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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CHÃO DE ESTRELAS / Robyn Donald
CHÃO DE ESTRELAS / Robyn Donald

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

CHÃO DE ESTRELAS

 

A caixa volumosa e desajeitada que Lorena Tanner carregava enquanto caminhava pelo cais, em direção ao embarcadouro, não escondia sua graça e feminilidade. Era o começo da estação; o mês de dezembro apenas se iniciava e os turistas logo tomariam conta de Paihia. No embarcadouro já se notavam alguns deles, aguardando ansiosos a balsa que os levaria através da baía.

Um rapaz barbudo, levando uma mochila enorme nos ombros, dirigiu-se a ela:

- Ei! Posso ajudar você com isso?

Lorena sorriu, pois ele estava sendo bastante gentil e atencioso, mas balançou a cabeça negativamente.

- Não, obrigada, não é pesada e meu barco está pertinho.

Logo abaixo estava a lancha, pequena mas luxuosa; um senhor de meia-idade, gordo e baixo, com um uniforme impecável e o quepe de marinheiro jogado para trás, aguardava a chegada de Lorena, enquanto conversava com alguns conhecidos.

- Sei!

Ele atendeu imediatamente ao chamado de Lorena. Subiu ao cais e, num instante, pegou a caixa das mãos dela.

- Você ainda tem esse telescópio? - perguntou ele, como se já não tivessem se passado nove meses desde a última vez em que a vira.

- Sim, ainda o tenho e desta vez pretendo usá-lo de maneira correta. - Lorena falou isso com uma expressão tão viva que, por alguns instantes, todos os que a observavam pareciam pálidos e sem energia. - Eu mal posso esperar para observar o céu e dar uma boa olhada nas estrelas, sem as luzes de Auckland me atrapalhando!

- É uma maneira engraçada de se passar as noites, pode crer. Vamos, quero chegar o mais rápido possível. Deixe que eu levo sua mala.

- Como está Peggy?

- Bem. - Ele voltou da pequena cabine, sorrindo. - Ela vai ficar muito feliz em vê-la novamente.

- Eu também. Não vejo a hora de chegar e lhe dar um forte abraço.

Um garoto jogou a corda nas mãos de Lorena. Agradecendo, ela a recolheu com cuidado e a colocou no lugar apropriado. A pequena lancha saiu velozmente do embarcadouro e seguiu em direção à baía.

Encostada na cabine, Lorena sentia o ar salgado tocar sua pele e, com os olhos semicerrados, deixava o sol brincar nos seus longos cílios, formando pequenos arco-íris. Sentia um contentamento tão profundo que não conseguia dizer uma só palavra.

Nascida e criada numa cidade grande e movimentada, como Auckland, ela se apaixonara por aquela parte do norte da Nova Zelândia quando viera passar umas férias com seus pais, muito tempo atrás. O sol, o oceano e os longos dias claros, as cores vivas e as belas paisagens ficaram gravadas em seu coração, embora fosse apenas uma garotinha.

Anos mais tarde, procurando um emprego durante suas férias de verão, resolvera candidatar-se a um, no lado sul daquela baía maravilhosa. Peggy e Sei Robinson vieram até Auckland para entrevistá-la e, como a simpatia fora mútua, ela já havia passado os dois últimos Natais em companhia deles, na baía Waiwhetu. Como era uma observadora de estrelas amadora, Lorena achou o nome apropriado, pois queria dizer "águas que refletem as estrelas". Realmente, nas noites de verão, a baía parecia um manto negro com milhares de diamantes reluzentes.

O barulho de um motor possante chamou sua atenção. Era o barco que ia para Paihia. Alguém acenou e ela respondeu com um sorriso franco, vendo aquelas pessoas contagiadas pela beleza da baía.

Puxa! É tão bom estar de volta! - exclamou. - Sei, que é que teremos de fazer este ano? Vem muita gente? Não... não o sr. Read, espero.

Ele riu com a observação. O sr. Read, proprietário da baía de Waiwhetu, era um empresário americano de hábitos extravagantes; comprara a casa há uns dez anos e nunca viera conhecê-la. Tinha, no entanto, o costume de emprestá-la para qualquer amigo que estivesse cansado e aborrecido da vida; como seu círculo de amizades era muito grande, Waiwhetu sempre recebia hóspedes os mais estranhos. No último verão, por exemplo, ali estiveram uma trapezista com os nervos abalados e um músico empenhado em compor uma sinfonia feita inteiramente com o som de vidros quebrados.

Assim, foi com bastante interesse que Lorena esperou pela resposta de Sei. Não ficou desapontada quando finalmente ele falou:

- Um outro compositor. Este, porém, é famoso e tem muitos discos de sucesso. Seu nome é Bourne Kerwood.

- É mesmo? - Ela conhecia seus discos, claro. Bourne Kerwood era atraente demais e suas fotos em capas de discos não podiam passar despercebidas. Ficou entusiasmada com a possibilidade de conhecê-lo. - Quem está com ele?

- Ninguém. Ele está tentando compor, pelo menos foi o que deu para perceber e, creio, não quer ninguém por perto. Por isso, não devemos sequer mencionar seu nome. Peggy assegurou-lhe que aceitamos naturalmente as celebridades e que ninguém vai ficar correndo atrás dele; mas parece que ele não acreditou muito. Por isso, em hipótese alguma devemos mencionar o nome dele, já que não quer ser incomodado.

- Então vocês nem precisam de mim. Quero dizer, com um hóspede apenas, Peggy não terá tanto trabalho.

- Espere só para ver! Ela já tem uma lista de tarefas que vão mantê-la ocupada por meses. A decoração foi mudada no inverno e agora Peggy precisa de alguém para ajudá-la a arrumar todos os quartos. E depois, há as conservas para serem feitas. As ameixas já estão no ponto.

Lorena deu um suspiro de satisfação. Peggy era, com muita justiça, famosíssima pelas conservas. Muitas vezes Lorena temia cometer algum engano quando a ajudava, pois Peggy era muito exigente, mas considerava este trabalho um ótimo treinamento para o dia em que tivesse sua própria casa.

As gaivotas acompanhavam o barco quando passavam pela ponta JTapeka e Lorena admirou as novas casas que enfeitavam aquela parte da praia. Estava quente para a época do ano, mas a brisa que soprava era suficientemente fria para Lorena usar uma jaqueta.

- Como é o sr. Kerwood?

- Acho bom você tirar suas próprias conclusões. É milhões de vezes melhor do que o pessoal do ano passado, mas não espere demais.

Como era fim de semana, muitos iates estavam fora. Lorena observava os pássaros coloridos que sobrevoavam o barco, as lanchas que passavam velozes, fazendo barulho, e outras cujos ocupantes descansavam, pescando.

Sim, é muito bom estar de volta, pensava, enquanto Sei pilotava o barco em meio às ilhas que deram nome à baía. Redcap, Motukete, Moturua, havia uma infinidade delas! Algumas eram pequenas, outras razoavelmente grandes. Na maioria delas havia uma casa grande e alguns chalés para eventuais convidados dos proprietários.

Estavam se aproximando agora da casa do sr. Read. Do mar era quase impossível vê-la, pois estava rodeada de árvores nativas chamadas pohutukawas, mas Lorena conseguiu visualizá-la quando se aproximava da baía de Parekura.

Sim, lá estava ela, a madeira escura entre as sombras das árvores, o quebra-mar estendendo-se desde as pedras até o cabo.

Havia um acesso por terra até a baía de Waiwhetu, só que no verão a estrada era estreita e muito empoeirada. Sei, no entanto, preferia ir pelo mar, e a maioria dos visitantes também.

Quando o barco atracou, Lorena estava imaginando como seria o compositor Bourne Kerwood. Seus discos eram ótimos e suas canções de uma rara sensualidade. Como todo bom artista, deixava em todas as suas criações a marca de sua personalidade. Eram canções belíssimas, de um sentimentalismo tão envolvente, como jamais Lorena vira. Daí a razão de sua grande popularidade.

Provavelmente, pensou ela, lembrando-se de sua figura atraente, deve ser convencido, arrogante, intratável, consciente demais de seu talento para ser simpático. Seria uma pena se assim fosse, pois ela não poderia mais ouvir suas canções sem associá-las a essa imagem. De qualquer maneira, seria, interessante conhecer um artista tão famoso.

Quando o barco encostou no trapiche, ela pulou rapidamente com a corda nas mãos, enrolou-a no poste de amarração e começou a apanhar os pacotes que Sei ia lhe entregando. Havia compras de supermercado, malas e finalmente a enorme caixa com seu telescópio.

- Tem visto algo de bom com ele ultimamente?

- Apenas algumas estrelas. As luzes de Auckland atrapalham muito.

- Você pode ir subindo - disse Sei. - Eu ainda tenho algumas coisas para fazer aqui. Peggy deve ter ouvido a gente chegar e já deve estar à sua espera. Por favor, diga-lhe que estarei lá dentro de vinte minutos, mais ou menos.

- Certo. - Ela caminhou alegremente pelo quebra-mar e sentiu-se em casa à sombra refrescante daquelas árvores centenárias. Lorena sempre gostara de chegar a Waiwhetu sozinha, saboreando cada detalhe daquele cenário encantado, que no fim da primavera já começava a se enfeitar de flores que davam colorido e vida a tudo.

Num impulso, Lorena estendeu as mãos e pegou algumas flores, fazendo um buqué simples e bonito. Olhou-o por instantes e sentiu-se feliz por ser jovem.

- Encantador - comentou uma voz masculina, com um sotaque americano. - Você está invadindo uma propriedade particular, sabia? - acrescentou.

Lorena se sentiu culpada e, voltando-se para vê-lo melhor, disse calmamente:

- Não estou, não. Acontece que trabalho aqui.

Quando Bourne Kerwood deu alguns passos na direção dela, pôde vê-lo melhor. Seus olhos eram frios e impenetráveis. Tinha uma bela estatura, além de parecer charmoso e elegante, exatamente como em suas fotos de publicidade. Vestia jeans e uma camisa de algodão, que deixava à mostra seu peito másculo e um medalhão preso por uma fina corrente de ouro.

Com uma voz desconfiada, perguntou:

- Você é a garota da faculdade?

- Eu me recuso a acreditar que Peggy me chame assim - respondeu ela calmamente. - Sou Lorena Tanner.

- Você me parece bonita demais para ser também inteligente. Por um momento ela não acreditou no que estava ouvindo. No mesmo instante lembrou-se de que era uma empregada e ele o convidado do sr. Read. Então, com um sorriso forçado, respondeu:

- Coisas estranhas às vezes acontecem, sr. Kerwood!

- Não muitas - respondeu ele. - Onde está o sr. Sei?

- Está lá embaixo, no barco.

Kerwood olhou para onde ela indicara e inclinou a cabeça, de um modo que a Lorena pareceu uma despedida. Logo em seguida, ele disse:

Está bem. Mais tarde nos veremos por aí.

Isso não precisa de resposta, pensou Lorena, continuando seu caminho sozinha. Enquanto andava, podia sentir que ele a observava muito, até que a perdeu de vista. A beleza do dia fora contaminada pela rudeza com que ele a tratara.

Quando chegou no alto do morro, deu um suspiro. Aquela ladeira era cansativa, mas não havia outro remédio senão subi-la. Continuou a caminhar lentamente pelo gramado até alcançar a casa.

Bourne é antipático, pensou Lorena, mas charmoso o bastante para me atrair. Mas ele pareceu não demonstrar qualquer interesse por ela, apesar do comentário sobre sua beleza. E por que deveria? Sabia muito pouco sobre a vida dele, mas já lera o suficiente sobre a extravagância de artistas famosos e sabia que mulheres bonitas eram uma constante em suas vidas. Não havia nenhuma razão para Bourne Kerwood ser diferente dos outros, apesar de parecer bem discreto.

- Oi, King! - exclamou sorridente, parando para acariciar o pêlo macio do cãozinho. Olhou com prazer à sua volta e lamentou não poder ficar para sempre naquele lugar maravilhoso. Era um pedaço do jardim, que pertencia a Peggy, adornado de flores e arbustos que davam um encanto especial àquela área da casa. Logo atrás ficavam as árvores centenárias, com seus galhos cheios de folhagens apropriadas às condições do clima local.

Havia uma outra coisa que lhe chamava muito a atenção: o trabalho ininterrupto das abelhas colhendo o mel das flores.

- Satisfeita?

Lorena voltou-se com alegria para a mulher alta e forte que a observava da porta da cozinha.

- Sim, terminei meu trabalho de inspeção, mas só por enquanto. Seu jardim está maravilhoso, Peggy!

Peggy olhou com satisfação para seu pequeno domínio.

- Realmente, parece estar mais bonito este ano. Entre, vou preparar um chá e você aproveita para me contar as novidades.

- Sei mandou avisá-la de que vai demorar uns vinte minutos.

A casa não era tão grande e trazia a marca da personalidade de Peggy. Enquanto a acompanhava até a cozinha, Lorena pensou que reconheceria uma casa de Peggy em qualquer lugar do mundo, pois estaria sempre limpa e arrumada, com perfume suave de lavanda e cera de mel, uma mistura secreta que Peggy usava para polir os móveis. Haveria sempre vasos de flores por toda a casa e uma sacola de tricô na cadeira de balanço, junto de um gato cinza que estava sempre cochilando. A televisão portátil estaria em cima de algum móvel e as palavras cruzadas do jornal, como sempre inacabadas, sobre a mesa da cozinha. E não muito distante se ouviria o som da chaleira, pronta para o preparo das várias xícaras de chá que Sei e Peggy tomavam durante o dia todo.

- Encontrou o sr. Kerwood no caminho? - perguntou Peggy.

- Sim, e ele me advertiu de que eu estava invadindo uma propriedade particular.

Peggy soltou uma gargalhada, o que lhe era bem característico e expressava claramente o que pensava do caso.

- Ele preza muito sua intimidade. Isto me faz pensar no tipo de vida que ele tem em sua terra. Imagino que viva sempre rodeado por uma infinidade de pessoas.

Pela maneira como Peggy falava, Lorena deduziu que ela gostava dele, embora isso a surpreendesse, pois um homem moderno e sensual como Bourne Kerwood não deveria agradar a alguém tão convencional como Peggy.

- Quanto tempo ele vai ficar por aqui?

- Não sei. Ele disse que estava preparando um novo disco, mas passa a maior parte do tempo andando pelo salão e com cara de poucos amigos. - Enquanto falava, Peggy terminava de arrumar a mesa.

- Talvez seja assim que lhe venha a inspiração para compor suas músicas - comentou Lorena.

- É, pode ser - admitiu Peggy. - Você o achou interessante?

- Contra a minha vontade - respondeu ela, sorrindo. - Não me olhe assim! Eu sei muito bem qual é o meu lugar.

- Eu realmente espero que sim, pois Bourne, além de inteligente e atraente, é muito nervoso e difícil de se tratar.

Lorena sentou-se e, refletindo sobre as palavras de Peggy, concluiu que ela estava absolutamente certa.

- Mesmo assim você gosta dele, não é?

- Duvido que alguém possa resistir ao seu charme - respondeu Peggy. - AS coisas acontecem facilmente para ele, mas há um preço a ser pago, e ele sabe disso. Tudo o que é ganho com facilidade perde logo seu prazer. Bourne está descobrindo isto agora.

- Você parece conhecê-lo muito bem. Desde quando ele está aqui?

- Tempo suficiente para eu perceber tudo isso. Bourne é o tipo de homem que gosta de falar a respeito de si mesmo, como alguns que eu já conheci.

Havia um tom de advertência nas palavras de Peggy e Lorena ficou surpresa ao notar uma certa aspereza em sua voz, normalmente agradabilíssima. Não tinha dúvidas de que ela acreditava em cada palavra que dissera.

- Eu acho que ele sempre foi muito badalado e elogiado - Lorena falou depois de alguns instantes. - É algo inevitável...

- Ele foi estragado pelo dinheiro - afirmou Peggy. - De qualquer maneira, você poderá ver por si mesma, embora eu não acredite que ele vá ficar muito por aqui. Não me parece o tipo de pessoa que fica muito tempo no mesmo lugar.

Neste momento Sei entrou e o assunto foi esquecido, pois tinham muito o que falar depois de nove meses sem se ver. Peggy não gostava de escrever cartas e por isso elas não se correspondiam, mas tanto ela como Sei queriam saber como Lorena passara o ano e quais as novidades que tinha para contar.

Após terminar sua segunda xícara de chá, Peggy disse:

- Bem, creio que está na hora de preparar o jantar. Loren, você pode ir para o seu quarto e arrumar as suas coisas. Não vou precisar de você esta noite. Se quiser, pode ir nadar assim que terminar de se acomodar.

Havia dois quartos no andar em que eles ficavam, no fundo da casa, e o quarto de Lorena era do outro lado, separado por um longo corredor. Era um quarto arejado e muito bem decorado. Tinha um banheiro privativo e, apesar de pequeno, era confortável. Havia uma porta de vidro que dava para um terraço cheio de rosas vermelhas. Uma escada levava até um pátio todo gramado, ligado por um atalho a uma enseada onde Lorena costumava nadar.

Seu quarto era decorado em tons de azul, verde e branco e a mobília era de cana-da-índia. A vista era belíssima. De seu terraço, ela podia ver o outro lado da baía de Parekura. Mais ao longe estavam os campos verdes e alguns telhados de casas em meio à vegetação e, ao fundo, as montanhas cobertas de florestas.

A parte principal da casa era voltada para a baía das ilhas, ao norte, e a vista era também excepcional, mas Lorena jamais trocaria o seu quarto por qualquer outro cómodo da casa.

Enquanto ela observava tudo isso e respirava aquele ar saudável, alguns barcos cruzavam a baía, deixando sulcos nas águas, formando estranhos desenhos. Uma gaivota voou graciosamente e, sob a luz do sol, parecia uma flecha de prata.

Lorena suspirou, extasiada diante de tanta beleza.

Resolveu dar uma nadada e vestiu seu biquini. Olhou-se no espelho e perguntou-se por que Bourne Kerwood a achara bonita.

Seu corpo era bem-feito, o busto alto e a cintura fina; os quadris eram bem delineados, e as pernas, longas e perfeitas graças a seus constantes exercícios. Era universitária e andava muito todos os dias. Tinha as maçãs do rosto salientes e o queixo quadrado demonstrava sua forte personalidade. A boca era sensual, e os olhos, de um verde intenso. As sobrancelhas eram claras e espessas, e o cabelo, crespo e grosso, não lhe permitia muitas opções de penteados, por isso o mantinha mais ou menos curto.

Dificilmente podia ser chamada de uma garota bonita; se alguém quisesse ser gentil poderia dizer que ela era atraente, mas estava muito longe dos padrões convencionais de beleza.

Saiu então de frente do espelho. Que tolice ficar se observando como se pudesse descobrir algo novo, só porque Bourne Kerwood havia feito um elogio! Claro que ela já recebera muitos elogios, mas a maneira como ele o dissera, com os olhos fixos em seu corpo, com aquele sotaque americano, parecia ser mais verdadeira. Ou, talvez, o insulto que acompanhara o elogio a tivesse atingido mais fundo.

Decidiu não pensar em Bourne Kerwood. Não era mais uma adolescente para se apaixonar apenas por um rosto e uma voz...

Enquanto descia até a praia, começou a se lembrar das canções dele. Eram profundas e diretas e conseguiam permanecer nas paradas muito mais tempo do que os sucessos efémeros de outros cantores.

Mas, apesar de tudo, ela continuava pensando nele! Não era fácil afastar Bourne de seus pensamentos.

Iria dar seu primeiro mergulho e não tinha ilusões quanto à temperatura da água. Devia estar gelada, e permaneceria ainda bem fria até quase o final de dezembro.

A praia estava simplesmente maravilhosa à luz do crepúsculo. Lorena correu então para o mar e mergulhou graciosamente nas águas tranquilas.

Estava delicioso, contudo ela não pretendia se demorar. Mas, quando começou a nadar em direção à praia, sentiu um choque ao ver Bourne sentado na pedra onde ela deixara suas roupas.

- Esta parte da praia é reservada aos empregados - disse ela, assim que se aproximou dele.

Bourne limitou-se a sorrir e não passou despercebido a Lorena o magnetismo do olhar dele.

- Eu não vi nenhuma placa - disse, para provocá-la. Lorena passou a mão nos cabelos, tentando melhorar sua aparência.

- Claro que não há placas, todos sabem disso. Os convidados têm Waiwhetu inteira para eles.

- Eu prefiro esta praia. Você pode usar Waiwhetu enquanto eu estou aqui. - Em seguida, levantou-se com um movimento ágil, demonstrando sua excelente forma física.

Após dar uma olhada para a praia de que tanto gostava e que agora tinha que deixar, Lorena enrolou a toalha no corpo e disse friamente:

- Muito bem, se é assim que você quer.

- Sim, é assim que eu quero. - Sua voz era irónica. Ele desceu da rocha e continuou, no mesmo tom: - Por que você está aqui?

- Isto quem decide é a sra. Robinson - respondeu e começou a subir o atalho em direção à casa. Ouviu então os passos dele logo atrás.

- Não há dúvidas de que é mais fácil para ela ter você por perto, mas duvido que Aaron Read fique satisfeito ao saber como seu dinheiro está sendo gasto.

Lorena virou-se e olhou fixamente para aquele rosto enigmático.

- E parece que você vai dar um jeito de levar isso ao conhecimento dele, não é? - Seus olhos brilhavam de raiva e seu rosto pegava fogo.

- Ah! Então você admite que é um emprego arranjado?

- Não! - Tentando se controlar ao máximo, acrescentou: Por que você não fala com a sra. Robinson? Foi ela quem me contratou.

- Pois é o que vou fazer. Enquanto isso, você não deve dizer a ninguém que estou aqui.

Lorena não pôde resistir à tentação de lhe responder:

- Não precisa se preocupar, sr. Kerwood. Aqui na Nova Zelândia as pessoas são muito discretas, e quando alguém quer preservar sua vida particular nós fazemos questão de respeitá-lo. Posso lhe assegurar que não será incomodado por nenhum bando de adolescentes malucos.

Era fácil perceber que atingira seu objetivo. Um rubor repentino tingiu o rosto bronzeado de Bourne e seus olhos negros brilharam de raiva.

Lorena deu um passo atrás, recriminando-se por falar além do que devia e criar aquela situação desagradável. Lembrou-se, embora tarde demais, que, se Bourne quisesse, poderia trazer problemas não só para ela como também para os Robinson. Ele parecia um animal pronto para dar o bote.

Estava prestes a se desculpar, embora contra a vontade, quando ele, antecipando-se, disse calmamente:

- Você reage tão rudemente às pessoas de quem não gosta? Lorena enrubesceu e, sem pensar, respondeu:

- Não, mas às vezes eu perco o controle e me arrependo depois. E não é que não goste de você. Afinal, eu nem o conheço!

- E eu nem dei uma chance para você gostar de mim. - Toda sua frieza fora substituída por um sorriso largo que o tornava ainda mais atraente. - Vamos apertar as mãos e fazer as pazes?

Parecia tolice recusar, por isso ela estendeu a mão, tomada de uma estranha sensação, como se ele a estivesse envolvendo toda. Não era difícil retribuir o sorriso de Bourne, e Lorena capitulou.

- Bem, é difícil sermos amigos. Eu trabalho aqui.

- Ora, o que é isso? Eu pensei que o povo daqui era como na América, só que mais liberal. Será que sua atitude não está sendo um pouquinho exagerada?

Lorena puxou a mão e começou a subir novamente. No entanto Bourne segurou-a pelo braço, como se estivesse com medo de que ela tropeçasse ou não soubesse o caminho.

Ainda surpresa pela mudança de atitude dele, Lorena conseguiu dominar-se e respondeu, sem muita convicção:

- Talvez você tenha razão, mas é a melhor maneira de se viver.

- Eu me recuso a acreditar nisso.

Felizmente o atalho se tornara muito estreito para andarem juntos e Bourne foi forçado a soltar o braço de Lorena. Ela deu uma corrida até o alto, como se com isso pudesse se livrar dele.

Quando finalmente chegaram ao pátio, ele estava a apenas um passo dela e nem um pouco cansado.

Antes de entrar em casa, Lorena voltou-se para ele e disse, com firmeza:

- Mesmo que você não queira acreditar, é assim mesmo que eu vivo.

- Pare de parecer tão determinada, doçura. Você pode tentar manter a distância que quiser entre o térreo e o primeiro andar, mas eu me recuso a ser intimidado por uma garotinha recém-saída das fraldas. Quantos anos você tem? Dezessete? Dezoito?

- Eu tenho dezenove anos completos, sr. Kerwood. Preciso ir agora; está ventando muito e eu vou ficar gelada se continuar aqui.

- Certo. A gente se vê por aí, srta. Tanner. - com isso, foi embora e Lorena ficou imaginando como seria seu próximo encontro com ele.

Enquanto secava os cabelos, Lorena pensava em Bourne. Por que ele mudara seu tratamento para com ela? Primeiro a tinha amedrontado, depois tentara conquistá-la com sua simpatia. No fundo, Lorena sentia que antipatizara com ele desde o primeiro instante. Não conseguiu chegar a nenhuma conclusão sobre o comportamento de Bourne, mas sua intuição feminina lhe dizia que era um homem perigoso. Para sua própria segurança era melhor ficar bem longe dele durante a sua permanência em Waiwhetu.

- Ele não é enjoado para comer, mas gosta de uma comida bemfeita e servida com classe - disse Peggy. - Come muitas frutas também.

- Eu pensei que os americanos preferissem carne - comentou Lorena, sem muito interesse, enquanto arrumava os talheres na toalha vermelha e branca, especialmente escolhida por Peggy para a ocasião.

- Talvez, mas ele não faz muita questão, e me disse para não preparar porções muito grandes de carne. Dê um pulo até a despensa e traga folhas de louro e cebolas, por favor. E não se esqueça da salsa também.

Os temperos eram o segredo dos pratos preparados por Peggy; Lorena pegou as folhas de louro e passeou os olhos pela despensa! Como tudo naquela casa, ali também podia se notar a personalidade daquela maravilhosa dona-de-casa.

- Corte e tempere a salada de tomates, Lorena - pediu Peggy, assim que ela voltou para a cozinha.

Enquanto preparava a salada, Lorena cantarolava uma canção. Quando percebeu que era uma das mais conhecidas de Bourne, mudou rapidamente para uma modinha popular, sentindo-se culpada como se tivesse cometido algum pecado.

Ele devia comer bem mais tarde que os Robinson, pois Peggy colocou a mesa apenas para Lorena, ela e o marido. Sentaram-se.

- Você é a melhor cozinheira que eu conheço - disse Lorena, após saborear uma deliciosa sopa fria.

- Bem, este não é um grande elogio, pois eu acho que você não conhece ninguém mais que cozinhe de verdade - brincou Peggy.

- Eu não sou tão ruim assim, você sabe. Bem, tendo você como professora, sei que nunca vou fazer feio. Mas apesar de nossa comida não se enquadrar nos padrões do famoso Cordon Blue, eu prefiro. Além do mais, esse restaurante é muito caro para o meu gosto. Lorena sorriu de seu comentário e continuou, no mesmo tom: - Eu tenho que economizar o meu dinheiro, você sabe. Minha bolsa de estudos não permite nenhum luxo e, apesar de os advogados serem muito bons e adiantarem qualquer importância de que eu precise, não posso esquecer que o património que meus pais me deixaram não é tão grande. Graças a Deus, eram muito cuidadosos a este respeito e, embora eu não tenha uma grande fortuna, é o suficiente para me manter até poder começar a ganhar o meu próprio dinheiro.

Nas outras vezes que estivera em Waiwhetu, ela não se sentiu disposta a discutir a respeito de seus pais com Sei e Peggy. A perda tinha sido muito recente e eles jamais tocaram no assunto. Como em todas as perdas, no entanto, a dor diminuíra com o passar dos anos, e agora Lorena estava preparada para falar sobre os pais sem a aflição e a tristeza que a acompanharam por tanto tempo.

Peggy estava curiosa para saber mais a respeito, mas esperou até que terminassem o jantar e o café fosse servido, para lhe perguntar:

- O que seu pai fazia? Você me disse que ele era um grande artista, não é?

- Sim. Era arquiteto. - Lorena colocou sua xícara sobre a mesa, fixando o olhar nas flores de um vaso ao lado da janela. - Um ótimo arquiteto. Ele morreu num acidente quando eu tinha doze anos; depois, uma enfermidade levou mamãe. Ela morreu quando eu entrei para a faculdade. Acho que simplesmente não aguentou viver sem ele.

- É muito triste - murmurou Peggy, servindo café novamente a Sei, sem que ele pedisse.

Os dois funcionam como se tivessem um tipo de radar, pensou Lorena e ficou imaginando se, algum dia junto a um homem, seria capaz de prever seus desejos sem que fosse dita uma palavra sequer.

- E como foram seus exames? - perguntou Sei.

