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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CIDADE DO VATICANO / Lou Carrigan
CIDADE DO VATICANO / Lou Carrigan

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Quando o avião aterrissou no aeroporto de Fiumicino, Brigitte sentia ainda em seus lábios o contato dos de Número Um, bem como a sensação gostosa das horas passadas nos braços do homem amado.

Durante muito tempo esteve mergulhada nas lembranças inesquecíveis, voltando à realidade apenas ao ver que os demais passageiros começavam a movimentar-se. Só então se livrou do cinto de segurança e recolheu o blazer esporte de linho e a frasqueira vermelha com flores azuis que a acompanhava por toda parte. Por um instante pensou que devia tê-la colocado dentro de uma das suas valises em lugar de levá-la na mão. Logo, porém, raciocinou, achando que era melhor estar prevenida, embora não acreditasse que pudesse suceder algo anormal no voo Valleta-Roma.

A viagem transcorrera sem o menor incidente.

Na realidade, o único que havia ocorrido durante aquele voo fora que sua saudade por Número Um aumentara bastante. Depois do sucedido na ilha de São André1, os dois haviam decidido passar juntos alguns dias em “Villa Tartaruga”, em lugar de regressar a Acapulco, onde a CIA os encontrara para pedir a Brigitte sua colaboração no caso do sequestro do barco “Blackstar”. E depois daqueles dias maravilhosos, a separação se tornara mais dolorosa do que das vezes anteriores.

 

 

 

 

Precisamos tomar uma decisão, querida — dissera Número Um.

Que decisão?

Cada dia fica mais difícil nos separarmos...

Ver aventura anterior a esta: “Neste Vale de Lagrimas”

Sim — admitiu ela — mas não o imagino vivendo em Nova Iorque.

Por que não?

Ora, meu amor. Uma coisa é você passar alguns dias nessa cidade e outra bem diferente é ter que viver lá para sempre. Creio que não poderia.

Por que diz isto?

Acha que se adaptaria, meu bem?

Não me importo onde estou e, sim, com quem estou, Brigitte. Se a tiver ao meu lado, tanto me dá que seja em Nova Iorque, Malta ou outro lugar qualquer do mundo. Você, por exemplo, viveria para sempre comigo em “Villa Tartaruga”?

Para sempre, Clark?! Francamente, não sei...

De acordo. Não pretendo equiparar La Valletta com Nova Iorque. Seria injusto, especialmente para você, que sempre viveu lá. Toda sua vida e recordações de infância estão em Nova Iorque. Pois, muito bem: qualquer dia destes faço as malas e apareço nessa bela cidade para ficar.

Não suportaria viver em um apartamento — disse e riu a jovem.

Por que teríamos de viver em um apartamento, ainda que seja grande e confortável como o seu? Ambos possuímos tanto dinheiro que jamais poderemos gastá-lo. Para falar a verdade, já perdi a conta do que tenho, meu bem.

Não há muitas pessoas que possam afirmar isto.

Nós podemos. Não me envergonho de ter tanto dinheiro, porque o ganhei arriscando minha vida, coisa que nem todo mundo faz.

Tem razão — suspirou ela. — Mas, se continuarmos conversando, não chegarei a tempo de tomar o avião em Luga.

Penso, querida, podemos comprar uma casa na Quinta Avenida, em Park Avenue ou em Long Island... Onde você preferir.

Prometo pensar no assunto, meu bem. Mas descarte Park Avenue — pediu Brigitte, voltando a rir. — Desde que li a novela de Harold Robbins sobre aquelas putinhas que fazem seu trottoir ali decidi que jamais viveria em tal lugar!

Ele a beijou. Não sabia se gostava mais de seus beijos ternos ou daqueles vibrantes de paixão. Eram beijos diferentes, cada qual mais ardente e prolongado. Podiam falar seriamente ou em tom de brincadeira. Ambos sabiam que haviam suscitado uma questão que estava pendente há bastante tempo. Tratava-se de um assunto, que, um dia ou outro teria que ser resolvida, já que não suportariam passar o resto de suas vidas alguns dias em Malta e outros em Nova Iorque.

Estava quente em Fiumicino e isto fez Brigitte compreender que em Roma sentiria mais calor. Uma coisa era bronzear-se ao sol junto a uma piscina no silêncio perfumado de um jardim, com roupa adequada, e outra era meter-se no forno que era Roma no verão.

E, se em lugar de fazer o voo Roma-Lisboa-Nova Iorque trocasse sua passagem para fazer o voo Roma-Paris-Nova Iorque? Isso lhe poderia evitar calor, tempo e aborrecimentos. Decidida, tentou mudar a passagem e para tanto se dirigiu ao balcão da Alitalia em Fiumicino, no Aeroporto Leonardo da Vinci.

Apesar da boa vontade do empregado da agência, não houve modo de trocar a passagem. Mas, como sempre, Brigitte encontrou uma solução: devolveu a passagem adquirida em Luga, perdendo alguns dólares, e comprou outra que fazia a rota Roma-Paris-Nova Iorque. Para a irrequieta agente “Baby”, só quem não arranja as coisas é aquele que não quer.

O avião com destino a Paris não sairia antes de duas horas e Brigitte comprou vários jornais e revistas. Ocupou uma das poltronas da sala de espera, disposta a tomar conhecimento dos acontecimentos mundiais. Não ficava bem que uma jornalista profissional desconhecesse o que ia pelo mundo.

Seus olhos percorreram as páginas dos jornais com atenção. ,

Ah! Ali comentavam a Copa Mundial de Futebol no México! Frank Minello devia achar-se nesse país, encarregando-se das notícias para o Morning News. Santo Deus! Quanto tempo fazia que Frankie lhe trouxera “Cícero”, o cãozinho Chihuahua do México, quando houve o campeonato anterior de futebol realizado nesse país?

Fazia séculos! Como a vida pode ser longa e ao mesmo tempo curta! Se alguém diz a outro: “dentro de vinte anos eu lhe darei um milhão de dólares”, essa pessoa, certamente, não fará caso de tal promessa porque esse prazo lhe parecerá impossível de transcorrer. Não obstante, um dia, de repente, perceberá que os vinte anos se passaram e que todo esse tempo foi apenas um breve instante da eternidade.

Os olhos fascinantes de Brigitte seguiam interessados nas notícias. A manchete afirmando que a Rússia fora eliminada na Copa do Mundo fez a jovem imaginar que haveria um drama em Moscou. Esta ideia fê-la sorrir, divertida. Como Moscou receberia a eliminação de sua equipe de futebol no campeonato de 86? Como a notícia chegaria à sede da KGB?

Brigitte “Baby” Montfort, a internacional agente da CIA, a espiã mais audaz, inteligente e perigosa do mundo, daria tudo para presenciar a reação dos russos naquele instante.

Ao seu redor havia um rumor estranho, diferente. Algo mudara no ambiente do aeroporto, mas a garota estava tão absorta e divertida com o noticiário do futebol que não chegava a perceber o motivo daquela alteração.

Sua atenção estava concentrada nas equipes que seguiam disputando o título de campeão para 86. Talvez fosse a Bélgica que vencerá a Rússia, graças a falhas do árbitro, pois dois de seus gols foram marcados fora do jogo, segundo dizia o jornal.

Caramba! Que injustiça! Itália, França, Espanha e o Brasil fora do campeonato! Como os brasileiros jogavam bem o futebol! Recordava uma vez em que...

De repente, por fim, a absorta senhorita Montfort ergueu a cabeça com vivacidade e sua mente e seus olhos voltaram à realidade que a cercava.

Havia gente correndo de um lado para o outro. Divisou seguranças do aeroporto e até soldados que portavam metralhadoras. Em alguma parte soavam as sirenas enquanto o sol dourado e intenso se filtrava por trás das vidraças,

     Brigitte pestanejou, deixou os jornais de lado e se pôs de pé.

As pessoas seguiam correndo na direção do fundo do aeroporto, afastando-se das saídas às pistas. A agente “Baby” fez o contrário: recolheu seus pertences e se dirigiu às portas que levavam às pistas, enquanto via policiais e soldados. Um dos que estavam dentro do edifício se acercou dela e lhe pediu com amabilidade que se reunisse com o resto das pessoas no fundo do aeroporto.

Por quê? — quis saber Brigitte, falando em italiano, com desenvoltura. — O que ocorre?

O homem não respondeu, insistindo para que ela fosse com as outras pessoas até o local indicado. Do lado de fora, vários soldados acabavam de chegar de caminhão e saltavam do veículo.

Brigitte compreendeu o que sucedia e, perguntou:

Sequestraram algum avião?

O policial continuava negando-se a lhe dar a informação e insistia para que ela se afastasse. Brigitte terminou por obedecer. O que ela menos desejava era atrapalhar a ação das autoridades civis e militares, segundo o ponto de vista das ditas autoridades. A verdade era que ela estava muito mais capacitada do que aqueles policiais nervosos e sem prática para resolver uma situação melindrosa, sempre e quando decidisse atuar como “Baby”.

Desse modo, preferiu não se precipitar e optou por aguardar os acontecimentos, torcendo para que estes se resolvessem pacificamente. Reuniu-se com o resto das pessoas que permaneciam afastadas das portas de saída às pistas. Sorriu ao captar o rumor de comentários excitados. Todos tinham algo a dizer porque imaginavam o que ocorria, embora não tivessem certeza de nada.. Lá fora, nas pistas, continuava o movimento intenso.

Pelos alto-falantes ouviu-se, em vários idiomas o pedido para que os senhores passageiros deixassem o aeroporto. Para tanto, deviam seguir as instruções dos policiais que os conduziriam ao exterior.

Não se davam explicações; aludia-se apenas a “contratempos de ordem técnica”.

Por aqui — indicavam os policiais italianos. — Por aqui, por favor.

Escute — disse Brigitte, segurando um deles por uma manga do uniforme — sou jornalista americana e não desejo causar dificuldades. Mas as terão se não me disser agora o que está acontecendo. Posso telefonar para o meu jornal passando a notícia e então...

Senhorita — retrucou o homem — sequestraram um avião e o que menos queremos são complicações.

Concordo com isto — aceitou a moça. — O que se sabe exatamente do sequestro?

O policial fitou-a com mais atenção, titubeou e, por fim, informou:

Trata-se do avião que deveria seguir para o Cairo. Ao que parece, os sequestradores esperaram que todos os passageiros estivessem a bordo, e todo o pessoal também, para sequestrá-lo. Foi o comunicado que chegou à torre de controle quando se iniciava o contato entre esta e os pilotos.

Quantas pessoas se acham nesse avião?

Mais de sessenta.

Suponho que os sequestradores estão armados, verdade?

Claro.

Sabe se alguma personalidade importante se encontra a bordo?

Não tenho a menor ideia a esse respeito, senhorita. Por favor, reúna-se aos demais.

Sabem ao menos quem são os sequestradores e o que querem?

Asseguro-lhe que não sei mais nada além do que já lhe disse. Creio que fui amável com a senhorita. Não é certo? Pois seja agora comigo.

Parece-me justo — disse e sorriu a formosa espiã.

Quando saíram do aeroporto em pleno sol, Brigitte tratou de descobrir o aparelho em questão. Estava segura de que o identificaria e não lhe foi nada difícil. A uns duzentos metros divisou o reator detido na esplanada anterior às pistas e a enorme escada colocada a um lado. Em volta do avião, embora mantendo distância prudente, havia um cordão de soldados, policiais e os veículos de uns e outros.

     E mais de sessenta passageiros!

Bem, certamente tudo terminaria sem dificuldade para essas pessoas, como sucedia quase sempre e tudo não passaria de um susto e uma “terrível aventura” para contar.

Durante alguns segundos enquanto olhava o avião, Brigitte pensou:

“E se os sequestradores estiverem dopados ou alguém os provocar de tal forma que resolvam explodir o aparelho com todos dentro? Oh! Meu Deus, não sou capaz de não me importar com uma situação como esta! ”

Seu cérebro agitou-se e ela continuou amontoando ideias e mais ideias:

Quem sabe deveria buscar um lugar discreto de onde pudesse chamar seus “Simões” de Roma por meio do pequeno rádio que se achava na sua frasqueira inseparável? Talvez eles pudessem lhe informar quem viajava no avião e quais as consequências que podiam advir do sequestro.

Compreendendo que não poderia ficar inativa diante dos fatos, Brigitte se separou do grupo e caminhou até o estacionamento. Ali, procuraria colocar-se entre alguns carros, de modo que ninguém a visse. Então, usaria o rádio. Súbito, seus olhos viram dois homens que caminhavam a seu lado. A moça os fitou e voltou sua atenção para a frente. Logo, porém, observou os sujeitos com maior interesse.

     Não lhe causaram boa impressão.

Eram altos, jovens e atléticos, de boa aparência, mas havia algo neles que desconcertava, como se desprendessem um cheiro que a espiã conhecia com perfeição: aventureiros, mercenários que vivem fazendo nada de bom. Eram a classe de pessoas que mais detestava, pois nem sequer sabiam fazer bem as coisas ruins, de modo que qualquer ação era convertida em um emaranhado de consequências imprevisíveis, sempre nefastas.

Os dois tipos se detiveram na borda do estacionamento. Brigitte aproveitou para se meter entre dois carros e virou-se para fitá-los. Estavam a quinze metros dela. Um lhe oferecia as costas, mas podia ver seu companheiro, sem dificuldade. Falavam em italiano. Não era o mesmo que se usassem o inglês ou alemão para se comunicar, idiomas que dominava muito melhor. Apesar disso, prestou atenção a seus lábios na tentativa de “ler” as palavras.

Durante os primeiros segundos não pôde ler nada, talvez porque, o homem falava muito rapidamente. Pareceu-lhe que pronunciava a palavra Vaticano, mas não poderia assegurar. Concentrou a atenção e conseguiu entender algumas palavras soltas, como homens, avião, situação.

Logo, porém, Brigitte captou uma frase inteira com toda facilidade. Dizia o seguinte: Avise que a primeira fase saiu bem e que já temos o transporte. E pergunte se permanecemos aqui ou damos o fora.

A jovem “leu” com tanta clareza que não quis dar crédito. O que queriam dizer com o transporte? Referiam-se ao avião sequestrado? O que vinha a ser “primeira fase”? Fase de quê?

O tipo que falara permaneceu onde estava, acendendo um cigarro e vigiando com atenção o local onde a polícia se encontrava. O outro, todavia, deu a volta, caminhou por entre os automóveis e se meteu em um deles.

Brigitte o divisava através dos vidros das janelinhas e para-brisas, mas perdeu-o de vista quando o sujeito entrou no carro. Contrariada, a espiã olhou para o outro e soube que ele não a veria porque mantinha a atenção concentrada no avião sequestrado, nas autoridades e não no estacionamento de automóveis. Aproveitando isto, a agente correu abaixada até chegar a um local de onde podia ver o indivíduo dentro do veículo. Naquele instante ele falava pelo radiotelefone, mas infelizmente não deu para ver seus lábios. Sua mão segurava o aparelho e este ocultava sua boca.

O homem terminou a conversa com rapidez, desligou o aparelho e saiu do carro, fechando a portinhola com chave. Logo, regressou ao lugar onde deixara o companheiro, explicando-lhe, sem dúvida, a conversação, mantida.

Brigitte os via nesse momento, mas não identificava nada do que falavam. Os dois homens permaneceram alguns segundos trocando ideias e terminaram por se afastar do estacionamento.

Brigitte esperou cerca de dois minutos e então se acercou do automóvel dos dois sujeitos, um Renault 25 com placa da Suíça. Olhou o interior e viu o radiotelefone sobre um suporte negro. Não havia mais nada digno de atenção dentro do carro. A agente provou a portinhola, percebendo que estava fechada, com efeito. Por um instante, pensou em abri-la. Contudo preferiu não fazê-lo, imaginando que poderia haver algum alarme contra roubo de veículos.

Seus olhos se fixaram mais uma vez na placa. Afastou-se um pouco e abriu a frasqueira de fundo duplo, retirando um dos pequenos emissores de sinais standard, aperfeiçoados pela CIA, e que permitiam ser localizados enquanto não se afastassem mais de cem milhas do aparelho de recepção.

Dois minutos mais tarde, tinha colocado o emissor na parte interna do para-lama traseiro direito do automóvel em questão, Brigitte regressou ao lugar onde estavam reunidas as pessoas que se achavam no aeroporto no momento do sequestro do avião.

Seu plano era muito simples: localizar de novo os dois sujeitos, segui-los diretamente. Se isto não fosse possível, então, sim, chamaria a CIA em Roma para que lhe fornecesse um detector por meio do qual localizaria o R-25 dos dois indivíduos que não lhe pareceram boa coisa.

Meia hora mais tarde, muitas das pessoas haviam decidido abandonar o aeroporto. Já outras, ignorantes do que sucedia, chegavam ininterruptamente em carros particulares, táxis e ônibus.

Os carabinieri tinham estabelecido um controle neste sentido: e, embora permitissem a saída dos passageiros frustrados, de regresso a Roma, impediam o acesso dos que iam chegando. Durante a primeira hora, a desordem imperou, dando lugar a histeria e sensacionalismo.. Não demorou muito e a recepção do aeroporto ficou cheio de jornalistas, não faltando também as câmaras de televisão.

Dessa forma, o Aeroporto Leonardo da Vinci, em Fiumicino, a poucos quilômetros de Roma, ficou transformado no centro de interesse jornalístico da nação e, com certeza, do mundo.

Os homens que haviam chamado a atenção da agente “Baby” limitavam-se a fazer algum comentário de vez em quando, dando a entender por seus gestos que gozavam com a situação. No mais, prestavam muita atenção a todos os movimentos dos policiais civis e militares e consultavam seus relógios. Faziam isto cada vez com maior frequência, deixando Brigitte curiosa.

