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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CODIGO MALICIOSO / Meredith Wild
CODIGO MALICIOSO / Meredith Wild

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Dublin, Irlanda
ERICA
Passamos pelas portas negras do The Widow e entramos na energia do pub. As risadas se sobressaíam ao burburinho dos clientes amontoados em pequenas mesas ao longo das paredes. Com a mão de Blake na minha, eu nos guiei para dentro do salão que envolvia o velho bar quadrado, a peça central desse lugar feito para bebedeira e curtição.
Dobrando o canto do bar, um rosto se iluminou de reconhecimento, um sorriso que espelhava o meu.
— Professor!
Larguei a mão de Blake e segui na direção do homem que conheci durante todos os meus anos em Harvard como Professor Brendan Quinlan. Ele se levantou e me cumprimentou com um abraço apertado. A textura do suéter verde dele era áspera sob minhas mãos, e seu cabelo grisalho fazia cócegas na minha bochecha.
— Erica! É maravilhoso ver você! Como está?
O sotaque irlandês dele tinha ficado mais forte nos meses em que eu não o tinha visto.
Como é que eu poderia resumir tudo que a vida tinha despejado em mim desde minha formatura, meses atrás? Mesmo assim, neste exato momento, eu estava…
— Estou ótima.
Dei um sorriso largo e senti o calor de Blake atrás de mim, seguido do toque delicado da sua mão na minha lombar. Ergui os olhos para o homem que tinha roubado completamente meu coração desde a última vez que eu tinha visto Brendan. O cabelo castanho escuro de Blake estava bem cortado por causa do nosso casamento recente. Seu peito esguio e musculoso estava escondido sob um suéter leve, mas sua calça jeans se esticava do melhor jeito possível sobre o contorno de suas coxas. Talvez eu fosse uma recém-casada apaixonada, mas não estava sozinha em minha admiração. Blake atraía olhares, mesmo nos poucos minutos desde que tínhamos entrado no pub. E já que ele era meu em todos os sentidos, eu não ligava mais para quem olhasse.
O professor estendeu a mão para Blake.
— Você deve ser o felizardo.
Blake apertou a mão dele, seus olhos cor de mel intensos se enrugando nos cantos com um sorriso.
— Certamente sou. É um prazer conhecê-lo. Erica fala muito bem de você.
— E de você também. Vocês dois formam um casal e tanto. — Ele dividiu os olhares entre nós dois. — A mestre e o magnata.
Eu ri e me apoiei em Blake.
— Mestre? Não tenho certeza se já cheguei nesse estágio.
O professor apontou para a mesa de madeira desgastada para nos sentarmos.
— Não duvide! Pode ser um bom título de livro. Acho que vou ter de roubá-lo.
Ele piscou, e o gesto acalentou meu coração. Eu sentia falta da amizade e da liderança dele, que costumavam ser tão estáveis e sumiram de repente depois que ele foi embora para seu ano sabático e eu me aventurei no mercado de trabalho pela primeira vez. Sorri por dentro, me lembrando de como tínhamos passado horas analisando meu plano de negócios e trocando ideias ao mesmo tempo em que descobríamos como eu iria completar a graduação em meio aos esforços para montar um negócio. Nunca vou me esquecer da importância de seu apoio na época e de como aquilo pareceu me enviar em uma jornada que me desafiaria além dos meus delírios mais selvagens.
Ele foi para a Irlanda logo que Blake surgira em minha vida. Tinha seus motivos, é claro. Apesar de seu foco em estudos corporativos na universidade, Brendan partiu para correr atrás de um tipo diferente de sonho, sobre o qual eu estava ansiosa para ouvir mais.
— Como está indo o romance?
— Excelente! Muitas figuras aqui para me inspirar. Não é mesmo, Mary?

 

 

 


 

 

 


