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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CONSPIRAÇÃO / Lou Carrigan
CONSPIRAÇÃO / Lou Carrigan

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

A primavera florescia em Nice. Brigitte Montfort, jornalista americana, havia chegado naquela mesma manhã, procedente de Paris. E agora rodava pelas ruas da cidade num táxi que pegara no aeroporto. Ao longe o mar resplandecia, cartão postal pintado de anil. Naquelas águas estava ancorado o iate Afrikaan, propriedade de Nabil Kombe. Um traficante de armas com quem Baby da CIA precisa acertar umas coisinhas.

 

 

 

 

Querido, tenho que viajar!

 

— Na vida acontecem certas coisas que eu jamais poderei entender — disse Frank Minello. — Você sabe qual é uma delas?

 

— Do que você está falando, Frankie? — Brigitte perguntou.

 

— Estou dizendo que as pessoas ao invés de estarem diariamente progredindo para o bem, fazem exatamente o oposto e acomodam-se progressivamente ao mal. Você entendeu meu ponto de vista, Brigitte?

 

— Querido, talvez você esteja exagerando um pouco. Acho que está sendo radical ao afirmar que a humanidade piora a cada dia. Veja se não tenho razão ao discordar de você.

 

— Posso provar o que disse — Minello sacudiu o jornal que segurava com a mão direita.

 

— Veja esta notícia que... Por quê está arrumando a mala?

 

— Vou viajar — riu Brigitte, fechando a mala vermelha estampada de florezinhas azuis. — Se você tivesse chegado dez minutos mais tarde não me teria encontrado. Qual foi a notícia que o indignou?

 

Minello resmungou algumas palavras entre dentes e se sentou na cama da moça. Passou os olhos pelo quarto e sentiu-se perplexo. Já tinha estado ali centenas de vezes, mas sempre em condições bem diferentes da que desejava.

 

Conhecia muito bem o aposento e não entendia porque aquela sensação estranha o acompanhava naquele momento. Tinha a impressão de estar num lugar muito limpo, muito arejado e com a atmosfera ambiental constantemente renovada.

 

E subitamente, depois de tantos anos, ele descobriu o que havia de extraordinário naquele quarto. A revelação foi tão inesperada que não pôde conter uma exclamação.

 

— Em que está pensando? — Brigitte parecia muito interessada em suas reações.

 

— Já sei o que há de especial neste quarto!

 

— Especial? Aqui dentro existe alguma coisa especial? O que é?

 

Minello parecia extasiado. Brigitte parou de arrumar a mala e passou os olhos lentamente por todo o quarto que, logicamente, conhecia melhor do que qualquer outra pessoa. A decoração era sóbria e elegante. O aposento recebia a luz do sol pela janela do terraço e esta, se distribuía uniformemente pelo amplo dormitório, onde predominavam as cores branca e azul.

 

— Sou um imbecil. Devia ter desconfiado disso há tempo — gracejou o rapaz.

 

— Você não tem nada de imbecil — riu Brigitte. — Antes de qualquer coisa, conte-me, o que foi que o surpreendeu, embora eu nada veja em meu quarto que pudesse despertar sua atenção.

 

— Mas há, sim, e precisamente, se relaciona com o assunto que comentei há minutos. Toda a humanidade está se adaptando ao mal, porém dentro deste quarto acontece o contrário... Foi por isso que eu sempre me sentia muito bem quando estava aqui. Primeiro, pensei que isso acontecesse porque eu a amava profundamente, mas agora descobri que o motivo é outro ou melhor... aqui dentro se tem a sensação de estar bem afastado do mal. E veja uma coisa, Brigitte, não são raras as ocasiões em que a gente pressente certas sensações incômodas ou inquietantes; há muito lugares pelo mundo que nos dão a impressão de estarmos sendo usados para a semeadura de todo o mal que há na terra. Ele cresce, cria força.

 

Calou-se, olhou para ela e prosseguiu:

 

— Porém aqui dentro só existe paz... Estou falando tolice?

 

— Frankie, você “nunca” fala bobagens ou tolices — respondeu Brigitte. — Às vezes se faz de tolo, mas isso já é uma situação diferente. Concordo com você, porque já muitas vezes experimentei dessa sensação inquietante, angustiante, provocada pela presença do mal que vive em muitos lugares.

 

Minello não respondeu e ficou pensativo. Brigitte acabou de colocar as roupas na mala e a fechou. Olhou as horas no relógio de pulso.

 

Ele a fitou com interesse.

 

— Eu poderia acompanhá-la — sugeriu.

 

— É melhor não, Frankie. Já está na hora de eu sair daqui, querido. Porém, continuo curiosa, qual foi a notícia que o deixou tão alterado?

 

Minello novamente sacudiu o Morning News.

 

— Já deve ter lido o artigo que foi publicado na sua Seção Internacional. Porém, ele não foi assinado por você.

 

— Claro, só assino as colunas quando escritas por mim — riu a maravilhosa jornalista. — Qual é a notícia, afinal?

 

— Aquela que explora a personalidade de Nabil Kombe.

 

— Esse artigo não foi assinado por mim ou por qualquer um dos repórteres que trabalham em minha Seção. Teve origem numa agência internacional e foi publicado em todos os jornais do mundo, Frankie. Não tem nenhum valor jornalístico.

 

— Sim, sei o que está tentando dizer-me. São notícias que somente provocam asco, não concorda comigo? Nabil Kombe bem merecia que alguém o degolasse antes de causar e provocar tantos problemas. E enquanto tantos são prejudicados, ele se diverte na Costa Azul.

 

— É uma pessoa que não pode ser simpática a ninguém — admitiu Brigitte. — Porém, não posso negar: ele é um tipão!

 

Minello franziu o cenho, olhou a fotografia que estava estampada na página do Morning News e disse calmamente:

 

— Ele é uma pessoa que ratifica o que acabei de afirmar. A humanidade estava ficando ruim com o passar dos dias. Não me diga que é injusto julgar todos da mesma forma, mas há certas coisas que me enfurecem. Há poucas semanas todo o mundo acusava o governo norte-americano pelo envio maciço de armas à América Central; asseguravam que essa remessa favorecia os interesses dos Estados Unidos. Pois bem, depois de gastarem tanto tempo acusando Washington, chegam à conclusão que as armas foram enviadas por um tal de Nabil Kombe e que, com elas, o infeliz realizou uma de suas maiores transações internacionais. E o cínico ainda teve coragem de declarar que cada um pode traficar com o que lhe seja mais rendoso! Você quer que eu a acompanhe ao aeroporto?

 

— Não, obrigada. Já chamei um táxi.

 

— Eta, ferro! Por que não posso levá-la?

 

— Não quero lhe causar aborrecimentos, Frankie. Posso ir de táxi, aliás, até prefiro. É mais prático.

 

— Certo, eu a acompanharei até ele.

 

— Não, poderá acompanhar-me até o elevador. Depois, poderá distrair-se, fazendo companhia para Peggy. Há uma garrafa de champanha gelada; poderão bebê-la em minha saúde.

 

— Essa ideia não é má — admitiu Minello, carregando a mala de Brigitte. — Quero que me diga uma coisa: A CIA não colaborou no caso de Nabil Kombe?

 

— Sim. Porém, eu não intervi. Tudo aconteceu facilmente, um grupo de agentes recebeu algumas informações e as distribuiu para a imprensa mundial...

 

— Desta vez, tem-se de admitir que a CIA fez um belíssimo trabalho! O mundo inteiro acusando Washington, aventando a possibilidade de vários generais americanos estarem envolvidos no tráfico de armas.

 

— O problema estava ficando sério — concordou Brigitte, abrindo a maleta de mão para verificar se tudo estava em ordem.

 

Saiu do quarto acompanhada por Minello.

 

— Frankie, se a CIA não houvesse descoberto a participação de Nabil Kombe e sua responsabilidade direta nesse tráfico de armas, cinco generais do alto escalão estariam neste momento numa situação delicada. Inclusive, já havia quem dissesse que existiam “provas” de que foram eles que remeteram as armas para a América Central.

 

— Provas? Que tipo de provas?

 

— Ignoro. E desde o momento que demonstraram que o traficante é Nabil Kombe, supõe-se, logicamente, que as tais provas jamais existiram. Ainda bem que sabemos que sempre há pessoas que se aproveitam, em qualquer ocasião, para desmerecer o prestígio norte-americano.

 

— Entendo seu ponto de vista — Minello resmungou. — Bem, é tranquilizador verificar-se que tudo acabou muito bem para os Estados Unidos, mas continuo pensando que o tipo merece um bom corretivo. No entanto, não é isso que está acontecendo. Ele continua velejando pela Riviera. Como é mesmo o nome de seu iate luxuosíssimo?

 

—Afrikaan.

 

— Isso mesmo: Afrikaan! De boa vontade, eu iria até Nice para encarregar-me do sujeito. Não sei qual é seu destino, mas garanto que ele está bem distante da costa.

 

— Não, não. Continua nas proximidades de Nice, ancorado na Baía de Anges.

 

— Como sabe disso tudo?

 

— Ora, sei porque li algumas informações a seu respeito.

 

— Claro. Você não vai se despedir de Peggy?

 

— Já me despedi dela. E tem mais, ela não está em casa. Quando soube que você vinha me ver, deduziu que certamente também ficaria para o jantar e decidiu comprar alguns petiscos especiais.

 

— Quanta consideração da Peggy! — Minello abriu a porta do apartamento e ambos saíram ao corredor. — Bem, para onde você vai agora?

 

— Vou para a Europa.

 

— Para Villa Tartaruga, não?

 

— Não.

 

— Não vai encontrar Número Um?

 

— Vou a Nice.

 

— A Nice — repetiu Minello, com o dedo no botão do elevador. — Você disse que vai a Nice?

 

— Como você ouviu.

 

— A viagem está relacionada com a CIA?

 

— Não. Vou por minha conta. Uma viagem para resolver meus problemas, entende? — Brigitte sorriu, gelidamente.

 

— Assuntos referentes ao jornal?

 

— Não.

 

— Vai à Riviera sem procurar certos tópicos que enriqueçam sua coluna?

 

— Exatamente.

 

O elevador chegou. Brigitte abriu a porta e fitou Minello que continuava parado a seu lado, com os olhos presos nos seus.

 

— Está vendo como sou imbecil? — murmurou. — Eu devia ter desconfiado que você viajaria para Nice.

 

— Agora não precisa demonstrar sua perspicácia, Frankie.

 

— Não estou desejando demonstrar nada. Devia ter compreendido isso desde o princípio: um criminoso, um traficante de armas, todos os problemas que ele criou com sua intervenção na América Central e as acusações que foram feitas contra os cinco militares do alto escalão de Washington... e sobretudo, os confrontos brutais que ocorreram entre o povo e causaram centenas de mortes na América Central quando da chegada do armamento. Chega, você não me engana mais, sei que vai se encarregar do maldito!

 

— Psiu! — Brigitte pôs um dedo sobre os lábios. — Fale baixo, Frankie! Se os vizinhos ouvissem que a senhorita Montfort vai encarregar-se de alguém, desmaiariam de susto e perplexidade! Outra coisa: quer fazer o favor de colocar minha mala no elevador? Não desejo perder o avião!

 

Minello pôs a mala no elevador, abraçou-a e beijou-a nos lábios e em seguida, murmurou:

 

— Poderia me fazer um favor, querida? Quando encontrar-se com aquele porco, meta-lhe uma bala nas tripas!

 

— Adeus, Frankie — Brigitte agora o beijou.

 

— Até à volta.

 

Minello saiu do elevador de má vontade e as portas do mesmo se fecharam imediatamente.

 

Frankie Minello continuou no corredor como que colado no chão. Finalmente, regressou ao apartamento de Brigitte, fechou a porta e foi diretamente ao quarto da jornalista-espiã. Apanhou o jornal que havia ficado em cima da cama, olhou a foto de Nabil Kombe e murmurou:

 

— Não dou um centavo por sua vida, miserável! Nem pode imaginar a sorte que o espera!

 

A primavera florescia em Nice. Brigitte Montfort, jornalista americana, havia chegado naquela mesma manhã, procedente de Paris. E agora rodava pelas ruas da cidade num táxi que apanhara no aeroporto. Ao longe o mar resplandecia, parecendo um cartão postal pintado de anil.

 

Era naquelas águas que estava ancorado o iate Afrikaan, propriedade de Nabil Kombe. Um iate que parecia ser mais confortável e luxuoso que muitos palácios em terra firme. Um iate no qual podiam viajar mais de cem pessoas confortavelmente. O Afrikaan era, ao mesmo tempo, o lar e a fortaleza de onde o grande magnata Nabil Kombe dirigia seus negócios de alto nível.

 

— Perdoe-me — o motorista interrompeu as reflexões de Brigitte. — A senhora não disse que queria ficar na Av. Dr. Menard?

 

— Sim. Número 22.

 

— Merci.

 

Poucos minutos mais tarde chegavam ao centro de Nice. O motorista dirigiu até a Av. Dr. Menard, uma rua discreta que descrevia um arco entre as zonas ajardinadas. O número 22 correspondia a uma casa de estilo elegante e austero, cercada por um jardinzinho delicado e encantador.

 

O motorista encostou o carro, abriu a porta e desceu para apanhar a mala que estava no porta-malas. A maleta havia ficado o tempo todo nas mãos da passageira que também saltou do táxi e se encaminhou para a porta da casa. O motorista colocou a mala perto de Brigitte e esta pagou-lhe e ainda lhe deu uma generosa gorjeta.

 

O homem se ofereceu para colocar a mala no interior da casa, mas a bela americana lhe disse que não era necessário e tocou a campainha da porta.

 

O carro partiu e ninguém ainda tinha vindo atender a viajante. E nem havia alguém na casa que pudesse atendê-la. Simplesmente, quando o táxi se perdeu de vista, Brigitte abaixou-se, levantou o capacho felpudo e apanhou a chave que estava sob ele. Abriu a porta de entrada carregou a mala e a fechou atrás de si.

 

Tudo estava silencioso; a quietude era absoluta. Na parede esquerda do vestíbulo havia uma porta que Brigitte abriu, comunicava-se diretamente com a garagem e nesta, havia um Mercedes prateado, com chapa da Áustria. A espiã sorriu secamente e voltou ao vestíbulo.

 

Chegando ali, orientou-se sem dificuldade e chegou ao escritório que estava à sua direita. Acendeu a luz e se sentou numa poltrona cômoda e giratória. Sobre a mesa, estava uma elegante carteira de pele. Brigitte abriu-a e tirou de seu interior cem mil francos franceses, algumas cédulas austríacas, um envelope branco que continha umas poucas joias e um passaporte austríaco com nome de Daniela von Karsten. A fotografia que identificava o documento era por demais parecida com a de Brigitte Montfort. Apesar da jovem e bela austríaca chamar-se Daniela, ser muito loura com olhos bem escuros, o formato de seu rosto era semelhante ao da linda espiã.

 

Depois, Brigitte dedicou toda sua atenção às fotos coloridas que focalizavam o iate Afrikaan em todos os ângulos possíveis; algumas, até com pessoas no convés. Após estas, estavam várias fotos de Nabil Kombe que efetivamente era um homem bonito, atraente, de olhos negros como a maioria do povo que tinha suas origens nas raízes árabes. Tinha quarenta e dois anos e comentava ser o homem que conseguira o maior harém de todos os tempos.

 

Porém, foram seus olhos negros que mais chamaram a atenção de Brigitte: o olhar era profundo, calmo e naquelas pupilas havia algo que a fazia estremecer.

 

Começo a dar razão a Frankie quando disse que eu estava complicando a vida. Que seria bem mais fácil matá-lo, liquidá-lo e assunto terminado. Porém se eu fizesse isso, tudo se tornaria fácil demais. E eu faria o mesmo que qualquer pessoa comum.

 

Essa mulher há de ser minha

 

Estava sentado à mesa da roleta quando a loura maravilhosa entrou na sala.

 

O árabe se desinteressou imediatamente pelo jogo e toda sua atenção ficou concentrada na mulher alta, elegante e aristocrática que acabava de chegar.

 

O crupiê iniciou a rodada, a bola se deteve numa das casas numeradas. Houve murmúrios de satisfação por parte dos vencedores.

 

Nabil Kombe era dos que sempre se encantavam ao ver uma mulher bela e agora, não tirava os olhos da loura que continuava parada perto da porta. Não era o único homem que a fitava fixamente, inclusive algumas mulheres também a observavam com discrição e pareciam admiradas com a atitude de total indiferença da desconhecida.

 

A dama estava parada, como se estivesse à espera de algo. O crupiê sugeria a conveniência de novas jogadas, enquanto seus auxiliares recolhiam as apostas ganhas pela casa e empurravam com bastões as fichas ganhas pelos clientes.

 

Kombe fez uma nova aposta. Empurrou ficha; no valor de cinco mil dólares no número 22 — a idade que devia ter aquela loura, lindíssima.

 

Agora, ela estava falando com um empregado do cassino: entregou-lhe um maço de cédulas e o homem se afastou, certamente em busca de fichas.

 

A loura continuava parada no mesmo lugar. Era uma mulher elegante, que sabia agir com naturalidade, embora sentindo-se alvo dos olhares que a perseguiam desde sua chegada, porém, aceitando-os com a mesma naturalidade que teria ao aceitar o calor dos raios de sol.

 

Usava um vestido de noite preto, muito decotado e curto. O corpo era perfeito. Uma mulher lindíssima... mas não tinha só 22 anos...

 

Talvez por isso, Nabil Kombe também perdeu aquele jogo. Enquanto a roda girava, o empregado do cassino chegou com as fichas que a loura havia encomendado. Esta, entregou-lhe uma gorjeta e se aproximou da roleta.

