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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CONTRA OS FANTASMAS / Enid Blyton
CONTRA OS FANTASMAS / Enid Blyton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

 

OS CINCO

CONTRA OS FANTASMAS

 

- O tempo está óptimo! Mais parece Verão que Primavera! - dizia o Júlio enquanto descia a falésia.

- É verdade - respondeu a Zé. - Mas sabes bem que Kirrin é boa em todas as estações!

- Vamos ter umas férias em grande! - disse o David, radiante. - Passeios de bicicleta, de barco. Se calhar até vamos poder dar uns mergulhos, se o tempo continuar assim!. Ana, então tu não dizes nada? Não estás contente por estar mais uma vez no Casal Kirrin?

- Claro que estou! É sempre bom estar com a Zé, o Tim, o tio Alberto e a tia Clara! Só que...

Entretanto, a Zé, os primos e o Tim chegaram à praia. Deixaram-se cair na areia quente e o David voltou-se para a irmã e perguntou:

- Só que, o quê?

- A tia Clara pareceu-me triste - explicou a Ana. Está com um ar estranho, pensativo. Não parece a mesma dos outros anos.

A Zé encolheu os ombros.

- Oh! A mãe fica sempre assim quando recebe notícias da Liliana Hart.

-Liliana Hart? Quem é essa? - perguntou o Júlio, cheio de curiosidade.

- É uma amiga de infância da mãe. Tem trinta e dois anos. O marido, que era um industrial rico morreu há dezoito meses. Era inglês. Como ficou muito abalada a Liliana veio viver aqui para perto de Kirrin, para o Solar dos Quatro Ventos, um velho castelo restaurado, herança da família. Ela dá-se bem com este clima.

- Coitada, deve sentir-se muito sozinha - exclamou a Ana, compadecida.

-Também acho. Ninguém a vem visitar, a não ser o meio- irmão, o Frederico Majeau, que a vai ver de tempos em tempos. Mas é um homem de negócios muito ocupado e tem pouco tempo para lhe dedicar. Para além dele, não tem mais ninguém no mundo.

- Deve ser triste não ter irmãos, nem prima nem cão - declarou a Ana ingenuamente, lançando um olhar afectuoso aos seus companheiros.

A Zé deu-lhe um encontrão.

- E se deixasses de pensar nas desgraças dos outros? Vamos mas é brincar à caça ao animal!

Lançando gritos assustadores, a Zé levantou-se dum salto e pôs-se a correr atrás do Tim. Os primos imitaram-na, mas o cão já se tinha antecipado. Corria pela praia a bom correr, mas virava-se de vez em quando para trás para gozar os seus perseguidores. Já conhecia o jogo e sentia-se à vontade.

- Vamos à caça do animal feroz! - gritava a Zé.

- Vamos vencê-lo! - acrescentava o David.

- Vamos cercar o monstro! - aconselhava o Júlio.

- Mais depressa! - repetia a Ana, que era a última.

- Ão! - replicava o Tim.

Tudo isto fazia uma barulheira infernal.

Felizmente, a praia estava deserta, à excepção de uma respeitável veraneante de bom coração, que aquecia os seus velhos ossos ao sol. Ao ver o cão perseguido por aquele bando terrível, e pensando conhecer as intenções dos perseguidores, levantou-se da rocha que lhe servia de assento e agitou a sombrinha que levara por precaução:

- Deixem o cão em paz, seus malandros!

Mas o grupo nem sequer a ouviu. Entretanto, o Tim, como já estava cansado de ser perseguido, resolveu deixar-se apanhar. Então, caçadores e caça rebolaram na areia, soltando gritos de alegria.

A espectadora, que a princípio ficou surpreendida, acabou por abanar a cabeça.

- Afinal as minhas palavras deram resultado - murmurou ela com satisfação.

E ficou feliz por ter salvo a vida dum pobre cão. Depois de terem brincado toda a manhã na praia, os quatro primos e o cão voltaram ao Casal Kirrin, já com um certo apetite. A Maria, a empregada fiel dos pais da Zé, tinha preparado pratos fabulosos e em quantidade suficiente para saciar toda a gente. Era uma cozinheira excelente que já conhecia os gostos de todos e tinha prazer em satisfazê-los. As crianças deliciaram- se. Até o tio Alberto felicitou a Maria! Só a tia Clara é que não estava a comer com apetite, nem sequer ligava ao que lhe punham na frente.

Isso não passou despercebido à Zé, que depois do almoço, seguida pelos primos, se aproximou da mãe:

- Mãe, o que é que tens? - perguntou.

- Porque é que me perguntas isso?

O David não podia deixar de dar o seu palpite e respondeu em vez da Zé:

- Oh, tia Clara! Vê-se logo que não está nos seus dias! Nem sequer sabia o que tinha no prato!

A tia Clara sorriu e limitou-se a responder:

- Estou preocupada.

- Por causa da Liliana? - perguntou a Zé, indo direita ao assunto.

- Por causa dela, sim. Adivinhaste, Zé. A minha pobre amiga sofre de... Oh, se ao menos eu pudesse ajudá-la!

- Ora vejamos! O que é que se passa? - insistiu a Zé.

- Diz lá! Pode ser que a possamos ajudar.

E a tia Clara sorriu mais uma vez.

- Não, querida, não é um caso policial como aqueles que tu e os teus primos adoram investigar. É um problema de saúde. Embora.

Ficou hesitante, mas de repente tirou um papel do bolso.

- Olhem, meus filhos, já que estão interessados leiam a carta que recebi hoje da Liliana. A minha amiga diz-me que se passam coisas estranhas no Solar dos Quatro Ventos. Pergunto a mim própria se não estará em jogo a saúde física e moral da Liliana. Embora tente combater o desgosto que a

atormenta, tem impressões estranhas, que ela não consegue precisar. Mas confessa-se profundamente deprimida e confirma, em termos aflitivos, que a solidão lhe pesa cada vez mais.

Todas as semanas a vou visitar, mas parece que não é o suficiente.

A Zé, impulsiva por natureza, interrompeu a mãe:

- Mas parece-me um problema simples! - exclamou ela. - Se a tua amiga se sente sozinha, é preciso fazer-lhe companhia.

- Pois claro - concordou o David.

- Um pouco de distracção só lhe fazia bem, tenho a certeza - acrescentou o Júlio.

- Pobre senhora! - suspirou a Ana, comovida. - É urgente fazermos qualquer coisa por ela.

- Ão! - aprovou o Tim, como se estivesse a compreender.

Perante este desfilar de boas vontades, a tia Clara não pôde deixar de sorrir mais uma vez.

-Ora vamos lá a ver, meus filhos, qual é a vossa proposta. Sim, porque com a vossa imaginação, tenho a certeza que vão encontrar uma saída!

- E muito simples! - respondeu a Zé. - Se o problema é distrair a tua amiga, vamos visitá-la. O Tim, só por si, vai dar uma certa animação ao Solar quando.

- Quando se puser a vasculhar os bibelots do salão, a partir os objectos valiosos e a caçar ratos imaginários. completou a tia Clara, na brincadeira.

- Nada disso! - protestou a Zé, indignada. - Quando apresentar à Liliana o seu número de circo, vai fazê-la rir, de certeza.

- E nós também a vamos distrair - acrescentou o David. - Quando é preciso, também sei fazer de palhaço!

- Quando é preciso e quando não é - disse o Júlio, com malícia.

- Pela minha parte, posso ler histórias bonitas à sua amiga - prometeu a Ana. - Pode contar connosco, tia Clara!

A tia Clara olhava as crianças com um ar pensativo.

- De facto vocês podiam ir visitá-la - admitiu ela. Vou telefonar-lhe a fazer-lhe a proposta. Pode ser que assim afaste os pensamentos tristes, pelo menos numa parte do dia.

- Isso mesmo, tia clara! Vá já telefonar-lhe! - gritou a Ana.

- Está bem.

A tia clara levantou o auscultador, discou o número e a amiga Liliana não a fez esperar muito. As crianças, todas reunidas em volta da tia, esforçavam-se por ouvir a conversa. Até o Tim estava com atenção. Quando a mãe da Zé desligou o telefone, resumiu-lhes em poucas palavras a conversa que eles já tinham ouvido em parte.

-A Liliana não só aceita com prazer a vossa visita, como vos propõe, se estiverem de acordo, passarem alguns dias no solar dos Quatro Ventos. Assim, poderão levar um pouco de alegria e animação até lá. Como se trata de um acto de caridade, dou-vos de boa vontade a minha autorização. E vocês não dizem nada?

- Formidável! - gritaram em coro os quatro primos.

- Ão - manifestou-se o Tim por seu lado. No dia seguinte, logo após o almoço, os Cinco apanharam um autocarro que os deixou, a eles e às suas bicicletas, próximo da casa da Liliana.

O Solar dos Quatro Ventos era uma grande construção de aspecto severo, construída numa falésia sobranceira ao mar.

- Que vista maravilhosa! - notou a Zé, aproximando-se. - Reparem! Até se vê a minha ilha no horizonte!. Vamos, Tim, e vê se te portas bem. Chegámos. Que grande porta! E de campainha, nem sombras. Júlio, vê lá se chegas a essa corrente. Deve estar ligada a um sino.

O Júlio puxou a corrente. Pouco depois, a grande porta abriu-se, rangendo nas dobradiças, e apareceu uma senhora baixinha, gorducha e sorridente que acolheu os visitantes.

-Boa tarde, meus meninos! A senhora está à vossa espera. Oh! Que bonito cão! Olhem, está a estender- me a pata! - enquanto conversava, conduzia-os através de um parque bastante bem tratado. - Eu chamo-me Alice. O meu marido, o Luís, ajuda- me a tratar do solar. Ah, cá estamos nós!

O seu aspecto jovial e a sua tagarelice e amabilidade contrastavam felizmente com as paredes espessas e os tectos sombrios da casa. Sempre atrás da Alice, os Cinco atravessaram uma grande sala de entrada e percorreram um corredor para chegarem, finalmente, a uma grande sala ricamente mobilada, com grandes janelas sobre o oceano.

Uma mulher jovem levantou- se e dirigiu-se a eles.

-Bom dia, Zé! A tua mãe foi muito simpática em ter-vos deixado visitar uma solitária como eu. Estes devem ser os teus primos: o Júlio, o David e a Ana. O Tim já é meu conhecido!

Os primos, um pouco intimidados pelo aspecto etéreo e frágil da Liliana, cumprimentaram-na cada um por sua vez. Mas a dona da casa depressa os pôs à vontade, servindo-lhes um belo lanche, que os Cinco saborearam com prazer.

Depois de comerem, a Alice convidou-os a subir ao primeiro andar, onde tinha preparado dois quartos contíguos: um para os rapazes e o outro para as raparigas e o cão. Depois, deixou-os instalar-se.

Logo que se apanharam sozinhos, começaram a trocar as suas impressões.

- A Liliana tem um ar tão triste! - exclamou a Ana, a primeira. - Até parece que faz esforço para sorrir.

- Mas não só triste - rectificou a Zé. - Também preocupada.

- Temos de descobrir o que é que a preocupa - disse o Júlio. - Se ela não nos disser, não podemos ajudá-la.

- O melhor que temos a fazer é perguntar-lhe - retorquiu o David prontamente.

O Júlio abanou a cabeça.

- Que grande esperteza! Isso não se faz! Estás a imaginar-nos a perguntar à amiga da tia Clara: Parece muito triste. O que é que a preocupa? Inteligentes como nós somos vamos resolver-lhe os problemas num abrir e fechar de olhos!

A Zé e a Ana desataram a rir e o Tim a ladrar. O David encolheu os ombros.

- Quando lhe digo que lhe vamos perguntar, claro que não quero dizer que lhe vamos fazer perguntas assim directas, preto no branco. Podíamos levantar discretamente algumas questões, arriscando algumas insinuações bem pensadas...

- De certeza que não vai ser fácil fazê-la confiar-nos os seus problemas - suspirou a Zé -, mas mesmo assim podemos tentar.

Mas afinal de contas, os Cinco não precisaram de muita diplomacia para conseguirem os seus intentos. Ao fim da tarde, as circunstâncias proporcionaram que tudo fosse mais fácil.

Durante a tarde, a própria Liliana foi mostrar-lhes o Solar dos Quatro Ventos. Estava de uma simpatia sem limites, mas continuava com o seu ar preocupado e frágil. Toda ela respirava mistério. Os quatro primos não sabiam como haviam de levar a conversa para o assunto que lhes interessava, sem se mostrarem indiscretos.

O jantar desenrolou-se numa atmosfera pesada. Era mais que evidente que a Liliana se esforçava por parecer divertida. E quanto mais ela tentava mostrá-lo, tanto mais paralisadas e tristes as crianças se sentiam, contrariamente ao habitual.

E foi uma tempestade, que surgiu de repente, que foi indirectamente resolver aquela situação embaraçosa. A Alice tinha acabado de servir e a Liliana e os convidados passaram à sala.

- Querem que eu toque alguma coisa? - propôs a Liliana, dirigindo-se para o piano de cauda.

Nesse instante, ouviu-se um estrondo enorme, que até fez estremecer a sala. A Liliana apanhou um valente susto e deixou-se cair num sofá.

- Oh, meu Deus! - murmurou ela, muito pálida.

- Foi apenas um trovão - observou a Zé surpreendida.

-Eu sei... Mas é mais forte que eu. As tempestades impressionam-me sempre.

Através da janela aberta, viram um relâmpago cruzar o céu negro. A Liliana deixou escapar um grito.

- Não tenha medo! - disse a Ana, sentando-se junto dela e acariciando-lhe timidamente a mão.

A Liliana apertava-lhe a mão com força e dirigiu-lhe um sorriso trémulo. Entretanto, a tempestade aumentava rapidamente.

Passado pouco tempo, os trovões eram quase contínuos. A Liliana tinha levado um lencinho à boca e rasgava-o com os dentes, num gesto quase inconsciente. Não havia dúvidas de que estava à beira de uma crise de nervos.

De repente, as luzes apagaram-se: alguma avaria de electricidade, como tantas vezes acontece durante as tempestades. Mas a Alice, que estava a pé, entrou na sala com uma vela na mão e acendeu os grandes candelabros do piano. Uma claridade amena iluminou a sala e a doméstica retirou-se.

A Zé teve uma lembrança. Levantou-se e anunciou em tom declamatório de artista de circo:

- E agora que as luzes da ribalta se acenderam, permitam-me, meus senhores, que vos apresente o ilustre artista, o famoso cão Tim!

O Tim pôs-se imediatamente de pé assente nas patas

traseiras, e começou a bambolear-se. A Liliana olhava o animal divertida.

- Senhor Tim, cumprimente as pessoas - continuou a Zé.

O cão inclinou-se solenemente.

- Aqui tem um lenço, senhor Tim! Vá entregá-lo à pessoa mais bonita da assistência.