A garçonete, uma mulher de cabelos enrolados pretos e grossos, presos com uma fivela, chegou à mesa. Ela trouxera um pint cheio até a borda de cerveja escura espumosa. Ela largou o copo e se endireitou, colocando as mãos nos quadris sobre as faixas do pequeno avental preto.
— Ele está perturbando vocês? Posso botá-lo para fora. Não seria a primeira vez, né, Bren?
Ela piscou.
Ele meneou a cabeça, sorrindo.
— Não é necessário, meu bem. Vou me comportar direitinho.
Pedimos mais dois pints e, horas depois, eu estava quente e rindo por causa da cerveja, ouvindo as histórias de Brendan sobre seus amigos locais e suas aventuras. Conversamos sobre Harvard também, revivendo minhas melhores lembranças universitárias. Tomei o cuidado de passar longe das outras. Brendan nunca saberia sobre aquelas sombras e eu realmente esperava que ele nunca soubesse o quanto Max chegou perto de repetir os fatos. Talvez, quando Brendan voltar a Boston, ele fique sabendo das acusações de agressão contra seu ex-aluno, mas, ao menos por hora, ele estava longe o suficiente para não descobrir nada, provavelmente.
Blake e Brendan estavam conversando sobre um dos empreendimentos de Blake quando Mary voltou para levar nossos copos vazios.
— Aqui está ela. Minha futura noiva — murmurou Brendan, e seu sotaque, de alguma forma, estava ainda mais forte do que quando chegamos.
— Seu lindo.
Ela deu um tapa no braço dele, mal contendo um sorriso.
Ele também sorriu e voltou seu foco novamente para nós.
— Vocês tomam mais uma?
Dei uma olhada para a bandeja de copos vazios de Mary. Podíamos ir bem mais longe e nos arrepender. Meneei a cabeça.
— Estou bem. Vocês dois podem continuar, se quiserem.
Blake se recostou na cadeira e colocou o braço nos meus ombros.
— Não, é melhor a gente voltar. Está ficando tarde.
Brendan concordou com a cabeça.
— É claro. Eu acompanho vocês até lá fora, então.
— Vou cuidar da conta e encontro vocês lá — disse Blake.
Brendan protestou, mas Mary ignorou suas queixas. Quando ele finalmente desistiu, nós dois trocamos o barulho do pub pelo burburinho bem mais silencioso da rua. As pessoas caminhavam em pequenos grupos, entrando e saindo dos estabelecimentos próximos. Uma lua crescente lançava um brilho na rua. As pedras estavam úmidas por causa de uma chuva breve que tínhamos perdido enquanto estávamos lá dentro.
Enfiei as mãos nos bolsos e assimilei todos os detalhes desse novo lugar.
— Noite linda, não é?
Brendan inspirou fundo o ar da noite.
— Sim. Estou muito feliz por termos colocado o papo em dia, professor.
Ele deu uma risada.
— Brendan! Eu imploro, me chame de Brendan. Ao menos até você fazer uma pós-graduação.
Dei uma risada.
— Pouco provável, mas tudo bem.
— Suponho que as coisas pelas quais você passou tenham sido sua escola. — O sorriso dele esmaeceu um pouco e seus olhos vaguearam para além de mim. — Me desculpe quanto ao Max. Eu não fazia ideia de que ele seria uma decepção tão grande, Erica. Eu tinha visto uma faísca de esperança no rapaz… Tinha certeza de que ele estava diferente de quando era mais novo.
Olhei para baixo, sem querer deixar transparecer o grande desapontamento que Max causou.
— Tudo bem. É passado — respondi baixinho, relembrando o e-mail que eu tinha enviado ao professor dias depois de saber que Max e minha ex-funcionária Risa tinham roubado informações da empresa e as usado para abrir um negócio concorrente. Eu não queria que o professor se sentisse culpado, só queria evitar que ele indicasse o Max a outros alunos que precisassem de ajuda ou apoio.
Max tinha se mostrado bem mais perigoso do que eu imaginava. Talvez seu interesse em me destruir de todos os jeitos possíveis não existisse se eu não tivesse me envolvido com Blake. Mas eu não inventaria desculpas por ele e não queria que ninguém tivesse que passar pelo que passei.
— Talvez tenha dado certo em um sentido, já que você conheceu Blake. Dizem que há males que vêm para o bem.
— Isso é verdade. Os últimos meses foram difíceis, mas eu não conseguiria ter superado tudo sem ele.
Sempre me orgulhei da minha independência. Eu tinha sido deixada para trás, magoada e abandonada. Fui subestimada e ignorada. Nunca pensei que me comprometeria tanto com outro ser humano. Mas eu não conseguiria aguentar aqueles últimos meses da mesma forma sem Blake ao meu lado. E não conseguia imaginar o dia de hoje nem nenhum outro dia futuro sem o amor e o apoio dele. Dizer “sim”, trocar votos e dar a ele minha confiança tinha sido mais fácil depois de tudo que passamos.
— Pronta?
Blake saiu pela porta do pub e parou ao meu lado, interrompendo meus pensamentos e nossa conversa.
Eu não podia dizer que me importava, nem um pouquinho. Eu tinha adorado me encontrar com meu velho amigo, mas estava pronta para voltar para os braços de Blake, em um lugar silencioso, só nós dois. Estávamos em lua de mel, afinal.
Mordi o lábio, sorrindo. Minha lua de mel, com meu marido. Me virei para o professor para um último abraço e nos despedimos antes de cada um seguir seu caminho.
Blake e eu começamos a caminhar pelo trajeto de volta para o nosso hotel, pelas ruas irregulares do centro de Dublin. Uma pitada de chuva e o aroma persistente das flores frescas que estavam sendo vendidas nas ruas horas antes preenchiam o ar.
Segurei a mão de Blake, admirando os detalhes da arquitetura dos prédios que emolduravam as ruas antigas, cumprimentando os rostos de olhos alegres que encontrávamos na calçada. Era quase meia-noite, mas nossos horários estavam uma bagunça e eu não estava com pressa nenhuma de estar em lugar algum, desde que estivéssemos juntos.
Ver meu velho professor de novo tinha sido um flashback de uma época mais simples da minha vida. Muitas coisas aconteceram desde aquele primeiro encontro na sala de reuniões da Angelcom, que o professor Quinlan marcou com o apoio inicial de Max. Eu nunca imaginaria que me apaixonaria perdidamente pelo investidor arrogante sentado à minha frente… que me tornaria sua esposa. Mas cá estávamos, unidos do jeito mais próximo que duas pessoas podem se unir.
Blake me puxou para mais perto dele e deu um beijinho suave no meu rosto.
— Gostei do Brendan. Dá pra ver porque ele se tornou seu amigo.
Sorri.
— Parece estranho chamá-lo de amigo sendo que ele foi muito mais, mas é verdade. Ele me encorajou a montar a empresa quando eu tinha um monte de dúvidas. Ele é o motivo pelo qual eu segui o caminho que segui.
— Um caminho que guiou você diretamente para mim. — Ele apertou minha mão. — Que sorte a minha.
Ergui os olhos e dei um beijo no rosto dele enquanto caminhávamos. Eu também tive sorte, não podia negar.
Mas nunca, em meus primeiros sonhos de para onde o empreendedorismo me levaria, eu teria imaginado percorrer a estrada que percorri. Com a ajuda de Sid e de Alli, eu tinha construído uma empresa que cresceu e atraiu parceiros externos que prometeram elevá-la a um outro patamar. Dias após vender a empresa, eu descobri que Isaac Perry e a ex de Blake assumiriam as rédeas. Toda essa situação devastadora me fez despencar de cabeça — uma queda da qual eu ainda não tinha me recuperado plenamente.
Relembrei o último dia em que pisei no escritório do Clozpin, totalmente alheia ao que eu tinha feito, a do que eu tinha aberto mão. Lembrei a mim mesma que, não importava o que acontecesse, se a empresa prosperasse ou desandasse, eu nunca poderia voltar.
— Você está quieta. No que está pensando? — perguntou Blake.
Soltei um suspiro e sacudi a cabeça.
— Na empresa, eu acho. Às vezes, eu ainda não consigo acreditar que não sou mais parte dela.
— Você não pode deixar que isso a consuma — disse ele, baixinho. — É passado, e você tem um futuro brilhante pela frente.
— Na maior parte do tempo, eu tento não pensar nisso.
Ele ficou em silêncio por um instante antes de falar.
— Eu sei que ainda dói. E odeio o fato de você ter precisado deixar para trás algo a que se dedicou tanto. Mas você está livre agora. Tem o mundo ao alcance dos dedos. Apesar de tudo que aconteceu, isso não é uma coisa ruim.
Talvez ele tivesse razão, mas tantas coisas ainda eram incertas quando se tratava do meu futuro profissional…
— O Clozpin me dava propósito. Só posso torcer para que os novos projetos de Geoff façam eu me sentir da mesma forma. Ao menos, boa parte da equipe ainda está lá, então não vai ser totalmente estranho.
Graças ao fato de Blake ter me colocado na diretoria da Angelcom, eu tive a oportunidade de investir em novos projetos que poderiam preencher o vazio. Geoff Wells era programador e tinha o mesmo brilho empreendedor que eu reconhecia em mim mesma. O suficiente para que, quando as coisas foram por água abaixo no Clozpin, Sid, Alli e eu víssemos algo promissor no conceito dele para arriscar nosso próximo empreendimento.
— Eu invisto há tempo suficiente para reconhecer paixão quando a vejo. Eu a vejo em Geoff e sempre vi em você. Você vai dar o melhor de si para tornar esse empreendimento um sucesso. É da sua natureza. Acredite em mim. Uma oportunidade que não seguiu o rumo esperado não vai mudar isso.
A lembrança da decepção, do fracasso dilacerante ecoou dentro de mim. Quanto mais tempo passava, mais eu conseguia me distanciar emocionalmente do que Isaac e Sophia tinham feito. Mais eu enxergava a experiência pelo que ela tinha sido — um capítulo… uma lição que eu não esqueceria tão cedo. Apesar de eu ter sido privada do negócio que significava tanto para mim não ser tão excruciante quanto costumava ser no começo, a ferida ainda estava aberta.
— Talvez. Não consigo evitar sentir que, de alguma forma… eu fracassei.
A culpa me aborrecia como um pesadelo do qual eu não conseguia me livrar.
Ele olhou para mim.
— Você não fracassou. Você aprendeu.
Arrastei a sola da bota nas pedras enquanto caminhávamos, evitando olhar para ele.
— Eu já tenho certa bagagem, sabia? Você deveria confiar em mim.
Dei um sorriso torto.
— Foi por isso que me casei com você, claro. Pela sua perspicácia corporativa e a sua riqueza de conhecimento.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— E pelas suas montanhas de dinheiro — acrescentei, rapidamente.
— Você está tentando me dizer que não casou comigo pela minha aparência arrasadora? Pode ser que eu me sinta insultado.
Apertei os lábios, tentando parecer séria.
— Se eu tivesse que escolher uma razão só, eu diria que foi pelos seus talentos excepcionais na cama. Acho que é nessa área que você realmente se destaca.
— Ah, então eu me fiz entender muito bem.
Ele riu, e seus olhos brilharam.
Blake deu um apertão forte na minha bunda. Rindo, eu o empurrei enquanto nos aproximávamos de um artista de rua que estava cantando para a menor plateia do mundo. Um pequeno grupo de turistas falando francês estava parado por perto e um homem mais velho, sujo das ruas, estava sentado do outro lado da rua com um sorriso frouxo.
Diminuímos o passo para ouvir enquanto os turistas dispersavam. A música era triste, mas cheia de amor — bruta e emotiva pela maneira como ele cantava cada verso. Blake me virou para si, nos deixando de frente um para o outro. Com nossos dedos entrelaçados e a respiração quente dele no meu cabelo, ele nos guiou em uma dança singela e sem nome. Balancei na direção dele e fechei os olhos, me agarrando ao corpo dele do jeito que eu me agarrava a todos os momentos mágicos entre nós.
Com dificuldades para entender a letra por causa do sotaque forte do cantor, eu compreendi os versos.
Quando a tristeza chega, nenhum homem pode deter.
Eu estava vendado, nunca vou negar.
Agora, à noite, quando me deito para dormir,
Meu amor verdadeiro faz minha mente girar.
Mais um instante se passou enquanto a voz do jovem se dissipava pela noite. A canção era sóbria, ganhando leveza apenas pela maneira apaixonada como ele cantava. Como tantas coisas na vida, dor era apenas o que você criava. Ele tinha transformado algo triste em belo.
Suspirei e me aconcheguei no peito de Blake. O corpo dele emanava calor. As batidas de seu coração eram um lembrete contínuo do apoio e do amor dele — uma força que tinha me salvado, me mudado e me curado de jeitos que eu nunca achei possíveis. Ele ergueu meu queixo, e o brilho em seus olhos era proporcional à paixão em meu coração. Ele abriu os lábios cheios, mas hesitou, e um momento silencioso se passou entre nós.
— Vou lhe mostrar o mundo inteiro, Erica.
— Não consigo imaginar curtir nem um minuto dele sem você — sussurrei.
Ele interrompeu nossa dança lenta, contornando meus lábios com o dedo; sua expressão era séria, de um jeito que ameaçou me deixar sem fôlego.
— E vou fazer você se apaixonar por mim continuamente. Todas as manhãs e todas as noites. Em cada cidade e na beira de cada oceano. Vou lhe lembrar sempre que você é minha e eu sou seu.
Inspirei com tremor, sentindo a promessa dele até a alma. Engolindo em seco, encontrei minha voz.
— Acho que você está no caminho certo.
Me curvei na direção dele até nossos lábios se encontrarem. Macio e lento no início, o beijo se intensificou, roubando cada pensamento que não revolvia em torno do gosto e do toque dele.
Nos afastamos ligeiramente quando uma voz grave nos interrompeu.
— Faça amor com ela, moço, antes que ela mude totalmente de ideia.
Atrás de nós, o homem que tinha montado sua cama para aquela noite na entrada de uma loja de luxo nos deu um sorriso imperfeito, combinando suas palavras de sabedoria com um aceno amigável de sua garrafa de bebida.
Sorri, e Blake, por seu olhar sombrio, pareceu aceitar imediatamente o desafio do estranho.
— A ideia é essa — murmurou ele, seu tom todo aveludado, uma ameaça deliciosa.
Minha pele formigou, e ele possuiu minha boca de novo com um beijo que prometia muito mais.
CAPÍTULO 2
BLAKE
Fiquei sentado sozinho no escuro, incapaz de acalmar meus pensamentos. Do lado de fora, a água batia nos pilares que sustentavam com firmeza nosso bangalô luxuoso acima do oceano translúcido. A lua se acendeu no horizonte, e as ondas se reviravam em lâminas irregulares na nossa direção. Depois, vinha o estouro inevitável do mar salgado encontrando a areia. Não tenho como deter a maré, assim como não tenho como deter o tempo.
O ritmo de mantra daquele barulho deveria ter me acalmado, mas eu não estava calmo, nem com sono. Horas se transformaram em dias e, de alguma forma, os dias se derreteram em semanas. Não tínhamos perdido momento nenhum, mas eu não conseguia afastar a sensação inquietante que me dava um soco no estômago toda vez que eu pensava que a lua de mel estava acabando. Em nossas vidas agitadas, um mês era uma eternidade. Mas, de alguma forma, um mês não foi suficiente, e agora eu ressentia o fato de que a vida em Boston nos chamaria de volta em uma questão de dias.
Chegamos em Malé uma semana atrás e, quase instantaneamente, eu senti a mudança. Talvez porque nós dois sabíamos que estava perto. Talvez porque não havia nada além de paz na ilha. Nada de cidades agitadas, nenhum amigo para visitar. Nenhuma paisagem para admirar, nada excessivo para comprar. Só nossos corpos e o silêncio tranquilo entre nós com esse lugar lindo como pano de fundo. O silêncio era natural, confortável, mas também pesado pela realidade do retorno para casa, o qual não estávamos prontos para encarar.
Soltei um suspiro cansado e peguei o laptop, incapaz de afugentar a inquietação. A tela se acendeu em meio à noite quase negra à minha volta. À medida que nossos dias de lua de mel se esgotavam, meus pensamentos vagueavam para cada vez mais longe da vida simples que tínhamos aproveitado aqui. Cada vez mais, eles giravam em torno da vida para a qual estávamos voltando.
No quarto, Erica estava dormindo e eu esperava que fosse um sono profundo. Ela tinha se mexido durante boa parte da noite. Eu não sabia ao certo se a minha agitação estava tendo o mesmo efeito nela ou se era o mesmo tipo de ansiedade que estava perturbando a nós dois.
Tínhamos prometido ficar desplugados durante a viagem, mas cá estava eu, sem conseguir ignorar a realidade de que nós dois tínhamos inimigos e de que a maior responsabilidade que eu tinha como marido dela era protegê-la. Mantê-la em segurança enquanto navegávamos por metade do mundo era uma coisa. Mantê-la em segurança de volta em casa era outra.
Eu queria ser a pessoa a lutar por ela. Pela segurança e pela felicidade dela. Erica era jovem, mas tinha passado por mais coisas do que qualquer pessoa deveria. Talvez eu tenha tentado deter o controle das coisas entre nós, mas nunca duvidei da força dela, nem por um segundo. Mesmo assim, eu havia prometido protegê-la.
Dei uma olhada rápida nos meus e-mails, ignorando o instinto de começar a resolver as pendências que tinham se acumulado nas últimas semanas. A lista era longa demais para ser resolvida a essa hora. Não, o trabalho teria que esperar.
Abri outra guia para ler as notícias. Tínhamos visto fragmentos das notícias do mundo nos vários lugares em que estivemos, de Paris à Cidade do Cabo, mas nada sobre Boston surgira nesses canais. Agora, bem na minha cara, estava o site familiar do The Globe, com uma manchete anunciando que Daniel Fitzgerald tinha vencido as eleições para governador de Massachusetts. Uma vitória esmagadora.
— Babaca — resmunguei, antes de clicar no link para ler mais.
Eu odiava aquele cara. Odiava o fato de que, com muita certeza, ele era o único parente de Erica e, mesmo assim, aterrorizara a vida dela. Se ela precisava ser protegida de alguém, era dele. Eu tentava ao máximo guardar minhas opiniões só para mim, sem querer ver a dor nos olhos dela toda vez que tocávamos no nome de Daniel. Mas eu acreditava que os anos de negligência e todas as vezes que ele falhou com ela no decorrer do tempo, e não tanto minhas palavras, eram os responsáveis pelos profundos cortes que esses momentos abriam nela.
Não importava o que ela dissesse ou não, eu não ia deixar que ele se metesse entre a gente de novo e me certificaria de que ele permanecesse longe das nossas vidas.
O artigo falava sobre os processos dos últimos meses da disputa, da morte trágica do enteado dele, Mark — o homem que estuprara Erica anos atrás, um fato que apenas algumas poucas pessoas sabiam. E então, a descoberta bastante pública de Erica, sua filha biológica e ilegítima, e, por fim, o tiroteio…
Fechei os olhos e meu estômago revirou enquanto eu revivia a lembrança do corpo ensanguentado de Erica nos meus braços. Eu mantive a força por ela, na época, naqueles poucos minutos apavorantes que eu pensava que fossem ser nossos últimos juntos.
Ela era tudo para mim. Tudo. Certa desolação me abateu quando seus olhos se fecharam e seu calor começou a diminuir. Eu achava que a tinha perdido. Eu a abracei, me recusando a ir embora enquanto tremia de raiva e desespero. Tudo dentro de mim lutava contra a vontade de gritar, de encontrar Daniel na rua e descontar minha vingança nele.
Daniel tinha puxado o gatilho contra o homem que havia atirado nela, mas ele nunca poderia protegê-la. Ele só causaria mais dor a ela, mais angústia, que ela tentava bravamente esconder de mim. Eu fantasiei sobre mil maneiras de arruinar aquele cara, confiante de que homens como ele são mais do que capazes de arruinar a si mesmos, se tiverem tempo suficiente.
Por algum milagre, Erica sobreviveu. No momento em que ela perdera a consciência, foi como se meu coração tivesse parado de bater. Eu estava vivendo e respirando, mas existindo apenas no limiar da sobrevivência até os médicos me prometerem que ela ficaria bem. E no instante em que, dentro do quarto do hospital, ela abriu os olhos de novo, o calor inundou meu coração. Uma energia renovada atingiu minhas veias e o mundo se tornou um lugar onde eu poderia viver novamente. Ela estava comigo. Segura, minha. Mas nunca mais a mesma.
Eu não sabia, naquele momento, o que mais poderia estar perdido. Abri os olhos. Relaxando as mãos, que estavam cerradas em punhos, tentei não pensar no que as lesões dela poderiam negar a nós dois.
Fechei o laptop com força e me inclinei para frente, passando as mãos pelos cabelos. Cristo, cinco minutos on-line e minha mente já estava recheada de ideias violentas, perdida em um mar de pensamentos sombrios. Ressentimento pelo que tinha sido perdido, medo persistente do que ainda estávamos encarando.
Um instante depois, os passos silenciosos de Erica atravessaram o piso frio de mármore do nosso bangalô. Me virei na direção do barulho. O luar providenciava luz suficiente apenas para distinguir a silhueta de seu corpo no escuro.
— Oi.
Ela apareceu ao meu lado, seu olhar questionador no laptop à minha frente.
— O que você está fazendo acordada? — perguntei.
— Achei que você não fosse trabalhar até voltarmos para casa.
— Eu não estava trabalhando. — Peguei a mão dela, passando o polegar carinhosamente pelas articulações de seus dedos. — Juro.
A pele dela estava morna, quase quente demais ao toque. Não era uma surpresa, com o clima ameno das Maldivas, mas eu não presumi que simplesmente fosse isso.
— Você está bem?
Ela respondeu, confirmando silenciosamente com a cabeça.
— Outro sonho?
— Estou bem — murmurou ela.
A maneira como a voz dela se apequenou me fez pausar. A tensão deu voltas no meu estômago, meu ressentimento pelas pessoas que tinham tirado a paz de muitas noites dela estava alojado com firmeza ali. Instintivamente, eu queria puxá-la para mim, salvá-la daqueles demônios. Mas, no calor dos terrores noturnos que tinham diminuído consideravelmente nas últimas semanas, ela podia, às vezes, me confundir com o pior deles. Antes que eu pudesse questioná-la, ela se afastou, quebrando nossa conexão.
— Vou dar uma nadadinha. Já volto.
Afastando-se, Erica arrancou a camiseta larga que estava colada em alguns lugares de seu tronco úmido. Ela diminuiu o passo ao chegar à beirada da piscina de borda infinita que fundia o limite do nosso quarto com o oceano interminável. A calcinha dela escorregou até o chão. O luar iluminou as curvas de seu corpo. Os cachos loiros que escorriam até metade das costas dela flutuaram quando ela entrou na água e submergiram completamente, desaparecendo.
Meu corpo formigou de tesão, mas alguma coisa bem mais profunda dominou meu coração.
Me levantei e a segui até a beirada da piscina. Ela estava no meio da água, com os cabelos molhados jogados para trás, a água rasa mal cobrindo seus seios. Eu estava louco de vontade de tocá-la, cada pedacinho maravilhoso dela. Eu já tivera bastante dela, mas, de alguma forma, nunca era suficiente para sanar minha fome diária.
— Se importa se eu me juntar a você?
Mal consegui esconder o tom sugestivo de que eu queria mais do que estava pedindo.
Ela sorriu.
— É claro que não.
Tirei a roupa e entrei na água, que estava com uma temperatura refrescante. Caminhei na direção dela e parei antes de nos tocarmos. Estávamos a centímetros de distância. Eu a queria desesperadamente. Queria enlaçá-la contra mim e mostrá-la a intensidade de meu querer. Mas esperei, exercitando minha paciência.
Depois de um longo instante, ela se esticou para me tocar. As pontas de seus dedos deslizaram pelo meu peito. Segurei a mão dela com delicadeza, colocando-a em cima do meu coração, que palpitava atrás das costelas. Cada desejo agridoce, cada onda de amor sentida ali pertencia a ela.
Os lábios dela se abriram e um pequeno passo extinguiu a distância entre nós. Incapaz de continuar me contendo, eu a agarrei, puxando-a para mim. Coloquei um braço dela em torno do meu pescoço e ela repetiu o movimento com o outro, unindo as mãos na minha nuca, nos mantendo próximos. O calor que ela emanava me atingiu, e eu soltei o ar que não tinha percebido que estava prendendo.
— Erica — murmurei, capturando os lábios dela em um beijo lento.
Minha esposa. A beldade de 22 anos que assumiu o controle da minha vida e fazia com que todo o resto se dissipasse ao fundo. Eu queria dar tudo a ela e, se não pudesse, tinha que dar o suficiente para compensar o que todos os outros tinham tirado.
Fiz um juramento, uma promessa silenciosa feita quando coloquei a aliança no dedo dela e a fiz minha para sempre. Eu queria dar a ela o consolo que só conseguia encontrar quando fazíamos amor.
Cada vez significava mais que a anterior.
Meus pensamentos giravam em torno do amor louco que eu sentia por ela, canalizado na união carinhosa de nossas bocas. Ela emitiu um ruído apreciativo, mordiscando meu lábio, enviando um jato de sangue para a região sul. Me afastei um pouquinho, recuperando o fôlego, mas ela me puxou novamente. Grunhi, pressionando o corpo com firmeza contra o dela. Eu a queria imediatamente. Mas algo me parou.
Coloquei a mão no rosto dela, encarando aqueles olhos agora enevoados de desejo. Busquei a resposta para uma pergunta que eu ainda não tinha conseguido fazer. Eu não queria ver a mágoa ali, naquelas profundezas azul-claras que combinavam com o oceano ao nosso redor.
Um pequeno vinco marcou a sobrancelha dela.
— Qual o problema?
Minha esposa linda… Passei o polegar pelos lábios dela.
— Quero lhe fazer uma pergunta e quero que você me diga a verdade.
— Pergunte.
— Erica… — Pausei, as palavras formando um nó na minha garganta por um momento. — Você realmente quer um filho?
Ela congelou e tentou olhar para baixo, mas eu não deixei. Segurei o queixo dela, erguendo seus olhos para os meus.
— Me diga — sussurrei. — Quero saber se é isso que você realmente quer.
Ela engoliu em seco e deslizou as mãos pelo meu peito.
— Quero compartilhar todas as experiências possíveis com você, Blake.
— Eu também quero isso.
— Não sei se estamos prontos, mas…
— Mas o quê? — perguntei, mantendo a voz estável, objetiva. Eu não deixaria transparecer a maneira como meu coração trovejava de expectativa com a confissão dela.
Ela inspirou fundo.
— Tenho medo de que, se esperarmos… que nunca tenhamos uma chance. — Ela prendeu o lábio entre os dentes. — É muito cedo. Talvez cedo demais. Não sei se é algo que você queira agora. E, também… não quero decepcionar você.
Segurei a mão dela e apertei delicadamente.
— Isso é impossível. Você sabe disso, não sabe?
O olhar dela se voltou para o meu, e um indício de sorriso brincava em seus lábios.
Enquanto isso, uma centena de pensamentos desconexos zuniam na minha mente. Eu estreitara minha visão do mundo de modo a só englobar o trabalho por muitos anos. Então meu relacionamento com Erica mudou a maneira como eu via tudo. Ampliar aquela visão para acomodar as possibilidades da paternidade era algo novo. Não que fosse indesejado, mas inquietante à sua própria maneira. A questão de ter filhos nunca foi algo que me preocupei até que as circunstâncias ameaçaram completamente as possibilidades disso acontecer. Então, de repente, a resposta ressoante na minha mente era sim. Eu queria dar um filho a Erica. Queria vê-la carregar nossa criança e ficar redondinha. Queria aquela experiência, por mais entusiasmante e apavorante que parecesse ser.
Tudo era incerto agora. Quando, como, se… O pior de tudo era que muito daquilo estava fora do meu controle.
Eu sou capaz de hackear alguns dos sistemas mais sofisticados do mundo, mas não tenho controle algum sobre a ciência do corpo dela e os estragos que tinham sido causados nele, cujas consequências ainda eram desconhecidas.
Se a perspectiva de ter um filho com Erica era nova e um pouco desconcertante, ser incapaz de garantir que ela teria essa experiência virava tudo de cabeça para baixo. Eu tinha dinheiro, influência e tecnologia na palma da minha mão. Tinha trabalhado para conquistar tudo isso e, em muitos sentidos, considerava garantido o controle que eu tinha sobre o mundo que acompanhava isso tudo. Agora eu tinha a mulher que amava nos meus braços e, apesar de tudo, estávamos à mercê do acaso e dos caprichos da natureza.
Esse fato tanto me frustrava quanto me encorajava. Eu faria tudo que fosse possível para nos deixar ainda mais próximos. De todas as formas possíveis, eu satisfaria cada necessidade, vontade e desejo que ela tivesse. Eu a abracei um pouquinho mais forte enquanto a efervescência da minha confissão silenciosa fazia um estrago nas minhas emoções.
— Se é isso que você quer, então é o que eu quero. E estou pronto, se você achar que também está.
Um sorriso pequeno se abriu nos lábios dela.
— Nunca estaremos prontos. Acho que temos simplesmente que ser loucos o suficiente para tentar.
Fixei os olhos nos dela.
— Acredite em mim, tenho tentado.
A respiração dela ficou mais acelerada, e um arrepio subiu pela minha pele. Eu nunca disse isso antes, mas estava tentando como louco desde que ela tinha se recuperado o suficiente para que eu a possuísse de novo. Ela não tinha voltado a tomar pílula e eu estive dentro dela todas as noites. Eu a fodia mais forte e mais fundo que jamais fizera, secretamente torcendo para que isso desse a ela o que nós dois queríamos e receávamos nunca ter.
Só nós dois seria o suficiente. Eu nunca precisaria de mais ninguém, só dela na minha cama, nos meus braços, todos os dias das nossas vidas. Mas era isso que ela queria e, no fundo, eu também. Isso seria mais, muito mais do que eu podia realmente compreender agora.
A esperança brilhou nos olhos dela, encobrindo a tristeza que eu tinha visto neles antes.
— Como você pode ter tanta fé depois de tudo que passamos?
Meneei a cabeça.
— Não sei. Sinto como se… se quisermos com força suficiente, vai acontecer. Ou talvez isso seja só meu costume de não aceitar não como resposta.
Levado por todas as coisas que eu não conseguia compreender plenamente, eu a abracei e a beijei de novo, com mais intensidade dessa vez. A pressão suave do corpo dela era a tortura mais doce do mundo. O beijo se tornou urgente, nossas línguas se entrelaçavam. O gosto dela estimulou minha fome. Os quadris dela rasparam em mim e eu fiquei duro. Eu queria possuí-la naquele momento, me enfiar fundo dentro dela, repetidamente.
Um grunhido escapou de mim e eu enrolei suas pernas no meu corpo. Ela se agarrou a mim com força enquanto eu saía da piscina com ela junto.
Com as pontas dos dedos deslizando pela minha cabeça e as coxas prendendo minha cintura, ela tomou conta dos meus sentidos como já tinha feito tão plenamente por diversas vezes. Forcei meus olhos a se abrirem entre os beijos para encontrar o caminho até o gazebo ao lado da piscina. Eu a deitei no lençol branco felpudo que abraçava a namoradeira, e ela me puxou para cima dela.
***
ERICA
Meu toque tremia sobre os ombros de Blake. Pequenos filetes de água escorriam pela pele dele e das mechas de seus cabelos em cima de mim. Atrás dele, o céu noturno era um cobertor azul-marinho infinito. Estrelas brilhavam por trás do tecido fino que encobria o gazebo.
Instantes atrás eu estava lutando para escapar do meu inconsciente, envolta em cenas que tinha revivido vezes demais. Agora estava nos braços de Blake, curada e completa, e a magnitude do que tínhamos compartilhado momentos antes me deixava sem ar. Será que isso era real?
Eu não tinha certeza completa de que a pergunta dele não era um sonho. Eu pensei naquilo, é claro, mas nunca imaginara que ele também quisesse um bebê, que ele estivesse tentando…
Enrolei o corpo nele, entrelaçando nossos membros quando uma onda de desejo se espalhou por mim. Ele possuiu minha boca, gemendo. Eu podia sentir o gosto do amor no nosso beijo doce enquanto ele me torturava com lambidelas deliciosas. O corpo dele era rijo contra mim, cada músculo se flexionando e tenso à medida que nos mexíamos um contra o outro. Será que já houve algum momento em que eu o amara mais do que agora? Eu não conseguia me lembrar. Meu coração inflamou contra as paredes do peito, enchendo minhas veias com uma enxurrada de emoção intensa.
— Eu te amo — falei, sem ar, quando nos separamos. — Meu Deus, eu te quero muito, agora…
Ele traçou um caminho de beijos pelo meu maxilar, descendo pelo pescoço até o local sensível abaixo da minha orelha. Ele chupou e mordiscou, enviando arrepios pela minha pele.
— Erica — sussurrou ele, ao meu pescoço —, quero dar um filho a você esta noite.
A doce declaração roubou o ar dos meus pulmões e as palavras que queriam escapar. Minhas dúvidas. Meus medos.
Ele sumiria com tudo isso. Faria meus receios parecerem pequenos e impossíveis frente ao que ele queria, ao que nós queríamos.
— Também quero isso — falei, baixinho.
Ele passou a mão úmida pelo meu rosto, me sustentando com seu olhar. O luar brilhava nas gotas de água na pele dele.
— Sei que você está com medo.
Eu não queria admitir todos aqueles pensamentos não verbalizados, mas ele tinha razão. Só confirmei com a cabeça, sem querer dar voz a eles. Não esta noite.
— Eu também estou. Se vamos tentar… Se vamos realmente fazer isso, preciso ver nos seus olhos. Quando eu fizer amor com você, preciso que você acredite.
— Eu quero isso, Blake. — Minha voz vacilou e meu coração ficou apertado de emoção. — Faça amor comigo… por favor.
Deslizei as mãos pelos contornos rígidos do peito dele e sua barriga contraída. A ereção dele latejava em cima de mim, quente e exigente. Agarrando-a, eu a envolvi e puxei a pele macia até a ponta. Ele sibilou, escorregando pelas pontas dos meus dedos com um movimento lento.
Fiquei molhada, o que ficou evidente quando ele se moveu para que a ereção deslizasse pelos lábios do meu sexo. Ele repetiu o movimento, enviando abalos de prazer pelo meu clitóris até eu não conseguir mais aguentar. Girei os quadris, torcendo para guiá-lo para dentro de mim. Ele segurou a própria ereção, cutucando minha abertura com a ponta. Contive um gemido frustrado. Aquele homem adorava provocar. Então, com o foco fixo no local íntimo onde nós nos uníamos, ele me penetrou lentamente.
— Meu Deus, você é linda.
Ele me segurou pelo joelho, mantendo-me aberta enquanto me penetrava. Arfei. A sensação dele me preenchendo, do meu corpo se distendendo para ele, me desmantelava toda vez. Pressionei as pontas dos dedos no braço dele, uma súplica silenciosa para que ele fosse mais fundo.
— Ver meu pau deslizar para dentro de você… é incrível. Me faz querer perder a linha sempre.
Curvei o corpo na direção do dele.
— Quero você bem fundo.
Segurando meu seio, ele grunhiu e cobriu meu corpo com seu calor. Os pelos do peito dele rasparam em meus mamilos, agora enrijecidos e ultrassensíveis. Ele me beijou, penetrando fundo. Então, ele me deu exatamente o que eu tinha pedido, como fizera todas as noites desde que me tornei sua esposa.
Nunca algo assim pareceu tão perfeito.
Afundei a cabeça nos travesseiros atrás de mim e o puxei em minha direção. Eu nos queria tão próximos quanto fosse possível. Nada além do som das ondas e dos meus gritos enquanto fazíamos amor preenchia o ar. Fechei os olhos com força, esperando que a onda da sensação tomasse conta de mim.
— Erica… olhe para mim.
Abri os olhos, e o rosto do único homem que eu já amei preencheu a moldura da minha visão. Os lábios dele se abriram com sua respiração irregular. Cada músculo se tensionava com o esforço. A visão era intoxicante… de tirar o fôlego.
Éramos simples e totalmente humanos naquela hora, com o oceano vasto ao nosso redor e a ilhota que estávamos habitando. Éramos dois pequenos corações que batiam neste mundo, mas o que buscávamos agora parecia enorme. O que nós queríamos e o que poderia ser criado entre nós, uma faísca de vida, tão pequena e frágil, era avassalador demais para entendermos por completo. Meu coração batia pesado dentro do peito com a imensidão do que estávamos almejando.
A energia radiava entre nós, intensificada quando ele apertou meu quadril com força com uma mão, a outra segurando a minha possessivamente. O olhar dele estava fixo em mim, intenso demais para não encarar, só que eu estava desmontando um pouquinho mais a cada segundo que passava. Possuída pelo olhar intenso dele, eu me agarrei a ele de todos os jeitos possíveis. Como uma linha sendo esticada e ficando tensionada, meu corpo se retorceu rumo ao êxtase.
— Nunca quis algo como quero você. Nada, em toda minha vida, me possuiu do jeito que você me possui — disse ele.
— Sou sua.
— Para sempre — ofegou ele, indo de encontro aos meus lábios em um beijo ardente.
Ele envolveu meus quadris com um braço, alavancando o peso do próprio corpo e mudando o ângulo de suas investidas.
— Blake!
O nome dele era uma súplica em meus lábios, uma espécie de louvor desesperado pela sensação perfeita que era tê-lo dentro de mim.
A expressão dele enfraqueceu. Uma vulnerabilidade quase dolorida se espalhou pelos seus traços maravilhosos à medida que ele nos levava mais perto daquele paraíso que encontrávamos um no outro.
— Agora, gata. Se entregue. Goze só para mim.
Rápido assim, a linha se rompeu. Ele estava incrivelmente fundo. No meu coração. No meu corpo. Lábios se chocando, pele incendiada, um só corpo, gozamos juntos. Juntos, caímos naquele lugar perfeito, aterrissando em segurança nos braços um do outro. A sensação se espalhou pelo meu corpo, vibrando entre nós até nós dois ficarmos imóveis.
Ficamos deitados, enrolados um no outro, o ar perfeitamente quente ao nosso redor. O revirar lento das ondas na praia era o único som além de nossos respiros estabilizantes.
Fechando os olhos, Blake expirou pesadamente.
— Meu Deus, como eu te amo.
Suspirei, me rendendo ao conforto quente e leve de estar nos braços dele. Dancei com os dedos preguiçosamente pela pele dele, passando pelos ombros largos, reprisando o que tinha acabado de acontecer entre nós.
Esta noite tinha sido diferente. Nesta noite compartilhamos algo que eu não conseguia rotular. Esperança ou, quem sabe, fé. Lutando por um sonho que só poderíamos construir juntos e acreditando que, de alguma forma, ele pudesse se tornar real.
Uma onda de emoção me atingiu, talvez mais forte do que o normal nesse estado vulnerável pós-sexo. Fechei os olhos para acalmar a queimação por trás deles. Inspirando fundo, desacelerei minhas carícias.
— Melhor eu ir me limpar — falei, rapidamente, torcendo para conseguir alguns minutos e me recompor. Eu não queria arruinar o momento com as minhas lágrimas.
— Não — disse Blake, seu corpo ainda acomodado em cima do meu, dentro de mim. — Precisamos deixar que os meus menininhos façam o trabalho deles lá dentro. Fique parada por um tempo.
Dei uma risada silenciosa, tentando não considerar a possibilidade de que aquilo talvez fosse uma causa perdida. Tirei o cabelo do rosto dele. Seus olhos divinos brilharam sob o luar.
Meneei a cabeça.
— Você está determinado, não está?
Ele deu um sorriso sob um beijo carinhoso e entrelaçou nossos dedos.
— Ah, Erica, você não faz ideia.
— Ah, acho que faço, sim.
Me curvei debaixo dele, plenamente ciente do quanto ele podia ser determinado. Tão determinado que, desde que eu tinha conhecido aquele homem, minhas noites eram longas e as manhãs chegavam cedo demais.
Ele emitiu um ruído apreciativo, e seus olhos ficaram novamente sombrios.
— Você está me deixando duro de novo.
Escorreguei os dedos dos pés pelas panturrilhas dele até meus calcanhares atingirem a parte de trás de suas coxas. Ergui os quadris e o trouxe inteiro para dentro de mim de novo. A ereção dele não tinha esmaecido nem um pouquinho desde seu gozo. Ele foi de encontro ao meu movimento com uma investida leve, prova sólida de seu desejo persistente. Me contraí em torno dele e saboreei a fricção deliciosa que eu tinha sentido há tão pouco tempo.
— Então vamos tentar de novo — murmurei.
CAPÍTULO 3
ERICA
A lua de mel tinha sido um escape. Um escape lindo e delicioso. E então a vida real nos chamou de volta para casa.
Uma semana depois, bronzeada e recuperada da última etapa da nossa viagem em uma ilha que parecia ser nossa, desembarcamos em Boston.
Finas nuvens cinza obscureciam o sol e a ameaça do inverno iminente nos cumprimentou. Tremi quando uma lufada de ar frio chicoteou a pista. Um lembrete da passagem inevitável do tempo.
Quando eu e Blake desembarcamos, avistei um Escalade preto estacionado ao longe. Nos aproximamos, e um cara alto e musculoso deu a volta no veículo. Todo de preto, ele era uma figura ameaçadora, mas que eu conhecia bem.
— Clay! — Fiquei na ponta dos pés para abraçar o grandalhão que tinha feito de seu trabalho nos proteger nos últimos meses. — Sentimos sua falta.
Ele abriu um sorriso tímido.
— Como foi a viagem?
— Incrível, mas estamos felizes por estar em casa.
O paraíso não poderia durar para sempre, afinal.
— É bom ter vocês de volta. — Ele olhou para Blake. — Para casa?
Blake concordou uma vez com a cabeça.
— Para casa.
Clay nos levou para o norte, deixando o horizonte da cidade para trás. A rodovia deu lugar às estradas de pista única que se curvavam ao longo da costa em meio às cidades menores. Assimilei tudo. A fluidez constante do tráfego, as placas familiares, filas de casas à beira-mar com vista para o oceano azul intenso. Tudo aquilo era nossa casa, mas, de alguma forma, era desconhecido. Mesmo o destino final, a casa que se tornaria nosso lar, pareceria estranho depois de tanto tempo longe.
Aqui e ali as placas da campanha eleitoral pontuavam os quintais à medida que passávamos por eles, algumas exibindo o nome Fitzgerald e seu slogan. Talvez Daniel fosse a última pessoa de quem eu desejaria uma saudação no meu primeiro dia de volta, mas ele estava em todos os lugares. Enquanto eu assimilava nossa nova realidade, lembranças me inundaram em uma enxurrada nada bem-vinda.
Depois de anos sem saber quem era meu verdadeiro pai, eu encontrei uma fotografia de Daniel com minha mãe. Ainda consigo me lembrar da ansiedade em ir atrás dele. Eu estava ao mesmo tempo assustada e esperançosa, sentada à frente da mesa dele, quando contei quem era minha mãe. Por mais intimidadora que aquela experiência tivesse sido, conhecer verdadeiramente o homem por trás do terno caro, dos escritórios em arranha-céus e da máquina política de campanha foi muito mais assustador. E, mesmo assim, medo não foi tudo que senti quando vi o nome dele e me lembrei de seu rosto.
Havia decepção também e, por baixo disso, raiva. Depois de todos aqueles anos, eu esperava mais. Eu esperava muito mais. Um nó se formou na minha garganta e eu quis, de repente, arrancar as placas de todos os quintais pelos quais passávamos.
Blake esticou o braço e pegou minha mão.
— O que você está pensando?
Fiquei olhando para o nada à minha frente.
— Nada.
Um nada que ele iria querer discutir. Eu não odiava Daniel, por mais que soubesse que ele merecia isso. Mas sabia que Blake odiava. Ele entenderia minha raiva, mas compartilhar isso com Blake não me deixaria mais perto da paz.
— Ele venceu, sabe? — murmurou ele.
Daniel tinha vencido. Revirei aquela notícia na minha cabeça algumas vezes, imaginando toda pompa e glória, serpentinas e símbolos de patriotismo e orgulho falso. E depois pensei na escuridão por baixo de toda celebração, onde todas as coisas que ele fez para assegurar a vitória estavam escondidas.
Eu não sabia ao certo como me sentia com relação a nada daquilo. O que eu podia dizer, afinal? Que bom? Que péssimo?
Blake e eu seguimos o restante do trajeto em silêncio enquanto eu contemplava se deveria lamentar ou comemorar a novidade sobre Daniel.
Clay colocou nossa bagagem no saguão e uma conversa rápida com Blake garantiu que ele voltaria para nos levar ao trabalho pela manhã. Cambaleamos até o andar de cima, onde capotamos rapidamente.
***
Acordei com o céu claro da manhã e a cama vazia. Segundo o bilhete deixado no travesseiro de Blake, ele tinha saído cedo para o trabalho. Grunhi e cogitei dormir mais um pouco, mas a ideia de botar o papo em dia com Alli e o resto das pessoas no novo escritório me estimulou. Não me apressei em me arrumar, ligando a TV no noticiário para me fazer sair da cama, onde eu poderia facilmente dormir por mais oito horas. Servi café para mim mesma, parando ao ouvir o nome de Daniel. O apresentador estava recapitulando a eleição da semana anterior.
Apesar de eu não falar com Daniel há meses, ele ressurgia nos meus pensamentos com bastante frequência. Cada um seguiu seu caminho. Bem, ele tinha decidido sumir da minha vida. Por misericórdia? Talvez. Às vezes, eu me perguntava o que ele diria se eu tentasse entrar em contato com ele de novo. Será que insistiria em manter distância?
Agora que tinha vencido a eleição para governador, talvez ele não dissesse absolutamente nada. Vencer a eleição sempre fora o propósito do trabalho dele desde antes de amar minha mãe. Eu sabia que qualquer importância que eu tivesse na vida dele diminuíra consideravelmente frente aos acontecimentos atuais.
Desliguei a televisão, determinada a não devotar mais nenhum pensamento àquilo. Apesar do jet lag terrível e do fato de eu ainda estar lamentando o fim da nossa lua de mel abençoada, eu estava ansiosa para me atirar no trabalho — algo que não tinha conseguido fazer desde que vendi a empresa.
A cafeína fez efeito e eu considerei isso minha deixa para sair. Clay me levou até a cidade e me deixou no Mocha, o café que eu costumava frequentar no escritório antigo. Eu não voltei lá desde que a ex de Blake, Sophia, demitiu Alli e que eu tinha pedido as contas, mas não podia me manter longe dali para sempre. Dei uma olhada em volta da calçada, meio que esperando ver Sophia, mas não reconheci nenhum rosto.
Dentro, contudo, avistei Simone imediatamente. Enquanto ela atendia uma mesa próxima, encontrei meu lugar de costume vazio e sentei. Meu celular vibrou enquanto eu esperava e vi que era uma mensagem de Marie me dando as boas-vindas. Respondi à mensagem dela, fazendo planos para botar o papo em dia na semana que vem. Eu sabia que ela iria querer ouvir tudo sobre a lua de mel e eu mal podia esperar para contar a ela. Eu sentia mais falta dela do que ela sabia.
Simone se aproximou de mim, com olhos arregalados.
— Puta merda, quem é você e o que está fazendo no meu café?
Dei uma risada.
— Vim para minha dose de cafeína. E para ver você, é claro.
— Pode apostar que sim. — Ela se juntou a mim, acomodando-se no banco da frente. — E aí? Não vejo você desde o casamento.
— Nada de mais por enquanto, na verdade. Acho que provavelmente só vou ver como estão as coisas no trabalho hoje. E você?
— O mesmo de sempre por aqui — respondeu ela, apontando para o café movimentado.
— Como estão os novos vizinhos?
Não pude evitar perguntar, visto que o Mocha ficava a alguns passos do escritório do Clozpin, mas me preparei para uma resposta que iria doer. Boa ou ruim, qualquer notícia seria como sal na minha ferida.
Simone deu de ombros.
— Pelo que sei, o chefão, Perry, só aparece umas duas vezes por mês. Não vi a menina nem uma vez. Eles contrataram uns programadores novos. Mas não posso reclamar disso. Eles se tornaram excelentes clientes dependentes de cafeína.
— Parece que eles ainda estão trabalhando, então.
Eu queria não me sentir mal por aquilo, mas não consegui esconder a apatia na minha voz.
— Parece que sim. Fico feliz que o James não tenha ficado. Ele está bem mais feliz trabalhando com a equipe antiga.
James tinha sido o último a abandonar o navio depois da mudança de propriedade. A última notícia que tive era que o Clozpin tinha sido hackeado e informações prejudiciais sobre Isaac e Sophia que podiam significar o fim do empreendimento tinham sido vazadas. Aparentemente, eles tinha se recuperado e seguido em frente. Talvez fosse hora de eu fazer o mesmo.
— O que é isto? — perguntei, apontando para um coração artisticamente desenhado em tinta preta bastante recente na parte de dentro do antebraço de Simone.
— Ah, só uma tatuagem nova.
Ela tocou nos detalhes ornamentados que davam a volta em um buraco de fechadura no meio do coração.
— É lindo. Os detalhes são incríveis.
As bochechas dela ficaram vermelhas.
— Foi o James que desenhou. Ele é um artista incrível. Ele fez uma também. Uma chave.
Meu queixo caiu, fiquei estupefata com o significado inconfundível por trás daqueles dois símbolos.
— Caramba. Isso é permanente, sabia?
Ela riu.
— Bem, é para ser. Essa é meio que a intenção.
— Fico muito feliz por vocês dois.
Depois de tudo que passei com James, eu estava incrivelmente contente por ele e Simone terem encontrado algo real, e eu torcia para que isso os fizesse tão imensamente felizes quanto Blake me fazia.
O olhar dela suavizou enquanto ela contornava a tinta preta para lá e para cá.
— Eu sinceramente não fazia ideia se podíamos ter um futuro logo que começamos a ficar, mas o cara se infiltrou no meu coração tão fundo, que se alguma coisa nos separasse, eu iria querer essa lembrança mesmo assim.
— Ele tem sorte de ter você, Simone.
Ela soltou um suspiro, parecendo tão completamente apaixonada quanto eu frequentemente me sentia.
— Ele passou por muita coisa. Muita coisa que provavelmente nunca lhe contou, Erica. Mas eu nunca encontrei um homem, em toda minha vida, que tenha aberto o coração do jeito que ele fez. Tipo, quando paramos de ficar de lenga-lenga com aquela história de ser amigos e simplesmente decidimos dar uma chance ao nosso relacionamento, nada podia se meter entre nós. Nada de joguinhos, nada de balela. Só nós dois.
Engoli a emoção entalada na minha garganta.
— Ah, você está me fazendo chorar. Pode ir parando.
Ela sorriu, piscando para afastar o que também parecia ser o princípio de lágrimas de felicidade. Descendo do banco, ela deu a volta na mesa para me dar um abraço.
— Senti sua falta — falei.
Aquelas palavras ameaçaram liberar o aguaceiro de verdade. Eu amei minha fugidinha com Blake, mas também senti falta dos meus amigos, mais do que tinha percebido até este momento.
Ela me abraçou com muita força.
— Senti sua falta também. Sua e de todo esse seu dramalhão.
Eu ri quando ela se afastou.
— Desculpe, por isso.
— Sem problemas. Deixa minha vida entediante de café e croissants mais interessante. Mas nada de levar tiros nem nada assim, está bem? Eu meio que preciso de você viva. É ruim para os negócios quando você não está por perto alimentando o seu vício.
Passei os dedos debaixo dos olhos, secando qualquer umidade restante de minha minidepressão.
— Vou fazer o possível.
Ela desceu a mão pelo meu braço.
— É bom mesmo. Certo. Preciso voltar ao trabalho.
— Eu também. Tenho um monte de coisas para pôr em dia.
— Não tenho dúvidas. Ei, me faz um favor? Dê um tapa na bunda do James quando chegar lá. Diga que é por mim.
Revirei os olhos, dando um sorriso torto.
— Vou deixar isso para você, Simone.
Ela riu e acenou em despedida.
Caminhei as poucas quadras até o novo escritório no prédio que Blake e eu agora dividíamos. Subi as escadas até o segundo andar e parei por uns segundos na frente da porta de vidro jateado que dizia E. Landon, Inc. Sorri por dentro.
Sra. Erica Landon. Eu estava gostando de como aquilo soava. Eu tinha assumido o sobrenome de Blake sem objeções, mas, profissionalmente, ele não tinha me forçado a trazer meus projetos para debaixo da asa da empresa dele. E em uma época em que eu estava quase perdendo a esperança, ele conseguiu o espaço que me permitiria trabalhar em novos projetos para preencher o vazio.
Decidida a manter o passado no passado e a embarcar de vez nesse novo capítulo da minha vida, abri a porta do escritório. Dentro, a equipe — uma mistura de caras conhecidas e novatos — trabalhava em suas mesas.
Alli deu um gritinho alto quando me viu.
— Você está de volta! — Ela correu até mim e me deu um abraço apertado. — E superbronzeada!
Ri quando nos separamos.
— Uma semana em uma ilha faz isso com você.
— Estou morrendo de inveja. Mas o que você está fazendo aqui? Pensei que fosse tirar alguns dias para se acomodar primeiro.
Dei de ombros.
— Não consegui esperar.
Geoff e Sid chamaram minha atenção de suas estações de trabalho perto dali.
— Como está tudo? O que eu perdi? — perguntei.
Os olhos de Geoff se iluminaram.
— Um monte de coisas. Por onde você quer começar?
— Por onde você quiser. Me deixe a par de tudo.
Uma sensação de euforia borbulhou dentro de mim — uma ansiedade familiar por falar a linguagem corporativa e tecnológica e ser arremessada no turbilhão de detalhes que rodeavam um projeto de ponta.
Sid se levantou e se apoiou na mesa.
— Temos dois apps novos que você pode testar.
— Ótimo.
— Olá, forasteira.
Uma voz grave cantarolou atrás de mim. James apareceu pela porta. Seus cabelos ondulados quase negros estavam bagunçados e combinavam com a camiseta comprida de cor preta e a calça jeans. Ele se aproximou e me deu um beijo no rosto.
— Fico feliz por você ter decidido voltar.
— Bem, eu não poderia ficar longe para sempre. De qualquer forma, não tenho certeza do que fazer sem vocês para me manterem ocupada.
— A felicidade cai bem em você — disse ele, dando um toque brincalhão na ponta do meu nariz.
Os olhos azuis intensos dele pareceram enxergar bem dentro da minha alma, como sempre. Minha amizade com James tinha se transformado em algo muito mais significativo do que qualquer coisa que eu poderia ter esperado quando o contratei para se juntar à equipe original do Clozpin. Nosso deslize romântico foi breve e desacertado, mas eu estava contente por não termos perdido a conexão que nos uniu no princípio.
— Obrigada — respondi, dando um empurrão de leve nele. — Em você também.
Ele passou a mão pelos cabelos, exibindo a parte de dentro do antebraço e a tatuagem recente que combinava perfeitamente com a de Simone — uma chave vintage ornamentada, desenhada em preto e branco.
— Belo rabisco.
Dei uma piscadinha.
— Obrigado. — O sorrisinho torto dele se abriu em um sorriso largo. Ele apontou com a cabeça na direção dos fundos do escritório. — Vamos lá, vamos nos reunir no seu escritório superchique. Estávamos morrendo de vontade de invadi-lo.
— Claro.
Nós cinco passamos o resto da manhã repassando o progresso que eles tinham feito. Geoff, o cérebro por trás do empreendimento de tecnologia usável que eu decidi financiar meses atrás, me inteirou quanto aos avanços. Realmente, a equipe tinha feito muita coisa durante a minha ausência, mas ainda era necessário preencher umas lacunas e fazer umas melhoras para poder lançar os aplicativos no mercado. Horas se passaram e eu me perdi nos detalhes.
Quando paramos para almoçar, fiquei zanzando pelo meu escritório, o local no qual eu ainda não tinha tido tempo de me acomodar. Mas, pela primeira vez desde que voltei, senti que aquele era o lugar onde eu realmente deveria estar. Apesar de tudo que tinha acontecido para me tirar dos eixos, eu estava mais pronta do que nunca para mergulhar de cabeça no trabalho e tentar de novo.
— Feliz por estar de volta?
Me virei na cadeira e encontrei Alli apoiada no batente da porta.
— Sim — admiti.
— Estamos felizes por ter você de volta. A família também, é claro. Catherine e Greg vão fazer um jantar de boas-vindas para vocês hoje à noite.
— Que legal da parte deles.
Os lábios de Alli se curvaram para cima enquanto ela enrolava uma mecha de seus cabelos castanhos lisos.
— O que foi? Parece que você quer me contar alguma coisa.
— Bem, vai ter uma cadeira a mais na mesa hoje à noite.
— É? Quem?
Ela se sentou em uma das cadeiras de frente para mim e abaixou o tom de voz.
— Se lembra daquele bartender gato da boate, aquele que devolveu aqueles drinks horríveis para a Sophia quando você pediu?
— Vagamente.
O tempo que tinha passado, aliado ao meu estado levemente embriagado daquela noite, tornava os detalhes nebulosos. Mas eu me lembrava distintamente da aparição breve de Sophia na minha despedida de solteira.
— É o novo namorado da Fiona.
Ergui as sobrancelhas.
— Uau. Ele?
— Parece que estão saindo há algum tempo, mas agora ela quer apresentá-lo para a família.
— É um passo grande.
Considerando que eu não tinha encontrado nem conhecido nenhum dos namorados de Fiona, eu não conseguia imaginar como o novo caso dela seria recebido, embora a família dela tenha sido extremamente gentil e calorosa comigo.
— Eu sei. Mal posso esperar para ver como vai ser.
Me recostei na cadeira.
— Parece que eu perdi um monte de coisas.
— É isso que acontece quando você sai do país por semanas e não lê nenhum dos seus e-mails.
— Nem brinque. Vai levar um mês para eu conseguir pôr tudo em dia. Mas mesmo que leve, vai ter valido a pena.
Meus pensamentos giraram em torno das inúmeras lembranças incríveis que Blake e eu tínhamos construído durante a viagem. Parte de mim queria contar a Alli sobre nossa discussão sobre filhos, mas eu ainda não estava totalmente pronta para compartilhar todas as minhas esperanças e todos os meus medos com relação a isso. O tempo diria e, não importava o que acontecesse, eu sabia que ela estaria lá por mim quando eu precisasse.
— Talvez você possa me contar as partes mais importantes durante o almoço.
— Claro.
Alli ficou brincando com a barra da blusa.
— O que foi?
— Hum, bem…
— Alli…
— Você acabou de voltar. Não quero bombardeá-la.
— Vim para o trabalho preparada para ser bombardeada. Manda ver.
Os belos olhos castanhos dela ficaram um pouquinho mais foscos.
— É sobre o Max.
Esperei que ela continuasse.
— Saiu a sentença… do ataque dele.
— Ah. — Eu dei meu depoimento meses atrás e, com tudo que tinha acontecido no período entre o ataque e agora, nem pensava mais no julgamento. Fiz a minha parte e só podia esperar por justiça agora. — Então, o que eles decidiram?
— Que ele é culpado.
— Caramba. Nunca pensei que ouvir essas palavras fosse ser tão bom.
O alívio me inundou, mas o sentimento de paz logo se misturou a uma centena de outras emoções que eu tinha ligado a Max e ao que ele tinha feito comigo. Raiva e inquietação por tantas pessoas nos nossos mundos saberem a posição comprometedora em que ele tinha me colocado. Até mesmo uma pitadinha minúscula de culpa por Max estar sendo condenado por causa da minha cooperação. E mesmo assim, lembrei a mim mesma de que eu não tinha feito nada para instigar o ataque dele. Ele tinha me drogado e me encurralado sozinha. Se Blake não estivesse lá, Max podia ter me estuprado. Apesar de não ter conseguido, eu achava que ele iria até o fim.
— Ele pegou dois anos e meio.
Minha garganta ficou apertada e eu fechei os olhos. Meu corpo pareceu reagir à notícia antes de cair a ficha. Um minuto se passou e eu recuperei a voz.
— Isso é metade da sentença máxima.
— Eu sei — disse Alli, baixinho.
Concordando lentamente com a cabeça, ajeitei os papéis na minha mesa que já estavam bem organizados.
— Bem, isso é a justiça.
— Ao menos eles vão colocá-lo na cadeia. Mesmo que não seja pelo tempo que ele merece.
Max estava perdendo a liberdade, ao menos por um tempinho. Eu queria celebrar aquela pequena vitória, mas parte de mim não conseguia acreditar que isso era suficiente para redimir o que ele tinha feito.
***
BLAKE
— Ah, que saudades eu senti de vocês dois!
Minha mãe bateu palmas e se aproximou para um abraço. Me abaixei para compensar a estatura baixa dela. Parecia que eu tinha acabado de voltar da guerra, mas eu nunca poderia culpá-la por amar demais. Esse era o jeito dela e quando ela voltou sua atenção para Erica, eu fiquei mais que contente por esse excesso de amor. As duas se abraçaram balançando de um lado para o outro por um momento, e quaisquer arrependimentos de última hora que eu pudesse ter sentido por comprar nossa casa a alguns metros da casa dos meus pais desapareceu.
Erica merecia uma família e eu não podia desejar uma melhor do que a minha. Nem sempre eu os apreciei, mas isso estava mudando rapidamente com Erica na minha vida.
Minha mãe deu uma olhada para nós dois, de cima a baixo, nos avaliando por inteiro.
— Erica, você está melhor do que nunca, sério. Todo esse tempo viajando deve ter feito bem para a sua alma.
Erica olhou para mim.
— Acho que fez mesmo.
Minha mãe sorriu, seus olhos se enrugando nos cantos. Ela era uma mulher atraente, cheia de uma energia contagiante, especialmente com meu pai ao seu lado. Meu pai se juntou a nós, usando seu avental preferido. Ele incorporara o título de chef da casa com orgulho desde que tinha se aposentado. Eu costumava ver meus pais e enxergava o jeito tranquilo dos dois juntos como algo permanente. Agora eu via uma versão familiar de Erica e eu. Eu via a eternidade com a mulher com a qual eu queria envelhecer.
Meu pai deu um tapinha no meu braço e abraçou Erica.
— Como estão os pombinhos?
— Estamos ótimos, pai.
Ele apontou com a cabeça na direção da sala de jantar, onde minha irmã, Fiona estava sentada ao lado de um homem desconhecido.
— Você chegou bem na hora de conhecer o cara novo.
— Ah! Sim, você precisa conhecer o Parker!
Um segundo depois, minha mãe estava nos puxando para a sala e nos apresentando para o, aparentemente, convidado de honra.
Ele se levantou.
— Blake, é um prazer conhecê-lo.
— Igualmente.
Demos um aperto de mãos e Erica e eu nos sentamos de frente para o casal. Estudei o homem que estava com o braço apoiado no encosto da cadeira da minha irmã. Parker parecia ter a minha idade, talvez um pouquinho menos. Cabelo loiro-escuro com um corte estiloso. Ele estava vestido de maneira casual, de jeans e camisa. Não parecia particularmente sofisticado, mas parecia gastar o tempo adequado com a aparência.
Os dedos dos dois estavam entrelaçados frouxamente enquanto minha mãe servia o famoso rocambole de carne do meu pai. Eu estaria um pouquinho mais animado para uma refeição caseira e botar o papo em dia com todo mundo, mas fiquei distraído por Parker. Ele se virou e murmurou alguma coisa no ouvido da Fiona. Ela sorriu e se aconchegou no toque dele.
Pigarreei alto, interrompendo o momento dos dois.
— Então, como vocês se conheceram?
Os olhos de Fiona se arregalaram. Aquela pergunta tinha saído com menos delicadeza do que eu pretendia, mas eu estava ávido para saber mais sobre esse estranho que significava o suficiente para Fiona, a ponto de fazê-la apresentá-lo à família. Eu também estava querendo que ele parasse de tocar nela enquanto estávamos à mesa.
— Hum… — começou ela.
— Nos conhecemos na despedida de solteira da sua esposa — disse Parker, sem tirar os olhos de Fiona.
— Ah, é?
Eu não tinha ficado muito feliz ao ver Erica saindo aquela noite com um vestido bem justo e bem curto, mas, ingenuamente, não tinha realmente pensado que alguém chegaria em Fiona. Meu maxilar se contraiu, um reflexo do pensamento nada bem-vindo de Parker ou qualquer outra pessoa encostando nela depois de ela ter bebido.
— Ele estava trabalhando de bartender e pegou meu número antes de irmos embora — respondeu Fiona, com voz doce e suave.
