraçado apanhara em Black Hills. Também tinha a carteira
cheia de notas.
- Depois desse Clusky, perguntou o inspetor, foi a vez do tenente Stark, não é verdade?
- De facto, Stark foi a quarta vítima do miserável, confirmou o capitão. Deixara-nos nessa manhã, e fora experimentar um cavalo que eu lhe tinha arranjado. Não apareceu
para almoçar. À tarde, já emj cuidado, mandei que o procurassem. Três dos meus homens descobriram então o corpo do tenente junto da margem do Missuri... O cavalo
pastava tranquilamente, e Stark jazia no solo, num mar de sangue, apunhalado pelas costas como todos os outros...
E, antes que O. W. Byrnes tivesse tempo de lhe fazer alguma pergunta, o oficial acrescentou:
- Foi então que resolvi pedir-te que viesses a Fort-Pierre, para esclarecer o assunto. Estava resolvido a fazer tudo para vingar o meu infortunado subalterno, e
desmascarar o seu assassino.
- Mas, depois, acrescentou o corregedor, o miserável atacou o infeliz Malemute Kid, a quem vitimou com a mesma selvajaria. Quem se seguirá, agora?
- E nunca apanharam a arma do crime? perguntou o inspetor.
- Nem uma só vez, respondeu Ralph Houston. Como lhe disse, trata-se dum punhal de lâmina triangular, facilmente reconhecível pelas suas dimensões
especiais. Mas o assassino guarda-o preciosamente, e prepara-se para se servir dele no próximo crime.
Fez-se um breve silêncio. O. W. Byrnes refletia nas declarações dos interlocutores, quando ressoou a voz seca de Fierce:
- Conheço a tua reputação, meu velho, garantiu o oficial. Estou certo de que conseguirás resolver o problema.
O inspector fez um gesto vago:
- Sabes bem que, até agora, tenho trabalhado noutro campo...
O. W. Byrnes ia iniciar-se em algo de novo. Pelo relato pudera avaliar a diferença que existia entre aquele ambiente e o de Bowery, e de Harlém, onde costumava exercer
a sua atividade. Perseguir e procurar um criminoso na 5." Avenida ou em Coney Island, e dar caça ao homem em pleno Far-West, eram coisas evidentemente diferentes...
A falar verdade, não se sentia bem neste tipo de investigação e aquela história do assassino ultrapassava em muito tudo o que, até então, teria podido imaginar.
Desde que exercia a sua aventurosa e perigosa profissão, O. W. Byrnes obtivera belos êxitos, especialmente o de ter posto termo às escandalosas atividades da quadrilha
de Omer Burnes, que assaltava os bancos à luz do dia, Acabava de prender um grupo de falsários, que exercia a sua nefasta atividade no bairro negro de Harlém mas,
desta vez, tinha um; pouco a impressão de se ir aventurar em terreno movediço...
Houston e Cormick dar-te-ão todas as indicações que precises, 22 e poderás examinar o corpo do pobre Malemute.
- Não é nada agradável o espetáculo, resmungou o corregedor. O miserável sangrou-o como a um porco. E porquê? pergunto eu. Um pobre diabo, que não fazia mal a uma
mosca...
Temos de agir, disse Fierce. Estamos prontos a
pagar o que for preciso.
E Fred Cormick rematou:
- Se o senhor conseguir prender o criminoso, ter-nos-á prestado um serviço inestimável.
Ralph Houston nada disse. Pela atitude embaraçada de Byrnes, compreendeu que o caso não se decifraria tão facilmente como o capitão supunha. Assim que começaram
a discutir o assunto em conjunto, Fierce pensou no inspetor calculando que, metendo-se Byrnes nas investigações, tudo decorreria com rapidez, mas a atitude preocupada
do recém-vindo fez compreender ao sherife que tudo se desenrolaria de maneira diferente.
O. W. Byrnes endireitou-se, e tossiu ao de leve:
- Suspeitam dalguém daqui? perguntou ele.
- É claro que não se pode dizer que Saint-Pierre seja um alfobre de anjos e de santos, disse Ralph Houston, pois há por aqui de tudo, como em toda a parte. Tenho
excelentes razões para suspeitar de certos indivíduos, a quem os escrúpulos não incomodam muito mas, claro está, desde que o crime compense. Ora, como vimos há pouco,
os cinco crimes nada renderam ao seu autor...
E o sherife acrescentou:
- E é precisamente isso o que me desconcerta! Preferia ter pela frente uma quadrilha de bandidos ou
de desesperados. O caso resolver-se-ia com uns tiros, mas os dados do problema estariam nitidamente estabelecidos. Tal como surge, não é daqueles que estou habituado
a resolver. E por isso me sentiria feliz, se o senhor nos pudesse dar uma ajuda, e ajudar-nos com a sua experiência.
-Hum... A minha experiência... O senhor exagera...
O. W. Byrnes coçou a cabeça, embaraçado. O ponto de interrogação posto pelo enigma que tinha a resolver, parecia-lhe cada vez maior... E Houston, que não deixava
de o observar, disse:
- Há uma pessoa em que já pensei...
-. Sim? O senhor lembrou-se dalguém? Peco-lhe o favor de falar. Às vezes, basta um indício...
- Mas as minhas suspeitas não tiveram fundamento. Por quatro vezes, o indivíduo em questão apresentou alibis sérios e suficientes para o pormos fora de causa.
E, como os seus companheiros o olhassem com ar interrogador, o sherife apressou-se a esclarecê-los:
- Trata-se de Geo Lamarr, o ferreiro.
Geo Lamarr, esse brutamontes carrancudo? Fred Cormick apressou-se em afirmar o pouco caso que fazia da personagem em questão.
- Lamarr instalou-se em Fort-Pierre há pouco mais de seis meses - continuou Ralph Houston. É bem um bruto, em toda a acepção da palavra, e dotado duma força extraordinária.
Vi-o há pouco, na sua oficina, dobrar um ferro entre os dedos. De resto, é mais fácil encontrá-lo no "saloon", do que na forja.
Sabe alguma coisa a respeito do passado desse Lamarr? perguntou o inspetor.
o inspetor.
- Se tivéssemos de averiguar o passado de todos os que se estabelecem em Fort-Pierre, estávamos bem arranjados, protestou o corregedor. As poucas perguntas que fiz
a Lamarr, por ocasião do seu interrogatório, apenas diziam respeito à possibilidade de ter abatido alguma das vítimas... Mostrou-me os documentos, todos em ordem
e, testemunhas de que não podemos duvidar, confirmaram as suas asserções. Segundo toda a evidência, nada há contra ele.
O mistério continua completo, e o corregedor não forneceu o mais pequeno elemento, ao relatar as poucas suspeitas que tinha, a respeito de alguns vagabundos. Nada
que valesse a pena... No entanto, Fierce esforçou-se por dissipar o embaraço que pesava sobre o
pequeno grupo:
- Estás fatigado, Byrnes. Mas, contigo, tenho a certeza de que a coisa caminhará bem.
- És muito otimista, meu caro...
O inspetor não parecia partilhar da magnífica confiança de que o seu velho amigo dava prova, e fez uma careta.
- Sim, sim, insistiu o oficial. Acabas de chegar mas, amanhã, poderás iniciar as investigações.
E, voltando-se para o sherife e para o corregedor, Fierce declarou:
- Não os quero demorar mais, meus senhores. Agora, o assunto está em boas mãos. Byrnes tem a reputação de nunca deixar fugir o seu homem. Tenho a certeza de que,
antes duma semana, ele desmascarará, o assassino de Dacota!
-Eu e os meus homens estamos às ordens do inspetor, limitou-se Ralph a dizer.
- Se estiverem de acordo, começaremos a trabalhar amanhã, às oito horas, disse O. W. Byrnes, sempre com ar preocupado.
- O. K.
Os dois homens levantaram-se e despediram-se, do inspetor, que Fierce se dispunha a acompanhar à messe, para jantar.
- Esperemos que faça melhor tempo, disse o corregedor.
Ralph Houston e Fred Cormick afastaram-se, depois dum rápido aperto de mão ao capitão. Quando se encontraram fora, debaixo de chuva, afastaram-se apressadamente,
dirigindo-se ao "Gallop", onde se aglomerava considerável multidão.
Mat Botwell e Sydney Austín já tinham anunciado a chegada do inspetor, mas o sherife e o corregedor, assim que deram entrada no "saloon", foram assaltados pelos
curiosos, que os encheram de perguntas.
- Então? Já viram o tal polícia de Nova Iorque?
- Pareceu-me um amador, disse o agente das Reservas, com ar desdenhoso.
Ralph Houston mostrou-se reticente. A entrevista que acabara de ter não o tranquilizara muito mas, no entanto, evitou mostrar o que pensava.
O corregedor, em contrapartida, não escondeu o seu desânimo profundo:
- É um "bufo", disse ele, trocista. Estava encharcado como um cão dágua. Não dou grande coisa por ele...
E, piscando o olho:
Do que nós precisávamos, era dum rapaz do Oeste, que conseguisse desenvencilhar este caso,
e livrar-nos do assassino. Um rapaz desembaraçado, capaz de se servir dum revólver. com este pateta, estou a ver que o criminoso não terá dificuldades em continuar
as proezas sangrentas...
Estas declarações de Fred Cormick foram acolhidas com gargalhadas. A maior parte dos presentes, devido à chuva, não tinha assistido à chegada do inspetor, mas o
testemunho do agente das Reservas e do traficante, assim como as declarações pouco tranquilizadoras do corregedor, bastavam para os edificar a seu respeito...
As discussões continuaram até tarde, em volta das mesas e do balcão. Todos estavam convencidos de que, apesar da chegada do homem de Nova Iorque, o mistério ia continuar,
e aumentar.
Ainda durante certo tempo, a ameaça do assassino ia pesar sobre Fort-Pierre e os seus habitantes angustiados.
Capítulo III
A FORJA
O som agudo duma corneta despertou O. W. Byrones. Sentou-se na cama, admirado. Logo a seguir, ouviu no dormitório vizinho ordens rápidas, e passos apressados.
O inspetor lembrou-se de que estava no quartel de cavalaria de Fort-Pierre e os seus membros, ainda doridos, recordaram-lhe a recente viagem, e as circunstâncias
em que chegara a Dacota, tão longe do seu habitual campo de ação...
O. W. Byrnes dormira mal, na cama dura que Fierce pusera à sua disposição. Além disso, a todo o momento o problema que fora encarregado de resolver se apresentava
ao seu espírito febricitante, e evocava também as circunstâncias tão dramáticas como desconcertantes, que tinham rodeado os cinco crimes do assassino de Dacota...
Pensando bem, mal acabado de chegar a Fort-Pierre, o inspetor lamentava ter-se metido naquela aventura. Aquele rude Far-West parecia-lhe um universo tão diferente
do seu! Lembrava igualmente a troca de palavras entre o traficante e o agente das Reservas, e os olhares irónicos que o tinham acolhido, quando chegou.
No corredor vizinho ouviam-se mais passos, e os soldados desciam a correr as escadas que levavam ao pátio.
O. W. Byrnes saltou da cama, enfiou as calças, e abriu a janela do quarto.
A chuva parara, mas o céu ainda estava carregado de nuvens pesadas, entre as quais aparecia um sol pálido.
A frescura húmida da manhã arrepiou o inspetor, que se foi vestir. Dez minutos mais tarde, depois de se ter arranjado, bateram à porta do pequeno quarto em que passara
a noite.
- Entre!
O vulto alto de Fierce apareceu. -. Então, meu rapaz, dormiste bem?
- O melhor que me foi possível, retorquiu Byrnes, com voz pastosa.
- Vem daí tomar o pequeno almoço, e estabelecer o plano de trabalhos para o dia.
-Vamos a isso.
O inspetor ainda não se sentia em boa forma, mas esforçou-se por não o mostrar e sorriu, quando Fierce o fez entrar na sala de jantar, e lhe apontou uma mesa copiosamente
servida.
Alguns oficiais comiam noutra mesa próxima, e levantaram-se para cumprimentar o capitão e o companheiro.
No pátio, a corneta ouviu-se de novo, seguida de ordens rápidas. Os oficiais acabaram de comer, e saíram. Os dois amigos ficaram sós.
- Então, estás resolvido a começar as tuas investigações? perguntou Fierce.
Com a boca cheia, O. W. Byrnes acenou afirmativamente.
- Em boa verdade, não sei por onde começar.
O sherife está às tuas ordens... Pede-lhe que te
leve onde quiseres. Também tens de te avistar com o Dr. Huntingdon. Foi ele quem examinou os corpos das cinco vítimas. Acompanhar-te-á junto do cadáver do infeliz
Malemute, cujo enterro deve ser esta manhã.
O inspetor fez novo sinal de assentimento, e barrou de manteiga outra fatia de pão:
- Também quero avistar-me com o ferreiro. Intriga-me esse homem...
- Sim, o Geo Lamarr. É um brutamontes. Aqui para nós, parece-me tempo perdido. Os alibis que apresentou eram sólidos, e as testemunhas depuseram a seu favor.
- Apesar disso, vê-lo-ei.
- Como queiras. Tenho o maior empenho em que prendam o assassino do meu pobre Stark. Se conseguisses dar com a boa pista.
- Farei todo o possível! Em todo o caso, devo confessar que me sinto desorientado. Tenho a impressão de me mexer em terreno movediço.
- Tens saudades de Harlém e de Bowery, não é verdade?
O. W. Byrnes concordou em que preferia mil vezes exercer a atividade em Nova Iorque, mas o tempo ia passando, e ele não se alongou mais.
-vou acompanhar-te junto do Dr. Huntingdon, disse o capitão, que acabara de comer. Queres um cigarro?
O inspetor aceitou e, depois, saíram da sala, 30 atravessaram o pátio, e transpuseram o portão do quartel, onde a sentinela apresentou armas. Dirigiram-se para a
cidade.
Apesar da hora matinal, Fort-Pierre já estava em efervescência. Viam-se grupos nos passeios e o "Gallop" estava cheio de clientes, os mais curiosos dos quais vieram
até à porta, para observarem o inspetor. A presença do capitão junto do inspetor, levava na verdade a pensar que o homem do Este ia começar as suas averiguações...
- Começamos por ir visitar o médico, disse o capitão.
Cinco minutos depois, detinham-se junto duma vivenda rústica, onde uma tabuleta metálica, fixada na ombreira da porta, garantia que se tratava do domicílio do Dr.
Huntingdon.
Uma criada índia, bastante desmazelada, abriu a porta e, a pedido do capitão Fierce, fê-los entrar para um cubículo, cheirando a mofo e a tabaco, e que mais parecia
o depósito dum ferro-velho.
O médico não se demorou. Envergava um fato cheio de nódoas e passajado, e trazia na mão um,a tesoura, com que estava a podar as roseiras do jardim.
- Desculpe-me, capitão, mas estava nos meus trabalhos de jardinagem.
- Apresento-lhe o meu amigo, inspetor O. W. Byrnes, que vem proceder a averiguações. Pretende ver o cadáver do pobre Malemute.
Huntingdon fez uma careta:
- Não está lá muito bonito, o Malemute... mas, visto que quer...
- Acho indispensável, respondeu o inspetor.
- Então, queiram seguir-me.
O médico pôs um chapéu velho, deu umas instruções à criada, em voz baixa, e saiu com os dois amigos.
Na rua, os curiosos iam aumentando de número, e havia mais de cem defronte da casa do sherife, quando os três lá chegaram. Avisado por um dos subordinados, Ralph
Houston esperava-os, no patamar.
- Sejam bem-vindos disse ele, estendendo a mão aos visitantes. Vêm ver o corpo de Malemute, não é verdade?
- O senhor O. W. Byrnes quer ele mesmo verificar...
O sherife convidou os recém-chegados a entrar, e encarregou um dos homens de impedir que os curiosos penetrassem no corredor, depois do que levou o inspetor e os
seus dois companheiros a um cubículo que servia de arrecadação e de necrotério. Era ali que se costumavam depositar as vítimas de morte violenta, enquanto não eram
reconhecidos. Era ali que esperavam os tristes despojos do infeliz Malemute Kid, a quinta vítima do assassino de Dacota.
Tapado com uma manta, o corpo estava inteiramente nu. Depois de Ralph Houston o ter destapado, Huntingdon avançou e, segurando-o pelos sovacos,
voltou-o.
Viu-se então a ferida que provocara a morte do inocente, e O. W. Byrnes teve ocasião de ver que o morto tinha sido agredido com uma lâmina de forma triangular, mais
comprida do que as facas de caça, utilizadas na região.
- Malemute foi atingido em pleno coração, disse o médico, e a morte foi instantânea. Surpreendido de
costas, não teve tempo de dar por nada, nem sequer de tver o assassino.
- A ferida do Stark era idêntica, afirmou o capitão; o miserável atingiu-o no mesmo sítio, e o mesmo aconteceu com as precedentes vítimas. Todos encontraram a morte
atingidos pela mesma arma, que o assassino conserva ciosamente, e com a qual decerto se prepara
para nova proeza...
Depois do corpo ter sido colocado na posição primitiva, o inspetor observou a máscara rígida, de pálpebras cerradas, maxilar inferior ligeiramente proeminente, e
lábios espessos. Malemute parecia dormir sossegadamente. O. W. Byrnes não descobriu o menor sinal de que a vítima tivesse tido tempo de se defender, antes de ser
golpeada.
- Acha que posso passar a certidão? perguntou o médico.
- Não vale a pena fazer a autópsia, respondeu o inspetor. Nada nos diria.
- Um magarefe não faria melhor, afirmou O. W. Byrnes. O assassino parece saber do sangrento ofício, A mão não lhe tremeu:
Os quatro homens saíram do cubículo, depois do sherife ter voltado a cobrir o corpo.
- Não precisam mais nada de mim? perguntou o médico.
E, perante a resposta negativa, despediu-se.
Abrindo passagem entre os grupos estacionados defronte da casa do sherife, Ralph Houston voltou-se para Byrnes:
- Quer que o acompanhe aos locais onde se deram os crimes?
O inspector fez um gesto evasivo:
- Não me parece que isso seja necessário, visto que o senhor não descobriu qualquer indicação de interesse. Além disso, choveu abundantemente, íamos perder um tempo
precioso.
E, voltando à ideia que o obcecava desde a sua chegada a Fort-Pierre, O. W. Byrnes voltou-se para o sherife:
- Leve-me a ver o ferreiro, o tal Geo Lamarr.
- Às suas ordens.
O capitão não se demorou junto do velho amigo, pois tinha que fazer no quartel. Afastou-se, deixando os dois a conversar.
Por toda a parte, as discussões ferviam. O. W. Byrnes verificou como as sangrentas proezas do assassino de Dacota tinham alvoroçado aquela gente. Fort-Pierre vivia
numa atmosfera de terror, em que cada um esperava vir a ser vítima do misterioso criminoso.
A notícia propagou-se velozmente:
- Ele vai a casa do Lamarr...
A falar verdade, o ferreiro não era lá muito estimado na cidadezinha do Missuri. Consideravam-no como um bruto, desprovido de escrúpulos, com um passado misterioso,
embora tivesse a documentação em ordem quando, anos antes, viera de Nebrasca. Exercia regularmente a sua profissão, espantando toda a gente com a sua força hercúlea.
- Façam favor de se afastar, meus senhores... Deixem trabalhar o senhor inspetor...
Contrariados, os curiosos viram Byrnes dirigir-se para a forja, acompanhado por Ralph Houston. Os dois homens caminhavam rapidamente, 34 chegando à oficina em menos
de três minutos. Era uma barraca de aspeco miserável, feita de tábuas.
O ferreiro estava a trabalhar, quando os dois visitantes entraram:
-. Que temos mais? perguntou ele, de sobrecenho carregado.
à primeira vista, O. W. Byrnes ficou desagradàvelmente impressionado com a personagem que se lhe deparava, Iluminado pelo clarão vacilante da forja, Geo Lamarr tinha
o torso nu, e fazia lembrar um gorila. O próprio rosto tinha uma expressão bestial, com uma barba escura que enquadrava umas feições avermelhadas, e uns olhos castanhos,
extremamente móveis.
- Então já não se pode trabalhar em sossego, nesta terra do diabo?
- Se você tem o seu trabalho, retorquiu o sherife em tom firme, também eu tenho o meu, e não se pode dizer que seja muito agradável...
- Não vejo em que é que o seu trabalho e o meu...
Encostado ao martelo, que poisara na bigorna, Geo Lamarr olhava com ar insolente para Ralph Houston, mas a sua atitude não pareceu intimidar o representante da autoridade,
que retorquiu, calmamente:
- Tenha cuidado com a língua, Geo Larnarr! Está aqui o inspetor Byrnes, encarregado de fazer averiguações a respeito do assassino de Dacota...
?-? com a breca! É ainda por causa dessa porcaria que vêm interromper o meu trabalho? Não está já assente, e de maneira flagrante, que nada tenho que ver com isso?
Testemunhas dignas de crédito, já lhes provaram que eu estava em Fort-Pierre quando foram
cometidos os crimes, pelo que não percebo o que vêm cá fazer...
- Não se trata de o acusar, Lamarr, interrompeu
o sherife. É como testemunha que o inspetor lhe deseja fazer umas perguntas.
- Testemunha? Que nova história é essa? Seguiu-se um silêncio, durante o qual Lamarr se voltou para O. W. Byrnes. Por seu lado, o inspetor observava atentamente
o colosso, a sua máscara coberta de suor e de poeira negra, as mãos enormes, e o braço luzidio, onde estava tatuada uma âncora. - Este é que é o inspetor? resmungou
por fim o ferreiro, depois de ter medido Byrnes dalto a baixo. O ar de desprezo que surgiu na sua expressão, mostrou bem aos dois visitantes que ele pouco caso fazia
do amigo do capitão Fierce. Mas, longe de se deixar impressionar pelo seu tom, O. W. Byrnes entrou deliberadamente no assunto:
- Visto que conhece o que nos traz aqui, Lamarr, decerto nos pode dar algumas indicações que nos possam interessar, não é verdade?
- Julgam decerto que lhes posso apresentar a cabeça do assassino de Dacota, numa salva?
O tom do ferreiro era, ao mesmo tempo, irónico e insolente, e as suas mãos crispavam-se, enquanto um sorriso mau lhe aparecia nos lábios carnudos.
- Admito que nada tenha a ver com o crime, disse o inspetor, no entanto, você é ferreiro, e passam pela sua oficina muitos clientes. Reparou nalgum, cujas maneiras
lhe despertassem suspeitas?
E como o colosso, subitamente amansado, fizesse um gesto vago, o sherife estimulou-o, dizendo:
- Veja se se recorda, Lamarr. Parece-me que a sua clientela, na maior parte, é constituída por vaqueiros dos ranchos do vale. Missuri... Mas, às vezes, também presta
serviços a clientes de passagem. Não é só a gente daqui que recorre aos seus serviços, não é verdade?
Geo Lamarr esforçou-se por sorrir, e passou pelos cabelos os dedos sujos.
- Bem, isso já é outra coisa... Sim, vejo bastantes pessoas de fora. A maior parte é gente de Deadwood. Como sabem, há muita gente esperançada em encontrar um filão
em Black Hills.
- Sim, sabemos isso, interrompeu Ralph Houston, e Fort-Pierre é uma paragem importante, no caminho para Deadwood. Mas, lembra-se de alguém cuja presença o impressionasse
em especial?
O ferreiro fez uma careta, pareceu rebuscar nas suas recordações e, de repente exclamou:
- Sim, os senhores têm razão... Na verdade, há um certo homem, de modos bastante estranhos...
Capítulo IV
Um CAVALEIRO DE PASSAGEM
O. W. Byrnes e o sherife trocaram um olhar intrigado, em face da completa transformação que pareceu dar-se no interlocutor. O rosto carregado de Lamarr mudara de
aspeto e mostrava um sorriso, que o brutamontes se esforçava por tornar afável. Esperou um momento, mas o inspetor perguntou-lhe:
- Reparou em alguém?
- Sim, reparei num homem cujos modos, repito, me pareceram bastante estranhos.
- De quem se trata, então? perguntou Ralph Houston.
-É o homem de olhos claros...
- O homem de olhos claros? Mas isso é muito vago. Decerto sabe como se chama.
Os dois homens estavam agora ao lado do ferreiro, que parecia deliciar-se em os intrigar.
- Os senhores sempre têm cada uma! Uma forja não é um hotel... Não costumo tomar nota dos nomes dos meus clientes.
- Porque foi que ainda me não falou desse indivíduo? perguntou Ralph Houston, Quando foi interrogado...
- Um momento... interrompeu o colosso. Nada lhe disse, pela simples razão de que o cavalheiro ainda não tinha aqui vindo...
E, como o representante da autoridade esboçasse um gesto de impaciência, Geo Lamarr acrescentou:
- Esteve aqui ontem, debaixo duma carga dágua. Montava um alazão soberbo. Perguntou-me onde era o melhor hotel de Fort-Pierre.
- E, depois? perguntou O. W. Byrnes
- Indiquei-lhe o "Black Hills". É provável que lá tenha ido passar a noite, com o cavalo... Chovia a cântaros. Parecia ter feito uma longa caminhada, e estava encharcado.
- Mas o que foi que achou nele de estranho? insistiu o sherife.
O ferreiro fez um gesto vago, e disse, bruscamente: - Como o senhor sherife sabe, tenho andado pelo mundo inteiro... Servi cinco anos na marinha, e a âncora que
tenho tatuada aqui no meu braço direito, é uma recordação desses bons tempos. Trabalhei na Califórnia e no Texas. Posso garantir-lhe que conheço bem os homens. Ao
primeiro olhar, ao ver os olhos desse tal cavaleiro, compreendi que se tratava dum assassino... E disse a mim mesmo, que talvez fosse bom que o sherife lhe fizesse
algumas perguntas...
- Podemos ir ao "Black Hills", propôs O. W. Byrnes ao sherife. É capaz de me levar lá?
Os dois homens preparavam-se para seguir para o hotel, quando novamente se ouviu o vozeirão de Lamarr:
- Não é preciso incomodarem-se. Aí está o nosso homem!
E, ao pronunciar estas palavras, o colosso estendeu o braço, apontando para um cavaleiro que acabava de aparecer na rua, e se dirigia precisamente para a forja.
- Aí o têm.
Intrigados, O. W. Byrnes e Ralph Houston detiveram-se, olhando para o recém-vindo com insistência.
O cavaleiro, que não parecia dar pela observação de que era alvo, continuava a avançar, ao passo regular da montada. Envergava o trajo dos vaqueiros do Far-West
e, na cintura, via-se um cinto bem guarnecido. Do respectivo estojo de cabedal, saía uma carabina. Mas o que nele especialmente chamava a atenção, era o brilho dos
seus olhos, dum cinzento de aço. Um chapeirão protegia-lhe o rosto imberbe e queimado. As pernas estavam protegidas por safões de pele de carneiro, e cavalgava sem
parecer preocupar-se com a curiosidade dos grupos por que passava.
- É curioso, disse Ralph Houston, tenho a impressão de que esta figura não me é desconhecida.
- Já o encontrou? perguntou o inspetor. O sherife fez um gesto vago:
- É bastante difícil garanti-lo... Tenho boa memória fisionómica, mas passam tantas pessoas por Fort-Pierre... E recebemos tantas indicações...
Naquele momento, Houston lembrava-se dos numerosos cartazes que cobriam a parede do seu gabinete, prometendo prémios tentadores pela captura de bandidos e de ladrões.
Talvez tivesse visto a fotografia daquele homem... Em todo o caso, o desconhecido estava ali, e ia poder interrogá-lo.
O homem afrouxou o passo do cavalo. com efeito, reparara na animação que reinava em volta da oficina
do ferrador.
Depois da entrada do inspetor e do sherife, os curiosos tinham chegado constantemente, olhando para o local onde lhes parecia que estava a passar-se alguma coisa
de anormal. No entanto, afastaram-se, para deixar passar o desconhecido, que parou a dois passos da oficina do colosso.
- Ó da forja, gritou ele.
A um sinal do sherife, Geo Lamarr dirigiu-se para junto do desconhecido.
- Que deseja?
- Quero que verifique as ferraduras do meu cavalo, que precisam ser ajustadas.
- Às suas ordens.
O homem dos olhos claros saltou para o chão com agilidade, Lamarr examinou as ferraduras. -? Pode demorar-se um momento? -?Se puder tratar disso já...
- Sim senhor. Faça favor de esperar na oficina.
O desconhecido entrou e, mal dera uns passos, parou intrigado. Na verdade, acabara de deparar com O. W. Byrnes e o sherife que, ao lado da bigorna, silenciosos,
não o perdiam de vista.
A certa altura, o sherife aproximou-se dele:
- Um momento, por favor.
O homem ia a protestar, mas Ralph Houston mostrou-lhe o distintivo:
- Sou o sherife de Fort-Pierre.
Nos seus olhos viu-se um brilho estranho. O. W. Byrnes, que o observava, percebeu que Lamarr não se enganara, e que se tratava dum indivíduo temível...
O homem protestou:
- Não tenho nada a ver com o sherife. Não sou daqui, e não vejo em que...
- Os seus documentos?
- Os meus documentos?
Durante uns momentos, os dois homens pareceram medir-se com o olhar. Instintivamente, o sherife levou a mão à coronha do seu "Colt".
O inspetor esperou que, por seu turno, o desconhecido se pusesse em guarda, mas tal não aconteceu. Recobrou rapidamente a calma e disse:
- Tenho os meus documentos em ordem, sherife. Pode verificar.
Sem mostrar ma vontade, o homem levou a mão ao bolso. Ralph Houston continuava alerta, mas o homem limitou-se a tirar uma volumosa carteira, da qual retirou alguns
documentos dobrados e um pouco amarrotados que, sem hesitar, entregou ao sherife.
- Faça favor de ler, sherife... Chamo-me Bill Derrick, mais conhecido por Texas Bill. Venho diretamente de Santo António.
Enquanto o recém-vindo dava estas explicações, o ferreiro, fingindo tratar das ferraduras do cavalo, olhava disfarçadamente para os dois homens.
- Há quanto tempo está aqui? perguntou o sherife, voltando a dobrar os documentos, e dando-os ao homem.
- Apenas desde ontem, respondeu Texas Bill, mas parece-me que não ficarei aqui muito tempo.
- Que veio cá fazer?
- Procuro emprego. Dormi no "Black Hills", onde me garantiram que todos os ranchos têm o pessoal completo. 42
- Texas Bill respondeu com voz segura, sem parecer embaraçado pelos olhares investigadores do sherife e do inspetor, que continuavam a fixá-lo, desconfiados.
- É verdade, confirmou Ralph Houston. Não se arranja nada nos ranchos desta região. Fará bem em se dirigir para o Norte...
- É essa a minha intenção, respondeu o cavaleiro.
Se for preciso, irei até ao Canadá. Disseranvine que precisam lá de pessoal.
Enquanto falava, Texas Bill guardara a carteira no bolso. Embora as suas respostas parecessem ter satisfeito o sherife, o mesmo não acontecera com O. W. Byrnes.
- O Texas é uma grande região de gado, disse ele. Visto que é de lá, não lhe era mais fácil encontrar um emprego?
O cavaleiro fez uma careta:
- Conhece decerto o ditado que diz que ninguém é profeta na sua terra. Além disso, preciso de movimento. Preferi sair do Texas...
- Para viajar assim, insistiu o inspetor, é preciso dispor de alguns meios, o que não parece fácil a um simples vaqueiro...
- Juntei algumas economias, e ainda me posso aguentar um mês, pelo menos. Se, nessa altura, não me tiver empregado, é o diabo...
O. W. Byrnes franziu a testa. Apesar do à vontade que mostrava, Texas Bill inspirava-lhe desconfiança. Não parava de o olhar, admirando o seu equipamento impecavelmente
novo, e cada vez mais convencido de que o cavaleiro não lhe dizia toda a verdade.
