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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CORAÇÃO DE PEDRA / Izabella Mancini
CORAÇÃO DE PEDRA / Izabella Mancini

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Sei que na vida temos escolhas e sempre fui julgado pelas minhas.
Tudo começou quando me apaixonei pela mulher errada e com ela tive não um, mas cinco filhos! Desde então, os julgamentos nunca mais cessaram. Alguns dizem que fui inconsequente em meus atos e outros finalizam com um corriqueiro "filho é bênção", mas em meu interior habita a certeza de que um propósito maior existe por trás das cinco pequenas vidas que Carina e eu trouxemos ao mundo.
Quando ela me deixou sem muitas explicações, pensei que o mundo acabaria sob meus pés.
O que seria de mim com cinco crianças totalmente dependentes e destroçadas, se eu sequer conseguia me levantar sozinho? Vi no rostinho de cada um uma esperança enquanto me encaravam... A caçula era pouco mais do que um bebê recém-nascido quando passei a ser chamado de "pai solo". Sem dúvidas era o título mais temido de toda minha vida.
— Sinto muito meu filho, mas não posso mais! Não posso! — A voz de minha mãe ecoava em minha mente como um alerta claro de que tudo estava ruindo — Tenho o seu pai e tenho a minha vida também! Deixei todas as coisas de lado por anos para cuidar de você e dos pequenos, mas agora seu pai está doente.
— Mãe... — Suspirei com uma das mãos apoiadas em seu ombro para que me encarasse, mas dona Nanci estava mesmo firme em sua posição de não deixar meu pai ficar sozinho estando doente. Eu e as crianças não éramos mais a prioridade — Por favor...
— Você pode contar comigo sempre, filho... — Tocou minha bochecha carinhosamente e seu toque me aconchegou — Sempre poderei ficar com as crianças em minha casa quando precisar, mas não posso mais morar aqui com vocês.
— O que a senhora sugere que eu faça? — Toquei sua mão pequena em minha face com a expressão desolada e derrotada — Tenho cinco filhos e preciso trabalhar para dar a vida que eles merecem. Não sei se você notou, mas a mãe deles me deixou e foi embora para nunca mais voltar. Se não for a senhora, não tenho mais a quem recorrer! Por favor, mãe...

 


 


Tentei como uma última cartada. Ela suspirou e se aproximou, dando-me um longo abraço.

— Meu amor, eu compreendo... Você é um homem de apenas trinta anos com uma carreira pública promissora, mas seu maior papel em toda a vida é o de pai solo com cinco crianças! — Baixei o olhar diante de sua abordagem sempre certeira — Os pequenos são sua responsabilidade, Arthur! Ajudei o quanto pude, mas chegou a sua vez de tomar as rédeas de sua família!

— Está certo, mãe — Me separei do abraço dela e dei a volta na mesa do escritório. A foto pendurada na parede atrás da cadeira deixava claro a minha responsabilidade. Meus cinco filhos sentados no jardim no retrato eram de fato minha família. Coloquei a mão nos bolsos enquanto contemplava a foto junto com minha mãe. As crianças sorriam angelicalmente abraçadas a mim — Sei que foi um descuido ter tantos filhos, mas não poderia ter me desfeito de nenhum deles.

— Arthur... — Senti suas mãos em meus ombros — Eu vou ficar.

— Obrigado mãe — Toquei sua mão em meus ombros e sorri — Sei que a senhora os ama tanto quanto eu.

— São meus netos... — Houve um tempo de silêncio — Mas vou ficar apenas mais um mês. Acredito que seja tempo o suficiente para você conseguir uma babá decente que tome conta deles enquanto você estiver fora.

Virei-me e a observei. Parecia séria e decidida.

— Como mãe? A senhora sabe que eles odeiam babás! — Relembrei com uma pontada de nervoso — A última mulher quase perdeu o braço, se lembra? E não quero nem falar na moça que ficou careca...

— Você é o pai deles e é quem deve ditar as regras! — Me calei e passei os dedos entre os fios de meu cabelo claro — Sinto muito, meu filho — Pegou em minha mão — Já estou aqui desde que Carina foi embora, já faz quase dois anos! Vocês precisam seguir a vida como uma família de um pai e cinco filhos... Precisa colocar na cabeça que é o pai. É você quem manda neles, não eles quem mandam em você!

Quando minha mãe saiu, sentei-me e suspirei diante da grande foto. Ela tinha razão. Eu precisava urgentemente colocar minha vida com as crianças em ordem! Enquanto lá fora eu era respeitado e visto como um músico talentoso, dentro de minha própria casa tudo era um caos! Sempre fui um fracassado que tinha perdido a esposa e não era respeitado pelos filhos.

— Preciso de uma luz — Sussurrei olhando para foto minha com as crianças — Preciso mesmo de uma luz...

O celular tocou em um número desconhecido e o encarei com certo espanto.

Atendi pensando ser algo importante — como, por exemplo, o meu cadastro na agência de babás — mas era apenas meu assessor dizendo que hoje à noite teríamos um show de última hora na festa de aniversário da filha de um milionário que dizia ser "a minha maior fã". O pai pagou o preço pela contratação urgente e muito caro pelo show.

Cocei a cabeça diante do novo desafio. Era minha folga com os pequenos, mas o destino se encarregou de fazer, realmente, tudo mudar.


Não trabalho com sentimentos, mas sim com fatos.

Há muito deixei de ser uma menina sentimental para me transformar em uma rocha... Não é à toa que me intitulam por aí como "Milena, coração de pedra!". A vida me deu muitas porradas e quase sempre vivi no chão... Graças a Deus, do chão nunca passei. Tudo mudou quando decidi tomar minhas rédeas e viver como se cada dia fosse realmente o último.

— Você vai mesmo a essa festa? — Me olhei no espelho retrovisor do carro de meu irmão mais uma vez e ajeitei o batom vermelho borrado no cantinho da boca. Ana Paula, minha melhor amiga, me encarava com certa curiosidade.

— Você tem dúvidas? — Lancei uma olhadinha rápida em direção a ela — Acha que vou perder a festa daquela japinha? Ela pode ser bem tagarela, mas a festa vai ser boa! — Bati palmas e ajeitei o cabelo para trás — Cadê o Danilo? — Ana Paula deu de ombros. Coloquei a cabeça para fora da janela e espiei — Danilo! Vamos! Se ficar demorando vou pegar seu carro sozinha!

Ana Paula me puxou para dentro do carro e gargalhamos.

— Milena, definitivamente, você é maluca! — Revirou os olhos e me ajeitei no banco — Se eu não fosse sua cunhada e melhor amiga fugia daqui agora! Com certeza você vai me fazer pagar mico na festa. Sua cara fazer isso, não é? Só vergonha e barraco! — Ana Paula cruzou os braços sobre o peito.

— Olha quem fala! A pessoa que mais se diverte comigo e não vive sem minha companhia! — Ela sorriu e ajeitei meu conjunto jeans e minha blusinha decotada rosa enquanto meu irmão entrava no carro — Até que enfim a noiva chegou! — Danilo, todo cheiroso e arrumado, se esticou e beijou a boca de Ana Paula — Vamos! Chega de drama e dirige!

— Só porque você nunca teve um namorado e é virgem aos vinte anos não quer dizer que ninguém possa se beijar, maninha — O carro entrou em movimento e lhe lancei um olhar de reprovação.

— Não é problema seu se eu sou ou deixo de ser virgem! Tenho meus motivos — Ana Paula riu de meu nervosismo. Realmente era um assunto delicado que meu círculo de amizades costumava tocar.

— Pensei que você não estaria aqui nem a pau, Nena — Danilo usou meu apelido para apagar o constrangimento do comentário anterior. Continuei me olhando no espelho do retrovisor para arrumar o meu colar de dadinhos coloridos.

— Por quê? Porque eu sou virgem? — Negou entre uma risadinha — Está de brincadeira, não é? Acha que eu vou perder uma festa assim? Só vai ter gente legal. Porque não iria?

— Pelo jeito você não sabe quem vai tocar lá, não é? — Seu olhar de malícia fez o meu coração de pedra tremer. Pela maneira como se encaravam, tive a convicção de que era alguém que não me agradava.

— Ah não! Para! – Trocaram um olhar pelo retrovisor quando percebi que o silêncio era sugestivo — Não me digam que é o Arthur Novateli com aquela banda cafona? — Danilo concordou com um breve aceno — Ah não... Só pode ser um pesadelo!

A figura do tal não saia da minha cabeça. Era quase impossível perambular pelas festas da vida e não me deparar com a banda mais famosa do momento entre os jovens. Eu já não era uma adolescente aos vinte, mas convivia com muitos amigos que eram. Arthur Novateli era o nome do momento, um homem cobiçado... O tipo de cara que me causava enjoo com a simples menção.

— Para de ser tonta! — Ana Paula me deu um tapinha no ombro diante de minha expressão consternada — Esse cara nunca te fez nada para odiá-lo tanto... Na verdade, o pobre nem sabe que você existe!

— Mas eu sei que ele existe e que a música deles é um porre! — Relembrei olhando-a por cima do ombro — O cara pode ser um gato molhador de calcinhas, mas canta muito mal, vamos combinar!

— Ah! Então ele molha sua calcinha, maninha? — Ana Paula dá uma longa gargalhada.

— Não! — Talvez sim! — Claro que não! — Mas tudo bem, não é? Não vou perder uma festa somente por uma banda ruim...

— Realmente faz a coisa certa — Danilo disse parando no semáforo — Hoje a vovó me disse que fez uma previsão sobre você naquelas cartas malucas de destino que ela tem. Disse que saiu que você iria finalmente topar com seu destino hoje à noite! — Fez uma voz macabra — Uhh...

— Quem sabe seu destino não seja o Arthur? — Ana Paulo tirou o sarro — E se rolar uma molhada de calcinha à primeira vista?

— Olha minha cara de quem se interessa por ídolos adolescentes... — Apontei meu próprio rosto debochado.

— A noite promete... — Danilo completou animado.


CAPÍTULO UM

 

 

 

A música estava alta e tentei me concentrar em qualquer coisa ao meu redor que não fosse Arthur Novateli cantando sobre o palco da festa. As garotas pulavam de um lado para o outro, principalmente Saori, a aniversariante que era fã alucinada da banda do cara. Ajeitei-me no bar com uma cerveja enquanto Ana Paula e Danilo se atracavam em beijos ao meu lado.

Fixei meu olhar, por um momento, na banda sobre o palco principal. Beberiquei a cerveja enquanto analisava com cuidado cada detalhe do vocalista, um homem jovem, alto, de cabelos claros e olhos esverdeados. Usava calça preta jeans, botas e uma camisa branca colada ao peito forte e malhado. Engoli em seco diante do arrepio que me percorreu a nuca... O maldito era realmente um gato e talvez, somente talvez, toda a minha implicância com sua banda fosse somente parte de minha mania chata de ir contra a corrente.

— Por acaso sabe quando isso vai acabar? — Questionei quando o garçom parou ao meu lado com a bandeja — Não curto muito essa banda...

— Suponho que acaba bem tarde senhorita — Respondeu com um sorriso de lado e revirei os olhos tomando um gole de minha bebida. As luzes de néon dançavam pelo ambiente escuro — Arthur é um sucesso. Acho que você é a única garota que não se derrete por ele.

— Com muito orgulho! — Ergui meu copo como se brindasse. A música tinha terminado e todas as meninas aplaudiam como cachorrinhas — Não sei o que elas veem nesse cara! Ele pode ter um corpo perfeito, um rosto lindo e olhos incríveis... — O garçom me encarou com certa desconfiança — Mas não passa de um metido como todos os outros! Futilidade pura! Dê uma olhada nele... — Nós dois olhamos para multidão de meninas ao redor do cara — Essa ingênua da Saori pagou o olho da cara para ter ele tocando aqui... Mas para quê? É tudo uma idiota ilusão! Ele nem sabe quem são... Na verdade, sabe! São as bobinhas que enchem o bolso dele de grana!

— Você pode ter razão... — O garçom sequer teve tempo de terminar! No momento seguinte uma garota apareceu ao meu lado com expressão enraivecida e muito fora de si. A reconheci de imediato! Tratava-se de Jéssica, uma menina que estudou comigo no último ano da escola.

— Como se atreve a falar assim do Arthur Novateli, Milena? Você é maluca por acaso? — Me levantei e encarei a garota um pouco assustada por sua postura indignada diante de minhas palavras — Nunca gostei de você e acho que deveria se retratar por todos os absurdos que disse!

— Também nunca gostei de você e muito menos desse boboca que idolatra! — Cruzei os braços diante do peito rindo dela, que parecia realmente fora de si — Por favor, Jéssica! Seja pé no chão, querida. Vai mesmo se irritar por tão pouco?

Não tive tempo de pensar e sequer agir antes de Jéssica saltar sobre mim com toda sua ira de fã machucada! A garota pulou sobre mim e quando vi já estava fugindo de suas unhas enormes como garras e seu cabelo cheio de laquê. Todos abriram caminho para nós por conta da briga e dois seguranças enormes se meteram entre nossos corpos atracados.

— Deixa de ser tonta menina! — Falei com um dos seguranças me segurando e o outro com ela — Vai mesmo arrumar confusão por causa de um cantor?

— Você insultou o Arthur! — Jéssica parecia realmente descontrolada e minha única vontade era lhe acertar bons tapas no rosto para que voltasse a realidade — O chamou de idiota metido! — Quase todas as meninas do salão separaram os lábios em pura indignação. Revirei os olhos — Não posso deixar isso impune!

Jéssica tirou a sandália de salto barata que usava e arremessou em minha direção sem titubear. Por sorte desviei e a mesma acertou o segurança que me segurava. O homem ralhou de dor e me soltou no mesmo instante.

— Sua desmiolada! Está vendo o que fez por uma coisa tão ridícula? — Tirei meu sapato também, tomada pela ira que me cegava a razão — Toma de volta sua sem noção!

Saori, a aniversariante, tentou me puxar pelo braço antes que uma besteira fosse cometida.

— Milena, pelo amor de Deus, para! Você vai acabar com a minha festa! Bem que fui avisada! Você só traz confusão! — Implorou — Esquece a Jéssica e para de falar do Arthur antes que todas as meninas daqui te peguem de pancada!

Voltei a mim pelas palavras da garota e compreendi que estava me igualando a Jéssica. Relaxei e encarei Saori com mais calma. A fama de encrenqueira sempre me rondou desde o colégio e era algo que buscava me desfazer, por isso me recompus.

— Desculpa... — Saori me soltou aliviada. Vi Jéssica do outro lado do salão junto ao cantor de sua estima e ambos apontavam para mim. Soltei o ar na intenção de me acalmar — Vou embora. Não deveria nem ter vindo causar problemas.

— Fica bem, Milena — Saori me abraçou com carinho — Você é uma das pessoas que mais gosto, mas tem que aprender a se controlar! — Sorri de volta e ela passou por mim um tanto triste. Suspirei novamente e passei os dedos em meio aos fios embaraçados de meu cabelo longo e castanho claro.

Calcei meu sapato e caminhei em direção à saída. Uma grande porta de vidro separava as duas partes do salão, interna e externa. Jéssica me seguiu de perto e sequer percebi. A garota parou atrás de mim quando nos aproximamos da porta de vidro e Arthur vinha ao encalço dela. O olhar dele em mim era repleto de desdém, algo que se equiparava ao meu ranço por ele.

— Essa, Arthur, é a única garota no mundo que não vê algo especial em você! — Jéssica apontou em minha direção e não me contive.

Virei e a empurrei para trás por apontar o dedo em meu rosto, fazendo com que a mesma caísse sobre Arthur e o empurrasse contra a porta de vidro no mesmo momento. Um simples empurrão em Jéssica virou um acidente terrível, uma vez que o próprio Arthur atravessou a porta de vidro com o corpo e foi ao chão com alguns cacos!

Cobri os lábios com as mãos ao notar o que realmente havia feito!

O salão se converteu em um caos diante do acidente, uma gritaria imensa se instalou e ninguém mais do que eu era a grande culpada.

— Milena! — Ana Paulo apareceu ao meu lado quando uma roda de garotas e seguranças se fez ao redor de Arthur — Você matou Arthur Novateli!


Abri os olhos lentamente e me deparei com uma forte luz sobre meus olhos.

— Onde estou? Cadê meus filhos? — Tudo era muito claro e silencioso. Olhei para o lado e vi uma moça pequena sentada na cadeira ao lado da minha maca — Um hospital? Como é que... Quem é você?

Fiz força e me sentei. Senti realmente dor no braço e em um dos joelhos. A mulher se colocou de pé e caminhou até a beira da cama.

— Meu nome é Ana Paula — Não disfarçou a preocupação — Foi minha amiga que causou o acidente com a porta de vidro, você se lembra? — Suspirei e finalmente tudo começou a fazer sentido — Parece que você bateu a cabeça no vidro e desmaiou. Graças a Deus não houve corte em órgãos ou coisa do tipo, apenas um mais fundo no braço, mas está tudo bem. Já deram os pontos e você apenas está em observação.

Olhei meu corpo todo enquanto me lembrava do aniversário, da briga das garotas, de uma menina se dizendo minha "fã justiceira" e da outra que a empurrou com força sobre mim. Lembrei dos vidros e do corte em meu braço que ardia. Levei a mão à cabeça e parecia inteira, apesar de doer.

— Eu podia estar morto, não é? Aquela garota quase me assassinou! — Relembrei e vi seu desconforto — Tenho cinco filhos para criar sozinho que aquela maluca quase deixa sem pai!

— Tem razão, Arthur, mas por sorte foi somente um acidente — Deu de ombros e neguei com um aceno indignado — Sabia que você é ainda mais bonito pessoalmente?

— Obrigado — Sorri para ela. A garota não era a culpada de tudo aquilo — Não é querendo ser indiscreto, mas porque você está aqui? O que aconteceu depois que desmaiei? — Coloquei as pernas para fora da cama e sentei ainda me sentindo tonto.

A pequena garota de cabelos escuros sequer conseguia disfarçar o deslocamento com a situação. A encarei em busca das respostas.

— Chamaram a ambulância e a polícia. A ambulância foi para te trazer para cá e a polícia para interrogar minha amiga que causou o acidente. Bom, o meu namorado é irmão da minha amiga, então eu e ele tivemos que ir com ela. Jéssica, a sua fã — Usou tom de voz engraçado — Disse que nós três fomos à festa com o intuito de te ridicularizar. A polícia acabou não nos levando para a delegacia, uma vez que você é a única vítima machucada e estava desacordado. Não havia dado queixa formal ainda. Minha amiga e o meu namorado estão prestando depoimento e pediram para que eu esperasse aqui e avisasse caso você acordasse. Não me pergunte o porquê disso...

Suspirei.

— Entendi — Mexi novamente em minha cabeça dolorida — Há quanto tempo estamos aqui? — Franzi a testa apalpando os bolsos em busca de meu celular.

— Chegamos às dez... Agora são... Três da manhã — Não disfarcei a surpresa.

— Deveria estar em casa à meia noite! Prometi para meu filho... Droga, droga! — Não encontrei o celular no bolso e vasculhei o pequeno quarto.

"Você não gosta de nós, pai! Nunca está em casa quando preciso de você e sempre briga quando venho aqui falar de minhas irmãs!" — A voz de Caleb, meu filho número dois, ecoava claramente em minha memória — "A única coisa importante em sua vida são seus fãs e o trabalho! Eu não queria mesmo ter nascido seu filho!".

— Sou o pior pai da história do mundo — Murmurei para mim mesmo ao encarar meu braço preso por curativos e meu joelho enfaixado. Mesmo fugindo dos problemas, os mesmos me alcançaram com muita facilidade. Olhei para a pequena garota, que dada a expressão parecia sentir pena de mim — Você por acaso tem um celular?

— Ah, claro! — Retirou um celular rosa do bolso — Pode usar — Me estendeu.

— Obrigado — Sorri de lado e disquei o número fixo de minha casa. Levei ao ouvido e depois de muito chamar alguém finalmente atendeu — Alô?

— Quem é? — A voz que ecoou do outro lado da linha era doce e sonolenta.

— Mallory? — Questionei não reconhecendo a voz de uma das meninas.

— Não, é a Lara.

— Lara! — Levei a mão à cabeça por não reconhecer minha própria filha de pouco mais de quatro anos — Querida, o que está fazendo acordado tão tarde? O Caleb não te colocou na cama ainda? — Senti meu coração se apertar. Lara, assim como os irmãos, estava me esperando uma noite mais.

— Não papai... Caleb disse que você chegaria, mas de novo você não veio — Sua voz era tristonha — Onde você está?

— Lara, não tenho muito tempo para explicar agora, mas avise seu irmão que sofri um acidente e estou no hospital. Apesar do susto, estou bem e em segurança.

— Vai voltar para casa, não é? Não vai nos deixar, vai? — Suspirei e apertei os olhos diante de seu tom amedrontado.

— Claro que vou voltar, meu amor — Respondi carinhosamente — Já estou bem e nunca irei deixá-los. Vou resolver algumas coisas e logo retorno. Porque você não vai dormir com Mallory?

— Tudo bem papai — Respondeu bocejando — Eu vou. Melhora rápido e volte para cá. Estou com muita saudade. Um beijo.

— Eu te amo, Larinha. Vá dormir! — Desliguei após ouvi-la desligar do outro lado, encarando o celular com profunda desolação. Jamais me senti tão frustrado como ser humano como agora.

— Você é tão paternal... — Ana Paulo disse um pouco emocionada quando lhe entreguei o celular com um sorriso — Não sabia que tinha filhos!

— Obrigado! Pois é... Tenho cinco! — Vi sua expressão meiga se transformar em algo parecido a horror — Bom... É melhor eu ir logo prestar minha queixa contra sua amiga encrenqueira e voltar para casa. Meus pequenos me esperam!

Levantei-me e antes mesmo que pudesse alcançar a porta Ana Paula se colocou à minha frente de modo a impedir totalmente minha passagem. Detive-me com certo receio.

— Por favor! Não faça isso com Milena! Por favor, tente reconsiderar... Sei que é um bom homem! — Ana Paula implorava com as mãos juntas em frente ao peito em sinal de oração. Apoiei a mão boa na cintura um pouco confuso.

— Ana, você foi legal comigo emprestando o telefone, mas sua amiga quase me matou! — Tentava me esquivar da baixinha, mas não me dava chance.

— Por favor, Arthur, por favor! Milena pode ser mesmo doida, sem muita noção e um pouco inconsequente, mas é uma garota do bem e tem um coração enorme! É bem criada e, além disso, a vozinha dela é muito idosa e ficará muito mal com a neta na cadeia acusada de tentar matar um cantor famoso! - Franzi o cenho diante das palavras — Dê uma chance a ela! É uma menina boa que precisa trabalhar e com a ficha suja... Vish! Vai ser complicado! — Choramingava como se fosse ela mesma a ser indiciada — Tenho certeza que Milena fará o que você quiser em troca de livrá-la da acusação!

Parei por um minuto, mesmo com as palavras prontas a serem ditas na acusação.

— Ela faz o que eu quiser? — Questionei parado em frente à moça baixinha com expressão pensativa — Mesmo?

— Sim. Desde que seja algo decente — Ressaltou e apoiei a mão no queixo de maneira pensativa. Aquilo me parecia realmente uma oportunidade — Entenda... Milena é uma moça de família, coitada. Sempre foi decente e criada com muito carinho. A avozinha dela morre se Milena for presa. Vivem as duas com o irmão mais velho de Milena.

Eu me lembrava da moça.

Era jovem e muito disposta, diga-se de passagem. Segundo Ana Paula, era de boa índole — apesar de ter tentado me matar. No fundo do meu coração, sabia que tudo realmente não passava de um infeliz acidente. Milena, a tal encrenqueira, não teve de fato a intenção de me ferir e isso era muito claro na memória. Ela apenas empurrou Jéssica e a garota tropeçou em mim por um acaso.

Talvez tudo aquilo fosse a luz que tanto pedi mais cedo...

— Pode trazê-la aqui? — Pedi interrompendo Ana, que tagarelava sobre as qualidades da amiga — Por favor? — Assenti com as mãos no bolso. Ana concordou no mesmo instante e saiu atrás da amiga.

Ela faz o que você quiser em troca de livrá-la da cadeia!

Milena era uma garota que não poderia me dizer não. Realmente era a chance perfeita de conseguir uma babá para meus filhos que em hipótese alguma iria desistir.


— Ana Paula... O que exatamente você disse a ele? — Ana Paula me empurrava no corredor em direção ao quarto de Arthur. Tentei resistir, mas minha amiga insistia no assunto. Suspirei e me entreguei.

— Cala a boca Milena! — Paramos na porta do tal quarto e olhei com desdém — Você vai sim falar com ele e vê se não faz besteira! É o único jeito de te livrar de uma acusação muito séria contra uma pessoa pública, garota! — Apertei a língua nos lábios por saber a veracidade de suas palavras. Jamais estive tão ferrada quanto naquele momento, prestes a ser acusada de tentativa de homicídio por um acidente que não tive a intenção de cometer. Os insultos que fiz a ele somados ao acidente poderiam me causar grandes problemas — Vai lá e resolve isso pela sua avó!

Ana Paula me deu um tapa no ombro e sumiu no corredor do hospital. Suspirei, ajeitei o pouco de cabelo que caía em meu rosto atrás da orelha e abri a porta.

— Com licença — Falei tentando ser educada. Olhei em volta e o vi sentado na maca do quarto com a mão livre no rosto em uma postura cansada.

— Toda — Disse sem me olhar, olhando fixamente para o chão — Senta — Indicou a poltrona ao lado da cama. Fiz careta ao caminhar até a poltrona e me sentei na beira, pronta para me levantar e sair de lá o mais rápido possível - Como é mesmo seu nome?

A postura dele me intimidava, assim como toda sua presença. Era de fato um homem bonito e intimidador, mas me causava sensações esquisitas. Seria isso que hipnotizava todas as garotas?

— Milena — Respondi um pouco desconcertada.

— Milena — Ainda não me olhava quando repetiu meu nome. Parecia pensativo e bati as mãos nas pernas, colocando-me de pé.

— Quero deixar claro que não pedi para Ana Paula te dizer nada! Se quiser me denunciar para a polícia, tudo bem! Mas que fique claro que minha intenção jamais foi te ferir! Posso ser maluca como dizem, mas nunca machuquei ninguém, muito menos sou assassina! Tudo não passou de um acidente e peço desculpas a você por... — Suspirei diante do olhar confuso que Arthur me lançou — Quase te matar.

Girei a maçaneta nos dedos quando Arthur saltou da cama e me segurou pelo pulso.

— Eu ainda não terminei! — Disse indignado e um pouco nervoso — Será que posso dizer algumas palavras?

— Primeiro me solta! — Apontei meu pulso e ele largou em seguida com uma risadinha irônica — Não sei se percebeu, mas não sou uma das tuas fãs... Eu estava do lado oposto! — Esfreguei o pulso que nem doía tanto assim.

— Não sei quem você é e muito menos o motivo pelo qual me trata de maneira tão rude — Sorri de canto — Mas estou aqui querendo ser condolente e te ajudar. A baixinha me falou que você mora com sua avó e que se for para a cadeia a pobre pode ter problemas de saúde.

Meus olhos se ergueram para ele e parei de me mover. Realmente seria o maior desgosto da vida de minha avozinha e foi bom Arthur ter me lembrado do motivo daquilo tudo.

— E? — Questionei confusa.

— Não quero ver a neta dela presa e muito menos por quase me matar — Explicou e rapidamente compreendi. Era algum tipo de chantagem. Cruzei os braços esperando pela continuação — Por isso tenho uma proposta a ser feita.

— Não vou para cama com você! — Fui em direção à porta de novo sem olhar para trás. Mais uma vez Arthur me puxou pelo pulso levemente e me fez encará-lo. Não demorou muito para me soltar e prosseguir.

— Nem eu com você! Acredite... Realmente não tenho planos de manter um caso agora, muito menos com uma garota tão... Encrenqueira! — Estreitei o olhar e suspirei ainda massageando meu pulso.

— Então?

— A proposta é fácil e simples... Não prestarei queixa contra você e te livrarei do problema e em troca você fará um serviço para mim. Será a babá de meus filhos durante um ano.

Demorei alguns segundos para processar a informação enquanto nos encaramos em total silêncio.

— Espera... — Dei dois passos em direção à poltrona do quarto e me sentei - Babá? Dos seus... Filhos? — Ele assentiu e eu o olhei — Você tem filhos?

— Tenho — Ironizou cruzando os braços — Agora que já sabe... O que você me diz?

Nos encaramos por um momento... Um longo momento até eu começar a rir. Soava ridículo eu sendo uma babá responsável por crianças! Alguém que nunca havia pegado um bebê no colo e trocado uma fralda poderia concorrer à vaga? Uma moça sem nenhuma experiência com criança?

— Está falando sério? — Questionei ainda rindo.

— Posso saber o porquê de estar rindo? — Questionou ainda de braços cruzados — Vai me dizer que isso também é uma proposta indecente? — Franziu o cenho.

— Não — Percebi que estava mesmo falando sério e me recompus — É que... — Tossi brevemente — Não sou a melhor pessoa do mundo para cuidar de crianças. Nunca fiz nada parecido.

— Não há nada que eu precise no momento, somente isso — Ainda parecia decidido — E você não precisa saber... Só preciso que fique de olho neles e os mantenha vivos. Não precisa cozinhar, limpar a bagunça deles ou qualquer coisa do tipo. Tenho funcionárias para isso. Me falta alguém que tenha um tempo para eles. Entendeu?

Reconsiderei diante dos fatos.

Ir para a cadeia ou simplesmente responder ao processo com um famoso poderia acabar com o pouco de dignidade que me restava e ainda sujaria minha ficha criminal. Arrumar um trabalho decente ficaria ainda mais complicado e vovó... Vovó acabaria adoecendo se tudo se complicasse ainda mais.

— Quantas horas por dia?

— Pode ser das nove da manhã às seis da tarde. Vou te pagar um bom salário e você será registrada... Preciso de sua palavra prometendo que por um ano não vai renunciar ao trabalho seja pelo que for — Os olhos dele pareciam tristes e o fato me intrigou — As crianças tem um problema grave com pessoas que entram e logo somem da vida delas.

Um trabalho por um ano... Com um bom salário... Com um bom horário... Sem muito serviço, apenas ficar com uns dois pirralhos... Na casa de um cantor! Eu realmente precisava de um emprego e isso contou mais do que a suposta denúncia. Ao final de tudo, poderei ajudar minha avó e o meu irmão com as contas da casa.

Mordi os lábios, tentada pela proposta.

— Como pode confiar tanto em mim? Você está colocando seus filhos em minhas mãos quando tentei te matar... Isso é meio controverso, não acha? — Arthur deu de ombros.

— Não faria se não soubesse que na verdade não foi de propósito. Você sequer tocou em mim, empurrou Jéssica e foi um acidente — Piscou com segundas intenções.

— Isso é muito desleal! Sabe que sou inocente e ainda queria me acusar? -—Ralhei entre dentes.

Me virei e abri a porta. Arthur logo foi ao meu encalço.

— Então você aceita? — Perguntou ao meu lado.

— Onde estão os seus aplausos? — Questionei irônica ao parar de caminhar. Não me restavam alternativas e o emprego era bom — A que horas você disse mesmo que era para estar lá? — Arthur sorriu de uma maneira que me pegou em cheio. Seu sorriso era muito verdadeiro e bonito.

— Nove da manhã — Concordei com um aceno.

— Estarei lá. Agora será que pode tirar a polícia daqui? — Concordou também, lançando um olhar para os policiais.

— Volto em um minuto — Sinalizou com a mão — Me espera aqui... Vou te levar para casa porque temos umas coisas para conversar.

Sequer tive tempo de dizer não antes que sumisse. Suspirei e quando me virei vi Ana Paula e Danilo parados atrás de mim.

— Sinceramente, maninha, desta vez você ultrapassou todos os limites de encrenca que já aprontou na vida! — Danilo me encarava com profundo desgosto — A vovó vai morrer de tristeza quando você for para a cadeia.

— Eu não vou para cadeia — Garanti pensativa.

— Aquele cara vai te denunciar, Nena! Ele tem muito dinheiro e você está ferrada! Vai ficar uns bons anos se ferrando por uma besteira! — Danilo praticamente me fuzilava com o olhar.

— Fiz um acordo com ele... — Encarei meu irmão firmemente — Em troca dele não me denunciar serei babá dos filhos dele por um ano — Danilo e Ana Paula fizeram um "Oooooh" — Não vou para cadeia e ainda ganhei um emprego! — Toquei seu queixo caído com a saída que encontrei.

— Você vai cuidar de crianças? — Ana Paula tapou os lábios para não gargalhar tão alto — É a coisa mais insana que já ouvi, Nena!

— Ana Paula! — Repreendi — Você quer que eu vá para cadeia? — Ana Paula não teve tempo de responder. Arthur voltou e parou ao meu lado. Ficamos nós três quietos olhando em sua direção — Tudo certo?

— Eles já foram e estou de alta, não existem motivos para ficar — Arthur sorriu de canto — Olá, boa noite — Disse a Danilo e Ana Paula.

— Essa é a Ana Paula, que você já conhece, e o meu irmão Danilo — Apresentei rapidamente e peguei na mão de Arthur o puxando enquanto ele acenava — Vamos. Tchau gente.

Ana Paula e Danilo sequer responderam e sai logo com medo de que arruinassem tudo!

— Nossa, que pressa hein? — Estávamos fora do hospital quando soltei a mão dele e comecei a caminhar na frente — Onde é que tem táxi?

— Você não tem carro? — Questionei.

— Vim para cá de ambulância — Sorriu amarelo com tom arrogante — Ah! Ali! — Me puxou pela mão desviando de pessoas e me levou para dentro de um taxi, sentando-se ao meu lado — Por favor... — Olhou para mim — Onde fica sua casa?

Expliquei para o motorista rapidamente.

— O que precisamos conversar? Não está tudo acertado? — O espaço parece pequeno no banco de trás apertado. O corpo forte de Arthur preenchia meu campo de visão, assim como seu cheiro agradável se prendia em meu olfato.

— Ainda tem um detalhe — Disse misterioso — Talvez isso te assuste. É melhor deixar para amanhã — Dei de ombros. Além de ser babá, nada mais poderia me assustar!

— Aliás... Quem é a sua esposa? Ela é famosa também? — Procurei uma aliança no dedo dele e não encontrei nada.

— Não, a minha ex mulher é anônima, mas não falamos dela em casa — Não disfarcei o espanto.

— E ela faz o quê para não ter tempo para suas crianças? — Questionei realmente curiosa.

— Ela não existe. Nos deixou — Respondeu secamente, olhando para fora do vidro do carro em movimento. Arrependi-me de ter dito ao notar sua profunda tristeza — Foi embora quando minha filha mais nova nasceu.

— Sinto muito — Sussurrei tentando ser condolente. O táxi seguiu e quando vi estava na porta de casa — Quantos filhos você tem? — Perguntei antes de descer.

— Amanhã falamos sobre isso — Arthur deu de ombros e eu também - Aqui está meu endereço — Estendeu um papelzinho e sai do táxi — E a propósito... — Me voltei para ele — Eu realmente não queria transar com você! — Sorriu e piscou — Boa noite Milena.

E o táxi foi embora enquanto minha resposta ecoava na noite.

— Cretino!


CAPÍTULO DOIS

 

 

Podia parecer uma bobagem, mas a chegada de Milena a minha vida parecia um milagre daqueles bem inacreditáveis!

A maioria das agências de babás mais renomadas sequer aceitava meu cadastro, dado o número de acidentes causados às moças por meus filhos. A fama de "anti babás" das crianças já havia ultrapassado o tolerável após dois anos da partida de Carina e conseguir alguém que topasse a empreitada de olhar cinco crianças realmente não seria fácil.

O salário era bom, mas o fardo proporcionalmente demasiado. A garota que acidentalmente tentou me matar teria de dar o seu melhor em troca de sua liberdade.

Cheguei em casa mais tarde do que previa e o sol já despontava quando passei no primeiro quarto de uma das crianças. Era o de Sophia, minha caçula.

O ambiente era tomado pela cor-de-rosa e tinha o berço no centro junto a bonecas na linda prateleira. O cheiro inconfundível de neném dominava, assim como as fraldas, lenços e roupas pequenas. Uma melodia doce ecoada da caixinha de música e o abajur deixava uma luz fraca acesa. Caminhei até o berço, afastei o mosqueteiro e encontrei minha pequena dormindo profundamente. O cabelo claro como o meu, a pele pálida e as bochechas rechonchudas salpicadas por pequenas sardas. Sorri e toquei em sua face com carinho. Ela resmungou e voltou a dormir.

Caminhei em direção ao quarto de Lara — minha filha número quatro — bem ao lado. Adentrei, contemplando as paredes pintadas de lilás e notei que Lara não estava em sua cama. A mesma, apesar de sua falta, estava desarrumada e com a boneca que ela sempre dormia ao lado. Segui para o quarto de Mallory — a filha número três e que adorava amarelo — e a encontrei deitada em sua cama com Lara ao lado, ambas agarradas em um abraço e sono profundo.

Sorri aliviado e apaguei a luz, antes acesa.

O quarto seguinte era o azul de Caleb, meu único filho homem. O garoto dormia com o notebook aberto sobre ele e fones no ouvido. Não pensei duas vezes antes de retirá-los e ajeitá-lo na cama com cuidado. Caleb abriu os olhos vagarosamente, me observou com curiosidade e voltou a dormir sem nada dizer.

Sua decepção era clara, mas nada comentei.

— Bons sonhos campeão — Sussurrei antes de sair.

Encarei no corredor, finalmente, o quarto de Clara — a filha mais velha.

Há uns meses deixei de lado o hábito de entrar no quarto dela à noite. Clara já não era tão pequena como as irmãs, agora já se transformou em uma mocinha de doze anos. A palavra "privacidade" aparecia constantemente em seus diálogos e passei a considerá-la. Era, sem sombra de dúvidas, a mais desafiadora entre os cinco. Preferia mil vezes cuidar da pequena Sophia de dois anos do que de Clara, pré-adolescente.

Abri a porta para apenas espiar se dormia e a contemplei sentada sobre a cama.

— O que faz acordada, Clara? — Perguntei entrando no quarto.

— Pai... Estou sem sono — Com o cabelo loiro preso em um coque e os olhos inchados, tive a certeza de que estava chorando a momentos atrás — Você chegou só agora? A Lara me disse que estava no hospital e teve um acidente... Não acreditei muito nela — Limpou o rosto e acendi a luz depois de me sentar ao pé da cama dela.

— Ela não mentiu. De fato fui parar no hospital — Clara pareceu preocupada.

— Porque não pediu a ela que me chamasse na linha, pai? A Lara só tem quatro anos! — Suspirei diante de suas palavras certas — Deixa eu adivinhar... Uma fã te atacou? — Sugeriu rindo um pouco. Havia um livro descansando em seu colo o título era "Os pesares do abandono". Quando me pegou olhando, retirou o mesmo de lá e jogou para fora da cama.

— Quase. Uma "não fã" me atacou — Pareceu surpresa — Sei que é confuso, mas tudo tem seu lado bom... Finalmente encontrei uma babá que topou cuidar de vocês!

— Fala sério, pai! Não sei por que ainda tenta — Girou os olhos azuis no rosto e sua expressão me lembrou muito a mãe dela, Carina — Sempre que você arranja uma babá a pobre pede demissão no final do dia!

— Garanto que essa não vai — Pisquei para ela.

— Como tem tanta certeza? — Cruzou os braços e franziu a testa — Deixa a velha ver uma das minhas brigas com a Mallory ou os choros de quatro horas seguidas da Sophia... Ah, talvez ela tenha sorte e pegue um dos surtos de vômito da Lara e de quebra um leve um sermão do Caleb. Você acha mesmo que vai durar muito?

Eu e ela rimos juntos.

— Bom, querendo ou não essa terá de ficar — Clara me encarou curiosa — Amanhã te conto tudo, mas agora quero saber o motivo das lágrimas — Toquei seu queixo com carinho e ela desviou o olhar — Aconteceu algo?

— Eu não estava... — Tentou negar, mas a encarei com total descrença. Suspirou e encarou as paredes desenhadas com estrelas brancas — Eu e Mallory brigamos de novo.

— E você chorou por isso? — Ergui uma sobrancelha.

— Bom... — Ela me olhou — Falamos da mamãe.

— Clara... Não discuta sobre a sua mãe com os seus irmãos. Acredite em mim quando digo que não vale a pena! Mallory e Lara não são como você e Caleb que entendem como tudo aconteceu. As duas pensam que um dia a sua mãe vai voltar, coisa que nós dois sabemos que não vai acontecer! — Clara concordou com um breve aceno triste — Foi o que ela escolheu, querida...

— Sei disso, pai — Sussurrou sem demonstrar nada além de vazio.

— Não é bom para Sophia e Lara crescerem nesse ambiente de brigas constantes dos irmãos, Clara. Você é a mais velha, querida — Toquei sua mão com carinho — Tente entender.

— Sabe pai, às vezes chego a pensar como Mallory e até acredito que minha mãe possa voltar um dia... — Me olhou nos olhos e as lágrimas contidas ali me partiram o coração — Você acha que um dia a nossa mãe pode voltar?

Um nó se fez em minha garganta por ter a convicção de que Carina jamais voltaria para as crianças. Se havia um arrependimento em sua vida era o de ter tido filhos e eu, mais do que ninguém, sabia muito bem disso! A abracei fortemente e ela retribuiu, chorando baixinho em meu ombro.

— Clarinha... Sua mãe não volta. Não acredito que volte um dia — Retifique de maneira mais carinhosa — Carina me disse em palavras claras quando foi embora que vocês eram meus e não nos veríamos novamente — Engoli as palavras verdadeiras para não magoá-la ainda mais. "Odeio você, odeio os seus filhos e nunca mais me verão novamente". Mais lágrimas caíram dos olhos dela — Sei que dói te contar isso, coisa que jamais disse para nenhum de seus irmãos, mas prefiro não criar mentiras e ilusões. Seus irmãos são criancinhas e podem sonhar à vontade, mas um dia entenderão o suficiente e então terei que dizer...

— Sinto tanta raiva dela! — A raiva que tomou seu rosto era bem distante da personalidade calma de Clara — Não por mim, mas sim por eles... Tenho saudades, mas passei muito tempo com ela. Quando olho para Sophia e Lara me vem uma vontade de esmurrar algo, sabe? As duas são tão pequenas e nunca tiveram a mãe por perto... Não o suficiente para criar uma simples lembrança — Secou o rosto com certa agressividade — Como ela pôde, pai? Como pôde ir embora assim? Não foi porque a vida a tirou de nós, mas porque ela mesma foi embora e nos deixou aqui! Ela não nos amava o suficiente!

— Talvez ame, mas seja um amor diferente. Carina foi mãe muito jovem e talvez tenha sido melhor assim. Talvez se estivesse aqui estaria maltratando suas irmãs como fazia com você, Caleb e Mallory — Apertou minha mão ainda mais.

— Ela nunca foi uma boa mãe para nós, mas isso de ser muito jovem não é desculpa pai! Apesar de você não ficar muito em casa, sempre está aqui quando precisamos. Você não nos abandonou e também foi pai na mesma idade que ela — Não tive como argumentar diante daquilo. Toquei novamente seu rosto tristonho.

— Se lhe servir de consolo — Sorri com carinho e agarrei suas duas mãos nas minhas — Jamais vou abandoná-los. Enquanto eu estiver aqui os cinco estarão protegidos de tudo!

— Eu te amo muito papai — Me abraçou e me deu um beijo longo na bochecha — Obrigado por ser assim... Pode ser atrapalhado, mas é um pai incrível!

— Também te amo, Clarinha — Me soltou e se ajeitou na cama — Boa noite... Ou bom dia... — Vimos os raios de sol começando a despontar.

— Bom dia, pai.


— Minha filha, aonde vai tão cedo? — Desci as escadas com a minha bolsa pendurada no ombro, vestida de jeans e com um baby look branco básico. Prendi o cabelo para trás enquanto a vovó Damiana me encarava sentada a mesa e passando manteiga no pão.

— Não te contei, vó? — Dei um beijo em seu rosto — Arrumei um emprego! — Sentei-me à mesa do café com ela.

— Mas isso é ótimo, Milena! — Comemorou me dando outro beijo estalado — Posso saber onde? Espero que seja decente e não tenha maluquices, menina. Te conheço...

— Tem nada disso! Vou ser babá dos filhos de um cantor. Sabe o tal do Arthur que tem aquela banda e todas as meninas babam por ele? — Questionei enfiando um pedaço de torrada na boca — Sabe quem é?

— Claro que sei! Aquele homem é muito bonito... Um ótimo casamento! — Me deu um tapinha nas costas e quase engasguei.

Não que não estivesse acostumada com a minha avó fazendo comentários do tipo. Seu maior sonho era me ver casada e mãe de família, coisa que sempre deixei bem claro que não estava em meus planos! Ser mãe não era bem o meu tipo de coisa pretendida, muito menos um sonho!

— Só vou trabalhar para ele enquanto não faço o vestibular, vó. Posso juntar uma grana e ajudar a senhora e o Danilo — Limpei a boca — Somente por isso!

— Não me surpreende em nada... — Continuava comendo e ajeitando seus óculos de bolinha em frente ao rosto — Li seu futuro essa semana e previ que arrumaria um casamento com um homem rico e famoso — Revirei os olhos e me coloquei de pé novamente, bebericando o café e pegando minha bolsa — Muitos filhos estão no seu caminho, querida!

Eu ri alto e beijei seu rosto cansado.

— Então acho que a senhora leu errado... Deve ter sido o de outra pessoa — Sussurrei em seu ouvido — Tchau vó! Fui!

O caminho no transporte público foi conturbado e longo. Era realmente um grande trajeto, mas não havia opção. Tudo o que me cabia era pensar e ouvir música.

A casa de Arthur era rodeada de segurança em um condomínio fechado e chique. Identifiquei-me como a nova babá dos filhos de Arthur Novateli e o porteiro me encarou com espanto, fato que me deu medo! Minha entrada não demorou muito para ser liberada, já era algo esperado. Passei pela outra portaria encantada com a imensidão daquilo tudo. Abriram o portão de prata e entrei. Enquanto caminhava para a entrada principal pude ver uma piscina que se estendia por mais outras e uma quadra de tênis aos arredores.

Subi as escadas da entrada principal e toquei a campainha. Uma moça ruiva abriu a porta de vidro.

— Posso ajudar? — Questionou-me olhando de cima a baixo.

— Claro — Respirei fundo e notei se tratar de uma funcionária da casa — Sou a nova babá. O Arthur me pediu para vir hoje.

— Ah! É você a corajosa! O senhor Novateli a espera — Me deu passagem e entrei. Olhei em volta enquanto ela fechava a porta de vidro. Tudo era branco e impecável. Estiquei o pescoço procurando algum sinal das crianças e nada!

Não parecia realmente um ambiente dominado por crianças, dada à organização, mas me surpreendi com o bom gosto da decoração e a educação da funcionária.

Enquanto eu me deslumbrava, a moça sumiu e em seguida Arthur apareceu.

— Milena — Cumprimentou. Não olhei para ele, continuei encarando a decoração — Bom dia.

— Bom dia — Quando meus olhos foram parar nele, parado à minha frente, tive uma surpresa. Carregava em seu colo o bebê mais lindo que eu já tinha posto os olhos. De fato era a menina mais linda, ainda mais por ser a cara do pai.

O cabelo era em um loiro quase dourado na altura do pescoço, pele clara, olhos verdes e atentos, lindos e chorosos. Usava fralda, chupeta e um paninho agarrado. Usava um vestido florido e amarelo.

— Você é pontual, que surpresa — Sorriu abertamente, também lindo em uma roupa tradicional. Camisa escura e jeans — Aliás, essa é Sophia, minha filha caçula — A menina me olhava atentamente. Levou a mão aos olhinhos e os coçou.

— Ela é tão linda... Meus parabéns! — Elogiei me aproximando — O nome também. Olá Sophia! — Acenei para ela, que sorriu com a chupeta.

— Dê um olá para Milena, Sophia — Arthur disse baixinho e a bebê me deu um tchau também. Depois se virou e abraçou o pai pelo pescoço — Não precisa ficar com medo. Milena é sua amiga agora.

Ainda desconfiada, Sophia seguia agarrada ao pai.

— Sua casa é um arraso! — Disse admirada e Arthur assentiu — Nem parece que tem criança aqui.

— Eles ficam mais na parte de recreação e nos quartos — Explicou com cuidado, apontando o sofá — Sente-se Milena. Agora aqui será como sua segunda casa — O encarei com expressão de poucos amigos e fiz o que mandou.

— E então? É somente da Sophia que irei cuidar? — Seria o céu se fosse, mas Arthur havia dito filhos. No plural.

— Não — A expressão dele mudou para algo próximo do nervosismo — Vou buscar o que falta — Anunciou e assenti — Porque você não fica com a Sophia? — Foi até mim me passando o bebê.

A lindinha se encaixou em meu colo perfeitamente e admirou-se com meu brinco de argola e o batom vermelho.

— Você parece um raio de sol, sabia? — Sussurrei com um carinho que eu não sabia ser meu, a pessoa mais insensível do mundo. Sophia continuou me encarando e brincando com o brinco.

Lembrei repentinamente de Arthur contando que ela, a mais nova, não tinha conhecido a mãe. Aquilo rapidamente me causou dor no coração. Como uma mulher poderia ser capaz de abandonar um ser tão encantador?


— Caleb chame Clara! — Pedi quando ele saiu do banheiro usando pijamas. O garoto me olhou coçando os olhos.

— Ué, para que? — Perguntou sonolento.

— A nova babá está lá embaixo! — Eu estava meio que apavorado! Cinco filhos... Cinco crianças! Seria demais para ela? — Desce com a Clara na sala, por favor!

— Babá? — Perguntou tirando o sarro — Você não aprende, não é pai? — Saiu na direção do quarto de Clara. Abri a porta do quarto de Mallory e a encontrei com Lara na cama brincando.

— Meninas... — Chamei da porta e elas me olharam — Levantem e desçam para a sala. A nova babá está aqui.

— Babá? — Mallory disse rindo.

— Elas sempre vão embora... — Lara completou e as duas levantaram da cama e calçaram as pantufas. Saíram do quarto rápido e demos de cara com Caleb e Clara no corredor.

— O que tá rolando? — Clara parecia confusa, também de pijamas como todos.

— A babá chegou — Os quatro me encaravam com certo descontentamento, parados lado a lado — Já aviso que não quero saber de confusão e somente vou avisar uma vez... Se com essa moça não der certo ou algo acontecer que ameace a integridade física dela, mando os quatro para o colégio interno! — Se entreolharam com tédio — Entendido?

Tentei ser rude. Tentei ser firme. Tentei de tudo! Obviamente jamais faria isso com meus filhos, mas precisava amedrontá-los um pouco! Os limites já estavam absurdamente ultrapassados.

— Não acha que está pegando pesado demais, pai? — Caleb disse retirando o cabelo loiro da face e abraçando Lara, que o agarrou pela cintura com uma carinha de medo.

— Você já está apelando! — Molly cruzou os braços — Tudo isso por uma babá?

— Chega de briga gente, vamos logo conhecer a tal moça... — Sem paciência, Clara saiu andando na frente e os irmãos a seguiram.

Respirei profundamente e os acompanhei, esperando muito que Milena não entrasse em pânico.


Devo confessar que tudo parecia mais agradável do que pensei inicialmente. Eu e a pequena Sophia tivemos uma ligação imediata quase inexplicável e tal fato me surpreendeu, uma vez que nunca fui muito próxima de crianças ou fã da classe.

Aqueles lindos e inocentes olhos me encantavam cada vez que me encaravam e a sensação em nada tinha a ver com a raiva que sempre nutri pelo pai dela. Ambos tinham exatamente o mesmo olhar doce, intenso e esverdeado.

Continuei esperando na sala com a menina linda em meus braços, paparicando-a com sua curiosidade aguçada. Parecia achar graça de meus seios, colocando sempre à mão neles e observando. Ainda era pequena e provavelmente nem chegou a ser amamentada pela mãe desnaturada que foi embora. O fato me enoja.

Jamais desejei ser mãe, mas não conseguia entender como alguém poderia abandonar um filho.

As consequências da falta materna eram claras. Notei logo que a bebê não falava, apesar de já ter idade para isso, muito menos havia saído das fraldas.

— Cadê seu pai, hein? — Sophia deitou a cabeça em meu ombro e me coloquei de pé quando ouvi vozes se aproximando.

"Você disse para ela em quantos nós somos, né pai?"

"Fica quieta, Mallory!"

O breve diálogo me fez estreitar o olhar e esticar o pescoço na direção das vozes. Minha expectativa era grande diante da nova criança, que parecia ser uma menina.

Não demorou tanto até uma garota pequena, loiríssima e de cabelo na altura do ombro entrar me encarando fixamente com seus olhos grandes e azuis. A mesma parecia curiosa e era demasiadamente bonita. Deveria ter no máximo cinco anos. Ao contrário de Sophia, não se parecia tanto com o pai. A garotinha parou diante do sofá do lado oposto e em seguida outra menina maior apareceu também. Tinha longos cabelos loiros e quase dourados e exatamente os mesmos olhos verdes de Sophia.

Era quase a versão mais velha da bebê em meus braços.

Detive-me no lugar, apenas aguardando Arthur entrar e me dizer que estava de brincadeira! Três filhas? A visão das meninas fez meu estômago afundar em ansiedade! Tive um sobressalto ao ver um menino — finalmente, diga-se de passagem! — tomar seu lugar junto às garotas. Era franzino, magro, com o cabelo loiro cortado em forma de tigela, olhos lindos e azuis e óculos sobre o rosto. Parecia ser o mais velho entre as meninas, mas não maior do que a garota que veio depois.

Adotando uma postura um tanto arrogante, a menina maior entrou de braços cruzados me encarando como uma estranha no recinto. Seu cabelo era, de fato, incrível. Claro, brilhante e caindo em perfeito alinhamento e sintonia até a cintura pequena. Se a bebê e a menina número três eram a mesma versão, a menina número quarto e a número um também se pareciam demasiadamente.

Desviei o olhar deles quatro para Arthur, parado ao lado da filha mais velha.

— Milena... — Sussurrou nitidamente desconcertado, coçando a nuca e me encarando com certo receio — Esses são os meus filhos mais velhos.

Quatro meninas e um menino. Aquilo era demais até para as famílias mais tradicionais, que dirá para um pai solteiro!

— Jura? Tem certeza que são SÓ eles? — Ironizei ajeitando a pequenininha em meus braços.

Minha mente realmente não trabalhava direito enquanto os encarava.

— Fala sério, pai! — A mais velha voltou-se para Arthur — Essa menina é a nossa babá? — Enfatizou a palavra menina.

Lancei para ela um olhar de "está me tirando", mas a garota me encarou com a mesma arrogância.

— Sim, Clara, essa é Milena, a nova babá — Arthur afirmou com uma postura rígida e decidida — Algum problema com ela?

— Quantos anos ela tem? — Clara perguntou me medindo de cima a baixo.

— Vinte e dois anos — Respondi atropelando Arthur.

— Está vendo, pai? Ela tem idade para ser nossa irmã mais velha! — Virou-se na direção do pai ignorando totalmente eu e os irmãos — Você perdeu a noção?

— Não perdi noção nenhuma, garota, e é bom me respeitar! — A menina revirou os olhos e cruzou os braços — Milena tem idade suficiente para trabalhar como babá e tem ótima indicação.

— De quem? — Clara insistiu e eu também fiquei esperando a resposta.

— Ana Paula... — Arthur me encarou como se me mandasse ficar quieta. Mordi os lábios — Uma amiga minha.

— Pois eu não concordo com isso! — Clara se voltou para mim agora, sem nenhuma vergonha de me peitar — Tem cara de quem não sabe nada de crianças e só está aqui porque você é famoso!

Mais uma vez falei antes de Arthur.

— Realmente não sou uma expert em crianças, mas tenho boa vontade e sei o básico — Era uma mentira, claro, mas jamais iria descer do salto. Arthur parecia surpreso com minha resposta — E se tem uma coisa que não sou é fã do seu pai... A música dele e ele não me impressionam em nada!

— Caramba... — O garoto sussurrou surpreso quando todas as meninas encararam o rosto vermelho de Arthur. A saia justa era nítida e até Clara ficou surpresa por minha afirmação.

— Milena, por favor... — Arthur começou, mas fui até ele e passei a bebê para seus braços.

— Sinto muito, mas vou embora! Depois você me liga e acertamos outra maneira para eu pagar aquela... Dívida — Rapidamente fui em direção a porta, mas Arthur me seguiu de perto o tempo todo.

— Você não vai a lugar nenhum! — Parei perto da porta ao ouvir sua voz.

— Você não viu? — Sussurrei para as crianças não se assustarem — Eles não gostaram de mim! Além disso... Porque raios não me contou que tinha cinco filhos, cara? Cinco? Caramba! Parece a família da Angelina Jolie! — Sophia estava no colo dele e os demais cochichando na sala.

— Você não perguntou — Olhou por cima dos ombros para ver se algum deles nos ouvia — Milena...

— Perguntei sim! — Rebati já nervosa.

— Você perguntou quantos filhos eu tinha, não se eram cinco, exatamente! — Suspirei e me aproximei ainda mais dele — Tive medo da sua reação e... Não existe nada que eu precise mais do que isso! — Repetiu a frase da noite em que nos conhecemos — Você tem uma dívida comigo, Milena... Por favor, reconsidere!

— E a sua filha mais velha? — Questionei curiosa — Ela pareceu ser casca grossa...

— Eu cuido dela, não se preocupe! — Nos encaramos por segundos e entendi o recado. Arthur não iria me deixar escapar tão facilmente! Assenti a contragosto, passando à frente dele e voltando para sala — Escutem crianças... — Os quatro o encararam com curiosidade — Milena a partir de agora é a babá de vocês e ficará responsável por todas as atividades voltadas exclusivamente a vocês. Já expliquei as consequências para aquele que fizer alguma coisa contra ela, não expliquei? — Assentiram — Quero ressaltar que eu não estava brincando e todos vocês devem obedecê-la e respeitá-la! Entenderam?

— Sim papai! — Responderam em coro. Alguns normalmente, o caso da menina número quarto e o garoto, e as duas mais velhas a contragosto.

— Ótimo! — Arthur sorriu finalmente — Agora quero que digam seus nomes e suas idades para Milena os conhecer melhor. Começando por Caleb, o meu garoto! — Apontou o único menino, que sorria orgulhoso com uma das irmãs pequenas abraçada a sua cintura.

— Olá Milena! Seja bem-vinda a nossa casa! — Seu tom educado e concordei com um aceno — Meu nome é Caleb, eu sou o segundo filho e tenho nove anos. Sou o único menino da família.

— Se você não falasse, ela nem ia perceber! — Disse uma das meninas e os demais riram. Arthur lançou um olhar de reprovação – Ahn... Oi. O meu nome é Mallory, sou a terceira filha e tenho seis anos — Colocou as mãos para trás e olhou a irmã menor — Fala seu nome para ela, Larinha. Diz quantos anos você tem.

— Meu nome é Lara e eu tenho isso... — A menor entre eles mostrou quatro dedinhos da mão, simbolizando o número quatro. Todos olharam para Clara e Arthur também. Ela trocou um olhar com o pai antes de soltar um suspiro de raiva.

— Clara, doze anos — Se virou para o pai — Posso subir agora? — Arthur concordou com a expressão cansada. A garota não demorou a sumir nas escadas.

— E essa é a Sophia — Arthur apontou a neném em seu colo — Nossa caçula. Ela faz três anos daqui alguns dias.

— Tem certeza que não tem mais nenhuma criança escondida? — Questionei a Arthur em tom de brincadeira — Desculpe. Estou tentando me acostumar. Cinco é um número bem alto...

— Papai costuma dizer que é o melhor número — Caleb disse dando de ombros.

— Para mim, sim! — Arthur bagunçou o cabelo claro do filho e lhe beijou a cabeça com carinho.

Para mim, naquele momento, cinco era um número terrivelmente assustador!


CAPÍTULO TRÊS

 

 

Arthur saiu e me vi sozinha em uma casa absurdamente grande com cinco desconhecidas crianças. Com exceção de Sophia, todos os outros pareciam ter me odiado à primeira vista e minha impressão deles não foi a mais otimista.

Logo eu, uma garota totalmente endida e criada sem a mãe, me via desempenhando um tipo de papel ligado à maternidade. Céus... O que não fazer para evitar a cadeia?

Preparei-me ao deixar a bolsa no quarto das funcionárias e prender o cabelo para trás. Fazer tudo isso com a pequena Sophia ao encalço, observando atentamente com seus lindos olhos verdes como os do pai, já foi meu primeiro desafio.

— Bem que vovó me disse para não arrumar filho cedo que era furada... Veja só onde vim parar, dona Sophia! Somos eu e você agora! — A pequena riu baixinho mesmo sem compreender, quieta em meus braços e sugando sua chupeta — Qual é o primeiro passo?

Sophia de fato deveria pensar que sou uma piada como todos os outros, uma vez que parecia encantada com minha presença. Não precisei fazer esforço para que houvesse uma conexão e certamente tinha a ver com a falta da mãe dela. Caleb, o garoto, entrou no quarto da bebê sozinho e hesitante enquanto eu me ocupava de trocar a primeira fralda de cocô da minha vida!

— Você precisa de ajuda? — Perguntou parado ao lado do trocador.

— Se você puder... — O garoto pegou as pernas de Sophia enquanto eu deslizava o lencinho pelo bumbum pequeno e sujo — Caramba! Como uma coisa tão linda pode fazer tamanho estrago?

— E esse não é dos piores... — Comentou observando-se terminar de vestir a outra fralda na bebê. O encarei com certo receio por suas palavras — Será que... Posso falar com você? — Questionou seriamente.

— Claro! — Coloquei Sophia no chão com esforço e a pequena começou a brincar em seu monte de brinquedos no chão do quarto — Ela pode fazer isso?

— Sim, ela sempre faz — Deu de ombros — Passa a maior parte do tempo brincando aqui — Concordei analisando a cena e tudo parecia sob controle — Então babá...

— Ah, para! "Babá" não! Me chamo Milena — Aclarei com um sorriso tranquilo e o garoto estranhou — Aonde é que eu consigo água aqui? Estou meio perdida, seu pai não deixou sequer um manual ou uma listinha de afazeres... — O menino certamente me achava uma piada — Sabe como é... Não tenho experiência com crianças.

— Você pode pegar água na cozinha — Apontou para fora — Se quiser te mostro onde é! Sophia, não saia daqui! — Pegou em minha mão e saiu me puxando. Chegamos à cozinha, um cômodo grande e bonito. Ao lado havia a sala de jantar com uma mesa larga o suficiente para comportar todos os membros da família e as meninas menores aguardavam pelo café, preparado pela cozinheira, ainda de pijama. O garoto me passou um copo de água — Se não sabe de crianças, o que exatamente veio fazer aqui?

