O namorado de Sookie está muito distante – do tipo, em outro estado. Agora ela parte para Mississippi para se misturar ao submundo no Club Dead – um lugarzinho onde a elite vampírica vai esfriar a cabeça. Mas quando ela finalmente encontra Bill – pego em um ato de traição – ela não tem certeza se quer salvá-lo... ou afiar algumas estacas.
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Bill estava curvado sobre o computador quando eu entrei em sua casa. Esta era uma cena que estava ficando bem rotineira há um mês, ou dois. Ele se desligava do trabalho assim que eu chegava em casa, até há umas duas semanas. Agora era o teclado que o atraía. ―Oi, amor,‖ ele disse distraidamente, seu olhar cravado na tela do computador. Uma garrafa vazia de TrueBlood do tipo O estava na mesa ao lado do teclado. Pelo menos ele lembrava de se alimentar. Bill, que não é um cara do tipo jeans e camiseta, estava usando calça social e uma camisa xadrez verde e azul claro. Sua pele estava brilhando, e seu cabelo grosso e escuro cheirava a Herbal Essence*. Ele bastava para causar uma explosão hormonal em qualquer mulher. Eu beijei seu pescoço, e ele não reagiu. Eu lambi sua orelha. Nada. (*Herbal Essence é um marca de shampoo, condicionador e outros produtos, por isso não acho legal traduzir, mas pra quem não conhece, é uma linha desenvolvida com cheiro de várias ervas.) Eu tinha passado as últimas seis horas trabalhando em pé no Merlotte‘s, e toda vez que um cliente me dava uma gorjeta menor, ou algum imbecil dava uma palmada no meu traseiro, eu lembrava a mim mesma de que em alguns instantes eu estaria com meu namorado, fazendo o sexo mais incrível e me deleitando com sua atenção. Isso não parecia estar acontecendo. Eu cheirei lentamente e de forma constante olhando fixamente as costas de Bill. Eram costas perfeitas, com ombros largos, e eu tinha planejado vê-las nuas com minhas unhas cravadas à elas. Eu estava extremamente contando com isso. Eu soltei o ar, devagar e intensamente. ―Estarei com você em um minuto,‖ Bill disse. Na tela do computador, estava uma foto de um homem distinto com cabelos brancos e pele escura. Ele era atraente meio que do tipo Anthony Quinn, e parecia poderoso. Embaixo da foto estava um nome, e embaixo dele estava um texto. ―Nascido na Sicília, em 1756,‖ era como começava. Justo quando eu abri a minha boca para comentar que vampiros apareciam sim em fotografias apesar da lenda, Bill se virou e percebeu que eu estava lendo. Ele apertou uma tecla e o monitor se apagou. Eu o encarei, sem acreditar muito no que tinha acabado de acontecer. ―Sookie,‖ ele disse, forçando um sorriso. Suas presas estavam retraídas, então ele estava totalmente fora do humor que eu esperava encontrá-lo; ele não estava pensando em mim sexualmente. Como todos os vampiros, suas presas só ficam totalmente expostas quando ele está com um enorme desejo sexual, ou um enorme desejo de se alimentar e matar. (As vezes esses desejos acabavam se misturando, e aí o resultado era um vampirófilo morto. Mas a questão do perigo era o que atraía a maioria dos vampirófilos, se você quer saber.) Embora eu tenha sido acusada de ser uma dessas criaturas patéticas que andam entre os vampiros na esperança de atrair sua atenção, existe apenas um vampiro com quem eu estou envolvida (pelo menos voluntariamente) e era o mesmo que estava sentado bem a minha frente. Aquele que estava escondendo segredos de mim. Aquele que não estava realmente muito animado em me ver. ―Bill,‖ eu disse friamente. Algo tinha aparecido, com A maiúsculo. E não era a libido do Bill. (Libido tinha acabado de aparecer no meu calendário Palavra–do-Dia.) ―Você não viu o que você acabou de ver,‖ ele disse com firmeza. Seus olhos castanhos escuros me fitavam sem piscar. ―Hã-hã,‖ eu disse, talvez soando só um pouco sarcástica. ―O que você está tramando?‖ ―Eu tenho uma missão secreta.‖
Eu não sabia se ria ou saía dali furiosa. Então eu simplesmente ergui minhas sobrancelhas e esperei por algo mais. Bill era o investigador da Área 5, uma das divisões vampíricas de Lousiana. Eric, o líder da Área 5, nunca havia dado a Bill uma ―missão‖ que fosse um segredo para mim antes. Na verdade, eu normalmente era parte integrante do time de investigação, por mais relutante que eu pudesse ser. ―Eric não deve ficar sabendo. Nenhum dos vampiros da Área 5 pode saber.‖ Meu coração parou. ―Então – se você não está fazendo um trabalho para o Eric, para quem você está trabalhando?‖ Eu me ajoelhei porque meus pés estavam tão cansados, e me encostei nos joelhos de Bill. ―A rainha da Louisiana,‖ ele disse, quase em um sussurro. Porque ele pareceu tão solene, eu tentei manter uma expressão séria, mas de nada adiantou. Eu comecei a rir, soltando pequenas risadinhas que não conseguia segurar. ―Você está falando sério?‖ eu perguntei, sabendo que ele deveria estar. Bill era quase sempre o tipo de cara sério. Eu afundei meu rosto eu sua perna para que ele não pudesse ver que eu estava me divertindo. Eu levantei meus olhos para ver depressa a expressão em seu rosto. Ele parecia bem irritado. ―Mais sério do que nunca,‖ Bill disse, e ele pareceu tão duro, que eu fiz um enorme esforço para mudar de atitude. ―Certo, deixe-me ver se entendi,‖ eu disse num tom razoavelmente equilibrada. Eu sentei no chão, de pernas cruzadas, e descansei minhas mãos sobre meus joelhos. ―Você trabalha para o Eric, que é o líder da Área 5, mas também existe uma Rainha? Da Louisiana?‖ Bill concordou com a cabeça. ―Então o estado é dividido em Áreas? E ela é a superior do Eric, uma vez que ele dirige um negócio em Shreveport, que fica na Área 5.‖ De novo ele assentiu. Eu pus minha mão sobre meu rosto e balancei minha cabeça. ―Então, onde ela vive, em Baton Rouge?‖ A capital do estado parecia ser o local óbvio. ―Não, não. Em New Orleans, é claro.‖ É claro. O centro dos vampiros. Você mal conseguia jogar uma pedra na Big Easy* sem acertar um dos mortos-vivos, de acordo com os Jornais (embora só um verdadeiro imbecil faria algo assim). O fluxo de turistas em New Orleans estava muito alto, mas não era exatamente a mesma multidão de antes, os cachaceiros, farristas que enchiam a cidade para festejar sem limites. Os novos turistas eram aqueles que queriam esbarrar com os mortos vivos; frequentar um bar de vampiros, sair com uma prostituta vampira, assistir um show de sexo entre vampiros. (*Big Easy é um nome coloquial para New Orleans, tipo Nova York que é chamada de Big Apple) Isso foi que eu ouvi dizer. Eu não vou a New Orleans desde que era pequena. Minha mãe e meu pai tinham levado meu irmão, Jason, e eu. Isto deve ter sido antes de eu completar sete anos, porque foi quando eles morreram. Mamãe e Papai morreram aproximadamente vinte anos antes dos vampiros aparecerem em uma rede de televisão para anunciar que de fato eles viviam entre nós, algo que só foi anunciado depois da notícia de que os japoneses tinham desenvolvido o sangue sintético que efetivamente mantinha os vampiros vivos sem a necessidade de se alimentarem de humanos. A comunidade dos vampiros dos Estados Unidos deixaram os clãs de vampiros Japoneses irem à publico primeiro. Então, simultaneamente, na grande maioria dos países que tinham televisões – e quem não tem hoje em dia? – a revelação foi feita em centenas de línguas diferentes, por centenas de vampiros apresentáveis cuidadosamente escolhidos. Naquela noite, dois anos e meio atrás, nós pessoas com vidas pacatas e normais descobrimos que havíamos sempre vivido com monstros ao nosso redor. ―Mas‖ – o peso dessa revelação tinha sido – ―agora nós podemos nos revelar e nos juntar a vocês em harmonia. Vocês não estarão mais em perigo conosco. Nós não precisamos mais nos alimentar de vocês para sobreviver.‖
Como você pode imaginar, aquela foi uma noite de altos índices de audiência e tremendo alvoroço. Reações nitidamente diferentes, dependendo da nação. Os vampiros nas nações predominantemente Islâmicas se deparam com o pior. Você nem queira saber o que aconteceu com o vampiro porta-voz na Síria, entretanto talvez a vampira no Afeganistão tenha tido uma ainda mais terrível - e definitiva - morte. (O que eles estavam pensando quando escolheram uma mulher para essa tarefa específica? Vampiros podem ser tão inteligentes, mas eles as vezes não parecem estar tão por dentro do mundo atual.) Algumas nações – França, Itália, e Alemanha eram as mais notáveis – se recusaram em aceitar vampiros como cidadãos em igualdade. Muitos – como Bósnia, Argentina, e a maioria dos países Africanos – negaram qualquer posição social aos vampiros, e os declaram como presa para qualquer caçador de recompensa. Mas a América, Inglaterra, México, Canadá, Japão, Suécia e os países Escandinavos adotaram uma atitude mais tolerante. Era difícil dizer se essas eram as reações esperadas pelos vampiros ou não. Já que eles ainda estavam lutando para manter uma posição segura como cidadãos de direito entre os vivos, eles se mantinham bem reservados sobre suas organizações e sistemas de governo, e o que Bill estava me dizendo agora era o máximo que eu já tinha ouvido sobre o assunto. ―Então, a Rainha dos vampiros da Louisiana fez você trabalhar em um projeto secreto,‖ eu disse, tentando soar imparcial. ―E este é o motivo de você ter passado todo seu tempo acordado em frente ao seu computador pelas últimas semanas.‖ ―Sim,‖ Bill disse. Ele pegou a garrafa de TrueBlood e a entornou de uma vez, mas só já restavam umas duas gotas. Ele atravessou o corredor até a sua pequena cozinha (quando ele reformou a antiga casa de sua família, ele praticamente deixou a cozinha de fora, já que não precisaria de uma) e pegou outra garrafa da geladeira. Eu o monitorava pelos barulhos que ele estava fazendo ao abrir a garrafa e ao colocá-la no micro-ondas. O microondas foi desligado, e ele voltou para a sala, agitando a garrafa com seu polegar sobre o gargalo para que nenhuma gota caísse no chão. ―Então, quanto tempo mais você tem que gastar nesse projeto?‖ Eu perguntei – razoavelmente, eu acho. ―O quanto for necessário,‖ ele disse, menos razoável. Na verdade, Bill tinha soado francamente irritado. Hummm. Poderia nossa lua de mel ter terminado? É claro que eu digo lua de mel no sentido figurado, já que Bill é um vampiro e nós não podemos nos casar legalmente, praticamente em nenhum lugar do mundo. Não que ele tivesse me pedido em casamento. ―Bem, já que você está tão ocupado com seu projeto, eu simplesmente ficarei longe até você acabar,‖ eu disse lentamente. ―Isso pode ser o melhor,‖ Bill disse, após uma pausa perceptível, e eu senti como se ele tivesse me dado um soco no estômago. Em questão de instantes, eu estava de pé e colocando meu casaco por cima do meu uniforme de garçonete no inverno – calça preta, camisa branca com decote canoa e mangas compridas, com ―Merlotte‘s‖ bordado no canto esquerdo acima do peito. Eu virei as costas para Bill para esconder meu rosto. Eu estava tentando não chorar, então eu não olhei para ele mesmo depois de sentir sua mão tocando meu ombro. ―Eu tenho que te contar algo,‖ ele disse em sua voz calma e suave. Eu parei de colocar minhas luvas, mas eu não acho que agüentaria olhar para ele. Ele poderia contar para as minhas costas. ―Se alguma coisa me acontecer,‖ ele continuou (e era aqui que eu devia ter começado a me preocupar), ―você deve olhar no meu esconderijo que construí em sua casa. Meu computador deverá estar lá, e alguns cd‘s. Não conte a ninguém. Se o computador não estiver no esconderijo, venha até a minha casa e veja se ele está aqui. Venha durante o dia, e venha armada. Pegue o computador e qualquer cd que você conseguir encontrar, e esconda-o no meu alçapão, como você o chama.‖ Eu concordei com a cabeça. Ele conseguiria ver isso pelas minhas costas. Eu não confiava em minha voz. ―Se eu não voltar, ou se você não tiver notícias minhas, em vejamos... oito semanas, sim – oito semanas, então conte ao Eric tudo o que eu lhe contei hoje. E coloque-se sob a proteção dele.‖ Eu não falei. Eu estava muito arrasada para ficar furiosa, mas não duraria muito até que eu perdesse o controle. Eu confirmei suas palavras com um movimento rápido da minha cabeça. Eu conseguia sentir meu rabo-de-cavalo balançar em meu pescoço. ―Eu estou indo para... Seattle em breve,‖ Bill disse. Eu podia sentir seus lábios frios tocando o local onde meu rabo-de-cavalo tinha roçado. Ele estava mentindo. ―Quando eu voltar, nós conversaremos.‖ De alguma forma, aquilo não soou como uma possibilidade fascinante. De alguma forma, aquilo soou ameaçador. De novo eu inclinei minha cabeça, não arriscando falar porque agora eu estava chorando mesmo. Eu preferia morrer a tê-lo deixado ver minhas lágrimas. E foi assim que eu o deixei, naquela noite fria de Dezembro.
No dia seguinte, no meu caminho para o trabalho, eu fiz um desvio imprudente. Eu estava naquele estado de espírito em que ficava remoendo como tudo estava péssimo. Apesar de uma noite quase sem dormir, algo dentro de mim dizia que eu provavelmente conseguiria piorar o meu humor se eu dirigisse pela estrada Magnólia Creek: então claro, foi isso que eu fiz. A velha mansão dos Bellefleur, Belle Rive, era uma colméia em ação, mesmo em um dia frio e desagradável. Havia vans da companhia de detetização, uma empresa de projetação de cozinhas, e um tapume de empreiteira colocado na entrada que levava à cozinha da casa que existia desde antes da guerra. A vida estava simplesmente cantarolando para Caroline Holliday Bellefleur, a velha senhora que comandou Belle Rive e (pelo menos em parte) Bom Temps pelos últimos oitenta anos. Eu imagino como Portia, uma advogada, e Andy, um detetive, estavam aproveitando todas as mudanças em Belle Rive. Eles viveram com sua avó (assim como eu vivi com a minha) durante toda sua vida adulta. No mínimo, eles deveriam estar apreciando a satisfação dela em relação às reformas na mansão. Minha própria avó foi assassinada há alguns meses atrás. Os Bellefleurs não tiveram nada a ver com isso, é claro. E não havia motivo algum para Portia e Andy dividirem o prazer dessa nova fartura comigo. Na verdade, os dois me evitam como se eu tivesse uma doença contagiosa. Eles estavam em débito comigo, e eles não suportavam essa ideia. Eles simplesmente não sabiam o quanto me deviam. Os Bellefleurs haviam recebido uma misteriosa herança de um parente que havia ―morrido misteriosamente em algum lugar da Europa,‖ eu ouvi Andy dizer a um colega policial enquanto eles bebiam no Merlotte‘s. Quando ela deixou alguns bilhetes de rifa para as Costuras das Senhoras da Igreja Batista Gethsemane, Maxine Fortenberry me disse que a Senhora Caroline tinha vasculhado todo o histórico de sua família existente para que pudesse identificar seu benfeitor, e ela ainda estava perplexa com a boa sorte da família. Ela não parecia ter qualquer escrúpulo quanto a gastar o dinheiro, entretanto. Até Terry Bellefleur, primo de Portia e Andy, tinha uma nova caminhonete estacionada no apertado quintal de terra batida de seu trailer. Eu gostava de Terry, um veterano da Guerra do Vietnã marcado com cicatrizes que não tinha muitos amigos, e eu não lamentei seu novo conjunto de rodas.
Mas eu pensei no carburador que eu simplesmente estava sendo forçada a substituir em meu carro velho. Eu pagaria pela mão de obra integralmente, embora eu tenha pensado em perguntar a Jim Downey se eu poderia pagar a metade agora e o restante durante os próximos dois meses. Mas Jim é casado e tem três filhos. Justo nessa manhã eu estava pensando em pedir ao meu chefe, Sam Merlotte, se ele poderia adicionar mais horas para mim no bar. Especialmente com Bill estando em ―Seattle‖, eu poderia quase morar no Merlotte‘s, se Sam precisasse de mim. Eu com certeza precisava de dinheiro. Eu tentei com todas as minhas forças não ficar amarga enquanto dirigia para longe de Belle Rive. Eu fui para o sul, na saída da cidade, e então virei à esquerda na Estrada Hummingbird no meu caminho para o Merlotte‘s. Eu tentei fingir que tudo estava bem; que em seu retorno de Seattle – ou onde quer que ele estivesse – Bill seria um amante apaixonado de novo, e Bill me valorizaria e faria eu me sentir importante como antes. Eu teria novamente aquela sensação de pertencer a alguém, ao invés de ser solitária. É claro, eu tenho o meu irmão, Jason. Entretanto em relação a intimidade e o companheirismo, eu tenho que admitir que ele dificilmente conta. Mas o ponto central da minha dor era a inconfundível dor da rejeição. Eu conhecia o sentimento tão bem, que era como uma segunda pele. Eu com certeza odiei vesti-la de novo.
Eu testei a maçaneta para ter certeza de que a tinha trancado direito, me virei, e pelo canto do meu olho eu percebi alguém sentado no balanço em frente da minha varanda. Eu sufoquei um grito enquanto ele levantava. Então eu o reconheci. Eu estava usando um casaco grosso, mas ele estava de camiseta regata; isso não me surpreendeu, na verdade. ―El-― Oh-oh, essa foi por pouco. ―Bubba, como vai você?‖ Eu estava tentando soar casual, despreocupada. Eu não consegui, mas Bubba não era lá um vampiro dos mais astutos. Os vampiros admitiram que tê-lo transformado, quando ele estava tão próximo da morte e tão chapado pelas drogas, tinha sido um grande erro. Na noite em que ele foi transformado, um dos atendentes do necrotério por um acaso era um dos mortos-vivos, e também por acaso um grande aficionado. Com um plano montado e aprimorado precipitadamente envolvendo um assassinato ou dois, o atendente o ―trouxe de volta‖ – transformando Bubba num vampiro. Mas o processo nem sempre dá certo, sabe como é. Desde então, ele tem circulado por aí como um bobo da corte. Louisiana o estava hospedando no último ano. ―Senhorita Sookie, como você está?‖ Seu sotaque ainda era pesado e seu rosto ainda lindo, de um jeito meio queixudo. Seu cabelo preto caía sobre sua testa num estilo cuidadosamente desarrumado. As grossas costeletas estavam penteadas. Algum morto-vivo admirador deve tê-lo arrumado para a noite. ―Eu estou bem, obrigada,‖ Eu disse educadamente, com um sorriso que ia de orelha a orelha. Eu faço isso quando estou nervosa. ―Eu estava só me preparando para ir trabalhar,‖ Eu acrescentei, me perguntando se seria possível que eu pudesse simplesmente entrar no meu carro e cair fora dali. Imaginei que não. ―Bem, senhorita Sookie, eu fui enviado aqui para lhe proteger esta noite.‖ ―Você foi? Por quem?‖ ―Por Eric,‖ ele disse orgulhosamente. ―Eu era o único em seu escritório quando ele recebeu uma ligação. Ele me mandou mover meu traseiro até aqui.‖ ―Qual é o perigo?‖ Eu dei uma espiada em volta da clareira no bosque que rodeava a minha velha casa. A notícia de Bubba me deixou muito nervosa. ―Eu não sei, senhorita Sookie. Eric, ele só me disse para vir aqui vigiá-la esta noite até que um deles do Fangtasia chegue aqui – Eric, ou Chow, ou a senhorita Pam, ou até o Clancy. Então, se você vai para o trabalho, eu vou com você. E eu cuidarei de qualquer um que te incomodar.‖ Não tinha nexo ficar questionando Bubba ainda mais, pressionando aquele cérebro frágil. Ele só ficaria chateado, e você não gostaria de ver isso acontecendo. Era por isso que você tinha que lembrar de não chamá-lo pelo seu antigo nome... embora de vez em quando ele cantasse, e esse era um momento para se lembrar. ―Você não pode entrar no bar,‖ Eu disse abruptamente. Isso seria um desastre. A clientela do Merlotte‘s está acostumada com um eventual vampiro, claro, mas eu não poderia avisar todo mundo para não dizer seu nome. Eric devia estar desesperado; a comunidade vampírica mantinha falhas como Bubba fora do alcance da visão, embora de tempos em tempos ele enfiava na cabeça de perambular por aí por sua conta. Então você tinha uma ―visão‖, e os tablóides enlouqueciam. ―Talvez você pudesse esperar no meu carro enquanto eu trabalho?‖ O frio não afetaria Bubba. ―Eu preciso ficar mais perto do que isso,‖ ele disse, e ele parecia inalterável. ―Tudo bem, então, que tal o escritório do meu chefe? Fica imediatamente no bar, e você pode me ouvir se eu gritar.‖ Bubba ainda não parecia satisfeito, mas finalmente, ele concordou com a cabeça. Eu deixei escapar um suspiro que eu nem percebi que estava segurando. Seria mais fácil para mim ficar em casa, e avisar que estava doente. No entanto, não só Sam esperava que eu fosse, mas também, eu precisava do cheque-salário. O carro pareceu um pouco menor com Bubba no banco da frente junto a mim. Enquanto saíamos num solavanco da minha propriedade, através do bosque e para a estrada da região, fiz um lembrete mental de conseguir que a empresa de cascalho viesse despejar mais alguns cascalhos na extensão que rodeava o acesso para a entrada da minha casa. Daí eu cancelei o lembrete, também mentalmente. Eu não poderia pagar por isso agora. Eu teria que esperar até a primavera. Ou verão. Nós viramos à direita para dirigir poucos quilômetros até o Merlotte‘s, o bar onde eu trabalho como garçonete enquanto eu não estou fazendo um Monte de Coisas Super Secretas para os vampiros. Me veio à cabeça quando nós estávamos quase na metade do caminho que eu não tinha visto um carro que Bubba poderia ter usado para chegar até minha casa. Talvez ele tivesse vindo voando? Alguns vampiros podem fazer isso. Apesar de Bubba ser o vampiro menos talentoso que eu tinha conhecido, talvez ele tenha habilidade para isso. Há um ano eu teria perguntado a ele, mas não agora. Eu já estava acostumada a passar tempo com os mortos-vivos. Não que eu seja uma vampira. Eu sou uma telepata. Minha vida estava totalmente fora dos trilhos* até que eu conheci um cara cuja mente eu não conseguia ler. Infelizmente, eu não conseguia ler sua mente porque ele estava morto. Mas Bill e eu estávamos juntos por vários meses agora, e até pouco tempo, nosso relacionamento tinha sido realmente bom. E os outros vampiros precisam de mim, então estou segura – até certo ponto. Na maioria do tempo. Às vezes. (*No original a expressão é hell on wheels que na íntegra seria o inferno sobre rodas, mas o significado é extremamente difícil, ou agressivo ou ranzinza, mau-humorado... mas acho que o sentido aqui é bagunçada, fora de rumo, sem futuro.) O Merlotte‘s não parecia muito movimentado, a julgar pelo estacionamento meio vazio. Sam tinha comprado o bar há cerca de cinco anos. Ele estava falindo – talvez porque ele tinha sido suprimido pela floresta, que se elevava em volta de todo o estacionamento. Ou talvez porque o antigo dono simplesmente não descobriu a combinação certa de bebidas, comida e serviço. Seja como for, depois que ele mudou o nome e reformou o local, Sam tinha feito uma reviravolta no quadro geral. Ele tirava um bom sustento de lá agora. Mas hoje era uma segunda-feira, não era uma grande noite para beber em nossa região, que por acaso ficava no norte de Louisiana. Eu estacionei na área de funcionários, que ficava bem em frente ao trailer de Sam Merlotte, o qual ficava atrás e perpendicular à porta de entrada dos funcionários para o bar. Eu saltei do banco do motorista, caminhei pelo depósito, e espiei pelo painel de vidro da porta para checar o pequeno corredor com suas portas para os toaletes e o escritório do Sam. Vazio. Ainda bem. E quando eu bati na porta do Sam, ele estava atrás de sua mesa, o que era melhor ainda. Sam não é um homem grande, mas ele é muito forte. Ele é loiro num tom avermelhado com olhos azuis, e talvez seja três anos mais velho que os meus vinte e seis. Eu tenho trabalhado para ele por aproximadamente esse mesmo tempo. Eu gosto do Sam, e ele já estrelou algumas das minhas fantasias favoritas; mas desde que ele namorou uma linda mais homicida criatura há uns meses, meu entusiasmo de alguma forma se apagou. Ele é com certeza meu amigo, mesmo assim. ―Com licença, Sam, ― Eu disse, sorrindo como uma idiota. ―O que houve?‖ Ele fechou o catálogo de suprimentos para o bar que ele estava analisando. ―Eu preciso esconder alguém aqui por umas horas.‖ Sam não pareceu totalmente feliz com a ideia. ―Quem? Bill voltou?‖ ―Não, ele ainda está viajando.‖ Meu sorriso ficou ainda mais claro. ―Mas, ahm, eles enviaram outro vampiro meio que para me proteger? E eu preciso deixá-lo aqui enquanto eu trabalho, se estiver tudo bem com você.‖
―Por que você precisa ser protegida? E por que ele não pode simplesmente sentar lá fora no bar? Nós estamos lotados de TrueBlood.‖ TrueBlood estava definitivamente provando ser o líder de vendas entre as bebidas substitutas do sangue. ―Quase como beber direto da fonte,‖ estava escrito em seu primeiro anúncio, e os vampiros responderam a campanha do anúncio. Eu ouvi o menor dos barulhos atrás de mim, e eu suspirei. Bubba tinha ficado impaciente. ―Agora, eu pedi a você - ‖ Eu comecei, começando a me virar, mas nunca fui adiante. Uma mão me agarrou pelo ombro e me virou novamente. Eu estava encarando um homem que eu nunca tinha visto antes. Ele estava levantando seu punho fechado para me dar um murro na cabeça. Apesar do sangue de vampiro que eu tinha ingerido há alguns meses (para salvar minha vida, deixe-me salientar isso) tinha em sua maior parte se desgastado – eu praticamente não brilho no escuro de jeito nenhum agora – eu ainda sou mais rápida que a maioria das pessoas. Eu me joguei no chão e rolei entre as pernas do homem, o que o deixou sem equilíbrio, o que facilitou mais ainda para Bubba agarrá-lo e esmagar sua garganta. Eu cambaleei sobre meus pés e Sam se apressou para fora de seu escritório. Nós olhamos um para o outro, Bubba, e o homem morto. Bem, agora nós realmente estávamos com um problema. ―Eu o matei,‖ Bubba disse orgulhoso. ―Eu a salvei, senhorita Sookie.‖ Ter o Homem de Memphis aparecendo em seu bar, perceber que ele se tornou um vampiro, e assistí-lo matar um possível assaltante – bem, isso era muito para se absorver em poucos minutos, até para o Sam, embora ele mesmo fosse mais do que aparentava. ―Bem, você a salvou,‖ Sam disse para Bubba com uma voz suave. ―Você sabe quem ele era?‖ Eu nunca tinha visto um homem morto – fora das visitações em velórios – até que eu comecei a namorar o Bill (que é claro estava tecnicamente morto, mas eu quis dizer humanos mortos). Parecia que agora eu me deparava com eles com bastante frequência. Por sorte eu não sou tão sensível. Este homem morto em particular devia estar em seus quarenta anos, e cada um desses anos tinha sido difícil. Ele tinha tatuagens que cobriam seus dois braços, a maioria delas era do tipo sem qualidade que você faz na prisão, e ele estava sem alguns dentes importantes. Ele estava vestido com o que me pareceu ser roupa de motoqueiros: jeans azul sujo de graxa e um colete de couro, com uma camiseta indecente por baixo. ―O que é aquilo nas costas do colete?‖ Sam perguntou, como se aquilo tivesse um significado para ele. Bubba agachou-se gentilmente e virou o homem de lado. O jeito que a mão do homem caiu pesadamente no final de seu braço me deixou bem enjoada. Mas eu me forcei a olhar para o colete. As costas estavam decoradas com um emblema de uma cabeça de lobo. O lobo estava de perfil, e parecia estar uivando. A cabeça estava desenhada como uma silhueta contra um círculo branco, que eu concluí que deveria ser a Lua. Sam ficou ainda mais preocupado quando ele viu o emblema. ―Lobisomem,‖ ele disse sucintamente. Aquilo explicava muito. O tempo estava muito frio para um homem usando apenas um colete, se ele não fosse um vampiro. Lobis costumam ser mais quentes que pessoas normais, mas a maioria deles era cuidadosa em usar casacos no inverno, já que a comunidade dos lobis ainda era um segredo para a raça humana (exceto para mim, a sortuda da Sookie, e provavelmente outras poucas centenas). Eu me perguntava se o homem morto teria deixado um casaco lá no bar pendurado no cabide da entrada principal; E nesse caso, ele estava aqui atrás escondido no banheiro masculino, esperando que eu aparecesse. Ou talvez, ele tenha vindo atrás de mim pela porta dos fundos. Talvez seu casaco estivesse em seu carro. ―Você o viu entrando?‖ Eu perguntei a Bubba. Eu estava talvez só um pouco tonta. ―Sim, senhora. Ele devia estar esperando por você naquele grande estacionamento. Ele dirigiu em volta da esquina, desceu de seu carro, e veio para os fundos um minuto após você entrar.
Você entrou correndo pela porta, então ele entrou. E eu o segui. Você teve muita sorte de me trazer com você.‖ ―Obrigada, Bubba. Você está certo; eu tenho sorte em ter você aqui hoje. Eu fico imaginando o que ele pretendia fazer comigo.‖ Eu senti um arrepio por todo meu corpo quando eu pensei nisso. Ele estaria apenas procurando por um mulher solitária para agarrar, ou ele planejava me agarrar especificamente? Então eu me dei conta de que esse era um raciocínio idiota. Se Eric estava preocupado o bastante para me mandar um guarda-costas, ele devia saber que tinha uma ameaça, o que totalmente descarta a possibilidade de eu ter sido um alvo aleatório. Sem dizer nada, Bubba saiu a passos largos pela porta dos fundos. Ele estava de volta em apenas um minuto. ―Ele tem no banco da frente de seu carro algumas fitas adesivas e uma mordaça,‖ Bubba disse. ―É lá que está seu casaco. Eu o trouxe para colocar sua cabeça sob ele.‖ Ele se agachou para ajeitar a jaqueta acolchoada camuflada ao redor da cabeça e do pescoço do homem morto. Esconder a cabeça foi uma ideia muito boa, já que o homem estava sangrando um pouco. Quando ele terminou sua tarefa, Bubba lambeu seus dedos. Sam colocou um braço ao meu redor porque eu tinha começado a tremer. ―Isto é estranho, porém,‖ eu estava dizendo, quando a porta do corredor que dava para o bar começou a abrir. Eu pude ver o rosto de Kevin Pyror. Kevin é um cara gentil, mas ele é um policial, e esta era a última coisa que precisávamos. ―Sinto muito, o banheiro dos fundos está inundado,‖ eu disse, e empurrei a porta para fechá-la em seu rosto estreito e atônito. ―Escutem, rapazes, porque eu não mantenho essa porta fechada enquanto vocês dois pegam esse cara e o colocam de volta em seu carro? Então nós poderemos pensar em algo para fazer com ele.‖ O chão do corredor precisaria ser escovado. Eu descobri que a porta do corredor realmente trancava. Eu nunca tinha notado isso antes. Sam estava inseguro. ―Sookie, você não acha que deveríamos chamar a polícia?‖ ele perguntou. Há um ano eu estaria no telefone discando 9-1-1 antes que o cadáver sequer atingisse o chão. Mas aquele ano tinha sido um longo gráfico de aprendizado. Eu olhei nos olhos de Sam e inclinei minha cabeça na direção de Bubba. ―Como você acha que ele se sairia na prisão?‖ Eu cochichei. Bubba estava murmurando a melodia de ―Blue Christmas‖. ―Nossas mãos não são fortes o suficientes para terem feito um estrago desses,‖ eu salientei. Após um momento de indecisão, Sam assentiu, conformado com o inevitável. ―Tudo bem, Bubba, vamos nós dois carregar esse cara até o carro dele.‖ Eu corri para pegar um esfregão enquanto os homens – bem, o vampiro e o metamorfo – carregavam o motoqueiro pela porta dos fundos. Quando Sam e Bubba voltaram, trazendo uma rajada de vento frio no seu rastro, eu já tinha esfregado o chão do corredor e do banheiro masculino (como eu faria se realmente tivesse acontecido uma inundação ali). Eu borrifei um desodorizador de ar no corredor para melhorar o ambiente. Foi um alívio que nós tínhamos agido rapidamente, porque tão logo eu destranquei a porta Kevin já estava tentando abri-la. ―Está tudo bem aqui atrás?‖ ele perguntou. Kevin é um corredor, então ele quase não tem nenhuma gordura corporal, e ele não é um homem grande. Ele parece meio que com uma ovelha, e ainda mora com sua mãe. Mas apesar disso tudo, ele não é nenhum idiota. No passado, sempre que eu ouvia seus pensamentos, eles estavam ou em trabalhos policiais, ou na amazona negra que era sua parceira de trabalho, Kenya Jones. Neste exato momento, seus pensamentos estavam indo para a desconfiança. ―Eu acho que já consertamos tudo,‖ Sam disse. ―Cuidado onde pisa, nós acabamos de lavar. Não vá escorregar e me processar!‖ Ele sorriu para Kevin. ―Tem alguém em seu escritório?‖ Kevin perguntou, cabeceando em direção à porta fechada. ―Um dos amigos da Sookie,‖ Sam disse.
―É melhor eu voltar para o bar e oferecer umas bebidas,‖ eu disse alegremente, sorrindo para os dois. Eu levantei a mão para checar se meu rabo-de-cavalo ainda estava firme, e então fiz meus Reeboks se moverem. O bar estava quase vazio, e a mulher que eu estava substituindo (Charlsie Tooten) mostrou-se aliviada. ―Esta é uma daquelas noites fracas,‖ ela resmungou para mim. ―Os rapazes da mesa seis estão enrolando naquela jarra de cerveja há uma horas, e Jane Bodehouse já tentou agarrar todo homem que entrou aqui. Kevin está escrevendo algo em seu notebook a noite toda.‖ Eu olhei para a única cliente mulher no bar, tentando deixar o desgosto longe do meu rosto. Todo estabelecimento de bebidas tem sua cota de clientes alcoólatras, pessoas que abrem e fecham o lugar. Jane Bodehouse era uma dos nossos. Normalmente, Jane bebia sozinha em casa, mas a cada duas semanas mais ou menos ela enfiava na cabeça que precisava sair e conhecer um homem. O método dessa abordagem estava ficando cada vez mais duvidoso, já que não só Jane estava na casa dos cinquenta, mas a ausência de sono regular e alimentação adequada têm cobrado seu preço pelos últimos dez anos. Esta noite em especial, eu notei que quando Jane tinha aplicado sua maquiagem, ela tinha perdido os contornos reais de suas sobrancelhas e lábios. O resultado era muito perturbador. Nós teríamos que ligar para seu filho vir buscá-la. Eu podia dizer só olhando de relance que ela não poderia dirigir. Eu cumprimentei Charlsie com um movimento de cabeça, e acenei para Arlene, a outra garçonete, que estava sentada em uma mesa com sua mais nova paixão, Buck Foley. As coisas estavam realmente mortas se Arlene com os pés livres. Arlene acenou de volta para mim, seus cachos vermelhos balançando. ―Como estão as crianças?‖ Eu perguntei, começando a recolher alguns copos que Charlsie havia retirado da máquina de lavar louça. Eu achei que estava agindo normalmente até que notei que minhas mãos estavam tremendo violentamente. ―Estão ótimos. Coby entrou na ‗Lista de Honra dos Alunos Nota 10‘ e Lisa ganhou o concurso de soletração,‖ ela disse, com um sorriso largo. Para qualquer um que acreditasse que uma mulher que já foi casada quatro vezes não poderia ser uma boa mãe, eu apontaria para Arlene. Eu sorri rapidamente para Buck também, em consideração a Arlene. Buck é exatamente o habitual tipo de cara que Arlente namora, o que não é bom o suficiente para ela. ―Isso é ótimo! Eles são crianças espertas, como a mãe deles,‖ eu disse. ―Ei, aquele cara encontrou você?‖ ―Que cara?‖ Embora eu tivesse a impressão de que eu já sabia qual. ―Aquele cara com roupas de motoqueiro. Ele me perguntou se eu era a garçonete que estava namorando Bill Compton, já que ele tinha uma entrega para ela.‖ ―Ele não sabia o meu nome?‖ ―Não, e isso é bem esquisito, não é? Oh meu Deus, Sookie, se ele não sabia seu nome, como é que ele poderia ter vindo a pedido de Bill?‖ Possivelmente a inteligência de Coby veio de seu pai, já que Arlene levou esse tempo todo para descobrir aquilo. Eu amava Arlene por seu caráter, não sua inteligência. ―Então, o que você disse para ele?‖ eu perguntei, sorrindo para ela. Era o meu sorriso nervoso, não o meu verdadeiro. Não é sempre que eu sei quando o estou usando. ―Eu disse a ele que gosto do meu homem quente e respirando,‖ ela disse, e riu. Arlene também era ocasionalmente sem noção. Eu lembrei a mim mesma de reavaliar porque ela era minha amiga. ―Não, eu realmente não disse isso. Eu só disse a ele que você seria a loira que chegaria aqui as nove.‖ Obrigada, Arlene. Então meu agressor soube quem eu era por que minha melhor amiga tinha me identificado; ele não sabia meu nome ou onde eu morava, apenas que eu trabalhava no Merlotte‘s e namorava Bill Compton. Isso era um pouco reconfortante, mas não tanto.
Três horas se arrastaram. Sam apareceu, e me disse em um sussurro que ele tinha dado uma revista para Bubba dar uma olhada e uma garrafa de ―Life Support‘ para bebericar, e depois começou a bisbilhotar ao redor do bar. ―Como pode aquele cara estar dirigindo um carro ao invés de uma motocicleta?‖ Sam resmungou em voz baixa. ―Como é que o carro dele está com uma placa do Mississippi?‖ Ele se calou quando Kevin veio nos perguntar se nós ligaríamos para o filho de Jane, Marvin. Sam ligou enquanto Kevin ficou ali esperando para ver se o filho cumpria sua promessa de estar no bar em vinte minutos. Kevin foi embora depois disso, seu notebook enfiado embaixo do braço. Eu me perguntei se Kevin estaria se tornando um poeta, ou redigindo seu currículo. Os quatro homens que estavam tentando ignorar Jane enquanto bebiam suas jarras de cerveja na velocidade de uma tartaruga terminaram suas bebidas e foram embora, cada um deixando uma nota de um dólar na mesa como forma de gorjeta. Grandes esbanjadores. Eu nunca teria a entrada da minha casa recoberta com clientes assim. Com apenas meia hora para esperar, Arlene encerrou suas tarefas e perguntou se já podia ir embora com Buck. Seus filhos ainda estavam com a mãe dela, então ela e Buck poderiam ter o trailer só para eles por um tempinho. ―Bill está voltando logo?‖ ela me perguntou enquanto vestia seu casaco. Buck estava conversando sobre futebol americano com Sam. Eu dei de ombros. Ele tinha me ligado há três noites, dizendo que tinha chegado em ―Seattle‖ em segurança e estava se reunindo com - quem quer que ele pretendia se encontrar. O identificador de chamadas mostrava ―não disponível‖. Eu senti como se aquilo dissesse absolutamente o bastante sobre toda aquela situação. Eu senti como se aquilo fosse um mau sinal. ―Você... está sentindo falta dele?‖ sua voz estava dissimulada. ―O que você acha?‖ eu perguntei, com um pequeno sorriso no canto de meus lábios. ―Você vá para casa, e aproveite bastante.‖ ―Buck é muito bom em aproveitar,‖ ela disse, quase não se contendo. ―Sorte sua.‖ Então Jane Bodehouse era a única cliente no Merlotte‘s quando Pam chegou. Jane dificilmente contava; ela estava tão ‗por fora‘. Pam é uma vampira, e ela é co-proprietária do Fangtasia, um bar para turistas em Shreveport. Ela é a segunda no comando de Eric. Pam é loira, provavelmente com duzentos e poucos anos, e pra dizer a verdade tem senso de humor - que não é uma marca registrada dos vampiros. Se um vampiro poderia ser seu amigo, ela era o mais perto disso que eu tinha conseguido. Ela sentou em um banco no balcão e me encarou sobre a brilhante extensão de madeira. Isto era ameaçador. Eu nunca tinha visto Pam em lugar algum fora do Fangtasia. ―E aí?‖ eu disse, como forma de cumprimento. Eu sorri para ela, mas eu estava totalmente tensa. ―Onde está Bubba?‖ ela perguntou, em sua voz exigente. Ela olhou sobre meus ombros. ―Eric ficará muito bravo se Bubba não conseguiu chegar até aqui.‖ Pela primeira vez, eu notei que Pam tinha um leve sotaque, mas eu não consegui identificá-lo. Talvez fossem só as inflexões do Inglês antigo. ―Bubba está lá atrás, no escritório de Sam,‖ eu disse, focando em seu rosto. Desejei que o interrogatório fosse em frente e acabasse. Sam chegou e permaneceu ao meu lado, e eu os apresentei. Pam o cumprimentou de uma forma mais significativa do que ela faria com um simples humano (sobre quem ela poderia não ter conhecimento nenhum), já que Sam era um metamorfo. E eu esperei para ver uma pontinha de interesse, já que Pam é insaciável em matéria de sexo, e Sam é um ser sobrenatural muito atraente. Embora vampiros não fossem famosos por suas expressões faciais, eu conclui que a da Pam estava definitivamente triste. ―Qual o problema?‖ eu perguntei, depois de um momento de silêncio.
Pam encontrou meu olhar. Nós duas somos loiras de olhos azuis, mas isso era o mesmo que dizer que dois animais eram cachorros. Isso era o máximo onde chegava qualquer semelhança. O cabelo de Pam era liso e pálido, e seus olhos eram muito escuros. Agora eles estavam cheios de problemas. Ela olhou para Sam, seu olhar significativo. Sem dizer uma palavra, ele se retirou para ajudar o filho de Jane, um homem em seus trinta anos com aparência esgotada, a levá-la até o carro. ―Bill está desaparecido,‖ Pam disse, disparando como uma ‗atualização de assuntos‘. ―Não, ele não está. Ele está em Seattle,‖ eu disse. Obstinadamente lerda. Eu tinha aprendido essa palavra no meu calendário ―Palavra-do-dia‖ somente nesta manhã, e aqui eu estava começando a usá-la. ―Ele mentiu para você.‖ Eu absorvi aquilo, fazendo um gesto de ―prossiga‖ com minha mão. ―Ele esteve no Mississippi o tempo todo. Ele dirigiu até Jackson.‖ Eu olhei para baixo e encarei o balcão de madeira do bar profundamente revestida de poliuretano. Eu tinha quase certeza de que Bill tinha mentido para mim, mas ouvir isso assim alto e claro, grosseiramente, doía como o inferno. Ele mentiu para mim, e ele estava desaparecido. ―Então... o que você vai fazer para encontrá-lo?‖ eu perguntei, e odiei o quão trêmula minha voz estava. ―Nós estamos procurando. Estamos fazendo o máximo que podemos,‖ Pam disse. ―Quem quer que seja que esteja com ele pode estar atrás de você, também. Foi por isso que Eric mandou Bubba para cá.‖ Eu não pude responder. Eu estava lutando para me controlar. Sam tinha voltado, suponho que quando viu o tanto que eu estava transtornada. De apenas alguns centímetros atrás de mim, ele disse, ―Alguém tentou pegar a Sookie quando ela veio para o trabalho hoje. Bubba a salvou. O corpo está lá fora atrás do bar. Nós íamos tirá-lo depois que fechássemos.‖ ―Tão rápido,‖ Pam disse. Ela parecia ainda mais infeliz. Ela lançou a Sam um olhar de avaliação e assentiu. Ele era um ser sobrenatural também, embora isso fosse definitivamente um pouco pior para ele se ele fosse outro vampiro. ―É melhor eu ir até o carro e ver o que descubro.‖ Pam admitiu muito naturalmente que nós nos desfizéssemos do corpo nós mesmos ao invés de fazer algo mais oficial. Vampiros têm um pouco de problemas em aceitar a autoridade do cumprimento da Lei e a obrigação de cidadãos de reportar à policia quando surgem problemas. Embora vampiros não pudessem se juntar as Forças Armadas, eles poderiam se tornar policiais, e curtir ao máximo seu trabalho. Mas policiais vampiros são geralmente párias para os outros mortos vivos. Eu preferia muito mais pensar em vampiros policiais do que no que Pam tinha acabado de me dizer. ―Quando Bill desapareceu?‖ Sam perguntou. Sua voz controlada para permanecer estável, mas havia raiva escondida nela. ―Era pra ele ter chegado ontem à noite,‖ Pam disse. Levantei a cabeça rapidamente. Eu não sabia disso. Por que Bill não me contou que estava voltando para casa? ―Ele ia dirigir até Bom Temps, nos ligar no Fangtasia para nos avisar que havia chegado, e nos encontrar hoje à noite.‖ Isto era praticamente tagarelar, para um vampiro. Pam digitou alguns números no celular; eu conseguia ouvir os pequenos ―beeps‖. Eu ouvi o resultado de sua conversa com Eric. Após transmitir os fatos, Pam disse a ele, ―Ela está sentada aqui. Não está falando.‖ Ela colocou o celular em minha mão. Eu automaticamente o coloquei em meu ouvido. ―Sookie, você está ouvindo?‖ Eu sabia que Eric podia ouvir o som de meu cabelo se mexendo no fone, o sussurro de minha respiração.
―Eu sei que você está,‖ ele disse. ―Escute e me obedeça. Por enquanto, não diga a ninguém o que aconteceu. Aja normalmente. Viva sua vida como você sempre faz. Um de nós estará observando você o tempo todo, quer você saiba ou não. Até durante o dia, nós acharemos um jeito de lhe proteger. Nós iremos vingar o Bill, e vamos proteger você.‖ Vingar o Bill? Então Eric tinha certeza que Bill estava morto. Bem, inexistente. ―Eu não sabia que ele estaria de volta ontem a noite,‖ eu disse, como se isso fosse a coisa mais importante que eu tinha ouvido. ―Ele teve – más notícias que estava vindo contar a você,‖ Pam disse repentinamente. Eric a ouviu por acaso e fez um som de desaprovação. ―Diga a Pam para calar a boca,‖ ele disse, soando abertamente furioso pela primeira vez desde que o conheci. Eu não vi necessidade nenhuma de repassar a mensagem, porque imaginei que Pam podia ouvi-lo, também. A maioria dos vampiros tem a audição muito aguçada. ―Então você sabia dessas más notícias e sabia que ele estava voltando,‖ eu disse. Não apenas Bill estava desaparecido e possivelmente morto – permanentemente morto – mas ele tinha mentido para mim sobre onde ele estava indo e porque, e estava guardando algum segredo importante de mim, algo relacionado a mim. A dor foi tão profunda, eu nem sequer podia sentir a ferida. Mas eu sabia que sentiria mais tarde. Eu devolvi o telefone a Pam, e me virei e deixei o bar. Eu esmorecia enquanto ia para o meu carro. Eu deveria ficar no Merlotte‘s para ajudar a descartar o cadáver. Sam não era um vampiro, e ele só estava envolvido nisso por minha causa. Isto não era justo com ele. Mas depois de apenas uns segundos de hesitação, eu fui embora. Bubba poderia ajudá-lo, e Pam – Pam, que sabia tudo, enquanto eu não sabia nada. Como foi previsto, eu captei um vislumbre de um rosto pálido na floresta quando fui pra casa. Eu quase chamei o guardião, convidando o vampiro para entrar e pelo menos sentar no sofá durante a noite. Mas daí eu pensei, Não. Eu tenho que ficar sozinha. Nada disso se referia às minhas ações. Eu não tinha que tomar nenhuma medida. Eu tinha que manter uma atitude passiva, e eu estava totalmente desinformada não por vontade própria. Eu estava tão magoada e tão furiosa quanto era possível para mim. Ou pelo menos eu achava isso. Revelações posteriores provariam que eu estava errada. Eu entrei pisando firme em minha casa e tranquei a porta atrás de mim. A fechadura não impediria o vampiro de entrar, é claro, mas a falta de um convite iria. O vampiro poderia definitivamente manter quaisquers humanos afastados, pelo menos até o amanhecer. Eu vesti meu velho camisolão de nylon azul e com mangas longas, e sentei junto a mesa da minha cozinha encarando inexpressivamente as minhas mãos. Me perguntava onde Bill estaria agora. Será que ele estava sequer vagando pelo mundo; ou virado um monte de cinzas em alguma fogueira de churrasco? Eu lembrei de seu cabelo castanho escuro, o toque denso deles entre meus dedos. Eu considerei o sigilo de seu retorno planejado. Depois do que pareceu ser um minuto ou dois, eu olhei para o relógio sobre o fogão. Eu estava sentada na mesa, olhando pro espaço, por mais de uma hora. Eu deveria ir para a cama. Estava tarde, e frio, e dormir seria a coisa mais normal a fazer. Mas nada em meu futuro seria normal novamente. Ah, espera aí! Se Bill se foi, meu futuro seria normal. Sem Bill. Então, sem vampiros: sem Eric, Pam, ou Bubba. Sem criaturas sobrenaturais: sem lobis, metamorfos, ou bacantes. Eu não teria me deparado com eles, tampouco, se não fosse pelo meu envolvimento com Bill. Se ele nunca tivesse ido ao Merlotte‘s, eu estaria simplesmente servindo mesas, ouvindo os pensamentos indesejados daqueles ao meu redor: as triviais mesquinharias, a luxúria, as desilusões, as esperanças, e as fantasias. Sookie maluca, a telepata do vilarejo de Bon Temps, Louisiana.
Eu tinha sido uma virgem antes de Bill. Agora o único sexo que eu possivelmente poderia ter seria com JB du Rone, que era tão adorável que você poderia quase fazer vistas grossas ao fato de que ele era burro como um tronco de árvore. Ele tinha tão poucos pensamentos que a companhia dele era quase confortável pra mim. Eu podia até tocar JB sem receber imagens desagradáveis. Mas Bill... eu notei que minha mão direita estava cerrada em punho, e eu dei um soco tão forte na mesa, que doeu como o inferno. Bill tinha me dito que se qualquer coisa acontecesse a ele, era para eu ―procurar‖ Eric. Eu nunca tive certeza se ele estava me dizendo que Eric iria garantir que eu recebesse algum legado financeiro de Bill, ou que Eric iria me proteger de outros vampiros, ou que eu seria para Eric... bem, que eu teria que ter com Eric o mesmo relacionamento que eu tinha com Bill. Eu disse a Bill que eu não ia ser repassada como uma torta de frutas no Natal. Mas Eric já tinha me procurado, então eu nem sequer tive a chance de decidir se seguiria ou não as últimas recomendações do Bill. Eu perdi a minha linha de raciocínio. Ela nunca tinha sido clara de qualquer forma. Ah, Bill, onde você está? Eu enterrei meu rosto em minhas mãos. Minha cabeça estava pulsando com a exaustão, e até mesmo minha cozinha aconchegante estava fria tão tarde da noite. Eu levantei para ir para a cama, embora soubesse que não iria dormir. Eu precisava do Bill com uma intensidade tão visceral que eu me perguntava se isso era de alguma forma anormal, se eu teria sido encantada por algum poder sobrenatural. Apesar de minha habilidade telepática concedesse imunidade ao encanto dos vampiros, talvez eu fosse vulnerável a outro poder? Ou talvez eu estivesse apenas sentindo falta do único homem que eu já amei. Eu me senti dissecada, vazia, e traída. Eu me senti pior que quando minha avó tinha morrido, pior que quando meus pais se afogaram. Quando meus pais morreram, eu era muito jovem, e talvez eu não tivesse compreendido completamente, tudo de uma vez, que eles tinha ido permanentemente. Isso era difícil de lembrar agora. Quando minha avó morreu há alguns meses, eu tinha recebido consolo nos rituais que envolvem a morte na cultura sulista. E eu sabia que eles não tinham me deixado voluntariamente. Eu me encontrei parada na entrada da cozinha. Eu desliguei a iluminação geral. Uma vez que eu estava enrolada na cama no escuro, eu comecei a chorar, e não parei por um longo, longo tempo. Esta não era uma noite para levar em conta minhas bênçãos. Era uma noite onde cada perda que eu já tive me oprimia fortemente. Parecia que eu tinha mais azar que a maioria das pessoas. Embora eu tenha feito uma tentativa simbólica de me defender de uma inundação de auto-piedade, não fui muito bem-sucedida. Isso estava muito retorcido no fundo pelo tormento de não saber o destino de Bill. Eu queria que Bill se enroscasse em minhas costas; eu queria seus lábios frios no meu pescoço. Eu queria suas mãos brancas descendo pelo meu abdômen. Eu queria falar com ele. Eu queria que ele risse das minhas terríveis suspeitas. Eu queria contar a ele sobre meu dia; sobre o problema idiota que eu estava tendo com a companhia de gás, e os novos canais que a empresa da nossa tv a cabo tinha adicionado. Eu queria lembrá-lo que ele precisava de uma nova arruela na pia do banheiro, avisar a ele que meu irmão, Jason, tinha descoberto que ele não iria ser pai afinal de contas (o que era uma coisa boa, já que ele não era um marido, tampouco). A parte mais maravilhosa de ser um casal era partilhar sua vida com outro alguém. Mas minha vida, evidentemente, não tinha sido boa o suficiente para partilhar.
Quando o sol apareceu, eu tinha conseguido dormir uma meia hora. Comecei a levantar pra fazer um café, mas isso não parecia fazer muito sentido. Eu simplesmente permaneci na cama. O telefone tocou durante a manhã, mas eu não o atendi. A campainha tocou, mas eu não respondi. Em algum momento lá pelo meio da tarde, eu me dei conta de que havia uma coisa que eu tinha de fazer, a missão que Bill tinha insistido que eu executasse se ele estivesse atrasado. Esta situação encaixava exatamente no que ele me disse. Agora eu durmo no quarto maior, anteriormente da minha avó. Eu fui cambaleando pelo corredor para o meu antigo quarto. Há uns dois meses, Bill tinha retirado o fundo do meu velho armário e o transformou em um alçapão. Ele construiu um esconderijo à prova de luz para ele mesmo no subsolo da casa. Ele tinha feito um excelente trabalho. Me certifiquei de que eu não poderia ser vista pela janela antes que eu abrisse a porta do armário. O piso do armário estava quase exposto, não fosse pelo tapete, que era uma extensão do outro cortado para se ajustar ao espaço. Depois que eu tinha puxado a tampa que cobria o fundo do armário, eu passei um canivete ao redor do assoalho e eventualmente bisbilhotei tudo. Olhei para dentro na caixa preta abaixo. Ela estava cheia: o computador do Bill, uma caixa de CDs, até mesmo o seu monitor e impressora. Então Bill tinha previsto que isso poderia acontecer, e ele tinha escondido o seu trabalho antes que ele fosse embora. Ele tinha alguma fé em mim, não importava o quanto ele mesmo poderia ter sido incrédulo. Eu meneei a cabeça, e rolei o tapete de volta para o lugar, ajustando-o cuidadosamente nos cantos. Sobre o fundo do armário eu coloquei coisas fora da estação - caixas de sapato contendo sandálias de verão, uma bolsa de praia cheia de grandes toalhas para banhos de sol e um dos meus muitos tubos de bronzeador, e minha cadeira dobrável que eu usava para me bronzear. Eu enfiei uma enorme sombrinha no canto, e decidi que o armário parecia suficientemente realista. Minhas roupas de verão do bar penduradas, juntamente com alguns roupões levinhos e camisolas. Minha explosão de energia desapareceu assim que eu percebi que tinha terminado o último serviço que Bill tinha pedido para mim, e eu não tinha nenhuma maneira de deixá-lo saber que eu tinha seguido suas instruções. Metade de mim (pateticamente) queria que ele soubesse que eu mantive a fé; metade de mim queria ir ao armário de ferramentas e afiar algumas estacas. Confusa demais para formular qualquer linha de ação, eu me arrastei de volta à minha cama e içei meu corpo para cima dela. Abandonando toda uma vida de ver o lado positivo de todas as coisas, e sendo forte e alegre e útil, voltei a ficar chafurdando em minha dor e meu sentimento avassalador de traição. Quando eu acordei, estava escuro de novo, e Bill estava na cama comigo. Oh, graças a Deus! O alívio varreu meu corpo. Agora tudo ficaria bem. Eu senti o seu corpo frio atrás de mim, e eu inverti a posição, meio dormindo, e coloquei meus braços em torno dele. Ele levantou o meu camisolão de nylon, e sua mão acariciou minha perna. Eu coloquei minha cabeça contra seu peito silencioso e encostei meu nariz nele. Seus braços me envolveram apertado, pressionando firmemente o corpo dele contra o meu, e eu suspirei com prazer, inserindo uma mão entre nós para desabotoar as calças dele. Tudo tinha voltado ao normal. Exceto seu cheiro diferente. Meus olhos saltaram abertos, e eu empurrei para trás contra uns ombros duros como pedra. Eu deixei escapar um pequeno grito de horror. ‖Sou eu,‖ disse uma voz familiar. ‖Eric, o que você está fazendo aqui?‖ ‖Aconchegando‖.