- Ouviu falar do assassino de Dacota? acabou ele por perguntar.
O inspetor abordava deliberadamente o assunto que tanto o preocupava, esperando surpreender qualquer alteração no rosto do interlocutor, mas Texas Bill contentou-se
em encolher os ombros:
- Seria preciso ser surdo, para ignorar as proezas desse miserável. No hotel, todos falavam disso.
- E qual é a sua opinião a esse respeito?
O. W. Byrnes olhava-o bem de frente, como se lhe quisesse adivinhar os mais íntimos pensamentos, e o homem dos olhos claros respondeu, sem qualquer perturbação:
- Que opinião hei-de ter? Desejo, do coração, que esse bandido seja castigado.
Entretanto, o sherife aproximou-se do alazão, que Lamarr estava ferrando.
- É um animal magnífico o seu, disse ele, com ar entendido.
- Toda a gente o diz, respondeu Texas Bill.
Ralph Houston passou a mão pelo lombo do animal, que estremeceu. Olhou-o por momentos, como que para fazer nova observação. E o homem dos olhos claros decerto adivinhou
as intenções do representante da autoridade, pois se apressou a dizer-lhe, sorrindo:
- Pode ter a certeza, sherife, que não é um animal roubado.
E como o sherife parecesse contrariado, por ver surpreendidos os seus pensamentos, Texas Bill disse-lhe, sempre calmo:
- E posso assegurar-lhe que não tenho nada de comum com o criminoso que procura.
- bom... eu não queria dizer que... disse o sherife. Texas Bill interrompeu-o:
- Mas pensou-o... Senão por que me pediu os documentos? Seja como for, desafio quem quer que seja a ter a mais pequena suspeita a meu respeito!
E, ao pronunciar estas palavras, Texas Bill voltou-se para o inspetor.
-Sim... era preciso... resmungou o inspetor.
- Podem ter a certeza de que terei muito prazer em lhes ser útil, mas não devo demorar-me mais tempo em Fort-Pierre, pelo que lhes desejo muito boa sorte...
E, deixando os dois homens visivelmente estupefatos, foi verificar o trabalho de Lamarr, que afetava a mais completa indiferença.
Texas Bill acenou para o grupo, montou o cavalo com ligeireza, e passou a trote entre a multidão que lhe abriu caminho.
Geo Lamarr e os seus visitantes conservaram-se calados alguns momentos. A tranquilidade e confiança do homem dos olhos claros tinha-os desorientado.
Por fim, o ferreiro quebrou o silêncio:
- Parece-me que o homem sabe mais do que quis dizer...
E, dirigindo-se a Ralph Houston:
- Que acha, senhor sherife? Mas foi Byrnes que falou:
- Parece-me que se trata dum aventureiro de envergadura. Não deixei de o observar, desde que entrou aqui. A certa altura, julguei que ia sacar do revólver...
-Sim, deve ser de força, aprovou Houston. Mas reparou que, ao sair, nos desejou boa sorte?
- Se reparei! exclamou o inspetor. 45 O seu ar irónico, e ao mesmo tempo ameaçador, fazia lembrar um desafio. Parece-me, sherife, que será bom vigiar bem este Texas
Bill. Tenho sérias razões para supor que, seguindo-lhe a pista, não tardará a descobrir e a desmascarar o assassino de Dacota!
Ralph Houston fez um gesto evasivo:
- Durante o tempo que levar a reunir os meus homens, ele pôr-se-á fora do nosso alcance De resto, apenas temos contra ele vagas suspeitas. E arriscamo-nos a andar
dum lado para o outro, enquanto aquele a quem procuramos desaparece.
Geo Lamarr encolheu os ombros:
- Como queiram... Tudo o que lhes digo, é que desejo que o caso seja esclarecido sem demora. Às pessoas honradas de Fort-Pierre já estão cansadas desta atmosfera
de terror, que pesa constantemente sobre elas.
?-? Lamarr tem razão, assentiu O. W. Byrnes, mas tudo leva a crer que, se Texas Bill desempenha algum papel no assunto que- nos preocupa, não tardaremos a vê-lo
reaparecer na região.
- É possível, mas, entretanto, o assassino terá tempo de fazer uma nova vítima ou mesmo mais...
E para reforçar as suas afirmações, bateu com o martelo na bigorna:
- Enquanto o ferro está quente é que se bate. No vosso lugar, mandava vigiar o homem dos olhos claros. Faço votos por que não venhamos a lamentar a vossa negligência!
Ao saírem da forja, o sherife e o inspetor continuavam profundamente indecisos. Tudo os intrigara na atitude e nas frases de Texas Bill, 46 mas perguntavam a si
próprios se Lamarr não exagerava, o mesmo Lamarr a quem Byrnes fora interrogar e que, tão rapidamente se transformara em conselheiro e acusador!
- Que vamos fazer? perguntou o inspetor.
- Venha até ao meu gabinete, limitou-se o sherife a responder. Vamos ver os retratos que lá tenho. Estou cada vez mais convencido de já ter visto o Texas Bill em
qualquer parte.
A sua saída, os curiosos olharam atentamente para eles e, da sua atitude, facilmente concluíram que nada de importante tinham descoberto. E a mesma atmosfera de
receio e de incerteza continuou a pesar sobre Fort-Pierre...
- Ainda se tivéssemos obtido o mais pequeno indício! disse O. W. Byrnes, ao entrar no gabinete do sherife.
- Receio que, para se descobrir alguma coisa, seja necessário esperar que haja outra vítima. E nada mais exasperante do que lembrarmo-nos de que, neste mesmo momento
em que falamos em vão, o assassino, certo da impunidade, espera na sombra, pronto para
nova proeza.
- Pergunto a mim mesmo o que vim; aqui fazer, resmungou o inspetor aborrecido, evocando saudosamente o seu gabinete de Nova Iorque.
Começaram a percorrer os processos, e nisso se ocupavam havia meia hora, quando na rua se ouviu alvoroço e rumor. Intrigado, o sherife levantou-se da cadeira e,
inquieto, perguntou ao seu visitante:
- Que se passará?
v
A SEXTA VITIMA
Ralph Houston não teve de esperar muito para saber do que se tratava. À porta abriu-se bruscamente, dando passagem a Dick Forton, um dos seus delegados. Parecia
transtornado e devia ter corrido muito, pois teve de se encostar à mesa, antes de poder proferir palavra.
- Então, que se passa? perguntou o sherife, ao passo que o inspetor se levantava também.
Na rua, o clamor era cada vez mais forte.
Por fim, Forton conseguiu falar:
Franck Devilder acaba de ser assassinado, disse ele, limpando o suor que lhe escorria pela cara.
- Franck Devilder?
O sherife parecia não querer acreditar no que ouvia, mas o homem insistiu, arquejante:
- Assassinado como os outros, pelas costas. No seu estabelecimento, no "General Store".
- E Juliana?
Ralph Houston não conseguira evitar pronunciar o nome da filha de Devilder, sua companheira de infância. Sentia-se profundamente emocionado perante o infortúnio
que acabava de a atingir. 48
No limiar da porta apareceu outro dos seus homens, Slim Hasting, que lhe disse:
- Depressa, sherife, esperam por si no "General Store". Se não intervier, os curiosos entram por ali dentro, e as investigações serão mais difíceis.
- Façam evacuar o "General Store", ordenou Houston. E, voltando-se para O. W. Byrnes que esperava, silencioso e imóvel, o representante da autoridade disse-lhe:
-.Venha comigo.
Saíram os dois e, ao chegarem à rua, puderam verificar a agitação que reinava em Fort-Pierre. Centenas de pessoas se acumulavam defronte do "General Store", onde
acabara de ser descoberto o corpo do infeliz Devilder.
- Deixem passar!
Foi com dificuldade que o sherife e os três companheiros conseguiram abrir caminho entre a multidão, e chegar aos degraus que davam acesso à porta do armazém. Todos
queriam entrar. Junto da entrada, Steve Norsen e Jud Becker, dois outros subordinados do sherife, faziam uma barreira defensiva.
Ralph Houston, de revólver na mão, em face dos protestos que se ouviam, viu-se obrigado a ameaçar:
?-? Recuem! Ordeno aos meus adjuntos que façam fogo, se alguém pretender entrar no "General Store".
Desta vez, a atitude enérgica e as ameaças do sherife convenceram os mais teimosos.
- E, agora, ninguém entra, a não ser o doutor.
- Aqui estou, deixem-me passar, deixem-me passar! O. W. Byrnes, que se esforçava por manter contacto imediato com o sherife, e não ser empurrado com
os outros, viu então Huntingdon que, de estojo na mão, se esforçava por chegar junto de Houston, embora empurrado pelo refluxo humano.
- Deixem-me passar, sou o médico, deixem-me
passar!
A sua voz de falsete perdia-se entre os rumores
furiosos, quando um dos delegados deu por ele e, à
força de ombros, o alcançou e fez entrar. O sherife já começara as averiguações: -? Onde descobriram o corpo? perguntou ele.
- Ao fundo, detrás do balcão, afirmou Forton.
O armazém era de grandes dimensões, e vendia de tudo, desde especialidades farmacêuticas, a ferramentas e armas. Cobertores de lã estavam ao lado de selas e aparelhos
de aquecimento, tudo muito bem
arrumado.
Havia longa data que o sherife conhecia o armazém de Franck Devilder. Ainda criança, ali brincara às escondidas com Juliana, a filha única de Devilder, e outras
crianças da vizinhança.
Ralph Houston dirigiu-se ao balcão que o adjunto lhe indicara; era o da secção de cordas e laços, que estavam pendurados em variados pregos.
Debruçando-se por cima do balcão, Ralph Houston viu duas formas imóveis, e ouviu um choro abafado. Então, quebrando o silêncio que até então mantivera, não pode
deixar de dizer:
- Juliana!
- Ralph!
À jovem ergueu a cabeça, olhando para o sherife com uma expressão de dor infinita:
- Tinha acabado de correr a porta de ferro, 50 como todos os dias fazia, disse ela, a soluçar, e começava a admirar-me de não ver meu pai quando vi dois pés, que
saíam por debaixo do balcão. Então, aproximei-me, e foi assim... Mas era demasiado tarde!
Calou-se. As lágrimas corriam-lhe pelo rosto. Juliana Devilder era bonita. Tinha 18 anos. O sherife aproximara-se dela, e pegara-lhe na mão.
- Coragem, Juliana. Não está sozinha. Estou a seu
lado!
O. W. Byrnes mal conseguiu ouvir estas poucas palavras, proferidas pelo agente da autoridade mas, pelo seu tom, e pela expressão do seu rosto, o inspetor compreendeu
que um sentimento, mais terno e mais complexo do que a amizade, unia os dois jovens.
Por sua vez, Huntingdon debruçou-se sobre o cadáver, que jazia num verdadeiro mar de sangue.
Franck Devilder, o proprietário do "General Store" de Fort-Pierre, jazia ligeiramente dobrado. A sua expressão contraída, exprimia simultaneamente surpresa e angústia.
Os seus olhos negros já não viam, mas estavam abertos. Segurava ainda na mão um laço de corda, que tirara de junto dos outros.
O infeliz caíra sobre o lado direito e via-se-lhe uma mancha grande e escura entre as espáduas. E o médico disse logo, abanando a cabeça:
- Não vale a pena pensar muito... Este novo assassínio está assinado! Devilder foi atingido e assassinado pelo mesmo miserável, e com a mesma arma que os outros.
Ninguém pensou em fazer a mais pequena objeção às declarações de Huntingdon. Ralph Houston e O. W. Byrnes ajoelharam-se junto do corpo, 51
e verificaram a exactidão das declarações do médico. Franck Devilder fora atacado pelas costas, como o tenente Stark, Malemute Kid, e os outros.
A cena do assassínio é fácil de reconstituir, disse então o inspetor. O culpado entrou, pediu para ver laços !e, precisamente no momento em que Devilder voltava
as costas, para ir buscar um, atacou-o barbaramente... A morte foi fulminante. E, enquanto a vítima expirava, o miserável fugiu.
Houve uns momentos de silêncio, durante os quais os olhares de todos se fixaram no cadáver. Apenas se ouviam os soluços de Juliana, que se afastara um pouco, e os
rumores da multidão, dificilmente mantida pelos delegados. Pairava no ar um cheiro a sangue, que se misturava com o do fumo, deixado pelos clientes do armazém.
O. W. Byrnes foi o primeiro a quebrar o silêncio. Voltando-se para a rapariga, disse-lhe:
- Desculpe-me, menina, mas há certos pormenores que desejava saber. E perguntou-lhe: -? Estava sozinha no armazém, quando descobriu
o corpo de seu pai?
Juliana fez um sinal afirmativo, com a cabeça.
- Estava sozinha. Jim e Lars, os dois caixeiros que ajudavam meu pai, já tinham saído, havia dez
minutos.
- Depois os interrogaremos. Entretanto, pode dizer-me se desapareceu alguma coisa, ou se tiraram dinheiro da caixa?
Ralph Houston abanou a cabeça, em ar de dúvida.
- Se o assassino é quem nós pensamos, é duvidoso que o roubo tenha sido o móbil do crime.
O sherife e os companheiros não tardaram em ser informados. Juliana foi à caixa, e verificou que o conteúdo estava intacto, conservando o produto das numerosas vendas
feitas durante o dia.
- Fechamos sempre ao meio-dia, afirmou a jovem. Meu pai e eu almoçamos no gabinete do fundo. Eu tinha precisamente acabado de arranjar o almoço.
com voz mais firme, Juliana esforçou-se por relatar, o mais fielmente possível, as circunstâncias nas quais, depois de ter fechado o armazém, ela descobrira o corpo
do pai. Impassível, O. W. Byrnes escutava-a, sem procurar interrompê-la. Esperou que ela terminasse, para perguntar:
- Nessas condições, ainda devia estar na cozinha, quando seu pai foi atingido, não é verdade?
- Tínhamos ovos com presunto, e tinha-os precisamente posto na frigideira. Pude então afastar-me por alguns instantes para ir fechar a porta, e atravessei o armazém...
- E não deu por ninguém, por nenhum; retardatário?
- Jim e Lars tinham saído, e costumam almoçar no restaurante da esquina. Ouvi a porta bater, alguns instantes antes. Pensei que tinha sido o último cliente...
- Temos excelentes razões para supor que foi o assassino.
Juliana soluçou de novo.
- Não sei... não sei... Bem vêem, tudo se passou com tal rapidez, 53 que me parece estar a ter um pesadelo horrível. Meu pai era estimado por todos, e eu não lhe
conhecia qualquer inimigo.
posso garantir que isso é verdade, confirmou o
sherife. Devilder só contava amigos em Fort-Pierre e
em toda a região.
E é isso que me leva a crer que o crime podia
ter sido praticado por uma pessoa de fora, respondeu O. W. Byrnes.
E, voltando a dirigir-se à rapariga, que se encostara
ao balcão:
-. Esteve no armazém toda a manhã?
- Sim, durante mais de duas horas, para ajudar meu pai e os caixeiros. Especialmente das dez às onze, houve certa afluência. Clientes que compraram de tudo, desde
papel de carta a cobertores e mantas.
- E conhece esses clientes todos?
- Sim, a maior parte. Eram fregueses habituais.
- Pode dizer-me quem eram?
- Sim. Troquei algumas palavras com Bill Turmer, contramestre do rancho "Barra U", e Nick Wolland, da "Flecha Tripla", comprou-me um chapéu de feltro. Até achou
graça em mo pôr na cabeça, depois de o ter experimentado. Fui eu mesma quem lhe deu o troco. O Big Volley, que gosta de beber, veio fornecer-se de uísque.
- Alguma dessas pessoas tinha razão de queixa contra seu pai?
- Não, pelo contrário. Muitas vezes lhes vendia a crédito, quando tinham dificuldades.
O. W. Byrnes mordeu os lábios. As investigações não levavam um caminho muito favorável.
Ralph Houston, que o deixara interrogar a rapariga, limitou-se a confirmar:
- Esses três homens são bem conhecidos na região, e estão fora de causa.
O inspetor voltou-se de novo para Juliana.
-Deixemos então os clientes de longa data... Veja bem, menina, se, entre os clientes da manhã, não reparou em alguma pessoa de fora.
A resposta não demorou, fazendo brilhar os olhos de Juliana:
- Sim, lembro-me perfeitamente. Por volta das dez e meia, vendi um isqueiro a um homem alto, aí duns quarenta e cinco anos. Trazia saiões de pele de carneiro, e
impressionou-me o brilho e a expressão dos seus olhos cinzento daço.
Ralph Houston e o inspetor trocaram um rápido olhar.
- É ele, exclamou O. W. Byrnes. É o tal Texas Bill, que esta manhã encontrámos na forja do Lamarr.
Mas o sherife tomou a dianteira, e perguntou à jovem:
- Esse indivíduo demorou-se muito?
Juliana esboçou um gesto vago:
- Vi que percorreu outros balcões; pegou numas esporas, e disse que eram muito largas. Não era pessoa muito comunicativa, e poucas palavras trocámos, quando me foi
pagar o isqueiro, na caixa. Levou a mão ao chapéu, e saiu rapidamente. Não voltei a vê-lo.
- Mande depressa chamar os dois caixeiros, insistiu o inspetor.
Não foi difícil encontrar Jim e Lars, 55
que tinham almoçado à pressa, logo que souberam do crime e, junto da porta, tentavam entrar no armazém. O. W. Byrnes submeteu-os a um interrogatório cerrado.
As declarações dos dois caixeiros coincidiram em tudo com as declarações de Juliana. Um e outro tinham reparado no homem dos olhos claros, mas a afluência de fregueses
era tal, que não lhe prestaram atenção. Fora o próprio Franck Devilder quem lhes dissera para irem almoçar.
- Temos de descobrir esse tal Texas Bill, disse então o inspetor. Decerto nos poderá dar indicações interessantes.
- Admitindo que ainda se encontre na região, disse Ralph Houston.
O sherife chamou dois dos seus homens, e deu-lhes ordem para trazerem o homem dos olhos claros. Mas foi em vão que o procuraram, como Houston supusera.
O. W. Byrnes pareceu suficientemente esclarecido:
- Não tenha a mais pequena dúvida de que foi Texas Bill quem praticou o crime. Foi pena não o termos retido.
?- Deixe-me dizer-lhe que não tínhamos qualquer presunção contra ele. A sua documentação estava em ordem.
O inspetor limitou-se a objetar:
- O facto é que podia ser uma testemunha de primeira importância e, enquanto procuramos o assassino do pobre Devilder, ele anda à solta!
Juliana estava esgotada por todas aquelas perguntas. com um gesto fatigado, disse, apontando para o corpo do pai:
- Vai ficar aqui?
- Já fizemos todas as verificações de que necessitávamos, respondeu Byrnes, pelo que não vejo inconveniente em que o transportem para o quarto.
Huntingdon, que se afastara, fez um sinal de assentimento. com o sherife, levaram o corpo, guiados por Juliana.
O inspetor ficou só por momentos, junto do balcão. Tirara da mão crispada do morto o laço de corda, e fazia-o girar nas mãos sem cessar, em sinal de profunda preocupação.
Percorria com o olhar todo o armazém, demorando-o mais insistentemente no sangue que se via no chão, precisamente no sítio onde Devilder caíra assassinado.
Voltou-se ao ouvir uns passos. Era Dick Forton que voltava.
- Foi ainda o assassino de Dacota? perguntou o delegado, parando a dois passos do inspetor.
O inspetor encolheu os ombros. Tudo o levava a crer que o criminoso era o mesmo que abatera as cinco outras vítimas. A série sangrenta continuava e nada fazia supor
que estivesse perto do fim...
- Suspeita dalguém? insistiu Dick Forton, a quem a atitude reticente do inspetor parecia aborrecer bastante.
Mas, uma vez mais perdeu tempo... De resto, Ralph Houston voltava, amparando Juliana, e seguido pelo médico.
- Peço-lhe que tenha coragem, murmurou o sherife para a companheira, quase desfalecida. Vai voltar para junto dele, e esperar...
- Que vai ser de mim?
- Não fale dessa maneira, 57 protestou Ralph Houston. Bem sabe que sou seu amigo, e não ignora os sentimentos que nutro a seu respeito. Seu pobre pai conhecia-os,
e animava-os. Mais duma vez me disse que, se desaparecesse, contava comigo para a proteger
na vida.
- Bem sei, Ralph. Consigo, sinto-me mais corajosa e mais forte. Vai vingá-lo, não é verdade? Não permita que este abominável crime fique impune.
- Juro-lhe, Juliana, que Franck Devilder será implacàvelmente vingado. Mesmo que tenha de sucumbir nessa missão, hei-de conseguir prender e desmascarar o assassino
de Dacota!
Naquele momento, o sherife exprimia-se com tal convicção, que Juliana compreendeu que não eram palavras vãs...
- Acredito, e confio em si, murmurou ela, apertando-lhe a mão, e com voz tão fraca, que os outros não ouviram.
- Eu amo-a, querida Juliana! Quando tiver triunfado do monstro, o meu mais ardente desejo será fazer de si, e para sempre, a companheira da minha vida.
O. W. Byrnes começava a mostrar-se impaciente e o médico, que julgava a sua presença desnecessária, preparava-se para se retirar.
- Vá para junto dele, Juliana, murmurou Ralph Houston. Irei ter consigo logo que possa. Reze a Deus, e tenha coragem.
- Graças a si, Ralph, sinto-me mais forte. Você deu-me a coragem necessária.
- Espere, custe o que custar, insistiu o rapaz. 58 - Não
descansarei antes de ter feito justiça completa e implacável.
Despediram-se uma vez mais, após o que Juliana se dirigiu para o quarto onde repousava o infortunado Devilder. E logo sherife saiu com o inspetor.
- Apressemo-nos, disse O. W. Byrnes, que parecia sobre brasas. Enquanto perdemos um tempo precioso, o criminoso pode pôr-se fora do nosso alcance!
-. Esteja descansado, Byrnes, retorquiu Ralph Houston, que ele não escapará por muito tempo. Vamos fazer tudo para o agarrarmos o mais depressa possível.
E, enfiando o braço no do inspetor, saíram, atrás do médico.
Capítulo VI
A descoberta DO INSPETOR
Na rua, continuava a agitação, mas os delegados tinham por fim conseguido desembaraçar a entrada do armazém. Assim que o sherife e o inspetor saíram, os dois caixeiros
correram à porta ondulada, e afixaram um aviso, anunciando que o armazém estaria encerrado durante três dias, por motivo de falecimento. Mal Ralph Houston e o companheiro
tinham acabado de descer os degraus da entrada do armazém, nova agitação se deu: todos interrogavam o representante da autoridade, e queriam saber o que se apurara,
mas o sherife afastou os importunos:
- Silêncio, meus senhores! Todos sabem que Franck Devilder foi assassinado, e certamente calculam quem foi o assassino...
Foi uma gritaria: -? Morra o assassino de Dacota! -? Apliquemos a lei de Lynch! -? Enforquem-no!
Novamente a voz vibrante de Ralph Houston se fez ouvir, dominando todos:
- Se querem que seja feita justiça, é preciso que todos me ajudem. Procedemos já ao interrogatório de 60 várias pessoas mas, se algum dos presentes nos pode fornecer alguma indicação, faça favor de se apresentar. E acrescentou:
- Esta manhã, alguém notou alguma coisa de anormal em volta ou dentro do armazém?
Parecia que todos queriam falar ao mesmo tempo...
- Então, meus senhores, assim não nos entendemos!
O. W. Byrnes fez um gesto de enfado, como que a querer significar que o representante da autoridade estava a perder um tempo precioso. Enquanto ele falava, o assassino
mais uma vez tinha ocasião de escapar à justiça.
Todavia, a sua expressão descontraiu-se, ao ouvir várias vozes:
- Vi um homem de saiões de pele de carneiro. -? E não era homem daqui.
- Entrou no "General Store", e reparei que à saída, acendeu um cigarro...
- E pareceu-me que olhava à volta, desconfiado...
- Também me pareceu... Dir-se-ia que preparava qualquer coisa pouco boa...
Tais testemunhas pareceram interessantes a O. "W. Byrnes, que fixava a atenção no que ouvia, quando reparou num homem baixo, de rosto queimado, e que gesticulava,
procurando em vão chegar junto do sherife.
- Pete, disse este a certa altura, reparando nele, queres dizer alguma coisa?
O interpelado gesticulou ainda mais, mas não conseguiu fazer-se ouvir.
- Anda cá, Pete, disse o sherife. com certa dificuldade, a turba lá deixou passar aquela testemunha da última hora. 61 Assim que conseguiu chegar junto de Ralph
Houston, o homenzinho afirmou:
- Vi o homem! Montava um alazão!
- Isso mesmo, disse o inspetor, um alazão. Tinha-o prendido ali, na barra, não?
E O. W. Byrnes apontava para uma barra de ferro onde, à sombra, estavam presos uns vinte cavalos. Mas Pete abanou a cabeça:
- O alazão não estava junto dos outros. Estava noutro sítio...
E, fazendo sinal ao sherife e ao inspetor para o seguirem, disse-lhes:
- Venham comigo, que eu lhes digo onde estava. E, como a multidão se agitasse, acrescentou:
- Mande-os afastar! Se pisam o terreno, como quer que se encontre uma pista?
- Ele tem razão, concordou o inspetor. Seria procurar agulha em palheiro.
O sherife ordenou aos seus homens que mantivessem os curiosos a distância, e acompanhou Pete, que contornou o edifício do armazém.
- O alazão estava ali, afirmou ele categórico. Aposto a minha cabeça!
- Não é preciso tanto, respondeu o sherife, aborrecido.
E o homenzinho estendeu a mão, apontando para o chão poeirento:
-Repare... Um cavalo escavou o chão... Foi o alazão. Tenho a certeza de que estava ali...
- Ainda bem que essa gente não veio para aqui, disse o inspetor, que examinava atentamente o chão,
De repente, a menos de três passos na sua frente, viu um objeto a brilhar, e exclamou:
- Olha, um cravo de ferradura!
E O. W. Byrnes apressou-se a apanhar o achado que, depois de examinar, deu ao sherife. Quanto a Pete, pôs-se na ponta dos pés, para ver melhor...
- Este cravo tem a cabeça retangular, observou
o representante da autoridade, o que não é frequente por estas paragens...
- Talvez o Lamarr nos possa esclarecer, sugeriu o inspetor. Na sua qualidade de ferrador, deve saber..
- Vamos lá depressa...
Deixando Pete com os curiosos que logo o rodearam, Ralph Houston e Byrnes dirigiram-se à oficina do ferrador.
Sentado junto da bigorna, sem sequer se ter dado ao trabalho de lavar as mãos, o ferrador estava a comer um pedaço de presunto, com pão e cebola crua. Resmungou,
ao ver os dois.
- Decididamente, nem uma pessoa tem tempo para almoçar sossegado...
Ao chegar junto dele, o sherife mostrou-lhe o cravo encontrado por Byrnes:
- Costuma empregar esta qualidade de cravos nas ferraduras?
Sem deixar de comer, o ferrador pegou no cravo, que virou e revirou.
- Então, perguntou Byrnes, reconhece-o?
?-? É claro que o reconheço, respondeu o brutamontes. Ainda esta manhã os recravei... E os senhores estavam cá, quando fiz o serviço...
E, sem esperar que lhe fizessem mais perguntas, Geo Lamarr acrescentou:
- Estes cravos são especialmente empregados no Texas. Por aqui, usamos outros.
E, entregando o cravo ao sherife, o ferrador disse, com um sorriso malicioso:
- Mais trabalho para os senhores... Soube da morte do pobre Devilder! Estava a ferrar o cavalo do King Storck, quando isso se deu, e pensei logo no Texas Bill. É
estranho que isso se tenha dado quando ele estava em Fort-Pierre, não acham?
E como os seus visitantes, embaraçados, não lhe dessem resposta, Lamarr insistiu:
- Já decerto interrogaram o homem dos olhos claros, que lhes deu explicações satisfatórias... Caso contrário, devem apressar-se, se o quiserem apanhar... com o seu
alazão, num instante desaparece...
Geo Lamarr cuspiu para o chão e, disfarçadamente, continuou a observar os dois homens, ao mesmo tempo que voltava à refeição interrompida. Ralph Houston fez um sinal
ao inspetor, como que a significar-lhe que era inútil insistir.
- Boa sorte, sherife! disse o ferreiro. Estou sempre às suas ordens!
Ralph Houston não respondeu, e voltou para o "General Store". Durante o caminho, O. "W. Byrnes disse-lhe:
- O Lamarr tem razão. Se quisermos esse Texas Bill, não há tempo a perder.
E o inspetor explicou quais os motivos que o levavam a, cada vez mais, suspeitar do homem dos olhos claros:
- O cuidado que ele teve em deixar o cavalo longe, prova-nos cabalmente que tinha necessidade de conservar toda a liberdade de movimentos.
- Talvez também não esperasse que dessem por ele, objetou o sherife. Em todo o caso, o assassínio de Devilder deu-se depois dele ter saído da forja. Portanto, tudo
leva a crer que voltou atrás, para praticar a proeza.
- Seja como for, não podemos hesitar. É um homem sobre quem pesam atualmente as mais graves suspeitas! O simples facto de ter deixado Fort-Pierre...
- Perdão, objetou Ralph Houston, ele disse-nos que estava apenas de passagem.
- É possível, mas temos de o descobrir, para que nos dê todas as indicações necessárias. Se conseguir apresentar-nos um alibi, tanto melhor para ele. Caso contrário...
- Caso contrário, talvez tenhamos dado um grande passo para prender o sinistro assassino de Dacota!
- Sou da mesma opinião. De qualquer maneira, temos de agir imediatamente,
- vou tratar de reunir os meus homens, e partiremos em procura do Texas Bill.
- Ficar-lhe-ia muito grato se me deixasse acompanhá-lo.
O sherife ficou contrariado com o pedido, calculando que a presença do inspetor só serviria para lhe dificultar os movimentos. Mas O. "W. Byrnes insistia tanto,
que se resignou:
- Como queira. vou dizer ao Hasting que lhe arranje um cavalo. Mas é por sua conta e risco...
- É exatamente assim que desejo, respondeu o inspetor.
Ao ver os dois homens, a multidão manifestou-se de novo. O sherife apitou, e imediatamente os delegados, que se encontravam nas cercanias do armazém, correram ao
seu encontro.
- Tratem depressa de arranjar os cavalos, para partirmos sem demora.
Os homens agiram imediatamente, mas Slim Hasting fez uma careta, quando o chefe lhe deu ordem para arranjar um cavalo para o inspetor... Os homens rudes do Far-West
não tinham muita consideração pelo homem do Este, e gostavam pouco de ver o inspetor meter-se nos seus assuntos.
Ralph Houston preparava-se para montar, quando viu que o capitão Fierce se dirigia ao seu encontro.
- Imagine que só agora soube o que aconteceu ao pobre Devilder, disse o oficial.
O sherife fez um gesto evasivo. Ao ver que o inspetor também ia montar, o capitão perguntou-lhe:
- Então, também parte?
E, ao ver o gesto afirmativo do inspetor, disse-lhe:
- Logo que volte, vá ter comigo ao quartel.
- Fique descansado.
Nada mais puderam dizer, pois o grupo ia partir, e O. W. Byrnes colocou o cavalo à direita do sherife.
- Um vaqueiro que veio de Eagle Butte, disse ter encontrado lá o homem dos olhos claros e o alazão, gritou Ralph Houston para o vizinho.
E depois, levantando o braço, deu o sinal de marcha.
O grupo partiu, entre as aclamações de todos, embora o entusiasmo não fosse grande. Mais duma vez o sherife e os seus homens tinham partido, em procura do assassino
de Dacota, voltando de mãos a abanar. E não era a presença do inspetor no pequeno grupo que tornava os habitantes de Fort-Pierre mais otimistas...