 

Ao vê-la mais perto, Kombe comprovou que, de fato, ela devia ter mais de 22 anos. Não muito, mas vinte e dois anos ela jamais poderia festejar. Nabil estava fascinado. Nunca vira outra mulher com cútis tão sedosa e ele não era o único que a fitava com desejo, mas todos os cavalheiros que tinham a felicidade de poder contemplá-la.

 

Ela apostou em pares e ganhou. Enquanto isso, Kombe perdia mais uma vez. A dama aceitava o acréscimo de fichas com um sorriso simpático e divertido.

 

Nabil Kombe continuava com os olhos nela e pensava que poucas vezes estivera diante de uma mulher tão atraente, com corpo mais sinuoso e seios mais túrgidos, proeminentes, deliciosos... Não tinha dúvidas e sabia que a dama que estava à sua frente era uma fêmea completa Talvez por isso, sua fantasia começou a imaginar as coisas que poderiam acontecer entre ele e a deusa moderna; a excitação varonil foi num crescente e seu interesse pelo jogo desapareceu completamente.

 

Num determinado momento, o olhar de Kombi e o da loura pareceram entrechocar-se; o dela por casualidade e o dele, porque seus olhos não abandonavam os outros, negros e aveludados.

 

Ele cumprimentou-a ligeiramente com um movimento de cabeça. A loura arqueou as sobrancelhas com surpresa, talvez perguntando-se quem poderia ser aquele desconhecido. Desviou o olhar e continuou jogando, completamente esquecida de que havia no mundo alguém chamado Nabil Kombe: um homem bonitão, árabe, dono de um iate luxuoso e com uma fome insaciável de mulheres belas e elegantes.

 

Outro empregado do cassino aproximou-se da roleta. Olhou para as pessoas que rodeavam a mesa e finalmente, se inclinou para falar com a dama loura, que escutou o que ele lhe dizia e confirmou com a cabeça.

 

O empregado fez um gesto indicando o outro extremo da sala. Embora parecesse muito surpresa, fez um gesto pedindo para que ele esperasse e este a esperou até que terminasse o jogo. Ela ganhou novamente, acumulando um maior volume de fichas. Recolheu-as, levantou-se e saiu, seguindo o camareiro.

 

Nabil Kombe olhou discretamente para um de seus empregados “especiais”, que também poderiam ser denominados de guarda-costas e que sempre permaneciam perto de onde ele estivesse. Agora, todos já haviam observado o interesse do patrão pela loura maravilhosa que surgira inopinadamente na sala de jogo.

 

Um deles seguiu a moça e voltou minutos mais tarde, parou perto de Kombe e murmurou:

 

— Esteve falando pelo telefone. Parece que recebeu uma notícia que não agradou.

 

— Onde se encontra neste momento?

 

— No bar. Encomendou champanha.

 

— Está sozinha?

 

— Sim. Tive a impressão que veio para cá com a intenção de encontrar-se com alguém, porém a pessoa lhe telefonou para avisar que não poderia vir.

 

— Já conseguiu saber como se chama?

 

— Não, senhor... mas posso continuar sindicando...

 

— Não, não — cortou Kombe. — Sente-se no meu lugar.

 

Levantou-se. Era um homem alto, com mais de metro e oitenta. Porte atlético e elegante. Um tipo que faria sucesso numa passarela de modas desfilando como manequim masculino. Kombe reconhecia que era atraente e se sentia gratificado quando as mulheres o fitavam com olhares de admiração.

 

Caminhou diretamente para o bar. Viu a loura sentada num dos bancos estofados que se alinhavam ao longo do balcão. Ela parecia pensativa e tinha os olhos postos no copo que mantinha entre os dedos.

 

Também se sentou num dos bancos, acendeu um cigarro, aspirou-o, expeliu a fumaça e pediu um champanha ao garçom. Havia mais gente no bar Todos conversando, rindo e o rumor das vozes parecia flutuar pelo ar como flocos de neve caindo lentamente.

 

Nabil examinava a mulher que havia despertado teus instintos masculinos. Francesa? Talvez fosse, mas a elegância e as curvas bem pronunciadas não pareciam ser da França. Talvez, uma alemã? Sinceramente não poderia precisar sua nacionalidade, mas falava o francês com perfeição. E foi nesta língua que se dirigiu a ela:

 

— Parece ser uma pessoa afortunada — falou.

 

A dama levantou a cabeça, olhou para ele, parecendo desconcertada.

 

— Perdão? — foi o que murmurou com perplexidade.

 

— Eu a estive observando... com grande prazer e percebi que não deixou de ganhar uma vez.

 

— Ah! Sim. Desculpe-me, monsieur.

 

Ela desceu da banqueta, abriu a bolsa e apanhou uma ficha do seu interior.

 

— Permitiria que eu a convidasse? — pediu Kombe.

 

Fitou-o com surpresa. O árabe jamais havia experimentado aquela sensação com tanta intensidade. Tinha a impressão de ser um intruso humilde, procurando se imiscuir na vida de uma rainha.

 

De repente, o olhar de surpresa da dama se transformou, os olhos brilharam cheios de luz e ela sorriu divertida. Nabil Kombe experimentou um vazio tremendo na boca do estômago, mas respirou aliviado ao vê-la guardar a ficha novamente na bolsa.

 

— É muito amável, monsieur. Boa noite.

 

— Espero que nos encontremos novamente.

 

Ela ainda o fitava com um olhar amável e divertido, nem se preocupou em responder-lhe talvez achasse que o sorriso condescendem e amável fosse suficiente. Afastou-se, simplesmente.

 

Nabil Kombe teve vontade de segui-la, mas calculou que se fizesse isso, ficaria em evidência. Os fregueses que estavam no bar deviam te percebido que ele abordara uma dama desconhecida e o que menos desejava, era chamar a atenção de todos. E foi esse temor que o manteve cravado na banqueta até terminar o champanha.

 

Fumou um cigarro e voltou à sala de jogo. A dama loura não estava na mesa da roleta. O empregado ainda continuava ocupando o lugar que ele deixara vago. Outro guarda-costas aproximou-se e Nabil Kombe perguntou-lhe entre dentes:

 

— Viu a dama loura? Em que sala ela entrou?

 

— Em nenhuma, senhor. Ela já deixou o cassino — o informante sorriu e continuou: — porém, Rakir a acompanhou, senhor.

 

— Muito bem... Agiram como gosto. Esperemos a volta de Rakir para regressarmos ao iate.

 

Rakir só voltou quase uma hora mais tarde. Malik comunicou sua chegada ao patrão. Kombe abandonou imediatamente a mesa de jogo e se dirigiu para a saída. Malik e Otar o seguiram e pouco depois, os quatro viajavam no Continental blindado do árabe. Iam para o porto onde o Afrikaan estava ancorado.

 

Malik dirigia e Otar ia sentado a seu lado. No assento de trás iam Nabil e Rakir. Enquanto o carro rodava, o guarda-costas ia explicando:

 

— Ela se chama Daniela von Karsten e é uma aristocrata austríaca. Está hospedada no Hotel Imperial, o mais novo e luxuoso em Promenade des Anglais. Senhor, acredito que esteja sozinha, pois era ela quem dirigia o carro, um Mercedes.

 

— É, ela deve estar só. Se tivesse companhia não teria ido desacompanhada ao cassino. Imagino que estivesse aguardando alguém, mas o encontro falhou à última hora. Com quem ela conversou quando chegou no hotel?

 

— Somente com o encarregado da portaria.

 

Nabil Kombe sacudiu a cabeça e se perdeu em reflexões. Continuava calado quando Malik estacionou perto do ancoradouro, repleto de iates fabulosos, talvez os mais luxuosos do mundo entre estes, estava o Afrikaan.

 

Mais de trinta pessoas faziam os serviços de bordo e eram elas que mantinham a pequena luxuosa cidade flutuante sempre impecável, brancura do iate se destacava na escuridão do horizonte e as águas do Mar Mediterrâneo refletiam a iluminação feérica de Nice.

 

Dentro daquele palácio flutuante havia seis mulheres jovens e belas que aguardavam o regresso de seu amo e senhor: o milionário e magnata Nabil Kombe.

 

Porém, este já havia decidido aumentar a liste de seus amores mais ou menos efêmeros e mais ou menos apaixonados, com a presença da austríaca elegante e diabólica.

 

O camareiro entregou as flores, recebeu a gorjeta e abandonou a suíte da senhorita von Karsten.

 

Daniela ia arrumar as flores no vaso quando reparou um pacote pequeno que havia entre os ramos. Abriu-o e sorriu com desprezo ao ver a joia, uma verdadeira obra de arte de ourivesaria. A rosa e o galho eram feitos em ouro, as folha, por esmeraldas e no centro da rosa o botão da flor, um rubi fabuloso.

 

— Lindo! — comentou a senhorita com um sorriso zombeteiro.

 

No pacotinho também havia uma nota de cem francos e um bilhetinho:

 

Tenho certeza que se jogar por mim me dará sorte. Desejo vê-la novamente esta noite.

 

Por instantes esteve indecisa, pensando em não ir ao cassino. Se agisse desse modo, deixaria bem claro que não sentia nenhum interesse por ele, mas por quê não ir ao cassino sempre que tivesse vontade? Por quê ter tantas sutilezas com um homem que quando via uma mulher e sentia desejos por ela, imediatamente tentava comprá-la?

 

O tempo era ouro e não valia a pena desperdiçá-lo com um vulgar traficante de armas.

 

Nabil Kombe sorriu quando viu a loura entrar na sala de jogo. Sentou-se bem à frente dele e durante vários minutos esteve jogando, sem lhe dar atenção. Ganhou mais que perdeu. Finalmente, Daniela aparentou cansaço, levantou-se, foi para o bar e sentou-se ao balcão.

 

— Dom Perignon, por favor — pediu ao garçom.

 

— Oui, mademoiselle.

 

Estava saboreando o primeiro gole de champanhe delicioso, quando Nabil Kombe sentou-se na banqueta contígua à sua. Colocou a taça em cima do balcão, fitou-o com perplexidade como se se perguntasse quem era aquela pessoa tão inoportuna.

 

— A senhorita não foi muito amável, frau von Karsten — murmurou. — Nem sequer me dirigiu um olhar.

 

— Ah, o senhor é o cavalheiro que ontem à noite me convidou para o champanha, não é verdade?

 

— Sim.

 

— Não vejo porque devia olhá-lo. Não compreendo...

 

— Esteve jogando na roleta... sentada à minha frente. Pensei que pelo menos merecesse contemplar seus belos olhos.

 

— Não reparei no senhor — desculpou-se Daniela com um sorriso. — E por que devia contemplar meus belos olhos?

 

— Quando nós, homens, presenteamos flores a uma mulher, queremos expressar os sentimentos mais profundos.

 

Daniela pareceu ficar atrapalhada, mas logo voltou ao normal.

 

— Ah! Quer dizer que foi o senhor quem enviou as flores que me foram entregues esta manhã? Com elas também havia uma ficha do cassino. Claro!... Eu devia ter entendido! Levei um tempo enorme imaginando quem poderia enviar-me uma ficha do cassino, mas não pensei no senhor. Perdoe-me, mas a verdade é que eu já o havia esquecido.

 

— Pois eu não consegui esquecê-la.

 

— Isso é verdade, monsieur? Por quê?

 

— Francamente, eu imaginava que este encontro fosse ser diferente. Pensei que jogaria na roleta, sentada a meu lado para ganhar uma pequena fortuna iniciada pela ficha que lhe mandei. Supus que ela fosse converter-se num talismã... Também pensei que usaria o meu presente preso ao vestido...

 

Daniela von Karsten o escutava perplexa, como alguém que ouvisse um discurso sobre tema que lhe fosse totalmente desconhecido e que jamais lhe tivesse sido mencionado.

 

— Perdoe-me — disse amavelmente quando Nabil Kombe calou-se. — Devo entender que o senhor desejava que eu fizesse tudo como esperava?

 

— Eu não estava pedindo nada de extraordinário.

 

— Monsieur, o extraordinário não é o que me pede e sim, como se atreve a pedir tudo isso a uma pessoa desconhecida... Como pôde pensar que eu ia fazer exatamente o que desejava?

 

— Temo que a senhorita tenha errado ao interpretar minha atitude — murmurou Nabil Kombe. — Eu somente pretendia demonstrar-lhe minha admiração.

 

— Acredite-me, monsieur, não consigo entender o que está acontecendo. Nós já nos conhecemos de alguma parte? Talvez isso tenha acontecido no passado e eu cometi a descortesia de esquecê-lo?

 

— Não... Não, não.

 

— Monsieur, se eu e o senhor nunca nos encontramos anteriormente, somos dois desconhecidos, dois estranhos, não é verdade?

 

— Sim... É o que somos.

 

A loura lindíssima parecia assombrada.

 

— Talvez tudo não passe de uma brincadeira — sorriu, de repente. — Claro, tem que ser uma brincadeira de Karla e Wagner!... É isso mesmo! Como não puderam abandonar Viena, quando estavam prontos para viajar comigo, resolveram preparar-me este trote. Resolveram que seria divertido colocarem um ator em meu caminho, a fim de representar o papel de admirador impetuoso. Até que meus amigos souberam escolher um galã bonito...! Como disse chamar-se?

 

— Nabil Kombe — o africano parecia morder palavras. — E muito obrigado por dizer que sou bonito.

 

— É como é!... — Daniela começou a rir. — Agora que o conheço mais um pouquinho, percebo que também é simpático! Está perfeito no papel e eu elogiarei sua atuação a meus amigos. Nabil Kombe? Não é esse o seu nome?

 

— Sim.

 

— Oh, não! Por favor... Agora começo a recordar-me de seu rosto... Não entendo como pude ser tão distraída!

 

— Finalmente, a senhorita lembrou-se de mim e viu que já me conhecia.

 

— Claro! Seu retrato está em todas as revistas! Não entendo como pude ser tão distraída, tão tola... O senhor... é... o traficante que todos comentam... não é...?

 

— Senhorita von Karsten: poderia dizer-me qual a diferença que existe entre os Estados Unidos e eu, com referência ao que denomina tráfico de armas?

 

— A diferença?... Não compreendo o que quer dizer.

 

— Suponhamos que um carregamento de armas chegou-se ao meu pequeno país, a Arábia, a fim de respaldar uma revolução. Qual seria a diferença se as armas tivessem sido enviadas pelo governo americano ou por mim? E quando se fala em Estados Unidos, pode-se estar falando em qualquer outro país. Qual é a diferença?

 

— Os Estados Unidos não são traficantes de armas, monsieur.

 

— E isso autorizaria os norte-americanos a facilitarem a penetração de armas no meu país? O fato dos Estados Unidos serem uma nação que é reconhecida como tal pelo mundo inteiro, lhes faculta o direito de vender ou dar armas para respaldar revoluções, guerras ou guerrilhas?

 

— Bem, nunca encarei o problema sob esse ângulo...

 

— E de que ângulo ele poderia ser encarado? Como poderia analisá-lo?

 

— Na verdade, não sei... O senhor me confundiu totalmente.

 

— Se a senhorita arranjasse uma arma e se com ela matasse nove pessoas, julgaria que o crime era de menor importância somente porque a arma fora vendida pelos Estados Unidos? E que o mesmo delito, talvez, se tornasse mais grave se a arma fosse vendida por mim?

 

— Claro que não! — Daniela respondeu.

 

— Não entendo... por que parece aceitar a venda efetuada pelos Estados Unidos e por que condena a realizada por mim?

 

— Monsieur, não estou interessada em discutir com o senhor. Tampouco tive intenção de ofendê-lo. E agora, se me der licença, devolverei presente que me enviou e me despedirei.

 

Daniela abriu a bolsa, apanhou a joia, a ficha do cassino e as colocou em cima do balcão.

 

— Com esse gesto quer demonstrar que me despreza?

 

Ela fitou seus olhos escuros e profundos.

 

— Não o desprezo, monsieur. Apenas nada sinto pelo senhor e não tenho motivos para aceitar suas gentilezas.

 

— Ontem, no entanto, aceitou meu convite.

 

— Monsieur, uma coisa é uma taça de champanhe e outra bem diferente, foi o que mandou entregar-me no hotel.

 

— Está bem — Kombe guardou a joia e a ficha. — Por favor, esqueça-se desses presentes e me diga uma coisa: não aceitaria outra taça de champanhe?

 

— Monsieur, o que está pretendendo exatamente?

 

— Estar perto da senhorita. Poder contemplá-la e admirá-la. Poder escutar sua voz. Enfim proporcionar-me a oportunidade e o prazer de me relacionar com uma pessoa encantadora que me cativou ao primeiro olhar. Diga-me uma coisa, senhorita von Karsten: costuma ficar satisfeita quando observa que os homens se extasiam diante de sua beleza?

 

— Na verdade, não — riu Daniela. — O senhor sempre é tão direto em seus ataques, monsieur?

 

— Sempre, quando sinto que eles valem a pena. Está sozinha em Nice?

 

— Temporariamente. Ou melhor dizendo, tenho alguns amigos na cidade, mas eles não me agradam totalmente. No cassino também vi várias pessoas que conheço há algum tempo, mas são muito volúveis e não me seduz a ideia de escutar suas tolices novamente.

 

— Compreendo. Em todos os lugares há pessoas que não se renovam, pessoas que são repetitivas, cansativas. Não me surpreendo quando diz que elas a aborrecem.

 

— Agora sou eu quem está espantada — Daniela falou com ironia. — Todos comentam que o monsieur adora conviver no high-society.

 

— Digamos que é muito interessante, mas encantar-me, encantar-me realmente, jamais me havia acontecido até agora.

 

— É muito amável.