Cumprimentei a cozinheira brevemente antes de prosseguir. A mulher franzina e de meia idade me olhava dos pés à cabeça.

— Olha Ca... — Franzi a testa quando esqueci o nome dele.

— Caleb — Corrigiu um tanto receoso.

— Caleb... Seu pai e eu temos um trato. Um acordo do qual não posso me desfazer e nele consta que devo ficar à disposição dos filhos dele por um período de tempo — Expliquei brevemente, não querendo ser tão invasiva — Espero que possamos nos dar bem.

— Mas ficar à disposição, somente, não é o serviço de uma babá — Cruzou os braços.

— Ah é? — Questionei curiosa, colocando o copo na pia — Então qual é?

— Você deveria começar o dia pedindo para tirarmos o pijama e escovarmos os dentes antes de tomar café — Pelas costas dele vi a tal filha mais velha entrar na direção da sala de jantar usando pijama — Deveria se importar com o cardápio servido pela cozinheira e se as meninas menores usaram o banheiro devidamente. Deveria...

O interrompi.

— Me desculpe... Realmente vou demorar a me adaptar, uma vez que já disse que não sei nada sobre crianças! — Sophia apareceu logo atrás da irmã mais velha e correu em minha direção com uma boneca nas mãos. A peguei no colo quando agarrou em minhas pernas — Olá pequena, você quer um lanche?

— Então porque está aqui? Se não vai cuidar de nós, deveria ter ficado na sua casa! — Olhei dele para Sophia — Não acha?

— Olha Ca... Esqueci! Você tem razão, garoto, mas... — Suspirei e apertei os olhos — Isso é mais complicado do que parece! Já citei que se trata de um problema entre seu pai e eu, uma coisa de adultos...

— Neste caso eu mesmo vou dizer ao meu pai que você é completamente fora da casinha — Caleb me deu as costas e segui parada no lugar com suas palavras pairando no ar e a vergonha da situação estampada na testa.

— O café está servido! — A cozinheira colocou uma mamadeira grande nas mãos de Sophia, que se deitou em meu peito e começou a sugá-la com ardor. A aconcheguei a mim, arrastando-me para sentar em uma poltrona no corredor.

De lá, sem que os mais velhos notassem, pude ouvir o que falavam de mim na mesa do café.

— Não acredito que você estava falando com aquela garota, Caleb! — Clara disse com uma voz de nojo.

— Olha, nunca pensei que diria isso... Mas você tem razão sobre ela, Clara! — O menino respondeu um tanto desolado — Ela é completamente sem noção!

— Como assim a Clara tem razão? Você nunca disse isso, Caleb! — A filha número três, Mallory, interveio.

— Mas estou dizendo agora! Essa moça não quer nada com nós... Deve ser como as outras malucas que só chegam até aqui pelo papai...

— Porque pelo papai? — Mallory insistiu.

— Porque o papai é bonito e famoso, Mallory! As mulheres querem namorá-lo e usar de sua fama. Percebi isso na hora em que ela chegou! O que levaria uma garota tão nova e bonita a trabalhar como babá de cinco crianças sem mãe? Fala sério... — Revirei os olhos diante das palavras de Clara.

Realmente seria muito complicado lidar com ela.

— Isso é verdade — Mallory concordou com a voz bem tristonha — Ninguém nunca quer nada com gente! A mamãe se foi e agora a vovó também... Nem mesmo as babás ligam para nós!

— Porque a Lory está dizendo isso? Ninguém gosta de nós, Caleb? — Perguntou a menorzinha, Lara — Somos tão chatos assim?

— Não, não, Lara! — Caleb interveio em tom doce — É que nós somos muitos, Larinha, e as pessoas se assustam quando chegam até aqui. Mas o papai nos ama, esqueceu?

— Se ele amasse não iria nos colocar na mão dessa doida — Mallory suspirou.

— O papai está sem saída! Ele é só uma vítima dessa maluca, assim como nós... O que será que ela está fazendo para ele em troca desse trabalho? — Separei os lábios com as palavras de Clara. Aquela garota estava insinuando mesmo o que cogitei?

— Como assim? — Mallory questionou.

— Cala a boca, Clara! — Caleb grunhiu.

— Será que ela está dando doces para ele? — Lara disse aos irmãos, fazendo Clara rir.

— No mínimo uns beijos, não é? Bonita ela é... — Me segurei para não ir até lá e dizer poucas e boas para Clara, mas me contive.

— Já falei que é melhor calar a boca agora, Clara! — Caleb parecia nervoso.

— Porque você sempre se comporta como se você fosse o mais velho? Eu sou a irmã mais velha, Caleb!

Ouvi o barulho de um copo se quebrando, seguido de um grito e choro. O alvoroço já estava instalado quando cheguei ao local com Sophia a meu encalço. A cozinheira também estava lá e ambas encontramos Lara com o dedo cortado e um copo quebrado.

— O que aconteceu? — Clara estava com a garotinha no colo quando me aproximei.

— A idiota da Clara quebrou um copo e a Lara colocou a mão. Ela cortou o dedo! — Mallory acusou.

— Foi sem querer! — Clara defendeu-se — Eu... — Fui até a machucada e a peguei no meu colo.

Sai com Lara em direção à cozinha enquanto a cozinheira tratava de limpar os cacos.

A briga se instalou entre os mais velhos, que foram despachados para a sala pela cozinheira. Deixei o caos para trás e uma Sophia quase adormecida no colo de Caleb.

Tentei esquecer os berros atrás de mim e coloquei a pequena — se não me engano a quarta filha — sentada no balcão da cozinha. Ela ainda chorava muito, apesar do corte não ser grave.

— Onde é que tem um kit de primeiros socorros? — O garoto deixou as irmãs brigando na sala e me seguiu com Sophia.

— Eu vou pegar! — Correu em direção à missão.

— Está doendo, tia, está doendo muito! — Lara dizia em meio às lágrimas. Segurei sua mãozinha esperando o garoto voltar.

— Não precisa chorar tanto... Foi uma coisa boba, logo para de arder, eu prometo! — Tentei acalmá-la como vovó fazia comigo na infância — Vai ficar tudo bem! Vou fazer um curativo e vai parar de doer — Ainda chorava, mas assentiu coçando os olhos — E vocês duas... Chega de gritos, por favor! — As mais velhas entravam na sala para ver como estava Lara. Surpresas, ambas me encararam e pararam a briga — Isso não vai ajudar em nada a irmã de vocês, somente vai assustá-la ainda mais!

— A Mallory não entende que foi culpa dela! — Clara apontou a irmã com desdém — Como tudo, não é? Tudo de ruim que acontece é culpa da Mallory!

Os olhos verdes de Mallory se encheram de lágrimas e a garota explodiu com a irmã.

— Odeio você, Clara! Você é a pior irmã do mundo! — Mallory passou por mim e subiu as escadas correndo e chorando. Sophia estava chorando também no colo da irmã mais velha, que saiu dali com ela no colo em direção à sala.

Surpreendi-me com a fala de Clara e a reação de Mallory. Certamente havia algo por trás daquela frase que impactou tanto no comportamento de Mallory.

Caleb desceu correndo com o kit de primeiros socorros em mãos e colocou ao meu lado. Abri a malinha branca e fiquei olhando... O que fazer? Voltei a me espelhar em minha avó e fiz exatamente como a mesma fazia em minha infância. O mesmo curativo.

— Me dê à mão... — Ela o fez um tanto hesitante.

— Está doendo, tia! — Resmungou. Terminei de limpar e peguei um curativo cheio de corações dentro da caixinha. Apliquei sobre o machucado e quando a menina o viu imediatamente parou de chorar — Acho que estou bem agora...

— Está vendo? É só uma questão de calma... Tudo se ajeita — Dei uma apertadinha na barriguinha dela e Lara sorriu.

— Ficou tudo bem, Lara — Caleb celebrou mais aliviado após a irmã parar de gritar.

— Obrigado tia! — Lara se esticou e me deu um beijo no rosto. Surpresa com seu ato, concordei um pouco envergonhada.

— Estou aqui para isso — Ressaltei o meu tom esperando que Caleb compreendesse que ouvi a conversa dele com as irmãs — Vocês não têm aula hoje? — Olhei para ele atrás de mim.

— Não. Hoje é a reunião de pais na escola. Só temos aula amanhã.

— Que ótimo! — Ironizei e retirei Lara do balcão — Vamos tirar o pijama e começar o dia?

— Para que tia? Vamos ficar em casa todo o dia! — Lara colocou a mão não machucada na cintura e ri disso.

— Isso lá é desculpa para não trocar de roupa? Vamos! E avisem as duas briguentas também!

— A Lara e a Sophia não se trocam sozinhas... Às vezes nem a Mallory — Caleb explicou a mim enquanto subíamos. Respirei fundo.

— Você se troca? Ou também quer que eu te troque? — Caleb revirou os olhos e me deu as costas — Você... Vem comigo! — Apontei Lara. A pequenina me seguiu sorrindo. Entrei na sala e vi a mais velha com o rosto emburrado, sentada ao sofá com a bebê no chão — Hora de tirar o pijama, por favor — Clara não esperou nada para sair da sala — Suspirei e peguei Sophia — Sua irmã é sempre assim? — Perguntei a Lara.

— Quase sempre — Caminhava ao meu lado em direção ao quarto — O papai diz que ela está ficando adolescente. A Mallory não entende que ela é a irmã mais velha e as duas sempre brigam muito.

Não era somente uma família de cinco crianças e um pai solteiro, mas sim uma família completamente desestruturada de cinco crianças e um pai solteiro!

Não que eu seja uma pessoa muito lúcida, mas vovó sempre me criou com muitas regras e carinho. Cresci acostumada a horários e apoio, coisa que os cinco pequenos Novateli pareciam não possuir. Os filhos de Arthur, ao contrário de mim, possuíam o melhor que o dinheiro podia oferecer. Seus aposentos eram os mais incríveis, cada quarto era decorado de acordo com a personalidade de cada criança.

Clara, doce e impetuosa.

Caleb, um espertinho nerd.

Malloy, intensa e indomável.

Lara, meiga e curiosa.

Sophia... Um anjo em forma de bebê.

Troquei a roupa de Lara e Sophia após banhá-las, me divertindo com o feito. Era incrível ter tantas roupas bonitas e me senti como se brincasse de boneca. Para minha total surpresa era muito mais fácil lidar com as menores do que com os mais velhos!

Passei a manhã toda conversando com as demais funcionárias enquanto o garoto jogava videogame. A mais velha passava o tempo no quarto, Mallory e Lara brincavam bastante com brinquedos pela casa e Sophia era incapaz de me deixar. Ficava o tempo todo vendo desenhos no meu celular ou brincando bem próxima.

As funcionárias me passaram a ficha da família Novateli.

Arthur e Carina, sua ex mulher, se juntaram quando eram adolescentes. Carina engravidou de Clara sendo apenas uma menina e Arthur, vindo de boa família, bancava todos os gostos da mulher. Os anos se passaram e mais filhos nasceram... Segundo as funcionárias, Carina era do tipo violenta com os três filhos mais velhos, principalmente com Clara e Caleb, culpando ambos pelo fracasso de seu casamento com Arthur.

Já Mallory e Lara sempre ficaram de lado, cuidadas pelas empregadas desde que nasceram e recebendo apenas a atenção do pai. A mãe já estava farta de filhos e de cuidar deles. Após o nascimento de Sophia, Carina simplesmente desapareceu sem se despedir de ninguém, muito menos das crianças. Arthur explodiu com a banda, tendo a ajuda da mãe com as crianças, mas o pai dele adoeceu e a mãe precisou voltar para sua casa.

— Não duvido que Carina bata na porta atrás dele de novo! — Gabi, uma das meninas da limpeza, disse interessada.

— Eu mesma jamais abandonaria o meu marido com cinco filhos... Muito menos um marido como o senhor Arthur — Maria, a cozinheira, comentou com nítida pena — Ele é muito bonito e educado... Não achou, Milena?

Ambas me encararam e despertei de meu transe. Realmente era perturbador uma história como essa! Deixar uma menina recém-nascida e Lara com pouco mais de um ano? Arthur deveras era um homem de muita coragem para assumir os filhos daquela maneira, no mínimo, destroçados.

— Ah... Ele é bonito, claro. Os filhos dele também são — Desconversei sem conter a tristeza pelas crianças — Não sou muito fã de criança, nem nunca pensei em ser mãe, mas não teria coragem de me separar de um filho...

— Mesmo sendo cinco pestes como esses aqui? — O desdém de Gabi foi enorme.

— Eles sofrem muito — Me lembrei da conversa que tiveram mais cedo sobre mim — Deve ser complicado para essas crianças compreenderem a ausência inexplicável da mãe — Ouvi um grito vindo da sala — Bom, eu já volto!

Na sala, Lara gritava com Mallory.

— Ela não é má!

— Você é uma burra mesmo! Já te falamos para ficar longe dela!

— Mas ela curou o meu dodói! — Mallory pulou do sofá atrás da irmã e Lara foi correndo na direção da porta.

— Mallory e Lara! — Lara se jogou sobre mim, em meu colo, e agarrou o meu pescoço — O que está acontecendo aqui?

Mallory se deteve com expressão de menina má. Seu rosto lindo — depois de Sophia era a criança que mais se parecia com o pai — distorcido em uma careta como se de fato me odiasse. O cabelo dourado, longo e com cachos nas pontas caia ao lado do corpo um tanto revolto e os olhos verdes concentravam-se em mim.

— Não é da sua conta! — Vociferou Mallory, que de anjo só tinha a cara — Você nem chegou e já quer se meter em tudo?

— Sou a babá e quero saber o motivo de você estar brigando com Lara. O que foi que ela te fez? — Lara me apertou ainda mais, deitando a cabeça em meu ombro. É apenas o primeiro dia em que trabalhei na casa dos Novateli e já me vejo rodeada de problemas!

— Eu já disse que não é da sua conta! — Mallory passou por mim, mas a barrei com a perna antes que passasse. Ela ergueu os olhos verdes em minha direção nitidamente contrariada — Me deixa passar!

— Se você não gostou de mim, Mallory Novateli, o problema é seu! Apenas quero que saiba que não estou aqui para maltratar ou ser desrespeitosa com ninguém! Desejo ser sua amiga, Mallory, não sua inimiga! Acho que seria bem mais fácil para nós — Ajeitei Lara em meu colo e me lembrei de ter deixado Sophia com Maria na cozinha.

Mallory não disfarçou a surpresa por minhas palavras e por um minuto a notei pensativa, talvez ponderando a ideia de amizade que propus. Tive de compreender que não era nada fácil para eles confiarem em alguém, exceto o pai.

— Para de falar bobagem! Como todas as mulheres bonitas que chegam até aqui, você quer apenas roubar o lugar da mamãe! Mas fique sabendo que ela vai voltar um dia e eu não posso deixar outra mulher ficar no lugar que é dela! Não posso ser sua amiga!

Os olhos verdes e desesperados de Mallory se encontravam chorosos e tal fato me tocou o coração. Jamais senti tanta pena de alguém como sentia dela naquele momento, uma vez que, pela história que ouvi, a mãe dela jamais foi flor que se cheire e muito menos queria saber das crianças. Retirei a perna e deixei que passasse por mim e a menina correu escada acima com ímpeto. Levei a mão ao peito pelo diálogo pesado da garota, que certamente não tinha a mínima dimensão de que a mãe não iria voltar como ela esperava.

Lara, ainda em meu colo, me encarou com os olhos azuis espertos e curiosos.

— O que é mamãe, tia? — Afaguei o cabelo loiro claríssimo dela com tristeza no olhar — Sei que é uma mulher que cuida de criança, mas nunca conheci uma. Você é uma mãe?

— Boa tarde — Me surpreendi ao ouvir a voz irretocável e singular de Arthur. Desviei os olhos para ele, que se aproximou para dar um beijo na testa de Lara — Oi princesa. Você se comportou?

Seus olhos me mediram brevemente, mas fiz questão de não encará-lo de volta. Talvez notasse meu estado baqueado pelo dia cheio e turbulento. Era realmente difícil ignorar sua presença.

— Oi papai... — A menininha disse dengosa em meu colo, beijando o pai também — Você veio cedo!

— Fui à reunião de pais do colégio ainda agora. Oi Milena — O encarei finalmente, incapaz de ignorar totalmente a proximidade daquele homem que preenchia todos os espaços ao meu redor, inclusive com seus cinco filhos.

— Arthur... — Respondi em um sussurro. Ouvi ao fundo a voz de Caleb chamando o nome de Lara. A pequena foi atender o chamado, saindo de meus braços.

Eu e Arthur nos encaramos em silêncio total, sendo quase um afronte dizer qualquer coisa. A situação era pesada por si só, mas vi certa admiração em seu olhar esverdeado e tão marcante. Mexeu no cabelo um tanto sem jeito, comprimindo os lábios antes de prosseguir. Como dizer a ele que sua casa era um caos? Deveria ter uma ideia, por certo!

— E o dia foi muito difícil? As crianças... — Suspirei.

— Foi um completo desastre e eu te agradeço por isso! — Ironizei dando-lhe as costas e indo em direção ao local onde deixei a pequena Sophia com Maria e as duas ainda estavam. Maria me entregou a bebê rapidamente, acenando para Arthur e saindo.

— Milena, por favor... — Insistiu ainda me seguindo quando voltei para sala — Pode me responder?

Criei coragem de tornar pública minha indignação. Aquele homem tinha que ter conhecimento de que seus filhos estavam em total descontrole.

— Você quer saber como foi de verdade? — Me virei para a direção dele em um movimento brusco. Sophia até pulou em meu colo — Pensei que seria um caos com as menores, mas até que levei bem. As duas são carentes como cãezinhos... Bastou fazer um pouco de carinho que aceitaram minha presença — Arthur ergueu uma sobrancelha.

— Está comparando minhas filhas a cães? — Questionou confuso.

— No bom sentido para ela e no ruim para você! São muito carentes, será que não compreendeu? — Apontei minha cabeça com a mão livre — Seus filhos mais velhos armaram uma reunião anti-Milena, onde Clara insinuou que eu estou tendo um caso você! Agora me diz... É normal uma menina de doze anos pensar algo do tipo? — Arthur separou os lábios com a surpresa — Seu filho, aliás, disse claramente que somente estou aqui por causa de você e do seu dinheiro... A menina do meio é a pior de todas! É malvada com os irmãos, cruel com as palavras e me chamou de impostora, acusando-me de querer roubar o lugar da mãe dela! — Arthur passou a mão pelo cabelo, mas desta vez nitidamente confuso e perdido — Sem contar os adicionais! Lara a todo o momento é vítima de uma das irmãs, as duas mais velhas brigam como rivais e o garoto se sente como o pai das irmãs... Sophia... — Sorri a encarando em meus braços — Ela não fala, já notou?

— Milena... Me desculpe, mas... — Começou, mas não deixei que falasse.

— Mas o que, Arthur? Seus filhos precisam de ajuda, muita ajuda! Não tenho a qualificação necessária para atendê-lo, sinto muito! — Passei Sophia para o colo dele — EU ME DEMITO!


CAPÍTULO QUATRO

 

 

Jamais pensei me sentir tão livre e aliviada por sair de um local como me senti ao sair da casa dos Novateli.

A rua movimentada me trouxe o frescor da memória e respirei o ar profundamente enquanto caminhava o mais longe possível daquele antro de desordem. Não sou do tipo organizada, mas sempre prezei pela paz mental e nenhum dos membros daquela família pareciam possuí-la. No fundo, realmente, senti pena de Arthur. O rosto triste e confuso do mesmo não saia de minha cabeça. Sua situação definitivamente era muito complicada.

— Milena, por favor! — Me assustei ao vê-lo dentro de um carro prateado, dirigindo vagarosamente e bem ao meu lado — Reconsidere...

— Reconsiderar o quê, Arthur? Fala sério... Primeiro você mentiu para mim sobre o número de crianças, depois... — Continuei andando — Não funcionou! Também não achei nada animador ser chamada de biscate, oportunista e impostora pelos seus anjinhos!

— São apenas crianças! Não fizeram por mal — Insistiu me fazendo revirar os olhos por seu tom pidão — Deixa de ser boba, Milena... Esqueceu-se do salário e do nosso acordo?

— Podemos encontrar outro jeito de eu quitar essa dívida! Faço faxina, panfleto seu show, limpo seu carro, levo os cachorrinhos para passear... Você escolhe e depois me liga! — Fiz sinal de telefone e caminhei mais rápido. Arthur não desistia, ainda me seguindo pela calçada com o carro — Pode me deixar em paz agora?

— Assumo que errei ao não contar sobre o número de crianças, mas você não sabe o dobrado que ando cortando para dar conta de tudo! — Sorri de canto por realmente imaginar. Não tinha como não se comover diante de seu apelo — Por favor, preciso de sua ajuda... Lara e Sophia gostaram muito de você! Pelo pouco que vi você conseguiu cativar as duas menores e isso é ótimo! Elas nunca conheceram uma mulher que as tratasse como você tratou... Algo parecido com uma mãe.

Aquilo me tocou o coração e apertei os olhos. Eu bem sei a falta que faz uma mãe...

Detive-me na calçada e olhei para ele por um instante. Foi tempo suficiente para Arthur encostar o carro na guia e fazer um gesto para que eu entrasse.

— Arthur... — Sussurrei tocada, mas hesitante. Não era fácil admitir para mim mesma que existia um apelo maior do que tudo... O de meu coração.

— Entre, Milena — Pediu apoiando o braço forte e musculoso na janela — Por favor! Não te peço como um acordo, mas como um favor!

A contragosto dei a volta no carro e abri a porta do mesmo, sentando-me no banco do passageiro e colocando o cinto de segurança. O cheiro daquele homem preenchia todo o ambiente e me desconcertou.

— Para onde está me levando?

— Para um lugar tranquilo onde possamos conversar... — Respondeu dirigindo concentrado. Sua expressão deixava claro que trazia muitos problemas na bagagem.

— Com quem as crianças ficaram? — Perguntei sem notar, ainda conectada a rotina dos pequenos.

— Com Maria e Gabi, mas elas apenas ficam de olho. Tem muitos afazeres em casa.

Arthur encostou o carro em uma rua mais tranquila — próxima de minha casa, logo notei — e desligou o motor.

— Espero que seja rápido. Não tenho o dia todo — Resmunguei de braços cruzados. A expressão dele não se alterou e tornou-se ainda mais transtornada quando retirou o celular do bolso e me mostrou uma foto — O que é isso?

A mulher exibida na foto do celular dele era maravilhosa. Corpo esbelto, pequena e de cabelos claros como os de Clara e Lara. Os familiares olhos — azuis e límpidos — eram marcados pelo rosto de traços delicados e singelos.

— Essa é Carina, minha ex-mulher — Explicou apontando a foto. Não era difícil adivinhar. Clara, Caleb e Lara se pareciam muito com a mãe, principalmente a menina mais velha.

— Ela é muito bonita... — Ergui os olhos para ele sem entender — Porque está me mostrando isso agora?

— Porque essa mulher me abandonou com cinco filhos, Milena — Sussurrou derrotado — Sendo quatro deles meninas! E sabe de uma coisa? Eu não sei nada sobre meninas! — Encostou a cabeça no banco do carro de maneira cansada e baixou o celular. A foto da fulana realmente causava repulsa por seus atos.

— Realmente sinto muito por você, Arthur... Não deve ser fácil, mas infelizmente não posso ajudá-lo — Deitei também a cabeça no encosto do meu banco, ambos olhando para a rua — Não sei sobre crianças, sou um perfeito desastre em tudo que toco, na verdade!

— Não me pareceu ser assim... — Vi seu olhar me buscar de canto.

— Fala isso porque quer que eu te ajude, não é? — Ri baixinho e ele deu de ombros.

— Me sinto culpado, Milena... Sinto-me culpado por ela ter ido embora. Nunca fui bom o suficiente e por minha culpa as crianças estão sofrendo — Senti as palmas suando pelas palavras dele.

— Não me parece justo que diga isso, Arthur. Ela poderia ter deixado o marido e o casamento, mas não os filhos. Nada justifica ela ter deixado as crianças assim, sumindo totalmente da vida deles — Arthur me olhou fixamente, virando o rosto para mim — O marido é passageiro, mas os filhos são para sempre e sua ex não parecia se importar em nada com a responsabilidade afetiva relacionada a eles, não acha?

— Nunca pensei sob esse ângulo — Murmurou — Mas você tem razão.

— De fato eu tenho! — Nós sorrimos juntos — Pelo pouco que vi, são crianças muito carentes de atenção e não te culpo por isso! Deve ser muito complicado conciliar uma vida toda com tantas crianças, carreira, afazeres... Você precisa mesmo de ajuda, Arthur.

Admitir aquilo em voz alta me fez perceber como me envolvi com a família em apenas algumas horas. Qualquer pessoa com coração se daria conta de que não era fácil, mas também não impossível.

— Te pago o quanto me pedir, Milena. Cinco... Dez mil por mês! — Não escondi minha surpresa e afastei os lábios — O que quiser para que fique conosco!

Aqueles olhos verdes realmente sabiam convencer uma mulher! Engoli em seco diante de sua abordagem e Arthur pegou em minha mão com delicadeza em um pedido claro de socorro. Seu toque era macio e suas mãos grandes e firmes... Foi impossível não pensar em como seria ser envolvida por elas.

— Dez mil? — Sussurrei quase sem voz e com o estômago em movimento por seu toque.

— Preciso de você... — Insistiu — Você foi a única que conseguiu ter alguma percepção além e não saiu chorando ao final do dia. Lara e Sophia gostaram de você...

— Arthur...

— Qualquer garota faria isso por mim, mas você não! Esse é seu diferencial, Milena, e por isso insisto tanto e estou aqui agora — Explicava o que eu queria ouvir — Para você sou apenas um homem a mais e não existe aquela loucura de fã. Você me odeia e por isso pode dar certo.

— Arthur, para... — Ri um pouco da situação — Não te odeio... Apenas não sou sua fã, realmente.

— Exatamente! Para você sou o pai e você a babá... Uma relação profissional normal — Coloquei-me no lugar dele por alguns instantes e pensei no salário — Não sei o que fazer com eles, Milena! Você mesma viu e me afirmou... Clara lida com revolta sobre o abandono da mãe. Caleb se sente na obrigação de ser o responsável em minha ausência por ser o único garoto e Mallory acredita fielmente que a mãe vai voltar um dia... Lara é uma menina carente e insegura, sempre dividida entre os irmãos. Sophia... — Baixou o olhar de maneira derrotada — Não diz uma palavra ainda e os médicos garantem que é por vontade dela. Não tenho ideia de como vai ser quando crescer. De como agir diante de sua postura. Ao mesmo tempo em que meus filhos têm tudo, não tem nada!

Meu coração se quebrantou com suas palavras e súplicas. Arthur não estava blefando, pude ver em seus olhos. Senti-me tocada, mas não pela Clara que me chamou de oportunista, mas pela Clara que tinha sido deixada pela mãe e se sentia culpada. Não pelo Caleb que me acusou de interesseira, mas pelo garoto que estava perdido e sem um norte. Não pela Mallory que me julgou uma impostora... Mas pela menininha que era pequena demais para entender o que se passava e que a mãe nunca iria voltar. Talvez, mais do que tudo, por Lara e Sophia, dois anjos inocentes sem meio ao caos!

No fundo eu sabia bem como era! No fundo ainda havia resquícios da Milena que um dia perdeu a mãe por uma doença fatal e ficou sozinha no mundo aos oito anos com o irmão de doze. A Milena que por sorte tinha uma avó bondosa e carinhosa que a acolheu como mãe.

O que teria sido de mim sem minha avó? O que seria hoje?

— Está bem Arthur. Vou ficar e tentar novamente — Respirei fundo diante do sorriso vitorioso que exibiu com alegria. Levou minha mão aos lábios e beijou com carinho.

— Então temos um novo acordo? — Estremeci com o contato de seus lábios cálidos em minha pele, mesmo que na mão. O que estava acontecendo comigo? Eu não o odiava?

Como aquele homem me convenceu tão facilmente? Seriam tais encantos que deixavam as mulheres ao redor dele encantadas com seu feitiço?

— Sim, nós temos. Pode contar comigo.


— Papai, cadê a tia Milena? — Lara dormia quando cheguei, porém, acordou desesperada atrás da babá ao notar minha presença.

— Foi para casa, meu amor — Me olhei no espelho quando terminei de me arrumar para o show daquela noite. Lara sentou em minha cama usando um pijama rosa e com um coelhinho de pelúcia no braço.

— Mas ela volta? — A pequenina colocou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.

— Amanhã estará aqui — Sorri para ela e caminhei até o seu lado — A Milena foi legal com você hoje?

— Foi muito legal! Ela é tão boazinha... Quero que fique para sempre! — Suspirou. Sorri e depositei um beijo em sua testa — Vai sair papai?

— Vou para o show princesa — Seus olhos azuis me encararam tristonhos — Mas quando voltar passo para dar um beijo, ok?

— Sim — Seu sorriso não foi nada empolgante.

Na sala, Caleb, Mallory e Sophia brincavam no tapete com tinta e papel. Todos estavam sujos, assim como o ambiente. Maria os observava e já estava limpando toda a sujeira.

— Crianças! — Chamei a atenção e eles olharam. Sophia com uma chupeta rosa e um vestido curto para ela estava no colo do irmão mais velho. Mallory com o macacão amarelo sujo de tinta, assim como o cabelo longo e dourado — O que vocês estão fazendo com tinta no tapete?

— Brincando pai — Mallory deu de ombros.

— Vai sair de novo? — Caleb não parecia feliz. O ritmo de shows deveras estava intenso e não sobrava muito tempo para eles. Sophia me observava no colo do irmão.

— Vou. Tenho um show.

— Como sempre... — Caleb me deu as costas — Vamos Mallory. Vamos subir e tomar banho — Mallory esperou o irmão passar por mim antes de me dar um abraço caloroso.

— Boa sorte pai — Deu um sorriso fraco — Eu amo você! — Saiu correndo em direção às escadas.

— Vai ficar tudo bem Maria? — A funcionária recolhia a bagunça — Você supervisiona o banho?

— Sim senhor... Bom show!

Maria e Gabi se revezavam para ficar com as crianças na parte da noite.

Entrei no carro e segui para o show. Bernardo — meu melhor amigo — me recebeu animado. O lugar estava cheio e movimentado. Sentei-me no sofá do camarim e suspirei.

— Arthur? — Não o olhei — O que houve cara? Algo errado com as crianças? — Lancei um olhar cansado em direção à figura alta, morena e forte.

— Tudo errado com as crianças — Enfatizei — Sou um péssimo pai!

— Que isso, cara... Você não é um péssimo pai! — Tocou meu ombro com carinho e se sentou ao meu lado — É um ótimo pai. Porque está falando isso? Você faz tudo por eles, mano! Se está aqui trabalhando é por eles, não é?

— Sim, mas sinto que isso tudo que você diz não é o bastante! — Me coloquei de pé e caminhei de um lado para o outro — Juro que estou a ponto de desistir.

— Desistir? Desistir do quê, exatamente?

— Da carreira — Olhei em direção a ele — Ou você acha que vou largar os meus filhos? Não existe essa opção, cara! Se um milagre não acontecer em minha vida tudo estará mais do que perdido!

O milagre, no entanto, tinha nome e sobrenome: Milena Milani.


— Não são crianças normais, vó! Uma é revoltada, o outro se sente um adulto, a outra acha que a mãe está de férias, a pequena esta mais perdida que freira em prostíbulo e a bebê tem dois anos e não fala! — Minha avó me encarava com uma carinha engraçada — Juro que se não enlouquecer pego o meu primeiro salário e fujo do país!

Afundei-me nas almofadas do sofá esperando a hora de ir para o trabalho. Já pronta, o que me faltava era a coragem de reencontrar a movimentada — para ser gentil — família Novateli.

— Minha querida neta, ninguém está em qualquer lugar por mero acaso — As palavras que sempre dizia durante minha infância faziam-se presentes novamente agora — Se Deus te colocou neste lar, ao lado desse homem e de suas cinco almas inocentes, com certeza existe uma missão a ser cumprida com eles, meu bem.

— Almas inocentes? — Ri baixinho tentando afastar a seriedade do assunto que me assustava — Vó, acredite que "inocente" não se encaixa no perfil daqueles monstrinhos — Vó Damiana se aproximou e me deu um beijo carinhoso, notando por trás de meu sorriso toda a preocupação — E creio realmente no que a senhora diz... Deve sim ter um propósito em tudo isso... Encontrar Arthur não foi mero acaso, por certo. Parece que tudo colaborou para que meus passos chegassem até ele.

— Destino, querida... — Sussurrou ao meu ouvido e senti um arrepio na espinha — Você deve cuidar das crianças, minha filha — Aconselhou — Suprir as necessidades que as mesmas têm de uma presença materna. Você bem sabe como é traumático crescer sem mãe.

Nossos olhares se encontraram e neste momento suspirei por recordar cada momento intenso vivido em minha própria infância marcada pelo vazio materno. A vovó sabia como me tocar profundamente com as palavras. Talvez o meu próprio vazio fosse o que me levou a ceder ao pedido de Arthur.

— Sei disso, vó — Concordei — Dói muito e por isso estou lá. Mesmo perdida, quero ajudá-los. Principalmente as pequenininhas. De verdade, não sei como lidar com tudo.

Vendo como eu estava perdida, vovó segurou em minhas mãos com carinho e me olhou nos olhos.

— Dê importância às pequenas coisas, meu bem. Ajude-os no dever de casa, arrume as roupinhas, dê banho, dê comida... E principalmente... Carinho e muito amor! Faça com que se sintam importantes, amados e essas cinco crianças jamais se esquecerão de você!

Contemplei minha avó por alguns minutos... A abracei com carinho, considerando muito cada palavra e conselho. Ajeitei minha bolsa no ombro, o celular no meu bolso e os fones no meu ouvido. Dei um beijo no rosto dela.

— Obrigado vovó — Sussurrei para ela enquanto saia de casa.

Caminhando pelas ruas cheguei à conclusão de que Arthur precisava mesmo de mim e eu também tinha minha parcela a ser aprendida com a família Novateli. Meu vazio deveria ser preenchido com essas crianças. Talvez a casa dos Novateli fosse exatamente onde eu deveria estar!


A casa estava estranhamente vazia e silenciosa. Assim que fechei a porta central e passei pelos imensos cômodos até chegar à cozinha encontrei Maria, uma das funcionárias, retirando a mesa do café.

— Bom dia, Maria — Cumprimentei sorrindo de lado — Onde estão todos?

— Bom dia Milena! Como é bom ver que voltou! As babás geralmente pedem as contas ao final do primeiro dia... — Realmente parecia surpresa e o fato me fez revirar os olhos — O senhor Arthur saiu após levar as crianças para o colégio. Acho que o ouvi dizer a Mallory que iria a uma sessão de fotos.

— E todos vão para o colégio? — Perguntei um pouco de água no filtro.

— Ah não. Larinha e Sophia estão dormindo — Explicou levando as louças até a pia — O senhor Arthur pediu para lembrar que as crianças saem do colégio às três da tarde e que é sua responsabilidade buscá-los — Não escondi meu nervosismo — Você sabe dirigir, não sabe?

— Sei — Na verdade, apenas tinha carteira de motorista, mas nunca havia dirigido um carro depois que sai da autoescola há pouco tempo. Deveria ocultar esse detalhe? — Claro que sei! — Sorri e pigarrei, colocando o copo de volta na pia — Bom, vou acordar as meninas e dar um banho nelas. Porque está tirando a mesa se elas não tomaram café? — Questionei um pouco confusa.

— Geralmente as pequenas tomam café por aí... — Apontou ao redor.

— Pois hoje não, Maria. A partir de agora as duas também tomam na mesa — Informei — Tem que criar o habito, não é? Minha vó dizia que é muito importante ensinar as coisas desde pequeno — Maria concordou com um sorriso — Coloque frutas cortadas, suco de laranja e cereais, por favor.

— Sim Milena. Concordo com você! — Assentiu e voltou a colocar a mesa. Subi as escadas dos quartos e coloquei minha bolsa no sofá do quarto de Sophia. A pequena e linda dormia dentro do bercinho como um anjinho quando parei ao lado para observá-la.

— Sophia... Acorde dorminhoca! — Ela choramingou, mas assim que abriu os olhos e me viu estendeu os bracinhos em minha direção. Agarrou-me pelo pescoço um tanto manhosa, mas contente por me ver. Vi em seus olhos a alegria estampada. A tomei em meu colo e a abracei com carinho — Como é que você está hoje, hein? — Caminhei até o guarda roupa e analisei a grande quantidade de roupas que havia ali.

Peguei um vestido de verão — cor de rosa com borboletas brancas — e um pequeno chinelo também cor de rosa. Dei um banho rápido e apareceu o meu desafio: a fralda! Fiz das tripas coração para conseguir colocá-la na garotinha e pensei que já era a hora dela começar a usar o banheiro. Agradeci mentalmente por ser menina. Seria mais fácil ensinar o que eu já sabia. Penteei o cabelo dourado e finalizei com um laço na franja.

— Está vendo? A Milena não é fraca não... Você ficou parecendo uma princesinha! — Com ela em meu colo caminhei até o quarto de Lara e a acordei também. Ela reclamou, mas ficou de pé.

— Estou feliz que você tenha voltado tia — Disse quando terminei de vestir a roupa nela — Você é legal e com você aqui eu e a Sophia não ficamos tão sozinhas. Maria e Gabi tem que fazer as coisas e sempre acabamos ficando sozinhas.

Terminei de pentear o cabelo loiro da garotinha enquanto Sophia brincava aos meus pés.

— Parece que você e a Sophia são as únicas que gostam de mim, Lara — Ela pegou em minha mão delicadamente.

— Os meus irmãos são muito bobos, Milena — Dizia um tanto triste — Eles... Eles acham que você está aqui para roubar o lugar da tal da mamãe. Eu perguntei quem ela era e só me disseram que não a conheci. Acho que é por isso que eu e a Sophia gostamos de você. Porque não conhecemos a tal da mamãe que eles tanto falam.

Permaneci alguns segundos olhando para a pequena Lara e senti o coração partindo pelas palavras. Não era fácil encarar uma realidade como a daquelas crianças. O abandono materno era a pior sensação que uma criança — um ser totalmente dependente dos pais — pode sentir.

— Obrigado por confiar em mim, Lara — Sentei as meninas na mesa e com elas tomei café tentando entretê-las.

O dia todo com as duas menores foi movimentado, mas muito produtivo. Minha rotina era assistir desenhos infantis, dar mamadeiras, limpar o bumbum de Sophia e conversar sobre variados temas para responder às perguntas de Lara.

A temida hora de buscar os mais velhos chegou e tive de encarar.

Coloquei Sophia na cadeirinha ao lado de Lara e parti em direção ao colégio. Consegui dirigir o carro que Arthur deixou a minha disposição para qualquer coisa que as crianças necessitassem e cheguei ao colégio com algum custo. Tratava-se de um colégio de crianças economicamente privilegiadas.

Não demorei a encontrar Mallory sentada em um banco de pedra com a maior cara emburrada. Usava uniforme do colégio e segurava contra o peito alguns livros. Clara estava ao lado dela em pé, usando o mesmo uniforme, mas com acessórios pendurados. Bottons na mochila rosa, meia fina por baixo da saia e até um pouco de maquiagem. A diferença entre a personalidade das irmãs era gritante.

Caleb — realmente o único sensato — lia um livro grande ao lado de Mallory e parecia entretido no mesmo com seus grandes óculos redondos. Os três me avistaram e logo vieram em minha direção. Caleb foi quem se sentou na frente depois de uma longa discussão. Mallory e Clara se acomodaram no banco de trás. A mais velha nem sequer cumprimentou as irmãs menores, apenas abriu o vidro e encarou a rua em total silêncio. Mallory, por sua vez, começou a contar a Lara como era sua nova professora e os amigos.

— Boa tarde Milena — Caleb me disse em tom educado — Como vai?

— Olá garoto... — Sorri e liguei o carro novamente — Vou bem e você?

— Também — Garantiu — Surpreso que voltou.

— Pois é... Tive meus motivos — O olhei de relance.

— Bom, em meu nome e das minhas irmãs queria pedir desculpas pelo nosso comportamento de ontem. Foi realmente entristecedor e deixou a desejar. Perdão — Explicou de maneira calma.

— Olha só... — Olhei para ele quase derretida — Além de lindo é um cavalheiro.

— Além de lindo é mariquinha! – Clara, Lara e Mallory deram risada juntas do comentário da última.

— Cala boca Mallory! — Caleb rebateu olhando para trás — Pelo menos não sou eu quem está na primeira série e não sabe nem ler! — Pelo retrovisor pude ver o rosto lindo de Mallory assumir um tom vermelho escarlate. A menina se ergueu para acertar um tapa no irmão.

— Seu idiota mariquinha! — Clara a puxou para trás, fazendo com que Mallory não batesse mais em Caleb.

— Sua burra! — O menino berrou esfregando a cabeça.

— Crianças! — Tentei falar, olhando para frente enquanto dirigia — Chega! Parem, por favor! — Mallory ainda abriu a boca para responder, mas Clara a olhou como se a advertisse.

— Lembra do que o papai falou, não é? — Sussurrou contra a própria vontade e depois voltou a ficar calada, ignorando minha presença.

— Foi ela quem começou, Milena! — Caleb disse nervoso.

— Porque ele me chamou de burra, Milena! — Mallory chorava. O tema realmente tocava muito — Eu não sou burra!

— É sim! — Parei o carro no primeiro acostamento que encontrei. Com todo esse berreiro eu não conseguia me concentrar!

— Caleb, por favor — Pedi calma — E você também, garota! — Mallory ficou quieta com lágrimas nos olhos e braços cruzados — Não chame seu irmão de mariquinha! Isso é muito feio dizer a qualquer pessoa, principalmente seu irmão! Além do mais, se ele é ou deixa de ser qualquer coisa, isso não deve ser comentado! Não há coisa mais feia do que uma menina preconceituosa e com o palavreado tão baixo, Mallory — Ela somente baixou a cabeça e ficou quieta. Oh meu Deus, tomara que nenhum deles nunca me veja bebendo em uma balada! — E você Caleb... — O encarei — Sei que quem começou foi ela, mas não se deve chamar uma pessoa de burra. Ninguém! Sua irmã ficou muito chateada!

— Sim Milena — Caleb parecia um pouco envergonhado — Desculpa por te chamar de burra, Mallory.

— Mallory? — Intervi vendo que ela não dizia nada.

— Eu desculpo — Respondeu dando de ombros — Desculpa por te chamar de mariquinha, Caleb.

— Desculpada — Com os ânimos mais calmos, liguei novamente o carro e dirigi em direção a casa.

Assim que chegamos, imediatamente mandei os três mais velhos se lavarem. Lara e Sophia ficaram pintando desenhos na sala de brinquedos. Sentei-me ao lado delas e minutos depois lá estava Mallory com o cabelo todo despenteado — metade molhado metade seco — com um pijama cor de rosa.

— Mocinha — Chamei a atenção dela — Que isso? De pijama às quatro da tarde?

— O que tem? Eu não vou fazer nada mesmo! — Deu de ombros e se sentou ao lado de Lara.

— Você tomou mesmo banho? — Perguntei desacreditada. Mallory nem me respondeu, puxou um desenho em sua direção e começou a pintar.

— A Mallory não gosta de tomar banho, Milena — Lara disse delicadamente e recebeu um tapa da irmã.

— Sua fofoqueira! — Mallory disse entredentes. Sophia vendo a cena passou a chorar.

— Ah não! — Passei a mão pelo cabelo pela indignação de tudo começar novamente — Vai começar de novo! Mallory, não bata na sua irmã! — Tentei me controlar, diante do choro incessante de Lara e Sophia.

— Você só sabe brigar comigo! — Mallory protestou quando peguei Lara em meu colo e analisei a mancha avermelhada em seu braço onde Mallory bateu. Lara chorava alto, assim como Sophia, e Mallory gritava.

— Você não ajuda e... Mallory? — A encrenqueira havia saído da sala, me deixando falando sozinha — Lara, já vai passar! — Fiquei com ela no colo uns minutinhos até que se calasse. Sophia continuou a gritar e somente parou quando a peguei no colo. Deixei Lara pintando os desenhos e subi em direção à parte de cima da casa, procurando os mais velhos.

Sophia estava no meu colo chupando sua chupeta e com a cabeça deitada em meu ombro. Caleb fazia sua lição em seu quarto, já Mallory estava com Clara no quarto falando sobre mim! A porta, um pouco aberta, me possibilitou ouvir o que elas diziam.

— Ela só grita comigo, Clara! — Mallory dizia com voz chorosa.

— Mas também... Você é uma idiota né Mallory? Fica ofendendo o Caleb e batendo na Lara... O que você queria? — Clara rebateu e ouvi as teclas do computador em seguida.

— Eu sei Clara — Respondeu nervosa — Mas ela é mesmo uma bruxa! Você tinha razão... Somente Caleb não vê que ela é má! E a Lara e a Sophia porque são bebês!

— Eu disse que ela só está aqui pelo papai — Afirmou novamente e rodei os olhos — Mas você vai ver! Isso não vai durar muito... Logo o papai arruma outra e dispensa essa mosca morta daqui!

— Ela não vai roubar o lugar da mamãe...

— Ai meu Deus! — Suspirei. Bati na porta do quarto e as duas se sobressaltam — Desculpe, mas o pai de vocês me disse em palavras claras que depois do banho é hora de lição de casa. Então comecem logo para terminarem logo e ficarem livres disso... — As duas me olhavam sem expressão.

— Está bem — Clara respondeu me ignorando em seguida, abrindo o caderno sobre a mesa. Sai do quarto dela.

— Porque é que todas não podem ser como você, meu anjinho? — Perguntei a Sophia, que estava sonolenta — Assim que desci as escadas principais me deparei com Arthur sentado ao sofá com uma expressão meio cansada. Passei reto por ele, em direção à sala de brinquedos — Como é que está, princesinha?

— Olha que lindo Milena — Lara me ergueu um desenho. Era uma flor — Ela não é linda?

— Claro que é, Lara — Me sentei ao lado dela no chão colorido e observei o desenho.

— Ela é tão linda quanto você! Você é muito bonita — Lara voltou a pintar.

— E olha que as crianças nunca mentem — Olhei na direção da porta e lá estava Arthur parado nos olhando.

— Papai! — No mesmo momento ela ficou de pé e correu na direção dele. Arthur a tomou nos braços e distribuiu beijos em sua face ao passo em que nossos olhares se buscaram em meio à sala.

Engoli em seco diante da cena. Aquele homem e sua presença que preenchiam todo o ambiente. Era lindo e chamava a atenção de qualquer ser humano que se interessasse pelo sexo masculino.

Cheguei a julgar a ex-esposa do mesmo por parir cinco crianças em sequência, mas enquanto o observava abraçar e beijar a pequena Lara meu coração amolecia. Qualquer mulher se apaixonaria facilmente pelo carisma e cavalheirismo do loiro, alto e forte Arthur Novateli... Até mesmo aquelas que possuem um coração de pedra.


CAPÍTULO CINCO

 

— Como vai? — Questionei me sentando ao lado de Arthur. Sempre parecia uma idiota junto dele, buscando o que dizer em meio a tantas ideias bagunçadas — Quero dizer...

— Mais ou menos — Os olhos verdes analisavam Sophia — Tem dias que tudo parece bem perdido, mas quando se têm filhos, não existe opção ao invés de continuar — Sorriu sem muito humor.

— Fico feliz que eles tenham você — Comentei sem encará-lo e me colocando de pé — É minha hora de ir. Te deixo na companhia dos seus pest... Quero dizer, anjinhos. Hoje ficou tudo bem — Nós rimos juntos.

— Podemos falar a sós um instante? — Questionou um tanto desajeitado.

— Claro, você é o chefe! Aguardo ansiosa por seu feedback! — Bati continência e sorri. Arthur deixou Sophia com Caleb e veio em minha direção. Saímos e ele fechou a porta atrás de si. Sozinhos na varanda, cruzei os braços frente ao corpo — Diga... Sou toda ouvidos! — Encarando os lados, Arthur parecia pensar no que fazer. Encarou-me durante alguns segundos e apenas notei suas reais intenções quando se aproximou e me abraçou longamente, quase emocionado — Espera, o que...

A voz morreu em meus lábios quando senti a proximidade daquele homem contra meu corpo. Prendi a respiração para marcar em mim cada momento que sucedia, desacreditada de que ficaria tão em chamas ao tê-lo por perto.

— Obrigado por me ajudar — Sussurrou contra meu cabelo, as mãos grandes em minha cintura. Meus braços pairavam no ar sem ter onde tocar, mas finalmente os baixei e pousei nos ombros fortes e largos de Arthur, que era bem mais alto do que minha estatura — Toda minha vida não será suficiente para recompensá-la e agradecê-la!

Dei uma batidinha em suas costas ao passo em que absorvia o cheiro delicioso e másculo.

— Na verdade você me chantageou e me paga um bom salário — Arthur me soltou e seus olhos verdes me observaram atentamente — Acredito que seja o suficiente — Sorri ajeitando minha bolsa no ombro — Não precisa me agradecer por nada, Arthur. De verdade... Não sou melhor do que ninguém para que me diga coisas tão fortes assim...

— Eu não teria verdadeira coragem de te mandar para a cadeia, Milena — Confessou com os olhos verdes fixos em meu rosto. Por um segundo me surpreendeu — Sei que dei a entender que sim, mas não o faria. Existe em mim senso de justiça e não faria semelhante coisa.

— Arthur...

— Agora que já sabe, pode desistir se quiser — Apontou em direção à rua e olhei junto dele. Após pensar alguns segundos baixei sua mão com a minha, parando próxima dele a ponto de sentia sua respiração contra mim.

Tão próximo, Arthur era ainda mais atraente. Seu olhar me encarava em busca de respostas.

— Não vou embora... Preciso do emprego e bom... — Sorri de canto — Lara e Sophia. Gosto muito delas e... Enfim... — Cocei a cabeça e me afastei quando senti seus olhos próximos demais.

— De qualquer modo sou grato — Segurou em minha mão delicadamente.

— Não se esqueça de que se trata de um emprego, senhor Novateli — Tentei soar indiferente, querendo ocultar que não estava tão incomodada assim em trabalhar com eles — Não tem necessidade de ser grato a mim.

— Procurei por quase dois anos alguém que topasse ficar com minhas crianças e todas nos deixaram. Sua presença e, além dela, seu carinho, merece de fato minha gratidão — Desviei o olhar, contendo no peito o orgulho que senti por tais palavras. Arthur me emocionava com o nítido amor pelos filhos e desespero por tapar o buraco que a mãe dos mesmos deixou ao partir. A culpa o perseguia — Mesmo te pagando um salário, serei eternamente grato.


Ana Paula não reagiu de maneira muito agradável quando contei sobre a conversa com Arthur e os sentimentos estranhos que o mesmo me despertava. Não era normal para mim me sentir tão constrangida na presença de ninguém, muito menos de um homem!

Após a morte de minha mãe tive a sensação de que todos meus sentimentos congelaram e o pouco que restou foi direcionado a minha avó, a única pessoa no mundo que fui capaz de amar quando a vida me tirou tudo. A presença de Arthur Novateli e seus cinco filhos, aos poucos, me confundia.

No começo odiava o posto de babá e, mais ainda, detestava a ideia de cuidar de crianças, principalmente das dele em especial. Agora as coisas mudaram... Conhecê-los despertou em mim um lado há muito adormecido. Ao encarar cada uma daquelas crianças abandonadas pelas mães em vida — não como eu, que tive a minha retirada abruptamente pela morte ainda pequena — era como se enxergasse a mim mesma na infância, sofrendo pela falta.

— Está vendo? Não é a toa que as mulheres ficam loucas pelo cara, Milena... — Deitada em minha cama, Ana ria enquanto eu penteava meu cabelo em frente à penteadeira rosa com adesivos colados ao lado — Arthur Novateli tem a fama que tem por ser poderoso, querida. Eu disse que um dia você sentiria na pele o que todos dizem por aí...

— Pode até ser, Ana... Mas não se esqueça de que é meu chefe e o cara tem a vida atolada em problemas. Não posso evitar me compadecer de sua terrível situação com as crianças — Encarei-a através do espelho e a expressão de Ana Paula se tornou pensativa — É muito difícil ser mãe solteira, mas nós temos o instinto materno e aquela coisa toda... Agora imagine ser pai solteiro? Arthur se mostra mais perdido do que eu, se é que é possível!

— Realmente é uma situação desgraçada... — Sentou-se no colchão e me virei para ela — Nunca pensei que te veria realmente envolvida com essa família, amiga. De fato percebo que as crianças mexeram com você.

— Nem tanto... — Menti sem encará-la.

— Nem tanto... Ah bom! Te conheço, amiga! — Sorri de lado e ela se aproximou — Estou orgulhosa de você. Sei o quanto é difícil encarar de frente esse fantasma de seu passado... Está sendo muito forte quando se coloca na posição de cuidadora destas crianças, assumindo quase que um papel de mãe.

— Não exagere, Ana... — Ainda sem encará-la, meu coração doía por ouvir tais palavras — Estou lá apenas pela grana e só!

— Não acredito — Segurou em minha mão com carinho — Sua vó sempre disse que você tem sentimentos por baixo desse duro coração de pedra, amiga. E realmente os vejo agora... Antes pensava que era apenas uma maluca encrenqueira, mas agora posso ver que dona Damiana é muito sábia e sempre esteve correta.

— Aí Ana... — Ela fez um gesto para que eu me calasse e se ergueu. Caminhou até meu celular e configurou algumas coisas rapidamente — Te deixo com um vídeo da música de Arthur Novateli — Revirei os olhos diante dela, apanhando o celular com desgosto — Sugiro que escute a letra. Tem muito a ver com você, amiga.

Deitei-me contra o colchão após Ana sair, escutando a letra da música na voz grave e sedutora de Arthur.

— Não é tão péssimo assim, devo admitir — Falei sozinha, olhando para o teto e mordendo os lábios — Até que o cara manda bem...

Uma frase me chamou a atenção... "Mataria e daria tudo para enxergar através do seu coração de pedra..." Suspirei longamente e afaguei os lábios. Os olhos azuis de Arthur não saiam de minha cabeça... Era impossível ignorar a expressão desesperada no rosto daquele homem. Sua busca por ajuda e o amor nítido que nutria por seus filhos aos poucos superava a imagem de cantorzinho adolescente desprezível que sempre nutri em minha imaginação.

Nada era como parecia na televisão e agora eu tinha ainda mais certeza.


Dois meses depois

Arthur participava de longas viagens e quase sempre estava fora. Todos os dias ligava para perguntar sobre as crianças, que passavam a noite na companhia de Maria e Gabi, as funcionárias da casa, que faziam a parte de colocá-los na cama na hora adequada. Todo o resto, no entanto, cabia a mim.

Escola, dever de casa, higiene, alimentação e entretenimento eram minha tarefa diária. As atividades escolares ajudavam muito! Apenas Lara e Sophia passavam o dia todo em minha companhia, tornando o trabalho menos árduo. Aos poucos foi se tornando um prazer ter a companhia das pequenas, que deram um sentindo diferente a minha vida.

A situação com os mais velhos, no entanto, ainda não era das melhores.

— Depois do banho quero inspecionar o caderno dos três! — Mallory, Caleb e Clara passaram por mim na sala após chegarem do colégio.

— Certo Milena — Caleb respondeu um pouco tristonho e subiu as escadas em direção aos quartos juntamente das irmãs, que carregavam as mochilas com expressão de tédio.

Mallory e Clara eram as crianças mais difíceis e de nenhuma maneira consegui estabelecer uma relação boa com elas. Pareciam inalcançáveis, assim como o pai.

Arthur, quando por milagre estava em casa durante o dia, não me dirigia muitas palavras. Ou talvez eu o evitasse e meu comportamento o afastasse... Ainda me sentia arredia em relação a ele. Nos tratávamos com cautela e profissionalismo, falando sempre das crianças e das tarefas envolvendo as mesmas. O salário, é claro, sempre entrava em pauta e caia em minha conta corretamente no final de cada mês. As coisas em minha casa melhoraram muito graças a ele.

O dia estava cheio. Lara tinha um pouco de febre e Sophia finalmente aprendia a usar o banheiro sozinha. Contei como vitória fazê-la dizer a primeira palavra. Talvez "xixi" não contasse, mas as crianças e eu aplaudimos alegremente o feito.

Após verificar novamente a temperatura de Lara, passei em frente ao quarto de Caleb e a porta estava entreaberta. O garoto secava o cabelo loiro com uma toalha e usava apenas um short, deixando a mostra a barriga e os braços. Franzi a testa diante da visão. Na barriga e nos braços do garoto haviam manchas arroxeadas, assim como na bochecha esquerda. Observei melhor e conclui se tratar de hematomas. Caleb adotou expressão de dor ao passar a toalha sobre as marcas e confirmei as suspeitas.

Com uma das mãos nos lábios e a dúvida pairando, caminhei de volta para a sala um tanto curiosa e amedrontada. O garoto tinha levado uma surra!

Com Sophia no colo me peguei pensativa. Será que Arthur estava batendo nas crianças? Não me parecia o tipo de pai que fosse capaz de tamanha atrocidade e Caleb tão pouco era uma criança que buscasse tal repreensão violenta.

— Aqui está meu caderno — Clara colocou sobre minhas pernas um fichário cor de rosa que já me era familiar há semanas, desde que comecei a verificar as lições de casa rigorosamente. A garota se sentou ao meu lado de braços cruzados.

Ainda fazia questão de me ignorar e não falava nada além do necessário. Mostrava-se extremamente fria em relação a mim e me aturava pelos irmãos.

— Meus parabéns, você progrediu muito! — Fechei o fichário e devolvi a ela — Continue assim.

— Valeu — Apanhou o caderno e subiu as escadas. Logo Mallory chegou e fez o mesmo. Era quase todo copiado e confuso, pois como Caleb ressaltava, ela não sabia ler.

— Ainda não teve progresso em relação à leitura? — Questionei ao notá-la um tanto constrangida — A professora não tem dado a devida atenção que seu pai pediu, Mallory?

— Tem sim, mas eu é que sou burra e nunca vou aprender — Não me encarava e tinha a expressão dura — Todos na turma sabem, mas parece que nada entra na minha cabeça!

— Isso não é verdade! — Fechei o caderno e a abracei pelos ombros. Senti Mallory se retesando com o contato próximo, estranhando minha atitude de se aproximar — Você é uma menina muito inteligente, apenas está com uma dificuldade. Todos passamos por isso na vida, seja com a leitura ou qualquer situação que tenhamos de aprender.

— Não consigo aprender nada, Milena... — Lágrimas tomavam seus olhos — Ninguém gosta de mim porque não sei ler. Nenhuma menina quer ser minha amiga e nenhum menino quer ser meu namorado — Passou a mão nos olhos verdes que brilhavam pelo choro que continha — Nem sequer minha mãe gostou de mim...

— Está enganada! — Segurei a mão dela sentindo um nó se formando em minha garganta. Situação como aquela eram uma prova e tanto para mim, mais ainda do que trocar as fraldas de cocô de Sophia — Seu pai ama você, seus irmãos também... Eu estou aqui, não estou? — Olhou-me de baixo com curiosidade — É uma menina especial e... Sabe de uma coisa? Posso te ensinar a ler! Você aceita?

— Você? — Sorria surpresa e dei de ombros — Fala sério...

— Vai ver como aprenderá rapidinho! — Abri a mão para que batesse a sua na minha e Mallory o fez com um pouco de receio.

— Quando começamos? — Parou de chorar e limpou os olhos. Ajeitei o cabelo dourado em suas costas delicadamente.

— Que tal amanhã? Amanhã é sábado e seria minha folga, mas posso fazer isso. O que me diz?

Minha folga não era nada emocionante e se baseava em ajudar vovó com as tarefas domésticas, ouvir música e ler sobre educação infantil — meu novo grande passatempo! Ao final do dia, quando deveria sair com Ana Paula, acabava dormindo com os livros na cara ou em meio às aulas online sobre o universo lúdico. A verdade é que nunca fazia nada empolgando quando não estava com a família Novateli.

A vida realmente mudou drasticamente!

— Legal! De sábado ficamos com a vovó. O papai sempre tem show de noite.

— Venho à noite então. Assim podem aproveitar o pai de vocês pela manhã. Passo a noite aqui — Concordou animadamente. Na verdade fiz o possível para não me encontrar com Arthur em meu tempo dedicado a Mallory no final de semana — Combinado! Posso te fazer uma pergunta?

— Sim — Respondeu amigavelmente e aproveitei a brecha para investigar sobre o que realmente me preocupava. Aproximei-me um pouco mais dela.

— Como é o Caleb é na escola? — Mallory hesitou e fez um biquinho confuso — Tem muitos amigos? É um garoto popular?

— Não muito... — Começou olhando em volta e ajeitou o cabelo dourado atrás da orelha — Não convivemos no mesmo ambiente porque ele está no terceiro ano e eu no primeiro. Quem sempre está perto dele é a Clara, que já está no quinto ano — Assenti pensativa — Sei que os meninos não gostam muito dele. Incomodam-se com o comportamento certinho e os óculos que ele usa. Dão apelidos daqueles que você me disse que não se deve falar — Sussurrou a parte final como se fosse um segredo. Caleb apareceu na sala no exato momento em que Mallory terminou a frase.

Mallory saiu do meu lado e pisquei para ela com cumplicidade. Sorrindo de volta, a garota subiu as escadas correndo. Era a primeira vez que conversávamos em um tom mais amigável. Parecendo cansado, Caleb sentou-se ao meu lado e colocou o caderno impecável em meu colo.

— Parece que ela está gostando mais de você agora — Comentou referindo-se a Mallory — Papai tem razão... Parece que você é mágica, Milena!

— Seu pai disse isso, é? — Sorri com a atenção nas páginas do caderno.

— Sim, disse... Sempre fala muito bem de você.

— Está cansado? Não tem uma cara muito boa — O encarei de relance e notei que se colocou nervoso com a indagação.

— É que... Fiz muita educação física — Tentou esconder com o cabelo grande o machucado roxo na bochecha mais evidente.

— O que foi isso? — Toquei no hematoma delicadamente e Caleb se esquivou.

— Nada — Cobriu o local com a mão — Eu... Cai.

— Não me parece um machucado adquirido em uma queda, garoto — Contestei vendo-o desviar o olhar — Não nasci ontem, fala sério!

Apoiei a mão na cintura e fiquei de pé a frente dele. Meu olhar deixava clara a dúvida e Caleb se recusava a devolver a olhada. Mantinha a cabeça baixa de maneira constrangida.

— Já disse que não foi nada, Milena! — O garoto se levantou do sofá e partiu para as escadas como um furacão. Tomei Sophia, que brincava ao lado, em meus braços, e o segui calmamente.

