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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CATAMOUNT E O RANCHO MISTERIOSO / Albert Bonneau
CATAMOUNT E O RANCHO MISTERIOSO / Albert Bonneau

 

 

                                                                                                                                                

 

 

 

 

O cavaleiro caminhava sob um sol abrasador. Havia três horas que tinha partido de Menardville; agora, tendo descansado um pouco, dirigia-se para o Norte, em direcção do Colorado. À sua volta, estendia-se o Cenário monótono do "chaparral", com os seus cactos e os seus aloés. Ao longo da pista deserta, os únicos seres vivos que podia ver eram as serpentes ou lagartos verdes que se aqueciam preguiçosamente ao sol. A água era rara em toda esta região e, por vezes, o cavalo negro que o homem montava dava sinais de cansaço:
- Mais um esforço, Negro!... murmurava então o dono... Havemos de encontrá-lo... Talvez ao anoitecer...
O homem parou de falar e levantou-se bruscamente nos estribos. Tinha-lhe parecido ouvir um ruído insólito. Por seu lado, o cavalo preto abrandara a marcha, arrebitando as orelhas.
- Atenção, amigo!... Vem aí alguém!...
O gesto que acompanhou estas palavras provou que o cavaleiro não se sentia tranquilo e receava qualquer ataque; instintivamente, a mão procurou a coronha do Colt.
Efectivamente, naquelas regiões perdidas do Texas era sempre de temer um mau encontro. Os salteadores davam água pela barba aos sheriffs da região do Colorado, para a qual se dirigia ddliberadamente o solitário cavaleiro...