- Se eu não conseguir passar, vou ficar furiosa comigo mesma

- respondeu Lorena.

- É bastante justo. Sabe, Lorena, você se parece com Bourne.

- Sei sorriu da surpresa dela com a comparação e continuou, tranquilo: - Nenhum de vocês dois tem um pingo de falsa modéstia. Ele me falou que suas canções faziam sucesso e eram populares porque tinham qualidade musical, melodia e diziam algo que tocava no íntimo das pessoas.

- É, mas acho que desta vez ele está em apuros para provar seu talento - disse Peggy. - Ele não faz nada!

- Não vá me dizer que você o está comparando àquele louco que esteve aqui no ano passado! - perguntou Sei, preocupado. Aquele que queria quebrar vidros o tempo todo.

- Sei, não há termos de comparação entre eles. O sr. Kerwood canta muito bem e tem razão em dizer que suas músicas tocam a gente. O outro não passava de um idiota.

com essas palavras, Peggy deu por terminada a discussão e o jantar. Levantou-se, então, e disse:

- Já está na hora de servir o jantar do sr. Kerwood.

 

No dia seguinte Lorena começou a trabalhar de verdade. Logo de manhã recebeu quatro linguados, trazidos pelo filho de um fazendeiro vizinho, um garoto de uns dezessete anos.

- Oi! Você chegou? Como vai? - perguntou ele, feliz, quando Lorena abriu a porta.

- Muito bem. Isso é para nós?

- Sim. Pescamos muitos ontem à noite e minha mãe pediu para eu trazer alguns para vocês. Lorena, você trouxe o seu telescópio?

- Claro que sim! Muito obrigada pela gentileza, Gordon. Posso lhe telefonar uma noite dessas em que as condições estiverem boas para observarmos as estrelas?

- Claro que sim. Tenho um primo chamado Mark, que está aqui. Ele é um pouco mais velho do que eu, e muito legal. Posso trazê-lo também?

- Claro. Agora preciso começar meu trabalho, Gordon. Até qualquer dia.

- O garoto já foi embora? - perguntou Peggy, que parecia contente com a vinda de Gordon. - Eu sabia que ele não ia demorar para aparecer. Mais tarde vou ligar para a sra. Haworth e agradecer os linguados. Estão muito bonitos; acho que vou prepará-los para o almoço.

Para surpresa de Lorena, Bourne Kerwood entrou na cozinha. Parecia que acabara de sair do banho. Usava uma calça branca e uma camisa creme, que davam ao seu bronzeado uma tonalidade luminosa.

- Alo, Peggy! - cumprimentou-a com um sorriso encantador.

- Como vai, Lorena? O Sei já saiu?

- Não, acho que está lá fora, limpando a piscina - respondeu Peggy.

- Você acha que ele me emprestaria a lancha? Gostaria de visitar aquela ilha que fica em frente à janela do meu quarto.

- A ilha Bounderman's? - Peggy sorriu, compreendendo o desejo dele. - Tenho certeza de que Sei não se importará em levá-lo até lá. Por que você não pergunta diretamente a ele?

Bourne, no entanto, não queria ser levado, como fez questão de salientar.

- Estou habituado a diversos tipos de lancha e não vou ter problemas - disse a Sei, que não parecia muito convencido.

Percebendo uma certa tensão entre os dois, Lorena ficou em silêncio, aguardando a capitulação de Sei, que não aconteceu tão facilmente.

Sei observou Bourne por alguns momentos, mas depois relaxou e consentiu:

- Muito bem, pode ir.

- Ótimo, vou sair logo depois do café. - Bourne voltou-se para Peggy. - Você se importa se eu tomar café com vocês? Isso vai evitar o trabalho de arrumar outra mesa lá em cima. E eu gostaria muito que você preparasse um lanche para eu levar.

Ele não está exagerando em seu charme, pensou Lorena. Transpirava também uma sensualidade que faria qualquer mulher se sentir mais feminina na sua presença. Isso acontecia com seus discos também.

Ninguém conseguiu entender por que Sei, normalmente tão zeloso das coisas de seu patrão, concordara em emprestar a lancha. Sei nunca admitiria isso, mas Lorena percebeu que, além da atração que Bourne exercia sobre o sexo oposto, também impunha respeito aos outros homens.

Lorena começou então a arrumar a mesa.

Poderia ter sido desagradável aquela refeição matutina, mas, à descontração dos Robinson e à simpatia de Bourne, transcorreu num clima tranquilo. Sei e ele discutiram sobre pescaria e os lugares que pareciam de fato interessantes naquelas redondezas.

O conhecimento de Bourne surpreendeu Lorena. Ela talvez tenha revelado isso no olhar, pois ele sorriu com ironia e disse, calmo:

- Eu sou de uma cidade pequena. Mas você, que nasceu em uma cidade grande, provavelmente acha a vida no interior sem graça.

- Não acho nada disso - Lorena defendeu-se rapidamente. Eu adoro Waiwhetu.

- Já esteve aqui durante o inverno?

Ela sorriu com desdém antes de responder:

- Sim. Passei as férias de agosto aqui, no ano passado.

- Gostou?

- Bem, não choveu muito, mas fez frio. Mesmo assim, gostei muito.

- Só porque você tinha uma infinidade de estrelas para observar - brincou Peggy.

- Estrelas? - perguntou Bourne com interesse.

- Eu sou uma espécie de astrónoma amadora - respondeu Lorena.

- O que você usa, binóculos?

- Não. Uso um velho telescópio do meu pai.

Apesar de Bourne ter demonstrado interesse, Lorena não queria falar com ninguém a respeito de sua paixão pelas estrelas.

- Aqui é um ótimo lugar para isso. - Ele insistia no assunto.

- O céu é tão claro como o da minha casa no deserto. Você observa asteróides ou procura cometas, na esperança de descobrir um novo? com um balançar de ombros, Lorena respondeu, indiferente:

- Eu me contento em observar as estrelas já existentes e os planetas.

- Bastante justo.

Assim o assunto chegou ao fim. Como se estivesse arrependido por ter permitido que seu interesse superasse a animosidade que sentia, Bourne voltou a atenção para Sei, e durante o resto da refeição não voltou a dirigir a palavra a Lorena.

O fato dele perturbá-la com sua simples presença a desagradava; por isso decidiu, enquanto lavava a louça do café, que, quanto menos o visse, melhor seria. A decisão de Peggy de arrumar os quartos foi ótima, pois o trabalho fez Lorena esquecer Bourne Kerwood temporariamente.

Peggy não mantinha um horário rígido para o trabalho e, apesar de ocupar Lorena também nos fins de semana, ela tinha mais horas livres durante todos os dias do que em qualquer outro emprego. E, como Peggy e Sei costumassem ficar lendo ou descansando no terraço logo após o almoço, a hora mais quente do dia, Lorena tinha automaticamente esse tempo livre.

Era muito jovem e irrequieta para perder tempo descansando. Pôs um short e uma blusa leve de algodão e decidiu explorar Waiwhetu, para conhecê-la melhor. Como o único hóspede estava na ilha Bounderman's, ela se sentiu à vontade para ir até a praia, onde as árvores nativas espalhavam seus galhos sobre a areia.

A ilha de Waiwhetu nunca fora habitada anteriormente e ainda conservava um ar primitivo. Lorena gostava de se imaginar a primeira pessoa a encontrar o caminho através daquelas árvores centenárias para chegar até a praia. No final da praia havia uma cabana, pequena mas muito bem construída, que combinava perfeitamente com as árvores e os morros que completavam o cenário como uma moldura perfeita.

Sentindo-se uma nativa, Lorena caminhou lentamente pela praia, dirigindo-se à cabana; seus pés deixavam um rastro suave na areia molhada. Uma vez ou outra as ondas chegavam a alcançá-la, mas só molhavam suas pernas.

O mar aqui é calmo e convidativo, pensou Lorena, lembrando-se das ondas na costa oeste, além de Auckland, onde se praticava o surfe. Aquelas praias eram perigosas, com muitas correntezas, e para enfrentá-las era necessário ser uma excelente nadadora. Mesmo assim, Lorena nunca se arriscara.

Waiwhetu era segura, como qualquer praia nas redondezas, mas não se podia confiar plenamente. Cãibras não escolhiam lugar para atacar alguém e, mesmo sob aquele céu azul e sereno, se alguém estivesse nadando sozinho, aquele mar tranquilo poderia ser tão perigoso quanto o mar revolto da costa oeste.

Estes pensamentos, no entanto, não impediram Lorena de ir até a praia Waiwhetu, em vez da pequena enseada de que ela tanto gostava. Resolveu aproveitar a tarde maravilhosa e nadou de um lado a outro da praia até se cansar; depois então se deitou na areia para tomar um pouco de sol.

Como ainda estava muito branca, ali ficou por pouco tempo, o suficiente para secar seu biquini. Em seguida, dirigiu-se à cabana com a toalha jogada nos ombros.

Quando ouviu música, não soube determinar de onde vinha, pois estava totalmente dominada pelo prazer que aquele lugar lhe dava.

Já estava quase chegando à cabana, quando percebeu que era Bourne quem cantava, acompanhado por seu violão. Sentindo-se uma invasora, Lorena parou e escondeu-se debaixo da sombra de uma árvore, cujos galhos chegavam quase até o chão. Por alguns instantes, só pôde ouvir aquele som, como se tudo ao seu redor tivesse silenciado. Bourne estava cantando uma canção que ela nunca ouvira. Sem o acompanhamento de uma orquestra, soava bem diferente de todas as outras canções, mas não havia dúvida de que a composição era sua, pois tinha a mesma paixão e melancolia que caracterizavam suas canções mais populares.

Como se estivesse em perigo, Lorena começou a retroceder silenciosamente, sob os galhos das árvores. Suas pegadas, porém, revelaram seu esconderijo, pois marcavam nitidamente sua passagem pela areia. E, afinal, por que deveria se sentir como uma ladra pega em flagrante? Bourne havia dito que ela poderia nadar naquela praia e, de qualquer maneira, ele deveria estar passeando na ilha Bounderman's, e não cantando na cabana da praia. Era uma tolice se sentir culpada.

Voltou então para a praia, irritada consigo mesma por ser tão medrosa. Na metade do caminho sentiu que alguém a seguia.

Continuou caminhando firme, sem se preocupar com Bourne. Sabia que suas pegadas estavam gravadas na areia e que não poderia fugir dele. Além disso,, era uma mulher independente e auto-suficiente, e ninguém, nem mesmo um superastro como Bourne Kerwood, poderia perturbá-la. Mas ele não a alcançou.

Ia fazer todo o possível para não voltar a vê-lo outra vez naquele dia. Um sentimento estranho a fazia estremecer todas as vezes em que pensava nos comentários que ele poderia fazer sobre seu passeio pela praia.

Ficou muito agradecida a Peggy quando ela disse que levaria pessoalmente o jantar para Bourne. Contudo, entrou em pânico quando se deu conta de que teria de tirar a mesa e servir o café. Tentando criar coragem, caminhou lentamente para o terraço onde ele costumava jantar.

Sua esperança de que ele não estivesse mais por ali morreu no instante em que chegou lá. Bourne estava confortavelmente instalado numa cadeira, aguardando o café. Quando Lorena se aproximou, os olhos negros a fitaram zombeteiros e, aceitando a xícara que ela lhe estendia, Bourne agradeceu, sorrindo.

- Como vai, adorável fugitiva? - Sua voz era suave e Bourne parecia querer descobrir o que ela estava pensando.

Imediatamente Lorena se colocou na defensiva e respondeu secamente:

- Você devia colocar um aviso bem à vista, dizendo: "Não perturbem". De agora em diante, vou nadar na praia da enseada atrás da nossa casa.

- Não é necessário. - Ele colocou a xícara na bandeja e continuou sorrindo, como se a irritação dela o divertisse. - O jeito como tudo aconteceu me deu uma ideia. Talvez não resulte em nada, mas não deixa de ser agradável.

Pensando que fosse mais uma de suas brincadeiras, ela preferiu ficar calada e continuar limpando a mesa com movimentos rápidos e precisos.

- Você não acredita em mim?

Lorena sabia que não estava se comportando bem, especialmente com Bourne Kerwood, que era infinitamente mais agradável do que qualquer outro hóspede, mas estava seriamente desconfiada de que ele estava se divertindo com ela. A pergunta exigia uma resposta e Lorena procurou ser, pelo menos, bem-educada.

- Se você diz, suponho que devo acreditar, mas me parece pouco provável.

- Esperando elogios?

Lorena enrubesceu. Mas, tomando fôlego, respondeu friamente:

- Não, eu não preciso de elogios, muito obrigada.

- Bem, você certamente não deve receber nenhum, se esta é a sua reação normal ao olhar de um admirador.

- Seu olhar foi malicioso!

Ele deu uma sonora gargalhada e segurou as mãos dela quando Lorena tentou ir embora.

- Sente-se e conte-me tudo a seu respeito. E isto é uma ordem

- disse ele quando viu o olhar de raiva que ela lhe dirigiu.

- Mas o que é que você pode querer saber a meu respeito? perguntou, surpresa com sua própria submissão à vontade dele.

- Ora, tudo. Venha, sente-se aqui primeiro. - Como ela obedientemente se acomodasse à sua frente, ele continuou: - E, por favor, tente não me olhar com tanta suspeita; você realmente tem dezenove anos?

- Sim.

- Meu Deus! Você parece ter dezesseis. Sabe, todas às vezes em que vejo você, tento me lembrar de onde a conheço; finalmente descobri.

Você alguma vez viu a foto de uma jóia fantástica, descoberta em Ur por Leonard Woolley?

- Ur, na Caldéia? No Oriente Médio? - Contra a sua vontade, ela estava interessada.

- Sim. Este tal de Woolley escavou uma sepultura de um rei e uma rainha, onde havia, modelados em cera, o rosto de ambos. Acontece que você se parece com ela. O mesmo formato do rosto e o queixo firme. - Ele sorriu vendo o ar de surpresa de Lorena. - Como pode ver, você pertence a uma antiga linhagem; são, mais ou menos, cinco mil anos de beleza. Será que você seria capaz de traçar sua linhagem até Ur?

A ideia a fascinou, mas ela não ia perder a cabeça por causa desses elogios; por isso respondeu, sem muito interesse:

- Você se interessa por arqueologia, sr. Kerwood?

- Pelo amor de Deus, Lorena, me chame de Bourne. Está bem? Sim, eu ia ser um arqueólogo, mas a música me pegou no caminho e eu desisti.

Lorena sorriu, enquanto se levantava.

- Não acredito que você teria tido sucesso como arqueólogo murmurou ela e saiu rapidamente, levando a bandeja, para não precisar voltar mais.

Deixou-o a imaginar o que quisesse a respeito de seu comentário e de sua fuga, pensando em como podia se parecer com aquela mulher que vivera milhares de anos atrás.

Peggy deu uma olhada rápida quando ela entrou apressada na cozinha e perguntou, curiosa:

- Ele queria conversar?

- Sim, deve estar se sentindo entediado. Imagino que esteja acostumado a ter um bando de admiradoras à sua volta o tempo todo.

- Você não gosta dele? Lorena franziu a testa e respondeu:

- Não é bem assim. - Ela não podia dizer a Peggy que tinha medo de acabar gostando dele. - Ele me parece muito arrogante e mimado.

- Claro que sim! - Peggy começou a lavar a louça, enquanto pensava numa resposta apropriada. - Deve ser difícil para qualquer um chegar a uma posição como a dele e se habituar a esse estilo de vida. Para estar assim sempre em evidência, uma pessoa deve ter um caráter firme e inabalável. Se o que a gente lê sobre a força e o poder destes astros é verdade, ele chegou até aqui muito bem; talvez por fazer questão absoluta de preservar sua vida íntima.

Lorena sorriu. Na cozinha havia uma máquina de lavar pratos ultramoderna, mas Peggy ainda preferia lavar a louça com as próprias mãos.

- Parece que ele ganhou seu coração definitivamente, sra. Robinson - brincou Lorena.

- Bem, eu detestaria que um dos meus filhos tivesse esse tipo de vida, mas gosto dele por ser simpático e simples. Apesar das vantagens, é uma vida muito artificial. Nenhum ser humano está preparado para viver no meio de tanta adulação.

- Mas ele me pareceu muito equilibrado. Aposto que é bem capaz de se defender de qualquer pessoa ou qualquer coisa que o aborreça. Por trás de todo aquele charme, ele é feito de aço.

- Como é que você sabe?

Lorena ficou intrigada com sua certeza, mas procurou assumir um ar de mistério ao responder:

- É meu instinto. - Sua voz era solene. - E posso lhe garantir que meu instinto nunca falha, por isso fique atenta.

- Você está irritada demais. Pensei que dois anos na universidade fossem deixá-la mais sensata - disse Peggy e sorriu, vencendo o ar de preocupação de Lorena.

- Acontece que eu sou um caso perdido - ela respondeu.

Mais tarde, enquanto observava o reflexo da lua no mar, Lorena ficou imaginando por que se sentia tão confiante a respeito de sua resistência a Bourne Kerwood. com relutância, teve que admitir que "instinto" não era a palavra mais adequada para explicar sua atitude. Sempre soubera de sua desconfiança, responsável pelo afastamento de tantos namorados. Peter era muito querido, mas dependente demais; Roger escondia seu complexo de inferioridade com maneiras bruscas; até mesmo Garth, que tentava desesperadamente ser moderno, ainda acreditava que o lugar de uma mulher era na cozinha. E Mark? Escondia sua crueldade debaixo de uma máscara de zombaria.

Lorena estremeceu ao se lembrar de Mark. Fora difícil se livrar dele. Tinha sido o mais persistente de seus admiradores e o de quem ela gostara menos. Dera-lhe muito trabalho, resistindo em aceitar que ela não queria se casar. O pior tinha sido enfrentar a irritação dele, quando percebeu que não era capaz de convencê-la.

Bem, mas isto já fazia parte do passado. A última notícia que teve dele, há uns três meses, era de que estava comprometido com uma garota de Auckland.

Pelo menos, pensou sorrindo, Bourne Kerwood não é um homem cruel. Não como Mark, disso tinha certeza.

Lorena não sabia por que pensava assim a respeito de Bourne, mas seu coração não lhe mentia. Era um homem perigoso e estar junto dele era o mesmo que segurar um cartucho de dinamite nas mãos, especialmente quando se mostrava tão simpático como naquela noite. Um astro como Bourne Kerwood jamais se interessaria por uma garota de dezenove anos, sem muitos atrativos como ela. Em sua vida movimentada, ele devia encontrar as mulheres mais lindas e elegantes do mundo, muitas delas, pelo que se lia, disponíveis para qualquer tipo de envolvimento.

O melhor para ela seria estar sempre na defensiva e, se isso o irritasse, problema dele. Não era nada indiferente aos homens e não seria difícil apaixonar-se por alguém como Bourne. Sabia, entretanto, que correria o risco de acabar sozinha e desiludida.

Levou um choque quando o viu embaixo da sacada de seu quarto, chamando-a carinhosamente.

- Oi! Onde está seu telescópio, Copérnico?

Lorena sentiu um entusiasmo estranho, que mexeu com todos os seus nervos.

- Não é uma noite apropriada para observação, a lua está muito clara. - Seu coração batia tão forte que ela mal podia respirar. Ainda bem que estava vestida!

Ele se moveu e ficou bem embaixo do terraço. Sob a luz da lua, parecia mais alto e muito mais excitante.

- Pensei que a lua cheia era ideal.

- Não. O ideal é quando está no quarto-crescente. A visão é bem melhor. Você pode observar bem com a lua cheia, mas as sombras aparecem melhor antes ou depois dela.

- Não se pode ver nada agora? Quero dizer, enquanto a lua ainda está nascendo? A noite me parece magnífica.

- Concordo, mas a visão fica distorcida. Mais tarde, quando a lua estiver bem alta, é melhor.

- vou acreditar em você. Que tal um passeio?

Lorena esteve prestes a dizer sim, mas a prudência prevaleceu. Ele a via apenas como uma garota bonita, disponível para alguns momentos de prazer e nada mais, e ela não estava disposta a se tornar apenas mais um nome em sua lista de conquistas e muito menos uma amante em suas férias de verão.

- Não, obrigada. - Percebendo como soaram tolas suas palavras, acrescentou rapidamente: - Eu gostaria muito, mas tenho muito trabalho amanhã e acho melhor ir descansar logo. - com medo?

Ela sorriu, preferindo não negar, pois ele não acreditaria.

- Apavorada, sr. Kerwood. Desejo-lhe um ótimo passeio. Não deixe Rona pegá-lo de surpresa.

- Rona?

- Sim, a dama que vive na lua. Você pode vê-la agora, é só prestar atenção na lua.

- Espere aí! Conte-me mais sobre ela. Você não pode entrar agora e me deixar sozinho à mercê dessa dama.

Lorena percebeu que ele estava realmente interessado, por isso não fez nenhuma objeção em lhe contar a velha história de Rona. Ela fora buscar água à noite e tropeçou quando a lua se escondeu atrás de uma nuvem.

Rona lançou então uma maldição violenta; no mesmo instante foi transportada para a lua e ainda hoje pode ser vista com a moringa vazia.

- Mas isso é notável! Onde é que você aprendeu essa lenda nativa?

- Eu cresci com elas; o povo daqui tem suas próprias lendas respondeu, despreocupada, tentando criar o clima de intimidade que já os envolvera antes.

- Vocês têm muitas coisas bonitas aqui e espero que saiba dar valor a elas.

- A Nova Zelândia não é um paraíso, mas acho que é um bom substituto - disse Lorena.

- Concordo com você. - Voltou-se então para ela e perguntou:

- Ainda está disposta a ir para a cama?

- Estou, sim.

Ele sorriu, como se não acreditasse nela, e se perdeu nas sombras do jardim, deixando-a mais emocionada do que ela queria admitir.

Na manhã seguinte havia um bilhete na mesa da cozinha: "Deixe-me dormir".

- Ele passou quase a noite toda acordado. Eu o ouvi voltando mais ou menos às quatro horas da manhã. O que é que ele escreveu mais embaixo, Peggy? - perguntou Sei.

- Ele quer um livro de lendas maoris. Acho que está interessado nas lendas nativas - respondeu Peggy, tão surpresa quanto ele. Acho bom você conseguir algo na livraria de Paihia quando for até lá.

Após o café, era preciso arrumar a casa, a grande sala de estar, a sala de jogos e o pequeno jardim de inverno, local favorito das mulheres, e, em seguida, a suntuosa sala de jantar, raramente usada.

Lorena gostava de seu trabalho, e era com imenso prazer que limpava e arrumava tudo.

Depois de passar o aspirador no chão, tirou o pó dos móveis e lustrou-os, imaginando de onde vinha tanta poeira, uma vez que a casa estava tão distante da estrada.

Lá fora o sol brilhava intensamente. A piscina refletia, em suas águas límpidas e tranquilas, toda a majestade daquele sol de dezembro e as flores coloridas que enfeitavam suas bordas. Era realmente um prazer observar tudo aquilo. Da baía vinha o som de um motor; devia ser algum barco de corrida. As abelhas zumbiam e voavam de uma flor para a outra. Mais tarde, quando as pohutukawas, as mais belas árvores da região, estivessem floridas, as abelhas se concentrariam nelas para produzir o mais famoso mel da região.

Lorena estava feliz, pois o dia caminhava calmo e agradável. Cantarolando, arrumou os quartos e depois enfeitou a casa, colocando flores nos vasos.

A casa era realmente espetacular; Lorena não compreendia por que apenas os convidados do sr. Read desfrutavam daquele paraíso. Ali fazia falta uma família para cuidar da casa e criar dentro dela uma atmosfera de lar. Mas isso jamais aconteceria.

- com inveja, Lorena?

A pergunta, feita em tom de zombaria por alguém às suas costas, a fez enrubescer.

- De maneira alguma. - Ela se voltou e encarou Bourne com a cabeça erguida, num gesto de desafio. Ele vestia apenas um maio e, mesmo do outro lado da sala, tinha o poder de perturbá-la.

- Você já deve ter visto um homem vestido assim, não? - A ironia era evidente em sua pergunta e seus olhos negros, fixos no rosto dela, divertiam-se com o embaraço de Lorena.

- Claro que sim. vou dizer a Peggy que você já se levantou e pedir a ela para preparar seu café.

Lorena se sentiu tola como uma garotinha de quinze anos, pois não se conformava com sua reação às palavras de Bourne; não havia razão para perder o controle daquele jeito.

Mas o que posso fazer?, perguntou a si mesma. Era pura e simplesmente uma atração física e Bourne Kerwood transbordava sensualidade.

- Seja uma boa garota e sirva o café - pediu-lhe Peggy, quando Lorena lhe deu o recado. - Você sabe do que ele gosta: suco de laranja, flocos de cereais e aqueles pêssegos bem maduros, que ele adora.

- Não é de estranhar, pois são deliciosos - disse Lorena, olhando as frutas sobre a mesa. - Eu gosto mais com sorvete ou então com aquele bolo delicioso que você faz.

- Não se esqueça dos flocos de cereais. Ande logo, garota, ou ele vai começar a gritar por você.

- Ele está nadando - disse Lorena e desistiu de pedir a Peggy que servisse o desjejum a Bourne. Arrumou tudo na bandeja e foi ao encontro dele.

Bourne ainda estava nadando quando ela chegou ao terraço. Deslizava pela água como um peixe, com a pele dourada brilhando de uma maneira tentadora enquanto ia de um lado ao outro da piscina.

Lorena arrumou a mesa e desapareceu rapidamente, quando percebeu que ele se aproximava.

 

A rotina diária se estabeleceu sem maiores problemas. Bourne passava a maior parte do tempo na cabana da praia, aparecendo nas horas mais estranhas para o café da manhã e desaparecendo logo em seguida. Presumia-se que estava compondo, pelo menos é o que Peggy e Sei imaginavam.

Ele não se preocupava muito com as refeições e, desculpando-se com muito charme, conseguia que Peggy fizesse tudo o que ele queria, mesmo quando ela estava atrasada. Mas ela se preocupava, pois tinha certeza de que Bourne não estava se alimentando bem. Assim, mandava Sei até a cabana verificar o refrigerador e mantê-lo sempre cheio com salada, sanduíches e uma variedade incrível de queijos e frios.

- Ele não vai passar fome, mas eu acho que deveria comer mais regularmente. Espero que ao menos valha a pena o que está fazendo.

Lorena não pôde conter a ironia na voz, quando disse:

- Você adora os discos dele, por isso não precisa disfarçar.

- Bem, eu gosto mesmo. E sabe o que é engraçado? Não é o meu género preferido de música. São muito modernas, mas ele tem algo que atrai e merece ser ouvido.

- Vai ser engraçado ouvir algumas de suas músicas que estão sendo compostas agora, e saber que foram criadas aqui. Você acha que seremos capazes de reconhecê-las? - perguntou Lorena.

- Bem, nós saberemos quando seu próximo disco for lançado. Lorena, será que você poderia levar o lanche para Bourne? O Sei está demorando muito para terminar o conserto da bomba e Bourne deve estar ansioso por um café.

- Claro, já vou.

Era muito importante não deixar Peggy perceber quanto ela estava envolvida pelo charme de Bourne Kerwood; por isso pegou o cesto com um ar de indiferença, mas provavelmente não a enganou.

O sol brilhava por entre as árvores, criando um mosaico de luzes na areia. Uma das pohutukawas já estava florida e as abelhas trabalhavam ativamente em suas flores. Logo as outras também estariam florescendo e toda a baía se veria envolvida por aquela sinfonia de zumbidos.

O coração de Lorena deu um salto quando Bourne emergiu das sombras, com uma expressão alerta e interessada, como se estivesse esperando pela chegada dela.

- O que é que você tem aí?

Ela sorriu, satisfeita em notar a franca alegria nos olhos negros.

- Peggy acha que você está na iminência de morrer de fome.

- Então ela mandou sua ajudante com provisões. Passe-me o cesto e conte algo sobre estas árvores fantásticas.

- A pchutukawa?

- É. - Ele tentou pronunciar o nome, mas acabou desistindo.

- Como é mesmo que se diz?

- Po-hu-tu-ka-wa. O dialeto maori é bastante fácil se você lembrar que as vogais são pronunciadas exatamente como em italiano e as consoantes como em inglês, com exceção de "wh", que fica mais ou menos entre o som de "f" e "ng".

Ele deixou o cesto sobre um balcão e parecia disposto a conversar.

- Muito obrigado pela lição, doçura, porém você não pronuncia as palavras exatamente como são.

Ele era realmente muito esperto. Talvez, por ser um músico, tivesse o ouvido mais apurado para perceber certas diferenças de pronúncia.

- Certo. Como a maioria dos pakehas, eu sou um pouco preguiçosa. Agora, porém, conscientes da necessidade de pronunciarmos as palavras da maneira correta, fazemos o possível para aperfeiçoar a nossa linguagem.

- Pakeha!