Relaxei um pouquinho, as palavras dela amenizaram a visão que minha mente criou. Fiona era minha irmã, em primeiro lugar, mas também era uma boa parceira de negócios, sempre focada e cuidadosa quando lidava com os meus imóveis. Eu não estava acostumado a vê-la distraída e, apesar de eu sempre querer protegê-la como seu irmão mais velho, ela não tinha me dado muitas oportunidades para isso. Talvez porque nosso outro irmão, Heath, tinha precisado de toda atenção por muito tempo. Agora, o novo pretendente dela estava sentado à minha frente, nem de perto tão desconfortável quanto eu queria que estivesse, considerando que ele muito provavelmente estava comendo a minha irmã.
— Então é isso que você faz? Trabalha como bartender?
Eu nunca fui elitista, mas, por algum motivo, não consegui resistir à tentação de pisar um pouco nele.
— Blake…
A voz de Fiona ficou mais baixa.
— Estou fazendo pós-graduação — explicou ele, me encarando. — Trabalho de bartender para conseguir pagar as contas. Meus pais não estão pagando a universidade, então eu mesmo estou bancando tudo.
Então meu pai se intrometeu.
— Isso é muito louvável, Parker. Não há nada como ser responsável pelos seus próprios sucessos. Nós sabemos o que é trabalho duro, não é, Blake?
— Eu com certeza sei — respondi. — Mas não posso dizer isso do Heath, é claro.
Heath sorriu e fez um gesto ofensivo, que — ainda bem — nossa mãe não viu. Rimos e a tensão foi aliviada por ora. Meu pai tinha passado sua lição. Minha riqueza mudou nossa situação, mas vínhamos de uma família de trabalhadores. Talvez eu desse a Parker o benefício da dúvida, ao menos enquanto não descobria mais sobre ele.
— Erica, que tal você nos contar sobre o novo projeto em que vocês todos estão trabalhando? — pediu minha mãe. — Greg e eu estávamos querendo saber sobre isso.
Aparentemente, eu era o único interessado em pegar no pé do cara novo, então deixei Erica e Alli assumirem o controle da conversa e falarem sobre o trabalho.
À medida que o jantar progredia, Parker jogou conversa fora com meus pais e os outros. Se ele foi afetado pelo meu interrogatório, não deu nenhum sinal. Ao meu lado, Erica mal tinha encostado na comida. O garfo dela passeava pelo meio das batatas.
— Você está bem, gata?
Ela olhou para mim com um sorriso pequeno.
— Estou bem. Acho que só estou exausta. Foi um dia de volta bem longo.
As palavras dela me lembraram da minha própria fadiga. Tínhamos retomado a rotina às pressas assim que voltamos e agora eu me arrependia disso.
— Quer ir descansar?
Com os olhos fechados, ela expirou pesadamente.
— Acho que sim. Me desculpe, Greg. O jantar estava incrível. Posso levar um pouco comigo?
Minha mãe se levantou da cadeira.
— É claro! Vou preparar um prato para você.
Erica se mexeu para ir embora e eu me levantei com ela.
— Vou com você até em casa — falei.
— Não precisa.
Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha dela, acariciando sua bochecha com a parte de trás dos dedos.
— Eu me sentiria melhor se fosse junto.
Ela colocou a mão no meu peito e sorriu.
— Estou bem. Aproveite o tempo com a sua família. Nos vemos quando você voltar. Não precisa se apressar.
Coloquei a mão em cima da dela, passando as pontas dos dedos pela aliança de diamantes no anelar dela. Caramba, eu não a tinha visto o dia todo e dividi-la com a minha família não era a mesma coisa. Eu tinha ficado viciado em tê-la só para mim. Por mais que tivesse negligenciado as questões do trabalho no último mês, em alguns momentos, hoje, eu nutri a ideia de escapar com ela assim que pudéssemos.
Cedi.
— Tudo bem, mas me ligue se precisar de alguma coisa.
— Vou ficar bem.
Ela deu um beijo leve na minha boca e foi embora.
Terminamos de jantar e enquanto meus pais se ocupavam em guardar o que tinha sobrado, Heath, Parker e eu ficamos de bobeira em volta da mesa.
— E aí, como anda essa vida de casado? — perguntou Heath, largando as costas na cadeira.
— Ótima.
Peguei minha cerveja, levando a garrafa até a boca. O último mês continha alguns dos melhores dias da minha vida e eu estava ansioso por muitos mais.
— Ainda não consigo acreditar que você está casado.
Ergui a mão, examinando a aliança fina de platina que eu tinha escolhido.
— Pode acreditar.
Parker limpou a garganta.
— E você, Heath? Você e a Alli estão pensando em juntar os trapos?
Heath ergueu as sobrancelhas e soltou uma risada curta.
— Não acho que isso já seja da sua conta.
Parker deu de ombros.
— Só estou curioso. Sou novo aqui. Quero dizer, quando você encontra a pessoa certa…
Ele olhou para além de nós, para onde Alli e Fiona estavam sentadas conversando na sala de estar.
Me endireitei, meus músculos se contraindo debaixo das mangas, preparando-se para nocautear aquele moleque.
— Você está saindo com a minha irmã há um mês.
Ele tomou um gole de cerveja.
— Está mais para três meses, mas quem é que está contando?
Heath meneou a cabeça, rindo.
— Não tenho argumento contra isso, Blake. Você colocou uma aliança na mão da Erica depois de alguns meses.
— Ela é diferente — resmunguei.
Parker arqueou uma sobrancelha.
— Em que sentido?
— Ela não tem nenhum irmão mais velho, para começar — falei, a ameaça na minha voz indiscutível.
Ele apertou os lábios, concordando com a cabeça.
— Está certo. Preciso superar alguns obstáculos? Fornecer extratos bancários ou algo assim?
Sorri. Ele não fazia ideia, mas eu saberia mais sobre a vida dele do que qualquer empregador em algumas horas. Extratos bancários seriam a menor das minhas descobertas. Meneei a cabeça.
— Não será necessário. Se eu tiver algum problema com você, você vai saber. Enquanto isso, seja bom para ela. Muito bom. Ela provavelmente não vai contar a nós se você partir o coração dela, mas vou fazer questão de descobrir, se você fizer isso.
— E o que faz você pensar que vou partir o coração dela?
— Pegar o número do telefone de meninas em boates não é um bom sinal.
Ele relaxou na cadeira.
— Por que tenho a sensação de que vou ser culpado até me provar inocente quando se trata de você?
O comportamento despojado dele me lembrava demais de mim mesmo. Eu não tinha certeza se gostava disso nele ou se a Fiona deveria fugir correndo. De qualquer forma, eu não iria perder mais tempo com interrogatórios.
— Sobremesa, meninos! — gritou minha mãe, da cozinha.
— Graças a Deus — murmurou Heath.
Sorri por dentro, plenamente consciente do desinteresse geral de Heath por conflitos. Ele era o que gostava de diversão. Teria mais sorte em arrancar informações de Parker tomando umas e jogando sinuca. Infelizmente, Parker provavelmente iria se dar bem em cima de Heath, ir embora com um aliado e aí eu teria dois problemas para resolver. Essa era minha vida como filho mais velho, e eu já aceitei isso.
Encarei uma enxurrada de perguntas de Alli sobre a viagem durante a sobremesa e aproveitei a primeira chance que tive para pedir licença e ir embora. Já estava escuro. Erica provavelmente estava dormindo, mas eu não queria ficar longe dela nem mais um segundo. Tínhamos passado praticamente todos os minutos juntos no último mês e, por mais que eu ansiasse pela presença dela antes da lua de mel, agora eu estava totalmente dependente.
Entrei de fininho no nosso quarto. O abajur ao lado da cama emitia uma luz quente sobre os traços dela, pacíficos em seu sono. Minha mãe tinha razão. Erica parecia melhor, mil vezes melhor do que quando fomos viajar. Ela nunca pareceu dar muita importância para a própria beleza, mas isso não a diminuía. Ela me deixava sem fôlego. Em momentos singelos como este, vestindo nada além de uma camiseta minha, ela era uma deusa, feita somente para mim. O peito dela se movia em respiração estável. Eu queria tocá-la, beijá-la até deixá-la sem ar e torná-la minha.
Ao invés disso, desliguei a luz e saí do quarto sem fazer barulho.
CAPÍTULO 4
ERICA
Cutuquei os ovos e as torradas, não menos exausta do que estava na noite passada. Eu queria culpar a diferença de horários pelo meu sono inquieto, mas meus pensamentos estiveram confusos o dia todo e provavelmente se arrastaram pela noite também.
Eu queria conversar com Blake sobre a sentença de Max, mas parte de mim ainda estava assimilando aquilo. Com todo dinheiro e toda influência por trás da família Pope, eu deveria estar grata por ele, ao menos, estar indo para a cadeia. Homens como ele geralmente recebiam um tapinha na mão por terem abusado de meninas bonitas que não estavam a fim. Mark não tinha sido diferente. Um jovem privilegiado que tinha se livrado das consequências por anos a fio.
Max também cresceu em berço de ouro, com uma família incrivelmente bem-sucedida por trás dele. Agora ele passaria todos os dias atrás das grades na companhia de criminosos. Será que o ódio dele por Blake e eu só aumentaria? Ou será que ele poderia mudar para melhor? Era coisa demais para assimilar.
Blake estava em pé em silêncio na frente da cafeteira, a caneca na mão, enquanto a jarra enchia.
— Está impaciente, é?
Ele emitiu um ruído ininteligível e coçou a testa.
— Ficou acordado até tarde?
— Mais tarde do que eu esperava.
Sem querer esperar mais, ele encheu a caneca, colocando a jarra de volta na base, fazendo-a chiar.
— Botando o papo em dia com Heath?
Ele se virou na minha direção, os olhos cansados.
— Não, outra coisa.
— O que você achou do Parker? Você estava sendo duro com ele.
Ele suspirou e passou a mão pelos cabelos bagunçados.
— Pois é. Sei lá. Alguma coisa nele me deixou com a pulga atrás da orelha, eu acho. Mas o histórico dele foi bom.
Franzi a testa.
— Como assim?
Antes que ele pudesse responder, uma batida forte na porta me assustou.
— Eu atendo.
Ele largou a caneca e foi até a porta. Do outro lado estava um homem vestindo um terno marrom.
— Blake Landon?
A expressão de Blake diante do estranho era atenta e defensiva.
— Sou eu. Quem é você?
O homem estreitou os olhos para Blake e meu estômago virou uma bola de nervos. A bravata de Blake às vezes não tinha limites.
— Sou o agente Evans. Do FBI. — Ele abriu a carteira, exibindo sua identificação. — Posso entrar?
— Não, mas pode me dizer o que é que está fazendo aqui, porra.
— Blake — sibilei.
Ele me ignorou, encarando o homem daquele jeito que sempre fazia quando se tratava de pessoas de que ele não gostava.
— Estou aqui para discutir o resultado bastante curioso da eleição para governador de Massachusetts.
— E o que o FBI tem a ver com isso?
O detetive pausou, um sorriso contido curvando seus lábios.
— Quando os resultados apontam para manipulação das urnas, se torna um caso para o FBI. Nós apreciaríamos a sua cooperação.
O maxilar de Blake se cerrou, fazendo-o se contrair. Ele fez uma cara furiosa, e meu coração foi parar no estômago, ameaçando entornar o café da manhã frugal que eu conseguira tomar esta manhã.
O olhar o homem se focou além de nós.
— Se importa se eu entrar?
Blake não respondeu, mas se afastou da porta o suficiente para o homem entrar. Evans parecia ter quarenta e poucos anos. Ele era mais alto do que eu, mas baixo, perto de Blake. Os olhos dele estavam astutamente estreitados enquanto ele analisava nossa casa ainda não decorada.
— Posso pegar um café para você?
Torci os dedos uns nos outros, incapaz de esconder a ansiedade com a presença dele. Manipulação de votos? Em que merda Daniel tinha se metido agora?
Evans deu um sorriso que não ajudou muito a acalmar meus nervos.
— Seria ótimo. Você é Erica Hathaway?
— Erica Landon — corrigiu Blake. — Ela é minha esposa.
— Certo. Parabéns.
— Podemos cortar o papo furado? Por que você está aqui?
Evans enfiou casualmente as mãos nos bolsos.
— Há algum motivo para você estar tão nervoso, sr. Landon? Só estou aqui para fazer umas perguntas.
— Não tenho lembranças muito positivas do FBI.
— Eu sei.
O tom de voz de Evans era baixo e cheio de significado.
Blake inclinou a cabeça.
— Sabe?
— Eu não estaria aqui se não soubesse e acho que você já entendeu isso.
Blake expirou.
— Que belo trabalho em manter os registros sigilosos.
— Sua reputação o precede.
— Tudo que sei é que você está na minha casa e ainda não me deu um bom motivo para isso.
— Se importa se eu sentar?
Novamente, Blake não respondeu e Evans foi até o sofá. Levei o café para ele e me acomodei na cadeira extra.
Ele tomou um gole de café e olhou para mim.
— Pelo que sei, vocês acabaram de voltar da lua de mel. Suponho que estejam sabendo do resultado das eleições?
— Fitzgerald venceu… Uma vitória esmagadora — respondi.
— Isso mesmo.
— O que é tão curioso assim sobre os resultados? — perguntei.
— Bem… Até algumas horas antes das seções eleitorais fecharem, ele estava perdendo.
— Isso não é tão incomum — disse Blake.
— É, quando os votos a favor dele em vários distritos excedem o número de eleitores registrados naquelas áreas e mudam o resultado a favor dele.
— Por que ele faria isso?
As palavras jorraram da minha boca, minha incredulidade eliminando qualquer filtro que eu deveria ter perto do homem que, claramente, não estava ali para fazer amigos.
Evans voltou seu olhar severo para mim, suavizando um pouquinho.
— É isso que estamos tentando descobrir. O que sabemos é: se Fitzgerald estiver por trás disso, ele muito provavelmente teve ajuda. Ajuda de um especialista.
Ele voltou a olhar para Blake, a expressão em seus olhos comunicando agora algo que talvez só ele e Blake soubessem. Certamente tinha a ver com os boatos sobre o histórico de Blake como hacker. Ele tinha se dado mal anos atrás. Mas por que Evans estaria tocando nesse assunto? Será que ele achava que Blake tinha ajudado Daniel a fraudar as eleições?
Meu estômago revirou. Agarrei a ponta do encosto do sofá enquanto o sangue se esvaía do meu rosto.
— Você está bem, sra. Landon?
Me levantei com fraqueza.
— Estou.
— Melhor você ir embora.
Blake deu um passo rápido na direção de Evans.
Evans se levantou na hora.
— Claro. Mas você vai vir comigo. Você também, sra. Landon.
— Nem a pau. Pode deixá-la fora disso — rosnou Blake, a raiva fervendo por trás de seus olhos.
Evans deu um passo na direção dele.
— Sr. Landon, você é suspeito de fraudar as eleições para governador em benefício do pai distante da sua esposa. Temos perguntas e gostaríamos de contar com a sua cooperação.
Meu Deus, não. Eu não conseguia respirar. A bile subiu pela minha garganta. Isso não estava acontecendo. Não podia estar acontecendo…
— Com base em quê?
— Você tem motivo. Tem os recursos para fazer isso. Por fim, mas não menos importante, tem as habilidades necessárias.
Blake cruzou os braços em cima do peito.
— Você vai precisar de mais que isso para me prender.
— E as chances de encontrarmos mais coisas são grandes. Temos um mandado de busca para o seu escritório, no centro. Eles estão confiscando as suas máquinas agora de manhã.
— Mas que…
Blake deu um passo ameaçador na direção de Evans. Evans colocou a mão debaixo do blazer, onde sua arma estava no coldre. Me movi rapidamente, ficando entre os dois.
— Blake, por favor. Vamos simplesmente ir até lá e esclarecer isso.
Coloquei a mão no peito de Blake. O coração dele trovejava sob meu toque. Uma energia intensa irradiava dele.
Evans deu a volta em nós e caminhou na direção da porta.
— Vamos fazer isso do jeito fácil. São só perguntas. Vamos acabar com isso de uma vez.
***
ERICA
Esperei por um tempão na sala de interrogatórios, olhando para o metal escovado frio da mesa. Eu também estava fria. Dos dedos das mãos aos dos pés, mas não era por isso que eu me sentia tão amortecida. O pânico inicial tinha se dissolvido durante o trajeto até a cidade e agora uma névoa tinha se instaurando nos meus pensamentos, tornando tudo lento e surreal. Como isso podia estar acontecendo?
Uma ânsia fervilhava dentro de mim. Se o FBI conectasse Blake à eleição fraudulenta… Eu não conseguia nem imaginar. Isso não era um pequeno desvio criminal, como na vez em que ele quebrou a cara do Max. Ele podia ficar um bom tempo atrás das grades por algo que não tinha feito. Apoiei a cabeça nas mãos.
A porta se abriu e por ela entrou o detetive Carmody, um homem cujo rosto eu gostaria de não conhecer. Ele não era lindo, mas também não era um homem mal-apessoado. Seus olhos estavam cansados.
Ele acomodou seu corpo pequeno na cadeira à minha frente.
— Erica. Nos encontramos de novo.
Na primeira vez em que conversamos, ele tinha perguntado sobre a morte de Mark. O caso estava fechado agora, mas ele foi uma das primeiras pessoas a saber que eu era filha ilegítima de Daniel — um fato que eu não contei voluntariamente na época. Ele já sabia bem mais sobre mim do que eu queria que ele soubesse.
— Você sabe por que estou aqui?
— Blake não fez isso.
Quando eu disse aquilo, estava querendo que fosse verdade. Eu conhecia Blake. Ele não faria isso comigo.
Carmody respondeu com um sorriso quase empático.
— Como você pode saber disso?
— Eu simplesmente sei. Ele nunca faria nada para me machucar e arruinar as chances de Daniel de vencer me machucaria.
— Pensando assim, garantir que Daniel venceria a disputa seria algo em seu benefício.
— A eleição foi obviamente manipulada. Como isso beneficiaria alguém?
Carmody se recostou na cadeira e fez uma pausa.
— Você conhece bem o seu marido, Erica?
— Bem melhor do que você.
Ele assentiu com a cabeça, um espectro de sorriso nos lábios.
— Ele tem um passado, sabe.
— Está dizendo que vocês o estão marginalizando por algo que ele fez quando era adolescente?
Ele se inclinou para frente.
— Ele alguma vez já comentou com você sobre acessar informações ilegalmente?
Antes que eu pudesse mandá-lo enfiar as informações no cu, um homem de meia idade abriu a porta e entrou na sala. Seus cabelos quase pretos estavam penteados com perfeição para trás e combinavam com o terno preto simples. A pele dele era pálida, quase translúcida, em forte contraste com o terno e os cabelos. Ele me fitou com um olhar impassível antes de voltar seu foco para Carmody.
— Sou Dean Gove, advogado do Blake. Você deveria ter esperado eu chegar para interrogá-la.
— Só estávamos papeando — respondeu Carmody, com um tom indiferente. Ele se levantou. — Sou o detetive Carmody.
Os dois homens deram um aperto de mãos.
Gove franziu a testa.
— Você é da polícia de Boston? Achei que esse fosse um caso do FBI.
— Parece haver algumas dúvidas com relação a qual jurisdição esse caso pertence. Leis estaduais foram claramente violadas, então, por ora, estamos todos buscando por respostas.
A linha de frente unificada deles se desfez. Eu só podia torcer para que qualquer divergência entre o departamento dele e o de Evans trabalhasse em nosso favor.
Sem se incomodar com apresentações além de um aceno rápido com a cabeça, Gove se sentou ao meu lado e tirou um caderno e uma caneta que parecia bem cara.
— Certo. Diga por que estamos aqui.
Carmody manteve sua atenção em mim.
— Vamos começar com a campanha de Daniel Fitzgerald. O gerente de campanha confirmou que você esteve envolvida intermitentemente nos últimos meses. É verdade?
Aquela ânsia tomou conta de mim de novo. Maldito Daniel.
— Sim, é verdade.
— Pode falar mais sobre isso?
— Eu estava administrando minha própria startup, então não tive muito tempo para investir na campanha dele quando ele me pediu. Concordei em prestar a consultoria necessária à equipe de marketing dele para aumentar o alcance social.
— Vocês não se conheciam até este ano, certo?
Fechei os olhos por um momento.
— Sim.
— Por que você participaria da campanha se mal o conhecia?
Boa pergunta. Blake iria querer saber essa resposta também.
— Ele é meu pai. Quando descobri isso, eu quis ajudar.
Ele olhou para seu bloco de notas, rabiscando alguma coisa.
— Certo. Então você ajudou com o marketing. Algo mais?
— Não.
— E Blake? Ele tem ainda mais recursos que você. Como ele estava envolvido?
Dei uma olhada cansada na direção dele. Eu sabia o que ele estava fazendo e estava farta daquilo.
— Ele não estava envolvido em nada. Ele nem queria que eu me envolvesse.
Carmody ergueu a sobrancelha.
— Mesmo? E por quê?
Gove pigarreou.
— Acho que estamos perdendo o foco aqui. Vamos nos ater aos fatos. Os sentimentos do sr. Landon com relação ao envolvimento dela na campanha não têm importância alguma agora.
— Não tenho tanta certeza assim.
— Então você pode perguntar diretamente a ele. Erica, você não precisa responder isso. Siga em frente, detetive.
Carmody rabiscou mais no bloco de notas.
— Você estava envolvida no trabalho da campanha até o dia da eleição?
— Acabei de voltar da minha lua de mel. Estivemos fora do país por um mês, então não.
— E Blake? No que ele estava trabalhando?
“Nada” era a resposta na ponta da minha língua. Ele não faria isso. Não podia fazer isso comigo.
— Nada que eu saiba. Concordamos em ficar off-line e somente pôr o trabalho em dia quando voltássemos para casa.
— Você tem certeza disso?
Se eu tinha certeza? Não.
— Tenho — menti. — Ficamos juntos o dia todo, todos os dias. Se ele estivesse trabalhando em alguma coisa, eu saberia.
Carmody ficou olhando para mim. Seus olhos tinham uma cor esquisita. Azul-escuro com âmbar em torno das íris. Meus batimentos aceleraram. Eu não sabia o que nada disso podia significar, mas, ao menos para o FBI, Blake era supostamente culpado. Mas eu mentiria o dia todo por ele, se isso o mantivesse longe de perigo. Não havia nada que eu não fizesse por ele agora.
— Quando foi a última vez que você falou com o seu pai?
— Faz uns dois meses.
— Algum motivo para essa interrupção na comunicação de vocês?
Soltei um suspiro pesado. Nunca me senti confortável discutindo meu relacionamento com Daniel com as autoridades depois do que ele fez. Essa situação não era diferente.
— Ele não queria mais me ver.
— Por quê?
Fechei os olhos, lembrando a última vez em que tínhamos conversado.
Você é minha filha. Minha única filha. Eu te amo, mas é hora de eu ir embora.
Meu coração se despedaçou quando ele disse aquelas palavras. O mesmo tipo de dor vazia me rasgava agora do mesmo jeito que tinha rasgado na época. Uma dor que eu guardei debaixo da superfície, acreditando que ela não precisava de oxigênio. Mas tudo com relação à rejeição dele doía.
— Depois que fui baleada… ele achou melhor mantermos distância.
— Ele atirou no homem que tentou te matar.
Concordei com a cabeça.
— Eu sei.
— Como isso faz você se sentir?
Gove limpou a garganta.
— Isso é tudo que você tem, Carmody? Não viemos aqui para discutir os sentimentos de Erica pelo pai.
Carmody finalmente se virou para olhar para Gove.
— Me parece relevante.
— Poderia ser, se você tivesse alguma prova contra os meus clientes, coisa que, aparentemente, você não tem. — Gove guardou o caderno e se levantou.
— Onde está o sr. Landon agora?
— Conversando com o agente Evans.
Gove o fitou com um olhar severo.
— Se isso foi um truque para deixá-lo sozinho com o FBI, vou mandar arrancar o seu couro.
Carmody se encolheu.
— Não estou trabalhando com o Evans.
Gove soltou um palavrão baixinho.
— Que circo do caralho. Me mostre onde o Landon está e vamos acabar logo com isso.
O maxilar do detetive se contraiu e ele coçou a barba por fazer.
— Está bem. Você está liberada, Erica.
Me levantei, não menos dormente do que momentos atrás. A névoa só tinha engrossado. Eu estava afundando sob o peso de tudo que tinha sido dito.
Gove segurou meu cotovelo e me guiou para fora da sala, passando por alguns corredores, até que estávamos no saguão movimentado da delegacia.
— Posso esperar aqui — falei.
— Melhor você ir para casa. Blake me disse que o Clay a levaria. Eu o deixo em casa assim que terminarmos aqui.
Olhei para além dele, como se fosse ver Blake a qualquer momento. Eu não queria estar aqui mas também não queria deixá-lo sozinho neste lugar.
— Prefiro esperar.
Os olhos de Gove suavizaram.
— Pode ser que demore um pouco, Erica. Ele quer que você vá para casa.
Meu coração ficou apertado.
— Você também recebe ordens dele, é?
Ele deu uma risada leve.
— Pelo que ele me paga, pode ter certeza que sim.
— Vai ser um preço pequeno se você conseguir livrá-lo dessa bagunça.
— É para isso que estou aqui. Não se preocupe, está bem? Estamos cuidando disso.
Ele apontou com a cabeça para as portas automáticas se abrindo e fechando à minha frente, trazendo lufadas de ar frio para o saguão.
— Tudo bem, mas, por favor, peça para ele me ligar assim que puder.
— Vou dar o recado. Não vamos ficar aqui nem um minuto a mais do que o necessário. Mas preciso voltar antes que eles tentem usar algum truque contra ele.
Relutantemente, segui na direção das portas. Avistei o Escalade preto no final da quadra. Clay me levaria para casa, onde eu iria esperar e refletir. Eu queria mais respostas do que tinha e não teria mais nenhuma até que eles deixassem Blake sair.
Peguei o celular, abri a lista de contatos e toquei no número de Daniel. Não nos falávamos há eras, mas se havia alguém que podia me dar uma luz em meio a essa tempestade de merda, talvez fosse ele. Depois de um minuto tocando, a ligação caiu na caixa postal. Desliguei e enviei uma mensagem rápida, esperando que, de alguma forma, ele me ajudasse a chegar mais perto da verdade.
E: Precisamos conversar. Por favor, me ligue.
Se Daniel tinha mexido seus pauzinhos para manipular os votos em seu favor, depois de tudo que fizera para vencer, eu não ficaria surpresa. Se a perda do enteado conquistara a empatia dos eleitores dele antes, uma vantagem da qual ele estava plenamente ciente quando se livrou de Mark, eu não duvidaria de nada.
Mas se Daniel não tivesse manipulado a eleição… quem teria feito? A polícia claramente pensava que tinha o homem certo.
Alguns segundos depois, meu celular bipou com uma mensagem.
D: Não ligue. Não mande mensagem. Fique longe de tudo isso.
Xinguei baixinho. Ele tinha visto minha ligação e ignorado. Idiota.
E: O FBI está conversando com Blake. Preciso de respostas.
Como ele não respondeu, uma sensação de total desesperança me inundou. De repente, mais do que qualquer outra coisa, eu precisava da garantia de Blake de que iríamos encontrar um caminho para sair dessa, mas ele estava no meio de tudo e eu não fazia ideia de por quanto tempo eles o manteriam lá.
Comecei a caminhar na direção de Clay quando ouvi meu nome. Alguma coisa naquela voz masculina enviou um arrepio pela minha espinha. Me virei e meu coração deu um pulo.
Estávamos cara a cara, a centímetros de distância. Não metros, como a ordem de restrição exigia depois de ele ter me atacado. Perto desse jeito, Max parecia abatido. Seus cabelos loiros geralmente bem-cortados estavam desalinhados e a barba por fazer marcava seu maxilar. Sempre bem-cuidado, ele estava o mais desleixado que eu já tinha visto na vida.
Uma mistura nauseante de pânico e repulsa se espalhou por mim. O que ele estava fazendo ali? A pergunta ficou presa na minha garganta, mas não passou dos meus lábios. Engoli em seco e dei um passo cambaleante para trás.
— Você deveria estar…
— O juiz me deu um tempo para deixar meus negócios em ordem. Vou ser preso hoje. — Ele meneou a cabeça e seus lábios se curvaram em um sorriso amargo. — Consegue imaginar, Erica? Ter sua liberdade se esgotando a cada minuto que passa?
Minha adrenalina disparou. Estávamos em público, mas isso não fez eu me sentir mais segura. Meus lábios tremeram quando encontrei minha voz.
— Tenho uma ordem de restrição. Você não pode estar aqui — insisti, rezando para que ele se virasse e fosse embora.
Ele deu um passo na minha direção, diminuindo novamente a distância entre nós.
— Logo isso não vai importar.
Dei outro passo para trás, o sangue trovejando nos meus ouvidos.
— Tenho que ir.
Eu precisava sair dali, e rápido.
— Espere.
Ele segurou meu braço, me impedindo de sair correndo.
Senti dificuldades em respirar, o medo se espalhando pelas minhas veias.
— Me solte!
Ele fez uma careta e apertou com mais força, beliscando minha pele dolorosamente.
— Ele vai arruinar você. Todos vocês.
Ele disse aquelas palavras por entredentes cerrados.
Me retorci e cambaleei para trás, quase caindo na calçada. Recuperei o equilíbrio quando ele me soltou. Enquanto eu me afastava dele, ele permaneceu imóvel, seus olhos desprovidos de emoção.
— Ele vai arruinar você… Do mesmo jeito que me arruinou.
Havia algo de resoluto e desamparado no tom de voz dele.
Em um lampejo, Clay estava entre nós, obstruindo a figura de Max com seu corpo massivo.
— Senhor, afaste-se.
— Só estávamos conversando.
— Não vou ter outra escolha senão removê-lo fisicamente se você não começar a andar na direção oposta agora mesmo.
— Ela nunca mais vai me ver. Acredite em mim.
Clay permaneceu firme e Max se virou. Com as mãos enfiadas nos bolsos, olhos fixos no chão, ele subiu as escadas da delegacia e apareceu dentro do prédio que eu tinha acabado de deixar.
— Você está bem? — Clay se virou para mim.
— Estou bem… Estou bem.
Mas fora os tremores violentos do meu corpo, eu estava, de alguma forma, presa ao chão, incapaz de dar os próximos passos na direção do carro que iria me levar para casa.
— Sra. Landon?
A preocupação enchia os olhos de Clay. Os meus próprios olhos ficaram turvos com a onda de lágrimas que escorria pelas minhas bochechas. Sem pensar, me agarrei a ele. Me sentia como uma criança abraçando um bicho de pelúcia enorme. Os braços enormes de Clay me envolveram em um abraço que parecia delicado demais para alguém com a força dele. Enterrei a cabeça na camiseta dele e solucei. Ele me acalmou e, depois de alguns instantes, recuperei o fôlego.
— Me desculpe.
Sequei as lágrimas fracamente.
— Está tudo bem. Você está aborrecida.
— Eu… Eu acho que não estava esperando voltar para casa e encarar tudo isso.
— Eu entendo.
Soltei um suspiro trêmulo. Se alguém entendia, essa pessoa era Clay. Ele era pago para ficar em alerta, nos proteger de todos aqueles que tentassem nos machucar. Talvez ele pudesse compreender um pouquinho de como eu me sentia.
— Obrigada, Clay. Por tudo.
— Você não precisa me agradecer por fazer meu trabalho.
— Eu sei, mas eu quero.
Ele colocou a mão no meu ombro.
— Vamos para casa.
— Quero esperar por Blake.
Ah, como eu queria que eles o soltassem. Eu odiava saber que ele estava lá naquele prédio e que eu tinha que deixá-lo lá por ora.
— Ele vai estar em casa logo. E eu vou ficar lá pelo tempo que você precisar de mim.
Permaneci firme, sem querer ir embora. A expressão no rosto dele era apreensiva.
— É melhor você descansar, Erica.
Ouvi-lo dizer meu nome quase ameaçou libertar uma nova onda de lágrimas. Mais um minuto se passou e meus ombros se arcaram.
— Está bem — falei, por fim, deixando que ele me levasse para casa.
CAPÍTULO 5
BLAKE
A sala do interrogatório era fria, iluminada apenas por lâmpadas fluorescentes agressivas. Nada com relação àquele lugar tinha sido pensado para deixar as pessoas confortáveis, apesar de eu não querer nenhum conforto agora, a não ser que fosse arrancando na porrada aquela expressão presunçosa do rosto de Evans. No momento em que o vi já não tinha gostado dele. Meu instinto me alertou imediatamente de que ele só iria me causar problemas. Meus instintos raramente erravam, e agora já fazia algumas horas que ele estava me causando problemas.
Dean Gove — meu advogado e, para todos os efeitos, meu amigo de longa data — estava sentado ao meu lado, parecendo tão entediado quanto irrequieto. Não tivemos uma chance de conversar abertamente ainda, mas nada substancial tinha se materializado durante o tempo em que eu estava aqui. A pedido de Evans, eu detalhei todo o histórico da nossa lua de mel e nossa programação de viagens. Eu não tinha nada a esconder quanto a isso.
Discutimos negócios, o meu e o de Erica. Essa parte foi bastante direta.
Discutimos minha história com Fitzgerald, que foi cautelosamente editada de modo a omitir a longa lista de delitos que eu sabia que ele tinha cometido, dentre os quais nada menos do que homicídio. Até onde Evans sabia, Daniel era simplesmente o pai biológico da minha esposa, apesar de ele certamente suspeitar de mais. Eu estava torcendo para que ele focasse logo a conversa na última eleição, cujos detalhes explicariam a conversa que estávamos tendo.
Depois de um intervalo rápido, Evans retornou com duas canecas de café espumoso e um envelope debaixo do braço. Ele colocou uma caneca na minha frente. Por puro tédio, aceitei. O líquido escuro estava escaldante e, pelo gosto, devia estar na cafeteira há horas. Coloquei a caneca de volta na mesa com uma careta.
— Essa não é a sua primeira experiência com fraude de computadores, não é, Blake?
Dean se aproximou.
— Não responda isso.
Não brinca. Encarei os olhos pequenos de Evans. Ele já sabia do meu passado, eu não tinha dúvidas.
Eu tinha sido pego hackeando em flagrante quando era adolescente. Na época, quando o FBI me pegou, eu colaborei. As acusações foram retiradas, e os registros se tornaram sigilosos porque eu era menor de idade. Os boatos persistiram, contudo, especialmente porque, um ano depois, eu desenvolvi o software para bancos mais sofisticado do mercado, graças à minha extensa experiência em comprometer o que já existia na época.
O que Evans provavelmente sabia vinha do desejo do FBI de voltar e saciar sua sede de vingança. Eu saí daquilo com a minha liberdade, enquanto outros perderam muito mais. Mesmo assim, ele não deveria saber nada, e eu certamente não daria nada de bandeja para ele.
— Vá se foder — respondi.
Evans riu, sacudindo a cabeça. Ele girou a pasta em cima da mesa. Minha curiosidade aumentou, mas a pasta não podia conter nenhuma prova concreta contra mim. Ele estava me provocando.
— Vamos tentar de novo. Você desenvolveu o primeiro software criado para o Banksoft, certo?
Pausei.
— Sim.
— Corrija-me se eu estiver errado, mas você tinha o que se pode chamar de “conhecimento especializado” em software bancário naquela época, não é mesmo?
Aquele babaca era persistente, mas eu podia apostar que só uma pessoa na sala tinha um QI de gênio.
— Vá direto ao ponto.
— Interessantemente, há um código compartilhado entre certos tipos de software bancário e o software utilizado nas urnas.
— Estou plenamente ciente disso.
Qualquer programador que se prezasse sabia disso. Evans estava claramente curtindo essa incursão nos jargões técnicos, mas eu estava ficando rapidamente entediado com aquilo e esperava que ele fosse direto ao ponto.
Ele deu um sorriso malicioso.
— Tenho certeza de que sim.
Forcei minhas mãos a não se fecharem em punhos sob a mesa.
— Blake, demos uma olhada nos binários que foram instalados nas urnas e descobrimos algo interessante. A rotina de encriptação usada é a mesma que você desenvolveu dez anos atrás… para o Banksoft.
Isso certamente explicava por que eu estava aqui.
— Me mostre o restante — falei, em um tom controlado.
Ele tamborilou com os dedos no envelope, olhando para ele.
— Está sendo cuidadosamente analisado pela nossa equipe.
Apertei os dentes e senti a contração do meu maxilar. Alguma coisa nos últimos poucos minutos se tornou muito nostálgica. Suposições feitas, acusações e um monte de homens de terno tentando ao máximo me encurralar. O medo fez um nó no meu estômago. Mas eu não era mais uma criança e não seria coagido a me meter em uma situação ruim, especialmente por algo em que eu não tinha participação alguma.
Evans girou a pasta metodicamente e aguardou, como se estivesse esperando que eu confessasse.
Me inclinei para frente, cada vez mais furioso, agora que ele não estava revelando informações que poderiam esclarecer tudo para mim.
— Me ouça. É um pequeno milagre que a sua equipe tenha conseguido identificar a encriptação e equiparado ao meu código. Me deixe ver o resto e eu mostro a vocês o que vocês não estão encontrando.
Evans exibiu os dentes, zombando.
— Isso seria muito conveniente para você, não é mesmo?
— Para nós dois, ao que parece.
Abafei um grunhido. Eu queria quebrar o pescoço desse cara.
— Que tal você me contar quem manipulou as urnas?
Me recostei na cadeira e soltei uma risada curta.
— Você teve ajuda?
— Eu não faço a menor ideia de que porra você está perguntando agora.
A expressão de Evans ficou menos zombeteira e mais séria.
— É bastante simples. Se você não fez isso, quem fez?
Eu tinha algumas ideias. Alguém que tinha feito um trabalho malfeito e esperava alguma retribuição. Alguém que adoraria saber que eu estava sentado ali, levando uma dura do FBI. Mas, mesmo assim, eu não tinha como ter certeza.
Eu não podia levar a culpa pelo resultado fraudulento da eleição, mas não sou tão inocente assim. E Evans não era o único que sabia disso.
Eu fui um adolescente problemático — sem objetivos, genioso e intelectual demais. Quando me juntei ao grupo hacker M89, os poucos membros estavam causando o maior estrago em websites com impacto mínimo. Brian Cooper era o líder do grupo e, juntos, bolamos um plano para o qual eu tinha expertise e colocaria em prática. Um grupo de executivos de Wall Street estava tentando arruinar os delatores que estavam ameaçando expor o esquema Ponzi deles. Foi uma matéria pequena no noticiário, esquecida em meio a centenas de outras histórias de injustiças no mundo e, juntos, nós decidimos fazer alguma coisa com relação àquilo… Algo grande.
O código que eu acabei criando esvaziaria as contas bancárias daqueles executivos e financiaria nosso site para fazer mais e punir pessoas que mereciam perder tudo que tinham roubado. Só que, semanas antes de estarmos prontos para agir, o plano mudou. Brian queria aumentar a rede e usar o código para sacar pequenas quantias de outras contas, contas de pessoas que não tinham feito nada de errado a não ser confiar o dinheiro de suas aposentadorias àqueles executivos.
Eu era jovem e movido por um tipo equivocado de justiça, mas o que Brian queria não era justiça. Me recusei a seguir em frente com aquilo, então cada um seguiu o seu caminho. Quando Brian usou o código, nós dois fomos pegos pelo FBI. Eu, assustado como estava, contei a verdade, e quando eles foram atrás de Brian em busca de respostas, ele não durou muito tempo. Tirou a própria vida um dia depois de termos sido levados em custódia. Desde então, fico me perguntando se eu podia ter evitado esse desfecho.
Trevor era o irmão mais novo de Brian. Assim como Brian, ele se tornou um canalha amador, movido mais por vingança do que por habilidades. Ele tinha dedicado a vida a me arruinar por causa da morte de Brian. As proezas dele, voltadas a foder com os meus negócios ou os de Erica, tinham aumentado seu alcance com o passar do tempo, mas talvez isso estivesse além de suas habilidades.
— Me mostre o código, Evans, e eu provavelmente conseguirei descobrir para você.
Ele ficou parado por um instante, sua cadeira berrando no piso de concreto.
— Pegamos você nessa, Blake. De um jeito ou de outro, você vai cair. É melhor você decidir como quer jogar esse jogo agora. Me avise quando quiser conversar.
— Se você tivesse algo que me incriminasse, eu estaria algemado.
— Você é uma das únicas pessoas com acesso ao código original.
— O Banksoft tem mais de dez mil funcionários. Tenho certeza de que alguns deles têm acesso. Por que você não começa por aí?
Ele apoiou as mãos na mesa.
— Porque eles não têm um motivo. Uma eleição é manipulada bem no quintal da sua casa, garantindo o cargo de governador do estado ao seu sogro.
Todos os sinais apontam para você, um hacker conhecido.
— Suposto — esclareci. — E você está deixando passar um pequeno detalhe. Eu não estava no país quando isso aconteceu, porra.
— Você tem uma equipe inteira trabalhando para você, treinada por você, paga para fazer o que você mandar. Eu não ficaria surpreso se um homem da sua estirpe decidisse não resolver uma questão dessa natureza pessoalmente.
Ele estava completamente errado nessa. Se eu tivesse feito isso, teria cuidado disso pessoalmente, com toda certeza. Mas eu não fiz, e o fato de eles poderem mudar o foco para qualquer uma das pessoas que trabalhava para mim aumentou ainda mais a minha irritação crescente.
— Se você está tão convencido de que fui eu quem fez isso, então prove.
Abra esse envelopinho seu e vamos ver.
Pegando o envelope, ele se endireitou.
— Confie em mim, planejo provar, sem sombra de dúvidas, que você está por trás disso.
Dean se levantou ao meu lado.
— Parece que você ainda não provou, então acho que terminamos aqui.
***
A volta para casa foi longa, mas, de alguma forma, não longa o suficiente. Não havia estrada suficiente para acalmar os pensamentos que explodiam no meu cérebro. Dean dirigiu em silêncio. Eu não tinha vontade alguma de conversar, depois de horas de interrogatório.
Minha primeira impressão do agente Evans se revelou correta. Ele era um merda e arrogante ao extremo. Achava que um distintivo brilhante e um terno barato lhe davam autoridade. Ele se gabava da informação que tinha — qualquer que fosse — de um jeito nauseante, seu único poder real embasado na ineficiência burocrática e em um pedacinho de informação ao qual ele não devia sequer ter acesso. Ele tinha me condenado antes mesmo de passar pela porta da frente.
Eu me lembrava de homens como ele, montes deles, que tinham sido trazidos para intimidar a mim e aos outros do grupo do M89. Agora, eles estavam exigindo que eu lhes providenciasse uma mentira que me condenaria. Eu reuni cada gota de força de vontade que tinha para não dar uma resposta que o fizesse calar a boca de um jeito mais físico.
Se não fosse pelas garantias de Dean e pelo fato de que eu confiava nele mais do que em praticamente qualquer outra pessoa, teria dito a Evans para ir se foder, ido para casa, para Erica. E esperado que meu nome se limpasse por si só.
— Eles vão querer conversar com a sua família amanhã para estabelecer uma linha do tempo.
Dean interrompeu meu monólogo interno enquanto eu olhava pela janela.
Eles tinham envolvido Erica e, agora, o resto da minha família seria sujeitada a essa maldita odisseia.
— Eles vão cooperar.
— Foi o que achei. Estou mais preocupado com o que o FBI vai encontrar nas suas máquinas do escritório.
Fiquei olhando para o homem ao meu lado. Ele era mais velho que eu, mas tinha um ar de juventude em torno dele. Era quase de fazer baixar a guarda, até você descobrir em primeira mão como ele podia ser perspicaz.
— Chegou a hora de confessar?
Ele soltou uma risada curta.
— Talvez seja uma boa hora para isso, assim eu posso me preparar para qualquer coisa que eles usem contra a gente. Teria sido melhor conversar antes de Evans dar o bote, mas você se saiu bem, lá. Eles definitivamente não têm nada contra você ainda, o que é promissor. Mas ele parece determinado.
— Eles não vão encontrar nada. Sempre fui cuidadoso.
Nunca discutimos a fundo, mas Dean entendia. Eu o tinha ajudado em alguns casos difíceis acessando arquivos que ele nunca conseguiria sozinho — legalmente, ao menos. Eu o pagava bem, mas ele me devia. O que quer que acontecesse com relação a isso, ele não iria dormir até estar tudo resolvido.
Disso eu sabia.
— Eles não vão procurar apenas por uma ligação com as urnas, Blake. Vão procurar por qualquer coisa, qualquer deslize, para pôr as mãos em você.
Você entende isso?
Fechei a mão em punho em cima do colo. FBI de merda. Apesar de eu achar que estava sendo criativo com minha busca por informações na ocasião, eu nunca realmente achei que fosse precisar encará-los de novo. Não desse jeito.
— Então eles vão encontrar apenas o que encontrarem.
Dean parou atrás do Escalade já estacionado na entrada.
— Preciso saber se eles vão achar alguma coisa da qual precisamos cuidar.
— Sou cuidadoso, Dean. Tenho feito isso minha vida toda e sei como encobrir meus rastros. Qualquer coisa que eles encontrem vai ser besteira.
Fácil de resolver.
— Espero que você tenha razão, porque se eles encontrarem qualquer evidência mínima, vão transformar em algo muito maior do que qualquer coisa que você esteja esperando.
Contraí o maxilar com força. Em que merda gigante isso podia se tornar? E pelo quê? Por alguém que queria que Daniel vencesse ou, no fim das contas, perdesse tudo por causa disso.
— O que o Fitzgerald diz? — perguntei.
— Vou descobrir em breve. Acho que ele também teve um longo dia na delegacia. Pretendo conseguir mais informações com o pessoal dele amanhã e sondar sua posição. Você acha que ele vai culpar você?
— Se isso salvar a pele dele, sim.
Eu gostaria de pensar que ele não faria isso pelo bem da Erica, mas o homem não tinha alma. Eu não podia contar com nada antecipadamente.
— Acho que vamos descobrir pela manhã. Vamos nos encontrar cedo no meu escritório e começar a repassar tudo.
Suspirei e saí do carro, louco para inspirar ar puro. Horas em uma jaula sob uma dieta de um café de segunda. Eu estava nervoso e precisava me afastar de tudo. Antes de eu fechar a porta, Dean me chamou.
— Blake?
Me inclinei para baixo e olhei para dentro do carro.
— O quê?
— Não perca o sono por causa disso, está bem? Você me conhece. Só estou sendo detalhista. Vamos dar um jeito.
CAPÍTULO 6
BLAKE
Dentro, o silêncio era quebrado apenas pelo barulho suave das ondas quebrando em um paredão. Um temporal se aproximava. No andar de cima, encontrei Erica dormindo na nossa cama. Fui até o banheiro da suíte e liguei o chuveiro, querendo lavar o dia mais terrível dos últimos tempos.
Sob a água, tentei assimilar o conselho de despedida de Dean e deixar tudo para lá, ao menos por esta noite. Mas não tinha jeito. As perguntas de Evans e sua maldita expressão condescendente preenchiam meus pensamentos. Todos os planos de contingência giravam na minha cabeça. Reprisei cada acesso ilegal que eu tinha executado que pudesse levar até mim. É claro que parte de mim assumia que eu era bom o suficiente para nunca ser pego de novo. Mas cá estava eu… sob o microscópio das autoridades… de novo.
O FBI viera atrás de mim e de Brian Cooper anos atrás, e quando tudo se concluiu, ele tirou a própria vida. Nossa amizade deu errado, e no dia em que ele morreu, tudo mudou. Eu mudei.
Quando o FBI me soltou, todos aqueles anos atrás, não senti alívio. Apenas culpa, frustração e, eventualmente, uma determinação renovada. Eu jurei que não hackearia mais, jurei que nunca mais seria pego. E jurei que ninguém mais teria o destino de Brian por minha causa.
Quando eu fazia essas coisas, trabalhava sozinho, e quando se tratava de negócios, minha equipe trabalhava na linha, sem exceções.
Minha reputação já tinha sido maculada, então eu me considerava de um padrão diferenciado. Alguns podiam chamar o que eu fazia de trapaça, mas eu não deixaria de driblar os sistemas que a sociedade construiu para esconder a verdade. Não era minha culpa que as pessoas que construíam os sistemas não eram espertas o suficiente para impedir que eles fossem vulneráveis.
Quando conheci Michael Pope, ele pegou essa filosofia e a transformou em um propósito. Ele tinha visto uma oportunidade da qual alguém com os meus talentos particulares poderia tirar proveito. Eu não ligava para o dinheiro dele e ele sabia disso. Não tinha interesse em criar software para empresas, mas ele me fez perceber que fazer isso uma vez, do jeito certo, me daria liberdade… O tipo de liberdade pelo qual eu ansiava. Agora, do nada, minha liberdade estava em xeque novamente. E eu tinha muito mais a perder.
Me sequei e voltei para o quarto. Eu não iria conseguir dormir de jeito nenhum, mas ver Erica encolhida na nossa cama me lembrou de que até mesmo uns poucos segundos ao lado dela, ali, talvez me acalmassem. Me deitei silenciosamente ao lado dela, inspirando-a. Uma mistura de xampu e de seu cheiro natural. Eu não sabia ao certo o que havia no cheiro dela, mas assim que ele entrou em meus pulmões, algo nos meus músculos relaxou. Eu a abracei com firmeza, querendo mais daquela mágica que só ela conseguia lançar sobre mim. Ela gemeu baixinho, um som que provocou uma reação imediata do meu pau.
Ela se virou para mim com olhos cansados.
— Blake.
A voz dela estava rouca do sono.
Ela estava de barriga para cima, usando apenas uma blusinha preta e uma calcinha preta de renda que eu queria arrancar com os dentes.
— Você voltou.
Ela passou a mão pelo meu peito desnudo.
Dei um beijo suave em seus lábios.
— Voltei.
— Está tudo bem? O que aconteceu?
Os olhos dela estavam mais abertos agora, mais alertas.
A preocupação na voz dela era evidente e, por mais que eu quisesse acalmar meus próprios medos, queria apagar os dela.
— Está tudo bem. Volte a dormir, gata. Podemos conversar amanhã.
Desci os olhos pelos braços despidos dela, fracassando ao tentar não admirar cada curva. Céus, ela era linda. Mais do que isso, ela era minha salvação.
— Senti sua falta — sussurrou ela.
Ela me puxou de volta para sua boca, e eu fui de bom grado. Eu queria deixá-la descansar, mas meu corpo não iria permitir. Ela também não estava facilitando as coisas, deslizando a ponta daquela língua sedosa pelo meu lábio inferior antes de dar uma mordida leve. Grunhi e me apossei da boca dela em um beijo longo e intenso, canalizando as frustrações do dia todo em nossa conexão.
Puta merda. Eu estava duro como rocha, contra ela. Não havia como esconder o quanto eu a queria. Ela ergueu a perna sobre o meu quadril, se curvando na minha direção, transformando a minha saudade em um desejo duro como pedra.
— Erica… não vou conseguir parar, se você continuar fazendo isso.
— Não quero que você pare… — murmurou ela.
Coloquei a mão entre as pernas dela e a segurei com firmeza, como se estivesse estacando uma bandeira que dizia ao mundo que ela era minha e que o paraíso quente sob a minha palma também era meu. Ela gemeu, erguendo-se na direção do meu toque.
Superando a barreira da calcinha, mergulhei no calor molhado dela.
Grunhi e beijei o pescoço dela, inspirando o almíscar de sua pele. Uma fragrância paradisíaca feita só para mim. Resisti à vontade de lambê-la inteirinha agora — uma jornada que eu tinha feito várias vezes, cada uma mais deliciosa que a outra.
Tirei a mão, chupando o sabor dela das pontas dos meus dedos. Eu ansiava por ela mais do que ela jamais saberia. Meu coração disparou e minha mente galopou desenfreada com todas as coisas devassas que eu queria fazer com ela. Se o cheiro dela me enfeitiçava, o gosto de seu corpo — a doçura salgada de sua pele, o mel do meio de suas pernas — me deixou completamente feroz.
Eu não podia fazer amor com ela esta noite. Tinha que tê-la do meu jeito.
Os lábios dela se abriram quando ela me agarrou, acariciando e nos deixando ainda mais próximos. Me mexi contra o corpo dela, adicionando a pressão da minha coxa entre as pernas dela. Ela choramingou.
Senti o gosto dos lábios dela, chupando e mordiscando.
— Não vou conseguir ser delicado. Não esta noite.
Era um aviso e uma promessa.
O olhar dela se voltou para o meu, uma compreensão silenciosa no escuro.
— Então não seja. — Ela amoleceu debaixo de mim. — Eu estava esperando por você…
Aquilo era tudo de que eu precisava. Eu a silenciei com outro beijo feroz.
Intenso, todo sabor e desejo. Ela era doce para caralho. A linha do tronco dela se movia como uma onda contra mim, inflamando minha pele em todos os lugares onde nos tocávamos. Ela me amava, eu sabia, mas nunca me cansava da evidência de que, não importava onde a mente dela estivesse, com raríssimas exceções, o corpo dela queria o que eu queria. Eu só podia torcer para que, esta noite, eu pudesse caminhar sobre esse limite tênue e nos dar o que nós dois precisávamos.
Ela emitiu um ruído de protesto quando finalmente me afastei.
— Venha cá — falei, ficando em pé ao lado da cama.
Minha postura era aberta, todos os músculos tensionados. Meu pau latejava pelo toque que eu exigiria logo, logo.
Ela escorregou pelos lençóis e ficou em pé à minha frente sem dizer uma palavra, a um fio de distância de mim. Perto o suficiente para que eu pudesse sentir o calor dela e o cheiro de sua excitação. Encontrando a barra da blusa, eu a ergui lentamente, prolongando o momento até vê-la por completo. Joguei a peça para o lado e afastei a mão, uma pequena tortura por si só. Ela se inclinou na minha direção, mas eu segurei seus pulsos, mantendo-a seguramente distante.
Alguma coisa tomou conta de mim, então — uma segurança calma que não diminuiu, apenas aquietou o desejo feroz que corria pelas minhas veias. A promessa de controlar o prazer dela agora, de prolongar cada segundinho dele, libertou o animal dentro de mim que queria devorar cada centímetro da carne dela.
— Tire a calcinha. Depois, quero você de joelhos.
Meu tom era severo e implacável.
Em um instante, eu senti o calor dela se multiplicar. A respiração dela ficou rasa. Os batimentos rápidos de seu coração tamborilavam nos pulsos onde eu a segurava. Sem dizer nada, ela se libertou das minhas mãos e tirou a calcinha. De joelhos, ela ergueu os olhos para mim, fumaça e fogo dentro deles. O tesão tomava conta de mim, e a linha de desejo que se encaminhava direto para o meu pau ameaçou meu plano. Me afastei para pegar alguns itens em uma gaveta próxima. Voltando, me agachei à frente dela, prendendo seus pulsos com um par de algemas de couro que ela conhecia bem.
— Você conhece a palavra de segurança.
Ela engoliu em seco.
— Sim.
Sempre que eu mencionava a palavra de segurança, tinha a sensação de que ela sentia uma mistura de partes iguais de ansiedade e reconforto. Eu imaginava que a guerreira dentro dela nunca quereria usá-la. A ironia era que, entre nós dois, fui eu que a usei.
Me levantei, a expectativa vibrando pelo meu corpo. Ver Erica amarrada à minha frente, olhando para mim, era incrível. Me inclinando para baixo, contornei seu lábio inferior, passando pela curva de sua bochecha e pelo maxilar, até enfiar os dedos em seus cabelos. Ela arfou com a pegada firme, seus olhos se derretendo. Segurei meu pau com a outra mão, masturbando da base até a ponta.
— Quero sentir o seu gosto… por favor.
Ela lambeu os lábios enquanto falava.
Ela abria e fechava as mãos em cima do colo, o medo parecia ter se transformado em desejo, e eu me deliciava com aquela transformação todas as vezes. O sangue disparou para o meu pau. Minhas coxas se contraíram com uma nova onda de autocontrole. Inspirei para me recompor, torcendo para que aquilo me impedisse de perder todo meu controle e de gozar no segundo em que ela me envolvesse com aqueles lábios doces. Toquei a cabeça do meu pau nos lábios dela.
— Devagar — ordenei.
Eu iria continuar com isso até que nós dois estivéssemos loucos de vontade de foder.
Ela suspirou, um som cheio de alívio e desejo, e se ergueu acima dos calcanhares. Passando a língua de leve na cabeça, ela reivindicou o que era seu, centímetro por centímetro. Eu teria fechado os olhos, mas não queria perder nem um segundo da submissão dela. Xinguei por dentro com a velocidade torturante que eu tinha exigido. Meu instinto era dominá-la, segurar os cabelos dela com mais força e movê-la em cima de mim em uma série de investidas firmes que me levariam além do limite. Lutando contra ele, afrouxei os dedos que a seguravam e deixei que ela ditasse o ritmo — que estava me deixando lentamente maluco à medida que eu desaparecia dentro da boca quente e acolhedora dela.
Puta merda. Se era possível demonstrar ternura desse jeito, ela estava demonstrando, com cada movimento irresistível de sua língua. Aí ela me chupou até o fundo da garganta, uma pausa brusca em meio à maneira cuidadosa com que estava envolvendo meu pau com a boca. A sensação foi eletrizante, inebriante, e acendeu uma mudança na minha própria necessidade — a necessidade de algo nem um pouco carinhoso. Incapaz de continuar me contendo, agarrei os cabelos dela, angulando sua cabeça, abrindo-a mais para que eu pudesse meter. Ela gemeu e eu meti mais fundo, mais rápido, até chegar perto. Perto demais para o que eu queria esta noite.
O dia de hoje não seria apagado desse jeito. O mero êxtase só me deixaria mais faminto. Eu queria destruí-la e deixar que o corpo pequeno e apertado dela me destruísse também. Talvez, em algum lugar dessa dança da foda, nós pudéssemos encontrar um pouco de paz e dormir sem sonhar a noite toda. Eu precisava levá-la além do limite… comigo… juntos.
Tirei o pau da boca dela. Os lábios dela brilhavam, cheios e inchados. Seus olhos estavam enevoados e entreabertos. De repente, fiquei perdido. Perdido na perfeição da mulher à minha frente. Ela era tudo para mim. Então, um pensamento novo e nada bem-vindo começou a me assombrar.
Céus… E se eles encontrarem um jeito de tirá-la de mim? Não, nem fodendo.
— Levante-se — ordenei delicadamente.
Ela se levantou, e eu a levei até a coluna ao pé da cama.
— Erga os braços… Mais alto.
Eu a ajudei, engatando a alcinha de couro entre os pulsos dela em um pedacinho de metal escondido na cabeceira da cama, disfarçado de decoração. Estávamos cara a cara, a um fôlego de distância. Ela ficou na ponta dos pés, seu corpo esticado lindamente à minha frente. Moldei a palma da minha mão à curva ampla do seio dela. Desci pela caixa torácica, passando pelo quadril, até a coxa. Admirando. Desejando.
— É como se alguém tivesse esculpido o seu corpo diretamente dos meus sonhos. Estes aqui… — Abaixando a cabeça, envolvi o mamilo dela com a boca, passando a língua pela ponta rosada enrijecida. Eu a soltei com um estalo. — Estes aqui são divinos.
Com um suspiro alto, ela se curvou na direção do beijo íntimo o máximo que as amarras permitiam. Fui além, chupando com mais força, massageando o outro, até que os suspiros dela se transformaram em gemidos. O gancho que prendia as algemas dela tilintou. Minha pequena guerreira… Eu adorava o combate dela. Quase tanto quanto adorava derrotá-la. Envolvendo a cintura dela com o braço, eu a puxei com firmeza para mim. Meus dentes rasparam no mamilo dela enquanto eu girava os dedos com firmeza em torno do outro.
Ela soltou um gritinho, projetando os quadris para frente. O grunhido de tortura que se seguiu foi uma mistura intoxicante. Prazer e dor. Eu daria os dois a ela esta noite.
— Vou castigar você agora, docinho.
Os olhos dela se arregalaram, sua respiração ficando rápida de novo. A ansiedade dela deixou suas bochechas vermelhas.
— Não que você mereça.
Fiz uma pausa, me perguntando como eu poderia explicar isso — esse jogo entre nós e o que ele realmente significava para mim. Esticando o braço em torno dela até a cama, peguei uma venda que eu tinha separado antes e a coloquei nos olhos dela.
— Não consigo explicar por que, mas eu preciso disso.
— Blake, está tudo bem…
Ela prendeu o lábio trêmulo entre os dentes. Meu coração acelerou ao ver aquilo. Meu presente mais doce, sempre tão pronta para aceitar essa escuridão de dentro de mim, para lançar uma luz sobre ela até ela se tornar algo diferente, algo unicamente nosso. Soltei o lábio dela com o polegar, cobrindo a boca dela com a minha, tomando a respiração seguinte dela para mim.
— Como é que eu poderia viver sem você? — sussurrei, contra ela.
— Blake.
A voz dela era vacilante.
Fechei os olhos com força, grato por ela não poder ver a dor neles. Puta merda, eu estava perdendo o controle. Velozmente, ela tinha feito o dominador em mim frear. A boa vontade dela, seu amor.
Engoli em seco, afastando-me antes que eu a possuísse imediatamente.
Virando-a de costas para mim, puxei-a com força contra o meu corpo. Ela ergueu os quadris, esfregando a bunda no meu pau. Mesmo o toque mais sutil me deixava louco por ela. Contive um grunhido e voltei para a gaveta.
Decisões tinham que ser tomadas, e eu não estava lá muito em condições de tomar uma boa decisão. Impulsivamente, peguei um chicote. Os flagelos desse eram longos e moderadamente pesados, desenhados para dar a ela a pressão com a qual ela tinha ficado acostumada, que nunca tinha sido muito leve. Ainda não tínhamos brincado com esse, mas eu sabia que ela iria aguentar.
Parando atrás dela, admirei o corpo trêmulo à minha frente, amarrado e vivaz de desejo pelo prazer que eu iria dar a ela.
Dei uma chibatada, de modo que os flagelos bateram nas coxas e na bunda dela. Mais uma nos ombros e na parte superior das costas.
Ela inspirou e tremeu, os músculos de seus ombros se contraindo antes de relaxarem de novo. Esperei, uma pergunta silenciosa.
Linhas cor-de-rosa claras se formaram na pele dela, onde os flagelos tinham atingido. Repeti o movimento. Desenhei um oito de contato comedido, nos ombros dela, na bunda e nas coxas.
Ela se encolheu e, depois, emitiu um leve ruído apreciativo. Eu quase conseguia ver a adrenalina correndo pelas veias dela, a endorfina tomando conta, transformando isso em muito mais do que dor.
Por um milagre, ela adorava receber tanto quanto eu gostava de dar. Eu queria me sentir culpado por deixá-la desse jeito, mas ela implorava por isso.
Demandava que eu a levasse para os lugares mais sombrios e mais pervertidos da minha mente, e eu não era forte o suficiente para dizer não.
Com um giro do meu pulso, o chicote a atingiu de novo. Para frente e para trás, para cima e para baixo; tomando o cuidado de evitar a porção do meio do tronco dela, eu a pintei com o tom mais adorável de cor-de-rosa.
Os gritinhos e a respiração ofegante dela se transformaram em gemidos.
Lentamente, ela desistiu de lutar. Com os pulsos relaxados, ela repousou a cabeça no braço. Meu próprio desejo ficou quase insuportável. Minha cabeça zunia com ele. Meu pau ansiava por ele.
Deixei o couro escorregar da minha mão e fui até ela, abraçando-a por trás. Ela tremeu nos meus braços, sua pele escorregadia de suor. A eletricidade irradiava dela em ondas. No limite, ela estava exatamente onde eu a queria.
— Ainda está comigo, gata?
— Posso aguentar mais.
A voz dela ficou rouca de emoção e adrenalina.
Eu a silenciei.
— Não, docinho. Você já aguentou o suficiente. Você foi tão linda… tão solícita. Não consigo expressar…
As palavras ficaram presas na minha garganta. Repousei a testa no ombro dela, o calor da pele castigada dela se equiparando ao calor ardente do meu corpo.
— Me deixe mostrar a você o que isso significa para mim.
— Me beije. Me toque — implorou ela.
Toquei no ombro dela, seguindo as linhas cor-de-rosa com a boca.
Descendo pelas costas, passando pela curva da bunda, despejei beijos na pele sensível dela. Mil pequenos pedidos de desculpas pela satisfação que eu tinha sentido em testá-la daquele jeito. Me levantei e retornei ao pescoço dela, passando a língua pelo seu ponto de pulsação acelerada.
— Eu te amo, Erica. Você é tudo. Porra, você me despedaça.
Ela gemeu, ficando rapidamente na ponta dos pés e aumentando a fricção entre nós. Deslizei a mão até a parte da frente do vértice entre as coxas dela.
Ela gritou, tremendo. Ela estava encharcada e muito perto de chegar lá.
