O homem cavalgava a toda a brida ao longo do "Middle Concho River", e havia mais de três horas que assim corria, debaixo dum sol ardente, com os cabelos flutuando ao vento. Logo ao começo do combate tinha perdido o seu "stetson", levado por uma bala. Galopando entre cactos e aloés, deixava atrás de si uma espessa nuvem de poeira branca... Por vezes uma bala assobiava-lhe aos ouvidos, indo perder-se no areal.
Mais depressa!... Mais depressa ainda!...
O fugitivo incitava o cavalo, um soberbo baio cujo pêlo estava coberto de espuma, devida ao esforço que acabava de fazer. Traços de sangue maculavam-lhe os flancos, constantemente feridos pelas esporas do dono, que se inclinava sobre o seu pescoço, virando-se de tempos a tempos para lançar um olhar aterrorizado na direcção dos seus perseguidores...
A menos de meia milha, um grupo de homens avançava, mantendo a distância que o separava do fugitivo.
Este sentia-se perdido. Pouco antes, tinha deitado para o rio o "Colt" descarregado... As suas armas resumiam-se agora numa faca de caça e no"lasso". Os seus adversários possuíam carabinas, e era um verdadeiro milagre ainda não o terem atingido com as suas descargas repetidas... Só a velocidade infernal da cavalgada podia explicar este facto...
- Acabou-se... rosnou o homem raivosamente. Com o rosto coberto de poeira, sulcado de suor,olhou à sua volta. O baio começava a dar sinais de fadiga... Dentro de pouco tempo, um quarto de hora o máximo, o animal estaria incapaz de prosseguir... Então seria o fim...
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- Não pode ser, berrou ele. Era estúpido de mais!... No entanto ele não pode deixar de me socorrer!... Ele bem sabe que me perseguem e que...
O fim da frase perdeu-se no barulho da cavalgada.. Animado pelo instinto de conservação, as forças decuplicadas pelo perigo, o mais grave que até então o ameaçara,
o cavaleiro incitava a montada... A galope vadiou o "Middle Concho River", fazendo saltar a água à sua volta. A ribeira era pouco profunda, e a água nem chegou ao
peitoral do baio. À roda dele as balas recomeçaram a chover, com intensidade... Temendo ver o fugitivo escapar-se os perseguidores recomeçavam a fazer fogo cerrado.
No momento em que o homem atingia a outra margem, cambaleou na sela. Acabava de sentir uma dor aguda no ombro esquerdo, como se tivesse recebido uma chicotada. Uma
bala tinha-o atingido, mas nem sequer levou a mão à camisa de flanela vermelha e branca onde um fio de sangue começava a correr...
"Dam-n"!... Mais depressa, ainda mais depressa! ...
Precipitando o andamento, num esforço desesperado, o cavalo ia atingir uma curva do vale, e
escapar-se, durante uns momentos pelo menos, ao tiro dos adversários, quando, de repente, uma voz soou:
- "Stop"!... Pára, Conway Marken... Chegaste ao fim da tua pista...
O fugitivo endireitou-se na sela, e deixou escapar uma exclamação de raiva... Ali perto, junto à água, um cavaleiro barrava-lhe a passagem... Montado num alazão,
permanecia aprumado na sela, e na mão segurava um "Colt", que visava o fugitivo...
Uma expressão de desespero pintou-se-lhe no rosto:
- Catamount! - exclamou... - Estou perdido...
Quis no entanto continuar a corrida, tentando um ligeiro rodeio, mas o outro, prevenindo a manobra, acorreu... Num instante o alazão alcançava o baio, e então, em
pleno galope, o recém-chegado agarrou o fugitivo pelo colarinho... Apavorado, o homem pretendeu defender-se, escapar-se da mão de ferro que o segurava, mas tendo
excedido o limite das suas forças nada conseguiu. De resto, o adversário, puxava-o num movimento irresistível... Sentiu-se arrancado da sela, dobrado sobre o pescoço
da montada do seu captor, e no mesmo instante o frio do cano dum revólver apoiado contra a sua cabeça...
"Hello, boy"!... Tinha-te dito que era o fim da tua pista! Era inútil insistir...
O prisioneiro desistiu de se mover. Com efeito, sabia que se esboçasse a mais leve resistência era um homem morto: Nos olhos claros do seu vencedor, lia uma resolução
feroz.
- Conway Marken, considera-te preso!
Catamount convenceu-se depressa, que o seu prisioneiro não estava em estado de lhe opor qualquer
resistência, por isso enfiou rapidamente o "Colt" no coldre, e, metendo a mão nos alforjes da sela, tirou umas algemas, que lhe passou aos pulsos.
Mal acabava de tomar esta precaução, o grupo dos perseguidores surgiu por sua vez na curva. Era composto por uma dezena de homens, que num momento chegaram junto
de Catamount, que mantinha o seu prisioneiro seguro contra o garrote do cavalo; perto dali, o baio sem cavaleiro, bebia no riacho, feliz por ter acabado aquela corrida
infernal...
Em poucos segundos os cavaleiros agruparam-se em redor do homem dos olhos claros... O seu chefe, um homem atlético, com o rosto enquadrado numa barba negra, arvorava
na banda do casaco a estrela de prata de "sherif. As insígnias dos seus homens, indicavam serem "deputies" ou seus auxiliares.
Quando o turbilhão de poeira provocado pela paragem se dissipou, o "sherif" estendeu a mão ao homem dos olhos claros.
- Cumprimentos, "my boy"!.. Conseguiu agarrar o pássaro no voo! Havemos de o recompensar por isso.
- Infinitamente agradecido, "sherif".
O homem dos olhos claros falava com toda a tranquilidade, e a sua fleuma contrastava com a agitação e o nervosismo que mostravam os recém-chegados. Depois duns momentos
de silêncio, o "sherif continuou:
- Agora queira entregar-nos o prisioneiro... É um indivíduo perigoso, acusado de roubos de gado e de outros crimes, que certamente o hão-de levar à cadeira eléctrica.
- Em verdade, "sherif", ninguém mais do que eu desejava ser-lhe agradável, mas infelizmente não posso deferir o seu pedido.
Uma sombra passou pelo rosto do representante da autoridade, e os "deputies", manifestaram abertamente o seu espanto e a sua irritação...
- É uma brincadeira pesada, penso eu? tentou o "sherifv
- De maneira nenhuma... Estou a falar o mais seriamente possível.
- Eu sou Bob Noxton, "sherif" de Stiles...
E dizendo estas palavras, apontava a sua estrela de prata, imaginando que este simples gesto ia impressionar o seu interlocutor. Mas nada disso se passou e foi na
sua voz mais calma, que este respondeu:
- Muito prazer em o conhecer, "sherif" Noxton... Eu sou Catamount, Texas Ranger.
- Como?... O senhor é Catamount?
Bob Noxton e os seus auxiliares tinham várias vezes ouvido falar do célebre ranger, cujas proezas já nem tinham conta. Durante um momento, apenas se ouviu um murmúrio
de admiração entre os componentes do grupo, e olhares curiosos fixavam-se no homem dos olhos claros.
O "sherif" acabou com a hesitação que se notava entre a sua gente:
- Tenho imenso prazer em o conhecer, Catamount, todavia, mesmo que fosse o Presidente dos Estados Unidos, devia-me entregar imediatamente esse celerado... Recebi
ordem de o prender... Tem a cabeça a prémio... Há já dois dias que o procuro com os meus auxiliares.
Aquelas afirmações não pareceram impressionar o ranger:
- Certamente, não duvido do seu zelo nem da sua coragem, respondeu... Mas por acaso, absolutamente por acaso, também eu recebi do meu chefe,
o Major Morley, a missão de levar o prisioneiro para Del Rio!
O ranger martelava as suas palavras, e perante a sua atitude calma e decidida, o "sherif" compreendeu, que Catamount estava absolutamente decidido a conservar o
prisioneiro em seu poder. Bob Noxton porém, não se quis dar por vencido.
- Perdão, objectou depois duns segundos de indecisão, parece-me que esquece que eu sou o "sherif" deste distrito... Nessa qualidade, o direito de prioridade pertence-me
com toda a certeza.
- Desolado de o contradizer, "sherif", mas no caso presente tenho que obedecer às ordens do meu chefe!... Se o Major Morley me der ordem para lhe entregar o prisioneiro,
fá-lo-ei com o maior prazer. De momento tenho de o manter em meu poder!...
- O senhor está a ultrapassar os seus direitos!... protestou o "sherif" que começava a irritar-se com a fria resistência que o ranger lhe opunha...
- Por favor, "sherif", não se exalte... O caso é bem claro, lançámo-nos os dois na pista deste bandido... Eu consigo prendê-lo antes de si... Logo julgo que de direito
ele me pertence.
- Depois da caçada que lhe fizemos, há-de concordar que seria simplesmente escandaloso deixá-lo levar esse tipo. Há mais de quarenta e oito horas que o perseguimos
sem descanso. E se ele não estivesse derreado, não poderia certamente apanhá-lo. Repito-lhe, esse homem pertence-nos.
- Mais uma vez, tenho o desgosto de o contradizer, "sherif", pois se está na pista da caça há quarenta e oito horas, eu já há cinco semanas que deixei Del Rio para
a agarrar. Enquanto os senhores se dedicavam a uma estafante caça ao homem, eu também vigiava... e podem ver que "Mesquita" fez um grande esforço.
Pronunciando estas palavras, Catamount indicava o alazão, encharcado em suor. E antes do "sherif" poder opor uma nova objecção, precisou:
- Conheço bem a região de "Middle Concho". Enquanto os senhores se lançavam atrás deste bandido, eu meti por um atalho que me permitiu ultrapassá-lo e cortar-lhe
a retirada. Agora já lhe pus as algemas, e hão-de convir, que de direito o preso pertence ao mais hábil.
Bob Noxton mordia os lábios; durante uns instantes deitou olhares em volta. Os "deputies", pareciam tão irritados como ele próprio, alguns, mesmo, levavam a mão
à coronha dos seus "Colts". Custava-lhes imenso abandonar a um concorrente mais feliz, o criminoso que momentos antes, perseguiam de tão perto.
- Acabemos com isto "sherif", exclamou um dos homens. Conway Marken pertence-nos... E nós somos os mais fortes.
- Ele tem razão, não nos deixemos intimidar por este importuno.
Ainda que conhecessem de sobejo a reputação de Catamount, os homens do "sherif", sentiam-se profundamente irritados pelo sucesso do ranger, que consideravam como
um verdadeiro atentado aos seus direitos. A sua atitude, tornava-se cada vez mais ameaçadora, alguns mesmo iam sacar dos revólveres, quando a voz clara do ranger
se fez ouvir:
- Cuidado com as mãos!... O primeiro que tentar contestar os meus direitos é homem morto...
Com uma rapidez desconcertante, Catamount, tinha pegado num dos "Colts", e apontava-o para o grupo, mantendo sempre o prisioneiro seguro contra o garrote de "Mesquita".
O homem dos olhos claros, encarou friamente Bob Noxton e os "deputies":
- Tenho o costume de jogar jogo franco... declarou. Tenho pena que não tenham sido suficientemente rápidos... Mas agindo desta forma, tenho a convicção de cumprir
o meu dever... E ninguém me fará desviar um milímetro do caminho que me tracei, salvo o meu chefe... Julgo que me compreenderam.
Um murmúrio confuso percorreu o grupo. A atitude enérgica do ranger impunha-se, e o "sherif" compreendeu que não ganharia nada provocando um incidente com um "Texas
Ranger"! Aquele caso poderia acarretar consequências graves. O momento da decepção passado, escutava de melhor vontade a voz da razão. E Catamount, que o observava
atentamente, apressou-se a acrescentar:
- O principal para todos nós, é que Conway Marken tenha sido preso. Há já alguns meses que este tipo é suspeito de manter relações com o chefe misterioso dos ladrões
de gado que põe a saque a região de "Middle Concho"... Desde que o mandado de prisão foi passado contra ele, Conway Marken escapou-se com uma tal facilidade que
parece provar ter protecções seguras... Todos estes assuntos não tardarão a ser demonstrados. De momento apenas lhes peço que não dificultem a minha missão... E
se têm alguma reclamação a fazer, dirijam-se aos meus superiores hierárquicos. Por minha parte, vou conduzir o prisioneiro para Del Rio!... E opormeei pela força
a todo aquele que me quiser impedir de cumprir o meu dever!...
Estas palavras firmes, não deixavam a mais leve dúvida sobre a atitude do ranger, de modo que Bob Noxton fez um sinal acalmando os seus auxiliares, e virando-se
para Catamount que continuava com o "Colt" na mão, declarou:
- Não queremos provocar um incidente que nos pode trazer complicações... No entanto, desde que toma o encargo de levar o prisioneiro até Del Rio, também tomará a responsabilidade de tudo
o que possa acontecer!... Se o tipo fugir, lavo daí
as minhas mãos, e terá que acarretar com todas as
consequências da sua decisão!...
- Creio que conhecem suficientemente a minha reputação, para saber que não sou pessoa para fugir a responsabilidades...
- Como queira!... Os meus companheiros são
testemunhas...
Um murmúrio acolheu estas palavras. Pelo aspecto furioso dos homens do "sherif", Catamount concluiu que estavam desesperados, no entanto continuou a mostrar a maior
indiferença...
- Nessas condições, voltamos para Stiles, resmungou Bob Noxton.
- O senhor sabe melhor que eu o que convém fazer, "sherif"... Um cigarro?...
O ranger tinha metido o "Colt no coldre, e estendia um maço de cigarros ao "sherif"... Este, hesitou um instante, mas decidiu-se a aceitar o amável oferecimento
do seu interlocutor, e como os "deputies" continuavam esperando com expressão carregada, o homem dos olhos claros apressou-se em lhes oferecer cigarros também, o
que em parte serviu para quebrar o gelo...
Enquanto se desenrolavam estes acontecimentos, o prisioneiro não tentava mover-se, ou libertar-se das algemas. Estafado pelo esforço feito, parecia aceitar com filosofia
o seu pouco invejável destino.
Catamount continuava conversando com o "sherif", que parecia um pouco consolado da decepção sofrida. A atitude firme e leal do ranger impunha-se-lhe.
Finalmente o homem dos olhos claros decidiu-se
a partir. Tinha pressa de pôr o prisioneiro em lugar seguro. Estendeu a mão ao "sherif" que correspondeu de bom modo, fez um sinal amigável aos "deputies", que responderam
sem grande entusiasmo, e levando à arreata o baio, vadiou o "Middle Concho River".
Imóvel, Bob Noxton, viu-o partir, e quando ele desapareceu por detrás duma colina, resmungou entre dentes:
- Noxton, meu rapaz, não passas dum imbecil!... Não o devias ter deixado partir assim!...
Quando o representante da autoridade se dispunha a partir por seu turno, os "deputies" deixaram escapar algumas exclamações, apontando a pista que tinham seguido
antes de encontrar Catamount. Imediatamente, Bob Noxton, avistou um grupo de cavaleiros pelo menos tão considerável como o seu. Um homem de forte compleição, vestido
de preto, avançava à cabeça da cavalgada. O "sherif" reconheceu-o ao primeiro golpe de vista!...
- Bart Morgins!... murmurou ele, chega mesmo a tempo!... Vai poder aconselhar-me utilmente!...
E, sem esperar mais, foi ao encontro dos recém-chegados...
II
Princípio de Interrogatório
Desde que passou o "Middle Concho River", Catamount, nem uma vez se voltou para encarar Bob Noxton e os seus acólitos. Apressando a marcha
de "Mesquita" e do baio que o seguia docilmente, contornou uma colina coberta de capim, e chegando junto dum regato que ali corria, desmontou, e dirigindo-se ao
prisioneiro, que desde que fora algemado não abrira a boca, disse:
- Agora vamos parar um bocado! Parece-me que estás bem precisado, hem! "my boy"?!
O tom do ranger era perfeitamente cordial, e o homem pareceu surpreendido. Mas já Catamount se debruçava para ele, e erguendo-o nos braços robustos depositava-o
perto da água. Em seguida, pegando no cantil que trazia à cintura bebeu regaladamente e, sem hesitação, aproximou-o depois dos lábios do preso.
- Deves estar com a goela seca, disse o ranger...
- Como um pau, respondeu simplesmente o outro.
- O "sherif" fez-te uma caça diabólica! No fim não lhe valeu de grande coisa. Fui eu que lhe aparei o trabalhinho...
O prisioneiro bebia avidamente enquanto Catamount pronunciava estas palavras. Esticando o pescoço musculoso, saboreava gulosamente a água com "whisky" que enchia
o recipiente. Quando o esgotou até à última gota, deixou escapar um suspiro de satisfação...
- Então, isso vai melhor? perguntou Catamount...
- Muito melhor!... Mas também estou cheio de fome... Há já dois dias que para assim dizer não provo uma migalha!... Aqueles cães não me deram o mais leve descanso...
- Está descansado, tenho com que te satisfazer. A atitude do ranger continuava a ser benevolente, e o homem, que tinha sido perseguido como
um animal feroz, admirava-se profundamente com aquela demonstração de bondade. Muito calmo, Catamount, revistou os alforjes da sela. Sabia bem que nada podia tirar
do preso se o tratasse com brutalidade; aquela atitude humanitária tinha-lhe dado sempre bom resultado... Uma vez reconfortado, o cativo, mostrar-se-ia certamente
mais confiante e menos discreto... E talvez se obtivessem dele algumas indicações preciosas.
- Aí tens umas broas e um bocado de carne fumada... Também tenho um pouco de chocolate...
O ranger tinha tirado as provisões do alforje e estendia-as ao homem que as agarrou avidamente. No entanto antes de começar a comer, Conway Marken hesitou, e olhando
o seu captor disse:
- E o senhor?
- Ora, eu! almocei ainda não há três horas. Está tranquilo que me fica com que comer à vontade!...
O prisioneiro deu um ronco de satisfação e começou a comer com apetite a carne e a broa. Imóvel, Catamount, assistia. Tinha acendido um cigarro e fumava tranquilamente,
sem deixar no entanto de vigiar o seu companheiro.
O aspecto do preso não era dos mais convidativos. Baixo e largo, Conway Marken era muito moreno, dum tom esverdeado que o fazia parecer mexicano, e a barba de alguns
dias não ajudava a dar-lhe melhor aspecto...
Durante dez minutos, o preso, não pensou senão em aplacar as ânsias da fome que lhe roía as entranhas. Só se ouvia o ruído dos seus dentes mastigando glutonamente.
À medida que recuperava as forças, o bandido, ia-se acalmando. Quando acabou o ranger, encheu o cantil no ribeiro e tornou a dar-lhe de beber...
- Por Júpiter!... Isto vai melhor!... Muito melhor!...
Enxugou a boca com a manga. E Catamount que esperava o momento mais favorável para o interrogar, tentou finalmente:
- Em verdade, ganhaste muito com isto...
A fisionomia de Conway Marken fechou-se, mas o ranger prosseguiu:
- Eu sei que eras um bom contramestre, Conway Marken... Tinhas toda a facilidade de te manter no bom caminho... Por que te meteste na senda do crime? Por que te
tornaste num membro perigoso dum bando de ladrões de gado?...
- Se pensa em me pregar moral, disse amargamente o prisioneiro, previno-o de que perde o seu tempo.
- Nunca tive jeito para professor de moral, cortou Catamount, no entanto, por muito estranho que isso te pareça conheço a tua carreira toda. És natural do Novo México,
e até aos 27 anos não tiveste nada de censurável na tua vida... Tive ocasião de ver vários certificados de "cattlemen" que te empregaram e que não tiveram senão
louvores a fazer-te, bom cavaleiro, conhecendo admiravelmente o gado...
- By Jove"! Onde quer o senhor chegar com toda essa conversa?
- Digo a verdade, nada mais! E constato que se te não tivesses deixado arrastar por influências nefastas, viverias uma existência sossegada e honesta, e não terias
a recear um julgamento que, podes ter a certeza, será severo, atendendo aos teus últimos feitos.
Catamount surpreendeu nesse momento um ligeiro franzir de sobrancelhas do prisioneiro, mas Conway Marken recompôs-se depressa.
- Se pensa assustar-me, lembrando essa perspectiva...
- Não penso assustar-te. Bem sei que és valente, respondeu Catamount... No entanto é bem triste ver inculpar assim um simples comparsa... Pois eu sei que não passas
dum instrumento, Marken... Atrás de ti há alguém que puxa os cordelinhos!
O prisioneiro encolheu os ombros, mas os olhos perscrutadores do seu interlocutor surpreenderam a ligeira careta que lhe franziu a boca, e a fugitiva expressão de
embaraço que lhe passou pelo rosto mau.
- Há um detalhe que particularmente me surpreendeu, continuou o ranger imperturbavelmente.
- Um detalhe?.. Que detalhe?... resmungou o preso.
- Simplesmente este... Só te tornaste um bandido depois de entrar ao serviço de Bart Morgins.
- O senhor Morgins não tem nada a ver com esta história, ripostou o homem. E não sei que parvoíces está a imaginar...
- Um cigarro?.
Sem parecer comovido com a indignação do prisioneiro, Catamount pegou num cigarro e pôs-lho na boca, depois acendeu-o ao mesmo tempo que acendia o seu. Em seguida
instalando-se à sombra ao pé de Conway Marken, declarou:
- Farias mal se me considerasses um adversário implacável, meu rapaz! Há uma coisa que sempre procurei apaixonadamente, a verdade. Pois bem, quanto mais penso no
teu caso, mais vejo que a polícia se engana perseguindo-te. É noutra pista que ela se devia lançar.
Conway Marken não respondeu. Continuava a franzir ligeiramente as sobrancelhas e o seu interlocutor
reparava que uma grande luta se travava no seu íntimo, mas, sem o apressar, continuou, como se contasse uma história:
- O caso do "Rectângulo H" passou-se há um ano exactamente... O desaparecimento de numerosas cabeças de gado foi assinalado. "Cattlemen" e "ranchmen" da região de
"Middle Concho" queixaram-se do desaparecimento de gado... Além disso, um certo número de cabeças foram encontradas em Fort Worth e imediatamente identificadas pelos
seus donos... Especialistas da "Cattlemens Association constataram então que as marcas do gado tinham sido habilmente falsificadas.
- Tudo isso é muito interessante, disse o prisioneiro depois de ter lançado uma coluna de fumo para o ar, mas não vejo por que perde tempo a evocar um assalto com
que eu não tenho nada a ver.
- Perdão, foi justamente o assalto do "Rectângulo H" que iniciou aqueles em que estiveste envolvido... A tua partida precipitada do "Barra M", o rancho de Morgins
onde exercias as funções de contramestre, as queixas do criador, as pesquisas realizadas depois, tudo deixava prever que eras tu o chefe da organização... Foi por
isso que puseram a tua cabeça a prémio. Perseguiram-te sem descanso, perseguição essa que acaba de terminar com a tua captura.
Conway Marken, tinha permanecido silencioso durante todo o tempo em que Catamount falara, mas quando o ranger terminou, endireitou-se e retorquiu:
- Tudo isso já é história antiga, e não procuro fugir às minhas responsabilidades. No entanto, há um detalhe que me diz respeito: Um Texas Ranger, não tem que se
meter num caso que diz respeito à "Cattlemen's Association" e aos "sherifs" dos distritos da região.. Há um bocado, quando discutiu
com o "sherif" de Stiles, não me meti na discussão... A conversa não era comigo. No entanto, ele tinha razão no que dizia. Os rangers, têm que tratar de assuntos
muito diferentes e têm com certeza trabalho mais útil a realizar na fronteira e na região do "Rio Grande Del Norte".
- Aparentemente tens razão, "my boy", este caso parece interessar apenas os especialistas no roubo do gado, mas eu não sou parvo. Atrás de toda esta organização
existe um homem, e nós sabemos bem que esse homem não és tu, Conway Marken. Foi para o agarrar que eu me pus em campo e que recebi a missão de te prender.
O olhar claro de Catamount fixava-se insistentemente no prisioneiro... Conway Marken, muito pálido, sentia a impressão que o ranger lhe adivinhava os pensamentos
mais secretos. No entanto quis protestar:
- Cuidado, disse ele... Creio que se está a embrenhar numa falsa pista... Deixe-me preveni-lo.
- Inútil, as tuas negativas não servirão de nada! Há já muito tempo que o major Morley e eu mesmo, temos uma opinião formada a esse respeito. Admiro-me que durante
tanto tempo te sujeites a servir de testa de ferro, e mesmo depois de preso.
Como o prisioneiro se imobilizasse renitente, Catamount continuou:
- Para que serve carregares-te de todos os pecados de Israel? Julgas que aquele que queres proteger te ficará reconhecido por essa atitude desinteressada? Tu és
uma testemunha incómoda...
- Mais uma vez, está em erro, afirmou teimosamente o preso.
Mas Catamount não abandonava a sua ideia:
- Vamos, quem é o teu chefe? perguntou com energia.
- Já que está tão certo de quem ele é, não percebo para que me faz essa pergunta?
- Eu sei que não és mais que um comparsa e que cobres um personagem, cuja autoridade deve ser grande, jurei desmascarar esse indivíduo, por mais alta que seja a
sua posição e por maiores que sejam as suas protecções.
Conway Marken não respondeu, mas na sua excitação, o ranger compreendeu que estava a ganhar terreno.
- Tu sabes a quem me quero referir, Marken. É a um homem sem escrúpulos que funda o seu poder na desgraça dos outros. Até aqui tem beneficiado da impunidade mais
completa, mas acredita-me, tão verdade como Deus existe, a hora do castigo soará. É por isso que te repito, que és estúpido em deixar passar a ocasião de confundir
o principal culpado. O júri ficar-te-ia reconhecido da tua sinceridade, dou-te a minha palavra.
- Está enganado... murmurou o prisioneiro.
- Consentirás tu em morrer por esse homem? insistiu o ranger, julgas tu que a justiça está decidida a poupar-te se não tentares auxiliá-la a estabelecer a verdade?
Repara bem, eu falo no teu próprio interesse. Os teus dias estão contados se te obstinas a conservar o silêncio, e o outro rirá nos bastidores, quando sofreres a
pena máxima no seu lugar.
Grossas gotas de suor escorriam pela testa do miserável, e Catamount que não tirava os olhos dele, pôde concluir que nesse instante ele era preso dum pavor irresistível.
- Evidentemente, prosseguiu o ranger, tu pensas que o outro é poderoso, e que se falares exercerá represálias sobre ti. Não é verdade, a justiça proteger-te-á, tanto
mais, que se ela sabe...
- Não quero dizer nada. Não posso dizer nada, gritou Conway Marken.
- Não podes dizer nada! Ora aí está uma meia confissão, cortou Catamount cujo rosto se iluminou. Por consequência reconheces que estás dominado por uma influência
oculta...
- Não disse nada disso, protestou o prisioneiro.
Mas o ranger era mestre na arte dos interrogatórios, a confusão e a indecisão que demonstrava o seu interlocutor faziam-lhe compreender que não tardaria em obter
um resultado decisivo.
- Farias melhor se me considerasses como um amigo, insistiu ele, e isto no teu próprio interesse.
- É a tua vida que está em jogo. Se se soubesse a verdade, sempre seria mais fácil safares-te. Disseste que não podias falar, logo alguém te obrigou ao silêncio.
- Não é verdade.
- Já esqueceste que me deixaste entrever a verdade há pouco? E que agora, enquanto tentas enganar-me, eu leio nos teus olhos o medo que te domina...
Catamount deu uma pequena gargalhada e prosseguiu encolhendo os ombros:
- Palavra que não te julgava tão poltrão.
- Poltrão!... Eu?!...
Conway estorceu-se debaixo do insulto.
- Quando durante meses se combateu para vencer as perseguições de inúmeros adversários que juraram a nossa perda, não se pode ser acusado de poltronice!
- Mas se és tão corajoso em frente dos representantes da justiça, por que tremes diante dum só homem?
- Diante dum homem?... Absurdo.
- Paz ao palavriado, cortou Catamount. Os
teus olhos desmentem o que dizes. Imaginas que neste momento eu não estou a ver que tremes à simples ideia que ele poderá tirar a sua desforra. Dizes a ti próprio
que ele procura vingar-se! E no entanto se reflectisses um pouco... Alguém se pode Vingar, depois de posto fora de combate?!...
- Vê-se bem que o senhor não o conhece! resmungou o prisioneiro baixando a cabeça.
"God Almighty"! Eu cá sabia o que dizia! Tentarás negar agora?...
Conway Marken prosseguiu numa voz sibilante:
Não! Não posso. Já outros pensaram em o entregar... Todos sucumbiram logo que se tornaram suspeitos. Já mais duma vez me tornei suspeito, e ele declarou-me que a
mais pequena indiscrição me seria fatal!...
- No entanto não podes hesitar. Tens que escolher entre a cadeira eléctrica e a verdade.
- Não!... Não posso... Ele ainda é pior que tudo isso.
Conway Marken ainda tentou lutar. Parecia nesse momento uma verdadeira encarnação do medo. O suor corria-lhe ao longo do rosto, as suas mãos bronzeadas tremiam.
- Acredita-me. Por mais poderoso que ele seja, acabarei por abatê-lo, sem piedade.
A firmeza que demonstrava o ranger contrastava com o pânico que manifestava o bandido. Este recomeçou:
- Evidentemente, não duvido da sua coragem, mas ignora quem é o adversário que procura. Esse homem é um demónio. Ele descobrirá sempre um meio de o pôr em cheque,
e se cair em seu poder, o que dada a sua força é quase certo, lastimará amargamente ter procurado combatê-lo.
- Está descansado, por mais terrível que ele
seja, esse teu homem, não me mete medo. Já venci outros mais perigosos.
- Tome cuidado, se tem pessoas queridas ele procurará atingi-las para o ferir! Já o fez mais que uma vez! Mulheres e crianças não encontram o mais leve quartel da
sua parte.
- Mais uma razão para acabar depressa com esse criminoso. Dou-te a minha palavra que farei todos os possíveis para acabar com os seus actos miseráveis.
Conway Marken, compreendeu na atitude enérgica do ranger que ele não dizia palavras vãs. E a reputação de Catamount, que ele conhecia de sobejo, não lhe deixava
dúvidas sobre a sua determinação.
- Pois bem! disse o homem dos olhos claros, diz-me tudo, o nome desse homem é...
- O nome...
O prisioneiro parecia sentir uma última hesita ção, no entanto, convencido, ia decidir-se a falar quando de repente se endireitou:
-Atenção, vem aí gente... murmurou ele.
Catamount também tinha surpreendido o ruído que impressionara o seu companheiro. Praguejando contra o acaso que vinha interromper o interrogatório tão laboriosamente
começado, pôs-se em pé e reparou que chegava um grupo de cavaleiros, pelo caminho que ele seguira.
Outra vez o "sherif", resmungou o homem dos olhos claros reconhecendo o seu contendor de há pouco. Mas parece-me que aumentou um pouco o seu efectivo. E quem diabo
será o tipo de preto que cavalga ao pé dele?...
- Bart Morgins... murmurou Conway Marken num sopro.
III
Uma Execução Sumária
Catamount não abandonou a sua calma, no entanto, lançando um olhar ao seu vizinho, pôde ver o pânico que o dominava. A sua atenção concentrava-se principalmente
sobre o homem de preto, e por sua vez o cavaleiro não desfitava o prisioneiro, de sobrancelhas franzidas, como se desconfiasse de qualquer coisa.
Mas já Bob Noxton parava o cavalo, e desmontando agilmente se dirigia deliberadamente ao ranger.
- Sabe, disse simplesmente, há pouco eu tinha razão..
- Tinha razão, "sherif"? E em quê?
- A respeito de Marken...
Bob Noxton tinha parado perto de Catamount, e indicava o prisioneiro. Este, no entanto, parecia menos impressionado com a intervenção do agente da autoridade que
com a presença do homem de preto, que esperava, direito na sela.
Os outros cavaleiros esperavam igualmente montados, mas no entanto, os olhares que deitavam ao ranger, deixavam prever que a discussão precedente ia recomeçar.
- Parece-me que vai ser preciso jogar forte, pensou Catamount.
Sem se mostrar impressionado com aquela demonstração de força, o homem dos olhos claros
encarou calmamente os recém-chegados. Reparou
que eles se colocavam em posição de lhe impedir qualquer retirada, a ele e ao companheiro. O grupo separava-o agora de "Mesquita" e do baio, que tinham ficado à
beira do regato.
- Dir-se-ia que se vai reunir o conselho dos antigos, disse o ranger com um sorriso irónico. Julgava no entanto que o seu tempo era precioso, "sherif"...
- E eu julgava que você se dirigia a todo o galope para Del Rio, retorquiu Bob Noxton que tinha retomado a sua atitude agressiva. Mas constato que perde o seu tempo
a flanar
- Erro profundo, "sherif", não estava a perder tempo. Estávamos a dar à língua, Marken e eu. E soube mesmo algumas coisas muito interessantes...
Pronunciando estas palavras o ranger observava Bart Morgins. Pôde pois surpreender a palidez que cobriu a face do cavaleiro.
Então, sem esperar mais, prosseguiu voltando-se para Noxton:
- Diga-me uma coisa, "sherif", o senhor encontrou gente desde que nos separámos?
- Este senhor é Bart Morgins, precisou o representante da autoridade apontando o homem de preto.
- Bart Morgins! Que coincidência feliz... Sabe que estávamos justamente a falar de si?...
- De mim?...
O rosto do homem de preto fechava-se cada vez mais, e se Catamount observasse o seu prisioneiro nesse momento, poderia notar o pavor que o dominava, mas continuava
a dirigirse ao cavaleiro:
- Já ouvi por várias vezes falar de si, Sr. Morgins, e sei que exerce nesta região uma influência considerável.
- Pela minha parte, não ignoro com que competência
o senhor resolveu alguns problemas particularmente difíceis e perigosos, respondeu o homem de preto, com um ligeiro tremor na voz... E assegurolhe que me admiro
que tenha conseguido passar através de tantos perigos sem nada sofrer...
- Meu Deus, podia dirigir-lhe a mesma observação, ripostou Catamount... Os trabalhos que efectuamos não são precisamente do mesmo género... Os seus também apresentam
certos riscos, e admiro-me que tenha triunfado tão facilmente de tantas emboscadas. Qualquer outro teria falhado estrondosamente.
Isso apenas prova que tenho bom lombo, e que não sou fácil de abater.
Havia nesse momento uma expressão de desafio no rosto do criador de gado... Catamount sustentou firmemente o seu olhar. Era a primeira vez que se encontrava face
a face com Bart Morgins, se bem que as suas actividades e a sua personalidade lhe fossem há muito familiares. Morgins era grande e forte, um bigode na face nédia
sombreava-lhe o lábio. Apesar do modo cuidado no vestir e da pulseira de ouro que arvorava no pulso, tinha uns modos bastante vulgares. Os homens que o acompanhavam
eram simples "cow-boys" e o seu aspecto era tão rebarbativo como o do patrão.
- Imagino, prosseguiu Catamount depois dum ligeiro silêncio, que não estamos aqui para gabar os nossos méritos respectivos.
- Precisamente, disse Bob Noxton tomando a palavra por sua vez. Felicito-me de o ter podido alcançar. Há pouco, soube aproveitar a nossa surpresa para cometer um
abuso de poder.
- Um abuso de poder?!... "By Jove" "sherif", está a empregar palavras muito caras...
- Você não tinha o direito de prender Conway. O "sherif" tem razão. Era com ele a prisão deste miserável, cuja captura aliás, já há muito tempo estava a prémio neste
distrito. Eu próprio tive muito que me queixar da sua actividade.
Tendo feito as suas declarações, Bart Morgins, agitava-se nervosamente na sela. Catamount fixava-o, e quando ele acabou de falar, disse:
- Talvez o senhor, no que diz respeito a gado, seja considerado uma competência, Sr Morgins. No entanto, permita-me que lhe negue a mais leve autoridade no que diz
respeito à aplicação da lei.
- Como? Ousa insinuar...
- Não insinuo nada, abrigo-me atrás dos meus direitos, simplesmente. Recebi ordem dos meus chefes de prender Conway Marken e de o levar a Del Rio. Essa missão desempenhá-la-ei
até ao fim, sejam quais forem os obstáculos que se levantem no meu caminho.
- O Major Morley faz o que entende ao longo da fronteira, e ninguém pensa em ir meter o nariz nos seus negócios! No que nos diz respeito, o "sherif" Noxton é senhor
de proceder como entender em todo o distrito de Stiles.
Um murmúrio de aprovação acolheu as declarações do criador de gado. O "sherif" inchou o peito, um sorriso triunfante iluminando-lhe a fisionomia. Parecia felicíssimo
com aquela homenagem à sua autoridade.
- Eu bem lho dizia há pouco, exclamou ele. Bem vê que eu tinha razão.
- Estou desolado por o desenganar, "sherif", mas sou obrigado pela segunda vez a dizer-lhe que não tem razão. E não é só porque por um acaso encontrou o Sr. Morgins
que a legalidade mudou de
aspecto. Há um momento consentiu em me deixar partir com o prisioneiro e não vejo que a situação possa ter evoluído. Se pensa que vou mudar de ideias, previno-o
que se engana redondamente.
- Tome cuidado, vociferou Bob Noxton que sentia a cólera dominá-lo. Se pensa ameaçar...
- Ameaçar?.. Longe de mim tal ideia, "sherif". Trata-se apenas dum simples esclarecimento, destinado a desvanecer qualquer equívoco.
- O "sherif" tem razão, insistiu Morgins. E afirmo-lhe...
