Descoberta macabra
- Abutres!? Que virão fazer por aqui estes passarocos de mau agoiro?
Pondo a mão em pala sobre os olhos, para assim se proteger dos raios dum sol implacável, o cavaleiro sofreou bruscamente a montada; os seus olhos penetrantes perscrutaram o céu, dum azul sombrio.
A curta distância, a serra Santiago desenhava-se no horizonte. Nas suas encostas escarpadas e áridas, erguiam-se rochedos curiosamente lavrados pela erosão; dir-se-iam gigantes tentando impedir o acesso àquele deserto de lava.
De momento, o cavaleiro não prestava atenção a esta paisagem prodigiosa. Erguendo a cabeça, observava persistentemente os dois pontos negros que desenhavam grandes círculos no azul do céu.
- Fogem, velho camarada, assustámo-los, disse, finalmente, acariciando, com a mão esquerda, o pêlo encharcado em suor do seu cavalo, um alazão admirável.
O animal escarvava nervosamente, impaciente por retomar a cavalgada momentaneamente interrompida.
O homem limpou com a manga o suor que lhe escorria pelo rosto. Vestindo como os "cow-boys" do Oeste americano, usava "chaparejos", que lhe protegiam as pernas dos picos dos cactos, muito numerosos nesta região do Texas meridional.
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Os ataques à mão armada deviam ser frequentes em toda esta zona, porque o Viajante arvorava- um cinto de armas que parecia um verdadeiro arsenal: dois revólveres
"Colt", calibre 45, em coldres de coiro claro; trazia também um lasso, cuidadosamente enrolado, suspenso da sela.
Contudo, o cavaleiro parecia ter esquecido completamente os perigos que podiam ameaçá-lo. Só os dois abutres que sobrevoavam a serra lhe prendiam a atenção. Há longos
anos que se habituara a percorrer este triste reino da fome e da sede; o aparecimento das aves dava-lhe o pressentimento de que algo de anormal se tinha passado
a pouca distância: só a presença dum cadáver as chamaria a esta zona inóspita, donde normalmente se afastavam.
- Vamos, a caminho, meu velho "Mesquita". Não podemos ficar aqui eternamente. Temos de chegar a Alpine antes do anoitecer. Começa a fazer-se tarde, e não tenho vontade
nenhuma de passar mais uma noite ao relento.
O alazão começou a trotar. Impossível, o cavaleiro continuava a olhar à sua frente. A região que atravessava parecia-lhe propícia a uma emboscada. A sua mão rude
acariciou a coronha de um dos revólveres, mas, apesar de observar atentamente os arredores, não surpreendeu nenhuma sombra suspeita; continuava a pairar um silêncio
de morte.
- Estes malditos pássaros continuam a observar-nos, resmungou finalmente o homem, com os sobrolhos franzidos. Estão à espera de nos ver desaparecer. Gostaria de
saber porquê!
Durante mais alguns minutos, o cavaleiro continuou a aventurar-se através do terreno pedregoso; por vezes, o cavalo escorregava e quase caía, mas o pulso vigoroso
do dono sustinha-o.
Subitamente, o cavaleiro deixou escapar uma breve exclamação:
- "By Jove!"... Parece que está ali alguém estendido nos rochedos...
Esporeando o cavalo, o homem acelerou sensivelmente a marcha. Quanto mais avançava, mais se convencia de que não se enganara: uma forma escura destacava-se no solo,
a uns trinta passos.
Profundamente intrigado, o cavaleiro apeou-se.
?-? Decididamente, tinha razão, disse, dando alguns passos na direcção da forma que lhe despertara a atenção. Cometeu-se aqui um crime...
Sem se assustar com a ideia de que poderia, por sua vez, ser abatido por adversários escondidos entre os rochedos, o homem aproximou-se, deixando o cavalo a debater-se
com as moscas, que o atacavam sem dó nem piedade.
Alguns segundos bastaram ao cavaleiro para se assegurar de que se encontrava em presença dum cadáver. O homem estava estendido no chão, com a nuca atravessada por
uma bala. Os dedos do infeliz crispavam-se no terreno rochoso. Um ligeiro fio de sangue escorria-lhe do pescoço e coagulara no colarinho da camisa. Uma mancha escura
sujava o chão. sobrevoada por uma legião de moscas.
- A morte deve ter sido instantânea, pensou o viajante. A vítima nem sequer desconfiou da presença do seu assassino, antes de sucumbir; o miserável, escondido entre
as rochas, pôde abatê-lo à vontade.
Prosseguindo o seu exame, o cavaleiro notou que o atentado havia sido cometido recentemente: o corpo do desconhecido estava ainda quente.
- "By Jove!" pensou o viajante, é preciso ter cuidado! O atirador talvez ainda esteja :por aqui! Não tenho muita vontade de lhe servir de alvo. Era facílimo abater-me
neste momento.
Levando bruscamente a mão ao coldre, o homem pegou no revólver e, depois, esperou alguns instantes, com o ouvido à escuta; mas não ouviu nada: o silêncio mais absoluto
continuava a reinar naquele local.
Continuando junto do cadáver, o cavaleiro olhou para o cavalo. O animal estava parado a alguns passos do dono e nada indicava, na sua atitude calma, que desconfiasse
da presença dum inimigo.
O viajante pareceu sossegar com a tranquilidade do seu companheiro de quatro patas. Sabia que o inteligente animal se mostrava sempre nervoso à aproximação do perigo...
-- O patife não se demorou nestas paragens, continuou. Apressou-se a desaparecer. "God Almighty!" Dava qualquer coisa para saber em que direcção seguiu. com "Mesquita",
facilmente o apanharia. Mas, como descobrir a mínima pista neste terreno rochoso? Há semanas que não chove...
O cavaleiro interrompeu de repente o seu monólogo: havia acabado de ouvir um cavalo a relinchar, a pouca distância do lugar em que se encontrava.
Intrigado, levantou a cabeça, O alazão, adivinhando a presença dum companheiro, levantou as orelhas com insistência, olhando para a esquerda...
A expressão do homem endureceu. Conservando o revólver na mão nervosa, afastou-se lentamente do corpo
do assassinado e, depois, usando de mil precauções, dirigiu-se, rastejando, em direcção ao lugar em que o misterioso animal manifestara a sua presença.
A descoberta macabra que acabara de fazer incitava-o a usar da maior prudência. Durante cinco minutos, pronto para todas as eventualidades, aventurou-se entre os
rochedos, olhando ansiosamente em frente, com o dedo no gatilho do seu "Colt".
As apreensões do cavaleiro dissiparam-se rapidamente, quando viu, a alguns passos do rochedo que contornava, um cavalo alazão, que esperava, imóvel.
O animal observava com inquietação o estranho que acabava de lhe aparecer. Assustado, dispunha-se a dar meia-volta e a lançar-se a trote no terreno rochoso, quando
a voz metálica do viajante se fez ouvir:
.- Então, "old fellow", não tenhas medo! Não te vou fazer mal...
O allazão continuava a olhar com desconfiança o homem, mas este aproximava-se lentamente dele, manobrando de forma a encurralá-lo contra um grupo de rochedos. Ao
fim de alguns minutos, conseguiu enfim aproximar-se do nobre animal. Estendendo devagar o braço para não o assustar, passou-lhe a mão pelo pêlo, ainda húmido de
suor.
- Tenho a impressão de que não estás aqui há muito tempo! Onde estará o teu cavaleiro?
Passeando, mais uma vez, o olhar de águia pelos arredores, o homem procurou em vão surpreender alguma sombra.
- De duas uma, murmurou, finalmente, cada vez mais intrigado pela descoberta que acabava de fazer: ou este animal pertence à vítima ou foi aqui deixado pelo assassino,
que ainda está perto. Esta segunda hipótese
parece-me pouco provável. Se, com efeito, o criminoso se demorasse aqui, não teria abandonado a montada, ou, pelo menos, escondido por trás dos rochedos, não me
teria deixado aproximar dela sem atirar...
O animal, tranquilizado, atrevera-se a poisar a cabeça no ombro do homem.
- Se pudesses falar, terias muitas coisas para me contar, velho camarada! murmurou o cavaleiro. Viste com certeza o miserável que abateu este infeliz. Não vou abandonar-te
assim, podes estar certo. Vamos voltar juntos a Alpine. O "sheriff" abrirá um inquérito, a fim de descobrir o culpado. Pela minha parte, empregarei todas as forças
para caçar esse miserável. Na minha qualidade de "ranger", já tenho resolvido problemas mais difíceis. Além disso, alguma coisa me diz que este crime deve estar
ligado ao assunto que me traz a estas paragens.
E continuou:
- Segundo as instruções que me deu o major Morley, os atentados precedentes devem ter sido cometidos nesta região... A pista que tenho seguido não é decididamente
favorável aos viajantes pacatos! Quem sabe? Se tivesse chegado um pouco mais cedo, talvez a bala que matou aquele desgraçado me tivesse atingido... E então...
E, depois, concluindo o seu pensamento:
- Vamos, disse, isto não passa de conversa, a bala que há-de matar Catamount ainda não foi fabricada!- À caminho! Já nos demorámos de mais... O meu bravo "Mesquita"
deve estar impaciente.
Pegando na rédea do cavalo que acabava de descobrir, o "ranger" começou a andar rapidamente.
Vendo que o dono se aproximava, "Mesquita" relinchou de prazer.
- Então, paciência, meu velho, disse o cavaleiro, vamos recomeçar o nosso passeio. Quando chegarmos a Alpine, já será noite, com certeza, mas, sossega, estou convencido
de que não perdemos o nosso tempo parando aqui.
Após ter feito uma festa ao cavalo, Catamount dirigiu-se novamente para junto do cadáver.
Guardando o "Colt", levantou facilmente o corpo coberto de poeira, e observou atentamente o morto.
O homem aparentava ter cinquenta anos. Uma barba farta, onde se notavam alguns fios brancos, emoldurava-lhe o rosto, de traços crispados; o fato, rasgado em vários
sítios, dava-lhe um aspecto miserável.
- Tudo me leva a crer que este pobre diabo não devia frequentar muito o mundo civilizado. Era, sem dúvida, um desses vagabundos sobre quem o deserto exerce uma atracção
particularmente fascinante!
O "ranger" interrompeu bruscamente o monólogo: a alguns passos do lugar em que se tinha ajoelhado, acabava de ver uma pedra de cor encarniçada, que se destacava
nitidamente na superfície cinzenta das rochas.
Intrigado, estendendo a mão, Catamount pegou no fragmento de mineral que despertara a sua atenção.
- "By Jove!" exclamou imediatamente o "ranger". Uma pepita!
O homem dos olhos claros não se enganara: era autenticamente uma pepita de ouro o que ele virava e revirava entre os dedos.
- Em verdade, eis aqui uma coisa para despertar inveja, resmungou. Esta pedra é do tamanho dum ovo de pomba e parece-me de grande valor. Decididamente,
começo a compreender por que razão este infeliz foi abatido. Sem dúvida, regressava à civilização depois de ter juntado uma boa provisão de pepitas. O assassino
encarregou-se de lhe tirar esse ouro. Na sua precipitação, ao afastar-se do local do crime, o miserável deixou cair uma das pepitas, e afastou-se a seguir, sem mesmo
pensar em levar o cavalo da vítima.
Enquanto continuava a reflectir, Catamount havia voltado para o pé do cadáver; afastando os olhos da preciosa pedra, observou o desconhecido.
- Pobre homem! disse. - Durante meses, talvez anos, procuraste, à custa de quantos sacrifícios, este "Eldorado"; a miragem do ouro fez-te passar as maiores privações;
conheceste a fome, a sede... e, depois, no momento em que pensavas gozar a vida e tornar a encontrar os teus semelhantes, uma bala põe ponto final nos teus sonhos
dourados!
O "ranger" parou de monologar. O Sol descia lentamente no horizonte. Não devia demorar-se mais tempo neste lugar perdido. Abaixando-se, fechou os olhos do morto
e ergueu o cadáver nos braços robustos.
O homem dos olhos claros não tinha grande dificuldade em reconstituir o drama que pouco tempo antes ali se desenrolara. O pesquisador voltava, trazendo consigo o
seu tesouro; o assassino, que, sem dúvida alguma, conhecia o valor da carga que o viajante conservava consigo, emboscara-se no meio dos rochedos, esperando a sua
passagem; tinha-o em seguida abatido, sem correr o mínimo risco.
Em seguida, Catamount prendeu o corpo da vítima na sela e, olhando pela (última vez em sua volta, pôs o pé no estribo e incitou "Mesquita", que começava a mostrar-se
impaciente.
- "Go ahead"! velho camarada, vamos agora visitar o "sheriff" de Alpine e pô-lo ao corrente da nossa macabra descoberta!
com um estalo da língua, o "ranger" incitou o alazão, que esperava a alguns passos, a segui-lo; o animal obedeceu imediatamente, começando a trotar atrás de "Mesquita".
À desconfiança que de princípio manifestara parecia agora completamente dissipada...
Durante dez minutos, o cavaleiro e os dois cavalos continuaram) a avançar, no maior silêncio, sob um calor abrasador. Por vezes, o "ranger" limpava o suor da testa
com a manga. À sua volta, o terreno rochoso prolongava-se a perder de vista. De repente, levantou-se nos estribos, retendo a montada com mão firme. Parecera-lhe
ouvir cantar a pequena distância.
II
O vagabundo do deserto
Imóvel na sela, Catamount escutou. Não se havia enganado. Ouvia-se uma voz, cada vez mais próxima. Alguém chegava do local onde ele parara:
scrape the mountains clean, old gitl; Ill drain the rivers dry; lm o [rom Califórnia, Susannah, dorít you cry... ()
() Tirarei todo o ouro das montanhas, minha velha, e esvaziarei os rios até ao fundo... Venho da Califórnia... Não chores, Susana !
- Sim, senhor! O camarada vem muito alegre! O cantor calou-se subitamente. Acabava de ver aparecer o "ranger" entre os rochedos.
.- Jerusalém! exclamou ele, levantando os braços; não me faça mal... Sou um homem pacato... De resto, não trago nada... Pode estar certo, Skipping Jef f é pobre
como Job...
Catamount não pôde deixar de sorrir quando ouviu estas palavras pronunciadas em voz trémula.
- Decididamente, reina aqui a confiança! declarou, irónico... Esteja sossegado! Seja quem for, "my boy", não tem de que ter medo! Não sou nenhum ladrão!
Enquanto dizia estas palavras, o "ranger" observava o indivíduo que parara a alguns passos dele. O homem parecia ter uns sessenta anos; uma barba descuidada emoldurava-lhe
o rosto queimado pelo sol e enrugado por muitos anos de fadigas. O seu aspecto era tão modesto como o do infeliz que Catamount descobrira poucos momentos antes;
as calças estavam cheias de pó; a camisa, suja e rota, deixava ver o peito peludo. Baixo, não tinha um aspecto assustador; atrás dele caminhava um burro, que ele
conduzia por meio duma corda atada ao pulso.
As palavras que o cavaleiro acabara de pronunciar não conseguiram sossegar o viajante. O seu olhar não desfitava o cadáver atravessado na sela, que uma nuvem de
moscas atacava.
- Um cadáver... balbuciou. Meu Deus...
- Então, "old fellow", acalma-te. Não é com certeza a primeira vez que te encontras diante dum morto... Encontrei há pouco este pobre diabo caído no caminho, mas
podes ter a certeza de que não sou o autor deste
crime. De resto, é fácil provar-te a pureza das minhas intenções a teu respeito...
E, dizendo estas palavras, indicou ao vizinho a insígnia que trazia no casaco.
.- "God Almighty"! exclamou imediatamente o homem. Um "ranger"!
- Sim, um "ranger"... Vim para aqui para manter a ordem, o que já há muito ninguém faz...
Durante alguns instantes, a expressão do desconhecido carregou-se. Parecia duvidar da sinceridade de Catamount.
- Há quanto tempo não vejo um "ranger" no distrito de Alpine! disse com voz pouco segura. Em geral, exercem a sua actividade nas margens do Rio Grande... E é bastante
longe daqui!
?- Desengana-te, esses defensores da ordem vêem-se por vezes obrigados a intervir no interior do território.
- Os "sheriffs" e os seus ajudantes asseguram, contudo, o respeito da lei em Alpine e nos arredores...
- "Sheriffs" e ajudantes nem sempre bastam para o serviço. Às vezes, recorrem a nós para vencer os patifes que pululam nas regiões fronteiriças. A descoberta do
corpo deste infeliz é uma prova de que há ainda muito a fazer neste distrito.
O homenzinho tinha-se aproximado, ao ouvir Catamount falar assim. Observava, agora, o cadáver do homem. De repente, deixou escapar uma exclamação e, designando com
o dedo o ferimento que tirara a vida ao infeliz:
?- Jerusalém! Não há dúvida de que foi outra vez ele quem fez isto!
- "By Jove"! Por acaso conhecerás o assassino? O viajante pareceu hesitar durante alguns instantes.
- Vê-se bem que não é de cá, disse, por fim, senão saberia que um flagelo abominável caiu na região da serra Santiago. Punha as mãos no fogo em como este homem foi
abatido pelo fantasma do Rochedo Uivador...
- O fantasma do Rochedo Uivador? Ah! Que quer isso dizer?
Estendendo o braço, o homem indicou ao cavaleiro a cadeia de montanhas que se destacava no céu azul, iluminada pelos últimos raios de sol:
.- Vê aquele enorme rochedo que, a duas milhas daqui, domina toda a região? interrogou, virando-se
para o "ranger".
Catamount apressou-se a olhar na direcção que lhe indicava o seu interlocutor.
- Então? interrogou o "ranger", depois de alguns momentos de silêncio, é ali o Rochedo Uivador?
O homenzinho disse que sim com a cabeça.
- É ali que ele vive, "ranger"! Pobre de quem se aventurar no seu domínio. Já uma dúzia de infelizes pagou a imprudência com a vida... Encontraram os seus cadáveres
no caminho... Todos foram abatidos pelas costas, exactamente como este desconhecido...
Um sorriso animou a expressão de Catamount.
- "By Jove"! "My boy", não sou de superstições e recuso-me a acreditar em entes sobrenaturais. O teu famoso fantasma deve ser de carne e osso como nós. Trata-se
dum hábil gatuno que abusa da crendice dos habitantes e que traz todos assustados...
?- O fantasma existe, "ranger", pode ter a certeza. Já o vi como o vejo a si...
- Nesse caso, admiro-me bastante de que ele te
poupasse!
O desconhecido não pôde deixar de sorrir quando ouviu estas palavras.
- Na verdade, "ranger", gostaria de saber que espécie de tesouro o fantasma me encontraria! Toda a gente conhece Skipping Jeff, o vagabundo do deserto. Nunca tive
sorte. As minhas algibeiras sempre andaram vazias, o meu aspecto miserável, a bagagem que trago comigo não tem, com certeza, nada que possa excitar a cupidez dos
gatunos... Tanto melhor para a minha velha carcaça!
- Eis uma coisa que me leva a pensar que o fantasma conhece muito bem a região, visto que também te conhece.
Catamount sentiu-se profundamente intrigado com as palavras do companheiro. Os seus olhos, dum cinzento metálico, fixaram-se insistentemente sobre Skipping Jeff.
- Há respeito pela lei em Alpine? perguntou.
?- Alpine tem um "sheriff" a quem o perigo não assusta, respondeu imediatamente o viajante. Nat Riley! Talvez já tenha ouvido falar dele.
?- À sua reputação não me é desconhecida realmente; a minha primeira visita será, com certeza, para ele e terei muito gosto em conhecê-lo. Admiro-me, contudo, de
que Nat Riley não tenha conseguido acabar com a tenebrosa carreira do fantasma que os preocupa. Suponho que tenha aberto o inquérito que se impunha e procurado o
criminoso com o seu pessoal...?
?- O "sheriff" de Alpine cumpriu corajosamente o seu dever. Infelizmente, o culpado conseguiu fugir à sua perseguição, mostrando-se duma habilidade diabólica. Que
quer? Não se luta contra um espírito! De cada vez em que pensavam que o tinham seguro, o miserável
conseguia fugir por entre os dedos dos seus perseguidores. Este fantasma deve ser o diabo em pessoa,
repito...
O "ranger" não deixou o homem continuar a sua história. "Mesquita" começava a mostrar-se inquieto.
- Hão-de explicar-me isso logo, quando eu chegar a Alpine, declarou. Por agora, está a anoitecer. Temos de nos separar, amigo. Boa viagem! Vais com certeza para
Alamito...? Se assim é, precisas de acampar a meio caminho... É verdade que não tens nada a temer, visto que o famoso fantasma nunca procurou fazer-te mal... Se
por acaso o encontrares, podes dizer-lhe, da minha parte, que a "brincadeira" vai acabar... Já durou tempo
de mais.
Skipping Jeff olhou rapidamente em volta. Tinha uma ruga na testa... O seu olhar fixou-se nos abutres que se afastavam.
- Bem pensado, declarou finalmente, acho mais prudente voltar para trás e esperar o dia antes de seguir. Se isso não o contraria, "ranger", acompanho-o até Alpine.
Conheço Nat Riley e apresento-o.
- Gosto muito de ter companhia, respondeu Catamount. Conversaremos, mas previno-te de que o teu burro tem de acelerar o andamento.
- Esteja descansado, "ranger", "Sansão" está habituado a percorrer esta região... Não terá dificuldade em andar tão depressa como o seu cavalo.
Sem esperar mais, Catamount esporeou a montada. Depois de afastar com a mão as moscas que continuavam a persegui-lo, disse ao vagabundo:
- Na verdade, camarada, deves ter razões muito fortes para te aventurares, em plena noite, em paragens tão mal frequentadas...
Skipping Jeff não se mostrou embaraçado.
- Há mais de trinta anos que percorro esta maldita região, respondeu. Em tempos correu que haviam descoberto ouro nos arredores. Alguns pesquisadores, vindos de
todos os pontos da América, estabeleceram-se no distrito e começaram a investigar. Eu estava entre eles. Durante anos, procurámos em vão. Todos os que vieram, trazidos
pela miragem do ouro, voltaram pobres ou morreram pelo caminho. Só eu continuei, com a ideia de que encontrarei algum filão, cuja descoberta me recompense de todas
as decepções e de todas as canseiras que sofri...
Skipping Jeff calou-se, suspirando.
O cavaleiro, que não deixara de observar o homenzinho enquanto ele o punha ao corrente das suas intenções, levou a mão à algibeira, parecendo disposto a mostrar-lhe
a pepita que acabara de descobrir perto do cadáver. No entanto, não acabou o seu gesto, compreendendo facilmente a emoção que esta descoberta iria provocar: a existência
desta pedra demonstraria, inevitavelmente, que o precioso metal existia realmente na região e que o assassinado tinha conseguido descobrir o "Eldorado". A novidade
espalhar-se-ia, evidentemente, com a rapidez do raio.
- Mais vale guardar esta pepita, para a mostrar apenas ao "sheriff", e não complicar mais um assunto que já me parece bastante embrulhado, pensou o "ranger". Talvez
Riley me forneça outros dados que me permitam levar a bom fim a delicada missão que me confiaram.
E, depois, para o vagabundo:
- Mais tarde me contarás as tuas atribulações, camarada, declarou. Entretanto, preferia saber mais
alguma coisa sobre o famoso fantasma de que me falaste há pouco... Pensando bem, continuas convencido de que foi esse ser sobrenatural que assassinou o infeliz cujo
cadáver trago aqui?
- Uma vez mais declaro, "ranger", que só esse maldito pode ser o autor de tal crime.
--E em que circunstâncias já o encontraste?
.- Por duas vezes, "ranger"... por duas vezes, disse Skipping Jeff. A primeira, vinha com "Sansão". Foi a umas dez milhas do sítio em que nos encontramos agora.
Estava um luar soberbo. Caminhava, levando atrás de mim o meu companheiro de misérias, quando, de repente, vi uma forma branca que surgia no meio dos rochedos. O
meu burro, assustado, primeiro parou, mas, depois, deu uma volta tão brusca que por pouco não caí. Quis chamar, mas os sons estrangulavam-se-me na garganta. O fantasma
aproximava-se com uma velocidade vertiginosa. Via-o estender as mãos descarnadas para mim, exactamente como se quisesse estrangular-me.
- Se estivesse no teu lugar, "my boy", teria pegado no meu revólver e provaria a essa aparição que para mim era tão bom alvo um espírito nocivo como qualquer mortal...
- Não estava armado, "ranger"! Nunca uso revólver!
- É mau hábito para um homem que tem de viajar normalmente através do deserto!
- Meu Deus! Nunca tive de me arrepender dessa atitude. De resto, quem poderá querer-me mal? Todos sabem na região que Skipping Jeff não nada em dinheiro. A sua carcaça
não vale um centavo!
- Isso não me explica como conseguiste, afinal, escapar à tal aparição!
- Corri o mais que pude. Durante minutos corri à doida. Depois, quando parei, estafado, esperando ser implacàvelmente assassinado, o fantasma tinha desaparecido
e foi em vão que procurei tornar a vê-lo.
-- E o segundo encontro acabou tão bem como o primeiro?
?- Dessa vez, o maldito nem tentou perseguir-me. , Tinha acendido uma fogueira, uma noite, à beira da estrada, e enrolara-me num cobertor para dormir quando, de
repente, um grito pavoroso se ouviu bem perto de mim, arrancando-me ao torpor em que me encontrava. Assustado, levantei-me, e vi-o como o vejo a si agora. Acabava
de aparecer a três passos de mim, iluminado pela luz trémula da fogueira. Julgueime irremediavelmente perdido: o medo paralisava-me as pernas. Nesse momento, senti-me
completamente desamparado.
.- E, apesar disso, conseguiste escapar a esse novo perigo?
- Por mais espantoso que isso lhe pareça, o fantasma deixou-me em paz. Durante alguns momentos, esperei, julgando que tinha soado a minha última hora; então, ouvi
um grito sinistro e o fantasma desapareceu tão misteriosamente como surgira...
.- É claro que nem sequer pensaste em procurá-lo...
- Jerusalém! Que ideia! Já fiquei muito contente por nada me ter sucedido. Consegui encontrar "Sansão" e trazê-lo para ao pé da fogueira; depois, esperei, imóvel,
com o coração a bater, incapaz de pregar olho durante o resto da noite. com certeza que o fantasma me reconheceu, para não me ter feito mal!
?- As suas numerosas vítimas tiveram realmente
menos sorte...
- Os infelizes foram abatidos pelas costas, como o
pobre diabo que traz consigo. Todos chegaram perto do Rochedo Uivador.
-E é por isso que os habitantes desta região deram a esse ser quase sobrenatural o nome de "Fantasma do Rochedo Uivador"?
- É como diz! Mas esse miserável, seja homem ou espírito, continua a dar que falar na região vizinha da serra Santiago. com uma habilidade prodigiosa, conseguiu
escapar a todas as perseguições que lhe fizeram...
- Talvez conheças o provérbio, camarada, que diz: "tantas vezes vai o cântaro à fonte que por fim se quebra". Um dia virá em que o miserável encontrará um adversário
que lhe acabará com os crimes...
III
O "sheriff" de Alpine
A pequena aglomeração de Alpine arrancava-se a pouco e pouco ao torpor que a invadira durante o calor do dia. A noite começava a cair, e a grande rua animava-se
cada vez mais. As janelas iluminavam-se. Alguns grupos reuniam-se diante das casas e nos passeios.
Dentre os estabelecimentos da pequena cidade, o "Snowball" era, sem dúvida, o "café" mais frequentado. Ali se reuniam os "barons" ou ricos criadores de gado da região.
Jogava-se a "roleta", o "poker", o "monte", e muita gente perdia no pano verde elevadas somas.
No entanto, se a clientela de Bill Whiskers, o proprietário do "Snowball", era bastante numerosa, era também frequentemente necessário intervir, para acalmar as
desordens que ela provocava no "saloon".
-? Alpine possuía o seu representante da autoridade, o "sheriff" Nat Riley, que fora eleito há uns três anos, graças ao apoio dos "barons" mais influentes dos arredores,
mas, até ali, o defensor da ordem pouco tinha feito para a manutenção desta... Alguns afirmavam que ele era demasiado complacente. Acusavam-no mesmo de haver conduzido
descuradamente o inquérito acerca do fantasma do Rochedo Uivador, cujas sinistras façanhas assustavam toda a região.
Caíra completamente a noite. Uma vintena de clientes agrupava-se à porta do "saloon" para apanhar o fresco, quando, à luz das lâmpadas de acetilene que iluminavam
o estabelecimento, viram aparecer duas silhuetas a pouca distância.
- Olha, o nosso amigo Skipping Jeff, o vagabundo do deserto!
Os olhares convergiram imediatamente para os recém-chegados. Murmúrios de espanto elevaram-se de todos os lados.
- Ora esta! Que é que te aconteceu? perguntou um "cowpuncher". Deixaste-nos há quatro horas! Terias perdido o teu fiel "Sansão"?
?-- Deus me livre! protestou o homenzinho, depois de limpar o suor que lhe inundava o rosto. Não pude ir mais longe! O fantasma do Rochedo Uivador tornou a fazer
das suas.
Enquanto assim falava, o vagabundo do deserto indicava aos que tinham ido ao seu encontro, e que já o
rodeavam, o cavaleiro que o acompanhava e o cadáver que ele trazia atravessado na sela.
As palavras do homenzinho despertaram, como é de calcular, a curiosidade geral. Todos pediam pormenores do drama que acabara de se desenrolar nos contrafortes da
serra. Foi tal a aglomeração de gente que o alazão se assustou, e o homem dos olhos claros teve de intervir para fazer recuar os mais apressados.
- Vamos! Deixem-nos passar!
A voz metálica de Catamount dominou a vozearia da populaça. Todos queriam ver a vítima; algumas mãos estendiam-se já para pegar no corpo do desconhecido, quando
o cavaleiro interveio de novo.
?- Para trás! O "sheriff"! Quero ver imediatamente o "sheriff"!
- Para o diabo o "sheriff"! resmungou uma voz. Não sabemos onde ele está!
Foi preciso o "ranger" mostrar a sua insígnia para conseguir abrir caminho. Skipping Jeff, meio esmagado pela multidão, que o empurrava por todos os lados, não conseguia
desenvencilhar-se:
- Jerusalém! não cessava de repetir o pobre homem... Vão esborrachar-me! E "Sansão"! Cuidado com "Sansão"! Assustam o pobrezinho!
Embora com dificuldade, Catamount conseguiu pôr pé em terra. Algumas mãos estenderam-se novamente para o ajudar a transportar os despojos mortais do assassinado,
mas ele afastou-as com um gesto brusco. Levantando sozinho o corpo nos braços, gritou:
- Caminho! Abram caminho!
E dirigindo-se a um "cowpuncher" que o fitava de boca aberta:
- Vai procurar o "sheriff", "old boy". É urgente!
O homem apressou-se a obedecer; então, sem parecer embaraçado com o pesado fardo, o "ranger" subiu os degraus e entrou resolutamente no "Snowball".
- Alguém conhece este pobre diabo? perguntou então.
Houve um movimento de curiosidade entre a assistência para ver o desconhecido. Sem se inquietarem com as mesas e cadeiras que, com grande desespero de Bill Wiiiskers
e do criado, atiravam ao chão, todos se chegaram.
- Então! Calma! disse Catamount.
Os clientes do "saloon" olhavam atentamente a vítima do misterioso atentado. O nome do fantasma do Rochedo Uivador ouvia-se em todas as bocas.
-? Não há dúvida de que foi aquele maldito que fez isto, afirmou um dos presentes. Os outros infelizes que sucumbiram foram mortos da mesma forma...
- Já se sabe, disse Catamount; o que me interessa é se esta nova vítima pertence à população de Alpine? Quem me sabe dizer o seu nome?
Os mais próximos sacudiram a cabeça, mas Bill Whiskers, que se tinha aproximado abrindo caminho através da multidão, disse, depois de ter considerado atentamente
os traços do infeliz:
- "God Almighty"! É Norbert Dangerson, o pesquisador, não pode haver dúvidas!
-- Tem razão, patrão, aprovou o criado, que também conseguira chegar à primeira fila, reconheço-o perfeitamente!
Exclamações de espanto sucediam-se, agora, no interior do "Snowball". Todos os que haviam conhecido o indivíduo cujo nome acabara de ser pronunciado se esforçavam
por se aproximar.
- Há muito tempo que não viam este infeliz? perguntou o "ranger", dirigindo-se a Bill Whiskers.
?- Norbert Dangerson saiu de Alpine há mais de dois anos, para pesquisar a serra de Santiago, respondeu o interpelado. Imitando o exemplo dos outros que para lá
partiram, julgando conquistar a fortuna, deixou a mulher e a filha e foi não se sabe para onde... Já há meses que estávamos convencidos de que não o tornaríamos
a ver. Faz pena pensar que o mataram quando voltava para junto dos seus!:
O proprietário do "Snowball" parecia sinceramente comovido ao pronunciar estas palavras; Catamount, que o observava atentamente, viu no seu olhar um desgosto sincero.
?- Teve em tempos relações com a vítima? perguntou ainda. Era, naturalmente, seu cliente?
.- Está enganado. Eu é que era cliente dele. E continuei sempre a sê-lo...
E, como o "ranger" parecesse intrigado com esta resposta:
-- Vai já compreender, continuou. Dangerson dirigia o "General Store", de Alpine. Quando partiu, deixou a substituí-lo a mulher e a filha, que continuam a viver
aqui... Pode calcular qual será a reacção delas quando souberem a terrível notícia!
- Espanta-me, contudo, que os vizinhos não o tenham identificado...
?- Não há nisso nada de extraordinário! respondeu Bill .Whiskers. A população de Alpine é uma população flutuante. Os criadores de gado mudam frequentemente de pessoal.
Em geral, contratam os "cowpunchers" por um ano, e só os contramestres são contratados por mais tempo. Por isso, são raros os que, como Dangerson e
eu, conheceram Alpine quando não passava duma aldeola constituída unicamente por barracas de madeira.
O proprietário do "Snowball" teria continuado por muito mais tempo a sua história se um grande burburinho à entrada da sala não tivesse chamado a sua atenção:
?-- O "sheriff"! Aqui está o "sheriff"!
Imediatamente avisado, Nat Riley aparecia no estabelecimento. Catamount, que se voltara para o receber, viu que se tratava dum homem forte, aparentando uns cinquenta
anos, com a cara emoldurada por uma barba arruivada. No casaco brilhava uma estrela de prata, insígnia das suas funções. com o sobrolho franzido, não procurava dissimular
o seu descontentamento.
?- Que diabo! resmungou. Nunca mais se poderá estar tranquilo neste maldito país?! Mais um crime! Nunca acabaremos com isto?!
Enquanto se exprimia assim, o "sheriff" afastava os curiosos.
- Onde está a vítima? perguntou. Marcey disse-me que a tinham transportado para aqui.
Bill Whiskers dispunha-se a responder quando o "ranger" o interrompeu, indicando com o dedo o corpo inanimado de Dangerson:
-- Aqui está o desgraçado, "sheriff"! disse.
Nat Riley parou, fitando Catamount com desconfiança.
?- Marcey disse-me que o cadáver tinha sido descoberto por um "ranger"... É você o tal "ranger"?
- Sou realmente eu o "ranger", respondeu Catamount, sem perder a calma. Já deve, de resto, ter recebido uma carta do major Morley anunciando-te a minha chegada...