— É melhor me contar, Caleb. Não quero ter que levar esse assunto ao seu pai — Parei na entrada do quarto, abrindo a porta que Caleb fechou ao entrar — Juro que apenas desejo ajudá-lo! Não vou agir de maneira nenhuma para complicar as coisas, garoto... — Fechei a porta do quarto quando Caleb sentou na cama, mostrando que o assunto era particular entre nós.

— Não quero que diga nada ao pai! — Vociferou agora me encarando com os olhos azuis nervosos. Raras vezes o vi realmente enraivecido de tal maneira — É algo meu, Milena! Você não tem nada a ver com isso!

— Engano seu! Sou sua babá e isso tem tudo a ver comigo! — Desviou o rosto para o outro lado, ignorando minhas palavras — Quer saber? Não vou insistir! — Coloquei-me de pé com Sophia ao lado — Apenas podemos ajudar uma pessoa em uma situação ruim quando a mesma deseja ser ajudada! Se quiser contar comigo, saiba que pode confiar em mim! Do contrário... Aguente calado aqueles garotos te agredindo!

— Como é que você... — Virou-se para minha direção, colocando-se de pé também e muito confuso — De onde tirou isso?

— Não precisa ser muito esperta para descobrir algo assim. O seu pai não te bate, muito menos eu! Quem faria isso, senão garotos de sua escola? Hein? — Caleb se calou e abaixou a cabeça — Mas eu já disse! Se quiser ajuda me procure. Se não quiser, aguente como um covarde!

Sai do quarto sem que o garoto dissesse nada, apenas se sentasse na beira da cama com as mãos no rosto nervoso. Meu coração doeu ao fechar a porta e me senti mal, profundamente tocada com a situação.

Não podia simplesmente ignorar o sofrimento de Caleb, uma criança especial e que sempre foi cordial desde minha chegada. Se o mesmo não agisse e tomasse uma atitude me dando um voto de confiança, seria minha obrigação contar tudo a Arthur.

A ideia de levar mais um problema ao meu chefe não soava bem, mas a situação era série e exigia intervenção. Se realmente Caleb fosse espancado no colégio, Arthur tinha o dever de garantir que os culpados fossem punidos e tais ações parassem! Primeiramente o garoto deveria admitir, o que já era complicado!

Ao passar pela vidraça que dava vista para o jardim avisto Arthur sentado no balanço e Mallory ao lado dele. Clara também estava reunida com eles e o trio conversava animadamente.


Tudo mudou drasticamente em minha casa com a chegada de Milena, a babá que consegui por um acidente.

Sophia agora era uma criança completamente diferente e estava sempre limpa e sorridente, além de não chorar mais por horas seguidas. Lara melhorou em sua carência, uma vez que havia alguém para atendê-la quando necessário. Caleb seguia reservado, mas já não se cobrava tanto para exercer uma responsabilidade que não lhe cabia em sua pouca idade. Mallory ainda era a rebelde entre todos, mas as reclamações dos irmãos relacionadas a ela diminuíram drasticamente! A presença de Milena para intervir caso algo ultrapassasse os limites entre as crianças colaborou para que as brigas não ocorressem com tanta frequência.

Clara seguia irredutível em relação à presença de Milena. O fato de ter uma babá tão jovem lhe afrontava, principalmente porque não acreditava realmente nas boas intenções da moça.

Se não fosse por nosso pacto, de fato, também não acreditaria. Milena andava fazendo muito mais por meus filhos do que foi acordado. Jamais pensei que a nova babá por acidente se dedicasse tanto a fazer aquele trabalho dar certo. Nosso acordo seguia em pé e mais firme do que nunca!

— Será que vou mesmo aprender a ler? — Empolgada, Mallory tinha os olhos brilhando ao me contar sobre a proposta de Milena para ensiná-la a ler amanhã.

— Claro que sim, querida! Deve aproveitar a oportunidade que Milena te deu e se empenhar... É uma menina muito inteligente e tem toda a capacidade! — Mallory me abraçou pelos ombros com carinho, deitando o rosto em meu peito. Beijei-lhe o cabelo e respirei seu cheiro doce e infantil.

— Santa Milena... — De braços cruzados em frente a nós, Clara revirou os olhos — Não se fala em outra coisa, não é? Até uma desculpa para ficar aqui de final de semana essa santa garota arrumou!

— Clara, por favor! — Repreendi quando Mallory saiu de meu abraço.

— Essa traidora também vai cair no conto dela, aposto! — Clara apontou para Mallory, que se mostrava confusa — Todos parecem estar cegos por essa bruxa!

— Não fale assim, Clara. O que ela te fez? — Questionei diante de sua abordagem — Milena tem me ajudado muito com seus irmãos, filha! Veja como as coisas estão melhorando por aqui!

— O que ela quer é te seduzir, pai! Será que só você não vê? — Seus olhos azuis demonstravam que realmente acreditava em tais palavras.

— Milena nunca me deu a entender isso — Garanti — Sempre foi respeitosa e sequer falamos sobre algo que não seja relacionado a vocês cinco!

Sophia apareceu correndo pelo jardim após minhas palavras. Clara me deu as costas e Mallory coçou a cabeça, confusa diante de tudo. Milena vinha correndo atrás de Sophia, que se lançou em meus braços com a felicidade exalando no olhar esverdeado.

— Tudo bem Milena? — Ela assentiu com um meio sorriso, vendo-me beijar o cabelo dourado de Sophia.

— Ando meio despreparada para corridas... Nunca fui uma pessoa muito atlética — Sorriu envergonhada por parecer cansada diante da pequena corrida que deu para alcançar Sophia — Imagino que você não deve ter problemas para isso.

Clara me olhou de maneira sugestiva. Milena se referia ao fato de eu sempre frequentar a academia da casa.

— Digamos que ultimamente estou ficando enferrujado — A garota sorria com as mãos nos bolsos da calça jeans e naquele dia em especial usava uma blusinha branca com um casaquinho preto por cima dos ombros frágeis. Era simples e bonita, bem diferente das mulheres que frequentavam meu circulo social — Preciso conversa uns minutos com Milena, meninas — Clara e Mallory concordaram — Será que podemos ficar sozinhos?

— Ah certo... — Revirando os olhos, Clara tomou Sophia de meu colo — Vêm Soso. Eles querem conversar coisas de adultos — Sophia reclamou, mas Clara conseguiu levá-la. Quando as meninas entraram, Milena se sentou na outra balança ao meu lado um tanto hesitante.

— Algo errado com meu trabalho senhor Arthur? — Questionou cruzando os braços na altura do peito. O cabelo longo e escuro esvoaçava ao redor da face ao passo em que ela mexia vagarosamente o balanço com as pernas — Arthur?

— Ah sim! — Recobrei a atenção após reparar por alguns segundos nas pintas pequenas que se espalhavam em seu pescoço. A pele parecia muito macia e os olhos escuros realçavam a tonalidade clara da mesma — Claro que não, Milena. Pelo contrário! Somente tenho elogios para você, se quer saber... — Sorri e ela acompanhou, baixando o olhar contente pelas palavras.

— Confesso que tenho gostado... Nunca pensei que fosse dizer, mas ocupar minha cabeça com um trabalho era tudo que eu precisava para seguir em frente de uma maneira melhor, fugindo das confusões que costumava me meter — Assenti positivamente — As crianças tem me ajudado a focar no futuro que desejo para mim...

— Fico feliz por isso — Ela balançava o corpo delicadamente no balanço e meus olhos eram incapazes de se afastarem da bela figura feminina e singela — Queria te deixar a par de que vou viajar com as crianças para a praia no próximo feriado. Você terá mais dois dias de folga, emendando com o final de semana.

— Verdade? — A expressão de seu rosto bonito me fez sorrir. Era puro desapontamento — Quatro dias?

— Algo errado?

— Não, claro que não! — Finalmente desfez a expressão decepcionada e sorriu — Isso é ótimo! As crianças ficarão em êxtase! Principalmente Mallory. Ela sente falta da sua atenção — Descruzou os braços quando concordei — Bom, deu minha hora! Vou para casa — Se colocou de pé, mas fechei os dedos em seu pulso — Sim? — Encarou-me puxando a mão como se nosso contato causasse choque.

Realmente causou!

— Sabe o carro que deixei para você transportar as crianças? — Ela assentiu — Leve-o para casa com você. Não faz sentido pegar tantas conduções sendo que temos um carro à disposição.

Milena pareceu não acreditar no que eu dizia. Fiquei de pé a frente dela, que era bem menor em estatura e parecia não saber o que dizer.

— Ah, não. Obrigado, mas não acho prudente! É mais rápido se locomover de ônibus nesta cidade maluca!

— Então vamos fazer o seguinte... Uma proposta! — Milena ergueu uma sobrancelha e mordeu os lábios — Te levo hoje para casa em meu carro para tirarmos a prova de que realmente é mais rápido ir de carro.

— Gasto quarenta minutos daqui até minha casa de ônibus e metro — Disse lançando a aposta, de maneira sugestiva.

— Vou gastar vinte de carro! — Pisquei para ela, que sorriu — Topa? — Pensou por alguns segundos e assentiu. Talvez fosse impressão, mas pensei tê-la visto hesitar. Caminhei até a sala de baixo, onde vi Clara sentada com Sophia e brincando com a irmã menor — Vou ter que sair um momento... Maria e Gabi estão em casa para o que precisar.

— Sozinho? — Clara questionou olhando de mim para Milena, que corou ao meu lado.

— Daqui a pouco a vovó chega e não vou demorar — Clara não escondeu o desprezo por Milena, que sequer sabia onde enfiar o rosto, de tão vermelho e constrangido.

— Tudo bem... — Clara pegou Sophia nos braços e sequer deixou Milena se despedir dela, saindo batendo o pé em direção aos quartos.

— Realmente acha uma boa ideia, Arthur? — Milena questionou enquanto caminhávamos para fora. Abri a porta do carro para ela.

— Acho ótimo conhecer um pouco mais da pessoa que está cuidando de meus filhos.

E que, além disso, me parecia cada vez mais interessante.


CAPÍTULO SEIS

 

 

A casa de Milena era simples em um bairro de classe mais baixa na periferia. Nosso trajeto foi falando sobre as crianças e seus progressos. Milena realmente estava atenta a cada um deles.

— Você mora com a sua avó, não é? — Estacionei em frente ao portão e Milena colocou a alça da bolsa nos ombros.

— Sim, moro. Com ela e meu irmão mais velho — Ajeitou uma mexa de cabelo atrás da orelha — Quer conhecê-la? Deseja entrar? — Desci do carro e abri a porta para Milena.

— Creio que não... Outro dia, quem sabe — Milena concordou e parou a minha frente. Seu rosto estava corado e parecia ainda mais bonita do que costumava — Eu queria dizer que...

"Ah meu Deus! É o Arthur Novateli!"

Ouvimos vozes ao redor de nós e em segundos uma aglomeração de garotas apareceu me encarando. Milena me empurrou e abriu o portão, puxando-me para dentro da casa quando as meninas avançaram em nossa direção.

— Obrigado! Sempre esqueço de que...

— Que tem uma legião de malucas te perseguindo por aí? — Sugeriu rindo de minha expressão consternada. Não era fácil se acostumar com tamanho assédio aonde botava os pés. O limite era desconhecido para alguns — Não agradeça, pois por um minuto pensei seriamente em te deixar lá fora! — Rimos juntos.

— Não faria isso com seu chefe, faria? — Milena abriu a porta e entramos em uma simples sala de estar.

— Quem sabe... Vó? — Chamou após colocar a bolsa no sofá — Vozinha? A senhora está em casa?

Milena caminhou para dentro e me movi em meio à sala. O lugar era organizado, possuía móveis de épocas mais antigas e cheirava café fresco. Fotos de Milena ao decorrer da vida se espalhavam pela prateleira alta ao lado do sofá, juntamente de um garoto de cabelos mais claros. Provavelmente seu irmão.

— Chegou tão cedo, Nena... Aconteceu algo no trabalho? — Uma senhora de cabelos brancos, pequena e magra apareceu na sala diante de nós usando óculos e com algumas cartas de baralho em mãos — Ah, veja só! Você trouxe o seu namorado! — Olhei de relance para Milena, que corou e separou os lábios pela surpresa das palavras. Segui parado ao seu lado com as mãos nos bolsos do jeans, analisando de perto da figura de sua avó.

Parecia uma senhora agradável, apesar de um tanto enigmática. As cartas em suas mãos me despertaram imediatamente a atenção.

— Vó, por favor! Olha o mico! — Milena caminhou até a senhora e pousou as mãos em seus ombros de maneira acolhedora — Esse é o Arthur Novateli, meu patrão — Ressaltou ainda envergonhada — Arthur, essa é minha avó Damiana — Retirei a mão do bolso e me aproximei da mesma, estendendo a mão em sua direção.

— É um prazer conhecê-la, senhora — Damiana sorria com as bochechas coradas e me analisava dos pés à cabeça. Até afastou um pouco os óculos de grau para me ver melhor.

— Digo o mesmo! Minha neta fala muito do senhor... Quase o tempo todo — Milena cruzou os braços com um olhar ameaçador em direção à avó.

— Imagino que sim... — E também imaginava o tipo de coisa. Milena parecia me pedir desculpas com o olhar castanho assustado — Apesar de algumas más impressões entre Milena e eu início, devo parabenizá-la. Sua neta é uma grande mulher, muito paciente e carinhosa com as crianças. De fato, não poderia ter encontrado profissional melhor para lidar com meus filhos, senhora.

Orgulhosa, Damiana abraçou a neta, que sorria com um olhar grato.

— Milena é bem difícil às vezes, mas sempre tive a certeza de que existia amor neste coração de pedra — Concordei e Milena revirou os olhos — Também devo parabenizá-lo! Milena fala muito sobre suas crianças e me mostrou fotos. São lindos, é claro. Parecidos com o pai, não é querida?

Milena suspirou e encarou a avó com expressão engraçada após a mesma lhe dar uma cutucada com o cotovelo.

— Posso oferecer um café, Arthur? — Ofereceu simpática — Posso chamá-lo de Arthur?

— Claro! Quero o café e pode me chamar de Arthur com toda certeza! — Milena olhava de mim para a avó como se não acreditasse no que via. Damiana me apontou o corredor.

— Por favor, por aqui! Não é todo dia que tenho um artista de televisão em minha casa! — A segui vagarosamente até a cozinha, olhando Milena de relance antes de ir.

Os olhos escuros da garota deixavam claro que não esperava tal gesto de minha parte. Damiana me sentou em uma mesa pequena na varanda da cozinha simples, de frente para um pequeno jardim colorido e improvisado. Serviu um café com biscoitos e tagarelou por alguns minutos sobre suas plantas de estimação, contando a propriedade curativa de cada uma delas. Milena apenas nos observava parada no balcão da cozinha, os braços apoiando a face. Mordia os lábios pela ansiedade e meus olhos não podiam abandoná-la.

Algo me atraia na jovem Milena, uma garota tão simples e agradável. Era bonita e meus olhos a buscavam... A voz de Damiana ecoava pela cozinha enquanto meu pensamento vagava pela maneira bonita como Milena sorria nervosa, o jeito de menina que usava para ajeitar o cabelo longe do rosto.

Apesar de tudo, tinha muita sabedoria. Mostrava-se a cada dia uma mulher valiosa.

— Acredita nas cartas, meu jovem? — Damiana, sentada a minha frente, mostrou um bolo de cartas de baralho.

— Vó, por favor... — Milena pediu um pouco envergonhada, mas Damiana seguiu me encarando fixamente.

— Não costumo acreditar, senhora. Sou um homem sistemático e sem muitas crenças — Dei de ombros.

— Se um dia lhe interessar saber o que as cartas vão dizer, me procure. Existem coisas interessantes a serem ditas, meu caro! — Piscou para mim de maneira cúmplice.

— Bom, preciso ir — Me levantei ao olhar no relógio e lembrar sobre as crianças — Apenas vim trazer sua neta e meus filhos estão esperando em casa. Sabe como é... Vida de pai!

— É claro, Arthur. Volte mais vezes! — Damiana se aproximou e me abraçou pelos ombros carinhosamente. Milena não conteve a indignação pela intimidade que a avó propunha, mas a abracei cordialmente de volta e sorri para Milena — Foi uma honra tê-lo em minha casa.

— O café estava ótimo! — Garanti levantando a xícara até a pia.

— Arthur, você tem que ir — Milena relembrou parada ao meu lado — As crianças...

Concordei e seguimos lado a lado de volta para o portão. Damiana ficou dentro da casa, acenando até fechar a porta.

— Droga! Não vejo maneira de sair daqui com a quantidade de garotas que ficou aí fora. Estão aguardando que eu saia... — Milena pensou por alguns minutos, aproximando-se de mim e levando a mão até meus bolsos, apalpando-os — O que está fazendo?

— Cadê a chave do seu carro? — Continuou apalpando meus bolsos e retirou-a do bolso da frente de minha calça. Não escondi a surpresa por seu gesto. Milena parecia preocupada — Vou parar o carro na entrada dos fundos. Fica naquela direção.

Milena apontou o local e assenti, encarando-a novamente.

— Obrigado, eu... Não sei como agradecer — Milena deu de ombros — Sou eu quem está agradecendo. Você me deu uma carona, não deu? — Piscou um dos olhos de maneira cúmplice e saiu pelo portão.

Dirigi-me ao local indicado, a entrada dos fundos, e não demorou até meu carro surgir na rua. A multidão de garotas vinha atrás do carro um pouco afastada, mas consegui entrar no veículo sem problemas. Milena dirigiu em alta velocidade até sumirmos na rua.

— Acho que você está a salvo. Preciso voltar agora — Parou no acostamento e desceu do carro. Coloquei a cabeça para fora do vidro após me acomodar o banco do motorista.

— Não quer mesmo que eu te leve de volta?

— Tudo bem. São somente alguns minutos andando.

— Mallory comentou algo sobre você dormir em casa amanhã — Milena assentiu positivamente.

— Te incomoda? — Neguei rapidamente — Prometi que irei ensiná-la a ler e isso requer tempo. Além do mais, você tem show de noite e eu posso quebrar esse galho de ficar com eles e dar uma folguinha para sua mãe — Parada com as mãos nos bolsos traseiros de sua calça, Milena parecia ser a mulher mais incrível de todo o mundo diante de minha visão.

Não era como as que frequentavam meu círculo social e isso a tornava ainda mais interessante. Sequer eu compreendia meus próprios sentimentos relacionados aquela garota encrenqueira.

— Não será um show. Trata-se de uma reunião com a gravadora. Assim que voltar do feriado com as crianças lançarei músicas novas nas plataformas.

— Aí... Arthur Novateli — Fazendo uma expressão engraçada, Milena desviou o olhar e revirou os olhos — Às vezes esqueço que meu chefe é um astro da música!

— Isso é o que te torna diferente — Milena me encarou rapidamente, surpresa com meu comentário que escapou sem que eu realmente pensasse — Bom, fico aliviado que durma em casa amanhã. Não gosto que volte sozinha tão tarde... Vou pedir para Maria separar um quarto de hospedes — O silêncio que pairou entre nós significava as palavras que morreram nos lábios de Milena após meu comentário — Então até amanhã?

— Até amanhã — Foi tudo o que Milena disse antes de me dar as costas e caminhar em direção a sua casa lançando olhares curiosos por cima dos ombros.


Eram seis e meia da tarde de sábado quando cheguei a casa dos Novateli e me deparei com uma menina de cabelos dourados e olhos verdes intensos sentada no chão, próxima da porta.

— Mallory? — Perguntei fechando a porta e confusa — O que faz aqui sentada menina? — Cruzei os braços depois de colocar a chave da casa, que agora eu tinha, na bolsa. A garota ergueu os olhos e notei que segurava um livro do Peter Pan, um caderno e um estojo.

— Esperando você chegar — Colocou-se de pé com um sorriso, ajeitando o cabelo atrás da orelha — Você demorou Milena!

— Olha como está bonita! — Comentei ao vê-la de cabelos lavados e um conjunto de short jeans e blusinha azul.

— Pedi para Maria me dar banho... Ela até penteou meu cabelo! — Aquele grande avanço me fez sorrir. Mallory era uma criança totalmente contrária a banho e se arrumar.

— Ficou ótimo, Mallory.

— Tia Milena! — Lara apareceu vindo em minha direção e pulando em meus braços — Que saudade! Você vai dormir aqui, não é?

— Sim querida — Desceu de meu colo — Vou ajudar Mallory hoje — Encarei Mallory, que me olhava ansiosa — Somente vou tirar essa roupa e passar uma água no rosto antes de começarmos, tudo bem? — Ela assentiu positivamente e toquei com delicadeza a ponta de seu nariz.

— Eu não disse? A Milena é muito legal! — Ouvi Lara dizendo quando sai.

Meu quarto na casa dos Novateli era de serviço durante o trabalho, mas Arthur pediu a Maria que separasse um de hospedes no andar de cima. Analisei o ambiente, certa de que realmente estava querendo me agradar. Havia uma caixa de bombom sobre a cama grande quando me aproximei e junto dela um bilhete.

Obrigado por toda dedicação ao trabalho.
Arthur Novateli

Sorri e movi o cartão entre os dedos, lembrando-me dos comentários de Arthur na noite anterior.

— É impressão minha ou Arthur está muito interessado em me agradar? — Sentei na cama e abri a caixa de bombom, pegando um deles e experimentando. Era nada menos que chocolate suíço — E está dando certo!

Talvez fosse tudo pela maneira como eu me portava em relação a ele. Arthur não estava acostumado a não despertar o furor das mulheres e deveria estar querendo provar que também poderia me conquistar com seu rostinho bonito e algumas palavras soltas.

Troquei-me, vestindo um short jeans e blusinha branca, o look básico de todos os dias em uma casa com cinco crianças. Não existia muito glamour para correr atrás de bebês e limpar fraldas sujas. Não era meu expediente, mas certamente iria ajudar.

Encontrei Caleb no corredor assim que sai do quarto. Não trocamos muitas palavras, apenas um cumprimento formal. Talvez por nossa conversinha de ontem. Também me deparei com Clara, que ao notar minha presença se retirou tensa e sem sequer me olhar nos olhos.

As aulas com Mallory me fizeram esquecer por um momento os problemas da casa. Caleb e Clara eram o principal deles, surpreendendo-me pela maneira como pré-adolescentes podiam ser mais trabalhosos do que as meninas de dois, quatro e seis anos. Mallory sabia quase todas as palavras e apenas tinha problema em juntá-las. Foi trabalho, mas consegui avançar alguns passos com ela após muita insistência.

— Si... Siga reto em... Em... Dire... — Me olhou pedindo ajuda, tentando ler a frase que indiquei.

— Direção — Sussurrei.

— Siga reto em direção — Repetiu com os olhos no livro — Ao... Amanhã... Amanhecer! — Quase gritou — Está escrito "siga reto em direção ao amanhecer". É isso? — Encarou-me contente.

— Exatamente! Meus parabéns! Bate aqui! — Ela bateu a mão contra a minha trazendo no rosto o maior sorriso que vi em sua face depois de conhecê-la — Está vendo como você não é burra? Conseguiu ler uma frase!

— Obrigado Milena, obrigado! — Os pequenos braços de Mallory me envolveram pelo pescoço e paralisei diante da abordagem repentina. Esperei tudo, menos tal reação. A garota sempre tão fria comigo mostrava-se emocionada e tinha lágrimas nos olhos verdes iguais aos do pai — Obrigado por me ajudar a ler...

Abracei-a de volta com carinho, sorrindo a suas costas pelo grande passo que consegui dar em relação a ela. Chegar ao coração partido de uma criança — ainda mais a que se negava a crer que a mãe tinha realmente ido embora — era uma vitória grandiosa!

— Conte comigo sempre, Mallory. Estou aqui para ajudar — Nos separamos a vi em seu olhar lágrimas que continha.

— Me desculpe por... — Engoliu as palavras e suspirou pesadamente — Me desculpe.

— Não precisa, de verdade — Toquei sua mão pequena na minha e vi um sorriso envergonhado em seus lábios — Está tudo bem. Somos amigas agora?

— Talvez sim — Respondeu dando de ombros.

Sophia apareceu após acordar de uma soneca e interrompeu a aula, mas Mallory pediu que continuássemos na segunda-feira. O progresso ja havia sido grande, maior do que o esperado. Maria e Gabi se recolheram quando as dispensei, tomando frente do cuidado com as crianças. Caleb e Clara passavam o tempo em seus quartos enquanto as pequenas se reuniam a mim aonde quer que fosse.

— Milena, podemos fazer uma noite do pijama? — Lara perguntou ao meu lado, enquanto eu dava a mamadeira de Sophia, que já quase voltava a dormir seu longo sono noturno.

— Como seria? — Questionei diante da pequena garotinha loira que usava pijama rosa e o cabelo loiro claríssimo caindo frente ao rosto. Afastei a mexa que me impedia de vê-la claramente.

— Compramos pizza e assistimos um filme, igual às mães fazem com os filhos — Mallory respondeu por Lara, atenta a nossa conversa no sofá ao lado.

O olhar esperançoso das meninas me trouxe lembranças dolorosas da infância. Como era terrível e pesado ver outras crianças cultivando momentos com a mãe e eu e Danilo com o vazio estampado na face. Vovó existia, mas não era a mesma coisa. Vó tem papel de vó e mãe papel de mãe. Aquele buraco no peito sempre estaria ali, como eu via nos olhos de Lara e Mallory agora.

Pedi a pizza enquanto as duas aplaudiam e escolhiam os sabores e o tempo de espera da mesma foi o que Sophia levou para finalmente adormecer em seu berço, no quarto. O filme escolhido era um clássico da Disney e as meninas não podiam estar mais felizes.

— Garoto! — Caleb espiou a sala onde comíamos e víamos filme com curiosidade — Quer pizza?

— Sim Caleb! Venha participar da noite do pijama! — Lara chamou empolgada — Milena comprou pizza!

— É sério? — Sorrindo, Caleb se aproximou e sentou ao lado de Mallory no chão. Lara e eu no sofá — E a Clara? — Serviu-se com pizza e colocou a atenção na tela. Mais uma criança parecia imensamente satisfeita.

— Ah, você sabe como ela é... — Mallory interveio revirando os olhos — Clara não gosta de sair do computador e nunca tem fome. Além do mais... — Olhou-me com expressão contida — Não aceita que Milena pode ser legal para nós.

— Você também não gostava até ontem... — Caleb comentou rindo baixinho. Trocamos um olhar engraçado.

— Mudei de ideia, não posso? — Mallory ergueu a voz para o irmão — As coisas podem mudar!

— Já chega, sem problemas! — Intervi sorrindo, reparando que Mallory parecia envergonhada pela postura de antes — Caleb, fique de olho em suas irmãs que vou até lá chamar Clara para se juntar a nós.

Coloquei-me de pé diante de três olhares surpresos.

— Vai perder seu tempo, Milena — O garoto respondeu — Mas tudo bem. Fico de olho nelas.

Dar uma oportunidade a Clara sempre seria uma opção. A garota era a filha mais velha, portanto, a criança que mais presenciou momentos tensos entre os pais. Clara sabia perfeitamente o que era ter uma mãe e perdê-la, sabia também o gosto da rejeição, algo que eu desconhecia. Minha mãe morreu, afinal. A dela foi embora! Meu coração tentava se colocar no lugar do dela. Como seria ter nove anos e ver a mãe partir, deixando você e mais quatro filhos pequenos para trás? Sequer um animal teria tamanha frieza!

Não parecia fácil aceitar e tão pouco era simples ver outra mulher dentro de seu lar. Era óbvio que pensaria coisas sobre eu e o pai dela.

Bati na porta de seu quarto e não a encontrei lá. Desci as escadas novamente, parando na sala de estar. As crianças assistiam ao filme na sala de televisão.

— Clara? — A menina loira estava encolhida no sofá com a cabeça entre os joelhos. Ergueu a face assustada ao ouvir-me, secando as lágrimas que escorriam com agilidade — Está tudo bem?

— Tudo! — Respondeu nervosa, ainda secando o rosto — O que faz aqui, hein? — Virou de costas para mim.

— Vim te chamar para comer pizza comigo e seus irmãos — Aproximei-me mais alguns passos, mas me detive ao notar que seus ombros sacudiam com o choro silencioso — Seus irmãos disseram que a de queijo é sua preferida. Colocamos um filme e...

— Estou sem fome — Sua voz soou severa — Obrigado.

— Eu... — Tentei buscar palavras, mas elas morreram em minha garganta — Não faça por mim, está bem? Faça por seus irmãos. Eles adorariam ter sua presença!

— Está de brincadeira, garota? — Ironizou, virando-se finalmente em direção a mim — Meus irmãos me odeiam! Sou a bruxa malvada para eles, será que ainda não reparou?

O silêncio dominou ao passo em que nos encarávamos. O dilema nos olhos azuis de Clara era doloroso. Não parecia fácil encarar a realidade que enfrentava.

— Seus irmãos estão ao seu lado, Clara. Não foram embora. Permanecem aqui...

— É melhor se calar, garota! — Ergueu-se do sofá e apontou o dedo em minha direção — É melhor não se meter no que não sabe!

— Você tem tudo para ser feliz, garota! — Rebati no mesmo tom, não me dando por vencida e muito menos me fazendo de intimidada — Seu pai faz o que pode por sua felicidade e seus irmãos estão sempre ao seu lado! Todos são bem cuidados e rodeados por luxo! O que mais precisa para entender que é amada?

Clara se aproximou em passos largos e por um instante pensei que me acertaria um tapa no rosto. Deteve-se com a face próxima da minha, encarando-me com os olhos azuis transbordando dor.

— Está engana! Não tenho nada, Milena! Não tenho nada! Sabe por quê? Por minha culpa meus pais se casaram! — Vociferou com lágrimas nos olhos — Ela estava grávida, por isso se casou! Casou-se, mas não queria! Por minha culpa foi embora e abandonou a mim e meus irmãos... Por isso meu pai é infeliz! — Lágrimas escorriam na face pálida — Se eu não existisse nada disso estaria acontecendo! Essa casa não seria marcada pela infelicidade!

— Clara...

— Você é a maluca aqui por ter topado estar em meio a isso! — A segurei pelo braço antes que saísse.

— Está dizendo que é culpada por nascer? — Questionei em um sussurro, próxima de seu rosto — Culpada por duas pessoas terem feito uma criança, sendo que poderiam ter evitado? Culpada pela falta de sentimentos de uma mulher que foi capaz de abandonar os filhos? — Clara me encarava com os olhos surpresos e os lábios separados — Tudo isso — Apontei ao redor — É culpa de seus pais e suas escolhas... Mais precisamente, da sua mãe! Essa dor aí — Apontei para seu peito e apoiei as mãos em seus ombros — Veio dela, não de você. A culpa não é sua, Clara!

Nos encaramos por alguns segundos em meio ao silêncio, apenas as lágrimas caiam pelo rosto de Clara. A garota parecia ter levado um grande choque de realidade e talvez ninguém nunca houvesse sido tão realista com ela. Afastou minhas mãos de seus ombros e me deu as costas, subindo em direção ao quarto em total silêncio.


Era madrugada quando cheguei em casa, assustado com o fato de tudo estar estranhamente silencioso e apagado. Mesmo a noite a casa dos Novateli era puro movimento.

Retirei a jaqueta dos ombros e encontrei algumas fatias de pizza dentro de um pote de vidro, separadas para mim. Um bilhete com os dizeres "papai" estava sobre elas. Sorri e comi algumas mordidas, curioso para saber sobre as crianças. Subi para os quartos e vi uma pequena brecha de luz saindo do quarto de Clara. Bati na porta com cuidado, encontrando-a sentada no chão quase imóvel e com o olhar fixo no espelho.

— Clara? — Chamei-a e imediatamente me encarou — O que houve querida?

— Nada, tudo normal — Respondeu monótona, deixando claro que anteriormente chorava.

— E seus irmãos? Já foram dormir? — Sentei-me na cama, próximo dela. Clara ficou de pé depois de um longo suspiro e também se sentou na cama ao meu lado.

— Sim, foram dormir. Não os vejo desde que foram assistir a um filme e comer pizza com a santa Milena, sua fada madrinha — Senti o desdém em sua voz. Não pude evitar um sorriso ao imaginar a felicidade que as crianças sentiram ao partilhar de tal momento com Milena.

— Você não se juntou a eles?

— Não! Sabe que não gosto daquela... — A olhei assustado — A presença dela me incomoda! — Colocando-se de pé, caminhou até o espelho, parando de frente a ele — Ela pode enganar meus irmãos, que são pequenos. Até o idiota do Caleb... Mas a mim, não! Sei muito bem onde tudo isso vai terminar!

— Milena é uma moça ótima, divertida, e responsável, Clara! — Levantei-me e parei atrás delas, ambos de frente ao espelho — Eu jamais colocaria uma pessoa que desconfio do caráter dentro de minha casa, para cuidar de meus filhos! — Os detalhes ela não precisava saber, afinal! — Não quero que fale de Milena assim, querida. Ao menos que ela te faça algo ruim, por favor, não se ponha contra ela...

— Ela quer te seduzir, pai — Encarou-me através do espelho — E pelo jeito que fala dela, já está apaixonado pela babá, não é? — Virou-se em minha direção — Consigo ver na sua cara, pai!

Suas palavras me balançaram dos pés a cabeça. Senti um forte impacto no peito ao pensar sobre a possibilidade.

— O que? Clara, por favor! Como pode pensar que eu me interessaria amorosamente pela babá? — Sorri sem humor, sentindo as mãos suando.

Milena era linda, inteligente e carinhosa. Encrenqueira, mas gentil. Era quase impossível ignorá-la, mas de fato não existia cabimento um romance entre nós!

— Você a defende, sempre quer falar com ela sozinho e toda vez que fala sobre Milena fica com o maior sorriso do mundo no rosto — Enumerava, andando pelo quarto — Além de colocá-la em pedestal! Tudo o que Milena faz e fala é o correto! Você ainda me questiona?

— Nossa relação é estritamente profissional, filha! Não posso me envolver amorosamente com a mulher que cuida de vocês! Isso poderia gerar grandes problemas!

Como, por exemplo, tudo acabar de maneira trágica e ela deixá-los! Mas não mencionei o pensamento a Clara.

— Milena também está apaixonada por você — Garantiu — Os olhos dela brilham para você e sempre faz o que você quer...

— Isso tudo que diz é uma loucura, mas... — Respirei profundamente antes de prosseguir — E se fosse real? Milena é uma moça solteira e sou um homem divorciado. Não há problemas nisso, há?

— Você não entende, pai — Clara cruzou os braços frente ao peito, parecendo mais frágil do que nunca — Quer que a história se repita? Quer que nos apeguemos a uma mulher que vai nos deixar de novo, sumindo de nossas vidas e deixando um buraco como a outra fez? — Calei-me, baixando os braços e recuando a postura. As lágrimas no rosto de Clara me fizeram pensar sobre suas palavras — Se é o que deseja, vá em frente! Não quero participar disso novamente, muito menos ver meus irmãos sofrerem quando ela se cansar!

Clara passou por mim e saiu do quarto, deixando-me sozinho. A segui rapidamente, encontrando-a na entrada da sala de televisão parada como uma estátua. Observava a cena.

Milena estava deitada em meio a todas as crianças. Sophia deitava sobre ela e dormia abraçada a seu corpo. Ao lado, Lara se envolvia em seu braço esquerdo e Caleb dormia com Mallory abraçada a ele. Todos pareciam tranquilos e felizes. Engoli em seco diante da cena e Clara me encarou acusatoriamente.

Cada aproximação entre Milena e as crianças tornava o laço daquela mulher ainda mais forte em nossas vidas.

— Está vendo? — Sussurrou — Estão apegados a ela, vendo-a como a mãe que nunca tivemos de verdade! — Suspirei e passei a mão pela cabeça — Me diz o que vai acontecer quando a santa Milena resolver ir embora?

— Isso não vai acontecer! — Garanti com convicção — Por um ano Milena está atada a nós, Clara.

— Ela é jovem, pai. Pode ser que fique um ano e vai ser ainda pior! Cada minuto com ela torna tudo ainda pior!

Clara me deu as costas quando a raiva a tomou, evitando uma discussão maior e um possível castigo. Olhando Milena com as crianças em meio à sala tive a certeza de que minha primogênita tinha seus motivos concretos para não querer se aproximar da nova babá...

Motivos que me levavam a pensar se manter Milena ali era realmente uma boa ideia.


CAPÍTULO SETE

 

 

A tempestade ecoava lá fora e tamborilava na janela enquanto meus pensamentos seguiam presos aos argumentos de Clara.

"Cada minuto com ela torna tudo ainda pior".

Passei a mão pelo cabelo nervosamente, certo de que existia sim uma verdade naquelas palavras. Milena, aos poucos, ocupava todo o espaço deixado pela mãe das crianças, inclusive em meu coração. Já não a amava quando foi embora, mas o sentimento que pulsa em meu peito cada vez que vejo Milena com meus filhos é muito semelhante ao que senti por minha ex quando nos apaixonamos.

Isso sim me preocupava!

Deixar outra mulher tomar parte de meu coração era arriscado, talvez muito além do que deveria ser considerado saudável. Poderia ser fatal para as crianças caso um passo desse errado. Além disso... Realmente meu coração começava a bater diferente por Milena, a babá encrenqueira?

— Senhor Arthur, que susto! — A voz de Milena ecoou na entrada da cozinha e ergui os olhos para encontrá-la parada com a mão no peito e mais pálida do que de costume — Pensei que fosse uma assombração... Ou um ladrão! — Sorri para ela, que caminhou até a geladeira e encheu um copo com água.

— Ladrão não, assombração... Quase — A vi sorrindo enquanto bebia sua água — Boa noite para você também, a propósito — Ergui meu colo em sua direção — Perdeu o sono?

— Acordei com o barulho da chuva — Apoiou-se no balcão, do outro lado e em frente a mim — Levantei para checar se Clara está bem — Confessou corando — Fiquei um pouco preocupada com ela hoje. Ela se recusou a comer e parecia muito nervosa, triste e confusa, Arthur.

— Ah Milena... — Baixei o olhar e suspirei — Clara está cada vez mais complicada! Não sei como chegar até ela, não me ocorre maneira de alcançar seus sentimentos. Parece-me impossível compreender uma garota de onze anos.

— Ela sofre muito com a partida da mãe. Se culpa pelo que aconteceu — Encarei Milena surpreso por suas palavras — Me disse hoje mesmo que tudo de ruim que acontece na vida de seus irmãos é culpa dela, porque foi ela quem nasceu quando sua ex esposa engravidou primeiro.

— Isso é verdade? — Indignado, me coloquei de pé e apoiei os braços no balcão. Milena assentiu com as bochechas coradas e a expressão triste — Não posso acreditar que isso passe pela cabeça de Clara!

— Me desculpe por me meter, mas creio que Clara precisa de ajuda psicológica, talvez um psicólogo infantil possa ajudá-la, Arthur. E a você também.

Milena soava preocupada, por isso dei a volta no balcão e parei frente a ela, que me olhava de sua pequena estatura com curiosidade e um pouco intimidada.

— Obrigado por tudo que está fazendo por mim e meus filhos, Milena. Vou sim procurar ajuda especializada para eles... Já passa da hora de aceitar que isso é algo necessário dentro de nossas atuais condições — Concordou ajeitando o cabelo escuro para longe da face. Os olhos castanhos brilhavam na luz da cozinha e de perto era ainda mais bonita.

— Você vai conseguir superar tudo isso. É um ótimo pai e um homem bom — Tocou em meu ombro com carinho, mas retirou a mão rapidamente, quando olhei em direção a seu toque. Corada, afastou-se de mim com nervosismo enquanto meus olhos a perseguiam aonde quer que fosse — Bom, eu vou...

— Clara me disse coisas sobre você hoje — Milena se deteve antes de sair da cozinha, parada de costas para mim — Coisas que me fizeram pensar...

Virou-se lentamente com uma das mãos erguidas como se fizesse um juramente.

— Juro por minha vozinha que não fiz nada dessa vez! — Ri de sua postura, cobrindo os lábios com uma das mãos enquanto a encarava. Às vezes parecia mais criança do que meus cinco filhos.

— Não se trata disso — Aproximei-me vagarosamente, chegando mais perto do local onde Milena estava. Vi que se moveu desconfortável, olhando ao redor em busca de uma rota de fuga. Não chegou a se mover, olhando-me de baixo com os olhos brilhando em curiosidade — Clara disse que as crianças estão muito apegadas a você... E que talvez isso não fosse algo positivo.

Durante alguns segundos Milena permaneceu em completo silêncio. Sabia bem o que aquilo significava.

— Apenas posso dizer que busco fazer meu trabalho da melhor maneira, senhor Arthur. Sabe que não queria aceitar no começo, mas resultou em algo muito positivo para minha vida, tanto financeiramente como emocionalmente. Trabalhar aqui tapou um grande vazio em minha alma e vem me ajudando diariamente...

— Sei disso, Milena... Te agradeço, também — Toquei a mão pequena e quente na minha, sentindo Milena se aproximar mais vagarosamente e estreitar o espaço entre nós — Mas um dia você precisará ir... Um dia precisará seguir em frente.

Baixando o olhar, Milena suspirou para prosseguir.

— Arthur...

— Achei que ter uma babá que os agradasse seria positivo, mas agora vejo as consequências que pode trazer.

— Seus filhos já são parte de minha vida e não pretendo sair tão cedo daqui. Mesmo que saia do trabalho, me farei presente em algum momento, mesmo que seja como amiga da família — Milena puxou a mão vagarosamente da minha. Vi lágrimas em seus olhos e toquei seu rosto com carinho, surpreendendo-a por me aproximar tanto.

— Isso é bom por que... — Milena me encarava com expectativa. Próximos demais, podia sentir o hálito quente contra meus lábios e a maneira como seu corpo tremia próximo do meu — A última coisa que eu quero é que você desapareça, Milena.

— É... — Milena se afastou quando avancei um pouco mais próximo dela, retirando minha mão de seu rosto com um movimento rápido — Boa noite senhor Arthur. Vou voltar para as crianças.

— Boa noite — Sussurrei vendo-a se afastar, certo de que Milena era muito mais um problema meu do que das crianças.


"Pai! Papai! Papai, acorda!"

Despertei de manhã em meio a risos, brincadeiras e gargalhadas estridentes. Abri os olhos e me deparei com cabelos loiros esvoaçando no quarto enquanto as crianças usavam minha cama — e até eu mesmo — de trampolim.

— Acordou? — Perguntou Lara sentada sobre minha barriga usando um vestido azul e fitas da mesma cor no cabelo loiro.

— Crianças! — Mallory subiu em mim, dando-me beijos na face — O que aconteceu?

— Milena mandou acordá-lo para tomar café da manhã conosco — Falou o garoto. Notei que estava sentado ao lado de minha cabeça, lugar onde Sophia engatinhava.

— Pai, anda logo! — Clara também estava ali, parada aos pés da cama — Estamos com fome!

— Que horas são? — Suspirei me sentando e pegando Sophia no colo.

— Nove horas — Caleb olhou no relógio de pulso para responder.

— Crianças! — Milena apareceu na porta com um sorriso no rosto e braços cruzados frente ao peito. Parecia corada quando notou minha falta de camisa — Era para apenas um de vocês chamar seu pai!

— Nós fazemos tudo juntos, Milena — Lara relembrou animada enquanto todos saiam de minha cama e Milena os guiava para fora do quarto.

— Me desculpe senhor Arthur! — Desculpou-se enquanto as crianças saiam. Aproximei-me da porta vendo-a cada vez mais nervosa por me ver sem camisa — Não era minha intenção despertá-lo de tal maneira.

— Não se preocupe... Te agradeço por me despertar — Cocei a barba e parei no batente da porta. Milena mantinha as mãos juntas em frente ao corpo e desviava o olhar de meu peito nu — Desço em alguns minutos. Acho melhor eu me trocar primeiro.

— Melhor... É... — Coçou a cabeça e se afastou — Vou indo lá então. Até mais senhor Arthur! — Praticamente correu para longe.

— Milena... — Chamei e ela me olhou do meio do corredor — Não me chame de "senhor Arthur". Apenas Arthur, está bem?

— Sim — Assentiu positivamente — Como quiser... Arthur.

E voltou a caminhar apressadamente para longe de mim e perto das crianças.


— Tenho uma proposta, crianças — Em meio a café da manhã de domingo, onde estávamos todos reunidos a mesa, lancei a pergunta que fez todos os cinco pares de olhos me encararem em expectativa — Que tal irmos à praia hoje e passar o resto do dia por lá?

— Seria demais! — Caleb se animou, ficando de pé.

— Mas vai ter gente tirando fotos para a imprensa, pai — Clara cruzou os braços com cara de poucos amigos — Vão sair fotos nossas em todos os jornais e revistas de fofoca!

— E o que tem? — Mallory mostrou a língua para a irmã mais velha.

— A escola toda vai me ver de biquíni! — Clara revirou os olhos.

— Espero que se divirtam... É minha hora de partir! Hoje é domingo e minha folga — Milena, que já tinha a bolsa pendurada na cadeira, se ergueu e a colocou no ombro.

— Você não vai passear conosco, Milena? — Lara segurou a mão da babá com carinho — Por favor... Fica!

Mallory, Lara, Sophia e Caleb passaram a insistir aos pés de Milena, que foi rodeada por crianças em segundos. Clara ignorava a cena, comendo suas frutas em completo silêncio.

— Por favor, Milena — Chamei a atenção de todos ao falar — Fique. Vai ser um prazer tê-la conosco em nosso passeio. Encare isso como um convite meu.

— Ah... — Clara quase se engasgou com minhas palavras, encarando-me desacreditada. As bochechas de Milena coraram ainda mais e mal conseguia se equilibrar com os pequenos abraçados a suas pernas.

— Eu também não sou muito fã de praia — Milena olhou para Clara e compreendi que era uma maneira de complacê-la.

— Que tal um parque? — Caleb sugeriu e as crianças se animaram ainda mais.

A concordância se estabeleceu e a paz reinou, por um minuto, entre Milena e Clara.


— Ana, não sei se foi impressão, mas... Acho que Arthur tentou me beijar na noite passada!

Enquanto as crianças brincavam no parque regional com o pai, caminhei olhando-os de longe e falando com minha melhor amiga e cunhada pelo celular. A pressão em meu peito desde o momento em que tudo ocorreu na madrugada anterior me impedir de seguir sem desabafar.

A sensação de tê-lo por perto foi a mais desconcertante e inesperada de toda minha vida!

Jamais pensei ficar sem palavras diante do ídolo adolescente Arthur Novateli, aquele que sempre repudiei, principalmente sendo ele meu chefe. Tudo parecia ser a coisa mais inacreditável que já me ocorreu... A imagem daqueles olhos verdes não saia de minha cabeça.

— O que? — Ana ria do outro lado da linha — Está falando sério, Milena? Arthur Novateli tentou te beijar? Isso quer dizer que está interessado em você ou tem algum fetiche por babás...

Suspirei enquanto pensava sobre as palavras dela.

— Acho melhor ser algum fetiche, com certeza! — Apoiei a mão na cintura enquanto o observava empurrando Lara e Sophia no balanço para bebês — Pior que... — Engoli as palavras — Melhor eu desligar!

— Não Milena, espera!

— Até mais amiga.

Desliguei ainda contemplando a cena, sentindo as palavras que evitei dizer a Ana Paula presas em minha garganta.

Pior que Arthur Novateli não é um idiota feito de aparências como pensei. Aquele homem que empurra as filhas no balanço e as faz sorrir com facilidade não se parece em nada com um homem fútil, vaidoso ou desprezível. É um pai carinhoso, um homem cavalheiro e gentil.

— Arthur Novateli... Você não vai me fazer mudar de opinião sobre sua pessoa com tão pouco. Não vai... — Sussurrei com o celular em mãos, olhando Arthur de longe.

— Falando sozinha Milena? — Me assustei com a voz de Caleb ao lado, dando um pulo no lugar.

— Ai garoto! — Com as mãos sobre o peito, o encarei — Que susto!

— Estava falando sobre meu pai? — Estreitou o olhar e me apontou o dedo de maneira curiosa, obviamente carregado de segundas intenções — Olha só... Será que vocês dois...

— Será que nada! — Lhe puxei pela mão e o abracei de lado, ambos caminhando em direção ao parque — Vamos dar uma volta e ver se afasta de sua cabecinha criativa ideias erradas!

Mallory escorregava muitas vezes no mesmo escorregador, o maior do parque e Clara caminhava em silêncio no topo de uma casa de madeira construída no alto de uma árvore. A melancolia em seu rosto era tão clara quantos seus pensamentos.

Arthur mantinha suas mãos grandes ao redor da pequena cintura de Sophia, a fazendo caminhar sobre um corrimão estreito e a pequena sorria com os dentes que nasciam à mostra. Um sorriso mais do que bobo nasceu em meus lábios enquanto os assistia. Sophia agora estava no colo do pai e com as mãos no rosto dele. Arthur fazia caretas engraçadas para ela e Lara, que se sentava bem ao lado.

A afinidade de Arthur era muito maior com as caçulas do que com os três mais velhos, isso pude concluir. Lara e Sophia não tinham a consciência do abandono da mãe — apesar de sentirem muito o fato — como os mais velhos tinham. Talvez isso aproximasse Arthur de uma maneira menos agressiva, algo sem cobranças.

Mallory e Clara sempre o cobravam muito e traziam questionamentos. Caleb questionava com o olhar, apesar de calado. O diálogo franco que faltava entre eles era peça chave para resolver o grande problema que se instalou na família Novateli após a partida da matriarca.

— Sophia disse papai! — Lara correu em minha direção quando despertei dos pensamentos, sentando-se em meu colo com animação — Ela disse, Milena!

— Verdade? — Arthur caminhava com a pequena nos braços e trazia o maior sorriso no rosto contente — Ela falou mesmo?

— Papai — Sophia disse quando me coloquei de pé frente a Arthur, que balançava a pequena no ar sem conter a emoção. Seus olhos verdes, iguais aos da menina, brilhavam sob o sol da tarde.

— Sophia! Meus parabéns! — Arthur baixou a pequena e a colocou em seus braços. Não me contive, colocando-me nas pontas dos pés para lhe beijar o rosto rechonchudo. A menina me abraçou pelo pescoço com carinho e quando ergui o rosto notei que minha face e a de Arthur estavam a centímetros de se tocarem.

Caleb e Lara assistiam a cena sentados no banco e com o olhar atento. Pareciam rir baixinho.

— Sem você isso não teria acontecido, Milena. Estou certo de que foi peça fundamental para que Sophia finalmente falasse — A voz de Arthur ecoava em meu rosto e seu hálito roçava meus lábios. Certamente era impossível deixar de encarar os olhos verdes tão bonitos e próximos, profundos e claros com o reflexo das árvores — Obrigado.

— Não precisa me agradecer... Arthur — Me lembrei de que pediu para ser chamado sem formalidades.

Fomos afastados por um empurrão quando Clara e Mallory passaram entre nós propositalmente, nos mandando para direções opostas. Arthur lançou um olhar reprovador em direção a elas e ameaçou dizer algo. Segurei-o no ombro de modo a pará-lo. Não queria de modo algum problema com as meninas.

— Clara e Mallory já passaram dos limites, Milena — Sussurrou apenas para mim, enquanto as meninas se juntavam aos irmãos no banco próximo de nós.

Caleb e Lara cochichavam com elas, seguramente sobre nosso momento anterior.

— Por favor, Arthur — Pedi baixinho, ainda segurando seu braço forte — Um dia as meninas me aceitarão como babá. Mallory já está começando a ficar mais próxima e Clara é uma questão de tempo, eu garanto!

Arthur negou e se aproximou um pouco mais, voltando a ficar a centímetros de minha face.

— Não é assim, Milena, não é sobre isso — Curiosa, aguardei suas palavras. Ele parecia buscar uma maneira segura de dizer algo delicado — Milena, se um dia nós chegássemos a...

— Papai! — Clara chamou com um grito, fazendo com que nos afastássemos em um susto — Podemos comer agora? Estou com muita fome!

Afastei-me de Arthur em direção à bolsa com comida, terminando ali uma conversa que talvez não tivesse nem de ter começado!

Maria preparou um lanche incrível e eu trouxe uma toalha xadrez para sentarmos na grama, algo que despertou a animação das crianças. Sophia brincava sentada sobre o pano entre as minhas pernas. Seu brinquedo no momento era a barra da minha blusinha verde e os retalhos de meu short jeans. Ao nosso lado estava Lara conversando animadamente sobre a nova escola. Caleb comia junto ao pai dizendo algo sobre futebol. Os dois torciam para o mesmo time. Clara brigava em tom baixo com Mallory do outro lado, bem afastadas de mim.

— Milena, só faltou você trazer o sanduíches e o refrigerante dentro de uma cesta de piquenique para ser de verdade... Um piquenique — Caleb comentou animado.

— Milena é demais. Ela pensa em tudo! — Lara concordou.

— Ela é mesmo legal e sabe como fazer passeios serem incríveis — Pode ter sido impressão, mas franzi a testa diante do tom provocativo de Mallory para com Clara — Não acha papai?

— Claro, querida... A Milena é mesmo incrível, uma mulher rara de se encontrar nos dias de hoje — Desviei o olhar em direção a Arthur e encontrei seus olhos presos em mim. Aquilo parecia constrangedor demais para acontecer entre as crianças.

— Crianças, isso é um trabalho — Relembrei a eles vendo que Lara torcia os lábios — Cuidar de vocês é minha atividade remunerada!

— Mas hoje é sua folga — Clara relembrou por cima da voz de todos — Não tinha obrigação de estar conosco, ou estou errada?

Encaramo-nos fixamente. O olhar azul de Clara parecia impositivo e questionador. Ajeitei-me um pouco intimidade pelo baque de suas palavras.

— Não, você tem razão. Eu não precisava estar aqui...

— Mas eu a convidei — Arthur se intrometeu falando diretamente com Clara — Nós desfrutamos de sua companhia, Milena. É sempre bem-vinda.

— Acho que a Sophia quer mamar — Lara comentou rindo com a mão em frente aos lábios quando Sophia puxou minha blusa para olhar meus seios. Corei e me ajeitei, reparando que Arthur desviou o olhar da cena após presenciar a garota exibindo meu sutiã decotado.

— Mas a Milena não tem leite — Caleb remexeu no cabelo loiríssimo de Lara.

— Porque não? — Mallory observava — Ela é uma menina!

— Porque ela não teve um bebê! — Clara esclareceu — Vem Sophia. Deixa um pouco a Milena em paz! — A mais velha chamou Sophia, que engatinhou sobre o pano para chegar ao colo da irmã.

— Milena, posso me casar com você quando for mais velho? — Encarei Caleb com uma expressão assustada — Você é muito bonita!

— Até parece que a Milena vai casar com você! — Abri a boca para responder, mas fui cortada bruscamente por Mallory — Milena é uma menina grande e você é um menino pequeno! Acha que ela vai querer casar com você?

— Ué, vocês não querem que ela faça parte da família de verdade? — Arthur e eu nos encarávamos com confusão, ouvindo a conversa das crianças e levando tudo na brincadeira — Então! Se Milena se casar comigo ela entra para família! Hein Milena, casa comigo? — O garoto segurou minha mão com carinho.

— Quando você fizer dezoito nós voltamos a conversar, garoto — O beijei na testa e abracei com carinho, fazendo as meninas rirem. Arthur sorriu com a brincadeira.

— Não seja burro, Caleb! — Lara mostrou a língua para o irmão — Milena tem que casar com o papai, que é bonito e do tamanho dela! Ele parece com um príncipe e Milena uma princesa!

— E vai poder dar um beijo nela sem precisar de um banquinho! — Mallory comentou com uma risada estridente, fazendo os demais rirem da expressão decepcionada de Caleb.

— Vamos parar com esse papo de beijo na boca, ok? — Arthur repreendeu em tom bem-humorado, finalmente falando algo sobre a colocação das crianças. Meu rosto pegava fogo — Beijar nessa família é só depois dos dezoito anos, talvez depois da faculdade!

— Eu sou a mais velha, então posso beijar primeiro! — Clara provocou Arthur, que sorriu sem humor.

— Apenas não me deixe ficar sabendo, do contrário, ficará em sérios problemas, Clara Novateli!

As crianças se espalharam para brincar um pouco mais antes de ir embora e me propus a limpar a bagunça do lanche. Arthur parou ao meu lado enquanto Sophia dormia em seu colo em um sono profundo e cansado pelo dia agitado.

— Milena... Você está bem? — Olhei-o de baixo enquanto terminava de guardar as coisas na bolsa.

— Sim, claro... Apenas com calor. O dia foi ótimo! — Segui arrumando tudo.

— Sim, foi... Eu... — Parecia confuso — Queria me desculpar pela brincadeira das crianças.

— Não precisa se desculpar, Arthur! Sei como eles são, não se preocupe — Pisquei em sua direção despreocupada, mas tremendo por dentro. Estaria Arthur querendo saber minha opinião sobre os fatos?

— Obrigado por esse dia, Milena. Obrigado por...

— Arthur, chega! — Fiquei de pé a sua frente e fiz um sinal para que parasse — Não precisa me agradecer! Sou sua funcionária! Está tudo bem...

— Não falo sobre o trabalho, mas sim sobre ter trago minha família de volta — Murchei o sorriso, pega de surpresa pela revelação — Jamais pensei voltar a ter momentos assim com meus filhos depois da partida de Carina. É a primeira vez que passamos um dia tão agradável juntos, em família. Depois que você chegou tudo foi diferente e tornou esse momento possível. É por tanto que te agradeço.

O olhar esverdeado parecia emocionado. Conclui que não existia maneira de ser imune ao charme de Arthur Novateli.

— Sua ex-mulher não sabe o que perdeu, Arthur, me desculpe dizer. Para mim é uma maluca! — Arthur riu alto, concordando com o fato — Seus filhos são incríveis e você... Um grande homem. Eu nunca deixaria uma família assim. Não mesmo!

Apenas me dei conta do que disse após dizer. Arthur se aproximou um pouco, olhando-me fixamente.

— Tudo acontece por um motivo, não acha? Se ela não tivesse ido, você não estaria aqui, provavelmente — Concordei sem ter a capacidade de desviar o olhar do dele — E confesso que prefiro mil vezes ter você aqui.

— Agora sou eu quem te diz... — Coloquei a mão no braço dele que segurava Sophia — Obrigado.

Sorrimos um para o outro quando novamente Clara nos interrompeu.


CAPÍTULO OITO

 

 


Duas semanas depois...

A casa dos Novateli ficaria vazia durante alguns dias pela viagem de feriado para o litoral e eu já me sentia sozinha em meio ao todo.

Mesmo antes de irem eu já sentia falta de Sophia, dos abraços de Lara e de pentear o longo cabelo dourado de Mallory todas as manhãs. Até o mau humor de Clara e as cantadas bobas de Caleb me fariam falta com a ausência deles!

Passei a ser reconhecida na rua e até fui surpreendida com uma matéria em revista de fofoca após o passeio do parque.


A nova senhora Novateli?

Teria finalmente o coração de Arthur Novateli, um dos homens mais bonitos, talentosos e desejados do país, sido finalmente laçado?

No último domingo o astro foi clicado ao lado de seus cinco filhos, Clara (12), Caleb (9), Mallory (6), Lara (4) e Sophia (2) em um parque regional da cidade.

Uma mulher identificada como Milena estava presente nas fotos, protagonizando cenas fofas com as crianças, principalmente com a caçula da família, a pequena Sophia. Fontes próximas da família afirmam que Milena é a babá das crianças, mas as fotos revelam que um clima de romance estava no ar entre a garota e o cantor. Estaria nascendo um novo casal famoso? Teria finalmente a família Novateli encontrado alguém para preencher o buraco deixado na vida de Arthur e os filhos no ano passado?

— É melhor se acostumar, Milena — Caleb me disse enquanto nós dois liamos a matéria em seu tablet — Viver próximo do meu pai sempre te leva para as revistas e sites. Não tem jeito!

Arthur Novateli realmente trouxe mudanças significativas para minha vida, uma vez que minha rede social passou a ser seguida por mais de vinte mil pessoas após a tal matéria.

As crianças entraram em recesso escolar, o que me levou a questionar Caleb sobre os garotos que o atrapalhavam. O garoto não me confirmou nem negou nada, mas o fiz prometer que conversaria com Arthur caso algum problema do tipo voltasse a acontecer. Nunca mais vi marcas em seu corpo ou rosto.

Clara vinha pelo corredor naquela tarde, carregando consigo uma toalha e usando biquíni. Provavelmente estava na piscina.

— Olá Clara... Viu seus irmãos? — Com olhar de desdém, a garota me encarou parada ao lado. Atentei-me em como estava crescendo rapidamente desde que comecei a trabalhar. Já precisava urgentemente de um sutiã e me perguntei se deveria tratar de tal assunto com ela.

— Se não estão no quarto ou lá fora, procure no quarto do papai. Vi Lara e Mallory fuçando por lá — Subiu as escadas em direção ao quarto. Ainda continuava a me tratar friamente e em tom de desdém. Revirei os olhos, concluindo que realmente seria impossível nos tornarmos amigas.

Segui as instruções de Clara e me dirigi ao quarto de Arthur. A porta estava entreaberta e dito e feito... Mallory, Lara e Caleb pulavam na grande cama do quarto decorado em azul e cinza.

— O que vocês pensam que estão fazendo? — Chamei a atenção assim que parei na porta do quarto e os três me encararam com expressão assustada" — Por acaso a cama de Arthur virou playground?

Para fazer cinco filhos, deveria ser! Pensei comigo.

O quarto de Arthur era bem planejado. Mesmo trabalhando há quase quatro meses na casa dos Novateli, nunca me atrevi a entrar no quarto do patrão, um local que se afastava do meu ambiente com as crianças. A cama grande ficava no centro do cômodo e havia dois degraus para alcançá-la. A porta do closet era discreta, assim como a janela de vidro que havia ao lado dando vista direta para o jardim centra. Uma estante preta ocupava quase a parede toda e uma televisão embutida no centro da mesma se destacava. As outras prateleiras traziam porta retratos, onde na maioria deles encontrei fotos das crianças.

— Estamos esperando o papai, Milena — Lara explicou com certo tom de piedade em sua voz de sinos angelicais. Cruzei os braços frente a ela, tocada pela fofura que transmitia.

— Queremos fazer uma pergunta para ele — Mallory emendou quando os três se sentaram na cama alta.

— Ah sim? Que pergunta, será que posso saber? — Adentrei ao quarto, pisando vagarosamente no piso branco e impecável.

— Queremos perguntar se você pode ir para a praia com nós! — Caleb disse, para a alegria das irmãs, que bateram palmas em expectativa.

— Crianças, por favor! Não posso ir com vocês!

— Porque não? — Lara disse com carinha triste e também cruzando os braços.

— Arthur deixou claro que será um momento em família e eu não sou da família! É um momento de vocês cinco com o papai — Me aproximei e sentei na cama de Arthur ao lado de Lara, que parecia a mais inconsolável.