- Em verdade, Sr. Morgins, cortou secamente Catamount, repito-lhe que não tem nada a dizer. Este assunto não diz respeito a mais ninguém que não seja ao "sherif"
e a mim. Não vejo bem porque razão vem assim levantar a questão novamente.
- Deixarme-á insultar por este tipo? protestou o "catleman" cujo rosto começava a enrubescer-se de cólera. Ele devia saber que é perigoso meter-se com Bart Morgins...
- O senhor não deve também ignorar, que é perigoso brincar com o fogo... Em nome da lei, Sr. Morgins, ordeno-lhe que se cale!...
E eu, em nome da justiça protesto indignadamente contra esse procedimento iníquo!
Aprovações ruidosas sublinharam as palavras do criador de gado. A agitação aumentava e o ranger compreendeu que facilmente ela degeneraria em desordem. Perto dele,
o prisioneiro, esperava sem dizer palavra, grandes gotas de suor correndo-lhe ao longo do rosto bronzeado, e olhando constantemente para Bart Morgins.
- Esta discussão é absurda, insistiu Bob Noxton. Na minha qualidade de "sherif" de Stiles, ordeno-lhe Sr. Catamount que me entregue Conway Marken...
- Vá para o diabo que o carregue!
A resposta viera cortante, instantaneamente... O representante da autoridade voltou-se para os deputies e para os "cowpunchers" tomando-os por testemunhas do incidente:
- Estão a ver? Este homem falta ao seu dever.
- Desde que ele recusa... Somos obrigados a constrangê-lo, ameaçou por sua vez Bart Morgins.
- Mãos ao ar, Morgins, senão...
Com uma rapidez de relâmpago, Catamount apontara o revólver. Bob Noxton quis avançar, mas o ranger depressa o dissuadiu disso:
- "Stop", "sherif"! Já que ouve com tanta atenção os conselhos de Morgins, ele que lhe aconselhe circunspecção. Ficam prevenidos que ao mais pequeno gesto suspeito,
atiro nele. E não duvidarei em apontar à cabeça!
Houve uma certa hesitação, alguns cavaleiros empunhavam já os seus revólveres, mas o homem dos olhos claros apressou-se em precisar:
- Podem atirar... Eu serei mais rápido... E vocês não terão mais que preparar um lindo enterro a Morgins. Tenho a certeza que terá flores magníficas e que todas
as notabilidades do distrito estarão presentes para acompanhar o corpo à sua última morada.
- Estúpida graça, resmungou o criador de gado que não parecia lá muito à vontade.
- Graça que pode degenerar em drama, retorquiu o ranger... Aliás, esta discussão afigura-se-me ridícula Mais do que nunca, estou decidido a conservar o meu prisioneiro,
e se o quiserem tomar, terão primeiro que me passar por cima do cadáver!...
Bob Noxton quis falar, Catamount adiantou-se-lhe rapidamente:
- Cuidado "sherif", parece que o senhor não
compreende que esta comédia lhe pode custar a sua estrela! Porque eu estou decidido a ir até ao fim se insistir em dificultar a minha missão.
Os homens que se comprimiam em redor do ranger e do prisioneiro, lutavam com os mais diversos sentimentos. A atitude enérgica do ranger impunha-se-lhes. O apelo
que Catamount fizera às suas responsabilidades mergulhava-os na indecisão. Se de boa vontade escutavam Bart Morgins, temiam igualmente as complicações. E no fim
de tudo, não tinham bem a certeza da razão que assistia ao "sherif, ao reclamar o prisioneiro!
Enquanto se desenrolava esta cena, Conway Marken mantinha-se imóvel. Apenas o ligeiro tremor das suas mãos, traía a profunda emoção que o dominava. A presença de
Bart Morgins, principalmente, parecia apavorá-lo, e de repente, no momento em que o ranger se virava para falar com o "sherif", surpreendeu um furtivo piscar de
olho do tratador.
O prisioneiro atirou-se então bruscamente para a esquerda, pondo-se a correr. Não pode correr muito, no entanto. Ainda não tinha dado dez passos quando estalou uma
detonação. Atingido na nuca, Conway Marken caiu com a cara no chão, fulminado...
- Quem atirou? perguntou Catamount, enquanto o seu "Colt" se dirigia de novo para o grupo.
Bart Morgins respondeu, ainda com o revólver fumegante na mão:
- Não queria com certeza que eu deixasse fugir aquele bandido. Aproveitava a sua distracção para se pôr ao fresco.
- Um tiro de aviso chegava, respondeu imediatamente o ranger.
- É possível, mas pode perguntar a todos estes homens, se fiz bem ou não em proceder assim.
Um murmúrio de aprovação respondeu imediatamente a esta pergunta. O próprio "sherif" declarou:
- Eu devia prender este tipo vivo ou morto. Parece-me que, agora, a questão entre nós ficou sanada.
Catamount não pensava da mesma maneira. Continuava a observar o criador de gado, e, logo se fez ouvir a sua voz metálica:
- Bart Morgins, não tinha o direito de proceder a esta execução sumária. Estávamos aqui, o "sherif" e eu, para fazer respeitar a lei. Não lhe pertencia tomar uma
decisão destas!...
- O senhor irrita-me, respondeu o criador de gado. Imagina que tenho o costume de perder tempo em conversas vãs?... E durante esse tempo o seu homem punha-se ao
fresco.
- Admitindo que os seus argumentos sejam bons, podia tê-lo ferido numa perna, interromper-lhe a corrida, mas evitar assassiná-lo.
Bart Morgins encolheu ironicamente os ombros:
- "By Jove"! Ora aí está você a falar em assassinatos. No entanto Conway Marken não era homem para ser tratado com considerações. Tinha bastantes crimes na consciência!...
- É possível mas há outros, que cometeram crimes bem mais graves, e que tinham o maior interesse em se desembaraçar dele! Conway Marken começava a tornar-se importuno.
Compreende o que lhe digo, Morgins?...
O criador de gado abriu uns olhos espantados:
- Com grande pena minha, disse ele, não o compreendo.
Catamount tinha ajoelhado perto do corpo. Uma
breve inspecção permitiu-lhe verificar que a bala
de Morgins tinha fracturado a base do crânio do seu prisioneiro. Levantou-se, e enquanto o grupo o fitava em silêncio, disse:
- Só os mortos não falam, Sr, Morgins. E tenho a impressão que alguém tinha o maior interesse em que Conway Marken não entrasse na via das confissões, Se quisesse
ajudar esse indivíduo não poderia ter procedido melhor.
- Que quer o senhor, sou partidário das resoluções extremas. Quando vi aquele malandro a fugir nem tive tempo de pensar. Deitei mão ao "Colt", e...
O ranger, tinha pegado numa pequena chave, que trazia no cinto, e rapidamente desembaraçava o que fora seu prisioneiro das algemas que lhe pusera. Levantando-se
em seguida e exibindo as pulseiras de aço, dirigiu-se ao "ranchman".
- Vê bem estas algemas? perguntou, não terei descanso enquanto as não puser nos pulsos do principal culpado, daquele para quem Marken não passava dum simples instrumento.
- Mas quem é esse homem?
Bob Noxton intervinha por sua vez, especando-se em frente de Catamount. E o criador de gado repisou com força:
- Sim! Quem é esse homem? Todos nós temos a maior curiosidade em o conhecer.
- Ainda não chegou o momento de rasgar o véu, respondeu calmamente o ranger. Quando eu possuir provas certas, o homem em questão ver-meá aparecer à sua frente. E nessa altura terá que prestar à justiça contas estreitas e terríveis.
- Se não tem provas... objectou Bart Morgins.
- Estou convencido que isso não passará dum
simples atraso, O homem em questão conseguiu ganhar talvez alguns dias, mas não conseguiu mudar
as minhas resoluções, que continuam firmes. Marken ter-me-ia dito o seu nome. Mas não importa, eu sei-o!...
- Sabe-o, insistiu o "sherif" então diga-o.
- Ainda não, "sherif"! Mas não tardará em sabê-lo, garanto-lhe.
Catamount tinha pronunciado estas palavras num tal tom que todo o grupo estremeceu.
- Nessas condições, não me resta senão desejar-lhe boa sorte, ranger!
O rosto de Bart Morgins iluminava-se agora, principalmente por ver o ranger guardar o "Colt" no coldre, mas Catamount recomeçou, olhando-o fixamente:
- Acredite-me, Sr. Morgins, acaba de prestar um mau serviço à justiça!
- Quando penso que o quis auxiliar, respondeu o "catleman". Reflicta bem, no fim, a sociedade não perde grande coisa. Há simplesmente um patife a menos no mundo.
Que bom serviço prestado à gente honesta...
- Suponho que não vai levar o corpo para Del Rio, ranger, disse então Bob Noxton.
Catamount disse que "não" com a cabeça.
- Pode levar os restos desse pobre diabo, "sherif", acrescentou ele. Vivo, tê-lo-ia levado ao meu chefe, dada a importância da sua captura para o futuro do nosso
inquérito. Morto, está calado para sempre. Era uma testemunha que eu pensava apanhar, não um cadáver!...
Um largo sorriso iluminou a face do "sherif". Aquela decisão enchia-o de satisfação. Ia acrescentar qualquer coisa quando o ranger que tinha guardado as algemas
disse num tom seco:
- Adeus "sherif"! Teria preferido conhecê-lo noutras circunstâncias. Talvez no futuro nos tornemos
a encontrar. Desejo que seja para colaborar mais utilmente.
A discussão ficou por ali. Enquanto os "deputies" e os companheiros do criador de gado deixavam finalmente a expectativa embaraçosa que observavam, Catamount saltou
para a sela de "Mesquita", e sem se importar mais com todos aqueles cavaleiros, lançou-se a todo o galope a caminho de Del Rio.
IV
O Protegido de Catamount
- E está certo do que afirma?
- Absolutamente certo, chefe. É Bart Morgins quem chefia aquele bando. Quando o miserável compreendeu que Marken ia falar, assassinou-o friamente. Se eu tivesse
provas, ele estaria a estas horas diante de si de algemas nos pulsos.
O Major Morley passeava nervosamente no seu escritório, no posto de rangers em Del Rio. Perto dele, Catamount, esperava imóvel... A espessa camada de poeira que
trazia ainda nas botas e nos "chaparejos" demonstrava que tinha vindo directamente de "Stiles" para fazer o seu relatório.
- Morgins, tem o "sherif" e os seus homens por ele Nenhum desses testemunhos poderá ser utilizado, insistiu o ranger. Todos afirmarão que Morgins abateu Marken para
auxiliar a justiça. É quase um caso de legítima defesa. E no entanto cada vez estou mais convencido que Morgins abateu o prisioneiro para o impedir de falar. Viu-o
apanhado, em meu poder, preferiu ser o primeiro a ferir.
- Esse homem é um demónio, rugiu surdamente o chefe dos rangers. Há anos que tem a polícia em cheque. E foi precisamente por isso que se decidiram a recorrer ao
nosso trabalho. Pensaram que seríamos mais hábeis. Espero que se não tenham enganado.
- O inquérito que fiz, convenceu-me que Morgins está à cabeça do bando que põe os ranchos da região de "Middle Concho" a saque. Mas goza duma impunidade completa.
O tipo é poderoso, e além disso tem relações influentes nos meios políticos. Conhece o governador de Texas, e o do Novo México é primo dele. Quando há eleições em
Stiles, é ele quem distribui a chuva ou o bom tempo. - Por esse facto, o sherif" Noxton está perfeitamente dominado por ele. Não tem mais que inclinar-se em frente
do patife, que não tem dificuldade em lhe deitar poeira nos olhos.
O major, enquanto continuava o seu passeio, disse:
- Meu Deus, se tivéssemos uma simples prova, uma carta. Poderíamos agir! Mas estamos de mãos atadas. E isso é humilhante para nós.
- Não se aflija, chefe. Esta comédia não se pode prolongar. Morgins será desmascarado ou deixarei a pele na aventura. Vou retomar a senda da guerra, e juro-lhe que
a seguirei até ao fim.
O major pareceu impressionado com esta afirmação enérgica. De todos os seus rangers Catamount era o que ele mais apreciava. Cada vez que havia uma missão delicada
a desempenhar, era o homem dos olhos claros que se encarregava dela.
- Tenho confiança, disse ele com um sorriso.
E por mais equívoca que pareça a situação, espero que como sempre a última palavra seja sua.
- Vou tornar a partir, disse o ranger. Mas antes permite-me uma visita a Joe (1). Quem sabe quando terei ocasião de o tornar a ver.
- Isso nem se pede, retorquiu o major a rir. Vá imediatamente ver Joe. Tenho a certeza que ele se sente morrer nos bancos do colégio, e que tem as maiores saudades
dos tempos em que cavalgava ao seu lado.
- É preciso no entanto que acabe o seu curso. A vida que levava no circo Winter não o deixou seguir uns estudos aturados. Ele quer ser ranger..., como eu. E para
isso é conveniente possuir uma certa base de instrução, tanto mais que os regulamentos cada vez se tornam mais rigorosos.
- Vá encorajá-lo um pouco, disse o major estendendo a mão ao seu intrépido auxiliar. Depois, poderá retomar a sua pista. E estou convencido que não demorará muito
em arrancar a máscara a esse Morgins.
- Deus o ouça, Major!
Os dois homens trocaram um vigoroso aperto de mão, e em seguida Catamount apressou-se a deixar o posto e a juntar-se a "Mesquita", que esperava amarrado ali perto.
- Agora, velho camarada, vamos visitar Joe. Sabes bem, Joe, o nosso amigo.
"Mesquita relinchou alegremente, mas já o ranger lhe saltava na sela, e com um estalo da língua o incitava a partir. O cavalo embrenhou-se nas ruas de Del Rio. A
afluência era grande, dado
(1) Ver o "Protegido de Catamount" desta colecção.
o tempo esplêndido que fazia. Cavalgando através da cidade, Catamount sentia-se feliz. Esquecendo os trabalhos por que acabava de passar, apenas pensava no seu protegido,
que não via há mais de três meses. Não era sem emoção que Catamount pensava no rapaz que estimava como se fosse seu próprio filho.
Joe queria ser ranger, e para chegar a esse resultado, tinha entrado na escola "Abraham Lincoln". Era um duro sacrifício para o infortunado rapaz, habituado aos
grandes espaços e às grandes cavalgadas.
Catamount tinha recebido já, algumas cartas do seu protegido. Joe não se queixava abertamente; no entanto o ranger podia ler nas entrelinhas a sua profunda nostalgia.
Iam pois rever-se pela primeira vez, desde que se tinham separado, e o homem dos olhos claros, que dificilmente se comovia, sentia um nó na garganta ao pensar no
encontro com o rapaz.
Finalmente, o ranger, chegou em frente da escola "Abraham Lincoln". Era um edifício de bom aspecto, cercado duma sebe de palmeiras. Durante uns momentos fitou a
fachada de tijolo, depois, desmontou rapidamente e amarrou "Mesquita" a um tronco.
Num passo hesitante, o ranger, franqueou os degraus da entrada principal. Depois, numa decisão súbita, empurrou a pesada porta. Mal entrou, sentiu-se incomodado
pela gélida atmosfera que o cercava. Para qualquer lado que se voltasse, apenas via muros.
Um porteiro, vestido com um uniforme azul-claro, dirigiu-se-lhe fixando-o com uma atenção que não era destituída de desconfiança. A roupa poeirenta do visitante,
a sua fisionomia dura, não eram
de molde a inspirar confiança, e os pais dos alunos costumavam apresentar outro aspecto.
- O senhor deseja?...
- Queria ver Joe Cromer, declarou o ranger.
O aluno Joe Cromer, rectificou glacialmente O porteiro.
Cintado no seu uniforme enfeitado de botões de cobre, o homem prosseguiu num tom rebarbativo:
- Ainda só são três horas. As aulas não acabaram. Tem que esperar até às quadro no parlatório.
- Impossível! Tenho que ver Joe Cromer imediatamente, é urgente...
- Para isso é preciso uma causa grave. Morte ou doença grave dum parente próximo...
- Eu disse que queria ver Joe Cromer, e imediatamente! Percebeu?...
Num gesto instintivo, Catamount tinha levado a mão à coronha dum dos seus "Colts". O porteiro teve um sobressalto, depois, sem coragem para continuar a discutir,
balbuciou:
- Vou falar ao director.
- Mas rápido! Estou com pressa.
Sem mesmo perder tempo em introduzir o homem dos olhos claros no parlatório, o porteiro desapareceu precipitadamente, voltando três minutos depois com o subdirector,
um homenzinho magro, de rosto glabro, enfiado numa sobrecasaca preta.
- Este senhor explicará, senhor subdirector...
O porteiro indicava Catamount ao seu vizinho, que parou a três passos dele, com os sobrecenhos franzidos:
- O senhor desejava?...
- Queria ver o aluno Joe Cromer, imediatamente!
- Não é possível antes das quatro horas.
- Às quatro horas tenho que estar longe de Del Rio, em missão especial Eu sou Texas Ranger, de modo que compreende...
- Ah! É Texas Ranger, devia-o ter dito imediatamente.
O homenzinho magro não insistiu, voltando imediatamente para trás, enquanto o porteiro medroso introduzia Catamount no parlatório.
Este era um compartimento grande e claro, mas o ranger só deu uma atenção vaga aos quadros que guarneciam as paredes e que representavam diferentes acontecimentos
da vida de Abraham Lincoln. Os seus pés escorregavam no chão encerado. Sentia-se indisposto pelo cheiro a desinfectante que impregnava a atmosfera.
- Parece-me bem que nunca me poderia aclimatar num lugar destes, pensou o ranger. Esta escola parece uma prisão.
Enfim!... Tu!...
Joe Cromer aparecia à porta do parlatório, e o subdirector, que o acompanhara até ali, apressou-se em o deixar sozinho em frente do terrível visitante. O ranger
estendeu os braços, e pouco depois apertava o rapaz contra o largo peito. O homem dos olhos claros não disse nada, mas o seu abraço foi forte. Experimentava nesse
momento uma viva emoção. Pondo as mãos nos ombros de Joe encarou-o com atenção...
Era o mesmo rosto franco e leal, no entanto o bronzeado da pele, tinha aclarado sensivelmente.
- Estás pálido, "my boy", e mais magro também.
- Leva-me daqui! Por amor de Deus... leva-me daqui...
Joe pronunciou estas palavras numa voz suplicante
depois incapaz de se dominar, desatou a chorar...
- "By Jove", julgava encontrar um homem, e afinal tenho que me haver com um mariquinhas, ralhou Catamount. Que aconteceu?...
- Acontece simplesmente que não posso ficar aqui mais tempo Estes muros esmagam-me. Tenho a impressão de viver num cárcere... Atabafo... Queria-me ver em cima de
"Baby", o cavalo que me deu o Sr. Winter.
- "Baby" espera pacientemente o momento em que o possas montar. Quer dizer, nas próximas férias! De momento é preciso ter paciência.
- Parece-me que não terei coragem...
- Senta-te aqui. Contar-me-ás tudo. Vejo que tens necessidade de descarregar o coração!... Depois disso sentir-te-ás muito melhor.
O ranger levou o seu pequeno amigo para um banco. Este, envergonhado por se ter abandonado a um momento de fraqueza, enxugava os olhos às costas da mão, tentando
abafar as lágrimas que continuavam a correr-lhe pelo rosto...
- É duro de mais, declarou ele... Esta prova é de mais para as minhas forças! Sempre fechado, sujeito à disciplina infernal desta escola...
O rapaz, apresentou então as queixas que tinha dos seus companheiros, que impiedosamente lhe chamavam "o moço de estrebaria", das partidas que lhe pregavam a todo
o momento... Sensivelmente atrasado nos estudos, não podia pretender chegar aos primeiros lugares. Continuamente sujeito aos sarcasmos dos professores, sentia-se
cheio de saudades do tempo em que no circo executava o perigoso número dos Dakotas, sob os aplausos do público.
Catamount escutava-o sem dizer palavra. Compreendia
quanto uma mudança daquelas devia ser dura, no entanto não se deixava comover, e como Joe lhe pedia uma vez ainda, para o levar dali.
disse:
- Tu queres ser ranger, como eu, Joe. Pois bem, o primeiro dever dum ranger consiste em obedecer à disciplina, por mais rigorosa que ela seja. É vencendo todos os
obstáculos que tu deploras, que aprenderás verdadeiramente a ser um homem. É certo que és um admirável cavaleiro, e que atiras maravilhosamente. Mas isso não chega.
Tens que adquirir força para seres capaz de te dominar a ti mesmo. Verás mais tarde, quando atingires o fim que te traçaste, que terás a felicitar-te de ter sido
assim tratado. Lembra-te que mais tarde, a escola da vida, reservar-te-á provas bem mais duras.
O rapaz abanou tristemente a cabeça. Esperava consolações e não recebia senão conselhos...
- Então tu também, murmurou ele num tom reprovador.
- Deus sabe como eu te estimo, "my boy", respondeu o ranger abraçando o seu protegido. No entanto, acho absolutamente necessário que continues a obedecer e a estudar,
dominando todas as contrariedades. Trabalha pequeno, procura aprender, só isso poderá vencer o teu desgosto.
- Tentarei, disse Joe suspirando. Mas custa muito, garanto-te.
- Não duvido. Mas a vida não é feita senão de sacrifícios constantes. Eu também fui um tipo pouco amável, e tive que me dominar, que me impor uma disciplina. E digo-te
que não foi fácil. Tu tens um coração de ouro. Verás que será fácil.
- E "Mesquita"?...
O rapaz, sem dúvida convencido pelos conselhos do seu protector, levava a conversa para outro
campo mais simpático. E Catamount não pensou em o aconselhar mais.
- "Mesquita" está aqui ao pé. Queres vê-lo?
- Se quero! exclamou Joe com os olhos a brilhar.
Mas a expressão do rapaz depressa se entristeceu.
- Que pena! Esquecia que não se pode sair...
- Vem comigo Hão-de to deixar, prometo.
- Verdade?... São tão rigorosos...
- Comigo irá tudo na ponta da unha.
Catamount levantou-se, e dirigiu-se com o rapaz para a saída do parlatório. Este olhava inquieto o corredor e quando viu o subdirector que os esperava a sua fisionomia
revelou susto. O subdirector dirigiu-se para eles.
- Terminou a visita? perguntou.
- Peço-lhe ainda uns minutos, respondeu o ranger. O rapaz quer ver o meu cavalo.
- Não se pode sair, protestou o director, é do regulamento.
- Nessas condições, retorquiu o ranger, trago o cavalo ao parlatório.
Diante desta proposta, o homenzinho levantou os braços ao céu, mas já Catamount levava o seu protegido:
- Vem pequeno, murmurou ele, eu próprio te trarei quando tiveres dito bom-dia a "Mesquita".
Desta vez, o subdirector, não se atrevendo a insistir, deixou sair os dois amigos. Logo que se encontrou na rua, Joe respirou profundamente. Sentia-se livre dum
grande peso, e depressa se sentiu feliz quando avistou o alazão.
- "Mesquita"... Meu velho "Mesquita"... Num momento o rapaz estava junto do cavalo
que relinchou alegremente. E então, sob o olhar
divertido de Catamount, abraçou-se ao animal cobrindo-o de festas. "Mesquita" pousava a cabeça no ombro de Joe e passava-lhe as ventas húmidas pela cara.
- Lembraste "Mesquita", quando passeávamos juntos, eu montado em "Baby"? Então éramos felizes...
- Tem paciência, disse o ranger, esse tempo voltará.
O subdirector, que se tinha aventurado até à porta do edifício, fazia sinal a Catamount que a ausência do aluno tinha durado bastante.
- Vamos, não se deve abusar, continuou o ranger, voltemos para lá. E queira Deus que a minha visita te dê um pouco de coragem. Serás paciente e dócil? Prometes-me?
- Prometo! - respondeu o rapaz, sem grande convicção, aliás
Dois minutos depois, o aluno Cromer, franqueava de novo a soleira da sua prisão e trocava um último aperto de mão com o seu protector. O ranger esforçava-se por
sorrir, mas no entanto sentia-se profundamente comovido.
- Venho-te buscar para as férias, daqui a três semanas.
Três semanas. Catamount ignorava o que lhe ia suceder durante esse espaço de tempo. Ia-se meter numa das mais difíceis empresas da sua agitada carreira. Custasse
o que custasse, tinha que desmascarar Bart Morgins. Talvez perdesse a vida no desempenho dessa missão, talvez visse o seu protegido pela última vez.
No entanto, reagiu rapidamente contra o desânimo que o invadia.
- Até daqui a três semanas, disse o homem
dos olhos claros ao separar-se de Joe Cromer! Coragem que eu voltarei depressa.
- Até à vista...
Já o homenzinho da sobrecasaca preta arrastava o rapaz, de modo que Catamount não se demorou junto à porta. Voltou apressadamente para junto de "Mesquita". O cavalo
puxava pela rédea, parecendo triste por se ver separado de Joe.
- Vê-lo-emos em breve, está tranquilo, velho camarada. Mas antes disso, temos que acabar com esse Bart Morgins.
Rapidamente, o ranger, desamarrou o seu companheiro de quatro patas, saltou na sela, e depois de ter deitado um último olhar à escola, partiu, dominando dificilmente
a sua emoção.
Catamount embrenhou-se de tal modo nos seus pensamentos, que nem viu um cavaleiro que surgia detrás de um maciço de palmeiras. Há já algum tempo que o homem esperava
naquele sítio. Tinha espiado cuidadosamente o ranger enquanto este se conservara em companhia do seu protegido. Durante um momento, o desconhecido teve um sorriso
mau. parecendo encantado em ter assistido ao encontro do ranger com o seu pequeno amigo.
- O "boss" vai ficar contente, já o temos apanhado, murmurou ele. Agora é só questão de tornar a encontrar o miúdo. Vai ser difícil, mas havemos de o conseguir.
E, lentamente, o desconhecido afastou-se a passo, não sem ter previamente examinado com atenção o edifício da escola "Abraham Lincoln".
V
Nostalgia
- Aluno Cromer, qual é a importância do porto de S. Francisco?
Do alto da sua cátedra, Mr Pettywood, dominava uns quarenta rapazes a quem ensinava geografia. Era um homem gordo e colérico, de quem os alunos tinham imenso medo.
Na escola "Abraham Lincoln", tinhamlhe posto a alcunha de "Carrasco", pois as suas aulas passavam por ser as piores da escola: castigos, invectivas, descomposturas,
choviam na cabeça dos pobres alunos. Era preciso ser um verdadeiro modelo de trabalho para não se estar exposto às suas fúrias. Deste modo, todos tremiam, quando
os seus olhos verdes, protegidos por grossas lentes, percorriam a sala.
- Aluno Cromer!... É consigo que estou a falar.
Joe estremeceu, e o seu olhar inquieto dirigiu-se para o professor.
- Naturalmente, troçou o "Carrasco"... Sempre a sonhar. Repita a pergunta que lhe acabo de fazer.
- A pergunta?...
O rapaz, imobilizou-se, atrapalhado. Não tinha ouvido. Desde que Catamount o viera visitar, o seu pensamento não abandonava o ranger e o seu alazão. Enquanto ia
seguindo a aula, evocava o homem dos olhos claros galopando através da planície, e sentia um grande desgosto em ficar ali,
prisioneiro, enquanto o seu grande amigo vivia aventuras apaixonantes.
- Sim... A pergunta! vociferou o professor. Se não passasse a vida na Lua, deveria ouvir, como ouviram os seus camaradas. Estava a falar-lhe no porto de S. Francisco.
E perguntava-lhe qual é a sua situação e a sua importância. Poderia dizer-me também quais as principais linhas de navegação que aí se cruzam?
- S. Francisco?...
Joe imobilizava-se de boca aberta, enquanto à sua volta se ouviam risinhos trocistas. Desde que entrara para a escola "Abraham Lincoln", o pobre rapaz, tinha-se
tornado o bode expiatório dos camaradas, pois preferia ficar a sonhar sozinho, a associar-se com eles nas suas brincadeiras. A alcunha de "moço de estrebaria" que
lhe tinham dado, não o irritava, antes pelo contrário, mas não havia partida que aqueles diabos não lhe pregassem... Estavam todos contentes por a fúria de Mr. Pettywood
cair em cima do "moço de estrebaria", pois assim viam-se livres da temida trovoada.
Naturalmente, dir-se-ia que caiu das nuvens... Não sabe então o que é S. Francisco.
- Sei, sim senhor!... É uma grande cidade... "Golden Gate"... O bairro chinês...
Joe tinha passado em "Frisco", quando pequeno, com o circo Winter, mas as recordações que daí guardava, não podiam suprir os números e as informações do livro de estudo. E como o infeliz apenas dava uma importância muito restrita à geografia, tudo se lhe embaralhava no espírito.
- Um zero! Aluno Cromer, terá um zero. E sabe quais as consequências dum zero?
Evidentemente que Joe o sabia, mas o professor não deixou de lho lembrar.
- Em lugar de ir brincar com os seus camaradas para o recreio, ficará só na aula a copiar todos os portos dos Estados Unidos. Poderá aprender então o lugar que o
porto de S. Francisco ocupa na lista. E principalmente que isso esteja bem feito, senão... amanhã recomeçamos a experiência...
Joe curvou a cabeça... Sentia um violento desejo de se revoltar contra a severidade do professor. À sua volta não via ninguém que lastimasse o seu infortúnio, todos
os rostos permanecendo sarcásticos e maus. Parecia que todos aqueles rapazes estavam encantados com o castigo que lhe fora aplicado.
- Aluno Blady. Fale-me da produção de ouro da Califórnia...
Os olhares cruéis de Mr. Pettywood viraram-se para outro aluno e Joe sentiu-se aliviado. Enquanto o seu camarada respondia relativamente bem às perguntas que lhe
eram feitas, esforçou-se por pôr um pouco de ordem nos seus pensamentos. Mas por mais que tentasse, os nomes misturavam-se-lhe na cabeça, e a todo o momento via
a silhueta de Catamount galopando pela pradaria. Que missão iria desempenhar o ranger? Sem dúvida, ia de novo defrontar os maiores perigos. Que contraste entre aquela
profissão apaixonante e a banalidade da vida escolar. Joe, sentia um desejo cada vez maior de liberdade. Certamente, a vida tinha sido dura para ele, mas as recordações
ainda cavavam mais o abismo entre a sua existência passada e a de hoje... Oh! A vida ao acaso das estradas da América, com a imensa caravana do circo, os cavalos,
os elefantes... A vida febril do pessoal do circo, que apenas chegados a uma povoação, já pensavam que era preciso levantar arraiais e partir para novos horizontes...
O rapaz ainda julgava ouvir os sons da charanga, as boas piadas dos palhaços, sentia aquele agradável cheiro a cavalo, que enchia as estrebarias. Na escola "Abraham
Lincoln", tinha a impressão de estar no fundo duma enxovia.
No entanto, Joe, lembrava as palavras de Catamount. Aquela prova era necessária, se queria tornar-se um homem e entrar no corpo de rangers. Devia ser tão desembaraçado
em matéria intelectual como o era nos exercícios físicos. Mas, o espírito aventuroso do rapaz, coadunava-se pouco com o estudo. Línguas vivas, física, química, matemática,
etc etc...., etc baralhavam-se-lhe terrivelmente na cabeça.
Mr. Pettywood continuava a sua aula, e Cromer estremeceu, ao ouvir a voz seca do professor repetir o seu nome:
- Aluno Cromer, ao quadro!...
Arrancado novamente aos seus pensamentos, Joe levantou-se e, num passo incerto, dirigiu-se para o quadro. De passagem, um camarada brincalhão, deulhe um valente
beliscão numa perna... Foi a gota que fez transbordar a taça. Esquecendo as fúrias de Mr. Pettywood e as terríveis consequências a que se expunha, virou-se, e o
seu punho abateu-se na cara do garoto...
No meio da sala, debaixo dos olhares indignados do professor, que nunca tinha admitido sequer a ideia duma cena daquelas na sua aula, travou-se uma batalha encarniçada.
Palfander, o adversário de Joe, tentava inutilmente esquivar-se aos golpes que lhe choviam em cima. Gritos de alegria soavam de todos os lados. Encantados com a
diversão, os restantes alunos encorajavam os combatentes, que assim interrompiam a monotonia da lição.
Palfander, teria de boa vontade interrompido o
combate, pois a coragem não era o seu forte. Preferia beliscar um colega às escondidas que afrontar lealmente um adversário. Mas Joe não lhe dava descanso, martelando-lhe
as feições tumefactas e parando os seus golpes mal dirigidos. Finalmente, o garoto, abateu-se ganindo de medo e de dor, arrastando na queda a carteira, que se lhe
virou por cima, enterrando-o num monte de livros, enquanto em volta se faziam ouvir autênticos urros de prazer.
-Silêncio, senhores! Silêncio...
Mr Pettywood intervinha, desfazendo o grupo, que se espalhou como um bando de pardais. As mãos do professor tinham entrado em acção. Joe, que tinha permanecido em
posição de combate, sentiu-se rudemente agarrado pela gola do casaco, ao mesmo tempo que a voz furibunda do professor vociferava:
- Maldito garoto! Não queres parar?
- Desculpe. Deu-me um beliscão quando me dirigia ao quadro.
- Não é verdade, gemeu Palfander lamentosamente. Ele mente! Atirou-se a mim como um selvagem.
O vencido, levantava-se gemendo, com o fato roto e o rosto num estado lamentável.
- Miserável! O senhor é um miserável.
Mr. Pettywood sacudia Joe de tal maneira, que o rapaz gritou:
- Senhor professor! Por favor! Está-me a magoar. ..
- Que importa isso. O senhor merece um castigo exemplar. Não contente em ser um ignorante, aluno Cromer, e de não ligar nenhuma à geografia, ainda maltrata os seus
camaradas...
- Mas, foi o Palfander...
- Cale-se! Estou eu a falar!...
E o professor continuou a sacudir o desgraçado, segurando-o pelo pulso e torcendo-o com tal força, que o pobre Joe deu um grito de dor.
- Largue-me, rugiu ele. Largue-me ou bato-lhe.
- Hem?... Ameaças? Larga-me ou não?...
Mr Pettywood não pareceu notar o protesto do seu aluno. Acentuou a pressão, mas, com uma rapidez desconcertante, o braço de Joe soltou-se e foi atingir o digno professor
na boca do estômago, fazendo-o dobrar instantaneamente, à procura da respiração que lhe fugia...
Houve um momento de espanto. Os alunos ficaram apavorados com tanta audácia. Quanto ao professor, apenas pôde murmurar enquanto lhe voltava a respiração:
- Garoto! Bandido! Miserável!
- Tinha-o prevenido...
Joe não parecia nada intimidado com a atitude ameaçadora de Mr. Pettywood. Permanecia em guarda, enquanto o professor, alisando maquinalmente com a mão os cabelos
em desordem, lhe dizia:
- Aluno Cromer. Acompanhe-me imediatamente ao Sr. Director.
Três minutos depois, o professor e o aluno, entravam no gabinete do Director. Este último, um sujeito baixinho e míope, pareceu um pouco surpreendido com a invasão
que assim se dava durante as horas de aula, mas já, adiantando-se a qualquer pergunta, Mr. Pettywood anunciava, ameaçador e furibundo:
- Acabo de ser agredido pelo aluno Cromer, Sr. Director.
Joe, muito calmo, olhava direito para o Director.
Este parecia sufocado pelas queixas do professor... Finalmente conseguiu dizer:
- Como?... Ousou levantar a mão para o seu mestre ?...
- Mr. Pettywood estava a brutalizar-me.
Joe mostrou o pulso, onde os sinais dos dedos do professor ainda se viam nitidamente, mas este declarou imediatamente:
- Este pequeno miserável, atirou-se como um selvagem contra o pobre Palfander. Não hesitei em os separar. Então, Cromer, teve a ousadia de me agredir com um murro
no estômago.
E Mr. Pettywood apontava o ponto onde fora atingido.
Joe nem tentou explicar-se. Qualquer tentativa da sua parte, para pôr as coisas no seu devido lugar, esbarraria numa negativa formal.
- Aluno Cromer... O seu caso é muito grave. Vou convocar hoje mesmo o Conselho de Disciplina, e tenho medo que a sua expulsão seja imediatamente decidida. É a primeira
vez que um escândalo destes se produz na escola "Abraham Lincoln".
- Nunca teria suposto uma coisa destas, insistiu Mr. Pettywood. Desrespeitar a minha autoridade duma maneira destas! Por quem me tomarão agora os alunos?!...
- Está acima de tudo isso, Mr. Pettywood, protestou o Director. As sanções serão muito severas, pois estou disposto a dar um exemplo. Pode sossegadamente recomeçar
a sua aula, tão desagradàvelmente interrompida. O aluno Cromer vai para o isolado, esperando que o seu caso seja resolvido.
Mr. Pettywood saiu do gabinete, deixando Joe sozinho em presença do Director.
- É inútil dizer-lhe disse este último, quanto
reprovo a sua atitude, que aliás, pouco me surpreende, dadas as suas origens. Um garoto da rua não saberia, evidentemente, acomodar-se na companhia dos rapazes bem-educados
que frequentam esta escola. Quando o trouxeram para aqui, temi que o seu feitio selvagem e pouco acomodatício o prejudicasse. Não me enganei. E não pense que estamos
dispostos a manter uma ovelha ranhosa no seio do nosso rebanho.
Joe não respondeu. Compreendeu que qualquer protesto seria inútil. O Director já não recuaria. Depois de lhe deitar um olhar gelado, tocou uma campainha, aparecendo
um homem, cuja perna direita estava substituída por um bocado de madeira. Era o Tom Perna de Pau, veterano da guerra da Secessão, que na escola "Abraham Lincoln",
desempenhava o lugar de moço de recados.
- O senhor Director tocou?..