Me afastei e a virei lentamente de frente para mim. A pele dela estava corada tanto pela excitação quando pelo castigo. Resisti à vontade de cobri-la de beijos, de sentir cada centímetro dela sob meus lábios. Era desse jeito que precisávamos estar.
Ela puxou as algemas fracamente.
— Não consigo ver você.
Cerrei o maxilar, já me sentindo mais vulnerável do que eu queria.
— Não esta noite. Quero que você me sinta, e você está prestes a me sentir todinho. Agora enrole as pernas em mim.
Eu a segurei pelo joelho, ajudando-a. O movimento ligeiro a abriu para mim, revelando a umidade de sua excitação escorrendo pela parte de dentro da coxa.
— Deus.
Aquela visão me privou do último fio de controle. Se ela não estivesse tão pronta, eu ficaria preocupado em levá-la com violência ao orgasmo pelo qual nós dois ansiávamos agora. Peguei a outra perna dela e a enrolei em mim.
Aliviando a tensão nos braços dela, ainda esticados para cima, posicionei a cabeça do meu pau dentro dela.
Grunhi, abrindo mão da minha última gota de controle. Então, meti nela com tudo, nos unindo súbita e completamente. O corpo dela não resistiu, como se estivéssemos fadados a estar juntos desse jeito desde sempre.
— Blake!
O gemido que saiu da boca dela me despedaçou. O calor lambeu minha espinha à medida que as paredes internas dela se contraíam em torno de mim. A necessidade furiosa de fodê-la tomou conta, e o instinto me incitou a uma série de investidas rápidas. Os gritos dela se tornaram descontrolados, selvagens, em meio a ofegos sem ar. Eu estava atordoado. Nada poderia me deter. A batida de pele com pele e o rangido da cama, que aguentava a pressão enquanto eu metia nela, ecoava no ar. Ela foi lançada na direção do orgasmo, sua boceta pulsando forte em torno do meu pau. Os gritos dela ficaram mais intensos e mais altos.
— Espere por mim, Erica.
Puxando as amarras, ela gritou de novo.
— Não consigo.
— Consegue, sim. Espere. Preciso estar lá com você.
Eu a fodi com mais força, me perdendo dentro dela. A corrida pelo êxtase era meu único objetivo. A tensão no corpo dela, agarrando-se ao meu em todos os lugares, de todos os jeitos, me consumia. Ela se tornou todos os meus pensamentos, um único ponto em um mar de coisas que não importavam.
E apesar de toda euforia da espera, da prolongação do desejo dela, eu não conseguia parar agora.
— Caralho… Erica, goze para mim agora.
Uma onda de energia disparou pela minha espinha, apertando minhas bolas dolorosamente.
— Agora!
Ela gritou, cada músculo do seu corpo vinculando o corpo dela ao meu por alguns instantes de tirar o fôlego. Explodi dentro dela, metendo em meio às ondas de prazer que me inundavam. Vazio… completo. Eu a abracei com força, enfraquecido e atordoado. Meus dedos doeram quando parei de apertar as coxas dela, e deitei as costas dela no chão. Ela iria exibir minhas marcas pela manhã.
Desamarrei as mãos dela, as minhas próprias mãos tremendo.
Imediatamente, ela arrancou a venda e enrolou os braços em mim. Seu corpo pequeno, úmido do nosso calor, desabou em mim.
Meus joelhos vacilaram e eu nos levei até a cama antes que desmoronássemos os dois. Ela me abraçava com uma força tremenda, como se nunca fosse soltar. Quanto mais tempo ficávamos deitados daquele jeito, mais eu acreditava que nada poderia nos separar. Uma emoção primitiva atingiu meu coração. Inspirei tremulamente e a abracei forte.
Ela sussurrou meu nome, afastando-se apenas o suficiente para me olhar nos olhos. Pisquei, colocando-a em foco em meio à nebulosidade. Passando a mão no meu rosto, ela me beijou.
— Você está bem? — sussurrou ela.
Eu estava?
— Estou aqui com você. Isso é tudo de que preciso.
Ela respirou brevemente, relaxando no meu corpo.
— Vamos superar isso. Prometo.
Fechei os olhos, querendo acreditar nela.
— Eu sei — menti.
CAPÍTULO 7
ERICA
Pisquei para afugentar o sono, assegurando a mim mesma de que a noite passada não tinha sido um sonho. Que todo aquele maldito dia não tinha sido um sonho surreal, excruciante e arrasador. Me apoiei nos cotovelos e avistei as roupas espalhadas pelo chão. O chicote de couro preto jogado em cima delas era prova de que eu não tinha imaginado nada.
Me sentei e joguei as pernas para o lado da cama, encolhendo-me com a dor em meus músculos. A maior parte das nossas melhores noites tinha um custo, com desconfortos físicos que eu sentiria depois. Mesmo assim, ontem à noite eu precisava da intensidade de Blake de um jeito que não conseguia explicar por completo.
Mesmo em meu estado sonolento, nada poderia ter me poupado dele quando chegou em casa. Eu fui para a cama cedo, assombrada por pesadelos de que ele nunca iria voltar para mim. Que quando eu fui embora da delegacia, aquela tinha sido a última vez que eu o vira. Tê-lo de volta em casa, em carne e osso, me fez querer possuí-lo com tanta paixão quanto ele tinha.
Fechei os olhos e me lembrei da ardência do couro. Uma nova sensação que arranhava minha pele. O choque e, depois, o calor. A eletricidade que tornava tudo vivo de um jeito novo. Mil pontinhos de contato, cada um deles gritando com a dor que eu sentia… A dor entre nós que não tinha nenhum outro lugar para ir.
Levantei e me analisei no espelho. Virando para examinar minhas costas, fiquei surpresa ao ver que os castigos não tinham deixado nenhuma evidência.
Não que eu me importasse com as marcas. Eu tendia a gostar delas, adorá-las como pequenas lembranças de alguns dos nossos encontros mais inesquecíveis.
Passei os dedos pelos pequenos hematomas que decoravam minhas coxas nos lugares que Blake tinha apertado com força demais. Uma onda de vermelhidão desceu das minhas bochechas até o peito. Eu não tinha sentido nada daquilo no calor do momento, mas, mesmo assim, a evidência da paixão dele tinha a habilidade de me esquentar todinha.
Eu nunca conseguiria enxergar algum sentido, mas, de alguma forma, Blake tinha assumido o controle total da minha mente, sobrepondo-se a quaisquer preconceitos que eu costumava ter sobre sexo e dor e me levado a alturas das quais eu nunca tinha sequer estado perto. Encontrávamos paz com isso. Tínhamos criado uma ilha entre nós dois. Nossos corpos, nosso amor e a maneira feroz como gozávamos juntos fazia sentido quando o resto do mundo à nossa volta falhava conosco.
Quem dera pudéssemos viver nessa ilha e nunca ter que deixá-la…
A realidade rapidamente jogou um balde de água fria na minha fantasia quando o ruído baixo da televisão lá embaixo me lembrou de que Blake estava em casa. Ele ainda não tinha me contado como havia sido o interrogatório com Evans.
De banho tomado e vestida com um traje informal para o trabalho, desci as escadas. Blake estava sentado em um dos sofás de linho, atento no noticiário da manhã. O rosto de Daniel estampava a tela. Imagens recentes o mostravam evitando os repórteres enquanto ele deixava a mesma delegacia que Blake e eu tínhamos visitado ontem. A expressão tola de Daniel me relembrava do lado mais sombrio que eu conhecia, o lado que só se revelava quando ele era lesado e ansiava por vingança a qualquer custo. Será que ela era dirigida a Blake?
Peguei o controle remoto e abaixei o volume. O foco de Blake permaneceu impassível.
Me sentei ao lado dele e puxei de leve a barra de sua camisa, esperando trazê-lo de volta de seu transe.
— Blake.
O peito dele se estufou com um respiro fundo e ele olhou para mim. Seus olhos estavam distantes, como se ele estivesse perdido em seus pensamentos.
— Você está bem? — perguntou ele.
Franzi a testa.
— Claro.
— Clay me disse que Max abordou você.
Suspirei e me aconcheguei ao lado dele.
— Alli me contou que ele tinha sido condenado quando voltei. Ele estava indo para a delegacia para ser preso.
— O que ele te disse?
A tensão permeava as palavras dele.
— Nada — menti.
— Erica.
— Nada importante.
Max estava fora de cena agora. Um capítulo encerrado. Ao menos até eles o soltarem de novo. Mas eu não podia pensar isso. Ele tinha prometido a Clay que nunca mais me veria de novo. Eu só podia torcer para que isso fosse verdade.
Blake permaneceu calado, mas, de alguma forma, eu conseguia ouvi-lo exigir que eu lhe desse o que ele queria. Os músculos dele se contraíram ao meu lado.
Suspirei.
— Ele disse: “Ele vai arruinar você.”
— Eu?
Desenhei círculos na calça jeans dele, onde os músculos de sua perna se amontoavam.
— Assumindo que ele estava falando de você, sim.
Ergui a cabeça para avaliar a reação dele e tentar ler seus pensamentos.
Ele fechou os olhos e virou o rosto, efetivamente me bloqueando.
— Converse comigo, Blake — supliquei.
— Sobre o que você quer conversar?
Havia um amargor na voz dele que me fez pausar.
— Que tal começarmos com ontem? O que aconteceu?
— O FBI e a polícia se revezaram em me interrogar por nove horas. Foi isso que aconteceu.
Hesitei quanto ao que eu queria perguntar. Ele já parecia bastante tenso, e não tínhamos passado nem cinco minutos juntos. Mas eu precisava esclarecer as coisas. Acima de tudo, eu precisava fazê-lo falar para que pudéssemos chegar à raiz do problema.
— O que você disse a eles?
— Disse o que achava que eles precisavam saber.
Eu não gostava da ambiguidade na voz dele. Tínhamos estado incrivelmente próximos noite passada e agora parecia que estávamos a um milhão de quilômetros de distância. O que ele estava escondendo de mim?
Girei as alianças de diamante no dedo, contemplando todas as coisas que ele podia não estar me contando.
— Tem alguma coisa que você não contou a eles que quer contar a mim?
Nossos olhares se fixaram um no outro nesse momento. Analisei os olhos dele, mas não encontrei nada.
— Do que você está falando, Erica?
— Quero dizer… O que aconteceu com a eleição?
Ele riu de leve, mas não havia humor algum em sua voz.
— Está me perguntando se eu fiz aquilo?
Deixei o calor do corpo dele e me levantei. Caminhei em um círculo pequeno na sala, precisando subitamente de espaço. Engoli minhas palavras seguintes, sem querer admitir que era isso que estava queimando dentro da minha cabeça desde que ele tinha se afastado de mim com Evans ontem.
— Acho que estou, sim.
Ele se inclinou para frente, repousando os cotovelos nos joelhos.
— Você acha que eu perdi meu tempo durante meu mês de lua de mel com minha esposa para manipular a eleição de Daniel, arruinar a carreira dele e arriscar a minha? Não. A resposta é não. Eu não fiz isso.
Meus ombros relaxaram, a tensão se esvaindo.
— Sinto muito, Blake, eu…
— Eu também, Erica. Achei que não fosse preciso dizer, mas talvez eu não tenha dado a você motivos suficientes para me dar o benefício da dúvida.
— Não é como se isso estivesse além das suas capacidades.
Ele fez uma careta.
— É disso que todo mundo fica me lembrando.
— Eu só pensei…
— Eu nunca machucaria você, Erica. Eu detesto o Daniel, pra caralho. — O maxilar dela se contraiu, como se ele estivesse reprimindo mil coisas que queria dizer. — Não vou negar que desprezo aquele homem e sou o primeiro a admitir que saboreio a ideia de arruiná-lo. Mas não o odeio o suficiente para nos colocar em perigo de novo.
Alguns minutos se passaram entre nós. Ele se recostou no sofá, braços cruzados, seu olhar parando em tudo, menos em mim.
— O que a polícia disse? Eles não conseguiram encontrar nada que ligasse o caso a você, certo?
— Eles consideram que minha ligação com você me dá um motivo.
Segundo Carmody, isso poderia se voltar contra nós de um jeito ou de outro, dependendo da vontade de Blake de prejudicar ou ajudar Daniel. Mas a maneira como Gove tinha descartado essa linha de questionamento me assegurava que não era, nem de longe, o suficiente para manter Blake detido.
— Isso não é suficiente.
Ele ficou calado, mas, de alguma forma, aquele silêncio me dizia que tinha mais.
— O que mais eles têm?
— As urnas foram manipuladas usando o meu código.
O gelo atingiu minhas veias. Congelei meus passos sem rumo.
— Que código?
— Um código que criei anos atrás quando estava desenvolvendo um software bancário. Há rotinas de encriptação únicas que foram usadas e o FBI passou as últimas duas semanas estudando-as, ligando-as a mim.
— Você não pode ser a única pessoa capaz de ter feito isso.
— É um software bancário, Erica. Com bilhões de dólares em jogo, há poucas pessoas com acesso ao código-fonte.
As engrenagens da minha cabeça começaram a girar e eu comecei a, gradualmente, encaixar as peças.
— Certo. Então, quem tem?
— Eu, é claro. Michael Pope e alguns poucos da empresa para a qual nós vendemos.
— Por que a polícia não está conversando com eles?
Ele suspirou pesadamente.
— Suponho que esteja, mas tudo isso é tão próximo de mim que eles não estão procurando muito além. Sou a melhor aposta deles. Além disso, parece que Evans está em algum tipo de missão. Quer me enquadrar por algo que eu fiz há uma década com umas acusações novas.
Eu tive a mesma impressão em meu breve encontro com Evans. Carmody também não inspirava confiança, mas, entre os dois, Carmody não agia como se já soubesse da verdade absoluta. Ele ainda a estava buscando e ainda esperávamos para ver o que algum deles iria encontrar em uma tentativa de pintar Blake como a parte culpada.
Minha mente rodopiava com essa nova informação. O Banksoft era uma empresa multibilionária. O fato deles terem um vazamento interessado na eleição para governador de Massachusetts parecia improvável. Se Blake estava contando a verdade — e eu acredita que ele estivesse —, a falha deve ter ocorrido do lado de Michael. Michael nunca machucaria Blake, mas seu filho, Max, certamente o faria.
— Você acha que Max pode ter dado acesso ao código para o Trevor?
Blake concordou lentamente com a cabeça.
— Estou assumindo que esse seja o caso.
— Você disse isso à polícia?
— Não.
A resposta simples era curta e grossa.
— Por quê?
— Porque foda-se eles.
Arfei.
— Foda-se eles? Eles estão tentando botar você na cadeia, Blake. Você pode ao menos tentar apontá-los na direção certa?
— Eles não têm nada contra mim, Erica. Eu estava fora do país. Eles vão perder semanas procurando por qualquer fragmento de evidência que me ligue à eleição e não vão encontrar porque eu simplesmente não fiz nada.
Minha respiração estava oscilante no peito. Todas essas informações novas fizeram minha adrenalina disparar.
— Então é isso? Você vai esperar que eles limpem o seu nome?
— O que você quer que eu faça?
Ele ergueu as mãos. Me aproximei, as mãos fechadas em punhos apertados ao lado do corpo.
— Quero que você trabalhe com eles para chegar à raiz da questão. Nós dois sabemos que nada disso é aleatório. O Trevor está mirando em nós dois.
Ele tenta se infiltrar no seu trabalho há anos, mas isso é diferente. É da sua liberdade que estamos falando, não de um site qualquer no qual estamos trabalhando.
— Eles não vão trabalhar comigo. Não tenho acesso ao código. Se tivesse, eu poderia encontrar o que eles não estão encontrando.
— Então vamos encontrar. Você sabe como conseguir a informação.
— Estou sendo microscopicamente observado, porra. Eles estão passando um pente fino nos meus computadores. Você acha que eles não vão analisar tudo que eu faço com olhos de águia agora?
Ele desviou o olhar, fixando-o em algum ponto no horizonte distante. Eu não sabia onde ele estava, mas precisava dele de volta aqui comigo.
Precisávamos chegar à raiz disso, e rápido.
— Por que tenho a sensação de que você não lutaria mesmo se pudesse? — Me sentei ao lado dele e segurei sua mão. — É por causa do que aconteceu com Brian, não é?
O silêncio preencheu a sala enquanto ele se mantinha firme. Finalmente, ele se virou, os olhos cansados e desprovidos daquela determinação feroz que eu tinha aprendido a amar nele.
— Não tem nada a ver com Brian.
— Acho que você está errado. Acho que tem tudo a ver com ele. O que quer que tenha acontecido entre vocês dois naquela época, a culpa ficou com você.
Você não esqueceu e o Trevor também não. E agora a história está se repetindo e é exatamente isso que o Trevor quer. Ele quer ver você sofrer pelo que aconteceu com o irmão dele. E enquanto você está sendo interrogado e nossa vida está sendo dilacerada, ele está por aí, planejando o próximo passo.
Ele nunca vai parar até destruir você.
— Chega!
Me assustei com o tom dele.
Blake se levantou rapidamente. Xingando baixinho, ele pegou a jaqueta e foi até a porta.
Corri atrás dele, sem querer aceitar que ele fosse sair de novo tão cedo.
— Aonde você vai?
— Preciso me encontrar com o advogado e traçar um plano de combate.
Precisamos estar prontos para qualquer coisa que eles usem contra nós.
— Ele sabe sobre o Trevor?
Ele se virou para mim.
— Esqueça isso, Erica. Estou cuidando disso. Vai passar. Confie em mim.
— Como é que você está “cuidando disso”?
— Apenas… confie em mim, está bem?
— Não.
Os olhos dele se arregalaram.
— Não?
— Não até você me dizer como vai encontrar o Trevor.
O maxilar dele se contraiu enquanto ele colocava a jaqueta.
— Puta merda, Erica, deixe isso para lá.
A raiva tomou conta com as lágrimas que ameaçavam cair.
— Não vou ficar parada assistindo a você arruinar a sua vida.
— Não estou arruinando a minha vida — resmungou ele.
— Não, você está arruinando a nossa vida. Lembre-se de que cada decisão que tomamos afeta o outro. Ou isso só se aplica a mim quando não quero o que você quer?
Ele se encolheu a colocou a mão na maçaneta da porta.
— Esta conversa terminou.
Antes que eu pudesse encontrar uma maneira de fazê-lo ficar, ele tinha saído pela porta.
A emoção queimava ardente na minha garganta. Eu não iria deixar que ele desistisse dessa vez. Toda vez que Trevor nos ameaçava, Blake oferecia a outra face. Não dessa vez. Nunca mais.
O Tesla de Blake acelerou pela rua e eu voltei para a casa vazia. Me sentei à ilha central da cozinha, contemplando o que fazer em seguida. Eu não conseguiria mudar o foco e me concentrar no trabalho agora. Estava brava demais. Com medo demais de que, apesar do que Blake tinha dito, essa situação não fosse simplesmente passar.
— Droga.
Bati a mão no balcão, dobrando os dedos por causa da dor. Minha garganta se fechou e as lágrimas queimaram por trás dos olhos, mas algo dentro de mim se recusava a deixá-las correr. Chorar agora passava a sensação de que, de alguma forma, eu estava desistindo. Eu não iria — não podia — desistir. Ao invés disso, aquela ânsia retornou. Só que, dessa vez, não passou. Corri para o banheiro e esvaziei o estômago na privada.
Uma febre se espalhou por mim e, então, minha pele úmida esfriou. Me levantei tremendo e sequei a boca. A pessoa que eu via no espelho não parecia muito bem, mas, após alguns minutos, meu rosto pálido recuperou um pouco da cor.
Minhas roupas se agarravam ao corpo. Eu tinha ganhado peso durante a viagem. Peso que tinha recuperado os quilos perdidos depois de ter sido baleada. Passei o dedo pelo cós da calça jeans e pela pele acima dele.
Um lampejo de esperança se acendeu dentro de mim. Uma esperança irracional e com um timing péssimo.
Não era possível…
Escovei os dentes. Tentei afastar aquele pensamento, mas uma centena de possibilidades congestionava minha mente. Nosso amor, essa vida que estávamos construindo, a liberdade de Blake e talvez mais do que isso estivessem em risco. Se eu não protegesse tudo isso, quem iria?
De repente, o caos dos meus pensamentos estagnou e eu soube o que precisava fazer. Subi até o closet e encontrei minha mala, ignorando o emaranhado de lençóis e o lembrete da nossa noite de paixão. Então comecei a arrumá-la.
CAPÍTULO 8
BLAKE
Passei o dia no escritório de Dean. O pessoal de Fitzgerald afirmava não saber de nada sobre o caso, o que talvez fosse verdade. Repassamos o cronograma da lua de mel em detalhes. Segundo o histórico que o FBI tinha fornecido, eu teria que ter manipulado as eleições durante o voo da Cidade do Cabo para Malé, o que seria totalmente impossível, visto que o código tinha sido carregado via USB para as diversas urnas e eu estava a milhares de quilômetros de distância delas.
Além disso, Erica tinha sido o centro do meu mundo por semanas. Nada tinha atrapalhado meu foco em tornar a viagem memorável para nós dois.
Minha mente retornou a uma época mais simples. Muitas coisas mudaram em uma questão de dias. Isso aqui estava longe de ser o paraíso. A lua de mel havia terminado e nossa vida tinha começado. Eu me recusava a acreditar que esse fosse o começo da nossa vida juntos.
Talvez eles voltassem sua atenção para Fitzgerald, mas se ele caísse, não cairia sozinho. Ele me acusaria simplesmente por rancor. Ele sempre acreditaria que eu estava por trás daquilo até que alguém provasse o contrário.
E também havia o Trevor.
Se eu um dia tivesse vontade de levá-lo à justiça, teria contado sobre ele ao Dean anos atrás. Mas não contei. E hoje não era o dia para trazer isso à tona.
Dean tinha passado um tempão hoje esclarecendo tudo sobre minha suposta culpa. Era um exercício bom para ele, mas eu podia ver as engrenagens girando, a pergunta ardendo em sua mente. Se não fui eu, então quem foi?
Eu podia ouvir a voz de Erica na minha cabeça, me dizendo para fazer a coisa certa. Contar a ele. Indicar a direção correta. Mas algo dentro de mim hesitava e eu permaneci fiel ao caminho que sempre tinha traçado. Não havia necessidade de complicar as coisas, afinal. Apontar dedos provavelmente só convenceria Evans ainda mais da minha culpa. Ele não me parecia o tipo de pessoa que iria caçar alguém como Trevor para salvar alguém como eu. Perda de tempo.
Dean analisou possíveis cenários e concordamos que o mero uso do meu código não era uma prova concreta contra mim. Pessoas demais tinham acesso a ele. Mesmo que todos os indícios apontassem para mim, aquilo simplesmente não era o suficiente. Tínhamos que esperar para ver se eles conseguiriam mais alguma coisa. Essa era a pergunta que não queria calar. O que eles encontrariam, se encontrassem alguma coisa? E quando tempo precisaríamos esperar até que tudo isso passasse?
O dia estava chegando ao fim e eu dei uma olhada nos e-mails no celular, ansioso por qualquer coisa que tirasse minha mente dessa confusão.
— Melhor você ir para casa.
Dean deu a volta na mesa e jogou meu casaco no meu colo.
— Está me expulsando?
— Foi um longo dia. Vá para casa ficar com a Erica. Tenho certeza de que ela ainda está aturdida com tudo isso.
— Você tem razão — murmurei.
— Ela não queria ir embora da delegacia até eles terminarem de interrogar você ontem. Tentei acalmá-la, mas sabia que não convenci.
— Isso não me surpreende.
Contraí o maxilar, lutando uma batalha interna entre a empatia e a pessoa dentro de mim que nunca cederia nessa questão. Eu iria para casa, para Erica, e nós retomaríamos de onde paramos esta manhã, que não era um momento do qual eu me orgulhava muito. Deixá-la lá antes de podermos conversar e resolver as coisas. Ela tinha me encurralado, me enfrentado. Não que isso me surpreendesse. Ela sempre teve opiniões fortes. Eu vi aquele fogo nela quando ela entrou na minha sala de reuniões meses atrás. Eu nunca quis apagar aquela chama. Queria vê-la queimar para mim, lutar por nós e era exatamente isso que ela estava fazendo.
Dean se largou novamente na cadeira e inclinou a cabeça.
— Preciso confessar, eu estava curioso para finalmente conhecer a mulher que significava o suficiente para você a ponto de não fazer um contrato pré-nupcial, apesar de todos os meus conselhos. Eu só gostaria que isso tivesse acontecido em circunstâncias diferentes.
— Eu também.
A meia-piada de Dean me relembrou de que eu concordei em dividir tudo com Erica. Exigi aquilo, apesar das apreensões dela. Não apenas a riqueza, mas as alegrias e as tristezas também. A voz da razão me relembrou que, por mais que tentássemos lutar contra nossos demônios individualmente, nunca dava certo no final. Por mais determinado que eu estivesse em ir à guerra contra Evans por conta própria, Erica e eu tínhamos nos conectado demais para isso.
Com nossa discussão de hoje cedo ainda pesando sobre mim, deixei o escritório de Dean e desci a rua. O sol já tinha se posto. Os dias eram mais curtos; as noites, mais frias. Só que as minhas noites nunca eram frias quando Erica estava comigo. Céus, eu não conseguia tirá-la da minha cabeça.
Estávamos dos dois lados de uma fronteira, e ela continuava me chamando para o lado dela. Eu queria ceder, mas algo me detinha. Caminhei pelas ruas do centro de Boston até estar na frente do meu escritório. As janelas estavam escuras.
Abri as portas e entrei no escritório vazio. Liguei as luzes, revelando o salão deserto. Todas as mesas estavam uma bagunça. Cabos tinham sido removidos e estavam espalhados pelo chão. Cady tinha ligado mais cedo, confirmando que as autoridades tinham confiscado todas as máquinas. Mas, de alguma forma, ver aquilo pessoalmente inflamara um novo tipo de fúria, direcionada a Evans, direcionada a todos aqueles rostos que eu passei a odiar quando era adolescente. Não pareceu justo na época e certamente não parecia justo agora, quando eu não tinha feito merda nenhuma para merecer aquilo.
— Você está bem?
Me virei e James estava parado na porta.
— O que você acha, porra?
Ele sacudiu a cabeça e recuou.
— Foi mal, cara. Vou deixar você em paz.
Relaxei a tensão em meus punhos.
— Tudo bem. Foi um dia difícil. Desculpe.
Ele concordou com a cabeça e deu um passo adiante, analisando os estragos.
— Alli nos contou o que aconteceu. Que merda. — Ele hesitou, seu olhar parando em mim. — Parece que você precisa de uma bebida.
Isso era verdade. Embora isso não me deixasse mais perto de solucionar os problemas em questão.
— Valeu, mas é melhor eu ir para casa. Está ficando tarde. Erica provavelmente está se perguntando por onde eu ando.
Ele franziu a testa.
— O que foi?
— Bem… ela foi embora esta tarde — disse ele.
— Como assim?
— Ela veio hoje de manhã com uma mala, ela e a Alli conversaram no escritório dela por um tempo e aí as duas foram para o aeroporto juntas. Alli disse que elas iriam voltar em um ou dois dias. Disse para mandar e-mail caso alguma coisa acontecesse no trabalho.
Fechei as mãos em punhos de novo. O dia estava ficando cada vez melhor.
— Você faz ideia de para onde elas foram?
Os olhos dele se arregalaram.
— Não faço a mínima. Ela não ficou aqui tempo o suficiente para eu perguntar.
— Puta merda.
Minha visão ficou branca de raiva.
— Você já ligou para ela?
— Preciso ir — falei, empurrando-o para fora do caminho.
Voei para casa, ligando para o celular dela repetidamente, apenas para ser atendido pela caixa postal todas as vezes. Entrei correndo pela porta, meio que esperando encontrá-la ali. Mas a casa estava silenciosa e escura. Fui até a cozinha, explorei cada cômodo do piso térreo e, então, fui até o nosso quarto.
A cama estava como tínhamos deixado, com exceção de um pedaço de papel em cima do meu travesseiro.
Peguei o bilhete, a adrenalina disparando pelo meu corpo enquanto eu lia.
Você prometeu que sempre mereceria minha confiança… minha felicidade… meu amor.
***
ERICA
Eu tinha prometido que nunca mais fugiria dele outra vez, mas ele também quebrou promessas. E neste momento, eu estava fazendo o que precisava fazer. Estava fazendo o que ele se recusava a fazer.
Alli e eu saímos do avião no ar quente do Texas. Vinte minutos depois, tínhamos chegado ao nosso hotel no coração de Dallas. O funcionário que carregou nossas malas as largou dentro do quarto. Dei uma gorjeta a ele e fui até onde Alli estava olhando pela grande janela com vista para a cidade imensa.
Eu nunca estive em Dallas e gostaria de ter um motivo melhor para ter vindo agora. Eu não gostava da ideia de ir a qualquer lugar sem Blake, mas depois da briga da manhã, eu sabia que não podia confiar nele agora.
— Que lindo — disse Alli, antes de se largar em uma poltrona próxima. A bolsa dela vibrou aos seus pés. — É o Heath. — Ela olhou para mim sem se dar ao trabalho de pegar o celular.
— Ainda não — orientei.
Ela revirou os olhos.
— Me sinto como uma fugitiva, Erica. Se eu não puder conversar com ele logo, ele provavelmente vai me reportar como desaparecida.
— Não quero que ninguém saiba onde estou agora. Não até eu ter a chance de conversar sozinha com o Michael.
— Nem consigo imaginar a dura que o Blake vai dar no Heath quando descobrir que estou aqui com você.
Blake estava muito longe e não sabia de nada. Eu me arrependia de tê-lo deixado do jeito que deixei. Mas eu também estava com raiva. Raiva por ele não lutar por nós. Depois de tudo que tínhamos passado juntos, ele ainda me reprimia com uma rapidez absurda.
— Você disse que me ajudaria, Alli. Vou me encontrar com o Michael amanhã cedinho. Aí você pode ligar para o Heath.
Eu expliquei a situação para ela no escritório, pronta para viajar sozinha, se precisasse. Mas eu já passei por algumas caçadas e sabia que era sempre melhor ter companhia. O perigo tinha mania de me encontrar, e eu estava muito receosa com as consequências. Mas não conseguiria chegar à raiz disso tudo na segurança de casa.
— Eu queria vir com você, Erica, mas não gosto de guardar segredos do Heath. Isso é uma coisa que não fazemos mais, sob quaisquer circunstâncias, e você está me pedindo para fazer justamente isso.
— Qualquer coisa que você contar ao Heath vai ser repassada diretamente para o Blake e você sabe disso. Blake não vai aceitar de jeito nenhum. Tenho certeza de que Max deu acesso ao código para Trevor, e essa é a única chance que tenho de ligar esses pontos. Michael não é do tipo que vai se abrir comigo por telefone e não quero Blake se metendo no caminho.
Alli hesitou por um momento antes de falar.
— Você realmente acha que vai convencê-lo? Michael Pope… magnata dos transportes, bilionário e possivelmente um dos empresários mais inteligentes e bem-sucedidos do mundo?
Quando ela colocava daquele jeito, eu tinha minhas dúvidas. Mas, mesmo com as dúvidas, ele era a melhor chance que eu tinha.
— Não sei. Ele parece gostar de mim. Sei que ele se importa muito com o Blake. Ele deserdou o Max depois do que ele fez comigo. Se eu puder fazê-lo perceber o que está em jogo, talvez ele me ajude. — Me sentei na poltrona de frente para ela. — Isso é importante, Alli. Se Blake não toma uma atitude para limpar o próprio nome, eu tomo. Não vou perdê-lo. Não posso.
O celular dela vibrou de novo com uma ligação recebida. Ela me deu uma olhada suplicante.
— Ele não parou de ligar desde que chegamos. O que você quer que eu faça?
Suspirei.
— Está bem, só não conte a ele onde estamos.
Ela atendeu rapidamente e colocou o telefone na orelha.
— Oi, amor… Sim, desculpe. Viagem de última hora das meninas. — Ela se levantou e começou a andar pelo quarto. — Está tudo bem. Tem uma coisa que a Erica precisa fazer e ela queria que eu estivesse com ela… Heath, por favor, não faça perguntas agora. É complicado. Mas estamos bem. Prometo. — Ela me deu uma olhada de canto de olho. — Sim, algo desse tipo. Converso com você mais tarde, tá? Quando as coisas acalmarem… Também te amo.
Ela desligou e me deu uma olhada severa.
— Você me deve uma.
— Eu sei. Obrigada.
Ela apoiou a mão no quadril.
— Não sei você, mas eu estou morrendo de fome. Vamos trocar de roupa e comer alguma coisa.
Me forcei a levantar, reprimindo a fadiga que tinha se instaurado nos meus ossos durante aquele dia longo e emocionalmente exaustivo. Eu poderia ir para a cama e dormir por dias a fio, mas Alli tinha razão. Precisávamos comer, mesmo que meu estômago não tivesse parado de revirar desde a manhã.
Abri a mala para procurar por algo confortável para vestir.
— O que é isso?
Alli arfou quando pegou a caixinha cor-de-rosa que eu tinha enfiado na mala no último minuto. Dentro dela havia dois testes de gravidez que eu tinha comprado mais cedo, convencendo a mim mesma de que eu era completamente maluca por fazer aquilo.
Resisti à vontade de arrancá-la da mão de Alli.
— O que parece? — Tentei soar indiferente, mas já estava nervosa por ela ter descoberto.
Os olhos de Alli se arregalaram.
— Você está grávida?
Inspirei tremulamente.
— Não faço ideia.
Será que eu era totalmente ingênua por sequer suspeitar?
— Está de brincadeira? Você acha que pode estar, mas ainda não fez um teste?
A voz dela tinha subido pelo menos quatro oitavas.
— Ainda não consegui.
Aquilo era, em sua maior parte, verdade.
— Ora, pelo amor de Deus, vá fazer! Estou surtando aqui!
Reluzindo de expectativa, ela começou a abrir a caixinha. Tirei da mão dela, minha ansiedade disparando. Me reprimi por não ter escondido aquilo melhor.
— Pensei que fôssemos jantar — falei, em uma tentativa desesperada de mudar de assunto.
— Como se eu fosse conseguir comer alguma coisa sabendo que você pode estar grávida. Não seja louca.
— Alli, pare — ralhei.
Ela me deu uma encarada incrédula.
Meu coração batia feroz dentro do peito. Eu não estava pronta para qualquer que fosse a realidade que o teste apontaria. Não conseguiria…
— Não posso fazer isso agora.
— Meu Deus, por quê?
Joguei a caixinha de volta na mala e fui até a janela. O sol tinha se posto e Dallas estava acesa com um milhão de luzes urbanas. Como eu poderia fazer isso agora? Eu estava no olho de um furacão. Não tinha como o sol brilhar em meio àquela tempestade de jeito nenhum.
— Não tenho certeza se estou preparada para saber, afinal de contas.
Alli se aproximou e parou ao meu lado.
— Vocês estavam tentando?
Fechei os olhos e pensei em Blake.
— Mais ou menos.
Minha voz mal era um sussurro.
— Certo, pergunta idiota. Você parou de tomar pílula e vocês passaram um mês em lua de mel. É claro que estavam tentando. Quando foi a sua última menstruação?
— Parei de prestar atenção depois do tiroteio. Anda irregular desde então.
Sei lá. Se der positivo, vou surtar e ficar preocupada. Vou ficar apreensiva até de pensar se será viável. E se der negativo, não sei se vou querer saber que depois de tanto tempo juntos… depois de tanto tentar… que, mesmo assim, não seria possível.
— Erica, as pessoas tentam por anos e conseguem chegar lá. Dê uma chance a si mesma. Se for para ser, vai ser. Mas não saber é apenas tortura.
Ao menos para mim. Não consigo imaginar que seja diferente para você.
Era verdade, a situação do meu útero era um pensamento persistente na minha cabeça. Imaginar que eu estava grávida era um pensamento feliz, mesmo que fosse um pouquinho assustador. Mas cogitar que eu não estava e que eu apenas podia sonhar com a possibilidade era uma verdadeira tortura.
Se isso se aplicasse à vida real, seria ainda pior.
— Não se se consigo aguentar isso agora, com tudo que está acontecendo — admiti, finalmente.
Alli voltou até a caixa e a trouxe até mim, entregando-me um dos testes.
— Não vou conseguir sequer pensar direito até saber. Entenda como um favor por eu ter embarcado nessa missão maluca com você. E qualquer que seja o resultado, vamos lidar com ele. Estou aqui por você, de um jeito ou de outro. Prometo.
Meneei a cabeça de leve, mas ela permaneceu firme, o maxilar cerrado e uma expressão determinada que eu conhecia bem.
— Não vou aceitar “não” como resposta. É sério, entre ali e faça o teste.
Após um longo momento, peguei o teste da mão dela e entrei no banheiro.
Fechei a porta, me sentei na tampa da privada e fiquei olhando para a embalagem fechada.
Isso não está acontecendo. Não posso fazer isso. Sequer quero saber. Fiquei repetindo aquele mantra até Alli falar.
— Está fazendo?
Ouvi a pergunta alto o suficiente para saber que ela estava bem do outro lado da porta.
— Ainda não.
— Faça — ordenou ela.
Abri a embalagem e analisei o teste. Parecia bastante claro.
— Erica!
Pausei, sabendo que ela não queria muito ouvir o que eu tinha para dizer.
Agora não. Quem sabe amanhã. Pode esperar. Não… nada disso seria aceitável.
— Que droga, Erica. Sou sua melhor amiga e estou mandando você fazer xixi no palitinho.
Revirei os olhos. Me perguntei quanto tempo levaria até ela arrombar a porta.
— Vou fazer. Me dê um minuto, cacete.
Xinguei novamente em voz baixa. Não me dei ao trabalho de ler as instruções e fui em frente. Os quadradinhos do teste ficaram escuros e eu esperei.
Esperei e esperei, minha mente um turbilhão de “ses”. Eu sequer contaria a Blake se desse negativo? Contaria que todas aquelas tentativas, todo aquele amor e toda aquela fé entre nós tinha sido para nada?
Me levantei e me ocupei em frente ao espelho, tentando afofar os cabelos escorridos, tentando ocupar minha mente com qualquer coisa no momento.
Enquanto o teste corria, convenci a mim mesma de que daria negativo. De que toda esperança estava perdida. Quando me permiti acreditar nisso, a desolação atingiu meu estômago, bem onde a náusea andava dando cambalhotas nos últimos dois dias.
Aquilo era um sinal, certo? O que eu andava sentindo…
E se eu estivesse grávida? E se fôssemos mesmo ter um bebê?
Senti dificuldades em respirar quando imaginei como a sensação poderia ser. Então, o pânico tomou conta de mim quando pensei em Blake e no que ele iria dizer. Mas era isso que nós queríamos, certo? Tínhamos tocado no assunto sem muitas pretensões, talvez porque nenhum de nós tinha plena certeza de que seria possível. Mas estávamos tentando… Tínhamos mergulhado naquela possibilidade com a determinação cega que colocávamos em qualquer outra empreitada, mas, mesmo assim, cá estava eu, cheia de dúvidas e assustada.
Lembranças da nossa última noite nas Maldivas flutuaram na minha mente. Blake fazendo amor comigo sob as estrelas. As cortinas do gazebo esvoaçando ao vento, a única barreira entre nós e a noite. O pedacinho de luar e os mil pontinhos de luz que brilhava enquanto gozávamos juntos com um único propósito em mente.
Minha mão repousou em cima da barriga, a cicatriz que eu tinha tocado mais vezes do que conseguia contar. Minha ferida… e, agora, quem sabe, uma vida. O ar saiu de mim em uma lufada com aquele pensamento avassalador.
— O que deu?
O tom da voz de Alli era quase histérico.
Eu estava prestes a gritar alguma coisa de volta quando dei uma olhada novamente para o teste. Pisquei duas vezes para a segunda linha que tinha se formado.
Segundos se passaram, apressados com as batidas aceleradas do meu coração. Meu Deus. Puta merda. Caramba. Meu Deus.
— Estou entrando. Não tô nem aí pra sua dignidade.
Ela entrou de supetão e arrancou o teste das minhas mãos.
— O que deu?
— Acho que deu que estou grávida.
CAPÍTULO 9
BLAKE
— Onde é que ela está, porra?
Heath grunhiu, espreguiçando-se embaixo do edredom.
— Cara, eu já disse ontem à noite, não sei.
— Não sabe o caralho. Alli está com ela, não está?
— Sim, mas ela não quis me dizer onde elas estão. Conversei com ela de novo tarde da noite e ela disse que está tudo bem. Disse para ninguém se preocupar.
A falta de sono combinada a uma nova onda de adrenalina disparando em meu sangue me deixou louco de frustração.
— Não se preocupar? Está de brincadeira comigo? Minha mulher desapareceu do nada e ninguém me diz porra nenhuma. Acho que você me conhece bem o suficiente para saber que estou mais que simplesmente preocupado.
Heath coçou a cabeça e se levantou.
— Cara, você precisa respirar. Vou dar uma mijada, e quando voltar, a gente conversa. Faça um pouco de ioga enquanto isso.
Saí do quarto, batendo a porta. Afundei novamente no couro escuro e macio do sofá da sala de estar. A mesa de centro estava coberta de revistas de casamento, o que me fez relembrar meu próprio casamento. Erica sorrindo, mais feliz do que eu jamais a tinha visto.
Fechei os olhos, permitindo que um pouco da raiva se esvaísse.
A alguns passos da nossa casa, tínhamos dito nossos votos. Por mais contente que eu fosse ficar em trocá-los em particular, dizê-los na frente dos nossos amigos e parentes naquele momento tinha significado mais para mim do que eu esperava. Eu tinha escrito os meus na noite anterior. Encontrar as palavras para expressar o que ela significava para mim tinha sido difícil, mas, de alguma forma, eu as tinha encontrado e gravado na minha memória. E quando ela veio caminhando pelo corredor na minha direção, fiquei perdido.
Sem fala.
Eu não conseguia desviar os olhos dela. Ela estava deslumbrante — os cabelos presos, com apenas algumas mechas soltas ao redor do rosto, maquiagem leve que fazia seus olhos azuis brilharem enquanto me fitavam. O vestido, feito de renda branca macia, caía como uma luva no corpo dela. O juiz de paz falou, mas as únicas palavras que ouvi foram as dela quando ela começou a dizer seus votos. A voz dela era suave, porém firme enquanto ela me olhava diretamente nos olhos.
— Quando eu imaginava este dia, nunca imaginei que iria amar com tanta plenitude e intensidade a pessoa parada aqui, à minha frente. Pensava que amor como o nosso só acontecesse em livros. Pensava que homens como você só existissem em contos de fadas. Mas aqui está você, meu sonho transformado em realidade, meu “felizes para sempre”. E todos os dias desde que estamos juntos são um presente, me aproximando cada vez mais de você.
Por isso, eu sempre serei grata. Prometo amá-lo, ficar ao seu lado e aproveitar todos os nossos dias juntos. — Ela engoliu em seco, seus olhos azuis brilhando de emoção. — Blake, você sempre terá o meu coração. Sempre terá a minha confiança.
A brisa marítima do outono sussurrou entre nós, parecendo roubar o ar dos meus pulmões.
— Erica — sussurrei.
Passei a mão pelo rosto perfeito dela.
Ela me fitou por trás dos cílios escuros e se aninhou no meu toque carinhoso. Lutei contra a vontade de beijá-la. Ainda não, uma vozinha me lembrou.
Meu discurso grandioso tinha sido arremessado pela janela, foi embora com o vento para algum lugar. De repente, nada era tão importante quanto as palavras que eu estava prestes a dizer a ela. Precisavam ser reais. Do lugar mais fundo dentro do meu coração, elas precisavam falar diretamente para as dela.
— Prometo ser merecedor do seu amor e da sua confiança. Amor, conforto e felicidade nunca vão lhe faltar. Prometo que você sempre terá um porto seguro nos meus braços e na nossa casa. Vou amar você plenamente, com cada pedacinho do meu ser, todos os dias, pelo resto da minha vida.
O juiz de paz voltou a falar. Assim que eu ouvi a palavra beijar, nem esperei ele terminar e a puxei para mim. Ela veio de boa vontade, os braços como seda envolvendo meu pescoço, como se ela também estivesse esperando. Raspei os lábios nos dela e a beijei com carinho.
— Quer café? — perguntou Heath, quando entrou na sala, me arrancando da lembrança.
Meu olho se contraiu. Eu já tinha tomado café suficiente para abastecer um campus universitário. Tudo que a cafeína fez foi deixar meus nervos ainda mais à flor da pele.
— Você tem alguma coisa mais forte?
Ele hesitou.
— São nove da manhã e você sabe que eu parei com as coisas fortes.
Suspirei.
— Eu sei. Desculpe, falei sem pensar.
Você sempre terá a minha confiança.
Me inclinei para frente, enterrando o rosto nas mãos. As palavras dela eram uma tatuagem no meu coração, indeléveis na minha mente. Tínhamos feito promessas. Será que aquelas tinham sido meramente palavras de um casal perdidamente apaixonado no dia do casamento? Será que a confiança dela em mim podia ser abalada tão facilmente? Talvez outras pessoas negligenciassem seus votos de tempos em tempos, mas ela, com toda certeza, não me deixava esquecer os meus.
Será que ela desistiu de mim tão cedo assim? Será que dei a ela bons motivos para isso?
Se ela simplesmente viesse para casa…
Onde ela estava? Tínhamos brigado e eu tinha sido um babaca teimoso, mas achei que ela já estivesse acostumada com isso. Eu também achava que os dias de fuga dela tinham terminado. Estávamos casados, agora. Tínhamos que lutar para superar essas coisas — juntos. Ela não podia simplesmente me abandonar. Não desse jeito. Não quando todo o resto estava desmoronando.
Alguma coisa gelada tocou no meu ombro. Abri os olhos e vi Heath segurando uma cerveja. Aceitei, grato. Ele se sentou no outro sofá, ainda de cueca, segurando uma caneca de café.
— Você está acabado, sabia? — disse ele, me fitando por cima da borda da caneca.
Passei a mão pela barba por fazer no meu queixo. Vesti a primeira coisa que encontrei esta manhã; a camiseta amassada que eu tinha usado ontem.
Com Erica desaparecida, a última coisa com a qual eu me preocupava era minha aparência. Dei uma olhada desesperada para o meu irmão.
— Onde ela está?
Ele meneou a cabeça, seus olhos hesitantes.
— Alli disse que tinha alguma coisa que Erica precisava fazer. Ela não quis me dizer mais nada, a não ser que eu não devia me preocupar.
Nem fodendo, gritou minha mente, mas me forcei a permanecer calmo.
— Você perguntou por ela?
— Claro que sim.
— E?
Heath olhou para além de mim, contraindo o maxilar tenso.
Apertei os dedos em torno da garrafa que eu estava segurando.
— Heath. Fale comigo ou eu juro por Deus…
— Ela está chateada, Blake. Ela é sua esposa, então suponho que você já saiba disso. O que aconteceu antes de ela sumir?
— Nós brigamos.
— Pelo quê?
Levei a garrafa até a boca e tomei um gole longo.
— Ela quer que eu encontre o Trevor ou ao menos avise ao FBI que é dele que eles deveriam estar atrás.
— E você se recusou?
— Não vale a pena perder tempo com ele. Nem o dela e nem o meu. Ele…
— Ele o quê, exatamente?
— Ele não é a resposta. As autoridades não podem jogar isso nas minhas costas. Mandá-los atrás dele é uma perda de tempo.
Heath colocou o café na mesa de centro e juntou as mãos.
— Você sabe que não sou fã de confrontos, mas esse filho da puta está atrás de você há anos. Talvez eu estivesse ocupado demais bagunçando a minha própria vida para dar minha opinião sobre isso até agora. Mas ele precisa ser detido. O fato de que alguém tão esperto quanto você não deu um fim a isso é ridículo.
Não respondi por um instante, apaziguando a surra verbal que eu queria despejar. Talvez ele tivesse razão. Talvez ele e Erica tivessem razão. Xinguei baixinho. Esfreguei os olhos para diminuir a ardência da falta de sono.
— Erica acha que me sinto culpado pelo Brian.
— E você se sente?
Tomei mais um gole de cerveja.
— Talvez — confessei, quase baixo demais para ser ouvido.
— Você era jovem. E esse cara não é o Brian. Ele apenas é tão fodido quanto ele, mas nunca foi um amigo. Você não deve nada a ele.
— Eu sei disso.
— Sabe mesmo? Porque às vezes não parece nem um pouco.
Eu nunca tinha encontrado o Trevor pessoalmente, mas, de alguma forma, ele sempre fora o Brian na minha cabeça. Eu nunca admitiria, mas não conseguia separar os dois. Ele era uma sombra, um fantasma que ninguém conseguia capturar. Mas, para mim, ele era um fantasma que carregava consigo a lembrança mais sombria que eu tinha. Brian era tão desorientado quanto eu, mas tinha ido longe demais. Eu tinha elaborado o plano todo com ele, mas foi ele quem foi até o fim, indo muito além da intenção original.
Como ele tinha desabado, eu tinha ficado livre.
A ameaça da prisão tinha sido eliminada, mas a culpa por ele ter tirado a própria vida me assombrou por meses. Quando comecei a trabalhar para Michael, achei que tivesse superado. Mas talvez eu não tivesse.
— Não posso mudar o que aconteceu.
— Nenhum de nós pode. Mas você pode parar de permitir que essa…
ameaça… vandalize a sua vida. Se você não o impedir, o FBI vai prender você, Blake. Você não precisa que eu lhe diga isso, mas você não é menor de idade mais. Isso é uma porra de um crime. Você tem uma esposa, uma família que se preocupa com você, centenas de pessoas que confiam em você. E vai abrir mão de tudo isso porque não consegue suportar virar o jogo e garantir que o Trevor seja jogado na cadeia por tudo isso.
— Ele não está fazendo nada que eu também não faça.
— Talvez isso seja verdade, mas você faz muito mais do que ele. Você criou dezenas de empresas que estão fazendo coisas boas no mundo. Ajudou o pai e a mãe. Me ajudou quando eu não dei motivo nenhum para isso. Você é a rocha de Erica e, neste exato momento, está falhando com ela por ser cego demais para enxergar a diferença. Por que você não o encara?
— Se ele desse as caras, eu faria isso — ralhei.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
— Não vou ser intimidado por uma sombra.
— Bem, é exatamente isso que está acontecendo.
Me levantei e fiquei andando de um lado para o outro, as palavras de Heath aturdindo a minha mente.
— Entrar no jogo… Acho que isso torna o Brian real de novo. Trevor quer me arrastar de volta para esse pesadelo. É disso que essa coisa toda se trata.
Ele quer me transformar na pessoa que o FBI já acha que eu sou.
— Você não é essa pessoa. Está longe de ser o adolescente que era, Blake.
Você é um adulto. Teve um milhão de experiências. Está casado. Você tem pessoas que precisam de você e lhe dão propósito.
— Exatamente. Não quero que meu propósito dê munição a ele.
— Basta você respirar para dar a ele a munição de que ele precisa para continuar atacando você. Proteja a vida que você construiu. Esse deveria ser o seu propósito. E se isso significa tirar esse filho da puta da jogada, então é isso que você precisa fazer.
Me apoiei no sofá e soltei um suspiro cansado.
— Quando é que você se tornou focado desse jeito?
— Isso é tudo culpa sua. Alli teve que se apaixonar por um cara completamente diferente depois que fiquei limpo.
Concordei com a cabeça.
— Você é um cara de sorte.
— Você também. Só precisa perceber que está entendendo tudo errado e que é por isso que a Erica não está aqui. Resolva tudo na sua própria cabeça e ela vai voltar. Não tenho dúvidas disso.
Dei uma olhada suplicante para ele.
— Parece que você tem informações privilegiadas que eu não tenho.
Heath meneou a cabeça.
— Não, é só o que diz o meu instinto. Se a Alli tivesse ido embora sem me dizer nada, eu posso garantir que estaria me matando para saber onde eu errei. E orgulho nenhum me impediria de tentar consertar as coisas para que ela voltasse para mim.
— Você está começando a parecer o irmão mais velho.
Ele deu um sorriso torto.
— Você já salvou o meu couro várias vezes. Te devo umas.
***
ERICA
Quando acordei, na manhã seguinte, a realidade de que eu estava grávida não parecia menos surreal. Parte de mim queria voltar correndo para casa, para Blake, e dar a notícia, mas outra parte de mim estava feliz pela nossa distância, agora. A vida tinha me ensinado algumas lições difíceis, e eu precisava de uma chance de apaziguar essa onda de animação até que pudesse compreender tudo. Havia tantas incertezas…
Minha prioridade agora era conseguir a ajuda de Michael. Levantei cedo e peguei um táxi para o escritório dele enquanto Alli ficou no hotel. O motorista estacionou em frente a um arranha-céu imponente localizado no coração da cidade, e eu peguei o elevador até o último andar. Eu tinha entrado em contato com a assistente dele no dia anterior, avisando que Blake estaria na cidade e queria se encontrar com ele. Ela tinha encaixado um horário para ele sem hesitar. Quando cheguei, depois de explicar que eu era a esposa de Blake e pretendia me encontrar com Michael de qualquer jeito, ela me encaminhou ao escritório dele.
Michael estava sentado atrás de uma mesa grande, no meio de uma sala enorme. Para um homem que tinha o mundo ao alcance dos dedos, ele parecia não ter nada à sua volta. Não havia quase nada em cima da mesa dele, apenas um caderno, um laptop e uma caneta. Todas as superfícies brilhavam.
Todas as peças de decoração estavam posicionadas com perfeição.
Michael se levantou. Os olhos dele me analisaram quase com cautela enquanto eu me aproximava dele.
— Erica. Eu não esperava ver você.
— Eu sei. Me desculpe por isso. Era importante.
— É claro. Sente-se. — Ele apontou para a saleta que parecia ser na ala oeste do amplo escritório dele. Ele se sentou na poltrona de frente para o sofá, que também era de couro preto lustroso, onde eu me acomodei. — O que a traz a Dallas?
— Eu queria conversar com você sobre Blake. Suponho que você já saiba sobre a confusão em que ele se meteu.
Ele confirmou lentamente com a cabeça.
— Sim, a polícia me procurou, então sei de alguns detalhes. Mas ainda não conversei com Blake sobre isso.
Tive a garantia de que ao menos a polícia estava cumprindo seu papel com Michael, mesmo que o suspeito número um fosse Blake.
— Eles perguntaram a você sobre o código-fonte do Banksoft?
— Sim.
— O que você disse a eles?
Ele me encarou por um instante, seus lábios formando uma linha imóvel.
— Eu disse a eles que, até onde sei, ninguém mais tinha acesso à minha cópia, salvo alguns poucos membros seletos da minha equipe de funcionários.
— Isso é verdade?
— Erica, não sou do tipo que curte joguinhos. Aonde você quer chegar?
Me endireitei para dizer aquilo que eu tinha atravessado metade do país para dizer.
— Quero saber se o Max tinha acesso a ele.
Michael deu um sorriso contido e juntou as mãos.
— É possível. Max estava envolvido em muitos dos meus negócios.
— Acredito que ele deu o código a um homem chamado Trevor Cooper. Ele é um hacker que…
— Sei quem ele é.
Fiquei em silêncio, estupefata, por um instante.
— Sabe?
— Ele é um programador que trabalhou para o Max por um tempo, ajudando-o com uns projetos paralelos. Nós financiamos o trabalho dele através de uma das investidoras que eu e Max costumávamos ter em conjunto.
— Todo o dinheiro foi usado para tentar destruir vários empreendimentos do Blake, inclusive a minha empresa.
Michael me encarou.
— Se isso for verdade, sinto muito. Como você provavelmente já sabe, Max e eu não temos mais ligações financeiras. E quando tínhamos, ele raramente estava envolvido nas minhas atividades corporativas de rotina. Eu o ajudei a financiar vários projetos, nem que tenha sido apenas para impedi-lo de querer se envolver demais com os meus. Eu conhecia o Trevor apenas de nome, porque a empresa enviava cheques a ele.
— Você sabe onde o Trevor está agora?
— Não. A investidora foi dissolvida e todas as contas foram encerradas depois da sua festa de noivado. Não sei o que aconteceu com o Trevor.
Droga. Eu me sentia como se estivesse escalando uma montanha e o topo continuasse parecendo distante.
— Michael, preciso da sua ajuda para encontrá-lo. Ele usou o código do Banksoft do Blake para manipular a eleição para governador sabendo que isso iria incriminar o meu marido. Se existe alguém que quer ver Blake sofrer mais do que o Max, é o Trevor. Ele nutre um rancor por ele desde antes de você apadrinhá-lo.
— Não sei ao certo como eu poderia ajudar.
— Entre em contato com ele. Faça-o sair da toca. Ou conte ao FBI o que você realmente sabe. Que o Max muito provavelmente deu o código a ele. Se o FBI soubesse, eles começariam a procurar pela pessoa certa e parar de investigar Blake por um crime que ele não cometeu.
— Você está me pedindo para incriminar meu próprio filho, Erica.
— Estou pedindo que você me ajude a encontrar o Trevor. Goste você ou não, Max teve uma participação nisso e tem sistematicamente tentado tirar o Blake de cena há anos. Achei que você se preocupasse com o Blake. Você está disposto a assisti-lo ir para a cadeia por isso?
A expressão dele era severa, revelando seu desconforto. Foi exatamente por isso que não liguei. Cara a cara comigo, ele não conseguiria negar a verdade. E a verdade era que o filho dele, sangue do seu sangue, tinha participação nisso.
— Deve haver outra maneira — disse ele, finalmente, fitando o chão.
— Não há outra maneira. Michael, por favor, estou implorando. Me ajude a encontrá-lo. Não consigo…
Não consigo fazer isso sozinha. Não encontrei as palavras. Tentei abafar as emoções avassaladoras que estavam fervilhando para a superfície. Talvez eu conseguisse explicar ao Michael o quanto eu estava desesperada, mas não queria perder o respeito dele perdendo as estribeiras do jeito que eu queria agora.
Antes que eu pudesse encontrar as palavras certas, ele se moveu para se sentar ao meu lado. Ele pegou minha mão. A mão dele era quente e seca, bronzeada do sol. Os olhos deles eram tranquilos e quase tristes.
— Erica, sei que isso é complicado para você. E sei que tudo pelo que você passou quando Max a atacou deve ter sido tremendamente difícil. Ninguém merece passar por algo assim. Tenho vergonha dele, mais do que já tive na vida. Mas quando você tiver seus próprios filhos, você vai aprender que não importa o quanto eles a decepcionem, eles sempre serão seus filhos. Eu amo Blake como um filho… mas ele não é. Max é sangue do meu sangue. Eu farei tudo que for possível para ajudar Blake, mas não à custa do Max. Nunca me meti entre eles e não vou começar agora.
Uma única lágrima escapou, escorrendo pela minha bochecha.
Ele apertou minha mão.
— Erica, você vai ter que encontrar outro caminho. Blake é esperto, uma das pessoas mais espertas que eu conheço. É por isso que ele está aqui, porque sabe como eu me sinto.
Afastei minha mão do toque dele, que agora parecia mais condescendente do que qualquer outra coisa.
— Ele não está aqui porque não quer se defender.
Me levantei e caminhei até a porta. Coloquei a mão na maçaneta e hesitei.
Do outro lado da sala, Michael se levantou. A expressão dele era casual, seu rosto enrugado de preocupação. Sempre achei que ele fosse diferente, pois Blake parecia pensar que era. Será que eu estava tão errada assim?
— Às vezes, eu penso nos homens da minha vida. Penso em quantos deles marcham por aí como deuses, exibindo seu poder e seu ego como uma arma sem se importarem com quem eles vão machucar ou quais vidas vão destruir.
E, para o restante de nós, só resta catar os cacos. Por algum motivo, sempre achei que você fosse diferente. Parece que eu estava errada.
O silêncio dele confirmou a verdade dolorida. Saí do escritório e peguei um táxi para o hotel, resignada com a derrota.
Pela primeira vez desde que eu tinha chegado a Dallas, liguei o celular.
Esperei, me preparando para a avalanche de tentativas de comunicação que eu devia ter perdido. Uma dúzia de mensagens chegou de uma vez só, uma de James e o resto de Blake. Todas querendo saber onde eu estava, se eu estava em segurança, para ligar logo.
Uma mensagem de voz me aguardava. Comecei a ouvi-la, me preparando para o que quer que fosse que Blake tinha a dizer. Não esperava que ele soasse tão equilibrado.
— Erica, sou eu.
Meu coração deu uma cambalhota ao ouvir o som da voz dele.
— Não sei onde você está, e isso está me matando. Não estou dizendo que eu não mereça, mas… por favor, apenas me ligue para que eu possa ouvir a sua voz e saber que você está bem. Sei que a Alli está aí com você, mas não consigo não me preocupar. Quero estar ao seu lado aonde você for, para proteger você de qualquer confusão em que você esteja se metendo. E eu já sei em que você está pensando neste momento. Que se eu não protejo nem a mim mesmo, então, como vou proteger você? E você tem razão. Sou teimoso demais, e você não deveria ter que me aguentar. Mas você prometeu que aguentaria. Por favor… me ligue.
A tristeza na voz dele me dilacerou. Eu sentia mais falta dele do que me permiti acreditar.
Entrei no quarto do hotel e encontrei Alli trabalhando no laptop.
— Como foi?
Apenas meneei a cabeça, e os ombros dela se arquearam com o fracasso que eu sentia.
— Ele não vai ajudar?
— Não se isso incriminar o Max.
Desabei na cama ao lado dela.
— Sinto muito. — Ela colocou o braço nos meus ombros. — O que vamos fazer agora, chica?
Me apoiei nela, querendo acreditar que eu encontraria outro caminho até a verdade. Mas eu estava cansada e tudo que queria agora era o conforto dos braços de Blake. Se eu conseguisse fazê-lo mudar de ideia e lutar por nós, talvez ainda houvesse esperança.
Fechei os olhos com um suspiro.
— Quero ir para casa.
CAPÍTULO 10
BLAKE
Devo ter ligado para ela umas cem vezes. Nenhuma resposta em todas elas.
Liguei para Heath mais uma dúzia de vezes. Nenhuma novidade. Tudo que eu sabia era que ela partiu e eu não fazia ideia de quando ela iria voltar ou se ela sequer iria voltar.
Estava sentado à mesa da sala de jantar, perdido em meus pensamentos. O último gole de uísque deslizou pela minha garganta, mas nada poderia amortecer a dor de saber que ela não estava comigo. Ela escolheu ir embora, e talvez eu tivesse dado um bom motivo para isso.
Esfreguei os olhos. Uma noite sem dormir se transformou em duas.
Cochilei algumas vezes, mas acordei em pânico. Eu revistava a casa toda de novo, checava o celular e o e-mail. Ligava para Heath sem me importar com a necessidade dele de dormir também. Percebia mais uma vez que ela não estava ali e ficava preocupado, até que minhas pálpebras não aguentavam ficar abertas mais.
Ouvi a porta da frente se fechar. Clay volta e meia passava para dar uma olhada em mim. Se ele não trabalhasse para mim, eu tinha a sensação de que teria expressado bem mais sobre meu estado. O quanto eu estava sendo louco.
Mas nada que ninguém dissesse poderia consertar isso. Nada ficaria bem até que ela chegasse em casa. Se ela me desse uma chance de me explicar, eu consertaria as coisas.
Então, ela apareceu.
Parada ao lado da mesa, de jeans e um moletom largo, parecendo hesitante. Ela estava mais próxima do que estivera em dias, mas, de alguma forma, parecia a um milhão de quilômetros de mim. Saí da cadeira e fui de encontro a ela. Ela deu um passo para trás, como se estivesse com medo.
Parei abruptamente na frente dela. Cerrando as mãos para me impedir de tocá-la, tentei me recompor, mas a expressão nos olhos azul-claros dela estava me dilacerando.
— Gata, não vou machucar você.
Ela engoliu em seco, seus lábios se abrindo um pouquinho.
— Você não está bravo comigo?
— Não. Eu estou… Meu Deus, venha cá.
Eu a puxei para mim, erguendo-a do chão assim que consegui envolvê-la com os braços. Aconcheguei o rosto no pescoço dela e a inspirei. Ela era mais potente que qualquer bebida. Disse o nome dela repetidamente. Ela estava em casa. E em segurança. Graças a Deus.
Busquei a boca dela, deslizando os lábios sobre os dela, reverentemente. O beijo me lembrou daquele que tinha nos selado como marido e mulher. Até a língua dela tocar na minha. Carinhosa no começo, depois buscando mais.
Gemi quando ela deslizou os dedos pelos meus cabelos, agarrando-os pela raiz. Prendi a respiração e me afastei só o suficiente para ver um fogo renovado brilhando nos olhos dela. Ela enrolou as pernas em mim e eu caminhei com ela até a sala de estar.
Eu a deitei no sofá e cobri o corpo dela com o meu. A sensação do calor do corpo pequeno dela sob o meu era paradisíaca. O desejo formigou na minha pele, mas o simples fato de tê-la ali comigo novamente me preenchia. Eu não tinha palavras para descrever. Acariciei o rosto dela, passando o polegar por seus lábios abertos.
— Meu Deus, como eu senti a sua falta.