- A carta chegou, realmente. No entanto, permita-me que lhe dê a minha opinião: o respeito pela lei está suficientemente assegurado no distrito de Alpine para não
precisarmos de "rangers" para nada. Os Mexicanos e os "greasers" agitam-se suficientemente na outra margem do rio Grande e os contingentes de que dispõe o célebre
major Morley são em verdade bem poucos; não percebo por que razão o seu chefe se priva dos seus tão preciosos serviços para o mandar para aqui. O acolhimento que
Nat Riley fazia ao "ranger" nada tinha de amistoso, mas Catamount não pareceu irritado e continuou a olhar o seu interlocutor o mais tranquilamente possível. Decidiu-se,
finalmente, a declarar:
- Estou habituado, "sheriff", a obedecer escrupulosamente às ordens dos meus superiores. Recebi como missão ajudá-lo a esclarecer o mistério da serra Santiago. E,
como vê, estou pronto a fazer todos os inquéritos necessários. É, realmente, preciso pôr cobro a esta sinistra série de crimes de que é culpado o famoso fantasma
do Rochedo Uivador. De resto, não vejo o que tenha a minha presença de surpreendente. Se, como me disse, os defensores da lei são suficientemente numerosos na região,
é para estranhar que ainda não tenham conseguido resolver este problema... Nestas condições, não me parece que a minha ajuda seja para desprezar. Fez-se ouvir um
murmúrio de aprovação. O "sheriff", vendo que as declarações do "ranger" eram bem fundadas, mordeu os lábios. Escondendo o melhor possível o despeito que sentia,
esboçou um sorriso, que mais parecia uma careta.
- Não o quis ofender, "old fellow", rectificou imediatamente. Pode estar certo de que sempre tive a maior estima pelo major Morley e por todos os valentes que
trabalham sob as suas ordens. Estou mesmo muito lisonjeado por colaborar com um dos seus mais intrépidos auxiliares. Mas este lugar não me parece o indicado para
conversarmos. Se não vê inconveniente, vamos a minha casa. Naturalmente, tem pormenores importantes a comunicar-me...
Nat Riley estendeu, então, a mão a Catamount, que se apressou a corresponder ao seu cumprimento. À desconfiança que o "sheriff" demonstrara e o mau humor que não
pudera esconder davam agora lugar à maior afabilidade.
Sem perder mais tempo, Nat Riley começou o inquérito. Em poucas palavras, Catamount contou-lhe em que circunstâncias descobrira o corpo de Norbert Dangerson no caminho.
Skipping Jeff, que se tinha aproximado, explicou, por sua vez, com uma voz levemente trémula, como travara conhecimento com o homem dos olhos claros.
- Foi realmente uma pena não termos sido informados durante o dia. Talvez pudéssemos descobrir qualquer indício que nos permitisse saber a direcção tomada pelo criminoso...
- O solo rochoso teria impedido que se encontrasse a mínima pista, assegurou o "ranger"; de resto, eu próprio notei que o crime foi cometido pouco antes de eu chegar
àquelas paragens. Admiro-me até de que Skipping Jeff não haja visto ninguém no caminho. Poderia, dessa forma, fornecer-nos indicações preciosas. É verdade que, pela
minha parte, não encontrei ninguém...
- Como poderíamos ter descoberto o criminoso, se se trata do maldito fantasma! objectou o vagabundo do deserto. Uma vez cometido o crime, o miserável
apressou-se a voltar à serra sem sequer se preocupar em levar o cavalo da vítima.
Nat Riley calou-se durante alguns instantes, parecendo absorvido nas suas reflexões. Levantando-se finalmente, voltou-se para os ocupantes do "saloon", que o observavam
cheios de curiosidade...
- É preciso avisar a mulher e a filha desse infeliz, com o maior cuidado, declarou. Agora, vou para o meu escritório com o "ranger", para tomarmos as medidas que
a situação exige.
IV
A série sangrenta
Catamount e o "sheriff" demoraram-se ainda alguns minutos no "Snowball". Depois de terem remexido as algibeiras do morto e visto que não continham qualquer papel,
descobriram na dobra do casaco um maço de notas do banco...
- Eis uma coisa que nos leva a pensar que não foi o roubo o móbil do crime, declarou Nat Riley, inclinando-se para o "ranger".
O homem dos olhos claros encolheu ligeiramente os ombros.
- Sabe-se lá! Pela minha parte, estou convencido de que o culpado abateu Norbert Dangerson para o roubar...
-? Que pretende insinuar? perguntou o "sheriff" visivelmente intrigado com as palavras do seu vizinho.
com o olhar, Catamount indicou os curiosos que se agrupavam, cada vez em maior número, em volta do corpo.
.- O "sheriff" foi o primeiro a concordar que o sítio não era o mais apropriado para confidências. Se não vê inconveniente, seria muito melhor irmos para
sua casa.
Intrigado, Nat Riley apressou-se a aceder ao desejo do "ranger". Contudo, antes de se afastar, voltou-se para dois dos seus ajudantes, que acabavam de entrar no
"saloon".
- Façam evacuar imediatamente a sala, ordenou. Só os nossos auxiliares poderão ficar, agora. Quando a viúva e a filha da vítima chegarem, levem-nas para junto do
corpo.
Os interpelados apressaram-se a obedecer às ordens do chefe. Não sem protestos, "gamblers" e "cowpunchers", rudemente empurrados, foram-se dirigindo para a saída.
Nat Riley e Catamount dirigiram-se, então, para uma portinha afastada e conseguiram, sem muita dificuldade, sair, evitando os encontrões. Pouco depois, chegavam
em frente da habitação do "sheriff".
?- Eis-nos em casa, declarou ele. Vai poder falar à sua vontade sem o perigo de ser escutado por ouvidos indiscretos...
Nat Riley abriu a porta e Catamount entrou.
?- Está escuro como breu, resmungou o representante da autoridade, riscando um fósforo.
Logo a seguir, a luz dum candeeiro de petróleo permitiu ao "ranger" examinar a decoração do único quarto que constituía a habitação do companheiro.
?- Um cigarro? perguntou o "sheriff".
- De boa vontade...
O "ranger" estendeu a mão para a cigarreira que lhe estendia o vizinho. Então, imóvel, depois de acender o cigarro, esperou que Nat Riley lhe dirigisse a palavra.
O representante da autoridade assegurou-se de que a porta estava fechada e de que nenhum importuno rondava nos arredores; depois, dissimulando dificilmente a curiosidade
que experimentava, perguntou:
.- bom! Que tem, então, para me confiar, "old fellow"? Julguei há pouco perceber, pelas suas palavras, que não me disse tudo a respeito da morte do pobre Dangerson...
- E adivinhou, "sheriff", respondeu o "ranger"; faltou pô-lo ao corrente duma descoberta que fiz junto do cadáver, descoberta essa que julgo ter certa importância;
mas, primeiro, é indispensável que me exponha, com alguns pormenores, os acontecimentos que se deram no seu distrito e que incitaram o major Morley a enviar-me aqui,
a fim de conduzir um inquérito. As circunstâncias fizeram que eu encontrasse no meu caminho o corpo dum desgraçado que, sem dúvida, também foi vítima do miserável
que pretendemos apanhar...
Nat Riley encolheu os ombros:
- Há momentos, "my boy", em que pergunto a mim próprio se não deveria mandar a minha demissão ao governador... É a primeira vez que nos encontramos, mas a população
de Alpine poderá dizer-lhe que não sou medroso... Conservo algumas recordações recolhidas no decorrer duma caçada aos bandidos mexicanos que desolavam a região,
há dezanove meses, pouco depois da minha entrada em funções...
Enquanto assim falava, o "sheriff" mostrava ao
vizinho o anular, do qual duas falanges tinham sido cortadas por uma bala; mostrou-lhe em seguida uma cicatriz bastante profunda, que lhe marcava a testa, acima
do sobrolho.
- Deixe-me dizer-lhe que nunca duvidei do seu zelo e da sua coragem. De momento, não é você que me inquieta, mas, sim, esse misterioso fantasma do Rochedo Uivador,
que desola a região há mais dum ano! Na sua opinião, trata-se dum bando organizado que procura impressionar os habitantes do seu distrito ou encontramo-nos em presença
dum bandido cuja audácia é colossal?
- Seria muito difícil dar-lhe uma resposta concreta... Esse miserável conseguiu sempre, com uma habilidade diabólica, fugir à nossa perseguição. Procurei-o em vão,
assim como os meus ajudantes, que, no entanto, são os rapazes mais desembaraçados da região. Batemos o terreno em todos os sentidos; não há um lugar na serra que
não tivéssemos examinado. Infelizmente, nunca descobrimos nada...
- E foram cometidos novos crimes, provando que esse maldito não desarmou ainda.
- Pôde por si próprio verificar que o criminoso parece mais resolvido do que nunca a prosseguir a série sangrenta de assassínios. Visto que quer que lhe faça um
resumo desses tristes acontecimentos, saiba que assassinaram, primeiro, faz hoje exactamente dezassete meses, o mercador Moise Schnitz, que saíra de Alpine para
ir a Alamito, e cujo cadáver eu próprio descobri a pouca distância do sítio onde encontrou o corpo de Norbert Dangerson. O infeliz foi atingido nas espáduas por
uma bala disparada pelas costas. Alguns dias mais tarde, Oscar Mitlegger partiu para pesquisar as
montanhas e foi assassinado, por sua vez. Em seguida, tivemos a deplorar a perda de Sam Gilkins, de tom Gilson, de Bruno Cherubini e de Jack Wembley...
O "sheriff" explicou a Catamount, com todos os pormenores, em que condições se tinham dado os últimos crimes.
.- Notámos, continuou, que o bandido usa sempre o mesmo método para se livrar das suas vítimas: esconde-se no meio das rochas, esperando a sua passagem, e, depois,
quando eles estão perto, sem sonhar o perigo que os ameaça, abate-os friamente. Foi, evidentemente, por esta razão que Skipping Jeff compreendeu imediatamente quem
era o culpado.
- Naturalmente, não é preciso ser feiticeiro para adivinhar quem foi o autor do crime, mas o enigma continua. No entanto, por mais difícil que o caso se nos apresente,
dou-lhe a minha palavra de honra, "sheriff", que não deixarei este distrito sem ter desmascarado e castigado o criminoso.
- Decididamente, admiro a sua coragem, "ranger". Vê-se bem que ainda não se ocupou deste caso. Mas, até agora, ainda não me disse o seu nome...
- Chamam-me Catamount, disse simplesmente o homem dos olhos claros.
- Catamount? O antigo "out law" arrependido? Julguei que essa história não passava duma lenda. Os meus colegas já ma tinham contado há muito tempo...
- Catamount existe, "sheriff". Tem-no agora diante de si; deu em tempos água pela barba a alguns dos seus colegas, mas pode estar certo de que ele, agora, castigará
com tanto prazer os criminosos como em tempos brincou com os defensores da lei...
Nat Riley não pôde evitar um ligeiro assobio. tombando
para trás a cadeira, examinou por uns momentos o vizinho.
- "By Jove"! declarou, o major Morley é decididamente muito amável. Manda-nos como ajudantes rapazes que não são quaisquer desconhecidos.
- Por favor, "sheriff", brincaremos mais tarde; por agora, só nos deve preocupar o misterioso caso do fantasma do Rochedo Uivador. Não vim de Del Rio para perder
tempo a conversar. Esquece-se que deixámos no "Snowball" o corpo dum infeliz, que duas pobres mulheres estão agora a chorar?
- Já estamos tão habituados a encarar a morte de perto, no nosso ofício, que pouca importância damos a estes crimes... Há tantos...
Catamount sentia grande vontade de desenganar o seu interlocutor; no entanto, conteve-se. Antes de se separar do seu chefe tirara todas as informações necessárias
a respeito do "sheriff" de Alpine. A incapacidade que, até aqui, ele tinha demonstrado para capturar o enigmático criminoso incitara as autoridades do Texas a confiar
este cuidado ao major Morley, que dispunha de auxiliares duma habilidade e coragem a toda a prova. O homem dos olhos claros prometera não voltar ao ponto de partida
sem ter cumprido o seu dever. Era, portanto, necessário agir!
Nat Riley ficou uns momentos calado, visivelmente embaraçado. Os olhos do "ranger" observavam-no persistentemente; por fim, Catamount resolveu-se a falar.
- Para ter uma tal reputação, o famoso fantasma já foi visto, sem dúvida, por alguns dos habitantes de Alpine...? perguntou.
- Umas vinte pessoas mo afirmaram, efectivamente...
- Que aparência tem ele? Anda a pé ou a cavalo? - Os que interroguei afirmaram que o fantasma
nunca apareceu a cavalo. Cuidadosamente escondido no meio dos rochedos, esperava as vítimas. Todo vestido de branco, tinha na cara uma máscara negra que lhe escondia
as feições. E desloca-se com uma velocidade extraordinária...
- Já o viu?
.- Nunca o encontrei, apesar de me ter farto de procurar o maldito! É evidente que não tem vontade de me conhecer; desconfia da sorte que o esperava se tal encontro
se desse!
- Resumindo: a situação parece nítida; você procura, há meses, um bandido que não conhece. No entanto, já reflectiu, certamente, nos acontecimentos dramáticos que
têm ensanguentado o seu distrito... Talvez desconfie de alguém... A táctica habitual do criminoso leva-nos a pensar que ele conhece admiravelmente a região. Já tentou
substituir a alcunha do criminoso por um nome mais conhecido, por exemplo, o duma pessoa que no "Snowball" se encontrava a seu lado?
- Pode estar certo de que estudei atentamente as idas e vindas de certos indivíduos que me pareceram suspeitos...
- E, entre esses, não houve nenhum que o fizesse desconfiar mais?
- Há realmente um, Catamount. Tenho-o seguido com os meus homens, sem nunca conseguir apanhá-lo em flagrante... Trata-se dum caçador de pumas, que anda constantemente
pela região montanhosa, não sabemos bem porquê...
- As feras são, então, numerosas na serra Santiago?
- Encontram-se bastantes, e os criadores da região pagam bem a quem lhes leva as peles ainda frescas desses animais, quer sejam pumas ou gatos selvagens. Esses malditos
atacam frequentemente os rebanhos. O indivíduo de quem acabo de lhe falar ocupa-se dessa caça, mas, estou convencido, também trata de outros assuntos mais equívocos...
- Muito bem. Há-de dar-me os sinais desse homem. Encarrego-me de o seguir. No entanto, antes de abrir o inquérito, há um outro pormenor a respeito do qual necessito
de algumas explicações. Na sua opinião, qual poderá ser o móbil desses crimes?
- Primeiro, supus que o bandido assassinasse as suas vítimas para as roubar. Inquéritos sucessivos demonstraram-me que não era esse o motivo.
- Então? Teve alguma prova?
?- Pondo de parte Moise Schnitz, no cadáver do qual encontrámos a carteira intacta e cheia de notas, todos os assassinados eram uns pobres diabos, sem eira nem beira,
que tinham ido procurar ouro na serra Santiago. Alguns haviam saído de Alpine alguns meses antes, sem um centavo no bolso. Bruno Cherubini, por exemplo, e Sam Gilkins
eram pobres como Job.
O homem dos olhos claros não pôde impedir-se de franzir o sobrolho.
- Eis uma coisa estranha: no caminho de Alpine encontrei um tal Skipping Jeff que voltou comigo e que me garantiu que devia à sua pobreza o ter sido poupado pelo
monstro...
- Perde o seu tempo a interrogar esse vagabundo do deserto, disse o "sheriff"; é um pobre diabo, meio maluco, que fala a torto e a direito... Não é mais invulnerável
do que outro qualquer... Que tenha cuidado!
Pode muito bem acontecer que, por sua vez, seja abatido pelo fantasma!
- Decerto não pretende insinuar que o criminoso assassinou friamente as suas vítimas pelo simples prazer de matar... Até aqui, no decurso da minha aventurosa carreira,
nunca encontrei um fenómeno desse género. com certeza que o culpado cometeu os crimes porque isso lhe convinha por qualquer razão!
- Já pensei assim, também, mas que espécie de tesouro se poderá encontrar num Cherubini ou num Gilkins?
.- Talvez esses homens, que partiram de Alpine pobres, estivessem milionários quando encontraram a morte...
Nat Riley empalideceu subitamente ao ouvir a declaração do "ranger"...
-- Que quer dizer?
Catamount insistiu.
-? Tenho boas razões para pensar que algumas das vítimas, e em especial o pobre Dangerson, traziam com eles uma apreciável fortuna quando o fantasma os abateu. Às
pesquisas feitas na serra não tinham sido vãs; numa palavra, haviam descoberto jazigos auríferos, e foi para os despojar do precioso fruto dos seus esforços que
o miserável os assassinou...
- Essa hipótese parece-me que pertence ao domínio da fantasia. Para fazer tais afirmações são precisas provas.
- Provas? Não será difícil fornecer-lhas, "sheriff". Não quis, há pouco, falando, provocar uma grande complicação, se algum ouvido indiscreto tivesse surpreendido
as nossas palavras. Quis conservar o segredo e
vou revelar-lho, a si que está tão interessado como eu em fazer luz sobre este tenebroso caso.
Estas palavras do "ranger" despertaram no representante da autoridade o mais vivo interesse.
- De que se trata? Estou ansioso por conhecer a verdade!
Um ligeiro sorriso iluminou o rosto do "ranger". Levando lentamente a mão à algibeira, retirou a pepita que descobrira perto do cadáver de Dangerson. Depois, colocou-a
diante dele, sobre a mesa:
- Que pensa disto, "sheriff"? perguntou. Algumas destas pedras não chegarão para despertar invejas e armar a mão dum criminoso?
V
Sylvia Dangerson
Nat Riley imobilizou-se durante alguns momentos. Parecia petrificado perante a descoberta do seu interlocutor.
- Ouro! balbuciou finalmente, estendendo a mão trémula para a pepita. Não é possível... Onde descobriu isto?
- Meu Deus, simplesmente a alguns passos do corpo da última vítima do fantasma do Rochedo Uivador...
?- E não disse nada a Skipping Jeff?
- Pode estar sossegado a esse respeito! Queria
mostrar-lha só a si, para o inquérito. Compreendo perfeitamente que se enr"Alpine, desconfiassem da existência duma parcela de ouro na vizinhança, seria uma autêntica
revolução...
- Só posso felicitá-lo por isso!
.- Na verdade, "sheriff", sabe tão bem como eu que no exercício das nossas funções precisamos de usar da maior prudência. A mínima alusão ao facto poderia fazer
que o criminoso se nos escapasse por entre os dedos... É inútil, penso, que lhe exija a promessa de não contar a quem quer que seja a descoberta desta pepita...
?- Pode estar certo da minha discrição, apressou-se a afirmar Nat Riley, cuja voz tremia levemente.
Durante um curto espaço de tempo, o homem dos olhos claros ficou calado; continuava a observar Nat Riley, parecendo gozar a surpresa que tinha provocado no vizinho.
- Está convencido agora? perguntou Catamount. É fácil imaginar-se o móbil que incitou o famoso fantasma a atacar pessoas que todos julgavam pobres e que com certeza
voltavam com apreciáveis riquezas! "By Jove"! O patife já deve estar bem governado. Começo a crer que a serra Santiago não desiludiu os que esperavam encontrar nela
jazigos de ouro...
- Se soubessem isso em Alpine, o nosso inquérito tornar-se-ia impossível.
- Tarde ou cedo, os habitantes saberão a verdade, garantiu o "ranger". Quando o culpado ou culpados, visto não sabermos ainda se se tratará dum bando organizado
ou dum só indivíduo, forem castigados, poderemos tornar pública a notícia, que alegrará muita gente.
?- Quero, no entanto, fazer notar que os que conheciam
este segredo morreram... Parece-me, agora, bastante difícil localizar os jazigos em causa...
-- Também creio que Dangerson e os outros pesquisadores encontraram a morte antes de poderem revelar a alguém o local e o valor dos misteriosos terrenos auríferos,
mas esquece, "sheriff", que o nosso excelente amigo, o fantasma, deve certamente estar ao corrente de tudo. Encarrego-me de lhe ir perguntar o que for preciso. Empregarei
tais argumentos que ele não poderá deixar de satisfazer a minha curiosidade.
O "ranger", sorrindo, acariciava os coldres dos revólveres. Pela sua expressão, Nat Riley compreendeu, sem dificuldade, que Catamount não descansaria enquanto não
castigasse o criminoso.
- Ouso esperar que você vencerá onde nós sucumbimos, disse finalmente. Não lhe escondi as dificuldades que o esperam... O adversário é perigoso e até a sua identidade
ignoramos... É, além disso, um atirador de primeira...
O "ranger" não pôde deixar de sorrir a esta frase do "sheriff"...
- Há uma certa diferença, disse, entre o pacífico viajante que se abate, dissimulado entre os rochedos, e o homem decidido que luta frente a frente... Veremos se
o fantasma será capaz de combater nestas condições...
Nesse instante, alguém bateu à porta.
- Que há? interrogou Nat Riley, visivelmente aborrecido com a interrupção.
A porta abriu-se, dando passagem a Austin Tiller, um dos auxiliares do "sheriff".
Catamount permaneceu sentado. Examinou o homem, um ferrabrás de cara angulosa, que se aproximou gingando.
- A filha de Dangerson deseja falar-lhe, "sheriff", anunciou o "deputy". Deixei-a em frente da porta...
A expressão de Nat Riley tornou-se, subitamente, mais grave.
- Não faças esperar mais tempo "miss" Dangerson, ordenou. Manda-a entrar já...
Dando rapidamente meia-volta, Austin Tiller dirigiu-se para a porta. Nat Riley passou-lhe à frente.
O "ranger" tinha notado a mudança que se operara na atitude do seu vizinho. Acendendo fleumàticamente um cigarro, esperou, impassível. Em vão se procuraria adivinhar
na sua atitude quais as impressões que colhera na conversa com o representante da autoridade.
Alguns minutos depois, o "sheriff" entrou. Tinha mandado embora Austin Tiller e ele próprio introduzia a visita anunciada...
Catamount verificou que a rapariga já tivera conhecimento do drama; avançava a passo incerto, o rosto banhado em lágrimas.
- Meu Deus! É horrível! É medonho!
- Sente-se, "miss" Dangerson, murmurou Nat Riley, com a sua voz mais suave. Não imagina como sinto o seu desgosto... Pode estar certa de que tão horrível crime não
ficará sem castigo... O seu pobre pai será vingado... Dou-lhe a minha palavra... Além disso, já sabe que em todas as circunstâncias pode contar comigo e com a minha
mais completa dedicação...
O desespero de Sylvia Dangerson era tão grande
que não prestou a mínima atenção ao "ranger", que
esperava na sombra, a dois passos da mesa. O homem
dos olhos claros pôde, pois, observá-la, enquanto ela
se sentava numa cadeira.
Ao primeiro olhar, Catamount sentiu-se impressionado com a radiosa beleza da rapariga.
Durante alguns instantes, a infeliz continuou com o corpo sacudido pelos soluços. Nat Riley tinha pegado no lenço que ela guardava na mão crispada e limpava-lhe
o rosto em silêncio. Uma expressão de dó alterava-lhe a fisionomia.
- A mãe ainda lá está em baixo ao pé do corpo do meu pobre pai, disse por fim a jovem. Quando há pouco nos deram a fatal notícia julguei que endoideceríamos... Evidentemente
que, já há muito tempo, estávamos apreensivas a respeito do pai. Esta ausência tão longa inspirava-nos sérios cuidados, mas, apesar de tudo, esperávamos que um dia
ele voltasse e que as pesquisas tivessem dado bons resultados...
A rapariga calou-se, dando um profundo suspiro.
- Ninguém lamenta mais do que eu o vosso desgosto, afirmou Nat Riley. Bem sabe, "miss" Dangerson, que tudo o que lhe diz respeito me interessa.
- Agradeço-lhe do fundo do coração esta nova prova de simpatia, "sheriff"... Há-de desculpar-me... Julgo-me vítima dum tremendo pesadelo, tanto me custa acreditar
na triste realidade... Há pouco, ia desmaiando, quando os seus "deputies" nos conduziram: até junto do corpo de meu pai. Oh! queria que o miserável que cometeu tão
horrível crime sofresse mil mortes...
- Fique tranquila, "miss" Dangerson. Não terei descanso até que o assassino seja preso. Os meus auxiliares prosseguem o inquérito. Devem interrogar todos os habitantes
de Alpine e os estrangeiros que durante o dia fizeram o-mesmo itinerário que o seu pai. Talvez assim se consiga saber alguma coisa que nos facilite encontrar mais
rapidamente a pista do assassino. Estava
até, quando entrou, a traçar um plano com Mr. Catamount, que aqui está, e que pertence ao célebre corpo de "rangers" do Texas. Mr. Catamount tem já no seu activo
vários êxitos e estou certo de que não passará muito tempo sem que o fantasma do Rochedo Uivador receba o castigo merecido pelos seus crimes... A jovem havia-se
voltado, interdita. O seu olhar límpido pousava agora em Catamount, que continuava imóvel, não tendo, nem uma vez, procurado interromper a conversa.
- Pode estar certa de que se fará justiça, garantiu Catamount, estendendo a mão à infeliz.
Sylvia trocou um rápido aperto de mão com o "ranger".
- Foi Mr. Catamount quem descobriu, no caminho, o corpo do seu pai, "miss" Dangerson, explicou Nat Riley.
Em poucas palavras, Catamount contou à jovem em que circunstâncias tinha encontrado o corpo do pesquisador, não fazendo, no entanto, a mínima alusão à pepita. A
visita ou viu-o, soluçando, sem pensar em fazer-lhe qualquer pergunta.
- Eu e minha mãe tentámos, em vão, retê-lo aqui, suspirou, enfim, Sylvia. Contentávamo-nos com a nossa vida simples... Mas meu pai sentia-se atraído pela miragem
do ouro... Em tempos, um velho amigo foi falar-lhe ao estabelecimento. Que disseram? Nunca o soubemos. O homem vinha do deserto... Ficou connosco alguns dias; depois,
tornou a partir e nunca mais ouvimos falar dele...
A jovem soluçou de novo, limpando o rosto ainda húmido. Silenciosos, os seus interlocutores trocaram um olhar de inteligência. Catamount tinha sido testemunha
de muitas desgraças durante a sua aventurosa carreira, mas, em presença do profundo abatimento da infeliz, não pôde deixar de se sentir profundamente comovido. ?-
Já há muitos meses que estávamos obcecadas por sombrios pressentimentos, continuou a filha do pesquisador. "Vocês ficarão ricas, não cessava de nos repetir, na manhã
em que nos deixou... Parto talvez por muito tempo... meses, anos, quem sabe? Mas estou convencido de que vos trarei a fortuna... Compraremos uma bonita casa na Califórnia,
no belo país do sol...".
- Perdoe-me interrompê-la, "miss" Dangerson, disse o "ranger", mas gostava de lhe fazer uma pergunta: pensa que haja alguma ligação entre a vinda a vossa
" casa do tal viajante e a partida de Norbert Dangerson?
- Temos a certeza disso. Depois de receber aquela visita inesperada, meu pai parecia profundamente preocupado. Andava para trás e para diante no armazém e, quando
o interrogávamos, respondia evasivamente. Maldissemos sempre o dia em que aquele homem esteve sob o nosso tecto...
Catamount voltou-se, então, para Nat Riley, a quem esta informação parecia também interessar bastante.
?- Vê, "sheriff", exclamou, tinha boas razões para crer que todos os crimes eram vantajosos para o assassino. com certeza que o tal indivíduo deu parte a Dangerson
da existência de jazigos de ouro.
- Não compliquemos a questão! É claro que os pormenores que "miss" Dangerson forneceu podem parecer-lhe interessantes a si, que é de fora, mas não me surpreendem
a mim... Não há aqui ninguém que não tenha a febre do ouro...
-? Quanto mais tempo passava, mais assustadas estávamos... prosseguiu Sylvia. Quantos morreram no
deserto, sem descobrir a mínima parcela de ouro! Esperávamos dum dia para o outro receber alguma má notícia, pois já estávamos assustadas com tão longa ausência.
Contudo, não posso pensar que meu pai foi assassinado no momento em que se dispunha a voltar ao lar.
Depois de pronunciar estas palavras, a jovem recomeçou a chorar. Nat Riley curvou-se para ela, para a consolar...
..- Acompanho-a no seu desgosto, "miss" Dangerson, disse-lhe. No entanto, pense que não está só no mundo... Tem muitos amigos. Há, sobretudo, um que está disposto
a partilhar da sua vida, dos seus desgostos e alegrias.
Sylvia ergueu para o interlocutor os seus lindos olhos banhados em lágrimas.
.-? Suplico-lhe, Mr, Riley: já lhe disse o que pensava sobre esse assunto.. O momento parece-me bastante mal escolhido...
-? Como queira, resmungou o "sheriff", cuja atitude mudou. Falando assim, não queria ofendê-la, "miss" Dangerson... Só queria afirmar-lhe a minha grande amizade...
O "ranger" não se tinha movido durante o desenrolar desta cena. Imóvel, fitava insistentemente Nat Riley, cuja atitude aborrecida não lhe escapara.
- Permita-me interrompê-la mais uma vez, "miss" Dangerson, decidiu-se enfim a dizer o homem dos olhos claros, mas talvez me saiba dizer o nome do homem que se abrigou
em sua casa durante alguns dias...
?- Chamava-se Nathaniel Gaudias, respondeu ela simplesmente.
- Meu Deus, acha indispensável saber o nome desse homem? interrogou o "sheriff".
.-? Se cumpre conscienciosamente os deveres do seu cargo, Mr. Riley, sabe certamente que não podemos esquecer nenhum pormenor, por mais ínfimo que ele pareça. Mas
já conversámos suficientemente... Temos de começar o inquérito... com certeza que os seus "deputies" cumpriram as suas ordens...
- Tem razão, já nos demorámos de mais... Vamos acompanhar "miss" Dangerson ao "saloon"... Em seguida, interrogaremos todos os cavaleiros e viajantes que vieram de
Alamito e de Hammond, durante o dia...
- Não devem ser muitos, disse Catamount, o calor foi tal, durante o dia, que seriam precisas sérias razões para alguém se aventurar a sair...
?- O nosso interrogatório será facilitado e poderemos saber alguma coisa que nos dê uma ajuda preciosa...
- Permite-me que lhe ofereça o braço? continuou Nat Riley voltando-se para a infeliz.
Sylvia suspirou e, maquinalmente, deixou que o representante da autoridade lhe tomasse a mão.
Os três saíram da residência do "sheriff". De tempos a tempos, Riley dirigia algumas palavras de encorajamento à rapariga, mas esta parecia não o ouvir, tão abatida
estava.
Quando o trio chegou à porta do "Snowball" uma multidão, composta pelo menos de quinhentas pessoas, encontrava-se em frente do estabelecimento de Bill Whiskers.
Toda a população de Alpine estava agora ao corrente do assassínio de Norbert Dangerson; quando alguns curiosos reconheceram Sylvia, um grupo aproximou-se da jovem
para a ver melhor... Foipreciso o
"sheriff" e o "ranger" intervirem energicamente para livrar a infeliz dos importunos.
Finalmente, não sem dificuldades, Sylvia e os seus companheiros entraram na sala. Apoiada ao braço de Nat Riley, a jovem dirigiu-se ao lugar em que estava estendido
o cadáver. Perto do corpo inerte, via-se uma mulher ajoelhada: Kate Dangerson, mulher do assassinado.
com as mãos juntas, o rosto banhado de lágrimas, a pobre senhora rezava. Era tão profunda a sua dor que nem viu Sylvia. Separando-se do "sheriff" e avançando em
bicos de pés, como se receasse acordar o defunto, a jovem foi juntar-se a sua mãe. Nat Riley dispunha-se a acompanhá-la quando se aproximou um homem que, vindo do
fundo da sala, lhe dirigiu algumas palavras.
?- Ah! és tu, Hobart! disse o representante da autoridade, reconhecendo um dos seus acólitos. Que se passa?
VI
Quatro homens
Nat Riley pareceu descontente por ser interrompido exactamente no momento em que se dirigia a Mrs. Dangerson; os sobrolhos franziram-se-lhe quando notou que o olhar
do "ranger" o seguia com insistência, mas dominou o despeito que sentia. Hobart apressou-se a pô-lo ao corrente do que o trazia ali:
- Prosseguimos o nosso inquérito, os meus camaradas e eu...
- Há algum suspeito? - Prendemos quatro, "sheriff"... Esperam o interrogatório na sala de jogo. - Que interesse lhe parece que eles possam ter?
- Três vinham de Alamito e poderão talvez dar-nos notícias do fantasma; quanto ao quarto, regressava da serra, que é o seu campo de acção habitual...
Nat Riley sorriu.
- Aposto que se trata do nosso amigo Nick Maubart...
- Adivinhou, "sheriff", trata-se precisamente do caçador de pumas, em carne e osso.
Nat Riley voltou-se para Catamount, que "esperava, impassível.
- Vamos proceder a um interrogatório interessante, anunciou. Nick Maubart é o homem de quem lhe falei há bocado...
- Pois bem, não esperemos mais, disse simplesmente o "ranger".
O "deputy" conduziu imediatamente os dois à sala indicada; uma divisão de grandes dimensões, onde habitualmente os "gamblers" jogavam e perdiam somas enormes. Quatro
homens esperavam, sentados num banco, vigiados pelos acólitos do "sheriff".
Quando Nat Riley chegou com o "ranger", um dos indivíduos, que vestia um trajo mexicano, precipitou-se ao encontro do "sheriff", protestando...
- "Senor", é uma indignidade... Sou um honesto "caballero"... Cheguei esta tarde a Alpine, vindo de Alamito, e os seus homens prenderam-me como se eu fosse um malfeitor...
Hei-de apresentar uma queixa...
- Foi cometido um crime no caminho de Alamito, interrompeu imediatamente Nat Riley; é necessário, portanto, fazer um inquérito, a fim de se encontrar o culpado...
- Mas eu não sou criminoso! protestou o homem. Vim aqui em negócios da maior importância!
?- E esses negócios referem-se ao seu comércio de gado?
O mexicano não pôde deixar de estremecer, mas soube disfarçar. Fora Catamount quem pronunciara estas palavras.
?- Caramba, "senor" Catamount, tenho imenso prazer em encontrá-lo! Estou convencido de que poderá provar facilmente ao "sheriff" que não sou culpado. Não há razão
para me prenderem!
Nat Riley tinha-se voltado para o "ranger":;
- Como? Conhece este homem? perguntou, profundamente surpreendido.
-- Meu Deus, sim, somos velhos conhecidos, declarou Catamount, sem perder a calma. Já tivemos mesmo frequentes relações... No entanto, creio que o "caballero" aqui
presente, que se chama Alvarez Battista, tem muito mais interesse em fazer passar gado para a outra margem do Rio Grande do que em roubar pacatos viajantes...
- Nuestra Senora dei Pilar é testemunha de que nunca feri nenhum inocente! afirmou o mexicano. A minha consciência não...
Alvarez Battista dispunha-se a gabar os seus méritos, mas o homem dos olhos claros fê-lo calar com um gesto brusco:
- No entanto, não afirmo que não tenha algumas contas a regular com a Justiça, estimável "caballero";
já por várias vezes foi acusado de fazer negócios escuros com "rustlers", mas falaremos disso mais tarde. Não vim a Alpine para acabar com os ladrões de gado...
- Garanto-lhe que as minhas intenções sempre
foram puras, "senor" Catamount, insistiu o mexicano.
O negócio em questão...
- Pouco nos importa o negócio em questão! Você foi preso, simplesmente, por se pensar que poderia fornecer informações preciosas...
- "À Ia disposición de usted", "senor" Catamoont, estou sempre pronto a fazer tudo por aqueles que, dum ou doutro lado da fronteira, asseguram o respeito pela lei...
- Norbert Dangerson, um pesquisador, foi assassinado entre as seis e as sete horas da tarde no caminho que conduz de Alamito a Alpine, declarou.
- E este homem chegou às oito horas em frente do "Snowball", vindo de Alamito, cortou o "deputy" que tinha trazido ali o mexicano. Pode ter encontrado algum cavaleiro
pelo caminho...