- Vai-me levar este garotão para o isolado, e tomar cuidado que ele não saia, até que o conselho de disciplina, que se reunirá hoje às seis horas, decida a seu respeito.
O inválido rosnou uma aprovação e pousou a mão no ombro de Joe, que estremeceu...
- Segue-me, "my boy", disse ele simplesmente.
- Até logo, aluno Cromer. Reflicta nas consequências da sua atitude deplorável!
Num gesto teatral, o Director, fez compreender que a audiência tinha terminado, e Joe resignou-se a seguir o Tom Perna de Pau. Por toda a parte por onde passava,
nos grandes corredores ou nas escadas, o rapaz sentia aquele cheiro a giz e tinta fresca, que tanto detestava. Finalmente, o inválido, tirou da algibeira um molho
de chaves. Tinham chegado em frente da porta do isolado. Era ali, que os alunos acusados duma falta grave, eram encerrados
antes da sua comparência diante do conselho de disciplina. Escolhendo uma chave no molho Tom Perna de Pau abriu a porta, e afastou-se para deixar entrar o rapaz:
- Entra, "my boy", e não tentes fugir, pois estarei atento.
Joe, não respondeu. Sentia-se esmagado pela rapidez dos acontecimentos. Pensava em Catamount que tanto tinha insistido para o fazer entrar naquela escola. Que diria
o ranger, quando soubesse da sua atitude? Aquela perspectiva, incomodava-o muito mais que a ideia de ter batido no brutal Mr. Pettywood. Maquinalmente, entrou no
pequeno quarto, que tinha por mobiliário, uma mesa, uma estante e algumas cadeiras. Na parede, via-se uma carta dos Estados Unidos e outra do estado do Texas.
- E agora, trabalha até às seis horas!
Com um gesto, o Perna de Pau, indicou os livros alinhados na estante e saiu com um ar majestoso e digno. Joe, sentou-se numa cadeira e, tendo ouvido a porta fechar-se
e a chave a girar na fechadura, encostou os cotovelos à mesa, e segurou a cabeça entre as mãos...
Até ali, tinha conseguido dominar-se. O seu amorpróprio impedira-o de manifestar o mais pequeno desalento em frente de Mr. Pettywood, do Director ou do inválido,
mas agora que estava só, naquele quarto antipático e nu, podia mostrar o seu desgosto... E, incapaz de se conter mais tempo, desatou a soluçar...
VI
O cow-boy" Simon Luke
Durante um quarto de hora aproximadamente, o rapaz permaneceu assim, enquanto grossas lágrimas lhe corriam pelo rosto crestado. Do Director ao último aluno, todos
lhe eram hostis naquela escola. E desta feita, nem sequer tinha a consolação de pensar que o seu amigo Catamount o aprovaria. Imaginava já a severa reprimenda que
o ranger lhe dirigiria quando regressasse da sua missão. Não lhe tinha ele aconselhado tanto que se dominasse?...
Dominar-se, infelizmente, era bem fácil de dizer, mas em frente da brutalidade e da injustiça, Joe, tinha sido incapaz de conservar o sangue-frio. Uma força instintiva
tinha-o levado a revoltar-se. Agora, ia pagar bem caras as consequências do seu gesto.
No entanto, endireitou-se. Com os olhos vermelhos ainda, tentou raciocinar. No fim de tudo, mais valia que tivesse sido assim, era preciso acabar com aquela existência
odiosa, que tantos sacrifícios lhe tinha custado.
Uma pergunta lancinante, atravessou todavia o seu espírito: Que faria no futuro? Catamount estava ausente, por várias semanas sem dúvida; não lhe tinha deixado direcção
para onde escrever, nem lhe dissera em que região ia efectuar o seu inquérito... Sempre poderia ir ter com o major Morley, mas esta ideia não sorria ao desgraçado,
que imaginava quais as palavras amáveis com que este
o receberia Mas, de repente, os olhos do preso iluminaram-se:
- Fugir!... Evadir-me!... Por que naoí...
O feitio aventureiro de Joe, retomava o seu ascendente... Sem um ruído, levantou-se, dirigiu-se para a porta, segurou a maçaneta e fê-la girar, mas por mais esforços
que fizesse... o inválido tinha tomado as suas precauções. Virou-se então para a janela. Era uma janela de guilhotina, bastante pesada. Abriu-a e deitou uma vista
de olhos pelos arredores. O isolado ficava no primeiro andar e dava para um pequeno jardim, separado da rua por uma grade.
Joe calculou a olho a distância que o separava do chão. Para um ginasta completo, como ele era, descer pelo algeroz próximo e escalar a grade do jardim, não passava
duma brincadeira de criança. Além disso, aquilo evitar-lhe-ia ter que percorrer o dédalo de corredores, onde corria o risco de ser apanhado.
Num momento, o protegido de Catamount tinha-se içado para o parapeito. Do seu lugar dominava a rua. Carros e passeantes cruzavam a calçada. Durante uns momentos,
Joe, entreteve-se a ver aquela animação, que contrastava tanto com a monotonia do seu encarceramento. Estava pronto a agir quando, de súbito, estremeceu. Um cavaleiro
que passava a pouca distância, parava e examinava cuidadosamente o edifício da escola "Abraham Lincoln".
Quando avistou o recém-chegado, Joe, sentiu um nó na garganta. De facto, o cavaleiro, vestia de modo semelhante a Catamount. Seguia lentamente, parecendo procurar
qualquer coisa.
E, de repente, os olhares de Joe e do cavaleiro encontraram-se. Com grande surpresa, o rapaz,
constatou que o rosto bronzeado do homem se iluminava, exactamente como se já o conhecesse, e que parando a montada, lhe fazia um gesto amigável com a mão.
O coração de Joe bateu com força. O medo de ser surpreendido e a presença dum "cow-boy" ali perto, causavam-lhe uma grande emoção, de modo que olhava para trás,
temendo uma aparição do seu carcereiro. Não surpreendeu nada de suspeito, nem sequer o ruído que o inválido produzia ao bater no chão com a sua perna de pau...
Por seu lado, o cavaleiro, parecia dar uma atenção especial ao prisioneiro. Deitou um rápido olhar em roda, como para se assegurar por seu lado de que não era surpreendido.
Os arredores mantinham-se de momento desertos. Então, o homem, saltou da sela e chegando-se à grade, agitou a mão através dos varões.
Joe estava profundamente intrigado. Cada vez sentia mais a impressão que o desconhecido lhe fazia sinais.
Uma manobra daquelas podia parecer suspeita, mas o prisioneiro tinha pressa de escapar à prisão. A simples vista daquele cavaleiro trazia-lhe uma série de recordações
agradáveis. O medo que pouco antes sentia, depressa se desvaneceu. A atitude complacente do recém-chegado, dava-lhe a entender que talvez o pudesse tirar de embaraços
e, quem sabe, levá-lo com ele.
O rapaz tomou coragem. Utilizando uma mímica perfeita, esforçou-se por lhe fazer compreender da janela, que queria sair e passar-se para a rua. O desconhecido, dando
provas duma desconcertante compreensão, procurava encorajá-lo nos seus projectos temerários, apontando várias vezes o cavalo, que tinha amarrado às grades, indicando
que o rapaz poderia montar na garupa, quando, daí a nada, ele se fosse embora.
Um relâmpago brilhou nos olhos de Joe. Fugir com um "cow-boy", tornar a viver a vida agitada da pradaria e dos ranchos. Não duvidava em se confiar àquele aliado
imprevisto. Valia mais isso que ir envergonhado e confuso apresentar-se ao major Morley.
O desconhecido agitava-se junto à grade, parecendo espantado que o rapaz ainda se lhe não tivesse juntado. Então não hesitou mais. Como o silêncio da escola se mantivesse,
cavalgou o parapeito da janela e, com a agilidade dum esquilo, deixou-se escorregar ao longo do cano do algeroz. O "cow-boy" mantinha-se de atalaia, parecendo cada
vez mais disposto a auxiliar a fuga. Em menos de dois minutos, Joe, escalou a grade e caiu entre os braços robustos do homem.
- Pouco interessante a escola! Hem, "my boy"?
Foi com estas simples palavras que o desconhecido saudou Joe Cromer e, como o rapaz se mostrasse interdito, acrescentou:
- Contar-me-ás isso mais tarde. O mais urgente é abandonar Del Rio, antes que dêem pelo teu desaparecimento.
A facilidade com que o "cowboy" se fazia cúmplice do rapaz podia parecer bizarra, mas Joe tinha pressa de se pôr em segurança, de fugir de Mr. Pettywood, do Director,
do inválido, do conselho de disciplina.
- Vamos depressa!
Assim que o "cow-boy" se encontrou na sela Joe saltou para a garupa com a agilidade dum perfeito cavaleiro. O homem não pôde deixar de exclamar:
- God Allmigty"... Montas a cavalo como um verdadeiro Cowpuncher"...
- Trabalhei num circo, disse simplesmente o rapaz.
- Não estavas há pouco com Catamount?
- Estava... Porquê, conhece-o?
- Quem não conhece Catamount nesta região?
Joe parecia encantado com o princípio da aventura. O simples facto do seu aliado ter pronunciado o nome do homem dos olhos claros, fazia desaparecer qualquer desconfiança
que pudesse ter tido a seu respeito.
De resto era preciso ir depressa, o evadido tinha medo que a sua presença chamasse as atenções. Vestindo o uniforme dos alunos da escola "Abraham Lincoln", os transeuntes
poderiam espantar-se de o ver cavalgar com um "cowboy".
Felizmente, como nesse dia estava um calor sufocante, o trânsito àquela hora da tarde era muito reduzido, preferindo o público a permanência nos botequins e "Saloons"
de Del Rio. Em menos de um quarto de hora tinham saído da cidade, e Joe deixou escapar um suspiro de satisfação quando passaram a última casa da povoação.
- Pareces-me encantado, disse o homem que se tinha voltado.
- Com certeza! disse o rapaz sorrindo, na escola estava pior que um forçado nas galés! Mas a propósito, qual é o seu nome?
- Simon Luke, respondeu o cavaleiro! E o teu?
- Joe Cromer.
- Estou encantado de te ter prestado este pequeno serviço, "my boy". Ia a passar por acaso perto da Escola, quando te vi à janela. Pensei logo que estivesses numa
situação especial, pois normalmente
os professores não deixam os alunos estar a ver quem passa durante as horas de aula.
- Eu não estava na aula. Estava no isolado.
- No isolado? Que diabo vem a ser isso?
Enquanto o cavalo, a todo o galope, se afastava da cidade, Joe, solidamente agarrado ao companheiro, descreveu-lhe o que era o isolado e contou-lhe pormenorizadamente
os acontecimentos que tinham precedido a sua encarceração.
- "By Jove", exclamou Simon Luke quando o rapaz acabou a sua exposição. Se eu tivesse um filho, não o metia naquela caixa, e mais, se me encontrasse em frente desse
Mr. Pettywood, parece-me que não resistia ao desejo de lhe dar uma sova mestra.
- Então acha que tive razão?
- Mil vezes razão, meu rapaz!...
O rosto do rapaz iluminou-se, mas depressa se tornou a fechar.
- O pior é Catamount, que com certeza não é da sua opinião. Tinha-me aconselhado tanto que fosse prudente...
- Catamount não é dessas pessoas que gostam que lhe pisem os calos. E de resto, quando o encontrarmos, eu explicar-lhe-ei...
- Como?... Seria capaz de fazer isso?...
- Quanto mais não fosse para te dar prazer, respondeu o cavaleiro. E depois, isso dar-me-á ocasião de conhecer pessoalmente o mais célebre dos rangers!... Há imenso
tempo que acaricio esse desejo...
Joe sentiu-se perfeitamente descansado, e como o seu companheiro lhe fizesse algumas perguntas, não hesitou em lhe responder, contando-lhe em que condições dramáticas
tinha encontrado Catamount e como este se decidira a adoptá-lo.
- Gosta de mim como se eu fosse seu filho.
Simon Luke parecia encantado com todos os
detalhes que lhe fornecia o seu jovem companheiro; um sorriso passava-lhe nos lábios quando surpreendia o entusiasmo do rapaz ao falar do homem dos olhos claros.
Galopavam agora através da pradaria. Durante um longo momento, Joe não disse palavra, nem mesmo para perguntar ao seu companheiro para que lado se dirigiam; confiava
inteiramente nele. Enquanto galopavam, sentia aquele odor forte de coiro e de cavalo, tão diferente da atmosfera abafadiça da escola "Abraham Lincoln".
Simon Luke, era grande e vigoroso, não parecendo ainda ter trinta anos. Sob o "stetson", o seu rosto queimado denotava a decisão e a coragem. Como Catamount, arvorava
um cinturão de armas impressionante, e sobre as ancas pendiam-lhe dois coldres contendo "Colts" de 45. Sem dúvida o "cowboy" era um adversário a temer.
Enquanto cavalgava, Joe, pensava na cena que se devia desenrolar na escola nesse momento. Certamente já deviam ter dado pela sua fuga. O rapaz sorria, pensando na
cara que fariam o Director e Mr. Pettywodd. Quanto ao bom do Tom Perna de Pau, era mais que certo que não dormiria oito dias.
Durante mais duas horas, Simon Luke, continuou a galopada na direcção do norte. Finalmente o rapaz decidiu-se a perguntar:
- Para onde vamos?
- Conhece a região de "Middle Concho"?
- Nem ao longe. Nunca passei por lá.
- É uma região de criação bastante importante.
- Está empregado nalgum rancho daí?
- De momento não. Trabalhava no "Flecha 38" mas o "boss" fez uns negócios fracos e teve que
despedir o pessoal. Mas está descansado que não vou ficar muito tempo sem trabalho. E este pequeno entreacto permitirá que me ocupe de ti. E podes crer que o vou
fazer a sério, antes de arranjar emprego.
- O senhor é bom de mais, disse o rapaz comovido com a bondade que mostrava o seu companheiro.
- Agradas-me! Gosto do teu ar franco. E tenho a certeza que depressa nos tornaremos bons amigos.
- Mas não o somos já?!... perguntou Joe, considero-o como um grande amigo.
- E queres vir comigo, seja para onde for?
- Certamente, desde que de momento não posso contar com Catamount.
- É verdade. O teu ranger está em viagem?
- Está com um inquérito muito perigoso, mas não sei aonde.
- Isso não importa, ele descrever-te-á as suas aventuras quando voltar. Entretanto, temos que pensar em acampar esta noite.
- Vamos dormir ao relento?
- Evidentemente. Enrolados num cobertor.
- Que bom! Isso vai-me fazer esquecer o dormitório.
O sol caía para ocidente e os seus raios faziam-se menos quentes. Simon Luke, que nesse momento ladeava o limite entre dois ranchos, avistou um ribeiro que serpenteava
através da pradaria.
- Parece-me que passaremos ali a noite admiravelmente.
- Certamente, disse Joe, mas as provisões?...
- Está descansado! Poderemos comer quanto tivermos na vontade. Tenho víveres em quantidade.
A perspectiva duma refeição ao ar livre encantou
Joe... E tendo o "cow-boy" parado o cavalo, apeou-se alegremente.
Tudo estava tranquilo nos arredores. Joe sentiu uma impressão de completa serenidade. Tinham-se afastado umas cinquenta milhas pelo menos de Del Rio, de modo que
dificilmente os poderiam alcançar se os perseguissem. Expulsá-lo-iam da escola por insubordinação, mas que lhe importava isso?... Quanto às observações que lhe faria
Catamount, sentia-se mais tranquilo. Não lhe tinha prometido Simon Luke que arranjaria as coisas... Em verdade, tinha sido a providência que tinha colocado aquele
rude cavaleiro no seu caminho.
O rapaz estaria menos confiante se pudesse ver os olhares que lhe deitava o seu companheiro e o seu desassossego seria maior se soubesse que se tratava dum dos cúmplices
de Bart Morgins!
Agora, Simon Luke, estava satisfeito. Tinha conseguido captar a confiança do protegido de Catamount. O fugitivo, nem por um instante suspeitaria nele um adversário,
de modo que se prometia manobrar com cuidado, para executar as ordens que pouco antes recebera do seu chefe. Joe, tinha que se tornar nas suas mãos um instrumento
suficientemente dócil para o bom resultado do plano da eliminação do ranger.
Mas como Joe se voltava, Simon Luke esboçou um sorriso amável.
- Vês aquele maciço de algodoeiros? Deve haver por lá madeira seca. Vai-me buscar um braçado enquanto eu começo a preparar o jantar.
O rapaz obedeceu, encantado com a sua nova existência, e quando voltou com a lenha suficiente para acender o lume, Simon Luke, tirou dos alforjes uma frigideira
e preparou-se para confeccionar uma omeleta com presunto.
Pouco tempo depois, a fogueira elevava no ar puro do entardecer uma ténue coluna de fumo. As estrelas começavam a aparecer no horizonte e uma frescura agradável
sucedia ao calor intenso que não tinha deixado de estar durante todo o dia.
Joe fez as honras devidas à refeição, que acompanhou de frutos e de broa de milho. A água fresca do ribeiro permitiu-lhe dessedentar-se à sua vontade.
- E agora?... perguntou Simon Luke, sentes-te mais em forma?...
- Esplendidamente! assegurou o rapaz.
- Então trata de dormir. Tens aqui a minha manta.
- Como então?... protestou Joe, vai-me deixar sozinho?
- Nem ao longe, volto antes da madrugada. Mas quero saber ao certo onde se encontra o teu amigo Catamount.
- Mas eu posso ir consigo, exclamou o rapaz.
- Impossível! Tens necessidade de descansar. Estende-te na erva e dorme descansado. Eu voltarei depois e podes crer que te trarei uma boa notícia.
- Espera trazer Catamount consigo?
- "By Jove"! Não vamos assim tão depressa. Mas creio que saberei onde o encontrar, o que já não é mau.
- Com certeza que ele vai ficar furioso quando souber da minha fuga.
- Não penses nisso. Explicar-lhe-ei as razões da fuga, e ele há-de se render à evidência.
VII
A carta
Desta vez Joe ficou perfeitamente descansado, e os projectos de Simon Luke pareceram-lhe ideais. Nem por um instante pensou que estava a cair numa armadilha diabólica,
destinada a perder o seu melhor amigo... Mas era tudo tão diferente da vida levada na escola "Abraham Lincoln". A presença do "cowboy" fazia-lhe entrever uma mudança
apreciável na sua vida e, sem dúvida, um próximo perdão do seu protector.
- Boanoite, concluiu o "cow-boy"... Estarei de volta dentro de pouco tempo. Combinaremos então o que se deverá fazer. Porque não vale a pena esconderão; é muito
possível que os rangers tenham sido chamados pelo director da escola para te procurar e é preciso que Catamount interrompa as pesquisas. Depois disso, tudo se arranjará
segundo os teus desejos, estou convencido.
Simon Luke parecia ter pressa em partir, por consequência Joe não insistiu. Tinha a maior confiança no seu novo amigo, e foi sem alimentar a mais leve desconfiança
que o viu montar a cavalo e afastar-se para Norte.
Instalou-se o melhor possível para dormir, pois a recente cavalgada tinha-o cansado um pouco, mas quando se sentiu só na pradaria não conseguiu adormecer imediatamente.
No seu espírito os pensamentos galopavam. As recentes aventuras turbilhonavam-lhe na memória. Catamount não devia
estar muito longe, se se tinha afastado nessa direcção... Talvez Simon Luke o trouxesse ao alvorecer, e então poder-se-iam explicar com toda a franqueza...
Enquanto o rapaz adormecia com esta ideia, o cavaleiro continuava a galopar para Norte. Aproximava-se do "Estrela 98", um dos ranchos de Bart Morgins, onde devia
dar contas ao "boss" do trabalho que fora efectuar a Del Rio...
Pelas onze horas da noite, Simon Luke, alcançou a habitação. Todo o pessoal estava deitado. No entanto, pelo rectângulo de luz que se desenhava no primeiro andar,
o "cow-boy compreendeu que o patrão se encontrava de vigia.
Chegando diante da porta principal, Simon Luke desmontou e bateu. Alguém desceu precipitadamente a escada e uma voz perguntou:
- Quem está aí? És tu, Simon Luke?
Sou eu, "boss"!
- Não chegas muito cedo. Começava a temer que tivesse acontecido qualquer coisa.
- Descanse... Pelo contrário, vai tudo pelo melhor.
A porta abriu-se e a silhueta do "cattleman" projectou-se no limiar. Mas depressa se afastou, para deixar passar o cavaleiro, cujo rosto luzia de suor.
À luz do candeeiro de petróleo que o seu interlocutor segurava, Simon Luke, pôde reparar que ele se encontrava num estado de grande excitação. Bart Morgins, conduziu-o
imediatamente ao quarto do primeiro andar, onde momentos antes o esperava.
Ainda mal se tinha fechado a porta, já Simon Luke se dirigia para uma mesa, onde havia uma garrafa de "whisky" e alguns copos. Sem a mais leve cerimónia, encheu
um dos recipientes que despejou
dum trago. Enxugou calmamente a boca na manga e declarou:
- Tenho o garoto comigo.
- Por que é que o não trouxeste? - perguntou o "cattleman"... Seria um refém precioso. Ignoras por acaso que Catamount já começou a meter o nariz nos nossos negócios?
Se eu não tivesse eliminado Conway Marken estaríamos todos perdidos. Apesar disso, depois das palavras que o ranger me dirjgiu, não podemos ter ilusões. Ele sabe
quem eu sou. Procura provas e Sam Midy já o assinalou a quatro milhas para lá dos limites, na direcção de "Buzzard Rock".
Simon Luke deu um assobio.
- Para os lados de "Buzzard Rock"? De facto esse ranger começa a tornar-se perigoso.
O rosto do "cow-boy" tinha-se cerrado. Com efeito, media o perigo que representava para Bart Morgins e para o seu bando a presença do ranger nas proximidades.
- Sim, reforçou o "cattleman", Catamount acampa esta noite em Buzzard Rock, e isso significa que nos vai impor uma vigilância constante. E por isso digo que terias
feito melhor em trazer o garoto. Debaixo da ameaça da execução do seu protegido, Catamount recuaria.
- Não vamos tão depressa, "boss". Com um ultimato desses, desmascarar-se-ia, e é isso que precisamos evitar a todo o preço. Pelo contrário, com uma artimanha poderá
muito mais facilmente acabar com o ranger, sem ter a temer qualquer complicação.
E como o "boss" o fitasse interdito, Simon Luke precisou :
- Tenho a certeza de ter ganho a confiança do garoto. Ele está à minha espera aqui perto, e
conta com o meu auxílio para encontrar Catamount. Nestas condições, parece-me fácil fazer-lhe escrever uma carta. O ranger não poderá suspeitar dum subterfúgio e
virá cair na armadilha que lhe preparamos.
- "Dam-n"! És mais esperto que eu Simon Luke! Tens razão! Vale mais agir dessa maneira.
- s- Então é muito simples, faço o garoto escrever uma carta... Só falta o senhor indicar em que sítio quer que o ranger seja atacado...
Bart Morgins, calou-se um momento, indeciso...
- Parece-me que em Buzzard Creek encontraremos o lugar ideal para uma emboscada. Fica a seis milhas de Buzzard Rock, e conhecemos admiravelmente a disposição do
terreno.
- Seja, retorquiu Simon Luke. O lugar convém lindamente.
- Só falta agora fazer com que o garoto escreva a carta.
- Isso é o mais fácil...
- E depois levá-la a Catamount. Simon Luke fez uma careta:
- Não posso encarregar-me de a entregar eu mesmo, "boss". Estava consigo quando executou Marken, e como aquele diabo de ranger tem uma memória infernal, não deixaria
de me reconhecer e desconfiaria de qualquer coisa.
- Pois bem, Pepe irá contigo, esperará a uma certa distância e levará o bilhete logo que esteja pronto. Em seguida, será necessário desembaraçarmo-nos do garoto;
não pode ficar a tropeçar-nos nas pernas.
- Descanse, logo que ele tiver assinado a carta, pô-lo-ei na impossibilidade de nos prejudicar.
- Uma simples bala de "Colt", como para Marken.
Simon Luke fez uma careta. Achava o processo um pouco expedito, tanto mais que começava a simpatizar bastante com Joe.
- Fie-se em mim, declarou ele simplesmente. Arranjarei um processo.
- Em todo o caso, convém agir depressa! Se Catamount consegue descobrir uma prova, estamos arranjados. Até agora temos conseguido escorregar entre os dedos da polícia,
graças às relações poderosas que eu tenho, mas se se soubesse...
- Pode dormir descansado, não se saberá nada. Basta-lhe preparar a emboscada. A que horas exactamente?
- Amanhã, ao cair da noite!
- Perfeitamente, as trevas ajudar-nos-ão.
- E a natureza rochosa do terreno impedirá que se descubra qualquer pista, se por acaso a gente do Major Morley se lembrar de procurar o companheiro desaparecido.
Depois de termos Catamount em nosso poder, podemos estar descansados que não teremos mais dificuldades. Não será esse imbecil do Bob Noxton que conseguirá estorvar
os nossos negócios. Acredita em tudo o que o senhor lhe diz como nos Livros Santos.
- Noxton é um polichinelo e eu mexo-lhe os cordelinhos, respondeu Bart Morgins. Essa é uma das principais razões do meu sucesso. Mas não percamos tempo com discursos
inúteis. É preciso agir e quanto mais depressa melhor.
Simon Luke, não se demorou a contar ao chefe como conseguira levar Joe Cromer de Del Rio e como tinha sido favorecido pelas circunstâncias. Num segundo, desceu as
escadas, foi chamar Pepe e montando a cavalo, lançou-se outra vez a todo o galope através da noite, seguido do seu acólito.
Enquanto se afastava do "Estrela 98", Simon Luke sentia-se feliz com a ideia duma próxima vitória. Ele também, temia a proximidade de Catamount, pois sabendo-o duma
têmpera muito diferente da do trouxa do Noxton, compreendia a necessidade de jogar duro. Mas tudo estava tão bem combinado, que não duvidava da vitória. Como os
outros, Catamount, falharia no desempenho da perigosa missão que lhe tinha confiado o Major Morley.
Pela uma hora da noite, depois de ter deixado o companheiro a pequena distância, o "cowboy" estava de volta ao local onde deixara Joe adormecido. O protegido de
Catamount tinha o ouvido apurado. Ouvindo o ruído provocado pelo cavalo despertou instantaneamente.
- Então? exclamou ele vendo Simon Luke.
- Está descansado, rapaz, que não venho a zero.
- Viu Catamount?
- Não vamos tão depressa! Não querias com certeza, que em três horas eu conseguisse obter o resultado completo. Não o vi, mas sei onde poderemos encontrá-lo. Basta
marcar-lhe um encontro. A sua presença foi assinalada nestas paragens...
O rapaz, encantado com as informações do "cow-boy", queria ainda continuar o seu interrogatório, mas Simon Luke acalmou-o com um gesto, e enquanto ia desapertando
a cilha disse:
- Calma... Também quero descansar um bocado. Tu já dormiste e eu não. De manhã cedo, dír-te-ei exactamente onde poderás encontrar Catamount De momento, o preciso
é descansar, se queres estar em boa forma amanhã.
Joe teve que se resignar... Enrolou-se no cobertor enquanto o "cow-boy" acabava os seus preparativos
para a noite, instalando-se ao seu lado. Pouco depois, um ressonar sonoro indicava que Luke tinha partido para o reino dos sonhos.
O protegido de Catamount estava ansioso por saber como o seu companheiro tinha conseguido um resultado tão encorajante, mas a perspectiva de encontrar em breve o
seu grande amigo sossegava-o completamente. Nem por um instante pensou que se preparavam para fazer dele um instrumento, destinado a perder o homem dos olhos claros,
e estava tão entusiasmado que acordou ainda mal luzia o buraco.
Uma ligeira bruma esbatia os contornos das colinas próximas, o regato continuava o seu cantar monótono. Perto dali, uma matilha de cães, fugiu assustada ao avistar
o rapaz.
Rapidamente, afastou o cobertor e dirigindo-se ao regato procedeu a umas abluções sumárias. Quando voltou, encontrou Simon Luke espreguiçando-se e bocejando ruidosamente.
- "Hello boy"! Dormiste bem?
- Lindamente! E o senhor?
- Perfeitamente. Espero que te sintas em boa forma. Não estás com saudades da escola, calculo?...
- É claro que não!... E Catamount? Vê-lo-ei hoje?
- Ia precisamente falar-te dele. Sabes que me afastei ontem à noite. Pêlo que pude saber, o teu amigo está nesta região, e não muito longe de nós.
- Depressa, diga-me aonde. Quero ir ter com ele, exclamou o rapaz cujos olhos brilharam de alegria.
- 'Tás um pouco apressado, "my boy"! Esqueces que te encontras numa situação um tudo-nada irregular, no que diz respeito a Catamount. Neste momento ele acredita
firmemente que continuas
ajuizadamente na escola "Abraham Lincoln". Na verdade, tu puseste-te ao fresco e Catamount há-de ficar furioso quando souber do pontapé que deste na disciplina.
Joe mordeu os lábios. Começava de facto a medir a razão das objecções do seu interlocutor, e estes conselhos davam-lhe a impressão dum duche gelado. Simon Luke,
que o observava pelo canto do olho, acrescentou com um sorriso irónico:
- Admitindo que vás directamente ter com Catamount, sujeitas-te a ter uma valente decepção. Suponho que o acolhimento que ele te reserva é bastante seco. Não só
o irias incomodar no desempenho da sua missão, como ainda lhe vais contar uma gracinha pouco recomendável. Parece-me que te arriscas um tudo-nada...
Durante uns momentos Joe manteve-se em silêncio. Com a pressa de fugir a Mr. Pettywodd, não tinha reflectido nas consequências do seu gesto. Não só tinha a temer
ser alcançado por possíveis perseguidores, como ainda estava sujeito às observações do ranger.
- Que fazer? disse ele por fim. Não posso ficar sozinho.
- Evidentemente que não. Tanto mais que é quase certo que o Major Morley e os seus rangers, avisados do teu desaparecimento, se lançaram em tua perseguição. E se
te apanham...
- Meu Deus! Não pode ser...
A esta simples perspectiva, Joe, tinha empalidecido, e Simon Luke, pôde notar a impressão que estas frases tinham produzido no espírito do rapaz. A sua satisfação
aumentou, quando o viu levantar para ele uns olhos suplicantes:
- Por favor... O senhor ajudou-me a fugir de lá... Não me pode abandonar.
- Está descansado! Não sou tipo para deixar um amigo enrascado. Agradas-me e farei todos os possíveis para te fazer sair deste mau passo...
A fisionomia de Joe alegrou-se imediatamente. Agarrou a mão do seu companheiro e apertou-a com efusão. Simon Luke, cada vez mais convencido que tinha ali um joguete,
declarou:
- Estou convencido que te posso ajudar a sair deste sarilho e mesmo a reconquistar as boas graças de Catamount.
- Se fizer isso, ficar-lhe-ei eternamente reconhecido...
O "cowboy" pensou durante uns momentos; perto dele, Joe esperava impaciente... Preferia tudo a voltar à sua anterior situação em Del Rio.
- Fale. por amor de Deus! disse ele, farei tudo o que quiser.
- Obedecer-me-ás sem refilar?
- Prometo-lhe.
- Mesmo se que o que eu te pedir te parecer um pouco extravagante?
- Mesmo assim! Pois que o faria para me tirar dum sarilho.
- Ora ainda bem!
E depois dum momento de silêncio, prosseguiu:
- É conveniente esperar um pouco antes de te pôr em contacto com Catamount. E para que ele te não faça má recepção, não será mau que te julgue vítima dum acidente.
-Um acidente? protestou o rapaz. Mas isso não é verdade, seria uma mentira.
- Queres então arriscar-te a ser mandado para Del Rio o mais depressa possível?
Joe fez uma careta. Esta simples perspectiva chegava para lhe tirar os escrúpulos, e além disso o "cowboy" acrescentava com um sorriso:
- É preciso saber viver. Com um bocado de manha consegues perfeitamente tirar-te de complicações, quito em dizer a verdade daqui a pouco tempo. De momento, o que
interessa, é agir depressa para apanhar Catamount. Se, como tudo o faz crer, ele ficar inquieto a teu respeito, comover-se-á depressa e perdoarte-á o tê-lo feito
cair em erro.
- Mas como encontrá-lo? E como enganá-lo? Ele é muito desconfiado.
- Não tens mais que seguir os meus conselhos. Tens aqui uma folha de papel e um lápis. Vais escrever o que te vou ditar.
Joe, pegou maquinalmente no papel e no lápis que Simon Luke lhe estendia. O "cow-boy", sem lhe dar tempo a apresentar qualquer objecção, acrescentou:
- Escreve: "Catamount... Tive um acidente" aqui para nós não é bem uma mentira; a tua fuga da escola, é mesmo um acidente.
Resignadamente, o rapaz, inclinou-se sobre o papel que lhe dera o companheiro e começou a escrever. Simon Luke, debruçado sobre o seu ombro, ia lendo o que ele escrevia
à medida que ia ditando:
- "Queria ver-te com a maior urgência. Por consequência, está hoje ao cair da noite em Buzzard Creek. Tenho muito que te contar".
Joe demorou um bom bocado a escrever estas linhas; perto dele, o "cow-boy", parecia muito satisfeito; depois, como o rapaz se virasse para ele à espera da continuação,
disse:
- E agora assina. É o suficiente.
Um pouco espantado, Joe pôs a sua assinatura por baixo da estranha mensagem. O "cow-boy" pegou na folha, releu o seu conteúdo e deixou escapar um grunhido de satisfação.
- Mas como se fará isto agora? perguntou o rapaz. O senhor leva-me a Buzzard Creek?
- Deixa isso comigo, disse Simon Luke com um sorriso. Vou fazer chegar a tua mensagem às mãos de Catamount. Depois, acompanho-te até junto dele, e dou-te a minha
palavra que desaparecerá qualquer mal-entendido que surja entre os dois. E poderás acompanhá-lo em vez de te aborrecer entre quatro paredes.
Esta perspectiva sossegou Joe completamente, e a sua satisfação era tão grande que não viu Luke levar a mão ao revólver. Rapidamente os seus dedos fecharam-se na
coronha da arma E antes que o rapaz se pudesse aperceber do perigo que o ameaçava, o bandido, brandindo a arma pelo cano deu-lhe uma violenta coronhada na nuca.
Instantaneamente, o desgraçado, abateu-se sem sentidos.
- E agora ao trabalho, disse o "cow-boy" com um sorriso de triunfo. Vamos prevenir Pepe e pôr o garoto em segurança.
Durante uns momentos, Simon Luke, observou a sua vítima. Recordava as ordens do chefe para que se acabasse duma vez para sempre com o rapaz. No entanto, repugnava
ao maroto assassiná-lo assim, friamente.
- Vou levá-lo para casa de Crockwell, murmurou.
E levantando-o nos braços robustos, levou-o para o cavalo que esperava ali perto.
VIII
Buzzard Creek
-Atenção! Vem aí alguém.
Catamount levantou-se e, num gesto instintivo, levou a mão ao "Colt". Perto dele, "Mesquita", que bebia no ribeiro, levantou assustado a cabeça, olhando para a sua
esquerda.
O ranger sentia-se presa da maior desconfiança. Na véspera, com efeito, tinha-se aventurado nas terras de Bart Morgins. Tinha multiplicado as precauções para não
ser descoberto pelos cavaleiros do "cattleman" que por vezes lhe tinham passado bem perto. O homem dos olhos claros, estava cada vez mais convencido que era Bart
Morgins quem chefiava o bando que saqueava a região de "Middle Concho" e sentia-se cada vez mais disposto a conduzir o inquérito até à confusão e prisão do culpado.
De momento, o ranger imobilizava-se, ouvido atento, pronto a defender-se de qualquer ataque. Depressa viu um cavaleiro que se aproximava ao longo do rio. Sem dúvida
nada tinha a temer do recém-chegado, que avançava resolutamente, fazendo soar o chão debaixo das patas do seu cavalo.
Era Pepe que chegava. O bandido tinha recebido as indicações necessárias da parte de Simon Luke e aventurava-se resolutamente na região onde o homem dos olhos claros
tinha sido assinalado pelos "cowboys" do "Estrela 98". Há um momento já que avançava para Buzzard Rock, cujo rochedo escalvado avistava a pouca distância.
Catamount permanecia imóvel perto do seu cavalo. Era a primeira vez que se encontrava em presença de Pepe, mas ao ver os seus trajos concluiu que se devia tratar
dum "cowpuncher" do rancho de Morgins. Preparou-se pois para responder às perguntas que certamente lhe dirigiria o importuno.
Pepe avançou ainda uns passos sem desfitar o ranger. O acólito de Simon Luke, tinha dificuldade em esconder a sua inquietação, conhecendo a reputação terrível de
Catamount e preparando-se para jogar uma partida muito delicada. Não ignorava também que se o homem dos olhos claros conseguisse provas contra o seu chefe, ele não
deixaria também de ir parar à prisão.
Como o ranger continuasse à espera, apeou-se, e levantando a mão direita em sinal de paz, aproximou-se.
Esta atitude amigável da parte do recém-vindo não chegou para abafar a desconfiança do homem dos olhos claros, que se manteve na defensiva. Franziu ligeiramente
o sobrolho quando ouviu o cavaleiro perguntar numa voz hesitante:
- O senhor é que é Catamount?
O ranger teve um ligeiro estremecimento. Ignorava que a sua presença na região fosse conhecida, e não imaginava que os acólitos de Morgins o tivessem visto pouco
tempo antes. No entanto, jogando franco, afastou-se de "Mesquita" e respondeu com voz firme:
- Certamente! Sou Catamount! É comigo que quer falar?