— Ah Milena, mas que saco! Vai ser horrível sem você lá! — Mallory choramingou.

— Você já é parte da família sim — Caleb se esticou para segurar minha mão e sorri carinhosamente — Sabe disso, não sabe?

— O papai é o rei do castelo é você é a rainha! — Lara chegou mais perto, abraçando-me. Caleb e Mallory fizeram o mesmo, os três me abraçando de maneira que não consegui segurar e caímos deitados na cama alta aos risos.

Os pequenos Novateli sempre me emocionavam quando expressavam tais emoções relacionadas a mim. Sequer sei dizer como consegui chegar ao coração dos pequenos, a única explicação era que os conselhos de minha avó, para fazer tudo com carinho e dar importância a detalhes pequenos e que ninguém pensava, surtiu efeito positivo.

Um pigarro nos interrompendo foi ouvido e me atentei ao fato. Sentei-me ajeitando a saia de meu vestido e encarando Arthur, parado na porta com uma expressão engraçada. Tirou os óculos escuros do rosto e me olhou nos olhos com certa graça.

— Posso saber que bagunça é essa em minha cama?


Mulheres de todos os tipos desfilavam a minha frente em uma passarela de um famoso desfile de modas, mas a única que pairava em minha mente era a babá encrenqueira, Milena.

Passei a mão entre os fios de meu cabelo de modo alarmado quando me vi tentando procurar características dela em outras mulheres. Não estava sendo fácil admitir para mim mesmo que uma garota oito anos mais jovem do que eu e babá dos meus filhos — o pior de tudo! — pudesse estar mexendo com meus sentimentos daquela maneira.

Não era mais capaz de controlar minha própria razão ao pensar nela. Cada vez que via Milena com as crianças uma parte de meu coração descongelava e deixava de ser a pedra que minha ex-mulher deixou ao partir. Eu apenas não sabia se sentia imensa gratidão por tudo que fazia ou realmente estava me apaixonando pela babá.

Milena passava mais tempo em minha casa do que na dela. Era muito difícil não vê-la nos dias de semana e até nas noites. Às vezes uma criança ficava doente e ela precisava ficar no período noturno para atender, por isso trouxe algumas de suas roupas e coisas para o quarto de hóspedes. Não era fácil ignorá-la. Não era fácil não conversar com ela até tarde quando tinha tempo, mesmo que buscasse fugir o quanto podia para não nos cruzarmos.

As palavras de Clara ainda ecoavam em minha cabeça. Milena poderia resultar em um grande problema se não fosse levada da maneira correta.

Segui para casa acompanhado de meus seguranças após dar uma breve entrevista e encontrei Clara sentada no sofá da sala de estar com expressão pensativa. Estava com um livro no colo estudando.

— Pai... Chegou cedo.

— Oi filha — Me aproximei e lhe dei um beijo na testa — Não estava de humor para a festa pós-desfile — Está tudo bem? Parece meio pensativa...

— Tudo... Eu só... — Desviou seus olhos azuis como os da mãe do livro e olhou para as mãos unidas em seu colo — Pensava em Carina. Sabe, se um dia ela vai voltar... Em como seria se isso acontecesse justo agora que tem... A Milena — Ironizou — No lugar dela.

Respirei profundamente e me sentei ao lado dela no sofá para a conversa ser mais séria.

— Milena não está no lugar de sua mãe, querida.

— Tem razão — Não me encarava, parecia envergonhada — Tenho que admitir, apesar de não gostar dela, que a babá faz muito mais por nós do que Carina já fez um dia!

— Pelo jeito a ajuda da psicóloga está surtindo efeito, não é? — Sorri e Clara deu de ombros. Não foi fácil convencê-la a procurar ajuda profissional, mas consegui após muita insistência. De forma alguma contei que a ideia partiu de Milena, pois seria um empecilho a mais — Você gostaria que ela voltasse?

— Na verdade... — Confessou segura — De jeito nenhum.

— Realmente? — Assentiu positivamente. Afastei uma mexa de seu cabelo loiro, parecido ao de Lara, de seu rosto pálido e triste — Porque, querida?

— Porque não sei qual seria minha reação ao vê-la novamente... Acredito que não seria das melhores — Suspirei diante de sua tristeza — Não quero vê-la nunca mais, papai. Nunca mais!

Clara recolheu os livros e saiu da sala rapidamente, subindo as escadas e se fechou em seu quarto. Cobri o rosto com as mãos e suspirei. Apesar de haver progressos em seu comportamento, o caminho seria longo.

A casa estava quieta demais, pude reparar. Provavelmente Milena ainda estava por aqui no começo de noite, uma vez que sem ela esse silêncio não aconteceria. A ideia me causou certo arrepio.

Milena. Milena e seus olhos castanhos. Milena e seu sorriso bonito.

Subi as escadas principais e fui direto ao quarto de Sophia. A pequena dormia tranquilamente em seu berço cor de rosa envolto por um mosqueteiro. Segui em direção aos outros quartos, mas os sussurros vinham do meu quarto, especificamente.

Diziam que Milena precisava viajar conosco e já fazia parte da família. Apoiei-me na parede para escutar, sorrindo como um bobo por notar o carinho verdadeiro que meus filhos tinham com ela. Um homem que ama sua família não pode ficar imune ao fato de uma mulher tratar seus filhos como os próprios.

— Papai! — Lara disse contente e correndo até meu colo.

— Nós queremos te pedir uma coisinha... — Mallory me abraçou as pernas. O cabelo cumprido e dourado caia ao lado do rosto até a cintura.

— Crianças, por favor... — Milena repreendeu — É bobagem deles, Arthur... — Colocou-se de pé ao meu lado, corada pela maneira como os encontrei em meu quarto.

A beleza de Milena — que para muitos era singela ao lado das mulheres que vi na passarela — parecia ser a única que me interessava no mundo naquele instante. Era bonita, verdadeiramente. O rosto era delicado e o corpo delineado. Tinha pernas grossas e seios pequenos, o cabelo espesso e liso até os ombros e um olhar terno. Uma menina, mas muito bonita.

— Milena pode viajar conosco no feriado? — Caleb foi direto ao ponto e fingi surpresa. Troquei um olhar confuso com Milena, que parecia envergonhada, mas não negava.

— Por mim, obviamente sim! Mas Milena deseja nos acompanhar como uma amiga convidada?

— Amiga convidada? — Milena riu baixinho, surpresa com minhas palavras — Agora comecei a pensar no caso... — As crianças passaram a implorar a ela que aceitasse enquanto nos encarávamos através do espaço. Seus olhos me diziam que queria e os meus deixavam claro meu desejo de tê-la por perto. Não era preciso disfarçar nossos reais interesses — Posso responder mais tarde ao convite?

— Claro. Quando quiser — Pisquei para ela, que concordou com um sorriso.

Milena foi atender Sophia enquanto as crianças seguiam implorando a meus pés que fizesse de tudo para convencê-la. Foi o que fiz quando a vi disponível após o jantar, após novamente colocar Sophia para dormir. Nos encontramos na cozinha quando todos se deitaram, apenas nós dois em meio ao vazio do caos.

Ela usava uma camisola um pouco acima do joelho e de alças. A cor era rosa-claro com alguns corações. Uma trança para o lado decorava seu cabelo e naquele instante percebi que a babá era pouco mais que uma adolescente, talvez mais inocente do que eu imaginava.

— Espero que não haja problema em dormir aqui essa noite... Acabou ficando tarde e... — Colocava água em seu copo na pia enquanto eu comia sorvete do pote sentado na mesa de serviço.

— Não precisa nem explicar, Milena. Essa casa é sua casa — Ela sorriu para mim com cordialidade — Sabe que nunca pensei que me tornaria amigo daquela garota engraçada que quase me matou em uma boate?

— Quase te matou? — Milena caminhou com seu copo de água e se sentou a minha frente na mesa. Concordei — Não é bem isso que me consta... Ao meu ponto de vista foi um grande acidente do qual lamento muito.

— Não foi isso que me disse na época — Nós rimos juntos com a lembrança — Pelo visto não foi somente meus filhos que mudaram neste período.

— Sim, confesso que realmente mudei muito a maneira de pensar desde que comecei a trabalhar aqui... Agradeço aquele acidente por ter me trago até aqui. Até seus filhos — Me levantei e fui até a gaveta, pegando uma colher a mais. Milena me acompanhava com o olhar, curiosa para ver o que faria. Sentei-me mais próximo dela, colocando o pote de sorvete entre nós. Lhe estendi a colher como em um convite.

— Acredite quando digo que nunca ninguém vai ser tão grato a um acidente quanto eu em relação a aquele — Milena pegou a colher e me encarou durante alguns segundos — É de chocolate com morango. Tem pedaços...

Convencida, pegou uma colherada e passou a comer.

— É uma delícia! Muito diferente! — Elogiou com uma das mãos em frente aos lábios.

— É... É sim — Concordei encarando-a. A felicidade em seu sorriso me contagiou e congelamos diante um do outro — Não pretende mesmo aceitar o convite da viagem? — Ela deu de ombros — Vai mesmo estragar o sonho de cinco crianças que te amam tanto?

— Pare de chantagem e não são cinco! São quatro! A Clara me odeia! — Relembrou pegando mais sorvete do pote. Eu seguia comendo junto com ela.

— Te garanto que não é ódio o que Clara sente, mas sim medo — Milena ficou séria diante das palavras — Medo de se apegar. Medo de você ir embora, como a mãe dela fez.

— Já pensei nisso — Suspirou desanimada — E não há nada que possa fazer para mudar o fato. Já disse que sou amiga, além de babá, e que não pretendo sumir da vida deles... Mas minha palavra não é suficiente diante de um passado tão doloroso.

— A mãe dela disse olhando-a nos olhos que deveria tê-la abortado quando teve chance — Milena quase deixou a colher cair — A culpou de todos seus erros e pecados... Aquela... — Fechei a mão para conter a raiva, suspirando — Foi muito difícil, Milena.

— Ela realmente disse isso para Clara? — Assenti positivamente. Milena largou a colher e esfregou a mão na face delicadamente, nervosa pelo impacto que causou — É a coisa mais horrível que já ouvi...

— Agora entende um pouco mais sobre ela? — Milena concordou tristemente, nitidamente baqueada — Por favor, desconsidere quando Clara fizer algo que machuque.

— Nunca considerei, Arthur. Fique tranquilo.

Toquei a mão dela na minha sobre a mesa vagarosamente. Milena me encarou surpresa, uma das mãos apoiando o rosto bonito que me olhava em expectativa.

— Por favor, aceite meu convite.

— Arthur, não sei se seria uma boa ideia... — Olhava para nossas mãos unidas sobre a mesa com a confusão estampada na face corada — Nós dois nunca nos demos bem, nunca sequer fomos amigos e...

— Quero que isso mude — Toquei seu queixo, aproximando-me mais e trazendo seu olhar para mim — Quero sua amizade, Milena. Além de tudo que faz por minha família, posso ver hoje que você é uma mulher incrível — Milena me olhava um tanto confusa, principalmente quando me aproximei a ponto de sentir seu hálito em meu rosto — E você... Você é linda.

Não sei se foi ela ou eu... Talvez nós dois, quem sabe?

O fato é que nos beijamos. Um beijo terno e rápido, uma encostada de lábios que fez com que nos aproximássemos, as mãos pequenas segurando a meu braço que ainda segurava seu rosto. Milena era quente, cheirosa e doce. Me fez estremecer ao tê-la em meus braços. Tão suave quanto uma brisa, era linda e delicada. Jamais pensei que voltaria a me sentir arrepiado com o toque de uma mulher em toda a vida...

Tão rápido como aconteceu, separou-se de mim com ímpeto. Empurrou-me nervosa, ficando de pé em seguida em uma passada rápido.

— Me desculpe Arthur, eu... — Fiquei de pé também, confuso pelo que houve.

— Me desculpe Milena... Eu...

— É... Nós... É... — Buscava o que dizer, sem ser capaz de me encarar diretamente. Coçava o cabelo com expressão envergonhada — Bom, boa noite.

— Boa noite... — Sussurrei quando me deu as costas e se afastou rapidamente em direção aos quartos, fechando a porta com um barulho alto.


Beijar a babá...

O impulso genial que tive me acompanhou por toda a noite em claro em que revirei incansavelmente na cama. Teria Milena ficado ofendida com meu beijo? Será que coloquei em risco sua estadia em minha casa... Em nossas vidas?

— Bom dia Milena — Cumprimentei ao descer as escadas e vê-la passando com Sophia nos braços. Corou ao me ver, nitidamente desconcertada.

— Bom dia senhor Arthur... — Sussurrou sem me olhar.

— Senhor Arthur? — Questionei seguindo-a, uma vez que a mesma parecia me ignorar enquanto ia até a cozinha pegar a mamadeira matinal de Sophia — O que houve com apenas Arthur?

— Acho melhor nos tratarmos com mais formalidade, afinal, isso aqui é um ambiente de trabalho — Seguiu para a sala carregando Sophia, que tomava a mamadeira em seu colo.

— É pelo que houve ontem? Milena, por favor... Somos adultos! Será que não pode me desculpar? — A segui de perto.

— Fale baixo, por favor! — Pediu em um sussurro, finalmente me encarando — Ou quer que as crianças façam parte disso?

— Não, claro que não! — Afirmei olhando ao redor e notando que nenhum dos mais velhos estava por perto — Somente quero que me perdoe e que nada mude entre nós. Mas também não se isente da culpa... Você me beijou de volta!

As bochechas de Milena coraram.

— Não estou me isentando de nada! Apenas não acho prudente certas... Intimidades — Enfatizou — Entre nós!

— Por acaso não gostou do meu beijo? — Apoiei-me na parede e ela pareceu ainda mais desconcertada.

— Realmente faz diferença responder isso? Você é meu chefe!

— Para mim faz... Eu, no caso, não achei nada ruim o seu beijo... — O queixo de Milena caiu em surpresa.

— Papai! Milena! — Olhamos para trás e Mallory se aproximava completamente suja, dos pés a cabeça.

— Mallory! — Milena disse nervosa, passando Sophia para meus braços — O que foi que houve garota?

— Estava brincando de futebol com o Caleb lá fora e cai no jardim... — Choramingou totalmente cheia de terra — Eu já sou feia, agora mais ainda! — Mallory chorava pela sujeira de lama e grama que se prendia em sua roupa, pele e cabelo.

— De onde foi que tirou isso? — Milena segurou o rosto dela, mesmo que sujo, abaixando-se a sua altura — Você é linda! Olha esse cabelão cumprido e dourado... Esse rosto tão bem desenhado! Seu sorriso é um encanto e, principalmente, seu coração é maravilhoso! — Mallory encarava Milena um pouco confusa.

— É verdade papai? — Mallory dirigiu os olhos para mim.

— Querida, você é incrível... Apenas está suja, meu amor. Um banho resolve rapidamente o problema! — Me aproximei — Além do mais... Você é a filha que mais se parece comigo. Que seus irmãos não me escutem, mas é a mais bonita de todos...

Mallory abriu um sorriso orgulhoso.

— Você acha Milena? — Milena ergueu os olhos para mim e os revirou.

— Sim Mallory... Você é muito parecida ao seu pai. Agora vamos tomar um banho e se limpar!

— Sabe que não gosto de tomar banho — Limpou as lágrimas no rosto sujo — Não sei me lavar direito. A Clara nunca me ensinou e o papai não dá mais banho em mim e nela.

— Você e Clara já são mocinhas, querida. Sua irmã precisa ser mais paciente — Expliquei a Milena, que concordou,

— Isso não é problema... Posso ajudá-la, se quiser.

Mallory comemorou a ajuda de Milena e Lara se juntou a elas. O banho de Mallory se tornou um evento coletivo onde Milena ensinava Mallory, Lara e Sophia a se lavarem sozinhas. A pequena apenas brincava, mas as maiores prestavam atenção a tudo.

— O que está acontecendo lá em cima que todas estão rindo no banheiro? — Caleb e Clara adentraram a sala.

— Milena está ensinando suas irmãs a tomar banho, uma vez que dona Clara parece não ter a mínima noção de coletivo para tal feito — Clara cruzou os braços em frente ao corpo.

— Para quê? Não é para isso que a santa Milena está aqui? — Clara sentou-se no sofá com expressão entediada — Que foi Caleb? Precisa aprender a tomar banho também? Quer que eu ensine? — Ironizou diante do olhar reprovador do irmão.

— Prefiro que a Milena ensine — Baguncei o cabelo dele com força, fazendo-o rir — É brincadeira, pai! — Riu se desviando de mim — E graças a Deus Milena está aqui... Ela é melhor que podia nos acontecer!

Clara desviou o olhar enquanto eu concordava.

Nada parecia mais certo do que as palavras de Caleb.


CAPÍTULO NOVE

 

 

Lara brincava com brinquedos de banho sob um dos dois chuveiros que havia no banheiro das meninas enquanto no outro eu tratava de esfregar o melhor que podia toda aquela terra que impregnou o corpo de Mallory.

— Acho que essa terra vai ficar para sempre aí, Milena! — Mallory choramingava ao passo em que minhas mãos esfregavam o shampoo em seu cabelo longo — Nunca mais vou ser da mesma cor novamente!

— Isso que dá não me escutar quando falo para não rolar na terra! — Repreendi colocando a cabeça dela de volta na água — Olha só! Já estou até falando como minha avó!

Não pude evitar rir de mim mesma, vendo-me em tal situação. Eu, Milena Milani, dava banho em duas meninas enquanto molhava toda minha roupa sob um chuveiro.

— Você tem avó Milena? — Mallory questionou.

— Sim. Tenho uma avozinha.

— O que você está fazendo aqui? — Lara questionou surpresa quando viu Clara entrar no banheiro com cara de poucos amigos e enrolada na toalha.

— O papai pediu para que ajudasse com o banho de vocês — Respondeu somente a Lara, sem sequer me olhar. Retirou a toalha e entrou no chuveiro — Para de pular e vem aqui, Lara! — Clara pegou Lara para seu lado e passou a banhá-la.

— Pode deixar Clara. Eu cuido disso! — Olhei rapidamente Clara por cima do ombro. Ela esfregava o corpo da irmã com a esponja e o sabonete.

— Tudo bem! Eu ajudo! Mallory está em estado crítico! — Concordei, deixando que Clara ensinasse a Larinha como tomar banho. Arthur deveria ter insistido para que assumisse seu papel de irmã mais velha, tão importante na falta da mãe — Nossa Mallory! Que terrível está seu cabelo! Faz quanto tempo que não vê um shampoo na frente, hein, porquinha? — Clara provocou Mallory, que a encarou cheia de raiva.

— Cala boca Clara! Você é insuportável! — Clara ria e Mallory parecia espumar de nervoso.

— Agora você já sabe lavar, não é? — Mallory concordou — E verá como seu cabelo ficará ainda mais bonito quando terminarmos aqui, não é, Clara? — Minha tentativa de apaziguar o clima ruim entre as duas finalmente surtiu efeito. Clara concordou, ainda lavando Lara.

— Sabia que o seu cabelo é o mais bonito de nós quatro, Mallory? Sempre achei isso... — O comentário positivo de Clara deixou Lara e Mallory surpresas. A mim também, confesso. Ambas não paravam de encarar a irmã mais velha a espera do comentário pejorativo, algo que não veio naquele instante.

— Está pronto Mallory! Termine de se enxaguar como ensinei! — Sai do box e caminhei até as toalhas, separando a minha.

Clara terminava o banho de Lara quando comecei a me secar, retirando minha blusa totalmente molhada para me enrolar na toalha.

— Nossa Clara! — Lara me encarava enquanto saia do box com Clara, que a enrolava na toalha — Olha o tamanho dos peitos da Milena!

— Garota! Não se deve reparar nessas coisas não! — Repreendi em tom de brincadeira, olhando o sutiã cor lilás que sustentava meus seios. Clara ria da irmãzinha, que soava tão inocente.

— Para que você os usa? Você tem um bebê para mamar? — Clara deu um leve tapinha na irmã — Ai!

— Para de fazer perguntas bobas Lara! — A mais velha secava a pequena.

— Quando vou ter peitos grandes também? — Mallory, que saia do chuveiro se enrolando na toalha, perguntou muito interessada.

- — Quando você for mocinha — Expliquei também me envolvendo em uma toalha, apenas na parte de cima, onde tive que retirar a blusa. Ainda seguia com meu short e pretendia ir até o meu quarto buscar minhas roupas para meu banho — Clara, você troca Lara? Já separei a roupa dela... — Clara concordou sem me encarar — Mallory, você se vira? Preciso urgente de um banho!

— Colocar roupa eu sei, Milena — Mallory ironizou quando saímos do banheiro. Meu coração foi na boca quando me deparei com Arthur vindo pelo corredor pensativo.

Ele estava perto demais... E eu parcialmente enrolada em uma toalha com as meninas! Corei quando nosso olhar se cruzou e me tornei ainda mais corada. Não era como se estivesse pelada, afinal. A toalha me escondia, mas eu sabia que por baixo dela usava apenas sutiã.

— Deu tudo certo? — Questionou vendo as filhas com orgulho. As meninas aparentavam felicidade, cada uma enrolada em sua toalha — Aprendeu Mallory?

— Sim papai... Tudo certo! — Mallory vibrou — Agora sei lavar o cabelo!

— Finalmente né? — Clara zombou, parada atrás de Lara, que foi a responsável por soltar o pior comentário que poderia ser proferido naquele momento.

— Nossa papai! Você precisava ter visto! A Milena tem uns peitos enormes!

Mallory riu baixinho e Clara apertou o ombro da irmã, de maneira a repreendê-la. Eu, por minha vez, desviei o olhar surpreso em direção à pequena. Arthur coçou a barba, mais constrangido do que eu mesma.

— Garota! Se liga! — Clara sussurrou para a irmã — Vamos! — As meninas saíram sem que nem Arthur e muito menos eu proferíssemos qualquer palavra. Sozinhos ali, nos encaramos com desconforto.

— Deu tudo certo e... Com licença, eu... — Arthur me segurou pelo pulso quando tentei sair, trazendo-me novamente para perto dele.

— Nós ainda não conversamos sobre aquele assunto, Milena — Referiu-se, certamente, ao beijo. Suspirei tentando ignorar seus olhos verdes tão próximos.

Em vão. Era impossível ignorar aquele homem!

— Arthur, nós já enterramos esse assunto! — Relembrei aos sussurros, falando bem perto dele, que olhava fixamente meus lábios — Você é meu chefe e eu sua funcionária...

— E se eu tiver mais coisas para dizer, além disso? — Questionou.

— Acho melhor pensar muito bem sobre suas palavras... — Não o encarei, sabendo que era muito passível de cair em tentação — Com licença!

Segui para meu quarto, apanhando minhas roupas e seguindo novamente em direção ao meu banho. Arthur Novateli tinha o poder de me desconcertar, de me partir em mil pedaços apenas com sua presença... Não era tolerável dizer que não sentia nada em relação a ele. Seria mentir para mim mesma...

Passeei com Sophia e Lara pelo condomínio enquanto os mais velhos assistiam ao futebol na televisão da sala.

— As meninas da família são torcedoras fanáticas! — Mallory me explicou — É nisso que dá ser criada pelo pai... Criamos amor por futebol!

Criadas pelo pai.

Enquanto passeava com as pequenas me dei conta do quanto aquela frase significava. Clara e Mallory eram meninas muito femininas e vaidosas, — principalmente Clara — mas não negam que eram diferentes das demais. Traziam mais força na expressão e hábitos e costumes que apenas um pai poderia passar para os filhos.

A presença de Arthur era também muito grande em suas meninas, mais do que qualquer coisa que pudesse existir. Pensar no quanto Arthur era um pai maravilhoso, dentro de sua possibilidade profissional, me fazia admirá-lo ainda mais! Trabalhava muito, por certo, mas era pelo bem-estar dos filhos que tanto amava.

Caleb, o único garoto, parecia ser o mais distante do pai em todos os aspectos. Ao contrário do que a lógica diria, Caleb e Arthur não eram tão próximos como o patriarca era das meninas. Um reflexo certeiro da ausência da mãe. Assim como Clara, Caleb também viu muita coisa e tinha muito mais dificuldade de se expressar do que a primogênita.

Bati na porta do quarto de Caleb após colocar às menores para dormir, atraída por uma melodia suave que vinha de um violão e partia do quarto do garoto.

— Boa noite, Milena — Sorriu quando entrei no quarto e o vi com o violão no colo.

— O que está tocando hoje? — Me sentei ao pé da cama. Ele seguia na poltrona do outro lado.

— Uma canção que a... — Pigarreou desviou o olhar de mim para o violão — Minha... Você sabe... Mãe... — Pareceu desconfortável ao dizer a palavra — Costumava cantar para mim e para Clara.

Tocar no assunto "mãe" com os demais era impensável, mas com Caleb talvez surtisse algum efeito. O garoto era mais aberto comigo do que as meninas costumavam ser e aparentava ser mais maduro também. Aproximei-me um pouco, notando sua tristeza.

— E como se chama a canção?

— Meu anjo da guarda — Disse sem emoção — Nem sei por que ela cantava isso! Não era uma boa mãe e sequer gostava de nós! — Seus olhos azuis subiram do violão direto para o meu rosto — Ela nunca foi como você, Milena.

— Como eu? — Questionei tocada por sua emoção.

— Nunca se dedicou a passar um tempo legal... Nunca fez uma noite do pijama. Nunca sequer disse que nos amava, algo que você faz todos os dias com a Sophia e a Lara, que te dão mais carinho! — Corei por saber que ele notava meu costume de dizer que amava as menores sempre — Você não é nada nossa e nos trata melhor do que ela, que nos colocou no mundo, tratou a vida toda! — Aquilo o magoava, pude perceber. Baixei o olhar sem saber o que dizer — Agora eu acredito que as mães são aquelas que cuidam com amor... Não as que têm o mesmo sangue.

— Caleb... — O garoto sorria para mim e havia lágrimas em seus olhos.

— Quando ela se foi, pensei que nunca mais seria feliz e tão pouco as minhas irmãs. Pensei que tinha levado toda a felicidade de nossa vida com ela... Mas ai você chegou! — Sorriu com lágrimas escorrendo no rosto infantil — E se tornou nosso anjo da guarda de verdade!

Levantei-me e fui até ele, envolvendo-o em um abraço carinho enquanto beijava sobre seu cabelo loiro.

— Você é um menino maravilhoso, Caleb. Eu teria muito orgulho em ser sua mãe... — Seu sorriso se tornou mais bonito — Pode sempre contar comigo, sabe disso, não sabe?

— Valeu Milena — Procurou a minha mão e deu um beijo sobre ela — Uma vez ela me disse... — Pareceu tomar coragem para seguir — Me disse que Lara e Sophia só existiam por causa do papai, que se dependesse dela, nenhuma das duas estariam aqui. O que você acha que estava querendo dizer, Milena?

Minha cor mudou para a mais pálida possível. Fraquejei diante do olhar inocente de Caleb. Tive instantaneamente ânsia de vômito! Como uma mãe poderia dizer algo assim?

"Ela disse que Lara e Sophia só existiam por causa do papai..."

— Não sei Caleb — Menti. Eu sabia muito bem o que aquilo significava! A vida das meninas não significava nada para a própria mãe e as duas apenas existiram pela insistência do pai, que fez com que Carina não se desfizesse delas — Mas sei que você tem um pai que te ama e irmãs incríveis! Vocês são muito amados, querido...

— E você, né Milena? Você não vai embora, vai? — Sorri de lado e afaguei seu cabelo.

— Não querido. Sempre vou estar por perto.


Os dias passaram e quando me dei conta à data da viajem dos Novateli chegou.

Continue firme em minha decisão de não os acompanhar. Arthur precisava de um tempo sendo apenas pai, não cantor ou qualquer coisa do tipo. Maria os acompanharia para ajudar no cuidado com os pequenos, mas eu era de longe a mais entrosada com as crianças. Minha real intenção era saber como eu mesma me comportaria longe dos Novateli.

Minha vida se resumia aquela família agora. Ficar longe de Sophia por quatro dias parecia ser a maior prova que já enfrentei na vida! Era como se parte de meu coração estivesse partindo.

— Tchau Milena — Lara sussurrou com a voz caidinha — Vou ficar com saudades! — Abracei-a e peguei no colo, vendo por trás dela Arthur e as crianças enfileirados.

— Vai ser muito legal, meu anjinho — Beijei seu cabelo — Você vai ver! — A coloquei no chão e depois foi Caleb quem veio me dar um longo abraço — Cuida das meninas, hein? E de seu pai também! — Sussurrei ao ouvindo dele, mas Arthur ouviu e deu uma risada baixa.

— Tchau Milena, eu te ligo — Quando me soltou, Mallory me agarrou. Depois Sophia, que estava no colo do pai, se esticou e me beijou na bochecha.

— Minha boneca...

Clara se manteve quieta, de braços cruzados, com o rosto lívido e olhar longe. Com os fones de ouvido na orelha, usando um vestido rosa e uma bota branca. A garota apenas me olhou quando Arthur me puxou pela cintura e para um abraço surpreendente!

Sophia nos impediu de nos encostarmos muito, porém foi o suficiente para sentir como meu chefe mexia absurdamente com meus sentidos. Ficar longe dele, mesmo que nossos momentos se baseassem no silêncio e em olhares, seria também uma prova para meu coração.

— Se cuida, por favor — Disse baixinho — E não fuja... Se não vou te buscar!

— Vai mesmo? — Nos separamos e ele sorriu.

— Não ouse tentar! — Sorri para ele.

— Vai descobrir quando voltar...

— Eu te acho! — Seguiu provocando — Minha vida sem você não existe mais, Milena.

Clara olhava de mim para o pai com indignação, vendo nos olhos de Arthur o mesmo brilho que eu também enxergava. Ele sempre se mostrava presente para mim, mas eu fazia questão de recuar.

Não queria envolver ainda mais meu coração com a família Novateli. Não quando poderia ser irreversível! Era difícil lutar contra, mas o amor pelas crianças ultrapassava qualquer sentimento. O melhor para elas era que Arthur e eu ficássemos longe.

Mais tarde naquele dia cheguei a minha casa um pouco cansada e triste. Vovó apareceu quando me ouviu no sofá, sentada com a bolsa ao lado e o olhar longe.

— Dói, não é? Eu sei como é difícil se separar de quem amamos — Por baixo de seus óculos ela me espiava. Voltou-se para a agulha e para a lã, onde bordava um casaquinho cor de rosa muito bonito.

— Não sei do que a senhora está falando! — Menti, sem alterar a expressão — Tenho quatro dias incríveis de folga! Incríveis!

— Porque não para de mentir para si mesma, filha? Você ama aquelas crianças! Ou melhor, ama aquela família! — Ressaltou.

— Amo meu trabalho vó... A senhora inventa cada coisa! — Não era capaz de encará-la. Vovó sempre podia ler minha alma, mesmo em silêncio — Vamos almoçar com Ana Paula e Danilo amanhã na casa deles?

Danilo e Ana agora moravam juntos e iam se casar.

— Vamos querida... Você não achou lindo? — Virei-me e encarei minha avó segurando o casaquinho cor de rosa. Havia uma letra "S" no pequeno bolso bordada perto de uma flor.

— É lindo vovó! É encomenda?

— É para Sophia. Você não disse que mês que entra ela faz três anos?

— Sim, é verdade... — Me lembrei de Caleb comentando que o aniversário de Sophia foi triste em seus dois anos. A data de seu nascimento lembrava quando a mãe partiu, logo em seguida ao parto da quinta filha.

— Vai ficar lindo, não é? Ela fica bem com qualquer roupa... Se parece muito com o pai! É a que mais parece!

— Não é não! — Corrigi. Minha avó não os conhecia pessoalmente — Mallory é a que mais se parece com Arthur!

— E ele é um homem muito bonito. Não acha filha?

— Vó, o que a senhora pretende com tudo isso, hein? Tudo bem! Vou sentir falta dos Novateli! Era isso o que a senhora queria ouvir?

— Não amor, disso eu sei — Colocou o casaquinho de Sophia em meu colo — Mas talvez eles não saibam. E nem você mesma admita! Leve isso para Sophia quando voltar e diga que a vovó mandou um feliz aniversário.

Meu queixo caiu quando vovó saiu da sala em passos tranquilos, deixando-me para trás com todas as verdades.


Meu feriado acabou não sendo nada empolgante.

Vovó e eu almoçamos na nova casa de meu irmão e Ana Paula e não parou de falar o tempo todo que estava animada para ter um bisneto.

— Não precisa de tanto, dona Damiana! Milena vai te dar cinco bisnetos de uma vez! — Ana comentou e todos na mesa riram alto da expressão surpresa que deixei escapar.

— Será que podemos falar de algo que não seja Arthur Novateli e sua prole, por favor? — Pedi após tomar um gole de suco para o nó que insistia pairar em minha garganta ao menos aliviar.

— Está na sua cara que você não para de pensar neles, irmã. Se não reparou, em cada assunto que entramos você cita Arthur Novateli e sua prole como exemplo da situação — Corei diante da verdade e dos três pares de olhos intimidadores. Danilo sorria enquanto falava — Você está aqui, mas sua cabeça não sai de perto deles.

— Agora tenho que dar satisfação até do que penso? — Nervosa, coloquei-me de pé — Eles são meu trabalho, não toda minha vida!

— Milena, se acalme querida... — Vovó tocou meu pulso, uma vez que estava sentada ao meu lado na mesa — Estamos somente brincando! Não precisa ficar tão alterada!

— Estamos querendo dizer que você deve assumir de uma vez que está apaixonada por ele! — Danilo me encarava seriamente. Suspirando, tentei me manter firme.

— Você sabe, irmãozinho... — Inclinei-me em direção a ele na mesa — Que não me apaixono! Como você costumava me chamar depois da morte de mamãe mesmo? — Me fingi de pensativa — "Milena coração de pedra". Não era isso?

Danilo trocou um olhar debochado com Ana, que me encarava querendo rir.

— Pelo jeito Arthur Novateli é mesmo o cara... — Danilo voltou a comer despreocupadamente — Porque realmente... Para ter derretido seu coração de pedra, o cara é foda!

— Garoto! Estamos na mesa! — Vovó repreendeu enquanto comia — Deixe Milena em paz, filho. Vamos aproveitar o almoço, por favor.

— Obrigado vovó — Mostrei a língua para meu irmão, que tinha o deboche no olhar.

Admitir que estava apaixonada era algo fora de minha realidade, muito menos por Arthur Novateli. O cara poderia ser bonito e atrativo, me causar atração física com sua presença. Mas apaixonar-me era algo mais intenso e que não estava em meus planos.

Desde a morte de minha mãe me dediquei a não nutrir amor por ninguém e consegui viver assim até conhecer Sophia Aurora Novateli. A pequena foi a primeira a roubar meu coração, que apenas pertencia, um pouco, a minha avó. Nem a ela eu me permitia ficar apegada. Perder a mãe era como perder o chão, o norte e tudo ou qualquer coisa.

Meu principal motivo para topar estar com os Novateli não foi à ameaça de Arthur, mas o sentimento que tínhamos em comum. Os cinco pequenos e eu partilhávamos do mesmo sentimento... O vazio materno irreparável.

No sábado, já quase no final do feriado, topei ir a uma festa com Danilo e Ana Paula. Foi o pior erro do final de semana.

— Você não vai ficar com ninguém? Sério? — Lá estava eu, a sempre animada Milena, sentada em um canto da boate bebendo em silêncio, apenas admirando a pista.

— Não Ana Paula. Hoje eu estou de boa, sem cabeça para nada! — Ana se sentou ao meu lado um pouco confusa.

— Você sempre encrenca com um carinha e faz de tudo para dar uns pegas nele até o fim da festa, cunhada... — Me deu um cutucão e apenas sorri — O que está acontecendo?

— Não curti nenhum cara hoje. Todos parecem os mesmos... Sei lá — Dei de ombros e notei que Ana ainda me encarava em busca de respostas — Não vi graça em ninguém.

— Ah... Não vê graça em ninguém, fica sozinha e reclusa bebendo na festa... Isso me cheira... — A encarei de canto, comprimindo os lábios em um sorriso sem humor — Você por acaso está apaixonada, amiga?

Olhei novamente para a pista em busca de uma resposta. Baixei o olhar e encarei o chão com certa raiva, nervosa pelos sentimentos que me consumiam.

— Não sei bem o que isso significa, mas a família Novateli realmente se tornou toda minha vida, amiga — Ana me ouvia atentamente, abraçando-me de lado — Fiquei perdida esses dias sem eles... Pensando o tempo todo nas crianças, sabe? Eles não são meus filhos, mas parece que não sei viver estando longe, acredita? Consegue entender?

— Então você está apaixonada pelas crianças e não pelo pai delas? — Confusa, tentava compreender.

— Pelas crianças tenho realmente sentimentos fortes e maternais, algo que jamais pensei sentir na vida — Confessei sem encará-la — Está muito claro o sentimento que tenho por eles, principalmente Lara e Sophia, as caçulas... É difícil me apegar, é perigoso, até... Mas não pude evitar!

— Isso é incrível, amiga. Você admitir que os ama depois de passar a vida se dizendo uma "coração de pedra", incapaz de se apaixonar, é ótimo! — Me apertou os ombros.

— Sim, mas... — Tímida, tentei buscar coragem para prosseguir — Não consigo me definir em relação a Arthur.

— Como assim? O que tem o Arthur? — Questionou curiosa.

Apertei os olhos, sabendo que aquela conversa teria mais valor para mim do que para Ana Paula.

— Arthur me beijou um dia desses à noite, em uma madrugada que passei lá.

— O que? — Quase gritou — Te beijou na boca? — Assenti positivamente — E aí? Ele foi safado com você?

— Não Ana, ele foi muito educado... Não forçou a barra nem nada, apenas aconteceu — Pareceu ficar mais calma — Estávamos conversando e rolou, simples assim... Depois veio querer conversar sobre o fato e deixei claro que não passou de um momento, que nada entre nós seria possível por causa das crianças. Não quero envolvê-los nisso e Arthur tão pouco! Dá para ver nos olhos dele que tem medo de ter um relacionamento e a dita cuja sumir da vida dos filhos como aconteceu com a mãe deles...

— Com razão, não é? — Concordei com ela — Pelo que entendi, amiga, você não sabe que gosta de Arthur pelo amor que tem nos filhos dele ou por ele mesmo, estou correta?

— Sim! Exatamente! Você encontrou as palavras certas para definir! — Ana sorriu satisfeita — Tenho um sentimento por Arthur, sinto muita admiração pelo pai que ele é e pelo amor que tem nos filhos, toda sua história... Não vou negar que sinto atração física por ele, como não sentir? O homem é um gato!

— Pois é! — Rimos juntas — Mas concordo com você... Se apaixonar por um homem com cinco filhos é assumir uma grande responsabilidade afetiva com as crianças. Ainda mais tais crianças, com uma história tão pesada.

— Preciso entender meus sentimentos por Arthur. Entender a ele, também. Não quero ser somente um caso para ele... Arthur é oito anos mais velho... Tem uma realidade bem diferente da minha. Não é uma simples ficada!

— Tem razão, amiga. Mas uma coisa está clara e não tenho dúvidas — A encarei esperando que falasse o que fazia tanto suspensa — Você realmente está apaixonada por Arthur Novateli, apenas não quer admitir para si mesma pelo entorno e tudo que essa decisão acarretará.


CAPÍTULO DEZ

 

 

Parado na areia e olhando para o mar me dei conta do quão sortudo sou.

Ao meu lado Lara e Mallory construíam um castelinho de areia e no mar Caleb brincava na beira com Sophia nos braços e Clara nadava próxima. Por um milagre os cinco não passaram a viagem toda brigando e isso mostrava o quanto haviam evoluído nas relações. Milena fazia a diferença mesmo à distância. Vinha dela a cobrança para que as brigas diminuíssem e o efeito era sentido.

— Estou com muita saudade da tia Milena — Lara comentou colocando a areia dentro de um baldinho. Mallory moldava o castelinho com as mãos.

— Eu também — Mallory disse sorrindo — É tão estranho ficar sem ela, não acha?

Sophia chamava Milena todos os dias antes de dormir a soneca da tarde e principalmente à noite. Não dizia o nome corretamente, mas sussurrava "Mimi" várias e várias vezes. A falta que a babá fazia não era mensurada, quase comparável a que Carina fez aos mais velhos quando foi embora.

— Você está pensando naquela garota pai? — Clara questionou em certa noite, quando chegou por trás e me pegou olhando a rede social de Milena — Parece que ela está conseguindo o que quer, não é?

— Você deveria ser mais grata com a pessoa que vem fazendo a diferença na vida de seus irmãos e também na sua, senhorita Clara Maria — Respondi sem me levantar, apenas encarando-a parada a minha frente com os braços cruzados.

— O que aquela garota fez por mim? Nada! Ela faz por eles, mas por mim, nada! — Me coloquei de pé e aproximei-me para olhá-la profundamente nos olhos azuis.

— Foi Milena quem me aconselhou sobre seu tratamento psicológico — O rosto de Clara se converteu em pura surpresa, sequer disfarçou ao deixar o queixo cair — Foi ela quem notou sua necessidade por ajuda profissional e insistiu no tema. Acha isso pouco? Não foi você quem falou que a psicóloga foi a melhor coisa que aconteceu em sua vida nos últimos meses?

— Porque me escondeu isso? — Vermelha, Clara parecia capaz de explodir a qualquer momento — Porque não falou que foi ela?

— Não importa... O que importa é que se dê conta de que Milena fez sim a diferença em sua vida. Deve ao menos respeitá-la — Clara sorriu sem humor. Vi lágrimas em seus olhos — Ela olhou para além de suas reclamações e comportamento de menina mimada. Consegue ter empatia por você.

— Quer que eu me ajoelhe e peça perdão a ela agora, é isso? — Ironizou.

— Quero que a respeite.

Clara nada disse, apenas me deu as costas e voltou para dentro do quarto, escondendo-se no banheiro. Certamente para chorar.

"Ela tem idade para ser minha irmã mais velha!"

"Para que vamos nos apegar a uma mulher, se depois ela vai embora novamente?"

As palavras de Clara ecoavam em minha mente com intensidade. Passei a mão pelo cabelo e caminhei para dentro do mar vagarosamente. Enquanto eu ia, Clara e Caleb voltavam com Sophia. Molhei os pés e me dei conta de que a falta de Milena repercutia no vazio em toda a família. A própria Clara tentava imitar a maneira como Milena cuidava dar irmãs e executava as tarefas básicas! Mesmo sem querer, Clara também estava rendida a Milena e seus encantos.

Eu a via como, afinal?

Como uma nova mãe para meus filhos — gratidão? — ou uma mulher que poderia preencher meu coração? — com amor?

De fato era linda e atraente, mas jovem demais, Clara estava certa. Oito anos e cinco filhos separavam nossa realidade. Oito anos e cinco filhos tornavam nossa história algo complicado, talvez, inviável. Sentir desejo por ela — uma mulher jovem, linda e atraente — era inevitável. Dormir sob o mesmo teto de Milena e saber que não poderia tocá-la ou sequer me aproximar era uma prova de fogo que me fazia revirar na cama e passar noites em claro.

Cheguei ao extremo de beijá-la, praguejando em mente por tê-lo feito. Mas não me arrependia... Sentir seus lábios doces contra os meus foi uma experiência incrível, algo que desejava em silêncio dia e noite.

Sim, a desejava. Era impossível negar.

Mas tal desejo era suficiente? Ou existia algo mais? Algo forte o suficiente para envolver meus filhos e sustentar uma relação?

Talvez...

Dinheiro e fama eram minhas únicas qualidades e Milena tão pouco parecia interessada em nenhuma delas. Status ela não queria e dinheiro recebia no salário uma quantia que a fazia viver confortavelmente. Como me via, então, se as qualidades que toda mulher em mim apreciava soavam ridículas para ela?

Nunca fui de fato corajoso. Não fui atrás de Carina quando fugiu. Definitivamente não sou o tipo de homem capaz de atrair a atenção de uma mulher tão peculiar quanto Milena, a babá encrenqueira. Ela era capaz de enxergar a beleza de dentro e desta sempre fui muito pobre.

— É sério, aqui está muito legal, mas sem você fica chato! — Me assustei quando cheguei à areia e Caleb estava com meu celular pendurado no ouvido. Mallory e Lara o cercavam e Clara brincava com Sophia na areia.

— Com quem seu irmão está falando? — Perguntei a Clara, passando uma toalha sobre o meu peito.

— Com a queridinha dele e de todos vocês — Respondeu irônica — Milena — Ao ouvir o nome dela, Sophia encarou Clara de maneira interessada — Ela não está aqui Soso...

— Então até sexta... — Em um impulso retirei o telefone das mãos dele — PAI! — Gritou em protesto.

— Milena? — Eu disse sério, afastando-me das crianças — Como está? Sou eu, Arthur.


Já era hora do almoço quando vovó entrou em meu quarto dando-me um cutucão. Abri os olhos e senti minha cabeça rodar pela ressaca. Enfiei o travesseiro na cara.

— Agora não, vó — Reclamei com a voz arrastada — Estou com dor de cabeça!

— Quem mandou beber a noite inteira? — Me deu um tapa de brincadeira — Levanta daí menina, seu celular estava tocando lá na sala! Acho que esqueceu lá quando chegou de madrugada!

— Seja quem for, diga que ligo depois! – Murmurei sonolenta. A sensação de cansaço e peso me dominavam junto com a ressaca.

— Então direi ao simpático senhor Caleb Novateli que você não pode atendê-lo...

Ergui-me imediatamente, afastando as cobertas e puxando o celular das mãos de minha avó, que ria baixinho.

— Alô, Caleb? — Perguntei ansiosa. Realmente era uma grande surpresa!

— O i Milena! — R espondeu do outro lado — C omo é que você está?

— Com saudade... E vocês?

— T ambém... É sério, aqui está muito legal, mas sem você fica chato! As meninas mandam um beijo. Voltamos na sexta!

— Mas não iam voltar somente na segunda?

— N ão, o papai tem um compromisso inadiável — D isse com voz melancólica — C omo sempre! Mas tudo bem, já o perdoamos! Estamos com muita saudade de você!

— Não seja malvado com seu pai. Ele faz o que pode!

— Milena... Só liguei para matar a saudade! Não esquece que estamos com muita saudade, tá?

— Eu também querido... Mande um beijo para todas as meninas... E um alô para seu pai.

— E ntão até sexta...

— Caleb...? — Questionei e não houve uma resposta — Caleb?

— Milena, como está? Sou eu, Arthur.

Estremeci dos pés a cabeça apenas por ouvir aquela voz.

"Você está apaixonada por ele". Disse Ana Paula. Naquele momento me dei conta de que sim, minha amiga estava certa!

— Arthur... Que surpresa! Como vai o feriado em família? — Gaguejei sem conseguir raciocinar. Mesmo a distância, Arthur Novateli me desconcertava!

— Muito bem... Noto que suas influências são em longo prazo. As crianças não brigam mais como antes e sentem muito sua falta, principalmente Sophia.

— Também sinto falta dela... — Sussurrei afetada.

— Ela te chama todas as noites e me dei conta de como você realmente é especial, Milena.

Fechei os olhos com tal frase, sentindo o coração disparando.

— Porque vai voltar mais cedo? Caleb me disse... Algo errado? — Tentei não parecer nervosa por seu comentário, mas em vão.

— Não... Tem coisas que não somos capazes de explicar. Acho que será o melhor para mim e as crianças. Sequer relutaram em voltar mais cedo. A saudade fala mais alto.

— Arthur, preciso desligar... — Nervosa, sentia as mãos tremulas — Não estou muito bem, sabe? Aproveitei que estava de folga e sai ontem... Tomei um porre... Não estou com os pés na terra totalmente — Ele riu do outro lado.

— Se cuida, garota. Preciso de você inteira! — Engoli em seco.

— Pode deixar... Nos vemos sexta.

— Sim, sexta. Se cuida...

— Você também.

Desliguei, jogando-me na cama de costas e de olhos fechados.

"Tem coisas que não somos capazes de explicar."

— Arthur Novateli... — Sussurrei para mim mesma, levando uma das mãos ao peito — Não! Por quê? Por quê?

— Está falando sozinha menina? — Vovó apareceu na porta do quarto e a encarei.

— Vó, acho que arrumei uma solução para minha vida... — Ela sorriu de lado empolgada — Liga para o convento! Vou virar freira! — Voltei a enfiar a cara no travesseiro enquanto ela ria.


O caminho de volta para casa pareceu levar uma eternidade.

Maria ficou de olho nas crianças quando comecei a me sentir cansado e com o corpo dolorido, certamente prestes a ficar doente.

— Acredito que o senhor tenha pegado uma virosa no litoral, senhor Arthur. Lara e Mallory também tiveram um pouco de febre, mas já estão bem. O senhor ficou com a pior parte — Maria comentou já no avião.

— Que sorte... Nunca viajo em família e quando vou, ficou doente — Maria sorriu de minha ironia — Que sorte a minha!

— Em alguns dias estará bem! As crianças nem sentiram muito — Garantiu antes de voltar à atenção para Sophia e Lara, sentadas com ela no avião.

Minha cabeça rodopiava e a sensação de corpo ruim, prestes a ter febre, me preenchia. Apenas conseguia me concentrar em chegar logo em casa e tomar um banho caprichado. Caleb foi o primeiro a saltar do carro e junto com Lara correr em direção a casa. Mallory os seguiu e Clara continuou ao meu lado segurando Sophia em seus braços.

— Você está bem, pai? — Clara perguntou estudando meu rosto — Não acha melhor ir a uma emergência ser medicado?

— Não se preocupe, Clarinha — Toquei o cabelo dela sem querer alarmá-la. Caminhávamos lado a lado — Seu pai é forte feito um touro! Se eu ver que preciso mesmo ir, irei. Fique tranquila...

— Sei... — Desconfiada, deu de ombros — Você é adulto, não é? Deve saber o que faz. Mas não parece bem, isso garanto!

Adentramos a casa e os três menores envolviam Milena — usando um vestido verde claro cinturado e pés descalços — em um abraço longo e cheio de saudade. Clara revirou os olhos, largando Sophia e deixando a pequena se juntar a eles.

— Senti muita saudade do meu quinteto de loirinhos! — Os quatro riram quando Milena os abraçou juntos. Tomou Sophia em seus braços e a encheu de beijos repletos de saudade. Gargalhadas de bebê preencheram o ambiente. O olhar castanho de Milena se ergueu para mim e nos encaramos por alguns segundos em silêncio — Como vai Arthur?

— Bem e você?

— Não minta! — Clara disse quase sobre minhas palavras, parada ao meu lado e mexendo em seu celular — Ele está doente, babá.

— Milena. O nome dela é Milena! — Relembrei a Clara, que sequer encarava qualquer um de nós, apenas o visor do celular.

— Que seja! — Suspirou e finalmente ergueu os olhos para Milena — Meu pai está doente com uma virose, talvez, e não quer ir ao médico. Já que você é mágica, como todos dizem, deveria convencê-lo de que tem cinco filhos para criar e deve procurar ajuda — Milena, assim como todos, parecia surpresa pelas palavras de Clara — Com licença!

Clara passou e subiu as escadas em direção a seu quarto sem dizer nada mais.

— Também vou me retirar... Como Clara disse, não me sinto muito disposto, mas não é algo grave — Milena, que ainda tinha três crianças ao seu redor e Sophia no colo, apenas assentiu positivamente.

— Se precisar de algo estarei aqui, Arthur — Disse antes que eu subisse.

— Obrigado Milena.


A empolgação dos menores em relação à viagem me consumiu por muitas horas. Caleb, Mallory e Lara me contaram cada detalhe importante que viveram e roubaram toda minha atenção.

Sophia não conseguia ficar um só momento sem meu colo e apenas consegui um tempo para respirar quando a coloquei no berço, após tomar a mamadeira da noite e pegar em profundo sono. Coloquei cada um em seu quarto, olhando no relógio e constatando que já era muito tarde para ir embora, mesmo que com o carro que Arthur deixava a minha disposição.

Arthur... Ele sequer deu as caras por todo o dia desde que chegou. Passei pela porta do quarto dele várias vezes pensando em mil desculpas para entrar, mas fui incapaz de realmente fazê-lo.

— Babá... — Enquanto eu tomava meu chá da noite na cozinha, já usando camisola azul e o roupão da mesma cor por cima, Clara apareceu na entrada com seu pijama colorido e os longos cabelos loiros presos em um coque — Você viu meu pai?

— Será que pode parar de me chamar de babá, por favor? — Respondi sem encará-la, mexendo meu chá de camomila com delicadeza — Milena. É tão difícil dizer?

Clara se aproximou e parou do outro lado da mesa. Seus olhos azuis me encaravam fixamente.

— Milena — Disse severamente — Você viu o meu pai?

— Não — Bebi o chá — Não o vi todo o dia. Mais alguma coisa? — Sorri sem humor, buscando ser menos tolerante com as malcriações de Clara. Tudo tinha um limite e o meu estava extrapolando.

— Será que pode ir vê-lo? — Não escondi a surpresa diante de suas palavras — Acho que deve estar mal e... Ele não vai se negar a falar com você.

— Porque se negaria a falar com você? — Curiosa, questionei. Ela pensou um pouco.

— Porque ele sempre te escuta. Tem predileção por você — Sorriu sem humor, nitidamente debochando.

— Acha mesmo? — Cruzei os braços em frente ao corpo e ela concordou — Todos aqui parecem gostar de mim, menos você. Pergunto-me o motivo... O que te fiz para tanto desdém?

Clara murchou o sorriso irônico e baixou um pouco o olhar. Não demorou a voltar a me encarar de maneira severa.

— Simplesmente está assumindo uma posição em nossas vidas que talvez não esteja disposta a arcar. Talvez não tenha a dimensão do que significa, mas eu sim! — Apontou para si mesma.

— Tenho toda noção do mundo, se quer saber! Não quero fazer nada aqui além do meu trabalho, isso posso te garantir! — Coloquei-me de pé.

— Então porque se mete onde não é chamada? Porque foi dizer ao meu pai que preciso de ajuda psicológica? Isso é problema seu? — Apoiou os braços na mesa e se inclinou para perto de mim. Sustentei seu olhar ameaçador.

— Ele te contou? — Clara deu de ombros — Fiz isso porque sei o quanto dói o vazio materno. Também perdi minha mãe quando criança e apenas a terapia me ajudou a sair do lugar — Nitidamente surpresa, Clara recuou a postura.

— Você perdeu sua mãe? — Assenti em silêncio e nos encaramos por algum tempo — Nunca imaginei que...

— Pois é! Precisamos conhecer a história de uma pessoa antes de sairmos tirando conclusões, Clara.

Envergonhada, Clara cruzou os braços e recuou na postura ameaçadora.

— Será que pode inventar algo e falar com meu pai para perguntar se está tudo bem? — Suspirei e concordei.

— Tudo bem. Farei isso.

— Obrigado — Ia saindo, mas se deteve antes de ir. Ainda de costas, sussurrou — Obrigado pela ajuda, também. Boa noite.

— Boa noite.

Sorri, sabendo que Clara se referia a ajuda psicológica.

Subi as escadas e bati na porta do quarto de Arthur inúmeras vezes, mas não recebi qualquer resposta. Preocupada, girei a maçaneta delicadamente e tomei um susto ao ver o grande Arthur Novateli apagado na cama em delírios de febre.

— Meu Deus! — Sussurrei antes de me aproximar dele após fechar a porta — Arthur? — O toquei na testa e senti sua temperatura altíssima, notando que também tremia em meio aos delírios — Droga! Você tomou o antitérmico?

Retirei as cobertas que o cobriam e abriu sua camisa branca de botões, a mesma que ele usava quando chegou mais cedo. Por certo caiu na cama e sequer se despiu.

— Milena? — Abrindo os olhos lentamente, Arthur segurou meu pulso — Milena...

— Você tomou o remédio para febre? — Perguntei próxima do rosto dele — Arthur?

— Não... — Sussurrou quase sem voz, fechando os olhos e gemendo — Meu corpo todo dói. Minha garganta.

— Espera aí — Caminhei até o banheiro e retirei o remédio para febre da caixa de medicamentos. Voltei ao quarto e espremi a boca de Arthur, fazendo com que engolisse o comprimido e a água. Coloquei panos frios em sua cabeça e retirei suas meias — Vou ligar para um médico de emergência.

— Não Milena, espera... Por favor, espera um pouco aqui — Pediu cansado, com as mãos tremendo ao me segurarem. Voltei para perto de cama e me sentei ao seu lado, segurando-me para não tocar seu rosto — Fica comigo. Não me deixa sozinho...

— Calma... Vai baixar a febre logo — Garanti tentando acalmá-lo — Mas um médico precisa te avaliar, Arthur. Clara tem razão... Você tem cinco filhos que dependem apenas de ti! Não pode ser negligente — Enquanto eu falava Arthur se arrastou até deitar a cabeça em meu colo e se aconchegar deitado em minhas coxas. Ergui os braços, mas segui admirando-o.

Pela primeira vez o vi vulnerável, muito diferente do que o homem responsável sozinho por cinco crianças sempre se mostrava. Abaixei as mãos e acariciei seu rosto com cuidado, rendida a seus encantos. Encostei a cabeça na cabeceira e decidi esperar para que a febre baixasse. Após vinte minutos começou a suar, dando conta de que havia funcionado!

Pedi uma receita para minha avó de chá para febre, garanta e mal estar e fiz enquanto ele dormia. Ao subir com a xícara nas mãos, o encontrei sentado na cama.

— Milena? — Sussurrou com a voz cansada — O que houve?

— Você não está bem, Arthur. O médico está chegando — Entreguei a ele a xícara — Tome esse chá. Vai se sentir melhor — Me sentei a frente dele, que encarava a xícara com confusão — Não confia em mim?

Bebeu o chá em seguida, adotando expressão de satisfação quando o fez.

— É bom... — Pisquei para ele.

— Bom garoto! — Ficando de pé, toquei a testa dele — Já está mais frio.

Arthur segurou meu pulso e me trouxe para perto. Tão perto que cai sentada na cama em frente a ele.

— Porque está aqui? Porque fez tudo isso? — Questionou sincero, um pouco emocionado — Não compreendo...

— Não precisa entender — Toquei a mão dele que subiu para minha face corada — Apenas saiba que pode contar comigo.

— Eu sei... — Sorriu carinhoso, levando minha mão até os lábios e beijando-a com admiração.

O médico chegou e o avaliou, constatando a garganta inflamada e uma forte virose. Prescreveu as medicações, me explicou como administrá-las e injetou um anti-inflamatório para acelerar o processo. Arthur dormiu profundamente logo que o médico se foi, mas fui incapaz de sair do quarto.

Arthur suava muito pela febre que baixou, por isso apanhei um pano de rosto no banheiro e passei a secá-lo. A cada deslizar do pano por seu corpo o meu estremecia em resposta. Era a única coisa que me impedia de tocá-lo diretamente, o bendito pano! Sem me dar conta do quão inconsequente estava sendo, me sentei na cama próxima dele e contemplei seu rosto adormecido.

Observei seus lábios descansando em harmonia com seu rosto lívido e senti o coração pulsar mais rápido. A ideia de beijá-lo me dominou. Ninguém saberia, afinal... Um simples e inocente beijo! Talvez o contato aclarasse o que realmente sinto por ele.

Mordi meus lábios e me inclinei vagarosamente em sua direção... Já sentia a leve respiração de Arthur contra os meus lábios. Sem medo toquei seu rosto com a ponta dos dedos levemente, deslumbrada pelo que via e pelo que sentia dentro do peito. Algo novo e profundo. O beijei delicadamente, carinhosamente... Apaixonada.

Sim! Definitivamente estava apaixonada! Apenas uma mulher apaixonada beijaria um homem inconsciente!

Abri os olhos após o contato. O gosto dele ainda pairava em meus lábios quando percebi que Arthur havia despertado e me encarava com um sorriso nos lábios.


CAPÍTULO ONZE

 

— Arthur!

Soou quase como um susto bem colocado. Paralisada e pairando sobre o corpo dele, nossas bocas estavam a centímetros e seus olhos verdes me analisavam com surpresa. Ameacei me erguer, mas para minha sorte as mãos de Arthur se fecharam em minha cintura, impedindo-me de realizar qualquer movimento.

— Milena...

O sussurro que escapou de seus lábios foi à deixa para que eu soubesse que não havia sido um erro, mas algo que nós dois há muito desejávamos.

Voltamos a nos beijar quando Arthur me puxou em direção a seus lábios, pressionando meu cabelo na nuca e me mantendo próxima dele o máximo que podia. Em instantes, mergulhados na surpresa e beleza do momento, ele me rodou na cama ficando sobre o meu corpo e acariciando meus lábios com os dele. Eu sentia o corpo forte contra o meu e aquilo era fascinante, quase indescritível! Retribui subindo os dedos pelos ombros largos até alcançar seu cabelo despenteado e levemente úmido pelo suor. Os braços de Arthur eram fortes e torneados... Eu me sentia pequena em meio a eles, apaixonada pela maneira como podia me tocar.

Nunca antes tinha estado na cama de um homem e agora estava deitada na do meu chefe! Aquilo parecia errado, mas muito intenso e delicioso! Sem ar, Arthur se separou aos poucos e nós dois abrirmos os olhos. Deitou-se ao meu lado na cama e as palavras que engasgavam em nossas gargantas morreram ao passo em que ofegávamos pelos beijos que roubaram nosso fôlego.

— Arthur, me desculpe... — Sussurrei ainda sem ar, ambos deitados olhando para o teto — Eu...

— Eu também! Desculpe-me também! — Atropelou minhas palavras e virou o rosto para mim — Não tem como esconder, Milena. Está acontecendo!

— Não sei do que está falando... — Tentei ignorar as palavras e me erguer da cama, lembrando por um minuto que aquilo era impossível, mas Arthur me segurou pelo pulso quando se sentou — Acho que Sophia está chorando...

Arthur ouviu também o choro alto de Sophia, que dizia "Mimi" em alto e bom som. Soltando meu pulso, suspirou derrotado.

— Não adianta fugir ou fingir, Milena — Apontou para mim quando parei na porta de seu quarto, antes de sair. O encarei com a expressão desesperada — Eu sei e você sabe o que está acontecendo entre nós!

Fechei a porta e saiu corredor a fora em direção ao quarto de Sophia, querendo deixar para trás qualquer dúvida ou sentimento em relação a aquele homem. Em vão! Arthur me perseguia até em silêncio, pois olhar para os lindos e esverdeados olhos de Sophia era como encará-lo no mesmo momento.

— O que houve Soso? — A encontrei de pé no berço.

— Xixi! — Verifiquei a fralda, que estava vazada. A roupa dela banhada em xixi. Fiz toda a limpeza do quarto e levei muito tempo para fazê-la voltar a dormir.