“O que esperavam agora?” — pensava a formosa mulher.

“Iria ocorrer algo importante a determinada hora?”

A espiã também olhou seu relógio de pulso Eram treze horas e trinta minutos. O sol parecia fogo autêntico.

Brigitte decidiu não esperar mais e utilizar o rádio para chamar seus “Simões” de Roma. Talvez a CIA estivesse pensando em fazer alguma coisa. Se fosse assim, seria melhor que ela mesma tomasse o comando de qualquer ação, a fim de evitar o pior para sessenta pessoas inocentes.

 

A agente “Baby” entra em ação

O agente da CIA que desempenhava as funções de chefe no setor Roma chegou às duas e meia da tarde, em carro particular, ao aeroporto de Fiumicino, em companhia de outro agente especial mais jovem.

Brigitte aproximou-se do veículo, entrou no assento posterior, e sentou-se ao lado do “Simão-Roma”, ao mesmo tempo que perguntava:

Como estão as coisas por aqui?

Tudo continua na mesma. A situação que lhe expliquei quando chamou pelo rádio não mudou. Neste momento, toda a atenção de Roma e do resto do mundo está concentrada no Aeroporto Leonardo da Vinci.

Suponho que, antes do meu chamado, você já havia enviado alguns dos rapazes ao aeroporto, para que tomassem posições e que permanecessem quietos, esperando ordens — indicou a jovem.

Vejo que não é fácil enganá-la — disse e sorriu “Simão-Roma”. — É claro que esses homens permanecerão em seus postos até que você ordene o contrário. Não se preocupe. Não será a CIA que arriscará a vida dessas pessoas que se encontram a bordo do avião sequestrado.

Espero que ninguém esqueça isto — murmurou a espiã. — O que acha que vem a ser a “primeira fase” mencionada pelos dois homens?

Primeira fase... — repetiu “Simão-Roma” — Não entendo... O que quer dizer?

Oh! desculpe-me — exclamou Brigitte, sorrindo. — Você não sabe nada sobre isso, porque não lhe expliquei... O que quero dizer é que o sequestro desse avião é só a primeira fase de uma operação que, com toda certeza, resultará em algo de maior envergadura. A coisa começou quando me fixei em dois homens que...

A agente “Baby” explicou com detalhes o que tinha conseguido apurar desde que os dois sujeitos chamaram sua atenção, enquanto os “Simões” a contemplavam assombrados e fascinados.

     Quando terminou seu relato, “Simão-Roma” observou:

Enquanto todos estão loucos com esse sequestro, sem a menor pista para desvendar o mistério, você descobriu dois indivíduos que de algum modo estão relacionados com o caso...

Posso estar equivocada, meu caro — disse e sorriu Brigitte. — Talvez esses dois tipos não tenham nada a ver com isto.

Não me parece provável que se engane — afirmou “Simão-Roma”. — Bem, se colocou um emissor standard nesse carro, não teremos a menor dificuldade em localizá-lo a qualquer momento.

E os dois sujeitos do aeroporto — interveio o jovem “Simão” — continuam aqui, sem fazer nada, como curiosos apenas?

Sim. Mas creio que estão esperando a segunda fase da operação.

O que pensa que pode ser essa segunda fase? — insistiu o rapaz.

     Não tenho a menor ideia — respondeu Brigitte.

O mais surpreendente de tudo isto é que essa gente não se pronunciou em sentido algum, não se identificou, não reivindicou nada nem fez exigências... Agora, porém, depois que citou essa segunda fase seus propósitos me parecem mais claros. Vejam: não pediram nada, não se manifestaram, porque o sequestro do avião é só o primeiro passo para culminar em uma operação muito mais importante. A questão é: O que estão tramando realmente? Qual é essa segunda fase?

     Tem razão — concordou Brigitte, divertida.

Mas, ao que parece, nenhum de nós tem uma resposta satisfatória.

     Eu sei quem a tem — afirmou o jovem “Simão”.

     Sabe?! — exclamou, surpreendida, a espiã.

     Quem?

Esses dois tipos que você conhece. Talvez fosse uma boa ideia ir até eles para lhes perguntar “amavelmente” o que estão tramando. Não deixa de ser uma oportunidade. Deveríamos aproveitá-la antes que eles continuem adiante e consigam realizar essa segunda fase, que poderá ser mais difícil e insustentável que a primeira.

O caso é que, agindo dessa forma, poderíamos precipitar acontecimentos que talvez resultassem desastrosos.

Por outro lado, se deixarmos que eles sigam adiante e cheguem a essa segunda fase, poderão acontecer coisas piores do que as sucedidas até agora. O que quero dizer...

Já entendi, meu jovem — assentiu “Baby”, — mas neste momento prefiro-me guiar pelo instinto, por minha intuição, do que por sua sugestão. Assim, esperaremos. E não importa quanto tenhamos que aguardar. Minha paciência para coisas importantes é infinita!

 

Eram sete e meia da noite quando os dois sujeitos que chamaram a atenção de Brigitte se encaminharam até o Renault 25, entraram no veículo e partiram, afastando-se do aeroporto. Momentos atrás, estiveram consultando os relógios com frequência, antes de tomar essa decisão e Brigitte compreendeu o motivo, indicando:

Estão agindo conforme horários e ações determinados e estabelecidos, tudo formando parte de um plano organizado com minúcias. Iremos atrás deles. Chame os rapazes e diga-lhes que, se ocorrer algo novo no aeroporto, nos comunique imediatamente. E que sigam esperando minhas ordens, antes de intervir em qualquer ação.

“Simão-Roma” chamou pelo rádio para dar as ordens, enquanto o outro agente conduzia o automóvel para a saída do estacionamento do Aeroporto Leonardo da Vinci, mantendo prudente distância do R 25. Havia controles na saída, mas as autoridades não punham objeção a que simples civis deixassem o lugar.

O R 25 seguia para o sul e o carro dos agentes não o perdia de vista. Cruzaram o Tevere e passaram rápido por Lido di Ostia e em seguida por Lido di Castel Fusano. Ali havia chalés formosos, próximos do mar, cujo tom azul parecia um pouco esmaecido pelo pôr-do-sol.

“Simão” retirou um mapa do porta-luvas, estendendo-o para trás e Brigitte o examinava naquele instante.

A localidade mais próxima nesse momento era Tor Vaiánica, distante cerca de quinze quilômetros. Logo vinha

Lido di Pini, Anzio, Nettuno. Se quisessem poderiam continuar viajando junto ao mar até alcançar Nápoles.

Todavia não chegaram a Nápoles, nem sequer a Tor Vaiánica. Quatro quilômetros antes o R 25 girou para tomar um caminho à esquerda, desaparecendo em seguida.

O jovem “Simão” deteve o veículo à direita da estrada e virou-se para fitar seu chefe e, sobretudo, Brigitte, que tinha o cenho franzido.

Sim — murmurou a espiã — é possível que nos tenham visto e que pretendam nos armar uma emboscada fora da estrada. Vou descer para ver se a pé posso localizá- los e descobrir o que estão tramando. Vocês continuem na direção sul e retornem para me recolher dentro de vinte minutos.

Não está falando sério — exclamou “Simão-Roma”, sobressaltado.

Antes que o agente-chefe pudesse contestar, desceu do carro, levando a inseparável frasqueira. Uma vez fora do automóvel, inclinou-se, fez um sinal ao motorista e o jovem arrancou velozmente, seguindo para o sul.

Brigitte atravessou a estrada e saiu desta por entre os pinheiros. Demorou cerca de dois minutos para alcançar o caminho de terra por onde o R 25 entrara e tratou de segui- lo, sempre bem escondida no meio das árvores.

Divisou-o cinco minutos depois. Estava parado mais adiante. Os dois homens tinham saído do veículo e passeavam tranquilamente enquanto fumavam. Era evidente que esperavam alguém. E, por incrível que parecesse, não perceberam que foram seguidos por outro automóvel.

Começava a anoitecer. O céu se tingia de um vermelho forte. De vez em quando, a voz de um dos tipos chegava até

Brigitte, porém ela não conseguia entender o que eles diziam.

Dez minutos transcorreram e a obscuridade aumentava, quando o ouvido agudo da espiã internacional começou a perceber o rumor inconfundível de um helicóptero se aproximando.

Acercou-se tanto que o barulho tornou-se insuportável. Quase em seguida, o aparelho surgiu ali mesmo, visível por entre as copas dos pinheiros, fazendo Brigitte compreender que era isso que os dois homens esperavam.

Pouco depois, o aparelho desceu e pousou muito próximo do Renault 25. Era um helicóptero grande e pintado com as clássicas manchas da camuflagem bélica. Quatro homens, equipados como soldados, saltaram ao solo e se reuniram com os dois que os aguardavam.

A conversa mantida foi rápida e os seis indivíduos se encaminharam até o R 25, cujo porta-malas foi aberto. Brigitte franziu o cenho ao ver que os quatro soldados retiravam as armas do carro: dois fuzis lança-granadas, um morteiro pequeno e duas caixas de munição. Apenas este material foi levado para o helicóptero.

O que se podia fazer com dois fuzis apenas e um morteiro ridículo?

Brigitte estava pensando nisso, enquanto os homens do helicóptero e os do Renault 25 se despediam.

“Será o momento de intervir?” — pensou a formosa mulher.

A espiã não teve tempo para tomar uma decisão, porque surgiu algo que precipitou os acontecimentos: o automóvel de “Simão-Roma”, aparecendo no caminho, procedente da estrada.

A chegada do veículo provocou reações diferentes. Brigitte soltou uma exclamação de aborrecimento, os homens do helicóptero correram para o aparelho e os do Renault para seu carro.

O automóvel da CIA se deteve bruscamente e o jovem “Simão” desceu, empunhando sua pistola e bradando em inglês:

Que ninguém se mexa...!

Um dos soldados, que se virou para ele sacando a automática, disparou veloz e com eficiência. O estampido de sua potente arma afogou a voz do “Simão”. A bala se chocou com força brutal em seu peito, provocando uma erupção de sangue e derrubando-o de costas.

Simultaneamente, abria-se a portinhola posterior, do carro e “Simão-Roma” aparecia muito pálido, de pistola em punho, abrindo fogo contra os tipos do helicóptero. O homem escolhido gritou, deu um salto para cair sentado e ficou observando o buraco vermelho em sua calça, na altura da perna. Enquanto isso, Brigitte sacou também a pistola, disparando contra o soldado que havia acertado o jovem “Simão” no peito e meteu-lhe a bala em seu olho direito. O indivíduo tombou fulminado e dois dos seus companheiros buscaram, desorientados, o lugar de onde procedera aquele ataque. Ao mesmo tempo os outros dois continuavam de pé e disparavam contra “Simão-Roma”. Este soltou um grito, girou sobre si mesmo e chocou-se contra seu próprio carro, terminando por cair de costas no solo. Sem perda de tempo, dois dos soldados trataram de recolher o companheiro morto e os demais ajudavam o ferido na perna a ficar de pé.

Brigitte apontou a pequena pistola contra eles e naquele exato momento ouviu o rugido do motor do R 25, que apareceu inesperadamente atrapalhando sua linha de tiro.

A espiã disparou, ouviu o rebate do projétil na carroceria do veículo. Este passou por sua frente a uma distância de sete ou oito metros, levantando uma poeirada tremenda que a impediu de ver os soldados do helicóptero e o próprio aparelho. “Baby” voltou sua atenção para o Renault 25, que passou roçando o automóvel de “Simão-Roma” e alcançando este no ventre quando acabava de erguer-se.

Brigitte ficou com o braço direito estendido, sem disparar e a outra mão na boca, lívida. Viu como o corpo atlético de “Simão-Roma” saltava nos ares tal qual um boneco, descrevendo um salto trágico e mortal, para cair novamente ao solo, pesado, como uma massa já disforme.

Naquela altura, o R 25 já se achava fora do alcance da pistola da agente. Após sair por um instante do caminho e roçar uns poucos pinheiros, regressava e zumbia na estrada, enquanto o helicóptero aparecia por entre a nuvem de poeira que se dissipava, subindo velozmente.

Na janelinha via-se um dos soldados empunhando um fuzil lança-granadas e Brigitte soube na hora o que ia suceder. Sem perda de tempo, atirou-se ao chão, onde ficou estendida. Escutou o estampido e em seguida percebeu a onda de calor intenso, enquanto tudo parecia tingir-se subitamente de vermelho. Ergueu a cabeça para olhar o carro de “Simão-Roma”. Ainda estavam no ar, retorcidos e queimados, os restos do veículo destroçado e incendiado, espalhando um resplendor tremendo, que permitia enxergar o corpo de “Simão-Roma” como uma simples mancha.

Brigitte “Baby” Montfort respirou fundo, apontou com sua pistola na direção do helicóptero e começou a disparar como se fosse um exército de tiro.

Como consequência da atitude da moça, o homem do fuzil lança-granadas soltou a arma, vacilou um instante e terminou por precipitar-se no vazio de uma altura de quinze metros, mais ou menos.

O helicóptero continuou sua ascensão como se nada houvesse acontecido. Todavia, de súbito, quando se achava a uns trinta metros do solo, suas hélices pararam e caiu a prumo, com o piloto morto por um balaço entre os olhos.

Ouviram-se rangidos sinistros quando o aparelho caiu sobre as copas de dois pinheiros muito juntos, destroçando seus ramos. Logo, veio a explosão, surgiu a bola de fogo, e as árvores, o aparelho e os homens que se encontravam no seu interior ficaram envoltos nas chamas devoradas, que alcançaram por alguns momentos grande altura.

A cena era terrível! Dois incêndios, três homens caídos sobre a terra escaldante e redemoinhos de poeira. Era um desses espetáculos de violência brutal que Brigitte tanto detestava, mas que, por infelicidade, muitas vezes se produziam perto dela e... inclusive provocados por ela.

Escutava-se apenas o crepitar do fogo e labaredas negras que subiam velozes, em várias direções.

Por entre essas labaredas, Brigitte divisou os helicópteros no mesmo instante em que começava a ouvir o ruído que faziam, quando já se achavam praticamente em cima dela. Passaram voando na direção de “Roma”, como borboletas sinistras. Todos eles estavam pintados com cores de camuflagem, iguais ao que ardia no momento, próximo da espiã internacional.

Os aparelhos voavam velozes, guardando formação perfeita, sem dúvida, dirigidos por um comando adequado e possuidor de bons conhecimentos estratégicos. Eram em número de doze.

Enquanto os via afastarem-se, Brigitte estremeceu, porque teve a certeza de que se dirigiam para o Vaticano!

Oh! meu Deus! Isto não! — exclamou a intrépida espiã.

 

Como soube que se dirigiam ao Vaticano?

Brigitte fitou o homem que lhe fizera a pergunta, mas não o viu. Sua mente revivia os maus momentos passados, como se estivessem se repetindo nesse momento. “Simão-Roma” estava morto e destroçado pelo brutal golpe recebido no choque com o Renault 25. O jovem “Simão” jazia de costas no leito da clínica particular para onde fora levado e seu rosto parecia de gesso. Já havia sido operado e segundo os médicos que o atenderam suas possibilidades de vida eram de trinta por cento. Eram poucas, com efeito, mas bem mais que as de “Simão-Roma”. Este, naquela mesma madrugada, tinha partido, devidamente “empacotado” para os Estados Unidos. Seria enterrado no cemitério de sua cidade natal, enquanto outro agente, dotado de conhecimentos suficiente sobre a Itália, teria oportunidade de subir de “categoria”, ocupando a chefia do Setor Romano.

Além disso tudo, Brigitte recordava o olhar de assombro que o jovem “Simão” lhe dirigira ao recobrar os sentidos por alguns instantes nos braços dela, fazendo com que lhe aconselhasse:

Calma, “Simão”... Já chamamos nossos companheiros para que venham nos ajudar.

O que sucedeu? — quis saber o agente.

Nada que lhe interesse agora. Fique tranquilo.

E... Lewis?

Brigitte compreendera na hora que Lewis era “Simão- Roma” e respondera sem preâmbulos:

Ele morreu.

O gesto de estupefação do jovem “Simão” havia aumentado, como se não pudesse entender duas palavras tão simples. Lewis morto? Então... Era verdade que podiam encontrar a morte metendo-se em ações de espionagem?!

Sente-se bem, senhorita?

Brigitte pestanejou e seu olhar regressou â realidade atual. Seus belíssimos olhos azuis se fixaram no homem que pusera uma mão em seu ombro e a contemplava com expressão preocupada..

O quê? — murmurou. — Perguntava como soube que se dirigiam ao Vaticano.

Ah! sim... Vi um deles dizer.

Viu?! — insistiu o outro, perplexo.

Sim. Na realidade, só entendi a palavra Vaticano em seus lábios, mas não me ocorreu relacionar o Estado Pontifício ao que estava sucedendo. Como vê, o assalto ao Vaticano era a segunda fase da operação. Primeiro sequestram um avião com a dupla finalidade de dispor de reféns para o caso da segunda operação não sair bem e de atrair a atenção das autoridades, tropas e forças diversas para o aeroporto. Enquanto o mundo tem a atenção voltada para o Leonardo da Vinci, eles aparecem com uma dúzia de helicópteros. Voam em poucos minutos até Roma e, depois de deixar cair vários homens de paraquedas, aterrissam nos jardins do Vaticano. Neste instante todos se acham em seu poder, incluindo o Papa.

Que jogada, Santo Deus! — exclamou o agente da CIA. — Esses tipos devem ter um ótimo comandante para fazer isso com tanta precisão e segurança. Peço que me perdoe, senhorita. Mas não posso ocultar minha admiração para essa pessoa ou pessoas que organizaram tudo.

