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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CHAMAS DE UMA PAIXÃO / Yvonne Whittal
CHAMAS DE UMA PAIXÃO / Yvonne Whittal

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

O destino reuniu Júlia e Nathan mais uma vez...
Parecia impossível continuar amando-o, depois de tanto tempo, mas, ao fitar aqueles olhos intensamente azuis, soube que jamais o esquecera! Nathan, porém a odiava. Não a perdoara por ela ter fugido nas vésperas do casamento.
Júlia queria reconquistar o homem de sua vida, mas para isso precisava revelar-lhe seu segredo tão bem guardado. Ainda que corresse o risco de perder Nathan para sempre...

 

 

 

CAPÍTULO I
A sala de espera havia estado repleta durante toda a manhã de sábado. Era janeiro na África do Sul, quando o verão atingia o auge, e Transvaal era famosa pelo calor sufocante. Júlia Henderson, no entanto, conseguia manter uma imagem de profissionalismo frio e calmo. Sophie Breedt, a última paciente, já passava dos sessenta anos, com os cabelos grisalhos presos cuidadosamente para trás, à moda antiga. Quando encontrou o olhar de Júlia, fechou a revista que estivera folheando e a colocou sobre a mesinha a seu lado.
- Vendi Honeywell - disse ela, tentando parecer alegre, embora seus olhos denunciassem profunda tristeza. - George e eu não tivemos filhos e não há sentido em viver sozinha na fazenda, agora que ele morreu.
O maior problema de Júlia, como enfermeira, era sua incapacidade em se manter distante do sofrimento dos outros, e os olhos cinzentos tornaram-se sombrios à medida que entristecia com a dor daquela mulher.
Para onde você vai? - perguntou àquela que era conhecida por todos em Doornfield como tia Sophie.
Minha irmã também está viúva e me convidou para ficar com ela em Potgietersus por uns tempos. - Havia mostras de angústia no gesto vago das mãos. - Se eu gostar de lá, talvez, mais tarde, compre uma pequena casa.
Vendeu a fazenda para alguém das redondezas? - perguntou Júlia, enquanto fechava o livro de consultas para arrumar sua mesa.
Não, vendi para um médico de Joanesburgo que me fez a melhor oferta. - Tia Sophie franziu o cenho, num gesto que lhe era característico. - Não conheço o homem, mas seu advogado disse que seu nome é Nathan Corbett.
Nathan Corbett! Júlia sentiu-se como que atingida por um furacão, e o sangue fugiu de seu rosto. Não poderia haver mais de um Nathan Corbett na área médica, e a simples menção daquele nome evocava lembranças ainda muito dolorosas. Pensara que nunca mais se encontrariam, entretanto, por alguma razão obscura, o destino o estava trazendo para Doornfield.
- Você está pálida - Sophie disse, como se tivesse notado a reação de Júlia. - Está se sentindo bem?
Júlia deu um longo e profundo suspiro e fez um grande esforço para se controlar.
Estou bem.
É esse calor infernal - concluiu tia Sophie. - Levei anos para me acostumar.
Naquele momento uma jovem paciente saiu da sala de consultas, o que deu a Júlia tempo para se recompor completamente.
- Pode entrar agora, tia Sophie - ela anunciou, os sentimentos escondidos cuidadosamente por detrás de uma expressão tranqüila, enquanto a ajudava a se levantar.
As têmporas de Júlia latejavam quando a porta do consultório se fechou atrás da figura simpática de Sophie Breedt. Tentou esquecer o que ouvira sobre Nathan e se concentrar no trabalho que tinha pela frente, mas foi impossível.
Até aquele momento, sentia-se segura e tranqüila vivendo ali, em seu chalé nos limites da cidade. Mas agora tudo mudara. Como poderia estar segura com Nathan Corbett comprando uma fazenda no distrito?
Roland de Necker, grisalho, próximo dos cinqüenta anos, saiu da sala de consultas meia hora depois, e Sophie Breedt segurava seu braço como que relutante em deixar o homem que havia sido seu médico e amigo por tantos anos. Ela disse um pesaroso "adeus" e Júlia sentiu um aperto no coração, quando seguiu o velho médico até a sala, onde ele se deixou cair sobre uma poltrona de couro.
- Que manhã - disse ele, suspirando e retirando os óculos com aros de ouro para limpá-los, enquanto indicava a Júlia uma poltrona à frente. - Imagino que já saiba que Sophie vendeu a fazenda.
Júlia baixou os olhos para as próprias mãos sobre o colo.
- Não há nenhum motivo para acreditar que o homem que comprou Honeywell é o mesmo Nathan Corbett que você conheceu.
Os cantos da boca delicada se curvaram em um sorriso melancólico.
Não pode haver mais de um Nathan Corbett na área médica.
Imagino que não - lamentou Roland de Necker, tamborilando os dedos no apoio da poltrona. - Você não vai fazer nenhuma tolice, não é?
- A razão que me fez fugir uma vez não existe mais.
Os olhos cinzentos de Júlia tornaram-se sombrios com as lembranças que ainda a magoavam, e Roland se levantou para passar um braço protetor por sobre os ombros dela.
- Admiro você por abdicar de sua felicidade às vésperas do casamento, mas não há necessidade de tornar esse sacrifício longo demais - avisou ele, os dedos pressionando os ombros de Júlia. - Está comigo há três anos, e durante todo esse tempo nunca permitiu que outro homem se aproximasse. Trancou os sentimentos com tanto cuidado que, quando decidir abrir as portas de seu coração, poderá não encontrar nada que valha a pena para oferecer a alguém.
Júlia sentiu um aperto na garganta e colocou sua mão por uns instantes sobre a do velho médico. Roland e a mulher eram bons amigos e ela apreciava aquela preocupação.
Não era totalmente verdade o que ele dissera sobre nunca ter deixado que outro homem se aproximasse. Havia Warren Chandler, cuja amizade significava muito para ela.
Ao chegar em Doornfield, evitara todos os convites para sair simplesmente porque pensava que nenhum homem se igualaria a Nathan. Warren Chandler, contudo, havia insistido e acabou por se tornar um amigo com quem conseguia relaxar, sem temer que ele pudesse exigir alguma coisa dela.
Júlia sempre imaginara a si mesma casada e com uma família aos vinte e sete anos. Com o tempo, a importância daquele sonho diminuíra, e poderia quase dizer que era feliz sozinha.
Porém, as palavras de seu chefe e amigo martelavam-lhe a cabeça. Seria verdade o que Roland dissera sobre um sacrifício longo demais?
Enquanto se dirigia para casa, tentou afastar aqueles pensamentos perturbadores que não a haviam abandonado desde quando recebera a notícia de que Nathan comprara a propriedade de Sophie.
Dirigia seu Toyota branco muito devagar, observando atentamente a paisagem ao redor. Gostava daquele local, arborizado e florido. Fazia bem para os olhos e para a alma. Observou os jacarandás que margeavam a rua, proporcionando-lhe frondosas sombras.
Doornfield era uma cidadezinha tranqüila e simples, situada bem no centro do país. O progresso praticamente inexistira até quatro anos atrás, quando começou a exploração de carvão em uma área de dez quilômetros além da cidade.
A vinda de mineiros e suas famílias levou à construção de uma escola e de um hospital bem equipado, mas a calma local havia permanecido.
Abriu a porta do chalé minutos depois e caminhou até o quarto para deixar a bolsa e tirar os sapatos. Havia paz em sua casa, mas não em seu íntimo enquanto removia os grampos dos cabelos com reflexos dourados, deixando-os cair sobre os ombros como uma cascata.
"Eu mudei?", perguntou a seu reflexo no espelho. Os doces olhos cinzentos a observaram sob as sobrancelhas bem delineadas. O nariz era pequeno e reto, e as curvas delicadas de sua boca indicavam um sorriso sempre pronto. O olhar tornou-se crítico quando observou o corpo. Havia perdido vários quilos cinco anos atrás, os quais não recuperara, mas o corpo esguio não perdera o encanto.
Júlia não se demorou em frente ao espelho, mas, se tivesse, não notaria a beleza de suas formas. Havia firmeza no queixo e graça nos movimentos, mas ela não estava ciente disso e foi para a cozinha preparar uma xícara de chá.
Afastou as cortinas para olhar pela janela, mas não viu o jardim que cultivara com tanto carinho, nem as montanhas além do rio. Uma porta havia trancado o passado cuidadosamente, mas Sophie Breedt se encarregara de abri-la, e Júlia não conseguia mais bloquear as lembranças.
Havia conhecido Nathan Corbett através de um amigo comum. Sentira-se atraída no mesmo instante. Alto, porte atlético, era dono de um charme irresistível. Os cabelos escuros, ligeiramente ondulados na testa, faziam um contraste sedutor com os olhos mais azuis que já vira.
Após conhecê-lo, passara a gostar ainda mais dele. Neurocirurgião renomado, tratava a todos com grande deferência, desde uma assistente até um outro profissional de seu nível.
Júlia era uma enfermeira iniciante, mas nem por isso ele a menosprezara. Nathan era extremamente perspicaz, e sua presença de espírito atraía a todos.
Para Júlia, sempre fora um desafio estar com ele, e o inevitável aconteceu: apaixonou-se perdidamente.
O relacionamento entre eles passou a se tornar cada vez mais estreito. Quando Nathan a convidou pela primeira vez para sair, Júlia pensou que fosse morrer, de tanta alegria.
Com o passar do tempo, ninguém se surpreendia mais em vê-los juntos. Estavam apaixonados e não tinham medo de demonstrar seus sentimentos a ninguém. O namoro foi curto, e logo decidiram se casar.
Estavam próximos do casamento quando ofereceram a Nathan a oportunidade de passar quatro anos trabalhando com alguns dos neurocirurgiões mais famosos da Europa, e ele não poderia recusar.
A data do casamento fora antecipada para que Júlia pudesse acompanhá-lo, mas poucos dias antes da data marcada para a cerimônia e a viagem, o destino havia alterado o curso de suas vidas.
O barulho da chaleira elétrica soou como uma sirene, trazendo Júlia ao presente, e por alguns minutos ela se ocupou em preparar o chá, mas as lembranças retornaram quando sentou-se à mesa com a xícara.
Pensava que nunca esqueceria quando lhe informaram que sua avó estava com câncer. O médico dava um ano de vida a Alicia Henderson, e, com cuidados especiais, talvez dois ou três.
De repente, Júlia teve de tomar a decisão mais difícil de sua vida. Amava Nathan e desejava muito se casar com ele, mas não poderia deixar a mulher que cuidara dela desde a morte trágica de seus pais, na infância.
Havia sido forçada a uma terrível resolução e não contara a verdade ao noivo, pois se ele soubesse, desistiria da viagem para ficar com ela e Júlia não poderia permitir que sacrificasse a carreira.
Nathan estava destinado a grandes realizações, e sua mente, e não o coração, havia lhe dito que era ela quem deveria fazer o sacrifício.
Sentiu gotas de suor na testa quando lembrou o dilema. Havia sido incapaz de encarar Nathan para dizer o que estava acontecendo.
Acabou decidindo escrever uma carta e levou dias para compor alguma coisa que não o magoasse tanto, mas, no final, percebeu que não havia uma melhor forma de romper o compromisso e escolheu apenas algumas palavras, breves e frias que dilaceraram seu próprio coração.
Devolvera, também, a aliança que seguiu dentro do envelope para ser entregue nas mãos de Nathan. No momento em que ele os recebesse, Júlia e sua avó estariam fora de Joanesburgo, e só voltariam depois da partida dele para a Europa.
Tudo aquilo havia acontecido cinco anos atrás, e Damian Squires, o amigo que lhe apresentara Nathan, era o único que sabia a verdade naquela época. Júlia sabia que podia confiar nele, e tinha certeza de que seu segredo estaria seguro com o bom amigo.
Alicia Henderson vivera pouco mais de dois anos, e após sua morte Júlia havia vendido a casa para ir morar em Doornfield. Precisava recuperar a paz de espírito, e a tranqüilidade da pequena cidade fora ideal.
Não havia nada estranho no fato de Nathan comprar uma fazenda. Muitos homens de negócio possuíam um lugar no campo para fugir das pressões do dia-a-dia, mas o destino havia guiado Nathan até Doornfield. Por quê? Oh, Deus, por quê? Devia ser uma terrível coincidência. Ninguém poderia ter contado a ele onde Júlia morava.
Ela não tivera escolha! Apesar de Nathan não saber disso, para Júlia era um conforto saber que havia abdicado de um grande amor unicamente por ser sincera e querê-lo demais. Não podia deixar que Nathan interrompesse sua carreira por causa dos problemas dela!
Por um momento se pôs a imaginar se ele ainda se recordava dela. Não. Seria impossível. Cinco anos era tempo suficiente para que um homem como Nathan a esquecesse. Ainda mais depois da carta que escrevera, sem explicar-lhe absolutamente nada.
Júlia vestiu jeans, uma camiseta velha e colocou um chapéu de palha para seguir, descalça, até o jardim. Ajoelhou-se perto das flores para revolver o solo entre as sementes que plantara na semana anterior.
O gramado estava verde, mas as bordas precisavam ser aparadas novamente. A um canto, rosas amarelas estavam florescendo e as ramagens brilhavam ao sol.
O chalé era pequeno, com as paredes brancas e janelas verdes dando-lhe um aspecto quase bucólico.
Júlia sentiu-se relaxar naquele ambiente. Seria tolice entrar em pânico, pois, certamente, não iria encontrar Nathan a toda hora. Talvez ele nem descobrisse que morava em Doornfield.
Apesar de todos os esforços, Júlia não conseguiu manter-se calma nas semanas que se seguiram. Todas as vezes em que ia até a cidade fazer compras, deixava-se assustar com a idéia de encontrar Nathan.
- Você não tem sido a mesma nas últimas semanas - comentou Roland de Necker, em uma manhã de sexta-feira.
Está enganado, estou muito bem, doutor Necker.
Não, mas eu conheço você melhor do que pensa. É Nathan Corbett, não é?
Júlia optou por ser sincera com o médico, que sempre fora seu amigo.
Sinto um medo irracional de encontrar Nathan cada vez que viro uma esquina - respondeu, com um pálido sorriso.
Está com medo dele ou de si mesma?
Acho que dos dois - Júlia admitiu, enquanto colocava a xícara de chá sobre a mesa de Roland. - Temo o que ele possa fazer ou dizer.
"Uma mulher prevenida vale por duas" - citou ele. - E Nathan não tem essa vantagem.
Não tenho certeza se estar prevenida é uma vantagem tão boa. - Júlia sorriu com um cinismo incomum. - Se não soubesse da vinda de Nathan, eu não estaria tão ansiosa.
Roland, depois de refletir alguns instantes, falou:
Espero que não tenha planejado nada para o próximo domingo.
O que vai acontecer no domingo?
Está convidada para o almoço. - Os olhos verdes brilharam divertidos quando ela relaxou visivelmente. - Elizabeth vai assar um carneiro e precisamos de alguém que nos
ajude a comer.
Elizabeth cozinha muito bem, e nada vai me impedir de almoçar com vocês.
O telefone tocou, interrompendo-os, e Júlia atendeu.
É a enfermeira Murray, da maternidade - informou. - A sra. Jenson está em trabalho de parto.
Diga que estou indo - ordenou Roland, já pegando a maleta e as chaves do carro.
O resto do dia foi agitado, como de costume, e Júlia teve de lidar com pacientes irritados com o atraso de Roland. Apesar de tudo, estava calma, e pôde deter totalmente o controle das situações.
Porém, à noite, quando chegou em casa, a tranqüilidade a abandonou e lembranças perturbadoras a assustaram, provocando mais uma noite insone.
A casa de Roland era espaçosa e mobiliada com muito bom gosto. Elizabeth havia preparado um almoço magnífico, e os três conversaram durante longo tempo, trocando idéias e falando sobre amenidades.
Quando Roland foi chamado até o hospital, Júlia decidiu que também era sua hora de partir. Elizabeth, porém, parecia relutante em deixá-la ir embora.
- Fique e tome mais uma xícara de chá comigo - convidou, e Júlia sentiu-se tentada a passar mais algum tempo na companhia daquela encantadora anfitriã.
Elizabeth de Necker era poucos anos mais jovem que o marido. Apenas uns fios grisalhos apareciam nos cabelos bem cuidados. Esbelta, estava sempre impecavelmente arrumada, e o rosto ainda guardava os traços perfeitos da beleza da juventude. Era uma pessoa muito compreensiva, sempre pronta a ajudar a todos que necessitassem. Juntamente com o marido, compartilhava o segredo que Júlia guardava tão bem escondido.
Por favor, não se ofenda - começou Elizabeth -, mas, onde quer que eu vá, existem pessoas comentando sobre o novo dono de Honeywell.
Eu sei. - Júlia deu um rápido sorriso e voltou os olhos para a xícara. - Eu também ouço os comentários.
Elizabeth olhou fixamente e indagou:
Como se sente?
Fico assustada ante a possibilidade de encontrar Nathan a qualquer momento - respondeu Júlia, sincera.
Elizabeth assentiu, mas os olhos castanhos continuaram repousando pensativos sobre o rosto de Júlia.
- Ainda está apaixonada por ele?
Júlia evitara fazer-se tal pergunta, mas sabia que uma hora ou outra teria de refletir sobre tudo o que lhe ia no coração.
- Desejaria poder dizer um preciso "sim" ou "não", mas não posso - confessou, levantando-se para ir até a janela.
Observou distraída o jardim banhado pelo sol com lindas flores coloridas.
Há cinco anos eu tive certeza de que a decisão mais correta seria afastá-lo de minha vida, mas estaria mentindo se dissesse que nunca pensei nele. Porém, sempre me lembrei de
Nathan como uma pessoa maravilhosa que fizera parte do meu passado, mas, agora, tê-lo tão próximo me assusta.
Tem medo de descobrir que ainda o ama?
Não sei exatamente do que sinto medo - respondeu Júlia suavemente, encarando Elizabeth. - Tive de fazer uma escolha no passado que me magoou demais, você sabe, mas não lamento, porque minhas razões eram sinceras. Entretanto, não sei exatamente o que ele sentiu, e isso me assusta.
Imagino que raiva e mágoa, mas tenho certeza de que ele tentaria descobrir o verdadeiro motivo - respondeu Elizabeth, e seus olhos brilharam. - Considere as possibilidades, Júlia. Finalmente, você vai poder se explicar.
Gosto do seu otimismo, Elizabeth. - Ela deu um pequeno sorriso e voltou a sentar na cadeira. - Mas sei que não seria tão fácil.
Por que não? - insistiu Elizabeth.
Primeiro porque é uma mera hipótese. Segundo, ele sempre foi muito orgulhoso, e, por último, seria tolice descartar a idéia de que provavelmente está casado e nem um pouco interessado em explicações.
O que quer que aconteça, Júlia - concluiu Elizabeth, após um longo silêncio -, será para melhor.
A conversa terminou naquele ponto e Júlia seguiu para casa logo depois.
Ela dirigia pelas ruas tranqüilas e diminuiu a velocidade quando alcançou a fileira de chalés tão conhecida. Estava quase no final da rua quando um carro vermelho apareceu de repente na contramão.
Pisou no freio e tentou evitar a colisão, desviando seu Toyota para a esquerda enquanto o outro veículo passava a centímetros do seu. No instante seguinte, ela tentou controlar o carro desgovernado, e, por milagre, conseguiu detê-lo a centímetros de uma árvore.
Tudo fora tão rápido, que, quando Júlia se viu em segurança, sentiu um intenso tremor percorrer-lhe o corpo. Apoiou a cabeça no volante, procurando se acalmar.
Não ouviu passos se aproximarem e ainda estava inclinada quando a porta abriu. Sentiu um toque no ombro e uma voz em tom profissional perguntou:
- Você está bem? Está ferida?
Uma nova onda de choque envolveu Júlia e sentiu como se o ar fugisse dos pulmões. Aquela voz profunda era muito familiar e teve de levantar a cabeça para encarar o rosto também conhecido.
A mão de Nathan Corbett soltou o ombro, e a surpresa estava evidente quando recuou. Porém, ele conseguiu controlar-se rapidamente, e nos belos traços do rosto formaram uma expressão que fez Júlia se arrepiar.
- Então, este é mesmo um mundo pequeno - comentou, sarcástico, e Júlia se encolheu ainda mais. - Está ferida?
Sentiu os lábios secos e engoliu várias vezes antes de balançar a cabeça para responder:
Não, estou bem.
O que diabos está fazendo aqui em Doornfield?
À primeira vista, ele não havia mudado e ainda possuía os olhos mais azuis que já vira. Só que estavam duros e frios, formando a imagem de um estranho.
Eu moro aqui - ouviu-se explicar. - Minha casa é a última antes da curva que desce o rio.
Está tudo bem, querido?
Júlia olhou por sobre o ombro em direção àquela voz feminina, e seu íntimo agitou violentamente quando vislumbrou a mulher de cabelos negros na Ferrari estacionada bem próxima. Seria a esposa de Nathan?
Observou a mulher que caminhava em direção a eles trajando pantalona amarela e uma blusa branca. Ela se vestia jovialmente, mas Júlia concluiu que não era tão moça quanto tentava demonstrar.
- Está tudo sob controle - replicou Nathan, e Júlia sentiu vontade de explodir em uma gargalhada.
"Está tudo sob controle!" Oh, Deus, se fosse verdade!
Estava tão trêmula que não sabia se conseguiria dirigir a curta distância até sua casa. Tinha certeza de que estava prestes a se desmanchar em lágrimas histéricas, por isso desejava que Nathan fosse embora imediatamente.
A estrada é péssima e é um milagre que ninguém tenha se machucado - comentou a mulher, e os olhos escuros estreitaram-se quando percebeu Júlia.
Márcia, esta é Júlia - Nathan apresentou sem nenhuma expressão no rosto, e Júlia suspeitou que a outra já sabia sobre o que havia acontecido entre eles.
As duas mulheres cumprimentaram-se apenas com um aceno. Márcia possuía uma incrível beleza, mas Júlia pressentiu um interior frio que sugeria total ausência de compaixão.
Devemos correr, meu bem, se quisermos chegar na fazenda antes das visitas - comentou Márcia, impaciente, e ignorou Júlia, segurando o braço de Nathan em atitude possessiva.
Por favor, não se atrasem por minha causa - disse Júlia, rapidamente, dando a partida no carro e respirando aliviada quando o motor ligou.
Depois de hesitar um instante, Nathan fechou a porta sem dizer nada e voltou com Márcia para o carro.
CAPÍTULO II
J
úlia nem se lembrava de como havia estacionado na garagem do chalé. Estava trêmula, o coração batendo loucamente, como se fosse explodir.
Seguiu até o quarto como um robô e deitou-se de bruços sobre a cama. Permaneceu ali muito tempo, procurando se acalmar, pois aquele incidente havia abalado seu rígido autocontrole.
Durante o restante do dia não conseguiu fazer mais nada, a não ser pensar no encontro que tivera com Nathan.
Quando a noite chegou, encontrou-a apática e deprimida, com a sensação de que uma catástrofe iminente estava prestes a acontecer.
Preparou rapidamente uma sopa pronta, pois, apesar de não ter nenhuma vontade de se alimentar, sabia que seria necessário.
Como imaginara, a noite foi difícil e insone, a imagem de Nathan voltando a sua mente a cada instante. Imaginara, durante as últimas semanas, o que sentiria no caso de reencontrar Nathan, mas, naquela manhã, só conseguia se lembrar do choque e do pânico que a acometera.
- Você parece um pouco estranha hoje - comentou Roland, depois do almoço, e seu olhar clínico pousou sobre as olheiras em Júlia. - Parece que não dormiu muito bem esta
noite. Está se sentindo bem?
Tive uma noite ruim, mas não estou doente - assegurou Júlia. - Encontrei Nathan, ontem à tarde, depois que saí de sua casa.
As sobrancelhas de Roland arquearam-se por detrás dos óculos, e Júlia sentiu-se compelida a explicar brevemente o que acontecera.
Você acha que Nathan é casado com a mulher que o acompanhava? - perguntou ele, e Júlia balançou os ombros.
Eu não sei.
Soube de fonte segura que ele chamou um grupo de decoradores para reformar Honeywell, e parece que planeja ficar as próximas semanas na fazenda.
O desconforto de Júlia tornou-se maior e ela começou a pensar no quanto Doornfield seria pequena para acomodar os dois.
- Não crie problemas que ainda não existem, Júlia - aconselhou Roland, como se lhe adivinhasse os pensamentos. - Resolva um de cada vez e quando eles surgirem.
Júlia apreciou o conselho e tentou utilizá-lo, quando chegou um dia em casa, naquela semana, e viu a Ferrari vermelha estacionada no portão. Ficou tensa e o coração acelerou enquanto colocava o carro na garagem para encontrar Nathan.
- Pensei que sua avó morasse com você.
Ele vestia jeans que moldavam perfeitamente os quadris estreitos e as coxas musculosas. A camisa branca insinuava ligeiramente os pêlos no peito bronzeado. Perturbada, Júlia sentiu que não era tão imune à presença de Nathan quanto gostaria.
Minha avó morreu há três anos - informou ela, passando rapidamente por Nathan e sentiu um aperto no estômago quando percebeu que ele a seguia.