Desci do quarto de Sophia já cansada, em meio à madrugada, mas sem qualquer sono! Na cozinha, fiz um chá de camomila e me sentei no sofá da sala em completo silêncio para desfrutar dos pensamentos. Era muito raro ficar no silêncio em uma casa com cinco crianças!

E se o beijo estragasse tudo? E se fosse algo decisivo em minha estadia na casa como babá das crianças? A ideia de ter me excedido ao beijar Arthur me tomou de maneira avassaladora! O progresso dos irmãos Novateli estava sendo gigantesco... O que seria deles sem mim? O que seria de mim sem eles?

— Que droga Milena! — Apertei os olhos e beberiquei o chá — Porque teve de ceder aos encantos daquele... Daquele... — Respirei profundamente — Gato!

Ouvi passos na escada e me contive. Logo a luz da sala escura foi acesa e vi Arthur se aproximando. Meu corpo todo foi tomado por um intenso calor que me ruborizou as bochechas. O acompanhei com o olhar até sentar-se ao meu lado, local onde ficou por alguns segundos em profundo silêncio.

— Milena... — Parecia confuso e meu corpo se derretia ao som de sua voz — Em nenhum momento quis te ofender. Perdoe-me se sentiu de tal maneira.

— Não senti — Afirmei também sem encará-lo — Somente acho absurdamente errado misturar as coisas. Eu dei o primeiro passo, portanto, culpa minha! Pode descontar do meu salário se quiser!

Arthur riu baixinho e me encarou de canto.

— Acha mesmo que eu descontaria um beijo de seu salário? — Dei de ombros — Às vezes você parece mais criança do que Clara.

— Esse comentário sim me ofendeu... — Arthur ainda sorria. Beberiquei o chá novamente — Só por curiosidade... Quanto pagaria por um beijo meu? O desconto seria grande?

— Sentimento não se paga, já ouviu essa frase? — Recostando-se no sofá, Arthur me encarava e parecia mais tranquilo.

— Clichê, Arthur Novateli... — Brinquei e ele sorriu. Seus olhos verdes brilhavam na sala — Não quero que isso mude algo, entende? — Entreguei um pouco tímida — Não quero que o beijo estrague tudo.

— Pode mudar tudo... Não estragar. Você entende? — Neguei com um aceno rápido, meu olhar fixo no dele. Arthur se aproximou e tocou meu rosto com carinho — Gostei que tenha me beijado, Milena. Gostei do seu beijo, do seu gosto... Do seu carinho. Gosto de tudo em você! — Olhava para meus lábios e tive a certeza de que iria me beijar novamente. Antes que o fizesse, coloquei os dedos em seus lábios e o impedi de se aproximar.

— Arthur, eu não sou qualquer garota que você fica por ficar... — Relembrei perto de seu rosto, sentindo seu olhar no meu — Sou a babá de seus filhos! Eles estão entre nós, pode entender?

Com a expressão consternada, Arthur se afastou como se lembrasse exatamente do que nos separava. E realmente o fazia! Sentou-se ao meu lado novamente, mais próximo, porém retirou as mãos de meu corpo. O clima entre nós era de tensão palpável.

— Acha que não sei disso, Milena? — Transtornado, passou a mão pelo cabelo claro — Sei que as crianças estão apegadas a você e que se tornou um alicerce para elas. Acho que meus filhos sentiriam mais sua partida do que a da própria mãe...

— E você? — Arthur olhou para mim e o encarei seriamente — Diz que gosta de mim como mulher ou como a eterna babá para seus filhos? Gosta de mim por você ou por eles?

Arthur sorriu de lado e ficou de pé, caminhando pela sala.

— Acreditaria se eu dissesse que pelos dois? — Também fiquei de pé frente a ele e cruzei os braços — Gosto da maneira como cuida dos meus filhos e do carinho que tem por eles... Admiro demais sua postura com eles. Mas também te acho linda, inteligente e atraente... Você me chama a atenção desde que te vi, Milena — Aproximou-se, tocando novamente seu rosto com as duas mãos — E você? Não sente nada por mim?

— É difícil explicar... — Apertei os olhos e minhas mãos seguiram instintivamente até seus ombros largos — Te admiro como pai, mas não te acho o melhor dos homens — Arthur sorriu de lado — Não gosto que tenha milhares de mulheres na sua cola, não gosto da sua fama... Mas gosto do seu olhar. Do seu jeito de tratar as crianças, principalmente às pequenas... Te admiro, Arthur. Se disser que não sinto nada estarei mentindo... Mas...

Arthur não me esperou terminar e logo me beijou profundamente, saboreando meus lábios como se tivesse fome do meu sabor. O abracei da mesma maneira, deslizando as mãos em seu cabelo claro e apertando-me contra o peito forte e largo.

— Faz tanto tempo que não gosto de alguém assim Milena — Sussurrou ao meu ouvido — Tanto tempo... Gosto de verdade, não quero que seja apenas um momento.

— Arthur, calma! — Afastei-me e o encarei, tocando também seu rosto — Não se trata somente de nós, mas das crianças. Não podemos expor isso sem pensar nas consequências.

— As crianças não precisam saber disso por enquanto — Pensei enquanto o ouvia — Pode ficar apenas entre nós, Milena.

— Sabe que seus filhos são bem espertos, não sabe? — Sorri e ele me beijou carinhosamente, apertando-me na cintura e deslizando a mão grande em minhas costas.

— Meus filhos te amam... — Sussurrou quase dentro de meu ouvido, fazendo-me estremecer e quase perder as forças.

— Como babá. Não como... Como madrasta.

Os lábios de Arthur se juntaram aos meus mais uma vez em um beijo feroz e impaciente. O beijei da mesma maneira, apaixonada pelo gosto que tinha seus lábios. Aquele homem me enlouquecia... A cada minuto eu compreendia mais como a ex foi capaz de fazer cinco crianças em escadinha. Era impossível resistir a Arthur Novateli!

— O que... — Sussurrou quando nos separamos ao ouvir o barulho das escadas. Empurrei Arthur para trás do sofá e ele se escondeu.

— Milena? — Caleb, o garoto, parou na entrada da sala com o olhar sonolento — O que está fazendo acordada essa hora? O papai está bem? Acordei e ouvi alguma coisa aqui... Vim ver quem era — Com o coração disparado, as pernas bambas e as mãos tremulas sorri para ele. Certamente tímida e corada.

— Perdi o sono, querido. Desci para pegar um copo de água — O levei para as escadas e começamos a subir — Seu pai está ótimo, não tem noção de como está bem! — Pigarreei — Vamos dormir, vamos?

— Vamos... Boa noite Milena... — Sussurrou entrando em seu quarto.

— Boa noite querido.

Também me fechei em meu quarto, apertando os olhos ao me encostar contra a porta. Aquilo tudo parecia um incrível sonho do qual eu não queria, de maneira alguma, despertar!


Pela manhã todos tomavam café na mesa redonda posta no jardim. Até Sophia estava no colo de Arthur degustando frutas e iogurte.

— Dormiu muito Milena adormecida? — Mallory brincou e sorri pendurando a alça de minha bolsa em uma das cadeiras. Sentei-me ao lado de Lara e peguei um pouco de suco de laranja.

— Estava sonhando com o príncipe? — Lara perguntou sorridente.

— Príncipe... — Ironizei bebericando o suco de laranja — Não acredito nessas bobeiras.

— Mas deveria! — Não pude escapar. Ergui os olhos e lá estava Arthur me encarando com um sorriso apaixonado nos lábios e os olhos verdes como os de Sophia brilhantes.

— Então você acredita em príncipes, papai Novateli? — As crianças riram de minha pergunta, até mesmo Clara, que comia com cara de poucos amigos, esboçou uma risadinha baixa.

Arthur ajeitou Sophia em seu colo.

— Em príncipes não, mas em princesas... — Revirei os olhos para ele, que ainda sorria.

— Milena, você vai para casa? — Lara fez um biquinho de tristeza nos lábios.

— Vou sim — A abracei de lado e a pequena deitou em meu colo — Hoje é sábado... Mas na segunda estarei aqui firme e forte, pessoal!

Terminei o café e me despedi de todas as crianças. Clara apenas acenou em minha direção com um sorriso forçado nos lábios. Parei perto de Arthur, que se colocou de pé.

— Vai sair comigo hoje à noite, Milena Milani — Afirmou com voz segura. Abaixei as mãos e o encarei com a mesma expressão surpresa que trazia o rostinho das crianças. Até a pequena Sophia olhou na direção do pai de maneira interessada — Não aceito não como resposta!

— Como assim sair? — Cruzei os braços sobre o peito querendo parecer desafiadora — O senhor não controla meu final de semana, senhor Novateli.

— Trata-se de um convite pessoal — Seu olhar intenso me dizia que era algo importante, por isso não pude negar. Nem se quisesse... O cheiro que exalava dele era incrível e apreciável, tanto quanto sua aparência — É uma maneira de agradecer o cuidado que teve comigo ontem.

— Sendo assim... Aceito — Clara nos observava com expressão de deboche.

— Passo na sua casa as oito, então.

— Combinado! — Arthur apertou minha mão em uma despedida formal, querendo deixar tudo muito sigiloso em relação às crianças.

Longe delas era tudo ou nada!


— Pelo amor de Deus, Milena, o que houve? Porque está caminhando para lá e para cá feito uma maluca? — Vovó perguntou com o rosto assustado me vendo nervosa pela casa.

— O que houve? Arthur Novateli me convidou para sair, vó! — Explodi me jogando no sofá — A senhora acredita?

— Ué, e o que tem demais? Você não vive nas festas enchendo a cara com seu irmão e Ana Paula?

— Não faço mais isso, vovó! Para! — Cobri o rosto com as mãos e ela se sentou ao meu lado, tocando minha perna.

— Vai se divertir com ele, querida. Aposto que Arthur é um homem agradável e deve ser muito bom de cama! — A encarei com o rosto apavorado, retirando as mãos da face — Ora! Não me olhe assim! O homem tem cinco filhos, afinal! Deve entender bem do negócio!

— Vó! — Repreendi, mas minha mente não parava de gritar que ela tinha razão!


— Duvido que Milena saia com você! — Disse Caleb.

— Eu acho que também não! — Mallory concordou.

— Pois eu tenho certeza que ela vai sim! — Através do espelho vi os olhos de Caleb, Mallory e Lara se deslocarem para Clara. Os quatro mais Sophia se esparramavam em minha cama enquanto eu terminava de me trocar para o encontro que planejei com Milena.

— E aí? Estou bonito? — Me virei em direção a eles exibindo o visual.

— Jeans, camiseta branca e jaqueta de couro? Está arrasando pai! Vai combinar muito com o estilo brega da Milena! — Clara riu me analisando de perto — Você penteou o cabelo?

— Porque, não parece? — Enfiei a mão no cabelo.

— Você está lindo, pai! — Lara disse me abraçando.

— A vovó deve estar chegando. Não a deixem maluca e nem destruam a casa! Se forem bagunçar, não quebrem meu quarto! Mallory, não bata na Lara. Clara, não brigue com ninguém... E Caleb... Se acontecer qualquer coisa, me ligue! Fiquem de olho em Sophia! — Eles assentiram — Amo todos vocês e prometo sempre voltar.

— Pai, a Milena agora é sua namorada? — Lara perguntou e me virei para ela lentamente. Estava deitada de bruços em minha cama com o rostinho angelical apoiado nas mãos. As perninhas chacoalhavam no ar lentamente.

— Porque está perguntando isso, querida? — Tentei parecer descontraído.

— Sei lá, pai. Vocês se olham muito — Todos os cinco se calaram olhando de Lara para mim. Clara parecia contente ao me ver encurralado — Não é isso que fazem os namorados?

— Milena é minha amiga — Ressaltei — Amiga! Agora fui. Se comportem...

As crianças cochicharam as minhas costas quando sai, certamente confabulando algo sobre meu jantar de "gratidão" com Milena. Enquanto os pequenos achavam ser uma cortesia, Clara estava certa de que se tratava de um encontro romântico.

Estacionei em frente à casa de Milena e apertei a campainha esfregando as mãos em ansiedade. Há muito tempo não me sentia tão nervoso para ver uma garota, principalmente uma que encontrava todos os dias! A avó de Milena apareceu no portão com um belo sorriso.

— Arthur, querido... — Cumprimentou — Que prazer revê-lo! Milena já está descendo! Entre... — Deu espaço e o fiz.

— Obrigado dona Damiana! Com licença! Realmente pensei que Milena fosse me deixar plantado. É uma surpresa ver que está quase pronta.

— Ela emburrou um pouco, mas acabou cedendo. Não é por nada, mas minha menina está linda! Fique à vontade! Preciso olhar meu bolo no forno! Com licença... — Me sentei no sofá quando dona Damiana saiu, olhando no relógio para me sentir mais seguro.

— Toda... — Sussurrei nervoso.

Olhei em volta e notei algumas fotos de Milena quando criança sobre a estante. Com ela posava um garoto loiro, talvez o irmão que vi no hospital. Sorri ao ver uma foto onde estava de biquíni quando pequena fazendo caretas para o fotografo. A carinha de brava era a mesma que eu conhecia bem. Milena sempre foi espontânea e linda, pude constatar.

— Vamos ou não, Arthur Novateli? — Dirigi minha atenção para cima e notei Milena parada no topo da escada. Não a Milena despojada de todos os dias, mas uma Milena completamente deslumbrante! Limite-me a observá-la enquanto descia as escadas tranquilamente, sempre seguro como apenas ela conseguia ser.

O vestido vinho que usava era demais para mim! Até o meio das coxas, um tanto decotado e amarrando nas costas. Usava salto e o cabelo escuro e espesso solto ao redor do rosto maquiado — Arthur? — Me chamou acenando frente a meu rosto.

— Você está linda... — Comentei encarando-a dos pés a cabeça sem disfarçar — É mesmo a babá?

Um sorriso orgulhoso escapou dos lábios dela, que sequer disfarçava como gostava de minha atenção.

— Às vezes sou babá, às vezes mocinha de novela... Você escolhe, querido! — Me deu um tapinha de leve no braço, fazendo-me sorrir. Ainda era a mesma Milena, mais linda do que nunca!

— Já percebi sua grande capacidade de se adaptar a qualquer situação, senhorita Milani. É admirável! — Milena piscou para mim.

— Fico feliz que reconheça...

— Vamos? — Apontei para fora e ela concordou, passando na frente e eu a segui.

— Vovó, voltarei tarde! — Gritou antes de fechar a porta — Não precisa me esperar acordada!

— Não precisa esperá-la, vovó! Ela dormirá em minha casa! — Fechei a porta antes que Milena questionasse, pegando-a pela mão e levando-a em direção ao carro.

— Arthur! O que minha vó vai pensar? — Disse rindo com uma das mãos sobre os lábios.

— O que todos estão pensando... Não acha? — Abri a porta do carro e ela me observou um pouco apreensiva.

— Espero que ninguém pense nada... Sou moça de família, não é tão fácil assim me conquistar — Adentrou ao carro e se ajeitou no banco do passageiro. Dei a volta e me sentei no lugar do motorista, encarando-a admirado — O que foi? — Ao notar meu olhar, questionou.

— Seu perfume é muito bom... — Me aproximei um pouco e ela sorriu, recuando.

— Você o sente todos os dias! — Relembrou.

— Mas nunca assim, tão de perto... — Voltei-me para o volante e liguei o carro — Há quanto tempo você não sai para jantar com um homem? — Comecei a dirigir enquanto Milena me encarava surpresa.

— Ah... Jantar, assim... — Pensava — Acho que nunca!

— Nunca? — A olhei rapidamente, notando que não mentia — Nunca teve um namorado?

— Claro que sim, mas nosso rolê não era jantar. Era festinha, balada, casa dos amigos ou curtição... Esse negócio de gente careta faz pouco tempo que adotei para a vida — Explicou e sorri.

— Gente careta... Acaba de me fazer sentir como um ancião — Olhei-a quando o sinal fechou e a risada de Milena preencheu o ambiente.

— Não sabia que oito anos nos separam? Você tem trinta e eu vinte e dois... É um tempo considerável!

— Tudo isso? — Franzi o cenho e a olhei rapidamente, mas desacreditado — Clara tinha razão... Você poderia ser facilmente irmã mais velha das crianças.

— Você teria uma filha com oito anos? — Ironizou.

— Realmente não, mas é uma diferença... Considerável — Milena se calou, recostando-se ao banco. Liguei o som quando o clima ficou tenso, pensando se realmente fazia a coisa certa.

Milena tinha toda uma vida pela frente. Seria justo com ela começar uma relação e prendê-la a cinco filhos de tal maneira? Era tão jovem e vivaz...

— Sua ex tinha quantos anos? — Ao chegarmos ao restaurante que reservei, questionou enquanto entrávamos.

— Ah... Creio que uns dois a menos que eu — Dobrei o braço para que entrelaçasse com o seu. Ela o fez delicadamente, acompanhando-me até a mesa — Por quê?

— Foi sua última namorada? — Puxei a cadeira e ela se sentou ainda me encarando dar a volta e sentar a frente dela. A distância era pouca.

— Foi meu último relacionamento sério. Namoro não cheguei a ter desde que tudo aconteceu, mas obviamente...

— Ficadas — Concluiu — Já entendi — Abriu o cardápio e adotou expressão confusa — Que monte de comida doida são essas? Não entendo nada do que está escrito!

— O que gostaria de comer? Diga que encontro um prato que seja do seu agrado — Milena me espiou um pouco constrangida. Tentou ler o cardápio por mais alguns minutos, ofereci algumas opções, mas ainda continuava deslocada. Fechou o cardápio e me encarou corada nas bochechas.

— Arthur, não estou acostumada a esse mundo, me desculpe... Realmente não quero te envergonhar! — Recostou-se a cadeira e toquei em sua mão delicadamente.

— Está tudo bem, Milena — Garanti — Prefere ir a outro lugar?

— Quem sabe... Você gosta de hambúrguer e batata frita?


Jamais, em toda a vida, pensei que veria Arthur Novateli — aquele cantor que eu odiava! — sentado em uma hamburgueria comendo hambúrguer com queijo, batatas e refrigerante.

— Devo admitir que isso é muito mais saboroso do que qualquer comida daquele restaurante... — Comentou enquanto mordia um pedaço do hambúrguer.

Sentados em um canto isolado, tentávamos passar despercebidos para que nenhuma garota louca começasse a surtar por Arthur. Ele encontrou um boné no carro e usou para disfarçar um pouco, o que foi muito útil.

— Disso tenho certeza! — Beberiquei o suco enquanto Arthur ainda comia — Estive... Estive conversando com Caleb — Voltou sua atenção para mim — E ele me disse coisas muito pesadas em relação a sua ex.

— Acredite que qualquer coisa que tenha dito não é nem metade do que realmente acontecia — Confessou entristecido — É um passado doloroso, que talvez não valha a pena remexer...

— Como você, justo você, foi se interessar por uma mulher tão ruim? — Questionei sem papas na língua — Caleb me disse que ela disse a Clara que Sophia e Lara somente existiam porque você pediu. Que se fosse por ela, as duas não teriam nascido — Arthur não disfarçou o descontentamento, muito menos a vergonha — Isso é real?

Permaneceu alguns segundos em silêncio, baixando o resto do lanche. Parecia ter perdido a fome.

— A vontade dela era ter abortado Lara e Sophia. Lara era gêmea, não sei se você sabe. Perdemos a irmã dela ao nascer — Neguei rapidamente.

— Não sabia... — Toquei a mão dele na mesa, sentindo sua tristeza — Sinto muito, Arthur. Muito mesmo!

— É, não é algo do qual goste de lembrar — Sorriu sem humor e vi lágrimas em seus olhos — Sophia veio de uma recaída. Já estávamos separados e aconteceu. Realmente foi a única gestação que me surpreendeu. Ficamos juntos apenas uma vez e dela veio Sophia... Era como se fosse para acontecer, sabe?

— Sophia é incrível... Somente por isso não vou te repreender — Rimos juntos e senti que Arthur ainda segurava minha mão carinhosamente — Lamento muito por tudo que houve.

— Ela era minha namorada de adolescência — Explicou com a voz rouca pela emoção de lembrar da filha falecida — Engravidou quando éramos muito novos, sem responsabilidade e tudo foi acontecendo. Foi algo fora de nosso controle.

— Seus filhos são lindos, não tem que se repudiar por isso — Me aproximei um pouco, sentando na cadeira ao lado dele. Arthur me encarou mais de perto, emocionado. Os olhos verdes brilhavam — Não sabe como eu daria tudo para ter tido um pai como você! Perdi minha mãe aos oito anos e não tive pai... Te admiro muito por nunca ter desistido de seus filhos.

— Sinto muito por sua mãe — Aproximou-se — Você é uma mulher incrível — Tocou meu queixo com carinho — Tão jovem, mas tão sábia. Tão linda e viva... Pergunto-me se é justo darmos razão ao que sentimos e te prender em um relacionamento que trás de brinde cinco crianças prontas. Talvez não seja justo com você...

Mordi os lábios.

— Já pensei nisso — Admiti sincera — Já me perguntei se estou mesmo disposta a encarar tal desafio... Uma coisa é ser a babá, outra muito diferente é assumir um papel de madrasta... De mãe.

— Entendo perfeitamente — Beijou minha mão com carinho — Não quero te forçar a nada. Não quero que assuma uma responsabilidade assim, mesmo me sentindo tão apaixonado quando estou com você.

— Apaixonado? — Paralisei diante de suas palavras.

— Qual nome se dá, então? Não sei descrever de outra maneira o que você me faz sentir, Milena encrenqueira... — Rimos juntos e Arthur se aproximou para falar ao meu ouvido — Estou apaixonado por você... Mesmo que seja nosso segredo.

— Não é... — Segurei seu rosto também — Você e seus filhos foram a melhor coisa que me aconteceu em toda a vida! Com vocês me sinto completa, me sinto... Útil! Viva! — Arthur sorria — Não vai ser um sacrifício, não vai ser uma prisão... Realmente será desafiador, mas eu amo todos eles.

Arthur me beijou com paixão, descendo as mãos de minha nuca para minhas costas. O abracei em meio à hamburgueria tomada pela emoção de ouvir que um homem realmente estava apaixonado por mim... O homem que eu também queria com toda a alma.

Talvez ainda não tivesse a coragem de admitir, mas estava apaixonada. Loucamente apaixonada!


CAPÍTULO DOZE

 

 

O celular de Arthur tocou alto enquanto caminhávamos pela rua após o jantar, passeando na praça do centro da cidade como os namoradinhos adolescentes faziam. Um de seus braços me circulava pelos ombros e sua boca procurava a minha para um beijo calmo e apaixonado.

— Não posso acreditar que você nunca tenha tido um compromisso sério e logo aceitou um homem pai de cinco! — Brincou. O celular parou de tocar e ignoramos a chamada, envoltos pela emoção do momento.

— Por enquanto temos um segredo — Coloquei um dedo em seus lábios para que se calasse — Não é o momento de expor o que sentimos, Arthur.

— Você tem razão... — O celular voltou a tocar, mas Arthur parecia sequer ouvi-lo — Mas ainda sou seu primeiro namorado?

— Sei aonde quer chegar com essa pergunta — Apalpei seu bolso em busca do celular enquanto ele ria. Tirei o aparelho — Não vou satisfazer sua curiosidade e te dar de bandeja a resposta!

Não assumiria em voz alta que ainda sou virgem.

Olhei o visor do celular e me atentei. Não estava enganada quando peguei o celular.

— É Clara — Entreguei a ele o celular. Arthur franziu a testa e apanhou o aparelho com delicadeza. Deslizou o visor e atendeu.

— Clara? — Disse calmo e com os dedos ainda entrelaçados nos meus — O que houve querida? — Franziu a testa levemente e apertou os meus dedos, nervoso. Trocamos um olhar e o senti apreensivo — Espero que não seja uma brincadeira, Clara Novateli. Juro que se for não serei tolerante com você!

— Então fique com sua namoradinha enquanto sua filha está precisando de você! — Pude ouvir os gritos de Clara do outro lado da linha e seu tom desesperado. A linha caiu em seguida.

— O que aconteceu? Algo com a Clara?

— Precisamos ir... — Arthur começou a me conduzir até o carro em passos rápidos - Não aconteceu nada com Clara. Ela disse que Lara está no hospital, parece que passou mal. Preciso ir para lá imediatamente!

— Larinha está no hospital? — Não pude pensar em nada que não fosse a minha garotinha loirinha e doce em uma maca de hospital com furos pelo corpo com as agulhas que ela odiava! — O que houve? — Levei a mão ao coração, quase caindo no lugar.

— Clara não deu detalhes... Quer ir comigo ou te deixo em casa? — Questionou ao entrarmos no carro.

— Vou com você.

Não queria deixá-lo sozinho, além da preocupação com Lara. Sabia que Arthur estava desesperado, podia notar em seu modo de agir. O desespero de um pai diante do sofrimento da filha era algo que nunca presenciei, uma vez que jamais conheci um homem que fosse bom pai.

Arthur parecia prestes a explodir em uma agonia sem fim que nada no mundo seria capaz de tirar.


Do céu ao inferno! Essa frase poderia definir como terminou minha noite com Milena.

Crianças sempre ficam doentes. Isso é corriqueiro! Era o argumento que usava minha mente para tentar me convencer enquanto dirigia até o hospital. Apenas olhei atentamente para Milena quando saímos do carro na porta do hospital e vi que estava tremula e vermelha nas bochechas. A abracei de lado com cuidado e entramos juntos.

Quando passamos pela porta de vidro central a frase "seja forte por ela" dominou a minha mente. Não somente por Lara, mas também por Milena, que estava muito fragilizada e aquilo me pegava de surpresa. Por certo ela e Lara eram ligadas e tinham uma relação sincera, mas ao presenciar sua apreensão por minha filhe tive a noção do quão forte eram seus sentimentos para com meus filhos.

Nem a própria mãe sofreu antecipadamente por qualquer um deles daquela maneira!

Na recepção perguntei por a minha filha e me informaram que Lara estava na ala pediátrica realizando exames e somente seguiria para o quarto ao finalizá-los. Minha mãe estava com ela como acompanhante. Seguimos até o local de espera e alcançamos uma sala cor lavanda. Havia sofás e em um deles estavam os meus outros filhos. Milena me empurrou em direção a eles quando paralisei, caminhando para eles quando nos avistaram.

— PAI! — Caleb gritou ao me ver, saltando da poltrona e vindo em minha direção. Usava pijama azul e um casaco de frio por cima — Vocês demoraram!

No sofá Mallory tinha os olhos inchados. Usava calça do pijama e um casaco amarelo com flores cor de rosa. O cabelo preso em maria-chiquinha e as lágrimas descendo pela bochecha vermelha. Demorei-me mais em Clara, completamente calada e apática. O longo cabelo despenteado deixava claro o quanto se desesperou. A primogênita olhava fixamente para o rosto adormecido de Sophia, que parecia extremamente confortável no colo da irmã mais velha com sua chupeta cor de rosa entre os lábios.

— Milena! — Mallory choramingou e foi na direção de Milena, ignorando minha presença — A Lara está dodói! — Milena abraçou Mallory tentando parecer forte, acariciando o cabelo dourado com extrema delicadeza — Ela vai ficar bem, não vai? — Por cima do ombro de Mallory, Milena me lançou um olhar reprovador, indicando Clara com o queixo.

Clara não olhou para meu rosto quando me sentei do lado dela humildemente.

— Clara... Desculpe-me! Não deveria ter desconfiado de você, querida. Nunca me deu motivos para isso.

— Só quero que minha irmã fique bem — Disse ajeitando delicadamente Sophia em seu colo. Abaixou-se para dar um beijinho calmo na testa de Sophia, ignorando-me. Havia lágrimas em seus olhos azuis e tristes.

Pedi novamente informações de Lara e me disseram o mesmo da recepção.

— A vovó está com ela, pai — Caleb me acalmou quando voltei nervoso e me sentei no sofá passando a mão pelo cabelo. Caleb tocou em meu ombro compreensivamente — Vai ficar tudo bem!

— O que foi que houve? Lara estava perfeita quando sai!

— Lara foi se deitar depois que você saiu e ficou trancada no quarto desde então... Não desceu para comer e nem nada. Antes de dormir a vovó foi cobri-la e quando entrou no quarto reparou que Lara tinha muita febre... Vovó disse que teve uma convulsão, por isso viemos correndo para cá. Maria e Gabi não estavam, por isso a vovó nos trouxe.

Convulsão.

A palavra me fez estremecer!

Milena voltou com Mallory e sua expressão era tão consternada com a minha. Certamente Mallory já havia contado tudo, assim como Caleb fez comigo. Sentou-se ao meu lado com Mallory em seu colo.

— Estou com medo, pai — Caleb tinha lágrimas nos olhos — E se for algo grave e a Lara morrer?

— Cala sua boca Caleb! — Clara repreendeu entre lágrimas silenciosas — Não fala uma coisa assim! — Mallory passou a chorar mais alto.

— Não quero que a Lara morra Milena! Sei que eu xingo e bato nela, mas não quero que ela morra! — Milena afagou os cabelos loiros de Mallory.

— Nada de ruim vai acontecer com Lara, querida... — Milena secava as lágrimas no rosto infantil.

— Não diga isso, filho — Sussurrei para Caleb, abraçando-o de lado — Assim assusta suas irmãs.

Minha mãe apareceu na porta da sala de espera quando ergui os olhos. Parecia cansada e abatida.

— Arthur! — Nos abraçamos diante do olhar apreensivo das crianças e de Milena — Que bom que chegou, querido!

— O que foi que houve, mãe? — Meu tom de desespero era terrível. O medo de ter uma resposta negativa era maior e sabia que iria se consumar.

— Os médicos disseram que... Que... Ela pode estar com infecção nas meninges. A febre foi controlada agora mesmo, fizeram exames... Ela está lá dentro agora. Mais calma, porém cansada — Senti as pernas bambas e a respiração faltando. Milena tapou os lábios com uma das mãos de maneira horrorizada e Clara e Caleb se entreolharam sem compreender bem - Me perdoe filho. Foi tudo tão rápido...

— Ela estava bem quando sai, mãe... — Sussurrei desacreditado.

— Ficou perfeita todo o dia — Milena emendou seguramente.

Um médico chegou e me levou para uma sala isolada, onde detalhou o caso de Lara. A febre e os exames de sangue demonstravam uma infecção e agora era investigada a origem. Poderia ser algo simples, como uma amigdalite, ou mais completo, como meningite. Fariam um exame invasivo de coleta de liquido da coluna para o diagnóstico mais preciso. Precisei autorizar tal exame e meus dedos tremeram incansavelmente enquanto tratava de assinar o papel. Jamais me senti tão vulnerável e fraco como agora. Jamais pensei que iria ver Lara, justo minha bonequinha mais delicada e doce, sendo submetida a tais exames.

— Faça o que for preciso e cobre quanto for necessário para salvar minha filha, doutor — Apertei a mão dele, que assentiu positivamente.

— Confie na medicina, senhor Novateli. Sua filha vai ficar bem — Nervoso, passei a caminhar descompassado em meio à sala vazia quando o médico saiu.

Retornei a sala de espera e encontrei Milena sentada entre Caleb e Mallory. Abraçava os dois pelos ombros e dizia palavras para animá-los. Clara seguia quieta com Sophia dormindo no colo, observando de canto Milena e os irmãos. Sua vontade de estar com eles era nítida, mas se continha com o medo que sentia de se apegar.

Ao me avistar Milena se aproximou e me abraçou ao notar meu estado. As crianças observavam, mas não pude me conter. Abracei-a de volta com carinho, tomado pela emoção e tristeza.

— Não quero perder minha filha — Sussurrei a seu ouvido — Não quero enterrar outro filho, Milena!

— Isso não vai acontecer... Calma — Separou-se de mim e tocou em meu rosto com a mão delicada.

— Com licença... — O mesmo médico apareceu na sala de espera e dirigimos a atenção a ele — Lara deseja ver Milena — Explicou baixinho a mim — Está chamando por ela há muito tempo... É a mãe?

Trocamos um olhar sugestivo e ficou claro o motivo do médico achar que Milena era a mãe das crianças. Abraçava-me de tal maneira e consolava a todos... Parecia a mais forte ali.

— Eu... — Sem saber o que dizer, Milena me encarava — Sou a babá.

— Eles não têm mãe, doutor. Sou pai solteiro — Expliquei notando o semblante triste das crianças quando respondi — Milena é muito importante para todos nós. Lara a ama.

— Posso notar — Sorriu para nós dois — Por favor, Milena. Lara está precisando de você. O senhor também pode entrar — Milena me encarou desacreditada diante do pedido de Lara — Por favor, por aqui.

Seguimos o médico em um longo corredor e os paramentamos para acessar a área onde Lara estava.

Ver minha filha sobre a cama de um hospital com fios ligados a seu pequeno e frágil corpo foi, talvez, uma das piores coisas de minha vida. Depois de enterrar a irmã gêmea de Lara, tal cena era a pior de todas! Meu mundo desmoronou ao pensar que não podia evitar seu sofrimento.

— Oi papai — Lara usava um avental azul e tinha o olhar abatido. Os fios se conectavam a sua mão pequena, envolta por fitas brancas — Eu sabia que você viria, Milena! — Sorriu de lado e esticou a mão pequena livre em nossa direção.

— Larinha... — Milena passou a minha frente indo até a cama e abraçando Lara fortemente contra o peito — Como é que você se sente, pequena? — Os olhos azuis de Lara transbordaram em lágrimas quando abraçou a babá.

— Não quero ficar aqui! Me leve para casa Milena. Para casa! Por favor...

— Fique calma meu anjinho! Calma! — Implorou esfregando o cabelo de Lara, que descia pelo ombro — Eu e o papai estamos aqui e tudo vai dar certo!

— Vocês vão me deixar sozinha? Por favor, não! Fiquem comigo! — Por cima do ombro de Milena Lara me estendeu a mão livre e caminhei devagar em sua direção. Abracei-a pelo outro lado, tentando tranquilizá-la.

— Claro que não ficará sozinha, filha — Tentei parecer seguro. Tentei ser forte — Não vou sair do seu lado um só momento.

— Nem eu, querida — Milena completou.

— Os médicos vão querer me dar injeção e eu não gosto disso! — Milena e eu a soltamos para ver seu rosto pálido.

— Se quer voltar para casa logo terá que resistir, Larinha. É por pouco tempo e nós sabemos que você é uma menina muito corajosa! — Lara não parecia muito animada — Nós, mulheres, temos que ser fortes desde cedo e te garanto que somos muito mais fortes do que os homens!

Milena usava todos seus argumentos para tentar animar Lara, que a ouvia atentamente, considerando demasiado suas palavras. Emocionei-me diante delas, afastando-me um pouco para deixar as lágrimas rolarem na face. Ver Lara assim me trazia lembranças do passado que doíam muito. Lembranças que apenas partilhava com Carina... A mesma Carina que sequer chorou e pareceu até aliviada quando nosso verdadeiro bebê número cinco nos deixou oito horas depois de nascer.

Lara adormeceu após se acalmar com nossa presença, já tomando remédios para conter a febre. Milena ficou com ela até fechar os olhos e se aproximou de mim quando notou meu estado lastimável. Ao ver Lara dormir, me permiti desabar.

— Não sou capaz de lidar com isso, Milena. O meu dinheiro... A minha fama... Nada disso pode salvar Lara de ficar aqui, de estar doente — Passei a mão pelo cabelo nervosamente. Milena, sentada ao meu lado, me segurava o ombro — Me sinto perdido e desolado. Sinto-me um fracasso como pai!

— Mas não é! — Disse ao meu ouvido, próxima demais. Parei para ouvi-la — Você foi muito forte até agora! Suportou a pressão de criá-los sozinho durante dois anos e vai se deixar abater justo quando sua filha mais precisa de sua presença, Arthur?

As palavras de Milena despertaram em mim uma parte adormecida. As lágrimas secaram de imediato e com elas todas as lembranças ruins ficaram para trás. Desde as cenas mais antigas, — quando Carina me deixou com Sophia recém-nascida e Lara sem ainda sequer caminhar — até a mais dolorosa — o enterro de minha filha, gêmea de Lara.

— Tem razão Milena. Você sempre tem razão! — Entrelacei sua mão na minha e o gesto me fez sentir forte — Obrigado por estar aqui. Obrigado por toda sua força.

— É o que meu coração pede... Mesmo que eu não compreenda, aqui e agora é onde devo estar.

Toquei o queixo de Milena e me aproximei para beijá-la carinhosamente, mesmo envolvidos pelo momento tenso. Eu não imaginava melhor pessoa para entrar em minha vida.


— Porque o médico disse que você é minha mamãe? Você é minha mamãe, Milena? — Lara perguntou quando um novo médico apareceu e pediu para falar com Arthur urgentemente.

Antes disso, se referiu a mim como "mãe de Lara", fato que a intrigou de imediato.

— Se você quiser que eu seja, eu sou sim... — Respondi lhe segurando a mão pequena, sentada em uma cadeira ao lado da cama.

— O que uma mãe faz? — Recostada, ainda parecia cansada, mas se recusava a voltar a dormir. Acordou com a entrada do médico. Um nó se fez em minha garganta diante da pergunta tão inocente. A pequena sequer sabia o que a palavra significava!

— Uma mãe cuida, protege, dá carinho e muito amor... Sempre está com o filho e luta contra tudo e todos por sua felicidade — Expliquei da maneira que mais me pareceu funcionar — A mesma coisa que seu pai faz por vocês.

— Ah, então sim, você é mesmo minha mãe! — Sorriu mesmo cansada e não pude evitar sentir lágrimas nos olhos. Não havia maneira de não se emocionar diante de tamanha inocência — Agora entendi porque Clara e Mallory falam tanto de mãe... Porque é a pessoa mais especial! — Beijei sua mão com carinho — O Caleb tinha razão...

Arthur entrou no quarto naquele momento, fechando a porta atrás de si e nos observando.

— Caleb sempre tem razão — Dei de ombros — Mas a que exatamente se refere?

— Ele tem razão quando diz que você é uma fada que o papai do céu mandou para nós. Porque você cuida de nós e também do papai...

Arthur parou atrás de mim e tocou meus ombros em um sinal de concordância.

— Milena, sua avó está em chamada no meu celular — Sussurrou baixinho atrás de mim, estendendo o aparelho.

Não pensei muito, apenas o peguei e sai do quarto rapidamente. Esqueci completamente de avisá-la sobre o ocorrido!

— Menina, onde é que você está? Não atende o celular faz horas e nem manda mensagem dizendo que está bem! Imagina como estou preocupada? Você nunca ficou tanto tempo sem dar notícias! — Esbravejou de uma vez. Afastei o telefone da orelha e esperei que terminasse.

— Vó! Estou bem! - Sussurrei baixinho ao telefone — É a filha do Arthur que está internada no hospital. Ela não está nada bem! Estou aqui dando uma força.

— Oh é isso? Qual delas é?

— Lara. A garotinha número quatro. Confesso que estou desesperada vó! — Sussurrei tremula — Ela pode ter algo grave, falaram até em meningite! Arthur está ainda mais desesperado e as crianças inconsoláveis. Sequer sei o que fazer, apenas me virando para segurar a barra... Ser sozinho nessas horas não é fácil!

— Fique tranquila, filha. Não será nada!

— Mas como você pode saber...?

— Confie em mim! Não há de ser nada grave. Essa menina tem um futuro pela frente. Um futuro brilhante! Confie em sua velha avó. Sabe que nunca erro! Pare de chorar... Daqui a pouco você e o seu namorado vão sentir imenso alivio pelo que passou.

— A senhora pode me mandar algumas roupas? Pretendo ficar no hospital com ela.

— Não vai precisar. Quando voltar para o quarto, Arthur vai estar lá com o médico. Ele vai confirmar o que acabei de dizer. A menina não tem nada grave e antes do final da tarde de amanhã você e Arthur estarão em casa com ela.

— Mas vó...

— Tchau querida. Vá com seu namorado... Ele ainda precisa de você — E desligou.

Encarei o celular quando a linha caiu. Frustrada, voltei para o quarto em passos lentos e ao abrir a porta meu corpo todo estremeceu. Vi Arthur parado em frente ao médico. Fechei a porta quando os dois me olharam.

— Ainda bem que você chegou, mãe — Sorri um pouco confusa. Os médicos sempre me confundiam com a mãe! O médico esperou eu me juntar a Arthur para iniciar a conversa — Não precisaremos fazer o exame invasivo na coluna. Já temos o diagnóstico.

— Meu Deus! — Arthur me segurou pelo ombro — É sério? É algo grave?

— Realmente é um milagre. Acreditamos se tratar de algo mais sério, mas felizmente não! — Estendeu um papel a Arthur e me estiquei para espiar — O que sua filha tem é infecção urinária. Uma infecção forte, mas perfeitamente controlável. Já encaminhamos o exame de cultura e passaremos o antibiótico adequado para usar em casa.

Arthur e eu nos encaramos com o alívio estampado na face. Foi como se um peso enorme fosse arrancado de nossas costas. Sentei-me no sofá com a mão sobre o coração.

— Não é mesmo grave? — Arthur questionou aliviado, mas ao mesmo tempo desacreditado.

— Revisamos a amostra urinária e se confirmou. A urina está infectada, por isso a febre. É um quadro relativamente normal em crianças em fase de desfralde, principalmente meninas. Ela tem quatro anos, é muito comum acontecer. Vamos transferi-la a um quarto comum para ficar em observação nas próximas horas, receber as primeiras doses do antibiótico e se a febre sumir pela tarde Lara terá alta!

— Acredita no que acabou de acontecer? — Arthur questionou quando o médico saiu.

— Sinceramente pensei que ela estivesse... — Contive as palavras e avancei para abraçar Arthur fortemente — Acabou a agonia! Agora é só cuidar dela!

— Acabou! — Disse animado, beijando-me o cabelo.

— Temos que ligar para casa e avisar as crianças! Quer dizer, para sua casa! — Corei um pouco.

— Ligarei agora! — Retirou o celular de minha mão e sorri — Para casa... — Piscou sorrindo para mim.


CAPÍTULO TREZE

 

 

O grande susto que Lara nos deu serviu para unir ainda mais as crianças e me fazer compreender o que realmente importava na vida.

Ter comigo meus cinco filhos e todos eles com saúde era tudo o que precisava para estar bem.

O tratamento de Lara com os medicamentos em casa surtiu o efeito desejado e acompanhei de perto todo o processo. Milena ficou todo o tempo com as crianças e me dediquei exclusivamente aos cuidados especiais com a doentinha Lara. Os dias passaram sem que nós dois pudéssemos dar devida atenção ao momento especial que vivemos antes do susto, fazendo com que eu notasse que isso tudo serviria de prova para nós dois. Milena poderia perceber o que era se envolver de fato com um homem pai solteiro. Minha prioridade era e sempre seriam meus filhos.

Conversamos brevemente após os turnos dela, tomamos café algumas vezes, mas jamais tivemos sequer um momento a sós, sem os pequenos ao redor. A avó de Milena estava doente, por isso ela voltava para casa todas as noites para dar uma olhada e zelar por sua única figura materna.

— Papai, o que você tem? — Mallory questionou certa tarde após eu receber uma chamada de Bernardo, meu empresário — Parece nervoso, está todo vermelho!

Seria o momento ideal para dizer a todos que dali a dois dias teria de viajar com a banda e apenas retornaria depois de duas semanas? Ao menos Lara já estava recuperada e tudo parecia no eixo em casa. Todos brincavam juntos na sala e talvez esse fosse o momento adequado. Eu mesmo ainda não havia me recuperado do telefonema de Bernardo avisando sobre os shows. Apesar de tudo, viajar era parte do meu trabalho e o fazia por eles.

Sentiria imensa falta de meus filhos neste tempo, muito mais do que nas outras vezes. Os laços se estreitaram ainda mais com a chegada de Milena, outra figura que iria me perseguir noite e dia quando estivesse longe. Sentiria falta dela... De tudo entre nós.

— É que preciso dizer algo — Todos dirigiram a atenção para mim, inclusive Sophia, que se sentou no tapete me olhando atentamente com os olhos verdes curiosos — Daqui dois dias saio em uma viagem de duas semanas pelo Nordeste — Ninguém nada disse de inicio. Apenas Caleb fez um movimento com a sobrancelha e desviou o olhar do meu.

— Viagem? — Clara sussurrou com a voz tristonha. Ajeitou o cabelo atrás de orelha enquanto pensava — Mas... De novo pai? Você já foi esse ano! Não faz nem três meses que voltou... E...

— Quando você volta, pai? — Mallory foi mais objetiva, como sempre.

— No aniversário de Sophia — Tentei não deixar transparecer minha tristeza também. Era meu trabalho, eu não podia esquecer o fato. Seguir com ele era o que me dava condições de sustentar uma família tão grande e cheia de demandas e gastos.

— Ou seja, mais duas semanas longe... — Caleb se colocou de pé jogando uma almofada no sofá — Boa sorte! — O garoto saiu da sala emburrado e com o rosto vermelho. Milena pediu licença, seguindo Caleb apressadamente. Sophia ficou de pé e correu atrás de sua babá.

Suspirei e passei a mão entre os fios de cabelo.

— É muito ruim quando você vai, pai — Clara sussurrou se esticando para afagar minha mão — Mas tudo bem! É seu trabalho! Sabemos disso...

— Não gosto do seu trabalho, pai — Lara disse baixinho, deitada no sofá com as mãos sob a cabeça de lado.

— Nem eu! — Mallory completou emburrada — Já não temos mãe e você nunca fica em casa!

— Meninas! Parem com isso! — Clara repreendeu as irmãs — Não gostam de ter tudo o que temos? Uma casa espaçosa, bonita, com piscina e jardim? Roupas legais, colégio particular e bonecas? — As duas pensavam nas palavras de Clara, que se sentou ao meu lado para dar apoio — Sabemos que isso não é tudo, mas é o trabalho do papai que nos proporciona essas regalias. Pelo menos agora vocês têm... Tem a Milena — Clara rodou os olhos quando disse o nome dela, me fazendo sorrir de canto. Ela jamais se renderia! Mallory e Lara pareceram compreender o que Clara dizia — Ela não é a mãe substituta que vocês sempre quiseram?

— É... A Milena é como minha mãe — Lara parecia segura no que dizia e Mallory concordou.

— Pela primeira vez você está certa, Clara — Mallory mostrou a língua para a irmã mais velha, que riu dela.

Pensei em como tinha sorte por ter uma filha como Clara. Mesmo que fosse mimada e se achasse a dona do mundo em uma fase terrível de pré-adolescência, Clara me entendia mais do que ninguém, talvez até do que a mim mesmo. Sai da sala um tempo depois e ao chegar ao corredor de cima ouvi o que Caleb e Milena conversavam. Sophia perambulava ao lado deles.

— Caleb, querido... Pensa que seu pai não fica chateado por ficar longe de vocês? — Milena dizia aflita.

— Não Milena! Ele nunca pareceu chateado!

— Caleb, você é o garoto de nove anos mais esperto que já conheci em toda vida! É impossível que não enxergue tudo que seu pai faz por você e por suas irmãs! Confesso que nunca fui fã número um de Arthur Novateli, até pensava que o odiava quando a via na internet e por aí... Mas ao vir trabalhar aqui passei a admirá-lo e vê-lo como um homem de caráter e muito valor! — Cruzei os braços enquanto ouvia as palavras de Milena atentamente. Falava com sinceridade e isso me intrigou — Acha que é fácil ser pai solteiro? Ser mãe solteira já é difícil, imagina pai? — Não houve qualquer resposta por parte de Caleb, algo realmente surpreendente. O garoto sempre tinha argumentos — Seu pai pode não ser perfeito, mas seguramente dá o seu melhor por vocês! Tenho certeza disso...

— Você não entende Milena...

— Entendo Caleb! Entendo sim! Perdi minha mãe aos oito anos de idade e jamais conheci meu pai. Fui criada pela minha avó desde então e ela também nunca ficava em casa comigo e meu irmão para ir atrás de nosso sustento. Desde muito cedo tive que aprender a me virar sozinha e não pense que tinha toda essa mordomia de empregadas, babá, carro e dinheiro... Não senhorito! — Apesar de narrar algo trágico, Milena mantinha o senso de humor e a voz animada — Compreendo a dor de ser deixado por sua mãe, mas você e suas irmãs tem muita sorte de terem um bom pai.

— É verdade Milena? — Caleb parecia assustado e comovido — Sua mãe morreu quando você era pequena?

— Sim. Foi por câncer. O meu pai a abandonou quando nasci para viver com outra mulher...

— Nem sei o que dizer... — Entrei no quarto. Caleb e Milena me encararam. Ambos estavam sentados lado a lado na cama de Caleb e o garoto tinha uma almofada azul em mãos.

— Preciso falar com você um minuto, Milena — Ela assentiu olhando-me confusa.

— Pai... — Caleb me chamou e eu parei no lugar antes de sair. Encarei-o e o garoto saltou da cama para me abraçar, envolvendo os braços pequenos ao meu redor — Boa sorte na sua viagem, pai! Eu te amo!


Nunca era fácil ouvir as crianças relatando suas dores em relação ao abandono materno.

Enquanto Lara e Sophia sequer sabiam o que era ter uma mãe e até me perguntavam o que a palavrinha significava, Mallory, Caleb e Clara tinham as lembranças mais chocantes e marcantes. Não sabia dizer o que era pior... Lembrar ou não ter sequer uma recordação. Para as pequenas a mãe era uma incógnita, quase uma lenda que ouviam de boca e boca, mas não acreditavam. Para os mais velhos, um fantasma que apenas trazia à tona coisas muito dolorosas.

— Arthur? — O procurei por todo o andar de baixo após colocar as cinco crianças na cama e não o encontrei em nenhuma parte — Arthur? — Sai na área externa após notar uma luz acesa próxima da piscina e não deu outra. Meu querido chefe estava sentado em uma das espreguiçadeiras mexendo no celular e parou quando me viu se aproximar — Que lugar incrível para se esconder, não acha?

— Hoje está bem quente — Colocou-se de pé a minha frente e sorriu — Não acha?

— Talvez — Sussurrei olhando em volta e reparando que estávamos sozinhos — O que quer conversar?

Arthur me puxou em direção a seu peito com voracidade, juntando nossos lábios com as mãos grudadas em minha cintura. Meu corpo estremeceu com o contanto repentino e levei as mãos para seus ombros em busca de apoio. Há muito tempo não tínhamos um momento só para nós. Seu beijo ainda era o mesmo, intenso e avassalador. Estar próxima dele ainda significava me sentir desestabilizada e enlouquecida para que me beijasse e me tocasse onde pudesse.

Não havia uma só noite em que não sonhasse com Arthur Novateli.

— Tem criança em casa! Cinco, para ser mais exato! — Brincou quando tentou se separar do beijo e o fiz retomar, sedenta por suas carícias. Arthur me segurou pelo quadril e me ergueu, fazendo com que o abraçasse com as pernas. A intensidade de nosso beijo era tamanha que nada parecia suficiente para suprir o contato. Nossos corpos friccionarem-se e seus olhos não me abandonaram em todo o percurso.

Senti minhas pernas falharem quanto tive que descer de volta ao chão. Cada centímetro de meu corpo deslizou sobre o dele até meus pés tocaram o chão e eu ficar baixinha novamente. Ainda me olhando, tocou meu bumbum sobre o short e me beijou. Sem me dar conta, as mãos de Arthur foram para baixo de minha camiseta, tocando a pele em chamas antes de retirar minha camiseta.

— Arthur! Ficou maluco? — Avancei sobre ele buscando pegar a roupa, corando por estar apenas de sutiã cor de rosa. Arthur sequer pareceu se importar, jogando a camiseta longe e retirando a sua própria.

— Um mergulho... É tudo o que peço antes de ir — Travei diante da imagem de Arthur Novateli sem camisa diante de mim.

Seu peito forte era largo e definido. Os pelos de seu corpo mais claros que o cabelo alourado. Encarei seus olhos verdes ainda mais apaixonada, controlando-me enquanto esticava uma das mãos para tocar em seu abdômen firme. Ele tinha a perfeita noção de que me deixava louca! Arthur me abraçou, beijando-me no pescoço com carinho. Fechei os olhos e me entreguei à sensação, certa de que jamais me senti tão envolvida e apaixonada. O tanto que o admirava se transformou em um sentimento arrebatador e incontrolável. Não podia seguir fingindo que era indiferente e não o desejava...

— Você primeiro — Apontei para a piscina. Arthur sorriu e concordou.

Pulou na piscina e o admirei ressurgir na água revolta, chacoalhando o cabelo de aspecto mais escuro por estar molhado. A água o cobriu um pouco acima da cintura quando parou para me chamar com um aceno.

Puxei o short pelo quadril de modo a retirá-lo. A calcinha que usava por baixo era conjunto com o sutiã. Arthur não escondeu a maneira como me analisou dos pés a cabeça em completo silêncio. Seu olhar me consumia, fazendo com que um fogo desconhecido me tomasse dos pés a cabeça. Naquele momento me dei conta do quanto o desejava... Finalmente havia encontrado um homem para quem queria me entregar e a ideia me preencheu por completo.

Arthur Novateli, o ídolo adolescente, era o homem pelo qual estava apaixonada pela primeira vez em toda a vida.

Pulei na piscina sob o olhar dele e quando submergi senti os braços fortes ao meu entorno, sustentando-me pela cintura.

— Porque não disse que a piscina era aquecida? — Lhe acertei um tapa no peito ainda ofegante. Arthur me beijava no rosto com paixão, apertando-me em seus braços.

— Deveria ter dito, mas pensei que soubesse! Mas confesso que amei te ver toda arrepiadinha...

— Nunca nadei em horário de trabalho — Relembrei envolvendo-o pelo pescoço, encarando-o de maneira apaixonada — É a primeira vez que entro nessa piscina.

— Você não está em horário de trabalho — Sussurrou ao meu ouvido. Fechei os olhos ao ouvir sua voz tão próxima, quase dentro de minha cabeça. Sentia o calor de Arthur me preencher dos pés a cabeça, seu coração batendo contra o meu de maneira descompassada... — Pensei que nunca mais fosse me sentir assim, Milena — Ainda sussurrava ao meu ouvido. Nos mantínhamos abraçados, as mãos dele em minha cintura e as minhas ao redor do pescoço dele — Pensei que nunca mais fosse abrir meu coração para uma mulher novamente. Cheguei a pensar que todas vocês não valessem a pena, mas você me provou o contrário.

Ergui os olhos para encará-lo e toquei seu rosto molhado. Beijei seu queixo e deitei o rosto contra seu peito forte. As mãos cálidas de Arthur me acariciaram o cabelo gentilmente.

— Depois que minha mãe se foi também cheguei a pensar que nunca mais iria amar novamente, nunca mais teria a capacidade de me entregar a um sentimento — Confessei de olhos fechados — Você derreteu meu coração de pedra, Arthur Novateli. Você e seus filhos — Beijou meu cabelo delicadamente e senti toda a ternura que exalou daquele singelo gesto — Sentirei tanta saudade!

Sussurrei referindo-me ao período em que ele se ausentaria.

— Quem diria que a garota que um dia tentou me matar agora teria saudade...

— Lembra quando eu disse que você era maluco? — Ele assentiu — Acho que a sua loucura pega!

— Ouvi sua conversa com Caleb — O comentário me fez olhá-lo, separando-me do abraço.

— Sua mãe não te ensinou que é feio ouvir atrás da porta, rapazinho? — Um sorriso pequeno apareceu nos lábios dele, que monitorava os movimentos leves de minhas mãos sobre a água.

— Obrigado pelo que disse. É bom saber que alguém confia em mim, mesmo que eu mesmo não o faça — Tocou meu queixo carinhosamente.

— Deveria — Pisquei para ele — Seus filhos são maravilhosos porque você está com eles.

— Não tanto quanto deveria — Deu de ombros — Mas vai ser por pouco tempo... Logo estarei de volta. Desde cedo estão acostumados a isso, sempre viajei muito a trabalho — Baixei o olhar e mordi os lábios. Arthur logo notou que palavras morreram em minha garganta — O que deseja perguntar, Milena?

— Não temos nada sério, Arthur. Não vou enchê-lo de perguntas sobre sua viajem, pode ficar tranquilo — Arthur me puxou de volta para perto quando tentei me afastar. Olhou-me de perto, tão de perto que senti seu hálito em seu rosto.

— N ão temos nada sério ? — Disse indagando — Está segura disso?

— Estamos nos curtindo... Não é? Não quero te cobrar nada e nem tenho o direito. Prefiro ficar em casa com a consciência tranquila do que martelando sobre você estar ou não... Com outra.

Um sorriso preencheu os lábios dele, que segurou meu rosto com carinho.

— O que sinto por você é muito verdadeiro, Milena. Realmente ainda é cedo para dizer algo as crianças, mas não tenho dúvidas de que te quero. E muito! — Inclinei-me pra ele e encostei nossos lábios quando ele fez o mesmo. Ao me dar conta, estava no colo dele, sustentada por seus braços... As mãos de Arthur envoltas em mim enquanto nos beijávamos com o corpo molhado e tremulo. Afastei-me brevemente e encostei minha testa na sua, fechado os olhos — Você vai me esperar?

— Estarei aqui quando voltar. Com as suas crianças...

— Com as nossas crianças — Corrigiu antes de me beijar novamente.


Arthur se foi. Não para sempre, mas se foi.

Senti-me como se estivesse imersa em uma cena de filme romântico, parada na varanda com Sophia no colo, Mallory ao lado, — agarrada a saia de meu vestido branco que esvoaçava — Lara no outro extremo e Caleb e Clara de mãos dadas tentando conter a frustração de ver o pai ir embora.

Realmente não me restou muito tempo para lamentar a viajem de Arthur, uma vez que tenho cinco crianças ainda mais tristes do que eu precisando de minha total atenção. Meu trabalho — e talvez algo muito além do trabalho — era fazer com que estivessem bem. Arthur ligava quase todos os dias, mas conversávamos com as crianças ao encalço. Pela noite, quando tinha um tempo livre, me fazia uma chamada de vídeo particular e podíamos conversar mais a vontade.

Os cinco anjinhos sempre ocupavam meu tempo. Havia uma briga para separar, alguém para consolar, um doente para cuidar e uma mamadeira para fazer... Pensar sobre o vazio que ficou resumia-se a noite, quando me deitava e conseguia fechar os olhos em paz. Arthur era tudo que vinha em minha cabeça! O medo de me envolver além da conta com a família Novateli martelava incansavelmente em meus pensamentos.

Precisava distrair as crianças — que estavam em recesso escolar — e as levei para um passeio no centro recreativo público do meu bairro.

— Esse é nosso programa de férias? — Caleb torceu o nariz enquanto olhava o centro de recreação pela janela do carro.

Clara, Caleb, Mallory, Lara e Sophia tinham uma história dolorosa sobre abandono materno, mas nasceram em berço de ouro. Arthur, mesmo antes de ter a carreira de cantor, tinha pais com boa posição e sempre deu uma boa vida aos cinco. Definitivamente não estavam acostumados a frequentar locais públicos, destinados a pessoas de menor condição social. Os mais velhos frequentam colégio caro, parques do condomínio onde moram e convivem com crianças da alta sociedade.

Eu, por minha vez, cresci na periferia e não conhecia em nada o mundo ao qual pertenciam. Preferi recorrer ao que sabia que seria realmente divertido, mesmo que inicialmente estranho.

— É um centro de recreação público? — Clara parecia enojada enquanto se esgueirava atrás do irmão para enxergar.

— O que tem aí? — Mallory questionou curiosa, também querendo olhar.

— Ladrões, marginais e assassinos! — Clara desdenhou — Vamos para casa!

— Garota! Não seja uma patricinha mimada! — Pela primeira vez elevei meu tom com Clara, irritada pelo preconceito que destilava. Virei-me para trás e parei de procurar uma vaga para estacionar — Você tem uma visão de mundo muito limitada! Não pode apontar o dedo e julgar pessoas que sequer conhece! Ladrões, marginais e assassinos estão em todas as classes sociais!

— Essa doeu... — Caleb brincou e Mallory riu junto com ele da expressão envergonhada de Clara. A primogênita apenas cruzou os braços e desviou o olhar para a outra janela, ignorando-me, assim como aos irmãos.

Estacionei o veículo no local indicado para os frequentadores, coloquei Sophia no carrinho, dei a mão para Lara e Mallory, que também eram seguradas pelos mais velhos. Seguimos juntos até o interior do centro de recreação, um local aberto com várias atividades para crianças com monitores e turminhas.

— Nós temos piscina em casa, Milena. Temos quadra de futebol e parquinho no condomínio — Caleb argumentava olhava ao redor — Porque não ficamos lá?

— Porque em casa seriam apenas vocês... Aqui tem mais gente. Esse é o divertido, Caleb. Compartilhar! — Expliquei e ele pareceu pensativo.

A criança mais animada era Lara, que se divertia em ver a movimentação das crianças. Caleb e Mallory se empolgaram no futebol de sabão — uma vez que vieram com roupa de banho por baixo das vestes — e ficaram por lá. Sentei bem próxima com Lara e Sophia, que brincavam e se divertiam na caixa de areia colorida.

Clara se sentou ao meu lado em completo e profundo silêncio. As mãos esticadas ao lado do corpo magro, o cabelo loiríssimo descendo até a cintura e os olhos azuis escondidos nos óculos de sol. As pernas longas balançavam em uma postura inquieta. A garota era definitivamente uma cópia fiel da mulher que estampava as fotos perdidas pelo quarta das crianças. Mallory, para ser mais exata, era quem tinha uma foto da mãe escondida na gaveta.

— O que foi? — Clara chamou minha atenção quando percebeu que eu a analisava.

— Que foi? Ficou maluca de vez? — Murmurei dando de ombros e um pouco decepcionada.

— Ah, olha quem fala... O exemplo a ser seguido! Você é bem pouco doida, não é? — Ironizou. Ficamos em silêncio por alguns minutos — Tenho que te pedir desculpas pelo que disse no carro. Foi mesmo algo imaturo, desculpe... — Não me encarou e seu tom de voz era de quem se rendia a uma batalha, mas não a guerra toda.

— Desculpada — Murmurei com Sophia em meu colo — Porque não vai se divertir com seus irmãos? — Apontei para Mallory e Caleb, que brincavam no futebol de sabão.

— Talvez eu vá — Disse mais para si mesma do que para mim.

Um tempo depois, enquanto eu brincava com Sophia e Lara, Clara ficou de pé retirando o vestido que usava e o dobrou, colocando ao meu lado. De biquíni foi até os irmãos e se juntou a brincadeira, nitidamente surpreendendo-os. A felicidade de Caleb e Mallory deixou evidente o que a presença da irmã significava. Clara para os irmãos era um modelo a ser seguido, quase como a fortaleza que ainda restava. Era nela que se apoiavam quando estavam sem o pai, mesmo tendo a mim como babá. Mesmo sendo dura em sua postura, Clara sempre atendia ao pedido dos menores.

— São lindas suas filhinhas — Uma mulher sentada ao meu lado se referia a Sophia em meus braços e Lara ao lado. O filho dela brincava com Lara.