Quando os cavaleiros passaram defronte do "General Store", o sherife reparou que uma janela se entreabria. Era precisamente a do quarto para onde fora transportado
o corpo de Franck Devilder. Juliana assistia à partida, e formulava votos pelo seu triunfo.
O sherife agitou a mão, mas já a janela voltara a fechar-se. Os cavalos lançaram-se a galope em direção ao Norte, pois os cavaleiros tencionavam seguir o curso do
Missuri até Eagle Butte, onde Texas Bill fora visto.
O grupo depressa passou os limites de Fort-Pierre. Havia sol, e O. W. Byrnes pensava no tempo péssimo dos dias anteriores, que tanto o incomodara.
Tinha de manter a montada à altura da de Ralph Houston e, embora o inspetor soubesse montar, estava longe de ser tão desembaraçado como os outros, habituados a passar
grande parte da vida a cavalo. Além disso, ainda não estava totalmente restabelecido da tormentosa viagem de diligência.
Cavalgaram durante mais de duas horas, sempre através do mesmo cenário, que acabava por ser monótono. À direita as colinas cobertas de pinhais e, à esquerda, o Missuri,
majestoso e lento.
O. W. Byrnes distraía-se com a paisagem ou com os pequenos barcos que desciam a parte navegável do rio, mas o sherife pouco se interessava com o que de
há tanto lhe era familiar. Outras preocupações lhe ocupavam o espírito, entre as quais a lembrança da cena dolorosa junto de Juliana. Sentia-se triste ao evocá-la,
e a intenção de vingar a morte do pai da rapariga dava-lhe novas forças, e encorajava-o a ir até ao fim, para assegurar o castigo do culpado.
No entanto, ao lembrar o fracasso das anteriores tentativas, o sherife não podia defender-se dum sentimento de impotência e de desânimo. Sabia que tinha pela frente
um adversário de envergadura, um criminoso como nunca a região conhecera. Comparados com as proezas do assassino de Dacota, todos os crimes que até então tivera
de combater, lhe pareciam brincadeira de crianças...
Felizmente, o rude cavaleiro esforçava-se por reagir, e lembrava-se do enigmático homem dos olhos claros, que nessa manhã encontrara na forja de Geo Lamarr.
Ralph Houston tinha apenas vinte e cinco anos mas, no entanto, conhecia os homens. Compreendera que o dono do alazão não devia ser uma pessoa vulgar, e a expressão
do seu olhar, e as suas maneiras misteriosas, encorajavam-no a pensar que teria de se defrontar com uma personagem de envergadura.
Atrás do sherife e do inspetor, seguiam os outros cinco homens. Dick Forton, Slim Hasting, Sam OGrady, Jim Becker, e Steve Norsen, eram rudes rapazes do Oeste, muito
experimentados na sua perigosa profissão. Embora todos mais velhos do que Ralph Houston, dedicavam uma fidelidade absoluta ao jovem chefe. Seguiam-no como sempre
o tinham feito quando fora preciso desmascarar bandidos de qualquer espécie mas,
desta vez, tinham a impressão de que era um caso mais difícil e perigoso do que todos os outros.
A certa altura, ouviu-se a voz forte do sherife:
- Atenção! Estamos a chegar a Eagle Butte! E apontava para uma colina arborizada, que se via à direita, pouco longe do Missuri.
Capítulo VII
PERSEGUIDO
- E agora, meu velho Mesquita, temos de ter muito cuidado.
Catamount parara na orla dum pinhal, a pouca distância de Eagle Butte. Limpou a testa com a manga e depois, segurando o cavalo pela arreata, levou-o para a sombra.
O homem dos olhos claros aspirou profundamente o bom e agradável cheiro da resina, o que o ajudou a retemperar-se da cavalgada que acabara de fazer, depois de sair
de Fort-Pierre.
- O diabo do vaqueiro com quem cruzámos, é capaz de dar com a língua nos dentes e, então, adeus tranquilidade, disse ele, em voz baixa.
A sorrir, passando a mão pelo lombo do alazão, acrescentou:
- É claro que não podia suprimir aquela testemunha incómoda... Mas, no fim de contas, não vale a pena pensar muito nisso. O que for soará.
Deitou-se à sombra das grandes árvores. Um ruído insólito fê-lo estremecer e, instintivamente, levar a mão ao revólver. Mas logo viu que eram apenas dois esquilos,
que saltitavam nos ramos.
Tranquilizado, Catamount tirou um maço de cigarros do bolso, escolheu calmamente um, acendeu-o e, depois duma fumaça, murmurou:,
- Recapitulemos...
E continuando a fumar, o homem dos olhos claros recordou as circunstâncias que o tinham levado àquela remota região de Dacota do Sul, tão longe do seu habitual campo
de ação.
Era a primeira vez que ele se afastava, sem que o coronel Morley, seu chefe, o tivesse encarregado duma missão bem definida. Desde o princípio do mês que as proezas
do assassino de Dacota ocupavam as crónicas de El Paso, e toda a gente afirmava que tais crimes não teriam lugar, se houvesse em Dacota um corpo de polícia bem organizado.
Por seu lado, Catamount não pudera deixar de se sentir intrigado por certos pormenores e, como pouco tinha que fazer em Rio Grande, pediu ao chefe que o autorizasse
a dirigir-se para o Norte, e ir a Fort-Pierre, para ali realizar investigações de caráter pessoal.
Assim que soube das intenções do seu melhor auxiliar, o coronel Morley respondeu-lhe:
- Boa ideia, meu rapaz... Tinha o maior prazer em que um dos meus homens desse um capote àquela gente... Dou-lhe carta branca, e desejo-lhe as maiores felicidades.
E acrescentou:
-É claro que você vai por sua conta e risco...
Não quero aborrecimentos com as autoridades, nem
com os sherifes que, frequentemente, se mostram ciosos
, das suas prerrogativas. Só lhe dou autorização se for
com uma identidade falsa. É claro que os seus documentos ficarão aqui, na gaveta da minha secretária. Arranjar-lhe-ei outros, que lhe podem ser úteis, em caso de
complicações...
- Ótimo, meu coronel. Sou absolutamente da sua opinião.
- Nessas condições, tem o campo livre. Boa sorte, mais uma vez!
Sem mais demora, o falso Texas Bill dirigiu-se para a região onde o sinistro assassino de Dacota prosseguia a série sangrenta das suas proezas.
Sabemos que acontecimentos trágicos se seguiram à chegada do homem dos olhos claros a Fort-Pierre. As suspeitas que sobre ele incidiam, assim como a atitude reticente
e hostil de O. W. Byrnes, levaram-no a afastar-se provisoriamente da cidadezinha do Missuri.
E, enquanto descansava, Catamount passava em revista os resultados do inquérito iniciado durante a sua estadia em Fort-Pierre.
De início, a sua presença passara despercebida, pois o drama que ensanguentava a região, ocupava as atenções gerais. Hospedado no Hotel "Black Hills", não deixara
de reparar nas conversas que ouvia. Agora, tinha do assunto uma ideia tão clara e tão precisa como o inspetor, com a vantagem de que agia dentro dum ambiente que
lhe era familiar desde criança.
Até àquele momento, as suspeitas recaíam sobre Geo Lamarr, por mais dum motivo. As atitudes " certas frases do colosso pareciam-lhe merecer reservas mas, no entanto,
ele apresentara alibis absolutamente formais, e testemunhas fidedignas, que justificavam a sua presença junto delas, 72
enquanto eram praticados os crimes que, pela atrocidade, lançavam o terror na região.
De resto, Catamount não tinha a mais pequena dúvida de que devia ao Lamarr as recentes complicações que tivera, e que sobre ele tinham atraído a atenção do sherife
e do inspetor. A atitude do ferrador enquanto os dois o interrogavam, fora suficientemente edificante. E sabia bem que, para o futuro, a sua tarefa ia ser singularmente
difícil. Ao mesmo tempo que se esforçava por descobrir a verdade, e desmascarar o culpado, teria de combater as tentativas e as manobras dos que dele desconfiavam.
Qualquer outro desistiria, e voltaria para o Texas, mas não aconteceria isso com Catamount. Mais duma vez, no decorrer da sua vida aventurosa, provara que não recuava
perante os mais perigosos obstáculos e que, longe de o fazerem desanimar, as dificuldades pareciam atraí-lo irresistivelmente.
- O coronel que tenha paciência, e espere mais uns dias, mas hei-de descobrir o enigma, e desmascarar o assassino.
Catamount preparava-se para fumar outro cigarro quando, de repente, se endireitou, fixando o alazão. O fiel Mesquita, de orelhas espetadas, olhava para a esquerda,
com uma insistência inquieta...
- Que temos, meu velho camarada?
O cavalo continuava na mesma posição, atento. Intrigado, Catamount ajoelhou-se e encostou o ouvido ao chão.
Ficou assim durante algum tempo e, bruscamente, levantou-se, com ar preocupado.
- Cavaleiros... disse ele, em voz baixa. Vêm nesta direção... Virão seguindo a nossa pista?
Desde que saíra de Fort-Pierre, Catamount não se preocupara em disfarçar os vestígios da sua passagem, mas lembrou-se do encontro com o vaqueiro, o que lhe inspirou
nova apreensão.
- Àquele tipo olhou-me como se eu fosse um animal curioso, quando passou a meu lado... Foi muito capaz de me ter denunciado ao sherife...
De entrada, Catamount ficou imóvel, hesitante... A sua consciência não o acusava de nada. Podia ser submetido a novo interrogatório, sem receio, saindo-se tão bem
como dos outros.
Mas Catamount compreendeu que tal atitude ameaçava contrariar o inquérito pessoal que o levara às margens do Missuri. Mais que nunca, estava disposto a agir nos
bastidores, e a continuar a ser Texas Bill, até nova ordem.
- Vamos, disse ele ao ouvido do cavalo, visto que eles querem brincar às escondidas, vamos desorientá-los...
Saltou para cima do cavalo, e meteu em direção ao bosque.
Avançaram durante dez minutos, sem qualquer obstáculo. De vez em quando, o homem dos olhos claros voltava-se para trás, para verificar se era seguido, e se havia
vultos suspeitos entre as árvores. Sossegado prosseguia o caminho quando, de repente, soaram três detonações.
Um ramo caiu, cortado por uma bala, um pouco adiante do cavaleiro. Assustado, o cavalo empinou-se. Vamos dar meia volta, disse o cavaleiro.
Mais duas balas silvaram, e uma delas furou o chapéu de Catamount, ao mesmo tempo que se ouvia uma voz dizer:
- Alto! Renda-se!
O diabo me enforque, se não é o sherifezinho
de Fort-Pierre, praguejou o cavaleiro.
Mas sem fazer caso da intimação, obliquou ligeiramente para a direita.
Novos tiros, desta vez disparados por outro adversário, obrigaram o fugitivo a mudar novamente de direção. E mais uma vez se fez ouvir a voz do representante da
autoridade:
- Renda-se, ou abatemo-lo, como um cão!
- Vão para o diabo!
A resposta não se fez esperar; acelerando o andamento do cavalo, Catamount precipitou a retirada. Novos disparos se ouviram mas os atiradores, ainda invisíveis,
precipitadamente, não visavam...
- Depressa, gritou um dos perseguidores, não o deixemos escapar...
Desta vez, a situação era clara. As hostilidades tinham principiado, e Texas Bill tinha de defrontar obstáculos rudes, para se livrar daquela situação.
De facto, Ralph Houston e os seus homens tinham dado com a pista. Chegados à altura de Eagle Butte, o sherife dispusera os auxiliares de modo a ser fácil descobrir
a pista recente de Mesquita, que seguia deliberadamente pela região das colinas arborizadas.
Certos de que aquele a quem procuravam se tinha refugiado no bosque, os sete homens tinham manobrado de maneira a impedir a fuga do suspeito... 75
O W. Byrnes participava nas peripécias angustiosas daquela implacável caça humana. Dominava a sua fadiga, lembrando-se de que a solução do grave problema estava
finalmente à vista.
O inspetor não duvidava da culpabilidade de Catamount. As declarações de Geo Lamarr, a saída precipitada do homem dos olhos claros, coincidindo com a descoberta
do corpo do infeliz Franck Devilder, esclareciam o inspetor, a quem as respostas de Catamount não tinham bastado.
A perseguição intensificava-se. Ralph Houston apitou, para reunir os homens. Ao princípio, o sherife tinha esperado que o fugitivo, vendo-se cercado, não oferecesse
resistência, e se deixasse prender, mas a súbita reviravolta de Catamount provava-lhe que não era adversário para se render sem combate...
- Vamos, depressa... Se consegue sair do bosque, é tempo perdido.
Na verdade, o sherife sabia perfeitamente que o audacioso adversário só teria vantagens, se recobrasse a sua completa liberdade de manobra. Os bosques e os acidentes
de terreno em volta, permitir-lhe-iam evadir-se mais facilmente. Julgara tê-lo à mercê, mas a prontidão com que o perseguido agira fizera-lhe perder a confiança
do início, e perceber que a caça ao homem não seria tão fácil como imaginara.
Slim Hasting e Sam OGrady, que Ralph Houston deixara na orla do bosque, esforçavam-se por seu turno em cortar a retirada ao fugitivo, mas Catamount pegara no seu
revólver...
com perícia desconcertante, Catamount fez saltar o chapéu de cada um e, enquanto eles se esforçavam por dominar os cavalos assustados,
saiu a galope do bosque, e lançou-se a toda a brida em direção à encosta, coberta de arbustos.
- Maldição, gritou O. W. Byrnes. Foge-nos... Desorientado, o inspetor fez fogo em direção ao fugitivo, mas as balas perderam-se, inofensivas, ao passo que Catamount,
colado ao pescoço do alazão, se punha fora do alcance dos tiros.
Ralph Houston, imediatamente seguido por Dick Forton, Jud Becker, e Steve Norsen, lançou-se em perseguição do ousado cavaleiro, mas mais duma centena de passos os
separava ainda, e o alazão ganhava vantagem sobre os outros cavalos, cansados da precedente cavalgada.
Quanto ao inspetor, que esporeava desesperadamente a montada, depressa se viu ultrapassado por Slim Hasting e OGrady. Do grupo, ninguém se preocupava com aquele
colaborador ocasional que, em vez de lhes ser útil, só podia embaraçá-los.
Chegaram junto doutro bosque, mas Catamount, para evitar nova surpresa ou novo cerco, contentou-se em o contornar. Guardara o revólver no estojo e, voltando-se para
trás, verificou que cada vez mais se distanciava dos adversários.
- Mais um esforço, meu velho camarada...
O Mesquita não precisava ser encorajado. Deslizava com a velocidade duma seta.
Mas depressa o fugitivo teve de afrouxar o andamento do alazão. Nas suas costas, ouviram-se clamores de vitória. Catamount depressa percebeu as razões da alegria
dos perseguidores, tão súbita como intempestiva.
Na ânsia de se distanciar dos que o perseguiam,
Catamount aventurara-se num terreno semeado de covis de cães dos prados. A cada momento o cavalo arriscava-se a meter uma pata numa dessas escavações, e cair.
- Temos pouca sorte, meu velho camarada.
Os buracos multiplicavam-se-lhe na frente. Decididamente, parecia que o chão se transformara numa escumadeira.
Ralph Houston e a sua gente abrandaram o andamento dos cavalos, pois sabiam da existência daquela zona perigosa, para a qual tinham empurrado o adversário e, depois
duma caçada incerta, viam aproximar-se a vitória.
- Está nas nossas mãos, gritou Dick Forton.
E preparava-se para atirar em direção ao homem dos olhos claros, quando o sherife o impediu, dizendo-lhe:
- É inútil esbanjar as tuas munições. Deixa-me proceder...
E, levantando a voz, disse ao cavaleiro que parara, indeciso:
- Renda-se!
Catamount encolheu os ombros e, escorregando da montada, limitou-se a responder, com, voz bem timbrada:
- Venha prender-me, sherife... Jim Becker disse para o chefe:
- com a breca! Dir-se-ia que pretende defender-se. Os outros homens, também espantados, tinham
parado, com os revólveres na mão, e viram o homem dos olhos claros fazer o cavalo deitar-se sobre o flanco direito, depois do que, pegando na carabina, se deitou
também.  Fez pontaria para o pequeno grupo, e exclamou:
- Então, quem é que quer entrar na dança?
Mal ele acabara de pronunciar estas palavras, ouviu-se um tiro. Atravessado de lado a lado, o chapéu de Ralph Houston foi cair na erva, a uns dez
passos.
- Deitem-se no chão, gritou Steve Norsen, assustado.
Os seis homens apearam-se, e obedeceram para não serem alvo do perigoso atirador.
Houve então um momento de repouso, durante o qual os adversários se observaram.
- Então. Texas Bill, exclamou novamente o sherife, que começava a impacientar-se. Renda-se! Bem vê que somos mais fortes!
- Prove-o, e venha prender-me!
Ouviu-se um tiro. Dick Forton, que apontara o revólver na direção da massa confusa do corpo de Mesquita, estendido na relva, sentiu na mão direita uma dor aguda,
ao mesmo tempo que a arma lhe fugia, com rapidez desconcertante.
Estupefato, o homem viu o sangue a escorrer-lhe entre os dedos, e soltou uma praga, ao ouvir Catamount, irónico:
- Se quisesse, podia ter-te acertado na cabeça!
E como o sherife e os outros se mantivessem prudentemente calados, o homem dos olhos claros perguntou:
- Quem se segue?
O grupo começava a impacientar-se seriamente...
- Não podemos ficar assim até à noite, disse Sam OGrady. Isto é muito humilhante, chefe...
- Se tens pressa, respondeu Ralph Houston, nada te impede de ir dar os bons dias ao Texas Bill... Mas receio que não chegues lá inteiro...
- No entanto, protestou Slim Hasting, não vamos ficar assim, mantidos em respeito por esse maldito...
A situação era na verdade curiosa.?? O grupo parecia ter o fugitivo à mercê, metido num terreno donde a retirada era impossível, mas parecia também momentaneamente
impossibilitado de o prender...
- Esperemos, aconselhou o sherife.
Novas detonações se ouviram então, partidas do perseguido, e fazendo estremecer os seus adversários, intrigados.
- Que se passa? perguntou o sherife. Não é sobre nós que ele atira.
- É o inspetor, que nos procura, respondeu Dick Forton, embrulhando a mão no lenço.
Esquecendo por momentos o risco que corriam de poderem ser atingidos, o sherife e os seus homens voltaram-se. Não puderam deixar de rir, ao verem O. W. Byrnes que,
rastejando, se dirigia para eles.
Fazia pena a cara dele. Desconhecendo a verdadeira posição dos perseguidores e do fugitivo, aproximara-se do sherife quando, com uma bala bem apontada, Catamount
lhe fizera saltar o boné e, depois, com mais três tiros, o obrigara a pular dum lado para o outro...
Agora, coberto de suores e ofegante, o desgraçado esperava. Tinha enfiado um pé num dos covis.
- Não se mexa... disse-lhe Ralph Houston.
Mais morto que vivo, O. W. Byrnes resignou-se, seguindo o exemplo dos outros. Continuaram a observar-se mutuamente, enquanto o sol baixava lentamente.
Ao abrigo da sua trincheira viva, Catamount não perdia os adversários de vista, dedo no gatilho da carabina, pronto a disparar ao mais pequeno movimento suspeito.
Mas o grupo preferia ainda contemporizar. E as horas iam correndo, intermináveis e exasperantes para os dois partidos, um e outro resolvidos a levar a sua ação até
ao fim...
Capítulo VIII
EM NOME DA LEI!
As primeiras sombras da noite caíram sobre o prado, e viam-se cintilar as primeiras estrelas. De vez em quando, passavam sombras furtivas, que logo desapareciam:
eram os cães do prado, desalojados da sua quietação habitual pela vizinhança dos homens. A maior parte conservava-se no fundo dos covis.
Catamount mantinha-se na mesma atitude, mão na carabina, observando o terreno onde os adversários esperavam... Só avistava os cavalos, que pastavam, tranquilamente
a distância e, um pouco mais longe, o inspetor, mas não via os cavaleiros, prudentemente estendidos no chão.
O homem dos olhos claros sabia perfeitamente que não se tratava senão duma simples pausa. Os seus opositores esperavam pela noite. Assim, que fosse escuro, lançar-se-iam
de novo ao ataque, e a tarefa seria mais árdua, pois Catamount queria a todo o preço evitar abater algum dos encarniçados perseguidores. Ele não era nem um fora-da-lei,
nem um criminoso, o que tornava a sua situação mais delicada. E tinha bem a certeza de que tal estado de espírito não existia no campo contrário, onde todos, mais
que nunca,  estavam, decididos a prendê-lo e, se necessário fosse, a abatê-lo como se fosse animal perigoso.
Por seu lado, Ralph Houston e os adjuntos preparavam-se para a ação decisiva. -
É preciso que todos ataquem ao mesmo tempo,
quando eu der ordem, disse ele, em voz baixa. Talvez haja feridos, mas é a única maneira que temos de acabar com isto.
Dick Forton fez uma careta, e os companheiros também. Quanto a O. W. Byrnes, parecia extenuado pelas recentes proezas. Não perdoava a Texas Bill, a quem persistia
em tomar pelo assassino de Dacota,
- A resistência que esse miserável nos opõe, não teria justificação, se ele não tivesse numerosos crimes a pesarem-lhe na consciência! À sua atitude equivale à mais
flagrante confissão.
Ralph Houston fez um sinal afirmativo. Em tal ocorrência, os seus pensamentos dirigiam-se frequentemente a Fort-Pierre, para junto daquela a quem deixara desolada...
Lembrava-se da promessa formal que fizera de vingar o assassinado, e a sua resolução de liquidar o homem dos olhos claros mantinha-se firme.
Por seu lado, este sentia-se dominado pela maior perplexidade. Decerto teria valido mais uma explicação franca e leal. Bastar-lhe-ia revelar a sua verdadeira identidade,
para que as hostilidades cessassem imediatamente... Mas Catamount não esquecia as circunstâncias em que iniciara aquelas novas investigações, e as recomendações
que lhe fizera o coronel Morley! Até à resolução do enigma, tinha de continuar a ser Texas Bill, e agir como tal.
Pareceu-lhe ouvir movimentos suspeitos.  O homem -
dos olhos claros pensou que seriam os cães, deslocando-se dum covil para outro, mas o cavalo arrebitara as orelhas, como fazia em caso de perigo.
?-? Atenção, meu velho camarada, murmurou ele, de dedo no gatilho da carabina. Parece que é a altura de estarmos de olhos bem abertos.
O canto exasperante dos grilos continuava a fazer-se ouvir, e os cavalos do sherife e do grupo continuavam no mesmo sítio, o que provava a Catamount que os cavaleiros
continuavam mais decididos que nunca a levarem, até ao fim, a implacável caçada ao homem.
Passaram ainda dois minutos e depois, a menos de dez passos na sua frente, Catamount viu uma sombra confusa...
- Alto! exclamou ele, senão disparo! Catamount preparava-se para apontar a carabina
em direção do suspeito, quando dois outros vultos surgiram imediatamente nas suas costas. Slim Hasting e Jud Becker tinham conseguido aproximar-se dele rastejando,
e saltaram ao mesmo tempo.
Houve luta, sobre a erva. Ao passo que Hasting se agarrava à carabina, para o impedir de fazer fogo, Becker lançou-lhe as mãos ao pescoço.
- Socorro, chefe! Agarrámo-lo!
Mas logo gritou de dor. com um soco aplicado nos queixos, Catamount desembaraçara-se do importuno, que caiu ao chão, cuspindo dois dentes, e a deitar sangue pelo
nariz.
Aqui estamos, gritou Ralph Houston, acorrendo com três homens.
Era tempo!
Slim Hasting conseguira desarmar Catamount, mas levara um violento soco no estômago, e também caíra.
- Mãos ao ar!
Catamount ia sacar do revólver, para responder à intimação do sherife, mas Ralph Houston beneficiava da surpresa, e encostou-lhe a arma ao peito.
Em nome da lei, está preso, Texas Bill!
Sam CTGrady e Steve Norsen apressaram-se a desarmar o homem dos olhos claros, e agarraram-no. Catamount compreendeu então que era impossível qualquer resistência,
tanto mais que o inspetor e Dick Forton também se aproximavam.
- Está bem, limitou-se ele a dizer. Os senhores são mais fortes... Se não me tivessem atacado pelas costas...
- Estenda as mãos, ordenou Ralph Houston. Não lhe peço explicações.
E aplicou-lhe as algemas, que tirara do bolso.
- Revistem-no, ordenou então o inspetor que, durante o combate, se mantivera a uma distância respeitosa, por causa das dúvidas...
O conselho era inútil, pois Slim Hasting já estava a inventariar conscienciosamente o conteúdo dos bolsos e do cinto do preso. Retirou a cigarreira quase vazia,
o isqueiro, uma navalha, e alguns objetos miúdos, que deu ao chefe.
O. W. Byrnes tomara conta da carteira, e dos documentos que Catamount já tinha mostrado na primeira entrevista, na oficina do ferrador.
- Como vê, valeu bem a pena ter tanto trabalho, disse o inspetor.
- Podia fazer-lhe a mesma objeção, respondeu Catamount, calmamente.
E, voltando-se para Ralph Houston, Catamount
perguntou:
- Posso saber qual a razão que tiveram para assim me perseguirem, e me prenderem?
Ouviu-se uma gargalhada, de O. W. Byrnes.
?- Ainda pergunta! Na verdade, toma-nos por principiantes.
E, dirigindo-se diretamente ao preso, o inspetor precisou:
- Prendemo-lo, simplesmente por sabermos agora que é o assassino de Dacota!
- Essa é boa! Eu, o assassino de Dacota? Nessas condições, também posso ser o presidente dos Estados Unidos!
- Faz mal em troçar, observou-lhe o sherife. As acusações que pesam sobre si, são muito graves. Parece-me que não faz bem ideia da sua situação...
Catamount encolheu os ombros:
- Nada se tem a recear, senhor sherife, quando se tem a consciência tranquila, replicou ele calmamente. Pela minha parte, nada tenho a censurar-me.
- Quando nada se tem a censurar, não se foge como um coelho, e dão-se todas as informações necessárias.
- Perdão. Quando me interrogaram, na forja, dei-lhes todas as indicações precisas. E, se fugi na vossa frente, foi apenas porque começaram a fazer fogo sobre mim,
sem qualquer provocação da minha parte!
Tão calmo quanto o interlocutor estava agitado, o homem dos olhos claros prosseguiu:
- Se o senhor não tivesse vindo há tão pouco tempo do Este, saberia que, no Far-West, existe o direito de defesa. Atacado, tinha direito de me defender E, se um
dos vossos ficou arranhado na mão, coisa de pouca importância, o caso poderia ter sido mais grave, se eu tivesse querido. Não apontaria para a mão, mas para a cabeça!
E, no Texas, tenho fama de bom atirador...
- Se se serve tão bem do revólver como do punhal, retorquiu o inspetor, admito sem dificuldade que mereça elogios... Mas afirmo também que tem de prestar contas
rigorosas à justiça! Depois de nos termos encontrado na forja de Geo Lamarr, passou-se um facto novo, a respeito do qual poderá decerto prestar-nos edificantes precisões...
-Gostaria que me pusesse ao corrente... Qual é o facto novo?
- Franck Devilder foi assassinado pelas costas, como os outros, respondeu O. W. Byrnes. É a sua sexta vítima! Basta, e é preciso que seja feita justiça!
- Estamos absolutamente de acordo, inspetor. É preciso que seja feita justiça, mas não é lançando-se numa pista falsa que conseguirão prender o assassino!
- O assassino é o senhor, e vou fornecer-lhe a prova!
E, ao pronunciar estas palavras, O. W. Byrnes tirou do bolso um objeto, que lhe mostrou:
- E este cravo? Que diz o senhor? Foi perdido pelo seu cavalo. Encontramo-lo perto do "General Store".
O homem dos olhos claros examinou o achado do inspetor. O sherife e os seus homens esperavam, silenciosos e reservados.
- Sim senhor, é de facto um cravo de ferro, de cabeça retangular, como os que se fazem no Texas. No entanto, se o Mesquita está ferrado com cravos destes, o senhor
sherife pode ter a certeza de que não foi perdido por ele, como tão teimosamente insinua o ilustre inspetor!
- Quer verificar, Hasting? ordenou Ralph Houston. Hasting aproximou-se do alazão, que já se erguera do chão, e examinou-lhe os cascos.
- Estão todos os cravos...
O. W. Byrnes agitou o braço, em sinal de protesto.
- Não é possível!
- Faça favor de ver.
O inspetor teve de se conformar. Na verdade, não faltava nenhum cravo.
- Parei na oficina do Lamarr para os mandar consolidar, e seria paradoxal que, logo a seguir, tivesse perdido um...
Este raciocínio abalou o sherife:
- Mas então, este cravo?
- Não fui eu a única pessoa que, de manhã, passou junto do "General Store". E nada prova que esse cravo tenha sido perdido pelo cavalo daquele a quem procuram.
- No entanto, o Lamarr afirmou-nos... quis objetar o inspetor.
Mas Catamount não o deixou acabar:
Pois enganou-se... Em todo o caso, ser-me-á fácil convencê-lo do seu erro, 88
quando voltarmos para Fort-Pierre, pois decerto voltamos para lá, não é verdade?
- Sim, imediatamente, respondeu o sherife.
Os homens olharam uns para os outros, indecisos. À atitude calma e tranquila de Catamount, o que acabara de dizer, e a facilidade com que destruíra as acusações
do inspetor, desorientavam-nos. E ainda mais indecisos ficaram, quando o homem dos olhos claros acrescentou, mostrando as algemas:
Suponho que a sua opinião está assente, sherife. Todavia, garanto-lhe que nada tenho de comum com o assassino que procuram. Enquanto os senhores me têm aqui, subjugado,
o verdadeiro assassino tem tempo de sobra para se pôr em segurança e, sem dúvida, de cometer novo crime. É como testemunha e não como prisioneiro que me devem levar
para Fort-Pierre. Prometo ficar às vossas ordens e, se preciso, ajudá-los o melhor possível.
Ralph Houston, tal como os adjuntos, parecia abalado pelos argumentos apresentados pelo homem dos olhos claros, mas O. W. Byrnes, mais hostil que nunca, voltou a
insistir:
- De forma alguma podemos pensar em pôr em liberdade este indivíduo. A sua fuga, e o ardor com que nos combateu, provam suficientemente que não tem a consciência
sossegada, e que sabe muito mais do que nos quer dizer, a respeito do assassino de Dacota.
E, pondo a mão no braço do sherife, acrescentou:
- Acredite no que lhe digo, e não vá atrás de palavras bonitas... Que diriam os habitantes de Fort-Pierre, se o vissem voltar de mãos vazias? 89 Graves presunções
pesam sobre este homem e, até averiguações mais amplas, deve ficar em poder da justiça.
Um murmúrio de aprovação acolheu as palavras do inspetor, e a voz rude do sherife não deu tempo a qualquer discussão.
- Veremos isso quando chegarmos a Fort-Pierre. Vamos embora.
Catamount não teve outro remédio senão ir com o grupo, e algemado... Não perdeu tempo em protestar, em vista da hostilidade manifestada por O. W. Byrnes.
Os oito cavalos lançaram-se a galope e, duas horas depois, o sherife, o prisioneiro, e os companheiros, chegavam a Fort-Pierre. Apesar do adiantado da hora, reinava
ali grande agitação, especialmente nas cercanias do "General Store".
Ouviram-se clamores e gritos ameaçadores, quando correu a notícia de que chegara um prisioneiro. Alguns reconheceram o homem dos olhos claros.
Impassível, Catamount não desfitava os grupos que o cercavam e injuriavam. Calculava que não tardasse a ser posto em liberdade, mas não podia lamentar o desagradável
episódio, facto que o impedia de agir, ao mesmo tempo que permitia ao verdadeiro culpado preparar-se para novos delitos.