Lamento em saber - disse ele. - Lembro-me dela como uma mulher forte, que nunca ficava doente, e acho difícil de acreditar.
Júlia tentou responder à ironia contida naquela voz máscula, mas ao fitar os olhos azuis de Nathan, a voz sumiu-lhe na garganta. Havia um brilho tão frio e sarcástico que ela estremeceu.
- Posso entrar, Júlia?
Hesitou, desesperada, pois não queria ficar sozinha com ele. Entretanto, suspeitava que Nathan sabia de seu temor, e abriu a porta, dizendo friamente:
- Pode, se quiser.
Júlia seguiu até a sala de estar, toda decorada com móveis de cana-da-índia, ciente do olhar de Nathan sobre ela, enquanto depositava a bolsa e alguns pacotes sobre a cadeira mais próxima. Os olhos azuis pareciam examinar todos os detalhes dos motivos florais das cortinas entreabertas, o aparelho de som e a televisão. Observou em seguida a coleção de fitas cassete.
- Vejo que ainda tem o mesmo gosto para música - ele comentou, zombeteiro, voltando-se inesperadamente para ela. - Isso, pelo menos, é algo que não mudou.
Júlia percebeu a acusação nas palavras. Ele se referia ao que considerava uma inconstância em suas emoções e sentiu-se magoada.
- Por que está aqui, Nathan?
- Vim descobrir se tem um marido, mas não está usando aliança, portanto concluo que está solteira. - O sorriso tornou-se mais cruel. - Qual o problema, Júlia? Não tem coragem de sustentar um relacionamento até o compromisso final?
Júlia baixou os cílios para esconder a dor estampada em seus olhos.
É um tipo de interrogatório?
Apenas curiosidade - retrucou ele, zombeteiro. - Porque saiu de Joanesburgo? - perguntou abruptamente. - Deixou muitos pretendentes às vésperas do casamento na cidade?
Júlia sempre soubera que seria daquele modo. A ira dele era compreensível, mas não estava preparada para a dor que a atingia a cada palavra.
Se veio para me insultar, sugiro que vá embora antes que eu perca o bom humor - disse calmamente, procurando esconder os sentimentos da maneira que aprendera a fazer nos
últimos cinco anos.
Não sabia que possuía bom humor - zombou ele. - Talvez eu devesse parabenizá-la por conseguir esconder seu caráter tão bem - acrescentou, sarcástico. - Não tem nada para
dizer?
O que ela poderia falar em sua defesa? Nathan estava usando de todas as armas para ofendê-la, e Júlia não podia condená-lo.
- Tive um dia difícil, Nathan - disse friamente, enquanto pressionava os dedos no encosto da cadeira a sua frente para conter o tremor. - Poderia explicar a razão de sua visita?
Ele colocou as mãos nos bolsos da calça e se aproximou, fazendo Júlia encolher-se. Os olhos cinzentos estavam ao nível da abertura da camisa dele, e aquilo trouxe lembranças de passeios pela represa Hartebeespoort; os braços de Nathan em torno de seu corpo, seu rosto tocando a pela quente do peito bronzeado.
Quero saber por que deixou Joanesburgo - exigiu ele, com a voz baixa, os olhos azuis sustentando os dela.
Não quis continuar lá depois que vovó morreu, então, vendi a casa e vim para Doornfield - respondeu, aliviada por não ter de mentir sobre aquilo e arriscou também perguntar: - E o que fez você comprar uma fazenda aqui?
Soube, através de terceiros, que Honeywell estava a venda e eu precisava desesperadamente de um lugar para fugir das pressões do trabalho, de vez em quando. - Os olhos azuis estreitaram-se, curiosos. - Por que está trabalhando como enfermeira-recepcionista quando poderia muito bem estar em um grande hospital?
Foi o que consegui quando cheguei, há três anos, e permaneci lá porque estou feliz trabalhando para o doutor Necker. - A proximidade de Nathan e o perfume familiar da colônia masculina estavam agitando seu íntimo e Júlia se afastou. - Gostaria de uma xícara de café, ou está com pressa de voltar para sua... esposa?
Eu gostaria de café - disse ele, parecendo sorrir quando ela gaguejou, mas os olhos continuavam frios. - Márcia saiu cedo, e deverá demorar para voltar com nossos convidados. - Fez uma pequena pausa e acrescentou: - E ela não é minha esposa.
O coração de Júlia disparou e suas mãos tremeram mais ainda. Tentou se controlar, para que Nathan não percebesse sua reação.
É sua noiva, então? - ouviu-se perguntar.
Ainda não chegamos a isso. - Os olhares se encontraram e a atmosfera ficou tensa.
- Vou colocar água para ferver - disse, ela e fugiu para a cozinha, perturbada.
Os músculos de Júlia se retesaram quando ouviu passos às suas costas. Respirou fundo e se virou para encará-lo, descobrindo que Nathan estava muito próximo. O brilho dos olhos estava zombeteiro e ela ruborizou.
Choquei sua mente puritana? - perguntou ele, a voz profunda soando irônica.
Sei o quanto nossa sociedade mudou, mas devo avisá-lo para ser cauteloso com os moradores de Doornfield - comentou, enquanto enchia as xícaras. - A maioria é descendente
dos pioneiros e ainda são bem conservadores.
Parece se preocupar com minha reputação - comentou, sarcástico, e o riso dele fez Júlia se arrepiar, irada, enquanto lhe entregava uma xícara de café.
Isto é um problema seu e apenas tentei esclarecer como as coisas funcionam por aqui - respondeu ela, friamente. - Vamos tomar o café na sala?
A expressão de Nathan estava sombria quando ficou de lado para que ela passasse. Podia sentir os olhos azuis em suas costas e respirou aliviada quando sentaram-se na sala. Mas seu desconforto aumentou quando o olhar dele passeou pelos cabelos dourados e desceram seguindo todos os contornos até os pés delicados.
- Falando de moralidade - disse ele, finalmente -, não está escrito em seu livro de códigos morais que um homem merece uma explicação sensata porque uma mulher que está
prestes a se casar muda subitamente de idéia?
Júlia esperava por aquilo, mas ainda assim estremeceu.
Acredito que eu tenha explicado tudo naquela carta - respondeu.
Ah, sim... a carta. - Havia desprezo na voz quando ele se levantou, indo até a janela, dando-lhe as costas. - Sua carta não me explicou nada!
Oh, Deus, como ele poderia saber que aquela havia sido a carta mais dolorosa que tivera de escrever!
Temos de conversar sobre o passado e o que deveria ser esquecido? - perguntou ela.
Esquecido? - A voz de Nathan soou como um chicote e os olhos possuíam um brilho selvagem. - Asseguro-lhe, querida Júlia, que não esqueci nada e nem pretendo. Não esqueci como me fez acreditar que estava apaixonada e muito menos aquela carta estúpida que me mandou porque não teve a coragem de me encarar. Sabe o que fiz com a aliança? Joguei fora, junto com a carta!
Acho que não tenho mais nada a acrescentar ao que já sabe - retrucou ela, fazendo menção de ir para a cozinha, mas Nathan a alcançou com uns poucos passos.
Droga, Júlia! - exclamou ele, pressionando os dedos no braço dela, forçando-a a encará-lo. - Exijo uma explicação e não saio daqui sem uma.
A razão que me fez romper nosso compromisso foi que percebi em tempo que não o amava o suficiente, e nosso casamento seria um erro.
Foi isso o que disse na carta, e eu me recuso a acreditar! - Os olhos azuis brilhavam flamejantes. - Por quê, Júlia? O que a fez mudar de idéia?
- Pare com esse interrogatório ridículo! - exclamou ela. - Eu não estava apaixonada o bastante para casar e viajar com você, e é só!
- Está mentindo! - Nathan acusou, pressionando os ombros dela. - Está mentindo, Júlia!
Por uma fração de segundos pensou em dizer a verdade. Odiava mentir, mas temia a reação dele.
Eu lhe disse a verdade! - insistiu, desesperada.
Com os diabos que disse! - retrucou ele, violentamente, sacudindo-a para depois torná-la prisioneira de seus braços. Os lábios desceram sobre os de Júlia, forçando-os a se abrirem.
As mãos de Júlia estavam sobre o peito dele, os braços tensos lutando para afastá-lo, e, para seu horror, todas as emoções reprimidas se agitaram em seu íntimo. Até que a sanidade prevaleceu e empurrou Nathan.
Não deveria ter feito isso - reclamou Júlia, os olhos cinzentos acusadores.
Talvez não - ele concordou, zombeteiro. - Mas isso provou que não é tão indiferente como quer demonstrar.
Por favor, vá embora, Nathan.
Irei, mas aceite o fato de que vai me ver outras vezes. Mereço uma explicação e não aceito nada menos que a verdade.
Esqueça o passado! Pense em Márcia e em seu futuro com ela.
Posso confiar em Márcia - disse ele, mordaz. - E sei que posso sempre contar com ela.
Júlia começou a tremer e pressionou as unhas na palma da mão até doer.
Adeus, Nathan - disse com os dentes semicerrados.
Até breve, Júlia - ele contradisse.
Havia ameaça na voz e um tremor percorreu o corpo de Júlia enquanto ele saía do chalé.
Momentos depois, sentindo-se segura com sua solidão, Júlia conseguiu relaxar para dar vazão às lágrimas reprimidas.
Havia feito o que achara certo, mas tal argumento não diminuía a condição miserável em que se encontrava.
Júlia foi dormir muito tarde aquela noite. Mesmo assim, passou um grande tempo revirando na cama, mas não conseguiu dormir. A mente repetia cada palavra dolorosa trocada entre eles, e ainda estava acordada quando amanheceu uma sexta-feira chuvosa.
Choveu o dia todo, como se para combinar com seu estado de espírito e ainda continuava na segunda-feira. Júlia dirigiu o Toyota com cuidado, até chegar ao consultório.
A sala de espera estava repleta quando o doutor Roland chegou das visitas no hospital.
Júlia encaminhava cada cliente para que o médico atendesse e, enquanto isso, cuidava das fichas dos outros clientes que aguardavam.
O telefone tocou e Júlia atendeu mecanicamente.
- Olá, Júlia. É Warren.
Como vai, faz tempo que você não me liga, hem? Tem andado muito ocupado?
Bastante. Mas hoje tenho uma folga, que tal jantarmos juntos?
Por que não? - Não via Warren há semanas e seria bom tê-lo como companhia.
Pego você às sete - disse ele.
Finalmente havia parado de chover quando Warren passou no chalé para pegá-la. Alto e bonito, vestia um terno escuro sobre uma camisa imaculadamente branca. Os olhos negros ficaram brilhantes quando pousaram em Júlia, usando um elegante vestido azul de chiffon.
- Fica linda de azul - elogiou. - Seus olhos tornam-se mais luminosos e a pele, acetinada.
Os elogios de Warren sempre a deixavam desconcertada, mas sorriu permitindo que a guiasse até o Mercedes prateado.
O Restaurante Mopani ficava do outro lado da cidade, e havia se tornado o ponto de encontro favorito dos moradores, desde que Warren o inaugurara dois anos atrás. Estava repleto, e ele a conduziu a sua mesa particular.
Aquela não era a primeira vez em que Júlia jantava com Warren no restaurante, e, como sempre, uma garrafa de vinho foi levada à mesa. O garçom encheu os copos, deixou a garrafa em um balde de gelo e saiu discretamente.
- Eu recomendo escargots como entrada e depois Poussin aux Aromates.
Júlia lançou um olhar indeciso por sobre o cardápio.
Não tenho nada contra frango grelhado com limão e tomilho, mas não estou certa quanto ao primeiro prato.
Os escargots são feitos com vinho branco e cozidos em um creme com salsa fresca. Vai gostar.
Parece interessante - admitiu Júlia, e aceitou a sugestão.
O doutor Corbett veio ao restaurante em uma noite da semana passada para provar nossos pratos - comentou Warren, algum tempo depois, quando tomavam café.
O coração de Júlia acelerou com o rumo da conversa.
Acho que já ouviu falar do homem que comprou a Honeywell, não é? Aliás, devo dizer que a mulher que o acompanha é bem atraente.
O sr. Corbett é um especialista e não usa o título de "Doutor" - explicou Júlia enquanto bebericava o café, parabenizando a si mesma por conseguir falar sem tremer.
Você o conhece? - indagou Warren, surpreso.
Sim - respondeu abruptamente. - Eu trabalhava em um hospital em Joanesburgo, lembra-se?
Os olhos de Warren tornaram-se mais atentos, e ele se inclinou sobre a mesa.
Quanto você o conhece?
O suficiente para poder dizer que é um neurocirurgião brilhante - respondeu ela, com cuidado.
Não o conhece particularmente, então?
Warren, onde estas perguntas vão nos levar? - indagou, perturbada.
Não estou certo. - Os olhos negros dele sustentaram os de Júlia. - Vi algo estranho em seu olhar quando mencionei o nome dele, e estou tentando descobrir o que há por trás
disso.
Está imaginando coisas - censurou-o, lutando desesperadamente para se controlar.
Alguém já lhe disse que é uma péssima mentirosa?
Alguém já lhe disse que é falta de educação especular a vida dos outros? - retrucou Júlia.
Então, você está escondendo alguma coisa.
Não! - O rosto de Júlia adquiriu uma expressão sombria. Sabia que Warren não a deixaria em paz enquanto não lhe falasse a verdade. Relaxou no encosto da cadeira, resignada. - Nathan Corbett e eu estivemos noivos.
Quem desistiu? Você ou ele?
Eu desisti. - Ela baixou os olhos para esconder a dor da lembrança. - E, por favor, não me peça para explicar.
Júlia, quero que se case comigo - disse Warren, segurando-lhe a mão.
Se é brincadeira, não tem graça nenhuma.
- Não é uma brincadeira.
Júlia percebeu que ele estava sendo sincero, e sua mente entrou em um confuso turbilhão.
Não... Quero dizer, não posso...
Não tem de dar a resposta agora e não fique assustada com o que eu disse - Warren interrompeu, pressionando os dedos dela. - Só queria que soubesse como me sinto desde a primeira vez em que a vi, e, se precisar de alguém um dia, sabe que poderá contar comigo.
Nunca imaginei que se sentisse desse modo - comentou ela, triste, por ver que a amizade deles estava se transformando em algo que não pretendia.
Sou um homem paciente. - Ele sorriu, os olhos muito brilhantes. - E descobri que, quando sou paciente, quase sempre consigo o que desejo.
Warren fez uma expressão engraçada para aliviar a tensão entre eles, e Júlia sorriu pela primeira vez nas últimas semanas.
Eram dez horas quando chegaram a sua casa e estava agradavelmente cansada.
Parece que tem visita - alertou Warren, mostrando a Ferrari vermelha estacionada no portão, e Júlia sentiu o coração dar um salto quando viu Nathan de braços cruzados à sua porta.
Quer que eu fique? - perguntou Warren, quando estacionou o Mercedes atrás do outro carro.
Prefiro vê-lo sozinha. - Júlia ficou surpresa por ainda conseguir colocar calmamente uma das mãos sobre o braço de Warren. - Obrigada pela noite adorável, e, por favor, não saia do carro.
Vejo você outra vez?
Telefone amanhã - convidou ela, inclinando-se impulsivamente para beijá-lo no rosto antes de sair.
CAPÍTULO III
U
ma coruja chilreou em uma árvore próxima ao chalé quando Warren partiu, e Júlia estremeceu enquanto observava o Mercedes seguir a rua, deixando-a sozinha com Nathan. Algumas nuvens cobriam a lua, banhando a terra com uma escuridão sombria, e a coruja se fez ouvir novamente enquanto ele se afastava do carro.
O que está fazendo aqui a esta hora?
Esperando por você - respondeu, zombeteiro. - Pensei que seria interessante conhecer sua mais recente conquista, mas ele partiu com tanta pressa que nem consegui dar uma olhada no pobre-coitado.
"Sua mais recente conquista!" Júlia sentiu um aperto na garganta e o coração acelerou.
Vá embora, Nathan! - exclamou com os dentes semicerrados, ao mesmo tempo em que pressionava os dedos no trinco do portão. - Vá embora e me deixe em paz!
O mínimo que podia fazer era me convidar para uma xícara de café - insistiu ele, e na escuridão o perfume da colônia masculina despertou lembranças que Júlia lutava para esquecer.
É tarde e estou cansada - protestou Júlia, desesperada para se livrar dele e dos sentimentos que Nathan parecia evocar com uma facilidade diabólica.
Prometo não demorar.
Ouviu o tom familiar de determinação na voz dele e uma onda de desânimo se apossou de Júlia. Sabia, por experiência, que ele era inflexível. Quando se decidia por algo, nada conseguiria impedi-lo.
Foi a mão de Nathan que abriu o portão e, tomando o silêncio de Júlia por aceitação, guiou-a pelo caminho de granito até a porta da frente.
Ela pegou a chave na bolsa, mas foi tirada de sua mão para abrir a porta, e, acendendo a luz do hall, Nathan ficou de lado para deixá-la passar primeiro.
Júlia não o encarou quando entraram e fez um gesto em direção a uma poltrona.
Se quiser, pode esperar na sala, eu vou...
A cozinha está ótimo - interrompeu ele, e os músculos de Júlia retesaram-se dolorosamente enquanto Nathan a seguia pelo corredor.
Acendeu a luz e deixou a bolsa sobre a mesa para depois colocar água na chaleira. Ouviu Nathan sentar-se e ficou tensa quando sentiu que os olhos azuis observavam cada gesto seu.
Ficou zangada quando percebeu o tremor visível em suas mãos à medida que ligava a chaleira, e amaldiçoou Nathan enquanto colocava café nas xícaras.
Sempre gostei de você de azul - comentou ele, enquanto levantava, atravessando a cozinha para ficar bem atrás dela. - Há apenas uma coisa errada com sua aparência.
Não! - exclamou assustada, pressentindo as intenções de Nathan, mas as mãos hábeis já estavam em seus cabelos, removendo os grampos, para deixar cair as ondas douradas por sobre os ombros.
Tem cabelos lindos, Júlia - murmurou ele, correndo os dedos pelos fios sedosos. - E ainda é tão macio e perfumado quanto eu me lembrava.
Júlia estava com receio de se mexer quando ele enterrou o rosto em seus cabelos. O calor daquele corpo em suas costas revelou-se um tormento delicioso e sabia que era necessário parar Nathan antes que ela perdesse o autocontrole.
Nathan, não deve...
É surpreendente o quanto ainda consigo lembrar sobre você - continuou ele, como se Júlia não tivesse falado, as mãos fortes tocando a pele. - Há um pequeno sinal em seu pescoço... sim, aqui está, e me lembro como tremia quando eu beijava... assim...
A boca de Nathan era como o fogo sobre a pele sensível do pescoço e os cílios ficaram pesados quando um tremor familiar percorreu seu corpo, despertando cada nervo ao prazer daquele toque. Mas a mente de Júlia gritou em alerta e ela não poderia ignorar.
Pare, Nathan! - exclamou assustada e furiosa enquanto se afastava para ir até a chaleira que já estava com a água fervendo. - Pelo amor de Deus, pare!
Seu novo namorado faz você tremer quando a toca? - indagou Nathan, zombeteiro. - O pobre idiota não sabe que você só sabe provocar e mais nada?
Provocar? - repetiu ela, estupidamente.
Sim, Júlia - respondeu Nathan, com um sorriso cínico, a blusa e a calça pretas denunciando o perigo escondido sob a aparência controlada. - Você faz um homem acreditar que o deseja tanto quanto ele, mas se afasta antes que ele vá para sua cama.
Por Deus! - balbuciou, com os lábios pálidos e um tremor tão intenso que era como se o sangue do corpo houvesse se transformado em gelo.
Fui o maior idiota de todos - disse Nathan, sorrindo cruelmente, os olhos azuis passeando sobre ela, provocantes. - Nunca pressionei você demais porque fui tolo o suficiente para querer me casar antes de levá-la para a cama, e você jogou até o último minuto.
Júlia estava chocada com a imagem que ele fazia dela e forçou-se a encarar os olhos implacáveis.
Nathan, não foi assim!
Como consegue parecer tão inocente quando está mentindo o tempo todo? - indagou ele, com um desdém tão mordaz que atingia em cheio o coração dela. - A água está fervendo - Nathan falou, com uma calma incrível, que em nada denotava a agressividade de suas palavras anteriores.
Quando Júlia se virou para a chaleira, sua mão tremeu violentamente enquanto tentava colocar água nas xícaras, e acabou derramando o líquido quente sobre a outra mão.
O grito de dor coincidiu com a exclamação irada de Nathan, e sua mão foi colocada rapidamente sob a água fria da torneira. Júlia permaneceu em silêncio. Mordeu o lábio para aplacar a dor, mas não conseguiu evitar as lágrimas que enchiam os olhos e rolavam pelo rosto pálido.
Nathan permanecia a seu lado, o peito forte de encontro ao braço delicado e a respiração tocando o rosto frágil enquanto mantinha a mão dela na água.
Júlia desejava encostar a cabeça no ombro largo, mas não ousaria. Ele estaria sentindo seu pulso acelerado? Teria idéia da doce agonia que era estar tão próxima fisicamente, mas tão longe mentalmente?
Foi uma coisa tola o que fez - disse ele, finalmente, e havia um tom de reprovação na voz, fazendo novas lágrimas surgirem nos olhos cinzentos. - Sente-se melhor?
Sim, obrigada - murmurou.
Felizmente, não se queimou muito, mas vai sentir um pequeno desconforto até que a pele fique boa.
Nathan retirou a mão de Júlia da água, e ela se inclinou na pia, exausta.
Ele voltou com um guardanapo para secar a queimadura e depois observou o local com cuidado. O toque era gentil, quase uma carícia, e o tremor recomeçou no corpo de Júlia.
Nathan murmurou algo ininteligível quando encarou os olhos cinzentos marejados de lágrimas. Jogou o guardanapo para um lado e segurou o rosto trêmulo entre as mãos, deslizando os dedos pelas faces úmidas.
Júlia sabia que Nathan iria beijá-la, mas não conseguiu reagir quando o rosto bonito e forte se inclinou em sua direção.
Os lábios rosados separaram-se instintivamente sob a pressão da boca sensual, e ela acolheu aquela intimidade desejada há tantos anos.
Júlia passou os braços pelos ombros de Nathan, aproximando-se ainda mais, ciente do desejo que se apoderava de ambos.
No momento seguinte, contudo, Nathan se afastou rudemente. Os olhos azuis, frios como o gelo, percorriam o corpo delicado quando ela encarou o rosto distorcido pela fúria.
- Meu Deus! - ele exclamou com a voz rouca. - Nunca pensei que fosse possível ainda desejar você, e desprezo a mim mesmo por isso!
Nathan saiu batendo a porta com violência. Júlia não se moveu. Olhou para as xícaras arrumadas sobre a mesa. Ele não havia tomado o café, pensou tolamente, e, então, sua vista embaralhou. Lágrimas quentes encheram os olhos e rolaram até a boca deixando um gosto de sal.
Ela não ouviu o carro de Nathan partir, mas a Ferrari não estava mais lá quando afastou as cortinas do quarto. Então, chorou até dormir, como não fazia há meses.
Júlia não ouviu o alarme do relógio soar na manhã seguinte, e foi o som do telefone tocando com insistência que a despertou finalmente, às sete horas. Saiu da cama, vestiu um robe e caminhou descalça até a sala.
Você está bem, Júlia? - Era a voz de Warren, e ela compreendeu a ansiedade do amigo quando as lembranças da noite anterior voltaram a sua mente.
Sim, estou bem - assegurou, sentando-se exausta na cadeira mais próxima e observou a mancha avermelhada na mão esquerda, a qual ainda doía ao toque.
Vou ver você outra vez?
A insegurança de Warren era comovente, e, talvez não fosse certo, via nele o refúgio de que tanto necessitava naquele tormento emocional em que se encontrava.
Poderemos nos ver sempre que você quiser, Warren - respondeu, afastando os cabelos do rosto.
Que tal no fim de semana? - sugeriu ele, ansioso.
Eu gostaria muito - concordou Júlia.
Depois de terem combinado o novo encontro, Júlia desligou e dirigiu-se para o banho.
A ducha prolongada e relaxante teve o efeito de minorar-lhe o cansaço, e quando vestiu o uniforme de trabalho, já se sentia bem melhor.
Júlia dispensou o café e usou o tempo extra com a maquilagem, mas seus esforços não conseguiam esconder os olhos inchados.
Roland a observou antes de sair para as visitas no hospital e murmurou:
- Então, começou tudo outra vez, não é?
Nos, primeiros meses em Doornfield, muitas vezes Júlia havia ido trabalhar com os olhos inchados devido à noite que passara chorando, mas Roland e Elizabeth dedicaram-lhe tanta amizade que aquelas noites foram logo esquecidas.
Júlia havia pensado que nunca mais derramaria uma lágrima, mas Nathan voltava a sua vida para destruir o pequeno mundo que construíra.
Acreditara que seu amor por ele estava morto e enterrado, mas se enganara, e a antiga dor retornava muito mais intensa.