— Elas não... Obrigado! — Sequer me importei achassem que Sophia e Lara eram mesmo minhas filhas — O seu filho também é lindo! Quanto tempo tem?

— Quase três. E elas?

— Sophia faz três daqui uns dias e Lara tem quatro.

É muito fácil falar de Sophia e Lara. As minhas meninas . Fui à primeira mãe que conheceram. O primeiro colo que as acolheu de verdade. As duas eram demasiadamente especiais para mim. O garotinho esticou os braços para a mãe e começou a chamá-la. "Mamãe", dizia. Sophia o imitou, mas chamando a mim de "mãe". Seus braços pequeninos se esticaram para mim e a pulseirinha com a letra "S" que estava amarrada em seu pulso pendurava no ar. A peguei no colo e beijei seu rosto infantil tomada pela emoção.

— Você tem somente as duas? — Pensei para responder e no mesmo instante Mallory apareceu.

— Você não sabe o que aconteceu! — Sorria de orelha a orelha chacoalhando as mãos de maneira empolgada.

— O que aconteceu?

— Caleb deu um beijo em uma menina! — Mallory falou com as mãos na boca.

— O que? — Questionei olhando para Clara, que chegava atrás dela.

— Foi um beijo no rosto! Que bobeira, Mallory!

— Vocês tinham que contar não é? Suas bocudas! — Caleb chegou e repreendeu as irmãs.

— Quem diria hein Caleb? — Brinquei notando-o tímido — Sempre tão quietinho...

As meninas riram alto e ele se constrangeu mais ainda.

— Foi um beijo no rosto dela! Só isso!

— Vamos comer algo? — Sugeri e eles concordaram. Enquanto se enfiavam nas roupas a moça voltou a falar comigo. Seu rosto parecia estarrecido.

— São todos seus? — Olhei de relance para as crianças e sorri para ela.

— T odos ...


CAPÍTULO QUATORZE

 

 

Os dias correram e sequer me dei conta.

Os preparativos para o aniversário de três anos de Sophia me consumiam o tempo livre, que era mínimo, e aos finais de semana tirava um tempinho para passar ao menos uma tarde com minha avó e ver meu irmão e Ana Paula.

Meu tempo agora era inteiramente dedicado à família Novateli, principalmente por Arthur estar fora de casa. Dona Nanci e eu nos revezávamos para não deixar as crianças sem a presença de ao menos uma de nós e me dei conta de que a mãe de Arthur aprovava minha relação com os netos. Não escondia a simpatia que tinha comigo e os problemas que enfrentou com a ex nora. Era Nanci quem estava organizando a festinha de três anos de Sophia e sempre me pedia opinião para os detalhes.

Todos seguiam bem e tranquilos, na medida do possível. Meu único e maior desafio na casa dos Novateli seguia sendo o mesmo... Clara Maria, a primogênita. Tivemos progressos, mas a garota continua irredutível. Queria a todo custo que eu desaparecesse de suas vidas o quanto antes, mesmo que isso significasse a infelicidade dos irmãos.

Encontrei Clara deitada no sofá da sala de televisão assistindo a um filme de romance quando desci do quarto dos menores em certa noite, poucos dias antes de Arthur regressar.

— Seus irmãos já dormiram — Parei na porta e apontei em direção as escadas. Clara me encarou e assentiu positivamente — Não vai se deitar? Já é bem tarde...

— Estou terminando de ver esse filme. Daqui a pouco subo — Respondeu menos ríspida do que costumava ser — Senta aí — Apontou para o outro sofá, ao lado dela, com um aceno de cabeça — Para um pouco. Nunca te vejo descansar...

Voltou às atenções para a tela e olhei ao redor um pouco intrigada. Realmente Clara estava me convidando para sentar com ela e ver um filme? Estreitei o olhar e segui na direção onde apontou, sentando-me com os pés sobre o sofá. Estava mesmo cansada, Clara tinha razão.

— A rotina com vocês cinco é bem puxada... — Comentei despretensiosamente, apenas puxando assunto — Você e Caleb não dão nenhum trabalho que demande esforço, mas tiram do sério! Mallory, Lara e Sophia sim são três furacões — Clara sorriu de lado.

— Você é maluca de ter se metido aqui, já te falei muitas vezes — Ainda encarava o filme sem me olhar.

Calei-me e passei a assistir ao filme, que era bem interessante. Senti imediatamente falta de Arthur apenas por assistir as cenas de beijo e romance. Talvez não tenha disfarçado a expressão apaixonada. Para minha surpresa e total desconforto, uma cena de sexo se iniciou. Clara se moveu desconfortável no sofá, olhando-me de rabo de olho. Arthur não tinha cara de quem falava sobre o tema com os filhos, principalmente com Clara, uma menina pré-adolescente.

Deveria ser complicado para um homem criar uma menina de onze, quase doze anos, e ter que lidar com tais questões sozinho. Clara olhava a cena com certa curiosidade e um pouco de surpresa.

— Você não vai mudar de canal? — Perguntou me encarando receosa.

— Porque deveria? Até parece que você não sabe o que eles estão fazendo... — Ironizei ainda assistindo — Não tem nada demais aí. É só uma cena romântica, não é como se fosse nudez explicita.

— Claro que sei o que estão fazendo! — Respondeu em tom debochado, mas ainda nervosa — Mas é bem diferente do que imaginei... Parece ser doloroso! — Sua expressão foi de repulsa — É doloroso?

— Como é que vou saber? — Respondi sem pensar e notei Clara abismada. A garota até se levantou, sentando-se para me encarar;

— Você já deve ter passado por isso alguma vez na vida! — Pareceu interessada no assunto.

— Eu? Não... Nunca! — Desconfortável, tive que confessar. Já havia começado, afinal — Sou tão virgem quanto você... — Clara não disfarçou a surpresa.

— Mentira isso, né?

— Não. É até constrangedor dizer, meio ultrapassado... Mas nunca me interessei por ninguém a ponto de me entregar — Clara me ouvia atentamente — Há pouco tempo atrás meu apelido era "Milena coração de pedra". Meu irmão sempre falou que não tenho sentimentos, mas depois de vir trabalhar aqui tudo mudou.

Clara compreendeu, pude ver em sua expressão. Sentou-se mais ereta, dando seriedade a situação.

— Milena... Posso te fazer uma pergunta na boa? — Me sentei também, encarando-a da mesma maneira.

— Claro.

— Você está apaixonada pelo meu pai? — Paralisei diante de sua pergunta carregada de curiosidade. Seus olhos azuis aguardavam com ansiedade pela resposta que travou em meus lábios.

— O que? — Foi o que consegui proferir. Não esperava por tal abordagem.

— Não se faça de boba — Ironizou — Perguntei se está apaixonada pelo meu pai. É algo simples de responder... — Separei os lábios, mas nada disse — Se bem que só de olhar para sua cara de surpresa que já consigo imaginar a resposta!

— Clara, eu... — O telefone tocou alto e me levantei correndo para evitar que acordasse as crianças — Quem é que liga para a casa dos outros uma hora dessas? Alô?

— Passei o dia todo querendo te ouvir, Milena — Estremeci no lugar. Quase desmaiei com aquele telefone na mão. Somente ouvir a voz de Arthur me tirava de órbita — Tudo bem minha linda?

— Ah... Oi Arthur! — Olhei em direção a Clara e ela se colocou de pé me mandando um aceno de boa noite. Acenei de volta — Sabe que horas são por acaso? — Falei baixinho, esperando Clara subir.

— Onde estou são oito da noite — Fui espiar e vi que Clara entrou em seu quarto. Sentei-me no sofá — Pensei que ficaria feliz em me ouvir...

— Fiquei. É que sua filha estava aqui me perguntando justamente se estou apaixonada pelo pai dela! — Entreguei e ele se calou por uns segundos.

— Clara?

— A própria!

— O que você disse?

— Nada! Estava a ponto de ser sincera quando o telefone tocou em sua chamada! — Pode parecer loucura, mas senti uma pontada de decepção no suspiro dado por Arthur. Não parecia feliz em ter evitado que Clara soubesse a verdade.

— Não vejo à hora de ver você e as crianças. Acho que vou te jogar na mesa do bolo da Sophia e te beijar lá mesmo...

— Ai Arthur... — Suspirei — Também estou com saudade. Nunca pensei que diria isso, mas você faz falta.

— Quando regressar, direi a todos que te quero — Desta vez fui eu quem ficou sem palavras, somente me limitando a escutar — Cada segundo que passo longe sinto que você é a escolha certa, Milena. Não tiro você da cabeça um só minuto... Um só segundo.

Apertei os olhos e me segurei para não dizer coisas que não deveria. Confessar o amor e gritar para todos ouvirem agora não parecia uma boa ideia.

— Sinto sua falta, Arthur. Volte logo, por favor...


Finalmente o aniversário de Sophia chegou e com ele o dia em que Arthur retornaria.

Pessoas se movimentavam no jardim organizando a comemoração com Nanci. De balões cor de rosa a doces, quem esteve à frente de tudo foi à mãe de Arthur.

— Já estou pronta! — Mallory anunciou contente ao meu lado. Usava um lindo o vestido vinho de mangas cumpridas, bota preta baixa e uma boina com uma flor em sua cabeça. O cabelo dourado descia até a cintura em um liso perfeito.

— Meu Deus, você está linda! — Segurei em suas mãos — Quem foi te arrumou?

— Minha tia... Olha ela ali! — Olhei na direção da casa e vi uma garota loira de cabelo longo conversando amigavelmente com Caleb. Eles se aproximavam — Tia, tia! Essa é a Milena! — Mallory apontava para mim — Milena, essa é minha tia que mora na Europa! Ela veio visitar meus avós e aproveitou para comemorar o aniversário de Sophia!

— Milena! — De certo modo a moça lembrava Arthur — Já ouvi tanto sobre você e nem te conheço ainda! Sou Agatha Novateli — Me deu um braço forte e amigável — Irmã caçula de Arthur.

— Agatha, claro! As crianças já falaram sobre a tia Agatha... — Sorri tímida. Tratava-se de uma mulher elegante — Não te notei chegar!

— Faz pouco. Você estava tão ocupada com minha mãe nos preparativos que resolvi não interferir. Arthur me ligou e disse para ajudar a segurar a barra com as crianças. Elas ficam agitadas com festas...

— E muito! Obrigado Agatha!

— Agora vá tomar um banho mulher! Já está tarde e você precisa se aprontar! — Agatha foi me empurrando para a casa — Eu olho as crianças!


— Finalmente a agonia terminou, Arthur — Bernardo bateu em meu ombro assim que descemos do voo — Já pode voltar para as crianças.

— Estou morrendo de saudade, não tem ideia do quanto! — Comentei caminhando ao lado de meu empresário pelo longo corredor do desembarque.

— Não somente das crianças, estou certo... Também da babá — Bernardo disse ao meu ouvido — Garanhão...

— Já te disse que com ela não é assim que funciona.

— Te conheço, cara. Depois da Carina seu coração ficou fechado, incapaz de amar novamente — Bernardo dizia seguro, pois conhecia perfeitamente minha história com minha ex-esposa — Essa moça tem que ser muito especial para ter te conquistado assim...

— Ela é — Garanti a ele — Acredite... Ela é!

Foi, como sempre era, doloroso ficar distante das crianças. Difícil demais ficar longe das crianças e de Milena. Percorrer o país com a música sempre me pareceu emocionante, mas diante de tudo que acontecia em minha vida, ficava para segundo plano.

Por mais que minha razão buscasse me convencer de que não era viável ter algo sério e que envolvesse as crianças, meu coração não parava de pensar nela... Na babá. Milena não me deixava em nenhum momento, em nenhum instante. Toda vez que cantava uma canção alegre me lembrava das crianças. Os sorrisos e os abraços... Quando a batida se modificava para uma música romântica tudo parecia mudar e apenas o rosto de Milena girava na minha mente.

O carro estacionou no jardim de casa e pude notar a movimentação intensa para a festa dos três anos de Sophia, organizada por minha mãe com a ajuda de Milena.

Observei cada detalhe enquanto caminhava em direção ao jardim, perplexo que tudo tenha ficado tão maravilhoso quanto minha caçula merecia. Sophia jamais teve uma festa como essa... Seu nascimento era marcado pela partida da mãe e a saída definitiva da vida das crianças, algo que durante os dois primeiros anos da vida da pequena apenas significava luto e tristeza. Agora, com a chegada de Milena, as coisas haviam mudado.

A vida de minha doce Sophia deveria ser celebrada!

— Pai! — Caleb foi o primeiro a me ver e não hesitou em correr em minha direção.

— Meu garoto! — O abracei bem forte, dando tapas em seus ombros — Que saudade, meu campeão! — Caleb sorriu ainda abraçado a mim — Como estão suas irmãs?

— Lara! O papai chegou! — Mallory e Lara, conversando com algumas amigas, dispararam para mim com a mesma alegria. Clara também apareceu, emocionada ao me ver. Foi um processo demorado abraçar, beijar e virar a todos de ponta cabeça.

O alivio em vê-los bem, sadios e tão bonitos com suas roupas de festa me preencheu por completo. Os quatro mais velhos me abraçavam com carinho, todos juntos ao meu redor.

— Sentimos muito sua falta, pai — Clara me beijou no rosto carinhosamente e retribui.

— Também senti, querida.

— Pai, você precisa ver como a Sophia está linda! Parece uma bonequinha! — Lara comentou e no mesmo momento Milena apareceu entre os convidados carregando a caçula em seus braços.

— Não arranca Sophia o laço da cabeça, Sophia! Sua tia fez com tanto carinho!

Milena se deteve ao me ver, parada há alguns passos de nós. Usava um elegante e bonito vestido azul claro e saltos. Pedi a Agatha que providenciasse uma roupa para ela se sentir confortável em meio aos convidados, principalmente porque não estava acostumada a eventos com pessoas de nosso meio. Realmente ficou ainda mais estonteante com a maquiagem bem feita e o cabelo longo e escuro alinhado ao redor do rosto.

Sua beleza me tirou o ar que já faltava antes mesmo de revê-la.

Em seu colo, Sophia usava um vestido azul no mesmo tom do de Milena, mas com detalhes em rosa. No cabelo dourado e com alguns cachinhos havia uma faixa com laço combinando, a mesma que Sophia queria arrancar.

— Tira isso mamãe, tira isso! — Dizia a pequena com a mão na faixa do cabelo.

Mamãe.

Clara olhou para meu rosto quando ouviu a irmã dizer tal palavra e se aproximou um pouco de meu ouvido.

— A Sophia e a Lara a chamam assim agora... De mamãe! — Seu comentário foi em tom negativo, mas não me importei em rebater.

Apenas tinha olhos para Milena, que me encarava com um sorriso gracioso enquanto se aproximava. Minha mãe vinha logo atrás delas. Por um momento ficamos sem saber o que dizer um para o outro. Minha mãe estava ali e as crianças nos rodeavam. Queria abraçá-la e beijá-la... Podia notar que era também sua vontade.

— Arthur... — Sussurrou contente, sem esconder o olhar apaixonado. Eu também não o fazia, por certo — Que bom te rever.

— Milena... Você está linda — Comentei sem poder evitar.

— Papai, papai, papai! — Sophia esticou os bracinhos em minha direção e sem pensar fui até ela. A pequena se enroscou em mim e me deu beijos na face — Você voltou...

— Ela está falando? — Questionei estarrecido diante da surpresa.

— Ora, ela já tem três anos! — Minha mãe parou atrás de Milena, segurando-a pelos ombros — Queríamos fazer uma surpresa, filho. Sophia aprendeu muitas palavras nos últimos dias, Milena teve imensa paciência de ensiná-la.

— Milena... — Sussurrei emocionado, incapaz de tirar os olhos de Milena, que me encarava de maneira contida. Se continha para não correr para meus braços — Não sei o que faria sem ela, mãe. Foi um anjo que apareceu em minha vida...

— Pois é... E que anjo! — Minha mãe deu um curto abraço em Milena, fazendo-a corar.


Arthur estava de volta.

Arthur estava ali!

A emoção de revê-lo não era nada comparada ao frenesi que senti ao reparar como me olhava. Jamais um homem pareceu tão encantado com minha presença e isso me encheu de amor. O olhar de Arthur Novateli era mais intenso do que qualquer uma de suas lindas músicas... Eu o amava e queria poder gritar para o mundo o segredo entre nós.

Como se não bastasse todos os elogios de Nanci, Vitor, o pai de Arthur, também chegou à conversa para completar o momento. Após cumprimentar o filho, dirigiu rapidamente a atenção para mim.

— Então essa é a famosa Milena... — Arthur me lançou um sorriso encorajador. Cocei o pulso antes de estender a mão para cumprimentá-lo. O avô paterno das crianças era muito parecido com o filho. Cabelos claros e olhos esverdeados. Talvez uma versão mais velha e série — Finalmente conheço a mulher que foi capaz de colocar meus netos na linha!

— Ah que isso! Eles nem são tão difíceis! — Abracei Mallory pelo pescoço ironicamente, como se a enforcasse, e ela riu me envolvendo pela cintura.

— Você é uma ótima babá. As crianças falam o tempo todo sobre você...

— Milena é mais do que babá, pai... — Arthur ressaltou — É parte da família.

— Nosso anjo da guarda! — Lara completou a frase.

— Milena é ótima. É legal, feliz, não grita e não bate em nós — Mallory enumerava cheia de orgulho — Ela canta músicas lindas e é inteligente! Sabia que foi Milena quem me ensinou a ler? E a tomar banho também!

— Mallory! — Repreendi pela última parte e todos riram.

— Eu não disse, meu filho, que a vida te recompensaria? — Clara rodou os olhos na face pelo comentário do avô e Arthur sorriu largamente.

Arthur se aproximou despretensiosamente em dado momento da festa em que me encontrei menos rodeada de pessoas. Segurando sua bebida e com uma das mãos no bolso, parou ao meu lado com seu olhar intenso no meu.

— Ia dizer que está linda novamente, mas acho que já reparou como te vejo — Sussurrou para que apenas eu ouvisse. Olhei ao redor para ver se ninguém os observava — Não consigo parar de olhar!

— O senhor também está muito bem, senhor Novateli — Confessei com as bochechas corando pela proximidade dele.

— Precisamos conversar, Milena — Seu tom foi mais sério — Algo muito importante para mim. Te espero na varanda da piscina depois que as crianças dormirem.

— Conversar... O que eu fiz agora? — Arthur sorriu por minha impaciência — Não gosto disso, Arthur! Não gosto de suspense, me deixa ansiosa!

— Calma, Milena encrenqueira... Não é nada demais, eu juro! — Ergueu as mãos em sinal de paz e relaxei um pouco — Quero falar com você sobre... Bem, sobre a mãe das crianças.

— Porque isso agora? — Franzi o cenho, pega de surpresa — Não me diga que ela voltou?

— Não... — Negou com expressão enjoada. Aproximou-se um pouco mais — Ouvir minha filha te chamar de mamãe me fez perceber o quanto significa para mim, Milena. O quanto te amo.

— Arthur... — Sem fôlego, tentei contê-lo, mas parecia disposto a prosseguir. Aproximou-se tanto que pude sentir seu hálito em meus lábios.

— A única mãe de verdade que meus filhos conheceram foi você, Milena. Você é a mãe dos meus filhos.


CAPÍTULO QUINZE

 

 

Um dos momentos mais emocionantes de minha vida foi, sem dúvidas, o momento em que cantamos os parabéns para Sophia.

A pequena, que sequer falava há uns dias atrás, agora balbuciou palavras da música e bateu palmas de maneira animada, nitidamente feliz por fazer parte daquele momento. Junto dos irmãos e do pai na mesa do bolo, Sophia me chamava a todo o momento e foi Mallory quem me gritou para estar ao lado deles. No começo não pareceu uma boa ideia, mas Arthur parou toda a comemoração até que eu aceitasse.

"Essa é Milena... A pessoa que fez a vida de Sophia muito mais feliz nos últimos meses. Não só dela, mas de toda nossa família".

Não pude recusar tal convite, por isso aceitei me juntar a eles e estar presente com a família atrás da mesa do bolo para cantar os parabéns. Segurei a emoção e senti medo. Medo do que aquilo representava. Medo de meus sentimentos por Arthur. Medo de decepcioná-los, Medo da conversa que teríamos sobre Carina... Medo!

Desci para a varanda da piscina após retirar a roupa da festa e colocar um short e uma blusinha normal. Arthur certamente se abriria em relação à ex-esposa e isso sim me causava terror. Os sentimentos que me despertaria tal história colocariam a prova minha sanidade mental.

Assim que cheguei, antes mesmo de pensar, Arthur me agarrou por trás e me virou em sua direção. Assustei-me de inicio, mas o envolvi pelo pescoço em um beijo apaixonado e cheio de saudade quando percebi que sua intenção era mesmo essa... Ficar sozinho comigo.

O medo se transformou em algo quente e profundo que me tomava os sentidos. Um sentimento delicioso que apenas aquele homem conseguiu despertar em meu interior. Eu estava apaixonada... Meu coração de pedra já não existia!

— Esse era o motivo do encontro senhor Novateli? — Sussurrei quando me deu um tempo para respirar, ainda com as mãos prensadas em meu quadril de maneira possessiva.

— Um deles, confesso... Estava com muita saudade! — Beijou-me novamente e correspondi na mesma intensidade, envolvida por suas carícias — Mas realmente tem um motivo especial... Vem cá — Levou-me para sentar no balanço de banco que havia na varanda. Acomodou-se ao meu lado, nós dois frente a frente.

— Não precisa dizer nada sobre seu passado, Arthur — Garanti segurando em sua mão. Ele levou minhas mãos aos lábios e beijou repleto de devoção — Não precisa mencionar... Ela... — Respirei profundamente para conter as emoções — Em nada...

— Não tem mesmo curiosidade de ouvir e saber como cheguei até aqui? Como tudo aconteceu? — Me calei, sem ter coragem de negar. Obviamente sentia curiosidade de saber os detalhes — Nos conhecemos no colégio e ela era linda... A garota mais bonita do colégio! — Sorriu sem humor.

— Como a Clara...? — Sugeri.

— Exatamente! Era linda como Clara e sempre teve minha atenção. Carina nunca me deu bola e era amiga de Agatha. Íamos e voltávamos do colégio juntos e nos víamos frequentemente pela amizade dela com minha irmã.

— Nunca iria imaginar — Segui escutando.

— Quando eu tinha acabado de completar quinze anos ela me convidou para seu aniversário. Fui com Agatha e naquele dia resolvi finalmente me abrir e me declarar para Carina. Para minha total surpresa descobri que ela também era afim de mim. Começamos a namorar e quando dei por mim estava apaixonado de verdade. Nosso namoro não era conhecido por nossos pais, mas um dia nos pegaram na praça... Tivemos que contar.

— E aceitaram de boa? Não consigo achar normal crianças de quinze anos namorando!

— Tem razão... — Coçou o maxilar — Na época não via desta forma, mas hoje te dou total razão! Enfim...

— Vocês foram para cama — Conclui e ele assentiu um pouco constrangido.

— Foi em nossa formatura do fundamental. Era a primeira vez dela e a minha também e tudo parecia incrível.

— E ela ficou grávida depois...

— Não imediatamente. Começamos a ficar juntos com frequência, sempre que era possível e nem sempre nos protegíamos. Depois de dois anos de namoro descobrimos a gravidez — Dizia com um sorriso sem humor nos lábios — Me lembro do dia em que compramos um teste de gravidez na farmácia e fizemos no banheiro feminino da escola.

— Meu Deus... — Bati levemente no ombro dele — Continue.

— Definitivamente não éramos responsáveis em nada. O pior de tudo foi à decepção de nossos pais... Meu pai ficou dias sem falar comigo e cheguei a pensar que minha vida tinha acabado.

— Não sei o que faria se fosse eu no lugar deles — Arthur concordou.

— No começo nos deram a ideia de adoção — Me movi na cadeira desconfortavelmente — Carina tinha quinze anos eu dezessete. Não tínhamos o mínimo de estrutura para criar o bebê e isso atrapalharia nossa vida acadêmica.

— E vocês desistiram?

— Minha mãe. Minha mãe não aceitou a ideia de outras pessoas criarem o neto dela e decidiu assumir a responsabilidade pela criança. Meu pai, como sempre, a apoiou. Carina não parecia muito segura em querer ficar com a criança inicialmente, mas era muito menina. Muito manipulável. Os pais dela concordaram, desde que Carina viesse morar conosco em nossa casa. Com o tempo ela foi aceitando a ideia e criou um laço com a criança, principalmente quando descobrimos que era uma menina. Colocamos nela o nome da minha avó, Clara Maria — Ele sorriu docemente — Ela nasceu na semana do meu aniversário de dezoito anos.

— Clara é uma menina maravilhosa. Complicada, mas maravilhosa... — Arthur beijou novamente minha mão — Você fez a coisa certa, não tenha dúvidas!

— Após o nascimento de Clara, Carina voltou para escola e minha mãe era a pessoa que realmente cuidava do bebê. Voltamos a nossa vida normal e apenas ficávamos com Clara quando não estávamos no colégio. Nosso relacionamento era como antes e estava tudo bem... Mas existe uma grande questão... Quando algo como uma gravidez na adolescência acontece na vida, pensamos que nunca mais vai se repetir. Pelo menos foi o que eu e Carina pensamos na época — Não pude evitar sorrir da expressão de Arthur — Dois anos depois de Clara nascer, Carina engravidou novamente.

— Arthur... — Ele assentiu positivamente, concordando com minha indignação.

— Com a nova gravidez, ficamos mais tempo na casa de meus pais. Éramos adaptados a Clara, mas não ao novo bebê. Concordamos em esperar o bebê nascer e oito meses depois lá estava Caleb. Um menino. Apenas conseguimos sair da casa de meus pais um ano depois. Meu pai tem uma empresa e me colocou em uma vaga por lá. Nossa vida era estável com a ajuda financeira de meus pais e com a rotina puxada de dois filhos pequenos, Carina começou a se dar conta do que havia perdido. As amigas iam para a faculdade e festas enquant o ela ficava em casa com as crianças e cuidava dos afazeres.

— Obviamente isso iria acontecer... São as consequências.

— Exatamente! Eu compreendi as consequências, mas ela nunca aceitou. Passou a sair sozinha e chegar tarde, deixando as crianças em minha responsabilidade. Às vezes passava o final de semana todo fora sem ao menos dizer aonde ia. Clara tinha só três anos e Caleb sequer falava... Apesar de estar cansado, tinha que me dedicar a fazer tudo por eles. Quando Carina não dava as caras nos dias de trabalho eu tinha que recorrer a minha mãe e essa era a minha salvação. Brigamos muito e um dia a mandei embora... Os pais dela não a aceitaram de volta, por isso implorou meu perdão e disse que iria mudar. Era a mãe dos meus filhos... Não tinha como falar não! Clara e Caleb eram pequenos demais e precisavam da mãe! Carina tentou se redimir comigo de todas as maneiras e em meio a isso veio à nova gravidez. Confesso que cheguei a cogitar que o bebê não fosse meu, mas tudo durou até o nascimento do bebê. Mallory é a criança que mais se parece comigo.

— Realmente.

— Carina começou a ver na nova criança uma chance para nosso relacionamento e até colocou o nome que eu tinha escolhido no bebê. Mallory era a favorita de Carina, ela sempre deixou isso bem claro. Clara e Caleb agora eram o segundo plano. Sua indiferença com os mais velhos me fazia muito mal. Como sempre o tempo passou e a rotina se estabeleceu... Carina voltou a se entediar e tudo foi ainda pior! Ela se viciou em álcool e agora estava incontrolável.

— Meu Deus... — Toquei a mão dele carinhosamente, buscando confortá-lo — Sinto muito.

— Larguei de mão meu relacionamento e passei a me dedicar às crianças. Minha mãe sempre foi meu maior apoio e era ela quem me incentivava com a banda, que começou a nascer naquela época. Clarinha tomava mamadeira sentada nas caixas de som da banda nos ensaios, Caleb dançava e Mallory dormia em meu colo enquanto eu cantava. Isso se estendeu por quase um ano e descobri, nesse meio tempo, que Carina estava usando drogas. Ela teve uma overdose e com a ajuda de meus pais a levei até uma clinica de reabilitação. Confesso que sentia pena dela e ainda acreditava em nossa família. Ainda tinha esperanças de que pudesse mudar e ser a mãe que meus filhos precisavam e mereciam.

— Te entendo, Arthur.

— Em uma das visitas que fiz a ela na clínica veio à quarta gravidez. Foi um verdadeiro caos vê-la internada e grávida! Ela usou drogas e tomou remédios fortes... E se acontecesse algo com a criança? Carina gestou as gêmeas em casa, conseguiu sair da clinica. Eram gêmeas idênticas...

Notei a tristeza no tom de voz de Arthur ao mencionar "as gêmeas". Sua dor me tocou profundamente o coração.

— As meninas nasceram prematuras após uma gestação conturbada. Laura morreu oito horas depois do nascimento em minha frente, na incubadora — Os olhos de Arthur pareciam um espelho que nada refletia — Foi a pior situação de toda minha vida. Ver minha filha morrer sem poder fazer nada, sem poder... — Tomou fôlego e conteve as lágrimas — Ela levou parte de mim com ela e reviver esse fato é como abrir uma ferida que nunca vai cicatrizar. Nunca.

— Lara sabe disso? Que ela tinha... Uma irmã gêmea?

— Não. As crianças também não sabem. Meus pais e eu preferimos não contar — Demorou um pouco para voltar a falar — Carina teve depressão pós-parto e tudo piorou. Passou a agredir as crianças e quando descobri, mandei todos para a casa de minha mãe. Lara ficou lá todo o primeiro ano de vida, nunca foi cuidada pela mãe. Como ela se recusava a sair de nossa casa, fui eu quem foi viver com meus pais e as crianças. Mallory sentia falta dela, mas Clara e Caleb sentiam medo. Um tempo depois sentei com Carina para conversar e ela chorou muito dizendo que não queria ter sido tão indiferente com a morte de Laura. Disse que desejava ser melhor para as crianças, mas não se sentia mãe deles. Deixou claro que apenas aceitou ter os bebês por mim... Para que eu os criasse. Fez-me sentir imensamente culpado por sua vida ser o caos que era.

— Não Arthur, você não é culpado por amar seus filhos e tê-los protegido! — Aproximei-me e o abracei de lado. Seu olhar era desolado — Fez o que era certo e responsável.

— Comovido, ainda tentei ajudá-la. Fui pego de surpresa quando acordei em uma manhã ao lado dela no quarto. Bebi muito com a banda em um final de semana em que as crianças estavam com minha mãe e acabou acontecendo... Sophia aconteceu. Carina tentou abortá-la três vezes e apenas parou com as tentativas porque o médico disse que ela morreria caso tentasse novamente. Teve uma hemorragia terrível, mas o bebê sobreviveu milagrosamente. Sophia nasceu e no dia em que teve alta do hospital Carina deixou a menina em casa e foi embora. Pariu e se foi sem ao menos olhar para trás e pensar que cinco vidas dependiam dela... Pensou sequer na recém-nascida. Era como se sentisse raiva e nojo de Sophia. Antes de ir, claro, disse coisas horríveis para Clara.

— O que ela disse?

Arthur não me encarava e pude ver a dor estampada em seus olhos esverdeados. O que realmente doía era a rejeição dos filhos, pude sentir de imediato. Sua mão direita apertava a esquerda em movimentos para conter a ansiedade.

— Disse que preferia que nenhum deles tivesse nascido e... Que todos nós acabamos com a vida dela — Engoli em seco diante de tamanha barbaridade — Depois saiu e se foi, sem mais nem menos. Nunca mais ouvi ninguém falar sobre ela. Foi como se tivesse morrido para nós.

— Arthur... — Toquei sua mão carinhosamente, tentando fazer com que parasse com aquele olhar doloroso — Não foi sua culpa!

— Éramos duas crianças quando a engravidei... — Me olhava nos olhos nitidamente tocado — Aos quinze anos não se tem tanta convicção de nada. O quanto sua vida mudou desde então?

— Muito! Nessa idade eu era uma completa idiota! — Rimos juntos.

— Me sinto sim culpado por ter pedido que Carina tivesse Clara. Ela não queria, mas acabou cedendo porque minha mãe insistiu. Eu não me arrependi, mas ela se arrependeu. Não imagino minha vida sem Clara... — Sorriu de canto, emocionado — Mas Carina desejou todos os minutos de sua vida nunca ter tido filhos. Nunca ter ficado ao meu lado.

— Mas ela também poderia ter feito às coisas com mais consciência — Afirmei sentindo pena dele. Em seus olhos verdes lágrimas se formavam — Poderia ter agido como mãe, mesmo que não quisesse. A questão não é se você está certo ou errado... Carina realmente deveria ter sido ouvida na época, mas isso não muda o fato de que existem cinco crianças que não tem nenhuma culpa nisso tudo. Você foi o único que pensou nisso...

— Eu e ela não sabíamos o que fazer. Nenhum de nós sabia o que significava de fato um filho... Não tinha como saber se queríamos aquilo ou não. Simplesmente deixamos acontecer — Concordei.

— Exato... Você não tem culpa, Arthur — Beijei seu ombro carinhosamente, deitando-me ali. Arthur segurou minha mão — Agora entendo porque Clara disse que se sente culpada.

— Clara acredita que foi culpa dela tudo isso — Sorriu sem humor — Pobre de minha filha... Ela é, talvez, a maior vitima de toda a história! Caleb também... As mais novas quase não conviveram com Carina. Quem realmente viu e ouviu cada barbaridade foi Clara. Por isso ela teme te aceitar... Teme que você falhe conosco como a mãe dela falhou. Teme que você vá embora depois de conquistar seu coração.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, apenas observando-o. Ergui-me e parei frente a ele, abraçando-o pelo pescoço junto a meus seios. Arthur se deitou ali, ainda emocionado pelas lembranças fortes que teve de reviver.

— Agora sei quem realmente é o coração de pedra de toda a história... Carina — Não pude conter o tom de voz triste e as lágrimas que se formavam em meus olhos — Não imagino alguém incapaz de se encantar por seus filhos, Arthur.

— Também te achei durona quando nos conhecemos... Agora vejo que estava enganado. Seu coração não pode ser de pedra... Jamais seria. Um coração de pedra não seria capaz de se encher de crianças e ainda levar o pai de brinde! — Gargalhamos juntos.

Abracei Arthur ainda mais contra mim, beijando seu cabelo cheiroso e alourado.

— Eles podem não ser meus filhos, Arthur, mas jamais os abandonaria como Carina fez. Jamais seria capaz e posso jurar que em meu coração vejo cada um deles como meus próprios filhos. Já é parte de mim... Faria qualquer coisa por eles. Qualquer coisa! — Acariciei o rosto de Arthur quando me olhou apaixonado.

— Você é a melhor coisa que aconteceu em minha vida, Milena. Quando pensei que o amor estava acabado para mim, a vida me trouxe a felicidade! — Abaixei-me para beijá-lo nos lábios com carinho.

— Adoro você, Arthur. De verdade.


Passei o domingo com minha avó. Talvez domingo fosse o único dia em que realmente me dedicava a ela, que não se mostrava nem um pouco ciumenta com os Novateli.

— Já estou velha, querida — Abraçada a mim no sofá, dona Damiana dizia de maneira emocionada — Muito em breve minha vida se cumprirá e ficarei feliz em deixá-la com um bom homem e uma boa família.

Pela primeira vez não contestei, apenas lhe beijei o rosto de maneira grata. Ela sempre teve razão... Arthur era meu destino.

Na segunda retornei ao trabalho e logo cedo encontrei a mesa dos Novateli quase completa, faltando apenas Arthur e a primogênita. Era o primeiro dia de aula de Lara, que agora começaria na pré-escola após o recesso escolar.

— Bom dia! — Sorri entrando na sala de jantar.

— Bom dia Milena! — Responderam juntos. Sophia comia sozinha em sua cadeirinha algumas panquecas de banana e tomava suco. Fui até ela e a beijei no rosto, animando-a.

Todos usavam uniformes e pareciam limpos para a escola. Deixei tudo pronto na noite de sábado, apenas para ser vestido na segunda pela manhã.

— Hoje acontece a volta as aulas dos meus anjinhos! — Passei a limpar as bochechas de Sophia, sujas de calda — Estão ansiosos?

— Lara está toda empolgada! — Mallory disse de boca cheia.

— Nunca fui para escola antes... — Lara me olhou com os olhos azuis brilhando – Será que vão gostar de mim?

— Como não gostar de você, Lara? É uma menina encantadora! — Fui até ela e a beijei, abraçando-a por trás na cadeira.

— Quem é encantadora? — Senti a mão de Arthur tocar minha cintura quando ainda estava abraçada a Lara. Coloquei-me de pé um pouco nervosa, sorrindo para ele enquanto ajeitava o cabelo atrás de olhar e esticava um pouco mais minha blusinha branca — Bom dia Milena.

Sua voz era carregada de alegria e segundas intenções. Os olhos me analisavam dos pés a cabeça e corei ao notar como parecia satisfeito. Minha roupa era simples. Blusinha, casaquinho vermelho e calça jeans. Para um dia com crianças, não poderia usar nada muito elaborado. Sempre me vestia de maneira confortável.

— Bom dia Arthur — Respondi com um aceno.

— Sente-se conosco — Puxou a cadeira ao lado de Lara para mim. Sentei-me sem conseguir negar, acompanhando-o tomar seu lugar na ponta da mesa com o olhar — Milena não está linda hoje, crianças? — Comentou distraído, pegando a jarra de suco.

— Sim! Muito linda... — Caleb foi o primeiro a responder.

— Sempre está! — Lara completou — Como uma princesa!

As crianças respondiam animadas quando Clara apareceu carregando a mochila e sentou-se com cara de poucos amigos. Parecia ainda pior do que nos outros dias. A garota não falou nada, apenas sentou-se à mesa ao lado direito do pai e escondeu o rosto nos braços, a cabeça tombada e o cabelo loiro espalhado pelas costas. A boina azul marinho da escola descansava sobre eles.

Para surpresa de todos Clara sequer se incomodou em me ignorar.

— Clara... — Arthur também notou a diferença — Está tudo bem querida? — Estendeu a mão compreensivamente e afagou o braço de Clara. A menina ergueu um pouco o rosto e vimos seus olhos azuis apertados de dor.

— Estou com uma dor horrível — Disse entre dentes e com o olhar triste.

— Dor querida? — Arthur pareceu preocupado. Limpou a boca e se virou em direção à filha. Clara se ajeitou na cadeira com dificuldade.

— Na barriga, pai — Observei suas mãos sobre a barriga, um pouco abaixo do umbigo. Os outros comiam sem se importar muito com o dialogo de Arthur e Clara — Não sei o que é.

— Será que você não comeu muito ontem?

— Acho que sim... Talvez — Arthur encarou em busca de ajuda — Dor chata! Nunca senti isso na vida...

— Clarinha nunca reclamou de dor... — Disse para mim — Quer ficar em casa? Milena te leva para o hospital e vocês... — Clara o interrompeu.

— Não quero faltar no primeiro dia de aula, pai! Agora estou no sexto ano! E nem dói tanto assim... Garanto que já vai passar.

Peguei em minha bolsa, que estava pendurada na cadeira de Lara, um remédio para cólica. Puxei um copo e coloquei a quantidade de gotas para o peso dela.

— Tome — Estiquei o copo para ela, que apenas me encarou — Vai passar rapidinho.

Arthur me olhou em questionamento, mas apenas dei uma piscadinha em sua direção. Clara pegou o copo e bebeu o remédio na velocidade da luz, desesperada para que a dor passasse. Eu conhecia bem aquele desconforto. Toda mulher conhece, afinal.

Terminamos o café e eles já se aprontavam para sair.

— Melhorou? — Perguntei a Clara, que estava ao lado de Mallory esperando para entrar no carro.

— Sim, obrigado — Respondeu ajeitando a mochila nas costas.

— Vou deixá-los no colégio e volto no começo da noite, Milena. Tenho reunião com o pessoal da gravadora e... — Notou que me dava satisfação na frente das crianças e se deteve. Aproximou-se como se fosse me beijar, mas se esticou e beijou a testa de Sophia, que estava em meus braços — Tchau meu amor — Soou tanto para mim quanto para Sophia. Ela sorriu.

— Tchau papai.

— Boa sorte crianças! Boa sorte Larinha! — Acenávamos para o carro que se afastava, levando com ele minhas crianças para seu primeiro dia de aula. Beijei o rostinho de Sophia — Novamente estamos só eu e você nesse casarão, Sophia Aurora.

Até o próximo imprevisto acontecer... E algo me dizia que seria com Clara. Finalmente a primogênita dos Novateli não poderia escapar de pedir minha ajuda!


CAPÍTULO DEZESSEIS

 

 

Sophia era muito mais calma quando estava sozinha e isso me possibilitava pensar mais sobre tudo enquanto a caçula brincava com seus blocos coloridos.

Naquela manhã em especial era impossível não pensar nas crianças. Será que Lara estava bem em seu primeiro dia? Caleb tinha se encontrado com os garotos que batiam nele? Mallory estava mais feliz por saber ler? A dor de Clarinha tinha voltado?

Sim, eu me importava com ela. Mesmo que Clara me tratasse com desprezo ainda fazia parte de meu coração tanto quanto Lara, Sophia, Caleb e Mallory. Eu a compreendia, ainda mais depois de ouvir toda a história narrada por Arthur. Era simples entender a dor de uma garota que nasceu em uma circunstância ruim e foi recebida em meio ao caos.

Clara acreditava significar um casamento forçado e um fardo para uma mulher — sua própria mãe. Acreditava significar o abandono.

— Milena? — Maria abriu a porta do quarto de Sophia — Ligaram da escola de Clara e pediram para buscá-la. Parece que está com problemas.

Telefone – me estendeu o telefone, e como sempre, pensei ser a minha avó que sempre que não conseguia me ligar no celular me ligava na casa dos Novateli.

— Clara? Ela está me chamando?

— Sim... Clara — Maria também parecia surpresa — Você vai?

— Claro. Estou indo.

Dirigi até o colégio pensando se tratar de uma brincadeira de mau gosto, mas precisava pagar para ver. Se realmente fosse, Clara me escutaria! Porque não chamou Arthur? Para socorrer as crianças ele nem pensava duas vezes!

Cheguei ao colégio de Clara com Sophia pendurada na cintura e a curiosidade estampada na face. Perguntei por Clara na secretaria, assinei a liberação e fui até onde a menina estava me esperando.

Caminhei com Sophia até um dos bancos na parte de fora do colégio, local onde Clara me esperava ao lado de uma inspetora com sua mochila. O cabelo loiro brilhava no sol do meio-dia amarrado em um coque e a jaqueta da escola, curiosamente, estava amarrada em sua cintura. A face sempre arrogante encontrava-se distorcida em uma expressão amedrontada, confusa, nervosa... Apreensiva!

Ao me avistar ficou sem palavras me encarando, os lábios meio abertos sem emitir qualquer som.

— O que aconteceu agora Clara? — Perguntei parada a sua frente com Sophia nos braços — Não me diga que é uma brincadeira boba? — A garota não disse nada, ainda seguia estática e pálida — Clara? — Me sentei ao lado dela no banco, agora preocupada — Te fizeram algo? Você está bem, garota?

— Eu... — Não conseguia falar e me olhava assustada — Estou sangrando — Sussurrou a última parte apontando para baixo.

— Sangrando? — Questionei também baixinho — Onde?

— Quer mesmo que eu diga? — Falou ainda aos sussurros, olhando em volta para ver se ninguém prestava atenção em nós.

Respirei um pouco aliviada, sabendo o que tudo aquilo significava. Realmente era um momento que marcava para sempre, principalmente na vida de garotas como eu e Clara, que não tínhamos mãe.

— Quantos anos você tem mesmo?

— Doze — Respondeu me olhando como se eu fosse capaz de encontrar todas as respostas — Fui ao banheiro e tinha sangue! — Simplificou — Milena... Me ajuda! Você não vai falar nada? — Disse me olhando de canto e com a voz mais mansa — Sei que não gosta de mim... Sei que sempre fui contrária a você, mas já ouviu falar em solidariedade feminina?

— Já ouvi sim! — Sorri sem humor — Você pode ficar calma, Clara. Não está acontecendo nada fora do normal, garota. Aconteceu que você menstruou e eu já suspeitava... — Seus olhos se arregalaram como se tivesse ouvido uma sentença de morte — Teve cólica mais cedo e agora desceu. Você já tem doze anos... Nunca aconteceu antes?

— Não! Se tivesse acontecido eu não teria te ligado! — Ironizou ainda nervosa.

— Então meus parabéns... Você acaba de ficar mocinha — Imitei as apresentadoras de televisão quando anunciavam um prêmio. Clara parecia arrasada.

— Parabéns? Você só pode estar de brincadeira! — Clara estava estarrecida e muito baqueada. Parecia fora de órbita — Meu Deus, que vergonha!

— Clara — Me aproximei mais, tocando seu cabelo. Ela baixou o olhar, nitidamente triste — Acontece com todas as mulheres do mundo! No inicio parece ser um martírio estar ligada a algo tão desconfortável por anos, mas você acostuma. Calma. Toda garota da sua idade passa pelo mesmo, Clara.

Clara ergueu o rosto com os olhos molhados e me olhou nos olhos. Talvez pela primeira vez.

— Não sei o que fazer! Me ajude! Por favor. Sei que não mereço sua ajuda, mas não tenho mais ninguém para recorrer! Tenho vergonha de ligar para minha avó e mais ainda para o meu pai!

— Eu nunca disse que você não merece minha ajuda — Fiquei de pé com Sophia — Vamos para casa resolver isso.

Constrangida, Clara ficou de pé e pegou sua mochila.

— Minha saia manchou completamente! — Sussurrou — Por isso amarrei esse casaco.

— O velho truque do casaco... — Sorri para ela quando chegamos ao carro — Deixa só o Arthur saber que a filha dele ficou mocinha...

— Você não vai contar para ele, vai? — Virou-se um pouco surpresa — Não faz isso!

— Não é nada de novo para ninguém. Somente para você, é claro... Mas é muito normal — Comecei a dirigir após acomodar Sophia em sua cadeirinha — Mas respeito sua vontade. Se não quer que eu conte agora, espero você contar — Clara se manteve em silêncio durante o trajeto no carro, pensando com expressão consternada. Estacionei em uma farmácia e a levei até a prateleira dos absorventes — Seus novos amigos! — Apontei para a prateleira — Escolhe! Recomendo esse, é o melhor...

Clara encontrava-se completamente perdida em frente aos absorventes, olhando todos com desolação. Colocou na cestinha rapidamente os que sugeri, seguindo para o caixa ao meu lado completamente deslocada. Uma vez em casa, Clara saiu de minha vista por alguns instantes e depois voltou segurando o absorvendo.

— Você pode me mostrar como faz para usar isso? — Seu rosto estava corado.

— Tem as instruções básicas na embalagem — Me aproximei e mostrei a ela, que leu atentamente — Basicamente você cola na calcinha.

— Só isso? — Concordei. Clara estava imensamente envergonhada comigo, mas não pela menstruação. Encontrava-se deslocada por não acreditar que um dia precisaria realmente recorrer a mim para algo — Quanto devo trocar?

— Em duas ou três horas, depende — Assentiu.

— Vai durar muito tempo?

— De três a cinco dias — Resumi sem querer assustá-la.

Clara leu novamente as instruções e se afastou, subindo as escadas. Era como se eu pudesse ver a confusão em sua mente. Suspirei vendo-a sumir no corredor, aflita por sua situação. Crescer sempre foi complicado.

A garota demorou bastante para descer e voltou com uma roupa diferente, o cabelo úmido e um pouco mais tranquila.

— Está viva? — Questionei almoçando no sofá enquanto Sophia brincava no chão da sala.

— Não sei por quanto tempo — Me surpreendi ao ver que estava com o prato de comida nas mãos e sentou-se ao meu lado para almoçarmos juntas.

— Eu entendo. Na primeira vez que isso aconteceu comigo também fiquei bem confusa. Mas você acostuma, Clara. Vida de garota, querida — Ela concordou.

Comemos em silêncio, mas notei que Clara buscava uma brecha para dizer algo.

— Milena... Obrigado por... Por ter ido me buscar. E por ter me explicado as coisas — Me encarou após um tempo. Parei de comer e a observei — Estava muito perdida... Geralmente as meninas compartilham esse momento com a mãe, mas você sabe que não tenho uma. O papai... Nossa! Nem imagino o que me diria! Pensa!

— Com certeza Arthur ia gaguejar bastante — Nós rimos juntas.

— Sim, é verdade. Por isso pensei em você. Não sabia se ia me ajudar... Obrigado por isso.

Clara baixou os olhos para o prato e prosseguiu comendo em silêncio, dividindo parte de sua comida com Sophia, que pediu algumas colheradas. Observando-as, lembrei-me de toda narrativa que ouvi de Arthur.

Sophia, apesar de ter sido abandonada ao nascer pela mãe, não tinha as terríveis lembranças de Clara e trazia no olhar uma pureza que da primogênita já havia sido tirada. Clara não acreditava mais em casamentos perfeitos, em contos de fadas e coisas do tipo... A vida já havia agredindo-a o suficiente para que cogitasse se casar um dia. Eu conhecia bem aquele sentimento... Há pouco também o carregava.

— Clara... Um dia também precisei da ajuda que te dei hoje — Comentei sem encará-la, olhando também para o meu prato e comendo — Um dia me vi perdida no banheiro esperando uma explicação cair do céu. Uma coisa que eu já sabia que ia acontecer, mas me senti na escuridão quando ocorreu...

— Foi exatamente como me senti — Sussurrou também sem me olhar — Não vou deixar que isso aconteça com minhas irmãs. Vou conversar com elas quando chegar a hora.

— Suas irmãs tem sorte por terem você, Clara — Sorri em sua direção, finalmente nós duas nos encarávamos. As bochechas de Clara enrubesceram. A timidez em seu olhar era reflexo da maneira como me tratou anteriormente — Apesar de tentar parecer cruel, você é uma ótima menina. Mocinha, me desculpe! — Retifiquei e ela sorriu.

— Você também... Eu... — Suspirou como se finalmente se rendesse — Me desculpe por ter me comportado tão mal, Milena. Você não é uma oportunista nem uma aproveitadora... Não quer simplesmente seduzir o meu pai. Desculpe-me.

— Está tudo bem — Pisquei para ela quando me coloquei de pé e comecei a ir em direção à cozinha — Você não precisa se desculpar.

A tarde chegou e fui buscar o restante da turminha Novateli.

Mallory havia lido um texto para toda classe e estava muito orgulhosa do feito inédito. Todos apreciaram sua nova habilidade. Lara, social que era, fez amigos e amou a professora. Caleb... Não disse uma palavra! Trancou-se no quarto ao chegar e aquilo novamente me acendeu o alerta.

— Vai embora hoje? — Clara perguntou parada na porta de meu quarto, vendo-me colocar algumas roupas em minha bolsa. Olhei-a por cima do ombro, surpresa pela pergunta.

— Ainda não sei — Dei de ombros — Preciso ter uma conversa com o seu pai sobre Caleb — Segui arrumando minhas coisas — Depois acho que vou para casa sim.

— O olho dele está roxo de novo, não é? — Virei-me para ela após ouvir a frase — Acho que os garotos voltaram a bater nele.

— Você sabia disso? — Meu tom de voz soou transtornado e Clara não moveu sequer um músculo — Porque não contou para seu pai? Isso é muito sério, Clara!

— Caleb me fez prometer que não diria nada! Acreditava que se papai se metesse seria ainda pior a perseguição com ele. Achava que poderia resolver isso sozinho... — A raiva me tomava enquanto ouvia Clara, que realmente parecia agoniada — Somente agora Caleb se deu conta de que isso nunca vai parar se não colocar um definitivo ponto final. Não me olha assim! Eu não podia trair a confiança do meu irmão! Caleb é a pessoa que mais me entende e mais prezo em minha vida!

— Exatamente por isso você deveria ter feito alguma coisa! — Esbravejei aos sussurros, com medo de sermos ouvidas. Clara cruzou os braços com expressão derrotada e muito triste — Tudo bem, entendo seu lado... Mas preciso fazer algo! Não posso deixar passar em branco!

— Você precisa contar para o meu pai — Sentei-me em minha cama e ela sentou ao meu lado, nós duas pensando juntas — Os garotos são muito mais velhos que Caleb e mais fortes. São invejosos, isso sim! Tem inveja por Caleb ser educado, bonito e filho de um famoso. Todas as meninas desejam a atenção do meu irmão.

— Filho de peixe, peixinho é... — Respondi no automático, ganhando um olhar desconfiado de Clara — Quero dizer... Vou falar com seu pai hoje mesmo! Mas não comente nada com Caleb ainda, está bem?

— Não falo nada! — Fez como se passasse um zíper na boca e se levantou — É... — Parou na porta antes de sair — Ao menos posso te ligar ou mandar mensagem caso algum imprevisto sobre aquilo aconteça? — Apontou para baixo, indicando a menstruação.

— Tudo bem Clara! Vou ficar essa noite! — Respondi como se me rendesse. Clara sorriu aliviada.

— Será que você pode... Sabe... — Ajeitou o cabelo atrás da orelha de maneira constrangida — Já que vai conversar com o papai... Pode contar a ele sobre o que aconteceu hoje?

— Porque mudou de ideia?

— Porque ele vai saber de qualquer jeito. Papai odeia ser o último a saber das coisas — Revirou os olhos.

— Você está ciente de que me deve um favor agora, não é? — Apontei para ela, que concordou — Vou cobrar, garota!

— Beleza, peça o que quiser! — Garantiu animada.

As crianças aprontaram no andar de baixo e Clara e eu descemos no mesmo momento para acudi-las. Terminei à tarde fazendo um curativo pequeno na perna de Sophia, que tinha ralado o joelho, enquanto os demais tomavam banho. Arthur chegou no mesmo momento em que eu terminava.

— Milena... — Comentou chegando por trás de mim e me tocando na cintura. Senti um beijo em meu pescoço e retesei-me com seu toque. Virei-me assustada, mas com o estômago repleto de borboletas — Tudo bem?

— Arthur! — Repreendi baixinho — Para com isso! As crianças... — Sem pensar em nada, Arthur me puxou em sua direção e me calou com um beijo nos lábios. Abracei-o em meio ao ato, sentindo imensa felicidade em tê-lo de volta e por perto.

Eu faria o que fosse possível para ajudá-lo e vê-lo feliz.

— Estou com tanta saudade... — Disse com a voz triste. Revirei os olhos e cheguei perto novamente, beijando-o. Uma e outra vez... Quando me afastei Sophia estava nos encarando sentada em uma cadeira na cozinha, local onde a deixei com o curativo.

— Mamãe, Papai! — Esticou os braços pedindo colo. Arthur foi quem a tomou nos braços, beijando-a no rosto angelical.

— Arthur... Nós dois precisamos conversar — Cruzei os braços para que compreendesse que se tratava de algo sério.

— Sobre o trabalho ou sobre... — O interrompi.

— Sobre seus filhos — Aclarei imediatamente — Os mais velhos.

— Clara e Caleb? — Concordei e ele pareceu cansado — O que houve agora? Brigaram?

— Não brigaram. É melhor falarmos sobre isso em outro lugar — Arthur aceitou minha proposta imediatamente.

Maria servia o jantar para as crianças e Sophia era alimentada por Gabi em sua cadeirinha, todos na mesa de jantar. Fui com Arthur até a beira da piscina, um local mais afastado e calmo, e nos sentamos frente a frente nas espreguiçadeiras.

Os olhos verdes brilhavam a luz da lua e me lembrei do dia em que tomamos banho na piscina juntos. Aproximamos até o ponto de nossos joelhos se tocaram e nossas mãos poderem se roçar. Ele estava lindo como sempre foi... Hipnotizando-me com sua beleza.

— Pode começar, Milena. Seja o que for... Estou pronto! — Sorri achando graça de sua tranquilidade.

— Creio que essa conversa te surpreenderá, Arthur. Seus filhos mais velhos já não são tão crianças... Clara está a um passo da adolescência e Caleb é um pré-adolescente encarando a pressão de ser o único filho homem de Arthur Novateli — Proferi o nome dele como se me referisse a um rei e Arthur sorriu de lado — Não deve ser fácil.

— Sei disso... Sei que Clara e Caleb já não são mais dois bebês. É difícil aceitar, mas você tem razão.

Segurei as mãos de Arthur em uma obvia tentativa de confortá-lo. Não seria fácil para Arthur ouvir tudo o que eu tinha para dizer.


— A primeira coisa que temos que falar é sobre Caleb — Milena era sempre quente e suas mãos estavam frias enquanto seguravam as minhas. Não parecia um bom sinal — Antes do recesso escolar reparei que ele tinha hematomas na pele e machucados no corpo. Como sei que em casa não sofre nenhum tipo de agressão física, obviamente liguei o fato ao colégio.

— Colégio? — Aproximei-me mais de Milena — Está me dizendo que Caleb apanha no colégio? Foi agredido?

— Vem sendo agredido, Arthur. Não foi um fato isolado, é algo que se repete. Clara me confirmou e tive a certeza durante o recesso. Caleb passou as férias inteira sem um só hematoma e hoje voltou do colégio machucado...

— Mas porque nunca fiquei sabendo de nada?

— Quis primeiro ter certeza para te contar. Agora que Clara me contou, senti a segurança de não estar fazendo uma falsa acusação. Você precisa tomar alguma atitude em relação a isso.

— Mas é claro que vou tomar! — Tentei me levantar, mas Milena me puxou pelo braço. O fiz mesmo assim e ela se levantou junto — Meu filho está passando por algo tão terrível e tenho que esperar? Não! Agora mesmo vou...

— Espera Arthur! O colégio está fechado agora! Amanhã você resolve isso, calma! — Ainda tinha o rosto pálido — Tenho outra coisa para dizer...

A raiva me tomava e era complicado ficar parado.

— Milena... Como permiti que isso acontecesse? — Esbravejei — Como...

— A culpa não é sua! Os garotos não gostam de outros garotos que chamem a atenção demais — Explicou nervosa — Caleb é educado, bonito e simpático... Chama a atenção das meninas e isso com certeza deixa os outros nervosos — Milena segurou novamente minhas mãos, tentando apaziguar a ira em meu olhar — Você vai resolver isso, Arthur. Sei que vai! Fique calmo!

— Estão batendo no meu filho e você diz para eu ficar calmo? — Não queria ser rude, mas era mais forte do que eu — Nunca relei a mão em nenhum deles, principalmente em Caleb! Não admito alguém capaz de fazer isso! Prometi a mim mesmo que ninguém voltaria a machucá-los com a mãe deles fez!

— Tem razão, tem toda razão! — Segurou meu rosto com as mãos trêmulas — Mas ficar assim não vai mudar nada agora! Você precisa esfriar a cabeça, ir até a escola e resolver isso com a direção. Podemos mudá-lo de colégio, se for o caso — O modo como Milena se colocava na situação me fazia sentir amparado, como se não estivesse sozinho diante daquele caos que se formava aos meus olhos — Amanhã faremos o melhor para Caleb. Vamos protegê-lo!

— Você está certa — Falei respirando fundo e toquei-a na cintura, aproximando-me para beijá-la no cabelo — Desculpe pela reação exagerada.

— Está tudo bem... Agora se sente — Empurrou-me pelos ombros de volta na espreguiçadeira e o fiz — Você precisa estar sentado para o que vou contar agora.

— O que pode ser pior que isso, Milena? — Sussurrei amedrontado.

— Clara — Respondeu sentando-se a minha frente. Revirei os olhos apenas esperando a nova. Sempre que o assunto era Clara as coisas não terminavam bem.

— Em quem ela bateu agora? Brigou com você? — Questionei entediado.

— Não, ela não fez nada — Milena tomou fôlego e parecia um pouco perdida — Bem... Ela...

— O que? — Milena tocou a barriga e meus olhos saltaram no rosto — O que ela tem, Milena? Está doente?

— Não! — Sorriu achando graça de minha curiosidade — Sua filha ficou mocinha!

Desta vez eu não quis me levantar. Ergui os olhos vagarosamente para Milena, que aguardava minha reação um pouco apreensiva. Estreitei o olhar.

— Quando você diz mocinha...

— Quero dizer que ela menstruou — Ressaltou, explicando-me calmamente — Ah! Não finja que não sabe o que isso quer dizer... — Cruzou os braços diante do peito me olhando desconfiada.

— Clara é só uma criança, Milena! Como pode ter ficado... — Paralisei, em seguida passando a mão pelo cabelo — Só tem doze anos!

— Clara não é mais tão criança, eu já disse! — Milena segurava minha mão novamente, desta vez descontraída e animada com minha reação — E você não pode se comportar como se ela fosse. Agora terá que ver sua filha como uma menina que se descobrirá mulher em breve.

— O que? Minha filha sendo mulher? Jamais! — Milena riu alto, fazendo-se sorrir — Milena, por quê? Porque isso tem que acontecer? Porque eles crescem? — Cobri o rosto com as mãos — Minha garotinha... O próximo passo o que é? Um marmanjo na minha porta?

— Provavelmente! — Milena se levantou e sentou ao meu lado, abraçando-me pelo ombro — Arthur... É normal crescer. Nascemos, crescemos e morremos. Clara cresceu, Arthur!

Era demasiadamente estranho associar Clara a palavra mocinha. Ela era o meu primeiro bebê! Minha primeira filha!

— Não gosto da lei da vida. Não quando minha filha precisa menstruar e, daqui um tempo, ter um namorado e me deixar — Não pude evitar o tom melancólico. Milena ainda achava graça e beijou meu rosto — Milena — Tenso, vire-me em sua direção — Preciso ter uma conversa com ela, não é? Uma conversa sobre o mundo... Sobre o que houve... Garotos... Não sei! O que digo a ela? O que eu faço?

— Fique calmo, Arthur, eu... — A interrompi pensando alto.

— Passei todos os dias de minha vida pensando sobre esse momento. Pensando sobre como falar com Clara sobre isso quando acontecesse... Tentando achar uma maneira simples e eficaz, mas nunca consegui.

— Pode ficar tranquilo que já conversei sobre como proceder em relação à menstruação. Levei para comprar absorvente, falei sobre o remédio de cólica e como usar os novos itens que farão parte de sua vida — Eu a encarava sem compreender nada do que dizia — Você não precisa dizer nada. Clara sabe que é um momento difícil para você. Seria uma conversa praticamente inviável...

O acalento tomou conta de meu coração. Esqueci-me, por um minuto, que não estava sozinho. Milena estava ali. Abracei-a profundamente, carinhosamente, transferindo a ela todo o alivio que senti por suas palavras e ações.

— O que eu faria sem você? — Sussurrei ao ouvido dela, que acariciava meu cabelo na nuca enquanto deitava o rosto em meu peito — Só de pensar que ainda tem Mallory, Lara e Sophia na lista... Acho que vou falar com Clara — Nos separamos do abraço — Preciso dizer alguma coisa, por mais idiota que seja.