Foi preciso afastar os mais exaltados e, com certa dificuldade, o prisioneiro foi levado até ao posto do sherife, onde ficaria encerrado, enquanto aguardava que
se procedesse aos interrogatórios, e às confrontações necessárias.
Catamount foi encerrado numa cela junto do gabinete do sherife, sempre algemado, e teve de se resignar a deitar-se na tarimba de madeira.
O sherife dirigiu-se ao armazém, pois queria informar-se do estado de Juliana, mas Jim, um dos caixeiros, disse-lhe que a jovem repousava no quarto, pelo que não
insistiu. Quanto a O. W. Byrnes, cada vez mais convencido de ter capturado o assassino de Dacota, apressou-se a ir ter com o capitão Fierce. Extenuado pela cavalgada,
não tardou a adormecer, satisfeito por ter finalmente terminado o inquérito.
No entanto, ainda não tinham acabado os trabalhos do inspector... E, enquanto Fort-Pierre parecia ter adormecido, nova ameaça ia concretizar-se, nova vítima devia
tombar! Implacável, o assassino de Dacota continuava a sinistra série dos seus crimes.
No entanto, Ralph Houston tomara todas as precauções necessárias para garantir a vigilância do prisioneiro. com o revólver ao alcance da mão, preparado para qualquer
eventualidade, Jud Becker esperava que, ao romper do dia, um dos camaradas o fosse render...
Capítulo IX
O LIBERTADOR INESPERADO
Sentado na dura tarimba, Catamount refletia. Mais duma vez se sentiu tentado a declinar a verdadeira identidade, e revelar as verdadeiras razões que o tinham levado
a Fort-Pierre, Sabia bem que uma simples comunicação, um simples telefonema para o coronel Morley, em El Paso, bastariam para o pôr fora
do caso.
No entanto, Catamount hesitava, e recusava-se a capitular. As condições estranhas que rodeavam a sangrenta aventura do assassino de Dacota, as recentes aventuras
que tivera, e o mistério que pairava sobre os seis assassínios, tudo isso o intrigava altamente,
De resto, sabia perfeitamente que teria maiores probabilidades de desmascarar o criminoso e de descobrir a verdade, dissimulando cuidadosamente a sua personalidade.
Era esse o trunfo mais importante do jogo, pelo que estava disposto a continuar assim até ao fim, embora a sua atitude devesse acarretar-lhe os maiores inconvenientes
e riscos.
Por agora, era preciso esperar. Desarmado, algemado, o homem dos olhos claros estava completamente à disposição dos adversários.
Talvez o retivessem
naquela cela um ou dois dias, e depois o transferissem para local desconhecido. A não ser que...
A ideia duma evasão aflorou ao espírito do prisioneiro. Apesar das condições desfavoráveis, não perdera de todo as esperanças conservando sempre, como era hábito,
um. sólido otimismo, e uma vontade firme de triunfar a todo o custo, na missão que a si mesmo impusera...
Lentamente, a porta gradeada gemeu nos gonzos e no limiar apareceu um vulto, o de Jud Becker, um dos homens de Ralph Houston, que pouco antes tomara parte na caçada
ao homem, e que terminara pela sua captura.
- Aqui tem comida, meu rapaz, disse o recém-chegado, com voz pouco amável.
Num tabuleiro, via-se um prato com, batatas fritas, ladeando uma boa fatia de carne assada, bem como uma chávena de café quente.
Sem proferir uma palavra, Catamount sentou-se junto da mesa onde o outro colocara o tabuleiro e, embora com dificuldade, começou a comer. Jud Becker sentou-se na
tarimba.
Os dois homens ficaram calados durante algum tempo. Catamount comia com apetite. O seu guarda parecia impaciente por falar e, como ele não parecesse dar-lhe atenção,
resolveu-se a começar:
- Quer um conselho, meu rapaz? Quando for interrogado, não deixe de falar verdade. Seria imprudente agravar o seu caso!
- Obrigado pelo interesse que mostra por mim, respondeu Catamount, pegando na chávena do café,
mas sou bastante crescido para saber o que devo fazer.
Jud Becker fez uma careta:
- Como você queira. Falava para seu bem. Oxalá não se arrependa de não me ter ouvido!
E a conversa ficou por ali. Assim que o prisioneiro acabou de comer, o guarda pegou no tabuleiro e saiu, não sem ter o cuidado de fechar cuidadosamente a pesada
porta.
E Catamount de novo ficou sozinho com os seus pensamentos. O almoço que acabara de comer, embora frugal, reconfortara-o. Num gesto instintivo, levou a mão ao bolso
e, contrariado, deu pela falta dos cigarros. Olhou em volta, e resolveu dar um forte pontapé na porta.
- Que temos? perguntou o guarda.
- Não se fuma, nesta casa? Não me parece que seja proibido...
E, como Jud Becker não respondesse logo, insistiu. levantando a voz:
- Dêem-me a minha cigarreira!
- Pouco barulho! Já lhe dou a cigarreira. vou procurá-la.
Dali a pouco a porta abriu-se de novo, dando entrada a Jud Becker que, sem proferir uma palavra, colocou sobre a mesinha o isqueiro e a cigarreira do preso.
Depois de ter acendido um cigarro, Catamount estendeu-se sobre a tarimba, a pensar. Sentia a falta das suas armas e, mais que tudo, a do fiel Mesquita. Onde estaria
o alazão? Como voltar a encontrá-lo?
Mas, para voltar a encontrar o fiel animal, era preciso estar em liberdade, e a situação embaraçosa em, que se encontrava não era animadora. Não só as algemas lhe
dificultavam os movimentos, como também a sólida fechadura da porta o impedia de pensar em evadir-se. Para fugir, seria preciso que do exterior lhe viesse uma ajuda
e, nas circunstâncias em que se encontrava, o homem dos olhos claros sabia que só podia contar consigo mesmo.
Só conseguiu adormecer muito tarde, depois de ter pensado e repensado nos acontecimentos que se tinham dado. Mais ainda do que a sua sorte, preocupava-o a identidade
do assassino, e as circunstâncias em que ele cometera a última proeza.
Um ressonar leve indicou que Catamount adormecera. No compartimento ao lado, Jud Becker lia um, jornal e, de vez em quando, olhava para o relógio. Ainda eram só
quatro horas, e às cinco é que o seu colega Sam DGrady o viria render. Os minutos pareciam passar muito lentamente, tanto mais que se sentia cansado, depois da correria
a que fora obrigado pelo sherife.
De vez em quando levantava-se para ver se o preso dormia, voltando depois a ler o jornal. Pouco a pouco, o sono ia-lhe pesando, mas não se deixou vencer.
- E lembrar-me de que ainda falta quase uma hora para que o OGrady me venha render, disse ele.
E praguejou contra o assassino de Dacota, que o obrigava a passar uma noite tão incómoda. Lembrava-se do conforto da sua casa.
Jud Becker estava tão aborrecido, que não deu por,
nas suas costas, alguém fazer girar o puxador da
porta.
- Ainda se tivessem acertado com este tipo... Mas aposto que, amanhã, o preso apresenta novo alibi. E teremos de voltar ao princípio...
E, olhando para a porta da cela, acrescentou:
- Que ele, no fundo, não tem, cara de assassino... É claro que è desembaraçado, mas daí a apunhalar um homem pelas costas, vai uma grande distância... Parece-me
que...
O infeliz não acabou a frase. Absorvido pelos pensamentos, não dera pela abertura da porta, nem por um vulto que parou por momentos no limiar, o dum homem forte,
embrulhado numa capa ampla...
Uma corrente dar que fez voar uma folha de papel que estava sobre a secretária do sherife, despertou-lhe a atenção. Ia a voltar-se, mas não teve tempo... O intruso,
que rapidamente se aproximara, brandiu uma lâmina, que brilhou à luz do candeeiro, e, com rapidez fulminante, cravou-lha entre as espáduas. O guarda soltou um gemido
e caiu no chão, ainda com o jornal nas mãos crispadas.
Na cela ao lado, Catamount despertara com o ruído abafado duma queda. Sentado na tarimba, as algemas lembraram-lhe a situação precária em que se encontrava.
O homem dos olhos claros ficou imóvel durante uns momentos, à escuta. Tinha a impressão de que algo de anormal se passava no gabinete vizinho. No entanto, voltara
a fazer-se silêncio. Mas Catamount pareceu surpreender movimentos furtivos.
- Deve ter sido o guarda que deixou cair alguma coisa, disse ele em voz baixa.
Depois, ouviu uns passos leves, e um tilintar. Se estivesse no compartimento ao lado, poderia ter visto o intruso debruçar-se sobre o corpo da sua vítima, e tirar-lhe
do bolso um molho de chaves em que pegou com ar satisfeito. A seguir, apagou o candeeiro de petróleo.
Na cela, Catamount mantinha-se absolutamente imóvel, e tinha a impressão de que alguma coisa de anormal se passava na vizinhança. Ouviu uma pancada, como se alguém
tivesse esbarrado de encontro a um móvel e, depois, a luz que aparecia por debaixo da porta desapareceu.
A seguir, foi um ranger quase imperceptível. O homem dos olhos claros percebeu que alguém se preparava para entrar na cela. Seria Jud Becker? Decerto o guarda queria
assegurar-se se ele dormia mas, sendo assim, para que apagar a luz?
com o cuidado de não despertar as suspeitas do guardião, Catamount estendeu-se na tarimba, e fingiu estar a dormir. A porta entreabriu-se, mas sem barulho, como
se o intruso tivesse receio de despertar a atenção. Atuava como um ladrão.
Espreitando pelas pálpebras semicerradas, Catamount viu um vulto, que avançava tateando. Não era Jud Becker, mas sim, alguém que parecia não conhecer os cantos à
casa...
Catamount fazia conjeturas sobre quem seria o visitante, quando ouviu perguntar, em voz baixa:
- Onde está, Texas Bill?
Cada vez mais intrigado, Catamount não respondeu, e o visitante insistiu:
- Texas Bill...
Desta vez, o homem dos olhos claros não hesitou mais e, levantando-se de chofre na tarimba, perguntou, procurando identificar o misterioso interlocutor:
- Quem está aí?
- Um amigo, que vem libertá-lo...
O preso não fazia a mais pequena ideia de quem pudesse ir prestar-lhe ajuda, tirando-o daquela posição difícil, mas o recém-vindo não lhe deu tempo a mais perguntas:
- Levante-se, depressa... vou tentar tirar-lhe essas algemas.
Catamount sentiu o cheiro duma mistura de tabaco, suor e cabedal, de que o visitante parecia impregnado.
- Mas, objetou ele, para me tirar as algemas, são precisas as chaves...
- Tenho-as aqui. Esteja tranquilo, e aproxime-se. O homem dos olhos claros ainda hesitava, quando
o seu singular libertador continuou:
- Não há tempo a perder! Por agora, não devemos ter receio do guarda. Consegui... neutralizá-lo... Mas não se esqueça dos outros, que podem aparecer de repente.
Desta vez, Catamount deixou-se convencer. Sentiu que o homem lhe tirava as algemas.
- Mas, quem é o senhor?
- Agora, deixe ver a outra mão.
O homem tinha uma voz patusca, como se a quisesse disfarçar.
- Vamos, depressa.
Momentos depois, as algemas caíam no chão, num tilintar metálico.
- Venha daí.
Na escuridão absoluta, Catamount sentia a mão forte do libertador, que o encaminhava para fora da cela. Avançando cautelosamente na ponta dos pés, o prisioneiro
aventurou-se no gabinete, e, a certa altura, tropeçou num corpo estendido no chão.
Não teve tempo para verificar de quem se tratava, e se ainda respirava, pois o guia empurrou-o para o limiar da porta.
- Espere um momento.
Inquieto, olhou para fora, e o luar bateu-lhe no rosto, Catamount, que o observava com atenção, verificou que levantara a gola da capa. Mas os olhos pequenos, e
as sobrancelhas espessas, fizeram-lhe lembrar alguém que pouco tempo antes encontrara em Fort-Pierre.
Um nome lhe veio à ideia, o de Geo Lamarr, mas o desconcertante vizinho voltou-se e, em voz abafada, disse-lhe:
- Ninguém! Tudo vai bem...
E depois, não dando tempo a qualquer pergunta, o singular libertador murmurou uma recomendação:
- O seu cavalo está amarrado junto da forja...
- O quê? O Mesquita? perguntou Catamount, admirado.
Mas o desconhecido continuou, embrulhando-se mais:
- Também lá encontrará uma carabina e um revólver, assim como um laço. Só tem que montar, e afastar-se o mais depressa possível. Daqui até que seja
dado o alarme, ainda tem uma boa meia hora. É o que basta para se pôr fora do alcance deles.
- Mas, e o senhor? perguntou Catamount.
- Não se preocupe comigo. No nosso interesse comum, convém que nos separemos De resto, tratarei de desviar o sherife e os acólitos para uma pista falsa.
- Não sei que dizer... Não percebo por que age desta maneira. Quem é o senhor?
- Basta-lhe saber que sou um amigo. Mais tarde veremos o resto!
- Distinguia-se a forja, a pouca distância, ao luar, e Catamount viu o fiel alazão, que o esperava.
- Fará bem em passar o Missuri e em se refugiar em Bad Lands, aconselhou ainda o desconhecido. Desafio-os a que ali o encontrem, e o prendam.
O homem já desaparecia na sombra. Então Catamount não hesitou nais e, cavalgando o alazão, afastou-se, na discreta claridade da antemanhã. No quartel, ouvia-se o
toque duma corneta.
Capítulo x
Número SETE
- Não tenha dúvidas, senhor sherife, que isto foi obra do homem dos olhos claros!
E, como o interlocutor fizesse um gesto de incerteza, Geo Lamarr insistiu:
- Se a consciência o não acusasse, porque fugiria? Podia explicar-se francamente. Mas, em lugar disso, desapareceu. Se não tivéssemos pessoas capazes de o agarrar,
estávamos bem arranjados...
Ralph Houston começava a sentir-se cansado. Na verdade, não descansara desde que voltara a expedição... Geo Lamarr, juntamente com Sam OGrady, não o largara, arrastando-os
para uma sala do "Gallop". Havia horas que ali estavam a discutir, sem que o representante da autoridade conseguisse ver-se livre do infatigável falador.
No entanto, era forçoso que Ralph Houston interrogasse o colosso, visto ter sido devido às suas indicações que se lançara em perseguição de Texas Bill. O ferreiro
fora tão categórico a respeito do cravo de cabeça retangular, que O. W. Byrnes descobrira nas cercanias do "General Store", que o sherife tomara esse indício por
uma indicação formal. Portanto, 101 fora grande a surpresa quando, depois de Catamount ter sido preso, se verificou não faltar nenhum cravo nas ferraduras do alazão.
O cavalo tinha estado preso junto da forja, e uma inspeção rápida tinha permitido a Ralph Houston demonstrar ao ferreiro que se tinha enganado. No entanto, Geo Lamarr
persistia em acusar o pretenso Texas Bill com tal insistência, que o sherife ainda se sentia bastante indeciso.
Os três homens continuavam a discutir e, se Ralph Houston se sentia fatigado, o brutamontes parecia muito bem disposto. Teimava em ficar junto do sherife e do ajudante
que mais duma vez tinham, inutilmente, tentado livrar-se dele, aborrecidos com o seu palavreado.
- Acredite-me, disse o ferreiro, o Texas Bill e o assassino de Dacota são uma e a mesma pessoa, embora os senhores duvidem...
E, perante um gesto de Ralph Houston, insistiu:
- Sim, sherife, o senhor ainda se recusa a acreditar que o homem dos olhos claros seja culpado.
- Antes de acusar formalmente, objetou o representante da autoridade, é preciso ter provas. E devemos concordar que continuamos a debatermo-nos no vago... Presunções
não são provas...
Apesar das veementes acusações do interlocutor, Ralph Houston não podia deixar de pensar que o pretenso Texas Bill lhe tinha deixado excelente impressão. A má vontade
que O. W. Byrnes mostrava a seu respeito, só contribuíra para o tornar mais simpático a seus olhos. Evocava o rosto rude, e os olhos cor de aço do corajoso cavaleiro.
Tratava-se decerto dum rapaz de rude têmpera, dum atirador de primeira classe, mas daí a considerar esse homem um miserável que não hesitava em assassinar pelas
costas, ia grande distância! E o sherife ainda esperava provas formais, para se poder pronunciar de maneira categórica.
Seja como for, submeteremos Texas Bill a um
novo interrogatório, bastante apertado, declarou ele. Você ficará a nosso lado.
- Estou às ordens, senhor sherife, assegurou o ferreiro, com energia. Garanto-lhe que pularei de alegria, no dia em que vir a corda em volta do pescoço desse miserável...
Sam OGrady bocejou, ruidosamente.
- Estás aborrecido, rapaz? perguntou-lhe o sherife.
- Estou a lembrar-me de que tenho de ir render o Jud Becker, que está de guarda ao preso.
- Devias ter feito como o Forton e os outros, disse o sherife. Terias pelo menos descansado umas quatro horas.
- Não valia a pena. E, depois, o Geo Lamarr ofereceu-nos bebidas, e eu tinha a garganta seca...
- Era a minha vez, disse o colosso, a sorrir. E podem ter a certeza de que, se mie enganei a respeito do cravo, não me enganei no homem. Não voltaram de mãos a abanar,
e tenho a certeza absoluta de que estão na boa pista. Prenderam o criminoso, à fé de Lamarr!
- Gostaria de ter a mesma convicção, afirmou Ralph Houston. Quando ele entrar no caminho das confissões, poderemos cantar vitória, mas não antes!
O sherife calou-se. Ouviu-se o toque duma corneta.
- O toque da alvorada, disse o ferreiro.
E, batendo no ombro de Sam CVGrady:
- São horas de ir render o Becker, meu homem.
O agente fez uma careta, mas não teve remédio senão levantar-se,
- Onde vai, senhor sherife? perguntou o ferreiro.
- Ao "General Store", saber como Juliana passou a noite.
- Faz-me muita pena essa pobre rapariga, disse o ferreiro, mas tenho excelentes razões para acreditar que não ficará muito tempo sem ter quem a proteja.
Ralph Houston sentia-se profundamente aborrecido com a insistência com que Geo Lamarr teimava em ficar com ele, e em o acompanhar ao armazém, depois de se terem
despedido de Sam OGrady.
Houston nem sequer tinha tempo de pensar na órfã, junto de quem teria desejado ficar a velar o corpo do infortunado Franck Devilder. Mas que fazer? Tivera de interrogar
o Geo Lamarr a respeito do cravo de cabeça retangular, e, desde então, ele nunca mais o largara!
O sherife ia depressa, na esperança de que o ferreiro ficasse para trás, mas enganava-se. Iam quase a chegar ao armazém, quando ouviram um apelo, que os obrigou
a voltarem-se:
- Sherife, sherife!
Ralph Houston viu que era Sam OGrady quem o chamava, Sam OGrady, que momentos antes se despedira dele, e que corria na sua direção, parecendo preso duma profunda
emoção.
Geo Lamarr, de sobrecenho carregado, parara a seu lado. 104
Por fim, Sam OGrady chegou junto do superior. Arquejava, e nada disse.
- Que se passa? perguntou Houston.
- Becker, o pobre Becker... disse o agente, transtornado.
- Então, que aconteceu ao Becker?
Houston e Lamarr pareciam, suspensos da boca de Sam OGrady, e os seus rostos mudaram de parecer, quando Sam lhes afirmou, com, voz trémula:
- Becker, assassinado! O Texas Bill fugiu!
- Que estás para aí a dizer? Parece-me que bebeste de mais!
Mas Sam insistiu, apontando para a residência do sherife:
- Venha depressa! É horrível! O assassino de Dacota...
Sem mais demora, os três homens correram para a casa onde Catamount fora encerrado durante a noite.
Geo Lamarr ia na frente do grupo, seguido pelo representante da autoridade e por Sam OGrady, ainda ofegante.
O colosso depressa chegou ao limiar da porta, que estava entreaberta e, mal dera um passo no interior, parou.
- Santo Deus!
- Então, que se passa? perguntou Ralph Houston,
- Faça favor de ver, respondeu Geo Lamarr.
E apontou para um corpo, que jazia junto da mesa. Era Jud Becker que ali estava, de rosto para o chão. Ligeiramente dobrado, cerca da cadeira onde estivera sentado,
tinha ainda nas mãos o jornal que lia quando a morte o surpreendeu pelas costas.
No chão via-se uma extensa mancha de sangue.
Os dois homens trocaram um olhar rápido.
- Entrei sem suspeitar de nada, disse o agente, ainda sob a ação da violenta surpresa, e esbarrei no corpo.
A porta da cela estava escancarada e, ao primeiro golpe de vista, Ralph Houston compreendeu o drama que se passara ali, e não teve dificuldade em saber quem tinha
sido o culpado.
- Como vê, é sempre o mesmo método, disse Geo Lamarr, ajoelhando junto do cadáver. O crime não se deve ter dado há mais de meia hora. Como pode ver, o corpo ainda
está quente.
- Vai depressa buscar o Dr. Huntingdon e os teus colegas, ordenou Ralph Houston a Sam OGrady.
O interpelado não demorou em partir.
Por sua vez, o representante da autoridade debruçou-se sobre o corpo:
- Na verdade, é precisamente a mesma ferida que vimos nos corpos das outras vítimas. O Becker foi surpreendido pelo assassino, que acabara de entrar no gabinete.
Não há a mais pequena dúvida de que o criminoso veio de fora. Depois, tratou de soltar o preso!
- E o Texas Bill tratou de fugir, acrescentou o colosso. Isso prova que eu tinha razão em desconfiar do cavalheiro... O assassino tem um cúmplice, o qual se apressou
a vir soltá-lo, logo que soube da sua prisão...
E, ao ver a perplexidade de Ralph Houston, insistiu:
- Espero que, desta vez,  não fique de braços cruzados. Queria precisões? Aí as tem... Texas Bill conhece o criminoso, e é seu cúmplice. Deve prendê-lo.
O sherife abanou a cabeça:
- Texas Bill? Onde estará ele?...
Ouviram-se vozes no exterior. Chegou o Dr. Huntingdon, envergando um pijama pitoresco, por cima do qual vestia um velho sobretudo, e acompanhado por Slim Hasting
e Steve Norsen, cheios de sono, assim como Sam OGrady, ainda mal refeito da comoção.
Em menos de três minutos, o gabinete do sherife foi invadido por uma quinzena de pessoas, ao mesmo tempo que muitas outras se aglomeravam na praça vizinha, comentando
a notícia, que se espalhara velozmente por Fort-Pierre.
- Jud Becker foi morto pelo assassino de Dacota!
Ainda sob a indignação provocada pelas mortes de Franck Devilder e do inocente Malemute Kid, os habitantes da pequena cidade sentiam tornar-se mais pesada a atmosfera
de terror em que viviam há um mês. A audácia de que mais uma vez o criminoso dera prova, desorientava toda a gente mas, desta vez, havia uma esperança. O assassino
tinha um cúmplice e esse cúmplice só podia ser o homem dos olhos claros: Texas Bill.
Agora, já ninguém duvidava da culpabilidade dele. Evadindo-se da cela em que tinha sido encerrado, o singular cavaleiro assinara o seu crime.
Geo Lamarr saíra por fim do gabinete do sherife e agitava-se violentamente, por verificar que o alazão, que ficara preso junto da forja, 107 tinha sido tirado de
lá. Decerto Texas Bill conseguira recuperar a montada. Agora, assassino e cúmplice, deviam ir bem longe. Muitos centos de pessoas discutiam defronte da residência
do sherife, quando se ouviu uma voz aguda:
- Deixem-me passar, façam favor!
O. W. Byrnes viera a correr do quartel de cavalaria, onde passara a segunda noite da sua estadia em Fort-Pierre. Dormia profundamente, quando o capitão Fierce fora
pessoalmente acordá-lo, e dar-lhe a notícia que um dos soldados levara para o quartel.
O inspetor vestiu-se apressadamente, praguejando contra o sherife, que se esquecera de o chamar logo e, sem sequer tomar o primeiro almoço, saiu do quartel.
A porta estava guardada por Slim Hasting, com quem teve de parlamentar, antes de entrar. Quando conseguiu passar, viu o médico junto do cadáver.
- Nada a fazer, disse este. O miserável abate as vítimas ao primeiro golpe. De resto, é sempre com a mesma lâmina que ele pratica os abomináveis crimes.
- Como conseguiu ele entrar? perguntou o inspetor.
- Pela porta, respondeu o sherife. Não estava fechada à chave...
- O agente devia ter-se acautelado, exclamou O. W. Byrnes. Que coisa tão insensata! Procura-se o assassino, e não se tem cuidado! Estou encarregado das averiguações,
e toda a gente é avisada antes de mim, mesmo os que nada têm. que ver com o caso.
O inspetor bem se mostrava zangado, mas as suas recriminações não pareciam comover Ralph Houston, que discutia com o médico.
- Segundo tudo parece levar a crer, disse o sherife,
o preso foi libertado pelo assassino, que veio do exterior.
- Desculpe-me, mas não sou da mesma opinião, afirmou O. W. Byrnes. Foi o Texas Bill quem fez tudo. Tenho a certeza de que podia agir sozinho!
E, sem dar tempo a que o interlocutor lhe respondesse, continuou:
- É muito simples. Texas Bill esperou que a atenção do guarda afrouxasse. Decerto ele se esquecera de fechar por completo a porta da cela, negligência que lhe foi
fatal. O Texas Bill saiu sem ruído, atacou o Becker pelas costas, e tirou-lhe as chaves das algemas. Depois disso feito, não teve a mais pequena dificuldade em desaparecer.
Ralph Houston não pôde deixar de sorrir:
- O Texas Bill não podia fazer isso tudo sozinho. Decerto tinha um cúmplice. E foi esse mesmo cúmplice quem atacou o meu agente pelas costas, antes de ajudar
o preso.
- Sendo assim, é de opinião que, em vez dum assassino, há dois?
- Eu não disse que há dois assassinos, rectificou o sherife. Há o Texas Bill, e o outro...
-. O desaparecimento do Texas Bill prova-nos que ambos se entendem perfeitamente!
E levantando a voz, cada vez mais exaltado, O. W. Byrnes afirmou:
- Quem o ouvir, sherife, tomará o Texas Bill por um santo! E, no entanto, o seu desaparecimento constitui uma prova flagrante. Até aqui, ainda duvidávamos da identidade
do miserável, 109 mas agora estamos esclarecidos, e esta primeira indicação permitir-nos-á que não tardemos a fazer justiça rigorosa.
- Pode estar certo que será feita justiça. Soará a hora em que o miserável preste contas. E, então...
- E, então, em vez de falar, seria melhor que se apressasse. Ontem, encontrei na carteira do Texas Bill esta fotografia do homem dos olhos claros. Precisamos de
nos servir dela e de mandar a todos os sherifes de Dacota os sinais do fugitivo.
- Prometeremos um prémio de mil dólares a quem nos permita dar com ele, acrescentou o representante da autoridade.
- Mil dólares, comentou o médico, já é uma conta calada!
- É bem pouco, se esses mil dólares nos permitirem deitar a mão ao assassino de Dacota, rematou o inspetor.
Voltando-se para Ralph Houston, O. W. Byrnes concluiu:
- Esteja tranquilo! Comigo, o caso não demorará a ser resolvido. Dentro de oito dias, saberei provar-lhe que o Texas Bill e o assassino de Dacota não são mais do
que uma e a mesma pessoa!
Capítulo XI
POR MIL DÓLARES
Catamount seguia ao acaso. Havia trinta e seis horas que saíra de Fort-Pierre, pouco antes de ser dia, procurando distanciar-se o mais possível dos possíveis perseguidores,
Na verdade, o homem, dos olhos claros sabia que, assim que dessem pela evasão, a perseguição recomeçaria. Ultrapassou as últimas casas da cidadezinha, ainda adormecida,
e dirigiu-se para as colinas vizinhas do Missuri.
Conhecia bem as dificuldades do terreno, onde com maior facilidade podia evitar os adversários. Deixando a estrada, meteu pelos bosques.
O sol estava quase a nascer, e as últimas estrelas iam-se apagando. O fugitivo verificou que nenhum cavaleiro surgia nas proximidades e, sossegado, desapareceu entre
as árvores. A ligeira bruma que pairava sobre o Missuri ia-se dissipando. Um barco carregado de madeira descia o rio.
Mas Catamount não perdia tempo em contemplar a paisagem, e pensava na emoção que a fuga devia ter provocado em Fort-Pierre.
Tratava de pôr em ordem as ideias,
e evocava os acontecimentos precipitados que se tinham sucedido à inopinada intervenção do libertador.
A pergunta mais lancinante que surgia no espírito do fugitivo, era esta: quem o tinha ajudado daquela maneira? Há pouco, ao afastar-se da sua efémera prisão, ao
luar, pareceu-lhe reconhecer o homem da capa... Seria Geo Lamarr? O desconhecido tinha as maneiras e a envergadura do ferreiro mas, pensando bem, Catamount admitia
que fora joguete duma semelhança, nada mais. Na verdade, que interesse tinha Lamarr em o socorrer? Favorecendo-lhe a evasão, o colosso expunha-se a severas represálias
da parte das autoridades, em especial do sherife.
De resto, até então, a atitude do ferreiro tinha sido de franca hostilidade para com o homem dos olhos claros. Fora na sua forja que Ralph Houston e o inspetor o
tinham interrogado pela primeira vez, e fora a seguir a uma denúncia de Geo Lamarr que o sherife e os seus homens se tinham lançado em sua perseguição. Portanto,
era melhor pensar noutra coisa.
No entanto, à medida que avançava, Catamount ia-se arrependendo de se ter afastado tão depressa. Não tinha sido imprudente seguir tão à letra o conselho do misterioso
libertador? Lembrava-se do corpo de Jud Becker, estendido no chão, e sentiu-se embaraçado ao pensar que ele talvez tivesse perdido a vida na aventura. com a pressa
de fugir, não tinha verificado o que se passara...
Mas já não havia remédio e, agora, o essencial para Catamount era garantir a segurança pessoal e a liberdade de ação. Mais tarde, esclareceria as condições em que
fugira.
Durante horas percorreu os bosques, mantendo-se graças às provisões de que se munira, e valendo-se da água cristalina dos regatos.
Catamount percorreu, assim, sem incidentes umas boas milhas, tendo o cuidado de evitar qualquer povoado e encontros que lhe pudessem ser prejudiciais, denunciando-o aos adversários.
Ao cair da noite, deteve-se junto duma clareira. Prendeu o cavalo a uma árvore, e sentou-se no chão. Evitou acender fogo, para não chamar as atenções, e comeu frugalmente.
Quando se preparava para fumar, verificou que já não tinha cigarros.
Embora tal facto o contrariasse, resignou-se e, embrulhado numa manta, com o revólver ao alcance da mão, preparou-se para um bem merecido descanso.
Dormitava calmamente, quando o relinchar do cavalo o despertou. Dissimulado na sombra, o homem dos olhos claros pegou logo no revólver e, atento, esperou.
Embora nada visse de suspeito, a atitude do alazão incitou-o a manter-se alerta. O fiel Mesquita olhava para o lado esquerdo.
Por fim, Catamount viu um vulto, e pensou que fosse algum vagabundo ou algum cavaleiro que o procurasse.
Mas depressa viu do que se tratava. Era um urso enorme, certamente atraído pelo cheiro do cavalo. Catamount conhecia de reputação a força e a ferocidade desses animais,
que se tornavam extremamente perigosos quando feridos.
Deixou o revólver, e empunhou a carabina, a única arma que podia permitir-lhe combater o urso com êxito. De carabina à cara,
fazendo pontaria entre os olhos do animal, Catamount esperava, pronto a disparar, se a situação se agravasse.