O Tim agarrou o lenço e foi depositá-lo nos joelhos da Liliana que esboçou um sorriso pálido.

Animada com o sucesso da sua iniciativa a Zé incitou o cão a fazer mais algumas acrobacias engraçadas, que conseguiram divertir a Liliana. A pouco e pouco esquecia-se da tempestade. Para terminar, a Zé ordenou:

- Há aqui um rato, senhor Tim! Está aqui! Agarre-o! E enquanto dizia isto, atirou para a carpeta o lenço feito numa bola.

Foi então que o Tim, inteligente como é, deu o seu melhor. Como se compreendesse que era absolutamente necessário tirar a Liliana do seu marasmo, desatou a fazer uma mímica incrível. Atirando-se ao lenço como se de um rato verdadeiro se tratasse, rebolou no chão com ele, fingiu que o ia estrangular, deixou-o fugir, voltou a apanhá-lo, ladrou-lhe, atirou-o ao ar e, por último, aparou-o com o focinho... e fingiu cair morto como se o adversário, no último momento, lhe tivesse dado aquele golpe fatal.

Entrando no jogo, a Zé, o Júlio, o David e a Ana puseram-se todos em volta do cão.

- Pobre Tim!

- Um herói infeliz!

- Sucumbiste, vítima da tua coragem!

- Ah, se ao menos pudéssemos ressuscitar-te!

A Zé tirou um pedaço de açúcar do bolso e pô-lo no focinho do herói. Ele abriu um olho, depois o outro, esticou a língua, apanhou o açúcar e de repente levantou-se e, com a cauda a dar a dar, foi cumprimentar a Liliana. Ela, que ria a bandeiras despregadas, não se cansava de o aplaudir.

Entretanto, a tempestade tinha amainado. A electricidade voltou e a Liliana foi apagar as velas. Depois voltou a sentar-se no sofá, deixou decorrer um momento em silêncio e, com uma voz um pouco hesitante, começou:

- Meus amigos, vocês devem ter achado a minha atitude estranha e ridícula. Pensaram que eu tinha medo da trovoada? Não, não foi isso. O problema é que eu sou impressionável... Exageradamente impressionável. Os meus nervos são frágeis... Ainda há pouco, estive em pânico, quase à beira da crise... Vocês descontraíram-me, fizeram-me rir.

Agradeço-vos muito.

Entusiasmadas, as crianças esperavam a continuação. Eles sabiam que os acontecimentos os tinham aproximado da Liliana, criando uma espécie de intimidade. As palavras que ela tinha pronunciado serviriam de preâmbulo a outras confidências mais importantes? Era o que esperavam.

- Vocês são encantadores - continuou a Liliana. – E creio que simpatizam comigo. A vossa atitude desta noite reconfortou-me. Devo-vos uma explicação para o meu nervosismo exagerado... Venham cá, sentem-se aqui ao pé de mim.

Os quatro primos e o cão sentaram-se em semicírculo na carpeta.

- Eu gostaria - começou ela, hesitante - que vocês não troçassem de mim. Vou confiar-vos o que me atormenta em segredo. Tal como eu mandei dizer à tua mãe, Zé, realmente passam-se aqui coisas estranhas... coisas... incríveis. para as quais eu não encontro explicação.

Parou bruscamente com o olhar fixo no desenho da carpeta, como que mergulhada em pensamentos.

- Mas que coisas são essas? - perguntou o David a meia voz.

- Oh! - exclamou ela, agitada. - Coisas absurdas... Acontece-me, por exemplo, ouvir vozes impossíveis de localizar, barulhos sem causa aparente, ou uma música. Até chego a ver sombras a escapar-se nos corredores. Uma vez cheguei a ver um rosto colado contra a janela do meu quarto. E quando a fui abrir. já lá não estava ninguém!

Os Cinco trocaram olhares significativos. Afinal, sempre havia acontecimentos misteriosos a esclarecer. A menos que a Liliana.

Como se lesse os pensamentos deles, a jovem acrescentou:

- Para vos ser franca, eu já nem sei se vejo e ouço essas coisas ou se as invento. O meu meio- irmão, o Frederico, depois de lhe ter falado nisto, aconselhou-me a consultar um psiquiatra amigo dele. Mas eu nunca mais me resolvo. O facto é que - acrescentou ela, como se falasse para si própria -, não me parece que esteja. louca!

Levantou a cabeça e dirigiu-lhes um olhar vago e perdido.

- O que é que se passará comigo ou à minha volta? perguntou ela. - Serei vítima da minha imaginação ou de uma realidade que me ultrapassa?

A Zé e os primos também faziam a si mesmos essa pergunta, mas de momento só lhes restava continuar a ouvir.

Por isso, limitaram-se a acalmar a jovem e a convencê-la a descansar um pouco mais.

- Têm toda a razão - suspirou ela, levantando-se. Vou deitar-me. Fez-me bem desabafar com vocês. Jovens como são, tenho a certeza que me compreendem. Mas, afinal de contas, o que pensam vocês a meu respeito?

Foi a Zé que se encarregou de responder com o seu à-vontade habitual, mas escolhendo cuidadosamente as palavras.

- É provável que os nervos lhe preguem partidas. Pode ser que sofra de. alucinações. Mas isso vai passar, tenho a certeza. Além do mais - acrescentou ela, sorrindo -, a nossa estada aqui vai ajudá-la a afastar esses pesadelos. Não é verdade, Tim? - perguntou ela, virando-se para o cão e puxando-lhe as orelhas.

Era preciso levantar a moral à Liliana e era o que eles iam tentar fazer! Nada mais.

O dia seguinte era um sábado. A manhã foi agradável. Depois de uma noite bem passada, a Liliana estava mais calma e quase sorridente. Enquanto ela fazia uma aguarela no terraço sobre o mar, a Zé, os primos e o cão foram brincar às escondidas para os corredores intermináveis do solar, onde os gritos e as risadas faziam ecos estrondosos.

À hora do almoço, a Liliana recebeu uma chamada do Frederico Majeau.

- O meu irmão vem a caminho - informou as crianças.

- Já o avisei de que tenho visitas. Ele vem passar o fim-de-semana connosco, só se vai embora amanhã à noite. Vocês vão gostar dele, tenho a certeza. Ele sabe lidar com jovens!

Quando o Frederico chegou, o seu aspecto surpreendeu um pouco os primos. Tinham-no imaginado mais velho e autoritário. Mas não, devia ter entre trinta e quarenta anos. Era alto, bem constituído e de ombros largos. O rosto quadrado e os óculos de lentes grossas davam-lhe o aspecto de homem de negócios. Mas o sorriso aberto e o riso estridente tiravam-lhe todo o aspecto grave.

Depois de ter cumprimentado a Liliana, voltou-se para as crianças.

- Ora vivam! - saudou ele com jovialidade. - Foram muito simpáticos em ter vindo fazer companhia à minha irmã. Como é que te chamas? - perguntou ele, dirigindo-se à Ana.

- Ana.

- Ana? Um nome muito bonito!. E estes três matulões?. Zé, Júlio e David?.

Mas a Liliana rectificou com um sorriso:

- A Zé não é um rapaz, Frederico! É a filha da minha

amiga Clara.

- Não é um rapaz? - perguntou o Frederico, espantadíssimo. - Eu até pensei que era gémeo daquele! - e apontava para o David.

- Somos da mesma idade e somos parecidos - disse a

Zé.     

- Pronto! Não devo ter sido o primeiro a enganar-me. murmurou o Frederico.

- Claro que não! - disse o Júlio, rindo. - E também não vai ser o último!

Mas a Zé não desgostava de ser confundida com um rapaz. Ela gostava tanto de o ser! Até ficou a simpatizar mais com o Frederico pelo engano. Mas não podia deixar de notar que ele parecia estar envergonhado com o erro que cometera.

Estava um pouco tenso e deixava transparecer que, no fundo, não devia ser sempre tão acessível.

Depois do almoço não aconteceu nada de especial. A Liliana parecia feliz com a visita de Frederico, que fazia os possíveis por distraí-la. Depois do chá foram todos dar um passeio a pé pela estrada à beira do desfiladeiro. Mais tarde, o jantar reuniu os hóspedes do Solar dos Quatro Ventos à volta de uma mesa bem guarnecida. Naquela noite os Cinco foram para a cama satisfeitos com o belo dia que tinham passado.

- Tenho a impressão de que nunca tivemos umas férias tão sossegadas! - dizia o David ao Júlio, enquanto se enfiava na cama.

Esta afirmação ia ser desmentida quando, por volta da meia-noite, um grande grito de terror acordou os dois irmãos... Grito esse que a Zé e a Ana também ouviram.

Ainda estremunhada, a Ana perguntou:

- O que foi isto?

O grito repetia-se. A Zé dirigiu-se para a porta, seguida pelo Tim.

- Vêm do quarto da Liliana!

A Ana correu atrás da Zé. No corredor, encontraram-se com o Júlio e o David.

- Depressa! Por aqui! - gritaram os rapazes. O quarto dela era mesmo ao fundo do corredor. Quando lá chegaram, os Cinco encontraram o Frederico que vinha, todo vestido, a subir as escadas à pressa.

- Estava a ler na biblioteca - explicou ele. - Quem é que deu estes gritos?

- Acho que foi a sua irmã - respondeu o Júlio. O Frederico correu para a porta.

- Liliana! Liliana! - chamava ele enquanto batia.

E ouvia-se a voz da jovem, fraca e trémula:

- Esperem! Já abro!

Os Cinco olharam uns para os outros. Então ela fechava-se no quarto? No entanto, não era uma volta na chave que podia protegê-la de hipotéticos fantasmas ou da sua própria imaginação. Seria que ela receava qualquer coisa mais concreta?

- Os empregados não se levantaram! - notou o Júlio:

- Oh! Eles dormem num pavilhão, ao fundo do parque

- respondeu maquinalmente o Frederico. - Despacha-te Liliana! Abre depressa!

A porta abriu-se e a Liliana apareceu mais pálida que nunca, com uma camisa de noite bastante vaporosa. Muito fraca, parecia fazer esforço para não desmaiar. O Frederico amparou-a pelos ombros.

- Liliana! Mas afinal o que é que aconteceu?

- Teve algum pesadelo? - sugeriu a Zé.

- Não. Não me parece. Foi muito real. Estava quase a dormir quando fui desperta por um pequeno ruído. Qualquer coisa a roçar junto da janela. Olhei. e vi.

E desmaiou. O Frederico levou-a até junto dum sofá, onde ela se deixou cair.

- O que é que viu? - perguntou o David.

A solicitude das crianças era tão evidente que a ela nem lhe passou pela cabeça julgá-los indiscretos. Pelo contrário, respondeu-lhes espontaneamente:

-O que vi?. Uma aparição medonha. Uma figura horrenda. dum demónio. que se agitava, com os cabelos ao vento, enquanto raspava os meus vidros. como se esti vesse a tentar entrar. Foi então que eu gritei. e. aquilo desapareceu de repente.

Ainda a irmã não tinha terminado a frase e já o Frederico corria à janela e a abria. O David e a Zé imitaram-no. Mas por mais que se esforçassem por ver qualquer coisa estranha, apenas viram uma noite calma, as estrelas serenas e o reflexo da Lua no oceano. Só se ouvia a folhagem sacudida pelo vento.

O Frederico voltou para junto da Liliana e dirigiu-lhe um olhar piedoso:

- Sonhaste.

- Não, não! Garanto-te que ainda não estava a dormir!

- protestou ela. - Vi muito bem. aquilo, tal qual vos descrevi.

- Não havia nada lá fora - assegurou a Zé. A jovem levou a mão à cabeça, num gesto desesperado.

- Será que estou mesmo a perder a razão? - murmurou ela.

Então, todos se esforçaram por tranquilizá-la e confortá-la.

- Se quiser - propôs a Ana -, a Zé e eu podemos passar o resto da noite aqui consigo.

- De modo nenhum! Não sou medrosa a esse ponto! Até lamento ter gritado, mas... não consegui evitar - dizia ela a tremer. - O Frederico deve ter razão. Devo ter adormecido sem dar por isso e acordei com um pesadelo.

A Ana insistiu para que a jovem bebesse pelo menos um copo de leite quente para depois voltar a deitar-se. O Frederico e as crianças saíram nas pontas dos pés.

- Vou ficar a ler na biblioteca - decidiu o Frederico. Assim, se a Liliana precisar de alguma coisa, estou a postos.

Parecia preocupado e o Júlio não pôde deixar de lhe perguntar:

- Acredita mesmo que a sua irmã foi vítima de um pesadelo?

Ele hesitou e respondeu, encolhendo os ombros:

- Não sei bem. Para ser franco, a Liliana traz-me preocupado. Ela pensa ver e ouvir coisas que só existem na imaginação dela. Isso vai além dos sonhos maus. Por vezes

- acrescentou ele -, pergunto a mim próprio se ela não estará a enlouquecer. como a mãe!

Lançou um suspiro profundo e disse ainda, como se falasse consigo próprio:

- Mas porque é que ela se recusará a consultar um psiquiatra? Conheço um muito bom que podia ajudá-la.

Abanou a cabeça e pareceu voltar à realidade.

- Vamos, meninos! Voltem para a cama! Espero que o resto da noite seja calma!

E de facto assim foi. Mas os quatro primos tiveram dificuldade em adormecer. Havia uma frase do Frederico que não lhes saía da cabeça: Oxalá a Liliana não esteja a enlouquecer, como a mãe!

O dia seguinte era domingo e prometia ser magnífico. A Liliana e o Frederico passearam pelo parque e as crianças entretiveram-se com um jogo que o Luís desencantou para eles.

- A Liliana está mais pálida do que habitualmente - reparou o David, enquanto fazia uma jogada.

- Não admira, depois duma noite daquelas! - respondeu a Zé.

- O irmão tem todos os cuidados com ela - disse a Ana. - Reparem! Acomodou-a lá em baixo, à sombra das árvores, e agora foi buscar-lhe uma capa e um livro.

- Eles não são nada parecidos - notou o Júlio.

- É normal - disse o David. - Não são filhos da mesma mãe.

- A propósito de mãe - recomeçou o Júlio -, sabias que a da Liliana era. louca, Zé?

- Não - respondeu a Zé. - Fiquei muito admirada; quando o Frederico se referiu a isso esta noite. É curioso que a mãe nunca me tenha falado nisso. Mas hei-de perguntar- lhe mais pormenores. Se a pobre senhora tinha alucinações, isso explica que a filha também as possa ter.

Mas todos se sentiam um pouco incomodados. Até o Tim não estava normal: o animal, inteligente como era, sentia o mal-estar. Porém, o domingo passou sem que nenhum inci dente tivesse acontecido.

À noite, como estava previsto, Frederico foi-se embora para voltar aos seus negócios. Abraçou a irmã ternamente e voltou-se para os Cinco com um sorriso nos lábios:

- Fica confiada a vocês! - disse. - Distraiam-na.