‖Seu filho da puta! Eu achei que você era o Bill! Eu achei que ele tivesse voltado!‖ ‖Sookie, você precisa de um banho.‖ ‖O quê?‖ ‖Seu cabelo está sujo, e seu hálito poderia derrubar um cavalo.‖ ‖Não que me importe o que você acha,‖ eu disse categoricamente. ‖Anda, vai se arrumar.‖ ‖Por quê?‖ ‖Porque nós temos que conversar, e eu tenho certeza que você não quer ter uma longa conversa na cama. Não que eu tenha qualquer objeção a estar na cama com você‖ – ele pressionou-se contra mim para demontrar o tanto que ele não se opunha - ―mas eu iria gostar ainda mais se eu estivesse com a Sookie higiênica que eu cheguei a conhecer.‖ Possivelmente nada que ele pudesse ter dito teria me tirado da cama mais depressa do que isso. A sensação da ducha quente sobre o meu corpo frio foi maravilhosa, e meu temperamento tomou conta de aquecer o meu interior. Não era a primeira vez que Eric tinha me surpreendido em minha própria casa. Eu ia ter de cancelar o seu convite para entrar. O que tinha me impedido de tomar essa medida drástica antes - o que me impedia agora - era a ideia de que se eu alguma vez precisasse de ajuda, e ele não pudesse entrar, eu poderia estar morta antes que eu pudesse gritar, ―Entre!‖ Eu tinha entrado no banheiro carregando meu jeans e roupas íntimas e um suéter de Natal vermelho-e-verde com renas nele, porque era isso que estava na parte de cima da minha gaveta. Você só tem um mês para usar essa droga de coisas, por isso eu aproveito ao máximo. Eu usei um secador no meu cabelo, desejando que Bill estivesse ali para penteá-lo para mim. Ele realmente gostava de fazer isso, e eu gostava de deixá-lo fazer. Diante dessa lembrança, eu quase desabei novamente, mas eu permaneci com a minha cabeça contra a parede descansando um longo momento enquanto eu distinguia as coisas em minha mente. Eu respirei fundo, me virei para o espelho, e apliquei rapidamente um pouco de maquiagem. Meu bronzeado não estava lá essas coisas a essa altura do inverno; mas eu ainda tinha um brilho delicado, graças à câmara de bronzeamento artificial da Bon Temps Video Rental*. (*Uma Rental Shop é uma loja onde um consumidor pode contratar produtos reutilizáveis por um certo período de tempo antes de devolvê-los. Por exemplo, é possível alugar uma câmara de bronzeamento como se aluga um filme. O texto se refere a ‗vídeo rental‘ que é um programa que possibilita sessões de bronzeamento, de forma inteligente, onde você mesmo opera a máquina e ela cobra conforme o tempo utilizado e quantidade de sessões.) Eu sou uma pessoa do verão. Gosto do sol, e dos vestidos curtos, e da sensação que você tem muitas horas de luz para fazer o que quer que você queira. Mesmo Bill adorava os cheiros do verão, ele amava quando ele sentia cheiro do bronzeador e (ele me disse) do próprio sol na minha pele. Mas a parte agradável do inverno eram as noites que ficavam muito mais longas - pelo menos, eu pensava assim quando Bill estava aqui para compartilhar essas noites comigo. Eu joguei a minha escova de cabelo do outro lado do banheiro. Fez um barulho danado enquanto ricocheteava dentro da banheira. ―Desgraçado!‖ Gritei com toda força dos meus pulmões. Ouvir minha voz dizendo uma coisa dessas em voz alta me acalmou de um jeito que nada mais poderia. Quando eu surgi de dentro do banheiro, Eric estava completamente vestido. Ele usava uma camiseta de brinde de uma das fábricas de cerveja que abasteciam o Fangtasia (―Este sangue é para você,‖ tinha escrito nela) e calça jeans, e ele tinha feito cuidadosamente a cama. ―Pam e Chow podem entrar?‖ ele perguntou. Eu atravessei a sala até a porta da frente e a abri. Os dois vampiros estavam sentados em silêncio no balanço da varanda. Eles estavam no que achei que fosse um período de paralização. Quando vampiros não têm nada em especial para fazer, eles meio que ficam inexpressivos; isolados dentro de si mesmos, sentados ou de pé absolutamente imóveis, olhos abertos, porém vagos. Parece que isso os renova. ‖Por favor, entrem,‖ eu disse. Pam e Chow entraram devagar, olhando em volta deles com interesse, como se estivessem em uma excursão escolar. Casa de Fazenda da Louisiana, mais ou menos anterior ao século vinte e um. A casa tinha pertencido à nossa família desde que foi construída cento e sessenta e um anos atrás. Quando o meu irmão, Jason, tinha seguido seu caminho por conta própria, ele se mudou para a casa que os meus pais tinham construído quando eles se casaram. Eu tinha ficado aqui, com a vovó, nesta casa muito alterada, e muito reformada; e que ela tinha deixado para mim no seu testamento. A sala tinha se mantido totalmente como a casa original. Outros acréscimos, como a cozinha moderna e os banheiros, eram relativamente novos. O próximo pavimento, que era muito menor do que a base da casa, foi acrescentado no início dos anos 1900 para acomodar uma geração de crianças que tinham todas sobrevivido. Eu raramente vou até lá hoje em dia. Era terrivelmente quente lá em cima no verão, mesmo com a janela de ar condicionado. Todos os meus móveis eram envelhecidos, sem estilo, e confortáveis - absolutamente convencional. A sala tinha sofás e cadeiras e uma televisão e um videocassete, e então você passava por um corredor que tinha o meu quarto grande com o seu próprio banheiro de um lado, e um banheiro social no corredor e meu antigo quarto e alguns armários embutidos para roupa de cama, mesa e banho, e outro para casacos. Através dessa passagem, você vai para a cozinha/sala de jantar, que tinha sido adicionada logo após o casamento dos meus avós. Depois da cozinha, havia uma grande varanda de fundo coberta, que eu tinha acabado de colocar uma tela de proteção. A varanda alojava um antigo banco bem útil, a lavadora e secadora de roupas, e um monte de prateleiras. Tinha um ventilador de teto em cada quarto e um mata-moscas, também, pendurado em um local discreto sobre um minúsculo prego. Vovó não ligava o ar condicionado a menos que ela absolutamente tivesse necessidade. Embora eles não tenham se aventurado a ir lá em cima, nenhum detalhe escapou a Pam e Chow no piso térreo. No momento que eles se acomodaram na antiga mesa de pinheiro onde os Stackhouses tinham comido por algumas gerações, eu senti como se eu vivesse em um museu que tinha acabado de ser catalogado. Eu abri a geladeira e tirei três garrafas de TRUEBLOOD, aqueci no microondas, dei uma boa agitada nelas, e coloquei-as ruidosamente sobre a mesa na frente dos meus convidados. Chow ainda era praticamente um estranho para mim. Ele vinha trabalhando no Fangtasia há apenas alguns meses. Eu suponho que ele tenha entrado de sócio no bar, como o barman anterior tinha feito. Chow tinha tatuagens incríveis, em azul escuro do gênero asiático tão complexas que eram como um conjunto de roupas extravagantes. Estas eram tão diferentes das condecorações de cadeia do meu agressor que era difícil acreditar que era o mesmo tipo de arte. Eu fiquei sabendo que as de Chow eram tatuagens da Yakuza, mas eu nunca me atrevi a perguntar a ele, especialmente porque isso não era exatamente da minha conta. No entanto, se estas eram verdadeiras tatuagens da Yakuza, Chow não era tão velho para um vampiro. Eu procurei os Yakuza, e a tatuagem era uma (relativamente) recente manifestação na longa história dessa organização criminosa. Chow tinha longos cabelos pretos (nenhuma surpresa até aí), e eu ouvi de muitas fontes que ele era uma tremenda atração no Fangtasia. Na maioria das noites, ele trabalhava sem camisa. Esta noite, como uma concessão ao frio, ele estava vestindo um colete vermelho com zípper. Eu não podia evitar imaginar se ele nunca realmente se sentia nu; seu corpo era tão cuidadosamente ornamentado. Eu gostaria de poder perguntar a ele, mas naturalmente isto estava fora de questão. Ele era a única pessoa de ascendência asiática que eu já tinha conhecido, e não importa o quanto você saiba que um indivíduo não retrata uma raça inteira, você meio que supõe que pelo menos algumas das generalizações sejam lógicas. Chow parecia ter um forte senso de privacidade. Mas longe de ser silencioso e impenetrável, ele estava afastado conversando com a Pam, embora em uma língua que não pude compreender. E ele sorriu para mim de uma maneira desconcertante. Ok, talvez ele estivesse muito longe de ser impenetrável. Ele provavelmente estava me insultando até o inferno, e eu era muito burra para entender. Pam estava vestida, como sempre, numa espécie de roupa anônima de classe média. Esta noite era uma calça de lã branca de inverno e um suéter azul. Seus cabelos loiros estavam brilhantes, lisos e soltos, caindo pelas costas dela. Ela parecia Alice no País das Maravilhas com presas. ‖Vocês descobriram mais alguma coisa sobre o Bill?‖ Perguntei, quando todos eles tinham dado um gole nas suas bebidas. Eric disse: ―Um pouco.‖ Eu juntei minhas mãos no meu colo e esperei. ‖Eu sei que Bill foi sequestrado,‖ disse ele, e a sala ficou flutuando em volta da minha cabeça por um segundo. Eu respirei fundo para fazê-la parar. ‖Quem por?‖ Gramática era a menor das minhas preocupações. ‖Nós não temos certeza,‖ Chow me disse. ―As testemunhas não estão coincidindo.‖ Seu inglês tinha sotaque, mas era muito claro. ‖Deixe-me com eles,‖ eu disse. ―Se eles são humanos, eu vou descobrir.‖ ‖Se eles estivessem sob o nosso domínio, essa seria a coisa lógica a fazer,‖ disse Eric agradavelmente. ―Mas, infelizmente, eles não estão.‖ Mais essa besteira de domínio. ―Por favor, explique.‖ Eu tinha certeza que estava mostrando uma paciência extraordinária sob essas circunstâncias. ‖Essas pessoas devem fidelidade ao rei do Mississippi.‖ Eu sabia que minha boca estava aberta, mas parecia que eu não podia impedir. ―Me desculpe,‖ eu disse, depois de um longo momento, ―mas eu podia jurar que você disse... o rei? Do Mississippi?‖ Eric assentiu sem um vestígio de um sorriso. Eu olhei para baixo, tentando não sorrir. Mesmo nessas circunstâncias, era impossível. Eu podia sentir minha boca contorcendo. ―De verdade?‖ Perguntei incontrolavelmente. Não sei por que parecia ser ainda mais engraçado que o Mississippi tivesse um rei - afinal, Louisiana tinha uma rainha – mas parecia. Eu lembrei a mim mesma que eu supostamente não deveria saber sobre a rainha. Ok, Checado. Os vampiros olharam um para um outro. Eles concordaram com a cabeça simultaneamente. ‖Você é o rei da Louisiana?‖ Eu perguntei a Eric, tonta com todo o meu esforço mental para absorver direito tantas histórias diferentes. Eu estava rindo tanto que tudo que eu poderia fazer era conseguir me manter ereta na cadeira. Possivelmente tinha um tom de histeria. ―Ah, não,‖ disse ele. ―Eu sou só o líder da Área 5.‖ Isso realmente me fez cair na real. Eu tinha lágrimas escorrendo pelo rosto, e Chow parecia desconfortável. Eu levantei, preparei um chocolate quente suíço* no microondas, e mexi com uma colher para que ele esfriasse. Eu fui me acalmando enquanto realizava essa pequena tarefa, e no momento em que voltei à mesa, eu estava quase equilibrada. (*No original é Swiss Miss que é uma marca suíça de pó de cacau ou achocolatado.) ‖Você nunca me contou tudo isso antes,‖ eu disse, a título de explicação. ―Vocês todos dividiram a América em reinos, é isso?‖ Pam e Chow olharam para Eric com alguma surpresa, mas ele não os considerou. ―Sim,‖ disse ele simplesmente. ―Tem sido assim desde que os vampiros vieram para a América. Claro que, ao longo dos anos, os sistemas mudaram com a população. Havia muito menos vampiros na América pelos primeiros duzentos anos, porque a viagem até aqui era muito mais arriscada. Era difícil calcular a viagem com sua duração versus o suprimento sanguíneo disponível.‖ Que devia ser a tripulação, é claro. ―E a Compra da Louisiana* fez uma grande diferença‖. (*A Compra da Luisiana descreve a aquisição americana de um território de 2 144 476 km2 (ou 529 911 680 acres) da França em 1803 por aproximadamente três dólares o acre, valor que se fosse ajustado em valores atuais, devido à inflação, seria de 193 milhões de dólares. O território francês da Loisiana incluía muito mais área do que o atual estado de Louisiana. Estas terras incluíam partes ou toda as regiões dos atuais estados de Arkansas, Missouri, Iowa, Minnesota, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Nebraska, Novo México, Texas, Oklahoma, Kansas, Montana, Wyoming e Colorado. Este enorme território responde por um quarto do território dos atuais 48 estados contíguos.) Bem, claro que fez. Eu reprimi outro ataque de risos. ―E os reinos são divididos em...?‖ ‖Áreas. Costumavam ser chamados de feudos, até que decidimos que estava muito ultrapassado. Um líder controla cada área. Como você sabe, vivemos na Área 5 do reino da Louisiana. Stan, a quem você visitou em Dallas, é o líder da Área 6 no reino de... no Texas.‖ Eu imaginei Eric como o xerife de Nottingham*, e quando isso tinha perdido a graça, como Wyatt Earp**. Eu estava definitivamente sendo insensata. Eu realmente me sentia muito mal fisicamente. Eu disse a mim mesma para guardar bem longe as minhas reações a estas informações, e me concentrar no problema imediato. ―Então, Bill foi raptado na luz do dia, acertei?‖ (*cidade da Inglaterra) (**Wyatt Earp (1848-1929) oficial de lei e pistoleiro norte-americano que se tornou uma figura lendária no Velho Oeste) Múltiplos acenos com a cabeça à minha volta. ‖Este sequestro foi testemunhado por algumas pessoas que vivem no reino do Mississippi.‖ Eu simplesmente amei dizer aquilo. ―E eles estão sob o controle de um vampiro rei?‖ ‖Russell Edgington. Sim, eles vivem no seu reino, mas alguns deles me darão informações. Por um preço.‖ ‖Este rei não vai deixar que você os interrogue?‖ ‖Nós não lhe perguntamos ainda. Pode ser que Bill tenha sido pego à mando dele.‖ Isso levantou todo um novo grupo de perguntas, mas eu disse a mim mesma para continuar concentrada. ―Como eu posso chegar até eles? Supondo que eu decida que quero fazê-lo.‖ ‖Nós pensamos em um jeito de fazer com que você possa colher informações dos humanos na área onde Bill desapareceu,‖ disse Eric. ―Não apenas as pessoas que eu subornei para que me dissessem o que estava acontecendo por lá, mas todas as pessoas conectadas a Russell. É arriscado. Sou obrigado a dizer a você o que sei, para que dê certo. E você pode se recusar. Alguém já tentou pegar você uma vez. Aparentemente, quem quer que esteja com Bill não deve ter muitas informações sobre você ainda. Mas logo, Bill vai falar. Se você estiver em qualquer lugar por perto quando ele ceder, eles irão pegá-la.‖ ‖Eles realmente não precisarão de mim, então,‖ Eu salientei. ―Se ele já tiver cedido.‖ ‖Isso não é necessariamente verdade,‖ disse Pam. Eles fizeram de novo aquela coisa de trocarolhares-enigmáticos. ‖Conte-me a história toda,‖ eu disse. Notei que Chow tinha acabado o seu sangue, então levantei para pegar um pouco mais para ele. ―Conforme o pessoal de Russell Edgington disse, Betty Jo Pickard, a segunda no comando de Edgington, supostamente estaria embarcando num voo para St. Louis ontem. Os humanos responsáveis por levar o seu caixão para o aeroporto pegaram o caixão idêntico de Bill por engano. Quando eles entregaram o caixão no hangar de aluguel da Anubis Airlines, eles o deixaram desprotegido por talvez dez minutos, enquanto eles estavam preenchendo a papelada. Durante esse tempo - eles afirmam - alguém empurrou o caixão, que estava em uma espécie de maca com rodas, para fora do hangar pelos fundos, carregando-o em um caminhão, e foi embora.‖ ―Alguém que pudesse penetrar na segurança da Anubis,‖ eu disse, com suspeita pesando em minha voz. Anubis Airlines tinha sido fundada para transportar vampiros seguramente tanto de dia quanto à noite, e sua garantia de segurança intensa para proteger os caixões com vampiros adormecidos era o seu grande cartão de visita. Evidentemente, vampiros não têm de dormir em caixões, mas certamente é mais fácil enviá-los dessa forma. Houve lamentáveis ―acidentes‖ quando vampiros tinham tentado voar com a Delta Air Lines. Alguns fanáticos tinham entrado no compartimento de bagagens e despedaçaram alguns caixões com um machado. A Northwest tinha sofrido o mesmo problema. Economizar dinheiro de repente não parecia tão interessante para os mortos-vivos, que agora voavam quase exclusivamente pela Anubis. ‖Estou achando que alguém poderia ter se misturado com o pessoal de Edgington, alguém que os funcionários da Anubis pensaram que era de Edgington, e o pessoal de Edgington achasse que pertencia a Anubis. Ele poderia ter levado Bill enquanto o pessoal de Edgington ia embora, e nenhum dos guardas saberia.‖ ‖O pessoal da Anúbis não iria pedir para ver documentos? Em um embarque de caixão?‖ ―Eles dizem que viram documentos, os de Betty Jo Pickard. Ela estava a caminho do Missouri para negociar um acordo comercial com os vampiros de St. Louis.‖ Eu tive um momento de vazio me perguntando que diabos os vampiros do Mississippi poderiam estar negociando com os vampiros do Missouri, e então eu decidi que eu simplesmente nem queria saber. ‖Também houve uma confusão extra nessa hora,‖ Pam estava dizendo. ―Um incêndio iniciado sob a cauda de um outro avião Anubis, e os guardas estavam distraídos.‖ ‖Oh, acidentalmente-de-propósito.‖ ‖Eu acho que sim,‖ disse Chow. ‖Então, por que alguém ia querer sequestrar Bill?‖ Perguntei. Eu receava que eu já soubesse. Eu estava esperando que eles me fornecessem algo mais. Graças a Deus Bill estava preparado para este momento. ―Bill estava trabalhando em um pequeno projeto especial,‖ disse Eric, seu olhar em meu rosto. ―Você sabe alguma coisa sobre isso?‖ Mais do que eu queria. Menos do que eu deveria. ‖Qual projeto?‖ Eu disse. Eu passei minha vida inteira dissimulando meus pensamentos, e eu convoquei todas as minhas habilidades agora. Aquela vida dependia da minha sinceridade. O olhar de Eric chamejou sobre Pam, e Chow. Ambos deram algum um tipo de sinal microscópico. Ele focou em mim novamente, e disse, ―Isso é um pouco difícil de acreditar, Sookie.‖ ‖Por quê?‖ Perguntei, com raiva em minha voz. Na dúvida, ataque. ―Quando foi exatamente que algum de vocês colocou pra fora suas determinações pessoais a um humano? E Bill é definitivamente um de vocês.‖ Eu insinuei isso com toda raiva que eu poderia mostrar. Eles fizeram aquela coisa de olhos-chamejantes outra vez. ‖Você acha que vamos acreditar que Bill não disse a você no que ele estava trabalhando?‖ ‖Sim, eu acho. Porque ele não disse.‖ Eu tinha mais ou menos descoberto tudo por mim mesma, de qualquer maneira. ‖Isto é o que eu vou fazer,‖ disse Eric finalmente. Ele olhou para mim do outro lado da mesa, seus olhos azuis duros como mármore e da mesma forma perigosos. Sem mais essa de Sr.Vampiro Legal. ―Não posso dizer se você está mentindo ou não, o que é extraordinário. Para o seu bem, espero que você esteja dizendo a verdade. Eu posso te torturar até você me contar a verdade, ou até que eu tenha certeza que você esteja me dizendo a verdade desde o início.‖ Oh, droga! Eu respirei fundo, expirei, e tentei pensar em uma oração apropriada. Deus, não deixe que eu grite tão alto parecendo um tanto fraca e pessimista. Além disso, não havia ninguém para me ouvir exceto os vampiros, não importa o quão ruidosamente eu gritasse.
Quando chegar a hora, é preferível deixá-lo ir em frente. ‖Mas,‖ Eric continuou ponderadamente, ―isso pode prejudicar você demais para a outra parte do meu plano. E a verdade é que não faz muita diferença se você sabe o que Bill vem fazendo pelas nossas costas ou não.‖ Pelas suas costas? Ah, merda. E agora eu sabia a quem culpar pela minha extrema situação desagradável. Meu próprio querido amor, Bill Compton. ‖Isso causou uma reação,‖ observou Pam. ‖Mas não a que eu esperava,‖ disse Eric lentamente. ‖Não estou muito feliz com a opção da tortura.‖ Eu estava tão encrencada, que eu não podia sequer começar a fazer sentido, e eu estava tão sobrecarregada com o estresse que eu sentia que minha cabeça estava flutuando em algum lugar acima do meu corpo. ―E sinto saudades do Bill.‖ Mesmo que nesse momento eu fosse com prazer chutar o traseiro dele, eu realmente sentia sua falta. E se eu pudesse ter apenas dez minutos de conversa com ele, quanto melhor preparada eu estaria para enfrentar os próximos dias. Lágrimas desciam pelo meu rosto. Mas eles ainda tinham mais para me dizer; mais que eu tinha que ouvir, se eu quisesse ou não. ―Eu espero que você me diga por que ele mentiu sobre esta viagem, se você souber. Pam mencionou más notícias.‖ Eric olhou para Pam sem nenhum amor nos olhos. ‖Ela está se esvaindo em lágrimas de novo,‖ observou Pam, soando um pouco desconfortável. ―Eu acho que antes que ela vá para o Mississippi, ela deve saber a verdade. Além disso, se ela estiver guardando segredos por Bill, isso iria...‖ Fazer com que ela colocasse a boca no trombone? Repensar a sua lealdade para com o Bill? Forçá-la a perceber que ela tem que nos contar? Era óbvio que Chow e Eric tinham feito tudo para me manter na ignorância e por isso eles estavam profundamente insatisfeitos com a Pam por me dar essa dica, embora eu supostamente não soubesse disso, as coisas não estavam bem entre Bill e eu. Mas ambos olharam Pam atentamente por um longo minuto, e então Eric assentiu brevemente. ‖Você e Chow esperem lá fora,‖ disse Eric para Pam. Ela deu a ele um olhar muito incisivo e, em seguida eles saíram, deixando suas garrafas vazias sobre a mesa. Nem mesmo um ‗muito obrigado‘ pelo sangue. Nem sequer lavaram as garrafas. Minha cabeça parecia estar cada vez mais leve enquanto eu contemplava a educação sofrível dos vampiros. Eu senti minhas pálpebras tremerem, e me dei conta de que eu estava à beira de um desmaio. Eu não sou uma dessas moças frágeis que caem de pernas para o ar a cada coisinha, mas eu senti neste momento que eu tinha justificativa. Além disso, eu percebi vagamente eu não tinha comido em mais de vinte e quatro horas. ―Não faça isso,‖ disse Eric. Ele soava definitivo. Tentei me concentrar em sua voz, e eu olhei para ele. Eu acenei com a cabeça para indicar que eu estava fazendo o melhor que podia. Ele se moveu para o meu lado da mesa, virou a cadeira que Pam havia ocupado até ficar de frente comigo e muito perto. Ele sentou e se inclinou sobre mim, a sua grande mão branca cobrindo ambas as minhas, ainda juntas impecavelmente no meu colo. Se ele fechasse sua mão, ele poderia esmagar todos os meus dedos. Eu nunca trabalharia como garçonete novamente. ‖Eu não gosto de ver você com medo de mim,‖ disse ele, com o rosto muito perto do meu. Poderia sentir seu perfume – Ulysse, eu acho. ―Eu sempre fui muito amável com você.‖ Ele sempre quis fazer sexo comigo. ‖Além disso, eu quero transar com você.‖ Ele sorriu ironicamente, mas neste momento isso não me fez sentir nada. ―Quando nos beijamos... foi muito excitante.‖ Tínhamos nos beijado no cumprimento do dever, por assim dizer, e não como diversão. Mas tinha sido excitante. Como não? Ele era lindo, e ele teve várias centenas de anos para aperfeiçoar sua técnica de beijos e amassos. Eric ficou mais próximo ainda. Eu não estava certa se ele pretendia me morder ou me beijar. Suas presas tinham aparecido. Ele estava zangado, ou excitado, ou faminto, ou todos os três. Novos vampiros tendem a ter uma dicção ruim enquanto falam até se acostumarem com suas presas; você não poderia sequer saber, com Eric. Ele tinha tido séculos para aperfeiçoar esta técnica, também. ―De alguma forma, essa intenção de me torturar não me deixou muito excitada,‖ disse ele. ‖Funcionou para Chow, entretanto,‖ Eric cochichou no meu ouvido. Eu não estava tremendo, mas eu deveria estar. ―Dá pra você ir direto ao assunto aqui?‖ Perguntei. ―Você vai me torturar, ou não? Você é meu amigo, ou o meu inimigo? Você vai encontrar Bill, ou deixá-lo apodrecer?‖ Eric sorriu. Foi curto e sem graça, mas era melhor do que ele se aproximando, pelo menos no momento. ―Sookie, você é demais,‖ disse ele, mas não como se ele achasse isso particularmente encantador. ―Não vou torturar você. Por um único motivo, eu odiaria arruinar essa pele bonita; um dia, eu vou vê-la toda.‖ Eu só esperava que ela ainda estivesse no meu corpo quando isso acontecesse. ‖Você não vai sempre ter tanto medo de mim,‖ disse ele, como se ele estivesse absolutamente certo do futuro. ―E você não vai sempre ser tão dedicada a Bill como é agora. Tem uma coisa que devo dizer a você.‖ Lá vem o Grande Mau. Seus dedos frios torciam entre os meus, e sem querer, eu segurei sua mão com força. Eu não poderia pensar em uma palavra para dizer, pelo menos uma palavra que fosse segura. Meus olhos fixaram nos dele. ―Bill foi intimado para o Mississippi,‖ Eric me disse, ―por um vampiro - uma fêmea – Ele a tinha conhecido há muitos anos. Não sei se você já percebeu que os vampiros quase nunca acasalam com outros vampiros, por não mais que um raro romance de uma-noite-só. Nós não fazemos isso porque nos dá poder um sobre o outro para sempre, o acasalamento e a partilha do sangue. Esta vampira... ― ―O nome dela,‖ eu disse. ‖Lorena,‖ disse ele relutantemente. Ou talvez ele quisesse me dizer o tempo todo, e a relutância fosse apenas uma fachada. Quem diabos pode saber, com um vampiro. Ele esperou para ver se eu iria falar, mas não falei. ‖Ela estava no Mississippi. Não tenho certeza se ela regularmente vive lá, ou se ela foi lá para capturar Bill. Ela tinha vivido em Seattle durante anos, eu sei, porque ela e Bill viveram juntos lá por muitos anos.‖ Eu me perguntei por que ele tinha escolhido Seattle como seu destino fictício. Ele não tinha apenas arrancado isso do nada. ‖Mas qualquer que seja a sua intenção de pedir a ele para encontrá-la por lá... qual desculpa que ela deu a ele por não vir aqui... talvez ele estivesse apenas sendo cuidadoso com você...‖ Eu queria morrer naquele momento. Eu respirei fundo e olhei para baixo para nossas mãos unidas. Eu estava humilhada demais para olhar nos olhos do Eric. ‖Ele estava – ele se tornou - instantaneamente fascinado por ela, tudo de novo. Depois de algumas noites, ele ligou para Pam para dizer que ele estava indo para casa cedo, sem contar a você, para que ele pudesse organizar uma assistência futura para você antes que ele visse você novamente.‖ ―Assistência futura?‖ eu soei como uma gralha. ‖Bill queria fazer um acordo financeiro para você.‖ O impacto disso me fez empalidecer. ―Me descartar com uma pensão,‖ eu disse entorpecidamente. Não importa o quão boas eram suas intenções, Bill não poderia ter sugerido nenhuma ofensa maior que essa. Quando ele participava da minha vida, nunca tinha ocorrido a ele me perguntar como eu lidava com minhas finanças - embora ele mal pudesse esperar para ajudar os seus recém-descobertos descendentes, os Bellefleurs. Mas quando ele estava saindo da minha vida, e se sentiu culpado por partir lamentando, com pena de mim - então ele começou a se preocupar. ―Ele queria...‖ Eric começou, então parou e olhou atentamente para o meu rosto. ―Bem, deixe isso de lado agora. Eu teria dito nada disso a você, se Pam não tivesse interferido. Eu teria deixado você na ignorância, porque então não teriam sido palavras da minha boca que te machucariam tanto assim. E eu não teria tido que apelar para você, como eu irei apelar.‖ Eu me obriguei a ouvir. Eu agarrei a mão de Eric, como se fosse uma tábua de salvação. ‖O que eu vou fazer, e você tem que entender, Sookie, minha pele depende disso, também...‖ Olhei para ele diretamente no rosto, e ele viu a rapidez da minha surpresa. ―Sim, meu trabalho, e talvez a minha vida, também, Sookie - não apenas a sua, e a de Bill. Estou enviando a você um contato amanhã. Ele vive em Shreveport, mas ele tem um segundo apartamento em Jackson. Ele tem amigos entre a comunidade sobrenatural de lá, os vampiros, metamorfos, e lobis. Através dele você pode conhecer alguns deles, e seus empregados humanos.‖ Eu não estava completamente com minha cabeça no lugar agora, mas eu senti como se fosse entender tudo isso quando eu repassasse de novo em minha mente. Então eu assenti. Seus dedos acariciavam os meus, mais e mais. ‖Este homem é um lobi,‖ disse Eric negligentemente, ―então ele é escória. Mas ele é mais confiável do que alguns outros, e ele me deve um grande favor pessoal.‖ Eu absorvi aquilo, assentindo novamente. Os longos dedos de Eric pareciam quase quentes. ―Ele vai deixá-la por dentro de tudo que acontece na comunidade vanpírica em Jackson, e você pode coletar informações entre as mentes dos empregados humanos. Sei que isso é um tiro no escuro, mas se há algo para descobrir, se Russell Edgington realmente raptou Bill, você pode detectar uma pista. O homem que tentou sequestrar você era de Jackson, guiando-se pelas multas em seu carro, e ele era um lobi, tal como indicava a cabeça de lobo no seu colete. Não sei por que eles viriam atrás de você. Mas suspeito que isso significa que Bill está vivo, e eles queriam capturá-la para usar você como influência sobre ele.‖ ‖Então eu acho que eles deveriam ter raptado Lorena,‖ eu disse. Os olhos de Eric se ampliaram em avaliação. ‖Talvez eles já a tenham capturado,‖ disse ele. ―Mas talvez Bill tenha percebido que foi Lorena quem o traiu. Ele não teria sido capturado se ela não tivesse revelado o segredo que ele tinha contado a ela.‖ Eu ponderei sobre isso, ainda assentindo novamente. ‖Outro quebra-cabeças é a razão de por acaso ela aparecer por lá de algum modo,‖ disse Eric. ―Acho que eu teria ficado sabendo se ela fosse um membro regular no grupo do Mississipi. Mas eu vou ficar pensando sobre isso no meu tempo livre.‖ Por seu aspecto sinistro, Eric já tinha investido um tempo considerável em sua mente sobre essa questão. ―Se este plano não funcionar dentro de aproximadamente três dias, Sookie, nós talvez tenhamos que sequestrar um dos vampiros do Mississippi em troca. Isto iria quase seguramente nos conduzir a uma guerra, e uma guerra – mesmo que com Mississippi - seria onerosa em vidas e dinheiro. E no final, eles matariam Bill de qualquer forma.‖ Ok, o peso do mundo estava descansando sobre meus ombros. Valeu, Eric. Eu precisava de mais responsabilidade e pressão. ‖Mas saiba disso: Se eles estiverem com Bill – se é que ele ainda está vivo - nós iremos trazê-lo de volta. E vocês vão ficar juntos novamente, se for isso o que você quiser‖. Grande se. ‖Para responder à sua pergunta: Eu sou seu amigo, e isso irá durar tanto tempo quanto eu puder ser seu amigo sem colocar em risco a minha própria vida. Ou o futuro da minha área.‖ Bem, aquilo traçava um limite. Apreciei a sua honestidade. ―Enquanto for conveniente para você, você quer dizer,‖ eu disse calmamente, o que foi tão injusto e errado. No entanto, achei estranho que minha descrição de sua atitude pareceu realmente incomodá-lo. ―Deixa eu te perguntar uma coisa, Eric‖. Ele levantou suas sobrancelhas para me dizer que ele estava esperando. Suas mãos subiam e desciam pelos meus braços, inconscientemente, como se ele não estivesse pensando no que estava fazendo. O movimento me fez lembrar de um homem aquecendo suas mãos em uma fogueira. ‖Se eu estou entendendo você, Bill estava trabalhando em um projeto para a...‖ Senti uma impetuosa onda de riso crescendo, e eu brutalmente a reprimi. ―Para a rainha da Louisiana,‖ eu terminei. ―Mas você não sabia sobre isso. Estou certa?‖ Eric me encarou por um longo momento, enquanto ele pensava sobre o que me dizer. ―Ela me disse que tinha um trabalho para Bill fazer,‖ disse ele. ―Mas não do que se tratava, ou porque tinha que ser ele a fazê-lo, ou quando seria concluído.‖ Isso iria humilhar praticamente qualquer líder, ter o seu subalterno sendo preferido assim. Especialmente se o líder não ficasse sabendo de nada. ―Então, por que não é esta rainha que está procurando por Bill?‖ Eu perguntei, mantendo a minha voz cuidadosamente neutra. ‖Ela não sabe que ele se foi.‖ ‖Por que não?‖ ‖Nós ainda não dissemos a ela.‖ Cedo ou tarde ele desistiria de responder. ―Por que não?‖ ‖Ela iria nos punir.‖ ‖Por quê?‖ Eu estava começando a soar como se tivesse dois anos de idade. ‖Por deixar que alguma coisa acontecesse ao Bill, quando ele estava fazendo um projeto especial para ela.‖ ‖Qual seria essa punição?‖ ―Ah, com ela é difícil dizer.‖ Ele deu uma risada sufocada. ―Algo muito desagradável.‖ Eric estava ainda mais perto de mim, seu rosto quase tocando o meu cabelo. Ele estava aspirando, muito delicadamente. Vampiros dependiam de cheirar, e ouvir, muito mais do que ver, embora a sua visão seja extremamente precisa. Eric tinha tomado o meu sangue, então ele podia dizer mais sobre as minhas emoções que um vampiro que não tivesse tomado. Todos os sanguessugas estudam o sistema emocional humano, já que os mais bem sucedidos predadores sabem os hábitos de suas presas. Eric realmente roçou sua bochecha contra a minha. Ele era como um gato no seu prazer de contato. ‖Eric.‖ Ele meu deu mais informações do que ele sabia. ‖Hum?‖ ‖Realmente, o que a rainha vai fazer com você se você não puder apresentar Bill na data combinada para seu projeto?‖ A minha pergunta teve o resultado desejado. Eric se afastou para longe de mim e me olhou com os olhos mais azuis que os meus e mais severos que os meus e mais frios do que o vazio do Ártico. ‖Sookie, você realmente não iria querer saber,‖ disse ele. ―Produzir o trabalho dele seria bom o suficiente. A presença real de Bill seria um bônus.‖ Devolvi seu olhar com os olhos quase tão frios quanto os dele. ―E o que vou receber em troca para fazer isso por você?‖ Perguntei. Eric conseguiu olhar tanto surpreso quanto satisfeito. ―Se Pam não tivesse insinuado a você sobre Bill, o seu regresso seguro teria sido suficiente e você teria agarrado com as duas mãos a oportunidade de ajudar,‖ lembrou-me Eric. ‖Mas agora eu sei sobre Lorena.‖ ‖E sabendo, você concorda em fazer isso por nós?‖
‖Sim, com uma condição.‖ Eric pareceu desconfiado. ―E qual seria?‖ ele perguntou. ‖Se algo me acontecer, eu quero que você a destrua.‖ Ele olhou boquiabeto para mim por pelo menos um segundo antes de gargalhar estrondosamente. ―Eu teria de pagar uma multa enorme,‖ disse ele quando saiu gargalhando. ―E eu teria que cumpri-lo primeiro. Isso é mais fácil dizer do que fazer. Ela tem trezentos anos de idade.‖ ―Você me disse que o que aconteceria com você se tudo isto fosse desvendado seria muito horrível,‖ eu o lembrei. ‖Verdade.‖ ‖Você me disse que precisa desesperadamente de mim para fazer isto para você.‖ ‖Verdade.‖ ‖Isso é o que peço em troca.‖ ‖Você poderia dar uma vampira decente, Sookie,‖ disse Eric finalmente. ―Tudo bem. Feito. Se alguma coisa acontecer com você, ela nunca mais vai transar com Bill novamente.‖ ‖Ah, não é só isso.‖ ‖Não?‖ Eric pareceu muito cético, como ele preferia. ‖É porque ela o traiu.‖ Os duros olhos azuis de Eric encontraram os meus. ―Diga-me isso, Sookie: Você me pediria isso se ela fosse uma humana?‖ Sua ampla boca de lábios finos, na maioria das vezes divertida, estava em uma séria linha reta. ―Se ela fosse uma humana, eu mesma cuidaria disso,‖ eu disse, e levantei para mostrar-lhe à porta. Após Eric ter ido embora, eu me inclinei contra a porta e encostei a minha bochecha contra a madeira. Será que eu quis dizer realmente o que eu disse a ele? Eu fiquei por muito tempo me perguntando se eu era realmente uma pessoa civilizada, embora tenha me empenhado para ser uma. Eu sabia que, no momento em que eu disse que eu mesma cuidaria da Lorena, eu realmente falei sério. Havia algo muito selvagem dentro de mim, e eu sempre controlei aquilo. Minha avó não tinha me criado para ser uma assassina. Enquanto eu andava pesadamente pelo corredor até o meu quarto, eu percebi que o meu temperamento tinha se mostrando cada vez mais ultimamente. Desde que eu tinha conhecido os vampiros. Eu não poderia imaginar o motivo pelo qual isso estava acontecendo. Eles exerciam um controle enorme sobre si mesmos. Por que o meu estaria falhando? Mas isso foi introspecção suficiente para uma noite. Eu tinha que pensar sobre amanhã.
Já que estava parecendo que eu ia sair da cidade, tinha que lavar algumas roupas, e precisava jogar fora algumas coisas que estavam na geladeira. Eu não estava particularmente sonolenta após ter passado tanto tempo na cama no dia e na noite anterior, então eu peguei a minha mala, abri, e joguei algumas roupas na máquina de lavar lá fora na congelante varanda dos fundos. Eu não queria ficar pensando sobre o meu próprio caráter por mais tempo. Eu tinha um monte de outros itens para cogitar. Eric certamente tinha adotado uma abordagem direta para me curvar à sua vontade. Ele me bombardeou com muitas razões para fazer o que ele queria: intimidação, ameaça, sedução, um apelo para o retorno de Bill, um apelo para a sua (e de Pam, e de Chow) vida e/ou bem-estar – isso sem mencionar minha própria saúde. ―Eu talvez tenha que torturá-la, mas eu quero fazer sexo com você; eu preciso de Bill, mas estou furioso com ele porque ele me enganou; tenho de manter as pazes com Russell Edgington, mas eu tenho que resgatar Bill dele; Bill é o meu servo, mas ele está secretamente trabalhando mais para minha chefe.‖ Malditos vampiros. Dá pra ver porque fico feliz pelo fato dos encantos deles não me afetarem. É um dos poucos aspectos positivos que a minha capacidade de ler mentes me rendia. Infelizmente, pessoas com pequenos defeitos psíquicos são muito atraentes para os mortosvivos. Eu certamente não poderia ter previsto nada disso quando me uni ao Bill. Bill tinha se tornado quase tão necessário para mim como água; e não exclusivamente por causa dos meus sentimentos profundos por ele, ou o meu prazer físico ao fazermos amor. Bill era a única garantia que eu tinha contra ser ligada a outro vampiro, contra a minha vontade. Depois que eu passei uma quantia boa de roupas pela lavadora e secadora e as dobrei, me senti muito mais relaxada. Eu estava com a bagagem quase pronta, e eu iria colocar uns dois romances e um mistério caso eu tivesse um tempinho para ler. Eu sou uma autodidata nesse gênero de livros. Eu me estiquei e bocejei. Dava uma certa paz de espírito em descobrir que havia um plano, e meu sono inquieto do dia e noite passados não tinha me renovado tanto quanto eu pensava. Eu seria capaz de adormecer facilmente. Mesmo sem a ajuda de vampiros, talvez eu pudesse encontrar Bill, eu pensei, enquanto escovava meus dentes e subia na cama. Mas invadir e resgatá-lo de qualquer que fosse a prisão que ele estivesse e conseguir uma fuga bem sucedida, essa era outra questão. E então eu teria que decidir o que fazer sobre o nosso relacionamento. Eu acordei por volta das quatro da manhã com uma sensação estranha de que havia uma ideia só esperando para ser descoberta. Eu tive um pensamento em algum momento durante a noite; era o tipo de ideia que simplesmente fica borbulhando em seu cérebro, esperando para transbordar. Como foi previsto, após um minuto a ideia voltou à tona. E se Bill não tivesse sido raptado, mas tivesse desertado? E se ele tivesse ficado tão enamorado ou dependente de Lorena que ele decidiu abandonar os vampiros da Louisiana e se unir ao grupo do Mississipi? Imediatamente, eu tive dúvidas de que este tinha sido o plano de Bill; mas seria um plano muito elaborado, com informações vazando sobre o rapto de Bill para Eric, a presença confirmada de Lorena no Mississipi. Certamente existiria uma maneira menos dramática, e mais simples, de organizar o seu desaparecimento. Me perguntei se Eric, Chow, e Pam estavam mesmo neste momento revistando a casa de Bill, que estava situada depois do cemitério e da minha. Eles não iriam encontrar o que eles estavam procurando. Talvez eles voltassem aqui. Eles não teriam de trazer Bill de volta afinal de contas, se pudessem encontrar os arquivos de computador que a rainha queria tanto. Eu caí no sono como resultado de absoluta exaustão, achando que ouvia Chow rindo do lado de fora. Mesmo o conhecimento da traição de Bill não me impediu de procurá-lo em meus sonhos. Devo ter rolado sobre a cama mais de três vezes, estendendo a mão para ver se ele tinha deslizado para a cama comigo, como muitas vezes ele fazia. E todas as vezes, o outro lado da cama estava vazio e frio. No entanto, isso era melhor do que encontrar Eric lá ao invés. Eu levantei e tomei uma chuveirada à primeira luz do dia, e eu tinha feito um bule de café antes de chegar alguém batendo na porta da frente. ‖Quem é?‖ Eu fiquei ao lado da porta enquanto perguntava. ‖Eric me enviou,‖ disse uma voz rude. Eu abri a porta e levantei os olhos. E olhei pra cima um pouco mais. Ele era enorme. Seus olhos eram verdes. Seu cabelo desgrenhado era crespo e grosso e preto como breu. Seu cérebro zunia e pulsava com energia; uma espécie de alerta vermelho. Lobisomem. ―Entre. Você quer um café?‖ O que quer que ele tinha esperado, não era o que estava vendo. ―Pode apostar, querida. Você prepararia uns ovos? Alguma salsicha?‖ ‖Claro.‖ Eu o guiei até a cozinha. ―Eu sou Sookie Stackhouse,‖ eu disse, por cima do ombro. Eu me inclinei para tirar os ovos da geladeira. ―E você?‖ ‖Alcide,‖ disse ele, pronunciando Al-cie, com o ‗d‘ mal sendo ouvido. ―Alcide Herveaux.‖ Ele me observava constantemente enquanto eu levantava a frigideira – a velha frigideira de ferro escurecido da minha avó. Ela a adquiriu quando se casou, e a queimou, como qualquer mulher eficiente o faria. Agora ela estava perfeitamente forjada. Eu liguei o gás observando o fogão. Eu cozinhei primeiro a salsicha (por causa da gordura), soltando-a sobre uma toalha de papel em um prato e colocando no forno para aquecer. Após perguntar a Alcide como ele queria os ovos, eu os preparei mexidos rapidamente, deslizando-os sobre o prato quente. Ele abriu a gaveta da direita achando os talheres na primeira tentativa, e se serviu de um pouco de suco e café depois que eu silenciosamente apontei em qual armário guardava as xícaras. Ele tornou a encher minha caneca enquanto ele continuava. Ele comeu ordenadamente. E ele comeu tudo. Eu mergulhei minhas mãos na água quente e ensaboada para limpar os poucos pratos. Eu lavei a frigideira por último, a enxuguei, e esfreguei um pouco de gordura vegetal* na parte enegrecida, lançando olhares ocasionais ao meu convidado. A cozinha cheirava confortavelmente a café da manhã e água com sabão. Foi um momento caracteristicamente tranquilo. (*No original Crisco, que é uma marca de gordura vegetal muito popular produzida desde 1911 pela empresa Procter & Gamble). Isto era tudo menos o que eu tinha esperado quando Eric me contou que alguém que devia um favor a ele seria a minha entrada para o meio vampírico do Mississipi. Enquanto eu olhava para fora da janela da cozinha para a paisagem fria, eu percebi que foi assim que eu tinha previsto meu futuro; diante das poucas vezes que eu me permiti idealizar um homem partilhando a minha casa. Assim era que a vida supostamente deveria ser, para as pessoas normais. Era de manhã, hora de levantar-se e trabalhar, hora de uma mulher preparar o café da manhã para um homem, se ele tivesse que sair e ganhar a vida. Este homem grande e bruto estava comendo comida de verdade. Ele provavelmente tinha uma caminhonete estacionada na frente da minha casa. Claro, ele era um lobisomem. Mas um lobi poderia levar uma vida mais parecida à de um humano do que um vampiro. Por outro lado, aquilo que eu não sabia sobre lobis poderia encher um livro.
Ele terminou, colocou seu prato na água da pia, e o lavou e secou ele mesmo enquanto eu limpava a mesa. Foi tão harmonioso quanto se tivesse sido coreografado. Ele desapareceu no banheiro durante um minuto enquanto eu repassei a minha lista mental das coisas que tinham que ser feitas antes que eu partisse. Eu precisava falar com Sam, que era o principal. Eu tinha ligado para o meu irmão na noite anterior para dizer a ele que tinha estaria fora por alguns dias. Liz estava ficando na casa de Jason, então ele realmente não ficou pensando muito sobre a minha partida. Ele concordou em pegar minha correspondência e os meus documentos para mim. Alcide chegou para sentar no lado oposto a mim na mesa. Eu estava tentando pensar em como deveríamos falar sobre a nossa tarefa em comum; eu estava tentando antecipar qualquer assunto delicado que eu pudesse tocar. Talvez ele estivesse preocupado com as mesmas coisas. Eu não posso ler as mentes de metamorfos ou lobisomens com consistência alguma; eles são criaturas sobrenaturais. Eu posso confiavelmente interpretar estados de espírito, e detectar intenções nítidas aleatórias. Portanto, os humanos-com-uma-diferença são muito menos nebulosos para mim do que os vampiros. Embora eu compreenda que há um contingente de metamorfos e lobis que querem mudar as coisas, o fato de sua existência ainda permanece um segredo. Até que eles vissem como a publicidade se desenvolveria para os vampiros, os sobrenaturais da espécie de natureza dupla são ferozes sobre a sua privacidade. Lobisomens são os valentões do mundo dos metamorfos. Eles eram metamorfos por definição, mas eles eram os únicos que tinham a sua própria sociedade isolada, e não permitiriam que ninguém fosse chamado de ―lobi‖ ao seu alcance. Alcide Herveaux parecia completamente violento. Ele era grande como uma rocha, com bíceps que eu poderia fazer exercício de barra fixa neles. Ele teria de fazer a barba uma segunda vez se ele planejava sair à noite. Ele se enquadraria bem numa obra em construção ou em um cais. Ele era um homem decente. ‖Como eles estão obrigando você a fazer isto?‖ Perguntei. ‖Eles possuem o marcador de pontos do meu pai,‖ disse ele. Ele colocou suas mãos enormes sobre a mesa e se inclinou para elas. ―Eles são donos de um cassino em Shreveport, você sabia?‖ ‖Claro.‖ Isso era uma diversão popular de fim de semana para as pessoas nesta área, ir para Shreveport ou até Tunica (no Mississippi, logo abaixo de Memphis) e alugar um quarto por umas duas noites, jogar nos caça-níqueis, ver um show ou dois, comer um monte de comida de buffet. ‖Meu pai foi muito fundo nisso. Ele possui uma empresa de vistoria - eu trabalho para ele - mas ele gosta de jogar.‖ Os olhos verdes ardiam sem chamas com raiva. ―Ele se afundou demais no cassino em Louisiana, então seus vampiros possuem seu marcador de pontos, a sua dívida. Se eles cobrarem isso, a nossa empresa vai falir.‖ Lobisomens pareciam respeitar os vampiros tanto quanto os vampiros os respeitavam. ―Então, para recuperar o marcador, eu tenho que ajudá-la a circular entre os vampiros em Jackson.‖ Ele se inclinou para trás na cadeira, olhando-me nos olhos. ―Não é uma coisa difícil, levar uma mulher bonita para Jackson e sair de bar em bar. Agora que eu conheci você, eu estou feliz por fazê-lo, para tirar meu pai debaixo dessa dívida. Mas por que diabos você quer fazer isso? Você parece uma mulher de verdade, e não uma daquelas vagabundas repugnantes que se excitam ficando junto com vampiros‖. Essa foi uma conversa direta refrescante, depois da minha conferência com os vampiros. ―Eu só fico com um vampiro, por escolha própria,‖ eu disse amargamente. ―Bill, meu - bem, eu não sei se ele ainda é o meu namorado. Parece que os vampiros de Jackson podem tê-lo raptado. Alguém tentou me agarrar na noite passada.‖ Pensei que seria apenas justo deixá-lo saber. ―Uma vez que o sequestrador não parecia saber o meu nome, apenas que eu trabalhava no Merlotte‘s, provavelmente eu vou estar segura em Jackson se ninguém perceber que eu sou a mulher que anda junto com Bill. Tenho de dizer a você, o homem que tentou me agarrar era um lobisomem. E ele tinha um carro com placa do Condado de Hinds.‖ Jackson ficava no Condado de Hinds. ―Usando um colete de gangue?‖ Alcide perguntou. Eu assenti. Alcide pareceu pensativo, o que era uma coisa boa. Esta não era uma situação que encarava com desdém, e foi um bom sinal de que ele também não. ―Há uma pequena gangue em Jackson formada por lobis. Alguns dos maiores metamorfos passam tempo andando ao lado dessa gangue – a pantera, o urso. Eles são contratados pelos vampiros com bastante regularidade.‖ ‖Há menos um deles agora,‖ disse. Após um momento digerindo essa informação, meu novo companheiro me lançou um olhar longo e desafiador. ―Então, o que de bom uma pequena moça humana fará contra os vampiros de Jackson? Você luta artes marciais? É uma grande atiradora? Você esteve no exército?‖ Eu tive que sorrir. ―Não. Você nunca ouviu meu nome?‖ ‖Você é famosa?‖ ‖Acho que não.‖ Fiquei satisfeita que ele não tivesse nenhuma opinião prévia a meu respeito. ―Acho que vou simplesmente deixar você descobrir sobre mim.‖ ‖Contanto que você não se transforme em uma cobra.‖ Ele se levantou. ―Você não é um cara, é?‖ Este pensamento de última hora deixou seus olhos arregalados. ‖Não, Alcide. Sou uma mulher.‖ Eu tentei dizer isso de maneira bem natural, mas era bem difícil. ‖Eu estava disposto a apostar nisso‖. Ele sorriu ironicamente para mim. ―Se você não é algum tipo de super mulher, o que você vai fazer quando souber onde está o seu homem?‖ ‖Vou ligar para o Eric, que...‖ De repente me dei conta que contar segredos vampíricos era uma má ideia. ―Eric é o chefe de Bill. Ele decidirá o que fazer depois disso.‖ Alcide parecia cético. ―Eu não confio no Eric. Eu não confio em nenhum deles. Ele provavelmente vai trair você.‖ ―Como?‖ ‖Ele pode usar seu homem como influência. Ele pode exigir uma reparação, uma vez que eles têm um dos seus homens. Ele pode usar o rapto dele como uma desculpa para ir para a guerra, nesse caso seu homem será executado imediatamente.‖ Eu não tinha pensado tão adiante. ―Bill sabe de coisas,‖ eu disse. ―Coisas importantes.‖ ‖Bom. Isso pode mantê-lo vivo.‖ Então ele viu o meu rosto, e o desapontamento atravessou o seu. ―Ei, Sookie, me desculpe. Eu não penso antes de falar algumas vezes. Nós vamos trazê-lo de volta, apesar de que me dá nojo pensar em uma mulher como você com um desses sanguessugas.‖ Isso foi doloroso, mas estranhamente refrescante. ‖Obrigada, eu acho,‖ disse, tentando um sorriso. ―E você? Você tem um plano sobre como me apresentar aos vampiros?‖ ―Sim. Existe uma boate em Jackson, perto do Capitólio. É só para sobrenaturais e seus acompanhantes apenas. Sem turistas. Os vampiros não conseguem fazê-lo render por conta própria, e é um local de encontros conveniente para eles, então eles deixam que nós, seres de nível social inferior, partilhemos a diversão.‖ Ele sorriu ironicamente. Seus dentes eram perfeitos - brancos e afiados. ―Não será suspeito se eu for lá. Eu sempre dou uma passada lá quando estou em Jackson. Você tem que ir como minha namorada.‖ Ele parecia envergonhado. ―Ah, é melhor eu te dizer, você parece que é do tipo que usa jeans como eu - mas neste clube, eles gostam que você se vista meio que estilo festa.‖ Ele temia que eu não tivesse nenhum vestido extravagante no meu armário; eu podia ler isso claramente. E ele não quer que eu seja humilhada aparecendo com as roupas erradas. Que homem. ―Sua namorada não vai ficar louca de raiva por isso,‖ eu disse, tentando fisgar informações por mera curiosidade. ‖Ela vive em Jackson, na realidade. Mas nós rompemos há alguns meses,‖ disse ele. ―Ela aceitou outro metamorfo. O cara se transforma numa maldita coruja.‖
Ela era maluca? Evidentemente, ali tinha mais história. E, claro, isso se encaixava na categoria de ―não é da sua conta.‖ Então sem comentar, eu fui até meu quarto para empacotar meus dois vestidos e seus acessórios em uma capa de pendurar. Ambos foram comprados na Tara‘s Togs, gerenciada por (e agora propriedade de) minha amiga Tara Thornton. Tara era muito boa em me chamar quando as coisas iam entrar em liquidação. Bill na verdade era o proprietário do prédio que alojava a Tara‘s Togs, e tinha dito a todas as empresas instaladas no local para abrirem uma conta para mim que ele iria pagar, mas eu tinha resistido à tentação. Bem, exceto para repor as roupas que Bill tinha rasgado nos nossos momentos mais arrebatadores. Eu tinha muito orgulho desses dois vestidos, já que eu nunca tive nada parecido com eles antes, e eu fechei o zíper da capa com um sorriso. Alcide enfiou sua cabeça no quarto para perguntar se eu estava pronta. Ele olhou para as cortinas e cama bege-e-amarelo, e balançou a cabeça aprovando. ―Eu tenho que ligar para o meu chefe,‖ eu disse. ―Então nós estaremos prontos para ir.‖ Eu me sentei em um lado da cama e peguei o fone. Alcide apoiou-se contra a parede próxima à porta do meu armário enquanto eu discava o número pessoal de Sam. Sua voz estava sonolenta quando ele respondeu, e eu pedi desculpas por ligar tão cedo. ―O que está acontecendo, Sookie?‖ ele perguntou meio zonzo. ―Eu tenho que me afastar por alguns dias,‖ eu disse. ―Sinto muito por não lhe avisar com mais antecedência, mas eu liguei para Sue Jennings ontem à noite para ver se ela poderia me substituir. Ela disse que sim, então eu dei a ela os meus horários.‖ ‖Para onde você está indo?‖ ele perguntou. ‖Tenho que ir ao Mississipi,‖ eu disse. ―Jackson.‖ ‖Você arranjou alguém para pegar sua correspondência?‖ ‖Meu irmão. Obrigada por perguntar.‖ ‖Plantas para regar?‖ ‖Nenhuma que não permaneça viva até eu voltar.‖ ‖Certo. Você vai sozinha?‖ ‖Não,‖ eu disse hesitante. ‖Com Bill?‖ ―Não, ele, hã, ele não tem aparecido.‖ ‖Você está em apuros?‖ ‖Estou muito bem,‖ Eu menti. ‖Diga-lhe que um homem está indo com você,‖ Alcide ressoou, e eu dei a ele um olhar irritado. Ele estava inclinado contra a parede, e ele tomava um espaço enorme dela. ‖Tem alguém aí?‖ Sam não é nada além de rápido em entender tudo. ‖Sim, Alcide Herveaux,‖ eu disse, imaginando que era uma coisa inteligente dizer a alguém que se preocupava comigo que eu estava deixando a cidade com esse cara. As primeiras impressões podem ser absolutamente falsas, e Alcide precisava estar ciente de que havia alguém que iria considerá-lo responsável. ―Ahã,‖ disse Sam. O nome não pareceu ser estranho para ele. ―Deixe-me falar com ele.‖ ‖Por quê?‖ Eu posso aguentar uma grande quantidade de paternalismo, mas eu já estava cheia disso. ‖Entregue o maldito telefone.‖ Sam quase nunca pragueja, por isso fiz uma careta para mostrar o que eu achava de sua exigência e dei o telefone para Alcide. Eu saí como um furacão para a sala e olhei pela janela. Yep. Uma caminhonete Dodge Ram, cabine estendida. Eu estava disposta a apostar que ela tinha tudo que poderia ser colocado nela. Eu deslizei a minha mala pelo seu puxador, e eu tinha arremessado minha sacola sobre uma cadeira perto da porta, então eu só tinha que colocar o meu casaco pesado. Eu estava feliz que Alcide tinha me avisado sobre a regra de vestir-se elegantemente para o bar, já que nunca teria me passado pela minha cabeça incluir na bagagem nada extravagante. Estúpidos vampiros. Estúpidas etiquetas de vestuário. Eu estava mal-humorada, com M maiúsculo. Eu perambulei de volta pelo corredor, mentalmente revendo o conteúdo da minha mala, enquanto os dois metamorfos estavam tendo (provavelmente) uma ―conversa de homem.‖ Eu olhei pelo vão da porta do meu quarto para ver que Alcide, com o telefone em sua orelha, estava empoleirado ao lado da minha cama onde eu tinha me sentado. Ele parecia estranhamente à vontade ali. Eu passei inquietamente de volta à sala e olhei para fora da janela um pouco mais. Talvez os dois estivessem tendo uma conversa de metamorfos. Ainda que para Alcide, Sam (que geralmente se transfomava em um collie, entretanto não se limitava a essa forma) seria classificado como um peso leve, pelo menos eles eram galhos da mesma árvore. Sam, por outro lado, ficaria um pouco alerta com Alcide; lobisomens tinham uma má reputação. Alcide andou a passos largos pelo corredor, os sapatos de segurança pisando firme sobre o piso de madeira de lei. ―Eu prometi a ele que eu cuidaria de você,‖ disse ele. ―Agora, vamos apenas esperar que dê certo.‖ Ele não estava sorrindo. Eu tinha estado controlada até ser provocada, mas a sua última frase foi tão realista que o ar quente saiu de mim como se eu tivesse sido perfurada. Na complexa relação entre vampiros, lobis, e humanos, havia muito espaço adicional para que algo dess errado em algum momento. Afinal, o meu plano era escasso, e o poder dos vampiros sobre Alcide era tênue. Bill podia não ter sido levado involuntariamente; ele poderia estar feliz sendo mantido em cativeiro por um rei, enquanto a vampira Lorena estivesse no local. Ele poderia ficar furioso que eu tivesse ido encontrá-lo. Ele poderia estar morto. Eu fechei a porta atrás de mim e segui Alcide enquanto ele guardava minhas coisas na cabine estendida da caminhonete. O lado de fora da grande pick up brilhava, mas por dentro, era o carro bagunçado de um homem que passava sua vida trabalhando na estrada; um capacete de proteção, faturas, orçamentos, cartões de visita, botas, um kit de primeiros socorros. Pelo menos não tinha restos de comida. Enquanto descíamos aos solavancos pela corroída entrada da minha casa, eu peguei um maço de panfletos numa liga de borracha cuja capa dizia, ―Herveaux e Filho, AAA Vistorias Corretas‖. Eu tirei o de cima facilmente e o estudei atentamente enquanto Alcide dirigia pela curta distância até a interestadual 20 que ia para o leste por Monroe, Vicksburg, e então para Jackson. Eu descobri que os Herveauxes, pai e filho, eram proprietários de uma empresa de vistoria biestadual, com escritórios em Jackson, Monroe, Shreveport, e Baton Rouge. O escritório central, como Alcide tinha dito, ficava em Shreveport. Tinha dentro uma foto de dois homens, e o mais velho Herveaux era tão impressionante (de um jeito idoso), quanto seu filho. ―Seu pai é um lobisomem, também?‖ Eu perguntei, depois que eu digeri a informação e me dei conta que a família Herveaux era no mínimo prósperos, e possivelmente rica. Eles trabalharam duramente para isso, entretanto; e eles continuariam trabalhando duro, a menos que o Sr. Herveaux mais velho pudesse controlar seu vício de jogo. ‖Ambos os meus pais,‖ Alcide disse, após uma pausa. ‖Ah, desculpe.‖ Eu não tinha certeza pelo que eu estava me desculpando, mas era mais seguro que não fazê-lo. ‖Essa é a única maneira de gerar um filho lobi,‖ disse ele, após um momento. Eu não poderia dizer se ele estava explicando por ser educado, ou porque ele realmente achou que eu deveria saber. ‖Então como é que a América não está cheia de lobisomens e metamorfos?‖ Eu perguntei, depois de considerar a sua declaração.
―Um similar tem de casar com um similar para produzir um outro, o que nem sempre é realizável. E cada casamento só produz uma criança com a característica. A mortalidade infantil é elevada.‖ ‖Então, se você casar com outra lobisomem, um de seus filhos será um bebêlobo?‖ ‖A condição irá manifestar-se no início da, ah, puberdade.‖ ‖Ah, isso é horrível. Ser um adolescente já é difícil o suficiente.‖ Ele sorriu, não para mim, mas para a estrada. ―Sim, isso realmente complica as coisas.‖ ‖Então, a sua ex-namorada... ela é uma metamorfa?‖ ‖Sim. Eu normalmente não namoro metamorfas, mas acho que eu pensei que com ela seria diferente. Lobis e metamorfos são fortemente atraídos um pelo outro. Magnetismo animal, eu acho,‖ disse Alcide, como uma tentativa de humor. Meu chefe, também um metamorfo, tinha ficado feliz em fazer amizades com outros metamorfos na área. Ele andou saindo com a bacante (―namorando‖ seria uma palavra muito doce para o relacionamento deles), mas ela tinha partido pra outra. Agora, Sam estava esperando encontrar outro metamorfo compatível. Ele se sentia mais à vontade com uma humana estranha, como eu, ou outro metamorfo, do que com mulheres normais. Quando ele me disse isso, ele tinha intenção de soar como um elogio, ou talvez apenas como uma simples declaração; mas aquilo tinha me machucado um pouco, embora a minha anormalidade tivesse nascido em mim desde que eu era muito jovem. Telepatia não espera pela puberdade. ―Como assim?‖ Perguntei bruscamente. ―Como foi que você pensou que seria diferente?‖ ‖Ela me disse que ela era estéril. Descobri que ela estava tomando anticoncepcionais. Grande diferença. Eu não vou passar isso adiante. Mesmo um metamorfo e um lobisomem podem ter uma criança que tem que se transformar na lua cheia, embora apenas filhos de um casal puro – ambos lobis ou ambos metamorfos – podem mudar à vontade.‖ Alimento para a mente, então. ―Então, você normalmente namora as antiquadas garotas normais. Mas isso não dificulta o namoro? Manter em segredo tão grande, ah, fator, na sua vida?‖ ‖Sim,‖ ele admitiu. ―Namorar garotas normais pode ser um tormento. Mas tenho que namorar alguém.‖ Havia uma ponta de desespero em sua voz estrondosa. Eu dei a isso um longo momento de meditação, e então eu fechei os olhos e contei até dez. Eu estava sentindo falta de Bill na forma mais elementar e inesperada. Minha primeira pista foi a puxada-abaixo-da-cintura que eu senti quando assisti o meu vídeo do filme O Último dos Moicanos na semana anterior e eu estava fixa no Daniel Day-Lewis saltando pela floresta. Se eu pudesse aparecer por detrás de uma árvore antes de ele visse Madeleine Stowe... Eu ia ter que olhar onde pisava. ‖Então, se você morder alguém, essa pessoa não irá se transformar em um lobisomem?‖ Decidi mudar o rumo dos meus pensamentos. Então me lembrei da última vez que Bill tinha me mordido, e senti um ímpeto de calor através... Oh, diabos. ―Isso é quando você se torna o tal homem-lobo. Como aqueles nos filmes. Eles morrem muito rápido, coitados. E isso não é transmitido adiante, se eles, ah, gerarem filhos em sua forma humana. Se fosse quando eles estivessem na sua forma alterada, o bebê seria abortado.‖ ‖Que interessante‖. Eu não poderia pensar de uma outra coisa para dizer. ‖Mas tem aquele elemento do sobrenatural, também, tal como com vampiros,‖ Alcide disse, ainda não olhando em minha direção. ―A conexão da genética e do elemento sobrenatural, que é o que ninguém parece entender. Nós simplesmente não poderíamos dizer ao mundo que nós existimos, como os vampiros fizeram. Seríamos trancafiados em jardins zoológicos, esterilizados, isolados em guetos - porque às vezes somos animais. Ir à público só fez os vampiros parecerem glamurosos e ricos.‖ Ele parecia mais do que um pouco amargo. ―Então como é que você está me dizendo tudo isso, assim de cara? Se é um segredo tão grande?‖ Ele tinha me dado mais informações em dez minutos que eu tive de Bill em meses.
‖Se eu vou passar alguns dias com você, isso irá tornar a minha vida muito mais fácil se você souber. Eu acho que você tem seus próprios problemas, e parece que os vampiros têm algum poder sobre você, também. Eu não acho que você iria dizer. E se o pior acontecer, e eu estiver absolutamente errado sobre você, eu vou pedir Eric para te fazer uma visita e eliminar a sua memória.‖ Ele sacudiu sua cabeça em desconcertante irritação. ―Eu não sei por que, na verdade. Eu apenas sinto como se eu te conhecesse.‖ Eu não poderia pensar em uma resposta para isso, mas eu tinha que falar. O silêncio emprestaria muita importância à sua última frase. ―Lamento que os vampiros tenham um controle sobre seu pai. Mas eu preciso encontrar o Bill. Se esta for a única maneira de eu poder fazê-lo, é o que tenho que fazer. Eu pelo menos devo isso a ele, mesmo se... ― Minha voz perdeu o rumo. Eu não queria terminar a frase. Todos os finais possíveis eram tristes demais, definitivos demais. Ele deu de ombros, um grande movimento para Alcide Herveaux. ―Legar uma garota bonita para um bar que não é um grande sacrifício,‖ ele me tranquilizou novamente, tentando fortalecer o meu espírito. Na sua posição, eu poderia não ter sido tão generosa. ―Seu pai é um jogador assíduo?‖ ‖Apenas desde que minha mãe morreu,‖ Alcide disse, após uma longa pausa. ‖Sinto muito.‖ Eu mantive os meus olhos longe do seu rosto, caso ele precisasse de privacidade. ―Eu não tenho nenhum dos meus pais,‖ Eu solidarizei. ‖Eles se foram há muito tempo?‖ ‖Desde que eu tinha sete anos.‖ ‖Quem criou você?‖ ‖Minha avó criou a mim e meu irmão.‖ ‖Ela ainda está viva?‖ ‖Não. Ela morreu este ano. Ela foi assassinada.‖ ‖Dureza.‖ Ele era prático. ‖Sim.‖ Eu tinha mais uma pergunta. ―Ambos os seus pais lhe contaram sobre você?‖ ―Não. Meu avô me contou quando eu tinha mais ou menos treze anos. Ele tinha notado os sinais. Eu simplesmente não sei como os órfãos lobisomens se sentem passando por isso sem orientação.‖ ‖Isso seria muito brutal.‖ ‖Nós tentamos nos manter informados sobre todos os lobis reprodutores na área, assim ninguém fica desprevenido.‖ Até mesmo um alerta em segunda mão seria melhor do que nenhum tipo de alerta. Mas ainda assim, uma reunião dessas seria um grande trauma na vida de qualquer um. Nós paramos em Vicksburg para abastecer. Eu me ofereci para pagar para encher o tanque, mas Alcide me falou firmemente que isto poderia entrar no seu livro contábil como despesas da empresa, já que ele de fato precisou visitar alguns clientes. Ele acenou dispensando minha oferta para manejar a bomba de gasolina, também. Ele aceitou a xícara de café que eu comprei para ele, com tantos agradecimentos como se isso tivesse sido um terno novo. Era um dia frio, brilhante, e eu dei um alegre passeio ao redor do centro comercial para viajantes para esticar as pernas antes de subir de volta para a cabine da caminhonete. Vendo a sinalização para o campo de batalha me lembrou de um dos dias mais cansativos que eu tive como adulta. Eu me peguei contando a Alcide sobre o clube favorito da minha avó, Os Descendentes dos Mortos Gloriosos, e sobre a sua excursão ao campo de batalha dois anos antes. Eu ia dirigindo um carro, Maxine Fortenberry (avó de um dos grandes amigos do meu irmão Jason) dirigia outro, e nós teríamos de fazer a turnê em sua extensão. Cada um dos descendentes havia trazido um texto favorito que cobria o cerco, e uma parada breve no centro dos visitantes tinha deixado os descendentes completamente intoxicados com mapas e souvenirs. Apesar do fracasso da fralda geriátrica* de Velda Cannon, tínhamos nos divertido.