-- "Santa Virgen"! Não vi ninguém, garantiu Alvarez Battista; estava preocupado de mais com o negócio que pretendo resolver! Juro-lhes, "senores", não passei por
ninguém no meu caminho...
- Nem ouviu nenhum tiro?
?- Pela salvação da minha alma, não ouvi nenhum tiro...
- Não temos nenhuma razão para duvidar da sua boa fé, senhor Battista, insinuou Catamount; contudo, as suas declarações incitam-nos a pensar que vinha aqui encontrar-se
com alguém... Não se trata, sozinho, dum negócio de importância...
- O "caballero" que contava encontrar chama-se "senor" Vasquez... É proprietário do rancho "Barra Z" e é criador de gado...
- Conheço Vasquez, disse então Nat Riley. Temos mesmo relações cordiais. Todavia, não o encontrei em Alpine durante o dia...
- Caramba! Deixe-me falar, "senor" "sheriff"! Tínhamos combinado encontrar-nos amanhã de manhã... Quis chegar mais cedo a Alpine para não passar a noite ao relento...
Reservara um quarto no "Star Hotel", e dispunha-me a descansar, quando um dos seus auxiliares me veio buscar e trazer-me a este "saloon"... Mais uma vez protesto
contra esta prepotência.
O mexicano apressou-se a mostrar aos seus dois vizinhos a carta que tinha recebido de Vasquez.
- Creio que, retendo por mais tempo o "senor" Battista, perdemos o nosso tempo, decidiu Catamount, curvando-se para o "sheriff". Basta mandá-lo vigiar por um dos
seus "deputies". Depois, pediremos a Vasquez os necessários esclarecimentos.
- Que se aproxime o seguinte! ordenou o representante da autoridade, dirigindo-se aos seus acólitos.
Hobart aproximou-se logo, conduzindo o segundo preso. O mexicano saiu então do "Snowball", multiplicando os cumprimentos e os agradecimentos.
- "Siempre à Ia disposición de ustedes, senores", concluiu, saindo. Se precisarem dos meus serviços, basta mandarem-me chamar ao "Star Hotel".
Depois de mandar um dos seus "deputies" acompanhar Alvarez Battista, Nat Riley voltou-se para o homem que acabavam de lhe trazer e que o "ranger" olhava insistentemente.
Era um índio "yaqui", pobremente vestido. Os longos cabelos negros caíam-lhe nas
costas, e deitava em redor um olhar estúpido; as calças rotas e cobertas de pó indicavam que devia ter feito uma longa caminhada. A sua única arma era uma faca de
caça, que trazia à cintura.
- Aqui está um que não podemos acusar de ter dado um tiro! disse Hobart. Chegou a Alpine já de noite, e veio também de Alamito. Não me parece que tenha o juízo todo
e fala dificilmente o inglês. Mas achei que devia prendê-lo, pois garantiu-me que vira o fantasma no caminho.
Durante alguns instantes, Catamount e Riley ficaram calados. O "yaqui" continuava a olhar para eles, de boca aberta.
- Bem, amigo, perguntou o "sheriff", parece que viste o fantasma...
O índio disse que sim com a cabeça e o corpo foi-lhe agitado por um tremor.
- "Si, senor", vi-o, decidiu-se por fim a responder.
- Nessas condições, como se produziu o encontro? Na sua linguagem pitoresca, o interpelado explicou
a estranha aventura que tivera no caminho de Alpine. Estava a umas seis milhas da aglomeração, quando a sua atenção foi chamada para um ruído insólito. Supersticioso
em excesso, voltou-se logo, olhando angustiosamente em volta. Sentiu-se imediatamente presa dum medo irresistível, quando viu a alguns passos uma forma branca que
se deslocava nos contrafortes da serra.
O índio conhecia, há muito, a reputação do fantasma do Rochedo Uivador; por isso, mais morto que vivo, sem procurar observar a misteriosa aparição, deitou-se no
chão. Durante alguns segundos ficou assim, esperando a cada momento ser abatido pelo monstro, mas as suas apreensões não se realizaram. Quando se
levantou, tremendo, já não viu ninguém. Então, desatou a correr na direcção de Alpine.
Catamount ouviu a narrativa do índio sem procurar interrompê-lo. Quando ele acabou, aproximou-se.
- Como era o fantasma que te apareceu? perguntou.
- "No sabe"! balbuciou o "yaqui", abrindo uns grandes olhos amedrontados.
.- Estava a pé ou a cavalo? continuou o "ranger", sem parecer irritado com a atitude estúpida do seu interlocutor.
?- "No sabe"! repetiu obstinadamente o indígena.
?- Já vê que não poderemos conseguir nada deste imbecil, interveio Nat Riley, que tinha deixado o "ranger" fazer este interrogatório; a única coisa que nos poderá
interessar na sua narrativa é que o fantasma foi visto no caminho de Alamito. Só isso prova que assassinou Dangerson...
Dirigindo-se depois a Hobart, que esperava, o "sheriff" declarou:
?- Podes mandar para o diabo este língua de trapos; não queremos mais nada dele.
- O terceiro indivíduo que prendemos é Whisky Joè, anunciou então o "deputy". Mas (receio que não esteja em estado de fornecer esclarecimentos. Chegou de Alamito
à noite e, depois, entregou-se a copiosas libações, oferecendo várias "voltas" a "cowpunchers" seus amigos, que encontrou no "Hofe in the WaH".
-? Traga-o mesmo assim, disse Catamount. Quem sabe! O mínimo indício pode concorrer para se descobrir a verdade!
- Meu Deus, acho que não vale a pena interrogar esse bêbado, disse o "sheriff". Já o conheço há muito
tempo- Deve fazer a fortuna de todos os "bartenders" do Texas... Tem uma capacidade de absorção espantosa!
Hobart, que se afastara por alguns instantes, voltou, trazendo à sua frente um homenzarrão de nariz abatatado e cara ossuda emoldurada por uma barba espessa.
- Quero dormir! Já te disse que quero dormir... protestava o homem que tinha dificuldade em se manter em pé... Diabos te levem! Larga-me! - E tentou fazer um gesto
desabrido.
?- Ah! é o "sheriff"! balbuciou com voz pastosa quando reconheceu o representante da autoridade . "Sheriff", você agrada-me. Venha daí comigo beber um "whisky"...
e todos me acompanharão... É a minha vez... Sou uma boa pessoa, sabem? Sempre fui boa pessoa...
Todo entregue ao desejo de manifestar a sua simpatia pelo representante da autoridade, o beberrão dispunha-se a passar o braço à roda do pescoço do "sheriff" e a
abraçá-lo efusivamente. Mas Nat Riley empurrou-o tão rudemente que o ia fazendo estatelar-se no chão...
- Não é bonito, "sheriff", protestou, zangado. Eu estou a tratá-lo bem e agradece-me assim! Mas eu sou bom rapaz... A minha defunta esposa sempre me dizia: "Jonas,
és um anjo!" Um anjo, ouve? E ela sabia o que eram homens! Que raparigaça!
Nat Riley dirigiu um olhar de inteligência ao "ranger";
- Não conseguiremos nada deste tipo! declarou. Mais vale acabar com isto e mandá-lo cozer a bebedeira...
O "ranger" pareceu discordar da opinião do seu vizinho; aproximando-se do bêbado, agarrou-o solidamente e, depois, olhando-o nos olhos, disse-lhe:
- Ouve bem! ordenou. Quero que me respondas!
- Quer! troçou Whisky Joê... Que divertido! Que grande ponto!
- Chegaste de Alamito há algumas horas? insistiu o homem dos olhos claros, sem se deixar desencorajar pela atitude exasperante do interlocutor.
- Alamito? "By Jove"! É verdade... Vim de Alamito! Que curioso!
.- Bem! Lembras-te de ter encontrado alguém pelo caminho?
- Alguém? Meu Deus, não! Não vejo...
- É preciso que te lembres, "my boy"; é importante... extremamente importante!
Whisky Joê imobilizou-se durante alguns instantes, com a testa enrugada, parecendo procurar reunir as suas recordações; Catamount esperava que ele se decidisse a
responder-lhe quando, subitamente, o bêbado desatou a rir, olhando para Nat Riley e apontando-o com o dedo:
- Tem um magnífico chapéu, "sheriff". Aposto que
o comprou no General Store de Mrs. Dangerson...?
O representante da autoridade pareceu ficar furioso
com as palavras incoerentes do beberrão...
- Basta! vociferou. Ponham este idiota na rua! Pegando no energúmeno pelo colarinho, Hobart dispunha-se a obedecer à ordem do chefe, mas Whisky Joê agarrou-se desesperadamente
ao casaco do "ranger".
- Sim, meu caro, continuou. Todos sabem isso em Alpine! O "sheriff" está apaixonado pela filha de Dangerson! Soube escolher... Que linda rapariga!
Ah! Se eu fosse mais novo... teria também pedido a sua mão!
Cada vez mais irritado, Nat Riley precipitou-se por sua vez sobre o homem, mas não o pôde impedir de acrescentar:
- O "sheriff" não larga a porta do General Store! Que divertido! Contaram-me a história há bocado... Parece que dá manteiga a Mrs. Dangerson para conseguir obter
mais facilmente a mão da filha... Mas dizem que não leva nada... Daria um belo par! Venha, meu caro... Vamos beber um copo à saúde deles... Isso há-de dar-lhes sorte,
não acha?
O beberrão não conseguiu continuar nas suas divagações; Nat Riley e o seu "deputy" agarraram-no brutalmente, cada um pelo seu braço. Em vão tentou agarrar-se a Catamount.
O "ranger" ajudou os companheiros a afastá-lo; antes de ter tempo para protestar, Whisky Joê sentiu-se arrastado para a porta do estabelecimento e violentamente
empurrado para a rua.
Incapaz de se equilibrar, rolou pelas escadas e foi parar a meio da rua, enquanto Nat Riley e o companheiro voltavam a entrar no "saloon".
VII
A agenda da vítima
Reparando a desordem do vestuário, o "sheriff" e o seu auxiliar foram ter com Catamount, que os esperava à entrada da sala de jogo. Nat Riley parecia de muito mau
humor.
-Aqui está como, às vezes, se perde um tempo precioso! resmungou. Este Whisky Joe é o maior bêbado que existe no mundo!
Hobart interrompeu o -chefe:
- Falta ainda interrogar Nick Maubart, "sheriff". A cólera de Nat Riley acalmou-se como por encanto;
- Ah! é verdade! Já quase o tinha esquecido, e é o mais interessante
A presença de Maubart perto da pista de Alamito, momento exacto em que o fantasma cometia um novo crime, também parece estranha. As idas e vindas deste maldito caçador
já nos intrigaram várias vezes, a mim e aos meus "deputies". Para falar com franqueza, julgo-o: capaz de tudo, e não me admiraria de que ele tivesse participado,
directa ou indirectamente, no atentado de que foi vítima Dangerson. Eles não se entendiam bem, ao que parece!
O "ranger" mostrava muito interesse pelos pormenores que lhe fornecia o seu interlocutor.
?- Dangerson e Maubart conheciam-se, então? interrogou.
- Há pouco mais ou menos dois anos, mas uma discussão afastou-os.
?-Discussão de interesse.
- Não imagina o que foi; há já algum tempo que Maubart rondava a porta de "mrs" Dangerson e, por isso, o pobre Norbert resolveu acabar com as incomodativas assiduidades
desse imbecil. Um belo dia, Maubart atreveu-se a pedir a mão da rapariga. Resultou daí uma violenta discussão, durante a qual Maubart dirigiu ao seu interlocutor
as piores ameaças. Tive de intervir para separar os dois antagonistas.
- Compreendo, mas não vejo o que isso possa ter ,de comum com o caso do fantasma...?
- Baubart é, sem dúvida, o caçador mais hábil da região. Muitas vezes o encontrei nas paragens que o fantasma frequenta normalmente...
- Isso são simples suspeitas que não chegam para estabelecer a culpabilidade do nosso homem. Antes de se fazerem semelhantes acusações, é necessário procurar provas
concretas.
- Provas? Espero consegui-las em pouco tempo. Durante alguns instantes, Catamount calou-se,
fitando o "sheriff". As frases do beberrão vinham-lhe à memória. Lembrava-se da alusão que Whisky Joe fizera aos sentimentos que Nat Riley nutria pela jovem..
- Se o "sheriff" e o caçador gostam da mesma rapariga, pensou, Riley pode facilmente deixar-se levar pela aversão que sente pelo rival... É preciso cuidado!
Catamount não prosseguiu muito tempo no seu monólogo; o seu vizinho dera-lhe o braço e levava-o para o interior da sala de jogo.
O "ranger" viu logo a pessoa de quem falara o "sheriff". Sentado a uma mesa. Nick Maubart fumava plàcidamente um cigarro. Perto dele, três "deputies" vigiavam-no
com o maior cuidado.
O caçador não parecia irritado com a desconfiança que todos lhe manifestavam.
- Encantado de o ver, Maubart! declarou o "sheriff", dirigindo-se a ele.
- O prazer é todo meu, "my boy"! respondeu o interpelado.
Catamount esforçou-se por notar qualquer sinal de embaraço na fisionomia enérgica do caçador, mas o jovem ficou impassível; nenhum músculo se lhe moveu.
A primeira impressão, ele não desagradava ao "ranger"; a sua atitude era firme e franca; com cerca de vinte e cinco anos, parecia afeito a todas as canseiras.
- Na verdade, "sheriff", não lhe inspiro muita confiança! Já há muito tempo que me olha de revés... Tenho também, que protestar contra a violência dos seus auxiliares,
que me tiraram as armas e os "lassos".
Um sorriso distendeu o rosto de Nat Riley.
.-? Vamos, "my boy", não és tu que tens de me interrogar; viemos aqui, ao contrário, para proceder ao teu interrogatório. Não tentes esquivar-te,
?- Normalmente só se interrogam os acusados, respondeu rudemente Maubart. Pela minha parte, não tenho nada que me ipese na consciência.
- Já vamos ver isso. Entretanto, talvez te seja fácil dar-nos alguns esclarecimentos. Sabes, com certeza, que Noirbert Dangerson foi encontrado morto no caminho
que vem de Alamito a Alpine...?
" Já sei, já, "sheriff", e não posso impedir-me de deplorar a falta de vigilância de que as autoridades deste distrito dão prova. Se os defensores da ordem tivessem
um pouco mais de coragem e de iniciativa há muito que o famoso fantasma teria deixado de gozar duma impunidade tão escandalosa.
O "ranger" surpreendeu neste momento o sorriso irónico que crispou os lábios do caçador.
- Não estou disposto a ouvir as tuas observações! cortou brutalmente Nat Riley, a quem esta réplica de Maubart fizera encolerizar. É inútil procurares escapar-te.
Onde estavas ontem entre as seis e as oito horas?;
?- Vamos, "sheriff", não se enerve. Já estou a ver o
seu jogo. Sei que gostaria de me ver em maus lençóis. Evidentemente. Norbert Dangerson não era meu amigo, mas, deixe-me dizer-lhe, meteu por caminho errado. As suas
suspeitas não têm fundamento. Não fui eu que assassinei o infeliz. No momento em que ele era assassinado, estava eu a caminho de Alpine, vindo pelos contrafortes
da serra, a mais de quatro milhas do sítio onde o corpo foi descoberto.
- Quem me garante que não estás a mentir? Encontraste no caminho alguém que possa confirmar o que afirmas?
- Meu Deus, "sheriff", não encontrei ninguém. Estava imenso calor.
- Era realmente preciso haver uma razão imperiosa para vagabundear assim nessas paragens perdidas. Visto que pretendes não ter visto ninguém, por que te demoraste
tanto?
- Já me conhece há muito tempo, "sheriff", e bem sabe que pouco caso faço do calor ou do frio. vou ao acaso, montado em "Diana", a minha velha égua preta, procurando,
primeiro que tudo, descobrir a pista dum puma ou dum gato selvagem;. A caça desses animais, e só ela, me interessa. Em vez de seguir o exemplo de todos os pesquisadores,
que se meteram através de todas as regiões perdidas, nunca procurei encontrar nenhum terreno aurífero.
-? Não sou obrigado a acreditar nisso. Há muito tempo que temos o olho em ti.
-? Já sei, repito, que não é meu amigo1; contudo, para acusar alguém, são necessárias provas, e eu desafio-o a apresentar-me essas provas. Mais uma vez, afirmo,
que nada tenho que ver com a morte de Norbert Dangerson.
Estas palavras, pronunciadas em voz vibrante, não pareceram convencer Nat Riley; dirigindo-se aos seus "deputies", o "sheriff" interrogou:
- Revistaram Maubart?
Hobart e os seus companheiros idisseram que não.
-Devem tomar essa precaução, insistiu o representante da autoridade.
?-? Meu (Deus, se isso lhe dá prazer, "sheriff", não vejo nenhum inconveniente, disse o caçador, esmagando o cigarro no salto do sapato.
Sem qualquer consideração, os "deputies" executaram as ordens do chefe. Impassível, Nick Maubart deixou-os proceder, levantando até os braços para lhes facilitar
a tarefa...
Catamount assistiu, impassível, a esta cena; os seus olhos não largavam o jovem, cuja calma contrastava com a estranha agitação do "sheriff".
Os "deputies" puseram em cima da mesa os objectos que descobriram nas algibeiras de Nick Maubairt; cordéis cuidadosamente enrolados, uma faca de caça, um isqueiro
e um baralho de cartas.
?-? Não foi com certeza com isto que assassinei o pobre Dangerson, troçou o caçador, que parecia divertir-se imenso com a cara desolada dos circunstantes.
Nat Riley, no entanto, não se deu por vencido,
?- Dêim-me o cinto de armas desse homem! ordenou.
Hobart apressou-se a entregar ao chefe o cinto pedido.
- Pode verificar, "sheriff", que não dei nenhum tiro, respondeu Nick Maubart; quanto aos meus revólveres, pode ver também facilmente que estão completamente carregados.
Enfim, se quiser fazer um pequeno
inquérito suplementar, ser-lhe-á fácil saber que não fui ao General Store, depois de chegar a Alpine, para renovar as minhas provisões de cartuchos, A maior parte
das vezes, caço com o "lasso" e evito gastar pólvora. com um nervosismo cada vez maior, o "sheriff", passeava dum lado para o outro na sala. O insucesso exasperava-o
visivelmente, Custava-lhe ser posto em cheque na presença do "ranger".
- Então, bem vê que perde o seu tempo, "sheriff", prosseguiu o jovem; todos aqui pensam que o culpado é o fantasma, e não vejo por que razão quer complicar o assunto.
- Tenho uma boa razão para isso... Estou convencido de que você e o fantasma são uma e a mesma pessoa. Sempre evitei esta acusação... Mas, agora, não hesito em fazê-la.
As palavras do representante da autoridade não impressionaram o caçador.
?-- Por que não diz antes que sou o Presidente da República dos Estados-Unidos? Seria igualmente provável! Aqui para nós, "sheriff", os habitantes de Alpine são
bem de lamentar! Não merecem ser defendidos por uma pessoa tão tola.
Fora de si, Nat Riley fez o gesto de se precipitar sobre o seu interlocutor, mas conteve-se, virando-se bruscamente para os acólitos:
?-? A égua preta deste tipo está amarrada diante do "saloon". Algum de vocês se lembrou de revistar a sela?
-? Não nos ocorreu, "sheriff", respondeu Hobart.
- Era, no entanto, uma precaução elementar, resmungou Nat Riley, descontente.
Virando-se então para o "ranger":
- Quer acompanhar-me? perguntou.
Catamount apressou-se a segui-lo. Saindo do "Snowball", os dois homens não tardaram em chegar ao sítio onde estavam presas as montadas dos clientes de Bill Whiskers.
A maior parte desses clientes estava ainda diante do estabelecimento e alguns curiosos dirigiram-se ao encontro do "sheriff". Os "deputies", que ali tinham ficado
para proibir a passagem, apressaram-se a intervir. Não foi sem dificuldade que Catamount e o companheiro chegaram; à barra de madeira onde se encontravam presos
uns vinte cavalos.
?- Eis a égua de Maubart, reconhecê-la-ia entre mil, declarou Nat Riley, mostrando um dos animais, Talvez consigamos agora descobrir qualquer coisa. Qual é a sua
opinião, Catamount? Este maldito caçador não lhe parece suspeito?!
?- Hesito em me pronunciar categoricamente, "sheriff", respondeu o "ranger". Até aqui, tem de concordar que as bases da sua acusação contra Nick Maubart são muito
frágeis para que se possa garantir que ele é o criminoso que aterroriza a região.
- Rirá melhor quem rir no fim... Neste momento, esse maldito troça de mim, mas virá a hora da minha vingança, e reconhecerá, então, que eu tinha razão quando o acusei...
Enquanto assim, falavam, os dois homens haviam-se aproximado da égua. As luzes do "Snowbaill" permitiam-lhes ver, facilmente, o animal, cujo pêlo estava ainda coberto
de poeira.
?- Vamos, recua um pouco, velha camarada! murmurou o "ranger". Não tenhas medo.
Docilmente, "Diana" afastou-se deixando o "sheriff" e o companheiro chegar junto dela. Então, com os seus
dedos nervosos, Nat Riley desfez as correias que prendiam os alforjes fixados de cada lado da sela e começou a remexer dentro deles.
Alguns minutos chegaram a Nat Riley para lhes pesquisar o conteúdo. Primeiro, entregou a Catamount alguns biscoitos que o caçador ali guardava; depois, tirou uma
pele, que Nick Maubart utilizava para limpar a espingarda...
-? Magro proveito, na verdade, resmungou Nat Riley, desconcertado.
O representante da autoridade fez uma careta, mas a sua decepção não se prolongou muito. Continuando a procurar no alforje encontrou um pedaço de pano preto, que
examinou com atenção.
- "God Almighty"! Eis-nos na pista! Decididamente, tinha razão para desconfiar daquele patife!
Enquanto falava. Nat Riley estendia o seu achado ao homem dos olhos claros. O "ranger" pegou-lhe imediatamente.
- Não se pode duvidar um só momento, continuou o "sheriff". Eis uma prova convincente. Este pano está furado em dois sítios. É a máscara de que aquele Maldito se
serve para cometer os seus crimes.
Catamount contentou-se em soltar um pequeno assobio; media facilmente a importância desta descoberta. Os raros esclarecimentos que até ali conseguira recolher tinham-lhe
indicado, com efeito, que o fantasma estava mascarado de cada vez que alguém o avistava.
O "ranger" dispunha-se a responder ao "sheriff", quando deixou escapar uma exclamação de surpresa: o seu companheiro descobrira agora no fundo do segundo alforje
uma agenda muito suja com as páginas cobertas por uma letra miúda.
A cara de Nat Riley expandiu-se num sorriso.
- "By Jove"! Eis aqui alguma coisa que não me parece desprovida de interesse! Examinemos isto pormenorizadamente; talvez a leitura destas notas nos permita confundir
o culpado.
Sem esperar mais, os dois homens voltaram ao "saloon", abrindo com dificuldade passagem por entre os grupos. Quando conseguiram entrar no estabelecimento, o "sheriff",
levando consigo o "ranger", aproximou-se das duas mulheres, que continuavam a rezar junto do corpo do pesquisador.
?- Desculpe-me importuná-la em tão triste momento, Mrs. Dangerson, disse Nat Riley, dirigindo-se à viúva do pesquisador, mas jurei castigar implacavelmente o criminoso
e não devemos, por isso, desprezar nenhum indício que possa ajudar-nos a descobri-lo.
Kate Dangerson levantou a cabeça: olhava o "sheriff" com o rosto banhado de "lágrimas; perto dela, Sylvia tinha-se erguido, perguntando a si própria que significado
teria a intervenção do "sheriff".
Nat Riley pôs logo a mulher da vítima ao corrente do assunto. Mostrou-lhe a agenda.
- Poderia dizer-me quem escreveu estas linhas, Mrs. Dangerson? perguntou.
A mãe de Sylvia pegou imediatamente no livro; folheou-o com a mão trémula e respondeu, reprimindo um soluço:
- Reconheceria esta letra entre mil, "sheriff". Esta agenda pertencia a meu marido!
VIII
Catamount intervém
Catamount, que assistira a esta breve cena, não pôde reprimir um estremecimento ao ouvir a extraordinária declaração de Kate Dangerson. Continuava a observar a pobre
mulher, que, ao ver a agenda, parecia transtornada.
- Eu não conhecia a letra da vítima, declarou o representante da autoridade, mas calculei logo que esta descoberta mais facilitaria grandemente o trabalho. As culpas
serão atribuídas a esse maldito caçador de pumas...
Ao ouvir estas palavras, Sylvia exclamou: -Que diz, "sheriff"? Que pretende insinuar?
- Digo simplesmente que conheço agora o assassino de seu pai... Chama-se Nick Maubart!
?- Não é verdade! Nick não é o culpado!
A jovem levantara-se, indignada, virando-se para Nat Riley. Dir-se-ia que a acusação que este acabava de proferir fora para ela como uma chicotada...
?- Repito, "sheriff", insistiu com força, Nick Maubart está inocente!
- Lamento desmenti-la. "miss" Dangersom; contudo, acho quase impossível arranjar provas mais fortes do que as que temos nas mãos... Não só a agenda estava escondida
no alforje da sela daquele que defende com tanto ardor, como descobri uma certa máscara negra que
bastaria para fazer linchar Maubart, se a população de Alpine sonhasse a sua existência!
Enquanto pronunciou estas- palavras, o "sheriff" mostrou a Sylvia o pedaço de pano com dois buracos. Não conseguiu, no entanto, convencê-la.
- Não, não! Não é possível! continuou a protestar... Nick Maubart não é um assassino, tenho a certeza!
Um amargo sorriso crispou os lábios de Nat Riley.
- Na verdade, Nick Maubart é um feliz mortal, "miss" Dangerson! Não sei se, em idênticas condições, me teria defendido com tanto ardor! E, no entanto, bem sabe que...
A jovem franziu bruscamente os sobrolhos.
- Por favor, pediu... Já diversas vezes me disse que faria tudo para me ser agradável... Creia... Abandone essa absurda acusação... Pelo que mais amo no Mundo...
pela memória do meu pai, .garanto-lhe que Nick Maubart não matou! De resto, bastava a ideia de que se tratava de meu pai para Nick não cometer um crime tão horrível...
O "sheriff" esforçou-se por dissimular a sua profunda decepção; com um gesto brusco, guardou a máscara na algibeira.
?- O meu mais vivo desejo é ser-lhe agradável, "miss" Dangerson, resmungou, surdamente; no entanto, num caso destes, vejo-me obrigado a cumprir o meu dever. Não
somente Nick Maubart está inculpado do assassínio de seu pai, como tudo nos leva a crer que tinha íntimas relações com o fantasma do Rochedo Uivador. Além disso,
não sou só eu a procurar agora o criminoso. Catamount, que aqui vê, foi encarregado pelo Seu
chefe de esclarecer este caso. É impossível prejudicar o inquérito.
Ao ouvir o seu nome, o "ranger" aproximou-se de Nat Riley. Não tinha dificuldade em medir a antipatia que o representante da autoridade nutria pelo caçador. As revelações
imprevistas de Whisky Joè haviam-lhe mostrado a rivalidade existente entre o "sheriff" e Nick Maubart. E, por consequência, apreciando mais calmamente a situação
que o seu companheiro, decidiu intervir.
- Não podemos acusar esse homem do crime, sem o ter ouvido, "sheriff", declarou.
Nat Riley voltou-se, furioso:
- "By Jove"! O senhor é difícil de contentar! exclamou. Que será preciso mais para o convencer? As provas que temos não lhe parecem suficientes?
Sylvia sentiu renascer-lhe a esperança; a atitude calma do "ranger" levava-a a pensar que este não seria surdo às suas razões:
- Oh! Peço-lhe! Salve-o... suplicou. - Estou certa de que as respostas que ele der bastarão para o convencer!
- Catamount terá, também, de cumprir o seu dever, respondeu o "sheriff", a quem a atitude da rapariga impacientava visivelmente.
O homem dos olhos claros interrompeu Riley com um gesto e, dirigindo-se a Kate Dangerson, que assistia à discussão, sem intervir, pediu:
- Ficar-lhe-ia muito agradecido se me confiasse essa agenda, Mrs. Dangerson.
A infeliz senhora entregou imediatamente o livro ao "ranger". Durante alguns instantes, Catamount percorreu com os olhos as linhas que o pesquisador traçara.
Tratava-se das impressões de Norbert Dangerson durante os meses que se tinham seguido à sua partida de Alpine. Após os primeiros dias, penosos e intermináveis, o
pensamento do viajante solitário tinha-se muitas vezes voltado para aquelas que deixara no lar, e que esperava tornar ricas e felizes depois das suas pesquisas.
O "sheriff" e as duas mulheres aguardavam, observando atentamente Catamount. Impassível, o "ranger" continuava a ler. Subitamente, os seus vizinhos viram que uma
ruga lhe vincava a fronte...
- "By Jove"! resmungou. A agenda não está completa! Arrancaram-lhe, pelo menos, umas cinquenta folhas!
Intrigado, Nat Riley curvou-se para Catamount.
- Veja, "sheriff", insistiu o homem dos olhos claros, estas folhas foram rasgadas...
- Meu Deus, é verdade... balbuciou o interpelado. Talvez esse maldito caçador achasse que podiam ser comprometedoras... Fê-las desaparecer...
- Para que serve perdermo-nos em conjecturas? Não seria melhor interrogar esse homem, que é tão insistentemente acusado por si? Talvez nos possa fornecer alguma
explicação satisfatória!
- Receio que se engane, resmungou o "sheriff". O patife é astuto como uma raposa...
Depois de se inclinar respeitosamente diante de Kate Dangerson e de lhe apresentar os seus sentimentos, o "ranger" indicou ao representante da autoridade a sala
de jogo, onde Maubart continuava a esperar, vigiado pelos "deputies":; o "sheriff" concordou.
- Seja! disse. Vamos!
Quando se dirigiam para a entrada da sala, Sylvia interrompeu-os.
Desejava assistir ao interrogatório do caçador. Em pouco tempo, chegou à porta.
Nick Maubart, sentado à mesa de jogo, aguardava o regresso de Nat Riley e do companheiro; quando ouviu os dois homens, ergueu a cabeça; o seu olhar iluminou-se logo
que encontrou o da jovem.
Antes que o "sheriff" o pudesse impedir, o caçador dirigiiu-se à infeliz, apertando-lhe a mão:
- Não acredita, com certeza, em todas estas monstruosidades, "miss" Dangerson... Sabe do que me acusam?
A interpelada abanou afirmativamente a cabeça; sentia-se demasiado comovida para proferir qualquer palavra; grossas lágrimas caíam-lhe pelas faces. Durante um breve
momento, parou, com o corpo sacudido por soluços, apertando nervosamente as mãos de Nick Maubart.
- Suplico-lhe, "miss" Dangerson, repetiu o acusado, diga que não me julga culpado!
Dominando a emoção que sentia, a filha do pesquisador deu um profundo suspiro; por fim, murmurou com uma voz a custo perceptível:
- Aconteça o que acontecer, mlantenho a minha confiança em si... Sei que está inocente e esforçar-me-ei por defendê-lo com todas as minhas forças.
Nick Maubart queria falar, agradecer, mas Nat Riley, impaciente, interrompeu-os, agarrando num braço do caçador:
- Parece-me que se esquece, Maubart, de que está à nossa disposição...
Depois de trocar um novo aperto de mão com a
jovem, o caçador voltou-se para o representante da autoridade.
- Que mais quer, "sheriff"? perguntou. Julgo que voltou desconsolado da sua caça às provas...?
Nat Riley abanou negativamente a cabeça.
- Na verdade, Maubart, gosta muito de brincar! A nossa caça foi muito mais frutuosa do que eu supunha... Que me diz das peças que trazemos?
Enquanto assim falava, o "sheriff" estendia triunfalmente ao interlocutor a agenda e o pano que descobrira nos alforjes da sela.
Os sobrolhos de Maubart franziram-se.
- Meu Deus, "sheriff", ignoro absolutamente o que significa essa brincadeira! disse.
-? Significa simplesmente que vai ser inculpado pela morte de Norbert Dangerson, assassinado no caminho que leva de Alamito a Alpine... Acabo de encontrar estes
objectos na sua sela... Mrs. Dangerson reconheceu a agenda como sendo do marido; quanto a esta máscara original, não quer com certeza fazer-me crer que se serve
dela para assustar os seus pumas. Normalmente, só os bandidos tomam precauções para se dissimularem.
O caçador não pôde esconder o seu espanto:
?- Está a brincar, "sheríff"? Não sei o que quer dizer... Palavra de honra! É a primeira vez que vejo esses objectos...
-Vamos! Não procure fazer-se esperto. Catamount é testemunha... A brincadeira já durou bastante. Temos nas mãos as provas inegáveis da sua culpabilidade..
Nick Maubart encolheu os ombros. -? Continue o seu inquérito!, "sheriff", exclamou. com certeza que se enganou no cavalo.
- Já conheço há muito tempo a sua égua preta... Estes objectos estavam nos seus alforjes...
- Nesse caso, mão misteriosa os colocou lá, para atirar as suspeitas para cima de mim, prosseguiu o jovem sem perder o seu ar de segurança. Repito-lhe, "sheriff",
.desconhecia a existência desses objectos.
- É um bom comediante, Maubart, mas acho melhor contar-nos a verdade... Não agrave a sua situação; a acusação que pesa sobre si já é suficientemente pesada... Todos,
em Alpine, sabem que as suas relações com a vítima nunca foram amigáveis... Várias vezes, mesmo, chegou a ameaçar Norbert Dangerson...
- Há uma grande (diferença entre as palavras e os actos, "sheriff"! Nunca poderia matar Dangerson...
- No entanto, o proprietário do General Store tinha-lhe recusado a mão da filha e você sentia-se despeitado!
-? São pormenores que não lhe dizem respeito.
- O meu dever manda-me procurar e castigar os criminosos... No caso que nos preocupa, é indispensável conhecer o móbil que levou o criminoso a agir... Tenho pena,
mas noto que todas as aparências são contra si. A sua atitude e a má vontade que mostra em responder-me ainda mais me encorajam a pensar que está culpado. Por isso,
e até nova ordem, ficará à disposição da Justiça...
- É uma infâmia! protestou imediatamente Nick Maubart. Uma vez mais, repito: não sou o autor da agressão de que foi vítima Dangerson! Estava mesmo bem longe de supor
que ele estivesse de regresso! Pensava, como quase toda a gente, que ele tivesse sucumbido, há muito, no deserto...
- Por amor de Deus, "sheriff", garanto-lhe que
Níck Maubart está inocente, interveio Sylvia, uma vez mais. Não o prenda, suplico-lhe!
?- Esquece, sem dúvida, "miss" Dangerson, que ainda não há muito tempo foi ao meu escritório pedir-me que castigasse sem dó nem piedade o assassino de seu pai...
observou Nat Riley, erguendo a cabeça.
.- Nick não assassinou meu pai, repetiu a jovem. Tenho a certeza disso!
- Desejo sinceramente que tenha razão, "miss" Dangerson... Contudo, até que se prove o contrário, vejo-me obrigado a mantê-lo preso...
Sylvia compreendeu que não conseguiria demover o representante da autoridade, de modo que, voltando-se para Catamount, que, impassível, assistia ao interrogatório,
implorou:
- Peço-lhe... Não o deixe prender assim! Ele está inocente!
Enquanto Nat Riley falara com os dois jovens o "ranger" não deixara de os observar. A descoberta do "sheriff" surpreendera-o, como se pode calcular; contudo, sentia-se
desconfiado perante a insistência hostil do companheiro em acusar o rival. Examinava Nick Maubart e o ar de sinceridade do jovem não lhe passava despercebido. E
a voz de Sylvia era tão desesperada, que decidiu sair da reserva que até alli mantivera.