Algo como tristeza passou por trás dos olhos dela. Antes que ela pudesse explicar por que, eu a beijei de novo. Engoli todas as coisas que eu sabia que ela queria me dizer. Eu a beijei, intensa e apaixonadamente, até que ela interrompeu o contato. Eu queria fazer amor com ela e esquecer que os últimos dois dias tinham acontecido. Queria começar de novo, mas sabia que não seria tão fácil assim. Relutantemente, soltei o corpo dela o suficiente para olhar em seus olhos.
— Precisamos conversar — disse ela, ofegante.
Meus músculos se contraíram de tensão. Eu não permitiria que ela me deixasse. Talvez ela fosse ficar melhor com alguém menos fodido da cabeça, mas eu não ligava. De maneira egoísta, eu iria lutar como nunca para ficar com ela, do jeito que fosse possível.
Me preparando mentalmente para a avalanche de pensamentos que ela sem dúvida tinha colecionado nos últimos dois dias, me sentei gradualmente.
Ela fez o mesmo, colocando os joelhos no sofá, na ponta distante a mim.
— Precisamos conversar tão longe assim?
— Não consigo… Não consigo pensar direito com você me tocando, Blake. E preciso que você me ouça.
Minha boca ficou seca, mas eu quis saber na hora. Não queria a tortura de ouvi-la dar voltas até chegar ao assunto.
— Você vai me deixar?
Os olhos dela ficaram enevoados.
— Blake…
Uma força invisível me deu um soco no estômago. Esfreguei as mãos nos joelhos, me preparando para o que quer que eu precisasse fazer nesse momento.
— Você tinha razão. Eu fiz uma promessa a você e não cumpri. Não sou perfeito e sei que isso não é desculpa, mas você precisa acreditar que eu amo você, Erica. Mais que tudo. E vou fazer qualquer coisa que precisar para ficar com você…
— Você não precisa se preocupar com isso, Blake, mas…
Um lampejo de esperança apaziguou o meu medo. Mas…
— Mas o quê?
— Blake…
O lábio dela tremeu e ela cutucou nervosamente o rasgo da calça jeans.
Comecei a me preocupar novamente que algo estivesse terrivelmente errado.
Eu queria tê-la perto de novo, assegurar a ela que, o que quer que fosse, nós superaríamos. Já tínhamos superado verdadeiros infernos juntos.
— Blake, estou grávida.
Todo o ar se esvaiu do quarto. Tudo ficou preto e branco, borrado nas bordas, com exceção da mulher sentada ao meu lado. Erica. Minha esposa. Em cores, em foco, as palavras que ela tinha acabado de dizer ecoando claras como um sino.
Grávida.
Vários segundos vazios se passaram enquanto eu tentava compreender o que ela acabara de me contar. Inspirei fundo, levando um ar muito necessário aos meus pulmões e oxigênio ao meu cérebro gaguejante.
— Há quanto tempo você sabe?
— Acabei de descobrir. Fiz um teste de gravidez enquanto estava no Texas.
Bem, Alli me obrigou a fazer alguns, mas todos deram positivo.
Sacudi a cabeça, esperando conseguir um pouco de clareza.
— Espere aí, Texas?
Uma nova tristeza apareceu nos olhos dela.
— Fui conversar com o Michael. Eu esperava que ele fosse nos ajudar.
Por dentro, me xinguei a torto e a direito por fazê-la pensar que ela precisava fazer isso.
— Gata… por que você fez isso?
— Porque eu sabia que você não faria.
Fechei os olhos. Ela tinha razão, mas nada daquilo importava agora. Abri os olhos e a puxei para mim. Não precisávamos dessa distância. Ela veio de boa vontade, montando no meu colo.
Toquei no rosto dela e a abracei, afastando a boca da dela, deslizando pelo maxilar, até a pulsação em seu pescoço, acelerada sob meus lábios. Eu queria tocar nela toda, como se isso, de alguma forma, fosse fazer tudo parecer real.
Essa coisa maluca que não conseguíamos ver. Nada estava diferente por fora, mas as palavras que ela tinha dito mudaram tudo de repente. Tudo.
— Você realmente está grávida?
Eu precisava ouvir aquelas palavras de novo. Ela mordeu o lábio até eu soltá-lo com o polegar.
— Eu queria esperar para contar a você…
— Por quê?
Ela olhou para baixo, mexendo na gola da minha camiseta.
— Não sei. Só para o caso de, você sabe, não vingar. Achei que seria melhor se você não tivesse que passar por isso também.
Minha determinação estremeceu e eu afastei a possibilidade de uma gravidez fracassada da minha mente. O fato de ela estar grávida era novo demais, incrível demais para minimizar com esses medos. Ergui o queixo dela, trazendo o olhar dela para o meu.
— Vai dar tudo certo. Prometo. E não importa o que aconteça, estou aqui.
Quero passar por tudo isso ao seu lado.
O lábio dela começou a tremer vigorosamente de novo.
— Preciso de você comigo, Blake. É isso que você não entende. Não posso fazer isso sozinha. Não quero criar uma criança sozinha, sem um pai. Sei como é não ter essa parte da vida e não vou ficar sentada observando aqueles caras tirarem você de nós.
A maneira como ela disse nós fez meu coração disparar.
— Não vou deixar isso acontecer. Vamos ser uma família.
Aquelas palavras eram estranhas na minha boca, mas, instintivamente, eu soube que eram verdade. Em um piscar de olhos, nosso futuro passou a significar mais do que jamais tinha significado.
— Não podemos arriscar. Temos que encontrar o Trevor e dar um fim a isso. Me prometa.
— Eu prometo.
Falei antes que pudesse pensar duas vezes. O fato de eu nem brigar com Erica por causa disso pareceu repentinamente absurdo. O que eu estava fazendo?
Os olhos dela se iluminaram, brilhando com lágrimas que cintilavam.
— Você está falando sério?
— Nunca falei tão sério na vida.
— Então como vamos encontrá-lo? Se o Michael não pode nos ajudar, não sei a quem mais podemos recorrer.
Apesar de, antes, eu não ter intenção alguma de seguir planos, eu havia elaborado um.
— Preciso do código que foi usado para manipular as urnas. O trabalho do Trevor é fraco. Ele deve ter deixado algum rastro, algo que aponte para ele.
— Você não acha que o FBI teria encontrado algo a essa altura, se ele tivesse deixado?
— Não necessariamente. É o meu código. Já faz uma década, mas eu o conheço de cabo a rabo. E eles são os mocinhos. Não estão procurando pelas artimanhas do jeito que eu vou procurar. Trevor é um hacker. É preciso ser para conhecer.
— Como podemos conseguir o código?
Esfreguei as mãos nas pernas, desejando ter o poder para fazer mais.
— Eles estão de olho em mim, Erica. Caso contrário, eu certamente conseguiria.
— Que tal o Sid?
Dei de ombros.
— Quem sabe. Depende se esse é um risco que ele toparia correr.
— Ele já fez umas pesquisas criativas para mim, antes.
Sorri, e foi algo esquisito. Fazia tanto tempo assim que eu não sorria? Fazia dias que ela tinha viajado.
— Pesquisa criativa? É assim que estão chamando hoje em dia?
— Não julgo você pelo que você faz, Blake. Pode ser que eu nem sempre concorde, mas sei que o seu coração está no lugar certo. O de Sid também. No entanto, o parâmetro ético dele provavelmente está mais alinhado com o que me conforta.
— Certo. Vamos ver o que ele diz.
Peguei um cacho dos cabelos loiros dela e enrolei as mechas sedosas nos dedos. Será que nosso bebê teria cabelos loiros? Olhos azuis que me hipnotizariam como os dela hipnotizavam todos os dias?
— Gove sabe sobre o Trevor?
Meneei a cabeça, arrancado de minhas divagações mais felizes. A culpa se instaurou em mim de novo.
— Você pode ao menos contar para ele e ver o que ele pensa? Evans pode não acreditar em você, mas poderia ser o suficiente para fazê-lo recuar um pouquinho.
Aquele aperto no meu estômago voltou, mas desapareceu com a mesma rapidez. Eu não tinha certeza, mas achava que aquela era a sensação de uma lição aprendida.
— Vou conversar com ele amanhã.
Os lábios dela se curvaram em um sorriso, e a preocupação nos oceanos infinitos de seus olhos se esvaiu.
— Senti sua falta — sussurrou ela, me dando um beijo suave.
Envolvi o tronco dela com os braços e a abracei com firmeza, como se ela pudesse desaparecer. A língua dela passou por entre meus lábios, exploradora e provocativa. Ela era doce. Tão macia. Fui de encontro à paixão dela, me deliciando no prazer único que era o gosto dela, seu toque, seu aroma inebriante nos meus pulmões.
Eu podia dizer, pela linguagem corporal dela e a maneira como ela se movia em cima de mim, que ela estava esperando. Esperando que eu possuísse o que era meu — o corpo dela, seu prazer. Céus, como eu queria, mas algo me deteve. A mulher nos meus braços não era mais a mesma.
***
ERICA
O barulho da porta do box se fechando me despertou do cochilo. Me revirei nos lençóis. A fadiga de antes se dissipou gradualmente enquanto eu recuperava a consciência. O relógio marcava dez horas, o que significava que eu tinha dormido apenas por algumas horas. Me deitei novamente no travesseiro e fiquei olhando para o teto. Blake tinha finalmente caído em si e, pela primeira vez em dias, eu sentia alívio, e isso era o mais importante.
Eu também estava contente por estar em casa. De volta à cama que compartilhávamos e de volta aos braços de Blake. Só que isso era tudo que Blake permitia. Desde que eu tinha contado a ele sobre a gravidez, ele parecia resguardado, como se eu fosse quebrar em meio a qualquer faísca de paixão que transparecesse em seu toque.
Talvez os hormônios estivessem agindo. Talvez eu simplesmente quisesse aquela proximidade com o meu marido, como sempre quis. Talvez a maneira como eu amava Blake tivesse se transformado, sabendo que eu estava carregando nosso bebê, sabendo que nós tínhamos criado uma vida juntos. O que quer que fosse, eu o queria desesperadamente e não ia permitir que ele se privasse — e nem a mim.
A água parou, e, um segundo depois, Blake apareceu com uma toalha enrolada na cintura. O peito dele estava gloriosamente desnudo, apenas com pequenas linhas de água escorrendo de seus cabelos ainda molhados. Aquele homem tinha o corpo de um deus. Um fato que não estava ajudando em nada a domar minha libido em fúria. Me apoiei nos cotovelos para admirá-lo descaradamente.
— Acordei você?
Meneei a cabeça, erguendo o canto da boca em um sorriso sugestivo.
— Venha para a cama.
— Você viajou o dia todo. Deveria descansar.
— Já estou descansada. Venha cá.
Dobrei o joelho. O atrito entre minhas coxas e a visão dele criando ainda mais fricção ali fez minha temperatura subir.
A língua dele deslizou lentamente pelo lábio inferior.
— Já vou. Vou trabalhar um pouco primeiro.
Balela.
Me levantei da cama e fui até ele. Não esperei por um convite. Parei na frente dele, olhando naqueles olhos lindos, agora em um tom verde de derreter o coração.
Deslizei as mãos pelos músculos amplos do peito dele.
— Eu te amo.
— Eu também te amo. — Os olhos dele estavam sombreados de emoção. — Eu gostaria que essas palavras fossem suficientes para mostrar a você como eu me sinto, Erica. Já disse uma centena de vezes, mas eu te amo mais a cada dia e as palavras permanecem as mesmas.
Algo no meu coração se contraiu. Eu odiava o fato de ele ter sofrido tanto.
Ele estava limpo e de barba feita agora, revigorado e alerta, mas estava um caco quando cheguei em casa. Eu nunca o tinha visto tão devastado.
Eu não devia tê-lo deixado de um jeito tão frio. Eu sabia que ele tinha me perdoado, mas parte de mim queria se redimir por aquilo. Eu queria nós dois juntos. Ansiava por nossos corpos juntos.
— Eu não devia ter deixado você daquele jeito. Eu estava brava e com muito medo.
— Eu sei — disse ele, baixinho.
Depois de ter deixado Blake com um lembrete dos juramentos que tínhamos feito, eu pensei muito em nossos votos e no que eles significavam — em seu simbolismo e nas palavras em si. Eram promessas nas quais devíamos nos basear, não leis esperando para serem descumpridas. Éramos humanos.
Imperfeitos. Ainda jovens em muitos sentidos, apesar de conhecermos bem os percalços do mundo.
Magoamos um ao outro. Demos alguns golpes fortes e, de alguma forma, encontramos o caminho de volta para a compreensão e o amor. Mudamos.
Crescemos. E cada lição dura nos deixava cada vez mais próximos durante a jornada.
Nada poderia afetar meu amor por Blake e, esta noite, meu juramento era lutar por esse amor. Emaranhei os dedos nos cabelos dele com uma mão e tracei uma linha pelo maxilar bem definido dele com a outra. Meu belo amante.
— Mesmo que a gente brigue e faça besteira, sempre vamos encontrar um jeito de superar as coisas. Prometo.
— Você não faz ideia de como eu queria acreditar que isso era verdade. — Ele colocou meu cabelo atrás da orelha. — Teria sido mais fácil de acreditar se você tivesse retornado as minhas ligações, contudo.
Fechei os olhos.
— Me desculpe.
A mágoa dele ecoava dentro de mim.
Eu disse as palavras, mas agora precisava mostrar a ele. E a magnitude do que eu sentia não podia ser dita com um toque gentil. Amor e luxúria eram dois ingredientes altamente inflamáveis, alimentando o pequeno inferno que já queimava dentro de mim.
Pressionei os lábios no peito dele. Escorregando os dedos pelas cristas rígidas de seu abdômen, encontrei o nó da toalha e puxei.
— Erica…
Eu o silenciei e deixei a toalha cair no chão. Deslizei a língua pelo círculo sedoso do mamilo dele até deixá-lo rígido sob uma lufada de ar. Dei ao outro o mesmo tratamento. Tracei um caminho de beijos pela clavícula dele. Depois segui pelo pescoço, onde chupei com força até ele soltar um grunhido torturado. Ele segurou minha bunda, pressionando meu corpo ainda mais contra o dele. A ereção dele era inconfundível, quente contra minha pele.
A satisfação feminina pura rugiu dentro de mim. Eu queria satisfazê-lo.
Queria dar tudo a ele esta noite.
Tirei a blusa e ele se aproximou de mim, me acariciando até eu começar a tremer. Olhando nos olhos dele, me ajoelhei lentamente.
Deslizei as mãos pelas pernas firmes dele, idolatrando os contornos de seu corpo maravilhosamente tonificado. Dos lábios delineados aos pés, ele era um exemplar masculino memorável. Para minha sorte, seu coração era tão lindo quanto todas as outras partes dele.
Coloquei as mãos nas coxas. Fechei os olhos e me inclinei para frente, repousando a cabeça nele. Suspirei, nunca tão contente por estar viva.
Destacando a euforia e o prazer que sempre se seguia, parte de mim sempre se incomodou um pouco com essa posição. Mas alguma coisa era diferente esta noite.
Nunca acreditei que eu fosse naturalmente submissa, apesar do que Blake talvez quisesse ou precisasse que eu fosse para ele. Eu sempre estaria lá quando houvesse uma luta que valesse a pena.
Eu não era submissa… mas estava apaixonada.
Profunda e irrevogavelmente apaixonada. E eu era o presente de Blake de um jeito que nunca fui antes. E ele era o meu. Eu não tinha dúvidas disso.
Agora tudo que eu queria era a força das mãos dele em mim, seu corpo forte me dando o prazer que só ele conseguia. Eu queria sentir a dominância do toque dele e, com minha submissão, dar a ele o que ele precisava e o que eu ansiava.
— Esta noite, não, Erica.
Ergui a cabeça, fitando-o.
— Eu fiz você sofrer um monte, lembra?
Ele se abaixou, os joelhos tocando o chão, à minha frente.
— Não importa. Eu já perdoei você. Você merece mais do que eu indo embora e deixando você falando sozinha como naquele dia. — Ele me deu um beijo carinhoso. — Me perdoe.
— Só se você fizer amor comigo — sussurrei.
CAPÍTULO 11
BLAKE
Eu a queria demais. queria tudo que ela estava me oferecendo. Eu reivindicava a boca dela agora com movimentos profundos, da mesma forma que eu queria reivindicar as profundezas do corpo dela, tão desavergonhadamente fundo que ela ainda estaria me sentindo amanhã. Nossas mãos vagueavam. Nossas bocas se moldavam calorosamente uma à outra. Me levantei e a carreguei até a cama. Ocupando o espaço entre as coxas dela, eu subi nela.
Nossos membros se entrelaçaram um no outro, apertando e querendo mais. Fechei os olhos e a senti em volta de todo meu corpo. O toque suave dela ficou impaciente. Meus quadris se projetaram bruscamente na direção dos dela com a sensação de suas unhas escorregando pelas minhas costas.
— Caralho, que inferno.
Soltei a testa no travesseiro ao lado dela.
— Qual o problema?
Qual era o problema, afinal? Eu não conseguia tirar da cabeça o fato de que ela estava grávida. Era esse o problema. Visualmente, nada tinha mudado, mas saber que ela estava grávida, carregando o que talvez fosse nossa única chance de ter um filho juntos, freou todos os meus desejos ardentes. De repente, nada era tão importante quanto aquilo, e fodê-la como uma besta feroz não era algo que eu ia arriscar se pudesse machucá-la em qualquer sentido.
Ela ficou me olhando, na expectativa.
— O que foi?
— Tenho medo de machucar você — admiti, finalmente.
Ela se encolheu.
— Me machucar?
— Foder você com força demais. Sei lá… Machucar o bebê, eu acho.
Ela sorriu.
— Você é bem-dotado, Blake, e isso é maravilhoso, mas eu prometo que você não vai machucar o bebê.
Fiquei olhando para ela, querendo acreditar nisso.
— Não tenho tanta certeza assim.
— Você tem feito amor comigo há semanas e eu estou bem.
— Não consigo me controlar. Você sabe disso tanto quanto eu.
Meus pensamentos vaguearam enquanto eu descia os olhos pelo peito dela, fitando a curva de seu seio. Quando imaginei envolver aquele nódulo rosado com os dentes, uma onda de sangue fez crescer meu pau, que já latejava.
Ela me empurrou para eu me deitar e montou em mim. Por mais atraente que aquela vantagem fosse, eu ainda não estava no estado de espírito certo.
Meu foco e minhas mãos foram direto nos seios maravilhosos dela. Quem dera eu pudesse possui-la do jeito que eu queria…
Ela girou os quadris em cima de mim, esfregando o algodão úmido da calcinha em mim. Um grunhido frustrado escapou dos meus lábios. Aquela calcinha precisava sair de cena…
— Isso não está ajudando nem um pouco.
Tudo que eu queria era sentá-la com tudo no meu pau.
Os olhos dela brilharam e seu lábio inferior desapareceu dentro da boca.
— Por que tenho a sensação de que você quer me foder como um animal selvagem agora?
Isso era um eufemismo para o que eu queria fazer. Eu queria deitá-la no meu joelho e bater na bunda dela até ela gritar. Queria arrastar os dentes pela pele dela e senti-la tremer sob o limiar da dor. Queria arregaçá-la e fodê-la bem fundo. Em sua boca, naquela bocetinha deliciosa e qualquer outro lugar que ela permitisse. Animais selvagens não eram, nem de longe, tão depravados quanto eu.
— O problema é exatamente esse. Não confio em mim mesmo e você também não deveria confiar.
Ela se deitou em cima de mim, peito contra peito. Pele macia, doce, paradisíaca.
— Confio que você vai me dar exatamente o que eu preciso. Você conhece meu coração e meu corpo melhor do que qualquer outra pessoa. É isso que faz de você meu marido e não uma besta selvagem.
Prendi a respiração, repetindo o que ela tinha dito na minha cabeça. O sangue trovejava alto nos meus ouvidos, enviando calor e desejo direto do meu coração para cada membro.
Ela entrelaçou nossos dedos e raspou os lábios nos meus.
— Eu gosto de você um pouquinho selvagem também. Sei do que você precisa, Blake. Agora me dê o que eu quero.
Eu quis fazer amor com ela no segundo em que a vi. Droga, essa era uma batalha perdida.
Sem pensar em mais nada, eu a deitei de costas de novo e não perdi um segundo sequer em tirar sua calcinha. Me foquei no tufo de cachos acima da boceta lisinha dela. Minha boca salivou e eu imaginei passar a língua por toda aquela pele macia, mergulhando no mel delicioso logo abaixo. Por mais que eu quisesse isso…
Meu olhar faminto foi de encontro ao dela. O peito dela se erguia com os respiros pesados. Ela se movia agitadamente e eu sabia exatamente o que ela queria.
Segurei o quadril dela e a posicionei debaixo de mim. Eu mal podia esperar para estar dentro dela. Pressionei o pau nos lábios da boceta dela e afundei nela.
Ela afundou as unhas no meu antebraço e se curvou com um ofego. Cerrei o maxilar com força. Uma vozinha distante me dizia para ser gentil, enquanto o que eu queria era meter nela com toda força. Obedeci, decidido a satisfazê
la esta noite e trancafiar o animal que queria coisas ferozes e brutas. Eu o libertaria outro dia.
Quando ela se deitou novamente, capturei os lábios dela.
— Perfeita — sussurrei.
Ela tremeu de leve, seus olhos nebulosos e liquefeitos. Eu adorava a redenção que se espalhava pelos traços dela quando as últimas barreiras entre nós desapareciam — quando eu era parte dela e quando ela se apossava de mim. Eu recuava apenas para reivindicá-la de novo, lentamente, me demorando, raspando meu pau no emaranhado sensível de nervos dentro dela. A maneira firme como o corpo dela me apertava me dizia que ela tinha razão. Eu conhecia o corpo dela. Sabia de todos os seus segredos.
Eu a amava daquele jeito, centímetro a centímetro. Investida a investida.
Com tanto calculismo e constância que quase perdi a cabeça.
Nossas mãos se uniram, apertando-se. Ela se agarrou em mim, segurando-se durante o orgasmo que eu podia sentir crescendo com cada gemido desamparado, cada contração trêmula. A pele corada, meu nome em seus lábios… Ela estava perto. Eu podia ter me aliviado com ela, mas, de alguma forma, em meio ao borrão do meu desejo, me contive. Eu queria dar a ela uma noite de prazer, não um êxtase rápido.
Ergui os quadris dela, indo de encontro aos seus movimentos, atingindo aquele pontinho escondido dentro dela repetidamente. A boceta dela tremeu com espasmos que se equiparavam aos gritos dela.
— Entregue-se, Erica — falei tão empenhado na escalada dela que quase me esqueci da minha própria.
— Quero gozar com você.
Meu peito ficou apertado e meu pau latejante me relembrou do quanto eu também queria me entregar. Ficamos longe por tempo demais. Emergiram tantas emoções em mim durante a ausência dela que, de repente, tudo estava tomando conta.
— Erica.
Me contive para controlar a necessidade quase violenta de meter nela rápido e forte. Eu quase conseguia sentir o gosto do êxtase.
As paredes internas dela me apertaram. Suas unhas marcaram meu peito.
Tudo ficou vermelho e o som que explodiu de mim ecoou nas paredes, pontuado pelo grito agudo e desafinado de Erica.
***
ERICA
Acordei com o calor de Blake me envolvendo toda. Me espreguicei, arqueando-me contra o contorno do corpo dele. Me virei e o encontrei já vestido. O cheiro de café persistia nele.
— Bom dia — disse ele.
Sorri. Ele parecia melhor. E eu com toda certeza me sentia melhor.
Brinquei com o cabelo dele, amarrotando-o do jeitinho que eu gostava.
— A noite passada foi incrível.
Uma ruga de preocupação se formou entre as sobrancelhas dele.
— Como você se sente?
Cataloguei mentalmente o feedback físico do meu corpo. Todos os dias pareciam ser um pouquinho diferentes, e agora que eu sabia que estava grávida, eu entendia o porquê.
— Fora estar incrivelmente cansada, o que parece ser minha nova realidade, estou ótima.
Ele repousou a mão nas minhas costelas, deslizando as pontas dos dedos até meu umbigo. Ele não poderia ter expressado o que estava pensando com mais clareza. Imobilizei a mão dele.
— Blake, é sério. Estou bem.
— Só estou perguntando.
O tom de voz dele era inocente, mas eu não era boba.
— Vou ter que te amarrar toda vez que quiser abusar de você?
Ele me lançou um olhar sombrio.
— Tenho certeza de que isso não será necessário.
Dei um sorriso malicioso, uma nova ideia se formando na minha mente.
— Não sei, não. Se você fica tão preocupado assim em me machucar, talvez a única escolha seja deixar que eu assuma o controle até você não se preocupar mais.
— Engraçadinha — murmurou ele, secamente.
— Eu não estava tentando ser engraçada.
Fingi estar falando sério, mas ele não estava caindo.
— Acho que você sabe que não consigo fazer isso.
O tom dele era ilusoriamente calmo, suas palavras incontestavelmente claras.
— Não consegue ou não quer? — desafiei.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Os dois. Tenho bastante certeza de que já estabelecemos que amarras são um limite complicado para mim.
Virei para o lado e deslizei a mão por debaixo da camiseta dele, admirando as cristas tonificadas que guiavam para uma protuberância leve debaixo da calça jeans.
— Mas ser dominado não é tão ruim assim, Blake. Pode ser divertido, em doses pequenas.
— Todos os meus instintos gritam “não” quando você diz coisas assim. Me parece uma receita para o desastre.
Sorri, estalando a língua provocativamente.
— O que eu faço com você, Blake?
Ele apertou os lábios e me içou para cima dele possessivamente.
— Consigo pensar em algumas possibilidades.
Fiquei quente sob o olhar acalorado dele.
— Eu também. Agora é só uma questão de convencer você.
Salpiquei pequenos beijinhos ao longo do maxilar dele, chupando o lóbulo da orelha dele para dentro da minha boa com uma mordida leve. Ele gemeu, erguendo os quadris para que sua ereção se conectasse direitinho com o meu clitóris. Eu ainda estava nua e extremamente sensível. Se ele não tomasse cuidado, precisaria de uma calça nova.
O calor aflorou pela minha pele e lembranças da noite passada me seduziram lentamente. Talvez convencê-lo de que ele não precisava se conter não seria tão difícil assim. Já estávamos a segundos de arrancar as roupas um do outro.
Só que na última vez em que eu tinha ousado na cama, Blake tinha ficado inegavelmente aturdido. Mas ele também não estava esperando que eu fosse amarrá-lo no meio da noite.
— Eu deixei você às cegas na última vez. Me dê mais uma chance.
Ele me dispensou com uma risada curta, que só me fez querer reforçar meu ponto de vista ainda mais.
— Ouça, você está sempre controlando o meu prazer.
— E você adora — retrucou ele.
— Sim. Mas estaria mentindo se dissesse que não penso em dar o mesmo a você. Não se trata apenas de querer estar no poder, você sabe. As coisas que fazemos… Você dá mais do que recebe.
— E daí? Está dizendo que quer trocar?
Me endireitei e dei de ombros.
— Talvez.
A objetividade da pergunta dele enviou uma onda de calor às minhas bochechas. Eu gostava da ideia de assumir o controle mais vezes que o esperado.
— E como se… daria essa… dominação?
Ele colocou os braços atrás da minha cabeça com um sorriso irresistível.
— Bem, você não é exatamente o que eu chamaria de obediente. Então vamos ter que passar por um treinamento ferrenho para você aprender qual é o seu devido lugar.
— E onde seria?
O tom dele era grave, sua voz vibrando pelo meu corpo.
Emiti um ruído apreciativo e me aproximei dele novamente.
— Debaixo de mim — sussurrei contra os lábios dele, deslizando a mão pelo pau dele, agora bem duro. — A não ser que você queira que seja outro lugar, claro.
Ele grunhiu e ergueu os quadris na direção do meu toque desejoso.
— Estou debaixo de você agora. Parece que preciso ser recompensado.
— Não seja ganancioso.
Sorri para mim mesma, ciente de quantas vezes ele tinha me acusado da mesma coisa. Ele só era paciente quando se tratava de me provocar. Quando o próprio desejo de Blake estava em jogo, a postura dele podia mudar muito.
Ele estreitou os olhos.
— Criei um monstro.
— Pode me chamar de Mestre — brinquei, com um sorriso tímido.
Ele riu de novo.
— Acho que Mestra é mais apropriado nesses casos.
— Pode ser que eu goste de como isso soa.
Parte de mim não conseguia acreditar que estávamos tendo essa conversa, mesmo que ele só estivesse de brincadeira comigo. Mas também, eu estava em casa menos de 24 horas depois da minha missão guiada a hormônios em que conversei com Michael e ensinei a Blake o que se tornaria uma lição dolorosa. Quem sabia o que ele estava realmente pensando?
O olhar perambulante dele o denunciou, contudo.
— Estou intrigado. Quando será a primeira lição?
— Talvez esta noite, mas só se você se comportar direitinho — falei, suavemente.
Eu não fazia ideia do que estava fazendo, mas poderia ser divertido se ele deixasse ter alguma continuidade.
Ele soltou as mãos e as subiu e desceu pelas minhas coxas preguiçosamente.
— Está dizendo que vai me mandar para o trabalho com visões na minha cabeça de você cavalgando em mim a noite toda?
Franzi a testa.
— Você vai trabalhar hoje?
Tínhamos conseguido manter uma trajetória de sucesso em resguardar os fins de semana só para nós. Especialmente depois das semanas loucas que tivemos, eu achava que merecíamos uma folga agora mais do que nunca.
— Eu ia me encontrar com o Gove para discutir a questão do Trevor.
— Ah — falei, baixinho.
Eu não podia argumentar contra isso. Todo estresse que ainda resistia começou a se dissolver quando senti que estávamos nos movendo na direção certa. Finalmente.
Relutantemente, saí de cima de Blake e me arrumei para o dia. Descemos até o térreo e comecei a preparar uma caneca de chá para mim mesma. Blake apareceu atrás de mim e me deu um beijo no pescoço antes de assumir o controle.
— Eu cuido disso. Vá se sentar.
— Você está me mimando — murmurei, sentando-me à ilha central.
— Melhor você se acostumar com isso. O que você quer de café da manhã?
Franzi o nariz. Meu estômago ainda estava um frenesi.
— Não estou com fome.
Blake pressionou os lábios de um jeito que me disse que ele não estava contente com aquela resposta.
Ele pigarreou, foi até a geladeira e pegou umas frutas cortadas e um pote de iogurte.
— Enquanto você dormia, eu marquei uma consulta médica para você.
— Você escolheu um médico sem mim?
— A dra. Henneman é a melhor obstetra da cidade e você vai ter o melhor para isso. Não é algo aberto a discussões.
Qualquer vulnerabilidade que vislumbrei nos olhos dele antes foi rapidamente substituída. Eu não sabia ao certo quando houve a mudança na balança de poder, mas ela aconteceu.
Revirei os olhos.
— Estou vendo que você voltou ao banco do motorista.
— Quando se trata da sua saúde, nunca vou sair dele. Com tudo que o seu corpo passou, quero que você e o bebê tenham os melhores cuidados.
O bebê. A maneira como ele disse aquilo parecia tão segura. Com todas as probabilidades contrárias a nós, eu tinha dificuldades em me convencer de que, de alguma forma, em nove meses, eu teria um bebê em meus braços.
Mesmo assim, busquei aquela fé que tinha prometido a Blake lá nas ilhas. Eu acreditaria até que alguém nos dissesse o contrário.
— Está bem.
— A consulta é na segunda-feira. Fiz os funcionários dela que trabalham em horário não comercial ligarem para ela para confirmar.
Tomei um gole de chá.
— Você vem comigo?
— Vou estar com você em cada passo do caminho. Prometo. — Ele colocou uma pequena tigela de frutas vermelhas e melão cortados cobertos com um bocado de iogurte à minha frente. — Agora tente comer um pouco, por favor.
CAPÍTULO 12
ERICA
Eu estava pensando em como iria passar o resto da manhã sem Blake quando Alli ligou.
— Oi. Queria ver como você está e saber se está tudo bem.
Sorri.
— Sim, estamos bem.
Ela soltou um suspiro.
— Graças a Deus. Odeio quando vocês dois estão brigados.
Senti uma nova onda de culpa agora que eu estava do outro lado e tinha visto como Blake ficou chateado. Eu não conseguia imaginar o que ele fizera Heath passar sem saber onde eu estava.
— Me desculpe, Alli. Eu não devia ter envolvido você nisso.
— Tudo bem. Você precisava do meu apoio e é para isso que estou aqui.
Fico contente que as coisas tenham se resolvido.
— Sim. Está tudo melhor entre nós.
— Ótimo. Bem, vou deixar vocês voltarem a fazer as pazes.
— Na verdade, Blake está na cidade se encontrando com o advogado. Só estou matando tempo.
Ela emitiu um ruído apreciativo.
— Está a fim de uma compraterapia? Preciso reabastecer o guarda-roupa agora que está ficando friozinho.
— Claro — respondi, gostando da ideia.
Uma hora depois, eu estava na Newbury Street, fuçando as lojas com Alli.
Conversamos e rimos, uma consultando a outra sobre o que comprar quando não conseguíamos decidir entre duas coisas. Comprei mais do que esperava, considerando que tínhamos saído para reabastecer o guarda-roupa de Alli, não o meu. Mas depois de um mês no exterior com Blake sem poupar gastos, eu estava lentamente me acostumando com o seu padrão de vida bem mais alto. Saber que eu estava gastando o meu dinheiro, e não o de Blake, era um argumento a meu favor. O lucro da venda do Clozpin me deu muita liberdade financeira e eu não precisava mexer na nossa conta conjunta para qualquer coisa que não fosse emergência. Blake podia discutir, mas eu rebatia seus argumentos. Eu ainda valorizava minha independência financeira e o fato de que eu a tinha conquistado.
Depois que Alli e eu passamos algumas horas fazendo compras, fomos a um restaurante mediterrâneo para almoçar. O enjoo de mais cedo passou e agora meu apetite voltou, vingativo. Devoramos uns aperitivos que deram uma enganada na fome.
Alli tomou um gole de vinho. A luz dançava na bebida e reluziu em uma gema vermelha dependurada em uma corrente grossa em torno do pescoço dela.
— Que lindo. É novo?
Ela tocou no colar de leve com os dedos.
— Sim, Obrigada. Heath me deu há um tempinho. Mas eu acho que é chique demais para usar no trabalho, então provavelmente por isso você ainda não tinha visto.
Bom gosto, pensei, mas aí me perguntei se ele teria dado o colar a ela para se desculpar por alguma outra coisa. O relacionamento deles nem sempre fora estável, mas desde que ele voltara da reabilitação, eles estavam incrivelmente sólidos. Estavam inseparáveis no casamento. Eu vi as estrelinhas inconfundíveis nos olhos dela enquanto eles dançavam e uma pequena parte de mim torcia para que a mágica do nosso dia talvez inspirasse Heath a querer dar o próximo passo com Alli. Eu sabia que ela estava pronta.
Talvez ele também estivesse.
— Como estão as coisas entre vocês dois?
— Estamos bem. As coisas ficaram um pouco conturbadas depois que eu e você saímos do Clozpin, mas agora estamos bem. Melhor que nunca.
Olhei para meu guardanapo e me perguntei se Sophia teria algo a ver com aquilo. Fui eu que avisei Alli sobre a possibilidade da história não tão inocente de Heath com Sophia. Eu esperava genuinamente não ter causado uma briga entre eles, mas depois de tudo que Sophia tinha feito nós duas passarmos, achei que ela deveria saber a verdade — ao menos o que eu sabia. Apenas Heath e Sophia conheciam a história inteira.
— Vocês chegaram a conversar sobre a Sophia?
Ela confirmou com a cabeça, comendo sua salada em silêncio.
Eu imediatamente me senti uma idiota por verbalizar meus pensamentos.
— Desculpe, Alli. Eu não queria me intrometer. Isso é entre vocês dois.
Ela deu de ombros.
— Tudo bem. Não estou tentando esconder nada de você, na verdade. É só que… Se Blake souber, acho que as coisas entre eles dois ficariam constrangedoras. Não quero isso, assim como você.
Fiquei com raiva de Sophia na época por causa de Alli. Ela não tinha apenas perdido o emprego para aquela megera, mas também encarar o fato de que ela tinha dormido com Heath. Se Alli se sentisse só um pouquinho como eu me sentia ao saber que Sophia amou Blake — e muito provavelmente ainda amava —, certamente era uma dor forte.
— Você não precisa me contar nada se não quiser, mas pode ter certeza de que estou farta de deixar que a Sophia foda com as nossas vidas. Ela já causou estrago suficiente. De alguma forma, ela sempre encontra uma maneira de descontar em mim, mas cansei de permitir que ela faça isso. Jurei no dia em que deixamos o Clozpin que aquela seria a última vez.
Alli soltou um suspiro pesado.
— Bem, a verdade é que depois que ela me chutou da empresa, eu confrontei Heath. Dei a entender… certo, talvez tenha sido um pouco mais que isso… que eu sabia que talvez houvesse mais que amizade entre eles. Eu disse a ele que queria a verdade, mesmo que doesse ouvi-la.
As sobrancelhas dela se uniram enquanto ela olhava pela janela.
— O que ele disse?
Ela se virou novamente e seu olhar encontrou o meu.
— Ele não negou. Ponto para ele.
— Eles dormiram juntos?
Ela confirmou com a cabeça, incapaz de mascarar o nojo.
— Uma vez. Eles estavam em uma festa com uns amigos em comum.
Chapados, é claro. Blake estava viajando, então ele nunca soube.
De repente, odiei Sophia mais uma vez.
— E isso porque ela afirmava que o amava…
— Supostamente, o relacionamento deles estava em frangalhos. Uma coisa levou à outra. Drogas e álcool. Decisões ruins foram a consequência. Ele nunca admitiu para o Blake porque não queria magoá-lo, especialmente depois de tudo que Blake tinha feito por ele. Acho que ele sempre achou que a Sophia usou a amizade deles para se manter próxima a Blake.
— Não duvido nada. Ela não desistiria de Blake.
Sophia provou isso com seu comportamento desprezível comigo.
— Mesmo em seus piores momentos, Heath tem um coração bom. Acho que ele foi legal demais ao continuar falando com ela. Mas é claro que não teve mais notícias desde que Blake cortou as ligações com a empresa dela.
Sem ressentimentos.
Ainda bem que Sophia sumiu das nossas vidas há meses. Eu torcia para que ela tivesse desistido de tentar conquistá-lo de volta. Blake e eu estávamos casados, com um bebê a caminho agora. Eu odiava o fato de uma parte do passado dele pertencer a ela, mas ao menos o futuro dele era meu. Disso eu tinha certeza.
— Você gostaria de não saber? — perguntei.
— No começo, sim. Fiquei chateada, é claro. Já passamos por coisas demais. Eu não queria pensar nele com outras mulheres, especialmente aquela que me demitiu do nada. Fiquei furiosa e tão arrasada quanto você.
Mas é a vida. Não tem por que viver no passado quando temos um futuro incrível à nossa frente.
Concordei e uma sensação calorosa me inundou. A felicidade deles sempre teve esse efeito em mim. As bochechas dela coraram e ela olhou para além de mim.
— O quê?
— Nada — respondeu ela.
Alguns segundos se passaram e aquele sorriso misterioso não deixou os lábios dela.
— Alli, mas que merda! Desembuche.
Ela sacudiu a cabeça.
— Deus, não acredito que vou te contar isso. — Ela inspirou fundo e expirou apressadamente. — Estamos pensando em viajar para casar escondido.
Meu queixo caiu.
— Está falando sério?
— Meus planos de casamento não são exatamente um segredo, você sabe.
Temos conversado sobre dar o próximo passo e essa é meio que a nossa tendência.
— Supus que vocês estivessem conversando sobre isso, mas não fazia ideia de que vocês iriam fugir sem contar para ninguém. Isso é loucura!
Ela deu de ombros com um sorriso.
— Sei lá. Quanto mais penso no assunto, mas romântico eu acho que seria.
Além do mais, eu meio que extravasei boa parte dos meus planos de casamento com o seu. Você foi tão tranquila. Acabei usando metade das minhas ideias com você.
Fiz um biquinho.
— Ah, sinto muito.
Ela riu.
— Não sinta. Me diverti muito, foi um casamento lindo. Nunca vou esquecer e não tenho arrependimento absolutamente nenhum. Você merecia um dia incrível, e eu fiquei supercontente de fazer parte dele da maneira que fosse possível.
Alli deu um sorriso caloroso e eu sabia que ela estava sendo sincera. Blake e eu tínhamos namorado aquela ideia também, mas eu sabia que a família dele queria o casamento e ficaria triste de não comparecer. E quando o dia chegou, fiquei feliz por nossa escolha também. Alli e Fiona fizeram um trabalho impressionante planejando tudo enquanto eu estava me recuperando. Não faltou nenhum detalhe e o dia foi recheado de centenas de momentos especiais e toques bem-pensados graças a elas. Mesmo reclamando da possibilidade de um grande casamento nos meses anteriores, uma parte pequenina de mim queria aquilo para Alli também. Mas, no fim das contas, eu queria o que ela queria. Meu papel como sua melhor amiga era apoiá-la do mesmo jeito que ela tinha me apoiado, não importando o que ela decidisse.
— E o Heath também embarcou nessa ideia?
— Sim. Quero dizer, ele é supertranquilo com relação a tudo. Casar escondido é mais o estilo dele. Em um primeiro momento, eu fiquei meio chateada quando ele apresentou a ideia. Queria que ele me pedisse em casamento, sabe? Queria a surpresa, um belo diamante, o vestido branco e a festona. Todas aquelas coisinhas com as quais eu sempre sonhei. — Ela meneou a cabeça. — Sei lá. Acho que finalmente percebi que a vida nem sempre precisa seguir uma ordem. Passei metade da minha vida planejando o casamento perfeito com uma pessoa que eu ainda não conhecia. É meio ingênuo pensar que nós automaticamente iríamos querer as mesmas coisas.
— Tenho certeza de que ele lhe daria um casamento grande e tradicional, se for o que você quer.
— Sei que iria. Mas, sinceramente, quanto mais eu penso nisso, mais parece que o melhor é que sejamos só nós dois.
Quaisquer dúvidas que eu tinha com relação a esse possível casamento escondido derreteram rapidamente. Eles se amavam, com sorte com a mesma paixão única que Blake e eu compartilhávamos. De repente, nada pareceu mais romântico do que selar esse amor entre eles, só entre eles, as duas pessoas mais importantes no salão.
— Parece bem romântico, Alli. Sendo egoísta, vou ficar triste em perder, mas sei que vai ser maravilhoso.
Ela sorriu.
— Vamos tirar fotos. Muitas fotos.
Segurei a mão dela em cima da mesa, extremamente grata por tê-la em minha vida. Quando ela foi morar em Nova York meses atrás, fiquei preocupada que a nossa amizade esmaecesse com a distância. As circunstâncias nos reuniram novamente e, agora, o amor nos manteria uma na vida da outra para sempre.
— Vamos ser irmãs. Consegue acreditar nisso?
Ela apertou minha mão, seus olhos brilhando.
— Você sempre foi como uma irmã para mim, então só posso dizer que oficializar isso vai ser um bônus adicional.
— Você sempre foi minha família, Alli. Mesmo quando eu não tornei as coisas muito fáceis para você.
Ela apertou os lábios.
— Você é bem temperamental, mas eu meio que amo você por isso.
Me recostei na cadeira e refleti sobre aquela afirmação. Será que eu era temperamental? Eu preferia enérgica, mas talvez os hormônios que tomavam conta do meu corpo tivessem me deixado de pavio mais curto e alterado meu poder de decisão. Eu não estava totalmente convencida, mas tinha certeza de que Blake provavelmente teria muito a dizer a respeito disso, em vista dos acontecimentos recentes.
— Tenho certeza de que Blake concordaria, mas ainda bem que ele perdoa com a mesma facilidade que você.
Sua expressão suave se tornou mais séria.
— Como foram as coisas quando você chegou em casa?
Relembrei a noite anterior. Eu sabia que ir para casa e explicar minha ausência para Blake não iria ser fácil, mas eu tinha sentido uma saudade absurda dele. Tínhamos tanto o que conversar, tantas coisas para resolver.
Meu coração se partiu quando o vi sentado sozinho à mesa. Letárgico, olhando para o nada. Aí, de repente, ele voltou à vida quando me viu. Lembrar dele tão magoado e cansado fazia meu peito doer novamente e eu esfreguei a dor nele.
— Foram intensas, como sempre. Às vezes, não é sempre fácil, para nós dois, concordar com tudo, especialmente quando se trata de assuntos sobre os quais temos opiniões fortes. Ele é muito teimoso e, para ser sincera, eu também.
— Bem, tenho certeza de que vocês resolveram tudo, de um jeito ou de outro. Parece que você não dormiu muito.
Ela piscou.
Um sorriso cutucou meus lábios.
— Está tudo melhor. Conversamos do jeito que devíamos ter feito antes de eu viajar. Nós… fizemos as pazes.
— E?
Alli ergueu uma sobrancelha.
Eu nunca conversei com ela sobre os detalhes de minha vida sexual com Blake, especialmente depois que ela começou a pegar o irmão dele. Parecia…
estranho. Nós discutíamos nossos casos antigamente, mas eu sempre estive envolvida demais no meu relacionamento com Blake para entrar em detalhes.
Sem contar que muitos dos detalhes provavelmente seriam ilegais em alguns lugares. Eu não tinha certeza de que metade das coisas que fazíamos no quarto não iria apavorar completamente a minha melhor amiga. Mas, talvez, hoje fosse o dia para confidências.
— Acho que toda essa coisa de gravidez o deixou nervoso. Ele não sabe o que fazer comigo — falei, esperando manter as coisas simples.
Ela emitiu um ruído compreensivo e deu batidinhas nos próprios lábios com o dedo. Alguma travessura iluminou seus olhos.
— Talvez ele precise de motivação.
— Pode ser maluquice, mas você parece inspirada.
Eu não conseguia nem imaginar o que ela estava pensando.
— Pode ser que eu esteja. Acho que temos que passar em mais algumas lojas.
***
BLAKE
Entrei no sports bar a algumas quadras do Fenway Park e dei uma olhada em volta. Dean estava no balcão, olhando para os televisores. Ele estava com trajes casuais, de jeans e camisa de time. Um boné de beisebol surrado sombreava seus olhos. Me sentei no banco ao lado dele.
— Cadê o terno?
Ele olhou para mim.
— Sábado casual. Além do mais, vou levar as crianças ao jogo hoje à tarde.
— Desculpe. Eu não queria privar você do tempo com a sua família.
Provavelmente pela primeira vez na vida, eu estava falando sério. Eu era notavelmente movido pelo trabalho, especialmente com questões que requeriam o expertise de um advogado. Mas em poucos meses, eu iria passar cada minuto livre com nossa nova e pequena família.
Essa realidade me atingiu com força. Tudo iria mudar.
Dean limpou a garganta, descarrilando meus pensamentos.
— Sei que sou uma das suas pessoas preferidas e tudo mais, mas a que devo esse prazer?
Olhei para os televisores, que estavam transmitindo outro jogo. Eu não estava pronto para mergulhar direto na confissão que tinha escondido dele pelos últimos anos. Parecia estranho pensar, mas Dean era um dos meus amigos mais próximos. Apesar de quase nunca interagirmos fora do ambiente corporativo, ele me conhecia melhor do que a maioria. As circunstâncias exigiam que fosse assim.
— Sabe o que é engraçado? Toda vez que eu vejo você, é porque alguma coisa saiu dos eixos na minha vida. Você tem sorte por eu não culpá-lo por isso.
Ele riu.
— É você que vive se metendo em confusão. Não eu.
— Não dessa vez.
Ele olhou para o bar e girou o porta-copos.
— Então, o que aconteceu? O que saiu dos eixos agora?
— Alguma novidade quanto ao Evans?
Eu queria saber a resposta, mas ainda estava ganhando um pouco de tempo. Eu não tive notícias de Dean durante a viagem da Erica. Não que eu fosse me importar com qualquer coisa que ele tivesse a dizer.
— Não que eu saiba. Espero que, entre ele a polícia, eles estejam estagnados com o que têm. Mas o Comitê Eleitoral fez uma recontagem. O oponente de Fitzgerald será o governador. Ele não deu nenhuma declaração na sexta, depois que fizeram o anúncio, contudo. Vamos ver o que ele tem a dizer, se for o caso, na semana que vem.
A satisfação tomou conta de mim. Sei que Erica teria sentimentos conflitantes quanto àquilo, mas nada era conflitante com relação à minha vontade de que Daniel sentisse o peso daquela perda. Eu queria que ele o sentisse por completo e pelo maior tempo possível. Ele não me parecia o tipo de pessoa que lidava bem com a derrota, assim como eu.
— Ele provavelmente queria aproveitar o fim de semana para assimilar a notícia — falei, por fim.
— Sem dúvidas. Tenho certeza de que o mundo dele está virando de cabeça para baixo. Espero que isso não complique as coisas para o nosso lado.
Eu não conseguia imaginar qual seria o próximo passo de Daniel depois de uma humilhação tão pública, mas Dean estava certo em se perguntar se aquilo afetaria a minha situação atual.
— Eu queria conversar com você sobre a eleição, na verdade.
Ele respondeu com um aceno curto de cabeça, sem dúvidas esperando por outro tipo de confissão.
— Sei quem manipulou as urnas.
Ele me deu uma olhada perplexa.
— Como é que é?
— Não posso realmente provar que foi ele e por isso nunca toquei nesse assunto com você antes.
Ele se virou no banco e me fitou furioso.
— Você sabe quem é a pessoa que está por trás disso e nunca tocou nesse assunto, porra?
Ignorei a reação dele e comecei a detalhar tudo. Do meu primeiro encontro com as autoridades, quando eu era adolescente, do qual ele já sabia ou tinha ouvido falar de boa parte, passando pelos anos de artimanhas persistentes do Trevor, até sua parceria generalizadamente nociva com Max.
A expressão de Dean se transformou de agitada em cética, uma qualidade que eu valorizava e pela qual eu o pagava bem.
— Parece que ele já tem um belo histórico interferindo nos seus empreendimentos computacionais. Você realmente acha que esse moleque manipulou uma eleição estadual?
— Quando ele cansou de mexer nos meus sites e no de Erica, fechou uma parceria com Max e uma das ex-colegas dela para criar um site concorrente.
Um trabalho fajuto, é claro. Resolvi o problema facilmente e aí ele desapareceu de novo. Sumiu do mapa. Até agora. Parece que ele está apostando mais alto e está fazendo com que seja bem difícil localizá-lo, porque o FBI está de olho em mim.
— Então você tem lidado com ele há anos, praticamente desde que nós nos conhecemos, e nunca me contou?
Depois de pôr tudo para fora, eu não conseguia acreditar em quanto tempo eu deixei isso nas sombras. Heath tinha razão. Erica também. Trevor precisava ser contido, de um jeito ou de outro.
— Achei que não valia a pena brigar. Até agora.
— Cacete. — Ele ergueu o boné e coçou a testa. — Certo. Então como nós o encontramos e tiramos Evans do seu pé?
— Primeiro preciso provar que foi ele. Segundo, preciso encontrá-lo. Ele é anônimo, em todos os sentidos da palavra.
— O que isso significa? Todo mundo tem um rastro.
— Para todos os efeitos, ele é irrastreável. Erica o encontrou uma vez, e aí ele desapareceu de novo.
As sobrancelhas dele se ergueram.
— Erica o encontrou?
Revirei os olhos.
— Eu não estava procurando por ele. Ela estava. Tenho certeza de que se tivesse me esforçado um pouco mais, eu o teria rastreado.
Ele não conseguiu esconder bem o sorriso irônico.
— Claro. Enfim, como ela fez isso?
— Ela descobriu que a mãe dele estava morando na região. Ela o confrontou, sem a minha permissão, devo acrescentar, e as coisas esquentaram. Ela foi embora e a próxima coisa que sabemos é que Trevor e a mãe se mandaram sem endereço fixo.
— Se soubermos a identidade dela, já é alguma coisa. Um começo, pelo menos.
— Verdade. Só preciso dar uma fuçada.
Os olhos de Dean se arregalaram.
— Não. Nada de fuçar, Blake.
— Tenho pessoas que talvez estejam dispostas a ajudar. O rastro não vai apontar para mim.
— É melhor que não aponte mesmo. — Ele meneou a cabeça. — Cara, você vai me causar uma úlcera.
— Se você já não tiver uma, não está trabalhando o suficiente.
Ele soltou uma risada curta, sua ansiedade diminuindo um pouquinho.
— Fico muito feliz em saber que a minha qualidade de vida significa tanto para você, depois de uma década às suas ordens. — Ele pegou o celular e fez algumas anotações. — Certo. Faça as suas pesquisas com muito, muito cuidado. Vou fazer as minhas também. Me conte o que você descobrir e podemos decidir como tocar no assunto com o Evans. Não acho que simplesmente soltar o nome de um agressor virtualmente desconhecido vá fazer alguma coisa além de triturar os miolos dele.
— Exatamente o que eu pensei.
Meu celular bipou com uma mensagem.
E: Quando você vai para casa?
B: Terminando agora. Chego em mais ou menos uma hora.
E: Me espere na sala de estar.
Hesitei, imaginando o que ela poderia estar tramando para esta noite. Eu não levei as provocações desta manhã muito a sério. Erica tinha a mania de querer assumir o controle até eu a fazer implorar para ser dominada de novo.
Mas talvez houvesse mais do que uma mera brincadeira por trás da proposta dela. Talvez ela compartilhasse das minhas preocupações. Talvez ela tivesse razão. Fiquei inquieto e excitado ao mesmo tempo.
B: Devo ficar preocupado?
Meu dedo ficou pairando sobre o botão de “enviar” por um minuto. Eu não tinha certeza se queria a resposta dela para aquela pergunta. Finalmente, enviei. Quando Dean terminou sua cerveja, a resposta dela chegou.
E: Apavorado.
Safadinha do cacete.
CAPÍTULO 13
ERICA
A voz de blake ecoou pelo grande saguão.
— Cheguei!
Meu coração batia a uma velocidade vertiginosa. Estiquei a segunda meia 7/8 preta pela coxa e coloquei meu sapato de salto preto preferido. Afofei o cabelo, espalhei um vermelho intenso nos lábios e emiti um ruído estalado.
Com as mãos nos quadris inclinados para o lado, dei uma checada no visual no espelho.
Alli tinha me ajudado a escolher o corselete perfeito — depois de ter escolhido um para ela mesma, o que deveria ter me deixado chocada até eu perceber que Heath provavelmente era tão assíduo quanto Blake no departamento de perversões.
O couro brilhante preto do corselete se moldava perfeitamente ao meu tronco, empurrando para cima a porção superior dos meus seios já bastante à mostra por conta do decote profundo que mal cobria os mamilos. Alguns poucos botões, quando abertos, exibiriam tudo, e eu já estava fantasiando com relação às maneiras como Blake poderia fazer isso. Combinei a peça com uma cinta-liga preta e meias 7/8 totalmente pretas.
Como de costume, eu não fazia ideia do que estava fazendo, mas as chances de eu estar vestida de acordo eram altas. Ou Blake riria da minha cara ou tentaria me devorar. Peguei o chicote pequeno que tinha escolhido antes exatamente para essa ocasião. Eu me sentia bem melhor bancando a dominatrix com uma arma para reforçar minha posição.
O calor se espalhou pelas minhas bochechas, combinando com o vermelho intenso dos meus lábios. Eu conhecia Blake há tempo suficiente e já tinha entrado em todo tipo de depravação com ele. Ele conhecia meu corpo com intimidade, cada parte dele. Por que de repente me senti envergonhada? Eu não conseguia entender isso. Respirei fundo e gritei para ele: — Estou indo!
Se tudo seguisse conforme o planejado, eu chegaria lá… em breve.
O piso térreo da casa estava ficando escuro. As velas que eu tinha acendido brilhavam nas várias mesinhas que rodeavam os sofás. Blake estava esparramado em um deles, seu foco em algum ponto invisível do teto.
— Bem-vindo.
Entrei desfilando na sala, esperando soar mais sensual do que estúpida. Eu estava um terço insegura, dois terços em ebulição, com um desejo movido a hormônios.
Nossos olhares se encontraram sob a luz fraca. Os olhos dele me estudaram enquanto eu me aproximava. Parei à frente dele. Meu coração estava disparado de expectativa, e minha mente girava com mil pensamentos selvagens, mas foi o desejo nos olhos dele que me deixou sem ar.
— Você está levando essa coisa de dominatrix bem a sério.
A voz dele era um murmúrio grave perigoso.
— Prefere que eu vá me trocar… colocar algo um pouco mais…
comportado?
Inclinei a cabeça, provocando-o.
— Nem a pau. — Ele se esticou para encostar em mim. — Venha cá.
Ah, como eu queria, Blake, mas uma vozinha se pronunciou, e uma onda de coragem me dominou.
— Eu estou no comando hoje, Blake. — Coloquei a ponta do chicote na barra da camiseta dele e a ergui. — Tire isto aqui.
Um sorriso safado se abriu nos lábios dele. Ele se endireitou e tirou a camiseta lentamente. Ele a jogou no chão antes de retomar sua pose casual no sofá.
— E você espera que eu banque o bonzinho assim por nove meses?
Me sentindo mais poderosa, ocupei o espaço entre os joelhos dele.
— Estar no comando o tempo todo não é fácil. Você merece uma folga.
Ele ergueu uma sobrancelha, deslizando a mão preguiçosamente pela parte interna da minha coxa.
— Ah, é?
Prendi a respiração quando o dorso da mão dele se aproximou do pedaço pequeno de tecido que encobria o meu sexo. Eu já estava molhada e vislumbrando todas as maneiras incríveis como ele me faria sentir se virasse o jogo. Torci para que ele não tivesse percebido, mas a expressão predadora em seus olhos me garantia que ele não estava deixando passar batido nenhum sinal que meu corpo enviava a ele naquele momento. A mão dele continuou seu trajeto para cima, contornando o elástico da minha calcinha.
Removi a mão dele e deslizei o chicote pelo contorno insistente da ereção dele, pressionada contra a calça jeans.
— Acho que isto aqui também precisa sair de cena.
Ele se levantou lentamente, a centímetros de mim. Ele tirou a calça, exibindo a cueca boxer. Lambi os lábios. Eu daria tudo para ficar de joelhos e pintá-lo de vermelho com esse batom ridículo. Meus dedos coçavam para tocá-lo, provocá-lo. Eu iria fazer isso depois.
Raspei a ponta do chicote na cabeça do pau dele por cima da cueca.
— Isto aqui também.
— Parece um pouco unilateral — disse ele.
Puxando a cueca para baixo, ele se libertou.
Meu olhar ficou transfixado ali.
— Como deveria ser.
Ele engatou um dedo na lateral fina da minha calcinha.
— Acho que podemos ficar sem isto aqui.
— Sem tocar — ordenei, sem soar, nem de longe, tão confiante quanto eu deveria.
— Assim não é divertido.
Ele deu um sorriso malicioso e soltou a tira com um estalo.
— Suas mãos não são confiáveis. Você pode usar a boca, mas só quando eu mandar.
Um desejo sombrio escureceu os olhos dele.
— Que jogo interessante.
Empurrei-o de volta para o sofá e esperei um momento antes de montar no colo dele. O pau grosso já estava pressionando para cima, totalmente pronto para mim. Me abaixei e esfreguei meu sexo contra ele. Uma onda de desejo foi direto para o meu clitóris, me deixando tonta de vontade. Se minha calcinha saísse do caminho, ele estaria dentro de mim em uma questão de segundos, e eu sabia que ele também não se oporia a arrancá-la de uma vez.
Antes que eu me convencesse de que aquilo era perfeitamente razoável, um resultado até desejado, refreei meus pensamentos descarrilados.
Abri o fecho de cima do corselete que prendia meus seios com firmeza.
Meu peito inflamou sob o couro, criando uma pressão que eu estava ansiosa para aliviar. Eu queria os “meus meninos” livres tanto quanto queria a boca de Blake neles.
— Abra a boca — falei.
Ele deu um sorriso malicioso.
— Só se você prometer colocar alguma coisa deliciosa dentro dela.
— Você fala demais.
Me ergui sobre os joelhos e ofereci a pontinha solta do corselete a ele. Ele lambeu os lábios antes de segurar o couro brilhante entre os dentes. Ele olhou para mim e eu podia jurar que, naquele momento, algo nos olhos dele me disse que eu pagaria por isso depois. Meus seios balançavam com a respiração irregular. É… Eu estava completamente ferrada.
— Puxe.
Sem esperar um segundo, ele se contorceu e repuxou, abrindo cinco fechos de uma só vez. Alívio e desejo se encontraram quando ele se aproximou, lambendo a pele macia entre meus seios. Suspirei e resisti à vontade de me abaixar e me esfregar na ereção dele. Isso não ajudaria em nada a força de vontade de ambos.
— Blake… Pare.
Ao invés disso, ele pressionou os lábios contra a parte de dentro do meu seio, lambendo e mordiscando. Eu o agarrei pelos cabelos e o puxei para trás.
Os olhos dele brilharam. Suas mãos se cerraram em punhos ao lado do corpo.
— Podemos ir para a parte em que eu uso a língua, docinho… antes que eu arranque esse corselete do seu corpo?
Ele falou por entre dentes cerrados.
Um pouquinho eufórica demais com a frustração crescente dele, eu o soltei e coloquei as mãos nos fechos, abrindo-os um por um, até estar completamente à mostra. O foco dele se fixou ali.
Sorri e larguei a peça, me exibindo totalmente para ele.
— Você pode usar sua língua agora. Devag…
Ele não perdeu nem um segundo em reivindicar meu mamilo com um beijo de boca aberta. Gemi quando ele chupou o bico para dentro da boca em um chupão ardente. A sensação era tanto de prazer quanto uma pitada de dor.
— Cuidado, Blake. Estão sensíveis.
— Desculpe — disse ele, suavizando apenas o suficiente. — Hummm, inchados também. Eles já estavam me seduzindo do outro lado da sala.
Ele puxou meu mamilo para dentro de sua boca. A língua dele era como veludo sobre o bico enrijecido. Não senti mais os dentes dele. Ao invés disso, ele começou a provocar a pele em torno do meu mamilo com chupões fortes, decorando meus seios com uma dúzia de pequenas marquinhas cor-de-rosa.
Abalos de um prazer intenso se espalharam pelo meu corpo.
Enfiei as mãos nos cachos castanhos dele, com mais delicadeza do que antes, guiando-o para o outro seio, que ele saboreou com a mesma dedicação atenciosa que tinha dado ao primeiro. O fogo queimou sob a minha pele onde ele tocava e em todos os lugares em que eu queria ser tocada. Eu estava encharcada. E necessitada. Joguei a cabeça para trás, me entregando à sensação eletrizante da boca dele, que me torturava tão maravilhosamente.
A força de vontade dele desmoronou com a mesma rapidez que a minha.
As mãos dele subiram pelas laterais para segurar minha bunda, me forçando contra sua ereção. Gemi, e meus quadris pareceram se mexer por conta própria. Ele passou as mãos pela minha bacia, testando as tiras pretas finas mais uma vez.
— Sem tocar — censurei, delicadamente, segurando o braço dele para paralisar a mão-boba.
— Mas é meu — reclamou ele, penetrando na barreira da calcinha e afundando em minha umidade.
— Ahh — gemi.
Ele massageou o meu clitóris, traçando círculos mágicos em torno dele antes de mergulhar mais fundo, violando meu sexo com as pontas dos dedos.
Me contraí em torno dele, querendo aquilo… precisando daquilo.
Por mais maravilhosa que fosse a sensação, uma vozinha na minha cabeça me relembrou das regras que eu queria impor. Eu já estava perdendo o controle, sendo que estava tão determinada a mantê-lo.
Sem pensar muito, dei uma chicotada leve no peito dele. Um lampejo de irritação substituiu rapidamente o tesão obscuro com o qual ele me fitava segundos atrás. O humor dele agora parecia tão vermelho quanto a marquinha que eu deixei em seu peito. Abri a boca, um pedido de desculpas se formando em meus lábios quando…
— Foda-se isso — resmungou ele.
Dobrando os dedos, ele tirou minha calcinha com um estalo, sem remorso algum.
Arfei. Em um segundo, ele me deitou de costas. Minhas pernas se esparramaram em torno da figura implacável dele. As mãos dele seguraram meus pulsos com firmeza ao lado do meu corpo.
— Blake! — gritei, em protesto.
O olhar dele passeou por todo o meu corpo, seu maxilar tenso. Me contorci debaixo dele, sem sucesso algum. Ele estava no comando. Eu era como uma pessoa cuja arma foi arrancada e apontada para ela em um momento de fraqueza ou confusão. Meu coração acelerou ao pensar no chicote sendo usado em mim, judiando da minha pele. Eu não tinha certeza se queria aquilo.
Estava tão sensível quanto atrevida.
Merda. O plano tinha ido por água abaixo. Enquanto eu batalhava contra minha inabilidade de manter as tendências controladoras de Blake dominadas, a boca dele envolveu meu seio novamente. Ele deu uma lambida suave, mais torturantemente contido do que eu teria esperado, considerando a mudança brusca de humor dele. Ele foi até o outro e, então, traçou um caminho pela minha barriga com a língua, afundando brevemente no meu umbigo. Ele fez uma pausa para beijar minha cicatriz, como agora tendia a fazer sempre que podia. Então, ele se posicionou entre as minhas pernas, beijando e mordiscando a parte interna da minha coxa pouco acima de onde a meia terminava.