A Zé seguiu o carro que se afastava. Depois aproveitando o facto de Liliana se ter retirado cedo, confidenciou aos primos.

- Ouçam! Esta história da loucura familiar e talvez hereditária, cheira-me a esturro. Além disso, tenho uma certa desconfiança em relação ao Frederico. As coisas que faz e diz parecem-me um pouco exageradas. Vocês já sabem que eu tenho uma certa intuição.

- Isso é verdade! - exclamou o David, sempre pronto a concordar com a Zé. - Esse tipo não é muito natural! E nem lhe fica bem dizer que a irmã é pirada!

- David! - disse o Júlio. - Cuidado com a linguagem!

Eu não achei o Frederico antipático.

- Simpático ou não - decidiu a Zé -, vou telefonar à mãe. Quero ficar tranquila.

O Júlio, o David e a Ana apressaram-se a seguir a prima enquanto ela se dirigia para a mesa onde estava o telefone. Entusiasmada, a Zé discou o número dos pais. O Tim, ao lado dela, seguia-lhe todos os gestos.

- Está lá? Mãe? És tu? Estás boa. E o pai. E á Maria?... Óptimo! Nós também, não estejas preocupada! Ah! Em relação à Liliana é que já não posso dizer o mesmo.

E a Zé resumiu muito rapidamente os acontecimentos. Depois, interrompendo as exclamações da mãe, acrescentou:

- Mãe, quero fazer-te uma pergunta. É verdade que a mãe da Liliana era louca?

Enquanto a tia Clara respondia do outro lado do fio,

o Júlio, o David e a Ana faziam todos os possíveis por conseguir perceber. Mas tiveram de esperar pelo fim da chamada para satisfazer a curiosidade. Quando a Zé desligou, os olhos dela faiscavam.

- O Frederico Majeau mentiu - informou ela. - A mãe  conheceu muito bem a família da Liliana. A segunda mulher      do senhor Majeau, portanto a mãe da Liliana, não era louca!

Era, pelo contrário, uma pessoa muito sensata, que morreu muito jovem num desastre de avião.

- Ora aí está! - exclamou o David.

- Como vêem, tinha razão para desconfiar - disse a Zé.

- Mas porque é que o Frederico terá mentido? - perguntou o Júlio. - É uma história sem pés nem cabeça.

- Mas não há dúvida que aqui há coisa... - afirmou o David. - Eu bem dizia que o tipo não me agradava!

- Mas não tem cara de... de... fafa... - declarou a Ana.

- De facínora, queres tu dizer! Digamos que tem um sorriso bonito - admitiu a Zé. - Mas também reparei que o sorriso era só dos lábios... Os olhos nunca perdiam aquela expressão glacial.

- Oh, lá, lá! - exclamou o Júlio, duma maneira cómica. - Lá vem a Zé com as suas desconfianças... É um lobo mau disfarçado de cordeirinho!

- Também não digo isso! - respondeu a Zé com dignidade. - Mas não se esqueçam que ele nos mentiu, tentando fazer-nos acreditar na sua mentira. Resta saber com que intenção!

- Bom, mas agora já é tarde, vamos deitar-nos. Pode ser que a noite nos aclare as ideias!

Infelizmente, muito antes do dia romper, tiveram um novo alerta...

Desta vez, foi uma porta que, ao bater, os acordou em sobressalto. Depois, um ruído de passos no corredor fez ladrar o Tim. A Zé e a Ana saltaram da cama. Ao mesmo tempo, o Júlio e o David fizeram o mesmo. Num abrir e fechar de olhos, encontraram-se todos no corredor. Foi então que viram, a meio caminho entre o quarto dela e o seu pequeno grupo, a Liliana que, descalça e toda a tremer na sua camisa de noite azul, lhes lançava um olhar esgazeado.

- O que é que aconteceu? - perguntou a Zé, correndo para ela.

- Uma voz. uma voz. - balbuciava a jovem. - No meu. quarto.

- Acalme-se! - aconselhou a Ana, com doçura.

- Uma voz! No seu quarto? - repetiu o Júlio.

- Quem era? - perguntou o David, prático.

- Não. não sei! Fui acordada por uma voz que me sussurrava palavras. terríveis ao ouvido.

- Que palavras? - insistiu o David.

A Liliana ainda tremia mais... Entretanto, dominoupara responder, desta vez quase pausadamente:

- Ouvi claramente diversas vezes: Estás a enlouquecer! Estás a enlouquecer! Oh! É horrível. E não estava ninguém ao pé de mim!

A Zé pegou-lhe na mão e, resolutamente, dirigiu-se para o quarto da jovem.

- Vamos ver! - disse. - Se algum brincalhão lhe quer fazer uma partida, vai ter de se haver connosco!

Todos a seguiram, sem saber o que pensar. Nem a própria Zé acreditava na possibilidade duma brincadeira de mau gosto. Quem é que, nos Quatro Ventos, se lembraria de se meter debaixo da cama ou atrás dos cortinados da Liliana para a assustar a meio da noite?

A Zé não via nem a Alice nem o Luís Kel nesse papel. E o Frederico não estava lá. Mas mesmo assim queria ir ver com os seus próprios olhos. Ou a Liliana tinha tido uma alucinação auditiva.

Enfim, era preciso ver!

De facto, os quatro primos puderam verificar que não havia ninguém no quarto da Liliana. O vento tinha refrescado a noite e a jovem, antes de se deitar, tinha fechado a janela, que ainda continuava fechada. Portanto, ninguém podia ter saído por ali.

Com gestos precisos, o Júlio e o David abriram todas as portas e viram debaixo da cama. Mas o resultado foi nulo. A Zé, de sobrolho carregado, dirigiu-se à Liliana, que ainda estava a tremer:

- Se esteve aqui alguém, teve de sair atrás de si.

- É impossível. Eu teria visto. Além disso, lembro-me de ter fechado a porta.

-E nós saímos logo dos nossos quartos. Também o teríamos visto!

- Conclusão! - murmurou o David. - Não esteve aqui ninguém!

Esta observação foi seguida de um profundo silêncio. As crianças olhavam a Liliana, que passava a mão pela cabeça.

- Temos de admitir - suspirou ela, tristemente - que desta vez foi fruto da minha imaginação. Não havia pessoa nenhuma. Já começo a acreditar que estou mesmo a enlouquecer!

A Zé foi a primeira a reagir. Aquela ideia mexia com ela e foi muito clara ao declarar:

- Eu tenho a certeza que você não tem nada de louca. A prova disso está na própria maneira como fala. como duvida do seu bom senso.

- Toda esta história me ultrapassa - confessou o Júlio por seu lado. - Mas deve haver uma explicação que é preciso encontrar.

- Claro - disse o David. - Quando não se percebe um truque, tem de se desmontar o seu mecanismo.

-Entretanto, devia deitar- se, Liliana - interrompeu a Zé. - Está frio e se adoecesse então seria o fim.

A simpatia das crianças sensibilizou tanto a jovem que até lhe vieram as lágrimas aos olhos. Quando os dois rapazes retiraram, a Zé e a Ana instalaram-se em dois sofás à cabeceira dela e ali ficaram. Finalmente, a Liliana adormeceu e o resto da noite decorreu sem incidentes.

No dia seguinte de manhã, o Sol fez subir em flecha o moral de todos. A Liliana e os Cinco estavam reunidos à mesa do pequeno-almoço quando o Frederico Majeau telefonou.

O telefonema fez cair por terra o frágil equilíbrio que a jovem conseguira. Com efeito, quando relatou os acontecimentos da noite ao seu meio-irmão, este insistiu vivamente para que ela fosse consultar o seu amigo psiquiatra. Ela prometeu ir pensar no assunto, agradeceu ao Frederico e desligou.

- Estão a ver? - disse ela às crianças. - O Frederico nem sequer tenta esconder a sua preocupação. Está convencidíssimo que eu estou a perder a razão.

Estava muito pálida. A Zé protestou, tal como na véspera, mas ainda com mais insistência:

- Não acredito em nada disso - exclamou ela. - A princípio, quando aqui chegámos... pensei que o sofrimento a tinha desnorteado momentaneamente... Oh! Desculpe a empressão!

A Liliana esboçou um sorriso e, fazendo um gesto com a mão, convidou-a a continuar.

- Mas agora que já a conhecemos melhor, que já a ouvimos falar, agir, raciocinar - continuou a Zé -, tenho a certeza que é absolutamente sã de espírito!

- Entretanto.

- Entretanto, passam-se aqui coisas anormais - completou o Júlio.

- E isso é que nos aflige! - afirmou o David.

- Nós gostamos muito de si e não a deixaremos enquanto estiver nesse estado - afirmou a Ana, com carinho.

A Liliana sorriu e, pressionada pela Zé, acabou de beber o seu café com leite e de comer as torradas com manteiga.

Depois do pequeno-almoço e com o pretexto de ajudar a Alice a lavar a loiça, as crianças foram à cozinha. Alice era uma boa cozinheira, simpática, mas um pouco grosseira. Os quatro primos, decididos a esclarecer o mais possível o mistério que pairava no Solar dos Quatro Ventos, tinham resolvido interrogá-la na esperança que lhes dissesse tudo o que sabia.

E, de facto, a Alice não se cansava de tagarelar.

-Oh, sim! - disse ela. - Já estou ao serviço da senhora há muitos anos. E o meu homem também. A senhora é muito boa! Tem sempre uma palavra amiga, aconteça o que acontecer!

- Ela deve ser muito rica. - insinuou o David.

-Acho que sim! O senhor deixou-lhe uma grande fortuna. Meu Deus! Um homem de negócios como ele, que tinha fábricas na Inglaterra e na Escócia. Ah! O que não lhe deve faltar é dinheiro!

- Ela nunca teve filhos, pois não? - perguntou a Ana.

- Não, coitadinha! E bem gostava de os ter tido! Agora está sozinha no mundo, praticamente sem ninguém.

- Oh! - exclamou o Júlio. - Talvez volte a casar.

- Não, não me parece. Gostava tanto do marido. Nunca mais foi a mesma.

Foi então que a Zé teve uma ideia. E perguntou, com ar de quem não dá grande importância à pergunta:

- Se lhe acontecesse alguma fatalidade, quem é que herdaria a fortuna?

A resposta foi imediata:

- O senhor Majeau, claro! É a única pessoa de família que resta à senhora. Se ela.

Luís Kel entrou na cozinha naquele preciso momento e interrompeu a conversa. Lançou-lhe um olhar de censura e disse, enquanto punha um cesto com legumes em cima da mesa:

- Falas pelos cotovelos. E vocês não estão aqui a fazer nada.

Envergonhados, os Cinco retiraram-se da cozinha.

- Não gostei nada da maneira como ele nos falou - protestou o Júlio.

- É muito menos simpático que a mulher - disse a Zé.

- Mas que bela maneira de nos pôr a andar da cozinha

- disse o David.

- Chega! - exclamou a Zé. - A Alice também já não tinha nada para nos dizer. O mais importante já estava dito.

- E o que ela nos disse merece ser reflectido - concluiu o Júlio.

Olharam uns para os outros. O Tim, com o focinho um pouco inclinado, parecia, também ele, ter um olhar interrogador.

-Vamos discutir isto um pouco mais para longe - propôs o David.

- Isso mesmo! - aprovou a Zé. - Uma voltinha por aí talvez nos areje as ideias. e ninguém nos ouvirá.

Os Cinco foram pela estrada pouco frequentada ao longo da falésia, sobranceira ao mar. Para ficarem ainda mais sossegados, abandonaram-na e desceram alguns metros da falésia. O David sentou-se no chão e convidou os outros a imitá-lo.

- Vamos então discutir! - começou ele. - Os fantasmas imaginários da Liliana e as revelações da Alice fazem-me lembrar uma história sombria que li no ano passado. Aliás até há um filme baseado nessa história intitulada As Sombras do Demónio.

- Eu vi-o! - gritou a Zé. - Era a história dum homem que tinha casado com uma mulher com uma fortuna fabulosa e que estava ansioso por herdá-la. Foi horrível! Envenenava-a lentamente, um pouco em cada dia, e lamentava-se a todo o instante de a ver piorar.

- Mas onde é que está a relação? - murmurou a Ana,

abrindo muito os olhos. - Não estou a ver.

O Júlio deu-lhe uma palmadinha no ombro, com ternura.

- Pois eu vejo muito bem. - disse ele. - A Zé

e o David dão mais uma vez largas à sua imaginação e inventam as coisas mais mirabolantes.

- Que coisas? - perguntou a Ana.

- Ora bem. Eles pensam que o Frederico se parece com esse homem na pressa de herdar, mas que em vez de envenenar a irmã tenta enlouquecê-la.

- Mas o Frederico não pode ser responsável pelas visões da Liliana! - protestou a Ana. - E carinhoso como ele é para ela, não acredito que lhe queira mal!

- Isso é outro assunto! - murmurou o Júlio. - Não me inspira lá muita confiança. Não sei bem porquê.

- É tão atencioso para a irmã. - insistiu a Ana.

- Achas? - disse o David. - Não se cansou de a pressionar a consultar um psiquiatra. Isso equivale a convencê-la que está completamente chalupa!

- Isso mesmo! - confirmou a Zé. - Além do mais, Júlio, os factos estão bem à vista, não podes negá-los: Frederico é o herdeiro da Liliana.

- Queres tu dizer que se a Liliana morresse ele arrecadava toda a fortuna! E acreditas que, como no filme...

- Agora és tu quem está a exagerar! Não sejamos tão pessimistas. O Frederico não está a planear um assassinato! Mas se a Liliana enlouquecer ou, pelo menos, for julgada como tal (e a Zé acentuou estas últimas palavras), é certamente ele quem ficará com a gestão da fortuna.

Os quatro primos discutiram durante muito tempo. À força de muitas voltas darem ao problema, chegaram a esta conclusão: ou a Liliana estava de facto chalupa (como dizia o David), ou o irmão era um sujeitinho que queria que ela enlouquecesse para se apropriar dos seus bens.

- Temos de esclarecer isto! - declarou a Zé enquanto se levantava e sacudia as calças de ganga. - Temos de fazer os possíveis por descobrir a verdade o mais depressa possível.

Depois foi a vez do Júlio se levantar e suspirar:

- Se o Frederico é mesmo culpado, como é que ele fará para provocar as alucinações da irmã?

Ninguém respondeu. Em silêncio, retomaram o caminho de regresso. Até o Tim parecia preocupado. Foi a Ana a primeira a romper o silêncio:

- Repararam que as alucinações da Liliana tanto acontecem quando o Frederico está em casa como quando não está.

A Zé, o Júlio e o David sobressaltaram-se.

- Bem observado, Ana! - gritou o Júlio. - Assim o Frederico fica de fora e o problema simplifica-se. Já devia ter pensado nisso.