- Consigo mesmo! Tenho uma mensagem para si.
- Uma mensagem?
Primeiro Catamount imaginou que se tratava dalguma contra-ordem que lhe mandava o Major
Morley. Pepe, que tinha parado a alguns passos, procurava nas algibeiras. O miserável esforçava-se por parecer calmo. Um ligeiro tremor agitava no entanto a mão
que estendia a Catamount a carta que momentos antes Joe escrevera.
- É do garoto, precisou Pepe enquanto Catamount desdobrava o papel.
- Do garoto?
Catamount pensou imediatamente em Joe, que pouco tempo antes deixara em Del Rio, e como desdobrara a folha, reconheceu ao primeiro golpe de vista a letra pouco apurada
do seu protegido. Em poucos instantes tomou conhecimento do que lhe dizia o rapaz.
- Teve um acidente? perguntou. Mas como é que isso se pode ter produzido. Deixei-o na escola...
Os olhos claros do ranger fixavam-se em Pepe que teve dificuldade em manter uma aparência de calma. No entanto, executando pontualmente as instruções que recebera
de Simon Luke murmurou com uma voz que se esforçava por manter firme:
- Fugiu da escola. E quando queria vir ter consigo foi vítima dum acidente grave. Caiu do cavalo...
- Caiu do cavalo?...
Um profundo mal-estar juntou-se à sua surpresa. Uma iniciativa tão temerária da parte de Joe desconcertava-o. Tinha compreendido quanto a existência severamente
disciplinada da escola repugnava ao rapaz, desejoso de movimento e aventuras; no entanto, imaginava que Joe atenderia aos seus conselhos de prudência e conseguiria
domar o seu carácter rebelde.
- Enfim, explica-te!... Como é que isso pôde acontecer.
Pepe encolheu os ombros.
- Não sei muito bem. Cavalgava com dois "cowpunchers" do rancho de Morgins...
- Ah! Tu pertences ao pessoal de Morgins?
- Evidentemente. E o senhor está no território dele.
- Está bem! Já o sabia... Continua.
O cúmplice do "cattleman" contou imediatamente a história que lhe ensinara Simon Luke. Vendo um cavalo sem cavaleiro, tinha-se aproximado e avistara Joe Cromer,
caído sem sentidos. Profundamente intrigado, apressara-se em socorrê-lo. Primeiro, o pobre diabo, tinha pronunciado palavras sem nexo e só alguns minutos de cuidados
lhe tinham conseguido restituir a lucidez de espírito.
- Então contou-nos que vinha ter consigo, concluiu Pepe, que estava disposto a ficar consigo e a não voltar para a escola onde o maltratavam.
Catamount ouviu estas explicações sem dizer palavra Um detalhe intrigava-o em toda esta história, que o seu protegido se tivesse dirigido directamente para a região
onde ele operava. Quando da sua passagem em Del Rio lembrava-se bem de não ter falado nessa região.
- Como é que Joe soube que eu estava aqui? Não disse palavra a ninguém?
- Isso não sei! retorquiu Pepe encolhendo evasivamente os ombros. Não faço mais do que repetir o que me disse o pobre garoto.
- Mas que tem ele ao certo? insistiu Catamount inquieto com o que podia ter acontecido ao seu protegido.
- Tenho medo que não se safe. O seu estado parece tão grave que não tomamos mesmo a responsabilidade de o transportar para o rancho. Espera aqui perto, em Buzzard
Creek. E penso que faria bem em se despachar, pois ele reclama-o com
insistência. A sua presença com certeza que o reconfortaria muito.
- Bem, seja! Vamos partir imediatamente.
- Não tem mais que seguir-me.
Enquanto pronunciava estas palavras, Pepe montava a cavalo. Catamount saltou na sela por sua vez. A inquietação que lhe inspirava o estado de Joe sobrelevava no
seu espírito qualquer outra consideração. No entanto, o disparate do rapaz atingia-o profundamente. Efectivamente, esse facto, ia prejudicar imenso o seu inquérito.
Bart Morgins não podia ignorar o acidente e, sabendo-o no seu território, não deixaria de tomar providências que o livrassem de qualquer complicação.
Pepe aguentou o cavalo para permitir que o ranger cavalgasse ao seu lado; o acólito de Simon Luke observava furtivamente Catamount e podia ler-lhe nos traços a grande
desconfiança que o obcecava. Se queria conduzi-lo até ao local onde o esperavam os companheiros, era preciso ser cauteloso.
- O imprudente! O desastrado!...
Foram estas as únicas palavras que Pepe conseguiu do companheiro nos primeiros momentos de cavalgada. Catamount espiava atentamente os arredores, sopeando "Mesquita"
com uma mão nervosa. A paisagem que o cercava, mantinha-se tão selvagem como a de Buzzard Rock. O rio corria através dum vale que de metro a metro se ia estreitando,
até se tornar numa verdadeira garganta, onde inúmeros blocos de rocha permitiam aos homens de Bart Morgins ocultar-se com facilidade.
- Contanto que não cheguemos tarde de mais... murmurou Pepe.
Estas simples palavras fizeram o ranger acelerar o passo ao cavalo. Com profunda surpresa,
reparou que o alazão não mostrava a mesma pressa que precedentemente, chegando mesmo a parar, espetando as orelhas, como se desconfiasse de qualquer coisa.
- Mais depressa, disse Catamount. Joe está à espera.
A impaciência do ranger era tal, que não viu o seu companheiro tirar um pequeno embrulho do bolso e escondê-lo na mão.
Pouco depois, o bandido, inclinou-se para Catamount:
- Atenção, gritou ele bruscamente...
- Que há? Olhe... Ali...
Pepe estendia uma mão, mostrando um ponto na outra margem do rio. Levantando-se nos estribos, o ranger observava, quando um grito terrível lhe escapou. Com uma rapidez
fulminante, o seu companheiro acabava de lhe atirar à cara o conteúdo do pequeno embrulho.
Simon Luke tinha sabido preparar o seu plano: era pimenta que Pepe acabava de deitar nos olhos do ranger. Surpreendido pelo sofrimento, o ranger, levou instintivamente
as mãos aos olhos. Era aquele gesto que o seu agressor esperava; com uma ferocidade selvagem atirou-se a ele.
O choque foi tão violento que os dois rolaram no chão, enquanto os cavalos continuando a caminhar foram parar à beira da água.
O ranger lutava com fúria. Primeiro, atordoado com a queda, cego pela pimenta que lhe queimava os olhos, ficou um momento parado, mas rapidamente reagiu e deu ao
acaso um formidável murro que atingiu o bandido em pleno rosto. O sangue espirrou do nariz de Pepe, mas este, beneficiando da surpresa ripostou energicamente, e
como o rager
levasse a mão ao "Colt", agarrou-se-lhe selvaticamente ao pulso, gritando com todas as forças:
- "Hdllo boys" Acudam! É nosso!!!
No mesmo instante, começaram a surgir silhuetas de trás dos rochedos que se elevavam de ambos os lados de Buzzard Creek Simon Luke e os companheiros, que impacientemente
esperavam a ocasião de entrar em acção, intervinham.
Quando chegaram ao local da luta, Pepe começava a fraquejar debaixo do ataque do seu contendor. Catamount tinha conseguido livrar-se, mordendo violentamente o pulso
do bandido, que sangrava abundantemente.
- Depressa! agarrem-no, senão escapa-nos!...
Uma meia dúzia de sólidos rapagões atirou-se a Catamount. Simon Luke, em primeiro lugar, agarrou o ranger pelo pescoço, mas imediatamente foi rolar a quatro passos,
berrando de dor, atingido no ventre por um violento pontapé. Os outros assaltantes voltaram ao ataque; um deles preparava-se para disparar o seu "Colt" em pleno
peito do ranger quando Simon Luke interveio:
- Não atires! Apanhem-no vivo! São as ordens do "boss".
O homem afastou a arma, exasperado. Mas a captura não se mostrava fácil; enfurecido pela traição de que fora vítima, Catamount batia-se rijamente, e o rosto dos
seus antagonistas começava a mostrá-lo bem.
Finalmente, Simon Luke, conseguiu apanhar uma pedra e aplicar com ela uma valente pancada na cabeça do ranger. Catamount deixou escapar uma imprecação e caiu de
costas. Imediatamente os bandidos se atiraram a ele, soltando urros de satisfação:
- Desta vez apanhámo-lo...
Maldito...
Deu-nos bastante que fazer...
- Então rapazes, está tudo acabado? perguntou subitamente uma voz por trás deles.
De comum acordo todos os bandidos se voltaram, avistando Bart Morgins que acabava de aparecer ao pé do rio. Vestido de preto, como sempre, o "cattleman, sofreava
dificilmente um magnífico baio.
- O ranger é nosso, "boss", explicou Pepe Mas teríamos feito melhor em o ter abatido imediatamente. Ficaríamos em melhor estado...
Bart Morgins deixou escapar um grunhido. De facto, o aspecto dos seus subordinados não se apresentava dos mais atraentes.
- "By Jove, não sei como vocês se arranjaram, mas não dão muito a impressão de vencedores.
Catamount não é um adversário comum, disse por sua vez Simon Luke. Sou inteiramente da opinião de Pepe. Com um tipo desta têmpera, não se pode estar tranquilo enquanto
se lhe não tiver definitivamente arrumado as botas.
O "ranchman" deixou escapar uma risada sinistra :
- Estejam sossegados! Não tenho o mais leve empenho em ficar eternamente com um "Colt dirigido contra mim. Catamount não tem mais que algumas horas de vida e não
poderá esperar perdão. No entanto, não me desagradará conversar um bocado com ele antes de o mandar para o outro mundo, e demonstrar-lhe o erro em que caiu quando
tentou defrontar Bart Morgins.
- Cuidado, "boss". Isso é uma pequena satisfação de amor-próprio que lhe poderá custar cara, objectou Pepe. Agora estamos em guerra aberta
com o ranger, desmascarámos as nossas baterias. E se por acaso Catamount nos escapa...
- Não nos escapará, asseverou Bart Morgins com energia. Velaremos todos por isso. De resto, repito-lhes que não se trata senão duma questão de horas. Dentro de pouco
tempo os vossos temores não terão razão de ser.
- Enquanto o não vir reduzido ao estado de cadáver não estarei descansado, disse Simon Luke limpando o rosto ensanguentado.
-E o garoto? perguntou Bart Morgins.
- Não se aflija. Entregueio a Crockwel que o há-de guardar com cuidado.
- "Ali right"! Com Crockwel não há nada a temer.
Virando-se então para os seus acólitos, Bart Morgins apontou o ranger, desmaiado à beira do regato:
- Depressa! Um de vocês pegue nesse cachorro maldito e leve-o para onde sabem.
Poucos momentos depois, o grupo partia, levando Catamount inconsciente. Bart Morgins e os seus apaniguados tinham tanta pressa em chegar ao rancho que nem se deram
ao trabalho de apanhar "Mesquita", que parara entre os rochedos, a uma centena de passos, e olhava agora insistentemente na direcção em que levavam o seu dono.
IX
Nas trevas
- Catamount!...
Foi a primeira palavra que veio aos lábios de Joe Cromer, quando retomou consciência. Primeiro, o infortunado, teve dificuldade em se endireitar, a cabeça dolorida
doendo-lhe horrivelmente. A pancada que Simon Luke lhe dera ainda o atordoava. Sentia zumbidos nos ouvidos e tinha dificuldade em coordenar as ideias...
- Deus poderoso... Amarrado... Estou amarrado...
O rapaz tinha-se endireitado, e esforçava-se por estender os músculos dormentes. Cordas muito apertadas prendiam-lhe os pulsos e os tornozelos, magoando-o fortemente
cada vez que se movia.
Catamount, repetiu ele reunindo todas as suas forças.
Na situação desconcertante em que se encontrava, Joe, pensava a todo o momento no seu protector, mas no entanto, os seus chamamentos ficavam sem resposta e, depressa,
o infortunado, cansado de gritar sem resultado se deixou cair no solo, onde permaneceu estendido.
As trevas mais completas envolviam-no. Esforçou-se inutilmente por descobrir o lugar onde se encontrava. A frescura da atmosfera e a humidade que o penetrava faziam-lhe
pensar que se encontrava fechado numa cave, mas em que local e depois de que acontecimentos, é que lhe era impossível responder.
Estafado, Joe, imobilizou-se, esforçando-se por reunir as suas ideias. A memória, rebelde ao princípio, ia-se tornando mais fiel. Pouco a pouco foi-se recordando
das circunstâncias que tinham acompanhado a sua fuga da escola "Abraham Lincoln" e o seu encontro com o "cow-boy".
Simon Luke... murmurou surdamente o rapaz. Mas que foi feito dele?
Quanto mais o prisioneiro reflectia, mais se recordava de ter visto Simon Luke, pouco antes de mergulhar na inconsciência.
- A carta!... Ele fez-me escrever uma carta.
Dominando a terrível dor de cabeça que o obcecava, Joe recordou as suas recentes aventuras e, repentinamente, sentiu-se presa duma grande inquietação:
- Meu Deus! Uma armadilha... Se se tratasse duma armadilha...
Esquecendo a sorte pouco invejável que lhe podia estar reservada, o rapaz meditava agora nas consequências que podia ter o seu gesto. Sem desconfiança tinhase entregado
a Simon Luke, e sem dúvida, tinha sido ele que cobardemente o atacara pelas costas, reduzindo-o à mais completa impotência.
- Miserável! Bandido! Cobarde!!!
Joe depressa compreendeu, quanto os seus lamentos e as suas invectivas eram inúteis. Tinha escrito, chamando Catamount em seu auxílio, e quanto mais as suas ideias
se tornavam precisas, mais se dizia a si mesmo que a sua carta tinha servido para fazer cair o ranger em qualquer traição.
- Como fui imprudente e criminoso em acreditar na boa fé daquele homem. Não sabia nada dele nem das suas intenções. Nem sequer sabia
qual a missão de que Catamount estava encarregado...
Nunca Joe se tinha sentido perseguido por tão cruéis remorsos. E as maiores alucinações cruzavam-lhe o espírito. Há quanto tempo estaria ali? Há já muitas horas
pela certa, e esse espaço de tempo tinha bastado para fazer atrair o ranger ao vespeiro. Nesse momento mesmo, Catamount podia estar morto... Morto por sua culpa...
- Meu Deus! Não é possível. Não pode ser Seria horrível de mais. Ele, de quem eu gosto tanto... Traído por mim, talvez assassinado.
O prisioneiro revoltava-se contra essa possibilidade. Repetidas vezes tentou desfazer os nós que o seguravam, mas estes resistiam a todos os esforços. Os pulsos
cortados pelo vaivém da corda faziam-no sofrer cruelmente.
- Socorro!... Libertem-me gritou ele desesperadamente.
Um silêncio tumular sucedeu aos seus gritos. O suor escorria abundantemente ao longo do rosto do desgraçado e o seu coração batia precipitadamente. Teve então a
impressão de se encontrar murado vivo, no fundo de uma sepultura. Na ignorância em que se encontrava do local para onde o tinham levado, as suas torturas morais
afirmavam-se superiores às torturas físicas...
- Não posso ficar assim, gemeu o infortunado. É preciso agir, saber... salvá-lo...
No entanto, o rapaz, reflectindo, compreendeu que se encontrava rodeado de inimigos. Certamente, tinham sido tomadas as mais severas precauções para o vigiar. Mas
por que se teriam servido dele? Quais seriam as intenções de Simon Luke? Teria ele interesse em que o inquérito começado pelo ranger não se completasse?
Durante um grande momento, Joe, ficou assim indeciso, enfurecido pela sua impotência e pela ingenuidade de que tinha dado provas. Para um rapaz que queria vir a ser um ranger, e que ardia em desejos de seguir as pisadas de Catamount, não tinha muito de que se gabar. Não sem remorsos, o prisioneiro, imaginava as reprimendas
que receberia quando se encontrasse em presença do homem dos olhos claros.
Mas tornaria ele a encontrá-lo? Não teria o ranger sucumbido enquanto o seu protegido se propunha estes problemas? Esta simples ideia punha o infortunado num estado
de desespero horrível. Finalmente a sua agitação desapareceu. Recordou os conselhos que em tempos lhe dera o homem dos olhos claros. Em todas as circunstâncias,
por mais desesperadas que elas parecessem, não se devia perder o sangue-frio. Era o único meio de lutar vitoriosamente com as grandes dificuldades.
- Vejamos, murmurou o rapaz decidido a interromper os seus gritos inúteis. Que faria ele se se encontrasse no meu lugar?...
Joe pensava no ranger que sempre tomava para modelo, afastando qualquer desfalecimento e dominando a lancinante dor de cabeça que sentia.
- Desconheço absolutamente onde me encontro e quem são os meus inimigos... O único meio de o saber é evadir-me...
Evadir-se! Aí estava uma coisa pouco fácil, tanto mais que não avistava a mais pequena abertura. Mas abandonando a sua precedente atitude de fúria, decidiu-se a
empregar outro método. Em vez de se estorcer e debater, não seria mais útil tentar deslocar-se? Executando um movimento de reptação, podia afastar-se a pouco e pouco
do cobertor onde o tinham estendido e talvez encontrasse
um objecto onde pudesse desgastar as cordas que o prendiam.
Imobilizou-se durante um momento para recuperar as forças. À sua volta, o silêncio continuava. Parecia que o tinham abandonado à sua sorte. E aquela calma sinistra,
que pouco antes tanto incomodava o prisioneiro, parecia-lhe agora mais apreciável. Começou então a executar uma série de movimentos infinitamente complicados, torcendo-se
como um réptil, com o rosto crispado pelo esforço. Depressa se afastou do cobertor, e imediatamente se sentiu penetrado pelo frio húmido que ressumava do solo de
terra batida.
Os esforços sobre-humanos que desenvolvia tiveram o seu prémio. Sentiu-se bater num corpo duro e, encostando a cara ao objecto, notou um aro de ferro solidamente
apoiado sobre madeira,
Um tonel! disse ele, estou numa cave.
Com o rosto coberto de suor, esgotado pelo esforço despendido, endireitou-se contra o tonel, para tentar cortar as cordas que o prendiam. De súbito, parou de ouvido
à escuta. Um ruido de passos soava por cima da sua cabeça...
- Maldição! Vem gente...
Com efeito, alguém caminhava no andar de cima... Os passos soaram durante uns momentos e depois pararam. Sentiu-se um estalido, um ranger e um rectângulo luminoso
apareceu no tecto da prisão. Alguém acabava de abrir um alçapão.
- Tarde de mais, pensou Joe que via fugir toda a esperança de evasão... Está tudo perdido.
O busto dum desconhecido apareceu no quadro luminoso.
- Eh! rapaz, ainda estás a dormir?
O recém-chegado inclinou-se brandindo uma lâmpada na mão direita.
- "Damn"! Parece que mudou de lugar.
O homem resmungava e Joe que esperava imóvel, pôde ver uma escada que descia até ao fundo do reduto.
Mas já o desconhecido descia, fazendo estalar os degraus. Em menos de dois segundos chegou junto do prisioneiro. Pousando a lanterna em cima do tonel, fitou-o com
um sorriso irónico:
- "By Jove"! disse ele. Com que então querendo escaparse. Um minuto, "my boy". Quando se confiou alguém à guarda de Dave Crockwel, pode-se ter a certeza que não
escapará. Para começar voute ensinar a ficar quieto.
O homem apresentava-se formidável, e a sua sombra desmesuradamente engrandecida, projectava-se na parede por trás dele. Um gancho de ferro saía-lhe da manga esquerda,
substituindo a mão que em tempos lhe fora amputada. Os ombros largos, um pescoço de touro, Dave Crockwell era solidamente constituído. Os seus pequenos olhos de
cor indecisa estavam raiados de sangue, e pelo seu bafo pestilento era fácil concluir que se tratava dum devoto do deus Baco. Naquele momento mesmo, parecia um pouco
excitado...
Quando terminava estas observações, o prisioneiro não pôde reprimir um grito de dor. Com efeito, o seu carcereiro acabava de lhe dar um pontapé numa canela.
- Bruto! Cobarde! exclamou o rapaz furioso...
- Fazes melhor em estar calado, "my boy"! Senão...
Com um gesto ameaçador, Dave Crockwell fez compreender ao seu infeliz interlocutor qual a sorte que lhe destinava no caso de ele continuar os seus protestos.
Joe teve pois que se resignar a não dizer nada,
desesperado, sustentando o olhar ameaçador do miserável. Este último, olhou-o ainda durante uns instantes, e depois, com um irónico encolher de ombros afastou-se
pegando em duas garrafas e voltando para junto da escada.
- Farás bem em não te mexer. Se tentas fugir, uma bala corre mais que tu! E não hesitarei em te abater como a um cão danado.
Com o seu gancho de ferro, o bruto, apontou para o cinturão, donde pendiam dois impressionantes revólveres. O rapaz não deu mais palavra. Tinha compreendido que
o miserável perdera o controle.
- Daqui a um bocado, trar-teão qualquer coisa para comer! Até lá, muito juizinho...
Foram as últimas palavras que Dave Crockwell dirigiu ao prisioneiro. Metendo as duas garrafas debaixo do braço direito e segurando-se aos degraus da escada com o
gancho de ferro, depressa saiu da cave, fechando o alçapão com estrondo. Poucos segundos depois já se lhe não ouviam os passos.
Joe esperou ainda uns momentos antes de se mover. Embora a perna lhe doesse muito, evocava a curta cena que tinha presenciado:
- Se ele se embebedasse? pensou. Com efeito é muito provável que beba as duas garrafas.
Deslocou-se cuidadosamente, fugindo à incómoda posição em que se encontrava. Prestava a maior atenção aos ruídos do exterior e, depressa ouviu uma voz de homem,
cantando bastante longe dali. Devia ser Crockwell que bebia, manifestando ruidosamente a sua satisfação.
Se eu pudesse desfazer estes nós! murmurou o prisioneiro.
O curto espaço de tempo que o bandido passara na cave, chegara a Joe para conhecer a disposição
do terreno. Sabia que não tinha mais de quatro passos a percorrer para alcançar a base da escada. Uma vez aí, depois de se desembaraçar dos seus entraves, talvez
se pudesse levantar e por sua vez alcançar o alçapão sem ser pressentido.
No entanto, esta tentativa exigia um certo tempo e o rapaz ainda tinha nos ouvidos as ameaças de morte que lhe dirigira o seu carcereiro... Mas Joe também se lembrava
de Catamount. Pensou que a vida do ranger se encontrava nas suas mãos. Tinha que agir, ainda que sucumbisse no desempenho da sua missão. Devia isso ao seu grande
amigo, a quem acabava de prejudicar tanto.
Mais uma vez, o prisioneiro, se pôs a rastejar. Demorou algum tempo para atingir o seu objectivo Logo que o alcançou, endireitou-se com grande esforço, encostando-se
aos degraus. Durante uns minutos descansou... Os membros, amarrados numa posição forçada, faziam-nos sofrer horrivelmente. Como esperava, as arestas da escada de
ferro eram bastante cortantes, de modo que recomeçou o movimento de vaivém que antes tinha tentado para cortar os seus entraves.
Durante quanto tempo o infeliz se esforçou assim? O suor escorria-lhe pelo rosto, os pulsos, cortados pelas arestas da escada, nem os sentia, mas a corda que o prendia
ia cedendo pouco a pouco.
O silêncio exterior encorajava o prisioneiro. A cantoria tinha cessado e já esperava poder de sembaraçar-se da vigilância de Dave Crockwell, quando ouviu um ruído
de passos.
Maldição... rugiu Joe.
Os passos aproximavam-se do alçapão. O rapaz notou que não eram os mesmos passos pesados de há pouco. Era quase um deslizar furtivo.
- Dir-se-ia que não é a mesma pessoa...
Mas já o alçapão rangia ligeiramente, indicando ao prisioneiro que o iam abrir. Quis afastarse, mas o movimento brusco que fez para isso, fê-lo desequilibrar e cair
estatelado. Logo em seguida o rectângulo luminoso do alçapão desenhouse nas trevas. Um rosto surgiu, iluminado por uma lanterna.
Joe julgou que sonhava. Não era o rosto brutal de Crockwell que lhe aparecia, mas o de uma rapariguita, magra e pálida, que se debruçava, procurando o prisioneiro,
que depressa avistou caído ao pé da escada...
O rapaz não se movia, não sabendo o que pensar desta segunda visita, ainda mais surpreendente que a primeira.
- Não tenhas medo! Sou uma amiga! disse a estranha aparição.
Uma amiga! Instantaneamente o rosto do prisioneiro se iluminou. No meio da atroz incerteza em que se debatia, aquelas palavras constituíam um encorajamento. A desconhecida
apiedava-se da sua sorte. Iria pois conhecer a verdade, e talvez sair da ratoeira, onde tão desastradamente fora cair.
Mas já a rapariga descia a escada, deitando em redor um olhar medroso, como se temesse ser descoberta...
X
Sybi
A recém-chegada trazia a mesma lanterna que pouco antes tinha servido a Dave Crockwell. Joe constatou que a sua visita estava pobremente vestida, descalça, com um
avental aos quadrados azuis e brancos, remendado em vários pontos. O seu rosto pálido exprimia tristeza e melancolia, mas o que mais impressionou o rapaz foram os
magníficos olhos azuis da rapariga.
- Chamo-me Sybil, disse ela, e venho para te libertar.
Joe não se moveu, mas Sybil, tirando da algibeira do avental uma faca de cozinha, acrescentou:
- Dá-me os teus pulsos!...
O rapaz apressou-se a obedecer e num instante sentiu as mãos livres Mal começava a distender os braços adormecidos já ela começava a cortar-lhe as cordas que lhe
prendiam os tornozelos.
- Obrigado... Salvas-me a vida! E Crockwell? A rapariguita tinha guardado a faca e estendia
a mão ao seu protegido para o ajudar a levantarse.
- E Crockwell?... insistiu Joe.
- Dorme, respondeu Sybil. Está a cozer a bebedeira. Fòi por isso que me decidi a agir.
- Estou-te infinitamente reconhecido...
O rapaz ia prosseguir a sua frase mas a rapariga calou-o com um gesto.
- É inútil agradecer. Fiz isto tanto por ti como por mim.
E como Joe a olhasse profundamente admirado, ela precisou:
- Tu vais fugir, mas vais-me levar contigo... Para longe dele.
Uma expressão de nojo desenhava-se no rosto magro de Sybil. No entanto, não deu qualquer explicação ao seu protegido. Indicando-lhe a escada, disse simplesmente:
- Segue-me. Crockwell, não é para temer durante algumas horas. Mas os outros poderiam voltar e, contra eles, nada poderíamos.
Rapidamente, Sybil subiu as escadas, inspeccionou os arredores e, estendendo uma mão ao prisioneiro ajudou-o a subir por sua vez. Joe pôde então verificar que acabava
de entrar numa espécie de armazém. Caixotes, sacas de aveia e pacotes de toda a espécie, encontravam-se ali arrumados, molhos de espigas de milho e de cebolas, pendiam
das traves do tecto...
A rapariga fechou o alçapão e, arrastando de novo o protegido de Catamount, conduziuo para uma porta que comunicava com a divisão seguinte. Um candeeiro de petróleo
iluminava o recinto, e Joe avistou um vulto caído perto duma mesa. Duas garrafas vazias ladeavam um copo meio cheio. Um ressonar sonoro soava no compartimento onde
flutuava um forte cheiro a vinho. Compreendeu que se tratava de Dave Crockwell. O miserável dormia, com o rosto apoiado na mesa, deixando pender o gancho de ferro...
- Tem até amanhã, murmurou ele à sua companheira de acaso que se inclinava nesse momento para o dorminhoco, olhando-o com uma profunda expressão de desprezo.
- Sem dúvida... E não sei o que me impede
de dar cabo dele neste momento. É o último dos miseráveis.
Sybil olhava os "Colts" que pendiam do cinto do bandido. Durante uns momentos teve a ideia de pegar numa das armas e de lhe queimar os miolos, no entanto reagiu
rapidamente e dirigiu-se ao rapaz:
- Nunca poderás supor o que este bandido me fez sofrer. Há já muito tempo que pensava em me escapar. Quando te trouxeram ontem...
- Quem me trouxe? interrompeu o rapaz que tinha pressa em se informar sobre esse ponto importante.
- Um diabo que se chama Simon Luke. Trazia-te ao colo, e recomendou especialmente a Dave Crockwell que te vigiasse bem.
O miserável, exclamou surdamente o rapaz, cujos punhos se cerraram raivosamente.
Com Dave Crockwell em jejum, não poderias esperar escapar-te, continuou a rapariga. Mas felizmente ele gosta de vinho, e julguei que teria ocasião de fugir, salvando-te.
Sozinha tinha medo, compreendes. E estou convencida que és valente...
- Agradeço-te a confiança, Sybil! disse o protegido de Catamount sem poder ocultar um sorriso...
- Por amor de Deus, despacha-te! Não temos tempo para conversas. Teremos que estar longe, quando Simon Luke e os seus acólitos regressarem. E isso pode acontecer
dum momento para outro.
- Então queres partir imediatamente?
- Primeiro tira-lhe as armas. Teremos necessidade delas mais tarde ou mais cedo. Há pouco, quando ele adormeceu, preparei um saco com provisões...
Sybil, indicava um saco de lona a um canto, copiosamente recheado. Joe não pôde deixar de objectar:
- Queres que carregue com um peso daqueles?...
- Temos "Dick" na cavalariça, o cavalo de Dave! Levamo-lo.
- Assim está bem! Com "Dick" é mais fácil.
Joe sentia-se esfalfado, mas o seu desejo de se evadir para socorrer Catamount era tão forte, que se apressou em secundar a sua providencial aliada. Enquanto Dave
continuava a ressonar, os dois recentes amigos prosseguiram activamente nos seus preparativos. Guiado por Sybil, o rapaz concluiu que a casa em que se encontrava
era uma edificação de um só andar que servia de armazém à gente do "Estrela 98", quando se dirigiam a feiras de gado.
Não se demorou a visitar de cima a baixo o refúgio, dirigindo-se rapidamente para a cavalariça. Dick" relinchou de prazer ao avistar Sybil. Selar o animal, foi obra
de um momento. Depois de ter solidamente fixado o saco de provisões à sela, Joe tomou a rapariga na garupa e, rapidamente, afastou-se da habitação, onde Dave Crockwell
continuava profundamente adormecido.
Estava uma noite de luar, o que facilitava a orientação. Como Joe não conhecesse a região, Sybil dava-lhe as indicações necessárias. Indicando ao companheiro o rio
que brilhava através da planície, disse:
- É preciso seguir pela margem até ao ponto que eu te indicar.
Docilmente, Joe, obedeceu. O antigo cavaleiro de circo, alegrava-se de se sentir de novo na sela Apesar das desventuras que lhe tinham sucedido desde que fugira
de Del Rio, sentia-se feliz por se encontrar livre, e respirava a plenos pulmões a brisa nocturna.
Enquanto cavalgava, sentia as mãos da companheira crispadas nos ombros.
- Meu Deus, ouviua dizer. Montas admiravelmente bem!
- Não é para espantar! Já fui cavaleiro num circo.
- Num circo?... Como isso deve ser bom. Vêem-se tantas maravilhas num circo... dizem...
- Dizem?... objectou Joe. Então nunca foste a um circo?
Podê-lo-ia fazer com Dave? Era um homem muito mau, que fez morrer a minha mãe de desgosto. Maltratava-me constantemente e proibia-me de sair.
O rapaz não pôde deixar de perguntar:
- Por que vivias tu com aquele homem? Que te era ele? Um parente, um tio?
- Era o marido da minha mãe.
- Então era o teu pai!
- Deus do Céu! Não! Não era o meu pai...
A rapariguita tinha protestado com tanta indignação, que Joe pôde ver bem a aversão profunda que ela tinha pelo homem do gancho de ferro. E antes mesmo que o seu
companheiro pudesse pedir mais alguma explicação, Sybil continuou:
- O meu pai morreu com febres, era eu muito pequena. A minha mãe ficou sozinha comigo. Então Dave apareceu. Um acidente tinha-o feito perder a mão, quando era correio
no Oeste, Pediu a minha mãe para casar com ele. A mãe aceitou. Ele, então, era amável; mas a sua atitude mudou depressa. E, poucos meses depois do casamento, a vida
tinha-se tornado um inferno.
A minha mãe morreu num dia de Natal. Triste Natal o desse ano. Dave estava ausente. Quando regressou, vinha perdido de bêbedo e pronunciava
palavras sem nexo. Bateu-me brutalmente, ali perto do corpo da minha pobre mãe, não respeitando sequer o meu desgosto. E depois disso a existência tornou-se terrível
para mim.
- - Parece-me bem que te podias queixar aos vizinhos. Eles ter-te-iam protegido e teriam metido na ordem aquele bruto ignóbil...
- Os vizinhos! murmurou a rapariga com um suspiro, que se pode esperar deles, sobretudo quando se está à mercê de Bart Morgins e do seu bando. Aqueles homens são
os piores bandidos que imaginar se pode. Se alguma vez a justiça soubesse tudo o que eu sei, se desconfiasse dos horrorosos detalhes que o meu padrasto conta cada
vez que está com o vinho!
- Era preciso fugir...
- Tenteio várias vezes, mas Dave apanhou-me sempre e chicoteou-me brutalmente. Hei-de mostrar-te mais tarde as cicatrizes que tenho nos ombros e nas costas.
- Miserável!... exclamou Joe arrepiado com os detalhes que lhe dava a sua companheira.
Mas ela prosseguiu:
- Esperei pacientemente que a ocasião se apresentasse. Trouxeram-te e fecharam-te na cave. Como Dave ficasse só comigo, pensei que se se embriagasse como de costume
eu poderia ir ter contigo. Agindo deste modo, não me animava só o desejo de te prestar um serviço, mas também a impaciência de fugir. Apesar de não seres um homem...
- Como?... Eu não sou um homem?... protestou Joe zangado.
- Evidentemente que não. Ainda não tens bigode. Mas tenho confiança em ti. Dir-se-ia que
perto de ti não tenho mais nada a temer da parte de Dave e dos outros.
- És muito amável!...
Joe sentia-se envaidecido com estas últimas palavras. A rapariga prosseguiu:
- Bem vês, eu prefiro morrer a tornar a cair entre as suas mãos. A minha vida era atroz. Constantemente vigiada, constantemente brutalizada. Se não tivesse confiança
em Deus e se não tivesse piedosamente conservado a recordação de minha mãe já há muito tempo que me teria atirado ao rio.
- Podes estar tranquila agora, afirmou Joe com força. Farei todo o possível por te defender.
- Tenho confiança em ti...
- Então somos amigos...
- Mas apesar disso temos que fugir. Ir para o mais longe que pudermos.
A rapariga insistia, a pressão das suas mãos fazia-se mais forte. Joe ia sossegá-la quando de repente se lembrou de Catamount, e teve consciência de que ia cometer
uma cobardia abandonando a região.
- Levar-te-ei a um lugar seguro, declarou ele à companheira, mas não me posso afastar daqui.
- Porquê? Se eles te apanham não te perdoam.
- Sem dúvida, mas atacaram o homem que me serve de pai.
- Como? O homem de que se falava ontem?...
Sybil não pôde acabar a frase. Joe interrompeu-a Vivamente:
- Sabes alguma coisa?
- Isso depende...
- O meu amigo chama-sse Catamount
- Catamount? Sim! Foi esse nome mesmo que eles pronunciaram.
- Então temos que agir. Não o mataram ao menos?
- Não o creio, murmurou a pequena. Falavam simplesmente dele.
Mas quem falava de Catamount?
- Dave e o homem que te trouxe, Simon Luke.
- Simon Luke...
Joe esqueceu a sua situação e o perigo que corria. As circunstâncias lançavam-no de novo em pleno drama, e a vontade de prestar socorro ao seu protector sobrelevou
no seu espírito qualquer outra consideração.
- Ouve Sybil, declarou ele. É absolutamente necessário que me dês umas informações. Indica-me o local mais próximo onde possamos conversar em segurança.
- O local mais próximo? balbuciou a rapariga. Mas ainda durante muitas milhas estaremos no "Estrela 98"...
- E isso que importa. Não posso deixar Catamount nas mãos desses bandidos, ainda que eles o tenham morto. Se queres fugir, parte com "Dick". Já nos afastámos suficientemente.
Irás a Del Rio e pedirás para falar com o Major Morley. Explicarlhe-ás a situação.
- Não te deixarei, retorquiu a rapariga. Prefiro ficar contigo.
- Mesmo se houvesse um grande perigo?
- Mesmo se houvesse um grande perigo! Não tenho medo. De resto, que mal me faria a morte? Julgo-a preferível a continuar a vida odiosa que levava com Dave Crockwell.
- Escuta Sybil, disseste-me há pouco coisas da maior gravidade sobre o teu padrasto e sobre os homens de Bart Morgins que o visitam. Preciso
interrogar-te. É indispensável para isso que paremos um pouco.
- Nessas condições, vamos para "James Crevice".
- "James Crevice"?
- É uma gruta que se abre na falésia, a pequena distância do vale. Chamam-lhe assim, porque há alguns anos, descobriram lá o esqueleto dum pesquisador de ouro chamado
James. Depois disso, afastam-se de lá supersticiosamente.
- Mais uma razão para nos refugiarmos lá. Ninguém pensará em nos ir incomodar ali.
- É muito difícil o acesso a "James Crevice"! A muralha sobe quase a pique e é preciso saber servir-se duma corda.