 

— Surpreendo-me sinceramente e não entendo, como nunca nos encontramos em alguma festa ou reunião social.

 

— Faz tempo que decidi não gastar minha imagem em profusão.

 

— Compreendo. Agora prefere selecionar com muito cuidado as festas que comparece, bem como tuas aparições em público, não é?

 

— Não tolero ver minhas fotografias reproduzidas em revistas.

 

— Tem razão. Às vezes, provocam aborrecimentos e se tornam até prejudiciais. Gostaria de desfrutar de um dia bastante agradável, num lugar onde posso garantir não haverá fotógrafo algum?

 

— Seu iate? — Daniela sorriu.

 

— Não... Não, não.

 

— É uma pena. Adoro navegar!

 

— Estava pensando em convidá-la para passar o dia numa mansão que tenho próximo de Cannes.

 

— Por quê? Se me convidasse para passar o dia navegando, talvez aceitasse. Como já disse, o mar me encanta. Porém, qual o seu objetivo ao convidar-me para sua mansão em Cannes? O que há nela que não haja aqui em Nice?

 

— Digamos, uma agradável solidão a dois — sorriu Nabil Kombe.

 

— Obrigada pelo champanhe — a loura retrucou friamente. — Boa noite, Sr. Kombe.

 

Nenhum dos dois se mova

 

Deixou-se escorregar pelo banco e se dirigiu para a porta do bar.

 

Nabil Kombe ficou indeciso e pensava se devia segui-la ou não. Apenas sentia raiva, frustração e procurava acalmar o orgulho ferido. Porém, dessa luta interior, outro anseio surgiu muito mais forte que os anteriores: o desejo de possuir o corpo de Daniela von Karsten.

 

E foi por causa disso que também abandonou o bar logo após ela ter saído. Quando chegava ao salão, os guarda-costas já se preparavam para acompanhá-lo, porém Kombe, com um gesto seco, deu ordens para que eles continuassem onde estavam. Não necessitava da proteção de homens para perseguir uma mulher.

 

Quando saía do cassino, viu Daniela entrando num carro Mercedes, estacionado ali mesmo. Teve de apressar o passo para aproximar-se do veículo antes que a mulher arrancasse com ele. Abriu a porta e se sentou ao lado dela.

 

Daniela o fitou com surpresa e altivez.

 

— Perdoe-me — ele falou, rapidamente. — Fui um estúpido e desejo desculpar-me.

 

— Faça o favor de sair de meu carro.

 

— Senhorita von Karsten, permita-me recomeçar tudo de novo. Nós, os seres humanos somos propensos a cometer erros e...

 

A porta onde Kombe estava recostado foi aberta com violência. Um homem desconhecido surgiu de repente, como que saindo da escuridão e o árabe viu que ele segurava uma pistola munida de silenciador. O cano da arma estava quase encostado em seu rosto e um arrepio percorreu todo o seu corpo.

 

— Saia daí — ordenou uma voz em inglês. — Vamos, saia daí agora mesmo, seu cretino!

 

Nabil Kombe empalideceu e Daniela soltou um gritinho fraco e rouquenho, quando a porta de seu lado também foi aberta e outro homem apareceu, portando outra pistola com silenciador, que ele mantinha apontada à sua cabeça.

 

— Acho bom ambos ficaram quietinhos!... Se fizerem algum movimento!... — o sujeito disse em inglês. — Garota, você continuará ao volante. Dirija com cuidado e veja as tolices que possa fazer!

 

As portas de trás foram abertas e os dois desconhecidos entraram no carro.

 

— Arranque!... Vamos embora, rápido! — ordenou um deles.

 

Daniela von Karsten se sentia agoniada. Olhou para Kombe e observou que ele estava pálido como se fosse um cadáver.

 

O árabe vigiava a porta do cassino com o canto dos olhos, mas não via nenhum de seus homens. Era lógico: eles sabiam que quando o patrão os liberava, não queria vê-los por perto.

 

Daniela ligou o motor e arrancou. O Mercedes deslizou suavemente. O homem que havia aparecido em primeiro lugar; falou alguma coisa em espanhol e Nabil Kombe ficou mais pálido, ainda.

 

Virou a cabeça e olhou para os sujeitos que viajavam no banco de trás e naquele instante, observou que um carro vinha seguindo o Mercedes. Entraram no Boulevard Jean Jaurés, a artéria mais movimentada da cidade e o veículo desapareceu entre os muitos que trafegavam pela avenida.

 

— Por que está nos olhando? — perguntou um dos sujeitos. — Vire-se para a frente, seu porco!

 

Kombe obedeceu. Espiou Daniela com o rabo dos olhos e notou que ela estava tensa e parecia muito assustada. Quase em seguida, o carro parou num sinal luminoso.

 

Kombe virou novamente para trás e murmurou:

 

— Escutem, deve haver um erro nisso tudo, não posso...

 

— Haveria alguma coisa errada se você não fosse Nabil Kombe. Você é ou não é Nabil Kombe?

 

— Sou, mas...

 

— Pois então, cale-se! Porém, não fique muito preocupado, porque dentro de poucos minutos poderá falar tudo que desejar... Ou melhor dizendo, terá de falar tudo que nós queiramos escutar. Para poder ir se inteirando da situação, vou apresentar-me: chamo-me Ataulfo Sanmartín, sou chefe de um grupo de dez homens; todos nós viemos a Nice especialmente para manter uma entrevista com você. Portanto, de nada adiantariam simulações ou comédias.

 

— Eu... Quem são vocês? — gaguejou Kombe.

 

— Eu e meus amigos viemos da Nicarágua. Isso já lhe esclarece alguma coisa?

 

O árabe continuou em silêncio. Vagamente começava a entender que estava vivendo um momento crítico, cercado de perigos que talvez o derrotassem totalmente.

 

Era quase meia-noite quando o carro estacionou na frente de uma casa campestre, estilo suíço que estava localizada numa rua calma e aprazível.

 

Diversas residências estavam com as janelas iluminadas, mas o chalé em questão estava totalmente às escuras.

 

Depois, também ficou iluminado quando os quatro homens que viajavam no carro que os seguia, saltaram e entraram pela porta da frente.

 

Todas as lâmpadas foram acesas quase que simultaneamente e logo em seguida, um deles reapareceu na porta, fazendo alguns gestos.

 

— Desçam do carro! — ordenou Ataulfo Sanmartín.

 

— Escute uma coisa — disse Nabil Kombe, olhando para ele: — a senhorita nada tem a ver com isso tudo, somente é uma conhecida minha. Permita que ela se afaste daqui.

 

— Pare de falar asneiras. Tratem de sair do carro!

 

Daniela pareceu ficar mais assustada e obedeceu sem relutar. O árabe fez o mesmo e ambos foram empurrados para o interior da casa. O homem que estava perto da porta, continuou parado no mesmo lugar e falou a Sanmartín que se encarregaria dos dois automóveis.

 

Kombe e Daniela foram levados à sala de visitas do chalé. Os outros homens já estavam lá e se serviam de conhaque.

 

Eles olharam para o árabe com espanto e Sanmartín perguntou:

 

— Por que andava sem seus guarda-costas esta noite? Já estamos em Nice há vários dias e o temos observado constantemente. Só não tínhamos agido porque não desejávamos complicar as coisas... Por que eles não estavam com você quando saiu do cassino?

 

— Porque não achei que fosse precisar de nenhum deles.

 

O olhar de Sanmartín se desviou lentamente para Daniela, que permanecia sentada e encolhidinha numa poltrona, olhando assustada para o chefe do grupo. Este a examinou da cabeça aos pés e acabou sorrindo.

 

— Entendo. Você ia passar a noite com essa vagabunda, não é verdade?

 

— Tenha cuidado e veja como fala — ameaçou Kombe. — A senhorita von Karsten não é uma vagabunda!

 

— Não adianta eu falar porque você não me entenderia.

 

— Ataulfo, estou com a impressão de que o senhor Kombe está necessitando de alguém que o ensine a ser humilde. Posso tratar desse assunto?

 

— Poder, pode, mas tenha cuidado, Roque. Não se exceda, porque ser canalha não significa ser um sujeito forte ou valente — riu Sanmartín.

 

— Claro, homem, sei o que devo fazer — respondeu Roque também sorrindo.

 

Aproximou-se do árabe e antes que este percebesse o que estava acontecendo, recebeu um pontapé no baixo ventre.

 

Nabil Kombe curvou o corpo, com uma dor horrível e chegou a pensar que seus órgãos masculinos estivessem dilacerados. Sentiu uma dor intensa que se espalhava por todo o corpo. As pernas mal o sustentavam em pé e ele caiu desmaiado.

 

Quando voltou a si, estava recostado numa poltrona. À sua frente estava Ataulfo Sanmartín que o fitava zombeteiramente.

 

— O que foi isso, amigo? Sua coragem e valentia sumiram numa rapidez incrível!

 

Kombe respirou fundo é não respondeu. Ainda se sentia meio zonzo, com a visão totalmente embaralhada. Olhava para Sanmartín e tinha a impressão de que ele se encontrava envolvido por nuvens de algodão.

 

O centro-americano media mais de metro e oitenta de altura e físico de atleta. Vestia-se com elegância. Os olhos eram gelados e as linhas do rosto eram duras, como se talhadas em mármore.

 

A visão começou a melhorar lentamente e Nabil Kombe também começou a compreender que o inimigo era forte e poderoso.

 

Desviou os olhos e viu Daniela que continuava aterrada, tentada numa poltrona e calada. Ela era bastante inteligente e procurava não complicar os fatos com atitudes que pudessem atrair as atenções dos nicaraguenses. Talvez, pretendesse passar despercebida enquanto estivesse na frente dos homens.

 

O centro-americano que ficara encarregado de guardar os carros na garagem voltou à sala e comentou:

 

— Embora não se acredite, ninguém nos seguiu até aqui, Ataulfo. Tivemos tantos cuidados e gastos em preparar a caçada e no final, apanhamos a presa com a maior facilidade. Poderíamos ter feito economias enormes.

 

Calou-se, olhando significativamente para um lado da saleta. Kombe seguiu a direção de seu olhar e viu um sistema de rádio e televisão. Certamente, era por meio daqueles aparelhos que eles entravam em contato com os companheiros que estavam em outros locais.

 

De repente, o árabe começou a perceber que o grupo não era de brincadeira. Ataulfo Sanmartín e os amigos estavam em Nice porque desejavam prendê-lo e como tinham previsto sérias dificuldades, haviam gasto uma pequena fortuna para se cercarem de todos os meios de segurança que julgavam necessários para se protegerem e também, para se comunicarem com os companheiros que deviam estar distribuídos pela cidade.

 

— Estou pensando uma coisa — falou Sanmartín. — O que podemos fazer com a moça? Nada há contra ela, mas não será por isso que a deixaremos sair daqui com muita facilidade. Ginés, leve-a para um dos quartos controlados. É melhor que ela não tome conhecimento do que conversarmos.

 

— Poderíamos aproveitar de sua presença... para termos alguns minutos de gozo — sugeriu o homem, lubricamente.

 

— Parece ser uma mulher gostosa e uma prostituta ambiciosa. Nosso convidado é que tem sorte, é seu amigo...

 

— Não sou amiga de ninguém! — interrompeu Daniela.

 

— Para ser franca, nem sequer o conheço na realidade. Bem, ele queria vir comigo, mas nunca estivemos juntos e nem somos amigos, posso...

 

— Chega de tantos discursos, combinado? — interrompeu-a Sanmartín. — Não nos aborreça e prometo que tudo acabará bem para você. Nós só estamos interessados em seu amigo. Ginés, leve-a lá para cima.

 

Daniela von Karsten foi retirada da saleta. Sanmartín aproximou-se do painel de controle do sistema de rádio e televisão. Manipulou alguns botões e imediatamente a imagem colorida apareceu na pequena tela do aparelho: um quarto mobiliado com simplicidade. Estava vazio. Quase em seguida, a porta foi aberta; Ginés e Daniela apareceram. Ele dizia alguma coisa, rindo, enquanto as mãos apertavam os seios da moça. Ela se manteve imóvel e o homem saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

 

O olhar de Nabil Kombe continuava fixo no televisor, olhando para a imagem da jovem projetada a cores. Daniela esfregava uma mão contra a outra e olhava à sua volta como se procurasse um buraco por onde pudesse fugir. Aproximou-se da janela, tentou abri-la e quase chorou quando verificou que ela estava trancada.

 

Ginés voltou para perto dos companheiros, viu a televisão ligada e comentou:

 

— É uma mulher magnífica!

 

— Chame os companheiros e diga-lhes que já podem voltar porque apanhamos o pássaro. Que tenham cuidado ao se dirigir para a sede. Não sei, mas tudo está parecendo tão fácil que começo a desconfiar.

 

— Que é isso, Sanmartín? — interveio Roque. — Não precisamos ter medo de emboscadas. Um homem quando se deixa usar como isca, é valoroso. Exatamente o contrário desse tipinho que está à nossa frente. Tenho ou não tenho razão, senhor Kombe?

 

— Afinal o que estão querendo comigo? — murmurou o árabe.

 

— Contamos tudo a ele ou o deixamos mergulhado na ignorância piedosa? — Ginés perguntou sorrindo, abertamente.

 

— Digam-me, o que vocês estão planejando a meu respeito? — insistiu Kombe, sem um pingo de cor nas faces.

 

Ginés sacudiu os ombros com desprezo e sei aproximou do rádio para enviar a mensagem aos companheiros que vigiavam em vários pontos da cidade, principalmente nas redondezas do ancoradouro onde o iate, Afrikaan estava ancorado. Os nicaraguenses se surpreenderam ao tomar conhecimento do sucesso da operação e a maneira facílima como ela se desenrolara. Prometeram voltar imediatamente para a sede.

 

Dois dos homens que continuavam na saleta, foram à cozinha preparar sanduíches para todos.

 

Ataulfo Sanmartín estava parado na frente do televisor e contemplava Daniela von Karsten que, agora, estava sentada na cama e acabava de acender um cigarro que apanhara da bolsa.

 

— Ela é muito linda — sussurrou Sanmartín com um fio de voz. — Só o prazer de sequestrá-la, compensa todas as despesas que tivemos nesta operação.

 

— Imagino como não será fazendo amor — murmurou Ginés. — Deve ser maravilhosa!

 

— Não estava pensando nela sob esse prisma. Estava pensando que parece ser uma pessoa finíssima, educadíssima e certamente, com muito dinheiro. Podíamos pedir um resgate polpudo para soltá-la e com o que obtivéssemos, poderíamos amortizar parte das despesas que tivemos por culpa de Kombe.

 

— O que vocês gastaram por minha culpa? — exclamou o árabe. — Querem dinheiro? Se é isso o que desejam, podemos conversar agora mesmo!

 

— Não me diga — Sanmartín falou com sarcasmo.

 

— Posso pagar o que pediram para recuperar a liberdade.

 

— E ela? — o chefe perguntou sem afastar os olhos do televisor.

 

— Também... Quanto querem para nos deixar sair daqui?

 

— Dez milhões de dólares — arriscou Roque, zombeteiramente.

 

— Combinado — respondeu o árabe prontamente.

 

Os homens que ainda permaneciam na saleta pequena e acanhada se entreolharam e depois, todos os olhos se voltaram para Kombe. Sanmartín deu alguns passos e parou na frente dele.

 

— Nós não planejamos tudo e nem gastamos a fortuna que gastamos, pensando no dinheiro que poderíamos ganhar.

 

— No que pensavam, então?

 

— Está bem, você quer saber e eu vou explicar-lhe. Queremos que você nos diga onde arranjaram as armas que venderam à América Central. Não me venha com mentiras, porque não acreditarei se me disser que foi você quem as fabricou. Quero saber onde as conseguiu.

 

— Foram compradas em várias partidas e...

 

— Acredita que está falando com algum idiota? A quantidade, a qualidade e os modelos daquelas armas não poderiam ser conseguidas através de vendas ou compras avulsas. As armas que você remeteu à América Central não poderiam ser adquiridas em pequenas partidas, compradas aqui ou ali. Aquele armamento forçosamente foi fornecido por um comerciante muito importante. Queremos saber quem ele é. Evidentemente, sabemos que o governo americano não esteve envolvido no negócio, embora a maior parte das armas sejam de fabricação norte-americana. Quem as forneceu?

 

— Não sei... Acho que foram adquiridas aos lotes.

 

Sanmartín sorriu, puxou uma cadeira e a colocou na frente de Kombe com o encosto virado para seu lado. Em seguida, sentou nela e ficou olhando para o árabe.

 

— Kombe, pense bem antes de nos responder, salvo se deseja terminar enforcado em qualquer árvore da selva da Nicarágua. É isso o que pensamos fazer e logo a seguir, espelharemos os retratos do enforcamento por todos os jornais, revistas e canais de televisão. Queremos que todos saibam que quem prejudica a América Central caba recebendo o castigo que merece. Entendeu?

 

— Estou achando que podemos entrar num acordo — balbuciou Nabil Kombe.

 

— Depende — sorriu Sanmartín. — Como conseguiu as armas?

 

— Faziam parte de um grande carregamento que os Estados Unidos remeteram há alguns anos para a Arábia, meu país natal. O armamento fora encomendado pelo Rei. Mobe.

 

— Sim?

 

— Juro como estou falando a verdade! Mobe Tonsako tinha medo que estourasse uma revolução na Arábia e se isso acontecesse, de nada adiantaria o exército, se este não estivesse preparado para lutar e não tivesse armas da melhor qualidade. Sem dúvida, os rebeldes tomaram conhecimento da aquisição e desistiram dos motins. Por isso, as armas ficaram na Arábia até o dia em que as vendi à América Central.