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Para melhor identificar o ruído que lhe despertara a atenção, o cavaleiro parou Negro e, em seguida, durante alguns instantes, imóvel na sela, esperou, com as sobrancelhas
ligeiramente franzidas. O cavalo negro também não se movia, parecendo compreender a inquietação do dono.
Ó ruído tornava-se mais certo. Pancadas regulares, acompanhadas dum ligeiro arrastar de pés, soavam cada vez mais perto. O cavaleiro, habituado a discernir o mínimo
ruído, murmurou logo:
É, com certeza, algum guerreiro E deve ter a consciência tranquila, senão não avançaria tão à vontade.
Uns trinta passos adiante, n a curva da estrada, acabavam de aparecer duas silhuetas.
Sentiu-se aliviado. As maneiras do novo personagem mostravam-se absolutamente pacíficas. Era um homem baixo e magro, de cara queimada pêlo sol, de cabelos pretos,
que parecia de origem mexicana. Trazia um cavalo à arreata, carregado de bilhas e de alcarazas, sabiamente presas umas às outras com cordas. Um chapéu muito roto
protegia-o tanto quanto possível dos raios solares. De tempos a tempos, escapava-lhe uma praga contra as nuvens de moscas que não cessavam de voar à sua volta e
de se lhe atirar à cara.
O arriero parou por sua vez. Tinha acabado de avistar o cavaleiro. Uma expressão angustiada desenhou-se-lhe no rosto. Também receava um ataque, e a aparência do
homem não era de molde a sossegá-lo. O dono de Negro vestia um fato mexicano e estava bastante bem arranjado. As suas botas e os chaparejos que lhe cobriam as pernas,
brancos de poeira, estavam rasgados em vários sítios pelos picos dos cactos; mas o cinto de armas bem
guarnecido que lhe rodeava a cintura, os dois Colts que pendiam sobre as suas ancas, a expressão dura do olhar, demonstravam que se tratava dum cavalheiro que não
se devia prender com escrúpulos.
Durante alguns instantes, os dois homens ficaram assim, frente a frente; depois, o cavaleiro fez avançar Negro, dirigindo-se deliberadamente ao arriero:
- Buenas tardes, amigo!
- Buenas tardes! respondeu o interpelado, que não se mostrava nem de longe tranquilo...
- Está imenso calor, hoje!
- Muito calor!
O arriero contentava-se em repetir as palavras que lhe dirigia o seu vizinho. Grandes gotas de suor escorriam-lhe pela cara luzidia e um ligeiro tremor agitava a
sua voz. A atitude amigável do desconhecido parecia agora sossegá-lo sensivelmente. Finalmente, decidiu-se a esboçar alguns passos em frente.
- Talvez me possas dar uma informação? perguntou o cavaleiro.
- Uma informação?
Os sobrolhos do arriero franziram-se, mas já o seu interlocutor tinha colocado Negro atravessado na estrada, tornando momentaneamente impossível a passagem. E, sem
esperar que o seu vizinho lhe fizesse mais qualquer pergunta, interrogou:
- Passaste por algum cavaleiro montado num alazão?
- Um cavaleiro montado num alazão?
- Sim. Pensa, em vez de repetires as minhas palavras como se fosses um papagaio.
Havia uma surda ameaça nestas palavras, de modo que o arriero apressou-se a responder:
- Quer falar dum tipo, vestido com uma camisa
de flanela encarnada, um lenço azul, e chaparejos de .coiro castanho?
- Exactamente! disse o cavaleiro, cujos olhos brilharam.
- Passei realmente por ele, mas há mais de três horas. Neste momento já deve estar para lá das colinas.
- Não tem importância... Alcançá-lo-ei antes do anoitecer.
O arriero teve um gesto de dúvida.
- Se ele se lembrar de acampar, sim...
- com certeza que acampará. Nesta maldita legião não se encontram asilos. Apenas existe oelibergue do ar livre.
-i Certamente, mas pela minha parte...
O homem ia entrar em explicações detalhadas, mas o cavaleiro não estava para perder tempo em conversas:
-Está bem, disse simplesmente... muito obrigado. Não te quero fazer perder mais tempo. Podes seguir viagem!
A expressão do arriero desanuviou-se. Felicitava-se por se ver livre tão facilmente. com um estalo de língua, apressou o passo ao animal e afastou-se rapidamente,
curvando a cabeça. O dono de Negro respondeu-lhe com um ligeiro piscar dum olho e, enquanto o homenzinho se afastava assobiando, tentando dominar a emoção que acabava
de experimentar, esporeou vigorosamente o seu cavalo negro.
.- Vamos! Penso que brevemente chegaremos ao fim da nossa pista, amigo! contentou-se ele em murmurar.
O animal relinchou alegremente e reatou a marcha interrompida. De novo prosseguiu a monótona cavalgada no chaparral. O sol caía ràpidamente no horizonte. Mais meia
hora e desapareceria por
trás das colinas, que mostravam as vertentes desérticas a poucas milhas.
- Certamente vai acampar ali!
Negro começou a trotar, enquanto o dono, que o mantinha com mão segura, inspeccionava atentamente os arredores, semeados de cactos e de outras plantas espinhosas.
A natureza rochosa do terreno não permitia que se descobrisse qualquer pista; no entanto, as informações que lhe tinha fornecido o ãrriero eraim suficientes. Sendo
os viajantes raros naquela região desolada, não havia a mais leve dúvida sobre a personalidade do cavaleiro do alazão.
- É ele, murmurou o dono de Negro! Não pode ser senão ele!
O cavaleiro sentia-se presa duma grande ansiedade. As recordações dum passado ainda recente vinham-lhe à memória. Recordava as circunstâncias em que tinha encontrado
aquele que tentava alcançar com tanta persistência. Deixou escapar uma surda exclamação:
- No fim de tudo, rosnou ele, não teria sido melhor acabar duma vez para sempre com esta vida miserável?...
Depois, um suspiro:
- Verónica...
As suas feições duras distenderam-se dolorosamente. Se o ãrriero, que tanto medo tivera dele, estivesse agora ali, certamente que se teria admirado da súbita mudança
que ele sofrera. Num gesto lento tirou o stetson que trazia, descobrindo uma cabeleira completamente branca, particularidade que não deixava de ser curiosa, se atendermos
a que o desconhecido não devia contar mais de 45 anos.
- Deus castigou-me cruelmente! Feriu-me no que me era mais caro. Depois... depois, foi a derrocada...
O cavaleiro revivia os acontecimentos que recentemente
se tinham desenrolado do outro lado da fronteira, em Tamaulipas, e que se podiam contar entre os mais terríveis da sua existência. Havia sido necessário que tivesse
a alma forjada como aço, para poder resistir a todos os golpes do destino. Um vinco amargo desenhou-se-lhe no rosto, quando evocou o passado, que no entanto ainda
não se podia considerar longínquo. Quantas pessoas ainda tremeriam, ouvindo pronunciar o nome de El Gringo!
Durante anos, tinha-se desenrolado a cadeia das suas aventuras. El Gringo, cujo verdadeiro nome era Nick Merrey, sentia hoje em dia fundos remorsos. Quanto não daria
ele para poder recuar vinte anos na sua vida. Talvez o destino não tivesse sido tão cruel para com ele. Talvez Verónica ainda fosse viva. Verónica, essa filha que
ele adorava, morrendo em tão trágicas circunstâncias nos braços desse Catalmount que ele procurava encontrar agora e que tinha casado in extremis com ela... (1).
Catamount!... Muitas vezes, a lembrança do famoso ranger tinha perseguido El Gringo. Durante o período de ruínas, durante o desabar de tudo, quantas vezes havia
evocado a sua enérgica silhueta. Depois, um belo dia, tendo vendido o rancho Las Delícias e tendo entregue tudo o que restava da sua fortuna a várias obras de caridade,
Nick Merrey tinha franqueado a fronteira, escapando ainda uma vez aos rurales do seu velho adversário, o capitão Sandor, que finalmente o julgava à sua mercê.
- Devo fazer o mesmo que ele! Resgatar o passado! Pôr-me ao serviço do bem.
O dono de Negro era presa de dois sentimentos
(1) Vide "As Núpcias de Catamount" desta colecção.
contraditórios. À vontade de acabar com tudo, opunha-se nele o desejo de começar uma vida nova e de servir essa mesma lei que em tempos tão criminosamente tinha
combatido. Era esse o único processo de expiar as suas faltas. E, por uma ironia do destino, era a ideia da morte que sustinha o antigo bandido na sua resolução
e que o incitava a viver, para se reabilitar. Mais de vinte vezes estivera prestes a estoirar os miolos, mais de vinte vezes o fantasma de Verónica se erguera na
sua frente, e uma força misteriosa o impedira de levar a efeito esse gesto desesperado, incitando-o a lançar-se à procura de Catamount.
Havia um mês que Nick Merrey tinha vadeado o Rio Grande, e no entanto ainda não havia conseguido encontrar o homem dos olhos claros. Sem se importar com o risco
que corria, pois os seus sinais tinham sido dados há muito tempo, perguntara por Catamount em todos os postos da fronteira. De Rio Grande, tinham-no mandado a Laredo,
onde o major Moríey se encontrava de momento. Nessa cidade, tinham-lhe dito que Catamount se encontrava em missão para a região do Colorado. Então, sem qualquer
hesitação, Nick Merrey partiu em busca do seu antigo companheiro de aventuras. Vivendo ao acaso dos caminhos, indiferente ao calor, à sede, e por vezes à fome, tinha
procurado encontrar a pista do homem dos olhos claros, pedindo informações aqui e ali, junto dos cavaleiros ou dos viajantes que encontrava.
As informações que o arriero lhe acabava de dar não podiam deixar a mais leve dúvida. O encontro que o aventureiro desejava, e ao mesmo, tempo temia, estava iminente.
Enquanto avançava, indiferente à paisagem que o cercava, Nick Merrey sentia-se de novo assaltado pela indecisão que o obcecava há algumas semanas...
- Eu não sou Catamount, suspirou ele, enquanto Negro prosseguia a sua marcha regular. Tipos daquela têmpera são raros. E seria uma loucura acreditar...
Uma vez ainda, o cavaleiro interrompeu o seu monólogo. Os seus olhos acabavam de se fixar em qualquer coisa. Um grunhido escapou-lhe e, com um gesto brusco, parou
o cavalo.
-- Um cigarro...
Era efectivamente uma ponta de cigarro que acabava de descobrir e, saltando rapidamente da sela, apanhou-a e examinou-a cuidadosamente. Sabendo que Catamount fumava
cigarros, esta descoberta encorajou-o a prosseguir a sua cavalgada, esquecendo as ideias pessimistas que constantemente o atormentavam.
- Adelante! gritou ele, saltando agilmente na sela.
O sol desaparecia por trás dos cumes dos montes, incendiando com os seus raios vermelhos os arredores. Um silêncio impressionante abatia-se sobre o deserto.
Nick Merrey conhecia os caprichos da temperatura daquelas regiões perdidas do Texas. Sabia que faria um frio tremendo durante a noite, mas continuou a esporear o
cavalo. Calculava que o ranger acampasse à beira do caminho, e esperava encontrá-lo dentro de pouco tempo.
-! Mais um esforço, amigo.
Negro continuava a trotar briosamente. No céu, começavam a brilhar as estrelas. A noite anunciava-se clara, sem a mais leve nuvem. Pouco a pouco foi escurecendo,
até que a noite ficou cerrada. O cavaleiro teve que aguentar a sua montada, diminuindo-lhe o passo, para não se arriscar a ir esbarrar com qualquer dos arbustos
espinhosos que ladeavam o estreito caminho.
Durante quanto tempo continuou assim a sua cavalgada? Nem ele mesmo deu conta disso, não tendo noção dos minutos que iam decorrendo.
Subitamente, deixou fugir uma exclamação. A pequena distância, acabava de avistar uma luz.
- Deus seja louvado! Está ali.
Um instinto secreto fazia compreender a Nick Merrey que se aproximava do fim em vista.
O fogo que via estava a arder a cerca duma milha do local onde se encontrava. Sem se incomodar com os espinhos dos cactos, que lhe arranhavam os chaparejos e feriam
a pele da montada, o cavaleiro continuou a aproximar-se. O ponto brilhante que tinha atraído a sua atenção aumentava a olhos vistos. Depressa, os seus olhos, habituados
à escuridão, avistaram a silhueta dum cavalo.
- Mesquita! murmurou Nick Merrey. Catamount não devia estar longe. Nick Merrey
sabia com que cuidado o homem dos olhos claros tratava o seu companheiro de quatro patas. Sem dúvida, ele estaria perto do fogo.
- Mais depressa!... Mais depressa, amigo...
O cavaleiro já não podia conter a sua impaciência. Ainda não tinha chegado a cem passos do fogo, quando uma voz vibrante se fez ouvir:
- Quem vem lá ?
O rosto de Nick Merrey desanuviou-se. Tinha reconhecido imediatamente aquela voz. Sem hesitar, gritou:
- Jaguar Bill!
Passaram alguns segundos. O cavaleiro, que continuava a aproximar-se, avistou a silhueta dum homem parado junto dum cacto. Imóvel, o homem segurava um revólver na
mão, mas, como a lua nascente lhe desse em cheio no rosto, Nick Merrey identificou-o imediatamente. Era Catamount, sem
dúvida, quem ali esperava, e o seu rosto tinha-se descontraído ao ouvir o nome de Jaguar Bill.
Rapidamente, tornou a enfiar o revólver no coldre e, como o recém-chegado desmontasse, estendeu-lhe a mão:
- Sê bem-vindo, Jaguar Bill. Não te esperava
num sítio destes.
- E, no entanto, é certo que me tinhas dito que no dia em que me decidisse...
O ranger interrompeu o interlocutor.
- Sinto-me feliz por teres respondido ao meu apelo, my boy... Tinha a certeza de que mais tarde ou mais cedo virias ter comigo.
Catamount fixou o interlocutor com amizade, e depois, indicando a fogueira perto da qual estava estendido quando sentira a aproximação do cavaleiro, disse:
- Deves estar cansado... Descansa um pouco. Tenho provisões nos alforjes da sela. Enquanto comeres, contar-me-ás o que se passou desde a última vez que nos vimos.
II
Jaguar Bill
Nick Merrey foi prender Negro perto de Mesquita, e dois minutos depois sentava-se perto do ranger, que revistava os alforjes, retirando algumas provisões.
- Vai comendo isto, disse ele simplesmente. Sempre te permitirá esperar pela próxima paragem.
À claridade da fogueira, Nick Merrey começou a comer. Desde manhã que não comia nada, de
modo que se sentia esfomeado. Imóvel, Catamount ia-o observando atentamente. Vendo a sua magreza, as rugas profundas que lhe Vincavam o rosto e, principalmente,
os seus cabelos brancos, compreendeu a mudança que se tinha operado no seu antigo companheiro de aventuras.
Desgostos e provações de todos os géneros, nem um tinha sido poupado ao aventureiro.
- Há já algum tempo que te esperava, Jaguar Bill, disse por fim o homem dos olhos claros.
E, como Nick Merrey parasse de comer, um pouco surpreendido, Catamount precisou:
- Fica entendido entre nós que Nick Merrey e El Gringo morreram. A partir desta noite, é outro homem que tenho diante de mim.
- Tens razão. Não devemos falar mais do passado. Será melhor.
O aventureiro tinha respondido com uma voz surda, e, no entanto, mais do que nunca o passado lhe vinha à memória. À presença do ranger lembrava-lhe a tragédia que
se tinha desenrolado na mesa, quando Verónica havia caído, vitimada pela bala de Jim Killer. Revia a cena e os seus principais actores: o padre João, que segundo
a vontade da moribunda tinha abençoado o seu casamento in extremis com Catamount.
- Apesar disso, sinto bem que nunca a poderei esquecer.
- Quem te fala em esquecer! Pelo contrário, deve ser ela quem, a partir de agora, dirigirá a tua vida. Quando a dúvida te assaltar, dirás a ti mesmo que é por causa
dela que te deves reabilitar. E garanto-te que te hás-de sentir mais forte, mais bem armado para triunfar das provações e dos perigos.
- Agora sou um pária, objectou o aventureiro. Desde que te procuro nos territórios do Texas, reparei que me encaravam com desconfiança. Nos
vários postos de rangers, onde fui pedir informações sobre Catamount, surpreendi perfeitamente os olhares desconfiados que me dirigiam. Sem dúvida nenhuma, a minha
fisionomia acordava neles algumas reminiscências. E mesmo, por duas vezes, julguei que ia ser preso.
,- Só o facto de me teres conseguido encontrar prova que a Providência te quer ajudar. Agora, não tens mais a temer. Chamas-te Jaguar Bill. Eu sirvo de abonador
da tua boa fé e da tua identidade.
No entanto, Catamount sentia curiosidade em conhecer as aventuras do seu antigo companheiro. Deste modo, uma vez terminada a frugal refeição, Nick Morrey apressou-se
a descrever-lhe como se tinha desembaraçado do rancho Las Delícias.
- Não podia viver ali, disse ele surdamente. Em toda a parte via recordações dela. E, depois, era sempre de contar com uma indiscrição... Killer e os outros tinham
morrido ou andavam dispersos, mas o seu desaparecimento não podia apagar o
passado.
E o aventureiro contou como, depois de ter deixado uma grande parte da sua fortuna ao padre João para ser distribuída pelos pobres, apenas conservara Negro e os
seus arreios e, depois, deliberadamente, se afastara de Tamaulipas.
- Tinhas-me dito que viesse ter contigo, se me decidisse a tomar outro rumo, e que me apresentasse sob o nome de Jaguar Bill. Vim! Podes crer que não foi sem hesitações.
Quantas vezes eu não pensei em acabar com esta vida de misérias.
Catamount abanou lentamente a cabeça. Evidentemente, compreendia a luta terrível que aquele homem tinha travado consigo mesmo. Em tempos, no decorrer da sua movimentada
juventude, havia conhecido as mesmas incertezas. Depois, a reacção
e a redenção tinham vindo, e agora, que ele via caído perto dele aquele cujo simples nome fizera tremer tanta gente, estava decidido a fazer tudo o que pudesse para
transformar o antigo bandido num homem de bem.
- Tudo isso já passou, declarou ele poisando a mão no ombro do seu vizinho. Pensemos no dia de amanhã. E já que estás aqui, já que devemos combater novamente lado
a lado, convém que te ponha ao corrente da situação... Ouves, Jaguar Bill?
O aventureiro, que segurava a cabeça nas mãos, endireitou-se e o ranger pôde então prosseguir:
- Quando perguntaste por mim nos diferentes postos da fronteira, que te responderam?
- Disseram-me que tinhas partido em missão de serviço, respondeu Jaguar Bill.
- É exacto. E neste momento em que me encontras, ainda estou longe de ter resolvido o delicado problema de que me encarregou o meu chefe, o major Morley. Ouve!
Não estarás a mais, e creio que me poderás ajudar eficazmente.
Durante uns momentos, os dois homens permaneceram em silêncio. Estendendo a mão, Catamount pegou num molho de lenha, E então precisou:
- Há perto de sete meses que se produz uma série de roubos de gado na região de Éden. Conheces Éden?
- Não conheço, mas sei que essa cidade fica a cerca de quarenta milhas do sítio em que estamos agora.
- All right. É um mercado importante. E as regiões do Colorado que a rodeiam são particularmente propícias para a criação de gado.
- Sem dúvida, disse Jaguar Bill. Mas os casos de roubos de gado interessam mais aos detectives da Catimens Association que aos rangers.
 Espera um pouco. É que não se dá apenas o caso do roubo de animais. Houve vários assassínios.
-- Assassínios?
.- Ou, antes, mortes misteriosas. Um contramestre e vários cow-punchers morreram uns a seguir aos outros. Para mais, vários cavaleiros apareceram abatidos na estrada.
E chegou-se à conclusão de que todas as vítimas faziam parte do mesmo rancho: o Trez Lírios, que está situado a vinte milhas de Éden e pertence a Richard Silander.
- Richard Silander, observou o aventureiro. Uma grande fortuna. Fála-se muito nele do outro lado da fronteira. Os seus animais são célebres em todos os mercados.
By Jove. Certamente não vão supor que ele...
- Que Silander seja o autor dos crimes? Evidentemente que não, exclamou Catamount. No entanto, todos os inquéritos que fiz e que me levaram a muitas regiões do Texas,
obrigam-me a pensar que será no Trez Lírios que descobrirei a solução da charada.
- De modo que te diriges agora para lá?
- Precisamente. Silander pôs vários anúncios pedindo pessoal. Desde que vários dos seus cow-punchers sucumbiram, os amadores começam a tornar-se raros. Alguns dizem
mesmo que há uma praga sobre o rancho, e ninguém está disposto a lutar contra a má sorte.
- Compreendo, respondeu Jaguar Bill. É por isso que queres ser contratado...
- É o único processo de entrar na praça sem despertar suspeitas. E, sem dúvida, haverá também trabalho para ti.
- Jaguar Bill está à tua inteira disposição!... Pela primeira vez desde que se tinham encontrado, um relâmpago de alegria iluminou o olhar
do aventureiro. Catamount, que o olhava de revés, pôde perceber o interesse que ele sentia pela sua proposta.
- Estou decidido a ir até ao fim, disse o pai de Verónica. A vida não tem qualquer interesse para mim.
- Não te peço tanto, cortou o homem dos olhos claros. Mas penso que nós dois havemos de fazer um bom trabalho.
- Como dantes!...
- Como dantes, sim! Mas combatendo por uma causa diferente.
- Evidentemente.
Caíram de novo em silêncio. Catamount encarava a modificação que a entrada em cena do seu antigo companheiro de aventuras trazia à situação. Esperava um dia ou outro
ver aparecer Nick Merrey, e também poder arranjar-lhe uma ocasião de se distinguir, reabilitando-se. Quantos dos rangers do Texas não tinham um passado bastante
obscuro? O homem dos olhos claros queria aparecer ao major Morley com o novo recruta, uma vez realizado um novo feito. Não podia encontrar melhor ocasião para isso
do que o inquérito no Trez Lírios. Tinham sido oferecidas numerosas recompensas a quem conseguisse resolver o tenebroso enigma. Sem saber que mais haviam de fazer,
as autoridades tinham solicitado a intervenção do major Morley e dos seus rangers.
- Penso chegar ao rancho amanhã à tarde, declarou Catamount. No entanto, não te quero esconder que a tarefa que nos espera vai ser rude!
- Não será com certeza suficientemente dura para me fazer recuar, protestou o aventureiro.
- Estou certo disso! No entanto, devemos proceder com método. Antes de mais nada, acho da maior necessidade descansarmos um bocado. Há
muito tempo que cavalgas. Por isso, não daremos mais à língua. Cada um de nós vai-se embrulhar num cobertor... e seguir para o reino dos sonhos. Amanhã, à alvorada,
estaremos prontos a partir.
O aventureiro não insistiu. Compreendeu que Catamount nada mais lhe diria naquela noite. De resto, sentia-se extenuado pelo esforço despendido. Alguns minutos mais
tarde, os dois homens, enrolados nos seus cobertores, tentavam adormecer.
O ranger foi o primeiro a pegar no sono. Jaguar Bill, durante um certo tempo, ainda lutou com uma semi-inconsciência. Uma vez mais, os fantasmas do passado vinham-no
cercar. Repetiu a si próprio o juramento de acabar com Nick Merrey e El Gringo. Apenas ficaria Jaguar Bill, o companheiro de Catamount...
A pouco e pouco, os pensamentos do aventureiro foram-se apagando. Por sua vez, adormeceu, num sono pouco tranquilo.
-Vamos... A pé, preguiçoso.
com um safanão rude, o ranger acordou o seu companheiro. Ainda mal desperto, o aventureiro esfregou os olhos.
- Daqui a um quarto de hora partimos para o Trez Lírios.
- Ah! sim, o Trez Lírios, balbuciou Jaguar Bill, espantando o resto de sono.
- É lembra-te de que não podemos agora pensar em mais nada senão na nossa missão.
- Não o esquecerei, podes estar certo. Palavra de Jaguar Bill.
- Ora ainda bem. Já estás perfeitamente integrado na tua nova personalidade.
Os dois homens trocaram um vigoroso aperto de mão. Catamount sentia-se feliz por ver o companheiro mais resoluto que na Véspera. Perto dali, Mesquita e Negro bebiam
num córrego. Os dois animais pareciam esplendidamente dispostos, depois da noite de repouso que tinham tido.
Uma chaleira começava a chiar em cima da fogueira, e um agradável cheiro a café espalhava-se na atmosfera. Acocorados lado a lado, os dois companheiros comeram umas
fatias de carne seca e um pedaço de pão de milho.
- É tudo o que resta na minha despensa, disse o homem dos olhos claros. Mas podemos arranjar mais mantimentos em Éden, antes de nos dirigirmos ao Trez Lírios. E
a região em que vamos entrar é, certamente, mais hospitaleira do que este maldito chaparral.
Pouco tempo depois, os dois homens cavalgavam lado a lado, enquanto o sol, que subia no horizonte, começava a prodigalizar os seus raios ardentes. Algumas nuvens,
destacando-se do azul monótono, ameaçavam uma alteração do tempo.
- Penso que um pouco de chuva seria acolhido pelos criadores como uma bênção do céu, declarou o ranger. As pastagens devem estar completamente secas pelo calor que
tem feito.
- Fala-me antes do Trez Lírios.
Jaguar Bill continuava profundamente intrigado pelos poucos pormenores que o amigo lhe tinha fornecido no princípio da noite, de maneira que Catamount apressou-se
em esclarecê-lo:
- Tens razão. Queres conhecer o local onde vamos operar. É um dos ranchos mais ricos do Texas. Estima-se em vinte mil o número de cabeças de gado que Richard Silander
possui.
- Sei tudo isso. Mas como se deram os assassínios?...
Uma vez ainda, o ranger interrompeu o companheiro.
- Saberás isso lá, Jaguar Bill. Por agora, como
em todos os dramas que se prezam, convém apresentar os personagens que vamos encontrar.
Calmamente, Catamount enumerou o nome dos principais habitantes do rancho, indicando a sua idade e as suas ocupações.
- Comecemos por falar, disse ele, de Richard Silander: sessenta-e-nove anos muito bem conservados... Boa situação na terra, com uma influência notável nos meios
políticos. Casou há cerca de quarenta anos com Mary Corbin, que morreu há quinze. Deste casamento teve dois filhos: Fred Silander, que agora tem vinte-e-cinco anos
e uma solida reputação de cabeça no ar, e Kate Silander, de vinte-e-um, que segundo dizem é uma autêntica Maria-rapaz.
Catamount parecia muito bem informado acerca da família Silander, e o aventureiro pôde ver que ele tinha estudado cuidadosamente o problema antes de se dirigir para
a região de Éden.
-E o pessoal? perguntou Jaguar Bill.
- Antes de falar no pessoal, recomeçou o ranger, convém precisar um pormenor. É que Richard Silander está perdido de amores...
- Apaixonado?... com a idade dele?...
- O coração não tem idade. Uma viúva encantadora passou na vida do tanchman... E meteu-se na cabeça daquele maluco a ideia de casar com ela. Se esse casamento já
se tiver realizado, não fico espantado.
E, como Jaguar Bill não acrescentasse palavra, disse:
- A bela chama-se Flora Clarens.
- Flora Clarens... By jove, parece-me que já ouvi esse nome.
Jaguar Bill franziu os sobrolhos, como se rebuscasse a memória. Mas Catamount elucidou-o imediatamente.
- Penso que não desconheces a fama da Rainha do lasso.
- Ora aí está. A Rainha do lasso. Aqui há dois anos falava-se imenso dela no México mas, de súbito, desapareceu completamente. Dizia-se que tinha partido para qualquer
cidade no leste, e que trabalhava num circo.
- Sem dúvida, a vida do circo não tinha encantos para ela, pois fez a sua aparição nesta região e, desde então, o velho Silander não tem um minuto de descanso.
- Já viste essa sereia, Catamount?
O ranger sacudiu lentamente a cabeça.
- Sim, uma vez em Santo António, durante um "rodeo". Não fixei precisamente a sua fisionomia, mas lembro-me de que deu provas duma coragem e duma habilidade que
me impressionaram. Sabe servir-se dum lasso como poucos profissionais. É por isso que a perspectiva de a tornar a reencontrar não me desagrada, antes pelo contrário.
- E ela? Conhece-te?
- Não me parece. Enquanto ela tomava parte no "rodeo", eu estava entre uma multidão de milhares de espectadores. Mas não tenho dúvida de que, num futuro próximo,
vamos ter ocasião de nos ver de muito mais perto.
E, como o companheiro lhe ia a fazer mais perguntas, o ranger declarou:
- Aguardemos uma ocasião melhor para aventurarmos hipóteses. De momento, apenas nos temos que preocupar com uma coisa. Sermos admitidos entre o pessoal do Trez Lírios.
Jaguar Bill teve pois que se contentar com as poucas explicações do companheiro, e a cavalgada prosseguiu num silêncio quase absoluto.
Os dois cavaleiros tinham ultrapassado a região desértica do chaparral. Abandonando o caminho
estreito que seguiam, meteram por uma estrada larga e bem conservada que se dirigia para Éden. A paisagem tinha-se modificado sensivelmente. Em vez de cactos e areia,
pastagens cuidadosamente irrigadas, separadas por arames farpados e cancelas de madeira pintada, estendiam-se a perder de vista.
A medida que se aproximavam de Éden, o número de transeuntes ia aumentando. Um cheiro pesado enchia a atmosfera. Um cheiro a estábulo e a gado, bem familiares a
Catamount e ao aventureiro, desde sempre habituados à vida dos ranchos.
Os dois cavaleiros estavam a umas cinco milhas da cidade quando pararam subitamente. A pouca distância, ouviam-se tiros que, de momento a momento, se tornavam mais numerosos.
- Tiros! Há batalha ali adiante! resmungou o homem dos olhos claros.
Profundamente intrigado, Catamount e Jaguar Bill lançaram-se a todo o galope sobre a estrada poeirenta.
III
Uma festa de casamento
Quando o ranger e o companheiro chegaram à primeira curva de estrada, avistaram um numeroso grupo de cavaleiros que se aproximava a passo. Imediatamente, embora
o tiroteio não tivesse diminuído de intensidade, repararam que não se tratava dum combate, mas duma cavalgada de certo modo pitoresca. Os recém-chegados, que vestiam
como cowpunchers, faziam uma gritaria ensurdecedora, ao mesmo tempo que descarregavam os seus
colts. Enquanto uns faziam empinar os seus cavalos, os outros agitavam os largos chapéus, atirando-os ao ar, e tornando a apanhá-los com uma destreza desconcertante.
Sossegados, Catamount e Jaguar Bill pararam as suas montadas e encostaram-se ao lado direito da estrada para deixar passar o barulhento cortejo.
- É um casamento, disse então o ranger, debruçando-se para o companheiro.
- Um casamento? perguntou Jaguar Bill, divertido.
- E parece-me que já vi a recém-casada, acrescentou Catamount. Falávamos dela ainda há bem pouco...
Enquanto pronunciava estas palavras, o homem dos olhos claros apontou o grupo que se aproximava, e o aventureiro notou uma mulher, duma beleza radiosa, que cavalgava
sorridente ao lado dum homem forte e bem constituído, mas de avançada idade. Perante os gritos de entusiasmo que a escolta lhes prodigalizava, Catamount e o seu
vizinho não tiveram dificuldade em compreender que se tratava dos recém-casados.
- Que eu seja ceguinho, se aquela não é a Rainha do lasso. By Jove! Chegámos mesmo na altura. Aqui está o fim do romance que já há muito se tinha desenhado.
Novos clamores vieram interromper este rápido diálogo.
- Hurra! por Richard Silander, Hurra! pela linda noiva!
- Felicidades para os noivos!
Estes gritos eram constantemente acompanhados de tiros para o ar. Os lenços e as camisas de seda brilhavam no meio do grupo, numa gama, completa de cores disparatadas.
Os botões de cobre que
enfeitavam os stetsons brilhavam ao sol. Os cavalos enervavam-se com aquele burburinho.
Durante uns momentos, Catamount e o companheiro permaneceram imóveis, olhando os heróis da festa. Sentiam-se impressionados pela beleza de Flora Clarens. As recordações
do ranger precisavam-se. Não se enganara. Aquela mulher era efectivamente a Rainha do lasso. Vestia um fato de homem, riquíssimo, e montava um alazão magnífico,
cujos flancos feria nervosamente com esporas de rosetas de oiro. Uma rosa branca ao peito era a única nota feminina do seu vestuário. Mas o que retinha principalmente
a atenção de Catamount eram os magníficos olhos da rapariga.
Flora Clarens já não estava na primeira infância. Aproximava-se francamente dos quarenta. No entanto, parecia que os anos não tinham passado por ela. De estatura
mediana e traços harmoniosos, a tez morena e os cabelos negros davam-lhe um tipo que traía a sua origem mexicana.
- Ali está uma mulher que deve adorar a vida e o movimento, pensou Catamount.
Junto da amazona, Richard Silander fazia uma triste figura, curvado pela idade. De cada lado da boca, caía-lhe o bigode embranquecido, e, sob as sobrancelhas despenteadas,
os olhos pareciam sem vida. No rosto queimado, avultavam profundas rugas e o ranchman dissimulava a calvície sob o stetson enfeitado de moedas de oiro. Todo vestido
de preto, parecia incomodado pela camisa de goma que julgara dever vestir para a cerimónia, e que se mostrava já muito amarrotada por debaixo do casaco. No entanto,
a sua satisfação era visível, e fazia os possíveis por se endireitar na sela, dirigindo de tempos a tempos um olhar furtivo na direcção da mulher.
Richard Silander não se incomodava com o burburinho
que redobrava à sua volta, tumulto alimentado pelos cowpunchers do Trez Lírios e dos ranchos circunvizinhos. Os criadores de toda a região, também ali se encontravam,
assim como Bill Neal, o sheriff de Éden, e iSlim Gordon, o Marshall. Mas Silander nem os via. Apenas pensava na breve cerimónia que se desenrolara na igreja de Éden,
durante a qual o pastor o tinha unido à bela viúva.
O rico criador acabava de realizar os seus desejos. Há alguns meses, apaixonara-se perdidamente por Flora Clarens. Tinham-se conhecido em casa dum amigo de Richard
e, a partir de então, aquele homem, que desde que enviuvara não pensava senão no seu gado, começara a dedicar à viúva extraordinárias amabilidades: ramos de flores,
presentes de toda a espécie, tudo ele oferecia a Flora. Efectivamente, Richard sabia que havia numerosos pretendentes à mão da Rainha do lasso. A idade era uma grande
desvantagem contra ele, mas o desejo de se tornar proprietária do Trez Lírios tinha influído tanto no ânimo de Flora que ela tinha-o preferido a todos os outros
pretendentes. Durante uns meses, fingiu-se indiferente às declarações cada vez mais ardentes de Richard Silander, mas, finalmente, pronunciou o "sim" que o ranchman
esperava tão ardentemente.
E eis por que o casamento se acabava de celebrar em Éden, com todo o pitoresco que é de uso entre os cow-boys.
Havia algumas sombras na felicidade de Richard Silander. Os seus dois filhos, Fred e Kate Silander, tinham-se abatido de assistir à cerimónia. Desde que o pai se
apaixonara pela viúva, os dois jovens mostravam para com ela, que consideravam uma intrusa, uma desconfiança que não se davam ao trabalho de esconder. Fiéis à recordação
de sua mãe, não compreendiam a alegria com que o velho
queria reconstruir o seu lar, desposando uma mulher trinta anos mais nova do que ele. Tinha havido uma série de discussões a esse respeito, mas em vão Kate e Fred
tentaram convencer o velho ranchman. Richard Silander era daqueles teimosos que se obstinam no seu erro, tenha este embora de se lhe tornar fatal.
O casamento tinha-se pois realizado... Os dois irmãos ficaram ambos no rancho. E outro pormenor a que Richard Silander não havia dado atenção: Flora Clarens era
a única mulher do grupo. As mulheres dos outros ranchman tinham-se abstido de comparecer no templo e de entrar no cortejo, manifestando abertamente a sua hostilidade
à Rainha do lasso.
É claro que tinham repetido frequentemente a Richard Silander reflexões pouco convidativas acerca da viúva, mas o velho contentara-se em encolher os ombros. Cada
vez se sentia mais convencido de que a gentil viuvinha era vítima de invejas, e de que as mulheres dos amigos faziam muito mal em prestar atenção às fábulas tão
grotescas como absurdas que as más-línguas teimavam em espalhar.
Desde então, como todo o bom apaixonado que se preza, o criador meteu-se pelo caminho dos "olhos fechados", conservando uma confiança cega no futuro, orgulhoso de
se ter tornado esposo duma criatura tão célebre como bonita, e de a ter conquistado a rivais muito mais novos do que ele. Pouco lhe importava o resto. Quanto à hostilidade
dos filhos, não desesperava de a desarmar depressa, tomando as necessárias medidas contra os dois rebeldes.
- Ali está um que há-de ser levado pelo beicinho! murmurou Jaguar Bill, inclinando-se para o companheiro.
Catamount contentou-se em abanar a cabeça. Os gritos e as ovações dos cow-boys, que prosseguiam sem descanso, não o enganavam. Aquela agitação fictícia, aquele ardor,
não chegavam para disfarçar a troça que rodeava a cerimónia, e não era difícil surpreender os olhares irónicos que entre si trocavam muitos dos cavaleiros.
- Héllo boysl Que aconteceu para ficarem para aí os dois especados no caminho? Hoje é dia de festa...
O ranger virou-se. Avistou um homem baixo e gordo, que, montando um baio e cavalgando ao lado do cortejo, agitava os braços na sua direcção.
- É comigo que fala, my boy? perguntou imediatamente o homem dos olhos claros.
- Precisamente! Por que não se reúnem ao nosso grupo?
- Mas... porque nem eu nem o meu camarada fomos convidados!...
- Entre cow punchers não são precisos convites para festas.
E, antes que Catamount lhe pudesse responder, o homenzinho acrescentou:
- O boss quer ver hoje toda a gente satisfeita! Venham daí! Nem todos os dias são de festa.
O ranger não insistiu mais. O convite do seu interlocutor favorizava muito as suas intenções de arranjar emprego no Trez Lírios.
- Pois bem! Seja! O meu amigo e eu aceitamos e agradecemos, declarou ele.
- Ora ainda bem!
Como o cortejo já se afastasse, os dois cavaleiros apressaram-se em seguir o seu novo companheiro.
- Chamo-me Jorry Stein de Glaforah, Kentuky, declarou o homenzinho. E vocês?
- Eu? Eu chamo-me Sam Hartíing! retorquiu
Catamount, dando o primeiro nome que lhe veio à cabeça. E aqui o meu amigo, Jaguar Bill.
-- São desta região? Não, com certeza. Parece-me que é a primeira vez que os vejo.
- Vimos de Rio Grande, tornou o ranger. Falta lá trabalho... e pensámos que em Éden...
- Não vão mais longe, cortou Jorry Stein. O boss vê-se atrapalhado para arranjar pessoal. Tenho a certeza de que vocês servem para o serviço. Sou o segundo contramestre
do Trez Lírios. Falarei com o primeiro contramestre, Nick Wilson. Mas agora toca a divertir, não se pode pensar em trabalho. Este passeio abriu-me desmesuradamente
oapetite. É bem bom termos uma almoçarada à nossa espera. Parece que é um autêntico festim, para variar do feijão com tomate e dos ovos com presunto.
As aclamações e os tiros prosseguiam sempre, de modo que os dois amigos puderam misturar-se com o grupo sem que ninguém se incomodasse com a sua presença. Cada um
parecia alimentar apenas um desejo: fazer mais barulho do que o seu vizinho. Todos aqueles homens rudes aproveitavam a ocasião para proceder como garotos, encantados
com a ideia de que brevemente se poderiam dedicar às mais abundantes libações.
Jorry Stein não se privou, no entanto, de dar à língua com os seus novos companheiros. Os cavaleiros continuavam a avançar, levantando espessas nuvens de poeira,
enquanto o sol subia no céu aquecendo a atmosfera.
Todos os convidados tinham a goela seca à força de gritar, mas novas aclamações estalaram quando se entrou nos territórios do Trez Lírios. Em poucos minutos, os
cavaleiros formaram alas. Segundo os costumes do Oeste, Silander devia fazer as honras da casa à sua nova esposa.
Alguns passos antes da entrada, havia um arco de triunfo. E uma palavra pintada numa tira de lona em grandes letras vermelhas: "Welcome".
Flora fitou a escolta que a acompanhava. com um sorriso adorável e com um gesto da mão, agradeceu aos admiradores, enquanto premiava com um piscar de olhos o ranchman
que daquela maneira lhe fazia as honras do seu território. E, enquanto um cow-boy abria a cancela, Richard Silander afastou-se um pouco, para deixar passar em primeiro
lugar a nova dona do Trez Lírios.
Flora tinha dificuldade em conter a alegria imensa que a invadia!... Havia atingido o seu objectivo!... Há muito tempo já que aspirava tornar-se dona daquele rancho.
Não fora certamente por amor do ranchman que tinha consentido em se tornar Mrs. Silander. Flora era infinitamente ambiciosa e, enquanto metia o seu alazão pelo caminho
ladeado de arames farpados, o seu olhar passeava com satisfação sobre a vasta planície onde vagabundeavam as manadas de longhorns...
A partir de hoje, tudo isto é meu!... pensou ela, fitando o fértil cenário como uma rainha, enquanto autênticos urros saudavam a sua entrada na terra que lhe passava
a pertencer.
Catamount, que avançava agora "no meio da multidão, pôde reparar na expressão de triunfo que se reflectia no rosto da recém-casada. Também reparou no sorriso imbecil
que se expandia na face do felliz ranchman. Nem um momento Richard Silander tinha pensado que a rapariga casara com ele por interesse. Sentia o orgulho de ter sido
eleito, apesar de todo o cerco que tinha sido feito à sua bela por homens muito mais novos do que ele.