- Calma! Não exageres - interrompeu a Zé. - Não tires conclusões precipitadas. Nem parece teu! O Frederico pode muito bem ser o instigador da fraude, se é que a há. E, nesse caso, deve ter um cúmplice bem colocado.

- Um cúmplice?. Sim, talvez - admitiu o Júlio. Mas quem?

- A honestidade da Alice é mais que evidente - disse o David. - Já o mesmo não digo do Luís. Lembram-se como ele cortou a palavra à mulher quando ela nos estava a fazer confidências?

- E como nos pôs a andar dali para fora - acrescentou a Zé.

- Eu também acho que ele não tem bom ar! - afirmou a Ana. - E fui dar com ele a olhar para a Liliana duma maneira estranha.

- E não podemos esquecer que ele tem livre acesso a todo o lado, uma vez que acumula as funções de motorista e de empregado - sublinhou o David.

- Isso mesmo! - murmurou o Júlio, pensativo. - Seja como for, temos de estar bem atentos.

O passeio foi agradável e todos ficaram satisfeitos.

Mas, à noite, a Liliana perdeu a boa disposição e as crianças aperceberam-se de que os medos dela tinham voltado. Iria ser uma noite calma ou, pelo contrário, turbulenta como a anterior?

Quando os Cinco foram para os quartos, a Zé e a Ana foram bater à porta dos rapazes.

-Então o que é que decidimos para esta noite? perguntou a benjamim.

- É simples - respondeu o Júlio, que já tinha estado a pensar no assunto. - Vamos organizar rondas. Dois de nós vamos vigiar silenciosamente os corredores, verificar se tod as as portas e janelas estão fechadas e guardar o quarto da Liliana. Passadas duas horas vão os outros dois. E vamos fazer assim durante toda a noite.

- Ainda bem que temos as lanternas! - notou o David.

- Quem começa? - perguntou a Zé, sempre prática.

- Tu e o David, se quiserem. Costumam fazer equipa

disse o Júlio, sorrindo. - A seguir vamos nós, eu e a Ana.

- Ão! - fez o Tim, em tom de reprovação. A Zé desatou a rir.

-Tem calma, Tim! Não nos esquecemos de ti.

Virás connosco.

- Vamos dar tempo para a Liliana e os empregados

se deitarem - aconselhou o Júlio. - Enquanto estamos à espera, proponho uma partida de cartas para matar o tempo.

Depois do jogo, a Ana e o Júlio deitaram-se enquanto a Zé, o David e o Tim começaram a sua ronda silenciosa. Mais tarde, o Júlio e a irmã substituíram-nos.

Mas nessa noite não aconteceu nada. Não houve o mais pequeno incidente no Solar dos Quatro Ventos. E se, pela manhã, os Cinco estavam um pouco menos frescos que habitualmente, a Liliana, pelo contrário, levantou-se em boa forma.

Muito feliz, afirmou que já não dormia tão bem há muito tempo. Esta afirmação foi uma recompensa para os Cinco.

Para compensar a noite mal dormida, decidiram ir até à praia, onde fizeram uma bela soneca, estendidos no areal.

À hora do almoço, o Frederico telefonou para saber notícias da irmã. Esta garantiu-lhe que há muito não se sentia tão bem.

Depois do almoço, e enquanto o Luís levantava a mesa, a jovem propôs aos seus convidados:

- Se quiserem, podemos ir dar um passeio a pé. Aqui perto há uma série de florestas que pertencem ao solar. Gos tava de vos mostrar uma clareira donde partem atalhos repletos de flores. Até podiam fazer raminhos! Tenho a certeza que vão gostar do passeio.

Os Cinco puseram-se a caminho, satisfeitos. O Tim corria à frente do grupo, dando escapadelas para a direita e para a esquerda, como era seu hábito. Parecia que a Liliana tinha esquecido momentaneamente os problemas e até achava graça às brincadeiras das crianças.

Uma vez na clareira, ela convidou-os a sentarem-se no chão, ao pé dum carvalho. Era um local muito pitoresco e ouvia-se o chilreio de aves por toda a parte. Passados minutos, a Zé, que não gostava de estar inactiva, propôs que fossem jogar ao esconde- esconde.

- Acho bem, Zé! - aprovou a Liliana. - Vão jogar! Eu fico aqui à vossa espera.

- Isso não! - gritou a Zé. - Também vem jogar connosco. Venha!

O David e a Zé puxaram cada um uma mão da jovem e obrigaram-na a levantar-se. E ela cedeu, rindo muito.

O jogo começou e a jovem até parecia ter rejuvenescido. Corria como os outros e o seu ar enfraquecido tinha desaparecido completamente.

- Descobri-te, Júlio! Que dizes a isto?

- Que é tão rápida como eu. ou mais ainda! - respondeu o Júlio, no fundo um pouco envergonhado.

- Agora és tu a tapar os olhos!

Ele encostou-se a uma árvore, tapou os olhos com o braço e começou a contar:

-Um, dois, três, quatro...

Entretanto, os outros empenhavam-se em encontrar um esconderijo nas matas das redondezas. Quando chegou a cem o Júlio começou a procurar. De repente, um riso abafado chamou-lhe a atenção para uma moita onde a Zé se esforçava por segurar o Tim. O cão fazia tudo para se libertar: tinha vislumbrado um coelho e estava mais interessado em ir atrás dele do que estar a jogar ao esconde-esconde.

- Cuidado, Zé - gritou o Júlio. - Apanhei-te! A prima levantou-se dum salto, prestes a fugir. Mas tanto ela como o Júlio ficaram estáticos quando se ouviu um grito de terror a alguma distância dali, para a esquerda. No mesmo instante, o David e a Ana saíram dos seus esconderijos perplexos.

- Quem é que gritou? - perguntou o David.

- A Liliana, claro! - respondeu a Zé. - Depressa! Para ali...

O Tim foi o primeiro a descobrir a Liliana. As crianças foram ter com eles. Encontraram a jovem estendida no chão, ao pé dum grande carvalho, com os olhos fechados, muito pálida. O Tim cheirava os cabelos dela e gania com tristeza.

- Está morta! - exclamou a Ana, apavorada.

- Isso pensas tu! - disse o Júlio. - Está só desmaiada! A Zé já estava ajoelhada ao pé da Liliana e batia-lhe nas faces, até que a jovem deu acordo de si.

A princípio o olhar dela era vago, depois olhou para as crianças e, de repente, um clarão de terror passou pelos seus olhos.

- O. o gorila! - articulou ela com esforço. - Já não está aqui?

Levou as mãos ao pescoço e fez um trejeito de dor. Os quatro primos olharam-se, surpreendidos.

- O gorila? - repetiu o David. - Qual gorila? Aqui

não há gorilas. Não terá sonhado?

- Não, não . Foi horrível! Ele queria estrangular-me!

A Zé também ia argumentar quando se apercebeu de que o Tim estava a farejar à volta do carvalho e rosnava. Não era de forma alguma a atitude dum cão na pista dum coelho. O que é que estaria a cheirar?

A Zé voltou-se para a Liliana:

-Conte-nos tudo o que lhe aconteceu, por favor - pediu ela, com carinho.

- Eu. eu ia esconder-me atrás do tronco deste carvalho, quando ouvi um barulho em cima da minha cabeça, na folhagem. Levantei os olhos e vi. um gorila.

- Um gorila? - sussurrou a Ana, que nem queria acreditar no que ouvia.

- Pois. um macaco muito grande, com olhos brilhantes. Depois, saltou do ramo e veio agarrar-se ao meu pescoço. Gritei e. não me lembro de mais nada. Com certeza que fugiu quando vocês aqui chegaram.

Os Cinco ficaram como que emudecidos. Liliana olhava-os bem nos olhos e com uma voz que bem exprimia a sua angústia murmurou:

- Vocês não acreditam no que vos estou a dizer, pois não? Pensam que estou. louca?

- Isso não! O que nós pensamos é que precisa de descansar. Vamos para casa! Apoie-se em mim e no Júlio.

Antes de se afastar do local da agressão, o David disse muito baixinho à Ana:

- Empresta-me o teu espelho pequeno.

- Para quê?

- Pchiu! Dá cá.

A Ana, que era muito vaidosa, tinha sempre um espelhinho com ela. Deu-o ao David.

O rapaz voltou atrás rapidamente e enterrou o espelho pela metade ao pé do carvalho.

- Porque é que estás a fazer isso? - perguntou a Ana.

- Mais tarde logo compreenderás! Anda depressa ter com os outros!

O regresso fez-se em silêncio. A jovem parecia estar a recuperar as forças, mas continuava perdida em pensamentos. Quanto às crianças, trocavam de soslaio olhares consternados ou inquietos. A história do gorila parecia-lhes um bocado difícil de engolir e estavam de novo com o mesmo problema: estaria a Liliana perturbada ou seria vítima duma maquinação?

Quando chegaram aos Quatro Ventos, os Cinco explicaram simplesmente à Alice que a Liliana tinha desmaiado no caminho, certamente porque o passeio tinha sido demasiado cansativo para ela. A Alice correu logo para junto da jovem e ajudou-a a deitar-se. Ela, entretanto, adormeceu.

Claro que à hora do jantar ela não desceu. A Alice levou-lhe a refeição e as crianças não foram sequer vê-la ao quarto, a pedido dela.

- É evidente que ela não está interessada em discutir connosco esta história do gorila! - resmungou o Júlio.

- Acreditas que ela tenha sonhado? - perguntou a Ana.

- Pois eu estou convencida que esta história não tem nada a ver com imaginação! - arriscou a Zé. - Não repararam como o Tim farejava à volta daquele carvalho? Quanto mais penso nisso mais convencida fico que ele estava a farejar o intruso. Não é verdade, Tim?

- Ão! - respondeu o cão.

-É verdade! - disse o David. Eu também ando

a farejar o intruso. E vou fazer-vos uma proposta. E se nós voltássemos lá àquele lugar para fazermos uma inspecção?

- Impossível! - suspirou o Júlio. - Como é que vamos

agora descobrir o lugar exacto? Todos os carvalhos da floresta são iguais.

- Mas eu providenciei para que pudéssemos encontrar aquele donde desceu o gorila! - replicou o David, muito orgulhoso. - Eu cá tenho cabecinha!

- E modéstia também!

- Nada de discussões! - cortou a Zé. Não é a altura mais própria. Se vamos pôr-nos a caminho, quanto mais depressa, melhor.

- Também acho. Vamos pôr- nos a andar - aprovou o Júlio.

Os Cinco iam a sair quando a campainha do telefone, seguida dum chamamento da Alice, os fez voltar atrás.

- Zé! É a sua mamã!

A Zé correu para o telefone. A mãe queria saber notícias deles e da sua amiga Liliana.

- Está doente e de cama?

- Está, mãe.

- Escuta! Passa-lhe o telefone! Depois, espera. quero falar contigo.

A Zé passou a chamada para o quarto da jovem. Passados momentos, voltou a falar com a mãe.

- Zé! Eu e o teu pai vamos já para aí. Parece-me que a Liliana precisa de ser confortada. Além disso, quero assegurar-me que a vossa estada aí não a perturba. Se assim fosse, vinham imediatamente para Kirrin, nem que tivéssemos de fazer duas vezes a mesma viagem esta noite!

A Zé desligou, com um ar consternado. Postos ao corrente da situação, os primos não se cansavam de se lamentar.

- Lá se foi a nossa investigação na floresta!

- Coitada da Liliana!

-Deixar o Solar assim, sem termos descoberto

o mistério!.

A Zé reagiu:

- Chega! Ainda não nos fomos embora. Tenho quase a certeza que a Liliana vai insistir para ficarmos. Resta aguardar!

Passado pouco tempo, chegaram os pais da Zé. Enquanto a mãe foi directamente ao quarto da amiga, o tio Alberto conversou um bocado com as crianças, mergulhando depois na leitura dum jornal.

Os Cinco não tinham outra saída senão aguardar o veredicto. Finalmente, a tia Clara desceu, com um ar satisf

- Afinal encontrei a Liliana muito melhor do que pensava - declarou ela.

- E afirmou-me que vocês a distraíam imenso. Assim sendo, já não se põe a questão de voltarem connosco.

Os quatro primos trocaram olhares de regozijo. De certeza que a Liliana não tinha dito uma palavra sequer sobre os acontecimentos estranhos de que o Solar dos Quatro Ventos vinha sendo palco. e muito menos falara na história do gorila. Pronto, tudo tinha corrido pelo melhor!

Quando os pais da Zé se foram embora, já era noite cerrada. O Júlio fez uma careta.

-Como é que vamos encontrar a clareira nesta escuridão?

- Oh! - exclamou a Zé. - O Tim guia-nos.

- E eu tenho a certeza que vou reconhecer o carvalho - assegurou o David.

- Vamos então! - concluiu a Ana.

Sem o Tim, nunca os Cinco - se bem que munidos de lanternas - conseguiriam avançar na floresta naquela escuridão. Consciente da sua importância, o cão guiou-os até à clareira.

- Bom! - disse o Júlio. - Já cá estamos! Mas agora o

faro do Tim já não nos pode servir para nada. A brincar ao esconde-esconde, andámos a correr de um lado para o outro. Agora é impossível orientarmo-nos.

- E mesmo assim eu vou encontrar o carvalho do

gorila, vais ver! - afirmou o David. - Olha, tu encostaste-te à árvore quando começaste a contar, não foi?

- Foi. E depois fui por aqui. onde descobri a Zé e o Tim na moita.

- E o grito vinha deste lado! - acrescentou a Ana. Enquanto falavam, as crianças avançavam por um estreito carreiro da floresta.

- Deste lado! - repetia o David. - Foi mais ou menos aqui que encontrámos a Liliana desmaiada ao pé do carvalho.

O feixe luminoso da sua lanterna pôs-se a varrer lentamente o solo.

- Era melhor iluminares as árvores lá em cima! - aconselhou a Ana.

- Nem penses! Olha só!

No cone de luz, acabava de surgir, rente ao chão, uma espécie de ponto luminoso.

- Cá está o carvalho, anunciou o David triunfante. Abaixou-se para apanhar, ao pé da grande árvore, o espelhinho que a irmã lhe emprestara.

- Estão a ver? - perguntou ele. - Qualquer pedaço de espelho é um óptimo ponto de referência na noite. É só iluminá-lo um pouco e ele aí está a brilhar. É cem dúvi melhor que uma marca de giz ou um ramo partido, que são invisíveis de noite.

Até o Júlio parecia impressionado.

- Então parabéns!

- Mas então, já descobrimos o carvalho! - disse a Zé, ansiosa por passar à acção. - O que vamos fazer agora? Subimos para o vermos mais de perto?

- Boa ideia!

Enquanto o David e a Ana os iluminavam de baixo, o Júlio e a Zé treparam sem pressas, examinando os ramos da folhagem à medida que subiam.