 

— Confessa que foi você quem as vendeu?! Como pôde fazer isso, se elas não lhe pertenciam e se haviam sido compradas pela Arábia? Devei ter usado de manobras difíceis para poder retirá-las daquele país, não é verdade? Como conseguiu executar a operação com tanto êxito?

 

— Convenci Mobe Tonsako no sentido de se desfazer delas. As armas já não eram mais necessárias, pois a rebelião fracassara antes mesmo de ser iniciada. Disse-lhe que podíamos vendê-las, embora o povo continuasse pensando que elas permaneciam na Arábia. E que, com o lucro que obtivéssemos na venda, poderíamos solucionar graves problemas pessoais que começavam a aparecer na vida de Mobe.

 

— Problemas pessoais?

 

— Dinheiro.

 

— Está querendo dizer que o dinheiro obtido com a venda das armas... armas estas compradas anteriormente com o dinheiro de seu país... foi parar nos bolsos de Mobe Tonsako, o Rei da Arábia?

 

— Mais ou menos.

 

— Venderam as armas e elas foram usadas na realização de um verdadeiro massacre na América Central — Sanmartín calou-se por segundos, mordeu os lábios pensativamente. — Entendo, o destino das armas não interessava a você ou a Mobe Tonsako, não é verdade?

 

— Bem, não sabíamos. Não podíamos imaginar que elas seriam usadas imediatamente e numa operação tão concreta.

 

— Como pensavam que eles usariam aquelas armas? — Sanmartín indagou com sarcasmo. — Pensavam que iam usá-las para um concerto de jazz?

 

— Não somos os únicos que negociam com armas — resmungou Kombe.

 

— Isso é uma verdade. Quem se encarregou do transporte à América Central?

 

— Não sei. Como já disse, nem sabíamos que elas seriam enviadas para lá. Nós apenas vendemos as armas; depois, as levamos à costa da Arábia e em outra noite, um barco chegou e as carregou. Isso é tudo o que sei.

 

— Claro, mas se você foi o intermediário da transação, teve de negociar com alguém, a fim da venda ser efetuada, não é?

 

— Bem, o sujeito disse chamar-se Hai Hong. Era chinês e chegou de barco, trazendo dinheiro vivo em moedas de vários países; dólares, marcos, francos, ienes, libras esterlinas, pesetas, florins, pesos...

 

— Por quanto venderam as armas?

 

— Por sessenta milhões de dólares.

 

Os centro-americanos olhavam para Nabil com admiração e o árabe começou a sentir-se mais confiante.

 

— Sessenta milhões de dólares? — repetiu Sanmartín. — E foi o Rei Mobe Tonsako quem ficou com todo o dinheiro?

 

— Claro que não. Dividimos...

 

— De que modo?

 

— Bem, de início tínhamos combinado que seria meio a meio.

 

— Fifty-fifty. Quer dizer que você embolsou trinta milhões?

 

— Exatamente.

 

— E onde podemos encontrar esse tal de Hai Hong?

 

— Não tenho a menor ideia. Foi bastante complicado conseguir entrar em contato com ele. E quando chegamos ao término da transação, ele me deu a entender que havia participado pessoalmente no negócio, porque este era vultuoso, mas que eu jamais devia procurá-lo novamente.

 

— Quer dizer que ele apanhou as armas e as enviou à América Central, mas você não sabe como elas foram entregues e nem quem as recebeu, não é?

 

— Claro que não. A operação teria sido magnífica se a maldita CIA não houvesse se intrometido onde não era chamada.

 

— Pelo que vejo, os Estados Unidos não tomaram parte no negócio — Ataulfo Sanmartín comentou.

 

— Lógico que não. Eles venderam as armas há alguns anos para a Arábia, mas uma coisa nada tem a ver com a outra.

 

— Sim... — murmurou Sanmartín. — As vendas foram feitas de forma independente e em épocas diversas. Só gostaria de saber se essas mesmas armas foram usadas no último massacre ocorrido na América Central e se os Estados Unidos as venderam para esse fim.

 

— A América do Norte as vendeu para a Arábia. Entendo que vocês sejam naturais de um dos países mais sacrificados pelo uso do armamento... Compreendo a revolta que sentem.

 

Ao invés de enforcar-me para distribuir meus retratos pela imprensa mundial, vocês não preferem receber trinta milhões de dólares?

 

— Você teria coragem de pagar trinta milhões por sua vida?

 

— Amigo, pense uma coisa: que valor o dinheiro teria para mim, se eu estivesse morto? Prefiro entregar-lhes tudo que recebi com a venda das armas. Poderão receber o dinheiro com facilidade, sem preocupação com os trâmites bancários. Ele está depositado em caixas de valores que se encontram nas estações ferroviárias de Londres, Paris e Roma.

 

É uma chavezinha de ouro

 

Os americanos não acreditavam que o árabe estivesse falando a verdade.

 

Um deles foi à cozinha para apanhar o prato sanduíches que os companheiros haviam preparado e o colocou em cima da mesa. Sanmartín serviu-se e em seguida, parou perto da janela través das vidraças apenas podia ver a escuridão da noite. Depois, se sentou novamente na frente do televisor e ficou observando Danielle von Karsten.

 

A moça continuava ignorando que estivesse sendo vigiada por um olho de cristal e agia com o máximo de naturalidade que podia na situação singular que vivia.

 

— O que existe entre vocês dois? — perguntou a Kombe.

 

— Nada. Nós nos conhecemos esta noite, no cassino. Ela é uma mulher muito linda e atraente eu usava a minha persuasão para ver se conseguia passar a noite inteirinha em sua companhia. Você entende o que eu estava desejando, não entende?

 

— Claro, também sofro do mesmo mal e me contagio com as mulheres bonitas... Aceita um sanduíche?

 

— Não, obrigado. Por que não fazemos logo nosso acordo? Eu lhe entrego o dinheiro e você me põe em liberdade.

 

A expressão de Sanmartín se modificou totalmente e estava com a voz alterada quando exclamou:

 

— Diabo! Fique de boca fechada! Você nos fez uma proposta e agora, precisamos de tempo para avaliá-la! Raios! Certas decisões não podem ser tomadas precipitadamente.

 

O árabe sorriu. Todos estavam com vontade de apanhar o dinheiro. Trinta milhões de dólares que nada valeriam se o matassem, porém o mesmo dinheiro poderia mudar o destino de todos, caso o aceitassem.

 

— Acomode-se no sofá — aconselhou Sanmartín, depois de alguns minutos de silêncio. — Esperaremos a chegada dos outros camaradas para decidir o que faremos.

 

— Eu poderia esperar na companhia de Daniela? — Kombe aventurou com timidez.

 

O chefe dos centro-americanos o fitou de cenho franzido e em seguida, virou-se para o televisor.

 

Daniela não se sabia observada e retirava toda a roupa para deitar-se. Estava cansada e precisava repousar.

 

Os homens acompanhavam todos os seus movimentos com muita atenção e chegaram a suspirar quando viram o corpo feminino completamente livre das roupas que escondiam sua beleza.

 

Ataulfo Sanmartín levantou-se e se dirigiu para a porta. Quando ia transpor o portal, Kombe perguntou-lhe:

 

— Para onde está indo, Sanmartín?

 

— Cuide de seus problemas — respondeu, rapidamente. — Procure resolvê-los porque estão bastante embaraçados. Não se preocupe com os assuntos que não lhe interessam.

 

O nicaraguense saiu da sala e Kombe continuou com o olhar fixo na tela do televisor, quase podendo antecipar o que ia ver.

 

Não se enganou e tudo aconteceu conforme previa! A porta do quarto foi sendo aberta lentamente. Daniela arregalou os olhos, assustada sentou na cama, procurando puxar o lençol para cobrir sua nudez.

 

Sanmartín entrou, sorrindo e lhe falou alguma coisa, a moça respondeu-lhe com um movimento brusco de cabeça, negando. Kombe continuava com os olhos presos na tela do televisor e quase podia ouvir a voz de Daniela implorando: Não, não, não, não...

 

Sanmartín já estava ficando impaciente e repentinamente, puxou as cobertas que estavam em cima da cama, jogando-as no chão, enquanto ia desafivelando o cinto das calças.

 

A moça pulou da cama com a graça de um felino, correu para a porta e tentou abri-la. O homem soltou uma risada e balançou a chave entre os dedos. Tivera o cuidado de chavear a porta ao entrar. Daniela pareceu ficar mais amedrontada. Sanmartín aproximou-se dela, pôs a mão em seu braço e procurou puxá-la para a cama, mas a jovem não estava com vontade de sujeitar-se às suas vontades.

 

Ele acabou de se despir e com gestos impacientes tentou carregá-la para o leito, porém mulher continuava reagindo. Acabou perdendo o resto de paciência que ainda tinha e deu-lhe um murro no ventre.

 

Daniela teve de dobrar o corpo quase não suportando a dor que sentia. Ele aproveitou a ocasião para arrastá-la pelo chão e em seguida, jogá-la em cima da cama. Logo, pulou em cima dela como um animal pularia para cobrir uma fêmea no cio. Possuiu-a com ardor, mas manteve a impressão de ter uma estátua entre os braços.

 

Kombe fechou os olhos e Roque comentou com satisfação:

 

— Amanhã será o meu dia. Hoje, é a vez de Ataulfo se divertir com ela.

 

Levantou-se e desligou o aparelho de televisor. Nabil Kombe preferia mantê-lo ligado, pois em sua imaginação continuava vendo Sanmartín abraçando Daniela e possuindo-a vezes seguidas, até ela abrandar sua impetuosidade.

 

Quando Sanmartín voltou novamente à saleta, Roque avisou que tinha chegado a hora de ele fazer amor com a bela austríaca.

 

— Desista — proibiu Sanmartín. — Aquela mulher será só minha.

 

— É? — Roque estava uma fúria. — Todos nós estamos arriscando nosso pelo na mesma missão e por isso mesmo, também devemos ter os mesmos direitos!

 

— Claro, mas não em relação àquela mulher. Já falei e espero que todos me tenham entendido. Alguma pergunta?

 

— Ora, ora, não vamos brigar por causa de uma mulher — interveio Ginés. — Esqueça-se dela, Roque; todos conhecemos a teimosia de Ataulfo e se aceitarmos a proposta de Kombe, podemos ter as melhores mulheres do mundo, sempre que tenhamos vontade.

 

Roque ainda resmungou um pouquinho e acabou calando-se: aceitava a exclusividade de Sanmartín em relação a Daniela von Karsten. Entretanto, o mesmo não acontecia com Nabil Kombe. Estava com vontade de esbofetear o nicaraguense e só a muito custo conseguia manter-se sentado no sofá. Enquanto procurava acalmar-se, ia imaginando de que forma vingar-se-ia depois que todos resolvessem receber o dinheiro que ele oferecera: Iria castrar o centro-americano para que nunca mais ele pudesse se aproveitar de mulher que não lhe pertencia.

 

Já passavam das três da madrugada quando os outros homens chegaram ao chalé. Rapidamente foram informados da proposta que Kombe fizera e um dos recém-chegados achou que seria bom se todos estudassem o plano em sigilo. Ginés levou o árabe para cima e prendeu-o num dos e quartos que estavam próximos ao que Daniela Ocupava.

 

Quase cinco horas da manhã, Ataulfo Sanmartín subiu para conversar com ele. Kombe continuou sentado à beira da cama, sabendo que sua vida dependia do que eles tivessem resolvido.

 

— Kombe, decidimos ficar com os trinta milhões de dólares e o soltaremos. Mais tarde arranjaremos uma explicação razoável para nosso fracasso. Diremos aos outros companheiros que não conseguimos aproximar-nos de você. Porém preste atenção no que vou dizer: não tente enganar-nos ou lamentará o dia em que nasceu. Entendeu o que quero dizer?

 

— Sim.

 

— Ótimo. Como podemos retirar o dinheiro das caixas?

 

— São caixas alugadas e como costumo passar o maior tempo aqui em Nice, também tenho outra, que está instalada na estação, na Avenida Thiers... E nesta, que guardo dinheiro e outro objetos de valor. Vocês terão de abri-la, mas não deverão mexer em nada. Só terão de apanhar as chaves das caixas que se encontram nas estações de Paris, Londres e Roma. As três estão guardadas num único envelope.

 

Sanmartín o fitava com desconfiança.

 

— Está querendo que eu acredite que guarda objetos de valor em caixas alugadas nas diversas estações da Europa e... especialmente, aqui em Nice? Já pensou se alguém apanhasse as chaves e recolhesse todo o dinheiro que tem?

 

— A coisa não é tão fácil como imagina. Só eu conheço o número das caixas e qual a chave que corresponde a cada uma. De nada adiantará alguém apanhar as chaves se não souber os números das referidas caixas e nem, em que local real as mesmas estão instaladas.

 

— Mas eu vou saber a verdade, não é? — sorriu Sanmartín.

 

— Lógico — Kombe retirou a corrente de ouro que usava ao pescoço e mostrou uma chave pequenina de ouro que estava pendurada nela.

 

— Esta chavezinha de ouro é a da caixa que aluguei aqui em Nice.

 

Sou traficante de armas

 

Na manhã do dia seguinte todos os homens que tinham viajado para Paris, Roma e Londres já estavam de volta ao chalé.

 

Nabil Kombe procurava esconder o ódio que o consumia e tentava aparentar a maior dose de confiança ao falar com Sanmartín, Ginés, Roque e Lourenço, os quatro centro-americanos que haviam permanecido no chalé.

 

Os três pares que haviam viajado para apanhar o dinheiro, tinham regressado sem novidades. Agora, já era quase meio-dia e todos se entreolhavam perplexos, pois jamais tinham visto tantas cédulas juntas. Parte do acordo fora cumprido, no entanto ainda faltava saber se Sanmartín também cumpriria a sua, permitindo que Kombe e Daniela se afastassem dali.

 

— Uma verdadeira fortuna! — exclamou Sanmartín ao ver as bolsas repletas de dinheiro. — Estamos ricos!

 

— Não tanto quanto podiam estar — retrucou Kombe com indiferença.

 

— O que você quer dizer com isso? Está tentando dizer-nos que sua fortuna é maior ainda?

 

— Evidente. Ela ainda é bem grande, mas não a tenho em dinheiro vivo. Não poderíamos apanhá-la com a mesma facilidade... No entanto, ainda posso oferecer mais três milhões a cada um, se quiserem trabalhar para mim.

 

— Pare de falar asneiras, rapaz — riu Sanmartín.

 

— Estou falando sério. Dentro de poucos dias devo receber instruções para realizar uma transação de grande envergadura e estou precisando de auxiliares capacitados como vocês.

 

— O que precisaríamos fazer?

 

— Ainda não sei o que devemos fazer, pois como lhes disse também estou aguardando novas instruções. Não sei qual o tipo de serviço que deve ser feito, mas sei que necessitarei de pessoal bem preparado.

 

— Você já não tem auxiliares? — desconfiou Roque.

 

— Claro que sim, porém se suceder algum contratempo e se algum deles for preso, alguém poderá descobrir minha participação no caso.

 

Entretanto, se o capturado for um latino-americano ninguém irá relacioná-lo comigo. Quem iria acreditar que um sul-americano estava trabalhando para mim, depois que eu enviei aquele contrabando de armas?

 

Um silêncio denso imperou dentro da sala e Sanmartín perguntou:

 

— Você nos dará mais trinta milhões se colaborarmos nesse novo caso?

 

— Sim. Porém, quero que uma coisa fique clara: eu só poderei pagar-lhes se tudo correr bem; se o plano fracassar, vocês não ganharão nada. Vocês terão de agir como auxiliares dos homens que já trabalham comigo.

 

O silêncio tornou-se opressivo novamente e foi Roque quem o quebrou, emitindo sua opinião:

 

— Não estou gostando disto e nós não vamos colaborar com você, Kombe.

 

— Alto! — exclamou Sanmartín. — Aqui quem dá as ordens sou eu!

 

— Que ordens? — gritou Roque. — Viemos à Europa para nos encarregarmos desse desgraçado; não fizemos nada e nos vendemos como cachorros. Ataulfo, nós o obedecemos quando decidiu trair nossos camaradas para receber o dinheiro. Porém, agora não me venha com mais uma mentira. Todos pensarão que trabalhamos numa missão fracassada, mas não é por isso que devemos trabalhar para esse traficante. Não conte com minha colaboração, Ataulfo!

 

— Creio que há um pequeno equívoco, Roque — aparteou Lorenzo. — Já mergulhamos no lodo, não é? Droga! Se eu posso sair desta sujeira com seis milhões, por que iria recusar três? Explique-me, rapaz!

 

Os outros componentes do grupo aprovaram o raciocínio e Sanmartín fez um sinal para Ginés levar os prisioneiros para cima. Ambos foram trancados num só quarto, onde deviam esperar que os nicaraguenses decidissem o que deviam fazer.

 

— Você não vai enganá-los, Nabil... Eles são espertos!

 

— Não sou eu quem está tentando enganá-los. Até agora só conversei com eles baseando-me em fatos reais.

 

— Se você comentou alguma coisa... é uma pessoa abominável!

 

— Não mais que Sanmartín, imagino.

 

As cores fugiram das faces de Daniela. Kombe pegou-a pelos ombros e a sacudiu fortemente.

 

— Você foi dele e há de ser minha! — murmurou. — Verá o que é fazer amor com um homem completo! Terá que esquecer-se daquele canalha americano!

 

— Está me machucando — choramingou Daniela. — Não está pretendendo violar-me como fez Sanmartín, não é? Está me magoando porque não pode deixar de pensar que estive em outros braços que não os seus? Qual é á sua mentalidade? Não sabe pressentir quando uma mulher precisa de ajuda e de ternura? Quer possuir-me até cansar-se como fez aquele infeliz? Se é isso o que deseja... se acha que vale a pena possuir uma mulher como se ela fosse uma boneca de borracha use-me até se fartar, seu bruto!