O tumulto acabou por diminuir por falta de cartuchos. De resto, toda a gente começava a sentir-se rouca... Numa relativa ordem, deixando os
recém-casados cavalga à cabeça do cortejo, os convidados lançaram as suas montadas a trote. A menos de duas milhas viam-se os edifícios do rancho. Catamount e Jaguar
Bill não diziam palavra, deixando falar os seus vizinhos. O ranger pensava no seu inquérito. Às poucas palavras que Jorry Stein lhe tinha dito sossegavam-no quanto
à possibilidade de arranjar emprego no rancho. E, na desordem inevitavelmente provocada pela cavalgada, esperava poder surpreender qualquer indício que o pusesse
no caminho da verdade.
De momento, os dramas e os roubos de que o Trez Lírios tinha sido vítima pareciam estar esquecidos. O sheríff falava de política com o marshal. As eleições próximas
pareciam incomodar muito mais as duas importantes personagens do que os misteriosos assassinios de alguns cow-punchers. Ouviam-se cantigas aqui e ali, que depressa
eram repetidas em coro pela maior parte da assistência.
Subitamente, Catamount estremeceu. A mão de alguém pousara no seu braço. Surpreendido, o ranger voltou-se, e viu Jaguar Bill que se inclinava para ele fazendo sinal
de que lhe queria falar.
Ante a expressão preocupada do aventureiro, o homem dos olhos claros compreendeu que se tinha passado qualquer coisa de grave. Uma ligeira exclamação fugiu-lhe,
quando ouviu o companheiro dizer- lhe ao ouvido:
- Atenção! Reconheci alguém no grupo.
- Alguém?
- Sim! Um tipo que em tempos fez parte do meu bando e que não tornei a ver desde a questão
da mesa.
Catamount ergueu-se nos estribos, olhando em redor, mas depressa reagiu, não desejando ser surpreendido.
- Ele reconheceu-te? perguntou.
- Ainda não! Mas será necessário tomar muito cuidado.
Os dois amigos calaram-se, não desejando atrair as atenções; no entanto, a segurança que pouco tempo antes o ranger sentia transformava-se em inquietação. Pensava
nos inconvenientes que podiam surgir se por acaso se soubesse que o famoso bandido El Gringo, que tanto tinha dado que falar do outro lado da fronteira, se havia
juntado aos convidados do casamento. Todavia, no momento em que chegavam ao pátio do rancho, Jaguar Bill inclinou-se para ele, dizendo:
- Parece-me que fui vítima duma semelhança.
- All right! Gosto mais disso.
IV
Os convidados da última hora
Catamount sentiu-se aliviado dum grande peso. Em redor, as aclamações continuavam a esfuziar. O ranger, que encaminhava deliberadamente Mesquita para o pátio do
rancho, pôde ver que o pessoal da casa tinha sabido fazer as coisas. Todos os edifícios estavam sumptuosamente engrinaldados de flores. Uma quantidade de lampiões
balançavam suspensos de cordas. Perto, um estrado construído junto da fonte indicava que se dançaria de noite. E no ar já se sentia o cheiro dos assados e dos molhos
que vinha da vasta cozinha.
- Hurra pelo boss. Hurra pela sua nova esposa!
Sombreros e stetsons eram agitados por mãos nervosas. Richard Silander, que tinha parado o seu cavalo perto do alazão de Flora, agradeceu sorridente.
No entanto, franziu os sobrolhos quando, levantando os olhos para o primeiro andar, viu que quatro janelas tinham as persianas corridas e não ostentavam qualquer
ornamentação. Eram os quartos de Kate e de Fred. Os dois jovens haviam-se recusado terminantemente a tomar parte na alegria geral provocada por aquele casamento,
que reprovavam do fundo do coração.
Os punhos do ranchman crisparam-se.
- God! resmungou surdamente. Eu os ensinarei, ou então...
O monólogo de Richard Sílander perdeu-se no meio do burburinho geral. Os cavaleiros que o acompanhavam desde Éden apressavam-se a desmontar e conduziam os cavalos
para o curral próximo. As criadas aproximavam-se rapidamente. Duas delas ajudavam já Flora a desmontar também.
A recém-casada tinha-se apeado já com uma agilidade que traía o habito que tinha dos exercícios equestres. O seu sorriso desapareceu quando viu as persianas corridas.
Compreendeu imediatamente o significado daquele simples pormenor, que lhe dizia que os filhos do marido não desistiam de a hostilizar. Mas Flora era boa jogadora.
Sabia que todas as atenções estavam fixas nela. E estendeu a mão a Richard Silander.
Os cow-punchers do rancho ainda não tinham levado os seus cavalos para o corra , estabelecendo alas até à porta de entrada da habitação. Então, os dois esposos,
de braço dado, percorreram lentamente a distância que os separava da entrada. O criador estava resplandecente. A impressão desagradável que tivera à chegada desvanecera-se,
e foi com toda a galantaria que se afastou para deixar entrar em primeiro lugar a Rainha do lasso.
Cátamount e Jaguar Bill continuavam à espera, misturados com os convidados: ninguém lhes ligava
importância. Todos se comprimiam por trás das alas formadas pelos cavaleiros do rancho e, quando estes dispersaram, foi um autêntico assalto à porta. Naquela multidão
barulhenta, onde se não viam mulheres, ninguém se importava com prerrogativas. À cotovelada, cada um tentava abrir caminho. Depressa a confusão atingiu tal ponto
que Nick Wilson, o contramestre, secundado por meia dúzia de cow-punchers, teve que intervir. Não sem terem trocado alguns sopapos, os convidados iam se esgueirando
para o pátio que confinava com a sala principal.
Era ali que devia ser servido o festim do casamento. Toldos tinham sido estendidos para aliviar a ardência dos raios do sol. No entanto, estava um calor tórrido.
O tempo prometia tempestade, e a atmosfera começava a influir sobre os ânimos, que se mostravam muito exaltados.
Na mesa central, tinha sido colocada uma vintena de talheres. O sol brilhava no cristal facetado das garrafas, junto de impressionantes pratos bem preparados.
com o rosto congestionado, Richard Silander conduziu a esposa até ao lugar que lhe estava reservado, à sua direita. Nick Wilson, um rapagão de cabeça rapada, ocupava-se
mais uma vez no serviço de manter a ordem, e não deixava passar senão os que tinham direito à mesa de honra. Ali sentavam-se os vizinhos mais influentes de Silander,
o sheriff, o marshal, e outras notabilidades. No entanto, depois de toda a gente se sentar, o contramestre inclinou-se para o boss, indicando dois lugares vazios
junto dele:
- Não virão, boss, murmurou ele ao ouvido do ranchman.
- Que vão para o diabo! retorquiu Silander, exasperado.
Tratava-se, evidentemente, dos filhos. O criador sentia-se despeitado, ao verificar esta dupla ausência. Os dois irmãos não hesitavam, abstendo-se daquela maneira,
em encolerizar aquela que ele acabava de tomar como mulher, e em provar-lhe a sua hostilidade irreconciliável.
- Põe aí outras pessoas, resmungou ele para o contramestre. Qualquer pessoa, é indiferente.
Nick Wilson coçou a cabeça, terrivelmente embaraçado. Não fazia a mais leve ideia de quem deveria instalar no lugar de Kate e Fred Silander, quando avistou Jorry
Stein que lhe fazia sinais. Em poucos momentos chegou junto dele,
-- Héllo! Que me queres ?
- Tenho aqui, comigo, dois convidados da última hora. Queriam-se apresentar a pedir trabalho. De maneira que pensei que podiam tomar parte na festa, como os outros.
O olhar cinzento do contramestre fixou-se com desconfiança em Catamount e Jaguar Bill. Nick Wilson era muito feio e, ao primeiro olhar, supinamente antipático. O
rosto, achatado como o de um boxeur, dava-lhe um aspecto de bruto. Além disso, era ligeiramente estrábico, e os seus pequenos olhos cinzentos desviavam-se logo que
alguém o fitava de frente.
- Convidados da última hora... resmungou ele.
Mas, como Jorry Stein insistisse, o contramestre, temendo ver-se assediado pelos recém-chegados, tratou de lhes indicar os lugares vagos junto do dono da casa.
Richard Silander não tinha notado o incidente. De momento, apenas dava atenção à Rainha do lasso. De resto, tinham começado a servir a refeição, e os convidados,
desejosos de se reconfortar depois da cavalgada que acabavam de realizar, tinham pressa de comer e de se refrescar.
Catamount não pronunciava palavra, continuando a observar. A inquietação que o seu companheiro mostrava impressionou-o... Jaguar Bill estava sentado quase na sua
frente e, pelos olhares constantes que ele deitava em redor, compreendeu, que tentava localizar o indivíduo que tanto o impressionara pouco antes e que ele tinha
tomado por um dos membros da quadrilha de el Gringo.
Mas depressa a atenção do ranger se desviou do aventureiro para se fixar nos diferentes convidados que ocupavam a mesa central; o sheriff e o marshal, sentados um
junto do outro, continuavam a discutir política, e os restantes convidados falavam dos preços atingidos pelo gado, nas principais feiras do Texas.
As conversas começavam a esmorecer, apenas se ouvindo o ruído dos talheres nos pratos. Antes de recomeçar a falar, os convidados tratavam de apaziguar o apetite
e a sede. Os olhos claros do ranger fitavam principalmente Flora, que nesse momento toda se derretia em sorrisos para Richard Silander.
Jaguar Bill não dizia palavra. Continuava muito inquieto. Temia complicações. Por muito longe que tivesse ficado o recente teatro das suas proezas, o aventureiro
imaginava facilmente que impressão provocaria a notícia de que El Gringo se encontrava entre os convidados. A maioria deles, certamente, já tinha ouvido falar no
famoso bandido.
Mas por mais que Jaguar Bill se voltasse, aproveitando os momentos em que a atenção dos seus vizinhos se desviava para as outras mesas, não conseguiu tornar a ver
o homem que tanto o impressionara. Sossegou, por consequência, e tratou de apreciar condignamente o suculento repasto que o criador tinha mandado preparar.
Por várias vezes, Catamount verificou que
Richard Silander olhava na sua direcção e na do seu companheiro, mas o ranchman não lhes deu maior importância. Pensava nesse momento em Fred e em Kate. A ausência
dos filhos vinha empanar a alegria que lhe dava a entrada na sua nova Vida. A desaprovação dos seus herdeiros, enchia-o simultaneamente de cólera e de desgosto.
Pouco a pouco, à medida que o apetite dos convivas se ia acalmando, as conversas recomeçavam; subitamente, Catamount estremeceu. Deixando a conversa que mantinha
com Flora, Richard Silander virou-se para o sheriff:
- Héllo, Neal. Que há de novo no nosso caso?
O interlocutor parou de comer, e balbuciou umas palavras com a boca cheia, o que as tornou absolutamente indistintas.
- Senhor Silander, conseguiu ele por fim fazer perceber. Não há nada de novo.
- No entanto, temos que acabar com isto. Sabe muito bem que eu escrevi para Santo António... Pode muito bem ser que os rangers se encarreguem de solucionar o problema.
Bill Neal encolheu os ombros com um ar de
comiseração.
- Os rangers!... Deixe-os realizar o seu trabalho ao longo da fronteira. Não têm nada que cheirar por aqui. Pensa que eles vão conseguir alguma coisa onde nós falhamos?
- Não me quero dar por vencido, sheriff, opôs Richard Silander. É preciso a todo o preço que se faça justiça.
-- E, entretanto, já chegaram os seus rangers? Mostre-mos que eu gostaria de ver um desses rudes cavaleiros. Parece que são uns atiradores maravilhosos.
Tinha sido Flora quem, desta maneira, interrompera a conversa: a rainha do lasso parecia encantada
com a direcção que a conversa tomava, e o seu entusiasmo contrastava com a reserva que mostrava o sheriff. E, antes que o seu vizinho lhe pudesse responder, a Rainha
do lasso acrescentou:
Ouvi falar muito dum deles, dum tal Catamount!... Conquistou uma verdadeira celebridade e confiam-lhe, segundo se diz, as mais perigosas missões. E consegue ganhar
sempre. Dir-se-ia que é protegido por um feitiço.
Catamount nem pestanejou. Durante uns momentos pensou que Flora tinha descoberto a sua identidade, mas ela não lhe prestava mais atenção do que aos restantes ocupantes
da mesa. Só Jaguar Bill não pôde conter um estremecimento, e os seus olhos procuraram furtivamente os do ranger.
- É o homem que lhe deviam mandar, querido, insistiu Flora, inclinando-se para o marido.
- Pensei nisso, respondeu Richard Silander. Mas, até hoje, ninguém respondeu ao meu pedido.
Nessas condições, tem que se contentar em recorrer aos nossos bons ofícios! troçou Bill Neal, cujo rosto se abriu num sorriso de alegria.
- Esperemos que os senhores dêem, de futuro, melhor conta de si do que a que têm dado até aqui. Quero-lhe repetir que não deixarei arquivar o caso. Sete dos meus
homens perderam a vida em circunstâncias misteriosas, muitos centos de longhorns desapareceram, e isso parece- me que exige que se preste uma atenção mais rigorosa,
senão as próximas eleições podem-nos trazer mudanças muito substanciais.
O sheriff compreendeu a ameaça destas palavras, sentiu-se e retorquiu, indignado:
- By jove, Sr. Silander, acusa-me de incapaz! A um velho amigo como eu...
- Está na sua mão provar-nos que presta para
alguma coisa, sheriff, respondeu o criador com um sorriso irónico.
Percebendo, então, que o representante da autoridade se ia zangar, Richard Silander acrescentou: -, Vamos! Falaremos disso tudo noutro dia. Hoje é dia de festa,
e não quero que haja inquietações.
Um ruído surdo sublinhou as últimas palavras do ranchman. Simultaneamente, a maior parte dos convivas soergueu-se, enquanto uma expressão de susto se lhes desenhava
na fisionomia:
- Trovoada, murmurou Slim Gordon.- Precisávamos mesmo dela, resmungou o ranchman.
.- com a seca que tem feito, objectou um dos convidados. Às fontes estavam a secar... A chuva é bem-vinda.
- Evidentemente, mas não no dia do meu casamento, objectou Richard Silander.
- Era preciso ter mandado um requerimento a quem de direito, troçou o sheriff, que não estava descontente por se poder vingar da emoção que a infeliz citação das
próximas eleições tinha provocado nele.
Novos trovões, mais violentos ainda, reboaram. Uma rabanada de vento fez ondular o toldo que protegia o pátio...
- Parece-me que vamos ter solo de tambor antes de ouvir os violinos! disse Bill Neal, ainda trocista.
Flora estava imóvel. Catamount julgou ler nos seus olhos uma expressão de receio. Mas depressa as conversas e o barulho recomeçaram. Apesar da atmosfera se manter
sufocante, todos continuavam a banquetear-se, e o vinho da Califórnia não cessava de correr em caudais.
O ranger não se cansava de observar os seus
vizinhos; tinha formado a sua opinião a respeito de Bill Neal... O sheriff tinha muito mais cuidado em se assegurar um grande número de votos do que em proteger
os pacíficos cidadãos de Éden e dos arredores dos outlaws e dos rustlers. As suas últimas reacções mostravam bem que os mais perigosos malfeitores não teriam dificuldade
em se escapar da sua acção. Quanto ao marshal, parecia não suplantar o representante da autoridade em energia e espírito de decisão; também pertencia àquele velho
grupo de politiqueiros que devem a sua situação e ais suas vantagens a grandes protecções e não ao seu valor pessoal.
Catamount compreendeu, então, por que motivo o inquérito não tinha avançado nem um passo, e sentiu-se mais do que nunca decidido a levá-lo a bom termo. Os seus maravilhosos
dons de observador tinham-no deixado, em pouco tempo, aprender o "clima" do Trez Lírios. Hostilidade dos filhos do criador para com a sua madrasta, admiração beata
do ranchman para com a sua nova esposa, satisfação não dissimulada desta última, tudo isto representavam indicações que ele anotava cuidadosamente.
Durante um quarto de hora ainda, o trovão rugiu; depois, grossos pingos de chuva começaram a cair e o toldo teve que aguentar com os assaltos constantes da ventania;
os relâmpagos cortavam o céu. Todo este temporal atenuava grandemente a alegria e o bom humor dos convivas. Aqui e ali ouviam-se protestos.
- Pouca sorte! Não se poderá dançar no pátio.
- O vento leva os enfeites e as grinaldas.
- Que importa isso? As salas do rés-do-chão são suficientemente vastas para lá caber toda a gente! asseverou Richard Silander.
E, para tranquilizar os convivas, apressou-se em acrescentar:
- De resto, vou abrir o baile com a senhora Silander.
Numerosas detonações misturavam-se com o rugido do trovão: desrolhavam-se as garrafas de Champanhe e o líquido espumante começava a correr nas taças... Richard Silander
levantou-se, e, estendendo uma taça cheia para a sua vizinha,
disse:
- Bebo pela nossa felicidade, querida!
As duas taças tocaram-se, mas, subitamente, a Rainha do asso deu um pequeno grito. O seu copo, que acabava de bater com demasiada violência no do esposo, voava em
estilhas:
- Que tem? perguntou imediatamente o ranchman... Está ferida?
- Não é nada! Um golpe tão insignificante.
Uma gota de sangue aparecia-lhe no dedo. Tinha-se feito muito pálida, e enrolava rapidamente um lenço em torno do dedo ferido.
- Mau presságio, murmurou ela entre dentes.
Mas Catamount, que tinha ouvido estas duas palavras, apressou-se a rectificar com um sorriso
furtivo:
- Perdão!... Vidro partido é um sinal infalível de felicidade. Principalmente em dia de casamento.
Os grandes olhos negros da Rainha do asso dirigiram-se para ele. Pela primeira vez, Flora deu alguma atenção ao ranger. Este sustentou calmamente o seu olhar, enquanto
um criado trazia uma nova taça e se apressava a enchê-la até às bordas.
- Hurra pelos recém-casados! Felicidades, saúde e alegria!
Estas palavras que o marshal acabava de pronunciar foram sublinhadas por aclamações. A desagradável impressão produzida pelo pequeno acidente
desapareceu .rapidamente, e o rosto agradável de Flora recobrou o seu sorriso.
A refeição acabava. Os convivas, pouco interessados em permanecer mais tempo sob um toldo constantemente sacudido pelo vento, foram se dirigindo para as salas do
rés-do-chão do rancho. Os músicos instalavam-se na sala grande, e tiravam os primeiros acordes.
- Tomem os seus lugares para o baile! gritou Richard Silander. vou abri-lo com a rainha da festa.
O ranchman recuperou, por momentos, as suas pernas de vinte anos e, segurando Flora pela cintura, arrastou-a para o meio da sala. Os trovões sucediam-se lá fora:
a atmosfera quentíssima da tempestade cada vez se tornava mais pesada.
Encostado a uma parede, Catamount, que se tinha esgueirado para junto da entrada da sala, olhava os pares que dançavam. As dançarinas eram poucas: o ranger conseguiu
contar seis, incluindo Flora, de modo que os cow-boys dançavam uns com os outros, fazendo os esgares e as contorções mais cómicas que podiam e batendo com os tacões
no chão para fazer tilintar as esporas.
O homem dos olhos claros esteve assim uns momentos, perdido no meio do grupo. Ninguém lhe prestava a menor atenção, assim como ninguém se interessava por Jaguar
Bill, que permanecia perto dele. Na atmosfera pesada, os músicos não paravam e os dançarinos, excitados por frequentes libações, mostravam-se infatigáveis.
No meio de toda aquela alegria transbordante, o ranger não esquecia as razões que o tinham levado ao Trez Lírios. Imaginava que muitos dos que evoluíam junto dele
sabiam alguma coisa acerca daquela esdura questão, e já ia organizando o seu plano de acção quando, subitamente, entre duas
danças, viu uma silhueta aparecer na sua frente. No mesmo instante, uma voz de mulher perguntou: -- Meu Deus, não sabe dançar? Há pelo menos uma hora que está ai
parado como uma estátua! Flora Silander estava diante dele. Acabava de largar o marido, extenuado, caído numa cadeira na outra ponta da sala. Agora, estava ali à
espera, como se desafiasse Catamount.
A resposta deste não se fez esperar. Por muito desconcertante que fosse a intervenção da rapariga, o homem dos olhos claros não perdeu a sua fleuma nem por um minuto.
Respondendo à pergunta da sua interlocutora, declarou tranquilamente:
- Sossegue, sei dançar e vou-lho provar imediatamente.
E misturaram-se na multidão dos dançarinos. Imóvel, Jaguar Bill, que tinha assistido a este breve colóquio, espantava-se de que a Rainha do lasso tivesse reparado
tão particularmente no seu companheiro. Enquanto os músicos continuavam a tocar, ele perguntou a si mesmo se aquele simples episódio não iria ser o ponto de partida
de perigosas complicações.
V
Pai e filhos
- Também tu, Kate, procedeste como eu?
Kate Silander estremeceu. Seu irmão, Fred, encontrava-se por trás dela e pousava-lhe a mão num ombro. A rapariga estava tão absorvida na contemplação dum retrato
da sua mãe, que não o tinha sentido entrar no quarto De resto, o barulho provocado simultaneamente pela tempestade
e pela festa, que prosseguia freneticamente no rés-do-chão, era tão grande que lhe teria sido difícil ouvir os passos furtivos do visitante.
À rapariga abanou lentamente a cabeça. Uma lágrima brilhava-lhe ainda na face húmida. Na extrema palidez do seu rosto, na contracção das feições, podia-se medir
o profundo desgosto que ela sentia. A revolta de Fred não era menor; com os punhos cerrados, fitou Kate com tristeza e beijou-a na testa:
- Irmãzinha, é terrível! murmurou ele surdamente... Se tu soubesses como eu odeio essa mulher que o enfeitiçou... Agora já não valemos nada para ele. Quanto a ela,
esqueceu-a. E, no entanto, lembras-te como dantes éramos felizes?
Kate deu um suspiro; depois, fazendo um esforço para conter o seu desgosto, murmurou:
- O pai é livre! Pode dispor da sua vida como entender.
- É possível, mas continuo a classificar este casamento como monstruoso. Primeiro que tudo, há a desproporção de idades. Aquela velhaca não teria certamente consentido
no casamento se não tivesse qualquer interesse chorudo neste negócio. Ela não gosta do nosso pai. É só o dinheiro que a tenta. E estou cada vez mais convencido que
o infeliz vai ser um joguete nas mãos dela.
A rapariga não respondeu. As suas ideias eram as mesmas do irmão. Detestava Flora. Desde que as suas visitas se tinham tornado mais frequentes, havia tomado cuidado
em nunca se encontrar com a intrusa. As palavras melífluais da Rainha do lasso, as suas maneiras afectadas, o seu tom delico-doce, jamais a tinham ludibriado. Considerava-a
uma inimiga, e nunca teve a menor confiança nela.
Primeiro, Kate tinha tentado combater a influência nefasta que aquela mulher ia exercendo no
ranchman. Em vão evocou recordações do passado. O fantasma da morta já não exercia a mesma influência sobre Richard Silander. Não pensava, não via e não julgava
senão pela cabeça ou pelos olhos de Flora, e depressa a infortunada compreendeu que, quanto mais insistisse, mais cavaria o abismo que começava a separá-la do criador...
Resignada, absteve-se, pois, de qualquer comentário.
Fred, por seu lado, não optou por uma atitude tão passiva. De carácter violento e colérico, duma franqueza a toda a prova, não deixou escapar nenhuma ocasião para
tentar desviar o pai do caminho em que ele se metia. Pouco a pouco, uma hostilidade surda nasceu e aumentou entre os dois homens. Richard Silander era teimoso, e
insistia nos seus projectos do mesmo modo que nos seus erros. Surdo aos conselhos e às observações dos dois filhos, decidira-se pelo casamento.
Agora tudo estava terminado. A união do viúvo no declínio com a linda viúva acabava de ser abençoada pelo pastor. Os dois irmãos tinham-se abstido de comparecer
à cerimónia, em Éden. E agora, nos seus aposentos, com as persianas corridas, ouviam os ruídos da festa. A tempestade tinha-os impedido de sair; viam-se, por consequência,
obrigados a suportar a ruidosa alegria dos convidados e da
música.
- A minha vontade era dirigir-me a essa mulher e dizer-lhe na cara o que penso dela.
-Fred!... Peço-te! Tem calma.
- Acalmar, quando um passado inteiro de sossego e de felicidade morre? Calar-me, quando o nosso pai, enfeitiçado e manobrado por uma aventureira qualquer, nos trata
como estranhos e não nos presta mais atenção que se não existíssemos?
O seu rosto enérgico mostrava a maior indignação.
Durante uns momentos, Kate, que se tinha voltado, fitou-o impressionada. Fred era grande e robusto. O rosto, enquadrado de longos cabelos loiros, irradiava simpatia
e lealdade.
Os dois irmãos eram extraordinariamente parecidos: o mesmo feitio de rosto, a mesma cor de cabelo, o mesmo olhar; no entanto, a rudeza de Fred contrastava com a
doçura de Kate. Mais pequena, extremamente bonita, a rapariga parecia frágil, mas isso não passava duma aparência. Montando a cavalo como um cow-boy, estava habituada
aos serviços mais violentos, e, se a sua perícia a servir-se do lasso não atingia a da Rainha do lasso, chegava perfeitamente para tomar parte em muitas cavalgadas
no rancho.
- É mais forte do que eu! Há horas em que me não contenho... não posso mais...
- Fred!... Não vás lá...
O rapaz dirigia-se já para a porta e o seu rosto mostrava uma tal decisão que Kate amedrontou-se. Teve a intuição de que ele ia provocar uma desgraça, de maneira
que correu para ele e segurou-o por um braço:
.- Por amor de Deus, Fred! Tens que ser razoável.
- Mostrar -me razoável, quando aquela mulher dá agora leis debaixo do tecto em que morreu a minha mãe? Já te disse uma vez, irmãzinha: se aquela aventureira tiver
qualquer coisa que ver com as calamidades que se têm abatido sobre o Trez Lírios não me espantarei.
- Não devemos exagerar! Ela fez-nos muito mal roubando-nos a afeição do nosso pai. Mas daí a insinuar tais coisas...
- Julgo-a capaz das piores infâmias. - São simples suposições.
Kate bem se cansou a acalmar o irmão. Ele
mostrava-se surdo a todos os rogos. Afastando a mão que lhe segurava o braço, saiu.
- Que vais fazer?...
- A minha obrigação. Ninguém poderá dizer que aquela aventureira desconhece o que eu penso dela. Dir-lhe-ei qual o desprezo que ela inspira a todas as pessoas honestas...
E isto diante de toda a gente.
-- Misericórdia!... Não provoques um escândalo.
Mas o irmão já ia no patamar da escada. Do rés-do-chão chegava o ruído provocado pela música e pelos convidados.
- Fred!... Ouve-me!... Fred!... A rapariga correu até ao patamar, mas o irmão já descia rapidamente a escada. Kate chamou outra vez, mas a sua voz perdeu-se no meio
do ruído. Entretanto, Fred, abrindo caminho entre os convidados que enchiam o Corredor, chegava à porta da sala. Aí parou, e esforçou-se por ver por cima das cabeças
dos assistentes.
A dança prosseguia, enquanto os convidados, separados por grupos, continuavam a Conversar ruidosamente. Uns tantos jogavam ao poker e ao monte, em mesas que tinham
sido dispostas para esse fim.
Fred tentava por todos os meios avistar Flora no meio daquela multidão. Escapou-lhe uma exclamação surda quando a viu pelo braço de Silander. Depois de ter dançado
um tango com Catamount, a Rainha do lasso tinha voltado para junto do marido, a quem tentava convencer a continuar a dançar. Richard Silander defendia-se; tinha
abusado das suas forças e doíam-lhe as pernas. O seu rosto contraído traduzia, de resto, uma fadiga evidente.
- Vamos, uma vez mais... Só uma valsa...
- Impossível, é muito cansativo.
- Mas você monta a cavalo...
- Não é a mesma coisa!
Flora olhava para o seu velho marido. No fundo, percebia muito bem que ele estava extenuado, mas continuava a insistir, e o infeliz ia -tentar reagir para satisfazer
ainda uma vez a exigência da mulher quando uma voz rude dominou o barulho dos violinos:
- com licença!... Parece-me que também tenho uma palavra a dizer...
Houve um murmúrio entre a multidão, e todos os olhares convergiram para Fred, que acabava de falar. Vestia o seu fato de montar, e tinha a cintura rodeada pelo cinto
de armas, exactamente como se fosse partir para uma expedição. A expressão da sua fisionomia impressionou imediatamente os seus vizinhos, mas ele, empurrando os
que se encontravam no seu caminho, já se dirigia para o par formado por seu pai e por Flora.
- Oiçam-me bem todos.
O rapaz continuava a falar enquanto avançava; desconcertados, os convidados afastavam-se diante dele. Quanto à Rainha do lasso, tinha parado, interdita, e os seus
olhos fixavam-se no intruso.
Richard Silander, nos primeiros (momentos, pareceu ficar espantado. A entrada intempestiva do filho, que, desde pela manhã, se tinha mantido numa reserva hostil,
apanhava-o desprevenido. A sua reacção foi tanto menos rápida quanto ele se sentia cansado pelo esforço exagerado que acabava de realizar.
Mas já Fred parava a três passos de Flora e, estendendo a mão num gesto ameaçador, dizia:
- Saibam todos! Esta mulher não passa duma aventureira.
Flora tinha franzido ligeiramente a testa, um
frémito agitou-lhe as asas do nariz, mas depressa se recompôs. Um indefinível sorriso passou-lhe
pelos lábios.
E, voltando-se para os convidados que se comprimiam cada vez em maior número em volta dele, o rapaz prosseguiu:
- Se querem a prova do que eu digo não têm mais que olhar em redor. Onde estão as senhoras dos arredores? Por que evitaram os nossos vizinhos trazer as suas mulheres?
Quantos representantes de famílias importantes do distrito se abstiveram de vir, simplesmente porque lhes repugnava apertar a mão a esta mulher?
Flora continuava a sorrir. Parecia que não era dela que se tratava. Em redor, a efervescência aumentava. À intervenção de Fred provocava uma grande sensação.
Richard Silander ainda se não tinha movido. O espanto e a indignação paralisavam-no. Foi a voz tranquila de Flora que o veio arrancar ao seu
espanto:
- Penso que vou encontrar um protector em si, Richard... Certamente não aprova as palavras do seu filho.
- Evidentemente que não.
- Isso não me espanta, retorquiu imediatamente Fred. O meu pai está literalmente doido por essa mulher, que casou com ele unicamente para lhe apanhar a fortuna.
- Cala-te! Ordeno-to eu...
Desta vez, o ranchman deciddira-se a falar. Tinha-se adiantado, e endireitava-se agora em frente do filho. Durante uns momentos, os dois homens desafiaram-se com
o olhar. Richard imaginava que Fred baixaria os olhos e se inclinaria na sua frente. Mas não: o rapaz continuou a fitá-lo com uma contracção no canto da boca.
- É bem o que eu pensava, disse ele amargamente. Entre ela e os teus filhos, não hesitaste. Escolheste-a. E, no entanto, se soubesses o que ela pensa de ti!... Se
soubesses a piedade...
- Fred! Proíbo-te de continuar.
com o rosto congestionado, Richard Sdlander levantou a mão como se fosse bater no seu interlocutor. No entanto, não acabou o seu gesto. Alguém tinha surgido junto
dele, alguém que acabava de romper a multidão e que ninguém tinha notado, pois a atenção geral estava concentrada nos dois homens.
- Em nome do céu! Suplico-lhes...
Era Kate que acabava de intervir. Durante um momento, a rapariga tinha permanecido no alto da escada, encostada ao corrimão, mas depois de ter ouvido as palavras
do irmão desceu rapidamente, desejosa de interromper a terrível cena que opunha o pai ao filho.
Houve uns momentos de silêncio e, depois, a voz seca do ranchman fez-se ouvir:
- Insultaste publicamente a mulher que eu amo, aquela que a partir de hoje traz o meu nome. Já não és meu filho.
- Foi precisamente para preservar esse nome, que eu também trago, duma mancha, que me decidi a intervir, meu pai, respondeu energicamente o rapaz. Toma cuidado...
Tenho a certeza de que a desgraça entrou no rancho com essa mulher. Não tardarás em compreender o teu erro. Mas, infelizmente, será tarde. Compreenderás então que
eu estava na razão, e compreenderás os motivos que me levaram a falar assim. Mas o mal estará feito. Terás que pagar duramente as consequências da tua cegueira.
Observando o rosto contraído do seu interlocutor, Fred compreendeu que não tinha conseguido
convencê-lo; então, insistiu com uma voz enrouquecida pela emoção:
-. Em nome daquela cuja recordação ficou sempre viva no nosso coração, em nome da minha mãe, peço-te, pai... compreende-me... ouve-me...
Em tempos, aqueles argumentos teriam sido irresistíveis. Mas, agora, o sortilégio tinha passado. Flora estava ali... Flora cujos olhares se fixavam no ranchman com
dureza, como a lembrar-lhe a sua inépcia.
- Não diz nada, disse ela. Está bem, vou partir.
- Não, fique, peço-lhe! Ele insultou a cobardemente, é ele quem partirá.
Richard Silander endireitava-se, com o olhar sombrio, os punhos crispados, e, como Kate se abraçasse a ele, empurrou-a brutalmente, insensível aos pedidos de reconciliação
que ela lhe dirigia:
- Vai-te! Já não és meu filho.
O ranchman estendia o braço, indicando a porta. Todos os espectadores desta cena pungente se mantinham em silêncio. Alguns tentaram por sua vez intervir, mas Fred,
levantando orgulhosamente a cabeça, disse:
- Parto! Há já muito tempo que eu sabia que não estava numa casa amiga. O ar aqui tornou-se irrespirável.
- Pai... Fred...
Consternada, Kate esforçava-se por reparar o desastre; os seus olhos iam do irmão para o ranchman, implorativos, mas eles não lhe prestavam a mais leve atenção.
Cada um apenas pensava no seu rancor e na sua indignação...
- Vai-te! repetiu Richard Silander, que continuava a apontar para a porta. Não te conheço.
Fred inclinou-se, no entanto, antes de se afastar,
endireitou-se ainda uma vez, e disse com uma voz estrangulada:
- Toma cuidado! Ainda lamentarás mais cedo do que pensas as consequências da tua atitude. A ruína... A morte, mesmo...
O rapaz não pôde completar a frase, os sons morreram-lhe na garganta. Fez um gesto cansado, e depois, dando bruscamente meia volta, afastou-se com o passo pesado.
Silenciosamente, os vizinhos afastaram-se à sua passagem.
- Fred, peço-te... Tu não o vais expulsar como um cão, pai? Não é possível.
Kate esforçava se ainda uma vez por reparar o desastre, passava um braço -em redor do pescoço do ranchman, mas este empurrou-a, implacável. O rapaz, de resto, acabava
de franquear a porta da sala. Então, inclinando-se para Flora, que continuava a esperar muito tranquila, declarou:
- Peço-lhe desculpa, minha boa amiga. Estou desolado por este escândalo.
A rapariga teve um sorriso amável e indulgente: -- Eu sei que nada tens que ver com o que disse aquele doido, querido.
Depois, virando-se para o estrado, onde os músicos continuavam à espera, a Rainha do lasso declarou, mais desenvolta do que nunca:
- E, agora, a festa continua...
VI
Nos arames farpados
Catamount tinha assistido, sem dizer palavra, a esta cena intensamente dramática. Desconhecido no rancho, o ranger só podia tomar uma atitude passiva. Enquanto pai
e filho se defrontavam duma maneira tão implacável, tinha podido observar nas feições dos principais actores desta cena os seus sentimentos: fúria em Fred, indiferença
afectada em Flora, indignação no ranchman, desgosto em Kate.
- Então? Que pensas tu disto tudo?
Enquanto recomeçava a dança, Jaguar Bill tinha-se aproximado do ranger. Este contentou-se em responder:
- São simples assuntos de família.
- Não nos poderíamos afastar um pouco?
O aventureiro parecia incomodado, de modo que o homem dos olhos claros não hesitou em segui-lo. Meteram pelo corredor e, avistando um quarto que servia de bengaleiro
aos convidados, refugiaram-se nele. Enquanto o ranger entrava resolutamente, Jaguar Bill parava na soleira da porta, como para se assegurar de que não era seguido
por nenhum indiscreto.
O aventureiro pareceu sossegar com esta rápida inspeicção. Toda aquela parte do rancho parecia deserta, de modo que veio ter com Catamount.
- Tinha razão... É ele, efectivamente. Bert Buzzard.
- Bert Buzzard? perguntou, interdito, o homem dos olhos claros.
- O homem que fazia parte do meu bando... do bando de El Gringo...
O ranger compreendeu. O interesse com que observara a disputa entre o pai e o filho tinha-o feito esquecer as preocupações do companheiro.
- Reparei que ele me fitava aqui há pouco, acrescentou o aventureiro.
- Reconheceu-te?
- Não posso afirmar nada, por enquanto... Mas temo...
E, como o companheiro abanasse lentamente a cabeça, Jaguar Bill insistiu, sem acabar a sua frase.
- Parece-me que o melhor era,eu ir-me embora... Vês tu? Na situação em que me encontro, não posso ser senão um empecilho para ti. Mais valia ter acabado com a vida.
- Imbecil...
O aventureiro reparou no olhar de profunda comiseração que lhe dirigia o ranger. E Catamount prosseguiu com mais indulgência:
- É tão difícil resgatar o passado! A subida é dura, é certo; também eu fiz a experiência. Mas é preciso tentar tudo. O menor desfalecimento corresponde a uma cobardia!
Jaguar Bill sentiu-se comovido com estas palavras de Catamount.
-- Toda esta alegria, toda esta agitação, me fazem mal, disse surdamente. Sinto-me triste e abatido.
- Deves ter reparado ainda há bem pouco que a felicidade não pertence a este mundo!... O próprio Richard Silander...
Catamount parou de falar. Efectivamente, Jaguar Bill acabava de levar um dedo aos lábios. Tinha-lhe parecido ouvir um ruído suspeito no corredor próximo.
Vem aí alguém, segredou o aventureiro. Deve
ser ele...
- Bert Buzzard?...
Jaguar Bill disse que sim com a cabeça. Então, o homem dos olhos claros adiantou-se, fazendo sinal ao companheiro para se esconder no fundo do quarto; depois, deliberadamente,
encostou-se à ombreira da porta...
Efectivamente, aproximava-se um homem que parecia tomar precauções para não fazer barulho. De estatura meã, lábios grossos e maçãs do rosto salientes, o recém-chegado
parou, admirado com a atitude do ranger. E, antes de ele poder retomar o sangue-frio, Catamount perguntou:
.- Hello boy! Procurava alguma coisa?
Bert Buzzard deixou escapar um grunhido; depois, tendo hesitado ligeiramente, decidiu-se a dizer:
- Queria lume. Deixei apagar o cigarro.
- All right! Aqui tem o meu isqueiro.
O ranger tinha levado a mão à algibeira e apresentava o seu acendedor. Enquanto o importuno acendia o seu cigarro, os olhares inquisitoriais de Catamount observavam-no
com insistência.
O homem dos olhos claros era bom psicólogo. Compreendeu imediatamente que os escrúpulos não deviam embaraçar muito o seu vizinho e, perante a atitude hesitante de
Bert Buzzard e a insistência que ele punha em examinar o quarto próximo, compreendeu que tentava avistar Jaguar Bill, de modo que fez os possíveis para lhe impedir
o acesso ao compartimento e não lhe deixar ver o aventureiro.
De resto, Bert Buzzard não procurou insistir. Depois de ter balbuciado um rápido agradecimento, esquivou-se e tornou a entrar na sala de baile. O ranger ouviu então
a voz do companheiro:
- É ele, efectivamente! Não me tinha enganado.
E, antes que o homem dos olhos claros lhe pudesse responder, insistiu:
- Vou-me embora...
- Embora, com um tempo destes?
- Já quase que não chove. E, apesar de ainda trovejar, parece que a tempestade se afasta... Mas compreendes. Não posso aguentar mais tempo esta atmosfera sobreaquecida.
Quero respirar um pouco.
Subitamente, os dois homens imobilizaram-se...
- Ouviste? perguntou Catamount.
- Ouvi! Parece que alguém gritou no pátio. Depois, precipitando-se para o corredor, o aventureiro declarou:
- vou ver. Dentro dum minuto voltarei a estar contigo.
Catamount não insistiu. Compreendia a pressa que o seu companheiro tinha em se encontrar no exterior. Tranquilamente, tirou a cigarreira da algibéira e acendeu um
cigarro. Depois, dirigiu-se para a porta.
Durante uns momentos, o ranger expôs o rosto ao ar frio da noite. Já pouco chovia. Nuvens negras corriam pelo céu, deixando ver aqui e ali algumas estrelas. Um vento
frio refrescava a atmosfera. Mas apenas se tratava duma aberta. O horizonte negro deixava prever novos aguaceiros.
Catamount respirou deliciado a brisa nocturna. Diante dele, estendia-se o pátio do rancho.
No entanto, foi inutilmente que tentou ver a silhueta do seu companheiro. Jaguar Bill parecia ter-se afastado para bastante longe. Por consequência, Catamount continuou
a fumar, reflectindo nos episódios que se acabavam de desenrolar no TTrês Lírios. Pensava em Flora, e na desenvoltura de que ela tinha dado provas durante a discussão
entre pai e filho, quando um súbito ruído de passos o fez voltar-se.
- Desculpe-me, menina. Estava no caminho... À luz da lâmpada que iluminava o corredor, o
ranger acabava de identificar Kate. A rapariga, aproveitando o facto de o corredor estar deserto, tinha posto um xaile sobre os ombros e aventurava-se até à porta.
Tendo avistado Catamount, parou interdita, não sabendo muito bem o que fazer.
-Faz favor, miss Silander... Pode passar à sua vontade, insistiu o ranger, afastando-se delicadamente.