Brigitte ficou olhando fixamente seu companheiro da CIA durante alguns segundos, com os lábios apertados. Por fim, decidiu:

Vou dormir por duas horas. Se neste intervalo ocorrer alguma novidade, acorde-me imediatamente.

De acordo. Onde a encontrarei?

Aqui — retrucou a espiã, indicando a poltrona onde se achava, junto ao leito ocupado pelo jovem “Simão”. — Não se assuste. Já dormi em lugares bem piores...

 

Um pedido fantástico!

Quando Brigitte despertou, viu o agente da CIA a quem decidira chamar “Simão-Roma 2” a seu lado.

Perdemos o carro de vista — declarou o agente.

O quê?! — indagou ela, endireitando-se com vivacidade na poltrona. — Refere-se ao R 25?

Exato.

Não acredito nisso — disse Brigitte, pondo-se de pé com o olhar fixo no rosto pálido do jovem “Simão”. — Se o sinal foi ficando mais fraco é que se afastava demasiado do último posto de rastreio. Já sei o que aconteceu... Claro! Entraram na Suíça! Por isso, foram à praia, para que um dos helicópteros recolhesse as armas!

Não estou entendendo...

É simples. Desde o primeiro momento, tinham projetado ir à Suíça, mas não era seguro cruzar nenhuma fronteira levando o porta-malas cheio de armas. Por essa razão foram devolvê-las aos homens do helicóptero. Eles estavam armados para o caso de ser necessário intervir no aeroporto. Como isso não foi preciso, resolveram se livrar dessas armas para poder viajar com toda tranquilidade. Compreende agora?

Claro — aceitou “Simão-Roma 2”. — O que não percebo é sua afirmação quanto ao lugar para onde o R. 25 se dirigiu. Por que a Suíça, quando poderiam, perfeitamente, escolher a França, a Áustria e até a Iugoslávia?

Se pensei que estão na Suíça é que se encontram nesse país.

     Já sei — disse e sorriu o agente. — Intuição. Acertei?

Talvez seja intuição ou a prática nestes assuntos. Estão na Suíça. Posso jurar.

De acordo — assentiu o homem, depois de ficar alguns segundos fitando-a, admirado.

Estão na Suíça. E se não destruíram o emissor poderemos localizá-los. Concorda em utilizarmos o sistema dos círculos de contato?

     Há outro por acaso?

Não — retrucou “Simão-Roma 2”. — Darei ordens para que realizem esse trabalho na Suíça.

E que o façam também na França, Áustria e Iugoslávia... Ah! E na Alemanha!

OK — disse o espião sorrindo. — Por um momento, pensei que ia prescindir de assegurar-me sobre o rastreio nesses outros países, guiada apenas por sua intuição.

Estão na Suíça — afirmou Brigitte. — Mas não sou nenhuma estúpida; de modo que ordene sobre o rastreio nos outros lugares. Quero os círculos de contato por todo o centro da Europa. E exijo que entrem em funcionamento dentro de quinze minutos.

“Simão-Roma 2” deixou o quarto do jovem “Simão” e Brigitte acercou-se do leito onde o rapaz se achava. Desejava observar sua respiração, que era fraca, mas rítmica. Voltou a sentar-se na poltrona e acendeu um cigarro. Se não encontrassem o R 25 pelo sistema dos círculos de contato, perderiam uma das melhores pistas de que dispunham. Mas se o emissor não fosse descoberto e destruído, tinha certeza de que o Renault seria encontrado, a CIA mobilizaria dezenas de homens que se moveriam por toda essa zona da Europa em carros com localizadores. Cada um deles poderia rastrear o R 25 em um raio de cem milhas, ou seja, em um diâmetro de duzentas milhas. Isto significaria que cada localizador criaria um círculo de busca do mesmo diâmetro. Então chegaria um momento, à medida que se fossem acercando um dos outros, em que todo o centro da Europa, estaria coberto pelo rastreio, quando os localizadores estivessem a menos de duzentas milhas uns dos outros. Dessa forma, quando todos os círculos de rastreio entrassem em contato geral, seria de todo impossível que o Renault escapasse do cerco.

A porta se abriu e entraram dois médicos e duas enfermeiras. Um deles pediu a Brigitte que saísse do aposento e a espiã achou que merecia alguns minutos de descanso. Abandonou o cômodo e dirigiu-se à cantina da clínica, onde “Simão-Roma 2” já se dispunha a carregar uma bandeja com o seu desjejum. Ocuparam ambos uma mesinha, onde se acomodaram. Brigitte acendeu outro cigarro e sorveu um gole de café.

Era desesperador, mas não podiam fazer nada. Algumas coisas talvez fossem tentadas, mas as ordens da agente “Baby”, que assumira o comando da CIA em toda Europa, eram taxativas: ninguém da organização tomaria decisão alguma sem consultá-la. Ela, por sua vez, não pensava mover um dedo no assunto, até saber as pretensões dos cinquenta ou sessenta homens que haviam tomado o Vaticano de assalto.

Sim, é o mais razoável — admitiu “Simão-Roma 2”

mas, enquanto esperamos, sabe Deus o que essa gente pode estar fazendo dentro do Vaticano!

Talvez nada que preocupe. Não faz muito fui obrigada á intervir em uma ação parecida na Ilha Mustique , onde ficou demonstrado que às vezes vale a pena ter paciência. Perder a serenidade nunca conduziu a nada de bom. Algo me diz que essa gente não tardará a dar sinais de vida. Seja o que for que pretendam, já se apoderaram com tanta perfeição da situação que não precisam esperar mais para expor suas condições e exigências.

Como se as palavras de Brigitte fossem proféticas, surgiram dois agentes da CIA na cantina, olhando para todos os lados. Quando a descobriram e a “Simão-Roma 2”, quase correram ao seu encontro, e um deles informou:

Já disseram o que querem! Acabam de anunciar pela rádio!

Pela Rádio Vaticano?

Sim, sim.

O que desejam? — perguntou a jovem, bebendo outro gole do café.

Todos os tesouros do Vaticano!

A espiã internacional ficou olhando para o agente da CIA. Logo, agarrou um dos bolinhos que acompanhava o desjejum, mordendo-o com fúria. Intercalou sorvos da bebida com pedaços de bolo e permaneceu em silêncio, absorta em pensamentos aos quais não tinham acesso os impacientes e excitados agentes da CIA. Súbito encarou “Simão-Roma 2”, perguntando:

 

2 Ver GUERRA INESQUECÍVEL, volume 421 desta coleção.

 

Temos algum amigo, adequado no SID ? Quero dizer, alguém com quem se possa falar, argumentar em qualquer situação?

Mário Lipari — retrucou “Simão-Roma 2”, sem pestanejar. — Gostará dele. É jovem, inteligente e um excelente espião.

Maravilhoso! — disse e sorriu a divina “Baby”. — Jamais me perdoaria por não conhecer um homem assim. Arranje uma entrevista com ele para dentro de meia hora. Acha que é possível?

Claro.

Verdade?! Como pode estar tão seguro?

Quando disser a Lipari que a agente “Baby” está disposta a conversar com ele sobre este assunto, vibrará de alegria! Entre outras coisas porque faz tempo deseja conhecê-la. A não ser que seja um renomado hipócrita, é um dos seus mais fervorosos admiradores!

 

Mário Lipari beijou a mão que a agente “Baby” lhe estendia, fitou-a nos olhos e disse:

Nunca me ocorreu que você pudesse desconfiar de mim.

Quem lhe disse que desconfio de você? — perguntou “Baby”, surpreendida. — Se desconfiasse não teria vindo até aqui.

É verdade que veio, porém se apresenta disfarçada. Você não é loura, não tem olhos verdes e posso jurar que alterou um pouco as formas faciais... É mesmo possível que seu corpo seja diferente deste que apresenta agora. Em resumo: se você se disfarçou tanto para vir a este encontro, é porque não confia em mim.

SID — Serviço de Inteligencia Italiano.

Por que deveria confiar? — deslizou Brigitte com suavidade.

Porque a amo — disse Lipari e sorriu com simpática espontaneidade. — Compreenda, por favor: eu a amo, não por seu aspecto físico, que não conheço, mas pelo que é e representa na espionagem: a inteligência, a justiça, a versatilidade e a eficiência. Uma mulher que já fez tanto merece o amor de todos os espiões.

Caramba! — exclamou a loura de olhos verdes sorrindo. — Disseram-me que você é jovem, inteligente e simpático. Alegra-me comprovar que tudo isso é verdade. Agora só falta me demonstrar que é também um excelente espião.

Espero ter essa oportunidade.

De acordo. Sabe se o SID está fazendo algum trato com os homens que se apoderaram do avião que devia seguir para o Cairo ou com o Vaticano?

Não.

Tem certeza?

Absoluta.

Dentro do carro com o qual a CIA fora ao encontro de Mário Lipari, na Piazza Cavour, a espiã internacional olhava com profunda atenção seu colega italiano. Este ainda não chegara aos quarenta e era bastante jovem para ocupar um dos mais altos cargos no Serviço de Inteligência Italiano. Não somente era simpático, mas muito atraente, de grandes e rasgados olhos escuros, perscrutadores. Quanto a ser inteligente não havia dúvida pelo cargo que ocupava. Mas... Seria de fato um bom espião? A verdade é que podia possuir essas e outras virtudes e ser um péssimo espião.

Então — iniciou Brigitte, após alguns segundos de silêncio — você não sabe mais do que outras pessoas com respeito às pretensões dessa gente. Não é assim?

Exato. Querem todos os tesouros do Vaticano e isto é tudo quanto sabemos.

Eu sei um pouco mais.

Não me surpreendo — disse e sorriu Lipari. — Está bem... O que quer realmente?

Quero dar as ordens ao SID e consequentemente, em toda a Itália, enquanto durar esta operação. É evidente que apenas no que se refere a este assunto. Desejo ainda entrar no Vaticano e ver o Papa.

Mário Lipari abriu a boca e os grandes olhos de assombro. Tão pasmados como ele estavam “Simão-Roma 2” e o outro “Simão” que servia de motorista. Ambos ocupavam o assento dianteiro e estavam voltados para Brigitte e Lipari.

Está brincando. Só pode ser isso! Particularmente, sou seu admirador e não teria inconveniente em ficar sob suas ordens, mas... não posso me apresentar aos meus superiores dizendo que você exige o comando do SID e de toda a operação!

Por que não?

Simplesmente, porque me cortariam a cabeça!

Bom — disse a espiã americana, sorrindo. — Todos sabem que se correm riscos em espionagem...

Não me farão caso! Quanto a querer entrar no Vaticano e ver o Papa, não depende sequer do SID!

Pois eu penso o contrário. O SID pode negociar com os sequestradores ou com os assaltantes do Vaticano. A organização deverá fingir que lhes garante a entrega dos tesouros que se encontram ali, mediante a segurança de que ninguém morra e que especialmente Sua Santidade se encontre bem. Se essa gente não entender isto, é que estamos tratando com uma quadrilha de criminosos cretinos. E isso seria uma catástrofe, amigo Mário.

Compreendo... Você quer saber se são mercenários miseráveis ou gente bem dirigida e controlada.

Exatamente; porque, sabendo quem são os assaltantes, poderemos organizar uma contraofensiva adequada e oportuna. Além disso, quero assegurar-me de que o Papa está bem. De modo que você terá que conseguir que o SID aceite minhas exigências. E atente: não amanhã, nem depois de amanhã, nem mesmo dentro de cinco ou seis horas. Agora! E, quando o SID garantir que aceita minhas condições, ponha-se em contato com essa gente na Rádio Vaticano. Diga quem você é, que o SID o designou como intermediário e que deseja ser recebido no Vaticano, acompanhado de Soror Madalena.

Soror Madalena? Quem é?

Adivinhe — disse “Baby”, sorrindo.

Oh! não! — exclamou Mário Lipari, espantado. — Se essa gente chegar a suspeitar que a freira que me acompanha é a agente “Baby” farão picadinho de nós dois!

Concordamos que em espionagem sempre se correm riscos. Não?

Mário Lipari começou a maldizer em um italiano tão arrevesado que Brigitte não entendeu nada e muito menos os dois “Simões”. De súbito. Lipari acalmou-se e disse:

Se não for capaz, de convencer meus chefes de que, aliando-se a você teremos o triunfo seguro, eu me demitirei do meu cargo e do meu trabalho de espião. Depois me dedicarei a vender refrescos nas praias.

Para falar a verdade — disse a jovem, rindo — essa é uma profissão bem mais simpática do que a nossa, amigo Mário. Consiga um bom piloto de helicóptero, sobretudo que tenha os nervos bem controlados. Não quero gente medíocre metida nisto.

Para que precisaremos de um piloto de helicóptero?

Para que conduza o aparelho com o qual aterrissaremos no Vaticano.

Mas se estamos aqui mesmo... Podemos chegar lá em um automóvel...

Não. Já fui outras vezes de carro ao Vaticano. Quero chegar desta vez pelo ar, para desfrutar a vista de seus belos edifícios e jardins. E também para ver como estão distribuídos os helicópteros e os cinquenta ou sessenta homens que tomaram o lugar de assalto. Mas nada de armas nem câmaras fotográficas ou câmaras de televisão. Temos que chegar ali de peito descoberto e sem nada que possa preocupar ou deixar desconfiada essa gente. Falei claro?

Santa Madonna — suspirou Lipari. — E eu que acreditava que a maior parte do que comentam a seu respeito era exagero!

Espero que me consiga um hábito de freira que não seja demasiado calorento — disse e riu de novo a espiã. — Por favor, não se distraia, Mário. Se o SID aceitar minhas condições, quero estar no Vaticano antes do meio-dia!

 

A vista de cima do helicóptero, que voava a pouca altura, era impressionante e encantadora.

Primeiro, a Piazza de San Pedro, ovoide e gigantesca, e depois a Basílica. À direita, o Palácio, os Museus e a Via di Porta Angélica. Mais ao fundo da Basílica e à esquerda, a Piazza de Santa Marta e distribuídos ao redor dos seus jardins os palácios de Santa Marta e San Carlo. Atrás da Basílica, separada desta por uma zona ajardinada, via-se o Palácio do Governador e à esquerda desse o Palácio do Mosaico. Mais distanciada, erguia-se da Piazza do la Stazione e o prédio desta, onde chegavam as linhas férreas do trem do Vaticano, que passavam junto ao muro do Viale Vaticano. Havia ainda o edifício da emissora de rádio, cercado pelo muro de Leão IV, que parecia dividir os belos e amplos jardins da Cidade do Vaticano, a cuja direita se achava a Pinacoteca.

Tudo isso, tendo como fundo o verdor dos jardins sulcados por formosas avenidas, como a do Observatório, a do Governador, a da Fondamenta, a do Seminário Etiópico, a de Leão IV, a do Bosque ou a do Jardim Quadrado. E especialmente, Stardone del Giardini, impressionante com sua amplitude e sua beleza de fontes e flores.

Ninguém o diria, verdade? — murmurou Soror Madalena.

Mário Lipari, que ia sentado junto dela na parte de trás do pequeno helicóptero e que também contemplava a Cidade do Vaticano, fitou-a, perguntando:

A que se refere?

Na aparência, é um lugar belo e inofensivo. Não obstante, é a cidade com mais segredos do mundo, embora sejam segredos de túneis.

Permita recordar-lhe que não é propriamente uma cidade e, sim, um Estado.

Obrigada por sua informação — disse e sorriu Soror Madalena, voltando sua atenção ao objetivo.

A Basílica, os palácios e os jardins. O que mais se via? Vários helicópteros estrategicamente colocados nas zonas mais visíveis dos jardins, nas avenidas e praças. Distinguia- se também por todo o pequeno Estado não menos de quarenta homens patrulhando em grupos de dois, armados até os dentes. Homens vestidos como soldados, idênticos aos que haviam ocupado o helicóptero que fora ao encontro do Renault 25.

Não me parece que se tenham preocupado em camuflar a presença de homens e soldados. Não acha? — comentou Lipari.

Estão fazendo o contrário — retrucou Soror Madalena.

Estão se exibindo, dando a entender claramente a qualquer observador aéreo de que dispõem de aparelhos, homens e armas e que estão bem distribuídos na zona ocupada. Havia seis homens no helicóptero que derrubei perto da praia. Se calcularmos a mesma quantidade para cada um dos doze que vi voando até aqui, chegaram ao Vaticano setenta e dois homens. Se conseguirmos divisar quarenta, é provável que trinta e dois estejam ocupando a Basílica, o Palácio e o restante dos edifícios que consideram importantes, como a Estação, a Rádio, o Palacete dos Correios e Telégrafos. Não podemos esquecer ainda que deve haver um pequeno e seleto grupo encarregado de custodiar o Papa.

Numa hora como esta, gostaria de saber para que serve a sofisticada Guarda Suíça — observou Lipari.

Devemos supor que a invasão se produziu de surpresa e tudo foi tão rápido que não tiveram tempo para reagir.

A meu ver, deveriam estar preparados para tudo. A Guarda Suíça é encarregada de todas estas coisas, a saber: guardar as entradas, vigiar a cidade e, sobretudo, proteger a pessoa do Santo Padre. O Corpo de Gendarmes da Cidade se ocupa dos serviços de Polícia, mas a Guarda Suíça tem o dever de proteger a Cidade e o Papa acima de tudo. E não fez nada!

O fator surpresa sempre conta nestas ocasiões — insistiu Brigitte. — Talvez quando a Guarda Suíça quis reagir, os invasores tinham tal quantidade de reféns dentro do Vaticano, sem falar os do avião sequestrado, que não puderam fazer nada.

     Acho que deviam ser mais cuidadosos!

Por que bate na mesma tecla? — perguntou a espiã surpreendida. — Na história, produziram-se invasões mais ousadas do que a do Vaticano, meu amigo.

     Não me diga. Cite uma, por exemplo — pediu Lipari.

