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CONTOS DE FANTASMAS E DEMÔNIOS / Daniel Deföe
CONTOS DE FANTASMAS E DEMÔNIOS / Daniel Deföe

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

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O FANTASMA ACUSADOR
Ouvi uma história, que reputo verdadeira, de certo homem que, conduzido ao tribunal, sob a suspeita de assassinato, sabia que não havia poder humano capaz de provar a autoria do crime. Quando interrogado, o acusado declarou inocência. A corte esforçou-se em busca de provas, mas só pôde alcançar suspeitas e circunstâncias apenas aparentemente verdadeiras. Havia, porém, testemunhas, e todas elas foram inquiridas, como é de costume, de pé sobre um pequeno estrado, para que fossem visíveis por todo o recinto.
Quando o tribunal cogitou de que já não mais havia testemunhas a inquirir, e que logo o homem seria absolvido, o acusado fez um brusco movimento, como se algo o aterrorizasse. Mas, recobrando a compostura, ergueu um braço ao lugar onde as testemunhas, de pé, prestam o depoimento nos julgamentos e, apontando com a mão, disse em voz alta:
? Senhor, isto não é justo! Isto não está de acordo com a lei. Essa não é uma testemunha legítima!
O tribunal estava atônito e não podia entender o que o acusado queria dizer. Mas o juiz, um homem de maior penetração, atinou para o que se sucedia, e, silenciando alguns da corte, que pretendiam falar, e que talvez terminassem por auxiliar o homem a recobrar a razão, disse:
? Silêncio! Esse homem vê alguma coisa que nós não podemos ver. Já começo a entendê-lo.
Depois, dirigindo-se ao prisioneiro, perguntou:
? Por que não é uma testemunha legítima? Eu creio que esta corte permitirá que ele testemunhe validamente quando vier a depor.
? Ó, meritíssimo. Isto não é justo. Não pode ser permitido! ? exclamou o prisioneiro, com uma confusa ansiedade em seu semblante, que demonstrava ter ele um coração audaz, mas uma consciência culpada.
? Por que não, amigo? Que razões você apresenta para isso? ? perguntou o juiz.
? Meritíssimo, a nenhum homem é permitido ser testemunha em causa própria. Ele é parte, senhor; portanto, não pode ser testemunha.
? Você se equivoca ? respondeu o juiz. ? Você é acusado em nome do rei e qualquer homem pode ser testemunha do rei, como no caso de um assalto em uma estrada. Nós sempre admitimos que a pessoa assaltada seja uma testemunha legítima. Se assim não fosse, nenhum salteador seria condenado. Mas ouviremos o que ele tem a dizer quando for inquirido.
Assim falou o juiz, com gravidade, e de maneira tão simples e natural que o criminoso respondeu:
? Bem, se o senhor permitir que ele seja uma testemunha, então eu sou um homem morto.
O criminoso pronunciou essas últimas palavras com a voz mais baixa do que as demais, mas sem pedir uma cadeira para sentar-se. A corte ordenou que lhe trouxessem um assento, pois, se assim não fosse, teria ele desmoronado sobre a plataforma. Quando se sentou, todos observaram que mostrava uma grande consternação, e que levantava as mãos repetidas vezes, pronunciando novamente as palavras “homem morto, homem morto”.
O juiz se sentia um tanto desorientado, sem saber como agir. Já a corte, toda ela parecia mergulhada em uma estranha perplexidade, embora todos voltassem exclusiva atenção ao homem no estrado.
Por fim, disse o juiz ao prisioneiro:
? Veja, Sr. (chamou-o pelo nome). Não lhe resta outro caminho senão este que agora lhe lerei nas Escrituras.
E, pedindo a Bíblia, procurou o Livro de Josué, e leu o versículo 7:19:
?“E Josué disse a Acã: meu filho, dá glória ao Deus de Israel, e confessa, dizendo-me o que fizestes: não me escondas nada.”
Aqui, o juiz exortou-o a confessar o crime. Ele vislumbrou, sem dúvida, uma prova pronta a desvelar todos os fatos que se opunham ao réu e mesmo suficiente a condená-lo prontamente. E, se o acusado não confessasse, o Céu, sem dúvida, enviaria uma testemunha para fazê-lo.
Em face disto, o criminoso autocondenado rompeu em lágrimas e tristes lamentações por sua miserável condição, fazendo, pois, uma completa confissão de seu crime. E quando terminou, assim justificou as razões para estar sob a influência da surpresa e da opressão: ele vira a sua vítima de pé, no estrado das testemunhas, pronta para ser interrogada e depor em seu desfavor. Estava a vítima, mesmo, disposta a exibir a garganta que fora rasgada pelo acusado. Segundo disse o prisioneiro, a vítima encarava-o com uma fisionomia terrível. E isto o deixou, naturalmente, confuso. Todavia, não houve aparição real, nem espectro, nem fantasma, nem trasgo. Tudo o que acontecera lhe parecera real por arte de sua própria culpa e pela atribulação de sua alma, excitada e surpreendida pela intervenção da própria consciência.