Fechei os olhos. Ah, eu adorava aquilo… Suspirei.
— Vou foder você com a boca, Erica. E ou você me diz exatamente como quer, ou vai implorar para que eu faça você gozar do jeito que eu achar melhor.
— O plano não era esse, Blake.
— Você fez as regras. Só estou distorcendo-as um pouquinho.
Ele chupou meu clitóris para dentro da boca, movimentando a língua sem piedade sobre o nódulo pungente. Ele se afastou o suficiente para dar um sopro frio na minha carne sensível.
Um calor derretido se espalhou por mim. Fiquei tensa e me debati contra as mãos dele.
— Me diga o que fazer, chefe.
Ergui os quadris, frustrada, mas querendo alívio.
— Droga.
— Isso não descreve muito bem as coisas. Estou esperando pelas minhas ordens.
Ergui a cabeça o suficiente para encará-lo.
— Vá se foder.
Ele deu um sorriso safado e deu um beijo levíssimo na carne que latejava por mais pressão.
— Vamos chegar a esse ponto. Que tal começarmos com você me dizendo o que você quer que eu faça com a língua?
Larguei a cabeça com um suspiro.
— Não vou implorar.
— Se você quiser muito mesmo, vai precisar pelo menos pedir. Diga, e a minha boca está sob suas ordens.
Ele pontuou aquela afirmação com uma lambida na abertura do meu sexo.
Me debati impotentemente e me curvei para chegar mais perto, mas ele se afastou.
— Acredite em mim, mal posso esperar para enterrar a cara nessa sua bocetinha deliciosa. Fale comigo, gata.
Puta que pariu.
— Me lamba.
— Humm, é um começo — murmurou ele.
Então, ele obedeceu, banhando minhas partes mais íntimas com o calor de sua boca talentosa. O sangue pulsava em minhas veias. Nos meus pulsos, onde ele me segurava. Minhas coxas o apertaram ainda mais, o desejo pulsando em todos os lugares em que nossas peles se encontravam. Só que o toque dele não estava acompanhando o ritmo do meu desejo.
— Blake, faça de uma vez — implorei.
Eu estava implorando? Droga.
— Fazer o quê?
Virei a cabeça para o lado.
— Mais forte.
Ele veio até mim com mais pressão, me levando à beira do limite de onde eu mais queria estar. Mas eu precisava de um pouquinho mais.
— Blake!
— Você tem um vocabulário digno de uma das melhores universidades do país. Use-o, porra.
Um gemido torturado escapou de mim.
— Me toque com os dedos.
Ele largou uma das minhas mãos para massagear meu clitóris com o polegar. O prazer correu como melaço pelas minhas veias quando ele repetiu o caminho com a língua.
— Dentro. Enfie os dedos dentro de mim.
— Assim?
O tremor grave da voz dele vibrou no meu sexo enquanto ele penetrava dois dedos fundo nos meus tecidos sensíveis.
— Ahh — gritei. Me curvei na direção do toque dele, estrelas se formando nas bordas da minha visão. — Mais fundo — pedi, ofegante.
Mais fundo ele penetrou, de novo e de novo, massageando aquele pontinho sensível lá dentro. Tudo isso enquanto me devorava como se eu fosse sua última refeição. Comecei a tremer incontrolavelmente. Me contraindo e tentando puxá-lo mais para perto de mim, todo meu corpo implorava por mais.
— Céus… Assim.
O prazer provocante dele deu lugar a uma avalanche esmagadora de sensações. Agradeci por tudo que é mais sagrado com o grito que explodiu dos meus lábios. Me debati nos braços dele, mas ele permaneceu firme, segurando-me de um jeito que só me deixava mais excitada.
— Não pare.
Não consegui esconder o desespero na minha voz enquanto ele me puxava mais para perto.
Aí eu desandei. Cores vibrantes dançaram atrás dos meus olhos. Todos os pensamentos foram parar na maneira erótica como ele me tocava. Dominada pelas sensações ofuscantes, gozei com um grito agudo. Todos os músculos se contraíram e o meu corpo tremeu debaixo dos movimentos dele.
Sem fôlego e tremendo de êxtase, tentei recuperar um pouco do controle sobre meu cérebro. Blake não se moveu. Ao invés disso, ele continuou me saboreando. Uma série de lambidas suaves e reverentes enviava ondas de choque pelo meu corpo. Com a mão livre, apertei o ombro dele, uma súplica silenciosa por alívio.
Ele olhou para mim. A expressão pervertida nos olhos dele combinava com aquela boca linda e safada, agora brilhando com a evidência do prazer extasiante que só ele podia dar.
— Eu poderia me fartar em você por horas. Se não quisesse tanto meter em você, eu provavelmente faria isso. Mas sou egoísta e quero gozar nessa sua bocetinha apertada agora. Você gostaria disso?
— Sim — sussurrei, me perguntando como eu acabei me casando com um desbocado deus do sexo.
Ele me soltou e veio para cima de mim. O toque da pele dele na minha fez minhas terminações nervosas começarem a dançar de novo. Todo aquele papo de querê-lo sob o meu comando foi um embuste. Nada no mundo era tão divino quanto a pressão do corpo dele sobre o meu, sua figura poderosa me prensando sobre ou contra qualquer superfície — dura ou mole — na qual ele estivesse determinado a me foder.
— Me diga o que você quer.
O timbre grave do pedido dele vibrou pelo meu corpo. Joguei a cabeça para o lado, engolindo em seco. Eu não conseguia pensar. Não tinha certeza do que queria.
— Por trás? — perguntou ele. — É mais profundo desse jeito, se você conseguir aguentar.
Pisquei, analisando todas as possibilidades, todas elas prometendo um bocado de orgasmos arrasadores.
— Ou quer cavalgar em mim, minha pequena dominatrix deliciosa?
Ele lambeu minha clavícula, mordiscando a depressão do meu ombro.
Com um suspiro ofegante, derreti no sofá como a boneca de pano surrada que eu tinha virado. Minha cabeça ainda estava zunindo por causa do orgasmo delicioso que ele tinha arrancado de mim.
Eu o ouvi dar uma risadinha.
— Caramba, gata. Já está desistindo? Você me deixou louco com aquela roupa de dominatrix.
— Cale a boca antes que eu recupere o fôlego — murmurei, voltando meu foco novamente para o rosto maravilhoso dele.
— Humm, vamos ver se conseguimos reavivar você.
Ele se abaixou e possuiu minha boca. Senti meu próprio gosto no beijo íntimo que me fez formigar inteirinha de novo. Quando ele se afastou, a névoa do meu desejo se dissipou de leve com a visão à minha frente. Sorri, esfregando o polegar no lábio inferior dele.
— Sua boca está toda vermelha.
Ela respondeu com um sorriso largo.
— Posso viver com isso. A não ser que você queira que eu saia na rua assim. Não sou fã de humilhações públicas.
Franzi a sobrancelha, confusa.
— Deixa para lá. Melhor eu parar de dar ideias. Agora, se você já conseguiu recuperar o fôlego, vire-se e ponha essa bundinha linda para cima.
Por dentro, eu xinguei aquela ordem. Apenas o suficiente para dizer: — Não.
Ele ficou me olhando por um instante.
— Não sei dizer se você está sendo uma boa dominatrix ou uma submissa ruim.
— O sentimento é mútuo.
Ele riu, um som descontraído que se transformou rapidamente em um suspiro quando eu peguei no pau dele. Puxei até a ponta, descendo para a base e repetindo o movimento. Segurei o saco dele com a outra mão, raspando as unhas de leve na pele lisa.
Os olhos dele se fecharam, a vulnerabilidade se espalhando por seu rosto tenso.
— Preciso penetrar você, Erica. Agora, caralho.
— Não vou ter que desenhar tudo para você, vou?
Deslizei minha mão para cima, ordenhando uma pequena gota de umidade da cabeça do pau dele. Passei o polegar por cima da fenda e trouxe o gosto dele para meus lábios com uma lambida preguiçosa. O gemido ofegante que escapou de mim não era só exibicionismo. Ter uma prova do desejo dele na minha língua inspirava tudo quanto é tipo de ideia relacionada a como provocar o prazer dele.
— Isso realmente melhora a coisa toda.
A boca dele se abriu de leve.
— Você é osso duro de roer, sabia disso?
Lambi os lábios, imaginando a ponta macia do pau dele entre eles.
— Um osso duro reconhece o outro.
— Ainda está querendo bancar a maioral, docinho?
— Ah, estou cuidando disso — retruquei, sentindo-me poderosa.
A ereção dele ficou mais grossa e se contraiu na minha mão.
Estava tudo muito bom, tudo muito bem, com exceção da expressão perigosa nos olhos dele, que fez meu coração disparar.
— Não por muito tempo — disse ele, roucamente.
Sem dizer mais nada, ele agarrou meu pulso no meio do movimento, me segurou pela cintura e me virou de barriga para baixo. Ele me empurrou mais para cima, de modo que meus cotovelos repousaram sobre o braço do sofá.
As panturrilhas dele estavam ao lado das minhas, os pelos ásperos fazendo cócegas na minha pele. E, conforme solicitado anteriormente, meu traseiro estava erguido e disponível para qualquer coisa que ele tivesse planejado. Ele escorregou a mão pela curva da minha bunda e deu um apertão antes de me atingir com um tapa.
— Eu quero amarrar você com força e bater em você até sangrar, por aquele showzinho.
A febre pinicou minha pele quando o imaginei prosseguindo com aquela ameaça. Gemi e projetei o corpo na direção dele. Agora que tinha sido privada do meu poder, eu não me importaria com um pouquinho mais daquilo. Afinal, eu fui uma garota muito má.
Ele pressionou o corpo contra o meu, levando a boca ao meu pescoço.
— Mas não vou fazer isso. Vou só observar você se desfazer em torno de mim.
A respiração quente dele enviou um arrepio violento pelo meu corpo.
Promessas vazias, pensei vagamente. Então, tudo ficou tenso quando senti os dedos dele e, depois, seu pau me penetrando. Ele era cuidadoso, mas atingiu a parte mais profunda de mim em uma questão de segundos.
O prazer me dilacerou como uma lâmina.
— Ah, caralho.
Ele me segurou com firmeza, recuou e meteu fundo novamente.
— É caralho mesmo.
Com isso, ele começou a meter, me destruindo com uma investida após a outra. Enterrei as unhas no tecido do sofá, segurando as pontas em meio à tempestade que fervilhava por dentro.
Nada era dominante na minha posição agora. Eu estava exposta, imobilizada pela força dele, presa na ânsia de nossos corpos se unindo desse jeito. Cada célula estava mais viva. Cada terminação nervosa parecia buscar mais estímulos deliciosos.
Minhas coxas estavam pressionadas juntas. Esfreguei um pé no outro, ambos cobertos pelas meias 7/8. Os dedos dos meus pés formigavam e se curvavam. Eu me sentia impotente para fazer qualquer coisa que não fosse aceitar os movimentos ferozes dele.
E quanto mais ele dava, mais eu queria.
— Deus, é tão bom.
— Você é gostosa pra caralho.
Ele apertou meus quadris ainda mais e meteu mais rápido.
Eu estava bem no limite, pronta para me atirar no precipício, quando ele recuou repentinamente. Ele me virou de barriga para cima de novo. Eu estava ofegante, tremendo de desejo.
— Blake!
Se esse era o último truque dele para me provocar até me fazer chorar, eu ia…
A boca dele se chocando contra a minha sumiu com aquele pensamento raivoso. Me abri para ele, querendo o gosto dele na minha língua do mesmo jeito que queria meu próximo suspiro. Ele se acomodou entre as minhas pernas, engatou minha coxa em cima de seu quadril e nos uniu de novo rapidamente. Gemi de alívio e prazer.
Quando meus olhos encontraram o olhar entreaberto dele, meu peito ficou apertado.
— Quero ver seus olhos quando você gozar — sussurrou ele.
Ali estava. Ele tinha me levado da diversão ao tesão a um tipo de intimidade marcante que elevou tudo. O toque dele ia além do corpo, direto para o meu coração. A febre carnal que me dilacerava se transformou em algo ainda mais potente.
Ancorei a boca dele na minha e nos beijamos até ficarmos sem ar. Cada investida apaixonada era uma proclamação. Cada toque possessivo era uma promessa. Ondas de arrebatamento estouravam em cima de mim, uma após a outra, até que eu ficasse mole e trêmula.
Os músculos dos ombros dele se amontoaram sob meu toque. Ele se alongou, me atingindo em um lugar ainda mais profundo. O orgasmo que eu achava impossível depois da canseira que ele tinha me dado se espatifou dentro de mim.
Os quadris dele me socaram, e meu nome explodiu dos lábios dele em um grito rouco. O corpo dele tremeu e sofreu espasmos enquanto ele me preenchia.
Desabando em cima de mim com a boca no meu ombro, ele batalhou para recuperar o fôlego.
— Caramba — murmurou ele.
— É — foi a única coisa que consegui dizer.
Derreti em torno dele, saboreando o contato. Mesmo depois de termos estado conectados tão intimamente, eu não queria ficar longe do toque dele.
Ele se apoiou nos cotovelos, seu peito ainda agitado. Com um sorriso satisfeito, ele era a imagem perfeita da saciedade. Corado. Maravilhoso. E possivelmente um pouco orgulhoso demais de si mesmo.
Passei o dedo pelos lábios delineados dele.
— Não fique tão presunçoso.
Ele ergueu uma sobrancelha, surpreso.
— Presunçoso?
— Parece que você acabou de levar um troféu para casa.
Ele riu e eu lutei para não rir.
— Eu levei. Os seus orgasmos são como troféus. Estou colecionando tantos quanto posso.
Revirei os olhos. Mais alguns pontos para Blake.
Ele deslizou a mão pelo meu tronco, subindo e descendo pela minha perna, e puxou o elástico que prendia as meias com firmeza às minhas coxas.
— Adorei isso aqui. Mas use aquele corselete de novo e eu não me responsabilizo pelos meus atos.
Empurrei o peito dele.
— Você é um mau submisso.
Ele enrolou os braços em torno de mim, me puxando mais para perto.
— É? Bom, você também.
Não consegui esconder o bico. Eu estava um tanto irritada por minha tentativa de dominação ter saído completamente dos trilhos, mas inegavelmente satisfeita com os resultados.
— Você não está no comando, sabia?
Ao invés de uma resposta convencida, Blake me fitou em silêncio, tirando uma mecha de cabelo úmido da minha testa.
— Eu sei — murmurou ele. — Existe algo muito maior do que eu e você no comando agora.
Ele acariciou minha bochecha, me olhando bem no fundo dos olhos. Então, ele desceu o toque até meu abdômen. A mão dele se esparramou ali com um carinho leve.
— Nosso bebê. A maneira louca como eu amo você. Eu não conseguiria controlar tudo que sinto agora nem que quisesse.
Fechei os olhos, cobrindo a mão dele com a minha. Meu coração bateu mais forte com a visão que emergiu. Minha barriga, já sem estar chapada, mas cheia e redonda com nosso bebê. Chutes leves sob nossas mãos, expectativa em nossos corações. Eu queria aquilo mais que tudo.
Ele tinha razão. Nada era mais importante.
CAPÍTULO 14
BLAKE
Tivemos um fim de semana intenso de reconciliação depois de uma ausência que tinha abalado nós dois. Mas a tarde de segunda-feira chegou rápido. Eu não fico nervoso com facilidade, mas parte de mim se sentiu como um peixe fora d’água quando nos sentamos na sala de espera do consultório da dra.
Henneman.
Esperei ao lado de Erica, segurando a mão dela, até sermos chamados para nossa consulta. Eu não gostava muito de esperar, mas observar Erica analisar a sala, com os olhos arregalados de expectativa, quase fazia valer a pena.
Uma jovem mãe se sentou de frente para a gente, sua barriga esticando o tecido da blusa. O peso extra limitava seus movimentos enquanto ela tentava impedir que seu filhinho pequeno espalhasse pelo chão todas as revistas que estavam na mesa. Ela o reprimiu com delicadeza, dando uma olhada como pedido de desculpas para nós quando ele começou a gritar em protesto.
A ficha ainda não tinha caído para mim. Eu tinha visto mulheres grávidas durante a vida o tempo todo — tinha até empregado algumas. Só que eu nunca tinha associado isso com algo que eu vivenciaria pessoalmente, como pai, como marido. Mas cá estava eu e, se tudo desse certo, tentaríamos impedir que um bebê destruísse tudo o que tínhamos.
Como dessa vez eu não podia controlar nada, estava silenciosamente determinado a mover o céu e a terra para garantir que Erica tivesse uma gravidez saudável que resultasse na criança que nós dois queríamos fervorosamente. Eu estaria lá para apoiá-la com tudo. Meses de gravidez.
Enjoos matinais e desconforto. Trabalho de parto…
Antes que meus pensamentos pudessem soltar mais um “puta que pariu”, o nome de Erica foi chamado. Me levantei e a segui até uma sala de exame onde uma enfermeira tirou os sinais vitais dela. Alguns minutos depois, a médica se juntou a nós. Ela era uma mulher bonita — alta e magra, com cabelos brancos bem curtinhos.
— Erica?
Erica apertou sua mão; a médica estava sentada à mesa de exames.
— Sim, e este é o meu marido, Blake.
— É maravilhoso conhecer você, Blake. Parabéns aos dois. Vocês devem estar nas nuvens.
Ela deu um sorriso caloroso, mas a preocupação se alojou no meu estômago. Concordei rapidamente com a cabeça, meu maxilar cerrado. Todas as minhas fantasias aleatórias sobre a paternidade foram rapidamente pausadas quando me lembrei dos riscos, dos perigos e da possibilidade bem real de que todos aqueles sonhos poderiam ser arruinados pela mulher que estava parada à nossa frente. Erica estava legitimamente grávida. Mantê-la grávida era outra questão, e apesar de eu nunca ter verbalizado minha dúvida antes, as preocupações de Erica ecoavam as minhas próprias.
Uma vida estava por um fio, e minha impotência perante esse fato me deixou instantaneamente inquieto.
— Não sei se você teve chance de dar uma olhada no histórico da Erica… — comecei.
A médica se sentou em seu banco e me fitou.
— Eu tive, para falar a verdade. Recebi por fax esta manhã.
— Então você está ciente das lesões que ela sofreu.
— Sim. — O rosto alegre dela obscureceu um pouco. Sua atenção se voltou para Erica, cuja expressão espelhava a minha. — Imagino que o que você passou tenha sido simplesmente devastador. Vou ser sincera. Estou, na verdade, bastante surpresa por você ter conseguido conceber tão rápido.
— Nós também — disse Erica, sua voz baixa.
— Mas aqui estão vocês. — A dra. Henneman se alegrou de novo. — E posso dizer que os exames laboratoriais que recebi estão ótimos. Seus níveis hormonais estão como deveriam, então meu plano, hoje, é fazer um ultrassom e, com sorte, dar a vocês uma data para o nascimento.
Antes que eu pudesse bombardear a médica com mais perguntas, ela fez Erica se deitar na mesa. Ela escureceu as luzes e, alguns minutos depois, a tela cinza do aparelho de ultrassom ganhou vida. Segurei a mão de Erica, compartilhando o conforto de outra pessoa que estava vivenciando aquilo pela primeira vez e sem fazer ideia do que esperar. Matemática, ciências e detalhes técnicos de qualquer coisa sempre estiveram ao meu alcance. Mas não havia nada de técnico com relação àquela pequena esfera na tela e a pequena centelha no centro.
— Este é o seu bebê — disse a médica, apontando para o ovinho embaçado.
A mão de Erica apertou ainda mais a minha. Levei-a aos meus lábios, beijando-a, sem nunca tirar os olhos da tela. Uma enxurrada de emoções estranhas me inundou, sentimentos que não tinham nome, nenhum ponto de referência. O que eu sabia era que tudo estava mudando. Bem diante dos nossos olhos, o mundo inteiro tinha adquirido um significado novo. A médica continuou o exame, focando-se nos leves batimentos cardíacos. Meu próprio coração batia forte nos ouvidos quando ela conferiu som àquele ritmo.
Depois de mais alguns minutos avassaladores, a médica nos deu a data-limite para o começo de julho. Erica estava grávida de sete semanas e eu calculei rapidamente que a data da concepção tinha sido a noite do nosso casamento.
Caramba. Sorri e fiquei orgulhoso comigo mesmo. Mas, mesmo assim, eu não conseguia afastar a preocupação.
A médica imprimiu algumas fotos do ultrassom e as entregou a mim enquanto Erica se limpava.
— É isso, então?
Hesitei, sem saber ao certo como abordar qualquer uma da centena de perguntas que voavam na minha mente, todas relacionadas à saúde e ao histórico de Erica.
A médica deu um sorriso caloroso.
Por ora, sim. Tudo parece ótimo.
— Você está otimista.
Ela riu.
— Você preferia que eu não estivesse?
— Prefiro ser realista a qualquer outra coisa. O que aconteceu com Erica foi muito grave. Tem sido um fardo para nós.
Ela deu um sorriso empático.
— Eu entendo, mais do que você imagina. Sou especialista em gravidez de alto risco, então conheço muitos pais que esperam o pior. As suas preocupações são válidas, mas Erica está saudável e tenho esperanças.
Pausei, deslizando o polegar pela fotografia. Eu queria acreditar em tudo aquilo. Queria mesmo.
— Você já tratou alguém com… problemas parecidos?
Ela confirmou com a cabeça.
— Já tratei casais que encaravam muitas adversidades quando se tratava de concepção. Já vi muitos superarem essas adversidades e já vi muitos que não conseguiram. Vocês têm muita sorte.
— Quais você acha que são as chances de ela ter uma gravidez normal?
Uma olhada para Erica, e eu quis me martirizar por ter perguntado aquilo quando vi a trepidação em seus olhos.
Voltei minha atenção para a médica e sua expressão não era mais empática, porém, mais séria.
— Neste momento, eu diria que é de cem por cento até eu encontrar algo preocupante.
Em algum lugar, a tensão se esvaiu.
A médica inclinou a cabeça.
— Tenha fé, Blake. Não estrague esse momento especial com a preocupação. Tudo parece maravilhoso até agora. Venham me ver em um mês e espero acalmar as suas preocupações novamente. Vamos fazer isso todo mês e, quando chegarmos à reta final, a cada duas semanas. E vou estar aqui durante todo o trajeto para responder perguntas e sanar quaisquer nervosismos que vocês possam ter.
Suspirei e olhei para Erica, que parecia compartilhar meu alívio. Eu devia ter sustentado uma fachada mais confiante para o bem dela, mas eram os médicos que tinham as respostas nessa situação, não eu, e Erica era a paciente. Essa era minha chance de conseguir o máximo de informações que pudesse, porque procurar por essas coisas no Google só serviu para me apavorar. Nesse ponto, o acesso limitado à tecnologia não estava me favorecendo.
— E sexo está liberado, caso vocês estejam se preocupando com isso.
Ergui a sobrancelha. Aquela mulher não fazia ideia de como eu metia, e eu não ia contar os detalhes para ela.
— Totalmente liberado — garantiu ela, dando uma piscadinha.
Nos levantamos e a médica ajudou Erica a descer da mesa.
— Você tem um futuro pai bem protetor nas mãos, Erica.
Erica revirou os olhos com um sorriso.
— Acredite em mim, eu sei.
***
ERICA
Dirigimos de volta para casa. As folhas do outono flutuavam pela estrada com as rajadas de vento, espalhando-se pelos quintais cobertos de grama, que estavam perdendo a cor verde vibrante do verão. A terra estava morrendo, mas havia vida dentro de mim, uma promessa pequenina e frágil.
Eu não sabia ao certo o que esperar da consulta de hoje, mas não podia estar mais feliz. Eu queria gritar nossa novidade aos quatro ventos, mas sabia que devíamos esperar um pouquinho mais. Mesmo assim, eu não conseguia acreditar em como éramos incrivelmente sortudos.
— Você está bem?
Blake pegou minha mão e a segurou em cima do colo.
Meus olhos encontraram os dele e eu sorri.
— Sim. Estou muito feliz.
— Ótimo. — A preocupação dele suavizou, transformando-se em uma expressão calorosa, cheia do amor que eu sentia do meu coração à ponta dos meus dedos. — Desculpe se eu assustei você lá dentro.
— Tudo bem. Você fez várias perguntas que eu queria fazer. É difícil sentir que não sei plenamente do que meu próprio corpo é capaz.
— Se você não entende, estou completamente no escuro.
Eu ri. Quando se tratava de gravidez, essa era a provável verdade. Fora isso, ele parecia saber bastante sobre do que o meu corpo era capaz. O calor corou minhas bochechas com o pequeno lembrete desse fato.
Olá, hormônios. Quis estar em casa o mais rápido possível. Queria estar nos braços dele. Celebrar e saborear nossa boa-nova repetidamente.
O celular de Blake começou a tocar no painel do Tesla, interrompendo as fantasias que meu cérebro estava compondo. O identificador de chamadas dizia Remy. As sobrancelhas de Blake se uniram.
— Vai atender?
Supondo que o homem que estava ligando era o mesmo que tinha e administrava o clube de sexo no qual eu tinha muito ingenuamente entrado meses atrás, minha curiosidade acendeu. Até onde eu sabia, Blake não estava em contato direto com Remy. Sobre o que ele poderia querer conversar com Blake agora?
— Agora, não. Ligo para ele mais tarde — respondeu Blake, rapidamente.
Ele soltou minha mão e ficou com o dedo parado em cima do botão para encerrar a ligação.
— Fale com ele agora.
Antes que ele pudesse me impedir, aceitei a ligação no console.
Ele me deu uma olhada quando a voz afetada de Remy preencheu o carro.
— Blake, oi. Você tem um minuto?
— Tenho exatamente um minuto. O que você quer?
A tensão no tom de Blake era inegável.
— É sobre a Sophia.
Um nó se formou no meu estômago, preenchido imediatamente por arrependimento e preocupação. Eu queria saber o motivo da ligação de Remy, mas agora, subitamente, desejava não ter atendido. Eu não queria a presença dela perto de nós.
A tensão de Blake aumentou, evidenciada na contração de seu maxilar.
— O que tem ela?
— Ela está machucada.
Blake pausou, seu foco fixo na estrada à frente.
— O que aconteceu? — perguntou ele, calmamente.
— Foi no clube. Um cliente, ele era relativamente novo. Acho que tanto ela quanto eu o subestimamos. Mas você sabe como ela é. Ela… — Ele limpou a garganta. — Você conhece as demandas dela. Ela o desafiou e ele mordeu a isca. Infelizmente, ele foi longe demais.
— Puta que pariu. Eu devia ter previsto isso. Ela está bem?
— Está no hospital.
Fingi desviar o olhar, como se eu pudesse dar a ele qualquer privacidade agora. Mesmo que eu fingisse que queria, observei, de canto de olho, quando Blake apertou o volante com mais força.
— Você deveria ir vê-la. Ela vai querer ver você. Ninguém vai entender.
Você é a única pessoa que ela tem — disse Remy, uma pitada de súplica em sua voz.
Minha mente berrou uma série de protestos cruéis. Talvez esse não fosse um dos planos malignos de Sophia, orquestrado para seduzir Blake de volta à sua vida, mas era isso que ela esperava dele. Eu a conhecia bem o suficiente para saber disso.
— Não sou a única pessoa que ela tem. Ligue para os pais dela.
— Eles não vão entender, Blake. — A voz de Remy ficou mais baixa. — Você sabe disso.
— Então talvez ela devesse começar a conversar sobre isso. Eu não podia ser o que ela queria na época e não sou o que ela precisa agora. Ir vê-la agora… Essa não é a resposta. Ela é uma porra de uma masoquista de primeira linha e você sabia disso. Você a deixou sozinha com um filho da puta doente, Remy.
— Não nego que falhei com ela. Não falhe com ela agora você também.
Blake respirou fundo e falou de um jeito equilibrado.
— A resposta é não. Ligue para os pais dela.
— Eu não sei…
— Estou na estrada agora. Mando o contato deles para você quando chegar em casa.
Blake encerrou a ligação sem dizer mais nenhuma palavra. Uma sensação nauseante se instaurou em mim com o lembrete de que Blake um dia tinha amado aquela mulher. Talvez isso não pudesse competir com o sentimento que tínhamos um pelo outro agora, mas a realidade daquilo ainda doía.
— Sinto muito, gata.
Fiquei olhando pela janela, procurando a felicidade que eu sentia antes da ligação de Remy.
— Não precisa se desculpar.
— Ela aborrece você, e eu prometi que não deixaria mais que ela fizesse isso. Entre todos os dias… Deus. Sinto muito.
— Está tudo bem — menti.
Eu não deixava Sophia me irritar há meses, mas, de alguma forma, ela tinha conseguido invadir o nosso mundo de novo, intencionalmente ou não.
Me reprimi por me importar com aquilo, por xingar a mulher que estava machucada o suficiente para estar no hospital. Para o bem de Blake, tentei sentir pena dela. Não conseguia imaginar o que teria dado errado, contudo.
Dentro das paredes do clube, onde a maioria dos atos de depravação poderia ser aceitável, quem sabe até mesmo banais, as possibilidades eram diversas.
— O que você acha que aconteceu com ela? — perguntei.
— Não vamos conversar sobre isso, está bem?
— Você acha que ela está realmente machucada?
Os ombros dele se arcaram.
— É perfeitamente possível. Se o cara bateu nela o suficiente para fazê-la ir para o hospital, provavelmente não é nada bom. As coisas que eu e você fazemos… não são nada perto das coisas que acontecem no clube, Erica. O limiar da dor e dos comportamentos aceitáveis vai muito além dos seus. Para alguém passar dos limites, feri-la…
— Talvez você devesse ir vê-la.
Forcei aquelas palavras a saírem. Talvez ela precisasse de Blake mais do que eu percebia.
Entramos na viela de entrada da casa, estacionamos, e ele se virou para mim.
— Não.
O alívio e uma necessidade inexplicável de ser compreensível batalhavam dentro de mim.
— Está tudo bem, Blake. Não vou negar que detesto a Sophia completamente, mas você a amou um dia. Essa é uma situação incomum e vou entender se você quiser vê-la.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Mas eu não quero.
— Se você sente que deveria…
— Você é a minha prioridade. Você é toda a minha vida. Você e o nosso bebê, e estou protegendo nosso futuro… Essa é a única coisa com a qual eu me preocupo agora. Sophia tem problemas que são mais profundos do que eu jamais poderia consertar. Foi por isso que eu me afastei, e se ela tem alguma chance de melhorar, ela precisa encará-los. O fato de eu estar lá por ela agora não a ajuda em longo prazo. Talvez agora ela se abra para a família.
— E se ela não se abrir?
Ele hesitou.
— Remy vai estar lá por ela.
— Como você sabe?
Ele se recostou no banco.
— Porque ele está apaixonado por ela.
Apaixonado? Apesar de minha interação com Remy ter sido de apenas poucos minutos, ele causou um impacto. O proprietário do clube de sexo que Blake costumava frequentar era tanto intenso quanto intimidador. Mas ele também era bonito e carismático de um jeito que eu não tinha palavras para explicar. Sophia costumava ir ao clube com Blake no passado, mas, de alguma forma, associá-la com Remy parecia estranho. Ele era uma criatura dominante, sem dúvidas, talvez tanto quanto ou mais que Blake. Mas eu não conseguia imaginar Blake dividindo uma mulher, mesmo uma mulher tão terrível quanto Sophia, com ninguém.
— Como… se você estava com ela?
— Ele foi sincero comigo quanto à sua atração por ela. Alguma coisa nela o fascinava. Ele queria dividi-la, ao menos fisicamente. Não preciso nem dizer que eu não divido. Me recusei, e ele não pressionou depois disso. Depois que nós terminamos, eu dei a ele a minha bênção.
— Eles ficaram juntos?
O maxilar de Blake se contraiu.
— Alguns meses depois. Sophia fez questão de que eu ficasse sabendo, também. Uma tentativa desesperada de me deixar com ciúme e tentar me ter de volta, suponho. Mas até onde sei, nada nunca chegou a se concretizar entre eles.
— Porque ela ainda queria você.
— Acho que dá para dizer que eles não eram compatíveis.
— Mas ele é um dominador.
— Nem todos os dominadores são iguais, como comprova o cara que a colocou no hospital. Vamos apenas dizer que, em uma escala de intensidade, as inclinações de Remy estão um pouco mais alinhadas com as minhas. Enfim, não importa. Lamento que ela esteja machucada. Eu realmente lamento, mas não vou deixar que ela roube nem mais um minuto do nosso tempo.
Peguei a mão dele. Tracei linhas na palma. Eu estava estupefata e contente por ele se sentir daquele jeito. Que nosso futuro significava mais para ele do que uma mulher que não tinha feito nada além de tentar nos separar. Eu o teria amado e compreendido de qualquer jeito, mas senti a paixão e a lealdade dele nos cantos mais profundos do meu coração.
— Obrigada — murmurei.
— Estou falando sério — disse ele, suavemente, erguendo meu queixo para me fazer olhar para seus olhos calorosos.
A expressão tensa dele tinha relaxado. O amor substituiu a preocupação e a inquietação que tinham se instalado durante o trajeto para casa.
— Eu sei e fico contente. Quero que você saiba que se você mudar de ideia…
— Não vou.
Apenas concordei com a cabeça, sentindo algo de definitivo na maneira como ele disse aquilo.
— Você é uma pessoa melhor que eu, Erica. Não tenho certeza se eu conseguiria deixar você ir para o lado de outro homem que um dia teve o seu coração.
Entrelacei nossos dedos.
— Você é o único homem que teve meu coração, Blake.
— Graças a Deus. — Ele me beijou. — Venha. Vamos entrar.
CAPÍTULO 15
BLAKE
Erica tinha matado o trabalho para ir à consulta na segunda e o dia tinha acabado na cama. Só ela e eu, entre os lençóis.
Eu não conseguia tirar as mãos dela, o que já era costumeiro. Mas Erica estava mudando. Ela estava fogosa e mais sensível ao mesmo tempo.
Responsiva de novas maneiras. Emotiva de outras. Fisicamente, eu me sentia como se a estivesse descobrindo novamente. Havia algo de mágico e apavorante naquilo, mas eu não queria aquela montanha-russa de emoções com mais ninguém.
Acordei pela manhã enfeitiçado pela mulher deitada ao meu lado. Seus cabelos claros estavam embaraçados em cima do travesseiro. Os lábios entreabertos enquanto ela dormia profundamente.
Eu tinha estado com muitas mulheres, mas nem todas as noites pervertidas que eu tinha passado no La Perle poderiam se comparar a uma noite com Erica. Ninguém nunca tinha dominado meu coração desse jeito. Ninguém.
Meus pensamentos flutuaram até Sophia, a única com a qual eu tinha confundido a palavra amor. Me deitei novamente na cama, tentando ignorar as visões que a minha imaginação estava conjurando dela no hospital. Ela estava machucada. Quanto, eu não sabia. Eu queria e não queria saber. Eu a tinha cortado da minha vida completamente, mas minha consciência me perturbava. Esta manhã, minha consciência estava falando com uma voz que era parecida demais com a de Sophia, insistindo que ela precisava de mim.
Sophia frequentemente caminhava no limite do perigo quando se tratava de seu estilo de vida. Eu tive problemas com aquele limite várias vezes. Com Sophia. Com outras. Mas nunca tinha lutado tanto até Erica aparecer. Ao perceber, no início do nosso relacionamento, que ela teve um passado sexual violento, tomei a decisão de me afastar de qualquer coisa que pudesse fazê-la se lembrar daquelas memórias. Na época, eu não sabia ao certo se teria muito sucesso, mas Erica não me deu chance de tentar. Ela nunca questionou meus desejos mais primitivos quando se tratava de sexo. Mesmo nesse fim de semana, a segunda tentativa frustrada dela de dominância era prova de sua aceitação. A guerreira dentro dela parecia decidida a forçar aqueles limites e quebrar paradigmas, alguns dos quais eu queria que ela lidasse com mais cuidado, para o bem dela mesma. Sem contar o meu.
Mas todas as vezes, de alguma forma, encontrávamos prazer.
Encontrávamos um ao outro.
Nada tão profundo tinha se concretizado com a minha ex. Meus apetites dominadores tinham se enquadrado às tendências submissas de Sophia facilmente, mas eu logo percebi que as necessidades dela iam muito além da simples submissão. Ela implorava pela dor — do tipo que deixava marcas por dias, do tipo que ameaçava deixar cicatrizes.
Se meus desejos tinham ficado mais sombrios, foram inspirados em algo muito mais sombrio nela. Apesar de todas as suas súplicas para ter a mim de volta, Sophia não queria um mestre. Ela queria um monstro e eu não podia ser isso para ela.
Eu perdi o controle apenas uma vez. Tinha chegado a Nova York de um voo da madrugada da costa oeste, exausto e pronto para vê-la. O que eu encontrei, ao invés disso, foi ela e Heath desmaiados na cama, seminus. Não me dei ao trabalho de perguntar se eles tinham metido ou não. Meia dúzia de pessoas que eu nunca vi na vida estava na mesma situação de nudez pós-bebedeira por todo o apartamento. Eu pus Heath e a laia dele pra correr.
Quando cheguei até Sophia, espumando de raiva, ela nem se encolheu. A satisfação fervilhou em seus olhos, como se ela tivesse orquestrado toda aquela merda só para atiçar o meu ciúme e trazer à tona um lado meu do qual eu sempre me arrependeria. O castigo que ela recebeu sob o meu cinto não me trouxe alívio, contudo. Como sempre, ela tinha implorado por mais quando já tinha se sujeitado a mais do que eu conseguia suportar. Ela queria que eu a fodesse depois, que tomasse o que era meu. Mas ela não era mais minha. Algo dentro de mim sempre soube que o que eu tive com ela foi maculado. E que nós dois tínhamos já era fodido desde o começo.
Eu nunca mais dormi com ela, independente das mentiras que ela gostava de inventar e ver as pessoas à nossa volta acreditando. Teria sido perigoso.
Emocional e fisicamente. No fim das contas, Sophia nunca me dera controle real. Em algum lugar bem no fundo, eu sabia disso, mesmo que o filho da mãe controlador dentro de mim nunca quisesse admitir em voz alta.
Talvez ela realmente precisasse de mim agora, mas eu permiti que ela entrasse na minha cabeça pela última vez. Eu, com toda certeza, não iria convidá-la para qualquer esfera do meu mundo que coincidisse com o de Erica. Era o fim.
Erica se mexeu e eu me virei para admirar a figura ainda adormecida dela.
Sophia estava no passado. Tão longe no passado que uma olhada para Erica a tornou quase invisível para mim.
Aquilo que andava vazio se tornava completo de novo só de vê-la. Ela estava em casa. Juntos, éramos um.
Decidido a deixá-la descansar, desci até o térreo para preparar um café da manhã pequeno para quando ela acordasse. Ela costumava acordar sem apetite, mas ter um pouco de comida no estômago parecia aliviar a náusea, que diminuía com o passar do dia. Ainda bem que o enjoo matinal vinha em ondas, porque eu não sabia ao certo como manteria as mãos longe dela. Mas esse era só o começo. Eu não fazia ideia do que esperar pelos próximos oito meses. Fiz uma nota mental para dar um pulo na livraria esta semana e estudar tudo que eu não conhecia, e eu supunha que isso era coisa pra caramba.
Uma batida forte na porta quebrou o silêncio da manhã. Meus pais tinham cumprido a promessa de não aparecer sem avisar, mas, mesmo assim, eu esperava ver minha mãe do outro lado quando abri.
Ao invés disso, dei de cara com o agente Evans e o detetive Carmody.
— O que vocês estão fazendo aqui?
Carmody me deu uma olhada de cima a baixo.
— Melhor ir se vestir.
— Me dê um bom motivo.
O maxilar de Evans se contraiu. Os olhos de Carmody o denunciaram e, de alguma forma, eu consegui ouvir tudo que eles não estavam dizendo, claro como água.
— Me deem um minuto — falei.
Sem dizer mais nada, fui até o andar de cima. Erica ainda estava dormindo e eu debati comigo mesmo se deveria acordá-la. Não. Ela não precisava ver isso.
Me vesti. Quando eu estava prestes a sair, ela se sentou.
— Oi.
Ela estava com uma expressão doce e cansada. Seus cabelos estavam uma bagunça adorável.
— Oi, gata. Fique aqui, está bem? Evans está lá embaixo. Tenho certeza de que não é nada. Não se apresse em se vestir.
Ela franziu a testa, e toda sonolência desapareceu de seu rosto.
***
ERICA
Ignorando todos os pedidos de Blake, me enrolei em um robe e o segui escada abaixo, descalça. Ele resmungou palavrões durante todo o caminho até lá embaixo. Se eram para mim ou para Evans, eu não tinha certeza. Eu não conseguia pensar direito. As teias de aranha ainda não tinham se dissolvido e agora a polícia e o FBI estavam à nossa porta.
Evans estava no saguão, Carmody a alguns passos dele. O rosto de Evans se contorceu em um sorriso de satisfação que fez minhas entranhas se retorcerem. Algo estava errado. Eu podia sentir.
— O que está acontecendo? — perguntei.
Carmody tirou um par de algemas e deu um passo hesitante na direção de Blake.
— Blake Landon, você está preso. Tem o direito de permanecer calado.
Algo na postura dele parecia quase um pedido de desculpas perto de Evans, cujo corpo inteiro irradiava ódio na direção de Blake.
— Não. Vocês não podem fazer isso.
As palavras saíram oscilantes dos meus lábios trêmulos.
— Podemos e vamos fazer. Aqui está o mandado.
Evans me entregou um pedaço de papel dobrado.
Olhei para o papel, sem conseguir ler nenhuma das palavras. O papel tremia em minhas mãos. Isso não estava acontecendo. Só podia ser um sonho.
Só que eu sabia que não era. Eles estavam prendendo Blake bem diante dos meus olhos. Todo meu corpo zuniu e esquentou com a adrenalina. Minhas mãos formigaram, e a náusea costumeira que eu sentia cedo de manhã se multiplicou. Coloquei a mão na barriga, tentando suprimir a vontade de vomitar.
Carmody virou os braços de Blake para trás e terminou de ler os direitos dele. Blake fez uma careta quando a algemas se fecharam com um clique, girando os pulsos.
Lágrimas queimaram e encheram meus olhos, embaçando minha visão.
— Ele não fez isso.
— Diga isso ao juiz.
Um sorriso cruel curvou os lábios de Evans. Passei como um furacão por ele na direção de Blake. Eles não podiam levá-lo. Nem hoje, nem nunca. Antes que eu pudesse chegar até eles, Evans segurou meu braço e me puxou para trás.
O fogo se acendeu nos olhos de Blake.
— Não toque nela.
— Então diga a ela para se acalmar — gritou Evans, mais para mim do que para Blake.
— Blake — solucei, me debatendo inutilmente.
Evans me segurou com mais força, me empurrando para trás. Uivei, arranhando-o com as unhas para me libertar.
A voz de Blake foi um estrondo, ricocheteando pela sala.
— Ela está grávida, desgraçado. Tire as mãos de cima dela!
Carmody colocou uma mão firme no peito de Blake, seus olhos arregalados e alertas. Evans me largou, estreitando os olhos enquanto se posicionava gradualmente entre mim e Blake.
Eu estava tremendo dos pés à cabeça. Da adrenalina, do pânico puro de assistir ao homem que eu amava sendo levado para longe de mim. Lágrimas escorreram inconscientemente pelas minhas bochechas.
— Blake… Não me deixe. Por favor, você não pode. Conte a verdade a eles.
Os lábios dele se abriram, mas nenhuma palavra saiu.
— Vamos andando.
Carmody o empurrou na direção da porta. Com o maxilar cerrado e os olhos vazios, Blake o seguiu sem falar nada. A porta se fechou e eu caí de joelhos, sem conseguir continuar contendo o soluço de agonia que explodiu do meu peito.
***
BLAKE
A visão de Erica, as lágrimas escorrendo por seu rosto, estava gravada na minha mente. Ela era tudo que eu conseguia ver. E por cima das batidas e das vozes e da comoção, eu ainda conseguia ouvir o choro desesperado dela depois que a porta se fechou atrás de nós. Pressionei as palmas das mãos nos olhos, sem conseguir me livrar da dor que se espalhava por mim toda vez que aquela cena reprisava na minha mente. Respirei fundo várias vezes e busquei a esperança — esperança de que esse pesadelo iria acabar logo e eu poderia voltar para a minha esposa.
Eu tinha sido fichado e estava esperando Dean aparecer depois de pagar a minha fiança. Mas as horas se arrastaram e eu não tive notícias dele. A noite caiu e o sono não chegou. Não por causa da desculpa pífia de que a cama era ruim. Nem por causa do barulho da delegacia e das pessoas sendo presas e soltas das celas durante a noite. Mas porque meu cérebro estava analisando todos os cenários e cada solução possível.
Qualquer um estaria com os nervos à flor da pele, mas eu já estive ali antes e, a cada segundo que passava, eu me lembrava de como a experiência tinha sido. Eu era jovem e cheio de emoções confusas — dentre elas o medo de passar o resto da minha vida adulta atrás das grades. Eles me detiveram por dias enquanto eu batalhava contra essa realidade bastante plausível.
Assumindo que eles tinham encontrado provas suficientes para me acusar por manipular a eleição de Daniel, eu iria encarar os mesmos medos todos de novo.
Exausto, mas igualmente surpreso, fui movido para o tribunal para a audiência da fiança pela manhã. Eles me colocaram em uma saleta onde fiquei esperando por Dean. Tamborilei os dedos na mesa ritmadamente, esperando por ele, esperando por respostas.
Ele finalmente apareceu, com seu terno e sua figura tipicamente serena.
Não havia um fio de cabelo preto alisado fora do lugar, mas a tensão irradiava dele em ondas. Nada com relação à linguagem corporal dele era reconfortante.
— Obrigado por aparecer — resmunguei.
A expressão dele era apreensiva.
— Tentei conseguir sua liberação ontem. Mas não rolou.
— Quer me explicar por que é que eu estou aqui, para começo de conversa?
Ele se sentou, abrindo o casaco.
— Quem é Parker Benson?
Franzi a testa.
— O quê?
— Parker Benson. O cara que você pesquisou na noite antes de eles confiscarem tudo no seu escritório. Soa familiar?
— Ele está namorando a minha irmã. Eu queria saber quem ele era.
— Certo, bem, algumas pessoas simplesmente usam o Google ou pagam por uma averiguação de antecedentes legítima. Aparentemente, você acessou o histórico bancário dele e hackeou a conta do e-mail dele da universidade.
Nada disso é legal.
Me inclinei para frente.
— Está zoando com a minha cara? É por isso que eu estou aqui?
— Eu disse que eles iam procurar por qualquer coisa, não importava o quanto a questão fosse pequena ou irrelevante. E você disse que era cuidadoso com esse tipo de coisa.
— Eu fui.
Reprisei a noite na minha cabeça, me certificando de que eu tinha sido.
— Então como foi que eles descobriram?
Pela primeira vez em um tempo, eu fiquei sem palavras.
— Eles devem ter grampeado o meu computador enquanto eu estava fora, então podem ter rastreado as minhas atividades depois que eu voltei da lua de mel. Eu não fazia ideia de que eles podiam estar me observando naquela época. Puta que pariu.
— A boa notícia é que eles ainda não descobriram nada sobre a eleição.
Eles estão mantendo você aqui por isso e torcendo para descobrir mais. Mas esse deslize, tecnicamente, é suficiente para ferrar bonito com você.
Me recostei, me afundando ainda mais na negação.
— Não é o suficiente.
— Seria ótimo se fosse verdade, mas acho que nenhum de nós é bobo. Eles não vão tornar as coisas nem um pouco fáceis para você.
Uma batida na porta avisou que precisávamos dar sequência.
Dean se levantou.
— É a sua vez. Vamos determinar a sua fiança e tirar você daqui.
Vinte minutos depois, estávamos na frente do juiz.
— Estamos solicitando a libertação sob fiança.
A promotora parecia estar na casa dos cinquenta anos. Ela era pequena, com cachos loiros curtos emoldurando seu rosto. Assim que ela abriu a boca, contudo, eu soube que ela estava ali para me prensar contra a parede.
— Estamos pedindo que a libertação do sr. Landon sob fiança seja negada.
Dean meneou a cabeça.
— Foi um crime sem violência, Excelência.
A promotora continuou.
— Este homem é uma arma ambulante. Tudo de que ele precisa é um computador para cometer seu próximo crime e comprometer informações importantes.
— Meu cliente tem um histórico limpo — argumentou Dean.
— Há três meses atrás, ele foi trazido para cá sob acusações de agressão.
— Que foram prontamente descartadas.
— O que não é surpreendente para o homem com a influência dele — retrucou ela.
A juíza a fitou por cima dos óculos.
— Está questionando a integridade do tribunal, doutora?
— É claro que não. Só estou dizendo que este homem está sob investigação por ter manipulado uma eleição estadual. Nenhum de nós tem como saber do que ele é capaz.
— As acusações feitas contra ele com relação à eleição ainda são infundadas e não têm ligação alguma aqui — argumentou Dean.
— Discordo. O sr. Landon é um hacker conhecido e só estamos começando a descobrir o que pode ser uma montanha de atividades fraudulentas. Em uma noite, ele conseguiu hackear os mainframes de um grande banco e de uma universidade estadual. Ele não é um homem a ser subestimado.
— Tudo isso é especulação — ponderou Dean.
— Considerando as acusações feitas contra ele hoje, a identidade e as informações pessoais de qualquer um estão em risco, inclusive a sua, Excelência.
— Fiança negada.
— Excelência… — começou Dean.
Ele foi interrompido pela batida forte do martelo.
— Audiência encerrada.
O pavor percorreu minhas veias, pontuado por um soluço que reconheci imediatamente como o de minha mãe. Me virei e ela estava algumas fileiras atrás. O braço do meu pai estava em torno dos ombros dela, puxando-a para ele. Fiona estava com lágrimas nos olhos e eu supus que ela não soubesse nem da metade. Maldito Parker.
Eu queria culpá-lo, mas a verdade era que eu só tinha a mim mesmo para culpar. Com exceção de algumas mensagens não lidas do que pareciam ser ficadas de uma noite só de muitos meses atrás, o histórico de Parker era limpo. E cá estava eu porque deixei minhas preocupações me vencerem.
O resto da minha família parecia estar em um maldito funeral. E tinha a Erica. Impassível. Seu maxilar cerrado com firmeza. Os olhos cansados e inchados. Por baixo daquela fachada forte, eu sabia que ela estava tão devastada quanto eu me sentia. O nó no meu estômago aumentou, originando uma raiva entorpecente.
Me voltando para Dean, encarei o homem que raramente se encolhia, mas teve a decência de não parecer apreensivo.
— Conserte isso.
— É para isso que você me paga.
Ele soava confiante, mas seus olhos me contavam outra história. Eles me evitavam, vagueando pelo tribunal barulhento.
Minha atenção se voltou novamente para Erica, que estava saindo do tribunal com o resto da família. Ela estava de costas para mim e tudo dentro de mim queria ir até ela. Eu queria abraçá-la em meio a essa tempestade, sabendo que iríamos superá-la juntos, de um jeito ou de outro. Mas não ficaríamos juntos. Estaríamos a quilômetros de distância, passando todas as noites pensando um no outro.
Engoli em seco e a observei ir embora, me sentindo completamente eviscerado.
O oficial de justiça se aproximou e eu dei uma olhada fria para Dean.
— Transfira contas para o Heath. Faça o que for necessário. Preciso saber que Erica vai estar bem cuidada se tudo isso der errado.
— Considere feito. Mas vou trabalhar primeiro em tirar você dessa encrenca.
— Vou ficar bem. Ela é sua prioridade.
— Você é a prioridade, Blake. Se a Erica consegue aguentar você, ela é forte o suficiente para aguentar isso tudo. Ela vai ficar bem.
O oficial de justiça fechou as algemas em torno dos meus pulsos. Enquanto o metal frio circundava minha pele, meus batimentos aceleraram e meu corpo ficou desconfortavelmente quente. Eu iria de boa vontade, mas essa era a terceira vez, em dois dias, que eu precisava me acostumar com a contenção e eu angariei toda força de vontade para não lutar contra elas.
Algo nessa vez parecia definitivo. Como se os cliques rápidos dos fechos se encaixando fosse um som com o qual eu deveria me acostumar.
A boca de Dean continuou se mexendo, mas a parte de mim que talvez se importasse com quaisquer outras garantias que ele pudesse estar dando estava morrendo. Erica era uma guerreira. Eu não tinha certeza se eu ainda era.
CAPÍTULO 16
ERICA
Saí do meio da multidão e tirei o celular da bolsa. A família de Blake estava reunida do lado de fora do tribunal, conversando com o advogado. Eu estaria com eles, se tivesse alguma fé no sistema legal para resolver essa injustiça.
Com mãos trêmulas, encontrei o número de Daniel, liguei para ele e deixei tocar. O correio de voz atendeu. Encerrei a ligação e liguei novamente. Como ele não atendeu de novo, ouvi todo o recado do correio de voz. Breve, frio.
Como o homem por trás dele.
— Daniel, sou eu, Erica. Sei que você não quer falar comigo. — Fechei os olhos, lutando contra a turbulência que ameaçava piorar a dor quase excruciante que eu estava sentindo agora. — Mas eu realmente preciso conversar com você. É importante. E se você não me ligar de volta, vou simplesmente continuar ligando. Se você me conhece — e, apesar de tudo, acho que me conhece bastante bem agora —, sabe que não desisto tão facilmente. Obrigada.
Desliguei e, dando uma ótima olhada na direção de Gove e dos rostos sóbrios da nossa família, me virei para ir embora.
As portas pesadas de madeira do tribunal se abriram com um empurrão.
Do lado de fora, um monte de repórteres correu na minha direção. As perguntas deles vieram todas de uma vez. Suas vozes se atropelavam umas nas outras. Daniel — Blake — a eleição — meu envolvimento.
— Essas novas acusações contra o seu marido têm algo a ver com a eleição para governador?
— Você tem algum comentário a fazer sobre o fato de a vitória ter sido arrancada de Fitzgerald?
Meu cérebro já enevoado não conseguia processar o que tinha acabado de acontecer no tribunal, muito menos formular respostas para preencher os noticiários deles. Tentei desviar deles e a única coisa que penetrou o tumulto foi o som do meu nome. Então, eu vi Marie se espremendo entre dois homens.
Os olhos dela estavam arregalados, expressando uma mistura de frustração e preocupação.
Ela estendeu a mão para mim.
— Venha comigo.
Peguei a mão dela e caminhamos rapidamente na direção do carro dela.
Os repórteres finalmente desistiram depois de estarmos a vários passos de distância. Me sentei no banco do passageiro do sedan dela, fechando a porta e isolando o frio e o barulho lá fora.
Uma olhada para a melhor amiga da minha mãe e as lágrimas começaram a cair. Ela se esticou do banco do motorista para me abraçar com força.
Enterrei o rosto no casaco dela e apertei o corpo pequeno dela, tentando me controlar para não desandar completamente.
— Vi o noticiário esta manhã e vim assim que pude.
Funguei e me recostei no banco.
— Obrigada.
— Eu sabia que as coisas não estavam indo bem para Daniel. Aquele homem venderia a própria alma para vencer, mas eu não fazia ideia de que Blake podia estar envolvido.
Sequei os olhos.
— Ele não estava. Ele não teve nada a ver com a eleição, mas é o único suspeito em que eles estão de olho, então estão transformando a vida dele em um inferno e detendo-o por essa acusação.
A raiva inundou minhas veias. Eu odiava a mulher que tinha ficado entre Blake e a fiança. Apesar de toda sua determinação, ela não fazia ideia de quanta dor estava provocando ao nos manter separados. Fechei as mãos em punhos, tentando me apegar à raiva, nem que fosse para aliviar a dor devastadora que jazia logo além.
— Por que você não me ligou?
Meneei a cabeça e fiquei olhando para meu próprio colo.
— É muita coisa. É demais para qualquer pessoa consertar.
Alli ficou na minha casa boa parte da noite, tentando me deixar em um estado estável, na medida do possível. A última coisa que eu queria era perder a cabeça quando ainda não tinha respostas.
Nós tínhamos conversado sobre tudo o máximo que deu e concordamos em encontrar com o Sid depois da audiência para ver se ele podia encontrar o código. Eu não queria pedir que ele pusesse a própria liberdade em risco, mas meu desespero estava crescendo a cada minuto que passava. Com exceção da fraca esperança em ter ajuda de Sid, eu estava com dificuldades em encontrar qualquer luz no fim desse túnel horroroso. Não fizemos progresso em achar Trevor desde meu retorno de Dallas.
Possivelmente, eu ainda estava em choque por ter visto Blake ser levado embora algemado um dia atrás. E agora isso… Agora ele sequer poderia ir para casa comigo.
— Eles negaram a fiança dele, Marie. Eu nem posso vê-lo. Não sei o que vou fazer agora. Nós íamos tentar chegar à raiz disso juntos e agora ele sequer está aqui.
Marie secou as lágrimas que continuavam caindo, me acalmando delicadamente. Ela fez isso até meu choro diminuir. Solucei, tentando respirar direito em meio ao meu sofrimento.
— Olhe para mim, minha menina. Vai ficar tudo bem — sussurrou ela.
Fiquei olhando para as lindas íris caramelo dos olhos dela. O cabelo dela escorria em longos caracóis em torno de seu rosto. Ela era uma mulher linda com um coração lindo. Mas quando se tratava das realidades do mundo, Marie podia ser ingênua. Eu já tinha visto o coração dela ser partido vezes demais para acreditar que ela poderia frear esse trem desgovernado de mágoa em que eu estava embarcada agora.
— Vejo medo nos seus olhos, mas vejo fogo também. Eu sei que você quer que Blake seja a força de vocês dois. Quando se trata de proteger você, eu acredito que ele sempre será. Mas ele precisa de você agora. Ele precisa que você seja forte.
Forte. O que era isso no contexto do que estava acontecendo agora? Eu me considerava forte. Imperfeita, sensível, é claro. Mas quando as coisas ficavam difíceis, quando a vida apresentava seu pior, eu sempre encontrava uma maneira de dar a volta por cima.
Eu fui uma pessoa forte a vida toda, mas, de alguma forma, fazer isso sozinha parecia diferente. Eu assumia a responsabilidade pela minha própria dor, minhas próprias dificuldades e circunstâncias. Agora eu dividia com Blake. Por mais que nós gostássemos de lutar contra nossos demônios sozinhos, quando um de nós estava sofrendo, o outro também estava.
Tínhamos unido nossas alegrias e nossas tristezas.
— Estou grávida, Marie.
Uma mistura de alegria e preocupação preencheu os olhos dela.
— Meu Deus. Meu Deus. Erica, por que você não me contou?
— Descobri alguns dias atrás. Tivemos uma consulta na segunda-feira e tudo parece bem. Não íamos começar a contar às pessoas ainda.
Mais lágrimas chegaram, chovendo sobre aquela felicidade relembrada.
Como é que tudo isso podia ter desmoronado tão rápido? Quando parecia que Blake e eu não podíamos estar mais fortes ou felizes, as circunstâncias tinham se intrometido e ameaçado tirar tudo de nós.
Marie ficou em silêncio por um bom tempo. Quando ela falou, os olhos dela brilharam.
— Não consigo nem imaginar o que você está sentindo agora, querida.
Pressionei as pálpebras com os dedos, tentando estancar as lágrimas que simplesmente insistiam em cair.
— Consigo sentir a Patricia nos olhando lá de cima neste instante.
Olhei para cima, o rosto de Marie embaçado entre minhas lágrimas. Em meio a tudo isso, eu não tinha pensado na minha mãe, mas, de repente, eu pude senti-la também… através do amor de Marie.
— E eu sei que ela está feliz, sorrindo de alegria. O que você está passando não é fácil e meu coração está se despedaçando por você, Erica, mas essa é uma bênção que você recebeu por um motivo. Apegue-se a ela. Lute por ela.
Permita que esse seja o motivo para que você permaneça forte por todos vocês.
Uma faísca de esperança acendeu dentro de mim. Busquei por ela, mas eu estava longe de sentir qualquer tipo de alívio. As lágrimas tinham amenizado e eu inspirei um respiro trêmulo.
— Eu gostaria de acreditar que tê-la aqui agora tornaria as coisas melhores, de alguma forma. Eu simplesmente não vejo como pode ficar pior.
Ela secou uma lágrima errante e jogou meu cabelo para trás.
— Por que você não vem para a minha casa por um tempinho?
Abaixei os olhos e girei as alianças no meu dedo repetidamente, sem respondê-la.
— Você não deveria ficar naquele casarão sozinha. Venha ficar comigo.
Mesmo que seja só por um ou dois dias. Uma mudança de cenário não pode fazer mal.
Eu tinha acabado de voltar para casa. Mas ela tinha razão. Cada segundo naquela casa me lembrava de que Blake não estava nela.
— Melhor eu voltar. Os pais de Blake moram perto, se eu precisar de alguma coisa — murmurei.
— Eu sei, mas eles estão lidando com a própria dor agora. Me deixe cuidar de você um pouquinho até Blake poder voltar para casa. Você está cansada e esgotada. Sei como você é. Vai ficar ruminando sobre isso e acabar doente.
Venha ficar comigo e podemos conversar sobre o assunto.
Talvez ela tivesse razão. Concordei com a cabeça, me rendendo à ideia.
— Está bem. Me deixe ir para casa e arrumar uma malinha.
— Quer que eu leve você?
— Não, está tudo bem. Vou com o Clay e peço para ele me deixar na sua casa um pouco mais tarde. Quero conversar com os pais de Blake e saber o que o advogado disse.
Eu também tinha que dar um pulo do escritório. Por mais desesperançosa que eu estivesse, não podia ir me esconder na casa de Marie e convalescer até tudo isso terminar. Eu tinha que correr atrás de cada pista que pudesse até chegar mais perto da verdade.
— Está bem. Me ligue quando estiver a caminho ou se alguma coisa acontecer.
— Ligo. Obrigada.
Suspirei pesadamente, sem o fardo de algumas lágrimas, mas não me sentia mais leve.
Marie segurou minha mão e a apertou com força.
— Sempre estarei aqui por você. Não importa o que aconteça.
Eu a agradeci de novo, saí do carro e deixei que ela fosse embora.
Encontrei Clay do outro lado do estacionamento. Ele me levou de volta a Marblehead e me deixou na casa dos pais de Blake. Parei na porta deles, me perguntando se deveria bater, mas decidi simplesmente entrar.
Fiona, Catherine, Alli e Heath estavam na cozinha.
— O que o Parker vai dizer? — perguntou Heath.
Fiona beliscou o dorso do nariz.
— Eu sinceramente não sei o que dizer a ele. Posso tentar explicar que Blake só estava tentando me proteger, mas, obviamente, essa é uma invasão de privacidade tremenda.
A porta se fechou com um ruído e eu entrei.
— Erica, querida. Entre.
Catherine me chamou para ir até eles. Ela me abraçou quando eu estava perto o suficiente. Todo o meu corpo ficou tenso. Eu não iria mais chorar.
Tinha decidido na noite passada que bastava de choro, mas já tinha desandando hoje.
Ela me soltou, suspirando tremulamente.
— Venha. Vamos nos sentar.
Ela nos levou até a sala, onde todos se sentaram. A figura de Greg me chamou a atenção. Ele estava no deck, apoiado no guarda-corpo, de costas para nós.
O mar estava raivoso hoje, misturando-se a um céu cinza insensível. Às vezes, eu me perguntava como seria estar lá, presa no meio das ondas e do frio, à mercê da impiedosa Mãe Natureza. Era assim que eu me sentia neste momento. Talvez não estivesse sozinha nisso.
Meu coração doía por Catherine e Greg. O dia tinha sido devastador para mim. Eu não conseguia imaginar como estava sendo para eles. E eles ainda não sabiam sobre o bebê. Alli e Heath sabiam, mas agora eu ficava feliz por não termos contado ao resto da família. Sabendo que a liberdade de Blake estava correndo risco, eu não conseguiria contar a novidade para eles agora.
— O que o advogado disse? — perguntei.
— Ele sabe o que tem que fazer — disse Heath. — A polícia rastreou as atividades do computador de Blake quando vocês voltaram da lua de mel.
Todos nós sabemos que ele hackeou as contas do Parker. Obviamente, ele não estava tentando ser maldoso, mas eles vão tentar acusá-lo disso.
O celular de Fiona tocou.
— É o Parker. — Ela meneou a cabeça e silenciou o telefone. — Não acredito que o Blake fez isso. Que merda ele estava pensando?
— Ele só estava preocupado com você, Fiona — disse Catherine.
— Ele não é nenhum novato. Meu Deus, quantas vezes ele precisa passar por isso para aprender a lição?
Ela ergueu as mãos, mais brava do que eu jamais a tinha visto.
— É isso que ele faz, Fiona. Você sabe que nem sempre ele segue as regras — disse Heath.
— Ele investe em imóveis e desenvolvimento de software. Não sabia que hackear ilegalmente as coisas das pessoas tinha se tornado um hábito para ele.
Catherine meneou a cabeça, seus olhos marejados de novo.