Citarei a da Normandia. Os alemães sabiam que iam ser invadidos. Apesar disso, não puderam evitar que a coisa acontecesse. Imagine agora o que a Guarda Suíça poderia fazer diante da surpresa do assalto ao Estado do Vaticano! Será melhor que deixemos este assunto para depois. Veja! Estão fazendo sinais para que desçamos. Acha que poderá recordar que, a partir de agora, sou Soror Madalena, enviada pelo Presidente da República para conversar com o Papa assegurar-me do seu perfeito estado de saúde mental e física?

Mário Lipari soltou um grunhido e voltou sua atenção ao exterior.

Embaixo, com efeito, um grupo de seis soldados faziam gestos, situados em frente ao Palácio do Governador. O piloto, que voava muito baixo esperando que lhe dessem autorização para a aterrissagem, deu início à descida. Segundos mais tarde, o helicóptero locava a terra e o piloto desligou o motor,

Desçam! — bradou um dos soldados invasores. — Vamos! Desçam agora e com as mãos sobre a cabeça!

Mário Lipari e o piloto saltaram. Enquanto este último obedecia as ordens dadas, Lipari ajudava Soror Madalena a descer. Com efeito, o hábito que a freira vestia era leve, de cor cinza e branco, de saia pouco abaixo dos joelhos e uma touca pequena. Apesar dos esforços da espiã para disfarçar sua beleza ao máximo, esta ressaltava o suficiente para que os soldados invasores ficassem olhando-a fascinados.

Um deles, porém, raciocinou e, acercando-se da falsa freira, ordenou em italiano quase perfeito:

Você aí, freira, ponha as mãos sobre a cabeça!

O que há com você? — indagou Mário, irritado. — Acha que a irmã vem armada?

Todos com as mãos sobre a cabeça e quietos! — berrou o mesmo sujeito.

Mário fez um gesto de contrariedade, mas obedeceu e Soror Madalena o imitou.

Três soldados ficaram apontando-os com as metralhadoras, enquanto outros três procediam à revista nos recém-chegados. Um deles apalpou todo o corpo de Soror Madalena, sem consideração nem perturbação alguma, sob o olhar furioso de Mário Lipari e a imobilidade estoica da freira. Esta nem sequer pestanejou quando a manopla do sujeitou apertou seu sexo, entre suas nádegas, nos seios e nas axilas.

Está bem — autorizou por fim o soldado que chefiava o grupo. — Agora vou levá-los à presença de Olaf.

Retirou um pequeno walky-talky, falou em um idioma que Brigitte supôs que fosse sueco e guardou o aparelho. Pouco depois, apareceu um automóvel por uma das alamedas do Vaticano, que se deteve diante deles.

O piloto fica aqui — disse o soldado. — Vocês, subam no carro.

Obedeceram. No veículo não havia mais ninguém senão o condutor, que nem sequer os fitou e efetuou a curta viagem em silêncio. Só falou quando, depois de percorrer a Via do Governador, deteve o veículo na Piazza del Forno, perto, da entrada do Palácio.

     Desçam — convidou.

Assim fizeram os dois ocupantes. Quatro soldados se acercaram e formaram a guarda, começando a andar em seguida. Havia poucos homens distribuídos pelo caminho; contudo, ninguém se alterou ao ver a comitiva, que cruzou o Pátio dos Sentinelas, o dos Papagallos e chegaram, por fim, ao de São Dâmaso. Dali subiram ao terceiro andar do Palácio, onde o Papa tem suas acomodações particulares e se acham contínuas aos escritórios da Secretaria do Estado.

Os soldados se detiveram em frente à grande porta, que aos poucos se abriu. Apareceu um homem gigantesco, sardento, quase albino e de olhos tão claros que pareciam feitos de leite, Sorriu mostrando uma inesperada dentadura incerta e estragada. Apresentou-se.

Sou Olaf, o chefe do comando invasor. Entrem. Conversaremos enquanto tomamos o aperitivo.

Soror Madalena e Mário Lipari trocaram um olhar e dispuseram-se a entrar na suntuosa sala de recepção.

 

O chefe do comando invasor

Entraram no grande salão de recepção e dali passaram ao escritório particular do secretário. Lá se achavam três soldados que pareciam encarregados de observar se o pessoal da cozinha do Palácio, que trouxera as bebidas e a comida, não cometiam alguma tolice.

Os aperitivos italianos são os melhores do mundo — indicou Olaf. — Não estão de acordo?

Nem Lipari nem Soror Madalena responderam. Olaf fitou-os com curiosidade, especialmente a freira, e lhes apontou luxuosos assentos que eles ocuparam em silêncio.

Você bebe, Soror? — perguntou Olaf, com um cálice na mão.

Tenho por hábito não beber. Hoje, porém, aceitarei encantada seu convite, senhor. Não obstante, desejo preveni- lo de que não estamos aqui para tomar aperitivos. Nossa presença tem o fim exclusivo de saber se o Santo Padre se encontra bem.

Esse sujeito está ótimo, não se preocupem — disse Olaf, aproximando-se da freira, estendendo-lhe o cálice com a bebida. — Mais tarde, inclusive, poderão vê-lo. Agora, creio que o mais indicado é falarmos de coisas importantes. Fiquei satisfeito com o seu pedido para este contato. Aliás, já havia pensado em solicitar algo parecido, uma vez que desejava uma via de comunicação com suas autoridades mais direta do que o rádio. Acho que as pessoas se entendem muito melhor ao vivo do que utilizando outros meios. Não concordam comigo?

Escute — disse Mário — nós não estamos de acordo com coisa alguma que você e seus homens estão fazendo.

Mas desejamos que tudo termine sem prejuízo para ninguém. O que vocês pretendem, com exatidão?

Todos os tesou...

Isto já sabemos — cortou o rapaz, — todos os tesouros do Vaticano. O que mais?

Nada mais.

Vejamos — interveio Soror Madalena — vocês já são donos do Vaticano. Não é assim? Portanto podem apoderar- se de tudo quanto há por aqui. Para que, então, retêm Sua Santidade?

Irmã, talvez você não entenda destas coisas. Vou explicá-las em poucos segundos. Nós não necessitamos do sujeito que vive aqui para nada, nem das pessoas do avião sequestrado no Leonardo da Vinci. Mas tudo junto forma o que poderíamos chamar de nossa apólice de seguro. Sequestrando o avião com sessenta pessoas a bordo, garantimos nossa liberdade para o caso de algo sair errado na invasão do Vaticano e se nos prendessem, ao mesmo tempo, essas sessenta pessoas nos serviram para pressionar o Papa. Mal aterrissamos nos jardins, fizemos com que uma mensagem lhe chegasse às mãos. Ou ordenava que suas tropas vaticanas permanecessem inativas e deixassem o campo e o Estado sob nosso controle, ou o avião sequestrado explodiria em mil pedaços, antes de cinco minutos. O Papa preferiu pôr seu Estado em nossas mãos e assim estão as coisas agora. E sabe para que? Para que pudéssemos nos apoderar dos tesouros existentes aqui. Você sabia, irmã, que não há em todo o mundo tesouro que possa igualar-se a este? Pode rir das joias da Coroa Britânica, dos luxos e riquezas da mais refinada corte imperial chinesa dos anos passados; ria, inclusive, dos depósitos de ouro do Forte Knox norte- americano. Pois lhe asseguro que não há em todo o mundo tesouros mais fabulosos do que os contidos neste diminuto Estado. É tudo quanto queremos: todas essas riquezas.

Pois bem: pode levá-las — grunhiu Mário.

Não é tão fácil assim — confessou Olaf. — Para levar tudo isso a seu destino, necessitamos de tempo e meios de transporte. Temos ambas as coisas, é certo. Nossa frota de helicópteros está à nossa disposição. Porém ninguém será liberado até que todos os tesouros tenham saído do Vaticano. Além disso, queremos garantir via livre completamente e a passividade total das forças italianas, enquanto se desenrolar a operação. Dessa forma, exigimos que façam um corredor de Roma à costa, onde não haja ninguém e por onde nossos helicópteros possam ir e vir sem dificuldade.

Ir... para onde? — perguntou Mário, assombrado. — Quer dizer que vão levar os tesouros do Vaticano para o mar?

É evidente.

Entendo... Os helicópteros conduzirão esses valores para um barco — arriscou o rapaz.

Raciocínio perfeito — disse e sorriu Olaf. — E não queremos que ninguém veja esse barco. Por esse motivo, suas autoridades ordenarão que ninguém se acerque da costa a menos de cem milhas do Lido di Ostia. Creio que fui bem claro.

Mário Lipari abriu a boca em um gesto agressivo, mas captou o leve, movimento das pestanas de Soror Madalena e resolveu beber um gole do aperitivo. Logo, murmurou:

Claro que sim.

Acha que suas autoridades aceitarão?

Você sabe que ninguém porá a vida de Sua Santidade em perigo.

Bom... — iniciou Olaf, mostrando de novo seus dentes carcomidos. — Só queria me assegurar disso e deixar as coisas o mais claro possível.

Pois se já estão claras para você — interveio Soror Madalena — podemos ver o Papa agora?

O que há? Pensam que o matamos? Não ganharíamos nada com isto. Ao contrário, só complicaríamos a vida sem obter benefício algum. Para nós ele é bem mais útil vivo do que morto.

Sim. Compreendo, senhor. Mas gostaria de ver Sua Santidade — insistiu a freira disfarçada.

Sabe? Estou me perguntando até agora por que tiveram que enviar uma freira — indicou Olaf, apertando seus olhos transparentes, sombreados por sobrancelhas quase brancas. — Não tem sentido. Seu companheiro também poderia ver o Papa e comprovar seu estado de saúde. Por que a enviaram, irmã?

Se quer que lhe diga a verdade, não sei — disse Soror Madalena, que parecia perplexa. — Todavia, suponho que imaginaram ser mais delicada enviar uma freira para... detectar o bom estado de saúde de Sua Santidade. Além de ser religiosa, sou também médica.

Ah!... Sim, claro, Bom... E daí? Contínua me parecendo estranho, enfim... não tem importância. Quero que saiba que qualquer jogada por parte de vocês dará lugar a represálias sangrentas. Compreenderam?

Sim, senhor. Podemos ver o Papa?

Por que o empenho? Será que não percebem que posso lhes mostrar esse sujeito em perfeito estado de saúde e matá- lo quando vocês tenham ido embora?

Não, não podem fazer isso — negou Lipari, movendo a cabeça — porque, a partir do momento em que tivermos saído daqui, depois que Soror Madalena tiver visto o Papa em perfeito estado de saúde, ele terá que aparecer na janela habitual do Palácio a cada seis horas, no máximo.

A janela habitual?

Exato. A do terceiro andar de onde envia suas bênçãos às multidões de fiéis que se congregam na praça. A cada seis horas. Sua Santidade deverá deixar-se ver pelo povo romano que chega à Praça de São Pedro.

Olaf pestanejou. Logo passou seu olhar claro de Lipari para a freira e vice-versa.

De maneira — sussurrou por fim — que vocês também impõem condições...

São menos duras que as de vocês — retrucou Mário.

Tanto o rapaz como Soror Madalena observaram a hesitação do gigantesco Olaf, que, por fim, assentiu com um gesto.

De acordo. Aceito. Poderão ver o Papa quando terminarem o aperitivo. E notem: eu disse vê-lo; não falar com ele.

Por que não? — protestou Soror Madalena.

Porque quero que esteja completamente livre das notícias exteriores. Ele já sabe que temos o avião e que podemos matar mais de sessenta pessoas em questão de segundos. E não desejo que saiba nada mais além disso. Vocês, de algum modo, poderiam lhe passar alguma mensagem. Talvez tenham encontrado o meio de recuperar o avião sequestrado ou decidido assaltá-lo, aconteça o que acontecer. O caso é: ou tudo sai bem ou todos morrerão. Em qualquer dessas opções, o Papa já não poderia ser pressionado com a ameaça do avião sequestrado... E eu não vou permitir que ele tome conhecimento de nada, nem agora nem depois, por meio de algum sinal, como tiros de canhão, disparos de foguetes ou outra coisa qualquer.

Deve estar brincando — disse a freire. — Está falando como se o Papa fosse um... um comando ou um agente secreto, ou algo parecido!

Irmã, não sei o que pensa do Santo Padre — retrucou, áspero, Olaf. — De minha parte, sei que é um sujeito perigoso em muitos aspectos. De forma que o verão apenas, mas não falarão com ele nem ele os verá. Ou isto ou nada!

     O trato... — iniciou a freira.

Aqui não há tratos senão os impostos por mim — bradou Olaf, começando a irritar-se. — Escolham: isto ou nada.

     Está bem. Nós o veremos e nada mais.

Vou ter o prazer de lhes oferecer uma pequena amostra dos muitos mistérios deste lugar. Terminem o aperitivo.

     Soror Madalena e Mário Lipari assim fizeram.

Olaf, que os contemplava jocosamente, apontou o fundo do escritório e se encaminhou até ali. Quando se voltou, a freira e Lipari continuavam sentados, fitando-o desconcertados. Então, o gingantesco homem fez um sinal para que o seguissem e ambos obedeceram. Olaf puxou um cordão de seda com borla na extremidade e, diante deles, silenciosamente, abriu-se um dos corpos da grande estante, deixando visível um corredor estreito, com as paredes e o solo forrados com tapeçaria de tom roxo.

     Acompanhem-me.

     Os três o seguiram.

Olaf apertou outra mola e a porta se fechou, enquanto o corredor se iluminava com luzes indiretas, muito suaves.

Caminhavam em silêncio completo, como se fossem espíritos, e não corpos. Podiam ouvir as próprias respirações. Finalmente. Olaf se deteve e descerrou uma cortina, deixando a descoberto uma cavidade protegida por vidro, de uns cinquenta centímetros de lado.

Por essa espécie de vigia, Mário Lipari e Brigitte “Baby” Montfort viram Sua Santidade o Papa João Paulo II.

Achava-se sentado em uma cadeira que ocupava quase o centro da sala. Diante dele, acomodados em poltronas e alguns de pé, estavam vários cardeais. Um deles fumava um cigarro fino e caro. Ninguém dizia nada. O estado de todos parecia bastante satisfatório.

Como é lógico — disse Olaf — o Papa sabe que este ponto de observação existe, e que posso vê-lo e ouvi-lo quando bem desejar. Deste modo, é pouco provável que ele ou qualquer dos seus compinchas digam algo interessante.

Eles não veem esta janela? — indagou Soror Madalena.

Claro que não, pois do outro lado é um espelho com cornucópia espessa. Mas o Papa sabe que isto é um posto de observação e conhece a existência deste corredor e de muitos outros. O que poderíamos dizer dos porões, grutas e catacumbas que temos sob nossos pés...! E da linha secreta da estrada de ferro e de tantas outras coisas... Este é um dos lugares melhor protegidos e encobertos do mundo. Podem estar certos.

Apesar disso — insinuou a freira — você conseguiu invadi-lo. E, ao que parece, conhece-o muito bem.

Como você deve compreender, irmã, antes de realizar o assalto procuramos nos informar de tudo. É evidente que teríamos nossa retirada garantida se algo saísse errado, graças ao avião sequestrado. Contudo, tomamos nossas preocupações e sabemos por onde e como devemos nos mover em todos os momentos.

De onde se depreende que alguém facilitou a vocês informações secretas sobre a Cidade do Vaticano.

Claro que sim. E lhes direi uma coisa se me perguntassem o posto de poder ou comando que todo o mundo gostaria de ter, não vacilaria em ficar com este, o do Vaticano. Podem rir, se quiserem, de Washington e até de Moscou, por exemplo.

Não diga barbaridades — grunhiu Lipari. — Um corredor secreto como este não é assim tão espetacular e não justificaria fantasias.

Olaf o fitou, soltou uma gargalhada e apontou a janela hermética.

Bom... Aí o têm... Olhem-no o quanto queiram e voltemos ao meu escritório. Quero dizer — riu de novo — ao escritório que me emprestaram.

Pouco depois, regressaram ao gabinete de trabalho do Secretário do Estado. Após exigir que a resposta chegasse até ele antes de transcorridos setenta e cinco minutos, Olaf permitiu que a freira e o espião abandonassem o edifício. Logo, alçavam voo no helicóptero, que os esperava no mesmo lugar onde aterrissara.

Quando voltaram a passar por cima da Praça de São Pedro, a multidão que a abarrotava continuava ali, em silêncio, a maioria de joelhos, todos os olhares fixos na janela do Palácio pela qual o Santo Padre dava diariamente sua bênção ao povo de Roma e ao mundo cristão.

A vida parecia haver se detido e a atenção e os pensamentos de todos estavam concentrados na Cidade do Vaticano, pois, naquela altura, ninguém ignorava que a moradia do Papa fora invadida e que Sua Santidade achava- se em mãos dos assaltantes.

É impressionante — disse Mário, indicando a massa popular ajoelhada que se comprimia na Praça de São Pedro.

Creio que não vai ser nada fácil resolver esta situação.

Às vezes as coisas mais difíceis oferecem, de súbito, soluções fáceis — retrucou a freira.

Tem algum plano? — perguntou Mário, interessado.

Mais do que um plano, teria que ser um milagre — disse, movendo a cabeça a espiã americana. — E se alguém pode fazer milagres não sou eu precisamente.

Ao que parece — murmurou Mário — o Papa tampouco está em condições de fazer milagres. Está submetido a uma pressão terrível. Se ele fizer algo que desgoste Olaf, esse tipo pode mandar assassinar toda a Guarda Suíça, o Corpo de Gendarmes e as demais pessoas que neste momento se acham confinadas e vigiadas. Do mesmo modo pode ordenar que o avião seja explodido... Para ser sincero, não queria estar em sua pele.