O ESPECTRO E O SALTEADOR DE ESTRADAS
Conta-nos uma história que Hind, aquele famoso assaltante e procurado da Justiça, o mais renomado desde Robin Hood, encontrou um espectro no caminho de um lugar chamado Sangate-Hole, em Huntingdonshire, onde ele costumava cometer seus roubos, e era famoso por seus numerosos assaltos.
O espectro apareceu a ele na forma de um simples comerciante de gados local. E como o Diabo, como é fácil supor, conhecia muito bem os refúgios e esconderijos frequentados por Hind, chegou assim disfarçado a uma estalagem e, havendo alugado um quarto, pôs em lugar seguro o seu cavalo, ordenando ao estalajadeiro que carregasse a sua mala, que era muito pesada, aos seus aposentos. Lá, abriu a mala, retirou o dinheiro, que estava distribuído em pequenos invólucros, e o colocou em duas sacolas, que teriam o mesmo peso em cada lado do cavalo, tornando-as tão chamativas quanto possível.
As estalagens que alojam bandidos raramente estão livres de espias, que àqueles proporcionam as devidas informações de tudo quanto ali acontece. Hind tomou conhecimento do dinheiro, olhou o homem, olhou o cavalo, e os memorizou. Averiguou o caminho que o homem seguiria. Deparou-se com ele em Stangate-hole, exatamente no vale entre as colinas, e o deteve, dizendo-lhe que entregasse as sacolas. Quando indagou sobre o dinheiro, o comerciante de gado fingiu surpreender-se, simulou pânico e tremeu, atemorizado. Com um tom de inspirar compaixão, disse:
? Como o senhor pode ver, sou um homem pobre! Em verdade, senhor, não tenho dinheiro!
(Aí mostrou o Diabo que podia dizer a verdade quando lhe é conveniente a ocasião.)
? Ah, velho cão! ? disse o bandido. ? Não tem dinheiro? Vamos, abra seu alforje e me entregue as duas sacolas, estas que estão de cada lado da sela. O quê? Não tem dinheiro, mas as suas sacolas são tão pesadas que não seguem em um só lado! Vamos, passe-me logo as sacolas, senão o cortarei em pedaços agora mesmo!
(Aqui, Hind estava fora de si e ameaçou o comerciante da pior forma que pôde.)
Bem, o pobre diabo chorava e dizia que o ladrão devia estar equivocado; que o havia tomado por outra pessoa, porque realmente não trazia dinheiro consigo.
? Vamos, vamos! ? disse Hind. ? Venha comigo! A mim ninguém engana!
Então tomou o cavalo pelas rédeas, tirou-o do caminho, conduzindo-o ao bosque, que é muito espesso naquele local, porque o negócio seria demorado demais para levar-se a cabo em plena estrada.
Quando estava no bosque, ordenou:
? Vamos, senhor comerciante, desmonte e dê-me as sacolas imediatamente!
Em suma, fez o pobre homem descer, cortou as rédeas e as cilhas, e abriu o alforje, onde encontrou as duas sacolas.
? Muito bem ? disse ?, aqui estão elas, tão pesadas como antes. E as atirou ao chão, cortando-as para abri-las. Numa, encontrou uma corda; noutra, uma peça de latão maciço com a forma exata de uma forca. Então o comerciante de gados exclamou, detrás dele:
? Eis o seu destino, Hind! Tome cuidado!
Se o salteador se surpreendeu com o que descobriu nas sacolas ? pois não havia sequer um quarto de penny naquela onde estava a corda ?, mais surpreso ainda ficou quando ouviu o comerciante chamá-lo pelo nome. Voltou-se, então, para matá-lo, acreditando que havia sido reconhecido. Mas ficou sem fôlego quando, virando-se (como já disse) para matar o homem, dada mais viu do que o pobre cavalo. Caiu por terra e ali ficou um tempo considerável. Quanto tempo, ele não poderia dizer, porque estava sozinho, mas deve ter sido por alguns minutos. Voltando a si, fugiu aterrorizado até o último grau, envergonhado e estupefato com o que vira.
Eu dei a entender que não havia dinheiro, mas uma peça foi encontrada, e esta, segundo a história, era escocesa: uma moeda chamada na Escócia “catorze”, que na Inglaterra equivale a treze pence e meio penny para pagar o carrasco. De onde é possível supor que vem daí o ditado, corrente até o dia de hoje, segundo o qual “treze pence e meio penny é o soldo do carrasco”.
O DIABO E O RELOJOEIRO