Nós tínhamos lido todos os monumentos, tivemos um almoço de piquenique próximo ao restaurado USS Cairo**, e fomos para casa carregados de souvenirs com espólios tomados pelos inimigos na guerra e exaustos. Tínhamos ido ainda para o Cassino Ilha de Capri por uma hora de olhares maravilhados, e algumas tentativas de alimentar os caça-níqueis. Tinha sido um dia muito feliz para a minha avó, quase tão feliz como uma vez na noite em que ela tinha persuadido Bill a falar na reunião dos Descendentes. (*No original o termo é Velda Cannon‘s Depends, que se refere à marca Depends de fralda geriátrica da Kimberly-Clark) (**USS Cairo é um navio de guerra construído em 1861, durante a guerra civil americana) ―Porque ela quis que ele fizesse isso?‖ Alcide perguntou. Ele estava sorrindo da minha narração da nossa parada para a ceia em um Cracker Barrel*. (*Cracker Barrel é uma cadeia que combina loja de varejo e restaurante especializados na tradicional comida sulista. São 557 unidades espalhadas por 41 estados nos EUA e com base no estado do Tennessee) ‖Bill é um VET,‖ eu disse. ―Um veterano do Exército, e não um médico-veterinário.‖ ‖Então?‖ Após uma vibração, ele disse: ―Você quer dizer que o seu namorado é um veterano da Guerra Civil!‖ ‖Sim. Ele era humano na época. Ele não foi convertido até depois da guerra. Ele tinha uma esposa e filhos.‖ Eu dificilmente poderia continuar a chamá-lo de meu namorado, já que ele estava à beira de me deixar por outra pessoa. ‖Quem fez dele um vampiro?‖ Alcide perguntou. Estávamos em Jackson agora, e ele estava fazendo o caminho para o apartamento que sua empresa mantinha no centro da cidade. ‖Não sei,‖ eu disse. ―Ele não fala sobre isso.‖ ‖Isso parece um pouco estranho para mim.‖ Na verdade, parecia um pouco estranho para mim, também; mas eu percebi que era algo muito pessoal, e quando Bill quisesse falar comigo sobre isso, ele o faria. A relação era muito forte, eu sabia, entre o vampiro mais velho e aquele que foi ―convertido.‖ ‖Eu acho que ele realmente não é mais meu namorado,‖ eu admiti. Embora ―namorado‖ parecia um termo muito pálido para o que Bill tinha sido para mim. ‖Ah, é?‖ Eu enrubesci. Eu não devia ter dito nada. ―Mas ainda tenho que encontrá-lo.‖ Ficamos em silêncio por um tempo depois disso. A última cidade que eu tinha visitado foi Dallas, e era fácil ver que Jackson não chegava nem perto daquele tamanho. (Isso foi um grande extra, até onde eu estava preocupada.) Alcide apontou a figura sobre a cúpula dourada do novo edifício do congresso, e eu o admirei adequadamente. Eu pensei que era uma águia, mas eu não tinha certeza, e eu estava um pouco envergonhada para perguntar. Será que eu preciso de óculos? O prédio para onde estávamos indo era perto da esquina das ruas High e State. Não era um prédio novo; os tijolos tinham começado com um tom dourado, e agora estavam num encardido marrom claro. ―Os apartamentos aqui são maiores do que os das novas construções,‖ disse Alcide. ―Tem um pequeno quarto de hóspedes. Tudo já deve estar pronto para nós. Nós usamos o serviço de limpeza do apartamento.‖ Eu assenti silenciosamente. Eu não podia lembrar se eu alguma vez estive em um prédio de apartamentos. Então eu me dei conta que tinha, é claro. Havia um prédio de dois andares em forma de U em Bon Temps. Eu tinha com certeza visitado alguém lá; nos últimos sete anos, quase todas as pessoas solteiras em Bon Temps tinham alugado um lugar no Kingfisher Apartamentos em algum momento de sua carreira de namoro. O apartamento de Alcide, ele me disse, ficava no último andar, o quinto. Você vinha dirigindo pela rua e descia uma rampa para estacionar. Havia um guarda na entrada da garagem, de pé em uma pequena cabine. Alcide mostrou-lhe um passe de plástico. O guarda entroncado, que tinha um cigarro pendurado na boca, mal olhou no cartão que Alcide segurava antes que ele pressionasse um botão para levantar a barreira. Eu não fiquei muito impressionada com a segurança. Eu senti como se eu mesma pudesse dominar aquele cara. Meu irmão, Jason, poderia esmurrá-lo na calçada. Nós saímos apressadamente da caminhonete e retiramos nossas bagagens do banco traseiro atrofiado. Minha capa pendurada ficou muito bem arranjada. Sem me perguntar, Alcide levou minha pequena mala. Ele liderou o caminho até um bloco central na área do estacionamento, e vi uma reluzente porta de elevador. Ele apertou o botão, e ele abriu imediatamente. O elevador rangeu ao subir depois que Alcide apertou o botão marcado com um 5. Pelo menos o elevador era muito limpo, e quando a porta abriu sibilante, da mesma forma estavam o carpete e corredor adiante. ‖Os apartamentos tornaram-se um condomínio, então compramos o lugar,‖ Alcide disse, como se isso não fosse grande coisa. Sim, ele e seu pai tinham feito algum dinheiro. Havia quatro apartamentos por andar, Alcide me disse. ‖Quem são seus vizinhos?‖ ―O 501 pertence a dois senadores do estado, e tenho certeza de que eles estarão de volta para a temporada das festas de fim de ano,‖ disse ele. ―Sra. Charles Osburgh Terceira mora no 502, com a sua enfermeira. Sra. Osburgh era uma grande dama até o ano passado. Eu não acho que ela possa mais andar. O 503 está vazio agora, a menos que o corretor de imóveis tenha vendido no decorrer das duas últimas semanas.‖ Ele destrancou a porta do número 504, empurrou abrindo-a, e sinalizou para que eu entrasse na sua frente. Eu entrei no silêncio cálido do corredor, que à minha esquerda levava a uma cozinha rodeada por balcões, não paredes, de modo que a visão ficava desobstruída na extensão da sala de estar/jantar. Havia uma porta imediatamente à minha direita, que provavelmente abriria para um armário de casacos, e outra um pouco mais abaixo, que levava a um pequeno quarto com uma nitidamente arrumada cama de casal. Uma porta que ao passar revelava um pequeno banheiro com azulejos brancos e azuis e toalhas estendidas exatamente sobre os suportes. Do outro lado da sala, à minha esquerda, tinha uma porta que levava a um quarto maior. Eu espiei rapidamente dentro dele, não querendo parecer interessada demais no espaço pessoal de Alcide. A cama naquele quarto era uma king-size*. Me perguntei se Alcide e seu pai se divertiam bastante quando eles visitavam Jackson. (*cama de casal com medida normalmente de 2m de largura por 2m de comprimento) ‖O quarto principal tem a sua própria banheira,‖ Alcide explicou. ―Eu teria prazer em deixá-la ficar no quarto maior, mas o telefone está em lá, e eu estou esperando algumas ligações de negócios.‖ ‖O quarto menor está muito bom,‖ eu disse. Eu espiei ao redor um pouco mais após minhas malas estarem arrumadas em meu quarto. O apartamento era uma harmonia em tons de bege. Carpete bege, mobília bege. Uma espécie de bambu oriental padronizado no papel de parede com um fundo bege. Era muito tranquilo e muito claro. Enquanto pendurava meus vestidos no armário, me perguntei quantas noites eu teria que ir à boate. Mais de duas, e eu teria que fazer algumas compras. Mas isso era impossível, no mínimo imprudente, no meu orçamento. Uma preocupação familiar se estabeleceu pesadamente em meus ombros. Minha avó não tinha muito para me deixar, Deus a abençoe, especialmente após as despesas com seu funeral. A casa tinha sido um presente maravilhoso e inesperado. O dinheiro que ela tinha usado para criar a mim e Jason, dinheiro que tinha vindo por causa de um poço de petróleo que tinha se esgotado, há muito tinha acabado. Os honorários que recebi pelo ‗bico‘ que fiz para os vampiros de Dallas tinham ido em sua maioria para comprar esses dois vestidos, pagar meus impostos sobre a propriedade, e mandar cortar uma árvore porque a tempestade de gelo do inverno anterior tinha desprendido suas raízes e ela tinha começado a se inclinar para mais perto da casa. Um grande galho já tinha caído, danificando um pouco o telhado de estanho. Felizmente, Jason e Hoyt Fortenberry sabiam o suficiente sobre telhados para consertá-lo para mim. Me lembrei do telhado sendo trocado na parte externa da Belle Rive. Eu sentei na cama abruptamente. De onde tinha vindo aquilo? Eu era mesquinha o suficiente para estar zangada por meu namorado ter pensado em uma dúzia de maneiras diferentes de se certificar que seus descendentes (os hostis e às vezes pretenciosos Bellefleurs) prosperassem, enquanto eu, o amor da sua pós-vida, se preocupava até as lágrimas sobre suas finanças? Pode apostar, eu era mesquinha o suficiente. Eu devia ter vergonha de mim mesma. Mas depois. Minha mente não tinha acabado de calcular o total de ressentimentos. Enquanto eu estava considerando o dinheiro (a falta dele), eu me perguntei se isso sequer tinha passado pela cabeça de Eric quando ele me enviou nesta missão onde, uma vez que eu estaria faltando ao trabalho, eu não seria paga. Já que eu não iria receber meu pagamento, eu não poderia pagar a companhia elétrica, ou a TV a cabo, ou o telefone, ou o seguro do meu carro... Porém eu tinha a obrigação moral de encontrar Bill, não importava o que tinha acontecido ao nosso relacionamento, certo? Eu me enterrei de volta na cama e disse a mim mesma que isso tudo daria certo. Eu sabia que, no fundo da minha mente, tudo o que eu tinha que fazer era me sentar com Bill – presumindo que eu algum dia o teria de volta - e explicar minha situação para ele, e ele ia... ele ia fazer alguma coisa. Mas eu não podia simplesmente pegar dinheiro do Bill. Claro que, se fôssemos casados, estaria tudo bem; marido e mulher mantinham tudo em comum. Mas não poderíamos nos casar. Era ilegal. E ele não tinha pedido a minha mão. ‖Sookie?‖ disse uma voz pelo vão da porta. Eu pisquei e me sentei. Alcide estava encostado contra o suporte da porta, seus braços cruzados sobre o peito. ‖Você está bem?‖ Eu fiz que sim com a cabeça incertamente. ‖Você sente falta dele?‖ Eu estava muito envergonhada para mencionar os meus problemas financeiros, e eles não eram mais importantes do que Bill, é claro. Para simplificar as coisas, eu assenti. Ele sentou ao meu lado e colocou o seu braço em volta de mim. Ele estava tão quente. Ele cheirava a detergente Tide*, e sabonete Irish Spring**, e a homem. Fechei os meus olhos e contei até dez novamente. (*Tide é uma marca de detergente e produtos de limpeza muito popular nos EUA e Canadá) (**Irish Spring é uma marca de sabonetes e produtos de higiene pessoal da Colgate-Palmolive) ―Tem saudades dele,‖ disse ele, confirmando. Ele aproximou o seu corpo transversalmente para pegar a minha mão esquerda, e o seu braço direito se apertou ao redor do meu corpo. Você não sabe como eu sinto falta dele, eu pensava. Aparentemente, uma vez que você se acostuma ao espetacular e habitual sexo, seu corpo recebe uma mente própria (por assim dizer), quando ele fica privado dessa diversão; para não falar da falta que faz a parte dos abraços e aconchegos. Meu corpo estava me pedindo para arremessar Alcide Herveaux para trás sobre a cama para que ele pudesse alcançar suas vontades com ele. Agora mesmo. ‖Eu sinto mesmo falta dele, não importa quais problemas tivemos,‖ eu disse, e minha voz saiu minúscula e trêmula. Eu não iria abrir meus olhos porque, se eu o fizesse, eu poderia ver em seu rosto um minúsculo impulso, alguma pequena inclinação, e isso seria tudo o que precisaria.
‖Que horas você acha que deveríamos ir para a boate?‖ Eu perguntei, firmemente conduzindo em outra direção. Ele estava tão quente. Outra direção! ―Você gostaria que eu fizesse o jantar antes de irmos?‖ Era o mínimo que podia fazer. Eu levantei de cima da cama como um foguete; virei de frente para ele com o sorriso mais natural que eu poderia exibir. Me afastar dessa íntima proximidade, ou pular sobre ele. ‖Ah, vamos para o Cafe Mayflower. Ele parece um restaurante antigo – e é um restaurante antigo - mas você vai se divertir. Todo mundo vai lá - senadores e carpinteiros - todos os tipos de pessoas. Eles só servem cerveja, tudo bem?‖ Eu dei de ombros e assenti. Isso estava bem para mim. ―Eu não bebo muito,‖ eu disse a ele. ‖Eu também não,‖ ele disse. ―Talvez seja porque, de vez em quando, meu pai tende a beber demais. Então ele toma péssimas decisões.‖ Alcide pareceu se arrepender de ter me dito isso. ―Após o Mayflower, vamos à boate,‖ Alcide disse, muito mais rapidamente. ―Fica escuro muito cedo atualmente, mas os vampiros não aparecem até que tomem um pouco de sangue, busquem seus namorados, façam alguns negócios. Deveríamos chegar lá por volta das dez. Então, vamos sair para comer lá pelas oito, se estiver bom pra você?‖ ―Claro, está ótimo.‖ Eu estava perturbada. Eram apenas duas da tarde. O apartamento não precisava de limpeza. Não havia nenhuma razão para cozinhar. Se eu quisesse ler, eu tinha os romances na minha mala. Mas na minha atual condição, isso era pouco provável que ajudasse o meu estado de... espírito. ―Escute, estaria tudo bem se eu saísse para visitar alguns clientes?‖ ele perguntou. ‖Ah, tudo bem.‖ Eu pensei que isso seria um tanto melhor se ele não estivesse na minha proximidade imediata. ―Você faça o que quer que você precise fazer. Tenho livros para ler, e tem a televisão.‖ Talvez eu pudesse começar o romance de mistério. ‖Se você quiser... eu não sei... a minha irmã, Janice, possui um salão de beleza há cerca de quatro quarteirões de distância, em um dos bairros mais antigos. Ela casou com um cara daqui. Se você quiser, pode dar uma caminhada e conseguir se arrumar.‖ ‖Ah, eu... bem, isso...‖ Eu não tinha a sofisticação de pensar em uma boa e plausível recusa, quando a evidente barreira na estrada para tal deleite era a minha falta de dinheiro. De repente, a compreensão atravessou seu rosto. ―Se você passar por lá, isso daria a Janice a oportunidade de dar uma olhada em você. Afinal, você é supostamente a minha namorada, e ela odiava Debbie. Ela realmente iria adorar uma visita.‖ ‖Você está sendo terrivelmente gentil,‖ disse, tentando não soar tão confusa e desequilibrada como me sentia. ―Isso não era o que eu esperava.‖ ‖Você não é aquilo que eu esperava, também,‖ disse ele, e deixou o número da loja de sua irmã ao lado do telefone antes de sair para resolver seus assuntos.
Janice Herveaux Phillips (casada há dois anos, um filho, eu aprendi rapidamente), era exatamente o que eu poderia ter esperado da irmã de Alcide. Ela era alta, atraente, falava francamente e era confiante; e ela dirigia seu negócio eficientemente. Eu raramente ia a um salão de beleza. Minha avó sempre tinha feito sua própria permanente caseira no cabelo, e eu nunca tinha pintado meus cabelos ou feito qualquer outra coisa neles, a não ser aparar as pontas de vez em quando. Quando eu confessei isso a Janice, que tinha notado que eu estava olhando à minha volta com a curiosidade dos ignorantes, seu rosto largo se abriu em um sorriso de uma orelha à outra. ―Então, você precisará de tudo,‖ ela disse, com satisfação. ‖Não, não, não,‖ eu protestei ansiosamente. ―Alcide-.‖ ‖Me ligou de seu celular e deixou claro que eu deveria arrumar você,‖ disse Janice. ―E francamente, docinho, qualquer uma que o ajude a se recuperar daquela tal de Debbie é a minha melhor amiga.‖ Eu tive que sorrir. ―Mas eu vou pagar,‖ eu disse a ela. ‖Não, o seu dinheiro não tem valor algum aqui,‖ disse ela. ―Mesmo se você romper com Alcide amanhã, só fazendo com que ele fique bem durante esta noite já valerá a pena.‖ ‖Hoje à noite?‖ Comecei a ter aquela sensação de estar afundando mais uma vez, de que eu não sabia tudo que tinha pra saber. ‖Eu sei que hoje à noite aquela cadela vai anunciar o seu noivado naquela boate que eles iam,‖ disse Janice. Ok, dessa vez o que eu não sabia era algo muito importante. ―Ela vai se casar com o - homem que ela ficou depois de ter dado o fora em Alcide?‖ (Eu mal me contive de falar, ―O metamorfo?‖) ‖Trabalha rápido, hein? O que ele poderia ter que meu irmão não tem?‖ ‖Eu não posso imaginar,‖ eu disse com absoluta sinceridade, obtendo um rápido sorriso de Janice. Com certeza tinha de ter uma falha em seu irmão em algum ponto - talvez Alcide chegasse à mesa do jantar de cuecas, ou enfiava o dedo no nariz em público. ―Bem, se você descobrir, me avise. Agora, vamos começar com você.‖ Janice olhou ao seu redor de um jeito profissional. ―Corinne vai fazer suas unhas dos pés e das mãos, e Jarvis vai cuidar do seu cabelo. Você com certeza tem uma cabeça magnífica aí,‖ disse Janice, de um jeito mais pessoal. ‖Tudo meu, tudo natural,‖ eu admiti. ‖Sem tintura?‖ ‖Nope.‖ ‖Você é uma sortuda,‖ disse Janice, balançando a cabeça. Essa opinião era de uma minoria. A própria Janice estava trabalhando em uma cliente cujos cabelos prateados e as jóias de ouro declaravam que ela era uma mulher de prestígio, e enquanto esta senhora de rosto impassível me examinava com olhos indiferentes, Janice descarregou algumas instruções ao seu pessoal e se voltou para a Sra. Monte de Dinheiro. Eu nunca tinha sido tão mimada na minha vida. E tudo era novo para mim. Corinne (manicure e pedicure), que era tão rechonchuda e suculenta quanto uma das salsichas que eu tinha cozinhado naquela manhã, pintou minhas unhas das mãos e dos pés de um vermelho gritante para combinar com o vestido que eu iria usar. O único homem no salão, Jarvis, tinha dedos tão leves e rápidos como borboletas. Ele era magro como um caniço e loiro artificialmente platinado. Divertindo-me com uma torrente de tagarelice, ele lavou e penteou o meu cabelo e estabeleceume sob o secador. Eu estava uma cadeira depois da senhora rica, mas eu tive tanta atenção quanto ela. Eu tinha uma revista People para ler, e Corinne me trouxe uma Coca. Era tão bom ter pessoas me induzindo a relaxar. Eu estava me sentindo meio que torrada sob o secador quando o cronômetro soou. Jarvis me tirou de baixo dele e me acomodou de volta em sua cadeira. Após trocar ideias com Janice, ele sacou seu modelador de cachos preaquecido de dentro de uma espécie de coldre ajustado na parede, e meticulosamente arrumou meu cabelo em ondas soltas descendo pelas minhas costas. Eu parecia espetacular. Parecer espetacular faz você ficar feliz. Esta foi a melhor coisa que eu senti desde que Bill tinha ido embora. Janice se aproximava para conversar toda vez que ficava disponível. Eu me peguei esquecendo que eu não era a namorada de Alcide de verdade, com uma verdadeira possibilidade de me tornar a cunhada de Janice. Este tipo de aceitação não acontecia comigo assim frequentemente. Eu estava desejando poder retribuir sua gentileza de alguma forma, quando surgiu uma oportunidade. A estação de Jarvis refletia a de Janice, assim minhas costas estavam viradas para as costas da cliente de Janice. Deixada sozinha enquanto Jarvis foi pegar um frasco do condicionador que ele achava que eu deveria experimentar, eu assisti (pelo espelho) Janice retirar seus brincos e colocá-los em um pequeno prato chinês. Eu poderia nunca ter observado o que aconteceu em seguida se eu não tivesse captado um claro pensamento cobiçoso vindo da mente da senhora rica, que foi, simplesmente, ―Aha!‖ Janice saiu para buscar outra toalha, e no nítido reflexo, eu observei a cliente do cabelo prateado hábilmente arrastar os brincos e enfiá-los no bolso de sua jaqueta, enquanto Janice estava de costas. No momento que eu fiquei pronta, eu descobri o que fazer. Eu só estava esperando para dizer adeus ao Jarvis, que teve que ir atender ao telefone; eu sabia que ele estava conversando com sua mãe, pelas imagens que eu peguei em sua cabeça. Então eu deslizei para fora da minha cadeira de vinil e caminhei até a mulher rica, que estava preenchando um cheque para Janice. ‖Com liceça,‖ eu disse, sorrindo brilhantemente. Janice pareceu um pouco assustada, e a mulher elegante parecia bem metida. Esta era uma cliente que gastava um monte de dinheiro aqui, e Janice não iria gostar de perdê-la. ―Você tem uma mancha de gel de cabelo em seu casaco. Se você por favor apenas tirá-lo suavemente por um segundo, eu vou removê-la imediatamente.‖ Ela dificilmente poderia recusar. Eu agarrei os ombros do casaco e delicadamente o puxei, e ela automaticamente ajudou-me a deslizar o casaco xadrez verde-e-vermelho por seus braços. Eu o transportei por trás do biombo que ocultava a área dos lavatórios de cabelos, e esfreguei em uma área perfeitamente limpa apenas para verossimilhança (uma grande palavra do meu calendário Palavra do Dia). Claro, eu também tirei os brincos e coloquei-os em meu próprio bolso. ―Aqui está, novinho em folha!‖ Eu sorri alegremente para ela e ajudei-a a vestir o casaco. ‖Obrigada, Sookie,‖ disse Janice, de modo muito vivo. Ela suspeitou que algo estava errado. ‖De nada!‖ Eu sorria constantemente. ‖Sim, é claro,‖ disse a mulher elegante, um tanto confusamente. ―Bem, eu vejo você na próxima semana, Janice.‖ Ela saiu estalando seus saltos altos por todo o caminho até a porta, não olhando para trás. Quando ela estava fora de vista, coloquei a mão no meu bolso e segurei-a fechada para Janice. Ela abriu a sua mão sob a minha, e deixei cair os brincos em sua palma. ‖Deus Todo Poderoso,‖ disse Janice, de repente parecendo uns cinco anos mais velha. ―Eu esqueci e deixei algo onde ela pudesse alcançar.‖ ‖Ela faz isso o tempo todo?‖ ‖Sim. É por isso que somos mais ou menos o quinto salão de beleza que ela frequenta nos últimos dez anos. Os outros toleraram isso por um tempo, mas eventualmente ela faz particularmente isso além da conta. Ela é tão rica e tão educada, e ela foi criada corretamente. Não sei por que ela faz coisas assim.‖
Nós demos de ombros uma para a outra, as excentricidades dos afortunados de colarinho branco vão além da nossa compreensão. Este foi um momento de perfeito entendimento. ―Espero que você não a perca como cliente. Tentei ter um pouco de tato,‖ eu disse. ‖E realmente fico grata por isso. Mas eu teria odiado perder esses brincos mais do que perdê-la como cliente. Eles foram presentes do meu marido. Eles tendem a apertar depois de um tempo, e eu nem sequer penso quando os arranco da orelha.‖ Eu fui agradecida mais do que o suficiente. Eu coloquei meu próprio casaco. ―É melhor eu ir,‖ eu disse. ―Eu realmente adorei os maravilhosos mimos.‖ ―Agradeça ao meu irmão,‖ disse Janice, com seu sorriso largo restaurado. ―E, afinal de contas, você acabou de pagar por eles.‖ Ela mostrou os brincos. Eu estava sorrindo, também, enquanto eu deixava a amabilidade e a camaradagem do salão, mas aquilo não durou muito tempo. O termômetro tinha caído e o céu estava ficando mais escuro a cada minuto. Eu andei a distância de volta ao apartamento energicamente. Depois de uma subida gelada em um elevador que rangia, fiquei feliz em usar a chave que Alcide tinha me dado e entrar no apartamento quentinho. Eu acendi uma lâmpada e liguei a televisão para um pouco de companhia, e eu me aconcheguei no sofá e fiquei pensando sobre a tarde prazeirosa. Assim que eu estava descongelada, eu me dei conta de que Alcide devia ter abaixado o termostato. Embora agradável em comparação com o lado de fora, o apartamento era definitivamente frio. O som da chave na porta me despertou do meu sonho acordada, e Alcide entrou com uma prancheta cheia de papelada. Ele parecia cansado e preocupado, mas o seu rosto relaxou quando ele me viu esperando. ‖Janice me ligou para dizer que você passou por lá,‖ disse ele. Sua voz aquecia enquanto ele falava. ―Ela queria que eu dissesse muito obrigado a você novamente.‖ Eu dei de ombros. ―Eu adorei o meu cabelo e minhas novas unhas,‖ eu disse. ―Eu nunca tinha feito isso antes.‖ ‖Você nunca foi a um salão de beleza antes?‖ ‖A minha avó ia de vez em quando. Eu fui aparar as pontas do meu cabelo, uma vez.‖ Ele me olhou atordoado, como se eu tivesse confessado que nunca tinha visto uma descarga de banheiro. Para esconder o meu embaraço, eu abanei minhas unhas para que ele as admirasse. Eu não as queria muito longas, e isto era o mais curto que Corinne poderia manejar com consciência, ela tinha me dito. ―Minhas unhas dos pés combinam,‖ eu disse ao meu anfitrião. ―Vamos ver,‖ disse ele. Eu desamarrei meus tênis e tirei as meias. Estendi o meu pé. ―Não estão bonitas?‖ Perguntei. Ele estava olhando para mim de um jeito meio engraçado. ―Elas estão lindas,‖ disse ele calmamente. Eu olhei para o relógio em cima da televisão. ―Acho melhor ir me aprontar,‖ eu disse, tentando descobrir como tomar banho sem afetar meu cabelo e unhas. Eu pensei sobre as novidades que Janice contou de Debbie. ―Você está realmente preparado para se arrumar esta noite, certo?‖ ‖Claro,‖ disse ele heroicamente. ‖Porque eu estou pronta pro que der e vier.‖ Isso o deixou interessado. ―Isso quer dizer...?‖ ‖Espere e verá.‖ Este era um cara legal, com uma família bacana, me fazendo um favor barrapesada. Ok, ele foi forçado a isso. Mas ele estava sendo extremamente generoso comigo, sob qualquer circunstância.
Eu me lançei para fora do meu quarto uma hora depois. Alcide estava na cozinha, servindo a si mesmo uma coca-cola. Ela transbordou a borda do copo enquanto ele me observava.
Esse era um verdadeiro elogio. Enquanto Alcide esfregava em cima do balcão com papel-toalha, ele continuou lançando olhares para mim. Eu virei lentamente. Eu estava vestindo vermelho - um vermelho gritante, vermelho tipo carro do corpo de bombeiros. Eu iria ficar congelando a maior parte da noite, porque o meu vestido não tinha nada cobrindo os ombros, embora ele tivesse mangas compridas que você usava separadamente. Tinha zíper nas costas. Ele se alargava abaixo dos quadris, no que estava debaixo dos quadris. Minha avó teria se atirado sobre a soleira da porta para me impedir de atravessá-la com este vestido. Eu o adorava. Eu o tinha conseguido num final de liquidação na Tara‘s Togs; eu suspeitava que Tara tinha meio que colocado ele de lado para mim. Agindo num enorme e insensato impulso, eu comprei os sapatos e batom para usar com ele. E agora as unhas, graças a Janice! Eu tinha um xale de franjas de seda cinza-e-preto para me envolver, e uma pequenina bolsa que combinava com meus sapatos. A bolsa era bordada. ―Dê uma voltinha novamente,‖ Alcide sugeriu um pouco roucamente. Ele próprio estava usando um terno preto convencional com uma camisa branca e uma gravata com padronagem verde que combinavam com seus olhos. Nada, aparentemente, conseguia domar o seu cabelo. Talvez ele devesse ter ido ao salão de beleza de Janice ao invés de mim. Ele parecia bonito e bruto, embora ―atraente‖ pudesse ser uma palavra mais precisa que ―bonito.‖ Eu girei lentamente. Eu não estava confiante o suficiente para evitar que as minhas sobrancelhas arqueassem em uma pergunta silenciosa enquanto eu completava a minha volta. ‖Você está de dar água na boca,‖ ele disse sinceramente. Eu soltei a respiração que eu sequer percebi que eu estava segurando. ‖Obrigada,‖ disse, tentando não sorrir como uma idiota. Eu levei um tempo tentando entrar na caminhonete de Alcide, por causa do mínimo comprimento do vestido e a altura dos saltos, mas com Alcide me impulsionando habilidosamente, eu consegui. Nosso destino era um lugar pequeno na esquina do Capitólio e a Rua Roach*. Não era impressionante do lado de fora, mas o Mayflower Cafe era tão interessante quanto Alcide tinha falado antes. Algumas das pessoas nas mesas espalhadas sobre o chão de azulejo preto e branco estavam elegantemente arrumadas, como Alcide e eu. Alguns deles estavam usando roupas de flanela e jeans. Alguns trouxeram seu próprio vinho ou licor. Eu fiquei contente por não estarmos bebendo; Alcide tomou uma cerveja, e só. Tomei chá gelado. A comida era muito boa, mas não extravagante. O jantar foi prolongado, exaustante e interessante. Muita gente conhecia Alcide, e eles vieram até a mesa para cumprimentá-lo e descobrir quem eu era. Alguns desses visitantes faziam parte do governo estadual, alguns eram do ramo da construção civil como Alcide, e alguns pareciam ser amigos do pai de Alcide. (*Roach tem várias traduções, cada uma num sentido diferente pode ser barata, ou cigarro de maconha, ou tranqüilizante Rohypinol, mas também é utilizado como nome alternativo para ruas na parte central de uma cidade. Acredito que no sentido do texto seja uma rua conhecida por ser ponto de venda de substâncias ilegais.) Alguns deles não eram homens cumpridores da lei de jeito nenhum; embora eu sempre tivesse vivido em Bon Temps, conheço um rufião quando eu vejo o fruto do seu cérebro. Não estou dizendo que eles estavam pensando em sair matando qualquer um, ou subornar senadores, ou algo do gênero. Seus pensamentos eram gananciosos – ávidos por dinheiro, vorazes por mim, e em um caso, voraz por Alcide (para o qual ele estava completamente distraído, eu podia afirmar). Mas acima de tudo, esses homens - todos eles - eram gananciosos pelo poder. Acho que na capital de um estado, essa ânsia pelo poder era inevitável, mesmo em um estado tão atormentado pela pobreza, como o Mississipi. As mulheres com os homens mais gananciosos estavam quase todas extremamente bem arrumadas e vestidas com roupas caríssimas. Por esta única noite, eu podia estar compatível com elas, e eu fiquei com minha cabeça erguida. Uma delas pensou que eu parecia uma prostituta de luxo, mas eu decidi que isso era um elogio, pelo menos por esta noite. Pelo menos ela achou que eu era cara. Uma mulher, uma banqueira, conhecia Debbie, a ex-namorada, e examinou-me da cabeça aos pés, pensando que Debbie desejaria uma descrição detalhada. Nenhuma destas pessoas, naturalmente, sabia coisa alguma sobre mim. Era maravilhoso estar entre pessoas que não tinham ideia do meu passado e criação, a minha atividade profissional ou a minha habilidade. Determinada a aproveitar essa sensação, me concentrei em não falar a não ser que falassem comigo, a não deixar cair nenhuma comida sobre o meu lindo vestido, e prestar atenção às minhas maneiras, tanto à mesa quanto sociais. Enquanto eu estava desfrutando a mim mesma, imaginei que seria uma pena se eu tivesse causado a Alcide qualquer embaraço, uma vez que eu estava entrando em sua vida tão brevemente. Alcide agarrou a conta antes que eu pudesse alcançá-la, e olhou de cara feia para mim quando eu abri a boca para protestar. Eu finalmente tive um pequeno estalo em minha cabeça. Depois dessa luta silenciosa, fiquei satisfeita por constatar que Alcide era generoso ao dar gorjetas. Isso fez com que ele subisse ainda mais no meu conceito. Para dizer a verdade, ele já estava com um conceito completamente elevado em minha opinião. Eu estava em alerta para detectar alguma coisa negativa sobre aquele homem. Quando voltamos para a caminhonete de Alcide - desta vez ele auxiliou ainda mais quando me impulsionou até o assento, e eu estava bem confiante de que ele tinha gostado do procedimento – ambos estávamos silenciosos e pensativos. ‖Você não falou muito durante o jantar,‖ disse ele. ―Você não se divertiu?‖ ‖Ah, com certeza, me diverti. Eu só não achei que era uma boa hora para começar a emitir quaisquer opiniões.‖ ‖O que você achou do Jake O‘Malley?‖ O‘Malley, um homem entrando na casa dos sessenta anos com sobrancelhas grossas da cor de aço, tinha ficado conversando com Alcide por pelo menos uns cinco minutos, o tempo todo secretamente olhando de soslaio para os meus seios. ―Acho que ele está planejando ferrar você de seis maneiras a partir de domingo.‖ Foi sorte que não tínhamos nos afastado do meio-fio ainda. Alcide ligou a luz do teto e olhou para mim. O rosto estava carrancudo. ―Sobre o que você está falando?‖ ele perguntou. ‖Ele vai fazer uma oferta inferior à sua no próximo trabalho, porque ele subornou uma das mulheres em seu escritório - Thomasina algo? – para deixá-lo totalmente informado sobre qual será o seu preço. E então,‖ ‖O quê?‖ Eu estava grata pelo aquecedor estar funcionando à toda força. Quando lobisomens ficam zangados, você pode sentir isso no ar ao seu redor. Eu tinha tanta esperança de que não tivesse que me explicar a Alcide. Tinha sido tão genial, ser desconhecida. ‖Você é... o quê?‖ ele perguntou, para ter certeza que eu o entendi. ‖Telepata,‖ eu disse, meio que murmurando. Um longo silêncio caiu, enquanto Alcide digeria isso. ‖Você ouviu alguma coisa boa?‖, ele perguntou, finalmente. ‖Claro. A Sra. O‘Malley deseja pular em cima de você,‖ eu disse a ele, sorrindo brilhantemente. Eu tinha que me lembrar para não ficar passando os dedos no meu cabelo. ―Isso é bom?‖ ‖Comparativamente,‖ eu disse. ―Melhor ser fodido fisicamente do que financeiramente.‖ A Sra. O‘Malley era, pelo menos, vinte anos mais jovem do que o Sr. O‘Malley, e ela era a pessoa mais arrumada que eu já tinha visto. Eu estava apostando que ela escovava suas sobrancelhas umas cem vezes por noite. Ele balançou sua cabeça. Eu não tinha uma ideia clara do que ele estava pensando. ―E quanto a mim, você leu a minha mente?‖
Aha. ―Metamorfos não são assim tão fáceis,‖ eu disse. ―Não posso captar uma linha clara de pensamento, mais como um humor geral, intenções, algo assim. Eu acho que se você pensar diretamente para mim, eu consigo. Quer tentar? Pense algo para mim.‖ Os pratos que eu uso no apartamento tem uma borda de rosas amarelas. ‖Eu não as chamaria de rosas,‖ eu disse duvidosamente. ―Estão mais para zinias, se você quer saber.‖ Eu podia sentir a sua retração, sua cautela. Eu suspirei. Mesmo de sempre, nunca muda. Isso meio que machucava, uma vez que eu gostava dele. ―Mas simplesmente pegar os seus próprios pensamentos em sua cabeça, essa é uma área turva,‖ eu disse. ―Eu não posso fazer isso consistentemente, com lobis e metamorfos.‖ (alguns sobrenaturais eram razoavelmente fáceis de ler, mas não vi a menor necessidade de trazer isso à tona neste momento.) ―Graças a Deus.‖ ‖Oh?‖ Eu disse maliciosamente, em uma tentativa de aliviar o clima. ―O que você está com medo que eu leia?‖ Alcide realmente deu um sorriso largo para mim antes de desligar a luz do teto e arracarmos com o carro fora da nossa vaga de estacionamento. ―Deixa pra lá,‖ disse ele, quase ausentemente. ―Não era nada. Então o que você está indo fazer hoje à noite é ler mentes, para tentar pegar pistas sobre o paradeiro do seu vampiro?‖ ‖Isso mesmo. Eu não posso ler a mente dos vampiros; eles parecem não dispor de nenhuma onda cerebral. Isso é apenas a minha maneira de expressar isso. Eu não sei como isso funciona, ou se há uma forma científica de colocar isso em palavras.‖ Eu não estava exatamente mentindo: as mentes dos mortos-vivos realmente eram ilegíveis - com exceção de pequeno segundos de vislumbre de vez em quando(o que dificilmente contava, e ninguém podia saber disso). Se os vampiros achassem que eu pudesse ler suas mentes, nem mesmo Bill poderia me salvar. Se é que ele o faria. Toda vez que eu esquecia por um segundo que o nosso relacionamento tinha mudado radicalmente, doía tudo de novo ser relembrada. ―Então, qual é o seu plano?‖ ‖Eu estou mirando os humanos que namorem ou sirvam vampiros locais. Humanos foram os verdadeiros sequestradores. Ele foi raptado durante o dia. Pelo menos, foi isso o que disseram a Eric.‖ ‖Eu deveria ter te perguntado sobre isso antes,‖ disse ele, principalmente para si mesmo. ―No caso de eu ouvir alguma coisa do jeito normal - através de meus ouvidos - talvez você devesse me contar as circunstâncias.‖ Enquanto nós passávamos por onde Alcide disse que era a antiga estação ferroviária, eu fiz um rápido resumo para ele. Eu dei uma olhada numa placa de rua onde estava escrito ―Amite*‖ enquanto estacionávamos em um toldo que estava esticado sobre a extensão da calçada deserta na periferia do centro da cidade de Jackson. A área diretamente abaixo do toldo estava iluminada com uma luz resplandecente e fria. De alguma maneira essa margem da calçada parecia horripilantemente sinistra, especialmente visto que o resto da rua estava escuro. Inquietação se arrastava pelas minhas costas. Senti uma profunda relutância em parar naquele pedacinho de calçada. (*Amite é o nome de um condado no estado do Mississipi, por onde passa o rio Amite, o nome do rio e do condado vem do francês ―amitié‖ que significa ―friendship‖ ou ―amizade‖) Isso era um sentimento estúpido, eu disse a mim mesma. Aquilo era só um trecho de cimento. Nenhum monstro à vista. Após os estabelecimentos comerciais fecharem as cinco, o centro de Jackson não ficava exatamente cheio de gente, mesmo em circunstâncias normais. Eu estava disposta a apostar que a maioria das calçadas em todo o estado do Mississippi estavam vazias em uma noite de dezembro fria como esta.
Mas havia algo ameaçador no ar, uma vigilância fustigada com uma carga de malícia. Os olhos que nos observavam eram invisíveis; mas eles estavam nos observando, todavia. Quando Alcide desceu da caminhonete e deu a volta para me ajudar a descer, eu notei que ele deixou as chaves na ignição. Eu girei minhas pernas para fora e coloquei as minhas mãos em seus ombros, minha longa echarpe de seda estava envolvida em mim firmemente e se arrastando atrás, a franja se agitando em uma rajada de ar resfriado. Eu impulsionei enquanto ele me levantou, e então eu estava na calçada. A caminhonete foi levada. Eu olhei para Alcide lateralmente, para ver se isto foi surpreendente para ele, mas ele parecia bastante desinteressado. ―Os veículos estacionados na frente atrairiam a atenção do público em geral,‖ ele me disse, sua voz tranquila no vasto silêncio daquele pedaço de piso friamente iluminado. ‖Elas podem entrar? As pessoas normais?‖ Perguntei, cabeceando em direção a única porta metálica. Parecia tão não-convidativa quanto uma porta pode aparentar. Não havia nenhum nome em qualquer parte dela, ou no edifício, a propósito. Nenhuma decoração de Natal, tampouco. (Obviamente, vampiros não celebram feriados, exceto pelo Dia das Bruxas. É o antigo festival de Samhain* em que os vampiros se vestem elegantemente em trajes pomposos que eles acham encantador. Então o Halloween é um grande favorito, e é celebrado mundialmente pela comunidade vampírica.) (*Samhaim era o festival em que se comemorava a passagem do ano dos celtas. Marcava o fim do ano velho e o começo do ano novo. O Samhain iniciava o inverno, uma das duas estações do ano dos celta. Segundo alguns autores, grande parte da tradição do Halloween, do Dia de Todos-os-Santos e do Dia dos fiéis defuntos pode ser associada ao Samhaim. Pois era a época em que acreditava-se que as almas dos mortos retornavam a casa para visitar os familiares, e para buscar alimento e se aquecerem no fogo da lareira. Os Celtas não acreditavam em demônios, mas determinadas entidades mágicas eram consideradas hostis para os humanos, seus animais e colheitas. Deste modo muitas pessoas pregavam peças aos seus vizinhos, desde trocar os gados, por figuras humanóides em locais para assustar, tornando assim muito famosa a Jack o‘Lantern mais conhecida como abóbora iluminada de Halloween. Alguns autores acham que não existe nenhuma evidência que relacione o Samahin com o culto dos mortos e que esta crença se popularizou no século XIX. Segundo o relato das antigas sagas o Samhain era a época em que as tribos pagavam tributo se tivessem sido conquistadas por outro povo. Era também a época em que os espíritos da natureza (fadas e elfos) deixavam antever o outro mundo. O fé-fiada, o nevoeiro mágico que deixava as pessoas invisiveis, dispersava no Samhain e os elfos podiam ser vistos pelos humanos. A fronteira entre o Outro Mundo e o mundo real desaparecia. Os praticantes de diversas religiões, inclusive neopagãs, celebram-no, como por exemplo a Wicca. Ele é celebrado no dia 31 de Outubro no hemisfério norte e 30 de abril no hemisfério sul. Essa diferença existe porque as estações são invertidas de um hemisfério para o outro.) ―Claro, se eles quiserem pagar um couvert artístico de vinte dólares para tomar as piores bebidas em cinco estados. Servidas pelas garçonetes mais grosseiras. Muito lentamente.‖ Eu tentei abafar o meu sorriso. Este não era o tipo de lugar para ser risonho. ―E se eles se aventurarem?‖ ‖Não tem nenhum show, ninguém fala com eles, e se eles demorarem tempo demais, eles se encontrão na calçada entrando em seus carros sem nenhuma lembrança de como chegaram lá.‖ Ele agarrou a maçaneta da porta e puxou para abri-la. O temor que saturava o ar não parecia afetar a Alcide. Nós entramos em um pequeno corredor que estava bloqueado por outra porta há cerca de 1,2 metros de distância. Lá, mais uma vez, eu sabia que nós estávamos sendo vigiados, embora eu não pudesse ver uma câmera ou um olho-mágico em lugar nenhum. ‖Qual o nome deste lugar?‖ Eu sussurrei. ―O vampiro que é dono do lugar o chama de Josephine‘s‖, disse ele, confidencialmente. ―Mas os lobis o chamam de Clube Dead.‖ Eu pensei em rir, mas a porta interna abriu nesse momento. O porteiro era um duende. Eu nunca tinha visto um antes, mas a palavra ―duende‖ estalou em minha mente como se eu tivesse um dicionário sobrenatural impresso no interior do meu globo ocular. Ele era muito pequeno e de aparência-muito-esquisita, com uma cara cheia de nódulos e mãos extensas. Seus olhos estavam cheios de fogo e perversidade. Ele olhou furioso para nós como se clientes fossem as últimas coisas que ele precisava. Por que qualquer pessoa normal iria entrar no Josephine‘s após o efeito cumulativo da calçada assombrada, o carro desaparecendo, e o duende à porta... bem, algumas pessoas simplesmente nasceram pedindo para serem mortas, eu acho. ‖Sr. Herveaux,‖ disse o duende lentamente, em uma profunda, voz gutural. ―É bom ter você de volta. Sua companheira é...?‖ ‖Senhorita Stackhouse,‖ Alcide disse. ―Sookie, este é o Sr. Hob.‖ O duende examinou-me com os olhos chamejantes. Ele parecia ligeiramente incomodado, como se ele não pudesse realmente me enquadrar em alguma categoria, mas após um segundo, ele ficou de lado para nos deixar passar. O Josephine‘s não estava muito lotado. Claro, era um pouco cedo para seus clientes. Após a misteriosa preparação, o grande salão parecia quase de maneira decepcionante como qualquer outro bar. A própria área de servir estava no meio do salão, um amplo bar convencional com um painel elevado para a equipe ficar indo e vindo de lá pra cá. Me perguntei se o proprietário tinha estado assistindo reprises de Cheers*. As taças penduradas para baixo, suspensas em prateleiras, e tinha plantas artificiais e música ambiente e iluminação fosca. Tinha banquetas de bar polidas posicionadas uniformemente rodeando todo o balcão quadrado. Para a esquerda do bar tinha uma pequena pista de dança, e ainda mais à esquerdatinha um minúsculo palco para uma banda ou um DJ. Nos outros três lados do quadrado estavam as habituais mesas pequenas, cerca de metade delas estavam sendo utilizadas. (*Cheers é o nome da sitcom americana de Charles-Burrows-Charles Productions em associação com a Paramount Television para a NBC. A série foi transmitida pela primeira vez em 30 de Setembro, 1982, até 20 de Maio, 1993, sendo uma das séries de televisão mais longas, com 11 temporadas e 273 episódios.Um dos seriados cômicos mais influentes da TV. A série revelou astros como Kirstie Alley e Woody Harrelson e foi líder de audiência nos EUA.) Então eu detectei a lista de regras ambíguas sobre a parede, regras destinadas a serem entendidas pelos frequentadores habituais, mas não por um turista ocasional. ―Nenhuma transformação no recinto,‖ dizia uma com severidade. (lobis e metamorfos não poderiam trocar de animal para humano quando eles estivessem no bar; bem, eu pude entender essa.) ―Sem mordidas de qualquer espécie,‖ dizia outra. ―Sem lanches vivos,‖ dizia a terceira. Eca. Os vampiros estavam espalhados pelo bar, alguns com outros de sua própria espécie, alguns com humanos. Havia uma festa barulhenta de metamorfos no canto sudeste, onde várias mesas haviam sido puxadas para perto para acomodar o tamanho da festa. O centro desse grupo parecia ser uma jovem mulher alta com um brilhante cabelo preto curto, um corpo atlético, e um rosto longo e estreito. Ela estava colgada sobre um homem quadrado da idade dela, que eu achava que fosse vinte e oito. Ele tinha olhos redondos e um nariz chato, e o cabelo de aparência mais suave que eu já vira – era quase tão fino quanto o de um bebê, e um loiro tão claro que era quase branco. Eu me perguntei se essa era a festa de noivado, e me perguntei se Alcide sabia que ela aconteceria. Sua atenção estava definitivamente focada naquele grupo.
Naturalmente, eu imediatamente dei uma olhada no que as outras mulheres no bar estavam usando. As fêmeas vampiras e as mulheres acompanhando os vampiros estavam vestidas no mesmo nível que eu. As metamorfas tendiam a se vestir um pouco mais casual. A mulher de cabelos pretos que eu tinha fixado por Debbie estava vestindo uma blusa de seda dourada e uma calça colada de couro marrom, com botas. Ela riu de algum comentário do homem loiro, e eu senti o braço de Alcide tornar-se rígido sob meus dedos. Sim, esta deve ser a ex-namorada, Debbie. A diversão dela tinha certamente expandido desde que ela tinha visto de relance a entrada de Alcide. Cadela hipócrita, eu decidi no momento que levava para estalar seus dedos, e eu coloquei na cabeça que me comportaria de acordo. O duende Hob nos guiou até uma mesa vazia dentro do campo de visão da festa feliz, e puxou uma cadeira para mim. Eu assenti a ele educadamente, e desatei minha echarpe, dobrando-a e arremessando-a para uma cadeira vazia. Alcide sentou na cadeira à minha direita, de modo que ele pudesse ficar de costas para o canto onde os metamorfos estavam tendo uma diversão tão barulhenta. Uma vampira magricela veio tomar o nosso pedido. Alcide perguntou a minha vontade com uma inclinação da cabeça. ―Um coquetel de champagne,‖ eu disse, sem ter a menor ideia do gosto disso. Eu nunca tinha me dado ao trabalho de misturar um para mim no Merlotte‘s, mas agora que eu estava no bar de outra pessoa, eu pensei que deveria tomar uma dose. Alcide pediu uma Heineken. Debbie estava lançando muitos olhares em nossa direção, então me inclinei para frente e alisei para trás um cacho do cabelo preto encaracolado de Alcide. Ele pareceu surpreso, embora, naturalmente Debbie não podia ver isso. ―Sookie?‖ ele disse, um tanto duvidosamente. Eu sorria para ele, não meu sorriso nervoso - porque eu não estava, pra variar. Graças a Bill, eu agora era um pouco mais confiante sobre os meus próprios atrativos físicos. ―Ei, sou sua namorada, lembra? Estou agindo como tal,‖ eu disse a ele. A vampira magrela trouxe nossas bebidas bem então, e eu tilintei minha taça contra a garrafa dele. ―À nossa empreitada em conjunto,‖ eu disse, e seus olhos se iluminaram. Nós tomamos um gole. Eu adorei o coquetel de champagne. ‖Me conte mais sobre sua família,‖ eu disse, porque gostava de ouvir a sua voz perspicaz. Eu teria que esperar até que houvesse mais humanos no bar antes de eu começar a ouvir os pensamentos dos outros. Alcide gentilmente começou a me contar sobre como o seu pai tinha sido pobre quando ele iniciou sua empresa de vistoria, e quanto tempo ele tinha levado para que ela prosperasse. Ele estava apenas começando a me falar sobre sua mãe, quando Debbie veio andando afetadamente. Tinha sido apenas uma questão de tempo. ‖Olá, Alcide,‖ ela ronronou. Já que ele não tinha sido capaz de vê-la chegando, o seu rosto forte estremeceu. ―Quem é sua nova amiga? Você a tomou emprestado para a noite?‖ ―Ah, mais tempo que isso,‖ eu disse claramente, e sorri para Debbie, um sorriso que combinava com seu próprio tom de sinceridade. ‖Sério?‖ Se as sobrancelhas dela tivessem se arrastado um pouco mais alto, elas estariam no céu. ‖Sookie é uma grande amiga,‖ disse Alcide indiferentemente. ‖Oh?‖ Debbie duvidou de sua palavra. ―Não foi há muito tempo que você me disse que nunca mais teria outra ‗amiga‘ se você não pudesse ter... Bem‖. Ela sorriu maliciosamente. Eu cobri a enorme mão de Alcide com a minha mão e dei a ela um olhar com muitos subentendidos. ‖Diga-me,‖ disse Debbie, frizando seus lábios de um jeito cético, ―como é que você gosta daquela marca de nascença de Alcide?‖
Quem poderia ter previsto que ela estava disposta a ser uma vagabunda tão abertamente? A maioria das mulheres tentam esconder isso, pelo menos dos estranhos. Ela fica sobre o lado direito da minha bunda. Tem a forma de um coelho. Bem, que legal. Alcide tinha lembrado o que eu disse, e ele pensou diretamente para mim. ‖Eu amo coelhos,‖ disse, ainda sorrindo, com a minha mão deslizando para baixo nas costas de Alcide para acariciar, muito levemente, a parte superior de sua nádega direita. Por um segundo, eu vi pura fúria sobre o rosto de Debbie. Ela estava tão centrada, tão controlada, que sua mente era muito menos opaca do que da maioria dos metamorfos. Ela estava pensando em seu noivo coruja, sobre como ele não era tão bom de cama como Alcide, mas ele tinha um monte de dinheiro disponível e ele estava disposto a ter filhos, o que Alcide não estava. E ela era mais forte do que a coruja, capaz de dominá-lo. Ela não era um demônio (obviamente, seu noivo teria uma vida útil muito curta, se ela fosse), mas ela não era nenhum docinho, tampouco. Debbie ainda poderia ter recuperado a situação, mas a sua descoberta de que eu conhecia o pequeno segredo de Alcide a deixou louca. Ela cometeu um grande erro. Ela me sondou de cima a baixo com um olhar feroz que teria paralisado um leão. ―Parece que você foi ao salão Janice hoje,‖ disse ela, compreendendo os cachos casualmente desordenados, as unhas. Seu próprio cabelo preto liso tinha sido cortado em camadas assimétricas, pequeninas madeixas de comprimentos diferentes, fazendo com que ela parecesse um pouco com uma cadela numa boa ostentação, ou talvez uma manta de lã. Seu rosto estreito reforçou a semelhança. ―Janice nunca deixa ninguém sair parecendo que vive neste século.‖ Alcide abriu a sua boca, a raiva tensionando todos os seus músculos. Eu pousei minha mão sobre seu braço. ‖O que você achou do meu cabelo?‖ Perguntei suavemente, movendo a cabeça para que ele deslizasse sobre meus ombros nus. Peguei a mão dele e a sustentei suavemente aos cachos caindo sobre o meu peito. Ei, eu era muito boa nisso! Sookie a gatinha sexy. Alcide prendeu sua respiração. Seus dedos deslizaram pelo comprimento do meu cabelo, e suas juntas tocaram de leve em minha clavícula. ―Acho que ele é lindo,‖ disse ele, e sua voz era tanto sincera quanto enérgica. Eu sorria para ele. ‖Eu acho que ao invés de tomá-la emprestado, ele deve ter alugado você,‖ disse Debbie, incitando em um erro irreparável. Foi um terrível insulto, para nós dois. Levou cada pedaço de determinação que eu tinha para persistir em um auto-controle apropriado para uma dama. Eu senti o meu eu primitivo, o verdadeiro eu, quase atingindo a superfície. Nos mantivemos encarando a metamorfa, e ela empalideceu diante do nosso silêncio. ―Ok, eu não devia ter dito isso,‖ disse ela nervosamente. ―Simplesmente esqueça.‖ Porque ela era uma metamorfa, ela ia me derrotar em uma luta justa. Claro, eu não tinha a menor intenção de jogar limpo, se chegasse a esse ponto. Eu me inclinei e toquei uma ponta do meu dedo vermelho em sua calça de couro. ―Usando a prima Elsie?‖ eu perguntei. Inesperadamente, Alcide caiu na gargalhada. Eu sorria para ele enquanto ele se curvou de tanto rir, e quando eu olhei para cima, Debbie estava andando altivamente de volta para sua festa, que havia caído no silêncio durante a nossa interatividade. Lembrei a mim mesma de pular a parte de ir ao banheiro feminino sozinha esta noite.
Na hora em que pedimos as nossas bebidas pela segunda vez, o local estava cheio. Alguns lobis amigos de Alcide vieram, um grande grupo – lobis gostam de andar em bandos, eu percebi. Metamorfos, aí dependia de qual animal eles se transformavam na maior parte das vezes.
Apesar da sua versatilidade teórica, Sam tinha me dito que metamorfos em sua maioria se transformavam no mesmo animal toda vez, alguma criatura com a qual tivessem uma afinidade especial. E eles podem chamar a si próprios desse animal: homem-cachorro, ou homemmorcego, ou homem-tigre. Mas nunca ―homem-lobo‖-termo que era reservado apenas para os lobisomens. Os verdadeiros lobisomens desprezavam essa variação de tal forma, e eles não pensavam muito nos metamorfos em geral. Eles, os lobisomens, consideravam-se a nata do mundo dos transmutados. Metamorfos, por outro lado, Alcide explicou, pensavam nos lobisomens como os assassinos da cena sobrenatural. ―E você vai encontrar muitos de nós no ramo da construção,‖ disse ele, como se ele estivesse se esforçando para ser justo. ―Muitos lobis são mecânicos, ou pedreiros, ou encanadores, ou cozinheiros.‖ ―Ocupações úteis,‖ eu disse. ‖Sim,‖ ele concordou. ―Mas não exatamente de colarinho branco. Portanto, embora todos nós cooperemos uns com os outros, até certo ponto, existe muita discriminação de classes.‖ Um pequeno grupo de lobis com roupas de motoqueiros entrou pisando firme. Eles usavam o mesmo tipo de colete de couro com cabeças de lobo nas costas que tinha sido usado pelo homem que iria me atacar no Merlotte‘s. Eu me perguntei se eles já tinham começado a procurar pelo seu camarada. Me perguntei se eles tinham uma ideia mais clara de quem eles estavam procurando, o que eles iriam fazer se eles percebessem quem eu era. Os quatro homens pediram várias jarras de cerveja e começaram a falar muito reservadamente, cabeças próximas e cadeiras puxadas bem junto à mesa. Um Dj - ele parecia ser um vampiro - começou a tocar músicas no volume ideal; você podia ter certeza de qual era a canção, mas ainda podia conversar. ‖Vamos dançar,‖ Alcide sugeriu. Eu não tinha esperado por isso; mas iria me colocar mais perto dos vampiros e seus humanos, então eu aceitei. Alcide puxou a minha cadeira para mim, e pegou a minha mão enquanto íamos para a minúscula pista de dança. O vampiro mudou a música de algum tipo de rock pesado para a música ―Good Enough‖ de Sarah McLachlan, que é lenta, mas com um compasso. Eu não posso cantar, mas eu posso dançar; como aconteceu, Alcide podia, também. A coisa boa sobre dançar é que você não tem que falar por um tempo, se você se sentir jogando conversa fora. A ruim é que faz você ficar hiperconsciente do corpo do seu parceiro. Eu já tinha ficado desconfortavelmente ciente do – me desculpe –magnetismo animal de Alcide. Agora, tão perto dele, balançando no ritmo com ele, seguindo cada movimento seu, eu me encontrei em uma espécie de transe. Quando a música tinha acabado, continuamos na pequena pista de dança, e eu mantive os meus olhos no chão. Quando começou a próxima música, uma música com ritmo mais rápido – embora, pelo amor de Deus, eu não pudesse dizer o que era - nós começamos a dançar novamente, e eu girava e me inclinava e me mexia com o lobisomem. Então o homem forte e atarracado sentado em uma banqueta do bar atrás de nós disse ao seu companheiro vampiro, ―Ele não falou ainda. E Harvey ligou hoje. Ele disse que eles vasculharam a casa e não encontraram nada.‖ ‖Local público,‖ disse seu companheiro, em uma voz afiada. O vampiro era um homem muito pequeno - talvez ele tenha se tornado um vampiro quando os homens eram mais baixos. Eu sabia que eles estavam falando de Bill, porque o homem estava pensando em Bill quando ele disse, ―Ele não falou.‖ E o homem era um excepcional transmissor, tanto som quanto imagem vinham através dele claramente. Quando Alcide tentou me conduzir para fora de sua órbita, eu resisti a acompanhá-lo. Olhando fixo em seu rosto surpreso, eu movi meus olhos em direção ao casal. Compreensão passou pelos olhos dele, mas ele não pareceu feliz. Dançar e tentar ler a mente de uma outra pessoa ao mesmo tempo não é algo que eu recomendaria. Eu estava sendo drenada mentalmente, e o meu coração estava batendo forte, abalado diante da visão da imagem do Bill. Felizmente, Alcide pediu licença para ir ao banheiro masculino justo nessa hora, me deixando em uma banqueta do bar bem ao lado do vampiro. Eu tentei me manter olhando em volta para diferentes dançarinos, pro Dj, para qualquer coisa exceto para o homem à esquerda do vampiro, o homem cuja mente eu estava tentando escarafunchar. Ele estava pensando sobre o que ele havia feito durante o dia; ele tinha tentado manter alguém acordado, alguém que realmente precisava dormir - um vampiro. Bill. Manter um vampiro acordado durante o dia era o pior tipo de tortura. Era difícil de fazê-lo, também. A compulsão de dormir quando o sol aparecia era imperativa, e o sono em si era como a morte. De alguma maneira, isso nunca tinha cruzado a minha mente - eu acho que porque sou uma americana - que os vampiros que tinham agarrado Bill poderiam ter recorrido a meios perversos para fazê-lo falar. Se eles queriam a informação, naturalmente eles não iriam simplesmente esperar ao redor do Bill até que ele sentisse vontade de falar. Sou uma estúpida – burra, burra, burra. Mesmo sabendo que Bill tinha me traído, mesmo sabendo que ele tinha pensado em me deixar por sua amante vampira, fui fulminada com um profundo sofrimento por ele. Absorta em meus pensamentos infelizes, eu não reconheci a encrenca quando ela estava bem ao meu lado. Até que ela me agarrou pelo braço. Um dos membros da gangue de lobis, um grande homem de cabelo escuro, muito forte e muito fedorento, tinha agarrado seguramente meu braço. Ele estava deixando suas gordurosas impressões digitais por toda minha linda manga vermelha, e eu tentava me afastar dele. ‖Venha para a nossa mesa e nos deixe te conhecer, coisinha doce,‖ disse ele, sorrindo ironicamente pra mim. Ele tinha um par de brincos em uma orelha. Eu me perguntei o que acontecia com eles durante a lua cheia. Mas quase imediatamente, eu percebi que tinha problemas mais sérios para resolver. A expressão em seu rosto estava sincera demais; os homens simplemente não olham para as mulheres desse jeito a não ser que essas mulheres estejam de pé em uma esquina num short curtíssimo e um sutiã: em outras palavras, ele pensou que eu era uma dessas sem dúvida. ‖Não, obrigada,‖ eu disse educadamente. Eu tinha uma maçante, e desconfiada impressão de que esse não ia ser o fim disso, mas eu poderia ao menos tentar. Eu tinha muita experiência com caras agressivos no Merlotte‘s, mas eu sempre tive apoio no Merlotte‘s. Sam não iria tolerar as garçonetes sendo apalpadas ou insultadas. ―Claro, benzinho. Você quer vir nos ver,‖ disse ele insistentemente. Pela primeira vez na minha vida, eu desejei que Bubba estivesse comigo. Eu estava ficando muito habituada a que pessoas que me incomodassem encontrassem um final ruim. E talvez eu estivesse ficando acostumada até demais a ter alguns de meus problemas resolvidos pelos outros. Pensei em assustar o lobisomem lendo sua mente. Teria sido uma leitura fácil – ele era escancarado, para um lobisomem. Mas não só seus pensamentos eram entediantes e previsíveis (luxúria, agressão), se a sua gangue tivesse ordem de procurar a namorada de Bill o vampiro, e eles sabiam que ela era uma garçonete e uma telepata, e eles encontrassem uma telepata, bem... ‖Não, eu não quero ir sentar com você,‖ eu disse definitivamente. ―Me deixe em paz.‖ Eu saí escorregando da banqueta para que eu não ficasse encurralada em uma posição. ‖Você não está com nenhum homem aqui. Nós somos homens de verdade, benzinho.‖ Com sua mão livre fechada, ele acariciou a si mesmo. Oh, encantador. Isso realmente me deixou excitada. ―Vamos alegrar você.‖ ‖Você não poderia me alegrar nem se você fosse Papai Noel,‖ eu disse, pisando no peito do pé dele com toda a minha força. Se ele não estivesse usando botas de motoqueiro, poderia ter sido eficaz. Do jeito que ocorreu, cheguei mais perto foi de quebrar o salto do meu sapato. Eu estava mentalmente amaldiçoando minhas unhas falsas porque elas tornavam difícil formar um soco. Eu ia ter que dar um soco no nariz dele com a minha mão livre; um golpe no nariz realmente dói muito. Ele teria que me largar. Ele rosnou para mim, rosnou de verdade, quando o meu calcanhar bateu no seu peito do pé, mas ele não desprendeu seu aperto. Sua mão livre agarrou meu ombro nu, e os seus dedos cravaram. Eu estava tentando ficar calada, esperando resolver isto sem tumulto, mas eu tinha passado desse ponto agora. ―Me larga!‖ Eu gritei, enquanto eu fazia uma tentativa heróica de dar-lhe uma joelhada entre as pernas. Suas coxas eram fortes e sua posição restrita, então eu não podia pegá-lo de jeito. Mas eu o fiz recuar, e embora as unhas tenham escavado meu ombro, ele soltou. Parte disto foi devido ao fato de que Alcide o tinha agarrado pela nuca. E o Sr. Hob interferiu, bem quando os outros membros da gangue surgiram ao redor do bar para acudir seu amigo. O duende que tinha nos recepcionado dentro da boate bancou o leão-de-chácara, pra dizer a verdade. Embora ele parecesse ser um homem muito pequeno do lado de fora, ele enrolou seus braços em volta da cintura do motoqueiro e o levantou com facilidade. O motoqueiro começou a gritar reclamando, e o cheiro de carne queimada começou a circular pelo bar. A bargirl anoréxica ligou um exaustor industrial, que ajudou muito, mas podíamos ouvir os gritos do motoqueiro por todo o caminho descendo um estreito corredor escuro que eu não havia notado antes. Devia levar à saída dos fundos do prédio. Então houve um grande grunido, um grito, e o mesmo grunido novamente. Claramente, a porta dos fundos do bar tinha sido aberta e o infrator atirado fora. Alcide deu meia-volta para encarar os amigos do motoqueiro, enquanto eu fiquei com tremendo como reação atrás dele. Eu estava sangrando pelas marcas das unhas do motoqueiro na carne do meu ombro. Eu precisava de um pouco de Neosporin*, que era o que minha avó tinha colocado em todas as lesões quando eu contestava o Campho-Phenique**. Mas qualquer preocupação com primeiros socorros ia ter de esperar: Parecia que íamos enfrentar outra luta. Eu olhei em volta à procura de uma arma, e vi que a bargirl pegou um taco de baseball, e o colocou sobre o balcão. Ela estava mantendo um olhar atento sobre a situação. Eu peguei o taco e fui me posicionar ao lado de Alcide. Eu balançei o bastão para a posição e esperei para o próximo movimento. Como o meu irmão, Jason, tinha me ensinado - com base em suas muitas brigas em bares, eu receio - eu escolhi um homem em particular, visualizei a mim mesma sacudindo o bastão e o direcionando para atingir seu joelho, que era mais acessível para mim do que a cabeça dele. Isso o derrubaria, com certeza. (*Neosporin é uma marca de remédio antibiótico utilizado em irritações de pele ou infecções) (**Campho-Phenique é uma marca de antiséptco ou antibactericida usado em coceiras, herpes labial, bolhas, feridas e picadas de inseto.) Então, alguém entrou na ‗terra de ninguém‘ entre Alcide e eu e os lobis. Era o pequeno vampiro, aquele que tinha conversado com o humano cuja mente havia sido uma fonte de informações desagradáveis. Talvez tivesse cerca de 1,68m contando com os seus sapatos, ele também era de constituição franzina. Quando ele morreu, ele devia estar com seus vinte e poucos anos, eu suponho. Bem barbeado e muito pálido, tinha os olhos cor de chocolate amargo, um contraste chocante com seu cabelo vermelho. ‖Senhorita, peço desculpas por esses aborrecimentos,‖ disse ele, com sua voz suave e seu forte sotaque sulista. Eu não tinha ouvido um sotaque tão carregado desde que a minha bisavó faleceu há vinte anos. ‖Sinto muito que a paz do bar tenha sido perturbada,‖, eu disse, evocando tanta dignidade quanto eu podia enquanto segurava um taco de baseball. Eu tinha instintivamente chutado fora meus saltos, pois assim eu poderia lutar. Eu endireitei-me da minha posição de luta, e inclinei minha cabeça para ele, reconhecendo a sua autoridade. ‖Vocês homens devem sair agora,‖ disse o pequeno homem, voltando-se ao grupo de lobis, ―depois de se desculparem com esta dama e seu acompanhante.‖ Eles circularam de forma confusa e desconfotável, mas ninguém queria ser o primeiro a recuar. Um deles, que era aparentemente mais jovem e mais burro do que os outros, era um loiro com uma barba densa e um lenço estampado ao redor de sua cabeça num estilo bem peculiar de aparência estúpida. Ele tinha o fogo da batalha em seus olhos; seu orgulho não poderia lidar com toda aquela situação. O motoqueiro transmitiu suas intenções de movimento antes de ele sequer começá-lo, e rápida como relâmpago eu estendi o taco para o vampiro, que o agarrou em um movimento tão rápido, eu não poderia sequer vislumbrar-lo. Ele o usou para quebrar a perna do lobisomem. O bar estava absolutamente silencioso assim que o motoqueiro aos gritos foi carregado por seus amigos. Os lobis diziam em coro, ―Desculpe, desculpe,‖ enquanto levantavam o loiro e o retiravam do bar. Em seguida a música começou novamente, o pequeno vampiro devolveu o taco para a bargirl, Alcide começou a me examinar a procura dos danos, e eu comecei a tremer. ‖Estou bem,‖ eu disse, querendo demais que todo mundo olhasse para outro lugar. ‖Mas você está sangrando, minha cara,‖ disse o vampiro. Era verdade; meu ombro tinha uma trilha ensanguentada por causa da unhas do motoqueiro. Eu conhecia as regras de etiqueta. Eu me inclinei em direção ao vampiro, oferecendo-lhe o sangue. ‖Obrigado,‖ disse ele instantaneamente, e sua língua moveu-se rapidamente. Eu sabia que ia curar melhor e mais rápido com sua saliva, de qualquer modo, então fiquei muito quieta, embora pra dizer a verdade, isso era como deixar alguém ficar me apalpando em público. Apesar do meu incômodo, eu sorri, mas sabendo que não poderia ter sido um sorriso confortável. Alcide segurava a minha mão, o que era tranquilizador. ‖Desculpe eu não ter saído mais rápido,‖ disse ele. ‖Não é algo que se posssa prever.‖ Lambe, lambe, lambe. Ah, me poupe, eu já tinha que ter parado de sangrar até agora. O vampiro se endireitou, correu a língua sobre seus lábios, e sorriu para mim. ―Essa foi uma experiência e tanto. Posso me apresentar? Sou Russell Edgington.‖ Russell Edgington, o rei do Mississippi; pela reação dos motoqueiros, eu devia mesmo ter suspeitado. ―Prazer em conhecê-lo,‖ eu disse educadamente, me perguntando se eu deveria fazer reverência. Mas ele não tinha se apresentado pelo seu título. ―Eu sou Sookie Stackhouse, e este é meu amigo Alcide Herveaux‖. ‖Eu conheço a família Herveaux há anos,‖ disse o rei do Mississippi. ―Bom ver você, Alcide. Como é que está o seu pai?‖ Poderíamos estar parados no sol de domingo do lado de fora da Primeira Igreja Presbiteriana, em vez de em um bar vampiro à meia-noite. ‖Muito bem, obrigado,‖ disse Alcide, meio que rigidamente. ―Lamentamos toda essa confusão.‖ ‖Não é sua culpa,‖ disse o vampiro graciosamente. ―Os homens às vezes precisam deixar suas damas sozinhas, e as damas não são responsáveis pelo mau comportamento de idiotas.‖ Edgington realmente fez uma reverência para mim. Eu não tinha ideia do que fazer em resposta, mas uma inclinação de cabeça ainda mais profunda parecia seguro. ―Você é como uma rosa florescendo em um jardim malcuidado, minha querida.‖ E você está cheio de conversa pra boi dormir. ―Muito obrigado, Sr. Edgington,‖ eu disse, lançando os olhos para baixo com medo de que ele lesse o ceticismo neles. Talvez eu devesse tê-lo chamado ―Sua Majestade‖? ―Alcide, eu receio que seja melhor nós acabarmos a noite por aqui,‖ eu disse, tentando parecer suave e gentil e agitada. Foi um pouco fácil demais. ―É claro, querida,‖ disse ele instantaneamente. ―Me deixe pegar sua echarpe e bolsa.‖ Ele começou a caminhar em direção à nossa mesa imediatamente, Deus o abençoe.