- Ah! - disse bruscamente o Júlio. - Está aqui um ramo partido. E aqui outro. E aqui mais um! Não há dúvida que esteve aqui alguém sentado nesta ramificação. Homem? Gorila? Isso é que é mais difícil adivinhar. Seja como for, esteve aqui um ser vivo há pouco tempo.

A Zé aproximou-se do primo. Depois de ter dado uma olhadela nos ramos partidos, levantou a cabeça e olhou mais para cima. De repente, descobriu qualquer coisa no tronco da árvore. Estendeu a mão e, com uma exclamação de alegria, apanhou um pequeno tufo de pêlos pretos.

- Se é um ser humano, deve ser bem peludo - disse ela, com ironia.

Desceu da árvore energicamente, seguida do primo.

De cabeças coladas, os quatro primos examinaram então a descoberta da Zé. Não havia sombra de dúvida: era na realidade um tufo de pêlos.

- O gorila! - murmurou a Ana, muito pálida. - Então a Liliana não tinha sonhado!

- Sim, ela falou verdade! - declarou o David. aqui está a prova de que ela não é louca.

A Ana lançou então um olhar apavorado às imediações.

- Se calhar ele ainda anda por aí. perto de nós! balbuciou ela.

- Não me parece - acrescentou a Zé. - O Tim já tinha farejado. Além do mais, não acredito que exista algum gorila. Reparem melhor nestes pêlos.

O Júlio pegou em dois ou três e examinou-os com cuidado.

- Estás a ver onde eu quero chegar? - perguntou a Zé.

-Estes pêlos são brilhantes, regulares, iguaizinhos aos outros, limpíssimos... e novos se é que posso exprimir-me assim.

- Claro que podes! Isto não são pêlos de um animal, mas dum postiço em material sintético.

- O quê? - gritaram o David e a Ana em coro.

- Isso mesmo! - afirmou a Zé. - O gorila não é mais que um homem disfarçado de macaco. O falso gorila deve ter vindo para aqui, para estes ramos, depois de ter vigiado a Liliana e ter visto em que direcção ela vinha.

- E depois? - murmurou a Ana.

- Depois, quando ela passou por debaixo dele, deixou-se cair, para a assustar. E desapareceu.

- Então é mesmo uma maquinação - concluiu o Júlio.

- Quanto mais penso nisto, mais desconfio do Frederico:

- Não és só tu! - acrescentou a Zé. - De qualquer forma, ainda não temos provas contra ele. Antes de o acusarmos, ou mesmo de comunicarmos as nossas desconfianças a alguém, é preciso termos certezas.

- Tens razão. Vamos continuar a investigar! De volta aos Quatro Ventos, os Cinco, apesar do cansaço, organizaram novas rondas nos corredores do solar.

Por volta das três horas da manhã, quando a Zé e o David, já ensonados, se preparavam para ir acordar a Ana e o Júlio para os renderem, o Tim começou de repente a ladrar. Depois, correu como uma flecha para uma escada em caracol que havia no fundo do corredor. Desatou a subir a grande velocidade e desapareceu. Os dois primos correram atrás dele.

Tinham subido apenas três ou quatro degraus, quando ouviram uma porta chiar por cima das suas cabeças. Subiram ainda mais depressa.

Ao cimo da escada em espiral, encontraram o Tim a ladrar desalmadamente em frente duma porta fechada, que eles em vão tentaram abrir: estava fechada à chave.

- Vamos descer depressa! - murmurou a Zé. - Vamos falar com a Liliana.

- Mas ela está a dormir.

- Dizes tu! Com esta balbúrdia toda!

Ao fundo da escada, a Zé e o David chocaram com o Júlio e a Ana, que iam ver o que se passava. A Liliana entreabriu a porta.

- O que é que aconteceu? - perguntou.

- Fomos. fomos acordados pelo Tim a ladrar - expli cou a Zé com vivacidade, sem entrar em pormenores. Subiu estas escadas em espiral.

- Oh! Essas escadas! Vão ter ao sótão. Com certeza era um rato.

- Nós subimos atrás dele - precisou o David. - A porta do sótão estava fechada à chave. Por isso, ele não pôde apanhar o. hum. rato!

- Fechada à chave? - Liliana escancarou os olhos

de surpresa. - Nem sequer sabia que essa porta tinha chave! Sempre esteve aberta. Não há lá nada de jeito.

- Peço desculpa por o meu cão a ter acordado! - interrompeu a Zé, que não estava interessada em continuar a conversa.

Os quatro primos desejaram um bom resto de noite à

jovem e foram para o quarto dos rapazes. O David e a Zé puseram então os outros ao corrente da porta do sótão a qual foi depois fechada à chave por um desconhecido invísivel e misterioso.

- Esse indivíduo tinha de ser descoberto pela nossa vigilância - disse o David. - Se o Tim não tivesse denunciado a presença dele, se calhar passávamos por ele sem o vermos.

- Ele tinha más intenções? - sugeriu a Ana, assustada.

- Com certeza que andava a planear uma nova incursão contra a Liliana - disse o Júlio. - Temos de reforçar a vigilância, está visto!

Enquanto os primos discutiam, a Zé, perto da porta aberta, não perdia de vista o fundo da escada de caracol, que ela conseguia ver de viés. Quando o Júlio e a Ana saíram para fazer a sua ronda, declarou:

- Das duas uma. Ou a pessoa que subiu ao sótão saiu por outro lado. ou então será obrigado a passar pela escada de caracol. Vou pôr o Tim a dormir no vão das escadas. Assim, se houver novidade, ele vai dar o alerta.

- Porquê esperar? - propôs o David. - Forçamos a porta. Nós os quatro.

- Nem pensar! - cortou o Júlio. - No caso de estar lá alguém, é muito perigoso. O indivíduo pode estar armado... nós não estamos. Além do mais, se não estivesse lá ninguém, com isso só íamos acordar a Liliana e assustá-la.

-Mas se o Tim não ladrar de noite, não poderemos forçar a porta do sótão amanhã de manhã? - perguntou a Ana.

- Claro que sim! - respondeu o Júlio. - Com o Luís em casa, o perigo será muito menor. Mas tenho a certeza que amanhã já lá não está. se é que ainda lá está.

- Tanto pior! - disse a Zé. - De certeza que vamos encontrar vestígios da sua passagem. O que talvez seja suficiente para descobrirmos a identidade do.

- Do homem-gorila? - avançou a Ana.

- Digamos. da pessoa que se anda a divertir a fazer papel de espantalho!

Conforme o combinado, feita a última ronda da noite, os Cinco subiram ao sótão. O Tim não tinha ladrado e a empregada ainda estava a dormir.

-A porta ainda está fechada à chave - verificou o David, depois de ter feito várias tentativas vãs para a abrir.

- E como o Tim não deu qualquer sinal de agitação, o nosso espantalho ainda lá está. ou escapou-se por outra saída! - disse o Júlio. - Sai daí, David! Vou ver se consigo abri-la.

O Júlio era habilidoso. Com a ajuda da sua faca, conseguiu abrir a porta.

O Tim foi o primeiro a entrar no sótão. e sem parecer nada inquieto.

Com efeito, as crianças encontraram a grande sala, com tectos baixos e com duas pequenas janelas, perfeitamente deserta.

Uma pequena corrente de ar fresco fê-los levantar a cabeça. Foi então que viram uma lucarna aberta.

- Ora aí está! - suspirou o David. - O nosso homem escapou-se pelo tecto! Para descer, bastou-lhe servir- se do cano que evacua as águas da chuva.

Irritada, a Zé olhou à sua volta. Não viu senão caixas velhas e uma pilha de grandes cartões cuidadosamente atados. A camada de poeira que os cobria provava que ninguém lhes tocava há já muito tempo.

A Ana fez uma careta e exprimiu o seu pensamento com esta imagem:

- O homem desta noite dissipou-se como fumo . E não deixou rasto! - acrescentou ela com um suspiro.

-Estás enganada - replicou a Zé friamente. deixar rasto, ele deixou. Mas. negativo, infelizmente!

- O que é que queres dizer? - perguntou o David.

- Oh! Já sei! - gritou o Júlio, que tinha vistoa Zé examinar o soalho atentamente. - Não há pó no chão.

- É verdade - confirmou o David. - Quando o escondeu aqui, devem ter ficado grandes marcas dos pés dele no chão. Ele pensou que essas marcas o podiam trair, por isso, antes de fugir, apagou-as varrendo o chão.

- E vejam só o que lhe serviu de vassoura! - disse a Ana, mostrando um lenço todo sujo de pó. - Encontrei-o mesmo agora atrás daquela mala.

- Resumindo - murmurou a Zé -, não estamos melhor informados do que estávamos antes.

-Não é bem assim! - notou o David. - Se este espantalho de meia tigela achou que era melhor apagar as pegadas, porque o podiam denunciar. é porque não é desconhecido para nós.

- Tens razão! Nós devemos conhecê-lo! - disse a Zé.

- E isso leva-nos a três pessoas: a Alice, que nós eliminámos, o Frederico, que está ausente. mas que podia ter voltado em segredo, e o Luís, de quem suspeitamos bastante e que anda por aí.

Os Cinco deixaram o sótão, fechando a porta atrás de si. Claro que não disseram uma única palavra à Liliana sobre o que tinham descoberto. Mas logo a seguir ao pequeno-almoço foram para a praia, dizendo que iam dar um mergullho:

Na verdade, só queriam uma coisa: dormir a sono solto para compensar a noite mal passada. Estenderam-se na areia quente e adormeceram quase instantaneamente.

Ao meio-dia, as crianças acordaram fresquinhas... à excepção do Tim que não estava nada bem-disposto.

- Então, Tim, ainda vens a dormir? - perguntou a Zé a rir.

A Liliana recebeu os seus convidados com um ar bem disposto.

-Depressa! Para a mesa! A Alice hoje presenteou-nos com um prato que não vos digo nada. Vocês já vão ver: para sobremesa, temos farófias com caramelo!

- Óptimo! - gritaram os gulosos, todos em coro. O Tim foi o único que não fez alarido. De repente começou a cambalear e esforçava-se para não cair.

- O que é que tu tens? - exclamou a Zé. - Uma insolação ou quê?

Aflita, pegou no cão ao colo e levou-o à cozinha, onde a Alice lhe tinha preparado uma óptima papa e colocado ao lado de uma tigela de água fresca.

Acontece que o Tim, que geralmente tinha ùm apetite devorador, se afastou da comida com um ar enjoado e tentou beber um pouco de água. Mas mal deu o primeiro gole, começou a vomitar valentemente, caindo depois para o lado a ganir e a gemer.

A Zé ficou muito inquieta.

- Tim! Tim! O que é que tu tens?

- Com certeza está doente - declarou o Júlio. Deve ter comido alguma porcaria enquanto nós dormíamos na praia.

O cão recomeçou a vomitar. A Alice apressou-se a limpar a sujidade e a Liliana, atraída pelas exclamações das crianças, veio ver o que acontecera. O Tim tinha os olhos mortiços e respirava com dificuldade.

- Vai morrer! - dizia a Zé, assustada. - Tem o corpo a arder.

As lágrimas chegaram-lhe aos olhos. Ela, tão corajosa, geralmente com tanto sangue-frio, estava agora em pânico.

A Liliana tomou conta do assunto.

- Júlio, vai telefonar depressa a um veterinário - disse ela. - A lista está ao pé do telefone. Diz-lhe que é urgente. Alice, enrole o cão num cobertor: não podemos deixá-lo arrefecer. E traga-me água morna.

Enquanto o Júlio corria para o telefone, os outros diziam:

- Oxalá chegue a tempo! - suspirou a Zé. Quando o médico chegou, examinou o Tim, aprovou o que lhe tinham feito e deu-lhe uma injecção para o coração. Finalmente, declarou.

- Penso que está livre de perigo. mas à justa. Devem continuar a mantê-lo quente, se possível com botijas, e dar-lhe, com intervalos regulares, água com estes comprimidos desfeitos. Vigiem-no durante toda a noite e mandem-me chamar ao menor alerta. Mas estou convencido que não haverá problema. Amanhã de manhã já deve estar melhor. Depois deixem-no dormir até ele querer e comecem por lhe dar pouca comida. Só depois é que vão aumentando as doses. E não se esqueçam de me manter informado.

Quando o veterinário saiu, as crianças levaram o Tim para o quarto das raparigas e a Zé anunciou que não ia deixá-lo por um instante.

- Isso é muito bonito! - disse o David, prático. - Mas acho que a doença do Tim vai perturbar as nossas rondas nocturnas.

Os olhos da Zé faiscaram.

- Era precisamente essa a ideia quando envenenaram o meu cão - disse ela, cerrando os punhos de raiva. - Se ponho as mãos em cima do malvado que fez isto ao animal.

- Isso, isso! - cortou o Júlio. - Ele há-de pagar em relação às nossas rondas, o David tem razão. Como nos vamos organizar esta noite?

- Ainda por cima - acrescentou a Ana com a sua voz doce -, se de facto envenenaram o Tim para nos fazer abandonar a ronda, é porque vão agir de novo, e bem depressa.

- Nada vai impedir que façamos a ronda! - afirmou a

Zé energicamente.

- O Tim vai desculpar-nos, mas vamos estar bem alerta.

- Qual é a tua proposta? - perguntou o David.

- Por sorte, os nossos quartos e o da Liliana são no mesmo andar. Em vez de circularmos por todo o solar, como é hábito, esta noite limitamo-nos a vigiar junto da nossa porta: primeiro, eu e a Ana, depois, tu e o Júlio. Assim, nunca deixamos o Tim sozinho, ficamos todos juntos... e mesmo assim vigiaremos a porta da Liliana e, ainda por cima; as escadas do sótão. Portanto, é o essencial!

- De facto, parece-me uma boa ideia - admitiu o Júlio.

- O teu plano agrada-me.

A tarde não foi lá muito agradável. O sofrimento do    Tim entristecia as crianças, a Liliana e a Alice. Até o Luís parecia estar com pena do cão.

A Zé murmurou:

- Quem sabe! Se calhar foi ele quem deu um alimento envenenado ao Tim.

- Mas quando? - perguntou a Ana. -Esta manhã, na praia, teríamos dado por ele. Não estávamos a dormir profundamente...

- Pode ter deitado uma bola para a praia, do alto da falésia.

- Ah! Se o Tim pudesse falar...

Pobre Tim! Não só não falava, como mal tinha força

para se queixar durante o seu sono febril.

A Zé não sabia se ele resistiria e fazia esforços desesperados para conter as lágrimas. Mas não parava de repetir a si própria que, se tinham reduzido o seu cão à impotência, era para facilitar um novo e próximo ataque à Liliana. A noite veio redobrar os seus receios.

A primeira ronda começou. Enquanto os rapazes descansavam no seu quarto, a Zé, sentada numa cadeira, diante da porta do dela, vigiava o corredor. A Ana estava junto do cão.