Mas, depois de ter chegado a uma dezena de metros do fugitivo, o animal firmou-se nas patas traseiras. O seu vulto, banhado pelo luar, parecia enorme. Porém, como
se tivesse pressentido o perigo que o ameaçava, voltou a assentar as patas no chão, deu meia volta, e afastou-se.
Catamount suspirou, aliviado, e voltou a descansar.
De manhã, depois de ter repousado e comido, Catamount preparou-se para continuar a caminhada para o desconhecido, e montou novamente a cavalo.
O alazão marchava bem, e o cavaleiro dava largas à imaginação. É claro que poderia dirigir-se de novo para o Sul e, evitando Fort-Pierre e o vale do Missuri, voltar
para El Paso, onde encontraria o chefe e os camaradas. Era a única maneira de evitar complicações, visto que os representantes da justiça estavam em encarniçada
guerra com ele, e se esforçavam por lhe entravar os esforços.
No entanto, não escolheu essa solução, a mais simples de todas. Custava-lhe voltar para o Texas sem nada ter resolvido a respeito do problema que o levara a Dacota.
Evidentemente, a sua reputação não estava em causa, visto todos ignorarem a sua verdadeira identidade, mas tal recuo dava-lhe a impressão duma verdadeira covardia.
Recuar, ele que na sua carreira aventurosa tinha defrontado tantos riscos? Bem sabia que isso tinha sido em serviço, ao passo que, desta vez, obedecia à própria
fantasia. O seu amor-próprio estava em jogo!
Era por isso que o homem dos olhos claros não abandonava a partida, tão desconcertantes lhe apareciam os acontecimentos e, mais que nunca, estava decidido a ir até
ao fim. Havia de encontrar a solução do problema. E lembrava-se de que, enquanto ele perdia um tempo precioso a fugir aos perseguidores, o assassino podia continuar,
impunemente, a série sinistra dos crimes.
As horas daquele novo dia pareceram-lhe bem compridas, epecialmente desde que ficara sem tabaco.
Por fim, Catamount viu uma pequena povoação, que se destacava na planície vizinha. Lembrou-se de se aventurar até lá, para saber notícias. Era suficientemente afastada
de Fort-Pierre, e ele sentia uma impressão de segurança, que abrandava bastante os receios iniciais... E lembrou-se também, com satisfação, de que talvez pudesse
reabastecer-se de tabaco.
Abandonando a zona arborizada, meteu em direção à vila desconhecida. A certa altura, cruzou-se com dois cavaleiros que o olharam com desconfiança. Saudou-os com
a mão, e continuou o caminho. Estava agora na única rua da povoação, onde circulavam raros passeantes.
A rua terminava numa praça, rodeada por dois "saloons", e um armazém. Havia alguns cavalos, à sombra, presos a postes. O dia declinava rapidamente. À distância duns
quinze passos, uma dúzia de curiosos lia um cartaz que acabara de ser afixado na parede.
Catamount, contente por poder finalmente comprar tabaco, dispunha-se a prender o alazão, quando um dos homens, que tinha estado embebido na leitura do cartaz, 115
se voltou para ele e, estendendo o braço, exclamou:
- Aqui está Texas Bill! Prendam-no!
Os outros ficaram, como que estupefactos pela surpresa e, pouco depois, novas exclamações se ouviram:
- Assassino, assassino! Prendam-no! Morra o assassino de Dacota! Apliquem-lhe a lei de Lynch!
Desta vez, a situação era séria, e Catamount viu a imprudência que cometera. O cartaz que aquela gente lera, era precisamente o que lhe punha a cabeça a prémio,
por mil dólares! O retrato do pretenso Texas Bill figurava em lugar de destaque.
O homem dos olhos claros saltou rapidamente para o cavalo, e esporeando-o, galopou para os bosques vizinhos. Era tempo, pois já alguns dos curiosos tinham puxado
das armas, e começado a atirar.
Inofensivas, as balas silvaram junto da cabeça do fugitivo, que, colado ao pescoço do Mesquita, se esforçava por fugir àqueles adversários inesperados mas, a certa
altura, um deles, cessando de atirar, correu para o grupo dos cavalos. Via-se-lhe o emblema de sherife!
- Desta vez, vou ter toda a malta no meu encalce, pensou o fugitivo.
O tiroteio cessara mas, sem procurar dar qualquer explicação aos curiosos que tinham saído dos "saloons" e do armazém, intrigados pelas detonações, o sherife e os
companheiros saltaram para os cavalos, e correram em perseguição de Texas Bill.
Catamount dava ao demónio a imprudente lembrança de ir comprar tabaco.
O representante da autoridade e os seus homens, oito ao todo, 116 galopavam na peugada do homem dos
olhos claros, impacientes por o agarrarem e ganharem a sedutora recompensa prometida pelo cartaz.
Catamount e a montada depressa desapareceram, entre a vegetação, mas o fugitivo avaliava quão precária era a sua situação. Os adversários tinham sobre ele a vantagem
de conhecerem admiravelmente aquela região, onde ele se aventurava pela primeira vez. Juntando os esforços, decerto não teriam dificuldade em o agarrar.
Atingida a orla dum bosque, Catamount hesitou uns momentos; na retaguarda, as vozes e as detonações eram cada vez mais próximas e mais frequentes pelo que, sem hesitar,
se meteu entre o arvoredo.
Os perseguidores não tiveram dificuldade em reconhecer exatamente o sítio onde o fugitivo abandonara o trilho, e o sherife apressou-se a reunir os acólitos, preparando
uma manobra envolvente, de maneira a impedir-lhe a retirada.
Os perseguidores afastaram-se, empunhando os revólveres, chamando-se frequentemente uns aos outros, e examinando o chão com insistência.
Mas, ao fim de certo tempo, embora bem procurassem, o sherife e seus homens verificaram não haver vestígios de Catamount e do seu cavalo... E, enquanto discutiam,
perdendo-se em conjeturas, Catamount, não longe deles, espreitava-os, do alto dum velho castanheiro.
Habituado a todas as manhas da planície, não tivera dificuldade em adivinhar qual ia ser a tática dos adversários. Depois de ter escondido o alazão numa moita espessa,
escalou a árvore. De revólver na mão,
ouvia os apelos que eles soltavam, e que o esclareceram a respeito da sua posição exata.
O homem dos olhos claros sorriu, quando verificou o embaraço dos adversários. Estes tinham contornado a orla oposta do bosque, sem dele descobrirem, o mais pequeno
vestígio. O sherife agitava as mãos e fazia grandes gestos, traduzindo embaraço. E depressa o fugitivo ouviu algumas palavras dos seus adversários.
- Mil dólares, é importante!
Mas, apesar de conhecer o local, o sherife e os companheiros defrontavam-se com uma velha raposa... E, enquanto se demoravam ainda a discutir a respeito da direção
que uns e outros poderiam seguir, o homem dos olhos claros deixou-se escorregar silenciosamente do refúgio.
- Vamos, meu velho camarada, disse para o fiel Mesquita, parece-me que não é ainda desta que eles nos agarram...
Levando o alazão pela brida, o fugitivo dirigiu-se ao local onde os adversários tinham colocado os cavalos sem que, com a pressa, se lembrassem de os deixar guardados,
imprudência que lhes ia ser fatal.
Em, menos de cinco minutos, Catamount cortou as correias que seguravam os selins e, voltando a cavalgar, dirigiu-se para o lado direito, tendo o cuidado de se não
aproximar da vila onde se dera o infeliz encontro.
- Atenção! Ali vai ele!
O sherife apercebera-se da presença de Catamount e da sua montada, e apressou-se a dar ordens:
- Depressa, a cavalo!
O sherife correu para o cavalo,
e foi o primeiro a cair no chão, o mesmo acontecendo aos seus homens ao passo que, a galope, Catamount fugia.
- Maldição! Escapa-nos!
Os mil dólares iam longe e, enquanto o grupo se reunia de novo, despeitado, Catamount afastava-se a toda a brida, em direção às colinas que se recortavam! no horizonte.
Capítulo XII
A RESERVA DOS Ogallalas
Catamount galopou durante parte da noite, mas sabia perfeitamente que o perigo imediato estava afastado. No entanto, os acontecimentos que se tinham dado, provavam-lhe
a impossibilidade em que estava de, até nova ordem, se aventurar em regiões habitadas, sob pena de ser reconhecido, e preso.
Tal situação lembrava-lhe os longínquos tempos da mocidade em que, fora da lei, era impiedosamente perseguido pelos representantes da autoridade. Mas as complicações
não desagradavam àquele amador de perigos, que vencera toda a espécie de obstáculos. Consideraria aquilo como uma aventura, se não se lembrasse de que, enquanto
era assim perseguido como um pária, o misterioso assassino de Dacota continuava livre. Quem sabia se, desde que ele se evadira da cela do sherife, o miserável não
teria feito nova vítima!
Seguindo ao acaso, Catamount mais duma vez pensou no desconhecido que o libertara. Em vão se esforçava por o identificar, e por explicar os motivos que o teriam
levado a agir assim, mas não conseguia encontrar solução satisfatória para o problema. No entanto, dizia ele a si mesmo, quanto mais penso no caso, mais me convenço
de que deve ter sido O Lamarr! 120 Estou a ver-lhe os olhos, e as sobrancelhas espessas... Se a gola da capa não lhe escondesse grande parte do rosto...
Mas isso também o deixava terrivelmente perplexo. Na verdade, que vantagem teria o Lamarr em o ajudar quando, numa anterior atitude, tanto se esforçara por o prejudicar?
Não conseguia explicar comportamentos tão incoerentes.
Mas, e era a realidade, via-se perseguido como um vadio. Mais que nunca, tudo o incitava a abandonar aquele caso desconcertante, e a retomar a atividade no Rio Grande.
O coronel Morley devia começar a estar preocupado por ausência tão prolongada, E toda a ação em Dacota lhe parecia agora proibida, visto que os seus sinais tinham
sido transmitidos para todos os distritos, o que o expunha a dissabores idênticos àquele por que acabara de passar.
E, depois, havia aquela privação forçada de tabaco, o que exasperava Camamount. Daria muito dinheiro por um maço de cigarros. O libertador restituíra-lhe o cavalo
e as armas, mas esquecera-se do tabaco.
Apesar de tudo, o moral de Catamount continuava em boa forma, e estava disposto a fazer que o assassino de Dacota pagasse bem caro todas aquelas sensaborias. Apesar
de tudo, a vontade de ir até ao fim continuava firme.
Dois dias e duas noites passaram, sem história. O fugitivo já não dispunha de víveres mas, de vez em quando, tinha possibilidades de abater uma peça de caça.
Catamount já não hesitava em acender lume. Por três vezes teve de se esconder, para evitar encontrar-se
com cavaleiros, mas eram simples viajantes ou vaqueiros. Os homens de Dacota deviam andar à sua procura por outras paragens.
No quarto dia após a precipitada partida de Fort-Pierre, ao chegar junto dum regato, deu por um cheiro forte e nauseabundo.
- Um cemitério índio, comentou.
Não se enganara, na verdade. Era uma daquelas necrópoles índias, onde os Sioux Ogallalas costumavam expor os corpos dos seus mortos, ou sobre árvores, ou sobre plataformas
especialmente construídas para tal. Metidos dentro de peles de búfalos, os cadáveres espalhavam um cheiro infecto, pelo qual se dava de longe.
- Está-me a parecer que estou perto das Reservas índias.
Catamount não tinha consigo nenhum mapa por onde se orientasse, pois os que possuía tinham-lhe sido apreendidos quando fora preso em Fort-Pierre. Depois disso, errara
ao acaso, tendo o cuidado de não se aproximar do leito do Missuri, onde o reconheceriam sem demora.
Hesitava quanto à direção a seguir, quando ouviu o latir furioso de cães, e logo viu dois deles, que assustaram a montada.
com mão firme, Catamount esforçou-se por sossegar o fiel companheiro, e afastar os animais, sem que o conseguisse. Mas ouviu-se uma voz, e os bichos, rosnando, afastaram-se.
O homem dos olhos claros viu então um cavaleiro índio, pobremente vestido, montando uma mula.
Na garupa do muar ia também uma mulher índia, que transportava às costas, num curioso berço de pele de búfalo, uma criança.
Catamount levantou a mão direita, aberta, em sinal de paz. Desde pequeno que conhecia os costumes dos índios, e viu logo que estava em frente dum Sioux Ogallala.
Conhecedor dalgumas palavras do dialeto, encetou conversa com ele, sublinhada por alguns gestos.
O índio e a companheira pareceram-lhe, ao princípio, reticentes mas, assim que as palavras do cavaleiro os convenceram, o rosto crispado do homem distendeu-se. Em
pouco tempo explicou a Catamount que ele, "Corvo Negro", se dirigia ao acampamento Ogallala, nas Reservas, onde seu irmão, "Nuvem Escura", o esperava...
- O "Corvo Negro" não gosta dos Rostos Pálidos, rematou ele, pois destruíram os búfalos, obrigaram os Ogallalas a viver nas Reservas, e traficam vergonhosamente
com aguardente. Mas o "Corvo Negro" compreende que o cavaleiro não é desses...
- O "Corvo Negro" tem razão, respondeu Catamount. Fui sempre fiel amigo dos índios.
- O Rosto Pálido venha com o "Corvo Negro e será bem-vindo à Reserva!
Catamount hesitou alguns momentos, antes de aceitar o convite, pois não esquecera o incidente que lhe ia sendo fatal mas, refletindo melhor, pensou que o aviso pedindo
a sua captura não devia ter sido afixado no acampamento dos Ogallalas, e que os Peles-Vermelhas decerto se mostrariam mais hospitaleiros do que os da sua raça. Assim,
apertou a mão que o índio lhe estendia.
- O Rosto Pálido encontrará lá onde descansar, e comida.
Catamount sorriu para a criança, dando um estalo com a língua, o que teve por efeito descontrair a índia, encantada por ver o estrangeiro interessar-se assim pelo
filho.
A um sinal do índio, o grupo pôs-se em marcha.
-. Chegaremos antes que o sol desapareça por detrás das colinas, disse o índio.
De facto, pouco demoraram. Seguiram ao longo duma ribeira, que serpenteava entre salgueiros e choupos. "Corvo Negro" disse-lhe:
- Outrora, inúmeros bandos de búfalos vagueavam neste vale, das Terras Más até além do Missuri. Os Ogallalas sentiam-se então em casa, e ninguém pensava em lhes
arrancar o solo querido dos antepassados, mas os Rostos Pálidos chegaram, trazendo consigo a morte e a desolação... Agora, os orgulhosos guerreiros que descansam
nos cemitérios, são ainda mais numerosos do que os que vivem uma vergonhosa vida de escravos, nas Reservas!
O índio era ainda novo, e decerto não vivera esse período da idade do ouro dos Ogallalas, mas evocava-o saudosamente, pois os velhos da tribo mais duma vez lhe tinham
contado os altos feitos dos Sioux e do ilustre Sitting Buli! E a comparação não era decerto muito favorável aos Rostos Pálidos, e à civilização que pretendiam servir...
O sol declinava rapidamente, quando o pequeno grupo chegou ao acampamento dos Ogallalas, situado no meio das Reservas. Catamount viu logo de entrada as tendas cónicas,
alinhadas ao longo do ribeiro.
Os índios tinham escolhido admiravelmente o local para se instalarem, mas Catamount verificou quanta razão tinha o índio para as suas lamentações. A pequena aldeia
tinha um aspeto lamentável. Aqui e ali viam-se índios, uns no trabalho, outros estendidos no chão.
Mais cães vieram ao encontro dos recém-chegados, e o barulho atraiu umas trinta crianças, quase todas nuas e cobertas de bichos, intrigadas ao verem o cavaleiro
desconhecido.
Pairava no acampamento um, cheiro nauseabundo, semelhante ao do cemitério, e pequenas colunas de fumo saíam dos telhados cónicos das barracas.
A companheira do "Corvo Negro" foi a primeira a saltar para o chão, e as crianças rodearam-na, para verem o que ela trazia. Assustada pela gritaria, a criança começou
a chorar.
Numerosos índios se aproximaram e, entre eles, ura, homem de estatura média, embrulhado numa manta remendada. Trocou algumas palavras com "Corvo Negro".
- Aqui está meu irmão "Nuvem Escura", disse o índio, apresentando-o.
Sem grande convicção, "Nuvem, Escura" estendeu a mão a Catamount:
- Seja bem-vindo junto dos Ogallalas, Rosto Pálido. Os Ogallalas são pobres, e pouco têm para lhe oferecer. Os Rostos Pálidos despojaram-nos de tudo. E contudo,
nós fomos valentes e ricos, noutros tempos...
E mais uma vez teve de ouvir as mesmas lamentações.
No entanto, foi recebido com simpatia.
Interrogado a respeito das razões da sua presença
nas longínquas terras de DaCota, Catamount explicou-se o melhor que lhe foi possível. Disse que procurava trabalho, e que vinha do Texas, para ver se o conseguia
nalgum rancho. Foi com grande alegria que aceitou um pouco de tabaco índio, oferecido por "Nuvem Escura".
Apesar da atmosfera desagradável, Catamount repousou na barraca que foi posta à sua disposição. Pela primeira vez desde que saíra de Fort-Pierre, sentia-se em segurança.
Não havia dúvida de que os índios não tinham ouvido falar de Texas Bill, nem da importante recompensa prometida a quem o prendesse.
Na manhã seguinte, entreteve-se com as crianças. Estavam a brincar, quando reparou num cavaleiro que, a toda a brida, se aproximava do acampamento.
Era um branco... À medida que ele se aproximava, teve a impressão de que lhe não era desconhecido.
- Quem é? perguntou ele, preocupado.
- É Mat Botwell, o agente das Reservas, disse-lhe "Corvo Negro", que se aproximara.
O homem dos olhos claros escondeu-se por detrás duma das tendas. O cavaleiro ainda não o vira, mas estava quase a chegar, e não tardou a apear-se, a alguns passos
do sítio onde os índios prendiam os cavalos.
Mat Botwell, em serviço, vinha diretamente de Fort-Pierre, e dispunha-se a inspecionar as Reservas índias de Dacota do Sul.
"Nuvem Escura" aproximou-se e, quando se preparava para lhe dar as boas-vindas, Mat Botwell, ao ver o alazão de Catamount, perguntou-lhe:
- Compraste este cavalo, "Nuvem Escura"?
De boa fé, o índio contou-lhe a chegada de Catamount. O agente ouvia, calado, mas com expressão preocupada. Durante a sua estadia em Fort-Pierre, soubera da prisão
e da fuga de Texas Bill. A descrição que o índio lhe fazia do cavaleiro, coincidia absolutamente com os dados que tinham dado do perigoso bandido que a maior parte
das pessoas julgava ser o assassino de Dacota.
Enquanto falava, "Nuvem Escura" encaminhou Botwell para a sua tenda.
O agente retorquiu-lhe:
-. Sabes uma coisa muito grave? Tenho excelentes motivos para supor que esse homem é um bandido perigosíssimo, cuja captura está a prémio...
- "Nuvem Escura" também conhece os homens, respondeu o Ogallala. O Rosto Pálido não é certamente um criminoso.
- Dando hospitalidade a esse perigoso criminoso, "Nuvem Escura" sujeita-se a ser considerado como cúmplice, e a ser tratado como tal. Pode ser preso!
E ao ver que o seu interlocutor parecia aterrado com tal hipótese, Mat Botwell acrescentou:
- É preciso prender imediatamente esse homem. De resto, só tens a ganhar com isso. Há uma recompensa de mil dólares para quem facilite a sua captura... São mil dólares,
que podemos partilhar...
- Mil dólares?
E os olhos do índio brilharam.
- O Rosto Pálido veio pedir a nossa hospitalidade e, embora a recompensa seja sedutora, "Nuvem Escura" e os seus Ogallalas respeitarão as leis da hospitalidade.
- Não há lei de hospitalidade para o pior dos bandidos. Esse miserável mentiu-lhes, e procurou enganá-los.
O agente encarniçava-se ao ver aquela resistência imprevista. Feliz pela sua descoberta, propunha-se dividir a recompensa com o chefe.
- É forçoso que prendamos esse homem, sem demora. Por todo o Dacota procuram Texas Bill.
Absorvidos pela discussão, os dois homens não viram um vulto que se retirava. "Corvo Negro" assistira à conversa e, sem perder tempo, apressara-se a ir ter com Catamount,
a quem informou:
-. Rosto Pálido deve ir-se embora depressa. O agente
quer prendê-lo...
Catamount não hesitou, compreendendo o perigo que o ameaçava, e temendo que os Ogallalas se deixassem convencer pelos argumentos e pelas ameaças de Mat Botwell.
Saltou para o alazão, e despediu-se do amigo índio.
- Indo pela esquerda, a duas milhas, podes passar
a ribeira a vau, disse-lhe "Corvo Negro". Mas não
te demores. Entretanto, tratarei de encaminhar o agente
para uma pista errada.
Depois de ter transposto a ribeira, e durante horas, Catamount prosseguiu a caminhada, de noite. De vez em quando voltava-se para trás, a fim de verificar se era
seguido. Segundo todas as probabilidades, "Corvo Negro" e os amigos tinham conseguido enganar e atrasar o agente das Reservas.
Era quase meia-noite quando se deteve. Pensando bem no que se tinha passado,  Catamount compreendeu que não podia teimar em perder assim um tempo precioso, o
que o desviava da missão que a si mesmo impusera. Chegara a hora de desfazer o equívoco. Estava ansioso por Passar a caçador, e deixar de
ser caça.
É absolutamente forçoso que vá ter com Hous-ton em Fort-Pierre. Só o assassino tem vantagem em que esta situação se prolongue. Teremos uma explicação de homem para
homem, o sherife e eu. Depois, poderemos encetar a luta decisiva, para o triunfo da justiça, e castigo implacável do criminoso.
Depois do indispensável repouso, pela alvorada, Catamount dirigiu-se diretamente a Fort-Pierre.
Capítulo
XIII
UM AVISO MISTERIOSO
- Garanto-lhe que ele estava sozinho!
- Isso é impossível! Eram dois. Becker foi atacado pelas costas, por alguém que viera do exterior. O imprudente esquecera-se de fechar a porta à chave, e essa omissão
custou-lhe a vida!
- Pode ser, sherife, mas o homem dos olhos claros, na minha opinião, era capaz de fugir sem a ajuda de ninguém.
A discussão entre Ralph Houston e O. W. Byrnes continuava viva, e o capitão Fierce, que com eles estava, via-se por vezes aflito para os moderar. A certa altura,
quando pareciam ir azedar-se os ânimos, o oficial disse:
- Seja como for, uma coisa está assente: desde segunda-feira, dia em que conseguiu fugir da cela, que o homem dos olhos claros se escapa a todas as pesquisas.
- Eu bem lhes dizia que era um criminoso de envergadura, retorquiu o inspetor. Não é um homem, é um demónio!
No entanto, não possuímos prova alguma, formal, de que seja ele o assassino.
E, voltando-se então para Geo Lamarr, que também fora convocado e que esperava a um canto, calado, fumando cachimbo, o sherife acrescentou:
- À sua história do cravo não tem o menor valor. Esse que encontrámos, deve ter pertencido a outro cavalo, e não ao alazão.
- É possível, respondeu o ferreiro, fazendo uma careta. No entanto, parece-me que o inspetor tem razão. As maneiras desse tal Texas Bill eram pelo menos suspeitas...
Quer tenha sido ele ou outro a atacar o infeliz Becker, a insistência em desaparecer prova suficientemente que não tem a consciência sossegada.
-. Evidentemente, apoiou O. W. Byrnes, sorridente. Se o Texas Bill tivesse a consciência tranquila, teria esperado que se descobrisse a verdade, em vez de fugir,
como um cão danado. Ninguém pode negar que, se não foi o autor da morte de Becker, foi pelo menos seu cúmplice... Todos assim o consideram, e não compreendo como
haja quem o queira pôr de parte...
E, dizendo isto, o inspetor olhava para o sherife, com cara de zangado.
Mas Ralph Houston não se deixava convencer pelos argumentos do inspetor e do ferreiro. Por muito desconcertantes que parecessem as circunstâncias em que Texas Bill
se evadira, o representante da autoridade ainda duvidava.
Depois de curta trégua, durante a qual o capitão ofereceu cigarros, Geo Lamarr disse:
- Ainda bem que eu estava junto de si, sherife... Como o alazão esteve preso à minha porta, não deixariam de suspeitar de mim...
- Ninguém tinha o direito de o fazer, respondeu Ralph Houston. Desta vez, como anteriormente, o senhor pode invocar o mais sólido alibi. No momento em que Becker
sucumbiu assassinado por misterioso adversário, conversávamos os dois.
O sherife não se esquecia da insistência do colosso, nessa noite, em se conservar junto dele, e do insucesso das tentativas para o mandar embora.
Mas O. W. Byrnes era teimoso:
- Há quase uma semana que estou em Fort-Pierre. Desde então, o monstro fez mais duas vítimas, e nada indica que a sinistra série tenha acabado. Pelo contrário, tudo
nos leva a recear que novo atentado esteja em preparação. O terror continua a reinar na região, as autoridades não sabem que fazer, e todos os jornais nos criticam,
acusando-nos de incapacidade e de incompetência.
E o inspetor, acalorado, não se esquecia da atitude cada vez mais reticente com que os habitantes de Fort-Pierre o olhavam, não excluindo certa ironia, até. Algumas
pessoas não se acanhavam mesmo de fazer troça do homem do Este, que chegara a Dacota com a certeza de dar lições ao sherife. E, apesar dos seus esforços, as investigações
nada adiantavam.
- Devo chamar-lhe a atenção, disse Ralph Houston, que não desprezamos nenhuma precaução. Mais duma vez reuni os meus homens, e fomos em procura do fugitivo e do
misterioso cúmplice. Todos os sherifes de Dacota afixaram o anúncio respeitante a Texas Bill e, até agora, nada de sério se descobriu!
E, apontando para uma papelada que tinha sobre a secretária:
- Na quarta-feira, o sherife de Redfield comunicou-me que prendera um cavaleiro, cujos sinais correspondiam mais ou menos aos de Texas Bill mas, depois dum interrogatório
cerrado e sólidas informações, viu-se que era um vaqueiro, que estava em, Aberdeen na noite em que Becker foi assassinado. Apresentou três testemunhas fidedignas,
e foi posto em liberdade.
Mostrando uma outra carta, Ralph Houston prosseguiu:
- Na sexta-feira, avisaram-me de Deadwood, que um vagabundo de atitudes suspeitas e muito parecido com o homem que procuramos, tinha sido detido. Mais uma vez, tratava-se
duma pista falsa. Era um pesquisador de ouro, que vinha de Black Hills, e que não podia estar ao mesmo tempo em, Fort-Pierre.
- E, entretanto, disse O. W. Byrnes, sarcástico, o assassino deve esfregar as mãos, e troçar de nós. De resto, não deve incomodar-se muito, o cavalheiro, não lhe
parece, Lamarr?
- Se ele se refugiou em Bad Lands, do lado de lá do Missuri, tem nove probabilidades contra dez de se escapar à justiça. O território de Dacota é tão vasto...
- E, além disso, comentou o capitão Fierce, há ainda as Reservas dos índios, no interior das quais podia procurar abrigo.
- Mat Botwell, o agente das Reservas, recebeu instruções a tal respeito, disse Ralph Houston, e podemos estar certos de que ele providenciará, caso o nosso homem
se aventure nos territórios índios. Ele anda presentemente em inspeção, e deve voltar dentro de poucos dias.
Mas duvido que nos possa obter alguns elementos interessantes.
Antes que o inspetor o interrogasse a respeito das razões que tinha, para se mostrar tão renitente, o sherife de Fort-Pierre acrescentou:
- Quanto mais penso no caso, mais me convenço de que o assassino não saiu da nossa região. Alguma coisa me diz que, enquanto o procuramos pelos quatro pontos cardiais,
ele espera, junto de nós, preparando-se
para nova proeza.
- Quem tem o número oito? perguntou Geo Lamarr.
O capitão também parecia descontente e impaciente. Apostara tudo no seu velho amigo Byrnes, cuja reputação era tal, que calculava que rapidamente descobrisse a decifração
do enigma. Mas, pelo contrário, não só nada descobrira, como era alvo de chacota para os habitantes de Fort-Pierre.
Pela sua parte, Ralph Houston não podia deixar de se lembrar da promessa que fizera a Juliana Devilder. Depois do enterro do pai, todos os dias se encontrava com
ela, e tinha sempre a mesma resposta a dar-lhe. O ponto de interrogação persistia, e o problema esperava por uma solução, que cada vez lhe parecia mais longínqua...
Depois de nova pausa, o capitão voltou a falar e, voltando-se para O. W. Byrnes, disse-lhe:
Tenho a impressão, meu velho, de que te fazemos perder um tempo precioso. Talvez fizesses melhor em voltar para Nova Iorque, não?
O inspetor protestou:
- Essa agora! O. W. Byrnes tem a reputação de nunca falhar. Não desejas, decerto, que eu volte para lá com as mãos a abanar!
Insurgia-se contra tal hipótese, e olhou sucessivamente para Geo Lamarr e Ralph Houston, Por fim, este último afirmou:
- O capitão tem razão. Tenho a consciência de que o senhor perde inutilmente um tempo precioso, e que podia ser mais bem empregado noutro lado...
E, acrescentou, sacudindo a cinza do cigarro:
- O capitão fez bem em o chamar, senhor Byrnes. Mas, visto que a solução não foi encontrada nos três primeiros dias, o caso vai arrastar-se... Pode prolongar-se
durante semanas, talvez durante meses!
O sherife pensou que desencorajava o seu interlocutor, mas tal não aconteceu.
- Nem que tenha de permanecer um ano em Fort-Pierre, prometo-lhe que deitarei a mão ao pescoço desse maldito Texas Bill. Tão verdade como eu chamar-me O. W. Byrnes!
- Volto a dizer, meu caro, que nada nos autoriza a supor que o assassino de Dacota e Texas Bill sejam uma e a mesma pessoa, disse Ralph Houston, calmamente.
Desta vez, o inspetor perdeu as estribeiras:
-i com a breca, exclamou ele, dando um soco na mesa, convenci-me de que estou na razão, e não volto atrás. Aposto o que quiser, em como o mistério se resolverá,
no dia em que eu trouxer o tal Texas ?Bill, devidamente algemado, E dessa vez, pode estar certo de que não o deixarei fugir!
Ralph Houston limitou-se a sorrir e, desta vez, não replicou, o que mais indignou o inspetor:
- Faça alguma coisa, por amor de Deus! Prossiga nas suas diligências, sem parar!
- Tenho muita pena em não lhe dar satisfação, mas os meus homens não podem mais, e os cavalos estão rebentados. O que temos feito até agora e nada, é absolutamente
o mesmo!
O. W. Byrnes olhou para o teto, desolado:
- Então, o senhor capitula? Desiste lamentavelmente...
- Engana-se, senhor Byrnes, respondeu Ralph Houston. Tenho especiais motivos para que o caso não se considere arrumado, e dou-lhe a minha palavra de honra que não
o está!
A voz do representante da autoridade tremeu levemente ao proferir estas palavras. Na verdade, não podia deixar de pensar em Juliana. E acrescentou:
- Estou convencido de que o assassino voltará ao local onde praticou os crimes, e talvez mais depressa do que julgamos. Então, poderemos agir.
- Se prefere que ele ainda faça meia dúzia de vítimas, isso é consigo, respondeu o inspetor, trocista. Em todo o caso, não se deve esquecer de que foi eleito para
proteger a existência, agora ameaçada, dos honrados cidadãos de Fort-Pierre!
- A esse respeito, dispenso os conselhos de quem quer que seja, retorquiu o sherife.