O tempo estava quente e úmido depois da chuva, quando Júlia deixou o consultório em seu horário de almoço. Era sexta-feira, e ela deu graças à Deus que o fim de semana já se aproximava. Queria ficar em casa, sozinha, para pôr os pensamentos em ordem.
Caminhava em direção à casa de chá daquela rua, quando um Jaguar parou junto ao meio-fio. O homem dentro dele usava chapéu com um lenço de pele de onça, e havia algo muito familiar quando desceu do carro e se aproximou.
Posso lhe dar uma carona, senhorita? - o estranho ofereceu, e aquela voz profunda era inconfundível.
Damian! - O rosto de Júlia iluminou de alegria por encontrar o velho amigo e, sem se preocupar com os curiosos, passou os braços pelo pescoço de Damian e o beijou carinhosamente no rosto. - Oh, quanto tempo!
E de quem é a culpa? - ele perguntou, empurrando o chapéu para as costas para deixar à mostra os cabelos ruivos que ela se lembrava tão bem.
É minha - admitiu Júlia, sorrindo, e levantando as mãos num gesto de rendição. - O que está fazendo em Doornfield?
Fui convidado para o fim de semana, então decidi passar na cidade e lhe fazer uma visita antes de ir até a fazenda. - Os olhos de Damian estreitaram-se contra o sol e ele perguntou: - Há algum restaurante decente para eu almoçar nesta cidade esquecida por Deus?
- O Restaurante Mopani - lembrou Júlia, divertida com o comentário sobre Doornfield. - Deve ter passado por ele.
Damian abriu a porta do carro.
Vai ter de me mostrar o caminho.
Está me convidando para o almoço?
Estou, e não aceito uma recusa.
Júlia não tinha intenções de recusar, e Damian esperou que ela se instalasse para depois entrar no carro.
Muitas vezes perguntei a mim mesmo, Júlia. Por que Doornfield? Consigo entender que desejasse sair de Joanesburgo, mas por que não foi para Cape Town ou Durban, onde poderia ter um bom emprego em um hospital?
Depois que vovó morreu, precisei da paz e da tranqüilidade de Doornfield, e estou feliz aqui. - Ela não acrescentou que estivera tão próxima de um colapso emocional que havia sido aconselhada por um médico a se afastar por um longo tempo da pressão dos hospitais. - O Restaurante Mopani fica à esquerda - explicou, quando se aproximavam.
Muito bom. - Ele sorriu, os raios de sol fazendo os cabelos de cobre brilharem como o fogo. - Ótimo.
Júlia viu Warren caminhar por entre as mesas adornadas com toalhas rendadas e muito alvas.
É uma honra ter você aqui no meio do dia, Júlia. - Warren sorriu para ela, mas havia curiosidade no olhar que dirigiu a Damian.
Warren, gostaria de apresentar um velho amigo de Joanesburgo, doutor Damian Squires. Damian, este é Warren Chandler, o dono do restaurante.
É um prazer conhecê-lo, doutor Squires. - Os dois homens apertaram as mãos, e então Warren chamou um dos garçons. - Joseph vai providenciar tudo o que desejarem, e espero
que tenham um ótimo almoço.
Joseph apresentou os cardápios depois que Warren saiu e os dois resolveram pedir um suco de frutas gelado enquanto esperavam as saladas.
- Parece um bom rapaz, esse Warren Chandler - comentou Damian, quando ficaram sozinhos. - Ele se tornou alguém especial?
Júlia balançou a cabeça e forçou um sorriso.
Warren é apenas um amigo.
Ainda é Nathan, não é? - A astúcia do amigo a surpreendeu, e seu olhar assustado confirmou. O sorriso calmo e familiar surgiu em seus lábios, enquanto se inclinava sobre a mesa. - Um dia, espero encontrar uma mulher que me ame tanto quanto você o ama.
Nathan tem Márcia, agora - ela lembrou rapidamente, enquanto Joseph servia os sucos.
Márcia é uma linda mulher, mas fria como o gelo. - Damian esperou até que ficassem sozinhos. - Contou a ele por que rompeu o compromisso cinco anos atrás?
Não - confessou ela, bebericando o suco -, e nem pretendo contar.
Por que não? - indagou ele.
Não seria bom.
Não pode ter certeza disso, Júlia.
Por favor, vamos mudar de assunto.
Não vamos, não! - insistiu Damian. - Tem de contar a verdade a ele!
Como você acha que Nathan se sentiria ao saber que desisti do casamento porque temia que ele perdesse uma grande oportunidade se decidisse ficar comigo? A última coisa que eu queria era que se sentisse em obrigação.
Claro que Nathan se sentiria em obrigação, mas se o amor dele fosse sincero, e eu acredito que sim, então um sacrifício não representaria uma barreira entre vocês - argumentou Damian. - Amar alguém não é só alegrias como gostamos de acreditar. Fazer um sacrifício em nome do amor é uma parte dolorosa no relacionamento, mas não vejo sentido em suportar tanta dor sozinha.
O doutor Necker disse algo parecido - confessou Júlia. - Ele falou sobre um sacrifício longo demais e sobre bloquear meus sentimentos.
Damian balançou a cabeça, discordando.
Você não bloqueou seus sentimentos. O problema é que não deixou de amar Nathan, e tem de contar a verdade a ele.
Não posso! - Tudo dentro dela se recusava a pensar na hipótese. - Se ele está apaixonado por Márcia, saber a verdade não vai mudar nada...
Poderia torná-lo humano de novo em vez do homem insuportável e insensato em que se tornou - argumentou Damian, e permaneceram em silêncio quando o garçom voltou com as refeições.
"Insuportável e insensato?" Era naquilo que Nathan havia se transformado? Júlia tinha percebido um cinismo incomum quando o encontrara e também uma fúria selvagem que parecia prestes a explodir.
- Nathan dará um braai na fazenda amanhã à noite - contou Damian quando terminaram o almoço. - Márcia vai estar lá, além de dois casais de amigos, e foi um convite tão
inesperado que não tive tempo de convidar ninguém.
Júlia sabia o que estava por vir e o interrompeu antes que ele fizesse a pergunta que temia.
- Não me peça para ir com você, Damian, porque não posso.
Damian acendeu um cigarro mas não tirou os olhos dela, até que Júlia começou a sentir-se desconfortável.
Quer que eu conte a verdade a Nathan?
Não! - exclamou assustada.
Então, vai ter de estar lá para me manter quieto - disse ele, sorrindo triunfante.
Isso é chantagem! - protestou Júlia, o coração batendo loucamente.
Damian encarou os olhos acusadores dela e balançou os ombros.
Chame do que quiser, estou falando sério.
Pensei que fosse meu amigo.
E sou seu amigo, Júlia, mas sou também de Nathan, e não consigo ver duas pessoas que gosto destruindo a si mesmas assim.
A mão de Júlia tremia tanto quando levantou o copo que abaixou novamente com medo de derramar o líquido.
Não posso contar a verdade enquanto não souber quais são os sentimentos de Nathan por Márcia.
Vou lhe dizer o que Nathan sente por ela - Damian resmungou. - Márcia é bonita e alimenta o ego dele, além de estar disponível.
Não deveria falar assim da mulher que ele pode ter escolhido para se casar - reprovou Júlia.
Se ele se casasse com Márcia, aí então seria um tolo! - explodiu Damian.
Não podemos ter certeza dos sentimentos de Nathan por ela.
Como vai descobrir, se permanecer afastada?
Júlia sentia-se como que empurrada para um beco de onde não poderia escapar, e os olhos cinzentos estavam implorantes.
Não torne a vida difícil para mim, Damian.
Minha querida Júlia, não sou tão sensível quanto você e não hesitarei em contar a verdade a Nathan - ele continuou, frustração e raiva passando por seu rosto. - Meu Deus, alguém precisa colocar um pouco de senso naquela cabeça!
Damian... - ela hesitou, a mente torturada procurando uma saída para o dilema.
Vai comigo amanhã à noite? - perguntou ele, inflexível.
Está bem - concordou Júlia, contra a vontade, sabendo que seria inútil argumentar.
- Ótimo! - disse ele. - Posso pedir a conta?
Joseph voltou, minutos depois, para informar:
- O sr. Chandler espera que tenham apreciado o almoço e disse que não há nenhuma conta para a srta. Júlia e seu amigo.
Damian olhou divertido para Júlia e pegou a carteira para dar uma gorjeta substancial a Joseph.
- Diga ao sr. Chandler que considero sua hospitalidade encantadora e que foi muito apreciada.
O rosto de Joseph iluminou com um sorriso, e momentos depois Damian guiava Júlia até o carro.
- Acho que há uma razão mais importante para Warren ter sido tão generoso - comentou Damian com astúcia quando saíram do restaurante.
Warren é apenas um amigo - insistiu ela.
Do seu ponto de vista, talvez, mas não do dele - concluiu, com um sorriso nos lábios. - Aliás, acho que um pouco de competição sadia poderá chocar Nathan o suficiente para que ele saia do mundo restrito em que vive.
Júlia sentiu-se gelada, ansiosa, enquanto encarava o amigo.
Damian, você não vai dizer nada que possa dar a ele a impressão de que eu...
Calma, querida - interrompeu Damian com a mesma voz suave que usava com os pacientes.
Nathan não tem uma boa opinião a meu respeito, e insinuar sobre Warren só iria aumentar o conceito de que sou uma "provocação".
Odiou ter de repetir aquela palavra e desviou os olhos quando sentiu o rosto ruborizar. A mão de Damian pressionou a dela por um breve instante.
Prometo que se Nathan disser algo parecido em minha presença, vai se ver comigo.
Oh, Damian! - Suspirou pesadamente, piscando várias vezes para afastar as lágrimas que surgiam. - Sei que deseja ajudar, mas eu gostaria que se mantivesse longe.
Damian não respondeu, mas obviamente não tinha intenções de desistir. Estacionou o Jaguar em frente ao consultório de Roland e ela soube que seria inútil discutir com ele quando pediu seu endereço.
- Pego você às cinco da tarde amanhã - disse ele, e Júlia o observou indo embora momentos depois com uma sensação desconfortável no peito.
CAPÍTULO IV
J
úlia não estava ansiosa para ir ao braai, uma festa típica da África, ao ar livre, onde os amigos se reuniam para saborear uma carne assada dentro de raízes. O medo de ir a Honeywell havia provocado uma noite insone. Damian chegou às cinco da tarde no sábado e ainda permanecia determinado quanto ao fato de que ela deveria acompanhá-lo.
Não estava inteiramente convencida de que o amigo seria capaz cumprir a ameaça, mas não poderia arriscar. Se Nathan tivesse de saber a verdade, então preferiria que soubesse por ela e ninguém mais.
A tensão de Júlia aumentou quando o carro entrou na estrada que levava a Honeywell. O solo era rico e o clima perfeito para o cultivo de frutas cítricas e legumes, mas a fazenda era famosa pela ótima qualidade do gado que possuía.
Espero que tenha contado a Nathan que iria me trazer - disse ela, rompendo o silêncio.
Não vi razões para esconder - retrucou Damian, sem tirar os olhos da estrada.
A amargura tingiu o sorriso que se formou na boca suave de Júlia.
Imagino que ele não tenha ficado muito satisfeito.
Não disse uma palavra, mas notei um leve traço de contrariedade em Márcia quando mencionei seu nome.
Você acha que ela sabe que Nathan e eu fomos noivos?
Eu não sei. - Damian franziu as sobrancelhas e lançou um rápido olhar a Júlia. - Márcia é muito possessiva, e qualquer mulher solteira é considerada uma ameaça.
O medo de Júlia pela noite que estava por vir aumentava a cada minuto e mudou o assunto na esperança de aliviar a própria tensão.
Você mencionou dois casais.
Os Marlow e os Sampson - assentiu Damian, com um sorriso cínico. - São mais amigos de Márcia que de Nathan, e só sei que são ricos e influentes.
As palavras "ricos e influentes" fizeram Júlia baixar os olhos duvidosos para a calça branca de algodão e a camiseta sem mangas de tricô amarela. Um braai era sempre uma ocasião informal ao ar livre, mas começava a pensar que devia ter escolhido algo mais sofisticado.
- Você não está fazendo uma boa imagem de Márcia Grant - reprovou ela, mas sentindo um certo conforto ao vislumbrar Damian, que vestia uma camisa sem gola, jeans desbotado e sapatos esportivos.
Não estou tentando influenciar sua opinião sobre ela - assegurou Damian -, mas acho que deve saber o que vai encontrar.
Não me diga que está pensando que Márcia e eu vamos entrar em combate? - perguntou Júlia, com um riso nervoso.
A possibilidade não pode ser descartada. - Damian deu um rápido sorriso que não chegou aos olhos verdes. - Márcia tem o hábito de lidar rápida e ferozmente com alguém que considere um rival.
Não tenho intenção de competir com ela - protestou Júlia.
Não é exatamente a verdade - Damian retrucou. - Se está surgindo uma segunda chance, deve aceitá-la.
Ele possuía uma maneira desconcertante de revelar a essência de um problema, mas Júlia não iria permitir que a fizesse confessar coisa alguma.
- Não estou procurando uma segunda chance - disse ela. - Quando rompi meu compromisso com Nathan, há cinco anos, soube que teria de esquecê-lo para sempre.
- Pode ter afastado Nathan de sua mente, mas nunca de seu coração, Júlia.
Ela não conseguia decidir se era bom ou ruim ter um amigo que a conhecia tão bem.
- Estou certa de que Nathan foi bem-sucedido onde eu falhei.
- É engraçado, Júlia, mas um homem raramente esquece uma mulher que não pôde ter.
"Não faça isso comigo, Damian", ela queria gritar. "Não me dê esperanças onde não existem!"
A entrada de Honeywell estava bem à frente, e o coração de Júlia bateu acelerado. Visitara a fazenda duas vezes em companhia de Roland, quando ainda pertencia aos Breedt, e nunca esquecera a hospitalidade calorosa deles, mas não esperava a mesma recepção de Nathan.
Damian estacionou o Jaguar próximo à ampla varanda, e Júlia ficou feliz em ver que a estrutura magnífica da velha casa não havia sido alterada, exceto por algumas reformas nos pilares de pedra.
Júlia havia saído do carro e esperava Damian quando algo a fez voltar-se para encontrar Nathan encostado na entrada da varanda.
Estava ciente da própria agitação quando viu o corpo forte em uma camisa marrom e calça creme que delineava perfeitamente os quadris e as coxas musculosas.
- Olá, Nathan - cumprimentou ela, com uma calma que não soube de onde tirou, mas deu a mão quando ele se aproximou. Nathan, contudo, fingiu não perceber o gesto e a ignorou.
- Chegamos cedo - cumprimentou Damian, aproximando-se para colocar um braço em torno dela, confortando-a, e os olhos de Nathan estreitaram-se quando seguiram o movimento. - Júlia sempre foi pontual, lembra-se? - Damian brincava com a memória do amigo propositalmente.
A expressão de Nathan endureceu, e Júlia se preparou para uma resposta embaraçosa, porém Márcia chegou naquele instante.
Elegante e sofisticada em um top preto e calça justa, o olhar especulativo de Márcia passou por Júlia antes de segurar o braço de Nathan em um gesto possessivo.
- Querido, acho que é hora de acender o fogo.
Nathan concordou e mais uma vez se dirigiu a Damian como se Júlia não estivesse lá.
Entre e tome um drinque.
Sugiro que esqueça a grosseria de Nathan - comentou Damian, quando ficaram sozinhos e a raiva marcava o rosto geralmente amável.
Eu não deveria ter permitido que me chantageasse para vir aqui esta noite - disse ela, tremendo.
É óbvio que Nathan pretende fazê-la sentir-se desconfortável, mas você é forte o bastante para impedir.
Júlia olhou o rosto de Damian e forçou um sorriso.
Obrigada por tentar levantar meu ânimo.
Venha, vou lhe fazer um coquetel antes de apresentar todo mundo.
Júlia ficou agradavelmente surpresa quando viu que a decoração da sala de estar havia sido modificada, proporcionando luminosidade e ventilação. Haviam sido instaladas portas de vidro que deixavam à mostra um lado da varanda, onde havia sido construída uma churrasqueira.
Jack Marlow e Walter Sampson eram empresários de Joanesburgo e Júlia estimou a idade deles e de suas esposas entre trinta e cinco e quarenta anos. Beatrice Sampson havia sido enfermeira antes de se casar, e, quando descobriu que possuía algo em comum com Júlia, conversou por um longo tempo, o que ajudou a aliviar a tensão dos primeiros momentos.
O fogo estava aceso e o aroma de carne assada impregnou o ar. A atmosfera estava descontraída, mas Júlia não conseguiu afastar o próprio mal-estar, ciente de que Márcia a observava de vez em quando, com um ar suspeito nos olhos escuros.
Damian permanecia com os outros homens perto da churrasqueira, mas ele não negligenciava Júlia, e sempre vinha a seu encontro quando suspeitava que ela se sentia ameaçada.
O aroma da carne assando despertava apetites, mas Júlia tinha certeza de que não conseguiria comer nada. Tentara desesperadamente não olhar na direção de Nathan, mas os olhos pousavam sobre ele como se atraídos por um imã.
Estava ciente da intimidade entre Nathan e Márcia. Cada sorriso que trocavam era como se cravassem uma faca em seu coração e rezava para que ninguém percebesse a angústia que vivia.
Márcia era uma ótima anfitriã, Júlia teve de admitir, e, com a ajuda de um empregado, trouxe vários pratos de saladas que ajeitou sobre uma mesa comprida, na varanda.
Júlia escolheu o menor pedaço de braaivleis que encontrou e, quando levantou o olhar, percebeu os olhos azuis de Nathan sobre ela. Sua garganta começou a doer e virou o rosto antes que ele visse as lágrimas aflorarem aos olhos.
Damian surgiu a seu lado como se adivinhasse algo e a envolveu em uma conversa animada, que lhe deu a oportunidade de se recompor.
Júlia dirigiu um sorriso agradecido ao amigo quando foram sentar com os pratos no colo, e ele piscou, encorajador.
Uma música agradável vinha de um aparelho de som na varanda, e logo depois a dança começou. Júlia não estava com vontade de dançar, mas não poderia recusar o pedido de Damian, e dançavam a uma certa distância dos outros quando Nathan apareceu.
O rosto estava frio como o gelo e havia algo perigoso nos olhos azuis que passearam por Júlia antes de se fixarem em Damian.
De amigo para amigo - começou Nathan -, penso que deveria avisá-lo de que está se envolvendo com uma mulher sem escrúpulos. É apenas uma provocação, brinca com suas emoções e depois se diverte com isso.
Agora, olha aqui, Nathan! Eu acho que é hora de...
Damian!
Júlia gritou o nome dele instintivamente, a mão sobre o braço o fez parar a tempo, e o embaraço inicial desapareceu para deixar pálido o rosto dela quando sentiu que o amigo estava prestes a revelar seu segredo.
Não vou permitir que insulte você! - protestou Damian, irado, a voz baixa para manter a discussão longe das atenções dos convidados, mas os olhos verdes brilhavam furiosos.
Damian, por favor! - ela implorou, os dedos pressionando o braço do amigo enquanto o temor sufocava seu peito.
Ele sabe que lhe contei a verdade - disse Nathan com cinismo na voz. - Vai fazer um idiota de si mesmo se defendê-la, e é isso o que ela está tentando evitar.
Damian nunca parecera tão zangado, e Júlia não poderia condenar o amigo se revelasse a verdade, mas ela desejava ardentemente que aquilo não acontecesse.
- Em todos os anos que nos conhecemos - disse Damian, finalmente -, é a primeira vez que sinto vontade de lhe dar um soco, Nathan, mas não é nossa amizade que me fez parar essa noite, e sim o conhecimento de que irá lamentar suas acusações. - Voltou-se para Júlia e relaxou. - Vamos dar uma volta antes que eu diga mais do que deveria.
Damian permaneceu em silêncio durante o que pareceu uma eternidade, até que ela parou, voltando o rosto para encarar o amigo.
Gostaria que soubesse que aprecio sua preocupação, mas eu preferiria que não se envolvesse, Damian. Estava lá quando precisei de alguém, e estou feliz que saiba a verdade, mas a última coisa que desejo é estragar uma amizade de tantos anos.
Nathan tem de saber a verdade, Júlia - insistiu ele. - Sua determinação em não contar só aumenta os conceitos repugnantes dele.
Vou dizer a verdade a Nathan - prometeu ela -, mas no momento certo. - A única resposta que Júlia recebeu foi o som da música ao longe e sentia-se exausta quando pediu:
Você poderia me levar para casa?
Claro - concordou Damian. - Acho que vou até a cidade me acalmar um pouco.
Vou pegar minha bolsa e a jaqueta.
Irei com você.
Não será necessário - disse ela, rapidamente. - Prefiro que espere no carro.
Talvez tenha razão - concordou ele, sorrindo. - Ainda estou com vontade de atirar umas verdades na cabeça de Nathan.
É disso que tenho medo - admitiu ela, deixando-o no jardim enquanto ia até a casa.
Não encontrou Nathan quando foi até a varanda pegar suas coisas, e não tinha intenção de procurá-lo para ser insultada novamente.
- Espero nos encontrarmos algum dia - anunciou Béatrice Sampson, quando Júlia se despediu. Entretanto, Márcia estava com uma expressão que dizia: "Não se eu puder evitar!"
Júlia teve de atravessar a casa para sair pela porta da frente, mas, para seu desgosto, Márcia a seguiu.
- Gostaria de conversar com você em particular, antes que vá embora, Júlia - disse ela, abrindo a porta de uma pequena sala. Os olhos escuros de Márcia estavam frios quando fechou a porta e foi direto ao assunto: - Sei que já foi noiva de Nathan, mas isto é passado e é assim que queremos que continue.
Júlia teve de reprimir uma louca vontade de rir. Márcia não sabia, mas estava lutando contra uma rival indefesa e agradeceu ao rígido treinamento como enfermeira que lhe permitiu esconder os sentimentos.
Não tenho nenhuma intenção de reviver o passado - Júlia respondeu friamente.
Fico feliz em ouvir isso, mas achei que não seria ruim avisá-la de que não vou tolerar sua interferência em nossas vidas. - A boca de Márcia sorria, mas havia maldade nos olhos. - Teve sua chance com ele uma vez, mas a perdeu, e saiba que Nathan jamais esquecerá o que você fez. Ele é meu, agora, e é bom se lembrar disso!
Não está muito segura de Nathan, não é?
O que quer dizer? - exclamou Márcia, os olhos escuros indignados. - Claro que estou segura quanto aos sentimentos dele!
Não, não está - insistiu Júlia, com uma tranqüilidade que aumentava ainda mais a ira de Márcia. - Não haveria necessidade de me avisar se estivesse completamente certa do que ele sente por você - explicou Júlia.
O que Nathan e eu temos juntos é algo que nunca compreenderá - disse Márcia com um sorriso, como se ela estivesse no absoluto controle da situação. - Nós nos entendemos perfeitamente e planejamos fazer disso um relacionamento permanente.
O coração de Júlia acelerou dolorosamente no peito.
- Vocês vão se casar?
O sorriso complacente de Márcia foi a resposta necessária, e Júlia sentiu que algo morria em seu íntimo.
- Posso dar a Nathan o que ele quer, e muito mais. Meu pai é um homem influente e pode oferecer a ele uma carreira brilhante como neurocirurgião. - Havia malícia sem disfarce no sorriso que Márcia dirigiu a Júlia. - Você não iria querer que nada atrapalhasse o sucesso profissional dele, não é?
Júlia sentiu náuseas. Não deveria ter subestimado aquela mulher, e o destino havia colocado diabolicamente a arma mais poderosa nas mãos de Márcia. Não, não queria prejudicar Nathan.
- Não, você não gostaria de impedir o sucesso dele - respondeu Márcia, com um sorriso triunfante. - Ainda está apaixonada por ele, mas nunca o terá de volta. Nathan é meu agora, e é assim que ele quer.
Júlia estava certa de que ficaria doente se permanecesse na mesma casa que aquela mulher. Passou por Márcia e saiu para respirar o ar puro da noite em uma tentativa desesperada de se recompor.
Está se sentindo bem? - perguntou Damian, ansioso, quando ela entrou no carro. - Parecia um pouco estranha quando saiu da casa.
Estou muito bem, Damian - afirmou ela. - Só me leve para casa, por favor.
Aquela era uma noite da qual Júlia não se esqueceria tão cedo. Ter sido ignorada e insultada por Nathan parecia insignificante perto do confronto que tivera com Márcia, e as palavras duras e cruéis que ouvira dela ecoavam em sua mente repetidas vezes.
Nathan jamais dependera da influência de outras pessoas para conseguir o que desejava, mas cinco anos eram um longo tempo, e seu código de valores poderia ter mudado.
Havia sido ambicioso na busca por conhecimento, mas agora parecia estar procurando fama e sucesso. Alguém poderia ter mudado tanto?
Vai me convidar para um café? - perguntou Damian, e Júlia voltou ao presente para descobrir que já estavam em frente de sua casa.
Sim, claro - concordou rapidamente, saindo do carro e guiando-o até a porta.
Eu lhe devo desculpas. - Damian a seguiu até a cozinha. - Se soubesse que Nathan iria se comportar de maneira tão desprezível, eu nunca a teria levado esta noite.