A rapariga imobilizou-se. Trazia ainda os olhos vermelhos das lágrimas que chorara. Incapaz de conter Fred, tinha-o visto abandonar a sala. Depois, tentara inutilmente
revê-lo.
- Perdão, senhor, atreveu-se ela a dizer por fim. Não viu o meu irmão?
- Seu irmão?
- Sim! Fred Silander...
- Eu sei quem é o seu irmão, miss Silander, No entanto, ainda não o vi passar.
- Tarde de mais. Foi-se embora. Já o não encontrei no quarto. vou ver ao corra . Se Tilly, o seu cavalo, não estiver lá, é porque efectivamente partiu.
E a infortunada acrescentou com um suspiro:
- Foi-se embora sem ao menos me dizer adeus.
Kate enxugou com as costas da mão uma lágrima teimosa, e disse, encolhendo tristemente os ombros:
-i No fim de contas, não sei por que lhe falo assim. Os meus problemas não lhe podem interessar..
- Peço desculpa, miss Silander. Creia que compreendo perfeitamente o seu desgosto e que o partilho. Se deseja mesmo que a acompanhe... A dança não me interessa.
Seria muito feliz se me pudesse tornar útil.
Catamount sentia-se impressionado com o encanto
e simplicidade da rapariga. Por seu lado, Kate comovia-se com a simpatia que lhe mostrava aquele homem que ela encontrava pela primeira vez,
- Sem dúvida, pertence a algum rancho vizinho? perguntou ela, intrigada.
- Chamo-me Sam Harding e procuro trabalho.
- Precisamente, o meu pai procura trabalhadores, retorquiu a rapariga... Se pudesse...
- Veremos isso mais tarde, miss Silander. De momento, o mais importante é assegurarmo-nos se Tilly ainda permanece na estrebaria. Efectivamente, penso que os cavalos
não ficaram expostos ao temporal.
- Tem razão. Nem me lembrava disso. com tudo o que se tem passado parece-me que perdi a cabeça.
Kate passou a mão pela testa. Sentia-se tão cansada que, por momentos, teve que se encostar à parede. Catamount disse então:
- Apoie-se a mim, miss Silander.
O ranger tinha deitado fora o cigarro, e Kate ia aceitar o oferecimento quando, subitamente, estremeceu. Dominando o ruído da música, ouviu-se uma detonação.
- Deram um tiro ali adiante, disse a rapariga, tornando-se muito pálida.
Catamount concordou... Efectivamente, ele ouvira perfeitamente o ruído.
Durante uns momentos permaneceram imóveis. Instintivamente, Kate encostou-se ao homem dos olhos claros, interrogando-o ansiosamente com o olhar. Mas o ranger permanecia
imóvel, atento, esperando surpreender novos disparos.
No entanto, não se ouviu mais nada.
- É necessário ir ver, disse por fim Kate, incapaz de se conter mais tempo.
E, sem esperar a resposta do companheiro, acrescentou :
É horrível. Tenho medo que acontecesse uma desgraça.
- Uma desgraça?... Acalme-se, por favor.
No entanto, aquele tiro não se disparou por si.
Kate ia arrastar Catamount. Mas parou, depois de ter dado um passo. E o homem -dos olhos claros sentiu a mão da rapariga apertar-lhe o braço.
- Vem aí alguém, no pátio! sussurrou ela. Efectivamente, alguém se aproximava, e Catamount reconheceu imediatamente a silhueta de Jaguar Bill. O aventureiro chegava
a correr, fazendo saltar água à sua volta.
- Héllo! És tu? gritou o aventureiro.
- Estou aqui com miss Silander! retorquiu simplesmente Catamount.
- Ah!... Miss Silander...
Esta frase pareceu impressionar a rapariga.
- Finalmente, perguntou o ranger, que temos? A presença de Kate parecia embaraçar Jaguar
Bill. E, como Catamount fizesse um gesto de impaciência, segredou-lhe ao ouvido:
- Richard Silander... morto... aqui perto... nos arames farpados.
Por muito baixo que o aventureiro tivesse falado, Kate ouviu as suas palavras.
- Deus do céu! Meu pai? Fala de meu pai? Assassinado?
- Quero dizer... balbuciou Jaguar Bill.
-- vou com os senhores, gritou a rapariga. Depressa, conduzam-me.
A chuva havia recomeçado a cair, mas Kate pareceu não dar por isso. Tinha-se afastado de Catamount para ir mais depressa.
- Onde foi? insistiu ela, virando-se para Jaguar
Ali.
O aventureiro indicava justamente o curral para onde Catamount e a rapariga se dirigiam. Durante uns momentos, os três avançaram juntos, apesar da chuva.
Finalmente, Jaguar Bill, que se tinha adiantado, parou. A poucos passos, via-se a vedação de arame farpado docurral.
- Se ao menos-tivéssemos uma lâmpada, resmungou o aventureiro.
A escuridão era completa, mas Catamount pôde distinguir uma silhueta confusa caída perto da vedação... O corpo de Richard Silander.
- Meu pai!... É horrível.
Sem uma hesitação, Kate tinha-se ajoelhado na lama. As farpas do arame prenderam-se no xaile, e feriram-na cruelmente, mas ela nem deu por isso. Às apalpadelas,
descobrira um corpo inerte, dobrado sobre si mesmo, e preso pelo arame farpado que se elevava até uma altura de dez pés pelo menos.
- Meu Deus... Sangue...
A rapariga tinha sentido um líquido viscoso escorrer-lhe dos dedos. Ia puxar o corpo de forma a libertá-lo quando -Catamount interveio.
- Cuidado. É melhor não lhe tocar... não modificar nada, de momento.
Kate ficou um pouco interdita com estas palavras, mas o ranger apressou-se em precisar:
- isso poderia vir embaraçar o inquérito e impedir que se descobrisse o culpado.
- O inquérito?... O culpado?...
A rapariga segurou a cabeça, que nesse momento lhe parecia estalar; no entanto, não tardou em protestar:
- Mas pode ser que não esteja morto. É preciso tratá-lo...
Catamount tinha-se inclinado sobre o corpo. Um rápido exame permitiu-lhe concluir quie o coração já não batia.
,- Tudo acabou, murmurou ele. É preciso ir avisar ao rancho, Jaguar Bill.
Este protestou:
-. com o outro lá? Não é possível.
O ranger compreendeu imediatamente a quem ele se referia, de modo que se virou para Kate.
- Eu vou lá, miss Silander. Fique com o meu amigo. Dentro de poucos momentos voltarei com socorros. Mas fica entendido que não se moverão e que não tocarão em nada.
Apenas um soluço lhe respondeu.
- Fica perto dela, disse o ranger ao aventureiro.
Sem esperar mais, Catamount dirigiu-se para o rancho, cujas luzes brilhavam na noite. Entretanto, Kate esperava ajoelhada na lama. Imóvel junto dela, Jaguar Bill
tinha o rosto crispado; persuadia-se de que aquela morte súbita e dramática ia provocar as mais desconcertantes complicações. E uma vez mais pensou em fugir, a fim
de evitar todo o risco de ser reconhecido e preso.
VII
Confusão
- Parem! Parem por favor...
Os dançarinos dedicavam-se a uma movimentada rumba quando Catamount apareceu à porta da sala, agitando os braços para fazer parar a festa e dar o alarme.
Rebentaram protestos por todos os lados.
- Mais tarde...
- Esse importuno que vá para o diabo...
- Deixa-nos divertir...
O ranger, ante os protestos, abriu caminho à cotovelada, até chegar junto da Rainha do lasso, que nesse -momento conversava com Bill Neal.
O Sr. Silander foi assassinado... gritou eile.
Imediatamente se fez um silêncio sepulcral. A dança parou como por encanto, e a rapariga agarrou o homem dos olhos claros por um braço, apertando-lho com força:
- Não é possível... Isso é uma brincadeira estúpida.
-. Não estou com vontade nenhuma de brincar! retorquiu Catamount imediatamente. Não tem mais do que seguir-me, e verá. Acabamos de descobrir o corpo do Sr. Silander
caído contra os arames farpados docurral. O infeliz levou um tiro nas costas que o atingiu mortalmente.
Catamount não tirava os olhos da sua interlocutora enquanto pronunciava estas palavras. Flora tinha-se tornado muito pálida. A sua roda, acotovelavam-se os convidados
e os cow punchers do Trez Lírios; alguns, que não tinham ouvido do que
se tratava, pediam explicações. Nick Wilson e Jorry Stein trocavam um olhar desconfiado. Quanto a Slim Gordon e a Bill Neal pareciam literalmente amachucados.
É preciso agir, sheriff, começar o inquérito
imediatamente, antes que o culpado tenha tempo de fugir! insistiu Catamount. Não se esqueça de que cada minuto que passa lhe dá uma probabilidade de escapar-se.
O ranger lembrava rudemente ao representante da autoridade o seu dever, enquanto este se contentava em lastimar-se:
- Decididamente não temos sorte... Um dia em que nos estávamos a divertir... Também já é preciso...
- Por favor, sheriff...
O tom em que o homem dos olhos claros falou foi tão violento que Bill Neal não insistiu; dirigiu-se para a porta por onde já saíam numerosos convidados. O ranger
ainda teve que intervir:
- Mais devagar! Deixem-nos passar! Estes imbecis vão apagar qualquer pista e tornar o inquérito impossível.
- Para trás! Todos para trás! insistiu então o sheriff. Chamá-los-ei, se for preciso.
Apenas um pequeno grupo, composto pelo sheriff, pelo marshal, pelo contramestre e por alguns cow-punchers do rancho, seguiu sob a chuva que recomeçava a cair. Alguns
tinham-se munido de lanternas e de archotes. Dirigiram-se para o local onde pouco antes Jaguar Bill descobrira o cadáver do criador de gado.
Em poucos instantes, Catamount, que havia tomado o comando do bando, avistou a silhueta de Kate, que continuava à espera, perto da vedação. Flora, que avançava imediatamente
atrás dele, exclamou:
- Meu Deus! É horrível.
Kate Silander estremeceu ao ouvir a voz da mulher. Até ali, a rapariga tinha permanecido caída, sob o peso do desgosto. O aparecimento da Rainha do lasso fez-lhe
recordar o triste incidente que se dera entre seu pai e Freid; endireitou-se com dificuldade, e os seus olhos cheios de lágrimas endureceram quando avistaram Flora,
que se baixava e estendia a mão para o corpo do ranchman.
- Por favor, minha senhora... disse ela.
- Perdão, parece esquecer que, desde esta manhã, o Sr. Silander e meu marido, respondeu Flora asperamente. Por consequência, ainda tenho mais direitos sobre ele
que você.
- Peço-lhe, senhora Silander, atalhou Catamount. Não se aproxime. É ao representante da autoridade que compete proceder em primeiro lugar...
O ranger indicava Bill Neal enquanto pronunciava estas palavras. Depois, como os outros pareciam querer avançar, acrescentou:;
- Por amor de Deus, não se aproximem, vão apagar qualquer sinal de passos que haja.
- com a chuva que tem caído, retorquiu Slim Gordon, o melhor pisteiro ficaria embaraçado para descobrir qualquer sinal.
Um murmúrio de aprovação sublinhou estas palavras.
- Também acho, disse o contramestre. E parece-me indecente deixar mais tempo o corpo do boss nesta posição, exposto ao mau tempo.
-Se o sheriff é dessa opinião...
Catamount observava atentamente o sheriff enquanto pronunciava estas palavras; durante uns momentos, o representante da autoridade pareceu hesitar; depois, encolheu
os ombros.
- Vamos ver! Aproximem uma luz.
Kate afastou-se um pouco, esforçando-se por dominar a irritação que lhe produzia a presença daquela mulher que trouxera a discórdia ao Trez Lírios. Os seus pressentimentos
realizavam-se. A infelicidade tinha entrado no rancho com a intrusa.
O sheríff examinava rapidamente o cadáver, enquanto Catamount, junto dele, segurava um
archote.
- Tem razão, murmurou ele, a bala apanhou-o pelo meio das costas. Atingiu o coração. A morte deve ter sido instantânea.
- O assassino atirou com ele voltado. Sem dúvida, Silander não viu o perigo que corria...
Nick Wilson dava também a sua opinião, mas o ranger interrompeu-o imediatamente:
- com licença. Há dois pormenores que provam que a vítima teve plena consciência do perigo, pelo menos alguns segundos antes do drama. Primeiro, a posição do corpo.
Como se poderia supor efectivamente que Mr. Silander tenha sucumbido nesta posição, se não tivesse primeiro tentado fugir... À escuridão impedia-o de ver a vedação,
de modo que veio esbarrar em cheio com o arame farpado, e foi no momento preciso em que ele tentava soltar-se que o assassino o atingiu. De resto, vejam a expressão
do rosto do desgraçado: é bastante convincente...
As feições contraídas do ranchman exprimiam efectivamente o mais completo terror. Os olhos desmesuradamente abertos, as mãos crispadas nos arames, o fato rasgado
em vários pontos pelas farpas da vedação provavam que a vítima tinha vindo esbarrar violentamente contra ela, ao tentar escapar ao perigo que a ameaçava e de que
indubitavelmente tinha consciência.
- De resto, prosseguiu Catamount, ouvi perfeitamente um grito, pouco antes de soar a detonação.
Foi precisamente por isso que o meu companheiro se me adiantou...
Enquanto falava, o ranger voltou-se para o local onde tinha deixado o amigo, mas não avistou Jaguar Bill.
- Jaguar Bill estava junto de miss Silander? perguntou ele à rapariga.
- Não sei... não vi nada, balbuciou esta com a voz embargada pelos soluços...
- Espere aí! Esse Jaguar Bill é o tipo que o acompanhava quando chegou ao rancho?
Um homem que. se encontrava no grupo dos cow-punchers tomava deliberadamente parte na discussão: Bert Buzzard... Catamount fez uma careta quando o reconheceu. Lembrava-se
da conversa que pouco antes tivera com o companheiro.
- Efectivamente, Jaguar Bill estava comigo, respondeu calmamente o homem dos olhos claros...
- By Jove! Aí está quem podia muito bem esclarecer a questão, my boy.
Depois, virando-se para o sherif, acrescentou,: -- Há pouco, quando vi Jaguar Bill, fiz uma
descoberta bastante surpreendente, mas pensei que
era vítima duma semelhança.
- Conhecia aquele homem? perguntou o sheriff. O interpelado ficou um pouco embaraçado:
- Quer dizer... eu não era propriamente seu amigo... mas vi-lhe o retrato do outro lado da fronteira... Estava afixado mais ou menos por toda a parte.
- Nos jornais? perguntou Bill Neal.
- Nas paredes, e principalmente nos postos da polícia.
E, sem dar tempo ao representante da autoridade de fazer outra pergunta, Bert Buzzard perguntou :
- Diga-me, sheriff... Ouviu falar de El Gringo?.
- De El Gringo? Evidentemente! retorquiu Bill Neal. É um bandido que fez das suas do outro lado da fronteira e cuja captura foi posta a prémio. Há já algum tempo
que parece ter desaparecido... Mas, certamente, não quer insinuar...
Aquele homem era El Gringo em pessoa! afirmou Bert Buzzard, encantado com o efeito que produzia sobre os que o cercavam. E tenho a certeza de que não me engano.
Catamount compreendeu imediatamente que consequências podia ter uma declaração daquelas, de modo que objectou:
- Você pode muito bem estar enganado. Se apenas conhecia El Gringo pelos retratos...
-- A propósito, retorquiu imediatamente o antigo bandido, como conheceu você esse pretenso Jaguar Bill?
- Encontrei-o ontem no caminho... procurávamos trabalho... Um companheiro de acaso, simplesmente.
- Nessas condições, pode crer que teve muita sorte,
Bill Neal interrompeu os dois homens.
- Basta de palavreado inútil... Disse o senhor que ouviu um grito?
Catamount abanou afirmativamente a cabeça.
- Estava na soleira da porta com Jaguar Bill. -; Efectivamente, encontrei este senhor quando
desci do meu quarto.
Por sua vez, Kate Silander decidia-se a entrar na discussão. A sua voz ainda tremia por efeito da violenta emoção que acabava de experimentar. E, enquanto Catamount
permanecia calado, explicou em que condições tanto um como outro tinham sido alarmados.
- Trocávamos algumas palavras quando a nossa atenção foi despertada por um tiro... E, poucos momentos
passados, esse homem, Jaguar Bill, chegava e prevenia-nos do que vira.
- By jove, vê-se bem! exclamou Bert Buzzard, cujo rosto se iluminou com uma alegria selvagem. El Gringo estava aqui com este camarada, mas abandonou-o...
- Perdão, objectou Catamount. Jaguar deixou-me quando ouvimos um grito, e esse grito foi naturalmente dado por Silamder.
- De acordo, mas o tiro foi dado durante a ausência de El Gringo. E você não vai certamente negar que esse cordeirinho seja muito capaz de matar alguém.
A rapariga parecia abalada com estas palavras do cow-puncher.
Isso é verdade... disse ela. No fim de tudo...
- No fim de tudo, disse Catamount, não compreendo por que razão o meu companheiro, admitindo que ele seja o culpado, tenha voltado atrás a fim de nos prevenir. Admitindo
que ele tenha abatido o ranchman, devia ter-se posto em fuga. Voltar atrás constituía a maior das imprudências.
- Concordo... Mas o tipo já aqui não está, Quando reparou que isto se podia tornar feio, tratou de se pôr ao fresco.
O ranger compreendeu que acabaria por se tornar suspeito se insistisse em defender o companheiro; no entanto, tentou:
- Há qualquer coisa neste assunto que me surpreende.
- O quê? se faz favor...
- Simplesmente, isto: por que razão Richard Silander, que poucos momentos antes eu vi sentado numa cadeira da sala, se encontrava pouco depois ao ar livre, debaixo
de chuva?
Desta vez, foi Flora quem deu uma explicação.
- O pobre Richard semtia-se sufocado na salla...
Quis respirar um pouco, de maneira que saiu quando Mr. Gordon me convidou para dançar. Não é verdade, Mr. Gordon?
O marshal, para quem Flora se tinha virado, aprovou, com um grunhido. O sheriff acrescentou:
- Perdemos um tempo precioso a discutir... El Gringo é o culpado, não restam dúvidas. Devemo-nos lançar imediatamente em sua perseguição.
- Perseguição? troçou o contramestre. Será precisa muita sorte para descobrir o menor indício... com uma chuva destas e uma noite tão escura...
- Esperem!...
A voz clara de Catamount fez de novo parar os cow-punchers. Todos os olhares se voltaram para o ranger, que, a uns três passos do local onde o ranchman tinha encontrado
a morte, indicava um ponto brilhante na lama.
- Uma capsula de cobre, disse o sheriff.
- É tudo o que resta dum cartucho de calibre 45, declarou o homem dos olhos claros, pegando delicadamente no seu achado.
Todos se apertavam agora em redor do ranger, e Cada um queria dar uma opinião.
- É o invólucro do cartucho que abateu Richard Silander? perguntou o marshal.
- Indubitável mente! afirmou Jorry Stein...
- Grande descoberta! Esse cartucho não nos faz descobrir o assassino e, enquanto discutimos, ele trata de se pôr ao fresco.
Catamount não parecia partilhar da pressa de Bill Neal e, como continuasse a examinar atentamente a cápsula de cobre, o sheriff resmungou:
- Dir se ia que você está a tentar impedir que nós persigamos el Gringo.
- Por amor de Deus, sheriff, eu não os prendo. Não têm mais do que ir buscar imediatamente os cavalos. Está no seu direito de acreditar, sem mais
nada, na culpabilidade de El Gringo. Pelo que me diz respeito, estou persuadido de que teria muitas mais probabilidades de descobrir o criminoso permanecendo no
rancho.
- No entanto, a questão é clara como água. El Gringo deixou-o por uns momentos...
- Perdão, ele afastou se por ter ouvido um grito, e esse grito foi logicamente dado por Sillander. Para o ranchman gritar, era certamente preciso um motivo...
Catamount não acreditava na culpabilidade do companheiro, pois sabia melhor do que ninguém quais as intenções de Jaguar Bill; no entanto, as aparências viravam-se
perigosamente contra o antigo bandido. Inquieto com a presença dum antigo cúmplice entre o pessoal do rancho, e desejando não ser reconhecido, o aventureiro tinha
aproveitado a confusão para fugir.
Um disparate daqueles não podia senão complicar mais o problema; no entanto, o ranger compreendeu as razões que tinham guiado Jaguar Bill. A presença de Bert Buzzard
naquele local tornava a situação do aventureiro muito delicada... Depois duma ligeira hesitação, tinha preferido desaparecer.
- Em nome do Céu, despachem-se, disse Flora. Essas discussões são odiosas. Enquanto o sheriff e os seus homens se lançarem em perseguição do bandido, alguns homens
do rancho transportarão o corpo do pobre Richard para casa.
- Peço-lhe, minha senhora! É a mim que compete tratar dessas coisas.
Kate erguia-se na frente da viúva. A Rainha do lasso retorquiu imediatamente:
- Desculpe-me, miss Silander. Parece-me que esquece um pouco os nossos respectivos papéis. Se a menina é filha de Richard, eu sou a mulher dele.
E é a mim que compete tomar todas as medidas necessárias.
- Não, já não tem qualquer direito! retorquiu Kate. A senhora foi a desgraça do meu pai...
- Por pouco que não me acusa de o ter assassinado, disse Flora com uma voz aguda. É, de facto, uma felicidade que Mr. Gordon esteja aqui para me fornecer um alibi...
Dançava com ele quando se deu o drama. De resto, esta brincadeira sinistra durou de mais. Amava seu pai, e este fim horrível impressionou-me profundamente. Adquiri
direitos, direitos esses que estou disposta a defender até ao fim.
Aquela discussão desagradável lançava uma certa hesitação entre os assistentes. O sheriff enervava-se, praguejando para consigo contra aquele novo contratempo que
vinha atrasar mais a sua partida. Quanto a Catamount, não tirava os olhos das duas mulheres. A energia que a rapariga demonstrava, surpreendia-o. No rosto contraído
da Rainha do lasso, o ranger leu um ódio implacável.
- Se as circunstâncias não fossem tão dramáticas, míss Silander, declarou asperamente a mulher, eu saberia dar-lhe a lição que merece. Sempre me considerou uma inimiga...
- A infelicidade que me atingiu não fez mudar a minha opinião! Sei que a senhora não gostava do meu pai. Apenas consentiu em casar com ele por interesse. Detesto-a
do fundo do coração...
Kate calou-se, subitamente. A poucos passos acabava de se ouvir Uma exclamação:
- By Jove! Vejam aquilo... Ali... No chão...
VIII
O "Colt" de Fred
Imediatamente, todos se voltaram. Era o contramestre, Nick Wilson, que acabava de falar. Nesse momento endireitava-se, brandindo um objecto que acabava de levantar
da lama.
Bill Neal pegou imediatamente no objecto encontrado. Um revólver Colt de calibre 45...
- Não há enganos possíveis, resmungou o representante da autoridade. Deve-se tratar da arma do crime.
Kate e Flora voltaram-se para o sheriff, interessadas por sua vez. E, enquanto todos o observavam, Bill Neal examinou o tambor da arma.
- Falta um cartucho, disse ele depois dum rápido exame. Era o que eu pensava.
E virando-se para Catamount, que permanecia imóvel a seu lado:
- Ainda tem o invólucro que encontrou?
O homem dos olhos claros apressou-se em entregar o invólucro em questão. Então, o sheriff enfiou-o no tambor.
- All right! Adapta-se perfeitamente.
Bill Neal deu um suspiro de satisfação e, depois, examinou o revólver cuidadosamente. Um sorriso passou-lhe pelo rosto...
- By Jove, disse ele. Aqui está uma coisa que me parece interessante. Não há-de ser difícil descobrir o assassino. Deixou a sua assinatura.
com o dedo, o sheriff indicava duas iniciais que se destacavam a negro na coronha de marfim.
- F. S.!... Vejam com os vossos próprios olhos.
Todos se inclinavam para ver. Catamount continuava a iluminar a cena com o seu archote. Também ele havia reparado nas duas letras, e imediatamente tinha verificado
que não se tratava da arma de Jaguar Bill... Entretanto, uma exclamação surda ouviu-se junto dele.
- Meu Deus! É o Colt de Fred.
Kate Silander tinha-se metido entre a multidão, e estendia para o representante da autoridade uma mão que tremia. Um silêncio profundo caiu sobre o grupo, e, enquanto
por sua vez a rapariga examinava cuidadosamente o Colt, o sheriff foi dizendo:
- Tem. a certeza, miss Silander? Esta arma pertence de facto ao seu irmão?
- Absoluta, já a vi muitas vezes. De resto, tem as iniciais... F. S.: Fred Silander.
- Ora aqui está uma descoberta que pode muito bem orientar-nos noutra pista.
Kate estremeceu. Uma ruga vincou-lhe a fronte. Fora a Rainha do lasso quem dissera estas palavras. Pouco antes, desconcertada, a rapariga tinha intervindo, incapaz
de se dominar; agora, compreendia que acabava de fornecer àquela que detestava um argumento muito perigoso. No entanto, a sua indignação foi tal que retorquiu, exasperada:
- Meu Deus, não vai supor que Fred... - Não suponho! Verifico!...
Flora falava agora com muito mais segurança do que momentos antes. Os seus olhos brilhavam; sentia-se perfeitamente feliz, por ter uma ocasião de ferir a sua inimiga.
Mas Kate retorquiu:
- É insensato. Ninguém aqui pode pensar que Fred...
- A cólera é má conselheira, e todos os que nos rodeiam assistiram à cena que se desenrolou entre o seu irmão e Richard. Pouco faltou para que o seu querido Fred
levantasse a mão para o pai.
Kate ficou calada uns momentos.
- É abominável! disse por fim. E não compreendo por que ninguém ainda mandou calar esta criatura...
A rapariga olhava os que a cercavam. À luz bruxuleante dos lampiões e dos archotes, os cow-punchers permaneciam interditos. Parecia que a descoberta do revólver
tinha produzido neles o efeito do raio. Também se lembravam da discussão que havia oposto o pai ao filho. A descoberta do revólver tinha-os abalado terrivelmente.
- Vejamos, Mr. Harding, o senhor não vai acreditar...
Kate dirigia-se agora a Catamount. Entre todos os presentes, era o que ela pensava mais capaz de lhe prestar voluntariamente auxílio. Lembrava-se da amabilidade
que ele tinha tido para com ela pouco tempo antes.
- Míss Silander tem razão, disse por fim o homem dos olhos claros. Parece-me impossível que Fred Silander tenha podido cometer um crime tão odioso.
- Naturalmente, ganiu Bert Buzzard... Se déssemos ouvidos a esse gentleman, não haveria culpado. Há pouco tomava a defesa de El Gringo... Não vejo que crédito lhe
possamos dar.
- Certamente não vai pretender que seja eu o culpado, retorquiu friamente Catamount. Miss Silander estava perto de mim quando se ouviu o tiro.
.-Nessas condições, se não foi você, se não foi Fred Silander, se não foi El Gringo, não vejo muito bem como se há-de solucionar o problema.
- A assistência no rancho era numerosa, esta noite, respondeu o homem dos olhos claros, e qualquer pessoa podia muito bem, aproveitando a confusão, ter deslizado
para o pátio atrás de Richard Silander.
- Então, como explica a presença do revólver de Fred Silander a poucos passos daqui?
- Há um pormenor que me espanta, respondeu o ranger. É que não tenhamos visto a arma há pouco, quando encontrámos o cadáver...
-(E, no entanto, ela estava lá...
Catamount não insistiu sobre esse ponto. De facto, estava muito escuro quando chegara ali com a rapariga.
Bill Neal julgou ver certo embaraço na atitude do ranger, de modo que declarou imediatamente.
- Não é para admirar que as suspeitas caiam sobre duas pessoas da assistência. A arma com que o crime foi cometido pertence à primeira. Quanto à segunda, tenho uma
certa curiosidade em saber as razões da sua fuga. Para desaparecer assim, é porque não tinha a consciência muito tranquila.
- O meu irmão está inocente, tenho a certeza! Kate Silander defendia vigorosamente o ausente.
O sheriff interrompeu-a com um gesto.
- Por favor, miss Silander, acalme-se. Nick Wilson vai-se dirigir imediatamente ao curral e à cavalariça. Ele verá se o cavalo do seu irmão ainda lá permanece. Quanto
a si, my boy, sabe onde estava o cavalo do seu companheiro?
- Certamente! Estava amarrado perto do meu.
- Nessas condições, pode ir ver se os dois animais ainda permanecem no mesmo local? Terá muita sorte se recuperar o seu cavalo.
O grupo desfez-se imediatamente, apenas permanecendo junto do corpo Flora e Kate. Mas, antes que o sheriff tivesse tempo de se afastar, a rapariga disse:
- Espero que o não vá deixar assim, debaixo de chuva.
- É justo, disse o representante da autoridade.
com a água que continua a cair, o terreno está encharcado.
Jorry Stein e Nick Wilson continuavam à espera. O sheriff fez-lhes um sinal:
- Levem o corpo para o rancho, ordenou ele. Depois, virando-se para as duas mulheres, acrescentou :
- Podem ter a certeza de que farei tudo o que for possível para descobrir o culpado. Os meus homens e eu não descansaremos enquanto ele não tiver sido punido.
- Tenho confiança em si, sheriff, respondeu Flora. É absolutamente necessário que se faça justiça.
Kate não disse nada. Tudo aquilo não passava de palavreado oco e há já muito tempo que ela conhecia a reputação do sheriff. Temia pela sorte do irmão, pois sabia
que, de ora avante, o sheriff se ia encarniçar contra ele. E, quanto mais tentava descobrir uma solução para o caso, mais se convencia de que Fred estava a ser vítima
duma maquinação odiosa.
Mas já o contramestre e o seu acólito tinham conseguido, não sem dificuldade, tirar o corpo do ranchman de entre os arames farpados. Kate assistiu ao fúnebre traslado,
enquanto um cow-puncher iluminava a cena com um archote.
As duas mulheres seguiram Wilson e Jorry Stein em silêncio.
O drama que acabava de desenrolar-se tinha provocado uma emoção enorme no rancho. Juntavam-se grupos por todos os cantos. O nome de El Gringo aparecia a cada passo
na conversa.
Bill Neal mexia-se por quatro, dando ordens para a direita e para a esquerda. Vários cow-punchers, segundo o que ele mandara, tinham ido examinar o curral e a cavalariça.
Voltaram depressa,
para dizer que o baio de Fred não se encontrava no lugar habitual. Os arreios também tinham desaparecido.
- All right!... murmurou o sheriff com um sorriso de contentamento. Reunam os meus homens... e a caminho!
À chuva tinha parado e o céu limpava; no entanto, os auxiliares que haviam acompanhado Bill Neal ao Trez Lírios mostravam-se descontentes. Estavam cansados da dança,
e o género de distracção que lhes ofereciam não era propriamente aquele que esperavam.
A chegada de Catamount interrompeu por momentos as recriminações.
- Então, Harding? perguntou Bill Neal. O cavalo do seu amigo?
- Desapareceu, respondeu simplesmente o ranger.
- E o seu?
- Está aqui, disse sorrindo Catamount.
- God! Pode-se gabar de ter sorte, tanto mais que esse alazão é um animal famoso.
O sheriff examinava o cavalo como conhecedor, mas virou-se depressa para os seus auxiliares: - A cavalo, agora!
- Vão-se embora? perguntou o ranger.
- Evidentemente... Temos que apanhar os dois presumíveis delinquentes.
- Parece-me que tomam um caminho errado. Teriam mais probabilidades de apanhar o culpado se permanecessem no rancho.
A insistência de Catamount em propor o seu ponto de vista indispôs singularmente o representante da autoridade.
- A caminho!, ordenou ele secamente. Não tenho que receber ordens dum cow-boy desempregado.
Catamount não pareceu ficar ofendido com as
palavras pouco amáveis de Bill Neal. Enquanto os cavaleiros montavam, com evidente má vontade, saltou agilmente em sela.
- Que faz você? perguntou o sheriff com um ar mais impertinente que nunca.
- Acompanho-os, nada mais.
- Não tenho necessidade dos seus serviços.
- Também tenho essa impressão! Procedo assim por simples questão de consciência.
O ranger colocou deliberadamente a sua montada à direita do cavalo negro do sheriff. O grupo meteu-se a caminho e, durante um certo espaço de tempo, cavalgaram lado
a lado sem trocar palavra. Atrás, o posse do sheriff também se mantinha em silêncio. As copiosas libações de pouco antes tinham-lhe tirado um pouco de energia.
Um vento fresco fustigava as faces dos cavaleiros, e ia-os recompondo pouco a pouco. De tempos a tempos, o sheriff parava para inspeccionar o solo. Para qualquer
lado que se voltasse, apenas conseguia avistar grandes poças de água, que os cavalos faziam espirrar com os cascos.
-- Parece-me que estamos a perder tempo, sheriff, disse o homem dos olhos claros. Mais valia procurar uma agulha num palheiro...
- Você começa a enervar-me com as suas observações constantes! retorquiu o representante da autoridade. Parece-me que não lhe pedi que nos acompanhasse.
- Certamente! Mas é desolador verificar como perdem um tempo precioso a dirigir-se para parte nenhuma, enquanto o criminoso se ri da vossa, ingenuidade.
- Da nossa ingenuidade?! protestou Bill Neal, que começava a sentir a mostarda subir-lhe ao nariz. E é um pé de chumbo qualquer, que não percebe nada do ofício,
que vem dizer-nos isso!
O sheriff ainda resmungou umas palavras que Catamount não conseguiu ouvir e, retomando a marcha, disse à queima-roupa:
- Pois bem! Já que é tão espertinho, por que razão não seriam Fred Silander e El Gringo os culpados? O seu desaparecimento não constituirá uma prova evidente?
- Vejamos, sheríff, um pouco de lógica, se faz favor. Primeiro, Richard Silander não foi simultaneamente morto pelo filho e pelo pretenso El Gringo. Os dois desaparecidos
não tinham as mesmas razões para atacar a vítima. Fred discutiu com o criador porque reprovava o seu casamento... E, pelo que me diz respeito, parece-me que não
deixava de ter razão... Mas prossigamos... El Gringo, admitindo que Jaguar Bill seja o chefe dos bandidos, não podia assassinar o ranchman senão para roubar. Ora,
há pouco, examinei rapidamente o corpo da vítima e pude verificar que conservava ainda o relógio e a carteira.
Nessas condições, por que teriam eles fugido?
- Fred foi-se embora simplesmente porque lhe repugnava viver sob o mesmo tecto que a madrasta, que ele detestava cordialmente!...
- Então, como explica a presença do revólver a poucos passos do corpo de Richard Silander?
- É muito possível que tenham surripiado a arma ao rapaz, retorquiu o homem dos olhos claros.
- Estamos em plena fantasia... E El Gringo, por que teria ele desaparecido no momento preciso em que Richard foi abatido?
- Então, sheriff... Ponha-se no lugar dele. Suponha que ele tenha vindo para o Texas a fim de dar um novo rumo à vida. A má sorte envolve-o num drama. Então, pouco
desejoso de arranjar complicações, põe-se ao fresco. Não é mais confuso que isto...
- É uma suposição absolutamente gratuita.
- Uma suposição que pode muito bem tornar-se numa certeza.
- Para um simples cow-puncher, você parece-me muito desembaraçado.
- Meu Deus, basta raciocinar um pouco e não se deixar levar por simples impressões!
Bill Neal parecia surpreendido pela lógica do companheiro, mas este acabava de exclamar:
- Uma luz!... Ali, diante de nós!...
O representante da autoridadje olhou imediatamente na direcção que o ranger indicava, e avistou um ponto luminoso, destacando-se entre o maciço de árvores,
- Há ali uma cabana que serve de abrigo aos cow-punchers do Trez Lírios, disse o sheriff.
- Vamos ver, no entanto, retorquiu Catamount. Está lá alguém. Talvez nos possam dar alguma indicação. Veremos se foi notada a passagem de Fred Silander ou de El
Gringo.
O grupo apressou o passo dos cavalos, e depressa chegou junto da cabana. Era um casinhoto construído com toros de madeira e que tinha por telhado uma simples chapa
de zinco ondulado.
- Parem... murmurou o sheriff logo que chegou a uns quinze passos da cabana.
Imediatamente, Catamount e o posse se apearam. O sheriff, mal pôs pé em terra, tirou o Colt, e dirigiu-se para a porta.
Em poucos instantes, os recém-chegados alcançaram-na. Catamount avançava imediatamente atrás do sheriff. Não tinha tomado a precaução de tirar o seu revólver, mas
os seus olhos não desfitavam a janela. A luz de petróleo, que iluminava o interior da casa, avistava um homem sentado. De costas voltadas para a janela, o ocupante
do refúgio parecia absorvido em profunda reflexão. Mas, tendo o
sheriff tropeçado numa pedra e provocado um ligeiro ruído, o Ocupante da cabana voltou-se bruscamente. Catamount, que nesse momento se inclinava para a janela, reconheceu Fred Silander.
IX
Interrogatório
Durante uns momentos, o rapaz ficou imóvel, interdito. Num gesto instintivo, levou a mão ao coldre que lhe pendia sobre a anca direita. Uma exclamação surda escapou-lhe
quando descobriu que o revólver tinha desaparecido, mas Bill Neal já passava a soleira da porta:
- Sou eu. Neal, disse ele. Eu e os meus homens. Andávamos à sua procura.
- À minha procura? repetiu Fred Silander com um tom mal-humorado. É muito amável, sheriff, mas não tenho a mais leve necessidade dos seus serviços.
- Não se trata de serviços, Sr. Silander, retorquiu imediatamente o representante da autoridade. Apenas queríamos que nos desse uns esclarecimentos...
- Esclarecimentos? repetiu de novo o rapaz, cada vez mais espantado.
Uns após outros, os auxiliares do sheriff iam aparecendo à porta da cabana, conservando muitos o Colt na mão, de modo que Fred não pôde deixar de exclamar, depois
duns segundos de hesitação.
- Em verdade, dir-se-ia que vêm dispostos a prender um criminoso. No entanto, não vi ninguém que tivesse ares suspeitos, asseguro-lhes.
- Era a si que procurávamos. Sr. Silander, precisou tranquilamente Bill Neal.
Um sorriso amargo crispou as feições do rapaz.
- Ah! compreendo, murmurou ele... O meu pai imagina que eu consentirei em voltar ao rancho, debaixo de escolta, para apresentar desculpas! Engana-se redondamente.
Já não sou uma criança, tenho vinte-e-cinco anos, e a minha decisão está tomada. Enquanto essa Flora estiver no Trez Lírios, não tornarei a pôr lá os pés. Saibam
todos que preferirei ir para o fim do mundo e enfrentar os maiores perigos a viver com essa criatura.
O rosto do rapaz congestionava-se à medida que ia dizendo estas palavras. Catamount e os seus vizinhos puderam mais uma vez verificar a que ponto chegava o ódio
que ele tinha à Rainha do asso. E, como os recém-chegados permanecessem perplexos, Fred continuou:
- Meu pai pode ser suficientemente ingénuo para se deixar enganar por essa mulher. Por meu lado, já lhe vi o jogo. É a última das aventureiras, e talvez não esteja
longe o dia em que lhe terão de pôr as algemas. E, então, a desonra recairá também sobre aquele que lhe deu o nome. Avisei-o muitas vezes, mas nessa altura será
tarde de mais. Seja o que Deus quiser! A minha consciência está tranquila. Sei que cumpri o meu dever.
Fred Silander falava, profundamente emocionado. Tinha-se levantado e olhava fixamente o sheriff e os seus acólitos. Catamount não se movia, continuando a observar
o rapaz. Desde o primeiro instante, havia ficado impressionado com a sinceridade da sua atitude. Fred parecia ignorar completamente o fim horrível de seu pai.
O sheriff interrompeu o rapaz com um gesto. Parecia bastante embaraçado.
- Tem que nos seguir, Sr. Silander, disse ele.
Voltar ao Trêz Lírios. Há efectivamente a maior urgência nisso.
Fred encolheu os ombros.
- Essa não pega! Já conheço o truque. Meu pai espera que eu faça marcha atrás. Pode crer que perde o seu ttempo. Estou cada vez mais decidido a sair desta terra.
- Vamos, Sr. Silander, não se faça ignorante. Trata-se de outra coisa. Não percebe?
Bill Neal fitava obstinadamente o seu interlocutor. Este último tinha-se imobilizado, um tanto ou quanto espantado, não desfitando o grupo que havia entrado no seu
refúgio. Pela atitude dos homens, o fugitivo compreendia que se tinha passado alguma coisa de anormal. Então, disse com um ar hesitante:
- Que aconteceu?... Kate...
- A sua irmã não tem nada com o que se passou, Sr. Silander. O seu pai...
- O meu pai?... Ah! Eu tinha adivinhado.
O rapaz ia de novo voltar à sua atitude de hostilidade, quando o sheriff, desejoso de acabar com aquele equívoco, declarou:
- Uma desgraça tremenda abateu-se sobre o Trez Lírios, Sr. Sílander...
- Uma desgraça tremenda?...
- O seu pai foi vítima duma tentativa de assassínio..
- Meu Deus!...
Uma palidez lívida espalhou-se nas feições do rapaz e Bill Neal pensou que ele devia ser um admirável comediante para esconder assim os seus sentimentos. Então,
desejando começar o interrogatório daquele que teimava em considerar culpado, declarou:
- By Jove, o senhor devia estar ao corrente da situação, visto que tudo se passou no momento em que saía do rancho.
- Não compreendo, disse surdamente o rapaz... ou, pelo contrário, parece-me que percebo de mais. Que quer o senhor insinuar com isso?
- Conhece este revólver, Sr. Silander?
Enquanto pronunciava estas palavras, o representante da autoridade mostrava um Colt de coronha de marfim... Durante uns momentos, Fred permaneceu calado, com os
olhos fixos na arma; depois, fitando o sheriff, disse:
- Esse revólver pertence-me... Acabo de reparar neste instante que o tinha perdido.
- Certamente perdeu-o depois de se ter servido dele...
.- Está enganado, sheriff! Há muito tempo que não faço fogo com essa arma.
- Permita-me que lhe prove o contrário. Veja com os seus próprios olhos que lhe falta um cartucho.
Fred Silander pegou no Colt e verificou o tambor. A sua volta, o circulo dos auxiliares do sheriff fechava-se insensivelmente. Os homens temiam qualquer manha do
rapaz e dois ou três, de entre eles, apontavam as armas na sua direcção, mas Fred. continuava a examinar atentamente o revólver...
-- Efectivamente, falta um cartucho, disse por fim. No entanto, posso afirmar que não fui eu que o disparei.