A Zé levava a sua missão muito a sério. A preocupação e a tristeza que ela sentia por causa do cão redobravam o ódio contra o inimigo invisível e reforçava a vigilância.

Tinha todos os sentidos alerta para captar o menor ruído e o menor movimento. Mas o longo corredor continuava vazio e silencioso, ainda que cheio de ameaças. Atrás da sua porta fechada, a Liliana já devia dormir. Parecia-lhe uma espera interminável. De tempos a tempos, a Ana deixava o Tim e ia trocar umas palavras com a prima, que eram sempre as mesmas.

- Não há novidade? - perguntava a Ana em voz baixa.

- Não, nada. Como está o Tim?

- Está a dormir e já não geme. Vais ver que ele vai melhorar.

E a vigilância recomeçava. De repente, quando a Zé lutava contra uma terrível sonolência, apurou o ouvido. Acabava de ouvir um som estranho, do outro lado do corredor. Escutou. Uma melodia surda e estranha atravessava as paredes... Alguém tocava piano em plena noite!

No mesmo instante, a porta do quarto da Liliana abriu-se com violência e a jovem, desgrenhada, com um ar desesperado, precipitou-se no corredor. Viu a Zé e correu para ela com os braços estendidos.

- Zé! Zé! - gritava ela.

Ouvindo todo aquele barulho, a Ana foi ter com a prima.

Depois foi a vez dos rapazes aparecerem. Ao verem a Liliana tão pálida e abatida, todos exclamaram em coro:

- Calma!. Nós estamos aqui!

- Mas afinal o que é que se passa?. Diga depressa! A jovem, ofegante e visivelmente apavorada, explicou com uma voz entrecortada:

- No meu quarto. um fantasma todo branco. Eu estava a dormir. Ele. ele acordou-me. isto é. fui acordada por uma música estranha. lúgubre. Abri os olhos e vi. o fantasma... Estava sentado à frente de um piano e tocava... Depois, voltou-se para mim. Olhou- me. E eu saltei da minha cama. corri para a porta. Oh! É terrível!

- Fique aí com a Ana e o Tim - cortou o Júlio com vivacidade. - Vamos ver o que se passa!

A Zé, o David e ele dirigiram-se apressadamente para o quarto da Liliana. Como já estavam à espera, no quarto não havia nem piano nem fantasma.

- Mas um piano não se esconde sem mais nem menos, como qualquer cidadão comum - disse o David meio aliviado, meio sério.

- A Liliana deve ter sonhado - sugeriu o Júlio. A Zé reagiu com violência:

- Sabes bem que não! - gritou ela. - De certeza que desta vez não sonhou mais que da outra, com a história do gorila. Era um macaco a fingir, mas apesar de tudo sabemos que era um macaco. Agora também deve haver uma explicação qualquer.

-Alguém que se enrolou num lençol para fingir que era um fantasma e assustá-la - sugeriu o David. - E deve ter escapado por uma porta secreta.

- Com o piano às costas? Tem juízo! - exclamou a Zé.

- O piano é que me está a intrigar. É um bocado grande de mais para acessório.

- Tudo era mais compreensível se o fantasma tivesse tocado pianola - acrescentou o David, que nunca perdia uma ocasião de gracejar.

- Deixa de ser burro e põe os neurónios a funcionar! resmungou o Júlio. - Aqui tem de haver truque.

-De certeza. Ora vejamos! Vamos inspeccionar bem todos os cantos! - propôs a Zé.

Mas os três primos bem sondaram as paredes, o soalho até o tecto, mas não encontraram nem passagem secreta, nem rastos suspeitos. O mistério continuava impenetrável.

Um pouco desiludidos, mas apesar de tudo ainda convencidos de que alguém tentava enlouquecer a Liliana ou, pelo menos, fazê-la passar por louca, dirigiram-se para o quarto das raparigas.

- Escute, Liliana! - disse o Júlio muito convicto.

Você está tão sã de espírito como qualquer um. Mas tem de encarar a realidade. Alguém. quer fazer-lhe mal. Estamos convencidos disso.

- É verdade - apoiou a Zé. Já é tempo de a pormos

ao corrente de certas coisas que nós descobrimos. Pensávamos vir a descobrir o mistério e contar-lhe tudo no fim, mas os acontecimentos estão a precipitar-se e o mais urgente é que se tranquilize quanto ao seu estado mental.

-Quanto à história do gorila, fique a saber que não sonhou - começou o David.

- Era um homem disfarçado! - revelou a Ana. Pausadamente, os quatro primos explicaram à Liliana o que tinham descoberto e como tinham sido levados a acreditar que a jovem era vítima de uma macabra maquinação. Só não revelaram a natureza das suas desconfianças.

Mas embora fossem detectives hábeis, as crianças não eram boas diplomatas. A Liliana, que recuperara o sangue-frio e escutara atentamente o relato, pôs-lhes imediatamente duas questões:

- Porque haviam de montar uma maquinação contra mim?E de quem é que vocês suspeitam?

Sentada na cama da Ana e acariciando distraidamente a cabeça do Tim, que dormia, ela fixava os primos um a um.

Estes, de joelhos, bem tentavam fugir ao olhar dela, mas Liliana não lhes permitiu qualquer evasiva.

- Tenho a certeza que vocês têm suspeitas precisas - disse ela. - Quero que me digam tudo. Tenho a maior confiança em vocês. São meus amigos e... entre amigos não há segredos...

A Zé olhou-a, hesitante.

- Mesmo que esses segredos possam magoá-la?

- perguntou ela timidamente.

- Claro! - respondeu a Liliana. - Reparem... Qualquer verdade é preferível à ideia que eu fazia de mim própria.

Que devia estar a enlouquecer!

- Está bem - disse o David. - Então vai saber tudo.

Um após outro, todos eles lhe contaram o que lhes ia na cabeça. Por fim, a Zé declarou:

- Temos vergonha de desconfiar do seu próprio

irmão, mas ele é o seu único herdeiro e... a única pista lógica de que dispomos...         

A jovem, que ouvira os seus amigos sem os interromper, apressou-se a pô-los à vontade.

- Agradeço-vos sinceramente que me tenham dito tudo isso! - afirmou ela. -E não estejam arrependidos! Na realidade, não me magoaram. O Frederico é apenas meu meio-irmão e, embora seja a minha única família, nunca me entendi muito bem com ele. Quando éramos pequenos, estava constantemente a pregar-me partidas e não hesitava em mentir para eu ser castigada em vez dele. Esforçava-me por gostar dele, mas a verdade é que me era muito difícil. Apesar de tudo, tenho-lhe uma certa afeição e, a meu ver, ele não é culpado. Enfim. Isto é. Por vezes, tal como vocês, cheguei a pensar que... Hesitava. A Ana pegou-lhe carinhosamente na mão.

- Incomoda-a a ideia de ele ser assim tão mau, não é? Mas não se esqueça de que não temos certezas. E talvez também estejamos enganados em pensar que o Luís é cúmplice dele.

- Mas se admite a culpabilidade dos dois homens - cortou o Júlio -, então explica-se facilmente tudo o que tem acontecido. à excepção de alguns pormenores de encenação, se assim se pode dizer!

A Liliana suspirou. O Tim espreguiçou-se, abriu um olho e, quando viu a Zé, pareceu tranquilizar-se e voltou a adormecer.

- Acho que o vosso cão vai recuperar depressa - comentou a Liliana. E acrescentou baixinho: - Mas se foi o Luís que tentou envenená-lo. nunca hei-de perdoar-lhe!

Estava absorta nos seus pensamentos. Agrupadas à volta dela, as crianças também permaneciam caladas, respeitando a sua meditação. Por fim, ela lançou um novo suspiro.

- O Frederico! - murmurou ela, como se falasse consigo própria. - É certo que ele às vezes me olha com um ar hostil que me faz medo. Se na verdade é ele o ser diabólico que maquinou tudo isto contra mim.

Não acabou a frase. A Zé pôs-lhe a mão no ombro:

- Ainda bem que o Frederico não é mesmo seu irmão e que não está muito ligada a ele. Com a sua permissão... podemos tentar desmascará-lo?

A Zé estava pouco à vontade. Tinha tanto medo de ma goar a pobre Liliana! Esta compreendeu e sorriu-lhe. Depois, levantando-se, abraçou carinhosamente as duas primas e deu uma palmada amigável nos ombros dos rapazes.

- Confio inteiramente em vocês - disse ela, quase com entusiasmo. - Nem teria coragem de chamar a Polícia quando se trata, ao que parece, de um assunto de família; Mas confio em vocês. Façam o que acharem melhor. Séja como for, graças a vocês, pude libertar-me dos meus receios. Agora que conheço o perigo contra o qual tenho de lutar, recuperei as forças.

- Óptimo! - gritou a Zé.

- E agora, o senhor fantasma não tem hipótese! - concluiu o David.

A Liliana regressou ao quarto cheia de coragem. Satisfeitas consigo próprias, as crianças retomaram os turnos de guarda. Mas não aconteceu mais nada naquela noite.

No dia seguinte, depois de terem dormido uma manhã - não na praia mas nos quartos respectivos -, já se sentiam recompostos. Agora que tinham revelado as desconfianças à Liliana e verificado que ela reagiu de modo satisfatório, sentiam-se mais aliviados. Além do mais, o Tim estava muito melhor. O moral dos quatro primos subia verdeiramente em flecha.

Durante o pequeno-almoço, a conversa desenrolou-se em geral sobre temas insignificantes. Nem a Liliana nem os seus jovens convidados se podiam exprimir livremente diante da Alice. Ao princípio da tarde, a Liliana retirou-se para tratar da correspondência. Um pouco desiludidos, os Cinco (o Tim embrulhado num cobertor e levado ao colo pela Zé) reuniram-se debaixo duma árvore do parque, longe dos ouvidos indiscretos.

- A Liliana não fez nenhuma alusão à noite passada! notou o David, com uma certa amargura. - Bem podia ter ficado connosco para discutirmos o assunto.

- Tenho a impressão que ela tem vergonha de desconfiar do meio-irmão - disse a Zé.

- Prefere não falar no assunto - sugeriu a Ana.

- Ou então duvida mesmo da culpabilidade do Frederico - avançou o Júlio.

- Para a convencermos, temos mesmo de desmascarar o tratante! - exclamou o David num tom melodramático que fez rir os outros.

- Também acho! - aprovou a Zé. - Temos de apanhá-lo

-lo com a boca na botija. Se acontecer qualquer coisa esta noite, temos de agir com a máxima rapidez. Que pena que o Tim não esteja operacional! Paciência! Ele está a recuperar tão rapidamente que podemos deixar de o vigiar e recomeçar as rondas com ele. É isso mesmo!

O resto do dia ocuparam-no com vários jogos. Não aconteceu nada de especial. A Zé telefonou ao veterinário, que pareceu ficar satisfeito com o estado do Tim. Tudo estava a correr pelo melhor.

À noite, antes de se ir deitar, a Liliana despediu-se das crianças sem fazer a menor alusão ao que se passara na noite anterior. Os primos olharam-se com tristeza.

- Não acham que ela está novamente a duvidar dela própria? - murmurou o David. - Vamos, Zé! Anda fazer a primeira ronda!

Durante duas horas, o David e a Zé percorreram o corredor em silêncio. À meia-noite, foram acordar a Ana e o Júlio que dormiam com o Tim no quarto dos rapazes. O David, depois de ter fechado maquinalmente a porta atrás dele, aproximou-se do irmão e sacudiu-o. - Levanta-te! É a tua vez!

A Zé, por seu lado, fez o mesmo à Ana. Tinha acabado de lhe pôr a mão no ombro quando foi sobressaltada por um grito.

- É outra vez a Liliana! - gritou ela. E, como uma flecha, precipitou-se para a porta. Quando os primos a alcançaram, estava ela a tentar abrir a porta do quarto, mas em vão.

- Bolas! - exclamou o David. - Está fechada por fora. Impossível ajudar a Liliana!

O Júlio correu para a porta que fazia comunicação entre o quarto dos rapazes com o das raparigas. Tal como a outra, uma mão misteriosa tinha-a fechado à chave.

- Esperem! - gritou o David. - Tive uma ideia! Voltou para a porta que dava para o corredor e, num ápice, assegurou-se que entre o soalho e a porta havia um intervalo suficientemente grande para caber um jornal. Depois, tirou dos bolsos, sempre atafulhados duma quinquilharia incrível, um pedaço de arame que introduziu na fechadura com todo o cuidado.

- Óptimo! A chave está na fechadura! Ana, passa-me essa revista!

Abriu-a, fê-la deslizar por debaixo da porta, tendo o cuidado de passar para o lado de lá um pedaço suficientemente grande. Depois, o engenhocas começou a empurrar a chave com o arame com todo o cuidado. Clac! Ouviram-na cair na revista que o David pusera no chão. Orgulhoso, puxou a revista e apoderou-se da chave.

- Abre depressa! - gritou a Zé. - Oxalá não tenha acontecido nada de grave à nossa amiga!

Claro que durante o tempo que eles levaram a libertar-se, tudo tinha voltado à normalidade. O corredor estava deserto e não vinha o menor ruído do quarto da Liliana. Os quatro primos apressaram-se a bater à porta. Ninguém respondeu. Júlio tentou então abrir a maçaneta, mas em vão: estava fechada à chave por dentro.

- Depressa, David! - ordenou o Júlio. - Faz outra vez o teu truque! Temos de ajudar a Liliana, custe o que custar!

Com gestos precisos, o David conseguiu recuperar a chave do quarto, tal como conseguira recuperar a outra. E, de repente, todos se precipitaram no quarto da jovem.

A Liliana estava caída no chão, desmaiada. As crianças tentaram reanimá-la imediatamente e deitaram-na na cama. A jovem começou a vir a si e abriu os olhos.

- O quê? - articulou ela, com um ar esgazeado. Depois, as pupilas dilataram-se-lhe de medo e murmurou, desta vez muito lúcida: - Foi horrível! Não aguento! Se soubessem o que eu vi.

- Que foi? - perguntou a Zé, cheia de curiosidade.

-Uma bruxa!... Num cabo de vassoura!... Não riam!... Apareceu-me, voando diante da minha janela. Andava de cá para lá, rindo de escárnio. Os olhos dela brilhavam na escuridão!

As crianças correram para a janela e espreitaram para fora. A janela era sobranceira ao mar e a pique. Ninguém podia ter subido até lá, isso de certeza. Mas então.

Percebendo que a Liliana recomeçava a duvidar do seu bom senso, a Zé disse-lhe:

- Tem de haver uma explicação lógica. Nunca foi tão evidente que se trata duma maquinação. Sabe que logo que a ouvimos gritar quisemos vir em seu auxílio, mas, encontrá mos a porta do nosso quarto fechada à chave? A mão misteriosa que me deu a volta à chave não foi certamente a dum fantasma. Foi a mão de um ser humano. que assim se traiu a si próprio.