‖Agora, Miss Stackhouse, queremos que você volte amanhã à noite,‖ disse Russell Edgington. O amigo humano de Edgington ficou atrás dele, suas mãos descansando sobre os ombros de Edgington. O pequeno vampiro se aproximou e deu uma batidinha em uma dessas mãos. ―Nós não queremos que você saia assustada pelo mau comportamento de um indivíduo.‖ ‖Obrigada, vou mencionar isso a Alcide,‖ eu disse, não deixando qualquer entusiasmo vazar na minha voz. Eu esperava parecer subserviente à Alcide sem parecer sem personalidade. Pessoas sem personalidade não duram muito ao redor de vampiros. Russell Edgington acreditou que ele estava projetando a aparência de um cavalheiro do Sul à moda antiga, e se essa era a sua onda, eu poderia também me encaixar nela. Alcide retornou, e seu rosto estava sinistro. ―Eu receio que sua echarpe tenha sofrido um acidente,‖ disse ele, e eu percebi que ele estava furioso. ―Debbie, eu acho.‖ Minha linda echarpe de seda tinha um grande buraco queimado nela. Eu tentei manter meu rosto impassível, mas eu não consegui muito bem. Lágrimas realmente brotaram nos meus olhos, eu suponho que porque o incidente com o motoqueiro já havia me abalado. Edgington, evidentemente, estava absorvendo tudo isto. ‖Melhor a echarpe do que eu,‖ disse, tentando dar de ombros. Fiz os cantos de minha boca levantar. Pelo menos a minha pequena bolsa parecia intacta, embora eu não tivesse mais nada nela do que um pó compacto e um batom, e dinheiro suficiente para pagar o jantar. Para meu intenso constrangimento, Alcide tirou dos ombros seu paletó e o segurou para que eu o vestisse. Eu comecei a protestar, mas o olhar em seu rosto dizia que ele não aceitaria um ‗não‘ como resposta. ‖Boa noite, Srta Stackhouse,‖ disse o vampiro. ―Herveaux, vejo você amanhã à noite? A sua empresa o manterá em Jackson?‖ ‖Sim, é verdade,‖ disse Alcide agradavelmente. ―Foi bom conversar com você, Russell.‖
A caminhonete estava do lado de fora do clube, quando saímos. A calçada não parecia menos ameaçadora do que estava quando nós chegamos. Me perguntava como todos estes efeitos foram alcançados, mas eu estava muito deprimida para perguntar à minha escolta. ―Você não deveria ter me dado o seu casaco, você deve estar congelando,‖ eu disse, depois que tínhamos passado por umas duas quadras. ‖Eu estou com mais roupas em mim do que você,‖ disse Alcide. Ele não estava tremendo como eu estava, mesmo sem o seu casaco. Eu me amontoei nele, apreciando o forro de seda, bem como o calor, e seu cheiro. ‖Eu nunca deveria ter deixado você sozinha com esses imbecis na boate.‖ ‖Toda mundo tem que ir ao banheiro,‖ eu disse suavemente. ‖Eu devia ter pedido a alguém para se sentar com você.‖ ‖Eu sou uma garota crescida. Não preciso de uma vigilância constante. Eu lido com incidentes assim o tempo todo no bar.‖ Se parecia exausta disso, eu estava. Você simplesmente não consegue ver o melhor lado dos homens, quando você é uma garçonete; mesmo em um lugar como o Merlotte‘s, onde o proprietário está sempre de olho em seus funcionários, e quase toda a clientela é local. ‖Então, você não deveria estar trabalhando lá.‖ Alcide soou muito preciso. ‖Ok, case-se comigo e me afaste de tudo isso,‖ eu disse, sem expressão, e recebi um olhar assustado em troca. Eu dei um sorriso largo para ele. ―Tenho que ganhar a vida, Alcide. E principalmente, eu gosto do meu trabalho.‖ Ele parecia não estar convencido e pensativo. Era hora de mudar de assunto. ‖Eles estão com Bill,‖ eu disse. ‖Você sabe com certeza.‖ ‖Sim.‖
‖Por quê? O que ele sabe que Edgington gostaria de tanto de saber, a ponto de chegar a arriscar uma guerra?‖ ‖Eu não posso te dizer.‖ ‖Mas você sabe?‖ Dizer a ele seria como dizer que eu confiava nele. Eu estava no mesmo tipo de perigo que Bill, se ficassem sabendo que eu sabia que ele sabia. E eu iria ceder muito mais rápido. ‖Sim,‖ eu disse. ―Eu sei.‖
Nós subimos em silêncio no elevador. Enquanto Alcide destrancava seu apartamento, eu me inclinei contra a parede. Eu estava uma porcaria: cansada, em conflito, e agitada pela balbúrdia com os motoqueiros e o vandalismo de Debbie. Eu tive vontade de pedir desculpas, mas eu não sabia pelo quê. ‖Boa noite,‖ eu disse, na porta de meu quarto. ―Oh, aqui está. Obrigada.‖ Eu tirei o casaco dele dos ombros e o entreguei para ele. Ele o pendurou sobre o encosto de uma cadeira alta na bancada de refeições. ‖Precisa de ajuda com o seu zíper?‖ ele perguntou. ‖Seria ótimo se você pudesse puxá-lo no início.‖ Eu virei minhas costas para ele. Ele tinha fechado os últimos dois centímetros do zíper quando fui me vestir, e apreciei a sua atenção com esse detalhe antes que ele desaparecesse em seu quarto. Senti seus dedos grandes contra minhas costas, e o pequeno barulho do zíper. Então algo inesperado aconteceu; eu o senti me tocando novamente. Eu me arrepiei toda enquanto seus dedos roçavam a minha pele. Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia o que eu queria fazer. Eu me virei para encará-lo. Seu rosto estava tão incerto quanto o meu. ―O pior momento possível,‖ eu disse. ―Você está em recuperação. Eu estou procurando o meu namorado; tá certo que ele é meu namorado infiel, mas ainda...‖ ‖Hora errada,‖ ele concordou, e suas mãos acomodaram-se em meus ombros. Então ele se curvou para baixo e me beijou. Demorou cerca de uma metade de um segundo para os meus braços envolverem sua cintura e sua língua deslizar na minha boca. Ele beijava macio. Eu queria passar meus dedos pelos seus cabelos e descobrir o quanto seu peito era largo e se a sua bunda era realmente tão firme e torneada como ela parecia em suas calças... Oh, diabos. Eu gentilmente o empurrei de volta. ‖Hora errada,‖ eu disse. Eu ruborizei, percebendo que com o meu vestido meio aberto, Alcide podia ver o meu sutiã e a superfície dos meus seios facilmente. Bem, que bom que eu estava usando um lindo sutiã. ‖Oh, Deus,‖ disse ele, após ter dado uma boa olhada. Ele fez um esforço supremo e apertou os olhos verdes bem fechados. ―Hora errada,‖ ele concordou novamente. ―Embora eu possa esperar que, realmente em breve, possa parecer que é a hora certa.‖ Eu sorri. ―Quem sabe?‖ Eu disse, e voltei para o meu quarto enquanto eu ainda podia me fazer seguir nessa direção. Depois de fechar a porta gentilmente, pendurei o vestido vermelho, com prazer que ele ainda parecia bonito e sem manchas. As mangas estavam um desastre, com impressões digitais gordurosas e um pouco de sangue sobre elas. Eu suspirei lamentavelmente. Eu teria que passar rapidamente de porta em porta para usar o banheiro. Eu não queria ficar provocando, e meu roupão era definitivamente curto, de náilon, e rosa. Então eu fui rapidamente, porque eu podia ouvir Alcide remexendo pela cozinha. E com uma coisa ou outra, eu fiquei no pequeno banheiro um pouco mais de tempo. Quando eu saí, todas as luzes do apartamento estavam desligadas exceto a do meu quarto. Eu fechei as persianas, me sentindo um pouco boba ao fazê-lo, uma vez que nenhum outro prédio na quadra tinha a altura de cinco pavimentos. Eu vesti a minha camisola rosa, e rastejei na cama para ler um capítulo do meu romance como um meio de me acalmar. Esse era um daqueles onde a heroína finalmente vai pra cama com o herói, então não funcionou muito bem, mas eu parei de pensar sobre a pele do motoqueiro queimando no contato com o duende, e sobre o rosto fino e malicioso de Debbie. E sobre a ideia de Bill ser torturado.
A cena de amor (na verdade, a cena de sexo) direcionou a minha mente mais ainda em relação à boca quente de Alcide. Eu desliguei o abajur de cabeceira após eu colocar o marcador no meu livro. Eu me agasalhei sob as cobertas na cama empilhando-as em cima de mim, e me senti finalmente quente e segura. Alguém bateu em minha janela. Dixei escapar um pequeno grito. Em seguida, percebendo quem deveria ser, eu me enfiei no meu robe, amarrei-o na cintura, e abri as persianas. Como o esperado, Eric estava flutuando bem do lado de fora. Eu liguei a lâmpada novamente, e lutei com a janela pouco familiar. ‖Que diabos você quer?‖ Eu estava dizendo, enquanto Alcide entrou subitamente no quarto. Eu mal dispensei a ele um olhar por cima do ombro. ―É melhor você me deixar em paz e me deixar dormir um pouco,‖ eu disse a Eric, sem me importar se eu soasse como uma velha rabujenta, ―e é melhor você parar de aparecer do lado de fora dos locais no meio da noite e esperando que eu o convide para entrar!‖ ‖Sookie, me deixe entrar,‖ disse Eric. ―Não! Bem, na verdade, este apartamento é de Alcide. Alcide, o que você quer fazer?‖ Me virei para olhar para ele pela primeira vez, e tentei não me deixar ficar de boca aberta. Alcide dormia usando essas longas calças de cordão, ponto final. Uau. Se ele tivesse ficado sem camisa trinta minutos antes, o momento poderia ter parecido simplesmente perfeito. ‖O que você quer, Eric?‖ Alcide perguntou, muito mais calmo do que eu teria feito. ‖Precisamos conversar,‖ disse Eric, soando impaciente. ‖Se eu deixá-lo entrar agora, eu posso anular isso depois?‖ Alcide me perguntou. ‖Claro.‖ Eu sorri ironicamente para Eric. ―A qualquer momento, você pode cancelar o convite.‖ ‖Está bem. Pode entrar, Eric.‖ Alcide retirou a grade da janela, e Eric entrou deslizando com os pés à frente. Eu fechei cuidadosamente a janela atrás dele. Agora eu estava com frio novamente. Houve um arrepio por todo o peito de Alcide, também, e os seus mamilos... Me obriguei a manter os olhos em Eric. Eric deu a nós dois um olhar afiado, seus olhos azuis tão brilhantes como safiras sob a luz de uma lâmpada. ―O que foi que você descobriu, Sookie?‖ ‖Os vampiros daqui estão com ele.‖ Os olhos de Eric podem ter alargado um pouco, mas essa foi a sua única reação. Ele parecia estar pensando atentamente. ‖Não é um pouco perigoso para você estar no território de Edgington, sem ser anunciado?‖ Alcide perguntou. Ele estava fazendo aquela coisa de se inclinar-contra-a-parede novamente. Ele e Eric eram ambos homens grandes e a sala pareceu realmente lotada de repente. Talvez os seus egos estivessem consumindo todo o oxigênio. ‖Oh, sim,‖ disse Eric. ―Muito perigoso.‖ Ele sorriu radiantemente. Eu me perguntava se eles notariam se eu voltasse para a cama. Eu bocejei. Dois pares de olhos giraram para se focar em mim. ―Você precisa de mais alguma coisa, Eric?‖ eu perguntei. ‖Você tem mais alguma coisa a relatar?‖ ‖Sim, eles torturaram ele.‖ ―Então eles não vão deixá-lo ir.‖ Claro que não. Você não iria liberar um vampiro que você tivesse torturado. Você ficaria vigiando por cima do ombro pelo resto de sua vida. Eu não tinha pensado nisso por completo, mas eu podia ver a realidade. ‖Você está preparando um ataque?‖ Eu não queria estar em nenhum lugar próximo de Jackson quando isso acontecesse. ‖Deixe-me pensar sobre isso,‖ disse Eric. ―Você vai voltar para o bar amanhã à noite?‖ ‖Sim, Russell nos convidou especificamente.‖
‖Sookie atraiu a dele atenção hoje à noite,‖ disse Alcide. ‖Mas isso é perfeito!‖ Eric disse. ―Amanhã à noite, sente-se com o pessoal de Edgington e ouça os pensamentos deles, Sookie.‖ ‖Bem, isto nunca teria passado pela minha cabeça, Eric,‖ eu disse, admiravelmente. ―Meu Deus, estou feliz que você tenha me acordado hoje à noite para explicar isso para mim.‖ ‖Sem problemas,‖ disse Eric. ―Sempre que quiser que eu acorde você, Sookie, você só tem que dizer.‖ Eu suspirei. ―Vá embora, Eric. Boa noite novamente, Alcide.‖ Alcide se posicionou, esperando Eric voltar para fora da janela. Eric esperava que Alcide saísse. ―Eu retiro o seu convite para entrar no meu apartamento,‖ disse Alcide, e abruptamente Eric caminhou até a janela, reabriu-a, e atirou-se para fora. Ele estava olhando de cara feia. Uma vez lá fora, ele recuperou a sua compostura e sorriu para nós, acenando enquanto ele desaparecia prédio abaixo. Alcide fechou com força a janela e abaixou as persianas. ‖Não, há muitos homens que não gostam de mim de jeito nenhum,‖ eu disse a ele. Ele estava sendo fácil de ler naquela hora, tudo bem. Ele me deu um olhar estranho. ―É mesmo?‖ ‖Sim, é.‖ ‖Se você está dizendo.‖ ‖A maioria das pessoas, pessoas normais, isto é... eles acham que eu sou louca.‖ ‖É mesmo?‖ ‖Sim, isso mesmo! E isso os deixa muito nervosos quando têm que ser atendidos por mim.‖ Ele começou a rir, uma reação que era tão longe daquilo que eu tinha previsto que eu não tinha nenhuma ideia do que dizer em seguida. Ele deixou o quarto, ainda mais ou menos sorrindo consigo mesmo. Bem, isso foi estranho. Eu desliguei a luz e tirei o roupão, arremessando-o ao pé da cama. Eu me aconcheguei entre os lençóis novamente, o cobertor e a colcha puxados até o meu queixo. Estava frio e desolador lá fora, mas aqui eu estava, finalmente, aconchegante e segura e sozinha. Realmente, sozinha de verdade. Na manhã seguinte, Alcide já tinha desaparecido quando eu levantei. As pessoas do ramo de construção e vistoria começavam cedo, naturalmente, e eu estava acostumada a dormir até tarde por causa do meu trabalho no bar e porque vivo andando com um vampiro. Se eu quisesse passar um tempo com Bill, isso tinha de ser à noite, evidentemente. Havia um bilhete apoiado na cafeteira. Eu estava com uma leve dor de cabeça já que não estou acostumada a bebidas alcoólicas e eu tinha tomado dois drinques na noite anterior - a dor de cabeça não chegava a ser uma ressaca, mas eu não estava o meu ‗eu‘ bem disposto de normalmente, de qualquer modo. Eu pisquei diante da minúscula impressão. ‖Incubências de última hora. Sinta-se em casa. Estarei de volta na parte da tarde.‖ Por um minuto me senti decepcionada e vazia. Então eu tive que me conter. Não era como se ele tivesse me ligado e programado tudo como um fim de semana romântico, ou como se nós realmente nos conhecêssemos. Alcide teve a minha presença imposta sobre ele. Eu dei de ombros, e me servi uma xícara de café. Eu fiz algumas torradas e fui ver as notícias. Depois que eu assisti uma sequência de manchetes na CNN, eu decidi tomar banho. Eu demorei bastante. O que mais tinha pra fazer? Eu estava perigando experimentar uma situação quase desconhecida – tédio total. Em casa, havia sempre algo para fazer, embora pudesse não ser algo que eu particularmente apreciasse. Se você tem uma casa, há sempre algum trabalhinho esperando por sua atenção. E quando eu estava em Bon Temps, tinha a biblioteca para ir, ou o a loja de 1,99*, ou a mercearia. Desde que eu me juntara ao Bill, eu também andei executando incubências para ele que só poderiam ser feitas durante o dia, quando os escritórios estavam abertos.
(*No original a expressão é dollar store, que é um tipo de loja que vende coisas baratinhas na maioria no valor de 1 dóllar, mas resolvi colocar assim porque lembra mais a nossa cultura, afinal onde é que não tem uma loja de 1,99 espalhada pelo Brasil?)
Enquanto Bill cruzava minha mente, eu estava arrancando um cabelo desgarrado do contorno da minha sobrancelha, inclinando-me sobre a pia para espiar no espelho do banheiro. Eu tinha que apoiar a pinça e sentar na borda da banheira. Meus sentimentos por Bill estavam tão confusos e contraditórios, que eu não tinha esperança de colocá-los em ordem tão cedo. Mas sabendo que ele estava sofrendo, em perigo, e eu não sabia como encontrá-lo - isso era muito para suportar. Eu nunca tinha achado que o nosso romance correria tranquilamente sem percalços. Era um relacionamento entre espécies diferentes, afinal de contas. E Bill era muito mais velho que eu. Mas este abismo de dor que eu sentia agora que ele tinha ido embora - isso, eu nunca tinha imaginado. Eu coloquei um jeans e um suéter e fiz minha cama. Eu organizei toda a minha maquiagem no banheiro que eu estava usando, e pendurei a toalha do mesmo jeito. Eu teria arrumado até o quarto de Alcide se eu não tivesse considerado que seria uma espécie de insolência mexer em suas coisas. Então, eu li alguns capítulos do meu livro, e então decidi que não podia simplesmente ficar sentada no apartamento por mais tempo. Deixei um bilhete para Alcide dizendo que eu estava indo dar um passeio, e então eu estava no elevador com um homem em roupas casuais, carregando uma sacola com equipamento de golfe. Eu resisti de dizer, ―Indo jogar golfe?‖ e limitei-me a mencionar que estava um dia bom para sair. Estava brilhante e ensolarado, claro como um sino, e, provavelmente como nos anos cinquenta. Estava um dia feliz, com todos os enfeites de Natal parecendo reluzir ao sol, e muito movimento para as compras. Me perguntava se Bill estaria em casa para o Natal. Me perguntava se Bill poderia ir à igreja comigo na véspera de Natal, ou se ele o faria. Pensei na nova serra Skil* que eu tinha comprado pro Jason; eu tinha comprado na Sears em Monroe e vinha pagando durante meses, e só fui receber uma semana atrás. Eu tinha comprado um brinquedo para cada um dos filhos de Arlene, e um suéter para Arlene. Eu realmente não tinha mais ninguém para quem comprar um presente, o que era patético. Eu decidi que iria dar a Sam um CD este ano. A ideia me animou. Adoro dar presentes. Este teria sido meu primeiro Natal com um namorado... (*Skil é uma marca de ferramentas pequenas e potentes fabriacadas pela Bosh) Oh, diabos, eu virei uma sequência completa, tal como as manchetes do Jornal. ‖Sookie!‖ uma voz chamou. Sobressaltada do meu melancólico círculo de pensamentos, eu olhei ao redor e vi que Janice estava acenando para mim de fora da porta do seu salão, do outro lado da rua. Eu inconscientemente andei naquela direção já conhecida. Eu acenei de volta para ela. ‖Venha aqui!‖ disse ela. Fui até a esquina e cruzei no semáforo. O salão estava ocupado, e Jarvis e Corinne estavam com suas mãos cheias com os clientes. ‖Festas de Natal hoje à noite,‖ explicou Janice, enquanto suas mãos estavam ocupadas enrolando os cabelos negros de comprimento na altura dos ombros de uma jovem mãe de família. ―Não costumamos abrir normalmente após o meio-dia aos sábados.‖ A jovem mulher, cujas mãos estavam decoradas com um impressionante conjunto de anéis de diamante, continuou folheando uma cópia de Southern Living* enquanto Janice trabalhava em sua cabeça. (*Southern Living é uma revista muito popular na região sul dos EUA, que fala sobre seu estilo de vida, plantas, culinária, negócios e viagens; a tradução seria Vida Sulista, mas não acho legal traduzir marcas e nomes próprios.) ―Isso parece bom?‖ ela perguntou a Janice. ―Almôndegas com gengibre?‖ Uma unha brilhante apontou para a receita. ‖Meio que oriental?‖ Janice perguntou.
‖Hum, mais ou menos.‖ Ela leu atentamente a receita. ―Ninguém mais estaria servindo esse prato,‖ ela murmurou. ―Você poderia servi-las com palitos cravados.‖ ―Sookie, o que está fazendo hoje?‖ Janice perguntou, quando ela teve certeza de que sua cliente estava pensando em carne moída. ‖Só batendo perna,‖ eu disse. Eu dei de ombros. ―Seu irmão está fora resolvendo umas incubências, de acordo com seu bilhete.‖ ‖Ele te deixou um bilhete para dizer o que ele estava fazendo? Garota, você devia estar orgulhosa. Esse homem não põe uma caneta no papel desde o colégio.‖ Ela me deu uma olhada de lado e sorriu largo. ―Vocês dois se divertiram muito na noite passada?‖ Eu pensei sobre isso. ―Ah, foi tudo bem,‖ eu disse hesitante. A dança tinha sido divertida, de qualquer maneira. Janice desatou a rir. ―Se você teve que pensar nisso tanto tempo, não deve ter sido uma noite perfeita.‖ ‖Bem, não,‖ eu admiti. ―Teve uma pequena briga no bar, e um homem teve de ser expulso. E depois, Debbie estava lá.‖ ‖Como foi a sua festa de noivado?‖ ‖Havia muita gente em sua mesa,‖ eu disse. ―Mas ela se aproximou depois de um tempo e perguntou um monte de coisas.‖ Eu sorri retrospectivamente. ―Ela certamente não gostou de ver Alcide com alguém!‖ Janice riu de novo. ‖Quem está noiva?‖ perguntou a cliente dela, tendo decidido contra a receita. ‖Ah, Debbie Pelt? Costumava sair com o meu irmão?‖ Janice disse. ‖Eu a conheço,‖ disse a mulher de cabelo preto, com prazer em sua voz. ―Ela costumava sair com o seu irmão, Alcide? E agora ela está casando com outro?‖ ‖Vai casar com Charles Clausen,‖ disse Janice, assentindo gravemente. ―Você o conhece?‖ ‖Claro que sim! Frequentamos a mesma escola. Ele vai casar com Debbie Pelt? Bem, melhor ele do que seu irmão,‖ a mulher de cabelo preto disse confidencialmente. ‖Eu já tinha percebido isso,‖ disse Janice. ―Você sabe de uma coisa eu não sei, entretanto?‖ ‖Aquela Debbie, ela está metida em alguma coisa estranha‖, disse a mulher de cabelo preto, elevando suas sobrancelhas indicando um significado profundo. ‖Como o quê?‖ Eu perguntei, quase sem respirar enquanto esperava para ouvir o que poderia sair. Será que esta mulher realmente sabia sobre metamorfos, sobre lobisomens? Meus olhos encontraram os de Janice e eu vi a mesma apreensão neles. Janice sabia sobre seu irmão. Ela sabia sobre o mundo dele. E ela sabia que eu sabia, também. ‖Culto ao demônio, eles dizem,‖ a de cabelo preto disse. ―Bruxaria.‖ Nós duas ficamos pasmas diante do seu reflexo no espelho. Ela tinha conseguido a reação que estava procurando. Ela deu um aceno de cabeça satisfeito. Culto ao demônio e feitiçaria não eram sinônimos, mas eu não ia discutir com esta mulher; estes eram o momento e o local errados. ‖Sim, minha senhora, isso foi o que ouvi. A cada lua cheia, ela e alguns amigos dela saem pela floresta e fazem coisas. Ninguém parece saber exatamente o que,‖ ela admitiu. Janice e eu soltamos o ar simultaneamente. ‖Oh, meu Deus,‖ eu disse debilmente. ‖Então, meu irmão está muito melhor sem nenhuma relação com ela. Nós não concordamos com tais ações,‖ disse Janice honradamente. ‖Claro que não,‖ eu concordei. Nós não olhamos nos olhos uma da outra. Após essa pequena ocorrência, eu me movimentei para ir embora, mas Janice me perguntou o que eu iria usar naquela noite. ‖Ah, é um modelo de cor champanhe,‖ eu disse. ―Tipo um bege brilhante.‖ ―Então as unhas vermelhas não combinam,‖ disse Janice. ―Corinne!‖ Apesar de todos os meus protestos, saí do salão com bronze nas unhas – dos pés e das mãos, e Jarvis arrumou meu cabelo novamente. Eu tentei pagar Janice, mas o máximo que ela me deixou fazer foi pagar a gorjeta dos funcionários dela. ‖Eu nunca tinha sido tão mimada em minha vida,‖ eu disse a ela. ‖O que você faz, Sookie?‖ De alguma forma esse assunto não tinha vindo à tona no dia anterior. ‖Sou uma garçonete de bar,‖ disse. ‖Isso é bem diferente de Debbie,‖ disse Janice. Ela parecia pensativa. ‖Ah, é? O que Debbie faz?‖ ‖Ela é uma assistente jurídica.‖ Debbie definitivamente teve uma educação avançada. Eu nunca tinha sido capaz de enfrentar uma faculdade; financeiramente, teria sido árduo, entretanto eu poderia ter encontrado uma maneira, eu acho. Mas a minha deficiência já tinha tornado difícil o suficiente terminar a escola. Uma adolescente telepata passa por grandes apuros, tenho que dizer. E eu tinha tão pouco controle na época. Todos os dias eram cheios de dramas - os dramas dos outros garotos. Tentando me concentrar em ouvir a aula, fazendo testes em uma sala cheia de cérebros zumbindo... a única coisa que eu sempre me sobressaia era no dever de casa. Janice não pareceu estar muito preocupada por eu ser uma garçonete, que era uma ocupação não garantida para impressionar os familiares das pessoas que você namora. Eu tinha que lembrar a mim mesma toda hora que esta armação com Alcide era um arranjo temporário pelo qual ele nunca pediu, e que depois que eu descobrisse o paradeiro de Bill - certo, Sookie, lembre-se de Bill, o seu namorado! - eu nunca mais veria Alcide novamente. Oh, ele poderia aparecer no Merlotte‘s, se ele tivesse vontade de sair da interestadual em seu caminho de Shreveport para Jackson, mas isso seria tudo. Janice estava realmente esperando que eu me tornasse um membro permanente de sua família. Isso era tão legal da parte dela. Eu gostava muito dela. Eu quase me encontrei desejando que Alcide realmente gostasse de mim, que houvesse uma oportunidade real de Janice ser minha cunhada. Dizem que não faz mal sonhar acordado, mas faz sim.
Alcide estava esperando por mim quando eu voltei. Uma pilha de presentes embrulhados no balcão da cozinha me mostrou como ele gastou pelo menos parte do seu dia. Alcide estava completando suas compras de Natal. A julgar pelo seu olhar constrangido (ele não era o Sr. Sutil), ele tinha feito algo que não tinha certeza de que eu gostaria. Seja lá o que fosse, ele não estava disposto a revelá-lo para mim, então eu tentei ser educada e fiquei fora de sua cabeça. Enquanto eu estava passando pelo curto corredor formado pela parede do quarto e o balcão da cozinha, eu inalei algo menos agradável. Talvez o lixo estivesse precisando ser jogado fora? Qual lixo que nós poderíamos ter produzido na nossa curta estadia que resultasse esse enjoado odor desagradável? Mas o prazer passado durante meu bate-papo com Janice e o prazer atual de ver Alcide tornou isso fácil de esquecer. ―Você está bonita,‖ disse ele. ‖Dei uma parada para ver Janice.‖ Eu estava preocupada por medo de que ele pudesse pensar que eu estivesse tirando proveito da generosidade de sua irmã. ―Ela tem um jeito de convencer você a aceitar coisas que você não tinha a menor intenção de aceitar.‖ ‖Ela é boa,‖ disse ele simplesmente. ―Ela sabe sobre mim desde que estávamos na escola, e ela nunca disse nada a ninguém.‖ ‖Eu posso afirmar.‖ ‖Como -? Ah, sim.‖ Ele agitou sua cabeça. ―Você parece a pessoa mais normal que eu já conheci, e é difícil lembrar que você tem todo esse material extra.‖ Ninguém jamais tinha dito isso de forma parecida. ‖Quando estava entrando, você cheirou algo estranho por-― ele começou, mas aí a campainha tocou. Alcide foi atender enquanto eu tirei o meu casaco. Ele parecia feliz, e eu virei para olhar a porta, com um sorriso. O jovem que estava entrando não parecia surpreso em me ver, e Alcide o apresentou como o marido de Janice, Dell Phillips. Apertei sua mão, esperando ficar tão satisfeita com ele quanto eu estava com Janice. Ele me tocou tão rapidamente quanto possível, e em seguida ele ignorou-me. ―Eu estava imaginando se você poderia ir esta tarde, e me ajudar a montar nossas luzes de Natal do lado de fora,‖ disse Dell – para Alcide, e apenas Alcide. ‖Onde está o Tommy?‖ Alcide perguntou. Ele parecia desapontado. ―Você não o trouxe para me ver?‖ Tommy era o bebê de Janice. Dell olhou para mim, e balançou a cabeça. ―Você está com uma mulher aqui, não parece certo. Ele está com a minha mãe.‖ O comentário foi tão inesperado, que tudo que eu podia fazer era ficar em silêncio. A atitude de Dell pegou Alcide de surpresa, também. ―Dell,‖ disse ele, ―não seja mal educado com minha amiga.‖ ‖Ela está hospedada em seu apartamento, isso diz que é mais que uma amiga,‖ disse Dell sem rodeios. ―Desculpe, moça, isso simplesmente não é certo.‖ ‖Não julgue, para que não seja julgado,‖ eu disse a ele, esperando que eu não soasse tão furiosa como o meu estômago apertado me dizia que eu estava. Parecia errado citar a Bíblia quando você está numa raiva grandiosa. Fui para o quarto de hóspedes e fechei a porta. Depois que eu ouvi Dell Phillips ir embora, Alcide bateu à porta. ‖Você quer jogar Scrabble*?‖ ele perguntou. Eu pisquei. ―Claro.‖
―Quando eu fui fazer compras para Tommy, eu escolhi um jogo.‖ Ele já o tinha colocado sobre a mesinha de centro em frente ao sofá, mas ele não tinha sido suficientemente confiante para desembrulhá-lo e montá-lo. (*Scrabble pra quem não conhece é um jogo de tabuleiro em que as palavras são formadas a partir de letras de padrões semelhantes a uma palavra cruzada, cada letra tem um valor, e esses valores são usados para marcar o jogo na soma dos pontos, muito indicado para ajudar a ampliar o vocabulário, pincipalmente quando jogado em línguas estrangeiras.) ―Vou nos servir uma coca-cola,‖ eu disse. Não pela primeira vez, eu notei que o apartamento era muito frio, mas é claro que era muito mais quente do que lá fora. Eu desejei ter trazido um agasalho leve para vestir, e me perguntei se iria ofender Alcide se eu pedisse a ele para ligar o aquecedor. Então me lembrei como sua pele era quente, e eu me dei conta de que ele era uma daquelas pessoas que meio que emanam calor. Ou talvez todos os lobis fossem assim? Eu coloquei o moletom que eu tinha usado ontem, sendo muito cuidadosa ao passá-lo sobre o meu cabelo. Alcide tinha sentado no chão com as pernas dobradas em um lado da mesa, e eu me arranjei do outro. Fazia muito tempo desde a última vez que nós tínhamos jogado Scrabble, então estudamos as regras por um tempo antes de começarmos o jogo. Alcide tinha se formado pela Louisiana Tech University*. Eu nunca fui para a faculdade, mas leio muito, portanto, estávamos mais ou menos no mesmo nível em relação a extensão de nosso vocabulário. Alcide era o melhor estrategista. Eu parecia pensar um pouco mais depressa. (*Louisiana Tech University, localizada em Ruston, estado da Louisiana, é uma instituição pública de ensino superior que é, talvez, a mais conhecida por seus programas de engenharia e seu atletismo, especialmente o futebol masculino e basquete feminino. Louisiana Tech é frequentada por alunos de 46 estados e 68 países e opera um satélite no campus da base da Força Aérea Barksdale em Bossier City) Eu marquei uma pontuação grande com ―chicotear‖, e ele mostrou sua língua para mim. Eu ri, e ele disse, ―Não leia a minha mente, isso seria trapaça.‖ ―Claro que eu não faria uma coisa dessas,‖ eu disse acanhadamente, e ele fez uma cara feia para mim. Eu perdi – mas só por doze pontos. Após refazer o jogo briguenta e agradavelmente, Alcide levantou-se e levou os nossos copos para a cozinha. Colocou-os lá e começou a vasculhar os armários, enquanto eu armazenava as peças do jogo e recolocava a tampa. ‖Onde quer que eu ponha isto?‖ eu perguntei. ‖Ah, no armário perto da porta. Há umas prateleiras lá dentro.‖ Eu enfiei a caixa debaixo do braço e fui para o armário. O cheiro que eu tinha notado anteriormente parecia estar mais forte. ‖Sabe de uma coisa, Alcide,‖ disse, esperando não estar sendo deselegante, ―tem algo que cheira quase podre, exatamente por aqui.‖ ‖Eu tinha notado isso, também. É por isso que estou aqui vasculhado pelos armários. Talvez seja um rato morto?‖ Enquanto eu falava, eu estava girando a maçaneta. Eu descobri a origem do cheiro. ‖Oh, não,‖ eu disse. ―Oh, nãonãonãonão.‖ ‖Não me diga que um rato foi até aí e morreu,‖ disse Alcide. ‖Não um rato,‖ eu disse. ―Um lobisomem.‖ O armário tinha uma prateleira acima de uma barra de pendurar cabides, e era um armário pequeno, destinado exclusivamente para os casacos dos visitantes. Agora estava preenchido pelo homem moreno do Clube dos Mortos, o homem que tinha me agarrado pelo ombro. Ele estava realmente morto. Ele estava morto há várias horas. Eu não parecia ser capaz de afastar o olhar.
A presença de Alcide nas minhas costas foi um conforto inesperado. Ele ficou olhando por cima de minha cabeça, suas mãos segurando meus ombros. ‖Não há sangue,‖ eu disse numa voz nervosa. ‖Seu pescoço.‖ Alcide estava pelo menos tão tenso quanto eu. Sua cabeça realmente estava imóvel sobre seu ombro, enquanto ainda estava preso ao seu corpo. Eca, eca, eca. Eu engoli em seco. ―Devemos chamar a polícia,‖ eu disse, não soando muito positiva sobre esse método. Eu notei a forma como o corpo havia sido empurrado no armário. O homem morto estava quase em pé. Eu imaginei que ele tinha sido enfiado lá dentro, e então quem quer que tivesse feito isso forçou a porta para fechar. Ele meio que endureceu nessa posição. ―Mas se nós chamarmos a polícia...‖ a voz de Alcide desvanesceu. Ele deu um profundo suspiro. ―Eles nunca acreditariam que nós não o fizemos. Eles vão interrogar os amigos, e seus amigos vão dizer que ele estava no Clube dos Mortos ontem à noite, e eles irão checar tudo. Eles vão descobrir que ele se meteu em problemas por incomodar você. Ninguém vai acreditar que nós não demos uma mãozinha na morte dele.‖ ‖Por outro lado,‖ eu disse lentamente, pensando em voz alta, ―você acha que eles mencionariam algo sobre o Clube dos Mortos?‖ Alcide ponderou isso. Ele correu o seu polegar sobre a sua boca enquanto ele pensava. ―Você pode estar certa. E se eles não pudessem mencionar o Clube dos Mortos, como poderiam relatar o, hã, confronto? Você sabe o que eles iriam fazer? Eles iriam querer resolver o problema por conta própria.‖ Esse era um excelente argumento. Me vendi imediatamente: sem polícia. ―Então precisamos nos livrar dele,‖ eu disse, chegando aos detalhes práticos. ―Como vamos fazer isso?‖ Alcide era um homem prático. Ele estava acostumado a resolver problemas, começando com o maior. ‖Precisamos levá-lo para algum lugar fora do país. Para isso, temos que levá-lo até a garagem,‖ disse ele depois de alguns momentos pensando. ―Para fazer isso, vamos ter de embrulhá-lo.‖ ―A cortina do chuveiro,‖ eu sugeri, apontando minha cabeça na direção do banheiro que tinha estava usando. ―Hum, podemos fechar o armário e ir para outro lugar, enquanto nós resolvemos isto?‖ ‖Claro,‖ disse Alcide, de repente tão ansioso quanto eu estava para deixar de olhar para aquela visão macabra à nossa frente. Então ficamos no meio da sala e fizemos uma reunião de planejamento. A primeira coisa que fiz foi desligar totalmente o aquecedor do apartamento, e abrir todas as janelas. O corpo não tinha chamado atenção anteriormente só porque Alcide gostava de manter a temperatura fria, e porque a porta do armário estava bem encaixada. Agora tínhamos que dispersar o fraco mas penetrante mal-cheiro. ‖São cinco andares de escada abaixo, e não acredito que eu possa carregá-lo tão longe,‖ disse Alcide. ―Ele precisa ir, pelo menos, alguma pedaço do caminho no elevador. Essa é a parte mais perigosa.‖ Continuamos discutindo e aperfeiçoando, até que sentimos que tínhamos um plano de ação executável. Alcide me perguntou duas vezes se eu estava bem, e ambas as vezes eu o tranquilizei; finalmente me ocorreu que ele estava achando que eu poderia ter uma crise nervosa, ou desmaiar. ‖Eu nunca pude me dar ao luxo de ser muito sensível,‖ eu disse. ―Isso não é da minha natureza.‖ Se Alcide esperava ou queria que eu pedisse sais para ficar cheirando, ou implorasse a ele que salvasse a pobrezinha de mim do grande lobo mau, ele estava com a mulher errada. Eu podia estar determinada a manter a minha cabeça no lugar, mas isso não queria dizer exatamente que eu estava calma. Eu estava tão nervosa quando fui pegar a cortina do chuveiro que eu tive de me conter para não arrancá-la direto dos anéis de plástico transparente. Devagar e firme, disse a mim mesma ferozmente. Inspire, expire, tire a cortina do chuveiro, espalhe-a no chão da sala. Ela era azul e verde com peixes amarelos nadando serenamente em filas retas. Alcide tinha descido as escadas para a garagem do prédio para mover sua caminhonete para o mais próximo possivel da porta da escada. Ponderadamente ele retornou trazendo consigo um par de luvas de trabalho. Enquanto ele as colocava, ele respirou fundo – talvez um erro, considerando a proximidade do corpo. Seu rosto como uma máscara congelada de determinação, Alcide agarrou o ombro do cadáver e deu um puxão. Os resultados foram dramáticos além do que nós imaginávamos. Em um pedaço duro, o motoqueiro desabou do armário. Alcide deu um salto para sua direita para evitar o corpo caindo, que bateu contra o balcão da cozinha, e em seguida caiu de lado sobre a cortina do chuveiro. ―Uau,‖ eu disse em uma voz trêmula, olhando para o resultado abaixo. ―Isso acabou bem.‖ O corpo estava deitado quase exatamente como queríamos. Alcide e eu nos demos um aceno de cabeça perspicaz e ajoelhamos em cada extremidade. Agindo em conjunto, pegamos um lado da cortina de plástico e arremessamos ao longo do corpo, depois o outro lado. Nós dois relaxamos quando o rosto do homem ficou coberto. Alcide também tinha trazido um rolo de fita adesiva – homens de verdade têm sempre fita adesiva em suas caminhonetes - e a usamos para selar o corpo envolto na cortina. Então nós dobramos as extremidades, e lacramos. Felizmente, apesar de ser um cara pesadão, o lobi não era muito alto. Nós levantamos e ficamos nos recuperando por um tempinho. Alcide falou primeiro. ―Parece um burrito* enorme e verde,‖ ele observou. (*O burrito é um célebre prato tradicional da culinária do México, consistindo de uma tortilla de farinha geralmente recheada com carne (bovina, suína ou de frango). A carne é o único recheio e o burrito é enrolado finamente. Em outros países, como nos Estados Unidos, os recheios incluem outros ingredientes como arroz, feijão, alface, tomates, salsa, guacamole, queijo e creme, fazendo com que o burrito seja muito maior.) Eu coloquei minha mão sobre a boca para abafar um ataque de risos. Os olhos de Alcide sobressaltaram enquanto ele olhava fixamente para mim do outro lado do cadáver embrulhado. De repente, ele riu, também. Após nos estabilizarmos, eu perguntei, ―Está pronto para a fase dois?‖ Ele assentiu, e eu vesti meu casaco e escapuli passando pelo cadáver e Alcide. Fui para o elevador, fechando a porta do apartamento atrás de mim rapidamente, só pra garantir caso alguém passasse por alí. No minuto que eu apertei o botão, apareceu um homem virando o corredor e ficou parado ao lado da porta do elevador. Talvez ele fosse um parente da velha Sra. Osburgh, ou talvez um dos senadores estivesse fazendo uma viagem rápida a Jackson. Quem quer que ele fosse, estava bem vestido e na casa dos sessenta, e era educado o suficiente para sentir a obrigação de puxar conversa. ‖Está muito frio hoje, não é?‖ ‖Sim, mas não tanto quanto ontem.‖ Eu olhei fixo para as portas fechadas, desejando que elas abrissem e então ele fosse embora. ‖Você acabou de se mudar?‖ Eu nunca tinha ficado tão irritada com uma pessoa cortês antes. ―Estou só visitando,‖ disse, no tipo de voz sem interesse que deveria indicar que a conversa estava encerrada. ‖Ah,‖ disse ele alegremente. ―Quem?‖ Felizmente o elevador escolheu esse momento para chegar e abrir as suas portas em um ruído seco na hora exata de salvar este homem tão cordial de ter sua cabeça arrancada. Ele sinalizou com um aceno de mão, querendo me dar a preferência, mas eu dei um passo para trás, e disse, ―Oh meu Deus, eu esqueci minhas chaves!‖ e caminhei agilmente sem olhar para trás. Eu fui para a porta do apartamento ao lado do de Alcide, aquele que ele me disse que estava vazio, e eu bati na porta. Eu ouvi as portas do elevador se fecharem atrás de mim, e soltei um suspiro de alívio. Quando eu imaginei que o Sr. Tagarela tinha tido tempo para chegar ao seu carro e sair da garagem - a não ser que ele estivesse enchendo os ouvidos do guarda – eu chamei de volta o elevador. Era sábado, e não havia como dizer quais seriam as programações das pessoas. Segundo Alcide, muitos dos apartamentos foram comprados como um investimento e eram sublocados para legisladores, dos quais a maior parte já tinha partido para os feriados de fim de ano. Os inquilinos anuais, no entanto, iriam entrar e sair em horários atípicos, já que não faltava só o fim de semana, mas também dois fins de semana antes do Natal. Quando a geringonça decrépta voltou ao quinto andar, ele estava vazio. Eu disparei de volta ao 504, bati duas vezes na porta, e voltei correndo para o elevador para manter as portas abertas. Após as pernas do cadáver, Alcide surgiu de dentro do apartamento. Ele se moveu o mais rapidamente quanto era possível para um homem que está carregando um corpo rígido sobre o seu ombro. Este foi o nosso momento mais vulnerável. O pacote de Alcide parecia com mais nada nesta terra a não ser um cadáver envolto em uma cortina do chuveiro. O plástico segurou um pouco o cheiro, mas ainda estava perceptível no pequeno recinto. Nós descemos com ele por um andar seguramente, então o próximo. No terceiro andar, nossa coragem fugiu. Nós paramos o elevador, e para o nosso grande alívio ele abriu para um corredor vazio. Eu me lancei fora dele direto para a porta da escada, segurando-a aberta para Alcide. Então eu corri rapidamente descendo as escadas à frente dele, e olhei através da vidraça na porta para a garagem. ‖Uau,‖ eu disse, levantando minha mão para cima. Uma mulher de meia idade e uma adolescente estavam descarregando pacotes da mala do seu Toyota, simultaneamente tendo um vigoroso desentendimento. A menina tinha sido convidada para uma rave. Não, sua mãe disse. Ela tinha que ir, todos os amigos dela estariam lá. Não, sua mãe disse. Mas Mãe, todas as outras mães estão deixando seus filhos irem. Não, sua mãe disse. ‖Por favor, não decidam ir pelas escadas,‖ eu sussurrei. Mas a discussão enfureceu assim que elas entraram no elevador. Eu ouvi claramente a garota romper sua sucessão de reclamações tempo o suficiente para dizer, ―Eca, tem alguma coisa cheirando mal aqui!‖ antes de as portas se fecharem. ―O que está acontecendo?‖ Alcide sussurrou. ‖Nada. Vamos ver se isso dura mais de um minuto.‖ Durou, e eu dei uma saída pela porta e fui direto para a caminhonete de Alcide, lançando olhares de um lado para o outro para ter certeza de que eu estava realmente sozinha. Não estávamos tão à vista do segurança, que estava em sua pequena cabine de vidro sobre o declive da rampa. Eu destranquei a carroceria da caminhonete de Alcide; felizmente, ela tinha uma capota. Com um olhar mais abrangente ao redor da garagem, me apressei de volta para a porta das escadas e bati levemente nela. Após um segundo, eu a abri. Alcide saiu em disparada e pulou sobre sua caminhonete mais rápido do que eu acreditava que ele pudesse se mover, sobrecarregado como ele estava. Nós empurramos o mais forte que podíamos, e o corpo foi recuado lentamente para dentro da carroceria da caminhonete. Com enorme alívio, nós batemos com força a porta traseira e a trancamos. ‖Fase dois concluída,‖ Alcide disse com um ar que eu teria chamado de vertiginoso se ele não fosse um homem tão grande. Dirigindo pelas ruas de uma cidade com um cadáver no seu carro é um exercício de paranóia aterrorizante. ‖Obedeça cada regra de trânsito,‖ eu lembrei Alcide, descontente com a forma como a minha voz soava tensa. ‖Ok, ok,‖ ele resmungava, sua voz igualmente tensa. ―Você acha que aquelas pessoas naquele Jimmy* estão olhando para nós?‖ ‖Não.‖ (*Jimmy é o nome dado para dois modelos de carro, um jipe da Suzuki e uma caminhonete Blazer da GM, não sei qual seria o caso aqui. O importante é saber que ela se refere a um carro, por que Jimmy também significa uma ferramenta chamada pé-de-cabra) Esse seria obviamente um bom motivo para me manter quieta, então eu fiquei. Nós voltamos pela I-20, o mesmo caminho que percorremos para entrar em Jackson, e dirigimos até onde não havia mais nenhuma cidade, apenas terras agrícolas. Quando chegamos à saída de Bolton, Alcide disse, ―Aqui parece bom.‖ ‖Claro,‖ eu disse. Eu não acho que eu conseguiria ficar dirigindo por aí com um cadáver por mais tempo. As terras entre Jackson e Vicksburg são bem baixas e planas, na maioria campos abertos interrompidos por alguns pântanos*, e essa era uma característica da área. Nós saímos da interestadual e seguimos para o norte em direção à floresta. Depois de alguns quilômetros Alcide virou à direita em direção a uma estrada que precisava ser pavimentada novamente há anos. As árvores cresceram em ambos os lados da faixa tão remendada de cinza. O céu sem vida do inverno não dava possibilidade de oferecer muita iluminação com este tipo de concorrência, e eu estremecia na cabine da caminhonete. (*No original, ‗Bayous‘, um tipo de lago meio lamacento como pântano muito comum no sul dos Estados Unidos; uma área com água em movimento lento, muitas vezes próxima a canaviais) ―Não falta muito,‖ disse Alcide. Eu assenti estupidamente. Um minúsculo fio de estrada conduzia para a esquerda, e eu apontei. Alcide freiou, e analisamos o panorama. Demos um ao outro um sinal de aprovação perspicaz. Alcide voltou para dentro, o que me surpreendeu; mas eu decidi que era uma boa ideia. Quanto mais distante nós adentrávamos na floresta, mais eu gostava da nossa escolha do local. A estrada tinha sido coberta com cascalho não fazia muito tempo, então não deixaríamos rastros de pneus, em primeiro lugar. E achei que eram boas as probabilidades de que esta estrada rudimentar conduzisse a um acampamento da caça, que não estaria sendo muito utilizada já que a temporada dos cervos tinha acabado. Como era de se esperar, após percorremos aos trancos e barrancos alguns metros pela trilha, eu detectei uma placa pregada a uma árvore. Ela avisava, ―Clube de caça Kiley-Odum propriedade privada. MANTENHA-SE AFASTADO.‖ Nós continuamos descendo a trilha, Alcide recuando devagar e cuidadosamente. ‖Aqui,‖ ele disse, quando já estávamos bem no interior da floresta e era quase certo que não podíamos ser vistos da estrada. Ele estacionou a caminhonete. ―Ouça, Sookie, você não tem que sair.‖ ‖Vai ser mais rápido se nós trabalharmos juntos.‖ Ele tentou me dar um olhar ameaçador, mas eu lhe devolvi um rosto de pedra, e finalmente, ele suspirou. ―Ok, vamos acabar com isto,‖ disse ele. O ar estava frio e úmido, e se você ficasse parado por um momento a umidade congelante iria penetrar em seus ossos. Eu conseguia notar que a temperatura estava caindo vertiginosamente, e o céu iluminado da manhã era uma doce lembrança. Estava um dia conveniente para desovar um cadáver. Alcide abriu a traseira da caminhonete, ambos colocamos as luvas, e agarramos firme o embrulho azul-e-verde. Os alegres peixes amarelos pareciam quase indecentes aqui na floresta congelada. ―Use toda força que você tiver,‖ Alcide me avisou, e em uma contagem até três, nós puxamos com todas as nossas forças. Isso trouxe o embrulho metade para fora, e o final dele projetou-se sobre a traseira de uma maneira desagradável. ―Pronta? Vamos lá de novo. Um, dois, três!‖ Novamente eu puxei, e a própria gravidade ajudou atirando o corpo para fora da caminhonete e estendendo-o sobre a estrada. Se pudéssemos ter caído fora ali naquela hora, eu teria sido muito mais feliz; mas tínhamos decidido que tínhamos que levar a cortina do chuveiro com a gente. Quem saberia quais impressões digitais poderiam ser encontradas em algum lugar sobre a fita adesiva ou na própria cortina? Certeza de que havia outra microscópica evidência que eu sequer podia imaginar. Eu não assistia o Discovery Channel à toa. Alcide tinha um canivete, e eu deixaria ele ter a honra desta tarefa em particular. Eu segurei um saco de lixo aberto enquanto ele cortava o plástico da cortina e o enfiava na abertura. Tentei não olhar, mas é claro que eu vi. A aparência do corpo não tinha melhorado. Esse trabalho, também, foi concluído mais cedo do que eu esperava. Eu dei meia volta para entrar na caminhonete, mas Alcide permaneceu, levantando o rosto para o céu. Ele parecia como se estivesse cheirando a floresta. ‖Hoje é noite de lua cheia,‖ disse ele. Seu corpo inteiro parecia vibrar. Quando ele me olhou, seus olhos pareciam alienígenas. Eu não poderia dizer se eles tinham mudado de cor ou formato, mas era como se uma pessoa diferente estivesse olhando através deles. Eu estava muito sozinha na floresta com um camarada que tinha tomado de repente toda uma nova dimensão. Eu lutei contrar impulsos conflitantes entre gritar, chorar, ou correr. Eu sorri brilhantemente para ele e esperei. Após uma longa e carregada pausa, Alcide disse, ―Vamos voltar para a caminhonete.‖ Fiquei muito feliz de subir correndo para o assento. ‖O que você acha que o matou?‖ Perguntei, quando me pareceu que Alcide tinha tido tempo para voltar ao normal. ‖Eu acho que alguém lhe deu uma grande torcida no pescoço,‖ disse Alcide. ―Eu não posso imaginar como ele foi parar no apartamento. Sei que eu fechei a porta na noite passada. Tenho certeza disso. E esta manhã, foi trancada novamente.‖ Eu tentei refletir sobre isso por um tempo, mas eu não tinha como. Então, eu me perguntei o que realmente mata você quando o seu pescoço é quebrado. Mas eu decidi que isso não era realmente uma grande coisa para ficar pensando. A caminho do apartamento, fizemos uma parada no Wal-Mart. Em um fim de semana tão perto assim do Natal, lá estava lotado de gente fazendo compras. Mais uma vez, eu pensei, eu não tinha comprado nada para o Bill. E eu senti uma dor aguda no meu coração enquanto me dava conta de que talvez eu nunca pudesse comprar um presente de Natal para o Bill, nem agora, nem nunca. Precisávamos de desodorizadores de ambiente, Resolve* (para limpar o carpete), e uma nova cortina de chuveiro. Eu despachei pra longe minha angústia e caminhei um pouco mais energicamente. Alcide me deixou escolher a cortina do chuveiro, o que eu realmente gostei. Ele pagou em dinheiro, assim não haveria qualquer registro da nossa visita. (*Resolve Carpet Cleaner é uma marca de produtos e serviços de limpeza de tapetes e carpetes e outros tipos de revestimentos) Eu chequei as minhas unhas após subirmos na caminhonete de volta. Elas estavam bem. Então pensei em quão insensível eu devia ser, me preocupando com minhas unhas. Eu tinha acabado de descartar um homem morto. Durante vários minutos, fiquei sentada ali me sentindo extremamente infeliz comigo mesma. Eu transmiti isso para Alcide, que parecia mais acessível agora que estávamos de volta à civilização sem nosso passageiro silencioso. ‖Bem, você não o matou,‖ ele salientou. ―Ah - matou?‖ Encontrei seus olhos verdes, sentindo apenas um pouco de surpresa. ―Não, com certeza não. E você?‖ ‖Não,‖ disse ele, e pela sua expressão eu poderia dizer que ele estava esperando que eu perguntasse isso. Nunca tinha me ocorrido fazer uma coisa dessas. Embora eu nunca tenha suspeitado de Alcide, é claro que alguém tinha transformado o lobis em um cadáver. Pela primeira vez eu tentei decifrar quem poderia ter enfiado o corpo no armário. Até este ponto, eu só tinha me ocupado em tentar me livrar do corpo. ‖Quem tem as chaves?‖ Perguntei. ‖Só meu pai e eu, e a mulher que faz a limpeza da maioria dos apartamentos no edifício. Ela não fica com uma chave para ela. O gerente do condomínio lhe dá uma.‖ Nós estacionamos por trás da fileira de armazéns, e Alcide jogou no lixo o saco contendo a antiga cortina do chuveiro. ―Essa é uma lista muito curta.‖ ‖Sim,‖ disse Alcide lentamente. ―Sim, é. Mas eu sei que o meu pai está em Jackson. Falei com ele ao telefone, esta manhã, asssim que levantei. A faxineira só entra quando deixamos uma mensagem com o gerente do condomínio. Ele mantém uma cópia da nossa chave, dá a ela quando é necessário, e ela a devolve para ele.‖ ‖E sobre o segurança na garagem? Ele fica de plantão durante a noite toda?‖ ‖Sim, porque ele é a única linha de defesa entre as pessoas entrando sorrateiramente pela garagem e pegando o elevador. Você sempre entrou por esse caminho, mas há na verdade portas na frente do prédio que ficam de frente com as principais ruas. Essas portas estão trancadas o tempo todo. Não há guarda lá, mas você tem que ter uma chave para conseguir entrar.‖ ‖Então, se alguém pudesse se esgueirar passando pelo guarda, ele poderia entrar no elevador e subir até o seu andar, sem ser interrompido.‖ ‖Ah, com certeza.‖ ‖E esse alguém teria que conseguir destrancar a porta.‖ ‖Sim, e caregar um corpo, e enfiá-lo no armário. Isso parece muito improvável,‖ disse Alcide. ‖Mas isso foi aparentemente o que aconteceu. Oh, hum... você nunca deu uma chave a Debbie? Talvez alguém tenha tomado a dela emprestado?‖ Me esforçando para soar totalmente neutra. Isso provavelmente não funcionou muito bem. Longa pausa. ‖Sim, ela tinha uma chave,‖ disse Alcide rigidamente. Eu mordi os meus lábios para que eu não pudesse fazer a próxima pergunta. ‖Não, eu não peguei de volta com ela.‖ Eu nem sequer precisei perguntar. Quebrando um silêncio um tanto carregado, Alcide sugeriu que fôssemos comer um almoço atrasado. Curiosamente, eu descobri que estava realmente com fome. Nós comemos no Hal and Mal‘s, um restaurante perto do centro da cidade. Era em um velho armazém, e as mesas eram afastadas apenas o suficiente para manter a nossa conversa possível sem que ninguém chamasse a polícia. ‖Eu não acho,‖ eu murmurei, ―que qualquer um pudesse ficar circulando pelo seu prédio com um cadáver sobre o ombro, não importa qual fosse a hora.‖ ‖Nós acabamos de fazê-lo,‖ disse ele, incontestavelmente. ―Acho que isso deve ter acontecido entre, digamos, duas e sete horas da manhã. Estávamos dormindo lá pelas duas, certo?‖ ‖Mais tipo às três, considerando a visitinha do Eric.‖ Nossos olhos se encontraram. Eric. Eureca! ‖Mas por que ele teria feito isso? Ele é louco por você?‖ Alcide perguntou sem rodeios. ‖Não tão louco assim,‖ Eu murmurei, envergonhada. ‖Ah, ele tá afim de transar com você.‖ Eu assenti, sem olhar em seus olhos. ‖Tem um monte por aí querendo,‖ disse Alcide, baixinho. ―Huh,‖ eu disse desdenhosamente. ―Você ainda está ainda ligado naquela Debbie, e você sabe disso.‖
Olhamos diretamente um pro outro. Melhor arrancar isso das sombras agora, e deixar quieto. ‖Você pode ler minha mente melhor do que eu pensava‖, disse Alcide. Seu rosto amplo parecia triste. ―Mas ela não é... Por que é que me preocupo com ela? Não tenho nem certeza se eu gosto dela. Eu gosto de você pra caraca.‖ ‖Obrigada,‖ eu disse, sorrindo do fundo do meu coração. ―Eu gosto de você pra caraca, também.‖ ‖Nós somos, obviamente, melhor um para o outro do que essas pessoas com quem namoramos são para nós,‖ disse ele. Inegavelmente verdade. ―Sim, e eu seria muito feliz com você.‖ ‖E eu ia adorar partilhar o meu dia com você.‖ ‖Mas tá parecendo que nós não chegaremos a isso.‖ ‖Não.‖ Ele suspirou profundamente. ―Eu acho que não.‖ A jovem garçonete sorriu para nós enquanto saíamos, se certificando que Alcide reparasse como ela ficava bem naquele jeans que estava usando. ‖O que eu acho que eu vou fazer,‖ Alcide disse, ―é dar o melhor de mim para arrancar Debbie da minha cabeça pelas raízes. E então, eu vou aparecer na sua porta, um dia quando você menos esperar, e eu espero que até lá você tenha desistido do seu vampiro.‖ ‖E então vamos ser felizes para sempre?‖ Eu sorria. Ele assentiu. ‖Bem, isso vai ser algo para aguardar ansiosamente,‖ eu disse a ele.