— Todos esses anos e não consigo acreditar que voltamos à estaca zero. É um pesadelo. Um pesadelo vivo.
Alli estava calada ao meu lado. Repousei a mão na barriga. Eu não tinha certeza se estava garantindo ao bebê que tudo ficaria bem ou se estava pedindo silenciosamente que ele me reconfortasse. Nessa sala, rodeada pela minha família, eu sentia como se fôssemos um time de duas pessoas.
— Ele é assim — falei, finalmente. — Gosto disso tanto quanto vocês, mas, francamente, ele não consegue evitar o fato de que fazer essas coisas é extremamente fácil para ele. É um talento — antiético, talvez. Mas é ele. É por causa dele que nenhum de nós nunca vai passar necessidade. Vocês não podem difamá-lo por isso.
O silêncio se instaurou na sala. Catherine assoou o nariz em um lenço e saiu sem dizer nada. Ela voltou com uma garrafa de vinho debaixo do braço e as duas mãos cheias de taças.
Heath a fitou com preocupação.
— Mãe, não são nem onze da manhã.
— Não estou nem aí — murmurou ela.
Ouvi a porta da frente abrir e fechar e, alguns segundos depois, Parker se juntou a nós na sala de estar.
Os olhos de Fiona se iluminaram.
— Parker… O que você está fazendo aqui?
Os lábios dele estavam apertados.
— Você não está atendendo às minhas ligações. Fiquei preocupado.
Ela colocou os cabelos castanhos atrás das orelhas e evitou o olhar dele.
— Acho que precisamos conversar.
Ele se encolheu.
— Já sei de tudo. Seu irmão é um babaca enxerido. — Ele deu uma olhada severa para todos nós. — E eu não dou a mínima. Fiquei mais preocupado por não ver ou falar com você do que com tudo isso que está acontecendo.
Quando o olhar dela se voltou para o dele, seu lábio inferior tremeu.
— Desculpe. Achei que você estaria bravo.
Os olhos dele estavam fixos nela, como se ela fosse a única pessoa na sala.
— Fiona… Isso não muda nada.
Ela expirou audivelmente e se levantou. Parker foi até ela, que pegou na mão dele, e a puxou em um abraço apertado. Eles ficaram abraçados por um instante até que Fiona, já vermelha, o levou rapidamente para longe da sala e de nós.
Catherine suspirou e meneou a cabeça.
— Graças a Deus — murmurou ela, baixinho, enquanto começava a servir o vinho.
— Vou fazer um chá para mim, se você não se importar — falei, quando ela colocou uma taça à minha frente.
— Eu faço para você, querida — disse Catherine.
— Não, pode deixar — insisti, desaparecendo dentro da cozinha.
Um minuto depois, Heath apareceu e pegou uma caneca do armário para ele mesmo. As vozes de Catherine e dos outros era um mero murmúrio. Fiona e Parker não estavam em nenhum lugar à vista.
— Você está bem? — perguntou ele, pegando saquinhos de chá.
— O que você acha?
Os olhos cor de mel dele se encheram de uma preocupação que eu também sentia.
— Gove vai tirá-lo dessa, Erica. Blake não é o primeiro milionário a se livrar de um problema legal.
Fechei os olhos e apoiei as mãos no balcão.
— Estou cansada de me dizerem que vai ficar tudo bem. Estou cansada de viver a vida com essa fé cega de que tudo vai magicamente se resolver. Que, de alguma forma, eu posso confiar que todo mundo vai se importar tanto quanto eu, vai fazer o seu papel, vai encontrar a verdade que ninguém parece querer encontrar tanto quanto eu.
O maxilar dele se contraiu.
— Gove quer começar a repassar alguns dos recursos de Blake para mim e para você, caso as coisas piorem.
— Não — respondi, secamente.
Os lábios dele se estreitaram.
— Você quer ter fé ou quer começar a se planejar para o pior?
— Nem um nem outro. Quero consertar isso. — Fiz uma pausa e o encarei.
— E vou conseguir.
— Deixe Gove fazer o que ele precisa…
— Você quer me motivar, Heath? — Olhei para ele, meu maxilar firme. — Então me diga que não. Que eu não posso ou não deveria. Duvide de mim.
— Quero dizer que, acima de tudo, Blake quer você em segurança e bem-cuidada.
— Se ele me quer bem-cuidada, ele pode vir para casa e cuidar de mim por conta própria. Caso contrário, vou cuidar de mim mesma e vou chegar à raiz disso nem que seja a última coisa que eu faça.
Antes que ele pudesse responder, meu celular tocou no bolso. Eu o peguei.
Uma mensagem de um número local que eu não conhecia tinha chegado.
Tenho o que você procura. Estação Park Street.
Reli a mensagem, meu coração disparado. Seria Daniel?
Heath terminou de fazer nosso chá enquanto eu pensava no que responder.
E: Quando?
Em uma hora. Eu encontro você.
Dei uma olhada no relógio. Se não pegássemos trânsito, Clay conseguiria me levar até lá a tempo.
— Preciso ir — falei, de repente.
Heath franziu a testa.
— Aonde você vai?
Ignorei a pergunta dele e fui até a porta.
— Peça desculpas a Catherine. Diga que precisei sair às pressas.
Voei para casa, arrumei uma malinha para passar a noite na casa de Marie e orientei Clay a dirigir até a cidade. Ele estacionou perto da estação Park Street, com cinco minutos de antecedência.
— Espere por mim — falei.
Ele me encarou pelo retrovisor.
— Precisa que eu vá com você?
— Não, vou ficar bem.
Isso não daria certo com Clay me rodeando.
Ele se virou, me dando uma olhada atenta.
— Conheço você há tempo suficiente para reconhecer a sua cara quando você vai fazer algo que Blake não quer que você faça.
— Se dependesse de Blake, eu nunca sairia da porcaria daquela casa. Só vou me encontrar rapidamente com uma pessoa. Vou ficar bem. Prometo.
Ele hesitou.
— É meu trabalho manter você em segurança, Erica.
Essa era a segunda vez que ele usava meu primeiro nome. Em ambas, ele tinha conquistado minha atenção. Eu apreciava a preocupação dele, mas não podia permitir que ela me atrapalhasse agora.
— É uma estação movimentada, Clay. Se eu não voltar em dez minutos, você pode começar a se preocupar, está bem?
Ele se virou novamente e colocou uma mão no volante.
— Cinco minutos.
Revirei os olhos, mas não perdi mais nem um segundo correndo até os trens. Park Street era uma estação movimentada, especialmente no horário de almoço. Como esse estranho me encontraria no meio da multidão?
Fiquei parada desconfortavelmente, tentando parecer natural, o que era impossível, visto que dois trens chegarem e saíram e eu continuei ali. Mais pessoas se amontoaram na plataforma, esperando pelo próximo. Dei uma olhada nos rostos em volta e congelei quando avistei um que eu reconhecia.
Merda. Me virei e comecei a caminhar na direção das escadas que me levariam para fora da estação novamente. Eu queria correr, mas me movia devagar o suficiente para parecer natural. Essa não poderia ter sido uma hora pior. Rezei em silêncio para que ele não tivesse me visto e eu pudesse escapar despercebida.
— Erica!
A voz do homem era quase inaudível em meio ao grito do trem que se aproximava.
Continuei andando até que uma mão segurou minha cintura e me impediu de continuar. Olhei nos olhos do detetive Carmody, parcialmente ocultos por um boné de beisebol. Ele estava usando roupas casuais, mas era impossível não reconhecer seu rosto. Meu coração batia com selvageria. Afastei a mão rapidamente, sentindo algo pequeno e duro dentro dela. Abrindo-a, vi um pequeno pen drive preto. Ergui os olhos para olhar para o detetive novamente, mas, subitamente, ele tinha sumido.
Uma onda de ar quente assoprou meus cabelos quando o trem partiu.
CAPÍTULO 17
BLAKE
Eles me transferiram para uma prisão municipal naquela tarde. O processo quase ritualístico de me mudar de um lugar para outro e de sala para sala me ajudou a manter a cabeça livre de pensamentos sobre os acontecimentos da manhã. A visão do rosto de Erica, tão magoado, estava gravada na minha mente. Mas agora tudo que eu tinha era tempo, e não conseguia tirá-la da minha cabeça. Eu me sentia como se alguém tivesse arrancado metade das minhas entranhas e me dito que eu poderia viver sem elas.
Só que eu não conseguia conceber como viveria sem Erica por qualquer período longo. Eu podia viver sem dinheiro, posses ou sucesso. Mas não conseguiria viver sem aquela mulher.
Na hora do almoço, me sentei em uma mesa vazia e fiquei remexendo a comida na bandeja. Era nojenta e completamente impossível de comer.
Larguei o garfo e abri uma caixinha de leite que me lembrou das centenas de almoços que eu tinha aguentado no colégio.
Engoli tudo de uma vez e dei uma olhada em volta, para os outros criminosos sentados nas outras mesas. Tive que traçar paralelos. Isto aqui estava longe de ser a cantina do colégio, mas eu não iria me encaixar naquele lugar melhor do que quando era um adolescente ansioso. Convenci a mim mesmo de que não tinha nada em comum com aquelas pessoas. Eu tinha total intenção de ficar na minha. Quem sabia por quanto tempo eu teria que chamar este lugar de “lar”?
— Oi.
Max se sentou de frente para mim, usando o mesmo uniforme que eu. Ele largou a bandeja, como se pretendesse ficar.
Me recostei na cadeira e fiquei olhando para ele. Uma linha fina pálida se estendia por sua bochecha e, instantaneamente, eu soube que era da surra que eu tinha dado nele. Na última vez que eu tinha visto o rosto dele, ninguém o reconheceria. Cerrei as mãos em punhos, revivendo a lembrança e considerando seriamente entrar em ação de novo.
— O que é que você quer, porra?
Ele franziu a sobrancelha.
— Não quero absolutamente nada de você. Nós dois estamos aqui. Achei que talvez você fosse querer ver uma cara amigável.
— Só porque nós dois por acaso estamos aqui não significa que estamos nem perto de sermos amigáveis.
— É, bem, ter aliados não machuca.
Ele deu uma olhada em volta antes de voltar a olhar para a comida.
— Se você quer aliados, continue procurando. Estou bem sozinho.
— Que seja — murmurou ele.
Ficamos em silêncio por um tempo. Sem conseguir ignorar o rugido do meu estômago, comi uma garfada da minha lasanha de papelão e mastiguei com o ódio que eu sentia por Max. As pessoas das outras mesas conversavam entre si. Nos ignorando. Para falar a verdade, Max não parecia pertencer àquele lugar, assim como eu. Ele não era mais o mocinho bonitinho que um dia fora, contudo. Os cabelos loiros estavam um pouco compridos demais. A palidez de sua pele não era o brilho artificial de costume.
— Você está bem abatido. Não é exatamente um spa aqui, hein?
Ele piscou.
— Olha quem está falando.
— É, bem, eu nunca liguei muito para as aparências.
Passei a mão pelo queixo. Eu ainda não tinha feito a barba. Supus que não importasse muito agora.
— Parecia mesmo.
Uma risada vazia escapou de mim pela ironia de nós dois estarmos ali, por como eu conseguia sentir a luta se esvaindo de mim a cada dia que passava.
Empurrei a bandeja, incapaz de tolerar nem mais uma garfada.
Ficamos sentados ali. Um bilionário e o herdeiro de um, usando uniformes azuis sem formato que nos relegavam ao degrau mais baixo da sociedade. O dinheiro ajudava, mas não podíamos comprar nossa liberdade.
Eu sabia disso. Tinha aprendido uma lição bem verdadeira anos atrás e, como resultado, eu sempre fora extremamente cauteloso. Descobria as informações de que precisava, mas tomava o cuidado de analisar com quem e como eu me intrometia quando burlava a lei. A ironia era que eu estava sentado aqui agora, na frente de um homem que eu detestava, que não merecia nada além de quatro paredes de cimento em torno dele por toda a eternidade.
Aquela sensação vazia de derrota me assolou novamente.
— Ah, se o Michael pudesse nos ver agora…
Os lábios de Max se estreitaram, todos os sinais de sua pretensa camaradagem desapareceram.
— Ele se preocupa muito menos do que você imagina, sabia?
— Você está dizendo isso porque ele cortou a sua grana. Dar o que você merece não significa que ele não esteja nem aí para todos os outros.
— Você não o conhece — retrucou ele.
— Eu o conheço por metade da minha vida. Acho que isso é muita coisa.
— Você teve uma amostra. Só viu o lado bom.
Michael era mais que bom. Na verdade, bom não era uma palavra que eu usaria para descrevê-lo. Focado, astuto, exigente em suas ações e escolhas.
Ele não podia escolher os próprios filhos, claramente, e Max nunca conseguiria perdoá-lo por ter escolhido a mim quando se tratava de negócios.
— Você é filho dele e age como tal. Tenho certeza de que ele mostrou um lado diferente dele para você mesmo. Um lado de que eu provavelmente não iria gostar também.
Ele soltou uma risada fraca.
— Você olha para mim e tudo que vê é um cara fodido, porque é isso que você quer ver. Eu teria feito qualquer coisa por ele, por uma chance de aprender com ele e ser parte de algo mais. Ele me manteve propositalmente afastado das oportunidades que teriam me ajudado a ser bem-sucedido e, daí, deu essas mesmas oportunidades a você. Ele jogou isso na minha cara.
— Talvez, mas isso não serve de desculpa para os erros que você cometeu.
— O único erro que eu cometi foi voltar meu ódio contra você. Devia ter sido contra ele. Devia ter sido contra ele o tempo todo.
— Você volta o seu ódio contra qualquer pessoa que atravesse o seu caminho, não vamos esquecer.
Ele largou o garfo e empurrou a bandeja.
— Olha… Sinto muito pela Erica.
Aquelas palavras pairaram no ar entre nós. Palavras ridículas, pequenas.
— Você sente muito?
— O que você quer que eu diga? Eu mal encostei nela. Estou cumprindo pena aqui por nada.
Minha visão ficou vermelha. Cada músculo se contraiu, pronto para lutar.
— Você a usou para me atingir. E o meu punho foi o único motivo pelo qual você não foi mais longe com ela. Você sabe disso tão bem quanto eu, seu bosta doente. Você não faz ideia do que ela passou.
— Ela dormia com todo mundo, Blake. Até o Mark comeu. Só porque ela é sua esposa não significa que ela não tenha um passado. Quero dizer, ela estava pedindo o tempo todo em que estava negociando com a Angelcom. Que tipo de mulher se apresenta em uma sala cheia de homens e…
Me estiquei por cima da mesa. Agarrando o cabelo dele, bati a cabeça dele na mesa entre nós. Eu o segurei pelo pescoço. A raiva se espalhava por mim.
Um grito gorgolejado escapou da garganta dele.
— Me solte!
— Mark a estuprou, seu filho da puta idiota.
Ele se debateu contra minhas mãos. O barulho na sala diminuiu, apesar de nunca ficar completamente silencioso. Mesmo assim, eu sentia os olhos dos espectadores perto da gente. Mas algo selvagem e inconsequente tinha se apossado de mim. Onde mais, se não em um lugar infernal como este, um homem como Max poderia encarar o tipo de fúria que merecia? Se era para ser pelas minhas mãos, tudo bem. O tempo curtíssimo da sentença dele não seria suficiente. Uma vida inteira não seria suficiente.
Ele se debateu e eu afrouxei a mão só para bater a cabeça dele com mais força, sentindo os tendões de seu pescoço se curvarem sob o meu toque. Me abaixei, ficando perto do ouvido dele.
— Você faz ideia de como é, para mim, não poder tocar na minha esposa porque ela acha que pode ser você? Ou ele? — Fiz uma pausa, permitindo que minha respiração irregular alimentasse a onda de adrenalina que bombeava pelo meu corpo. — Eu devia ter acabado com você aquele dia. Devia ter acabado com você e a sua existência patética. Você teve muita sorte de o Michael ter me puxado.
Ele fez uma careta.
— Ele não queria.
— Porque você é um merda que não vale nada, e nem mesmo o Michael pode negar isso agora.
— Você! Tire as mãos dele, porra!
Me ergui subitamente, os olhos estreitados para o guarda que se aproximava. Por mais que talvez quisesse dar a ele e a mais vários outros o mesmo tratamento que tinha dado a Max, o guarda tinha o dobro do meu tamanho e um cassetete nas mãos, que eu só podia assumir que ele usava com certa regularidade.
— Não venha me olhar desse jeito, riquinho.
Larguei Max e me afastei da mesa. Max voltou ao banco, as mãos na garganta enquanto ele ofegava por ar. Quaisquer que fossem as consequências que talvez resultassem daquilo, eu as encararia e faria de novo. Se estar ali não me proporcionava nada mais, talvez fosse a chance de fazer justiça à Erica desse lado da parede. Aquele era um propósito que eu poderia aceitar.
O guarda pegou Max pelo pescoço, bem onde eu o estava segurando.
— Mas que merda! — gritou Max, os braços se agitando desamparadamente até ele cair no chão.
— Levante-se — latiu o guarda.
— Eu não fiz nada. Ele me atacou!
O guarda se abaixou, erguendo o cassetete bem alto. Max se encolheu uns trinta centímetros.
— Primeiro, você não sabe porra nenhuma sobre como é ser atacado.
Segundo, você está aqui por tentativa de estupro, então é melhor levantar essa bundinha aí do chão ou vai descobrir como é.
O pavor reluziu nos olhos de Max enquanto ele se levantava desajeitadamente. Uma olhada rápida pelas mesas ao redor revelou um bocado de olhadas ameaçadoras engolindo a vulnerabilidade atual dele.
— Levante-se de uma vez antes que alguém o use para ensinar uma lição.
Max pegou a bandeja, se livrou dela rapidamente e se retirou para uma mesa vazia nos fundos da sala.
O guarda deu uma olhada dura na minha direção.
— Tome cuidado — alertou ele.
***
ERICA
Um passo dentro do escritório e as expressões preocupadas no rosto de todo mundo me disseram que eles já sabiam que alguma coisa estava errada.
Os olhos azuis de James me avaliaram por trás do computador antes de ele se levantar.
— Erica, fiquei sabendo do Blake. Você está bem?
Passei reto por ele e coloquei o pen drive na mesa de Sid. Sid abaixou os fones de ouvido, pendurando-os no pescoço.
— Tenho um novo projeto para você — falei.
— O que é isto?
Ele ficou alternando seu olhar entre o mim e o pen drive.
— Não tenho cem por cento de certeza, mas acho que é o código que foi carregado nas urnas que inseriram os votos falsos a favor de Fitzgerald.
Ele apertou os lábios.
— Deveria saber como você conseguiu isso?
— Não. Sua função é dar uma olhada e descobrir um jeito de provar que Blake não fez isso.
Ele soltou um suspiro lento.
— Só isso, é?
Como não respondi, ele colocou o pen drive no computador e começou a digitar. Os olhos dele iam de um lado para o outro da tela enquanto Geoff, Alli e eu olhávamos, cheios de expectativa.
— Sim, parece que estes são os binários. — Ele ergueu os olhos. — Me dê algumas horas para esmiuçar tudo. Depois eu conto o que descobrir.
Puxei uma cadeira da mesa dele e me sentei, cruzando as pernas. Reparei na bagunça na mesa de Sid. A superfície estava decorada com nada menos que uma dúzia de energéticos vazios e algumas pilhas de papéis. Ele ergueu uma sobrancelha quando nossos olhos se encontraram.
— O Blake está na cadeia, Sid. Não vou sair daqui até você encontrar alguma coisa.
Geoff se pronunciou.
— Posso dar uma olhada?
— Me deixe fazer uma cópia, só um segundo. — Sid apertou mais algumas teclas e removeu o pen drive. — Aqui está — disse ele, entregando-o a Geoff.
Alguns minutos que pareceram uma eternidade se passaram até Sid falar de novo.
— Bem, este é um bom sinal.
— O quê? — perguntei, me endireitando.
— Parece que o código que rodava originalmente nas urnas foi alterado por um programa externo.
— O que isso significa, exatamente?
— Basicamente, alguém anexou um vírus usando um exploit de dia zero no código de Blake para aumentar os votos de Fitzgerald no dia da eleição. Se Blake tivesse escrito isso sozinho, eu duvido muito que teria usado esse método.
— Por que você diz isso?
— Por que anexar um programa ao seu próprio código se você pode escrever uma parte abrangente de código para fazer isso?
Ouvir aquilo me fez odiar Evans de novo. Se ele tivesse colocado pessoas para olhar isso, elas teriam suspeitado da mesma coisa. Talvez por isso Carmody me deu o pen drive. Eu queria perguntar a ele por que fizera aquilo, mas concluí que havia um bom motivo para ele não ter ficado lá tempo o suficiente para eu perguntar.
— Certo. É um começo, mas precisamos de uma maneira de provar que o Trevor fez isso.
— Hum… — A expressão de Geoff estava tensa de concentração enquanto seus dedos voavam pelo teclado. — Talvez a gente não possa colocar o nome do Trevor diretamente neste código. Mas o do Blake já está envolvido, certo?
— Sim, as rotinas de encriptação são dele. Todo mundo, incluindo as autoridades, sabe disso — falei.
— Certo. Então, teoricamente, devemos conseguir provar que duas pessoas diferentes escreveram as duas partes do código. É meio que como uma análise de caligrafia, ou impressões digitais distintas. Padrões de códigos podem ser analisados da mesma forma.
— Você consegue fazer isso?
— Existem programas legítimos por aí, mas como a situação é, hum, delicada, tenho um amigo que tem uma versão caseira que ele mesmo fez.
Posso pedir para ele rodar no programa dele, comparar as duas versões e destacar as discrepâncias.
— Vamos fazer isso — falei, sem hesitar.
Era disso que eu precisava, algo concreto. Tudo, com exceção das acusações sob as quais eles estavam mantendo Blake detido, agora era baseado em conjeturas.
— Se eu tivesse mais alguma coisa que Trevor e Blake escreveram, isso ajudaria a comparar os dois — acrescentou Geoff.
— Tem os logs de quando Trevor começou a atacar o Clozpin — disse Sid. — Se conseguirmos provar que o vírus não é o código de Blake, também devemos conseguir provar que quem hackeou o nosso site e vários outros da frota de Blake era a mesma pessoa — disse Sid. — Infelizmente, não tenho mais os logins do servidor do Clozpin.
James se pronunciou.
— Os meus ainda funcionam. Tenho bisbilhotado o progresso deles desde que saí. Espere aí, vou mandar para você.
Sid riu.
— Amadores.
Eu estava prestes a perguntar quanto tempo isso iria levar quando meu celular tocou. Daniel estava ligando.
— Já volto. — Fui até meu escritório e fechei a porta. — Daniel, oi.
— Recebi seu recado — disse ele.
— Obrigada por retornar a ligação.
— Eu falei para você não ligar.
O tom dele não era nada caloroso.
— Pois é, eu não sou boa em seguir ordens.
— Obviamente. As coisas estão muito acaloradas agora. Fora a eleição, o FBI está na minha cola, achando que estou por trás de tudo isso junto com o Blake. Você não vai querer se envolver mais do que já está nisso.
— Eles prenderam Blake.
Ele limpou a garganta roucamente.
— Estou sabendo.
— Ele não fez isso.
— Reze para Deus para que não tenha feito mesmo, Erica. Não vou me dar ao trabalho de dizer a você quanto dinheiro eu gastei nessa campanha. Não se trata só do dinheiro. É uma vida inteira de trabalho, e se ele se meteu entre mim e…
— Sei quem fez isso e preciso da sua ajuda para encontrá-lo.
Mesmo com toda dor que Daniel tinha causado, tudo que eu queria fazer era dar um tapa na cabeça dele por estar sendo tão cabeça dura. Eu finalmente, finalmente, estava fazendo progressos, e ele ainda estava se apegando à suposta culpa de Blake.
— Erica, não tenho tempo para isso.
— Não ligo se você tem tempo para isso ou não. Nunca mais vou pedir qualquer coisa para você de novo. Vou permanecer fora da sua vida para sempre, se é isso que você realmente quer. Só estou pedindo uma coisa.
As palavras saíram apressadamente, antes que eu tivesse a chance de perceber o que estava prometendo. Mas a verdade era que eu diria e faria qualquer coisa para tirar Blake dessa e Daniel podia ser minha última esperança de encontrar Trevor.
Ele fez uma pausa.
— Não deveríamos estar conversando assim. Não é seguro.
— Está bem. Então vamos nos encontrar.
Ele suspirou.
— Onde?
Pensei por um minuto, analisando a melhor opção. Daniel provavelmente tinha razão em estar paranoico, mas eu estava contente por ele ter concordado em me encontrar. No entanto, vê-lo pessoalmente pediria mais que privacidade. Eu precisava que ele realmente me ouvisse. Precisava dizer coisas que estavam entaladas há semanas e talvez essa seria a última chance para fazer isso.
— Vamos nos encontrar fora do centro da cidade. Vou mandar uma mensagem com o endereço.
— Tudo bem.
Uma hora depois, Marie e eu estávamos em pé na cozinha dela. Suas mãos estavam encolhidas em cima do balcão. Fiquei mudando o peso do corpo de um pé para o outro e olhei o relógio mais uma vez.
— Por que aqui?
A apreensão na voz dela fez eu me arrepender da decisão de convidar Daniel à casa dela para conversar. Foi uma ideia maluca, mas alguma coisa me disse que este seria o lugar perfeito para realmente influenciá-lo de um jeito que eu nunca tinha conseguido antes. Eu também esperava que ter Marie por perto me desse a força da qual eu precisava para encará-lo.
— Ele está pensando que Blake arruinou suas chances de ser govenador.
Preciso convencê-lo do contrário, e nós precisávamos de um lugar seguro para conversar.
Ela parou de apertar o balcão e cruzou os braços em cima do peito.
— Erica, eu a alertei sobre o Daniel. Ele é perigoso e você nunca poderá confiar nele.
— Sim, você me alertou. Em minha defesa, eu não fazia ideia do que esperar quando o convidei para fazer parte da minha vida. Dizer “eu avisei” a essa altura não ajuda. Ele está aqui e, neste exato momento, eu preciso convencê-lo, se quiser ter qualquer chance de tirar Blake dessa confusão.
Você me disse para lutar e é exatamente isso que estou fazendo.
Ela suspirou.
— Só fico preocupada com você. Richard… — A garganta dela se moveu quando ela engoliu em seco. — Ele morreu por ter se envolvido com os assuntos de Daniel.
De fato, o ex-namorado de Marie tinha encontrado seu destino final por ter se aproximado demais da investigação sobre Daniel e o suposto suicídio de seu enteado. Eu ainda me lembrava da expressão determinada nos olhos dele momentos antes da vida dele terminar e a minha ser alterada irrevogavelmente por uma arma.
Talvez, de certa forma, Richard tenha sido tão obstinado quanto eu sou. Ele era jornalista e esse era o trabalho dele. Mas ele não era filho de Daniel. Eu sentia pena do homem que tinha cruzado o caminho do meu pai, mas, no fundo, eu acreditava que ele se importava comigo, nem que fosse apenas porque tinha, um dia, amado a minha mãe.
Uma batida forte na porta da frente fez Marie dar um pulo.
— É ele.
Ela ficou olhando para a porta e hesitou.
— Tem certeza de que quer fazer isso?
— Preciso conversar com ele, Marie, e preciso que ele confie em mim.
Ela concordou brevemente com a cabeça e foi até a porta, abrindo-a.
Ele piscou rapidamente, olhando-a de cima a baixo. Ele estava vestindo roupas casuais, calça cáqui e camisa azul.
— Oi, Daniel.
A expressão chocada dele se transformou em uma careta.
— Marie?
Um sorriso pequeno cutucou os lábios dela.
— Você lembrou.
— É claro. Como poderia esquecer?
Ele pareceu repentinamente diferente. Constrangido, quase vulnerável.
Não era o Daniel que eu conhecia, em nenhuma de suas facetas.
— É bom ver você de novo — disse ele.
Eu sabia que ela não estava feliz por vê-lo de novo e odiei colocá-la nessa situação. Minha mãe a fizera prometer que não me contaria a identidade do meu pai e, mesmo assim, cá estava ele, batendo à sua porta. E ela tinha todo direito de ser protetora. Daniel não era um homem confiável.
Ela deu um passo para o lado e gesticulou para que ele entrasse.
— Entre. Ela está esperando por você.
Ele entrou e nossos olhos se encontraram.
— Erica.
O tom dele era sério, mas não tão agressivo quanto eu achava que poderia ser se estivéssemos sozinhos.
— Oi. Sente-se.
Nos sentamos de frente um para o outro na sala de estar de Marie enquanto ela subiu para nos dar privacidade.
— Escolha interessante de ponto de encontro — disse ele, depois que ela tinha saído.
— Chame de uma demonstração de confiança.
Deixá-lo saber que Marie ainda estava na minha vida era um risco, mas uma pequena parte de mim acreditava que podia ser um lembrete também — um importante lembrete. Esse fiasco da eleição seria um momento decisivo para ele, sem dúvidas, mas não seria o primeiro. Ele tomou uma decisão muito tempo atrás. Tinha escolhido dar as costas para a mulher que amava e o bebê que ela estava esperando. Ele fez isso — ou talvez fizeram por ele — pela oportunidade que acabara de escorrer por seus dedos. Tomou uma decisão que iria levá-lo a esse lugar e a esse momento; mesmo assim, apesar de todos os seus sonhos e de sua grande ambição, nada aconteceu conforme o esperado.
— Eu confio em você. Não confio no seu marido.
Ele deu um sorriso contido.
— Você realmente acredita que Blake fez isso? — perguntei a ele, sem raiva e nem persuasão. Eu realmente queria saber se ele conseguia acreditar no que eu sabia ser falso.
— Não estou descartando a possibilidade. Ele nunca foi meu fã.
— E o mesmo vale para você. Por que ele incitaria a sua raiva quando já sabe o quanto você não confia nele? Como isso beneficiaria a ele ou a mim?
Ele meneou a cabeça.
— Você não pode negar que ele me quer fora da sua vida.
— Você estava fora da minha vida.
— Blake é um homem extremamente rico. Tenho certeza de que você já sabe disso. Posso não ter o dinheiro que ele tem, mas tenho poder. O que essa fraude fez não foi apenas sabotar a posição poderosa que eu conquistei, mas ameaçou tudo que eu construí além dessa eleição. Minha reputação à frente da empresa. Como membro da comunidade. Faço parte de diretorias. Tenho influências que me levaram a esse ponto e essa fundação foi abalada. — Ele pressionou as pontas dos dedos na mesa de centro entre nós. — Essa fundação, Erica, é o meu valor, e a cada dia que passa, tem sido tirada de mim. Isso me coloca abaixo de pessoas a quem eu nunca tive que dar satisfação antes para que elas possam conseguir o que querem de mim, e seu marido está entre elas.
Minha paciência anterior tinha ficado perigosamente rasa. Rosnei, interrompendo aquele discurso ridículo dele.
— Que merda, Daniel. Ele não fez isso — insisti, tentando controlar a raiva.
— Além disso, qualquer um que acredite que seu valor vem do poder político precisa seriamente de umas férias. É assim mesmo que você se vê? É isso que você traz para o mundo?
O maxilar dele se contraiu e ele me fitou secamente.
— Tudo que posso dizer a você é que quem quer que esteja por trás disso vai pagar. De um jeito ou de outro. Não sou o único que estava interessado na minha vitória. E não sou o único que quer respostas.
— Se você quer tanto respostas, me ajude a encontrá-las. Sei quem fez isso.
Eu o encontrei uma vez e preciso da sua ajuda para rastreá-lo novamente para que o FBI possa prendê-lo. Enquanto eles acreditarem que foi o Blake quem fez isso, vão achar que você está envolvido de algum jeito. Ajudá-lo é se ajudar.
Ele ficou calado por um instante.
— Quem você está procurando?
— O nome dele é Trevor Cooper. É uma pessoa do passado de Blake, um hacker que usou o código de Blake de um projeto antigo para manipular as urnas. Eu sinceramente não acho que nada disso tenha a ver com você. Tudo que ele queria era se vingar de Blake e, infelizmente, você pagou o pato.
— Se tudo isso for verdade, por que a polícia não está procurando por ele?
— Porque eles não sabem que ele existe. Ao menos não até eu encontrá-lo.
É por isso que preciso de você.
— Essa parece uma história bem elaborada, Erica. É o Blake quem está por trás disso? Eu não achava que você pudesse ser tão ingênua, mas talvez o amor a tenha cegado.
Minha raiva fumegou de novo e eu tive dificuldades em não gritar.
— O amor não me cegou. Me fez ver com mais clareza do que nunca. E, sim, eu vou fazer o que precisar para limpar o nome dele. E você vai me ajudar.
Ele resmungou um palavrão e coçou o pescoço.
Eu não venceria essa sendo rude. Eu queria fazer isso. Dava uma sensação boa. Mas precisava dele envolvido. Precisava que ele sentisse uma fração do desespero que eu sentia agora. Eu não tinha certeza se ele era capaz disso, mas ao menos tinha que tentar. E havia muitas coisas que eu nunca disse a ele.
— Daniel. — Esperei até ele erguer os olhos, fixando seu olhar azul no meu.
Respirei fundo e rezei para angariar um pouco de coragem com aquilo. — Blake vai ser o pai do meu filho. Você disse uma vez que isso não importava para você… Isso ainda é verdade?
Ele ficou pálido e passou a fitar um ponto invisível no chão. Com o silêncio dele, eu prossegui. Tive dificuldades em manter a voz estável enquanto meu coração palpitava.
— Admito que trouxe você aqui porque queria que você visse a Marie de novo. Fico um pouco assustada em trazê-la para o seu mundo, mesmo que muito brevemente, porque nunca sei o que você vai fazer. Mas em algum lugar do seu coração frio e movido a poder, eu sei que você se preocupa com outras coisas além dessa maldita eleição. Esperei que, por um minuto, você pudesse abrir os olhos e visse que ela é como uma mãe para mim desde que minha mãe morreu.
— Fico contente por ela ter estado aqui por você — disse ele, baixinho, ainda evitando me olhar.
— Eu também. — Fechei os olhos por um instante, tentando falar, mesmo com o nó na minha garganta. — Depois do tiroteio… fiquei morrendo de medo de nunca ter uma chance de ser mãe. Pensei muito nisso. Mais do que qualquer pessoa pode imaginar. Eu desejei isso e então, por um milagre, tive uma chance. E a parte mais incrível é que eu tive chance de compartilhar essa experiência com um homem que eu amo profundamente, com cada pedacinho da minha alma. — Minha voz vacilou, mas eu continuei em um sussurro. — E eu quero fazer mais. Quero dar a essa criança mais do que eu tive. Mais do que isto.
Virei a palma da mão para cima e apontei para nós dois, um pequeno gesto que pretendia encapsular o vazio que existia entre nós, pelos anos de distância dele, e o vazio que ainda persistia.
— Você vai conseguir. Não tenho dúvidas.
— Então essa criança precisa de um pai, porque eu sei como é viver sem um. Nunca haverá outra pessoa para preencher esse espaço além de Blake.
Eu tive que conquistar o coração de outra pessoa. Sou grata ao meu padrasto, mas era você quem deveria estar lá. Ele sabia disso e eu, também.
Meu coração doía dentro do peito e meus olhos se encheram de lágrimas.
Tudo que eu tinha guardado por tanto tempo, desde antes de eu sequer saber quem Daniel era, ameaçou transbordar de mim. Como eu podia desprezá-lo e ainda querê-lo tanto era um mistério que eu nunca entenderia. Eu só podia torcer para que aquele sentimento ressoasse em algum lugar dentro dele também. Se essa conexão valia de alguma coisa, eu rezava para que pudesse significar algo para ele agora.
Ele largou a cabeça nas mãos. Passou os dedos pelos cabelos que estavam começando a ficar grisalhos. Eu queria ver os olhos dele. Eu os imaginava foscos de arrependimento. Ao menos parte de mim queria isso. Será que ele se arrependia de tudo isso?
— Eu sinto muito, Erica. Você nunca vai saber o quanto.
As palavras baixas dele atingiram meu coração.
— Não posso fazer isso sozinha, Daniel. Sou forte o suficiente… Talvez eu possa, não sei. Mas não consigo compreender. Recebi uma chance de algo que eu pensei que tinha sido tirado de mim. E agora o amor da minha vida pode ser tirado de mim também. Preciso da sua ajuda, por favor.
Ele suspirou.
— Está bem.
Meu coração pesado retornou à vida.
— Você vai ajudar?
— Se eu puder. Não sei ao certo o que você espera que eu faça. Também estou sob os holofotes.
Tirei um pedaço de papel do bolso e o entreguei a ele.
— Você pode começar com Margaret Cooper. É a mãe do Trevor. Foi assim que eu o encontrei da última vez, mas eles sumiram do mapa de novo. Este é o último endereço conhecido deles e todas as outras coisas que talvez possam ajudar. Se eu ou você conseguirmos encontrá-la, talvez eu possa encontrar o Trevor ou convencê-la a me levar até ele.
Ele ficou olhando para o papel, seu rosto sem emoção alguma.
— Você quer informações.
— Sim.
O rosto dele ficou tenso.
— Informações têm um custo.
Abri os lábios ao imaginar o que ele talvez pudesse querer.
— Tenho dinheiro…
— Não quero o seu dinheiro. Estou dizendo que não sou como você. As pessoas que descobrem informações para mim não entram em uma sala e fazem perguntas amigáveis. Alguém pode se machucar.
Revirei aquilo na minha mente algumas vezes. Eu me lembrava da mãe de Trevor, da maneira como ela veio para cima de mim. Se não estivesse tão bêbada, talvez conseguisse ter me machucado. Eu fui idiota de ir à casa deles sozinha e talvez estivesse sendo idiota de novo agora por estar pedindo isso a Daniel, mas estava ficando sem opções.
— Não me importo, desde que me consiga a localização do Trevor.
Encontre-o e você nunca mais vai precisar ter notícias minhas.
Ele concordou com a cabeça e voltou a olhar para o papel. Ele o moveu ritmadamente para frente e para trás entre o indicador e o polegar.
— É isso que você quer?
O ar ficou preso no meu peito.
— O que você está dizendo?
Ele meneou a cabeça e se mexeu para se levantar.
— Sei lá. Melhor eu ir.
— Daniel…
Enfiando o papel no bolso da calça, ele se levantou.
— Vou ver o que consigo encontrar. Entro em contato.
— Você acabou de chegar.
Eu o segui até a porta.
— Margo começou a arrumar as coisas para me deixar esta manhã. Preciso voltar e tentar argumentar algo. O fato de eu ter saído para ver você não vai me ajudar.
— Sinto muito.
O arrependimento nadava nos olhos dele.
— Eu também.
***
Cedinho na manhã seguinte, o barulho do celular me acordou. Eu o peguei, esfregando o sono em meus olhos.
— Alô?
A ligação estava ruim e aí uma telefonista perguntou se eu aceitaria uma ligação a cobrar da delegacia municipal na qual eu sabia que Blake estava detido. Meu coração bateu forte no peito, tanto de expectativa de ouvir a voz de Blake quanto pelo lembrete nada bem-vindo de que ele ainda estava detido lá. Aceitei a cobrança e ouvi um clique.
— Erica?
A voz de Blake parecia distante.
— Sou eu. — Fechei os olhos, batalhando para encontrar as palavras quando tudo que eu queria era senti-lo ali comigo. Eu queria ir correndo para onde quer que ele estivesse e trazê-lo de volta para casa, que é onde ele deveria estar. — Como você está?
— Estou bem.
Não havia vida alguma na resposta dele e eu lutei contra a vontade repentina de chorar. Eu não queria que ele me ouvisse desandar. Eu precisava ser forte.
— Sinto tanto a sua falta. Quando posso ir visitar?
Ele ficou em silêncio por um bom tempo.
— Prefiro que você não venha — disse ele, por fim.
— Como assim?
— Não quero você aqui, está bem? Sinto a sua falta. Meu Deus… — Ele soltou um suspiro trêmulo. — Sinto a sua falta mais do que você poderia imaginar, mas não quero que você ponha os pés neste lugar. Você me entendeu?
Me sentei na cama quando a preocupação renovada me despertou.
— Está tudo bem? Você está me assustando, Blake.
— Estou bem. Não há nada com o que se preocupar. Estar aqui… Você me ver desse jeito… Essa não é uma lembrança que quero para nenhum de nós.
— Mas e se…
— Como estão meus pais?
E se você não conseguir voltar para casa? Era a pergunta que nenhum de nós queria cogitar. Respirei tremulamente, decidida a respeitar o desejo dele e piedosamente mudei de assunto.
CAPÍTULO 18
BLAKE
— Mas que porra é essa?
Examinei a pilha de papéis que Evans largou na minha frente.
— Parece uma análise detalhada do código.
Evans estava do outro lado de uma das pequenas mesas redondas reservadas para detentos e seus visitantes. Eu estava esperando por outro visitante em segredo, mas estava contente por Erica ter respeitado meus desejos e não ter vindo. Eu queria vê-la, nem que fosse por apenas alguns minutos. Queria uma chance de reconfortá-la de qualquer maneira ao meu alcance, mesmo que fosse do outro lado de um pedaço de vidro, mas também não queria que ela me visse nesse estado.
Max tinha razão com relação a uma coisa. Eu nunca liguei muito para a minha aparência, ao menos não do jeito que ele costumava ligar. Eu tinha uma coleção razoável de camisetas vintage que podia facilmente substituir por um closet cheio de ternos completos para usar para o trabalho todos os dias, mas não me preocupava em ostentar como os outros faziam. Eu nunca fui assim.
Eu sabia quem eu era e não precisava de glamour para atestar a riqueza que eu tinha acumulado ou o sucesso que tinha conquistado sem toda aquela baboseira superficial.
Mesmo assim, com a riqueza, eu tinha me acostumado com coisas mais refinadas. Passar meus dias em uma caixa de concreto com acesso apenas às necessidades básicas estava bem longe da minha vida real. Vida real ou vida antiga? Merda, eu cheguei ao fundo do poço e não queria que Erica soubesse.
Eu estava um caco e me sentia ainda pior. Não conseguia proteger minha família daqui. Não conseguia cuidar de nada e de ninguém que precisava de mim. E com toda certeza, não venceria nenhum concurso de beleza.
Afastei aqueles pensamentos e tentei me focar nos detalhes anotados entre as linhas do código, algumas das quais eu reconhecia como minhas. Outras claramente não eram. Aquilo parecia uma avaliação bastante sólida de que eu não tinha, de fato, escrito por inteiro o código usado para manipular os votos.
Empurrei os papéis de volta para Evans.
— Seus técnicos levaram um bom tempo para chegar nisso.
— Não foram eles.
Ergui uma sobrancelha.
— Alguém enviou “anonimamente”. Alguma ideia?
Dei de ombros.
— Vocês são os experts. Me diga você.
— Você está na cadeia e a caminho de cumprir uma pena, então por que não paramos de papo furado? Quem é Trevor Cooper?
Fiquei olhando para ele. Assumi que as anotações que eu tinha acabado de ver eram o suficiente para convencer a polícia de que eu não era culpado, mas percebi que Evans não desistiria da luta tão fácil assim. Eu teria que desenhar para ele e fazê-lo acreditar que eu não estava no centro disso tudo.
Ele continuou.
— Gove nos disse que ele é uma espécie de cyber rival seu. Do meu ponto de vista, parece que você coordenou essa ação com outra pessoa e agora está tentando jogar a culpa nele.
Soltei uma risada sarcástica, mas continuei sem falar.
— Que droga, Blake, comece a falar.
— Não consigo nem contra-argumentar. E por que me dar ao trabalho, se você acha que já resolveu tudo? Eu odiaria estourar a sua bolha esclarecendo os pormenores — conhecidos como “verdade”.
Ele se recostou na cadeira e contraiu o maxilar.
— Não gosto de você, Landon.
— O sentimento é mútuo.
— Mas não subestimo a sua inteligência.
— Não posso dizer o mesmo de você.
Ele fez uma careta e eu soube que a paciência dele estava se esgotando.
Agora era a hora. Eu não estava me apegando a nenhuma esperança de que Evans fosse ouvir a voz da razão, mas ao menos ele estava fazendo perguntas. Dean tinha contado a ele sobre o Trevor e havia provas suficientes distinguindo o código dele do meu à minha frente, de modo que, talvez, Evans tivesse que correr atrás de novas pistas se quisesse ter alguma chance de esclarecer esse caso.
Além disso tudo, as coisas não podiam ficar muito piores. Cada dia que eu passava na cadeia era um dia sem a Erica, e eu não estava pronto para me martirizar pelo irmãozinho do Brian, independente do que tinha acontecido no passado.
Inspirei para me acalmar, me preparando para contar toda a história a ele.
— Está bem. O que você quer saber?
— Vamos começar com o Trevor. De onde você o conhece?
— Posso assumir que você está a par dos detalhes envolvendo o M89, certo?
Evans relaxou na cadeira, aquele sorriso nojento de volta em seu rosto.
— Em prol dessa conversa, vamos supor que sim.
— Certo. Quando Brian Cooper cometeu suicídio, ele deixou a mãe e um irmão, Trevor.
O sorriso de Evans vacilou um pouco.
— Continue.
— Não preciso contar a minha história. Eu desenvolvi o Banksoft e investi em uma série de projetos pessoais desde então. Alguns anos atrás, reparei que alguns dos meus sites estavam sendo alvo de um hacker ou, possivelmente, de um grupo de hackers. Nada sério. Nada que minha equipe não conseguisse resolver. Apenas inconvenientes.
— E você acha que foi o Trevor.
— Eu sei que foi ele. Ele ostentava essa nova geração do M89 sempre que podia. Nunca passei muito tempo tentando rastreá-lo. Parecia um esforço maior do que valia a pena, mas Erica o encontrou através da mãe dele e o confrontou. Ele praticamente admitiu, mas sumiu do mapa imediatamente.
Ele é um programador de merda, mas é bom em permanecer invisível.
— Certo. Digamos que tudo isso seja verdade. Por que ele se envolveria em manipular a eleição? Ele é ligado ao Fitzgerald de algum jeito?
— A única conexão dele com Fitzgerald é através de mim e de Erica. Ele não liga para dinheiro ou prestígio. Ele construiu a própria vida com o objetivo de vingar Brian. E quer maneira melhor de vingar o irmão morto do que vendo seu antigo aliado atrás das grades exatamente pela mesma coisa que fez Brian se matar? A eleição de Fitzgerald foi apenas um modo de me incriminar.
Vários minutos vazios se passaram enquanto eu tentava não pensar na vida que Evans e Trevor queriam para mim. Uma vida atrás das grades, talvez não para sempre, mas por tempo suficiente para perder mil momentos preciosos que eu nunca recuperaria. Momentos com Erica e nosso filho, a família que estávamos tão perto de ter. O fato de que Trevor talvez pudesse ter sucesso em seu plano me deixava enojado.
Fechei as mãos em punhos, pressionando-as contra as coxas. A voz de Evans quebrou o silêncio.
— Como vou saber que você não está simplesmente me contanto um monte de besteiras?
Me inclinei para frente, encarando-o, mais irado do que nunca porque, depois de ter guardado tudo isso até agora, sua reação imediata foi o ceticismo.
— Vamos esclarecer umas coisas, Evans. Primeiro: se eu tivesse manipulado essa porra dessa eleição, coisa que eu não fiz, você nunca ficaria sabendo. Segundo: se, por algum milagre, a sua equipe de gênios encontrasse uma maneira de ligar isso a mim, eu assumiria a culpa.
Ele bufou.
— Você é orgulhoso, preciso admitir.
— Chame do que quiser, mas ter meu nome associado a qualquer parte dessa merda é insultante. Eu fodi com boa parte da escória mais poderosa de Wall Street quando tinha 13 anos. Você acha que não conseguiria manipular uma urna sem deixar rastros? Ora, faça-me o favor.
As bochechas de Evans ficaram vermelhas e ele ajustou o colarinho.
— Então se o que você está me dizendo for verdade e o Trevor estiver por trás disso, onde eu o encontraria?
Dei de ombros.
— Descubra.
— Quer sair daqui, Landon? Ou quer que o seu filho o visite atrás das grades?
Engoli todas as coisas que queria dizer a Evans.
— Eu não estaria atrás das grades se não fosse por você. Agora você está tentando me forçar a fazer a porra do trabalho para você, é isso mesmo?
As narinas dele se inflaram.
— Pense nisso. Pense muito bem nisso.
Então, o celular dele tocou, um barulho estridente irritante. Ele atendeu e segurou o telefone na orelha.
— Evans. — Ele ficou olhando para além de mim. — Você conseguiu? Onde?
Um segundo depois, ele se levantou e a cadeira se arrastou ruidosamente no piso de concreto. — Volto em dez minutos.
Ele me deu uma olhada inescrutável e saiu.
***
ERICA
Passei os dois dias seguintes na casa de Marie e estava contente por isso.
Apesar de ainda estar louca de saudade de Blake e preocupada com o nosso futuro, eu gostava de tê-la por perto. O mesmo tipo de espírito despreocupado e coração afetuoso que a fazia amar rapidamente e se machucar com facilidade a tornava uma pessoa de convivência agradável e natural. Calorosa e humilde, ela nunca julgava, nunca deixava que suas preocupações agravassem as minhas.
Eu estava longe de me sentir aliviada, mas o progresso que tinha feito com Sid me deu esperança. Tínhamos enviado anonimamente a Evans a análise compilada graças ao contato de Geoff. Enquanto eu esperava por qualquer novidade, também esperava que Daniel entrasse em contato.
Eu reprisei nossa conversa repetidamente na minha cabeça.
Genuinamente furiosa com essa situação e também verdadeiramente desolada por ele ter falhado miseravelmente comigo. Eu esperava que ele realmente quisesse encontrar o Trevor, porque ele era a chave. Ele era o fantasma que tinha assombrado nossas vidas por muito tempo. Às vezes, eu não conseguia acreditar que o encontrei uma vez. Me repreendi várias vezes por tê-lo deixado escapar. Eu fui precipitada em ir atrás dele sozinha. Devia ter esperado pela ajuda de Blake. Talvez não estivéssemos nessa situação agora, encarando a perspectiva de um futuro separados.
Pela manhã, eu ia para o escritório. Ter uma rotina simples e a companhia das pessoas do trabalho era um pequeno alento. Eu passava a maior parte do dia tentando estudar mais casos de fraudes virtuais e comparando nossa situação com as outras. Na maior parte do tempo, fazer isso só me deixava mais ansiosa.
Alli bateu à minha porta no meio de um desses momentos.
— Oi, você está bem?
Me virei na cadeira e a encarei enquanto ela se sentava na cadeira de frente para mim.
— Sim. Só dando uma olhada nos e-mails.
— Como está se sentindo?
Deslizei o dedo pela beirada da mesa.
— Essa é uma pergunta complexa, Alli.
— Desculpe. Eu quis dizer fisicamente.
Dei de ombros.
— Nada que eu não consiga suportar.
Ela assentiu com a cabeça e passou um tempo sem dizer nada.
— Já foi ver o Blake?
Meneei a cabeça, sem palavras.
— Algum motivo em particular?
Eu não conseguia passar nem uma hora sem pensar em Blake. Tínhamos passado um mês juntos, 24 horas por dia, sete dias por semana e não foi suficiente. Eu ansiava pela presença dele mais do que a de qualquer outra pessoa e, mesmo assim, não conseguia me obrigar a fazer Clay me levar para visitá-lo quando ele tinha me pedido com todas as letras para não ir.
— Ele não quer.
— Quando é que isso impediu você?
Ignorar o desejo dele tinha passado pela minha cabeça. Às vezes, Blake não sabia o que era bom para ele, mas parte de mim também estava com medo de vê-lo tão vulnerável.
— Acho que estou esperando — admiti, finalmente.
— Esperando pelo quê?
— É como se eu estivesse esperando que ele simplesmente viesse para casa. E quando percebo que ele não vem, sinto como se estivesse esperando até eu conseguir consertar isso de alguma forma.
— Eu entendo por que você se sente assim, mas não fazemos ideia de quanto tempo esse processo vai levar. Não importa o que está acontecendo no caso dele, vocês ainda são casados e apaixonados. Ele precisa de você.
— Eu sei que precisa e, acredite em mim, isso está me matando. Ele parecia tão desesperançoso no dia da audiência… A única vez em que eu tinha visto aquela expressão nos olhos dele foi depois que fui baleada. Ele é sempre tão forte, tão incrivelmente determinado. Mas não conseguiu esconder o fato de que achava que eu pudesse morrer bem ali, na frente dele, aquele dia. Se é assim que ele se sente, como se não houvesse esperança, não quero ir vê-lo até conseguir dar esperança a ele. E não sinto que consigo fazer isso ainda.
A tristeza tomou conta do rosto dela.
— Alguma notícia da polícia?
Meneei a cabeça.
— Gove me ligou e disse que eles estavam “investigando”, mas nenhuma notícia ainda.
Ela soltou um suspiro cansado.
— Me deixe levar você para almoçar.
— Não estou com muita fome.
— Ouça, eu adoraria levar você para sair e tomar alguns martinis, mas você está fora dessa por um tempo. Você deveria pelo menos conseguir se satisfazer com uma boa refeição de tempos em tempos. Encontrei esse restaurantezinho indiano ótimo a algumas quadras daqui. O naan deles é de dar água na boca.
Meu estômago emitiu um pequeno ronco de concordância.
— Está bem.
Depois de pouco mais de uma hora, graças a um almoço saboroso rico em carboidratos, eu estava carregando um bebê humano e outro de comida.
Passei a mão na barriga, o que pareceu bobo e natural ao mesmo tempo.
Ninguém saberia que eu estava grávida, mas eu estava ansiosa pelo dia em que esse não fosse mais o caso.
Estávamos caminhando de volta para o escritório quando vi Risa saindo de uma delicatessen com outro rosto familiar, minha velha amiga Liz. Liz e eu tínhamos sido colegas de quarto durante meu primeiro ano em Harvard, mas depois que eu me mudei, nos distanciamos. Foi ela quem recomendou Risa para mim quando eu estava procurando pessoal para o Clozpin, mas não tínhamos mantido contato desde então.
Agora as duas estavam paradas à nossa frente, usando calças escuras e blusas estilosas. As sacolas em suas mãos sem dúvida continham o almoço delas. Liz foi a primeira a falar.
— Erica, como vai?
Ela veio até mim e me deu um abraço constrangedor.
— Bem, e você?
— Estou ótima. Ainda quebrando a cabeça com números na empresa de investimentos, mas fazer o quê? Ao menos agora eu tenho companhia.
Ela sorriu e apontou para Risa, que estava tensa, parada ao lado dela.
Eu não tinha certeza de quanto Risa contou a ela sobre o nosso desentendimento, mas, aparentemente, não tinha sido suficiente. Risa traiu minha confiança e ameaçou meu negócio, duas ofensas que eram quase imperdoáveis para mim. Ela tentou fazer as pazes meses atrás, e uma pequena parte de mim tinha pena dela por ter tomado decisões tão ruins, como convidar Max para fazer parte de sua vida, mas ela era a única responsável por isso. Eu nunca conseguiria confiar nela de novo.
Ela pareceu ler meus pensamentos quando se pronunciou.
— Ouvi falar sobre o que aconteceu com Blake. Como você está se virando?
Dei de ombros, sem saber ao certo como responder àquilo. Como eu estava me virando não era da conta dela. Além disso, eu não estava me virando tão bem quanto queria, especialmente quando lágrimas queimavam atrás dos meus olhos só de ouvir falar em Blake.
— Bem, foi ótimo ver vocês. Mas estamos atrasadas para uma reunião.
Alli deu uma olhada em seu relógio enorme e enganchou o braço no meu, me puxando.
— Hum, Erica. Eu esperava poder botar o papo em dia um dia desses.
Risa largou a sacola para revirar a bolsa. Ela tirou um cartão de visitas, que confirmava que ela estava trabalhando na mesma empresa que tinha contratado Liz logo depois da faculdade.
Com Liz entre nós, eu não sabia o que dizer. A etiqueta me mandava dizer claro, mas eu não tinha vontade alguma de conversar com Risa. Ela estava bem longe do limite do meu círculo de confiança e eu não ia, de jeito nenhum, deixá-la voltar.
Alli arrancou o cartão da mão dela.
— Legal. Vemos vocês duas por aí. Temos que correr!
Nos apressamos pela rua para nossa suposta reunião.
— Desculpe, eu fiquei em choque por um minuto. Obrigada por me salvar — falei, quando nos aproximamos do escritório.
— Não tem problema. Eu estava salvando nós duas. Não tenho nada a dizer àquela mulher depois do que ela fez com você. Imagino que você também não tenha.
— Tenho, mas não é nada de bom.
Enfiei o cartão dela no bolso da calça e tentei ignorar o fato de que ela agora trabalhava a algumas quadras dali e era só uma questão de tempo até nossos caminhos se cruzarem de novo.
CAPÍTULO 19
ERICA
Clay me deixou na casa de Marie naquela noite de novo. Quando passei pela porta, meu olhar pairou imediatamente na figura sentada no sofá de frente para a minha amiga querida. Daniel se levantou e caminhou lentamente na minha direção.
— Está tudo bem? — perguntei.
— Aqui.
Ele tirou um pedaço de papel do bolso e o entregou a mim.
— O que é isto? — perguntei enquanto desdobrava o bilhete.
— É onde você vai encontrá-lo.
— Trevor?
O alívio me inundou, juntamente com uma onda potente de adrenalina.
Será que era possível que Daniel realmente o tivesse encontrado?
— Ele está enfurnado em um apartamento em Roxbury, em cima de uma loja de conveniências. É um lugar barra pesada, então eu tomaria cuidado.
— Como você o encontrou?
— Do mesmo jeito que você. Através da mãe dele.
— Ela simplesmente contou a você?
Os lábios dele se estreitaram em uma linha sombria.
— Não. Não exatamente.
Senti o sangue se esvair do meu rosto. Meu Deus. O que ele tinha feito?
— Todo mundo tem um preço… O dela era bem mais baixo do que eu esperava.
— Devo querer saber o que você realmente quer dizer com isso?
Ele deu um sorriso.
— Se o imbecil não tivesse me custado um mandato, talvez eu sentisse pena dele. Alguns milhares de dólares e umas garrafas de Vicodin foram suficientes. Parece que ele está negligenciando os hábitos dela, então ela não estava se sentindo muito maternal quando meus amigos foram conversar com ela.
— Ah.
Era triste, mas nada desse cenário me surpreendia. A mulher parecia um trem desgovernado na primeira e única vez em que eu a tinha visto. Como Daniel, se Trevor não tivesse ameaçado sozinho arruinar tudo que era estimado para mim, talvez eu sentisse pena dele, sabendo que aquela era a mulher que o criara.
— Como você sabe que ele realmente está lá?
— Mandei alguém observar o apartamento dele para garantir que ele estava lá. Baixinho, cabelo preto?
— Sim, é ele mesmo.
— Ficamos lá tempo o suficiente para garantir que o endereço era legítimo, mas eu não queria que ele se assustasse e desaparecesse de novo. Supus que você fosse querer assumir daqui.
— Obrigada.
O papel tremia em minhas mãos. Antes que eu pudesse pensar melhor, joguei os braços em torno de Daniel e enterrei o rosto no ombro dele, abafando as lágrimas que queriam se libertar — lágrimas de um alívio avassalador. Os braços dele me envolveram. O peito dele se expandiu com um suspiro profundo antes dele me apertar bem de leve.
— Muito obrigada — sussurrei.
Nos afastamos e ele evitou me olhar.
— Melhor eu ir — disse ele, baixinho. Ele olhou para Marie e acenou com a cabeça.
— Tchau, Daniel — disse ela.
— Adeus.
E então, ele foi embora, descendo a rua até onde Connor o esperava ao lado do Lincoln preto que costumava me apavorar toda vez que eu o via.
Vejo você por aí, pensei comigo mesma. Mas eu não tinha certeza se iria.
Eu prometi a ele que nunca mais o veria. Será que era isso que ele realmente queria? Era isso que eu queria?
Eu sabia a resposta, mas não tinha tempo para ficar pensando nisso. Não agora, quando estávamos tão perto de pôr um fim nisso.
Assim que o carro de Daniel desapareceu pela rua e eu consegui controlar minhas emoções, liguei para o número que tinha me mandado uma mensagem anônima alguns dias atrás, esperando ouvir a voz do detetive Carmody do outro lado da linha.
— Carmody — atendeu ele, abruptamente.
— Oi, aqui é Erica Landon.
Ele hesitou.
— O que posso fazer por você?
— Encontrei o Trevor. Ele está na cidade. Quero que você o detenha.
— Onde ele está?
Engoli em seco e dei uma olhada para o papel em minhas mãos. Eu o segurei com firmeza, como se fosse algo precioso. E se Trevor estivesse mesmo lá e a polícia conseguisse prendê-lo, realmente era.
— Erica, você ainda está aí?
— Sim. Tenho o endereço comigo. Só preciso que você me prometa uma coisa primeiro.
— O quê?
Havia tanto em jogo. Não podíamos estragar tudo. Se Trevor percebesse e desaparecesse novamente, talvez eu nunca mais o encontrasse de novo. Não até que fosse tarde demais…
— Preciso saber que você vai fazer isso direito, Carmody. Tenho medo de que ele escape e eu nunca mais o encontre.
— Se ele estiver lá, vou detê-lo.
Eu queria confiar nele. Ele tinha a autoridade para derrubar o Trevor e era minha melhor e possivelmente única chance de conseguir isso. O fato de que ele tinha saído da linha para me ajudar a encontrar Trevor me fez confiar nele mais do que em qualquer outra pessoa, mas também me deixou desconfiada quanto a suas razões.
— Por que você me ajudou?
Ele ficou calado por um bom tempo.
— Ouça, não é para ficar sentimental. Não estou do lado de ninguém aqui, além da verdade. Pela maneira como Evans estava lidando com isso, eu sabia que não íamos chegar nem perto dela. Obviamente, ele está atrás de vingança para a agência, e eu tinha a sensação de que você podia nos ajudar a chegar mais perto da verdade.
Fechei os olhos, grata por suas ações. Se ele não tivesse… Eu sequer conseguia pensar nisso.
— Apenas me prometa.
Ele soltou um suspiro ruidoso.
— Erica, se o Trevor estiver onde você diz que ele está e conseguirmos encontrar evidências que apontem que ele está por trás de toda essa operação, não vou perdê-lo de vista. Você tem minha palavra.
— Está bem — cedi, finalmente.
Passei o endereço, desejando que meu coração desacelerasse. Ouvi uns ruídos do outro lado da linha, seguidos pelo silêncio.
— Você vai hoje? — perguntei.
— Estou entrando no carro agora mesmo.
— Obrigada.
O telefone fez um clique e eu esperei.
***
BLAKE
— Hoje é o seu dia de sorte.
Me sentei de frente para meu advogado, querendo socar o otimismo no rosto dele. Nada relacionado à minha situação atual parecia ser sorte.
— Duvido muito.
— Encontraram o Trevor.
Congelei.
— Como é que eles conseguiram isso?
Dean me deu um sorriso torto.
— Outra pista anônima. Entre isso e o código, acho que a curiosidade de Evans disparou. De qualquer forma, foi o Carmody quem recebeu a dica e o deteve. Também não foi fácil. Acho que ele tentou fugir. Apanhou algumas vezes antes do Carmody derrubá-lo.
— Caramba. Não consigo acreditar que eles o pegaram.
Eles tinham conseguido pegar um fantasma. Uma sombra. Mas eu não podia dar todo crédito a eles, nem mesmo uma fatia pequena. Erica devia tê
los alertado.
Caramba, como ela tinha feito aquilo? Primeiro o código e, agora, isso. Eu não conseguia imaginar que qualquer outra pessoa conseguisse resolver tudo tão rápido. Qualquer um que subestimasse minha esposa era um idiota.
Meu rosto se abriu em um sorriso largo.
— Não preciso nem dizer que ele não está cooperando — continuou Dean.
— Mas não importa muito, porque eles encontraram uma montanha de provas incriminatórias nas máquinas dele. Vários códigos-fonte. Das urnas, vários dos seus sites e da Erica. Tudo isso e muito mais. Eles estão analisando tudo agora.
— Acho que isso significa que fui absolvido agora.
— Da manipulação da eleição, sim. Mas eles não querem retirar as queixas de fraude do Parker a não ser que você negocie.
— Qual o acordo?
— Eles querem a sua cooperação para ajudar a processar o Cooper.
Querem uma declaração completa e qualquer evidência complementar que você puder fornecer sobre as atividades dele com o seu negócio. E querem que você testemunhe.
— Puta merda — resmunguei.
Eu poderia lidar com a declaração e as evidências, mas não queria encarar aquele imbecil no tribunal. Algo relacionado àquilo parecia inferior a mim.
— Já viemos até aqui, Blake. Você deveria estar pulando de alegria por termos chegado aqui, assumindo tantos riscos. Só Deus sabe o que Erica teve que fazer para encontrar aquele código e o Trevor. Se você não fizer isso…
Dean largou a caneta e beliscou o topo do nariz. Ele não precisava dizer. Se eu não fizesse isso, era um idiota egoísta em processo de autodestruição.
— O que eles estão oferecendo?
Ele me deu uma olhada cansada.
— Pena reduzida.
Qualquer alívio que eu senti foi rapidamente substituído por um pavor renovado.
— Quer dizer que eu ainda vou ter que ficar detido? De jeito nenhum. Nem fodendo.
— Liberdade condicional, Blake. Consigo tirar você daqui amanhã. Fique longe de encrencas por alguns meses e, com exceção da sua ficha, vai ser como se isso nunca tivesse acontecido. — Ele passou a mão pelos cabelos, bagunçando o penteado meticuloso. — Você acha que eu deixaria você na cadeia? Me dê um pouco de crédito, porra.