 

— Do que está falando? — murmurou Kombe.

 

— Estou perguntando se pensa que Sanmartín abraçou uma mulher quando me teve em seus braços? Ele me subjugou, mas não me teve realmente. Você também quer abraçar um monte de carne passiva? É daqueles que acreditam que mulher é apenas um instrumento para o sexo.

 

Nabil Kombe parecia atordoado com as palavras de Daniela. Soltou-a e ela começou a chorar. O árabe olhava para a jovem como se jamais a tivesse visto anteriormente. Finalmente, a moça conseguiu acalmar-se, enxugou as lágrimas e olhou para ele.

 

— Por favor, Nabil, não o imite — sussurrou.

 

— Não sei por que me pede isso! Eu a desejo como nunca desejei outra mulher. Eu preciso de você, Daniela!

 

— Creio que sei por que você está nesse estado. Só em saber que Sanmartín gozou de minha intimidade, ficou excitado. Você não se conforma porque ele obteve o que mais desejava... Nabil, confie em mim e todas as coisas poderão ser realizadas de outra forma.

 

— Tenho alguma chance para ter você de outra maneira?

 

— Não sei como podem acontecer tantas coisas absurdas ao mesmo tempo! Estou exausta. Por favor, seja paciente e me dê algum tempo para eu voltar ao normal, sim?

 

A porta do quarto foi aberta e Sanmartín entrou.

 

— Vamos aceitar sua oferta, mas meus homens desejam acertar e esclarecer algumas coitas com você. Por isso é bom ir conversar com eles. enquanto me despeço da senhorita... A moça se agarrou ao braço de Kombe e este chegou a sentir suas unhas penetrando-lhe na carne. Encarou os olhos negros do centro-americano e falou com voz firme e segura:

 

— A partir deste momento, Daniela não se separa mais de mim. Nunca mais ela ficará sozinha com você, entendeu bem?

 

— Não precisa ficar tão furioso, homem. Todas as coisas que estão na Terra foram feitas Pelo Criador para o gozo de seus filhos, portanto, aproveite.

 

Sanmartín ria com cinismo. Daniela continua agarrada ao braço de Nabil Kombe. Estava tão nervosa que ele a abraçou pela cintura e foi deste modo, que ambos entraram na saleta de visitas.

 

O Mercedes parou no porto; perto do local onde o iate Afrikaan estava ancorado. Alguns marinheiros que estavam no convés, viram quando Nabil Kombe desceu do carro e abriu a porta para Daniela.

 

Depois, ambos se encaminharam para a escada do iate. Os guarda-costas estavam reunidos no convés. Pareciam abatidos e preocupados.

 

Porém o árabe devolveu-lhes a serenidade quando lhes acenou francamente, antes de subir para bordo, ainda abraçando Daniela von Karsten pela cintura.

 

Malik, Otar e Rakier agora se sentiam mais confiantes ao verem que o patrão estava bem, gozando de boa saúde, mas ainda assim, tinham medo das represálias que poderia arquitetar contra eles.

 

A primeira coisa que fez quando chegou à bordo, foi levar a moça para um dos camarotes mais luxuosos do barco.

 

Em seguida, foi reunir-se com os guarda-costas no Salão Azul.

 

— Vocês denunciaram meu desaparecimento à Polícia?

 

— Não... não, senhor — explicou Malik. — Primeiramente, não fizemos nada porque pensamos que o senhor tinha levado a senhorita von Karsten à Cannes. Porém, quando o dia anoiteceu e continuamos sem ter notícias, telefonamos para a vila, pensando que talvez o senhor desejasse nossa presença, mas ninguém atendeu ao telefone. Apanhamos um carro e rodamos para a mansão, mas a residência estava vazia. Voltamos para Nice e ao chegarmos, ficamos sabendo que conhecia seu paradeiro... Sinceramente estávamos preocupados; não sabíamos o que fazer...

 

— A culpa foi minha — admitiu Kombe. — A partir de hoje, vocês não se separarão mais de mim. Quanto à senhorita von Karsten, vamos dar-lhe tempo para tomar um bom banho e descansar. Depois, ela nos dará o nome do hotel em que está hospedada e ligará para lá avisando que amigos seus irão apanhar sua bagagem e liquidar a conta. Vocês se encarregarão desta parte, mas ajam com discrição.

 

— Ela vai permanecer no iate, patrão?

 

— Por estes dias, sim. Há alguma notícia de Roma?

 

— Não, senhor. Nada. E isto significa que o caso prossegue. Mas, o que aconteceu com o senhor e por que demorou dois dias para voltar? — Rakir perguntou. — Se tivesse demorado mais dois dias, nós iríamos dar parte à Polida e isso poderia prejudicar Roma!

 

— Não adianta a gente falar. O que vale é que eu já estou novamente no Afrikaan. Agora, quero que um de vocês entre em contato com Roma e vejam como o caso está correndo. Se tudo estiver bem, amanhã mesmo zarparemos para a Praia de Ostia, onde ficaremos ancorados. Depois de amanhã, terão de apanhar alguns intermediários no cais e trazê-los de lancha ao Afrikaan. Precisamos conversar e preparar os planos, só espero que não tenha encontrado obstáculos.

 

— Se houvesse dificuldades, já teriam entrado em contato conosco.

 

De repente, Kombe sorriu sinistramente e olhou para seus homens de confiança.

 

— Vocês sabem que usaremos uma equipe de colaboração extra e inesperada?

 

— Não sei do que o senhor está falando — disse Rakir.

 

— Costuma-se dizer que o mal sempre traz sua parcela de bem... vamos dispor de dez homens que farão o trabalho mais sujo e mais comprometedor: dez centro-americanos estão dispostos a colaborar em troca de trinta milhões de dólares...

 

— Trinta milhões! — exclamou Otar.

 

— Já receberam trinta e devem estar pensando que ganharão a segunda parte com a mesma facilidade. Porém, não será assim. Não receberão o pagamento que esperam, mas outro bem diferente. Procurem facilitar tudo o que for possível para a senhorita von Karsten.

 

Daniela abriu a porta do camarote e ficou olhando para Kombe com os olhos cheios de medo. Ele entrou e fechou a porta.

 

A moça usava somente um roupão felpudo azul e rescendia a sais de banho. O árabe lembrava perfeitamente de toda a beleza que contemplara pelo televisor. Se, através de aparelhos o corpo de Daniela von Karsten já parecia maravilhoso, como não seria ao natural?

 

Quando os olhares se encontraram, ele compreendeu que a moça estava adivinhando seus pensamentos.

 

— Como está se sentindo? — perguntou para falar alguma coisa.

 

— Bem, não sinto dores em lugar algum, mas me sinto suja... embora tenha saído do banho.

 

Nabil Kombe não respondeu. Deu dois passos em sua direção e desamarrou o cinto que prendia o roupão. Este se abriu e ele pôde contemplar o corpo perfeito de Daniela. Sentia picadas dentro do corpo como se milhares de minibombas estivessem explodindo em suas veias, enquanto o desejo parecia lhe incandescer as entranhas. Inclinou-se para beijar os seios rijos e bem formados, mas a moça o afastou delicadamente com ambas as mãos.

 

— Por favor, Nabil — soluçou. — Agora não!...

 

— Quando — perguntou, arquejante.

 

— Preciso de tempo... para refazer-me. Juro como você não se arrependerá por ser paciente e compreensivo... Por favor! Não me force, agora que começo a sentir uma coisa muito especial... por você!

 

— Está bem — respondeu de má vontade. — Vamos dar tempo para você se esquecer do americano. Agora, você pode ligar para o hotel, dizendo que vai passar alguns dias fora e que alguns amigos passarão por lá para apanhar sua bagagem e liquidar a conta. Mas você não deve mencionar meu nome sob hipótese alguma, combinado?

 

— Pensei que fosse passar somente algumas horas no iate. E também espero alguns amigos que deverão chegar a Nice...

 

— Deixe um recado para eles a esperarem por mais alguns dias. Mas por favor, Daniela, não toque em meu nome.

 

— Por que você não quer que ninguém o relacione comigo?

 

— Eu diria que a situação é inversa — Kombe sorriu com dificuldade. — Por que alguém deve relacionar uma von Karsten com um contrabandista de armas? Você mesma não tinha uma opinião muito agradável a meu respeito, recorda-se? Deixe um recado para seus amigos. Diga-lhes que vai passar alguns dias em Capri, por exemplo.

 

— Nós vamos a Capri, Nabil? Ou você está com intenção de me reter em seu iate?

 

— Retê-la? Como pode pensar semelhante tolice se estou fazendo tudo para você se sentir como minha convidada especial?

 

— Então, posso ir embora quando tiver vontade?

 

— Naturalmente — mentiu o árabe para ver tua reação.

 

Daniela sorriu com doçura e o beijou na boca com suavidade.

 

— Agora, sim, desejo ficar e juro como você jamais se arrependerá por tratar-me com tanta delicadeza, meu querido...

 

Malik

 

— Daniela, pode vangloriar-se de que conseguiu afastar-me na hora H. Não sou daqueles homens que costumam despedir-se na porta do quarto. Você me entende, não é?

 

— Querido, tenha paciência porque acabará me ganhando com juros — sussurrou a pequena. — Só posso agradecer por vê-lo tão compreensivo e gentil.

 

O árabe a fitou em silêncio. Se alguém lhe tivesse dito que, em algum dia, Nabil Kombe ia aceitar uma situação semelhante, ele teria soltado risadas... E, no entanto, agora a estava aceitando com naturalidade. Só agia assim, porque percebia que Daniela von Karsten era uma mulher diferente de todas as que já haviam passado por sua vida.

 

Apenas resmungou:

 

— Desejo que o tempo passe depressa... Não pode imaginar o esforço que faço para conter-me quando estou perto de você.

 

A mulher riu com meiguice e o beijou nos lábios. Entrou no camarote, fechou a porta e o deixou do lado de fora. Sorriu, encostou o ouvido na porta, mas não conseguiu ouvir os passos de Kombe, pois o iate era todo atapetado.

 

Os lábios de Daniela se entreabriram num sorriso cruel. Foi ao armário, apanhou a maleta vermelha com florezinhas azuis que os guarda-costas já haviam trazido do hotel com sua bagagem. Abriu-a e procurou o pequeno rádio de bolso, camuflado num pacote de cigarros; tirou um cigarro do maço e imediatamente, o aparelho emitiu um leve ruído de chamada. Deixou-o soar três vezes e cortou a comunicação. Três segundos mais tarde, era o seu rádio que emitia o som de chamada. Deixou-o repetir o sinal por três vezes que também o desligou, sem responder. Guardou o rádio, sentou-se na cama e acendeu um cigarro.

 

“Este barco mais parece o posto de um comando geral. Deve ser aqui que Kombe guarda tudo que deseje conversar. E se meu raciocínio não estiver errado, é no escritório que todas as coisas importantes dever estar guardadas” — pensou a moça enquanto fumava.

 

Durante o dia estivera no escritório do proprietário do Afrikaan. Era uma peça espaçosa; decorada com luxo e tinha quase certeza que conseguiria descobrir em que parede fora instalado o cofre-forte.

 

A pergunta que se fazia era uma única: Valia a pena arriscar sua boa posição dentro do iate somente pela possibilidade de poder encontrar no cofre algo que confirmasse suas suspeitas?

 

“Depois de tantos anos dedicados à espionagem, transformei-me numa mulher maquiavélica” — pensou.

 

Terminou de fumar, soltou o coto do cigarro no cinzeiro e vestiu um pijama azul muito elegante. Retirou as lentes de contato e dois olhos azuis, lindos e brilhantes ficaram refletidos no espelho. Pelo menos, poderia ficar algumas horas sem as lentes incômodas e os olhos poderiam descansar.

 

Deitou-se e deu ordem à mente para despertá-la três horas mais tarde.

 

Acordou conforme havia desejado. Sentia-se calma, tranquila. O silêncio era total no iate e nem do porto chegava barulho algum. A cidade de Nice parecia dormir. Será que as pessoas do iate também estavam dormindo?

 

Daniela von Karsten levantou-se descalça, abriu a porta com cuidado e cautelosamente, começou a andar na direção do escritório de Kombe. Se encontrasse a porta fechada, não a forçaria e voltaria imediatamente para seu camarote.

 

Porém, a porta não estava chaveada, apenas encostada e ela pôde entrar sem problema algum. Kombe deixaria o escritório aberto propositalmente, a fim de que nenhuma pessoa se sentisse tentada a penetrar naquela peça? Esta hipótese lhe pareceu inadmissível.

 

Atrás da cadeira giratória que ele usava, havia um quadro valiosíssimo. Retirou-o da parede com cuidado e o colocou em cima da mesa. As paredes eram formadas por pedaços de madeira entalhada. Daniela começou a apalpá-los com suavidade e repentinamente, ouviu um ruído discreto e diferente. Quase em seguida, um triângulo da parede ergueu-se totalmente, até encostar-se a outro que ficava em sua parte superior. A luz do porto que penetrava pela escotilha aberta proporcionava certa claridade e ela pedia ver o ambiente que a cercava facilmente. Começou a rodar o dial da fechadura de segredo e escutava com atenção os ruídos que ele produzia, quando se lembrou que havia esquecido de recolocar as lentes de contato que tornavam seus olhos escuros. Distraiu-se imaginando o que aconteceria, se alguém a encontrasse naquele momento e reparasse que os olhos da senhorita von Karsten haviam mudado de cor e estavam azuis, agora...

 

Abriu a porta da caixa-forte em menos de um minuto. Esperava que houvesse algum alarme nela e respirou aliviada quando viu que este não soou. A situação lhe parecia bem estranha. Não entendia se aquela facilidade era apenas uma armadilha para apanhar os incautos ou se Nabil Kombe tinha absoluta confiança no pessoal que o estava servindo no Afrikaan.

 

Daniela compreendeu que só poderia saber exatamente se alguma coisa a interessava se tivesse chance de ler todos os documentos.

 

Precisava de luz para poder examiná-los. Acendeu um abajur que estava sobre a mesa. Precisava confiar em sua boa estrela, porque se alguém estivesse no convés, poderia reparar que o escritório estava iluminado. Folheou vários documentos e só se interessou por um que estava redigido em francês.

 

Não precisou ler mais de quinze ou vinte linhas para verificar que era um contrato, pelo qual, Kombe se comprometia em vender a um tal de Der Munke, cidadão holandês, todo o petróleo que, a partir do ano 1988, fosse extraído na Arábia, quer dizer, de sua terra natal.

 

Como Nabil Kombe poderia dispor de toda a produção das jazidas petrolíferas da Arábia?

 

Antes que a porta do escritório fosse aberta, ela sabia que isso ia acontecer, porque o ouvido afiadíssimo captou um som muito leve quando alguém tentava girar a maçaneta. Reconheceu Malik assim que o viu. A situação era gritante e não precisava buscar desculpas desnecessárias. O homem havia pilhado a senhorita von Karsten com a mão na massa.

 

Os dois levaram alguns segundos imóveis, simplesmente se olhando. Em seguida, Malik entrou, fechou a porta e se aproximou lentamente de Daniela.

 

— Não acredito que você seja uma ladra — falou.

 

— Que outra coisa eu poderia ser? — Daniela sorriu.

 

— Você não parece uma ladra vulgar. Quem é afinal?

 

— Sou uma espiã americana.

 

— Da CIA?

 

— Sim.

 

— Não acredito.

 

— Malik, por que nós dois não chegamos a acordo?

 

— Que tipo de acordo?

 

— Estou disposta a escutar suas sugestões...

 

— Aceitaria fazer amor comigo sem comentar com o patrão? Isso ficaria sendo um segredo só de nós dois.

 

— Claro... Seria o nosso segredo.

 

Daniela sorriu e Malik a imitou.

 

Era um homem corpulento e ela calculou que ele tivesse a dobro de seu peso, isto é, mais de cento e vinte quilos. Era quase um gigante e parecia ser tão forte como um cavalo.

 

Ele nunca entendeu porque Daniela sorriu como se estivesse achando sua proposta muito engraçada.

 

— Poderíamos fazer uma prova agora mesmo — ele sugeriu.

 

— Aqui, não. Vamos a meu camarote...

 

— Não. Tem que ser aqui mesmo. Tire esse pijama.

 

Daniela o obedeceu e ficou totalmente nua. Os olhos pequenos de Malik brilhavam de desejo, mas ele não podia esquecer-se tão facilmente de seus deveres para com Kombe. Olhou a mulher que tinha diante de si e disse:

 

— Vê como é uma ferinha que inspira cuidado? Mas não serei eu quem a deixará manipular como se fosse um boneco de pano, entendeu? Venha comigo, assim como está. Precisamos visitar o senhor Kombe.

 

Daniela aproximou-se dele e envolveu os braços pelo seu pescoço num gesto gracioso e sedutor.

 

— Não seja tolo — sussurrou. — Podemos ir a meu camarote, nós dois... completamente sozinhos.

 

Malik não podia imaginar que estivesse abreviando seus últimos momentos de vida quando empurrou-a para longe e lhe respondeu com um não, seco e firme.

 

Se tivesse aceitado ao convite, Daniela teria usado a pistola encrostada de madrepérola e o mataria com um tiro certeiro. Porém, como o árabe não acedera a seu pedido, precisava resolver a questão imediatamente.

 

A senhorita von Karsten levantou a mão direita e descarregou um golpe tremendo de karatê na testa de Malik. Este teve a impressão de que todas as luzes se apagavam repentinamente, e que o mundo ficava envolvido pela escuridão.