Eu estava tão cansada quando entramos no apartamento de Alcide que eu tinha certeza que só servia para tirar uma soneca. Tinha sido um dos dias mais longos da minha vida, e estava só no meio da tarde. Mas tínhamos algumas tarefas domésticas para fazer primeiro. Enquanto Alcide pendurava a nova cortina do chuveiro, eu limpava o carpete dentro do armário com Resolve, e abri um dos desodorizadores de ambiente e apliquei-o sobre a prateleira. Fechamos todas as janelas, ligamos o aquecedor, e inspiramos experimentalmente, nossos olhos travados um no do outro. O apartamento cheirava bem. Simultaneamente soltamos um suspiro de alívio. ‖Acabamos de fazer algo realmente ilegal,‖ eu falei, ainda inquieta com a minha própria desonestidade. ―Mas tudo que eu realmente sinto que é felicidade por termos nos livrado disso.‖ ―Não se preocupe sobre não se sentir culpada,‖ disse Alcide. ―Alguma coisa virá logo logo para que você fique se culpando. Guarde para depois.‖ Esse era um conselho tão bom que eu decidi tentar. ―Eu vou dar um cochilo,‖ eu disse, ―assim eu vou ficar pelo menos um pouco alerta hoje à noite.‖ Você não iria querer ficar com a compreensão meio lenta cercada por vampiros. ‖Boa ideia,‖ disse Alcide. Ele levantou uma sobrancelha para mim, e eu sorri, sacudindo minha cabeça. Eu entrei no quarto menor e fechei a porta, tirei os meus sapatos e caí sobre a cama com uma sensação de prazer tranquilo. Me estendi para o lado da cama depois de um momento, agarrei a franja da colcha de chenille, e me enrolei toda nela. No apartamento quieto, com o sistema de aquecimento soprando um fluxo constante de ar quente dentro do quarto, levou apenas alguns minutos para que eu adormecesse. Eu acordei de repente, e eu estava completamente desperta. Eu sabia que havia alguém no apartamento. Talvez, em algum nível eu tenha ouvido uma batida na porta da frente; ou talvez eu tenha registrado os rumores de vozes na sala. Eu silenciosamente levantei da cama e aproximei-me da porta, com minhas meias sem fazer ruído algum sobre o carpete bege. Eu tinha empurrado a minha porta, mas não tinha trancado, e agora virava minha cabeça posicionando meu ouvido na abertura. Uma voz profunda, áspera disse, ―Jerry Falcon foi ao meu apartamento ontem à noite.‖ ‖Eu não o conheço,‖ respondeu Alcide. Ele parecia tranquilo, mas cauteloso. ‖Ele disse que você o colocou em apuros no Josephine‘s na noite passada.‖ ‖Eu o coloquei em apuros? Se ele for o cara que agarrou a minha namorada, ele mesmo se colocou em apuros!‖ ‖Diga-me o que aconteceu.‖ ‖Ele deu uma cantada na minha namorada, enquanto eu estava no banheiro masculino. Quando ela protestou, ele começou a maltratá-la, e ela atraiu a atenção para a situação.‖ ‖Ele a machucou?‖ ‖Sacudiu-a. E ele extraiu um pouco de sangue de seu ombro.‖ ‖Uma ofensa de sangue.‖ A voz tinha se tornado mortalmente grave. ‖Sim.‖ Então a unha escavada em meu ombro constituía em uma ofensa de sangue, o que quer que fosse isso. ‖E depois?‖ ‖Saí do banheiro masculino, arrastei-o pra longe dela. Então Sr. Hob interveio.‖ ‖Isso explica as queimaduras.‖ ‖Sim. Hob o atirou para fora pela porta dos fundos.‖ E esse foi a última vez que o vi. Você disse que seu nome é Jerry Falcon?‖
―Sim. Ele veio direito para minha casa, então, depois que o resto dos garotos deixou o bar.‖ ‖ Edgington interveio. Eles estavam prestes a pular sobre a gente.‖ ‖ Edgington estava lá?‖ A voz profunda pareceu muito chateada. ‖Ah, sim, com o namorado dele.‖ ‖Como foi que Edgington se envolveu nisso?‖ ‖Ele disse a eles que fossem embora. Já que ele é o rei, e eles trabalham para ele de vez em quando, ele esperava obediência. Mas um filhote deu-lhe alguns problemas, por isso Edgington quebrou seu joelho, fazendo com que os outros o carregassem para fora. Sinto muito que tenha havido problemas em sua cidade, Terence. Mas não tivemos culpa nenhuma.‖ ‖Você tem privilégios de hóspede com o nosso bando, Alcide. Respeitamos você. E aqueles de nós que trabalham para os vampiros, bem, o que posso dizer? Não são os melhores elementos. Mas Jerry é o líder deles, e ele foi envergonhado na frente de seu pessoal na noite passada. Quanto tempo você vai ficar na nossa cidade?‖ ‖Só mais uma noite.‖ ‖E é uma noite de lua cheia.‖ ‖Sim, eu sei, vou tentar me manter discreto.‖ ―O que você vai fazer hoje à noite? Tentar evitar a transformação, ou vir caçar comigo nas minhas terras?‖ ‖Eu vou tentar ficar longe da lua, tentar evitar a tensão.‖ ‖Então você vai se manter longe do Josephine‘s.‖ ‖Infelizmente, Russell praticamente exigiu que voltássemos hoje à noite. Ele sentiu-se obrigado a se desculpar por minha namorada ter passado por uma circunstância tão agravante. Ele fez questão de insistir que ela voltasse.‖ ‖Clube dos Morto em uma noite de lua cheia, Alcide. Isto não é sábio.‖ ‖O que eu vou fazer? Russell dá as ordens no Mississippi.‖ ‖Eu posso compreender. Mas fique atento, e se você ver Jerry Falcon por lá, vá para outro lugar. Essa é a minha cidade.‖ A voz profunda estava carregada de autoridade. ‖Eu entendo, Mestre do bando.‖ ‖Bom. Agora que você e Debbie Pelt terminaram, espero que passe um tempo antes de vê-lo de volta aqui, Alcide. Dêem uma chance para as coisas se resolverem. Jerry é um filho da puta vingativo. Ele vai te causar algum dano se puder, sem iniciar uma disputa.‖ ―Foi ele quem causou uma ofensa de sangue.‖ ‖Eu sei, mas por causa de sua longa associação com os vampiros, Jerry tem um conceito elevado demais sobre si mesmo. Ele nem sempre segue as tradições do bando. Ele só veio a mim, como deveria, porque Edgington apoiou o outro lado.‖ Jerry não iria seguir mais nenhuma tradição. Jerry jazia na floresta a oeste. Enquanto eu cochilava, tinha ficado escuro lá fora. Eu ouvi uma batida no vidro da janela. Eu dei um pulo, evidentemente, mas então eu caminhei devagar o mais silenciosamente que pude. Eu abri a cortina e levei um dedo sobre meus lábios. Era Eric. Eu esperava que ninguém lá fora na rua olhasse para cima. Ele sorriu para mim e gesticulou para que abrisse a janela. Eu balancei a cabeça com veemência e levei o dedo a minha boca novamente. Se eu deixasse Eric entrar agora, Terence iria ouvir, e minha presença seria descoberta. Terence, eu sabia instintivamente, não gostaria de descobrir que ele estava sendo ouvido secretamente. Eu voltei na ponta dos pés para a porta e escutei. Estavam dizendo adeus. Eu olhei de volta para a janela, para ver que Eric estava me observando com grande interesse. Eu levantei um dedo para indicar que levaria apenas um minuto. Ouvi a porta do apartamento se fechar. Momentos depois houve uma batida em minha porta. Enquanto deixava Alcide entrar, eu esperava não estar com aquele amarrotado engraçado no meu rosto. ‖Alcide, ouvi a maior parte daquilo,‖ eu disse. ―Lamento ter ouvido atrás da porta, mas me deu a impressão de ser por minha causa. Hum, Eric está aqui.‖ ‖É, tô vendo,‖ Alcide disse desentusiasmadamente. ―Acho que seria melhor deixá-lo entrar. Entre, Eric,‖ disse ele, enquanto abria a janela. Eric entrou tão suavemente quanto era possível para um homem alto entrar por uma pequena janela. Ele estava usando um terno, com colete e gravata. Seu cabelo estava penteado com gel para trás fazendo um rabo de cavalo. Ele também estava usando óculos. ‖Você está disfarçado?‖ eu perguntei. Eu mal podia acreditar. ‖Sim, estou.‖ Ele olhou para si mesmo orgulhosamente. ―Não pareço diferente?‖ ‖Sim,‖ eu admiti. ―Você está parecendo exatamente com o Eric, arrumado pra variar.‖ ‖Você gostou do terno?‖ ‖Claro,‖ eu disse. Eu tenho um conhecimento limitado sobre roupas masculinas, mas eu estava disposta a apostar que este tipo de traje de três peças em tom castanho oliva tinha custado mais do que eu faturava em duas semanas. Ou quatro. Eu poderia não ter escolhido este para um cara com olhos azuis, mas tive que admitir que ele ficou espetacular. Se publicassem uma edição de vampiro da Revista GQ*, ele certamente estaria concorrendo para uma sessão de fotos. ―Quem arrumou o seu cabelo?‖ Perguntei, percebendo pela primeira vez que tinha sido entrelaçado em um padrão complexo. (*GQ Magazine (Gentlemen‘s Quarterly originalmente) é uma revista mensal masculina que fala sobre moda, estilo e cultura para os homens, com artigos sobre alimentação, cinema, fitness, sexo, música, viagens, esportes, tecnologia, e livros. É geralmente considerada a mais chique e mais sofisticada das revistas masculinas, tais como a Maxim ou FHM. É mais ou menos como se fosse uma VOGUE para homens.) ―Oooh, ciúmes?‖ ‖Não, eu pensei que talvez quem o fez poderia me ensinar como fazer isso no meu.‖ Alcide já estava farto de comentários de moda. Ele disse agressivamente, ―O que você quiz dizer, deixando um homem morto no meu armário?‖ Em raras vezes eu tinha visto Eric tão aturdido a ponto de não ter nada para dizer, mas ele ficou definitivamente sem fala – durante todos os trinta segundos. ‖Não era Bubba no armário, era?‖ ele perguntou. Foi nossa vez de ficar com a boca aberta, Alcide porque ele não sabia quem diabos era Bubba, e eu, porque eu não podia imaginar o que poderia ter acontecido com o vampiro atordoado. Eu apressadamente expliquei tudo a Alcide sobre Bubba. ‖Então isso explica todas as aparições,‖ disse ele, agitando a cabeça de um lado para o outro. ―Porra, elas eram todas de verdade!‖ ‖O grupo de Memphis queria mantê-lo, mas era simplesmente impossível,‖ explicou Eric. ―Ele continuava querendo ir para casa, e então haveria incidentes. Assim começamos fazer ele circular por aí.‖ ‖E agora você o perdeu,‖ Alcide observou, não muito aflito pelo problema de Eric. ‖É possível que as pessoas que tentaram capturar Sookie em Bon Temps tenham levado Bubba ao invés,‖ disse Eric. Ele puxou seu colete e olhou para baixo com certa satisfação. ―Então, quem estava no armário?‖ ―O motoqueiro que marcou Sookie na noite passada,‖ disse Alcide. ―Ele deu em cima dela bem grosseiramente enquanto eu estava no banheiro masculino.‖ ―Marcou ela?‖ ‖Sim, ofensa de sangue,‖ disse Alcide significativamente. ‖Você não disse nada sobre isso, ontem à noite.‖ Eric levantou uma sobrancelha para mim. ‖Eu não queria falar sobre isso‖, eu disse. Eu não gostei do jeito que saiu, meio que desamparado. ―Além disso, não foi muito sangue.‖ ‖Deixe-me ver.‖ Eu rolei meus olhos, mas eu sabia muitíssimo bem que Eric não iria desistir. Ele puxou meu moletom por cima do meu ombro, juntamente com a alça do meu sutiã. Felizmente, o moletom era tão velho que a gola tinha perdido a sua elasticidade, e proporcionou espaço suficiente. Os cortes das unhas sobre meu ombro formaram uma crosta de meias-luas, inchadas e vermelhas, embora eu tivesse limpado a área cuidadosamente na noite anterior. Eu sei quantos germes ficam nas unhas. ―Veja,‖ eu disse. ―Não é grande coisa. Eu estava com mais raiva do que com medo ou machucada.‖ Eric manteve os olhos sobre os pequenos ferimentos desagradáveis até que eu movi os ombros colocando minhas roupas de volta no lugar. Então ele desviou seus olhos para Alcide. ―E ele estava morto no armário?‖ ―Sim,‖ disse Alcide. ―Estava morto há horas.‖ ‖O que o matou?‖ ‖Ele não tinha sido mordido,‖ eu disse. ―Parecia mais como se o pescoço dele tivesse sido quebrado. Nós não tivemos vontade de olhar tão de perto. Você está dizendo que você não é a parte culpada?‖ ‖Não, mas teria sido um prazer tê-lo feito.‖ Eu dei de ombros, não disposta a explorar essa cogitação sombria. ―Então, quem colocou ele lá?‖ Eu perguntei, dando continuidade à discussão. ‖E por quê?‖ Alcide perguntou. ―Seria demais perguntar onde ele está agora?‖ Eric conseguiu parecer como se ele estivesse mimando duas crianças desordeiras. Alcide e eu lançamos olhares um ao outro. ―Hum, bem, ele está...‖ Minha voz foi diminuindo. Eric inspirou, experimentando a atmosfera do apartamento. ―O corpo não está aqui. Vocês chamaram a polícia?‖ ‖Bem, não,‖ eu murmurei. ―Na verdade, nós, ah...‖ ‖Nós descarregamos ele no campo, fora da cidade,‖ disse Alcide. Essa simplesmente não foi uma boa maneira de se dizer. Nós tínhamos surpreendido Eric uma segunda vez. ―Bem,‖ ele disse sem expressão. ―Não é que vocês dois têm iniciativa?‖ ‖Nós resolvemos tudo,‖ eu disse, talvez soando um pouquinho defensiva. Eric sorriu. Essa não foi uma observação apropriada. ―Sim, eu aposto que vocês resolveram.‖ ‖O Mestre do bando veio me ver hoje,‖ disse Alcide. ―Agora há pouco, na verdade. E ele não sabia que Jerry estava desaparecido. Na verdade, Jerry foi reclamar a Terence depois que ele saiu do bar ontem à noite, dizendo a Terence que ele tinha uma queixa contra mim. Então ele foi visto e ouvido após o incidente no Josephine‘s.‖ ‖Então você podem ter se livrado dele.‖ ‖Acho que nós o fizemos.‖ ‖Vocês deveriam tê-lo queimado,‖ disse Eric. ―Teria matado qualquer vestígio do seu cheiro sobre ele.‖ ‖Não creio que alguém possa detectar o nosso cheiro,‖ eu disse a ele. ―De verdade mesmo. Acredito que nenhuma vez nós o tocamos com a nossa própria pele.‖ Eric olhou para Alcide, e Alcide assentiu. ―Eu concordo,‖ disse ele. ―E eu sou um dos de natureza dupla.‖ Eric deu de ombros. ―Eu não faço ideia de quem o teria matado e colocado no apartamento. Obviamente, alguém queria incriminar vocês com a morte dele.‖ ‖Então por que não chamar a polícia de um telefone público e dizer a eles que há um cadáver no 504?‖ ―Uma boa pergunta, Sookie, e uma que não posso responder neste exato momento.‖ Eric pareceu perder o interesse de repente. ―Eu vou estar no clube hoje à noite. Se eu precisar falar com você, Alcide, diga a Russell que sou um amigo seu de fora da cidade, e fui convidado para conhecer Sookie, a sua nova namorada.‖
‖Ok,‖ disse Alcide. ―Mas eu não entendo por que você quer estar lá. Isto é procurar problemas. E se um dos vampiros reconhecer você?‖ ‖Eu não conheço nenhum deles.‖ ‖Por que você está se arriscando agora?‖ Eu perguntei. ―Pra que ir lá afinal?‖ ‖Pode haver algo que eu possa captar lá que você não tenha ouvido, ou que Alcide não saiba porque ele não é um vampiro,‖ disse Eric razoavelmente. ―Nos dê licença por um minuto, Alcide. Sookie e eu temos alguns negócios a discutir.‖ Alcide me olhou para ter certeza eu estava bem com isso, antes que ele assentisse de má vontade e saísse para a sala. Eric disse abruptamente, ―Você quer que eu cure essas marcas em seu ombro?‖ Eu pensei nas crostas feias em forma de lua nova, e pensei sobre as alças finas do vestido que eu trouxe para usar. Eu quase disse que sim, mas depois eu tive um segundo pensamento. ―Como é que eu vou explicar isso, Eric? O bar inteiro o viu me agarrando.‖ ―Você está certa.‖ Eric balançou a cabeça, os olhos fechados, como se estivesse zangado com ele mesmo. ―É claro. Você não é lobis, você não é morta-viva. Como é que você se curaria tão rápido?‖ Então ele fez outra coisa inesperada. Eric pegou a minha mão direita com as suas e segurou com força. Ele olhou diretamente no meu rosto. ―Eu fiz uma busca por toda Jackson. Eu procurei nos depósitos, cemitérios, casas de fazenda, e em qualquer lugar que tivesse um rastro de cheiro de vampiro sobre ele: todos os bens que Edgington é proprietário, e alguns que são de seus próprios seguidores. Eu não encontrei sequer um rasto de Bill. Eu tenho muito medo receio, Sookie, que esteja se tornando mais provável que Bill esteja morto. Morto definitivamente.‖ Eu senti como se ele tivesse me batido no meio da testa com uma marreta. Meus joelhos simplesmente se dobraram, e se ele não tivesse se movido rápido como relâmpago, eu estaria no chão. Eric sentou-se em uma cadeira que estava no canto da sala, e me recolheu em seu colo como se eu fosse um pacote. Ele disse, ―Eu tenho transtornado você demais. Eu estava tentando ser prático, e ao invés eu fui...‖ ―Brutal.‖ Senti uma lágrima caindo de cada olho. Eric movimentou rapidamente a língua para fora, e eu senti um pequeno vestígio de umidade enquanto ele lambia minhas lágrimas. Vampiros simplesmente parecem gostar de qualquer outro fluido corporal, se eles não podem ter sangue, e isso particularmente não me incomoda. Me senti feliz que alguém estava me apoiando de uma maneira confortante, mesmo que esse alguém fosse Eric. Eu afundei na mais profunda angústia enquanto Eric passou alguns momentos pensando. ‖O único lugar que eu não verifiquei foi o complexo de Russell Edgington - a sua mansão, com as suas dependências anexas. Seria surpreendente se Russell fosse imprudente o suficiente para manter outro vampiro prisioneiro na sua própria casa. Mas ele vem sendo rei há cem anos. Pode ser isso o que o faz ser tão confiante. Talvez eu pudesse me esgueirar pelo muro, mas eu não iria sair novamente. As áreas são patrulhadas por lobis. É muito improvável que tenhamos acesso a um lugar tão seguro quanto esse, e ele não nos convidaria a entrar, exceto em circunstâncias muito extraordinárias.‖ Eric deixou tudo isso afundar. ―Eu acho que você tem que me dizer o que você sabe sobre o projeto de Bill.‖ ‖É esse o motivo de todo esse apoio e delicadeza?‖ Fiquei furiosa. ―Você quer tirar alguma informação de mim?‖ Eu levantei num pulo, revitalizada com indignação. Eric levantou-se e deu o melhor de si para elevar-se ameaçadoramente sobre mim. ―Acho que Bill está morto,‖ disse ele. ―E eu estou tentando salvar a minha própria vida, e a sua, mulher estúpida.‖ Eric parecia tão irritado quanto eu estava. ‖Eu vou encontrar Bill,‖ eu disse, pronunciando cada palavra cuidadosamente. Eu não tinha certeza de como eu iria realizar isso, mas eu só tinha que fazer um pouco de boa espionagem hoje à noite, e alguma coisa iria aparecer. Não sou nenhuma Pollyanna*, mas sempre fui otimista. (*Pollyana é um romance de Eleanor H. Porter, publicado em 1913 e considerado um clássico da literatura infanto-juvenil. O livro fez tanto sucesso que a autora publicou em 1915 uma continuação, chamada Pollyana Moça. Mais onze Pollyanas se seguiram, muitas delas escritas por Elizabeth Borton ou Harriet Lummis Smith. A mais recente sequência de Pollyana foi publicada no meio dos anos 90, escrita por Colleen L. Reece. O título refere-se à protagonista, Pollyanna Whittier, uma jovem órfã que vai viver em Beldingsville, Vermont com sua abastada mas sisuda tia Polly. A filosofia de vida de Pollyanna é centrada no que ela chama ―o Jogo do Contente‖, uma atitude otimista que ela aprendeu com o seu pai. Esse ―jogo‖ consiste em encontrar algo para se estar contente, em qualquer situação por que passemos. Isso se originou com um incidente num Natal, quando Pollyanna, que estava achando que ia ganhar uma linda boneca, acabou recebendo um par de muletas. Imediatamente o pai de Pollyanna aplicou o jogo, dizendo a ela para ver somente o lado bom dos acontecimentos — nesse caso, ficar contente porque ―nós não precisamos delas!‖.) ―Você não pode paquerar o Edgington, Sookie. Ele não está interessado em mulheres. E se eu flertar com ele, ele poderia suspeitar. Um vampiro acasalando com outro - isso é incomum. Edgington não chegou onde está por ser ingênuo. Talvez sua segunda no comando, Betty Joe, se interessasse por mim, mas ela é uma vampira também, e a mesma regra se aplica. Eu não posso te explicar o quão incomum é o fascínio de Bill por Lorena. Na verdade, nós reprovamos vampiros que são amantes de outros da nossa espécie.‖ Eu ignorei suas duas últimas frases. ―Como foi que você descobriu tudo isso?‖ ‖Eu conheci uma jovem fêmea vampira ontem à noite, e seu namorado também frequenta as festas na casa de Edgington.‖ ―Oh, ele é bissexual?‖ Eric deu de ombros. ―Ele é um lobisomem, por isso acho que ele tem natureza dupla em mais de um significado.‖ ‖Eu pensava que vampiros não saíam com lobisomens, inclusive.‖ ‖Ela está sendo perversa. Os jovens gostam de experimentar.‖ Eu rolei meus olhos. ―Então, o que você está dizendo é que eu preciso me concentrar em conseguir um convite para o complexo de Edgington, uma vez que não há mais nenhum lugar em Jackson onde Bill possa estar escondido?‖ ‖Ele pode estar em qualquer outro lugar na cidade,‖ disse Eric cautelosamente. ―Mas eu acho que não. A possibilidade é fraca. Lembre-se, Sookie, eles já estão com ele há dias agora.‖ Quando Eric olhou para mim, o que eu vi na cara dele era pena. Isso me assustou mais do que qualquer coisa.
Eu tive a trêmula e instável sensação que antecede a caminhada para o perigo. Esta era a última noite que Alcide poderia ir ao Club Dead: Terence tinha advertido que ele se afastasse, bem enfaticamente. Depois disso, eu ficaria por conta própria, se fosse ao menos permitido que eu entrasse no clube quando Alcide não estivesse me acompanhando. Enquanto me vestia, eu me peguei desejando estar indo para um bar de vampiros normais, do tipo em que humanos normais iam para ficar boquiabertos com os mortos-vivos. O Fangtasia, o bar de Eric em Shreveport, era um local assim. As pessoas realmente iam fazer visitas, passar uma noite com todos vestindo preto, talvez vertendo um pouco de sangue falso ou inserindo algumas presas falsas de péssima qualidade. Eles ficariam encarando os vampiros cuidadosamente plantados ao redor de todo o bar, e eles se impressionariam com sua própria ousadia. De vez em quando, um desses turistas ultrapassava a linha que os mantinha seguros. Talvez ele fosse passar uma cantada em um dos vampiros, ou talvez ele desrespeitasse Chow, o barman. Então, possivelmente, esse turista descobrisse com quem ele estava brincando. Em um bar como o Clube dos Mortos, todas as cartas estavam na mesa. Os humanos eram os adereços, os enfeites. Os sobrenaturais eram os imprescindíveis. Eu tinha estado agitada nesta hora na noite anterior. Agora eu só sentia uma espécie de determinação desligada, como se eu estivesse sob efeito de uma droga poderosa que me separou de todas as minhas emoções mais comuns. Eu vesti minhas meias e umas ligas pretas bonitas que Arlene tinha me dado no meu aniversário. Eu sorria enquanto eu pensava na minha amiga de cabelo vermelho e seu incrível otimismo em relação aos homens, mesmo depois de quatro casamentos. Arlene me diria para aproveitar o minuto, o segundo, com cada pedacinho de energia que eu pudesse reunir. Ela me diria que eu nunca saberia qual homem eu poderia conhecer, que talvez esta noite fosse a noite mágica. Talvez usar ligas mudaria o rumo da minha vida, Arlene me diria. Eu não posso dizer exatamente que evoquei um sorriso, mas eu me senti um pouco menos austera enquanto colocava o meu vestido sobre minha cabeça. Era da cor de champanhe. Não havia nada demais nele. Eu estava com sapatos de salto preto e brincos de azeviche*, e eu estava tentando decidir se o meu velho casaco ficaria horrível demais, ou se deveria simplesmente deixar minha bunda congelar por vaidade. Olhando para o casaco de tecido azul usadíssimo, eu suspirei. Eu o carreguei para a sala sobre o meu braço. Alcide estava pronto, e ele estava em pé no meio da sala esperando por mim. Assim que eu registrei o fato de que ele estava parecendo distintamente apreensivo, Alcide puxou uma das caixas embaladas da pilha que ele tinha acumulado durante a sua manhã de compras. Ele tinha aquele olhar embaraçado no rosto, aquele que ele tinha exibido quando eu retornei ao apartamento. (*Azeviche é uma gema orgânica de cor muito negra, produzida por plantas ou animais, assim como as pérolas, o coral, o âmbar ou o marfim.) ―Eu acho que devo isso a você,‖ disse ele. E me entregou a caixa grande. ‖Oh, Alcide! Você me trouxe um presente?‖ Eu sei, eu sei, eu estava ali parada segurando a caixa. Mas você tem que entender, isto não é algo que acontece comigo com muita frequência. ‖Abra-o,‖ disse ele impacientemente. Eu joguei o casaco sobre a cadeira mais próxima, e desembrulhei o presente desastradamente – eu não estava acostumada às minhas unhas falsas. Após uma pequena manobra, eu abri a caixa de papelão branco para descobrir que Alcide havia restituído minha echarpe de noite. Eu puxei o longo retângulo devagar, saboreando cada momento. Era linda; uma echarpe de veludo preto decorada com contas nas extremidades. Eu não podia evitar atinar para o fato de que ela custava cinco vezes o que eu gastei naquela que tinha sido danificada.
Fiquei sem palavras. Isso raramente acontecia comigo. Mas eu não ganho muitos presentes, e eu não os aceito como se fossem nada. Eu enrolei o veludo ao meu redor, me deliciando com o toque dele. Eu roçei meu rosto contra ele. ‖Obrigada,‖ eu disse, a minha voz oscilando. ‖De nada,‖ disse ele. ―Por Deus, não chore, Sookie. Eu queria deixar você feliz.‖ ‖Estou muito feliz,‖ eu disse. ―Eu não vou chorar.‖ Eu suprimi as lágrimas, e fui olhar para mim mesma no espelho do meu banheiro.‖Oh, ela é linda,‖ eu disse, com meu coração na minha voz. ―Bom, fico feliz que gostou,‖ disse Alcide bruscamente. ―Eu achei que era o mínimo que eu podia fazer.‖ Ele arrumou a echarpe para que o tecido cobrisse as marcas vermelhas e incrustadas no meu ombro esquerdo. ‖Você não me deve nada,‖ eu disse. ―Sou eu quem está em dívida com você.‖ Eu poderia dizer que a minha seriedade preocupava Alcide tanto quanto o meu choro. ―Vamos lá,‖ eu disse. ―Vamos ao Clube dos Mortos. Iremos ficar sabendo de tudo esta noite, e ninguém vai se machucar.‖ O que só provou que não tenho premonições.
Alcide usava um terno diferente e eu um vestido diferente, mas o Josephine‘s parecia exatamente o mesmo. Calçada deserta, a atmosfera de condenação. Estava ainda mais frio esta noite, frio o suficiente para eu ver a minha respiração no ar, frio suficiente para me deixar pateticamente agradecida pelo calor da echarpe de veludo. Esta noite, Alcide praticamente saltou da caminhonete para o abrigo do toldo, nem sequer me ajudando a descer, e então ficou sob ela esperando por mim. ‖Lua cheia,‖ explicou concisamente. ―Vai ser uma noite tensa.‖ ‖Sinto muito,‖ eu disse, sentindo-me impotente. ―Isso deve ser terrivelmente difícil para você.‖ Se ele não tivesse sido obrigado a me acompanhar, ele poderia ter saído ricocheteando através dos bosques atrás de cervos e coelhos. Ele deu de ombros para minhas desculpas. ―Sempre haverá a noite de amanhã,‖ disse ele. ―Isso é quase tão bom quanto.‖ Mas ele estava zunindo com tensão. Hoje à noite eu não fiquei tão sobressaltada quando a caminhonete foi embora, aparentemente por conta própria, e eu nem sequer tremi quando o Sr. Hob abriu a porta. Eu não posso dizer que o duende parecia contente por nos ver, mas eu não poderia dizer o que a sua expressão facial normal realmente significava. Então, ele poderia ter dado cambalhotas sentimentais de alegria, e eu não teria me dado conta. De alguma maneira, eu duvidava que ele estivesse animado assim com a minha segunda aparição em seu clube. Seria ele o dono? Era difícil imaginar o Sr. Hob nomeando um clube de ―Josephine‘s‖. ―Cachorro Morto Apodrecido,‖ talvez, ou ―Vermes Chamejantes‖, mas não ―Josephine‘s.‖ ‖Não vamos ter problemas hoje,‖, disse-nos o Sr. Hob ameaçadoramente. Sua voz era irregular e áspera, como se ele não falasse muito, e não ficasse contente quando o fazia. ‖Não foi culpa dela,‖ disse Alcide. ‖Apesar disso,‖ Hob disse, e deixou assim. Ele provavelmente sentiu que não precisava dizer mais alguma coisa, e ele estava certo. O pequeno, e rugoso duende sacudiu sua cabeça para um grupo de mesas que haviam sido unidas. ―O rei está esperando por vocês.‖ Os homens se levantaram assim que eu cheguei à mesa. Russell Edgington e seu amigo especial Talbot estavam virados para a pista de dança; e do lado oposto ao deles estava um vampiro mais velho (bem, ele tinha um virado morto-vivo quando ele era mais velho), e uma mulher, que obviamente continuou sentada. O meu olhar correu sobre ela, voltou, e eu gritei de alegria.
―Tara‖! Minha amiga dos tempos do ensino médio gritou de volta e levantou num pulo. Nos demos um grande abraço de frente, ao invés de um superficial semi-abraço menos entusiasta que era o nosso costume. Nós éramos ambas duas estranhas em uma terra estranha, aqui no Clube dos Mortos. Tara, que é vários centímetros mais alta que eu, tem cabelos escuros e olhos e pele oliva. Ela estava usando um vestido de mangas compridas, dourado e bronze que cintilava quando ela se movia, e ela estava com saltos muito, muito altos. Ela tinha alcançado a altura do seu namorado. Assim que eu estava me soltando do abraço e dando um tapinha alegre nas costas dela, eu percebi que encontrar Tara foi a pior coisa que poderia ter acontecido. Entrei em sua mente, e eu vi que, com certeza, ela estava prestes a me perguntar por que eu estava com alguém que não era Bill. ‖Vamos, amiga, vamos ao toalete comigo por um segundo!‖ Eu disse alegremente, e ela agarrou sua bolsa, enquanto oferecia a seu namorado um sorriso perfeito, igualmente promissor e arrependido. Eu dei a Alcide um pequeno aceno, pedi aos outros cavalheiros para nos dar licença, e nós andamos rapidamente em direção aos banheiros, que ficavam afastados no corredor que conduzia à porta dos fundos. O banheiro feminino estava vazio. Eu pressionei minhas costas contra a porta para manter as outras mulheres fora. Tara estava de frente para mim, seu rosto iluminado com perguntas. ―Tara, por favor, não diga nada sobre Bill ou qualquer coisa sobre Bon Temps.‖ ‖Você quer me dizer por quê?‖ ‖Só...‖ Tentei pensar em algo razoável, mas não pude. ―Tara, vai me custar a vida se você fizer isso.‖ Ela contraiu-se, e me encarou firme. Quem não iria? Mas Tara tinha passado por muita coisa em sua vida, e ela era um pássaro valente, mesmo que ferido. ―Estou tão feliz em vê-la aqui,‖ disse ela. ―Era solitário ficar neste grupo sozinha. Quem é seu amigo? O que ele é?‖ Eu sempre esquecia que as outras pessoas eu não podia falar conseguiam definir. E às vezes eu quase esquecia que outras pessoas não sabiam sobre lobis e metamorfos. ―Ele é um inspetor,‖ eu disse. ―Vamos, eu vou apresentá-lo a você.‖ ‖Desculpe saírmos tão rapidamente,‖ eu disse, sorrindo brilhantemente a todos os homens. ―Esqueci as boas maneiras.‖ Eu apresentei Tara a Alcide, que parecia apropriadamente compreensivo. Depois foi a vez Tara. ―Sook, este é Franklin Mott.‖ ‖É um prazer conhecê-lo,‖ eu disse, e extendi a minha mão antes que eu percebesse a minha gafe. Vampiros não apertam as mãos. ―Me desculpe,‖ eu disse apressadamente, e dei-lhe um pequeno aceno ao invés. ―Você mora aqui em Jackson, Sr. Mott?‖ Eu estava determinada a não envergonhar Tara. ―Por favor, me chame de Franklin,‖ disse ele. Ele tinha uma voz aveludada maravilhosa com um leve sotaque italiano. Quando ele tinha morrido, ele provavelmente estava com cinquenta e tantos anos ou sessenta e poucos; seu cabelo e bigode eram cinza escuro com tons levemente esverdeados, e seu rosto era marcado pelas rugas. Ele aparentava ser vigoroso e muito masculino. ―Sim, eu moro, mas eu possuo uma empresa que tem uma franquia em Jackson, uma em Ruston, e uma em Vicksburg. Conheci Tara em uma reunião em Ruston.‖ Gradualmente nós fomos evoluindo através da quadrilha de ficar sentada, contando aos homens como Tara e eu tínhamos frequentado a mesma escola durante a adolescência, e pedindo bebidas. Todos os vampiros, é claro, pediram sangue sintético, e Talbot, Tara, Alcide e eu tomamos coquetéis. Eu decidi que outro coquetel de champanhe ia bem. A garçonete, uma metamorfa, estava se movimentado de uma maneira estranha, quase como se estivesse fugindo, e ela não parecia disposta a falar muito. A noite de lua cheia estava fazendo se fazendo presente em todo os tipos de efeitos. Os de natureza-dupla estavam em quantidade bem menor no bar nesta noite de ciclo lunar.
Fiquei contente de ver que Debbie e seu noivo não apareceram, e havia apenas um casal de motoqueiros lobis. Havia mais vampiros, e mais humanos. Me perguntava como os vampiros de Jackson mantinham este bar em segredo. Entre os humanos que vinham aqui quando saíam com sobrenaturais, será que um ou dois não estariam propensos a falar com um repórter ou simplesmente contar a um grupo de amigos sobre a existência do bar? Perguntei Alcide, e ele disse discretamente: ―O bar é encantado. Você não seria capaz de dizer a alguém como chegar aqui, se você tentasse.‖ Eu tinho que experimentar isso mais tarde, pra ver se funcionava. Me pergunto quem teria lançado o feitiço, ou seja lá como era chamado. Se eu podia acreditar em vampiros e lobisomens e metamorfos, não era muito difícil acreditar em bruxas. Eu estava imprensada entre Talbot e Alcide, então como forma de puxar uma conversa eu perguntei a Talbot sobre o segredo. Talbot não parecia avesso a conversar comigo, e Alcide e Franklin Mott tinham descoberto que tinham conhecidos em comum. Talbot usava colônia em demasia, mas não coloquei isso contra ele. Talbot era um homem apaixonado e, além do mais, ele era um homem viciado em sexo vampírico... essas duas situações nem sempre estão associadas. Ele era um homem implacável e inteligente, que não podia compreender como sua vida tinha tido uma reviravolta tão exótica. (Ele era um grande transmissor, também, o que tornou possível eu poder captar tanto sobre sua vida.) Ele repetiu a história de Alcide sobre o feitiço sobre o bar. ―Mas a maneira como o que acontece aqui é mantido em segredo, é que é diferente,‖ disse Talbot, como se ele estivesse considerando uma resposta mais longa e uma mais breve. Olhei o seu agradável e belo rosto e lembrei a mim mesma que ele sabia que Bill estava sendo torturado, e ele não se importava. Eu queria que ele pensasse sobre Bill novamente, assim eu poderia saber mais; pelo menos gostaria de saber se Bill estava morto ou vivo. ―Bem, senhorita Sookie, o que se passa aqui é mantido em segredo através do terror e punição.‖ Talbot disse isso com prazer. Ele gostava disso. Ele gostava de ter ganhado o coração de Russell Edgington, um ser que poderia matar facilmente, que merecia ser temido. ―Qualquer vampiro ou lobi – na verdade, qualquer tipo de criatura sobrenatural,e você não viu um bocado delas, acredite - que traz aqui um humano é responsável pelo comportamento desse humano. Por exemplo, se você sair daqui esta noite e chamar um tablóide, seria obrigação de Alcide caçá-la e matá-la.‖ ―Eu compreendo.‖ E, de fato, eu entendi. ―E se Alcide não conseguir executar isso ele mesmo?‖ ‖Então ele perderia a vida como castigo, e um dos caçadores de recompensa seria encarregado de fazer o trabalho.‖ Jesus Cristo, o Senhor é meu pastor. ―Há caçadores de recompensas?‖ Alcide poderia ter me dito muito mais sobre isso; essa foi uma descoberta desagradável. Minha voz pode ter soado como um pequeno grasnado. ‖Claro. Os lobis que usam roupas de motoqueiros, nesta área. Na realidade, eles estão fazendo perguntas pelo bar esta noite porque...‖ Sua expressão ficou aguçada, tornou-se desconfiada. ―O homem que estava incomodando você... você o viu novamente ontem à noite? Depois de deixar o bar?‖ ‖Não,‖ eu disse, tecnicamente dizendo a verdade. Eu não tinha visto ele novamente - na noite passada. Eu sabia o que Deus pensava sobre dizer a verdade tecnicamente, mas eu também achava que ele esperava que eu salvasse a minha própria vida. ―Alcide e eu voltamos direto para o apartamento. Eu fiquei muito transtornada.‖ Eu lancei os meus olhos para baixo como uma garota recatada que não está acostumada a abordagens em bares, o que também estava há alguns passos de distância da verdade. (Embora Sam reprimisse tais incidentes para que quase não acontecessem, e era amplamente declarado que eu era louca e portanto indesejável, eu certamente tinha que aturar ocasionais assédios agressivos, bem como uma certa quantidade de cantadas indiferentes de caras que estão muito bêbados para se importar que eu supostamente seria louca.) ―Você foi com certeza ousada quando pareceu que ia haver uma luta,‖ observou Talbot. Talbot estava pensando que a minha coragem na noite passada não era compatível com o meu modesto comportamento desta noite. Maldição, eu tinha exagerado na minha atuação. ‖Ousadia é a palavra certa para Sookie,‖ Tara disse. Foi uma interrupção bem-vinda. ―Quando nós dançamos juntas no palco, cerca de um milhão de anos atrás, ela foi quem teve coragem, não eu! Eu estava tremendo nas bases.‖ Obrigado, Tara. ‖Você dançava?‖ perguntou Franklin Mott, sua atenção capturada pela conversa. ‖Oh, sim, e nós ganhamos o concurso de talentos,‖ Tara disse a ele. ―O que nós não tínhamos percebido, até que nos formamos e ganhamos alguma experiência no mundo, foi que a nossa pequena coreografia era realmente, ah-― ‖Sugestiva,‖ eu disse, dando nome aos bois. ―Nós éramos as meninas mais inocentes em nosso colégio, e lá estávamos nós, com esta coreografia de dança que copiamos diretamente da MTV.‖ ‖Levou anos para nós entendermos porque o diretor da escola estava suando tanto,‖ disse Tara, sorrindo perversamente o bastante para ser encantadora. ―Na verdade, me deixe dar uma palavrinha com o DJ agora mesmo.‖ Ela levantou-se e seguiu seu caminho em direção ao vampiro que tinha montado seu equipamento sobre o pequeno palco. Ele se inclinou e ouviu atentamente, e então ele assentiu. ―Oh, não.‖ Eu ia ficar terrivelmente envergonhada. ‖O quê?‖ Alcide estava entretido. ‖Ela vai arranjar para que façamos tudo aquilo novamente.‖ Como foi previsto, Tara se contorceu de volta através da multidão para me buscar, e ela estava radiante. Eu tinha pensado em vinte e cinco boas razões para não fazer o que ela queria no momento que ela pegou minhas mãos e me colocou de pé. Mas ficou óbvio que a única maneira de eu conseguir sair dessa era para ir em frente. Tara desejava intensamente esta apresentação, e Tara era minha amiga. A multidão deixou um espaço assim que a música de Pat Benatar ―Love Is a Battlefield‖* começou a tocar. (*‖Love Is a Battlefield‖ quer dizer ―o amor é um campo de batalha‖ e essa é uma música que fez muito sucesso nos anos 80, considerada um dos singles de maior sucesso da América, ficando entre as 5 melhores da parada da Billboard. O clipe da música, onde Pat Benatar foi retratada como uma adolescente fugitiva, foi indicado para o MTV Video Music Award de Melhor Vídeo Feminino e atualmente foi tema do filme ―De repente 30‖ (13 Going 30). Com essa música, Pat Benatar ganhou o Grammy de Melhor Cantora de Rock.) Infelizmente, eu me lembrava de cada movimento insinuante e esfregação, cada impulso de quadril. Na nossa inocência, Tara, e eu tínhamos planejado nossa coreografia quase como as duplas de patinação artística, então nós estávamos em contato (ou muito perto) durante a coisa toda. Poderia ter sido mais parecido com uma performance lésbica provocante realizada em um bar de strip-tease? Não muito. Não que eu já tivesse ido a um bar de strip-tease, ou a um cinema de filme pornô; mas eu admito que o aumento da luxúria pública que eu senti no Josephine aquela noite era semelhante. Eu não gosto de ser o alvo disso - mas ainda assim, eu descobri que sentia uma certa inundação de poder. Bill tinha instruído o meu corpo com os benefícios do sexo, e eu tinha certeza que agora eu dançava expressando a linguagem de quem está apreciando sexo – e assim foi com Tara. De uma forma perversa, nós estávamos tendo um momento ―eu sou mulher, ouça-me rugir‖. E, por Deus, o amor com certeza era um campo de batalha. Benatar estava certa sobre isso. Nós estávamos de lado para o público, Tara agarrando minha cintura, para os últimos compassos, e nós impulsionamos nossos quadris em harmonia, e conduzimos as nossas mãos movimentado até o chão. A música parou. Houve um mínimo segundo de silêncio e, em seguida, um monte de aplausos e assobios. Os vampiros pensavam no sangue fluindo em nossas veias, eu tinha certeza pelos olhares famintos em seus rostos – especialmente naquelas ramificações principais mais abaixo na parte interna das nossas coxas. E eu podia ouvir que os lobisomens estavam imaginando como devia ser bom o nosso sabor. Então eu estava me sentindo bem comestível enquanto voltava para nossa mesa. Tara e eu fomos cumprimentadas e elogiadas ao longo do caminho, e recebemos muitos convites. Fiquei meio tentada a aceitar a proposta de dança de um vampiro moreno de cabelos cacheados, que era quase do meu tamanho e fofo como um coelho. Mas eu apenas sorri e continuei em frente. Franklin Mott estava encantado. ―Ah, você estava fabulosa,‖ ele disse enquanto puxava a cadeira de Tara para ela. Alcide, eu observei, permaneceu sentado e me olhando com raiva, forçando Talbot a se inclinar e puxar a minha cadeira para mim, uma estranha e improvisada cortesia. (Ele até ganhou uma carícia no ombro de Russell pelo seu gesto.) ―Garotas, não acredito que vocês não foram expulsas,‖ disse Talbot, disfarçando o momento embaraçoso. Eu nunca teria imaginado Alcide como um babaca possessivo. ―Não fazíamos ideia,‖ Tara protestou, rindo. ―Nenhuma. Não conseguíamos entender o porque de tanto rebuliço.‖ ‖Que bicho te mordeu?‖ Perguntei a Alcide, muito discretamente. Mas quando eu escutei atentamente, eu pude captar a fonte de seu descontentamento. Ele estava ressentido pelo fato de que ele tinha admitido para mim que ele ainda tinha Debbie no seu coração, porque senão ele estaria determinado a se empenhar em partilhar a minha cama hoje à noite. Ele se sentia tanto culpado quanto irritado com isso, já que era lua cheia – analisando bem, a sua época do mês. De certa forma. ―Não está tão preocupada em encontrar seu namorado, não é mesmo?‖ ele disse friamente, em um tom baixo malicioso. Foi como se ele tivesse atirado um balde de água fria na minha cara. Foi um choque, e doeu terrivelmente. Lágrimas fluíram nos meus olhos. Ficou também completamente óbvio para todos na mesa que ele tinha dito alguma coisa que me chateou. Todos eles, Talbot, Russell e Franklin deram a Alcide um olhar uniforme praticamente carregado de ameaça. O olhar de Talbot era um fraco eco do de seu amante, então podia ser ignorado, mas Russell era o rei, afinal de contas, e Franklin era aparentemente um vampiro influente. Alcide relembrou onde ele estava, e com quem. ―Desculpe-me, Sookie, eu só estava com ciúmes,‖ ele disse, alto o suficiente para que todos à mesa o ouvissem. ―Aquilo foi realmente interessante.‖ ‖Interessante?‖ Eu disse, o mais superficialmente que pude. Eu mesma estava muito puta de raiva. Passei meus dedos através de seu cabelo enquanto eu me inclinava mais em direção a sua cadeira. ―Só interessante?‖ Nós sorrimos um para o outro bem falsamente, mas os outros engoliram. Eu tive vontade de pegar um punhado daqueles cabelos pretos e dar uma boa puxada neles. Ele pode não ser um leitor de mentes como eu, mas ele conseguia ler esse impulso alto e claro. Alcide teve que se esforçar para não esquivar-se. Tara se intrometeu novamente para perguntar a Alcide qual era seu trabalho – Deus a abençoe - e mais uma vez outro momento embaraçoso passou inofensivo. Eu empurrei minha cadeira um pouco mais distante do círculo em volta da mesa e deixei minha mente vagar. Alcide tinha razão sobre o fato de que eu precisava estar trabalhando, ao invés de me divertindo, mas eu não vi como eu poderia ter recusado a Tara algo que ela curtia tanto. A separação dos corpos amontoados na pequena pista de dança me deu uma visão rápida de Eric, inclinado contra a parede atrás do pequeno palco. Seus olhos estavam em mim, e eles estavam cheios de calor. Ali tinha alguém que não estava chateado comigo, alguém que tinha levado a nossa pequena coreografia no espírito em que foi apresentada.
Eric parecia muito atraente usando terno e óculos. Os óculos o faziam parecer de certo modo menos ameaçador, eu concluí, e voltei minha cabeça para os negócios. Poucos lobis e humanos tornava mais fácil ouvir cada um deles, mais fácil de seguir o fio de pensamento de volta ao seu dono. Fechei os olhos para ajudar a me concentrar, e quase imediatamente eu peguei um fragmento do monólogo interior que me abalou. ―Martírio,‖ o homem estava pensando. Eu sabia que o pensador era um homem, e que seus pensamentos estavam vindo da área atrás de mim, o local bem ao redor do bar. Minha cabeça começou a virar, e eu me parei. Ficar olhando não iria ajudar, mas era um impulso quase irresistível. Olhei para baixo ao invés, assim os movimentos dos outros clientes não me distrairiam. As pessoas realmente não pensam em frases completas, é claro. O que estou fazendo, quando eu decifro os seus pensamentos, é traduzir. ‖Quando eu morrer, meu nome será famoso,‖ ele pensava. ―Está quase aqui. Deus, por favor, não deixe que doa. Pelo menos ele está aqui comigo... espero que a estaca esteja bastante afiada.‖ Oh, droga. A próxima coisa que eu sabia é que estava de pé, saindo da mesa. Eu estava avançando devagar, bloqueando o barulho da música e das vozes para que eu pudesse ouvir nitidamente o que estava sendo dito silenciosamente. Era como caminhar embaixo d‘água. No bar, entornando de um gole só um copo de sangue sintético, estava uma mulher com um cabelo penteado no sentido oposto. Ela estava usando um vestido de corselet colado com uma saia cheia de penugens ao seu redor. Seus braços musculosos e amplos ombros pareciam muito estranhos com a roupa; mas eu nunca lhe diria isso, ou qualquer pessoa sã. Essa tinha de ser Betty Joe Pickard, a segunda no comando de Russell Edgington. Ela estava com luvas brancas e sapatos altos, também. Tudo o que ela precisava era de um pequeno chapéu com um véu curto, eu concluí. Eu estava disposta a apostar que Betty Joe tinha sido uma grande fã de Mamie Eisenhower‘s*. (*Mamie Genebra Doud-Eisenhower (14 de novembro de 1896 - 1 de novembro de 1979) foi a esposa do Presidente Dwight D. Eisenhower, e Primeira-dama dos Estados Unidos de 1953 a 1961.) E de pé, atrás desta vampira formidável, também em frente ao bar, estavam dois humanos do sexo masculino. Um deles era alto, e estranhamente familiar. Seu cabelo enrolado castanho acinzentado era longo, mas ordenadamente penteado. Parecia um corte de cabelo masculino normal, que ele deixou crescer de qualquer jeito. O estilo do seu cabelo ficava estranho com o seu terno. Seu companheiro mais baixinho tinha um cabelo preto áspero, desgrenhado e com mechas cinza. Este segundo homem usava uma jaqueta esporte que talvez tenha saído dos cabides da JC Penney*, em um dia de liquidação. (*JC Penney Company, Inc.; mais conhecida hoje pelo nome JCPenney ou simplesmente Penney ‗s, é uma cadeia de lojas de departamentos americana com preços de médio alcance com base em Plano, Texas, um subúrbio ao norte de Dallas. A empresa opera 1.093 lojas em 49 dos 50 estados E.U.A (exceto Havaí) e Porto Rico e 6 lojas da JCPenney no México, que são controladas pelo capital mexicano (vendida em 2003). JC Penney também opera através de catálogos de vendas em escritórios de representantes comerciais nacionalmente, em muitos mercados pequenos, abrangendo grandes variedades de mercadorias gerais, formando o maior catálogo negócios nos Estados Unidos.) E dentro desse casaco barato, em um bolso especialmente costurado, ele carregava a estaca. Horrorizada o bastante, eu hesitei. Se eu o impedisse, eu estaria revelando meu talento especial, e revelar isso seria desmascarar minha identidade. As consequências desta revelação iriam depender do que Edgington sabia sobre mim; aparentemente ele sabia que a namorada do Bill era uma garçonete do Merlotte‘s em Bon Temps, mas não sabia o nome dela. Por isso que eu fiquei livre para me apresentar como Sookie Stackhouse. Se Russell soubesse que a namorada do Bill era uma telepata, e ele descobrisse que eu era uma telepata, quem sabe o que poderia acontecer depois? Na verdade, eu tinha um bom palpite. Enquanto eu hesitava, envergonhada e amedrontada, a decisão foi feita em meu lugar. O homem com o cabelo preto enfiou a mão dentro de seu casaco e o fanatismo perturbando sua cabeça atingiu um estado de extrema agitação. Ele puxou o longo e afiado pedaço de madeira, e em seguida, muita coisa aconteceu. Eu gritei, ―ESTACA!‖ e avançei para o braço do fanático, agarrando-o desesperadamente com minhas duas mãos. Os vampiros e os seus humanos rodopiaram em volta procurando a ameaça, e os metamorfos e lobis sabiamente se dissiparam pelas paredes para deixar o recinto livre para os vampiros. O homem alto bateu em mim, suas mãos grandes golpeando minha cabeça e ombros, e seu companheiro de cabelo escuro continuou girando seu braço, tentando livrá-lo do meu aperto. Ele puxou de um lado para o outro para me lançar para fora. De alguma maneira, na disputa, os meus olhos encontraram os do homem mais alto, e nos reconhecemos mutuamente. Ele era G. Steve Newlin, o líder criador da Irmandade do Sol, uma organização militante anti-vampiros cuja filial em Dallas tinha mais ou menos virado poeira depois eu lhe fiz uma visita. Ele estava indo dizer a eles quem eu era, eu simplesmente sabia, mas eu tive que prestar atenção para o que o homem com a estaca estava fazendo. Eu estava cambaleando de um lado a outro sobre meus saltos, tentando fixar-me em pé, quando o assassino finalmente teve um acesso de genialidade e transferiu a estaca de sua mão direita imobilizada para a sua esquerda livre. Com um último soco em minhas costas, Steve Newlin atirou-se para a saída, e eu consegui ver por um momento as criaturas seguindo em perseguição. Ouvi muitos uivando e gorjeando e, em seguida, o homem de cabelos pretos arremessou para trás o seu braço esquerdo e enterrou a estaca em minha cintura no meu lado direito. Eu larguei então do seu braço, e olhei fixamente para baixo para o que ele tinha feito comigo. Eu olhei de volta nos olhos dele por um longo momento, não lendo nada lá além do horror do meu próprio reflexo. Então Betty Joe Pickard posicionou de volta seus punhos cobertos com luvas e o socou duas vezes-bum-bum. O primeiro golpe quebrou o seu pescoço. O segundo destruiu seu crânio. Eu podia ouvir os ossos quebrarem. E então ele caiu no chão, e já que as minhas pernas estavam emaranhadas com as dele, eu caí, também. Eu aterrizei horizontalmente de costas. Eu deitei olhando para cima em direção ao teto do bar, para o ventilador que estava em rotação solenemente acima da minha cabeça. Eu me perguntava por que o ventilador estava ligado no meio do inverno. Eu vi um falcão voar pelo teto, minuciosamente evitando as lâminas do ventilador. Um lobo veio para o meu lado e lambeu meu rosto e choramingou, mas virou-se e arrancou-se para longe. Tara estava gritando. Eu não estava. Eu estava com tanto frio. Com a minha mão direita, eu cobri o local onde a estaca penetrou meu corpo. Eu não queria vêlo, e eu tinha medo de que eu olhasse para baixo. Eu podia sentir a umidade crescendo em torno do ferimento. ―Ligue para o 9-1-1!‖ Tara gritava enquanto ela se ajoelhava ao meu lado. O barman e Betty Joe trocaram um olhar sobre sua cabeça. Eu entendi. ‖Tara,‖ eu disse, e isso saiu como um grasnado. ―Querida, todos os metamorfos estão se transformando. É lua cheia. A polícia não pode entrar aqui, e eles virão se alguém ligar para 9-11.‖ A parte dos metamorfos simplesmente não pareceu se fixar na mente de Tara, que não sabia se essas coisas eram possíveis. ―Os vampiros não vão deixar você morrer,‖ disse Tara confiantemente. ―Você acabou de salvar um deles!‖ Eu não tinha tanta certeza sobre isso. Eu vi a cara de Franklin Mott por cima de Tara. Ele estava olhando para mim, e eu podia ler sua expressão.
‖Tara,‖ eu sussurrou, ―você tem que sair daqui. Isto está ficando fora de controle, e se houver alguma chance da polícia estar vindo, você não pode estar aqui.‖ Franklin Mott balançou a cabeça em aprovação. ‖Não vou deixá-la até que você seja socorrida,‖ Tara disse, sua voz cheia de determinação. Oh, coitada. A multidão a minha volta era composta de vampiros. Um deles era Eric. Eu não podia decifrar o seu rosto. ―O loiro alto vai me ajudar,‖ eu disse a Tara, minha voz não passando de um arranhão. Apontei um dedo para Eric. Não olhei para ele por medo de ler rejeição nos seus olhos. Se Eric não me ajudasse, eu suspeitava que ficaria deitada aqui e morreria neste chão de madeira polida num bar de vampiros em Jackson, Mississippi. Meu irmão, Jason, ficaria tão furioso. Tara tinha conhecido Eric em Bon Temps, mas a sua apresentação tinha sido em uma noite muito estressante. Ela não pareceu reconhecer o loiro alto que tinha encontrado naquela noite como o loiro alto que via esta noite, usando óculos e um terno e com o cabelo puxado para trás rigorosamente em uma trança. ‖Por favor, ajude Sookie,‖ ela disse a ele diretamente, enquanto Franklin Mott quase a arrancou para ficar de pé. ‖Este jovem terá todo o prazer em ajudar sua amiga,‖ disse Mott. Ele deu um olhar afiado para Eric que dizia que definitivamente era melhor ele concordar. ‖Claro. Sou um grande amigo de Alcide,‖ disse Eric, mentindo sem pestanejar. Ele tomou o lugar da Tara ao meu lado, e eu poderia dizer depois que ele estava de joelhos que ele sentiu o cheiro do meu sangue. O rosto dele ficou ainda mais branco, e seus ossos se sobressaíram rigidamente sob sua pele. Seus olhos chamejaram. ―Você não sabe como é difícil,‖ ele sussurrou para mim, ―não me inclinar por cima e lamber.‖ ‖Se você fizer isso, todo mundo vai fazer,‖ eu disse. ―E eles não vão apenas lamber, eles vão morder.‖ Tinha um pastor alemão olhando para mim com olhos amarelos luminosos, exatamente acima dos meus pés. ‖Essa é a única coisa me impedindo.‖ ‖Quem é você?‖ perguntou Russell Edgington. Ele estava dando uma cuidadosa inspecionada em Eric. Russell estava em pé do meu outro lado, e ele se curvou sobre nós dois. Eu já tinha sido intimidada o suficiente, eu posso afirmar, mas eu não estava em posição de fazer droga nenhuma sobre isso. ‖Eu sou um amigo de Alcide,‖ Eric repetiu. ―Ele me convidou para vir aqui esta noite para conhecer a sua nova namorada. Meu nome é Leif.‖ Russell conseguia olhar para baixo para Eric, já que Eric estava ajoelhado, e seus olhos castanhos dourados perfuraram os azuis de Eric. ―Alcide não anda com muitos vampiros,‖ disse Russell. ‖Eu sou um dos poucos.‖ ‖Temos que tirar essa moça daqui,‖ disse Russell. O ranger de dentes a poucos metros de distância aumentava de intensidade. Dava a impressão de ser um aglomerado de animais reunidos rodeando algo no chão. ―Dêem o fora daqui!‖ Sr.Hob urrou. ―Saiam pela porta dos fundos! Vocês conhecem as regras!‖ Dois dos vampiros levantaram o cadáver, razão pela qual os lobis e metamorfos estavam disputando por todo lado, e o carregaram para fora pela porta traseira, seguidos por todos os animais. Já era o fanático de cabelos pretos. Ainda esta tarde Alcide e eu tínhamos nos livrado de um cadáver. Nós nunca pensamos em apenas trazê-lo para jogá-lo no clube, estendido no beco. É claro, esse aí estava fresco. ‖... talvez tenha perfurado um rim,‖ Eric estava dizendo. Eu tinha estado inconsciente, ou pelo menos em algum outro lugar, por alguns momentos.
Eu estava suando intensamente, e a dor era excruciante. Senti um lampejo de desgosto quando eu percebi que estava suando por todo o meu vestido. Mas possivelmente o grande buraco ensanguentado já tinha arruinado o vestido assim mesmo, né? ‖Nós vamos levá-la para minha casa,‖ disse Russell, e se eu não tivesse certeza de que estava gravemente ferida, eu poderia ter rido. ―A limusine está a caminho. Eu tenho certeza que um rosto familiar a deixaria mais confortável, não concorda?‖ O que eu pensei foi que Russell não quis deixar o seu terno imundo me carregando. E Talbot provavelmente não podia me arrastar. Embora o pequeno vampiro com cabelo encaracolado negro ainda estivesse lá, e continuasse sorrindo, eu seria extremamente grande para ele... E eu perdi mais algum tempo. ―Alcide se transformou em um lobo e foi atrás perseguindo o companheiro do assassino,‖ Eric estava me dizendo, embora eu não lembrasse de ter perguntado. Eu comecei a dizer a Eric quem era o companheiro, e então me dei conta de que era melhor não fazê-lo. ―Leif,‖ Eu murmurei, tentando vincular o nome à memória. ―Leif. Acho que minhas ligas estão aparecendo. Isso quer dizer...?‖ ‖Sim, Sookie?‖ ... e eu apaguei novamente. Então eu fiquei consciente de que estava em movimento, e eu percebi que Eric estava me carregando. Nada jamais tinha me machucado tanto na minha vida, e eu ponderei, não pela primeira vez, que eu nunca estive em um hospital até ter conhecido Bill, e agora eu parecia passar metade do meu tempo espancada ou me recuperando por ter sido atingida. Isso era muito significativo e importante. Um lince caminhava para fora do bar ao nosso lado. Eu olhei para baixo dentro dos olhos dourados. Que noite esta tinha se transformado em Jackson. Eu esperava que todas as pessoas boas tivessem decidido ficar em casa esta noite. E então estávamos na limusine. Minha cabeça estava descansando sobre as coxas de Eric, e no assento à nossa frente estvam sentados Talbot, Russell, e o pequeno vampiro de cabelo encaracolado. Assim que paramos em uma luz, um búfalo aproximou-se pesadamente. ‖Que sorte ninguém estar pelas ruas do centro da cidade de Jackson num fim de semana à noite em dezembro,‖ Talbot estava mencionando, e Eric riu. Nós dirigimos pelo que parecia ter sido um bom tempo. Eric endireitou minha saia sobre minhas pernas, e passou a mão no meu cabelo tirando-o do meu rosto. Levantei o olhar para ele, e... ‖... ela sabia o que ele ia fazer?‖ Talbot estava perguntando. ―Ela o viu puxar a estaca, ela disse,‖ disse Eric mentirosamente. ―Ela estava indo ao bar para buscar outra bebida.‖ ‖Sorte de Betty Joe,‖ disse Russell em sua fala sulista pausada e macia. ―Acho que ela ainda está caçando aquele que escapou.‖ Então nós paramos em uma garagem na frente de um portão. Um vampiro barbudo apareceu e espiou na janela, olhando para todos os ocupantes cuidadosamente. Ele estava muito mais alerta do que o porteiro indiferente do prédio do apartamento de Alcide. Eu ouvi um zumbido eletrônico, e o portão foi aberto. Nós subimos uma estrada de acesso à garagem (eu conseguia ouvir o cascalho triturando) e então viramos em direção à frente de uma mansão. Estava iluminada como um bolo de aniversário, e enquanto Eric me retirava cuidadosamente da limusine, eu podia ver que estávamos sob um pórtico que era tão extravagante que ia além da imaginação. Até mesmo o estacionamento tinha colunas. Eu esperava ver Vivian Leigh descendo as escadas. Eu apaguei por um momento novamente, e então estávamos no saguão. A dor parecia estar desaparecendo, e sua ausência me deixou tonta. Como o senhor desta mansão, o retorno de Russell era um grande evento, e quando os habitantes cheiraram o sangue fresco, eles foram duplamente rápidos para formar uma multidão. Eu senti como se eu tivese aterrizado no meio de um romance de concurso de modelo para capa de revista. Eu nunca tinha visto tantos homens bonitos em um só lugar na minha vida. Mas eu poderia afirmar que eles não eram para mim. Russell era como o vampiro gay Hugh Hefner*, e esta era a Mansão da Playboy, com uma ênfase sobre o ―boy‖**. (*Dono da revista Playboy, famoso por morar em uma mansão rodeado pelas inúmeras namoradas coelhinhas da revista) (** achei melhor não traduzir porque perde trocadilho, mas ela se refere à quantidade de homens, ao invés de mulheres na casa, já que Russel é gay) ―Água, água, por toda parte, nem sequer uma gota para beber,‖ eu disse, e Eric riu em voz alta. Era por isso que eu gostava dele, eu pensei com otimismo; ele me ―entendia‖. ―Bom, as injeções estão fazendo efeito,‖ disse um homem de cabelo branco em uma camisa de esporte e calças de pregas. Ele era humano, e ele até poderia também ter um estetoscópio tatuado em seu pescoço, tão evidente que ele era um médico. ―Você vai precisar de mim?‖ ‖Por que você não fica aqui por um tempo?‖ Russell sugeriu. ―Josh vai te fazer companhia, tenho certeza.‖ Não consegui ver qual era a aparência de Josh, porque Eric estava me carregando pelas escadas nesse momento. ‖Rhett e Scarlet,‖ eu disse. ‖Eu não entendi,‖ me disse Eric. ‖Você não assistiu E o Vento Levou!‖ Fiquei horrorizada. Mas então, por que um vampiro Viking deveria ter visto o principal clássico da atmosfera sulista? Mas ele tinha lido The Rhyme of the Ancient Mariner*, que eu tinha dado um duro danado pra ler durante a escola. ―Você vai ter que assistir em vídeo. Por que estou agindo assim tão estúpida? Por que não estou com medo?‖ (*O Verso do Velho Marinheiro (original: The Rime of the Ancient Mariner) é o poema mais extenso e importante do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge escrito em 1797-98 e publicado na primeira edição do Lyrical Ballads (1798). As modernas edições utilizam uma versão posteriormente revisada e impressa depois que apresentou em 1817 um ―glossário‖ (notas e interpretações). Juntamente com outros poemas do Lyrical Ballads, era um sinal de transformação para a poesia moderna, e o princípio da Literatura Romântica Britânica.) ―Aquele médico humano lhe deu uma grande dose de medicamentos,‖ disse Eric, sorrindo para mim. ―Agora estou carregando você para um quarto para que você possa ser curada.‖ ―Ele está aqui,‖ eu disse a Eric. Seus olhos brilharam me sinalizando cautela. ―Russell, sim. Mas eu receio que Alcide tenha feito uma escolha nada excelente, Sookie. Ele saiu correndo noite adentro atrás do outro agressor. Ele devia ter ficado com você.‖ ―Foda-se,‖ eu disse expansivamente. ‖Ele queria, especialmente depois de te ver dançar.‖ Eu não estava me sentindo tão bem o suficiente para sorrir, mas isso passou pela minha cabeça. ―Me dar drogas talvez não tenha sido uma grande ideia,‖ eu disse a Eric. Eu tinha muitos segredos para guardar. ‖Eu concordo, mas estou feliz que você não esteja com dor.‖ Depois estávamos em um quarto, e Eric estava me deitando em uma, Meu-Deus-do-céu, cama de dossel com quatro colunas. Ele aproveitou a oportunidade para sussurrar, ―tome cuidado‖, no meu ouvido. E eu tentei enfiar esse pensamento dentro do meu cérebro estragado pelos remédios. Eu poderia dizer de repente o fato de que eu sabia, sem nenhuma dúvida, que o Bill estava em algum lugar perto de mim.
Havia muita gente no quarto, eu notei. Eric tinha me colocado numa cama, que era tão alta que eu talvez precisasse de um banquinho para descer. Mas seria conveniente para a cura, eu ouvi Russell comentar, e estava começando a me preocupar no que constituía ―a cura‖. A última vez que eu estive envolvida em uma ―cura‖ vampírica, o tratamento tinha sido o que poderíamos chamar de nada tradicional. ‖O que vai acontecer?‖ Eu perguntei a Eric, que estava em pé ao lado da cama à minha esquerda, o lado não-machucado. Mas foi o vampiro que tinha tomado o seu lugar à minha direita, quem respondeu. Ele tinha uma longa cara de cavalo, e suas sobrancelhas e pestanas loiras eram quase invisíveis contra a sua palidez. Seu peito nu estava sem pêlos, também. Ele estava usando calça, que eu suspeitava ser de vinil. Mesmo no inverno, elas devem ser, hm, sufocantes. Não gostaria de despir esse troço colado. Os méritos deste vampiro eram seus adoráveis cabelos lisos claros, da cor do milho branco. ―Senhorita Stackhouse, este é Ray Don,‖ disse Russell. ‖Como vai?‖ Boas maneiras fariam você ser bem-vinda em qualquer lugar, minha avó sempre me dizia. ‖Prazer em conhecê-la,‖ ele respondeu corretamente. Ele tinha sido educado corretamente, também, embora não houvesse como afirmar quando isso teria sido. ―Não vou lhe perguntar como você está, porque eu posso ver que você tem um grande buraco na sua lateral.‖ ‖Meio que irônico, não é mesmo, que foi a humana a ser perfurada com uma estaca,‖ eu disse socialmente. Eu esperava que fosse ver aquele médico novamente, porque eu certamente queria perguntar-lhe o que ele tinha me aplicado. Isto valia o seu peso em ouro. Don Ray me lançou um olhar duvidoso, e eu percebi que tinha acabado de tirá-lo da sua zona de conforto, me expressando coloquialmente. Talvez eu pudesse dar a Don Ray um calendário com a Palavra do Dia, como Arlene me dava todo Natal. ‖Eu vou te dizer o que vai acontecer, Sookie,‖ disse Eric. ―Você sabe que, quando começamos a nos alimentar e as nossas presas saem, elas liberam um pequeno anticoagulante?‖ ―Aham.‖ ‖E, quando estamos prontos para encerrar a alimentação, as presas liberam um pouco do coagulante e um pequeno vestígio do, o-― ‖Daquilo que ajuda vocês a se curarem tão rápido?‖ ‖Sim, exatamente.‖ ‖Então, Ray Don está se preparando para o quê?‖ ‖Ray Don, os seus parceiros de ninho dizem, tem um suprimento extra de todas estas substâncias químicas em seu corpo. Este é o seu talento.‖ Ray Don sorriu radiante para mim. Ele estava orgulhoso disso. ‖Então ele irá iniciar o processo em um voluntário, e quando ele tiver se alimentado, ele começará a limpar sua ferida e curá-la.‖ O que Eric tinha deixado de fora desta narrativa era que em algum momento durante esse processo a estaca teria que ser removida, e que nenhuma droga no mundo poderia deixar de fazer isso doer como um filho da puta. Eu me dei conta disso em um dos meus poucos momentos de lucidez. ―Ok,‖ eu disse. ―Vamos pôr o pé na estrada.‖ O voluntário acabou sendo um adolescente humano magro e loiro, que não era mais alto do que eu e, provavelmente nem mais largo nos ombros. Ele parecia estar muito disposto. Ray Don deu-lhe um grande beijo pouco antes de mordê-lo, que eu poderia ter dispensado, já que não me interesso por demonstrações públicas de afeto carnal. (Quando digo ―grande‖, eu não me refiro a um beijo estalado, mas ao tipo intenso, gemido, de sugar as amídalas.) Assim que acabaram, para as satisfações de ambos, o Loirinho inclinou a cabeça para um lado, e Ray Don, o mais alto, cravou suas presas. Houve bastante aderência, e muitos arquejos – e até mesmo para a drogada-desorientada, a calça de vinil de Ray Don não deixou muito para a imaginação. Eric assistiu sem reação aparente. Vampiros aparentam, em geral, ser extremamente tolerantes por qualquer preferência sexual; eu acho que não existem muitos tabus quando você está vivo há algumas centenas de anos. Quando Ray Don afastou-se do Loirinho e virou-se para encarar a cama, ele estava com uma boca sangrenta. Minha euforia evaporou instantaneamente enquanto Eric sentava sobre a cama e segurava meus ombros. A Grande Coisa Má estava vindo. ―Olhe para mim,‖ ele exigiu. ―Olhe para mim, Sookie.‖ Senti a cama afundar, e eu presumi que Ray Don estava ajoelhando junto a ela e se inclinando sobre a minha ferida. Houve um choque desagradável na carne rasgada da minha lateral que sacudiu até a minha medula óssea. Eu senti o sangue deixar meu rosto e senti o histerismo subir borbulhando pela minha garganta da mesma maneira que o meu sangue ia deixando a ferida. ‖Não, Sookie! Olhe para mim!‖ Eric disse urgentemente. Olhei para baixo e vi que Ray Don tinha agarrado a estaca. Em seguida ele iria... Gritei repetidamente, até ficar sem energia. Encontrei os olhos de Eric enquanto eu sentia a boca de Ray Don sugando a ferida. Eric estava segurando minhas mãos, e eu estava cravando minhas unhas nele como se estivéssemos fazendo outra coisa. Ele não vai se importar, eu pensei, assim que percebi que estava extraindo sangue. E com certeza, ele não se importou. ―Solte,‖ ele me aconselhou, e eu desprendi meu aperto em suas mãos. ―Não, não de mim,‖ disse ele, sorrindo. ―Você pode segurar em mim o tempo que quiser. Solte a dor, Sookie. Deixe-a ir. Você precisa deixar que ela seja levada pela corrente.‖ Essa foi a primeira vez que deleguei a minha vontade própria a outra pessoa. Enquanto eu olhava para ele, tornou-se fácil, e eu escapei do sofrimento e incerteza deste estranho lugar. A próxima coisa que me lembro era que eu estava acordada. Eu tinha sido colocada para dormir na cama, deitada de costas, meu anteriormente belo vestido removido. Eu ainda estava usando a minha lingerie bege de rendas, o que era bom. Eric estava na cama comigo, o que não era. Ele estava realmente fazendo disso um hábito. Ele estava deitado de lado, o braço dele cobrindo meu corpo, uma perna jogada sobre a minha. Seu cabelo estava emaranhado com meu cabelo, e os fios eram quase indistinguíveis, com cores tão semelhantes. Eu contemplei isso por um tempo, em uma espécie de estado obscuro e flutuante. Eric estava tendo um tempo de paralização. Ele estava naquele estado absolutamente imóvel em que vampiros se recolhem quando não têm mais nada para fazer. Isso os renova, eu acho, reduz o desgaste do mundo que passa por eles incessantemente, ano após ano, cheio de guerras e escassez e as invenções que têm de aprender a dominar, mudar costumes e convenções e estilos que devem adotar no intuito de se ambientarem. Eu puxei as cobertas para verificar a minha lateral. Eu ainda estava com dor, mas tinha reduzido bastante. Havia um grande círculo de cicatrizes no local da ferida. Estava quente e reluzente e vermelho e de algum modo acetinado. ―Está muito melhor,‖ disse Eric, e eu arfei. Eu não tinha sentido ele despertar de sua animação suspensa. Eric estava usando uma boxer de seda. Eu o teria imaginado como um homem que usasse cuecas curtas e justas. ‖Obrigada, Eric.‖ Eu não me importei de quão débil eu soei, mas um compromisso é um compromisso. ‖Pelo quê?‖ Sua mão suavemente acariciou meu estômago.