- É o nome dado aos descendentes de europeus que nasceram na Nova Zelândia. Ninguém sabe ao certo o que quer dizer, mas é bastante usado entre os nativos.

- E onde você vai, agora?

- Voltar para casa. Já entreguei o cesto e tenho muito serviço para fazer.

- Não tente fugir de mim - disse ele carinhosamente. - Você é a garota mais sensível que já conheci, Lorena. Venha até a cabana para pegar a cesta de ontem e a louça para lavar. Vamos, seja uma boa garota e não se esqueça de que eu quero saber mais a respeito daquelas árvores.

Nem um pouco contrariada por estar com ele por mais algum tempo, Lorena caminhou a seu lado pelo atalho.

- As pohutukawas crescem desde o norte até o sul de Taranaki e a baía Poverty. - Ela não pôde deixar de sorrir quando ele se voltou com um olhar de quem não havia entendido nada.

- É mais ou menos até o meio das ilhas do Norte.

- Ah! Agora eu entendo. Eu tenho um mapa. Por que só nessa área?

- Provavelmente porque elas não gostam de geadas quando ainda pequenas, mas crescem bastante no sul também, embora não espontaneamente. Dão-se bem no interior, quando plantadas e cuidadas com muito carinho. São plantas que gostam do mar; o melhor lugar para elas é o litoral.

- É incrível. Quando eu fui até aquela outra ilha, Bounderman's, vi um caminho no meio do morro. Resolvi explorá-lo e você nunca vai acreditar, mas as raízes iam até o alto do morro. Elas se espalham sobre toda a superfície e a folhagem é bastante densa.

- Então deve ser muito bonito. Eu nunca estive na ilha Bounderman's.

Ele sorriu e deu um longo e profundo suspiro, saboreando o ar marinho com prazer.

- Eu gosto deste lugar. Quando Aaron Read me ofereceu Waiwhetu, eu não acreditei numa só palavra do que ele disse. Ele é um homem de publicidade e o exagero faz parte de seu negócio. Mas é tão maravilhoso como ele me descreveu. Estou contente por ter vindo.

- Isto quer dizer que as canções vão surgir mais livremente. Pelo que sei, você está aqui para compor e preparar as músicas para o seu próximo disco - disse Lorena, esquecendo-se que decidira se manter afastada dele.

Ele a observou por alguns instantes e depois sorriu, fazendo com que o coração dela disparasse.

- Sim, é verdade. Minhas canções vão muito bem, obrigado. Agora, diga-me uma coisa: você tem namorado? com um olhar de suspeita, Lorena ficou imaginando a razão de tal pergunta. Mas seus receios pareciam infundados, para não dizer tolos, e assim ela resolveu responder com franqueza:

- Não, nenhum no momento.

- Acho difícil acreditar. Será que os rapazes daqui são cegos?

- Não - respondeu incisiva, para que ele não tivesse chance de interpretar mal suas palavras. - Eu não estou preparada para nenhum compromisso permanente e, infelizmente, todos os namorados que eu tive estavam querendo definir a situação. Então achei melhor não me envolver com mais ninguém. Pretendo viver um pouco mais antes de me casar.

- Entendo. - Bourne deu alguns passos e perguntou: - O que você faz na vida?

- Por enquanto, estudo. Primeiro tenho que me formar, depois vou trabalhar em pesquisas. Gostaria muito de viajar também.

- Parece que você já tem tudo planejado. E se acontecer algo que interfira em seus planos?

- O quê, por exemplo?

- Bem, você poderia encontrar alguém por quem se apaixonasse perdidamente. O que viria primeiro, a carreira ou o amor?

- Eu jamais me apaixonaria por alguém que não estivesse de acordo com os meus planos, portanto não vejo problemas quanto a isso

- respondeu ela com um sorriso.

- Garota, você é incrível! Você não parece ter mais de quinze anos de idade e realmente não amadureceu nada depois disso. Eu gostaria de ter essa certeza arrogante, mas creio que a perdi há pelo menos dez anos.

- Por quê?

- Por quê? Porque percebi que não podia assobiar e chupar cana ao mesmo tempo, desde que tinha uns dezoito anos. Eu era um ano mais jovem do que você. Fico imaginando quanto tempo você vai levar para descobrir que não pode ter o mundo a Seus pés.

- No seu caso era diferente - argumentou Lorena, tentando ganhar tempo.

- Talvez você tenha razão, mas só na idade. Eu espero que você mantenha essa confiança em sua habilidade de controlar seu próprio destino até o fim da vida, Lorena, mas duvido que isso aconteça.

A maturidade é justamente a habilidade em reconhecer as melhores opções que se apresentam a você.

- Parece que você pensa que podemos fazer do destino um brinquedo.

- Querida, é exatamente isso o que eu penso.

Dentro da cabana estava fresco e arejado, pois o sol ainda nãoi alcançara a porta de vidro, totalmente aberta.

Sem dizer nada, Lorena foi até a pequena cozinha, consciente de que ele a seguia bem de perto. Enquanto tirava os alimentos da cesta e colocava nela os pratos vazios, sentiu uma mistura de medo e excitação, ao vê-lo encostado na porta, observando todos os seus movimentos. O sorriso que ele tinha nos lábios a pôs em guarda; Lorena tentava erguer uma barreira entre eles com seus movimentos rápidos e eficientes.

Quando terminou, perguntou, incerta:

- Isso é tudo?

- Sim.

- Então já vou embora. Obrigada por carregar a cesta. Bourne sorriu, como se soubesse de algo que ela ignorava, e, antes que Lorena percebesse, aproximou-se dela, segurou suas mãos, puxou-a para bem perto e beijou-a. Foi um beijo firme mas impessoal.

- Lorena, esse seu ar formal me intriga e você me assusta com sua armadura de aço e essa firme determinação de fazer o que quer. Se eu fosse o seu pai, estaria doente de preocupação por sua causa.

Lorena enrubesceu, mas a última frase a surpreendeu de tal maneira que deixou cair suas defesas e perguntou, num impulso:

- Mas afinal de contas o que...

Desta vez o beijo foi mais firme, mas nada impessoal. Por um momento Lorena ficou em pânico e tentou lutar com todas as suas forças para se livrar daquelas mãos que a dominavam. Os braços de Bourne, porém, eram firmes como aço.

Após alguns instantes, a urgência e o calor daqueles lábios derrubaram suas últimas barreiras e ela nem percebeu que suas mãos acariciavam os cabelos de Bourne enquanto seus lábios se abriam e correspondiam com uma paixão que fazia seu corpo todo estremecer e se aproximar mais do dele, até senti-lo por inteiro.

- É por causa disso - disse ele pausadamente. - Uma garota como você é um desafio, Lorena.

A provocação fez o temperamento explosivo de Lorena vir à tona.

- Será que você é tão machão a ponto de não aceitar uma mulher independente? Será que você precisa provar sua superioridade, mesmo que seja pela força?

O sorriso malicioso que permanecia nos lábios de Bourne a deixou ainda mais irritada. Seus olhos brilhavam quando o encarou, odiando-o por brincar com seus sentimentos e mais ainda por sua arrogância. E o que mais a incomodava era que sua tão proclamada independência significava muito pouco, comparada à prática amorosa de um homem experiente, que sabia muito bem provocar uma resposta quando desejava.

Sempre era ela quem controlava a situação, mas agora percebia que sua mente e seu corpo agiam contraditoriamente. Esta descoberta causou-lhe um estranho vazio, como se tivesse perdido o rumo das coisas ou estivesse suspensa à beira de um abismo.

- Vamos, acalme-se - disse ele, tentando ganhar sua confiança.

- Você vai acabar explodindo se não souber controlar seu temperamento. E minha resposta é não. Eu não preciso provar minha superioridade de maneira alguma. Eu a beijei porque estava querendo há vários dias e não pode me culpar pelo fato de fugir cada vez que me aproximo de você. Além do mais, você é muito bonita e eu gosto de você, apesar de seus esforços de se afastar de mim, como se eu fosse uma praga. Por que você não pára de agir como se fôssemos inimigos? Se eu fosse outra pessoa você não se importaria assim, não é?

- Claro que não! Eu não sei como você age no seu ambiente, mas não vou ficar rodeando você, só por ser a única garota disponível. E é bom saber desde já que não estou! - disse ela, irritada.

Ele franziu a testa e olhou para ela com desconfiança, mas respondeu, tranquilo:

- Está bem, eu acredito em você. E, se está tão ofendida por causa de um beijo, que eu achei muito agradável, acho que devo me desculpar e prometer que isso não se repetirá. Está bem assim?

- Está - respondeu ela sem muita convicção, sentindo que, de alguma maneira, perdera o rumo. Recusar o pedido de desculpas, se é que podia ser chamado assim, seria dar demasiada importância ao fato. Além do mais, já tinha sido beijada por outros homens. Mas não se perdoava por ter deixado que seu corpo a traísse.

- Então, tudo bem. - Bourne segurou-lhe o queixo e levantou-o para observá-la melhor e, com certeza, tentar descobrir o que ela estava pensando e sentindo.

Lorena não foi suficientemente rápida para fugir. Olhou então para ele e prendeu a respiração, percebendo que pela primeira vez não conseguia raciocinar direito. Sentia medo, pois sabia que não estava conseguindo se controlar.

- Acho melhor você ir embora logo - disse ele de repente. Lorena sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo quando ele a soltou, apesar de ficar mais aliviada por estar livre daquelas mãos que tanto a perturbavam. Pegou o cesto e saiu. Tremia.

Enquanto caminhava, chegou à conclusão de que merecera ser tratada daquele jeito. Ela agira como se ele tivesse tentado seduzi-la, aceitando suas desculpas com pouco caso e rudeza, o que naturalmente o deixou nervoso.

Estremeceu e sentiu um arrepio nos braços. Por um momento lembrou-se da intensidade com que ele a fitara antes de mandá-la embora e da confusão de sentimentos que experimentara antes de sair. Não conseguia entender o que acontecera com ela e ficou imaginando qual seria o Bourne Kerwood real. Não havia dúvida de que um astro tinha que aprender a esconder suas emoções, mas a que preço!

Talvez, pensou ela, o exercício constante do controle emocional explique o temperamento excêntrico da maioria dos astros internacionais.

Já estava quase chegando em casa quando lhe ocorreu que talvez ele fosse casado e só estivesse se divertindo com ela. Para alguém que tinha jurado completa indiferença, sua reação a este pensamento foi assustadora. Estava pálida, tremendo e a ponto de desmaiar, tanto que se apoiou no tronco de uma árvore para não cair.

Era assustador o poder que Bourne parecia exercer sobre ela; num gesto de defesa, colocou a mão sobre a boca para evitar que alguém pudesse ouvir seus soluços. Seus olhos passavam pelo jardim maravilhoso que a cercava, mas as lágrimas não lhe permitiam ver a beleza do lugar.

Não! Não podia estar apaixonada por ele! A ideia era absurda. Atração física, sim, mas não amor!

Só uma coisa a incomodava, e ela não conseguia entender: o vazio que sentia dentro de si, só em pensar que ele pudesse ser casado.

Um pássaro começou a cantar alegremente no alto de uma árvore e, como se fosse um sinal, Peggy apareceu na porta.

- Tudo bem com você?

- Sim. - Estava feliz com a interrupção de seus pensamentos, pois isso lhe permitiu voltar ao normal. Lorena espreguiçou-se e se dirigiu à casa. - Só estava admirando o jardim. Sei merece uma medalha. Está lindíssimo!

Era uma desculpa tola, mas Peggy parecia preocupada com outros problemas e não percebeu.

- Sim, está realmente muito bonito. Acho que no princípio do verão parece mais vivo e agradável de se olhar. Antes que eu me esqueça, Gordon telefonou convidando você para mergulhar com ele e o primo esta tarde.

- Ele sabe muito bem que eu não gosto de mergulhar. O que ele quer é alguém para cuidar do barco enquanto os dois mergulham.

- Por que você não vai? Talvez eles peguem muitas ostras, que eu posso preparar para o jantar.

Os rapazes chegaram logo após o almoço e Gordon apresentou seu primo. Era alto e atraente e cumprimentou Lorena com muito charme. Felizmente achou que ela era namorada de Gordon e não tentou maiores aproximações.

- Não precisa levar nada - disse Gordon. - Minha mãe preparou o suficiente para alimentar um batalhão.

- Um batalhão talvez não, apenas alguns adolescentes famintos.

- Peggy pegou uma cesta e entregou aos rapazes. - Lorena, você pegou o bronzeador e os óculos de sol? É muito quente a esta hora e você ainda não está bem queimada para enfrentar este sol durante muito tempo.

- Tenho tudo de que preciso - respondeu Lorena, sensibilizada com os cuidados maternais de Peggy. Quando ela agia assim, Lorena sentia mais do que nunca a falta de sua mãe.

- Então, vamos! - propôs Gordon.

Seguiram pela estrada que os levava para o outro lado da ilha até os limites da fazenda dos Haworth. A partir daquele ponto havia uma pequena trilha que dava acesso à enseada onde ficavam os barcos. Acima da enseada via-se a casa da fazenda. Era um bangalô antigo, todo pintado de branco e muito conservado. Parecia irreal no meio daquele jardim maravilhoso que o cercava e era o orgulho da mãe de Gordon.

Talvez por estarem acostumados, Mark e Gordon pareciam ignorar toda aquela beleza natural à sua volta.

Depois de uma curta e bem-humorada discussão sobre quem era o melhor remador, puseram-se a caminho.

Uma vez instalados no barco, Lorena colocou os cestos num lugar protegido do sol e começou a passar o bronzeador, para evitar queimaduras.

Mark e Gordon tentavam fazer o motor funcionar, provocando uma grande confusão; Lorena se divertia, sem interferir. Ela sabia que Gordon podia fazer isso até de olhos fechados e percebeu que Mark tentava atrapalhá-lo só para chamar a atenção dela.

Não passa de uma criança, pensou Lorena.

Quando saíram "da enseada, ela passou a conduzir a lancha, enquanto os rapazes se ocupavam com o equipamento de mergulho. Apesar das brincadeiras, eram muito cuidadosos e verificaram tudo com atenção, como ela pôde notar enquanto manobrava o barco em direção às pedras onde as ostras eram abundantes.

- Olhe a grande pohutukawa lá em cima - gritou Gordon para Lorena.

- É o telhado vermelho dos Beetson, exatamente abaixo do pico Conical, certo? - retrucou Lorena, com os cabelos revoltos pelo vento.

- Certo!

Logo em seguida, ela desligou o motor, jogou a âncora e os rapazes começaram a colocar seus equipamentos. Pouco depois mergulhavam, cada um levando uma bolsa onde colocariam as ostras. Lorena tirou então a camiseta e o short e ficou só de biquini. Aplicou de novo o bronzeador no corpo e começou a ler um livro.

Mas era preciso algo muito mais interessante do que um livro para prender sua atenção num dia como aquele!

Talvez, pensou sonhadora, colocando um pé dentro da água, a baía seja um lugar encantado onde os sonhos se tornem realidade, se alguém o deseja ardentemente.

A beleza era indescritível! As águas límpidas refletiam o colorido das flores das árvores, multiplicando o encanto da primavera. Ao longe, via-se o cabo Brett e, mais ao sul, o farol. E as ilhas! De onde estava podia ver muitas delas: Motukiekie, Moturua, Urupukapuka e Redcap. E do outro lado, se ela tivesse binóculos, poderia ver o rochedo Black, uma formação vulcânica que atraía muitos turistas. Ao norte havia o monte Pocock, na península de Purerua, com seus penhascos íngremes delineados pelo sol, como uma sentinela vigilante de toda a baía.

Era uma terra árida; mas do outro lado havia terras férteis, com muitas fazendas.

Algum tempo depois, Lorena voltou para o livro, disposta a não deixar que mais nada desviasse sua atenção. Fizera uma promessa a si mesma de lê-lo nas férias, porém ainda estava nas primeiras páginas, pois durante o dia não tinha tempo e à noite estava cansada demais para se concentrar na leitura.

Parecia que sua boa vontade a estava abandonando outra vez. Após alguns minutos, as letras começaram a se embaralhar e seus olhos não conseguiram mais acompanhar as palavras. com um movimento brusco, jogou o livro dentro da sacola. Como uma tola, ela deixara que Bourne Kerwood tomasse conta de seus pensamentos e, mais uma vez, não conseguia pensar em mais nada. Será que ele era casado? O que machucava mais não era tanto o fato de ser casado e ter uma esposa esperando por ele em algum lugar; mas é que isso o equiparava aos paqueradores comuns que ela conhecia.

Mas por que ficar me preocupando com isso?, perguntava-se nervosa, sem contudo encontrar uma resposta. Não conseguia deixar de pensar em Bourne, embora soubesse que não devia permitir que seus desejos falassem mais alto do que a razão. Às vezes achava-se antiquada, mas o que fazer? Fora criada assim.

Suas amigas, que tinham casos e mais casos, pareciam muito mais infelizes e descontentes do que ela. Na realidade, uma ligação amorosa sem compromissos parecia causar mais dor do que prazer. É lógico que havia muitos casais que, embora legalmente casados, eram infelizes, mas Lorena achava que aqueles que casavam se comprometiam com mais ardor e tinham mais esperanças de encontrar a felicidade juntos.

Seus pensamentos a estavam levando a uma área perigosa. E foi com alívio que viu as bolhas de ar na água, indicando que os rapazes voltavam à superfície.

Estavam felizes, com as duas bolsas cheias de ostras.

- Minha mãe costuma prepará-las com vinho branco - disse Mark, enquanto tirava o equipamento de mergulho. - Como é que sua mãe os prepara, Gordon?

- bom, eu as prefiro cruas, com limão. E você, Lorena?

- De qualquer jeito. Eu adoro ostras. Prontos para partir?

- Primeiro vamos comer alguma coisa. Eu estou morrendo de fome - disse Gordon.

Lorena serviu o lanche e eles comeram com prazer. Então viu uma lancha ao longe e só a identificou quando se aproximou mais deles. Era a lancha de Waiwhetu, só que não era Sei quem a pilotava.

- Quem é? - perguntou Gordon, curioso.

- É o convidado do sr. Read - respondeu Lorena, sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha.

Bourne acenou e depois apontou a bandeira que ainda permanecia na água.

- Que esquecimento! - Gordon puxou a bandeira, enquanto Mark e Lorena faziam gestos, explicando que fora apenas um esquecimento.

- Quem é ele? - Gordon tornou a perguntar.

- Bourne Kerwood, mas ele não quer que ninguém saiba disso por aqui. - Ela se sentiu culpada por dizer o nome dele, mas depois do primeiro momento de surpresa, os rapazes procuraram disfarçar, ignorando o fato de ele ser uma celebridade.

- Então é isso! - exclamou Mark, enquanto puxava a corda que Bourne lançara, fazendo com que a lancha de Waiwhetu se aproximasse deles.

- Use as bóias que estão deste lado para amortecer a batida. gritou Gordon.

Bourne desligou o motor e sorriu; seus olhos negros brilhavam quando saltou para dentro da outra lancha.

- Alo, Lorena! Será que você não vai me apresentar a seus amigos?

A apresentação foi rápida e os dois procuraram esconder seu interesse com educação e uma máscara de indiferença, o que divertiu Bourne.

Ele olhou com interesse os cestos ao lado de Lorena e, como ela não dissesse nada, resolveu tomar a iniciativa.

- Será que ainda tem algo para mim aí?

- Sirva-se - disse Lorena friamente, suspeitando dos motivos que o haviam feito vir até eles.

- Temos muita coisa ainda. Pode pegar o que quiser - disse Mark.

Longe de se importar com a indiferença de Lorena, ele começou a conversar com os rapazes e, em dez minutos, os havia conquistado. Enquanto comiam, discutiam sobre pesca, surfe e outros assuntos, totalmente à vontade.

Adolescentes não eram criaturas fáceis de se lidar, especialmente para um homem tão sofisticado como Bourne. Mas parecia que nada era difícil para ele e o mais incrível é que não usara seu charme para conquistá-los; ele estava realmente interessado e os rapazes correspondiam com respeito e igual interesse.

Lorena, porém, achou que ele usara um método muito baixo para forçar a aproximação. Pegou então um tomate recheado que a sra. Haworth preparara e comeu-o com evidente prazer, como se sua atenção estivesse a quilómetros dali. Mas sabia que não era bem assim. Ele tinha o poder de mudar seu humor e fazê-la sentir-se perdida.

- E você, Lorena, o que acha? - Pela primeira vez ele a incluía na conversa. - Você gosta de surfe?

- Ela mal consegue se equilibrar - brincou Gordon. - Mas se a colocar sobre um par de esquis vai se surpreender. Ela é fantástica.

- Verdade? - Seus olhos negros passaram pelo corpo esbelto dela. - Você também gosta de esquiar na neve?

- Sim, quando tenho oportunidade.

- Você iria gostar muito das montanhas no Colorado, e de todo o centro-oeste americano. Onde você esquia?

- Ruapehu. - O olhar espantado de Bourne forçou o sorriso que ela se recusava a dar. - Um dos três vulcões no centro da ilha do Norte, ao sul do lago Taupo. Acho bom você dar outra olhada em seu mapa.

- Eles dizem que o melhor lugar para se esquiar é mais ao sul

- disse Mark. - No pico Coronel e em alguns campos novos nos Alpes do Sul, como o monte Hutt. A temporada lá é bem mais longa. Qualquer dia vou experimentar.

- Enquanto isso, você tem muita coisa para fazer por aqui disse Bourne. - Mergulhar, nadar, fazer surfe e o que mais?

- Gordon adora descobrir novos pontos turísticos - falou Mark.

- Se você fosse um estudioso, veria que temos muito o que pesquisar nas redondezas. Este foi o primeiro lugar em que os europeus aportaram quando vieram para a Nova Zelândia.

- Marinheiros aventureiros e depois missionários - informaram Lorena e Gordon ao mesmo tempo.

- Não ligue para eles - disse Mark, sorrindo. - É assim mesmo que a gente aprende história na escola primária e, como todas as frases feitas, é verdadeira. Os aventureiros e marinheiros de baleeiras foram os primeiros que aqui chegaram e fizeram da baía um lugar que ficou conhecido como "Inferno do Pacífico". Depois vieram os missionários e tentaram mudar as coisas. Isso foi uns vinte anos antes do Tratado de Waitangi, pelo qual a Nova Zelândia passou a contar com a proteção da Inglaterra - concluiu ele com satisfação. - E você, Gordon, fique calado. Só porque é tão ignorante a respeito da nossa história, os outros não precisam ser!

Um desafio como este não podia ser ignorado. Lorena abaixou-se quando Gordon, bem mais pesado do que seu primo, tentou jogá-lo para fora do barco e, assim que o viu cair na água, mergulhou atrás dele. Mark deu um grito e continuaram a brincadeira na água. O barco ainda se movimentava, depois da pequena luta, e Bourne fixou seus olhos enigmáticos em Lorena,

- Você também conhece bastante a história da Nova Zelândia?

- Todos a conhecem.

Ele limitou-se a olhar para ela, sem dizer nada. Logo os rapazes voltaram ao barco, fazendo barulho.

- Eles são muito simpáticos, mas toda esta energia faz com que eu me sinta um velho - comentou Bourne.

 

As ostras estavam deliciosas. Peggy serviu-as com molho de limão.

- Vai nadar esta noite, Lorena? - perguntou Peggy.

- Sim. Por quê?

- Por nada. Acho que não tem nenhum problema em você nadar sozinha.

- Claro que não. Mas que ideias são essas? Eu sempre nadei sozinha desde que venho aqui.

- Bem, é que Bourne me falou sobre isso.

- É mesmo? - Lorena sabia que seus olhos brilhavam e não podia disfarçar a raiva que eles refletiam. Tremendo, levantou-se e levou o prato para a pia.

Depois de alguns minutos de absoluto silêncio, ela disse, meio irritada:

- Não sou nenhuma idiota e, se eu tiver algum problema, acho que posso gritar e alguém ouvir.

Tentando quebrar a tensão do ambiente, Sei entrou na conversa e disse:

- Acho que, por um lado, ele está certo. Não é uma boa ideia nadar sozinha, mas creio que não precisamos nos preocupar. Esta não é uma área perigosa. Não há escarpas nem mar revolto. Você só deve tomar cuidado com as cãibras; mas, como você disse, poderá gritar e nós estaremos lá num instante.

- É verdade - concordou Peggy. - E além do mais você é uma ótima nadadora.

O assunto foi esquecido. Mas Lorena ainda sentia raiva de Bourne, enquanto caminhava pela trilha que levava até a pequena enseada onde costumava nadar. Ele não só a privara de seu pedaço de mar predileto, como também pretendia impedi-la de nadar na praia de Waiwhetu.

Era enervante, pois tinha a piscina só para ele e não precisava usar as praias.

Irritada, tirou as sandálias e sentou-se numa pedra debaixo de uma pohutukawa enorme, cujos galhos formavam uma copa acolhedora. O sol ainda brilhava, mas a temperatura caíra um pouco, embora não houvesse vento.

Aos poucos a quietude e beleza do lugar foram acalmando Lorena. Afinal, por que dar tanta importância a Bourne? Comparado aos outros hóspedes que conhecera, ele até que não era muito chato. E o fato de não querer ser ignorado como os outros era problema dele, e não dela. Bourne impunha sua presença, mas ela não tinha por que se preocupar tanto com ele.

Com movimentos lentos e cadenciados, tirou a saída, entrou no mar e começou a nadar de um lado para o outro da praia. Isto a acalmou bastante e, durante mais de meia hora, esqueceu-se totalmente de Bourne. Quando começou a esfriar e escurecer, voltou caminhando pela areia, deixando que as ondas brincassem em seus pés.

Não ficou surpresa ao vê-lo sentado na pedra onde ela deixara suas coisas, pois, por instinto, tinha quase certeza de que Bourne a estivera observando o tempo todo. Ao chegar junto dele, não fez nenhum gesto para evitar que a envolvesse na toalha. Não queria discutir, mas o olhar que lhe lançou estava carregado de ressentimento. Colocou sua saída-de-banho e amarrou o cordão da cintura com força.

Ele ainda não havia dito uma só palavra e Lorena calçou as sandálias, decidida a não quebrar aquele silêncio. Não diria a primeira palavra, que poderia dar início a uma séria discussão.

Depois de algum tempo, Bourne falou com voz baixa e pausada, como se tentasse a muito custo se controlar:

- Peggy não lhe avisou que era perigoso nadar sozinha?

- Sim.

- Mas você não deu atenção a ela.

- Olhe aqui, sr. Kerwood, eu já sou bem crescida para inspirar este tipo de preocupação. Posso muito bem tomar conta de mim mesma sem a sua ajuda - disse, tentando manter-se calma.

- Você não vai me assustar falando assim, Lorena. E pode usar o meu nome de batismo. Você devia saber, sendo uma garota tão responsável, que vir aqui sozinha para nadar é muito perigoso!

Lorena deu outro puxão no cordão da saída-de-banho, apertando ainda mais sua cintura delicada.

- Perigoso por quê, meu Deus? Nós não temos tubarões por aqui, nem barrancos ou correntes marítimas e eu nunca tive cãibras.

- Venha cá - disse ele rispidamente. E, como ela não o obedecesse, pegou-a pelos ombros e disse: - Olhe para lá e diga-me o que está vendo.

Lorena viu então na areia algo brilhante, semelhante a uma gelatina.

- Uma água-viva! - exclamou e dirigiu-se até lá para vê-la melhor.

- Não a toque - advertiu Bourne.

Assustada, ela se voltou para ele e perguntou, preocupada:

- É perigosa?

Bourne, que agora parecia mais calmo, aproximou-se dela antes de responder:

- Não sei, mas existem algumas que queimam a pele. É melhor não arriscar, pois o mar está cheio delas.

Ela se voltou para observar as águas límpidas da baía e um arrepio percorreu-lhe o corpo, quando pensou no que poderia ter acontecido se tivesse nadado naquele trecho.

- Eu nunca ouvi falar de alguém que tenha tido problemas com águas-vivas por aqui - disse ela.

- O que você faria se uma delas lhe tocasse o corpo?

- Ficaria histérica.

- É uma reação natural. Bem, pelo menos você seria ouvida. Será que agora pode me prometer que não vai mais nadar sozinha?

- Prometo, mas sinceramente não entendo por que você está tão preocupado. Está pretendendo me impedir de nadar?

- Não vejo razão para tanto. Use a piscina.

- A piscina não é para uso dos empregados, sr. Kerwood.

Ele não pôde deixar de rir diante daquela resposta e, segurando a mão dela, começou a subir o atalho que levava até a casa.

- Se você apertar mais o cinto, vai cortar seu corpo pelo meio - observou Bourne. - E, antes que eu me esqueça, você tem a minha permissão para usar a piscina quando quiser. Pode convidar Peggy e Sei, também.