 

Porém, essa sensação foi brevíssima e para a surpresa de Daniela, ele levantou-se em poucos segundos, ainda cambaleando e quase em seguida, se recuperou totalmente. Entretanto, a mão dela doía como se tivesse saído de uma máquina trituradora.

 

Malik estendeu o braço direito, segurou um dos seios da jovem e o apertou como se desejaste esmigalhá-lo. A dor foi intenta, horrível que Daniela esteve prestes a perder os sentidos... enquanto em sua mente soava um outro alarme:

 

Estou perdendo o controle da situação e se o perder totalmente, também poderei perder a vida.

 

Com a mão esquerda tentou dar outro golpe na cabeça de Malik, mas este levantou o braço o que estava livre e se defendeu; a moça aproveitou para lhe dar um pontapé no ventre, bem entre as virilhas. O capanga de Nabil Kombe gemeu de dor e soltou seu seio. Ainda estava zonzo pela dor que sentia... e não se preparou para receber o próximo golpe da senhorita von Karsten.

 

Quando tentou reagir, ela já estava montada em suas costas e com os braços em torno do pescoço, procurando estrangulá-lo.

 

Os primeiros momentos chegaram a ser desconcertantes para ele, estava aturdido pela dor e pela surpresa do ataque inesperado. Por mais que pensasse, não achava uma forma de defender-se, salvo dar algumas palmadas na pantera que tentava asfixiá-lo.

 

A situação estava ruim para ele porque agora, a garota o mantinha quase totalmente imobilizado trançando as pernas por entre suas coxas.

 

Malik percebeu que a espiã tinha uma boa técnica de luta e tentou abatê-la, puxando os cabelos louros e longos, mas Daniela aumentou a pressão dos braços no pescoço da vítima.

 

Malik se sentiu em perigo de morte. Queria gritar para pedir socorro. Queria avisar o que descobrira a respeito da convidada do milionário, mas já não tinha condições para gritar.

 

Tentava aspirar o ar, mas isso já era impossível e ele descobriu que ia cair ao chão... Que a fera o estava matando e ele não tinha mais energia para lutar contra ela.

 

Os braços foram apertando... apertando... apertando... apertando e quando o monstro caiu, jamais poderia levantar-se.

 

Nabil Kombe já a esperava no escritório quando sua hóspede de honra chegou para tomar o desjejum em sua companhia.

 

— O que está acontecendo no iate? — Daniela perguntou naturalmente. — Desde que acordei, estou ouvindo comentários desencontrados e o pessoal também parece mais inquieto. Kombe a fitou com expressão colérica e depois, disse:

 

— Foi Malik. Ele desapareceu com mais de duzentos mil dólares. Não posso perdoar-me, pois sempre o considerei como um de meus homens de confiança.

 

— O que você está querendo dizer? — espantou-se a senhorita von Karsten.

 

— O miserável conseguiu abrir minha caixa-forte, roubou todo o dinheiro vivo que havia nela e desapareceu do barco. O desgraçado fez tudo isso durante seu horário de ronda. Já o procuramos por todos os cantos e não encontramos sinal dele ou do dinheiro que ele roubou.

 

— Tem certeza que foi ele quem o roubou?

 

— Claro. Quem mais podia ser? Ele desapareceu e por coincidência o dinheiro também sumiu na mesma noite...

 

— Fico na dúvida porque ele parecia ser muito fiel a você.

 

— Um cachorro peçonhento... maldito!... Soube fazer tudo no momento mais favorável. Sabia que agora não poderia sair daqui para procurá-lo... Ele que espere, porque ainda hei de achá-lo! Não estou tão revoltado somente por causa do dinheiro, mas nunca suportei traições! Quando eu o encontrar!... — deixou a ameaça no ar e sorriu para ela. — Daniela, você é a mulher mais linda que conheci em toda minha vida.

 

— Você é muito galanteador — ela riu, — e também, muito exagerado.

 

— Coisa que nunca fui. Como está se sentindo?

 

— Fisicamente, bem.

 

— Espero que esta noite você esteja melhor, ainda. Os ares marítimos ajudarão sua recuperação. Dentro de uma hora zarparemos para a Praia de Ostia. Passaremos o dia inteiro navegando.

 

— Que bom! Tomarei banho de sol! Sempre gostei do sol...

 

A luz da lua clareava as águas da Costa Azul e Daniela, pela escotilha de seu camarote, podia ver perfeitamente a lancha pequena que se aproximava do Afrikaan.

 

Acompanhou a embarcação até ela encostar-se ao iate ou quase, porque quando a distância entre os dois barcos diminuiu, ela só poderia observar o movimento dos visitantes se fosse ao convés debruçar-se na amurada, porém não desejava chamar a atenção de ninguém.

 

Agora compreendia porque Nabil aceitara tão facilmente não deitar-se com ela: Estava aguardando a chegada de alguém. A pessoa, ou pessoas, que chegavam na calada da noite, vinham da praia de Ostia.

 

O dia foi ensolarado, tranquilo e teria sido maravilhoso se sua condição fosse diferente, se não estivesse procurando descobrir a verdade,

 

A verdade que procurava descobrir estava chegando naquela lancha.

 

A senhorita von Karsten não hesitou um segundo sequer: vestiu uma bata sobre o pijama e abandonou o camarote.

 

Pouco depois, entrava no escritório de Nabil Kombe:

 

— Nabil, esse motor de lancha que ouvi?

 

Calou-se, como se fosse surpreendida pela presença dos dois desconhecidos que estavam com ele. Ambos estavam sentados à frente da mesa do proprietário do Afrikaan.

 

Este se levantou impulsivamente, franzindo os sobrolhos. Os dois desconhecidos também o imitaram, olhando para a bela intrusa que um tanto contrafeita mordia o lábio inferior.

 

— Oh, perdão... Eu não sabia que... Pensei...

 

— O que você pensou? — perguntou Kombe.

 

— Pensei... que fosse alguma coisa relacionada com Malik... Nem sei.

 

Os dois desconhecidos a observavam com um mal dissimulado interesse. Daniela também fazia esforços para não fitá-los diretamente. Vestiam-se com elegância e deviam ter um bom alfaiate que sabia dissimular o volume da arma escondida sob o paletó.

 

Poderiam enganar a muitas pessoas, mas não alguém que fosse tão perspicaz quanto ela.

 

— Talvez a tenhamos despertado — disse um deles. — Por favor, desculpe-nos.

 

— Não, não me acordaram... Eu estava lendo quando chegaram e sou eu quem deve pedir desculpas por tê-los interrompido. Lamento muitíssimo — aproximou-se da mesa e sorriu para o árabe. — Querido, você pode desculpar esta minha intromissão?

 

Beijou-o no rosto e pareceu disposta a retirar-se, mas, repentinamente estendeu a mão ao visitando que havia falado.

 

— Encantada. Perdão, novamente.

 

O atleta apanhou a mão feminina e a reteve enquanto dirigia um olhar carregado de ironia a Nabil Kombe. O mesmo fez o outro visitante.

 

Kombe percebeu claramente que a atitude de Daniela ao estender a mão a um dos desconhecidos não foi precisamente casual, mas decidiu seguir com o jogo.

 

— Querida, quero apresentá-la aos senhores Turner e Embury, dois cavalheiros ingleses com os quais mantenho negócios. Senhores, a senhorita Daniela von Karsten é minha convidada.

 

O senhor é um sábio ao escolher seus convidados, Sr. Kombe — sorriu Turner, que até então se mantivera calado.

 

— E também é sábio ao eleger seus visitantes — Daniela riu. — Os senhores são muito simpáticos!

 

Enquanto procurava ser agradável, dirigia um olhar rápido e bem dissimulado aos papéis que estavam espalhados em cima da mesa. A maioria deles era grande e pareciam mapas. Eram mapas, realmente. Com um simples olhar, conseguiu captar os contornos que estavam desenhados nos papéis e identificar qual a região de planeta que eles reproduziam.

 

África: a região onde estava a Arábia, a pátria de Nabil Kombe. A região que tinha parte de sua costa banhada pelo Mar Vermelho e outra, pelo Golfo de Aden.

 

Os dois visitantes sorriam, quando Kombe segurou o braço de Daniela e a levou para a porta.

 

— Voltarei em seguida. Continuem observando a zona agrícola.

 

A moça quase soltou uma gargalhada. Zona agrícola! Como era de se esperar, fingiu acreditar nas palavras de Kombe e ambos saíram do escritório.

 

— Fui muito indiscreta, querido? — disse ao ficarem a sós.

 

— Só um pouco — sorriu. — Eu a acompanharei ao camarote.

 

— Não há necessidade...

 

— Está bem, mas não chaveia a porta, promete?

 

Daniela não respondeu, mas o fitou com um olhar capaz

 

de derreter até geladeiras. Deu-lhe as costas, entrou no camarote e chaveou a porta Deitou-se em seguida e quase duas horas mais tarde, ouviu quando alguém tentava rodar a maçaneta.

 

Daniela sorriu com sarcasmo, acomodou-se nas cobertas e adormeceu logo depois.

 

De hoje você não escapa

 

— É verdade que não está zangado? — perguntou com um muxoxo. — Não achei que fosse correto dormirmos juntos... Os convidados...

 

— Quando fui visitá-la, eles já haviam ido embora. Não ouviu o ruído da lancha afastando-se?

 

— Não — mentiu ela. — Adormeci logo e só acordei hoje de manhã. Nabil, por favor, não fique zangado comigo.

 

Ele pôs a mão sobre a dela e então, sobressaltou-se.

 

— O que aconteceu com sua mão? Está inchada.

 

— Ia caindo no banheiro e ela bateu na banheira. Não é nada. O que faremos boje? Vamos navegar.

 

— Ainda não sei, porque estou esperando uma visita. Alguém que você já conhece — sorriu Kombe sem esclarecer mais nada.

 

O visitante chegou às onze da manhã, sem dúvida, numa lancha alugada na praia de Os tia. Daniela se manteve impassível quando ele parou à sua frente e a cumprimentou:

 

— Bom-dia, senhorita von Karsten. Como está?

 

— Agora, mal... Não sei por que estou sentindo enjoo horrível. Como se atreveu a vir até aqui?

 

— Vou realizar um serviço para o Sr. Kombe — riu Ataulfo Sanmartín. — Ele não comentou nada a respeito?

 

— Apenas me disse que teríamos uma visita, mas se eu desconfiasse quem era, teria me atirado ao mar.

 

— Ainda há tempo para fazer isso, mas a água nesta época do ano é muito fria.

 

Kombe apareceu na coberta e sorriu afavelmente para Sanmartín. Este elogiou a beleza e o luxo do iate e pouco depois, ambos conversavam no escritório.

 

Kombe ofereceu um cigarro ao visitante, esperou que Sanmartín o acendesse e entregou-lhe um envelope.

 

Abriu-o e viu um maço de fotos. Examinou-as com cuidado. Quase todas eram de um mesmo homem, que devia ter cinquenta anos e inquestionavelmente, pertencia à raça africana, pois tinha traços semelhantes aos de Kombe: testa larga, feições agradáveis, boca sensual, nariz avantajado e um bigode muito bem tratado que sombreava a boca perfeita.

 

— Você o conhece?

 

— É Mobe Tonsako, o Rei da Arábia. Quem mais está com ele?

 

— As mulheres são suas esposas, os homens, assessores. Essas fotos foram tiradas ontem e eu as recebi durante a madrugada.

 

— Chegaram muito depressa da Arábia...

 

— Não. Mobe Tonsako está em Roma.

 

— Começo a deduzir que você me contratou para alguma ação relacionada com o rei?

 

— Você e seus homens terão de sequestrá-lo.

 

— Pare de brincar! — exclamou Sanmartín. — Acredita que o rei da Arábia vai andar sem proteção, sem guardas? Para sequestrá-lo, eu precisaria de trinta homens e muito armamento...

 

— Terá de fazer tudo antes de quarenta e oito horas ou então, esqueça-se dos trinta milhões. É só escolher — Kombe falou, secamente.

 

Os olhos do latino-americano brilharam de ódio.

 

— Onde ele está hospedado? — murmurou. — Qual hotel?

 

— Não está em um hotel, mas na casa de campo de um amigo, pessoa muito influente no Vaticano. Villa Borghese é famosa em Roma. Você já ouviu falar dela?

 

— Creio que não.

 

— Pois bem, eu lhe fornecerei todos os planos e mapas.

 

— E o equipamento? — indagou Sanmartín.

 

— Nada. As armas ultimamente só têm me causado aborrecimentos.

 

— Compreendo. Está preparado para ajudar apenas com o planejamento e nada mais — Sanmartín sorria, ironicamente.

 

— Sim, porém minha ajuda já é de grande valia.

 

— Suponho que a residência seja bastante vigiada e mais agora, quando um rei está hospedado nela.

 

— Claro. A vila deve estar bem protegida, com sistemas de alarme, cães amestrados e homens armados. Para adiantar o seu lado, além dos empregados da casa, ainda há os guardas reais que viajaram na comitiva de Mobe.

 

— Uma missão nada fácil...

 

— Tampouco se podem ganhar trinta milhões de dólares facilmente.

 

— Isso é verdade — confirmou o americano.

 

— Posso ver os planos que preparou para a operação?

 

Kombe entregou-lhe uma pasta onde havia fotos da casa de campo cercada de jardins, vias de acesso à mesma e também, uma planta da residência: localização da garage, salão, cozinha e outras dependências...

 

— Se houver algum contratempo, quero ter a maior proteção possível. Não desejo que o sequestro seja relacionado com minha pessoa. Se você e seu grupo não aceitarem a incumbência estou preparado para efetuá-la, mas prefiro deixá-la com vocês.

 

— Precisamos sequestrar o rei e trazê-lo para Nice, não é?

 

— Exatamente.

 

— E onde estão os trinta milhões?

 

— Você os receberá, tão logo me entregue o Rei Mobe.

 

— Você me diria quais os motivos que tem para sequestrar o seu rei?

 

— Sanmartín, acho melhor se ocupar dos assuntos que lhe dizem respeito.

 

— Esperava que me desse essa resposta — fumou alguns segundos em silêncio e decidiu! — Está bem! Dentro de quarenta e oito horas, nós lhe traremos Mobe Tonsako.

 

— Não, não o tragam aqui. Esta é a faixa de nossa rádio. Quando tiverem Tonsako nas mãos procurarem-me e eu lhes direi o que devem fazer.

 

Sanmartín saiu em seguida, com a pasta embaixo do braço. Passou perto de Daniela e a cumprimentou sorridente.

 

— Não se torture mais, querida — Nabil falou a seu ouvido. — Ele receberá o castigo que merece, assim que acabar o trabalho...

 

— Que trabalho?

 

— Esqueça... Gostaria de navegar e tomar sol como ontem?

 

— Ficaria encantada, querido!

 

A lancha pilotada por Sanmartín acabava de chegar num dos embarcadouros da Praia de Ostia. Um automóvel simples e vulgar estava a sua espera e Roque era quem o dirigia.

 

— Como foi tudo? — perguntou quando voltavam para Roma.

 

— Temos de realizar um sequestro — em seguida, explicou ao auxiliar como deviam assaltar a casa de campo onde o rei Mobe hospedava-se.

 

— Tenho pena desse tal Mobe. Quem conhece Kombe sabe que ele não vai sequestrá-lo para prestar-lhe uma homenagem. Quando será?

 

— Amanhã à tarde. Como vê, temos só vinte e quatro horas para preparar tudo.

 

— Signore, em vinte e quatro horas você seria capaz até de articular um assalto ao Pentágono — Roque soltou uma gargalhada.

 

— Estou preocupado e gostaria de saber quais são os auxiliares de Kombe. Trabalham com perfeição, tanto em fotos como em mapas, diagramas e material informativo, em geral. Devem ser peritos no assunto... Peritos em serviço secreto, começando pela KGB, por exemplo, e terminando na CIA... Contudo, acho que algo está cheirando mal! Sinto um fedor repugnante, como se alguma coisa estivesse apodrecendo.

 

O passeio marítimo durou quase quatro horas e quando viu a costa novamente, Daniela calculou que só haviam percorrido cem milhas no máximo. Portanto, só poderia estar vendo a Costa de Capri. Quantas recordações!

 

— Quis fazer-lhe uma surpresa — Kombe avisou quando se deitava na espreguiçadeira ao lado. — Hoje iremos à Capri!

 

— Que bom! Há quanto tempo eu não vou lá!

 

— Veremos alguns amigos que lhe pareceram simpáticos...

 

— Quais?

 

— James Turner e Randolph Embury.

 

— Eles têm algum projeto agrícola em Capri?

 

— Mais ou menos, querida! — Kombe soltou uma risada.

 

— Falei alguma coisa engraçada?

 

— Continue com seu banho de sol; ancoraremos na ilha, mas só desembarcamos à tardinha. Vamos dar um passeio.

 

Às cinco horas da tarde, um barco a motor foi arriado ao mar. Daniela, Kombe e três homens se dirigiram para o porto “Marina Grande” e a moça recordou as aventuras vividas em Capri1. Quando o barco chegou ao porto, Kombe convidou-a:

 

— Vamos aproveitar a noite em La Piazza.

 

— O que gostaria de tomar?

 

— Champanha... Adora champanha!

 

Pouco depois, se instalavam num bar que estava repleto de turistas, a maioria de americanos. Minutos mais tarde, apareceram Turner e Embury. Daniela recebeu-os com um sorriso amistoso, tão cordial que os dois ingleses ficaram momentaneamente desconcertados.

 

— Que tal? Tudo bem? — cumprimentou Kombe.

 

— Perfeito — assegurou Embury. — Já recebemos informações e lá tudo está pronto. Aqui, também não surgiram dificuldades que impeçam a realização da operação. Desejamos que tenha feito.