‖Por me apoiar no clube. Por vir aqui comigo. Por não me deixar sozinha com todas essas pessoas.‖ ‖O quão grata você está?‖ ele sussurrou, sua boca pairando sobre a minha. Seus olhos estavam muito atentos agora, e seu olhar fixo estava perfurando o meu. ‖Isso meio que arruína tudo, quando você diz coisas assim,‖ eu disse, tentando manter a minha voz suave. ―Você não deveria querer que eu fizesse sexo com você só porque estou em dívida com você.‖ ‖Eu realmente não me importo com o porquê de você fazer sexo comigo, desde que você faça,‖ disse ele, também suavemente. Sua boca estava na minha então. Tentei o quanto pude permanecer indiferente, não fui muito bem sucedida. Em primeiro lugar, Eric tinha tido centenas de anos para praticar suas técnicas de beijos, e ele as utilizava para obter uma boa vantagem. Eu esgueirei minhas mãos até seus ombros, e estou envergonhada de dizer que eu retribuí. Tão dolorido e cansado quanto o meu corpo estava, ele queria o que queria, e minha mente e vontade própria estavam atrasadas demais. Eric parecia ter seis mãos, e elas estavam por toda parte, incentivando o meu corpo a responder conforme sua vontade. Um dedo deslizou sob o elástico da minha (mínima) calcinha, e escorregou suavemente penetrando direto em mim. Eu fiz um barulho, e não foi um som de rejeição. O dedo começou a mover-se em um ritmo maravilhoso. A boca de Eric parecia empenhada em sugar minha língua por sua garganta adentro. Minhas mãos estavam desfrutando a pele macia e os músculos definidos debaixo dela. Então a janela abriu repentinamente, e Bubba entrou se arrastando. ‖Senhorita Sookie! Sr. Eric! Eu localizei vocês!‖ Bubba estava orgulhoso. ―Ah, que bom, Bubba,‖ disse Eric, terminando o beijo. Eu apertei a minha mão em seu pulso, e retirei a mão dele. Ele deixou que eu o fizesse. Nem de longe sou tão forte quanto o vampiro mais fraco. ‖Bubba, você esteve aqui o tempo todo? Aqui em Jackson?‖ eu perguntei, logo que consegui um pouco de raciocínio na minha cabeça. Foi uma coisa boa Bubba ter entrado, embora Eric não pensasse assim. ‖O Sr. Eric me disse para grudar em você,‖ Bubba disse simplesmente. Ele se arranjou em uma cadeira baixa de bom gosto estofada em tecido florido. Ele tinha um tufo de cabelo escuro caindo sobre a testa, e estava usando um anel de ouro em cada dedo. ―Você se machucou muito naquele clube, Senhorita Sookie?‖ ‖Está muito melhor agora,‖ disse. ‖Desculpe eu não ter feito o meu trabalho, mas aquela pequena criatura vigiando a porta, não me deixava entrar. Ele não parecia saber quem eu era, se é que dá para acreditar nisso.‖ Já que o próprio Bubba dificilmente se lembrava de quem ele era, e tinha um verdadeiro ataque quando ele lembrava, talvez não fosse tão surpreendente que um duende não estivesse atualizado sobre a música popular americana. ―Mas eu vi o Sr. Eric carregando você para fora, então eu segui vocês.‖ ‖Obrigada, Bubba. Isso foi realmente inteligente.‖ Ele sorriu, de um jeito meio que negligente e pouco perceptível. ―Senhorita Sookie, o que você está fazendo na cama com o Sr. Eric se Bill é o seu namorado?‖ ‖Essa é uma boa pergunta, Bubba,‖ eu disse. Eu tentei ficar sentada na cama, mas eu não consegui. Emiti um pequeno som de dor, e Eric praguejou em outro idioma. ‖Eu vou dar sangue a ela, Bubba,‖ disse Eric. ―Deixe-me dizer o que eu preciso que você faça.‖ ‖Claro,‖ Bubba disse agradavelmente. ‖Já que você pulou o muro e entrou na casa sem ser apanhado, eu preciso que você faça uma busca nesta propriedade. Achamos que Bill está aqui em algum lugar. Estão mantendo-o prisioneiro. Não tente libertá-lo. Isso é uma ordem. Volte aqui e nos diga quando o tiver encontrado. Se eles virem você, não corra. Simplesmente não diga nada. Nada. Nem sobre mim, ou Sookie, ou Bill. Nada mais do que, ‗Oi, meu nome é Bubba‘.‖
―Oi, meu nome é Bubba.‖ ‖Certo.‖ ‖Oi, meu nome é Bubba.‖ ‖Sim. Assim está bom. Agora, vá sorrateiramente, e fique quieto e invisível.‖ Bubba sorriu para nós. ―Sim, Sr. Eric. Mas depois disso, eu tenho que ir encontrar alguma comida para mim. Estou extremamente faminto.‖ ‖Ok, Bubba. Vá procurar agora.‖ Bubba arrastou-se de volta para fora da janela, que ficava no segundo andar. Me perguntei como ele faria para chegar até o chão, mas se ele entrou pela janela, eu tinha certeza que ele poderia sair por ela. ‖Sookie,‖ disse Eric, bem no meu ouvido. ―Poderíamos ter uma longa discussão sobre você tomar o meu sangue, e sei tudo o que você iria dizer. Mas o fato é que está amanhecendo. Não sei se você terá permissão para passar o dia aqui ou não. Eu vou ter que encontrar um abrigo, aqui ou em outro lugar. Eu quero você forte e capaz de defender a si mesma; pelo menos capaz de se mover rapidamente.‖ ―Eu sei que Bill está aqui,‖ eu disse, depois de pensar sobre isto por um momento. ―E não importa o que nós quase fizemos - graças a Deus por Bubba – eu preciso encontrar Bill. O melhor momento para tirá-lo daqui seria enquanto todos vocês vampiros estiverem adormecidos. Ele pode se locomover de algum jeito durante o dia?‖ ‖Se ele perceber que está em grande perigo, ele pode ser capaz de sair cambaleando,‖ disse Eric, lenta e cuidadosamente. ―Agora estou ainda mais certo de que você irá precisar do meu sangue, porque você precisará de força. Ele terá de ser coberto completamente. Você vai precisar pegar o cobertor desta cama; ele é grosso. Como você vai tirá-lo daqui?‖ ‖É aí onde você entra,‖ eu disse. ―Depois que fizermos essa coisa do sangue, você precisa me conseguir um carro - um carro com um porta-malas imenso, como um Lincoln ou um Cadillac. E você precisa pegar as chaves para mim. E você precisa dormir em algum outro lugar. Você não vai querer estar aqui quando eles acordarem e descobrirem que o seu prisioneiro desapareceu.‖ A mão de Eric estava descansando tranquilamente sobre minha barriga, e nós ainda estávamos juntos abraçados sob as cobertas. Mas as circunstâncias pareciam totalmente diferentes. ―Sookie, para onde você vai levá-lo?‖ ‖Um local subterâneo,‖ eu disse de maneira incerta. ―Ei, talvez a garagem de Alcide! Isso é melhor do que estar fora em um local aberto.‖ Eric sentou-se contra a cabeceira. A boxer de seda era azul royal. Ele espalhou suas pernas, e eu pude ver a fresta entre a boxer e a perna. Oh, Senhor. Eu tive que fechar os olhos. Ele riu. ‖Sente-se com suas costas contra o meu peito, Sookie. Isso deixará você mais confortável.‖ Ele cuidadosamente apoiou-me contra ele, minhas costas em seu peito, e seus braços envolvendo meu corpo. Era como encostar-se em um travesseiro rígido e frio. Seu braço direito desapareceu, e eu ouvi um pequeno ruído de algo sendo mastigado. Em seguida, o seu pulso apareceu em frente ao meu rosto, o sangue correndo através das duas feridas em sua pele. ‖Isso vai curar você de tudo,‖ disse Eric. Eu hesitei, então zombei de mim mesma pela minha hesitação ridícula. Eu sabia que quanto mais sangue de Eric eu tivesse em mim, mais ele saberia a meu respeito. Eu sabia que isso lhe daria algum tipo de poder sobre mim. Eu sabia que eu ficaria mais forte por um longo período de tempo, e levando em conta a idade do Eric, eu seria muito forte. Eu me curaria, e eu me sentiria maravilhosa. Eu ficaria mais atraente. Era por isso que vampiros eram atacados e roubados pelos Drenadores, humanos que trabalhavam em equipes para capturar vampiros, acorrentá-los com prata, e drenar o sangue deles para dentro de frascos, que são vendidos por valores diversificados no mercado negro. Duzentos dólares era o preço inicial por um frasco ano passado; Só Deus sabe o que o sangue de Eric traria, já que ele era tão antigo. Pôr à prova essa procendência seria definitivamente um problema para o Drenador. Drenar sangue era uma profissão extremamente perigosa, e era também extremamente ilegal. Eric estava me dando um grande dom. Eu nunca fui o que você chamaria de extremamente enjoada, graças a Deus. Eu fechei minha boca sobre as pequenas feridas, e suguei. Eric gemeu, e eu poderia afirmar rapidamente que ele estava mais uma vez satisfeito de estar num contato tão íntimo. Ele começou a se mexer um pouco, e não havia muito que eu pudesse fazer sobre isso. Seu braço esquerdo me mantinha firmemente encaixada contra ele, e seu braço direito estava, afinal de contas, me alimentando. Ainda era difícil não ficar enojada pelo processo. Mas Eric definitivamente estava curtindo, e já que a cada sugada eu me sentia melhor, era difícil argumentar comigo mesma que esta era uma coisa errada de se fazer. Tentei não pensar, e tentei não me mover em resposta. Me lembrei da vez que eu tomei o sangue do Bill, porque eu precisava de mais força, e me lembrei da reação dele. Eric pressionou seu corpo contra o meu com mais força ainda, e de repente ele disse, ―Ohhhhh,‖ e relaxou completamente. Senti minhas costas úmidas, e eu tomei uma profunda, e derradeira sugada. Eric gemeu novamente, um som intenso e gutural, e sua boca seguiu descendo para a lateral do meu pescoço. ―Não me morda,‖ eu disse. Eu estava me segurando com dificuldade ao que restava da minha lucidez. O que tinha me excitado, eu disse a mim mesma, foi a minha lembrança de Bill; a sua reação quando eu tinha mordido ele, sua excitação intensa. Eric era uma casualidade, simplesmente estava ali. Eu não poderia transar com um vampiro, especialmente Eric, só porque eu o achava atraente - não quando haveria consequências tão terríveis. Eu simplesmente estava debilitada demais para enumerar para mim mesma todas essas consequências. Eu era uma adulta, eu me dizia firmemente; adultos de verdade não fazem sexo só porque a outra pessoa é habilidosa e linda. As presas de Eric arranharam meu ombro. Eu me lançei para fora da cama como um foguete. Com a intenção de localizar um banheiro, eu abri a porta de vez e lá estava o vampiro baixinho moreno, aquele com o cabelo encaracolado, parado bem do lado de fora, seu braço esquerdo coberto de roupas, e o direito levantado para bater. ―Bem, olhe só para você,‖ disse ele, sorrindo. E ele certamente estava olhando. Ele vivia num ritmo desenfreado*, aparentemente. (*No original a expressão é ‗He burned his candle at both ends‘, que traduzido literalmente seria queimar a vela em ambas as extremidades, mas na verdade é uma expressão idiomática que se refere ao ritmo de vida, pessoa que fica acordado até tarde da noite trabalhando ou farreando e acorda cedo para continuar trabalhando no dia seguinte. Seria como queimar um lado da vela durante o dia e o outro durante a noite. Excessivamente ativo, sem descanso) ―Você precisava falar comigo?‖ Eu inclinei contra a moldura da porta, fazendo o possível para parecer abatida e fraca. ‖Sim, depois que cortamos o seu belo vestido, Russell se deu conta de que você precisaria de algumas roupas. Por acaso eu tinha estas no meu armário, e uma vez que somos da mesma altura...‖ ―Ah,‖ eu disse fracamente. Eu nunca tinha compartilhado roupas com um homem. ―Bem, muito obrigada. Isso foi muito amável da sua parte.‖ E foi mesmo. Ele trouxe alguns moletons (azul acinzentado) e meias, e um roupão de seda, e até mesmo uma calcinha nova. Eu nem quero pensar sobre isso tão intimamente. ‖Você parece melhor,‖ disse o pequeno homem. Seus olhos estavam admirando, mas não de algum jeito verdadeiramente particular. Talvez eu tivesse superestimado meus encantos. ‖Estou muito fraca,‖ eu disse calmamente. ―Eu levantei porque eu estava indo para o banheiro.‖ Os olhos castanhos do vampiro de cabelo cacheado chamejaram, e eu poderia afirmar que ele estava olhando para Eric por cima do meu ombro. Esta visão era definitivamente mais do gosto dele, e seu sorriso tornou-se francamente convidativo. ―Leif, você gostaria de compartilhar meu caixão hoje?‖ perguntou, praticamente piscando seus cílios. Não me atrevia a virar para olhar para Eric. Tinha uma mancha nas minhas costas que ainda estava molhada. De repente eu estava com nojo de mim mesma. Eu tinha fantasiado com Alcide, e mais do que fantasiado com o Eric. Eu não estava contente com a minha fibra moral. Não era desculpa pelo fato de eu saber que Bill tinha sido infiel a mim, ou pelo menos não era para servir de desculpa. Provavelmente também não era uma desculpa o fato de que estar com Bill tinha me acostumado a sexo espetacular regularmente. Ou pelo menos não era para servir de desculpa. Era hora de fazer um esforço para melhorar meus pricípios e me comportar corretamente. Simplesmente decidir isso me fez sentir melhor. ‖Tenho de dar uma saída para resolver uns assuntos para Sookie,‖ Eric estava dizendo ao vampiro do cabelo cacheado. ―Não tenho certeza de que vou voltar antes do amanhecer, mas se eu conseguir, pode estar certo de que eu vou procurá-lo.‖ Eric estava flertando de volta. Enquanto todas essas trocas de sutilezas estavam voando ao meu redor, eu colquei o robe de seda, que era preto e rosa e branco, todo florido. Era realmente fora de série. O cacheado me cedeu um olhar, e pareceu mais interessado do que ele ficou quando eu apareci só de calcinha. ‖Yum,‖ disse ele simplesmente. ‖Mais uma vez, obrigada,‖ eu disse. ―Você pode me dizer onde fica o banheiro mais próximo?‖ Ele apontou para o fundo do corredor para uma porta entreaberta. ‖Com licença,‖ eu disse a ambos, e lembrei-me de andar devagar e cuidadosamente, como se eu ainda estivesse com dor, enquanto descia pelo corredor. Passado o banheiro, talvez por duas portas, eu podia ver o topo da escada. Ok, eu conhecia a saída agora. Isso era realmente reconfortante. O banheiro era só um banheiro antigo normal. Estava cheio de coisas que normalmente tumultuam os banheiros: secadores de cabelo, cacheadores de cabelo, desodorante, shampoo, gel de modelar. Alguma maquiagem. Escovas e pentes e lâminas de barbear. Embora a bancada da pia estivesse limpa e organizada, aparentava que o local era partilhado por várias pessoas. Eu estava disposta a apostar que o banheiro pessoal do Russell Edgington não se parecia em nada com esse aqui. Encontrei alguns grampos e prendi meu cabelo para cima, e eu tomei o banho mais rápido já registrado. Já que o meu cabelo já tinha sido lavado naquela manhã, que agora dava a impressão de ter sido há anos, e além do mais levava uma eternidade para secar, eu estava feliz por ignorá-lo em favor de esfregar minha pele vigorosamente com o sabonete perfumado na saboneteira. Havia toalhas limpas no armário, o que era um alívio. Eu estava de volta ao quarto depois de quinze minutos. O cabelo cacheado tinha ido embora, Eric estava vestido, e Bubba tinha voltado. Eric não disse uma palavra sobre o embaraçoso incidente que aconteceu entre nós. Ele olhou o roupão de forma apreciativa, mas silenciosamente. ―Bubba estava investigando o território, Sookie,‖ disse Eric, enfatizando claramente. Bubba estava exibindo seu sorriso ligeiramente torto. Ele estava satisfeito consigo mesmo. ―Senhorita Sookie, encontrei o Bill,‖ ele disse triunfantemente. ―Ele não está em tão boa forma, mas ele está vivo.‖ Eu afundei em uma cadeira sem nenhuma prevenção. Eu tive apenas sorte que tinha uma atrás de mim. Minhas costas ainda estavam eretas – mas, de repente, eu estava sentada, ao invés de em pé. Essa foi mais uma sensação estranha em uma noite cheia delas. Quando fui capaz de pensar em outra coisa, eu reparei vagamente que a expressão do Eric era uma confusa combinação de coisas: prazer, remorso, raiva, satisfação. Bubba apenas parecia feliz.
‖Onde ele está?‖ Minha voz nem sequer soava como se fosse minha. ‖Há um grande prédio lá nos fundos, como uma garagem para quatro carros, mas tem apartamentos em cima dele e uma sala ao lado.‖ Russell gostava de manter seus ajudantes sempre à mão. ‖Existem outros prédios? Posso ficar confusa?‖ ‖Lá tem uma piscina, Sehorita Sookie, e tem um pequeno prédio bem ao lado dela para as pessoas se trocarem com suas roupas de banho. E lá tem um grande armazém de ferramentas, eu acho que é pra isso que serve, mas é separado da garagem.‖ Eric disse, ―Em qual parte da garagem é que ele está sendo mantido?‖ Bubba disse, ―Na sala do lado direito. Eu acho que talvez a garagem costumava ser um estábulo, e a sala é onde eles guardavam as selas dos cavalos e coisas assim. Não é muito grande.‖ ‖Quantos estão lá com ele?‖ Eric estava fazendo algumas perguntas importantes. Eu não conseguia deixar de pensar na garantia de Bubba de que Bill ainda estava vivo e que eu estava muito perto dele. ‖Eles estão com três lá agora, Sr. Eric, dois homens e uma mulher. Todos os três são vampiros. É ela quem está com uma faca.‖ Eu me contraí por dentro. ―Faca,‖ eu disse. ‖Sim, senhora, ela o cortou bastante.‖ Esta não era hora de esmorecer. Eu estava orgulhosa de mim pela minha falta de escrúpulos com o sangue um pouco antes. Este era o momento para provar que estava dizendo a verdade para mim mesma. ‖Ele resistiu este tempo todo,‖ eu disse. ‖Ele resistiu,‖ Eric concordou. ―Sookie, eu vou arranjar um carro. Vou tentar estacioná-lo lá atrás perto dos estábulos.‖ ―Você acha que eles vão deixá-lo entrar de novo‖? ‖Se eu levar Bernard comigo.‖ ‖Bernard?‖ ‖O baixinho.‖ Eric sorriu para mim, e seu próprio sorriso foi um pouco torto. ‖Você quer dizer... Ah, se você levar o cacheado com você, eles vão deixá-lo voltar porque ele mora aqui?‖ ‖Sim. Mas eu talvez tenha que ficar aqui. Com ele.‖ ‖Você não poderia, ah, cair fora dessa?‖ ‖Talvez sim, talvez não. Eu não quero ser apanhado aqui, acordando, quando eles descobrirem que Bill desapareceu, e você com ele.‖ ‖Senhorita Sookie, eles vão deixar lobisomens vigiando ele durante o dia.‖ Nós dois olhamos para Bubba simultaneamente. ‖Aqueles lobisomens que estavam perseguindo você? Eles estarão guardando Bill quando os vampiros forem dormir.‖ ‖Mas hoje é noite de lua cheia,‖ disse. ―Eles vão estar exaustos quando for a sua vez de assumir. Isso se eles sequer aparecerem.‖ Eric me olhou um pouco surpreso. ―Você está certa, Sookie. Esta é a melhor oportunidade que teremos.‖ Conversamos sobre isso um pouco mais; talvez eu pudesse fingir que estou muito debilitada e me refugiar na casa, esperando por um humano aliado de Eric que chegaria de Shreveport. Eric disse que iria ligar do seu telefone celular, assim que ele saísse das imediações da área. Eric disse: ―Talvez Alcide possa dar uma mãozinha, amanhã de manhã.‖ Tenho que admitir, eu estava tentada pela ideia de ligar para ele de novo. Alcide era grande e forte e competente, e algo oculto e vulnerável em mim sugeria que certamente Alcide seria capaz de controlar tudo isso bem melhor que eu. Mas a minha consciência deu uma enorme pontada de dor. Alcide, eu argumentei, não poderia ser ainda mais envolvido. Ele havia feito o trabalho dele. Ele tinha que lidar com essas pessoas nos negócios, e ele estaria arruinado se Russell descobrisse seu envolvimento na fuga de Bill Compton. Não podíamos mais perder nenhum tempo discutindo, porque faltavam apenas duas horas até o amanhecer. Com um monte de detalhes ainda à solta, Eric foi encontrar o cacheado – Bernard - e timidamente pedir sua compahia em uma incubência para conseguir um carro que eu presumia que ele pretendia alugar, e que loja de aluguel de automóveis estaria aberta a esta hora era um mistério para mim, mas Eric não parecia antever nenhum problema. Eu tentei ignorar as dúvidas em minha mente. Bubba concordou em pular o muro de Russell novamente, como ele tinha entrado, e encontrar um lugar para se enterrar durante o dia. Somente o fato de que esta era uma noite da lua cheia salvou a vida de Bubba, Eric disse, e eu estava disposta a acreditar. O vampiro que guardava o portão podia ser bom, mas ele não poderia estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Meu trabalho era me fingir de fraca até o dia, quando os vampiros se recolheriam, e em seguida, de algum jeito tirar Bill do estábulo e colocá-lo na mala do carro que Eric iria providenciar. Eles não tinham nenhuma razão para me impedir de sair. ‖Este é talvez o pior plano que eu já ouvi,‖ disse Eric. ‖Nisso você tem razão, mas é tudo que temos.‖ ‖Você vai se sair muito bem, Senhorita Sookie,‖ disse Bubba me encorajando. Era disso que eu precisava, de uma atitude positiva. ―Obrigada, Bubba,‖ eu disse, tentando soar tão grata quanto me sentia. Eu estava energizada pelo sangue de Eric. Eu me sentia como se meus olhos estivessem atirando faíscas e meu cabelo estivesse flutuando ao redor de minha cabeça em um círculo de eletricidade. ―Não se deixe levar demais,‖ Eric avisou. Ele me lembrou que este era um problema muito comum com as pessoas que ingeriam sangue de vampiro no mercado negro. Elas tentavam fazer coisas malucas já que se sentiam tão fortes, tão invencíveis, e algumas vezes, elas não simplesmente ficaram na tentativa de realizar a proeza - como o cara que tentou lutar contra uma gangue toda de uma só vez, ou a mulher que enfrentou um trem se aproximando. Eu respirei profundamente, tentando gravar seu aviso na minha mente. O que eu queria fazer era me apoiar para fora da janela e ver se eu conseguia escalar a parede até o telhado. Uau, o sangue de Eric era assombroso. Essa era uma palavra que eu nunca tinha usado antes, mas ela era exata. Eu nunca tinha me tocado que haveria uma grande diferença entre tomar o sangue do Bill e do Eric. Houve uma batida na porta, e todos nós a olhamos como se pudéssemos ver através dela. Em um período de tempo espantosamente curto, Bubba tinha saído pela janela, Eric estava sentado na cadeira perto da cama, e eu estava deitada tentando parecer debilitada e instável. ‖Entre,‖ Eric convidou em um tom de voz silencioso, como era adequado ao acompanhante de alguém se recuperando de um terrível ferimento. Era o cacheado – quer dizer, Bernard. Bernard estava vestindo jeans e um suéter vermelho escuro, e ele parecia suficientemente bom para devorar. Fechei os olhos e repreendi a mim mesma severamente. A infusão do sangue estava me deixando muito vigorosa. ―Como é que ela está indo?‖ Bernard perguntou, quase sussurrando. ―Sua cor está melhor.‖ ‖Ainda com dor, mas se curando, graças à generosidade de seu rei.‖ ‖Ele ficou contente em ajudar,‖ disse Bernard com cortesia. ―Mas ele ficará, ah, mais contente se ela puder ir embora por conta própria amanhã de manhã. Ele está certo que até lá o namorado dela estará de volta ao apartamento dele depois de ter aproveitado a lua esta noite. Espero que não, mas vai parecer muito indelicado?‖ ‖Não, eu posso entender a sua preocupação,‖ disse Eric, retornando a cortesia. Aparentemente, Russell estava com medo que eu fosse permanecer por vários dias, tirando vantagem do meu ato de heroísmo. Russell, não acostumado a ter mulheres humanas como hóspedes, queria que eu voltassa para a casa de Alcide, onde ele tinha certeza de que Alcide seria capaz de cuidar de mim. Russell estava um pouco apreensivo com o fato de uma mulher desconhecida ficar perambulando ao redor de seu complexo durante o dia, quando ele e todo o seu séquito estariam em seu sono profundo. Russell tinha toda a razão de se preocupar com isso. ‖Então, eu vou buscar um carro para ela e estacioná-lo na área de trás da casa, e ela pode ir dirigindo sozinha amanhã. Se você puder providenciar para que ela tenha passagem segura pelos portões da frente - que eu presumo que sejam vigiados durante o dia? – aí terei cumprido a minha obrigação com meu amigo Alcide.‖ ‖Isso parece bastante razoável,‖ Bernard disse, me dirigindo uma fração do sorriso que ele estava intencionando dar a Eric. Eu não o devolvi. Fechei os olhos exaustivamente. ―Vou deixar a ordem no portão quando nós formos. Podemos ir em meu carro? É só uma batedeira de ovos velha, mas nos levará até... onde você quer ir?‖ ‖Eu te digo quando estivermos na estrada. É um local perto da casa de um amigo meu. Ele conhece um homem que vai me emprestar o carro por um dia ou dois.‖ Bem, ele encontrou uma forma de arranjar um carro sem nenhum rastro de documentos. Bom. Eu senti um movimento à minha esquerda. Eric se inclinou em cima mim. Eu sabia que era Eric, porque o sangue dele dentro de mim me avisava isso. Isso era realmente assustador, e foi por isso que Bill tinha me advertido contra tomar sangue de qualquer outro vampiro que não fosse ele. Tarde demais. Estava entre a cruz e a espada*. (*No original a expressão usada é between a rock and a hard place, que significa estar em dificuldade, enfrentando uma escolha entre duas opções insatisfatórias. Coloquei uma expressão nossa que tem o mesmo sentido, pra não ficar estranho.) Ele beijou minha bochecha de um jeito puro, do tipo amigo-do-namorado-dela. ―Sookie,‖ ele disse muito calmamente. ―Você consegue me ouvir?‖ Eu assenti só um pouquinho. ‖Bom. Preste atenção, vou buscar um carro para você. Vou deixar as chaves aqui ao lado da cama quando eu voltar. Pela manhã, você precisa pegar o carro e voltar dirigindo para o apartamento de Alcide. Entendeu?‖ Eu assenti novamente. ―Adeus,‖ eu disse, tentando fazer a minha voz sonolenta. ―Obrigada.‖ ‖O prazer é todo meu,‖ disse ele, e ouvi a intensidade em sua voz. Com um esforço, eu mantive meu rosto sério. É difícil de acreditar, mas eu realmente adormeci depois que eles saíram. Bubba tinha evidentemente obedecido, e pulou o muro para arranjar um abrigo para o dia. A mansão ficou muito calma assim que a farra da noite chegou ao fim. Eu imaginava que os lobisomens estavam fora dando seu último uivo em algum lugar. Enquanto eu me deixava levar pelo sono, me perguntava como os outros metamorfos tinham se saído. O que fizeram com as suas roupas? O drama desta noite no Clube dos Mortos tinha sido uma casualidade; eu estava certa de que eles tinham um procedimento normal. Imaginava onde estaria Alcide. Talvez ele tivesse agarrado aquele filho da puta do Newlin. Eu acordei quando ouvi o tilintar das chaves. ‖Eu estou de volta,‖ disse Eric. Sua voz estava muito calma, e eu tive que abrir os olhos um pouco para ter certeza de que ele estava realmente lá. ―É um Lincoln branco. Estacionei perto da garagem; não havia espaço dentro, o que foi realmente uma lástima. Eles não me deixaram chegar mais perto para confirmar o que Bubba disse. Você está me ouvindo?‖ Eu afirmei com a cabeça. ‖Boa sorte.‖ Eric hesitou. ―Se eu conseguir me livrar, eu vou encontrar você na garagem assim que escurecer hoje à noite. Se você não estiver lá, eu vou voltar para Shreveport.‖ Eu abri meus olhos. O quarto estava escuro, ainda; eu podia ver a pele brilhante do Eric. A minha estava, também. Isso me assustou gravemente*. Eu tinha acabado de parar de brilhar por tomar o sangue de Bill (em uma situação de emergência), quando lá veio outra crise, e agora eu estava brilhando como um globo de boate. A vida ao redor de vampiros era simplesmente uma emergência contínua, eu concluí. (*No original a expressão é ―scared the tar out of me‖ que seria mais ou menos como ―Assustada que o piche saiu de mim‖ é basicamente um eufemismo, uma frase utilizada em vez de algo mais vulgar. Neste caso, é usado para dar ênfase - é basicamente como dizer ―Algo me assustou severamente.‖ Esta expresssão se originou graças a um tipo de punição dos ―velhos tempos‖ entre o final nos anos 1800 e o início dos anos 1900 quando homens negros (ou qualquer pessoa que fosse odiada) eram cobertos com piche (tar) e expulsos da cidade. Às vezes, os locais iam ainda mais longe e cobriam a pessoa com piche e em seguida com penas de galinha - conhecido até hoje como ―pichado e empenado.‖ Era um castigo tão terrível que a pessoa (ele ou ela) em questão confessaria qualquer crime ou senão ficaria tão assustado com essa ideia que cooperaria com o que quer que alguém desejasse.) ―Conversaremos mais tarde,‖ disse Eric ameaçadoramente. ‖Obrigada pelo carro,‖ eu disse. Eric baixou o olhar para mim. Ele parecia ter um chupão em seu pescoço. Eu abri minha boca e, em seguida, fechei-a novamente. Melhor não comentar. ‖Eu não gosto de ter sentimentos,‖ disse Eric friamente, e foi embora. Essa foi uma fala final difícil de superar.
Havia um raio de luz no céu quando me esgueirei para fora do palácio do rei de Mississipi. Estava um pouco mais quente nesta manhã, o céu estava escuro, não pela noite, mas pela chuva. Eu enrolei algumas coisas minhas e coloquei debaixo do meu braço. De alguma maneira, minha bolsa e minha echarpe de veludo preto tinham vindo parar aqui na mansão, depois da boate, e eu tinha enrolado meus saltos altos na echarpe. Na bolsa, tinha a chave do apartamento de Alcide, a que ele tinha me emprestado, então me senti mais tranqüila, já que eu poderia encontrar abrigo lá se fosse necessário. Eu estava com o cobertor da cama dobrado perfeitamente sob o meu outro braço. Eu tinha arrumado a cama, então sua falta não seria óbvia por algum tempo. O que Bernard não tinha me emprestado era um casaco. Quando saí, eu esbarrei em um casaco acolchoado azul escuro que estava pendurado no corrimão. Eu me senti muito culpada. Eu nunca tinha roubado nada antes. Agora eu tinha tirado o cobertor e o casaco. Minha consciência estava protestando vigorosamente. Quando eu levei em consideração o que eu poderia ter que fazer para sair desta propriedade, pegar um casaco e um cobertor parecia bem leve. Eu disse para minha consciência calar a boca. Assim que eu atravessei furtivamente a cozinha cavernosa e abri a porta dos fundos, os meus pés estavam escorregando pra todo lado nos chinelos de elástico nas laterais que Bernard tinha incluído no pacote de roupas que ele levou para o meu quarto. As meias e os chinelos eram de longe bem melhores do que ficar balançando sobre os saltos. Eu não tinha visto ninguém até então. Parecia que eu tinha acertado o momento mágico. Quase todos os vampiros estavam seguramente dentro de seus caixões, ou camas, ou no chão, ou onde diabos eles ficavam durante o dia. Quase todas as criaturas, sem importar no que se transformaram, não tinham voltado da sua farra na noite passada ou já estavam dormindo. Mas eu estava tremendo com a tensão, porque a qualquer momento esta sorte poderia acabar. Por trás da mansão, havia de fato uma pequena piscina, coberta para o inverno por uma grande lona preta. As pontas da lona estavam pesadas e se estendiam muito além do perímetro real da piscina. A pequena piscina da casa estava completamente escura. Eu me movi silenciosamente descendo uma trilha feita com pavimentação irregular e, depois de ter atravessado uma abertura na cerca viva compacta, me encontrei em uma área pavimentada. Com a minha visão aprimorada, eu era capaz de distinguir imediatamente que eu tinha encontrado o pátio em frente ao antigo estábulo. Era uma grande construção ladeada com tábuas brancas, e o segundo andar (onde Bubba tinha descoberto apartamentos) tinha janelas sob um teto de estrutura triangular. Embora essa fosse a garagem mais extravagante que eu já tinha visto, os compartimentos de carros não tinham portas, mas uma passagem aberta sob arcos. Eu pude contar quatro veículos estacionados no interior, de uma limusine a um jipe. E ali, à direita, ao invés de um quinto arco, tinha uma parede sólida, e nela, uma porta. Bill, eu pensei. Bill. Meu coração estava acelerado agora. Com uma esmagadora sensação de alívio, eu detectei o Lincoln estacionado perto da porta. Virei a chave na porta do motorista, e ela abriu com um clique. Quando eu abri a porta, a luz do teto acendeu, mas não parecia ter ninguém lá para vê-la. Eu enfiei a trouxa das minhas coisas no assento do passageiro e encostei a porta do motorista, deixando-a quase fechada. Achei o pequeno interruptor e desliguei a luz do teto. Eu levei minutos preciosos para olhar para o painel do carro, já que eu estava tão animada e apavorada que era difícil me concentrar. Aí fui para a traseira do carro e abri o porta-malas. Ele era simplesmente enorme - mas não limpo, como o interior. Eu imaginei que Eric tinha juntado todos os volumes grandes e jogado no lixo, deixando o fundo sujo com papéis de enrolar cigarro, sacos de plástico e manchas de pó branco no chão. Hmmm. Bem, ok. Isso poderia não ser tão importante. Eric tinha enfiado lá duas garrafas de sangue, e eu as coloquei em um lado. O porta-malas estava sujo, sim, mas livre de tudo o que poderia causar desconforto ao Bill. Eu respirei fundo e agarrei com força o cobertor junto ao meu peito. Enrolada em suas dobras estava a estaca que tinha me machucado tanto. Era a única arma que eu tinha, e apesar da sua aparência terrível (ainda estava manchada com meu sangue e um pedacinho de pele), tinha retirado ela da lixeira e trazido comigo. Afinal, eu sabia que com certeza ela poderia causar danos. O céu estava levemente sombreado, mas, quando eu senti pingos de chuva no meu rosto, fiquei confiante de que a escuridão iria durar um pouco mais. Eu continuei minha investida em direção à garagem. Ficar se esgueirando por alí certamente parecia suspeito, mas eu simplesmente não podia sair andando a passos largos intencionalmente para a porta. O cascalho tornava o silêncio quase impossível, mas ainda assim tentei dar passos leves. Eu encostei meu ouvido na porta, ouvindo com toda a minha capacidade aprimorada. Eu não captava nada. Pelo menos eu sabia que não havia nenhum humano dentro. Virei a maçaneta lentamente e, movendo-a gentilmente de volta para a posição inicial, eu entrei no quarto. O chão era de madeira e estava coberto com manchas. O cheiro era horrível. Eu soube imediatamente que Russell tinha usado esta sala para torturas antes. Bill estava no centro da sala, amarrado a uma cadeira de encosto reto com correntes de prata. Após as emoções confusas e ambientes desconhecidos dos últimos dias, eu senti como se de repente o mundo começasse a fazer sentido. Tudo ficou claro. Aqui estava Bill. Eu iria salvá-lo. E, depois que dei uma boa olhada nele sob a luz da lâmpada descoberta pendurada no teto, eu sabia que eu faria qualquer coisa para salvá-lo. Eu nunca tinha imaginado algo tão ruim. Havia marcas de queimadura sob as correntes de prata, que estavam cobrindo tudo ao redor de seu corpo. Eu sabia que a prata causava agonia incessante a um vampiro, e o meu Bill estava sofrendo isso agora. Ele tinha sido queimado com outras coisas e cortado, cortado mais do que ele poderia se curar. Ele estava faminto, e seu sono estava sendo impedido. Ele tinha desmoronado agora, e eu sabia que ele estava tirando o descanso que pudesse enquanto seus torturadores tinham saído. Seu cabelo escuro estava coberto com sangue. Havia duas portas que conduziam para fora do quarto sem janelas. Uma, à minha direita, levava a um dormitório inferior. Eu podia ver algumas camas através da porta entreaberta. Havia um homem desmaiado em uma, simplesmente esparramado sobre a cama estreita, totalmente vestido. Um dos lobisomens, de volta após sua farra mensal. Ele estava roncando e tinha manchas escuras ao redor de sua boca que eu não queria olhar mais de perto. Eu não consegui ver o resto do quarto, então eu não podia ter certeza se não havia outros; seria inteligente supor que havia. A porta nos fundos do quarto levava para mais longe da garagem, talvez em direção às escadas que sobem para os apartamentos. Eu não podia perder tempo investigando. Tive uma sensação de urgência, me impulsionando para tirar Bill de lá o mais rápido que pudesse. Fiquei trêmula com a necessidade de me apressar. Até agora, eu tinha me deparado com uma sorte tremenda. Eu não poderia ficar contando com sua influência. Eu me aproximei mais dois passos de Bill. Eu sabia que, quando ele sentisse meu cheiro, perceberia que era eu. Sua cabeça levantou subitamente e seus olhos chamejaram para mim. Uma terrível esperança brilhou em seu rosto imundo. Levantei um dedo; eu andei silenciosamente até a porta aberta para o dormitório, e suavemente, delicadamente, deslizei-a até quase fechar. Então eu passei imperceptível atrás dele, olhando em direção às correntes. Havia dois pequenos cadeados, como aqueles que você coloca no seu armário na escola, prendendo as correntes. ―Chaves?‖ Eu sussurrei na orelha do Bill. Ele tinha um dedo que não estava quebrado, e foi esse que ele usou para apontar para a porta pela qual eu entrei. Havia duas chaves penduradas em um prego atrás da porta, bem no alto, e sempre no alcance da visão de Bill. Claro que eles tinham pensado nisso. Eu coloquei o cobertor e a estaca no chão ao lado dos pés do Bill. Eu atravessei o piso manchado e me estiquei para alcançá-la até onde pude. Eu não conseguia alcançar as chaves. Um vampiro que pudesse flutuar seria capaz de pegá-las. Lembrei a mim mesma que eu estava forte, poderosa por causa do sangue do Eric. Tinha uma prateleira na parede, que guardava coisas interessantes como pás de ferro e alicates. Alicates! Eu fiquei na pontinha dos meus pés e retirei-os das prateleiras, tentando arduamente não ficar com a garganta entalada de raiva quando eu vi que eles estavam com uma crosta de - oh, coisas horríveis. Eu levantei um alicate, e ele era muito pesado, mas consegui prendê-lo sobre as chaves, forçando-as para fora do prego e trazendo de volta até que eu pudesse pegar as chaves de suas pontas. Eu soltei um suspiro de alívio gigantesco, tão silenciosamente quanto se pode exalar. Isso não tinha sido tão difícil. De fato, essa foi a última coisa fácil com a qual me deparei. Comecei a terrível tarefa de desacorrentar Bill, enquanto tentava ao máximo manter em silêncio o movimento das correntes. Foi estranhamente difícil desenrolar aquela corda de elos brilhantes. Na verdade, elas pareciam estar aderindo ao Bill, cujo corpo inteiro estava rígido de tensão. Então, eu entendi. Ele estava tentando não gritar em voz alta enquanto as correntes eram arrancadas de suas carnes queimadas. Meu estômago revirou. Tive de interromper minha tarefa durante alguns preciosos segundos e respirar cuidadosamente. Se era difícil para mim testemunhar a agonia dele, o quão mais difícil devia ter sido para Bill suportar isso? Eu revigorei minha bravura mental e comecei a trabalhar novamente. A minha avó sempre me disse que as mulheres conseguiam fazer o que quer que tenham de fazer, e, mais uma vez, ela estava certa. Havia literalmente metros de correntes de prata, e desatar com cuidado levou mais tempo do que eu gostaria. Qualquer tempo era mais tempo do que eu gostaria. O perigo espreitava bem ali sobre meus ombros. Eu estava sentindo no ar o cheiro de catástrofe, entrando e saindo, a cada respiração. Bill estava muito fraco, lutando para ficar acordado agora que o sol já tinha surgido. Tinha ajudado o fato de o dia estar tão escuro, mas ainda assim ele não seria capaz de se movimentar muito quando o sol estivesse muito alto, não importa o quão sombrio fosse o dia. O último pedaço de corrente deslizou para o chão. ‖Você tem que levantar‖, eu disse na orelha do Bill. ―Você precisa fazer isso. Sei que dói. Mas eu não posso carregar você.‖ Pelo menos, eu achava que não poderia. ―Há um grande Lincoln lá fora, e o porta-malas está aberto. Eu vou colocar você no porta-malas, envolvido neste cobertor, e nós sairemos daqui. Você está entendendo, amor?‖ A cabeça escura do Bill fez um movimento quase imperceptível. Bem aí a nossa sorte saiu correndo. ‖Quem diabos é você?‖ perguntou uma voz com sotaque muito acentuado. Alguém tinha atravessado a porta atrás de mim. Bill hesitou sob minhas mãos. Eu girei rapidamente para encará-la, mergulhando para pegar a estaca ao mesmo tempo, e, em seguida, ela estava em cima de mim. Eu tinha convencido a mim mesma de que eles estariam todos em seus caixões durante o dia, mas aquela ali estava fazendo o melhor que podia para me matar. Eu teria sido morta em um minuto, se ela não tivesse ficado tão surpresa quanto eu estava. Eu torci o meu braço, livrando-o de seu aperto, e me coloquei no eixo ao redor da cadeira do Bill. Suas presas estavam todas expostas, e ela grunhia para mim sobre a cabeça de Bill. Ela era loira, como eu, mas seus olhos eram castanhos e sua estrutura corporal era menor que a minha, ela era uma mulher minúscula. Ela tinha sangue seco nas mãos, e eu sabia que era do Bill. Um fogo começou a crescer dentro de mim. Eu podia senti-lo cintilando através dos meus olhos. ‖Você deve ser a putinha humana vagabunda‖, disse ela. ―Ele estava fodendo comigo, todo este tempo, tá entendendo? No minuto que ele me viu, ele esqueceu você, exceto de sentir pena.‖ Bem, Lorena não era elegante, mas ela sabia onde afundar a faca verbal. Eu deixei as palavras de lado, porque ela queria me distrair. Eu transferi minha atenção para ficar pronta para usar a estaca, e ela saltou por cima do Bill para aterrissar em cima de mim. Assim que ela se mexeu, sem uma decisão consciente, eu levantei com força a estaca e apontei-a em um ângulo. Enquanto ela caía sobre mim, a ponta afiada entrou em seu peito e saiu do outro lado. Então fomos ao chão. Eu ainda estava agarrando uma extremidade da estaca, e ela estava se mantendo afastada de mim com seus braços. Ela olhou para a madeira em seu peito, atônita. Então, ela olhou nos meus olhos, boquiaberta, suas presas se retraindo. ―Não‖, disse ela. Os olhos dela ficaram sombrios. Eu usei a estaca para empurrá-la para meu lado esquerdo e me precipitei para levantar do chão. Eu estava ofegando, e minhas mãos tremiam violentamente. Ela não se movia. Todo o incidente tinha sido tão rápido e tão silencioso que mal parecia ter sido real. Os olhos de Bill passaram daquela coisa no chão para mim. Sua expressão era ilegível. ―Bem‖, eu disse a ele, ―Eu acabei com a raça dela‖. Então eu estava de joelhos ao lado dela, tentando não vomitar. Levei mais alguns segundos preciosos para recuperar meu controle. Eu tinha uma meta a ser cumprida. Sua morte não iria me valer de nada se eu não conseguisse tirar o Bill daqui antes que chegasse alguém. Já que eu tinha feito algo tão horrível, eu tinha de conseguir algo, tirar alguma vantagem disso. Seria uma coisa inteligente esconder o corpo - que estava começando a murchar – mas, pela retirada de Bill, isso ia ter que ficar em segundo plano. Eu enrolei o cobertor ao redor de seus ombros enquanto ele despencava sentado na cadeira manchada. Eu fiquei com medo de olhar para a cara dele depois que eu tinha feito aquilo. ‖Essa era Lorena?‖ Eu sussurrei no ouvido do Bill, atormentada por uma dúvida repentina. ―Ela fez isso com você?‖ Ele deu aquele minúsculo gesto com a cabeça novamente. Ding Dong, a bruxa estava morta.* (*No original a expressão ―Ding-Dong! The Witch Is Dead‖ é a música mais importante de várias canções individuais, na extensa sequencia de cenas principais representadas pelos personagens Munchkins, Glinda (Billie Burke) e Dorothy Gale (Judy Garland) no filme O Mágico de Oz de 1939.) Após uma pausa, enquanto eu esperava sentir alguma coisa, a única coisa que eu conseguia pensar era em perguntar ao Bill por que alguém com o um nome como Lorena teria um sotaque estrangeiro. Isso era estúpido, então eu deixei de lado. ‖Você tem que acordar. Você tem que ficar acordado até eu te colocar no carro, Bill.‖ Eu estava tentando manter um ‗olho mental‘ aberto para os lobis na sala ao lado. Um deles começou a roncar por trás da porta fechada, e eu senti o tumulto mental do outro, um eu não tinha sido capaz de detectar. Eu congelei durante vários segundos, antes que eu pudesse sentir essa mente resolver se acomodar em um estágio do sono de novo. Eu tomei um fôlego muito, muito profundo e ondulei o cobertor, estendendo-o sobre a cabeça de Bill. Então eu peguei o seu braço esquerdo e o coloquei em volta do meu pescoço e levantei. Ele saiu erguendo-se da cadeira e, embora ele tenha soltado um chiado sofrido de dor, ele conseguiu cambalear até a porta. Mais da metade do peso era eu quem carregava, assim eu fiquei aliviada em chegar lá, pegar a maçaneta e girá-la. Então eu quase perdi o controle do corpo dele, pois ele estava literalmente dormindo em pé. Apenas o perigo de sermos surpreendidos foi estimulante o suficiente para que ele desse conta de movimentar-se. A porta abriu, e eu chequei para ter certeza de que o cobertor, que por acaso era felpudo e amarelo, estava cobrindo completamente sua cabeça. Bill gemeu e ficou quase totalmente mole quando sentiu a luz do sol, mesmo a luz estando fraca e o tempo chuvoso. Eu comecei a falar com ele sussurrando, praguejando e desafiando-o a se mover, dizendo que eu poderia mantê-lo acordado se aquela cadela da Lorena pôde, dizendo a ele que iria espancá-lo se ele não chegasse até o carro. Finalmente, com um esforço extraordinário que me deixou tremendo, eu levei Bill ao porta-malas do carro. Eu o abri. ―Bill, apenas encoste-se aqui na borda‖, eu disse a ele, impulsionando-o até que ele ficasse de frente para mim e sentado à beira do porta-malas. Mas a vida o deixou completamente nesse momento, e ele simplesmente desabou para trás. Enquanto ele se encaixava no espaço, ele fez um ruído profundo de dor que partiu meu coração, e então, ele ficou absolutamente silencioso e sem forças. Era sempre aterrorizante ver Bill definhar desse jeito. Eu queria sacudir ele, gritar com ele, socar em seu peito. Não haveria nenhum propósito em nada disso. Sozinha, eu tive que acondicionar todas as partes que ficaram para fora - uma perna, um braço - no porta-malas com ele, e então eu o fechei. Eu me permiti o luxo de um momento de alívio intenso. De pé sob a luz do dia obscura naquele pátio deserto, eu conduzi um curto debate interno. Eu deveria tentar esconder o corpo de Lorena? Será que um esforço desses poderia ser digno de tempo e energia? Eu mudei de idéia a respeito umas seis vezes no decorrer de trinta segundos. Eu finalmente decidi que sim, poderia valer a pena. Se não houvesse nenhum corpo para ver, os lobis poderiam supor que Lorena tinha levado Bill a algum lugar para uma pequena sessão extra de tortura. E Russell e Betty Joe estariam mortos para o mundo e indisponíveis para dar instruções. Eu não tinha ilusões de que Betty Joe estaria grata o suficiente para me poupar, se eu fosse capturada agora mesmo. Um jeito qualquer, um pouco mais rápido, de morrer seria o máximo que eu poderia esperar. Minha decisão foi reforçada quando voltei àquele quarto abominável manchado de sangue. O sofrimento estava impregnado nas paredes, junto com as manchas. Me perguntava quantos humanos, lobis e vampiros tinham sido mantidos prisioneiros nesta sala. Recolhendo as correntes o mais silenciosamente que pude, eu as enfiei na blusa de Lorena, assim qualquer um que checasse o quarto poderia supor que elas ainda estavam prendendo Bill. Olhei ao redor para ver se não havia mais nenhuma limpeza que eu precisava fazer. Já tinha tanto sangue no quarto, que o de Lorena não fazia diferença. Estava na hora de tirá-la dalí. Para evitar que o seu calcanhar arrastasse e fizesse barulho, eu tive que levantá-la sobre meu ombro. Eu nunca tinha feito uma coisa dessas, então o processo foi desajeitado. Sorte minha que ela era tão pequena, e sorte que eu tinha praticado bloquear as coisas na minha mente todos estes anos. Caso contrário, do jeito que Lorena estava pendurada, completamente flácida, e do jeito que ela estava começando a se desmanchar toda, teria me assustado. Eu cerrei meus dentes, para segurar firme a histeria efervescendo e subindo pela minha garganta. Estava chovendo fortemente enquanto eu carregava o corpo para a piscina. Sem o sangue do Eric, eu nunca poderia ter levantado a borda pesada da capa que cobria a piscina, mas eu levantei com uma mão e empurrei o que restava de Lorena para dentro da piscina com um pé. Eu estava consciente que a qualquer segundo alguém poderia olhar pelas janelas da parte traseira da mansão, me ver e perceber o que eu estava fazendo - mas se qualquer um dos humanos que viviam na casa fez isso, eles decidiram permanecer em silêncio. Eu estava começando a me sentir extremamente cansada. Eu andei de volta com dificuldade pela calçada, atravessando a cerca viva até o carro. Eu me inclinei sobre ele por um minuto, apenas para respirar, me recuperando. Então entrei no lugar do motorista e virei a chave na ignição. O Lincoln foi o maior carro que eu já dirigi, e um dos carros mais luxuosos em que eu já entrei, mas só que naquele momento eu não poderia sentir nenhum interesse ou prazer nisso.
Eu afivelei meu cinto de segurança, ajustei o espelho retrovisor e o assento, e olhei para o painel do carro com cuidado. Eu iria precisar do limpador de pára-brisas, com certeza. Este carro era um modelo novo, e as luzes acendiam automaticamente, então essa era uma preocupação a menos. Eu respirei fundo. Esta era, pelo menos, a fase três do resgate de Bill. Era assustador o quanto disto que tinha acontecido por mero acaso, mas os planos mais bem-traçados nunca levam em conta todas as casualidade de qualquer forma. Não é possível. Geralmente, os meus planos tendem a ser o que eu costumo chamar de amplos. Eu dei a volta no carro seguindo em direção à saída do pátio. O percurso se estendia em uma curva graciosa e atravessava pela frente do prédio principal. Pela primeira vez, eu vi a fachada da mansão. Ela tinha uma aparência tão bonita toda pintada de branco, com enormes colunas, justo como eu tinha imaginado. Russell tinha gasto uma boa grana reformando o lugar. A entrada da garagem mudava de direção atravessando uma área gramada que ainda parecia bem cuidada mesmo em seu estado meio escurecido no inverno, mas aquele longo caminho na entrada estava extremamente curto. Eu podia ver o muro à minha frente. Lá estava o posto de controle no portão, e estava sendo guardado. Eu estava suando apesar do frio. Eu parei um pouco antes do portão. Tinha um pequeno cubículo branco de um lado, que era envidraçado da altura da cintura para cima. Ele se estendia por dentro e fora do muro, assim os guardas poderiam verificar tanto a entrada quanto a saída de veículos. Eu esperava que tivesse aquecida, para o bem dos dois lobis de plantão. Todos eles estavam exibindo suas peles e parecendo extremamente irritados. Eles tiveram uma noite difícil, sem dúvida. Enquanto eu parava em uma barreira, eu resisti a uma tentação quase esmagadora de sair arrastando aqueles portões pela frente. Um dos lobis saiu. Ele estava carregando um rifle, por isso foi uma coisa boa eu não ter agido por impulso. ‖Eu acho que Bernard disse a todos vocês que eu estaria indo embora esta manhã?‖ Eu disse, depois de abaixar a minha janela. Fiz um esforço para sorrir. ‖Você é aquela que foi estacada na noite passada?‖ Meu interrogador estava mal-humorado, sem se barbear e cheirando a cachorro molhado. ―Sim‖. ‖Como está se sentindo?‖ ‖Bem melhor, obrigada.‖ ‖Você vai voltar para a crucificação?‖ Certamente eu não o tinha ouvido direito. ―Desculpe, o quê?‖ Perguntei fracamente. Seu companheiro, que tinha vindo parar na porta da cabine, disse: ―Doug, cale a boca.‖ Doug olhou com raiva para o seu colega lobis, mas ele deu de ombros após o olhar ameaçador não ter tido qualquer efeito. ―Ok, você está liberada para ir.‖ Os portões se abriram, lentamente demais para meu gosto. Quando abriram amplamente, e os lobis tinham se afastado, eu dirigi através dele serenamente. De repente eu me dei conta que não tinha idéia de que caminho devia seguir, mas me pareceu correto virar à esquerda, uma vez que eu queria voltar para Jackson. O meu subconsciente estava me dizendo que tínhamos virado à direita para entrar no caminho da garagem da casa na noite anterior. O meu subconsciente era um enorme mentiroso. Após cinco minutos, eu estava honestamente segura de que estava perdida, e o sol continuava a subir, naturalmente, mesmo através do aglomerado de nuvens. Eu não conseguia lembrar se o cobertor dava para cobrir o Bill direito e não tinha certeza de até onde o porta-malas era à prova de claridade. Afinal, transporte seguro de vampiros não era algo que os fabricantes de carros iriam resguardar em sua lista de especificações. Por outro lado, eu disse a mim mesma que o porta-malas tinha que ser à prova d‘água - isso era evidentemente importante – então não estaria muito longe de ser à prova de luz. No entanto, parecia ser de importância vital encontrar um local escuro para estacionar o Lincoln pelas horas do dia que ainda restavam. Embora cada instinto me dissesse para me esforçar ao máximo dirigindo para o mais longe da mansão que eu pudesse, só para garantir no caso de alguém ir checar Bill e tirar conclusões juntando os fatos, eu parei no acostamento da estrada e abri o porta-luvas. Deus abençoe a América! Havia um mapa do Mississipi com um suplemento direcionado a Jackson. Que teria ajudado se eu tivesse alguma idéia de onde eu estava naquele momento. Pessoas em fugas desesperadas supostamente não conseguem se perder. Eu respirei profundamente algumas vezes. Retornei para a estrada e dirigi até que eu vi um posto de gasolina funcionando. Embora o tanque do Lincoln estivesse cheio (obrigada, Eric) eu encostei e estacionei próximo a uma das bombas. O carro que estava do outro lado era uma Mercedes preta, e a mulher que estava enchendo o tanque de gasolina era uma mulher-demeia-idade-com-cara-de-inteligente vestida com roupas casuais, confortáveis e de bom gosto. Assim que eu consegui que o limpador de pára-brisas desligasse seu jato de água, eu disse, ―Você não saberia informar como voltar para a I-20 a partir daqui, saberia?‖ ―Ah, com certeza‖, ela disse. Ela sorriu. Era o tipo de pessoa que simplesmente adora ajudar os outros, e eu estava agradecendo à minha estrela da sorte por tê-la encontrado. ―Esta é Madison, e Jackson fica ao sul daqui. A I-55 fica talvez a um quilômetro e meio seguindo esse caminho.‖ Ela apontou para o oeste. ―Você pega a I-55 na direção sul e vai seguir direto para a I-20. Ou, você pode pegar...‖ Eu estava prestes a ficar sobrecarregada com informações. ―Ah, isso parece perfeito. Deixe-me simplesmente fazer isso, ou vou perder o foco.‖ ‖Claro, fico feliz que pude ajudar.‖ ‖Ah, certamente que sim.‖ Nós sorrimos uma para a outra, apenas duas mulheres agradáveis. Eu tive que lutar contra um impulso de dizer: ―Há um vampiro torturado no meu porta-malas,‖ por pura lerdeza. Eu tinha resgatado Bill e estava viva, e hoje à noite estaríamos no caminho de volta para Bon Temps. A vida seria maravilhosamente livre de problemas. Exceto, é claro, por ter que lidar com o meu namorado infiel, descobrir se o corpo do lobisomem que nós tínhamos eliminado em Bon Temps tinha sido encontrado, esperar para ouvir o mesmo sobre o lobisomem que tinha sido enfiado no armário de Alcide e esperar a reação da rainha da Louisiana com relação à imprudência de Bill com Lorena. Sua imprudência literal: Eu não pensei por um minuto sequer que ela iria se importar com a vida sexual dele. Fora isso, tava tudo cem por cento. ―Não vos inquieteis pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal*‖, eu disse a mim mesma. Essa era a citação da Bíblia favorita da minha avó. Quando eu tinha cerca de nove anos, eu pedi a ela que explicasse isso para mim, e ela tinha dito, ―Não vá à procura de problemas, pois eles já estão procurando por você.‖ (*No original a expressão é ‗Sufficient unto the day is the evil thereof‘, que seria traduzido mais ou menos como O mal de cada dia já é suficiente, ou algo assim, só que como se trata de uma passagem da Bíblia, achei melhor transcrevê-la ao invés de traduzir, não sei como será colocado na tradução oficial, pois não se trata de interpretação. É um trecho de Mateus capítulo 6, versículo 34, que basicamente nos diz que não devemos nos preocupar com o futuro, pois já temos preocupações suficientes por hoje. E que não passamos um só dia sem lidar com coisas desagradáveis.) Tendo isso em mente, eu limpei meus pensamentos, livrando-os de qualquer ansiedade. O meu próximo objetivo era simplesmente voltar para Jackson e para o abrigo da garagem. Eu segui as instruções do jeito que a mulher tinha me dado e tive o alívio de entrar em Jackson no intervalo de meia hora. Eu sabia que se eu pudesse encontrar o congresso estadual, eu poderia encontrar o prédio do apartamento de Alcide. Eu não tinha considerado ruas de mão única e eu não tinha prestado uma atenção especial às direções quando Alcide me levou para um pequeno passeio pelo centro da cidade de Jackson. Mas não havia tantos prédios de cinco andares assim em todo o estado do Mississippi, mesmo na capital. Após um período tenso dirigindo sem rumo, eu o localizei. Agora, eu pensei, todos os meus problemas estariam acabados. Não é burrice pensar isso? Sempre? Eu encostei entrando no local próximo à pequena cabine de segurança, onde você tinha que esperar para ser reconhecido enquanto o cara acionava o interruptor, ou apertava o botão, ou o que quer que fosse que fizesse a barreira levantar. Eu estava apavorada por ele poder me negar o acesso, porque eu não tinha um adesivo de identificação, como Alcide tinha em sua caminhonete. O homem não estava lá. A cabine estava vazia. Definitivamente isto não estava errado? Eu fechei a cara, imaginando o que fazer. Mas aí o guarda veio, em seu grosso uniforme marrom, subindo a rampa com dificuldade. Quando viu que eu estava esperando, ele pareceu ter sido pego de surpresa e se apressou até o carro. Eu suspirei. Eu teria que falar com ele afinal de contas. Eu apertei o botão que abaixava o vidro da minha janela. ―Sinto muito eu estar fora do meu posto‖, disse ele instantaneamente. ―Eu tive que, ah... necessidades pessoais‖. Eu estava com uma pequena vantagem aqui. ‖Eu tive que pegar um carro emprestado,‖ eu disse. ―Posso colocar um adesivo temporário?‖ Eu olhei para ele de uma forma que dava a ele uma pista sobre a minha intenção. Esse olhar dizia, ―Não me crie problemas em conseguir o adesivo, e não vou dizer uma palavra sobre você deixar o seu posto.‖ ―Sim, minha senhora. É do apartamento 504?‖ ‖Você tem uma memória maravilhosa‖, eu disse, e seu rosto amassado de sono ficou vermelho. ‖Faz parte do trabalho‖, disse ele relaxadamente, e entregou-me um número colado em uma lâmina que eu fixei no painel. ―Contanto que você simplesmente entregue isso quando você for embora, por favor? Ou se você planeja ficar, você terá que preencher um formulário para que possamos arquivar e nós lhe daremos um adesivo de identificação. Na verdade,‖ ele disse, tropeçando um pouco, embaraçado, ―o Sr. Herveaux terá que preenchê-lo, já que ele é o proprietário.‖ ‖Claro‖, eu disse. ―Sem problemas.‖ Eu dei a ele um alegre aceno, e ele recuou para a cabine para levantar a barreira. Eu dirigi pela garagem escura, sentindo aquela carga de alívio que vem depois que nos livramos de um grande obstáculo. As reações começaram. Eu estava tremendo por todo corpo quando eu tirei as chaves da ignição. Eu pensei ter visto a pickup de Alcide umas duas fileiras acima, mas eu tinha estacionado o mais distante possível dentro da garagem - no canto mais escuro, longe de todos os outros carros, como acabou acontecendo. Isto foi até onde eu tinha planejado. Eu não tinha idéia do que fazer a seguir. Eu não tinha realmente acreditado que chegaria tão longe. Eu me encostei naquele assento confortável por apenas um minuto, para relaxar e parar de tremer antes de sair. Eu tinha deixado o aquecedor no máximo durante minha viagem desde a mansão, então estava bem quentinho no interior do carro. Quando eu acordei, tinha dormido por horas. O carro estava frio, e eu estava mais gelada ainda, apesar do casaco acolchoado roubado. Eu levantei do banco do motorista completamente dura, me alongando e flexionando para aliviar as articulações apertadas. Talvez eu devesse dar uma checada no Bill. Ele tinha ficado todo imprensado dentro do portamalas, eu tinha certeza, e eu precisava ter certeza de que ele estava coberto. Na verdade, eu só queria vê-lo novamente. O meu coração de fato bateu bem mais rápido diante da idéia. Eu era uma verdadeira idiota. Verifiquei a minha distância até a fraca luz do sol na entrada; e estava bem longe. E eu tinha estacionado de forma que o porta-malas fosse aberto apontando na direção contrária àquele restinho de luz solar. Cedendo à tentação, eu caminhei até a parte de trás do carro. Eu virei a chave na fechadura, puxei-a e ela bateu no bolso do meu casaco, e observei assim que a tampa levantou. Na garagem escura, eu não conseguia ver muito bem, e era difícil de detectar até o cobertor felpudo e amarelo. Bill parecia estar muito bem escondido. Eu me inclinei um pouco mais, assim eu poderia ajustar o cobertor esticando-o sobre a cabeça dele. Eu tive apenas um segundo de aviso, um sapato arrastando contra o concreto e, em seguida, senti um forte empurrão por trás. Eu caí no porta-malas por cima de Bill. Imediatamente depois, um empurrão extra trouxe minhas pernas para dentro, e o porta-malas fechou violentamente. Agora, Bill e eu estávamos trancados no porta-malas do Lincoln.