A discussão ameaçava azedar-se, e Geo Lamarr fez; um gesto de contemporização, para que O. W. Byrnes se mostrasse menos contundente. E Fierce, olhando para o relógio,
disse:
- São quase onze horas. É altura de voltarmos para o quartel. De resto, se queres continuar amanhã as tuas investigações...
- É claro que estou resolvido a ir até ao fim, respondeu o inspetor. Ao contrário do que dizem, a minha resolução não fraquejou...
O capitão levantou-se, logo imitado pelo inspetor.
- Vem, Lamarr? perguntou ele.
-Não... ainda fico uns momentos com o sherife.
Fierce e Byrnes despediram-se dos dois, e saíram do escritório do sherife. Logo que o fizeram, o ferreiro encolheu os ombros, e disse:
- É um imbecil, este Byrnes! Acha que dispõe de todos!
?-? Parece-me que, de vez em quando, perde a serenidade, o que é um aborrecido defeito num polícia...
- Foi pena que o senhor não tivesse aceitado a aposta, há pouco, quando ele garantiu que apresentaria o Texas Bill, algemado...
- Pode apresentá-lo, mas isso não basta, para provar que é ele o assassino.
Geo Lamarr, olhando fixamente para o sherife, perguntou-lhe:
- Acha que ele voltará?
- É o costume... Já por mais duma vez mostrou que se ria das nossas diligências. Ficando em Fort-Pierre, julgo que terei mais possibilidades de o encontrar, do que
andando a correr, dum lado para o outro.
Por fim, Geo Lamarr resolveu-se a sair, e despediu-se do sherife.
Dois minutos depois, Ralph Houston ficou sozinho no gabinete. Começou a andar dum lado para o outro,
(fumando sucessivos cigarros. A certa altura, parou defronte dos cartazes afixados na parede, e olhou para o que tinha o retrato do homem dos olhos claros.
Embora se lembrasse das amargas afirmações há pouco proferidas pelo inspetor O. W. Byrnes, não se sentia convencido. O rosto altivo e resoluto de Texas Bill nada
tinha de comum com os retratos dos bandidos e assassinos que o rodeavam..
Depois, foi abrir a janela, para dissipar a fumarada.
Debruçou-se, e relanceou os olhos pela cidadezinha. Os "saloons" ainda estavam iluminados, e ouvia-se um piano mecânico. Os clientes esqueciam momentaneamente o
sinistro assassino de Dacota. Sombras de pares dançantes passavam defronte das janelas.
Depois, o seu olhar dirigiu-se para a fachada sombria do "General Store", onde apenas se via, no primeiro andar, o retângulo iluminado duma janela. Era a do quarto
de Juliana. Quantas vezes evocara a sua imagem graciosa. Admirava-lhe a coragem, e o denodo com que, logo no dia seguinte ao do enterro de Franck Devilder, ela retomara
o trabalho, no armazém.
Sempre que se encontravam, dia a dia, ela lhe deitava um olhar interrogador, eloquente e ansioso. A órfã esperava que ele lhe dissesse que tinha sido feita justiça,
mas o sherife limitava-se a um gesto vago... O assassino de Dacota ainda anda à solta, e nada autorizava a supor que a sua captura estava próxima.
E no entanto, como aquele a quem amava, também Juliana não acreditava na culpabilidade de Texas Bill. Vira o homem dos olhos claros depois da sua prisão,
e a sua atitude impassível e o seu sangue-frio tinham-na impressionado favoravelmente. Recusava-se a acreditar que fosse ele o miserável que assassinava só pelo
prazer de matar e espalhar sangue.
E Ralph Houston continuava a olhar para o armazém. Uma sombra apareceu na janela. Era Juliana, que o tinha visto...
Mais que nunca, o problema que Ralph Houston prometera a si mesmo resolver, apresentava-se-lhe ao espírito. Sem cólera, avaliava a sua completa impotência. Depois,
desviou o olhar para mais longe, fixando-o no quartel de cavalaria, na colina que dominava Fort-Pierre.
O sherife pensava em O. W. Byrnes, relembrava as suas frases. Não encontrava explicação para a teimosia do inspetor em acusar Texas Bill. Parecia-lhe que, em tais
circunstâncias, ele se devia mostrar mais ponderado, e com mais sangue-frio. A irritação e o enervamento que mostrara, não seriam antes sinais de fraqueza?
Enquanto Ralph Houston estava à janela, e Juliana o contemplava do seu quarto, O. W. Byrnes afastava-se, na companhia do capitão Fierce.
Assim que se viu na rua, queixou-se ao oficial:
- Como é que se pode conseguir alguma coisa, com criaturas tão teimosas como o sherife e a sua gente? De resto, troçam abertamente de mim. Sou a cabeça de Turco
dessa cambada!
Em vão Fierce se esforçou por acalmar o inspetor, que continuava excitado.
- Hei-de provar a todos eles que sou perfeitamente capaz de prender esse miserável. 139 Texas Bill é o culpado! É uma coisa que salta aos olhos. Mas, lá porque é
um homem do Oeste, entendem que não. Assim, como não estar embaraçado...
E, enquanto caminhava, o inspetor fartava-se de gesticular. Chegaram defronte da porta do quartel, e entraram.
Um soldado aproximou-se e, depois de ter feito continência, dirigiu-se ao inspetor:
- Uma carta para si, senhor Byrnes.
- Uma carta?
E o inspetor, admirado, pegou no sobrescrito,
- "Inspetor Byrnes"... "Confidencial"... leu ele, em voz baixa.
E, dirigindo-se ao soldado:
- Quem lhe entregou esta carta? Não veio pelo correio...
- Foi o Hughes, que estava de sentinela às sete horas. Encontrou este sobrescrito, que tinham metido por um dos postigos da guarita. Entregou-a então ao cabo da
guarda, para que lha desse.
O. W. Byrnes meteu a carta no bolso e, pouco depois, despediu-se do capitão Fierce e dirigiu-se para o quarto.
O inspetor tinha pressa em ler a misteriosa carta, pois as condições em que lhe tinha sido remetida intrigavam-no profundamente. Era a primeira vez que lhe escreviam,
desde que iniciara as investigações.
Depois de ter fechado a porta à chave, fechou também a janela do quarto, e acendeu o pequeno candeeiro de petróleo. Só então, com as mãos trémulas, abriu o sobrescrito,
donde tirou uma folha de papel, dobrada em quatro. 140
Leu-a rapidamente. Eram umas linhas escritas a lápis, com má caligrafia, e bastantes erros ortográficos:
"Aquele a quem procura, deve estar amanhã em Missuri Creek. Pode prendê-lo sem risco... No entanto, se o quer conseguir, não deve prevenir ninguém... Passe para
a outra margem. Encontrará um barco..."
Não tinha assinatura alguma. O aviso nada mais dizia. O inspetor voltou a ler, e ficou terrivelmente indeciso...
Capítulo XIV
O. W. AVENTURA-SE...
- Que devo fazer?
No cúmulo da indecisão, O. W. Byrnes voltava a carta dum lado para o outro. Primeiro, pensou em desabafar com o velho amigo Fierce, que ainda não devia estar a dormir,
mas voltou a ler a recomendação... O aviso era só para ele, unicamente para ele...
- É melhor não lhe dizer nada!
Por fim, o inspetor resolveu deitar-se e, enquanto se despia, não tirava os olhos do papel, que colocara sobre a mesinha de cabeceira.
- Missuri Creek? Onde será?
O inspetor trouxera de Nova Iorque um mapa da região e não teve dificuldade em localizar exatamente o sítio em questão.
- Aqui temos Missuri Creek. Fica a umas quinze milhas de Fort-Pierre, do outro lado do Missuri. Temos ali uma espécie de lagoa. É preciso atravessar o rio mas, como
dizem que encontrarei um barco, arranjar-me-ei...
Apagou a luz, mas não conseguia adormecer... O singular aviso não lhe saía da cabeça. Voltava-se dum lado para o outro, perguntando a si mesmo como havia de proceder,
no dia seguinte.
Evidentemente que era mais prudente avisar Ralph Houston e o capitão Fierce. Mas, O. W. Byrnes não se esquecia das frases desagradáveis que trocara com o sherife.
- Aquele diabo do Houston queria que eu desistisse, mas hei-de provar-lhe que não sou um incapaz e que um homem do Este chega perfeitamente para um do Far-West!
E O. W. Byrnes já construía castelos no ar, pensando que a sua vitória estava perto, e que as suas investigações iriam terminar triunfalmente!
Imaginava as caras de Ralph Houston e dos seus homens, quando o vissem regressar de Missuri Creek, conduzindo o prisioneiro.
O seu prisioneiro! O inspetor não tinha dúvida de que seria Texas Bill. "Aquele a quem procura...", limitava-se o aviso a dizer, não poderia ser outro senão o homem
dos olhos claros.
O tiquetaque do relógio acompanhava as febris reflexões do inspetor, que nem se lembrava de perguntar porque se tinham dirigido a ele apenas, tão encantado estava
com a perspetiva de poder resolver em breve prazo o desconcertante enigma do assassino de Dacota. Depois da discussão que tivera com Ralph Houston, tinha pressa
de acabar com aquilo.
Quando chegou a manhã, O. W. Byrnes não fechara olho, mas a sua decisão estava tomada. Seguiria as indicações do singular correspondente, e nada diria a quem quer
que fosse.
Ao tocar a alvorada, o inspetor saiu do quarto, levando a carta no bolso, 143 e verificando se o revólver estava em condições. Desceu a escada, e entrou no refeitório.
- Já a pé, senhor inspetor? perguntou o encarregado, admirado.
Tenho de sair. É urgente, respondeu o inspetor.
E, piscando o olho, acrescentou:
- Um simples passeio, por causa do meu inquérito.
- O Harris vai selar-lhe o cavalo, disse um sargento, acabado de entrar.
Desde a sua chegada a Fort-Pierre, o capitão tinha mandado pôr um cavalo à sua disposição. O inspetor aceitou a oferta, e foi tomar o café.
O. W. Byrnes estava tão impaciente, que se escaldou. O encarregado perguntou:
- Então esse assassino, não há maneira de darem com ele?
O inspetor teve um gesto de enfado:
- É verdade. Mas o senhor conhece o provérbio que diz que tantas vezes o cântaro vai à fonte... não é verdade?
E, partindo uma torrada, acrescentou:
- Neste mundo, tudo tem fim! E a justiça acaba sempre por descobrir e castigar os criminosos.
Fierce e dois tenentes entraram no refeitório.
- Já a pé? Há alguma novidade?
O. W. Byrnes hesitou uns momentos, e esteve quase a dizer ao velho amigo o que o fazia sair. Mas logo se lembrou, com razão, que o oficial imediatamente o aconselharia
a avisar o sherife e os seus homens.  E o inspetor preferiu conservar para si a
glória e o mérito duma captura que se lhe afigurava quase certa.
- vou fazer um reconhecimento ao longo do Missuri.
- O quê? É por causa da carta de ontem? perguntou Fierce.
- Coisa sem importância, respondeu o inspetor, encolhendo os ombros.
Outros oficiais entraram e foram falar ao capitão, o que O. W. Byrnes aproveitou para sair.
- Que tem o inspetor esta manhã? perguntou um tenente, voltando-se para Fierce. Parece que vai a fugir do diabo...
- Começa a enervar-se, por ver que as investigações não avançam... respondeu o capitão,
- Na verdade, se contamos com ele para que a morte do nosso camarada Stark seja vingada, e o seu autor castigado, bem temos de esperar...
- O. W. Byrnes é um homem sério, e sabe do ofício. Sei que podemos contar com, a sua absoluta dedicação, mas parece-me que se excita com demasiada facilidade, É
claro que o ambiente daqui não é o mesmo de Nova Iorque mas, apesar de tudo...
- O soldado King baixou à enfermaria, com uma pneumonia, informou um sargento, perfilando-se.
O caso do soldado King desviou o capitão para outro assunto, menos ardente do que o do assassino de Dacota. E falou-se doutra coisa.
Enquanto Fierce assim conversava com os subalternos, O, W, Byrnes dirigiu-se às cavalariças onde o cavalo de que costumava servir-se já estava pronto.
- Obrigado, disse ele ao soldado. com. certeza não virei almoçar, mas devo estar de volta antes do anoitecer.
com certa dificuldade, saltou para cima do cavalo, e saiu do quartel, passando pela rua principal de Fort-Pierre onde, apesar da hora matinal, já se viam alguns
grupos.
O inspetor deu por alguns olhares trocistas que lhe foram dirigidos, pois estava longe de ser um cavaleiro...
- Rirá bem o que for o último a rir, resmungou o inspector, esforçando-se por se conservar calmo, e fingindo não dar conta de nada.
De repente, teve um sobressalto. Ouviu uma voz conhecida:;
- Vai caçar, inspetor?
O Dr. Huntingdon estava na sua frente, barrando-lhe a passagem, pelo que o inspetor parou.
- Perdi a noite num parto. Foi trabalhoso, mas tudo correu normalmente.
E, como O. W. Byrnes nada lhe dissesse, o médico acrescentou:
- Gosto mais deste trabalho, do que daquele que deu ocasião a ter o prazer de o conhecer.
E, depois:
- E, a propósito, já encontrou a pista do nosso assassino?
O inspetor deu pela ironia que havia naquelas palavras.
- Calculo que não tarde a saber alguma coisa de novo, senhor doutor, limitou-se ele a responder.
Huntingdon desviou-se para lhe dar passagem e o inspetor afastou-se a trote.
- Só me faltava encontrar este imbecil... Não deve tardar em ir tagarelar com o Houston...
O. W. Byrnes meteu pela estrada que seguia ao longo do Missuri, e que já conhecia, por a ter percorrido com o sherife e os seus homens, quando tinham ido em busca
de Texas Bill.
Ainda havia algum nevoeiro sobre o rio, e o sol tentava dissipá-lo.
A três milhas de Fort-Pierre, o inspetor cruzou-se com três vaqueiros, que iam à cidade fazer compras, e que o olharam com ar de troça, devido à sua figura a cavalo.
O inspetor chegou ao local marcado no mapa, em menos de três quartos de hora.
Parou junto dum velho carvalho e, desdobrando o mapa, estudou-o com atenção.
- Missuri Creek é ali defronte, disse ele. Não há possibilidades de engano.
O rio corria, e a corrente era forte.
Embaraçado, o inspetor coçou a cabeça. Acendeu um cigarro e começou a fumar, olhando atentamente para a margem oposta.
- Onde estará metido o barco?
Para qualquer lado que se voltasse, não se via vivalma.
Hum! Não vou tentar passar a nado... disse o inspetor, um pouco perturbado.
Mas acabou por descobrir, escondido nas ervas altas, um barco que baloiçava, preso por uma amarra sólida.
Intrigado, O. W. Byrnes aproximou-se, e o seu contentamento aumentou, ao verificar que a corrente que prendia a embarcação não tinha cadeado.
Ora aqui está então o tal barco. De resto,
parece que ainda há pouco se serviram dele...
Cada vez mais intrigado, O. W. Byrnes saltou para dentro do barco, com risco de o voltar, mas depressa se equilibrou, e descobriu, no fundo, dois remos ainda molhados.
- Alguém embarcou depois da alvorada... Foi decerto quem me avisou!
Mais uma vez o inspetor fez a si mesmo a pergunta: quem poderia ter sido o autor da carta, que o levara àquele local perdido, na margem do Missuri?
O inspetor, tão convencido de que o criminoso só podia ser Texas Bill, perdia-se em conjeturas a respeito da identidade do enigmático correspondente. Era decerto
alguém que se interessava pelas averiguações, e que tinha empenho em o ajudar!
Por agora, tratava-se de atravessar o rio, que ali era bastante largo. O. W, Byrnes pegou nos remos e, depois de ter soltado a amarra, preparou-se para a travessia.
Ao princípio, o barco girou sobre si mesmo, arrastado pela corrente, mas o improvisado remador conseguiu vencê-la, e começou a avançar em direção à margem oposta.
O sol acabara de vencer a bruma e viam-se pequenas nuvens no céu. Fazendo grandes esforços, o inspetor continuava a avançar, procurando com o olhar um sítio onde
aproar.
A certa altura verificou que, na areia duma espécie de braço de mar, se viam vestígios recentes de passos.
Desta vez, o inspetor não hesitou e, num esforço supremo, conseguiu encostar, e puxar vigorosamente o barco.
- Não há dúvida, disse ele, ainda há pouco esteve aqui alguém.
Deu uns passos para a direita e, de repente, descobriu outra embarcação de tipo e dimensões semelhantes àquela de que acabava de se servir para transpor o Missuri.
Ficou perplexo. Eram pegadas do homem que lhe escrevera, ou, pelo contrário, do bandido que queria surpreender?
As pegadas, que se sucediam, eram bastante grandes...
- Parecem-me duma pessoa forte, pensou o inspetor.
Tirou o revólver do bolso e, de mão no gatilho, começou a seguir a pista, não sem primeiro olhar em volta, desconfiado.
Os arredores imediatos de Missuri Creek continuavam desertos. O. W. Byrnes atingiu uma linha de choupos jovens, ao longo dos quais a pista se prolongava. Depois
de ter parado por alguns momentos, o inspetor continuou a avançar e, pouco depois, para lá dum maciço de carvalhos e altas ervas, descobriu uma cabana, construída
a uns trinta passos do Missuri.
O inspetor avançava cautelosamente, evitando qualquer ruído que pudesse despertar a atenção dum adversário. Mas tudo parecia calmo em redor, e os pássaros cantavam
no arvoredo.
No entanto, O. W. Byrnes continuava alerta. Da chaminé da cabana saía uma delgada coluna de fumo.
Não havia dúvida de que o refúgio estava atualmente ocupado e, como as pegadas se prolongassem na sua direção, o inspetor pensou que se tratava daquele a quem seguia.
Silenciosamente, parando de vez em quando, sempre à escuta, apenas ouvia o marulhar das
águas.
Subitamente, O. W. Byrnes estremeceu, e encostou-se ao tronco dum salgueiro. À alguns passos, na vizinhança imediata do refúgio isolado, acabara de ver um vulto.
- Está ali alguém!
E, verificando que o recém-vindo agitava a mão:
- Está a chamar-me...
com o revólver apontado, pronto a repelir qualquer ataque, o inspetor deu ainda alguns passos para a frente...
- É curioso, diria que é... Não acabou a frase, e disse:
- Mas então, porque é que nada me disse ontem, quando estávamos...
Desta vez, também não conseguiu acabar a frase... Sem que desse por tal, um segundo vulto surgiu nas suas costas, um braço se ergueu num relâmpago, com uma mão brandindo
uma moca... Houve um choque violento...
O inspetor sentiu uma dor aguda na nuca, e as pernas fraquejaram-lhe. Em vão tentou reagir, mas caiu pesadamente, de cabeça para a frente, sobre a erva. 150
Capítulo XV
TEXAS BILL REAPARECE
Acabara de dar o meio-dia. Juliana fechou as portas do armazém, depois dos dois caixeiros terem saído para almoçar. Já não havia nenhum cliente. A rapariga preparava-se para ir para a cozinha, a fim de preparar o almoço, quando subitamente parou, e soltou uma exclamação de surpresa. Encostado ao balcão, um homem por cuja presença não dera, esperava.
-Está fechado, disse a órfã. O senhor devia ter...
Não acabou a frase. O homem voltara-se, e ela viu-lhe o rosto. Sentiu que o sangue se lhe gelava nas veias, e pronunciou um nome:
- Texas Bill!
Juliana não se enganava. Era de facto a pessoa cujo retrato se via afixado nas paredes de Fort-Pierre, e das principais cidades de Dacota.
Espantada, a rapariga encostou-se a uma coluna, parecendo petrificada pela surpresa. Os seus olhos não desfitavam o intruso. Por fim disse, esforçando-se por conservar
o sangue-frio.
- Vamos... ataque-me, tal como fez a meu pai!
- Engana-se, menina, não fui eu quem assassinou seu pai! Desafio quem quer que seja a provar que tenha sido eu!
Texas Bill respondera calmamente, e a sua serenidade contrastava formalmente com a perturbação da rapariga.
- Se não me quer mal, que veio aqui fazer? Para que entrou como um ladrão?
-. Não ignoro que tenho a cabeça a prémio, respondeu Catamount, serenamente. E, como preciso de falar consigo a respeito de coisas sérias, antes de avisar as autoridades,
lembrei-me que acederia a ouvir-me. Deixei o cavalo perto daqui, num sítio onde não há perigo de chamar a atenção, e aproveitei um momento de acalmia para entrar
no armazém.
E, como a rapariga ainda se mostrasse perturbada, insistiu, a sorrir:
- Sossegue... Nada tem a recear de mim, que sou seu amigo. Voltei a Fort-Pierre para defender a verdade, e provar-lhe a minha completa boa fé.
A presença de espírito do inesperado visitante, e a sua confiança, tranquilizaram Juliana.
Como, em certa altura, se espalhasse um cheiro a queimado, o homem dos olhos claros insistiu:
- Por quem é, menina... Não quero que o seu almoço se estrague e, se não vir inconveniente em tal, explicar-lhe-ei os motivos da minha presença aqui, enquanto comer,
À jovem hesitou, mas a atitude franca e tranquila do interlocutor conseguiu convencê-la. Dirigiu-se para a cozinha, sem o perder de vista.
- Consinta que a acompanhe. É urgente que fale consigo.
Momentos depois, estavam os dois sentados à mesa da cozinha.
- Por minha causa, menina, queimaram-se os ovos... Desculpe.
A jovem replicou:
- Deve concordar que tenho de estar alerta, por causa do que se tem passado...
Juliana ainda se mostrava reticente, mas já não sentia a ansiedade do princípio da conversa. Estremeceu, quando Catamount, olhando-a fixamente, lhe perguntou:
- Seja franca, menina Devilder. Olhe para mim, e diga-me se tenho as aparências e as atitudes dum criminoso?
Olharam-se por momentos, sem falar. Juliana deixara de ter medo e respondeu, com voz firme:
- Não!
Catamount insistiu, sem deixar de olhar para ela: -Diga-me, sinceramente: acredita que seja o assassino de Dacota, o homem que covardemente atacou seu pai pelas
costas, apenas pelo prazer de ver correr sangue?
Ela sentiu-se tocada pela atitude e pelo tom de sinceridade daquele homem, e não acreditou, que, quem com tal calor se exprimia, pudesse ser um criminoso.
- Não acredito que isso seja possível!
Naquele momento dramático, Juliana lembrava-se das conversas que recentemente tivera com Ralph Houston. O sherife não lhe escondera que não acreditava na culpabilidade
de Texas Bill, embora a sua fuga pudesse torná-lo suspeito. Ele rejeitava a tese do inspetor,  que teimava em perseguir o homem dos olhos
claros, convencido de que era ele o sinistro bandido, que enchia de terror a região.
Pressentindo um ambiente favorável, Catamount declarou, com voz firme:
- Não só não sou o assassino que me julgam, como voltei aqui com a intenção decidida de fazer justiça, e pôr cobro às façanhas do sinistro criminoso!
Juliana olhou para o estranho interlocutor, que continuava a falar calmamente.
- Também voltei, porque preciso de si para o bom êxito do meu plano.
- Precisa de mim? perguntou ela, intrigada. -? É indispensável que me aviste com o sherife, o mais depressa possível.
- Está no gabinete... Não costuma receber as pessoas neste armazém...
- Evidentemente... mas julgo-a suficientemente inteligente para imaginar o que se passaria, se eu, imprudentemente, fosse diretamente ao gabinete! com os avisos
afixados por toda a parte, seria reconhecido e preso mesmo antes de lá chegar. A notícia da minha prisão espalhar-se-ia instantaneamente pela cidade e pela região.
Perder-se-ia um tempo precioso, o que só beneficiaria aquele a quem, um e outro, tanto desejamos desmascarar.
E como a rapariga não se mostrasse muito convencida pelos argumentos, insistiu:
- Quero falar com Ralph Houston de homem para homem. Tenho a certeza de me entender com ele, e de conseguir convencê-lo. No entanto, é necessário que
a nossa conversa se realize longe de ouvidos indiscretos.
-É possível que o senhor tenha excelentes razões para tal e, pela minha parte, não me recuso a acreditar na sinceridade das suas intenções. Mas não percebo por que
se dirige a mim...
, Estamos a prolongar a nossa conversa, inutilmente, e os minutos são preciosos, menina Devilder. Não estive muito tempo em Fort-Pierre mas, do que ouvi, julgo ser-me
lícito concluir que não poderia encontrar melhor medianeira junto do sherife...
E, ao ver que Juliana corava, prosseguiu:
- É urgente que me encontre com Ralph Houston e, para tal, arrisquei-me a todos os perigos, mesmo ao de ser preso. À Providência permitiu que chegasse junto de si,
sem encontrar obstáculo algum. Decerto não contribuirá para o meu fracasso, que seria também o da justiça e o da verdade. Garanto-lhe que Ralph Houston aprovará
o seu procedimento, quando souber exatamente do que se trata.
Juliana afastou o prato e respondeu, com voz sumida:
- Espere-me aqui, enquanto vou falar a Ralph.
- Ótimo! Verá que tive boa inspiração em a procurar.
Juliana saiu, e Catamount sentou-se numa cadeira, protestando mais uma vez por não ter cigarros...
O sherife costumava almoçar no restaurante do "Gallop". Já tinha começado a comer, quando viu chegar o Dr. Huntingdon, também freguês da casa.
- Muito que fazer, doutor?
- Um parto, uns pequenos para vacinar, e outras coisas menos importantes...
E sem dar tempo a que o sherife lhe fizesse mais alguma pergunta, disse-lhe:
- Esta manhã, muito cedo, encontrei o seu concorrente, sabe?
- O meu concorrente?
-.Sim, o respeitável senhor O. W. Byrnes...
- Encontrou o inspetor?
- Ia a cavalo. Parecia muito apressado, e com ar de quem não queria conversas...
O sherife voltou ao guisado, enquanto o médico escolhia o almoço, na ementa que a criada lhe dera. Sentia-se visivelmente intrigado por aquela saída matutina do
inspetor. Quando, na noite anterior, se tinham despedido, O. W. Byrnes nada lhe dissera a respeito de tais intenções vagabundas...
No entanto, a saída do inspetor nada tinha de admirar o sherife. Cada um deles tinha o seu método para procurar e prender criminosos. Além disso, Ralph Houston reparara
na preocupação que o inspetor tinha em prosseguir as investigações sozinho. E a sua saída dessa manhã provava-o.
- Desejo-lhe felicidades, comentou o sherife para com os seus botões.
E acrescentou:
- Estou convencido de que segue uma pista errada. Bem tentei avisá-lo, mas ele é teimoso! No fim de contas, ver-se-á...
Os factos e os gestos de O. W. Byrnes deixaram de ocupar o espírito de Ralph Houston. A sala enchera-se e, como sempre, o assassino de Dacota e o fugitivo Texas
Bill eram o motivo de todas as conversas.
De repente, o sherife estremeceu, ao ver entrar Juliana.
Imediatamente suspeitou de alguma coisa anormal. Na verdade, não era costume que ela fosse procurá-lo ao restaurante, por não ter tempo para tal.
- Aqui temos a graciosa Juliana, exclamou o Dr. Huntingdon, tão admirado como o sherife.
- Então, que temos? Parece comovida... Juliana debruçou-se para ele, dizendo:
- Preciso que venha comigo, depressa... -? Eu? Está em perigo?
-. Nada disso, respondeu Juliana. Está no armazém uma pessoa que tem urgência em falar consigo...
- Quem?
O sherife olhou para ela, com ar interrogativo, mas a jovem, ao ver que Huntingdon estava à escuta, insistiu:
- Venha comigo. Já lhe digo...
Ralph Houston não insistiu e tratou de seguir a rapariga, que já se dirigia para a saída.
Que se passa? perguntou o médico, admirado.
Mas o sherife não se deu ao trabalho de lhe responder.
- Não me dirá... exclamou ele, correndo atrás de Juliana, que se encaminhava para o armazém.
A jovem ia a falar, mas preferiu esperar um pouco, por ter a certeza de que qualquer discussão retardaria a entrevista iminente, e poderia complicar mais as coisas...
- Já vai ver. É muito importante, limitou-se ela a dizer.
Segundos depois, Juliana fazia entrar o companheiro na cozinha. Catamount esperava.
Ralph Houston sobressaltou-se, ao deparar com o homem dos olhos claros.
O senhor aqui?
Precisava urgentemente falar consigo, respondeu tranquilamente o singular visitante.
E, ao ver que o sherife levava a mão ao revólver, não pôde deixar de sorrir:
- Nada receie.
E, ao ver que o seu interlocutor continuava desconfiado, acrescentou:
- Venho como amigo, e não como adversário. Como pode verificar, os meus revólveres continuam nas bolsas. Se tivesse a certeza de que corresponderia ao meu gesto,
estender-lhe-ia uma mão leal. No entanto, dada a situação, julgo que, até nova ordem, o senhor se manterá na reserva, o que acho natural.
Catamount afrontava tranquilamente o olhar desconfiado do sherife. Quanto a Juliana, observava os dois, temendo que se engalfinhassem, embora ambos parecessem não
ter perdido o sangue-frio.
Houve um curto silêncio. Por fim, Ralph Houston foi o primeiro a falar, quase agressivo:
- Sabe a que se expõe, vindo a Fort-Pierre, Texas Bill?
- Sim, respondeu simplesmente o homem dos olhos claros.
- Decerto viu os cartazes que lhe dizem respeito, e que estão afixados nas paredes, por todo o Dacota?
- Na verdade, vi alguns.
- Nessas condições, não é preciso lembrar-lhe que continua sujeito a ser preso?
- Seria inútil recordar-me uma situação que conheço tão bem como o senhor.
- Sendo assim, vem entregar-se?
O sherife continuava a olhar para Catamount com extrema desconfiança, e a sua atitude orgulhosa e corajosa faziam-no pensar que se não tratava dum fora-da-lei, vencido
e arrependido... E franziu a testa, ao ouvi-lo responder, tranquilamente.
- Não se trata da minha captura. Vim aqui de. livre vontade, como homem livre, e como homem livre sairei!
O homem dos olhos claros exprimia-se com uma profunda convicção, que desconcertou o representante da autoridade e Juliana.
- Na verdade, o senhor tem ilusões bastante estranhas, retorquiu Ralph Houston. As minhas funções impõem-me prender os criminosos, assim, como os que como tal são
considerados e procurados. Isso se dá consigo, Texas Bill e, por muito grande que seja a sua convicção, vejo-me obrigado a pôr-lhe as algemas, e a conduzi-lo para
a cela que ainda há pouco ocupava.
E, erguendo a voz, e mais ameaçador o sherife exclamou:
- Basta de brincadeiras! Mãos ao ar! Em nome da lei, está preso!
Capítulo XVI
DE HOMEM PARA HOMEM
Juliana tremeu como varas verdes, ao ver o sherife puxar do revólver, e apontá-lo para o visitante.
A jovem esperava uma reação violenta de Texas Bill, mas o homem dos olhos claros não só não pestanejou, como não fez o mais pequeno movimento para obedecer à ordem
do representante da autoridade.
- Vamos, mãos ao ar! insistiu Ralph Houston, de dedo no gatilho do revólver.
E, ao ver Catamount continuar de braços cruzados, perdeu a paciência:
- Mãos ao ar, ou atiro!
Catamount limitou-se a abanar a cabeça, e a responder, calmamente:
- Não sherife, não levantarei as mãos, nem me entregarei e, por seu lado, o senhor não fará fogo!
- Essa agora! Gostaria de saber a razão...
- Apenas porque eu voltei aqui para lhe falar de homem para homem!
E, enquanto o seu interlocutor continuava na atitude ameaçadora, continuou:
- Se eu quisesse entregar-me, a coisa tinha sido simples, pois bastaria dirigir-me ao seu gabinete.