 

— Não vejo necessidade de vocês continuarem distantes. Podem ficar no iate. Antes do amanhecer estarei em Ostia. Sanmartín disse que me chamaria pelo rádio a qualquer momento... porém, ainda há tempo para jantarmos.

 

— Sr. Kombe, creio que seria melhor eu e Turner irmos para o iate. Poderá jantar sozinho bom a senhorita von Karsten.

 

— Como queiram. Eu a Daniela passaremos muito bem sem vocês.

 

Como, por exemplo, na edição 35: “Episodio em Capri”

 

Ela ia fechar a porta do camarote, mas Kombe ia impediu.

 

— Esta noite, não, Daniela. Você está bem, fez um passeio maravilhoso... Esteve no melhor clube noturno de Capri. São duas horas da manhã e estou impregnado com o perfume feminino que exala de você... Hoje, você não pode me repelir!

 

— Claro que não, querido — sorriu, afastando-se da porta. — Entre. Minha noite é sua!

 

Começo da operação

 

Sanmartín havia disposto dois caminhões, duas camionetas e seis automóveis nas proximidades da Villa Borghese, quase cercando a propriedade e desse modo, os nove homens que formavam o grupo de comando estavam preparados para se reunirem a ele em caso de necessidade.

 

Todos se vestiam com roupas usuais e ninguém que os visse poderia imaginar que fizessem parte de um comando em ação.

 

Às seis e meia da tarde, eles se reuniram como se fosse um encontro muito casual, agindo com naturalidade.

 

— Viram alguma coisa que pudesse parecer suspeita? — perguntou-lhe Sanmartín.

 

Continuaram calados. O chefe pôs os óculos escuros, um chapéu velho na cabeça e se afastou dos subordinados. Três minutos mais tarde, aproximava-se dos muros da vila luxuosíssima que hospedava Mobe Tonsako, rei da Arábia. Puxou a correia da campainha e continuou imóvel, contemplando o jardim através do portão de ferro.

 

“Dois homens e um cão, porém durante a noite, a segurança deveria ser triplicada, para compensar os sistemas técnicos de vigilância que funcionavam com mais precisão durante o dia” — pensou.

 

— O que deseja, senhor? — perguntou o porteiro quando chegou perto do portão.

 

— Sou o Dr. Tomasini — se apresentou Sanmartín.

 

— Sim. Está procurando alguém?

 

— Ouça, alguém desta casa chamou-me porque está passando mal. Insistiu muito e não permitiu que eu mandasse um de meus ajudantes. Não tenho tempo a perder. Trate de abrir.

 

O porteiro hesitou, olhou para sua guarita de tijolos onde estavam instalados o sistema de alarme e vigilância e também, o interfone conectado com a casa... Depois, olhou o visitante. Por que faria o médico esperar do lado de fora, quando ele podia aguardar as instruções já na portaria? Abriu o portão.

 

— Entre, senhor. Chamarei alguém para atendê-lo.

 

— Pressinto que ninguém o avisou de minha visita — disse Sanmartín, sempre expressando-se em italiano.

 

— Exatamente, doutor.

 

Entraram na guarita. O homem que lia uma revista fitou o visitante e logo depois, o porteiro. Este lhe explicou o que estava acontecendo, enquanto providenciava um contato pelo interfone.

 

Sanmartín observou que o homem da revista era árabe e usava uma pistola na axila esquerda. Lentamente sacou a sua que era prateada e a apontou para cabeça do guarda-costas do rei. Apertou o gatilho com rapidez e o árabe rolou pelo chão. O porteiro abriu a boca para gritar, mas recebeu uma ampola de gás anestésico que estourou ao tocar em sua língua. O indivíduo ficou tonto, e soltou o fone quando sentiu que ia cair. Sanmartín apanhou-o ainda no ar e colando-o ao ouvido.

 

— Alô? — alguém respondeu.

 

— Acompanhante para uma visita — pediu em italiano e desligou.

 

Ficou perto de uma das janelas de onde podia observar a casa. Dois sujeitos altos e atléticos, com tipo de árabe, saíram pela porta e se encaminharam para a portaria.

 

Sanmartín também examinava os jardins. De onde estava apenas via dois vigilantes e um Dobermann enorme.

 

Quando os dois africanos chegavam às proximidades da guarita, ele saiu, carregando a maleta com a mão esquerda e a pistola no bolso do casaco. Caminhou na direção deles, mas antes de se afastar, virou-se para trás e falou em italiano:

 

— Obrigado e até logo!

 

Os dois homens olharam para a portaria e se dirigiram para a casa, sempre observados pelos que vigiavam o jardim. Os três chegaram e um criado abriu-lhes a porte.

 

— Diga, senhor?

 

— Sou o Dr. Tomasini e alguém me telefonou, pedindo que eu viesse consultá-lo.

 

— Senhor, precisamos examinar sua maleta — disse um dos árabes em inglês.

 

— O quê? — Sanmartín o olhou como se não tivesse entendido.

 

— Querem ver sua mala, senhor — traduziu o empregado da casa. — E temo que também queiram revistá-lo.

 

O gesto do Dr. Tomasini foi de indignação... mas ao mesmo tempo, derrubava um dos árabes com um pontapé violento no ventre. O outro quis sacar a arma, mas levou uma cotovelada no nariz e logo em seguida, um impressionante ura ken na fronte. Caiu fulminado.

 

O empregado estava lívido e tentou reagir, mas a pistola de Sanmartín já estava apontada para sua cabeça.

 

— Não fique nervoso e leve-me à presença do rei Mobe Tonsako e não tente trair-me. Caminhe!

 

Estava amedrontado, olhou para os outros que dormiam no chão. Engoliu em seco e principiou a subir a escada. Quando alcançavam os últimos degraus apareceu outro guarda árabe. O rosto deste refletia surpresa, mas não teve muito tempo para pensar. Sanmartín disparou a pistola prateada e uma pequena ampola de vidro bateu em seus lábios. O brutamontes adormeceu imediatamente e rolou pela escada.

 

— Onde está o rei?

 

O empregado apontou uma das portas e imediatamente, recebeu um golpe na nuca que o derrubou, desmaiado. Sanmartín andava pelo corredor, atento a tudo, mas o silêncio era total. Parou perto da porta apontada pelo criado, encostou o ouvido nela e em seguida, rodou a maçaneta lentamente abrindo-a com cuidado.

 

O quarto era amplo e parecia ser um escritório. Assim que entrou, viu os três árabes. Um estava sentado atrás da mesa e dois outros, muito bem acomodados em poltronas. Todos examinavam um mapa que estava aberto em cima da mesa.

 

Os três ficaram estupefatos quando pressentiram a presença do visitante que lhes sorria. Este olhou para o homem que estava sentado à mesa e o reconheceu no ato: nada mais, nada menos que Sua Majestade Mobe Tonsako. Apontou a pistola de balas entorpecentes em sua direção.

 

— A Villa Borghese está cercada — disse em inglês. — Meus homens estão prontos para invadir a casa e matar os que tentem prejudicar nosso plano. Temos dez veículos e um helicóptero que podemos usar na fuga. Formulamos um plano infalível e não admitirei teimosias. Entenderam?

 

— Quem é você? O que veio fazer aqui? — perguntou um dos homens.

 

— Vim sequestrar Sua Majestade — respondeu tranquilamente.

 

Conselheiros militares

 

Randolph Embury e James Turner estavam encantados com a jovem e não pareciam dispostos a abandoná-la. Se eles estavam maravilhados, o mesmo não acontecia com Nabil Kombe, agora.

 

Estava possesso porque achava que Daniela devia tê-lo avisado de alguma coisa antes de permitir que entrasse em seu camarote. Se estava atravessando os dias de regra obviamente não lhe poderia proporcionar uma belíssima noite de amor. Não escondeu o aborrecimento e explodiu:

 

— Sei que essa situação é normal às mulheres, mas eu devia saber qual seu estado com algumas horas de antecedência!

 

— Pensei que isso não impedisse você — desculpou-se a moça. — Muitos até gostam...

 

— Eu não tolero! — murmurou, saindo imediatamente do camarote.

 

Mais zangado, ele teria ficado se tivesse desconfiado que a prova era falsa, provocada por um pequeno corte que ela dera propositadamente num dedo da mão e que a mancha sanguinolenta em nada se relacionava a seu ciclo menstruai.

 

O árabe desconhecia esse pormenor e se consolava, pensando nos momentos em que a teria nos braços. Seria maravilhoso. Haveria de saciar o desejo que queimava em suas entranhas.

 

Depois que se fartasse, amarraria uma corda em seu pescoço e uma pedra bem pesada na outra extremidade. Quando estivessem passando pelo Canal de Suez, jogaria Daniela nas águas e ela dormiria para sempre no Mar Mediterrâneo.

 

Talvez isso acontecesse dentro de poucos dias. Felizmente, era uma mulher saudável, que naquele momento, estava com um humor admirável: divertia-se, divertindo Embury e Turner.

 

Foi com raiva que os deixou a sós no salão quando um tripulante veio chamá-lo. Não demorou em retornar ao Salão Vermelho e parecia mais excitado.

 

— Conseguimos! O americano conseguiu sequestrar o rei Mobe! Acabamos de falar pelo rádio.

 

— Sr. Kombe, espero que não seja outra jogada suja de Sanmartín — Embury foi o primeiro que falou.

 

Daniela olhava para eles com surpresa, sem entender nada.

 

— Não. Ele sabe que de nada adianta comunicar-se o sequestro. Só lhes entregarei o dinheiro quando Mobe me for entregue. Ele me disse que isso poderá acontecer quando eu ordenar; que preferia que fosse logo.

 

— Lógico, qual seu interesse em manter o rei perto de si? Para nós, o que mais interessa é tê-lo em nosso poder. O que combinou com ele?

 

— Mobe nos será entregue ainda esta noite, quando ambos os barcos estiverem próximos de Anzio. Parece que Sanmartín comprou uma lancha grande para realizar a operação. Ele aprisionou Mobe, suas esposas e todos os secretários que o acompanhavam em Roma.

 

— E os capangas de Sanmartín também vêm com eles?

 

— Claro. Querem o dinheiro e quando o receberem, irão diretamente à Espanha. Pensam desembarcar na Ilha Maiorca; ali, providenciarão algumas coisas para, em seguida, voltarem à América Central. Todos julgarão a missão como um fracasso... Só após algum tempo, eles deverão afastar-se dos comandos para desfrutarem dos milhões que ganharam, graças a mim... Cachorros! Eles que esperem porque eu!...

 

— Foi Sanmartín quem lhe contou todas essas coisas? — Turner perguntou.

 

— Sim.

 

— Jim, não acha que ele ficou muito comunicativo de repente?

 

— E como!

 

— O que vocês estão querendo dizer? — Kombe olhava de um para o outro.

 

— Queremos dizer que não temos confiança em Sanmartín. É um homem difícil de se entender e homens como ele, costumam ser muito inteligentes: não se deixam vencer por alguns milhões. Sempre sabem arranjar dinheiro quando necessitam de algum.

 

— Não entendo o que querem dizer.

 

— Não se preocupe, Sr. Kombe. Deixe o americano por nossa conta. Devemos estar preparados quando ele e os outros abordarem nosso iate. Devemos retê-los a bordo, até que tenhamos certeza de que tudo está em ordem.

 

— Que mais pode acontecer depois que Mobe Tonsako estiver em nosso poder?

 

— Sr. Kombe, somos seus conselheiros militares e podemos resolver esse problema.

 

— Conselheiros militares? — exclamou Daniela. — Pensei... que fossem técnicos em agricultura!...

 

— Infelizmente essa não é a verdade, senhorita Karsten — declarou Turner. — Somos técnicos em muitos assuntos, todos de áreas diferentes.

 

— O que... está acontecendo aqui? O que vocês estão tramando? O que estão pretendendo fazer?

 

— Isso não deve importar a você — Kombe respondeu.

 

— Vá para seu camarote e fique lá, até segunda ordem. Procure incomodar o mínimo possível.

 

Daniela von Karsten o fitou com arrogância.

 

— Sei que há um lugar e enquanto eu estiver nele, não o aborrecerei de forma alguma: É a terra firme. Por isso, desembarcarei e voltarei para Nice. E para terminar o assunto, você não precisa preocupar-se comigo, porque sempre soube arranjar-me muito bem sozinha.

 

Embury achou que era o momento de intervir e disse amavelmente:

 

— Senhorita von Karsten, parece que ainda não entendeu a situação: Não poderá voltar à Nice ou ir a qualquer outro lugar. A senhorita é uma pessoa muito inteligente e já ouviu mais coisas que devia. Além disso, o Sr. Kombe já fizera alguns planos pessoais a seu respeito e creio que ainda não desistiu deles.

 

— É evidente que continuo interessado neles — Kombe respondeu com um sorriso cruel.

 

— Por favor... do que estão falando? — exclamou Daniela. — Quero desembarcar agora mesmo!

 

— Querida, as pessoas já não me impressionam com antigamente — Kombe sorria com frieza. — Faz anos que trato com gente endinheirada, poderosa, com títulos de nobreza e também, com pessoas de outras classes sociais, mas num ponto todas elas se igualam: Todas somente procuram fazer o que mais lhes convenha embora isso as obrigue a relacionar-se com tipos iguais a mim, que só têm dinheiro e exotismo. Quando pessoas como você me admitem no high-society internacional, agem desse modo por me julgarem divertido e extravagante. Um tipo que nada tem do que interessa a vocês, a não ser o dinheiro. Eu, pessoalmente, sempre soube aproveitar-me da situação: Enquanto vocês conseguem a diversão grátis, eu consigo o dinheiro, o poder e no final, terei tanto dinheiro e influência que os aristocratas terão de submeter-se à minha vontade.

 

— Kombe, você está delirando? — Daniela sorriu ao perguntar-lhe.

 

— Veremos o que dirá quando eu for rei.

 

— Então é isso?... Mandou sequestrar o rei para usurpar seu trono? Você quer ser o rei da Arábia? Como espera se impor ao povo? Simplesmente comunicando que o rei da Arábia desapareceu e que você irá substituí-lo, que irá ocupar seu lugar?

 

— Vejo que continua me desprezando e que no íntimo me considera um ser inferior. Deve sentir-se satisfeita pelo modo como me tem controlado... Muito bem, divirta-se enquanto pode, mas pense que só tem esta noite para divertir-se. Depois que Sanmartín me entregar Mobe Tonsako e sua comitiva, muitas mulheres mais bonitas e mais jovens que você estarão neste iate. E uma das coisas que penso fazer para humilhar o rei, será exatamente divertir-me com suas esposas, em sua presença... Quando elas chegarem, já não precisarei de você. Será minha só esta noite, Daniela.

 

— Querido, os homens como você além de serem divertidos, também são grotescos. Ninguém pode fazer-me sua se eu não permitir. Poderá violentar-me, forçar-me ao ato sexual, aproveitar-se de meu corpo, mas, fazer-me sua, possuir-me integralmente, só conseguem aqueles poucos homens aos quais me entrego totalmente. Os ignorantes como você acreditam que podem comprar uma mulher com o dinheiro que têm, mas na realidade só alugam uma artista que encena uma comédia, na qual, o maior comediante é o homem que fez questão de encená-la.

 

Nabil Kombe estava lívido. Turner e Embury olhavam a moça com surpresa e admiração, mas Daniela continuava calma e serena.

 

— Você ainda há de se arrepender de tudo que disse. Vá para o camarote e me espere lá.

 

— Você é incrível, querido! Como pôde imaginar que pudesse ser rei? Por acaso pensa fazer uma transfusão de sangue real?

 

— Para ser rei só preciso!...

 

— Sr. Kombe — interveio Embury. — A senhorita von Karsten não está interessada em nossos planos.

 

— Nem desejo conhecê-los — Daniela olhou para Embury. — Agora começo a compreender porque são conselheiros militares: Preparam-se para dar um golpe de estado e foi por isso que mandaram raptar o rei da Arábia. Julgam que privando o povo da presença real, poderão chantageá-lo, pressioná-lo. Logicamente, meus queridos, todos sabemos que Nabil é contrabandista de armas, portanto, estas não faltarão no dia do golpe quando a Arábia será dirigida por seu novo rei, o fanfarrão Nabil Kombe!

 

O árabe gritou de ódio e se jogou contra Daniela, pensando esbofeteá-la. Porém, a moça se esquivou rapidamente: Kombe nunca chegou a entender o que estava acontecendo quando recebeu um pontapé direto nas virilhas que o fez gemer de dor e cair sentado no tapete do chão.

 

Para sua felicidade, Turner e Embury estavam no salão.

 

Turner sacou a pistola e a apontou para Daniela von Karsten.

 

Ela mordeu os lábios, fez menção de falar alguma coisa, mas desistiu. Quatro tripulantes tinham entrado no salão vermelho, estavam armados e embora não compreendessem porque o patrão estava sentado no chão, logo imaginaram que as dificuldades tinham surgido por causa da loura.

 

Embury o ajudava a levantar-se e antes que Kombe pudesse falar qualquer coisa, virou-se para os marujos e ordenou:

 

— Levem a senhorita Von Karsten para o camarote, trancando-o. Tenham cuidado com ela e a mantenham sob vigilância. Em seguida, organizaremos a recepção ao rei Mobe e seus sequestradores.

 

O encontro final

 

Estavam perto de Anzio quando as duas embarcações se aproximaram. A lancha comprada para a operação mais parecia um brinquedo quando se colocou ao lado do iate.

 

Sanmartín foi a primeira pessoa que subiu ao Afrikaan, sendo recebido pessoalmente por Nabil Kombe. O árabe estava curioso para saber de que modo ele conseguira aprisionar o rei e toda sua comitiva.