- Não temos nós um "lasso" enrolado na sela de "Dick"? retorquiu o protegido de Catamount. Isso basta. Longe de importunos, podemos combinar sossegadamente a atitude
que convém tomar de futuro.
Sybil, apressou-se a dar ao companheiro todas as indicações necessárias para alcançar a caverna em questão. Ao fim de pouco tempo, abandonaram o vale por onde seguiam,
para se meterem por uma apertada garganta. Como o luar não penetrasse na fenda, e no solo se acumulassem pedras arrastadas pela torrente que ali corria durante as
chuvas, Joe teve que travar o passo da montada, e mais duma vez que a segurar com mão firme para evitar que ela caísse.
Finalmente, a rapariga, avisou o companheiro:
- Atenção! É ali!...
Joe parou o cavalo. Levantando a cabeça, notou a caverna, que se abria na falésia lisa, onde raras asperezas se destacavam.
- Evidentemente que nos temos que servir do
"lasso", murmurou ele olhando a entrada da caverna.
Calculou rapidamente com a vista, a distância que o separava de "James Crevice". Sybil, que se encontrava junto dele, declarou apontando uma ponta de rocha, junto
da gruta:
Parece-me que se lançares o "lasso", tens ali um ponto de apoio suficiente.
- Vou tentar...
Joe desmontou rapidamente, e apressou-se a pegar no "lasso" que pendia da sela. A pouca largura do corredor dificultava-se os movimentos, pelo que teve que fazer
várias tentativas antes de prender a corda na ponta que visava. Finalmente, o nó corredio, enrolou-se no ponto de apoio. Sybil soltou um grito de alegria.
O protegido de Catamount, suspendeu-se na corda, para se assegurar da solidez do ponto de apoio. Depois, virando-se para a companheira, disse:
- Escuta-me, Sybil. Vou subir até lá cima. Depois içarei as provisões. No fim virás tu ter comigo. Tem coragem que eu ajudo-te o melhor que puder.
- Mas "Dick"? objectou a rapariga. Que faremos dele?
- Evidentemente que o não podemos içar também, disse Joe sorrindo. Deixemo-lo por estas paragens.
- A sua presença pode fazer com que nos descubram!
- Não tão cedo. De resto, vamos ter necessidade dele dentro de pouco tempo.
E sem se demorar mais a discutir, Joe começou a subir a falésia, apoiando os pés na muralha e içando-se a pulso. Depressa alcançou a entrada da
gruta, enquanto Sybil, junto do cavalo, não perdia de vista a silhueta imprecisa do companheiro.
XI
A decisão de Joe
Chegado à entrada da caverna, Joe içou-se rapidamente, fazendo cair algumas pedras, mas alcançando facilmente a entrada. Uma simples inspecção permitiu-lhe verificar
que a gruta era suficiente para o abrigar e à sua companheira. Debruçando-se então, chamou Sybil:
- As provisões, disse ele. Depressa!...
A rapariga amarrou solidamente o saco das provisões ao "lasso" que se balançava a poucos passos dela. Um minuto depois, Joe, alava o pesado fardo e introduzia-o
no abrigo.
- Agora tu! gritou ele à companheira.
Sybil subiu, embora com menos agilidade que o rapaz, mas logo que alcançou a entrada da gruta, este debruçou-se e ajudou-a a instalar-se ao seu lado.
- O refúgio é seguro, pode mesmo resistir-se a um cerco. Há um pequeno riacho que corre ao fundo.
- "E agora falemos seriamente. É preciso que me digas exactamente tudo o que sabes a respeito de Catamount e dos que o atacaram, em especial de Bart Morgins.
Estafado ainda com o esforço despendido, o rapaz pensava já em socorrer o ranger. Imaginava
que cada momento perdido podia ser fatal para Catamount.
Bart Morgins é um homem poderoso, objectou Sybil. Dispõe de protecções altamente colocadas.
- É possível!... Mas pensas que ele tem a consciência tranquila ?
- É o último dos tratantes!...
- E Simon Luke, é o seu braço direito?...
Ante a afirmação da rapariga, o protegido de Catamount prosseguiu:
- Dizme antes de mais nada, o que sabes acerca de Catamount.
Sybil pensou durante uns momentos, para acertar as suas recordações, depois declarou:
- Foi quando Simon Luke te levou para casa de Dave, que eu ouvi pronunciar o nome de Catamount. Estava no meu quarto e o meu padrasto limpava os revólveres, quando
bateram violentamente à porta. As pancadas repetidas acordaram-me em sobressalto e prestei atenção ao que se passava...
- O visitante era Simon Luke?
- Exactamente. Espreitando pelas fendas do tabique, pude ver que o "cow-boy" trazia um fardo pesado, com forma humana.
- Era eu, naturalmente?
- Eras tu, com efeito, e pude reparar também que estavas sem sentidos.
- O bandido tinha-me dado uma pancada terrível na nuca, resmungou o rapaz, esfregando a cabeça, ainda dorida.
Sybil continuou:
- Dave, queria interrogar Simon Luke e oferecer-lhe de beber; mas o "cow-boy" recusou e eis mais ou menos o que ele explicou ao meu padrasto:
"trago-te um garoto para guardar. É um pouco incómodo, mas o seu concurso foinos indispensável para ajustar as contas com um tipo que se nos anda a meter nas pernas
e que se chama Catamount...
- "God Almighty!... Era bem o que eu pensava! exclamou Joe surdamente.
As apreensões do rapaz precisavam-se. Compreendia agora a manobra dos bandidos para se apoderarem do homem dos olhos claros. A carta que tinha escrito, quando ainda
se encontrava atordoado pela fuga da escola "Abraham Lincoln", servira para atrair o ranger a uma emboscada odiosa.
- Continua, por favor, disse ele inclinando-se para a sua interlocutora. Simon Luke disse em que condições exactas foi Catamount apanhado?
- Catamount ainda não tinha sido capturado nesse momento, precisou Sybil. A emboscada devia efectuarse ao cair da noite!...
- Ao cair da noite? Mas então, há apenas algumas horas...
Joe calculava ter estado inconsciente durante um espaço de tempo bastante longo, pois as contracções que sentia no estômago, demonstravam-lhe que o seu apetite se
aguçava extraordinariamente.
-Sim! Foi há poucas horas, mas agora já é tarde para intervir. São pelo menos duas da manhã.
- Duas da manhã!... Não estou com sorte.
O protegido de Catamount cerrou raivosamente os punhos, mas depressa compreendeu que não lhe servia de nada lastimar-se.
- Pois se prenderam Catamount tenho que o libertar. Desde que o não tenham assassinado!!!
- Não o creio, disse Sybil. Ouvi Simon Luke
declarar que o "boss" tinha ordenado que o apanhassem vivo.
- O "boss" é Bart Morgins?
A rapariga respondeu afirmativamente e o rapaz prosseguiu:
- O que eu queria saber ao certo, é em que ponto foi Catamount atacado.
- Creio que falaram num encontro em "Buzzard Creek".
- "Buzzard Creek", é verdade. Lembro-me de ter escrito isso. Quando penso que por minha culpa, Catamount caiu nas mãos dos seus piores inimigos...
Joe compreendia agora qual o género de inquérito que o ranger tinha encetado na região de "Middle Concho". Era a Morgins que ele esperava desmascarar. No entanto,
uma pergunta surgiu no seu espírito:
- Como é que esses bandidos conheciam as relações que havia entre mim e Catamount? Por que razão se encontrava Simon Luke em Del Rio, e mesmo ao pé da escola, no
momento em que eu me preparava para fugir de lá?
O rapaz não tinha, de facto, reparado na apertada vigilância de que o seu protector tinha sido alvo. Ignorava que Simon Luke tinha seguido todos os seus passos,
e tinha ouvido grande parte do que ele dissera, quando da visita à escola "Abraham Lincoln".
Mas que importava o passado? O que importava era o presente. Era preciso agir e, como a providência tinha permitido que encontrasse em Sybil uma preciosa aliada,
ia fazer os possíveis para retomar o comando dos acontecimentos e libertar Catamount...
- Diz-me Sybil, disse ele depois de ter pensado
uns momentos. Sabes exactamente onde fica Buzzard Creek"?
- Evidentemente que sei, respondeu a rapariga.
- É muito longe daqui?
- Cinco milhas, quando muito!...
- Cinco milhas?... Mas estás certamente muito cansada pela cavalgada que acabamos de fazer.
- Nem por isso. No entanto tu...
- Que importa eu, quando se trata da vida de Catamount, respondeu fogosamente o rapaz. Vamos comer qualquer coisa para retomar forças, e depois vaisme conduzir a
"Buzzard Creek".
- E depois?
- Depois veremos! Se precisar da tua ajuda, levarte-ei comigo. Senão, voltarás para "James Crevice".
Os dois fugitivos atacaram o saco das provisões. Comeram com bom apetite, e entre duas dentadas, o rapaz ainda procurou conhecer detalhes da nefasta actividade do
bando de Bart Morgins. Sybil esforçava-se por reunir as suas recordações e por descrever certos episódios que tinha testemunhado.
- Bart Morgins vinha muitas vezes ver o teu padrasto?
- De tempos a tempos. Dave Crockwell tinha um serviço muito especial no "Estrela 98". Estava encarregado de desembaraçar o território do rancho de "coyotes e de
outros animais daninhos que o infestavam Muitas vezes, os vitelos eram roubados por esses animais. Todos os dias, armado com a sua carabina, o meu padrasto partia
montado em "Dick", mas estou convencida que a sua actividade não se limitava a isso. Mais que uma vez, vi-o partir munido de instrumentos que nunca pude saber o
que eram
- Instrumentos?...
- Não posso dizer do que se trata. Durante um tempo, pensei que se tratasse de lanças.
- Lanças? interrompeu Joe divertido. Já não estamos no tempo dos índios. E não estou a ver como Dave podia utilizar essas armas para destruir os "coyotes".
- Por vezes, Morgins, vinha visitar o meu padrasto. Passavam muito tempo fechados sozinhos, e arraniavam-sesempre para que eu estivesse longe nessa altura.
Não tinhas maneira de ouvir o que eles diziam?...
- Impossível! Se me apanhassem matavam-me! E de resto tinha muito medo...
- Escuta-me, Sybil! Desejas do coração que Dave seja castigado e que os outros sejam desmascarados?
- O dia em que esses miseráveis forem apanhados, será o mais feliz da minha vida.
- Nessas condições, conduziremos o inquérito juntos!...
- O inquérito?...
- Evidentemente! Vamos proceder como Catamount, e enquanto envidamos os nossos esforços para descobrir o ranger, tentaremos descobrir os segredos e as intenções
de Morgins e da sua gente. Se falharmos nas nossas investigações, sempre teremos a alternativa de prevenir o Major Morley. E isso permitir-nos-á vingar Catamount
se por acaso o mataram...
Joe cerrava raivosamente os punhos enquanto pronunciava estas palavras. Revoltava-o a simples ideia que o seu protector podia ter sido vítima da armadilha, mas reagiu
depressa. Catamount não era daqueles que se assassinam assim, facilmente. Por
mais dramática que fosse a situação, o rapaz conservava a confiança. Por mais que uma vez, o ranger, tinha-lhe contado as suas perigosas aventuras. Quantas vezes
não tinha ele saído vitorioso de situações pelo menos tão perigosas como aquela, batendo adversários bem mais poderosos que Bart Morgins...
- Vês tu Sybil! Havemos de o salvar. É preciso. É um homem extraordinário.
Enquanto acabava o seu frugal repasto, o rapaz descreveu à rapariga as razões da sua esperança.
- Primeiro, declarou ele, Morgins e Simon Luke ainda ignoram que eu me encontro em liberdade; segundo, não pensam que estou ao par das suas maquinações; terceiro,
desconhecem também que acabo de saber detalhes ainda mais precisos que os que Catamount possa ter descoberto. Vais-te tornar uma auxiliar preciosa para mim. Os dois,
faremos grandes coisas. E se por acaso o conseguirmos libertar, não temos mais nada a temer no mundo...
O rosto de Joe iluminava-se ao pronunciar estas palavras; no entanto, Sybil, sentia-se infinitamente menos optimista, em primeiro lugar, porque ignorava quem fosse
Catamount, em segundo porque sabia muito bem quem eram Bart Morgins e a sua gente.
O rapaz, um pouco surpreendido pela hesitação da sua companheira, perguntou:
- Ora dizme! Terás tu medo?
- Medo, eu? Certamente que não! Se se apresentasse ocasião, demonstrar-te-ia o desprezo que tenho pelo perigo.
- Pois bem! Temos conversado. Agora querem-seactos...
Beberam no pequeno riacho
- Sentes-te mais em forma? perguntou Sybil.
- Sinto-me capaz de conquistar o mundo, respondeu orgulhosamente o protegido de Catamount.
Em boa verdade, Joe, estava um pouco cansado. A forte pancada que tinha recebido na nuca ainda o fazia sofrer cruelmente, no entanto, isso não passava dum simples
detalhe diante do que pretendia alcançar.
- A caminho, para "Buzzard Creek", disse ele.
O repouso, por muito curto que tivesse sido, mostrava-se salutar para Joe. Quanto a Sybil, sentia-se sossegada pela máscula energia do companheiro que o acaso tinha
colocado no seu caminho. Quando abandonara a casa de Dave Crockwell, tinha imaginado que iriam pôr a maior distância possível entre eles e o bando de Morgins. As
circunstâncias forçando-a a permanecer na zona perigosa, submetia-se-lhes de boa vontade, conquistada em parte pela admiração que o seu companheiro tinha por Catamount.
Decidida, levantou-se, disposta a acompanhar e a guiar Joe para onde fosse preciso.
Já o rapaz se inclinava para a corda que deixara amarrada à saliência de rocha. Em poucos segundos, deixou-se escorregar para fora da zona iluminada pelo luar, até
que os seus pés encontrassem o solo. Com uma sacudidela da corda preveniu a companheira que era tempo de descer por sua vez. Ela desceu, devagar no entanto, não
estando como Joe habituada àquelas demonstrações acrobáticas. Alguns momentos mais tarde, sentiu o rapaz segurá-la por debaixo dos braços e colocá-la delicadamente
no chão.
- É preciso agora encontrar o cavalo, disse o protegido de Catamount.
O animal não andava longe, Sybil modulou um
ligeiro assobio e o bicho, desde muito familiarizado com aquele chamamento, apareceu, aproximando-se dos dois fugitivos. A rapariga segurou-o pelo bridão de modo
que Joe pôde saltar facilmente para a sela. Poucos momentos depois, Sybil, estava solidamente instalada na garupa.
- É preciso primeiro alcançar o vale, quer dizer, percorrer uma parte do trajecto que fizemos há pouco.
Dez minutos mais tarde, "Dick", com a sua dupla carga, chegava junto à margem do "creek". Imóvel, Joe, inspeccionou os arredores com desconfiança. O silêncio era
completo, apenas perturbado pelo murmúrio das águas do rio.
- É por ali! disse a rapariga estendendo a mão para a direita. Não temos mais que prosseguir.
"Dick" continuou imediatamente a marcha. Blocos de rocha apareciam a espaços regulares, o que levava o rapaz a temer uma emboscada. No entanto a calma mantinha-se,
e depressa o protegido de Catamount sentiu a mão da sua companheira apertar-lhe o ombro:
- É aqui!... murmurou ela ao seu ouvido.
- Tens a certeza?
- Absoluta.
Joe parou o cavalo, e examinou atentamente o local. Era sem dúvida a região ideal para uma emboscada, a natureza do solo evitando que qualquer pista se notasse.
Durante uns minutos o rapaz permaneceu sem dar palavra. Tinha a intuição do drama que se desenrolara ali, e o seu coração apertava-se com a ideia do perigo que ameaçava
Catamount.
- Que pena ser noite, resmungou ele. Poderíamos procurar as pistas deixadas por esses malandros.
- As pistas? retorquiu Sybil. Seria bem difícil. Ouvi Simon Luke dizer ao meu padrasto que tinham escolhido este local em virtude da sua natureza rochosa, que impede
que se descubra qualquer sinal.
- Os canalhas souberam tomar as suas precauções!...
O jovem cavaleiro imobilizou-se de súbito... "Dick" levantara a cabeça, espetando as orelhas.
- Dirse-ia que ouviu qualquer coisa, disse Sybil num sopro.
- Chut... impôs Joe.
Rapidamente, o protegido de Catamount apeou-se e, enquanto a sua companheira o olhava interdita, deitouse a todo o comprido e colou o ouvido ao solo. Svbil sentiu
uma impressão desagradável quando o viu levantarse e precipitar-se para ela.
- Atenção, soprou ele. Vem aí alguém. Acabo de ouvir os passos dum cavalo.
- Que fazer?
- Escondermo-nos o mais depressa possível atrás duma destas rochas, respondeu Joe.
O rapaz indicou um enorme rochedo que se levantava à beira do rio e, pegando em "Dick" pelo bridão, levouo para o esconderijo improvisado. Quando chegaram ao abrigo,
Joe, sacou um dos "Colts" e, imóvel, com o dedo no gatilho, esperou.
XII
Aparece "Mesquita
Passaram alguns minutos. Sybil, que comprimia o bater do seu coração, notou um martelar regular que cada vez dominava mais o murmúrio do rio.
O cavaleiro, cuja aproximação Joe tinha pressentido, parecia não ter pressa; o rapaz começava a enervarse com a sua lentidão. Sentindo-o próximo, levantou-se na
ponta dos pés e olhou na direcção em que ele avançava.
Sybil, que esperava na sombra, surpreendeu uma exclamação surda do seu companheiro.
- Meu Deus! Que se passa? perguntou ela subitamente inquieta.
- É "Mesquita"! respondeu Joe.
- "Mesquita"? perguntou a rapariga interdita.
- Sim! O cavalo de Catamount.
Sem fornecer mais explicações, Joe, precipitou-se para fora do esconderijo. Sybil, cada vez mais admirada, viu-o correr direito a um cavalo que surgia entre os rochedos.
Não havia engano possível. Era bem de "Mesquita" que se tratava. O alazão, assustado por aquela brusca aparição, deu um salto e dispunha-se a fugir, quando a voz
do rapaz se fez ouvir:
- Então? Já se não conhecem os amigos, velho camarada?
"Mesquita" parou, com as orelhas fitas, um frémito nervoso agitando-lhe as narinas, e os olhos inteligentes fixos no recém-chegado. Depressa se
desvaneceu a inquietação do nobre animal. Dando um ligeiro relincho, foi apoiar a cabeça no ombro do rapaz, esfregando-lhe as ventas húmidas no pescoço.
Durante uns momentos, Joe e o cavalo permaneceram assim, quietos, um junto do outro. Sentiam-se felizes por se encontrar, mas o rapaz recompôs-se depressa, e olhando
ansiosamente em redor perguntou:
- Onde está o teu dono? Onde está o teu dono, "Mesquita"?
O alazão pareceu mais nervoso ouvindo falar do dono.
O protegido do ranger pensou que ainda tivesse chegado a tempo e que Catamount acampasse pelas redondezas, de modo que seguido por Sybil, a quem fez conhecer o alazão,
prosseguiu as suas pesquisas nos arredores; mas depressa compreendeu que "Mesquita" se encontrava sozinho. Catamount tinha desaparecido, e tudo fazia crer que tinha
sido de facto vítima da emboscada!
- Era bem o que eu temia. Chegamos tarde de mais! exclamou tristemente Joe voltando para junto de Sybil, que o esperava segurando "Dick".
Depois, voltando-se para o alazão que agora o seguia docilmente:
- Se ele pudesse falar. Tenho a certeza que se encontrava perto quando Catamount foi assaltado. No entanto, há um detalhe que me intriga. É que esses malandros tenham
deixado "Mesquita" em liberdade, depois de prenderem o dono.
- Sem dúvida estavam com muita pressa, objectou Sybil.
Joe não respondeu. A descoberta que acabava de fazer mergulhava-o num abismo de perplexidade, embora se sentisse contente por encontrar
o seu amigo de quatro patas. Agora Sybil podia montar "Dick" enquanto ele, até nova ordem, montaria o cavalo de Catamount.
Para onde diabo teriam aqueles bandidos levado o prisioneiro?
- Para o "Estrela 98", respondeu a rapariga. Não pode haver a mais leve dúvida.
- Poder-me-ias conduzir até lá?
- Se Bart Morgins me descobrisse e me reconhecesse!...
A rapariga ia dizer qualquer coisa mais, quando se fez ouvir um novo rincho de "Mesquita".
Joe voltou-se intrigado, e notou que o alazão dava os mais evidentes sinais de agitação
- Parece-me que vem aí alguém, murmurou ele.
- Talvez seja Catamount, disse por seu turno Sybil.
O rapaz agitou a cabeça negativamente:
- Se fosse assim, "Mesquita" manifestaria alegria. Não vês então que ele está a dar sinais de desconfiança? Eu conheço-o bem, sabes? E compreendemo-nos sempre.
Joe deitou-se mais uma vez e tornou a colar o ouvido à terra, levantando-se quase a seguir.
- Vem gente. Dois cavaleiros.
- Devem vir do rancho de Morgins, disse Sybil
- Depressa, escondamo-nos! Desta vez há perigo. É necessário que não desconfiem da nossa presença.
Os dois fugitivos esconderam-se atrás do enorme rochedo, para onde "Mesquita" os seguiu. Durante alguns minutos imobilizaram-se nas trevas. Joe não se tinha enganado.
Dois cavaleiros avançavam ao longo do rio.
Os recém-chegados seguiam a um passo bastante lento. Mais que uma vez pararam, e Sybil,
que arriscava de vez em quando uma olhadela para fora do refúgio declarou:
- Estou a conhecê-los! São Simon Luke e Worker!...
- Worker?...
- Sim, um "cowpuncher" do rancho de Morgins.
Os dois fugitivos calaram-se, observando os movimentos dos dois cavaleiros. Joe reconheceu imediatamente o cavaleiro que tinha ajudado a sua evasão da escolla. Os
dois falavam com animação e depressa o que eles diziam chegou aos ouvidos do rapaz.
- Não pode andar longe, declarava Simon Luke...
Estávamos aqui perto quando o ranger chegou, retorquia o outro.
- Nessas condições, o alazão deve estar perto do rio.
Esta conversa fez compreender a Joe o que procuravam.
- Querem apanhar "Mesquita", murmurou ele ao ouvido da rapariga que aquiesceu com a cabeça.
Como Simon Luke recomeçasse a falar, calaram-se, atentos.
- Foi idiota ter esquecido o cavalo, praguejou o lugar-tenente de Bart Morgins. Pensa só que ele voltou para trás e foi apanhado por um homem de outro rancho. Não
deixarão de lhe notar na garupa a marca dos Texas-Rangers. O Major Morley será prevenido e os seus homens começarão as pesquisas.
- Desde que eu lhe digo que o animal não pode andar longe.
- E entretanto o "boss" está doido de raiva. Quando nos viu chegar sem o alazão, armou um destes concertos...
- E os concertos do "boss nunca são divertidos.
- Como se ele nunca tivesse feito asneiras. Eu no lugar dele tinha-me apressado em dar cabo do ranger. Era tão fácil fazer desaparecer o tipo sem deixar vestígios.
Querer conduzilo para o rancho, arriscando-se a comprometer tudo, não tem pés nem cabeça. Aquele diabo tem a pele dura. Enquanto o não vir morto e bem morto não
estou descansado.
Os dois cavaleiros não estavam a mais de alguns passos do refúgio dos pequenos. O rapaz tinha ouvido estas últimas palavras de modo que se encontrava simultaneamente
contente e indignado. Contente, por saber Catamount vivo. Indignado por ver a pouca importância que Simon Luke dava à vida do seu grande amigo.
Luke e Worker recomeçaram as pesquisas. Do seu esconderijo, os dois fugitivos, viram-nos afastar-se, e saltando rapidamente abaixo dos cavalos começarem a seguir
o curso do rio. Worker, passando de pedra em pedra, atravessou o rio, continuando as pesquisas na margem oposta. Depressa desapareceram da vista de Joe e de Sybil.
- Que vamos fazer? perguntou a rapariga.
- Esperar, simplesmente, retorquiu Joe. Se nos afastássemos daqui, não deixariam de nos descobrir. Enquanto eles andarem nos arredores temos que nos manter escondidos
o melhor que pudermos.
- Desde que eles não venham procurar para este lado, disse Sybil.
-Se o fizerem, tenho os argumentos necessários para os receber, declarou Joe indicando o "Colt" que ainda mantinha na mão.
E constatando que a sua companheira, tinha pousado no seu braço uma mão que tremia um pouco, acrescentou.
- Não estás com medo, imagino?
- Nem ao longe! Estou sempre pronta para arrostar um perigo.
- Ora ainda bem.
Calaram-se no entanto. Chegavam-lhes chamamentos aos ouvidos. Simon Luke, tendo-se separado do companheiro, fazia-lhe sinal para voltar.
- Atenção, aí vêm eles! murmurou Joe.
O som das vozes, indicou ao protegido de Catamount que os dois bandidos se aproximavam. Depois de inúteis investigações, voltavam com os cavalos à arreata e depressa
os fugitivos puderam compreender as suas palavras.
- Com certeza que se afastou, dizia Worker
- Desde que não o encontrem antes de nós. Que estupidez. Nunca poderei compreender como deixaram aqui o cavalo. Foi a maior das imprudências.
- Tanto mais que era um animal maravilhoso. Tê-lo-ia escolhido de boa vontade para substituir a minha pileca.
- Não és nada exigente. No entanto estou convencido que o "boss" se servia antes de ti.
- Evidentemente! São sempre os mesmos que apanham os bons bocados. Foi como o outro dia, quando se tratou da partilha dos dólares roubados em "Buitrago".
- Roubados? Exageras. Eram dólares provenientes duma venda de gado.
- Sem dúvida! Mas sabes tão bem como eu. que os "longhorns" tinham sido roubados na margem de "Middle Concho River". O "boss" não os podia conservar mais tempo dentro
dos nossos limites, sem perigo de se tornar suspeito ou mesmo de ser denunciado.
O "boss" é esperto, e possui relações suficientemente poderosas para não temer esse risco.
- Pode ser! Mas, tanto vai o cântaro à fonte que lá deixa a asa. No fim de tudo, é à nossa colaboração que ele deve a impunidade que goza. E faria mal se o esquecesse.
Worker e Simon Luke, tinham parado a uns cinco passos do refúgio dos dois fugitivos. Imóveis, retendo a respiração, os dois não perdiam palavra do que diziam os
homens.
- Toma cuidado, disse Simon Luke a quem as últimas frases do interlocutor pareciam ter impressionado mal. Tu sabes que o "boss" não brinca com aqueles que o querem
abandonar. Desde o princípio deste ano Karl Lubin, Linowski e Pattersen, pagaram com a vida a sua imprudência. Nos territórios que possui, Bart Morgins, arroga-se
o direito de vida e de morte sobre os homens da sua equipa, e nunca o "sherif" ou a polícia lhe veio meter o nariz nos negócios. O desaparecimento dos poltrões foi
explicado por diversos acidentes que nunca ninguém tentou aclarar. Não o esqueças se tens amor à vida.
E como o companheiro apenas lhe respondesse com uma espécie de grunhido, continuou:
- Já há algum tempo que noto que estás a mostrar má vontade. Foi por isso que te quis prevenir. Tem muito juizinho, que o "boss" está com olho em ti. Ainda ontem
me falou nisso.
- É possível, retorquiu Worker, mas acredita-me; tudo isto começa a cheirar mal. Temos prestado bons serviços um ao outro, Luke, pois bem, queres que te dê a minha
opinião?
- Diz!...
- Tenho muito medo que o navio em que embarcamos, vá esbarrar com um terrível escolho.
Até aqui, temos conseguido vencer todas as contrariedades. Mas parece-me surpreender na céu a nuvem anunciadora da tempestade que arrasará tudo. Então, sabes...
quando o navio está em perigo, os ratos abandonam-no.
Worker falava convictamente. Joe pôde notar que as suas palavras tinham produzido uma certa impressão em Simon Luke, e que o "cowboy" se esforçava por desfazer esse
mal-estar.
- "By Jove", disse ele. Esqueces que somos senhores da situação e que mesmo neste momento, o célebre Catamount está em nosso poder.
- Precisamente por isso. Catamount é um prisioneiro célebre de mais. Até aqui não temos procedido senão contra uns pobres diabos, que na maioria dos casos tinham
o maior interesse em esconder a sua identidade. O desaparecimento do ranger vai produzir um barulho infernal. Os camaradas dele, vão certamente lançar-se à sua procura,
e como esses rapazes não são precisamente uns imbecis, não tardarão em notar que o ranger desapareceu quando trabalhava nesta região. Daí a desconfiar que o "boss"
o fez desaparecer não vai senão um passo que, estou convencido, não demorará muito a ser dado.
- O ranger vinha-se ocupar de nós. Bem vês que não nos podíamos deixar surpreender.
- Eu sei! Mas teria sido bem melhor usar de manha. Em tudo isto tiveste um papel de primeira plana, "By Jove". Mas não é isso que vai arrumar a situação. Não te
esqueças que, além do ranger, ainda há o garoto que trouxeste de Del Rio.
- O garoto, está neste momento à guarda de Dave Crockwell.
- É possível; mas não tenho a mais leve confiança nele. A inclinação desse bruto pelo "whisky"
ainda lhe há-de pregar uma partida, mais tarde ou mais cedo. E a nós todos ainda por cima.
- "Damn", estás hoje a ver tudo negro.
- Sei prever, eis tudo, e é por isso que te previno que isto está a cheirar muito mal.
- Talvez deva prevenir o "boss". Terá que agir depressa. Catamount não nos incomodará por muita
tempo.
- Vocês não podem libertar um tipo tão perigoso. Estão a ver, o colossal disparate que fizeram? - Se eu estivesse no lugar do "boss", tê-lo-ia deixado procurar à
sua vontade, enquanto me mantinha numa reserva prudente. Quando o ranger se cansasse de passear nas nossas terras sem descobrir nada, partiria para outras paragens,
e então nós, poderíamos recomeçar sossegadamente uma actividade momentaneamente interrompida.
- No fim de tudo és capaz de ter razão, mas é tarde de mais. Já não podemos escolher, agora. Não é em plena batalha que se deve abandonar o campo.
E como Worker deixasse escapar um resmungo ininteligível, apressou-se a acrescentar:
- Naturalmente, que tudo o que dissemos fica entre nós
- Nem se fala! Tenho o costume de ser discreto.
- O desaparecimento do alazão irrita-me. Tenho a certeza que não pode ter ido para longe.
- No entanto viste tão bem como eu.
- Evidentemente! Mas não posso perder tempo, tenho que voltar ao rancho. Ficarás a procurar o cavalo sozinho.
- Perspectiva encantadora.
- Que diabo, não é um trabalho difícil. Entre nós, deixa-me dizerte: preferia mil vezes estar no
teu lugar, pois terei que me ocupar do ranger, o que se afigura um bocado mais difícil.
Este argumento pareceu convencer completa mente Worker, de modo que não protestou quando o seu companheiro saltou na sela e se afastou dizendo:
- Boa sorte, Worker.
- Boa sorte, respondeu o "cow-boy" de mau humor.
Imóvel à borda de água, segurando o cavalo pela arreata, Worker viu Simon Luke afastar-se e, quando este desapareceu, encolheu tristemente os ombros.
- É sempre a mesma coisa, resmungou ele.
Joe e Sybil, continuavam sem se mover. O protegido de Catamount tinha ouvido toda a discussão e sentia-se satisfeito por ter conhecido exactamente a situação. Sabia
mesmo mais que o próprio Catamount. Em poucas horas tinha feito grandes progressos no caminho perigoso em que se tinha metido. À incerteza que o atormentava pouco
antes, sucedia a firme resolução de continuar a luta até ao fim e de empregar todos os meios para libertar Catamount e desmascarar os seus adversários.
De momento, tratava-se de iludir a vigilância de Worker. Quando Simon Luke se afastou, este voltou-se e afagou o cavalo durante uns momentos. Deitando um olhar em
redor, resmungou.
- Onde raio se teria metido o alazão?
Abandonando a rédea, Worker, levou a mão à
cabeça, empurrou o "stetson para a testa e coçou a nuca, num gesto de pessoa embaraçada. A perspectiva de recomeçar as pesquisas, não o entusiasmava sobremaneira.
Pceparava-se para voltar para trás, quando se ouviu um ligeiro relincho.
Impacientado pela espera, "Dick", manifestava o seu nervosismo.
- Maldição, murmurou Joe, estamos descobertos.
Worker exclamou:
- "By Jove". Parece-me que o nosso alazão não está longe. E dizer-se que passamos já diante deste rochedo sem desconfiarmos de nada.
Num passo rápido, o acólito de Bart Morgins, dirigiu-se para o rochedo atrás do qual os fugitivos se tinham dissimulado. Joe e Sybil compreenderam que desta vez
iam ser infalivelmente descobertos. Imóveis, encolhidos, ouviram o ruído dos passos que se aproximavam rapidamente.
XIII
Worker muda de campo
- É extraordinário! Dirse-ia que são dois!
Worker tinha chegado junto do rochedo. Os seus olhos, habituados à escuridão, avistavam "Mesquita" e "Dick", parados a poucos passos. Surpreendido pela presença
de dois cavalos, o "cowboy" ia a aproximar-se quando deixou escapar uma praga. Um corpo duro apoiava-se-lhe no peito, à altura do coração, e uma voz ameaçadora ordenava-lhe:
- Mãos no ar, ou és um homem morto.
Joe tinha-se decidido a actuar. No momento preciso em que ia ser descoberto, o rapaz tomou a iniciativa e, debaixo do olhar aterrado de Sybil, encostou o "Colt"
ao peito do bandido que,
intimidado pelo tom ameaçador do rapaz, levantou os braços, resmungando palavras sem nexo.
A recente discussão entre os dois acólitos de Bart Morgins, tinha permitido a Joe concluir que manobrando com cuidado teria uma boa probabilidade de- vitória, não
sendo Worker um dos mais ardentes partidários de Bart Morgins, e dado o medo que mostrara dos rangers e da prisão.
O protegido de Catamount soube-se mostrar à altura do homem dos olhos claros. Antes que o seu vizinho tivesse voltado a si da surpresa, já ele dizia a Sybil:
- Depressa! Tira o cinturão a este indivíduo e desarma-o.
- Sybil? exclamou Worker. A garota do Crockwell aqui?
- Os rangers estão em casa de Crockwell, contou o rapaz, e cercam o território de Morgins. O major Morley dirige as operações, pois sabe que Catamount caiu nas vossas
mãos. Morgins e o seu bando vão ser apanhados.
- "Damn". Razão tinha eu para desconfiar! resmungou Worker, sentindo confirmarem-se as suas apreensões.
Enquanto o "cowboy" se exprimia assim, envergonhado de ser mantido em respeito por um garoto, Sybil apressava-se em desarmá-lo. Fê-lo bastante desajeitadamente,
mas Joe continuava a apoiar o "Colt" no peito do bandido, de modo que este teve o cuidado de se não mover. De resto, olhava ansiosamente em redor, esperando a cada
momento ver aparecer um ranger. Esperava com as mãos tristemente levantadas, e quando a rapariga o acabou de aliviar de tudo o que tinha nas algibeiras titubeou:
- Imagino que não me vais deixar ficar muito
tempo com as patas no ar. Com a continuação torna-se monótono.
- Vou apitar e entregar-te ao Major, respondeu simplesmente o rapaz. Ouvi o que disseste há pouco a Simon Luke. Tens a cama feita, está descansado.
- Hell". Não vais fazer isso.
Durante uns momentos, Worker, imobilizou-se tremendo, mas constatando que apenas tratava com duas crianças tentou sorrir:
- "By Jove"! Estou convencido que vocês me estão a pregar uma grande peça.
- Não temos as mais leves tenções de brincar, cortou Joe. Sou o protegido de Catamount e trabalho com os rangers que me adoptaram. O Major Morley está em Buzzard
Rock, os seus auxiliares espalharam-se pelos arredores e ao primeiro apito todo o grupo se deve reunir. São sessenta homens decididos a tudo, posso-to garantir.
- Sessenta, repetiu Worker que sentia toda a segurança abandoná-lo, tal era a convicção com que se exprimia o rapaz.
E Joe prosseguiu o mais seriamente possível.
- Como parece que duvidas, vou-to provar. Vou dar o sinal de reunião.
- Ainda não, por amor de Deus!
Um sorriso furtivo passou pelos lábios do rapaz. Compreendendo que Worker se encontrava à sua completa discrição, resolveu servir-se da situação.
- No entanto, disse ele não deixando de o ameaçar com o revólver, tu fazes parte da quadrilha. Sei que tomaste parte no caso de "Buitrago" e que não tens a consciência
tranquila.
- Quem é que te disse uma coisa dessas? resmungou Worker esquecendo a conversa que pouco antes tinha tido com Simon Luke.
- O Major está bem informado. Catamount tinha recolhido alguns elementos capitais antes de se aventurar nos territórios do "Estrela 98". Ele e o Major, sabem como
hãocle proceder a teu respeito. Mereces dez vezes que te passem ao pescoço uma gravata de corda.
Worker estava tão emocionado que nem por um instante pôs em dúvida as afirmações do rapaz.
- Vamos! Acabemos com isto! declarou o protegido de Catamount. Não quero demorar o trabalho dos outros. A operação tem que estar acabada antes do romper do dia.
Worker sentiu um suor frio correr-lhe ao longo das costas. Já se via em poder dos rangers. Os pecados que lhe pesavam na consciência podiam reservar-lhe um triste
futuro. Então, medindo o perigo que o ameaçava, tentou negociar:
- Diz-me uma coisa, rapaz, talvez nos pudéssemos pntender.