Mesmo antes de lá chegar, teria encontrado quem me detivesse, para ganhar o prémio. Se recorri aos bons ofícios da menina Devilder, foi por saber que, por seu intermédio,
as coisas se passariam doutra maneira. No seu interesse, e para que se consiga prender o criminoso que procuramos, pode crer que é melhor que seja assim.
O sherife parecia preocupado. Juliana continuava imóvel, espantada, mas não havia dúvida de que cada vez estava mais impressionada pela atitude firme do homem dos
olhos claros.
- Vejo-me obrigado a algemá-lo, disse Ralph Houston.
A réplica de Catamount não demorou:
- O seu dever consiste em ouvir a voz da razão. Não venho aqui como adversário, mas sim como amigo, sherife. Desejo ajudá-lo, e quero afastar a infame acusação que
atualmente pesa sobre mim. Creio que tenho os meios de lhe poder garantir um êxito rápido e definitivo!
Agora, o representante da autoridade pareceu deixar-se convencer, e viu o olhar ansioso de Juliana, como que a pedir-lhe que atendesse o visitante. Tirou a mão do
bolso, sem que exibisse as algemas...
- Parece-me melhor sentarmo-nos, disse Catamount, em vez de nos olharmos como cães enraivecidos, que se preparam para morder.
À vontade, Catamount esperou uma resposta... O sherife assentiu e sentaram-se, enquanto Juliana se mantinha um pouco afastada.
- Sou todo ouvidos, disse Ralph Houston.
- Não terá por acaso um cigarro? Tenho uma vontade doida de fumar...
Rompera-se o gelo. Ralph Houston continuava alerta, mas as frases do interlocutor tinham-no abalado. De resto, estava longe de partilhar a opinião de O. W. Byrnes
a respeito do fugitivo, e a ideia de que pudesse finalmente desmentir o inspetor, incitava-o a tomar em consideração o pedido do pretenso Texas Bill...
- vou falar com o coração nas mãos, mas é preciso ficar assente que tudo o que os dois me ouvirem, fica entre nós, até nova ordem... Pelo menos, enquanto me vir
obrigado a conservar a identidade de Texas Bill!
O sherife, que acabara de acender o cigarro de Texas Bill, objetou:
- Então, o senhor não é Texas Bill? Que significam os documentos que nos mostrou? Por que procurou enganar-nos?
- Isso é um assunto de que mais tarde trataremos, se não vir inconveniente, e então se arrependerá de me não ter dado a sua confiança. O que mais importa, agora,
é pôr cobro às sangrentas proezas do sinistro assassino,
- O senhor deve decerto conhecê-lo, interrompeu Ralph Houston.
E, a um gesto vago de Catamount, continuou:
- Calculo que, quando saiu da cela, o não fez por suas mãos...
- Seria absolutamente incapaz de tal coisa! A porta gradeada estava fechada à chave, e o seu guarda vigiava-me com o maior cuidado.
- Jud Becker vigiava-o, o que não impediu no entanto que caísse, atingido mortalmente por uma punhalada, nas costas.
- Atingido mortalmente?
Até então, Catamount desconhecia a triste sorte do infortunado guarda. Tinha passado por cima do seu corpo, ao fugir, mas pensara que apenas tivesse sido atordoado
pelo inesperado libertador.
- Desconhecia esse pormenor e estava muito longe de supor que, nessa noite, alguém de fora me pudesse socorrer.
- Então, por que fugiu?
- Não podia fazer outra coisa! Coloque-se no meu lugar... Ninguém queria acreditar na minha boa fé, e como estava disposto a prová-la no mais curto prazo, aproveitei
a ocasião para recobrar uma liberdade que me parecia indispensável para cumprir o que desejava.
- E quais eram os seus desígnios?
- Antes de mais nada, desculpar-me, e confundir o verdadeiro culpado. Como o senhor tinha intenção de me manter preso, até nova ordem, não podia hesitar. O meu cavalo
e as minhas armas estavam preparadas, e o alarme podia ser dado dum momento para o outro, pelo que tinha de procurar pôr-me longe o mais depressa possível. Não tive
pois tempo de colher qualquer informe...
O homem dos olhos claros parou um momento, aspirando o fumo do cigarro, e o interlocutor continuava a olhá-lo insistentemente, pois ainda havia certos pormenores
que lhe pareciam pouco claros. Embora julgasse que, em tal momento, Texas Bill
tivesse de facto pressa em recobrar a liberdade, perguntou:
- E o outro? Quem era? Não calcula quem fosse? A resposta não demorou:
-. Tenho excelentes razões para pensar que o homem que me foi libertar, não era senão o ferreiro...
- Geo Lamarr?
- Pude ver o seu rosto, ao luar, quando me arrastou para o exterior.
Ralph Houston abanou a cabeça:
- Isso é impossível...
- Porquê?
- Porquê? Porque, precisamente no momento em que o seu misterioso libertador acudia a socorrê-lo, e assassinava Jud Becker tão barbaramente, Geo Lamarr estava junto
de mim...
- Tem a certeza?
- Tanto como o senhor estar agora na minha frente...
O homem dos olhos claros pareceu ficar desconcertado pela afirmação do sherife:
- No entanto, tenho a certeza de não ter sofrido qualquer alucinação. À estatura, os ombros, e o rosto do homem, eram os do ferreiro, não tenho dúvidas!
- Repito-lhe que foi vítima duma semelhança. O Lamarr estava junto de mim. De resto, se os pormenores que me acaba de referir são exatos, nós temos, a respeito das
circunstâncias perturbantes em que se deu a sua evasão, indícios que não se prestam a confusão... Becker foi assassinado nas mesmas condições de Franck Devilder,
o tenente Sark, e as outras vítimas do assassino de Dacota! 164
- O que podia impedir o Lamarr de ser o assassino?
Bem sabe que, em investigações anteriores, ele
apresentou alibis. Testemunhas numerosas e dignas de fé provaram que o Lamarr nada tinha com o miserável que apavora a região, pela simples razão de que, quando
os crimes foram praticados, ele estava sempre noutro local.
- Mas então, disse Juliana, não percebo o motivo por que o assassino libertou Texas Bill...
Catamount não pôde deixar de sorrir:
- Estou certo de que, como eu, o sherife viu o seu jogo... Fugindo, eu provava a minha culpabilidade, e o resultado não se fez esperar... Depois, a minha cabeça
foi posta a prémio. Restituído à liberdade tive de, durante muitos dias, me conservar afastado de povoações, onde me arriscava a ser reconhecido e preso.
- Talvez tivesse sido melhor voltar a Fort-Pierre ao fim dalgumas horas, disse Ralph Houston, Mais cedo se teria desfeito o engano.
- Sabe-se lá, retorquiu Catamount, com o inspetor contra mim, não poderia ter encontrado, da sua parte, tanta atenção como a que acaba de me dispensar. Foi por isso
que, depois de muitos dias de espera e de indecisão, e de ter permanecido por pouco tempo junto dos índios, nas Reservas, me resolvi a vir ter consigo, e a pôr as
cartas na mesa!
Profundamente perplexo, o sherife não respondeu, e Catamount prosseguiu:
- Neste momento, duas soluções se lhe apresentam, a mais fácil das quais consiste em me prender. Isso vai provocar profunda sensação em Fort-Pierre, 165
onde todos o louvarão mas, enquanto a minha detenção chamará a atenção geral, o verdadeiro assassino de Dacota aproveitar-se-á para se pôr em segurança, isto admitindo
que queira ficar por aí, e não cometa novo
""-No entanto, não vejo outra solução, respondeu o representante da autoridade.
- Vamos, sherife, reflita um pouco!
Ralph Houston encolheu os ombros mas o seu interlocutor, olhando-o bem de frente, disse:
-Então, sherife... Aqui para nós, não lhe parece que poderíamos fazer alguma coisa melhor?
- Oferece-me a sua colaboração?
- Exatamente.
- Não lhe parece que não é possível uma colaboração entre o sherife e um fora-da-lei?
- É claro que seremos obrigados a guardar as aparências. Por uma questão de forma, o senhor deve prender-me mas, na realidade, agiremos de perfeito acordo!
- Essa agora, retorquiu o sherife. Como e que o senhor me pode ajudar, se me vejo obrigado a encerrá-lo numa cela?
Catamount mantinha-se firme:
- Oiça-me bem, sherife. É muito importante, se quisermos atingir o nosso objetivo comum!
Juliana também estava intrigada com o inesperado rumo da conversa.
- O senhor vai prender-me, e algemar-me. Mas, em vez de me meter entre quatro paredes, ter-me-a junto a si, para as necessidades das averiguações. O facto não é
inédito. Pois eu desempenharei o papel de ser preso, com a condição formal de que, no momento
em que a minha actividade se torne indispensável para desmascarar o criminoso, me conceda liberdade de movimentos. Concorda?
- Mas isso é uma comédia, em que me obriga a tomar parte! Como quer que tenha confiança em; si, se teima em conservar o anonimato, e em ocultar as verdadeiras razões
que o trouxeram a Fort-Pierre?
- É pegar ou largar, sherife! Já disse que lhe peço a sua confiança, e repito que só terá de se felicitar por me ter dado ouvidos. Será o senhor o primeiro a rir-se
da desconfiança que manifestou para comigo.
Foi Juliana quem conseguiu vencer a resistência do sherife:
- Parece-me que fará bem em aceitar, Ralph. Senão o fizer, dará grandes possibilidades ao criminoso. Não esqueça de que me prometeu fazer todo o possível para que
o assassino de meu pai fosse castigado!
Desta feita, o homem dos olhos claros percebeu que ganhara a partida.
O sherife levantou-lhe a mão:
- O que a mulher quer, Deus o quer!
Os dois homens apertaram as mãos. Juliana olhou para o relógio, e disse:
- Atenção, os caixeiros devem estar a chegar.
- Peço-lhe que me perdoe ter-lhe perturbado o almoço menina Devilder, mas não podia agir doutra maneira.
- Se o senhor pudesse apressar a prisão e o castigo desse monstro!
A conversa ficou por ali, e Catamount estendeu os punhos a Ralph Houston:
- E agora, sherife, faça a sua obrigação. A partir deste momento, estou inteiramente ao seu dispor...
O representante pôs-lhe as algemas, e apontou para as armas que ele tinha:
- -Também sou obrigado a desarmá-lo...
- Evidentemente, mas fica assente que tudo isto me será entregue, se precisar.
- Sem dúvida.
Enquanto se desenrolava a desconcertante conversa, Huntingdon esperava o regresso de Ralph Houston. À medida que o tempo passava, o médico sentia-se cada vez mais
intrigado e mais ainda ficou, quando a porta se abriu, dando passagem ao capitão Fierce. O oficial parecia preocupado e deteve-se no limiar, como se procurasse alguém.
Por fim, viu o médico, e dirigiu-se para a sua mesa.
- Procura alguém, meu caro capitão?
- Viu o sherife ? Estava aqui há pouco, mas saiu precipitadamente
Decerto volta, pois não acabou de almoçar.
- Está bem. Esperarei por ele.
O oficial sentou-se e, voltando-se para Huntingdon, disse-lhe:
- Sabe que estou em cuidado com o inspetor? -O nosso amigo O. W. Byrnes está perto?
- Não se trata disso. Byrnes saiu de manhã cedo, e ainda não voltou, o que me parece estranho, pois ele é a pontualidade em pessoa. Embora, ao partir, me dissesse
que as investigações talvez o obrigassem a demorar-se, estou preocupado. Ontem à noite, ao regressarmos ao quartel, entregaram-lhe uma carta...
E ele não lhe disse nada a respeito dessa carta?
- Absolutamente nada... É por isso que quero falar com o sherife.
E o capitão preparava-se para relatar ao amigo o motivo por que as maneiras e o silêncio do seu velho camarada o inquietavam quando, bruscamente, se ouviram vozes
na rua...
As conversas imediatamente pararam, ao passo que alguns clientes se debruçavam das janelas.
- Que temos? perguntou o Dr. Huntingdon.
Rapidamente se espalhou a nova:
- Prenderam Texas Bill!
Capítulo XVII
PROCURANDO o DESAPARECIDO
Os curiosos saíram rapidamente do restaurante e dos "saloons" vizinhos para a rua, onde se viam numerosos grupos, especialmente junto do "General Store". Os dois
caixeiros, que para lá se dirigiam, estacionaram, espantados, ao verem o sherife que saía, acompanhado por um preso, que logo reconheceram.
O rosto de Texas Bill tornara-se familiar aos habitantes de Fort-Pierre. Muitos tinham calculado ganhar o prémio estipulado para quem o prendesse mas, agora, compreendiam
que Ralph Houston ganhara a partida. O sherife avançava, com um sorriso nos lábios, e a sua voz fez-se ouvir, dominando a vozearia:
- Deixem passar! Deixem passar!
O sherife queria levar o preso para o gabinete, mas a multidão gritava, e viam-se punhos erguidos, ameaçadores:
- Aplique-se a lei de Lynch! Morra o assassino de Dacota! Deixem-nos fazer justiça!
Nem os clamores nem a atitude hostil da populaça pareciam intimidar Catamount que, muito calmo, esperava junto do sherife que os seus homens tomassem posições, para
o proteger.
Dick Forton, cuja mão ligada lembrava a disputa com Texas Bill, Slim Hasting, Sam OGrady, e Steve Norsen, conseguiram por fim, à força de encontrões, juntar-se ao
chefe.
Ralph Houston e os seus ouviram um apelo:
- Sherife, sherife! Sou eu, Fierce!
O capitão, que saíra do restaurante arrastando o médico, tentava em vão chegar junto do sherife.
- Deixem-me passar, por favor! É urgente!
No meio duma confusão indescritível, Fierce e o médico conseguiram chegar junto do sherife.
- Coloquem-se junto da porta, e não deixem entrar ninguém, ordenou Ralph Houston a Steve Norsen e a Slim Hasting. Os grupos recuaram, e foi possível manter a ordem.
- Que confusão, disse o médico, assim que se viu são e salvo.
Mas Ralph Houston não lhe deu tempo para mais lamentações e, ao passo que Dick Forton e Sam OGrady ladeavam o preso, perguntou:
- Que me quer dizer, capitão?
Em poucas palavras, Fierce contou-lhe as preocupações que tinha a respeito da prolongada ausência de O. W. Byrnes e, quando acabou, voltou-se para Catamount que,
sempre imóvel e impassível, esperava:
- Calculo que este bandido poderá, melhor que ninguém, dizer-nos o que aconteceu ao inspetor...
O homem dos olhos claros respondeu, sorrindo:
- Não sou adivinho, capitão... Teria muito prazer em lhe dizer alguma coisa mas infelizmente, por agora, sei o mesmo que o senhor...
O capitão não pareceu muito convencido com a resposta. Por seu lado, Huntingdon contou em que circunstâncias se tinha cruzado com O. W. Byrnes, nessa manhã.
- O que me admira também, disse o oficial, é essa carta que o inspetor recebeu ontem, quando entrámos no quartel.
- E Byrnes não lhe disse nada a respeito do seu conteúdo?
Ralph Houston parecia particularmente intrigado por esse pormenor desconcertante e a sua surpresa aumentou, quando Fierce lhe explicou que Byrnes se mostrara reticente,
evitando qualquer pergunta...
-É incompreensível! Ele devia ter-lhe dito...
- Desculpe-me interrompê-lo, sherife, disse Catamount. O. W. Byrnes tem o seu amor-próprio... Se ele se mostrou tão teimoso, é porque contava revelar-lhe uma surpresa,
que lhe devia ser favorável...
O capitão voltou-se, admirado com o à vontade com que o preso dava a sua opinião, sem que o representante da autoridade o interrogasse antes, mas o homem dos olhos
claros, que não parecia embaraçado com as algemas que tinha nos punhos, prosseguiu:
- Não me admirava que o inspetor tivesse sido atraído a qualquer ratoeira...
- Como assim? Quem poderia ter essa lembrança? Catamount continuou:
- O capitão não ignora, decerto, quem o inspetor procura?
O oficial cada vez estava mais admirado com a
atitude verdadeiramente singular do pretenso Texas Bill.
- Parece-me que o senhor deve saber, melhor do que ninguém, o que faz o assassino de Dacota?
-. Se admite que eu sou o assassino de Dacota, retorquiu Catamount, sem pestanejar, concordo que tenha sérias razões para falar assim. No entanto, tenho muita pena
em lhe garantir que nada tenho de comum! com o sinistro criminoso, que tanto alarma esta região. Se quer desmascarar o culpado, tem de o procurar noutro lado!
Fez-se um silêncio absoluto, apenas quebrado pelo ruído que vinha de fora. O médico e os dois agentes também estavam perturbados, e pareciam admirados por Ralph
Houston não meter o preso na ordem. Parecia que era Texas Bill quem dirigia as investigações!
No entanto, a atitude tão serena do homem dos olhos claros, a segurança com que falava, impressionavam profundamente os quatro homens, e ninguém ainda protestara,
quando ele declarou, de novo:
- Antes de nos entregarmos a suspeitas e a suposições que só podem prejudicar a descoberta da verdade, parece-me importante fazer um inquérito junto da pessoa que,
na minha opinião, é a mais suscetível de nos esclarecer.
E, voltando-se para Ralph Houston, o homem dos olhos claros acrescentou:
- Disse-lhe já que estou certo de ter reconhecido o Geo Lamarr e, quanto mais penso nisso, mais me convenço de que foi ele quem atacou Becker pelas costas, e me
ajudou a fugir da cela vizinha deste gabinete.
E, sem que os dois guardas fizessem um movimento para o impedirem, dirigiu-se para junto da poltrona em que o guarda encarregado de o vigiar se encontrava sentado,
na outra noite, quando o misterioso libertador entrou:
- Becker estava aqui e, quando saí, estava caído no chão. Ao princípio, pensei que o meu desconcertante aliado se tivesse limitado a fazer-lhe perder os sentidos...
E, encolhendo os ombros:
- De resto, para que perder tempo com estes pormenores? Enquanto tagarelamos, o criminoso corre a bom correr...
- O senhor acredita que foi o ferreiro? De início, outros o pensaram, mas as provas apresentadas por Lamarr foram o bastante para o pôr fora de causa!
- Tanto mais, insistiu Ralph Houston, que ele estava junto de mim quando se desenrolou o novo drama.
Mas isso não impressionou o prisioneiro.
Continuo a pensar que Lamarr alguma coisa sabe. Se ele quisesse, podíamos resolver rapidamente o mistério!
- Julga-o cúmplice? perguntou Huntingdon.
- O melhor será perguntar-lho, e depressa. Tenho a certeza de que um interrogatório cerrado permitirá descobrir a verdade, e desmascarar o culpado.
E, voltando-se para junto dos dois guardas, Catamount perguntou ao sherife:
- Se mandasse um dos seus homens à forja? Que tragam aqui o Geo Lamarr. Quero ser acareado com ele.
O representante da autoridade acedeu ao pedido do preso, e deu ordem a Slim, que imediatamente se dirigiu à forja.
Fierce cada vez se sentia mais intrigado com a atitude desenvolta do preso que, naquele momento, parecia ser quem dirigia as investigações, ao passo que Ralph Houston
se apagava, para lhe deixar o lugar principal... Por fim, Slim reapareceu.
- Então? perguntou o sherife. O Lamarr?
A forja está fechada, e o Lamarr saiu de manhã cedo.
- É verdade, exclamou Ralph Houston, é verdade. Tinha-me esquecido. Parece-me que ele me disse, antes de se despedir, que tinha de se ausentar hoje, para tratar
duns assuntos urgentes.
- Assuntos urgentes? É possível, disse Catamount. Resta saber que espécie de assuntos... Confesso que sinto cada vez mais curiosidade em resolver o problema!
E, antes que os outros tivessem tempo de dizer alguma coisa, acrescentou:
- Acho estranho que Lamarr e o inspetor se tenham ausentado precisamente na mesma ocasião...
- O quê, disse o capitão, pode supor que o Lamarr...
- Não suponho nada, apenas verifico... E, voltando-se para o sherife:
- Nada mais temos a fazer, senão ir em procura de O. W. Byrnes.
- Como assim? Julga que vai?
- A presença de Texas Bill é-nos absolutamente indispensável para continuarmos as nossas investigações, interrompeu Ralph Houston, bruscamente.
O representante da autoridade não esquecia a combinação feita, pouco tempo antes, na cozinha de "General Store", na presença de Juliana, e a atitude do seu prisioneiro
não fizera senão confirmar a sua resolução.
Sentia-se abalado pelo bem fundado das afirmações do pretenso Texas Bill.
- Continuar a discutir, seria perder um tempo precioso. Vamos montar, e partir em busca do inspetor.
- Ficar-lhe-ia muito grato, se mandasse buscar o meu alazão, que ficou junto do armazém, disse Catamount.
Cinco minutos depois, o grupo reuniu-se rapidamente, constituído, além do sherife e do prisioneiro, por Dick Forton, Slim Hasting, Sam OGrady, e Steve Norsen. As
obrigações do médico retinham-no em Fort-Pierre, mas Fierce insistiu em acompanhar o pequeno grupo.
O homem dos olhos claros conservava as algemas e foi com estupefação geral que saltou para cima do
cavalo.
Todos faziam conjeturas a respeito daquela saída precipitada de Fort-Pierre, e numerosos foram os que interpelaram Ralph Houston e os seus homens, sem que obtivessem
resposta. O sherife pediu ao médico alguns esclarecimentos a respeito do sítio onde, nessa manhã, encontrara O. W. Byrnes.
- Seguiu ao longo do caminho que ladeia o Missuri, e parecia com pouca vontade de falar.
- A caminho!
Ralph Houston e Fierce iam à frente do grupo, ladeando Catamount, seguidos pelos outros.
A partida provocou alguns comentários, mas as ameaças de morte tinham cessado. Huntingdon foi cercado pelos curiosos, que tentavam obter informações, mas nada disse.
Quando os sete cavaleiros passaram defronte do "General Store", o sherife viu Juliana que, da porta, lhe acenava.
Ralph Houston correspondeu com o chapéu. A jovem ainda não estava refeita da cena a que assistira na cozinha. Também ela se deixara impressionar pela atitude de
Catamount. E, olhando para o vulto do pretenso Texas Bill, murmurou:
- Aquele homem não pode ser um assassino! Juliana voltou para a loja, cheia de clientes. Ralph Houston e o grupo galopavam, na direção que O. W. Byrnes seguira,
nessa mesma manhã.
Estava bastante calor, e não se via uma nuvem.
A certa altura, o sherife fez um sinal para pararem. Estavam precisamente no sítio onde o médico encontrara o inspetor.
- Não há dúvida, declarou o sherife, continuou para a frente.
Voltaram a galopar, olhando para a estrada, mas muitos cavaleiros tinham passado, e era impossível saber qual era exatamente a pista deixada pelo cavalo do inspetor.
O grupo continuou na mesma ordem, perante a mesma paisagem monótona, seguindo sempre ao lado do majestoso Missuri.
Cruzaram-se com três cavaleiros, mas nenhum soube dar informações a respeito dum cavaleiro com os sinais de O. W. Byrnes.
Vinte minutos depois, chegaram a Missuri Creek. O sherife parou, e fez sinal aos outros, para que o imitassem,
-Vamos ver, pode ser que tivesse parado ali.
E, ao pronunciar estas palavras, o sherife apontava para a erva, que mostrava sinais de ter sido pisada.
- Ficamos aqui com o preso? perguntou Dick Forton.
- O preso vem connosco.
O sherife não se importava de que o homem dos olhos claros participasse nas averiguações, e a sua decisão pareceu admirar o capitão. Catamount, que surpreendera
a atitude desconfiada do oficial, disse-lhe:
- Sossegue, capitão. Dei a minha palavra de honra ao sherife, e não procurarei fugir. De resto, tenho todo o interesse em que seja esclarecida toda a verdade neste
assunto, e tudo farei para isso, pode ter a certeza!
Estas palavras parecem sossegar Fierce.
- Vamos prender os cavalos e, depois desceremos até à margem, disse Ralph Houston.
O representante da autoridade apontava para a fila de salgueiros e de arbustos que se sucediam até à beira do Missuri.
Estendendo as pernas entorpecidas, os quatro agentes olhavam em volta, desconfiados quando, de repente, Fierce exclamou:
-Ali em baixo, por detrás dos salgueiros... Um cavalo!
Capítulo XVIII
A CABANA ISOLADA
Os seis homens olharam na direção apontada pelo oficial, e viram então um cavalo selado, que comia sossegadamente uns rebentos.
-É o cavalo que emprestei a O. W. Byrnes.
Não havia engano possível, pois o cavalo tinha o ferro do exército.
Ralph Houston voltou-se para Catamount:
- O inspetor deteve-se ali. Resta saber que foi feito dele, e que direção tomou.
- Se chamássemos por ele? disse Dick Forton. Talvez nos respondesse...
- Não faça isso, proibiu o sherife. Decerto não está sozinho, e poderíamos dar o alarme a outros, que tanto interesse temos em surpreender.
- O. K. disse Catamount.
Continuaram a procurar na margem, onde se viam pegadas recentes. A certa altura, Catamount, sem se embaraçar com as algemas, apanhou do chão uma ponta de cigarro,
que deu a Ralph Houston.
- É dum cigarro fumado por O. W. Byrnes, disse o capitão, que se aproximara. Não se encontra esta marca em todo o Dacota.
e vigiado pelos agentes, prontos a intervir à mais pequena tentativa de fuga...
No entanto, o falso Texas Bill pouco se importava com a atitude desconfiada dos companheiros, e reparou: eram dois sulcos paralelos, marcados no solo arenoso, assim
como em duas estacas, o que o fez soltar uma exclamação.
- Encontrou mais alguma coisa? perguntou o sherife, intrigado.
- Não há muito tempo que aqui estiveram amarradas duas embarcações, afirmou Catamount.
- Duas embarcações?
- Verifique o senhor.
Uma rápida inspeção permitiu aos sete homens verificarem que dois barcos, de fundo chato, tinham estado amarrados. No solo húmido, viam-se vestígios de passos.
- Não são pegadas deixadas pelas mesmas botas, afirmou Catamount. Tudo leva a pensar que os dois homens que estiveram aqui, não embarcaram ao mesmo tempo. O primeiro
calçava botas, dum número bastante grande. Deve tratar-se de pessoa corpulenta!
E prosseguindo as explicações, sem que os companheiros, intrigados, procurassem interrompê-lo, o homem dos olhos claros continuou:
* A segunda personagem calçava sapatos de desporto, e só veio depois do outro. Como podem ver, em mais dum sítio as suas pegadas apagam as do número 1.
Não há dúvida que são do inspetor, afirmou Fierce.
- Nessas condições, prosseguiu Catamount, talvez tenhamos de levar mais longe as nossas pesquisas. É certo que O. W. Byrnes veio até aqui... depois de ter deixado
o cavalo. Talvez tenha embarcado no barco, que ainda aqui se encontrava.
- Que iria ele procurar do outro lado do Missuri? perguntou o capitão.
- Decerto continuava o inquérito e, se embarcou, foi por ter para isso uma forte razão...
- No entanto, disse Ralph Houston, não vejo nada do lado de lá do rio.
O sherife observava atentamente as duas margens, mas a vegetação não facilitava qualquer observação. -? Não consigo distinguir nada.
- Como é que quer ver alguma coisa, com toda essa vegetação! O inspetor certamente transpôs o Missuri há bastantes horas, e deve ter guardado o barco detrás dos
arbustos.
- Mas o outro? perguntou Ralph Houston. Que andava a fazer aqui?
Catamount abanou a cabeça.
- O outro? Resta saber se tinha uma entrevista com o inspetor, ou se veio aqui para lhe preparar uma armadilha.
O capitão, mais uma vez, via que era o preso quem dirigia o inquérito. Catamount disse-lhe:
- Que pena, capitão, Byrnes não lhe ter comunicado o que a carta dizia! O problema estaria resolvido em parte. Assim, o ponto de interrogação continua.
- É inexplicável a discrição do inspetor, exclamou Fierce. Entre dois amigos como nós, podia perfeitamente...
-É evidente... Mas compreendo a atitude de O. W. Byrnes. A carta devia ser de tal importância, que ele julgou-se capaz de resolver sozinho o mistério do assassino
de Dacota. Quis pôr em cheque o sherife e todos os outros. Deus queira que tão temerária imprudência lhe não custe a vida!
- Receia isso? perguntou o capitão, preocupado.
- com um adversário da força do miserável que procuramos, tenha a certeza de que o seu amigo nada tem, a esperar, se lhe cair nas mãos! E, como já passaram muitas
horas desde que Byrnes atravessou o Missuri, para continuar o inquérito na margem oposta, temos excelentes razões para recear que lhe tenham sucedido desagradáveis
complicações.
- Então, que fazer?
- Procurar um barco, e ir ter com ele na margem de lá.
Catamount abanou a cabeça.
- Certamente não teremos dificuldade em encontrar outra embarcação, mas é preciso não esquecer que podemos ser vistos por aqueles a quem queremos surpreender,
E continuou, perante o interesse de todos:
- Na verdade, devo lembrar-lhes que o inspetor, admitindo que ainda esteja na outra margem, não deve ter ido sozinho. Outros devem lá estar, de sobreaviso, e decerto
não deixariam de dar por nós, se nos aventurássemos de barco.
Então, disse o representante da autoridade, não vejo como...
O sherife não acabou a frase. O preso perguntou-lhe: 182
- Sabe nadar?
- Decerto, respondeu Ralph Houston.
- Nessas condições, sente-se capaz de me acompanhar até à outra margem?
- Acompanhá-lo? perguntou o sherife, carrancudo. E logo Fierce objetou:
- Cuidado, sherife...
Catamount não pôde deixar de sorrir:
- Decididamente, capitão, reina a confiança! No entanto, parece esquecer o terrível perigo que neste momento corre o inspetor. É indispensável que procuremos ir
ao seu encontro e, se preciso, socorrê-lo o mais depressa possível.
O homem dos olhos claros exprimia-se com tal convicção, que o oficial não procurou voltar a interrompê-lo.
- Oiça-me bem, sherife. Vamos os dois fazer a travessia a nado, e aventurarmo-nos no meio dos arbustos da outra margem. Uma vez lá, não tardaremos em localizar exatamente
o local onde O. W. Byrnes desembarcou e, depois, seguiremos a sua pista. Saberemos então por que se afastou, e talvez mais alguma coisa! E nós, objetou Fierce, vamos
ficar aqui de braços cruzados?
- Nada disso. Os senhores vão procurar atravessar o Missuri, mas mais longe, onde não se arrisquem a ser surpreendidos por olhares indiscretos. É o tempo de descobrirem
outro barco onde se metam.
Mas Fierce ainda não parecia muito convencido: - E quando tivermos atravessado o rio?
- O sherife far-vos-á sinal, se precisar dos senhores.
Catamount apontou para o apito, que Ralph Houston trazia sempre.
- Apitarei, e irão ter connosco.
O sherife trocou ainda umas palavras com o oficial
e os adjuntos.
Então, Catamount disse-lhe:
- Espero que me tirará estas pulseiras, pois preciso de liberdade de movimentos, como calcula.
Fierce franziu a testa, mas Ralph Houston lembrou-se da promessa que fizera ao pretenso Texas Bill, na presença de Juliana.
- O. K.
E tirou do bolso uma chave, com que soltou as
algemas.
- Isto assim é melhor, disse Catamount. E, agora,
vamo-nos despir, para a travessia.
- Tenho no bolso da sela um saco de borracha, o que nos permitirá levar as armas, sem se molharem, informou o sherife.
- Entregamos-lhes os nossos fatos, capitão, disse Ralph Houston. Depois nos entregará tudo, quando nos encontrarmos na outra margem.
E Catamount não pôde deixar de dizer, ironicamente :
- Espero que o capitão fique sossegado. Neste preparo, não me é fácil fugir!