 

Sua Majestade Mobe Tonsako também veio a bordo logo em seguida, sempre acompanhado por suas esposas. Quando viu Kombe no convés, ficou irritado e começou a gesticular, falando em árabe. Porém, o interlocutor nada lhe respondia, sorrindo ironicamente.

 

Um pouco mais afastados, estavam os dois conselheiros militares que assistiam aquela cena inesperada com desconfiança.

 

Finalmente, todas as pessoas que viajavam na lancha foram transportadas ao iate. Só então, Turner e Embury, iniciaram a recepção que tinham programado: Colocaram-se atrás de Sanmartín e enquanto um o imobilizava, segurando seus braços, o outro encostava-lhe o cano da pistola nas costelas.

 

— Dê ordem a seus homens para entregarem as armas — Embury ordenou.

 

As palavras foram ouvidas por todos. Roque ia dizer alguma coisa, mas calou-se quando doze tripulantes fortemente armados irromperam no salão.

 

— Acho melhor obedecermos — disse Sanmartín aos seus subordinados. — Vamos manter a calma enquanto o senhor Kombe medita sobre o que deverá ser feito.

 

— Julga-se em situação de ameaçar-me?

 

— Se perder alguns segundos contando quantos auxiliares vieram comigo, verá que eles são oito. Um deles ficou em Roma. Se até o amanhecer não tivermos voltado com o dinheiro que você nos deve, ele entrará em contato com as emissoras de rádio e televisão, informando que o rei da Arábia foi sequestrado e que se encontra no iate Afrikaan de propriedade de Nabil Kombe e que este, indubitavelmente, tem intenções de conspiração contra o rei de seu país.

 

Embury terminava de contar os homens que acompanhavam Sanmartín.

 

— De fato, são oito — confirmou.

 

— Maldito! — balbuciou Kombe com o rosto crispado pelo ódio.

 

— O que você pensava? Julgou-nos um grupo de garotos ingênuos?

 

— Onde se pode achar o homem que ficou em Roma? — Turner perguntou.

 

— Não faço a menor ideia — retrucou Sanmartín. — Combinamos que estaríamos de volta ao amanhecer. Se não chegarmos à hora combinada, ele compreenderá que o senhor Kombe nos preparou uma cilada qualquer... No entanto, confiamos nesse senhor e sabemos que ele é um homem de bem, que sempre cumpre com sua palavra.

 

Kombe olhou para Turner e Embury. Este segurou seu braço e o levou até o convés.

 

— Temos de modificar nossos planos — murmurou. — Entregue o dinheiro aos homens e deixe-os voltar a Roma... mas nós os seguiremos. Daremos um tempo para eles chegarem em casa e quando os dez estiverem reunidos, entraremos em ação.

 

— Como vamos segui-los?

 

— Eles partirão normalmente, mas dentro da bolsa com o dinheiro levarão um emissor de sinais. Nós navegaremos a menos de cinco milhas de distância e podemos pegá-los na casa. Vamos perder algumas horas de navegação para a Arábia, mas recuperaremos o tempo ou adaptaremos a ação às novas circunstâncias.

 

— Filhos da...!

 

— Escute, não podemos perder tempo, Kombe. Simplesmente, faça o que eu disse, ou não poderei me responsabilizar por nossos planos. Entendeu?

 

— Eu o obedecerei cegamente! Quero que todos esses cachorros morram com urgência!

 

— Tenha calma. Nós fomos designados para dirigir a operação e tenho certeza de que ela foi muito bem planejada — sorriu Embury.

 

Embora Sanmartín parecesse estar desconfiado, recebeu o dinheiro que Kombe trazia escondido em certo lugar do iate. Mobe Tonsako, suas esposas e comitiva, foram encerrados numa das dependências de serviço. Os homens que serviam ao centro-americano se mantiveram em silêncio, observando as bolsas com o dinheiro que estavam sendo arriadas à lancha, comprada dias antes. Quando ele já começava a descer pela escada do iate, Embury aproximou-se.

 

— Só uma pergunta. Sanmartín: Como conseguiu sequestrar Tonsako e suas comitiva?

 

— Pelo método mais simples, embora nosso plano oferecesse duas alternativas: A primeira, seria invadir a vila com todo meu pessoal, disparando balas de gás entorpecente contra as pessoas que surgissem à nossa frente. Porém, optei pela segunda: Entrei só na casa e fiz com que me levassem até onde o rei Mobe estava. Conversei com ele é lhe expliquei que se não me acompanhasse, meu grupo invadiria a propriedade e provocaria um grande massacre. O rei sabia que os homens que o acompanhavam eram em número deficitário. Decidiu colaborar. Mandou reunir a comitiva que acabo de entregar- lhes.

 

— Espero que não esteja brincando...

 

— Claro que não. Já respondi a sua pergunta. Agora, responda a minha: Onde está a senhorita von Karsten?

 

— Trancada no camarote. O Sr. Kombe se aborreceu com ela e mandou que a levassem para lá... até ele decidir algo.

 

Sanmartín desceu à lancha que já estava com os motores ligados. Turner e Embury continuaram no convés e seguiram com os olhos o barco que se distanciava rapidamente. Depois, voltaram ao salão e encontraram o árabe quase que em pânico.

 

— Venham comigo! Aconteceu uma coisa quase incompreensível!

 

Os dois homens o acompanharam em silêncio e quando entraram no salão, viram vários tripulantes à volta de um cadáver que estava no chão. O cadáver era de um homem que já começava a exalar o fedor da morte.

 

— É Malik — explicou o árabe. — Ele era um de meus guarda-costas. Cheguei a pensar que tivesse roubado os duzentos mil dólares que sumiram no cofre-forte.

 

Embury abaixou-se perto do corpo e observou que as feições estavam deformadas. Que a boca, as fossas nasais e os ouvidos, estavam com tampões, para evitar que o mau cheiro se propagasse pelo iate.

 

— Onde ele foi encontrado? — perguntou.

 

— Debaixo de um dos sofás do salão azul — explicou Rakir. — Um dos empregados do iate sentiu o cheiro, chamou a mim e a Otar. Arredamos o sofá e encontramos Malik.

 

— Essa morte comprova que estou cercado por traidores — queixou-se Kombe. — Quem o teria assassinado?

 

— Esqueça-se desse assunto porque nós o resolveremos — disse Turner. — Dê ordem para o barco zarpar rumo à Praia de Ostia, se a lancha afastar-se mais de cinco milhas, nós a perderemos de vista. Avise ao pessoal do receptor de sinais: Não podemos perder a rota daquele barco!

 

Os ingleses, pouco depois, chegavam ao camarote de Daniela que estava sendo vigiado por dois homens armados. Turner pediu a chave, abriu a porta, mas não entrou.

 

— Coloque-se onde possamos vê-la! Nós não somos tão fáceis de manejar como foi Malik, senhorita Karsten.

 

Daniela surgiu lentamente de trás da porta e se sentou numa poltroninha. Turner e Embury apanharam as armas e entraram, fechando a porta atrás de si.

 

— Estava pensando atacar-nos tal como fez com Malik?

 

— Embury perguntou.

 

— Ah, já o encontraram?

 

— Exalava mau cheiro apesar de todos os tampões que usou. Agora, permaneça sentada e não saia dessa poltrona. Coloque as mãos nos joelhos.

 

Os homens a fitavam como fascinados. Ela sorriu de novo.

 

— Não posso nem fumar?

 

— Não.

 

— Pensem bem, em troca de um cigarro posso contar-lhes uma história que jamais foi imaginada: a conspiração de pessoas que deviam estar no inferno. Querem escutá-la?

 

Embury acendeu um cigarro e o entregou. Daniela sorriu e mostrou-lhes o leito. O rapaz sentou-se nele e Turner, em outra poltrona.

 

— Era uma vez um homem muito ambicioso que se chamava Nabil Kombe. Ele desejava ser importante e para conseguir o que desejava, era capaz de fazer qualquer coisa. Desde jovem, se envolveu com os negócios mais podres do planeta: tráficos de escravas brancas, de drogas e de armas. Apoio financeiro a toda classe de sabotagem, de atentados terroristas... Como era de se esperar, o homem acabou sendo detectado por alguns serviços secretos e entre eles, logicamente, a CIA, que se dispôs a eliminá-lo. O trabalho tornou-se difícil, porque o Sr. Kombe desejava continuar vivendo, queria continuar prosperando para se tornar o ser mais importante do mundo. Gostaria de ser um fantoche da CIA? Aceitou o convite imediatamente e a partir de então, tornou-se um dos colaboradores mais importantes da CIA. Esta posição lhe abriu as portas do grande mundo das finanças, das artes, da guerra, da política...

 

— Porém um dia, a CIA descobriu que alguém estava enviando armas à América Central. Alguns agentes da KGB descobriram a identidade do contrabandista e o denunciaram mundialmente. Os Estados Unidos foram responsabilizados pelo tráfico dessas armas. Washington negou a acusação: Como alguém poderia pensar que os Estados Unidos estivessem envolvidos em semelhante negócio? E para tudo ficar mais incrível, descobriu-se que o contrabandista de armas não havia sido a CIA obedecendo ordens de Washington, mas sim o Sr. Nabil Kombe! Bem é verdade, que havia muitas pessoas envolvidas, mas o principal responsável pelo envio das armas à América Central era o Sr. Nabil Kombe! Ele aceitou a culpabilidade do caso e se afastou de terras americanas. Pouco depois, encontramos o mesmo senhor lutando para tornar-se rei de um riquíssimo país africano, cujo solo, é empapado de petróleo. Querem escutar o final ou já deduziram o resto da história?

 

— Continue, por favor — murmurou Embury.

 

— Pois bem, o referido senhor fez um acordo pessoal com a CIA: Assumiria as culpas pelo envio de armas à América Central, mas queria ser rei e a CIA teria de ajudá-lo nesse sentido... Chegaram a um acordo. As armas enviadas há alguns anos pelos Estados Unidos seriam usadas pelo Sr. Nabil Kombe, a fim de organizar um exército e fomentar uma revolução no sentido de assumir o trono da Arábia. Depois que recebesse o cetro real, seria reconhecido como soberano do país, não só pelos Estados Unidos da América, mas também, por todas as grandes nações do mundo. Em troca desse reconhecimento, o Sr. Nabil Kombe se comprometia a continuar sob as diretrizes da CIA e de remeter aos Estados Unidos todo o petróleo que fosse extraído das jazidas que se espalhavam pelo território da Arábia. Ainda preciso continuar?

 

— Seria bom, uma vez que começou — falou Embury.

 

— Pois bem, vou terminar. Só conseguiria apoderar-se do trono se, de fato, organizasse a revolta. Porém, só estaria apto a realizá-la se alguém o orientasse adequadamente, assessorando-o na derrota aos poucos militares que havia na Arábia. Talvez, por isso, a CIA ou qualquer outra agência de serviços secretos dos Estados Unidos, apresentou ao Sr. Kombe dois conselheiros militares de grande experiência. Os dois especialistas em rebeliões o orientaram, a fim de evitar derramamentos desnecessários de sangue. Aconselharam-no de que seria uma boa ideia se pudessem primeiro, sequestrar o rei Mobe Tonsako, deixando desta forma o povo árabe acéfalo e desprotegido. Cavalheiros, creio que não há mais dúvidas entre nós: Sei que os senhores não são cidadãos ingleses, mas norte-americanos e trabalham para CIA, ou para outra organização similar.

 

— E você quem é? — suspirou Randolph Embury.

 

— Se eu errei nas minhas deduções, se vocês não são os Simon I e Simon II, podemos encarar minha morte como uma coisa certa, pois sei perfeitamente que ambos conhecem o significado do nome Baby. Se não são dois rapazes de meu grupo de ação, devem pertencer a outro que se dedica exclusivamente aos serviços de Nabil Kombe. Se não são dois dos meus Simon, isso significa que errei ao acusar os Estados Unidos como mandante, como o cabeça do tráfico de armas à América Central e também, quando me referi a Kombe como um fantoche que servia aos interesses ianques... Se eu errei, está claro que vocês são duas pessoas estranhas, que não conhecem o significado da palavra Baby, conforme ela é falada na espionagem. Que mais posso dizer? Só há uma saída para os dois, terão de matar-me, porque ninguém que esteja em seu juízo perfeito deixaria viva uma mulher que sabe tanto quanto eu. Portanto, se vocês não são agentes da CIA, minha vida está no fim...

 

Daniela von Karsten calou-se e os dois homens também continuavam calados, ainda segurando as pistolas. Ela levantou-se se aproximou de Embury e tirou-lhe o revólver suavemente da mão. Depois, fez o mesmo com Turner e nenhum deles procurou resistir.

 

Daniela colocou as armas em cima da cama, abriu o armário e apanhou a maleta vermelha de florezinhas azuis. Retirou o rádio de seu fundo falso e efetuou a chamada.

 

Em seguida a voz de Sanmartín soou dentro do camarote.

 

— Espero que tudo esteja bem, querida.

 

— Claro, meu querido. Tudo que suspeitei é verdade.

 

— Ou melhor, estamos metidos até o pescoço nas fossas da CIA.

 

— Nem tudo, amor — respondeu, olhando para Embury e Turner. — Tive uma ideia, você e seus amigos italianos podiam assaltar o Afrikaan. Nós três...

 

— Nós três? De que você está falando?

 

— Dos meus dois Simons e eu logicamente... Nós três tentaremos dar um fim aos homens de Kombe; e embora ainda fiquem muitos, eles nada poderão fazer contra vocês, se não forem orientados pelos meus dois Simons. Portanto, poderão atacar o iate com facilidade.

 

— Desde que ele não continue navegando a trinta nós por hora — condicionou Sanmartín.

 

— Meus Simons se encarregarão dessa parte, colocando os marinheiros do comando a nocaute. Logo, nos reuniremos com o rei Tonsako e sua comitiva. Precisamos protegê-lo para impedir que o pessoal de Kombe tente eliminá-los.

 

— De acordo. Nos encontraremos dentro de uns quinze minutos... Você está bem, sinceramente?

 

— É verdade, estou me sentindo maravilhosamente. Estamos à sua espera.

 

Desligou o rádio, apanhou as pistolas e as devolveu aos homens. Embury olhou para o rádio que continuava em cima da cama e perguntou:

 

— Então, Sanmartín é o Número Um?

 

— Claro. Não se podia fazer um serviço tão importante com dois Simons normais; o Número Um resolveu apoiar-me, mas nada digam a Kombe — sorriu expansivamente e continuou: — Prefiro que ele continue pensando que Sanmartín me violou ante seus olhos. Agora, tomem uma decisão: Desejam ficar com Kombe ou com Baby?

 

Os ingleses, Turner e Embury, levantaram- se imediatamente. O primeiro abriu a porta e fulminou o homem que estava parado no corredor com um violento soco na nuca.

 

— Fique calma, porque eu me encarrego de deter o iate — disse Embury, saindo. — Turner, não a deixe sozinha um minuto sequer.

 

— Certo. Reúna-se ao rei Mobe o mais rápido possível.

 

— Tenham cuidado. Não gostaria que o trabalho terminasse em lágrimas, como tantos outros — sorriu Daniela von Karsten.

 

Amigo é pra essas coisas

 

Quando levaram Nabil Kombe ao salão azul, ele não entendia o que estava acontecendo a bordo.

 

Lembrava-se vagamente que o iate havia parado numa certa hora, que vários tripulantes foram afastados de seus postos, que os conselheiros militares haviam sumido e que, depois de algum tempo, a lancha de Sanmartín retornara até onde eles estavam.

 

Também se recordava, que da lancha foram lançadas algumas granadas e que, logo em seguida, o pessoal que viajava no Afrikaan começou a bocejar e dormiu profundamente.

 

Agora, já tinha despertado e continuava sem entender porque Daniela von Karsten estava sentada no sofá e porque Sanmartín estava a seu lado.

 

E nem entendia por que seus conselheiros militares estavam em pé junto a uma escotilha.

 

— Sr. Kombe, não queremos complicar sua vida mais do que já está — Daniela falou com muita tranquilidade. — Por isso, explicaremos ao rei Tonsako que a conspiração foi fomentada por um grupo de guerrilheiros. O senhor sabe que uma coisa é a gente destruir as irregularidades e sujeiras que existem na CIA e outra bem diferente é permitir que o bom nome de minha pátria seja manchado por um criminoso qualquer.

 

— Qual a ligação da Áustria com este caso?

 

— Muito menos que a de Der Munk, se tudo corresse normalmente, como o senhor esperava. Sabemos que já havia um contrato, pelo qual, o senhor se responsabilizava vender à Holanda todo o petróleo que fosse extraído no decorrer do ano 1988. Agora, só preciso lhe dar um recado.

 

— Recado? De quem? — Kombe se mostrava mais interessado.

 

— De um amigo que todos conhecem como Frankie. Quando nos despedíamos, ele me disse: Você pode fazer o que quiser com o porco, mas no final, meta uma bala em suas tripas.

 

— Daniela von Karsten! Você não vai fazer isso! — exclamou o árabe.

 

— Por que não?

 

— Estaria cometendo um assassinato!

 

Nem respondeu, estava perplexa com o cinismo daquele criminoso. Tirou as lentes de contato, os olhos negros ficaram azuis. Depois, olhou de esguelha para Sanmartín e este lhe entregou uma pistola automática.

 

A agente Baby apontou a arma para o ventre do árabe e disparou. Ele caiu no chão com os olhos vidrados.

 

Baby olhou o homem agonizante e murmurou:

 

— Frankie, cumpri suas designações. Considero você um de meus melhores amigos e não gostaria que ficasse desapontado comigo...

 

 

                                                                                                    Lou Carrigan

 

 

 

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