Não se culpe - confortou Júlia. - O comportamento de Nathan foi compreensível.
Você perdoa demais. - Ele pousou o dorso da mão no rosto de Júlia e a observou cinicamente. - Está um pouco pálida e gelada. Tem certeza de que está bem?
Sim, estou - mentiu, dando as costas ao amigo para servir o café. - Conhece o pai de Márcia? - perguntou.
Não conheço pessoalmente, mas sei sobre ele. - Os olhos verdes estavam curiosos quando a encararam do outro lado da mesa. - Por que perguntou?
Curiosidade, apenas. - Júlia segurou a xícara entre as mãos, esquentando-as. - É um homem influente?
Eu diria que sim. Ele se interessa por quase tudo e tem amigos nos lugares certos.
Ele estendeu seus interesses à medicina? - insistiu Júlia.
É estranho que tenha mencionado tal coisa - disse ele, franzindo as sobrancelhas. - Basil Grant é o maior acionista em um projeto de construção de um hospital particular, onde ricos pacientes irão gastar gordas quantias, e ouvi comentários de que ele pretende colocar Nathan como diretor do departamento de neurocirurgia.
Imagino que esta seja uma ótima oportunidade - comentou Júlia, sentindo-se gelar.
Depende de como você a considere. - A boca de Damian sugeria um sorriso, mas a expressão era de contrariedade. - Certamente, Nathan ficaria famoso, mas também estaria vendendo sua alma aos donos do negócio. Ele estará se limitando a um hospital particular, e os diretores serão muito exigentes quanto à internação dos pacientes.
Júlia mal podia esconder o desgosto. Era difícil acreditar que o homem amado fosse participar de atitudes tão antiéticas.
Nathan lhe deu alguma indicação de que pretende aceitar a oferta?
Nathan não tem falado muito sobre si mesmo ultimamente. Trabalha muito, diverte-se bastante, mas guarda os sentimentos para si próprio. - Os olhos verdes capturaram os dela. - Ele não é o mesmo homem que conheceu, Júlia.
Ela sentiu a garganta apertar e engoliu com dificuldade.
E alguém pode culpá-lo, Damian?
Quem sabe. - Damian balançou os ombros. - Ele ficou muito magoado quando você rompeu o compromisso, mas há pessoas que sofreram situações parecidas sem mudar tanto.
Júlia colocou a xícara vazia na pia e levou os dedos às têmporas doloridas.
Deus sabe que passei muitas noites acordada me perguntando se havia agido certo, mas sempre parecia chegar à mesma conclusão. Não poderia atrapalhar a carreira dele e eu sei que Nathan não viajaria para a Europa sem mim.
Você está certa. Não foi uma decisão fácil de ser tomada e um dia, talvez, ele irá apreciar o que fez.
Não quero a gratidão dele - protestou Júlia, balançando a cabeça. - Quero que seja feliz.
Júlia surpreendeu-se com aquelas palavras, mas eram a expressão da verdade. A felicidade de Nathan era mais importante que tudo, e, se ele fosse feliz com Márcia, então, nunca iria interferir.
Você é a única pessoa que conseguiria torná-lo feliz.
Não, Damian. - Júlia tentou sorrir, mas os lábios tremeram com o esforço de reprimir as lágrimas, e a resignação estava estampada no rosto pálido quando encarou o amigo.
- Nathan mudou, você mesmo disse, e não posso dar mais a ele o que deseja.
- Eu acho que ele não sabe exatamente o que deseja, mas vir para cá foi a melhor coisa que Nathan poderia ter feito. - Os olhares se encontraram e então Damian sorriu, levantando-se. - Eu poderia ficar aqui a noite inteira conversando com você, mas está ficando tarde e tenho de voltar a Honeywell.
- Vou ver você de novo, antes que volte a Joanesburgo? - perguntou ela, enquanto o acompanhava até o carro.
Acho que não - disse ele, dando um sorriso. - Vou partir amanhã bem cedo para me encontrar com uma linda jovem antes de levá-la para o hospital na segunda-feira. Vai sofrer uma cirurgia corretiva na perna que feriu em um acidente de carro.
Fico feliz que não tenha mudado, Damian. - Ela sorriu com uma mistura de tristeza e carinho. - Você ainda é o homem encantador que conheci.
Ele recusou o elogio com um gesto vago e observou Júlia com curiosidade.
Você não sente falta de trabalhar em um hospital?
Às vezes - confessou, depois de pensar um instante.
Havia considerado uma experiência interessante fazer parte de um grupo no hospital, mas estava satisfeita trabalhando para Roland de Necker, que, juntamente com a esposa, revelaram-se grandes amigos.
- Crie coragem, minha querida - murmurou Damian, baixando a cabeça para dar um beijo no rosto de Júlia. - Vou telefonar, e cuide-se.
Júlia ficou lá fora, na escuridão, por um longo tempo depois que Damian partiu, e um único pensamento vinha a sua mente. O destino havia reunido Nathan e ela mais uma vez, entretanto, parecia óbvio que não havia um futuro para eles, juntos. Ele pertencia a Márcia, iriam se casar e o sucesso estaria seguro.
CAPÍTULO V
J
úlia passeava tranquilamente ao longo do rio com Warren. O pôr-do-sol compunha um cenário belíssimo, refletido na água. A área de piquenique estava deserta, todos já haviam retornado a suas casas depois de um domingo de sol, e Júlia respirou o ar puro profundamente. Um martim-pescador fez um vôo rasante sobre a água corrente e eles pararam para ouvir o som familiar da ave.
O som da África - comentou Warren.
O grito do martim-pescador já foi gravado por especialistas inúmeras vezes - concordou ela, levantando os olhos para ver o sol além das montanhas.
Tudo o que restava era uma tonalidade rosa no céu e despertava uma grande tristeza em Júlia, evocando lembranças do dia em que fora ao braai com Damian.
- Nunca percebi o quanto estava perdendo quando morava na cidade, e será muito difícil para mim deixar este lugar.
Warren parou abruptamente e os dedos dele pressionaram o braço de Júlia, fazendo-a voltar-se.
Não está pensando em ir embora, não é, Júlia?
É algo em que devo pensar seriamente - respondeu, ciente de que não suportaria viver em Doornfield depois que Nathan e Márcia se casassem. Vê-los juntos seria uma forma de
tortura à qual não pretendia se sujeitar.
Temos nos visto com mais freqüência nas últimas semanas. - Os olhos escuros de Warren a observavam fixamente.
Posso concluir que está começando a gostar de mim?
Sempre gostei de você - respondeu Júlia, sinceramente - mas no passado eu temia que exigisse de mim mais do que amizade, e é por isso que nunca o encorajei.
Está me encorajando agora?
Não tenho certeza - respondeu com um leve sorriso.
Júlia...
Vá devagar, Warren - ela pediu rapidamente, as mãos sobre o peito dele quando tentou abraçá-la. - Gosto de você e adoro sua companhia, mas é tudo o que posso dizer no
momento.
Não estou pedindo muito, Júlia - disse ele, em voz baixa, as mãos acariciando os ombros dela. - Sei que nunca me amará como eu a amo, mas posso fazê-la feliz, se me deixar tentar.
Júlia sentiu um aperto no coração e os olhos cinzentos encheram-se de lágrimas.
Acho que vou chorar - murmurou.
Case comigo, Júlia.
Ela balançou a cabeça enquanto enxugava as lágrimas.
Não seria a esposa certa para você.
É a sua opinião, não a minha - insistiu Warren, as mãos pressionando os ombros frágeis.
Warren, eu... - O protesto morreu em seus lábios, quando por um breve instante ela realmente considerou a hipótese de se casar com ele, mas sabia que não era certo, e as mãos afastaram o peito dele. - Estou lisonjeada, Warren, mas não posso me casar com você.
Se mudar de idéia, vai me dizer?
Era um pedido razoável, e Júlia o considerou por alguns instantes.
- Não posso prometer nada, mas, sim, vou lhe dizer se mudar de idéia.
Warren beijou-a levemente nos lábios, segurou seu braço e voltaram para o chalé.
Os pensamentos de Júlia estavam num doloroso turbilhão e sentia-se culpada por não respeitar os sentimentos de Warren. Ele estava apaixonado e queria se casar. Sabia disso já há algum tempo, mas não havia feito nada para desencorajá-lo. Um sentimento de culpa invadiu seu peito.
- Acho que Tommy Durandt se feriu seriamente alguns dias atrás, quando o trator que dirigia virou, na fazenda do pai.
O comentário de Warren rompeu o silêncio entre eles e levou algum tempo para Júlia sair daqueles pensamentos confusos. Depois de três anos em Doornfield, havia se acostumado com a rapidez com que as notícias corriam na cidade.
Aquele rapaz tem sorte de ainda estar vivo - disse ela.
Ele se feriu muito? - indagou Warren.
Sim.
Júlia franziu as sobrancelhas enquanto lembrava sua própria ansiedade com o jovem paciente, internado por Roland no hospital, três dias atrás, com múltiplos ferimentos.
Não tenho permissão para discutir sobre um paciente.
Tommy Durandt havia sido escolhido, antes do acidente, para jogar no principal time de rúgbi da escola - continuou Warren. - Acha que ele voltará a jogar?
É cedo para dizer.
Balançando os ombros, Júlia deu a única resposta possível nas circunstâncias, e felizmente ele mudou de assunto.
Júlia serviu café a Warren quando chegaram em sua casa, e como que sentindo sua necessidade de ficar sozinha, ele partiu logo depois.
Warren Chandler era um homem sensível e aquela era uma das coisas que mais gostava nele. Ele faria qualquer mulher feliz, pois era bom, trabalhador e seria um ótimo marido, mas não conseguia imaginar a si mesma como sua esposa. Amava-o, mas não como uma mulher deveria amar um homem com quem se casaria, e Warren merecia bem mais.
Nathan. Oh, se conseguisse afastá-lo de sua mente e de seu coração! Ele era tudo o que sempre quisera em um homem, mas o destino havia determinado que nunca seria dela.
Por alguma razão, a sala de espera do consultório estava sempre lotada na segunda-feira, mas Júlia não se incomodava. Era uma forma de esquecer os problemas, e sentiu-se agradavelmente cansada durante um intervalo na tarde, o qual aproveitou para fazer café.
Levando uma bandeja, entrou na sala de Roland para encontrá-lo, pensativo, estudando uma série de radiografias.
Tommy Durandt? - adivinhou instintivamente.
Sim - resmungou ele, enquanto colocava os raios X em um grande envelope marrom. - Estou preocupado com ele, Júlia.
Ele não está reagindo ao tratamento? - perguntou ela, entregando-lhe uma xícara de chá.
A condição dele é estável, e a maior parte dos ferimentos já sarou, mas a contusão na espinha está provocando complicações.
As pernas?
Paralisadas - confirmou Roland. - Eu pedi outra série de radiografias que ficarão prontas esta tarde e vou colocar Tommy nas mãos de um especialistas.
Vai transferi-lo para Pietersagurg? - perguntou, bebericando o chá quente.
Roland a observou com curiosidade, balançando a cabeça.
- Por que arriscarmos com uma transferência se temos um especialista famoso em nossa cidade?
O coração de Júlia acelerou, e as mãos tremeram tanto que quase derrubou o chá.
Está se referindo a Nathan?
Sim - Roland concordou, sustentando seu olhar. - Ele virá às cinco da tarde para examinar os raios X, antes de irmos até o hospital.
Quer dizer que ele concordou?
Sem hesitação. - Roland a observava cuidadosamente sob os óculos. - Esperava que ele recusasse?
Eu... não... eu não tenho certeza - respondeu, embaraçada.
Estou convencido de que, se há alguém que pode ajudar Tommy, será Nathan Corbett. - Roland tomou o chá e sorriu enquanto colocava a xícara na bandeja. - Nathan tem aparecido nos jornais especializados com muita freqüência nos últimos dois anos, e construiu a reputação de "médico dos milagres".
Aquilo não a surpreendia. Sempre soubera que Nathan estava destinado a grandes realizações na profissão, e agora sabia que ele havia conseguido.
Não vai precisar de mim depois das cinco, não é? - perguntou, ansiosa para ficar longe do caminho de Nathan quando chegasse, mas Roland destruiu suas esperanças.
Eu gostaria que ficasse para nos fazer uma xícara de café quando Nathan chegar.
Está bem - concordou em voz baixa, levantando com a bandeja nas mãos.
Júlia. - O médico a fez parar antes que chegasse à porta, e ela voltou a cabeça ligeiramente. - Tommy merece o melhor.
Sim, claro - Júlia concordou, sem hesitar, mas estava trêmula quando fechou a porta atrás dela para levar a bandeja até a pequena cozinha do consultório.
Ela não soube como conseguiu passar o resto da tarde sem cometer nenhum erro. Os pensamentos estavam voltados para Nathan e o nervosismo aumentava a cada minuto. Temia encará-lo depois que tivera de suportar a frieza e os insultos no último encontro.
As mãos estavam geladas e rezava para que ele se atrasasse ou que Roland mudasse de idéia sobre querer que ela ficasse, contudo, mal o ponteiro atingiu o número cinco, Nathan entrou no consultório.
Uma veia batia freneticamente no pescoço e o som do ventilador fazia sua cabeça doer. O subconsciente registrava o homem orgulhoso e arrogante de cabelos escuros e ombros largos sob o paletó de linho bege. O colarinho da camisa branca estava desabotoado, deixando à mostra o peito bronzeado, mas ela se recompôs num instante, quando encontrou os frios olhos azuis.
O doutor Necker está esperando você - disse rapidamente e as pernas tremiam quando se levantou. - Por favor, é por aqui - explicou, indicando o caminho.
Liguei para sua casa várias vezes nas últimas duas semanas - disse ele, impedindo-a se passar. - Estava fora ou só fingia não estar em casa?
Os músculos do corpo de Júlia se retesaram com a surpresa, mas conseguiu manter uma expressão calma e fria.
Não consigo imaginar por que queria me ver, e muito menos alguma coisa que tivéssemos para conversar.
Eu consigo pensar em uma série de coisas que temos de nos falar, mas isso vai ter de esperar um pouco.
Júlia deu uma leve batida na porta para abri-la em seguida.
O sr. Corbett está aqui para vê-lo, doutor Necker.
Oh, sim. - Roland sorriu e levantou de sua cadeira quando Júlia ficou de lado para que Nathan entrasse. - Estou muito satisfeito em conhecê-lo, sr. Corbett.
Júlia saiu quando os homens se cumprimentaram e tremia tanto que sentia dificuldade em fazer café.
Roland e Nathan examinavam radiografias quando ela entrou com uma bandeja. Os dois homens pareciam alheios à presença dela e estava saindo em silêncio quando Roland disse:
- Obrigado, Júlia. Pode ir para casa agora.
Nathan levantou a cabeça abruptamente e os olhares se encontraram. Havia algo muito perturbador na forma como ele a observava e Júlia murmurou um rápido boa-noite, saindo em seguida.
Warren havia convidado Júlia para jantar naquela noite. O rapaz era uma ótima companhia, mas ela estava tendo dificuldades em se concentrar no que dizia.
O que Nathan teria decidido? Iria operar Tommy Durandt ou havia descoberto que não existiam chances de recuperação? Por que ele estava com aquele olhar estranho quando entrou no consultório com o café? E por que ela estava com um pressentimento estranho?
Estou feliz que tenha aceitado meu convite para jantar esta noite - comentou Warren, enquanto comiam a sobre mesa. - Minha irmã vai se casar no próximo sábado e minha mãe pediu que eu ajudasse com os preparativos.
Quando vai partir?
Vou para Durban amanhã cedo. - A mão de Warren alcançou a de Júlia sobre a mesa e a chama da vela entre eles dançou nos olhos escuros e sorridentes. - Vai sentir minha falta?
Imagino que sim - admitiu, sorrindo para ele, e os dedos de Warren pressionaram os seus.
Gostaria que pudesse ir comigo. Sei que minha mãe iria adorar você.
Os pensamentos voltaram instintivamente para Nathan. Os pais haviam morrido bem antes de Júlia conhecê-lo, mas tinha uma irmã casada morando no Zimbabue, com quem se correspondia regularmente.
- Com licença, senhor - pediu Joseph. - Há um telefonema para a srta. Henderson.
Júlia ficou assustada. Quem procuraria por ela no Restaurante Mopani... e por quê?
A srta. Henderson vai atender em meu escritório - respondeu Warren, levantando-se com Júlia.
Pois, não, senhor - Joseph assentiu, saindo rapidamente para transferir a chamada para o escritório.
Vou lhe mostrar o caminho, Júlia.
A expressão de Warren era de curiosidade, mas não fez nenhuma pergunta enquanto a guiava. Ele indicou o telefone e sorriu, dizendo antes de sair:
- Espero por você na nossa mesa.
Júlia murmurou um agradecimento e esperou até que Warren fechasse a porta antes de atender.
Júlia Henderson falando.
Desculpe-me por atrapalhar seu jantar, Júlia, mas preciso falar com você imediatamente.
O coração dela acelerou quando ouviu a voz do doutor Roland.
O que aconteceu? - perguntou, ansiosa.
Não é algo que eu gostaria de discutir pelo telefone - ele respondeu tranquilamente. - Se Warren puder trazer você até minha casa, depois eu providenciarei que alguém a leve
para casa.
Estarei aí o mais rápido possível - disse ela, tentando assumir uma atitude profissional, mas estava trêmula quando desligou.
Qual o problema? - indagou Warren, quando ela retornou à mesa para pegar suas coisas.
Eu não sei - respondeu com sinceridade. - O doutor Necker quer discutir alguma coisa comigo em sua casa e é urgente.
Vou levar você imediatamente - ofereceu Warren, sem hesitação.
Lamento por estragar esta noite - desculpou-se no caminho, e a mão dele pressionou a sua por um breve instante.
Haverá outras noites.
Júlia não respondeu, pois estava perturbada demais com o chamado de Roland. Ficou imaginando se teria alguma coisa a ver com Tommy, mas não sabia o que o médico poderia querer discutir com tanta urgência.
Não saia - disse Júlia, colocando a mão na porta quando o Mercedes estacionou em frente à casa de Roland. - Obrigada pelo jantar maravilhoso e desejo uma ótima viagem, amanhã.
Telefonarei de Durban.
Vou esperar. - Ela sorriu, aceitando o beijo em seu rosto antes de sair do carro.
Warren esperou até que fechasse o portão de ferro e já caminhava para a porta da frente quando ele partiu. O coração batia acelerado ao chegar na varanda e desprezou a si mesma pelo tremor nas mãos ao apertar a campainha.
À porta abriu segundos depois e Elizabeth sorriu, fazendo Júlia entrar.
- Roland está esperando por você na biblioteca e disse para entrar assim que chegasse.
Júlia conhecia a casa e assentiu sem fazer perguntas. Seguiu pelo hall com passos rápidos, mas parou no corredor para secar as mãos úmidas na saia ampla do vestido cor de pêssego. Respirou fundo antes de entrar na biblioteca.
Roland estava sentado em sua mesa, mas os olhos assustados de Júlia foram atraídos como que por um imã para o homem que se levantava de uma das poltronas, e, ela, por um terrível instante, sentiu vontade de sair correndo.
Obrigado por vir tão rápido, Júlia - Roland estava dizendo, e ela afastou o olhar da intensidade perturbadora dos olhos azuis para perceber que Roland indicava uma poltrona.
Você disse que era urgente.
E é. - Roland fez um gesto em direção a uma bandeja com café. - Gostaria de uma xícara?
Não, obrigada. - Percebeu que Nathan voltava a sentar, mas ela não desviou os olhos de Roland. - Tem alguma coisa a ver com Tommy Durandt? - perguntou.
Sim, sim - confirmou Roland. - Quer que eu conte a ela Nathan?
Eu mesmo conto.
Contar o quê? - indagou, assustada, quando Nathan se levantou. Ela não teve outra escolha a não ser encarar os olhos azuis enquanto ele se aproximava para sentar sobre uma mesa a sua frente.
Há uma chance de que Tommy Durandt volte a andar, mas será necessária uma cirurgia que eu concordei em realizar e quero que me auxilie na operação.
Não pode estar falando sério! - Os olhos incrédulos de Júlia foram até Roland e voltaram para Nathan com uma terrível suspeita. - Se concordou em operar sob a condição de que eu o auxilie, então é desprezível!
Não é uma condição, é uma ordem - Nathan corrigiu, e havia aborrecimento nos frios olhos azuis.
Duvido que a enfermeira-chefe irá permitir, uma vez que há muitas enfermeiras qualificadas no hospital que poderiam auxiliar você perfeitamente.
Já foi tudo acertado com o superintendente, e a enfermeira-chefe concordou.
Aposto como ela não teve escolha! Além do mais, você não tinha o direito de arranjar tudo sem me consultar! - protestou Júlia, tentando controlar a raiva.
Estou pedindo agora. - O olhar desafiador de Nathan sustentava o seu. - Vai ser minha auxiliar?
A atmosfera na biblioteca estava tensa, e Júlia tinha a impressão de que as paredes estavam diminuindo. Levantou abruptamente, em silêncio, e dirigiu-se até a janela aberta para respirar o ar frio da noite.
A última vez em que trabalhei em uma sala de operações foi cinco anos atrás. - Júlia se voltou para os dois homens e balançou a cabeça. - Lamento, mas não poderia
concordar com isso.
Preciso de alguém comigo na sala de operações que esteja familiarizado com o meu método de trabalho. - Nathan se aproximou dela. - É uma operação muito delicada e arriscada, Júlia, e uma enfermeira insegura é algo que não poderei tolerar.
O que o faz pensar que não estarei insegura? - perguntou, a ansiedade fazendo sua voz sair mais alta que o normal. - Pelo amor de Deus, Nathan, já faz muito tempo! Estou enferrujada!
A boca dele sugeria um sorriso.
Não acredito que esteja.
Roland? - Júlia dirigiu os olhos suplicantes ao velho médico, mas não recebeu apoio.
Elizabeth concordou em ajudar no consultório, amanhã à tarde - disse Roland, calmamente.
Júlia sentia-se presa em uma armadilha, e não gostava da sensação. Por que Nathan estava fazendo aquilo? Por quê? Seria outra forma de vingança?
Ela passou a mão trêmula pelos olhos antes de levantá-los para encontrar o rosto desafiador de Nathan.
- Parece que não tenho outra escolha, se não aceitar.
A boca sensual de Nathan se curvou em um sorriso triunfante.
- Obrigado, Júlia.
- Não me agradeça, ainda! - respondeu, afastando-se para tentar escapar daquela proximidade perturbadora. - Acho que vou aceitar aquela xícara de café agora.
Os olhos de Roland pareciam pedir desculpas, mas Júlia não estava com vontade de perdoar. Ficava feliz por Tommy com o fato de que Nathan iria operá-lo, mas estava assustada ante a hipótese de participar da cirurgia.
- Vou lhe dar uma carona até sua casa - Nathan ofereceu, vestindo o paletó, e Júlia hesitou antes de pegar o casaco e a bolsa.
Ela agradeceu aos céus por não encontrar Elizabeth quando saiu da biblioteca, pois não estava em condições de conversar com ninguém.
Sua raiva não permitiu nem ao menos que apreciasse o interior luxuoso da Ferrari de Nathan.
A rápida viagem até o chalé foi feita no mais absoluto silêncio, apesar das tentativas dele em manter uma conversa. Assim que o carro parou à frente da casa dela, Júlia se preparou para descer.
Obrigada pela carona - disse ela, fechando a porta atrás de si, mas Nathan a alcançou antes que chegasse ao portão.
Vou entrar com você - disse ele, segurando seu braço firmemente.
Não, você não vai!
Não pode me impedir.
A bolsa foi retirada de suas mãos antes que pudesse fazer qualquer coisa, e Nathan pegou a chave.
Como ousa! - gritou ela, fechando as mãos com força numa tentativa de reprimir o desejo de bater nele.
Pare com esse melodrama! - Nathan ordenou friamente, abrindo a porta e acendendo a luz na entrada antes de segurar mais uma vez seu braço para fazê-la entrar. - Tudo o que desejo é conversar com você, e não há motivo para se comportar como uma virgem assustada.
Estou cansada, Nathan, e é tarde - Júlia falou, tentando se acalmar.
São dez e meia, apenas! - Nathan consultou o relógio de ouro. - Duvido que se queixaria se estivesse com Warren Chandler.
Júlia estremeceu com a zombaria evidente na voz profunda.
Acontece que eu gosto da companhia de Warren.
Está querendo dizer que não gosta da minha?
Exatamente! - respondeu, caminhando até a sala de estar para acender a luz perto de sua poltrona favorita.
- Eu lhe devo desculpas, Júlia - disse ele, inesperadamente, seguindo-a. - Tive um comportamento abominável quando foi a Honeywell com Damian, e ele estava certo sobre uma
coisa... eu sinto muito.
Júlia fechou os olhos para reprimir as lágrimas. Aquele pedido de desculpas destruía sua raiva, e a tensão estava desaparecendo do corpo para deixá-la infinitamente cansada.
Esqueça - respondeu ela em um murmúrio, e as mãos de Nathan estavam quentes quando tocaram os ombros delicados, fazendo-a encará-lo. Mas Júlia não ousava encontrar os olhos azuis.