- Entendermo-nos? Que queres dizer com isso?
- Pois bem! Se eu facilitasse o vosso trabalho? Pensas que o teu chefe teria um pouco de indulgência para comigo?
- Isso é conforme!
O "cowboy" lembrava-se do aviso que lhe fizera pouco antes Simon Luke. Sabia que Bart Morgins desconfiava dele e que não hesitaria em o suprimir logo que se apresentasse
ocasião. Nas presentes circunstâncias, vendo o "ranchman irremediavelmente perdido, decidia passarse para o campo adverso com armas e bagagens.
Durante uns momentos imobilizou-se, ainda com as mãos levantadas. Joe olhavao com atenção. Não tinha ilusões sobre as dificuldades do seu trabalho. Era preciso estar
animado da maior audácia para recorrer a este estratagema. Efectivamente, o
"cowpuncher", podia dum momento para outro perceber que tudo aquilo não passava duma mentira. Mas, mais que nunca, o rapaz sentia-se disposto a continuar até ao
fim, fossem quais fossem as dificuldades da operação. A preocupação de libertar Catamount e de desmascarar Morgins, faziam-no desdenhar os maiores obstáculos, e
os seus olhos brilhavam quando pensava que podia talvez ajudar utilmente o seu amigo, e permitir-lhe levar o inquérito até ao fim.
- Não sei se devo! disse por fim fingindo-se terrivelmente embaraçado. O Major podia não gostar. O melhor seria talvez falar com ele antes de tomar uma decisão destas.
- E se eu te jurar que te ajudo, que te faço encontrar Catamount. Sei para onde o levaram.
Tche! Palavra de bandido... Afirmo-te que sou sincero. De resto, estou farto de ser tratado como um menino. Há muito que queria encontrar um meio de abandonar o
"Estrela 98". Se me prometerem que terei vida salva, não só os ajudarei a libertar o ranger, como lhes direi onde Morgins esconde os seus segredos. Até aqui tem
conseguido enganar a polícia, mas dar-lhes-ei provas esmagadoras que ele não poderá negar.
Worker tremia enquanto dizia isto. A expectativa a que o submetia Joe aterrorizava-o.
- Acabemos. Levá-losei a todos. Serei o vosso mais fiel aliado.
- Toma cuidado! Pesa bem a importância do contrato que estás a fazer. Se por acaso te lembras de nos trair, se tentas fugir-nos, não darei um tostão pela tua pele.
- Juro-te que sou sincero, "my boy".
O "cowpuncher" tinha pronunciado estas últimas
palavras com tal convicção que Joe o acreditou, de modo que precipitou os acontecimentos para que Worker lhe não pudesse fazer alguma pergunta embaraçosa.
- Já que assim é, temos que agir depressa, declarou ele. Um pequeno grupo de rangers espera na cabana de Crockwell. O miserável estava a cozer uma bebedeira tremenda
quando lá chegamos. Deixou-se prender sem opor a mais ligeira resistência.
- Não me admira isso da parte daquele bandido, troçou Worker. E a miúda veio contigo e ajudoute a apanhar-nos.
- Assim o dizes.
Joe compreendeu que com medo do castigo, o "cowpuncher o secundaria completamente, de modo que não hesitou mais.
- Não vou apitar. Simplesmente Sybil irá prevenir o chefe. Entretanto, vais-me levar ao "Estrela 98".
- Como? Iremos os dois sós?
- Sou o protegido de Catamount, repito-te. Nessas condições, quero ser o primeiro a chegar para libertar o meu amigo. Se me ajudares não terás que te arrepender.
Worker submetia-se completamente, de modo que o rapaz, acrescentou:
- Podes baixar as mãos, pois deves estar fatigado. Toma atenção, doute liberdade de movimentos conservando, claro está, as tuas armas comigo, mas previno-te que
à mais leve tentativa de fuga abato-te como um cão.
- Está descansado, meu rapaz. Podes crer em mim. Além disso, é do meu interesse ajudarte!
- E não terás ajudado um ingrato, dou-te a minha palavra.
Joe murmurou algumas palavras ao ouvido de Sybil. Disse-lhe que o esperasse naquelas paragens com "Dick". dissimulando-se o melhor possível e depois levantando a voz:
- Fica entendido que dirás tudo ao Major.
- Está descansado, repetirei todas as tuas palavras.
- Que os rangers se aproximem cada vez mais do rancho e que o cerquem. Atacarão logo que eu dê o sinal. Precedo-os com Worker.
E virando-se para o "cowpuncher".
- Agora nós dois. A caminho!...
Worker não insistiu. Joe parecia-lhe muito novo, por isso congratulava-se de ter topado com ele em vez de encontrar um ranger. O protegido de Catamount, pelo menos,
tinha-se deixado convencer mais facilmente, pensava ele, que o faria qualquer ranger.
O "cowpuncher" não pensava em pregar qualquer peça ao companheiro. O seu interesse aconselhava-o a bandear-se do lado do mais forte Se auxiliasse os rangers, ajudando-os
a desmascarar Bart Morgins, podia contar que no futuro eles mostrassem algum reconhecimento.
- Até breve, Sybil! disse Joe à rapariga.
- Farei tudo o que me disseste, retorquiu a rapariga. Conta comigo!
Joe tinha pegado na rédea de "Mesquita", e levava-o para o lado do rio, onde se encontrava o cavalo de Worker. Imóvel, Sybil Viu-os partir. A cena que se acabava
de passar e a desconcertante habilidade do rapaz, ainda a espantavam. Os acontecimentos desenrolavam-secom tal rapidez, que se julgava vítima dum sonho. Instintivamente
pôs a mão no garrote de "Dick". Um indefinível sentimento de malestar apossou-se dela ao ver o seu companheiro desaparecer na escuridão.
Pouco depois, a solidão, apenas era perturbada pelo murmúrio do rio. Sybil sentiu-se agitada por um ligeiro frémito. A solidão fazia-lhe medo, voltava-lhe a noção
das realidades. Que sucederia se Worker descobrisse a verdade? E se conseguisse libertar Catamount, que faria o rapaz em seguida? Não poderia certamente contar com
o auxílio dos rangers, que se encontravam na mais completa ignorância dos acontecimentos. E ainda havia Crockwell. Não sem pavor, Sybil, pensou no seu carrasco.
Não teria acordado enquanto eles vagueavam nas proximidades de "Buzzard Creek"? Que faria ele quando desse pelo seu desaparecimento?
- Mata-me com certeza, pensou a rapariga estremecendo.
A desgraçada sabia a que extremos de brutalidade chegava o miserável quando a vida não lhe corria bem. Desta vez se a apanhasse, matava-a certamente à chicotada.
Pouco antes, Joe, tinha-lhe recomendado que se abrigasse o mais depressa possível em James Crevice. Aí, estaria certamente ao abrigo de qualquer busca. O "lasso"
continuava solidamente fixo na rocha e não havia tempo para hesitação.
Sybil montou "Dick", que partiu a trote, encantado por acabar com aquela expectativa enervante.
A rapariga conhecia admiravelmente o terreno, e embora no estreito corredor as trevas fossem completas, preparava-se para lá entrar, quando puxou bruscamente as
rédeas da sua montada. Uma voz furiosa elevava-se perto, no fundo da garganta que dava acesso à gruta:
- Sybil! Sybiiil!... Onde estás tu? Toma cuidado, se não voltas depressa...
- Dave! exclamou a infeliz apavorada.
A fugitiva não se enganava. Teria reconhecido
entre mil aquela voz ameaçadora. Dave Crockwell tinha acordado, e tinha vindo até ali. E agora, avistava a pequena distância a sua silhueta ameaçadora.
- Cadela! Eu bem sabia que havias de voltar aqui! Vi o "lasso". Mas eu te apanharei! "Dick" Heh "Dick"!...
Um assobio estridente soou no escuro. Então o cavalo empinou-se, sem parecer reparar nos esforços desesperados que a sua cavaleira fazia para o afastar daquele sítio.
Reconhecendo o sinal do dono. voltava para ele
- "Stop! "Dick". "Stop"!
Aterrorizada, Sybil, ainda tentou fazer-se obedecer pelo animal, mas os assobios sucediam-se. O cavalo estava habituado a obedecer. Com o coração apertado, a rapariga
viu que o animal a levaria para junto de Crockwell. Então não hesitou mais. Decidida a tudo antes de cair nas garras do seu carrasco, saltou rapidamente da sela,
caindo no solo. Libertado da sua cavaleira, "Dick", precipitou-se na direcção do dono, de que via a silhueta confusa.
- "Dick"! És mesmo tu. Então ela não pode estar longe. Há-de me pagar cara esta brincadeira.
Dave Crockwell aproximou-se do cavalo que docilmente se deixou apanhar. O miserável limpou com a manga o suor que lhe escorria pela cara. Tinha errado através da
noite, presa duma fúria indescritível. A dupla desaparição de Sybil e do prisioneiro tinham-lhe feito passar instantaneamente a bebedeira. Sabendo que Bart Morgins
nunca lhe perdoaria uma coisa daquelas, o bruto tinha-se lançado em busca dos dois pequenos, decidido a encontrá-los antes da volta do "ranchman" ou de Simon Luke.
- Onde está aquela miserável? Não háde estar longe! Paciência, encontrá-la-ei com o outro espertalhão.
O homem do gancho de ferro, vomitava as piores imprecações, e enquanto tentava montar, para prosseguir as suas investigações, Sybil fugia. O terrível perigo que
a ameaçava dava-lhe asas nos pés. Imaginando que não poderia obter qualquer perdão, apenas se preocupava em escapar. Meteu-se a correr por entre os rochedos que
ladeavam o rio, saltando duma pedra para outra. Por várias vezes bateu em arestas rochosas, caindo com violência, mas depressa se levantava. A pouca distância ouvia
as exclamações de Dave Crockwell, que depois duma ligeira hesitação se lançava em sua perseguição.
- Pára! Pára! Senão...
Longe de obedecer a esta ordem, Sybil atravessou o rio, insensível ao sofrimento das mãos e dos joelhos, feridos nas várias quedas que dera. Pouco a pouco, à medida
que prosseguia esta caçada, a pobre sentia as forças faltarem-lhe. Já o seu perseguidor se encontrava a poucos passos atrás dela. Num derradeiro esforço quis-lhe
escapar, mas um pé escorregoulhe no terreno húmido e caiu.
Então, dando um rugido de alegria, o bandido precipitou-se sobre a sua presa... Em poucos momentos levantou-a e atravessou-a no arção da sela. Por várias vezes,
a sua mão brutal esbofeteou Sybil.
- Chicote, rugiu o bruto. Chicote é que tu mereces, nem que te mate à pancada.
Dave Crockwell interrompeu depressa as suas invectivas. Incapaz de reagir, a sua vítima tinha perdido os sentidos.
- Que importa! Não perdes pela demora, vociferou o bandido. Tens que me dizer para onde foi o espertalhão.
E segurando, com o seu gancho de ferro, a rapariga desmaiada, lançou-se a todo o galope através da noite.
XIV
O "Estrela 98"
Joe Cromer galopava ao lado de Worker. Durante um certo tempo cavalgaram assim, sem trocar palavra. Mas quando abandonaram o vale, para se aventurarem através das
pastagens, o "cowpunchr" diminuiu sensivelmente o passo ao seu cavalo, e como o seu vizinho parecesse admirar-se, murmurou :
- Atenção. Ali adiante está um rebanho de "ionghorns".
Worker estendia a mão, indicando uma massa sombria que se destacava perto. Um cheiro forte a gado espalhava-se no ar, cheiro esse que Joe identificou imediatamente.
No entanto, o rapaz, inclinou-se para o seu companheiro, pensando que se tratasse duma artimanha para enganar a sua vigilância.
- Toma cuidado, disse ele pegando no revólver. Se tentas fugir...
- Descansa! disse Worker. Vou simplesmente avançar à tua frente. Não me perderás de vista. Se um cavaleiro da equipa de vigilância rondar aqui perto e te vir, desconfiará
imediatamente de qualquer coisa. É necessário tomarmos umas certas precauções.
Joe, sentiu-se inquieto. No entanto, vendo que
não poderia proceder de outro modo, teve que se resignar a deixar agir Worker. O "cowpuncher estava desarmado, de modo que o deixou tomar um avanço duns quinze passos,
e aventuraram-se de novo entre os arames farpados que ladeavam o caminho que conduzia ao "Estrela 98".
Nenhum incidente se produziu. Os "cowpunchers" que guardavam o gado, espalhados pela planície, não pensaram em fazer qualquer pergunta aos recém-chegados.
- Vês? disse Worker logo que passaram a zona perigosa. Mantive ou não a minha palavra?
- Fizeste bem, retorquiu Joe. Não te esqueças, que deve haver mais cavaleiros a espiar-nos além da gente do rancho.
Depois, como o "cowboy" parecesse um pouco espantado, Joe precisou:
- Os rangers do Major Morley espalharam-se um pouco por toda a parte. Podemos muito bem encontrar alguns.
- Tens razão!...
Esta simples frase, recordando a Worker a prudência, decidiuo mais que nunca a secundar o seu jovem companheiro. Joe tinha o "Colt" na mão, pronto para qualquer
eventualidade.
Finalmente, numa volta do caminho, depois dum bosque de algodoeiros, os dois cavaleiros avistaram uma luz.
- O rancho! O "Estrela 98"! anunciou Worker.
Além do vasto território, o rancho compunha-se
duma casa de habitação em estilo colonial, e de vários edifícios rodeados de árvores, armazéns, uma forja, cavalariças, dormitórios destinados aos "cowpunchers"
- Foi para ali que conduziram Catamount? perguntou Joe.
- O "boss" fê-lo conduzir para a sua própria casa, respondeu Worker. Imagino que o submeterão a um cerrado interrogatório, quando voltar a si, pois deixaram-no perfeitamente
desmaiado.
Joe não disse nada. Lembrava-se da sua mensagem. Ele também tinha sido agredido por Simon Luke. Uma vez mais, deplorava a sua ingenuidade, que tantas complicações
criara.
Mas já Worker declarava:
- - Atenção! Se nos aventuramos no pátio, arriscamo-nos a ser descobertos por um importuno. É preciso contornar o "corral".
- Pensas que nos poderemos introduzir em casa de Morgins?
O "cowpuncher" abanou evasivamente a cabeça.
- Isso depende... Se o "boss" está no primeiro andar, temos o campo livre. Introduzimo-nos no rés-do-chão pela porta da cozinha. Não há lá ninguém durante a noite.
Mas se virmos luz no rés-do-chão, o que as árvores ainda nos não deixam ver, teremos que procurar outra ideia. Em todo o caso, haja o que houver, conta comigo. Estou
disposto a dar tudo por tudo... e tu, depois... hásde levar isso em conta.
- Já o prometi, disse Joe simplesmente.
Worker, encorajado por esta resposta, prosseguiu:
- O escritório de Bart Morgins fica em baixo. É lá que podemos encontrar a correspondência que o "boss" esconde com tanto cuidado. O cofre está metido na parede,
atrás duma carta do Texas. Vi um dia, pela janela, Morgins fechar o esconderijo, sem que ele tivesse dado por isso.
- Aproximemo-nos mais.
Os dois companheiros chegaram junto do
"corral". Aí saltaram dos cavalos, que esconderam num canto escuro.
Um atrás do outro continuaram a aventurar-se, o protegido de Catamount não perdendo de vista o companheiro, pronto a atirar se ele manifestasse a mais leve veleidade
de traição. Felizmente, o "cow-boy", parecia cada vez mais pronto a ajudar os rangers. Em menos de cinco minutos, tinham rodeado o "corral", onde se encontravam
uns cinquenta cavalos.
Depressa se abrigaram na sombra das árvores. Os arredores pareciam desertos. Nos dormitórios dos "cowpunchers" não se via qualquer luz, o que parecia indicar que
se alguém se encontrava por aqueles lados, estava a dormir. A atenção dos dois companheiros virou-se para a habitação. Joe, pôde verificar, que apenas duas janelas
do primeiro andar se encontravam iluminadas.
- Perfeitamente! soprou Worker ao ouvido do seu companheiro. Não está ninguém no rés-do-chão Vamos poder entrar à vontade.
Joe, continuou a avançar na esteira do "cowboy". Até ali, a atitude deste, era de molde a sossegá-lo; no entanto, conservava o "Colt" na mão, mais atento do que
nunca.
O silêncio mantinha-se. Evitando o mais pequeno ruído, o rapaz e o seu guia, chegaram junto da fachada, coberta de trepadeiras. Nesse momento ouviram vozes. Intrigados,
esconderam-se na sombra e esperaram encostados à parede com o ouvido atento.
Joe, reteve a respiração. Uma discussão azeda travava-se no primeiro andar, cujas janelas tinham ficado entreabertas, e Joe estremeceu quando ouviu pronunciar o
nome de Catamount. Uma das vozes também, parecia-lhe familiar.
- Simon Luke, disse ele num sopro.
Mas já sentia a mão do companheiro pousar-lhe no braço.
- Depressa! Por aqui!
O "cowpuncher" ladeava a fachada, arrastando Joe consigo, de modo que o rapaz não insistiu, embora sentisse grande desejo de ouvir a conversa.
Worker conhecia o local, de modo que não teve dificuldade em alcançar a porta da cozinha. Esta abria-se debaixo duma cortina de vinha virgem. Estendendo a mão, segurou
o fecho. Joe temeu um instante que a porta resistisse aos esforços do "cowboy". mas ela rodou silenciosamente nos
gonzos.
- Cuidado, há um degrau.
Worker aventurava-se no interior, descendo o degrau em questão e estendendo a mão a Joe para o ajudar a entrar por sua vez.
Os raios da Lua, entrando pela janela, deixaram Joe verificar que acabava de entrar numa cozinha bastante vasta.
- A mesa está aqui, disse Worker. Não tropeces nela.
O rapaz seguiu à letra as recomendações do seu guia, em quem começava a confiar. O ruído da discussão, continuava a chegarlhe aos ouvidos, mas consideravelmente
abafado.
- Toma cuidado, disse Worker que continuava a avançar. Há três degraus a subir para chegar ao
vestíbulo.
Joe continuou a seguir o "cowpuncher". Lentamente, evitando produzir o mais leve ruído, abandonaram a cozinha, para se meter por um corredor mergulhado na mais profunda
obscuridade.
- Não há ninguém, disse Worker. Aproveitemos a ocasião
O rapaz não hesitou mais, lembrando-se que se encontrava debaixo do mesmo tecto que Catamount, seguiu deliberadamente o "cow-boy", mantendo, no entanto, o revólver
na mão. Ao fundo do corredor, abria-se outra porta.
- Entra! Não há ninguém.
Joe obedeceu ao seu guia e penetrou no escritório de Morgins.
O quarto era vasto, alumiado por duas janelas de guilhotina, cujas persianas se encontravam abertas. Por consequência, a Lua, iluminava fracamente o compartimento,
deixando ver o suficiente para se não esbarrar com os móveis. Joe, viu uma secretária e várias cadeiras. Ao fundo, uma biblioteca, cobria a parede.
No entanto, a atenção do rapaz, fixou-se sobre a carta do Texas que pendia da parede. Lembrava-se que Worker lhe dissera que era por trás dela que Morgins escondia
os seus segredos. Rapidamente, o "cowpuncher", afastou a carta. Surgiu uma abertura quadrada, de um palmo de lado, fechada por uma porta de ferro.
- Como se há-de abrir isso? disse o rapaz.
- Está descansado! Conheço o truque! Também descobri onde estão as chaves!
Worker piscou maliciosamente o olho. Nos últimos tempos, tinha descoberto que Bart Morgins desconfiava dele, de modo que tomara as suas precauções, para o caso sempre
possível da situação se agravar. Deslizando ao longo da parede, chegou junto duma peanha onde se via uma reprodução em bronze da Vénus de Milo. Com precaução, levantou
a estátua. A base era oca e continha um molho de chaves.
- O "boss" não desconfiou que eu sabia onde estavam as chaves, murmurou ele depois de deitar a mão ao molho. Senão, já não se falava em Worker. Uma bala na nuca... e tenho dito.
Como Joe não respondesse, o "cowpuncher" insistiu:
- Estás a ver que sou sincero e que podes ter confiança em mim.
-"Áll right"! Não terás senão a felicitar-te da tua atitude.
- Dirás ao Major Morley?...
- Direi qual foi a tua atitude.
- Ignoro completamente o que contêm o cofre, e que documentos estão lá fechados, mas devem ter uma importância considerável. No dia em que vi o "boss" consultá-los,
reparei que ele olhava em volta constantemente, desconfiadíssimo. Se não tivesse empregado manhas de índio Sioux para o surpreender, não daria nada pela minha pele.
- Vamos, depressa! Tréguas ao paleio.
Joe impacientava-se. Enquanto operava com o seu guia, pensava em Catamount. Tinha pressa em saber ao certo o que se passava no primeiro andar. Os dedos crispavam-se-lhe
na coronha do revólver, pronto para puxar o gatilho em caso de complicação.
Worker introduziu as chaves na fechadura, enquanto o rapaz vigiava. Evitando produzir o mais leve ruído que pudesse dar o alarme ao "ranchman" e aos seus acólitos,
o "cowpuncher" iniciou as suas investigações. Agia com a habilidade dum ladrão profissional, e o rapaz pensou que ele não devia estar na sua primeira experiência.
Passaram alguns minutos. A discussão prosseguia no primeiro andar, ouvindo-se sempre o som das vozes. A de Bart Morgins subiu de tom. Parecia singularmente excitado.
Subitamente, Joe, que esperava que o seu vizinho acabasse o trabalho, estremeceu. Uma outra voz, mas esta muito calma, acabava de se elevar. Uma voz que ele conhecia
muito bem.
- Catamount!
Não podia haver a mais leve dúvida. Era bem o ranger que falava, mas foi sem resultado que Joe tentou ouvir o que ele dizia. Uma grande vozearia, provou que o "ranchman"
devia estar rodeado de muitos dos seus homens.
- Depressa, "my boy"! Aqui estão os papéis.
Worker aproximava-se do rapaz, estendendo-lhe um maço de papéis que acabava de descobrir no interior do cofre. Joe, pegou no achado com a mão esquerda, e enfiouo
na algibeira. Ia a precipitar-se para a porta, quando seu companheiro o reteve:
- Calma! É preciso repor tudo nos seus lugares. Senão corremos o risco de ser descobertos num instante.
De boa ou de má vontade, o rapaz teve de se resignar a esperar. No andar de cima, a discussão continuava, cada vez mais áspera. Catamount respondia aos seus interlocutores.
Por mais de uma vez, o rapaz ouviu o "ranchman" exaltarse e ameaçar o ranger.
- Se eu pudesse intervir, soltá-lo... Lastimava ter sido demorado pelo arrombamento
que Worker acabava de efectuar.
O "cowpuncher fechava a porta do cofre e escondia as chaves debaixo da Vénus de Milo. Em poucos segundos, a carta do Texas, foi colocada exactamente na mesma posição
que ocupava anteriormente. E agora, vamos subir.
- Finalmente...
Já o rapaz se dirigia para a porta, quando de
repente estremeceu. Atrás dele, sobre a mesa, uma campainha retinia ensurdecedoramente.
Maldição, praguejou Worker. O telefone. Os dois companheiros estavam tão interessados
momentos antes que nem tinham pensado no aparelho Agora, petrificados, ouviam a campainha que tocava sem descanso.
- Estamos perdidos! exclamou Joe.
- Deitemo-nos debaixo da mesa.
De comum acordo, os dois intrusos, enfiaram-se para debaixo do móvel. Durante uns momentos esperaram. No primeiro andar a discussão tinha parado subitamente. Mas
depressa ouviram a voz de Morgins dizer:
- Vai lá, Luke...
Um passo pesado fez ranger os degraus da escada. Alguém descia, dirigindo-se para o escritório. Retendo a respiração, Joe e Worker faziam-se pequenos. O importuno
chegava junto da porta, abria-a e procurava com a mão o comutador eléctrico. De repente, o compartimento iluminou-se. A silhueta de Simon Luke surgiu na porta.
O "cowpuncher" estava tão apressado em atender o aparelho que nem reparou nas duas sombras que se dissimulavam sob a mesa. Estendendo a mão, pegou no receptor e imediatamente a campainha se calou.
- Está? perguntou Simon Luke. Quem fala?
O acólito de Bart Morgins parou de falar durante uns segundos. Uma voz anasalada fazia-se ouvir do outro lado do fio e, sem dúvida, as notícias que dava eram desconcertantes,
pois Simon Luke deixou escapar uma praga.
- És tu Dave? exclamou por fim. Não é possível. O garoto escapou-se? Ainda há a compensação de teres apanhado a pequena.
Joe sentiu um choque. Com a pressa de socorrer o ranger, não pensara mais na sua pequena salvadora que tinha deixado nas proximidades de "James Crevice". Imaginava
que Sybil tinha podido alcançar a gruta sem dificuldade, e eis que esta comunicação intempestiva lhe dizia que ela tinha de novo caído nas unhas do seu carrasco.
Mas Simon Luke recomeçava:
- O. KJ Vou prevenir o "boss". Ele tomará as disposições necessárias. Havemos de conseguir fazê-la falar.
O "cow-boy" desligou. Preparava-se para subir ao primeiro andar, a fim de prevenir o chefe do que acontecera, quando de súbito parou. O seu olhar acabava de pousar
numa bota ornada duma espora que se via por debaixo da mesa.
Era o pé de Worker que Simon Luke acabava de ver. Então, Joe, compreendeu que tinha de agir. Dentro dum segundo, o miserável, ia dar o alarme aos cúmplices. Antes
que o "cow-boy" tivesse tempo de emitir o mais leve som, saltou fora do seu esconderijo e pegando na estátua da Vénus de Milo, agrediu-o na cabeça com todas as suas
forças. Simon Luke abateu-se como uma massa.
Durante uns instantes, Joe e o companheiro, permaneceram sem dizer palavra. No primeiro andar, um barulho de passos indicava-lhes que Bart Morgins e os seus acólitos, fartos de esperar se preparavam para descer.
XV
Na boca do lobo
- Aqui, Bart Morgins Muito prazer em o conhecer, Catamount!
O ranger esbugalhou os olhos. Ainda permanecia sob o efeito da pancada que recebera na cabeça. As pálpebras, inflamadas pela pimenta, faziam-no sofrer cruelmente.
No entanto, à luz da lâmpada eléctrica que iluminava o compartimento, pôde ver as silhuetas de vários homens que se inclinavam para ele.
Seriam uma dezena, reunidos no quarto do primeiro andar, em redor do sofá onde o tinham estendido, amarrado de pés e mãos. O "boss" parecia encantado com o caminho
que tomavam os acontecimentos. Já antes do ranger ter recuperado os sentidos o olhava com a maior satisfação. Então era aquele o cavaleiro invencível, cujo simples
nome o tinha feito tremer tanta vez? Quantas vezes estremecera pensando que o homem dos olhos claros tinha sido encarregado do inquérito sobre as suas actividades.
Agora, que o via ali, reduzido à impotência, sentia-se reviver.
- É você Bart Morgins? Encantado! Tenho ouvido falar muito de si. Mas de facto é-me difícil estenderlhe a mão. E digo-lhe que entre pessoas honestas, toma umas precauções
muito estranhas a meu respeito. Por que me amarraram as mãos?
Bart Morgins hesitou uns instantes antes de responder. Os olhos claros do ranger fixavam-se
insistentemente nele, como num desafio. Então o "ranchman" decidiu-se:
- Ponhamos o jogo na mesa, Catamount! Você quis-me considerar como um adversário. Logo, é justo que eu proceda consigo do mesmo modo.
- Eu? Considerá-lo como um adversário, Mr. Morgins? respondeu calmamente o ranger. O senhor devia saber que as pessoas honestas são sempre minhas amigas.
E antes que Bart Morgins pudesse responder, Catamount prosseguiu:
- O simples facto de me ter feito cair numa armadilha indecente, e de me ter trazido até aqui, prova-me uma coisa de que eu já desconfiava, Morgins, é que você é
o último dos canalhas.
- Proibo-te de me insultar, crápula.
O braço do "ranchman" estendeu-se com a rapidez do relâmpago, e a sua mão bateu na cara do ranger.
Catamount nem pestanejou.
- Costumas praticar a cobardia em larga escala, Morgins. Os meus cumprimentos! Acabas de me dar a prova de que me encontrava na boa pista.
- Talvez seja a boa pista, sim, troçou Simon Luke, o que não impede que seja a tua última pista. Pois julgo que não imaginas que te vamos deixar prosseguir a tua
brilhante carreira.
- Pensam talvez que serei tão vil, que lhes peça perdão?
- Não, não o penso, disse por sua vez Bart Morgins. Em todo o caso o teu assunto estará arrumado antes do fim da noite...
- É bem tarde. E por que não imediatamente?
- Queria-te provar que encontraste finalmente alguém mais forte que tu, Catamount. Há tanto tempo que esperava este momento...
- Grande vitória, na verdade. Atrair um homem a uma cilada, atacá-lo pelas costas, pô-lo na mais completa impossibilidade de se mover, e baterlhe quando ele tem
as mãos amarradas. Ora aí estão maravilhosos feitos a colocar no teu activo.
Protestos e ameaças fizeram-se ouvir em derredor. Simon Luke e os seus apaniguados admiravam-se que o "boss não respondesse com novas brutalidades às corajosas respostas
do ranger.
- Tu imaginas que acabaste com o perigo, continuou Catamount. Isso é enganares-te infantilmente. Quando os Texas Rangers partem na pista dum criminoso, levam a sua
missão até ao fim. Se um cai no caminho, outro o substitui. Aconteça o que acontecer, a justiça acaba sempre por triunfar.
- A justiça? Há já muito tempo que lhe pus uma venda nos olhos, troçou Bart Morgins. Se pensas que serás o primeiro que eu faço desaparecer...
- É possível! Mas esqueces um detalhe que no entanto tem uma certa importância, é que me lancei em tua perseguição, por ordem do meu chefe. Se eu não voltar da minha
missão, o Major Morley, saberá onde encontrar os culpados. Podes pois executar-me. Morrerei com a satisfação de saber que serei vingado dentro de pouco tempo. Talvez
tarde, mas implacàvelmente, a justiça terá a sua vitória.
Um certo mal-estar começava a tomar posse dos cúmplices de Bart Morgins. A serenidade de Catamount começava a mostrar àqueles bandidos que o ranger tinha razão.
O caso estava mais adiantado que eles supunham. Mas Bart Morgins, vendo a hesitação dos seus apaniguados, tomou a palavra.
- Vocês não vêem que o tipo se está a gabar? Ele julga que nos assusta. Perde o seu tempo. Não nos deixamos intimidar. E desde que ele nos quer assustar, que saiba
por sua vez que não partirá sozinho. Condenamos à morte um outro indiscreto. Um rapaz um pouco temerário que ele conhece muito bem.
Desta vez o ranger empertigou-se. franzindo ligeiramente as sobrancelhas, e Simon Luke, que acabava de pronunciar estas palavras, surpreendeu um ligeiro tremor que
lhe agitava os músculos da face.
- - "Hello"! troçou ele. Desta vez já não estamos tão seguros.
E como o prisioneiro tentasse reagir, o "cow boy" prosseguiu:
- Sim, o garoto está em nosso poder. Tu lembras-te que foi ele que escreveu a carta que permitiu apanharte. Ele fugiu da escola de Del Rio. Neste momento temo-lo
à nossa completa discrição. Está preso perto daqui, e bem guardado.
- Que me importa! Não julgues que me assustas com essas histórias.
- É inútil quereres colmer-nos por parvos, Catamount. Todos nós sabemos que gostas do garoto como se ele fosse teu filho.
O ranger não respondeu. Sentia-se presa duma violenta emoção. As recordações vinham-lhe cada vez mais precisas. As palavras dos seus vencedores permitiam-lhe recordar
o episódio dramático que tinha acabado na sua captura. A simples ideia de que Joe se encontrava em poder de Bart Morgins e corria um grande perigo, despertava-lhe
as maiores apreensões. No entanto, arranjou energia suficiente para responder:
- Eu sei, Morgins, que estás à cabeça do bando que saqueia a região de "Middle Concho". Durante meses, durante anos mesmo, conseguiste escapar, graças às altas protecções
de que desfrutas. Mas fica sabendo, que essa época de banditismo
está a acabar. A mão da justiça vai cair sobre ti, e não serão dois novos crimes, que te permitirão escapar ao castigo que te espera, a ti e aos teus cúmplices.
- Fá-lo calar, "boss", protestou Pepe.
Bart Morgins encolheu ironicamente os ombros.
- Pelo contrário, gosto de ouvir estas lindas frases. Até me parece estar no teatro de "Santo António", no momento em que o herói desfaz os tramas do cínico. Mas
aqui não estamos no palco. E o "tremolo" da voz do ranger não conseguira emocionarnos. Bem pelo contrário, como ele quer jogar cartas na mesa, voulhe fazer a vontade.
O "ranchman inclinou-se para o homem dos olhos claros e disse-lhe sarcástico:
- Tinhas adivinhado, Catamount! Fui eu que montei a organização que durante tanto tempo tem dominado esta região e que durante muito tempo ainda vai intrigar e fazer
correr rios de tinta em todos os jornais do Texas. O crédito de que gozo, permitiu-me ser o chefe desta associação, cujo fim tu adivinhaste. Outros, além de ti,
tentaram apanhar a chave do mistério. Encontraram-lhes os corpos, afogados no "Middle Concho River" e colocaram-se essas mortes na conta de desastre. Ora esses desastres
fui eu que os provoquei, compreendes?
- Compreendo perfeitamente, retorquiu Catamount. Só não compreendo tão bem qual é a estranha aberração que te leva a pensar que a minha morte fará interromper as
pesquisas da justiça. Tu julgas triunfar, Bart Morgins... Nunca estiveste tão perto do castigo. Acredita-me, não é ameaçando executar um rapazito que conseguirás
escapar às malhas da rede que se fecha em tua volta.
Depois, voltando-se para Simon Luke, Pepe e os outros, o ranger prosseguiu:
- Quanto a vocês, não tardarão em se arrepender de se terem prestado a servir as tenebrosas manobras do vosso "boss". Oh! Sei perfeitamente que agiam em perfeito
conhecimento de causa e que eram generosamente remunerados! Daí a vossa discrição e a fidelidade com que o serviram. Mais uma vez lhes repito, o período das rapinas
vai acabar. Que a sorte que tiveram em me apanhar à traição não lhes faça perder a cabeça. Neste momento, vocês estão irremediavelmente condenados, e garanto-lhes
que prefiro morrer debaixo das vossas balas que sentarme na cadeira eléctrica.
As palavras de Catamount tinham impressionado os bandidos, pelo que Bart Morgins se apressou a atalhar:
- Vocês bem vêem que ele se está a rir de nós! Tenta meter-nos medo. Catamount está duma vez para sempre fora da partida, depois, nada teremos a temer de ninguém.
Nesse momento, uma campainha fezse ouvir no rés-dochão.
- O telefone, resmungou Pepe. Bart Morgins franziu os sobrolhos. - Quem poderá ser a esta hora?
- Crockwell, sem dúvida! Fala-nos muitas vezes da cabana, afirmou Simon Luke.
- É pouco provável. Não tem mais que fazer senão guardar o garoto!
- A menos que seja Noxton.
Catamount não se movia enquanto os seus vizinhos discutiam e a campainha continuava a tocar. O que acabava de ouvir dizia-lhe duas coisas. A primeira era que Joe
se encontrava de momento à guarda dum tal Crockwell, a segunda que o sherif" de Stiles mantinha com o bando contactos constante.
por infelicidade, o ranger, estava na impossibilidade mais completa de agir, de modo que não podia beneficiar da ocasião. Intrigados, o "ranchman" e os seus homens,
viravam-lhe as costas. Desesperadamente contorceuse nas cordas, sem nenhum resultado.
- Vai lá, Luke, disse Morgins por fim. Isto é exasperante. Já nem se pode conversar tranquilamente.
O "cow-boy" deixou o quarto. Imóveis, os companheiros, esperaram e o ranger pôde ler nas suas fisionomias a preocupação de que eram presa.
- Há já muito tempo que não nos telefonavam durante a noite.
- Desde que não tenha sucedido nada de anormal...
- Crockwell gosta de beber. Ainda um dia, esse vício, lhe há-de pregar uma partida.
- Quem lhes diz que se trata de Crockwell?
O criador e os seus homens interromperam a discussão. A campainha acabava de se calar, e ouviam agora a voz rude de Simon Luke, sem no entanto compreenderem o que
ele dizia. Durante uns momentos ainda, o "cow-boy" continuou a falar, depois, mais nada. Pepe murmurou com inquietação:
- Pareceu-me ouvir uma queda.
- Uma queda? troçou Bart Morgins. Estás doido. Sem dúvida, Luke bateu na mesa enquanto telefonava.
Catamount prestava a maior atenção ao que se passava no andar de baixo. Também ouvira o ruído que inquietara Pepe. Apurando o ouvido, o ranger, perguntava a si mesmo
o que se passaria no rés-dochão. Tinha cada vez mais a intuição que se desenrolava qualquer acontecimento anormal. Os seus
vizinhos estavam tão absorvidos que nem lhe prestavam atenção...
Alguns segundos se passaram assim, nada se ouvindo além do tiquetaque do relógio pousado sobre a chaminé. Uma preocupação cada vez mais viva desenhava-se no rosto
dos bandidos.
- Que fará Simon Luke? perguntou Pepe. - Por que não subirá ele?
É incompreensível!
Já se não ouvia a voz do "cow-boy". Um silêncio pesado de ameaças abatera-se sobre a casa.