- Tem a certeza disso?
- Por que está constantemente a duvidar das minhas palavras? Isso já se começa a tornar exasperante...
Fred Silander começava a irritar-se visivelmente com a atitude desconfiada dos seus visitantes:
- Acabemos com isto!... Digam-me toda a verdade, estou farto dessas insinuações estúpidas.
- Pois bem, Mr. Silander, declarou o sheriff, vou ser franco. É de resto inútil querer brincar
Ao mais esperto connosco. Melhor seria entrar na via das confissões. Sabe muito bem para que serviu o seu Colt. Encontrámo-lo perto do corpo de seu pai...
- Perto do corpo de meu pai?
Catamount, que não tinha deixado de observar o rapaz, pôde notar o doloroso espanto que se lhe desenhou na fisionomia.
- God! exclamou por fim Fred... com uma mulher daquelas, isto não podia acabar doutra maneira!
E, antes que o sheriff lhe pudesse fazer outra pergunta, o rapaz inclinou-se ansiosamente para ele:
-- Em nome do céu, sheriff conte-me tudo. Serei corajoso, prometo-lhe. Ai de quem abateu meu pai... Estou decidido a persegui-lo até a morte.
-. Não se exalte! interrompeu Bill Neal. Está muito iludido sobre a gravidadje da situação. Saiba que, neste momento, há graves suspeitas a seu respeito.
- Explique-se... não o entendo.
- Não lhe disse já que este revolver foi encontrado perto do corpo de seu pai? Faltava um cartucho. Encontrámos a cápsula no chão... E .como fomos testemunhas da
violenta discussão que houve entre os dois...
- Magnífico! Compreendo tudo agora. De modo que imaginam que fui eu...
Fred Silander ficou um momento atordoado. O golpe que recebera tinha sido muito rude. Bill Neal pensou por momentos que ele ia, enfim, confessar.
- Vamos, diga a verdade, insistiu o sheriff: evitaria muitas complicações.
- Proíbo-o de me acusar, ouviu bem, sheriff? Sobre tudo o que há de mais sagrado, juro-lhe que não tenho nada que ver com esse assunto. Realmente,
meu pai e eu não estávamos de acordo, mas eu não me coibi de lhe expor as minhas razões diante de toda a gente. À presença daquela velhaca, que quer ditar leis no
Trez Lírios, tinha-me posto num estado de exasperação enorme. Mas daí a cometer um crime tão abominável... Pergunto a mim mesmo como chegou o senhor a atrever-se
a insinuar uma coisa dessas!
O rapaz estava indignadíssimo; Catamount compreendeu que a sua atitude era sincera,
Bill Neal deve ter-se sentido impressionado com a vigorosa resposta do seu interlocutor, pois murmurou :
- De todo o coração, Sr. Silander, desejo que isso seja assim. No entanto, terá de concordar que a presença do revólver perto do corpo de seu pai...
- Acabo de notar o desaparecimento da arma. Bill Neal recordou-se da expressão de surpresa
do rapaz quando levara a mão ao coldre. Nessas condições, disse:
- Então, o Colt ter-lhe-ia sido roubado antes da sua partida...
- Não vejo outra solução!
com as sobrancelhas franzidas, Fred Silander parecia querer recordar-se do que se tinha passado. Os visitantes esperavam em silêncio à sua volta. Bruscamente, o
rapaz teve uma exclamação:
- Lembro-me agora... Quando deixei o rancho, depois da discussão que tive com meu pai...
- E então? perguntou o sherif, intrigado.
- Atravessava o pátio no escuro, debaixo de chuva, quando esbarrei violentamente com alguém que vinha em sentido contrário... O homem balbuciou algumas desculpas...
- Viu quem ele era?
- Impossível. A escuridão era muito grande. Ainda por cima tinha pressa em abandonar o Trez
Lírios. A minha precipitação era tal que me esqueci mesmo de me despedir de minha irmã.
- Miss Silander disse-me efectivamente que tinha ficado espantada com isso, replicou por sua vez Catamount, que até aquela altura havia escutado sem dizer palavra.
.- Esse indivíduo podia muito bem, quando esbarrou comigo, ter-me roubado o Colt, continuou então Fred Silander.
- E quando o senhor foi buscar o seu cavalo, não deu por nada?
- Por nada, dou-lhe a minha palavra. Mas, por amor de Deus, expliquem-me... Quero saber tudo.
A voz do rapaz tremia com a emoção... Então, o sheriff apressou-se em pô-lo ao corrente dos trágicos acontecimentos que se tinham desenrolado no rancho depois da
sua partida. Quando Bill Neal acabou, o rapaz disse:
- É ela que está por trás disto tudo, tenho a certeza.
- Vejamos, disse o sheriff. com certeza não vai supor que é Flora Silander a culpada.
- isto é mais forte do que eu... julgo-a capaz de todas as vilanias.
- Devia saber melhor que ninguém que é perigoso uma pessoa basear-se em simples hipóteses. Ainda há pouco, pesavam sobre si as maiores suspeitas; desejo preveni-lo
de que ainda não está nada esclarecido. Até nova ordem, tem que se manter à disposição da justiça.
- Mais uma vez lhe digo que é indecente e escandaloso acusar-me do assassínio de meu pai. Evidentemente, se fosse necessário, não hesitaria em abater essa mulher
como a um animal daninho mas pensar que eu poderia matar o meu pai!...
- No entanto, as frases violentas que lhe disse, as suas mal dissimuladas ameaças...
- Considerava que meu pai era mais para lamentar do que para repreender, e imaginava que essa aventureira lhe traria desgraça. Sentia-me exasperado com a sua cegueira.
Ponham-se no meu lugar.
O rapaz calou-se durante uns momentos; depois, acrescentou:
- Fica então entendido, sheriff. A partir de hoje, fico à disposição da justiça. Vamos voltar para o rancho imediatamente.
Fred Silander mostrava-se nesse momento tão decidido a voltar como, pouco antes, a não pôr lá mais os pés.
- É necessário descobrir a verdade a todo o preço; nem que eu tenha que sucumbir, garanto-lhes que os ajudarei a demonstrá-la. E hei-de perseguir o culpado implacàvelmente.
- Tenha um pouco de calma, Sr: Silander. Não se abandone dessa maneira à sua indignação. Tanto mais que há um outro sobre quem pesam suspeitas.
- Um outro?
- Já ouviu falar dum certo El Gringo?
- Não se trata dum bandido que no ano passado deu muito que falar do outro lado da fronteira?
- Exactamente.
-- E acredita que esse homem tenha qualquer coisa que ver com a morte de meu pai?
- Desapareceu pouco depois da descoberta do corpo. E ,tudo leva a crer que ele se encontrava no local do crime quando, cobardemente, Richard Silander foi abatido
pelas costas. O rapaz abanou a cabeça, evasivamente: - Não vejo bem o que esse El Gringo possa ter que ver nisto tudo. À menos, evidentemente, que tenha agido sob
as ordens dessa mulher.
- Isso já começa a tornar-se uma obcecação,
protestou o sheriff. Que interesse poderia ter a sua madrasta, no próprio dia do seu casamento...
- Que interesse? Mas é evidente, e admiro-me de que ainda não tenha visto isso, sheriff, sendo um fino psicólogo como é. Desaparecendo o meu pai, Flora fica de repente
à cabeça duma fortuna enorme. Pode dar ordens no rancho como senhora e rainha.
- Ainda seria necessário para isso que seu pai tivesse feito um testamento.
- O (testamento existe, pode estar certo. Aquela mariola soube tomar as suas precauções. E verá que num futuro muito próximo me há-de dar razão.
.- Richard Silander não há-de ter esquecido os filhos.
- Se eu lhe digo que ele estava completamente enfeitiçado! Não via senão pelos olhos dela, não pensava senão pela cabeça dela, não procedia senão como ela queria!
O sheriff não insistiu.
- Temos que voltar ao rancho, disse ele. Já nos demorámos de mais.
- E El Gringo? (perguntou um dos cavaleiros.
- El Gringo? Retomaremos depois as pesquisas, disse raivosamente o sheriff,
Fred Silander acrescentou imediatamente:
- Penso que, se vigiarem de perto a bela Flora, não tardarão a encontrar o vosso bandido. A aventureira há-de ter procurado o concurso dum pistoleiro. A sua escolha
recaiu em El Gringo, eis tudo.
Sem esperar mais, o grupo deixou a cabana. Fred, que saiu em último lugar, apagou a lâmpada e, depois de ter montado, foi-se colocar à direita do sheriff.
A uma ordem deste, a cavalgada pôs-se a caminho. Durante quase todo o percurso, ninguém disse palavra. Só Catamount, que cavalgava imediatamente atrás de Fred, o
ouviu murmurar entre dentes:
-Custe o que custar, hei-de desmascarar aquela miserável!
O funeral do "Boss
Decorreram dois dias e duas noites. Misturado com o pessoal do Trez Lírios, Catamount tinha permanecido no rancho. A agitação do princípio, havia sucedido uma espécie
de torpor. Preparava se o funeral do boss.
Quando Fred voltou a casa, Kate, chorando, lançou-se-lhe nos braços.
-- Está descansada, disse então o irmão. Por mais alto que o assassino esteja colocado, saberemos castigá-lo e fazer brilhar a verdade.
Flora estava de pé, do outro lado da mesa. Nem sequer pestanejou ao ouvir estas palavras ameaçadoras e, no entanto, o olhar do rapaz tinha-se poisado nela com uma
insistência inquietante. Sustentou esse olhar, como que a aceitar o desafio desse adversário irredutível... Um gesto conciliador de Kate restituiu o silêncio à câmara-ardente,
onde ocriador dormia o seu último sono.
O sheriff tinha voltado a Éden com os seus homens. Quanto a El Gringo, continuava impossível de encontrar. Todas as tentativas para o prender haviam resultado infrutíferas,
e mesmo o ranger começava a temer que, cansado de tantas complicações, o aventureiro tivesse decidido acabar com a vida, como tantas vezes tinha mostrado vontade.
O dia do funeral chegou. Quando Catamount
saiu para o pátio do rancho, às primeiras horas da manhã, avistou Nick Wilson, que se dirigia para ele. O contramestre estava vestido de preto dos pés à cabeça e
avançava com um passo hesitante. Estendendo a mão na direcção do homem dos olhos claros, disse:
- A senhora quer-lhe falar, my boy. - A senhora Silander?
Uma ruga vincou a testa do ranger. Efectivamente, admirava-se do interesse que naquele momento lhe testemunhava a viúva, mas, como o contramestre insistisse, resignou-se
a segui-lo e, três minutos depois, entrava no pequeno escritório que, de momento, a nova dona do Trez Lírios ocupava.
Flora Silander estava pronta. Tinha abandonado o trajo masculino que normalmente trazia, e arvorava os mais compungidos véus de viuvez. No primeiro instante, Catamount
perguntou a si mesmo se ela seria a mesma pessoa.
- Queira entrar, Sr. Harding, disse ela simplesmente.
Enquanto Nick Wilson se afastava, depois de ter fechado a porta, o ranger dava voltas ao seu chapéu e instalava-se na cadeira que a Rainha do lasso lhe indicava.
- Antes da triste cerimónia que se vai desenrolar, queria falar consigo, Sr. Harding.
- Falar comigo? retorquiu o homem dos olhos claros, bastante espantado. Porquê comigo, e não com outro qualquer?
Catamount tinha podido, na noite do casamento, enquanto dançavam, verificar o interesse que Flora lhe dedicava. Mas, depois, os acontecimentos tinham-se precipitado
de tal maneira que havia esquecido esse pormenor. Nick Wilson, que não ignorava a sua vontade de se alistar no rancho, tinha-o convidado a ficar, pelo menos até
depois do enterro.
Uma situação daquelas permitia-lhe continuar o seu inquérito com a maior discrição.
A voz grave da sua interlocutora arrancou depressa o ranger às suas reflexões.
.- Mandei chamá-lo, Harding, porque notei que o senhor não é um cow-puncher como os outros.
Catamount reprimiu com dificuldade um estremecimento. Durante uns momentos, o ranger perguntou a si mesmo se a Rainha do lasso não teria surpreendido o seu segredo,
mas esta, depois de ter lançado o seu véu de viúva para as costas, prosseguiu :
- Tenho um certo jeito para a psicologia, Harding. A maior parte dos homens que me rodeiam não passam duns brutos sem a menor educação: seres primitivos em toda
a acepção da palavra. Tive ocasião de o observar. Estou convencida de que você não é um indivíduo desse género.
Por favor, minha senhora, basta de cumprimentos e de palavras inúteis. Onde pretende chegar?
Flora pensou durante uns momentos. À curiosidade que Catamount sentia, somava- se uma grande dose de desconfiança. Tinha a sensação de que queriam manejá-lo, de
modo que jurou a si mesmo jogar duro.
- Evidentemente que conhece a opinião de Fred Silander a meu respeito.
À Rainha do lasso decidia-se finalmente a falar na questão que a obcecava, de modo que o ranger respondeu um pouco embaraçado.
- Meu Deus, minha senhora. Sou um estranho nesta região, venho do Sul...
- Sei bem que vem do Sul; no entanto, até uma criança compreenderia os sentimentos que o meu enteado nutre a meu respeito.
E, deixando escapar um profundo suspiro, a Viuva prosseguiu:
- Evidentemente, compreendo a atitude de Fred e da irmã. Conservam piedosamente a recordação de sua mãe, e consideram-me uma intrusa. Mas o que não posso admitir
é que me acusem abertamente de ter instigado esse assassínio.
-, Compreendo a sua emoção, retorquiu Catamount, mas admiro-me de receber essas confidências da sua boca. Vim aqui procurar um emprego... E tudo o que a senhora
diz, apenas pode interessar ao sheriff.
- O sheriff é um imbecil, enquanto você me parece um homem corajoso e inteligente. É por isso que, neste doloroso dia, não hesito em me confiar a si, a si que sei
valente e desinteressado.
O homem dos olhos claros continuava a manter a maior reserva. O interesse que a Rainha do lasso manifestava parecia-lhe anormal.
- Sinto-me envaidecido com a sua confiança, minha senhora, disse. No entanto, não vejo bem como poderei tornar-me útil...
- É absolutamente necessário acabar com este detestável equívoco. Há três dias que me sinto rodeada duma atmosfera de suspeitas. Alguns chegam mesmo a considerar-me
uma assassina.
- Desde que nada tem a censurar-se, por que dá tanta atenção a caluniadores?
- Desejo que a minha reputação se mantenha intacta. Esta noite, serei a única dona do rancho. Você ficará aqui. Dei as necessárias instruções ao contramestre. Admiti-lo-á
na qualidade de cow-pun cher. No entanto, fica bem entendido que esta formalidade servirá apenas para manter as aparências. Na verdade, não ficará aqui senão para
tentar fazer luz sobre a morte de meu marido.
O ranger não respondeu imediatamente. Perguntava
a si mesmo se aquela proposta não ocultaria uma armadilha. Adivinhando a hesitação, Flora Silander acrescentou:
- Evidentemente que não olho a despesas. Estou disposta a satisfazer todas as suas exigências, para que sejam destruídas as calúnias de Fred Silander. Deseja receber
quinhentos dólares por mês?
Catamount não pôde evitar um assobio de admiração.
- Quinhentos dólares? By Jove! A senhora é generosa...
- Dou um preço inestimável à minha reputação. De modo que aceita, não é verdade?
- Evidentemente que aceito! Mas apenas pelo prazer que lhe dou.
- Ora ainda bem!
O rosto crispado da mulher descontraiu-se imediatamente e, como estendesse a mão ao seu companheiro, o ranger apertou-a vigorosamente.
- Tenho confiança em si, disse Flora. Sei que conseguirá a vitória. Agora, separemo-nos. Poderiam -reparar na sua visita, e isso despertaria suspeitas.
- Não tenha medo. Saberei ser discreto. - Acabará com essas odiosas insinuações? - Farei brilhar a verdade.
A conversa ficou por ali. Catamount levantou-se ao mesmo tempo que a sua interlocutora, que o acompanhou à porta. Quando esta se fechou nas suas costas e se sentiu
só na escada, o ranger ainda estava espantado com a cena que tivera com Flora.
Por que diabo se terá ela dirigido a mim, em vez de o fazer a outro qualquer? perguntou ele a si mesmo.
com a mão no corrimão, o homem dos olhos
claros descia devagar, quando notou que alguém subia a escada.
Catamount reconheceu Fred Silander, O rapaz estava vestido de preto dos pés à cabeça. Levantando o rosto, o recém-chegado deixou escapar uma exclamação.
Os dois homens pararam e, imediatamente, o ranger leu a expressão de desconfiança que se desenhou na cara do seu vizinho. Fred ia fazer perguntas sobre as razões
da sua presença naquela parte da casa ocupada por Flora. No entanto, conteve-se, resmungando umas tantas palavras que o homem dos olhos claros não conseguiu compreender,
e acabou de subir, enquanto Catamount descia até ao rés-do-chão.
Uma grande efervescência reinava no pátio quando o ranger apareceu. Carros de toda a espécie alinhavam-se diante dos edifícios. Chegavam grupos de cavaleiros dos
ranchos vizinhos, e os numerosos amigos de Richard Silander.
Catamount depressa se perdeu no meio de toda aquela agitação.
Na sala do rés-do-chão, onde pouco antes se celebrara o casamento de Rlichard Silander, descansava agora o seu corpo. Conforme a vontade do defunto, não se viam
flores. Apenas, sobre o caixão, o seu chapéu e as suas esporas. Richard Silander queria ser enterrado como um cow-boy e a sua vontade tinha sido respeitada.
No quarto, as visitas dividiam-se em dois grupos. Kate e o irmão mantinham-se longe de Flora. Esta última, muito direita nos seus véus de viuvez, mal respondia às
palavras de consolação que lhe dirigiam.
No entanto, um observador atento poderia notar que um certo número de assistentes evitava de passar perto da Rainha do lasso, contentando-se em
ir apertar a mão a Fred e à irmã. Eram principalmente as famílias vindas de Éden, os ranchmen das propriedades vizinhas, com as suas mulheres. Perante a hostilidade
que toda aquela gente mostrava para com ela, perante a simpatia que todos manifestavam para com os dois órfãos, Flora compreendeu que teria muito que trabalhar para
conseguir modificar as opiniões.
Já lá fora se organizava o cortejo. À frente, o pessoal do rancho, conduzido por Nick Wilson e Jorry Stein. Catamount, que tinha ido procurar Mesquita curral, incorporou-se
no préstito.
Um carro esperava diante da porta. Era a carreta funerária que devia levar Richard Silander à sua última morada.
O caixão não tardou a aparecer no meio da porta, trazido em ombros por seis vigorosos vaqueiros, e imediatamente seguido por Flora, Fred e Kate.
Todos os cow-punchers estavam de cabeça descoberta, fazendo alas. Catamount, montado em Mesquita, acompanhava os cavaleiros do Trez Lírios.
De momento, o homem dos olhos claros estava subordinado a simples conjecturas. O desaparecimento de Jaguar Bill, o interesse singular que a Rainha do lasso lhe dispensava,
a hostilidade de Fred, tudo isso constituía pontos a esclarecer. O facto de Flora o tentar atrair ao seu jogo intrigava-o particularmente. Aquela direcção inesperada
que os acontecimentos tomavam iria simplificar a sua tarefa ou, antes pelo contrário, comupl:icá-la perigosamente?
Catamount pensava nos olhares que a mulher lhe dirigira, e uma pergunta não lhe abandonava o espírito:
- Ter-me-á ela reconhecido? Aquela pressa
em me tomar ao seu serviço não será apenas um processo de me distrair?
O ranger não se deixava apanhar desprevenido com facilidade. No entanto, não podia deixar de compreender as complicações que trazia a morte de Riiichard Silander.
As apreensões de Fred realizavam-se, e corria, cada vez com mais insistência, que o defunto tinha legado a totalidade dos seus bens a Flora. Fred e Kate recebiam
apenas um pequeno rendimento. No meio do cortejo, grande número de pessoas censurava o criador, que, com tanta facilidade, havia deserdado os filhos em favor duma
aventureira que ninguém sabia de onde viera.
Desde que chegara ao rancho, o ranger não tinha deixado de observar os seus companheiros. Nick Wilson e Jorry Stein obedeciam cegamente à sua nova patroa, e a maior
parte dos cow pun chers parecia igualmente disposta a satisfazer os seus desejos. Somente alguns velhos cavaleiros, no meio dos quais se distinguia particularmente
um tal Markus Ben, não se importavam de criticar abertamente a atitude da Rainha do lasso. Uns dez homens aprovavam francamente a atitude de Fred e de Kate. Muitos
deles falavam mesmo em abandonar o rancho, no momento em que Richard Silander repousasse na sua sepultura, em Éden.
Uma ligeira névoa parecia cobrir o céu, vulgarmente tão límpido. Ouvia se perfeitamente o ruído das patas dos cavalos, acompanhado pelo ranger dos eixos e pelo ronronar
dos motores.
Finalmente, Éden apareceu aos olhos dos cavaleiros. Logo que se meteram pela rua principal da cidade, uma multidão considerável veio engrossar o cortejo e, poucos
minutos depois, a igreja era pequena de mais para conter toda a gente que se tinha incorporado no préstito. Mais uma vez, Catamount, que se havia separado do restante
pessoal do rancho, pôde ver a sensação provocada pelo assassínio do ranchman, A gente da terra dividia-se em dois grupos de importância mais ou menos igual. Uns,
acreditando que Richard Silander tinha sido assassinado por causa da aventureira; os outros, firmemente convencidos de que fora Fred que abatera o pai. E se alguém
pronunciava o nome de el Gringo, era para o julgar um assassino profissional, às ordens da Rainha do lasso.
Catamount abanou a cabeça. Via a enormidade da tarefa que Flora lhe tinha confiado. Teria muito que fazer para convencer os incrédulos da inocência daquela mulher.
E os ânimos estavam tão exaltados que era de temer que dum momento para outro se produzissem conflitos entre os membros dos dois partidos.
As discussões cessaram quando, trazido por seis homens, o caixão saiu da igreja. Acabada a cerimónia religiosa, o préstito ia tomar o caminho do cemitério. A multidão
começou a deslocar-se silenciosamente. com alguns apertos e alguns encontrões, os assistentes dirigiram-se para a necrópole.
Perto do jazigo onde descansava sua mãe, Kate e Fred receberam as condolências de toda a multidão. A rapariga esperava, muito direita, enquanto o irmão, com os olhos
cheios -de lagrimas, demonstrava nos traços duros uma resolução feroz.
Quando os dois acabaram de apertar a mão aos últimos acompanhantes. Fred, avistando Bill Neal, que estava a poucos passos, dirigiu-se-lhe e disse-lhe, com uma Voz
que tremia com a emoção:
- Desejo repetir-lhe que estou à sua inteira disposição, sheriff. Minha irmã e eu, a partir de hoje, habitamos no Hotel Glória.
- O quê? espantou-se o representante da autoridade. Não voltam para o rancho?
- Não! Enquanto a situação não estiver completamente
esclarecida, retorquiu o rapaz. No entanto, saiba que estou cada vez mais disposto a fazer luz sobre este triste assunto.
E, antes que Bill Neal pudesse dizer uma palavra, Fred acrescentou:
Pode ter a certeza de que voltaremos brevemente para lá, com muito mais brevidade, mesmo, do que muita -gente julga.
Enquanto pronunciava estas palavras, o rapaz dirigia um olhar de través para Flora, que, muito digna, subia para o seu automóvel.
Catamount, que se dirigia para a porta do cemitério a fim de ir buscar Mesquita, surpreendeu um olhar de cumplicidade que lhe dirigia a sua nova patroa. Agora que
a cerimónia tinha acabado, Flora recordava ao seu novo recruta que contava com ele para restabelecer em seu favor uma situação que se anunciava muito delicada.
XI
Explicações
- Resumindo, minha senhora. Há oito dias que o senhor Silander foi abatido em circunstancias misteriosas, e ainda não avançámos um passo para a descoberta da verdade.
Catamount acabava de entrar no escritório que em tempos servira de quartel-general ao ranchman. Agora, era a Rainha do lasso que ali estava instalada. Tudo permanecia
na mesma. A viúva desejara conservar o escritório como o seu marido o queria em vida. Móveis, gravuras, até os livros, cobertos duma espessa camada de poeira, tudo
ficara na mesma. Apenas os retratos de Fred e de Kate, que
o criador tinha em grande evidência em cima da secretária, tinham desaparecido.
Flora já não trazia o vestido preto e o seu longo véu. Vestia de novo um trajo masculino, mas tudo, desde as botas ao lenço, era rigorosamente preto. A cor escura
ainda realçava mais a sua notável beleza. Sentada por trás da secretária, numa poltrona confortável, observava o ranger enquanto este lhe comunicava a decepção que
tivera por nada ter descoberto.
com Um gesto, a Rainha do lasso indicou ao ranger a cadeira que lhe ficava em frente, do outro lado da secretária.
- Quando aceitei o seu oferecimento, prosseguiu Catamount sentando-se, estava decidido a proceder depressa. Queria, a todo o preço, acabar com as intrigas que se
desenfreavam à sua volta. Foi precisamente essa razão que a levou a contratar-me. Pois bem, desde que estou no Trez Lírios, por melhor que conduza o meu discreto
inquérito, não avisto a mais pequena luz. Tenho a impressão de que estou a trabalhar no meio de nevoeiro. Dir-se-4a que o diabo tenta desfazer os meus projectos.
- Dirigi-lhe, por acaso, a mais leve censura a esse respeito?
A atitude de Flora era afável, mas Catamount não .parecia satisfeito, e foi com mau modo que retorquiu:
- Quando começo qualquer trabalho, minha senhora, tenho o costume de o levar ao fim no mais curto espaço de tempo.
- Tem razão. Gosto dos homens expeditos.
- Mas, repito-lhe. Desde que estou aqui, tenho a impressão de que o pessoal do rancho, longe de me facilitar o trabalho, se empenha em o complicar.
- No entanto, eu dei ao contramestre e aos cow-punchers todas as instruções necessárias.
- O contramestre... Foge de mim como o diabo da cruz. Parece que tenho alguma doença contagiosa.
E, como a sua interlocutora parecesse manifestar um certo espanto, Catamount acrescentou:
- Quem é ao certo esse Nick Wilson? Que fazia ele antes de trabalhar aqui?
Flora Silander fez um gesto evasivo.
- Tenho mais que fazer do que conhecer o curriculum vitae de todos os meus empregados. De resto, não passo duma recém chegada ao rancho. Fred Silander e a irmã poderão,
muito melhor do que eu, informá-lo de tudo o que necessitar.
- Sabe muito bem que eles se instalaram em Éden, no Hotel Glória.
Vá lá vê-los.
-- Já lá fui por três vezes. Em todas se recusaram a receber me. Pensaram que eu vinha da sua parte.
O rosto de Flora contraiu-se.
- Naturalmente. Não desarmam. Para aqueles dois insensatos, serei sempre a intrusa, a inimiga. Quem sabe as abomináveis calúnias que eles terão lançado a meu respeito!
Durante uns momentos, permaneceu silenciosa; depois, prosseguiu:
- E, afinal, podia-se resolver tudo amigavelmente. Há aqui lugar para todos, e estou cada vez mais decidida a respeitar os direitos dos filhos de Richard. No entanto,
recuso-me a capitular diante deles e a retirar-me como uma criminosa. Foi de livre vontade que eles abandonaram o rancho. Sabe isso tão bem como eu.
- Certamente que o sei, minha senhora, mas essas considerações afastam-nos da questão principal. Se quer acabar com esta situação, que classifica
de intolerável, é necessário fornecer-me todas as informações,
- Mas, finalmente, que informações deseja? Disse-lhe tudo o que sabia acerca da morte de meu marido.
- O assassínio de seu marido não passa dum simples episódio. Outros acontecimentos igualmente estranhos se produziram no rancho. Estou persuadido de que esses acontecimentos
estão estreitamente ligados com o problema que tento agora resolver.
Catamount falava calmamente. Mais uma vez, abordava o verdadeiro motivo da sua missão. Flora fez um gesto.
- Não ignora certamente, minha senhora, insistiu o ranger, que eu procurava um emprego quando me vi metido no problema que a atingiu tão de perto. Por consequência,
tinha-me informado acerca do Trez Lírios, e cheguei mesmo a ouvir dizer que o rancho estava enfeitiçado.
- Enfeitiçado? disse Flora, com um sorriso de troça. Você é homem para acreditar nessas histórias tontas?
- Não sou supersticioso, retorquiu o homem dos olhos claros. No entanto, essa reputação feita ao rancho não deixou de me intrigar. Por várias vezes, pessoas que
encontrei no caminho me aconselharam a procurar outro rancho mais sossegado. Tentei obter mais esclarecimentos, e soube que se produziram factos estranhos no Trez
Lírios. Desapareciam centenas de cabeças de gado sem que se pudesse explicar por onde elas tinham passado. Os cow-punchers eram vitimas de agressões inexplicáveis...
- Efectivamente, Richard falou-me várias vezes em tudo isso, e esses acidentes preocupavam-no muito. O sheriff fez mesmo um inquérito.
- Também principiou outro para a descoberta do assassino do seu marido, e não me parece que tenha sido muito feliz.
- É verdade, esse Bill Neal não tem sorte nenhuma. Todos os inquéritos que dirige acabam em nada...
- Há muito pobre diabo que parece assim marcado pela fatalidade, E esse Bill Neal parece-me muito mais interessado em conseguir a sua reeleição do que em desmascarar
os bandidos que saqueiam esta região. Mas se voltássemos ao que nos interessa? Estou convencido de que os assassinos de Richard Silander são os mesmos bandidos que
já tanto deram que falar.
- Tomei-o ao meu serviço, Harding, para fazer luz sobre este caso, e assegurar a minha reputação...
- É por isso que tenho o maior interesse em que isto tudo se resolva com a máxima rapidez. Sinto-me furioso por estar a marcar passo. Logo depois do enterro, meti-me
ao trabalho. Percorri o rancho em todas as direcções. Não estou mais adiantado do que no primeiro dia.
- com grande pena minha, não lhe posso dizer nada sobre os acontecimentos que o preocupam. Já tentou falar com o sheriff?
- Se Bill Neal tivesse qualquer informação de interesse, trataria de a usar imediatamente em seu proveito. De resto, não se esqueça de que me aconselhou a manter
a maior discrição. É na qualidade de cow-puncher que eu estou aqui. As minhas pesquisas não devem levantar suspeitas. Até aqui, enquanto trabalhei, fi-lo a título
de recensear o gado, e verificar se todos os animais traziam a marca do Trez Lírios...
- Estamos de acordo. Mas no meio disto tudo, que faz o seu compadre?
- O meu compadre?
Catamount estremeceu. Tinha surpreendido o ligeiro sorriso que crispara os lábios da sua interlocutora. Esta acrescentou:
- Sabe muito bem. Quero falar de El Gringo. - Certamente não ignora que esse indivíduo,
que eu encontrei por acaso no caminho, nunca mais foi encontrado. Todas as pesquisas feitas pelo sheriff nesse sentido não deram qualquer resultado.
- E as suas também não?
- E as minhas também não. Mas por que me olha dessa maneira? Duvida acaso da minha palavra?
- Longe de mim tal ideia, Harding; no entanto, parece-me que você sabe muito mais sobre esse companheiro de acaso do que quer dizer. Não será verdade ?
- Não compreendo o que pretende insinuar.
Os dois contendores defrontavam-se com o olhar. Flora parecia querer descobrir os mais secretos pensamentos do seu novo apaniguado, mas, como o ranger permanecesse
impenetrável, disse:
- Você estava com ele antes do desenrolar do drama, não o esqueço. No entanto, em vez de o acusar diante do sheriff, fez tudo o que pôde para desviar as suspeitas
de cima dele. Quando Bill Neal e o seu posse partiram em sua perseguição, era tarde de mais. Não acredita que perseguindo esse homem de passado duvidoso teria muitas
probabilidades de encontrar o assassino?
- Não sou dessa opinião, minha senhora. Tenho mesmo muitas razões para supor que esse tal el Gringo não tem nada que ver com a morte de seu marido.
E, como Flora se mostrasse incrédula, prosseguiu:
- Cada vez estou mais convencido de que o
assassino se encontra dentro dos muros deste rancho.
- Que espera então para o desmascarar? Essas palavras apenas contradizem as suas afirmações de há pouco,
- Vim à procura de explicações, mais nada. Desde que não mas pode fornecer, irei procurá-las, a outro lado. E peço-lhe que me desculpe de a ter incomodado...
- Não me incomodou nada...
- Haja o que houver, a minha decisão está tomada. Farei o que puder para desmascarar os culpados.
Catamount levantou-se e dirigiu-se para a porta. Quando esta se fechou nas suas costas, imobilizou-se, pensativo. À conversa que acabava de ter, e que se afirmara
tão inútil, prolongava aquela atmosfera de mal-estar em que evoluía desde que entrara para o Trez Lírios.
Enquanto dava os primeiros passos no pátio, Catamount esforçou-se por fazer o ponto. Sem dúvida, até ali, toda a turma do rancho, de Nick Wilson a Jorry Stein, o
tinha acolhido amigavelmente; no entanto, sentia a impressão de que a sua presença era desagradável para aqueles homens. Tinha várias vezes surpreendido olhares
de inteligência, certas expressões de cepticismo... Os sorrisos e as brincadeiras que lhe dirigiam não chegavam para desanuviar o ambiente de suspeição, quase de
hostilidade.
Por sorte, o ranger sabia defender-se contra qualquer tentativa imprevista. Sentía perfeitamente que o rodeava um perigo imediato, que dum momento para outro se
podia abater sobre ele.
Até ali, nada se tinha passado de anormal, mas aquela semana de sossego não o deixava criar ilusões e a cada momento esperava que os acontecimentos
se precipitassem. A atitude simultaneamente evasiva e desconcertante da Rainha do lasso dava-lhe que pensar.
Um ruído arrancou o homem dos olhos claros à sua meditação. Levantando a cabeça, avistou Nick Wilson, que se aproximava num passo despreocupado, de mãos nas algibeiras.
- Héllo Wilson! Queria dizer-lhe duas palavras.
- Estou ao seu dispor.
Catamount pôde notar uma expressão de inquietação no rosto do contramestre, mas Wilson recompôs-se depressa; tirou uma cigarreira da algibeira e estendeu-a ao ranger...
- Um cigarro?
- De boa vontade!...
Depois de acender o cigarro, Catamount fitou o seu vizinho.
- Diga-me uma coisa, Wilson. Qual é exactamente a sua Opinião sobre os acidentes que se produziram no rancho, antes da morte de Richard Silander?
O contramestre permaneceu durante um certo tempo de boca aberta, parecendo apanhado desprevenido pela pergunta do companheiro. O ranger continuou:
- Efectivamente, parece-me que o desaparecimento do boss não pôs um ponto final neste assunto,
- Isso diz respeito ao sheriff, respondeu Wilson a resmungar. Não vejo a que propósito íríamos meter o nariz no inquérito. As necessárias formalidades foram cumpridas.
- Oiça o que lhe digo, Wilson. Se eu estivesse no seu lugar, contramestre dum rancho onde se deram roubos de gado e assassínios, não me contentaria com cumprir as
formalidades. Não teria descanso enquanto não fizesse luz completa sobre
o assunto. Não se esqueça de que tem um interesse imediato na descoberta da verdade.
- Um interesse imediato? Que quer insinuar com isso?
O rosto do contramestre fechava-se, mas Catamount acrescentou com a maior naturalidade:
Quando andava à procura de trabalho, em Éden, fiz várias alusões ao Trez Lírios, e de todas as vezes me disseram: "Não vá para esse rancho. Passam-se lá coisas estranhas.
Terá uma grande decepção e até pode morrer".
- Parece que o senhor não tomou esses conselhos em conta, retorquiu Nick Wilson. E a prova é que se veio alistar cá...
- Certamente. Mas isso não me impede de sentir uma certa curiosidade.
Sacudindo a cinza do cigarro, Catamount prosseguiu:
Até aqui, não lhe tinha falado de tudo isto. Nunca nos encontrámos a sós, e o senhor não mostrava muita vontade de dar à língua, mas hoje aproveito a ocasião para
lhe pedir algumas explicações. Que pensa disto tudo?... Porque, sem dúvida, tem uma opinião formada...
- Evidentemente que tenho uma opinião.
- Gostaria muito de a conhecer.
Nick Wilson hesitou uns momentos antes de responder; depois, como o ranger não tirasse os olhos dele, disse:
- Quer esperar até hoje à noite?
Desta vez foi o ranger que ficou admirado com a réplica.
- Esperar até à noite? Mas porquê?
- Porque penso que se vão dar acontecimentos decisivos.
O contramestre teve um sorriso dúbio; depois,
pegando no braço de Catamount, soprou-lhe ao ouvido:
- Você caiu do céu. Estava mesmo a precisar dum ajudante.
- Dum ajudante?
O ranger mantinha-se sob reserva, pois a direcção que os acontecimentos tomavam deixava-o um pouco espantado. A atitude desconfiada do seu interlocutor desaparecera,
para se tornar cada vez mais amável. Os modos do contra-mestre tornavam-se cordiais, mesmo exuberantes. Lançando um rápido olhar à sua volta, para se assegurar de
que ninguém rondava nas proximidades, puxou Catamount para junto do poço, e fê-lo sentar perto dele, sobre a borda.
- Calcule que esta manhã, perto da colina de Black Turkey, encontrei uma pista... A minha atenção já fora -despertada pella presença de marcas suspeitas. Não tinha
falado disso a ninguém. compreende que é inútil alarmar toda a gente. Os tristes acontecimentos que se têm produzido provocaram uma impressão desagradável. E esse
imbecil do Markus Benn era muito capaz de arranjar complicações.
O ranger não ignorava que Markus Benn era o chefe do pequeno grupo favorável a Fred Silander e à irmã. Logo depois do enterro, tinha-se tratado da partida desses
homens, mas com grande desgosto de Nick Wilson, que desejava substituí-los por auxiliares mais dóceis, eles tinham decidido adiar a partida.
- Você é o primeiro a quem comunico estes pormenores, prosseguiu o contramestre. Esses sinais eram dum só homem. Viam-se muito bem, perto do vau de Black Turkey.
Uma inspecção minuciosa permitiu-me adquirir a certeza de que não são sinais de ninguém do rancho. Efectivamente, há
uma série de pormenores que não permitem enganos. Primeiro, sei que ninguém da equipa do rancho se dirigiu para ali. Os animais vão para outros lados, pois a erva
ali não está em condições.
- De modo que concluiu que esse indivíduo podia muito bem ter desempenhado um papel importante nos acontecimentos que se desenrolaram no rancho?
- Você o disse! E é por isso que lhe vou fazer uma proposta que satisfará igualmente a sua curiosidade e o seu desejo de actividade. Hoje, depois de cair a noite,
encontrar-nos-emos perto do curral. Naturalmente, não comunicaremos nada aos outros. Depois, partimos à descoberta, e tenho a certeza de que encontraremos qualquer
coisa de interessante. Uma pequena inspecção permitiu-me verificar que a pista se dirige para o alto do monte. Existe no flanco da montanha uma galeria duma mina
abandonada há perto de cinquenta anos. Deve ser aí que se esconde o bandido. Iremos surpreendê-lo, e tenho a certeza de que ele lhe poderá fornecer as explicações
que você deseja, e que eu não lhe posso dar,
Catamount aceitou imediatamente o oferecimento.
Nick Wilson leVantou-se.
- Não fiquemos muito tempo juntos, recomendou ele. Poderiam desconfiar e isso comprometeria o êxito da nossa empresa. Esteja à meia-noite perto do curral.
-O. K.
Os dois homens não se demoraram mais a conversar. Além disso, Jorry Stein e três cow-boys aproximavam-se. com as mãos nas algibeiras, tomando a sua atitude desprendida
de pouco antes. Nick Wilson dirigiu-se para o pequeno grupo,
enquanto Catamount se afastava em sentido contrário para ir tratar de Mesquita.
XII
A mina abandonada
Catamount passou a tarde no cubículo que lhe servia de quarto. Não podia esquecer as duas conversas que tivera, e a sua curiosidade mantinha-se espicaçada ao máximo.
A atitude de Flora parecia-lhe efectivamente muito diferente da que tomara no dia do enterro do ranchman. Nesse dia, a Rainha do lasso parecia impaciente por desfazer
o equívoco que se criara em sua volta. E eis que, agora, aceitava com uma quase indiferença os nenhuns resultados do inquérito do seu novo auxiliar, e, mais ainda,
parecia que inventava processos para aumentar a indecisão do homem dos olhos claros.
- Terá ela descoberto a minha verdadeira identidade? perguntou o ranger a si mesmo. Ter-me-ia ela empregado para neutralizar com mais facilidade a minha acção?
Durante muito tempo, Catamount tentou encontrar uma solução para a sua pergunta; depois, não conseguindo nada, pensou em Nick Wilson e no misterioso indivíduo a
que ele tinha feito alusão. Apresentavam-se-lhe duas eventualidades. Ou se tratava de Jaguar Bill, ou tinha sido Fred Silander que viera rondar os territórios do
rancho.
Desde que o seu antigo companheiro desaparecera, logo após a morte de Richard Silander, o ranger nunca mais encontrara um único sinal da sua presença. Parecia que,
tentando evitar
complicações, Jaguar Bill se tinha posto definitivamente fora de alcance, e talvez agora, julgando o perigo passado, houvesse decidido voltar.
No entanto, se essa era uma hipótese plausível, Catamount não podia desprezar a possibilidade que apresentava um regresso de Fred. Lembrava-se da enérgica decisão
do rapaz de desmascarar e confundir o culpado. Se, com sua irmã, se tinha recusado a habitar sob o mesmo tecto que a aventureira, não tinha certamente abandonado
o seu projecto e, naturalmente, havia começado um inquérito por seu lado,