Catamount foi o primeiro a meter-se à água, logo seguido por Ralph Houston, que fixara nas costas o saco protetor, no qual metera as armas e as munições.
Quando passaram entre os arbustos, houve certo rumor, provocado pelos patos. Mas logo a calma se restabeleceu. 184
Felizmente, Catamount era um nadador de primeira ordem, o que lhe serviu para valer ao companheiro, a meio da violenta corrente.
A certa altura, o saco embaraçou os movimentos do sherife, pelo que Catamount tomou conta dele. Ambos lutaram contra a força das águas, e o sherife desesperava já
de atingir a margem oposta, quando ouviu o homem dos olhos claros dizer-lhe:
- Coragem, estamos a chegar!
Catamount agarrou-se aos arbustos e, reunindo as forças, puxou o sherife.
- Apre, disse Ralph Houston, estava a ver que não chegava cá.
- O importante é que ninguém tenha dado pela
nossa presença.
Pararam, à escuta. Em volta, tudo era silêncio. Os arbustos impediam-nos de ver além de uns metros. A certa altura, Catamount voltou-se para o companheiro:
- E agora, para a frente.
De novo começaram a avançar, lentamente, evitando qualquer ruído. Andados alguns metros, Catamount apontou para duas manchas sombrias:
- As duas embarcações...
O sherife não respondeu. Aproximaram-se.
-Veja: passos...
As pegadas destacavam-se na areia húmida, e os dois homens não tiveram dificuldade em verificar que eram iguais às que tinham observado do outro lado do Missuri.
O homem dos pés grandes afastara-se primeiro, pouco depois seguido pelo inspetor.
-Parece-me que estamos quase... disse Ralph Houston, a sorrir.
Catamount não respondeu. Tratou de tirar as armas para fora do saco. - Tratemos de pegar nas armas, pois tenho a impressão de que não tardará que precisemos delas...
O homem dos olhos claros sentiu-se mais em forma depois de ter ajustado o cinto e, assim que o companheiro fez o mesmo, fez-lhe sinal para que o seguisse, e foram
acompanhando a pista deixada pelo inspetor, nessa manhã.
O. W. Byrnes seguira a peugada da misteriosa personagem que parecia perseguir. De vez em quando, as suas pegadas apagavam as do outro.
Catamount parava de vez em quando, apurando o ouvido. A calma continuava a reinar à sua volta. Mas a dupla pista prolongava-se na sua frente e, de revólver nas mãos,
iam avançando prudentemente.
Por fim, Catamount ergueu bruscamente o braço, e fez sinal ao companheiro para parar. Vira uma cabana isolada, perto do grande rio, e da chaminé saía fumo...
Encorajados pelo silêncio, os dois homens deram mais alguns passos. A cabana via-se agora melhor, e só o fumo que saía da chaminé indicava que havia alguém no interior.
Além disso, continuavam a ver as pegadas do inspetor. Umas mais profundamente marcadas no solo húmido. Decerto O. W. Byrnes, ao aproximar-se do misterioso refúgio,
se sentira desconfiado, tal como Catamount e o companheiro. Mas a sua hesitação durara pouco, e dirigira-se abertamente para o refúgio... 186
Aqui e além, outras pegadas se viam. As do homem dos pés grandes encontravam-se com as do inspetor e, de repente, pareciam confundir-se. Vagos vestígios apareciam
no chão, como se alguém tivesse caído. Depois, apenas se viam as pegadas do desconhecido dirigindo-se para a cabana...
Hábil pesquisador de pistas, Catamount examinou-as durante certo tempo. Ralph Houston via-o prosseguir as suas investigações, e evitava proferir palavra.
O homem dos olhos claros compreendia agora que o inspetor caíra ali. As pegadas mais profundas do homem dos pés grandes, provavam-lhe que devia ter erguido o inspetor
pelos braços, para o levar para o refúgio próximo. Prosseguindo o seu avanço, de gatas, levando atrás de si o sherife, transpôs rapidamente a distância que os separava
do misterioso refúgio. À volta, continuava o silêncio, pesado, total, absoluto...
Capítulo XIX
DESPERTAR DESAGRADÁVEL
O. W. Byrnes abriu os olhos, e logo os fechou, deslumbrado pela luz do dia, que entrava a jorros pela janela. Tentou levantar-se, mas sentiu as cordas que lhe apertavam
os pulsos e os artelhos.
O inspetor não pôde reprimir um gemido, pois sentia na nuca uma dor violenta. Os ouvidos zumbiam-lhe, e parecia sentir a cabeça num turbilhão.
- Que me aconteceu? perguntou o inspetor.
Foi com dificuldade que o pobre homem pôs as ideias em ordem e, cada vez que tentava mexer-se, as cordas chamavam-no à ordem...
- Estou prisioneiro!
O. W. Byrnes olhava em volta, assustado. Viu que estava deitado numa espécie de cama de campanha. Encostados a uma parede, viu diversos utensílios de pesca e de
jardinagem, bem como espingardas ferrugentas. Cheirava a erva e a peixe.
- Não percebo nada disto! Nunca entrei aqui!
A dor na nuca era horrível. Pouco a pouco o inspetor foi recobrando a memória. Lembrou-se da pancada brutal que levara, quando se aproximava da cabana isolada, à
beira do Missuri.
Nessa ocasião tudo lhe pareceu andar à roda, depois do que perdeu
os sentidos.
Caí estupidamente numa armadilha, disse O, W.
Byrnes.
Recordava o aviso recebido na véspera, ao regressar ao quartel, na companhia do capitão Fierce, como também da sua cavalgada ao longo do Missuri, depois de ter encontrado
o Dr. Huntingdon, a passagem do rio, e o seguimento das pegadas recentes.
Agora, estava ali, condenado à mais completa impotência. E uma dúvida angustiosa surgia-lhe no espírito: Quem o atacara, pelas costas? Nas mãos de quem caíra?
- Só pode ter sido esse maldito Texas Bill...
E o inspetor imediatamente se lembrou do homem dos olhos claros que, mais do que nunca, ele suspeitava ser o sinistro assassino de Dacota. Lamentava profundamente
não ter dito nada a ninguém... Convencido de que seguia uma boa pista, preferira agir às escondidas de todos, mesmo do seu velho amigo Fierce. A sua situação tornara-se
mais delicada, e as diligências para o encontrarem seriam muito difíceis, senão impossíveis!
Além de tudo, o inspetor estava furioso, por saber que estava em poder do seu misterioso adversário.
Nada perturbava o silêncio, e apenas se ouvia o ruído do rio, lá fora. Pela janela, quase sem vidros, O. W. Byrnes via os ramos das árvores, agitados por uma brisa
ligeira.
Então o prisioneiro não resistiu mais e, endireitando-se tanto quanto lho permitiam as cordas, gritou:
- Socorro! Socorro!
Mal o inspetor acabara de assim dar sinal de vida, ouviu-se um arrastar de cadeiras, seguido de passos pesados. A porta do quarto abriu-se e, no limiar, apareceu
um vulto imponente...
-. Lamarr! exclamou O. W, Byrnes, ao reconhecer o recém-vindo. Ainda bem que aparece... Ajude-me... O miserável atacou-me pelas costas!
O prisioneiro esperava que o colosso o socorresse, mas Lamarr limitou-se a dizer-lhe, em voz abafada:
- Não vale a pena cansar-se, Byrnes! Ninguém o pode ouvir!
- Mas então, você?
O inspetor abria os olhos, espantado, ao ver que o homem se especava na sua frente, de mãos na cintura, com as mangas levantadas até acima dos cotovelos.
Para cúmulo da admiração, O. "W. Byrnes verificou uma coisa estranha: Lamarr já não tinha a âncora tatuada, no antebraço, como vira pouco tempo antes... E a voz
não parecia a mesma, era mais abafada...
Os dois homens olharam-se durante alguns momentos e, se o inspetor se mostrava surpreendido, o seu interlocutor aparentava um ar irónico, de mistura com um ódio
tenaz.
Por fim, Lamarr não resistiu, e riu-se ferozmente, ao mesmo tempo que dava grandes palmadas nas coxas.
- Mas que boa coisa! O nosso inspetor, que se julga um espertalhão, andou como uma criança!
O homenzarrão sentou-se em cima duma arca, esfregando alegremente as mãos peludas, de grandes dedos. 190
- Sim, porque a sua carreira vai acabar, prosseguiu Lamarr, cada vez mais irónico... Vai ter a explicação do enigma, e é essa a única satisfação que lhe damos, antes
de marchar para o outro mundo!
E, ao pronunciar estas palavras, o colosso levou a mão à cinta, e puxou por um punhal de lâmina larga, que mostrou ao prisioneiro:
- Veja, Byrnes, disse ele, passando a arma à altura do rosto do inspetor. Vai acontecer-lhe o mesmo que aos outros... Será aquele que se segue! Assim a sua morte
possa servir de exemplo aos insensatos que julgam poder pôr fim às proezas do insaciável assassino de Dacota!
E o seu rir parecia o dum louco. A arma tremia-lhe nas mãos, e O. W. Byrnes verificou que era a mesma que já causara tantas vítimas.
- Quantas vezes o senhor procurou isto, prosseguiu Lamarr, mostrando-lhe a arma, uma vez mais. Chegou a sua vez de a sentir... E os seus amigos bem podem quebrar
a cabeça, que não conseguirão prender-me!
com o rosto congestionado, e os olhos injetados de sangue, o colosso divertia-se em encostar a ponta do punhal ao pescoço do prisioneiro.
- Pode matar-me, que não tenho medo, murmurou o inspetor.
- Essa valentia é fingida, Byrnes, mas, no fundo, você deve sentir-se bastante assustado, tanto mais que ninguém o pode vir socorrer! Quando a sua carcaça for encontrada,
estará no mesmo estado em que estavam o Devilder e os outros... E o problema continuará insolúvel, e eu continuarei a matar, impunemente!
E o riso de louco sublinhou as suas palavras.
O. "W. Byrnes sentia a lâmina a picá-lo mas, não obstante, compreendendo que tinha na frente um louco, esforçava-se por se manter calmo. A sua convicção tornou-se
mais forte, ao ver o homem atirar a arma ao ar várias vezes, apanhando-a na mão, e
exclamando:
- É tão bom matar! É tão bom sentir correr o sangue dos outros! De resto, tenho o maior ódio aos homens! Nenhum deles está livre do meu ataque, nem mesmo os que
se gabam de me poder deitar a mão! E o homenzarrão acompanhava estas frases com gargalhadas sarcásticas, fazendo menção de atacar o prisioneiro... E o inspetor,
-esforçando-se por dominar a angústia, compreendia perfeitamente que nada de bom teria a esperar daquele implacável adversário.
No entanto, apesar da terrível ameaça que sobre ele pairava, O. W. Byrnes esforçava-se por ver claro naquela situação desconcertante, e as horríveis revelações que
o assassino acabara de lhe fazer, desorientavam-no profundamente. Na verdade, recordava-se dos alibis invocados pelo ferreiro, e que lhe tinham permitido ser facilmente
ilibado. Ainda, por ocasião de assassínio de Becker, durante a evasão do homem dos olhos claros, Geo Lamarr não tinha saído de junto de Ralph Houston, e o próprio
sherife pudera testemunhar a sinceridade do colosso. E agora, confessava tudo sem vergonha, vangloriando-se dos seus feitos!
- Você está doido! Você não podia ter assassinado... Você não é...
Vê estas mãos, Byrnes? Foram elas que assassinaram e serão ainda elas que assassinarão, 192
pois declarei guerra implacável ao género humano. E nunca ninguém saberá o segredo do assassino de Dacota! Ninguém, a não ser aquele que vai morrer!
E, inclinando-se ainda mais para o prisioneiro, Lamarr murmurou:
Antes de morreres, tu saberás tudo. Verás como
era simples, e como o Lamarr podia estar em dois sítios ao mesmo tempo!
O miserável limpou com a mão o suor que lhe escorria pela cara. Por seu turno, o prisioneiro também se sentia encharcado em suor... Compreendia que estava condenado
à morte...
- Encontrarão o teu corpo ali no rio, Byrnes, continuou o colosso, cada vez mais sarcástico e mais ameaçador. Uma punhalada entre as espáduas, e pronto... E acabaram
as aventuras dum espertalhão, que teria feito muito melhor em se ter deixado ficar em Nova Iorque, do que vir meter o nariz nos nossos assuntos...
- Acautele-se, que a justiça não tardará em lhe deitar a mão, disse-lhe o inspetor.
Lamarr soltou uma gargalhada:
- A justiça! Se tu soubesses o caso que faço da justiça! Daqui a um, ano, ainda ela andará às apalpadelas! De resto, vais perceber...
Voltando-se para a porta, e erguendo a voz, o colosso chamou:
- Geo! podes vir. Basta de conversa. O nosso Byrnes está pronto para a execução!
Ouviram-se uns passos pesados, e outro vulto apareceu no limiar da porta, e o inspetor exclamou, espantado:
- Santo Deus! Outro Lamarr!
Era de facto outro Lamarr que ali estava, de polegares metidos nas cavas do colete, e a sorrir... Trocista, cumprimentou o inspetor:
Muito prazer em o ver, respeitável inspetor
Byrnes!
Desta vez, não podia haver equívoco, e ali estava o mesmo homem que Byrnes encontrara em Fort-Pierre, e a quem interrogara na forja! Era a mesma voz. os mesmos braços
cabeludos, a mesma manga arregaçada, mostrando a âncora tatuada!
A parte este último pormenor, a semelhança entre os dois homens era simplesmente extraordinária! Eram os mesmos traços fisionómicos, a mesma expressão de feroz selvageria...
Durante alguns momentos, os dois pareceram divertir-se com o espanto que se apoderara de O. W. Byrnes. E, um ao lado do outro, pareciam ter prazer em. se exibirem...
Por fim, Geo Lamarr resolveu-se a quebrar o silêncio e, apontando para o seu vizinho, disse:
- Aqui tem o meu irmão Bud... Eu sou o Geo! À nossa semelhança explica-se facilmente: somos gémeos!
E continuou:
- Já deve ter compreendido porque me era tão fácil apresentar alibis. Mais duma vez suspeitaram de mim, mas todos em Dacota ignoravam a existência de meu irmão Bud!
E isso foi para nós precioso! Nascemos no Nebrasca, em North Platte!
- Mas, que interesse podem ter em me assassinar? perguntou o inspetor. 194
O ferreiro encolheu os ombros:
- Que interesse? Ouviu o que Bud lhe disse há pouco. Gosta de matar! Pela minha parte, adoro a atmosfera de pavor em que toda a gente vive!
E, cinicamente, acrescentou:
- Como me ri das caras de vocês, em Fort-Pierre! com que prazer os lancei numa pista falsa...
- O homem dos olhos claros?
- Exatamente! O homem dos olhos claros... Chegou mesmo na altura, e tratei de fazer que andassem atrás dele... Neste momento, o imbecil deve julgar-se em perigo,
e errar pelos bosques... E, enquanto o Ralph Houston e a sua gente andam, a procurá-lo, o senhor...
Os dois irmãos desataram a rir, ao mesmo tempo. Pareciam divertir-se imenso com a situação que ater rorizava toda uma região, e trazia a polícia alerta...
- Sabe, inspetor, o senhor começava a tornar-se um trambolho, e foi por isso que resolvemos empregar os grandes meios, e suprimi-lo, pura e simplesmente... disse
Geo Lamarr.
- E foi você quem escreveu a carta?
- Eu mesmo! Deve concordar que caiu como um patinho... De facto, eu conhecia a sua vaidade, e tinha sérias razões para julgar que viria sozinho. Vim um pouco antes,
e foi lançando-o na minha pista, que o fiz cair na armadilha que lhe tínhamos preparado. Chegou a data do vencimento da letra, e tem de
pagar
Pelo tom implacável do ferreiro, O. W. Byrnes compreendeu que não tinha a esperar piedade, quer dele quer do irmão,
- Deve confessar que tudo está muito bem combinado, disse Geo Lamarr. Enquanto o sherife perde o tempo atrás doutra caça, nós ajustaremos as contas em sossego e,
quando voltar a Fort-Pierre, poder-me-ei divertir com a atrapalhação daquela boa gente. O terror não acabou, à beira do Missuri!
Bud Lamarr acenou com a cabeça, concordando com as palavras do irmão, e limpou as unhas com a ponta do punhal, ao mesmo tempo que olhava para o prisioneiro, com
expressão cruel...
- Vai ver, inspetor, continuou o ferreiro. É mais fácil do que matar um frango!
- Vamos a isto, Geo? perguntou Bud. Agarra-lo?
- Pois claro... Não posso demorar-me muito por aqui, pois podem reparar, em Fort-Pierre... Garanti ao sherife que me ausentava durante algumas horas, por causa duns
negócios... Desta vez, seria mais difícil apresentar um alibi aceitável!
- Então, vamos a isto! Onde fazemos a coisa?
O homenzarrão passou o dedo pelo fio da arma. O inspetor sentiu que o sangue se lhe gelava nas veias... Desesperadamente, esforçou-se por desatar as cordas, mas
não o conseguiu.
- Paciência... não se enerve. Tudo corre bem, a quem sabe esperar!
- Socorro, socorro! gritou o infeliz.
- Parece-me que chegou a altura de calar o bico a este diabo! disse Bud.
Mas O. W. Byrnes debatia-se com tanta força, que caiu ao chão. Torcendo-se como uma cobra, rastejou até à porta, mas o punho pesado de Geo Lamarr poisou-lhe no ombro:
- Onde vai tão apressado, inspetor?
E, voltando-se para o irmão, que segurava o punhal com força, perguntou:
- Estás pronto, Bud?
- Segura-o bem, para eu não falhar.
O prisioneiro ainda tentou debater-se e fugir ao carcereiro, mas o outro agarrara-o com força nas mãos enormes, prendendo-lhe a cabeça de encontro ao peito, para
que o assassino o pudesse ferir entre as espáduas, como costumava fazer às outras vítimas...
Desta vez, O. "W. Byrnes viu-se perdido, sem remédio... Esperava apenas a morte quando, de repente, se ouviu uma voz enérgica:
- Mãos ao ar, os dois, senão disparo!
Surpreendidos, os dois colossos voltaram-se, deparando com um homem quase nu, com uma cartucheira em volta da cinta e que, escorrendo água, brandia dois revólveres,
que apontava aos miseráveis.
Espantado, o inspetor endireitou-se, sentindo que o amplexo do seu guarda fraquejava subitamente... Quis ver quem era o inesperado aliado que intervinha, precisamente
quando se considerava irremediavelmente perdido.
- O homem dos olhos claros, balbuciou ele, ao reconhecer Catamount que entrou no aposento, imediatamente seguido por Ralph Houston.
Capítulo XX
Os Gémeos DE NEBRÂSCA
A aparição dos dois homens foi tão súbita e tão inesperada, que os irmãos Lamarr ficaram interditos... Tudo tinham previsto, exceto aquilo...
Mas Catamount não lhes deu tempo a voltarem a si da surpresa, e de novo a sua voz se ouviu, mais incisiva e mais ameaçadora:
- Lamarr abriu a mão, e a arma caiu no chão, onde se cravou..
- É a sua vez, sherife, disse o homem dos olhos claros. Enquanto os mantenho em respeito, trate de os pôr em condições de não fazerem mal...
Ralph Houston não dissera uma palavra e, rapidamente, servindo-se das cordas que tinham prendido O. W. Byrnes, amarrou os dois miseráveis.
- Foi a Providência que os trouxe aqui!
O inspetor julgava que estava a sonhar, e olhava para aqueles que o tinham salvado duma morte horrível... Catamount não parecia preocupar-se com ele, dedicando toda
a atenção aos dois irmãos.
- É uma infâmia, disse Bud Lamarr.
- Ouvimos tudo, disse o sherife, e estamos edificados.
Os dois homens, depois de terem posto os prisioneiros em condições de não voltarem a fazer mal, apressaram-se a contar a O. W, Byrnes as condições em que tinham
conseguido chegar ali...
Uma vez chegados junto da cabana, e depois de terem seguido as pistas recentes que ali levavam, Catamount e Ralph Houston tinham-se aproximado cuidadosamente. Ao
princípio, nada perturbara o silêncio e, se não tivessem visto o fumo que saía da chaminé, teriam pensado que a cabana fora abandonada.
No entanto, a atenção dos dois foi chamada pelo ruído das vozes e da discussão. Intrigados, aproximaram-se, com os revólveres na mão, e prontos a qualquer eventualidade.
Os irmãos Lamarr, que não suspeitavam da presença daqueles adversários de envergadura, estavam a comer, na pequena cozinha ao lado do quarto onde tinham encerrado
o prisioneiro, e trocavam palavras sem importância.
Escolhidos, Catamount e o companheiro tinham esperado o momento próprio para atuar. Reconheceram a voz do ferreiro mas, do local onde se encontravam, não tinham
podido verificar a espantosa semelhança dos dois irmãos.
Os minutos iam decorrendo lentamente, e Catamount perguntava a si mesmo como iria proceder, quando o prisioneiro recobrou a consciência, e gritou por socorro. Então,
os acontecimentos precipitaram-se, e os dois, ao mesmo tempo que o inspetor, ficaram a conhecer o segredo do assassino de Dacota!
E agora, graças à audaciosa iniciativa de Catamount, sabiam da existência dos gémeos de Nebrasca,
e em que condições o sinistro assassino podia atuar, sem recear represálias!
- Bem podíamos nós quebrar a cabeça, disse Ralph Houston. Estes mariolas tinham organizado bem as coisas! Enquanto Geo se esforçava por reter a nossa atenção, e
nos desorientar, o Bud agia, prosseguindo a série implacável dos crimes!
Parece-me que já pode fazer o sinal que combinou com o capitão e os outros, disse Catamount.
Dez minutos depois, o pequeno grupo aparecia, pois conseguira descobrir outro barco para transpor o Missuri.
- Encontrámos outro cavalo, disse o oficial ao sherife que estava à porta. Deve ser o do homem dos pés grandes...
- O homem dos pés grandes está ali, e vou ter o prazer de lho apresentar, respondeu Ralph Houston.
Afastou-se e, momentos depois, todos soltavam exclamações de espanto. Reconheciam o inspetor mas ficaram especialmente espantados ao verem os dois irmãos Lamarr,
cuja extraordinária semelhança os admirava.
Catamount apontou para os dois gémeos:
- Aqui têm o assassino de Dacota!
- E, sem Texas Bill, disse O. W. Byrnes, certamente me não encontrariam vivo!
O inspetor, que antes tanta hostilidade mostrara para com o homem dos olhos claros, não o poupava agora a elogios.
- Quando me lembro que o considerava como o assassino! repetia ele.
Mas Catamount não se mostrava zangado:
- Descanse inspetor, que não lhe guardo rancor por este pequeno episódio, É claro que suspeitou de mim mas, pela minha parte, nada fiz para afastar as suas suspeitas...
E bastaria ter-lhe revelado a minha verdadeira identidade!
- A sua verdadeira identidade?
E O. W. Byrnes abriu os olhos, espantado. Mas o seu espanto aumentou, ao ouvir o homem dos olhos claros dizer-lhe:
- Não me chamo Texas Bill, e pertenço ao corpo da polícia do Texas.
Agora, não foi apenas o inspetor que ficou admirado, mas o mesmo aconteceu com Ralph Houston e os seus agentes que, boquiabertos, não cessavam de contemplar o audacioso
companheiro de aventuras.
Catamount dirigiu-se a Didk Forton, que trazia um embrulho:
- É a altura de nos vestirmos, pois vai refrescando...
- Enquanto vocês põem as algemas a estes homens, disse o sherife, vamo-nos pôr decentes.
Depois, Ralph Houston relatou ao capitão e aos seus homens as condições em que lhes fora possível efetuar a captura dos gémeos de Nebrasca. Enquanto eles conversavam,
os dois presos jaziam num canto, absolutamente impotentes pela intervenção fulminante de Catamount.
- E se comêssemos alguma coisa? lembrou Slim Hasting. Confesso que estou esfomeado...
E serviam-se das provisões que os dois irmãos tinham guardadas na cozinha. 199
Catamount e Ralph Houston também partilharam da refeição, embora o primeiro estivesse ansioso por fumar um cigarro, e o sherife desejoso de voltar para Fort-Pierre,
lembrando-se de Juliana, que o esperava, certamente preocupada com a demora. No entanto o representante da autoridade consolava-se, ao pensar que, fiel à sua promessa,
levava consigo os autores de tantos crimes, e o assassino do desventurado Franck Devilder.
No entanto, a alegria do sherife era empanada por certa amargura, pois não tinha sido ele quem praticara a dupla captura. Sem a ajuda oportuna e inesperada de Catainount,
as investigações não teriam avançado, e o inspetor teria sido vítima da sua imprudência. Todo o merecimento daquela vitória revertia para o homem dos olhos claros!
Encostado à parede, Catamount não parecia envaidecido com a sua nova façanha. Fumava silenciosamente o cigarro, olhando de vez em quando para os gémeos de Nebrasca,
que continuavam; a um canto, sucumbidos e algemados.
É claro que a tarefa fora rude, mas ele podia agora voltar para El Paso, e narrar ao chefe as condições em que um cavaleiro, chegado do longínquo Texas, conseguira
decifrar um enigma, mesmo em pleno Dacota!
Depois de comerem, Ralph Houston e Fierce quiseram interrogar sumariamente os dois presos, mas depararam com um mutismo obstinado.
Mas, que importava? O problema estava resolvido e quando, três horas depois, o grupo voltou para Fort-Pierre, foi acolhido por ovações entusiásticas.
Foi grande a surpresa ao verem que Catamount,
livre, seguia ao lado do representante da autoridade, e não foi menor quando depararam com a presença dos dois Lamarr, algemados. Houve gritos de morte, quando se
soube exatamente do papel desempenhado pelos sinistros gémeos.
O horror e a indignação atingiram o cúmulo quando os dois se resolveram finalmente a responder às perguntas que lhes foram feitas, renovando as declarações feitas
a O. W. Byrnes, quando o julgavam absolutamente à sua disposição.
Esmagados pelo golpe que os atingira quando julgavam beneficiar duma impunidade absoluta, Geo e Bud Lamarr entraram no caminho da confissão, declarando-se orgulhosos
dos crimes. Não tinham assassinado por interesse, mas apenas pelo simples prazer de matar! Ao passo que Bud tinha prazer em ver correr sangue, Geo comprazia-se em
viver naquela atmosfera de terror, que se esforçava o mais possível por agravar!
Não havia dúvida alguma de que viriam a ser condenados à morte.
Logo que os dois irmãos foram postos em segurança, vigiados por dois agentes, armados até aos dentes, Ralph Houston procurou Juliana.
- Tinha razão, minha querida, ao tomar a defesa de Texas Bill, Devo confessar-lhe que, sem a sua intervenção, teria recusado a proposta que ele me fez!
- Que pena tenho de não ter podido intervir alguns dias antes... Meu pobre pai ainda estaria vivo!
E, esforçando-se por dominar o seu desgosto, acrescentou :
- Agora, tudo para mim acabou!
- Tudo acabou? protestou Ralph Houston. Esquece que, pelo contrário, tudo vai começar?
E olhando para Juliana, que não escondia a sua emoção, insistiu:
- Agora, foi feita justiça, e os dois monstros vão pagar o pesado tributo que contraíram para com a sociedade. O meu papel neste caso, papel que não foi tão brilhante
como eu esperava, terminou. Posso pois pedir-lhe que partilhe da minha existência.
Como Juliana parecesse hesitante, perguntou:
- Recusa? Tinha no entanto a esperança de que...
- Descanse, Ralph. Aceito... E de todo o coração! O idílio continuaria muito tempo, se o capitão
Fierce não os interrompesse, dizendo-lhes:
- Imaginem que Catamount quer partir imediatamente para o Texas!
- Tão depressa! protestou Juliana, Tenho tanto que lhe agradecer...
- Está no gabinete do sherife, com o inspetor, meu caro Ralph. O inspetor, que não o podia ver, não o larga...
- Vamos depressa, disse a rapariga. Temos de o convencer a ficar mais uns dias.
Havia grande animação nas ruas, e os nomes de Catamount e dos irmãos Lamarr ouviam-se em todas as conversas. Ralph Houston tivera de abrir caminho entre as pessoas
que se aglomeravam, junto do seu serviço, aclamando Catamount, e convidando-o a beber. Mas o homem dos olhos claros não lhes dava ouvidos, e continuava a conversar
com O. W. Byrnes, fumando sem cessar.
- Que maravilhosa organização,
a da polícia do Texas, dizia o inspetor, a quem o antigo adversário acabava de contar em que circunstâncias o célebre corpo do coronel Morley vivia e operava em
El Paso, e nas fronteiras mexicanas.
- Venha comigo até lá.
- Agora não posso, mas hei-de pensar nisso, respondeu o inspetor. Seja como for, o senhor leva uma triste recordação de mim. Fui tão desastroso neste caso de assassínio...
Quando me lembro de que me deixei manobrar pelo Geo Lamarr!
- Não vale a pena falar mais nisso. São águas passadas...
- Parto amanhã para o Este, mas não esquecerei as horas sombrias que passei em Fort-Pierre, as mais tristes da minha carreira!
- Ora adeus! Depressa encontrará maneira de se distinguir num setor que lhe é familiar há muito tempo. O Far-West desola um pouco quem não está habituado..
Foi precisamente nesta altura da conversa, que Juliana, o sherife, e o capitão entraram, e a jovem dirigiu-se imediatamente a Catamount, apertando-lhe efusivamente
as mãos:
- Não sei como lhe agradecer...
- Sou eu quem tem de agradecer a confiança que depositou em mim. Sem a sua intervenção, o equívoco teria subsistido, e Deus sabe onde estaríamos ainda!
E, como ela quisesse falar, interrompeu-a: -Tudo acabou bem, é o que importa!
- Mas disseram-me que se prepara para nos deixar...
- Infelizmente, não me posso demorar muito tempo em Fort-Pierre, e tenho pena, pois criei aqui muitos e bons amigos. Mas a minha estadia no Dacota tem de acabar
e, amanhã, partirei em direção ao Sul. As minhas férias estão no fim, e tenho de pensar em coisas sérias!
Juliana e os seus amigos não o conseguiram convencer, e estavam ainda a conversar, quando se ouviu um cavalo. Era o de Mat Botwell, o agente das Reservas que, sem
se deter a responder aos curiosos, se dirigiu ao gabinete do sherife.
Ao vê-lo entrar, coberto de pó, e suor, Ralph Houston perguntou-lhe:
- Que temos, Botwell?
- Atrasei-me, mas vi-o... estava nas Reservas dos Ogallalas...
- Mas quem? Explique-se...
- O homem dos olhos claros... o assassino de Dacota! Por isso vim avisá-los...
- Muito obrigado, meu caro Botwell, respondeu Ralph Houston, esforçando-se por se conservar sério, mas tudo acabou, e já apanhámos o assassino...
Naquele momento, Catamount, que estava de costas para o visitante, voltou-se, e o agente das Reservas exclamou:
-É ele, Santo Deus! Como é que...
Ouviram-se fortes gargalhadas e o homem dos olhos claros, imperturbável, disse:
Como vê, Botwell, andei mais depressa do que o senhor, o que me permitiu chegar a Fort-Pierre algumas horas antes de si!
E tem de procurar outra ocasião para ganhar o prémio de mil dólares,
pois não era de Texas Bill que devíamos suspeitar, acrescentou o sherife.
- Entretanto, lembrou o inspetor, poderíamos ir até ao "saloon", beber pela vitória de Catamount. Tenho muito prazer em os convidar. Parece-me que é a altura!
E em Fort-Pierre, livre do pesadelo sangrento, as aclamações prolongaram-se pela noite fora, para festejar o brilhante triunfo obtido pelo homem dos olhos claros!

 

 

                                                                                                    Albert Bonneau

 

 

 

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