- Eles não nadam! - respondeu Lorena, sorrindo. - Eu acho que Peggy, no fundo, acredita que, se Deus quisesse que o homem nadasse, teria coberto o corpo dele de escamas. Também nunca vi Sei colocar o pé dentro d'água.

- Neste caso eu a acompanho. Ou será que você não quer?

- Você é insuportável!

- Ora, deixe isso pra lá, Lorena. Você é uma boa nadadora. Onde aprendeu?

- Em Auckland.

Ainda se lembrava muito bem daquele tempo; da piscina onde ensaiara suas primeiras braçadas, do instrutor atencioso e jovem que a encorajava para fazer o melhor, de seu pai sempre a seu lado, incentivando-a. Era estranho como uma simples palavra pudesse deflagrar essa lembrança tão viva do passado. Lorena não pôde evitar uma certa tristeza e, meio emocionada, prosseguiu:

- Meu pai me incentivava muito. Antes de ele morrer, costumávamos praticar numa praia não muito longe de casa.

- Você é filha única?

- Sim.

- Eu tenho um irmão e uma irmã - disse Bourne, tentando tirá-la daquela depressão. - Liz é casada com um professor e John é advogado. Eles moram em Chicago.

- Você é de lá?

- Não, de uma cidadezinha próxima.

- Seus pais também vivem em Chicago?

- Não, são fazendeiros em Michigan. Criam gado. É por isso que a Nova Zelândia me faz lembrar tanto de casa. Mas lá o gado é diferente do daqui. São animais bem maiores.

- Eu acho que sei qual é a raça, mas não lembro o nome. É usado também para corte, não é?

- É, sim. Você parece assustada. Será que a ideia de eu saber lidar com vacas a surpreende tanto?

- Não. - Na realidade, ele parecia competente para fazer tudo o que quisesse. Lorena riu pois, a seu ver, compositores e cantores não sabiam fazer nada além de compor e cantar. Mas Bourne não só revelava uma mente apurada para a música, como pilotava a lancha tão bem quanto Sei; e ela já o ouvira falando das desvantagens da jardinagem perto do mar com a confiança de quem tinha pleno conhecimento do assunto. Agora Lorena compreendia tudo: como Bourne nascera e fora criado numa fazenda, esse conhecimento todo era normal.

Ele estava pensativo e parecia lembrar-se de coisas agradáveis, pois trazia nos lábios um sorriso encantador.

- Sabe, aquele gado foi a minha primeira plateia. Meu pai jurava que as vacas produziam mais leite quando eu cantava e assim eu passava a maior parte do tempo fazendo isso. Você nem pode imaginar como eu me dedicava a essa tarefa. Cantava todas as canções que podia lembrar e, quando resolvi sair de casa, já tinha em mente o que ia fazer.

- O que aconteceu com elas quando você foi embora?

- Meu pai comprou um rádio e elas continuaram a produzir tão bem quanto antes. Isto me ensinou que ninguém é insubstituível.

Ali estava um novo Bourne, alguém que ela nem imaginava que pudesse existir debaixo daquela máscara de sofisticação, um artista que usava o sucesso como uma armadura para se defender do mundo a sua volta. Um tanto melancólica, Lorena pensou que ela e esse outro Bourne teriam muito em comum, se as coisas fossem diferentes.

- Bem, minha mãe sempre dizia que quanto mais cedo se aprende uma lição, mais se aproveita - Lorena comentou.

- A meu ver você ainda sente bastante falta dela, não é?

- Sim, acho que é verdade. Ela morreu há pouco tempo - respondeu e ficou imaginando como é que ele sabia de tanta coisa a seu respeito.

- Você deve ter passado por uma fase bem difícil.

- Eu contei com meus pais quando mais precisei, por isso não me foi tão difícil enfrentar sua perda. Sabe, ainda há gente maravilhosa neste mundo.

- Posso imaginar.

O tom seco e o olhar que ele lhe dirigiu fizeram Lorena corar. Ela levantou a cabeça e ficou feliz por estarem chegando em casa.

- Você é um cínico.

- Parcialmente. E você deve ser muito ingénua, pois não percebeu ainda o efeito que causa nos homens que estão perto de você.

- Eu não sou ingénua! Simplesmente acho que personalidade é muito mais importante que aparência, principalmente aqui.

- Então por que estamos discutindo?

Depois dessa pergunta, só restava a Lorena desistir de fazer qualquer outro comentário. Resolveu ficar calada. De repente, Bourne olhou para ela e disse:

- Isto não quer dizer que eu seja imune aos seus atributos físicos. Ela percebeu o olhar dele e sentiu vontade de fugir dali, para bem longe.

- Você é bonita demais para passar despercebida e eu gosto de ver seus olhos brilhando, como agora...

Tomou-a então nos braços e beijou-a. Lorena sentiu que perdia a respiração e tentou não sucumbir àquela sensação que ameaçava tomar conta de todo o seu corpo.

Isto é uma loucura, pensou, mas não fez nenhum movimento para se libertar. Bourne continuava olhando para ela e seu coração começou a bater descompassado. Quando ele voltou a abraçá-la, apertando-a com força, pôde sentir o coração dele também bater acelerado. Lorena, no entanto, ainda lutava contra o desejo de se entregar totalmente ao prazer que Bourne lhe causava.

- Você parece amedrontada - murmurou ele, roçando os lábios no canto da boca de Lorena e depois descendo suavemente pela curva do pescoço.

- Estou mesmo.

- Por quê?

- Isso vai me criar problemas.

- E você está tentando evitá-los?

- Sim.

- Agora é tarde demais, Lorena.

Ela abriu os olhos e, vendo o desejo estampado naqueles olhos negros, ficou em pânico; mas tudo pareceu apagar-se de sua mente quando os lábios sedentos e apaixonados de Bourne esmagaram os seus.

Lorena já tivera vários namorados, mas com nenhum se sentira como se sentia naquele momento.

Bourne escondeu sua satisfação quando finalmente a soltou, mas Lorena se sentia envergonhada pela maneira como correspondera aos beijos e pressionara seu corpo contra o dele. Tentou soltar-se, enquanto lágrimas quentes lhe corriam pelo rosto.

- Você é ingénua ou talvez inexperiente - brincou ele, fazendo-a apoiar a cabeça em seu peito. - Por que ficar envergonhada de uma reação tão natural, querida? Você nunca ouviu falar de uma coisa chamada atração física?

- Claro que sim - respondeu furiosa, pois não conseguia entender por que ele tinha tanto domínio sobre ela. Estava irritada com sua própria fraqueza, que a fazia esquecer todos os seus princípios e a levava a se entregar com tanta facilidade a ele.

- Então, por que está agindo como se eu a tivesse, forçado a ir para a cama comigo?

- Não é verdade! - protestou Lorena, enrubescida.

Bourne sorriu e acariciou o rosto dela suavemente. Lorena então fechou os olhos, com medo de que ele pudesse descobrir ainda mais coisas sobre ela.

- Você me intriga. Acho que tem medo de perder o controle sobre si mesma e é por isso que tem feito o possível para me manter a distância.

- E isso o irrita? Talvez eu não goste de você o suficiente para querer intimidades.

Bourne achou graça na resposta e, sorrindo, levantou um pouco a cabeça, sem contudo largar Lorena.

- Mentirosa! Já tivemos tempo suficiente para nos conhecer e saber que isso era inevitável.

Irritada com a arrogância de Bourne, Lorena desvencilhou-se de seus braços e disse, com raiva:

- Será que por isso você foi tão brusco comigo na primeira vez que nós nos encontramos?

- Aquilo a irritou? Sim, naquele instante eu não estava querendo nada.

- O que o fez mudar de ideia? - perguntou ela, sentindo seu coração quase parar.

Ele se inclinou, deu-lhe um beijo carinhoso na testa e respondeu:

- Está querendo elogios? Pois bem, conseguiu. Você tem algo que me atrai, não consigo afastá-la de meus pensamentos.

Por um momento a mente e o coração de Lorena trabalharam juntos. Seria tão terrível assim concordar com ele? Poderia ter um romance de férias e depois terminá-lo sem maiores consequências? Seria esta a maneira mais certa de se comportar?

Apesar de se sentir bem nos braços de Bourne, tomada de desejo por ele, quase concordando com tudo, levantou a cabeça, fitou aqueles olhos negros que aguardavam uma resposta, mas não conseguiu dizer nada.

Naquele instante, lembrou-se de algo óbvio para ela, desde o princípio. Bourne Kerwood era um homem perigoso, experiente demais para alguém como ela. Ele já parecia antecipar sua rendição, olhando-a daquele jeito. Estava certo que, depois de mais algum tempo, Lorena não conseguiria mais controlar a vontade de se jogar em seus braços e iria para a cama com ele.

Ela, porém, relutava. O que é que ele estaria pensando agora? Bem no fundo de seus olhos pôde ver um brilho de prazer, que antecipava a vitória.

Sentindo-se como se acordasse de um pesadelo, afastou-se dele. O bom senso a advertia de que entregar-se a Bourne seria estupidez. Por outro lado, recusar-se a ceder aos seus desejos, faria com que ele redobrasse os esforços para conquistá-la.

Bourne devia estar habituado a esse tipo de jogo e certamente aceitaria o desafio. Talvez se divertisse com a brincadeira, tentando de todas as maneiras fazê-la apaixonar-se por ele, mesmo contra a vontade. Era melhor mantê-lo a distância e ter certeza de que não haveria outra oportunidade para que a beijasse.

- Qual é o problema, querida? - perguntou com voz baixa e um sorriso nos lábios.

Lorena tomou fôlego e respondeu, firme:

- Sei e Peggy vão ficar preocupados se eu não voltar imediatamente.

- Não há dúvida - disse ele, sem disfarçar a irritação. Enquanto caminhavam pelo gramado, Lorena ficou calada. Era preciso que Bourne soubesse que nem tudo podia ser como ele queria. Embora certa disso, deu-se conta, sem saber o porquê, de que sentia uma estranha sensação de vazio.

Aquela noite era perfeita para se observar as estrelas. Lorena telefonou para Gordon e combinaram que ele e Mark viriam buscá-la mais tarde. O ponto de observação era um morro logo atrás da casa de Gordon.

Ela nem percebera que, no fundo, o que buscava era companhia. sabia que os rapazes a ajudariam a esquecer a presença provocante de Bourne. Para Lorena, não havia nada melhor do que uma noite escura, um telescópio e muitas estrelas para observar. Isso certamente a acalmaria.

Peggy presenteou-os com um lanche especialmente preparado para a ocasião.

- Vocês pegaram uma lanterna? Eu digo uma lanterna que realmente funcione, e não a que Lorena tem, que mal consegue iluminar seus pés.

- Sim, estou levando uma. Não se preocupe. - Mark fez questão de mostrá-la a Peggy antes de entregá-la a Lorena. - Leve a lanterna que eu me encarrego do tripé. Puxa vida! Como é pesado!

- Tem que ser - disse Gordon com ares de entendido. - Se não for assim, não serve. Pronta, Lorena? Então coloquem tudo no jipe.

Sabendo do peso do tripé e do tamanho do telescópio, a mãe de Gordon emprestara o seu velho Landrover, que era usado na fazenda. Cheirava a ovelhas, mas eles estavam contentes por não precisarem carregar todo aquele equipamento até o ponto escolhido para as observações. Mark saltou para o banco de trás com o cesto e o tripé. Lorena carregava o telescópio e Gordon se acomodou atrás da direção.

O jipe era difícil de pegar, porém, com jeito e após várias tentativas, iniciaram sua aventura pela estrada estreita e cheia de curvas que circundava a praia e levava até a propriedade dos Haworth. No meio do caminho que levava à casa, Gordon entrou por um atalho e parou. Lorena desceu para abrir o portão e esperou que o jipe passasse para tornar a fechá-lo; em seguida tomou seu lugar ao lado de Gordon.

- Eu poderia ter feito isso - reclamou Mark.

- Você teria que se livrar do tripé e de todas estas tralhas que estão aí atrás.

Gordon riu ao ouvir a resposta de Lorena e falou, zombeteiro, para Mark:

- O passageiro do banco da frente sempre se encarrega dos portões, você sabia, Mark?

- Sim, geralmente acontece isso. E se aplica tanto a homens como a mulheres.

Gordon não respondeu, pois a estrada estava se tornando mais estreita e ele passou a dirigir com mais atenção. Quando chegaram ao pé do morro, ele estacionou o jipe e se dirigiu a Mark e Lorena com muita cerimónia:

- Senhoras e senhores, daqui para a frente vamos escalar ao melhor estilo. Você leva o telescópio, Lorena, eu levo a cesta com o lanche e você, Mark, o resto das tralhas.

Antigamente, quando a grande população maori se concentrava na baía, o morro era o refúgio dos guerreiros, uma verdadeira fortaleza protegida por grandes troncos à sua volta. Agora não havia mais nada e os descedentes daqueles guerreiros, bárbaros e heróicos, viviam como o resto dos habitantes da ilha.

O lugar era muito calmo e só se ouvia o som que vinha do pântano.

De repente Lorena deu um grito. Mark tentava descobrir o que acontecera quando Gordon começou a explicar, às gargalhadas.

- São aqueles pássaros azuis, de bico vermelho, que costumam agitar as penas brancas da cauda quando alguém se aproxima.

- Ora, Gordon! Conte outra que essa não colou.

- Bem, se você não quiser acreditar, problema seu, mas foi exatamente o que aconteceu. O som que você ouviu é o canto do pássaro.

- Canto! Mais parecia um gemido atormentado. Mas vamos esquecer o incidente. A noite está especial, não está, Lorena? Já chegamos?

- Sim, vamos ficar por aqui.

- Ótimo. Estou cansado de carregar este tripé morro acima. Por que é que este tripé é tão pesado?

- Pense - respondeu Gordon, com a paciência de quem se dirige a uma garotinha, enquanto tentava montar o tripé.

- Acho que está bem firme. Você coloca o telescópio, Lorena. Eu nem sei por onde pegá-lo.

- Pode deixar que agora eu cuido de tudo.

Ela sempre gostava de ajustar o telescópio, regulando cada lente com o localizador de estrelas ao lado da objetiva. Mark fazia perguntas e Gordon procurava responder da melhor maneira possível, ocasionalmente pedindo a Lorena para ajudá-lo.

- É apenas um telescópio pequeno - explicou Lorena para Mark.

- Um refrator, de sessenta milímetros, para ser mais exata. Pronto, podem dar uma olhada.

Depois de um longo silêncio, Mark, que estava com o olho na lente, resmungou:

- Eu não consigo ver nada! Agora, sim. O que será?

- A Grande Nebulosa de Andrômeda. Ela pode ser vista melhor no hemisfério Norte. É o objeto mais distante que alguém pode ver a olho nu.

- Puxa! A quantos anos-luz está de distância?

- Não sei ao certo, mas Andrômeda é uma das galáxias vizinhas à nossa - explicou Lorena.

Os rapazes a escutavam, entusiasmados.

A noite passou agradavelmente. Mark estava fascinado com a beleza do céu e passou a maior parte do tempo examinando o livro de consultas de Lorena. Usava uma lanterna com um celofane vermelho, para não atrapalhar Gordon, que observava o céu no telescópio.

Gordon, no entanto, estava mais intrigado com o telescópio do que com o que podia ver com ele. Os dois conseguiram manter Lorena o tempo todo ocupada com suas perguntas.

Quando se sentiram cansados e com fome, resolveram voltar para casa.

Já estavam quase chegando quando Gordon exclamou:

- O que será aquilo?

- O quê?

- Olhe lá! Ao norte. Que diabos, é um foguete luminoso, daqueles usados para pedir socorro! Alguém está com problemas lá na baía.

Gordon brecou o carro e os dois rapazes saltaram imediatamente. Correram até onde podiam observar melhor, enquanto Lorena fazia o mesmo a caminho de casa, esquecendo-se do telescópio e de tudo o mais, exceto de que lá na baía havia alguém em perigo.

Entrou correndo pela casa, sem mesmo acender as luzes. Bateu com força na porta do quarto, chamando Sei, em seguida continuou sua corrida pela casa até uma pequena sala de repouso onde o sr. Read guardava um potente binóculo e que podia dar uma visão mais clara do que estava acontecendo.

Surpreso com a confusão que Lorena criara, Sei correu atrás dela, vestindo uma camiseta pelo caminho.

Lorena afastou-se, para que Sei pudesse ter uma ideia do que estava ocorrendo, quando um segundo foguete subiu ao céu.

- Estão além do Pin, e não vejo nada de errado. O que será que está acontecendo com eles? Não há vento, nada...

- Problemas?

Bourne acabara de chegar e estava realmente preocupado. Lorena deu um passo atrás, perturbada com a presença dele, principalmente naquele espaço tão reduzido.

- É, parece que alguém está com algum problema. Não é fogo, pelo que se pode perceber. É melhor irmos até lá. vou preparar a lancha. Lorena, ligue imediatamente para a polícia em Russell e diga a eles o que vimos. vou pedir a Peggy que prepare algumas roupas e comida.

- Eu vou com vocês.

Sei não discutia, percebendo na voz de Bourne que ele estava decidido; e, afinal, até que podia ser útil ter mais um homem a bordo.

- Tudo bem. Lorena, é melhor você vir também. Você tem um curso de primeiros socorros, não?

- Sim.

- Ótimo. Assim que telefonar, dê uma ajuda a Peggy e traga as coisas até a lancha. Não se esqueça de pegar algo quente para vestir.

Assim que Sei e Bourne saíram para preparar a lancha, Lorena ligou para Russell.

- Agradeça a Sei pela ajuda. - Em Russell, o policial de plantão já recebera o aviso. - Vocês poderão chegar bem antes do que nós e estes minutos de diferença poderão significar muito. Os Haworth também vão para lá. Vocês têm alguma ideia do que está acontecendo?

- Não. A única coisa que podemos afirmar é que não há sinal de fogo.

- Eles não mandaram nenhum sinal específico, talvez seja alguém doente. bom, acho melhor vocês irem o mais rápido possível. Obrigado por terem chamado e boa sorte.

 

Lorena observava o rastro que a lancha deixava na água, imaginando o que poderia ter acontecido no iate que pedira socorro. Incrível que pudesse ocorrer alguma tragédia numa noite maravilhosa como aquela.

Não muito longe, Moana, o barco dos Haworth, avançava na mesma velocidade. De vez em quando, Sei mantinha contato com eles pelo rádio. Gordon conduzia a outra lancha e estava bastante preocupado com os acontecimentos.

- Sei, por favor, avise Lorena de que o telescópio está guardado em lugar seguro e em ordem.

Sei passou a mensagem a ela.

- Era isso que vocês estavam fazendo?

Lorena levantou os olhos e percebeu que Bourne estava a seu lado, com um blusão escuro e a habitual calça de brim.

- Sim. Na verdade já estávamos quase chegando em casa quando vimos o sinal de socorro.

- Eu pensei que eles fossem muito jovens para você. - Ele parecia estar se divertindo com ela.

- Não seja tolo!

Bourne não fez comentários e em seguida foi se colocar ao lado de Sei. Lorena olhou para a caixa de primeiros socorros, verificando mais uma vez se estava tudo em ordem. Ela sabia, assim como Sei, que na maioria das vezes a única coisa que levava os turistas ou pescadores a pedirem socorro numa noite tão calma, como aquela, era algum incêndio a bordo. Apesar de ter feito um curso de enfermagem de primeiros socorros, não podia deixar de sentir medo, pois não sabia o que iam enfrentar quando chegassem ao iate. Queimaduras eram horríveis de serem tratadas! Ao verificar os medicamentos de que dispunha para isso, concluiu que não poderia fazer muita coisa.

- O médico está na lancha da polícia - Bourne falou, percebendo a preocupação dela.

- Fico contente em saber. - Fechou a caixa com decisão e levantou-se para conversar com ele.

- Preocupada?

- Bastante. Deve ser um incêndio!

- Não acho. Eles podem ter batido em alguma rocha ou tido algum problema com os motores e, enquanto estavam ao sabor da brisa, encontraram um barco fantasma, o Holandês Voador, quem sabe, e ficaram com tanto medo...

Ela não pôde deixar de rir com aquele comentário e ficou grata por ele ter compreendido tão bem suas emoções.

- Dificilmente seria o Holandês Voador, pois ele não opera nestas águas. Se encontraram algo, teria que ser um taniwha.

- Já que você despertou a minha curiosidade, agora vai ter que contar a respeito desse taniwha.

Ela começou então a contar sobre uma criatura marinha, normalmente considerada um monstro, que atacava os barcos e devorava a tripulação; era uma personagem importante das lendas e do folclore maori.

- Você tem um talento incrível para contar histórias. Você escreve? - ele perguntou com simpatia.

- Só poesias para adolescentes e livros para crianças, que nunca consigo terminar. É apenas um passatempo.

- com mais dedicação, eu diria que você seria um sucesso - ele falou sem grande interesse, como se sua opinião não valesse nada. De repente sua voz mudou e ele alertou Lorena de que já estavam chegando.

Foram até a cabine onde Sei conversava com o sr. Haworth pelo rádio.

- Certo, vamos desligar os motores e talvez possamos ouvir alguma coisa. Eles devem estar por aqui. Ted, você conseguiu ver algum sinal deles?

- Sim, mais ou menos a um quilómetro. Olhe lá! Outro sinal! Um outro foguete de socorro subia e explodia no céu, iluminando um iate que parecia estar a caminho de Russell.

- Pelo menos não vejo nenhum sinal de fogo - disse Lorena, e respirou aliviada.

- Então, que diabos! Qual é o problema? - resmungou Bourne, que parecia estar também muito preocupado.

Mas a situação era realmente trágica no iate. Só havia um tripulante consciente, o proprietário, e ele já estava no limite de suas forças.

Assim que Lorena saltou para o iate, com a caixa de medicamentos nas mãos, ouviu que ele falava qualquer coisa a respeito do monóxido de carbono e sentiu-lhe as mãos geladas. O que poderiam fazer? Era preciso oxigénio!

Um tanto amedrontada, mas decidida a ajudar, Lorena ajoelhou-se no tombadilho, onde havia três corpos estendidos, e tomou-lhes o pulso.

Dois deles, um homem e uma mulher, estavam com a pulsação lenta, mas a outra mulher não estava nada bem. Lorena mal conseguia sentir-lhe o pulso e, pela sua cor, tudo levava a crer que o gás já penetrara bastante em seus pulmões.

Sem hesitar, Lorena começou a fazer-lhe respiração artificial.

Sei falava no rádio, e suas frases rápidas traíam sua grande ansiedade, apesar de tentar se manter calmo. Os dois rapazes tentavam descobrir o que acontecera, junto ao homem que ainda estava consciente, mas as respostas eram muito vagas, pois ele estava preocupado demais, observando Lorena. Todos perceberam que a mulher que ela tentava salvar devia ser a esposa dele.

Depois de alguns momentos, Lorena sentiu um movimento no barco: estavam transportando o casal para a lancha de Waiwhetu. Quando Bourne voltou, Lorena se levantou e percebeu que estava completamente tonta. Talvez tivesse absorvido um pouco do monóxido de carbono, ou então era por causa da grande tensão. Mas logo se recuperou e com voz firme se dirigiu a Gordon:

- Gordon, tome o meu lugar! Não podemos parar. - Era estranho sentir a presença de Bourne tão perto, mas seus braços firmes à sua volta lhe davam segurança.

- Tudo bem? - perguntou ele, depois de alguns instantes.

- Sim, logo estarei melhor.

Bourne ajudou-a quando ela passou para a lancha de Waiwhetu, depois que já haviam transportado os feridos. Uma vez lá, Lorena aproximou-se da mulher que ela ajudara a salvar e tomou-lhe o pulso. Respirava com muita dificuldade e percebeu, com grande tristeza, que talvez para ela o socorro tivesse chegado muito tarde. Mais uma vez se inclinou e recomeçou a fazer-lhe respiração artificial, boca a boca. Mas Bourne aproximou-se, levantou-a com firmeza e disse:

- Deixe que eu faço isso. Você precisa descansar e respirar ar fresco, pois ainda está um pouco tonta com o esforço.

O marido aproximou-se e segurou as mãos da mulher que passava mal como se pudesse tirá-la de seu estado de inconsciência. Lorena dirigiu-se então para onde estava o outro casal.

- Será que estão bem agora, Sei? - perguntou.

- Acredito que sim. Não sei muito a respeito de envenenamento por monóxido de carbono, mas acho que chegamos a tempo.

- O que está acontecendo agora?

- Ted Haworth vai rebocar o iate até Russell. Somos mais rápidos, por isso estamos levando o pessoal até a lancha da polícia. Já falei com eles pelo rádio, explicando o problema e já passaram a informação para o hospital. Seremos esperados por duas ambulâncias em Paihia. - Sei acenou para os Haworth e ligou os motores.

A lancha saiu imediatamente. Lorena respirou fundo e depois resolveu ir até a cabine.

O dono do iate tentava explicar o que acontecera, enquanto Bourne continuava fazendo respiração artificial na esposa dele.

- Não consigo imaginar qual foi o problema. Eu mandei verificar tudo antes de zarparmos. Só Deus sabe o que aconteceu! Quando percebi que não havia vento suficiente para prosseguirmos, liguei os motores. Meus amigos estavam cansados e desceram mais cedo. Se eu não tivesse descido para fazer um pouco de café, eles teriam morrido sem eu perceber.

- Então agradeça a Deus por ter descido e socorrido as pessoas a tempo - disse Lorena com firmeza, tentando evitar que ele caísse em depressão. Era preciso mantê-lo calmo. Havia uma certa angústia na voz dele, que prenunciava uma crise nervosa.

- Qual é o seu nome?

- Meu nome? - Ele olhou surpreso para Lorena, como se achasse a pergunta absurda. Depois, com um esforço, conseguiu responder:

- Brian Miller, de Auckland. Minha esposa, Deirdre, e eu viemos de Auckland com nossos amigos Sally e Francis Webb.

Ele devia ter por volta de vinte e cinco anos; era baixo e forte e estava com a barba por fazer há alguns dias, como se quisesse realmente esquecer a rotina e a vida que levava em Auckland. Era simpático e parecia bastante competente. Agora, porém, seus olhos aflitos, as olheiras e sua palidez faziam-no parecer muito mais velho.

Lorena não pôde evitar as lágrimas. A dor estampada nos olhos daquele estranho a emocionara. Talvez Deirdre não conseguisse sobreviver e isto a entristeceu ainda mais.

Ela parecia um pouco mais velha do que Lorena. Era baixa, mas tinha um corpo muito bem-feito. Seu cabelo era farto e longo. Era bonita, apesar daquele tom azulado causado pelo envenenamento.

Bourne continuava a fazer respiração artificial e, a cada vez, observava se havia alguma reação.

Ele parece bastante competente, pensou Lorena. Estava determinado a fazê-la respirar, confiante de que iria salvá-la.

Agora via Bourne por outro ângulo, ou seja, um homem que não aceitava a derrota, que lutava com resolução contra um inimigo que ele não podia ver, mas que estava certo de poder vencer.

- Eu posso fazer isso um pouco, Bourne - propôs Lorena depois de observá-lo por alguns minutos e sem compreender por que estava se sentindo tão feliz numa atmosfera tão trágica.

- Verifique os outros dois, eu continuo.

Lorena concordou sem discutir. Descobriu que o outro homem estava murmurando algumas palavras e que sua pulsação já estava quase normal. Sua esposa, Sally, ainda não voltara a si, mas o pulso e a respiração estavam se normalizando.

- A lancha com o médico está chegando - informou Sei com alegria.

Em alguns minutos a lancha da polícia encostava e logo o médico começou a examinar os pacientes.

Ele pareceu otimista em relação aos Webb, mas sua expressão tornou-se grave quando acabou de examinar Deirdre Miller.

- Ela precisa de um balão de oxigénio o mais depressa possível. Providenciem isso rapidamente e vamos para Russel. Esta lancha é bem veloz e evita perda de tempo. Siga imediatamente para Paihia, Sei.

Depois de alguns instantes, Brian Miller chegou até Lorena; estava muito abatido.

- O médico e o outro rapaz estão cuidando de Deirdre – disse ele com uma voz estranha e, em seguida, quase chorando, acrescentou: - Meu Deus, o que vou fazer? Não aguento mais!

- Você não poderá ajudá-la em nada agindo assim. Veja, nós já estamos em Tapeka. Chegaremos a Paihia dentro de minutos e lá estarão duas ambulâncias esperando por vocês.

- Eu sei. - Ele ficou em silêncio enquanto as lanchas se aproximavam de Paihia.

As luzes no alto do morro mostravam o caminho para o pequeno porto de Opua. Lorena podia ver outras luzes mais ao longe na baía e, além da península, estava Russell, adormecida sob aquele céu maravilhoso onde começavam a aparecer os primeiros raios de sol.

Sally Webb moveu-se e sua mão parecia procurar algo. Lorena segurou suas mãos geladas e disse com suavidade:

- Está tudo bem agora. Você está bem e Francis também.

- Frank... - Sua voz era pouco mais do que um murmúrio.