- Sossegue, "miss Dangerson, afirmou; não vim aqui para condenar um inocente... As aparências levam a pensar que aquele que tão energicamente defende participou
no atentado de que foi vítima o seu pai; espero, todavia, que ele, muito brevemente, apresentará provas da sua inocência. Pela minha parte, estou pronto a ajudá-lo,
se tanto for preciso...
- "By Jove"! Não pense nisso! protestou o "sheriff".
A gravidade da situação é tal que não podemos deixar este homem em liberdade. Era preciso, primeiro, termos provas inegáveis da sua inocência...
- Julga que prendendo Nick Maubart facilitará o inquérito objectou o "ranger", sem perder a calma. Pela minha parte, acho que ele em liberdade nos poderá ajudar
melhor a resolver este inquietante problema...
Ao ouvir Catamount pronunciar estas palavras, a expressão de Sylvia animou-se. A infeliz compreendia que tinha encontrado um aliado... Mais clarividente que Nat
Riley, não se deixando, como ele, levar pelo ciúme, o auxiliar do major Morley não parecia tão intratável...
- Graças a Deus! murmurou ela. Conheço há muito tempo Nick Maubart... Somos amigos desde crianças... ,Ele nunca poderia cometer um crime tão horrível!;
Catamoont ia responder, quando sentiu uma mão pousar-lhe no ombro...
- Que deseja, "sheriff"? perguntou ele, vendo o representante da autoridade, que parecia presa de grande irritação.
-(Espanto-me da indulgência que manifesta em favor dum tal patife! Tudo nos leva a crer que ele não tem a consciência tão tranquila como nos quer fazer ver "miss"
Dangerson...
O homem dos olhos claros impacientava-se com a insistência de Nat Riley...
-? Continuo a estar convencido, "sheriff", de que Nick Maubart nos pode ser infinitamente mais útil em liberdade do que preso. Além disso, recebi plenos poderes
do meu chefe, de modo que fica livre de qualquer responsabilidade...
Visivelmente contrariado por esta decisão, Nat
Riley balbuciou algumas palavras ininteligíveis, mas o "ranger" parece que não as ouviu.
- Não é em Alpine que esclareceremos o mistério, declarou. Até aqui, não passámos de simples suposições. Claro que não pretendo que a descoberta da agenda e da máscara
seja desprovida de importância, mas estou cada vez mais convencido de que não ganhamos nada em ficar aqui... Amanhã irei bater a serra Santiago... Nick Maubart acompanhar-me-á.
Não tenho dúvidas de que ele fará o possível por nos demonstrar a sua inocência. Estou certo de que nos ajudará a descobrir a verdade.
IX
A promessa do "ranger"
Nat Riley quis protestar ainda, mais Catamount fitou-o de tal forma que ele calou-se imediatamente.
O "sheriff" não insistiu. Sabia que o "ranger", enviado em missão pelo seu chefe, podia fazer um relattório desfavorável a seu respeito às autoridades competentes.
Dissimulando o melhor possível a sua irritação e o despeito que sentia, não insistiu.
- Tenho a minha ideia, "sheriff", continuou o homem dos olhos claros. Fico fiador de Nick Maubart e espero obter bons resultados...
O caçador de pumas aproximou-se, então, daquele que tão bem tinha intervindo a seu favor.
- Não terá ajudado um ingrato. Mr. Catamount, pode estar -certo! afirmou. Por piores que sejam as aparências saberei provar-lhe que estou inocente do crime de que
me acusam. Desmascararei os miseráveis que procuraram fazer recair sobre mim as piores suspeitas! Entretanto, pode ter toda a confiança em mim; de agora em diante,
considero-me seu prisioneiro. Dou-lhe a minha palavra de honra de que não procurarei fugir.
Um riso de troça de Nat Riley interrompeu o jovem...
- É um jogo perigoso, Catamount, declarou. Estou convencido de que, pelo contrário, esse patife procurará fugir na primeira ocasião favorável...
- Engana-se a meu respeito, "sheriff", cortou Nick Maubart; .serei fiel à minha promessa. Além disso, conheço admiravelmente a serra Santiago e estou -convencido
de que poderei ajudar Mr. Catamount, se ele quiser pesquisar a região montanhosa...
- É uma ajuda que me parece aproveitável, declarou Catamoont. Amanhã, de madrugada, iremos ao local do crime...
- Penso acompanhá-los com os meus ajudantes, interveio o "sheriff"... Quanto mais numerosos formos, mais probabilidades teremos de encontrar a pista ou alguns indícios
que nos ajudem a resolver o problema. No entanto, não tenho ilusões a respeito da conclusão deste inquérito: ou esse maldito caçador se escapa ou acabará por .demonstrar
a sua culpabilidade...
O "ranger" sacudiu negativamente a cabeça: ?-Partirei só com Nick Maubart, "sheriff",-respondeu. Não preciso da ajuda dos seus auxiliares. Maubart e eu podemos fazer
muito bom serviço...
- Isso é pura loucura! Dum momento para o outro, o seu companheiro pode procurar abatê-lo pelas costas... Será preciso um grupo numeroso para o manter em respeito...
- Parece-me, "sheriff", que o número dos seus "deputies" é bastante impressionante... Se recorre frequentemente a esse .método, mobilizando todos os seus auxiliares
para os inquéritos, há-de concordar que os resultados não têm sido de encorajar...
O representante da autoridade mordeu os lábios; a alusão do "ranger" aos seus recentes malogros era demasiado directa para que não a compreendesse. Cerrando furiosamente
os punhos, recuou alguns passos.
- Não se vá já embora, "sheriff", acrescentou Catamount. Esquecia-me de lhe pedir que restituísse as armas a Nick Maubart! Ele não poderá, decentemente, aventurar-se
na serra com as mãos vazias...
Nat Riley não pôde ocultar um gesto de despeito. Durante breves instantes, parou, hesitando em dar satisfação ao seu interlocutor. A atitude dos "deputies" não parecia
mais favorável ao caçador e ao "ranger"; vários dentre eles tinham entrado na sala de jogo; trocando olhares de inteligência, pareciam mais- decididos do que nunca
a prender Nick Maubart.
- Estou habituado a que me obedeçam quando dou uma ordem, "sheriff", continuou Catamount, com voz cortante. Repito, ou me deixam trabalhar como quero ou, então,
cuidado!
-- Visto que veio aqui para proteger patifes, não insisto! vociferou Nat Riley. Hobart, dá o cinto, os lassos e a espingarda a esse bandido!
O "deputy" apressou-se a obedecer.
- com certeza que já não precisa de nós...? continuou
asperamente o representante da autoridade, -dirigindo-se ao "ranger".
.-? Efectivamente, não temos mais nada a tratar, "sheriff". Passarei o resto da noite no hotel mais próximo; amanhã de manhã, estarei pronto para começar o meu inquérito...
- Faça o que quiser, é livre! Contudo, quero dizer-lhe que não me responsabilizo por Nick Maubart. Se a culpabilidade dele for reconhecida, arranje-se com os seus
chefes e as autoridades competentes. Quem parte os vidros, paga-os.
- Fique descansado, "sheriff"; sempre assumi a responsabilidade dos meus actos... Acabei de fazer um plano que nos permitirá pôr termo ao flagelo que desola esta
região.
O "sheriff" acendeu um cigarro e, depois, sem mesmo se despedir do "ranger", fez sinal aos seus acólitos para saírem do "saloon"; durante uns momentos, parou à entrada
da sala para trocar algumas palavras com Bill Whiskers; depois, desapareceu na noite, seguido- pelo seu grupo.
Imóvel, Catamount assistiu à partida de Riley e dos companheiros. Quando eles saíram, sentiu que alguém se lhe apoiava ao braço.
- Nunca poderei agradecer a sua bondade. Estou convencida de que provará a inocência de Nick!
O homem dos olhos claros voltou-se. Fora Sylvia quem falara, e estava agora a seu Lado. O "ranger" pegou na mão que ela lhe estendia e apertou-a...
- Há afirmações que não se podem fazer de ânimo leve, "miss" Dangerson; estou habituado, e Riley acha isso um mau hábito, a nunca prender ninguém sem estar certo
da sua culpabilidade.
- Garanto-lhe que estou inocente, repetiu Nick Maubart. Essa agenda e a máscara foram metidas no meu alforje por mão desconhecida e misteriosa.
- Esclareceremos tudo isso o mais brevemente possível, "my boy"; entretanto, prepare-se para não me largar até a sua inocência ser provada.
O jovem dispunha-se a seguir Catamount, mas o "ranger" fez-lhe sinal para esperar um pouco.
-? Tenho de fazer algumas perguntas a "miss" Dangerson antes de ir para o hotel. Espere-me nesta sala.
Sylvia parara, interdita, perguntando a si própria de que natureza seriam as perguntas que o "ranger" se dispunha a fazer-lhe. Não tardou a sabê-lo: Catamount levou-a
a alguns passos dali e, fazendo-a sentar-se, declarou:
- Desculpe, "miss" Dangerson, por demorá-la mais e impedi-la de ir acompanhar sua mãe, a quem a sua presença deve ser reconfortante, mas compreende, com certeza,
que preciso de esclarecimentos indispensáveis antes de levar ao fim as minhas pesquisas e de provar a inocência daquele por quem parece ter tanto interesse.
A jovem corou.
- Meu Deus, Mr. Catamount, não sei bem o que quer dizer, balbuciou, embaraçada.
- "Miss" Dangerson, é inútil perdermos tempo em discussões. Só a "miss" me poderá fornecer certos esclarecimentos. Não veja nas minhas perguntas qualquer curiosidade
importuna, mas unicamente o ardente desejo de fazer triunfar a verdade no mais curto prazo possível. Não se esqueça de que a liberdade e a existência de Nick Maubart
estão em jogo.
- Fale, Mr. Catamount... Provou-me há pouco que podia contar consigo como com um amigo...
- Não esperarei, pois, mais tempo para abordar um assunto que me intriga muito: Quais são ao certo as relações que tem, tanto com o "sheriff" como com Nick Maubart?
Sylvia estremeceu. O seu embaraço não escapou a Catamount.
?- Fale sem medo, "miss" Dangerson! insistiu ele... Tem a minha palavra de que não repetirei a -ninguém o que me disser.
A infeliz hesitou ainda uns segundos; depois, encorajada pela atitude simpática do "ranger", declarou com uma voz que tremia um pouco:
- Mr. Riley foi sempre meu amigo e procurou ser-me útil...
- Contudo, o "sheriff" não parecia disposto a dar-lhe crédito, há pouco, quando se tratou de libertar Nick Maubart?
- Nat Riley nunca gostou de Nick. Desde que se conhecem, são como o cão e o gato...
- Uma alusão dum certo Whisky Joé, que interrogámos, fez-me compreender que Nat Riley sentia por si muito mais do que amizade, é verdade?
- Não imagina como essas perguntas me embaraçam, Mr. Catamount!
- Estou também muito atrapalhado ao fazer-lhas, mas não esqueça, "miss" Dangerson, que a situação de Maubart continua muito delicada. Consegui, momentaneamente,
evitar a sua prisão; contudo, devemos considerar que, até nova ordem, é possível que ele seja o assassino de seu pai. Sim, sei que vai protestar ainda a sua inocência,
mas não esqueça que a sorte dele está, possivelmente, nas suas mãos e que a sua liberdade depende de certas indicações que me possa dar.
Estes argumentos pareceram vencer as últimas hesitações da rapariga.
- Nick Maubart perdeu os pais muito novo, explicou; morava na casa ao lado da nossa, e, por consequência, víamo-nos muito. A amizade que sentíamos foi sempre grande...
?- Creio, interrompeu Catamount, escondendo um sorriso, que essa amizade de infância se transformou, pelo menos em Nick Maubart, num sentimento muito mais terno...
?-? Esse sentimento era recíproco, concordou Sylvia, fazendo um enorme esforço sobre si própria para falar. Há muito tempo já que combinámos casar, logo que isso
seja possível...
- Na verdade, acho tudo isso muito natural, "miss" Dangerson. O que me surpreende é que seu pai tenha recusado aceitar Nick Maubart como genro. Foi, com certeza,
preciso um motivo muito .grave para essa recusa, visto que já se conheciam há muito tempo.
-? Quando éramos pequenos, meu pai nunca se opôs à ideia de que poderíamos um dia vir a casar, mas, assim que fez quinze anos, Nick sentiu-se desejoso de correr
aventuras... O demónio da caça perseguia-o; e uma tarde, partiu com o velho Knõetel, o caçador de gatos selvagens...
- A conduta de Maubart não podia parecer repreensível a seu pai... Não foi ele também, à aventura, procurar o seu Eldorado?
- É essa exactamente a razão que levou meu pai a zangar-se com Nick: sempre esperou que ele se decidisse a acompanhá-lo quando partisse em busca desses problemáticos
terrenos auríferos... Mas Nick era caçador e não pesquisador; recusou meter-se numa expedição
que lhe parecia insegura, e, por isso, meu pai cortou relações com ele, recusando-se a dar-lhe a minha mão quando, pouco tempo antes da partida, ele lhe fez o pedido...
- De que maneira Maubart acolheu essa recusa? ?- Nick irritou-se muito; uma tarde, -em que tinha
ido beber ao "Snowball", chegou a proferir ameaças contra meu pai. Mas Nick era absolutamente incapaz de realizar essas ameaças. O seu amor por mim continuava a
ser o mesmo... Contudo, o imprudente não falou diante de surdos, como vê agora...
-? Julguei, realmente, adivinhar na atitude de Nat Riley que existia entre ele e Maubart um violento antagonismo... Acusou-o asperamente e, sem a minha intervenção,
estou convencido de que lhe teria posto um par de algemas...
- Essa rivalidade não é recente, Mr. Catamount. Existe desde que Mr. Riley entrou em funções neste distrito. Várias vezes as circunstâncias me puseram na presença
do novo "sheriff", e compreendi que não lhe era indiferente... As suas visitas ao armaizém eram cada vez mais frequentes... Os meus pais pareciam encantados em recebê-lo.
com certeza que esperavam que este pretendente me fizesse esquecer o caçador. Mas isso não aconteceu; sempre agi e falei de forma a fazer compreender a Mr. Riley
que não estava de maneira nenhuma disposta a encorajar as isuas assiduidades... Tinha simpatia por ele, mas continuava obstinadamente fiel à recordação de Nick,
rezando todos os dias com fervor para que os meus desejos fossem realizados...
- O "sheriff" sabia que o seu insucesso era devido a Maubart?
A jovem sacudiu afirmativamente a cabeça.
- Nat Riley não conseguiu esconder a amargura que sentia. Por várias vezes mesmo, fez algumas alusões malévolas a Nick, que considerava como um vagabundo perigoso...
- Essa atitude não a impediu, apesar de tudo, de ter confiança no "sheriff"? Não foi a "miss" que foi procurá-lo ao escritório, há pouco tempo, para lhe pedir que
castigasse o assassino de seu pai?
.- O assassínio de meu pobre pai provocou-me tal indignação que não pude impedir-me de pedir justiça! Contudo, nunca assim teria procedido se pudesse prever que
o inquérito do "sheriff" poria Nick em tal situação. A dor que senti depois da morte de meu pai foi tão grande que nem pensei que Nick poderia estar neste estabelecimento,
guardado pelos "deputies".
Catamount baixou lentamente a cabeça. A história da jovem tinha-o interessado profundamente.
- Pensa, "miss" Dangerson, perguntou ainda, que Nat Riley se tenha deixado levar pelo rancor, no momento em que acusou o seu amigo?
A jovem não hesitou em responder:
- Não tenho a menor dúvida! O senhor interveio a tempo de tirar o infeliz de tão má situação.
- Na sua opinião, pensa que o caçador me poderá ser de qualquer utilidade no decurso das pesquisas que vou empreender na serra Santiago?
- Nick conhece a serra como as suas próprias mãos... Não poderia encontrar melhor guia... De resto, quererá afirmar-lhe o seu reconhecimento, e também mostrar a
sua inocência...
Sylvia parou, cansada pelo esforço que acabara de fazer. O "ranger" compreendeu que era inútil prolongar
a conversa. Tinha obtido todos os esclarecimentos que desejava...
-- Agradeço-lhe, "miss" Dangerson, disse. Agora posso começar o inquérito com conhecimento de causa... Não lho escondo: logo de princípio, senti por Maubart uma
grande simpatia... Conheço bem os homens, a minha vida aventurosa fez-me lidar com os piores bandidos... Um simples olhar fez-me compreender que não me encontrava
em presença dum desses indivíduos que, normalmente, infestam as regiões vizinhas da fronteira.
?- Nick está inocente, repito-lhe.
-? É tarde, "miss" Dangerson. Daqui a pouco, irão transportar o corpo do seu pai para casa. Não quero afastá-la mais tempo da sua pobre mãe... Amanhã, sairemos de
Alpine, de madrugada, Maubart e eu; e não nos tornaremos a ver antes de terminada a minha missão, com a prisão do criminoso. Prometo-lhe fazer todo o possível para
vingar o seu morto e provar a inocência de Nick Maubart.
Depois destas palavras, o "ranger" despediu-se da jovem.
X
A serra Santiago
- Então, "my boy", dormiu bem? À sombra temível do "sheriff" não o fez ter pesadelos?
Enquanto calçava as botas, Catamount dirigia-se ao caçador de pumas, com quem tinha compartilhado o quarto do hotel. Ainda não nascera o dia; os primeiros
alvores mal começavam a ilulminar o quarto, mas o "ranger" tinha pressa de partir. O caso do fantasma do Rochedo Uivador preocupava-o imenso; não conseguira pregar
olho toda a noite, lembrando-se constantemente dos incidentes que se tinham desenrolado desde que descobrira no caminho o cadáver de Norbert Dangerson...
Depois de ter deixado, durante a noite, a viúva e a filha da vítima velando o corpo, que fora transportado para o General Store, o "ranger" dirigira-se à cavalariça
para onde havia levado o alazão; depois, sossegado quanto ao seu cavalo, levara Nick Maubart
consigo.
Os ciúmes do "sheriff", a descoberta da pepita, os preciosos esclarecimentos dados por Sylvia Dangerson vinham-lhe constantemente à memória. Apesar da surpreendente
descoberta de Nat Riley, continuava a acreditar na inocência do caçador e pensava que este fora vítima duma maquinação urdida por um personagem misterioso que desejava
fazer recair sobre ele as suspeitas do crime.
- Dormi lindamente, Mr. Catamonnt, respondeu Nick Maubart à pergunta do "ranger" e estou pronto para começar a expedição projectada. Na verdade, daria tudo para
saber o nome do patife que me meteu no alforje aquela famosa agenda...
?-? Estou convencido de que descobriremos a chave do mistério na serra Santiago, continuou o "ranger", enquanto acabava de se arranjar; no entanto, gostaria de obter
mais esclarecimentos acerca do miserável que tem posto esta região em alvoroço... Você conhece admiravelmente as montanhas, Maubart; com certeza que já várias vezes
viu o fantasma...
O caçador tinha metido a cabeça numa bacia cheia de água e limpava-se a uma toalha.
.- Por mais estranho que isso possa parecer, Mr. Catamount, respondeu, nunca vi esse personagem à minha frente. com certeza que não tem muita vontade de me conhecer;
contudo, tenho a certeza de que existe, pois já falei com muitas pessoas que o viram várias vezes...
O "ranger" sacudiu lentamente a cabeça:
- Isso parece-me estranho, "old boy"... É você, no entanto, o homem que melhor conhece, disseram-me, a serra Santiago. E imagino que se aventurou algumas vezes na
região do Rochedo Uivador.
- Talvez lá teria passado uma dezena de vezes num mês, mas nunca vi a sombra do género mau que o habita...
Catamount, intrigado com as declarações do companheiro, prosseguiu no seu interrogatório.
?- Nunca, por acaso, achou uma pista suspeita, durante as suas caminhadas?
- O senhor descobriu o cadáver do pai de Sylvia, Mr, Catamoont; pôde, por consequência, verificar que o melhor pisterro -não descobriria o mais leve sinal! A natureza
rochosa da região não favorece as pesquisas. Contudo, se me foi impossível encontrar a pista do bandido, não deixei de receber notícias dele por três vezes...
- Notícias? Ah! Explique-se, que quer dizer?
-? Meu Deus, por pouco não fui abatido por balas misteriosas que me eram dirigidas por um atirador invisível, escondido nos rochedos... O homem em questão deve ser
um mau atirador, porque nunca me apanhou...
E -pensou, com certeza, que isso podia ser outra brincadeira do fantasma?
?- Só ele anda por aquelas paragens. Evidentemente, dirá que eu não tinha comigo nenhum dinheiro e que não descobrira tesouro susceptível de atiçar a cupidez do
bandido! Mas, se reflectirmos, creio que o personagem que nos preocupa não gosta muito de que se aventurem no seu habitual campo de acção...
O homem dos olhos claros não respondeu logo. Enfiou rapidamente os seus "chaiparejos" e, depois, enquanto punha o "stetson", disse:
- São pormenores para pensar... Espero que não tardaremos a compreender... Já está pronto, "old fellow" ?
?- O tempo de pôr o cinto de armas e sigo-o!
Poucos momentos depois, os dois homens saíam do quarto, dirigindo-se ao rés-do-chão do hotel, onde Catamount pediu o pequeno almoço.
Deixando a criada a dispor os talheres, o "ranger" e o seu companheiro foram à cavalariça; queriam saber se as suas montadas estavam bem cuidadas.
O alazão e a égua preta encontravam-se juntos e bem tratados.
- Selem os dois amimais, ordenou Catamount.
O moço de estrebaria apressou-se a obedecer; então, sem esperar mais, Nick Maubart e o companheiro voltaram ao hotel. Alguns momentos mais tarde, estavam a tomar
o pequeno almoço.
Os dois homens acabavam a sua refeição quando a porta se abriu, dando passagem a Nat Riley. O representante da autoridade parecia bem disposto; sem dúvida, as horas
de sono tinham-no feito esquecer o
descontentamento que manifestara no momento em que o "ranger" o impedira de prender o seu rival.
-- É muito madrugador, Catamoont, disse, avançando com a mão estendida.
Os dois homens trocaram um rápido aperto de mão.
- Bom-dia, "sheriff", não esperava vê-lo tão cedo, retorquiu o "ranger". Teria feito alguma descoberta sensacional?
Sem olhar para o caçador, Riley sentou-se junto de Catamount e, acendendo um cigarro, perguntou:
- Continua decidido a partir?
- Continuo, "sheriff"! A menos, evidentemente, que haja alguma novidade que me prenda em Alpine?
Nat Riley sacudiu negativamente a cabeça.
- Sossegue, não aconteceu nada, mas, pensando bem, pergunto a mim próprio se não deveria acompanhá-lo com alguns dos meus homens?
- Como já lhe disse, quero fazer um reconhecimento no terreno do seu famoso fantasma... Maubart e eu chegaremos para esse serviço... Se, no entanto, necessitarmos
do seu auxílio, não hesitarei em avisá-lo, pode crer.
- Quando uma bala o abater, Catamount, já não estará em condições de pedir socorro!
-; Mande para o diabo as suas ideias negras, "sheriff"! Convença-se disto: a bala que me há-de matar ainda não foi fabricada! Já afrontei a morte em ocasiões muito
mais críticas.
O "ranger" pediu então à criada que lhe trouxesse dois cafés e a conta, e, depois de ter bebido, com o seu companheiro, o quente e reconfortante líquido, dispôs-se
a despedir-se de Nat Riley.
?- Até breve, "sheriff", declarou. Se não estivermos
de volta dentro de quarenta e oito horas, pode partir à nossa procura com os seus "deputies". Até lá não tem de se incomodar connosco.
O representante da -autoridade compreendeu, pela atitude do "ranger" que nada o faria desistir da sua resolução, e, então, não insistiu mais.
-- Faça o que quiser, disse, aborrecido; no entanto, se lhe acontecer alguma coisa, não diga que não o avisei... Ficarei sossegado porque cumpri o meu dever...
Catamoont trocou ainda algumas palavras com o "sheriff"; depois, pagou a conta e, levando consigo o caçador, saiu do hotel. "Mesquita" e "Diana" esperavam diante
da porta; impacientes por começarem a cavalgada, martelavam o chão com os cascos. O sol aparecia no horizonte incendiando os contrafortes montanhosos com os seus
primeiros raios.
.- A cavalo, "my boy"! disse Catamount, saltando na sela.
O caçador apressou-se a obedecer; os dois homens esporearam as montadas e seguiram a toda a brida em direcção às montanhas distantes. Catamount, virando-se na sela,
agitou o "stetson" por cima da cabeça, numa última saudação ao representante da autoridade.
Nat Riley, que tinha parado à porta do hotel, fez um gesto vago com a mão e, com ar preocupado, dirigiu-se rapidamente para casa.
Alguns habitantes saíam de suas casas quando Catamount e Nick Maubart passaram pelos últimos edifícios da localidade. O homem dos olhos claros já na véspera tomara
o seu caminho em sentido inverso, na companhia de Skipping Jeff; no entanto, observava atentamente a paisagem...
O panorama que se estendia diante dos olhos dos
cavaleiros era esplendoroso; os cimos da serra Santiago recortavam-se no céu, coroados por algumas nuvens, que pareciam franjadas de oiro. Em primeiro plano, viam-se
numerosos cactos; contudo, à imedida que os
dois companheiros se embrenhavam nos contrafortes
da montanha, a vegetação ia-se tornando mais rara.
O deserto de lava estendia-se, monótono, numa distância de muitas milhas.
Depressa Catamount e o caçador se viram obrigados a reduzir sensivelmente o andamento dos cavalos; o terreno tornava-se, realmente, cada vez mais pedregoso. Deixando
o jovem, passar-lhe à frente, o "ranger" indicou-lhe com o dedo o sítio exacto onde tinha encontrado o corpo de Norbert Dangerson.
?-? Víamos primeiro ali, disse. Ontem, estava com pressa e não pude examinar o terreno à minha vontade... Alguns minutos bastaram aos cavaleiros para chegar ao local
onde se desenrolara o drama em que perdera a vida o pai de Sylvia. Saltando agilmente abaixo do cavalo, o "ranger" explicou em que circunstâncias havia encontrado
o cadáver; o caçador ouvia em silêncio, olhando para os rochedos que os rodeavam...
?- Evidentemente, disse ao fim de alguns segundos, não podia existir melhor local para uma emboscada. Bastou ao assassino esconder-se e atirar sobre Norbert
Dangerson. O infeliz devia ser um alvo bem fácil de atingir.
O caçador abaixou-se examinando o terreno; imóvel, perto dele, Catamount perguntava a si próprio se deveria aludir à pepita que tinha descoberto a pouca distância
da pista; lembrando-se das recomendações do "sheriff", calou-se... A despeito da opinião de Sylvia sobre o rapaz, convinha realmente manter uma reserva prudente;
Nick Maubart não fornecera nenhuma prova da sua inocência e fora baseado em simples conjecturas que Catamount evitara a sua prisão...
O "ranger" contentou-se em apalpar a pepita que conservava na algibeira.
Durante duas horas, Catamount e o jovem continuaram as investigações, sem descobrir o mínimo indício que os pudesse pôr na pista do criminoso.
- O solo é rochoso, não encontraremos nada! resmungou o caçador. Estamos a perder tempo. Mais valia dirigirmo-nos resolutamente para a montanha e visitar o Rochedo
Uivador onde dizem que habita o fantasma.
Enquanto se exprimia assim, Nick Maubart apontava a impressionante massa rochosa que se elevava a pouca distância, dominando os contrafortes da serra. O "ranger"
parou alguns momentos examinando o rochedo atentamente.
?- Pergunto a mim próprio por que teriam dado esse nome ao rochedo...
- O nome de Rochedo Uivador foi-lhe dado em tempos pelos índios, Mr. Catamount, explicou Nick Maubart. Muitas vezes, durante a noite, o vento sopra e varre o deserto
de lava... Entrando pelas cavidades da rocha, provoca uns gemidos lúgubres que os indígenas não deixaram de atribuir aos espíritos... E é por isso que o rochedo
tem a sua lenda...
-? Não é este o único que apresenta tais particularidades, interrompeu o "ranger". Quantos rochedos, destes vi no Colorado! É claro que já percebo por que razão
o criminoso escolheu este sítio. Quando se instalou aqui, quis tocar na imaginação dos habitantes deste distrito... Depois dos índios, os brancos estão quase a tomá-lo
por um ser sobrenatural... É-lhe, portanto,
muito fácil fugir às perseguições e escapar a Nat Riley, cuja vigilância deixa realmente muito a desejar... Mas já conversámos de mais. Vamos continuar as nossas
pesquisas...
Os dois homens voltaram ao lugar em que tinham deixado os cavalos.
"Mesquita" e "Diana" esperavam, não sem manifestar impaciência.
O sol continuava a subir no horizonte e o calor tornava-se sufocante. Depois de beberem uns goles de água dos seus cantis, os dois companheiros recomeçaram a cavalgada
pelos contrafortes da serra. As moscas assaltavam os cavalos, que tinham dificuldade em andar no terreno pedregoso. Alguns instantes depois, Nick Maubart voltou-se
para o "ranger":
- Vamos ser obrigados a deixar os animais nestas paragens, se nos quisermos aventurar no domínio do famoso fantasma.
Catamount concordou. Custava-lhe, é certo, separar-se da sua montada, mas sentia-se mais do que nunca resolvido a continuar as suas pesquisas; o seu olhar de águia
viu um riacho que corria a pouca distância e a erva bastante abundante que crescia entre os rochedos. O homem dos olhos claros saltou rapidamente em terra, logo
imitado pelo vizinho. Passando a mão pela pelagem húmida de suor do alazão, murmurou-lhe com voz meiga:
?- Tem paciência, velho camarada... Não me demorarei...
O caçador veio interromper Catamount:
-? Deve trazer o seu lasso, aconselhou, teremos que fazer escaladas difíceis.
O "ranger" apressou-se a seguir as recomendações
de Nick Maubart. Depois de inspeccionar os seus dois "Colts", afastou-se de "Mesquita".
O animal, inquieto, levantava as orelhas, vendo afastar-se o seu cavaleiro; perto dele, a égua preta manifestava mais indiferença, e comia a erva que cobria o solo
em volta. Finalmente, tendo os dois homens desaparecido por detrás dos rochedos, "Mesquita" aproximou-se do estreito fio de água e começou a beber tranquilamente,
sem parecer preocupado com a presença da companheira.
XI
Uma noite de vigília no Rochedo Uivador
O caçador ia à frente, escalando agilmente a montanha; o "ranger" tinha dificuldade em segui-lo. Óptimo cavaleiro, gostava pouco de andar a pé. Além disso, as provisões
e munições que transportava atrapalhavam-no um pouco. Conseguiu, contudo, reagir contra o cansaço. Enquanto seguia o seu companheiro, observava insistentemente os
arredores.
Várias vezes, os dois homens se viram obrigados a parar; a subida tornava-se cada vez mais difícil.
- "By Jove"! É preciso ter jarretes de aço para chegar lá acima! resmungou o "ranger".
Durante dez minutos Catamount descansou, sentado ao lado do jovem.
-? Compreendo agora como aquele patife pode ver daqui tudo o que se passa em redor!
O caçador apressou-se a pôr um dedo nos lábios, recomendando silêncio ao vizinho:
?- Atenção! disse-lhe ao ouvido. Não se esqueça de que esse bandido nos pode ver, e somos agora uns belos alvos. Duas balas bem dirigidas acabariam com as nossas
pesquisas.
O "ranger" seguiu o conselho de Nick Maubart; alguns momentos depois, continuavam a ascensão momentaneamente interrompida.
Durante quanto tempo os dois homens continuaram nesta difícil ginástica? Eles próprios teriam dificuldade em dizê-lo! O calor dificultava-lhes os movimentos; o suor
escorria-lhes por todo o corpo; no entanto, a vontade de triunfar sobrepunha-se a todos os obstáculos. Atingiram por fim o rebordo da vasta plataforma que coroava
o Rochedo Uivador.
Esgotados, Catamount e o caçador estenderam-se à sombra dum pedregulho. Um silêncio impressionante reinava a toda a volta; nada lhes indicava que alguém os tivesse
visto aproximar,
O sol, implacável, continuava a dardejar os seus raios; estava agora no zénite. Imóveis, os dois companheiros contemplaram o magnífico panorama que se estendia diante
dos seus olhos. À perder de vista, estendia-se o deserto de lava. Parecia, em determinados sítios, que vagas dum mar acinzentado se tinham petrificado quando corriam
em direcção à colina. Em raros sítios, magros tufos de arbustos apareciam por entre as pedras.
Os olhos penetrantes do "ranger" não tiveram dificuldade em distinguir os dois cavalos, que continuavam no mesmo lugar onde os cavaleiros os tinham deixado. Ao longe,
meio escondida pela névoa, adivinhava-se a aglomeração de Alpine.
Durante três horas, Catamount e Níck Maubart descansaram à sombra, recuperando as forças perdidas na escalada; tiveram contudo, o cuidado de poupar a provisão de
água, que lhes seria preciosa. Finalmente, depois de terem trocado poucas palavras em voz baixa, os dois companheiros prosseguiram na sua avançada. Continuavam a
não ver ninguém nos arredores. Só se avistava uma águia, executando largos círculos sobre a serra.
Nick Maubart, estendendo o braço, indicou ao vizinho a região montanhosa que até agora se tinha dissimulado aos seus olhos. Catamount não pôde evitar, nesse momento,
uma exclamação de espanto; a falésia. com efeito, descia num pendor mais suave, que permitia o acesso a um círculo natural de grandes dimensões. O "ranger" via agora
um território que parecia separado do resto do mundo. Contudo, o aspecto desta região desconhecida não apresentava nada de belo; só se avistava terreno árido e rochoso;
o leito seco dum rio serpenteava pela encosta, sem no entanto, se descobrir o mais leve traço de vegetação.
-i "God Almighty"! resmungou o "ranger". Não se pode dizer que o domínio do nosso bom amigo, o fantasma do Rochedo Uivador, seja bonito. Já passou por aqui muitas
vezes?
- Várias, Mr. Catamount, respondeu o jovem. Os pumas gostam desta região deserta e os numerosos rochedos permitem-lhes escapar à perseguição dos caçadores. Já consegui
caçar aqui alguns, embora com dificuldade.
- E onde pensa que o miserável se esconde, para escapar duma forma tão desconcertante às perseguições dos adversários?
- Vamos procurar, Mr. Catamount. O Rochedo Uivador tem muitas cavernas e buracos. Talvez o bandido se abrigue nalgum. Em todo o caso, vamos ver se as nossas investigações
serão mais frutuosas neste lado da montanha...
Os dois homens continuaram a escalada. O caçador ajudava o "ranger", que tinha mais dificuldade em se deslocar naquele terreno. Catamount teimava, no entanto, se
bem que preferisse -uma boa cavalgada a esta escalada extenuante. Finalmente, depois de multiplicarem os seus esforços, o "ranger" e o companheiro decidiram-se a
penetrar numa das cavernas que se abria nos flancos da falésia; Níck Maubart notara na superfície do solo certos traços que lhe pareceram suspeitos. com um olhar,
o jovem certificou-se de que aqueles sinais não tinham sido deixados por nenhum animal.
- Dir-se-ia que o terreno foi raspado por esporas, disse.
Catamount curvou-se por sua vez, e examinou as marcas que o seu companheiro lhe indicava.
- Tem razão, concordou. Um cavaleiro desmontado esteve recentemente aqui.
Pegando no revólver, o homem dos olhos claros introduziu-se pela abertura, que era suficiente para deixar passar um homem.