- Veremos, disse o ranger consigo mesmo. Para que havemos de estar a puxar assim pela cabeça?
Por muito turva que lhe parecesse a situação, Catamount tinha a intuição de que os acontecimentos se iam precipitar. Apesar disso, foi com calma e paciência que
esperou a noite. À tarde, quando, como de costume, o pessoal do rancho se reuniu na grande sala de jantar, comeu com o melhor apetite. Nick Wilson deu contas a Flora
do trabalho realizado durante o dia, e a mulher aprovou, contentando-se em dirigir-lhe algumas observações sem importância.
No entanto, o ranger notou uma coisa: a viúva de Richard Silander fitava-o com mais atenção que de costume. Por três vezes os seus olhares se cruzaram, e, de todas,
os olhos da Rainha do lasso se baixaram, aparentando a maior naturalidade.
Nem uma vez Catamount dirigiu a palavra a Nick Wilson, que de resto se sentava bastante longe dele. Pelas dez horas, depois de ter estado a conversar um bocado com
Jorry Stein, despediu-se dos ocupantes da sala e dirigiu-se para o seu quarto. Um grupo de cow punchers, entre os quais Markus Benn, tinha-se retirado para o barracão
próximo que lhes servia de dormitório...
O homem dos olhos claros deitou-se vestido em cima da cama, e esperou em completa escuridão. As luzes do rancho tinham-se apagado há muito tempo quando, cerca da
meia-noite menos um quarto, ele saltou da cama e, evitando produzir o mais leve ruído, saiu para o corredor.
Em pouco tempo, Catamoumt chegou junto do curral. Ia entrar, a fim de trazer Mesquita, quando viu uma silhueta levantar-se na sua frente.
Era Nick Wilson.
- All right, disse o contramestre. Você é pontual. Ninguém desconfiou do nosso encontro?
- Ninguém!
Os dois homens abriram a cancela e encontraram sem dificuldade os seus cavalos, que selaram e arrearam. À meia-noite tinham montado e afastavam-se na escuridão.
Catamount, quando chegou ao fim do pátio, olhou para trás. A casa aparecia-lhe destacada pelo luar. Seria uma ilusão? O ranger julgou perceber uma forma branca que
se debruçava duma das janelas do primeiro andar, no lugar onde ficavam os aposentos de Flora.
A fugitiva aparição depressa se sumiu nas trevas, e de resto Nick Wilson metia o seu cavalo a galope pelo caminho bordejado de arames farpados. Por consequência,
o ranger apressou-se a alcançá-lo.
Durante dez minutos, os dois cavaleiros correram juntos sem trocarem qualquer palavra. O ranger não falou ao companheiro na aparição de Flora; pensava agora no trabalho
que tinham a fazer. Tratar-se-ia dum simples passeio nocturno, ou descobririam o misterioso assaltante que tanto inquietava Nick Wilson?
Estava uma noite muito clara, e no ar pairava um cheiro agradável a erva fresca. A lua levantava-se
por trás das colinas, permitindo aos dois cavaleiros verem o seu caminho. Pouco a pouco, a colina de Black Turkey desenhou os seus contornos aos olhos de Catamount
e do seu companheiro. A colina devia aquele nome às grandes caçadas aos perus selvagens que os primitivos proprietários do rancho tinham organizado. A caça tinha
sido toda destruída, e, hoje em dia, apenas cobras, escorpiões e lagartos lhe povoavam as faldas.
Finalmente, Nick Wilson parou o cavalo:
- Stop, disse ele simplesmente.
- Chegámos? perguntou Catamount.
- Precisamente, não! Mas os cavalos não podem ir mais longe.
O contramestre, que acabava de desmontar, estendia a mão, mostrando as encostas escarpadas. O homem dos olhos claros saltou por sua vez da sela e seguiu o contramestre,
que avançava examinando cuidadosamente o terreno.
Um pequeno ribeiro corria ali, serpenteando entre os arbustos e infiltrando-se no meio dos rochedos.
- Foi aqui que encontrei a pista, disse Wilson. O contramestre tinha pegado no seu Colt, e
durante uns momentos pesquisou os arredores, exactamente como se temesse um ataque. Catamount também pegou no revólver, mas a sua calma era absoluta. Sossegado,
Wilson retomou as suas investigações.
- Aqui! disse ele por fim.
O ranger abaixou-se. Efectivamente, viam-se sinais de passos. Passos que pareciam bastante recentes.
O contramestre continuava a avançar lentamente :
- São os mesmos sinais que da outra vez, murmurou ele ao ouvido do companheiro. O tipo veio
até aqui para renovar a provisão de água. Pode ver que ele se ajoelhou aqui. Os sinais deixados pelos joelhos estão perfeitamente nítidos.
Catamount verificou a mesma coisa. A pista prolongava-se agora direita ao cimo da colina.
- Quando eu lhe dizia que o nosso homem se tinha refugiado na mina abandonada...
Os ddois homens subiam agora a colina, agarrando-se aos arbustos e às pedras, pois a subida era difícil.
Enquanto continuavam a ascensão, Catamount e o companheiro paravam frequentemente, de ouvido à escuta. Temiam, a cada instante, ser surpreendidos. A erva pisada
e os ramos partidos mostravam-lhes que alguém os tinha precedido naquele caminho.
- A galeria ainda fica longe? perguntou Catamount ao ouvido do companheiro.
- Daqui a cinco minutos chegaremos lá!
O ranger começava a achar a subida fastidiosa; no entanto, o desejo de conhecer a identidade do misterioso personagem fê-lo dominar-se. De resto, Nick Wilson, que
o precedia, içava-se para uma espécie de plataforma, coberta de erva, e estendia a mão para o ajudar. Um instante depois, Catamount estava a seu lado.
Então, viu a entrada da mina, que sie abria a poucos passos. Os arbustos que em parte a encobriam tinham sido recentemente espezinhados. Não havia a mais pequena
dúvida de que alguém se tinha introduziido no refúgio.
Os dois homens rastejaram até à entrada e, de ouvido à escuta, tentaram surpreender o menor ruído. Nada conseguiram ouvir. Decididamente, os arredores pareciam abandonados.
- E, no entanto, estou certo de que ele se refugiou aqui, disse Nick Wilson num sopro.
- Não há nada mais fácil de verificar!
Catamount pegou no Colt; depois, como o seu vizinho mostrasse uma certa hesitação, aventurou-se pela galeria. A decisão do ranger convenceu o contramestre a entrar
atrás dele. Prontos a disparar ao menor ruído, os dois homens avançaram rastejando. Por várias vezes, ramos estalaram com o seu peso. Temeram que esse ruído despertasse
a atenção daquele que queriam surpreender.
Não surgiu nenhuma complicação. O lugar parecia deserto; no entanto, os indícios que tinham encontrado não podiam deixar subsistir a menor dúvida. Alguém tinha vindo
recentemente àquele local. Alguém que podia muito bem ter escolhido domicílio no interior da mina.
O ranger tinha-se levantado. As trevas eram absolutas. Segurando o revólver com uma das mãos, foi apalpando a parede com a outra. A galeria era sustentada por traves,
dispostas a intervalos regulares. Aqui e ali, tinham-se dado derrocadas.
- Não se vê nada! resmungou ele.
À mina. prolongava-se. Catamount tinha acompanhado Wilson, na esperança de encontrar qualquer indício que lhe permitisse precipitar os acontecimentos. Mas, à medida
que avançava naquela gruta tenebrosa, perdia a esperança de encontrar algum ser vivo.
- E, no entanto, tenho a certeza de que ele se refugiou aqui, disse o contramestre, que parara junto do ranger.
- Tem a certeza... parece-me bem que tomou os seus desejos por realidades!
- A galeria ainda se prolonga por uns trezentos passos. O nosso homem pode muito bem ter-se refugiado no fundo do corredor. Em todo o caso, o melhor é cosermo-nos
com as paredes. Constituiríamos
um alvo ideal para esse bandido se ele se decidisse a surpreender-nos.
Catamount não respondeu. Quanto mais o tempo corria, mais ele se convencia de que o estava a perder.
- Avancemos mais um pouco, segredou o contramestre. Mas devagar...
Um conselho daqueles parecia supérfluo, e o ranger ia-se decidir a voltar para trás quando sentiu a mão de Wilson pousar-lhe no ombro:
- Atenção! disse o contramestre. Ali!... Ele está ali!...
- Onde é que o vê? perguntou o homem dos olhos claros, que tentava vãmente ver o personagem que o companheiro lhe indicava.
- Fique aqui e não hesite em atirar se ele tentar fugir. Pela minha parte recuo.
- Para quê?
Aquela retirada súbita de Nick Wilson pareceu um pouco estranha a Catamount, mas o contramestre já batia precipitadamente em retirada.
Catamount imobilizou-se, interdito. Deveria chamar, atrair a atenção do indivíduo de que o seu companheiro anunciara a presença ou, pelo contrário, imitar o exemplo
de Nick Wilson, saindo da mina?
O ranger não era daqueles que fogem diante do perigo. No entanto, a situação pareceu-lhe paradoxal. Por mais que olhasse para o fundo da galeria não conseguia ver
ninguém. Então, incapaz de ficar por mais tempo naquela incerteza, resolveu acabar com ela, custasse o que custasse, mesmo com risco de servir de alvo a um adversário,
oculto a poucos passos... com a mão esquerda, tirou a lanterna eléctrica da algibeira. Ouviu-se um pequeno estalido, um raio de luz jorrou nas trevas e, imediatamente,
o ranger deixou escapar uma exclamação de surpresa.
A galeria abandonada acabava a dez passos. Às últimas traves surgiam, brancas, à luz da lanterna. Silhueta, não se via nenhuma. Estava só no fundo da galeria!
O homem dos olhos claros não se demorou a reflectir. Tinha agora a certeza de ter sido vítima duma cilada. Arrastando-o até ao fim da galeria, o contramestre havia-o
atraído a uma ratoeira.
Então, Catamount virou-se bruscamente.
- Wilson! Héllo, Wilson!
Ninguém respondeu, nenhum ruído de passos lhe chegou através do corredor. Começando a correr, esbarrando e tropeçando aqui e além, o ranger precipitou-se para a saída. Compreendia que a sua vida estava em jogo.
O buraco que servia de entrada à galeria estava agora bastante perto: Catamount já avistava um canto de céu estrelado.
-- Hello, Wilson!... Onde está você? repetiu ainda. Por que...
O ranger não teve ocasião de acabar a frase. Produziu-se uma explosão ensurdecedora. No mesmo instante, Catamount teve a sensação de que o solo lhe fugia debaixo
dos pés. Incapaz de reagir, caiu, enquanto a poucos passos dele se ouvia um ruído medonho. A abóbada desabava com a violência da explosão, e pedras enormes fechavam
agora a passagem. A lâmpada, esmagada pelo choque, apagou-se, deixando Catamount nas trevas mais completas.
Durante alguns minutos, o infeliz não se moveu. Parecia que tinha sido abatido pelo choque. Sentia uma dor aguda na têmpora direita. À sua roda, um silêncio de morte
sucedera ao estrondo da derrocada.
- Cão maldito!
Foram as primeiras palavras que o ranger conseguiu pronunciar. Dominando o sofrimento que lhe produziam os membros doridos, tentou levantar-se. Teve que desistir,
deixando escapar um gemido.
- Imbecil! Sou o último dos imbecis! Deixei-me levar como uma criança. Nunca na minha vida fui tão idiota.
Catamount percebia, agora, o jogo do contramestre.
Durante uma meia hora, imobilizou-se. Recordou-se da presença duma silhueta branca numa das janelas do Trez Lírios. Flora Silander teria conhecimento da expedição
que ele fazia com o contramestre? Seria a mulher responsável do atentado de que ele tinha sido vítima?
O homem dos olhos claros esforçou-se por dominar o quebranto que o dominava. Já que a Providência permitira que ele não morresse, queria viver, queria escapar daquela
ratoeira e tirar uma desforra estrondosa do miserável que o atraira ali. Segurando-se às paredes, levantou-se e, no meio das trevas, às apalpadelas, procurou uma
saída.
Tempo .perdido. Teve que se render à evidência. Estava definitivamente preso na mina e tudo levava a crer que ninguém o poderia arrancar ao seu triste destino.
XIII
Markus Benn
- Vocês fizeram mal. Em vez de se refugiarem neste hotel, deviam ter ficado no Trez Lírios, para poderem defender melhor os seus direitos.
Phil Armour, o advogado encarregado de defender os direitos de Kate e de Fred Silander, acabava a conversa que tinha começado poucos minutos antes com os seus clientes,
na pequena sala do hotel Glória, em Éden. Pequenino, magro e seco, o homem de leis mostrava-se categórico. No entanto, não parecia que tivesse conseguido convencer
Fred, que se sentava à sua direita:
- Os nossos direitos são imprescritíveis, afirmou o rapaz. Saberemos fazê-los triunfar e, de resto, não ignoro que podemos contar simultaneamente com a sua habilidade
e com a sua atenção.
O advogado teve um gesto de enfado.
Evidentemente, apesar do testamento assinado por seu pai, os vossos legítimos direitos serão defendidos. Isso não impede que essa mulher esteja agora no centro da
praça e que vocês lhe tenham deixado o campo livre. Se ela é de tão pouca confiança como dizem, isso pode trazer de futuro as maiores complicações.
- Vejamos, senhor Armour, objiectou Kate que ainda não tinha dito palavra desde o começo da conversa, certamente não queria que ficássemos a viver com aquela aventureira.
Quanto mais pensamos nisso, mais nos convencemos de que ela é a responsável péla morte do nosso pai.
- Atenção, disse o advogado. Não se deve
afirmar nada sem provas. E essa afirmação é tanto mais grave quanto há suspeitas contra vocês.
- Minha irmã tem razão, acrescentou Fred. A quem podia aproveitar aquela morte? Àquela velhaca, simplesmente. Não esperava mais que tornar-se senhora Silander para,
pura e simplesmente, suprimir o marido, que se podia tornar incómodo. Encontrar um executor foi o mais fácil. E, agora, depois de ter baralhado todas as pistas,
prepara-se para gozar calmamente do dinheiro mal adquirido. Felizmente, estamos aqui os dois, e esforçar-nos-emos de todas as maneiras para desmascarar aquela miserável.
Phiil Armour abanou lentamente a cabeça. Não iria ter um trabalho simples. Os filhos de Richard Silander tinham pela frente uma contendora de respeito, que possuía
a vantagem de ter permanecido no rancho. Sem dúvida, o advogado conhecia a reputação equívoca da aventureira e, embora não chegasse a acreditar que a mulher tivesse
levado a infâmia ao ponto de suprimir o ranchman na mesma noite do casamento, não duvidava de que ela tinha aceitado a união apenas por interesse.
- Continuo a aconselhar-lhes a volta ao Trez Lírios, disse Phil Armour levantando-se. Verão que acabaremos por ter de tomar essa atitude. Não se esqueçam de que
os ausentes são sempre os prejudicados...
- Prefiro ficar a pedir esmola a tornar a encontrar-me em frente dessa mulher ou a ter que discutir com ela.
Phil Armour compreendeu mais uma vez que não conseguiria fazer triunfar o seu ponto de vista:
- Isso é uma questão puramente sentimental, disse ele. E muitas vezes existe um verdadeiro abismo entre o interesse e o sentimento. De qualquer maneira, reflictam.
É ainda o melhor processo...
- A nossa decisão é irrevogável.
Os dois irmãos acompanharam até à porta da saleta o advogado, que se retirou no seu passo de autómato, com a pasta de couro escuro debaixo do braço, deixando Fred
e Kate sozinhos.
Durante uns momentos, os dois irmãos permaneceram silenciosos. A conversa que acabavam de ter com o encarregado dos seus negócios deixava-os
perplexos.
Fred foi o primeiro a quebrar o silêncio. Durante toda a conversa com o advogado, tinha podido conter-se. Mas, agora, a sua irritação explodia:
- Há oito dias que estamos em Éden e ainda não avançámos um passo. Todas as tentativas que fiz junto do sheriff e das autoridades não deram qualquer resultado. Esse
Bill Neal é um incompetente, que parece ter um prazer enorme em suspeitar
de mim.
- A passividade de que dá provas pode mesmo levar a supor que é cúmplice da aventureira.
- Cúmplice? Mas todos eles o são, desde o marshal até ao sheriff, passando por todos os homens do seu posse. Aquela mulher enfeitiçou-os literalmente. Basta que
eu tente qualquer observação a seu respeito para desencadear imediatamente a indignação geral. E, no entanto, à medida que o tempo vai correndo, mais me vou convencendo
de que ela desempenhou nisto tudo um papel de primeiro plano. Foi tudo organizado por ela. Por várias vezes interroguei os vizinhos e cow punchers, mas nunca encontrei
nada que permitisse apoiar as minhas acusações
- Markus Benn ficou lá. É um empregado fiel, que tinha a maior afeição ao nosso pobre pai. Tenho a certeza de que trabalha o mais que pode para defender os nossos
interesses. Fred deu um suspiro:
- Pobre velho Benn!... Que pensará ele de tudo isto? Gostaria imenso de o ver e de lhe falar.
- O que me admira é que essa mulher não tenha pensado em o despedir com todos os outros que nos permaneceram fiéis.
- Seja como for, não (estamos mais adiantados. Estamos reduzidos a simples conjecturas, e o assassino do nosso pai continua a gozar a mais escandalosa impunidade...
se é que não está já fora de perigo.
- Para mim deve ter sido esse tal El Gringo que cometeu o crime. Só ele se encontrava perto da vedação do curral, e a precipitação que mostrou em desaparecer, aproveitando
a minha comoção, constitui uma prova flagrante.
- El Gringo pode ter atirado. Foi ele, sem dúvida, que esbarrou comigo na escuridão e que me roubou o revólver. No entanto, se ele matou, foi sob as ordens e as
directivas de Flora. E ninguém conseguirá tirar-me isto da cabeça.
O rapaz cerrou nervosamente os punhos: - Quando penso, prosseguiu ele raivosamente, que me acusaram de ter cometido esse crime odioso! Ainda desconfiam de mim e,
para cúmulo, tenho que permanecer à disposição da Justiça. Todas as vezes que requeri justiça ao sheriff, tive que tolerar os olhares cheios de cepticismo que alguns
me dirigiam, convencidos de que eu desviava as suspeitas para essa mulher a fim de escapar ao castigo.
- Coragem, Fred)! Deus não permitirá que essa miserável triunfe. Estou certa de que mais cedo ou mais tarde Ele fará brilhar a verdade.
- Vamos dar uma volta! Esta situação começa a tornar-se exasperante. Tenho necessidade de apanhar um bocado de ar, de esquecer. Isto é uma autêntica obcecação.
Poucos momentos depois, saíam do hotel, dirigindo-se
para a avenida principal de Éden. A animação era grande e grupos numerosos estacionavam diante das montras dos estabelecimentos. No entanto, Kate e Fred não prestaram
a menor atenção aos objectos expostos. Seguiam num passo certo, mergulhados nos seus pensamentos, e iam tão absorvidos que não repararam num homem que se afastou
dum grupo de passeantes e começou a segui-los a
cerca de trinta passos.
Se os dois jovens se tivessem virado, não teriam
deixado de reconhecer o indivíduo em questão.
Fazia parte do pessoal do Trez Lírios: era Bert
Buzzard.
Havia já um certo tempo que o antigo cúmplice de El Gringo esperava no passeio em frente do hotel, passeando para um lado e para outro, como se estivesse ali de
sentinela. Quando os dois irmãos apareceram, apressou-se a dissimular-se no meio da multidão; mas, depois, com mil precauções, começou a segui-los. Parando por vezes,
escondendo-se nas portas quando Fred ou Kate se viravam, Bert Buzzard continuou a avançar. Depois de ter andado assim cerca de dez minutos, viu que os dois jovens
se dirigiam para um jardim, no meio do qual havia uma estátua equestre do general Grant.
O cow-puncher escondeu-se atrás duma árvore. Viu Kate e Fred aproximarem-se da porta de entrada do jardim, que parecia deserto, e pararem
subitamente.
Junto ao passeio vinha um cavaleiro que lhes
dirigia grandes gestos.
- Markus Benn, resmungou o antigo acólito de
El Gringo.
Bert Buzzard acabava efectivamente de reconhecer o amigo de Richard Silander, e certamente esta intervenção transtornava os seus planos, pois deixou escapar uma
exclamação de desgosto.
Pelo contrário, Kate e Fred mostraram a maior alegria. Parando, esperaram que o recém-chegado saltasse do seu cavalo e o amarrasse a um varão.
- Héllo, Markus!... É o céu que o envia! Ainda há pouco falávamos de si.
- God! Tenho andado à procura do vosso maldito hotel, sem o conseguir encontrar.
Markus Benn aproximava-se de mão estendida; tinha o rosto glabro e ossudo, e aparentava cerca de cinquenta anos. De todo o pessoal do rancho, era sem dúvida o cow-boy mais antigo.
- Se soubessem como estou contente de os tornar a ver...
Comovido, Markus Benn chegou junto dos dois jovens e deu-lhes um vigoroso aperto de mão.
Bert Buzzard, imóvel atrás da árvore, viu o trio discutir um pouco na borda do passeio, para depois entrar no jardim e ir sentar-se num banco, a poucos passos da
estátua.
Durante uns momentos, Bert Buzzard ficou parado, profundamente indeciso. Efectivamente, imaginava que a conversa que se ia desenrolar tinha o maior interesse. Lançando
à sua volta um olhar investigador, o cow-puncher pensou na maneira de se aproximar do trio.
- É impossível entrar atrás deles, resmungou. Ver-me-iam inevitavelmente. Mas talvez, dando a volta à grade, consiga esgueirar-me pela outra porta. Depois, escondendo-me
atrás dos arbustos...
Bert Buzzard interrompeu o seu monólogo. Kate e os companheiros pareciam muito absorvidos pela conversa, de modo que se afastou rapidamente da árvore que lhe tinha
dado abrigo.
- Então? perguntou Fred. Que novidades há pelo Trez Lírios?
- A novidade é que aquela mulher manda como dona! Dir-se-ia que vocês os dois não existem.
By Jove! Se os vossos interesses não estivessem em jogo, há muito tempo que teria partido com os outros. De resto, a bela Flora já notou que nós não estamos de acordo
com ela. Deseja ardentemente que nos vamos embora. Mas como temos um contrato em regra até depois do tound-up, que remédio senão tolerar a nossa presença. Daqui
até lá muita coisa se pode passar.
Enquanto os dois irmãos olhavam intrigados para Markus Benn, este prosseguiu:
- Fiz o que pude para descobrir um indício, mas eles desconfiam.
- De quem quer falar? perguntou a rapariga.
- DE todos, mas em particular de Nick Wilson. Esse bandido anda sempre a rondar a bela Flora. Parece muito inquieto com a presença de Harding. Sabe, aquele homem
que estava perto de si, quando seu pai...
Kate -abanou a cabeça e Markus Benn não acabou a frase. A rapariga lembrava-se com efeito do auxílio que Harding prestara naquela altura.
- Quem é esse Harding, ao certo? perguntou
Fred.
- Não lho posso dizer, mas a bela Flora contratou-o logo depois do enterro do boss. Passa o dia a percorrer o território do rancho. Parece que o contrataram para
uma vigilância especial. Mas as suas idas e vindas parece que desagradam bastante ao contramestre. Só por isso simpatizo com Harding, pois nunca pude levar Nick
Wilson à paciência.
- Desde que essa mulher não tenha contratado Harding para embrulhar as pistas que possam levar à descoberta do assassino de meu pai...
-. Evidentemente que isso é para considerar, disse Markus Benn. Por meu lado, tentei descobrir qualquer coisa, mas ela está desconfiada.
- No entanto, continuo persuadido de que foi
ela quem organizou a trama toda! assegurou Fred Silander com calor.
- Também é essa a minha opinião, retorquiu o cow-puncher. Mas não temos prova alguma capaz de confundir aquela aventureira. Ela soube tomar as suas precauções. Quando
me lembro de que quis lançar as suspeitas sobre si, Sr. Fred...
- A manobra estava bem combinada, é certo. Não esqueça que até nova ordem continuo à disposição da Justiça.
- Esteja sossegado, Sr. Fred, eu estou de olho alerta. E pode crer que, se houver alguma novidade, o avisarei imediatamente. Arranjarei processo de lhe mandar alguém.
E hei-de conseguir testemunhas suficientes para confundir aquela mulher.
Em face do tom nervoso do seu interlocutor, os dois jovens compreenderam que tinham ali um aliado seguro, mas, antes de poderem pronunciar qualquer palavra, já Markus
Benn lhes dizia, comovido:
- Não esqueço que o vosso futuro está em jogo, e conheço os dois de pequeninos. Muitas vezes saltaram nos meus joelhos... Sr. Fred, não fui eu que o ensinei a montar?
- Bem sei, meu velho Markus. E sempre o considerámos como uma pessoa de família.
E Kate acrescentou:
- Nunca me esqueci daquela boneca que me fez dum bocado de madeira.
- Era horrorosa! Fiz-lhe o nariz, os olhos e a boca com um atiçador da forja.
- E os cabelos foram feitos com crinas de cavalo.
- E vesti-lhe uma camisa velha de flanela encarnada.
- Que importância tinha isso tudo!... De todas
as minhas bonecas, parece-me que era a de que eu gostava mais.
Os três estavam comovidos com estas recordações do passado.
-- Nesse tempo éramos felizes! disse o cow-puncher com um sorriso. Quem teria suposto que o Trez Lírios...
- Os bons tempos hão-de voltar, estou certo! disse Fred raivosamente.
- Entretanto, temos que descobrir e que castigar os culpados.
- E para isso não se pode contar com a polícia, nem com o sheriff. E, no entanto, estou absolutamente convencido de que todos Os crimes que se deram, todos os roubos
de gado, bem como o assassínio de meu pai, foram feitos por uma e a mesma pessoa...
- Aquela que enfeitiçou o pai, para o ferir
melhor.
Fred Silander fez um gesto de cólera impotente.
- E quando penso que estamos para aqui, com as mãos ligadas!...
- Paciência, a hora da justiça há-de chegar! Era Kate quem acabava de pronunciar estas
palavras com voz firme. E imediatamente confiou aos vizinhos as razões da sua esperança. Deus não poderia deixar aqueles crimes impunes.
- Conheces um provérbio que diz - retorquiu Fred depois dum momento de silêncio - : "trabalha que Deus te ajudará"? É juntando os nossos esforços que conseguiremos
o resultado que esperamos. Primeiro, desviar as odiosas suspeitas que pesam sobre mim; depois, reunir todas as provas necessárias para confundir a intrusa.
Markus Benn levantou-se:
- Como? perguntou Kate. Vai-se já embora?
- Assim é preciso. Poderiam estranhar a minha
ausência. Pretextei uma inspecção nos limites do rancho para os vir ver. Mas é bom não exagerar. Poderiam surpreender-nos. De toda a maneira, fica combinado. Logo
que haja uma novidade, previno-os.
- Pode crer que iremos ter imediatamente consigo.
Os dois jovens levantaram-se por sua vez, acompanhando o amigo. Nenhum deles reparou na silhueta furtiva de Buzzard, que saia do seu esconderijo, a poucos passos
do banco.
Uma expressão de contentamento brilhava nos olhos do cow-puncher. Três minutos depois, partia a todo o galope para o Trez Lírios.
Metendo o seu cavalo pelo caminho mais curto, o antigo cúmplice de el Gringo murmurava, encantado com o encontro que tivera:
- Parece-me que não perdi o meu tempo. Brevemente apresentar-se-á a ocasião tão desejada, e então...
Bert Buzzard não acabou a frase. Contudo, o sorriso que lhe crispou as feições mostrou a alegria diabólica que sentia em ter surpreendido uma parte importante da
conversa entre os dois irmãos e o seu velho camarada do rancho.
XIV
Emboscada
A tarde pareceu menos longa a Kate e Fred. A conversa com o seu velho amigo tinha-lhes restituído a esperança. Sabiam que podiam confiar inteiramente em Markus Benn.
Pela primeira vez havlia muitos dias, dormiram sossegadamente.
Na manhã seguinte, quando a rapariga estava a tomar o pequeno almoço, ouviu bater à porta. Era Fred, que entrou pelo quarto dentro como um furacão. Kate viu imediatamente
que se tinha passado qualquer coisa anormal. Fred estava excitadíssimo.
- Estamos a chegar ao fim, irmãzinha, gritou ele mostrando uma carta.
- Por favor, fecha a porta e explica-te.
Depois de tomar essa indispensável precaução, Fred sentou-se junto do leito da rapariga, e estendeu-lhe a folha de papel que tanta emoção lhe tinha causado.
- Tinha acabado de tomar o pequeno almoço e estava na sala, quando chegou um mandarete com esta carta que lhe tinha sido entregue por um cavaleiro...
- Um cavaleiro? perguntou Kate, intrigada,
- Sim! Parece que se tratava dum cow-boy. Foi tudo o que o garoto me soube dizer. Mas isso não tem importância. Lê o que nos escrevem, pois a carta é dirigida a
nós dois...
Kate pegou na folha de papel. Reparou então que tinha sido escrita à máquina, e depressa leu as poucas linhas:
"Estejam ao cair da noite em "Whitewater". Finalmente, arranjei provas e posso-lhas entregar. Tudo vai bem! Tenham confiança!"
.- É tudo! disse a rapariga. E não está assinada.
- Evidentemente que não tem assinatura, mas adivinho de quem ela vem. Não pode haver dúvidas de que é de Markus Benn, O nosso amigo toma precauções, o que não é
para estranhar. Não se quis arriscar a que Flora ou alguém do bando lhe reconhecessem a letra. De resto, esta mensagem corresponde exactamente ao que ele nos disse
ontem. Ficou combinado que nos avisaria se se desse algum facto importante.
Estas explicações chegaram para dissipar a desconfiança da rapariga. Fred acrescentou, contente:
- Provas! Ele tem provas! Mas isso era o que nós queríamos. Finalmente, chegamos ao fim de todos os equívocos. A hora do castigo aproxima-se.
Os olhos do rapaz brilhavam enquanto pronunciava estas palavras. Havia tanto tempo que esperava aquele momento! A descoberta da verdade ilibá-lo-ia de toda a suspeita.
Poderia então ir ao Trez Lírios, e expulsar a intrusa que tão bem lá se tinha sabido introduzir.
Nem uma vez Fred pensou que a carta podia ocultar uma ratoeira. Efectivamente, não era de supor que a conversa da véspera tivesse chegado a ouvidos indiscretos.
A impaciência que sentia, vendo aproximar se o fim tão almejado, tornava-o cegamente confiante.
O dia pareceu interminável aos dois irmãos. Hesitavam em sair do hotel, pensando que Markus Benn os poderia visitar, a fim de lhes fornecer mais amplos pormenores.
No entanto, durante a tarde, Kate não pôde evitar de dizer:
- Talvez fosse melhor ir ver Phil Armour, e pô-lo ao corrente do que se passa.
.- Píhil Armour? Não vejo a menor utilidade nisso. Evidentemente que iremos a casa do advogado, mas amanhã, para lhe levar as famosas provas de que fala Markus Benn.
De momento, ele não nos podia ser de qualquer utilidade. Podemos muito bem resolver o problema sozinhos.
Kate não estava tão tranquila como o irmão.
- Sabe-se lá! Vamos partir para o rancho ao cair da noite. Suponhamos que se criam complicações. Quem saberá onde nos encontramos?
Fred encolheu os ombros.
- Markus Benn não nos teria escrito com tanta segurança se não estivesse certo do resultado. E, depois, não devemos espalhar que nos dirigimos a "Wihitewater". Era
o melhor processo de fazer falhar o empreendimento.
A rapariga não insistiu. Sabia a situação delicada do irmão, tanto mais que, sem dúvida, Markus Benn contava com a sua discrição.
Os dois irmãos jantaram à pressa, e foram buscar os seus cavalos. Como o porteiro parecesse admirado de os ver sair tão tarde, Fred explicou:
- Está uma tarde soberba. Vamos dar uma volta, e regressaremos daqui a duas ou três horas.
Fred teve o cuidado de não dizer para onde se dirigia. Escondendo a sua impaciência, saíram de Éden, e pouco depois tomavam o caminho que conduzia ao Trez Lírios.
A noite caía. O sol punha-se por trás das colinas. Enquanto avançavam, os dois irmãos não trocavam palavra. Sentiam-se muito comovidos. Era efectivamente a primeira
vez que Se aproximavam do rancho, desde que seu pai havia ido a enterrar. Antes de sair do hotel, os dois irmãos tinhaim-se armado. Fred trazia o seu cinturão, donde
pendiam
dois Colts. Quanto a Kate, levava o seu pequeno derringer, de que nunca se separava.
Tudo parecia tranquilo. A noite tinha caído completamente quando atingiram os limites do Trez Lírios. Fred parou o cavalo, fazendo sinal à irmã para o imitar.
-- "Whitewater" fica ali, à nossa direita! disse ele.
Kate conhecia perfeitamente o local. Era uma pequena nascente, manando junto dum bosque de algodoeiros. Muitas vezes aí tinha parado, durante os seus passeios.
- Faríamos bem em ladear o arame que marca os limites, acrescentou o rapaz. Devemos tomar cuidado em permanecer a uma certa distância, para não sermos assinalados
pelos cavaleiros do rancho.
A rapariga concordou com a lógica deste conselho. Poderia parecer ridícula a necessidade de tantas precauções, ao aproximarem-se dum rancho sobre o qual tinham tantos
direitos. Mas eles sabiam que a maioria dos cow-punchers permanecia fiel a Flora, de modo que todas as precauções não eram de mais.
Em redor, o terreno era pllano. Uma ligeira bruma começava a levantar-se. Um atrás do outro, aventuraram-se ao longo do caminho que conduzia ao pequeno bosque de
algodoeiros.
- Ninguém! murmurou Fred.
A rapariga não notou também qualquer sinal de vida. Por várias vezes, os dois jovens pararam os cavalos, escutando atentamente. Não notavam nada de anormal. Já se
encontravam junto do bosque, quando o cavalo da rapariga deu um salto. Acabava de se ouvir o piar duma coruja. Perante a inquietação do irmão, Kate compreendeu que
se passava qualquer coisa:
- Era um sinal, sem dúvida!... murmurou o
rapaz.
- Então, disse Kate, era Markus Benn.
- Não pode ser outro. Se está à nossa espera desde o cair da noite, não pode deixar de começar a impacientar-se. No entanto, não nos podíamos aventurar por aqui
mais cedo, sem perigo de sermos descobertos.
Pouco depois, os dois irmãos chegaram junto da nascente, mas, tirando o coaxar de algumas rãs, não se pressentia o mais leve sinal de vida.
- Chegámos primeiro, disse Fred, parando o seu cavalo junto da nascente.
Esperaram muito tempo. Ninguém aparecia.
- Não me posso enganar... disse Fred. Só se Markus Benn desistiu de esperar...
- Ou lhe aconteceu alguma desgraça...
Estas palavras fizeram Fred estremecer.
- com uma mulher da categoria de Flora, pode-se esperar tudo.
O rapaz sabia do ódio que opunha Markus Benn a Nick Wilson. Depois de lhe ter mandado a mensagem, o contramestre e os seus acólitos podiam muito bem ter surpreendido
o cow-puncher, e ter-lhe tirado as famosas provas.
- Esperemos ainda um pouco! disse a rapariga, embora se começasse a sentir muito inquieta.
Pela segunda vez, soou o pio da coruja no pequeno bosque de algodoeiros. Instintivamente, os dois irmãos Viraram-se, esperando ver aparecer o
amigo.
- Nada, sempre nada! disse o rapaz raivosamente. Se isto continua mais meia hora, voltamos para Éden.
- Markus demorou-se. Certamente vai chegar
daqui a pouco.
Enquanto esperavam, sombras furtivas deslizavam
entre os arbustos. Manobravam de maneira a desenhar um semicírculo em redor de Kate e de Fred, cujas silhuetas se projectavam no céu estrelado.
Passou meia hora, e a impressão de desconfiança que sentiam mais se atentuou. Os cavalos, mesmo, começavam a arrebitar as orelhas.
O nervosismo dos animais aumentou ainda mais o dos dois irmãos. Fred ia a tirar o seu Colt, quando ouviu Um pequeno assobio. Antes que pudessem compreender o perigo
que os ameaçava, Kate e o companheiro sentiram-se, subitamente, puxados para trás com uma força irresistível. Um nó corredio acabava de se enrolar, num abrir e fechar
de olhos, em redor de cada um, prendendo-lhes brutalmente os braços contra o corpo.
Espantados, os cavalos empinaram-se. Incapazes de reagir, Fred e Kate foram rolar no solo.
-A eles! Apanhámo-los...
Em poucos momentos, os dois jovens viram-se rodeados por uma dezena de vultos que tentavam imobilizá-los. Uma luta encarniçada travou-se nas trevas. Fred, que se
tinha levantado, distribuía murros para todos os lados; por sua vez, Kate arranhava e mordia os que a pretendiam segurar. Alguns gritos de dor demonstraram que a
rapariga não era fácil de dominar, mas depressa foi amarrada e ficou impossibilitada de resistir. Fred foi mais difícil de dominar, mas, finalmente, também se rendeu
perante o número, e foi amarrado como a irmã.
- Hélo! Custou, mas foi!...
Ainda atordoado pela luta, com o nariz a sangrar, Fred sentia-se incapaz de reflectir. Kate, a poucos passos dele, estorcia-se nas cordas, tentando, sem êxito, libertar-se.
Depressa a infeliz compreendeu a inutilidade dos seus esforços. As
cordas cortavam-lhe a carne sem que ela conseguisse aliviá-las.
.- Socorro! gritou ela. Socorro...
Kate esperava que Markus não estivesse longe. No entanto, só recebeu risos por resposta.
- É inútil chamar, disse uma voz trocista. Ninguém virá. Soubemos tomar as nossas precauções.
A rapariga percebeu então que tinha caído numa armadilha. A carta tinha sido um simples pretexto para os atrair a "Whitewater". Desejosos de castigar o assassino
de seu pai, não tinham reflectido..
A rapariga não pôde continuar as suas reflexões. O homem que parecia comandar o pequeno bando levantava a mão. Imediatamente, todos se juntaram à sua volta.
- Vamos para onde sabem! disse o desconhecido numa voz abafada.
Os dois prisioneiros sentiram-se imediatamente erguidos e içados sobre as suas montadas, enquanto os agressores saltavam nos seus cavalos. Pouco depois, Kate e Fred
sentiram que lhes rodeavam a cabeça com um véu espesso, que foi cuidadosamente preso em redor do pescoço. Depois, começou uma galopada infernal. Incapazes de reagir,
depois da luta desigual que acabavam de sustentar, os desgraçados deixaram-se levar sem resistência...
XV
O salvador
- Imbecil! "Grandissíssimo" imbecil que eu fui!...
Catamount não se consolava de tão facilmente ter sido enganado ;por Nick Wilson. À medida que as suas ideias se iam aclarando e que tomava consciência da sua situação,
o ranger perguntava a si mesmo como podia ter abandonado a vigilância daquela maneira. Efectivamente, desde que conhecera o contramestre, não pudera deixar de sentir
por ele a maior desconfiança. Nessas condições, por que se teria ele prestado tão complaicentemente àquela aventura na galeria abandonada?
O ranger compreendia perfeitamente o jogo de Nick Wilson. Tinham querido ver-se livres dele. Enquanto se aventurava pela mina, o contramestre tinha feito explodir
uma carga de dinamite colocada em qualquer parte do corredor. Nesse momento, o bandido devia galopar a caminho do Trez Lírios, para anunciar o bom resultado do seu
crime.
- Ela!... Foi ela, com certeza! praguejou Catamount.
O homem dos olhos claros lembrava-se agora da estranha insistência com que Flora quase sempre o fitava. Sem dúvida, medira o perigo que constituía a presença dum
ranger no rancho e tratara de se desembaraçar para sempre daquele auxiliar incómodo.
Catamount sacudiu rapidamente o torpor que lhe prendia os membros cansados:
- Reflectiremos depois, resmungou ele. De momento, temos que pensar em sair daqui, pois há nove probabilidades em dez de que aquele malandro suponha que eu fiquei
esborrachado pelo desabamento,
O homem dos olhos claros estava vivo. Apenas sofrera uns arranhões sem importância. De momento, sentia-se pronto à acção. Rapidamente, recomeçou as suas tentativas
na escuridão. Durante muito tempo, procurou afastar os blocos que lhe impediam a passagem, obstruindo completamente a galeria. Trabalhava com persistência. O suor
corria- lhe ao longo do rosto, as palmas das mãos feridas faziam-no sofrer; no entanto, depois dum certo tempo, parou com um suspiro. A tarefa afigurava-se superior
às suas forças.
A quantidade de destroços era considerável demais. iSe o recluso pudesse dispor de algumas ferramentas... Mas, de cada- vez que deslocava uma pedra de certas dimensões,
produzia-se novo desabamento. Uma parte da abóbada tinha cedido, quebrando os suportes sob os escombros.
O ranger perdia a coragem. A esperança que sentira desaparecia. Só tinha escapado à morte por esmagamento, para se sujeitar a um fim ainda mais horrível: morrer
enterrado vivo.
Catamount não temia a morte. Tantas vezes tinha brincado com ela. No entanto, não pôde impedir um estremecimento, pensando na sorte que lhe estava reservada. Teria
preferido mil vezes sucumbir, combatendo com um Colt na mão.
A mão ensanguentada do ranger acariciou um dos revólveres, mas reagiu imediatamente. Um fim daqueles repugnava-lhe; acreditava em Deus e tinha confiança nEle. Tinha-o
tantas vezes tirado de situações criticas que esperava ainda;, apesar das circunstâncias serem tão desconcertantes. E, de resto,
não podia acreditar que o crime triunfasse! Tinha contas a ajustar com Nick Wilson.
Catamount ia, pois, meter se de novo ao trabalho, quando subitamente se imobilizou, espantado. Perto dali, do outro lado dos destroços, pareicia-lhe ouvir pancadas
repetidas.
Primeiro, o ranger pensou que fosse o contramestre. Tendo voltado atrás, Nick Wilson vinha assegurar-se do êxito do seu atentado. No entanto, as pancadas prosseguiam
regularmente. Parecia que; um misterioso personagem tentava entrar em comunicação com o prisioneiro.