- Frank está bem. Brian, diga a ela.

Ele se aproximou e falou com Sally, reafirmando que seu esposo estava bem.

Num impulso, Lorena colocou a mão de Sally na do marido; pareceu então que os dois ficaram mais calmos, contentes por estarem vivos e juntos.

Logo a lancha atracou em Paihia e os enfermeiros imediatamente se ocuparam dos pacientes. Lorena ficou de lado, observando quando eram retirados da lancha, preocupada com Deirdre, que já estava com uma máscara de oxigénio. Brian Miller estava arrasado e, sem dizer palavra, seguiu na ambulância com a esposa.

- O senhor acha que ela vai se salvar? - Era uma pergunta tola. mas Lorena tinha de fazê-la.

- Bem, onde há vida, há esperança - respondeu o dr. Calder.

- E uma vez que ela está viva... - Voltando-se para os outros, ele não escondeu sua emoção ao dizer: - Muito obrigado a todos vocês pela ajuda. Eu posso afirmar, sem dúvida, que se não tivessem visto o foguete e se movimentado tão rápido, ela não teria conseguido chegar viva até aqui. Vejo você depois. Adeus, Sei!

- Você não quer uma carona até a sua casa?

- Não, obrigado. Summer está com a lancha da polícia e vai passar por lá. Creio que poderão me levar sem problemas.

- Adeus! Bourne, você pode me ajudar? E você, Lorena, é melhor descer, pois está muito frio agora - disse Sei.

Realmente estava frio. A depressão e mais o cansaço tomaram conta de Lorena. Ela tremia. Sem dizer uma palavra, foi até a cabine, colocou um blusão quente e preparou café para eles. Quando estava pronto, levou duas xícaras, com muito cuidado, para Sei e Bourne.

- Não consigo esquecer a expressão de angústia de Brian Miller. Ele é jovem demais para enfrentar tudo isso - disse ela.

- Ninguém é jovem demais para enfrentar uma tragédia, Lorena. Você devia saber - Bourne disse, seco.

- É, devia. Sinto muito, não devia ter falado nada. - Ela parecia muito cansada e resolveu ignorá-lo. Bebeu um pouco de café e manteve-se calada.

- Não foi nada, posso entender. Você está exausta. Por que não deita e dorme um pouco?

- Chegaremos logo em casa - falou Sei. - Aguente mais um pouco, Lorena. Você poderá dormir até tarde.

E foi exatamente isso o que todos fizeram, incluindo Peggy, que havia ficado acordada esperando por eles. O sol já estava alto quando Lorena acordou com uma batida insistente em sua janela.

Ainda tonta, saiu da cama e, passando a mão pelos cabelos, abriu a porta da varanda.

Não era Peggy quem a chamava, mas Bourne, que estava jogando pedras na veneziana para acordá-la. Ele estava de calção de banho e com uma camisa aberta, mostrando o peito bronzeado que tanto a atraía. Sorria de sua expressão de sono e espanto.

- Espere um pouco, já volto - Lorena procurou então algo para vestir em cima da camisola. A única roupa que encontrou foi a saída de banho. Ela sabia que com ela suas pernas ficariam à mostra, mas não se importou.

- Alo. - Abriu a porta e saiu na varanda.

Bourne não deixou de admirar suas pernas longas e bem-feitas.

- Você está parecendo cansada ainda.

- Eu sinto que sim. De onde é que você tira tanta energia?

- É que eu tiro meus cochilos de vez em quando - respondeu ele. - Vamos dar uma volta e um mergulho para abrir o apetite?

Reprimindo o entusiasmo, Lorena lembrou-se de sua resolução, que parecia agora ter sido tomada há muito tempo.

- Não, eu não posso.

- com medo?

- Não.

- Então prove o contrário e venha comigo.

- Não, não acredito nesse tipo de prova - disse ela, sorrindo. Você já tomou café?

- Ainda não, mas não precisa se preocupar, eu posso cuidar de mim.

Não havia dúvidas de que Bourne ficara com raiva por sua atitude. Lorena mordeu o lábio, mas esforçou-se para manter a calma.

- Certo. Se você ficar com fome, sabe onde encontrar comida.

- Sim, sei - disse ele e foi embora sem dizer mais nada. Lorena entrou, mas não pôde deixar de voltar até a janela e ficar observando enquanto ele se afastava. Tinha uma sensação de angústia, que só podia significar uma coisa: amor.

- Meu Deus! Não pode ser! - exclamou.

Mas de fato estava apaixonada, e isso significava sofrimento. Para Bourne ela não passava de um caso de verão, um simples passatempo de férias; Lorena, porém, estava disposta a segui-lo pelo mundo todo se ele quisesse.

Saiu da janela e voltou para dentro do quarto com movimentos mecânicos, sem sua habitual graça. Seria uma tolice entregar seu coração a alguém que só queria se divertir. Mas resolveu encarar a situação como mais uma experiência de vida, embora soubesse que ia sofrer quando voltasse para Auckland, De qualquer forma, não era mais aquela adolescente sonhadora que chegara a Waiwhetu alguns dias atrás.

Enquanto se trocava para descer, decidiu que Bourne jamais saberia de seus sentimentos; tinha certeza de que esta era a única maneira de escapar ilesa do amor tolo que tomara conta de seu coração. Bourne sentia por ela apenas atração física, e o pior é que sentia o mesmo por ele.

Bourne estava agindo com uma certa prudência e não iria forçá-la de modo algum se descobrisse que ela o amava. Mas Lorena sabia de sua fragilidade diante dele e, se realmente a quisesse, conseguiria vencê-la.

Por isso, concluiu seu pensamento, será melhor não lhe dar nenhuma oportunidade. Isso reforçou sua decisão anterior, isto é, a de evitar qualquer intimidade entre eles. De alguma forma seu relacionamento com ele já havia mudado um pouco: Bourne passara a se comportar diferente em relação a ela. Não havia mais brincadeiras ou bate-papos.

Seus olhos estavam sempre enigmáticos. Ele parecia exatamente como nas capas de seus discos.

Um pouco antes do almoço ligaram de Russell para avisar que Deirdre Miller estava bem e que ia se recuperar.

- Fico contente com a notícia - disse Sei ao telefone, com evidente satisfação. - Como estão os outros? Muito obrigado por telefonar. Direi a Lorena e Bourne. Não, ele está de férias, não quer publicidade. Você não... claro que não. Eu ligarei para os Haworth para ter certeza de que os rapazes não vão dizer nada. Por favor, fale com o médico, está bem? Eu duvido que só o primeiro nome signifique algo para ele, mas é melhor a gente prevenir.

Este problema com Bourne afetou Lorena, apesar das boas notícias. Bourne estava almoçando com eles e, embora também se preocupasse, ficou contente por Sei ter resolvido o problema satisfatoriamente.

Assim que Sei desligou, ele perguntou:

- Repórteres?

- Sim. Eles não disseram quem você é, naturalmente, e me garantiram que o médico não mencionou o seu nome. Lorena, por favor, vá falar com os rapazes e faça-os jurar que não dirão nada.

- Eu levo você até lá - ofereceu-se Bourne. - Afinal, é um problema meu.

- A repórter do jornal de Russell é muito curiosa. com certeza vai ligar para Mark e Gordon para pedir que contem como foi o resgate; pode até querer ir à fazenda para tirar fotos.

- Imagino que devam estar ansiosos para falar sobre o acidente e fatalmente sobre mim. É melhor irmos rápido. Vamos, Lorena.

- Mas você precisa mesmo de mim? - Lorena perguntou. Bourne olhou frio para ela que, rapidamente, acrescentou: - Quero dizer, você pode convencer os rapazes sozinho!

Peggy deu-lhe um pontapé por baixo da mesa e disse

- Vá, Lorena. Não precisamos de você aqui e creio que um passeio vai lhe fazer bem.

Foram de lancha, pois pelo mar era bem mais rápido. Bourne mostrou-se muito educado com Lorena, que se comportou da mesma forma, apesar de não compreendê-lo e estar incerta quanto à sua maneira de agir. De qualquer forma, a presença dele a perturbava como de hábito e isso ela não conseguia evitar.

- Algum problema? - perguntou ele, quando já estavam no meio do caminho e ela não parava de andar de um lado para outro na lancha. - Você parece um tigre enjaulado.

- Não, estou bem - respondeu e sentou-se, determinada a não se mover mais até chegarem à fazenda Haworth. - Acho que é cansaço. Fiquei feliz com a notícia de que Deirdre Miller vai se recuperar.

- Eu também. Ela é muito jovem para morrer.

- Quando eu disse isso ontem, você quase me estrangulou! Ele a olhou com ironia e respondeu friamente:

- Você disse que Brian Miller era muito jovem para uma tragédia. Há uma diferença muito grande entre enfrentar uma tragédia e morrer antes que você tenha experimentado tudo da vida.

Lorena tentou ser objetiva, mas seus sentimentos a traíram.

- Ela já conheceu o amor e isso é certamente alguma coisa.

- Amor? Imagino que sim. Amor e sexo são coisas a se considerar. Mas ela não tem filhos e viveu ainda pouco para adquirir sabedoria.

- Você acha que sabedoria só se ganha com o tempo? - Lorena não pôde evitar uma nota de desconfiança na voz. Era estranho que um homem tão jovem, com fama internacional, tivesse esse respeito pelas pessoas mais velhas.

- Surpresa? vou explicar melhor. Algumas pessoas nascem sábios, mas a maioria delas precisa de tempo e experiência, que só a vida lhes dá. Mesmo assim, muitos morrem velhos e tolos, exatamente como nasceram. Mas, sem dúvida, os homens só alcançam a plenitude com a meia-idade. Tornam-se um pouco mais cínicos, mas toleram muito mais as fraquezas e imperfeições de seus semelhantes.

- Você é um cínico - disse Lorena, irritada.

- Eu não acho. Mas seria surpreendente se eu fosse? Você não imagina o que é ser uma pessoa comum e enfrentar o que eu enfrento. Apenas um rapaz comum, filho de pais comuns, e de repente ser idolatrado, mimado e perseguido como se fosse o novo Messias. Acredite, meu bem, não é nada bom para a formação do caráter de um homem.

Havia emoção em suas palavras, como se o verdadeiro Bourne Kerwood estivesse tirando a máscara que normalmente usava.

- Realmente não posso entender como, mas você parece ter superado tudo sem arranhões - observou ela, sem pensar.

- Que ilusão! - Ele sorriu e seus lábios disseram muito mais do que suas palavras. - Talvez eu tenha tido sorte. Tive uma infância feliz, escudada em valores em que me apoio, até hoje. Mas o sucesso embriaga as pessoas. E alguém como eu é mais vulnerável a ele, pois em minha profissão o que mais se precisa é amor, admiração e reconhecimento.

- Quase chego a não acreditar em suas palavras. Você dá a impressão de ser auto-suficiente.

- O sucesso é uma faca de dois gumes. Realmente é muito bom, no começo: dinheiro para fazer qualquer coisa, aplausos, luzes brilhando, garotas, tudo muito fácil e cheio de vantagens. Mas bem lá no fundo eu não acreditava que isso fosse eterno, e por isso mesmo não permiti que minha personalidade se deixasse contaminar pela imagem que a publicidade fez de mim. Mesmo depois, apesar do meu entusiasmo, percebi que o público é volúvel; que se de repente se esquecesse de mim, tudo iria cair por terra. E a primeira coisa que eu perderia seriam as garotas! Vi muitos astros desesperados, tentando voltar ao sucesso, e sabia que isso também poderia acontecer comigo. Então me lembrei das minhas raízes e tomei a decisão de nunca me deixar iludir por esses valores transitórios.

Lorena sentou-se novamente. Não disse nada para interrompê-lo, pois não queria quebrar o encanto daqueles momentos; antes ele nunca falara com tanta sinceridade de si mesmo e de seus sentimentos.

Mas, como se estivesse receoso de ter revelado mais do que devia sobre a sua personalidade, Bourne disse com ironia:

- Acho que fui contaminado pelo hábito da auto-análise e, logo na primeira oportunidade, choro as minhas mágoas. Você é uma ótima ouvinte, Lorena. Obrigado e não se preocupe, que não farei isso de novo.

- Eu não me incomodo - ela respondeu baixinho e voltou-se para observar o mar. De repente, gritou: - Veja, Bourne! Golfinhos!

Eram realmente bonitos, mas logo mergulharam novamente e seguiram em direção a alto-mar.

Logo depois chegaram ao embarcadouro e não houve mais oportunidade para conversar.

Pela primeira vez Lorena aceitou a ideia de que, apesar de seu prestígio e posição como um astro internacional, havia algo dentro de Bourne que cativava qualquer mulher, independente de seu charme ou de qualquer outro artifício de que ele pudesse lançar mão.

Bourne simplesmente tinha a habilidade de fazer com que todas as mulheres, mesmo uma senhora simples como Peggy, se sentissem como rainhas. E isso sem ser antipático ou agressivo com os homens. Ele tinha carisma, alicerçado em uma força interior que impunha respeito. Lorena tinha certeza de que Bourne jamais mudaria, não importando o que pudesse acontecer com sua carreira de cantor e compositor.

- Você está muito quieta, Lorena - observou Ted Haworth, enquanto sua esposa servia o chá.

- Ela está cansada - disse Bourne. - Ficar acordada até muito tarde não a deixa bem-humorada.

- Ela brigou com você? Estou perguntando porque conheço o temperamento explosivo dela - disse Gordon, enquanto escolhia algumas ameixas na fruteira.

- Lembra-se de quando você atirou uma pedra em mim naquele primeiro verão em que veio para cá, Lorena?

- Você era um demónio, Gordon. Eu me lembro muito bem e até hoje lamento não ter acertado. - Voltou-se então para Bourne e Mark e acrescentou: - Ele estava judiando de uma lagosta na praia e não parou quando lhe pedi que a deixasse em paz.

- É, eu devia ser terrível - concordou Gordon, saboreando as ameixas com prazer. - Mesmo assim, você conseguiu o que queria. Isto foi há dois anos, certo? Você pretende voltar no ano que vem?

- Quem sabe? - respondeu Lorena, pensativa.

- Eu não estarei mais aqui - disse Mark, apanhando uma ameixa que Gordon pretendia pegar, e continuou: - Estarei em Fiji nas próximas férias de verão. Meus pais vão se mudar para lá dentro de algumas semanas. Meu pai foi promovido e parece muito contente com a mudança. Eu vou terminar a escola aqui mesmo e sigo para lá nas férias. Suponho que o senhor também não- estará aqui, certo, sr. Kerwood?

- Vai depender de muitas coisas, mas eu gostaria demais de voltar. Acho que não preciso dizer a nenhum de vocês quanto gostei daqui. Dá para perceber, não é? Eu gostaria de conhecer a Nova Zelândia inteira. E, por favor, chame-me de Bourne; esse negócio de sr. Kerwood me faz sentir muito velho!

Gordon ficou meio sem graça, pois inconscientemente talvez o achasse mesmo um velho.

Para disfarçar a gafe involuntária do filho, a sra. Haworth perguntou com simpatia:

- É seu nome verdadeiro ou artístico?

- É meu nome, mesmo. Bourne é um velho nome de família. Meu avô também se chamava assim. Como vocês, somos de origem inglesa e qualquer dia vou descobrir de que parte da Inglaterra.

- Há quanto tempo sua família está nos Estados Unidos?

- Há quase duzentos anos.

- Tanto assim? Nós sempre nos esquecemos de que a América foi colonizada muito antes da Nova Zelândia. Aqui qualquer um que tenha vivido há mais de cem anos é quase um fundador.

- Sem contar os maoris - disse Gordon. - Lorena, onde vai ser feita a pesquisa da universidade este ano? Nas ruínas da ponta Rawle? Se você quiser, podemos ir até lá um dia desses.

- Que ruínas? - perguntou Bourne.

Lorena lembrou-se então de que ele tinha estudado arqueologia antes de se tornar famoso.

- É uma fortaleza muito antiga de pescadores. O pessoal da universidade escava um pouco cada ano. Supõe-se que date de uns setecentos anos, pelo menos.

Bourne não fez mais perguntas. Começaram então a falar sobre a tragédia da noite anterior e ele explicou por que pedira que seu nome não fosse revelado. Os garotos concordaram imediatamente e prometeram não mencioná-lo.

- Realmente deve ser uma chateação para você, ter sempre um bando de garotas nos calcanhares, Implorando autógrafos e atenção

- disse Gordon e todos acabaram rindo.

Alguns minutos mais tarde se despediram, pois estava ficando tarde. Se Lorena esperava qualquer aproximação por parte de Bourne, decepcionou-se.

- É um pessoal muito agradável - comentou ele casualmente, e foi tudo.

Não trocaram uma só palavra durante o resto do percurso, cada um mergulhado em seus próprios pensamentos. Pareceu a Lorena que Bourne erguera uma barreira entre ele e o resto do mundo.

 

Os dias se seguiam normalmente. Bourne nem parecia um convidado; fazia todas as refeições com eles e comportava-se como se fosse um membro da família. Tratava Lorena com frieza, o que a magoava muito, e passava a maior parte do tempo na casa da praia, trabalhando em suas músicas.

com a aproximação do Natal, Peggy e Lorena começaram a se ocupar da decoração da casa, antes de se dedicarem de corpo e alma à preparação das comidas especiais que sempre faziam.

- Veja só, é realmente uma loucura o que estamos fazendo comentou Peggy com Lorena, enquanto colocava algumas tortas dentro da geladeira. - Nós trabalhamos feito escravas antes do Natal para não termos que trabalhar durante as festas e o que acontece é que a gente não aproveita quase nada, pois ficamos terrivelmente cansadas com tanta correria.

- Você não agiria de outra forma, mesmo que pudesse - brincou Lorena, enquanto pegava uma outra torta para dar a Peggy.

- Sempre foi assim. Eu me lembro de mamãe, que sempre reclamava do excesso de trabalho, mas sem nunca admitir que alguém se ocupasse da preparação das comidas. Ela fazia um pudim de ameixas delicioso.

- Acho tolice fazer tanta comida em pleno verão. As pessoas acabam às vezes passando mal por causa disso. Entendo que nossos antepassados fizessem questão de manter a tradição, afinal era uma maneira de matarem suas saudades da Inglaterra, mas nós nascemos aqui e não sentimos essa necessidade.

Peggy olhou para ela, curiosa, e perguntou, sorrindo:

- Você conseguiria comemorar o Natal sem peru assado, torta de maçã ou pudim de ameixas?

- Claro que não. Mas não se preocupe, eu adoro esta confusão toda. - Sua expressão confirmava suas palavras. - Que confusão?

A voz profunda e agradável de Bourne fez com que as duas se voltassem para a porta, onde ele estava encostado.

- Que confusão é essa de que você falou? - repetiu ele, já que nenhuma delas respondera. Desta vez seus olhos estavam fixos em Lorena.

- Natal - respondeu, nervosa com a presença dele.

- Natal? - perguntou, surpreso.

Peggy percebeu a tensão existente entre os dois e resolveu interferir:

- Sim, todo este trabalho de preparar a casa e comida para as festas de fim de ano. Isto me lembra algo, Bourne. A mãe de Gordon telefonou. Eles vão fazer uma festa pouco antes do Natal, com danças e comidas típicas, e perguntou se você gostaria de ir.

Mais uma vez ele olhou para Lorena, como se quisesse ler o pensamento dela. Lorena aceitara o convite para a festa, uma tradição na ilha, mas não lhe ocorreu que eles iriam convidá-lo também. E, afinal, por que não? A família Haworth o aceitara com simpatia e seria indelicado deixá-lo de fora.

Seu coração bateu acelerado só de pensar que ele estaria lá, ao lado dela, o tempo todo.

- Eles normalmente convidam o pessoal que acampa em sua propriedade, na praia, os amigos de Gordon e os deles. Assim, sempre contamos com um grupo alegre para a festa. - Peggy fez uma pausa e acrescentou, um pouco constrangida: - E as luzes vão ser especiais! Você sabe, com celofanes coloridos, o que sem dúvida vai diminuir bastante a possibilidade de você ser reconhecido. E, antes que eu me esqueça, neste tipo de festa usamos apenas os primeiros nomes.

Ele gostou de saber disso, e principalmente por Peggy estar preocupada com ele, sabendo de seu desejo de permanecer incógnito na ilha.

- Você vai, Peggy?

- Mas é claro que sim! Eu nunca deixo de ir.

Lorena sorriu ao ver a expressão de Peggy ao responder e não pôde deixar de fazer um comentário.

- Peggy e Sei sempre dão uma demonstração de charleston. Isto sempre deixa os mais Jovens com inveja. Eles são fabulosos.

- Então eu não posso deixar de ir - disse ele, sorrindo para Peggy, que se sentiu lisonjeada com a sua atenção. - Acho melhor telefonar para a sra. Haworth agradecendo o convite e confirmando a minha presença.

Alguns minutos depois ele voltava, resmungando:

- Eu simplesmente não consigo entender este telefone. Estava tentando discar e de repente uma voz estridente de mulher me disse que os Haworth estão na mesma linha que nós. Será que alguém pode me explicar como funciona este sistema?

- Vá você, Lorena - disse Peggy, tentando com isso aliviar a tensão entre eles.

Lorena foi de cabeça baixa, consciente de que a dor que sentia, depois que descobrira que seu amor por Bourne jamais seria correspondido, aumentava cada vez mais quando estava perto dele.

- É muito simples: os Haworth estão no mesmo tronco e seu número é "S", o que significa três toques curtos. Você quer tentar?

- Não. Por favor, seja gentil e faça a ligação para mim- disse ele friamente.

Os olhos de Lorena se encheram de lágrimas. Virou-se rapidamente, pois não queria que ele percebesse como sua frieza conseguia afetá-la. com um simples gesto, pegou o telefone e ficou olhando pela janela, para que ele não pudesse ver seu rosto.

Procurou controlar-se e quando, após uma demora que lhe pareceu interminável, alguém atendeu ao telefone, ela falou com firmeza:

- O sr. Kerwood gostaria de falar com a sra. Haworth. - Passou o telefone para ele e se retirou da sala.

Enquanto caminhava até a despensa onde estava o congelador, concluiu com tristeza que Bourne gostava que as pessoas ficassem sempre à sua volta, fazendo todas as suas vontades. Se agissem assim, ele era simpático e gentil, mas para as pessoas como ela, que se recusavam a entrar nesse jogo e lhe dar toda a atenção, ele se mostrava agressivo. Fora tola em pensar que poderiam ser pelo menos bons amigos, pois tudo levava a crer que Bourne só a via como um mero objeto sexual. Mas isto ela não ia ser para ele, Lorena prometeu a si mesma, embora soubesse que estava apaixonada. Como fora ingénua em acreditar que Bourne pudesse nutrir algum sentimento para com ela! E, caso tivesse se entregado a ele, uma vez satisfeito, Bourne a deixaria sem nenhum remorso e voltaria para os Estados Unidos vangloriando-se de mais uma conquista.

Naquela tarde ela nadou tranquila na piscina. Impelida por um desejo inexplicável, procurou um disco que lhe agradasse na coleção do sr. Read. Quando viu a Quinta Sinfonia de Beethoven, decidiu que era o que queria e a colocou no magnífico equipamento estéreo instalado no jardim de inverno, ao lado da piscina.

Voltou para a sua espreguiçadeira predileta e se deitou, ouvindo o som que parecia refletir sua dor e agonia enquanto lágrimas escorriam livremente pelos seus olhos fechados.

O sol já estava quase desaparecendo no horizonte e as primeiras estrelas brilhavam timidamente no céu quando os últimos acordes indicavam o final da sinfonia. Lorena deu um longo suspiro e abriu os olhos. Em seguida franziu a testa ao perceber, a poucos passos de si, a figura de Bourne, observando-a. Sua expressão era de quem também estivera absorto pela música vibrante, que terminara. VoLtando-se para ela, perguntou, curioso:

- É desse tipo de música que você gosta?

- Sim. - Ela se levantou rapidamente e, antes de sair, falou com a cabeça baixa: - Sinto muito, acho que... que não devia ter usado o aparelho, mas... mas eu pensei que...

- Já sei, que eu estava na cabana. - Sorriu, mas sem nenhuma demonstração de amizade. - Acho que eu preciso pedir desculpas por ter interrompido você.

- O que você quer dizer com isso?

com alguns passos ele se colocou à frente de Lorenna. com uma das mãos limpou algumas lágrimas que ainda brilhavam no rosto dela.

- Será que Beethoven sempre a afeta tão profundamente que você chora quando ouve suas composições? - perguntou delicadamente, olhos com um brilho fora do comum.

O coração de Lorena parecia que não ia suportar tanta emoção. Era como se Bourne soubesse que aquelas lágrimas eram por causa dele.

Consciente de sua fraqueza, respondeu, insegura:

- É que eu gosto muito da Quinta Sinfonia. É triste e me emociona...

"Triste" era uma palavra inadequada para expressar o efeito da música nela, mas não podia pensar direito com Bourne tão próximo, que quase podia sentir o calor do corpo dele.

- Você parece uma ninfa. - Sua voz era baixa e sensual. Lorena sentiu a respiração dele em seu rosto e levantou os olhos.

Tudo o que podia ver eram os lábios dele, sorrindo numa mistura de ternura e sensualidade a que ela não podia resistir.

- Acontece que não sou uma ninfa e, por favor, pare de ser tão cínico.

- É assim que você me vê? - perguntou com delicadeza. Seus lábios quase não se moveram e estavam cada vez mais próximos dela.

Lorena tremeu quando a mão que ele ainda mantinha em seu rosto desceu lentamente para o pescoço, acariciando-o delicadamente. Podia ver o desejo crescente em seus olhos, mas, antes de se render ao poder hipnótico que ele tinha sobre ela, disse:

- E você não é isso mesmo?

Bourne pareceu não ouvir as palavras dela; sorriu e seus olhos negros, cheios de desejo, pareciam tentar ler os pensamentos de Lorena. Um arrepio percorreu-lhe o corpo e ela passou a língua pelos lábios secos, amedrontada, como nunca estivera em toda a sua vida na presença de um homem.

- Bourne... - Foi apenas um sussurro e Lorena tentou dar um passo atrás, para afastar-se dele.

O sorriso de Bourne alargou-se e ele a segurou com mais força. Lorena se sentiu tão fraca que pensou que suas pernas não iriam sustentá-la. Ainda tentou dizer algo, mas aquela boca tão ardente já estava sobre a sua, impedindo-a de qualquer protesto. As mãos de Bourne desceram lentamente, trazendo-a para junto de si com a mesma "Densidade de um amante apaixonado, no auge do desejo. O calor Daquele corpo tomou-a de assalto e o biquini que usava parecia ser muito pouco para protegê-la.

A boca de Bourne a machucava, pressionando seus lábios abertos como se quisesse puni-la. Lorena tentou resistir, odiando a fraqueza que parecia tomar conta de todo o seu corpo e percebendo que começava a corresponder com a mesma paixão àquele beijo.

Ele se moveu rapidamente e, pegando-a no colo, levou-a para o jardim de inverno, acariciando-a ternamente com os lábios.

Lorena estava perdida, o coração e o corpo correspondendo aos desejos dele. Quando Bourne a colocou no sofá, ela se deitou e aceitou seus carinhos. Não havia mais barreiras, todo o seu ser estava envolto em um êxtase cuja existência até então ela ignorava. Passando os braços em volta daqueles ombros largos, Lorena o trouxe para junto de si, oferecendo todo o seu corpo a ele.

Bourne acariciava com as mãos seus seios pequenos e rijos enquanto percorria docemente com os lábios sua nuca, aumentando em Lorena cada vez mais o desejo de se entregar a ele.

Quando Bourne se deitou sobre ela, Lorena o abraçou com força, pois tudo o que queria naquele momento era ser inteiramente dele.

Ele continuava a beijá-la com ternura e falou, bem próximo de seus lábios:

- Realmente você não é uma ninfa. É a mulher mais desejável que já conheci. Sei de uma cama muito mais confortável do que este sofá, querida. Por que você não vem comigo? Pelo menos não vamos ter que nos preocupar com interrupções.

Essas palavras funcionaram como uma ducha fria sobre ela. com um soluço Lorena se libertou dele, sentando-se num movimento tão rápido que o surpreendeu. Ele continuou deitado, com uma expressão de espanto, enquanto ela tentava recolocar a parte superior do biquini, o que não resolvia grande coisa em virtude de seu reduzido tamanho.

Sentiu-se envergonhada. Bourne não se moveu, mas seus olhos mostravam claramente como estava irritado com a atitude dela.

- Não, muito obrigada - respondeu com dificuldade, apertando tanto as mãos que chegou a se machucar com as unhas.

- Você é muito engraçada, sabia? Até onde pretendia me deixar chegar? Consentir em ser seduzida e depois fugir! Pode ser muito bom para você, mas acredite, meu bem, você escolheu o homem errado.

- Pare com isso! - exclamou Lorena. com as lágrimas escorrendo pelos olhos, continuou: - Eu não tinha a intenção...