Acostumado a deslocar-se em plena luz, o "ranger" experimentou, primeiro, alguma dificuldade em distinguir nitidamente o que o rodeava. O silêncio impressionante
continuava, e Nick Maubart, que seguia atrás de Catamount, esforçou-se por ouvir qualquer ruído insólito.
Os dois homens conseguiram em pouco tempo explorar o refúgio. Alguns ossos espalhados fizeram-lhes
compreender que os gatos selvagens costumavam abrigar-se frequentemente ali. Depressa o "ranger" parou. Estendendo o braço, apontou ao vizinho as cinzas duma fogueira,
entre três pedras enegrecidas.
- Não se inquiete, disse o caçador. Já vim várias vezes a este sítio e passei cá várias noites.
O jovem ia dar várias explicações quando parou, interdito. Alguns fósforos queimados e uma caixa estavam caídos perto das cinzas.
- "By Jove"! Esteve aqui alguém depois de mim, punha as mãos no fogo! garantiu.
-? Pensa que esse alguém tenha alguma coisa de comum com o patife que procuramos?
?-? Já lhe disse, Mr. Catamount, que ninguém se aventura nesta região perdida!
- Excepto o fantasma e você.
- Seria mais fácil adoptar a solução do "sheriff" de Alpine e supor que o assassino e eu somos uma só pessoa.
-? Até nova ordem, recuso-me a encarar tal hipótese!
Os dois homens não perderam mais tempo. Continuaram o seu exame ao interior da caverna, Nick Maubart assegurou-se de que o refúgio fora habitado pouco tempo antes.
Perto dele, Catamount multiplicava-se, procurando descobrir novos indícios.
- Evidentemente, disse o "ranger" alguns minutos depois, que esta escavação constitui o asilo sonhado para escapar às perseguições do "sheriff" e dos auxiliares.
Penso que o bandido se escondeu aqui algumas vezes, sempre que se sentiu perseguido de muito perto...
- Mas a estadia nunca se deve ter prolongado muito, objectou o jovem. Pude eu próprio notar que só se pode
demorar aqui quem trouxer provisões. A caça é rara nestas paragens e falta a água. Além disso, o acesso ao refúgio é particularmente difícil, como deve ter notado.
Seria impossível um homem carregado -chegar aqui.
??-? Enfim. este refúgio, pelo menos, ser-nos-á útil para passar a noite. Precisamos de descansar. Veremos se o fantasma visitará estas paragens durante as próximas
horas.
- Pela minha parte, gostaria de conhecer esse espírito que apavora tantas imaginações. Espero ser mais feliz na sua companhia que sozinho e que o espectro se manifestará
sem grande demora...
Catamount não respondeu. Olhando através duma fenda que se abria na parede da caverna, estudava a configuração do terreno que o rodeava.
- Se se pode acreditar no que dizem os viajantes que passam, por aqui, o bandido aprecia especialmente esta parte da serra. É daqui que parte para se emboscar no
deserto e abater as suas vítimas. E, depois de cometer os crimes, foge imediatamente...
- Deus queira que consigamos acabar com esses assassínios...
- Teremos dificuldade em vencê-lo, Mr. Catamount, não lho escondo. O bandido está talvez ao corrente da nossa visita. Mais do que nunca, convém estar alerta...
Um sorriso furtivo desenhou-se nos lábios do "ranger"...
-? Se continua decidido a provar a sua inocência, "my boy", e se quer demonstrar ao excelente Nat Riley que ele se enganou no caminho, temos de continuar perseverantemente
as nossas investigações. Por agora, esperemos
a noite. Quem sabe? Talvez ela nos reserve alguma surpresa.
Nick Maubart concordou. Durante horas intermináveis, os dois homens esperaram, enrolados nos cobertores, repousando os corpos fatigados pelo esforço extenuante que
tinham feito.
Finalmente, o sol desapareceu no horizonte; as primeiras sombras da noite começaram a invadir o refúgio; as estrelas iluminaram-se no céu. Um vento fresco seguiu-se
ao calor sufocante do dia.
,- Pode descansar à vontade, Mr. Catamount, eu fico de guarda. Avisá-lo-ei se suceder alguma coisa.
O "ranger" não respondeu. Imóvel, encostado à parede rochosa, parecia meio adormecido; contudo, se um observador atento estivesse perto, notaria que ele não perdia
de vista o companheiro. A inércia a que Catamount se via obrigado não o fazia esquecer, com efeito, as acusações que pesavam sobre Nick Maubart. Até ali, manifestara
simpatia pelo companheiro, tratando-o como se fosse um amigo. A promessa feita a Sylvia Dangerson antes da partida de Alpine e a convicção que mantinha da inocência
do jovem) tinham-no incitado a dissimular as suas dúvidas, mas continuava decidido a vigiar atentamente Maubart, enquanto prosseguisse o inquérito naquela serra
que desconhecia.
Um longo gemido veio arrancar o "ranger" às suas reflexões. Tinha-se levantado um vento bastante forte, que, infiltrando-se nas numerosas fendas que se abriam na
parede do refúgio, provocava lúgubres lamentos, que teriam feito estremecer o mais valente.
A despeito do seu lendário sangue-frio, Catamount não conseguiu reprimir um desagradável estremecimento ouvindo esses gemidos que, se paravam por instantes,
era para logo recomeçarem com mais intensidade. O Rochedo Uivador justificava plenamente a sua sinistra reputação.
Uma hora passou assim. O caçador sentara-se à entrada da caverna e, do seu lugar, o "ranger" via a sua silhueta recortada no céu estrelado. Imóvel, o jovem parecia
absorto em profunda meditação. Naturalmente, pensava naquela que tinha deixado em Alpine, presa do mais profundo desespero; por vezes, a sua mão apertava maquinalmente
a coronha da espingarda.
O "ranger" começava a acreditar que nada de novo se daria durante a noite quando viu o companheiro levantar-se bruscamente.
- Que há? interrogou Catamount, acorrendo imediatamente. Viu alguma coisa?
Nick contentou-se em fazer sinal ao companheiro para que não se movesse; depois, lentamente, andando nos bicos dos pés, afastou-se do retiro e desapareceu
nas trevas.
Durante um breve instante, Catamount esperou, não sabendo bem o que significava a atitude singular do rapaz. Levando a mão ao coldre, tirou o revólver. Depois, apurando
o ouvido, tentou surpreender qualquer ruído insólito, mas, além dos gemidos do vento, não conseguiu ouvir mais nada; o caçador tinha-se afastado, silenciosamente,
como um espectro.
Passou-se um quarto de hora. Incapaz de reprimir por mais tempo a sua impaciência, o homem dos olhos claros levantou-se e, avançando com mil cuidados, foi até à
entrada da caverna. Chegado ali, olhou sem êxito à sua volta.
- Maubart! decidiu-se então a chamar, com o coração
apertado por uma apreensão cada vez maior. Onde está?
Só o lamento do vento lhe respondeu. À luz do luar, Catamount não conseguiu descobrir a silhueta do companheiro. Esperou ainda dez minutos à entrada do refúgio,
mas, finalmente, teve de se render à evidência: o caçador de pumas havia desaparecido misteriosamente.
XII
Aparecimento e desaparecimento do fantasma
O brusco desaparecimento do jovem, que se afastara sem dar a mais pequena explicação, deixou Catamount profundamente perplexo.
-- "By Jove"! resmungou. com certeza que não se volatilizou! Por que diabo se teria eclipsado assim? Teria visto algum inimigo na vizinhança ou recorreria a este
subterfúgio para se pôr ao fresco? Se assim é, deixei-me enganar como uma criança...
No entanto, reflectindo um pouco, o "ranger" afastou de si essa ideia. A recordação das palavras de Nick Maubart, pronunciadas diante de Sylvia e o seu ar sincero,
encorajavam-no a pensar que o caçador continuava fiel ao seu juramento.
Mantendo o "Colt" na mão, o "ranger" tornou, em vão, a chamar o desaparecido...
- Esta ausência cada vez me parece mais singular, murmurou o homem dos olhos claros. Só se escorregou e partiu os ossos todos!
Todavia, depressa abandonou essa hipótese: tinha visto, durante o dia, a agilidade com que o rapaz se deslocava naquele terreno tão difícil. Andar por entre os rochedos
durante a noite era, certamente, uma brincadeira para ele.
-? Ora esta! O fantasma tê-lo-ia devorado? perguntou Catamount, impaciente por partir à procura do seu companheiro;
Finalmente, não podendo mais, o homem dos olhos claros resolveu sair do refúgio. Deixando o cobertor e as provisões dentro da caverna, enrolou solidamente um lasso
na cintura e saiu.
Avançou a tactear, arriscando-se a cair a cada momento. A despeito das precauções que tomava, feria-se por vezes nos pedregulhos.
Cansado, receando a cada passo ser surpreendido, Catamoont parou, com o dedo no gatilho. Não via ninguém. A pouca distância, a cadeia de montes da serra Santiago
destacava-se no céu estrelado. Alguns passos adiante, pareceu-lhe ver uma sombra entre dois rochedos.
- Hélio! É você, "old fellow"?, perguntou o homem dos olhos claros. julgando encontrar-se diante :de Nick Maubart.
Ninguém respondeu!
- Contudo, não tive uma visão, resmungou, impaciente. Vi ali alguém!
Mas não pôde prosseguir no monólogo. Ouviu-se um tiro. Atravessado de lado a lado, o seu "stetson" rolou por terra.
O "ranger" atirou-se rapidamente ao chão fazendo-se o mais pequeno possível, procurando assim evitar que
servisse de alvo ao atirador misterioso que acabava de manifestar a sua existência de forma tão agressiva.
- Eis o que se chama um acolhimento caloroso, palavra! disse de si para consigo.
Durante alguns minutos, esperou.
?-? Não posso ficar aqui eternamente!, prosseguiu o "ranger", a quem esta expectativa enraivecia. Quem me teria cumprimentado tão amavelmente?
As hipóteses mais variadas lhe passaram pela cabeça. A desaparição do caçador continuava a intrigá-lo. Começava mesmo a pensar se não teria feito melhor seguindo
os conselhos do "sheriff". Pensando bem, a atitude do jovem parecia suspeita. Por que se teria afastado ele? Que significava aquele tiro na noite? Não teria Nick
Maubart tentado livrar-se da vigilância -de Catamount de forma mais expedita? E talvez ainda esperasse a alguns passos, pronto a disparar segunda vez.
Mas o "ranger" arredou logo esta suspeita:
- Não é possível, pensou, esse rapaz não iria levar a sua perfídia ao ponto de me abater pelas costas! Continuo a julgá-lo inocente do crime de que Nat Riley o acusa
tão insistentemente. Não será antes o nosso amigo fantasma numa das suas emboscadas? Espera um pouco, meu rapaz! Vou-te pregar uma das minhas...
Catamount afastou-se do local em que estava e, rastejando, procurou contornar o sítio onde julgava que se encontrava o seu adversário invisível. com mil cuidados,
retendo a respiração, conseguiu em menos de cinco minutos levar a cabo a sua "manobra.
O homem dos olhos claros não pôde, então, reter uma exclamação de despeito. O abrigo onde se tinha escondido o homem que disparara sobre ele estava
deserto! Aproveitando a prudente imobilidade do "ranger", o agressor desaparecera.
.-? "By Jove"! Esta maldita expedição nocturna está a transformar-se insuportavelmente num jogo de escondidas, resmungou Catamount, cada vez mais aborrecido pelo
aspecto que tomavam os acontecimentos.
Examinando o terreno à luz do luar, tentou em vão descobrir alguns traços da passagem do seu enigmático inimigo. O solo rochoso não guardava o mais leve sinal.
Passeando em volta um olhar inquieto, o homem dos olhos claros perguntava a si próprio se deveria continuar a procurar o desconhecido ou se, pelo contrário, deveria
voltar para trás, quando um tremendo uivo se ouviu a pouca distância.
com o dedo no gatilho, Catamount voltou-se rapidamente para o lugar donde tinha partido o grito. Pôde então ver uma forma branca que se deslocava rapidamente.
- "God Aknighty"! exclamou. Será isto o famoso fantasma?
Saltando do seu refúgio, sem pensar mais no perigo que correria, aventurando-se a descoberto, o "ranger" precipitou-se para a misteriosa aparição, que continuava
a escalar os rochedos a uma velocidade extraordinária.
- Alto lá, camarada! Espera um minuto! gritou. Um novo uivo respondeu ao chamamento. Então,
impaciente, apontou o revólver na direcção do fugitivo e premiu o gatilho.
Soaram quatro tiros. A aparição desfez-se como por encanto.
?- "By Jove"! Apanhei-o!
Correndo o mais que podia, Catamount perseguiu o inimigo. Escorregando e ferindo-se cruelmente nas
mãos, aproximou-se do sítio onde o fantasma acabava de desaparecer. Aí, diminuiu o andamento, passando a avançar com cuidado. O fugitivo podia, efectivamente, responder
dum momento para o outro ao seu ataque.
As apreensões de Catamount, contudo, não se justificaram. No entanto, a sua decepção foi grande quando não viu o fantasma, que esperava ter abatido.
Mais decidido do que nunca a resolver o enigma, continuou a avançar. Um tiro estalou atrás dele. Sentiu uma dor aguda na cara. Passando a mão no sítio atingido,
retirou-a vermelha de sangue.
Este novo ataque levava-o a pensar que estava em presença de vários inimigos.
- Para o diabo o fantasma e a sua gente! observou. Se Nat Riley e Nick Maubart tem tido até aqui dificuldade para os descobrir, devo confessar que comigo são mais
amáveis. Puseram tudo em movimento para me receber condignamente!
Soou um novo tiro, e a bala veio ricochetear num rochedo a poucos metros do "ranger".
- Diabo! Esta ameixa veio doutro ponto! Será
um exército que procura caçar-me?
Ajoelhando-se perto dum rochedo, Catamount esperou. Alguns momentos depois, vendo aparecer uma sombra perto, atirou. Ouviu-se um grito de dor que lhe provou que
a bala não se perdera.
Durante cerca de duas horas, o "ranger" teve de se conformar com a sua inércia. Um impressionante silêncio sucedera às detonações. No entanto, Catamount compreendia
que os seus invisíveis adversários continuavam à espreita, prontos a atirar se ele se aventurasse a sair do refúgio.
Um ligeiro ruído veio arrancá-lo àquela expectativa.
- Teriam decidido retirar-se? pensou o "ranger".
Vir-se-ia, com efeito, que os desconhecidos abandonavam (lentamente as posições que ocupavam; algumas pedras rolavam ao longo do declive.
Arriscando um rápido olhar, o "ranger" tentou descobrir os seus perigosos adversários, mas, infelizmente, a Lua acabava de desaparecer por detrás da montanha. Nos
arredores, a escuridão era tal que tornava impossível ver uma silhueta a dois passos.
Resmungando contra a situação, Catamount decidiu-se a sair do esconderijo. com o revólver na mão, pronto a atirar, meteu-se por entre dois rochedos. Encorajado pela
calma que o rodeava, continuou a avançar. Havia atingido uma pequena elevação quando, de repente, antes de ter tempo de se pôr na defensiva, se sentiu violentamente
empurrado. Perdendo o equilíbrio, começou a escorregar pelo declive, muito íngreme naquele local.
O choque fora tão violento que o "ranger" largara a sua arma; rolando sobre si próprio, a uma velocidade cada vez maior, estendeu os braços, esforçando-se inutilmente
por encontrar qualquer ponto de apoio a que se segurasse. com a cara e as mãos em sangue, continuava a rolar no meio da escuridão.
Por fim foi bater com violência num rochedo. Sentiu uma grande dor na testa, esforçou-se por reagir, tentando levantar-se, mas os membros, cansados, recusaram-se
a obedecer-lhe. Escapou-lhe um gemido e, tornando a cair pesadamente no chão, desmaiou. Durante quanto tempo se prolongou o seu desmaio? Teria sido difícil dizê-lo.
Quando voltou a si, era já dia claro.
- "By Jove"! Que se teria passado? perguntou a si próprio o "ranger", ainda atordoado.
A cabeça doía-lhe imenso. Sentou-se, procurando recordar os acontecimentos que haviam precedido a queda. Parecia-lhe que tinha os membros quebrados; o sangue que
lhe correra pela cara coagulara; assaltava-o uma nuvem de moscas, que ele tentou afastar com a mão.
Um rápido olhar permitiu a Catamount ver o estado deplorável em que se encontrava: o casaco e a camisa rasgados; mais sólidos, os "chaparejos" tinham-lhe protegido
as calças, mas estavam cobertos de poeira e rasgados em alguns sítios.
Não teria também perdido a segunda arma durante a queda? Escapou-lhe um grito de alegria ao verificar que o revólver continuava no coldre.
A despeito da sua embaraçosa situação, sentia-se mais decidido do que nunca a combater até ao fim.
Durante cerca de um quarto de hora, o "ranger" permaneceu no mesmo lugar, apalpando os músculos e tentando assegurar-se de que não partira nenhum osso durante a
queda. O choque fora violento; contudo, embora as contusões fossem dolorosas, não pareciam apresentar qualquer gravidade.
Catamount levantou-se com dificuldade. Nos primeiros momentos pensou que lhe seria impossível andar, tão cansado se sentia. Tinha a impressão de que o terreno lhe
fugia debaixo dos pés, e tudo à sua volta dançava um batuque infernal. Sentia zumbidos nos ouvidos e a testa a latejar.
Lamentava ter deixado na caverna o seu cantil, que lhe teria permitido dessedentar-se e lavar as feridas, quando viu, com alegria, a pouca distância, um fio de água
que brilhava ao sol,
- Um riacho!-?? murmurou. Graças a Deus!
A ideia de que podia -lavar a cara na água límpida deu-lhe coragem. Avançando passo a passo, apoiado aos rochedos que encontrava no caminho, chegou com dificuldade
junto do ribeiro.
Por várias vezes o "ranger" parou, olhando perscrutadoramente em volta. Receava que os misteriosos adversários que afrontara durante a noite voltassem a aparecer.
Estava em más condições para sustentar um novo combate, que, a dar-se, lhe podia ser fatal.
Mas as apreensões de Catamount não tinham justificação. A calma mais absoluta reinava na vizinhança. O "ranger" em breve se convenceu de que os seus invisíveis agressores
se haviam afastado sem se preocupar mais com ele.
XIII
A galeria misteriosa
Catamount depressa atingiu o riacho, que serpenteava através do solo rochoso. Ajoelhando-se, meteu com alegria as mãos na água, bebendo avidamente; tinha pressa
de acabar com o fogo que lhe devorava a garganta.
Estancada a sede, tratou de lavar as pisaduras que sofrera na queda. Sentiu um bem-estar infinito quando a água lhe começou a escorrer pelo rosto ferido. Parecia-lhe
que o cansaço desaparecia, e que as forças lhe voltavam rapidamente!
Dando um suspiro de alegria, o homem dos olhos claros instalou-se à sombra dum rochedo que se elevava
perto do riacho. Uma das balas dos seus inimigos levara-lhe o "stetson".
- Malandros! murmurou o "ranger". Se os torno a encontrar faço-os pagar caro a partida que me pregaram!
Encostado ao rochedo, Catamount examinava atentamente o local aonde chegara; verificou que atingira a extremidade do círculo natural oposto à caverna. Rolara por
uma encosta formada, sem dúvida, há longos anos, por sucessivas avalanches. O declive não era muito íngreme e só isso o impedira de se desfazer contra os rochedos
espalhados pela descida.
Primeiramente, Catamount pensou em voltar ao seu antigo refúgio. Supunha que, por seu lado, o caçador de pumas tinha, talvez, voltado à caverna. No entanto, parecia-lhe
estranho que o jovem não houvesse dado sinal de vida durante tanto tempo. Certamente que se devia ter admirado da ausência do companheiro.
Profundamente inquieto, por isso, o homem dos olhos claros pensou em procurar Nick Maubàrt, mas a ideia de que podia chamar a atenção dos seus enigmáticos inimigos
levou-o a abster-se de qualquer atitude. Além disso, pensava que era muito possível que o caçador tivesse participado, também, no ataque de que fora vítima. Nestas
condições, para que aparecer ao inimigo, que talvez o julgasse morto?
Catamount, reduzido a simples conjecturas, imaginava novas e inquietantes hipóteses.
?- É muito possível que Maubart se tenha deixado apanhar por aqueles malandrins, e que lhe fosse absolutamente impossível avisar-me do perigo que me ameaçava..
O "ranger" teria prosseguido no seu monólogo se,
subitamente, não houvesse reparado que, a pequena distância, se abria um túnel que até ali lhe passara despercebido.
.-? "By Jove"! exclamou, subitamente intrigado. O túnel comunicará com algum cânon perdido no meio destas montanhas?
Uma inspecção mais minuciosa levou Catamount a descobrir que o riacho corria na direcção do estreito corredor, desaparecendo no seu interior.
- Decididamente, murmurou o homem dos olhos claros, compreendo agora como o nosso amigo fantasma pôde achar maneira de fugir às perseguições que lhe têm feito. Seria
necessária a intervenção de muita gente para conseguir impedir-lhe a fuga.
Abandonado o seu refúgio, o "ranger" guardou para mais tarde a sua volta" à caverna; tinha, de momento, o pressentimento de que o misterioso caminho, cuja existência
acabava de descobrir, poderia ajudá-lo a levantar uma ponta do véu.
Aventurou-se pelo túnel, conservando sempre na mão o revólver que lhe restava. Os arredores continuavam desertos. Seguindo o riacho, Catamount chegou enfim à entrada
do túnel. Foi em vão que procurou encontrar sinais da passagem recente de pessoas.
- A Providência protegeu-me mais uma vez, pensou o "ranger". Fiquei sem sentidos durante várias horas. Os meus agressores podiam ter-se aproveitado do meu desmaio
para me suprimir sem perigo. Julgaram-me, sem dúvida, fora de combate e preferiram não se demorar mais tempo nesta região. Em todo o caso, espero encontrá-los em
breve e pagar-lhes na mesma moeda...
Pôs-se de ouvido à escuta, procurando surpreender
qualquer ruído. Ouviu apenas o murmúrio do riacho que corria a seus pés.
Impaciente por saber onde o levaria aquele caminho desconhecido, Catamoont, dominando o cansaço, recomeçou a andar; lamentava amargamente a ausência do caçador de
pumas. Este, conhecendo admiravelmente a serra, teria podido dar-lhe úteis esclarecimentos. Amaldiçoando os incidentes imprevistos que os tinham separado, o "ranger"
continuou a sua marcha.
Verificou, então, que avançava através dum túnel que cada vez se alargava mais. Reinava ali uma frescura agradável que contrastava com a temperatura tórrida que
tinha suportado, há pouco, à chapa do sol.
- Aqui está um caminho que não parece muito frequentado! disse ele ao fim de alguns minutos. À vizinhança do riacho é realmente apreciável, mas, de facto, que poderiam
vir buscar aqui?
O "ranger" interrompeu-se para esmagar com o salto da bota um escorpião que acabava de ver a dois
passos.
- Ora muito bem! É o primeiro ser vivo que encontro nesta região, e que nada tem de simpático.
A presença de bichos venenosos incitou Catamount a redobrar de cuidado; sabia que as serpentes e as tarântulas pululavam naquela parte do Texas. Muitas vezes, cavalgando
o seu fiel "Mesquita", abatera a tiro alguns destes animais.
Pensando no seu alazão, Catamount sentiu-se invadir por uma profunda melancolia. Não estava acostumado a andar a pé e sentia saudades das boas cavalgadas através
dos prados e dos desertos sem limites. Todavia, a gravidade da situação impôs-se-lhe.
Limpou à manga o suor que lhe escorria pela cara.
Sentia-se extenuado pelo esforço despendido desde que voltara a si. Suspirando, sentou-se à beira do riacho. Começava a lamentar não ter voltado à caverna. Era certo
que os ferimentos lhe doíam menos, mas o estômago começava a fazer sentir os seus direitos.
- Se tivesse voltado ao Rochedo Uivador, poderia comer à minha vontade... Uns goles de água não chegam para me reconfortar! Se ao menos existisse alguma caça neste
maldito túnel! Escorpiões e tarântulas não são pratos muito de meu agrado...
O "ranger" sentia-se furioso. A lembrança da sua queda vinha-lhe constantemente à memória.
-? Nat Riley muito se havia de rir se me visse neste estado! E teria razão! "By Jove"! Mandam-me para esclarecer a questão e eu deixo-me estupidamente atirar para
o fundo desta ravina, sem ao menos conseguir reconhecer os adversários que me atacaram. Uma criança teria dado provas de mais sagacidade e esperteza!
O homem dos olhos claros continuaria a censurar a sua imprudência se. de repente, lhe não tivesse chegado aos ouvidos um barulho insólito, que dominava o murmúrio
do riacho. Profundamente intrigado, levantou a cabeça, retendo a respiração e procurando adivinhar a
sua causa.
?-Não... Não sonhei! Podia jurar que se trata do bater duma picareta!
A ideia de que podia encontrar um ser humano naquelas paragens incitou o "ranger" a passar imediatamente à acção.
Empunhando firmemente o revólver, retomou a marcha, evitando escorregar, o que poderia denunciar a sua presença ao misterioso vizinho. O combate que se
desenrolara na véspera à noite fazia recear que o indivíduo em questão pertencesse ao bando do fantasma do Rochedo Uivador.
Durante cinco minutos o "ranger" continuou a avançar lentamente, temendo a cada instante ser surpreendido.
As pancadas da picareta, que tanto o intrigavam, tinham parado de repente. No entanto, mais desejoso do que nunca de resolver este enigma, aventurou-se ainda, parando
frequentemente para olhar em volta.
O sol estava no zénite, e a luz penetrava até ao fundo do estreito corredor. O "ranger" inspeccionava minuciosamente o chão, quando uma exclamação lhe escapou: próximo
do riacho, na areia, viam-se sinais de passos recentes. Um sorriso de satisfação iluminou-lhe as feições. com o seu olhar de lince, observou rapidamente que a pista
que se estendia sob os seus olhos acabava num verdadeiro caminho aberto na parede do túnel, na parte em que a muralha era menos íngreme.
- Juraria que este caminho foi feito pela mão do homem, pensou o homem dos olhos claros, profundamente interessado pela sua nova descoberta.
Enquanto inspeccionava minuciosamente o caminho misterioso, que, com certeza, tornava passível a comunicação com outra região da serra, o "ranger" verificou que
ele fora recentemente aberto. Havia sinais de picareta na superfície da rocha; em certos pontos, profundas brechas rectilíneas indicavam que os desconhecidos que
se tinham aventurado no coração desta região selvagem, haviam utilizado dinamite para fazer saltar alguns blocos de pedra.
Catamount imobilizou-se, pensativo. Fora, evidentemente, necessário haver razões imperiosas para que os
homens que ali trabalhavam tivessem aberto aquele caminho. Sem dúvida alguma, tinham sido várias pessoas quem havia efectuado aquela tarefa. Um grupo de desconhecidos
frequentava aquelas paragens, certamente os mesmos que o haviam assaltado.
- É estranho que Nick Maubart não me tenha falado neste caminho, pensou o "ranger", intrigado. com certeza que reparou nele durante as suas excursões cinegéticas.
O "ranger" sabia, há muito, que nesta região os pesquisadores eram numerosos. Em tempos, a quimera do ouro conduzira para ali bandos de aventureiros de todas as
espécies, mas as suas pesquisas haviam resultado infrutíferas.
Os passos que, muito nítidos, se destacavam na areia levaram Catamount a pensar que a pista que descobrira era recente e, talvez, do próprio dia.
- Ah! Terá este homem qualquer ligação com o bando que me recebeu tão amavelmente, na noite passada? Ou tratar-se-á do caçador que passou aqui em reconhecimento,
para ver se me encontrava?
Andando mais alguns passos o "ranger" viu a pouca distância uma abertura bastante larga; os sinais que avistara dirigiam-se para o orifício que parecia ser a entrada
duma galeria. Ao primeiro olhar, o "ranger" compreendeu que não podia tratar-se duma caverna, pois viam-se ainda várias marcas de picareta na parede rochosa.
- "God Almighty"! pensou. Um pesquisador teria, por acaso, encontrado aqui um jazigo de ouro?
Novas pancadas se ouviram no interior da misteriosa gruta, indicando a Catamount que alguém se encontrava ali.
A primeira ideia do homem dos olhos claros foi chamar o enigmático (mineiro. Conteve-se, no entanto, lembrando-se do combate que sustentara durante a noite. Podia
tratar-se de algum inimigo. Antes de manifestar a sua presença era preciso assegurar-se das intenções do desconhecido. Além disso, talvez o homem não estivesse só,
visto que os importantes trabalhos feitos na galeria levavam a pensar que fora um grupo que os efectuara.
Em poucos momentos, o "ranger" chegou à entrada do singular refúgio; com o "Colt" na mão, aventurou-se a entrar. A pouca distância, o trabalhador invisível continuava
o seu penoso trabalho.
Catamoont teve de esperar uns minutos antes de poder estudar a galeria onde acabava de entrar. Os seus olhos, há muito tempo habituados ao sol, tinham dificuldade
em se adaptar à escuridão que o rodeava. Pôde, contudo, notar que a entrada era suficientemente larga para deixar passar dois homens lado a lado, e consolidada por
pranchas de madeira dispostas com intervalos regulares.
A presença destas tábuas provou ao "ranger" que a exploração não era recente e que teriam sido necessárias semanas e até meses para trazer para ali o material necessário
à construção.
- Como diabo os habitantes de Alpine podem ignorar a existência deste cânon e as riquezas que contém? pensou.
O "ranger" demorava o olhar nuns veios encarniçados que se destacavam confusamente ao longo da parede. Não tinha dúvidas de que se encontrava em presença duma exploração
aurífera importante.
Deu mais alguns passos no interior da galeria.
Caminhava agora na mais completa escuridão. Evitando qualquer ruído que pudesse chamar a atenção do seu misterioso vizinho, parou várias vezes, com o ouvido à escuta.
A frescura que reinava no interior da caverna era tal que sentia arrepios. Encostado à muralha rochosa, continuou a avançar, esforçando-se por ver alguma coisa.
Quanto mais se adiantava, mais próximas soavam, as pancadas da picareta. Esperava dum momento para o outro ver os ocupantes da -galeria.
Finalmente, conseguiu ver um pouco de luz; andando com o maior cuidado, notou que se aproximava da extremidade do corredor. Recortadas confusamente pela luz vacilante
dum archote, via agora as silhuetas de três indivíduos, que, ajoelhados, trabalhavam naquele sítio, atacando a rocha com a picareta.
Durante alguns minutos, o trio continuou a sua tarefa sem imaginar que era observado. Finalmente, suspendeu o trabalho. Um dos desconhecidos, um latagão com cara
de fuinha, limpou o rosto encharcado de suor à mão suja de terra.
?- O "boss" parece que se esqueceu de nós, resmungou. Começo a ter o estômago pegado às costas... Contrataram-me para trabalhar nesta maldita terra, mas garantiram-me
que me forneciam o alimento...
-- Um pouco de paciência, Den! respondeu o segundo personagem, um homenzinho cujo rosto anguloso era emoldurado por uma barba ruiva. Sabes tão bem como eu que o "boss" tem agora certas dificuldades. Puseram-lhe na pista um "ranger". Ainda ontem aquele diabo se aventurou no Rochedo Uivador...
- Parece que acabaram com ele, contou o terceiro desconhecido, um rapaz musculoso, cuja cor esverdeada traía a sua origem mexicana. O homem foi estatelar-se
no fundo da ravina. Daqui a pouco tempo descobriremos o seu cadáver...
- Mais uma razão para que o "boss" se não esqueça de nós... Não somos escravos, que diabo! Há meses que trabalhamos neste canto perdido e ignorado da serra Santiago,
vivendo uma existência de eremitas e forçados. "By Jove"! Apetece-me jogar um pouco o "poker", tornar a ver gente e beber outro "whisky" além do que nos trazem,
que é péssimo... Enfim, Sam, falando com franqueza, não achas que o "boss" abusa um pouco da situação? Sem nós, que faria ele?
O interpelado encolheu lentamente os ombros.
- São os ossos do ofício, Den... E não tens de que te queixar... Deram-me a escolher entre este trabalho e a forca! Que remédio! Gomez e tu, aliás, estão na mesma
situação!
?-? Caramba! Não tenho medo do trabalho, protestou por sua vez o mexicano, mas, ao menos, dêem-nos de comer e de beber! Quem não come não trabalha!
- Como vocês estão impacientes, caramba! continuou Sam, que parecia aceitar a sua sorte com muito mais filosofia do que os companheiros. A comida não demora, com
certeza, que diabo! Jeff só está duas horas atrasado...
- E se lhe tiver acontecido alguma coisa?
?- Não tenhas medo, disse Sam, com um largo sorriso. Não temos o fantasma para nos proteger? Já muitas vezes nos livrou de complicações e conseguirá, com certeza,
defender-nos contra as tentativas de algum imprudente que se lembre de entrar nos nossos territórios ...
Os três homens dispunham-se a continuar a conversa quando Gomez se levantou bruscamente:
-- Ouviram? interrogou. Pareceu-me ouvir um ruído aqui perto...
XIV
Um velho conhecimento
Podem imaginar como o interesse de Catamount foi aguçado quando surpreendeu a voz dos seus misteriosos vizinhos; imóvel, de revólver em punho, ficou encostado à
parede da galeria. As poucas palavras trocadas entre os pesquisadores confirmavam-lhe que estava na boa pista; o fantasma do Rochedo Uivador, que ele prometera prender,
não trabalhava só, como a princípio imaginara. Achava-se, pois, em presença duma verdadeira associação de malfeitores.
A que singulares trabalhos se dedicavam estes homens? Por que viviam assim afastados do resto do Mundo? Por que ignoravam os habitantes de Alpine este jazigo aurífero
tão importante?
O "ranger" não prosseguiu nas suas cogitações. Acabava de fazer cair uma pedra, e o ruído despertara a atenção do mexicano.
com o coração a bater, maldizendo o intempestivo acidente que tão desagradàvelmente interrompera a conversa dos mineiros, o "ranger" decidiu fugir para não ser visto.
Recuando, com o dedo no gatilho, preparava-se
para manter a distância os três compadres, caso eles se apercebessem da sua presença.
Por felicidade, Catamount não teve de recorrer a extremos; ouvindo o seu camarada manifestar desconfiança, Den e Sam haviam-se levantado e olhavam através da galeria.
.- Sonhaste, Gomez? resmungou Den. Qualquer pedra que se desprendeu da abóbada. De resto, não temos nada a recear. Quem poderia vir surpreender-nos neste canto perdido?
O mexicano parecia menos sossegado do que o seu interlocutor. Depois de escutar atentamente, resmungou entre dentes:
-? Caramba! Desde que sei que os "rangers" meteram o nariz nos nossos negócios, já não me sinto à vontade! Já vi esses diabos em acção. São adversários perigosos.
Ainda por cima, o "boss" disse-nos que se tratava de Catamount. Um tipo que é um verdadeiro demónio!
- Vamos, Gomez, podes dormir descansado! A estas horas o teu Catamount está nas bem-aventuradas terras das caçadas eternas, como dizem os nossos bons amigos índios.
Não temos, portanto, mais nada a temer da sua parte. O "boss" não se desembaraçou já de adversários bem mais espertos do que ele?
Desejoso de não ser surpreendido, Catamount recuara prudentemente para a saída da galeria. Deu um suspiro de alívio quando verificou que o trio não prosseguia nas
suas indagações.
O "ranger" não teria dificuldade em subjugar os três cúmplices. No entanto, preferia que a sua presença naquele misterioso local se mantivesse ignorada. Começava
a resolver o caso que o preocupava, mas receava que o mais pequeno alerta incitasse o "fantasma" a desaparecer, o que comprometeria irremediavelmente as suas investigações.