Debbie. Imaginei que tinha sido Debbie. Depois que eu superei minha inundação de pânico inicial, que durou mais tempo do que eu queria admitir, eu tentei reviver alguns segundos cuidadosamente. Eu captei um rastro do padrão de pensamentos, suficiente para me prevenir de que o meu atacante era um metamorfo. Achei que devia ter sido a ex-namorada de Alcide, não tão ex-namorada, aparentemente, já que ela estava circulando pela garagem dele. Ela estaria esperando pelo meu retorno para Alcide desde a noite anterior? Ou ela tinha se acertado com ele em algum momento durante a loucura da lua cheia? Debbie tinha ficado ainda mais zangada por eu ter saído com Alcide do que eu poderia ter imaginado. Ou ela o amava, ou era muito possessiva. Não que sua motivação fosse uma grande preocupação agora. A minha grande preocupação era ar. Pela primeira vez, me senti sortuda por Bill não respirar. Fiz com que minha própria respiração ficasse lenta e uniforme. Sem intensidade, sem suspiros apavorados, sem movimentos bruscos. Eu me obriguei a calcular tudo. Ok, eu provavelmente entrei no porta-malas aproximadamente, hmm, por volta de uma da tarde e Bill acordaria por volta das cinco, quando já estivesse ficando escuro. Talvez ele dormisse um pouco mais, porque ele tinha estado tão exausto - mas no mais tardar às seis e meia, com certeza. Quando ele estivesse acordado, ele seria capaz de nos tirar daqui. Será que seria? Ele estava muito fraco. Ele foi terrivelmente ferido, e seus ferimentos levariam um bom tempo se curando, mesmo para um vampiro. Ele precisaria de repouso e de sangue antes que ele pudesse ficar no mesmo nível. E ele não tinha tomado nenhum sangue em uma semana. Assim que esse pensamento cruzou minha mente, repentinamente eu senti frio. Fiquei completamente gelada. Bill estaria com fome. Realmente, muito faminto. Alucinado de fome. E eu estava aqui – lanche rápido. Será que ele me reconheceria? Ele perceberia que era eu, a tempo de parar? Isso magoava ainda mais, pensar que ele talvez não se importasse o bastante – não se importasse que fosse eu - para parar. Ele poderia simplesmente continuar sugando e sugando, até que eu estivesse totalmente vazia. Afinal, ele teve um caso de amor com Lorena. Ele tinha me visto matá-la, bem diante dos olhos dele. Admito que ela tinha traído e torturado ele, e que ele deveria ter abafado sua paixão, na mesma hora. Mas relacionamentos não são loucuras de qualquer forma? Até a minha avó teria dito: ―Oh, merda.‖ Certo. Eu tinha que me manter calma. Tinha que respirar superficialmente e devagar para economizar oxigênio. E eu tinha de reorganizar os nossos corpos, para que eu pudesse ficar mais confortável. Fiquei aliviada que este era o maior porta-malas que eu já tinha visto, porque foi isso que tornou possível uma manobra como essa. Bill estava mole - bem, ele estava morto, obviamente. Então eu poderia meio que empurrá-lo sem me preocupar muito com as consequências. O porta-malas estava frio, também, e eu tentei desembrulhar Bill um pouquinho para que eu pudesse dividir o cobertor. O porta-malas também estava bem escuro. Eu poderia escrever uma carta ao designer do carro e informá-lo que eu poderia atestar a vedação de luz no porta-malas, se é que dava pra ser colocado desta forma. Isto é, se eu conseguisse sair daqui viva. Senti o formato das duas garrafas de sangue. Será que talvez Bill iria se contentar com isso? De repente, me lembrei de um artigo que tinha lido em uma revista semanal de notícias enquanto eu estava esperando no consultório do dentista. Era sobre uma mulher que tinha sido levada como refém e forçada a entrar no porta-malas do seu próprio carro, e desde então ela vinha fazendo campanha para instalarem trancas dentro dos porta-malas de modo que alguém aprisionado pudesse libertar-se. Imaginava se ela teria influenciado as pessoas que fabricavam Lincolns. Passei as mãos por todo o porta-malas, pelo menos as partes que eu podia alcançar e realmente senti uma trava de abertura, talvez; era o local onde os fios ficavam afixados no portamalas. Mas qualquer que fosse o trinco que tivessem instalado tinha sido retirado. Tentei puxar, tentei mover com força para a esquerda ou para a direita. Porra, isto simplesmente não estava dando certo. Eu estava quase ficando louca, ali naquele porta-malas. O meio de fuga estava lá dentro comigo, e eu não conseguia fazê-lo funcionar. As pontas dos meus dedos reviraram os fios várias vezes, mas sem efeito. O mecanismo tinha sido desativado. Me esforcei de verdade para entender como isso podia ter acontecido. Tenho vergonha de confessar, mas eu imaginava se de alguma forma Eric sabia que eu estaria trancada no portamalas, e este seria um jeito de ele ficar dizendo, ―Isso é o que você ganha por preferir Bill.‖ Mas eu simplesmente não podia acreditar nisso. Eric com certeza tinha algumas grandes lacunas e pontos cegos em seus hábitos morais, mas eu não acho que ele faria isso comigo. Afinal de contas, ele não tinha alcançado o seu objetivo declarado de me possuir, cuja maneira mais agradável de dizer isso para mim era essa mesmo. Já que eu não tinha mais nada para fazer além de pensar, o que não gastaria mais oxigênio, até onde eu sabia, eu estava considerando o dono anterior do carro. Me ocorreu que o amigo do Eric tinha apontado um carro que seria fácil de roubar; um carro que pertencesse a alguém que com certeza ficaria fora até tarde da noite, alguém que pudesse pagar por um carro bacana, alguém cujo porta-malas poderia conter resíduos de papéis de enrolar cigarro, pó e sacolas plásticas. Eric tinha ‗liberado‘ o Lincoln de um traficante, eu estava disposta a apostar. E esse traficante tinha desativado o trinco do interior do porta-malas por razões que eu não queria sequer pensar. Ah, dá um tempo, eu pensei indignadamente. (Foi fácil naquela hora esquecer os muitos ‗tempos‘ que eu tinha tido durante o dia.) A menos que eu conseguisse um ‗tempo‘ final, fugindo daquele porta-malas antes que Bill despertasse, nenhum dos outros iriam contar. Era um domingo, e bem perto do Natal, então a garagem estava silenciosa. Talvez algumas pessoas tivessem ido para casa durante os feriados, e os legisladores tinham voltado para seu distrito eleitoral, e as outras pessoas estavam ocupadas com... Natal, coisas de domingo. Eu ouvi um carro sair, enquanto eu estava presa alí e, em seguida, ouvi vozes após um tempo; duas pessoas saindo do elevador. Eu gritei e bati na tampa do porta-malas, mas o som foi engolido pela ignição de um motor grande. Eu fiquei quieta imediatamente, apavorada de ter utilizado mais ar do que eu podia dispor. Vou te dizer, o tempo perdido confinado em um espaço pequeno, escuro como piche, esperando que alguma coisa aconteça - é um tempo extremamente terrível. Eu não estava usando um relógio, eu teria de ter um com aqueles ponteiros que acendem, de qualquer forma. Eu nunca adormeci, mas eu flutuei em direção a um estranho estado de suspensão. Isto era em grande parte devido ao frio, eu espero. Mesmo com o casaco acolchoado e o cobertor, estava muito frio no porta-malas. Quieto, frio, imóvel, escuro e silencioso. Minha mente estava à deriva. Então, eu fiquei apavorada. Bill estava se movendo. Ele agitou-se, soltando um ruído de dor. Daí, seu corpo aparentou ficar tenso. Eu sabia que ele tinha sentido meu cheiro. ‖Bill‖, eu disse roucamente, meus lábios quase rígidos demais por causa do frio para se moverem. ―Bill, sou eu, Sookie. Bill, você está bem? Tem algumas garrafas de sangue aqui. Beba-o agora.‖ Ele me atacou. Em sua fome, ele não fez nenhuma tentativa de me poupar de qualquer coisa, e isso era pior que as trevas do inferno. ‖Bill, sou eu‖, falei, começando a chorar. ―Bill, sou eu. Não faça isso, meu bem. Bill, é a Sookie.
Não tem TRUEBLOOD aqui.‖ Mas ele não parou. Continuei falando, e ele continuou sugando, e eu estava ficando com mais frio ainda e muito fraca. Seus braços estavam me prendendo a ele, e ficar lutando não tinha utilidade nenhuma, isso iria apenas excitá-lo mais. Sua perna estava enfiada entre as minhas pernas. ‖Bill‖, eu sussurrei, achando que talvez já fosse tarde demais. Com a pouca força que me havia sobrado, eu puxei com força a orelha dele com os dedos de minha mão direita. ―Por favor, ouça, Bill.‖ ―Ai‖, ele disse. Sua voz soou áspera; sua garganta estava ferida. Ele tinha parado de tomar sangue. Agora ele tinha uma outra necessidade, uma intimamente relacionada à alimentação. Suas mãos abaixaram minha calça de moletom, e depois de muito ―errar‖ o alvo e reorganizar e contorcer, ele me penetrou sem preparação nenhuma. Gritei, e ele colocou rapidamente uma mão sobre minha boca. Eu estava chorando, soluçando, meu nariz estava completamente entupido e eu precisava respirar pela minha boca. Todo controle tinha me abandonado e eu comecei a lutar como um gato selvagem. Eu mordi e arranhei e dei pontapés, sem me importar com o suprimento de ar e sem me importar se eu iria irritá-lo. Eu só tinha que tomar fôlego. Após alguns segundos, sua mão se esvaiu. E ele parou de se mover. Eu suguei o ar com um suspiro profundo, convulsivo. Eu estava chorando seriamente, um soluço após o outro. ‖Sookie?‖ Bill disse duvidosamente. ―Sookie?‖ Eu não conseguia responder. ―É você‖, disse ele, sua voz rouca e perplexa. ―É você. Você estava realmente lá naquela sala?‖ Tentei me recompor, mas eu me senti muito confusa e estava com medo de desmaiar. Finalmente, fui capaz de dizer, ―Bill‖, em um sussurro. ‖É você mesmo. Você está bem?‖ ‖Não‖, eu disse quase que me desculpando. Afinal de contas, era Bill quem tinha sido torturado e mantido prisioneiro. ‖Será que eu...‖ Ele fez uma pausa e parecia que estava se preparando para ouvir algo desagradável. ―Eu tomei mais sangue do que eu deveria?‖ Eu não conseguia responder. Eu encostei minha cabeça em seu braço. Falar algo parecia dar muito trabalho. ‖Eu tive a impressão que estávamos transando em um armário‖, disse Bill em uma voz subjugada. ―Você, ah, concordou espontaneamente?‖ Eu virei minha cabeça de um lado para o outro e, em seguida, deixei-a apoiada em seu braço novamente. ‖Ah, não‖, ele sussurrou. ―Ah, não.‖ Ele saiu de cima de mim e ficou tateando muito por todo lado pela segunda vez. Ele estava me recompondo apropriadamente; e a si mesmo também, eu acho. Suas mãos procuravam sentir ao nosso redor. ―Porta-malas de carro‖, ele murmurou. ―Preciso de ar‖, eu disse, em uma voz quase frágil demais para ouvir. ‖Por que você não disse logo?‖ Bill socou fazendo um buraco no porta-malas. Ele estava mais forte. Bom para ele. O ar frio entrou rapidamente e eu aspirei de forma profunda. Lindo, maravilhoso oxigênio. ‖Onde estamos?‖, ele perguntou, após um momento. ‖Garagem‖, eu arfei. ―Prédio de Apartamentos. Jackson.‖ Eu estava tão fraca, eu só queria largar tudo e sair flutuando. ‖Por quê?‖ Tentei reunir energia suficiente para responder a ele. ―Alcide mora aqui‖, consegui balbuciar, eventualmente. ‖Quem é Alcide? O que devemos fazer agora?‖ ‖Eric está... vindo. Beba as garrafas de sangue.‖ ‖Sookie? Você está bem?‖
Eu não conseguia responder. E se conseguisse, eu poderia ter dito, ―Por que você se importa? Você ia me abandonar de qualquer forma.‖ Eu poderia ter dito, ―Eu te perdôo‖, mas isso provavelmente não pareceria verdadeiro. Talvez eu dissesse simplesmente que eu sentia falta dele e que seu segredo ainda estava seguro comigo, fiel até a morte, assim era Sookie Stackhouse. Eu o ouvi abrindo uma garrafa. Como se eu estivesse à deriva em um barco seguindo uma corrente que parecia estar avançando cada vez mais rápido, eu me dei conta de que Bill nunca tinha revelado o meu nome. Eu sabia que eles tinham tentado descobrí-lo, para raptar-me e levar-me para ser torturada na frente dele para uma persuasão extra. E ele não tinha dito. O porta-malas abriu com um ruído de metal se dilacerando. Eric estava em pé delineado pela luzes fluorescentes da garagem. Elas só acenderam quando ficou escuro. ―O que vocês dois estão fazendo aqui?‖ ele perguntou. Mas a corrente me transportou antes que eu pudesse responder. ―Ela está se reanimando‖, observou Eric. ―Talvez tenha sido sangue suficiente‖. Minha cabeça zumbiu por um minuto e ficou silenciosa novamente. ‖Ela está de verdade,‖ ele estava dizendo em seguida, e meus olhos se abriram para registrar três faces masculinas ansiosas pairando sobre mim: a do Eric, a do Alcide, e a do Bill. De alguma forma, essa visão me deu vontade de rir. Tantos homens na minha cidade tinham medo de mim, ou não queriam saber de mim, e aqui estavam os três homens no mundo que queriam transar comigo, ou que pelo menos tinham pensado nisso seriamente; todos amontoados ao redor da cama. Eu dei um sorriso amarelo, na verdade gargalhei, pela primeira vez em dez anos, talvez. ―Os Três Mosqueteiros‖, eu disse. ‖Ela está delirando?‖ Eric perguntou. ‖Acho que ela está rindo de nós‖, disse Alcide. Ele não pareceu se estressar com isso. Ele colocou uma garrafa vazia de TrueBlood sobre a penteadeira atrás dele. Tinha uma jarra enorme ao lado dela e um copo. Os dedos gelados do Bill estavam entrelaçados com os meus. ―Sookie‖, disse ele, naquela voz calma que sempre produzia calafrios pela minha coluna. Tentei focar em seu rosto. Ele estava sentado na cama à minha direita. Ele parecia melhor. Os cortes profundos viraram cicatrizes em seu rosto, e as contusões estavam desaparecendo. ‖Eles perguntaram se eu iria voltar para a crucificação‖ Eu disse a ele. ‖Quem disse isso a você?‖ Ele se inclinou sobre mim, seu rosto concentrado, os olhos escuros bem abertos. ‖Os guardas no portão.‖ ‖Os guardas nos portões da mansão perguntaram se você iria voltar para uma crucificação à noite? Esta noite?‖ ‖Sim‖. ‖De quem?‖ ‖Não sei‖. ‖Eu esperava que você dissesse, ‗Onde estou? O que aconteceu comigo?‘‖ Disse Eric. ―Não perguntar quem seria crucificado, ao invés disso – quer dizer, quem está sendo crucificado‖, ele corrigiu a si mesmo, olhando para o relógio ao lado da cama. ‖Talvez eles se referissem à minha crucificação?‖ Bill parecia um pouco atordoado pela idéia. ―Talvez eles tenham decidido me matar esta noite?‖ ‖Ou talvez eles capturaram o fanático que tentou enfiar uma estaca em Betty Joe?‖ Eric sugeriu. ―Ele seria um excelente candidato para a crucificação.‖ Eu pensei sobre isso, o tanto que eu era capaz de raciocinar apesar do cansaço que ainda ameaçava me derrotar. ―Não é a imagem que eu captei,‖ Eu sussurrei. Meu pescoço estava muito, muito dolorido. ‖Você foi capaz de ler algo vindo dos lobis?‖ Eric perguntou. Eu assenti. ―Acho que eles se referiam a Bubba‖, eu sussurrei, e todos na sala congelaram. ‖Aquele imbecil‖, disse Eric com brutalidade, em seguida ele teve tempo para processar isso. ―Eles o capturaram?‖ ‖Acho que sim.‖ Essa foi a impressão que tive. ‖Nós vamos ter que recuperá-lo,‖ disse Bill. ―Se ele ainda estiver vivo.‖ Foi muito corajoso da parte de Bill dizer que iria voltar para aquele complexo. Eu jamais diria isso, se eu fosse ele. O silêncio que tinha caído era claramente desconfortável. ‖Eric?‖ As sobrancelhas escuras de Bill arquearam; ele estava esperando por um comentário. Eric parecia suntuosamente furioso. ―Eu acho que você está certo. Temos responsabilidade por ele. Eu não posso acreditar que o estado natal dele está disposto a executá-lo! Onde está sua lealdade?‖ ―E você?‖ A voz de Bill ficou consideravelmente mais fria enquanto ele perguntava a Alcide. O fervor de Alcide encheu a sala. E o mesmo aconteceu com o emaranhado confuso de seus pensamentos. Ele passou parte da última noite com Debbie, tudo bem. ‖Não vejo como eu poderia‖, disse Alcide desesperadamente. ―Minha empresa, do meu pai, depende da minha capacidade de vir aqui frequentemente. E se eu não tiver uma relação amigável com Russell e sua turma, isso ficaria quase impossível. Vai ser difícil o bastante quando eles perceberem que deve ter sido Sookie quem roubou seu prisioneiro.‖ ‖E matou Lorena‖, eu acrescentei. Outro silêncio abundante. Eric começou a sorrir ironicamente. ―Você despachou Lorena?‖ Ele captou bem as expressões locais, para um vampiro tão antigo. Foi difícil interpretar a expressão do Bill. ―Sookie enfiou uma estaca nela‖, disse ele. ―Foi uma morte justa.‖ ‖Ela matou Lorena em uma luta?‖ O sorriso de Eric cresceu ainda mais. Ele estava tão orgulhoso como se ele estivesse ouvindo o seu primeiro filho recitando Shakespeare. ‖Uma luta muito curta‖, eu disse, não querendo levar nenhum crédito que não fosse meu. Se é que se pode chamar isso de crédito. ―Sookie matou um vampiro‖, Alcide disse, como se isso me fizesse crescer em sua avaliação, também. Os dois vampiros na sala olharam de cara feia. Alcide me serviu e me entregou um grande copo com água. Tomei-o, lenta e dolorosamente. Me senti perceptivelmente melhor após um minuto ou dois. ‖De volta ao tema original‖, disse Eric, me dando outro olhar significativo para insinuar que ele tinha mais a me dizer sobre o assassinato de Lorena. ―Se Sookie não tiver sido apontada como cúmplice na fuga de Bill, ela é a melhor escolha para nos colocar de volta naquelas terras, sem levantar suspeitas. Eles podem não estar esperando por ela, mas também não irão mandá-la embora, eu tenho certeza. Especialmente se ela disser que tem uma mensagem da rainha da Louisiana para Russell, ou se ela disser que tem algo que ela quer devolver para Russell... ― Ele deu de ombros, como se afirmasse que certamente poderíamos inventar uma boa história. Eu não queria voltar para lá. Pensei no coitado do Bubba e tentei me preocupar com seu destino - que ele poderia já ter encontrado - mas eu estava simplesmente muito fraca para me preocupar com isso. ‖Bandeira branca?‖ Eu sugeri. Eu limpei minha garganta. ―Será que os vampiros têm algo parecido com isso?‖ Eric ficou pensativo. ―É claro, só que aí eu teria que explicar quem eu sou‖, disse ele. A felicidade tinha deixado Alcide muito mais fácil de ler. Ele estava pensando em quanto tempo ele poderia ligar para Debbie.
Eu abri minha boca, reconsiderei, calei-a, abri novamente. Que diabos. ―Sabe quem me empurrou no porta-malas e me deixou trancada?‖ Perguntei a Alcide. Seus olhos verdes travaram na minha direção. Seu rosto ficou imóvel, contido, como se ele estivesse com medo das emoções virem a público. Ele se virou e deixou o quarto, fechando a porta atrás de si. Pela primeira vez, eu percebi que estava de volta ao quarto de hóspedes no apartamento dele. ‖Então, quem realizou a proeza, Sookie?‖ Eric perguntou. ‖A ex-namorada dele. Não tão ex, depois de ontem à noite.‖ ‖Por que ela faria isso?‖ Bill perguntou. Houve mais um silêncio significativo. ―Sookie estava atuando como a nova namorada de Alcide para conseguir entrar no clube‖, disse Eric delicadamente. ‖Ah,‖ disse Bill. ―Por que você precisou ir ao clube?‖ ‖Você deve ter sido atingido na cabeça algumas vezes, Bill,‖ disse Eric friamente. ―Ela estava tentando ‗ouvir‘ onde eles estavam mantendo você.‖ Isto estava chegando muito perto das coisas que Bill e eu tínhamos de conversar em particular. ‖É estupidez voltar para lá‖, disse. ―Que tal um telefonema?‖ Eles dois me encararam como se eu tivesse me transformando em um sapo. ‖Bem, que idéia excelente‖, disse Eric. ‖E daí?‖ De repente ela soou muito desconfiada. ―Capturamos um intruso dentro de nossos muros na última noite, sim.‖ ‖Esta manhã, depois de eu ter deixado sua casa, eu fui interceptada de novo,‖ eu disse. Nós tínhamos imaginado que isso pareceria convincente porque eu soava muito rouca e fraca. Houve um longo silêncio enquanto ela pensava através das deduções. ―Você tem o hábito de estar no lugar errado‖, ela disse, como se estivesse remotamente lamentando por mim. ―Eles me capturaram para que eu ligasse para você agora‖, eu disse com cuidado. ―Eu devo dizer a você que o vampiro que você está mantendo aí é o cara de verdade.‖ Ela riu um pouco. ―Ah, mas...‖ ela começou. Então ela ficou silenciosa. ―Você tá sacaneando comigo, certo?‖ Mamie Eisenhower jamais teria dito isto, eu estava disposta a jurar. ‖Absolutamente não. Tinha uma vampira trabalhando no necrotério naquela noite,‖ Eu resmunguei. Betty Joe fez um som que saiu entre um suspiro e um engasgo. ―Não o chame pelo seu verdadeiro nome. Chame-o de Bubba. E pelo amor de Deus, não o machuque.‖ ‖Mas nós já... espere aí!‖ Ela saiu correndo. Eu podia ouvir o som urgente se esvaindo. Eu suspirei e esperei. Após alguns segundos, eu estava completamente maluca com os dois caras parados ao meu redor olhando diretamente para mim. Eu estava forte o suficiente para ficar acordada até tarde, eu tinha certeza. Bill suavemente me apoiou para cima, enquanto Eric posicionava travesseiros nas minhas costas. Fiquei contente de ver que um deles tinha tido presença de espírito de estender o cobertor amarelo sobre a cama para que eu não manchasse a colcha. Tudo isto enquanto eu segurava o telefone grudado na minha orelha, e quando ele fez barulho, eu realmente me assustei. ‖Nós o descemos a tempo‖, disse Betty Joe radiante. ‖A ligação chegou na hora‖, eu disse a Eric. Ele fechou os olhos e parecia estar oferecendo uma oração aos céus. Gostaria de saber para quem Eric rezou. Esperei por instruções adicionais. ‖Diga a eles‖, disse ele, ―apenas para deixá-lo ir embora, e ele mesmo irá para casa. Diga-lhes que pedimos desculpas por deixar que ele se perdesse.‖ Eu transmiti essa mensagem dos meus ―sequestradores‖. Betty Joe foi rápida em descartar as instruções. ―Você perguntaria se ele poderia ficar e cantar para nós um pouco? Ele está em muito boa forma‖, disse ela. Então eu transmiti essa. Eric rolou seus olhos. ―Ela pode pedir a ele, mas se ele disser não, ela deve considerar seriamente e não pedir mais nada a ele‖, disse Eric. ―Isso só o deixará perturbado, se ele não estiver de bom humor. E, às vezes, quando ele canta, isso traz memórias de volta, e ele fica, ah, turbulento‖. ―Tudo bem‖, disse ela, depois que eu tinha explicado. ―Nós vamos fazer o nosso melhor. Se ele não quiser cantar, vamos deixá-lo ir imediatamente.‖ A partir dessa afirmação, ela virou-se para alguém perto dela. ―Ele pode cantar, se ele concordar‖, ela falou, e a outra pessoa disse: ―Yippee!‖ Duas grandes noites sucessivas para o público da mansão do rei do Mississippi, eu acho. Betty Joe disse no telefone, ―Eu espero que você se livre de suas dificuldades. Não sei como quem quer que esteja com você foi sortudo o bastante por ter cuidado da maior estrela do mundo. Ele consideraria uma negociação?‖ Ela não sabia ainda sobre as dificuldades que isso implicava. ―Bubba‖ tinha uma lamentável predileção por sangue de gato e ele era atrapalhado e só conseguia seguir as instruções mais simples; embora, de vez em quando, ele demonstrasse uns traços de astúcia. Ele seguia instruções bem literalmente. ‖Ela quer permissão para ficar com ele‖, eu disse a Eric. Eu estava cansada de ser a mediadora. Mas Betty Joe não podia encontrar-se com Eric, ou ela ficaria sabendo que ele era o suposto amigo de Alcide que tinha me ajudado a chegar até a mansão na noite anterior. Isto era tudo muito complicado para mim. ‖Sim?‖ Eric disse ao telefone. De repente ele tinha um sotaque Inglês. Sr. Mestre do disfarce. Logo ele estava dizendo coisas como: ―Ele é um dever sagrado‖, e, ―Você não sabe o que você está mordendo‖, pelo telefone. (Se eu estivesse com algum senso de humor naquela noite, eu teria achado a última declaração bem engraçada.) Após um pouco mais de conversa, ele desligou o telefone, com um ar satisfeito. Eu estava pensando como foi estranho que Betty Joe não tivesse ressaltado que alguma outra coisa estivesse errada no complexo. Ela não tinha acusado Bubba de libertar seu prisioneiro e ela não tinha comentado sobre como encontraram o corpo de Lorena. Não que ela fosse necessariamente mencionar essas coisas em uma conversa telefônica com uma humana desconhecida, e, no que diz respeito a isso, não iria ter muito para encontrar; vampiros se desintegram rapidamente. Mas as correntes de prata ainda estariam na piscina, e talvez houvesse lama demais para conseguirem identificar o cadáver de um vampiro. Claro, por que alguém iria olhar debaixo da capa da piscina? Mas certamente que alguém havia notado que seu prisioneiro principal tinha sumido? Talvez estivessem supondo que Bubba tinha libertado Bill enquanto ele estava perambulando pelo complexo. Nós dissemos a ele para não contar nada, e ele seguiria essa instrução ao pé da letra. Talvez eu tivesse me livrado de uma fria. Talvez Lorena estivesse completamente dissolvida até o momento em que eles começassem a limpar a piscina, na Primavera. O tópico sobre cadáveres me fez lembrar o corpo que tínhamos encontrado entulhado no armário do apartamento. Alguém com certeza sabia onde nós fomos, e com certeza alguém não gostou de nós. Deixar o corpo lá foi uma tentativa de nos vincular a um crime de homicídio, o que, na verdade, eu tinha cometido. Eu só não tinha cometido esse assassinato em particular. Eu me perguntava se o corpo de Jerry Falcon já tinha sido descoberto. A hipótese parecia remota. Eu abri a boca para perguntar a Alcide se isso tinha aparecido nos jornais e então eu fechei-a novamente. Eu não tinha a energia para formular a frase. Minha vida estava girando fora de controle. No intervalo de dois dias eu tinha escondido um cadáver e gerado outro. E tudo porque eu me apaixonei por um vampiro. Eu lancei um olhar desapaixonado em Bill. Eu estava tão absorta nos meus pensamentos, que eu quase não ouvi o telefone. Alcide, que tinha ido para a cozinha, deve ter atendido no primeiro toque.
Alcide apareceu na porta do quarto. ―Mexam-se‖, disse ele, ―todos vocês tem que se deslocar para o apartamento ao lado que está vazio. Rápido, rápido!‖ Bill me recolheu com cobertor e tudo. Saímos pela porta afora e Eric foi arrombar o apartamento ao lado do de Alcide antes que você pudesse dizer ―Jack Daniels.‖ Ouvi o lento roncado do elevador chegando ao quinto andar assim que Bill fechou a porta atrás de nós. Nós permanecemos absolutamente imóveis na fria sala vazia daquele apartamento inutilizado. Os vampiros estavam ouvindo atentamente o que estava acontecendo ao lado. Eu comecei a ter calafrios nos braços do Bill. Para dizer a verdade, era maravilhoso ficar protegida em seus braços, não importa o quanto eu estivesse zangada com ele, não importa quantos problemas nós tínhamos que resolver. Para ser sincera, eu tive uma sensação apavorantemente maravilhosa de ‗Bem vinda ao lar‘. Na verdade, não importava o quanto meu corpo estava violentado - e violentado por suas mãos, ou melhor, pelas suas presas – esse corpo mal podia esperar para encontrar com o corpo dele novamente, inteiramente nu, apesar do terrível incidente no porta-malas. Eu suspirei. Eu estava decepcionada comigo mesma. Eu teria que defender a minha mente, porque meu corpo estava pronto para me trair, na maior parte do tempo. Ele parecia estar apagando o ataque insensato de Bill. Bill me deitou no chão do menor quarto de hóspedes deste apartamento tão cuidadosamente como se eu tivesse lhe custado um milhão de dólares e me envolveu no cobertor de forma segura. Ele e Eric estavam escutando pela parede, que era compartilhada com a do quarto de Alcide. ‖Que vagabunda‖, Eric murmurou. Ah. Debbie estava de volta. Fechei os olhos. Eric fez um pequeno ruído de surpresa e eu os abri novamente. Ele estava olhando para mim, e lá estava aquela desconcertante expressão divertida na cara dele de novo. ‖Debbie tinha passado pela casa da irmã dele ontem à noite para atormentá-la sobre você. A irmã de Alcide gosta muito de você‖, disse Eric em um pequeno sussurro. ―Isso irritou a metamorfa Debbie. Ela está insultando a irmã na frente dele.‖ O rosto do Bill demonstrava que ele não estava tão entusiasmado. De repente cada linha no corpo de Bill ficou tensa, como se alguém tivesse enfiado o dedo de Bill em uma tomada elétrica. Eric ficou de queixo caído e me olhou com uma expressão ilegível. Houve o inconfundível som de uma bofetada - até eu poderia ouvi-la – mesmo se estivesse em outra dependência. ‖Deixe-nos por um momento,‖ Bill disse para Eric. Eu não gostei do som da sua voz. Fechei meus olhos. Eu não acho que estava preparada para o que quer que viesse a seguir. Eu não queria discutir com Bill, ou jogar na cara dele a sua infidelidade. Eu não queria ouvir suas explicações e desculpas. Eu ouvi o sussurro do movimento enquanto Bill se ajoelhava ao meu lado no tapete. Bill deitouse, virou de lado e estendeu seu braço sobre mim. ‖Ele simplesmente disse a esta mulher como você é boa na cama,‖ Bill murmurou suavemente. Eu levantei da minha posição deitada de bruços tão rápido que rasgou meu pescoço cicatrizado e me deu uma pontada na minha lateral quase cicatrizada. Eu encostei minha mão no meu pescoço e cerrei os meus dentes para que eu não chorasse. Quando eu pude falar, eu só consegui dizer: ―Ele o quê? Ele o quê?‖ Eu estava quase sem nexo de tanta raiva. Bill me lançou um olhar penetrante, colocou o dedo sobre os seus lábios para me lembrar de ficar quieta. ‖Eu nunca fiz‖, eu sussurrei furiosamente. ―Mas mesmo se eu tivesse feito, quer saber? Seria muito bem merecido, seu traidor filho da puta‖. Eu capturei seus olhos com os meus e fitei diretamente neles. Ok, nós íamos fazer isso agora. ‖Você está certa‖, ele murmurou. ―Deite-se, Sookie. Você está ferida.‖ ‖Claro que estou ferida‖, eu sussurrei e desatei a chorar. ―E ter que saber pelos outros, ter de ouvir que você ia simplesmente me deixar com uma pensão e iria morar com ela sem ao menos ter a coragem de falar comigo sobre isso você mesmo! Bill, como você pôde ser capaz de uma coisa dessas! Eu fui idiota o suficiente para pensar que você realmente me amava!‖ Com uma ferocidade que eu mal podia acreditar que vinha de dentro de mim, eu atirei longe o cobertor e me joguei sobre ele, os meus dedos lutando para alcançar sua garganta. E pro inferno com a dor. Minhas mãos não poderiam circular seu pescoço, mas eu avancei com toda força que eu podia e senti uma fúria sangrenta se apoderando de mim. Eu queria matá-lo. Se Bill tivesse se defendido, eu poderia agüentar firme, mas quanto mais tempo eu pressionava, mais a fúria pura recuava, deixando-me fria e vazia. Eu estava escanchada em Bill, e ele estava de cara pro chão, deitado passivamente com suas mãos junto a ele. Minhas mãos afrouxaram largando o seu pescoço e as usei para cobrir o meu rosto. ‖Espero que isso tenha doído como o inferno‖, eu disse, minha voz engasgada, mas suficientemente clara. ‖Sim‖, disse ele. ―Doeu como o inferno.‖ Bill me puxou para junto dele no chão e estendeu o cobertor sobre nós dois. Ele suavemente encostou minha cabeça sobre o espaço entre seu pescoço e seu ombro. Ficamos deitados ali em silêncio pelo que parecia ter sido muito tempo, embora talvez fossem apenas alguns minutos. Meu corpo se aninhou ao dele pelo costume e por uma profunda necessidade; embora eu não soubesse se essa necessidade era do Bill especificamente, ou da intimidade que eu só tinha compartilhado com ele. Eu o odiava. Eu o amava. ‖Sookie‖, disse ele, contra o meu cabelo, ―Eu -― ‖Shiiii!‖, eu disse. ―Silêncio.‖ Eu me aconcheguei ainda mais contra ele. Eu relaxei. Foi como tirar uma atadura especial, uma que tivesse sido enrolada apertada demais. ‖Você está vestindo roupas de outra pessoa‖, ele sussurrou, após um minuto ou dois. ―Sim, de um vampiro chamado Bernard. Ele me entregou roupas para usar depois que meu vestido foi arruinado no bar.‖ ‖No Josephine‘s?‖ ‖Sim‖. ‖Como o seu vestido ficou arruinado?‖ ‖Enfiaram uma estaca em mim.‖ Tudo nele ficou imóvel. ―Onde? Machucou?‖ Ele desembrulhou o cobertor. ―Me Mostre.‖ ‖Claro que machucou,‖ eu disse deliberadamente. ―Aquilo machuca pra caraca.‖ Eu levantei a beira do cós do moletom cuidadosamente. Seus dedos acariciaram a marca reluzente na pele. Eu não iria me curar como Bill. Poderia demorar uma noite ou duas a mais para ele se tornar tão macio e perfeito como era, ele simplesmente ficaria com a mesma aparência de antes, apesar de uma semana de tortura. Eu teria uma cicatriz pelo resto da minha vida, com ou sem sangue de vampiro. A cicatriz poderia não ser tão grave e estava certamente tomando forma num ritmo fenomenal, mas era inegavelmente vermelha e feia, a carne debaixo dela continuava sensível, por toda a área ferida. ‖Quem fez isso com você?‖ ‖Um homem. Um fanático. É uma longa história.‖ ‖Ele está morto?‖ ‖Sim. Betty Joe Pickard o matou com dois grandes golpes de seu punho. Isso meio que me lembrava de uma história que li na escola, sobre Paul Bunyan*‖. ‖Eu não conheço essa história‖. Seus olhos escuros capturaram os meus. Eu dei de ombros. ‖Contanto que ele esteja morto agora.‖ Bill se agarrou com firmeza a essa idéia. (*Paul Bunyan é um lenhador lendário que aparece em contos de ficção que fazem parte do folclore americano. Ele geralmente é retratado como um gigante, assim como um lenhador de habilidades extraordinárias. O personagem teve sua origem na obra do jornalista americano James MacGillivray. Historicamente, o personagem tornou-se muito popular na região norte dos Estados Unidos, nos arredores de Michigan, Wisconsin e Minnesota.) ―Muitas pessoas estão mortas agora. Tudo por causa de seu programa.‖ Houve um longo momento de silêncio. Bill lançou um olhar para a porta que Eric tinha fechado com muito tato. Claro, ele estava provavelmente ouvindo bem do lado de fora, pois, como todos os vampiros, Eric tem uma audição excelente. ―Ele está em segurança?‖ ‖Sim‖. A boca de Bill estava bem perto da minha orelha. Fez cócegas quando ele sussurrou: ―Eles vasculharam a minha casa?‖ ‖Não sei. Talvez os vampiros do Mississipi tenham vasculhado. Eu nunca tive uma chance de ir até lá depois que Eric, Pam e Chow vieram para me contar que você foi raptado.‖ ‖E eles contaram que...?‖ ‖Que você estava planejando me deixar. Sim. Eles me contaram.‖ ‖Eu já paguei um preço muito alto por aquele período de loucura‖, disse Bill. ‖Você pode até ter pago um preço alto demais para você‖ Eu disse, ―mas não sei se esse preço é alto o suficiente para ressarcir a mim.‖ Houve um longo silêncio no quarto frio e vazio. Estava tranquilo na sala, também. Esperava que Eric tivesse resolvido o que íamos fazer a seguir e eu esperava que isso envolvesse o assunto voltar para casa. Não importava o que aconteceu entre Bill e eu, eu precisava estar em casa, em Bon Temps. Eu precisava voltar para o meu trabalho, meus amigos e precisava ver o meu irmão. Ele podia não ser um irmão da melhor qualidade, mas ele era o único que eu tinha. Imaginei o que estaria acontecendo no apartamento ao lado. ‖Quando a rainha me procurou e disse que tinha ouvido que eu estava trabalhando em um programa que nunca tinha sido tentado antes, fiquei lisonjeado,‖ Bill me falou. ―O dinheiro que ela ofereceu era muito bom, e ela estaria dentro de seus direitos em não oferecer nenhum, já que eu sou seu súdito‖. Eu podia sentir minha boca se torcendo ao ouvir ainda outro lembrete de como o mundo do Bill era diferente do meu. ―Quem você acha que disse a ela?‖ Eu perguntei. ‖Eu não sei. Eu realmente nem quero saber‖, disse Bill. Sua voz soou espontânea, até mesmo suave, mas eu o conhecia muito bem. ‖Você sabe que eu vinha trabalhando nisso há algum tempo‖, disse Bill, quando percebeu que eu não ia dizer nada. ‖Por quê?‖ ‖Por quê?‖ Ele parecia estranhamente desconcertado. ―Bem, porque me parecia uma boa idéia. Ter uma lista de todos os vampiros da América e pelo menos uma parte do resto dos vampiros do mundo? Isso era um projeto valioso, e na verdade era meio que divertido fazer essa compilação. E quando eu comecei a fazer a pesquisa, eu pensei em incluir fotos. E pseudônimos. E histórias. Ele simplesmente foi crescendo.‖ ―Então, você estava, hum, compilando um – meio que um guia? De vampiros?‖ ‖Exatamente.‖ O rosto iluminado de Bill ficou ainda mais radiante. ―Eu simplesmente comecei a pensar numa noite nos muitos outros vampiros que eu tinha cruzado em minhas viagens ao longo do século passado e comecei a fazer uma lista, e então comecei a acrescentar desenhos que eu tinha feito ou uma fotografia que tivesse tirado‖. ‖Então, vampiros são fotografados? Quero dizer, eles aparecem nas fotos?‖ ‖Claro. Nós nunca gostamos de ter a nossa imagem reproduzida, quando a fotografia se tornou uma coisa comum na América, porque uma foto era uma prova de que tínhamos estado em um determinado lugar num determinado momento, e se nós aparecêssemos com exatamente a mesma cara vinte anos mais tarde, bem, ficaria evidente o que nós éramos. Mas, uma vez que admitimos a nossa existência, não há nenhuma razão para nos prendermos aos hábitos antigos.‖ ‖Eu aposto como alguns vampiros ainda mantêm o hábito.‖ ‖Claro. Existem alguns que continuam se escondendo nas sombras e dormindo nas criptas todas as noites‖. (Isso vindo de um cara que dormia no chão do cemitério de vez em quando.) ‖E outros vampiros ajudaram você com isso?‖ ‖Sim‖, disse ele, soando surpreso. ―Sim, alguns ajudaram. Alguns gostavam de exercitar a memória... alguns utilizavam isso como um motivo para procurar velhos conhecidos, viajar através de seus antigos fantasmas. Tenho a certeza que não tenho todos os vampiros na América, especialmente os imigrantes recentes, mas acho que eu tenho provavelmente oitenta por cento deles.‖ ―Ok, então por que a rainha está tão ansiosa para ter esse programa? Por que é que os outros vampiros o queriam, uma vez que souberam sobre o assunto? Eles todos poderiam reunir as mesmas informações, certo?‖ ‖Sim‖, disse ele. ―Mas seria muito mais fácil tomá-la de mim. E quanto à razão pela qual possuir um programa assim pode ser tão desejável é... você não gostaria de ter um livreto que listasse todos os outros telepatas nos Estados Unidos?‖ ‖Ah, claro‖, eu disse. ―Eu poderia conseguir um monte de dicas sobre como lidar com o meu problema, ou talvez como usá-lo melhor.‖ ‖Então, não seria bom ter um guia de vampiros nos Estados Unidos, no que eles são bons, onde estão situados os seus dons?‖ ‖Mas certamente alguns vampiros realmente não gostariam de estar num livro desses,‖ eu disse. ―Você me disse que alguns vampiros não quiseram sair do armário, que eles querem ficar na escuridão e caçar secretamente.‖ ‖Exatamente.‖ ‖Esses vampiros estão aí, também?‖ Bill assentiu. ‖Você quer enfiar uma estaca em si mesmo?‖ ‖Eu nunca me dei conta de quão tentador este projeto seria para mais ninguém. Nunca pensei em quanto poder ele daria a quem o possuísse, até que outros começaram a tentar roubá-lo.‖ Bill parecia melancólico. O som da gritaria no apartamento vizinho chamou a nossa atenção. Alcide e Debbie estavam lá novamente. Eles realmente faziam muito mal um ao outro. Mas alguma atração mútua os mantinha empurrados um em direção ao outro. Talvez, longe de Alcide, Debbie fosse uma boa pessoa. Não, eu não conseguia me convencer a acreditar nisso. Mas talvez ela fosse pelo menos tolerável quando as afeições de Alcide não eram um problema. Claro que eles deveriam se separar. Eles nunca deveriam ficar na mesma sala novamente. E eu tinha que considerar isso seriamente como exemplo. Olhe só para mim. Mutilada, sugada, estacada, golpeada. Deitada em um apartamento frio em uma cidade estranha com um vampiro que tinha me traído. A grande decisão estava parada bem na frente da minha cara, esperando para ser confessada e cumprida. Eu empurrei Bill para longe e levantei balançando. Eu vesti meu casaco roubado. Com o silêncio dele pesando em minhas costas, eu abri a porta para a sala. Eric estava se divertindo ao ouvir a guerra acontecendo no apartamento ao lado. ‖Leve-me para casa,‖ eu disse. ‖Claro‖, ele falou. ―Agora?‖ ‖Sim. Alcide pode largar minhas coisas por lá quando ele voltar para Baton Rouge.‖
‖Será que o Lincoln está em condições?‖ ‖Oh, sim.‖ Eu puxei as chaves do meu bolso. ―Toma‖. Caminhamos para fora do apartamento vazio e tomamos o elevador até a garagem. Bill não nos seguiu.
Eric conseguiu me alcançar enquanto eu estava me apoiando para entrar no Lincoln. ‖Eu tive que dar a Bill algumas instruções sobre limpar a bagunça que ele causou‖, ele falou, embora eu não tivesse perguntado. Eric estava acostumado a dirigir carros esportivos, e ele teve alguns problemas com o Lincoln. ‖Já passou pela sua cabeça,‖ disse ele, depois que demos a volta para fora do centro da cidade, ―que você trata de dar o fora quando as coisas entre você e Bill tornam-se instáveis? Não que eu me importe, necessariamente, já que eu ficaria feliz que vocês dois dessem fim nessa união. Mas se este é o padrão que você segue em suas ligações românticas, eu quero saber agora.‖ Pensei em várias coisas para dizer, descartando as primeiras, que teriam ferido os ouvidos da minha avó, e suspirei profundamente. ―Em primeiro lugar, Eric, o que acontece entre Bill e eu simplesmente não é da sua conta.‖ Eu deixei que isso fosse absorvido por alguns segundos. ―Em segundo lugar, a minha relação com Bill é a única que eu já tive, então eu nunca tive ideia alguma do que fazer, mesmo no dia-a-dia, muito menos estabelecer um método‖. Eu fiz uma pausa para elaborar a expressão da minha próxima opinião. ―Em terceiro lugar, estou farta de todos vocês. Estou cansada de ver todas essas coisas doentias. Estou cansada de ter que ser corajosa, e ter de fazer coisas que me apavoram, e ter que ficar andando com o bizarro e o sobrenatural. Sou apenas uma pessoa normal, e eu quero apenas namorar pessoas normais. Ou pelo menos pessoas que estão respirando.‖ Eric esperou para ver se eu tinha acabado. Eu lançei um olhar rápido sobre ele, e as luzes dos postes nas ruas iluminaram seu perfil nítido com seu nariz estreito e afiado. Pelo menos ele não estava rindo de mim. Ele nem sequer estava sorrindo. Ele olhou para mim brevemente antes de desviar sua atenção de volta para a estrada. ―Estou ouvindo o que você disse. Posso afirmar que está falando sério. Eu já tomei o seu sangue: Eu conheço seus sentimentos.‖ Um quilômetro e meio de escuridão se passou. Fiquei satisfeita por Eric ter me levado a sério. Às vezes, ele não levava; e às vezes ele parecia não se importar com o que dizia para mim. ‖Você é inadequada para os seres humanos,‖ disse Eric. Seu ligeiro sotaque estrangeiro foi mais aparente. ‖Talvez eu seja. Embora eu não veja isso como uma grande perda, já que não tive sorte com nenhum cara antes.‖ É difícil sair com alguém, quando você sabe exatamente o que seu companheiro está pensando. Então na maioria das vezes, conhecer os pensamentos exatos de um homem do pode apagar o desejo e até mesmo a afeição. ―Mas eu seria mais feliz sozinha do que eu estou agora.‖ Eu estive considerando a velha pergunta básica de Ann Landers*: Eu poderia estar melhor com ou sem ele? Minha avó, Jason e eu líamos a coluna de Ann Landers todos os dias quando Jason e eu estávamos nos tornando adultos. Nós discutíamos todas as respostas de Ann às perguntas dos leitores. Muitos dos conselhos que ela distribuía em abundância eram destinados a ajudar as mulheres a lidar com caras como o Jason, então ele certamente trazia pontos de vista para as conversas. (*Ann Landers, pseudônimo de Esther Pauline Friedman Lederer (4 de julho de 1918 - 22 de junho de 2002), escritora e jornalista americana, famosa por manter uma coluna de aconselhamento nos principais jornais dos Estados Unidos, durante de 45 anos. As pessoas escreviam para ela pedindo seu conselho sobre questões pessoais e ela publicava suas opiniões e pareceres em sua coluna. Com um estilo de linguagem direta e crítica, e muitas vezes polêmica, chegou a ser homenageada como ―A dama com todas as respostas‖. Algumas citações dela: ―As oportunidades normalmente se apresentam disfarçadas de trabalho árduo, e é por isso que muitos não as reconhecem.‖; ―Você só é você quando ninguém está olhando.‖; ― Para avaliar uma pessoa, boa medida é observar como trata alguém que não pode fazer nada por ela.‖; ―Apenas dois jovens curtem a escola secundária: um é o capitão do time de futebol, a outra é namorada dele.‖; ―Ninguém jamais se afogou em seu próprio suor.‖; Um marido é um homem que desejaria divertir-se tanto em suas viagens de negócio quanto a esposa pensa que ele se diverte.‖; ―A televisão provou que as pessoas preferem olhar qualquer coisa a se olharem.‖; ― Não aceite a admiração de seu cachorro como prova conclusiva de que você é maravilhoso.‖; ―Uma em cada quatro pessoas neste país é mentalmente desequilibrada. Pense em seus três amigos mais íntimos. Se eles parecem OK, então você é o louco.‖) Exatamente neste momento, eu estava absurdamente segura de que eu estaria melhor sem Bill. Ele tinha usado e abusado de mim, me traído e me sugado. Ele também me defendeu, me vingou, me amou e venerou com o seu corpo, e proporcionou inquestionáveis horas de companheirismo, um bem muito mais importante. Bem, eu simplesmente não estava com a minha balança à mão. O que eu tinha era um coração cheio de dor e uma maneira de ir para casa. Nós voamos pela noite escura, envolvidos em nossos próprios pensamentos. O trânsito estava tranquilo, mas esta era uma interestadual, assim, naturalmente, havia carros à nossa volta de tempos em tempos. Eu não fazia a menor ideia sobre o que Eric estava pensando, uma sensação maravilhosa. Ele podia estar debatendo consigo sobre se estender por cima do ombro e quebrar o meu pescoço, ou ele podia estar se perguntando qual teria sido o total faturado pelo Fangtasia esta noite. Eu queria que ele falasse comigo. Eu desejava que ele me contasse sobre sua vida antes de se tornar um vampiro, mas esse é um assunto realmente delicado para muitos vampiros, e eu não estava prestes a trazer isso à tona justo hoje entre tantas outras noites. Por volta de uma hora para chegar a Bon Temps, nós tomamos uma via de saída da estrada. Nós estávamos com um nível baixo de combustível, e eu precisava usar o banheiro feminino. Eric já havia começado a encher o tanque enquanto eu facilitava a saída do meu corpo dolorido cuidadosamente de dentro do carro. Ele tinha dispensado a minha oferta para encher o tanque com um cortês, ―Não, obrigado.‖ Um outro carro estava abastecendo, e a mulher, uma loira oxigenada mais ou menos da minha idade, desligou a bomba de gasolina enquanto eu saía do Lincoln. Por volta da uma da manhã, o posto de gasolina/loja de conveniência estava quase vazio a não ser pela garota, que estava excessivamente maquiada e envolvida num casaco acolchoado. Eu dei uma espiada numa pickup Toyota amassada estacionada ao lado do posto de gasolina, na única sombra sobre o terreno. Dentro da pickup, dois homens estavam sentados, envolvidos em uma conversa acalorada. ‖Está muito frio para ficar sentada do lado de fora de uma pickup,‖ a loira de raízes-de-cabeloescuras falou, enquanto nós entramos pela porta de vidro juntas. Ela adicionou um calafrio exuberante. ‖É de se imaginar,‖ eu comentei. Eu estava na metade do corredor próximo a parte de trás da loja, quando o funcionário, por trás de um grande balcão sobre uma plataforma elevada, afastouse de sua pequena televisão para receber o dinheiro da loira. A porta do banheiro estava difícil de fechar quando entrei, já que a soleira de madeira tinha expandido depois de algum vazamento antigo. Na verdade, ela provavelmente não tinha fechado completamente, já que eu estava meio que apressada. Mas a porta do compartimento reservado fechou e travou, e estava bem limpo. Sem nenhuma pressa de voltar para o carro com o silencioso Eric, eu fiquei à vontade depois de utilizar as instalações. Eu dei uma olhada no espelho sobre a pia, esperando que eu estivesse com uma aparência toda fodida e não fui contestada pelo que vi refletido ali. A marca deformada de mordida no meu pescoço parecia realmente nojenta, como se um cachorro tivesse me atacado de surpresa. Enquanto eu limpava a ferida com sabão e papel toalha umidecido, eu me perguntava se ingerir sangue vampiro me daria uma quantidade específica de força e cura extra, e em seguida ficar esgotada, ou se era bom por um determinado período de tempo tipo uma cápsula de liberação gradual de substâncias, ou qual era a parada. Depois que eu tomei o sangue do Bill, eu tinha me sentido ótima por uns dois meses. Eu não tinha um pente ou escova ou coisa alguma, e estava parecendo alguma coisa que o gato entrou arrastando*. Tentando domar o meu cabelo com meus dedos só tinha transformado uma coisa ruim em uma pior. Eu lavei o meu rosto e pescoço, e caminhei de volta em direção à claridade da loja. Eu mal percebi que mais uma vez a porta não se fechou atrás de mim, em vez disso alojando-se discretamente na soleira protuberante. Eu surgi por trás do último corredor longo de gêneros alimentícios, lotado com CornNuts** e batatas fritas Lays e Moon Pies** e Scotch Snuff** e Prince Albert** em uma lata... E dois assaltantes armados subiram até o interior da plataforma do balconista. (*No original a expressão idiomática é ‗look like something the cat dragged in‘, que significa que a pessoa está suja, bagunçada, como se a pessoa tivesse sido arrastada pelo chão. Achei melhor traduzir na íntegra por que o texto fica mais engraçado, tem o mesmo sentido e não lembrei de nenhuma expressão semelhante em português) (**CornNuts é uma marca de lanches e salgadinhos produzidos com cereais torrados ou sementes de cereais imersas em água e depois fritas com bastante óleo. **Moon Pies é uma marca de artigos de pastelaria, que consiste em uma torta formada por dois biscoitos redondos levemente doce, feitos de trigo, recheados com marshmallow e cobertos com chocolate ou outros sabores. **Scotch Snuf e Príncipe Albert são marcas tradicionais de tabaco para inalar (rapé) e charutos respectivamente.) Puta merda, porque eles simplesmente não dão logo a esses pobres balconistas camisetas com alvos enormes impressos nelas? Este foi o meu primeiro pensamento, avulso, como se eu estivesse assistindo a um filme com um roubo numa loja de conveniência. Então eu dei de cara com o aqui e agora, alertada pela tensão bem real estampada na cara do balconista. Ele era absurdamente jovem - um adolescente magro, manchado de acne. E ele estava encarando os dois caras enormes armados. Suas mãos estavam para cima, e ele estava com uma raiva dos infernos. Eu teria esperado uma choradeira implorando por sua vida, ou ficar sem nexo, mas este rapaz estava furioso. Esta era a quarta vez que ele estava sendo roubado, eu tinha acabado de ler em sua mente. E a terceira vez sob a mira de uma arma. Ele estava desejando poder agarrar a arma debaixo do banco em sua caminhonete atrás da loja e fazer esses filhos-da-puta voarem pelos ares rumo ao inferno. E ninguém tinha conhecimento de que eu estava lá. Eles não pareciam ter percebido. Não que eu estivesse reclamando, ok? Eu olhei atrás de mim, para verificar se a porta do banheiro tinha empenado aberta novamente, assim seu barulho não iria me trair. A melhor coisa para eu fazer seria deslizar para a porta dos fundos do local, se eu conseguisse encontrá-la, e correr ao redor do prédio para encontrar Eric e chamar a polícia. Espere um minuto. Agora que eu pensei em Eric, onde ele estava? Por que ele não tinha entrado para pagar pela gasolina? Se fosse possível ter um pressentimento ainda mais sinistro do que o que eu já estava tendo, esse era o momento apropriado. Se Eric não ainda tinha entrado, Eric não iria mais entrar. Talvez ele tivesse decidido ir embora. Me abandonar. Aqui. Sozinha. Exatamente como Bill abandonou você, minha mente abasteceu de maneira útil. Bem, muitíssimo obrigada por esse alerta infernal, Mente.
Ou talvez eles tivessem atirado nele. Se ele tivesse tido algum ferimento na cabeça... não havia cicatrização para um coração atingido diretamente por uma bala de alto calibre. Não havia nenhum propósito sequer em ficar parada ali me preocupando. Esta era uma típica loja de conveniência. Você entra pela porta da frente, e o balconista está atrás de um longo balcão a sua direita, sobre uma plataforma. As bebidas frias estavam no refrigerador que ocupava a parede esquerda. Você ficaria de frente para três longos corredores acompanhando a extensão da loja, além de muitas peças promocionais para exibição de produtos e várias pilhas separadas de canecas, pedaços de carvão e comida de passarinho. Eu estava completamente no fundo da loja e eu podia ver o balconista (facilmente) e os bandidos (muito pouco) por cima dos produtos da mercearia. Eu tinha que sair da loja, de preferência invisível. Eu localizei uma porta rústica com tiras de madeira, sinalizando ―Somente Funcionários‖ mais adiante junto a parede dos fundos. Ela estava na verdade do outro lado, atrás do balcão que ficava o funcionário. Havia um espaço entre o fim do balcão e a parede e, do final do meu corredor até o início desse balcão, eu ficaria exposta. Não haveria nenhum lucro em ficar esperando. Abaixei minhas mãos e joelhos e começei a engatinhar. Me movi devagar, para que eu pudesse ouvir, também. ‖Você viu alguém loiro entrar aqui, mais ou menos desta altura?‖ o mais musculoso dos dois ladrões estava perguntando, e de repente senti que ia desmaiar. Qual dos loiros? Eu, ou Eric? Ou a loira oxigenada? Obviamente, eu não podia ver a indicação da altura. Eles estavam procurando por um vampiro homem ou uma mulher telepata? Ou... Afinal de contas, eu não era a única mulher no mundo que poderia ter se metido em apuros, eu lembrei a mim mesma. ‖A mulher loira que entrou aqui cinco minutos atrás, comprou alguns cigarros,‖ disse o garoto de um jeito mal-humorado. Muito bem, cara! ‖Nãnn, essa aí acabou de cair fora. Queremos aquela que estava com o vampiro.‖ Yep, essa seria eu. ‖Eu não vi nenhuma outra mulher,‖ disse o garoto. Eu levantei um pouco os olhos e vi o reflexo de um espelho montado no canto superior da loja. Era um espelho de segurança para que o balconista pudesse detectar ladrões de loja. Eu pensei, ele pode me ver agachada aqui. Ele sabe que estou aqui. Deus o abençoe. Ele estava dando o melhor de si por mim. Eu tinha que dar o melhor de mim por ele. Ao mesmo tempo, se pudéssemos evitar levar um tiro, isso seria uma coisa muito boa. E onde diabos estava o Eric? Abençoando minha calça de moletom e os chinelos emprestados por serem macios e silenciosos, eu me arrastei deliberadamente em direção à porta de madeira pintada ―Somente Funcionários‖. Me perguntava se ela rangia. Os dois assaltantes ainda estavam conversando com o balconista, mas bloqueei as suas vozes para que eu pudesse me concentrar em alcançar a porta. Eu já tinha ficado apavorada antes, inúmeras vezes, mas este estava indo direto para o topo da lista dos acontecimentos mais assustadores da minha vida. O meu pai fazia caçadas, Jason e seus amigos caçavam, e eu tinha assistido um massacre em Dallas. Eu sabia o que as balas podiam fazer. Agora que eu tinha alcançado o fim do corredor, eu chegaria ao final da minha cobertura. Eu espiei ao redor do último expositor no canto. Eu tinha que atravessar cerca de 1,20 metro de chão aberto para alcançar a cobertura parcial do longo balcão que seguia em direção à caixa registadora. Eu ficaria mais abaixada e bem escondida dos ladrões conforme sua perspectiva, desde que eu atravessasse o espaço vazio.
―Carro estacionando,‖ disse o balconista, e os dois assaltantes automaticamente olharam para fora da janela de vidro laminado. Se eu não tivesse sabendo o que ele estava fazendo telepaticamente, eu poderia ter hesitado tempo demais. Eu escapei cruzando o piso de linólio exposto mais rápido do que eu acreditaria ser possível. ‖Não vejo nenhum carro,‖ disse o homem menos corpulento. O funcionário disse, ―Eu pensei ter ouvido a campainha tocar, aquela que toca quando um um carro passa através dela.‖ E me estiquei e virei a maçaneta da porta. Ela abriu silenciosamente. ‖Ela toca às vezes quando não há ninguém lá,‖ continuou o garoto, e eu percebi que ele estava tentando fazer barulho e segurar a atenção deles para que eu pudesse sair pela porta. Deus o abençoe, mais uma vez. Eu empurrei a porta um pouco mais, e passei por ela andando com os joelhos dobrados igual um pato*. Eu estava em uma passagem estreita. Havia outra porta no final dessa passagem, uma porta que provavelmente levava ao terreno atrás da loja de conveniência. Na porta estava um molho de chaves. Eles sabiamente mantinha a porta dos fundos trancada. Em um dos pregos numa fileira ao lado da porta dos fundos estava pendurado um casaco pesado com estampa camuflada. Eu enfiei minha mão no fundo do bolso da direita e peguei as chaves do garoto. Isso foi só um palpite de sorte. Acontece. Agarrando-as com força para impedir que tilintassem, abri a porta traseira e andei para o lado de fora. (*No original a expressão é Duck Walk, que provavelmente foi um termo encaixado no inglês graças ao famoso movimento criado pelo guitarrista americano Chuck Berry, e adotado por muitos outros desde então. O movimento consiste em saltar sobre uma perna e sacudir a outra num vai-e-vem enquanto tocava a guitarra, o que lembrava vagamente o desajeitado gingado de um pato. Berry ocasionalmente começou a sacudir sua cabeça para frente e para trás, como um pássaro faz, para enfatizar ainda mais o gesto, que foi feito pela primeira vez em um show em Nova York em 1956, para esconder um defeito repentino em seu terno de rayon, no meio da apresentação e acabou fazendo sucesso e virando a marca registrada de Chuck Berry.) Não havia nada lá fora além de uma caminhonete amassada e um fedorento contêiner de lixo. A iluminação era fraca, mas pelo menos tinha alguma luz. O asfalto estava rachado. Como era inverno, as plantas que brotaram a partir dessas fissuras estavam secas e amareladas. Eu ouvi um pequeno barulho à minha esquerda e prendi meu fôlego instável depois de saltado cerca de uns 30 centímentros. O som foi causado por um enorme guaxinim velho, e ele foi andando lentamente em direção ao pequeno trecho de árvores atrás da loja. Eu exalei tão vacilante quanto eu tinha prendido o fôlego. Me esforcei para manter o foco sobre o molho de chaves. Infelizmente, tinha cerca de umas vinte. Este rapaz guardava mais chaves do que esquilos guardavam sementes de carvalho. Ninguém neste mundo de Deus poderia usar este monte de chaves. Eu empurrei elas desesperadamente, e finalmente escolhi uma que tinha a marca GM impressa na proteção de borracha preta. Eu destranquei a porta e estendi as mãos no interior mofado, que cheirava fortemente a cigarros e cachorros. Sim, a espingarda estava sob o assento. Eu a abri. Estava carregada. Graças a Deus Jason acreditava em auto-defesa. Ele me mostrou como carregar e disparar seu novo Benelli*. (*Benelli Armi SpA é um fabricante italiano de armas fundado em 1967, localizado em Urbino, Itália, mais conhecido pela alta qualidade das espingardas utilizadas por militares, policiais e civis em todo o mundo. Especialmente famoso é o M3 Benelli calibre 12, usado intensivamente pelas equipes da SWAT americana.) Apesar da minha nova proteção, eu estava tão assustada, que não tinha certeza que poderia chegar perto da frente da loja. Mas eu tinha que sondar toda a situação, e descobrir o que tinha acontecido com Eric. Eu me aproximei devagar pelas laterais do prédio onde a velha Pickup Toyota estava estacionada. Não tinha nada nos fundos, exceto uma pequena mancha que acumulou um fragmento disperso de luz. A espingarda apoiada em um braço, eu abaixei um pouco para colocar um dedo sobre o gatilho. Sangue fresco. Senti-me velha e fria. Eu fiquei com a minha cabeça arqueada por um longo momento, e então eu abracei a mim mesma. Eu olhei dentro da janela do motorista e descobri que a cabine estava destrancada. Bem, dias felizes. Eu abri a porta silenciosamente, olhei por dentro. Havia uma caixa de tamanho considerável aberta no banco da frente, e quando eu chequei o seu conteúdo, o meu coração afundou tanto, que pensei que ia sair pela sola do meu sapato. Do lado de fora da caixa estava carimbado ―Conteúdo: Dois.‖ Agora ela continha uma rede de fios de prata, do tipo vendido nas revistas ―mercenárias‖, do tipo que sempre eram anunciadas como ―à prova de vampiro.‖ Isso era como chamar uma jaula de tubarão de um empecilho infalível contra mordidas de tubarão. Onde estava o Eric? Eu dei uma olhada ao redor das proximidades imediatas, mas não vi nenhum vestígio. Eu podia ouvir o tráfego movendo-se rapidamente pela interestadual, mas o silêncio se instalou sobre este estacionamento sombrio. Meus olhos pousaram em um canivete no pára-lamas. Uhuuuu! Cuidadosamente colocando a espingarda sobre o banco da frente, eu removi a faca, abri-a depois de ter acomodado a espingarda, e a segurei no ponto para afundá-la no pneu. Então eu pensei duas vezes. Um pneu perfurado com todo o coração seria prova de que alguém tinha estado aqui, enquanto os ladrões estavam lá dentro. Isso talvez não fosse uma coisa boa. Eu me contentei em furar um único buraco no pneu. Era só um pequeno buraco que poderia ter surgido por qualquer coisa, eu disse a mim mesma. Se eles fossem sair dirigindo, teriam que parar em algum lugar no caminho. Então eu coloquei o canivete no bolso – eu estava definitivamente roubando muito ultimamente – e voltei para as sombras ao redor do edifício. Isto não tinha levado tanto tempo quanto você poderia achar, mas ainda assim passaram-se vários minutos desde que eu tinha avaliado a situação na loja de conveniência. O Lincoln ainda estava estacionado ao lado das bombas de gasolina. A mangueira da gasolina estava fechada, então eu sabia que Eric tinha acabado de reabastecer antes que algo tivesse acontecido com ele. Eu me infiltrei virando o canto do prédio, me encaixando em seus contornos. Encontrei uma boa cobertura à frente, no ângulo formado pela máquina de fazer gelo e as paredes da frente da loja. Eu arrisquei me levantar o bastante para espiar sobre o topo da máquina. Os assaltantes tinham chegado até a parte mais alta onde ficava o balconista, e eles estavam batendo nele. Ei, chegou a hora. Isso tinha que parar. Eles estavam batendo nele porque queriam saber onde eu estava escondida, era o meu palpite; e eu não poderia deixar outra pessoa levar uma surra pro minha causa. ‖Sookie,‖ disse uma voz atrás de mim. No instante seguinte uma mão prendeu minha boca quando eu estava prestes a gritar. ‖Desculpe,‖ sussurrou Eric. ―Eu devia ter pensado em uma maneira melhor de te avisar que eu estava aqui.‖ ‖Eric,‖ eu disse, assim que pude falar. Ele podia perceber que eu estava mais calma, e removeu sua mão. ―Nós temos de salvá-lo.‖ ‖Por quê?‖ Às vezes os vampiros simplesmente me espantavam. Bem, as pessoas também, mas esta noite foi um vampiro. ‖Porque ele está sendo espancado por nossa causa, e eles provavelmente vão matá-lo, e isso vai ser culpa nossa!‖ ‖Eles estão roubando a loja,‖ disse Eric, como se eu estivesse particularmente desorientada. ―Eles estavam com uma nova rede de prata contra vampiros, e eles acharam que poderiam experimentá-la em mim. Eles não sabem ainda, mas não funcionou. Mas eles são apenas vagabundos oportunistas.‖ ―Eles estão procurando por nós,‖ eu disse furiosamente. ‖Conte mais,‖ ele sussurrou, e eu contei. ‖Me dá a espingarda,‖ disse ele. Eu estava bem agarrada a ela. ―Você sabe como usar uma dessas coisas?‖ ‖Provavelmente tão bem quanto você.‖ Mas ele olhou para ela de forma duvidosa. ‖É aí que você se engana,‖ eu disse a ele. Ao invés de ter uma argumentação prolongada enquanto meu novo herói estava ganhando lesões internas, eu avancei agachada passando pela máquina de gelo, a estrutura que acomodava o gás propano, e pela porta da frente entrando na loja. A pequena campainha em cima da porta tocou loucamente, e apesar de que com toda a gritaria eles não pareciam ter ouvido, eles certamente prestaram atenção quando eu disparei um tiro em direção ao teto sobre suas cabeças. Uma chuva de telhas, poeira e cabos de isolamento desabou. Quase que fui achatada, mas nem tanto. Eu nivelei a arma direito sobre eles. Eles ficaram congelados. Era como jogar Balance a Estátua* quando eu era pequena. Mas não exatamente. O pobre balconista cheio de acne estava com o rosto ensanguentado, e eu tinha certeza que seu nariz foi quebrado, e alguns de seus dentes estavam soltos. (*No original o nome do jogo é ‗Swing the Statue‘ onde cada time é formado por dois jogadores. No ―Já‖ cada dupla faz o seguinte: um jogador segura a mão do seu parceiro e o faz ficar girando em volta de si mesmo, depois solta a mão. O jogador que ficou girando tem que segurar o impulso de sua mão, mantendo-a onde está, paralisado nesta posição. Se o jogador perder o equilíbrio, e se mover, a equipe dele perde.) Senti uma fúria afiada atravessando meus olhos. ―Deixem o rapaz ir,‖ eu disse claramente. ‖Vai atirar em nós, mocinha?‖ ‖Pode apostar o seu traseiro nisso,‖ eu disse. ‖E se ela errar, eu vou pegar você,‖ disse a voz de Eric, por cima e logo atrás de mim. Um vampiro grande garante um suporte incrível. ‖O vampiro se soltou, Sonny.‖ O que falou era um homem bem magricela com as mãos imundas e botas engorduradas. ‖Eu tô vendo,‖ disse Sonny, o mais corpulento. Ele era mais escuro, também. A cabeça do homem menor era coberta com esse cabelo descolorado, do tipo que as pessoas chamam de ―castanho‖, porque eles têm de chamar de alguma coisa. O jovem balconista conseguiu erguer-se apesar de sua dor e medo e deu a volta no balcão tão rápido quanto pôde se mover. Misturado com o sangue em seu rosto estava um monte de pó branco do tiro que dei no teto. Ele parecia uma visão. ―Vejo que encontrou minha espingarda,‖ ele disse enquanto passava por mim, cuidadosamente não ficando entre os bandidos e eu. Ele puxou um celular do seu bolso, e eu ouvi os pequenos bips enquanto ele pressionava os números. Sua voz rosnada estava rapidamente destacada na conversa com a polícia. ‖Antes que a polícia chegue aqui, Sookie, nós precisamos descobrir quem enviou estes dois imbecis,‖ disse Eric. Se eu fosse eles, eu estaria extremamente assustada com o tom da sua voz, e eles pareciam estar conscientes do que um vampiro zangado poderia fazer. Pela primeira vez Eric ficou lado a lado comigo e, em seguida, um pouco à frente, e eu pude ver o rosto dele. Chamas entrelaçavam seu rosto como se fossem galhos enfurecidos de hera venenosa. Ele tinha sorte que só o seu rosto estava à vista, mas duvido que ele estivesse se sentindo tão sortudo por isso. ‖Venha até aqui,‖ disse Eric, e ele direcionou seu olhar para os olhos de Sonny. Sonny imediatamente desceu a plataforma do balconista e deu a volta no balcão, enquanto seu companheiro ficou boquiaberto.