— O que vai dizer?

— Que tal parabéns? É isso o que dizem? — Questionei confuso.

— Se você disser isso ela vai te odiar. Com certeza! — Sorri um pouco com sua sinceridade. Milena beijou meu rosto.

— Minha garotinha... — Sussurrei pensativo.

— Mocinha! — Corrigiu.

— Para! — Milena sorriu mais uma vez, se abaixando para me abraçar com um beijo rápido.


CAPÍTULO DEZESSETE

 

 

Arthur tirou um tempo para um banho, mas eu sabia que precisava pensar.

Não estava sendo fácil lidar com os problemas de Caleb depois da infecção de Lara que lhe pregou imenso susto. Informações demais lhe rondavam a mente, deixando claro o quanto precisava de mim agora.

Era uma noite muito quente de verão, por isso permiti que Mallory e Caleb entrassem na piscina aquecida se divertissem um pouco. Larinha rondava a área da piscina de pijama sabendo que não poderia se divertir também, uma vez que ainda estava sob observação médica e tinha algumas restrições. Sophia brincava comigo em uma das espreguiçadeiras da área de lazer.

— Milena, meu pai disse que posso nadar também! — Lara apareceu com um maiô rosa e Arthur vinha atrás dela.

— Quer ajuda, querida? — Questionei vendo-a sentar na beira de piscina, que era rasa e adaptada para as crianças, antes de pular — Já foi...

Arthur sentou-se ao meu lado nas espreguiçadeiras usando bermuda, chinelo e camisa sem mangas. O cabelo pingava nos ombros fortes e não pude evitar deslizar o olhar por seu peito definido. O cheiro que exalava dele era másculo e agradável, tão atraente aos sentidos que sequer pude evitar esticar uma das mãos e tocar a dele.

— Você jantou?

— Não... Estou sem fome — Seus olhos verdes encontraram Sophia, que agora estava deitada sobre mim com o rosto próximo do meu e as mãos em minhas bochechas.

— O que foi bonequinha?

— Te amo — Repetiu a frase que Lara me falava o dia todo e sorri apertando-a pela cintura levemente.

— Também te amo muito — Beijei o nariz dela, que continuou deitada claramente sonolenta.

— Sophia nunca disse que me ama... — Arthur comentou em tom orgulhoso, encarando-me apaixonado — Você realmente é importante para ela, Milena. E para mim também.

Sentei-me, deitando Sophia em meu braço. A pequena estava cansada e já beirava a hora de ser colocada em seu berço.

— É por isso que sou importante para você? — Arthur ergueu os olhos para mim de maneira interessada — Porque sou importante para seus filhos?

— Não, Milena — Não hesitou em responder, aparentando cansaço — O que preciso fazer para que acredite que realmente estou... — Olhou para a piscina e se aproximou um pouco mais — Apaixonado por você de verdade? Não tem a ver com as crianças... Claro que isso importa, mas não é o principal. Você me atrai... Sempre me atraiu! Eu estou louco por você... — As últimas palavras foram ditas em agonia. Pude notar como Arthur me olhava, contendo-se para não me tocar. Afastei-me um pouco, pensando nas crianças — Se me deixar te provar o quanto te desejo, garanto que nunca mais vai ficar com essas dúvidas absurdas!

Corei com seu olhar que deslizou por meu corpo, deixando claro o que queria dizer.

— Boa noite gente — Sequer notei que Clara estava se aproximando. Arthur, eu e Sophia dirigimos a atenção para ela, assim como os três dentro da piscina, quando a primogênita dos Novateli sentou-se ao meu lado.

Clara parecia livre. Parecia não carregar mais um pesado fardo em seus frágeis ombros. O cabelo loiro descia até a cintura cacheando nas pontas e, ao contrário de sempre, não havia nenhuma franja em seu rosto escondendo seus olhos azuis. Arthur e eu não deixamos de encará-la, esperando para saber se estava mesmo tudo bem.

— Boa noite filha — Arthur respondeu sem deixar de olhá-la de maneira surpresa — Você está bem?

— Estou perfeita papai — Assentiu com um sorriso — Porque não estaria?

— Você parece diferente — O olhar de Arthur para Clara era orgulhoso e retraído, como se estivesse vendo diante de seus olhos algo indo embora. Talvez pensasse na infância de sua filha mais velha que agora ficava para trás.

— Está vendo Milena? Papai reclama que fico sozinha o tempo todo e quando saio parece surpreso.

— Os últimos dias têm sido pesados para o seu pai, Clara. Tenha um pouco de paciência — Arthur olhava de mim para Clara com interesse, obviamente notando uma aproximação nada normal.

— O que foi que perdi? — Questionou cruzando os braços — Agora estão amiguinhas, é?

— Ai papai... — Clara suspirou e revirou os olhos — Já está sabendo sobre o Caleb? — Falou em tom baixo.

— Milena já fez o favor de me contar o que a senhorita deveria ter feito há muito tempo — Clara mordeu os lábios e cruzou os braços — Estou decepcionado...

— Eu não podia trair meu irmão...

— Enfim — Arthur suspirou e encarou-a novamente — Estou sabendo do que houve com você também.

Clara corou e me olhou de canto, buscando ajuda.

— Não te falei que ele ia pirar? — Concordei em silêncio e diante de meus olhos Arthur se colocou de pé em frente à Clara, pedindo-lhe um abraço — O que foi pai?

A garota ficou de pé e o abraçou pela cintura totalmente perdida. Realmente Arthur estava melancólico e emocionado ao abraçar Clara. A cena me fez sorrir pela fofura.

— Agora você é uma mocinha, filha, já não é mais o meu primeiro bebê. Está apenas alguns passos de se tornar uma grande mulher, como sempre imaginei que seria — Arthur segurou o rosto de Clara com as mãos grandes e lhe beijou a testa — Te amo.

Clara parecia desacreditada diante da postura do pai, sorrindo emocionada pela reação. O abraçou de volta com carinho, nitidamente contente.

— Obrigado pai... Também te amo e vou ser sempre seu primeiro bebê — Arthur sorriu e concordou.

— Somente me prometa que não vai se engraçar com qualquer garoto e ter um filho antes de se formar — Ainda abraçado com a filha, Arthur dizia — Me prometa que não vai fazer o mesmo que eu...

— Pai! — Clara afastou-se dele abruptamente — Está pensando o que sobre mim? Fala sério!

— Arthur, a menina tem cabeça... — Defendi apenas assistindo-os — Clara é muito inteligente e informada.

— Mas de qualquer maneira, mesmo que tenha sido precipitado ter um filho tão jovem, não me arrependo, querida — Segurou a mão de Clara — Não me arrependo nem por um só minuto ter escolhido tê-la comigo. Você e seus irmãos são minha razão de viver e toda minha alegria — Levou a outra mão ao coração.

— Pai... — Arthur não deixou que ela falasse.

— Se você é culpada de algo, meu amor — Tocou o queixo dela — É de ser uma menina maravilhosa e ser a responsável por me tornar pai. Graças a você essa família existe e eu te amo imensamente por isso, filha.

Clara tinha lágrimas silenciosas deslizando na face. Certamente Arthur nunca tinha dito tais coisas a ela, tornando o momento emocionante para qualquer um que os ouvisse. Controlei-me para não chorar também, vendo no rosto infantil de Clara o quanto aquilo significava.

— Obrigado pai... Eu te amo também! Muito! — O abraçou novamente e me olhou — O que foi que você deu a ele para deixá-lo tão emotivo?

Fiz um sinal de "sei lá" com os ombros e nós rimos.

Arthur acabou entrando na piscina com as crianças, Clara subiu e também fui colocar Sophia para dormir. Não pude deixar de me orgulhar pelos últimos momentos que vivi na casa dos Novateli... Era incrível saber que minha presença rendeu momentos tão especiais, principalmente na relação de Clara com a família.

Já era noite quando todos foram se deitar e encontrei Arthur sozinho na sala.

— Não vai dormir? — Questionei parada na porta da sala. Arthur somente bateu a mão no sofá, indicando-me que era para sentar ali com ele.

— Fique um pouco comigo... — Não hesitei em aceitar. Queria passar um tempo com ele, somente com ele, algo raro de acontecer entre nós. Antes que eu me sentasse, Arthur me puxou para seu colo e me deu um beijo nos lábios. Assustei-me, mas passei os braços ao redor do pescoço dele e o beijei com a mesma intensidade. Os beijos de Arthur eram os melhores que já recebi em toda a vida. Afastou-se para tomar ar e desferiu um beijo em meu ombro — Você aceita?

— O que? — Encostei a cabeça sobre a dele, que descansava em meu ombro.

— Ser minha... — Subia uma das mãos em minha cintura persuasivamente.

— Sua? Isso inclui o que exatamente?

— Namorada — Retificou e o puxei para um beijo mais longo, querendo também tê-lo para mim —Posso considerar um sim? — Sorriu contra meus lábios enquanto meus dedos percorriam seu cabelo.

— Arthur... — Sussurrei perto de seus lábios — Não sei se...

— Se não quiser um rótulo, tudo bem! Mas ainda assim continuará sendo minha porque é o que queremos... Não é? — Não pude evitar um sorriso maior que o anterior.

Novamente nos beijamos e me perdi em sensações. Ter os lábios macios contra os meus me preenchia com sentimentos quentes e envolventes, principalmente quando a respiração dele se entrelaçava na minha e o nosso coração palpitava em sintonia. As mãos de Arthur eram experientes e firmes enquanto percorriam minhas pernas, minha cintura e se alojavam na lateral de meus seios. Estremeci de imediato, sentindo a respiração falhar. Apertei mais o cabelo dele entre os dedos, retribuindo de certa forma e me movendo no colo dele brevemente. Arthur fez um barulho delicioso e foi como se meu corpo respondesse aquilo de imediato.

Senti seus dedos deslizarem sobre meu seio coberto e acariciar delicadamente... Apertei os olhos e gostei mais do que deveria. Deslizava os beijos por meu rosto, até o pescoço e perdi o foco ao me dar conta que os dedos dele brincavam com o cós do meu short, acariciando minha barriga levemente.

Meus dedos se apertaram em seu ombro. Queria dar um incentivo... E ao mesmo tempo achava que era cedo demais. Seus dedos penetraram levemente em meu short, mas não pela peça intima. Passearam demoradamente sobre a minha calcinha e corei ao me dar conta que meu corpo havia respondido arduamente a essa proximidade. Ofeguei quando seus dedos se esfregaram em minha calcinha e fechei as pernas. Arthur parou. Segurei em seu pulso e puxei sua mão delicadamente.

— Desculpe — Quase nem ouvi o som voz. Me deu um beijo rápido na testa — Acha que estou sendo precipitado? — Questionou próximo de meu ouvido.

— Não... — Respondi sem pensar — Quero dizer... Não pense que não quero.

— Quer me dizer alguma coisa... Estou certo? — Talvez Arthur tivesse notado o fato de eu estar tremendo.

Pensei por um instante, encarando os olhos verdes e me perguntando se deveria dizer tudo o que sentia. Se deveria confessar a Arthur que nunca tive intimidade com um homem. Aquilo me pareceu infantil demais, por isso me calei. Ele não era um dos garotos das festas que eu frequentava... Era um homem, de fato.

— Você sabe que nunca tive um namorado — Ressaltei e ele limpou algo em minha bochecha com ternura — Nunca tive... — O olhar de Arthur era curioso, mas muito compreensivo — Quero dizer... Toda mulher que encosta em você fica grávida e não quero isso neste momento de minha vida.

A brincadeira fez Arthur rir, puxando-me para um beijo rápido.

— Milena... — Toquei seus lábios para que se calasse. Aproximei-me roubando um beijo novamente. Puxei seu lábio entre os meus dentes e ele apertou minha coxa — Melhor eu ir dormir...

Afastei-me de Arthur e fiquei de pé, colocando o chinelo e me ajeitando. Ele fez o mesmo, puxando-me pela cintura por uma última vez em um beijo intenso.

— Agora acredita que realmente te desejo?

Nada respondi, pois ainda não tinha tal resposta.


— Você está o que?

A pergunta de Bernardo pairou no ar quando entramos no escritório da gravadora. Fechou a porta me observando sentar na cadeira em frente a grande mesa de madeira decorada com muitos prêmios e fotos nossas.

— Ela não quer rotular por enquanto, mas já me considero comprometido. Namorando — Rodei um anel prata em meus dedos — Por quê? Não era você quem mais me incentivava a encontrar uma nova mãe para minhas crianças?

Bernardo não parecia contente com a ideia. Sentou-se atrás da mesa com expressão consternada, pensando enquanto me encarava fixamente.

— Sim, era o que dizia... Mas agora, pensando no lado de nossos negócios, suas fãs podem não aprovar a ideia, principalmente quando descobrirem que a eleita não é nenhuma atriz famosa ou cantora, mas uma simples babá — O encarei sem esconder o incomodo — Pensei que seu esquema com essa garota maluca fosse apenas sexo, cara.

— Não a chame de garota maluca... Encrenqueira pode ser, mas maluca não! — Repreendi encostando-me a cadeira — E o que te fez pensar assim?

— E ainda pergunta? "Depois da Carina nunca mais vou me apaixonar" — Repetiu a frase imitando minha voz — "Nunca mais confio em mulher. Vou morrer solteiro." Te parece familiar? — Sorri um pouco, ainda olhando para o anel.

— Foi um momento de fragilidade, cara — Aclarei — A chuva passou e novamente pude ver o sol. As coisas mudaram.

— Tudo bem — Deu de ombros, um pouco mais calmo — Se você e suas pestinhas estão contentes com a ideia, apoio em tudo, amigo. Espero que a tal Milena dê valor neste anel — Concordei — Para ver como é a vida... Um cara que não queria mais compromisso sério pede a garota em namoro em uma noite e no dia seguinte já comprou o anel de casamento.

— Namoro! — Corrigi erguendo um dos dedos — Nunca comprei um anel assim para Carina, então quero fazer como manda o figurino. Quero viver como se deve, cara.

— E como as crianças reagiram a noticia?

— Ainda não sabem.

— Começar mentindo não termina bem nunca...

— Quando envolve meus filhos sou capaz disso e de muito mais. Não pretendo tornar público meu relacionamento antes de Milena demonstrar segurança. Não quero pressioná-la.

— Esse anel já pressiona bastante, não acha?

Enquanto o dia passava o anel girava em meu bolso. Bernardo teria razão? Estaria eu pressionando Milena?

Quando cheguei pela noite, após um dia cheio, as crianças já dormiam e a única desperta ainda era Clara. Vi de longe quando bateu na porta do quarto de Milena e entrou timidamente. Aproximei-me no corredor levemente iluminado pela luz que saia da fresta da porta aberta e segui ali tentando compreender o que diziam.

— Você já vai dormir? — Pude ver Clara se sentar na beira da cama de Milena, ainda hesitante.

— Esperava seu pai — Respondeu em tom melancólico — Mas parece que não vai chegar tão cedo... — Dei um sorriso no escuro — Precisa de algo Clara?

O silêncio dominou por alguns instantes.

— Fiquei pensando muito tempo sobre isso, sabe? — Sussurrou depois de um tempo — Sobre o que deveria dizer a você. Milena... Nunca poderei agradecer o que fez por mim e faz por meus irmãos.

— Você já me agradeceu, Clara. Não precisa ficar repetindo isso toda hora. Além do mais, certamente poderia ter se virado sem mim.

— Acredite quando digo que não poderia... — Encostei a cabeça na parede enquanto as ouvia — Você se importa conosco e por isso sou grata. Meu pai não tem muito tempo para isso.

— Seu pai se importa muito — Milena ressaltou — Nunca duvide que você e seus irmãos são tudo para ele.

— Nunca duvidei — Seu tom de voz era tristonho. Clara estava chorando e isso me cortou o coração — Sei que se não fosse pelo papai eu não estaria aqui agora. Muito menos meus irmãos... — Clara tomou fôlego e agora seus soluços baixos eram ouvidos.

— Não fique assim, Clara — A voz de Clara soou abafada e espiei para vê-las abraçadas. Tratava-se do primeiro abraço entre as duas desde que Milena entrou em nossas vidas — Você é uma menina incrível e tem um lindo caminho pela frente. Tem um pai maravilhoso e irmãos que te amam, querida. Vocês têm sorte de terem uns aos outros... — Separaram-se e Milena segurou o rosto dela — Não importa o que aconteceu antes. Se me odiava, agora já não importa. Podemos ser amigas e fazer um novo começo.

— Está enganada! Nunca odiei você — Secou as lágrimas no rosto de maneira decidida — Quando chegou começou a mudar nossas vidas e fiquei com medo de me apegar. Tive medo de que sumisse como ela sumiu. Não quero sofrer de novo, Milena. Não quero! Meus irmãos já estavam apegados a você, mas eu não. Ninguém poderia me culpar se eu não me aproximasse. A culpa não ia ser minha desta vez!

Milena abraçou Clara novamente.

— Seu pai já disse uma vez que se você é culpada de algo, a sua culpa é de todos estamos juntos.

— Talvez você tenha razão...

— Eu também cresci sem mãe — Milena segurou a mão de Clara — Ela morreu quando eu tinha oito anos e eu não conheci meu pai. Sei como é essa dor, mas você não deve desistir. Principalmente você — Ergueu o queixo de Clara para olhar em seus lindos olhos azuis — Uma menina que tem uma família linda ao lado e um pai que te ama muito.

— Me perdoa?

— Me perdoe você também — Milena emendou quase imediatamente — Se te fiz sentir algo ruim quando cheguei mudando suas vidas.

O abraço agora foi emocionado e cheio de sentimentos. Milena acariciava o cabelo de Clara com carinho e Clara a abraçava com força, depositando ali todas suas esperanças.

— Percebi que você e o papai são para sempre. Finalmente vamos ser uma família de verdade, completa, como se deve! — Milena se calou diante das palavras dela e até eu me sobressaltei.

Decidi entrar no quarto antes que Milena se perdesse ainda mais.

— Boa noite — Ambas secaram as lágrimas fortemente, ainda um pouco coradas — Está tudo bem? — Concordaram — Milena, nós podemos conversar?

— Vou para o meu quarto — Clara se colocou de pé e encarou Milena — Obrigado Milena. Boa noite pai — Me deu um beijo antes de sair e fechar a porta.

— Boa noite princesa.

Milena encontrava-se baqueada na beira da cama e sorri um pouco antes de caminhar até ela e me sentar ao seu lado. Os olhos castanhos estavam avermelhados, assim como a ponta do nariz e as bochechas. Sua pele branca levemente corada. Acaricie levemente o rosto delicado, tocando-a com a ponta dos dedos.

— Está tudo bem, não está? Não precisa chorar... Não gosto de ver a mulher mais incrível do mundo chorando — Milena suspirou e assentiu, segurando meu pulso levemente.

— Finalmente está tudo bem — Sussurrou com um sorriso breve — Pensei que Clara nunca fosse se aproximar, mas finalmente está acontecendo!

— Como você faz isso? Essa mágica que move nossas vidas e coloca tudo no lugar? — Milena me abraçou ternamente, deitando o rosto em meu peito — Você tem magia, Milena. Seu feitiço me prendeu desde o primeiro momento.

— Vocês me trouxeram essa magia há muito tempo adormecida — Confessou baixinho com os lábios em meu ouvido.

— Comprei uma coisa para você — Demorou um pouco para que nos separássemos e Milena sentasse a minha frente segurando em minhas mãos. Nossos olhos presos um no outro — Espero que aceite.

— Já te disse para não gastar dinheiro comigo... — Não deixei que terminasse. Tirei de dentro do bolso o anel que havia comprado e estava disposto a presentear-lhe. Milena apenas olhou do objeto para mim — É o que estou pensando?

— No que está pensando? — Fiz um gesto sugestivo para que pegasse o anel. Vi Milena dar um sorriso pequeno e surpreso. Levou o anel mais próximo aos olhos e examinou de perto — Gostou?

— O que acha? — Colocou o anel em minha mão. Parecia encantada, mas vi receio em seus olhos castanhos — É lindo Arthur, mas... Quem tem que colocar em mim é você! — O alivio me preencheu ao vê-la sorrir. Tomei sua mão na minha, colocando em seguida o anel em seu dedo anelar da mão esquerda — Esse lado é para alianças de casamento — Corrigiu animada.

— Nós já temos filhos e praticamente moramos juntos... Somos quase casados, não acha? — Milena gargalhou ao me abraçar, satisfeita com a resposta. Ergueu a mão diante dos olhos para analisar o anel que descansa em seu dedo — Agora vamos almoçar na casa de minha mãe no domingo — Milena abaixou o anel e me olhou surpresa — Você poderá conhecer melhor minha irmã e meus pais. Acha que sua avó aceitaria nos acompanhar?

Minha ideia era estarmos todos juntos para que quando Milena e eu decidirmos dar um passo maior em nossa relação ninguém se assustasse ou surpreendesse. Queria deixar claro que minha vida, finalmente, estava completamente preenchida por uma mulher incrível e que merecia uma posição privilegiava em nossos corações.

— Arthur... — Encarou o anel novamente — Acho uma ótima ideia, mas isso... — Gesticulou entre nós — Ainda é um segredo?

— Não vejo motivo para ser. Não precisamos abrir para as crianças, mas nossa família encarará de outra forma, não acha?

Milena sorriu de maneira orgulhosa. Em seus olhos havia amor e carinho, sentimentos que desconhecia em uma mulher. Toquei seu rosto fascinado por sua expressão doce, beijando-a rapidamente. Milena se sentou em meu colo e acariciei sua cintura por baixo da blusinha azul que usava.

— Somente não quero suas seguidoras me ameaçando de morte ou passando do ponto com você, Arthur Novateli! — Sorri enquanto encarava seu dedo em riste apontado em direção a meu rosto. Parecia contrariada, mas apenas fingia raiva por trás do ciúme — Não quero meu homem nas mãos de outras!

— Seu homem? — Mordi os lábios e ela concordou encarando-me fixamente — Gostei... Pode ficar tranquila que agora estou fechado para negócio.

— Bom mesmo! — Empurrou minha mão que subia por sua cintura e suspirei — Agora boa noite. Você precisa acordar cedo amanhã.

Saiu de meu colo e ficou de pé, ajeitando a roupa e ofegando a respiração. Milena ainda parecia ter receio de algo, talvez medo de ficar sozinha comigo. Aquilo me intrigava, mas resolvi não forçar nada. Roubei-lhe um beijo rápido, segurando o rosto dela pelo queixo.

— Não pense que vai escapar de mim para sempre, senhorita — Acariciei sua bochecha e notei como corava. Sabia do que estava falando — Eu te quero e preciso ter você — Separou os lábios pela intensidade das palavras, sem conseguir disfarçar o interesse — Boa noite.


CAPÍTULO DEZOITO

 

 

O problema de Clara já se sanava, mas o de Caleb pairava em minha mente desde o momento em que Milena o contou.

— Vou até o colégio hoje — Anunciei enquanto todos tomavam café. Milena comia em uma cadeira com Sophia em seu colo — Quero conversar com a direção sobre alguns assuntos... — Caleb me encarou imediatamente, sendo seguido por Clara, que chamou a atenção do irmão com algum assunto qualquer.

— Já era hora — Milena respondeu erguendo um copo como se fizesse um brinde.

— Você me acompanha? — Sugeri vendo-a me encarar de maneira surpresa.

— Sim, senhor Arthur! — Brincou com um sorriso.

Ter Milena ao meu lado era uma sensação maravilhosa. Sentia-me completo por saber que podia contar com ela, mas também imenso amor ao vê-la chamando a atenção das crianças por alguma coisinha que estava fora do lugar. Todos atendiam a ela prontamente! Finalmente minha vida entrava nos eixos e a felicidade voltava a reinar em meu lar. A melancolia tão habitual ficava cada vez mais para trás.

A responsável pela turma de Caleb ministrava aula na sala dele e fui orientado a ir até lá conversar com a tal.

— Acha que devo mesmo ir até a sala dele? — Questionei tenso a Milena.

— Deve sim! Obviamente deve! — Milena me levou através dos corredores e o rosto de Caleb perdeu a cor quando a professora abriu a porta e se deparou comigo e Milena. Travei-me um pouco.

— Olá senhora... Sou pai de Caleb Novateli e...

— Arthur Novateli! — A mulher exclamou quase desacreditada — Que honra tê-lo por aqui! — Murmúrios se instalaram na sala de aula e Caleb me olhava sem reação. Todos pareciam me conhecer e lembrei-me do fato de ser uma pessoa famosa.

Isso costumava causar constrangimentos as crianças com os amigos.

— Preciso falar com a senhora sobre meu filho. Não desejo atrapalhar a aula, eu...

— Imagina! Não atrapalha! — Milena olhava para a professora, nitidamente encantada comigo, um pouco descontente — Turma! Silêncio um instante para que eu possa atender ao senhor e a senhora Novateli — Disse alto para sala toda, que agora estava em silêncio.


"Nossa Caleb, aquela lá é sua mãe? Bonita hein?"

"Que gata a mãe do Caleb!"

Tive que me aproximar de Arthur diante dos comentários constrangedores de alguns garotos da sala de Caleb. Não era surpresa ser tratada como mãe de uma das crianças e esposa de Arthur.

— O que o papai quer aqui, Milena? — Caleb veio até mim com o rosto pálido, observando o pai em outro canto com a professora.

— Você ainda pergunta, garoto? Realmente pensei que fosse mais inteligente — Toquei seu rosto com carinho e Caleb corou.

— Foi a Clara! Ela te contou não é? Contou que eles estão me batendo! — Nada respondi diante de sua fúria — Valeu mesmo! Agora sou o covarde que recorre ao papai! Além de ter fama de mariquinha, serei o novo bundão!

— Olha a boca, menino! — Repreendi nervosa — Não vai ficar com fama de nada! A partir de agora ninguém vai chegar perto de você para fazer qualquer palhaçada, entendeu?

— Acredita mesmo nisso Milena? — Sentou-se no banco que havia fora da sala e apoiou a cabeça nas mãos — Fala para o meu pai me mudar de colégio! Ele sempre faz o que você quer, pede para me tirar daqui!

— Seu pai sabe o melhor para você, Caleb. Vai resolver as coisas da melhor maneira, não se preocupe — Passei a mão pelo rosto dele, que buscava acreditar em mim. Os olhos azuis pediam ajuda silenciosamente — Agora volte para sua sala e faça o melhor. Vou esperar seu pai e... — Beijei sua face — Amo você, garoto. Não vamos deixar o que te fizeram passar impune!

— Também amo você — Abraçou-me antes de retornar à sala.

Arthur mantinha uma conversa séria com a coordenadora no corredor e resolvi não me intrometer. A direção da escola também entrou na situação. Pelo jeito a reunião seria longa...

Passeei pelos corredores vazios do colégio observando os desenhos infantis expostos nas paredes. Entre eles, obviamente, estavam os desenhos de minhas crianças. Rapidamente localizei um deles, chamando minha atenção justamente pela presença de cinco bonequinhos de tamanhos variados. No final do desenho também apareciam um boneco referindo-se a mulher e outro a um homem. Tapei os lábios com as mãos pela surpresa quando li a legenda.

"Clara, Caleb, eu , Lara e Sophia." Cada bonequinho tinha uma seta indicando quem era quem e identifiquei as características peculiares. O boneco de Caleb usava óculos e a de Clara usava sua saia favorita.

"Arthur/Papai. Milena/Mamãe".

Li a última legenda referindo-se aos bonecos maiores.

O desenho era de Mallory Amanda Novateli.

Ergui mais um pouco o olhar e me deparei com o titulo do mural: "O que eu mais amo no mundo é..."

Toquei o papel com a ponta dos dedos e um sorriso bobo nos lábios. Eu e Mallory compartilhávamos exatamente o mesmo amor.

Não foi difícil resolver o problema de Caleb, afinal, quem ousaria desafiar uma figura publica tão influente como Arthur Novateli? O colégio se prontificou a expulsar os agressores imediatamente, dando a oportunidade de ficar para aqueles que se redimissem com Caleb e não se aproximassem novamente. Obviamente seriam punidos com advertências, também, e Arthur concordou com o termo. Queria um pedido de desculpas formal dos pais e punição cabível aos alunos responsáveis.

Caleb foi embora conosco ao final do período, caminhando pelos corredores com um grande sorriso por ter recebido as desculpas por parte do colégio e as punições aos agressores. Agora parecia, finalmente, em paz!


Domingo chegou e com ele o almoço na casa de meus... Sogros.

A família de Arthur!

Era difícil, demasiadamente difícil acreditar que agora tinha uma sogra em minha vida!

Arthur insistiu na presença de minha avó para que a mesma conhecesse as crianças. Dona Damiana sempre mandava um presentinho para alguma das crianças e Arthur mostrava-se grato ao feito, por isso queria tanto que ela os conhecesse. Sophia já não queria tirar o casaquinho de lã nos tempos mais frios e Mallory e Lara não cogitavam a ideia de largar as bonecas idênticas de porcelana que vovó mandou para as duas. O cuidado que tomavam com as bonecas era absurdo!

Para Caleb, enviou uma touca escura que ficava incrível e para Clara o mais distinto... Uma rosa branca por ela ter ficado mocinha, uma pulseira de prata e uma carta cor de rosa que cheirava muito bem. Clara pareceu muito emocionada ao ler a carta e pessoalmente ligou para minha avó agradecendo-a.

Deixava-me contente o fato de estarem próximos... Vovó, obviamente, foi à loucura com a notícia do namoro e do anel reluzente que brilhava em meu dedo.

Arthur sempre que podia me prendia em algum canto da casa e me beijava até alguém chorar ou até Sophia reivindicar minha presença. Tivemos oportunidades ao longo da semana de ficarmos sozinhos, mas a rotina com as crianças era pesada e apertada, sempre exigindo muito de nós e constante presença.

Pensei muito sobre contar de uma vez sobre Arthur e eu para as crianças e talvez fosse o correto, mas por outro lado existia a insegurança. A última coisa que Arthur e eu queríamos na vida era magoar nossos pequenos.

Na varanda aguardávamos o motorista chegar com minha avó para todos irmos juntos para a casa dos pais de Arthur.

As crianças, arrumadinhas em suas roupas de frio, estavam mais fofas do que nunca! As três meninas mais velhas usavam vestidos, meias calça e botas de camurça. Caleb estava com a touca que vovó lhe presenteou. Sophia usava uma boina de vaquinha, seu vestido preto e branco com a meia calça preta. Parada frete a eles eu observava a pista ansiosa pela chegada do motorista.

— Está com muito frio? — Arthur perguntou me olhando esfregar os braços.

— Não, só estou treinando esfregar os braços! — Ironizei e ele franziu a testa, me puxando pela cintura e para uma posição de dançarinos — O que está fazendo?

— Vamos dançar... Para passar seu frio — Me girou e depois puxou de volta. Sempre havia uma desculpa! Arthur não hesitava em um motivo para me tocar, por mais banal que fosse!

— Não seja palhaço, Arthur! — Uma música romântica soou no ambiente e vi Clara segurando o celular por onde a mesma saia — Não, não... — Praguejei em meio as risadas das crianças e Arthur sorriu me fazendo rodopiar novamente.

Todos nos assistiam com um sorriso, animados pela brincadeira.

— Ainda está com frio? — Sussurrou próximo de meu ouvido.

— Sim — Me girou novamente apoiando o braço em minhas costas. Senti o rosto dele bem próximo e estremeci com seu olhar intenso e apaixonado. Seus lábios vinham de encontro aos meus, mas desviei e o fiz roçar em minha bochecha.

— Ainda com frio? — O empurrei um pouco.

— Melhor parar com a brincadeira — Soltei seus ombros um pouco relutante, estremecendo pela sensação de sentir as mãos dele em mim.

Arthur era firme, lindo e grande. Não havia um minuto em que não pensasse como seria estar nos braços dele. Aquilo me perturbava... Tirava-me o eixo!

— Papai... — Lara o chamou com a voz curiosa.

— O que princesa?

— Sophia chama a Milena de mamãe, certo? — Olhei para ela de maneira interessada.

— Sim — Arthur respondeu normalmente.

— Podemos chamar também? — Arthur se endireitou, olhando na direção de Larinha e depois para mim — Eu, Mallory, Caleb e Clara.

A confusão em seu olhar podia ser vista de longe. Arthur sentia-se imensamente perdido diante da questão, suando frio para pensar em algo plausível a ser respondido. Trocamos um olhar cauteloso que obviamente foi notado por Clara. A garota não deixava passar absolutamente nada!

— Essa é uma questão delicada, Lara — Arthur se aproximou da pequena e lhe tocou a bochecha carinhosamente — Porque isso agora?

— Minha professora disse que as mamães são as moças que cuidam das crianças e as amam — Lara explicava como se tivesse propriedade do assunto, fazendo Clara e Caleb sorrirem de sua inocência — E também que as mães sempre ficam junto dos pais. Então eu acho que Milena é nossa mãe... É ela quem cuida de nós e fica perto de você o tempo todo!

— Faz sentido... — Caleb comentou enquanto me olhava. Posso jurar que até mesmo a raiz de meu cabelo corou diante das palavras inocentes da pequena Lara.

— Pois é... Lara tem razão — Clara deu um cutucão no irmão, como se também entrasse na onda do garoto.

— Podemos te chamar de mãe, Milena? — Lara foi até mim e agarrou em minhas pernas, fazendo-me olhá-la de cima sem ter o que responder.

A pergunta infantil e doce fez meu coração disparar. Qualquer coisa que eu dissesse teria grande impacto em minha vida naquele momento... Na vida dos Novateli também! Se dissesse que poderiam me chamar de mãe, significava que queria ficar. Se dissesse que não, certamente faria uma barreira entre todos nós.

Olhei para cada rosto ali presente, pensando apenas com meu coração. A razão não precisava ser levada em conta agora. Toquei o rosto delicado de Lara, abaixando-me para ficar diante dos olhos azuis e ternos da linda garotinha loira.

— Sim Lara... Pode me chamar de mamãe, de Milena, de amiga, titia... De tudo que quiser! — Lara sorriu abertamente muito emocionada, atirando os braços ao redor de meu pescoço para me abraçar.

Por cima de seu ombro vi o olhar emocionado de Arthur, que sequer disfarçava o peso daquilo tudo em seu coração. Seus olhos verdes transbordavam amor e admiração.

O carro chegou e seguimos até a casa de minha avó. Como sempre, os encontros dela e de Arthur não eram muito favoráveis a mim.

— Arthur, querido... Sou muito grata a você! Nena, minha neta, era uma garota perdida antes de trabalhar com vocês — Segurando Sophia no colo, encarei vovó com a expressão desconcertada e horrorizada. Arthur sorria enquanto a ouvia e segurava Lara — Essa menina somente aprontava e fazia besteira, era uma dor de cabeça atrás da outra... Agora finalmente tomou jeito e isso é o que me deixa mais satisfeita em tê-la ao lado de todos vocês! Ao mesmo tempo em que seus filhos ganharam uma mãe, a minha neta ganhou juízo!

— Vovó! — Quase me levantei para ir até ela, mas me contive por Sophia — Por favor!

— Sei bem como Milena se comportava, dona Damiana... — Desviei o olhar diante das palavras de Arthur, que ignorou meu pedido a vovó — Nos conhecemos em uma situação... Digamos... Inusitada! Mas ao mesmo tempo em que foi conturbada, foi uma benção! Milena representa uma mudança radical em minha vida.

As costas do pai e de frente para mim, Clara e Caleb fizeram um coração no ar representando o amor. Mordi os lábios enquanto ambos riam em silêncio de minha expressão constrangida.

Vovó não precisou de muito para se tornar a melhor amiga da mãe de Arthur e conversar sobre tudo com o pai dele. Agatha se empolgou com a presença dos sobrinhos e tratou de tomar a frente dos cuidados. Apenas Sophia não se entretinha muito com ela e preferia a mim, como sempre.

— Mas me digam, Milena e Arthur... Quando é que sai o casamento? — Todos olharam em direção a Arthur e eu quando a mãe do mesmo chamou a atenção com tal frase. Nanci falava séria e convicta do que colocava.

Bebi um gole de suco para engolir de volta o bolo em minha garganta enquanto Arthur secava os lábios com o guardanapo, todos na mesa grande do almoço.

— Perdão? — Questionei um pouco corada. Arthur me encava de canto de olho.

— Pois é, o casamento! O único problema será organizar todas as daminhas. Temos o Caleb e mais quatro meninas para disputar a vaga principal — Agatha comentou despretensiosa, mas notei naquele momento que realmente falava sério.

A família de Arthur acreditava fielmente que tínhamos um relacionamento além do profissional. E estavam certos! Encarei Arthur em desespero! As crianças eram as mais surpresas ali.

— Ninguém aqui tem planos de casamento por agora, mamãe — Arthur tocou minha mão por baixo da mesa, sinalizando que era apenas uma frase para o momento. Relaxei com sua segurança.

— Vocês precisam ser um casal logo! — Mallory comentou enquanto mastigava seu macarrão.

— Até você, Mallory? — Tentei me fazer de ofendida e todos riram.

— Tenho uma grande novidade! — Arthur parecia desesperado para cortar o assunto — Clara agora é uma mocinha!

Deu certo! Apesar de Clara quase cuspir todo seu suco, todos os presentes na mesa se atentaram a novidade e desviaram a atenção para ela.

— Minha netinha! — Nanci foi até Clara e a abraçou ternamente — Ah querida, parabéns! Como você cresceu meu amor!

— Pai, mas que droga! Quer colocar na primeira página do seu insta também? No jornal local? — Constrangida, reclamou quando a avó a soltou e a tia a abraçou.

— Não seria uma má ideia... — Arthur sorriu animado.

— MILENA! — Clara me olhou em busca de ajuda e me segurei para não rir ainda mais.

— Arthur, está constrangendo a menina... — Pisquei para ele, sabendo que era a única maneira de desviar o foco do almoço para nossa relação tão diretamente.

As crianças se animaram com a presença dos primos vindos de longe e pediram inúmeras vezes para Arthur permitir que dormissem na casa da avó. O pedido foi atendido após minha interferência e a ideia de que a casa estaria livre pelo final de semana.

Há muito tempo Arthur não tinha a casa toda apenas para ele.

— Arthur, podia fazer a gentileza de avisar ao motorista para me deixar na casa de meu neto? Prometi passar três dias com a noiva dele, pois Danilo está fora pelo trabalho... — O comentário de vovó me pegou de surpresa.

— Vou ficar sozinha em casa, vó? Quando tiro um tempo para a senhora, a senhora vai passear, é? — Protestei diante do olhar alegre de Arthur.

— Não seja hipócrita menina! — Repreendeu-me quando Arthur passou uma das mãos por meus ombros. As crianças brincavam no quintal com Agatha e os pequenos primos recém-chegados — Para mim é muito claro que o que acontece entre vocês não é simplesmente uma relação profissional... E não pense que acredito que você seja imaculada !

— Vó! — Corei indignada e Arthur baixou o olhar dando uma risadinha.

— Vai ficar com seu namorado e aproveitar um tempo de casal enquanto as crianças estão dando uma folguinha... É coisa rara!

— Realmente dona Damiana é muito sábia! Faz mais de um ano que não sei o que é ficar em minha casa completamente sozinho!

O olhar de Arthur falava mais do que mil palavras. Seus olhos azuis brilhavam em alegria e suas mãos me apertaram um pouco mais nos ombros. Senti-lo perto me desconcertava, mas aquele jantar representou algo muito além em nossa relação. A família de Arthur e minha avó já tinham a certeza de que éramos um casal. Um casal firmado.

— Pensei mesmo que ao menos Sophia viesse conosco... — Comentou abrindo a porta central da sala principal.

Sequer Maria e Gabi estavam naquele final de semana. A ideia de ficar sozinha com Arthur, finalmente, me soou como proveitosa. Um frio intenso me percorreu a espinha quando fechamos a porta, deixando claro o que aconteceria a partir de então...

Eu e Arthur... Sozinhos.

— É estranho ver a casa vazia — Coloquei a bolsa no sofá e rapidamente senti as mãos de Arthur me tocando a cintura. Estremeci diante de seu toque, virando-me delicadamente para seu contato. Encarei os olhos azuis brilhando sob a escuridão da sala e a leveza em seu semblante carinhoso... — Mas é muito bom ter você. Ficar somente com você...

Toquei seu rosto sentindo o leve roçar a barba que crescia em seu maxilar. Arthur tocou a testa na minha fechando os olhos diante do sentimento inebriante que nos preenchia. Já não existiam as crianças... Já não existia nada ao redor que não fosse nós e a paixão que nos dominava.

Tantos sentimentos apenas podiam ser um só... Amor. Em sua mais profunda e perfeita forma.

As mãos quentes deslizaram ao meu lado, tocando minhas mãos nas suas com cumplicidade e carinho. Senti o coração disparando ao passo em que nos aproximamos ao ponto de sua respiração roçar a minha.

— Esperei muito tempo para ter você, Milena — Estremeci diante de suas palavras, mordendo os lábios levemente — Quero que isso seja especial como você merece. Especial como você sempre foi para mim, minha linda...

Sequer tive tempo de proferir qualquer palavra!

Os lábios firmes de Arthur me tomaram quando tentei dizer algo, tragando-me o ar e a sanidade com suas mãos grandes e quentes me apertando em seu peito. Eu o desejava... O queria infinitamente! Mas também sentia medo. Medo de não ser igual às mulheres com as quais ele estava acostumado.


Carina foi meu único relacionamento sério em toda a vida e através dela tomei repúdio pelo amor. Não era fácil dizer que jamais amaria novamente, mas passei repetindo tal frase durante muito tempo...

Milena significava um recomeço inesperado, um arco-íris que jamais pensei que surgiria em meu horizonte tão negro. As cores dela preenchiam minha vida com simplicidade e finalmente consegui ver através da dor.

A menina encrenqueira que um dia conheci em uma festa havia se convertido em mulher diante de meus olhos, através de meus filhos. Suas profundas feridas causadas pela morte precoce da mãe e abandono paterno ao nascer se curavam aos poucos conforme aprendia a superá-las com as crianças, junto delas. Todos ali compartilhavam a mesma dor. Todos unidos pelo amor.

Era uma noite especial, eu estava certo disso. As crianças nos deram uma folga e finalmente conseguimos ficar sozinhos como sempre desejei... Milena estava linda em um pijama rosa e curto, o short exibindo as coxas torneadas e a blusinha mostrando mais o decote do que deveria. Seu sorriso era contido, parecia desconcertada, mas se animou em ver um filme ao meu lado após recusar sair para comer.

Algo que sempre me encantou nela era a humildade. Milena não fazia questão de luxos e gostava de estar em casa, gostava de estar comigo. Compramos uma barca de sushi e vinho e casamos isso com uma boa comédia romântica que terminou em uma grande conversa. Milena expôs toda sua vida, todo o sofrimento da menina carente em detalhes.

Se antes a admirava, agora a via como uma heroína. De fato era.

— Me pergunto se não houvesse passado tudo o que passou com sua mãe, como seria agora? Teria a cabeça de fazer tudo que faz pelas crianças? — Milena tomou um gole de seu vinho, sentada a minha frente na sala com as pernas cruzadas, enquanto pensava.

— Realmente não, Arthur. Sempre me coloquei no lugar das crianças, por isso pude ter a noção do que sentiam. As coisas tinham que acontecer assim para nos encontrarmos — Sorrindo, Milena ergueu a taça como se pedisse um brinde. Toquei minha taça na dela com alegria, acompanhando seu lindo sorriso — Um brinde a nós, Arthur Novateli!

— Um brinde, Milena encrenqueira — A gargalhada dela me incendiou o peito por sua felicidade. Aproximei-me um pouco mais e a senti confusa, baixando a taça e fixando o olhar em meus olhos — Queria dizer uma coisa... — Tome sua mão na minha e Milena deixou a taça de lado, encarando-me em expectativa.

— Já vai me pedir em casamento? Sou muita nova, se quer saber! — Brincou animada. Estava um pouco alegre demais pelo vinho que insistia em tomar. Queria se soltar, pude notar. Havia algo sobre ela que eu ainda não sabia e ficava entalado em sua garganta. Algo que desejava me contar.

— Não seria má ideia, porém não... — Acariciei sua mão entre as minhas notando como corava com meu toque e proximidade — Quero ser muito sincero, Milena. Sincero como nunca antes.

— Uh... — Torceu os lábios, mas seguia corada e em expectativa — Pois então seja.

Toquei seu queixo com uma mão livre e trouxe seu rosto para mais perto.

— Quando nos conhecemos não tinha uma boa impressão sobre você, muito menos depois que veio trabalhar aqui. Trouxe você para cá por desespero, mas acabei tomando a decisão mais acertada de toda a minha vida! — Milena sorriu com gratidão — Me peguei te admirando várias vezes, não somente por sua beleza e seu corpo bonito, mas pela doçura que trás na alma. Pela maneira como se importa com o próximo...

— Arthur... — Fiz sinal para que me deixasse prosseguir.

— Tinha dúvidas. Peguei-me pensando se te queria como uma mãe para as crianças ou realmente como mulher... — Milena baixou o olhar, mas a fiz me encarar novamente — Você sempre me deixou louco, Milena. Me encanta... — Seu olhar era desacreditado, como se realmente não acreditasse no que eu dizia. Deslizei os dedos por seu braço, tocando-a com carinho — Um dia tive a oportunidade de ter outra mulher, mas simplesmente não consegui. Não consigo sequer me imaginar tocando outra... Tendo outra em meus braços — Milena mordeu os lábios quando me aproximei para beijá-la, envolvendo-me pelos ombros com carinho — Tive a certeza que te quero... E te quero para sempre!

— Arthur, eu... — Envolvi Milena em meus braços, segurando-a contra minha pela cintura — Também.

— Também? — Sussurrei perto demais, sentindo seu hálito em meus lábios — Estou dizendo que te amo, Milena! Te amo e te desejo como um louco!

— E se eu não for boa como você pensa? E se eu não souber... — Suspirou e fechou os olhos — Fazer amor como às outras faziam?

Parei de beijá-la, encarando-a de maneira confusa.

— Milena... — Não deixou que eu terminasse, pousando dois dedos em meus lábios.

— Quando eu disse que nunca tive um namorado também estava querendo dizer que nunca me deitei com nenhum homem — Procurei algum sinal de que mentia em seu olhar, mas não encontrei absolutamente nada! Milena parecia segura, mesmo que sua voz tremesse — Nunca amei antes de você. Nunca desejei estar com um homem a ponto de me entregar, Arthur...

— Realmente não esperava por isso — Confessei ainda a segurando. Ergui seu olhar novamente, encarando-a com firmeza. Os olhos castanhos pareciam constrangidos agora — Não esperava que uma mulher tão linda fosse...

— É, eu sou! — Assegurou — E não vou saber fazer como as outras fazem. Não serei tão boa quanto elas...

— Claro que não é como elas... Você é única, Milena! Por isso me encanta e me deixa... — Sorri ao ver seu olhar brilhando por minhas palavras — Maluco por você! — Nos beijamos calmamente. A felicidade de Milena me permitiu enxergar através de sua insegurança — Como imaginou sua primeira vez?

Milena deu de ombros, tocando meu rosto carinhosamente.

— Com você — Sua resposta doce me fez sorrir — Em seus braços... Agora.

Fomos para o quarto em meio a um beijo apaixonado e entre risadas animadas. Nos escoramos nas paredes e na escada enquanto deixávamos a paixão nos tomar.

Toquei Milena como um homem sedente de amor toca a mulher pelo qual está apaixonado. Depois de anos sem sentir aquela paixão arrebatadora, me peguei fascinado ao vê-la se erguer diante de mim, sentado em minha cama, para tirar o pijama vagarosamente.

O cabelo castanho caiu em cascatas pelos ombros pálidos quando retirou a blusinha por cima da cabeça e revelou a pele clara. Deslizei o olhar pelas pintas salpicadas em seu colo, descendo vagarosamente para os seios pequenos e rosados. O olhar dela era desafiador, questionando em silêncio se sua aparência me agradava. Segui estático enquanto a via prender os dedos no cós do short, levando o mesmo pelo caminho das pernas junto da calcinha.

Ficou completamente nua diante de mim sem nenhum pudor, revelando-se como se faz com uma joia rara.

Senti a garganta secar perante sua nudez. O cabelo caia em seu rosto e os olhos castanhos me encaravam em expectativa. A voz morreu em minha garganta quando me coloquei de pé, aproximando-me dela para lhe tocar a cintura com carinho.

— Milena... — As mãos pequenas se prenderam na barra de minha camisa, puxando-a por minha cabeça com agilidade. A segurança dela sempre me fascinou, ainda mais agora, quando se colocava em meus braços com tanta propriedade.

A trouxe para mim beijando-a com todo o desejo contido em meu peito. A babá encrenqueira era um desejo secreto, um segredo para mim... Agora eu a via por completo e estava convicto de que se tratava da mulher mais incrível que já tive em minha cama. Sua mão pequena roçou minha ereção enquanto nos beijávamos e o rubor tomou conta de suas bochechas. Sorri em meio ao beijo, sentindo que explorava ali com as mãos em busca de aprender algo.

— Vai doer, não é? — Foi o que disse quando nos deitamos na cama, após Milena me ver tirar a roupa e me deitar nu ao lado dela — Sei que vai...

— Está com medo? — Me deitei sobre ela, tocando o rosto delicado. Sua expressão mostrava o que realmente sentia. Sim, estava apreensiva — Prometo que vou ser delicado.

Assentindo positivamente, Milena me tocou nos ombros e deslizou a mão pequena por meu peito, brincando com os pelos loiros que descansavam ali. Beijei sua boca quente e notei a maneira como analisava meu corpo querendo aprender cada detalhe. Curiosa.

— Você é muito lindo, Arthur — Sorri com sua colocação. O olhar brilhava pela paixão eminente — Agora sei por que todas as mulheres sonham em estar em seus braços.

— Você também é muito linda, Milena... Mais linda ainda assim como está — Olhei seu corpo nu e ela sorriu, mordendo os lábios — Mas não... Ainda não te mostrei nada do que tenho escondido na manga!

— Como assim? — Sussurrou antes de sentir meus lábios em seu pescoço e fechar os olhos.

Também descobri o corpo todo de Milena, mas não apenas com o olhar. Para mim, aquela altura, olhar não era o suficiente. Deslizei a língua por sua pele, rodeando os mamilos rijos e tocando-a com os dedos para testar sua vontade. Molhada, ela movia o quadril na direção de meus dedos buscando um maior contato enquanto minha boca lhe saboreava os seios.

Era linda, apaixonada e se encantava pelo prazer que sentia. Uma combinação poderosa que poderia enlouquecer qualquer homem em débil sanidade.

A fiz conhecer o amor em sua mais prazerosa forma pela primeira vez nos braços de um homem ao tocá-la com os lábios em sua intimidade. Milena apertou as pernas ao redor de meu rosto, mas aos poucos se acostumou com o contato e gemeu meu nome para quem quisesse ouvir. Eu sabia que seria doloroso e provavelmente ela não conseguiria atingir o orgasmo em sua primeira relação, por isso tratei de mostrar a ela o lado bom antes da dor, um fato inevitável.

Milena se encantou com os espasmos em sua intimidade, me puxando sobre ela com intensidade para dizer que me queria... Para me beijar como nunca!

— Arthur! — Ao notar que eu a procurava por baixo, roçando-me nela, Milena se afastou do beijo — A camisinha! — Lembrou aflita.

— Ah claro... A camisinha! Um minuto! — Me estiquei até a bendita e tratei de colocá-la o mais rápido que podia, as mãos trêmulas pela vontade louca que me preenchia — Que bom que você lembrou!

Milena sorriu antes de voltarmos a nos beijar, abrindo as pernas para que eu me acomodasse entre elas. Senti seu calor e sua barreira, o apertado de sua feminilidade se esforçando para me acomodar aos poucos. Seu rosto parecia relaxado, buscando se entregar ao momento. Tudo foi mais fácil do que imaginávamos, principalmente para mim, que descarreguei o tesão de uma vida enquanto me movimentava dentro de Milena.

Seu sabor e seu calor eram embriagantes... E agora ela era minha!

Milena, a babá encrenqueira, era minha.


CAPÍTULO DEZENOVE

 

 

 

Nada pareceu mais engraçado para Ana Paula como saber que eu, Milena, perdi a virgindade com Arthur Novateli, o cantor de banda famosa que eu tanto repudiava!

— E como foi? Ele faz jus à fama? — Questionou do outro lado da linha.

— Nem te conto... Nós estamos namorando! Ele até me deu um anel!

Ana gargalhou animada e me desejou felicidades inúmeras vezes, feliz pelo gelo de meu coração ter se quebrado.

— Milena não é mais um coração de pedra! — Comemorou — Arthur Novateli e seus filhos conseguiram a proeza de transformá-la!

Ela tinha razão. As crianças me fizeram crescer e Arthur me fez mulher... Não somente quando tirou minha virgindade e me fez sangrar em seu lençol, mas quando me mostrou a realidade de um sentimento. O amor veio dele, dos braços dele.

Eu o amava, estava convicta agora mais do que nunca!

Passar a noite com ele foi à coisa mais incrível e prazerosa de toda minha vida, mesmo tendo sentindo a dor da primeira vez. Arthur se preocupou em me mostrar o lado bom antes da dor, mas, além disso, seu toque terno e carinhoso deixava claro o quanto me amava. Acordar ao lado dele e sorrir diante de seu olhar esverdeado e apaixonado foi o ápice de nosso momento.

Aquele homem tomou conta de minha vida de tal maneira que era impossível imaginar o amanhã sem ele.

— As coisas mudaram, Milena — Arthur sussurrou enquanto acariciava meu cabelo, eu deitada sobre seu peito desnudo em sua cama — Agora somos um. Agora as crianças precisam saber sobre nós... Não sou capaz de dormir uma noite sequer longe de você.

— Também não sou capaz de ficar longe, Arthur — Me ergui para beijá-lo, tocando sua face com toda minha devoção. O corpo daquele homem parecia esculpido a mão e cada vez que me beijava era como se acendesse uma fogueira entre minhas pernas.

— Te amo, encrenqueira — Sussurrou contra minha boca, puxando-me pela cintura — Te amo ainda mais agora, que é minha.

Em seu peito forte, havia uma tatuagem discreta do lado esquerdo, na parte superior ao mamilo.

C – C – M – L – L – S e um pequeno coração.

Demorei-me admirando-a e Arthur notou meu interesse.

— São as iniciais das crianças — Comentou tocando a tatuagem carinhosamente e sorrindo. Toquei também, ainda mais apaixonada — Para sempre tê-las comigo.

Clara, Caleb, Mallory, Lara, Laura e Sophia. Arthur era pai de seis e sempre fazia questão de lembrar a si mesmo.

— Como explicou as crianças um L a mais? — Questionei lembrando que as crianças não sabiam sobre a irmã falecida.

— Disse que o tatuador errou na tatuagem — Riu baixinho da própria desculpa — São crianças, Milena!

— Arthur... — Ri também, beijando-o novamente — Te amo, Arthur Novateli. Te amo.


As crianças voltaram e um momento crucial deveria acontecer entre nós.

Milena estava de acordo que aquele era o momento certo para contar sobre nós e não cabia a mim prolongar ainda mais. Clara e Caleb eram grandes o suficiente para compreenderam o que acontecia... Muito em breve se dariam conta de que tínhamos um relacionamento e abrir o jogo era o correto.

— Clara e Caleb... — Na sala Milena penteava o cabelo de Mallory, Lara e Sophia brincavam no chão e os mais velhos assistiam à televisão — Precisamos ter uma conversa.

— O que foi que você fez? — Clara perguntou ao irmão de maneira assustada — Eu não fiz nada, pai!

— Eu também não fiz nada! Nem vem para cima de mim! — O garoto rebateu Clara e se colocaram de pé juntos.

— Ninguém fez nada — Ergui as mãos em sinal de paz. Milena me encarava um pouco — Se trata apenas de uma conversa!

— Papai, eu também quero conversar! — Mallory disse com um bico triste.

— Depois de seus irmãos é sua vez e de Lara, princesa — Assegurei a Mallory, que concordou.

Passei por Milena e lhe toquei o ombro brevemente, vendo-a sorrir em minha direção.

— O que é tão urgente, pai? — Caleb parecia aflito quando sentou junto de Clara frente a mim em meu escritório na parte superior da casa.

— Algo muito simples, porém pode ser complicado inicialmente — As duas faces quase idênticas me encaravam de maneira curiosa. Os idênticos pares de olhos azuis se estreitaram em minha direção, contrastando com os cabelos loiros e brilhantes — Tem alguém em minha vida agora e eu gostaria de compartilhar isso com vocês, meus filhos.

— Alguém? — Clara vociferou um pouco nervosa — Alguém quem?

— Garota... — Caleb tentou intervir, mas ela prosseguiu.

— Não vai me dizer que está ficando com uma modelete qualquer, pai? É sério? — Clara quase se levantava com o nervoso, mas Caleb a segurava pelo pulso — E a Milena?

— Clara... — Tentei falar.

— Pai, a Milena é a mulher indicada para estar em sua vida e...

— Mas é exatamente dela que estou falando! — Atropelei Clara, fazendo-a sentar mais calma com minha colocação — Milena e eu temos um relacionamento além do profissional. Estamos juntos, namorando!

Finalmente conseguiu proferir as palavras e ver certo alívio nos olhos de meus primogênitos. Caleb encarou Clara com alegria e a mais velha sorriu.

— Qual é pai! Estava na cara, não é? — Caleb se ergueu para vir até mim, me abraçando quando chegou — Fico feliz, pai! Milena é incrível!

O abracei de volta emocionado e aliviado, vendo Clara vir até nós para nos abraçar também.

— Apenas triste por vocês não terem dito antes... Isso foi falta de confiança em nós! — Clara disse após o abraço — Estava na cara, pai! Nós gostamos de Milena. Ela é mil vezes melhor que... Bem, mil vezes melhor que...

— Nossa mãe biológica — Caleb concluiu — Você a ama?

— É isso o que importa, pai... — Clara me abraçou de lado — Não queremos que você faça isso por nós... Nós desejamos que você seja feliz.

Clara e Caleb definitivamente me surpreenderam com suas colocações. Minha felicidade importava a eles e isso mostrava o trabalho correto que fiz na educação de meus filhos. Os trouxe para perto, fazendo com que sentassem um em cada perna minha.

— Amo Milena, crianças. Eu jamais brincaria com os sentimentos de uma mulher para que fosse babá de meus filhos para sempre... Se fiquei com ela foi por estar apaixonado e ter a certeza de que é a mulher ideal para ser minha companheira. Obviamente o fato de se dar bem com vocês contou, mas não foi o primordial — Confessei seriamente. Ambos me ouviam atentamente — Se decidimos abrir isso para vocês foi pela convicção que temos de que pode dar certo entre nós. Eu jamais... Jamais... Envolveria vocês cinco se não tivesse realmente amor por ela. Jamais!

— Concordo com seu namoro, pai. Mallory, Lara e Sophia ainda são bebês e precisam de uma mãe... — Clara sorria — Você também merece alguém que te faça feliz.

— Duvido que possa existir uma mãe que goste mais de minhas irmãs do que Milena — Caleb concluiu — Para mim, Milena é a única mãe de verdade que conheci.

— A única pessoa que nos amou sem exigir nada em troca — Clara se emocionou ao dizer. Vi lágrimas em seus olhos — Só que... Ela vai ter que prometer algo antes.

— O que?

— Ah pai, isso é entre nós e ela — Clara beijou meu rosto carinhosamente após lançar a frase.

Eu sabia perfeitamente o que aquilo significava.


Contar sobre nosso relacionamento as crianças era um passo ainda mais importante do que ir para cama.

Vivi um momento extremamente mágico ao lado de Arthur nos últimos dias, mas toda a magia foi substituída por apreensão quando me dei contar do que estava por vir. Eu não era mais uma garota de vinte e dois anos totalmente perdida pelo mundo. Não era mais apenas a babá encrenqueira que se meteu na família bagunçada...

Agora sou mulher. Namorada de Arthur Novateli. Madrasta de cinco!

Já fazia um tempo que Mallory e Lara estavam no quarto com Arthur conversando sobre a boa nova. Buscar as palavras corretas para anunciar nosso namoro às meninas menores era peça fundamental para que tudo corresse bem. Sophia engatinhava no tapete quando Clara e Caleb apareceram na sala com sorrisos empolgados.

— O que são esses sorrisos? — A dupla veio até mim e ambos me abraçaram ao mesmo momento, sorrindo de ponto a ponto. Retribui com carinho, sentando-me junto deles no sofá grande da sala — O que aconteceu?

— Queremos ter uma conversa com você, senhorita — Caleb disse cruzando os braços.

— Uma conversa bem séria... — Clara completou.

— Pois então falem... — Sophia subiu em meu colo no exato momento em que Lara e Mallory entraram na sala com a mesma felicidade estampada no rosto que os irmãos traziam.

Arthur, logo atrás, deteve-se na entrada da sala sem saber se deveria ou não participar daquele momento. As meninas menores se acomodaram ao lado dos mais velhos e os quatro rostos inocentes a minha frente certamente me emocionavam! A alegria das crianças diante da novidade me tocava o coração de maneira avassaladora!

— Pode ouvir também pai... — Caleb disse a Arthur, que se moveu um pouco mais para dentro da sala vagarosamente.

Clara trocou um olhar com Caleb e foi ela quem começou a falar.

— O papai já contou para nós que vocês dois...

— São namorandos como os príncipes e princesas das histórias! — Mallory interrompeu Clara muito animada.

— É mesmo verdade Milena? — Lara questionou e os quatro me encararam esperando uma afirmação.

— Sim, crianças. Arthur me pediu em namoro e o aceitei — Expliquei brevemente.

— Sabemos que o papai está apaixonado por você, mas e você? — Clara questionou mais séria — Também está apaixonada por ele a ponto de querer formar uma família com todos nós?

Olhei em direção a Arthur brevemente, notando como cruzava os braços a frente do peito também esperando minha resposta. Os olhares das crianças me marcavam a alma... Era um momento chave, praticamente uma promessa selada com sangue. Em toda minha vida, o único erro que não poderia cometer era magoar os pequenos Novateli.

Apenas segui meu coração, sem pensar nas consequências.

— Confesso que jamais me imaginei em uma situação como essa, Clara, mas sim... Não tenho dúvidas de que também estou apaixonada por Arthur e tenho planos de seguir ao lado dele. Ao lado de todos vocês.

— Ficamos felizes por isso, Milena — Caleb sorriu para mim — Nós gostamos muito de você... Como uma mãe de verdade.

— Mas você precisa prometer uma coisa... — Mallory interveio — Não para nosso papai...

— Mas para nós — Caleb completou.

Assenti curiosa pela promessa.

— Precisa prometer que nunca vai nos deixar como a outra fez — A voz de Clara soou baixa e dolorosa — Que mesmo que saia da vida de nosso pai, vai seguir nos vendo pelo menos como uma amiga. Não queremos te deixar ir, Milena. Não queremos te perder também.

