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Até a idade de quase 30 anos, a vida de Ciddharta, o jovem príncipe que alcançaria a iluminação, transcorreu de forma plácida, pois habitava um suntuoso palácio e não conhecia nada mais do que o ambiente cortesão. Por acaso o mais significativo durante este tempo foi, primeiro, seu casamento e, logo, sua paternidade. Mesmo que a lenda da sua vida afirme que jã desde muito jovem teve sua primeira iluminação.
O príncipe Ciddharta era filho de um brahmán e devia cumprir com as obrigações inerentes ao protocolo da corte e às derivadas da sua aplicação ao estudo das tradições e ao aproveitamento dos ensinamentos compartilhados pelos seus mestres.
Cíddharta conhecia toda sabedoria que encerravam os livros sagrados, podia recitar de memória os versos do Rig Veda, mas não sabia nada do seu povo nem de sua gente, pois passava a maior parte do tempo entre as paredes do seu palácio e dos altos muros do seu jardim, respirando o aroma das figueiras e resguardado das desditas e desgraças alheias.
Mas, o jovem Ciddharta tinha um amigo que se chamava Chandaka e que sabia de seus anseios, esperanças, desejos e projetos, Ciddharta e Chandaka passavam longos tempos falando de todo o divino e do humano. Quem mais falava dos dois era Ciddharta, Chandaka escuta com interesse e paciência os argumentos e raciocínios de seu amigo. Quanto mais Chandaka lhe escutava, mais convencido ficava de que Ciddharta não era um príncipe como os outros pois, antes que nada, notava nele uma espécie de insipidez espiritual pouco comum.
Um dia, os dois amigos decidiram sair juntos a caminhar pelas aias da cidade e, após misturar-se com a multidão, observaram o incessante ir e vir dos homens e da mulheres para vender ou trocar suas mercadorias, viram mendigos nas praças e anciãos que caminhavam com a ajuda de uma bengala ou de muletas.
Outro dia, os dois amigos saíram ao campo, se afastaram da cidade e viram os camponeses lavrarem a terra seca e árida para semear as sementes que nunca brotariam. Tanto afã para depois não recolher colheita alguma, pensava o jovem príncipe Ciddharta, e o invadia uma grande tristeza. Pelas noites sonhava com mudar o curso dos rios para que todo o campo desértico se transformasse numa fértil veiga, as sementes germinariam, as plantas prosperariam e não faltaria alimento nas aldeias...
Mas, com a alva, Ciddharta tomava conhecimento de que tudo não tinha passado de um sonho. E voltava a percorrer, em companhia de seu amigo Chandaka, as praças e as ruas das cidades e a caminhar pelo campo improdutivo, e outra vez sonhava nao somente com regar as terras de lavor com as águas dos rios, como também em descobrir o espírito interior das pessoas, seus pensamentos, seus anseios e inquietudes.
As contínuas reflexões e maquinações levam Ciddharta a apresentar a seu amigo Chandaka o principal desejo que tinha em mente, e que, à princípio, consistia em olhar para dentro e desentranhar o mistério do sofrimento de todas as criaturas, mas sem afastar-se de tudo o que ocorria ao seu redor.
Chandaka intuía que as meditações de Ciddharta iluminavam algo novo e inédito e lhe falou com sinceridade para que, além de ser seu amigo, lhe permitisse seguir e acompanhar-lhe, caso decidisse dedicar sua vida a comunicar ao mundo os admiráveis e valiosos pensamentos que albergavam no seu interior Ciddharta expôs a Chandaka sua insipidez, sua inquietude, pelo sofrimento cotídiano das pessoas. E transmitiu seu pesar porque jã tinha visto a imagem sofredora de um ancião, o rosto doído de um enfermo grave e o rosto pálido de um cadáver...E lhe comunicou sua decisão de meditar sobre tudo o que haviam visto e ouvido nas mas e praças das cidades e nos caminhos e trilhas que conduziam às aldeias.
Depois de contemplar a descarnada manifestação cia desdita e a dor dos humanos, Ciddharta pensou que tinha chegado o tempo de olhar para dentro e descobrir o próprio interior, o eu íntimo, o atmán..., a alma do mundo que é, ao mesmo tempo, a alma de cada um de nós, os humanos.
Mas esse eu interior, esse espírito único, já esta presente no conteúdo dos livros sagrados, lhe dizia Chandaka, seu amigo, onde se fala da alma do mundo e se diz que nossa própria alma é a alma do mundo. Ciddharta assentia, sabia que seu amigo Chandaka estava certo, pois nos livros sagrados se encontrava toda a sabedoria dos ancestrais, dos brahmanes, dos mestres antigos...