Vivia na paróquia de St. Bennet Funk, perto do Royal Exchange, uma honesta e pobre viúva que, depois de morto o marido, passou a aceitar sublocatários em sua casa. Ou seja, locou alguns de seus quartos a fim de reduzir os custos com o aluguel. Entre outros, cedeu sua mansarda a um artesão que fazia engrenagens para relógios, e que trabalhava para relojoarias, conforme era o costume nessa atividade.
Certa feita, um homem e uma mulher subiram para falar com o relojoeiro sobre algum assunto relacionado ao seu mister. E quando estavam próximos dos últimos degraus, viram, pela porta escancarada da água-furtada, que o homem ? relojoeiro ou fabricante de engrenagens ? havia-se enforcado numa viga que se prolongava pouco abaixo do teto. Atônita com aquele cenário, a mulher parou e gritou ao homem, que lhe seguia, para que corresse e cortasse a corda que sustentava o infeliz.
Neste mesmo instante, doutro rincão do quarto, cuja visão não era possível a partir das escadas, correu velozmente outro homem, a trazer um banquinho nas mãos. Com ares de quem se encontra com grande pressa, colocou o escabelo sob o desventurado e, subindo rapidamente, sacou do bolso uma faca. Segurando a corda com uma das mãos, fez sinal com a cabeça para a mulher e o homem, a advertindo-os para se detivessem e não subissem, ao mesmo tempo em que exibia a faca na outra mão, como se estivesse prestes a cortar a corda e soltar o enforcado.
Nisto, a mulher se deteve por um momento, mas o homem sobre o banquinho continuava a segurar a faca ? como se permanecesse confuso com o nó ?, sem, contudo, cortá-la. Por esta razão, a mulher gritou novamente ao seu acompanhante, que, supondo que algo impedia a ação do outro homem, disse à mulher:
? Sobe e ajuda o homem do banquinho.
Mas o homem no banquinho novamente acenou para que ficassem quietos e não entrassem, qual se lhes dissesse: "Cortarei a corda imediatamente".
Então, desferiu dois golpes com a faca na corda, à guisa de cortá-la, mas parou novamente. O desgraçado seguia dependurado e, portanto, a morrer.
Porque o fato se repetia, a mulher gritou, da escada:
? O que está acontecendo? Por que não soltas o pobre homem?
E o homem que a seguia, já exaurido de paciência, afastou-a e lhe disse:
? Deixe-me passar. Eu te asseguro que a cortarei.
Dizendo isso, invadiu o quarto. Mas, quando chegou... Deus! O pobre relojoeiro continuava enforcado, mas não havia homem com uma faca, nem banquinho, e nenhuma outra coisa ou outro ser era visto e escutado. Tudo havia sido uma ilusão, urdida por criaturas espectrais, enviadas sem dúvida para deixar que o pobre infeliz se enfocasse e expirasse.
O visitante estava tão aterrorizado e surpreso que, apesar de toda a coragem que demonstrara, caiu ao chão como se estivesse morto. E a mulher, por fim, vendo-se na obrigação de baixar o homem, teve que cortar a corda com um par de tesouras, o que lhe redeu um grande trabalho.
Como não me cabe pôr em dúvida a veracidade desta história, que me foi contada por pessoas em cuja honestidade eu deposito a minha confiança, creio que não me dará trabalho convencer-vos de quem devia ser o homem do banquinho: era o diabo, que estava no quarto com o objetivo de pôr cobro ao assassínio de um homem a quem, conforme o seu costume, havia tentado, e antes convencido a que fosse, de si mesmo, o verdugo. Demais disso, este fato criminoso corresponde tão bem à natureza do demônio e ao seu ofício ? qual seja, a de um assassino ? que nunca o pus em dúvida. E nem posso crer que estaremos difamando o diabo quando a ele atribuímos a prática de tal malefício.
Nota: Não posso ter certeza quanto ao final desta história. Assim, não sei se o relojoeiro foi liberado com rapidez suficiente, a tempo de recuperar-se, ou se o diabo alcançou os seus propósitos, mantendo o homem e a mulher afastados, na escada, até que fosse demasiadamente tarde. Mas, seja como for, é certo que ele executou o seu ofício demoníaco e permaneceu na água-furtada até que foi compelido a evadir-se.

 

 

                                                                  Daniel Defoe

 

 

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