Então, o homem dos olhos claros não hesitou mais. Pegando num dos revólveres pelo cano, bateu várias vezes com a coronha num bloco. Do outro lado, respondeu-lhe
um sinal semelhante.
O rosto de Catamount descontraiu-se. Alguém estava ali. Um amigo, pois certamente Nick Wilson não se tinha demorado nas proximidades. De resto, àquelas pancadas
seguiu-se logo uma série de ruídos, sobre cuja natureza o prisioneiro não se podia enganar; alguém tentava libertá-lo. O ranger esforçou-se mais uma vez por se evadir,
multiplicando os cuidados para evitar novos desabamentos...
Durante quanto tempo trabalhou naquela enfadonha tarefa? Horas e horas. Por vezes, parava, dominado pela fadiga, enxugando o rosto encharcado em suor. Mas sempre
retomava o trabalho com forças decuplicadas, pois as pancadas ouviam-se cada vez mais próximas. O monte de destroços que o separava da luz não devia agora ter mais
de alguns pés.
- Héllo!...
Uma voz surda soou por fim. Catamount repetiu por sua vez:
- Héllo! Quem está aí? A resposta não demorou.
 - Jaguar Bil!
Jaguar Bill!... com todas as peripécias por que tinha passado, já não se lembrava do seu companheiro de aventuras, tão misteriosamente desaparecido, e eis que ele
surgia duma maneira tão inesperada, no momento preciso em que tudo parecia perdido.
- Tive razão em crer em Deus! murmurou o homem dos olhos claros.
Depois, levantando a voz, gritou:
- Catamount!...
- Eu sei! Espera e tem confiança. Antes que passem duas horas, estarás livre. De momento, deixa-me trabalhar sozinho.
O ranger sentou-se, resignado, deixando o seu invisível amigo trabalhar sozinho. As pancadas recomeçaram, interrompidas de vez em quando. Catamount sabia o trabalho
de sapa que Jaguar Bill ia desenvolvendo. O seu libertador devia tentar aguentar com traves a galeria que ia abrindo. Descansado sobre a sua sorte, o ranger ouvia
o ruído das pancadas aproximar-se cada vez mais.
Finalmente, soou uma pancada mais violenta do que as outras. Algumas pedras vieram rolar até junto dele. Apareceu uma abertura, pela qual entrou uma baforada de
ar fresco. O ranger precipitou-se imediatamente para a abertura, e avistou uma sombra confusa.
- Afasta-te, recomendou a voz de Jaguar Bill.
Docilmente, Catamount obedeceu. O companheiro recomeçava o ataque contra a muralha de destroços. As pedras rolavam na galeria com um ruído cada vez mais forte, enquanto
o orifício se ia alargando. Em menos de cinco minutos, tornou-se suficientemente largo para deixar passar o prisioneiro.
- Podes sair agora, disse o aventureiro.
O ranger não deixou que lhe repetissem o convite; acabando com a imobilidade forçada, meteu-se pela abertura. No momento preciso em que expunha o rosto suado ao
ar fresco, dois pulsos vigorosos seguraram-no pêlos sovacos, ajudando-o a sair.
Catamount deixou-se arrastar. Via vagamente o rosto duro de Jaguar Bill. De tronco nu, encharcado em suor, o aventureiro ia-o arrastando até si. Finalmente, o ranger
sentiu-se livre. Os dois homens abraçáram-se longamente, ainda extenuados pelo esforço despendido.
Catamount reparou que começava a nascer o dia. Uma frescura agradável fazia-lhe esquecer a atmosfera pesada que suportara desde que se dera a explosão. Então, aspirou
o ar fresco a plenos pulmões. Sentia-se reviver!...
- Tens aqui um gole de whisky para te reconstituir, my boy.
Catamount agradeceu com um sinal da cabeça, enquanto punha o cantil à boca, bebendo glutonamente.
- Isso vai melhor? perguntou o aventureiro. Não te esqueças do velho amigo. Ele também precisa de se recompor...
Jaguar Bill pegou no cantil, por sua vez, e bebeu uma boa golada. Enquanto limpava a boca às costas da mão, disse:
- Certamente, vais agora bombardear-me com perguntas, para saberes como me encontrava aqui nas proximidades! Pois bem, vou-te contar tudo, o que aliás é bem simples.
O aventureiro expôs então as razões que o tinham levado a aproveitar a confusão estabelecida no Trez Lírios para se escapar:
- Sabia que Bert Buzzard me tinha reconhecido, disse ele. De aí em diante, a minha prisão não demoraria mais que uns momentos. Admitindo
mesmo que tivesse sido reconhecida a minha inocência no assassínio do ranchman, teria indubitavelmente sofrido outros incómodos. Há muito tempo que a reputação de
El Gringo passou a fronteira, e aquele malandro não deixaria de me acusar... De modo que procurei Negro e, sem esperar mais, fugi para as colinas, debaixo da chuva...
- E ficaste aqui mais duma semana? perguntou o ranger. Isso parece-me espantoso! Passei várias vezes por aqui, e nunca notei a tua presença. Jaguar Bill sorriu maliciosamente.-
Que queres tu? Como tive que tomar as minhas precauções, estabeleci o meu refúgio numa região rochosa, onde o observador mais prevenido não teria conseguido descobrir
nada. Vi-te passar cinco vezes junto de mim, sem que tu desconfiasses de que me encontrava nas vizinhanças.
O aventureiro parecia muito divertido com a surpresa que provocava ao amigo; depois, acrescentou :
- Não podes senão felicitar-te por esta aventura e por esta decisão, que me permitiu fiscalizar um pouco os arredores, e fazer algumas observações
interessantes.
Jaguar Bill contou então como tinha ficado desconfiado ao ver umas silhuetas suspeitas. Havia descoberto Nick Wilson e Beirt Buzzard entrando na véspera na mina
abandonada. Escondido atrás duns rochedos, o aventureiro tinha visto o contramestre trazer uma caixa rectangular.
- O dinamite! exclamou Catamount. Por que
não o tiraste?
- Porquê?! retorquiu Jaguar Bill. Porque ignorava absolutamente que ele te fosse destinado. Julgava que os dois compadres se dispunham a fazer saltar um bocado da
galeria, por necessidades da exploração do rancho. De modo que esperei
escondido atrás dum rochedo. Mas à noite, quando te vi chegar com Nick Wilson, comecei a sentir um certo cuidado por ti. Poderia ter tentado ir ter com vocês quando
entraram na galeria. Mas isso seria desfazer todas as precauções que tinha tomado. Preferi esperar. Vi sair Nick Wilson da galeria. Ainda o miserável tinha dado
poucos passos quando se produziu a explosão. Então, decidi-me a agir. Sabia que estavas lá dentro, e temia que tivesses sido esmagado pela derrocada...
- De facto, faltou pouco... concordou Catamount, sacudindo a cabeça.
- Nick Wilson corria como um coelho ou como se tivesse o diabo atrás dele, continuou Jaguar Bill, de modo que entrei na mina, que estava cheia de fumo. Chamei várias
vezes. Finalmente, decidi-me a bater na rocha caída... sabes o resto...
- Sim, sei o resto, retorquiu o ranger. Devo-te um favor difícil de pagar...
- Não falemos nisso! E agora, que estamos juntos, vamos embora! Apenas estava à tua espera!...
- Vamos embora, como?
Catamount parecia indignado com a frase que acabava de proferir o companheiro e, antes que Jaguar Bill pudesse apresentar as suas razões, disse-lhe:
- By joveÉ no momento preciso em que Nick Wilson, com o seu atentado, nos prova que deve estar francamente envolvido nos assassínios e nos roubos que se deram no
Trez Lírios que tu me aconselhas a ir-me embora? Isso é conhecer-me muito mal...
.- Então? perguntou o aventureiro. Q ue queres tu fazer?
- Recomeçar a batalha. Caiu o pano sobre o primeiro acto. Disponho agora duma carta do maior valor no meu jogo.
- Que carta?
- Simplesmente a seguinte: o contramestre e o seu bando julgam-me esmagado, ou definitivamente fora de combate. Vamos proceder de forma a que eles conservem essa
ilusão. Vamos tapar a passagem que há pouco abriste para me salvar. É preciso que eles não desconfiem de nada, nem encontrem o mais leve sinal da nossa presença.
Depois, abriremos os olhos, e aguardaremos a ocasião de agir. Não tenhas medo, ela há-de aparecer muito mais cedo do que tu pensas.
.- Isso não impede que se saiba que eu sou El Gringo.
- Imbecil! Não estou eu aqui perto de ti? Desgraçado daquele que te queira provocar a mais pequena contrariedade!
Catamount tinha pronunciado estas palavras num tom tão enérgico, que Jaguar Bill se sentiu completamente descansado. Sabia que o ranger mantinha sempre as suas promessas.
De resto, o homem dos olhos claros acrescentou:
- Ajuda-me a resolver o problema do Trez Lírios. Depois, poderás contar -com a benevolência do Maijor Morley. E, agora, basta de conversa. Ao trabalho.
Os dois homens voltaram para junto da derrocada e, unindo os esforços, não tiveram dificuldade em tapar a galeria por onde o aventureiro tinha conseguido libertar
o amigo. O ranger assegurou-se em seguida de que nenhum sinal da sua passagem os podia denunciar; depois, virando-se para Jaguar Bill, disse:
- E agora vamo-nos embora. Pode ser que eles voltem, e tenho pressa em me assegurar se Mesquita continua no mesmo lugar.
Catamount e o companheiro deslizaram entre os rochedos, e em pouco tempo chegaram ao local onde o alazão ficara amarrado perto do cavalo do
contramestre. Uma exclamação de desgosto escapou-lhes, quando verificaram que Mesquita tinha desaparecido.
-, Não há nada de espantoso nisso! disse Jaguar Bill. Um animal daquela categoria não podia deixar de tentar aquele ladrão. Levou-o para o rancho.
- Saberemos recuperá-lo! disse Catamount raivosamente. Mas, de momento, estou desmontado.
- Pshiu! Entre estes rochedos não teremos que cavalgar muito tempo. Em caso de necessidade montaremos ambos o Negro.
Depois, como o ranger olhasse os edifícios do rancho que se avistavam, ao longe, acrescentou:
- Vem comigo até ao meu ninho de águia. Ali não nos arriscaremos a ser surpreendidos. E ninguém se pode aproximar do local ou de "Whitewater" sem que o vejamos imediatamente.
De boa ou má vontade, o ranger resignou-se a acompanhar o amigo. Este meteu-se por um caminho quase a pique, mas, executando uma ginástica perigosa, conseguiram
chegar a uma plataforma onde se via uma escavação na rocha.
Catamount pôde verificar que Jaguar Bill tinha sabido escolher o seu esconderijo. Um regato corria perto. Negro estava preso a poucos passos, e deixou escapar um
relincho de alegria ao ver o dono.
O aventureiro acariciou o animal, enquanto Catamount deitava um olhar em redor. O sol, que subia, iluminava toda a planície. Alguns flocos de nevoeiro flutuavam
sobre o solo, mas desfaziam-se depressa sob o calor cada vez mais forte do astro de dia.
Compreendo que a Rainha do lasso deseje tomar posse dum domínio destes! disse o ranger. É o melhor rancho que vi até hoje.
Manadas de longhorns percorriam as pastagens, acumulando-se junto dos ribeiros. O olhar
agudo do ranger notou as silhuetas minúsculas dos cow-punchers, que prosseguiam o seu trabalho rude de cada dia, mas a sua atenção desviou-se de novo para a silhueta
indistinta da habitação.
- Que dirão ali do meu desaparecimento? disse ele. Sem dúvida ouviram a explosão, mas ninguém se lembrou de acorrer para verificar as razões da detonação e reconhecer
os estragos que produziu. Isto tende a provar que esperavam o acidente. Pondo de parte Markus Benn e poucos mais, parece-me que todos os cavaleiros do rancho são
um bom grupo de bandidos.
- Hélo boy! Queres almoçar? perguntou Jaguar Bill, dando uma palmada amigável nas costas do amigo.
- Por Deus! Não posso dizer que não. Aquela reclusão forçada colou-me a barriga às costas.
Poucos momentos depois, os dois amigos, sentados à sombra dum rochedo, atacavam uma lata de conservas que o aventureiro tinha, por precaução, guardado nos alforjes
da sela.
XVI
Cavaleiros na noite
Pão de milho e ameixas secas completaram a refeição. Catamount comeu com bastante apetite. Esquecendo as provações por que itinha passado, o homem dos olhos claros
não pensava senão em tirar a sua desforra. Depois do atentado em que quase fora morto, imaginava que os acontecimentos se iriam precipitar. Desejoso de recomeçar
o inquérito interrompido, virou-se para Jaguar Bil, que brincava com a erva:
- Diz-me uma coisa. Aqui há dias, quando descobriste o corpo de Richard Silander... não notaste nada de particular?
O ranger ainda não tinha tido ocasião de falar com o companheiro e era por isso que aproveitava a ocasião, mas o aventureiro limitou-se a responder:
- Encontrei o cadáver, e pensei que isso era um incidente susceptível de me arranjar as maiores complicações;
- Foste-te embora quando ouviste gritar? insistiu o ranger. Não encontraste ninguém ?
- Ninguém! De resto, estava escuro como breu!
- Fred Silander falou num indivíduo que esbarrou com ele no escuro e que aproveitou a ocasião para lhe surripiar o Colt...
- Não encontrei ninguém. Quando vi que os acontecimentos se complicavam, aproveitei a confusão para me pôr ao fresco. Chovia a potes. E tinha imensa pressa em pôr
a maior distância possível entre mim e o Trez Lírios.
Catamount franziu a testa. O mistério continuava tão completo como antes.
- Richard Silander saiu da sala pouco depois de ter acabado de dançar, disse ele após um curto silêncio. Aventurou-se pelo pátio e o assassino seguiu-lhe as pisadas.
- Como sabes tu isso?
- Meu Deus! A cena não é difícil de reconstituir.. Richard deu alguns passos no pátio, virou-se bruscamente, viu alguém com o revólver na mão, pronto a disparar
contra ele. Então, gritou por socorro e foi esse grito que tu ouviste. Enquanto corrias direito ao curral, o assassino matava friamente o ranchman, que, tomado de
pânico, tinha ido esbarrar com os arames da vedação.
- Certamente, tudo se passou assim! Mas quem
disparou?
- Há pelo menos vinte homens no rancho capazes de ter cometido o crime... Durante os dias que passei com eles, observei-os a todos. Tirando Markus Benn e mais sete
cow punchers, todos obedecem cegamente a Nick Wilson. E como o contramestre não recua diante de nada, como acabo de ter a prova, não é difícil de compreender que
comandou isto tudo.
O ranger calou-se, mas os seus pensamentos continuaram a vagabundear, estudando as observações que já tinha feito no pátio do Trez Lírios. Nick Wilson conversava
frequentemente com a Rainha do lasso. De aí a supor que eles fossem coniventes, não ia mais que um passo.
- Que vamos fazer? perguntou Jaguar Bill.
- Observar! E, se não vires qualquer inconveniente, permaneceremos nas proximidades da mina abandonada.
- Porquê?
- Simplesmente porque estou convencido de que o contramestre voltará a estes lados, para ter a certeza de que o seu plano resultou.
Aquele regresso parecia muito provável, de modo que os dois homens abandonaram o refúgio, e dirigiram-se para junto da galeria. Jaguar Bill, que ficara de guarda,
anunciou dentro de pouco tempo:
- Dois cavaleiros!
Em poucos instantes, Catamount estava junto do companheiro e olhava na direcção apontada:
- Mesquita! disse ele identificando imediatamente o alazão.
Um dos recém-chegados montava, efectivamente, o cavalo do ranger, e Catamount reconheceu Nick Wilson. O indivíduo que acompanhava o contramestre não tardou a ser reconhecido por Jaguar Bill.
- Bert Buzzard! disse surdamente o aventureiro.
- Eu cá tinha a minha ideia de que eles haviam de voltar.
Os dois cavaleiros tinham desmontado, abandonando os cavalos a duas centenas de passos do lugar onde se encontravam os dois companheiros.
- Vamos-lhes reservar um acolhimento caloroso, disse o aventureiro.
- Mais devagar! interrompeu ,o ranger. Penso que temos o maior interesse em conservar esses dois cavalheiros em liberdade. Antes de mais nada, evitemos denunciar
a nossa presença. Certamente, isso permitir-nos-á apanhar algumas informações do maior interesse.
Jaguar Bill concordou com um abanar de cabeça, e os dois amigos esconderam-se o melhor que puderam por detrás duma pedra que ficava a poucos passos do caminho da
mina.
Durante momentos, o silêncio foi absoluto. Depois, ouviram-se passos e vozes. Catamount surpreendeu a voz de Bert Buzzard, que dizia:
- Desde que ele não tenha conseguido escapar-se... Esse tipo tem a pele dura!
- Impossível! Ficou esmagado, pela certa. A galeria desabou com a explosão.
- Malditos juncos! praguejou Bert Buzzard. Estão constantemente a picar-me. Já arranhei a mão toda.
- By Jove! Estás muito melindroso.
O contramestre ria-se das queixas do companheiro; no entanto, sentou-se a descansar numa pedra, estafado péla subida.
Felizmente, nem por um momento Nick Wilson desconfiou da proximidade do seu mais perigoso inimigo. Tirando um grande lenço da algibeira pôs-se a enxugar o suor.
- Ouf! Isto fica alto... gemeu Bert Buzzard, que chegava por sua vez junto do companheiro.
- Muito te choras tu!... retorquiu o contramestre.
- Choro-me muito? Parece-me que tenho razão
para isso! Ainda mal tinha acabado de voltar do Éden, de levar a mensagem ao hotel Glória, quando me obrigaste a acompanhar-te até aqui. Podias muito bem ter escolhido
o Jorry Stein, que não faz nada durante o dia.
- Preciso de ti, e isso chega!...
- E, ainda por cima, terei que estar esta noite em "Whitewater", para a limpeza final.
- Basta de jeremiadas! Não estou habituado a que discutam as minhas ordens.
O contramestre abandonara o ar de brincadeira. Parecia irritado com o companheiro. Bert Buzzard não protestou mais. De resto, Nick Wilson recomeçava a andar; de
boa ou má vontade, teve que se
resignar a segui-lo.
Teria sido fácil aos dois (emboscados precipitarem-se sobre os adversários e reduzi-los à impotência, mas contiveram-se; viram-nos caminhar para a entrada da mina
e desaparecer na entrada.
- Vês que fizemos bem em esperar? murmurou o ranger ao ouvido do companheiro. Ouvimos qualquer coisa de interessante.
E, como jaguar Bill permanecesse calado, observando o orifício por onde itinham desaparecido os dois homens, Catamount acrescentou:
- Gostaria de saber o que Buzzard foi fazer ao
hotel Glória.
- Que te interessa isso?
- Que me interessa? Mas é precisamente nesse hotel que estão os filhos de Richard Silander.
Desta vez. Jaguar Bíll compreendeu o interesse do companheiro.
-Ora! resmungou ele. Mas nesse caso...
- Nesse caso, há muitas probabilidades de que a mensagem de Wilson esteja ligada com a limpeza final que prometem fazer em "Whitewater".
- "Whitewater"? O lugar convém-nos magnificamente. Fica a meia milha daqui...
- De modo que não deixaremos de ir ao seu encontro.
Os dois amigos calaram-se. Nick Wilson e Bert Buzzard acabavam efectivamente de sair da mina abandonada.
- Atenção, segredou o aventureiro. Ei-los que voltam.
- Parecem satisfeitos, retorquiu Catamount. Perfeitamente... Julgam-me enterrado debaixo dos escombros. Que rica ideia que tivemos em esconder a passagem!
Calaram-se, para ouvir o que diziam os dois cúmplices.
- Agora temos o terreno limpo, dizia o contramestre. Mas escapamos por pouco. Quando se pensa que esse tal Harding não passava do célebre Catamount! Logo de começo
desconfiei de qualquer coisa, achava que o tipo tinha uns modos pouco vulgares. Foi preciso que...
O ranger não conseguiu ouvir o fim da frase, pois os dois companheiros já se afastavam entre os rochedos.
- Sei o que queria, disse o ranger. Conheciam a minha identidade. Foi por isso que se decidiram a acabar comigo. Mas hão-de verificar que Catamount tem a pele ainda
mais dura do que eles pensam.
O homem dos olhos claros abandonava a expectativa. Meteu o revólver no coldre.
- É inútil afastarmo-nos do nosso refúgio antes
do cair da noite. Não temos nada a fazer até ao encontro em "Whitewater".
- Iremos lá! Podes contar comigo.
O aventureiro tinha recuperado a sua coragem, e o ranger sentiu-se sossegado. Se não havia podido ouvir toda a conversa dos dois companheiros, sentia-se pelo menos
suficientemente informado sobre os seus projectos.
- Ficaria muito surpreendido se Fred e Kate Silander não viessem a "Whitewater", disse Catamount. A famosa mensagem que Buzzard levou ao hotel devia ser destinada
a atrair os dois garotos a uma emboscada.
- Interviremos a tempo de não deixar esses dois imprudentes cair nas mãos daqueles bandidos.
-- Mais devagar! Estás sempre com muita pressa. Deixando os filhos de Silander cair nas mãos de Wilson, temos as maiores probabilidades de encontrar uma pista muito
interessante, uma pista que nos conduzirá directamente à pessoa que está à cabeça de toda esta organização.
Jaguar Bill adivinhou a quem o seu companheiro queria fazer referência. Esperava finalmente descobrir as famosas provas, susceptíveis de esclarecer
a questão.
Do seu esconderijo, Catamount e o companheiro viram os dois bandidos chegar junto dos cavalos. Os punhos do ranger crisparam-se quando viu o contramestre saltar
na sela do álazão.
- O miserável! Quando penso que Mesquita...
- Mesquita voltará brevemente à posse do seu proprietário, interrompeu Jaguar Bill.
Deixando os dois cavaleiros afastar-se, os dois amigos regressaram ao local onde tinham deixado Negro. E aí esperaram, observando os movimentos das manadas que se
deslocavam para aqui e para ali, nas pastagens. Não notaram nada de anormal.
Catamount Fitava o rancho com um sorriso, pensando quie os miseráveis tinham previsto tudo, excepto que ele voltasse a entrar em cena.
- Ri melhor quem ri no fim! murmurou ele.
Finalmente, caiu a noite. Os dois amigos haviam comido uma refeição frugal. Também não se tinham esquecido de proceder a um exame cuidadoso das suas armas.
- Penso que estamos prontos! disse o ranger.
- God!
Jaguar Bill conduziu Negro à arreata. Catamount seguiu à frente. Depressa chegaram ao sopé da colina, onde o homem dos olhos claros parou:
- Cuidado! Aí vêm eles.
com efeito, Catamount via aproximar-se um grupo duns dez cavaleiros. Jaguar Bill não dizia nada. Sem avistarem os dois homens, que se confundiam com os rochedos,
os homens do rancho tomavam posições para a emboscada. Pretendendo esconder-se dos jovens que deviam vir do sul, não se incomodavam com o lado oposto, onde se ocultavam
os dois companheiros.
- Óptimo, disse Catamount, quando os cavaleiros acabaram a sua manobra. Está tudo a postos. Um velho batedor, como nós, desconfiaria, mas os filhos de Sílander são
novos e pouco experientes. Irão cair na ratoeira.
- E se esses miseráveis os quisessem assassinar? perguntou Jaguar Bill.
- By Jove! exclamou Catamount franzindo o sobrecenho. Não posso crer nessa eventualidade. Mas vamo-nos aproximar desses cavalheiros, de forma a podermos agir oportunamente.
Se eles tentarem atirar, abatê-los-ei impiedosamente pelas costas.
Cinco minutos mais tarde, tendo deixado Negro por trás dum grupo de arbustos, Catamount e Jaguar
Bill aproximaram-se rastejando. O ranger tinha fixado os lugares exactos ocupados pelos cavaleiros.
- Atenção! Ei-los que chegam! disse subitamente o aventureiro.
Efectivamente, os irmãos Silander chegavam. Do seu lugar, os dois amigos viram o círculo fechar-se em redor deles. Era noite fechada, mas o luar permitia que se
observasse tudo perfeitamente. "- Ainda não atiraram, disse o ranger. É a clássica ratoeira. Não temos mais do que ter paciência e seguir estes malandros.
A agressão produziu-se segundo as previsões do homem dos olhos claros. Imóveis, Catamount e Jaguar Bill assistiram à brutal agressão de que foram vítimas Kate e
Fred.
O ranger sentia uma vontade terrível de intervir na batalha, mas não perdia de vista a importância do resultado que esperava atingir. Apenas podia alcançar a vitória
à custa de muita paciência. Quando os bandidos reduziram os dois irmãos à impotência, reuniram-se em redor do seu chefe, em quem o ranger reconheceu Nick Wilson.
O grupo abandonou "Whitewater", onde se tinha desenrolado o rápido drama, e afastou-se na direcção do rancho. Os dois amigos apressaram-se a segui-los. Jaguar Bill
saltou na sela de Negro, e Catamount montou à garupa;
Era perto da meia-noite quando o grupo chegou ao pátio do rancho. Esgotados pela luta desigual que tinham mantido contra os seus adversários, os dois prisioneiros
não tentaram escapar-se aos seus guardas, que de resto estavam preparados para prevenir qualquer tentativa de fuga.
A casa de habitação do Trez Lírios não estava mergulhada na escuridão, como era costume àquela hora. As janelas do rés-do-chão encontravam-se iluminadas. Mal os
cavaleiros pararam, uma silhueta
desenhou-se no rectângulo de luz da porta principal. Durante uns momentos, imobilizou-se; depois, descendo os três degraus da entrada, foi ter com os recém-chegados.
Dominando o ruído das patas dos cavalos, levantou-se uma voz clara, uma voz de mulher:
- Então? Passou-se tudo bem?
Flora surgia, com o rosto iluminado pelos raios pálidos da lua...
XVII
Flora triunfa
Em poucos instantes, Flora Silander chegou junto dos cavaleiros. Um sorriso vitorioso desenhou-se-lhe nos lábios quando viu os dois prisioneiros, mas depressa estremeceu.
Fred, que se endireitava o mais possível na sela, acabava de a reconhecer:
- Tinha razão em suspeitar desta cadela! disse o rapaz. Foi ela quem organizou tudo...
- É verdade, fui eu! disse maldosamente a Rainha do lasso. Há muito que esperava este momento. Suportei tudo. O vosso desprezo, os vossos insultos, mas sabia que
a minha hora havia de soar e que poderia conseguir vingar-me.
Kate fitava, espantada, a aventureira. Os seus captores acabavam de lhe tirar o lenço que a cegava.
- Em verdade, minha senhora, disse ela por sua vez, antes quero estar nesta situação do que na sua.
- Não sou positivamente da sua opinião, retorquiu ironicamente a mulher. A Rainha do lasso não costuma perdoar aos seus adversários. Quiseram-se meter no meu caminho,
não têm que acusar ninguém da sorte que lhes está reservada.
- Perdão, se alguém se meteu no caminho de
outrem foi a senhora. Mas, acredite-me, engana-se
ao fiar-se assim nas aparências. A justiça de Deus
pode muito bem atingi-la mais cedo do que pensa.
- A justiça de Deus?...
Flora encolheu os ombros e esforçou-se por sorrir; no entanto, um esgar contraiu-lhe as feições. Fred e a irmã perceberam que aquela implacável inimiga se sentia
obcecada, apesar de tudo, pelo medo.
- Soube tomar as minhas precauções, disse ela,
endireitando-se.
- Admirar-me-ia muito de que Markus e os outros amigos que temos no rancho se tivessem sujeitado a servir os seus planos, objectou Fred sardònicamente.
- Markus Benn? Neste momento, dorme como um justo. E todos os amigos que vocês aqui têm lhe seguem o exemplo. Oh! Isso não foi difícil. Ontem ao jantar, Jorry Stein
encarregou-se de deitar um certo pó branco no vinho e na cerveja que esses cavalheiros bebiam. Como eles comem sempre à parte, foi a coisa mais simples do mundo.
A esta hora, estão deitados no dormitório e incomodam-se pouco com o que lhes possa acontecer. Podem gritar por eles à vontade que eles não os ouvirão, e, quando
voltarem a si, teremos agido de maneira que não nos poderão dar o mais leve incómodo. De resto, ignorarão o que foi feito de vocês!...
Os dois prisioneiros desistiram de protestar. Preocupados, compreendiam que a sua adversária  tinha sabido elaborar o seu plano... Estavam, pois, à sua completa mercê, e todos os cavaleiros que a rodeavam pareciam dispostos a ajudá-la no seu crime...
- Podem tirar os vossos lenços, my boys... A um sinal que Flora lhes dirigiu, os cavaleiros
que tinham agredido e raptado os dois jovens desmascararam-se. Kate e Fred reconheceram então Nick Wilson e alguns cow-punchers do rancho;
- Levem-nos para a sala grande, ordenou a Rainha do lasso... É preciso acabar com isto!...
Os prisioneiros sentiram-se imediatamente agarrados por mãos vigorosas, que os arrancaram das selas. Ainda atordoados, deram alguns passos em direcção à casa. Durante
este tempo, vários cow-punchers levaram os cavalos para a cavalariça.
Nick Wilson aproximara-se de Flora, com quem trocava agora algumas palavras em voz baixa. O contramestre parecia muito amável e estendeu mesmo a mão para lhe passar
o braço em roda da cintura, mas ela empurrou-o bruscamente:
- Por amor de Deus, Wilson!... Não estamos sós!...
- No entanto, tinha-me prometido...
--Não esqueço as minhas promessas!... Mas pêlo menos é preciso guardar as aparências!...
- Meu Deus, respondeu Nick Wilson, os outros já sabem disto há muito tempo.
-Não é razão suficiente!...
O contramestre pareceu ficar despeitado com estas palavras e com o ar aborrecido de Flora, mas Jorry Stein aproximava-se:
-- Então? interrogou Flora... Markus Benn?
- Continua no réino dos sonhos... Ainda temos muitas horas à nossa frente!...
- Quando acordarem, tudo terá acabado, e desafio-os a encontrarem o mais pequeno indício destes dois teimosos!...
A aventureira fechava raivosamente os punhos enquanto pronunciava estas palavras. Rapidamente, dirigiu-se ao corredor. Três cow-punchers acabavam de levar os prisioneiros
para a sala grande e esperavam ali, silenciosos, sentados num banco...
Kate e Fred já não tinham a mínima ilusão a respeito da sorte que lhes reservava a sua implacável inimiga... Estavam condenados a desaparecer. A viúva de Richard
Silander ia organizar tudo para deitar abaixo os últimos obstáculos que se levantavam na sua frente. Desaparecendo os dois jovens, tornar-se-ia proprietária do Trez
Lírios... Flora apareceu, com um sorriso trocista. Durante alguns instantes, fitou os dois prisioneiros, que sustentaram altivamente os seus olhares...
- Vocês pensaram, meus amiguinhos, que teriam a última palavra!... Insensatos!... Julgaram que os iria deixar muito sossegados em Éden a urdirem contra mim ais piores
intrigas!... Não sou das que toleram semelhantes equívocos...
- Em todo o caso, temos agora a prova de que você é uma criminosa, respondeu Fred... Foi você quem assassinou o nosso pai!...
A Viúva encolheu ironicamente os ombros: - Eu?... Vocês bem sabem que nessa altura eu dançava!... Há aqui testemunhas para o afirmarem...
- Também aqui estão alguns cuja atitude e presença provam que você sabe encontrar os cúmplices necessários à realização dos seus abomináveis projectos!..
Fred, que tinha interrompido a sua interlocutora, apontava Nick Wilson, Bert Buzzard, Jorry Stein e os outros cow-punchers que se agrupavam então na sala... Todos
tinham entrado em silêncio
atrás da Rainha do lasso, e agora esperavam de pé, em semicírculo...
- Uma tal descoberta devia torná-los mais circunspectos, disse então Flora. Pois ela só prova a vossa impossibilidade de defesa!...
- Que importa! Não perdemos a esperança!...
Fora Kate quem pronunciara estas palavras com uma voz vibrante, Kate que se tinha levantado e olhava fixamente a aventureira. Esta não pareceu impressionar-se muito;
tinha tirado uma cigarreira da algibeira e metia um cigarro entre os lábios!... A sua direita, colocara-se Nick Wilson. Pela maneira de ser deste para com Flora,
os dois irmãos compreenderam imediatamente que entre ambos devia haver um acordo...
Mas Kate continuou, levantando obstinadamente a cabeça:
- Tenho a certeza de que a Justiça nos vingará!... Vocês julgam-se ao abrigo dela, mas tenham cuidado, porque daqui a pouco tempo terão que prestar terríveis contas
aos vossos juizes...
- Não julgue convencer-me, miss Silander, cortou rudemente a Rainha do lasso... Se eu estivesse no seu lugar, mostraria mais juízo!... Quando se vai morrer!...
- A morte não me mete medo, respondeu Kate...
- Diz-se isso, mas quando chega a altura...
- Repito-lhe que não recuarei diante da morte!... Mas admitamos que possa suprimir-nos... Julga que tudo acabará? Temos muitos amigos em Bden, o advogado Phil Armour
ocupa-se activamente da nossa causa, saberá fazê-la vencer e confundi-la a si!...
Uma gargalhada acolheu esta declaração.
- Para isso, seria preciso provar que você e o seu irmão foram assassinados, miss Silander...
E eu estou resolvida a. representar a indispensável comédia. com a ajuda dos meus valentes cow-punchers, a vossa morte será considerada como acidental, e pronto!...
Os dois jovens não responderam. Durante alguns instantes fez-se na sala um silêncio impressionante. Nick Wilson e os seus acólitos não se moviam... A energia e o
desprezo que mostravam os dois jovens impunham-se-lhes, e alguns pensavam que este negócio poderia muito bem acabar por lhes dar aborrecimentos, mas a Rainha do
lasso, que tinha reparado na atrapalhação provocada pela resposta da sua interlocutora, insistiu:
- Vocês conhecem, com certeza, o vau de Sunbean... É muito perto de "Wihitewater"... Pois bem, nessas paragens existem areias movediças!...
Kate e Fred continuavam num silêncio desdenhoso, e então Flora prosseguiu, mais sarcástica do que nunca:
- Sei que, por várias vezes, alguns animais ali se têm enterrado. Nunca mais ninguém os viu!... Acontecerá o mesmo com vocês!... E os testemunhos das pessoas do
rancho concordarão todos, para que seja aceite a versão dum duplo acidente... Os prisioneiros leram na cara dos seus vizinhos uma inexorável decisão. Não encontrariam
da parte desses homens nenhuma piedade.
- Amanhã, continuou Flora, um dos nossos cavaleiros apresentar-se-á em Éden, no escritório do sheriff... Eles dirão como as Vossas pistas foram descobertas perto
do vau. Far-se-ão buscas, nas quais eu tomarei parte. E logo se saberá que dois cavaleiros imprudentes se enterraram durante a noite em Sunbean, pagando com a vida
a sua temeridade!...
O plano diabólico tinha sido realmente bem organizado. Os dois jovens compreenderam que
estavam irremediavelmente perdidos. Flora continuou:
- Já vêem que me posso rir das vossas ameaças!... Dentro de alguns dias, quando Bill Neal tiver, à falta de melhor, colocado o vosso desaparecimento num plano puramente
acidentàl, quando os meus homens forem confirmar as minhas declarações, terei o campo livre!... E mandarei então como soberana no Trez Lírios...
- Miserável! Far-nos-ã desaparecer, como o fez com nosso pai! vociferou Kate, incapaz de conservar por mais tempo a calma...
- Pois bem, sim!... Para que heá-de deixá-los mais tempo na incerteza! Dentro de algumas horas, vocês já estarão enterrados nas areias movediças... Posso dar-lhes
uma última alegria antes de vos matar... Saberão a verdade... Não fui eu quem atirou contra Richard Silander... Eu não o poderia fazer estando na sala grande...
Foi Jorry Stein quem se encarregou disso!...
- Jorry Stein!...
O olhar de Kate voltou-se com uma expressão de espanto e de profunda censura para o cow-puncher... Ela não ignorava, com efeito, o que Jorry Stein devia a seu pai,
que o tinha recolhido alguns anos antes, no momento em que, miseravelmente, procurava um emprego...
O cow-puncher, atrapalhado, voltou a cabeça, mas Flora explicou:
- Eu tinha encarregado Jorry Stein dessa maçada... Richard tinha-se queixado de enxaquecas e manifestara a intenção de sair um momento. Jorry seguiu-o... E, enquanto
se dirigia para a cavalariça, o acaso quis que ele o encontrasse a si e lhe desse um encontrão bastante violento... A rápida surpresa que você sentiu permitiu-lhe
roubar o seu Colt...
- E foi com o meu revólver que este bandido assassinou o meu pai!... acabou o jovem. Miserável!...
Escapando aos dois cow-punchers que o ladeavam, Fréd atirou-se com a cabeça baixa na direcção de Jorry Stein... Inquieto, o bandido deu um passo atrás, mas já Nick
Wilson e alguns cow-punchers intervinham, não tendo dificuldades em segurar o prisioneiro e em colocá-lo no seu primitivo lugar...
Enquanto se desenrolava esta cena intensamente dramática, os ocupantes da sala grande estavam com a atenção tão profundamente presa que não viram duas sombras que
se mexiam perto duma janela... Se os dois prisioneiros não se encontrassem neste momento debaixo de tão violenta indignação, teriam podido notar que não deviam perder
comlplètamente a esperança... Estavam ali, bem perto, dois amigos, e os acontecimentos iriam, sem dúvida, modificar-se...
Catamount e Jaguar Bill tinham-se esgueirado por sua vez para o pátio, deixando Negro ali perto, e, de Colt na mão, os dois amigos dissimularam-se durante um momento
por trás dum muro... Neste esconderijo puderam ver os raptores de Kate e Fred parar. Depois, à luz do luar, o homem dos olhos claros reconheceu Flora Silander, que
avançava ao encontro dos seus cúmplices...
- Tinha a certeza de que ela estava à cabeça de toda esta organização, murmurou surdamente o ranger...
Os dois companheiros estavam demasiado afastados para compreenderem o que a viúva dizia aos seus acólitos; contudo, os cow-punchers tiraram os lenços que lhes escondiam
ais caras...
- Nick Wilson!... Jorry Stein õ C.a!... troçou Catamount... Que belo grupo de bandidos!...
Jaguar Bill imobilizou-se perto do ranger, com o dedo no gatilho, pronto a disparar. Mas o homem dos olhos claros ainda não queria passar ao ataque. Viu os bandidos
conduzirem os cavalos para o curral, e sentiu um aperto de coração ao reconhecer Mesquita entre os animais.
No entanto, o ranger dominou rapidamente a sensação de mal-estar que o invadia. O pessoal do rancho entrava já na casa, para onde Flora tinha mandado conduzir os
dois prisioneiros. A segurança que mostravam aqueles miseráveis indicava que se sentiam certos da impunidade. E esta atitude favorizava os dois amigos. Quando o
último cow-puncher entrou em casa, Catamount virou-se para o amigo e fez-lhe um sinal:
- God! Parece-me que vamos ouvir coisas muito interessantes...
Jaguar Bill não respondeu. Silenciosamente, seguiu o ranger, que, de revólver em punho, se esgueirava junto à parede que rodeava o pátio. Evitando eXporem-se em
locais iluminados pela lua, os dois companheiros aproximaram-se das janelas que tinham ficado abertas.
Chegando perto duma, donde se ouviam melhor as vozes, Catamount e Jaguar Bill agacharam-se. Flora falava e, pelo seu tom ameaçador, o ranger compreendeu que se dirigia
aos dois prisioneiros. Imobilizou-se, e conseguiu perceber a maior parte da conversa de Fred e Kate com a aventureira. Do seu lugar ouviu mesmo a cínica confissão
da criminosa.
Aquelas palavras não espantaram o homem dos olhos claros. Desde que chegara ao Trez Lírios que suspeitava de Flora como sendo a instigadora de todá aquela intriga
misteriosa.
Mas agora, depois da curta cena desenrolada
entre Fred e Jorry Stein, a Rainha do lasso recomeçava a falar:
-- Podem-me ameaçar com a Justiça à sua vontade, meus queridos amigos, troçou ela. Ainda recentemente, um homem que a qui estava, sob o nome de Harding, tentou descobrir
os meus segredos. Esse homem pagou com a vida a sua imprudência. E, no entanto, não se tratava dum pobre diabo qualquer! Certamente já ouviram falar de
Catamount...
- O quê?! não pôde deixar de exclamar Kate.
Harding é Catamount?!
- Eram uma e a mesma pessoa! cortou Flora. E, agora, dorme o seu último sono na mina abandonada. Não temos mais nada a temer da sua parte. Não lhes havia eu dito
que tínhamos sabido tomar todas as precauções?
A aventureira triunfava. A sua roda, os cow punchers riam à gargalhada. Durante um certo tempo, tinham permanecido silenciosos, amedrontados pelas respostas vibrantes
dos dois cativos, mas, agora, adquiriam a certeza de que os seus crimes ficariam impunes...
Esta convicção ficaria um pouco abalada se os bandidos pudessem surpreender o sorriso irónico que torcia a boca -do ranger. Por circunstâncias providenciais, Catamount
tinha conseguido escapar à morte e sentia-se cada vez mais resolvido a continuar a luta até ao fim...
Sem dúvida, o bando da Rainha do lasso era numeroso e compunha-se de gente que não recuava diante de qualquer crime, mas o homem dos olhos claros estava disposto
a agir. Esperava beneficiar da surpresa que a sua ressurreição iria provocar, para fazer, finalmente, triunfar a Justiça e desempenhar-se da perigosa missão que
o seu chefe lhe havia confiado...
XVIII
Os que já não eram esperados
- Se me dá licença, Mrs. Silander, necessitava de lhe dizer duas palavras.
Nick Wilson aproximava-se da Rainha do asso, e esta última, franzindo as sobrancelhas, retorquiu-lhe:
- Não me parece boa ocasião, Wilson! Era melhor esperar até nos termos desembaraçado destes dois importunos!
Flora indicava os dois prisioneiros enquanto pronunciava estas palavras, mas o contramestre abanou negativamente a cabeça:
- Já esperei bastante. Preciso de lhe falar imediatamente, sem testemunhas.
Nick Wilson indicava o pequeno escritório, junto da sala. Durante uns momentos, Flora hesitou. Custava-lhe satisfazer a vontade do seu acólito, mas viu uma expressão
tão resoluta no rosto do homem que se resignou.
- Pois bem, seja! Mas tem que ser depressa. Não podemos perder tempo.
- Conheço tão bem como a senhora o valor do tempo.