Ciddharta havia assimilado e compreendido a doutrina de seus mestres, que lhe revelaram os poderes do deus supremo Brahma — primeiro entre as deidades Víshnú e Shiva, com as quais formava a trindade sagrada —, o criador do mundo e criador de todos os demais deuses, dos homens e de quantas criaturas habitam a terra. Contudo, o jovem príncipe Ciddharta seguia inquieto, seu espírito estava insatisfeito e procurava incansável em seu interior, dentro do seu íntimo..., pois esperava encontrar o Atmán...
Até que um dia, quando Ciddharta e Chandaka passeavam como de costume entre as pessoas, se cruzaram com dois peregrinos, três ascetas samanas que acabavam de chegar à cidade. Essa noite Ciddharta viu nos seus sonhos os rostos e os corpos enxutos e delgados dos ascetas samanas e na manhã seguinte, comunicou a seu amigo Chandaka que havia tomado a decisào de converter-se num asceta. Seguirei os peregrinos ascetas, falou Ciddharta a Chandaka, me converterei num samana, Chandaka não estranhou e decidiu seguir Ciddharta que esperou até conseguir permissão paterna para abandonar o palácio e seguir aos samanas.
Oh, Ciddharta, filho meu! Falou seu pai, o mais sereno e sábio dos brahmas. Posto que assim o queres, ide com os peregrinos ascetas e sede mais um samana; podereis achar a bem-aventu rança mas, se só encontrardes desenganas, volta a tua casa paterna e serás recebido com alegria e regozijo.
Durante muito tempo Ciddharta viveu com os samanas. Aprendeu tudo quanto os mestres samanas lhe ensinaram e estudou com dedicação e entrega, Vestiu-se pobremente, quando não jejuava comia uma vez ao dia, e nunca comida quente, e dormia sobre um leito duro e sem abrigo.
Seu amigo fieí Chandaka sempre estava a seu ladof pois também ele era um samana. E, amiúde, Ciddharta perguntava a Chandaka se haviam progredido e sempre recebia a mesma resposta afirmativa de seu amigo que, ademais, acrescentava que Ciddharta seria um samana destacado e um santo. Mas Ciddharta estava insatisfeito e se encontrava inquieto, pois pensava que seu amigo não tinha razão ao afirmar que haviam avançado no descobrimento do seu pensamento, em alcançar o vazio total do “eu”, em eliminar as apetências, os desejos, os anseios...
Ciddharta pensava que até agora só tinha conseguido fugir de si mesmo, esquecer-se do sofrimento de ter consciência da existência...Mas o jovem Ciddharta queria chegar ao Nirvana, conseguir o vazio total, algo que não podia alcançar se continuasse a ser um samana, assim comunicou a seu amigo Chandaka, que pensava em abandonar aquela vida de asceta e adentrar-se no interior do bosque para meditar em silêncio e solidão.
Durante mais de sete dias meditou Ciddharta sob uma figueira sagrada. E, tempos depois, após muitas sessões de jejum, meditação e sacrifício, alcançou a iluminação, compreendeu o segredo da dor no mundo e captou as quatro nobres verdades e empreendeu a tarefa de mostrar à humanidade o caminho reto que leva à libertação do sofrimento universal.
O príncipe Ciddharta transformado no Iluminado, no Buda, se dirigiu a cidade de Benarés e falou a todos que se congregaram ao seu redor: “Não fujais de vós mesmos, não busqueis fora o tesouro que esta guardado no mais recôndito do vosso espírito, pois é chegada a hora de olhar para dentro, já que não ha melhor lugar para acobertar-se que o interior de nós mesmos”.
E a todos ali reunidos, Buda, Ciddharta ou Gautama, comunicou as quatro nobres verdades: A vida é sofrimento; a ânsia por acumular e possuir bens materiais é sofrimento e obstaculiza o saber; a ausência de desejos mitiga o sofrimento; e a prática da indulgência, a compaixão e os princípios contidos nas oito etapas da vida afastam o sofrimento e conduzem à total libertação, ao nirvana, e então, já não haverá mais luxuria, nem desprezo, nem rancor, nem ignorância.
A lenda narra que, após sua morte, o príncipe Ciddharta foi incinerado e suas cinzas se repartiram entre oito cidades.
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