Sim, não há dúvida. Sua responsabilidade é terrível. Mas pessoalmente não se acha em pior situação do que os passageiros do avião.

Concordo. Mas ele é o Papa!

O que quer dizer com isto?

Que sua vida vale mais do que as das outras pessoas.

Suponho que João Paulo II não pensa como você — retrucou Soror Madalena com secura.

Se assim fosse não teria ordenado a sua Guarda Suíça render-se nem aceitaria cair prisioneiro para proteger algumas vidas.

Madonna! Que resposta!

A que você merece. E agora, por favor, deixe-me no chalé onde a CIA instalou nosso quartel-general. Em seguida, vá informar seus chefes das exigências de Olaf. Ficaremos em contato por meio do rádio.

     Pensei que você viria comigo.

     Tenho outras coisas para fazer.

 

Quando Brigitte terminou suas explicações, ajudada pelo grande mapa e desenhos do Vaticano estendidos sobre a mesa, “Simão-Roma 2” observou:

Quer dizer que quem organizou isto sabia muito bem o que havia e o terreno que seus homens iriam pisar. Não é assim?

     É evidente — assentiu a agente “Baby”

Suponho que conseguiu informações secretas do Vaticano subornando alguma pessoa. A ocupação do Estado foi perfeita. Agiram com conhecimento total. Fizeram prisioneiros Sua Santidade, demais cardeais e outras personalidades eclesiásticas e civis. Usaram o avião para amedrontar João Paulo II, obrigando-o a permanecer de braços cruzados para manter vivos os passageiros da aeronave. Foi a maneira que encontraram para garantir sua liberdade caso algo saísse errado na ocupação do Vaticano.

     Parece-me que também não podemos fazer nada.

Infelizmente, meu caro. Estamos impedidos de qualquer ação.

Enquanto isso, esses helicópteros já começaram a fazer suas viagens levando os tesouros do Vaticano para o mar...

     Os tesouros não servem para nada, “Simão”

     Palavra que não a entendo — disse o agente, surpreso.

Às vezes sou um pouco chocante — disse e sorriu Brigitte.

Permaneceram em silêncio por alguns segundos Logo, Brigitte se acercou de uma das janelas da sala do chalé que a CIA havia preparado como quartel-general. O prédio ficava próximo da estrada que une Roma a Lido di Ostia, nas proximidades do Rio Tibre. Dali ouviam passar os helicópteros constantemente, fazendo o percurso até o mar e que, transcorrida uma hora mais ou menos, regressavam.

     Passava das cinco da tarde.

No momento em que Brigitte acendia um cigarro, outro grupo de helicópteros seguia a rota de sempre, em direção ao mar, com seu barulho característico.

     “Simão-Roma 2” foi para perto de Brigitte e comentou:

     Daria qualquer coisa para ver esse barco.

     Jamais o conseguirá.

     Por que não? Talvez quando todos...

Não existe tal barco, Simão. Estão jogando os tesouros no mar.

O que está dizendo?! — quase gritou o espião, perplexo, com os olhos arregalados pelo assombro.

Brigitte moveu a cabeça e voltou-se para o interior da sala, no instante em que outro agente entrava impetuosamente no recinto, avisando:

     Achamos! Localizamos o Renault 25!

     Magnífico! Onde está?

     Onde deveria estar? Onde você disse! Na Suíça!

 

Os dois sujeitos do Renault 25

Quando a agente “Baby” chegou ao aeroporto internacional de Berna, os agentes da CIA já estavam a sua espera.

Eram dois homens; um aparentando cinquenta anos, que se apresentou de tal forma que Brigitte soube logo tratar-se do “Simão-Berna”. O outro, bem mais jovem, devia ter trinta anos, de gesto decidido, era um dos “Simões” com que a espiã podia contar na Europa.

O carro no qual se afastaram do aeroporto era um discreto Volkswagen de cor escura, bem de acordo com a tarde cinzenta daquelas latitudes, por certo, diferentes das de Roma, onde o verão oferecia dias claros, vibrantes e de muito calor.

E então? — perguntou Brigitte assim que entrou no automóvel e sentou-se ao lado de “Simão-Berna”.

Estão em uma casinha da Herrengasse, perto do Cassino — explicou o agente. — Trata-se de uma vivenda de dois andares, mas temos a certeza de que ninguém reside ali. Quero dizer que permanece desocupada nos dois pavimentos e que esses tipos se instalaram no andar térreo, à espera de alguma coisa, O R-25 se encontra na garagem, escondido, mas nosso receptor de sinais não entende muito de portas, de modo que nos levou ao sítio exato.

     Quer dizer que vocês viram os dois homens e o carro?

Sim. Nós os vimos quando estávamos com o receptor investigando por ali, sabendo que o Renault não podia achar- se muito longe. O que nos chamou a atenção foi o jeito daqueles dois homens. Então, enquanto eles iam almoçar, um dos nossos rapazes os seguiu e outros dois entraram na casa por uma janela dos fundos, sem deixar sinais. Do vestíbulo é fácil o acesso à garagem e ali encontraram o automóvel. Ainda está com o emissor. Os sujeitos regressaram por volta das duas e meia, sem ter feito nada de especial e desde então se acham na vivenda.

Esperando alguém, segundo vocês acreditam?

Ou aguardando o momento de ir ver alguém. O que quis dizer é que a atitude de ambos é de espera. Pode ser que estejam aguardando um contato ou novas instruções... Algo assim.

Bem — murmurou Brigitte. — Vamos até lá. Imagino que deixaram alguém vigiando a casa.

É claro. Como estão as coisas em Roma?

A situação é de expectativa, enquanto os invasores continuam levando todos os tesouros do Vaticano: dinheiro, joias, quadros, objetos de arte e culto... É o saque mais extraordinário da História.

Tenho impressão de que isto não a impressiona demasiado. Verdade?

O que me deixa pasmada é a precisão dos planos da pessoa ou pessoas que prepararam tudo isto e não o furto das joias. Nenhum desses valores vale a vida de um semelhante.

Sem dúvida, seu ponto de vista é muito peculiar — disse “Simão-Berna”, quase rindo. — Estou certo de que poucas pessoas pensam como você.

Nunca dei valor à quantidade e, sim, à qualidade. Sei que muitas pessoas não são agradáveis de se ver, valem menos do que um quadro e, inclusive, merecem morrer. Mas suponho não ser este o caso dos passageiros que estão no avião sequestrado nem dos reféns que os soldados de Olaf fizeram no Vaticano. É claro que posso me equivocar.

Todos nos equivocamos algumas vezes, como, por exemplo, esses dois sujeitos do Renault 25. Imaginam que estão a salvo, quando, na realidade, se encontram no maior apuro de suas vidas. Creio que não tardarão em perceber isso.

Tem razão. Demorarão o tempo que gastarmos para chegar a esse chalé da Herrengasse.

“Simão-Berna” fez um gesto de surpresa.

Não dispomos de muito tempo — declarou Brigitte, com decisão. — De maneira que não esperaremos nada. Agiremos agora e talvez tenhamos sorte.

“Simão-Berna” assentiu. Afinal, era a agente “Baby” que estava no comando.

 

Que horas são?

Seis e vinte. Será melhor não se impacientar. Logo estará aqui.

Não estou impaciente e, sim, preocupado, Oscar. Aquele contratempo que nos fez perder um helicóptero poderá nos custar caro. Como vê, tenho razão para não me sentir tranquilo.

É... — admitiu Oscar de má vontade.

Maldita seja! Gostaria de saber de onde saíram aquelas pessoas e quem eram. Estou seguro de que nos seguiram, pois não podiam fazer o mesmo com o helicóptero, usando um automóvel. E, quando ele souber que nos seguiram, deduzirá que cometemos alguma falha. Não pense que vejo as coisas muito claras, Peter.

Querem que eu explique? — Soou uma voz feminina de súbito.

Os dois homens saltaram dos assentos e olharam sobressaltados para a porta da sala, de onde soara a voz.

Ficaram paralisados, olhando a mulher alta, esbelta e loura, que os contemplava com ironia nas feições e empunhava uma pistola.

Quem demônios é você? — exclamou Oscar, depois de recuperar a fala. — De onde saiu?

Não saí, acabo de entrar. E o fiz pela mesma janela que um dos meus companheiros da CIA utilizou para entrar neste chalé. Ele chegou à garagem e viu o Renault 25 no qual coloquei um emissor de sinais no aeroporto Leonardo da Vinci. Também lhes direi quem sou: “Baby”, da CIA.

Aquela informação fez os dois homens empalidecerem, enquanto seus olhos se arregalavam pelo assombro que sentiam.

Oscar estava de pé perto do móvel que servia de bar e Peter havia se instalado em uma poltrona, e fumava.

A agente “Baby” fez um gesto com a cabeça, indicando o centro da sala, fitando Oscar.

Sente-se naquela poltrona junto do seu amigo — ordenou. — Vocês são dois cretinos, mas é possível que possam me dar algumas informações antes que os mate.

Pretende nos matar? — gaguejou Oscar.

Vocês formavam parte do grupo cuja ação custou a vida do meu companheiro “Simão- Roma”; e é bem provável que o outro “Simão” venha a morrer também. De modo que seus dias, devia dizer seus minutos, estão contados. Antes, porém, falaremos um pouco.

Não lhe diremos nada, porque não vamos ganhar nada com isto. Se pensa em nos matar, por que devemos lhe passar informações?

Porque uma coisa é morrer de um tiro na cabeça e outra é morrer queimado vivo. Gostariam de se submeter a tal experiência?

Você não faria isso.

Não? Terei apenas que amarrá-los nestas poltronas, rodeá-los com gasolina que há em quantidade na garagem e deixá-los queimados até que esta casa se desmorone completamente.

Peter sorriu e disse:

Você é apenas uma charlatã! Não fará nada disso!

A espiã mais implacável do mundo fitou o homem e sorriu também. Sem dizer nada apontou sua testa com a pistola.

O sorriso de Peter ampliou-se e pareceu mais desdenhoso ainda. A loura disparou. Ouviu-se um ruído apagado e a bala se incrustou na fronte do sujeito, alojando-se em seu cérebro, matando-o no ato. Imediatamente, a arma se desviou para Oscar, que ficara lívido e com o rosto crispado.

Não me importa matá-lo também — declarou a espiã americana, com frieza na voz. — Sei que estão esperando alguém e posso me entender com essa pessoa quando chegar. Mato-o agora ou prefere conversar?

O que quer saber? —inquiriu Oscar, perdendo toda a coragem.

Quero saber a quem esperam.

A uma pessoa que virá nos recolher para nos levar até outra pessoa.

Quem são essas pessoas?

Uma se chama Razih e é o encarregado de nos apresentar à segunda pessoa que não sabemos quem é. Foi Razih quem nos contratou. Combinamos que, quando terminasse o trabalho recomendado, viríamos para cá e nos reuniríamos com ele.

Qual era o seu trabalho?

Devíamos ficar no aeroporto e intervir em favor dos sequestradores, se fosse possível, no caso de que algo saísse mal.

E se não fosse possível ajudá-los, caso algo saísse errado?

Oscar passou a língua pelos lábios ressequidos.

Então devíamos disparar com rifles lança-granadas e com um morteiro contra o avião sequestrado, para que os sequestradores morressem e não pudessem falar. Mas tudo saiu bem e fomos devolver as armas. Logo, nos dirigimos a este chalé onde aguardamos a chegada de Razih.

Percebo — murmurou Brigitte. — O que não compreendi bem foi a ordem que lhes deram para matar os sequestradores. Você quis dizer que teriam explodido o avião com esses canalhas lá dentro... e também com os sessenta passageiros?

Oscar não respondeu. Tudo quanto fez foi passar de novo a língua pelos lábios.

“Baby” apertou os olhos e permaneceu alguns segundos fitando-o enojada.

Muito bem — disse por fim. — O que mais você sabe?

Devíamos devolver as armas perto da praia... Você é a mesma mulher que esteve ali!...

E além de devolver as armas?

Nada mais. Nosso trabalho havia terminado.

De acordo. Não sabe mais nada deste assunto. Não é assim?

Nada. Já disse tudo quanto sei.

Neste caso, já não me serve para nada.

Oscar estremeceu. Fitou aqueles olhos falsamente verdes e, apesar da lente de contato que desfigurava a cor, pôde ver naquelas pupilas sua sentença de morte. Soltou um grito de raiva, meteu a mão direita na axila esquerda em busca da pistola, mas...

Um leve ruído apenas e o impacto de algo incandescente contra sua fronte.

Oscar girou sobre si mesmo, como se desenhasse um grande círculo e rodou por terra, já que não havia obedecido à ordem de sentar na poltrona como o seu comparsa.

Ficou estendido aos pés de Peter, que permanecia em cômoda postura, com os olhos abertos, as mãos crispadas nos braços da poltrona e apenas um filete de sangue saindo do orifício diminuto de sua testa.

Brigitte efetuou uma chamada pelo rádio de bolso e em seguida soou no aparelho a voz de “Simão-Berna”.

Sim?

Será melhor entrarem agora. Pela parte dos fundos, claro.

Desligou o rádio.

“Simão-Berna” e o outro “Simão” apareceram dois minutos mais tarde. Contemplaram os dois homens e, logo, viraram-se para “Baby”, como se esperassem uma ordem. A agente indicou os cadáveres.

Esconda-os onde não possam ser encontrados e assegurem-se de que não fiquem manchas de sangue ou qualquer outro indicio de que morreram. Logo voltaremos ao carro e quero que ninguém se deixe ver nem cometa alguma estupidez. Avisem os outros “Simões”. Virá alguém ver estes dois. Sei que não posso evitar que se inquiete ou se desconcerte. Mas quero fazer o possível para que não se assuste demasiado e possa regressar ao lugar onde se reunirá com a pessoa que o enviou para recolher estes patifes. Está claro?

Perfeitamente.

Ótimo.

Deixando os dois “Simões” encarregados de fazer os cadáveres desaparecer, Brigitte saiu da sala e subiu ao pavimento superior, percorrendo-o com rapidez e sem muito interesse. Voltou para baixo e dirigiu-se à garagem. Ali estava o R-25, do qual retirou o emissor de sinais que ainda continuava funcionando. Voltou ao interior da casa, sem se preocupar em revistar o automóvel, deixando-a pela porta de trás. Poucos segundos depois, entrava no veículo onde “Simão-Berna” e o outro jovem a esperava. Brigitte consultou o relógio de pulso. Eram sete menos doze minutos.

 

A agente americana despertou imediatamente, mal “Simão-Berna” tocou em seu ombro.

Com a mesma rapidez, como se não acabasse de sair de um sonho profundo de mais de duas horas, depois de ter esperado em vão umas seis, recuperou o fio da situação e olhou para o chalé.

Perto deste estava um automóvel parado, de onde descia um homem aparentemente sozinho.

Suponho que esse tipo é o tal Razih — sussurrou “Simão-Berna”.

Brigitte assentiu e fitou o relógio. Eram três horas e seis minutos da madrugada e Berna era só quietude e silêncio.

Era como se tudo houvesse se transformado em uma fotografia, exceto o homem recém-chegado, que já se encaminhava até a casa. Era um sujeito alto, muito magro, de feições exóticas, que pareceram escuras ao passar de costas sob as luzes da rua.

Parece asiático — murmurou Simão. — Talvez hindu ou algo assim...

O tipo que pensavam fosse Razih chegou diante da porta da vivenda, retirou uma chave do bolso e abriu-a. Desapareceu no interior, fechando a porta com gestos discretos.

“Simão-Berna” soltou um grunhido e disse:

Aposto minha mão como este indivíduo veio a estas horas, com tanto sigilo, para eliminar seus dois empregados. Infelizmente! Não passavam de estúpidos!

Sim — assentiu Brigitte. — É provável que traga ordens para liquidá-los. Espere-me aqui. Volto já.

Aonde vai? — inquiriu “Simão-Berna”, fazendo um gesto, para detê-la.

Contudo, antes que conseguisse segurá-la, a espiã já havia descido do carro e corria sem fazer barulho até o veículo do recém-chegado, onde colocou o emissor de sinais, no mesmo lugar onde estivera no R-25.

O sinaleiro crescera de categoria: nesse momento passaria a viajar em um Mercedes 320.

Com a mesma agilidade e silêncio, Brigitte regressou para junto de “Simão-Roma”, dizendo:

Assegure-se de que o emissor continua funcionando.

O agente suíço colocou em funcionamento o receptor,

que emitiu seu bip-bip-bip de localização, forte e claro, enquanto a pequena agulha indicava o Mercedes, sem a menor oscilação.

Agora está na garagem. — indicou o jovem “Simão”.

Seu chefe e Brigitte olharam para a vivenda. À esquerda

desta, ao rés-do-chão, divisava-se uma claridade que parecia uma linha comprida.

Para os espiões, era como se estivessem acompanhando o homem chamado Razih. Podiam afirmar que se dirigira ao salão e, ao não ver ninguém, pronunciara os nomes dos tipos que deviam esperá-lo. Logo, subira aos dormitórios, onde imaginara que estivessem adormecidos, o que lhe facilitaria liquidá-los sem o menor trabalho. Como ali também não estavam, voltara ao andar térreo e resolvera dar uma espiada na garagem, pensando na possibilidade de não achar o R-25, o que queria dizer que Oscar e Peter haviam resolvido não comparecer ao encontro marcado. Mas o que aconteceria caso encontrasse o automóvel na garagem e em troca Oscar e Peter não dessem sinal de vida?

Esse sujeito deve estar bastante confuso — comentou “Simão-Berna”.

     Podem jurar que é hindu — indicou o jovem “Simão”.

     A luz da garagem se apagou. Logo, a porta da rua se abriu e o homem alto e magro, de feições exóticas e bronzeadas, saiu, fechando-a com a chave. Em seguida, afastou alguns passos.