O tom acerbo em que falava Nick Wilson surpreendeu os assistentes, mas já Flora entrava no escritório, seguida do contramestre, que fechou a porta atrás de si.
- Então? Você está doido?
Flora tinha acendido a luz, e virava-se para Wilson, que retorquiu Amargamente:
- Não compreendeu que estou cansado de esperar? Até aqui tenho tido calma, mas agora é de mais.
- Não percebo a sua agitação.
A Rainha do lasso afectava grande calma, mas pela expressão do seu rosto podia ver-se que estava preocupada.
- Não compreende? Esquece quais eram as
nossas condições?
- Esteja descansado, tenho boa memória!...
- Espero que assim seja. No entanto, quero recordar-lhe que tinha ficado combinado casarmos logo que se tornasse a dona absoluta do Trez Lírios.
- E então? Parece-me que vamos a caminho disso. Mais umas horas e teremos atingido o nosso fim. Não haverá mais nenhum obstáculo a temer.
- É possível, mas mais uma razão para compreender que esta situação é só a mim que a deve. Foi defrontando as maiores dificuldades que lhe
abri caminho...
- Mas que bicho lhe mordeu? Julga-me tão
estúpida que não perceba isso?
- Sei que você é muito esperta. E li uma certa hesitação nos seus olhos nas últimas vezes que falámos a sós. E deve saber quanto gosto de si... Deve compreender
que desejo ver o meu sonho realizado.
- E vê-lo-á! Mas continuo a não perceber a razão desta cena.
- Não se trata duma cena, mas duma explicação
indispensável.
- Não grite tanto, objectou a mulher. Os outros
poderiam ouvir.
- Os outros... Eles sabem muito bem com que têm a contar. Poderá perguntar-lhes por que razão Nick Wilson abateu, um a um, todos os cow-punchers que se poderiam
atravessar no seu caminho, todos os que lhe julgava hostis. Todos eles
criminosos...
Flora não respondeu. Nick Wilson aproximou-se dela e segurou-lhe uma das mãos.
- Por favor, protestou Flora. Está-me a fazer mal.
- Não sou daqueles que se deixam levar! insistiu o contramestre, com mais energia do que antes. Não sou cegamente confiante, como o boss. Pôde enganá-lo, com a minha
ajuda, mas a mim não me conseguirá enrolar.
- Está doido!... Largue-me!... protestou a Rainha do lasso.
O contramestre largou-lhe a mão, mas prosseguiu com voz surda:
- Quem abateu ben Sourdis e Black Hantwell, as duas primeiras vítimas do Trez Lírios? Eu. Quem permitiu que fosse roubado o gado das pastagens? Eu, ainda. Quem suprimiu
as testemunhas incómodas e os adversários mais teimosos? Sempre eu. E, durante esse tempo, você ficava prudentemente escondida.
- Você não tinha nada a temer. Não estava rodeado de auxiliares da sua maior confiança? Bert Buzzard, Jorry Stein e todos os outros não têm a consciência tranquila.
São uns tipos que nunca recuarão diante duma empresa perigosa, desde que ela seja lucrativa. E, a propósito, os dólares que lhe dei de vez em quando, e que permitiram
aumentar o ordenado dos seus auxiliares, também permitiram certas realizações que se mostravam muito difíceis.
Enquanto o seu interlocutor abanava evasivamente a cabeça, Flora acrescentou:
- Pense bem, Wilson. Sem mim, nunca poderia pretender dirigir o Trez Lírios. Para alcançar este
resultado era absolutamente necessária a. nossa colaboração.
- Prometeu casar comigo quando todos os
outros tivessem sido suprimidos.
- Estamos perto do fim. Em boa verdade, esta discussão parece-me tão ridícula quanto inútil.
.- Tem que manter a sua promessa.
- E quem lhe diz que não estou disposta a mantê-la?
.- Há uns dias que não a acho a mesma, Flora; acho-a distante. Já não me dedica aquele interesse que me mostrava em tempos, quando precisava de se ver livre do boss.
- Está a perder um tempo precioso com essas
palavras...
-- E o ranger? Esquece-se dele? Sem a minha intervenção, Catamount continuaria a rondar à nossa volta. Você tinha tanto medo dele que não quis tentar nada contra
os filhos de Silander enquanto ele permaneceu no rancho.
- E então? É verdade. Esse homem é temível, e você conhece a reputação dele tão bem como eu. Quando o vi chegar ao rancho lembrei-me de o ter visto nalgumas fotografias
de grupos de rangers, quando eu cantava nos postos da fronteira. O seu olhar impressionou-me. Quase imediatamente descobri a sua identidade.
- Não foi um grande milagre, visto que o boss disse que tinha pedido o auxílio do Maijor Morley, perante a incapacidade do sheriff de Éden.
- Ao menos, aquele era um homem... Pena estar entre os meus inimigos.
- Damn! Vai-se apaixonar por um homem que fez executar friamente?
- Não é isso, mas tenho pena de ter sido obrigada a chegar a esse extremo. Era preciso, evidentemente, não podíamos agir doutra forma. Mas...
O contramestre notou o brilho dos olhos da sua interlocutora. Teve um gesto de enfado:
- Tem uma bonita maneira de agradecer aos que a servem, Mrs. Silander...
- Sou franca, eis tudo. É por isso que não gosto de que duvidem da minha palavra. Logo que entre na posse do rancho, iremos à presença do pastor. No entanto, não
nos devemos precipitar, pois isso podia despertar suspeitas. Daqui a seis meses ou um ano, poderemos falar abertamente em casamento. Mais cedo, começariam a dizer
no distrito que tínhamos assassinado Richard Silander para lhe apanhar a fortuna. E eu não tenho empenho nenhum em arranjar um par de algemas. As minhas ambições
são outras... Percebeu, seu trouxa?
Flora sorria agora, e o rosto do contramestre descontraiu-se. Tinha conseguido desarmá-lo.
.- Perdoe-me, Flora, mas gosto tanto de si...
- E pode crer que se não fosse isso nunca lhe perdoaria as suas suspeitas a meu respeito.
Deixando os seus ares ameaçadores, o contramestre beijava agora a mão da Rainha do lasso. Ela sabia que tinha ganho a partida:
- Vamos, querido! disse ela por fim. Ainda temos que nos desembaraçar daqueles importunos.
- É verdade! Vamos levá-los ao vau. E prometo-lhe que nunca mais se encontrarão vestígios...
-- Conheço a sua habilidade...
Flora levantou os olhos, e deixou escapar uma exclamação. Vira na janela, que ficara aberta por ,trás do contramestre, duas silhuetas.
- Que tem, Flora?
Intrigado, Wilson interrogava a aventureira, que -empalidecera mortalmente. Mas Flora parecia petrificada, com os olhos fixos na janela. Nick Wilson ia-se virar,
quando uma ,voz soou imediatamente por detrás dele:
- Silêncio! Ou abato-os como cães!...
Nick Wilson sentiu um objecto frio apoiar-se-lhe na nuca. Estremeceu, mas a voz continuava mais ameaçadora do que nunca:
- Mãos no ar! Os dois!... Instintivamente, obedeceram, e Nick Wilson, que
se voltou nesse momento, pôde compreender a razão da surpresa da sua interlocutora. Era efectivamente Catamount quem estava na sua frente, Catamount que, de revólver
em punho, o rosto ameaçador, parecia pronto a abater os dois cúmplices, cuja conversa tinha surpreendido; e, imediatamente atrás do ranger, Jaguar Bill, armado com
um revólver que apontava ao par de aventureiros.
- Tinha razão em temer Catamount, senhora! A explosão da galeria, tão habilmente provocada, não conseguiu acabar lhe com a carreira.
A Rainha do lasso continuava sem se mover; decididamente parecia transformada numa estátua. Primeiro, ao ver aparecer o ranger, julgara-se vítima dum pesadelo, mas
agora tinha a certeza de que era o homem dos olhos claros que intervinha, e a voz que ela conhecia tão bem soava muito calma. Havia já um momento que o ranger estava
juntoda janela. Aproveitando a sua estadia no Trez Lírios, tinha estudado a disposição do terreno, de modo que, enquanto Jorry Stein e os seus cúmplices permaneciam
na sala a vigiar os prisioneiros, ele tinha rastejado com o companheiro até junto da janela da sala onde se desenrolara a conversa que havia ouvido completamente.
- Os meus cumprimentos, Mrs. Silander. Tem um jeito especial para a intriga. No entanto, devia ter pensado que jogava uma partida muito arriscada. "Tantas vezes
vai o cântaro à fonte que lá deixa a asa" diz um velho ditado. Pois, desta vez,
parece-me que vai ser desmascarada antes de ter conseguido o seu objectivo.
Flora permanecia silenciosa. Podia ler-se no seu rosto, horrivelmente pálido, a tremenda decepção que acabava de sofrer. Implacáveis, Catamount e o companheiro estavam  na sua frente.
Ouviam-se vozes no compartimento vizinho. Jorry Stein e os seus acólitos começavam a admirar-se da demora da conversa entre Flora e o contramestre. Nenhum suspeitava
do que se estava a passar na realidade.
- Vigiava-a há já alguns dias, prosseguiu o ranger, e suspeitava de que a senhora tinha qualquer coisa que ver com a morte do boss. Agora, perdeu, tem que pagar!
Miss Silander tinha razão quando há pouco disse que a hora do ajuste de contas não tardaria a soar...
Enquanto esta rápida cena se desenrolava no escritório, Kate e Fred esperavam, amarrados nas suas cadeiras. Tinham percebido o nervosismo docontramestre, e a curiosidade
que as suas palavras havia provocado nos bandidos.
- Escolheram mal o momento para discutir, resmungou Bert Buzzard. Gostaria de ver este assunto resolvido.
- Também sou dessa opinião, retorquiu Jorry Stein. Dum momento para outro, Markus Benn e os outros podem acordar...
- Não há perigo. A dose foi muito forte. Ainda têm pelo menos para doze horas...
Os dois jovens sentiram o coração apertar-se. Sabiam efectivamente que podiam contar com a lealdade daqueles homens, os únicos que lhes tinham permanecido fiéis,
apesar das manobras do Contramestre para os fazer deixar o rancho. Desejosos de proteger os interesses de Kate e de Fred, esses. cow-punchers tinham permanecido
ali, e a sua atitude
hostil demonstrava amplamente a Nick Wilson que estavam prontos a destruir-lhe os projectos. Naquele momento, quando os filhos do patrão assassinado necessitavam
tanto do seu auxílio, os infelizes tinham sido reduzidos à mais completa impotência, e, quando acordassem, a horrível execução teria terminado,
Os bandidos fumavam cigarros sobre cigarros, virando frequentes olhares para a porta. Uma nuvem de fumo enchia a sala.
- É curioso, disse ao fim dum momento Bert Buzzard, não se ouve nada...
- No entanto, deviam saber que temos pressa de acabar com isto.
Exclamações e resmungos acolheram estas palavras; alguns tossiram alto, como a lembrar a sua presença. Mas todas estas tentativas foram vãs. A porta permanecia fechada.
- Pró diabo o namoro! Tenho medo de que haja complicações... Temos mais que fazer.
Bert Buzzard estava agitado, andava dum lado para outro. Imóveis nas suas cadeiras, Kate e Fred viam-no ir e vir, perguntando a si mesmos se aquela demora não lhes
seria útil.
- Coragem, irmã! murmurou o rapaz, aproveitando o facto de a atenção dos seus guardas se dirigir para o fundo da sala.
Kate sorriu fracamente:
- Coragem? Tenho bastante. E tenho também a certeza de que Deus não nos abandonairá. Ele não deixará aquela infame aventureira triunfar...
- Shut up. Assim ninguém se entende, cortou a voz áspera de Bert Buzzard.
Incapaz de se dominar mais tempo, o cow-puncher encostava o ouvido à porta. Os seus companheiros aproximaram-se, e o ruído que produziram valeu-lhes uma olhadela
furibunda do bandido.
Finalmente, o silêncio fez-se. Retendo a respiração, Jorry Stein, Bert Buzzard e os outros esforçaram-se por ouvir a voz do contramestre e da Rainha do lasso...
- Nada!... Não se ouve nada! É incompreensível...
- Espero que não se tenham deixado adormecer, como Markus Benn...
-- isso seria o cúmulo!...
Rompendo o silêncio, os cow-punchers davam livre curso à sua irritação. Ligeiramente inclinado, Bert Buzzard obstinava-se em tentar ouvir o que se passava no quarto
ao lado, quando, bruscamente, a porta se abriu. O cow-puncher, que se lhe encostava, por pouco não perdeu o equilíbrio e se estatelou no pequeno escritório. Mas
depressa se endireitou, atirando-se para trás. Uma silhueta acabava de surgir na soleira, com um Colt em cada mão. Catamount adiantava-se, dizendo em voz agressiva
- Mãos no ar! Todos! Estão apanhados. E que ninguém tente fugir. Os deputies do sheriff cercam o rancho!...
XIX
Revólver contra "Lasso"
Houve um movimento de pânico no meio dos bandidos. Todos perguntavam a si próprios se não estariam a ser vítimas dum pesadelo desconcertante. Alguns tentaram levar
a mão à coronha dos seus revólveres, mas a voz imperiosa de Catamount remeteu os à prudência:
- Cuidado, my boys. Têm todo o interesse em se portar com juízo. Estou disposto a estoirar os miolos do primeiro que tentar resistir.
Desta vez, os homens do Trez Lírios ficaram convencidos. A pouco e pouco, todas as mãos se levantaram. Então, sem deixar de os ter sob a ameaça ,dos seus revólveres,
Catamount deu alguns passos na sala. E, sob os olhares espantados dos ocupantes do compartimento, Flora e Nick Wilson surgiram, mantidos em respeito péla arma de
Jaguar Bill.
- Durante muito tempo armaram em senhores.
Chegou a hora de pôr cada um no seu lugar.
Depois, virando-se para as cadeiras onde se encontravam amarrados os dois prisioneiros, Catamount acrescentou:
- Desculpar-me-ão de ter chegado um pouco tarde. Tenho imensa pena de os ter deixado tanto tempo nessa situação desagradável. Num segundo, enquanto o meu companheiro
se vai encarregar de fiscalizar o bando, eu vou libertá-los.
- Não sei como agradecer-lhe! murmurou a rapariga, ainda assombrada por aquela inesperada
aparição.
Fred ia igualmente agradecer, mas o ranger
cortou-lhe a palavra:
- Deixemos para mais tarde as amabilidades. De momento, é preciso proceder rapidamente.
O homem dos olhos claros não esquecia que apenas o seu subterfúgio tornava inofensivos os homens do rancho. Pensando que os deputies do sheriff cercavam o rancho,
os cow-punchers permaneciam tranquilos, mas Catamount bem sabia que, à medida que se fosse desfazendo o espanto dos primeiros momentos, o -perigo iria crescendo.
- Desapertem os cinturões de armas, e deitem-nos a três passos à vossa frente.
Protestos e pragas fizeram-se ouvir. Mas Jaguar Bil empurrava Nick Wilson e a Rainha do lasso para junto dos cúmplices.
- Vocês também, fiquem aí, e tirem o cinto de armas.
Os Colts do ranger e do companheiro continuavam dirigidos para o grupo de bandidos, que se alinhava silencioso.
- Toma atenção, Jaguar Bill, disse então o homem dos olhos claros. vou libertar os prisioneiros.
O aventureiro fez um gesto de assentimento e, sentando-se deliberadamente na borda duma mesa, continuou a apontar a arma para os bandidos. Todos estavam quietos,
pouco desejosos de servir de alvo aos seus enérgicos adversários.
Em poucos momentos, Catamount tirou a sua faca de mato e cortou as cordas que prendiam a rapariga. Começava a libertar Fred, quando se ouviu um estalido seco, ao
mesmo tempo que a escuridão invadia a sala. Quase simultaneamente, soaram várias detonações. Relâmpagos cortaram a escuridão. com um violento encontrão, o ranger
lançou Fred por terra.
- Atire-se ao chão, miss Silander! arquejou ele, virando-se para a rapariga
Esta apressou-se a obedecer. As detonações sucediam-se, acompanhadas dum ruído de vidros partidos. Jaguar Bill derrubou a mesa e escondeu-se atrás daquela trincheira
improvisada. Por várias vezes, disparou. As pragas e os gritos de dor que se ouviram no outro extremo do quarto provaram que as suas balas não tinham ficado inofensivas.
-Depressa!... Fujam!...
A voz Vibrante da Rainha do lasso soava junto da porta.
Imobilizados pelo golpe teatral que se dera no momento em que julgavam triunfar, os bandidos haviam-se imobilizado sob a ameaça dos seus adversários,
quando, subitamente, Bert Buzzard, que se tinha insensivelmente aproximado do quadro da electricidade, se decidiu a agir. Antes que Jaguar Biil pudesse duvidar das
suas intenções, o bandido ergueu-se ligeiramente na ponta dos pés e desligou a corrente.
Agora, nas trevas, desenvolvia se uma confusão tremenda de pragas, de ordens e de palavrões, misturando-se com o ruído das cadeiras caídas e dos tiros. Na sua precipitação,
os fugitivos tropeçavam uns nos outros, tentando sair para o pátio. Aproveitando a confusão, alguns de entre eles conseguiam esquivar-se, aproveitando as trevas.
- Fogo nesses bandidos! gritou Catamount.
O ranger e o seu amigo não se privaram de disparar na direcção que tomavam os fugitivos, e alguns caíram mais ou menos feridos, dificultando a saída. Durante esse
tempo, Fred Silander arrancou-se ao atordoamento que o atingia há uns momentos e, dominando a dor que lhe produziam os pulsos feridos pelo roçar da corda, precipitou-se
direito à parede, desprezando o perigo que corria com a troca de tiros estabelecida. As apalpadelas, conseguiu restabelecer a corrente.
A luz inundou a sala e Catamount, que se encontrava atrás da mesa derrubada por Jaguar Bill, pôde ver a extrema desordem que reinava em sua volta. Na direcção da
porta, viam-se três corpos estendidos no chão. Um outro estava perto dele, dobrado sobre si mesmo. Era Jorry Stein, que gemia. O miserável tinha sido atingido por
uma bala nas costas. com o rosto coberto de suor, agonizava, lançando ao ranger olhares de pavor.
O homem dos olhos claros não tinha tempo para se ocupar dele. Ouvia a fuga dos outros adversários, que aproveitavam a oportunidade que lhes era dada, correndo através
do pátio.
- Agarrem esses cães!... vociferou Catamount. Não os deixem escapar.
O ranger media a gravidade da situação. Em pouco tempo, Flora Silander e os seus cúmplices descobririam que ele tinha mentido, anunciando -lhes a presença do sheriff
e do seu posse. Sem encontrar a mais leve resistência, atingiriam o curral, e, montando a cavalo, não teriam dificuldade em se escapar aos seus audaciosos adversários.
Saltando por cima do último corpo que barrava a passagem, o ranger precipitou-.se para o exterior. Ouviram-se vários tiros; uma bala, furaindo-lhe o stetson, fê-lo
voar alguns metros, mas o homem dos olhos claros lançou-se por sua vez na escuridão exterior, correndo na direcção do curral.
Jaguar Bill precipitou-se imediatamente atrás dele, e Fred, que se tinha apropriado do Colt que estava perto de Jorry Stein, também quis tomar parte na caça ao homem.
Se Flora Silander e os seus acólitos não tivessem tanta pressa em fugir, a batalha teria facilmente mudado de rumo. Que poderiam fazer os três perseguidores contra
todo aquele grupo bem armado? Felizmente, o medo do castigo iminente dava asas àqueles miseráveis. Sem reflectir, tentavam, antes de tudo, fugir. Imediatamente seguida
por Nick Wilson, Flora já atingia a vedação do parque onde estavam os cavalos. Catamount perseguia-os de perto. Kate tinha tentado seguir os três companheiros, mas,
mal deu uns passos no pátio, teve de parar. Sentia-se esfalfada pelas emoções que sofrera desde que caíra na emboscada de "Whitewater". Sem fôlego, parou, olhando
insistentemente na direcção do curral.
À luz do luar, podiam-se ver as silhuetas dos cow-punchers que fugiam, e já se ouviam, no interior
do cercado, os relinchos e o piafar dos cavalos que os fugitivos conseguiam montar.
O ranger continuava a correr; em pouco tempo alcançou os últimos cow-punchers, no momento em que eles saltavam a barreira, mas não pensou em os incomodar. Pretendia
antes de mais nada alcançar a Rainha do lasso e o seu principal cúmplice,
Nick Wilson.
Assustados pelos gritos e pelos tiros, os cavalos corriam dum lado para o outro, aumentando assim a confusão que reinava no curral. Os cow-punchers que se tinham
conseguido introduzir no cercado, depressa se viram separados uns dos outros, pouco desejosos de serem esmagados pelos animais
assustados.
Flora não perdeu um momento. Mal se encontrou dentro do curral, reconheceu um soberbo garanhão preto que passava a galope junto dela. Era Light, o seu cavalo favorito.
- Light! chamou ela por várias vezes.
O animal começou por hesitar; depois, reconhecendo a voz da dona, deixou que ela se aproximasse. Então, tendo avistado um lasso suspenso na vedação, passôu-o em
redor do ombro, saltou agilmente em cima do animal, sem perder tempo em o selar.
- God, Light!
O animal saltou na direcção da cancela do curral, quando as mãos de Flora, segurando-o pela crina, o obrigaram a fazer meia volta. Efectivamente, Catamount acabava
de chegar, Flora tentou despistar o ranger. Sabia que ele era um adversário temível e, custasse o que custasse, queria-lhe escapar.
Sem se preocupar com Nick Wilson e os restantes cow-punchers, dirigiu Light para o outro extremo do curral. Os cavalos que corriam em todas as direcções, fizeram
por várias vezes diminuir o passo
ao garanhão preto. No entanto, a fugitiva ia alcançar a vedação do outro extremo do cercado, quando uma sombra se levantou na sua frente, e uma voz rude dominou
o ruído produzido pela confusão que se desenrolava no interior do curral.
- Stop! Não vá mais longe!
Light empinou-se, e Flora apertou-o entre os seus joelhos nervosos. Um relâmpago de ódio brilhou-lhe nos olhos quando reconheceu aquele que lhe queria cortar a retirada...
Era Fred Silander quem intervinha. Primeiro, envolvido na confusão que reinava no cercado, o rapaz tinha-se visto separado de Catamount e de Jaguar Bill, que procuravam
uma montada. O acaso tinha querido que ele estivesse naquele ponto do cercado no momento em que a aventureira se escapava. E não pensando no perigo que corria, tentava,
embora desmontado, parar o garanhão e obrigar a cavaleira a render-se...
.- Desta vez está apanhada, Flora...
- Ainda não!
Segurando-se com uma das mãos à crina da montada, a aventureira desenrolou o lasso e fê-lo voltear sobre a cabeça, e, quando o Colt de Fred a visava, lançou o nó
corredio com uma surpreendente habilidade.
Ouviu-se um ligeiro silvo, e Fred sentiu-se agarrado pelo pescoço com extrema violência. Desequilibrado pelo choque, caiu meio estrangulado. E, quando Flora o ia
arrastar, com um sorriso cruel, até que ele morresse, estalou uma detonação... Antes mesmo que a aventureira pudesse notar o que se passava, a corda, cortada por
uma bala a poucos centímetros do pescoço de Fred, arrastava-se, inútil, no chão.
- Maldição! vociferou a aventureira.
A cerca de vinte passos, a criminosa avistava aquele que acabava de atirar de tal maneira. Era Catamount. Depois de ter procurado Mesquita durante uns momentos,
o ranger tinha-se resignado a montar um baio que passara perto dele; depois, deliberadamente, havia-se lançado em busca da Rainha do lasso, que perdera de vista
durante a confusão estabelecida no cercado.
O homem dos olhos claros tinha reconhecido Flora no momento em que esta derrubava Fred. Consciente do perigo que corria o rapaz, Catamount tirou o seu Colt e, com
uma desconcertante rapidez, atirou. Libertado pela bala, Fred rolou no chão, enquanto a aventureira soltava um grito de raiva.
- Renda-se! gritou o ranger, sem se preocupar com Fred, que, atordoado, permanecia no chão.
- Nunca!...
- vou atirar...
- Você não se atreve a atirar contra uma mulher.
com um sorriso de desafio, Flora incitou o garanhão direito à vedação:
- Salta, Light! Salta!...
O animal pareceu hesitar durante um momento. Mas Catamount chegava. Então, tomando campo, o corpo do cavalo estendeu-se no espaço, e a Rainha do lasso deu um grito
de vitória. Os cascos de Light nem tinham roçado pela vedação. Rédea baixa, desapareceu na noite.
Uma exclamação surda escapou a Catamount. No momento em que julgava certa a vitória, iria falhar? Se tivesse ali Mesquita, teria seguido a aventureira com a certeza
de ganhar, mas o alazão ainda estava misturado na cavalgada que estabelecia a confusão no cercado.
- Salta, maldito! Salta, apesar de tudo!
Brutalizando o cavalo, lançou-o contra o obstáculo. Duas vezes o animal falhou o salto, mas, à terceira, conseguiu franquear a vedação. Num galope furioso, o ranger
lançou-se na pista da fugitiva.
Então, na noite, desenvolveu-se uma caça furiosa. Curvado sobre o pescoço do baio, o homem dos olhos claros, sem se incomodar com o que se podia passar por trás
dele, não pensava senão em apanhar a Rainha do lasso. A uma centena de passos à sua frente, galopando através da pradaria, via a silhueta confusa da aventureira,
que incitava incansavelmente o cavalo preto.
Passaram alguns minutos. Por várias vezes, Flora se virou, olhando na direcção do seu perseguidor. O rosto contraiu-se-lhe quando notou que a pouco e pouco o ranger
se ia aproximando.
.- Mais depressa, Light! Ainda mais depressa.
Por mais que a aventureira esporeasse a sua montada, Catamount continuava inexoravelmente a ganhar terreno. O ranger, que tinha estudado o terreno, notava que a
aventureira, na sua vontade de fugir, se dirigia para a região montanhosa, onde o cavalo seria forçado a diminuir o passo.
A previsão do ranger depressa se realizou... Light diminuiu o galope quando atingiu as faldas da colina. Durante um momento, Flora pensou em obliquar, mas percebeu
imediatamente que o seu adversário lhe impediria a manobra. Então, continuou a direito, esporeando sem piedade o grande garanhão.
Mas. subitamente, a fugitiva sentiu-se presa com uma força irresistível. O choque foi tão violento que caiu do cavalo. Catamount tinha-se servido do seu lasso e
Flora fora apanhada. com os braços colados ao corpo, caiu na erva, enquanto o garanhão, assustado,
continuava a correr, para parar a algumas cnetenas de metros.
Ainda atordoada pela queda, a aventureira levou instintivamente a mão à cintura. A arma que usava pouco antes, sob a ameaça do ranger,desaparecera. Então, raivosamente,
quis-se levantar, mas já Catamount chegava, de Colt na mão.
- É Inútil resistir, Mrs. Silander, disse friamente o ranger. Desta vez está apanhada, e estou decidido a não a deixar escapar outra vez.
XX
Limpeza final
Flora não respondeu. Tinha-se ferido profundamente nos joelhos e nis mãos, ao cair; no entanto, dominando a dor, quis desembaraçar-se do lasso que a tinha parado
em plena corrida, mas já o ranger chegava junto dela e. tirando da algibeira um par de algemas, tratava de as passar aos pulsos da aventureira,
- Para trás! rugiu ela, tentando escapar-se. Não
consinto que me toques!
- Recebi ordem de a prender, Mrs. Silander! Agora tem que me seguir.
Flora compreendeu que os seus protestos e as suas ameaças não intimidariam o seu adversário. Quis debater-se ainda, mas o homem dos olhos claros, sem se preocupar
com a sua resistência, pegou-lhe ao colo e levou-a.
Durante um pedaço, o ranger avançou sem
parecer preocupado com o fardo. Flora vociferava e dirigia-lhe os piores insultos, por vezes tentava mesmo arranhá-lo ou mordê-lo, mas Catamount permanecia imperturbável.
Ia alcançar a vedação do curral, no interior do qual se deslocavam sombras confusas, quando se ouviu o galopar dum cavalo.
Um cavaleiro tentava fugir dum outro que o seguia de bastante perto. O ranger parou. Acabava de reconhecer o cavalo montado pelo fugitivo. Era Mesquita, o seu fiel
alazão...
Então, Catamount modulou um assobio agudo. O resultado do sinal não se fez esperar. Mesquita deu bruscamente meia volta e, sem se preocupar com os esforços que fazia
o seu cavaleiro, aproximou-se do dono.
- Aqui, Mesquita! Aqui, velho camarada!
O alazão aproximou-se, e o ranger reconheceu imediatamente o homem que o montava.
- Tenho imenso prazer em tornar a vê-lo, Wilson, gritou. Como vê, há por vezes graves inconvenientes em roubar o cavalo do próximo.
O cavaleiro que perseguia o bandido interveio por sua vez, e Catamount pôde verificar com alegria que se tratava de Jaguar Bill.
Vendo que os seus adversários estavam decididos a tudo, Nick Wilson rendeu-se.
- Vamos, disse o homem dos olhos claros. Desta vez apanhámos caça igrossa...
Enquanto pronunciava estas palavras, Catamount ia colocando a sua prisioneira no garrote de Mesquita, e em seguida saltou na sela. Durante esse tempo, Jaguar Biíl
tomou conta do contramestre.
- Que fazem eles agora? perguntou o ranger ao seu companheiro.
Os gritos e o barulho prosseguiam efectivamente na direcção do cercado, de modo que Jaguar Bill apressou-se a explicar:
- Miss Silander foi acordar Markus Benn e os restantes cow-punchers que lhe ficaram fiéis. Penso que entram na dança.
E Fred?
.- Vi-o a mexer-se como um diabo, para impedir a saída de cercado a uns tantos bandidos. Estava de revólver em punho...
Aquelas informações tranquilizaram Catamount. Tinha deixado pouco antes o rapaz caído no chão, e temia que ele tivesse sido atingido por algum dos adversários.
-Apressemo-nos!... disse ele.
Em menos de cinco minutos, os dois companheiros alcançaram o pátio do rancho, acompanhando os seus prisioneiros. Quando chegaram perto da entrada do cercado viram
Kate Silander...
-Hélo, miss! A caçada foi boa...
- Deus seja louvado! Ainda bem que chegam! Os outros...
Catamount não pôde ouvir as últimas palavras da rapariga. Confiando a sua prisioneira a Jaguar Bill, seguiu Kate, entrando no cercado. Os cavalos continuavam a galopar
assustados, correndo dum lado para outro, em pequenos grupos. Mas o ranger não tardou em avistar um grupo de homens, imóvel a alguns passos dali.
- Fred, estamos aqui!...
Fred Silander estava ali, e com ele uma meia dúzia de homens, armados do seu Colt. Catamount reconheceu Markus Benn ie os seus cow-punchers, que mantinham os cavaleiros
do Trez Lírios em respeito. Bert Buzzard e uma dezena de cúmplices levantavam tristemente as mãos.
- By gove! Quando penso que eles nos deram um soporífero, e que por causa disso tenho uma dor de cabeça que nem sei como me chamo... Mas hão-de mas pagar, à fé de
Markus Benn!
Em poucas palavras, Kate contou ao ranger como tinha ido acordar Markus Benn e .os seus companheiros, que dormiam como justos. Demorara um bocado a despertá-los,
e os homens, ainda com passo incerto, devido ao narcótico que haviam tomado, tinham vindo ajudar Jaguar Bill, e depois Fred, quando o rapaz ficou sozinho, depois
de Nick Wilson tentar escapar-se, montando Mesquita.
- All right. Vocês vão-me amarrar todos esses bandidos, e depressa. Depois, iremos pacatamente fazer uma visita ao sheriff de Éden. Saberá então um certo número
de pormenores particularmente interessantes...
Os bandidos já não arriscavam a menor resistência. Haviam tentado fugir, montando cavalos ao acaso, tirados do cercado. Mas a enérgica atitude de Jaguar Bill e de
Fred tinham-nos impedido de realizar o seu intento. Agora, era tarde de mais. Sentindo fugir as últimas esperanças, deixaram-se amarrar sem resistência.
Houve um homem que ficou particularmente surpreendido nessa manhã. Foi Bill Neal, quando, às cinco da manhã, se ouviram violentas pancadas na porta do seu escritório,
em Éden. Acordando sobressaltado, o representante da autoridade enfiou umas calças à pressa e, descalço, correu à janela do quarto que ocupava com Mrs. Neal.
- Que temos? perguntou com voz pastosa, debruçando-se sobre o parapeito.
A frescura matinal fez desaparecer rapidamente o sono que ainda dominava o sheriff, e uma exclamação surda escapou-lhe quando ouviu a voz clara de Catamount declarar-lhe:
- Hélo, sheriff, acabamos de proceder à limpeza do Trez Lírios, Agora, trazemos-lhe a caça. E acredite que é importante...
Um espectáculo pouco banal se oferecia aos
olhares admirados de Bill Neal. Montado em Mesquita, Catamount precedia um grande cortejo. Cabeça baixa, montada em Light, com os pulsos encerrados nas algemas,
Flora Silander estava imediatamente atrás do ranger. E, escoltando a coluna, Fred e Kate Silander, Jaguar Bill, Markus Benn e os seus seis companheiros, pareciam
dispostos a fazer justiça.
- Desculpe-me ser tão madrugador, sherif! acrescentou o ranger, mas o caso parece-me bastante importante. E penso que não se importará de ter sido incomodado tão
cedo. O caso que se acaba de passar terá uma certa influência nas próximas
eleições!
Bill Neal acabou rapidamente de se vestir; depois, sem dar qualquer explicação à mulher, desceu a escada e foi abrir a porta.
- Mas em nome de quem fala você, Harding? perguntou o representante da autoridade, um pouco espantado com a segurança que demonstrava aquele que não deixava de considerar
como um simples cotv boy... O seu espanto redobrou quando ouviuo recém-chegado declarar:
- Chamo-me Catamount e sou Texas Ranger
- Você é Catamount?
O pobre homem ficou estupefacto, mas o ranger não se demorou a fornecer-lhe explicações maiscompletas. Depois de lhe mostrar rapidamente os seus papéis e a carta
do Major Morley autorizando-o a proceder no caso do Trez Lírios, tratou de introduzir os prisioneiros.
- God! rosnou o sheriff ao ver entrar Flora algemada.
- A Rainha do lasso era simplesmente a cabecilha duma perigosa organização que procedia à eliminação de todos os elementos fiéis à família Silander.
A aventureira não tentou protestar. Poucodepois da sua movimentada captura, os prisioneiros tinham sido interrogados. Bert Buzzard, nada interessado em partilhar
a sorte dos companheiros, havia tomado a via da confissão, acusando deliberadamente Nick Wilson e a sua bela companheira. As revelações dos restantes cow punchers
não tinham sido menos concludentes.
Muito pálida, Flora deixara-se cair numa cadeira, e esperava, com a cabeça segura nas mãos. Ninguém poderia reconhecer a orgulhosa criatura que pouco antes se julgava
senhora absoluta do Trez Lírios. com os longos cabelos caídos sobre os ombros, a aventureira chorava, e os seus soluços faziam tilintar as cadeias que lhe prendiam
os pulsos. Nicc Wilson mantinha-se de pé, muito direito. O miserável tentara desculpar-se, mas as confissões dos seus acólitos, apoiadas pelas declarações de Markus
Benn e dos seus amigos, cujas suspeitas há muito tinham sido despertadas, chegaram para o confundir. De modo que esperava, muito direito, recusando-se a responder
a qualquer pergunta do sherif, não se defendendo, mas não atacando ninguém, pois se Nick Wilson era bandido, não era cobarde.
A notícia da prisão do bando correu célere por toda a cidade. Pouco depois, Slim Gordon, o marshal, e alguns deputies do sheriff, começaram a chegar, e um ajuntamento
cada vez mais compacto começou a formar-se diante da casa de Bill Neal.
Cate e Fred Silander fizeram então o relato da sua aventura, e entregaram ao representante da autoridade a carta com a qual Flora e os seus acólitos os tinham atraído
à armadilha. Bert Buzzard forneceu sobre esse ponto esclarecimentos muito convincentes, No entanto, antes de acabar o seu
depoimento, o bandido virou-se para Jaguar Bill, que se mantinha um pouco afastado:
.- Em todo o caso, sheriff, há uma coisa certa! disse ele estendendo a mão na direcção do aventureiro. Pode proceder à prisão de El Gringo. Pois aquele homem é El
Gringo. Posso certificá-lo, e tanto melhor que, durante muito tempo, trabalhei sob as suas ordens.
Bert Buzzard arvorava um sorriso mau ao pronunciar estas palavras. Esperava vingar-se, fazendo prender o seu antigo chefe, quando Catamount interveio, apontando
por sua vez para Jaguar Bill:
- Este homem é um dos meus auxiliares, disse ele simplesmente. Respondo por ele.
- É El Gringo, insistiu raivosamente Bert Buzzard. Reconhecê-lo-ia entre mil...
- E se assim fosse? retorquiu o ranger. Por acaso o sheriff recebeu instruções a seu respeito? El Gringo é procurado pelos rurales do estado de Tamaulipas. Mas o
estado de Tamaulipas fica no México. E penso que não estamos encarregados de assegurar a protecção dos cidadãos mexicanos. Tudo o que posso dizer é que este homem
é meu auxiliar.
Bill Neal e Slim Gordon, que se sentara junto do sheriff, tiveram que convir que Catamount tinha razão. Nenhum mandado de captura tinha sido expedido no Texas contra
Nick Merrey, também conhecido por El Gringo. E a atitude enérgica do ranger impunha-se ao sheriff.
Em roda da casa de Bill Neal ouviam-se gritos de morte. Alguns excitados falavam em linchar a Rainha do lasso e os seus acólitos, de modo que os deputies tiveram
que organizar um serviço de ordem para desembaraçar os arredores.
Perto do meio-dia, os interrogatórios tinham terminado, pelo que o ranger e os seus companheiros
saíram. Desta vez, foram aclamações delirantes que partiram da multidão. Postos ao corrente da identidade de Catamount, os habitantes de Éden fizeram uma calorosa
ovação ao homem dos olhos claros,
Cate e Fred Silander mantinham-se junto do seu protector. Os dois jovens esqueciam nesse momento os perigos terríveis que tinham corrido durante a sua luta com a
Rainha do lasso.
- Sem si, que teria sido de nós? exclamou Kate estendendo a mão ao ranger. O Senhor foi o nosso anjo da guarda.
- Espero que venha connosco até ao Trez Lírios, insistiu Fred. Voltamos para lá com Markus Benn, que a partir de hoje passa a desempenhar as funções de contramestre.
O cow-puncher deu um grunhido, de tal modo que Kate não pôde deixar de dizer:
.- Pois quê, Markus?! Recusará o lugar de contramestre que lhe oferecemos?
- Isso é uma grande alegria para mim. Miss Silander, retorquiu o bom homem. Mas nunca me consolarei de me ter deixado dominar por aqueles patifes. Quando penso que
dormíamos como crianças enquanto aquela mulher e aqueles miseráveis os queriam assassinar...
- A Justiça acabou por triunfar! Que lhe importa o resto?
A rapariga insistia tanto, que Markus Benn acabou por se convencer. No entanto, por várias vezes teve que fazer esforços para não bocejar. As pálpebras pesavam-lhe
como chumbo, e os seus companheiros tinham igualmente que fazer o mesmo para não se deixarem dominar pelo torpor que os invadia...
- Que droga maldita!... resmungou o novo contramestre. Nunca na vida tive tanto sono.
- Foi porque os acordei cedo de mais, disse a rapariga a rir. Mas estejam descansados. Agora, que acabou a limpeza final, quando chegarem ao rancho podem dormir
à vontade...
E, virando-se para o ranger, Kate acrescentou: - Evidentemente que fica uns dias connosco, assim como o seu companheiro?
- Impossível, miss Silander! Absolutamente impossível!
Kate ia zangar-se, mas o homem dos olhos claros interrompeu-a:
- Vim sob um nome falso ao Trez Lírios para desempenhar uma missão. Agora, o mistério está esclarecido. Apenas tenho um desgosto. Não ter chegado a tempo de salvar
o seu pai. Infelizmente, o desgraçado foi surdo a todos os conselhos; aquela aventureira tinha-o enfeitiçado. Mas não vale a pena falar no passado.
- Sabemos bem que não podia fazer mais do que fez, disse Fred. E creia que tem direito ao nosso eterno reconhecimento.
Novas aclamações soavam de todos os lados, de modo que Catamount não se quis demorar mais. Despediu-se dos dois irmãos, do sheriff e do seu posse e, fazendo um sinal
a Jaguar Bill, tomou o caminho do sul, montado em Mesquita, que, apesar da noite movimentada que passara, não mostrava o mais leve sinal de fadiga.
Os dois cavaleiros afastaram-se rapidamente de Éden. Durante muito tempo, cavalgaram sem trocar palavra. O ranger parecia mergulhado nos seus pensamentos.
- Hélo, my boy! decidiu-se finalmente Jaguar Bill a dizer. Parece que estás maçado...
- Maçado? Não é bem o termo, retorquiu Catamount. Mas não estou habituado a combater mulheres. E desta vez...
- A Rainha do lasso não era uma mulher, era uma víbora, retorquiu o antigo bandido. Apenas te podes felicitar por a ter posto duma vez para sempre fora de combate.
Agora, deixemos a Justiça seguir o seu curso. E pensemos no que o futuro nos reservará...
- O futuro?.
Catamount fez um gesto vago ao pronunciar esta palavra, e o seu companheiro perguntou, subitamente inquieto:
- Então, não queres mais nada de mim?
- Que ideia! O teu caso está praticamente resolvido. Depois da ajuda que acabas de me prestar, o Major Morley não deixará de te alistar entre os rangers.
- By jove Então ainda temos belos dias diante de nós. Contigo, parece-me que não sou o mesmo Jiomem. Se me pedisses que fosse buscar a Lua, não hesitaria.
- Não sou tão exigente, retorquiu, rindo, o homem dos olhos claros. Apenas desejo que me auxilies sempre assim, corajosamente.
E, sem dúvida, Catamount soube advogar com sólidos argumentos a causa do seu companheiro de aventuras. Oito dias mais tarde, o corpo dos Texas Rangers contava mais
um voluntário: Jaguar Bill, mais conhecido noutros tempos sob o temido nome de "El Gringo"...

 

 

                                                                                                    Albert Bonneau

 

 

 

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