Esqueceu a fome e o cansaço que o atormentavam ao verificar a importância da descoberta que acabava de fazer. As palavras que os três homens tinham trocado vinham-lhe
constantemente à memória. Admirava-se de que Nat Riley, que lhe afirmara ter feito várias pesquisas nestas paragens, não houvesse notado a existência da galeria,
e que os pesquisadores tivessem podido trazer as suas ferramentas e outros materiais sem despertar as suas suspeitas e as dos seus auxiliares.
Demais, Catamount não podia deixar de pensar na incompreensível atitude de Nick Maubart. Sem dúvida, os malandrins que exploravam a .galeria tinham sido avisados
da intervenção do "ranger". Quem poderia tê-los prevenido senão o caçador de pumas, cujo desaparecimento lhe parecia estranho?
Abandonando o seu companheiro, o rapaz apressara-se, certamente, a avisar os três cúmplices.
Profundamente inquieto, o "ranger" começava a imaginar que o seu aliado da véspera fazia causa comum com os bandidos que infestavam1 a região; julgando-se enganado
pelo antigo companheiro, arrependia-se da sua complacência, dando liberdade ao caçador acusado do assassínio de Norbert Dangerson.
Catamount interrrompeu os seus pensamentos, ao ouvir uma voz a pouca distância. Intrigado, voltou-se, procurando um esconderijo donde não fosse visto pelo recém-chegado.
Avistando um rochedo, a alguns passos, escondeu-se atrás dele.
A voz do desconhecido era cada vez mais nítida. Cantava:
IH scrape the mountains clean, old girl: TU draán the rivers dry; Im off from Califórnia, Susannah, dont you cry...
O "ranger", de sobrolho carregado, imobilizou-se ao ouvir esta canção. As estrofes lembravam-lhe um encontro que tivera há pouco tempo.
- Não há dúvida, é a mesma voz, pensou Catamoont. "By Jove"! O nosso amigo Skipping Jeff frequentará também esta estranha região?
Interrompeu-se subitamente. Acabava de ver o homenzinho conduzindo "Sansão", branco de poeira e carregadíssimo, que descia pelo caminho a prumo do estreito corredor.
O homem parou de cantar; o burro, recalcitrante, obrigava-o a puxar pela arreata, em risco de escorregarem e de se precipitarem no fundo da ravina.
Catamount, neste momento, podia facilmente fazer parar Skipping Jeff e pedir-lhe explicações da sua presença naquelas paragens. Ele não se esquecera de que o pesquisador
lhe tinha recentemente declarado, quando voltava com ele para Alpine, que a sorte nunca o favorecera e que nunca descobrira a mínima pepita de ouro nos seus giros
através da região montanhosa... Tinha, portanto, mentido. Conhecia a existência da misteriosa exploração... O barril e o fardo que o burro levava fizeram-no pensar
que se tratava das provisões que os três .pesquisadores esperavam com tanta impaciência.
Adquirira uma nova certeza: Skipping Jeff fazia, também, parte do bando.
Catamount, no entanto, preferiu manter-se escondido e espiar o homenzinho que, muito longe de o julgar ali, se mostrava, atrapalhadíssimo com a descida, procurando
evitar a todo o momento que o seu companheiro de quatro patas escorregasse para o abismo.
- "Go ahead!" não cessava ele de repetir, dando ao burrico frequentes pancadas.
Durante cinco minutos, Skipping Jeff lutou assim. Conseguiu, finalmente, não sem dificuldade, passar a parte mais perigosa do caminho e atingir o cânon, a uns cinquenta
passos do local em que se encontrava o "ranger".
..- Uff! Não é sem tempo, suspirou Skipping Jeff, enquanto limpava o rosto encharcado em suor. Se isto continua, estou convencido de que acabamos por dar cabo de
nós, meu pobre "Sansão"!
O animal tinha parado ao pé do dono e lutava desesperadamente para se desembaraçar das nuvens de moscas que o assaltavam. Fizera, realmente, uma caminhada das mais
duras...
?- Vamos, não nos podemos demorar mais, resmungou Skipping Jeff. É preciso pensar nos camaradas. São rapazes irritáveis que já devem estar seriamente impacientes.
Gostava de os ver na nossa situação, os malditos! Só têm de continuar tranquilamente o seu trabalho. Se viessem de Alpine, como nós, já seriam menos exigentes!
O homenzinho desatou as cordas que amarravam o barril e carregou-o às costas. Teria sido fácil a Catamount prendê-lo naquela altura, mas o "ranger", desejoso
de conhecer exactamente a importância do bando, preferiu esperar antes de atacar.
?- Jerusalém! gemeu Skipping Jeff, dobrando os joelhos sob o peso do fardo que transportava, se alguém se lembrasse de me ajudar! Os velhos pagam sempre pelos outros!
Que diabo de ofício!
A resmungar, entrou na galeria; três vezes cambaleou e por pouco não caiu. Depois, sem aguentar mais, depôs no chão o barril e gritou:
.- "Whoopee!" Estão aí, camaradas?
Uns rumores confusos responderam ao chamamento de Skipping Jeff. O trio, que trabalhava na extremidade do escuro corredor, abandonou o trabalho e apressou-se a aparecer.
- "Por la muerte!" Levaste tempo! resmungou Gomez, que se precipitou ao encontro do homenzinho. Já julgávamos que os abutres tinham devorado a tua maldita carcaça...
- A minha carcaça é dura de mais para fazer as delícias das aves de rapina! Não se pode dizer o mesmo da tua!
?-? Vamos! Basta de discussões! interrompeu a voz rude de Sam. Que nos trazes?
- Cerveja, "my boy"...
- Cerveja! É pouco para quem há horas que morre de sede! Se ao menos o "boss" se tivesse lembrado de nos mandar "whisky"!
-? Se queres "whisky", pede-o a Bill Whiskers e ao criado do bar! Eu limito-me a cumprir as ordens do "boss"; se querem reclamar, dirijam--se a ele!
Gomez e os dois acólitos continuaram a resmungar, mas Skipping Jeff não fez caso; voltando atrás, foi buscar as provisões que ainda estavam em cima do
burro. Cinco minutos depois, tornou a aparecer, trazendo um saco de grandes dimensões,
- Aqui estão biscoitos, carne seca e pão de milho...
- Sempre a mesma coisa! refilou Den. Não podiam variar um pouco?
,O mexicano e Sam, que se tinham apressado a beber alguns goles de cerveja durante a ausência de Jeff, apoiaram barulhentamente os protestos do companheiro.
Skipping Jeff contentou-se em encolher os ombros.
- "By Jove"! Vocês não refilam tanto com o "boss"; diante dele ficam mansos como cordeiros! Como sabem que eu sou um pobre diabo, abusam da situação. Se não estão
contentes, por que não voltam para Alpine? Lá podem comer e beber o que quiserem, nos restaurantes...
-? Skipping Jeff, não passas dum imbecil! Sabes que temos as nossas cabeças a prémio por alguns pecadinhos que cometemos no Estado do Texas. As autoridades são susceptíveis.
Alpine é para nós o paraíso perdido, e não queremos de forma alguma travar conhecimento com a forca!
-? Nesse caso, não podem ser exigentes! O "boss" tirou-os dum sarilho, quando os aceitou no bando; devem estar-lhe reconhecidos! Se ele vos corresse da serra e do
distrito de Alpine, que fariam? As autoridades deitavam-lhes logo a mão, e pronto!
Tal perspectiva não parecia sedutora aos três malandrins. Fizeram uma careta, e Gomez levou a mão ao pescoço; dir-se-ia que sentia já a corda da forca.
- Jerusalém! disse então o homenzinho, sorrindo ironicamente, já começam a mostrar-se razoáveis! Então! Pensando bem, não se devem lamentar! O trabalho é pesado,
é certo, mas vocês sabem que daqui a
algum tempo podem passar a fronteira, ricos. Vale a pena sofrer algumas privações...
Estas palavras de Skipping Jeff convenceram o trio. Den, sem pensar mais em protestar, apressou-se a esvaziar o saco das provisões. Perto dele, Sam e o mexicano
faziam um cigarro.
.-? Vais ficar aqui um bocado? perguntou Den, depois de estar um momento calado.
- Ficar aqui? Estás a sonhar, "my boy"! O "boss" mandou-me ir ter com os outros, na outra extremidade do cânon.
O homenzinho não se demorou ao pé dos cúmplices; dando rapidamente meia-volta, voltou à entrada do refúgio. Os olhos piscaram-lhe, feridos pela luz. Pondo a mão
diante dos olhos, deu alguns passos em direcção ao sítio onde estava o burro.
Feliz por se encontrar só, Skipping Jeff começou a cantarolar. Teria, com certeza, menos calma se pudesse ver, a uns vinte passos dali, o "ranger", que continuava
cuidadosamente escondido,
Meu velho "Sansão"! murmurou enquanto passava a mão calejada por sobre o pêlo ainda húmido do companheiro. Agora podemos descansar! A companhia daqueles tipos não
é agradável. Este Gomez é um malandro da pior espécie, que não hesita em brincar com uma faca! Se eu fosse o "boss", desconfiaria dele...
Enquanto monologava assim, o pesquisador conduziu o burro até perto do riacho. O animal, que desta vez seguiu o dono de livre vontade, bebeu, deliciado, a água límpida;
depois, levantando a cabeça, zurrou alegremente.
- Gostava de te dar uma erva bem tenra! disse então o homenzinho, suspirando, mas não há verdura nestas
paragens. Tens de te contentar com um pouco de aveia que trouxemos de Alpine.
Depois de tratar de "Sansão", Skipping Jeff pensou em comer. Tinha enchido cuidadosamente o seu saco antes de sair de Alpine; e, além disso, não se esquecera do
cantil de "whisky".
.-? Estou ansioso por molhar as goelas, também, resmungou o pesquisador. Esta caminhada extenuante através dos rochedos fez-me muita sede...
Pegando no cantil, Skipping Jeff levou-o à boca. com grande admiração, viu que não continha nem uma gota de álcool.
- Vazio! Está vazio! exclamou, desorientado. Ah! Que .diabo! que significa isto?
A primeira ideia que lhe veio à cabeça foi a de que os três ocupantes da galeria lhe tinham roubado o precioso líquido. Mas teve de abandonar essa hipótese, lembrando-se
de que o cantil havia ficado em cima do burro.
.- Decididamente, não percebo! Tenho a certeza de que o enchi!
O espanto de Skipping Jeff aumentou quando viu, alguns instantes depois, que a sacola também estava vazia...
?-Jerusalém... Endoideço! Tenho visões! Não é possível! Quem teria podido...?
Desamparado, o pesquisador balbuciava palavras sem nexo, olhando ansiosamente em redor. Supersticioso em extremo, perguntava a si próprio por que intervenção sobrenatural
as suas provisões haviam desaparecido...
Imóvel no seu esconderijo, Catamount observava o desgraçado. Aproveitando-se da sua ausência, chegara junto do burro e aliviara-o das provisões que ele carregava.
Estafado pela caminhada que fizera neste território
desconhecido,-o "ranger" aproveitara esta ocasião providencial para se reconfortar. Apressadamente, tinha comido as tortilhas e bebido o "whisky".
Catamount sentia-se agora em melhor forma: o alimento dera-lhe novas forças... Tendo guardado o resto das provisões nas algibeiras, esperava, com o revólver na mão,
não perdendo um único movimento do dono de "Sansão".
Se Skipping Jeff fosse valente, não teria deixado de procurar o seu misterioso ladrão, mas a coragem não era o seu forte. Depois de olhar em volta, assustado, pegou
na rédea do burro.
- Depressa! Vamo-nos embora daqui! gaguejou. Pode acontecer-nos alguma desgraça! Vamos ter com os outros camaradas!??
O "ranger" teria podido novamente intervir, mas as últimas palavras de Skipping Jeff haviam-lhe despertado a atenção. Queria continuar o seu inquérito e certificar-se
da importância do misterioso bando que se refugiava na cânon...
- Se apanho este velhaco, pensou, será difícil fazê-lo falar. Além disso, os acólitos podiam inquietar-se com a sua ausência e arranjar-me qualquer complicação.
Mais vale esperar ainda e, no momento oportuno, entrar em acção. Ainda tenho muitos problemas a resolver para me embaraçar com um prisioneiro...
Catamount decidiu-se, então, a seguir Skipping Jeff... Saindo cautelosamente do seu refúgio, aventurou-se através do cânon, olhando frequentemente para trás, em
direcção da galeria;
com certeza que o trio, cuja presença o "ranger" surpreendera pouco antes, tinha recomeçado o seu trabalho,
pois Catamount não viu atrás de si nenhuma sombra suspeita. Continuava a seguir a pista de Skipping Jeff, que se afastava cambaleando, com o rosto congestionado.
Durante um quarto de hora, o pesquisador andou sem se aperceber de que era seguido.
Enquanto avançava, Catamount pôde notar que muitos sinais de passos se destacavam nos bancos de areia que atravessava. Isto levou-o a pensar que o grupo que obedecia
às ordens do misterioso "boss" era bastante numeroso.
A personalidade do chefe a que o trio aludira há pouco intrigava-o cada vez mais. Perguntava a si próprio se Nick Maubart não teria nada de comum com toda esta perigosa
organização, ou se não seria ele próprio o "boss" em questão.
Interrompendo as suas reflexões, o "ranger" parou repentinamente, ao notar que o pesquisador fazia grandes gestos para alguém que do lugar em que se encontrava ainda
não podia ver.
.Da extremidade do cânon ouviam-se chamamentos e Catamount viu, a alguns passos do pesquisador, escalando agilmente os rochedos, aparecerem quatro homens.
Imóvel, o "ranger" observava-os. Escapou-lhe uma exclamação de surpresa quando notou que o primeiro dos recém-chegados não lhe era desconhecido.
- "God Almighty"! exclamou. Que viria aqui fazer Hobart? Que relações poderá ele ter com este bando de velhacos?
XV
Uma conversa interessante
Não podia haver dúvidas: era realmente o "deputy" de Nat Riley que se aproximava.
O representante da autoridade parecia esperar a vinda -do pesquisador; os três indivíduos que o seguiam pertenciam, também, ao "posse" do "sheriff", pois o homem
dos olhos claros já os vira no "saloon", quando estabeleciam a ordem, impedindo a entrada na sala.
Primeiro, Catamount imaginou que Nat Riley tivesse mandado os seus acólitos à sua procura; mas depressa se desenganou quando ouviu o "deputy" dirigir-se a Skipping
Jeff,
- Então... Que se passa, "old fellow?" Aconteceu algum desastre na galeria?
Abandonando o burro, o homenzinho apressou-se a descrever a Hobart o que lhe sucedera, contando-lhe a surpresa que tivera com o desaparecimento do "whisky" e das
provisões.
O auxiliar de Nat Riley não pôde deixar de rir ao ouvir o pesquisador, e os seus companheiros troçavam também.
?- Tiveste um pesadelo! troçou um deles.
?- A não ser que o fantasma do Rochedo Uivador tenha resolvido comer à tua custa!
- Riam à vontade, malditos! praguejou Skipping Jeff, indignado. Não sonhei! Alguém aproveitou a
minha entrada na galeria para roubar a carga de "Sansão".
- Quem seria o gatuno? interrompeu Hobart, mandando os seus companheiros calarem-se. Já tratámos da saúde ao "ranger" e mais ninguém se aventurou até aqui. Sossega,
o nosso segredo continua bem guardado...
Catamount levantou-se ao ouvir o "deputy" falar assim. Agora, estava certo: Hobart e os três acólitos eram cúmplices do assassino de Norbert Dangerson. Era com eles
que tinha combatido durante a noite. O trio da galeria, o pesquisador, os quatro "deputies", pertenciam todos ao grupo de malfeitores que invadira a região da serra
Santiago.
- Compreendo agora por que razão não são presos os culpados! pensou Catamount. Alguns dos mais importantes representantes da autoridade têm evidente interesse em
prolongar esta situação. Resta saber se poderão continuar por muito tempo num jogo tão perigoso. Pela minha parte, vou fazer tudo para desmascarar estes miseráveis...
Skipping Jeff continuava a gesticular perto dos vizinhos, apontando, ora a sacola, ora o cantil.
- É impossível! não cessava de repetir. Como explicam...
- Meu Deus, a solução do problema é simples; bebeste um pouco de "whisky" a mais antes de vires para a serra. Já sabemos que isso é costume teu. Tudo nos leva a
pensar que não estavas muito bom quando entraste na galeria. Pensa um pouco! com certeza que te esqueceste de encher o cantil e de trazer comida antes de sair de
Alpine...
- Jerusalém! É uma calúnia abominável... Eu,
beber! Nunca dei maiores provas de sobriedade. Esperava chegar ao cânon para matar a sede...
Por mais que o homenzinho se agitasse, afirmando não ter sido vítima duma alucinação, o "ranger" e os seus acólitos recusavam-se a acreditar nele. Catamount que,
escondido a pouca distância, continuava a esperar, felicitou-se pela calma que manifestavam os patifes em tal ocorrência. Se fossem mais desconfiados, não deixariam
de voltar à galeria e de proceder a buscas. Examinando o chão, não teriam grande dificuldade em descobrir a pista que o "ranger" deixara na areia.
- Vamos! Vem até ao acampamento, velhote, interrompeu Hobart. Já estamos fartos de ouvir as tuas lamentações. Ainda temos "whisky" suficiente para te fazer esquecer
esse desgosto; já nos demorámos de mais debaixo deste sol do diabo!
Os quatro homens conseguiram convencer o pesquisador a segui-los. Skipping Jeff já nada tinha a recear. Os cintos de armas cuidadosamente guarnecidos dos seus companheiros
levavam-no a pensar que se defenderiam energicamente no caso de algum imprudente se lembrar de os atacar.
"Sansão", com as orelhas fitas, ficou para trás, vendo o dono que se afastava; depois, lentamente, recomeçou a andar.
- Aqui está um que conhece a minha presença nestas paragens mas que não me trairá! pensou Catamount, preparando-se para seguir o grupo, a fim de localizar exactamente
o sítio onde tinham montado o acampamento a que o "deputy" aludira há pouco.
A história de Skipping não parecera impressionar os quatro homens. Durante alguns minutos, continuaram
a avançar entre os rochedos sem se voltarem para trás uma só vez.
O "ranger" bendizia a Providência, que, assim, oportunamente, o tinha posto na boa pista. Sem ruído, esgueirava-se através do cânon, não perdendo de vista Hobart
e os acólitos. Notando, em breve, que aqueles que seguia se imobilizavam, parou também.
A pouca distância, avistou um grupo de cavalos.
Não pôde deixar de estremecer ao reconhecer, perto dos animais, a sua própria montada
Segundo todas as probabilidades, Hobart e os acólitos tinham descoberto "Mesquita" no sítio em que o dono o deixara, antes de começar a ascensão do Rochedo Uivador,
A égua preta do caçador de pumas estava, também, junto do alazão, o que fez o "ranger" perguntar a si próprio se não iria avistar, dum momento para o outro, o seu
companheiro, tão misteriosamente desaparecido.
O "deputy" e os vizinhos discutiam animadamente, de modo que Catamount teve de interromper as suas observações; avançando de rastos, manobrou de forma a aproximar-se
o mais possível do grupo, sem, no entanto, lhe chamar a atenção.
Hobart e os quatro homens estavam muito embebidos na conversa para suspeitar da presença dum inimigo na vizinhança; Catamount conseguiu atingir um bloco que se elevava
perto dos homens e esconder-se atrás dele, pronto a reagir à menor desconfiança.
Empurrando de brincadeira Skipping Jeff à sua frente, o "deputy" e os acólitos fizeram-no sentar perto do fogo. O homenzinho obedeceu sem protestar. Tinha pressa
de comer e de descansar depois da longa caminhada que acabara de fazer.
?- Vamos, camarada, aqui está um bibcron que te consolará do que os maus génios te roubaram, disse um dos malandrins passando-lhe um cantil de "whisky"...
O pesquisador apressou-se a pegar no recipiente e a beber gulosamente o precioso líquido.
-Pára, guloso... Nós também somos servidos! exclamou Hobart, apertando o pulso de Skipping Jeff e obrigando-o a largar o cantil.
O homenzinho obedeceu a custo, limpando a boca com a manga, e suspirando:
- Que pena! Era delicioso!
- Parece que não perdeste com a troca. Devias trazer uma beberragem péssima...
- Uma beberragem! protestou Skipping Jeff, indignado, virando-se para o "deputy", que pronunciara estas palavras; estou habituado a só comprar álcool da melhor qualidade...
Hobart interrompeu a discussão, que ameaçava degenerar em disputa.
- Silêncio! Basta de asneiras! Falemos agora de coisas sérias!
Os três homens suspenderam a brincadeira.
- Trazes ordens do "boss"? perguntou, então, o "deputy", voltando-se para o pesquisador.
- O "boss" continua em Alpine. Espera-se lá com certa impaciência o resultado do inquérito começado por esse "ranger" do diabo.
- Coitados, podem esperar muito! Neste momento, a carcaça de Catamount deve servir de pasto aos abutres! Deixou-nos, em testamento, o seu cavalo. Soberbo bicho,
por sinal!
Enquanto falava, Hobart examinava "Mesquita", que pastava a alguns metros a erva rala.
- Aposto que o "boss" quererá ficar com este belo animal! disse Skipping Jeff.
Os sobrolhos do "deputy" franziram-se.
-? O "boss" já nos aborrece! O melhor quinhão é sempre para ele! Podia, .por uma vez, abrir uma excepção a meu favor...
-? Deixa lá o cavalo! cortou o homenzinho. Se queres saber o que penso, "my boy", creio que a nossa exploração se vai tornando perigosa. Quando vi o auxiliar do
major Morley aventurar-se no nosso caminho senti-me invadido pela maior apreensão.
- Não queremos saber das tuas ideias negras, pássaro de mau agoiro! É preciso repetir-te que o "ranger" está fora de acção, e que teve a mesma sorte de todos os
indiscretos que se aventuraram no nosso domínio? O seu desaparecimento vai para a conta do fantasma, e pronto! Eu próprio direi ter descoberto o cavalo abandonado,
e ninguém se lembrará de mo querer tirar...
- A não ser que o "boss"...
- Deixa-me sossegado com o "boss"! Ele não julga, com certeza, que o ajudamos pelos seus bonitos olhos! Além disso, tu não vieste aqui para pregar moral. Trata mas
é de nos transmitir as ordens que trazes...
- Deixei o "boss" em Alpine, repetiu o pesquisador, escondendo dificilmente o descontentamento que sentia. Pediu-me que lhes dissesse que viria ter com vocês muito
mais tarde do que pensava.
-? Alguma perspectiva de negócio interessante?
- Não sei dizer-lhes, mas devem calcular que ele não se demora sem razão. De resto, há-de mandar-lhes alguém com as suas instruções.
Hobart não pôde deixar de resmungar:
?- Começamos a estar um bocado fartos deste maldito cânon.
?- Quem não arrisca não petisca, "my boy", respondeu filosoficamente Skipping Jeff.
O pesquisador parecia ter reconquistado toda a sua calma; começara a comer, esquecendo as emoções passadas.
Durante cerca dum quarto de hora o pequeno grupo permaneceu sentado perto do lume. Catamount, retendo a respiração, continuava a observá-lo atentamente, tentando
surpreender novas indicações sobre a actividade do misterioso bando, cujos feitos aterrorizavam os habitantes de Alpine.
Hobart e os companheiros ocuparam-se, a seguir, em tratar dos cavalos. O auxiliar de Nat Riley parou ao pé de "Mesquita" e acariciou a garupa do magnífico animal.
O "ranger" sentiu uma vontade tremenda de se precipitar sobre o miserável; conteve-se, no entanto, pensando que a mais pequena imprudência podia comprometer tudo.
Beneficiando da surpresa, podia evidentemente surgir detrás do rochedo, manter em respeito os cinco bandidos e obrigá-los a abandonar as armas sob a ameaça do seu
"Colt"; mas esperava ainda vir a conhecer a identidade daquele enigmático "boss" a quem os seus vizinhos aludiam constantemente.
Catamount não tardou a felicitar-se pela sua prudência; os cinco homens estendiam-se preguiçosamente ao pé do lume, recomeçando a conversa.
?- Se os bons habitantes de Alpine suspeitassem da existência do jazigo aurífero deste cânon, teríamos um "rush" semelhante ao da Califórnia, suspirou Hobart.
?- Não temos que recear tal coisa, respondeu o homem que se encontrava à direita do "deputy"; os
importunos que até agora o descobriram foram suprimidos sem dó nem piedade. Por exemplo, Dangerson. Aí está um que se embrenhou nesta região e que trabalhou durante
meses. Pudemos espiá-lo à vontade, sem que um só instante ele suspeitasse da nossa presença.
- Dangerson era o homem que mais tínhamos a recear, Jack! interrompeu Hobart. Já há muito tempo que ele sabia da existência de ouro nestas paragens. Todos se lembram
do velho Nathaniel Gaudias.
Do seu refúgio, Catamount não perdia uma única palavra da conversa dos seus vizinhos. O "ranger" estremecera ao ouvir o nome de "Gaudias. Lembrava-se, com efeito,
de que se tratava do pesquisador que convencera Norbert Dangerson a sair do General Store para o acompanhar na região montanhosa onde esperava descobrir inestimáveis
riquezas.
- Nathaniel era um velho duro de roer, disse Skipping Jeff. Conhecia admiravelmente a serra...
-? E foi seguindo-o cuidadosamente que o "boss" conseguiu descobrir a importância do jazigo que nós defendemos tão ciosamente.
-? Deve-se confessar, continuou o homem a quem Hobart chamara Jack, que o nosso chefe soube trabalhar bem... A lenda do fantasma do Rochedo Uivador preparou salutarmente
o espírito dos importunos que esperavam fazer fortuna nesta região...
- Alguns conseguiram, no entanto, reconhecer o nosso campo de acção e explorar mesmo alguns filões...
- E nunca voltaram! As pepitas e as amostras do precioso mineral caíram nas nossas mãos e os abutres encarregaram-se de limpar os cadáveres. O velho Gaudias foi
o primeiro, e ninguém em Alpine soube qual foi o seu destino,
Enquanto continuava a falar, o "deputy" enrolava lentamente um cigarro. O "ranger", encostado à parede rochosa, continuava a escutar. O véu que encobria aquele caso
ia-se levantando. Compreendia, agora, o móbil que levava aqueles miseráveis e o seu enigmático chefe a proceder assim. Para defender o segredo da mina, não haviam
hesitado em assassinar todos os infelizes que tinham descoberto a sua existência. O pai de Sylvia fora o último a cair sob as balas dos assassinos.
- Tudo se passou bem até agora, disse Skipping Jeff, que, tendo terminado a sua frugal refeição, se estendia junto dos companheiros, mas, se vos posso dar um conselho,
tomem cuidado. Vocês conhecem bem o provérbio: Tantas vezes vai o cântaro à fonte que lá deixa a asa. Acho que não tarda muito que não tenhamos de atravessar o Rio
Grande.
- Lá estás tu outra vez com as tuas ideias negras! interrompeu o "deputy". No entanto, não vejo nada que nos ameace. Que temos nós a temer da Justiça?
- Há os "rangers"! repetiu o homenzinho. São rapazes que não recuam facilmente.
Os "rangers"! Grande coisa! O primeiro deles que nos visitou pagou bem caro a sua ousadia.
- Admitamos que esse indivíduoi esteja definitivamente fora de combate, insistiu Skipping Jeff. O seu chefe esforçar-se-á por vingá-lo. Novas buscas se farão. Acreditem,
Essa gente é hábil, não terá, certamente, grande dificuldade em descobrir a existência deste cânon e não há-de ser o espantalho do fantasma do Rochedo Uivador que
conseguirá fazê-la recuar...
- É ao "boss", e não a nós, que deves dizer essas coisas, resmungou Hobart, cuja expressão endureceu.
- Não me privei de lhe contar tudo o que pensava
acerca deste assunto, respondeu o pesquisador. Não, nem quis ouvir! Julga-se inatacável, devido à sua situação. Essa segurança há-de perdê-lo.
- Enfim, basta de lamentações... Esperemos que sejas um mau profeta!
Skipping Jeff teria continuado a discutir com o deputy" e os seus homens, mas, olhando para o relógio, levantou-se rapidamente.
- Tenho de voltar a Alpine para anunciar ao chefe que vocês continuam a esperá-lo.
- Diz-lhe que estamos fartos de estar aqui, reforçou Hobart. Além disso, seria imprudente ficarmos mais tempo neste cânon. As pessoas de Alpine podiam inquietar-se com a nossa ausência
- E o prisioneiro?
- O prisioneiro continua a esperar em lugar seguro... As cordas são fortes e desafio-o a desembaraçar-se delas. Podes tranquilizar o "boss" a esse respeito. Não
o deixaremos fugir, descansa!
O homenzinho não se demorou mais; depois de apertar a mão ao "deputy" foi buscar "Sansão", que pastava perto dos cavalos.
- Vamos, velho camarada... A caminho!
O burrico manifestou alguma repugnância em seguir o dono e, por isso, este último teve de recorrer aos seus acólitos para obrigar o animal a obedecer. Pegando no
chicote que trazia à cintura, Hobart bateu várias vezes no animal.
Finalmente, depois de gritar um "hi-han" de protesto, o burro decidiu-se a pôr-se a caminho. Sob os olhares irónicos dos companheiros, que não lhe poupavam as troças,
Skipping Jeff afastou-se, puxando pela rédea do seu recalcitrante companheiro.
O pesquisador estava tão absorvido em fazer avançar o burro que não notou um vulto que se escondia perto dele. com o dedo no gatilho, pronto para todas as eventualidades,
Catamount continuava oculto, receando ser surpreendido; as suas apreensões dissiparam-se, contudo, quando viu o homenzinho desaparecer numa volta do cânon.
A posição do "ranger" tornava-se neste instante particularmente delicada; não podia afastar-se do refúgio sem se expor a ser surpreendido por Hobart e os seus acólitos.
Dominando a sua impaciência, resignou-se a permanecer imóvel, tratando de ver se ouvia a conversa
dos bandidos.
As últimas palavras do "deputy" tinham-no intrigado profundamente. Catamount perguntava a si próprio quem poderia ser o enigmático prisioneiro a que os seus vizinhos
tinham aludido.
Maldizendo a expectativa a que estava reduzido, o homem dos olhos claros tinha pressa de saber o nome do cativo; esperava que os malandrins se decidissem a fazer
novas confidências que lhe permitissem lançar-se na boa pista.
Às esperanças de Catamount não se realizaram. Passaram-se muitas horas sem que os miseráveis trocassem qualquer palavra. O "ranger" esperava a noite com impaciência,
pois contava com a escuridão para se afastar para um local onde estivesse menos arriscado a ser
surpreendido.
Durante o dia, Hobart afastou-se duas vezes. Catamount calculou que ele teria ido visitar o prisioneiro, à outra extremidade do cânon.
Enquanto esperava, o homem dos olhos claros sentia as suspeitas vagas que tinha a respeito do caçador de
pumas dissiparem-se a pouco e pouco. Sem dúvida, o preso a que os bandidos tinham aludido era Nick Maubart, apanhado no momento em que se aventurava fora da caverna.
O infeliz, atacado antes de ter podido avistar o companheiro e pedir-lhe socorro, sucumbira perante o número.
O tempo passou. As horas pareciam intermináveis a Catamount. Estendidos perto do riacho, os quatro homens faziam a sesta.
A noite caía lentamente, e o sol acabava de desaparecer por detrás das montanhas, quando, bruscamente, o "deputy" e os seus companheiros, que preparavam a refeição
da tarde, se levantaram fitando a extremidade do cânon,
Intrigado, Catamount pôs-se à escuta. Não tardou a surpreender o martelar dos cascos dum cavalo que se aproximava. Impassível, retendo a respiração, esperou.
XVI
A mensagem do "boss
Hobart, que se afastara alguns passos, viu o cavaleiro que se dirigia para o acampamento.
- Vem gente, camaradas! gritou. Vamos ter, finalmente notícias do "boss". Aqui está o correio que nos anunciaram!
Exclamações alegres acolheram a notícia.
- Reconheço-o... É o Steve! disse uma voz. Catamount, que também observava o cavaleiro,
notou, efectivamente, que se tratava dum dos "deputies"
que proibiam a entrada no "Snowball" no dia do assassínio do pai de Sylvia; o homem montava um cavalo malhado, -cujo pêlo estava encharcado em suor.
- Segundo tudo me leva a crer, há uma passagem secreta que permite a estes patifórios comunicar com o cânon sem passar pelo difícil caminho que nós seguimos, pensou
o "ranger". Àdmiro-me de que o caçador de pumas, que dizia conhecer tão bem a serra, não me tenha indicado essa via no momento em que começámos as investigações...
Catamount não se demorou muito a reflectir. Steve acabava de saltar do cavalo, e, sem se ocupar mais do animal, dirigia-se aos seus acólitos.
- Então? Há alguma novidade? interrogou Hobart. O cavaleiro limpou o suor que lhe escorria pelo rosto
moreno, e sacudiu a poeira que lhe cobria os "chaparejos".
-? O "boss" envia-te esta mensagem, Hobart, explicou ele, estendendo ao "deputy" uma carta cuidadosamente dobrada que acabava de tirar da algibeira interior.
Hobart pegou imediatamente no papel, tomando conhecimento das linhas que ele continha; os seus três acólitos, intrigados, rodeavam-no.
?- Que há de novo? perguntou um deles.
- Um pouco de paciência, "my boy"! O "boss" avisa-nos simplesmente de que foi assinalada a presença dum desses malditos pesquisadores nas nossas paragens. Ao que
parece o indivíduo em questão teria conseguido descobrir algumas pepitas. Trabalhava a umas dezenas de milhas da região de Red Rock.
- Nessas condições, o "boss" vai acabar com ele como com todos os outros?;
- Será ele próprio que se encarregará da operação.
O homem deve passar pela pista de Alamito a Alpine, o chefe esconder-se-á nos rochedos, no mesmo sítio em que surpreendeu Dangerson... e o fantasma do Rochedo Uivaidor
terá mais uma vítima no seu activo.
?- E nós temos que esperar ainda muito tempo? perguntou um dos homens.
.- O pesquisador acampa actualmente na estrada, Mendez, que o espia há alguns dias, viu os seus preparativos de partida.
?- Mendez teria feito melhor se acabasse com ele, imediatamente. Uma bala bem dirigida...
Hobart encolheu os ombros:
?- Meu pobre Jack, não te mostras muito esperto! Se o "boss" tivesse querido recorrer aos meios que tu sugeres, teria, muito mais cedo, mandado Dangerson para um
mundo melhor. Deixando-o trabalhar até ao momento em que se decidiu voltar a Alpine, pudemos recolher todas as pepitas que ele descobriu.
Enquanto os vizinhos discutiam assim, Steve tinha-se aproximado do riacho e lavava a cara.
- "By Jove"! Isto ressuscita um homem! exclamou, voltando para junto da fogueira.
A escuridão era agora quase absoluta e, assim, Catamount pôde abandonar o seu esconderijo e aproximar-se do grupo, que continuava longe de suspeitar da sua presença.
Do lugar a que tinha chegado, podia distinguir confusamente as silhuetas dos bandidos, que se desenhavam à claridade vacilante das chamas.
Steve ficou um momento calado, olhando para o sítio onde deixara a montada,
?- Não te preocupes com o teu cavalo, disse Hobart, foi ter com os seus companheiros...
Depois de ter dado um ligeiro assobio, o "deputy" acrescentou:
- Fizemos uma boa captura, "old fellow"... Um animal magnífico!
- Aposto que se trata do cavalo do "ranger"...