Quer dizer que estou perdoado?
Sim, está.
Droga, não faça isso! - ele explodiu com uma violência que a fez estremecer visivelmente, e Júlia mordeu o lábio quando as mãos de Nathan pressionaram os ombros.
Não fazer o quê? - perguntou em um soluço, olhando para cima finalmente.
Não seja sempre tão generosa!
Está bem, eu não perdôo você! - retrucou, furiosa, colocando as mãos no peito forte para afastar Nathan. - Você foi rude, me insultou e não merece ser perdoado.
Assim está melhor - disse ele, com um leve sorriso, mas aquela explosão de raiva havia enfraquecido o corpo de Júlia e não resistiu quando Nathan a guiou até o sofá. - Por que fingiu que queria casar comigo?
Júlia ficou de sobreaviso no mesmo instante e recuou até um canto do sofá. Estava a caminho de uma armadilha e iria cair nela, se não tomasse cuidado.
Não é hora de voltar para Márcia? - perguntou, friamente.
Márcia não mora comigo. - Os olhos dele estavam zombeteiros. - Ela é diretora de uma empresa de cosméticos em Joanesburgo, e está sempre muito ocupada.
Quando me contou que estava envolvido com ela, presumi que ficavam juntos em Honeywell - explicou Júlia, desejando ter ficado com a boca fechada.
Presumiu errado. - Nathan esticou o braço pelo encosto do sofá e se inclinou em direção a ela, o joelho roçando sua coxa perturbadoramente. - Não quero falar sobre Márcia, quero falar sobre nós.
Não quero discutir o passado, Nathan. - Ela desviou os olhos e se afastou mais para evitar o contato com o corpo dele. - Terminou, e eu quero que continue assim.
Não estará terminado enquanto eu não souber por que desistiu de se casar comigo, mas vamos deixar como está por enquanto. - Os dedos dele tocaram o queixo de Júlia, levantando o rosto, forçando-a a olhar nos olhos perturbadores. - Como se sente sobre amanhã?
Assustada - confessou, enquanto cada nervo em seu corpo se concentrava nos dedos fortes que acariciavam seu rosto.
Eu também.
Júlia abriu os olhos, incrédula.
Só está dizendo isso para que eu me sinta melhor.
Vai ser uma operação muito complicada - avisou Nathan, com uma mistura de humor e seriedade. - É por isso que quero você comigo. Trabalhamos muito bem juntos quando era enfermeira no hospital, e vou precisar de muita sorte.
Você não precisa contar com a sorte - retrucou Júlia, em voz baixa. - É um ótimo cirurgião e sempre fez o melhor nas situações mais difíceis.
Lembranças nostálgicas se misturaram com o presente e quando encontrou, os olhos dele sentiu-se envolver por uma necessidade que havia se tornado maior, em vez de diminuir, durante os anos.
O coração batia loucamente quando a mão de Nathan deslizou por seus cabelos, e ela sentiu a respiração quente contra sua boca.
Iria lhe dar o beijo tão desejado, tão ansiado ao longo dos anos. Porém, a razão voltou imediatamente, e Júlia respirou fundo, virando o rosto.
- Deve mesmo ir embora, Nathan. Por favor... Eu estou cansada e quero dormir.
Sentia-se trêmula quando ele a fez levantar-se, Júlia desejava ardentemente sentir a força dos braços de Nathan em seu corpo, mas não era possível.
Vejo você amanhã - disse ele, erguendo o rosto de Júlia, fazendo-a encará-lo. - Gostaria que chegasse uma hora antes.
Estarei lá - prometeu Júlia, escondendo as emoções cuidadosamente, mas ficou imaginando se conseguiria dormir depois de saber o que a esperava no dia seguinte.
Esteja no hospital às quatro da tarde, e não se atrase - ele avisou.
Júlia ainda permanecia no mesmo lugar quando ouviu Nathan partir e ficou sozinha com os próprios temores e aquele vazio que somente ele poderia preencher.
- Oh, Deus - murmurou. - Tenho de parar de amá-lo e desejá-lo tanto.
CAPÍTULO VI
A
sala de operações no hospital de Doornfield era moderna e bem equipada, e Júlia vestiu um avental apropriado para checar se tudo estava de acordo com as instruções de Nathan.
Não estava tão "enferrujada" como imaginara, e ficou surpresa ante a facilidade com que se adaptou à nova tarefa. Era como se nunca houvesse deixado aquela função.
Havia chegado no hospital pontualmente às quatro da tarde, e Nathan já esperava por ela para dar breves instruções sobre a cirurgia.
Quando o relógio marcou cinco horas, Júlia sentiu a tensão familiar que sempre experimentava antes de uma cirurgia.
O paciente já estava na mesa de operações, o anestesista pronto para começar, e ela examinava pela última vez a bandeja de instrumentos.
- O sr. Corbett acaba de entrar - sussurrou a enfermeira-assistente, com admiração evidente, enquanto Nathan se aproximava com os passos rápidos e seguros que Júlia conhecia tão bem.
O passado e o presente pareciam se misturar com uma força violenta, enquanto observava o corpo alto e bem-proporcionado de Nathan vestindo o traje verde-claro que ele usava para fazer cirurgia.
Sentia uma confusão de emoções quando se aproximou, para ajudá-lo a amarrar a máscara. Ele a encarou, os olhos azuis muito brilhantes, e todo o seu nervosismo desapareceu ante a tranqüilidade dele.
- Está pronta?
Aquela voz profunda soou agradavelmente em seus ouvidos, e os olhos cinzentos sorriram para ele.
- Estou pronta.
Nathan fez um sinal para o anestesista, antes de estender a mão com um pedido abrupto:
- Bisturi.
Júlia entregou o instrumento. A autoconfiança retornava e, nas próximas três horas e meia, nada mais pareceu existir, apenas a operação em curso sob as luzes brilhantes da grande sala.
Assistia, fascinada, a habilidade de Nathan, os gestos firmes dos dedos longos trabalhando sobre a área danificada. Já o havia visto operar diversas vezes, mas sabia que agora estava observando um profissional amadurecido.
Roland tinha razão ao dizer que ele fazia milagres. Nathan estava fazendo milagres na coluna de Tommy Durandt, e Júlia não tinha dúvidas de que o rapaz voltaria a andar.
Ela mal conseguia esconder o brilho de admiração nos olhos quando o paciente foi levado para a sala de pós-operatório, e não podia culpar Nathan pela expressão satisfeita quando retirou a máscara e as luvas.
- Obrigado, Júlia - disse ele, sorrindo para ela, quando tomavam um café na sala dos médicos residentes. - Ainda é a melhor enfermeira com quem já trabalhei.
O rosto de Júlia se iluminou com o cumprimento, mas havia algo nos olhos dele que provocavam um tremor difícil de controlar.
Você é o melhor cirurgião que já tive a honra de auxiliar - retrucou ela. - Sua técnica era estranha para mim, mas foi maravilhosa.
Tive a oportunidade de estudar diversos métodos em neurocirurgia na Europa e foi uma experiência inesquecível.
Eu sei - murmurou ela, desviando o olhar.
Ele havia falado sem rancor, mas Júlia sentiu lágrimas nos olhos.
Valera a pena! O sacrifício e a dor que sentia eram recompensados pelo sucesso profissional de Nathan!
Piscou para afastar as lágrimas e se concentrou no café. Nathan estava sentado em uma poltrona com as pernas longas e musculosas esticadas. Parecia relaxado, mas, por algum motivo, Júlia percebeu que havia uma certa tensão.
Observou-o em silêncio, os olhos cinzentos passeando pelo rosto bonito e forte, o pescoço bronzeado, os ombros largos sob a camisa branca e a calça cinza que delineava os quadris estreitos.
Júlia reprovou a si mesma pela forte atração que começava a sentir, mas seu corpo parecia preso em uma onda de desejo que despertava totalmente sua feminilidade.
Os olhos se encontraram inesperadamente, e ela sentiu-se ruborizar-se, embaraçada, quando a boca dele se curvou em um sorriso lento e sensual.
Tinha de ir embora!
Levantou-se para chegar à porta antes que fizesse de si mesma uma tola, mas parecia que suas pernas iriam falhar quando colocou a xícara sobre a mesa.
- Já está indo embora?
Podia sentir o olhar de Nathan sobre ela quando pegou a bolsa.
É tarde - disse, sem se voltar. Apertava os dentes com tanta força que a resposta saiu em um sussurro.
Está bem - concordou Nathan, lentamente. - Vou ficar mais um pouco para dar outra olhada em Tommy.
Júlia recuperou parte do autocontrole e se agarrou a ele quando encarou Nathan para desejar um breve boa-noite, antes de partir.
O ar frio da noite atingiu seu rosto quando saiu do prédio. Sentiu-se reviver, mas ainda estava trêmula quando chegou a seu carro.
- Controle-se, Júlia Henderson! - reprovou a si mesma, quando deixou o carro morrer e teve de dar a partida uma segunda vez.
Chegou em casa depois das nove e meia da noite e se apressou em tirar as roupas para tomar um banho relaxante. Estava cansada, e a água quente diminuía a tensão nos músculos doloridos, mas sua mente ainda estava presa em um turbilhão.
Sabia o quanto as emoções de uma mulher podiam ser despertadas, mas os sentimentos que experimentara naquela noite se aproximavam da luxúria. Nathan teria percebido?
Estava agitada quando saiu do banho e se enxugou vigorosamente.
Oh, como desejava apagar da memória o que acontecera! Mas não conseguia, e resmungou enquanto vestia o robe azul de tecido atoalhado. Penteou os cabelos e vestiu chinelos macios antes de ir para a cozinha.
Não estava com fome, mas tinha de comer alguma coisa e preparou ovos, torradas e café. Comeu sem vontade, mas demorou na cozinha saboreando o café.
Estava mais calma e começando a relaxar quando alguém bateu a sua porta.
Dez e meia! Quem poderia ser?
Seguiu até a entrada, o coração batendo acelerado e perguntou:
Quem é?
É Nathan.
Sentiu-se agitar ao som daquela voz. Não! Não podia deixá-lo entrar!
- Abra a porta, Júlia!
O ar da noite estava pesado com o aroma das flores. Sentiu-se alarmar quando lembrou que estava nua sob o robe. Mesmo assim, abriu a porta, e Nathan adentrou sem pedir licença.
O que está fazendo aqui a esta hora da noite? - perguntou, irada.
Gostaria de poder dizer que estava passando e vi a luz acesa, mas não seria a verdade.
Júlia se acalmou quando percebeu que ele ainda vestia as mesmas roupas do hospital.
Não me diga que estava até agora no hospital?
Eu não quis sair antes de ter certeza de que nosso paciente estava repousando tranquilamente.
Júlia percebeu um ar de extremo cansaço no rosto de Nathan, e teve certeza de que ele havia estado preocupado demais com a operação para pensar em comida durante o dia.
Está com fome? - perguntou, seu lado prático tomando conta da situação.
Na verdade, eu estou faminto - ele admitiu, dando um sorriso, e Júlia seguiu até a sala de estar.
Vou preparar alguma coisa para você comer, mas depois vai embora - disse ela, adotando um ar frio. - Gostaria de um pouco de sherry enquanto espera?
Seria ótimo, obrigado.
Sente-se e relaxe - disse Júlia, e esperou até que ele retirasse o paletó azul e sentasse em uma cadeira, para depois servir a bebida. - Chamo você quando a comida estiver pronta.
Júlia seguiu até o quarto a fim de colocar uma roupa, já que não poderia permanecer de robe. Vestiu uma calça lilás e uma blusa branca. Deu um jeito nos cabelos e sentia-se menos desprotegida quando se dirigiu até a cozinha.
Preparava um bife grelhado e estava carregando uma bandeja com fatias de pão e queijo para a sala quando Nathan entrou na cozinha.
- Se eu ficasse mais um minuto na sala ia acabar dormindo - explicou ele, e havia um brilho zombeteiro nos olhos quando a observou. - Não havia necessidade de se vestir para mim, Júlia.
Ruborizada, Júlia deu as costas para ele, e tentou se concentrar enquanto preparava uma salada.
Nathan sentou na mesa onde ela havia colocado um prato, e Júlia tremeu ao perceber os olhos azuis que a observavam.
Vai contratar alguém para tomar conta da fazenda quando estiver fora? - perguntou, pela simples razão de falar alguma coisa.
Já contratei.
Hoheywell sempre foi uma fazenda de gado.
Pretendo que continue assim - respondeu ele, simplesmente. - O que fez com a casa de sua avó em Joanesburgo?
Júlia sentiu-se alarmar quando Nathan mencionou a avó, e estava ciente das perguntas que viriam.
Vendi a casa com a maioria dos móveis.
Por que se decidiu por um lugar como Doornfield?
É tranqüila, e eu sabia que poderia ser feliz aqui.
Você é feliz, Júlia?
Sim. - Aquela era uma meia-verdade. - Esperava que eu não fosse?
Não sei o que esperava. - O olhar especulativo de Nathan passou pelo corpo esguio. - Você emagreceu, mas ficou bem assim - acrescentou ele, com um sorriso sensual.
Júlia desviou o olhar rapidamente, mas estava ciente de que Nathan seguia todos os seus movimentos enquanto retirava os bifes do grill e ajeitava os ovos que fritara em um prato.
Bem, isso é o melhor que eu pude fazer - desculpou-se, colocando a comida em frente a ele.
Obrigado, tenho certeza de que está ótimo - disse Nathan, sorrindo, enquanto passava manteiga em uma fatia de pão e servia-se de salada.
Ele comeu avidamente, confirmando as suspeitas de que não havia se alimentado o dia todo, e uma onda de compaixão a envolveu quando se virou para ligar a chaleira. Preparou café para eles e sentou na mesa quando Nathan terminou de comer.
- Fale-me sobre Warren Chandler - pediu ele, inesperadamente. - É um amigo íntimo?
Júlia abaixou a xícara e os doces olhos cinzentos se fixaram nos dele.
Conheço Warren há mais de dois anos.
Isso não diz nada. - Ele deu um breve sorriso. - É seu amante?
Ficou rígida com a fúria, mas não desviou o olhar.
Como pode ser meu amante, se, como você mesmo disse, eu provoco um homem e me afasto antes de ir para sua cama?
Aquilo foi uma coisa imperdoável que eu disse num momento de raiva.
Foi mesmo - ela concordou.
Posso concluir, então, que Warren é seu amante?
Não, Warren não é meu amante - ouviu-se dizer com sinceridade.
Há mais alguém?
Não há ninguém. - O que tinha a ver com aquilo? Ele tinha Márcia, o que mais podia querer? - Por que estou sendo sujeitada a estas perguntas, Nathan?
Apenas curiosidade.
Nathan sorriu lentamente enquanto se recostava na cadeira, os olhos brilhantes sobre ela. Uma doce intimidade se estabelecia entre eles, fazendo o coração de Júlia bater mais depressa.
- É como nos velhos tempos, não é?
Nathan a fazia recordar algo que estava tentando desesperadamente esquecer.
- Lembra-se de que costumava preparar um lanche quando trabalhávamos até tarde no hospital?
Se ela lembrava? Como poderia esquecer as horas que passavam juntos antes de...
Afastou aqueles pensamentos rapidamente, desejando poder controlar as batidas de seu coração com a mesma rapidez.
Lembro - respondeu Júlia, a voz rouca de emoção, e baixou os cílios para esconder a tristeza nos olhos.
Costumávamos fechar a porta da cozinha para não perturbar sua avó, e então você preparava as mais deliciosas refeições com o que conseguisse encontrar na geladeira.
Júlia não queria se lembrar do passado, mas parecia envolvê-la com um manto, até que sentiu-se sufocada pela lembrança dos risos, os sonhos e o amor que haviam compartilhado.
Os dois primeiros não eram mais para ela, mas o amor ainda permanecia, apesar de tudo.
Lançou um olhar para Nathan e desejou que não estivesse ali em sua casa.
Havia um brilho estranho nos olhos dele que a fez prender a respiração. Júlia descobriu-se observando fixamente a camisa desabotoada que deixava à mostra os pêlos no peito bronzeado.
O desejo de tocar e sentir a pele de Nathan sob seus dedos era incrivelmente forte, e teve de fechar as mãos com força sobre o colo.
Estava prestes a cair na velha armadilha e se sentia fraca demais para reagir.
Nathan estava ciente do que se passava no íntimo de Júlia, e brincava com ela até que ficasse exausta e se rendesse.
- Tome seu café, Nathan - disse abruptamente e se levantou, desejando que ele partisse enquanto ela ainda conseguia se controlar.
Júlia observou as louças que havia empilhado na pia. Estendeu uma das mãos para pegar uma panela, mas Nathan surgiu a seu lado e segurou-lhe o pulso.
- Deixe a louça para depois.
A mão livre dele tocou seu ombro, queimando a pele sob a blusa fina. Tentou fugir, mas estava encostada no armário.
- Está tremendo e posso sentir seu pulso acelerado, Júlia.
Como se ela não soubesse! Aquela proximidade e o perfume masculino tão familiar despertavam os sentidos e ela estava prestes a perder o frágil controle.
Nathan afastou os cabelos sedosos do rosto dela, e Júlia sentiu-se gelar quando os dedos fortes tocaram a pele sensível do pescoço.
Quando seu rosto foi levantado, viu o próprio desejo refletido nos olhos azuis e não resistiu quando os lábios firmes tocaram os seus, beijando-os com uma ternura excitante. A língua explorava o interior macio de sua boca, e pela segunda vez, naquele dia, uma onda de desejo a envolveu.
Contudo, um aviso chegou a sua mente em breve instante: "Ele não ama você! Não pode ter um homem que vai se casar com outra! Ele pertence a Márcia, não se esqueça!"
Afastou os lábios dos dele e colocou as mãos sobre o peito forte para empurrá-lo, mas Nathan apenas riu daquela tentativa. Não havia como escapar.
- Vá embora! - implorou desesperadamente, a voz rouca de emoção. - Por favor, vá embora, Nathan!
Permaneceu imóvel e rendida à força de seus próprios sentimentos, enquanto Nathan acariciava o corpo trêmulo. Um calor doloroso a envolveu à medida que os dedos dele tocaram o bico do seio.
Por que nega a si mesma algo que deseja? - perguntou ele, com um sorriso sensual, e os olhos azuis brilhavam como o fogo enquanto desabotoava a blusa de Júlia, vagarosamente.
Você quer que eu a beije, admita.
Não! - exclamou, afastando as mãos dele.
Não?
O sorriso dele tornou-se maior, zombeteiro, enquanto libertava os últimos botões. Embaraçada, Júlia tentou se cobrir, mas as mãos de Nathan já a livrava da blusa para explorar a pele suave dos seios delicados.
O corpo de Júlia se deleitava com o prazer daquele toque, e a voz de sua consciência foi abafada.
Reencontrar Nathan era uma peça cruel do destino e ela deveria saber que as emoções há tanto tempo reprimidas iriam explodir daquela forma.
- Não faça isso comigo! - ela se queixou, enfraquecida nos braços dele.
Júlia semicerrou os olhos quando a boca quente e sensual trilhou um caminho de beijos ardentes em seu pescoço.
Diga a verdade - pediu Nathan, suavemente, enquanto a língua explorava a pele sensível da orelha de Júlia, provocando sensações eróticas quase insuportáveis. - É o que deseja, não é?
Sim! - A confissão explodiu de seus lábios com um suspiro angustiado. - Oh, Deus, sim, mas é... é errado!
Olhe para mim, Júlia. - Ela levantou os cílios pesados e os olhos ardentes de Nathan pareciam invadir sua alma. - É algo que nós dois desejamos há muito tempo, e não há do que nos envergonharmos. - Nathan baixou os olhos para as próprias mãos sobre os seios delicados e ela prendeu a respiração.
O braço de Nathan envolveu a cintura de Júlia, suspendendo o corpo dela ao nível do rosto forte. Ele inclinou a cabeça para o bico do seio, deslizando a língua sobre a pele, antes de tomá-lo com a boca, fazendo-a estremecer com a doce onda de prazer.
Júlia deslizou os dedos pelos cabelos escuros e brilhantes na base da nuca bronzeada e guiou os lábios firmes para o outro seio, a fim de repetir a carícia sensual.
- Oh, Nathan! - ela murmurou, inclinando a cabeça pata trás e revelando o rosto afogueado.
A paixão espelhada nos olhos azuis fez Júlia estremecer quando Nathan a suspendeu no colo, carregando-a até o quarto.
Ele a depositou no chão, ao lado da velha cama de casal da avó, e os olhos brilhantes sustentaram os dela enquanto a blusa fina era afastada dos ombros delicados.
- Vou fazer amor com você, Júlia, e não vai me impedir, não é?
A voz da razão foi abafada pelas mãos que acariciavam os seios e os dedos que roçavam o bico rosado.
O corpo ardente de Júlia implorava incansavelmente por algo que apenas Nathan poderia oferecer.
- Não - ela murmurou. - Eu não vou impedir você.
Nathan a abraçou, beijando-a longa e profundamente para afastar qualquer dúvida, e o corpo esguio estremeceu quando as mãos hábeis removeram as últimas peças de sua roupa para revelar a pele sedosa e permitir a exploração sensual dos lábios firmes.
Júlia sentia-se afogar em sensações violentas que despertavam uma necessidade primitiva, e sua rendição foi total quando Nathan afastou-se abruptamente.
- É a sua vez de me despir - ele sussurrou, colocando as mãos dela sobre seu peito, onde pôde sentir as batidas aceleradas do coração sob a camisa.
Júlia não sentiu embaraço enquanto realizava os desejos dele, mas estava ciente do próprio desejo à medida que desabotoava a camisa com dedos trêmulos.
Nunca imaginara que despir o homem amado seria a experiência mais sensual que já vivera. Acariciou o peito largo, adorando a sensação dos pêlos sedosos sob suas palmas.
Nathan afastou os cabelos de Júlia para observar cada expressão e sorriu quando ela se atrapalhou com o cinto, baixando as mãos para ajudá-la.
O perfume masculino a entorpecia e seu corpo pulsava quando expôs os quadris e as pernas musculosas.
Os olhos azuis brilhavam de desejo quando ele a suspendeu mais uma vez e Júlia passou os braços pelo pescoço forte, levantando os lábios para mais um beijo apaixonado.
- Você tem um corpo perfeito para agradar um homem, e eu sei que vai me agradar - murmurou Nathan, quando a depositou suavemente na cama.
Júlia não podia responder, pois os lábios dele percorriam a pele sensível dos seios até o umbigo.
A paixão era uma doce loucura, e ela deixou escapar um gemido quando Nathan a acariciou intimamente.
A excitação era tão grande que a eventual perda da virgindade não significava mais do que um leve desconforto, rapidamente esquecido ante a onda de novas sensações que a deixavam entorpecida.
Ela o amava! Oh, Deus, como ela o amara! E aquilo parecia ser o que seu corpo sempre desejara.
Poderia ser errada uma coisa tão maravilhosa? Poderia?
Abraçou Nathan com força, a respiração saindo em soluços à medida que a excitação aumentava a um nível quase incontrolável.
O corpo esguio se movia com o dele no ritmo do amor e um gemido rouco escapou de seus lábios quando a tensão finalmente abrandou para libertá-la daquele cativeiro.
Sentiu ondas de prazer em todo o corpo, saciando o desejo até as profundezas de sua alma, enquanto acolhia o corpo de Nathan sobre si.
Abraçou-o, relutando em perder aquela proximidade, e permaneceram entrelaçados até que os corações se acalmassem.
Nathan moveu o rosto em direção ao pescoço dela, fazendo-a sentir a aspereza da barba sobre a pele. Júlia estremeceu ante o pensamento do que haviam partilhado.
Uma imensa ternura a envolveu, até que as palavras "Eu amo você" rondaram perigosamente seus lábios. Júlia, porém, reprimiu quando ele se afastou.
O rosto de Nathan estava nas sombras quando se apoiou em um cotovelo para observar Júlia, mas a tênue luz que vinha do abajur revelava que ele sorria pela primeira vez, sem o costumeiro brilho irônico, e ela sentiu lágrimas nos olhos.
- Estou feliz por ser o primeiro, depois de tudo - ele murmurou, as mãos acariciando-a, e percorrendo o abdome até alcançar os seios.
Júlia estava feliz demais para pensar no que ele havia dito.
Levantou uma das mãos para acariciar o rosto de Nathan quando ele se inclinou, pousando os lábios sobre o pequenino nariz antes de tocar sua boca para um longo beijo.
Era difícil pensar com coerência, e se rendeu ao prazer do toque sensual. Nada mais parecia importar, exceto a proximidade que dividia com um homem que amava. A voz de sua consciência foi reduzida a um sussurro inaudível.
CAPÍTULO VII
O
som insistente do alarme do relógio tirou Júlia de seus sonhos e ela esticou o braço para desligar o aparelho. Espreguiçou-se, desejando poder ficar mais tempo na cama, mas, então, de repente, ela se lembrou.
Prendeu a respiração e sentou na cama abruptamente, puxando o lençol para cobrir o corpo nu. Mas não precisaria ter se importado, pois se encontrava sozinha.