- Não pense que sou um adolescente idiota. Você está fazendo esse jogo desde que chegou aqui. Avança e recua e, durante o tempo todo, assume esse ar de virgem ofendida. O que é exatamente que você quer de mim, Lorena?

- Nada, absolutamente nada. O problema é o que você quer de mim! Por que você não me deixa em paz?

- Porque você não quer que eu faça isso. Pelo menos admita, vamos! Você me quer, mas não está preparada para aceitar este fato. Você permite que eu a seduza, mas ainda não teve coragem suficiente para se libertar dessa moral idiota que parece regular sua vida. Pois bem, eu não vou continuar jogando com você. Eu a desejo, mas se houver alguma coisa entre nós tem que ser na base da igualdade. Se você não está preparada para encarar os fatos livremente, eu posso fazê-lo sem você.

Lorena mordeu o lábio; embora não quisesse aceitar seus argumentos sabia que ele tinha razão. Provavelmente teria feito amor com Bourne se ele não tivesse feito aquele comentário. Quando o ato sexual se consumasse, ela provavelmente se sentiria terrivelmente mal, mas teria ido até o fim. O que ela não podia, mesmo amando Bourne tão intensamente, era submeter-se a ele de cabeça fria. Isso era contra todos os seus princípios.

Olhando para ele, compreendeu que qualquer tentativa para explicar sua atitude seria inútil.

- Pelo menos me dê o crédito de não ter seduzido você - disse ela e começou a procurar sua saída de banho.

- Eu não sei. - As palavras soaram inexpressivas e só o fogo em seus olhos revelava as emoções que ele controlava com cuidado. Eu realmente não sei se esse seu ar virginal é real ou de mentira. Quando chegamos a um momento de decisão, Lorena Tanner, eu descubro que sei muito pouco a seu respeito.

Sentindo como se ele tivesse lhe dado um tapa, ela respondeu com ironia:

- Eu pensei que sua experiência lhe indicasse a resposta de qualquer problema. Sua sabedoria deve ser sem limites, pelo que me contou.

- com ciúme?

Percebendo o tipo de armadilha em que havia caído, e como quase chegara a revelar seus sentimentos, respondeu com o pouco de orgulho que ainda lhe restava:

- Ciúme? Dificilmente, pois seria preciso que eu amasse você; além do mais, não me agrada fazer amor como um mero passatempo. Eu não quero isso, dá para entender?

- Você está mentindo. - Bourne sorriu com ironia e passou a mão sobre os ombros dela, segurando-a pela nuca. - Você está tremendo. Você não está com medo de mim e não é fria; sendo assim, só resta isso. - Puxou-a então bruscamente contra seu corpo e beijou-a com raiva, forçando-a a abrir os lábios.

Mesmo contra a vontade, Lorena correspondeu. Quando conseguiu afastá-lo, estava com os lábios doendo e o rosto queimado de humilhação.

- Será que você pode me deixar em paz? - disse, com raiva de si mesma, pois Bourne acabara de provar que ela era uma tola.

- Claro, querida. É simples: fique fora do meu caminho. - Ele se levantou e, antes de ir embora, disse: - Sua saída de banho está perto da piscina, se é isso o que está procurando.

Ele entrou na casa e Lorena foi caminhando lentamente até a piscina, para pegar a saída de banho antes de ir para seu quarto. Viu-o ainda, preparando um drinque, e pelos seus gestos parecia bastante nervoso.

Está irritado por não ter conseguido me convencer a fazer amor com ele, pensou Lorena, horrorizada com seu próprio cinismo.

Muito tempo depois, após ter tomado uma ducha, tentando se libertar da presença de Bourne, que parecia impregnar todo o seu corpo, Lorena se sentou em uma cadeira e começou a observar as estrelas através das janelas abertas.

Estava tudo mais calmo e a temperatura agradabilíssima. As primeiras semanas de verão eram as melhores. Janeiro costumava ser muito quente e em fevereiro o calor se tornava sufocante, deixando todo mundo de péssimo humor.

O Natal estava se aproximando e Lorena lembrou com saudade o tempo em que seus pais eram vivos. Era uma festa magnífica. Custava a Lorena crer que eles já não estavam mais ao seu lado, que não fazia muito tempo ela era uma criança feliz e mimada. Nos dois últimos anos, contara com Peggy e Sei, mas não era a mesma coisa.

com passos incertos começou a andar pelo quarto, com os olhos embaçados, tentando conter a emoção que ameaçava dominá-la tão forte, intensificada pelo amor que sentia por Bourne.

De repente compreendeu que o fato de amá-lo tanto a impedia de se tornar sua amante. Se ela o amasse menos, não haveria perigo em fazer amor com ele e aproveitar melhor suas férias de verão. Mas, conhecendo a extensão de seus sentimentos, compreendeu que o prazer daqueles poucos dias seria ofuscado pela certeza da separação logo que as férias terminassem. Depois, só restaria um vazio triste e sombrio em sua vida.

Ela o amava e não poderia aceitar menos do que um amor de igual intensidade por parte dele.

Um sorriso amargo aflorou em seus lábios. O último encontro mostrara claramente que ele só a desejava sexualmente, nada mais. Queria se divertir um pouco enquanto estivesse em Waiwhetu, e era direto em seus objetivos. Para Lorena sexo era importante, sim, mas como complemento do amor, não como simples satisfação momentânea.

A casa toda estava silenciosa quando ela finalmente se levantou da poltrona onde estava para ir se deitar. Já era mais de meia-noite. Felizmente a luz estivera apagada durante todo o tempo e Peggy nem percebera que ela ainda estava acordada.

Num impulso, abriu a porta e saiu para o pequeno terraço junto a seu quarto e ficou observando o céu. Ali estavam suas velhas amigas, com sua beleza majestosa naquele céu azul, como se fossem, cada uma delas, brilhantes espalhados em um manto de veludo. Um meteoro riscou o céu e depois tudo ficou quieto novamente. Lorena sentiu-se deprimida e começou a chorar. Depois de algum tempo, foi para a cama e dormiu imediatamente.

Algo parecia ter acontecido a Bourne, pois ele começou a passar todo o tempo na casa da praia, dormindo lá na maioria das vezes.

Peggy fazia o máximo para preparar pratos especiais e mandava-lhe pelo menos uma cesta com comida por dia. Lorena, que era encarregada de levá-la, via com crescente ansiedade que ele comia muito pouco. Tentou falar com ele, mas Bourne foi agressivo.

- Quando eu quiser alguém para me pajear, mando chamar minha mãe.

Sem se deixar intimidar, Lorena respondeu no mesmo tom:

- Muito bem, continue como está e deixe Peggy um pouco mais magoada, jogando fora tudo o que ela prepara com tanto carinho para você.

Ele olhou para ela com raiva, passou a mão nos cabelos, num gesto nervoso, e disse, mais calmo:

- Certo, eu vou comer. Mas por causa de Peggy. Você vem nadar comigo?

- Isto é uma ordem?

- Sim, é, uma ordem! - Parecia que ele já não conseguia mais se controlar. com passos rápidos aproximou-se de Lorena; seus olhos negros pareciam querer hipnotizá-la.

- Você está precisando dormir e não fazer exercícios - disse ela.

- Está bem, eu vou se você for comigo.

- Dormir ou nadar? - Tão logo pronunciou estas palavras, Lorena percebeu que havia cometido um erro e ficou sem saber o que fazer. Ele deu um sorriso estranho.

- Mudou de ideia?

- Não - respondeu e preparou-se para sair correndo, caso Bourne se aproximasse mais. Sentia todo seu corpo vibrar com um simples olhar dele e sabia que, se a tocasse, não resistiria.

- Mas você não resiste ao hábito de me provocar, não é?

Ela sabia que havia algo de verdade no que ele dizia. Bourne era sensível, mas não conseguiria jamais entender sua recusa.

- Por quê, Lorena? Por que você cria uma situação como esta e depois se recusa a ir até o fim?

Lorena enrubesceu.

- Pense o que quiser. Lamento minha pergunta e daqui para a frente vou escolher melhor as minhas palavras.

- Acho que é uma ótima ideia - disse ele, observando-a de um jeito que parecia ler todos os seus pensamentos.

- Só Deus sabe por que ainda não a seduzi e a levei para a cama. Acho que nós dois estaríamos mais felizes. Devo ter alguma vocação oculta para cavalheiro. - Sua voz soava cada vez mais tensa.

- Vá embora, por favor! Diga a Peggy que vou comer tudo. E, só para tirar sua preocupação, vou dormir.

Lorena foi embora imediatamente, sentindo-se uma tola.

Naquela tarde foi com Sei e Peggy até Paihia para as compras finais de Natal. Estava quente e havia muitos turistas em toda parte. Lorena ajudou Peggy, com as compras no supermercado e depois ficou observando o vaivém das pessoas. Era interessante ver famílias inteiras, descontraídas, passeando pela orla da praia. As crianças logo adquiriam aquele bronzeado que as mulheres invejavam e os homens usavam os mais estranhos chapéus para se proteger do sol.

A moda no momento era usar conjuntos de tecido atoalhado sempre em duas cores contrastantes, com enfeites de brim. Lorena notou que todas as mulheres usavam esse tipo de roupa, apesar de apenas as mais jovens estarem realmente elegantes. Os adolescentes continuavam com os habituais jeans.

Lorena sorriu, pois seu short de algodão e a camiseta simples não tinham nada a ver com a nova moda, embora fossem muito mais confortáveis. Uma universitária não tinha dinheiro para essas coisas e talvez por isso parecesse sempre um pouco relaxada com suas roupas surradas e fora de moda.

O sol estava muito quente. Lorena sentiu-se sonolenta e, para se animar, começou a caminhar pelo embarcadouro enquanto observava um barco despejando uma infinidade de turistas que chegavam alegremente a Paihia. Um ônibus parou para que algumas senhoras, provavelmente inglesas, descessem e Lorena sorriu com um ar de cumplicidade para o simpático motorista, observando as roupas espalhafatosas que elas usavam.

Algumas lanchas pequenas passavam velozmente, com seus ocupantes sorridentes acenando para todo mundo, e um grupo de adolescentes cruzou o seu caminho, cantando alegremente tentando envolvê-la naquela euforia. Lorena sorriu, mas caminhou na direção contrária.

Apesar de tudo, não conseguiu se libertar daquela dor que levava no coração. Como invejava aquela alegria tranquila e livre de preocupações! Ao pensar nisso e nos anos sem esperanças que estavam por vir, sentiu lágrimas rolarem pelo seu rosto. com um movimento brusco, pegou seus óculos de sol e culpou Bourne por atrapalhar seus momentos de divertimento.

Os óculos permitiam que ela tivesse uma visão melhor do mar. Além de Russel, entre duas pequenas ilhas que pareciam sentinelas do canal que levava até o cais de Paihia, um iate suntuoso entrava lentamente. Lorena lamentou não ter um binóculo para poder observálo melhor, pois era grande demais para ser particular. Talvez fosse um daqueles iates fretados para um cruzeiro pelo Pacífico. Acostumada aos pequenos iates do pessoal das ilhas, calculou que aquele tivesse pelo menos uns trinta metros de comprimento.

Sentiu alguém parar ao seu lado e não se surpreendeu quando percebeu que era Sei. Lorena sorriu para ele e juntos ficaram vendo a entrada triunfal do fantástico iate.

- Deve ser tão grande quanto o Spirit of A aventure - comentou Lorena, referindo-se ao navio com que um filantropo presenteou o povo da Nova Zelândia no princípio de sua colonização.

O Spirít era uma figura familiar na baía, sempre presente no dia de Waitangi, em fevereiro, quando todo o país celebrava a assinatura do tratado que levava aquele nome. O tratado de Waitangi estabeleceu as bases para as negociações entre os maioris e os pakehas, como o povo nativo chamava os colonizadores europeus.

- É fora de série, grande mesmo! Bem, vamos passar por Russell no caminho de volta, pois temos que pegar algumas encomendas e você poderá ver essa maravilha de perto.

Russell era um pouco menos movimentada que Paihia. A maioria das pessoas no embarcadouro eram proprietárias dos iates ancorados na baía. Sei e Lorena passeavam com aquela atitude despreocupada das pessoas que sabem que nunca estarão em posição de escolher algo tão caro como qualquer um daqueles iates ou mesmo das lanchas que se espalhavam desde o ancoradouro até a baía.

- Veja! Aí está ele! - Sei apontou para o iate que já estava ancorado. - Sim, senhor! Sem dúvida ele conseguiu com que todos os outros parecessem pequenos e insignificantes.

- De onde vem? Você consegue ver de longe melhor do que eu. Eu não consigo ler o que está escrito na popa. Você pode?

- Sim, Demon, de Balboa, Estados Unidos. Sabe onde fica Balboa?

Antes que Lorena pudesse responder, uma voz com sotaque americano chamou a atenção de Sei.

- Desculpe-me, mas me disseram que o senhor é o homem encarregado de um lugar chamado Waiwhetu. - Ele leu o nome em um pedaço de papel que tinha nas mãos, procurando pronunciar corretamente.

Sei concordou enquanto examinava o imaculado uniforme que o americano alto e de meia-idade à sua frente usava com impecável elegância.

- Sim, sou eu mesmo.

- Eu sou do Demon, que está ancorado aí na baía. Nós temos um passageiro para Waiwhetu.

- Nós não recebemos nenhum aviso de que algum convidado estaria chegando hoje. Normalmente o sr. Read nos informa com antecedência.

O americano olhou para Sei com impaciência e, quando respondeu, seu tom de voz era bastante impessoal:

- A srta. Johnson foi convidada pelo seu hóspede, o sr. Kerwood.

 

Lorena sabia que algo tinha que acontecer para modificar aquela situação, que parecia cada vez mais tensa entre os dois. No entanto, sentiu que estava mais pálida com as implicações que as palavras daquele homem pareciam conter. Seu coração batia rápido e uma profunda angústia tomou conta de si. Mordeu o lábio com força e ficou contente por estar usando óculos de sol, que escondiam o sofrimento estampado em seus olhos.

- Muito bem, vou telefonar e volto dentro de uns cinco minutos.

- Sei estava realmente surpreso, mas queria confirmar com Bourne antes de tomar qualquer atitude. - Lorena, procure Peggy e encontre-me aqui dentro de, no máximo, dez minutos. Aí está uma coisa estranha - murmurou Sei para si mesmo. - Aposto como ele não fez isso! com certeza nos teria avisado...

Caminhando pela praia, Lorena pensava a mesma coisa, ao mesmo tempo em que achava que aquilo poderia ser uma espécie de vingança de Bourne pelo seu comportamento. Peggy estava conversando com algumas amigas e, quando viu Lorena se aproximando, despediu-se e foi ao seu encontro.

- Sei já está pronto para partirmos?

Tão rápido quanto pôde, Lorena contou o que estava acontecendo, esperando que Peggy não notasse a tristeza em sua voz.

- Isso não me parece próprio de Bourne - comentou Peggy. Mesmo assim, não há problema. Bourne sabe que temos comida para alimentar um batalhão. Você acha que tem mais alguém no iate que vai querer ficar?

- Não sei. O americano falou que tinham um passageiro para VVaiwhetu. Então, acho que é só essa tal srta. Johnson, mesmo.

- É, parece que sim, embora esses americanos tenham maneiras diferentes de dizer as coisas. É aquele o iate?

- Sim - foi a resposta simples de Lorena.

Sei esperava por elas e sua predisposição era evidente.

- Está tudo certo, ele parece contente por recebê-la, mas posso jurar que ele não sabia de nada. Vocês me esperam no carro enquanto vou até o Demon.

Sentindo-se péssima com toda aquela situação, com calor, cansada e com fome, Lorena só podia pensar numa coisa: a convidada de Bourne. Ela, sem dúvida, era uma daquelas maravilhosas americanas, sempre impecáveis! Sentiu vontade de sumir de Waiwhetu.

- Não se preocupe tanto, querida, você conseguirá superar tudo muito bem. - A voz de Peggy era carinhosa e Lorena percebeu a preocupação dela.

- Eu sei. Não precisa se preocupar comigo.

- Não vou, mesmo. Você tem orgulho e dignidade. Isso ajuda muito. Veja, Sei já está de volta.

- Você leva o carro de volta para casa, Peggy. Eu vou guiá-los até Waiwhetu. Ela tem muita bagagem e não quer publicidade.

Tanto Peggy como Lorena fizeram um ar de desagrado e, quando Sei foi embora, começaram a caminhar em direção ao carro.

- Prefiro que você leve o carro, Lorena. Não gosto de dirigir por estas estradas estreitas e cheias de turistas malucos. - Peggy sabia que isso manteria Lorena ocupada o bastante para não ficar pensando em Bourne e sua convidada.

Uma vez em casa, Lorena cuidou de guardar todas as compras, enquanto Peggy arrumava o quarto destinado à srta. Johnson.

- Arrume algumas flores, por favor, Lorena. - Peggy já estava de volta. - Use um daqueles vasos verdes. Vão combinar perfeitamente com a decoração do quarto.

O quarto ficava no fim do corredor, do outro lado do de Bourne. Lorena pensou que isso não faria muita diferença se eles quisessem dormir juntos. com cuidado arrumou as flores no vaso e levou-o para Peggy, que dava os últimos retoques na arrumação do quarto.

- Sabonetes, lenços de papel, sais de banho, acho que está tudo em ordem. Por favor, pegue um jogo de toalhas creme e depois traga bombons e revistas para o caso de ela gostar de ler na cama.

Bourne não estava em lugar algum da casa e não apareceu nem mesmo quando o iate ancorou nas águas claras da baía.

Lorena e Peggy estavam tomando chá e se olharam com preocupação. Por fim Peggy se levantou, alisando carinhosamente os cabelos de Lorena.

- Fique calma. Sei vai trazê-la para cá. Termine o seu chá. Peggy saiu para receber a nova convidada, mas antes pediu a Lorena que preparasse uma sopa fria para o jantar.

Voltou logo depois, ainda com cara de espanto.

- Srta. Johnson! Pois sim, este pode até ser o seu nome verdadeiro, mas não é nada menos do que Ginny Hopkins. - Peggy parecia atordoada. - E vou lhe dizer uma coisa, Lorena, ela é uma verdadeira dama. Pelo menos foi a impressão que tive.

Lorena sentiu como se tivesse levado um soco. O angústia, ela descobriu, podia deixá-la gelada apesar do sol que brilhava lá fora e que, penetrando pela janela, a alcançava naquele momento. Ginny Hopkins era uma estrela de cinema belíssima e muito conhecida por sua maneira informal de viver e por uma lista enorme de filmes de grande sucesso.

Talvez tenha sido neste momento que Lorena perdeu qualquer esperança que por ventura ainda existisse em seu coração. Bourne jamais se apaixonaria por ela. O sofrimento era uma experiência terrível, mas ela não ia permitir que a autopiedade tomasse conta de si.

- Você pode continuar cuidando do jantar, eu vou ajudá-la a arrumar a bagagem - disse Peggy rapidamente, sabendo que Lorena precisava manter-se ocupada para não ficar deprimida.

- Certo. Pode deixar que eu cuido de tudo por aqui.

Pelo menos, pensou Lorena, não terei que sofrer com a presença de Bourne na hora do jantar. A fascinante Ginny Hopkins estará ocupando todo o seu tempo de agora em diante.

Os hóspedes iam jantar no terraço, e não havia sinal deles quando Lorena foi arrumar a mesa. Deduziu que estivessem na cabana da praia.

Bem mais tarde, quando ajudava Peggy a lavar a louça, ouviu o som de baladas suaves que vinha do terraço. Era uma noite perfeita para se entregar ao amor e aquelas músicas serviam para completar o quadro.

Para se livrar daquela tortura, Lorena decidiu gastar sua energia nadando.

Não ia usar a piscina e nem a praia de Waiwhetu. Iria até a enseada de que sempre gostara. Por um momento ficou indecisa, mas depois levantou a cabeça com decisão. Bourne estaria ocupado demais para se preocupar com ela.

A água estava morna, mas o céu mostrava que logo haveria uma mudança na temperatura. A brisa fresca que vinha do norte indicava que poderiam ter chuva nos próximos dias. Lorena nadou até ficar exausta e depois foi sentar-se nas pedras, secando-se com movimentos lentos. Se ao menos pudesse ir embora agora, antes que esse amor impossível a fizesse sofrer muito mais! Mas não podia deixar Peggy sozinha e não daria a Bourne a satisfação de saber como a chegada de sua namorada a estava perturbando. O orgulho provavelmente era um pecado, mas era a única coisa que podia ampará-la naquele momento.

- Alo, sereia!

A voz alegre de Gordon tirou-a de seus devaneios. Logo descobriu os rapazes na lancha, a mais ou menos cinquenta metros.

- Quer algumas lagostas?

- Claro! Você mesmo as pegou?

- Sim. Estamos voltando para casa. Você não quer vir buscá-las?

- Agora mesmo, prezado senhor. - Lorena riu, sabendo que era difícil entrar com a lancha na enseada por causa das pedras. Deixando a toalha sobre a pedra, deu um mergulho gracioso e nadou rapidamente até a lancha, onde Mark colocava algumas lagostas em um saco plástico com muito cuidado.

- Aqui estão. Limpas e prontas para irem ao fogo. Peggy só terá o trabalho de cortá-las. Estão fresquinhas! Não as deixe cair.

- Cuidado com o polvo! - Mark gritou, quando ela se preparava para voltar.

- Que polvo?

- Ora, qualquer um que apareça.

Os rapazes riram um para o outro, como se soubessem de algo que ela ignorava. Mas Lorena desistiu de perguntar quando percebeu que Mark se preparava para partir.

Em alguns minutos Lorena estava de volta. Descobriu então que alguém ocupara seu lugar e segurava sua toalha nas mãos. Bourne não escondeu seu ar hostil; seus olhos brilhavam de raiva. O coração de Lorena deu um salto quando ela se lembrou de sua primeira noite em Waiwhetu. Ele a encontrara no mesmo lugar e deixara bem claro que queria a enseada só para si.

Se ao menos Lorena pudesse imaginar quanto ele ia significar para ela teria feito sua mala no" mesmo instante e voltado para Auckland. Enquanto pensava nisso, preparou-se para a provável discussão.

- O que você tem aí? - A pergunta, feita num tom natural, a surpreendeu.

- Lagostas - respondeu, pegando a toalha que ele lhe estendia. Envolveu-se nela, contente porque cobria todo o seu corpo, com exceção das pernas, que já apresentavam um bronzeado magnífico.

- Você não precisa usar as lagostas como arma - disse ele, tirando o saco plástico das mãos dela. - Eu não vou bater em você.

- Eu não pensei que fosse. - Lorena tremia.

- Não? Então você está com medo de alguma outra coisa disse ele, começando a andar atrás dela pelo atalho. - Você esteve se escondendo?

- Não. Por que eu deveria me esconder?

- Para ficar longe de mim e tentar sonhar seus próprios desejos. Não querendo se arriscar com essa discussão, que por certo traria maiores problemas para ela, Lorena perguntou:

- A srta. Hopkins já se acomodou?

- Ginny? Sim, muito bem. Ela gostou do lugar.

- A maioria das pessoas gosta.

- Não precisa discutir comigo. Ginny é uma criança mimada e não sabe apreciar as belezas naturais, mas mesmo assim teve de admitir que isso aqui é algo muito especial.

Determinada a não perguntar quanto tempo Ginny ia ficar, Lorena não falou mais nada. Estava tão decidida a isso que ficou com medo ao sentir a pressão da mão dele em seu braço.

- Mas, que diabos! - exclamou Bourne, forçando-a a parar. Eles já estavam quase chegando, mas aquela parte do caminho era estreita e os obrigava a ficar bem perto um do outro. Estavam debaixo de uma pohutukawa, que com seus galhos carregados de flores fornecia um esconderijo quase perfeito para os dois.

- Você não precisa ficar me evitando como se eu fosse uma praga. O que é que você pensa que eu sou? Um sedutor de menores?

- Claro que não! Você... você me surpreendeu. Eu não esperava encontrá-lo na enseada.

- Você está tão tensa como as cordas de um piano. Afinal, o que está acontecendo?

- Nada.

- Pelo amor de Deus, Lorena. - Ele praticamente a empurrou para longe.

Lorena, que não esperava uma reação tão violenta, perdeu o equilíbrio e estendeu a mão para apoiar-se nele, mas Bourne nem percebeu. Ela caiu, torcendo o tornozelo, e mordeu os lábios para não gritar. Não queria de modo algum que ele percebesse sua dor. Encostou-se no tronco de uma árvore antes de colocar o pé no chão outra vez. Felizmente não estava tão mal, e tentou dar alguns passos.

- Você está mancando - disse Bourne, preocupado.

- Não é nada.

- Não me agrada pensar que se machucou por minha causa. Levo as lagostas, está bem?

Lorena sentiu um desejo irresistível de apoiar-se nele e descansar, mesmo sabendo que não seria capaz de resistir se Bourne tentasse algo mais. Tentou fugir dele, mas Bourne tomou-a nos braços.

- Eu sou muito pesada...

- Ora, cale a boca! - disse, incisivo, e Lorena desistiu de se opor. Apesar de sua força, ele estava suando quando chegaram ao alto do morro e teve que colocá-la no chão. Mas continuou a segurá-la pela cintura.

Contra a sua vontade, Lorena fitou-o com os olhos brilhantes de emoção. Pôde ver o contorno daquele rosto tão querido e toda a sensualidade que emanava dele. Seus lábios estavam próximos e ela sentiu seu coração contrair-se com o desejo de beijá-lo e apagar aquelas linhas de preocupação de seu rosto.

- Lorena...

- Bourne! Bourne, querido, onde está você?

A voz de Ginny Hopkins era suave e melodiosa, mas para Lorena pareceu o som de uma sirene no jardim silencioso e serviu para lembrá-la de seu firme propósito de não ceder aos desejos de Bourne. com um movimento rápido, afastou-se dele.

- Meu tornozelo já está bom, posso caminhar sem problemas.

- Lorena!

- A srta. Hopkins está chamando você - disse ela, enquanto caminhava com dificuldade até a porta. Entrou, sem se voltar para trás.

O orgulho podia ser uma arma muito forte para mantê-la indiferente na frente de Bourne, mas não ajudava em nada quando se tratava de curar a desolação em que se encontrava naquele momento. Teria sido muito mais fácil se ela pudesse odiar aquela linda garota, que tratava Bourne com tanta intimidade, mas os dias subsequentes mostraram a ela que Ginny Hopkins era simpática e agradável com todos. Seus lindos olhos azuis estavam sempre sorrindo e Lorena teve de admitir que não podia se recusar a aceitar a amizade dela.

- Você é uma criatura surpreendente, Lorena - disse ela, enquanto Lorena limpava algumas peças de prata. O dia estava maravilhoso e seria perfeito se pudesse ignorar a dor em seu coração.

Lorena tentou ficar calma. Tinha medo de que Ginny pudesse descobrir seu segredo, pois aqueles olhos alegres escondiam muita sabedoria, tinha certeza.

- Obrigada - agradeceu com simpatia.

- Eu realmente penso isso! - Ginny chegou mais perto, tirando o gato que estava confortavelmente instalado ao lado de Lorena.

- Você parece surpresa. Tenho certeza de que Bourne não passou todo esse tempo aqui sem dizer como você é adorável. Ele tem um olho clínico para a beleza feminina.

- Eu não me lembro de ter ouvido Bourne dizer qualquer coisa parecida. Falou muitas outras coisas, isto sim. Eu o aborreço tremendamente.

- Vocês brigam? Pobre Bourne! Ele não está acostumado a isso. A maioria das garotas desmaiam a seus pés. O que você pensa dele? Diga com sinceridade a sua opinião.

Franqueza era algo louvável, mas mesmo na América ninguém iria esperar que ela respondesse com franqueza a uma estranha!

- Ele é muito atraente - respondeu, sem emoção.

- Isto é tudo? - Ginny parecia surpresa e zombeteira ao mesmo tempo. Seu sorriso criou uma intimidade que não existia entre elas. Lorena sentiu que sua intimidade estava sendo invadida; Ginny estava tentando descobrir algo que lhe era muito pessoal, quase sagrado.

com uma habilidade que ela mesma desconhecia, respondeu, sarcástica:

- Ora, Ginny, o que você espera que eu diga? Já falei que o acho atraente. Eu poderia dar uma descrição de seu caráter, mas acho que você o conhece bem melhor do que eu.

Sem se sentir ofendida, Ginny se espreguiçou como uma gata.

- O ar daqui parece vinho. Então Bourne a incomoda, não é? Normalmente ele é muito atencioso, exagerando até em algumas ocasiões.

- Eu sei - respondeu Lorena, sorrindo.

Logo em seguida ouviram uma discussão. Era Gordon e Mark, que caminhavam na direção delas, vestidos apenas com calções de banho e mostrando os corpos dourados pelo sól.

- Quem são eles?