Virou-se. Estava preocupado, perplexo, inquieto, desconcertado.

Os três espiões adivinharam o que faria naquele instante, pelo gesto leve que fez.

Não se enganaram: Razih olhou ao redor, observou a rua para cima e para baixo e eles deslizaram nos assentos, de modo que do exterior não fosse possível distinguir suas formas dentro do veículo. Permaneceram assim até ouvir o ruído do motor do Mercedes.

Quando espiaram, cautelosos, pela janelinha, o Mercedes se afastava com rapidez.

     Brigitte abriu o canal do rádio e ordenou:

Todo mundo quieto! Que ninguém se atreva a seguir este carro!

Sua decisão foi perfeita. Três minutos mais tarde, o Mercedes reapareceu e passou diante da casa. Desapareceu de novo e voltou a surgir. Deu duas voltas ainda antes de parar no mesmo lugar de antes. As luzes foram apagadas. Não se escutava nada.

Parece que se dispôs a esperá-los — sussurrou “Simão-Berna”. É um tipo de grande paciência.

Será melhor que vocês durmam um pouco — sugeriu a espiã. — Isto pode durar horas. Eu vigiarei agora.

Os dois “Simões” assentiram. Dispuseram-se a descansar da melhor forma que podiam.

Dentro do Mercedes distinguia-se a silhueta de Razih, que demonstrava não ter a mínima intenção de se ocultar.

A coisa estava clara: esperava suas vítimas. Assim que as distinguisse, iria reunir-se a elas.

Pouco depois das sete da manhã, o Mercedes se pôs de novo em marcha.

Brigitte esperou cerca de dois minutos e despertou “Simão-Berna”, que soltou uma exclamação suficientemente alta para que o outro “Simão” também despertasse e começasse a espreguiçar-se, bocejando muito.

Em Berna era noite ainda, mas já se pressentia a primeira claridade do dia.

Faz muito que se foi? — quis saber “Simão-Berna“.

Dois minutos, mais ou menos.

Estamos à sua disposição para sairmos atrás dele.

Antes quero me assegurar de que não começará a dar voltas de novo.

Cinco minutos depois, “Baby” chegou à conclusão de que o Mercedes não iria reaparecer em Herrengasse e teve certeza ao observar o indicador de sinais do emissor.

Vamos atrás dele — ordenou.

Simão arrancou.

Brigitte chamou pelo rádio, indicando aos “Simões” reunidos em Berna que seguissem o Volkswagen onde ela e os outros dois “Simões” viajavam.

Amanhecia quando deixavam Berna pela Monbijoustrasse, isto é, na direção sul.

Será que esse tipo vai tomar algum avião? — indagou, de súbito, “Simão-Berna”. — Não nos faltava mais nada... Tanto trabalho para nada!

Todavia, logo ficou bem claro que o tal Razih não se dirigia ao aeroporto. Passou ao largo por Belp.

“Simão-Berna” entregara o receptor para que Brigitte o manejasse e examinava um mapa de estradas.

A única localidade de certa importância que temos no sul seguindo esta estrada é Thun — esclareceu. — Está situada a trinta quilômetros. Logo, teremos que nos desviar para a esquerda ou direita e chegaremos a Luzerna, em primeiro lugar e ao lago Lóman em segundo, ambas cidades um tanto longe de Lausanne.

O que encontraremos em frente, quero dizer ao sul?

Montanhas e neve. Pequenas localidades, estações de esqui, refúgios de montanha... Mas não creio que esse sujeito vá para esses lugares com um Mercedes. Quando chegar a Thun, terá que se desviar para um lado ou outro.

“Simão-Berna” se enganou, pois o Mercedes nem sequer chegou a Thun. Desviou-se antes para a direita. Um indicador revelava o nome do lugarejo para onde aquela estrada conduzia: Riggisberg.

O dia estava muito claro. Em frente deles viam-se montanhas altas, cobertas de neve.

Simão apontou uma montanha mais para a esquerda e disse:

Aquela é Gantrisch! Quase dois mil e duzentos metros de altura! Brrrrr...!

Tampouco gosto do frio — declarou Brigite. — Mas a neve me deixa encantada!

Se gosta de neve irá fartar-se dela. No mês que vem entro de férias. Sabe onde penso passá-las?

     No Havaí?

     Nada disso. Eu quero calor de verdade.

     África, então.

Acertou em cheio! Vou para um oásis no Saara, com uma garota... Uma alemã de enlouquecer... Só vendo! Um mulherão! Combinamos que passaremos três semanas ordenhando cabras e tomando sol para retirarmos dos ossos o frio destes lugares. Creio que as pessoas terminam reumáticas vivendo sempre em climas como este. Um sol seco pode fazer milagres. Não acha?

Não posso afirmar que seja o remédio ideal — disse e sorriu Brigitte. — Mas concordo plenamente que o melhor que há na vida é o sol. Vejam! Ele se deteve.

     Quem?

     O Mercedes. Chegou ao término da viagem. Pare.

     O jovem “Simão” freou o Volkswagen.

Durante alguns minutos permaneceram olhando o receptor, que seguia emitindo o sinal de proximidade, mas não de movimento. A agulha estava imóvel.

     Vamos buscá-lo — sussurrou “Baby”.

     Localizaram o Mercedes quinze minutos mais tarde.

Melhor dizendo, viram o belo chalé de telhado de pedra e construção de madeira. Dentro da garagem do prédio devia estar o Mercedes, sem a menor dúvida, pois nas proximidades não havia nenhum outro lugar que pudesse abrigar um automóvel, sem ser visto.

As janelas da vivenda estavam adornadas de flores e abetos frondosos enchiam o jardim dianteiro, cercado por valas bem cuidadas. Parecia um cartão-postal, com a clássica paisagem nevada, ainda que se divisassem alguns claros de um verde intenso.

Podemos tomar este chalé de surpresa em questão de segundos — expôs o jovem Simão, virando-se para ver a reação de Brigitte.

Esta assentiu, e permaneceu pensativa, observando a casa.

Havia muitas dúvidas em sua mente. Dúvidas originadas por tantas peripécias que vivera ao longo da sua carreira como espiã, enfrentando personagens de toda classe, muitos deles sinistros e criminosos.

Que classe de indivíduo poderia encontrar naquele chalé? Não era nada parecido com uma base militar. Tampouco parecia conter algo perigoso ou agressivo. Não obstante, existia a possibilidade de que ali estivesse a pessoa ou pessoas que haviam planejado a invasão da Cidade do Vaticano e o assassinato de sessenta pessoas do avião sequestrado, sem falar na possível morte das muitas criaturas presas dentro do Vaticano.

Que classe de cérebro havia tramado tudo aquilo?

Esperem aqui — disse inesperadamente.

O quê?! — saltou “Simão-Berna”, assustado.

Estejam atentos à minha possível chamada.

Mas... pretende entrar ali sozinha?!

Brigitte assentiu, saiu do carro e se encaminhou lentamente até o formoso e amplo chalé que parecia, com efeito, um lindo postal.

 

Encontro surpreendente

Brigitte “Baby” Montfort cruzou o jardim em diagonal e rodeou a casa pelo lado direito.

Não era uma simples precaução nem tinha intenção de surpreender ninguém, deslizando até o interior da vivenda daquela maneira. Sentiu apenas que deveria agir e assim e o fez. Parecia que uma força superior a empurrava até a parte posterior do chalé.

     Seus olhos o divisaram em seguida.

Estava sentado na postura do lótus sobre a neve, em uma pequena clareira entre abetos, a cerca de vinte metros da casa. Achava-se completamente despido, a cabeça raspada, erguida com naturalidade, os olhos fechados e as mãos descansando sobre os joelhos.

Era a imagem viva da paz, do sossego, da serenidade absoluta.

Durante alguns segundos, a espiã americana permaneceu observando aquele homem oriental, de corpo magro e escuro, pequena estatura, cabeça redonda, reluzente, bronzeada e limpa.

Era impossível adivinhar sua idade; tanto podia ter trinta anos como cento e vinte.

Não muito longe dali, Brigitte ouviu o canto de pássaros e imaginou que estariam presos em gaiolas. Não se escutava mais nada, não se via ninguém. O silêncio era quase completo.

De repente, o homem sentado despido sobre a neve abriu os olhos grandes e escuros, fixando-os na espiã.

Aproxime-se, aproxime-se, agente “Baby” — convidou.

Brigitte apertou os lábios. No mesmo instante teve certeza de que, de algum esconderijo, mais de uma pessoa a apontava com armas que podiam acabar com sua vida em um segundo.

Espero não ter me equivocado — falou de novo o homem, em inglês impecável. — Você não é a agente “Baby”, da CIA?

E você quem é? — perguntou secamente Brigitte.

Pode me chamar Yogui, simplesmente. Não tema. A neve não a incomodará demasiado. Como vê, eu estou sentado sobre ela e o único que ocorre é que a afundo com a mente.

Quer dizer, com o calor do seu corpo. Não?

Não, não. Se tentasse desse modo seria meu corpo que ficaria gelado e não conseguiria derreter a neve. Um simples corpo humano não pode fazê-la diluir-se. Minha mente, sim tem este poder. Acerque-se para verificar você mesma.

Brigitte tirou os sapatos e começou a caminhar sobre a neve até o lugar onde se achava o sujeito chamado Yogui. Deteve-se a menos de três metros diante dele.

Observou-o mais atentamente, chegando à conclusão de que devia ter sessenta anos e que era asiático, como sua pele e feições atestavam. Em sua volta a neve se derretia, deixando a descoberto o verdor tenro da relva.

Se acredita que pode fazer o mesmo que eu, tente — indicou ele. — Já sei que você é uma pessoa extraordinária, mas não creio que seja tanto.

Você ao contrário, se acha extraordinário ao máximo. Não é assim?

Não diria tanto; mas sei que sou mais do que você. Não quer sentar-se?

Estou bem de pé.

Yogui riu com suavidade.

Não havia engano no que acontecia. A neve continuava derretendo ao redor do corpo nu. E Brigitte sabia que jamais conseguiria tal coisa. Se tivesse a ideia infeliz de sentar despida sobre a neve seria ela quem gelaria e não a neve que se derreteria. Desse modo, achava-se, de fato, diante de um ser pouco comum, dotado, pelo menos, de recursos insólitos e, sem dúvida alguma, de um grande poder e controle mental.

O ser humano pode fazer tudo, conseguir o que quiser continuou Yogui. — E quando não alcança o que deseja não é que seja impossível de obter e, sim, que esse ser humano está deteriorado, depreciado, degradado. Compreende o que quero dizer?

Claro que sim.

Podemos até voar. Mas você não deve tentar sequer tal proeza... Quanto a mim, não alcancei o grau suficiente de superação para isso. Espero chegar a esse nível dentro de quinze ou vinte anos. Enquanto isso, vou aperfeiçoando pequenos poderes que são naturais no ser humano, mas sem os quais nascemos devido à degeneração de nossos antepassados imediatos que herdamos. É como um espelho coberto de sujeira. O espelho pode refletir tudo, porém não o fará perfeitamente, enquanto não o limpar por completo. Só assim será um espelho cristalino e poderá cumprir as funções para as quais foi criado. O mesmo acontece com o ser humano... Permitimos que uma capa de sujeira pouse sobre nossa mente e nossas faculdades, de modo que não somos atualmente como deveríamos ser na realidade. Está me entendendo de verdade?

Já lhe disse que sim. Todavia, não vim aqui para conversar sobre filosofias, fantasias nem utopias.

Eu sei. Veio por causa do assunto da Cidade do Vaticano.

Devo admitir que você, pelo menos, é muito inteligente.

Nada disso. Quero dizer que não há necessidade de ter inteligência para compreender algumas coisas. Fui informado de que perdemos um helicóptero e que dois dos nossos auxiliares foram seguidos. Entre seus perseguidores achava-se uma mulher. Soube, ainda, que uma freira fora enviada ao Vaticano. Logo, ordenei a Razih que se dirigisse a Berna em busca daqueles dois cretinos. Ele regressou avisando-me que encontrara o Renault 25, mas dos sujeitos, nem a sombra. Pouco depois, surge diante de mim uma formosa mulher, com toda certeza americana, e, sem dúvida, procedendo de Berna, a mesma que estivera antes em Roma e Lido di Ostia... A conclusão não poderia ser mais fácil. Uma jovem comum não faria isso e não se envolveria de maneira tão direta, rápida e eficiente em um assunto de tal envergadura como este. Por curiosidade: como conseguiu descobrir tudo?

Simples casualidade. Achava-me no aeroporto Leonardo da Vinci quando o avião foi sequestrado.

Duvido que em sua vida as coisas ocorram por causalidade — afirmou Yogui. — O que posso admitir é que tenha havido uma coincidência no fato de meus homens terem sequestrado o avião justamente no dia em que você passava por Fiumicino. Nas vidas das pessoas comuns a casualidade jamais intervém de modo tão decisivo. São pessoas com um destino especial, mas não estão submetidas às casualidades vulgares das criaturas vulgares e dos acontecimentos vulgares...

Escute, eu não vim aqui para perder meu tempo. Quero que ordene a quem de direito para que os sequestradores abandonem o avião e para que seus soldados deixem o Vaticano, sem causar dano a ninguém em ambos os casos, é claro.

O que acontecerá se me negar a fazer o que me pede?

Ocorrerá — retrucou Brigitte, sacando sua pistola e apontando o peito do homem — que meterei uma bala em seu coração.

Não seja boba. Minha morte não solucionaria nada. Por outro lado, você está rodeada de gente sob minhas ordens.

E seu chalé acha-se rodeado por uma boa quantidade de agentes da CIA. De forma que, de maneira alguma, você poderá escapar, mesmo que eu morra ou permaneça viva. Façamos um trato: dê as ordens que lhe pedi e logo nos dedicaremos a filosofar sobre tudo quanto quiser. Nestas alturas, seus homens já devem ter esvaziado o Vaticano dos seus tesouros. Quero apenas que vão embora, que retirem suas tropas de lá.

Olaf sabe quando deverá retirar-se para ir ao barco que o levará a seu esconderijo junto com essa imensa riqueza.

Não me trate como uma idiota — disse Brigitte, irritada. — Esse barco não existe. Seus homens estão atirando os tesouros ao mar, sem dúvida dentro do limite de vinte milhas da costa, em uma profundidade não superior aos trinta metros. Mais adiante, com toda tranquilidade, poderão recuperar tudo. Então aí, sim, tratarão de colocar as peças de valor em um barco que as levará para um lugar seguro. Agora, porém, não há tal barco, pois você sabe que seria impossível que não fosse detectado, seguido, localizado e, no momento oportuno, assaltado e os tesouros recuperados. Não é difícil de prever que, quando todos os valores estiverem no fundo do mar, Olaf deixará o Vaticano com seus homens e se esfumarão da vista dos romanos.

Conheceu Olaf?

Tive esse desprazer.

O que confirma minha suspeita com respeito à freira que o visitou de modo tão desnecessário. Era você?

Se não se dispuser agora mesmo a dar as ordens que lhe indiquei, pode dar-se por morto — declarou Brigitte, fria, fazendo um gesto com a pistola.

Assassinaria um pobre hindu a sangue-frio?

Você não é hindu.

Não?! — exclamou Yogui, surpreso. — Que sou então?

Chinês.

Não diga tolices!

Conheço muito bem os dessa raça. Você é chinês e, sem a menor dúvida, trabalha para o Lien Lo Pou. De onde se depreende que toda essa manobra contra o Vaticano tem algo no fundo muito mais interessante do que o roubo dos tesouros dessa cidade. Ou será que o Lien Lo Pou se dedica agora ao saque vulgar?

Você está desvairada.

E você tem cinco segundos para começar a mover-se, a fim de obedecer minhas ordens. Depois de passado esse tempo estará morto.

O mesmo lhe sucederá. Vamos! Seja consequente... Não se deixe ofuscar pelo fato de que outras pessoas que nem sequer conhece estão em perigo. São só componentes da grande massa humana... Sempre restarão demasiadas pessoas...

E cinco — disse Brigitte, contando em voz alta o final dos segundos;

E sem contemplações disparou sua pistolazinha.

A bala chocou-se contra o peito do homem, na altura do coração e mergulhou neste órgão.

O oriental suspirou, caindo para trás, e ficou estendido sobre a neve, com os olhos abertos e fixos no nebuloso céu cinzento. Brigitte saltou para um lado e começou a correr em direção da casa.

No lugar onde estivera instantes antes, várias balas ricochetearam, elevando belos repuxos de neve brilhante.

Não se ouviram as detonações, mas Brigitte sabia que atiravam da vivenda. Por isso mesmo, correu para lá, surpreendendo um pouco seus atacantes. Estes deviam imaginar pela lógica que uma pessoa agredida a bala tentaria buscar proteção nas árvores mais próximas.

Contudo, nem sempre a lógica serve para conservar a vida. Em troca, a surpresa e a decisão podem causar milagres em certos momentos.

Foi o que Brigitte fez. Com sua decisão, causou tal espanto nos lacaios de Yogui, que, quando chegou à parte posterior do chalé, eles não tinham raciocinado ainda.

A espiã persistiu em sua atitude decidida.

Por meio da pistola quebrou os vidros de uma janela, entrou na casa pela cozinha e saiu desta a toda pressa. Mal havia alcançado a porta, divisou um tipo que saía de um aposento contíguo, de pistola na mão e com os olhos arregalados.

Brigitte não vacilou e apertou o gatilho.

O homem, aparentemente hindu, recebeu o balaço no meio da testa e caiu de costas, morrendo no ato. Por trás dele apareceu outro correndo, com o rosto crispado e estendeu o braço para disparar contra a agente. Esta, porém, se deixou cair de joelhos e abriu fogo de novo. Acertou o indivíduo no coração, derrubando-o sentado, de forma espalhada e grotesca. Por alguns segundos ele a contemplou ainda e, logo, tombou de costas, ficando inerte.