Estava com medo até de pensar, e foi então que viu um bilhete sobre a penteadeira. Caminhou até lá, enrolada no lençol.
"Minhas desculpas por sair tão cedo. Tomei a liberdade de usar seu telefone. Disseram-me no hospital que Tommy Durandt teve uma noite tranqüila, mas estou indo até a fazenda tomar um banho e trocar de roupa antes de ir examinar o rapaz pessoalmente. Vejo você esta noite, talvez antes. Nathan."
Júlia sentou-se pesadamente, sentindo ondas sucessivas de calor e frio à medida que recordava os detalhes íntimos do que havia acontecido naquela noite.
Haviam feito amor apaixonadamente duas vezes, mas a segunda jornada para a satisfação total havia sido uma experiência longa e prazerosa.
A última coisa que conseguia se lembrar era de sua cabeça apoiada no ombro dele e as pernas entrelaçadas.
Tudo parecera tão perfeito. O amor que sentia por Nathan justificava suas ações, mas a luz do sol a enchia de vergonha e culpa.
O que Nathan pensaria dela? Havia perdido a decência para satisfazer a um desejo físico, e nem havia considerado a hipótese de ficar grávida!
E Márcia? Cobriu-se de culpa quando se colocou no lugar da outra mulher.
Havia passado a noite com um homem comprometido, e não podia culpar Nathan pela atitude dela.
Seu amor por ele não era desculpa suficiente para o que havia feito, e não apagava a vergonha. Se pudesse ter evitado! Se pudesse...!
Júlia teve dificuldades em se concentrar no trabalho naquele dia, e Roland teve de chamar sua atenção duas vezes por não realizar corretamente as tarefas.
O que há com você, Júlia? - ele indagou, no final dia, quando o consultório já se encontrava deserto. - Está estranha, hoje.
Desculpe, Roland. - Ela respirou fundo enquanto guardava as últimas fichas sobre a mesa. - Deve ser o resultado de uma noite difícil.
Roland arqueou as sobrancelhas, ansioso.
Pensei que a operação de Tommy Durandt tivesse sido um sucesso.
E foi! - ela afirmou rapidamente.
O que aconteceu, então?
Uma sombra passou por seu rosto e desviou os olhos cinzentos.
É um problema pessoal.
Entendo. - Houve um breve silêncio constrangedor, antes de Roland mudar de assunto. - O que achou de trabalhar no hospital outra vez?
Júlia afastou as lembranças dolorosas que a afligiam o dia todo.
Foi uma experiência maravilhosa! Roland sorriu, mas os olhos estavam sérios.
Está pensando em me deixar para trabalhar no hospital?
Não!
Ela não pretendia nem pensar na hipótese, e dirigiu os dores olhos cinzentos ao amigo.
- Você tem sido bom para mim, Roland. Você e Elizabeth, e estou muito satisfeita trabalhando aqui. Oh, eu admito que gostei de participar da cirurgia, mas gosto daqui, sinceramente.
Fico aliviado em saber. - Roland assumiu um olhar curioso. - Eu vi Nathan durante minhas visitas da manhã, no hospital, e discutimos sobre o tratamento pós-operatório de Tommy, entre outra coisas.
Que outras coisas? - ela perguntou, nervosa.
Você, principalmente.
Falaram sobre mim? - Júlia repetiu, assustada.
Não fique tão ansiosa, minha querida - disse ele, sorrindo. - Nathan perguntou sobre você, mas eu só disse o que qualquer outro morador da cidade poderia ter dito.
Roland a observou atentamente por um momento, então suspirou, exasperado.
Não acha que já é hora de contar a verdade a ele, Júlia?
Não posso! - Júlia exclamou. - O motivo que me fez romper o compromisso há cinco anos atrás não tem mais importância.
Por que não?
Ela baixou os olhos e engoliu com dificuldade.
Ele vai se casar com Márcia Grant.
Nathan lhe disse isso?
Márcia me contou - Júlia respondeu, balançando a cabeça.
Roland ficou em silêncio por um momento, então se levantou.
- Bem, é hora de ir para casa, e espero ter uma noite tranqüila.
Em silêncio, Júlia pediu o mesmo para si própria. Pegou suas coisas e saiu com Roland do consultório, duvidando que conseguiria ter um único minuto de paz.
Voltou para casa em uma confusão de emoções.
A lembrança do que havia acontecido lá, na noite anterior, ainda estava muito viva em sua mente, e a presença de Nathan pairava no ar, assustando-a.
Colocou a bolsa na penteadeira e foi descalça até a cozinha para fazer uma xícara de café.
Tentou pensar em coisas sem importância, como, por exemplo fazer para o jantar, mas a simples idéia de comer fazia seu estômago protestar. Seus pensamentos voltavam insistentes para Nathan. Ele havia dito que iria vê-la naquela noite. Como poderia evitar? Talvez pudesse apagar as luzes e fingir que não estava em casa, mas a idéia de ficar no escuro enquanto Nathan batia à porta não a agradava.
O café, em vez de tranqüilizar Júlia, só fez estimular sua mente para um estado de pânico, e se ocupou em preparar uma refeição que não iria comer.
Estava tensa e nervosa enquanto aguardava a tão temida visita. Rezava para que não acontecesse e quase pulou da cama quando o telefone tocou.
Deveria ser Warren, pensou, tentando se acalmar. Ele havia prometido ligar de Durban, mas quase deixou o fone cair no chão quando ouviu a voz profunda de Nathan dizer:
- Não tenho certeza se lhe disse que precisava resolver algumas coisas na fazenda antes de ir vê-la, hoje.
Júlia não soube se levou segundos ou minutos para se controlar o bastante para responder, mas ficou grata por Nathan não estar lá para vê-la tremendo.
- Eu prefiro que não venha esta noite.
Houve um breve silêncio antes de Nathan perguntar:
Posso saber por que?
Estou muito cansada, Nathan, e... eu gostaria de ir cedo para a cama - respondeu, fechando os olhos e rezando em silêncio.
Prometo não demorar.
Não! - A voz soou aguda e tentou se acalmar. - Outra hora, talvez, mas não esta noite. Estou cansada e quero ficar sozinha.
Tenho de ir a Joanesburgo amanhã e só voltarei a Doornlield na sexta-feira - ele informou abruptamente. - Gostaria de conversar com você antes de partir.
Conversaremos quando voltar.
Está bem, mas... sobre a noite passada, Júlia. Eu não gostaria que pensasse que eu...
- Por favor, Nathan! - Júlia o interrompeu no mesmo instante, o coração batendo dolorosamente no peito. Não queria ouvir o que ele tinha a dizer. Sabia que Nathan a desejara,
mas seu amor pertencia a outra. - Eu disse que poderemos conversar na sua volta - acrescentou, friamente.
Houve um pesado silêncio antes de Nathan terminar a conversa com uma resposta abrupta:
- Certo! Vejo você no fim de semana.
Júlia respirou pesadamente antes de colocar o fone no gancho.
Reprimiu por algum tempo as lágrimas que se formavam nos olhos, mas não conseguiu evitar a dor na garganta. Ainda chorava convulsivamente ao lado do aparelho quando tocou mais uma vez.
Custou vários segundos para que tomasse coragem e atendesse, mas sentiu um imenso alívio ao perceber que se tratava de Warren.
Se o amigo percebeu algo estranho em sua voz, não comentou, mas Júlia ainda demorou a se controlar.
- Sinto sua falta - disse ele finalmente. - Há alguma esperança para mim, Júlia?
Ela deveria dizer "não", mas lembrou o aviso de Roland sobre fechar seu coração para outros homens.
Tinha de aceitar o fato de que não havia esperanças com Nathan e, se fosse honesta consigo mesma, admitiria gostar muito de Warren. Ele a amava e seria um ótimo marido, mas ainda estava tendo dificuldades em aceitar a idéia de se casar com um homem que não amava.
Eu gostaria de poder dizer que sim, Warren, mas não posso. Não ainda - acrescentou rapidamente, quando percebeu que sua resposta poderia ser entendida como uma rejeição.
Acho que vou precisar de mais paciência - disse ele, com um suspiro desapontado, mas havia um tom carinhoso em sua voz que aqueceu o coração triste de Júlia.
Acho que sim, Warren - respondeu ela, odiando a si mesma por ter de submetê-lo àquela situação. - Como estão indo os preparativos para o casamento de sua irmã? - perguntou, levando a conversa para um terreno mais seguro.
- Tudo está correndo bem.
A conversa terminou minutos depois, e Júlia estava deprimida quando voltou para a cozinha.
Jogou no lixo a comida que havia preparado e empilhou a louça na pia para lavar. Mas seus pensamentos estavam em Nathan e em como o havia interrompido, temendo ouvir a rejeição.
"Estou feliz por ser o primeiro, depois de tudo."
A declaração de Nathan veio a sua mente para reforçar a convicção dolorosa de que as ações dele haviam sido movidas pelo desejo de vingança.
Naquele momento, não conseguiu reprimir as lágrimas e pegou furiosamente um lenço para enxugá-las. Warren a amava e queria se casar com ela. Portanto, deveria pensar com mais seriedade sobre a proposta de casamento.
Não havia sentido em privar a si mesma de um lar e uma família simplesmente porque não podia ter o homem amado.
Júlia gostava de trabalhar no jardim. Era também uma forma de terapia, e estava lhe fazendo muito bem naquela tarde de sábado.
Pensava em Warren quando se ajoelhou na grama para remexer o solo entre as sementes que havia plantado. Esperava vê-lo no dia seguinte, mas seus pensamentos foram interrompidos quando um carro estacionou no portão. Sentiu-se gelar quando viu Nathan descer da Ferrari, Abriu o portão e deu um rápido sorriso quando a viu.
- Olá, Júlia.
O coração dela batia acelerado quando sentou nos tornozelos e encarou os olhos incrivelmente azuis.
Estava vestido casualmente, com uma camisa de mangas curtas e uma calça marrom que delineava as pernas longas e musculosas. O tom creme da camisa acentuava o bronzeado, e Júlia reprovou a si mesma por sentir a familiar agitação interior.
- Está franzindo os olhos - Nathan observou, divertido. - Devo entender que não sou bem-vindo?
Júlia enterrou no solo a pequena pá que segurava e se levantou, ciente da própria aparência quando percebeu os olhos de Nathan sobre os pés descalços, a camiseta e a calça desbotada e o chapéu de palha que colocara para se proteger do sol.
- Eu planejei passar a tarde cuidando do jardim e não esperava visitas - explicou Júlia, as faces ruborizadas. - Gostaria de um copo de suco?
Nathan assentiu com uma expressão zombeteira, e Júlia fez um gesto em direção a uma mesa com cadeiras no jardim, sob as árvores.
Algo em seu íntimo lhe avisava que não seria bom ficar sozinha com ele no chalé, e esperou até que se sentasse antes de seguir para a cozinha.
Retirou a jarra com suco da geladeira e colocou em uma bandeja com dois copos para voltar ao jardim. Nathan estava sentado com as pernas esticadas e olhou para ela com um sorriso indolente, deixando-a tensa.
Serviu a bebida com as mãos admiravelmente firmes.
- Espero que goste.
Nathan experimentou o refresco e arqueou as sobrancelhas.
Tem um sabor refrescante. O que é?
Suco natural de laranja com um pouco de limão e soda.
Colocou o chapéu em uma cadeira vazia a seu lado e observou Nathan disfarçadamente enquanto bebericava o suco.
Sempre achei refrescante quando estou trabalhando no jardim.
O olhar dele se fixou nos cabelos dourados presos para trás com um lenço de seda e Júlia percebeu mais uma vez o brilho de divertimento.
Estava um dia quente e uma leve brisa soprava agitando as folhas nas árvores, mas a atmosfera entre eles estava tensa, apesar da paz e tranqüilidade que o jardim de Júlia oferecia.
"O que ele estaria pensando?", ela se perguntava cinicamente enquanto dirigia um olhar furtivo ao perfil bonito de Nathan.
Júlia sabia a razão daquela visita. Ele queria ter certeza de que não havia criado ilusões ao fazer amor com ela.
- Sobre aquela noite - ela começou, tensa, por não tolerar mais aquele silêncio. - Quero que saiba que a culpa é totalmente minha. Não deveria ter acontecido e nunca mais vai se repetir.
Nathan voltou a cabeça para observá-la, os olhos franzidos e levemente zombeteiros sob a luz do sol.
Espera que eu acredite nisso?
Sim, claro.
Por quê, Júlia?
Por alguma razão, Nathan estava sendo deliberadamente obtuso, e Júlia lançou um olhar zangado enquanto colocava o copo na bandeja, mas teve de desviar os olhos quando sentiu lágrimas se formando.
Deveria saber a resposta melhor do que eu - ela o reprovou, com uma voz que não soou tão firme quanto desejara.
Eu deveria? - A cadeira de palhinha rangeu sob o peso de Nathan, e Júlia ouviu-o colocar seu copo junto ao dela. - Isto tem alguma relação com o motivo que a fez desistir do casamento?
Você sabe que não!
Não, eu não sei. - Ele falava calmamente, mas havia algo sombrio em seu sorriso. - Por que não quis se casar comigo?
Você já me perguntou isso e minha resposta ainda é a mesma. - Júlia evitou o olhar penetrante e inclinou a cabeça para observar os próprios pés. - Eu não amava você o suficiente para me casar.
Não me amava o bastante, mas ainda me deseja, e provou isso naquela noite.
Júlia sentiu as faces arderem com a lembrança do próprio comportamento quando fizeram amor, e ela se entregara, apaixonada.
Os olhos azuis deslizaram com lentidão por seu corpo como se a despisse mentalmente e gostassem da experiência. Sentiu vontade de fugir, mas era tarde demais, pois não havia um único centímetro de seu corpo esguio que ele não houvesse explorado.
Levantou com grande esforço e balançou os ombros, tentando parecer casual.
Não precisa amar um homem para desejá-lo.
Isto não se aplica a você, Júlia - Nathan desmentiu com um riso irônico. - Você é uma mulher que nunca se entregaria a um homem que não amasse.
Não seja ridículo! - ela exclamou, assustada com a possibilidade de ter seus sentimentos revelados.
Se estou enganado, então gostaria que me explicasse porque ainda era virgem.
Eu... era... - Ela parou subitamente, buscando apoio na própria ira. - Nathan, eu não tenho que explicar nada a você, e gostaria que fosse embora!
Não antes de receber respostas satisfatórias ao que vou lhe perguntar - respondeu Nathan, inflexível.
Oh, é mesmo?
Qual a causa da morte de sua avó? - ele indagou, ignorando o sarcasmo de Júlia.
Ela estava com câncer - Júlia respondeu, ciente de que seria inútil mentir, pois se tratava de algo que poderia ser investigado com facilidade.
Por que decidiu não se casar comigo? Porque sentiu-se na obrigação de cuidar dela até o fim?
Júlia o encarou, mentalmente surpresa com a precisão daquelas palavras. A voz profunda possuía um tom estranho que a fez estremecer. Não era o momento para confissões, não estava preparada, e se levantou com um movimento brusco.
Não quero me submeter a esse interrogatório - respondeu friamente, enquanto pegava a bandeja para levá-la até a cozinha, mas Nathan a seguiu.
Qual o problema, Júlia? - indagou ele, irônico. - Estou chegando perto da verdade?
A cozinha parecia pequena demais, fazendo Júlia sentir-se encurralada.
Oh, seria tão fácil contar a verdade, mas Nathan havia mudado no decorrer dos anos e reviver o passado não iria resolver coisa alguma.
Vá embora, Nathan! - Virou-se para a janela com os punhos cerrados. - Vá embora e me deixe em paz!
Estou farto dessas evasivas, e minha paciência está acabando!
Nathan se aproximou sem que ela percebesse, e Júlia se assustou quando suas mãos seguraram seus ombros fazendo-a voltar-se. Os olhos azuis observavam o brilho das lágrimas insistentes e ele murmurou algo ininteligível ao mesmo tempo em que a abraçava, colando seu corpo às formas esguias.
Assustada, Júlia separou os lábios para protestar, mas as palavras foram abafadas sob a pressão da boca firme e sensual sobre a sua.
Uma onda de tontura a envolveu e se apoiou nos ombros largos para obter equilíbrio, mas sua ação instintiva foi tomada como encorajamento.
A pressão da boca de Nathan diminuiu para mover-se com uma sensualidade que agitava-lhe os sentidos, e Júlia percebeu que o autocontrole estava desaparecendo à medida que as mãos dele passeavam sob a camiseta.
Os lábios firmes deixaram os dela para percorrer o pescoço, fazendo-a tremer, mas recuperou a razão quando os dedos hábeis libertaram o sutiã.
Lutou desesperadamente para se livrar. As mãos empurraram o peito forte e sua respiração começou a falhar quando Nathan tocou os seios delicados.
Não! - protestou, ofegante, e o medo lhe deu forças para afastar Nathan. - Não faça isso!
Quero você, Júlia - ele murmurou com a voz rouca, o desejo em descobrir a verdade temporariamente esquecido. - Quero você e sei que também me quer.
Não! Eu não quero você!
Está mentindo e vou provar!
Júlia sabia que estaria perdida se ele a tocasse novamente. Então, se afastou e colocou-se atrás da mesa da cozinha.
Não está esquecendo alguma coisa? - disse ela, friamente. - Márcia, por exemplo?
Márcia? - indagou ele, com uma rispidez que a fez encolher. - O que Márcia tem a ver com isso?
A falta de consideração pela mulher com quem iria se casar fez Júlia estremecer. Ele teria mudado tanto naqueles anos? Não sentia remorsos por trair Márcia?
- Ela tem tudo a ver com isso! - Júlia exclamou, sentindo vontade de agredi-lo fisicamente.
Nathan a observou como se houvesse dito algo incompreensível, e então fez um gesto vago com as mãos.
Márcia e eu...
Não quero saber sobre seu relacionamento com Márcia Grant - interrompeu Júlia, furiosa e também curiosamente despontada. - Tudo o que desejo neste momento é que saia
daqui e não volte mais. Quero ficar livre de você, Nathan, e espero que respeite meu desejo.
Júlia estava cravando uma faca no próprio coração, mas não tivera escolha.
Nathan ficara estranhamente pálido, e os olhos azuis observavam os dela com uma fúria assustadora.
Pareceu durar uma eternidade angustiante até que ele fosse embora com passos longos e furiosos.
Júlia permaneceu imóvel, e foi só quando ouviu o carro partir que a terrível tensão explodiu em seu íntimo. Ela caiu em uma cadeira, enterrando o rosto nos braços em soluços convulsivos.
CAPÍTULO VIII
A
manhã de terça-feira indicava que aquele seria mais um dia longo e quente de verão, e Júlia suspirou, resignada, enquanto ajeitava o ventilador do consultório.
Quase uma semana havia se passado desde a visita de Nathan, e duvidada que esqueceria a fúria estampada nos olhos azuis. Seu coração ainda lamentava as próprias ações, embora tivessem sido necessárias para que mantivesse o auto-respeito.
Roland apresentava sinais de cansaço e irritação devido ao calor quase insuportável, e Júlia sentia-se solidária enquanto tentava lutar contra a própria letargia.
Esperava ansiosa pelo almoço, quando encontraria Warren, mas as horas pareciam arrastar-se naquela manhã.
- Deus sabe o quanto me sinto velho, hoje - comentou Roland, rindo, quando a sala de espera ficou vazia. - Uma simples manhã nunca pareceu tão longa quanto hoje.
Júlia retribuiu o sorriso e os olhos cinzentos tornaram-se afetuosos.
Este calor é suficiente para destruir as resistências de qualquer um.
É hora de fechar? - ele perguntou, como se estivesse cansado demais para consultar o próprio relógio.
Você acha que alguém iria reclamar se fechássemos cinco minutos mais cedo?
Eu, com certeza, não vou reclamar - ele resmungou, levantando-se. - Pegue suas coisas e vamos embora.
Júlia retocou a maquilagem enquanto Roland pegava o paletó branco e a maleta. Ela observou sua aparência em um pequeno espelho e escovava os cabelos sedosos quando ele voltou, examinando-a com curiosidade.
Vai para casa almoçar? - Roland perguntou, enquanto saiam do consultório.
Vou encontrar Warren.
Tem visto Warren Chandler com bastante freqüência ultimamente. - Roland guardou as chaves no bolso e estava com as sobrancelhas arqueadas quando a encarou. - Existe alguma coisa que eu não esteja sabendo?
Sempre gostei da companhia de Warren - Júlia respondeu, evasiva. - Lamento, mas acho que é só o que há para saber no momento.
Apesar de o carro de Júlia ter sido estacionado na sombra, o interior estava muito quente, e ela abriu a janela para deixar entrar uma brisa enquanto dirigia até o Restaurante Mopani.
Nuvens pesadas estavam se formando sobre as montanhas ao longe, mas aquele era um fato que vinha se repetindo nos últimos dias, sem que, no entanto, trouxesse a Doornfield o alívio que seus moradores esperavam.
O restaurante parecia um oásis no deserto quando Júlia estacionou sob uma árvore. Os raios de sol queimavam a pele delicada dos ombros e do rosto enquanto ela caminhava até a entrada do prédio, e respirou aliviada quando sentiu o frescor do ar-condicionado.
- Fico feliz que tenha vindo, Júlia - disse Warren, com um sorriso, quando sentaram. - Já vamos fazer o pedido?
Ela sorriu, assentindo.
- Acho que seria bom. Eu não gostaria de chegar atrasada no consultório.
Warren pediu frango grelhado, mas Júlia se decidiu por uma salada tropical. O som da música suave era relaxante, e ambos permaneceram em silêncio, apenas ouvindo, até que Joseph se afastou para providenciar os pedidos.
Você parece exausta - Warren comentou, preocupado, e os olhos negros observaram as olheiras que a maquilagem não conseguira disfarçar.
É o calor - mentiu. - Gostaria que chovesse.
Quando chove, o movimento no restaurante diminui - respondeu Warren, com uma expressão divertida.
Nunca pensei na chuva desta forma - disse Júlia, com um sorriso. - É impossível agradar a todos ao mesmo tempo.
Fica linda quando sorri. - A expressão de Warren estava séria quando estendeu o braço para segurar a mão de Júlia. - Não sorri com muita freqüência, minha querida.
Desejou ter alguma coisa espirituosa para dizer, mas não conseguiu encontrar, e seus olhos baixaram para os dedos sobre sua mão.
Oh, se o toque dele não a deixasse absolutamente fria...
- A amiga de Nathan Corbett está de volta na cidade. - O comentário inesperado fez Júlia estremecer. - Ele ligou há meia hora para reservar uma mesa para dois.
Ela retirou a mão da de Warren e tentou mostrar-se indiferente.
Não tenho interesse em Nathan Corbett e sua amiga.
Isto é promissor!
Havia algo no sorriso de Warren que a deixou desconfortável, quando ele se inclinou em sua direção, mas Joseph chegou naquele instante com os pedidos.
Júlia suspirou aliviada e observou a salada que havia pedido. Parecia deliciosa, mas seu apetite desaparecera ao ouvir que Márcia estava de volta.
- Recebi uma carta de minha mãe e ela diz que está ansiosa para conhecer você - disse Warren, interrompendo seus pensamentos.
Júlia levantou os olhos, surpresos, para ele.
Você falou de mim?
Você raramente está fora de meus pensamentos, e tive de explicar o motivo de minha preocupação - disse Warren, sorrindo e se inclinando em direção a ela, carinhosamente. - Que tal passar alguns dias em Durban comigo no próximo mês?
Júlia afastou a idéia de encontrar a família de Warren, pois iria sugerir a existência de algo no relacionamento deles que não sabia se estava preparada para enfrentar.
- Não posso viajar antes de novembro - disse Júlia, hesitante.
- Estou certo de que o doutor Necker permitiria que ficasse alguns dias fora.
Julia sentiu-se encurralada e ficou imaginando se seu rosto demonstrava o embaraço.
Eu não acho que ele se importaria, mas...
Ei, Júlia! - Warren interrompeu quando se deu conta do motivo daquela hesitação. - Conhecer minha família não significa que terá de casar comigo!
Ela ruborizou levemente e baixou os olhos para o prato.
O que contou sobre mim?
Eu disse tudo, exceto que estou apaixonado e quero me casar com você.
Não ficaria surpresa se eles concluíssem o resto - falou, e fitou Warren com ar de censura.
Já gostei de outras mulheres antes, mas nunca quis me casar com nenhuma.
Oh, Warren! - Ela suspirou, resignada, um sorriso aparecendo nos lábios rosados.
Coma sua salada antes que ela fuja do prato - ele aconselhou com uma austeridade zombeteira, e Júlia teve de obedecer.
É hora de ir embora - avisou ela, depois de verificar que já eram duas horas.
Eu estava falando sério sobre levar você a Durban, e gostaria que pensasse no assunto - disse Warren, enquanto a acompanhava até o carro.
Vou pensar nisso - prometeu.
Vai me dar a resposta logo?
Logo - Júlia concordou, mas já sabia no íntimo qual seria a resposta.
Ela não iria viajar com Warren. Também estava certa de que nunca se casaria com ele. Apreciava sua amizade, mas era só.