A Liliana gemeu e fez um gesto de impotência:

- Oxalá vocês tenham razão! Mas a prova! A prova! A Zé franziu o sobrolho. O seu espírito inventivo entrevira uma solução.

- Escutem! - disse ela. - Tive uma ideia. O objectivo é desmascarar o seu inimigo - ou inimigos - com qualquer artimanha! Podemos tentar. desde que partamos do princípio que o Luís é um dos autores da maquinação. Se nos enganarmos, temos de começar tudo de novo e pronto!

- Tu falas, falas - interrompeu o David, com impaciência. - Mas afinal qual é a tua ideia?

- Tenho um projecto. É ainda um pouco vago. Esperem um bocado que estou a tentar organizar alguns pormenores na minha cabeça.

A Zé falava com uma tal convicção que todos ficaram em silêncio. A Liliana, também em silêncio, fixava-a com os seus grandes olhos ainda apavorados, mas onde se percebia uma esperança secreta.

Passado um momento de intensa reflexão, a Zé levantou a cabeça e sorriu.

- Ora aí está - anunciou ela. - Tenho um plano de acção. Vou contar-vos e vocês vão dizer-me se estão de acordo.

A astuciosa Zé falou durante bastante tempo. E deve ter conseguido persuadir os outros, porque no fim todos ficaram de acordo e resolveram agir como ela indicou.

No fim de tudo aquilo, o Tim e os Cinco passaram o resto da noite no quarto da Liliana.

A partir do dia seguinte, ao pequeno-almoço, os jovens detectives, segundo o plano da Zé, começaram a lamentar-se em voz alta, na presença da Alice, que fazia o serviço. Cada um esforçava-se por desempenhar o melhor possível o seu papel na comédia.

- Estou desolada - começou a Liliana -, por vos ter acordado com os meus gritos esta noite. Tive um pesadelo horrível! Essa bruxa que eu julguei ver na minha janela...

- No seu lugar, acho que morria de medo - disse a Ana.

- É evidente - continuou a Zé, mordendo os lábios que o Solar dos Quatro Ventos não é o local mais agradável para estar neste momento.

- É como a sua história do gorila! - suspirou o David.

- Confesso que sempre que penso nela me arrepio. O Júlio, entretanto triturava com os dedos um miolo de pão, completamente esquecido de beber o leite.

- É mesmo, Liliana! - disse ele, com um ar embaraçado. - Temos muita pena. mas. já é demais! Acho que. hum. acho que é melhor voltarmos para Kirrin!

- Eu compreendo! - replicou a Liliana, com um ar amargurado. - Não posso pedir-lhes que fiquem. Já foram muito amáveis em terem suportado tudo isto... todos os meus pesadelos.

           -Não é por nada afirmou a Ana. - Mas já começamos a ficar com medo.

- Principalmente por causa do Tim - continuou a Zé. 

- Alguém tentou envenená-lo. E, esta noite, fecharam-nos à chave no nosso quarto. Acho que vive aqui alguém que não gosta lá muito de crianças... nem de cães! Por isso, estamos na berlinda!

- Além do mais - acrescentou Júlio -, não podemos ficar eternamente em sua casa. Já atrapalhámos o bastante...

A Liliana suspirou:

- Não quero interferir... No vosso lugar, fazia o mesmo. Quando é que tencionam partir?

- Depois do almoço há um autocarro - disse a Zé. O Tim agora já está bom para fazer a viagem.

- É verdade - disse a Liliana, distraída. – Este cão restabeleceu-se com uma rapidez extraordinária.

Entretanto, a Alice levantava a mesa em silêncio.

Era evidente que ela não perdera uma única palavra de toda aquela conversa. De certeza que a ia contar ao marido. Pelo menos, as crianças assim o esperavam.

Durante a manhã, os Cinco estiveram no parque a fazer jogos, lançando sem cessar olhares receosos à sua volta.

A determinada altura, o Luís, que estava ali perto a arrancar ervas daninhas, aproximou-se.

-Então pequenos, é verdade que nos vão deixar em breve? A minha mulher é que me disse...

- É verdade - respondeu o David. - Garanto-lha que tinham de me pagar bem para eu passar mais uma noite em casa da senhora Hart.

O Júlio fez sinal ao irmão.

- David! Então!

O David pareceu arrependido e tentou desculpar-se atabalhoadamente.

- Quero dizer. este casarão está cheio de correntes de ar. Corre-se o risco a todo o tempo de apanhar uma constipação.

O Luís assumiu um ar trocista.

- Não será que vocês estão mas é com medo? - arriscou ele. - Oh! Não merece a pena negarem! A senhora Hart é muito amável, mas tem muitas alucinações e por vezes dá gritos que vos fazem gelar o sangue nas veias. Felizmente que eu e a minha mulher dormimos no pavilhão da entrada.

- E lá em baixo não ouvem nada? - perguntou vivamente a Zé. - Ou será que o senhor e a sua mulher têm o sono pesado?

O Luís riu-se.

- A Alice sim. Era preciso passar-lhe um comboio por

cima para a acordar. Enfim. Acho que fazem bem em ir embora. Alegres como vocês são. este solar lúgubre não é o local mais indicado para estarem.

- Vamos! - decidiu o Júlio, depois de dar uma olhadela ao relógio. - Vamos arrumar a tralha! É quase hora de almoço. Não podemos atrasar-nos.

Depois de terem arrumado os jogos na cabana das ferramentas, os Cinco (o Tim ainda um bocado cambaleante) dirigiram-se para os quartos.

- Vocês ouviram? - perguntou a Zé. - O Luís está satisfeitíssimo por nos irmos embora. A amabilidade dele é cada vez mais evidente. E eu consegui arrancar-lhe uma informação importante: a mulher tem o sono pesado.

- O que significa que sempre que ele se levanta para assustar a Liliana, ela não o sente - traduziu o David.

- É preciso não nos entusiasmarmos demasiado - aconselhou prudentemente o Júlio. - Não se esqueçam que por enquanto só temos hipóteses. Esperemos que esta noite passemos a ter certezas.

- Oxalá nós desmascaremos o ou os culpados, durante a nossa ausência! - acrescentou a Ana, com um ar malicioso.

Os quatro conspiradores olharam-se, sorrindo. O David resumiu a situação numa frase:

- Tens razão. Aos olhos do inimigo, a Liliana estará sozinha, à sua mercê. Mas na realidade, nós estaremos aqui. Os quatro!

- Ão! - fez o Tim, baixinho.

A Zé pegou-lhe ao colo:

- Os cinco! - rectificou ela.

Os jovens detectives só receavam uma coisa: que o plano falhasse. E se o inimigo não se manifestasse? E se eles se tivessem enganado nas suas conjecturas? Mas embora eles estivessem secretamente preocupados, nenhum tinha medo. Gostavam muito da Liliana e iam tentar tudo naquela noite.

O almoço não decorreu num ambiente muito divertido. As crianças tentaram atabalhoadamente desculpar-se por se irem embora. A Alice servia o almoço em silêncio. Só o Luís, por vezes, quando trazia pratos da cozinha, dificilmente escondia o brilho de contentamento dos seus olhos.

Depois, os Cinco despediram- se da sua hospedeira e deixaram o Solar dos Quatro Ventos apressadamente, quase envergonhados. Escondido numa esquina da casa, o Luís, com um sorriso nos lábios, seguiu-os com o olhar até desaparecerem atrás das grades do portão.

A Zé, os primos e o Tim chegaram à paragem de autocarro mais próxima e esperaram. Passado pouco tempo subiram para o autocarro e afastaram-se do Solar...

Porém, se o Luís os tivesse podido seguir, teria verificado com espanto que o pequeno grupo desceu na aldeia seguinte.

Uma vez lá chegados, foram até à praia dar um mergulho e dormir uma soneca ao sol.

Ás sete horas da tarde, fizeram um piquenique na areia: com o farnel que a Liliana lhes preparara às escondidas dos empregados.

Às oito horas, tomaram o autocarro no sentido inverso...       desceram na paragem antes do Solar dos Quatro Ventos!.

- E agora - declarou o Júlio -, vamos a isto! Temos de agir com prudência!

Os Cinco andaram um bocado pelas redondezas a fazer tempo até a noite cair. Só então se dirigiram para o solar. Abriram uma pequena porta lateral cuja chave a Liliana lhes tinha confiado e introduziram-se no parque...

Evitando o pavilhão onde o Luís e a Alice já se encontravam, o grupo dirigiu-se em silêncio para casa. A Liliana deu pela chegada deles e foi abrir-lhes a porta de entrada. Entraram silenciosamente. Depois, ela fechou a porta e pôs-lhe o ferrolho.

- Meus queridos amigos! - disse ela com emoção.

Cá estão vocês! Mas eu censuro-me a mim própria.

Não devia ter permitido isto. Receio que venham a correr perigo.

- Nós somos cinco, sem contar consigo! – disse simplesmente o Júlio.

- O que seria de mim sem vocês! - murmurou a Liliana, com uma voz cheia de reconhecimento.

Todos subiram até ao quarto. Só estava acesa a luz da mesinha-de-cabeceira, à semelhança do que acontecia todas as noites àquela hora: a jovem tinha o hábito de ler um bocado na cama antes de adormecer.

- Venham! - disse ela aos jovens detectives. - Tenho tudo preparado à vossa espera.

Referia-se ao reposteiro de veludo azul que dissimulava a porta que fazia comunicar o quarto com a casa de banho. Essa porta estava aberta e, mesmo atrás do pano, Liliana tinha colocado um banco onde as crianças se sentaram. Desse esconderijo, podiam ouvir tudo o que se passava no quarto. E, se afastassem um pouco a cortina, podiam mesmo ver. Quando eles se instalaram, a Liliana deitou-se e apagou a luz.

Começou a grande espera. O coração deles batia muito depressa. A ideia luminosa da Zé, como lhe chamavam; iria funcionar? Iria o inimigo, agora que os Cinco se tinham ido embora, manifestar-se em grande? Todos esperavam que sim.

Passaram duas longas horas. Os sentinelas, de tempos a tempos, mudavam de posição para evitar as cãibras. o Tim fechava um olho. O silêncio era impressionante. Soou a meia-noite no relógio do rés-do-chão. Passou mais uma hora. De repente, as crianças endireitaram-se nos seus lugares, ficando bem alerta.

- Ouçam! - soprou a Ana.

Mesmo por cima da cabeça deles, pelo menos assim parecia, acabava de se ouvir um leve ruído. Depois, quase ao mesmo tempo, ouviu-se uma voz no quarto da Liliana...

Era uma voz doce, distinta, insinuante, que pronunciava palavras terríveis:

- Estás a enlouquecer! Estás a enlouquecer! Estás a enlouquecer!

As crianças puseram-se de pé, sem fazer barulho. A Zé afastou um pouco a cortina. Cinco pares de olhos mergulharam na penumbra do quarto. Ainda que estivessem preparados para tudo, os quatro primos não puderam reprimir uma exclamação, que, no entanto, foi abafada por um grito de terror da Liliana.

O espectáculo que se lhes oferecia era verdadeiramente aterrador. Um fantasma branco, como que surgido do nada, estava instalado em frente de um grande piano de cauda. Começou a tocar uma marcha fúnebre. Em seguida, voltou-se para a cama da Liliana, lançou-lhe um olhar ameaçador e desapareceu de repente.

A Ana tremia dos pés à cabeça. A Zé não deixava o Tim ladrar. Os dois rapazes estavam prestes a explodir. Mas mais uma manifestação insólita atraiu a atenção dos Cinco para a janela.

Do lado de fora, acabava de aparecer uma bruxa montada na sua vassoura. A vassoura bateu no vidro e a Liliana gritou de novo.

- Vamos! - murmurou o Júlio. - Vamos! Os Cinco deram um salto. No momento da acção, a Ana recuperava sempre o sangue- frio. Atrás do David, correu para a janela. Sem hesitarem, os dois irmãos apanharam a bruxa e puxaram-na violentamente para eles.

-É um boneco! - gritou o David. - Um boneco suspenso por um fio de nylon e que alguém manobra do sótão. Depressa! Depressa!

Mas o Júlio, a Zé e o Tim já tinham passado a porta que dava para o corredor e corriam pelas escadas que iam dar ao sótão. A Ana e o David largaram a boneca e correram atrás dos outros. A Liliana enfiou apressadamente um roupão e foi atrás deles.

-Claro que é o Luís! - disse o Júlio, subindo os degraus quatro a quatro. - Não podemos dar-lhe tempo para se escapar pelo telhado como da outra vez!

A Zé foi a primeira a chegar à porta do sótão. Desta vez, a pessoa que estava lá dentro nem se dera ao trabalho de fechá-la à chave. Fora surpreendida pela rapidez dos acontecimentos.

Ao ouvir as crianças a subir as escadas a toda a velocidade, tentou fugir, como da outra vez, pelo tecto... mas não teve tempo.

Só metade do corpo tinha conseguido passar pela estreita abertura quando o Júlio e a Zé entraram na sala. Os dois primos agarraram-se-lhe às pernas e puxaram com todas as suas forças. O miserável largou as mãos e caiu no chão do sótão no preciso momento em que a Ana, o David e a Liliana lá chegavam.

- Luís! - gritou a Liliana, reconhecendo o indivíduo. Por mais preparada que estivesse, não pôde deixar de ficar chocada.

- Nós bem a avisámos! - exclamou a Zé, radiante. É um dos autores da maquinação, mas não o mais importante, disso tenho a certeza.

- Este homem não é mais que um simples executante. acrescentou o Júlio que, com o irmão, segurava no Luís. O cérebro é outro!

O Luís tentava soltar-se.

- Que querem de mim? - gritava ele. - São doidos ou quê? Minha senhora! Eu protesto! Pareceu-me ver uma luz em casa e vim fazer uma ronda.

- No sótão? - ironizou o David. - O que você estava a fazer era a tentar assustar a senhora Hart. A prova está aqui!

Largando o Luís, aproximou-se de uma das pequenas janelas e puxou um fio de nylon que estava preso ao parapeito e suspenso no vazio. No fim do fio estava a bruxa e ele mostrou-a à Liliana:

- Este boneco, que tanto a assustou, era manobrado pelo Luís, desta janela! Como ninguém podia subir pela falésia, só podiam assustá-la a partir de cima. Bela artimanha! Este sótão está situado precisamente por cima do seu quarto!

- Luís! - repetiu a Liliana, muito pálida. - Nunca esperei isso de si.

Sentindo-se envergonhado, o homem ficou louco. Num salto desembaraçou-se do Júlio e, empurrando toda a gente, precipitou-se para as escadas. Mas não contou com o Tim!

Num ápice, o cão lançou-se atrás dele. Os Cinco e a Liliana seguiram-no. O medo dava asas ao Luís. Pelo contrário, o Tim, enfraquecido pela doença recente, estava menos rápido que habitualmente. O Luís - que entrara no solar com a sua chave e deixara a porta aberta - conseguiu alcançar o parque.