“Baby” sabia que restava pelo menos outro homem na vivenda, pela simples razão de que o chamado Razih e que havia estado em Berna ao volante do Mercedes não aparecera ainda. Por isto, calculava que restava o terceiro assecla de Yogui e também porque, antes, haviam disparado com três armas, sendo uma delas um rifle. Sem dúvida, essa arma fora manobrada por Razih.

Não vira ninguém mais quando apareceu no amplo vestíbulo do belo e bucólico chalé. Brigitte chegou ali ao mesmo tempo em que ouvia pisadas fortes e precipitadas por cima dela.

Ergueu a cabeça e divisou Razih surgindo no alto da escadaria que conduzia ao andar superior. O homem também a viu, arregalou os olhos e apontou o rifle.

Brigitte, contudo, foi mais rápida, disparando antes que ele o fizesse.

A espiã observou como aparecia um orifício diminuto sobre a sobrancelha direita de Razih e como o olho desse lado explodia em um repuxo feio e sanguinolento.

A cabeça de Razih foi sacudida para trás, enquanto o rifle provido de silenciador e mira telescópica escapava de suas mãos e caía saltando pelos degraus.

O oriental oscilou, terminando por tombar aos pulos pela escada. Quase ficou aos pés de Brigitte, que permaneceu imóvel, com o ouvido atento, passeando o olhar por todo o recinto alcançado.

Não aconteceu nada, Tudo era silêncio em volta.

Brigitte respirou fundo, retirou o rádio do bolso e o acionou:

Venham até a casa — ordenou. — Tudo está sob controle, mas não se descuidem. Nunca se sabe...

Você está bem? — perguntou “Simão- Berna”.

Claro.

Desligou o rádio e no instante em que se dispunha a subir ao pavimento onde ficavam os dormitórios, para dar uma olhada em cima, escutou um ruído em alguma parte.

Ficou imóvel, com os ouvidos atentos, mas o som não se repetiu. Não obstante, girando a cabeça como se sua fronte fosse uma tela de radar, viu-se diante de uma das portas do andar térreo. Seu sentido auditivo era tão extraordinário que tinha certeza de que aquele ruído não fora fruto de sua imaginação. Procedera dali, daquela porta, ou, melhor, detrás daquela folha de madeira.

Aproximou-se decidida e empurrou-a sem a menor vacilação, abarcando todo o aposento com sua veloz inspeção ocular.

Levou um sobressalto ao ver, em frente e à esquerda, junto da janela, a emissora e, sentado diante desta, virando a cabeça velozmente para ela, o homem despido de estatura mediana e de corpo bronzeado.

Havia uma crispação de raiva em seu rosto e no de Brigitte um gesto de estupefação ao observar suas feições. Era o semblante de “Yogui”, a mesma fisionomia do homem que matara fora da vivenda há poucos minutos, e que deixara sobre a neve, estendido com um balaço no coração.

Era incrível! O rosto idêntico, a cabeça raspada, os grandes olhos escuros e... a nudez total...!

O sujeito murmurou algo e voltou-se de novo, velozmente, para a emissora.

Brigitte compreendeu que “Yogui” ia manipulá-la, que ia fazer uma chamada, qualquer coisa que servisse de alarme para alguém. Certamente seria para Olaf, que receberia a mensagem ou o sinal ainda que fosse por meio de estações intermediárias.

     Sem vacilar, Brigitte disparou mais uma vez.

E o fez rápido, com segurança e precisão, contra a cabeça do homem, acertando a base do seu crânio. Houve como que um estalido e a cabeça raspada explodiu de forma estremecedora.

“Yogui” caiu sobre o painel da emissora como um boneco esmagado por um peso gigantesco. Bateu contra as diversas teclas e escorregou da cadeira, rodando pelo chão.

Quando “Simão-Berna” entrou naquela sala, a espiã internacional não tinha se movido ainda. Seu olhar permanecia fixo nas feições do morto, deformadas pelo disparo que ocasionara um tremendo trauma ao rebentar a cabeça de “Yogui”.

Mas... Como podia ser isto? Ela matara “Yogui” lá fora... Por que então ele se encontrava ali dentro?

É uma emissora muito potente — esclareceu “Simão- Berna”.

Brigitte o encarou. Por trás de “Simão-Berna” apareceu outro agente da CIA. A moça foi até a janela, viu a neve, os abetos... Divisou outro companheiro examinando o cadáver de “Yogui”, estendido sobre a neve.

Brigitte fitou o “Yogui” caído na saleta e voltou a olhar para fora.

Você está se sentindo bem? — indagou “Simão- Berna”, olhando-a com o semblante preocupado.

Ela assentiu. Escutava-se as pisadas dos agentes norte- americanos percorrendo a casa em uma primeira e rápida inspeção. Não demorou muito e o agente que Brigitte vira examinando o cadáver de “Yogui” que se achava do lado de fora apareceu. Trazia em uma das mãos os sapatos da garota, de quem se acercou sorrindo, estendendo-os.

Vi seus sapatos lá fora e achei melhor trazê-los de volta. Não se resfrie.

Obrigada — disse ela, recebendo os sapatos das mãos do “Simão”.

Este fitou o homem morto no solo e fez uma careta de assombro, ao comentar:

Há outro tipo parecido com este lá fora, na neve...!

Eu sei — retrucou Brigitte. — Eu o matei. E não é parecido com este: é idêntico. Quase se pode afirmar que é o mesmo.

Como pode ser isto? — inquiriu “Simão” incrédulo.

Brigitte abriu a boca para responder, mas pareceu

arrepender-se. Sabia que se achava diante de algo novo, terrível, mas que não podia compreender no momento e muito menos definir. A verdade é que sentia calafrios de morte em todo o corpo. Dirigiu um último olhar ao cadáver de “Yogui” e apontou a emissora.

Este homem se dispunha a enviar uma mensagem — disse. — Creio que devemos supor que a emissora está preparada para isso. Teremos apenas que manejá-la, embora o que vamos dizer não se pareça em absoluto com o que ele diria.

 

Eram quase duas horas da tarde quando o automóvel negro apareceu aos olhos do homem que, de uma das janelinhas do avião sequestrado, contemplava o exterior à sua espera.

Aí está — murmurou em inglês. — É evidente que os italianos o deixaram passar.

O total de sequestradores era exatamente sete. Dois deles permaneciam na cabina de comando, controlando o pessoal de voo e de serviço de bordo, reunidos ali. Outro atendia a emissora de campanha por meio da qual se comunicavam com Olaf desde o início daquela manhã e com o intermediário que os ligava com a Suíça, de onde procediam as ordens definitivas. Os quatro sequestradores restantes se ocupavam em manter os passageiros do avião sob ameaça. Estes permaneciam em silêncio tenso e angustioso, mais devido ao calor do que à situação a que haviam se adaptado da melhor forma possível. Os sistemas de refrigeração do aparelho se mantinham inativos e o calor era terrível ali dentro. Os menos afetados eram os sequestradores, todos eles vestidos com roupas leves, de tom claro, a maioria branca, pois todos, evidentemente, eram da raça hindu.

Também hindu era o recém-chegado às pistas, dentro do automóvel negro, e que acabava de sair do veículo em frente ao avião. Sua cabeça raspada reluzia ao sol, que se refletia em sua túnica branca e na pele morena.

Junto ao sequestrador que dera o aviso de sua chegada apareceu outro que também divisou o tipo de cabeça raspada, comentando:

Deve ser algo muito importante para que ele tenha decidido vir em pessoa.

     Vá abrir a portinhola — ordenou o primeiro.

O recém-chegado caminhava decidido até o avião, com seus pés descalços pousando sobre a pista escaldante. O sol brilhante que iluminava Fiumicino justificava de sobra que dentro do aparelho a maioria dos seus ocupantes estivesse suando em bicas.

A portinhola do avião foi aberta e o recém-chegado, que subira a grande escada, esperava para entrar.

O homem que abriu se afastou, olhando com curiosidade o visitante. Em seu rosto apareceu um gesto de surpresa e desconcerto. Por trás do homem de cabeça raspada, outro dos sequestradores empurrou a portinhola, fechando-a e falando em um dialeto da índia. O que observava o visitante, aturdido, arregalou os olhos e abriu a boca de repente.

Na mão direita do recém-chegado apareceu a pistolinha, que disparou à queima-roupa contra o sujeito, metendo-lhe a bala no meio da testa, derrubando-o de costas.

Sua ação foi tão rápida e, sobretudo, tão inesperada que quase ninguém teve tempo de reagir de nenhuma maneira. Só o que estava sentado diante da rádio de campanha deu um salto e pôs-se de pé.

Novamente a arma trepidou por duas vezes seguidas.

O hindu voltou a ficar sentado, mas em postura feia e grotesca. No mesmo instante começou a produzir-se uma reação que não chegou a se espalhar. Nem os passageiros tiveram tempo de gritar nem os sequestradores que restavam de disparar, pois o recém-chegado, soltando a pistola, levou a mão direita à boca, enquanto com a esquerda atirava algumas pequenas bolas de vidro contra uma das janelinhas. As bolas se quebraram, liberando o gás que continham cujo efeito narcótico era fulminante. Apesar da ação pronta e decisiva, ouviu-se algum suspiro, o início de um grito e roncos estranhos, sem falar na queda de vários corpos no assoalho do avião.

Sempre mantendo a mão direita sobre a boca, que nesse momento segurava a máscara de emergência contra gás, o recém-chegado alcançou o corredor. Depois caminhou até a proa do aparelho, sem fitar ninguém, como se junto dele não estivessem mais de setenta pessoas adormecidas e duas mortas.

Alcançou a porta da cabina de comando, abriu-a por um instante, jogando no interior as duas últimas ampolas de vidro que ainda conservava na mão esquerda. Esperou três segundos, abriu de novo, mas completamente, e observou a cena dos adormecidos pelo gás fulminante, preparado pela CIA cujo efeito seria no mínimo de duas horas.

Sem se importar sequer em fechar a porta da cabina, o intruso regressou à saída do avião, diante da qual permaneceu talvez vinte segundos depois de abri-la alguns centímetros. Retirou, então, a máscara do rosto, atirando-a para um lado. Logo, com tranquilidade, saiu do avião, fechando a porta só até ajustá-la. Desceu a escada, caminhou até o automóvel e entrou no assento de trás.

O homem que estava ao volante, vestido com traje claro e com o rosto bronzeado, que só podia ser tingido, virou-se e perguntou, excitado:

Você conseguiu?

Sim.

Deus seja bendito!

Vamos sair daqui,

“Simão-Berna” pôs o veículo em marcha e se dirigiu até a parte onde ficava o estacionamento, chegando ali em poucos minutos.

Soldados, carabineiros e policiais de toda sorte contemplavam o automóvel sobre o qual haviam, recebido ordens explícitas de que deviam deixar circular por onde quisesse, sem opor obstáculos de forma alguma.

Já fora do aeroporto, o carro se deteve perto de onde outros quatro veículos o aguardavam. De um dos automóveis saiu Mário Lipari, correndo até o carro negro, metendo-se em seu interior com rapidez. Diante dele, retirando o disfarce que lhe conferira à cabeça a aparência de calva, Brigitte encarou-o com um gesto divertido.

Você os dominou? — quase gritou o rapaz.

Sim.

E os passageiros? Estão bem? Não há nenhum deles morto?

Só dois dos sequestradores. Tranquilize-se, Mário. Tudo saiu conforme planejamos.

Como você planejou! — bradou o homem do SID. — Santíssima Madonna! Jamais poderei explicar isto à imprensa! Nem eu mesmo posso acreditar!

Pensaremos em algo para dizer aos jornais — disse e riu Brigitte, retirando o resto da maquilagem do seu rosto e cabeça. — O importante é que todos os passageiros estão a salvo e descansando. Não esqueça isto, Mário: todo o mundo deve continuar acreditando, pelo menos durante hora e meia, que a situação não mudou. É cruel, eu sei, mas de resultados menos terríveis do que se Olaf se inteirar de que algo não está funcionando bem. De acordo,

Sim, sim, sim!

Ótimo. Suponho que os helicópteros continuam fazendo as viagens. Não é assim?

Exato. E não compreendo, porque já deveriam ter terminado. Isso ou no Vaticano havia uma quantidade de riquezas que ninguém poderia imaginar!

Digamos que são as duas coisas: que há algo que você não entende ainda e que, no Vaticano, havia com efeito uma fabulosa quantidade de riquezas. Não será fácil retirá-las do fundo do mar, mas imagino que a Marinha Italiana poderá encarregar-se disso no momento oportuno. Agora, vamos ao que interessa. Os aviões da Força Aérea estão preparados?

Claro.

Pois comece a dar as ordens. Enquanto isso — a espiã mais implacável do mundo sorriu mais amplamente — eu continuarei sendo a Soror Madalena e farei outra visitinha a Olaf na Cidade do Vaticano.

 

Uma informação por uma vida

Eram três e meia da tarde quando Soror Madalena, autorizada por Olaf, chegou mais uma vez de helicóptero aos jardins do Vaticano. Foi recolhida por um automóvel e, como da vez anterior, conduzida à presença do gigantesco sueco albino.

De modo que desta vez resolveu vir sozinha, irmã — comentou Olaf.

É verdade. E quero ver o Papa... vivo. Você não cumpriu a parte do trato há mais de oito horas. Nesse tempo ninguém viu Sua Santidade assomar à janela.

O Papa foi visto pelo povo italiano às oito da manhã.

De acordo. Mas teria que ser visto de novo às duas da tarde e isto não aconteceu.

Gostaria de saber o motivo? — indagou o gigante.

Para isto estou aqui.

Sabe, irmã? — disse o sujeito, sorrindo. — Você é uma das pessoas mais valentes que conheci na vida. Será que não pensou que posso estar muito aborrecido e tratar de descarregar minha irritação em você?

Não entendo o motivo desse aborrecimento — disse a freira, surpresa. — Por nossa parte estamos cumprindo o trato ao pé da letra...

Acha mesmo? — indagou Olaf, voltando a sorrir, mostrando seus dentes podres.

Deveria cuidar dos dentes — sugeriu a freira. — Francamente, não sei a que vem sua irritação. Sabe de sobra que não fizemos nada para contrariá-lo.

Quisera estar completamente seguro disto, irmã... Mas o certo é que estou muito preocupado, porque estão acontecendo coisas inexplicáveis.

O que o preocupa tanto?

O fato de ter perdido contato com algumas pessoas das quais depende uma boa parte desta operação.

Elas deveriam vir aqui e não vieram? É isto?

Não. Refiro-me ao contato pelo rádio. Não consigo me comunicar com elas.

Ah! Essas coisas acontecem. Quase sempre quando mais precisamos desses aparelhos eles resolvem nos deixar na mão...

Você tem resposta para tudo, segundo parece.

Nunca ouviu dizer que as freiras possuem muita lábia?

disse Soror Madalena, sorrindo.

Vou ser sincero com você, irmã. Se dentro de uma hora não conseguir reatar meus contatos pelo rádio, cortarei a cabeça do Papa e a enviarei para as suas autoridades por meio de um dos meus helicópteros — declarou Olaf, tornando-se repentinamente duro e cruel. — Compreendeu?

Meu Deus! Você está louco!

Não. O que ocorre é que, se não conseguir contato com meus amigos pensarei que algo não está saindo conforme nossos planos gerais. Isso prova que vocês fizeram alguma jogada que não pude controlar. Por isso, vou usá-la para levar minha mensagem aos que a enviaram. Estamos entendidos?

Sim, senhor — murmurou Soror Madalena. — Mas antes gostaria que me concedesse o que considero quase um favor especial e pessoal, permita-me comprovar que o Papa continua vivo.

Fique tranquila. Vou satisfazer seu desejo — assentiu Olaf — mas não por lhe fazer um favor e, sim, porque quero que, ao regressar, diga aos seus amigos que esse sujeito continua vivo... por enquanto. Mas que, dentro de uma hora, já não viverá se o silêncio dos nossos rádios não for esclarecido. Venha comigo.

Como da vez anterior, Olaf se dirigiu ao fundo do escritório. Puxou o cordão roxo com borla na extremidade, e uma parte da estante se abriu, permitindo o acesso ao corredor secreto. Olaf fechou a porta assim que a freira passou e as luzes indiretas se acenderam. Começaram a caminhar, Olaf na frente de Soror Madalena. Todavia, as coisas foram um pouco diferentes dessa vez. Nem sequer haviam percorrido a metade do corredor, quando a freira se acercou do sueco pelas costas. Com um puxão hábil tirou-lhe a pistola que o gigante levava no coldre, sobre o quadril direito.

Olaf voltou-se com vivacidade para ela e ficou olhando-a de um jeito feroz. Logo, observou a pistola na mão aristocráticas de Soror Madalena e encarou-a de novo nos olhos.

Maldita cadela! — bradou. — Estava seguro de que era uma peça muito importante do jogo dos nossos inimigos! Você é uma freira assim como eu sou um cardeal, rameira!

De acordo — disse Soror Madalena, sorrindo — mas tampouco precisa perder a compostura, Olaf. Quando se entra em um jogo há sempre o risco de ganhar ou perder. Nem sempre se consegue a vitória.

Porca! Rameira! Cadela! Puta!

Tampouco esperava que fosse uma pessoa encantadora, esta é a verdade — suspirou a freira, compreensiva. — A questão não está agora em falar com bons modos e, sim, em solucionar seu problema. Estou disposto a fazer um acordo com você.

Não farei trato algum com uma cadela como você. Nem sequer tenho necessidade de fazê-lo, porque tenho todos os trunfos a meu favor.