Júlia estava triste quando saiu do restaurante. O futuro se apresentava a sua frente totalmente sem perspectivas, mas não poderia se casar com Warren, uma vez que seu coração pertencia a Nathan. Não poderia ser tão cruel com alguém que a amava.
O calor estava insuportável naquele domingo, e ainda não havia sinais de chuva. Júlia sentia-se letárgica e pensava em dormir um pouco, mas o som insistente do telefone a tirou daquele entorpecimento.
- Venha para o chá - Elizabeth convidou. - Roland foi para o hospital e estou desesperadamente precisando de companhia.
Júlia respirou aliviada e aceitou o convite sem hesitar.
- Só vou me trocar e estarei aí em meia hora.
Banhou o rosto em água fria e colocou um vestido salmão de alças. Fez uma maquilagem suave e deixou os cabelos dourados soltos, caindo sobre os ombros em lindas ondas. Nathan sempre gostara daquele jeito, mas ela não queria pensar nele!
Estacionou o carro sob um imenso jacarandá e caminhou até a entrada para encontrar Elizabeth na varanda, enfeitada com diversos vasos de plantas.
Fico contente que tenha vindo - disse ela, sorrindo, e conduziu Júlia para o interior refrescante da casa. - É horrível ficar sozinha em uma tarde de domingo, e fiquei imaginando se não sentia o mesmo.
Eu tinha planejado passar o dia com Warren, mas aconteceu um imprevisto e ele teve de cancelar - Júlia explicou, quando entraram na espaçosa sala de estar, onde uma bandeja com chá e biscoitos havia sido deixada sobre uma mesa entre duas confortáveis cadeiras.
Relaxaram enquanto tomavam o chá em delicadas xícaras de porcelana.
Elizabeth era uma pessoa inteligente, perspicaz, e os olhos não perdiam nenhum detalhe.
- Você não me parece bem, Júlia - ela comentou, com um ar sério. - A última vez em que a vi assim foi há cinco anos, quando chegou em Doornfield.
Júlia não conseguia falar, pois estava sentindo um aperto na garganta e escondeu o tormento nos olhos baixando-os para as mãos sobre o colo.
- Ainda está apaixonada por Nathan Corbett. - As palavras de Elizabeth fez Júlia derramar algumas lágrimas. - Oh, querida! - ela murmurou, balançando a cabeça. - Imagino como está se sentindo em saber que ele vai se casar com outra!
- Vou sobreviver - disse ela, desviando o olhar.
"Vou sobreviver"! Aquelas duas palavras a acompanhavam há cinco anos. Estaria com pena de si mesma? Não, ela não ousaria! Conseguiu recobrar parte do autocontrole, mas o peso no coração ainda permanecia.
Nós vamos perder você? - indagou Elizabeth, os olhos preocupados sobre Júlia.
Acho que não conseguiria ficar em Doornfield sabendo que poderia encontrar frequentemente Nathan e sua... esposa. - A voz falhou, mas conseguiu se controlar e deu um pálido sorriso. - É demais para mim, não acha?
Não seja precipitada, minha querida - avisou Elizabeth, gentilmente. - Nathan ainda não se casou.
Júlia ficou em silêncio. Estavam lhe oferecendo esperança onde não poderia haver nenhuma.
Ele ia se casar com Márcia, sabia disso. E o que ela, Júlia, poderia oferecer a um homem como Nathan em comparação à filha de Basil Grant?
O som de um carro se aproximando interrompeu os pensamentos dolorosos, e segundos depois um veículo estacionava em frente à casa.
- Deve ser Roland - disse Elizabeth, com um sorriso, levantando-se para olhar pela janela. - Ele deve estar voltando mais cedo e... Oh, querida! - Ela fechou a cortina e sua expressão estava sombria quando encarou Júlia. - Ele está com Nathan e aquela mulher.
Júlia empalideceu visivelmente e levantou da cadeira, em pânico, desejando correr.
Poderia sair pela porta lateral, mas lembrou que seu carro estava estacionado no portão da frente. Com certeza teriam notado, e seria uma tola se fugisse.
- Elizabeth!
A voz de Roland se fez ouvir, e ele tentava avisar algo que elas já haviam descoberto. O coração de Júlia batia acelerado, ela enterrou as unhas na palma das mãos dolorosamente.
- Estamos aqui, querido! - Elizabeth respondeu, trocando um rápido olhar com Júlia antes que eles entrassem.
Encontrei Nathan e Márcia no hospital e os convidei para o chá - Roland explicou, lançando um olhar de desculpas para Júlia, antes de fazer as apresentações. - Márcia, esta é minha esposa, Elizabeth. Elizabeth, Márcia Grant.
É um prazer conhecê-la, sra. Necker.
A voz de Márcia era melodiosa, mas Júlia não ouviu a resposta de Elizabeth, pois seus olhos se fixaram por breves segundos na expressão irada de Nathan.
Conhece Júlia Henderson, não é, Márcia? - Roland estava dizendo.
Sim, já nos encontramos - respondeu Márcia suavemente, mas havia frieza no olhar que dirigiu a Júlia.
Fiquem à vontade enquanto preparo um chá fresco - disse Elizabeth, rompendo o silêncio embaraçoso.
Vou ajudar você, Elizabeth - Júlia ofereceu rapidamente, encontrando a oportunidade para escapar daquela situação.
Enquanto seguia para a cozinha teve a nítida impressão de sentir dois pares de olhos flamejantes sobre as costas.
Lamento muito, minha querida - desculpou-se Elizabeth em voz baixa, quando entraram na cozinha. - Imagino como deve ser desagradável, e gostaria que Roland tivesse telefonado antes de trazê-los.
Por favor, não se preocupe - respondeu ela, com um fraco sorriso. - Pareceria estranho se eu saísse agora, então, vou ficar para mais uma xícara de chá.
Oh, querida! Estou tão chateada! Afinal de contas, fui eu quem a chamei para vir aqui!
Tolice! - Júlia reprovou a outra mulher gentilmente.
Deixe-me preparar a bandeja. É só me dizer onde guarda as xícaras.
- Vai encontrar no armário atrás de você.
O fato de ajudar Elizabeth conseguiu acalmá-la, mas estava ciente do murmúrio de vozes na sala.
O riso de Márcia fazia seus nervos retesarem, mas não queria pensar. Sua mente, contudo, insistia em lembrar o corpo atraente daquela mulher vestida com uma calça branca e blusa azul e a mão possessiva que mantinha sobre o braço de Nathan.
Está pronta? - indagou Elizabeth, tirando Júlia dos pensamentos dolorosos.
Estou e sempre estarei.
Boa menina!
Elizabeth pegou a bandeja com o chá e os biscoitos, e Júlia respirou fundo caminhando até a sala.
Precisa de ajuda? - perguntou Nathan, levantando-se quando elas entraram, e Júlia sentiu o coração acelerar ante a visão daquele corpo alto e bem-proporcionado, vestido com uma calça cinza e camisa azul de mangas curtas que delineava o peito forte.
Não há necessidade, obrigada, Nathan - respondeu Elizabeth, comum sorriso. - Vou colocar a bandeja aqui sobre a mesa e espero que todos se sirvam.
Nathan voltou para o lado de Márcia, enquanto Júlia se acomodava perto de Roland, sentindo-se confortada pelo sorriso caloroso e amigo que ele lhe dirigiu.
Sua casa é encantadora, sra. Necker - comentou Márcia, rompendo o silêncio, enquanto todos se serviam de chá. - Gosto especialmente da forma como reuniu o antigo e o novo. É o tipo de decoração que está fazendo sucesso em Joanesburgo.
A escolha da decoração tem mais a ver com o acaso do que com o bom gosto - explicou Elizabeth, com uma frieza que talvez Márcia não tenha percebido, mas Júlia não deixou
escapar o detalhe. - Meu objetivo sempre foi uma casa confortável e acolhedora, onde meu marido pudesse relaxar quando o trabalho permitisse.
Os profissionais dedicados à área médica trabalham arduamente, mas, graças à Deus, isso não acontecerá com você, querido.
Márcia sorriu para Nathan, colocando a mão bem cuidada possessivamente sobre a perna musculosa, antes de explicar o que dissera.
- Meu pai quer que Nathan se encarregue da área cirúrgica de uma nova clínica em Joanesburgo e o cargo será de oito horas por dia, deixando livres as noites e os fins de semana.
Roland arqueou as sobrancelhas e havia contrariedade em seus olhos.
- Parece um emprego elegante, Nathan - disse o velho médico.
Vai ser uma clínica elegante quando estiver terminada. - Nathan respondeu com a voz seca, e Júlia pressentiu uma falta de interesse que demonstrava que ele não havia mudado tanto.
O posto na clínica é coisa certa? - perguntou Elizabeth, com um interesse polido.
Recebi uma oferta segura, mas ainda tenho bastante tempo para dar a resposta.
Nathan encarou Júlia por um breve instante, enquanto falava, e ela se assustou com a fúria estampada nos olhos azuis.
Meu pai diz que Nathan será um tolo se não aceitar. Esta clínica será equipada com o que há de melhor no país.
Obrigada por uma tarde adorável, Elizabeth, mas tenho de ir - Júlia anunciou, com uma necessidade desesperada de sair dali imediatamente. Levantou-se abruptamente.
Vou levar você até o carro, querida - disse Elizabeth, com um sorriso, e havia algo em seu olhar demonstrando que ela também estava ansiosa para escapar daquele momento.
Júlia recebeu um breve aceno de Nathan e um olhar frio de Márcia, mas Roland a surpreendeu atraindo-a para beijá-la no rosto como um pai em uma filha. Seu coração aqueceu e caminhou mais leve até o carro.
- Parece que Márcia e o pai tem o futuro de Nathan muito bem planejado, e ele não parece se importar com o fato de estar sendo manipulado - comentou Elizabeth, com um sorriso forçado enquanto caminhavam até o portão.
- Eu acho que as coisas não acontecem exatamente como Márcia pretende que acreditemos. Nathan sempre quis se aprimorar, com a intenção de poder ajudar quem precisasse. Nunca teve o desejo de ser famoso.
Elizabeth parecia duvidar, e havia pena em seus olhos quando encarou Júlia.
As pessoas mudam, querida.
Eu sei - concordou Júlia. - As pessoas mudam, mas acho difícil que aconteça uma transformação drástica.
Júlia sentia-se triste quando voltou para casa. Havia se mantido afastada durante cinco anos para que Nathan conseguisse o melhor, e agora estava fazendo o mesmo, pois Márcia e o pai se encarregariam de proporcionar a fama e o sucesso a ele.
CAPÍTULO IX
D
uas semanas haviam se passado desde que Júlia encontrara Nathan na casa de Roland.
Chovera por vários dias, e as estradas em Doornfield quase ficaram bloqueadas.
Roland de Necker estava com uma expressão irritada quando ela entrou no consultório, depois do almoço, na tarde de quarta-feira.
Há algum problema? - ela perguntou, hesitante.
Nada que não possa esperar - respondeu Roland abruptamente, enquanto se recostava na cadeira, tentando relaxar. - Preciso discutir o progresso de Tommy Durandt com Nathan, mas fui informado de que está em Joanesburgo há dois dias.
Tommy não está respondendo ao tratamento? - perguntou ela, tentando esconder a dor e a amargura que se agitavam em seu íntimo.
Minha preocupação não é com o paciente - anunciou Roland, tirando os óculos para limpá-los com um vigor desnecessário. - É só que ele havia prometido ficar disponível para consultas qualquer dia nessa semana.
Nathan deve ter sido chamado para alguma coisa importante - Júlia ouviu-se dizer, mas admitia que aquele comportamento era muito estranho.
Talvez esteja certa - concordou Roland. - Pode mandar entrar o primeiro paciente.
Júlia fez o que o médico lhe dissera, mas seus pensamentos estavam confusos, apesar do exterior tranqüilo que demonstrava.
Por que Nathan teria ido a Joanesburgo, rompendo o acordo que havia feito com Roland?
Passou o dia todo com aquela pergunta martelando-lhe a cabeça.
À noite, tentando relaxar do dia exaustivo que tivera, sentou-se confortavelmente na poltrona favorita para ler um bom livro, mas não conseguiu se concentrar. Foi então que ouviu um carro estacionando em seu portão.
Era Nathan! Reconheceu o som da Ferrari, e o corpo ficou tenso ao ouvir passos se aproximando. A batida na porta fez seu coração acelerar e as pernas tremiam quando se levantou.
A expressão de Nathan estava zangada e as linhas em torno da boca denotavam cansaço. O paletó do terno cinza caía negligentemente sobre um ombro, as mangas da camisa branca estavam enroladas e ele havia afrouxado a gravata e o colarinho.
Júlia sentiu uma onda de ternura e compaixão invadi-la, mas que foi reprimida no mesmo instante.
Posso entrar? - ele perguntou, a boca sensual sugerindo um sorriso que não chegava aos olhos.
Prefiro que não entre - respondeu Júlia, de maneira fria, e percebeu a ira crescer nos olhos azuis.
Droga, Júlia! Passei dois dias estafantes em Joanesburgo e não estou com vontade de tolerar isso de você!
Ela se afastou rapidamente quando Nathan avançou para dentro, mas dedos de aço envolveram a pele suave de seu braço, enquanto ele fechava a porta e a guiava até a sala.
- Deixe-me em paz! - exclamou Júlia, ofegante.
Nathan pressionou as mãos com força sobre os ombros delicados de Júlia, obrigando-a a encará-lo. Os olhos azuis expressavam uma ira assustadora, e ela gemeu de dor.
- Não sei qual é o seu jogo, mas tem de parar! - avisou ele, violentamente.
Jogo? Se havia alguém que estava jogando, era Nathan!
Não tenho o hábito de jogar.
Não? - ele indagou asperamente, soltando-a com um gesto abrupto que a obrigou a se apoiar no encosto de uma cadeira. - Permitiu que eu fizesse amor com você, mas quando nos reencontramos, você me trata como se eu fosse um estranho. Por que, Júlia?
Era a coisa mais sensata a fazer, para o nosso próprio bem.
Poderia ser mais clara? - Os olhos de Nathan estreitaram-se visivelmente.
Oh, Deus! Como ela poderia explicar sem que demonstrasse o amor que sentia?
Warren me pediu em casamento e eu...
Não pode se casar com Warren Chandler! - Nathan interrompeu, com uma violência jamais vista.
Júlia empalideceu, recuando.
Sou livre para me casar com quem desejar e você não tem o direito de...
Você não o ama!
O coração bateu acelerado em seu peito, mas o olhar zangado não se desviou do dele.
Desde quando você se tornou uma autoridade em meus sentimentos?
Você me ama, Júlia! - ele respondeu com uma crueldade incomum.
Júlia sentiu o sangue desaparecer do rosto e lutou desesperadamente para se controlar. A última coisa que desejava era desmaiar na frente de Nathan.
Está louco! - exclamou com a voz rouca.
Estou, Júlia? - Nathan deu um leve sorriso, os olhos brilhando zombeteiros enquanto abria a camisa para revelar o peito forte e bronzeado. - Quer que eu acredite que quando fizemos amor foi algo puramente físico para você?
Foi puramente físico! - ela mentiu, desesperada.
Você é uma péssima mentirosa, minha querida Júlia. - Ele sorriu cinicamente. - Sempre foi.
Está planejando casar com Márcia. Por que não me deixa em paz?
Os olhos de Nathan brilharam perigosamente.
- Quem lhe disse que vou me casar com Márcia?
Júlia reprovou a si mesma por falar o que não devia, mas já era tarde demais para se retratar.
Márcia me contou quando fui a Honeywell com Damian.
E você acreditou no mesmo instante - Nathan acusou.
Você não vai se casar? - perguntou Júlia, afastando a pequena esperança que surgia em seu íntimo.
Meu Deus! - Nathan explodiu violentamente e Júlia recuou assustada. - Você acha que eu não tenho um mínimo de decência, não é? Acreditou que eu seria capaz de fazer amor com uma mulher enquanto planejava me casar com outra!
Eu não tinha motivos para duvidar - retrucou zangada. - Tem saído com Márcia há um ano e todos sabem que ela passa bastante tempo com você em Honeywell.
O brilho nos olhos azuis tornou-se mais intenso.
Está com ciúme?
Não seja ridículo! - ela exclamou, dando as costas para Nathan, pois sentia as faces ruborizadas.
Você é a única mulher a quem já propus casamento. O que a fez desistir no último minuto, Júlia?
Ela sabia que a discussão terminaria com aquele empasse, mas havia estado tão perturbada com a descoberta de que ele não iria casar com Márcia que a pergunta a assustou como um choque elétrico.
Estou quase convencido de que não foi porque deixou de me amar. Deve haver outro motivo - ele insistiu, com uma voz estranha.
Vá embora, Nathan! - disse ela, com os dentes cerrados. - Pelo amor de Deus, vá embora e me deixe em paz!
Júlia...
Não!
Ela afastou a mão de Nathan que a tocava e seu rosto estava pálido quando se voltou para encará-lo.
Deixe-me em paz!
Mereço saber a verdade, Júlia. E exijo uma explicação, agora!
Aquela ordem a fez encolher. No mesmo instante, lembrou-se do conselho de Damian sobre contar a verdade a Nathan.
Um extremo cansaço se apoderou do corpo de Júlia e sentiu a firme determinação ruir.
Se Nathan queria a verdade, então ele a teria, pois Júlia não se importava mais com as conseqüências.
Ela se afastou para olhar distraída pela janela.
Júlia?
Sim, sim. Vou contar o que deseja saber. Não importa mais e eu...
Ela parou subitamente, mas tentou recuperar o controle antes de continuar.
- Fui informada, poucas semanas antes do nosso casamento, de que minha avó tinha câncer. Quando considerei todos os sacrifícios que ela havia feito por mim, cheguei à conclusão de que deveria cuidar dela durante os últimos anos de vida.
O silêncio era tão intenso que Júlia ficou imaginando se ele ouvia as batidas aceleradas de seu coração.
- Por que não me contou isso, há cinco anos?
A incredulidade na voz dele fez Júlia voltar-se para encará-lo, mas a fúria estampada naquele rosto fez suas pernas tremerem.
O que teria feito se eu lhe contasse, Nathan? - ela perguntou.
Eu não teria permitido que arcasse com a responsabilidade sozinha.
Aquela resposta não surpreendia Júlia, e a confirmação de sua suspeita proporcionava-lhe um pequeno conforto.
Poderíamos ter nos casado - ele acrescentou - e eu teria adiado minha viagem para a Europa.
Oportunidades como aquela não surgem a todo momento, Nathan. Ambos sabemos disso. - Júlia deu um leve sorriso. - Eu não queria atrapalhar sua carreira.
Meu Deus!
Ele atravessou a sala com alguns passos e Júlia se encolheu ante a ameaça no rosto de Nathan.
Então rompeu nosso compromisso e me deixou pensar coisas horríveis de você!
Não tive escolha.
- A escolha de ir ou ficar deveria ter sido minha, não sua! Pelo amor de Deus, Júlia!
Ela gritou assustada quando Nathan a segurou pelos ombros, sacudindo-a violentamente.
Você não tinha o direito, nenhum direito de tomar a decisão por mim!
Fiz o que pensava ser o melhor para você! - exclamou Júlia, e Nathan a soltou com um gesto abrupto.
O melhor para mim? Droga!
A voz áspera fez Júlia levantar os olhos para vê-lo correr os dedos furiosamente pelos cabelos antes de encará-la profundamente.
- Você tem idéia do que eu senti ao ler aquela carta estúpida dizendo que não haveria casamento? Você sabia que quase fiquei louco quando não consegui encontrá-la?
Oh, Deus, como Nathan poderia fazer aquelas perguntas? Tudo o que ela havia feito se devia unicamente ao grande amor que sentia por ele!
Sempre estivera convencida de ter tomado a decisão certa, e era aquele pensamento que a havia sustentado durante os anos.
- Eu sinto muito - ela se desculpou, a voz rouca saindo em um murmúrio.
- É tudo o que consegue dizer? - ele perguntou, áspero.
Júlia levantou os olhos para Nathan, e uma letargia tomou conta de seu corpo, impedindo-a de pensar coerentemente.
O que mais eu poderia dizer?
Meu Deus, eu poderia...
Ele parou de com um gesto abrupto e aproximou-se mais ainda de Júlia. Inesperadamente, a abraçou forte e tomou seus lábios com um beijo brutal.
Júlia desejou poder falar alguma coisa, mas não conseguiu, e lágrimas quentes deslizaram por seu rosto.
Não conseguia perceber direito o rosto de Nathan através das lágrimas, mas ouviu a voz rouca praguejar, antes que ele se afastasse dela e saísse do chalé batendo a porta com uma força que fez as janelas estremecerem.
Júlia não conseguiu dormir naquela noite, pois sua mente trabalhava incansavelmente no sentido de encontrar uma resposta coerente.
Como o que parecera tão certo de repente se tornara tão errado? O sentimento de culpa fazia seu coração doer.
Havia uma outra informação que a deixava perturbada. Nathan a havia acusado de pensar que ele seria capaz de fazer amor com uma mulher enquanto pretendia se casar com outra.
Márcia teria mentido?
A mente de Júlia estava exausta quando finalmente caiu em um sono perturbado, para acordar três horas depois.
Sentia uma forte dor de cabeça, a qual diminuiu quando tomou uma aspirina, mas não havia nada que pudesse fazer com que ela acalmasse os pensamentos.
Se Roland notou algo errado, não disse nada, mas Júlia sentiu-se aliviada quando ele saiu para se encontrar com Nathan no hospital. Estava exausta e a expressão fria e controlada que havia sustentado durante o dia foi substituída pela tristeza.
As esperanças de Júlia no sentido de ter uma noite solitária em casa foram destruídas com a chegada de Warren, pouco depois das sete. Ela não desejava companhia, mas resignou-se quando lembrou o assunto importante que precisavam discutir.
Júlia preparou café e serviu na sala de estar. Conversaram sobre banalidades durante algum tempo enquanto ela esperava o momento certo para tocar no assunto, mas soube que não poderia adiar o inevitável, quando Warren tentou abraçá-la.
Preciso lhe dizer uma coisa, Warren - ela começou, a voz rouca, enquanto se afastava gentilmente. - Pensei muito, e sei agora que não posso me casar com você. Errei em lhe dar esperanças por algo que eu sempre soube que não daria certo. Gosto muito de você, mas não posso me casar sem estar apaixonada.
Eu estava esperando por isso - anunciou Warren sem rancor, mas havia amargura no sorriso. - É Nathan Corbett, não é? Ainda está apaixonada por ele.
Ele não estava fazendo uma pergunta, estava afirmando. Era verdade, e Júlia sempre soubera que nenhum outro homem substituiria Nathan.
- Sinto muito, Warren - ela murmurou, odiando a si mesma por ter permitido que o relacionamento entre eles tivesse chegado tão longe. - Sempre foi um ótimo amigo, e eu sou grata por isso.
Pairou um silêncio embaraçoso entre os dois, e Júlia permaneceu olhando para o chão quando sentiu o desapontamento de Warren. Tinha todo o direito de estar zangado, mas ficou surpresa quando ele segurou sua mão para beijá-la.
- Eu gostaria de ser seu amigo e, se precisar de um, me procure. - Warren sorria quando levantou, soltando sua mão. - Lembre-se disso, Júlia.
Ele partiu antes que Júlia dissesse qualquer coisa. Derramou lágrimas silenciosas, mas não conseguiu saber se eram por Warren ou por ela mesma.
Júlia saiu mais cedo naquela manhã, pois tinha a intenção de visitar Tommy Durandt no hospital, antes de seguir para o consultório de Roland.
O sol implacável brilhava no horizonte, prometendo mais um dia quente de verão, e as pessoas na rua pareciam caminhar mais lentamente, como que se ressentindo do forte calor e da letargia que tomava conta de seus corpos.
O hospital de Doornfield era um edifício de três andares, cuja fachada brilhava com a pintura nova, e os corredores transpiravam eficiência.
A equipe de médicos e enfermeiras havia sido escolhida com extremo cuidado, e parte daquele sucesso se devia a Roland de Necker, que se empenhara em ajudar no bom desempenho do projeto.
Barbra Davis, a enfermeira-recepcionista, abriu um sorriso ao vislumbrar Júlia, que entrava pela porta de vidro.
- Bom dia, Júlia!
Júlia retribuiu o sorriso, desejando que a amiga não percebesse a tristeza nos olhos cinzentos.
Bom dia, Barbra. Gostaria de ver Tommy Durandt, você acha que é possível?
Claro! Pode ir, o sr. Durandt está com ele nesse momento. Você nem imagina o quanto está feliz com a recuperação do filho. O sr. Corbett fez um trabalho maravilhoso e está sendo comentado em todos os corredores deste hospital. Ele ganhou a admiração geral.
Eu sei - murmurou Júlia, sentindo um peso no coração.
Você já o conhecia?
Sim, de Joanesburgo - ouviu-se dizer, ciente de que seria melhor não esconder o fato. Todos no hospital sabiam que havia sido a enfermeira escolhida por Nathan para auxiliá-lo na cirurgia.
Barbra não fez nenhum comentário e Júlia a agradeceu silenciosamente aquela discrição, enquanto caminhava até o quarto de Tommy.