- Vizinhos - respondeu Lorena, enquanto os apresentava.

- A Ginny Hopkins do filme Nuvens no Espaço? - perguntou Mark, interessado e, quando ela concordou, acrescentou, ansioso: Será que você poderia me dizer como é que eles fizeram aquela cena do céu explodindo?

- Sinto muito, querido. Sinto mesmo, mas não posso dizer. Porque, para falar a verdade, eu também não sei. É uma trucagem e a gente não participa da montagem. A única coisa que posso dizer é que ficamos suspensos por fios de náilon e eu acabei bastante machucada, nos lugares mais incríveis.

Os rapazes riram da explicação e ficaram encantados com o seu charme e sua maneira descontraída de falar. Lorena continuou polindo a prataria enquanto eles conversavam sobre filmes, surpresa com o conhecimento de Mark sobre o assunto.

Enquanto conversava, Ginny pegou uma flanela e começou a polir uma peça com movimentos automáticos. Era óbvio que já havia feito isso anteriormente. E por que não? Atores e atrizes eram pessoas como quaisquer outras.

- Nós viemos convidá-la para ir até as escavações em Rawle, Lorena. Mark e eu pensamos em pegar a lancha e dar um pulinho lá amanhã. Você não falou que seus amigos estariam lá?

- Sim. Alguns deles, pelo menos. - Lorena franziu a testa enquanto pensava rapidamente se Peggy lhe daria uma folga. Já estava quase tudo preparado para o Natal. Ela e Peggy já tinham lotado o congelador de comida, a casa estava arrumada e limpa, e Sei já tinha até o pinheiro para enfeitarem na próxima semana. Seria ótimo passar um dia na companhia dos rapazes.

- vou pedir a Peggy. - Ela levantou-se e começou a caminhar em direção à casa.

- Você se importaria se eu também fosse? - perguntou Ginny para Lorena, dando uma olhada simpática para os rapazes.

- Claro que não! Ficaremos encantados em levá-la, se quiser nos acompanhar.

- Quem está indo e para onde? - perguntou Bourne logo atrás de Lorena, que no mesmo instante sentiu um arrepio em todo o corpo. Seus olhos negros encontraram os dela com um sorriso amigável enquanto passava-lhe o braço nos ombros, abraçando-a com força e deixando-a furiosa e excitada ao mesmo tempo.

Gordon explicou, perguntando um pouco tímido se ele não gostaria de ir também.

Neste momento, ela sentiu que a pressão em seu ombro aumentou.

- É lógico que vou. Vai ser muito interessante. Peggy pode dispensar você por um dia, Lorena?

- Sim, acho que não haverá problemas.

- Então corra até lá e pergunte, enquanto nós cuidamos dos arranjos finais.

Sendo dispensada com esta ordem, Lorena foi embora com raiva, ouvindo a voz de Bourne e em seguida as gargalhadas do trio, que ele dominava tranquilamente.

Ele realmente assumira o comando do passeio, e quando ela voltou, com a permissão de Peggy, descobriu que o clima da viagem tinha mudado. Usariam o iate do sr. Read e Bourne prometeu a Ginny uma viagem de volta sob a luz da lua. Sentiu vontade de dizer que Peggy a proibira, mas Bourne logo descobriria. O orgulho a fez então responder afirmativamente à pergunta silenciosa de Mark. Gordon se levantou para dar o lugar a Lorena e Peggy apareceu com uma bandeja cheia de copos e uma jarra de suco gelado.

- Suco de laranja! Como é que você sabia que eu estava morrendo de sede? - perguntou Mark.

- Num dia como este, meu jovem, quem não estaria? O que é que você acha de trazer cadeiras para cá, Gordon? Pode pegar as de lona, são mais confortáveis e leves para transportar. Alguém viu Sei por aí?

- Ele descobriu uma árvore melhor do que aquela que havíamos escolhido e quer saber se concordamos com a troca.

- Puxa, como pesam! - Gordon voltava com as cadeiras. Mark, você não me lembrou de dar o recado! Sra. Robinson, mamãe mandou pedir algumas flores para enfeitar o salão.

- Acho que vocês podem levar algumas pongas, como no ano passado. Sua mãe gostou muito.

- Pongas? - perguntou Ginny, interessada.

- São plantas da família dos gladíolos - respondeu Mark. Veja aquelas, logo abaixo. Elas são um símbolo na Nova Zelândia.

- Sua voz ficou mais grave, mas Ginny sabia que era brincadeira.

- Os AU Blacks usam como insígnia uma ponga prateada.

- Certo. - Ginny riu da maneira como ele falava. - E quem são os AU Blacks?

- Um time de futebol! - respondeu Mark às gargalhadas.

A conversa continuou, mas Lorena parecia ausente do grupo. Sem querer, olhou para cima e viu Bourne sorrindo, parecendo até que ria dela; sentiu raiva e um desejo louco de sair correndo dali.

Como podia amar tanto aquele homem e ao mesmo tempo odiá-lo e desprezá-lo? Por que ele não a deixava em paz? Bourne parecia saber o quanto a afetava e fazia tudo para irritá-la. Ele a desejava e maltratava, por causa de sua recusa.

Se houvesse um mínimo de amor nos sentimentos dele, Bourne respeitaria a minha vontade, pensou, desesperada. Ele queria fazer amor com ela porque não havia mais ninguém disponível, ou porque não tinha nada mais interessante para fazer.

Os rapazes tomaram mais suco e brincaram com Ginny com liberdade. Peggy começou a recolher os copos vazios, colocando-os na bandeja.

- vou preparar mais suco, não precisam se preocupar - disse Lorena enquanto se levantava rapidamente, contente por se afastar do grupo.

Na cozinha estava tudo calmo e Lorena preparou o suco com tranquilidade, feliz com a oportunidade de estar longe de Bourne. O trabalho caseiro relaxou-a e foi com infelicidade que se deu conta de que Bourne resolvera segui-la.

- O que é que você quer? - perguntou ela, sem se preocupar em esconder sua hostilidade.

- Não me tente, Lorena - respondeu ele. - É melhor você se certificar de que a sra. Haworth vai convidar Ginny para o baile que vão promover.

Então era isso! O coração parecia que ia saltar para fora do peito, e suas esperanças de uma festa alegre e divertida terminaram naquele instante.

- É claro que ela vai convidá-la! Creio que os rapazes mesmo vão fazer o convite antes de partir. Mas não precisa se preocupar; tão logo a mãe de Gordon descubra que Ginny Hopkins está aqui vai telefonar, convidando-a.

- Fico contente. - Ele olhou pela janela enquanto Lorena terminava o seu serviço.

- Pensando no passeio de amanhã?

- Sim. Você já leu o livro de Sei a respeito de escavações?

- Não. Na verdade eu nem sabia que ele tinha escrito um respondeu Lorena.

- Ele me emprestou na semana passada. vou trazê-lo para você. É mais um livro de informações para turistas, assim não espere grandes explicações. Eu achei muito interessante, mas sei muito pouco sobre a pré-história do Pacífico.

- Poucas pessoas sabem. É um campo fascinante.

- Mais fascinante do que eu imaginava. - Pegando a bandeja, ele acrescentou com simpatia: - Estou contente que você tenha gostado da Ginny.

- Seria difícil não gostar dela, Bourne. Ginny é uma pessoa maravilhosa.

- Ela é uma dessas raras pessoas que encaram a vida com simplicidade, enquanto nós sempre acabamos fazendo uma tremenda confusão sem chegar a conclusão alguma. Para Ginny tudo é simples Segundo ela, a vida é para ser aproveitada a cada instante, senão não vivemos, apenas sobrevivemos.

- Acho que a vida é um pouco mais complexa do que ela pensa - Lorena discordou, tentando descobrir o que ele realmente quisera dizer com aquelas palavras. Será que eram amantes? Talvez eles desprezassem as convenções sociais e aceitassem sem problemas uma ligação dessa natureza. Mas isso não era fácil para uma pessoa como Lorena, ainda tão presa a regras de comportamento, que nem mesmo um amor como aquele que estava sentindo podia libertá-la.

- Você vai ter que descobrir isso sozinha.

A resposta fria e impessoal tirou Lorena de seus devaneios; e, antes que pudesse responder, Bourne se virou e foi embora, levando a bandeja com o suco e os copos limpos.

 

O dia amanheceu claro e fresco. Seria certamente mais um daqueles maravilhosos dias de verão a que já estavam habituados. Lorena acordou com sono e cansada, pois não conseguira dormir, pensando em Bourne. Estava triste e com ciúme.

Se não fosse seu autocontrole e muita determinação, não teria conseguido tirar de seu pensamento a imagem de Bourne e Ginny abraçados, fazendo amor a apenas alguns metros dali. Esses fantasmas a atormentaram durante muito tempo depois que se deitou, até que ela decidiu acender a luz e ler um pouco. Mesmo assim, já passava da meia-noite quando conseguiu se acalmar, apagar a luz e relaxar no travesseiro. Dormiu em seguida.

Mas, quando viu seu rosto refletido no espelho, na manhã seguinte, viu que tinha olheiras profundas.

Estava quase decidida a inventar uma doença e ficar em casa. A ideia de um dia inteiro vendo Bourne e Ginny juntos a amedrontava. Peggy, no entanto, descobriria facilmente por que ela tinha ficado em casa, e o pior, ela tinha certeza de que Bourne também.

Colocou uma muda de roupa, o biquini, a toalha e um estojo de maquilagem numa sacola e os óculos escuros bem em cima, antes de ir fazer o café.

- bom dia! - Peggy já estava na cozinha e, com um sorriso, terminou de arrumar uma caixa térmica em cima do balcão. - Eu preparei estas duas caixas com tudo o que vocês vão precisar. Bourne me avisou de que vão voltar tarde e eu coloquei uma refeição mais leve na caixa menor. Para o almoço tem salada, sopa fria e sanduíche; para o jantar, maionese, salada de alface e torta de ervilhas. Acho que pêssegos e sorvete são suficientes para a sobremesa. E tem também um bolo de queijo. - Ela sorriu ao ver o ar espantado de Lorena. - Preparei alguns salgadinhos para acompanhar os drinques.

- Posso apostar que a sra. Haworth preparou a mesma quantidade de alimentos. Ainda bem que ninguém está fazendo regime!

- Sim, eu concordo. Mas garanto que quando voltarem, se houver algo sobrando, os rapazes vão comer tudo. Bem, já está tudo pronto. Você se importaria de arrumar a mesa? Bourne e Ginny vão tomar café conosco. Ele quer sair o mais cedo possível.

Para surpresa de Lorena, Ginny apareceu logo em seguida, totalmente à vontade, maravilhosa em um conjunto de verão que revelava discretamente suas formas perfeitas. Logo depois Bourne chegou também e todos se sentaram para a refeição.

- Mais café? - perguntou Lorena a Bourne. Quando ele negou com a cabeça, ela levantou-se rapidamente e disse: - Então, me desculpem...

- Onde você vai? - perguntou ele.

- Tenho algumas coisas para fazer - respondeu desafiadora, sem entender a razão de ele estar tão frio e autoritário logo cedo.

Bourne percebeu o desafio, mas interrompeu o quê pretendia dizer e, com um gesto, a liberou.

- Nós vamos partir em vinte minutos.

- Estarei pronta. - Saiu antes que ele dissesse mais alguma coisa. Enquanto arrumava a sala, concluiu que Bourne não estava sendo justo. Afinal, ela não fizera nada de errado!

Apaixonara-se por Bourne contra a sua vontade e, apesar de ele tratá-la daquele jeito, não tinha culpa por ela estar sofrendo.

Lorena estava agindo como uma tola e sentia-se envergonhada de sua atitude imatura. Como pudera ser tão infantil a ponto de culpá-lo pelas suas emoções? com uma honestidade que lhe doía, tentou se convencer disso e sentiu um certo alívio por estar sendo leal consigo mesma. Fora ela quem estivera se escondendo atrás de uma máscara, fugindo das emoções.

Ela queria que ele sentisse o mesmo tipo de amor, embora soubesse que não seria possível, e tinha se recusado a aceitar a amizade ou um relacionamento mais terno. Bourne a desprezara, mas na realidade sabia que seu comportamento tolo justificara sua atitude. Cedia a ele e depois recusava, correspondendo e ao mesmo tempo se negando a aceitar seus carinhos.

Bem, parecia que Ginny tinha os dois: um amigo e um amante. Por muito tempo Lorena tinha se forçado a evitá-lo e agora era obrigada a enfrentar as consequências, mesmo sofrendo. Talvez fosse apenas isso o que ela ia levar como recordação daquelas férias: um passo a mais na longa estrada da maturidade.

Já na lancha, Lorena voltou a se sentir perturbada com a proximidade de Bourne. Ele sorriu para ela, quando Mark tentou assustar Ginny com um caranguejo. Ela deu um grito, apavorada.

- Ela na realidade não tem medo dos caranguejos, mas é uma verdadeira artista e não gosta de desapontar seu público.

A admiração em sua voz fez doer o coração de Lorena, que tentou esboçar um sorriso.

- Ela está sendo muito gentil com os rapazes. Algumas mulheres não achariam isso tão engraçado.

- Ginny sempre foi uma garota terrível; cresceu nas montanhas, com um punhado de irmãos ao seu redor. Isso não é novidade para ela.

Juntos levaram as caixas para a cabine. Bourne colocou as duas que carregava no chão e perguntou:

- Você vai deixar tudo como está, ou prefere usar a geladeira?

- vou colocar algumas coisas no congelador, pois está muito quente. - Pegando a caixa menor, que continha o jantar, começou a arrumar cada pacote que Peggy tinha embalado cuidadosamente.

- Lorena!

- Sim...

- Por favor, não precisa agir como se fosse uma empregada; hoje você é uma convidada. Relaxe e aproveite o passeio.

- Eu nunca me considerei como uma empregada, você sabe. Em todo o caso, prometo que não vou ficar cuidando de cada um.

- Ótimo. Acho que isso resolve o nosso problema, querida. Coloque o que for necessário no refrigerador e venha tomar um drinque conosco. Acho que nós dois temos que participar mais desse passeio.

Por um momento Lorena hesitou, depois resolveu se juntar ao grupo. Os rapazes, como sempre, estavam encantados com Ginny. Eles tinham conquistado definitivamente sua amizade e Bourne...

Bem, parecia estar de bom humor e amável. Apesar de não mostrar preferência por sua companhia, Lorena se sentia bem pelo fato de que ele a estava tratando com a mesma gentileza com que tratava Ginny. Talvez fosse tolice, mas apenas hoje ela ia fingir que não havia nada além de uma pura e simples amizade entre eles, sem raiva, frustração ou dor, mesmo que seu coração batesse mais rápido e seu corpo tremesse de desejo cada vez que ele se aproximava.

- Você está tão quieta, Lorena. Não está se sentindo bem?

- Nada disso, Mark, só estou apreciando a paisagem.

- Mark está me dizendo os nomes das ilhas - disse Ginny com entusiasmo. - Para onde estamos indo?

- Em frente, Ginny. Olhe lá, um celeiro perto da praia, aquele grande edifício vermelho. Bem além daquelas árvores há uma pequena baía, onde, uns cento e tantos anos atrás, vivia a tribo maori.

- Existe um viveiro de ostras pertinho da baía - disse Gordon.

- Você só sabe pensar em comida - brincou Mark.

- Quantas pessoas participam dessas escavações? - perguntou Ginny a Lorena.

- Mais ou menos vinte. Se eu não tivesse que trabalhar, estaria lá também.

- Trabalhar? - repetiu Gordon, imitando sua voz. - Você não sabe o real significado dessa palavra.

- Pelo menos eu recebo um salário - respondeu ela, sorrindo.

- Certo. Ganhou um ponto, mas ainda pego você.

- Como?

- vou tirá-la para dançar uma valsa. - Virando-se para Ginny, falou com um ar desconsolado: - Eu não sei dançar valsas.

- Não se preocupe, pois sou muito educada. Se você me pedir, eu prometo dançar.

- Mamãe telefonou para você ontem à noite, Ginny?

- Sim, ela me pareceu muito simpática; diga que estou muito feliz com o convite e que o aceito.

- Ela tem umas ideias malucas! Queria ir pessoalmente convidá-la, mas, como falei que nós íamos sair muito cedo e o baile já é amanhã, concordou em telefonar.

- Sim, é verdade. Ela me pediu desculpas por não ter ido pessoalmente, mas explicou que a vida é bem informal por aqui. E por falar nisso, Lorena, que roupa devo usar?

- Qualquer uma das que você trouxe.

- Ótimo! É muito bom a gente ficar à vontade. Eu não vejo a hora da minha primeira dança. Bourne, você já esteve num baile assim?

- Não posso dizer que sim. Nós tínhamos bailes no celeiro, mas não me lembro bem o que festejávamos. - Enquanto falava isso, sentou-se ao lado de Lorena; ela pôde sentir o toque rápido da mão dele em sua nuca.

Determinada a não deixá-lo perceber quanto um toque casual como aquele podia afetá-la, sorriu, dizendo com voz clara e suave:

- Acho que não deve haver muita diferença, visto que estes bailes são uma herança de nossos antepassados ingleses. Quem vai tocar, Gordon?

- A família Savage e, para os intervalos, consegui uns discos quentes para nós.

O resto da viagem foi como um sonho para Lorena. Bourne não a tocou mais, mas não saiu de seu lado; apesar de falar com Ginny a maior parte do tempo, Lorena sentia sua proximidade como se houvesse um elo mágico envolvendo-os.

Finalmente chegaram ao seu destino, amarraram o barco no ancoradouro e caminharam pelo atalho, muito bem sinalizado, até onde a turma da universidade estava trabalhando.

Quando alcançaram o topo da elevação, pararam para observar o maravilhoso cenário logo abaixo. A tribo maori escolhera o local com sua costumeira sabedoria, pois suas casas tinham sido construídas numa pequena elevação, acima do nível das inundações, e protegidas dos ventos frios que vinham do sul por uma elevação mais à frente.

- Muito interessante. Vamos até lá. - Ginny parecia bastante entusiasmada.

Eles não tiveram problemas para entrar, uma vez que a primeira pessoa que encontraram era uma amiga de Lorena. As duas faziam parte do Clube de Astronomia da Universidade de Auckland. Liz Stafford estava em outro campus, mas as duas pretendiam alugar um apartamento e morar juntas no ano seguinte.

- Alo! - exclamou ela, caminhando ao encontro deles. - Ei, Lorena! Veio para ajudar?

- Não, Liz, sinto muito. Estes são: Ginny, Bourne, Mark e Gordon. Pessoal, esta é Liz, minha colega.

Se Liz ficara surpresa com a apresentação tão informal, não deu a perceber, pois seus olhos se demoraram um pouco mais em Ginny e Bourne, parecendo reconhecê-los.

- É um prazer recebê-los. Será que vocês querem um guia? Já estou liberada e à inteira disposição.

- É claro que queremos - respondeu Ginny naquele seu sotaque americano tão simpático. - Se você já está com tanto calor a esta hora da manhã, imagino como deve se sentir durante a tarde.

- Ah! Quanto a isso não há problemas. Nós adotamos o delicioso hábito da siesta. Dormimos de uma hora até as quatro e depois trabalhamos até tarde. Este horário de verão é uma bênção, pois podemos trabalhar até as nove da noite. Vamos começar a visita?

O dia estava maravilhoso e era uma verdadeira aventura estar ali, na companhia daqueles estudantes, participando das escavações.

Na primeira oportunidade que Liz teve para falar com Lorena, não pôde resistir e perguntou baixinho:

- Eles são realmente quem eu estou pensando?

- Sim, mas não querem publicidade.

- Não se preocupe, vou dizer ao pessoal para agir normalmente e deixá-los bem à vontade. Mas você vai me explicar esta história direitinho quando voltar para casa.

- Eu prometo que conto tudo, mas agora fique quieta.

Lorena percebeu os olhares dos outros estudantes, mas todos se comportaram muito bem. Ginny estava interessada, mas Bourne revelou tal conhecimento técnico que a professora Hamilton fez questão de incluí-lo em seu grupo.

Lorena sentiu-se orgulhosa; além de atraente, Bourne era muito inteligente.

Almoçaram na barraca principal, partindo logo depois, para tristeza de todos.

Em seguida, levaram Ginny para um passeio pela baía das Ilhas, e os rapazes se revezavam para mostrar, com orgulho, os lugares de maior interesse.

- Os nomes desses são fabulosos! "Urupukapuka" é soberbo! E que tal "Waewaewetorea"? É uma língua bonita. Bourne, querido, você tem que usar alguns desses nomes em suas canções.

- Eu já pensei nisso - respondeu ele, como se o assunto o aborrecesse.

Lorena, que tinha ficado enciumada com a intimidade com que Ginny tratava Bourne, voltou a gozar a beleza daquele dia depois de ouvir a resposta seca dele.

No final da tarde Gordon levou-os para a ilha Piercy, apesar de não ser fácil manobrar a lancha para chegar lá. Viram um farol no cabo Brett, que não era usado mas se mantinha intacto como atração turística. Mostraram a Ginny o melhor que a baía podia oferecer. Em uma das enseadas, Gordon desligou os motores e eles jantaram sob a luz ao crepúsculo.

A viagem de volta foi encantadora. Cantaram bastante e, quando o silêncio tomou conta deles, uma conversa mais íntima com Bourne deixou Lorena muito feliz. Quando estavam quase chegando, ele inclinou a cabeça e a beijou suavemente. Lorena correspondeu sem se preocupar se alguém os observava.

No dia seguinte, o calor era tanto que mal se podia respirar. Lorena foi designada para ajudar a sra. Haworth na preparação da festa e passou o dia todo na imensa cozinha, trabalhando como uma escrava, enquanto ficava imaginando o que Bourne estaria fazendo em Waiwhetu.

Apesar de saber que não poderia competir com a beleza de Ginny, preparou-se cuidadosamente para a festa. Pôs seu vestido favorito, cuja tonalidade combinava perfeitamente com seu bronzeado. Escovou os cabelos com cuidado e usou uma maquilagem leve.

Quando Bourne a viu, sorriu satisfeito, examinando cada detalhe de seu corpo. Lorena ficou feliz e sentiu o coração bater mais rápido. Ele usava jeans e uma camisa de seda meio aberta, revelando seu físico perfeito.

Parece um cigano, pensou, antecipando o prazer de se imaginar dançando com ele.

Ela não percebeu quando Ginny entrou, mas viu a reação de Bourne. Estava realmente maravilhosa e, quando tropeçou, ele a segurou firme, mantendo-a junto de si durante um longo momento.

Lorena não ia deixá-lo perceber como estava abatida. Não sabia o que Bourne pretendia com tudo aquilo, mas não o deixaria fazê-la passar por tola, nunca mais! Assim, quando chegaram ao salão e Gordon a apresentou a um tal Peter, ela aceitou o convite imediatamente e saiu dançando com ele.

As horas seguintes transformaram-se numa maratona de autocontrole. Para todos os lados que olhava, parecia ver Ginny e Bourne juntos. E quando dançou novamente com Peter, sorriu correspondendo ao seu olhar, como se ele fosse realmente tudo o que ela queria.

- A noite está maravilhosa, não? - disse ele com um olhar esperançoso.

Lorena se sentiu culpada por estar usando alguém daquela maneira. Infelizmente neste momento viu Bourne inclinado sobre Ginny, fascinado por sua beleza. Sorrindo deliberadamente para Peter, permitiu que ele a abraçasse mais forte, fingindo estar se divertindo muito.

Como se fosse outra pessoa, alguém com muito mais experiência, ela dançou, conversou e riu muito e, quando ele a convidou para darem uma volta, aceitou sem pensar duas vezes. Ao chegar ao jardim, sentiu um vazio no estômago e enrubesceu. Se condenara os beijos de Bourne, como poderia qualificar seu comportamento agora? Peter, no entanto, não merecia ser desprezado, pois apenas correspondera às suas provocações. Quando ele a beijou, procurou corresponder da melhor forma possível.

- Eu estou apressando você? - perguntou ele.

- Não se preocupe, está tudo bem. Temos as férias todas para nos conhecer melhor. Vamos voltar?

Isto aumentou mais ainda sua raiva contra Bourne. Ela jamais teria criado uma situação como aquela se não fosse por ele.

Quando voltaram para o salão, tocavam uma música doce e suave; Lorena deu uma olhada no relógio e viu que eram apenas onze horas.

Há pelo menos mais umas três ou quatro horas de tormento pela frente, pensou.

- Nossa vez, Lorena - disse Bourne, segurando-a com força. Ela não disse nada, mas sentiu que as mãos dele a machucavam.

- Seu batom está borrado - observou ele.

- É mesmo? - disse ela, apertando os lábios, tentando apagar qualquer vestígio do beijo de Peter.

- Sim. Divertiu-se bastante?

- Claro. Por quê?

- Eu só estava imaginando. Você se importaria de sair um pouco comigo?

- Eu não quero. - Ela sabia que não ia resistir.

- Por quê? O que é que ele tem e eu não? Você já correspondeu aos meus beijos com muito ardor. Não me diga que só consegue ser excitante para um homem de cada vez, porque eu posso provar que está mentindo.

- Seu estúpido! Você não tem o direito de falar assim comigo. Eu não fiz nada de errado!

- Ora vamos, o ataque pode ser a melhor forma de defesa, mas não vai funcionar desta vez. - Ele a abraçou mais fortemente. Ouça, pequena, você escolheu o homem errado para provocar. Eu não me importo com o que as pessoas vão imaginar e muito menos que pensem que você é minha amante. E, se continuar lutando comigo, vou beijar você aqui e agora.

Não era uma ameaça tola e ela sabia. Procurou relaxar, sabendo que não tinha outra alternativa.

- Assim é melhor, querida. Agora, diga-me, quem é o rapaz?

- Peter.

- Peter do quê? - Ela não sabia e ele riu, divertindo-se com seu embaraço. - Então você nem ao menos sabe o sobrenome dele? Trabalham rápido, vocês dois! E pensar que durante todo esse tempo eu procurei me controlar pensando que você era inocente.

- É isso o que você pensa de mim? Que homem inteligente!

- Que estúpido, isso sim. - Sem largá-la inclinou a cabeça e encostou o rosto no dela. - Mas não vou ser tão estúpido na próxima vez, prometo. Se você quer ser amada, Lorena, eu tenho muito mais experiência que o seu novo namoradinho. Se você quer ser beijada com paixão, eu posso lhe mostrar.

- Eu não quero que você me mostre nada. Escute, por que você não vai dançar com Ginny? Ela deve estar sentindo a sua falta.

Ele, contudo, não a largava e dançavam tão juntos a ponto de provocar olhares; mas Lorena não se importava com nada.

- Ela pode cuidar de si. Vamos sair antes que eu lhe dê algo que a fará lembrar-se de mim para sempre!

- Eu não me importo - disse ela e acompanhou-o até o jardim, sem resistir.

Lá fora, envolvida outra vez por aqueles braços fortes, o corpo totalmente moldado ao dele, Lorena sentiu que não tinha mais forças.

- Bourne, por favor... - Sua voz mais parecia um soluço.

- Ora, cale-se. Meu Deus, você me deixa louco, sua feiticeira! Seus olhos inocentes e sua boca sensual me tentam a fazer loucuras. Mas acho que você é sensível assim com qualquer homem que a toque, Lorena.

- Você é o homem mais estranho que conheço. Se eu sou uma mulher tão volúvel, você o que é?

- Ciúme?

- Não - ela mentiu. - Eu não me importo com você. Não quero saber com quem você dorme, e não me importaria nem um pouco se nunca mais o visse. Quero que me deixe em paz! Vá oferecer seus carinhos a quem queira.

- Você gosta deles, querida. Mas não se preocupe, eu vou embora e você poderá fazer o que quiser.

Lorena fitou-o com espanto. Por alguns instantes, ele voltou a ser simpático e bem-humorado.

- Sinto muito. Não pense muito mal de mim, querida.

- Quando você vai partir?

- Amanhã.

De fato, na manhã seguinte ele e Ginny partiram. Aparentemente havia chegado um telegrama pouco antes da festa, pedindo seu retorno, e Ginny decidira acompanhá-lo.

O Natal foi calmo e logo em seguida um grupo de convidados chegou. Lorena se ocupou deles, o que a impedia de pensar demais em Bourne durante o dia; à noite estava tão cansada que dormia tão logo se deitava. Nem mesmo chorava. Sua tristeza era muito profunda, e não havia lágrimas que a consolassem.

Ficou feliz quando chegou o dia de deixar Waiwhetu e voltar para Auckland e para a sua vida de universitária.

 

O ano passou como qualquer outro. Houve a correria para encontrar um apartamento que agradasse a ela, a Liz e às outras duas garotas e, quando finalmente conseguiram, começaram os inevitáveis ajustes até que as quatro chegassem a um comum acordo quanto à rotina de serviços e obrigações.