Mas não foi longe. Lá, o cão conseguiu apanhá-lo... Foi uma grande luta. O Tim saltara sobre o homem com os dentes ferrados no ombro dele, que não se deixara abocanhar. Quando a Zé, os primos e a Liliana lá chegaram, estavam os dois a rebolar no relvado.

Num abrir e fechar de olhos, o Luís foi imobilizado.

Aterrorizado com o cão, que a Zé ameaçava lançar novamente sobre ele, nem sequer tentou nova fuga.

O David foi a correr buscar uma corda e atou-lhe as mãos. Foi um Luís que metia dó que eles obrigaram a entrar no solar. A Liliana acendeu todas as luzes do grande salão, obrigaram o Luís a sentar-se numa cadeira e começaram o interrogatório.

- Antes de mais, a sua mulher está ao corrente destas suas maquinações? - perguntou o Júlio.

- Oh, não! A Alice não! Não desconfia de nada, garanto-lhe. Ela é honesta.

- É essa a nossa opinião - murmurou a Ana.

- Alguém lhe paga para assustar a senhora Hart, não é

           verdade? - perguntou a Zé.

Ele baixou a cabeça e não respondeu.

- Muito bem - disse friamente a Zé. - Vamos telefonar à Polícia e logo há-de falar.

- Não, não! - cortou a Liliana com vivacidade. – Se não se importam, não vamos meter a Polícia neste assunto...

- Tem razão, minha senhora - suspirou o Luís, decidindo-se bruscamente a falar. - É melhor lavarmos a roupa suja em família...

A Liliana fez-se de todas as cores.

- O que quer dizer? - perguntou com altivez.

- Que estou às ordens de seu irmão. Sim... é ele que me paga... Diga-me uma coisa, minha senhora... Se eu confessar tudo, não me entrega às autoridades?

- Isso depende de si! - interrompeu o Júlio, sem dar à Liliana tempo para responder. - Seja como for, você tem toda a conveniência em confessar, porque nós surpreendêmo-lo em flagrante delito e há provas suficientes contra si para o mandarmos prender. Por outro lado, se se trata de um assunto de família, talvez a senhora Hart não queira ver o seu meio-irmão incriminado. Poderemos fazer uns acordos. não é verdade, Liliana?

- Claro... Além do mais, estou a pensar na Alice. É uma mulher extraordinária. Não gostaria de vê-la sofrer.

O Luís ganhou confiança. Tal como o Júlio fizera ver, ele tinha todo o interesse em revelar a verdade. De mais a mais, ali em frente da Liliana, tão boa e tão vulnerável, tomava consciência do mau papel que tinha desempenhado e começava a arrepender-se.

-Quero dizer-vos a todos - murmurou ele -, que estou arrependido. Mas o senhor Majeau pagava tão bem os meus serviços. Pôs à frente dos meus olhos uma tal soma de dinheiro.

- Que a cobiça fê-lo sair do seu caminho! - sugeriu o Júlio, com despreso.

- É verdade. Além disso ele tinha-me na mão. Ele sabia certas coisas do meu passado.

- Mas vamos ao que interessa! - interrompeu o David, com impaciência. - O que é que o senhor Majeau exigia de si em troca do dinheiro que lhe dava e do que lhe prometia?

O Luís resignou-se a expôr claramente a situação. Uma vez, quando era novo, roubara uma pequena soma de dinheiro ao patrão. Frederico Majeau teve conhecimento do facto...

-Ele voltou a falar-me nesse assunto, dizendo muito simplesmente que se eu não acedesse a ajudá-lo, revelaria o meu deslize à Alice, assim como à senhora Hart - explicou o Luís. - Não só perderia a confiança da minha mulher, como a minha situação aqui. Assustado, suplicou ao senhor Majeau que guardasse segredo.

O Luís suspirou e continuou a narração. O senhor Majeau prometera calar-se e pagar-lhe muito generosamente se ele o ajudasse a fazer crer à Liliana que estava a perder a razão.

- Já tínhamos adivinhado tudo isso - interrompeu a Zé.

- O objectivo do senhor Majeau era o de desmoralizar a Liliana ao ponto de, pensando estar a enlouquecer, aceitar ser acompanhada.

- Isso mesmo. Numa clínica dum psiquiatra seu amigo. Segundo creio, são mesmo muito amigos e este estaria disposto a servir os seus interesses.

- E enquanto eu lá estivesse, o meu irmão reclamaria legalmente a gestão da minha fortuna. Não era assim? perguntou Liliana.

- Era, sim. E ele ficaria com o maior quinhão.

- Quinhão esse de que o senhor também receberia umas boas migalhas! - notou o David, entusiasmado.

- Devia ter vergonha! - disse muito alto a Ana. O cúmplice de Frederico baixou a cabeça.

- De facto, tenho vergonha - confessou ele, com um tom de sinceridade. - Tenho a impressão de que não me estava a aperceber bem do que andava a fazer. Tinha a sensação de participar numa grande farsa que me tornaria importante. Além do mais - acrescentou ele, mais baixo -, o senhor Majeau ameaçava-me de cada vez que eu tentava resistir-lhe.

Calou-se. O Júlio voltou-se para a Liliana.

- O que tenciona fazer com ele? - perguntou.

- Meu Deus! Sei lá! Tenho de pensar. Estou numa situação tal. Frederico. Alice. Gostaria de nunca mais ouvir falar no primeiro. e de não magoar a segunda. A Alice gosta tanto do marido.

A Liliana torcia as mãos com um ar angustiado. De repente, a Zé pôs-se a rir.

- Desculpe que lhe diga, mas a sua atitude faz-me rir! disse ela. - Destruiu os seus fantasmas e, ao mesmo tempo, descobriu o seu misterioso inimigo. Não é o mais importante? O resto são ninharias.

Primeiro atrapalhada, a Liliana olhou para a Zé, mas depois sorriu.

- Acho que tem razão - disse ela. - É preciso tomar uma decisão rápida. e esquecer.

Depois, voltando-se para o Luís:

- Pode felicitar-se com a sua sorte - disse ela. - No que lhe diz respeito, vou passar uma esponja no assunto. e consentir mesmo que continue ao meu serviço com a Alice. Na condição de.

-Tudo o que quiser! - exclamou o Luís. - Pela senhora, eu faço tudo. Estou-lhe tão reconhecido.

- Bom . Júlio, solta-lhe as mãos. Luís, pegue nesta folha e nesta caneta!

Com um ar resoluto, a Liliana acompanhou o Luís até à sua secretária. Ali, começou a ditar e o motorista-jardineiro escreveu uma confissão completa da maquinação urdida por Frederico Majeau contra a irmã. Referia mesmo a sua própria cumplicidade.

Quando o Luís terminou, datou e assinou o documento.

- Vou confiar este papel ao meu notário - disse então a Liliana, dobrando a folha com cuidado. - Só me vou servir dele em caso de necessidade. A ameaça que ele representa vai obrigá-lo a andar na linha.

- Oh, minha senhora! Garanto-lhe que não era preciso!

- Por outro lado, esta confissão escrita servirá para incriminar o meu irmão se ele não ficar quietinho daqui em diante - continuou a Liliana. - Prefiro evitar os escândalos, percebem? Não será punido, mas nunca mais quero ouvir falar nele.

- Prefiro! - disse a Zé. - O assunto está arrumado.

Mas eu gostaria de esclarecer uns tantos pormenores, se não se importam!

- Eu também! - aprovou o David. - Quanto à falsa bruxa, tudo bem, estamos esclarecidos. Mas o resto? A cara do demónio à janela, a voz que repetia Estás a enlouquecer, o fantasma ao piano, etc.

- É verdade - disse a Ana. - Como era aquilo? O Luís podia explicar-nos.

Alvejado por seis pares de olhos, o Luís agitou-se nervosamente na cadeira.

- Hum. Está bem! - disse ele.

- Então explique-nos! - ordenou a Liliana.

- Posso mostrar-vos. Se quiserem acompanhar-me ao sótão.

Todos subiram em procissão. Uma vez chegados lá acima, o Luís abriu uma arca de tamanho médio, dissimulada debaixo de cartões cheios de pó. As crianças, o Tim e a Liliana faziam círculo à volta dele.

- É aqui dentro que nós escondemos a bruxa, o senhor Majeau e eu. Isto aqui é uma bola de voleibol na qual o senhor Frederico pintou uma figura demoníaca e pôs uma peruca.

Fez circular o objecto horrível à volta e acrescentou:

- O senhor Majeau deixava-o cair preso por um cordel pela janela do sótão até à do quarto da senhora Hart. Quando ela via este rosto horrível, gritava de medo... e o senhor Majeau puxava o cordel a toda a velocidade como fazíamos com a bruxa.

- E a voz? - perguntou a Ana.

-Oh! A voz, tal como o fantasma, era isto... O Luís acabava de tirar da arca uma bobina de projecção cinematográfica, uma banda sonora, depois o próprio aparelho. Montou-os num abrir e fechar de olhos e ligou o aparelho numa tomada junto ao chão. Depois, carregou num botão, perto da tomada. Ouviu-se um ligeiro clique.

- É um sistema habilmente montado pelo senhor Majeau - explicou ele. - Este clique corresponde à abertura de um alçapão minúsculo no tecto do quarto da senhora Hart, precisamente por cima da cama. Por este buraco, projecta-se um filme todo preparado. filme em relevo, graças a um jogo de espelhos.

- Já me lembro! - gritou o David. - Aquele barulho que nós ouvimos era o alçapão a abrir-se por cima das nossas cabeças.

- Neste momento, o fantasma está projectado na parede em frente da cama da senhora. Se quiserem descer para ver.

O Júlio e o David desceram a correr, depois subiram da mesma forma.

- Isso mesmo! Cinema a sério! - disseram eles.

- Pensar que era isso que tanto me assustava! - suspirou a Liliana.

- Ora essa! A senhora não sabia! - disse o Luís.

- E o gorila? - perguntou a Ana. - Foi o senhor que se disfarçou de macaco?

- Não! Eu não! Foi o senhor Majeau! Veio em segredo ao solar propositadamente para fazer esse papel. O vosso passeio pela floresta e o jogo de esconde-esconde facilitaram-lhe as coisas.

- Maldito! - exclamou a Liliana. - Tive tanto medo que até me senti mesmo mal. Se sofresse do coração, ele tinha herdado naquele mesmo dia!

A Zé aproximou-se do Luís e olhou-o bem nos olhos:

- Luís! - disse ela. - Quero que me diga a verdade! Quem é que tentou envenenar o Tim?

Ele sustentou o olhar dela.

- Que eu saiba, ninguém! - declarou ele. - Em todo o caso, eu não fui. Isso garanto-lhe. E o senhor Majeau também não pode ter sido, porque foi-se embora logo a seguir à cena do gorila. Na minha opinião, o seu cão deve ter comido alguma porcaria na praia. E foi isso que o pôs doente.

A Zé suspirou, aliviada.

- Prefiro assim - confessou ela.

Lá em baixo, autorizaram o Luís a voltar discretamente para o seu pavilhão. A Alice nunca iria desconfiar de nada.

Antes de sair à porta do solar, voltou-se para a patroa e disse:

- Nunca vou esquecer isto, minha senhora! A senhora fez de mim um homem honesto. Vou sê-lo até ao fim dos meus dias.

E desapareceu na noite.

Agora, no grande salão, reinava o silêncio. A Liliana estava perdida em pensamentos. Os Cinco esperavam. Por fim, a jovem voltou à realidade e sorriu às crianças.

- Eis o fim da tragicomédia! - suspirou ela. - Não sei como agradecer-vos, a todos, por me terem tirado daquele pesadelo. e por me terem feito voltar o gosto de viver. Tenho vontade de vos abraçar a todos!

E abriu os braços. As crianças atiraram-se ao pescoço dela, cada uma tentando ser a primeira a dar-lhe um beijo. O Tim, excitado com o barulho, saltava e ladrava, contente sem saber porquê.

A Liliana ria. As crianças falavam muito alto. Era uma algazarra terrível.

A Zé foi a primeira a ficar séria.

-As sombras dissiparam-se - disse ela. - E tudo terminou... o melhor possível. Mas, Liliana, se você resolveu a situação poupando a Alice e o Luís que, daqui em diante, lhe será muito dedicado. não se esqueça de que ainda lhe falta prevenir o seu meio-irmão de que foi desmascarado!

O rosto da Liliana entristeceu-se.

- É verdade! - disse ela. - Mas repugna-me tanto a ideia de lhe escrever como de falar com ele. É superior às minhas forças. Como é que hei-de preveni-lo?

- Quer que nós lhe telefonemos? - propôs a Zé. - Nós encarregamo-nos de o pôr ao corrente. Depois, é de prever que não volte a ouvir falar nele!

Demasiado cansada para agir, Liliana limitou-se a dar o seu consentimento sem sequer reflectir. Só desejava uma coisa: ir para o quarto e dormir um sono reparador.

Antes de deixar as crianças e o cão, ainda lhes sorriu.

- Vocês foram maravilhosos! - disse ela. - Mas eu vou recompensar-vos, podem ter a certeza!

Logo que ela desapareceu, os Cinco aproximaram-se do telefone.

- E agora, vamos avisar o caro Frederico de que a sua traição foi desmascarada e que só lhe resta reduzir-se à sua insignificância - disse o Júlio.

- Calma! - exclamou a Zé, rindo. - Eu encarrego-me disso!

Procurou o número do telefone dele na agenda da Liliana e discou-o com um ar muito resoluto. Eram três horas da manhã. Agrupados à volta dela, o Júlio, o David e a Ana eram só orelhas.

- Está? É o senhor Majeau? - disse a Zé com uma voz fanhosa. - Fala da Comissão de Espantalhos do Solar dos Quatro Ventos . É a bruxa da vassoura que está ao telefone. Talvez prefira que passe o telefone ao gorila de serviço...

A Zé estendeu o auscultador ao David que, entretanto na brincadeira, emitiu uns grunhidos ao telefone. Do outro lado do fio, adivinhavam que o Frederico, siderado, retinha a respiração.

- Para o distrair, talvez possamos pedir ao fantasma que toque uma marcha fúnebre. A menos que o senhor prefira que uma banda magnética lhe transmita as últimas novidades. É isso? Então, aí vai!. Aqui, Rádio-Solar! A senhora Hart está ao corrente das suas intenções. O Luís assinou uma confissão pormenorizada que compromete o senhor Majeau. Se tem a infelicidade de pôr os pés aqui, está feito!

Um grito de raiva explodiu do outro lado do fio. Depois, clac! Frederico desligou brutalmente o telefone. Sabendo do seu desapontamento, as crianças, triunfantes, foram deitar-se a rir como perdidas.

A Liliana vingara-se a valer!

 

                                                                                Enid Blyton  

 

                      

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