Encontrou George Durandt sentado em uma cadeira perto do filho. Era um homem de cerca de cinqüenta anos e de físico avantajado. Os cabelos grisalhos estavam despenteados, sugerindo que havia corrido os dedos por eles diversas vezes, nos momentos de angústia. Os olhos, no entanto, brilhavam satisfeitos com a crescente recuperação do único filho.
- Enfermeira Henderson! Que bom vê-la! - exclamou George, fazendo-a entrar.
Júlia fez um sinal para que falasse mais baixo, pois o rapaz dormia, devido à medicação que lhe fora aplicada.
Como vai ele? - perguntou comum leve sorriso.
Está se recuperando e vai voltar a andar. Tudo graças ao sr. Corbett. Ele foi maravilhoso, e nunca vou poder agradecer o suficiente.
Tenho certeza de que o sr. Corbett também está satisfeito com o sucesso da operação e não deseja agradecimentos.
Mas eu pretendo falar com ele assim que chegar - insistiu George.
O sr. Corbett pretende vir aqui hoje? - perguntou Júlia, ansiosa.
- Sim, ele já deve estar chegando. Prometeu visitar Tommy hoje, bem cedo.
Assustada com a possibilidade de encontrar Nathan, Júlia ficou apenas mais alguns minutos no quarto e se despediu logo depois, saindo rapidamente.
Não queria ver Nathan, pois só faria aumentar a dor em seu coração.
Também não sabia se ele ainda se encontrava tão furioso como quando deixara sua casa.
Saiu do edifício com passos rápidos e ansiosos e chegou ofegante a seu Toyota. Quando partia, no entanto, viu a Ferrari se aproximando do estacionamento e acelerou, rezando para que Nathan não reconhecesse o carro.
Já no caminho do consultório, decidiu que precisava dar um novo rumo a sua vida, pois não suportaria viver naquele doloroso turbilhão por muito tempo.
Júlia chegou em casa à uma da tarde e estava guardando o carro na garagem quando ouviu o telefone tocar. Seria Nathan?
Atendeu, ansiosa, mas suas esperanças desapareceram quando ouviu a voz de Damian Squires.
Tenho notícias para você - disse ele, sem demora. - Fiquei sabendo através de uma fonte segura que Nathan recusou o cargo que Basil Grant havia oferecido.
Duvido que Márcia goste da notícia, e fico imaginando o quanto isso vai afetar o relacionamento deles.
- Acho que o relacionamento já terminou há algum tempo para Nathan. Márcia não quer se conformar, e não o deixará em paz enquanto não conseguir o que quer. Nathan, porém, está irredutível.
Por quê? - ela perguntou, o coração batendo acelerado. - O que poderia tê-lo feito terminar o relacionamento agora?
Eu esperava que você me dissesse. Contou a verdade a Nathan? - perguntou ele.
Sim, contei.
- E? - Damian indagou, depois de um breve silêncio.
Não seria difícil descrever a reação de Nathan ao saber a verdade. Aquela cena a assustava dia e noite e duvidava que conseguiria esquecer.
- Nathan ficou furioso - ela confessou, os olhos cinzentos, sombrios. - Ele disse que eu não tinha o direito de decidir por ele, e... sabe de uma coisa, Damian? Faz sentido, e é terrível.
- Você fez o que considerava o melhor para ele.
A resposta firme do amigo era um conforto, mas ainda não conseguia se livrar do sentimento de culpa.
Fico aliviada em saber que ainda tem a mesma opinião. - As palavras saíram de sua boca com um riso trêmulo, mas Júlia se controlou rapidamente quando sentiu lágrimas nos olhos. - Acho que fiz uma grande confusão, e duvido que Nathan me perdoará. O que vou fazer, Damian?
Não sei se posso lhe dar um conselho, mas, o que decidir, terá de ser rápido. Nathan vai voltar para Joanesburgo dentro de dois dias.
Obrigada, Damian.
Cabia a ela o próximo passo e, como Damian havia dito, teria de agir rapidamente.
Nathan merecia conhecer toda a verdade, mas Júlia temia outra confrontação. Temia ser humilhada se descobrisse que o interesse dele havia sido baseado unicamente no desejo de vingança, mas era uma dúvida que teria de enfrentar.
Uma batida na porta a despertou daqueles pensamentos e seguiu até a entrada imaginando quem poderia ser.
Márcia entrou abruptamente, os olhos escuros brilhando, flamejantes, e o rosto bonito transformado pela fúria. Vestia um conjunto azul-marinho que acentuava a expressão fria, enquanto o olhar percorria a mobília com evidente desprezo.
Júlia havia permanecido no mesmo lugar, assustada com aquela visita surpreendente. Márcia sempre a fazia sentir-se encurralada, como se tivesse o poder de destruir com um simples toque seu mundo tão frágil.
- Não sei se foi informada - começou Márcia, sem hesitar -, mas Nathan recusou o cargo que meu pai havia oferecido na clínica, e a culpa é sua!
Aquela acusação pegou Júlia de surpresa, mas ela se recompôs de imediato.
- Não consigo entender como eu poderia ter influenciado a resolução de Nathan, uma vez que nunca discutimos o assunto, nas raras vezes em que nos encontramos.
O temor que Júlia sentira no início havia sido substituído pela raiva, e estava decidida a não permitir que a outra mulher a intimidasse.
- Ele cometeu um grave erro em rejeitar a oferta de meu pai - disse Márcia. - Está jogando fora uma grande oportunidade. Se você não quiser ter isso em sua consciência para o resto da vida, então deveria sacrificar seus desejos egoístas e convencê-lo a mudar de idéia.
Júlia mal podia acreditar no que estava ouvindo. Márcia exigia um novo sacrifício, mas ela, Júlia, não estava disposta a obedecer aos caprichos daquela mulher fútil.
Eu passei os melhores anos de minha vida sacrificando minha felicidade pela carreira de Nathan - informou Júlia, friamente -, mas tudo tem limite. Se eu tiver a chance de ser feliz, vou segurá-la com todas as forças.
Se está esperando que ele a peça em casamento, então cairá no mesmo erro que eu - disse Márcia, irônica.
Júlia observou Márcia saindo, com ares de vitoriosa, e aquela situação a fez decidir-se mais depressa ainda: iria até Honeywell para resolver sua vida de uma vez por todas.
CAPÍTULO X
U
ma forte chuva começava a cair quando o carro de Júlia entrou no caminho que levava a Honeywell.
Havia saído de casa naquela noite de domingo com um objetivo em mente, e nada a faria recuar. Não tinha certeza se ainda havia alguma coisa a ser salva entre eles, mas precisava tentar.
Os pára-brisas não estavam dando conta, movimentando-se de um lado para o outro numa tentativa frenética de permitir a visibilidade.
Pôde ver luzes a sua frente, através das árvores, e suas mãos pressionavam com força o volante quando finalmente alcançou a casa de pedras com uma imensa varanda.
- Aqui estou! - ela murmurou para si mesma, enquanto estacionava atrás da Ferrari.
Guardou as chaves na bolsa e correu pela chuva até alcançar a varanda, sentindo-se desconfortável com a roupa úmida sobre a pele. Ajeitou os cabelos com uma estranha ansiedade e tocou a campainha.
A porta se abriu segundos depois, e o coração de Júlia acelerou quando Nathan apareceu.
Os cabelos negros estavam úmidos, como se acabasse de sair do banho, a camisa branca estava desabotoada e a calça marrom delineava as pernas musculosas.
Ele a observou sem dizer nada, e a coragem de Júlia quase desapareceu quando percebeu que não havia sinais de boas-vindas no rosto de pedra.
- Isto é inesperado - ele disse finalmente, os olhos frios deslizando sobre o corpo esguio e voltando para os seios que arfavam visivelmente sob a blusa de seda.
- Não pensei em telefonar antes. Você se importa? - ela perguntou, ao mesmo tempo que percebia que Nathan estava mais magro. - Precisamos conversar, Nathan.
Por um instante ela pensou que a porta fosse fechar a sua frente e suspirou aliviada quando Nathan se afastou para que pudesse entrar. Havia uma fúria controlada quando ele fez um gesto para indicar a sala de estar.
Gostaria de um pouco de sherry? - ele ofereceu, e Júlia teve a estranha sensação de que havia entrado na jaula de um leão. Porém, não podia fraquejar naquele momento. Não,
depois de ter ido tão longe!
Sim, obrigada - respondeu, a voz admiravelmente firme, mas seu íntimo tremia quando Nathan se afastou para preparar a bebida.
Júlia observou a espaçosa sala de estar enquanto ouvia a chuva, numa tentativa de se acalmar. Havia sido um erro ir até Honeywell sem avisar, e se lembrou da última visita que fizera ao lugar.
Assustou-se ao ouvir passos atrás de si, e os músculos se retesaram enquanto voltava lentamente para pegar o copo que Nathan oferecia.
- Saúde! - ele disse, enquanto se sentava, esticando as longas pernas.
- Saúde - ela apenas murmurou, sentando-se a alguma distância dele. Apenas bebericou o líquido enquanto assistia Nathan sorver de uma só vez mais da metade do uísque que
havia preparado para si mesmo.
O silêncio que pairava era incrivelmente tenso, e Júlia ficou desconcertada ao perceber que estivera observando o peito bronzeado na camisa aberta e os pêlos macios que formavam uma trilha sensual até o umbigo.
Apesar da frieza de Nathan, sua aura emanava uma forte masculinidade, que estava agitando os nervos de Júlia.
Tentando se ver livre daquela espécie de encantamento na qual a presença dele sempre a aprisionava, ela indagou:
- Está voltando a Joanesburgo?
Arrependeu-se no mesmo instante, pois Nathan concluiria que a única pessoa habilitada a dar tal informação seria Damian.
Tenho de voltar para meu trabalho - Nathan lembrou, o rosto zombeteiro, e Júlia desviou o olhar para a mobília, tentando recuperar o autocontrole.
Gosto das mudanças que fez na casa.
É mesmo, Júlia?
Sabia que estava perdendo um tempo precioso, mas Nathan não lhe facilitava a situação.
Suponho que considere Honeywell como um refúgio para quando desejar fugir das pressões da cidade.
Era o que eu tinha em mente quando decidi comprar a fazenda. - Ele bebeu o restante do uísque e havia cinismo nos olhos azuis, quando colocou o copo vazio sobre a mesa ao lado. - Vamos esquecer as preliminares e ir direto ao motivo de sua visita?
Quando vai partir?
Segunda-feira de manhã.
Recebi a visita de Márcia. - Se Júlia esperava alguma reação por parte dele, ficou desapontada. O rosto de Nathan permaneceu indecifrável, e foi forçada a continuar: - Ela me
disse que você recusou a oferta de Basil Grant.
Exatamente.
Júlia bebericou o sherry para se acalmar enquanto decidia a melhor coisa seria não esconder nada de Nathan.
Por algum motivo, Márcia me acusa de ter influenciado sua decisão, e ela acha que cabe a mim convencê-lo a mudar de idéia. Sei que não tenho nada a ver com isso, mas achei que devia saber.
Você está certa. Minha decisão deveu-se única e exclusivamente a mim mesmo - disse Nathan, asperamente, enquanto se levantava para pegar outro drinque. - Entretanto, como Márcia a envolveu nisso, vou abrir uma exceção. Recusei a oferta porque não desejo ser um boneco ilustre nas mãos de Basil. E quanto ao fato de ela pensar que você influenciou minha decisão, bem, é uma atitude típica de uma mulher que não conseguiu o que desejava.
Fazia sentido, mas Júlia resolveu não insistir no assunto. Havia um outro motivo mais forte para sua presença em Honeywell.
- Você iria... - A voz de Júlia falhou e teve de pressionar o copo que segurava para se controlar. - Teria partido na segunda-feira sem me dizer adeus?
Nathan não mudou sua posição na cadeira. Para um desconhecido, ele parecia relaxado, mas Júlia notava a tensão em cada músculo do corpo forte.
Teria se importado? - O olhar penetrante desafiava Júlia a dizer a verdade. - Teria se importado se eu partisse sem me despedir?
Sim - respondeu, tensa, sem, no entanto, desviar os olhos. - Teria me importado muito.
Por quê?
A pergunta abrupta pairava no ar como um desafio e um aviso ao mesmo tempo. Nathan estava oferecendo a oportunidade que desejava, e não poderia recusar.
- Eu não teria tido a chance de... de dizer a você o quanto me odeio agora pelo... pelo que fiz cinco anos atrás. Você falou na outra noite que eu não tinha o direito de decidir, e cheguei à conclusão de que está certo. Entretanto, minha atitude foi baseada no fato de que eu não queria atrapalhar sua carreira.
Júlia estava prestes a derramar a bebida no colo e depositou o copo sobre a mesa quando percebeu a expressão incrédula de Nathan.
Oh, sei que parece uma fraca desculpa, mas eu não podia abandonar minha avó, mas muito menos permitir que você jogasse fora a oportunidade de sua vida. Sei como teria agido se eu tivesse lhe contado a verdade. Teria insistido para que nos casássemos e talvez você até viajasse, mas nosso casamento não sobreviveria com a separação, e isso afetaria seus estudos.
Então você escreveu aquela carta e desapareceu com sua avó.
Sim - ela concordou, triste. - Eu não conseguiria olhar para você e mentir. Tinha medo que me fizesse mudar de idéia, e, se decidisse adiar seus estudos, poderia me culpar mais tarde.
Apesar da expressão de teimosia no rosto, Júlia sabia que ganhava credibilidade quando percebeu um nervo pulsando em um lado da boca máscula.
A decisão teria sido minha, Júlia, e eu nunca teria culpado você.
Não abertamente, mas no seu íntimo - ela argumentou. - O ressentimento criaria uma enorme barreira entre nós.
O silêncio pairou no ar, sendo apenas quebrado pelo som da chuva lá fora. Os olhos azuis estavam voltados para o chão, e Júlia começava a sentir-se desconfortável quando ele subitamente levantou o olhar para encontrar o dela.
Devo presumir que Damian sempre soube da verdade?
Sim, ele sabia de tudo - Júlia confessou, nervosa. - Eu pedi um conselho para ele, mas, no final, a decisão teve de ser minha.
Aprecio sua honestidade, e, detesto admitir, mas seu argumento faz sentido agora que não estou tomado por uma fúria cega. Porém, isso não eliminaria o fato de que passei o inferno quando desistiu do casamento.
A fria acusação na voz de Nathan a fez estremecer.
- Eu também sofri - Júlia murmurou -, se isso serve de consolo para você.
Nathan colocou mais uísque no copo e tomou um longo gole, a luz da luminária sobre a mesinha acentuando as forma do rosto bonito e másculo.
Ele se levantou, caminhando até a janela e permanecendo de costas por longos segundos, até que se voltou, os olhos azuis com um brilho estranho.
Você é a pessoa mais altruísta e generosa que já conheci. - disse ele, correndo os dedos pelos cabelos e balançando a cabeça. Havia um leve sorriso na boca sensual que fez a alma de Júlia se iluminar. - Deus sabe o quanto sou grato, Júlia, mas minha gratidão tem menos importância perto da raiva e da amargura.
Não espero que me perdoe, nem desejo sua gratidão. Eu vim aqui porque lhe devia mais explicações e tenho outra coisa para dizer antes de ir embora.
O coração batia acelerada e dolorosamente no peito, e as pernas tremiam quando se levantou, mas os olhos doces não fugiram dos dele.
- Meus sentimentos por você não mudaram - confessou em um murmúrio -, e estava certo quando disse que era muito mais do que atração física quando fizemos amor naquela noite, mas no dia seguinte fiquei envergonhada. Eu havia acreditado em tudo que Márcia me havia dito, e sabia que ela teria muito mais condições de lhe ajudar profissionalmente. Foi por isso que insisti em me manter afastada.
"Pronto! Havia dito!", pensou aliviada.
O rosto de Nathan não demonstrava nenhum sentimento. Permaneceu calado por alguns instantes, que para Júlia pareceram séculos. Então falou, a voz saindo grave e pausada:
Você acha que me tornei tão ambicioso que nada mais importa?
Eu sinto muito, mas... - Júlia buscou alguma mostra de compreensão naquele rosto, mas ele estava inflexível. - Cinco anos são um longo tempo, e as pessoas mudam.
As pessoas mudam, mas não tanto assim! - Nathan exclamou. - Você não mudou e estava preparada para fazer outro sacrifício por mim, como se fosse a coisa mais importante em sua vida!
Ele estava tão próximo que Júlia podia sentir o perfume masculino. Gostaria de poder tocá-lo e sentir os braços fortes em torno de seu corpo, mas era um sonho que tinha de esquecer.
Aquele não era o único motivo para me afastar. Concluí que deveria estar apaixonado por Márcia, uma vez que pretendia se casar com ela, e, nessas circunstâncias, seria melhor esquecer o que havia acontecido entre nós.
E os seus sentimentos? - ele perguntou asperamente. - Ou pretendia fazer sacrifícios o resto dá vida?
Eu não pensava desse modo - Júlia protestou.. - Eu simplesmente desejava o melhor para você.
Entendo.
Júlia encontrou os olhos frios de Nathan e estremeceu. Porém, sentia-se leve, como se tivesse tirado um grande peso das costas: havia contado a verdade, finalmente, e só isso era o suficiente para deixá-la menos triste.
Obrigada pelo drinque e pelo tempo - disse ela, reprimindo as lágrimas enquanto pegava a bolsa para caminhar até a porta.
Júlia! - A voz autoritária a fez parar. - Venha cá!
Júlia virou-se lentamente para encará-lo, e os cabelos dourados se agitaram sobre os ombros quando ela balançou a cabeça em desafio àquela ordem.
Acho que já dissemos tudo e...
Não pode sair lá fora com essa chuva, portanto fique quieta e venha cá!
A expressão de Nathan ainda revelava contrariedade, mas a frieza nos olhos havia sido substituída por um calor intenso.
Júlia caminhou até ele parando a poucos centímetros de distância.
Se você acha que vou permitir que saia de minha vida, está muito enganada! - exclamou Nathan, áspero, enquanto tirava a bolsa da mão dela, jogando-a sobre uma cadeira, mas havia algo naquela expressão que trouxe uma pequena esperança a Júlia. - Perdemos cinco anos, mas não pretendo perder mais nem um minuto.
Não... não é possível que ainda me queira! - ela sussurrou, com lágrimas nos olhos.
É muito mais do que "querer", Júlia, mas não podemos ir adiante sem esclarecer algumas coisas entre nós.
Nathan segurou a mão de Júlia, proporcionando conforto a seu coração frio, enquanto sentavam-se em um sofá. Ela mal podia acreditar no que estava acontecendo.
Eu estava determinado a esquecer você - ele explicou, a voz baixa e rouca. - Por cinco anos tentei fingir que a desprezava, mas nunca tive muito sucesso, e descobri isso quando nos reencontramos.
Eu soube pela tia Sophie que você seria o novo dono de Honeywell, e estava mais ou menos preparada para um possível encontro.
A raiva e a amargura fizeram com que eu tirasse minhas próprias conclusões sobre sua desistência do casamento. Por isso meu comportamento tão abominável.
Você pediu Márcia em casamento?
Nunca! - ele exclamou, zangado. - Ela foi apenas uma entre as muitas mulheres que conheci, mas não pensei em me casar com nenhuma delas.
Júlia retirou sua mão com um gesto abrupto.
Por favor, não acho que...
Sei que não gosta do que estou dizendo - Nathan interrompeu -, mas é importante que haja total honestidade entre nós.
Desculpe - murmurou, apertando as mãos com força sobre o colo. - Pode continuar.
O coração de Júlia acelerou quando Nathan deslizou os dedos sobre o rosto delicado, antes de se levantar, como se ele próprio desprezasse o que tinha para contar.
Meu relacionamento com Márcia já deveria ter terminado, mas confesso que fazia bem a meu ego tê-la por perto. Pretendia falar com ela antes da noite em que você e eu passamos juntos, mas mudei de idéia quando insistiu em me afastar de sua vida. Eu quis provocar ciúme em você, para descobrir seus verdadeiros sentimentos.
Isso não foi muito generoso de sua parte.
Não, não foi, mas eu estava ficando desesperado - confessou Nathan, com um leve sorriso. - Tenho outra confissão, não foi acidental minha ida à casa de Roland com Márcia. Vi seu carro estacionado lá e forcei um encontro com ele no hospital. Eu esperava descobrir alguma coisa quando você me visse com ela, mas escondeu tão bem os sentimentos que fiquei furioso. - Vendo a expressão de Júlia, falou: - Por que está sorrindo?
Ela nem havia percebido que sorria e se levantou ansiosa para ficar mais próxima de Nathan.
Você nem imagina o esforço que tive de fazer para fingir que não havia nada errado.
Então saiba que senti o mesmo - disse ele, com um sorriso, quando Júlia se aproximou. - Estava começando a admitir que não poderia deixar as coisas assim. Fui a Joanesburgo para resolver tudo com Márcia e Basil Grant, e esta é uma parte em minha vida que encerrei. Eu estava ansioso para encontrá-la quando voltei a Doornfield, mas não me sentia preparado para conhecer a verdade.
Júlia estremeceu ante a lembrança daquele dia e deu as costas para Nathan, voltando os olhos para o chão.
Acho que mereço sua raiva, mas o que vai acontecer agora?
Quero você - disse ele, segurando Júlia firmemente pelos ombros para forçá-la a olhar nos olhos azuis. - E, se é possível, então, eu quero você mais do que já quis algum dia.
Júlia estremeceu sob as mãos dele.
Está me pedindo para ficar com você?
Amo você, Júlia. Nunca deixei de amá-la, preciso de você, e é o que pretendia lhe dizer desde a noite em que passamos juntos. - A voz dele estava emocionada. - Quero me casar com você e juro que vou persegui-la até que aceite.
Um calor incrível inundou o coração de Júlia e encheu sua alma de alegria. Havia encontrado paz, finalmente.
- Oh, Nathan! - ela murmurou, enquanto se aproximava com um sorriso trêmulo. - Eu o amo tanto que me casaria nesse mesmo instante, se fosse possível.
Havia um estranho tremor nas mãos de Nathan quando ele a atraiu para bem perto, beijando-a com infinita ternura, mas a suavidade foi logo substituída pela urgência. A dor e o sofrimento ainda eram reais e se abraçaram com força.
A boca sensual de Nathan trilhou um caminho de fogo sobre a pele macia, mas os lábios se reencontraram com uma ansiedade que se recusava a ser aplacada.
As emoções em Júlia eram tão violentas quanto a tempestade que caía lá fora, e ela tremia incontrolavelmente nos braços de Nathan quando os lábios se separaram.
Os olhos dele estavam escurecidos pelo desejo. Houve, então, uma doce resposta em Júlia quando enterrou o rosto ardente no ombro de Nathan, e podia ouvir as pulsações fortes e rápidas daquele coração que batia por ela.
Você teria partido na segunda-feira sem se despedir?
Claro que não, bobinha. - Ele riu, zombeteiro. - Eu pretendia ir até o chalé esta noite, mas você alterou meus planos outra vez. Isto está se tornando um hábito seu, mas devo
admitir que foi interessante ver o modo como hesitou, antes de revelar o motivo de sua visita.
E você se divertiu com isso, não é? - perguntou ela, encarando os olhos azuis, divertidos, enquanto voltava para os braços de Nathan.
Era difícil fingir que estava zangada, mas o riso foi abafado pelos lábios sensuais que desceram sobre os seus. Nathan afastou-se por alguns momentos, e indagou:
Fale-me sobre Warren Chandler.
Warren era um bom amigo - ela explicou, triste. - Ele me pediu em casamento, mas eu nunca poderia oferecer mais do que um relacionamento platônico, e acho que já suspeitava disso muito antes de eu conversar francamente com ele.
Eu tinha um ciúme alucinado daquele homem - disse Nathan, com a voz rouca, enquanto puxava Júlia para si e começava a desabotoar-lhe a blusa.
Ela aconchegou-se mais a ele, custando a acreditar que tudo aquilo era real, de que agora poderiam ser felizes, sem as barreiras que o passado havia imposto, sem os segredos que os separaram por longos anos.
Oh, Nathan. Perdemos tanto tempo. - Ela suspirou pesadamente.
Sim, perdemos - ele concordou, levantando o rosto de Júlia para beijá-la com imensa ternura. - Mas de agora em diante não perderemos mais um segundo sequer. Amanhã cedo iremos conversar com Roland, pois nos casaremos o mais breve possível, mas por enquanto tenho outra coisa em mente para nós.
Havia um brilho ardente nos olhos azuis, e Júlia não precisava que lhe dissessem no que Nathan estava pensando quando ele a carregou no colo em direção ao corredor.
- Está de acordo, Júlia? - ele perguntou, com a voz rouca, enquanto empurrava com o ombro a porta do quarto atrás deles.
- Totalmente - Júlia murmurou, feliz, contra os lábios de Nathan, o próprio desejo refletido nos olhos azuis.
Ainda havia muitas coisas a serem ditas e resoluções a serem tomadas, mas podiam esperar. O longo sacrifício estava terminado, e não havia sentido em perder aquele momento precioso quando o destino estava oferecendo uma segunda chance.

 

 

 

 

                                                                  Yvonne Whittal

 

 

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