Lorena descobriu no estudo seu único consolo. Todas as suas tentativas para esquecer o amor que sentia por Bourne foram inúteis desde que ele partira. O fato de estar tão ocupada com os hóspedes que vieram para Waiwhetu, logo após o Natal, evitou de certa forma que ela continuasse sofrendo. Em Auckland, sobrava-lhe tempo, mas Lorena estava decidida a não pensar em Bourne e tomou providências para se ocupar a ponto de não ter um minuto livre para lembrar-se dele.

Durante algumas semanas ela se movimentou como um robô, perdida numa apatia tão profunda, que não percebia o que se passava a seu redor. As amigas começaram a se preocupar seriamente. Seu estado era realmente lamentável! O orgulho a ajudou mais uma vez e, embora a dor consumisse todas as suas forças e a alegria de seu coração, voltou à vida normal. Voltou a sair com as amigas, mas não permitia que outro homem a tocasse.

Desde que Bourne a fizera vibrar sexualmente, nada mais parecia satisfazê-la. Ficou imaginando se estava condenada a passar o resto de sua vida suspirando por um homem que talvez nem se lembrasse que ela existia. Era tão injusto apaixonar-se desta maneira, que parecia duvidoso que pudesse algum dia se recuperar e amar alguém que realmente se importasse com ela.

Porém, mesmo se desprezando, ela estava sempre lendo as colunas sociais e revistas, procurando notícias dele. Uma vez encontrou algo, mas era apenas um comentário ligeiro sobre o disco que ele estava preparando. E isto era muito pouco para seu coração faminto de notícias.

Em maio, trabalhou numa floricultura local, pois Peggy avisou-a de que não havia convidados em Waiwhetu. Ela até ficou contente, pois parecia impossível que tivesse sido feliz naquele lugar.

Algumas semanas depois, Liz chegou e lhe deu uma revista.

- Olhe o que encontrei no ônibus! Se você der uma olhada na página trinta, vai encontrar algo muito interessante.

Era uma matéria sobre o último disco de Bourne. Ela ficou grata por Liz ter ido para o quarto, deixando-a sozinha. Leu então atenciosamente e as cores fugiram de seu rosto à medida em que as palavras se seguiam ante seus olhos incrédulos.

O crítico estava extasiado. Dizia que Kerwood era o melhor de todos, da temporada e de toda a década:

"Bourne Kerwood mostra nestas composições sua incrível arte; cada faixa é uma obra-prima. São diferentes e, ao mesmo tempo, unidas por uma linha invisível de emoção que só ele poderia explorar, sem demasiado sentimentalismo. Eu descobri que é quase impossível escolher a melhor. Talvez a faixa título, Mulher da Caldéia, mas quando ouvi a faixa seguinte, Eu Amo as Estrelas, e uma outra, A Garota das Ilhas Distantes, percebi que não podia me decidir. Seja quem for a garota a quem o disco é dedicado - dizem que Bourne finalmente encontrou seu verdadeiro amor -, pode ficar orgulhosa de ter sido a inspiração para um disco como este. Soberbo é a única palavra que posso usar para descrevê-lo".

Havia muito mais, mas Lorena não leu, só se preocupou em ler os títulos de cada canção, e isto confirmou seus termos. Sim, ele dissera tudo. Os títulos eram um retrato das semanas que ele passara em Waiwhetu.

Pôs a revista de lado e tocou o rosto com as mãos geladas, tentando se recuperar. Depois correu para a minúscula cozinha, para preparar um café: Precisava fazer alguma coisa, senão ia explodir em lágrimas.

- Canções estranhas, você não acha? - comentou Liz. - Eu acho que Encontro com o Passado foi inspirada na visita que vocês fizeram às escavações. Lembro bem que ele comentou sobre o nosso trabalho, sobre a maneira como estava sendo conduzido. E o que você acha que ele quis dizer com a canção Meia-noite, Hora de Morrer!

Lorena contou-lhe o acidente com o barco, relembrando os detalhes com tanta clareza, que se espantou. Nunca imaginara que aquele acidente deixaria marcas tão profundas em sua memória. Aquilo acontecera antes que ela se desse conta de seu amor, mas mesmo naquela época já estava apaixonada por ele.

- Eu acho a ideia fantástica. Uma recordação musical de suas férias. Você vai comprar o disco?

Lorena colocou o café nas xícaras, adicionou leite, tentando encontrar uma resposta lógica.

- Acho que sim. Eu tenho todos os outros discos de Bourne. Tome um pouco de café, você deve estar gelada.

- Agora nem tanto. Aqui dentro está uma delícia. - Liz acomodou-se no sofá e depois, com o ar de quem tomou uma decisão definitiva, falou: - Sabe, Lorena, acho que você nunca imaginou que ele realmente se importava com você, não é? Para mim, o disco parece uma carta de amor.

- Será que eu sou tão transparente assim?

- Só um pouquinho. Mas lembre-se de que eu os vi juntos e percebi a maneira como ele olhava para você. Naquele dia pensei... Ela fez uma pausa. - Pensei que ele estava seriamente interessado em você. E quando você chegou, transtornada, com medo de deixar escapar qualquer emoção, tirei minhas próprias conclusões.

- Ele estava interessado - Lorena falou com voz cansada, inclinando-se na poltrona e fechando os olhos para esconder a dor profunda que sentia. - Interessado num caso. Pode parecer antiquado, mas não era o que eu queria.

- Mulher decidida! - Liz foi simpática, mas sem exageros. E como você explica as canções? Eu quero dizer, Senhorita Independência, e tem uma outra que o crítico disse ser a melhor canção de amor que ele já ouviu, Brilhante como o Sol, Distante como a Lua. E a última é quase uma prece, Você me Abandonou.

- Tudo isso significa que, como todo bom artista, ele é capaz de usar qualquer material que lhe chegue às mãos como base para um bom trabalho.

- Bem, depois de ouvir o disco vou lhe dar minhas impressões pessoais. - Liz não estava muito convencida das razões dela, mas resolveu não discutir.

- Ora, vamos! - exclamou Lorena. - Liz, você realmente pensa que Bourne Kerwood poderia ter algum possível interesse por mim? Um interesse real, e não apenas atração física?

- Por que não? Você é inteligente, tem um tipo de comportamento impecável, aliás como ele diz muito bem nas canções: "clara como o sol, sem máscaras ou subterfúgios, e inatingível". Ou seja, tão distante como a lua. E você não costuma se esconder quando tem que enfrentar um fato. Ele não é um deus, tudo o que disse foi o que testemunhou nas semanas em que vocês estiveram juntos.

- Mesmo que ele tivesse me oferecido uma aliança, eu não teria aceitado.

- O quê?

- Eu acho que ele me faria morrer aos poucos.-Mas, afinal, por que me preocupar? Isto jamais vai acontecer.

- Entendo o seu ponto de vista. - Liz resolveu encerrar a discussão, pois Lorena parecia muito abatida.

Lorena tentava preencher seu tempo trabalhando muito, enquanto duas canções do disco de Bourne alcançavam os primeiros lugares nas paradas musicais. Ela não podia ligar o rádio sem ouvir a voz de Bourne dizendo-lhe palavras de amor. Talvez fosse o inverno, ou o seu coração inquieto, mas tinha medo de comprar o disco, de ouvi-lo inteiro", e a cada dia estava mais pálida e triste.

Então, numa noite, uma amiga trouxe o disco para o apartamento. Lorena ignorou o olhar de Liz, encheu-se de coragem e colocou-o pessoalmente na vitrola. Ficou contente quando Liz apagou as luzes, deixando aceso apenas um abajur, no canto da sala.

A voz de Bourne chegou a seus ouvidos suave e com emoção. E com os olhos fechados, ela se deixou envolver, relembrando cada momento que passaram juntos.

Quando terminou, sentiu-se grata com o silêncio que reinou por alguns momentos, lutando desesperadamente para não chorar.

- Quem está disposta a fazer um café? - perguntou Liz. - Depois desta orgia de emoções, preciso de algo amargo para não ter uma ressaca!

- Eu vou! - Lorena ofereceu-se, caminhando rapidamente para a cozinha, contente com a oportunidade de ficar sozinha e se recuperar antes de encarar as amigas.

Se alguém notou que Lorena falou pouco, ninguém mencionou. Talvez as amigas já estivessem habituadas com seu comportamento de agora. Quando saíram, Liz não disse nada, deixando-a sozinha.

Agosto passou depressa e logo chegaram os dias atordoantes que precediam os exames. Então Lorena descobriu que podia superar as tensões e preocupações com o estudo. Era como se sua vida estivesse dividida em duas partes distintas: a que sofria por Bourne e a que se ocupava dos exames a serem feitos e dos trabalhos com prazo certo de entrega.

Quase no fim do período escolar, Lorena recebeu notícias de Peggy, avisando que ela não seria necessária naquele verão, pois não teriam convidados. O sr. Read os havia presenteado com uma viagem para a Austrália e eles planejavam visitar a irmã de Sei, em Brisbane. Pelo que pôde entender, Bourne havia falado muito bem deles e o sr. Read resolvera recompensá-los, Peggy falava muitas outras coisas, mas Lorena não prestou atenção. Só pensava que naquele verão teria que ficar sozinha em Auckland.

Liz achou que seria ótimo, pois assim ela não sofreria com as recordações das férias anteriores.

- Assim você terá tempo para decidir qual carreira vai seguir disse ela.

- Eu nem sei se consegui ser aprovada!

- Ora, Lorena! Você sabe muito bem que conseguiu terminar o básico com mérito. Estudou o ano todo e trabalhou como uma escrava naquele trabalho de graduação. Suas notas foram excelentes. Você já tem ideia do que vai fazer?

- Não. Não consigo pensar em nada que me atraia. Quando vim para a universidade, pensei que teria três anos para decidir e achei que seria muito tempo, mas o fato é que não cheguei a conclusão nenhuma até agora. vou fazer o curso livre e ver se descubro o que quero.

- E se você descobrir no meio do curso que não é o seu ideal?

- Eu desisto, encaro como uma experiência positiva e tento outra coisa. Acho que tem de haver alguma coisa que eu goste de fazer. Tudo o que preciso é descobrir o que é!

As palavras eram sinceras, mas, após três semanas tentando encontrar algo, Lorena começou a duvidar se algum dia encontraria alguma coisa que realmente a entusiasmasse. Até a chegada da carta de Peggy, não imaginara como estava querendo aquele verão em Waiwhetu. Talvez voltando lá pudesse encontrar a paz perdida.

O Natal já estava próximo, forçando-a a encarar o fato de que naquele ano, pela primeira vez em sua vida, estaria completamente sozinha. E isto lhe parecia terrível! Ao mesmo tempo, sua busca infrutífera por um emprego a estava deixando deprimida.

- Parece que vou precisar entrar numa escola de datilografia o mais rápido possível - disse ela para Liz e deu uma risada ao ver a expressão horrorizada da outra. - Não há motivo para tanta preocupação, você sabe. Acho que me faria muito bem aprender algo útil e prático.

- Então, boa sorte. - Liz colocou uma jaqueta, deu uma volta e perguntou: - Que tal estou?

- Muito elegante. Eu gosto dessa cor em você, dá-lhe um ar sofisticado. Espero que o seu John aprecie.

Um rubor coloriu suas faces e ela sorriu timidamente antes de responder: - Ele ainda não é exatamente o meu John, você sabe.

- Mas vai ser. Eu nunca vi um homem tão apaixonado.

- Espero que sim pois, para ser honesta, eu também estou perdidamente apaixonada.

- Fico contente. Ele é o tipo ideal para você.

- Eu gostaria que encontrasse alguém assim para você. Detesto vê-la sofrendo por alguém inatingível.

- Exatamente como uma colegial tola apaixonada por um ídolo?

- Lorena sabia que fora seca e, para remediar, sorriu e falou, brincando: - Sabe, eu nunca quis admitir isso, mas acho que é justamente o que acontece. Mas não se preocupe, este tipo de paixão não causa mais tragédias como antigamente. Nós, mulheres liberais, somos menos românticas a esse respeito do que nossas avós.

- Você está certa. Mudando de assunto, você não gostaria de passar o Natal em minha casa? Eu até já falei com minha mãe, embora você saiba que nossa casa está sempre à sua disposição. Ela me respondeu hoje e disse que vai ficar muito feliz se você aceitar.

Lorena ficou indecisa, mas a ideia de passar o Natal naquele apartamento vazio não a agradava, por isso aceitou.

- Ótimo! vou escrever para mamãe amanhã mesmo, confirmando a nossa viagem.

John chegou naquele instante e Lorena ficou só no pequeno apartamento, que naquele momento lhe parecia enorme. O tempo ainda estava muito quente, sem previsões de queda de temperatura, embora faltasse pouco já para o entardecer.

Arrumou a pequena sala, depois começou a andar de um lado para o outro, oprimida pela solidão. Decidiu então sair para dar uma volta até um parque a mais ou menos um quilómetro de distância do apartamento. A vista lá de cima era maravilhosa e a caminhada lhe faria muito bem.

Colocou seu jeans favorito e uma jaqueta de algodão, pois logo começaria a esfriar. Todas as suas roupas eram velhas e fora de moda; teria de conseguir um emprego para comprar roupas novas.

Deu uma rápida escovada nos cabelos e decidiu passar um brilho nos lábios. Estava mais amadurecida agora, tinha certeza. Não restava nada daquela adolescente jovial e cheia de entusiasmo que chegara a Waiwhetu há pouco mais de um ano. Agora era uma mulher e não havia nada que pudesse explicar aquela diferença. Na aparência não mudara nada, mas por dentro se sentia outra.

O ar estava quente e a brisa acariciava seus braços, mas ela parecia não sentir. Os jardins floresciam nos dois lados da rua e o povo passeava feliz, saudando a primavera, mas para Lorena seria sempre inverno em sua vida amargurada.

As crianças pedalavam alegremente suas bicicletas, chamando umas às outras em voz alta e sorrindo à toa, com suas habituais brincadeiras. Lorena lembrou-se com saudades de tardes como aquela, em outro bairro, quando era mais jovem, e suspirou.

Waiwhetu devia estar maravilhosa agora, com suas praias tranquilas, o jardim coberto de flores, e a quietude do lugar... Se Peggy e Sei ainda não tivessem viajado, estariam passeando pelo jardim, Peggy parando aqui e ali para arrancar alguma erva daninha e Sei vendo o que deveria ser feito no dia seguinte.

Lorena suspirou fundo para impedir as lágrimas. Nisso ouviu atrás de si uma voz que a deixou petrificada.

- Querida, se você vai manter esse passo por muito tempo, eu vou precisar de um descanso a cada dez minutos.

Inacreditável, não podia ser! Temendo estar sendo enganada por seu coração, Lorena voltou-se vagarosamente... E lá estavam aqueles olhos negros sorrindo para ela.

- Bourne!

- Eu mesmo. - Seu olhar era carinhoso e suas mãos seguravam os braços dela naturalmente, - Onde vamos?

- Ao parque. - Ela indicou o final da rua e perguntou: - Como... De onde você veio?

- Daquele carro ali. Eu pedi ao motorista para parar um pouco atrás, pois achei que você não ia querer entrar no carro comigo.

- Por quê? - perguntou ela surpresa, ainda duvidando que tudo aquilo fosse verdade.

- Bem, nós nos separamos de uma maneira um tanto tumultuada.

- Ele sorriu, como se desculpando tardiamente por tudo o que acontecera. - Venha, mostre o parque para mim.

- E o carro?

- Não se preocupe, ele espera.

com firmeza, tomou o braço dela e começaram a andar em silêncio, como acontecera uma vez em Waiwhetu.

Depois do primeiro momento de felicidade, Lorena sentiu que suas preocupações voltavam, tirando-lhe toda a alegria que a presença de Bourne a fizera sentir. Como será que ele conseguira que Peggy lhe desse seu endereço? Deve ter ficado esperando até que pudesse encontrá-la num lugar onde Lorena não teria chances de evitá-lo.

Ele tem nervos de aço, pensou com raiva. E, se imaginava que ela estava disposta a se tornar seu caso, estava muito enganado!

Olhou-o e viu que ele a observava com carinho. Lorena sabia que Bourne provavelmente já conhecia o seu segredo e isto não importava muito. Se ele não soubesse, não seria o homem experiente que era.

- Chegamos. Se você quiser descer até aquela pracinha, podemos ver a praia e o embarcadouro.

O parque era pequeno, com flores ao redor das alamedas que o circundavam e árvores frondosas completando o cenário.

Lorena não ficou surpresa quando Bourne parou debaixo de um grande carvalho, e nem tremeu quando ele levantou sua cabeça para beijá-la. Porém o abraço selvagem a chocou, assim como sua própria resposta ardente. Como um homem que voltava para a esposa depois de uma longa separação, ele a beijou sem reservas, não se preocupando em controlar a paixão que sentia.

Lorena, por sua vez, envolveu-o com os braços, sem receios, juntando seu corpo ao dele, oferecendo-lhe seus lábios trémulos e querendo que aquele momento fosse eterno.

Mas não seria, é natural. Apesar de tudo, após aquele momento de paixão infinita, ele se afastou dela com relutância e com um estranho sorriso nos lábios. Lorena suspirou, sabendo que não seria capaz de resistir quando Bourne a beijasse outra vez. Se a ausência dele não lhe ensinara nada, pelo menos provara que seu desejo era tão intenso quanto o dele. Se Bourne a quisesse, bastaria lhe dizer.

- Senti saudade de você - disse ele casualmente, como se tivessem se separado apenas por alguns dias.

- Eu também senti saudade de você. - Era uma resposta estúpida, mas não pôde evitá-la.

- Eu percebi. - Depois, suavemente, sem dar tempo para ela responder ou pensar, continuou: - Nós temos que conversar. Você quer voltar a pé ou podemos ir de carro?

- Tanto faz. - Ela não conseguia pensar nem dar respostas apropriadas. Chegando tão inesperadamente, Bourne anulara todas as suas defesas; estava completamente dominada pela vontade dele.

- Então vamos de carro. Teremos tempo para muitas caminhadas no futuro.

Porém, quando chegaram ao apartamento, ele não parecia disposto a falar. Ficou andando de um lado para o outro, observando tudo enquanto ela preparava o chá.

- Nosso café acabou, sinto muito.

- Tudo bem, eu gosto de chá. - Depois mudou de assunto repentinamente: - Teve um bom ano? Na escola, quero dizer.

- Sim.

- Terminou o curso básico?

- Acho que sim.

- Ótimo. - Ele terminou de tomar o chá, e colocou a xícara na bandeja com cuidado. - Eu teria vindo antes, se soubesse que você tinha conseguido terminá-lo satisfatoriamente. Isto é o tipo de coisa que incomoda, não se graduar na faculdade.

Lorena percebeu que sua mão tremia e, colocando a xícara em cima da mesa, falou sem levantar os olhos:

- O que você quer dizer com isso?

- Exatamente o que você entendeu. Você realmente acha que eu a abandonei com prazer, Lorena?

- Sim, acho. Por que não deveria? Você partiu depois de uma situação estúpida e ainda por cima levando sua amante nos braços!

- Ponto para você. Mas quero reafirmar que Ginny não é e nem era minha amante.

- Eu não acredito em você.

- Pois deveria. Nós tivemos um caso, mas isso foi há cinco ou seis anos. Depois continuamos apenas bons amigos. E não faça essa cara de brava, tolinha. Você gostou dela, admita.

- Isto não tem nada a ver...

- Admita. - Era uma ordem.

Lorena respirou fundo, revigorada pela presença dele, sabendo que, mesmo discutindo, ela estava mais feliz do que em qualquer momento do ano que passara.

- Sim, eu gostei dela - admitiu, relutante.

- Ela também gosta de você, principalmente porque acha que eu escolhi alguém que vai me fazer criar raízes. Você vai descobrir que terá nela uma amiga leal.

Mas Lorena balançou a cabeça, buscando forças, pois sabia que iria precisar dentro de alguns minutos. Era melhor acabar de uma vez, mesmo sabendo que sofreria muito mais depois que ele partisse.

- O que houve agora? Diga, Lorena, por que você está me olhando como se eu estivesse lhe oferecendo uma viagem para o inferno? Eu sei que você me ama e deve saber que eu a amo também!

Mas a dor era pior do que ela jamais sonhara. Sentia o coração querendo explodir em seu peito e, quase cega pelas lágrimas, foi até a janela e ficou de costas para ele.

- Eu não posso, Bourne, eu não sou... - Ela não conseguia falar, e, embora seus lábios se movessem, não saía som algum. Eu não vou negar que amo você, mas não vou acompanhá-lo, não vou ser sua amante.

Houve um momento de silêncio, depois Bourne se aproximou e seus braços firmes fizeram com que ela se voltasse. Quando viu a expressão em seus olhos, Lorena estremeceu.

- Vai, sim. Você é minha; você se tornou minha na primeira vez em que a beijei e não há nada que possa fazer para mudar isso. Eu soube, no instante em que a vi, que você tinha o poder de virar meu mundo de cabeça para baixo. Achei que você ia tentar me conquistar, como tantas outras mulheres, mas você teve força, coragem e temperamento para me vencer. E não adianta negar, pois você é minha. Só minha e de mais ninguém. Corpo e alma, coração e razão.

Se ele a tivesse beijado naquele momento, Lorena sabia que seria dele de qualquer maneira, sem demora, pois seu corpo ardia de desejo, fazendo-a tremer no esforço para controlá-lo. Mas Bourne não fez nenhum gesto para tocá-la, além das mãos que a seguravam pelos ombros. Ele estava pálido e havia um desejo profundo em seus olhos.

- Por quanto tempo, Bourne? Um ano, talvez cinco? E depois? Uma separação amigável? - com uma firmeza que a surpreendeu, ela exclamou: - Eu preferiria morrer! Ou talvez o matasse antes de deixálo partir com outra mulher.

- Acho que eu é que a mataria - disse ele, sério. Depois a abraçou com força. - Meu Deus, Lorena, eu não aguento mais. Eu preciso do seu amor. Eu quero você agora, mesmo que depois você não queira mais me ver. Passei dias e noites sem sentido, andando de um lado para o outro, sofrendo por você.

Sua voz estava rouca e seus lábios apaixonados exigiam total rendição. Suas mãos tremiam quando ele gentilmente desabotou a blusa dela. Lorena não tentou impedi-lo, traída pela própria necessidade e reconhecendo que precisava de Bourne tanto quanto do ar que respirava.

Quando ele a abraçou, dominado pela paixão, ela procurou seus lábios e, pela primeira vez, correspondeu-lhe sem receios.

- Querido... - disse apaixonadamente. - Bourne...

- Não! - Ele se soltou dos braços de Lorena e ela se apoiou no sofá para não cair. Seu rosto estava molhado de lágrimas de vergonha e humilhação. Bourne virou-se, passou a mão na testa e falou com dificuldade: - Sinto muito. Eu não queria que isso acontecesse.

- Tudo bem - murmurou ela, enquanto tentava abotoar a blusa e colocá-la dentro da calça.

- Lorena, acho que eu fiz uma grande confusão. Talvez seja melhor não olhar para você enquanto falo, pois quando a vejo eu não consigo pensar direito. Agora, ouça com atenção: eu a amo e quero me casar com você. Nem tenho certeza de como você se sente a esse respeito, mas juro que não vou deixá-la nunca. Acho que você se tornou parte de mim, uma parte tão importante e necessária, que sem você eu sou um homem pela metade. - Ele deu uma volta e segurou-a, firme. - Agora será que você pode dizer: "Sim, Bourne, eu gostaria muito de me casar com você"? Em seguida, iremos a algum lugar onde poderei seduzi-la, que é exatamente o que eu mais quero no momento.

Lorena ficou olhando-o com uma expressão tão estranha que ele começou a rir e, antes que ela percebesse, também estava rindo. Bourne a abraçou carinhosamente e ela falou baixinho, com a voz tremendo de emoção:

- Seu tolo, é claro que eu vou me casar com você.

Depois disso, passou-se um longo tempo antes que qualquer um dissesse uma palavra.

Quando finalmente o sol já se punha no horizonte e a lua brilhava bem alto no céu, iluminando aquela noite de verão, ele perguntou alegremente:

- Será que a ideia de se casar comigo parece um passo tão grande, querida?

- Sim e não. Eu nunca imaginei que você pudesse me amar, por isso nunca pensei em casamento. Mas sei que era o que eu mais queria na minha vida.

- Ótimo. Como você sabe, eu gosto de uma vida calma, sem badalações e pretendo continuar assim. Além do mais, vou encerrar a minha carreira muito breve. Tenho várias casas em todo o mundo, mas são todas secretas e eu me recuso a convidar qualquer pessoa que não sejam os amigos pessoais. Assim, se você pretende ver seu nome em colunas sociais, desista da ideia. Seu marido cruel não vai lhe permitir isso.

- Eu não gosto de nada disso, querido, você sabe.

- E quanto a casamentos que terminam em divórcio, sei que existem muitos, mas não são para mim. Uma das razões por que me afastei de você por tanto tempo foi para deixá-la descobrir exatamente o que sentia por mim. Eu já sabia o que queria de você na primeira semana em Waiwhetu, mas queria que você sentisse o mesmo em relação a mim. E você foi muito clara desde o princípio, afirmando que não queria nada com o casamento. Então eu tive que ser cuidadoso.

- É por isso que você brigava tanto comigo? Estava me testando?

- Não, eu queria você e tinha que usar algum método para não sucumbir aos seus encantos. Sinto muito ter partido daquele jeito, mas sabia que estava lutando por uma causa perdida. Aquela noite eu estava tão furioso de vê-la flertando com aquele rapaz, que tive que escolher entre dar um soco nele ou punir você. O que eu queria fazer era exatamente levá-la para a minha cama e fazer amor até você implorar misericórdia.

Eu queria vê-la desmaiando de prazer em meus braços e colocar minha marca em você, para ninguém roubá-la de mim. Porém sabia que, se fizesse isso, perderia qualquer chance de casamento. Por isso preferi esperar por uma oportunidade melhor.

- É verdade? - perguntou Lorena.

- É sim. No amor tudo tem que ser perfeito. Se eu tivesse continuado, você teria cedido, eu sei. Mas não seria com amor e sim com raiva. E depois?

- Eu o amava e o amo muito - confessou Lorena. - Bourne, eu achava que jamais teria a oportunidade de lhe dizer isso. Vamos esquecer tudo, está bem? Já não tem importância agora. Quando vamos nos casar?

- Tão logo quanto possível. Onde você gostaria de passar a lua-de-mel?

- Acho melhor ficar por aqui mesmo, pois eu não tenho passaporte e, para tirar um, pode demorar um pouco e eu estou com pressa, está bem?

- Concordo plenamente. Gostaria muito de conhecer melhor a Nova Zelândia. Você dirige?

- Sim, por quê?

- Porque eu dirijo na mão direita, querida. Se alguém vai dirigir na esquerda, tem que ser você.

Mas Bourne aprendeu rápido e, depois de um mês de felicidade suprema, ele pegou a estrada para Waiwhetu, e disse:

- Este país é maravilhoso, querida, mas acho que Waiwhetu é a parte mais bonita. Aquele lugar tem um encanto que não dá para explicar.

- Concordo plenamente. - Lorena sorriu, olhando a delicada aliança de ouro que brilhava em sua mão esquerda, lembrando-se de quando ele a colocara ali. Fora o dia mais feliz de sua vida!

- Estou contente por Aaron Read ter concordado em nos vender Waiwhetu.

- É verdade, querido? - Lorena sentiu uma alegria tão grande, que não sabia se chorava ou ria.

- Verdade. Eu posso não parecer, mas sou muito romântico, meu amor. Nós viremos sempre aqui e Peggy e Sei continuarão cuidando de tudo e nos ajudarão a criar os nossos filhos.

- Sinto-me feliz em pensar que nossas crianças terão este paraíso para brincar.

Ele estacionou o carro na garagem e sorriu para Lorena.

- Sabe que isso me faz sentir vontade de compor algumas canções? Agora desça, pois faço questão de levá-la em meus braços. Nós tivemos uma lua-de-mel maravilhosa, querida, mas é aqui que começa a nossa vida juntos.

- com Peggy e Sei? - perguntou ela, brincando.

- Não. Eles estão na Austrália. Nós ainda temos alguns dias só para nós dois. Querida, não importa quantas pessoas existam ao meu redor, você vai ser sempre a primeira e única.

Lorena suspirou profundamente e sorriu.

- Eu amo você. Acho que sempre o amei, mesmo antes de conhecê-lo.

- É isso mesmo, amor. Do princípio até o fim dos tempos. Venha, esta é a nossa casa, e, embora tenhamos todo o tempo do mundo, não quero desperdiçar um só momento.

Ele tomou-a nos braços e caminhou até a porta da casa.

Estavam tão juntos que pareciam uma só pessoa, unidos pelo amor que se tornaria muito mais intenso com o passar dos anos. Ela o beijou com ardor, sabendo que o futuro seria glorioso, e a felicidade, eterna.

 

                                                                                Robyn Donald  

 

                      

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