?-Adivinhaste, "my boy". É um animal soberbo! Nunca vi nenhum assim até agora!
- Também o vi quando o dono o prendeu na barra do "saloon"...
?- Vai substituir o meu "Black", que começa a fazer-se velho...
?- Nem penses nisso, camarada! apressou-se a interromper o homem. Dir-se-á que tens pressa de nos ver com a corda ao pescoço!
- A corda ao pescoço? Que queres dizer?
- Simplesmente que esse animal tem a marca dos "rangers". O major Morley e os seus homens conhecem, com certeza, o alazão. Farão um inquérito a respeito do desaparecimento
do camarada. Que lhes responderás quando virem que montas o cavalo dele?
O "deputy" não pôde deixar de fazer uma careta ao ouvir esta objecção do seu interlocutor..
-- Tens cem vezes razão, "my boy"! respondeu por fim. Não tinha pensado nessa hipótese. De duas uma, ou temos que nos desembaraçar do cavalo, - o que seria pena,
- ou que nos resignar a guardá-lo neste cânon.
?-- Nesse caso, vais ter algumas dificuldades para o alimentar! A erva não abunda na região...
O "ranger" cerrou os punhos ao ouvir os vizinhos falarem deste modo. Via já o seu querido "Mesquita" abatido pelos miseráveis.
Entretanto, Steve parou de falar do cavalo e mudou de assunto.
- A propósito, Hobart, disse. Esse velho bandido do Skipping Jeff trouxe-nos a novidade. Parece que deitaste a mão a um tipo importante. Que fizeste dele?
-? Deixei-o na extremidade do cânon sob a guarda de Bart. A sua captura permitir-nos-á afastar as suspeitas que os "rangers" possam alimentar a respeito do desaparecimento
do camarada.
- Tens a certeza de que esse tipo está morto?
- Estamos todos absolutamente convencidos.
- Encontraram o cadáver?
- Precaução inútil! Do sítio em que caiu deve ter partido os ossos todos!
O cavaleiro abanou lentamente a cabeça:
- Se estivesse no vosso lugar, não estaria tão sossegado. Conheço a reputação dele. É o famoso Catamount, um antigo bandido, que em tempos deu água pela barba aos
representantes da autoridade. Consideram-no, com razão, o melhor auxiliar do major Morley.
- Meu Deus, não podemos, no entanto, em plena noite, procurar esse imbecil! Amanhã, antes de nos encontrarmos com o "boss", daremos uma vista de olhos até à entrada
do cânon.
- Tiveram toda a tarde para tomar essa precaução indispensável. O "boss" não vai ficar contente.
- O "boss" é muito exigente! Não estávamos interessados em nos deixarmos fritar ao sol.
Os três homens que tinham rodeado o "deputy" apressaram-se a apoiá-lo ruidosamente; então, Hobart, desejoso de mudar de conversa, disse:
- Queres vir ver o prisioneiro, Steve?
O cavaleiro apressou-se a responder afirmativamente.
O "deputy" voltou-se para os companheiros:
- Esperem aí e preparem a comida! O amigo Steve comerá qualquer coisa e beberá um café connosco.
- "By Jove"! Não posso recusar. À cavalgada abriu-me o apetite.
Deixando Jack e os camaradas perto da fogueira, o "deputy" e Steve afastaram-se. Precedendo o amigo, Hobart, que pegara numa tocha acesa, começou a andar. Catamount
decidiu-se a abandonar a imobilidade que mantinha há alguns momentos. Desejava a todo o preço conhecer a identidade do prisioneiro em questão. Receando ser surpreendido
pelo trio, contornou o local em que os bandidos acampavam.
O homem dos olhos claros parou várias vezes enquanto prosseguia a sua manobra, mas os três homens estavam tão absorvidos pelos seus preparativos culinários que não
desconfiaram sequer da sua presença. Não sem dificuldade, conseguiu atingir o local para onde se tinham dirigido Hobart e o companheiro
O "ranger" andou ainda durante cerca de dez minutos. Perguntava a si próprio que direcção teriam tomado os dois malandrins quando, de repente, parou: acabava de
avistar uma luz fraca. Quase imediatamente, ouviu um ligeiro murmúrio.
-? Vamos! Creio que estamos na boa pista, pensou. Os meus rapazes devem estar a conversar...
Depressa viu que não se enganara. A alguns passos dele, abria-se, no flanco da falésia, ,um orifício bastante
largo.
Avançando em bicos de pés, o homem dos olhos claros aproximou-se; com perigo de ser surpreendido, aventurou-se no interior do refúgio.
Ao primeiro olhar, viu que se encontrava na entrada
duma caverna um pouco mais pequena do que aquela onde estivera no Rochedo Uivador. Uma tocha fixada na parede lançava uma luz fraca, mas, no entanto,
suficiente para permitir ao intruso ver quatro silhuetas.
Hobart e Steve encontravam-se de pé perto dum homem estendido no chão, fortemente amarrado. Catamount reconheceu nele o caçador de pumas. A alguns passos, sentado
numa pedra, um quarto indivíduo, que o "ranger" não conhecia, esperava, com uma carabina sobre os joelhos.
Catamount depressa interrompeu a sua inspecção para ouvir a conversa que começara no misterioso refúgio.
- Não, "my boy", é inútil provocar-nos, troçou o "deputy", estás apanhado e bem apanhado! Não vale a pena contares com o teu camarada. Mandámo-lo para casa do diabo.
De lá não poderá socorrer-te.
O preso não acreditou nas palavras do seu interlocutor.
- Para que vale enganarem-me? respondeu com voz firme. Tenho a certeza de que Catamount vos apanhará a todos! Já venceu outros bem mais fortes e temíveis. Além disso,
aconteça o que acontecer, podem ter a certeza de que a Justiça nos procurará a ambos! E, então, não gostaria de estar na vossa pele!
Hobart não pôde deixar de rir à gargalhada:
- A Justiça! Tens cada uma, "old fellow"! Serás tu, ao contrário, quem terá de Lhe prestar contas! Serás acusado do desaparecimento do "ranger"!
O prisioneiro torcia-se nas cordas.
?- Vamos! disse por sua vez Steve, tem juízo, não vale a pena enervares-te! Ninguém acreditará em ti. As acusações dos representantes da autoridade bastarão
para te porem a corda ao pescoço. O teu caso está resolvido!
O "ranger" teve dificuldade em dominar a sua indignação ao ouvir as palavras infames do bandido.
Quase se precipitou no refúgio para libertar Nick Maubart, mas o desejo de surpreender todo o bando com o respectivo chefe reteve-o. Resignou-se a esperar ainda.
Hobart e os dois acólitos, sem notar a presença daquele que julgavam morto, continuavam a troçar dos esforços desesperados que o cativo fazia para se libertar. Impassível,
o guarda tinha acendido um cachimbo, parecendo não tomar interesse pela conversa.
- O fantasma do Rochedo Uivaidor não gosta que se metam nos seus negócios, continuou Hobart. Por que quiseste contrariar os seus projectos? Normalmente, não te aventuras
nestas paragens. Na verdade, teria sido melhor para ti não teres cá metido o nariz.
O jovem encolheu lentamente os ombros.
- Evidentemente! Ia mesmo deixar esse maldito "sheriíf" acusar-me do assassínio de Norbert Dangerson sem procurar defender-me. Não sou dos que se deixam acusar injustamente
sem tentar por todos os meios provar a sua inocência!
- "By Jove"! Não me parece que estejas agora mais adiantado! Não só a acusação que querias afastar continua a pesar sobre ti, como ainda vais ser acusado de ter
feito desaparecer o "ranger"...
- Não é verdade! Bem sabem que não é verdade! protestou exasperado o infeliz. O próprio Catamount compreendeu que eu não era culpado. Até interveio em meu favor.
- Nada te impede de o procurar para te ajudar a sair daqui, troçou o bandido.
Nesse momento Steve bateu no pulso de Hobart:
- Tenho de voltar a Alpine antes que o "boss" parta, declarou.
O "deputy" pareceu surpreendido com a decisão do companheiro.
- Julguei que passavas a noite connosco, objectou,
- Pensando bem, prefiro ir ter com o chefe. Em Alpine admirar-se-iam com as incessantes idas e vindas dos representantes da autoridade.
(Deixando Bart de guarda ao prisioneiro, os bandidos dirigiram-se para a saída; Catamount apressou-se a esconder-se o melhor possível na escuridão. Os dois cúmplices
passaram a alguns passos dele sem notar a
sua presença.
Durante um curto instante, o "ranger" imobilizou-se, retendo a respiração... A despeito do cansaço que sentia, estava decidido a agir, custasse o que custasse. Era
preciso libertar o mais depressa possível o caçador de pumas, cuja ajuda lhe seria preciosa.
O empreendimento, embora delicado, não parecia impossível. Catamount conseguiria facilmente, quando o "deputy" e os seus homens tivessem adormecido ao pé do lume,
dirigir-se até ao local em que Nick Maubart estava amarrado. Depois, veria o que havia de fazer.
Contudo, antes de socorrer o caçador, o "ranger" preferiu seguir novamente os bandidos. A notícia da próxima partida de Steve encorajava-o, realmente, a pensar que
o cavaleiro tomaria pelo caminho misterioso que lhe permitira juntar-se aos camaradas.
O "ranger" sabia que era necessário conhecer perfeitamente
a disposição do terreno para levar a bom termo a sua ofensiva e pôr em cheque os miseráveis.
Manteve-se por consequência a uma boa distância de Steve e do seu cúmplice. Passando silenciosamente por entre os rochedos, seguiu-os até ao sítio onde o trio
os esperava.
- O jantar está pronto? interrogou Hobart aproximando-se de Jack. O amigo Steve quer voltar o mais depressa possível à cidade.
- Temos feijões com toucinho que, com certeza, lhe saberão muito bem, respondeu- o interpelado.
Em poucos instantes, o grupo reuniu-se em volta da fogueira; a conversa continuou, mas foi em vão que Catamount tentou ouvir o nome do chefe da criminosa organização.
Os bandidos discutiam principalmente o rendimento da mina de ouro do cânon, cujas proximidades estavam tão bem guardadas.
Finalmente, a refeição terminou; Steve demorou-se ainda a fumar um cigarro, e, depois, separou-se dos companheiros. Sentado no meio da escuridão, o "ranger" viu-o
despedir-se do "deputy" e dos três homens, e dirigir-se para o local onde se encontravam os cavalos.
À luz incerta das chamas da fogueira, Catamount viu nitidamente o auxiliar de Nat Riley montar e, encorajando o cavalo com estalos da língua, afastar-se lentamente,
saudado pelos votos de boa-viagem dos acólitos.
Steve passou a alguns passos do lugar em que se encontrava Catamount. Deliberadamente, o "ranger" seguiu-o a pouca distância.
Pôde então verificar que o cavaleiro conhecia, com certeza, há muito, estas paragens. Dirigia-se direito à
extremidade do cânon, seguindo sempre junto ao riacho.
A Lua, que surgira, iluminava os arredores, permitindo a Catamount seguir-lhe a pista facilmente.
Durante um quarto de hora, o cavaleiro continuou a afastar-se.
O "ranger" avançava prudentemente ao longo da pista seguida por Steve. quando, de repente, dificilmente reteve uma exclamação de surpresa. O cavaleiro acabava de
atingir a falésia e desaparecia como por incanto...
Fortemente intrigado, Catamount avançou; notou então, aberto na parede granítica, um buraco suficientemente largo para dar passagem a um homem a cavalo. Ouvia-se
o martelar dos cascos do animal, afastando-se cada vez mais.
O homem dos olhos claros depressa compreendeu que estava em presença da passagem secreta que permitia ao fantasma e aos cúmplices introduzir-se no cânon sem ter
que escalar a Íngreme falésia do Rochedo Uivador.
Sem hesitar mais, o "ranger" entrou por sua vez no corredor. E viu então que ele fora aberto pela mão do homem. A passagem prolongava-se num comprimento de pelo
menos cem passos.
Catamount receou que os bandidos tivessem feito guardar por um dos seus o acesso à galeria, mas depressa sossegou ao notar que os arredores continuavam desertos.
Depois de avançar durante alguns minutos em completa escuridão, atingiu a extremidade da passagem.
- Este caminho talvez se dirija a Alpine, pensou o "ranger". Mas isso que importa? Saberei que itinerário tomar para sair deste ninho de bandidos. Mas já
me demorei de mais; agora que conheço a disposição do terreno, é tratar de me deitar ao trabalho e de pensar em libertar o nosso amigo Nick Maubart, que deve começar
a achar o tempo longo no interior da caverna...
XVII
Em socorro do prisioneiro
Firmemente decidido a passar à acção e a começar uma luta decisiva contra o bando que se tinha instalado no cânon, Catamount voltou rapidamente para trás. Dez minutos
lhe bastaram para chegar à entrada da caverna. Então, sem um ruído, com o dedo no gatilho, aventurou-se no interior do refúgio.
Retendo a respiração, olhou na direcção em que antes tinha visto o guarda.
Bart não se mexera. com o olhar perdido no vago, continuava a fumar o seu cachimbo. O prisioneiro estava ainda deitado, perto, e amarrado. com os olhos fechados,
parecia dormir...
O momento pareceu oportuno ao "ranger" para agir; o bandido não teria certamente tempo para pegar na carabina que colocara junto de si.
Catamount abandonou, finalmente, a imobilidade em que se mantivera desde a sua entrada no refúgio. Saltando com a velocidade do raio, precipitou-se sobre o guarda.
Surpreendido por este ataque inesperado, Bart deixou cair o cachimbo. Antes de poder esboçar a
mínima resistência, sentiu a garganta solidamente apertada. Ao mesmo tempo que o cano dum revólver se lhe apoiava na fronte, uma voz enérgica ordenava-lhe:
- Uma só palavra e és um homem morto!
O bandido, compreendendo pela atitude do agressor que este estava pronto a executar a ameaça, largou ràpidamente a sua arma.
- Ainda bem que te mostraste razoável, disse o "ranger". Vais agora tirar o cinto de armas e atirá-lo para longe...
O bandido quis protestar, mas Catamount apoiou-lhe o "Colt" com mais força na testa, e ele resignou-se
a obedecer.
- Então, camarada! Mais depressa! Não estou para demoras...
Bart obedeceu a custo. Imóvel, o "ranger" não perdia nem um dos seus movimentos.
- Agora trata de libertar o prisioneiro! continuou.
De boa ou má vontade, o velhaco teve de obedecer a esta nova ordem. com a mão trémula, desatou as cordas que imobilizavam o caçador.
Nick Maubart neste momento estava tão surpreendido como o seu guarda. Abrindo uns olhos de espanto, perguntava a si próprio se não seria vítima duma alucinação,
tão estranha lhe parecia a aparição do "ranger".
- Mr. Catamoont! Meu Deus! Será possível? balbuciava.
- De pé, "old fellow"! ordenou o "ranger". Mais tarde lhe contarei tudo. Entretanto, ocupe-se em amarrar este malandro enquanto eu o mantenho em respeito.
Não sem dificuldade, o caçador levantou-se, sentindo
os membros entorpecidos pela longa imobilidade a que fora obrigado. Primeiro, distendeu os músculos, depois, curvando-se para Bart, apressou-se a manietá-lo.
.- Creio que será melhor amordaçá-lo! disse então o "ranger". Este patife poderia dar o alarme a todo o bando!
Nick Maubart tirou o lenço que o bandido trazia ao pescoço e apertou-lho solidamente na boca. O homem nem tentou resistir. O revólver do "ranger" incitava-o a mostrar-se
dócil.
Depois de tomada esta precaução indispensável, Catamount voltou-se para o caçador, indicando-lhe as armas que acabara de tirar ao prisioneiro:
?- Será prudente levar esse arsenal, "my boy", pode vir a precisar dele dentro em pouco.
O rapaz apressou-se a obedecer ao seu libertador, e em poucos instantes passou o cinto de armas do bandido em redor da cintura.
Como conseguiu chegar até aqui? perguntou ele, mal podendo conter a sua alegria. Quando há pouco ouvi estes bandidos, julguei-o morto...
Um leve sorriso iluminou a rude expressão do "ranger".
?- Meu Deus, parece-me que para morto me mexo bastante bem! Não posso negar uma certa habilidade a esta gente, mas acho que deviam saber que não se pode vender a pele do urso enquanto ele está vivo. Deviam ter tomado a precaução de se assegurarem se eu estava realmente morto! Essa estúpida negligência vai perdê-los!
Catamount contou então ao companheiro as aventuras por que tinha passado...
- Compreendo agora por que razão o major Morley o considera o seu melhor auxiliar, Mr. Catamount! disse
Nick Maubart quando o "ranger" acabou a sua narrativa. Foi simplesmente maravilhoso o que fez.
- Não podemos perder tempo, interrompeu bruscamente o "ranger". Se cheguei aqui, só o devemos agradecer a Deus. Consegui livrá-lo, mas não se esqueça de que ainda
nos resta muito trabalho para atingir o fim que nos propusemos alcançar. Hobart e os seus acólitos ainda estão em liberdade, e ignoramos o nome do famoso fantasma.
Temos de descobrir a chave do mistério; no entanto, não lhe escondo que a tarefa será dura... Haverá muitas dificuldades a vencer!
-? Como já disse, Mr. Catamount, a morte não me assusta, e estou pronto a afrontar todos os perigos para provar a Sylvia que não cometi o crime de que me acusou
o "sheriff"...
- Estou certo da sua inocência, "my boy", garantiu o "ranger"; mas, agora, também gostaria de conhecer as suas aventuras. Por que se afastou tanto da caverna sem
me avisar? Confesso que já não sabia que pensar da sua atitude! Até ao momento em que ouvi os bandidos falarem acerca dum prisioneiro que tinham feito, perguntei
a mim mesmo se você não teria abusado da minha credulidade...
- Fez mal, Mr. Catamount, garanto-lhe, disse o rapaz. Quando me separei de si, foi por ter ouvido um ruído suspeito nos arredores da caverna do Rochedo Uivador onde
estávamos abrigados. Quis ver do que se tratava. Pouca sorte! Mal tinha dado alguns passos, quando me deram uma violenta pancada na nuca....
Vendo que Catamount o acreditava, o caçador de pumas prosseguiu:
- É difícil contar-lhe o que me aconteceu em seguida. Quando voltei a mim, estava estendido nesta
caverna, vigiado por um homem. Dificilmente consegui reunir as minhas recordações. Parecia que se me abrira uma grande falha na memória. Várias vezes tentei interrogar
o meu guarda. Trabalho perdido. Recusou-se sempre a fornecer-me a mínima explicação. Só durante a noite compreendi que caíra em poder dum bando, tanto mais temível
quanto era composto por homens encarregados de assegurar o respeito pela lei e a protecção dos cidadãos do distrito de Alpine. Catamount interrompeu o rapaz:
- Sente-se com forças para me seguir? perguntou. Nick Maubart moveu afirmativamente a cabeça.
- Temos de beneficiar da surpresa que provocará na quadrilha uma intervenção da nossa parte. Dum momento para outro, os patifes podem voltar, a fim de substituir
o companheiro que deixaram a vigiá-lo. Se conseguirmos agir rapidamente, o fantasma do Rochedo Uivador e os cúmplices poderão ser desmascarados dentro de poucas
horas.
- O fantasma do Rochedo Uivador?
- Consegui surpreender uma conversa desses bandidos; sei que o seu chefe se dispõe a cometer um novo crime na próxima madrugada, sei mesmo em que local se deve realizar
a agressão. Nestas condições, não posso
hesitar um instante...
-- E os bandidos que estão no cânon neste
momento?
- Todos eles devem ser postos na mais completa
impossibilidade de socorrer o chefe! com um pouco
de sangue-frio, conseguiremos pô-los fora de combate.
A segurança que o homem dos olhos claros mostrava
ao pronunciar estas palavras espantou o caçador. No
entanto, mais do que nunca decidido a levar a bom
termo a expedição começada, não tentou interromper o "ranger".
- Suponho que conhece bem estas paragens, prosseguiu este. Afirmou-me que percorrera a serra em todos os sentidos...
- A região montanhosa que nos rodeia é-me realmente familiar, respondeu Nick Maubart, admirado.
- Já que assim é, por que não me disse que era possível entrar neste cânon a cavalo?
.- A serra é vasta, Mr. Catamount, respondeu o rapaz; os canons são muitos. Conduzi-o ao Rochedo Uivador, como me pediu, e tanto um como o outro esperávamos descobrir
uma boa pista deste lado. No entanto, há mais de nove meses que não punha os pés no cânon, limitando-me a contornar o promontório natural que nos abrigou durante
a noite passada.
- Então, que pensa da existência desta passagem secreta na extremidade do cânon? Não a conhecia?
Catamount explicou ao vizinho em que circunstâncias se tinha lançado na pista de Steve e como o vira desaparecer.
- Evidentemente que esse corredor foi aberto pela mão do homem, garantiu; notei nas paredes rochosas sinais de picaretas.
- Havia neste lugar uma fenda bastante larga, disse Nick Maubart; até lá entrei uma tarde, em perseguição dum gato selvagem que se refugiara ali. No entanto, garanto-lhe
que, nessa altura, era impossível alguém lá entrar a cavalo.
- O simpático Hobart e os seus não menos simpáticos acólitos devem ter executado o trabalho depois da sua última vinda aqui. Não é preciso ser feiticeiro para compreender
as razões que incitaram o fantasma e toda a
quadrilha a instalar-se nestas paragens. Em determinadas circunstâncias, que talvez venhamos mais tarde a conhecer, estes patifes descobriram a existência de terrenos
auríferos nesta região de difícil acesso. Desde então, não recuaram perante nenhum crime para salvaguardar o seu segredo e explorar este rico território sem risco
de concorrência. com o fim de mais facilmente afastarem os indiscretos, inventaram a lenda do fantasma do Rochedo Uivador. Os indígenas, supersticiosos em excesso,
passaram a evitar a região. Quanto aos pesquisadores que não se importaram com esta ameaça, sabemos agora o que lhes aconteceu. Norbert Dangerson, que descobrira,
talvez antes do bando, a existência do ouro, foi a última vítima e, se não andarmos depressa, mais um infeliz sucumbirá às balas destes
criminosos.
- Por mim, estou pronto, Mr, Catamount! Tenho pressa de fazer pagar bem caro a estes patifes o que eles
me ocasionaram,
- Para a frente! concluiu o "ranger". É preciso saber em primeiro lugar se os dois grupos que descobri nestas paragens estão sós neste cânon ou se teremos que contar
com outros adversários. Resolvido esse problema, resta-nos surpreender esses senhores e reduzi-los à impotência, antes que o chefe esteja de volta. Se tudo se passar
à medida dos meus desejos, proponho-me proporcionar ao fantasma uma bela surpresa...
Durante alguns instantes, os dois homens pararam à entrada da caverna, para se orientarem. O "ranger" pegava novamente no seu "Colt" e o caçador de pumas empunhava
o revólver que tirara a Bart.
Estendendo o braço, Catamount indicou ao companheiro o local em que Hobart e os companheiros
tinham acampado. No maior silêncio, continuaram o seu caminho, contornando os rochedos.
Aproximavam-se a pouco e pouco da fogueira acesa pelos bandidos, quando Nick Maubart segurou o pulso do "ranger".
?- Que há? perguntou Catamount, voltando-se bruscamente.
O rapaz indicou a extremidade do cânon.
- Vem aí gente! murmurou
O "ranger" apressou-se a estender-se no chão e a encostar a orelha ao solo. Distinguiu nitidamente o martelar regular dos cascos dum cavalo no terreno rochoso.
- Tem razão, "my boy", declarou. Aproxima-se um cavaleiro! Deve ter vindo pela passagem secreta de que lhe falei há pouco. Daqui a cinco minutos estará aqui.
-. Talvez seja o chefe... disse o caçador.
- Chefe ou não, pouco importa! Temos de o impedir de chegar ao acampamento onde os bandidos o esperam.
Os dois companheiros deram uma meia-volta rápida. Escondendo-se o melhor possível por detrás dos enormes blocos de rocha, prepararam-se para surpreender o intruso
cuja chegada ameaçava contrariar o seu plano.
Quando o avistaram, o "ranger" desenrolou rapidamente o "lasso" que trazia em redor da cintura; depois, metendo o revólver no coldre, começou a voltear a corda por
cima da cabeça.
O cavalo parara subitamente, de orelhas fitas. Dir-se-ia que pressentia o perigo... Irritado, o cavaleiro esporeou-o.
- "Adelante, amigo"! estamos a chegar e...
O homem não pôde acabar a frase. Ouviu-se um
ligeiro silvo e, antes que tivesse pressentido a presença do seu agressor, sentiu os braços apertados contra o tronco e foi puxado irresistivelmente para a frente.
Em vão procurou evitar a queda; o cavalo, assustado, deu uma upa, e o homem caiu pesadamente.
- Caramba!
Meio estonteado, o bandido tentou pedir socorro, mas não teve tempo. Nick Maubart precipitou-se sobre ele com a rapidez do raio.
Apavorado, o cavaleiro tentou lutar e escapar às mãos do seu vigoroso antagonista, mas em vão. Desejoso de se vingar, o caçador combatia como um demónio. com um
murro bem aplicado, acabou com a resistência
do prisioneiro.
- Depressa! Ajude-me a amarrá-lo, murmurou o rapaz dirigindo-se a Catamount, que não tivera tempo de intervir tão rápido para o corpo-a-corpo.
O "ranger" aproximou-se rapidamente. Em menos de três minutos, o homem, amarrado como um paio, estava na mesma situação de Bart.
- Deve demorar bastante tempo a voltar a si! declarou Catamount, que se tinha curvado sobre o desconhecido.
Um ligeiro fio de sangue escorria da boca do preso. Durante a queda, o chapéu caíra-lhe, rolando para longe. Os fracos raios do luar permitiram que se lhe visse
a cara. -? Conheço este bandido, declarou Nick Maubart. É um "greaser" que não vale a corda que o há-de enforcar. Chama-se Mendez. Não me admiraria muito se fosse
ele o chefe da quadrilha.
Catamount apressou-se a desenganar o companheiro lembrando-se, com efeito, da conversa dos bandidos.
- Este Mendez deve ser o guia desses senhores, disse. Foi ele quem anunciou a chegada do pesquisador que o famoso "boss" se dispõe a abater às primeiras horas do dia...
?- Se lhe dermos tempo para isso!
?- Já conversámos bastante, "my boy", e a vinda deste tipo atrasou-nos. Depressa! Escondamo-lo atrás dum rochedo e vamos visitar Hobart e os seus honrados amigos!
Os dois homens levantaram o corpo inanimado do mexicano, e, depois de o amordaçarem solidamente, estenderam-no num lugar onde ninguém o pudesse descobrir, dirigindo-se
silenciosamente ao acampamento.
XVIII
Uma boa caçada
Durante alguns minutos, Catamount e o companheiro prosseguiram na sua caminhada; revólver na mão, examinavam cuidadosamente os arredores, na expectativa de que os
bandidos tivessem colocado ali alguma sentinela.
Felizmente, essa hipótese não se realizou. Convencidos de que não teriam a recear nenhuma intervenção neste território inexplorado, o "deputy" e os seus três acólitos
tinham-se enrolado nos cobertores, abandonando as armas a pouca distância. Catamount podia ver, agora, as suas sombras imóveis; um ressonar compassado chegou-lhe breve aos ouvidos.
Semelhantes a espectros, o "ranger" e o caçador aproximaram-se. Nem sequer os cavalos que pastavam a pouca distância manifestaram a mais pequena agitação.
- Depressa! Apanhe-lhes os revólveres e as carabinas, murmurou Catamount ao companheiro.
O caçador meteu-se por entre os rochedos que rodeavam o acampamento. No maior silêncio, atingiu rapidamente o lugar onde os bandidos dormiam. A fogueira, quase apagada,
projectava um vago clarão sobre os vultos estendidos.
Nick Maubart deu mais alguns passos e, estendendo a mão, apanhou as armas que os quatro homens tinham a seu lado; uma a uma, foi-as passando a Catamount. Um sorriso
iluminou a cara até aí impassível do "ranger". A manobra que imaginara parecia ter resultado. A partir desse momento, o "deputy" e os seus acólitos estavam nas suas
mãos.
Então, sem mais hesitações, o "ranger", apontando o "Colt" contra os bandidos adormecidos, gritou: ?-Vamos, acordem!.
Quase simultaneamente, os quatro homens levantaram-se. com os olhos esbugalhados, fitavam estupidamente o homem dos olhos claros.
- Levantem-se e depressa! insistiu Catamount. À mínima resistência da vossa parte, abato-os como cães.
Os bandidos, julgando-se vítimas duma alucinação, tacteavam pelo chão, procurando as suas armas. Ainda mal acordados, balbuciavam palavras sem nexo.
- Então, Hobart! Não esperavas esta visita? Nem eu esperava encontrar-te neste cânon. Vieste por acaso aqui por ordem do "sheriff" de Alpine?
O "deputy" olhava em volta, procurando ainda as armas que o "ranger" e o seu companheiro tão habilmente lhe tinham subtraído enquanto ele dormia.
-? Não te canses mais, camarada, troçou o "ranger". Soubemos tomar todas as precauções. Vamos, a comédia já durou bastante. Mãos no ar!
Jack e os seus cúmplices mostravam repugnância em obedecer, Catamount insistiu.
- Mãos no ar, ou atiro!
A atitude do "ranger" era tão decidida que os bandidos, dominados, apressaram-se a obedecer.
Durante alguns instantes, Hobart e os seus homens, estupefactos, perguntavam a si próprios como é que o "ranger", que eles julgavam morto, teria conseguido chegar
ali e apanhá-los desprevenidos.
Hobart, o primeiro a dominar-se, continuando com as mãos no ar, protestou:
- Que significa esta comédia, Catamount? Nós estamos aqui por ordem do "sheriff". Ele, sabendo que você vinha fazer um reconhecimento nestas paragens, mandou-nos
aqui para o ajudar, em caso de necessidade.
Catamount não pôde reprimir uma gargalhada.
- Verifico que tens uma maneira muito especial de prestar auxílio às pessoas.
O "deputy" ainda tentou demonstrar as suas boas intenções, mas o "ranger" interrompeuo bruscamente:
- Fica sabendo, Hobart, que não me intrujas mais! Sei o que os trouxe a estas paragens; conheço a existência da exploração aurífera. Até agora, desembaraçaram-se
facilmente dos intrusos, mas, desta vez, foram muito imprudentes. Catamount é duro de roer. Já venceu bandidos de maior envergadura! Quando parti de Alpine, dei
ao vosso chefe a minha palavra de honra de que
desmascararia o miserável que tem posto esta região a saque. Pude verificar que ele dispunha de muitos cúmplices e que estes eram muito mais perigosos por se acobertarem
sob a capa do defensor da lei,
- É uma infâmia, Catamount, protestou o "deputy",
desesperado. Juro-lhe..
?- Não me interessam os teus juramentos, atalhou brutalmente o "ranger". Estou suficientemente elucidado a teu respeito: estive aqui perto, escondido, e ouvi toda
a vossa interessante conversa.
Ao escutar estas palavras, os quatro cúmplices entreolharam-se, aterrados. O "deputy" não tentou protestar mais.
.-.Vamos, não podemos deixar estes senhores, por mais tempo, numa situação tão incómoda! Vá procurar os "lassos" que devem estar nos selins, para os amarrar, disse
o "ranger" ao caçador de pumas, que, impassível,
esperava junto dele.
O rapaz apressou-se a obedecer e não tardou a trazer as cordas, começando imediatamente a amarrar o "deputy". Depois de todos estarem reduzidos à mais completa imobilidade,
o homem dos olhos claros, aproximando-se de Hobart, perguntou-lhe:
?-Quem é o vosso chefe?
O "deputy" não respondeu. O "ranger" apontou-lhe
o revólver ao peito.
?- Vamos, despacha-te. Não posso perder tempo.
- Para que queres mais esclarecimentos?Visto que estás tão bem informado, deverias saber isso. Procura,
que acharás.
Esta resposta exasperou o caçador de pumas; aproximando-se de Hobart, deitou-lhe as mãos ao pescoço:
?- Hás-de responder, maldito! Tens de nos dizer o
nome do fantasma. Ou queres agravar ainda mais a tua situação?
Nick Maubart dispunha-se a bater no miserável, mas Catamount impediu-o com um gesto:
?- Para que se irrita, Maubart? O nosso amigo quer ser discreto, que seja! Não podemos perder tempo a fazer agora um interrogatório. Daqui a alguns dias, ele poderá
receber, como recompensa da sua prudente atitude, um lindo enterro de primeira classe.
O miserável estremeceu ao ouvir esta ameaça.
Catamount, que o observava atentamente, chegou a pensar que o homem falaria, mas o preso depressa recuperou a serenidade
-Pouco me importam as suas ameaças! Os meus camaradas e eu estamos decididos a não dizer nada.
O "ranger" e o caçador compreenderam que era inútil insistir.
-- Talvez venham a mudar de opinião, disse calmamente Catamount. Vamos embora por um momento; entretanto, Maubart vai deixá-los na impossibilidade de pedir socorro
aos vossos cúmplices que estão na galeria.
O rapaz amordaçou-os com os seus próprios lenços. Tomada esta precaução, Catamount, voltando-se para o companheiro, disse:
- Agora, vamos aos outros, Maubart! Estou desejoso de pôr toda a quadrilha fora de combate. Poderemos depois receber o chefe com todas as honras que lhe são devidas.
- Até logo, "my boys"! Espero que se divirtam, gracejou o caçador.
?- Chiu! interrompeu o "ranger". Nem mais uma palavra! Não vale a pena chamar a atenção dos outros, que ainda não prendemos.
Seguido de Nick Maubart, Catamount entrou de novo no canon, procurando reconhecer o caminho que tinha percorrido pouco antes, atrás de Skipping Jeff.
Em breve localizou a galeria; o luar iluminava-lhe a entrada, que se via, agora, a pouca distância.
Catamount parou e, voltando-se para o caçador, disse baixinho:
- É ali!
Pé ante pé, os dois homens aventuraram-se na vizinhança da exploração. Ambos empunhavam os revólveres, receando que o trio que habitualmente ocupava a galeria ali
estivesse instalado para passar a noite.
com efeito, olhando atentamente, puderam ver, junto do riacho, três sombras estendidas. Sam, ,Den e Gomez descansavam, depois dum -dia de trabalho, sem pensarem
no perigo que os ameaçava. Não haviam tomado qualquer precaução contra um ataque, que achavam impossível, tendo deixado armas e ferramentas a uma certa distância.
O "ranger" e Mau-bart depressa chegaram junto deles.
-? Mãos no ar!
Gomez, que foi o primeiro a acordar, olhou espavorido para o homem dos olhos claros, que se erguia na sua frente.
- "Por Ia muerte"! resmungou o bandido, esfregando os olhos. Que temos? Que brincadeira é essa!
-? Não tenho disposição para brincar, respondeu Catamount, calmamente. Dei-te uma ordem, a ti e aos teus companheiros, e vocês obedecem se querem salvar a vida!
Em nome da lei estão presos!
Den e Sam levantaram-se por sua vez, não compreendendo
o que significava a presença destes desconhecidos que os ameaçavam com as suas armas.
- A lei? balbuciou o mexicano, que era de lenta compreensão. Que significa...
?-Significa simplesmente, "amigo", que se acabou a brincadeira! Os vossos cúmplices estão em nosso poder. O cânon está cercado pelas nossas forças. Só lhes resta
renderem-se.
O trio apressou-se a protestar.
-; Somos uns pacíficos pesquisadores, está com certeza enganado, disse Sam.
- O "sheriff" Nat Riky conhece-nos e pode, certamente, testemunhar a nossa boa fé, acrescentou Den.