- É preciso ir ver, resmungou Bart Morgins incapaz de dominar por mais tempo a sua impaciência.
- É verdade! Não compreendo porque se demora tanto tempo. Devia calcular que estamos ansiosos em saber o que se passa
Acabando com a hesitação, Bart Morgins dirigiu-se para a porta, imediatamente seguido por todos os seus homens. A pressa era tanta que o "ranchman" teve que se voltar,
dirigindo-se a um dos que tentava alcançar a porta:
- Tu não, Pat! Tu vais ficar ao pé de Catamount. Com um tipo desta têmpera todos os cuidados são poucos.
O interpelado fez uma careta, mas resignou-se a ficar no compartimento. Durante esse tempo, os outros empurravam-se para sair.
Catamount continuava sem se mover. Direito no seu assento, fingia a mais completa indiferença. No entanto, o alerta imprevisto, não deixava de lhe dar algumas esperanças.
Pat tinha permanecido perto dele, mas parecia mais interessado em escutar os ruídos que vinham do rés-dochão que em vigiar o ranger, que sabia estar amarrado de
pés e mãos, e na mais completa impossibilidade de lhe fazer mal.
Bart Morgins e os seus homens, desceram com grande barulho, chamando em vão pelo companheiro. Uma boa metade do grupo ainda se encontrava na escada, quando se fizeram
ouvir uma série de pragas. A electricidade acabava de se apagar.
- Cortaram a corrente, gritou uma voz.
Era verdade, a escuridão absoluta tinha caído em toda a casa. O ranger ainda se endireitou mais no seu banco. No momento preciso em que a luz se extinguia, o seu
guarda, aproximava-se da porta, deitando uma vista de olhos pelo corredor. No rés-do-chão, os tropeções e as pragas faziam-se ouvir cada vez mais. E subitamente
uma voz exclamou:
- Alerta, está aqui alguém, bateram-me. Pepe! Agarra-os.
São muitos.
- Acendam a luz! Não se vê nada.
- Impossível! O comutador não funciona.
O tumulto tomava proporções desconcertantes. Comprimindo as palpitações do coração, Catamount, escutava. Podia notar a confusão completa em que se debatiam os seus
adversários. O barulho de cadeiras derrubadas alternava-se com pragas, e com os gritos de Bart Morgins, tentando organizar os seus apaniguados:
- São muitos! "Hell"! Acendam as luzes.
Mas o vociferar do "ranchman" ficava sem resposta. Apanhados desprevenidos por este ataque, e por aquela intempestiva extinção de luz, os homens do "Estrela 98"
tropeçavam uns nos outros, distribuíam ao acaso murros tremendos, sem conseguirem atingir o misterioso adversário, que fora assinalado junto da escada.
XVI
Desordem
Worker, vendo-se arriscado a ser descoberto pelo grupo, tinha-se lançado na ofensiva. Quando Simon Luke caiu abatido pela estátua, o "cowpuncher" precipitou-se para
um canto do compartimento. O protegido de Catamount temeu durante um momento que ele quisesse escapar. Mas não era no que o bandido pensava, antes pelo contrário.
Worker correu para o quadro da corrente, e, no momento preciso em que Bart Morgins e os seus acólitos chegavam ao résdo-chão, mergulhou a casa na mais completa escuridão.
Era tempo. O "ranchman" chegava junto da porta. Surpreendido, parou e virou-se para os seus vizinhos. Worker não hesitou. Gratificando o mais próximo adversário
com um murro magistral, saltou pela janela.
Joe continuava sem dar sinal de si. Sempre escondido debaixo da mesa, reparava na extrema confusão dos intrusos, que se esforçavam, inutilmente, por acender a luz.
Julgando-se atacados, os bandidos distribuíam murros a torto e a direito. Lutas corpo a corpo, travavam-se em redor, e a voz furiosa do "ranchman" mal conseguia
dominar o barulho.
O rapaz quis aproveitar a batalha para se escapar por entre os lutadores. Dominando a primeira impressão de medo, lançou-se de cabeça baixa, indo alcançar Pepe em
pleno peito, e fazendo-o cair com a violência do choque.
- Damn"! Está um aqui, à minha direita - rugiu o bandido fazendo esforços desesperados
para agarrar os seus vizinhos mais próximos.
De todos os lados estendiam-se mãos, tentando apanhar o fugitivo. Depressa se fizeram ouvir gritos de vitória.
- Cá está ele...
- Agarrámo-lo...
Uma voz furiosa respondeu a estas exclamações.
- Idiotas. Não vêem que sou eu! Larguem-me, que raio...
Os três "cowpunchers" que se encarniçavam contra um adversário invisível, esforçando-se por o dominar, aliviaram depressa a sua pressão. Era com efeito o próprio
"boss" que acabavam de assaltar, e este novo engano não fez mais que aumentar a confusão geral.
Joe continuou a correr para a porta, sem encontrar mais ninguém na sua frente, e enquanto o grupo continuava a luta em redor da mesa que acabava de derrubar, o rapaz
precipitou-se para a escada.
Agora, Joe, não tinha senão um desejo: encontrar Catamount o mais depressa possível. Depois, pouco lhe importava. Com o amigo, nada mais tinha a recear, pois sabia
que custasse o que custasse ele o tiraria de complicações. Em poucos instantes alcançou o patamar, depois, encostado ao corrimão hesitou, a escuridão impedindo-lhe
de situar a porta de compartimento onde se encontrava o prisioneiro.
De súbito, Joe, ouviu uma voz interrogando dois passos diante dele:
- Quem está aí? És tu, Pepe?
Pat, incapaz de dominar a sua impaciência, tinha abandonado o seu posto e aventurava-se no patamar.
- Então! Respomdes-me ou não?
Joe respondeu de facto, com um violento murro em pleno rosto do bandido, que o fez cair atordoado contra o corrimão, dando um grito de dor. Mas já o rapaz se precipitava
gritando:
- Catamount! Catamount! Onde estás tu?
- Aqui! respondeu imediatamente uma voz que Joe conhecia muito bem.
O rapaz foi esbarrar com a ombreira da porta, mas endireitou-se depressa e entrou no quarto, dirigindo-se para o lado onde estava o ranger, perguntando de novo:
- Catamount! Onde estás tu? Sou eu, Joe!
- "God Almighty"! Joe...
O ranger sentia os seus temores desvanecerem-se duma assentada. A presença do seu protegido no momento mesmo em que o supunha irremediavelmente perdido, insuflava-lhe
uma energia nova. Não teve, no entanto, tempo de pensar por que circunstâncias se encontrava ali aquele que julgava em tão crítica situação. Joe chegava junto dele,
e pousando o seu "Colt" no sofá pegava numa faca, esforçando-se por o libertar das cordas que o prendiam.
No patamar, Pat levantava-se berrando:
- Socorro! Estão aqui!!!
Mas já Catamount sentia o frio da lâmina que cortava as cordas. Dobrado sobre si mesmo, o prisioneiro esticava-se, e depressa um estalar, acompanhado duma sacudidela,
indicou-lhe que os seus entraves rebentavam.
- Depressa, gritou o ranger ao seu companheiro. Fecha a porta.
Pat continuava a berrar; no rés-do-chão ouviam-se passos apressados. Bart Morgins e os companheiros, abandonavam o escritório acorrendo aos
gritos do companheiro, tudo no meio da maior confusão, numa série de encontrões, acompanhados de valentes socos.
Joe, precipitou-se para a porta. Antes mesmo que Pat pudesse prevenir o seu gesto, o pesado batente de carvalho fechava-se e o rapaz dava vota à chave. Pancadas
violentas começaram imediatamente a soar na porta.
- Estão aqui... Arrombem a porta... Continuava Pat a rugir.
A voz de Bart Morgins gritava por sua vez:
- Mas quem está aí? Responde imbecil!
- Não sei! Mas apanhei um soco tremendo.
- Não te tinha eu dito para ficar junto do prisioneiro?
Raivosamente, o "ranchman" e os seus companheiros atiraram-se à porta, que se esforçavam por derrubar com os ombros. Entretanto, Catamount e o seu protegido, apressavam-se.
Dominando o torpor que ainda lhe dificultava os movimentos, o homem dos olhos claros apressava-se em desfazer os nós que lhe prendiam os tornozelos... Uma exclamação
de alegria escapou-lhe quando sentiu Joe introduzirlhe um "Colt" na mão.
- Agora podem vir. Recebê-los-emos como merecem.
O ranger sentia-se em perfeita forma. Ardia em desejos de tirar desforra dos seus adversários. Mas o rapaz pegou-lhe na mão dizemdo-lhe:
- Vamo-nos, e indicava a janela aberta.
A porta começava a ceder sob os ataques repetidos do bando. Em poucos momentos, Catamount e Joe chegaram à janela; num rápido golpe de vista o ranger assegurou-se
que a distância que o separava do solo não era considerável e que os arredores se encontravam desertos, pois descontrolado com a
surpresa, o "ranchman" não se tinha lembrado de fazer vigiar os arredores da moradia.
Catamount galgou o parapeito deixando-se cair em baixo e poucos segundos depois, Joe saltava perto dele.
- É aqui que está o telefone? perguntou o homem dos olhos claros.
À afirmativa de Joe, Catamount galgou o parapeito da janela.
O rapaz encostou-se à fachada, mantendo o revólver na mão. Observava a janela do primeiro andar, enquanto o ranger procurava no escritório o aparelho cuja campainha
pouco antes tinha ouvido.
Já se ouviam gritos no andar de cima. Bart Morgins e os seus acólitos tinham conseguido arrombar a porta, e invadiam o quarto onde pouco antes estava o prisioneiro.
- "Hell" Fugiu! rugiu Bart Morgins. Seguido por Pepe, o "ranchman", chegou à
janela e debruçou-se. Ouviram-se duas detonações, dois relâmpagos cortaram a noite e o "stetson" de Morgins voou-lhe da cabeça.
- Para trás "boss"! rugiu o "cowpuncher". Estão emboscados aqui.
O aviso era inútil. O "ranchman", tinha o cuidado de se proteger e de não ser atingido, de modo que se recolheu e se encostou à parede interna; por trás dele os
homens imitaram-no, recuando precipitadamente, o que de novo estabeleceu a confusão.
Fora Joe que acabara de atirar. Sabendo que convinha atrasar quanto possível os adversários, o rapaz postara-se ao pé da parede, pronto a atirar na primeira silhueta
que lhe aparecesse. Uns minutos passaram assim Os ocupantes do quarto
começavam a impacientar-se de se ver assim postos em cheque.
- Acabemos com isto! gritou Pepe.
O "cowpuncher", inclinou-se por sua vez, uma detonação estalou. Pepe levou a mão ao peito deixando escapar uma praga.
Atingido, berrou Bart Morgins.
Pouco interessados em sofrer a sorte do companheiro, e de se exporem ao fogo do misterioso atirador, os bandidos imobilizaram-se Do rés-dochão chegovi-lhes uma voz
clara.
Hello"! Del Rio? Do posto dos Texas Rangers? Queria falar com o Major Morley...
- "By Jingo"! É Catamount. Está a telefonar! vociferou Bart Morgins.
Houve um momento de indecisão no grupo. E o "ranchman" pôde apreciar o terrível perigo que corria. Se o homem dos olhos claros conseguisse falar com o Major, os
rangers apressar-se-iam em acorrer em socorro do camarada.
- Depressa! Desçam. Abatam-me esse maldito, rugiu Bart Morgins.
Os "cowpunchers" precipitaram-se para a escada, mas a escuridão embaraçava-lhes os movimentos e fez-lhes demorar a manobra. Entretanto Catamount continuava a falar:
- Aqui Catamount! Cercado no rancho "Estrela 98", na região de "Middle Concho", por Morgins e os seus acólitos, que são os últimos dos bandidos. Previnam depressa
o Major Morley.
O ranger apressou-se em desligar, pois passos precipitados faziam-lhe compreender que os seus adversários desciam a escada e corriam para o escritório. Então correu
para a janela, Ia atingi-la quando se ouviu uma detonação e uma bala foi espatifar uma vidraça.
Pepe, que acabava de entrar, não teve ocasião de disparar segunda vez. Com uma rapidez desconcertante, Catamount retorquiu. Pepe, atingido na cabeça, caiu, impedindo
com o seu corpo a entrada do compartimento. As silhuetas que se aproximavam da porta afastaram-se rapidamente.
- "By Jove"! Os amadores não são muitos, disse o ranger sarcàsticamente. Em verdade Morgins, julgava-te mais valente. Então não és capaz de combater um adversário
de frente? Só atacas pelas costas?
Um silêncio impressionante seguiu estas palavras. O "ranchman" e os seus homens esperavam, presas duma raiva indescritivel. Esta reviravolta da situação, no momento
mesmo em que julgavam ter o ranger à sua completa discrição desconcertava-os.
Enquanto esta rápida cena se desenrolava no interior da casa, Joe esperava junto da janela. Ele também, tinha ouvido a chamada do homem dos olhos claros. Sabia agora
que os rangers de Del Rio estavam avisados e que se iam pôr em campo para chegar ao "Estrela 98", mas era preciso aguentar até lá, o que não seria fácil. Até ali,
aproveitando a surpresa, tinham conseguido dominar a situação, mas agora, tinham que se haver de frente com adversários muito mais numerosos e conhecendo admiravelmente
o terreno.
Certamente, se Worker ali estivesse, a situação teria parecido menos crítica ao rapaz, mas Joe tinha perdido de vista o seu companheiro desde o momento em que Bart
Morgins e os seus homens tinham irrompido pelo escritório. Era de supor que Worker, aproveitando a ocasião, se tivesse posto ao fresco.
Imóvel, com o "Colt" na mão, o rapaz continuava a vigiar a janela do primeiro andar.
Alguns minutos se passaram assim, com os dois amigos prontos a atirar na primeira sombra que se mostrasse. Mas Bart Morgins e os seus homens, pouco interessados
em servir de alvo aos dois atiradores, conservavam-se ocultos.
No entanto, uma situação daquelas não se podia manter indefinidamente. O ranger decidiu-se a terminar com a expectativa. Lentamente, aproximou-se da janela, junto
da qual se via a silhueta familiar de Joe, e num pulo galgou o parapeito. Uma série de detonações fizeram voar os vidros, mas tarde de mais; Catamount tinha conseguido
passar para o outro lado.
- Para a frente, gritou Joe, Atravessemos o pátio.
Precipitaram-se, enquanto Bart Morgins e os seus acólitos, livres da ameaça que sobre eles pesava, se decidiam a saltar por cima do corpo de Pepe e a entrar no escritório.
Quando chegaram à janela, dispararam várias vezes na direcção em que corriam os dois amigos, mas estes, fugindo ao luar e evoluindo na sombra dos edifícios, escaparam
facilmente ao ataque.
No entanto, ao fim de poucos minutos, os dois tiveram que parar. Acendiam-se luzes, e silhuetas apareciam às janelas dos dormitórios. Acordados pelo tiroteio, os
"cow-boys" que não tinham sido convocados para o conselho de há pouco, procuravam saber o que acontecia no rancho àquela hora.
- A mim! berrava Bart Morgins. Prendam-nos... Não os deixem fugir.
Simon Luke tinha-se juntado ao grupo. Ainda atordoado pela pancada que recebera, voltou a si quando os seus companheiros atiravam pela janela. Recordou imediatamente
o que lhe sucedera. Agarrando-se à mesa levantou-se com dificuldade.
- "Damn Que concerto é este?
Em poucas palavras, um "cowboy" informou Simon Luke. Uma blasfémia escapou-lhe, quando soube que não só Catamount se tinha escapado, como tinha conseguido telefonar
para Del Rio
- É preciso proceder depressa, gritou Bart Morgins. Se eles conseguem escapar vivos estamos perdidos.
Novos tiros ecoaram no pátio. Os cowpunchers, saídos dos dormitórios próximos, atiravam ao acaso na direcção que lhes indicava o "boss".
A escuridão protegia Catamount e joy. No entanto, os dois fugitivos repararam que tinham a retirada cortada, pois Bart Morgins tinha enviado um certo número dos
seus apaniguados para o outro extremo do pátio, de modo que os dois caminhos que poderiam tomar para chegar aos cavalos, estavam ocupados.
- Pouca sorte, resmungou Catamount encostando-se ao muro que seguia nesse instante...
Os "cowpunchers" de Morgins, eram agora uns quarenta pelo menos e, de revólver em punho, tinham-se colocado de forma a impedir qualquer ttentativa de fuga, de modo
que o ranger e o seu companheiro tinham que se deslocar com o maior cuidado. Chegaram assim junto do edifício que servia de forja quando, de súbito, Joe estremeceu.
Um ligeiro ruído fazia-se ouvir por trás dele. Alguém abria uma porta.
O rapaz afastou-se bruscamente, pronto a atirar contra o importuno que assim intervinha, mas uma voz tranquilizou-o.
- Está sossegado, "old boy"! É Worker...
- Worker!
A fisionomia de Joe animou-se. O reaparecimento do "cowpuncher" num momento tão crítico
enchia-o de satisfação e, enquanto Catamount se mantinha em guarda não sabendo de que se tratava, Worker insistiu:
- Venham! Tranquemo-nos na forja. É o único lugar onde podemos ter esperanças de resistir a estes tipos.
XVII
O Cerco da Forja
Joe apressou-se em tranquilizar o ranger:
- Worker é um amigo, disse. Foi graças a ele que te pude libertar.
- Por favor! insistiu o "cow-boy". Não se demorem mais.
Worker acabava de dizer estas palavras, quando uma nova série de tiros se fez ouvir. Os homens de Bart Morgins, impacientes por não verem os dois fugitivos, atiravam
ao acaso para a zona de sombra.
Desta vez Catamount não hesitou mais. O rapaz já se tinha esgueirado pela abertura. Seguiuo, e por trás deles, Worker trancou a porta.
Reinava a mais completa escuridão no interior do refúgio. Ao fundo, um raio de luar, filtrando-se por uma janela, vinha iluminar uma bigorna.
Uma nova salva, saudou o desaparecimento do pequeno grupo. Os "cowpunchers" tinham ouvido bater a porta e atiravam nessa direcção. Bart Morgins vociferou:
- Maldição! Estão barricados na forja!..
Alguns, poucos, aventuraram-se direito ao edifício, mas desta vez uma série de detonações
partiram da forja mesmo. Três "cowpumchers", atingidos pelas balas que lhes acabava de enviar Catamount, recuaram praguejando, enquanto os restantes se apressavam
prudentemente em procurar um abrigo.
- Espero que esta pequena amostra, torne aqueles gentlemen" um pouco mais circunspectos, disse o homem dos olhos claros. Certamente dar-nos-ão uns minutos de descanso.
E durante esse tempo, vais-me contar tudo o que te sucedeu, "my boy", e por que acaso nos encontramos aqui.
O rapaz apressou-se a descrever em que circunstâncias tinha conseguido inutilizar os planos tenebrosos dos bandidos. O homem dos olhos claros ficou sabendo pois
como o seu jovem companheiro tinha sido levado a escrever a famosa missiva que o tinha feito ir a "Buzzard Creek".
- Se tivesses ficado tranquilamente na escola de Del Rio, nada disto teria acontecido, observou o ranger.
- E não teria comigo estes papéis...
Dizendo isto, Joe, levou a mão à algibeira, onde pouco antes tinha guardado as cartas subtraídas ao cofre de Bart Morgins, com a preciosa cumplicidade de Worker.
Mas como Catamount, por causa da escuridão, nada conseguisse ver, acrescentou:
- Creio ter aqui as provas da culpabilidade de Bart Morgins.
- "God Almighty"! Se conseguiste isso, és digno de figurar entre os rangers...
O homem dos olhos claros não tentou esconder a alegria que lhe causava aquela notícia. Há muito tempo já que procurava encontrar aquelas provas. Mas Worker, que
esperava perto da janela, interveio:
- Creio que o "boss" tinha um cuidado especial com esses papéis. Hão-de lhe interessar bastante, mas entretanto convém tomar atenção, pois ouço mexer no pátio.
Mal o "cow-boy" acabava de pronunciar estas palavras, quando uma nova salva veio espatifar os vidros da janela.
Bart Morgins, desesperado pela fuga dos dois companheiros, incitava os seus homens.
- Temos que acabar com isto, vociferou ele. Aqueles bandidos estão na forja. Para a frente!...
O "ranchman" compreendia que não tinha muito tempo. Se o Major Morley e os seus homens viessem depressa, chegariam antes da alvorada; nessas condições, tinha que
agir com a maior rapidez. E como os seus vizinhos parecessem hesitar:
- "Damn"! Estarão vocês com medo? Quarenta contra dois...
Bart Morgins ignorava que Worker estivesse na forja e que tivesse dado um apoio tão precioso ao ranger. Arrastando consigo os "cowpunchers", precipitou-se para o
edifício onde se abrigavam os fugitivos, tendo o cuidado de se manter sempre na sombra.
- Tomem cuidado! Principalmente não se exponham!...
O conselho era supérfluo. Pouco antes, os homens do "Estrela 98", tinham tido ocasião de ver a rapidez da resposta de Catamount. Avançaram pois rastejando, contornando
o pátio e esforçando-se por se aproximar da forja sem serem vistos.
Os assaltantes manobravam com o maior cuidado mas, no interior do refúgio, os três ameaçados mantinham a maior vigilância, tendo cada um tomado conta duma abertura,
prontos a atirar contra a mais pequena sombra suspeita.
- Este silêncio não me diz nada de bom, disse Worker. Devem estar a preparar alguma.
Era também a opinião de Catamount, que se contentou em declarar:
- Basta aguentar até de madrugada! Os ran gers virão levantar o cerco.
A calma mantinha-se, mas os três fugitivos não conseguiam desfazer a impressão de mal-estar que sentiam. Aquela tranquilidade prolongada não era de molde a tranquilizá-los.
Subitamente, uns ruídos suspeitos fizeram-se ouvir. Joe, que se içava para a sua janela, teve que recuar precipitadamente, pois uma série de detonações fizeram-se
ouvir, e as balas, atravessando a madeira da porta, vieram enterrar-se no chão de terra batida.
Instintivamente, Catamount e os companheiros tinham-se agachado. Do lado de fora, soavam gritos de guerra.
- A dança recomeça, gritou o ranger. Não desperdicem munições.
Um choque surdo seguiu de perto esta recomendação, fazendo a porta estremecer. Simon Luke e cinco dos "cow-boys", tinham-semunido duma gigantesca trave, ao passar
em frente dum armazém, e agora, servindo-se dela como dum ariete, atacavam a porta. Por três vezes voltaram ao assalto sem conseguir abalar o obstáculo, quando novas
detonações estalaram no interior do refúgio. Atingido em pleno peito, Simon Luke abateu-se Dois companheiros caíram também, enquanto os restantes se punham em fuga,
pouco interessados em ter a mesma sorte.
- Cobardes! Vocês todos não passam de cães cobardes! rugia Bart Morgins, enfureicido com esta nova derrota.
O "ranchman" esbracejava de fúria e, como os seus vizinhos não mostrassem grande vontade de se expor ao tiro do ranger, berrou:
- Fogo! Não hesitem em os abater como cães.
O tiroteio recomeçou com mais força, escalavrando as paredes da forja. Muitos projécteis atravessaram a madeira da porta, mas tendo- se os três fugitivos estendido
no chão, nenhum foi atingido.
Durante alguns minutos, aquela orgia de tiros continuou.
- Enervam-se, declarou fleumàticamente Catamount. É bom sinal.
O ranger tinha tornado a carregar o seu "Colt". E de repente afastouse rastejando.
- Onde vais? perguntou Joe.
Tomar um pouco de ar! Custa-me imenso estar a encaixar desta maneira sem responder. E como não quero desperdiçar munições, pretendo ver um pouco melhor aqueles cavalheiros.
O rapaz quis seguir Catamount, mas o ranger fez-lhe sinal para ficar onde estava.
- - Atenção! Não quero imprudências.
- No entanto tu vais...
- Não é a mesma coisa. Eu já estou muito prático neste joguinho. Mas para ti é muito perigoso.
De boa ou de má vontade, Joe, teve que se resignar a ficar com Worker no interior da forja. O tiro dos assaltantes tornava-se menos nutrido. Visivelmente, cansavam-se
de gastar munições sem resultado visível.
Catamount alcançou o fundo do refúgio. Um alçapão abria-se por cima da sua cabeça, permitindo chegar ao telhado. Passando o revólver à cintura, o ranger içou-se
por essa abertura, depois de a ter aberto. Poucos segundos depois, avançava, rastejando pelo telhado. Conseguiu atingir-lhe a beira
sem chamar a atenção dos sitiantes. Chegando junto da chaminé, escondeu-se-lhe por detrás e, pegando no "Colt", examinou atentamente os arredores.
Os corpos de Simon Luke e dos dois feridos, jaziam perto da trave abandonada. No entanto, foi sem sucesso que o ranger tentou avistar qualquer dos acólitos de Bart
Morgins.
De repente, o ranger estremeceu. A pouca distância, avistava uma silhueta que avançava cautelosamente. Um dos assaltantes tentava aproximarse da forja. Lentamente,
o homem dos olhos claros estendeu a mão. Um relâmpago cortou a escuridão. O indivíduo alvejado, caiu para trás, atingido em cheio na cabeça.
Vociferações e gritos de raiva acolheram a queda do bandido. Numerosas detonações lhe responderam e as balas assobiaram em redor da chaminé. Catamount encolheu-se
atrás do seu esconderijo, e depois, guiado pelos relâmpagos dos tiros, atirou por sua vez. Novos gritos, indicaram-lhe que mais uma vez as suas balas se não tinham
perdido.
- Temos que acabar com isto! Não podemos estar por mais tempo postos em cheque por aqueles miseráveis.
Bart Morgins, já não se podia conter. Os acontecimentos tinham-se desenrolado com tal rapidez desde o começo da noite, que custava ao "ranchman" convencer-se da
realidade dos factos. E ainda menos seguro se sentiria se tivesse conhecimento do assalto que lhe fora feito ao cofre. Por mais grave que fosse a situação, ainda
esperava abater o ranger e o seu desconcertante aliado antes da chegada dos cavaleiros de Del Rio e depois, de acordo com os seus homens que mediam também a extensão
do perigo, tentar encontrar uma versão susceptível de
explicar a morte dos seus adversários. À falta de provas, o Major Morley regressaria a Del Rio, e Bart Morgins saberia arranjar as coisas de modo a que não houvesse
consequências desagradáveis. Era por isso que o miserável desejava acabar com os adversários o mais depressa possível. Como os "cowpunchers" ainda hesitassem, reuniu-os
à sua roda e disse-lhes:
- Fiquem sabendo, que já não podemos recuar. Se deixarmos escapar estes dois tipos, eles não nos darão quartel. É preciso acabar com eles em menos de uma hora, senão
cada um de nós pode contar com um par de algemas nos pulsos.
Um surdo murmúrio acolheu estas palavras do "ranchman". Os homens do "Estrela 98" não tinham a consciência muito tranquila. Todos eles sabendo a que escuros negócios
se dedicava o seu chefe, podiam-seconsiderar solidários na boa e na má sorte.
Aproveitando a calma que se produzia, os homens do "Estrela 98" reuniram conselho. As perdas que tinham sofrido eram severas. A morte de Simon Luke logo em seguida
à de Pepe, privava Morgins dos seus melhores auxiliares.
- Se queremos acabar com eles custe o que custar, arriscou um dos homens, não vejo senão um processo.
- Qual? perguntou o "ranchman".
- O fogo! Temos que fritar o ranger... Contornando a forja, isso afiguras-se possível. Pois não podemos pensar em passar em frente do edifício. Seríamos reduzidos
a passadores mesmo antes de alcançar a porta.
Bart Morgins fez uma careta. Não lhe agradava muito, efectivamente, destruir a forja, que era uma das mais bem instaladas da região, no entanto compreendeu
que não podia recuar. Nem que tivesse que perder o rancho todo na aventura, a perspectiva de se sentar na cadeira eléctrica era muito menos sedutora. Para mais,
lembrouse dos rangers que deviam galopar a toda a brida para o "Estrela 98".
- Despachem-se! Temos que acabar com isto o mais depressa possível!...
Sem ruído, os "cow-boys" que tinham contornado os edifícios próximos da forja, afastaram-se. Iam procurar matérias inflamáveis que lhes permitissem incendiar rapidamente
o reduto onde se ocultavam os intrépidos sitiados.
Catamount, esperava sempre, postado junto da chaminé. Esta acalmia fazia-lhe temer complicações próximas. Demais, o céu que até ali tinha permanecido claro, cobria-se
de nuvens. A lua escondeu-se, e os arredores envolveram-se na mais profunda escuridão.
O ranger e os seus companheiros, que esperavam no interior da forja, imaginaram que os seus adversários iam aproveitar as circunstâncias para desenvolver furiosamente
os seus ataques.
O Major Morley e os seus cavaleiros, já devem ter percorrido, pelo menos, metade da distância que os separava de nós, pensou o ranger. Desde que não cheguem tarde
de mais!...
Por seu lado, Joe, sentia-se muito preocupado. O rapaz desejava de todo o coração a chegada dos rangers de Del Rio, mas não era por ele que tremia. Durante a nova
trégua que concediam os assaltantes, pensava em Sybil. As poucas palavras ouvidas antes, não lhe podiam deixar a mais leve dúvida. A rapariguita tinha caído de novo
nas mãos do seu padrasto, de modo que o protegido de Catamount sentia-se impaciente por recobrar a liberdade
de movimentos a fim de lhe poder acudir e de livrá-la das garras daquele monstro.
Worker, por sua vez, sentia-se contente por ter tomado o partido da justiça. As imprecações e as ordens furiosas que ouvia a Bart Morgins, faziamlhe ver a que estado
de exasperação tinha chegado o seu antigo patrão. E espantava-se que os socorros ainda não tivessem chegado, pois continuava convencido que os rangeirs se encontravam nos territórios do rancho.
Uma detonação, arrancou os reclusos às suas reflexões.
- Recomeça a festa, resmungou Joe entre dentes.
Catamount tinha efectivamente disparado, pois acabava de surpreender uns ruídos suspeitos nas traseiras da forja. Deitando-se ao comprido atirara na direcção de
que vinha o ruído. Um grito, indicou-lhe que tinha atingido um adversário, mas no momento em que, arrastando-se de gatas, se dispunha a atingir a borda do telhado,
uma espessa nuvem de fumo elevou-se por trás do refúgio, envolvendo-o completamente.
- Maldição! rugiu o ranger. Vão incendiar a forja.
Por cinco vezes, Catamount premiu o gatilho do seu "Colt", sempre na mesma direcção, mas a fumaceira impediu-o de visar. Depressa a atmosfera se tornou de tal ordem,
que o obrigou a retroceder, meio cego, até ao alçapão.
-Alerta... Fogo!... gritava Worker...
Querem-nos assar, mas paciência! Ainda não nos agarraram.
Num instante, o ranger, alcançou o alçapão e deixou-se escorregar para o interior da forja.
- Desta vez apanhámo-los!... Gritou a voz de Bart Morgins.
- Ainda não! Mas se queres vem-nos buscar.
O "ranchman" teve o cuidado de não responder ao desafio do ranger, continuando a reunir os seus homens que tinham ido buscar fardos de palha e feno a um armazém
próximo.
- Desta vez, parece-me bem que o incêndio andará mais depressa que os rangers! troçou Bart Morgins, prudentemente escondido atrás duma parede, a cerca de vinte passos.
Os outros "cowpunchers", também se tinham protegido observando o edifício em redor do qual, cada vez aumentavam mais as colunas de fumo. Pouco decididos a exporse
ao tiro de Catamount, os bandidos esperavam, prontos a abater quem quer que tentasse sair do refúgio em chamas.
XVIII
Libertados
- O caso começa a tornarse sério.
Catamount e os dois companheiros, avistando um reservatório, esforçaram-se por combater o fogo. Infelizmente, os baldes de água que deitaram nas chamas, não fizeram
mais que aumentar o fumo que invadia o refúgio.
A atmosfera tornava-se cada vez mais irrespirável...
- É preciso sair, disse Worker.
- Cuidado! preveniu o ranger. Pode estar certo que todas as saídas estão vigiadas.
- Que importa isso? Prefiro acabar com uma bala no corpo, que cozinhado como um porco.
- Worker, protestou Joe, por amor de Deus não faça essa imprudência.
O "cowpuncher" não respondeu, tinha coberto a cara com o lenço, depois de o ter molhado; dentro do refúgio, cada vez se tornava mais difícil resistir. A toda a roda
se ouvia o roncar do incêndio. A palha e o feno amontoados pelos homens do "Estrela 98" inflamavam-se com uma rapidez desconcertante, e como a forja fosse construída
em madeira de carvalho e de pinho, tornava-se um alimento fácil para o fogo.
- Tanto pior, arrisco! Isto aqui está insuportável.
- Worker! gritou Joe. Não saia...
Mas já a "cowpuncher" tinha idestrancado a porta... Catamount quis segurá-lo, mas uma nuvem de fumo, entrando pela porta entreaberta, fê-lo recuar meio cego.
- Imprudente, resmungou o ranger.
Mal acabava de pronunciar estas palavras, quando estalaram várias detonações. Worker, que acabava de sair da barreira de fumo que rodeava a forja, caiu com o rosto
contra o chão.
A queda do infeliz foi acolhida por autênticos urros de vitória.
- É o ranger, gritou uma voz.
- Não me parece, retorquiu outra. O ranger é mais alto.
- Em todo o caso, não é o garoto.
Bart Morgins, hesitou durante uns momentos, mas depressa, incapaz de dominar a sua impaciência, atreveu-se a rastejar até junto do corpo. Imóveis, os "cow-boys"
olhavam-no, esperando a todo o momento que atirassem sobre ele da forja.
No entanto, o fumo era espesso de mais para que do refúgio se visse o "cattleman". Depressa chegou
junto do morto, e arrancou-lhe o lenço que lhe cobria o rosto.
- Worker! exclamou ele desconcertado. Como estaria ele ali?
O "cowboy" tinha sucumbido à sua imprudência. Durante uns momentos, Bart Morgins, imobilizou-se. Nunca tinha pensado que Worker pudesse estar fechado com o ranger.
- "Damn"! exclamou por fim. Compreendo. O malandro estava-nos a trair.
Afastando com o pé o cadáver ainda quente, voltou para junto dos seus homens:
- "Hello", "boss"! Era o ranger?
- Vai para o diabo! Era Worker...
- Worker?...
Esta resposta do "ranchman", provocou no meio dos homens uma impressão de mál-estar. Os olhares viravam-se com inquietação para o refúgio, onde o ranger permanecia
com o seu companheiro, quando um grito de rebate se fez ouvir:
- Alerta! Vem aí cavaleiros.
Efectivamente, um numeroso grupo chegava à rédea solta. Em poucos segundos, os recém-chegados, saltaram abaixo dos cavalos e, armados de carabinas, precipitaram-se
para a forja...
- Salve-se quem puder!... Os rangers!...
Bart Morgins e os seus acólitos não esperavam tão cedo os camaradas de Catamount. O Major Morley, sabendo o seu mais precioso auxiliar em perigo, não tinha hesitado
em tomar o comando de trinta dos seus homens e intervinha com uma rapidez infernal. Vendo umas silhuetas que tentavam fugir, deu voz de fogo, e imediatamente se
verificou uma debandada geral entre os homens do "Estrela 98".
No seu refúgio, que a todo o momento ameaçava desabar, Catamount e Joe também tinham ouvido o ruído da cavalgada. Então, incapazes de se manter mais tempo naquele
meio de fumo, saltaram para fora do refúgio, surgindo a poucos passos do ponto onde estava o corpo de Worker. Mas os acólitos de Bart Morgins, nem pensaram em os
abater. A intervenção dos rangers mergulháva-os num terror louco. Correndo quanto podiam, dirigiam-separa o "corral".
Revólver em punho, coberto de fumo, Catamount avançava na companhia de Joe, para junto do seu chefe.
- "Hello", Major!... "Hello"... gritou ele logo que chegou ao alcance de voz.
- Catamount!...
O chefe dos rangers teve dificuldade em identificar o seu auxiliar. Mal os dois se encontraram em presença, o ranger, depois de apertar calorosamente a mão ao seu
chefe, exclamou:
- Não se pode perder um instante. Temos que prender o bando todo.
Falando assim, o homem dos olhos claros, indicava as silhuetas dos bandidos que corriam, tentando escapar até junto dos cavalos.
- Avante! comandou imediatamente o Major. Agarrem-me esses malandros.
Começaram a estalar tiros, disparados de um lado e doutro. Nesse intervalo, o telhado da forja abateu com grande estrondo, no meio de uma chuva de fagulhas.
- Já era tempo, gritou Joe que seguia Catamount.
Desde o princípio da acção, o rapaz, tinha dado provas duma coragem indomável. Com o fato queimado e o rosto preto de fumo, não tinha dado o
mais leve sinal de desfalecimento. Queria mostrar-se à altura do seu grande amigo.
Quanto a Bart Morgins, podia já concluir que os acontecimentos se viravam contra ele. Privado dos seus melhores auxiliares, tentava reunir os restantes "cowpunchers",
mas estes tinham mais em que pensar para se pôr a salvo. Tentavam atingir os cavalos, mas os homens do Major Morley, mantendo um fogo nutrido através do pátio, impediam
quem quer que fosse de o atravessar. Os bandidos viam-se por consequência obrigados a esconder-se por trás dos edifícios. Perto, começavam a surgir novos focos de
incêndio. Um armazém de feno começou a arder, espalhando uma fumaceira acre, que tornava a atmosfera irrespirável.