Soltei um suspiro frustrado.
— Está bem.
Ele congelou.
— Você topa?
— Topo. Onde eu assino?
***
Por mais inabalado que eu quisesse ficar, meu coração quase cantou quando pude colocar minhas próprias roupas depois de ter sido liberado. Dei uma conferida em mim mesmo no pequeno espelho pendurado na parece de onde eu estava me trocando. Ao menos eu parecia ser o mesmo homem que Erica tinha visto na última vez, apesar de saber que não era.
Meus óculos repousavam sobre o meu nariz. Passei a mão pelos cabelos, que estavam precisando de um corte. Eu não tinha visto Erica a semana toda e, apesar de querer ir voando para casa, para ela, o mais rápido dentro da física humana possível, eu também estava apreensivo sobre o que ela diria quando eu finalmente passasse pela porta.
Ela tinha conseguido me libertar. Mas mesmo que fosse a mesma Erica calorosa que me recebesse em seus braços, eu sabia que não era o mesmo homem que a tinha visto pela última vez. Esse último desvio de conduta tinha sido dolorosamente esclarecedor. Eu podia ser orgulhoso às vezes, mas saber que eu não era a única pessoa com o futuro em jogo me deixou mais humilde.
Passei pela última porta de segurança e cheguei na entrada estéril da cadeia. À minha frente, Michael Pope surgiu da sala de espera. Ele estava usando um terno risca de giz caro. Estava bem bronzeado e seus cabelos grisalhos estavam bem penteados. Pela primeira vez na vida, me senti um pouco inferior na minha condição atual.
Fui até ele.
— O que você está fazendo aqui?
— Achei que você fosse querer uma carona.
— Eu não estava esperando você.
Dean concordou em me encontrar e me levar para casa, mas não estava em lugar nenhum à vista.
— Eu sei. Já conversei com seu advogado. Eu falei para ele que levaria você para casa. — Michael apontou com a cabeça para as portas. — Pronto?
— Como nunca.
O ar frio do lado de fora me atingiu e inspirei fundo, mais grato do que nunca pela liberdade.
Então me ocorreu que Max também estava ali, preso, respirando o ar rançoso que eu tinha respirado nos últimos dias.
— Você viu Max?
— Ele não quis me ver. — O rosto de Michael era calmo, indiferente. — Talvez na próxima.
Entramos no único carro preto parado no estacionamento. Dei o endereço ao motorista dele e nos afastamos do inferno que eu jurei solenemente nunca mais conhecer.
Me afundei no banco. Couro, uma pitada de uísque e o perfume sutil de Michael, um aroma que eu tinha associado a ele desde que o conhecera, permeado pelo ar frio do carro. Para mim, era cheiro de civilização, luxo e de uma vida pela qual eu tinha trabalhado duro e queria de volta. Mas apesar de Michael naturalmente representar todas essas coisas, ele estava sinistramente calado.
— Eu aprecio a sua presença aqui, Michael, mas não acho que você tenha vindo lá do Texas só para me levar para casa. O que está acontecendo?
— Não, eu vim para a cidade para conversar com o Trevor, na verdade.
Franzi a testa.
— Por que você perderia seu tempo com ele?
Ele colocou as mãos em cima do colo e me encarou.
— Quando a polícia o capturou, achei que eu devia intervir.
Analisei o rosto dele, buscando por pistas. Algo estava errado. Meu instinto sabia. Ele não deveria estar ali e não deveria estar perdendo nem um minuto de seu dia com alguém como o Trevor.
— Por que você precisaria intervir?
— Quando as coisas foram ladeira abaixo com o Max, eu contratei o Trevor.
— Ele limpou a garganta. — Eu o apaguei dos registros e encerrei as operações do Max primeiro. Aí, eu o pus para trabalhar.
Mas que porra é essa?
— Você o contratou?
Os olhos dele se iluminaram um pouco.
— Vi promessa nele, uma oportunidade de transformá-lo em algo mais.
Havia algo com relação a ele que me lembrava de você e eu aproveitei a chance. Da mesma maneira que apostei em você aquela vez.
— Não tenho nada a ver com o Trevor.
Ele inclinou a cabeça e emitiu um ruído suave de discordância.
— Um Blake mais jovem, talvez. Você e o Cooper têm mais em comum do que pode pensar… Raivosos, confusos, dedicados a uma missão que não tem foco algum. Eu poderia ter tentado uma retaliação depois que fiquei sabendo o transtorno que ele se tornou para você. Mas como disciplinar um tratante como ele? Não dá. Não tem como. Então, ao invés disso, eu tentei mudá-lo.
Tentei fazer dele o que fiz com você. Dei a ele um projeto. Um novo foco.
Meus pensamentos giravam a mil por hora. O primeiro instinto de Erica em ir atrás de Michael estava correto. Ela só não sabia. Mesmo assim, eu não conseguia acreditar que Michael teria se dado ao trabalho de contratar Trevor. Michael foi um ótimo mentor, mas eu não fazia ideia de que ele estava procurando por novos recrutas.
— As coisas que você fez pelo M89 dez anos atrás foram memoráveis — continuou ele, unindo as mãos. — Inovadoras, mesmo. Se você não tivesse sido pego, o software bancário não seria o que é hoje. Você identificou as falhas do que havia no mercado. Talvez não percebesse, na época, porque ainda era muito jovem, não o capitalista que é hoje, mas devido ao que você fez, todo mundo que tinha dinheiro para proteger passou a ter interesse em resolver esse problema. Os telefones dos banqueiros não paravam de tocar. As pessoas queriam saber como o dinheiro delas ficaria. Você criou medo. E as pessoas reagem ao medo.
— O Banksoft foi uma venda fácil para você.
— Certamente. De certa forma, não teve preço. O Banksoft foi a aquisição de software mais cara da história até aquele momento. Não foi por acaso.
Quanto você pagaria para proteger a sua fortuna?
Ele deu uma olhada para mim, mas eu estava calado e imóvel, sentindo que havia mais que ele não estava me contando.
— Me deixe fazer outra pergunta. Você consegue botar preço na integridade dos votos que determinam os homens e as mulheres que vão governar nosso país, em qualquer nível governamental?
E lá estava. Um sorriso amargo curvou meus lábios.
— Pelos seus cálculos, o preço sobe consideravelmente depois que alguém compromete um sistema falho. Esse é o seu novo modelo de negócios?
Ele concordou lentamente com a cabeça.
— Era. Concluí que o mesmo princípio se aplicaria ao software de votação que eu queria que o Trevor desenvolvesse para mim. E quando chegasse a hora, eu teria a solução pronta para vender para o proponente com a melhor oferta. Mas ao invés de esperar pela demanda, eu a criei. Queria escândalo.
Algumas notícias.
— Fico feliz por ter ajudado.
Cerrei os dentes, fervendo por dentro com o que Michael tinha revelado. A maneira como ele enxergava Trevor me fez questionar tudo que eu respeitava com relação ao meu mentor. Como ele podia enxergar algo promissor em uma pessoa que não tinha feito nada além de vandalizar os meus esforços?
Ele suspirou.
— Blake, eu não queria mandar você para a prisão.
Soltei uma risada cáustica e passei a mão pelos cabelos já bagunçados.
— Ele usou a porra do meu código. Isso não preocupou você?
— Eu não entendia absolutamente nada de rotinas de encriptação até o FBI me ligar. Eu dei ao Trevor acesso ao que ele precisasse. Código ou dinheiro.
Eu o trouxe para baixo da minha asa, da mesma forma que fiz com você.
Pessoas como você reagem à confiança quando ninguém mais acredita que você merece.
Contraí o maxilar.
— Pessoas como eu, é?
— Não seja tão sensível, Blake. Foi assim que eu conquistei você todos aqueles anos atrás. Eu confiava em você… implicitamente.
— Eu também confiava em você.
— Eu sei, e talvez essa tenha sido a sua falha. Mas eu precisava da sua confiança primeiro antes de lhe ensinar todas as outras coisas.
— Por que a eleição para governador? Por que o Fitzgerald?
— Foi uma escolha fácil. Os advogados dele deram as costas para Max quando quisemos que ele nos representasse. Você faz ideia de quantas centenas de milhares eu já gastei com a empresa do Fitzgerald?
— Então se tratou de vingança.
— Certamente que não. Se tratou de criar uma oportunidade primeiro. A vingança foi uma vantagem inesperada. Um bônus, por assim dizer.
— E quando eu fui acusado e o FBI procurou você, você não o dedurou mesmo assim?
— Se fosse mera questão de proteger você, eu teria dedurado. Mas me preocupava que Trevor talvez virasse a casaca e tentasse acusar Max para se vingar de mim. A última coisa que eu quero é meu único filho passando mais tempo na cadeia. Ele é um imbecil, mas é meu filho. Era mais fácil manter Trevor nas sombras do que expô-lo pelo que ele tinha feito.
Meneei a cabeça e fiquei olhando com indiferença pela janela.
— Inacreditável.
— Você sabe tão bem quanto eu que, quando começa a deixar que as emoções se intrometam no caminho, você perde o controle da situação. É uma fraqueza que cobra a conta, mais cedo ou mais tarde.
Michael tinha me ensinado isso e, na época, era um princípio que fazia sentido. Eu era só emoção quando ele tinha me conhecido. Precisava de uma linha rígida. Ele simplificou tudo com as leis corporativas e me mostrou como usar meus talentos de um modo que fosse tanto legal quanto lucrativo. “Não lute contra nada se estiver por fora”, dizia ele. Isso é perda de tempo e é perigoso. Encontre as fraquezas deles e elimine o problema por dentro.
E foi isso que eu fiz com o pagamento pelo Banksoft. Em vez de punir as pessoas responsáveis pelas injustiças que eu via à minha volta, eu construí empresas que respondiam a esses problemas com soluções que ainda não existiam. Ironicamente, enquanto meu mentor estava pagando um hacker que tinha feito tudo que estava ao seu alcance para desfazer todos os meus esforços. Cerrei as mãos em punhos, contando os segundos para chegar em casa e essa conversa fodida ter um fim.
— Estou vendo que você está levando isso para o lado pessoal, Blake. Mas você precisa entender que, depois de certo ponto, trata-se de controle de danos. Algo que tive que fazer muito quando se tratava do Max. Fico enojado com o que ele fez com a Erica. Fico mesmo. Mas eu não apontaria a investigação na direção dele.
— Pensei que você não deixasse as emoções atrapalharem.
— E não deixo. Max e eu somos diferentes nesse sentido. Toda decisão corporativa que Max já tomou foi emocional. Movida à vingança ou orgulho.
Tentando conseguir minha atenção ou derrotar você porque você sempre a tinha por completo. Max nunca entendeu por que eu trouxe você para debaixo da minha asa… Por que não foi ele, mas você. Ele era jovem demais, é claro, mas nunca foi uma questão de fé nas habilidades dele. Não havia nada que ele pudesse fazer para mudar o fato de que era meu filho, então tinha que ser marginalizado.
— Ele odeia você. Sabia disso?
Me lembrei da nossa breve interação na cantina. Antes de querer arrancar o couro dele, senti um indício minúsculo de empatia por ele. Sem a proteção de Michael, ele parecia totalmente perdido. Eu nunca o perdoaria pelo que ele fez com Erica, mas uma sensação inequívoca de traição compartilhada me cutucou. Max tinha me traído uma centena de vezes. Eu esperava aquilo e, na metade das vezes, eu antecipei. Mas Michael sempre teve meu respeito e minha confiança. A traição dele machucava bem mais. Me partiu ao meio.
— De qualquer forma, ele vai herdar o império que eu construí e vai me agradecer. Talvez não agora, mas, eventualmente, ele vai entender que, para chegar onde cheguei, não podia permitir que meus apegos emocionais ditassem minhas decisões corporativas. Não há apego maior do que o de um pai por seu filho.
Michael pareceu mais velho naquele momento. Não mais o mentor jovem e ambicioso que eu sempre conhecera. Mas alguém que tinha mudado bem diante dos meus olhos. E, de repente, eu não era mais o jovem que ele salvou de um problema. Eu cresci e vivi. Mais que tudo, eu aprendi. E neste exato momento, ainda estava aprendendo.
Massageei a testa, o princípio de uma dor de cabeça emergindo.
— Você parece surpreso, mas se arrancar toda a emoção que está sentindo agora, é isso que você esperaria ou até faria.
— Eu jamais faria algo assim.
— Não é traição. São negócios. Se você olhar para a própria vida em retrospecto, vai ver que fez a mesma coisa. A maneira como você lidou com Heath, por exemplo. Você o marginalizou dos seus negócios. Você sempre exerceu um nível de controle sobre o seu mundo que me impressionava. — Ele fez uma pausa. — Com Erica… Acho que ela é boa para você, mas ela é uma fraqueza. Você está mudando por ela.
Fiquei irritado com a menção do nome dela. Como ele sequer ousava presumir saber o que ela era para mim?
— Vale a pena mudar por ela.
Ele assentiu com a cabeça.
— É normal se sentir desse jeito. O amor e a paixão fazem isso.
Claramente, você sente os dois por ela, e eu fico feliz por você. Mas vai passar. Você está casado agora. Ela está grávida. Ela vai se focar na família de vocês e essa obsessão que vocês sentem um pelo outro vai passar. Você vai encontrar o caminho de volta para você mesmo.
Não. Nada poderia afetar o que eu sentia por ela. O fato de ela estar carregando nosso filho agora só acrescentava combustível a essa chama.
— A última coisa que eu quero é voltar a ser quem eu era sendo que já descobri o meu melhor lado nela.
— Tenho fé de que você vai voltar. Eu investi mais em você do que em qualquer outra pessoa na vida. Tenho um bom histórico em fazer investimentos seguros. — O sorriso satisfeito dele esmaeceu um pouco. — Com exceção de todo esse caso com o Cooper… Orgulho demais, eu acho.
— Seu ou dele?
— Dos dois, talvez. Eu queria trapacear e pular algumas casas. Você sabe bem como isso é.
— Sei?
— Hackear de noite? Você não considera isso trapacear?
— Eu não estava prejudicando ninguém.
— Você nunca buscou informações para ter vantagens em um acordo de negócios? Nunca usou essas informações para descreditar ou eliminar a concorrência? Pode inventar qualquer termo elegante que você quiser, mas nós dois sabemos que isso é trapacear. E não tem problema, porque qualquer um que não trapaceie um pouquinho não vai muito longe.
— Você não foi muito longe dessa vez.
Ele olhou pela janela.
— Não. Infelizmente, Trevor tinha mais de Max dentro dele do que de você.
Só emoção e nenhum controle.
— E o que faz você pensar que o seu novo prodígio não vai contar ao FBI que você o meteu nessa?
— Ele não vai contar a ninguém. — Ele voltou seu olhar para mim. — Fico triste em informar que ele foi encontrado enforcado esta manhã em sua cela.
Meu sangue ficou frio, congelando como gelo nas minhas veias. As confissões de Michael me atordoaram até a alma. Mas a visão de Trevor, um menino que eu nunca tinha conhecido, dependurado em uma cela igual à que eu tinha acabado de deixar. Meu estômago revirou e eu não consegui me livrar da náusea que tomou conta de mim, não importava o quanto eu tentasse contê-la. Estávamos a menos de dois quilômetros de casa, já tinha aguentado mais do que conseguia.
— Me deixe sair aqui — falei para o motorista.
Ele parou no acostamento e eu saí do carro. Uma garoa tinha começado a cair, mas eu não me importava. Segui em frente.
Michael saiu e deu a volta no carro.
— Blake, espere.
— Chega! — berrei, me virando para encará-lo. — Pode chamar de negócios. Pode dizer que é manter tudo sob controle. Não importa qual maldito nome que faz sentido na sua cabeça você quer dar a essa sua versão fodida da realidade. Não passa de uma porcaria de um jogo. Você está se iludindo se acha que é dono do tabuleiro e pode mover todas as peças do jeito que quiser.
Os lábios dele se curvaram em um sorriso amargo.
— Eu sou o dono do tabuleiro, Blake.
Tirei os óculos manchados pela chuva e fiquei olhando para ele. O ressentimento e a pena pelo homem à minha frente se misturaram à raiva, criando uma mistura potente.
— Talvez seja, Michael. E se esse for o caso, considere este meu ato final de derrota. Acabou. Não vou mais jogar.
— Você está disposto a jogar para o alto todo o nosso relacionamento por causa disso? É isso que você está me dizendo?
Havia uma pitada de desafio na voz dele de que eu não gostei nem um pouco.
— Sim, é isso que estou dizendo.
O maxilar dele se contraiu.
— Não me afronte, Blake. Se eu lhe ensinei alguma coisa, foi isso.
A voz dele era grave e nervosa, permeada pela ameaça.
Talvez em outra época da minha vida, eu teria ficado receoso, mas não hoje. Não quando eu estive tão perto de perder tudo. Fui virado do avesso.
Tudo que eu achava ser verdade, cada princípio de sabedoria que Michael trouxe até mim precisava ser revisto.
— Não estou afrontando você, Michael. Mas estou pulando fora. Se você acha que porque me acolheu debaixo da sua asa dez anos atrás eu vou idolatrá-lo pelo resto da vida, está muito enganado. Não vou abaixar a cabeça para você como todo mundo faz. Fiz meu próprio dinheiro e estou usando para trabalhar em coisas em que eu acredito. Estou fazendo a vida com a mulher que amo. E não preciso encontrar meu caminho de volta para mim mesmo. É este, bem aqui. Este é quem eu sou e não preciso brincar de Deus com as vidas das pessoas e passar o dia contando meu dinheiro para sentir que minha vida vale alguma coisa. Então entre nessa porcaria desse carro e vá para casa.
Com isso, virei e comecei a andar na direção de casa. Após alguns instantes, o Lincoln preto passou por mim. Caminhei mais rápido, motivado pelo alívio de Michael ter ido embora e por uma vontade poderosa de chegar em casa e ver Erica.
A chuva caiu mais forte. Uma chuva pesada e fria que encharcou minhas roupas e penetrou na minha pele. Ela não conseguia amortecer o caos dentro de mim. E não conseguia lavar o sangue das minhas mãos.
CAPÍTULO 20
ERICA
Fiquei andando de um lado para o outro na sala de estar. Por que ele estava demorando tanto? A chuva batia na janela, obscurecendo a visão clara do oceano. Gove tinha ligado esta manhã, avisando que eu deveria esperar, que Blake chegaria em breve. Eu queria ter ido buscá-lo eu mesma, mas ele insistiu que eu esperasse. Ele mesmo queria dar a notícia sobre Trevor.
Deixar que Trevor resolvesse as coisas com as próprias mãos.
Meu coração se partiu por Blake quando pensei em como ele devia estar se sentindo. Aliviado por estar livre, mas agora a culpa que ele carregava por Brian seria dobrada. Eu o queria em casa para poder convencê-lo a não pensar dessa forma. Mas não seria fácil. Aquilo estava marcado como uma das piores lembranças de Blake, e a história tinha se repetido.
Não sei ao certo o que nós podíamos ter feito de diferente. Carmody dissera que não perderia Trevor de vista, mas eu não podia entender isso de um jeito literal. Nenhum de nós podia saber que ele realmente consideraria o suicídio como uma saída. A polícia mal tivera uma chance de interrogá-lo antes de ele tirar a própria vida.
Era quase como se Blake tivesse previsto esse desfecho a quilômetros de distância, e desviar do caminho que levaria à prisão de Trevor era o jeito dele de evitar o inevitável. Mesmo assim, ele não tinha como saber. Mas cá estávamos nós…
Eu queria a verdade e queria justiça, mas a morte de Trevor era trágica mesmo assim. Assim como a de Mark, a morte dele não significava menos que a de qualquer outra pessoa, apesar de seus crimes.
O som da chuva caindo preencheu a sala quando Blake entrou pela porta.
Ele estava encharcado, contudo. Me levantei, sem conseguir sair do lugar. Ele fechou a porta e se apoiou nela, seu peito agitado da respiração.
— Erica.
A súplica na voz de Blake me fez correr até ele.
Nossos corpos se chocaram e eu enrolei os braços nele. Deslizei as mãos pelos cabelos úmidos dele, segurando sua nuca e descendo pelo peito, onde a camisa se grudava ao corpo. Meu coração disparou e se inflamou. Sussurrei o nome dele, como um sonho. Ele estava em casa. Graças a Deus, ele estava em casa.
Ele me abraçou com tanta força que minhas costelas quase doíam, mas eu não ligava. Eu o abracei de volta. Quando finalmente me afastei, meu coração ficou apertado ao ver aqueles incríveis olhos verdes me fitando, fervilhando de emoção. Passei os dedos com a maior delicadeza do mundo pelos lábios dele, pelos cabeços que pingavam em seu maxilar. Meu amor…
Vê-lo tinha enviado uma onda de adrenalina pelo meu corpo, me aquecendo, Mas Blake ainda estava frio. A umidade das roupas dele tinha começado a penetrar nas minhas.
— Você está encharcado.
Me afastei de leve, nos separando o suficiente para abrir os botões da camisa dele. Desci as mãos pelo peito dele e subi de volta, tirando a peça por cima dos ombros. Ele arrancou o resto e me puxou de volta bruscamente, capturando minha boca em um beijo selvagem. Ele era ânsia e desejo em plenitude, e eu fui engolida por ele, incapaz de sentir ou ver qualquer outra coisa além da urgência dele, de sua presença avassaladora. Minha pulsação martelava nas veias, mas ele continuava tremendo contra mim.
Interrompi o contato, sem fôlego, mas assustada por ele.
— Blake, você está tremendo.
— Não importa — murmurou ele, passando as mãos por todo o meu corpo.
Coloquei as mãos em cima das dele, tentando acalmá-lo.
— Você vai ficar doente, Blake. Vamos secar e aquecer você.
Ele parou e o fogo em seus olhos ardeu.
— Preciso de você… Por favor.
O desespero na voz dele me destruiu e eu me perguntei se era o frio que o estava fazendo tremer daquele jeito. Fosse o que fosse, eu queria remover aquela expressão dele e a dor que a causara.
Concordei rapidamente com a cabeça, e então a boca dele estava no meu pescoço, chupando e mordendo. Senti a urgência em cada toque à medida que um desejo líquido serpenteava pelo meu corpo. Ele ergueu minha blusa e a tirou. Puxando minha calça jeans para baixo, ele a passou pelos quadris antes que eu pudesse impedi-lo.
— Vamos lá para cima — falei.
Eu o puxei na direção das escadas. Prendi a respiração quando ele veio até mim de novo. Entrelaçados no abraço um do outro, quase conseguimos chegar lá.
— Aqui — arfou ele.
Tropeçamos no primeiro degrau e ele nos deitou no chão. As mãos dele estavam em todos os lugares.
— Agora.
Ele arrancou minha calça e minha calcinha e me puxou para ele de modo que fiquei montada em seus quadris.
Ele me puxou para o peito dele, ancorando a boca na minha, e me devorou com um beijo de tirar o fôlego após o outro. O nó de calor cresceu dentro de mim, começando na parte inferior da minha barriga e se espalhando pelos meus membros e pela pulsação entre minhas pernas. O desejo era palpável nas minhas veias.
— Me diga do que você precisa, Blake.
Meu corpo estava ficando eufórico sob o toque dele e eu estava ávida por mais.
Uma emoção primitiva lampejou por trás dos olhos dele.
— Você. É só de você que eu preciso. Você é a única coisa em todo esse maldito mundo de que eu preciso.
Abrindo a braguilha, ele abaixou a calça só até abaixo dos quadris. Ele segurou sua ereção firme e me abaixou em seu corpo. Minha cabeça caiu para trás com o prazer doce. Erguendo os quadris, ele penetrou fundo, nos unindo completamente.
Um grito rouco explodiu dele. Um grito que levou lágrimas aos cantos dos meus olhos. Eu podia sentir a dor dele, seu combate. Com os olhos fechados e o maxilar apertado, ele começou a me mover em cima do pau dele. Me contraí em torno da penetração dele, extenuada e excitada. A dor atingia meus joelhos com cada investida, mas eu não ligava. Só me importava com o fato de estarmos conectados, nos amando, um dando ao outro o que precisávamos.
Ele me manteve em cima dele em movimentos urgentes. Entrei no ritmo dele, girando os quadris para senti-lo em todos os lugares. Ele jogava os quadris para cima e me segurava com firmeza, nos fundindo com investidas vigorosas e dilacerantes. Cada uma delas me atingia bem no cerne e eu gritava. O barulho ecoava nas paredes e se misturava ao próximo grito desesperado que saía dos meus lábios à medida que ele me reivindicava de novo e de novo.
Tremi, incapaz de pensar com o avanço dele.
— Erica…
Ele molhou os lábios. Suas mãos deixaram meus quadris e desceram pelos meus braços. Nossos dedos se entrelaçaram acaloradamente e eu me inclinei para baixo, encostando no peito no dele. Um tipo ardente de energia radiava ali e em todos os lugares onde nossos corpos se tocavam.
Eu nunca tinha vivenciado nada tão intenso em toda minha vida. E me perdi na sensação, totalmente submersa.
Nossos olhares se fixaram e a intensidade dos olhos dele tomou conta do meu coração.
— Eu te amo, Blake — sussurrei contra os lábios dele, uma lágrima escorrendo pela minha bochecha.
Eu poderia viver esse momento para sempre. Por mais doloroso que fosse, Blake estava me mostrando uma parte dele mesmo que eu nunca tinha visto.
Essa vulnerabilidade primitiva. E eu estava tão grata por isso quanto por tê-lo aqui comigo, recebendo o prazer dele e dando tanto mais a mim mesma.
A expressão dele era tensa, quase de dor. Ele me apertou com mais força e seus bíceps se contraíram, juntamente com o resto de seu corpo vigoroso. O calor lambeu minha espinha e eu gritei junto com ele. Desabamos, juntos.
***
Aos pouquinhos, a vida voltou ao normal. Nos meses seguintes, Blake e eu nos jogamos de cabeça no trabalho. Ele me deixou participar dos projetos dele e eu o deixei participar dos meus. Blake voltou boa parte de seu foco em desenvolver um software de votação que certamente preencheria uma necessidade ainda não atendida. Eu também compreendia que cada linha daquele código era uma vitória não verbalizada sobre o plano frustrado de Michael.
Não tivemos notícias dele desde a carona longa que Blake pegou com ele da prisão, e apesar de Blake não falar muito sobre o assunto, a traição de Michael pesava nele. Tinha partido alguma coisa dentro de Blake — talvez alguma coisa que precisava ser quebrada para que ele pudesse cicatrizar do jeito certo.
Apesar de toda mágoa que estávamos superando, tínhamos um futuro brilhante pela frente e aguardávamos por ele ansiosamente. Eu estava crescendo e cada vez mais iluminada e cada dia era um passo a mais na direção de termos uma família completa.
Percebi que estava me apaixonando por ele de novo. Me apaixonei pelas partes estilhaçadas e pelas partes que tinham cicatrizado e mudado para melhor.
Nosso amor era um amor difícil. Tínhamos caído com tudo nele e demos duro para mantê-lo. Nosso tipo de amor não pedia gentilmente. Tomava à força. Devastava. Consumia todo o coração e fazia perguntas depois. As recompensas eram profundas e avassaladoras, consumindo tudo como um incêndio.
Eu estava sentada sozinha no bistrô perto do escritório. A luz dançava nas minhas alianças enquanto eu ruminava sobre a jornada na qual a vida tinha nos levado em todos esses meses. Tínhamos sido machucados, ameaçados e traídos. Tínhamos encontrado o amor, o perdão e a esperança. Tínhamos experimentado todo um leque de emoções e experiências e ainda nos mantínhamos firmes, prontos para a próxima aventura.
Risa puxou uma cadeira e se acomodou de frente para mim.
— Oi — disse ela, com um sorriso hesitante.
Ela estava usando calça preta justa e um blazer da mesma cor sobre uma camisa branca simples. Ela sempre fora a personificação da moda quando trabalhava para o Clozpin, mas tinha adotado um estilo decididamente mais corporativo nas últimas vezes em que eu a vi.
Meus pensamentos retornaram a por que eu tinha finalmente aceitado o convite dela para nos encontrarmos.
— Como você está?
— Bem, eu acho.
— Como está o trabalho?
Ela deu de ombros.
— Hum, está bem. Acho que nunca pensei que trabalharia em uma empresa de investimentos. Mas a vida é cheia de surpresas.
— Eu que o diga.
Os olhos azuis intensos dela suavizaram de leve.
— Você passou por muita coisa. Tenho certeza de que foi difícil, mas eu admiro você ainda mais por isso.
Ela parecia estar falando a verdade, mesmo que ela própria tenha sido responsável por boa parte do drama que eu tinha sofrido.
— Então, por que você queria me ver? — perguntei, tomando um gole de água.
Ela hesitou antes de responder.
— Desculpe, nunca achei que você fosse realmente concordar em se encontrar comigo de novo. Acho que estou um pouco desconsertada.
Eu também não quis vê-la por um bom tempo, mas depois de encontrar por acaso o cartão dela um dia desses, um pensamento me ocorreu — um pensamento do qual eu não consegui me livrar desde então.
— Bem, cá estamos. Manda ver.
Ela inspirou profundamente.
— Certo. Quero algo que você provavelmente nunca vai me dar, eu sei disso. Quero outra chance de trabalhar para você.
— O Clozpin acabou. Se eu confiasse em você o suficiente para trabalhar com você de novo, a sua paixão por moda não serviria para nada no que estou trabalhando no momento.
Ela mordeu o lábio inferior por um segundo antes de soltá-lo.
— Olha, eu cometi um erro tremendo. Sei que perdi a sua confiança e que talvez nunca a recupere. Posso inventar desculpas o dia todo. Eu poderia tentar explicar que, no fim, eu percebi como Max me manipulou completamente. Eu poderia tentar explicar as coisas que ele me fez fazer…
para provar minha lealdade a ele. — Ela fitou a mesa, evitando os meus olhos.
— Acho que tudo isso acabaria só convencendo você da minha total falta de força mental contra alguém como ele, e isso está longe de ser uma qualificação profissional desejável. Mas o que eu quero dizer a você, mais do que tudo, é que eu estava muito feliz trabalhando para você. Batemos de frente algumas vezes, eu sei, mas eu me senti viva pela primeira vez em muito tempo enquanto estava lá e não me sinto assim desde então. Todos os dias eu acordo e me arrasto para um trabalho que não odeio, mas também não amo. Eu me arrependo de tudo que fiz para sacanear você.
Fiquei em silêncio por um bom tempo, assimilando tudo que ela tinha dito.
— Você está realmente falando tudo isso de coração?
— Não tenho nada a ganhar mentindo. Sei que você é inteligente demais para me querer perto de qualquer empreendimento seu. Acho que só estou querendo tirar esse peso do peito. Tem sido um fardo para mim. No mínimo, eu queria esclarecer as coisas e contar a você como me sinto. Não posso mudar como você se sente, mas machuca pensar que você vai me odiar para sempre pelos erros que eu cometi.
— Concordo que você tomou algumas decisões péssimas. E algumas delas se deram porque você estava desnorteada, mas eu não odeio você, Risa.
O olhar dela se ergueu para mim.
— Você parece bem — falei.
— Ah… Obrigada.
Ela pareceu confusa, colocando o cabelo liso com nervosismo atrás da orelha.
— Quando nos encontramos, depois que o Max me atacou, você não parecia você mesma. Parecia que ele tinha judiado de você.
O rosto dela desandou.
— Você não faz ideia.
— O que ele fez com você?
Ela se recostou na cadeira e ficou brincando com o guardanapo.
— Não sei se posso conversar sobre isso — murmurou ela.
— Não pode ou não quer?
Ela meneou a cabeça.
— Acho que quero acreditar que ele não pode me machucar agora, mas isso pode mudar em dois anos.
— Você tem medo dele?
— Mesmo que não tivesse, não tenho certeza se eu iria querer conversar sobre o que aconteceu entre nós. É… constrangedor… vergonhoso.
— Ele era violento com você?
As bochechas dela ficaram vermelhas e seus olhos pareceram brilhar em contraste com a onda de cor que se espalhava por seu rosto.
— Às vezes. Nunca de um jeito que qualquer pessoa pudesse reparar. Ele era… cauteloso. Nunca deixou marcas onde outras pessoas pudessem ver.
— Por que você não contou a ninguém?
— Eu… Eu não sei. Não achei que qualquer um fosse acreditar em mim, eu acho. Ele é rico, bonito. Charmoso. Quem iria acreditar que um homem desses bate na namorada?
Fechei os olhos e não gostei do que vi. Ninguém, nem mesmo Risa, merecia ser tratada daquele jeito. Eu sabia em primeira mão como era se tornar vítima dos ataques de violência de Max. Eu não achava que conseguiria desprezá-lo ainda mais do que já desprezava, mas a confissão de Risa provocou isso. Eu não queria perguntar, mas precisava saber mais.
— Você pareceu espantada quando eu contei o que ele fez comigo — falei, pressionando-a a falar mais.
Com os lábios estreitados, ela desenhou pequenos círculos na toalha da mesa.
— Acho que fiquei mesmo. Parece estranho dizer, mas uma pequena parte de mim ficou com ciúmes. Apesar de as coisas estarem desmoronando entre nós, o fato de ele querer você sexualmente foi muito doloroso. Eu tinha me apaixonado por ele. Eu o amava. Caso contrário, como teria ficado com ele todo aquele tempo? Eu sabia que as coisas eram fodidas, mas eu ainda estava enfeitiçada por ele em muitos sentidos.
— Você se surpreendeu por ele querer me estuprar?
Os olhos dela ficaram sérios e ela abaixou o olhar para o próprio colo.
— Não — disse ela, sua voz pouco mais que um sussurro.
Engoli uma nova onda de emoção.
— O que ele fez com você?
Ela fechou os olhos apertado.
— Não posso conversar sobre isso, Erica.
— Por que não?
Eu sabia por que, mas precisava pressioná-la.
— Você não entende…
— Entendo perfeitamente.
Ela abriu os olhos e o medo que vi neles me inspirou a dizer as palavras que ela tinha dificuldade em dizer agora. Ela não estava sozinha e era assim que eu tinha me sentido por muito tempo. Não importava o que ela tinha me feito, eu nunca conseguiria realmente me livrar do pensamento de que Max tinha dado seguimento aos seus planos para mim com ela, possivelmente mais de uma vez, e mascarado a transgressão com uma promessa de amor.
— Quando o Max me atacou na festa de noivado, não foi a primeira vez em que passei por aquilo. O amigo dele, Mark MacLeod, me estuprou no meu primeiro ano de faculdade. Ele tirou minha virgindade no chão atrás da casa de uma fraternidade enquanto meus amigos festejavam lá dentro. Liz estava lá. Você pode perguntar a ela.
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
— Eu não fazia ideia.
A lembrança se espalhou por mim como um pequeno terremoto que, eventualmente, desapareceu ao longe. A cada dia que passava, ela tinha menos poder sobre mim.
— Não tinha como você saber, é uma história difícil de contar. Me senti como você está se sentindo agora. Envergonhada. Constrangida. Passei o resto da faculdade olhando por cima do ombro, esperando pelo dia em que eu o veria de novo. Eu nunca soube quem ele era até reconhecê-lo uma noite em um bar. E Blake foi o primeiro namorado a quem eu contei toda a experiência.
Quando Max me atacou, tudo voltou. Anos fingindo que eu tinha cicatrizado e seguido em frente desabaram em cima de mim. O único consolo veio quando prestei depoimento na polícia. Foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz.
— Posso imaginar.
Ela secou os olhos e eu respirei fundo, me lembrando de como aquela decisão tinha sido difícil para mim. Mas era porque eu a tinha tomado que Risa e o resto do mundo estavam a salvo dele. Ao menos por um tempinho.
— Você realmente quer trabalhar comigo de novo?
Os olhos dela se iluminaram.
— Sim.
Ela disse aquela palavra de maneira empática, a esperança iluminando seu rosto.
— Está bem.
— Está?
— Sim.
O queixo dela caiu.
— Espere. Está falando sério?
— Pensei muito sobre isso. Consigo enxergar que você cometeu um erro.
Quero me proteger de pessoas que fariam o que você fez comigo, mas também quero acreditar que as pessoas podem mudar e melhorar.
— Vou melhorar, já estou melhor. Prometo.
— Espero que isso seja verdade e que meus instintos com relação a isso não estejam totalmente enganados. Quero contratar você de volta com seu salário inicial. Só tenho uma condição.
— Claro. O que você quiser.
Tamborilei os dedos na mesa algumas vezes, me perguntando se ela realmente faria aquilo. Se ela tivesse força suficiente, eu sabia que estava tomando a decisão certa.
— Risa, quero que você vá à polícia e conte o que o Max fez com você.
A cor se esvaiu do rosto dela.
— Eu… Eu não posso fazer isso.
Me inclinei para frente, encarando-a.
— Pode, sim.
O lábio dela tremeu.
— Risa… Você consegue. E vou estar lá para ajudar.
— Está bem — disse ela, em um sussurro.
EPÍLOGO
A água fria e cristalina atingiu meus pés. Dei uma olhada para a areia, procurando por alguma coisa que chamasse minha atenção. Qualquer pequeno tesouro de que ela gostaria. O recolher da maré formou uma depressão em torno de uma concha. Me abaixei e a peguei. Ao ver que estava inteira, lavei-a na onda seguinte.
— Mamãe! Olha o que eu encontrei!
Tricia correu na minha direção, interrompendo os passos com pulos brincalhões e animados. O maiô dela era um choque de cores neon em meio aos outros tons pálidos da orla marítima. Seus cabelos loiros e finos escorriam por suas costas, luminosos contra a pele bronzeada.
— O que você encontrou, querida?
Ela parou de repente à minha frente, me entregando uma pena longa, levemente esmagada, sem dúvidas de uma gaivota.
— Uau, é linda. Posso limpá-la para você?
Ela hesitou por um instante antes de me entregar.
— Pode.
Eu a lavei na água, alisando as frondes cinza e brancas até elas retomarem um formato parecido com o original. Assim que terminei, Tricia a pegou apressadamente e correu de volta para onde Blake estava sentado, a alguns passos dali, na areia. Eu segui logo atrás, analisando o progresso que tinha sido feito no castelo de areia.
— Papai, esta pode ser a nossa bandeira.
A animação na voz dela era contagiante. Busquei uma lembrança antiga na praia do lago com minha mãe e Elliot, quando esses pequenos triunfos preenchiam meu coração jovem. Testemunhar o encanto dela era um presente pelo qual eu era grata todos os dias.
Uma expressão franzida de concentração deixou o rosto de Blake quando ele botou os olhos em nossa filha e seu novo tesouro.
— Perfeito.
Ele estendeu a mão para pegar a pena. Ela não entregou.
— Não, eu quero.
Ele suspirou.
— Está bem. Onde você quer colocar?
Ela se sentou sobre os joelhos e se aproximou, enviando uma avalanche de areia no fosso meticulosamente construído de Blake.
— Aqui — disse ela, colocando a pena na areia fofa em cima do castelo que Blake tinha passado quase uma hora construindo.
Ela se sentou de volta, com os olhos brilhando. Os lábios de Blake se ergueram em um sorriso pequeno, admiração e amor claros em seus traços.
— Perfeito.
Ele colocou um braço em torno dela, puxando-a para perto. Eles admiravam seu trabalho quando o som de uma porta de carro se fechando os interrompeu. Ao longe, um homem caminhava na nossa direção.
Os olhos de Tricia se arregalaram e ela se levantou apressadamente, saindo do abraço de Blake.
— Vovô! — gritou ela.
Ela correu na direção de Daniel com os mesmos pulos e saltos de antes. Ele segurou o corpo pequenino dela e a jogou no ar antes de segurá-la no colo, apoiando-a no quadril. Um sorriso pequeno cutucou meus lábios, mas todos os sinais de amor nos olhos de Blake sumiram.
Me levantei quando eles se aproximaram.
— Oi — disse Daniel, a voz baixa, porém jovial. Ele se aproximou, me dando um beijo no rosto.
— Como foi a viagem?
Ele deu um sorriso caloroso, seus olhos repousando em Tricia.
— Ah, não foi ruim. Valeu muito a pena para ver a minha princesa.
— Vovô, eu quero mostrar uma coisa.
Os olhos verde-claros dela se arregalaram de animação e ela se libertou dos braços dele.
— O que você quer me mostrar, meu anjo?
Ela pegou a mão dele com sua mãozinha pequenina e o arrastou pela areia.
Ele riu e ela começou a catalogar a pilha de conchas e entulhos que tinha acumulado durante a tarde.
Blake fixou seu olhar no horizonte e eu busquei por alguma maneira de quebrar a tensão que sempre surgia entre eles.
— Está com fome, pai?
Comida certamente era um remédio universal.
— Ah, eu com certeza comeria algo. Mas sem pressa.
— Vou preparar alguma coisa — falei, rapidamente.
Blake se levantou e limpou a areia da bermuda.
— Eu te ajudo. — Ele deu uma olhada questionadora para Daniel, seus olhos frios e o maxilar tenso. — Vai ficar bem com ela?
— Estamos bem — respondeu ele, secamente, sem fazer contato visual. — Não estamos, meu anjo?
A voz dele suavizou quando ele falou com Tricia. Com cuidado, ele tirou uma mecha de cabelo do rosto cheio de areia dela.
Tricia começou a enterrar os pés agora descalços de Daniel na areia e a decorá-los com conchas. Aparentemente tranquilo em deixá-la sob os cuidados dele, Blake pegou minha mão e subimos até a casa.
— Você deveria tentar ser mais legal com ele, Blake — pedi, delicadamente.
— Sou legal o bastante — resmungou ele, a expressão impassível em seu rosto deixando claro como aquilo era difícil para ele.
Tínhamos construído tantas memórias no vinhedo… Eu sabia que Blake nunca perdoaria Daniel pelas coisas que ele fez, mas permitir a mim mesma finalmente perdoá-lo me permitiu apreciar as memórias que Tricia estava compartilhando com ele agora. Ela sempre teria a família de Blake, que vivia adoravelmente, mimando tanto ela quanto seus primos. Alli e Heath tinham dois meninos com idades próximas agora e, em um nível mais superficial, eu não podia pedir por mais nada além do amor que eles traziam à nossa pequena família.
Marie, agora envolvida em um romance novo e promissor há um ano, nunca estava muito longe e sempre pronta para paparicá-la também. Mas, de forma egoísta, sem minha mãe entre nós e com Elliot tão longe, ver Tricia vivenciar uma pequena parte da minha família significava mais para mim do que Blake poderia compreender.
Daniel não era o pai que eu sempre tinha imaginado. Ele tinha incontáveis defeitos, mas mudou muito desde que nos conhecemos. Muitos poderiam dizer pelas costas que ele decaíra, mas eu sabia de fato o que houve. Ele estava melhor do que nunca.
Pouco depois de perder a eleição, ele também perdeu Margo. A morte do filho combinada com a humilhação da perda de Daniel tinham sido demais para ela suportar. Eles se divorciaram dentro de um ano. Então, a controvérsia que rondava os boatos do envolvimento de Daniel na eleição fraudulenta afetou o escritório de advocacia dele. Relutantemente, ele abandonou tudo e optou por uma aposentadoria precoce.
Todas as suas aspirações astronômicas, o plano grandioso, tudo reduzido a uma vida simples em uma pequena cidade costeira em Maine, onde ele começou a passar a maior parte do tempo. A máquina política da vida dele freou a duras penas e, com aquela suposta derrota, ele pôde viver a vida que nunca tinha se permitido viver antes. Finalmente, ele estava livre da vida onde as decisões não eram tomadas por ele, desde que ele tinha a minha idade. O sucesso era apenas uma palavra, algo que significava menos perto da promessa de um pouco de felicidade simples. Agora, ao menos, ele tinha essa oportunidade.
Tricia parecia deixá-lo feliz, mais feliz do que eu jamais o vira. Os olhos dele se iluminavam quando ele a via ou brilhavam de emoção quando ela se aconchegava nele depois de ter gastado toda sua energia saltitante.
Olhei para eles. Os dois eram silhuetas distantes agora. Talvez ele não a merecesse, talvez não nos merecesse. Talvez as transgressões dele fossem grandes demais, mas eu não deixaria de acreditar que ele era digno de perdão, digno de uma segunda chance.
Blake e eu demos a volta no deck que rodeava a casa. Ele ligou o chuveiro externo e deu início a uma cascata de água fria que caía sobre ele. Fiquei olhando, admirando os riachos que escorriam por seu corpo maravilhoso.
Cinco anos não tinham mudado nada nele. Ele ainda era delicioso, de tirar o fôlego em todos os sentidos.
Ele pausou, seus olhos encontrando os meus. Ele estendeu a mão. Eu aceitei e ele me puxou para baixo da água com ele. Arfei com o choque da água fria. Mas logo os lábios de Blake estavam em mim, mesclando nossas bocas em um beijo lento e apaixonado. Fiquei na ponta dos pés, me entregando a ele.
Ele grunhiu, a vibração fazendo cócegas nos meus lábios.
— Vamos entrar.
Não havia como não perceber a sugestão na voz dele ou a ereção pressionada contra mim. Fiquei tensa, reconhecendo a hesitação que eu nunca tinha com ele antes de me tornar mãe.
— E Tricia?
— Ela vai mantê-lo ocupado por um tempo.
— Um tempo?
Voltei a olhar para a praia, apesar de não ser possível vê-los de onde estávamos.
Um toque leve capturou meu foco de volta para ele, a safadeza e o tesão brilhando em seus olhos.
— Tempo suficiente para eu devorar você inteirinha.
Lutei contra um sorriso.
— Tentador.
Ele ergueu as sobrancelhas, fingindo estar chocado.
— Tentador? Só?
— Pare com isso.
Eu ri e empurrei o peito dele.
Ele não se afastou nem um centímetro, o braço firmemente enrolado na minha cintura.
— Besteira. Temos pelo menos vinte minutos e nada vai me impedir de fazer você minha.
— Não é muito tempo — provoquei.
Ele passou a língua pelo lábio inferior.
— Posso trabalhar rápido.
O ar saiu de mim em uma lufada quando ele agarrou a barra da minha saída de praia, agora encharcada. Tirando-a pela cabeça, ele expos o biquíni menos pudico que eu estava usando por baixo. Blake o jogou no chão, o tecido molhado atingindo o piso de madeira do deck com um ruído. As mãos dele passearam pela minha pele molhada, descendo pela cintura até os quadris.
— Céus, você é linda. Por que usa aquela coisa, afinal?
— Não sei — menti.
Abaixei os olhos, deslizando a ponta dos dedos pelas colunas rígidas do abdômen dele.
Entre a cicatriz e a gravidez, ao contrário do de Blake, o meu corpo não era mais o que tinha sido anos atrás. Para qualquer pessoa de fora, por debaixo da peça de tecido fino, eu era a mesma menina, com o mesmo corpo. Em particular, as cicatrizes tinham se tornado lembretes do que eu tinha passado.
O trauma que ameaçava roubar meus sonhos e, por fim, a gravidez — o presente que eu tinha recebido com nossa filha. Eu deveria exibir aquelas cicatrizes com orgulho, mas não conseguia.
Ser capaz de ter uma criança tinha sido um presente que recebemos apenas uma vez. Tínhamos tentado de novo, sem sucesso. Ela era o nosso milagre. O raio de sol que iluminava qualquer dia escuro. Um reflexo lindo e perfeito do amor pelo qual tínhamos lutado tanto.
Acariciando meu rosto com a parte de trás dos dedos, ele ergueu meu queixo.
— Não se cubra, gata. Eu adoro o seu corpo. Não quero que você o esconda.
— Vou tentar — prometi.
Ele subiu e desceu os olhos pelos meus braços, pelo meu peito, demorando-se no tecido que cobria meus seios.
— Mas também, não tenho certeza se eu conseguiria me controlar ao ver você assim o verão inteiro. Mal consegui manter o controle até agora.
Um segundo depois, ele empurrou um triângulo da parte de cima do meu biquíni para o lado. Meu seio era pesado e rijo sob o toque dele.
— Blake.
O nome dele escapou de mim como um alerta confuso. A ansiedade se misturou ao formigamento do desejo que zunia sob a minha pele.
Ele me silenciou, eliminando minha objeção com outro beijo intenso.
Enrolei os braços no pescoço dele e ele nos afastou da água e se aproximou da parede da casa. Eu estava prensada pelo corpo rijo dele, minha coxa engatada alto em seu quadril, de modo que estava aberta para ele. O toque irresistível dele desceu por todo meu corpo, passando pela minha barriga e seguindo para baixo. Arfei quando ele colocou a mão por dentro do biquíni, me tocando com firmeza. A boca dele deixou a minha e foi de encontro ao meu seio.
Chupando e encharcando, mordiscando meus mamilos sensíveis até eu não conseguir segurar mais.
Arqueando o corpo com um gemido, passei as mãos pelas mechas molhadas dos cabelos dele. Eu o segurei junto a mim, me segurando à medida que ondas de prazer me inundavam, crescendo em intensidade a cada segundo, como uma maré enchendo continuamente. Gradualmente, minha noção de tempo se esvaiu. Os sons da praia desapareceram e Blake tomou conta dos meus sentidos, me tocando como uma música que ele conhecia bem e que nunca tinha esquecido.
— Céus.
O grito gaguejado saiu dos meus lábios enquanto eu tremia violentamente contra os movimentos dele.
— Ah, aí está — murmurou ele.
Minha cabeça caiu para trás enquanto eu recuperava o fôlego, o coração disparado no peito. Afrouxei as mãos em torno dos ombros dele. Minhas unhas tinham deixado marcas brancas, que depois ficaram vermelhas na pele bronzeada dele.
— Caramba — falei, entre suspiros ofegantes.
O ar salgado e quente preencheu meus pulmões e se acomodou na minha pele úmida. Todas as sensações pulsavam dentro de mim. O raspar das pernas dele nas minhas, as mãos dele me segurando por trás, nos aproximando.
Nossos quadris girando juntos, os lábios dele macios no meu pescoço. Quando ele se afastou, seu olhar verde estava repleto de desejo e de mais alguma coisa, algo mais profundo que nunca parava de me deixar sem ar. Uma espécie de amor dilacerante que ele só era capaz de dividir comigo.
— Blake… Eu te amo tanto!
As palavras saíram de dentro de mim, uma proclamação fácil e automática, mas que nunca perdia o significado à medida que o tempo passava. Aquelas palavras não significavam nada menos do que quando as dissemos pela primeira vez. Na verdade, significavam mais.
— Eu também te amo. — O olhar dele passeou por mim. — E nunca vou me cansar de provocar essa expressão no seu rosto. Adoro ver você desse jeito, toda corada e envergonhada, com estrelinhas nos olhos quando você relaxa.
Faz com que eu me sinta o centro do seu mundo, mesmo que só por um minuto.
Com a mão trêmula, contornei o arco escuro da sobrancelha dele, descendo até o nariz e passando pelos lábios cheios marcados. A obra de arte com a qual eu dividia minha vida… da qual eu nunca me cansaria, e que eu jamais perderia.
— Não tenho certeza de que exista algo assim, mas se existir, o centro do meu mundo é o nosso amor, Blake. Cada alegria… todas as coisas lindas da minha vida, eu tenho por causa do nosso amor.
Ele fechou os olhos, me puxando até nossas testas se encostarem.
Lentamente, ele ergueu o rosto, me fitando com olhos intensos e cheios de alma.
— Você sempre vai tê-lo.
CENA BÔNUS
Volte até onde tudo começou… Agora temos uma chance especial de ver exatamente o que Blake estava pensando quando Erica entrou na sala de reuniões da Angelcom.
BLAKE
Me apoiei na parede do elevador e observei o número mudar enquanto me aproximava do último andar dos escritórios da Angelcom. Fechei os olhos, desejando ter mais algumas horas extras para mantê-los fechados.
As portas se abriram com um tilintar e, alguns passos adiante, Greta estava sentada à grande mesa da recepção que exibia o nome e a logo da Angelcom. Um lar longe de casa, este escritório era o local em que alguns dos meus melhores empreendimentos tinham começado.
Greta sorriu calorosamente quando me aproximei.
— Bom dia, sr. Landon. Os outros investidores estão reunidos na sala de reuniões B.
Concordei com a cabeça e dei uma olhada no relógio. Eu já estava cinco minutos atrasado. Senti uma pequena satisfação em saber que iríamos nos encontrar com uma das recrutas de Max hoje e que meu atraso certamente o estava irritando neste exato momento.
— Você parece cansado. Quer que eu pegue alguma coisa?
As sobrancelhas de Greta se uniram.
— Obrigado, estou bem.
Passei a mão pelos cabelos. Eu tinha ficado acordado metade da noite impedindo um ataque cibernético em uma plataforma que tínhamos lançado há apenas alguns dias. Quem quer que estivesse atacando era persistente, mas não conseguiu nos tirar do ar. Tomei mais um gole do meu café gelado grande e segui na direção da sala de reuniões do outro lado do corredor.
Os outros investidores já estavam em seus lugares, sentados ao redor de uma grande mesa com vista para a cidade de Boston. Me larguei na cadeira vaga ao lado de Max e me concentrei na bela loira sentada à minha frente.
— Este é Blake Landon — disse Max a ela. — Blake, Erica Hathaway. Ela está aqui para apresentar sua rede social de moda, Clozpin.
— Nome inteligente. Você a trouxe aqui? — perguntei, sem tirar os olhos dela.
— Sim, temos um amigo em comum em Harvard — respondeu ele.
Concordei lentamente com a cabeça. Antes desta reunião, eu tive o prazer de uma apresentação mais física com aquela garota, que parecia muito adulta agora, com seu terninho e sua blusa azul-petróleo que combinava com os olhos surpreendentemente azuis. Olhos que eu não conseguia parar de fitar.
Alguma coisa naquele instante de reconhecimento fez com que a noite longa e a manhã difícil se dissipassem.
Erica Hathaway.
Lambi os lábios e a vi observar o movimento com os olhos. Um rubor leve subiu pelo peito dela até as bochechas. Essa era a segunda vez em que eu me deliciava com a resposta física visível dela a mim.
A faísca era mútua e eu quase me reprimi por não fazer alguma coisa sobre minha atração por ela. Pela expressão nebulosa nos olhos dela quando tropeçou e eu a segurei no restaurante, eu poderia tê-la convidado para beber alguma coisa, o que poderia ter levado a algo mais. Mas Michael estava na cidade e eu não podia furar o jantar com ele por uma transa rápida.
Ao menos eu tinha uma segunda chance.
Ela mexeu no blazer, evitando o meu olhar, e começou, gaguejando, sua apresentação.
Enquanto isso, me permiti imaginar todas as maneiras como a noite podia ter terminado. Depois, redirecionei meus pensamentos perambulantes para o presente e em todas as maneiras como eu poderia recompensar aquelas oportunidades perdidas esparramando-a naquela mesa bastante robusta que nos separava agora. Passei a língua pelo lábio inferior, me perguntando qual seria o gosto dela. A lembrança do corpo dela, quente sob as minhas mãos, pressionado com firmeza contra o meu, ficou um pouquinho mais potente.
Eu não conseguia evitar sorrir com malícia toda vez que nossos olhos se encontravam e ela se perdia nas palavras. Ela parecia desconfortável, definitivamente nervosa. Eu deveria fazê-la se sentir mais relaxada, mas tudo em que conseguia pensar era em como ela reagiria sob pressão. Eu a interrompi no meio de uma frase e a bombardeei com perguntas-torpedo sobre o modelo de negócios dela, que foram respondidas com mais elegância do que eu esperava.
Então Erica não era apenas um rostinho bonito. Ela era esperta, e o fato de que tinha chegado àquela sala de reuniões indicava que também era determinada.
Satisfeito, fiz um gesto para que ela prosseguisse.
Enquanto Erica falava, debati comigo mesmo o que eu queria mais — um pedacinho do negócio dela ou ela debaixo de mim, gritando meu nome.
Era uma pena que eu preferisse o simples. O descomplicado. Caso contrário, poderia ter os dois. Eu não queria partir corações, e misturar negócios com prazer era uma rodovia reta até esse destino.
Meu celular acendeu com uma mensagem, interrompendo meu foco de laser em Erica e sua apresentação. Minha ex, Sophia, estava vindo para a cidade em alguns dias. Os emoticons que decoravam a mensagem deixavam claro que ela queria mais do que apenas me ver. Sorri por dentro com a persistência dela. Eu deveria querer tudo que ela oferecia, mas não conseguia me convencer a levá-la para a cama de novo. Depois de tudo que tínhamos passado, era melhor permanecermos amigos.
Especialmente quando eu tinha um pedaço de mau caminho como Erica Hathaway bem à minha frente.
Mandei uma mensagem de resposta a Sophia avisando que eu estaria em Las Vegas e perderia a visita dela. Larguei o celular de volta na mesa enquanto Erica finalizava sua apresentação. Não tinha como não perceber a mistura de alívio e medo que lampejou atrás dos olhos dela. Vulnerabilidade com uma pitada de fogo.
Quando ela concluiu, eu perguntei: — Você está namorando alguém?
Eu sabia que iria para o inferno assim que disse aquelas palavras. O rosa-choque que tingiu as bochechas de Erica foi uma confirmação.
— Como?
A voz dela era instável.
— Relacionamentos podem ser distrativos. Se você tem que conseguir os fundos de que você precisa deste grupo, esse pode ser um fator que vai afetar seu potencial de crescimento.
Eu poderia ter me graduado em malandragem, se achasse que a faculdade valia o esforço. Só que ela não caiu. Toda sua vulnerabilidade desapareceu.
Agora ela era toda fogo, uma realidade que enviou uma onda de sangue na direção sul do meu corpo. Infelizmente para ela — ou talvez felizmente —, a promessa de levá-la para a cama estava vencendo minha batalha interna.
— Posso lhe garantir, sr. Landon, que estou cem por cento comprometida com esse projeto. — Os olhos dela se estreitaram quando ela olhou diretamente para mim. Ela inclinou a cabeça de leve. — Você tem alguma outra pergunta relacionada à minha vida pessoal que irá influenciar sua decisão hoje?
Eu tinha várias outras dúvidas relacionadas à vida pessoal dela e pretendia chegar à raiz de todas elas assim que aquela reunião terminasse.
— Não, acho que não. Max?
Me virei para Max, que rapidamente incitou os outros investidores a verbalizarem seu interesse ou a falta dele. Erica respirou fundo e, trêmula, uniu as mãos em frente ao corpo com tanta força que as articulações dos dedos ficaram brancas.
Então, um por um, os outros passaram.
Erica engoliu em seco e eu pude sentir que ela estava se preparando para a possibilidade bem real de que ela sairia daquela sala rejeitada por todos. O que Erica não sabia é que Max tinha enchido a sala de homens que raramente investiam em startups virtuais. Isso já me dizia que ele a queria só para si.
Então, todos os olhos estavam em mim e a sala ficou em silêncio. Dei uma olhada firme na direção de Erica.
Naquele momento, decidi que eu também a queria só para mim.
— Eu passo — falei.
AGRADECIMENTOS
ESTE LIVRO É PARA MEUS bebês, S., A. e E., que, apesar de eu me recusar a aceitar, não serão tão pequeninos para sempre. Apesar de talvez não ser óbvio para vocês agora, eu garanto que, a cada dia que passa nas nossas vidas loucas e frenéticas, eu me vejo repleta de orgulho, surpresa e mais amor por vocês do que consigo realmente expressar em palavras. Obrigada por dividir a mamãe de vocês com os personagens e leitores e por aceitar os sacrifícios que tivemos que fazer. Obrigada por ficarem animados com cada passinho da nossa jornada, por serem os primeiros a me abraçar quando eu mais preciso e por me relembrarem todos os dias do que é verdadeiramente importante.
Eu gostaria de agradecer aos meus leitores, à minha equipe de rua e aos leitores beta pelo apoio incrível! Seu amor por esta história inspirou a jornada de Blake e Erica mais do que vocês podem imaginar. Estou em dívida eterna com vocês por serem uma parte tão gigante na transformação desse sonho meu em realidade.
Estou animada com a oportunidade de final e oficialmente dar crédito à minha agente literária, Kimberly Brower, e pelo apoio da Rebecca Friedman Literary Agency. Kimberly, obrigada por ter me encontrado, por ler e amar meus livros e por concordar em embarcar comigo nessa montanha-russa maluca que é a carreira de escritora.
Minha gratidão a todas as muitas pessoas do Hachette Book Group, à Grand Central Publishing e ao Forever Romance por terem me ajudado a levar os livros da série Hacker aos meus leitores com tamanha dedicação e eficiência. Obrigada, Leah Hultenschmidt e Jamie Raab, por enxergarem o potencial da série e trazerem uma energia nova à parte de publicação e distribuição. Obrigada, também, aos vários editores estrangeiros e às moças da Bookcase Literary Agency, que compartilharam esse entusiasmo, levando a história de Blake e Erica para o resto do mundo.
Como sempre, um grande viva à minha editora talentosa, Helen Hardt. É louco pensar que já faz dois anos desde que eu enviei o primeiro rascunho de Atração magnética a você e cá estamos, tantos livros depois! Sei que sempre prometo que todo prazo maluco vai ser o último, mas acho que você já me conhece bastante bem a essa altura. Obrigada novamente pela sua flexibilidade e por sua caneta vermelha sempre atenciosa.
Eu não poderia ter navegado confidencialmente no sistema judicial do meu mundo imaginário sem a expertise digna de Anthony Canata do meu escudeiro e amigo de longa data Michael Gove. Michael, sou muito grata por ter tido você ao meu lado durante alguns dos períodos mais desafiadores da minha vida. Obrigada pela sua amizade contínua e pelo conselho sempre confiável.
Boa parte da genialidade natural e da expertise técnica de Blake foi inspirada em Luc Vachon, meu Sid “da vida real”, amigo brilhante e ex-colega de trabalho, que usa seus poderes para o bem. Obrigada, Luc, pelo seu cérebro incrível, que nunca deixa de inspirar as pessoas ao seu redor a imaginarem o que for possível. E depois de anos enchendo o seu saco por causa disso, por favor, aceite este agradecimento como minha aceitação final da sua incapacidade de vir para o trabalho antes do meio-dia.
Obrigada à equipe da Waterhouse Press, por cuidar da empresa enquanto eu me enfurnei na caverna por semanas a fio para ser uma escritora ao invés de uma proprietária de empresa. David Grishman, obrigada por assumir as rédeas e permitir que eu me aposentasse da função de chefe. Kurt Vachon, é difícil imaginar completar qualquer projeto grande sem o fluxo contínuo de vídeos fofos de filhotes que você envia, além do suporte técnico infinito que mantém tudo correndo bem nos bastidores. Shayla Fereshetian, de alguma forma, você coloca meu mundo caótico em ordem e faz isso com uma paixão e uma positividade imensas. Obrigada mil vezes! Já deixo avisado que se qualquer um tentar roubar você de mim um dia, eu vou pegar a faca.
Mia Michelle, meu doce! Obrigada por ser minha assistente de confecção de romances mais uma vez, pelo seu apoio incondicional e por ser uma alma tão linda que eu sou imensamente abençoada em poder chamar de amiga.
Chelle Bliss, sua ética profissional me surpreende e tem sido uma verdadeira inspiração para a procrastinadora que existe dentro de mim. Obrigada por sempre dar uma checada em mim, por me mandar distrações e por ser tão incrivelmente real.
Obrigada, Remi Ibraheem, por sua amizade e pela orientação incrível.
Obrigada aos muitos amigos que fiz pelo caminho e àqueles que viajaram comigo nessa experiência maluca com positividade e encorajamento.
Como sempre, obrigada, mãe, por ouvir e me ajudar a acreditar que as coisas que às vezes parecem impossíveis sempre estão ao nosso alcance. Eu não teria conseguido sobreviver a essa jornada sem o seu apoio de sempre e o seu amor altruísta.
Acima de tudo, eu gostaria de agradecer ao meu marido, Jonathan, só que a palavra obrigada nunca será suficiente. Eu nunca imaginaria escrever uma história sobre dois personagens tão perdidamente apaixonados sem conhecer esse tipo maluco de amor pessoalmente. Obrigada por ser meu campeão, meu melhor amigo e o amor da minha vida.

 

 

                                                   Meredith Wild         

 

 

 

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