-Nat Riley nada tem que ver com este assunto... Agora é bem um "ranger" do Texas que vocês têm de se haver. Já os conheço! Têm de prestar contas à Justiça.
Os bandidos deixaram-se prender sem a mínima resistência,
- Desta vez, penso que a quadrilha está completa! Resta-nos apanhar o chefe e Skipping Jeff, que deve saber muito sobre a actividade destes senhores...
Catamount tentou interrogar os prisioneiros, mas estes recusaram-se a dar-lhe qualquer esclarecimento.
- Não vale a pena perder tempo com palavras inúteis, disse o "ranger". Estes tipos são discretos. É talvez a sua única qualidade. Tratemos de completar a nossa caçada
apanhando o cabecilha desta organização clandestina. Coragem, "my boy"! Estamos quase no fim! Começo a pensar que o nosso esforço não foi em vão.
Catamount e o seu companheiro calaram-se por momentos. Estavam esgotados pelo esforço despendido; com as mãos em sangue, os fatos rasgados, cobertos de poeira, precisavam
urgentemente de descanso.
No entanto, Catamount depressa dominou o cansaço que lhe invadia os membros. Nele, a vontade de
acabar com a quadrilha sobrepunha-se a tudo. Ajoelhando perto do riacho, lavou a cara, sentindo um curto
alívio no contacto com a água fria. Parecia-lhe que
recuperava novas forças.
?- Se quer descansar Mr. Catamount, disse Mau-
bart, eu fico de sentinela...
-- Dormiremos amanhã, quando este assunto estiver resolvido e o misterioso chefe em nosso poder. Por agora, não podemos pensar nisso. Temos oito prisioneiros a vigiar.
Se algum deles conseguisse fugir, o resultado da nossa empresa ficaria irremediavelmente
perdido...
-Mas, os seus ferimentos?
- Sossegue, rapaz, são simples arranhões; apenas tenho uma ligeira dor de cabeça. Não nos demoremos mais aqui. Só temos duas horas à nossa frente. Precisamos de
reunir os prisioneiros nesta galeria, pois só aqui estarão a seguro. Depois, irei ao Rochedo Uivador prender o chefe da quadrilha, que ali se deve esconder. Espero
chegar a tempo de o impedir de fazer uma nova vítima. ?- Eu acompanho-o...
- com grande pena minha, vejo-me obrigado a recusar a sua ajuda... É absolutamente indispensável que fique aqui com os prisioneiros.
-. Seja! Farei o que me manda, respondeu Nick Maubart... Acima de tudo, temos de alcançar o nosso fim... Confesso que os resultados que obteve em tão poucas horas
me espantam. Ainda há pouco eu estava nas mãos destes bandidos, julgando-o morto. É à sua enérgica intervenção que se deve a completa mudança
da situação.
Os dois homens, interrompendo a conversa, ocuparam-se na transferência dos prisioneiros; uns a seguir aos outros, Hobart e os acólitos, Mendez e Bart, foram conduzidos
até à mina, onde o "ranger" e o caçador os fecharam,
Então, Catamount, deixando Maubart de guarda à quadrilha, dirigiu-se ao Rochedo Uivador.
O "ranger" esperava, finalmente, desmascarar o chefe da criminosa organização que há tanto tempo aterrorizava a região da serra Santiago.
XIX
Desmascarado
Catamount afastou-se em passo decidido... O céu começava a clarear no horizonte; os cumes escalvados das montanhas saíam pouco a pouco da névoa. Antes de meia hora,
o sol levantar-se-a, incendiando a região com os seus primeiros raios. À frescura da noite sucedia uma temperatura mais sufocante.
Sem se inquietar com os obstáculos que o terreno lhe opunha, o "ranger" escalou os rochedos que se dirigiam ao Rochedo Uivador.
Várias vezes o homem dos olhos claros esteve a ponto de perder o equilíbrio e de rolar pela descida, mas a sua vontade de ferro venceu todas as dificuldades. Mais
decidido do que nunca a desmascarar o famoso fantasma que devia estar a ponto de aparecer, avançava rapidamente.
Por fim, os esforços do "ranger" obtiveram a sua recompensa. Catamount atingiu a caverna do Rochedo Uivador. Depois de parar alguns instantes, para tomar fôlego,
contornou a enorme massa granítica. Depois, esgotado, estendeu-se a descansar.
Toda a região de Alpine, com o seu impressionante deserto de lava, se estendia agora a seus olhos. O astro do dia aparecia enfim, e as últimas estrelas apagavam-se
no céu.
O homem dos olhos claros não se demorou, no entanto, a apreciar a grandiosa paisagem, O seu olhar dirigia-se insistentemente na direcção do caminho que passava abaixo
do sítio em que se encontrava. Reconheceu facilmente o sítio onde descobrira o cadáver do infeliz Norbert Dangerson. Era ali que o fantasma devia voltar a surgir
para abater o pesquisador cuja partida fora anunciada pelo seu cúmplice
Contudo, por mais que Catamount inspeccionasse os arredores, não viu a mínima sombra no terreno escolhido pelo chefe dos bandidos para preparar a sua nova armadilha-
O "ranger" franziu o sobrolho.
- Deus queira que aquele maldito não desconfie de nada, resmungou. Se, por acaso, visitou o cânon antes de se aventurar ao encontro da vítima, terá muitas possibilidades
de nos escapar. Não poderá deixar de estranhar a ausência dos seus acólitos... e talvez até surpreenda Maubart.
Afastando as suas preocupações, Catamount decidiu-se a descer dos rochedos. Parou várias vezes durante a descida para ver se alguém aparecia na vizinhança; a pista
continuava deserta.
O "ranger" teve de esperar ainda uma meia hora
antes de ouvir qualquer ruído. Cada vez mais inquieto, perguntava a si próprio se o bandido não teria suspeitado da sua presença naquelas paragens, quando, de repente,
se imobilizou, à escuta. Parecera-lhe ouvir o martelar de cascos dum cavalo.
Estendendo-se no chão, esperou. Sem dúvida nenhuma, aproximava-se um cavaleiro...
- O homem vem de Alpine, pensou Catamount. Apostaria em como se trata do nosso fantasma...
Levantando-se cautelosamente, o "ranger" olhou em direcção da aglomeração. Breve, viu uma sombra que se destacava no terreno acinzentado, a perto de trezentos passos
do seu esconderijo. Ignorando a presença do homem dos olhos claros, o cavaleiro fizera a sua montada parar; depois, saltando em terra, procurou qualquer coisa nos
alforjes da sela.
O homem estava ainda muito afastado para que Catamount lhe pudesse distinguir as feições; contudo, o "ranger" notou que este retirava da sela uma espécie de capa
branca com que se cobriu rapidamente lançando um olhar inquieto em sua volta; depois, certamente satisfeito com o exame, escondeu o rosto com um lenço preto onde
se abriam dois orifícios para os olhos.
.- "By Jove"! Aqui está o fantasma do Rochedo Uivador em carne e osso, pensou o "ranger". Daria alguma coisa para o ver de mais perto... Mas o patife não perde pela
demora. Reservo-lhe uma pequena surpreisa!
Do seu esconderijo, Catamount podia facilmente observar os movimentos do homem. Viu-o conduzir o cavalo pela arreata e prendê-lo perto do sítio em que o "ranger"
se escondia. Deixando então o animal, o homem examinou atentamente o caminho; pegando
depois num revólver, foi esconder-se atrás duma rocha
de grandes dimensões.
Imóvel, Catamount continuava a esperar; por várias
vezes se voltou procurando avistar o pesquisador que
o bandido se preparava para assassinar. O caminho, no
entanto, continuava deserto.
O mascarado mostrava-se nervoso. Saía por vezes
do abrigo, inspeccionando ansiosamente o horizonte.
Continuava unicamente a ver o terreno acidentado que se estendia a perder de vista.
O "ranger" decidiu-se enfim a passar à acção;
notando que o seu vizinho continuava sem desconfiar da sua presença aventurou-se a sair do esconderijo; depois, dissimulando-se cuidadosamente, dispôs-se a surpreender
o bandido pelas costas.
Durante cerca de dez minutos, o "ranger" avançou assim, parando frequentemente para vigiaro esconderijo
do fantasma.
De revólver em punho, este esperava, lançando frequentes olhares ao seu relógio de pulso.
- Ora esta! Ter-se-á o maldito Mendez enganado? resmungou. Não estou habituado a perder assim o
meu tempo.
- Sossegue, prezado senhor, não terá muito que
esperar! Chegou o momento de tirar a máscara!
O criminoso estremeceu ao ouvir aquela voz rude perto de si. Quis-se voltar para se defender, mas o "ranger" não lhe deu tempo para isso. O seu braço estendeu-se
com a velocidade do raio.
-- Um só movimento, respeitável fantasma, e carrego
no gatilho!
O bandido sentiu o cano do "Colt" apoiar-se-lhe nas
costas, de modo que, vendo o perigo que corria, resignou-se a ficar imóvel.
- Agora, atira fora o teu revólver! ordenou Catamount.
O criminoso obedeceu a custo; o "ranger" aproximou-se então, e sem deixar de visar o seu adversário, apressou-se a tirar-lhe o cinto de armas com a mão que tinha livre...
Uma vez tomada esta precaução indispensável, Catamount acrescentou:
- Agora, vira-te e levanta os braços.
O tom imperativo do "ranger" não admitia réplicas, de modo que o bandido executou as suas ordens sem resistência. Catamount pôde então notar que no anelar do companheiro
faltavam duas falanges. Um sorriso triunfante iluminou-lhe o rosto.
- Não vale a pena continuar a mascarada, "sheriff". Já sei que o estimável Nat Riley e o criminoso que punha esta região a saque são uma e a mesma pessoa!
com um grito de raiva o velhaco quis precipitar-se sobre o seu antagonista mas este apoiou-lhe o "Colt" no peito.
- Está muito nervoso! É preciso mais calma, agora que está nas minhas mãos. Ao mínimo gesto de resistência da sua parte, abato-o como a um cão.
A calma do "ranger" contrastava com o desnorteamento do prisioneiro. E Catamount continuou, mais calmo do que nunca:
- Na verdade, "sheriff", julgava poder, com a sua quadrilha, fazer o ninho atrás da orelha de Catamount! Erro profundo! Já ontem à noite soube que o seu cúmplice
Hobart fazia causa comum com os bandidos que ocupam o cânon. E pensei que ou você era o mais deplorável
dos defensores da ordem ou o chefe de toda esta organização de malfeitores. Não me tinha enganado! O major
Morley teve razão em me mandar a esta região para o vigiar e a toda a sua quadrilha. Também ele já desconfiava de si.
Enquanto dizia as últimas palavras, Catamount arrancou o lenço negro que escondia as faces do seu vizinho. O rosto do "sheriff" de Alpine apareceu então,
lívido, contraído pela raiva,
A rapidez com que Catamount interviera, deixara o miserável petrificado; agora, acalmava-se pouco a pouco, lançando em volta olhares de fera enjaulada.
- Espera a ajuda de algum dos seus acólitos, "sheriff"? prosseguiu o "ranger". Mais uma vez me vejo obrigado a desenganá-lo... Os seus homens esperam-no do outro
lado do Rochedo Uivador, mas não lhe podem valer de muito. Deixei-os sob a vigilância do seu excelente amigo Nick Maubart.
Os olhos de Nat Riley tiveram um lampejo de ódio... Cerrando os punhos, quis ameaçar o "ranger", mas depressa compreendeu a inutilidade das suas tentativas. O seu
inimigo tinha-o na mão.
?- Dá cá os teus pulsos, ordenou Catamount; trouxe umas pulseiras que te ficarão a matar!
O representante da autoridade deu um salto. Quis recuar, mas o "Colt" do "ranger" obrigou-o de novo a obedecer. Baixando raivosamente a cabeça, deixou-se
algemar.
Durante algum tempo, os dois homens ficaram assim um perto do outro, calados. Catamount sentia-se esgotado pelo esforço que tivera de despender desde que saíra de
Alpine; todavia, a sua expressão exprimia a alegria do triunfo. Resolvera, finalmente, o mistério do
Rochedo Uivador e prendera os miseráveis que, para ciosamente guardarem o segredo do ouro, não tinham hesitado, ante os maiores crimes.
Contudo, o "ranger" não se demorou muito tempo. Tinha pressa de anunciar a sua vitória a Nick Maubart. Preso exactamente na altura em que se dispunha a fazer uma
nova vítima, Nat Riley já não podia negar. A inocência do caçador de pumas estava provada...
Estendendo o braço, Catamount indicou ao prisioneiro as vertentes escarpadas da serra, onde dominava a massa gigantesca: do Rochedo Uivador.
- Vamos, "sheriff", para cima! ordenou.
O interpelado quis protestar, mas Catamount obrigou-o a avançar. Nat Riley teve que começar a escalada.
Depois de meia hora de difícil ascensão, atingiram a plataforma; o "ranger" teve de ameaçar várias vezes o seu prisioneiro para o obrigar a subir... com a cara encharcada
em suor, o miserável deixou-se cair numa pedra. Catamount, que lhe tirara o "stetson" para se cobrir dos raios do sol, parou, esforçando-se por dominar o cansaço
que o dominava.
O "ranger" imobilizou-se então perto do prisioneiro, mas, subitamente, agitou-se. Ao longe, no deserto de lava, acabava de aparecer um ponto negro que se deslocava
ao longo da pista. "
Pondo a mão sobre os olhos, o homem dos olhos claros em breve notou que se tratava dum viajante que parecia vir da serra e se dirigia a Alpine.
- "By Jove", amigo Riley! Eis o homem que esperava! exclamou o "ranger" dando uma palmada no ombro do vizinho.
A máscara do "sheriff" contraiu-se. O patife sentia-se
neste momento incapaz de dominar a raiva que sentia. Tratava-se realmente do pesquisador de que Mendez tinha assinalado a passagem. O homem, sem suspeitar do perigo
que tinha corrido, caminhava dificilmente entre os rochedos. Alguns passos atrás, vinha um burro pesadamente carregado.
O viajante solitário nem pensou em levantar a cabeça. Não viu, pois, os dois homens estendidos ao sol no cimo do Rochedo Uivador... De tempos a tempos, voltava-se,
encorajando o seu companheiro de quatro patas; as mãos calejadas acariciavam dois sacos cheios a abarrotar das pepitas que recolhera no decurso da sua longa estadia
nas montanhas. Fadigas, privações, sofrimentos de todas as espécies, tudo esquecia neste momento, para só pensar num futuro cheio de promessas de felicidade. Trazia
consigo a fortuna. Alpine, cujas casas distinguia ao longe, parecia-lhe a terra prometida. com o fato sujo, roto e coberto de poeira, prosseguia o seu caminho, seguido
pelo burrico, que avançava com um passo
maquinal.
Vendo o pesquisador passar exactamente no sítio onde tinha abatido algumas das suas vítimas, o "sheriff" cerrou nervosamente os punhos. O seu segredo seria agora
conhecido por todos os habitantes do distrito. A novidade da existência de ouro naquela parte da montanha espalhar-se-ia rapidamente; o velho Nathaniel Gaudias e
os pioneiros que tinham pago com a vida o seu ardente desejo de descobrir os preciosos jazigos não o haviam enganado; a serra Santiago encerrava numerosos tesouros,
Os lábios de Nat Riley torceram-se numa expressão amarga; contraindo os músculos, tentou rebentar as algemas, mas as pulseiras de aço eram-sólidas. Incapaz
de conter por mais tempo a sua raiva, dirigiu os piores insultos ao seu vencedor.
Catamount encolheu tranquilamente os ombros. Então, vendo que o "ranger" se ria das suas ameaças, o prisioneiro estendeu as mãos amarradas e, indicando o homem que
se afastava lentamente, disse:
- Seja razoável, Mr. Catamount! O senhor nem sempre esteve ao serviço da lei! Talvez possamos arranjar outra solução... Que me diria se lhe oferecesse uma sociedade
para explorar estes jazigos? O senhor foi em tempos um "outlaw"... Espero que nos possamos entender... Dividiremos as pepitas que descobrirmos... Não seria melhor
isso que a sua vida à caça de criminosos?
O "ranger" mantinha-se num silêncio desdenhoso que não desencorajou o prisioneiro:
?- Se deixar aquele homem partir, Catamount, insistiu, produzir-se-á um "rush" inevitável na região! Pesquisadores de ouro vindos de todos os Estados da" União precipitar-se-ão
para aqui! Cada um quererá uma concessão na serra Santiago. Creia, ainda estamos a tempo de abater aquele tipo, antes que se torne perigoso. Se se calar e aceitar
a minha amizade, a lenda do fantasma do Rochedo Uivador subsistirá. Esse ser sobrenatural será o único responsável pelo desaparecimento de todos os pesquisadores...
Sem se deixar desencorajar pelo silêncio do interlocutor, o bandido esforçava-se incansavelmente por convencê-lo:
?- Se aceitar, o meu lugar de "sheriff" proteger-nos-á e permitir-nos-á continuar impunemente a nossa exploração até ao momento em que, ricos, possamos passar para
o outro lado da fronteira. Ali, ninguém se
lembrará de nos pedir contas. Quanto a Maubart, se
quer garantir-se com o seu silêncio, diga-lhe que já não
pretendo a mão de "miss" Dangerson. Deixo-lhe o
caminho livre e saberei encontrar um motivo suficiente
para provar a sua inocência. E dou-lhe a minha palavra
de que ninguém o inquietará mais.
A voz do representante da autoridade fazia-se suplicante; esperava ainda acordar a cupidez do "ranger", mas Catamount desenganou-o bem depressa:
- Para que se cansa, "sheriff"? As suas promessas não conseguirão afastar-me do caminho do dever. Prometi ao meu chefe desmascarar o fantasma do Rochedo Uivador,
pouco me interessa o resto. Conseguiu a ajuda daqueles que tinham por missão proteger a população de Àlpine. O isco do ouro arrastou-os para a senda do crime. Pela
minha parte, sinto-me mais do que nunca decidido a cumprir a minha missão até ao fim e a fazer-lhe pagar a pesada dívida que tem para com a Sociedade e a Justiça.
O tom do "ranger" era tão categórico neste momento que o prisioneiro se calou. Acabara de jogar a sua última cartada e perdera... Ainda, no entanto, tentou mais
uma vez convencer o seu vizinho:
-? Não tenho tempo para ouvir os seus discursos, "sheriff", interrompeu Catamount. Explique-se depois
perante os juizes!
O prisioneiro encolheu lentamente os ombros; já não tinha ilusões quanto à sorte que lhe estava reservada...
- Vamos, em pé! Já discutimos bastante!
Estão à nossa espera.
com um encontrão, o homem dos olhos claros obrigou o seu prisioneiro a levantar-se; depois, empurrando-o à
sua frente e mantendo-o sob a ameaça do revólver, retomou o caminho do cânon.
Antes de se afastar, o "sheriff" voltou-se mais uma vez para ver desaparecer o pesquisador que já não passava dum minúsculo ponto negro seguindo lentamente para
Alpine. De agora em diante, todos os seus planos se desfaziam. Perdera a partida!
XX
Ajuste de contas
- O velho tom descobriu um filão!
- Há ouro na serra Santiago!
- Se vocês vissem as pepitas que ele traz! Algumas são maiores que ovos!
A espantosa novidade passava de boca em boca. No General Store, antes de o pesquisador chegar, Mrs. Dangerson e Sylvia tinham sentido dificuldade em atender .todos
os clientes, que se acotovelavam, discutindo junto ao balcão, onde se acumulavam mercadorias das mais variadas espécies; agora, estavam sós, enquanto a multidão
se precipitava para o "Snowball", onde se encontrava o velho tom com o seu tesouro.
As duas mulheres recusaram-se a aumentar a multidão de curiosos que desfilava pelo "saloon"... Odiavam aquele ouro maldito que fora a causa da morte dum ente querido!
Quando ouviram a notícia que os vizinhos acabavam de anunciar, não puderam reprimir um estremecimento. Sem esse ouro maldito ainda teriam junto de si
o marido e pai, que alguém tão barbaramente abatera quando voltava para os seus. Fora ainda na véspera que, vestidas de preto, mãe e filha tinham acompanhado o corpo
da vítima à sua última morada, no pequeno cemitério onde tantos pioneiros dormiam o seu último sono. Oh! Aquele cortejo! Como parecia triste a Sylvia! Teria desejado,
ao menos, que Nick Maubart a acompanhasse naquela angustiosa situação!
A pobre rapariga não podia esquecer os trágicos acontecimentos desenrolados. Quanto mais pensava no assunto, mais convencida ficava de que Nick Maubart não cometera
o horrível crime de que era acusado. Duas vezes, durante a cerimónia fúnebre, Nat Riley viera afirmar-lhe a sua profunda dedicação, mais as suas palavras açucaradas
não tinham chegado para a reconfortar.
Sylvia notara o ar de satisfação disfarçada do
"sheriff" e a forma como ele procurava prejudicar o seu
rival; por isso, pedia a Deus que o rapaz, com a preciosa
ajuda de Catamount, conseguisse provar a sua inocência.
Quando o último cliente abandonou o armazém, as
duas mulheres sentaram-se, pensativas, insensíveis ao
ruído que vinha da rua. Pela porta entreaberta viam a
multidão que se aglomerava à porta do estabelecimento
de Bill Whiskers.
A notícia da descoberta dum jazigo aurífero na serra vizinha havia arrancado subitamente a pequena vila à sua letargia; sem procurarem proteger-se contra os raios
dum sol ardente, "cowpunchers", "gamblers", "greasers", acotovelavam-se, procurando entrar no "Snowball".
O "sheriff" e os seus "deputies" estavam ausentes. A populaça tomara de assalto a sala e aglomerava-se em redor da mesa em que se instalara o feliz pesquisador.
Às perguntas choviam; a febre do ouro apossara-se de toda aquela gente, que gesticulava sem cessar, esforçando-se por obter indicações preciosas da boca do velho tom.
O pesquisador, continuamente assaltado, exibia triunfalmente algumas das pepitas que descobrira. Mãos ávidas estendiam-se para ele. Os olhos luziam de cupidez; ainda
esgotado pela marcha que acabara de fazer, o velho tom dificilmente respondia a todas as perguntas que lhe faziam.
Durante as horas que se seguiram, o burburinho não esmoreceu. Bill Whiskers tinha dificuldade em satisfazer todos os pedidos dos seus clientes, que nunca, até ali,
haviam sido tão numerosos. O acontecimento há tantos anos esperado acabara de se produzir: a serra desvendara, enfim, o seu segredo". A morte poupara o pesquisador,
que, mais feliz do que os meus antecessores, descobrira a existência dum jazigo de importância considerável.
No entanto, aquele dia ainda reservava uma surpresa para os habitantes de Alpine. O sol acabava de desaparecer no horizonte quando um estranho cortejo surgiu à entrada
da rua principal.
Abandonando o "Sncwball", a multidão precipitou-se para a rua. Exclamações de surpresa soavam de todos os lados,
-O "ranger"! O "ranger"! Voltou com o "sheriff"!
Era realmente Catamount quem aparecia, cavalgando à frente dum grupo, cujo aspecto intrigou os curiosos; seguindo o ajudante do major Morley, avançava uma dezena
de cavaleiros em fila indiana. De algemas nos pulsos, Nat Riley aparecia, seguido dos seus cúmplices,
igualmente manietados. Impassível, com a espingarda na mão, o caçador de pumas fechava o grupo,
O representante da autoridade e os seus acólitos avançavam, cabisbaixos. Nem sequer se lembraram de chamar em seu socorro a populaça, amotinando-a contra o seu captor.
A intervenção do "ranger" dera-se com tal velocidade que a quadrilha ainda tinha dificuldade em se convencer da realidade.
Da multidão partia um sussurro de espanto; a atitude do "sheriff" e da sua gente desconcertava os habitantes de Alpine. Alguns "cowpunchers" interrogaram Catamount,
mas este não respondeu; prosseguindo no seu caminho, levou os seus prisioneiros até à casa ocupada pelo "sheriff". Chegado ali, saltou em terra, e, depois, com a
ajuda de Nick Maubart, ocupou-se em introduzir os bandidos na habitação.
As perguntas sucediam-se, cada vez mais numerosas; em vista disso, o homem dos olhos claros, não desejando criar complicações, apressou-se em pôr a multidão ao corrente
da identidade do fantasma do Rochedo Uivador. As declarações do "ranger" provocaram, como é de calcular, uma enorme sensação entre a multidão que rodeava a habitação
de Nat Riley. Esquecendo a descoberta do pesquisador, pediam mais pormenores. Gritos de morte começaram a partir dos grupos exaltados; os dois homens dificilmente
continham a população exasperada, que a todo o preço queria aplicar aos malandrins
a lei de Lynch.
Uma dezena de "cow-boys" apressou-se a correr em auxílio do "ranger", de modo que o "sheriff" e os seus cúmplices puderam finalmente ser postos em lugar
seguro;
Como a efervescência se tornasse cada vez maior,
no princípio da noite, receando desordens, Catamount arranjou um grupo de vigilância, destinado a assegurar o respeito da lei. A prisão imprevista de Nat Riley e
dos seus "deputies" deixava Alpine à mercê de alguns grupos de energúmenos que poderiam a todo o momento tentar aproveitar-se da situação para alterar a ordem.
Felizmente, nada disso aconteceu: o sangue-frio de Catamount e a disciplina dos seus novos auxiliares tornaram possível acalmar a população pouco a pouco, sem qualquer
incidente.
Apesar da fadiga que sentia, o homem dos olhos claros não quis deixar de proceder ao interrogatório dos prisioneiros.
O "sheriff" e Hobart, lívidos, conservaram-se num mutismo feroz, recusando-se a responder a qualquer pergunta.
Não aconteceu o mesmo com Skipping Jeff. O homenzinho, que se encontrava no "Snowball" quando do regresso de Catamount, fora preso pelo próprio "ranger", passado
pouco tempo.
O vagabundo do deserto, tendo prestado as honras devidas ao "whisky" de Bill Whiskers, não se deixava intimidar pelas ameaças dos cúmplices, de modo que respondia
docilmente a todas as perguntas que o "ranger" lhe fazia.
Catamount e os seus vizinhos puderam, então, medir a importância da criminosa organização que, durante longos meses, fizera reinar o terror no distrito de Alpine.
O "ranger", de resto, notara, antes de sair do cânon, as precauções tomadas pela quadrilha; várias galerias tinham sido abertas na montanha, e o resultado das buscas
revelou-se importante; continuando as
investigações na caverna donde tinha livrado o caçador de pumas, Catamount apanhara alguns sacos cheios de pepitas; este verdadeiro tesouro fora amealhado por Nat
Riley e pelos seus acólitos, não só na mina, como também nos ataques aos pesquisadores que haviam cometido a imprudência de se aventurar no seu habitual campo de
acção. Todos os infelizes a quem a lenda do fantasma do Rochedo Uivador não assustara, tinham sido massacrados sem dó nem piedade e despojados das suas preciosas
colheitas
Graças aos pormenorizados esclarecimentos fornecidos por Skipping Jeff, o "ranger" pôde igualmente reconstituir o assassínio de Norbert Dangerson. Avisado por Mendez
da partida do pai de Sylvia o "sheriff" fora emboscar-se perto do caminho que o pesquisador devia tomar para regressar a Alpine. Conseguiu rapidamente desembaraçar-se
dele, antes mesmo que o infeliz notasse a sua presença.
Depois de cometido o crime, o representante da autoridade apressara-se a voltar a Alpine, deixando Skipping Jeff perto do Rochedo Uivador para vigiar os arredores
e preveni-lo ao primeiro alerta.
O homenzinho, fingindo viajar com o seu burro, havia, então, encontrado Catamount. Dominando o medo que lhe provocara a chegada dum cavaleiro que dizia pertencer
à temida organização dos "rangers", o pesquisador procurara induzi-lo em erro, e dissimular a recente passagem de Nat Riley pelo local do crime; simulando o terror
e contando-lhe os feitos do misterioso fantasma, tinha, em seguida, decidido voltar a Alpine com o "ranger" para avisar os seus acólitos do perigo que os ameaçava...
O "sheriff" tentara por todos os meios afastar as
suspeitas do homem dos olhos claros. Há muito tempo que uma implacável rivalidade o afastava do caçador de pumas. Aproveitando o facto de este último ter regressado
nessa mesma tarde da serra, depois duma ausência bastante prolongada, encarregara um dos seus cúmplices de esconder nos alforjes da sela do rapaz um lenço preto
e a agenda da vítima para facilmente o inculpar. No entanto, tomara a precaução de arrancar do caderno as folhas em que o pai de Sylvia indicava o local exacto do
jazigo que descobrira, guiando-se pelas indicações que lhe fornecera Nathaniel Gaudias, também vítima da quadrilha.
Acusando Nick Maubart, o representante da autoridade esperava afastá-lo definitivamente do seu caminho e levantar entre o caçador e a filha do assassinado uma barreira
intransponível. Evidentemente, Sylvia podia ainda opor algumas objecções, mas Nat Riley estava convencido de que as duas mulheres, privadas de qualquer socorro,
seriam obrigadas a tomar em consideração o seu pedido.
Sabe-se como as esperanças do bandido foram aniquiladas graças à audácia e à habilidade de Catamount... Depois da partida do "ranger" e do caçador de pumas, o "sheriíf"
apressara-se a enviar Hobart e os seus acólitos para a serra, confiando-lhes a missão de se desembaraçarem, custasse o que custasse, dos dois homens.
Os bandidos estiveram quase a consegui-lo; primeiro, Nick Maubart, levado por um ruído suspeito, aventurara-se a sair da caverna e caíra-lhes nas mãos; pouco depois,
o "ranger", enquanto procurava o companheiro, fora violentamente agredido. Precipitado no fundo do cânon, só por milagre escapara à morte.
Dando provas, nesse momento, duma tremenda falta
de tacto, o "deputy" e os seus homens tinham voltado ao acampamento, confiando o prisioneiro à vigilância de Bart.
.Desde então, os patifes julgaram gozar da mais completa impunidade: a morte de Catamount seria atribuída ao caçador de pumas. Acusado pelo "sheriff", o infeliz
teria sido incapaz de provar a sua inocência. A descoberta do lenço e da agenda de Norbert Dangerson na sua sela tinha já indisposto a seu respeito a população de
Alpine, que não hesitaria em linchá-lo, quando ele voltasse à aglomeração.
Tendo sido, deste modo, suprimidos os seus mais perigosos adversários, Nat Riley esperava poder casar com Sylvia e explorar o jazigo do cânon com toda a segurança.
Mas os acontecimentos haviam destruído as suas esperanças.
Enquanto o interrogatório dos culpados prosseguia, a filha e a viúva do pesquisador esperavam à porta do General Store. Várias vezes Sylvia tentou entrar em casa
do "sheriff" para falar com Nick Maubart. Os "cowpunchers" que rodeavam a habitação tinham-lhe implacàvelmente interditado a entrada. Nervosa, incapaz de dormir,
apesar do tardio da hora, esperou...
A paciência da jovem foi submetida a uma rude prova; duas horas se passaram sem que soubesse o resultado do interrogatório. A rua principal de Alpine estava cheia
de gente. Comentava-se com animação os sensacionais acontecimentos que acabavam de se desenrolar. Muitos, falavam em enforcar o "sheriff" e os seus acólitos sem
mais delongas, e só a presença de guardas armados rodeando a casa de Nat Riley impedia que a multidão a assaltasse, a fim de fazer justiça por suas próprias mãos...
Finalmente, a porta da casa abriu-se e uma voz enérgica, que dominava o murmúrio da multidão, gritou:
- Para trás! Deixem-nos passar!
Catamount aparecia, abrindo caminho à cotovelada, seguido pelo caçador de pumas, que esquecia as suas recentes desgraças para só pensar na alegria de rever Sylvia.
Deixando a casa do "sheriff" fortemente vigiada, os dois homens alcançaram, não sem dificuldade, o General Store... Um grito de alegria acolheu a sua chegada. Sylvia
levantou-se bruscamente da cadeira que ocupava há algum tempo, ao reconhecer Nick Maubart!
-- Finalmente que volta, Nick! exclamou a rapariga! Tinha a certeza de que você não estava culpado!
Um sorriso adorável iluminava-lhe o rosto enquanto estendia as mãos ao caçador, que as apertava, profundamente emocionado.
Imóvel, o "ranger" assistia a esta cena comovente. Mais ainda que as aclamações que a multidão lhe dirigia de todos os lados, a felicidade que lia no rosto dos jovens
recompensava-o das fadigas por que passara e fazia-o esquecer os perigos que tinha corrido.
Sylvia regozijava-se com a volta vitoriosa do caçador, mas este voltou-se para o homem dos olhos claros:
- Não é a mim que se deve este êxito, Sylvia, mas a Mr. Catamount, que conseguiu apanhar toda a quadrilha. Graças a ele, os assassinos de seu pai .receberão o justo
castigo dos seus crimes!
A filha do pesquisador apressou-se a apertar a mão do "ranger".
- Deve julgar-me uma ingrata! disse, fixando o auxiliar do major Morley com os seus olhos dum azul
límpido. Nunca esqueceremos, Nick e eu, tudo o que
fez por nós!
- Tinha-lhe prometido descobrir a verdade, "miss" Dangerson, respondeu simplesmente Catamount. Provando a inocência do seu noivo, não fiz mais do que o
meu dever!
- Do meu noivo? balbuciou Sylvia, corando fortemente.
Catamount não pode deixar de sorrir perante a atrapalhação da jovem.
- Para que serve continuar a esperar? disse. O mistério do fantasma do Rochedo Uivàdor está esclarecido, parecem-me inúteis mais segredos! Sei quais os sentimentos
que o meu companheiro nutre a seu respeito; para a proteger não teria hesitado em dar a sua vida. Além disso, conseguiu recuperar o tesouro que seu pai descobriu...
Enquanto dizia estas palavras, o "ranger" tirou da cintura os dois sacos de pepitas, que despejou em seguida no avental da jovem.
- Maubart confiou-me, à volta para Alpine, que desejava abandonar a sua vida errante de caçador de feras, continuou Catamount. Não será ele o homem indicado para
a ajudar a dirigir o General Store? O seu armazém, certamente, aumentará com a importância que vai tomar Alpine, com o "rush" que não deixará de se produzir para
os terrenos auríferos...
O sorriso feliz que nesta altura iluminou o rosto da jovem fez compreender a Catamount que as suas sugestões seriam seguidas; então, sem se demorar mais, deixando
os jovens fazer os seus projectos para o futuro, o "ranger" afastou-se em silêncio e dirigiu-se ao lugar onde deixara a sua montada.
O alazão estava preso à barra, junto da égua preta de Nick Maubart. Reconhecendo o dono, "Mesquita" deu um relincho de alegria.
- Finalmente, tornamos a encontrar-nos! murmurou Catamount fazendo uma festa ao seu companheiro.
Durante alguns instantes, o magnífico animal pousou a cabeça no ombro do seu cavaleiro. Os seus olhos inteligentes fitavam o dono com insistência.
- Sim, meu fiel companheiro, Sei o que desejas! acrescentou Catamount. Estás desejoso de recomeçar as nossas boas cavalgadas pela pradaria. Tem paciência. Voltaremos
sem tardar a El Paso, onde contarei ao major Morley o resultado da nossa missão. Depois, veremos... mas apostaria que o futuro nos reservará novas aventuras!
Insensível aos olhares dos curiosos, o "ranger", apoiado a "Mesquita", tirou da algibeira a caixa do tabaco e enrolou tranquilamente um cigarro. Enquanto humedecia
o papel, um sorriso furtivo iluminou-lhe o rosto rude. O seu olhar de aço parara na casa dos Dangerson, onde duas mulheres, tão rudemente experimentadas pelo destino,
iam, enfim, graças a ele, conhecer a felicidade.
Albert Bonneau
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