―Fique aí,‖ disse Eric. O homem decorado fechou seus olhos bem apertados para que ele não pudesse vislumbrar Eric, mas ele acabou abrindo só uma fresta quando ouviu Eric dar um passo à frente, e isso foi o suficiente. Se você mesmo não tiver nenhuma habilidade extra, simplesmente não pode olhar nos olhos de um vampiro. Se eles querem, eles te pegam. ‖Quem mandou você aqui?‖ Eric perguntou suavemente. ‖Um dos Perdigueiros do Inferno,‖ Sonny disse, sem qualquer inflexão em sua voz. Eric pareceu sobressaltado. ―Um membro da gangue da motocicleta,‖ Eu expliquei cuidadosamente, consciente de que tínhamos um civil presente que estava ouvindo com grande curiosidade. Eu estava recebendo uma ótima ampliação das respostas através de seus cérebros. ‖O que eles mandaram que vocês fizessem?‖ ‖Eles nos disseram para esperar, ao longo da interestadual. Existem outros caras esperando em outros postos de gasolina.‖ Eles convocaram cerca de quarenta criminosos no total. Eles desembolsaram um monte de dinheiro. ‖O que vocês deveriam ficar esperando?‖ ‖Um cara moreno forte e um cara loiro alto. Com uma mulher loira, muito jovem, com peitos legais.‖ A mão de Eric se moveu rápido demais para que eu acompanhasse. Eu só tive certeza de que ele tinha se movido quando vi o sangue escorrendo pelo rosto de Sonny. ‖Você está falando da minha futura namorada. Tenha mais respeito. Por que vocês estão nos procurando?‖ ‖Era pra gente capturar vocês. Levá-los de volta para Jackson.‖ ‖Por quê?‖ ‖A gangue suspeita que vocês podem ter algo a ver com o desaparecimento do Jerry Falcon. Eles queriam fazer a vocês algumas perguntas sobre isso. Eles tinham alguém vigiando um prédio de apartamentos, que observou vocês dois saindo em um Lincoln, e havia seguido vocês parte do caminho. O cara moreno não estava com você, mas a mulher era a mesma, então fomos no seu encalço.‖ ―Os vampiros de Jackson sabem alguma coisa sobre este plano?‖ ‖Não, a gangue considera que isto é problema deles. Mas eles também estão com um monte de outros problemas, um prisioneiro escapou e assim por diante, e um monte de gente estava doente. Daí entre uma coisa e outra, eles recrutaram um monte de nós para ajudar.‖ ‖O que são estes homens?‖ Eric me perguntou. Fechei os olhos e pensei cuidadosamente. ―Nada,‖ eu disse. ―Eles não são nada.‖ Eles não eram metamorfos, ou lobis, ou coisa alguma. Eles praticamente nem eram seres humanos, na minha opinião, mas ninguém tinha morrido e me transformado em Deus. ‖Temos de sair daqui,‖ disse Eric. Concordei de todo coração. A última coisa que eu queria fazer era passar a noite na delegacia, e para Eric, isso era uma coisa impossível. Não tinha nenhuma cela aprovada para um vampiro em qualquer prisão mais próxima do que em Shreveport. Que inferno, a delegacia em Bon Temps agora que tinha conseguido um acesso para cadeira de rodas. Eric olhou para os olhos de Sonny. ―Nós não estivemos aqui,‖ disse ele. ―Esta moça e eu.‖ ‖Só o garoto,‖ Sonny concordou. Novamente, o outro bandido tentou manter os olhos bem fechados, mas Eric soprou em seu rosto, e exatamente como um cão faria, o homem abriu os olhos e tentou menear para trás. Eric o manteve por um segundo, e repetiu o procedimento. Então ele virou-se para o balconista e entregou-lhe a espingarda. ―É sua, eu acredito,‖ disse Eric. ‖Obrigado,‖ disse o garoto, seus olhos estavam firmes sobre o cano da espingarda. Ele apontou para os ladrões. ―Eu sei que vocês não estiveram aqui,‖ ele murmurou, mantendo seu olhar à frente dele. ―E eu não direi nada à polícia.‖ Eric colocou quarenta dólares sobre o balcão. ―Pela gasolina,‖ explicou. ―Sookie, vamos cair fora rápido.‖ ―Um Lincoln com um buraco grande no porta-malas realmente se destaca,‖ o garoto falou atrás de nós. ‖Ele está certo.‖ Eu estava afivelando o cinto e Eric estava acelerando enquanto ouvimos sirenes, muito perto. ‖Eu deveria ter pego a pickup,‖ disse Eric. Ele parecia satisfeito com a nossa aventura, agora que ela tinha acabado. ‖Como está o seu rosto?‖ ‖Está ficando melhor.‖ As marcas já não estavam tão evidentes. ‖O que aconteceu?‖ Perguntei, esperando que este não fosse um assunto muito delicado. Ele me lançou um olhar de lado. Agora que estávamos de volta na estrada, nós tínhamos diminuído para o limite de velocidade, assim não pareceria a nenhum dos muitos carros da polícia que estavam indo em direção à loja de conveniência que estávamos fugindo. ‖Enquanto você estava cuidando de suas necessidades humanas no banheiro,‖ disse ele, ―acabei de colocar gasolina no tanque. Eu tinha desligado a bomba e estava quase na porta quando esses dois saíram da caminhonete e simplesmente jogaram uma rede sobre mim. Isso foi muito humilhante, que eles foram capazes de fazer isso, dois idiotas com uma rede de prata.‖ ―Sua mente deveria estar em outro lugar.‖ ‖Sim,‖ disse ele concisamente. ―Estava.‖ ‖Então, o que aconteceu?‖ Perguntei, quando pareceu que ele ia parar por aí. ‖O mais forte me bateu com a coronha da sua arma, e isso me tomou um pouco de tempo para me recuperar,‖ disse Eric. ‖Eu vi o sangue.‖ Ele tocou num lugar na parte de trás da cabeça. ―Sim, eu sangrei. Após acostumar com a dor, eu prendi por sorte um canto da rede sobre o pára-choque da caminhonete deles e consegui me desenrolar dela. Eles foram incompetentes nisso, assim como são em assaltar. Se tivessem amarrado a rede lacrando com correntes de prata, o resultado poderia ter sido diferente.‖ ‖Daí você ficou livre?‖ ‖O golpe na cabeça se tornou um problema maior do que eu imaginei no primeiro momento,‖ disse Eric rigidamente. ―Eu segui correndo pela parte de trás da loja até a torneira da água, do outro lado. Então, eu ouvi alguém saindo pelos fundos. Assim que tinha me recuperado, eu segui os sons e encontrei você.‖ Após um longo momento de silêncio, Eric me perguntou o que havia acontecido na loja. ―Eles me confundiram com a outra mulher que entrou na loja, ao mesmo tempo em que fui ao banheiro feminino,‖ expliquei. ―Eles não pareciam ter certeza de que eu estava na loja, e o balconista estava dizendo a eles que tinha entrado apenas uma mulher, e ela tinha ido embora. Eu sabia que ele tinha uma espingarda em sua caminhonete – você sabe, eu o ouvi pensando – e eu fui até lá e a peguei, furei o pneu da caminhonete deles, e fiquei te procurando, porque eu percebi que algo tinha acontecido com você.‖ ‖Então você planejava salvar a mim e o balconista, ao mesmo tempo?‖ ‖Bem ... sim.‖ Eu não consegui entender o estranho tom da sua voz. ―Eu não achei que tivesse tantas opções naquela hora.‖ As marcas em seu rosto eram apenas linhas rosadas agora. O silêncio ainda não parecia descontraído. Estávamos há cerca de quarenta minutos de casa agora. Eu comecei a desistir de manter o assunto. Mas não deixei. ‖Você não parece muito feliz com alguma coisa,‖ eu disse num explícito tom de rodeio em minha voz. Meu próprio temperamento estava se desfazendo pelas beiradas. Eu sabia que estava seguindo na direção errada da conversa; eu sabia que deveria apenas me contentar com o silêncio, por mais ansioso e abundante. Eric pegou a saída para Bon Temps e virou na direção sul. Às vezes, em vez de ir pelo caminho menos movimentado, você apenas arranca direto pelo caminho que todos seguem. ‖Poderia haver algo errado com o fato de tentar resgatar vocês dois?‖ Estávamos dirigindo por Bon Temps agora. Eric virou a Leste após os edifícios ao longo da avenida principal gradualmente diminuindo e desaparecendo. Passamos pelo Merlotte‘s, ainda aberto. Nós viramos ao sul novamente, em uma pequena estrada municipal. Então descemos aos trancos e barrancos a entrada da minha casa. Eric encostou o carro e desligou o motor. ―Sim,‖ disse ele. ―Tem algo de errado com isso. E por que diabos você não manda consertar a entrada da sua casa?‖ A sequência de tensões que se expandiram entre nós estourou. Eu estava fora do carro num instante*, e ele também. Nos encaramos por cima do teto do Lincoln, embora eu não aparecesse tanto. Eu avancei ao redor do carro até ficar frente a frente com ele. (*no original a expressão é ―In a New York minute‖ que é um termo informal utilizado para significar um período muito curto de tempo. O termo refere-se à percepção comum de que as pessoas na cidade de Nova York são apressadas e impacientes) ―Porque eu não posso pagar por isso, taí o motivo! Eu não tenho dinheiro nenhum! E vocês todos ficam me pedindo para tirar uma folga no meu trabalho para fazer coisas para vocês! Eu não posso! Eu não posso mais fazer isso!‖ Eu gritei. ―Eu me demito!‖ Houve um longo momento de silêncio enquanto Eric me observava. Meu peito estava arfando sob o meu casaco roubado. Senti algo curioso, algo estava me incomodando sobre a aparência da minha casa, mas eu estava muito esquentada para analisar a minha preocupação. ‖Bill...‖ Eric começou com cautela, e isso me atingiu como um foguete. ‖Ele está gastando todo o seu dinheiro com os excêntricos Bellefleurs,‖ eu disse, o meu tom desta vez deprimido e venenoso, mas não menos sincero. ―Ele nunca se preocupa em me dar dinheiro. E como eu poderia aceitá-lo? Isso me tornaria uma aproveitadora, e eu não sou a puta dele, eu sou a sua... Eu costumava ser sua namorada.‖ Eu tomei um fôlego profundo, convulsivo, miseravelmente consciente de que eu iria chorar. Seria melhor se eu ficasse furiosa novamente. Eu tentei. ―De onde você tirou aquela, dizendo a eles que eu sou a sua... a sua futura namorada? De onde foi que saiu isso?‖ ‖O que aconteceu com o dinheiro que você recebeu em Dallas?‖ Eric perguntou, me pegando completamente de surpresa. ―Eu paguei os impostos sobre minha propriedade com ele.‖ ‖Alguma vez você pensou que, se você me dissesse onde Bill estava escondendo seu programa de computador, eu daria a você qualquer coisa que você quisesse? Você não se deu conta de que Russell teria pago generosamente a você?‖ Eu prendi minha respiração, tão ofendida, que eu mal sabia por onde começar. ‖Eu vejo que você não pensou nessas coisas.‖ ‖Ah, sim, eu sou simplesmente um anjo.‖ Na verdade, nenhuma dessas coisas tinha me passado pela cabeça, e eu estava quase na defensiva porque não tinham passado. Eu estava tremendo de raiva, e todo o meu bom senso saiu pela janela. Gostaria de sentir a presença de outros cérebros no trabalho, e o fato de que alguém estava ocupando meu lugar me irritava ainda mais. A parte racional da minha mente foi esmagada sob o peso da minha ira. ‖Alguém está esperando em minha casa, Eric.‖ Eu dei a volta e pisei forte sobre a minha varanda, encontrando a chave que tinha escondido debaixo da cadeira de balanço que minha avó tinha amado. Ignorando tudo que o meu cérebro estava tentando me dizer, ignorando o início de um grito de Eric, eu abri a porta da frente e fui atingida com uma tonelada de tijolos.
―Nós a pegamos‖, disse uma voz que eu não reconheci. Eu tinha sido puxada pelos meus pés e estava balançando entre dois homens que estavam me carregando. ‖E sobre o vampiro?‖ ‖Eu atirei nele duas vezes, mas ele entrou na floresta. Ele escapou.‖ ‖Isso é má notícia. Trabalhe rápido.‖ Eu podia sentir que havia muitos homens na sala comigo e abri meus olhos. Eles tinham ligado as luzes. Eles estavam na minha casa. Eles estavam no meu lar. Isso me deixou mal, tanto quanto o golpe que levei na mandíbula. De alguma maneira, eu presumi que meus visitantes seriam Sam ou Arlene ou Jason. Havia cinco estranhos na minha sala, se é que eu estava raciocinando claramente o bastante para conferir. Mas antes que eu pudesse perceber mais alguma coisa, um dos homens - e agora eu me dei conta de que ele estava vestindo um colete de couro familiar - me deu um soco no estômago. Eu não tinha fôlego suficiente para gritar. Os dois homens me segurando me puxaram para a posição vertical. ‖Onde ele está?‖ ‖Quem?‖ Eu realmente não podia me lembrar, a esta altura, quem era a pessoa desaparecida em particular que ele queria que eu indicasse a localização. Mas, evidentemente, ele bateu em mim novamente. Tive um minuto apavorante, quando eu precisei vomitar, mas não conseguia por que estava sem ar. Eu estava me sentindo estrangulada e sufocada. Finalmente, eu tomei um fôlego profundo. Foi barulhento e doloroso e simplesmente glorioso. Meu interrogador lobis, que tinha cabelo claro e cortado bem curto próximo ao seu couro cabeludo e um cavanhaque um pouco asqueroso, me esbofeteou, com força, de mão aberta. Minha cabeça sacudiu sobre meu pescoço como um carro com amortecedores defeituosos. ―Onde está o vampiro, puta?‖ o lobis dizia. Ele posicionou seu punho novamente. Eu não conseguia aturar mais nada disto. Eu decidi acelerar as coisas. Eu estendi minhas pernas para cima e, enquanto os dois ao meu lado prendiam meus braços violentamente, eu chutei o lobis que estava na minha frente com ambos os pés. Se eu não tivesse usando minhas pantufas, provavelmente isso teria sido mais eficaz. Eu nunca estou usando coturnos quando eu preciso deles. Mas o de cavanhaque asqueroso chegou a cambalear para trás, e então ele veio para cima de mim com a minha morte em seus olhos. Até então as minhas pernas já tinham dado uma guinada de volta para o chão, mas eu fiz com que continuassem indo para trás e me livrei dos dois que me prendiam, deixando-os completamente sem equilíbrio. Eles titubearam, tentaram se recuperar, mas suas pisadas furiosas foram em vão. Fomos todos parar no chão, o lobis juntamente conosco. Isto poderia não ser melhor, mas foi um avanço melhor que ficar esperando para ser atingida. Eu tinha caído de cara, já que meus braços e mãos não estavam sob meu controle. Um cara chegou a me soltar enquanto caíamos, e quando eu consegui usar essa mão como apoio para me alavancar, eu me impulsionei pra longe do outro homem. Eu estava quase de pé quando o lobis, mais rápido do que os humanos, conseguiu agarrar o meu cabelo. Ele deu um tapa no meu rosto, enquanto ele enrolou meus cabelos ao redor de sua mão para ter um apoio mais firme. Os outros contratados se aproximaram, para ajudar os dois que estavam no chão a levantar, ou apenas para me ver sendo espancada. Na prática, a luta acabou em poucos minutos porque as pessoas se esgotam rápido. Tinha sido um dia muito longo e, de fato, eu estava disposta a desistir diante dessas probabilidades esmagadoras. Mas eu tinha um pouco de orgulho e fui em direção ao cara mais perto de mim, um cara que parecia um porco barrigudo com cabelo escuro e oleoso. Eu cravei meus dedos em seu rosto, tentando causar qualquer dano que eu pudesse, enquanto eu conseguisse. O lobis me deu uma joelhada na barriga, eu gritei, o homem- porco começou a gritar para os outros que me tirassem de perto dele, e a porta da frente foi aberta com um estrondo assim que Eric entrou, sangue cobrindo o seu peito e sua perna direita. Bill estava logo atrás dele. Perderam todo o controle. Eu vi em primeira mão o que um vampiro poderia fazer. Após um segundo, eu percebi que a minha ajuda não seria necessária e decidi que a deusa das garotas realmente resistentes teria de me desculpar enquanto eu fechava os olhos. Em dois minutos, todos os homens na minha sala estavam mortos. ―Sookie? Sookie?‖ a voz de Eric estava rouca. ―Nós precisamos levá-la ao hospital?‖ ele perguntou a Bill. Senti dedos frios no meu punho, tocando meu pescoço. Eu quase expliquei, pra variar, que eu estava consciente, mas era difícil demais. O chão parecia um bom lugar para ficar. ‖Seu pulso está forte‖, relatou Bill. ―Eu vou mudá-la de posição.‖ ‖Ela está viva?‖ ‖Sim‖. A voz de Eric, de repente mais perto, disse, ―esse sangue é o dela?‖ ‖Sim, um pouco.‖ Ele inspirou profunda e convulsivamente. ―O dela é diferente.‖ ‖Sim‖, disse Bill friamente. ―Mas certamente você já está saciado agora.‖ ‖Já faz muito tempo desde que eu tomei sangue de verdade em abundância‖, disse Eric, exatamente como o meu irmão, Jason, comentaria que já fazia tempo desde que ele tinha comido bolo de amoras silvestres. Bill deslizou suas mãos por baixo de mim. ―Para mim, também. Precisamos colocar todos eles no quintal‖, disse ele casualmente, ―e limpar a casa de Sookie.‖ ‖Claro.‖ Bill começou a virar meu corpo, e eu comecei a chorar. Eu não podia evitar. Por mais forte que eu quisesse ser, tudo que eu podia pensar era no meu corpo. Se você alguma vez foi espancada de verdade, você sabe o que quero dizer. Quando você é realmente agredida, você se dá conta de que é apenas um envelope de pele, um envelope facilmente penetrável que detém uma grande quantidade de fluidos e algumas estruturas rígidas, que ao ser virado pode simplesmente se partir e ser violado. Eu pensei que tinha ficado gravemente ferida em Dallas, algumas semanas antes, mas desta vez me senti muito pior. Eu sabia que não significava que tinha sido pior; havia uma grande quantidade de nervos, músculos e ligamentos danificados. Em Dallas, o osso da maçã do meu rosto foi fraturado e meu joelho tinha torcido. Eu achava que talvez o joelho tivesse sido comprometido novamente e que talvez um dos tapas tivesse fraturado a maçã do rosto de novo. Eu abri meus olhos, pisquei e os abri novamente. Minha visão ficou nítida após alguns segundos. ―Você pode falar?‖ Eric disse, depois de um longo, longo momento. Eu tentei, mas minha boca estava tão seca, nada saía. ‖Ela precisa de uma bebida.‖ Bill correu para a cozinha, tendo que seguir um trajeto menos direto, já que havia uma série de obstáculos no caminho. As mãos do Eric acariciavam meus cabelos para trás. Ele tinha sido baleado, me lembrei, e queria perguntar a ele como se sentia, mas eu não conseguia. Ele estava sentado de bunda no chão ao meu lado, encostado nas almofadas do meu sofá. Havia sangue em seu rosto, e ele parecia rosado como eu nunca tinha visto antes, corado com saúde. Quando Bill retornou com a minha água – ele tinha até acrescentado um canudo - eu olhei para o seu rosto. Bill parecia quase bronzeado. Bill me levantou apoiando com cuidado e colocou o canudo em meus lábios. Eu bebi, e era a melhor coisa que eu já tinha provado.
‖Vocês mataram todos eles‖, eu disse em uma voz chiada. Eric assentiu. Eu pensei no círculo de rostos bestiais que tinham me cercado. Eu pensei no lobis batendo no meu rosto. ―Bom‖, eu disse. Eric pareceu se divertir um pouco, só por um segundo. Bill não demonstrava nada em particular. ‖Quantos?‖ Eric olhou em volta vagamente, e Bill apontou um dedo silenciosamente enquanto ele somava o estrago. ‖Sete?‖ Bill disse duvidosamente. ―Dois no quintal e cinco na casa?‖ ‖Eu estava pensando em oito‖, Eric murmurou. ‖Por que eles vieram atrás de você desse jeito?‖ ‖Jerry Falcon‖. ‖Oh‖, disse Bill, um tom diferente em sua voz. ―Ah, sim. Eu já me deparei com ele. Na sala de tortura. Ele é o primeiro na minha lista.‖ ‖Bem, você pode riscá-lo dela‖, disse Eric. ―Alcide e Sookie descartaram o corpo dele na floresta ontem.‖ ‖Esse Alcide o matou?‖ Bill baixou os olhos em minha direção, reconsiderando. ―Ou Sookie?‖ ‖Ele diz que não. Eles encontraram o cadáver no armário do apartamento de Alcide e criaram um plano para esconder seus resquícios.‖ Eric soava como se isso tivesse sido meio que bonitinho da nossa parte. ―Minha Sookie escondeu um cadáver?‖ ‖Não acho que você pode estar tão certo em relação ao pronome possessivo‖. ‖Onde você aprendeu esse termo, Northman?‖ ‖Eu fiz o curso ‗Inglês como Segunda Língua‘ em uma faculdade comunitária* nos anos setenta.‖ Bill disse, ―Ela é minha.‖ (*No original community college, que é pequena faculdade, geralmente pública, destinada aos habitantes de sua área, que oferece um programa de estudos flexível e cursos diários e noturnos, com duração de 2 anos, de acordo com as necessidades da comunidade. Esse tipo de instituição garante um certificado ou diploma técnico, mas não um diploma de terceiro grau mesmo. Acho que é como se fosse uma espécie de ―faculdade de curso intensivo‖. ) Me perguntava se as minhas mãos poderiam se mover. Poderiam. Levantei as duas de uma vez, fazendo o gesto inconfundível de dar o dedo. Eric riu, e Bill disse, ―Sookie!‖ numa repreensão chocada. ‖Eu acho que Sookie está nos dizendo que ela pertence a si mesma‖, disse Eric suavemente. ―Entretanto, para terminar a nossa conversa, quem quer que tenha enfiado o cadáver no armário tinha a intenção de deixar a culpa nas costas do Alcide, uma vez que Jerry Falcon tinha dado uma cantada grosseira na Sookie no meio do bar na noite anterior, e Alcide tinha tomado isso como ofensa.‖ ‖Então toda essa trama talvez seja direcionada a Alcide ao invés de nós?‖ ―É difícil dizer. Evidentemente, pelo que os assaltantes armados no posto de gasolina nos disseram, o restante da gangue convocou todos os bandidos que eles conheciam e os posicionaram ao longo da interestadual para nos interceptar no caminho de volta. Se eles não tivessem apenas seguindo ordens, eles não estariam agora na prisão por roubo à mão armada. E tenho certeza de que é onde eles estão.‖ ‖Então, como esses caras chegariam aqui? Como eles saberiam onde Sookie morava, quem ela realmente era?‖ ‖Ela usou o seu próprio nome no Clube dos Mortos. Eles não sabiam o nome da namorada humana do Bill. Você foi fiel.‖ ‖Eu não tinha sido fiel de outras formas,‖ Bill disse friamente. ―Eu achei que era o mínimo que eu podia fazer por ela.‖ E esse era o cara por quem perdi a cabeça. Por outro lado, este era o cara que estava falando como se eu não estivesse na sala. E o mais importante, este era o cara que tinha tido outra ―querida‖, por quem ele tinha planejado me deixar categoricamente. ―Então os lobis podem não saber que ela era sua namorada; eles só sabem que ela estava hospedada no apartamento com Alcide quando Jerry desapareceu. Eles sabem que Jerry pode ter passado pelo apartamento. Este Alcide diz que o líder do bando em Jackson o aconselhou a deixar a cidade e não voltar por um tempo, mas que ele acreditou que Alcide não tinha matado Jerry.‖ ‖Este Alcide... ele parecia ter um relacionamento conturbado com a namorada.‖ ‖Ela está comprometida com outro. Ela acredita que ele está gostando da Sookie.‖ ‖E ele está? Ele teve a ousadia de dizer a esta víbora Debbie que Sookie é boa na cama.‖ ‖Ele quis deixá-la com ciúmes. Ele não dormiu com Sookie.‖ ‖Mas ele gosta dela.‖ Bill fez isso soar como um crime capital. ‖E quem não gosta?‖ Eu disse, com grande esforço, ―Você acabou de matar um monte de caras que não pareciam gostar de mim nem um pouco.‖ Eu estava cansada deles falando sobre mim bem em cima da minha cabeça, por mais esclarecedor que fosse. Eu estava realmente muito machucada, e minha sala estava cheia de homens mortos. Eu estava preparada para que ambas as situações fossem corrigidas. ‖Bill, como você chegou aqui?‖ Perguntei em um sussurro arranhado. ‖No meu carro. Eu negociei um acordo com Russell, já que eu não quero ter que vigiar minhas costas para o resto da minha existência. Russell estava em um ataque de raiva quando eu liguei para ele. Não só eu tinha desaparecido e Lorena sumido sem dar notícias, mas seus lobisomens contratados o tinham desobedecido e, desta forma, colocaram em risco os negócios que Russell tem com o tal de Alcide e seu pai.‖ ‖Com quem Russell estava tão furioso?‖ Eric perguntou. ‖Lorena, por me deixar escapar.‖ Eles deram uma boa gargalhada disso antes que Bill continuasse sua história. Esses vampiros. Tão engraçadinhos. ―Russell concordou em devolver meu carro e me deixar em paz se eu dissesse a ele como eu tinha fugido, assim ele poderia obstruir essa passagem pela qual escapei. E ele me pediu que fizesse uma proposta para que ele pudesse compartilhar o diretório de vampiros‖. Se Russell tivesse simplesmente feito isso desde o começo, teria poupado a todos de muito sofrimento. Por outro lado, Lorena ainda estaria viva. E também os bandidos que me espancaram, e talvez até mesmo Jerry Falcon, cuja morte ainda era um mistério. ‖Então,‖ Bill continuou, ―eu acelerei pela estrada, indo direto avisar a vocês dois que os lobis e seus bandidos contratados estavam perseguindo vocês, e que eles tinham saído na frente, para se posicionarem à espera de vocês. Eles tinham descoberto, através do computador, que a namorada de Alcide, Sookie Stackhouse, morava em Bon Temps‖. ‖Esses computadores são coisas perigosas‖, disse Eric. Sua voz soava exausta, e me lembrei do sangue em suas roupas. Eric tinha sido baleado duas vezes, porque ele tinha vindo comigo. ―Seu rosto está inchando‖, disse Bill. Sua voz era ao mesmo tempo suave e irritada. ‖Eric tá bem?‖ Perguntei de maneira cansada, percebendo que podia pular algumas palavras, se conseguisse transmitir a intenção. ‖Eu vou me curar‖, disse ele, de uma grande distância. ―Especialmente desde que consegui todo esse excelente...‖ E então eu adormeci, ou desmaiei, ou alguma mistura dos dois. Luz do sol. Fazia tanto tempo desde que eu tinha visto a claridade do dia; eu quase tinha esquecido o quanto era bonito.
Eu estava na minha cama, na minha camisola azul macia e peluda e enrolada como uma múmia. Realmente, eu tive mesmo que me levantar e ir ao banheiro. Pois logo que me movi o suficiente para descobrir o quão terrível seria caminhar, somente a minha bexiga me forçava a sair dessa cama. Eu dei pequenos passos cruzando o recinto que, de repente, parecia tão vasto e vazio quanto o deserto. Eu o percorri num doloroso passo a passo. Minhas unhas dos pés ainda estavam pintadas de bronze, para combinar com as unhas das mãos. Eu tive bastante tempo para observar os meus pés enquanto realizava o meu trajeto. Graças a Deus eu tinha canalização interna*. Se eu tivesse de chegar a tempo a um anexo no quintal, como a minha avó tinha quando era criança, eu já teria desistido. (*No original a expressão é ‗indoor plumbing‘ utilizada no lugar de Sistema Doméstico de Abastecimento de Água (DWS) que é um termo mais abrangente para os sistemas de abastecimento de água potável em ambientes residenciais, comerciais, institucionais e de edifícios industriais. A água é potável, mas é utilizada em maior quantidade para operar instalações de encanamento sanitárias, e não destinada para beber ou cozinhar. Porém, pode ser traduzido como canalização ou encanamento interno, apenas inseri o termo geral para compreensão melhor do contexto.) Assim que eu tinha concluído a minha jornada e vestido meu roupão azul macio, eu avancei lentamente pelo corredor até a sala para examinar o chão. Eu tinha notado ao longo do caminho que o sol lá fora estava radiante e o céu estava com o azul intensamente vívido do firmamento. Fazia quarenta e dois graus, de acordo com o termômetro que Jason tinha me dado no meu aniversário. Ele o tinha montado para mim sobre a moldura da janela, para que eu pudesse apenas dar uma espiada para registrá-lo. A sala parecia estar realmente arrumada. Eu não tinha certeza de quanto tempo a equipe de limpeza vampírica tinha levado nesse trabalho na noite anterior, mas não havia nenhuma parte dos corpos visível. A madeira do chão estava reluzente, e os móveis pareciam ter sido vigorosamente limpos. O velho tapete jogado estava faltando, mas eu não me importava. Ele não era nenhuma maravilhosa relíquia de família, de qualquer modo, apenas um tipo de tapete bonito que a vovó tinha escolhido numa feira de pulgas por trinta e cinco dólares. Por que fui me lembrar disso? Ele não tinha a menor importância. E minha avó estava morta. Eu sentia o súbito perigo de chorar e o afastei para longe. Eu não iria voltar a cair em um abismo de autopiedade. A minha reação à infidelidade de Bill parecia covarde e bem distante agora; eu estava me tornando uma mulher mais indiferente, ou talvez o meu escudo protetor tivesse acabado de ficar mais espesso. Eu já não me sentia furiosa com ele, para minha surpresa. Ele tinha sido torturado pela mulher - bem, pela vampira – que ele pensava que o amava. E ela o tinha torturado por vantagens financeiras, o que era o pior. Para o meu súbito sobressalto de pânico, de repente eu revivi o momento em que a estaca tinha entrado nas costelas dela e eu estava sentindo o movimento da madeira, como se ela estivesse penetrando no seu corpo. Eu voltei para o banheiro do corredor bem na hora. Ok, eu matei alguém. Uma única vez eu tinha machucado alguém que estava tentando me matar, mas isto nunca tinha me incomodado: Ah, um sonho estranho ou dois. Mas o horror de ter enfiado a estaca na vampira Lorena me fazia sentir pior. Ela poderia ter me matado muito mais rápido, e eu tinha certeza que não teria havido qualquer problema para Lorena. Ela provavelmente teria rolado no chão de tanto rir. Talvez isso tenha sido o que me afetou tanto. Depois que eu tinha afundado a estaca, eu tinha certeza que, por um momento, um segundo, um lampejo de tempo, eu pensei: Taí, sua puta. E isso tinha sido puro prazer.
Umas duas horas mais tarde, eu descobri que já era o início da tarde e que era segunda-feira. Eu liguei pro meu irmão em seu celular, e ele apareceu com a minha correspondência. Quando eu abri a minha porta, ele ficou por um longo minuto me olhando de cima a baixo. ‖Se ele fez isso com você, eu me dirijo até lá com uma tocha e um cabo de vassoura afiado‖, disse ele. ‖Não, não foi ele.‖ ‖O que aconteceu com os que fizeram?‖ ‖É melhor você não pensar muito nisso.‖ ‖Pelo menos ele faz algumas coisas certas.‖ ‖Eu não vou mais vê-lo.‖ ‖Uh-huh. Já ouvi isso antes.‖ Ele tinha um ponto. ―Por um tempo,‖ eu disse firmemente. ‖Sam disse que você tinha viajado com Alcide Herveaux‖. ‖Sam não devia ter te contado.‖ ‖Caramba, eu sou teu irmão. Preciso saber com quem você está andando por aí‖. ―Foram apenas negócios‖, eu disse, tentando um pequeno sorriso pela dimensão da coisa. ‖Você vai entrar no ramo de inspeções?‖ ‖Você conhece Alcide?‖ ‖Quem não conhece, pelo menos pelo nome? Aqueles Herveauxes são bem conhecidos. Caras durões. Bons de se trabalhar para eles. Ricos.‖ ‖Ele é um cara legal.‖ ‖Ele virá por aqui mais vezes? Eu gostaria de conhecê-lo. Eu não quero ficar numa equipe de estrada trabalhando para o condado a minha vida inteira.‖ Isso era novidade para mim. ―Da próxima vez que encontrá-lo, eu ligo para você. Eu não sei se ele passará por aqui muito em breve, mas se o fizer, você ficará sabendo.‖ ‖Bom‖. Jason olhou ao redor. ―O que aconteceu com o tapete?‖ Eu notei uma mancha de sangue no sofá, onde Eric tinha se encostado. Eu sentei para que minhas pernas a cobrissem. ―O tapete? Eu derramei um pouco de molho de tomate sobre ele. Estava comendo espaguete aqui enquanto assistia TV‖. ―Então você teve que levá-lo para lavar?‖ Eu não sabia como responder. Eu não sabia se tinha sido isso o que os vampiros fizeram com o tapete, ou se ele teve que ser queimado. ―Sim‖, eu disse, com alguma hesitação. ―Mas eles talvez não consigam remover a mancha, foi o que disseram.‖ ‖O novo cascalho parece bom.‖ Eu o encarei surpresa com o queixo caído. ―O quê?‖ Ele olhou para mim como se eu fosse uma idiota. ―O novo cascalho. Na entrada da casa. Eles fizeram um bom trabalho, o deixaram bem nivelado. Nem um buraco sequer‖. Esquecendo completamente a mancha de sangue, eu me levantei do sofá com um pouco de dificuldade e espiei pela janela da frente, desta vez realmente prestando atenção. Não só o caminho estava feito, mas também havia uma nova área de estacionamento na frente da casa. Estava contornada com madeiras de paisagismo. O cascalho era de um tipo muito caro, do tipo que é preciso ser encaixado, assim ele não rolava para fora da área desejada. Eu coloquei minha mão sobre a boca quando eu calculei quanto ele tinha custado. ―Está feito assim todo o caminho até a estrada?‖ Perguntei a Jason, minha voz mal dava pra ouvir. ―Sim, eu vi a equipe do Burgess e Sons aqui fora quando eu passei dirigindo por aqui mais cedo,‖ ele disse lentamente. ―Você não acertou tudo com eles para esse conserto?‖ Eu balancei minha cabeça. ‖Porra, eles fizeram isso por engano?‖ rapidamente irritado, Jason extravasou. ―Vou ligar para aquele Randy Burgess e vou arrebentar seu traseiro. Não pague a conta! Aqui está a nota que estava presa na porta da frente.‖ Jason puxou um recibo enrolado do seu bolso da frente.
―Desculpe, eu ia entregando isso a você antes que eu percebesse sua cara de surpresa.‖ Eu desenrolei a folha amarela e li a nota rabiscada no verso. ―Sookie - Sr. Northman disse para não bater na sua porta, então vou deixar isso afixado nela. Pode ser necessário caso algo esteja errado. Basta nos ligar. Randy‖. ‖Está pago‖, eu disse, e Jason se acalmou um pouco. ‖O namorado? O ex?‖ Eu lembrava da gritaria com Eric sobre a entrada da minha casa. ―Não‖, eu disse. ―Outra pessoa‖. Eu me peguei desejando que esse homem que tinha sido tão atencioso tivesse sido Bill. ―Vocês com certeza estavam juntos nestes dias,‖ disse Jason. Ele não soou tão crítico como eu esperava, mas só que Jason era astuto o suficiente para saber que ele dificilmente poderia atirar muitas pedras. Eu disse categoricamente: ―Não, eu não estava.‖ Ele me observou por um longo momento. Encarei o seu olhar. ―Ok‖, ele disse lentamente. ―Então alguém está te devendo, e muito.‖ ‖Isso estaria mais perto da verdade‖,eu disse e me perguntei sucessivamente se eu mesma estava sendo sincera. ―Obrigada por pegar a correspondência para mim, grande irmão. Preciso me arrastar de volta para a cama.‖ ‖Sem problema. Você quer ir ao médico?‖ Balancei minha cabeça. Eu não poderia enfrentar a sala de espera. ‖Então me avise se você precisar que eu faça supermercado pra você.‖ ‖Obrigada‖, eu disse novamente, com mais prazer. ―Você é um bom irmão‖. Para nossa surpresa mútua, eu fiquei na ponta do pé e dei um beijo na bochecha dele. Ele desajeitadamente colocou o braço em volta de mim, e eu me obriguei a manter o sorriso no meu rosto, ao invés de contraílo pela dor. ‖Volte para a cama, irmãzinha‖, disse ele, fechando a porta ao sair cuidadosamente. Notei que ele ficou na varanda por um minuto inteiro, analisando todo aquele cascalho da melhor qualidade. Então ele balançou a cabeça e voltou para sua caminhonete, sempre limpa e reluzente, as chamas rosa e azul esverdeado contrastando absurdamente com a pintura preta que cobria o resto da caminhonete. Assisti um pouco de televisão. Eu tentei comer, mas o meu rosto doía muito. Me senti com sorte quando descobri alguns iogurtes na geladeira. Uma grande caminhonete estacionou em frente da casa por volta das três horas. Alcide saiu com a minha mala. Ele bateu na porta suavemente. Ele poderia ficar mais feliz se eu não respondesse, mas eu me dei conta de que não tinha que me preocupar em fazer Alcide Herveaux feliz e abri a porta. ―Oh, Jesus Cristo‖, disse ele, não irreverentemente, assim que ele percebeu meu estado. ‖Entre,‖ eu disse, através de mandíbulas que estavam ficando tão doloridas que eu mal podia separá-las. Eu sabia que tinha dito a Jason que eu ligaria para ele se Alcide aparecesse; mas Alcide e eu precisávamos conversar. Ele entrou e continuou olhando para mim. Finalmente, ele colocou a mala de volta no meu quarto, preparou-me um grande copo de chá gelado com um canudo nele e o colocou sobre a mesa ao lado do sofá. Meus olhos se encheram de lágrimas. Nem todo mundo teria percebido que uma bebida quente faria a minha cara inchada doer. ‖Diga-me o que aconteceu, querida‖, disse ele, sentado no sofá ao meu lado. ―Aqui, ponha os pés em cima enquanto você conta.‖ Ele me ajudou a girar de lado e colocar as minhas pernas sobre seu colo. Eu tinha um monte de almofadas apoiando minhas costas e me senti confortável, ou o mais confortável que eu poderia me sentir por uns dois dias. Eu contei tudo a ele.
―Então, você acha que eles irão atrás de mim em Shreveport?‖ ele perguntou. Ele não parecia estar me culpando por ter atraído todas essas preocupações para sua cabeça, o que, francamente, era meio que o que eu esperava. Sacudi minha cabeça sem defesa. ―Eu simplesmente não sei. Eu gostaria que soubéssemos o que tinha realmente acontecido. Isso talvez pudesse tirá-los do nosso rastro.‖ ‖Lobis não são nada se não forem fieis‖, disse Alcide. Segurei a mão dele. ―Eu sei disso.‖ Os olhos verdes de Alcide me observaram firmemente. ‖Debbie me pediu que te matasse‖, disse ele. Por um momento, eu senti frio descendo pelos meus ossos. ―O que você respondeu a ela?‖ eu perguntei, com os lábios rígidos. ‖Eu disse a ela que ela poderia ir se foder, desculpa a minha linguagem.‖ ‖E como você se sente agora?‖ ‖Dormente. Isso não é estúpido? Estou arrancando-a de dentro de mim pelas raízes, apesar de tudo. Eu disse a você que o faria. Tive de fazer. É como ser viciado em crack. Ela é abominável.‖ Pensei em Lorena. ―Às vezes‖, eu disse, e até mesmo aos meus próprios ouvidos isso parecia triste, ―a cadela ganha.‖ Lorena estava longe de estar morta entre Bill e eu. Falando sobre Debbie, outra memória ainda mais desagradável veio à tona. ―Ei, você disse a ela que tínhamos ido para a cama juntos, quando vocês dois estavam brigando!‖ Ele pareceu profundamente envergonhado, a sua pele azeitonada ruborizou. ―Eu estou envergonhado por isso. Eu sabia que ela tinha se divertido com o seu noivo; ela se gabava disso. Eu meio que usei o seu nome em vão quando eu fiquei realmente furioso. Peço desculpas.‖ Eu poderia compreender isso, apesar de eu não ter gostado. Levantei minhas sobrancelhas, para indicar que apenas isso não era suficiente. ‖Ok, isso foi realmente baixo. Peço desculpas duplas e prometo nunca mais fazer isso novamente.‖ Eu assenti. Eu aceitaria isso. ―Eu odiei ter empurrado todo mundo pra fora do apartamento daquele jeito, mas eu não queria que ela visse vocês três, devido às conclusões que ela poderia ter criado. Debbie é capaz de ficar completamente louca de fúria, e eu pensei que se ela te visse em união com vampiros, ela poderia ter ouvido um boato de que um prisioneiro de Russell tinha escapado e ligar uma coisa à outra. Ela poderia até mesmo ser louca o bastante para ligar para Russell.‖ ‖Isso tudo por causa da lealdade entre os Lobis‖. ‖Ela é uma metamorfa, não um lobisomem‖, disse Alcide instantaneamente, e uma de minhas suspeitas foi confirmada. Eu estava começando a acreditar que Alcide, apesar da convicção com a qual ele afirmou estar determinado a manter o gene lobis para si, nunca seria feliz com mais ninguém, a não ser outro lobisomem. Eu suspirei: Eu tentei manter o suspiro agradável e tranquilo. Eu poderia estar errada, afinal. ―Deixando Debbie de lado‖, disse, acenando a minha mão para mostrar como Debbie estava completamente fora do nosso contexto na conversa, ―alguém matou Jerry Falcon e o colocou em seu armário. Isso causou a-mim-e-a-você muito mais problemas que a missão original, que era procurar Bill. Quem faria algo assim? Teria que ser alguém muito mal intencionado.‖ ‖Ou alguém realmente estúpido‖, disse Alcide de forma clara. ‖Sei que Bill não o fez, porque ele estava aprisionado. E eu juro que Eric estava dizendo a verdade quando falou que não tinha feito isso.‖ Eu hesitei, odiando ter que trazer um nome de volta. ―Mas e que tal Debbie? Ela é...‖ Impedi a mim mesma de dizer ―uma verdadeira cadela,‖ porque só Alcide deveria chamá-la assim. ―Ela estava zangada com você por estar saindo com alguém‖, eu disse suavemente. ―Talvez ela pudesse colocar Jerry Falcon em seu armário para causar problemas para você?‖
‖Debbie é má e ela pode causar problemas, mas ela nunca matou ninguém‖, disse Alcide. ―Ela não tem a, a... estrutura para isso, a determinação. A vontade de matar.‖ Tá certo. E meu nome então é Sandy. Alcide deve ter lido o desapontamento em meu rosto. ―Ei, eu sou um lobisomem‖, disse ele, dando de ombros. ―Eu faria isso se eu tivesse que fazer. Especialmente na fase certa da lua‖. ‖Então, talvez um colega membro do bando tenha feito, por motivos que não sabemos, e decidiu lançar a culpa em você?‖ Outro cenário possível. ―Isso não parece certo. Outro lobisomem teria - bem, o corpo ficaria completamente diferente.‖ Alcide disse, tentando poupar meus sentimentos mais delicados. Ele quis dizer que o corpo teria sido todo retalhado pelas mordidas. ―E eu acho que eu teria sentido o cheiro de outro lobis nele. Não que eu fosse ficar tão próximo‖. Nós simplesmente não tínhamos nenhuma outra idéia, apesar de que se eu tivesse gravado e repassado essa conversa mais vezes, eu teria pensado em outro possível culpado bem facilmente. Alcide disse que tinha que voltar para Shreveport, e eu levantei minhas pernas para ele ficar de pé. Ele se levantou, mas ficou sobre um joelho, ao lado do sofá para se despedir de mim. Eu disse coisas educadas, que foi muito bacana da parte dele me oferecer um lugar para ficar, o quanto eu tinha adorado conhecer a irmã dele, como tinha sido divertido esconder um cadáver com ele. Não, eu realmente não disse isso, mas passou pela minha cabeça, enquanto eu estava sendo cortês como resultado dos esforços da minha avó. ‖Estou feliz por ter te conhecido‖, disse ele. Ele estava mais perto de mim do que eu pensava e beijou levemente os meus lábios na despedida. Mas depois do beijinho, que foi normal, ele retornou para uma despedida mais longa. Seus lábios estavam tão quentes; e, depois de um segundo, senti sua língua ainda mais quente. Sua cabeça virou um pouco para ficar num ângulo melhor, e então ele continuou mais uma vez. Sua mão direita flutuava sobre mim, tentando encontrar um lugar para colocá-la sem me machucar. Finalmente ele cobriu minha mão esquerda com a dele. Caraca, isso era muito bom. Mas só a minha boca e a pélvis lá embaixo estavam felizes. O resto de mim doía. Sua mão deslizando, de um jeito meio que na dúvida, até os meus seios e eu dei um suspiro penetrante. ―Oh, meu Deus, eu te machuquei!‖ disse ele. Seus lábios pareciam muito fartos e vermelhos após o longo beijo, e seus olhos estavam brilhantes. Senti-me obrigada a me desculpar. ―É que estou tão dolorida‖, eu disse. ‖O que eles fizeram com você?‖ ele perguntou. ―Não foram simplesmente alguns tapas no rosto, não é?‖ Ele tinha imaginado que a minha cara inchada fosse o meu problema mais grave. ‖Quem me dera que tivesse sido isso,‖ eu disse, tentando sorrir. Ele parecia realmente arrasado. ―E aqui estou eu, dando em cima de você.‖ ‖Bem, eu não te empurrei‖, eu disse suavemente. (Eu estava muito dolorida para empurrar.) ―E eu não disse, ‗Não, senhor, como se atreve a impor à força seus interesses em mim!‘‖ Alcide pareceu um tanto assustado. ―Eu voltarei em breve‖, ele prometeu. ―Se você precisar de alguma coisa, você me liga.‖ Ele puxou um cartão do seu bolso e o colocou sobre a mesa ao lado do sofá. ―Este tem o número do meu escritório nele, e estou escrevendo o número do meu celular atrás e meu número de casa. Me dê o seu.‖ Obedientemente, eu recitei os números a ele, e ele os anotou, sem brincadeira, em uma pequena agenda preta. Eu não tinha a energia para fazer uma piada. Quando ele foi embora, a casa dava a sensação de estar extremamente vazia. Ele era tão grande e tão vigoroso - tão vivo – ele preenchia grandes espaços com a sua personalidade e presença. Para mim, foi um dia para suspirar com nostalgia.
Após ter conversado com Jason no Merlotte‘s, Arlene deu uma passada por volta das cinco e meia. Ela me analisou, parecendo como se estivesse suprimindo uma série de comentários que ela realmente queria fazer, e me aqueceu com um pouco de Campbell‘s*. Eu deixei esfriar antes que eu comesse muito cuidadosa e lentamente, e achei bem melhor por isso. Ela colocou os pratos na máquina de lavar louça e me perguntou se eu precisava de qualquer outra ajuda. Pensei em seus filhos em casa esperando por ela e disse que estava tudo bem. Me fez muito bem ver Arlene, e saber que ela estava lutando consigo mesma para não colocar tudo pra fora num momento inoportuno me fez sentir ainda melhor. (*Campbell Soup Company (também conhecida como Campbell‘s) é uma marca muito popular de um produtor americano de sopas em conservas e produtos relacionados. Os produtos Campbell‘s são vendidos em 120 países ao redor do mundo. E sua sede fica em Camden, Nova Jersey) Fisicamente, eu me sentia mais e mais firme. Eu me pus a levantar sozinha e caminhar um pouco (se bem que mais parecia que eu estava mancando), mas enquanto minhas contusões amadureciam totalmente e a casa tornava-se gradualmente mais fria, comecei a me sentir muito pior. É nessa hora que viver sozinha realmente agarra você, quando você se sente mal ou doente e não tem ninguém ali. Você pode sentir um pouco de pena de si mesmo, também, se você não tomar cuidado. Para minha surpresa, o primeiro vampiro a chegar depois que escureceu foi Pam. Esta noite, ela estava usando um vestido preto arrastando no chão, então ela deveria estar planejando ir trabalhar no Fangtasia. Normalmente, Pam evitava o preto; ela era uma mulher que fazia mais o estilo de tons pastéis. Ela puxava as mangas de Chiffon* com impaciência. (*chiffon é o nome de um tecido fabricado a partir da seda) ―Eric falou que você poderia precisar de uma mulher para ajudá-la‖, disse ela impacientemente. ―Agora por que é que eu é que supostamente devo ser a sua criada, eu não sei. Você realmente precisa de ajuda, ou ele está apenas tentando conseguir algo bajulando você? Eu gosto de você o bastante, mas afinal de contas, eu sou vampira, e você é humana.‖ Essa é a Pam, que doçura. ‖Você poderia sentar e me fazer companhia por um minuto‖, eu sugeri, já que não sabia como proceder. Na verdade, seria bom ter ajuda para entrar e sair da banheira, mas eu sabia que Pam ficaria ofendida se eu a pedisse para executar uma tarefa tão pessoal. Afinal, ela era vampira, eu era humana... Pam se instalou na poltrona de frente para o sofá. ―Eric disse que você sabe como disparar uma espingarda‖, disse ela, mais para puxar conversa. ―Você me ensinaria?‖ ‖Seria um verdadeiro prazer, assim que eu estiver melhor.‖ ‖Você realmente estacou Lorena?‖ As aulas de espingarda eram mais importantes do que a morte de Lorena, ao que parecia. ‖Sim. Ou ela teria me matado.‖ ‖Como você fez isso?‖ ‖Eu estava com a estaca que tinha sido cravada em mim.‖ Daí, Pam quis ouvir tudo sobre isso e me perguntou como eu me senti, já que eu era a única pessoa que ela conhecia que tinha sobrevivido a uma estaca encravada, em seguida, ela me perguntou como exatamente eu matei Lorena, e lá estávamos nós, de volta ao tema que eu menos gostava. ‖Eu não quero falar sobre isso‖, eu admiti. ‖Por que não?‖ Pam estava curiosa. ―Você disse que ela estava tentando matá-la.‖ ‖Ela estava.‖ ‖E, depois que tivesse feito isso, ela teria torturado Bill ainda mais, até que ele cedesse, e você estaria morta, e tudo aquilo teria sido por nada.‖ Pam tinha um ponto, um dos bons, e eu tentei pensar nisso como uma atitude prática a ser tomada, mais do que um reflexo desesperado. ‖Bill e Eric estarão aqui em breve‖, Pam disse, olhando para seu relógio. ‖Eu queria que você tivesse me dito isso antes,‖ eu disse, lutando para ficar de pé. ‖Tem que escovar os dentes e o cabelo?‖ Pam estava alegremente sarcástica. ―Foi por isso que Eric achou que você precisaria da minha ajuda.‖ ‖Acho que posso cuidar da minha aparência sozinha, se você não se importar em aquecer um pouco de sangue no microondas -obviamente, para você também. Desculpe, eu não fui educada com você.‖ Pam me deu um olhar cético, mas apressou-se em direção à cozinha, sem mais comentários. Fiquei ouvindo por um minuto para ter certeza de que ela sabia como lidar com o microondas e ouvi de modo tranqüilizador os barulhos sem hesitação enquanto ela apertava os números e a tecla iniciar. Lenta e dolorosamente, eu me lavei na pia, escovei meus cabelos e dentes, e vesti um pijama rosa de seda e um roupão combinando e chinelos. Quem me dera ter a energia para me vestir, mas eu não poderia encarar lingerie e meias e sapatos. Não tinha nem cabimento aplicar maquiagem sobre as contusões. Não tinha jeito de conseguir cobri-las. Na verdade, eu me perguntava por que eu tinha levantado do sofá para me submeter a toda esta dor. Eu olhei para o espelho e disse a mim mesma que era uma idiota por fazer qualquer preparação para a chegada deles. Era óbvio que eu estava simplesmente me enfeitando. Devido ao meu estado totalmente sofrível (físico e mental), o meu comportamento era ridículo. Eu estava arrependida de seguir o impulso e ainda mais arrependida de que Pam tivesse testemunhado isso. Mas o primeiro visitante do sexo masculino que eu tive foi Bubba. Ele estava todo produzido. Os vampiros de Jackson tinham apreciado a companhia de Bubba, era evidente. Bubba usava um macacão vermelho com imitações de diamantes sobre ele (eu não ficaria muito surpresa se um dos garotos de brinquedo na mansão tivesse um) completando com cinto largo e botas de cano curto. Bubba estava bonito. Ele não parecia contente, apesar de tudo. Ele parecia estar se desculpando arrependidamente. ―Senhorita Sookie, eu sinto muito ter perdido a senhorita de vista na noite passada‖, ele disse logo. Ele passou roçando em Pam, que pareceu surpresa. ―Estou vendo que uma coisa terrível aconteceu com você ontem à noite e eu não estava lá para impedir, como Eric me disse para fazer. Eu estava me divertindo em Jackson, aqueles caras lá realmente sabem como curtir uma festa.‖ Eu tive uma ideia, uma ideia simplesmente ofuscante. Se eu estivesse em uma história em quadrinhos de jornal, isso apareceria como um relâmpago sobre a minha cabeça. ―Você esteve me observando todas as noites‖, eu disse, o mais gentilmente possível, tentando arduamente conter todo o entusiasmo da minha voz. ―Certo?‖ ‖Sim, senhorita, desde que o Sr. Eric me mandou.‖ Ele estava parado ereto, a cabeça cheia de cabelos cuidadosamente penteados com gel em um estilo familiar. Os rapazes da mansão do Russell tinham realmente caprichado no visual dele. ‖Então, você estava lá fora na noite em que voltamos do clube? A primeira noite?‖ ‖Pode apostar, Senhorita Sookie.‖ ‖Você não viu ninguém fora do apartamento?‖ ‖Claro que vi.‖ Ele parecia orgulhoso. Ai, meu Deus. ―Era um cara com o colete de couro da gangue?‖ Ele pareceu surpreso. ―Sim, senhorita, era aquele cara que machucou você no bar. Eu o vi quando o porteiro atirou ele para fora do bar. Alguns de seus amigos vieram atrás, e eles estavam conversando sobre o que tinha acontecido. Então eu soube que ele tinha ofendido você. Sr. Eric me disse para não ir até você ou ele em público e, então, não fui. Mas eu a segui de volta ao apartamento, naquela caminhonete. Aposto que você nem sabia que eu estava na parte de trás.‖ ‖Não, eu certamente não sabia que você estava na parte de trás da pick-up. Isso foi muito inteligente. Agora me diga, quando você viu o lobis mais tarde, o que ele estava fazendo?‖ ―Ele tinha aberto a fechadura da porta do apartamento no momento em que me esgueirei por trás dele. Eu simplesmente agarrei aquele otário na hora.‖ ‖O que você fez com ele?‖ Eu sorri para Bubba. ‖Eu quebrei o pescoço dele e o enfiei no armário‖, Bubba disse com orgulho. ―Eu não tive tempo para levar o corpo para qualquer outro lugar e achei que você e o Sr. Eric poderiam resolver o que fazer sobre isso.‖ Eu tive que desviar o olhar. Tão simples. Tão direto. Solucionar aquele mistério tinha me custado apenas fazer a pergunta certa para a pessoa certa. Porque não tínhamos pensado nisso? Você não pode dar ordens ao Bubba e esperar que ele faça uma adaptação delas às circunstâncias. Muito provavelmente, ele salvou a minha vida por ter matado Jerry Falcon, já que o meu quarto era o primeiro que o lobis teria que entrar. Eu estava tão cansada quando finalmente tinha ido para a cama, que eu talvez não tivesse acordado até que fosse tarde demais.
Pam tinha ficado olhando de um lado para outro entre nós com uma pergunta sobre o seu rosto. Eu gesticulei com uma mão para indicar que eu explicaria mais tarde e me mantive sorrindo para Bubba e dizendo que ele havia feito a coisa certa. ―O Eric vai ficar tão feliz,‖ eu disse. E dizer a Alcide seria uma experiência interessante. O rosto de Bubba relaxou completamente. Ele sorriu, aquele lábio superior se torcendo um pouco. ―Estou feliz de ouvir a senhorita dizer isso‖, disse ele. ―Você tem algum sangue? Estou extremamente sedento.‖ ‖Claro‖, eu disse. Pam foi atenciosa o suficiente para buscar o sangue, e Bubba tomou um grande gole. ‖Não é tão bom quanto o de gato‖, ele observou. ―Mas muito bom do mesmo jeito. Obrigado, muito obrigado.‖
Que noite aconchegante esta estava se tornando – euzinha aqui e quatro vampiros, depois que Bill e Eric chegaram separadamente, mas quase ao mesmo tempo. Só eu e os meus companheiros, passando tempo em casa. Bill insistiu em trançar meu cabelo para mim, só para que ele pudesse mostrar a sua familiaridade com a minha casa e os costumes indo ao banheiro e pegando a minha caixa de enfeites de cabelo. Então ele me colocou sobre o divã em frente a ele enquanto se sentava atrás de mim penteando e arrumando meu cabelo. Eu sempre achei este um método muito relaxante, e despertou lembranças de outra noite em que Bill e eu tínhamos começado exatamente da mesma forma, com um fabuloso encerramento. É claro. Bill estava bem consciente de que ele estava impulsionando para que essas memórias viessem à tona. Eric observava isso com ares de quem estava tomando notas, e Pam desdenhava abertamente. Eu não poderia pelo amor de Deus sequer entender por que é que todos tinham de estar aqui ao mesmo tempo, e por que todos eles não ficavam enjoados um dos outros – e de mim – e iam embora. Após alguns minutos tendo quase que uma multidão na minha casa, eu não via a hora de ficar sozinha novamente. Por que eu tinha achado que estava abandonada? Bubba foi embora relativamente depressa, ansioso para fazer caçar algo. Eu não quero pensar muito cuidadosamente a respeito. Quando ele saiu, eu fui capaz de contar aos outros vampiros sobre o que realmente tinha acontecido com Jerry Falcon. Eric não pareceu muito chateado que suas instruções para Bubba tinham causado a morte de Jerry Falcon, e eu já tinha admitido para mim mesma que eu não podia ficar muito estressada com isso, também. Se tinha que ser entre ele ou eu, bem, eu preferia ficar do meu lado. Bill era indiferente ao destino de Jerry, e Pam achava que tudo aquilo foi divertido. ―Ele seguiu você até Jackson, quando suas instruções eram apenas para ficar aqui, por uma noite... Ele continuou seguindo as instruções, sem importar o que acontecesse! Isso não é muito vampírico, mas ele é certamente um bom soldado.‖ ‖Teria sido muito melhor se ele tivesse dito a Sookie o que ele tinha feito e por que ele fez isso,‖ observou Eric. ‖Sim, um bilhete teria sido bom,‖ eu disse sarcasticamente. ―Qualquer coisa teria sido melhor do que abrir o armário e encontrar o corpo enfiado lá dentro.‖ Pam gritava de tanto rir. Eu realmente encontrei a maneira de fazer cócegas na parte sensível do seu cotovelo*. Maravilha. (*No original a expressão é ―tickle her funny bone‖ e pode parecer esquisito, mas significa isso mesmo: fazer cócegas no cotovelo de alguém ou mudando um pouco o texto seria como ‗encontrar seu ponto fraco para o humor‘, só que acho que ficaria muito sério para ser uma frase dita pela Sookie.) ―Eu posso simplesmente imaginar a sua cara,‖ disse ela. ―Você e o Lobis tendo que esconder o corpo? Isso não tem preço.‖ ―Eu queria estar sabendo de tudo isso quando Alcide esteve aqui hoje,‖ disse. Eu fechei os olhos quando o efeito da escovação dos cabelos tinha me relaxado totalmente. Mas o súbito silêncio foi delicioso. Finalmente, eu estava começando a distrair a mim mesma um pouquinho. Eric disse, ―Alcide Herveaux veio aqui?‖ ‖Sim, ele trouxe minha mala. Ele ficou para me ajudar, ao ver o quanto eu fui espancada e ferida.‖ Quando eu abri meus olhos, porque Bill tinha abandonado a escovação, eu captei os olhos de Pam. Ela deu uma piscadela para mim. Eu dei-lhe um pequeno sorriso. ‖Eu desfiz sua mala para você, Sookie,‖ Pam disse suavemente. ―Onde você conseguiu essa linda coisa de veludo que parece uma echarpe?‖
Eu pressionei meus lábios unidos firmemente. ―Bem, a minha primeira echarpe de noite foi arruinada no Clube dos - quer dizer, no Josephine‘s. Alcide muito gentilmente foi às compras e a comprou para me fazer uma surpresa... ele disse que se sentiu responsável pela outra ter sido queimada.‖ Fiquei encantada por tê-la levado até o apartamento saindo daquele lugar no banco da frente do Lincoln. Eu não lembrava de ter feito isso. ‖Ele tem um gosto excelente, para um Lobis,‖ admitiu Pam. ―Se eu pedir emprestado o seu vestido vermelho, poderia me emprestar a echarpe, também?‖ Eu não sabia que Pam e eu tínhamos intimidade ao ponto de emprestarmos roupa uma a outra. Ela estava definitivamente afim de provocar alguém. ―Claro,‖ eu disse. Pouco depois, Pam disse que ela estava indo embora. ―Acho que irei correndo para casa através da floresta,‖ disse ela. ―Eu estou com vontade de experimentar a noite.‖ ‖Você vai correr todo o caminho de volta até Shreveport?‖ Eu disse, espantada. ‖Não seria a primeira vez,‖ disse ela. ―Ah, a propósito, Bill, a rainha ligou para o Fangtasia esta noite para descobrir por que você está atrasado com o pequeno projeto dela. Ela não estava conseguindo encontrá-lo em sua casa por várias noites, ela disse.‖ Bill retomou a escovação dos meus cabelos. ―Eu vou ligar para ela de volta mais tarde,‖ disse ele. ―Da minha casa. Ela vai ficar feliz ao ouvir que eu já o concluí.‖ ‖Você por pouco perdeu tudo,‖ disse Eric, sua súbita explosão surpreendendo a todos na sala. Pam deslizou pela porta da frente após ela lançar um olhar de Eric para Bill. Isso meio que me assustou. ‖Sim, estou bem ciente disso,‖ disse Bill. Sua voz, sempre fria e doce, estava absolutamente indiferente. Eric, por outro lado, tinha tendência a ser impetuoso, esquentado. ‖Você foi um tolo em voltar para aquela fêmea-demônio novamente,‖ disse Eric. ‖Ei, rapazes, eu estou sentada bem aqui,‖ eu disse. Ambos olharam intensamente para mim. Eles pareciam determinados a acabar com aquela disputa, e imaginei que devia deixá-los ir em frente. Uma vez que estivessem lá fora. Eu não tinha agradecido Eric pela reforma na entrada ainda, e eu queria, mas hoje talvez não fosse o momento. ‖Ok,‖ eu disse. ―Eu tinha a esperança de evitar isso, mas... Bill, eu retiro o seu convite para entrar na minha casa.‖ Bill começou a andar para trás até a porta, um olhar impotente em seu rosto, e minha escova ainda na sua mão. Eric sorriu para ele triunfantemente. ―Eric,‖ eu disse, e seu sorriso desapareceu. ―Eu retiro o seu convite para entrar na minha casa.‖ E ele foi para trás, pela minha porta e para fora da minha varanda. A porta bateu totalmente fechada pelas costas (ou talvez na cara?) deles. Eu sentei no divã, sentindo um alívio além das palavras diante do súbito silêncio. E, de repente, eu percebi que o programa de computador tão desejado pela rainha da Louisiana, o programa de computador que tinha custado vidas e a ruína da minha relação com Bill, estava em minha casa... Na qual nem Eric, ou Bill, ou até mesmo a rainha, poderia entrar sem a minha permissão. Eu não tinha gargalhado tanto em semanas.
Charleine Harris
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