Não, Olaf — negou a freira com um gesto. — Já não possui nenhum dos trunfos que imagina ter. Acredite ou não, neste momento sou eu quem dá as cartas. Estive na Suíça, no chalé de Riggisberg, depois de matar Peter e Oscar na casa da Harrengasse, em Berna. No chalé encontrei Razih, três homens e “Yogui”. Melhor dizendo, encontrei dois “Yogui”, o que vem a ser a mesma coisa, porque ambos estão mortos. Todos estão mortos, Olaf. E, quanto ao avião, já foi resgatado, embora o mundo inteiro continue pensando que a situação não mudou... por enquanto. Não pense na possibilidade de escapar por meio de algum dos helicópteros. As forças aéreas italianas os interceptaram e os obrigaram a aterrissar, derrubando os que se negaram a fazê-lo. Neste instante, você perdeu o controle total da situação e está com seus homens encurralados e a pé na Cidade do Vaticano, Por muitos estragos que façam jamais conseguirão escapar daqui, se você não se dispuser a fazer um acordo comigo.

Já sei: quer que lhe diga o nome do barco que se foi, levando os tesouros do Vaticano e para onde se dirigiu.

Se me trata como uma cretina, tanto pior para você, Olaf. Essa parte também já está resolvida. Seus helicópteros atiraram os tesouros do Vaticano ao mar. Mas os pilotos capturados dirão exatamente o lugar onde se encontram e será fácil recuperar todas essas riquezas. Em duas semanas no máximo todos os valores saqueados estarão de volta aos seus lugares.

Quer dizer que você conseguiu tudo quanto queria — murmurou o sueco, apertando os dentes podres.

Assim é.

Então... que classe de acordo necessita fazer comigo?

Quero que me diga quem é “Yogui”. Matei dois “Yogui”, mas há algo que não consegui entender ainda. Sou uma pessoa extremamente intuitiva. Durante muitos anos, tive ocasião de perceber que meus conhecimentos transcendem o normal e vão mais além das coisas que se podem aprender simplesmente. Uma dessas coisas é que este assunto do Vaticano vai mais além do que parece. Este é o meu trato: sua informação por sua vida.

Não queria bancar a esperta, irmã. Pode muito bem prometer, e logo, não cumprir nada. E a propósito, maldita seja: quem demônios é você?

“Baby”, da CIA. Se lhe mostro minha identidade é porque sei que, de um modo mais ou menos direto, você está tomando parte em uma ação de espionagem, sob a direção de “Yogui”, que é um agente do Lien Lo Pou chinês. No início não entendi, por que você não chega a ser um espião e, sim, um aventureiro mais ou menos interessante. Contudo, terminei por chegar a uma conclusão lógica: você e “Yogui” se juntaram para conseguir dois objetivos, cada um em separado.

Que objetivos?

De sua parte, utilizando seus próprios homens, você ficaria com todos os tesouros do Vaticano, convertendo-se, mais tarde, uma vez retirados do mar, no homem mais rico de todo o planeta. Okay?

Okay — disse e sorriu Olaf. — E quanto a “Yogui”?

É o que quero que confirme quando disser. O que interessava a “Yogui” eram os segredos do Vaticano. Acertei?

Você é uma pequena demasiado esperta! — Olaf foi obrigado a reconhecer.

Então era isso mesmo... — murmurou a espiã. — Os segredos do Vaticano! Enquanto parte de seus homens se dedicavam a transportar abertamente os tesouros, outros, mais especializados, se entretinham em microfotografar todos os documentos secretos do Vaticano, acordos políticos, econômicos, religiosos, sociais... Toda a documentação que trata das relações deste Estado com a Casa Branca, com Moscou e com os governos de muitos países da Terra. Neste momento, você é o homem que tem à sua disposição a maior quantidade de segredos do mundo. Segredos que assombrariam a Humanidade inteira. Mas esses segredos não lhe interessam e, sim, ao Lien Lo Pou. Com eles a China disporia de uma arma terrível para pressionar e chantagear os países da Terra, começando pelos Estados Unidos e terminando pelo próprio Estado do Vaticano. É isto. Verdade, Olaf?

Você o disse com toda exatidão — assentiu o gigante.

Onde estão esses microfilmes? — perguntou Soror Madalena. — Encontram-se ainda no Vaticano?

Claro que não — negou Olaf, mostrando de novo seus dentes horrendos. — Tive a boa ideia de enviá-los para fora daqui á medida que os conseguia. Resta muito por microfotografar. Todavia, o que já tenho é mais do que suficiente para cumprir meu trato com o Lien Lo Pou.

Não poderá cumprir nada se eu o matar agora mesmo.

Sim, já compreendi isso — grunhiu o sueco. — Quero recordar, porém, que você me ofereceu um trato e eu o cumpri ao confirmar suas suspeitas. Agora deve permitir que eu me vá com vida.

Vou fazer algo melhor — disse a freira. — Se não aceitar o que vou lhe propor é porque está completamente louco, Olaf.

Fale;

Posso ordenar pelo rádio de bolso que preparem o trem do Vaticano para você. Mas você dará ordens a seus homens para se reunirem na estação, sem causar o menor dano a quem quer que seja. Logo, deverão tomar o trem e abandonar o Vaticano. Tem minha palavra que as autoridades não os molestarão e disporão de vinte e quatro horas para deixar a Itália. Quanto a você, eu mesma o tirarei daqui em um helicóptero. E lhe darei um cheque no valor de cinco milhões de dólares se me disser para onde enviou essa informação microfilmada do Vaticano. Depois me levará ao lugar para recuperá-la antes que “Yogui” apareça para se apoderar dela.

Não a entendo... — disse o gigante sorrindo irônico.

Não disse há pouco que havia assassinado “Yogui”?

Não quero perder um segundo mais, Olaf. Sabe perfeitamente do que estou falando. Aceita meu trato ou não?

É de fato uma mulher endiabrada de tão esperta, irmã. Simula fazer-me um favor e a meus homens quando, na realidade, os beneficiados serão os que estão detidos como reféns no Vaticano, que ficarão livres e fora de todo perigo. Simplesmente resolve a situação sem que ninguém saia prejudicado.

Bom — disse e sorriu Soror Madalena — digamos que todos nós sairemos ganhando um pouco. Meu trato é excelente, Olaf.

E se me negar a aceitá-lo? Mesmo que me matasse, meus homens fariam o mesmo com você e, logo, realizariam uma verdadeira carnificina aqui dentro.

Sim... Mas o que isso poderia nos importar se estivéssemos mortos, Olaf? Meu trato é bem melhor do que sua reação brutal. Se o aceitar, viverá. Caso contrário, morreremos os dois. Isto não terá valor algum para o mundo. Não concorda?

Demônio de mulher! Demônio de mulher!

Não seja absurdo. Terá apenas que regressar ao escritório, dar as ordens para que seus homens desalojem o Vaticano no trem que eu ordenarei esteja preparado. Logo, em um helicóptero, você e eu sairemos daqui e iremos recolher os microfilmes. Quando nos separarmos, eu terei os documentos microfilmados e você os cinco milhões de dólares.

Se eu aceitar, não quero que venha conosco nenhum dos assassinos da CIA. Iremos apenas nós dois.

Assim será. Mas, até que chegue o momento de entrarmos no helicóptero, serei eu quem controlará a situação de pistola na mão. Aceita?

Aceito.

Voltemos ao escritório. Antes, porém, quero me assegurar que Sua Santidade e seus acompanhantes continuam vivos.

Seguiram adiante até chegar ao lugar onde se podia ver a sala onde o Papa se achava com vários cardeais. “Baby” ficou satisfeita ao comprovar que Olaf falara a verdade. Empreenderam o regresso, Soror Madalena caminhando atrás do sueco. Este ria sinistramente, imaginando que aquela freira estava cometendo um erro tremendo do qual, quando viesse a se dar conta, já não teria jeito de sair com vida da enrascada.

 

Às cinco horas da tarde, enquanto o mundo tomava conhecimento de que o conflito da Cidade do Vaticano se resolvia em todos os seus pontos, um helicóptero voava sozinho até o nordeste.

Veja! O Lago Bracciano — apontou Olaf, que pilotava o aparelho. Do outro lado, próximo à localidade de Trevignano, há uma granja. Ali é um dos lugares aonde um dos meus homens ia depositando os microfilmes que tanto lhe interessam.

Engana-se. Esses microfilmes não me interessam de forma alguma — corrigiu a freira. — O que me interessa é que eles não caiam nas mãos do Lien Lo Pou.

Entendo. Você os levará direto para a CIA.

Não entende nada. Esses microfilmes serão destruídos. E oxalá pudesse destruir também os documentos de onde foram tomados.

Olaf moveu a cabeça demonstrando incredulidade, mas não retrucou. O helicóptero descreveu uma curva por cima de uma granja de aparência solitária e logo iniciou a descida sobre a pequena esplanada diante da entrada principal na casa. Não se via uma só pessoa, nem veículo algum, salvo duas bicicletas velhas, encostadas à parede. Olaf parou as hélices, fitou a freira e, em seguida, o céu. Parecia atônito.

O que há? — perguntou Brigitte.

Devo crer realmente que seus amigos da CIA não nos seguiram?

É claro que, não. Estou jogando limpo.

Pois eu não — disse e sorriu Olaf, apontando sua própria pistola na mão da espiã americana. — Eu sabia que algo não estava funcionando bem e, quando permiti que você voltasse ao Vaticano, já havia tomado minhas precauções. Uma delas foi a de fazê-la acreditar que havia me dominado para fazer um trato que me permitisse sair do Vaticano são e salvo. E, agora que já sabe que a enganei, diga-me: o que devo fazer com você?

Imediatamente, Olaf sacou um punhal que levava escondido preso à perna e colocou sua ponta na garganta da freira. Esta apertava em vão o gatilho várias vezes. Por fim, Brigitte ficou contemplando o aventureiro com expressão de pasmo.

Desça. Queria conhecer “Yogui” e terá seu desejo satisfeito.

Então, era verdade? Ele está aqui?

Ele esteve aqui todo o tempo, recebendo os microfilmes que eu enviava. Agora, iremos com este helicóptero até o lugar onde nos recolherão e nos porão a salvo em definitivo.

Se “Yogui” está aqui todo o tempo... quem eram os dois homens que matei na Suíça?

Eram “Yogui” — retrucou o sueco, começando a rir.

Vamos, desça de uma vez.

Com um puxão tirou a pistola da mão da moça e a empurrou até a portinhola. Ela saltou com agilidade e ele fez o mesmo, apontando-lhe a casa. Encaminharam-se até lá em silêncio e Olaf empurrou a porta, dando passagem a Soror Madalena e caminhando atrás, até que chegaram à sala, em cujo umbral a freira se deteve.

Ali estava ele. Sentado na posição do lótus, com as pernas cruzadas, idêntico aos anteriores. Quando ele abriu os olhos e a fitou, Brigitte teve a certeza de que era o mesmo homem que matara duas vezes. As pequenas diferenças faciais e corporais os três “Yogui” eram insignificantes, comparadas com a tremenda semelhança dos seus olhares profundos e tenebrosos.

Voltamos a nos ver — sussurrou “Yogui” — ainda que seja em clima e em condições diferentes.

Quem é você? — inquiriu a espiã.

Não se recorda? Já nos conhecemos na Suíça, agente “Baby”. Sou “Yogui”, um aventureiro hindu.

Você não é hindu e, sim, chinês. E trabalha para o Lien Lo Pou; isso já ficou estabelecido. Melhor dizendo, todos três trabalham para o Lien Lo Pou. Você e os dois homens que matei.

Não existem “outros dois”. Sempre fui eu quem a enfrentou. Pouco importa os cadáveres que você deixou para trás.

Isto quer dizer que você tampouco é você.

Seu poder de penetração é admirável. Com efeito, eu não sou eu, todavia você está falando com “Yogui”. Durante muitos anos enganei todo o conjunto da espionagem asiática, incluída a Sibéria e até os russos. Agora, entretanto, aparece você, compreende que não sou hindu e, sim, chinês. E ainda percebe que eu não sou eu e, sim, o privilegiado cérebro capaz de utilizar diversos corpos como se todos fossem o mesmo, como se todos fossem eu mesmo em mente e corpo.

De uma vez por todas: quem é você e onde está?

Estou em todas as partes porque, enquanto o corpo tem limitações, a mente é livre. Os corpos só servem para serem utilizados; a mente serve para viver de verdade. Eu a vejo sem necessidade de estar aqui, com estes olhos que você vê. Eles não estão sendo utilizados pela mente deste corpo e, sim, por minha mente, que se encontra longe daqui fisicamente, mas aqui em essência e potência. Eu a vejo viva e agora a verei morrer, porque sei que com a agente “Baby” não se pode facilitar muito tempo. Veio aqui em busca dos microfilmes que tenho bem escondidos e só encontrará a morte.

Se estão aqui, quero vê-lo.

Não pretenda brincar com “Yogui”. É perda de tempo.

Pois lhe asseguro que brincar com “Baby” é perder a vida — retrucou a garota. — Imagina que não sabia que Olaf jogaria sujo? Pensa que estou aqui como vítima? Puro engano. Segui o jogo de Olaf para chegar até você e os microfilmes. Isto é tudo.

Chegou, é verdade — assentiu “Yogui”, com suavidade — mas só para morrer nas mãos de Olaf e diante dos meus olhos.

Acha que seria tão estúpida para me meter em uma situação difícil se não tivesse certeza de que poderia sair dela com facilidade? Você e Olaf morrerão se não chegarmos a um acordo. Entreguem-me esses microfilmes e os deixarei ir embora.

Jamais lhe entregaremos os microfilmes. É inútil que me ameace com a morte. Será que não compreendeu ainda que nunca poderá me matar? Por muitas vezes que o faça, eu sempre voltarei. Você jamais poderá livrar-se de mim. A verdade é que não mais terá a ocasião de me enfrentar no futuro, porque irá morrer agora mesmo. Mate-a, Olaf.

O gigante sueco se acercou de Brigitte, ergueu o braço pronto para descarregar o tremendo golpe que degolaria a freira. Então esta entrou em ação como se fosse um mecanismo incontido de alta precisão. Levantou a perna direita, acertando um pontapé violento entre as virilhas de

Olaf. Este deu um salto incrível e empalideceu bruscamente, largando o punhal.

A espiã americana não teve piedade daquele cretino que imaginara tê-la dominada com uma simples arma branca. Descarregou outro pontapé nos órgãos genitais do sueco e dessa vez o homenzarrão soltou um rugido horrendo e se encolheu de novo, olhando a irmã com os olhos arregalados. Sem perder tempo, Brigitte aproximou-se e, erguendo a mão direita, levemente curvada acertou um golpe seco em sua têmpora esquerda.

Olaf teve a impressão de que dentro de sua cabeça havia explodido um trovão fortíssimo. Por um instante, sentiu como se produzisse no mais profundo do seu cérebro um relâmpago cegador. Logo, a claridade desapareceu, dando lugar a uma escuridão espantosa, fria, envolta em um repentino silêncio, eterno. Morto no ato pelo terrível tegatana recebido, o gigante albino tombou para trás, como um fardo inútil.

A freira recolheu o punhal do chão e fitou o “Yogui”, que continuava imóvel, e lhe disse, sorrindo com perversidade:

Adeus, “Yogui”. Já não lhe pedirei de novo os microfilmes. Incendiarei esta casa, que será seu túmulo e suas cinzas se misturarão com os microfilmes que contêm os maiores segredos do mundo. Pode me agradecer por lhe proporcionar uma morte digna de um espião.

     Jamais se livrará de mim.

     Creio que tenho o direito de tentar. Não?

A espiã mais audaz e perigosa do mundo atirou o punhal de Olaf com força tremenda e a lâmina mergulhou com um rangido seco no peito de “Yogui”. O oriental recebeu o impacto brutal da arma, mas recuperou sua posição do lótus. Seus olhos pareceram que se transformavam em objetivas que sê abriam para captar para sempre a imagem de Soror Madalena.

Vol... ta... rei... — arfou.

Estarei à sua espera — retrucou a espiã.

Quando se afastou do local, pilotando o helicóptero, a granja era somente um monte de cinzas ainda fumegantes e tudo quanto restava ao Lien Lo Pou dos segredos do Vaticano.

 

Na clínica, o jovem “Simão” perguntou a Brigitte:

Então? Tudo está resolvido?

Tudo — assentiu ela. — Inclusive seu estado de saúde. Os médicos afirmam que você está fora de perigo. Adeus, “Simão”.

Ao que parece, este “Simão” não lhe foi muito útil — murmurou o rapaz, entristecido. — Nem sequer pude evitar que matassem meu chefe. Creio que não sou uma maravilha de espião. Verdade?

Ninguém nasce sabendo. E os homens como você, que recebem golpes duros no início de suas carreiras, são os que, no futuro, poderão ser os melhores. Não se impressione, rapaz. Não queira ser igual aos demais. Seja sempre você mesmo, tal como é, com suas limitações e qualidades. Esforce-se para melhorar sempre, isto é o que todos devem fazer.

Você fala com tanta sabedoria! — elogiou o jovem. — De onde retirou esses conselhos?

Da vida. Adeus, “Simão”. Sare depressa — disse ela, inclinando-se para beijá-lo.

Uma última pergunta ainda: o que o Papa lhe disse depois de tudo?

Não vi o Papa. Enquanto ele atendia o alvoroço formado no Vaticano, eu me assegurava de que se fazia o melhor por você. Estou satisfeita.

E eu mais ainda, embora tivesse a felicidade de estar sob suas ordens por tão pouco tempo. Mas valeu! — afirmou ele, entusiasmado.

 

 

                                                                                                    Lou Carrigan

 

 

 

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