Enquanto de parte a parte se trocava nutrido tiroteio, Bart Morgins, retirou precipitadamente para a habitação. Antes de fugir, o "ranchman", desejava destruir as
cartas e os papéis comprometedores que tinha no cofre. Esgueirando-se entre os edifícios, atingiu a casa, entrando pela porta de serviço que pouco antes servira
a Joe e a Worker. Precipitadamente, correu ao escritório, mas quando afastou a carta do Texas, deixou escapar uma exclamação de raiva.
- Roubado! Fui roubado.
Num rápido golpe de vista, pôde verificar que em redor tudo se encontrava na maior desordem. A Vénus de Milo que servira para abater Simon Luke, jazia no tapete
ao pé de um molho de chaves. Morgins pegou nelas com uma mão que tremia. Rapidamente abriu o cofre. Fora, as detonações e os gritos multiplicavam-se, os rangers
continuavam a avançar metodicamente, abatendo os poucos "cowpunchers" que tentavam opor-se.
Aberto o cofre, Bart Morgins, sentiu a sua dúvida confirmada. Foi sem resultado que procurou as famosas cartas. Exasperado, o bandido, passou a mão pela testa:
- Perdido! Estou perdido! rugiu ele.
Mas já não tinha tempo a perder. O tiroteio aproximava-se cada vez mais. Dentro de poucos instantes, os homens do Major Morley estariam ali. Convinha pois fugir
e tentar atingir a fronteira o mais depressa possível. Era o único meio de escapar ao castigo.
Apressadamente, encheu as algibeiras de dinheiro e saiu pela cozinha.
O incêndio tomava proporções cada vez mais vastas; mas que importava isso ao fugitivo? O necessário era salvar a pele. Também que importavam os "cowpunchers", que
desconhecendo a fuga do seu indigno chefe, se faziam matar em sua defesa?
Continuando a ser impossível passar pelo pátio, o "ranchman" tentou alcançar o "corral" dando uma grande volta. Correndo quanto podia pelo jardim, escondendo-se
atrás dos maciços de árvores, aproximou-se dos cavalos.
Dentro do cercado, os animais encostavam-se uns aos outros, assustados com os progressos do fogo.
Avistando um alazão, marcado com uma estrela branca na testa, Bart Morgins montouo, sem sequer se demorar a procurar uma sela e um arreio.
- "Go ahead"! gritou ele, esporeando vigorosamente o animal, e dirigindo-se para a cancela, que tinha deixado aberta para trás.
Os outros cavalos seguiram o alazão, enfiando em grande tropel pela abertura. Seguiam a todo o galope, espavoridos com o incêndio e Bart Morgins, inclinado sobre
o pescoço da sua montada, felicitava-se
por esta circunstância que lhe facilitava a fuga.
A pradaria estendia-se agora diante do fugitivo. Incitando o animal, Morgins, esperava beneficiar da confusão que ia no rancho, quando se ouviu um grito. Intrigado,
o miserável, voltou-se e soltou uma imprecação ao ver dois cavaleiros que se lançavam em sua perseguição.
- "Damn! Catamount!... berrou ele apavorado.
O "ranchman" não se enganava, era de facto Catamount que intervinha, imediatamente seguido por Joe. Os dois companheiros, depois de combater durante um certo tempo
os homens do "Estrela 98" que recuavam passo a passo diante deles, tinham-se aproximado do "corral" desejosos de cortar qualquer saída a Bart Morgins e aos seus
acólitos. Pensavam que os bandidos tentariam alcançar esse ponto. Joe, conduzira portanto o ranger até ao ponto onde tinha deixado "Mesquita" e o cavalo de Worker.
Os animais tinham permanecido ali amarrados, de modo que, rapidamente, os dois companheiros trataram de os montar.
- O "corral" está vazio! Os cavalos estão a fugir!
Os dois amigos rodearam a vedação, guiados pelo ruído da cavalgada. Como o luar rompesse entre duas nuvens, avistaram a recua em fuga, e o cavaleiro que a precedia...
- Morgins! rugiu Joe. É Morgins que foge!...
O protegido de Catamount identificara imediatamente o fugitivo pelo fato preto que o distinguia dos seus acólitos.
Então, começou a caça ao homem. Compreendendo que a sua vida estava em jogo, o "ranchman" esporeava o cavalo, ensanguentando-lhe os flancos e endoidecendo-o de dor.
- Mais depressa! Ainda mais depressa! gritava ele.
Mas os perseguidores ganhavam terreno. "Mesquita", feliz por ter encontrado o dono, corria com a rapidez duma flecha. Joe tinha dificuldade em se manter na esteira
do homem dos olhos claros.
Catamount nem pensava no seu companheiro. Queria tirar a desforra, acabando com aquele perigoso assunto, capturando e confundindo o criminoso, que durante tanto
tempo tinha enganado a justiça.
Durante perto de dez minutos, Bart Morgins tentou fugir, mas a falta da sela tornava as suas evoluções difíceis. Cada vez que se virava para trás, podia verificar
que o ranger ganhava terreno implacàvelmente. Então, desesperado, pegou no revólver e, apontando para Catamount que o seguia a quinze passos, premiu por seis vezes
o gatilho.
Bart Morgins, em condições normais, era um atirador temível. No entanto, o nervosismo que o dominava, impediu-o de acertar no seu perseguidor. As balas assobiaram
inofensivas aos ouvidos de Catamout, que sem se intimidar conltinuou a incitar "Mesquita". A sua voz clara dominou o ruído da cavalgada.
- Inútil ir mais longe, Morgins. Está apanhado.
- Vai-te para o diabo!
O "ranchman" continuava a fugir. A aproximação do castigo enchia-o de terror. Pegou no outro "Colt", e tornou a atirar em pleno galope, sem mais sucesso que anteriormente.
Decididamente, Catamount parecia invulnerável.
Então, o ranger, decidiu acabar com aquilo. A todo o galope, pegou no "lasso" que lhe pendia
da sela e desenrolando a corda fê-la voltar por cima da cabeça.
Poucos passos apenas separavam os dois cavaleiros. Morgins, que adivinhava as intenções do seu adversário, cozeu-se com o pescoço do cavalo a fim de dar menos presa
ao "lasso". Trabalho inútil. Ouviu-se um ligeiro silvo e o nó corredio, lançado por mão de mestre, enrolou-se no pescoço do alazão que se empinou, travado em plena
corrida.
O bandido ainda se quis segurar às crinas do animal, mas este, com uma violenta cangocha, fê-lo rolar na erva.
Durante uns momentos, atordoado pela queda, o "ranchman" manteve-se imóvel. Sacudindo o atordoamento tentou levantar-se. Mas já Catamount surgia junto dele, com
o revólver em punho.
- Mãos no ar, Morgins! Está apanhado!
Na mão esquerda, o ranger, segurava um objecto brilhante... Um par de algemas... Bart Morgins tentou um movimento de recuo. A perspectiva castigo apavorava-o...
mas a arma continuava dirigida contra ele.
- Renda-se Morgins. Bem vê que toda a resistência é inútil. Ao mais pequeno gesto hostil da sua parte, abato-o como um cão.
O "ranchman deixou escapar uma surda imprecação, depois, resignadamente, levantou as mãos. As pulseiras de aço fecharam-se em redor dos seus pulsos.
- Eu bem lhe dizia, Morgins. A justiça acaba sempre por triunfar.
O miserável baixou a cabeça. Lembrava-se da recente cena, em que julgava ter Catamount à sua discrição.
A intervenção de Joe, fez o ranger virar a cabeça O rapaz acabava de chegar, com o rosto
inundado de suor, mas radiante por ver Morgins reduzido à impotência.
- Podes estar satisfeito, "my boy" Sem ti nunca se conseguiria este resultado.
- Então não estás muito zangado por eu ter fugido da escola?
- Evidentemente que não. Foi a providência que te fez evadir de lá.
A conversa não se prolongou. Agora que a vitória era completa, o rapaz pensava em Sybil, a sua pequena amiga, que tinha caído de novo nas garras do seu carrasco.
- É preciso encontrá-la, disse ele olhando suplicantemente o ranger. Desde que não seja muito tarde. Aquele homem é um monstro. Seria muito capaz de a matar.
Joe sentia-se derreado pelo esforço que acabava de fazer, no entanto, pensava no perigo que corria aquela a quem devia a liberdade.
Catamount estava indeciso. A vontade de socorrer a rapariga, não lhe fazia esquecer a necessidade de vigiar o prisioneiro. Por maior que fosse a pressa do seu protegido,
não o podia seguir antes de entregar o prisioneiro ao seu chefe.
Felizmente, ouviram o ruído duma cavalgada que se aproximava. No grupo de cavaleiros, Catamount reconheceu com alegria os rangers, que o Major, tendo dominado o
rancho, mandava à sua procura. Poucos minutos bastaram para lhes entregar o "ranchman".
- Digam ao Major que irei ter com ele logo que possa, declarou ele simplesmente. De momento, tenho ainda uma missão a cumprir.
Montado em "Mesquita", e seguido de Joe, o homem dos olhos claros afastou-se na direcção do
Sul. Os primeiros alvores, começavam a despontar no horizonte.
XIX
O homem do gancho de ferro
- Pode-me bater! Não direi nada.
- Pois terás que falar, cadela! Traíste-me, soltaste o garoto. Hásde pagar cara a tua ousadia.
Sybil contorcia-se desesperadamente nas cordas que a amarravam, tentando libertar-se. Tinha recuperado os sentidos pouco tempo antes. Dave Crockwell, tinha-a amarrado
solidamente a um poste perto de casa, e a prisioneira esperava, ajoelhada na erva, com o rosto convulsionado pelo pavor.
A infeliz julgava viver um horrível pesadelo. Pouco a pouco voltavam-lhe as recordações. Lembrava-se da sua fuga com Joe e da fatalidade que a tinha feito cair de
novo nas garras do seu padrasto. Depois desse dramático episódio, era como se um buraco se tivesse aberto na sua memória. O cenário familiar que a rodeava, mostrava-lhe
que o miserável a tinha trazido para casa. E o seu desmaio devia ter sido prolongado, pois o sol aparecia por trás das colinas, iluminando a pradaria com os seus
primeiros raios.
- Onde está o outro? perguntou Dave, apoiando o seu punho brutal no ombro da rapariga.
- Não sei! Pois se eu digo que não sei...
- Ladra! Tens que falar. Tu sabes que eu tenho um processo de te desenferrujar a língua...
Um sorriso feroz iluminou o rosto da besta, que se afastou da prisioneira. Depois, aproximando-se da casa, pegou num chicote de cabo curto, que estava pendurado
num prego da fachada.
- Fica sabendo que desta vez é a sério, troçou ele. Se não me dizes onde está o teu amiguinho, mato-te à chicotada. Apanharás até te decidires a falar!
Sybil estremeceu ante esta ameaça, mas foram as mesmas palavras que lhe vieram aos lábios.
- Não sei! Não digo...
- Como queiras.
Dave Crockwell empunhou firmemente o chicote, e fê-lo estalar à sua roda.
- Desde que esqueces a esse ponto o reconhecimento que me deves...
- Reconhecimento?... O senhor é um monstro. Odeio-o. Tratou-me sempre como a um cão! Foi por sua culpa que a minha mãe morreu.
- Basta de choradeiras. Não estamos aqui para sentimentalismos, mas para falar de coisas práticas. O "boss" confiou o rapaz à minha guarda. Por que é que o fizeste
evadir?
- Fi-lo evadir, porque o "boss" e vocês todos não passam duns bandidos. E não hesitarei em denunciá-los.
- Para isso seria preciso que eu te desse ocasião, peste, cortou o bruto com uma voz sibilante. Depois do que fizeste, não supões que te vá deixar andar a passear.
E já que sabes tanta coisa, deves também saber que só os mortos é que não falam.
Sybil nem pestanejou com esta horrivel ameaça. Não temia a morte. A vida não lhe tinha reservado senão desilusões. Apenas desejava que o seu sacrifício não fosse
inútil e servisse para salvar Joe.
Lá em cima encontraria aqueles que amara e cujo desaparecimento não tinha deixado de chorar.
- Então estás decidida? Não me queres dizer onde ele está?
- Nunca! Mil vezes morrer.
- Tanto pior para ti! Foste tu que o quiseste.
Dave Crockwell debruçou-se sobre a desgraçada. O seu gancho de ferro rasgou a camisa da rapariga, deixando-lhe as costas magras a nu. Não era a primeira vez que
o bandido a tratava assim, mas nessa manhã sentia-se doído de fúria. Imaginava o que lhe diria Bart Morgins quando soubesse da fuga do rapaz, e queria-lhe provar
que sabia fazer justiça.
- Cadela maldita, que nunca me deste senão ralações...
Com o rosto horrivelmente contraído, o homem do gancho de ferro, brandiu o chicote. Ouviu-se um estalo, seguido dum grito de dor. A correia abatera-se cortante,
nas costas da infeliz, que se listraram dum traço escarlate.
- Ah! Quiseste-me tramar a vida, libertar o garoto! Ora toma miserável! Apanha! toma mais!
Várias vezes a correia caiu. martirizando as costas da pobre rapariga que cerrava os dentes para não gritar, enquanto o rosto coberto de suor se convulsionava sob
o efeito da dor.
Dave Crockwell batia com fúria. Já tinha dado umas dez chicotadas na sua vítima, quando uma voz clara se fez ouvir:
- Suspende, miserável! Senão...
O bruto, estava tão absorvido a bater na rapariga que nem tinha dado pela aproximação de dois cavaleiros. Catamount estava a dez passos de Crockwell, imediatamente
seguido por Joe Os dois companheiros tinham galopado à rédea solta para
alcançar a cabana do bandido e agora, exasperados pelo espectáculo que tinham debaixo dos olhos apressavam-se em intervir.
- Sigam o vosso caminho e tratem dos vossos negócios. Esta rapariga é minha filha e eu faço dela o que entendo.
Mas calou-se de repente, ao fixar o segundo cavaleiro.
- "By Jove"! O garoto! exclamou ele ao reconhecer o seu antigo prisioneiro.
Deita fora esse chicote! ordenou Catamount muito calmo.
Uma gargalhada foi a resposta do bandido.
- Um minuto, rapaz. Não tenho o costume de me deixar ditar leis pelo primeiro que aparece.
E levantando a mão, preparava-se para de novo bater na prisioneira, quando estalou uma detonação. Com uma rapidez fulminante, o ranger, tinha pegado no revólver,
e antes que Dave Crockwell pudesse prevenir o seu gesto sentiu o chicote voar-lhe da mão. A bala tinha atingido o cabo do chicote que foi cair na erva.
- "Hell"! Vaisme pagar isso bem caro...
- Atenção. Não faças um gesto, senão desta vez aponto à cabeça.
Durante uns momentos, o homem do gancho de ferro, imobilizou-se interdito. Instintivamente levantou a mão donde escorriam umas gotas de sangue. A bala de Catamount
tinha-lhe efectivamente apanhado a pele.
Então, Sybil, endireitou-se. Os seus olhares voltaram-se para aqueles protectores inesperados. A sua aparição parecia-lhe tão providencial, que julgava estar a sonhar,
depois, uma ligeira exclamação escapou-lhe. Acabava de reconhecer Joe, que
saltava abaixo do cavalo e se dirigia para o poste onde ela estava amarrada.
- Ocupa-te da pequena, disse Catamount ao seu companheiro, enquanto eu tomo conta deste infecto malandro.
O ranger continuava a apontar o seu "Colt" para Dave Crockwell que deitava em redor olhares de fera enjaulada. Esperava sem dúvida socorro dos homens de Bart Morgins,
mas o ranger que lhe adivinhou o pensamento disse:
Estás sem dúvida à espera dos teus amiguinhos do "Estrela 98". Podes esperar muito tempo. Estão a estas horas nas mãos dos rangers e têm contas estreitas a prestar
à justiça. E no que me diz respeito acabo de prender Bart Morgins.
- Mentes! protestou o bruto. Ninguém é capaz de prender Bart Morgins! Só Catamount.
- Eu sou Catamount! cortou secamente o homem dos olhos claros.
Esta precisão fez emudecer o bandido. Olhou para o ranger como se estivesse em frente dum ente sobre-humano, mas friamente, Catamount, continuava a visá-lo com o
seu "Colt", pronto a atirar ao mais leve sinal de resistência.
Durante esse tempo, Joe, aproximou-se de Sybil. Estremeceu ao ver o sangue que lhe corria dos ombros, mas vendo que a rapariga estava quase a desmaiar, apressou-se
a cortar as cordas que a prendiam.
- Tu! És tu? disse ela tentando sorrir.
- Vim para te salvar, Sybil. Nunca mais este bruto te fará mal. A hora do castigo soou para ele.
E pegando na rapariga ao colo, levou-a para um banco que havia junto da porta. Depois foi buscar água, começando a tratar das feridas da desgraçada com infinitos
cuidados.
Dave Crockwell continuava sem se mover. Catamount tinha saltado abaixo do cavalo, e aproximava-se para o algemar. O bandido fingia que se submetia.
De repente, Sybil, gritou:
- Cuidado, ele vai atacar.
Catamount saltou bruscamente para o lado. No momento preciso em que se preparava para reduzir o bandido à impotência, Dave, levantando o braço mutilado, tentava
bater no ranger com o gancho de ferro.
- Ah, canalha! Vaisme pagar isso...
O bandido, aproveitando o facto de Catamount já não o ameaçar com o "Colt", atacava, mas o ranger, prevenido por Sybil, conseguiu escapar ao gancho, que em vez de
lhe bater na cara, apenas O apanhou por um ombro. O braço do ranger estendeu-se com uma rapidez fulminante indo atingir o bandido no rosto. Deixando cair as algemas,
o homem dos olhos claros precipitou-se sobre o bruto.
Então, sob os olhares assustados de Sybil e Joe, travou-se uma luta encarniçada. Dave Crockwell era mais alto que Catamount; com uma rasteira derrubou o ranger,
e tentou mantêlo no chão com o seu peso, mas o homem dos olhos claros, conseguiu libertar-se quando o bandido se preparava para lhe bater com o gancho de ferro.
O seu punho atingiu-o duramente no rosto, atordoando-o.
Joe precipitava-se para socorrer o seu amigo, mas o ranger gritou:
- Para trás. Posso bem com ele.
Atordoado ainda, pela pancada terrível que lhe tinha dado o seu antagonista, Crockwell precipitou-se sobre o ranger. Um fio de sangue escorria-lhe da comissura dos
lábios. O ranger não o deixou completar o gesto. Desta vez, atingido na
testa por um murro demolidor, o bruto deixou escapar um "han" de dor, as pernas negaram-se-lhe e caiu desmaiado.
- "Knock-out"! exclamou Joe, entusiasmado com o magistral contra-ataque do seu grande amigo.
insensível aos cumprimentos do rapaz, o ranger apressava-se a ajoelhar junto do vencido e a reduzi-lo à impotência. Em poucos instantes, Dave Crockwell, viu-se desembaraçado
do seu gancho de ferro e solidamente algemado.
Sybil. sentada no banco, sorria. Os cuidados prodigalizados pelo seu jovem amigo, embora sumários, tinham-lhe trazido um real alívio. Agora, tinha a certeza de que
não sonhava.
- Havemos de te proteger, afirmou Joe... E juro-te que nunca mais ninguém se atreverá a levantar a mão para ti.
A voz do rapaz tremia ao pronunciar estas palavras. Sentia-se ainda indignado com o procedimento de Dave Crockwell. Este último, estendido no solo, nem tentava reagir.
Mas Catamount interrompeu depressa o diálogo dos dois garotos.
- Vais tomar conta deste malandro, disse ele ao rapaz, enquanto eu vou proceder a uma busca minuciosa na casa.
De facto, o ranger lembrava-se que Bart Morgins e os seus acólitos, tinham feito várias referências à cabana de Crockwell enquanto ele estivera em seu poder. Sabia
também que havia um telefone na habitação, e portanto pensou que poderia fazer algumas descobertas interessantes. Deixando Joe de revólver em punho a vigiar o bandido
estendido na erva, entrou na cabana.
Durante a cavalgada que efectuara com o seu protegido, tinha recebido umas certas informações
sobre o local onde este estivera prisioneiro e sentia-se intrigado com a alusão que Joe fizera às misteriosas armas que Dave Crockwell escondia com tanto cuidado.
Em menos de meia hora, Catamount, percorreu a habitação, remexeu a cave, depois o armazém. Finalmente, no fundo dum armário, que o bandido nem tinha sequer fechado
à chave, tanto se julgava em segurança, descobriu embrulhadas num pano, as misteriosas armas. Eram simplesmente ferros para marcar gado.
Uma rápida inspecção permitiu ao homem dos olhos claros adquirir a certeza de que a gente de Morgins os utilizava para disfarçar as marcas do gado roubado nos arredores.
- Ora aqui estão uns objectos que caem do céu! monologou Catamount levando o seu precioso achado. Bart Morgins fez mal em me desafiar a encontrar provas suficientes
contra ele. Com as cartas que Joe tem em seu poder, temos com que provar a acusação, até mais do que é preciso. E tudo leva a crer, que muitos dos cúmplices, à aproximação
do castigo, se hão-de decidir a entrar na via das confissões.
Catamount não se demorou mais tempo no refúgio, e mal tinha saído a porta, já Joe o assaltava com perguntas. O ranger contentou-se em mostrar-lhe os ferros.
- Agora, concluiu ele, vamo-nos embora. E virando-se para Sybil, acrescentou:
- Talvez prefiras ficar aqui até nova ordem. O teu estado de fraqueza...
- Por caridade, levem-me... Cortou a pequena. Não quero ficar mais tempo nesta casa. Sofri muito...
Sybil falava com uma voz tão suplicante que Catamount não insistiu mais.
- Joe cuidará de ti, enquanto eu tomo conta deste bandido, e que ele não se lembre de resmungar.
Desta vez, Dave Crockwell, não tentouresistir. Compreendia que se encontrava à mercê do seu vencedor, e que qualquer resistência não faria mais que agravar o seu
caso. Por consequência, deixou-se içar passivamente para cima do alazão.
Poucos minutos depois, o pequeno grupo abandonava a habitação e lançava-se a todo o galope na direcção do "Estrela 98", onde os rangers deviam esperar impacientemente
a sua volta.
XX
Uma missão bem desempenhada
Quando Catamount e os seus companheiros chegaram ao rancho, reinava uma certa efervescência. Depois de terem triunfado da turma de Bart Morgins, da qual apenas uns
dois ou três cavaleiros tinham conseguido fugir, os rangers apressaram-se em combater o incêndio, que já tinha devorado dois armazéns, não contando com a forja que
ficara completamente destruída. Os auxiliares do Major Morley, tiveram no entanto que lutar até às nove horas da manhã, para afastar definitivamente todo o perigo.
Enquanto se trabalhava assim na extinção do incêndio, Bart Morgins aguardava o seu interrogatório,
fechado num pequeno gabinete... e não se podia dizer que estivesse a fazer uma linda figura. De facto, compreendia que desta vez não conseguiria enganar a justiça.
As famosas provas, encontravam-se entre as mãos dos seus vencedores, e as suas poderosas protecções de nada lhe poderiam servir.
Quando Catamount chegou ao rancho, o Major Morley decidiu proceder ao interrogatório dos prisioneiros. Eram exactamente dezassete, apanhados no momento em que se
preparavam para alcançar o "corral" ou para se entrincheirar na casa de Morgins. Surpreendidos pela rapidez desconcertante com que os cavaleiros de Del Rio tinham
intervindo na luta, renderam-se depois duma curta resistência.
Pouco depois das nove da manhã, um grupo de cavaleiros irrompeu pelo pátio. Eram o "sherif" Bob Noxton com o seu "posse". O major tinha-se efectivamente posto, o
mais rapidamente possível, em contacto com o representante da autoridade no distrito, e este, mal saltou do cavalo, aproximou-se do major.
- Protesto indignadamente!... exclamou ele furioso.
- Protesta?... Porquê? retorquiu o major.
- Este assunto era da minha competência e da dos meus "deputies"! O senhor não tem a mais pequena autoridade para operar no território do meu distrito!
- Tenho imensa pena em o contradizer, "sherif", retorquiu o chefe dos rangers, mas dada a carência de autoridades, tivemos que tomar entre mãos um assunto que o
senhor parecia tornar propositadamente insolúvel.
Bob Noxton ignorava o que acontecera ao certo durante a noite. O major tinha-se contentado em o chamar com urgência, sem lhe contar o que se passara. Impassível, o chefe dos rangers, deixouo refilar à vontade.
- Mr. Morgins, continuou ele, saberá dizer-lhe com que zelo e com que constante desinteresse, eu me dediquei à protecção dos cidadãos de "Stiles" e dos arredores.
O "sherif" agitava-se e gesticulava enquanto pronunciava estas palavras. A poucos passos, Catamount fitava-o ironicamente. Os rangers permaneciam imperturbáveis,
enquanto os subordinados de Noxton apoiavam barulhentamente o seu chefe, não escondendo a sua indignação por terem sido mantidos afastados durante tanto tempo.
O "Estrela 98" apresentava nesse momento um aspecto impressionante. Colunas de fumo continuavam a subir dos montes de destroços que ocupavam o local onde tinham
existido os armazéns. Um cheiro acre a queimado, empestava a atmosfera. Um pouco mais adiante, os cavalos, eram reintegrados no "corral", trazidos pelos rangers.
O Major Morley e Catamount, deixaram o "sherif" prosseguir à vontade nas suas queixas:
- Avisarei o governador, finalizou o "sherif" exasperado. Ele saberá aplicar as sanções que se impõe depois dum escândalo destes. Quanto ao Sr. Morgins, ele dirá
com que cuidado eu sempre vigiei os seus interesses.
- Esperava essa afirmação "sherif", interrompeu o major com um sorriso nos lábios. Está pronto a repetir o que disse, diante de todos os meus homens?
- Evidentemente! retorquiu Bob Noxton, um tanto ou quanto intrigado com a pergunta do seu interlocutor. Ele poderá de resto testemunhar.
- com que pressa...
O senhor se tornou cúmplice dum ladrão e dum assassino?
O Major Morley tinhaSe apressado em acabar a frase, e como Bob Noxton se empertigasse com o rosto congestionado, o major explicou:
- Bart Morgins foi preso em flagrante delito, percebe "sherif". Era ele que comandava a misteriosa quadrilha que punha a saque a região de "Middle Concho". Compete-me
agora perguntarlhe se os senhores são cúmplices ou vítimas de Bart Morgins.
Protestos indignados rebentaram a toda a roda. Os "deputies" pareciam desesperados e alguns já levavam a mão à coronha dos revólveres, quando a voz forte de Catamount
se elevou, dominando os murmúrios:
- Calma, "my boys" Não se esqueçam que estão à nossa completa mercê. Ao mais pequeno gesto hostil da vossa parte, não hesitaremos em atirar sobre vocês.
O "sherif" e os seus homens, repararam então, que enquanto discutiam com o major, os rangers os tinham completamente cercado, e que agora, a um sinal do homem dos
olhos claros, tinham empunhado os revólveres e dirigiram-nos para o "posse".
- Isto é uma armadilha infame!... protestou Bob Noxton furioso.
- Exagera, "sherif". De facto, não depende senão de si, que esta discussão se desenrole na maior calma. Parece esquecer que as suas funções e o seu futuro estão
neste momento em jogo.
- Não tem que fazer ameaças! Nunca cederemos diante da força.
O "sherif" ia encolerizarse de novo quando o major o interrompeu:
- Ainda não respondeu à minha pergunta, "sherif", os senhores são vítimas ou cúmplices de Bart Morgins?
- - Estávamos todos de boa fé, respondeu o "sherif" depois duma leve hesitação.
- Estou tristíssimo por ter que o contradizer, mas tenho a prova do contrário!...
Catamount adiantava-se muito calmo, e um movimento de inquietação percorreu o "posse". O homem dos olhos claros, parara junto do seu chefe, tendo na mão uma das
cartas descobertas no maço que Joe tinha encontrado com a ajuda de Worker.
- Isso é uma calúnia infame, vociferou o representante da autoridade, ruidosamente apoiado pelos seus "deputies". Se por acaso Morgins remexeu em assuntos pouco
sérios, estive sempre posto de parte e os meus "deputies" como eu...
- Quer dizer que perdeu a memória, "sherif"?
Catamount desdobrou a carta que trazia; então, enquanto o major impunha silêncio aos protestos, o homem dos olhos claros leu o conteúdo da missiva :
- Prezado Sr. Morgins: em seguimento da nossa conversa do outro dia, ficamos entendidos que poderá contar com o meu auxílio mais dedicado em todas as circunstâncias.
Os meus homens pertencem-lhe igualmente. Fica entendido, que conduziremos os assuntos como melhor convenha aos seus interesses, e que, logo que eu seja eleito "sherif",
ninguém desconfiará da natureza das suas operações.
Bob Noxton tornava-se cada vez mais pálido, à medida que o ranger prosseguia a leitura. Um silêncio glacial pesou sobre a assistência quando Catamount acrescentou:
- E esta carta traz a assinatura bem visível, do respeitável "sherif" Bob Noxton.
Apavorado por esta revelação e não compreendendo como aquele documento podia estar em poder dos rangers, o representante da autoridade quis levar a mão à sua arma,
mas já o homem dos olhos claros, apontava o "Colt" na sua direcção.
- Mãos no ar, "sherif". É a única maneira de lhe evitar uma imprudência que lhe custaria terrivelmente cara.
Bob Noxton, balbuciou umas palavras furiosas, mas constatou com um rápido olhar que os rangers todos, tinham seguido o exemplo de Catamount. Uns vinte revólveres,
estavam nesse momento dirigidos contra o seu grupo. E a voz do ranger acrescentou sarcàsticamente:
- Vê, "sherif"? É sempre muito imprudente escrever. Se o senhor tinha confiança em Bart Morgins, parece que o digno "ranchman" não lhe pagava na mesma moeda. Sabia
bem, que por esta declaração, o teria à disposição de pés e mãos amarrados. Explica-se assim a escandalosa impunidade que ele desfrutava. E se o Major Morley não
tivesse tomado à sua conta a responsabilidade de me mandar em missão neste distrito, era quase certo que Morgins e o seu bando continuariam por muito tempo as suas
proezas. Felizmente, se esse miserável conseguiu arranjar cúmplices por toda a parte, não conseguiu o auxílio dos rangers. Eles não são eleitos, como o senhor o
foi graças ao apoio de Morgins É a ele que deve a sua estrela. Sabendo isto, já se não estranha a complacência que o senhor tinha para com esse bandido.
Desta vez, Bob Noxton e os seus homens, ficaram convencidos. Não esperavam aquela solução, embora se tivessem sentido muito inquietos ao ver
o Major Morley tomar aquele delicado assunto entre mãos.
O chefe dos rangers, dirigiu-se então ao "sherif":
- Depois das explicações que lhe acaba de dar Catamount, explicações que foram recentemente confirmadas pelas confissões que fizeram três "cowpunchers" do "Estrela
98", não se admira, Noxton, que lhe dê voz de prisão, assim como aos seus "deputies", por terem faltado gravemente aos deveres do vosso cargo, permitindo a pilhagem
daqueles que tinham por dever proteger.
Bob Noxton e os seus homens deixaram-se desarmar, e tendo o major feito a sua acareação com os restantes prisioneiros, as suas declarações foram absolutamente concludentes.
Vendo-se desmascarado, Bob Noxton acusou deliberadamente o "ranchman" e este pagou-se na mesma moeda, o que valeu ao chefe dos rangers novas informações de grande
interesse. Muitos testemunhos por escrito foram dados pelos acólitos de Morgins, que esperavam assim ganhar as boas graças da justiça.
A questão de "Middle Concho", teve uma repercussão enorme em todo o Texas. Vários políticos foram acusados de complacências para com o acusado e este, vendo-se abandonado
pelos seus antigos protectores, fez novas revelações. Bob Noxton, por seu lado, também não se privou de falar.
No dia do julgamento, perante uma assistência considerável, três deposições tiveram um êxito extraordinário. Primeiro a de Catamount, que descreveu
como tinha desempenhado a sua difícil missão, e como Joe Cromer o tinha auxiliado a triunfar!
O coração do rapaz, batia fortemente ao sentar-se no banco das testemunhas. Sentia-se intimidado pelas centenas de olhares que convergiam sobre ele. Encorajado pelo
presidente, precisou em que condições tinha travado conhecimento com Simon Luke e como tinha sido levado a desempenhar naqueles acontecimentos um papel de primeira plana.
A emoção foi enorme, quando se procedeu à audição da terceira testemunha. Ainda mal refeita dos ferimentos, Sybil, veio expor como vivia com Dave Crockwell. Protestos
indignados partiram do público, quando se soube dos maus tratos que o miserável infligia à sua vítima.
No banco dos acusados, que eram exactamente quarenta e um, Bart Morgins, Bob Noxton e Dave Crockwell faziam triste figura. Ninguém teria reconhecido o arrogante
"ranchman", que pouco tempo antes ditava a lei no distrito de Styles, e quando o veredicto foi pronunciado, condenando os três principais culpados à morte e os restantes
em diferentes penas que iam até à prisão perpétua, Bart Morgins esteve prestes a desmaiar.
Terminados os debates e pronunciada a sentença, uma grande multidão juntou-se na praça de Del Rio para aclamar Catamount e o seu jovem companheiro. Os dois amigos
viram-se em sérias dificuldades para escapar aos seus admiradores. Muito corada, Sybil, mantinha-se junto deles.
Aclamações estalavam de todos os lados, e a polícia tinha dificuldade em afastar os curiosos, quando, de repente, uma senhora acompanhada por dois homens vestidos
de preto se aproximou do ranger.
Catamount admirava-se que os guardas tivessem deixado passar o trio, quando o mais velho dos dois homens lhe disse:
- Vimos da parte da Liga de Protecção à Infância...
O ranger franziu a testa, enquanto Sybil se agarrava a Joe. A aparência daqueles três indivíduos não lhe dizia nada de bom, e um secreto instinto indicava-lhe que
era dela que se tratava, mas já o homem dos olhos claros perguntava:
- Que desejam ?
- Vai compreender, disse a senhora num tom adocicado. O pai desta infeliz criança foi condenado. A pobrezinha está agora sem família. De modo, que em nome da Liga
de Protecção à Infância, vimos-lhe pedir que no-la confie.
- Confiar-vo-la ?...
O rosto do ranger endureceu. Desde que tinham voltado do "Estrela 98" tinha abrigado a pequena juntamente com Joe. As duas crianças tinham-se tornado os melhores
amigos do mundo.
- Saberemos cuidar da sua educação! insistiu a senhora, vendo a hesitação que mostrava o homem dos olhos claros.
Uma sombra passou pelos olhos de Joe. Entrevia as consequências daquele pedido. Ainda tinha presentes os acontecimentos da escola "Abraham Lincoln", as perseguições
de Mr. Pettywood e dos companheiros. Sybil iria ficar fechada num desses estabelecimentos, onde toda a personalidade desaparece debaixo do rigor da disciplina? Iria
de novo ficar sem qualquer afeição, vendo-se separada dele?
Sem dúvida, a mesma ideia tinha cruzado o espírito de Catamount, pois endireitando-se bruscamente, passou o braço em redor da cintura da garota e apertou-a contra si:
- Sybil está bem connosco, objectou ele. Não
pensamos em nos separar dela.
- Parece esquecer que a lei exige que uma criança não fique abandonada. O senhor não poderá escapar à regra geral.
Catamount sentiu a mão trémula da pequena apoiar-se sobre a dele.
- Quero eu mesmo velar pela sua educação, como já velo pela de Joe Cromer.
A senhora cerrou os lábios e dirigiu aos seus vizinhos um olhar descorçoado, depois, dominando-se, murmurou quase hostil:
- Esquece as formalidades que terá de preencher?
- Estou pronto a submeter-me a elas.
- É duma adopção que se trata...
- Nesse caso adopto-a.
A resposta tinha vindo, fulminante, e imediatamente o rosto da pequena se iluminou de alegria.
- Meu Deus! O senhor quererá ser o meu pai?
- A menos que vejas algum inconveniente nisso...
Mas os dois braços que se lhe agarraram ao pescoço, demonstraram a Catamount a enorme alegria que acabava de dar à sua pequena protegida. Por muito tempo Sybil o
abraçou.
- O senhor é bom! murmurou ela, gosto muito de si!
- "By Jove"! Não te ia mandar para a prisão. Isso é bom para Bart Morgins e para a sua gente! Tu, Sybil, mereces melhor sorte.
A senhora empertigou-se, muito digna, cerrou os lábios e, fazendo um sinal aos seus acólitos para que a acompanhassem, virou costas e afastou-se resmungando umas
palavras que só os seus vizinhos puderam ouvir, mas que eram certamente
destituídas de qualquer amenidade para com o homem dos olhos claros...
Catamount não se importou com a indignação que tinha produzido na sua efémera interlocutora. Joe aproximava-se dele e apertava-lhe afectuosamente a mão:
- Fizeste bem, Catamount! Sinto-me tão feliz...
O rosto do rapaz resplandecia. Ainda sob a influência da emoção que lhe causara o seu depoimento e a súbita perspectiva de poder ser separado da sua amiguinha, sentia
um reconhecimento profundo pelo seu protector...
As aclamações dos admiradores cresciam cada vez mais. Respondendo ao acaso aos gestos e às palavras de simpatia dos seus vizinhos, Catamount abria dificilmente caminho
através da multidão, e olhando Joe e Sybil, que agora avançavam na sua frente, murmurou, mais comovido que o queria parecer:
- Decididamente, se isto continua, acabo por me tornar um autêntico pai de família...
Albert Bonneau
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