Emocionada, me erguei com Sophia nos braços e me sentei entre as duplas. Clara e Caleb e um lado, Mallory e Lara do outro. Todos nos abraçamos diante do olhar surpreso de Arthur.

— O amor que tenho por vocês cinco transcende qualquer envolvimento que tenho com Arthur — Senti lágrimas em meus olhos. Lágrimas que pesavam e sequer tive a coragem de deter. As mesmas desceram por minha face facilmente, carregadas de verdade — Quando perdi minha mãe cheguei a pensar que nunca voltaria a amar... Todos me chamavam de "Milena coração de pedra" — Confessei entre risadinhas, vendo as crianças sorrindo. Clara também chorava em silêncio e Mallory tentava segurar as lágrimas nos olhos verdes — Vocês cinco me fizeram encarar meu trauma mais doloroso e superar a dor. Juntos, nós todos superamos o passado — Clara tocou minha mão com carinho — Jamais seria capaz de me afastar das pessoinhas que me fizeram viver novamente... As cinco pessoinhas que descongelaram meu empedrado coração. Nunca, crianças! Nunca! Prometo que jamais vou deixá-los, mesmo que Arthur e eu um dia venhamos a terminar.

Abraçamo-nos com força e Arthur se aproximou para sentar junto de nós, abraçando-nos também. Estava ao meu lado entre as crianças.

— E eu prometo fazer de tudo para fazer Milena e todos vocês felizes a cada dia — As palavras dele me pegaram de surpresa. Sua mão grande me tocou o rosto com carinho e seus lábios se aproximaram para me dar um beijo rápido. As crianças comemoravam com palmas e assovios — Para sempre...


Desci as escadas atrasado, carregando nas costas minha guitarra azul e algumas partituras. Despedi-me das crianças mais cedo, uma vez que todos agora estavam em horário de janta.

Lembrei-me de Milena ao olhar o visor do celular onde uma foto nossa era exibida e rapidamente larguei tudo no chão. Não me despedi dela! A mesma apareceu correndo na sala e parou na porta ofegante. Estava rabiscada de canetinha nos braços, o nome de Lara e Mallory gravado ali em uma letra tremida. Deu um sorriso e veio em minha direção.

— Jura que não ia se despedir? — Parou a minha frente com as mãos na cintura.

— Justamente estava indo te procurar... — Se esticou para me beijar. Era ótimo não precisa esconder mais nada das crianças. Aquela tinha sido a melhor decisão para nós — Sei que estava muito ocupada com as lições de Mallory, por isso não as interrompi no quarto.

— Tudo bem, é apenas uma brincadeira! — Ajeitou algo em minha camisa, depois me olhou nos olhos e tocou-me a face — Boa sorte no show... — Tocou meus lábios carinhosamente — Não se esqueça de mim.

— Nunca! — Beijei seus dedos e ela sorriu — Desde que te tive em meus braços não faço outra coisa se não pensar em nós, Milena — Nos beijamos novamente — Me faria muito feliz se um dia fosse ver meu show. Sei que não gosta de minha musica — Milena revirou os olhos ainda me abraçando — Mas o de hoje será televisionado em prol de uma campanha beneficente. Você poderia assistir, não acha?

— Me deixa pensar... — Fingiu pensar — Acho que posso fazer esse esforço!

— Que bom, porque tenho uma surpresa... — Falei próximo de seu rosto em tom de suspense.

— Surpresa? Ah, eu adoro surpresa! — Se pendurou em meu pescoço.

— Vai ter que assistir ao show para saber, babá encrenqueira... — Milena sorriu e concordou.


Clara comia pipoca em uma grande vasilha sentada no chão.

Mallory cochilava no sofá grande ao lado de Sophia, que já dormia.

Caleb jogava algo em um vídeo game portátil de ultima geração e Lara se abraçava a sua boneca com a chupeta entre os lábios. Todos juntos na sala esperando para assistir ao show de Arthur.

Claro, ele estava lindo cantando e ficava melhor ainda um pouco suado e com uma toalhinha na mão. A camisa colava ao peito molhado. Clara ria de minha expressão quando algumas fãs subiam ao palco para abraçá-lo. A parte ruim era me acostumar a dividir meu Arthur com uma aglomeração de mulheres desconhecidas.

Os mais novos dormiram e apenas eu e Clara assistíamos ao final do show. A música dele, afinal, não era tão ruim assim. Talvez fosse a paixão, mas passei a achá-lo o melhor cantor do universo desde que ficamos juntos.

— Milena, essa é para você, meu anjo... Te amo!

— Ah! — Clara levou a mão ao peito — Que bonitinho! Meu anjo!

Atirei uma almofada nela, que mal conseguia conter a euforia por minha expressão constrangida. Arthur havia acabado de assumir para todos que éramos um casal. Que ele, o grande cantor bonitão, tinha uma nova namorada!

Te amo.

Essa palavra nunca mais saiu de seus lábios depois que fizemos amor.


O show acabou e após a virada da madrugada me dei conta de que era o aniversário de Lara.

A data não me era muito agradável porque também representava a morte de minha filha, a gêmea de Lara, mas de qualquer maneira representava mais um ano de vida de minha garotinha. Certamente deveria ser comemorado!

O motorista se encarregou de levar os mais velhos para a escola de manhã. Lara ficou em casa para escolher seu presente e corria na sala com Sophia enquanto eu esperava Milena terminar de se trocar no andar de cima. Ela foi rápida, desceu em pouquíssimo tempo procurando Sophia para pendurar uma pulseira nela e colocar um casaquinho.

— A mamãe arruma Sophia como se ela fosse uma bonequinha... — Lara comentou no banco de trás do carro, sentada ao lado da cadeirinha de bebê de Sophia. Ela também tinha uma.

— Sophia gosta de ficar bonita... Você também! — Ao meu lado no carro, Milena se virou para olhar Lara sorrir.

— Antes de você chegar nós nunca ficávamos tão bonitas como agora. Sabia que hoje faço cinco anos?

— Você já disse mil vezes, Lara — Revirei os olhos enquanto dirigia.

— E quando é seu aniversário, senhor Novateli? — Milena me perguntou interessada e a encarei rapidamente.

— Junho. Ainda falta um pouco... Mas nunca faço nada para mim, somente para Clara. Nosso aniversário é na mesma semana.

— Duvido muito que Clara se importará se fizermos algo no próximo — Apoiou o cotovelo na janela do carro, olhando para a rua de maneira despreocupada.

— Você viu meu show ontem?

— Claro que sim! — Milena esticou uma das mãos para tocar minha perna carinhosamente — Foi incrível, amor. Obrigado pela emoção que me fez sentir...

— Quando ouvi depois de ficarmos juntos pensei em você. Acho que por sua causa ganhei mais fãs do que já tinha antes... Meus seguidores dispararam depois do show! — Milena me deu um tapinha.

— Se aproveitando de mim para ganhar fãs, é isso? — Neguei com um aceno — Tudo bem, eu amei, se quer saber! Você é incrível! — Milena me beijou o rosto carinhosamente — E outra coisa... As garotas podem ser suas fãs, mas eu ainda sou sua maior fã!

— Realmente é você quem está falando Milena encrenqueira? — A gargalhada dela me garantiu que tudo aquilo era verdade.

Milena realmente me amava!

Lara nos levou até uma prateleira de bonecas na loja de brinquedo do shopping e escolheu várias delas. Também levou novos itens de decoração para o quarto, tudo aprovado por Milena, que a ajudou a escolher.

— Papai porque esses moços estão tirando foto de nós? — Lara questionou referindo-se aos paparazzi.

— Porque o papai é famoso e isso vai parar nas revistas, querida — Respondi baixinho. Ela olhou para as câmeras interessada.

— Papai, a mamãe e você vão ter um bebê como a Sophia? — Milena segurava uma Sophia adormecida em seus braços quando Lara disparou a pergunta. Trocamos um olhar engraçado e Milena sorriu constrangida.

— Talvez um dia...

— E como o bebê vai parar na barriga dela?

— Uma ajuda? — Sugeri a Milena, que riu baixo para não incomodar o sono de Sophia.

— É uma longa história, Lara... Uma longa história!


CAPÍTULO VINTE

 

 

— Posso entrar? — Mallory bateu vagarosamente na porta do quarto.

— Claro Mallory, entra... — Segui escovando meu cabelo em frente ao espelho junto de Arthur, que compartilhava algo sobre o último show.

— Está tudo bem filha? — Preocupado, Arthur se virou em direção a ela, que entrou um pouco hesitante carregando consigo um papel.

Mallory, que ainda usava a boina azul do colégio em seu cabelo, não era uma criança tímida, mas naquele momento se mostrava retraída. Dirigimos a atenção totalmente a ela, que parou a minha frente.

— Não tem problema, é só um presente... É para você! — Sorrindo envergonhada, estendeu em minha direção o papel.

— Um presente para mim? Obrigado! — Tomei o papel dela e analisei atentamente.

Foi um choque notar que se tratava de um cartão de dia das mães, aqueles feitos na infância pela professora e toda a turminha. O sulfite era rosa-claro e dentro dele havia um coração desenhado a mão. Havia também uma frase... Algo que realmente me fez conter a emoção, que já queria transbordar em lágrimas.

"Obrigado por aceitar ser minha mãe. Feliz dia das mães".

— Nunca tive uma mãe para presentear com os cartões da escola... — Encarei Mallory lentamente, incapaz de tirar os olhos do cartão em minhas mãos. Aquele presente inocente representava a maior responsabilidade que já assumi em toda vida, mas também o grande amor e gratidão que recebia em troca. Nada parecia mais valioso do que aquele simples pedaço de papel — Era muito chato olhar todos fazendo um e não participar... Agora que tenho você, Milena, tentei fazer o melhor que pude! Você gostou?

Não deixei que terminasse! A envolvi em um abraço emocionado, sentindo as lágrimas deslizando em meu rosto.

— É o cartão mais incrível que já ganhei na vida, Mallory... Muito obrigado! — Beijei seu cabelo loiro carinhosamente, afastando-me para olhar em seus olhos idênticos aos de Arthur — E saiba que dentro do meu coração vocês todos são meus filhos... Todos!

Mallory tinha lágrimas no rosto quando me abraçou novamente, ainda mais forte. A imagem de mim mesma aos nove anos assistindo a classe toda fazendo um cartão para as mães não saia de minha memória. O meu seria dado a minha avó, mas não era a mesma coisa. Nunca seria.

Lara não quis um aniversário, mas não pôde impedir os avós, a tia, minha avó e Bernardo de aparecerem na casa de Arthur mais tarde para darem os parabéns. Compramos um bolo muito bonito e alguns balões na intenção de comemorar a data especial. Arthur tentava ao máximo, mas não conseguia ocultar a leve melancolia em seu olhar. A data ainda era difícil para ele.

Cantamos os parabéns para Lara e Arthur a abraçou emocionado no momento de apagar as velas. Enquanto todos aplaudiam, seu olhar se tornou sombrio e triste. Era a primeira vez que comemorava realmente um aniversário de Lara, a data da morte de sua falecida filha.

Arthur saiu da sala vagarosamente enquanto todos saboreavam o bolo. Lara também saiu sem que ninguém notasse, mas eu sim. A segui até o andar de cima, parando na porta do quarto dela para observá-la sentada em sua cama abraçada a um urso de pelúcia.

— Está tudo bem Lara? — Erguendo os olhos azuis para mim, a pequena sorriu sem humor — Sua festinha não está legal?

— Sim, muito legal... — Respondeu com um sorriso sem humor — Mas eu sei que todos os anos meu pai chora no meu aniversário. Porque, Milena? Porque ele chora?

— Lara... — Caminhei até a cama dela e me sentei ao lado, acariciando seu cabelo claro — Como você sabe que ele estava chorando?

— Eu vi... Papai não gosta do meu aniversário? Não gosta de mim? — A abracei contra o peito, beijando seu cabelo.

— Seu pai te ama, querida! Muito! Se ele chora é por outro motivo, um que não tem nada a ver com seu aniversário, meu amor, eu garanto! — Lara me encarou de baixo — Um dia, quando for mais velha, você entenderá! — Toquei a ponta de seu nariz e ela sorriu mais animada — Confia em mim?

— Sim, confio! — Garantiu mais contente — Sei que papai não chora por mim, mas por Carina... É esse o nome dela, não é? Ele sempre diz que foi tudo culpa dela... — Minha garganta secou. Sequer tive noção do que responder.

"Os remédios, as drogas e tudo o que Carina fez afetou a gravidez. Com sete meses ela teve muitos problemas e as meninas nasceram prematuras... Oito horas depois de nascer, Laura faleceu na minha frente".

As palavras de Arthur ecoaram em minha mente como uma resposta a Lara, uma realidade dolorosa que não deveria ser exposta a uma criança de cinco anos. Carina havia sido indiferente a morte da filha. Aquela dor Arthur realmente não perdoava...

— Larinha olha...

— Carina é o nome da minha mãe de verdade, não é Milena? — Questionou com algumas lágrimas nos olhos azuis — Porque ela é tão ruim? Porque ela não quis estar aqui? Por quê?

Arthur comentou algo sobre as crianças começarem a questionar sobre a mãe aos quatro ou cinco anos. Foi assim com Caleb e também com Mallory... Agora era a vez de Lara. A pequena me abraçou emocionada, entre lágrimas, e tudo o que pude fazer foi abraçá-la de volta e lhe consolar com meu colo.

— Nem todas as pessoas são boas, Lara. Nem todos tem um coração. Alguns têm pedra no lugar dele e Carina é uma destas pessoas — Lara ouvia atentamente, ainda abraçada a mim — Mas não tenha sentimentos ruins por ela, querida, tenha pena... Um dia Carina vai olhar para trás e ver tudo o que perdeu... Então será muito tarde — Nos separamos e toquei seu rostinho tristonho —Por sorte você tem um pai com um enorme coração e eu... Que consegui encaixar no meu cinco crianças encantadoras! — Lara sorriu abertamente, secando as lágrimas na bochecha — Prometi que vou ficar para sempre e te garanto que essa aí, a malvada... Não vai fazer falta alguma! Eu prometo.

— Amo você, mamãe — Segurou meu rosto entre as mãos pequenas — E esse foi o meu melhor aniversário! Só porque você estava aqui... — A abracei novamente olhando para o céu fora da janela.

— Feliz aniversário Lara... — Sussurrei — Feliz aniversário anjinha.


— Então, como é que vai lá com o bonitão? — Arremessei uma almofada em direção a Ana Paula, que ria deitava na cama e comia salgadinho — Fiquei sabendo que está noiva...

— Bonitão? Olha o respeito, hein, sou ciumenta! — Sentada na penteadeira, eu terminava de passar meus cremes da noite. Passava o dia com minha avó enquanto os pequenos Novateli curtiam um passeio para a casa de verão com os avós — E não estou noiva, apenas comprometida!

— Falando assim até parece que não quer se casar com o bonitão... — Ana Paula se sentou na cama com o rosto confuso e agarrada a uma almofada — Pensei que você o amasse.

— Amo, Ana. Amo sim! Nem por um segundo duvido disso, mas é que às vezes tenho medo, entende? É tudo tão novo e tão forte... As crianças sentem medo de que eu as deixe, mas também existe a minha parte. Sinto medo de alguém arrancá-los de minha vida — Baixei o olhar e Ana seguiu me encarando.

— Amiga, não há nada que separe vocês dois.

— Carina — Respondi seguramente, olhando agora para as minhas unhas — Carina pode nos separar.

— A ex maluca dele? — Concordei finalmente encarando-a com a expressão dilacerada. Simplesmente pensar na possibilidade me tirava de órbita — Você só pode estar louca, Nena! Acha mesmo que o cara vai trocar a mulher que o ajudou a se reerguer por uma desalmada que o abandonou com os filhos em uma situação filha da puta?

— Se você não percebeu, Aninha, Arthur tem cinco filhos com ela e esse fato ninguém pode mudar! — Ana Paula parecia ainda indignada com minha colocação, mas se recostou a cama novamente devido a verdade contida na sentença — Aquela mulher conseguiu engravidar do Arthur cinco vezes e não foi atoa! Certamente sabe dobrá-lo muito bem e levar a situação a seu favor... Sem contar o psicológico, não é? As crianças podem dar outra chance se ela se propuser a mudar! Arthur faz tudo pelos filhos e duvido muito que resista novamente a tal Carina...

Cruzei os braços com o ciúme que me dominava. Nada daquilo era mentira, nada era um blefe! Carina engravidou das gêmeas e de Sophia mesmo separada de Arthur. A mulher certamente tinha poderes sobre ele.

— Aquela outra só fez o mal para eles! A única coisa boa que fez foi parir os pestinhas! Agora você... — Ana sorriu — Você foi o anjo que apareceu para resgatá-los e também Arthur foi seu primeiro homem, querida. Acha que ele não tem responsabilidades contigo?

— O que você quer dizer? — Cruzei os braços diante do peito.

— Quero dizer que quando você se entrega a um homem pela primeira vez e ele não some nos próximos dois meses quer dizer que vai te perseguir para sempre — Tive de rir das bobagens de Ana Paula, que sempre tirava o lado bom das coisas.

— É a coisa mais maluca que já ouvi, sério! — Ironizei — Não vivemos na idade média não, doida! A única obrigação que Arthur tem comigo é pagar meu salário no final do mês!

— Qual é Milena, você tem que ser mais segura de si, garota! Não quer o Arthur para sempre? — Assenti — Então ponha em sua cabeça que nada pode te separar dele, muito menos uma desqualificava como a abandonadora de filhos!

— Nunca pensei que teríamos essa conversa, Ana — Estalei os dedos — Falando em nisso, preciso que você me arranje o telefone de sua médica! Preciso de anticoncepcionais.

— Sou eu que nunca pensei que você me pediria o número da médica para usar anticoncepcionais com Arthur Novateli!

— Prefere que eu fique grávida?

— Não, claro que não! — Deu de ombros — E se ficasse também... Um a mais na coleção dele não ia fazer diferença! — Arremessei outra almofada nela.

Arthur me buscou no domingo e seguimos para sua casa.

— As crianças ficarão no natal, mas querem passar o ano novo com minha mãe na casa de verão. Ainda estou pensando na hipótese de deixá-los ir — Dirigia nenhum pouco contente — Chamou a nós dois, mas não sei... O que você acha?

— Vou para onde você for.

— E a sua avó?

— Vai passar o ano novo com meu irmão e o natal comigo — Relembrei a ele, que sorriu.

A noite de natal foi marcada por pequenos conflitos entre as crianças, mas estava claro o quanto o clima na família Novateli havia se modificado.

A mãe de Arthur ressaltava a todo o momento como tudo havia se transformado por aqui. Tudo era movimentado e animado, como sempre era junto das crianças, mas nosso sorriso morreu quando uma senhora de cabelo curto e branco e com os traços do rosto semelhantes aos de Lara e Clara apareceu na sala. A postura da mulher era extremamente elegante como a de Clara e o olhar egocêntrico. Arthur paralisou diante dela, segurando Sophia nos braços como se desejasse protegê-la.

Todas as crianças se recolheram atrás dele.

— Arthur, quanto tempo...

Todos na sala se calaram diante dela, até mesmo minha avó, que nem sabia de quem se tratava. Estava claro que era parente das crianças.

— Barbara — A voz de Arthur soou como um sussurro — O que faz aqui?

— Não vão cumprimentar a vovó, crianças? Quem é vivo sempre aparece... — Sorria para as crianças, que a encaravam com receio. Clara parecia sentir nojo.

— Todos, menos a sua filha! — Caleb respondeu sem sequer se mover no lugar.

— Porque é que você veio? Não queremos você aqui! — O tom de Clara era carregado de mágoa.

Arthur mencionou algo sobre a mãe de Carina jamais ter desejado que ela tivesse filhos. Que sugeriu que eles abortassem Clara.

— Clara, por favor... — Arthur pediu sem encarar a filha.

— Não pai! Avó somente tenho uma... Posso até considerar também a dona Damiana, mas essa... — Apontou para a senhora a frente deles — Nunca! Me recuso a recebê-la! Com licença!

Clara saiu da sala nervosa, passando por todos e Agatha a seguiu para cima. Permanecia estática diante de Arthur, que se desculpava com o olhar. Parecia disposto a tudo para defender os filhos.

Aquela era a mãe de Carina, afinal.

— Mamãe! — Sophia pediu meu colo e a mulher sequer disfarçou o interesse pela maneira como a garotinha me chamava. A tomei nos braços afastando-a dali como todos, deixando Arthur conversar com a mulher a sós.

Certamente aquela visita não representava um bom sinal.

Arthur não quis comentar nada sobre a tal mulher, muito menos pareceu à vontade com a surpresa de recebê-la. Contrariado, voltou para a sala e tentou sorrir, mas passou a maior parte do tempo conversando com seu pai aos sussurros. Clara notou meu desconforto e se sentou ao meu lado na varanda. As menores brincavam a nossa frente e Caleb jogava no celular.

A filha primogênita de Arthur mostrava-se cada vez mais próxima de mim. Cada vez mais madura, também. Depois do ocorrido com a menstruação, tudo mudou com Clara. Ela era linda e cada vez que a vi me lembrava de Carina, a mãe de todos. Se a ex-mulher de Arthur tivesse a mesma beleza de Clara realmente, eu jamais seria páreo para ela em tal questão.

— Você ficou baqueada com a visita da... — Apontou para trás de si um tanto desconfortável — Da mãe da minha...

— Sim, fiquei... Não adianta mentir — Clara concordou silenciosamente, ajeitando uma mexa de cabelo loiro atrás da orelha. Usava uma leve maquiagem nos olhos e um batom rosa discreto — Tudo mudou em minha vida no último ano drasticamente e me peguei pensando sobre, também.

— Mudou muito, imagino... — Sorriu de lado, segurando um copo nas mãos. O observava para ter onde olhar.

— Meu natal do ano passado foi regado à bebedeira e festa... Hoje estou aqui — Clara e eu trocamos um olhar alegre — Minha vida parece ter encontrado um sentido e não quero que ele seja desfeito.

— Realmente não consigo entender uma garota da sua idade, bonita e alegre, largando a vida e a juventude para ser mãe de cinco crianças que nem suas são — Torci os lábios diante as palavras de Clara — Fala sério, Milena... Eu sempre disse que você é doidinha!

A minha frente Arthur apareceu e começou a brincar com as meninas, correndo atrás delas e erguendo-as no ar. As risadas de Mallory, Lara e principalmente Sophia encheram o lugar de felicidade, fazendo todos ao redor sorrirem ao presenciarem a cena. Clara notou meu olhar apaixonado para eles e me deu um tapinha no ombro.

— Também pensei como você um dia, Clara. Pode parecer ingênuo, mas encontrei meu lugar no mundo quando cheguei até vocês — Confessei encarando diretamente os olhos azuis de Clara — Era apenas uma garota perdida e sem expectativas... Sem planos. Achei que a vida e o amor tinham acabado para mim quando minha mãe se foi, mas fui obrigada a colocar os pés no chão e crescer. Comprometi-me com vocês até o pescoço e sinceramente... Não sei o que seria de mim se Arthur tivesse me trazido para cá. Eu os ajudei, mas você também me ajudaram!

Clara tocou minha mão carinhosamente, mas depois a retirou e suspirou pesadamente, encarando fixamente os irmãos a sua frente.

— Sei como é se sentir sem lugar no mundo — Os olhos azuis demonstravam tristeza — Desde que nasci me sinto perdida... A única certeza que sempre tive é que meu pai, Arthur Novateli, voltaria para casa ao final do trabalho. Jamais pude verdadeiramente contar com a mulher que me colocou no mundo e deveria, ao menos, me proteger... Pelo menos sua mãe morreu, Milena. Não te abandonou — Clara ergueu os olhos transbordando lágrimas para meu rosto — Caleb e eu chegamos a pensar que éramos como as bonecas, jogados de mão em mão para qualquer um tomar conta. No final da brincadeira voltávamos para o papai e no outro dia tudo se repetia — Clara sorriu sem humor — Quando você chegou... Foi diferente demais para nós. Se nossa própria mãe nos repudiou, como poderia uma estranha nos amar?

Sorri para ela, tocando-lhe o cabelo claro com carinho.

— O amor não se explica, Clarinha. O amor acontece!

Clara deitou o rosto em meu ombro e deitei sobre a cabeça dela também. Assim ficamos por um bom tempo, finalmente selando o nascimento de uma amizade muito desejada e que duraria para sempre.


Passamos uma virada de ano incrível junto da família.

No primeiro dia do ano acordei na cama de Arthur com a perna sobre seu quadril, nua e feliz. A casa estava em completo silêncio, indicando que às crianças provavelmente ainda dormiam. Sentei-me na cama bocejando, notando que Arthur tinha os olhos em mim.

— Bom dia amor... — O beijei delicadamente, fazendo-o sorrir — No que está pensando?

— Em como tenho sorte por ter uma namorada tão linda e incrível... E no momento feliz em que ela aceitará ser minha esposa — O abracei e deitei o rosto em seu peito forte.

— Quem sabe um dia você tenha sorte e ela acorde de bom humor — Arthur acariciou meu cabelo delicadamente, sorrindo — Você me tem para sempre, Arthur — Senti um beijo em meu cabelo e fechei os olhos.

— Mas quero me casar, Milena. Quero ter uma bonita festa com meus amigos e familiares... Quero te ver de noiva e ter um álbum para mostrar aos nossos filhos — Ergui o olhar para ele — Quero fazer tudo com amor e de verdade. Nada errado como da primeira vez.

Ergui-me para beijar Arthur, que não perdeu tempo em deslizar as mãos por minha cintura, correndo os dedos em minha pele. Foi o suficiente para acender o fogo em meu corpo e o puxei para cima, acomodando-o entre minhas pernas. O telefone de Arthur tocou alto quando os lábios de Arthur me tocaram nos seios e afundei os dedos em seu cabelo pedindo mais.

Ignoramos, mas as chamadas persistiram.

— Droga... — Suspirou desanimado, esticando-se para alcançar o aparelho na mesinha ao lado — Alô?

Foram os segundos mais agoniantes de minha vida, certamente. O rosto de Arthur perdeu a cor aos poucos enquanto ouvia. Ele, que estava feliz, me olhava agora desolado e fatal. Senti o sangue gelar nas veias e o coração errar uma batida.

— Quando aconteceu? — A voz rouca soou baixa, o rosto distorcido em uma expressão dolorosa — Entendo... — Fechou os olhos e suspirou — Não há nada que se possa fazer? — Me encarou novamente — Tudo bem. Vamos imediatamente. Obrigado.

Arthur desligou e jogou o celular na cama. Sentou-se no lugar e baixou o rosto, pensando sobre o que deveria me dizer.

— Amor... O que aconteceu? — Tive medo de perguntar, mas não hesitei. Aproximei-me um pouco e toquei o ombro forte de Arthur, notando que ele não me encarava diretamente — Arthur...

— É a sua avó, amor — Disse lentamente e senti o mundo ruindo aos poucos.

— O que houve com minha avó, Arthur?

Finalmente esboçando reação, Arthur segurou minha mão e se aproximou o quanto podia. Vi a dor em seu olhar. A pena. Naquele momento eu soube... Era real.

— Dona Damiana teve um ataque cardíaco agora cedo. Seu irmão a encontrou no banheiro da casa dele.

— E onde ela está? — Me levantei naquele momento, agarrando minhas roupas do chão de maneira desesperada. Nada era visto por meus olhos, apenas uma nuvem turva de dor e desespero. Era como se a agonia comprimisse meu peito de maneira arrebatadora — Para onde a levaram?

Deixei as roupas caírem de minhas mãos quando Arthur me segurou delicadamente pelo braço, trazendo-me para perto novamente.

— Sinto muito meu amor... Sua avó se foi.


CAPÍTULO VINTE E UM

 

 

Milena, aquela fortaleza irretocável que chegou transformando minha família, nunca me pareceu tão frágil.

Finalmente havia chegado o momento de recompensar todo seu apoio, algo que ia além de nosso relacionamento e nossos sentimentos. O meu colo era todo dela e minha vida também seria. Milena precisava mais de mim do que nunca!

Caleb caminhava ao meu lado trajando um terno negro. Clara, ao seu lado, carregava Mallory pela mão, ambas usando um vestido negro e rendado até os joelhos. Sophia e Lara ficaram com Maria e Gabi em casa. Não entendiam nada ainda e talvez fossem tornar tudo mais difícil com tantas perguntas.

Minha mãe também nos acompanhava, emocionada demais para dizer qualquer coisa. Ela e dona Damiana tinham idades parecidas e se tornaram amigas no pouco tempo em que conviveram. A perda da simpática senhora era muito dolorosa para todos que a conheceram.

— Quando vão enterrá-la? — Minha mãe questionou chegando mais perto. O local do velório estava cheio e Milena e o irmão recebiam os cumprimentos de todos próximos do corpo.

— Já está tudo acertado — Minha voz ainda falhava pelo momento de tristeza — Vai ser daqui a pouco. Jamais pensei que dona Damiana fosse ir tão cedo.

— E a Milena, pai? — Caleb perguntou triste — Como ela está?

— Você ainda pergunta? A avó dela morreu! — Mallory sussurrou a ele.

— Está péssima, desolada... Sem chão! — Busquei palavras melhores para ser mais exato, mas nada parecia suficiente para descrever o enorme estado de choque e tristeza em que Milena se encontrava. A coragem para confortá-la era a única coisa que podia ser bom vindo de mim naquele momento — Sequer sei o que dizer.

— É uma ferida que nunca fecha... Nós sabemos bem — Clara comentou séria, nitidamente abalada — Onde ela está?

— Com o irmão dela na sala de velório — Apontei com um aceno — Precisamos dar todo nosso apoio a ela, crianças. Milena precisa muito de nós agora.

— Milena esteve comigo no momento em que mais precisei. Vou estar com ela aqui até o final — Clara olhava na direção em que apontei de maneira interessada.

— Pai, eu também — Caleb afirmou.

— Eu também não vou embora... — Mallory concordou.

O que significaria a morte de dona Damiana na vida de todos nós? Milena teria forças para continuar ou a grande força que vinha daquela maravilhosa mulher se abalaria com a perda a ponto de deixar tudo para trás, inclusive nós?


O que seria de mim agora? O que faria?

A morte de vovó era um imprevisto terrível, o meu pior pesadelo se tornando real. O que faria sem ela? O que seria de toda minha vida? As emoções criavam uma barreira ao meu redor e apontavam em direções diferentes. Uma delas me levava meu irmão e Ana Paula, que há pouco tempo moravam em outra cidade. A outra me levava a Arthur e as crianças.

Eles estavam lá e Arthur segurou minha mão o tempo todo. Trouxe os três mais velhos para acompanhar o enterro e me desejarem forças. Era isso o que representavam para mim... Forças.

Acabou.

O velório e o enterro. Vi vovó pela última vez.

Apenas seu sorriso pairava em minha mente e a saudade já apertava. As crianças foram para casa com Arthur e junto a meu irmão decidi ir até a casa de minha avó retirar algumas de suas coisas pessoais. Tiramos suas roupas, suas coisas que poderíamos doar e apenas deixamos seus pertences mais significativos. Eram poucas coisas, mas traziam boas lembranças.

— Não acho prudente que você more aqui sozinha, Nena. Não vai ser bom para você — Danilo acariciava meu cabelo enquanto nos abraçávamos na sala.

— Também não quero ficar aqui sozinha — Sussurrei com a voz sonolenta e algumas lágrimas descendo por minhas bochechas — É melhor colocarmos a casa a venda mesmo, Danilo. Não quero ficar lembrando a vovó a todo o tempo aqui sozinha.

— Você sabe... — Apoiou as mãos em meus ombros — No momento em que quiser morar comigo a minha casa vai estará aberta para você, Nena — Disse seguramente, subindo as mãos para secar as lágrimas em minha face — A vovó não ia querer te ver assim, irmã.

— Sei disso, irmão. Obrigado, mas... Você acabou de se juntar com a Ana e não quero ser a pentelha chata entre vocês — Revirei os olhos e ele sorriu.

— Você é minha única irmã — Voltou a dizer — E eu te amo. Não vou deixá-la sozinha.

— Não estou sozinha... — Danilo concordou — Ao menos acho que não.

— Sei que você tem seu trabalho e o galã... — Brincou — Sei que tudo isso é muito importante para você, mas saiba que não é obrigada a ficar com eles. Eu estou aqui e a casa da vovó será vendida, você pegará sua parte e pode comprar algo.

— Talvez eu compre, mas... — Hesitei e mordi o lábio — Arthur quer se casar comigo, já deixou bem claro e... Talvez eu aceite.

Danilo sorriu de lado, nitidamente emocionado com minha novidade.

— Quem diria... Minha caçula se casando! O Arthur é um cara bacana — Após pensar voltou a falar — Dá para ver que gosta mesmo de você por tudo que fez no velório da vovó, o carinho que teve conosco... É bom saber que você está com um homem que cuidará muito bem de você. Não quero que pense que estou te despachando... — Nós rimos juntos — Realmente acho que seu lugar é com ele e as crianças. Ao menos era o que a sábia dona Damiana dizia...

— E a dona Damiana sempre tinha razão! — Nos abraçamos emocionados.

— Qualquer coisa que precisar, não hesite em me ligar! Não pense que ficou sozinha no mundo, Nena.

— Você também, irmão. Obrigado.

Naquele momento, enquanto abraçava Danilo, tive a ciência de que o maior presente que minha mãe me deixou em vida foi um irmão. Arthur estava certo em prezar, mais do que tudo, o laço afetivo entre seus cinco filhos.

Ele jamais os separaria e nem permitiria que ninguém o fizesse!


Já era noite quando cheguei à casa de Arthur e parei na cozinha ao escutar a conversa dele e de Caleb.

— Já pedi Milena em casamento muitas vezes, mas ela não parece pronta para assumir o status de casada — A voz de Arthur era preocupada — Não quero deixá-la morando sozinha agora que tanto precisa de apoio...

— Persiste, pai — Me interessei na conversa, escorando-me na parede para ouvir melhor — Milena sempre gostou de você. Ela tinha receio de deixar a avó sozinha e estava certa. Agora as coisas mudaram entende? Agora, mais do que nunca, Milena precisa de nós.

— Está dizendo que Milena somente se casaria comigo por precisar? — Arthur soou ofendido.

— Acha mesmo que eu me casaria somente por isso, Arthur? — Entrei na cozinha vagarosamente, encarando os olhos verdes de Arthur com certa impaciência.

Meu rosto certamente estava inchado de tanto chorar.

Caleb e Arthur dirigiram o olhar para mim no mesmo momento, ambos sentados em frente ao balcão e com um copo de leite nas mãos. O garoto usava pijama e Arthur uma blusa de mangas longas escura e colada ao peito forte.

— Milena... Você não ia ficar com seu irmão na casa de sua avó? — Caleb pareceu confuso ao se levantar e se aproximar com o copo em mãos. Ofereceu-me um abraço e aceitei no mesmo momento.

— Terminamos tudo e pedi para que me trouxesse até aqui. Você se importa? — Me dirigi a Arthur, que parado atrás de Caleb esperava sua vez de me abraçar também.

— Essa casa é sua casa, meu amor. Sempre será — Me trouxe para perto de seu corpo e beijou minha testa — Porque não me ligou? Eu teria ido até você buscá-la.

— Não quis incomodá-la — Arthur deslizou um dos dedos em minha face.

— Você nunca me incomoda! — Me ergui para beijá-lo delicadamente nos lábios e Caleb logo foi saindo.

— Eu vou... É... — Apontou para a escada — Para o meu quarto. Boa noite Milena. Vai ficar tudo bem!

— Boa noite querido...

— Boa noite campeão... Obrigado pelos conselhos.

Quando Caleb saiu permanecemos por um tempo em silêncio. Arthur me abraçou novamente, deitando a cabeça em meu ombro e me circundando fortemente com as mãos no quadril. Amparada nele fechei os olhos e senti que sim, tudo ficaria bem. Realmente não estava sozinha e acho que minha avó sabia muito bem disso quando se foi.

— Amo tanto você... — Sequer me dei conta de que estava chorando abraçada a ele, com o rosto em seu peito e os dedos agarrados a sua camisa. Seus braços criavam um escudo ao meu redor e no momento era disso que eu precisava.

— Eu também, amor. Você é minha força constante e também serei a sua — Sussurrou ao meu ouvido com a voz mais doce que já ouvi — Sei como é difícil... Dona Damiana foi uma guerreira, viveu momentos bons e tinha muito orgulho dos netos. Muito orgulho de você, querida. Sei como dói perder alguém que deixa um vazio incapaz de ser preenchido.

No momento em que disse a última frase me dei conta sobre o que. Separei-me do abraço e olhei em seus olhos de baixo, lhe tocando a face carinhosamente.

— Sua filha também teria orgulho de você, assim como os cinco que estão ao seu lado. Você é um pai incrível e um homem maravilhoso... — Sorri para ele, que baixou o olhar de maneira constrangida — Parece incapaz de ver o quão valoroso é!

Arthur tomou a palma de minha mão e beijou-a com cuidado, com certa veneração.

— Você se transformou muito desde que te conheci, garota encrenqueira — Sorri de lado e revirei os olhos — Hoje é, certamente, a mulher mais incrível que conheço. A dona de toda minha vida.

Tocando-me o queixo, Arthur me beijou com carinho, envolvendo-me em seus braços fortes. Ali tive a certeza de que aquele sim era meu lugar no mundo.

Quatro semanas depois

Abri os olhos lentamente e me movi no colchão. Senti um leve respirar roçar minha nuca e me sentei na cama sem lembrar quem dormia comigo.

Esfreguei os olhos quando vi Sophia deitada de lado com as mãozinhas sobre o rosto em uma postura de anjo. Os cachinhos dourados e longos, quase nos ombros, caiam no travesseiro levemente junto à franja que pairava em sua testa. Arthur estava ali também, deitado do outro lado de Sophia.

— Bom dia.

— Finalmente acordou a bela adormecida — Arthur ironizou dando um sorriso bonito — Já são dez da manhã sabia?

— Sinceramente não sei o que está havendo comigo! Nunca fui de dormir tanto — Esfreguei os olhos e ergui os braços.

— Não tem problema nenhum... Essa é sua casa e você pode fazer o que quiser aqui.

— Mas ainda trabalho aqui. Esqueceu?

— Olha só onde está o seu trabalho... — Fez um movimento em direção a Sophia.

Estiquei a mão para entrelaçar na dele.

— Acho que vou acordar o meu "trabalhão" — Apontei Sophia — Se dormir tanto não dorme bem depois... — Sophia acordou resmungando e Arthur me seguiu até a cozinha em silêncio enquanto eu pedia o café de Sophia para Maria. A pequena agarrou sua mamadeira rosa e deitou no sofá da sala quietinha, sugando o bico e vendo o desenho. Arthur se sentou ao meu lado perto dela e me abraçou de lado. Deitei o rosto em seu ombro e suspirei — Já faz mais de um mês que minha avó se foi... — Comentei olhando minha aliança reluzente no dedo.

— Sim — Beijou meu rosto de leve — Passou bem rápido...

— Em breve fará um ano que nos conhecemos. Sophia está tão diferente de quando a vi pela primeira vez... — Sorri orgulhosa — Está incrível.

Estiquei-me para tocar o rosto de Sophia, mas me senti tonta no mesmo momento. Arthur notou minha maneira de se portar, tocando-me carinhosamente.

— O que foi? — Preocupado questionou. Levei a mão à testa e fechei os olhos.

— Eu... — Abri os olhos e tudo voltou a seu eixo. Nada mais tremia — Estou bem, Arthur. Foi só uma tontura. Tenho vivido emoções fortes, somente isso...

— Sei... — Me analisou com o olhar de cima a baixo — Vou observá-la, senhorita. Falando nisso... Vou até o shopping. Amanhã Caleb faz dez anos e vou comprar alguns presentes. Sei que o garoto é cabeça dura e não vai querer nada para a comemoração, mas vou presenteá-lo como merece. Sempre tem boas notas — Sorriu de ponta a ponta — Você vem conosco?

— Ah amor, eu adoraria, mas não vai dar! — Torci os lábios — Prometi ajudar Mallory com um trabalho da escola para entregar amanhã. É um pouco urgente...

— Mas você pode fazer isso depois — Segurou em minha mão — Vamos?

— Arthur... É realmente importante — Ele concordou e se aproximou para me beijar — Prometo que depois ficarei contigo o tempo todo!

— Está bem meu amor, agradeço por ajudar Mallory... — Sorriu apaixonado — Volto em breve.


Levei a pequena Sophia para um passeio pai e filha, uma vez que era realmente raro sair somente com um dos filhos e praticar o dia do filho único. Minha caçula já tinha três anos e meio e era muito mais comunicativa do que antes. Sua presença me enchia de alegria.

Depois de reunir muitas sacolas para Caleb comprei um cartãozinho e me sentei em um dos bancos da praça de alimentação para escrever algo importante. Por segundos permaneci com Sophia deitada em meu peito enquanto encarava o cartão através de meus óculos escuros. Caleb era um garoto emotivo que sempre prezou mais os cartões do que os presentes em si.

Nisso sim era parecido comigo.

Caleb,

Sei que em parte fui culpado por muitas lágrimas suas e também sei que nem sempre fui o melhor pai, mas posso garantir que cada lágrima que derramou feriu meu coração de uma forma que apensar saberá quando for pai também. Se hoje vivo é para te fazer feliz e agradecer pelo incrível filho que é. Meu único garoto.

Anseio milhões de anos em sua vida. Anseio muitos sorrisos. Não posso prometer ser o melhor, mas posso jurar que daria a vida pela sua sem pensar duas vezes. Toda noite quando penso no que passou nunca me arrependo de ter dito sim a sua chegada.

Escolheria novamente vocês e faria tudo de novo... Por mais que seja difícil, por mais que caia em meio à jornada, o orgulho que sinto de você é mais forte. O orgulho imenso que se baseia em saber que um dia meu único garoto será um homem melhor do que fui um dia.

Feliz aniversário filho. Eu te amo.
Com amor, papai.

 

— Arthur?

Entre as lágrimas silenciosas sequer notei a aproximação de alguém. Sophia se agarrou a minha blusa encarando fixamente a mulher parada a nossa frente. Aos poucos ergui meu olhar e percebi que não era uma imaginação.

Ela chamou meu nome.

Aquela voz que me perseguia em pesadelos novamente ecoava perante meus ouvidos.

— Ra... Carina?

Era como estar diante de um fantasma de alguém que se foi e retornava do além. Era como presenciar a indignação em sua mais pura forma, principalmente por estar com Sophia nos braços.

Sophia... A criança que aquela mulher desalmada a nossa frente encarava como uma desconhecida.

Tratava-se mesmo de Carina. Elegante como sempre foi, com seus inconfundíveis cabelos loiros e longos e a postura arrogante. Jamais poderia me esquecer daqueles olhos azuis e brilhantes... Os olhos de Clara, Caleb e Lara. O rosto bonito e marcado pelos anos que se passaram. Já não era mais a mesma, porém sua alma não mudava. Havia desconfiança em seu olhar gélido.

Surpresa, talvez.

— Arthur Novateli... — Sussurrou com meio sorriso, aproximando-se alguns passos — Você está lindo! Os anos te fizeram bem, posso notar.

— Como... — Olhei para os lados em busca de alguma pegadinha, mas novamente voltei-me para ela — Como se atreve a me dirigir a palavra? Será que não te resta um pingo de decência?

— Estou certa de que temos muitas coisas em comum, não acha? — Pela primeira vez dirigiu o olhar para Sophia, que se mantinha calada em meus braços — Certamente existe muito para conversar...

— Não... — Neguei veemente — Não existe nada entre nós. Nada que para você faça qualquer diferença.

Carina sorriu sem esconder a ironia. Desviou o olhar por algum momento, aproximando-se mais. Eu não a temia. Sempre a enfrentaria de igual para igual. Ergui mais o rosto, ainda desacreditado de que a tinha a minha frente.

— Você sabe que signifiquei muito em sua vida, Arthur — Apontou o dedo em riste para meu rosto. Não era capaz de ver a mulher linda que era, somente um demônio em forma de gente — Como também sabe que um dia irá me procurar e vou estar pronta para ouvi-lo.

— Então é melhor esperar sentada — Respondi com convicção, notando que agora tinha os olhos em Sophia.

— Sophia Aurora? — Questionou a mim apontando a caçula, que a encarava como uma desconhecida. Não expressei reação e Carina sorriu, encarando como uma afirmativa — É preciosa... Como Mallory, não é? A cópia perfeita do pai.

— Vamos querida — Falei a Sophia, afastando-a o quanto pude de Carina — Essa senhora já está de partida — O sorriso de Carina morreu nos lábios quando Sophia virou o rosto na direção oposta à dela — Até nunca mais!

Carina não me seguiu, permaneceu parada no lugar enquanto nos afastávamos.

Aquela situação era a mais irreal de toda minha vida! Como encaixar aquela aparição em um momento como este, justamente quando estava prestes a me casar com Milena e tão feliz com nosso entrosamento?

Carina não dava ponto sem nó e sua aparição certamente tinha um fundamento. Um fundamento que eu certamente deveria temer.


CAPÍTULO VINTE E DOIS

 

 

— Milena, está tudo bem com você? — Clara se sentou ao meu lado após terminar de correr ao redor da praça do condomínio que frequentamos toda tarde — Você parece cansada e aérea... Um pouco amarela.

Arthur havia saído com Sophia e após terminar as atividades com Mallory, segui com todos para a praça. As meninas brincavam ao redor do laguinho e Caleb as supervisionava.

— Deve ser a correria do dia a dia e a perda de minha avó, Clarinha... As coisas começaram a voltar ao eixo somente agora, mas estou bem sim — Sorri para ela, que ainda me encarava um pouco desconfiada.

— Tudo bem então... Deixa eu te falar — Virou-se em minha direção com um sorriso animado e os olhos azuis brilhando — O Guilherme do oitavo ano pediu para sair comigo! Quer ir ao cinema! Pode acreditar?

Sorri para Clara, dando-lhe uma cutucada na barriga. Ela ria feliz, parecendo, pela primeira vez, uma típica garota de doze anos.

— Claro que acredito! Você é linda e inteligente. É óbvio que alguém vai se interessar por você!

— Você só diz isso porque é minha madrasta — Revirou os olhos — Mas não pretendo namorar não! Se eu aceitar sair com ele vai ser apenas para conhecê-lo, não para algo sério.

— Também te acho muito criança para namorar, dona Clara! Seu pai vai surtar se souber... — Gargalhamos juntas.

— Os garotos somente querem sexo — Clara parecia certa do que dizia — E não estou preparada nem para pensar nisso!

— Bom mesmo! — Abracei-a de lado — Você tem muita vida pela frente para pensar nisso, querida.

— Milena, você e o meu pai já...? — Encarou-me interessada. Constrangida, desviei o olhar sentindo as bochechas coradas. Clara ria.

— Menina, isso é pergunta que se faça?

— Anda, me conta! Você é minha amiga antes de madrasta, não é? — Sussurrou mais perto e cocei a cabeça um tanto desconfortável.

— Claro que sim, Clara! Na minha idade não dá para ter um relacionamento baseado em beijinhos e mãos dadas, fala sério! — Clara deu gritinhos animados e me abraçou de lado.

— Que incrível! E foi bom? Como é? Dói mesmo ou é um mito? — Fiz um sinal para que se calasse e ela continuou rindo.

— Quer mesmo saber os detalhes de minha vida sexual com seu pai? — Clara parou de rir e coçou a cabeça levemente, caindo em si sobre o fato.

— Realmente... Não é muito animador pensar que meu pai e você... — Olhou-me dos pés à cabeça.

— Mas sim, dói. Não é algo muito confortável de início, mas depois vamos nos adaptando e se torna... Maravilhoso! — Clara me observava curiosa — Agora muda de assunto, isso já extrapolou todos os limites!

— Tudo bem... Sabe com o que sonhei hoje? — A alegria de seu olhar se desfez aos poucos — Que Carina tinha voltado — Torci os lábios em sinal de descontentamento, revirando os olhos com o simples pensamento — Acordei com a sensação mais agonizante do mundo, sabe?

— Imagino querida... Mas segundo Arthur, ela não pretendia voltar — Ficamos em silêncio durante um bom tempo — Vamos? Seu pai deve estar voltando.

Assim que me coloquei de pé tudo rodou novamente. Senti-me fraca e cansada, amparando-me em Clara para não cair.

— Milena? Está me vendo? Quantos dedos têm aqui? — Caleb chegou correndo para me ajudar com Clara. Sorri quando ele fez o número quatro na minha frente.

— Acho que foi uma quedinha de pressão, crianças — Tentei acalmá-los.

— Vou ligar para o papai! — Clara retirou o celular do bolso.

— Não precisa! Foi somente um mal estar... — Com a ajuda de Caleb e Clara me levantei vagarosamente — Preciso comer para melhorar.

Consegui convencer as crianças a não chamarem Arthur, porém não me livrei de que contassem sobre o ocorrido assim que chegamos a casa e o encontramos junto de Sophia.

— Papai, a mamãe passou mal na pracinha! Ela quase caiu no chão! — Lara disse agarrada a cintura de Arthur, que me encarou preocupado.

— Miena... — Veio em minha direção quando Lara o soltou, tocando-me na face — Passando mal novamente?

Os olhos preocupados de Arthur, presos em mim, me analisavam enquanto gentilmente me sentava no sofá da sala e se colocava ao meu lado. Segurando meus dedos nos seus, acariciava meu rosto.

— Não foi nada — Tentei acalmá-lo, segurando sua mão na minha e entrelaçando nossos dedos — Não comi bem, foi isso!

— Você está estranha, meu amor. Não quero que fique assim, passando mal. Que tal procurarmos um médico? — Neguei.

— Você também está estranho, Arthur Novateli — Toquei sua face carinhosamente, notando como seus olhos verdes pareciam perdidos — Aconteceu alguma coisa?

— É impressão sua, amor. Está tudo bem — Beijou-me na testa — Não quero que nada aconteça contigo... Seu bem estar é o mais importante para mim — Sussurrou ao meu ouvindo — Jamais vou deixar que sofra e muito menos que te tirem do meu lado. Somos um só, Milena. Um só...

O beijei carinhosamente, sentindo-o me envolver pela cintura. Deitei o rosto contra seu peito ouvindo o palpitar intenso de seu vigoroso coração. Algo ali não estava correto, eu podia perceber. Algo que em breve eu iria descobrir.

 

De todos os antigos fantasmas que considerei reencontrar na vida, a mãe biológica de meus filhos era o último deles!

A visão perturbadora daquela mulher que um dia foi a menina que amei e me deu cinco filhos ainda rondava minha memória quando cheguei em casa. Carina continuava linda... Continuava uma loira espetacular, capaz de fazer comigo crianças tão encantadoras... Mas seu coração parecia ter se endurecido mais e mais com o passar do tempo. O olhar descontente que lançou para Sophia, apesar de se gabar pela beleza de nossa filha, demonstrava o quão podre era por dentro.

Nossos filhos, as crianças que são sangue do sangue dela, jamais significaram nada!

Sophia assistia vídeos ao celular quando chegamos e encontramos a casa vazia. Sentei-me ao lado dela e sorri um pouco encabulado, notando que parecia curiosa.

— Papai... Quem é Carina? — Aos três anos, Sophia sabia falar e assimilar tudo. Apenas demorou a fazê-lo devido à falta de estímulos que Milena trouxe de sobra. Seus olhos verdes me analisaram curiosos — É sua amiga do shopping?

— Não querida... Aquela mulher não é minha amiga! — Sophia me encarava seriamente — É apenas alguém sem importância. Trabalha comigo. Não precisamos mais falar sobre ela, está bem? — Concordou com os cachinhos dourados balançando ao redor da face — Não precisa comentar nada com a mamãe...

Sophia deu de ombros e voltou a assistir seu vídeo. Esfreguei a face completamente tonto por pedir isso a ela, mas eu não podia estragar tudo com Milena justo agora que estamos nos dando tão bem!

Se Carina tinha um dom — além de parir e abandonar — era o de virar minha vida no avesso! Sempre que sou capaz de dar um passo, desta vez um enorme passo, à própria ressurge dos mortos e destrói tudo ao meu redor com sua presença devastadora.

— Garoto... — Mais tarde naquela noite quando todos foram se deitar, encontrei Caleb saindo da cozinha com um copo de achocolatado. O mesmo se deteve ao ouvir minha voz, caminhando em minha direção na sala escura.

— Senhor? — Respondeu educado, ajeitando os óculos na face — Está tudo bem pai?

— Senhor, Caleb? Assim me sinto velho! — Repreendi vendo-o sorrir. Traja um pijama azul de mangas cumpridas e tinha o cabelo loiro caindo na testa — Sente-se... Preciso... Preciso compartilhar algo que está me afogando!

Caleb franziu o cenho e se aproximou, colocando o copo de leite na mesinha à nossa frente e me encarando curioso. Não era muito fácil compartilhar aquilo, mas Caleb era o único de meus cinco filhos que agia com o lado mais racional. As meninas, principalmente Clara, eram emotivas demais e poderiam sofrer um grande baque se soubessem de meu encontro repentino.

— Estou ouvindo — Caleb se inclinou em minha direção e suspirei.

— Encontrei uma pessoa hoje — Anunciei vagarosamente, ainda sem encará-lo — Uma pessoa que faz parte de nosso passado.

Não precisou de muito para que ele compreendesse. Os olhos azuis de Caleb — exatamente como os dela! — cresceram no rosto e se tornaram desacreditados. Olhou para os lados certificando-se de que não havia ninguém por perto e se aproximou ainda mais, estreitando a distância entre nós.

— Hoje não é primeiro de abril pai... Não estou para brincadeiras!

— Não, filho... Não é brincadeira! Quem me dera se fosse! — Ergui o olhar para seu rosto e Caleb finalmente pareceu acreditar em mim — Fui ao shopping com a Sophia comprar o seu presente de amanhã — Conforme ouvia mais pálido ficava — E me deparei com ela, ali, na minha frente. Pensei inicialmente que se tratasse de um encontro casual, mas não! Vendo agora percebo que ela planejou tudo, Caleb. Queria realmente me encontrar ali.

— O que você sentiu ao vê-la?

A pergunta de Caleb me fez encará-lo ainda mais pensativo. O garoto era inteligente e sabia ir direto ao ponto chave da situação. Suspirei e me encostei no sofá, fechando os olhos enquanto pensava.

— Pensei que ela poderia destruir minha vida e tudo que tenho com Milena... Pensei o quanto ela é cínica e descarada... O quanto é coração de pedra! — Caleb me ouvia atentamente — Pensei que era o pior que poderia me passar na vida naquele instante. Somente espero que ela não venha atrás de nós.

— E você contou para Milena?

Apertei ainda mais os olhos, sentindo o peito ardendo pela simples menção do fato.

— Não contei... — Confessei descontente — Milena acabou de perder a avó e está se recuperando. Uma notícia assim a faria ficar mal novamente e é o que menos desejo agora. Vou contar sim, mas depois...

— Depois do que, pai? Não conhece a Milena? Ela gosta de uma confusão e se souber que Carina anda atrás de você... Vish!

— Depois que eu souber as verdadeiras intenções de Carina. Creio que não foi um encontro casual, mas não posso colocar a mão no fogo. Às vezes realmente foi, vai saber? — Dei de ombros.

— Ela não dá ponto sem nó, pai. Não se lembra? — Encarei Caleb notando o quão triste ficava ao recordar a mãe. Levantei-me e fui até ele, sentando ao seu lado e lhe dando um tapinha nas costas — Se não contar somente irá adiar o inevitável, pai.

— Tenho medo da reação de Milena — Confessei a ele, deixando clara minha fragilidade — Como acha que ela reagiria?

— Tenho nove anos, pai! Não tenho experiência alguma com as garotas e sei lá o que Milena vai pensar! Você é quem deveria saber, afinal, ela é sua noiva!

Prefiro não pensar nisso agora... E você — Apontei em direção a ele — Isso fica entre nós, certo? Conversa de homem aqui!

— Tudo bem. Você acha mesmo que eu seria capaz de contar algo? Do mesmo jeito que Milena tem segredos com Clara, eu também tenho com você.

— Como assim Milena tem segredos com Clara? — Caleb notou que falou demais — Que tipo de segredos?

— Coisa de garotas, pai. Esquece! — Me deu um tapinha no braço e ficou de pé, apanhando seu copo novamente — Vou subir... Vê se pensa bem no que eu disse, pai! Não entendo de garotas, mas entendo de mentiras e de Carina! É melhor ficar de olho aberto! Boa noite!

— Boa noite campeão...

Recostei-me ao sofá sentindo no fundo do peito que Caleb tinha razão. Mentiras e Carina eram uma combinação perigosa, ainda mais quando Milena fazia parte da equação. Tudo o que eu queria era me livrar de Carina para sempre e não correr nenhum risco de Milena, a mulher de minha vida, se afastar sequer por um minuto.


Há um ano trabalho para os Novateli.

Há oito meses tenho um relacionamento com Arthur.

Há cinco meses admitimos tudo para as crianças, finalmente.

Há seis semanas perdi minha avó...

Hoje estou aqui, completamente perdida em meus pensamentos com uma ideia estranha que parece ter me arrebatado a vida!

Como pude permitir que isso acontecesse, logo eu, que sempre enchi a boca para dizer que jamais aconteceria? Certamente me descuidei com a morte da vovó, deixando o passe livre para que Arthur fizesse o que faz de melhor...

Filhos!

Se eu não fizesse o teste jamais descobriria!

Limpei a garganta e dei um passo à frente, tomando em mãos o teste de gravidez na prateleira da farmácia. Engoli em seco ajeitando os óculos sobre o rosto e enfiando aquele e mais três testes dentro da minha cestinha de compras. Meu coração disparava e o corpo tremia...

— Esse teste é de confiança! O que apontar é a verdade! — A moça do caixa comentou simpática, passando minhas compras. Apesar de meus pés baterem no chão em nervoso, consegui sorrir para ela.

— Espero que seja mesmo e... Sabe me dizer exatamente quais são os sintomas? — Questionei confusa — É que nunca aconteceu comigo antes, entende?

— Existem vários... Varia de pessoa para pessoa. Os mais frequentes são tontura, enjôos, vômito e cansaço. Seus seios incham e o clássico... Falta de menstruação — Explicou-me calma, fazendo seu serviço depois que lhe passei uma nota de cinqüenta para cobrar o valor da compra — A sua atrasou?

— Sim... — Respondi impaciente, mas interessada no assunto — Duas semanas. Mas pode ser somente um atraso, não pode?

— Duas semanas? — Mexi no cabelo depois que ela me passou o troco e empacotei minhas coisas. Um sorriso apareceu em seu rosto — Então presumo que já sei o resultado, querida. Parabéns! — Piscou me passando as sacolas.

Sai da farmácia em direção ao carro tremendo, o meu rosto em chamas e o suor pingando por minha testa. Olhei em volta antes de entrar no veículo, jogando a sacola em qualquer lugar e ouvindo algum brinquedo fazer barulho no banco de trás. Soltei o ar pegando o volante, pensando sobre as infinitas possibilidades.

Arthur e eu morávamos juntos e ficava difícil me recordar de quando fizemos sem proteção. Recordo-me de uma vez... Apenas uma vez! Seria possível? Dirigi pensativa em direção à casa de Nanci para buscar Sophia, que estava passando à tarde com a avó.

E se eu estivesse de fato grávida?

Arthur estava maluco para nos casarmos logo e essa seria a desculpa perfeita... Havia o lado bom de eu já saber como cuidar de bebês por causa de Sophia e estar adaptada a uma vida em família com filhos, mas como as crianças reagiriam diante da novidade?

Mesmo com experiência, jamais pensei em ser mãe no sentido biológico. Nunca senti uma criança dentro de mim e tão pouco almejava o feito. Tudo parecia irreal! Depois de conhecer os Novateli ter um filho meu, de meu próprio ventre, era um plano impensado!

— Milena, porque tem quatro testes de gravidez na minha cama? — Clara perguntou mais tarde, quando esvaziei a sacola da farmácia sobre a cama dela. Seus olhos saltaram no rosto — Ah meus Deus, você... — Tapou a boca com as mãos — Ah!

— Shhh... — Mandei se calar, vendo a porta fechada — Não sei de nada ainda! — Expliquei sentando-me na beira da cama — Mas tenho que ter certeza.

— O que te fez pensar? — Pegou um dos testes nas mãos e sentou-se na cama.

— Minha menstruação está duas semanas atrasada — Expliquei temendo a reação dela — E ando com tonturas, se lembra?

Clara concordou.

— O papai já sabe?

— Não... Ainda não tive coragem de dizer nada e tão pouco sei se é real — Clara me observava com certo desespero no olhar. Era exatamente como eu me sentia — Não sei como deixei isso acontecer, Clara!

— Bom... Vocês transaram! Isso pode acontecer, não é? — Encarei-a um pouco constrangida — Não é o fim do mundo, Milena, para! Meu pai já tem cinco filhos, um a mais não vai fazer diferença!

— Nunca pensei ter sobre filhos, Clara. Nunca desejei ter um filho biológico — Clara se sentou ao meu lado, colocando em minha mão um dos testes.

— Você algum dia pensou que teria cinco adotados pelo coração? — Sorri para ela, pegando o teste — Então! As coisas acontecem e cabe a nós seguirmos em frente! Às vezes uma coisa que parece ser o fim do mundo é um novo recomeço... Aprendi isso com você, babá.

— Ai Clara... — Nos abraçamos — Quem diria que você se tornaria minha melhor amiga?

— Quem diria que você se tornaria a minha? — Rimos juntas.

Fomos direto ao ponto e fiz os testes, todos juntos e de uma vez.

— O que acontece se eu estiver grávida? — Meu dedo estava entre os lábios e meus dentes roeram a unha nervosamente. Clara estava de braços cruzados e um tanto apreensiva olhando os testes na estante do quarto dela.

— Daqui nove meses nasce, não é óbvio? — Revirei os olhos diante da brincadeira — E meu pai vai ter mais uma letra para tatuar no peito.

Um barulho forte se fez no andar de baixo e mesmo com toda a tensão, Clara e eu corremos até a escada. Descemos com pressa e encontramos Caleb saindo do quarto no mesmo minuto. Sophia estava no colo do irmão e Lara olhando atentamente da porta de seu quarto com certo receio de se revelar. Juntos, descemos as escadas até alcançarmos a parte da frente da casa.

— Não, não pode ser! — Clara sussurrou quase em estado de choque, tapando a boca com as mãos.

Os olhos azuis da primogênita, fixos a sua frente, encaravam a mulher ali presente. Caleb estremeceu, aos poucos colocando Sophia no chão. Apesar de confusa, não poderia me enganar e dizer que não sabia de quem se tratava. Constatei na hora quem de fato era a mulher parada ao lado de Mallory no gramado dos Novateli.

O vestido escuro, apertado e curto lhe caia muito bem. Os sapatos altos sustentavam seu corpo elegante e o cabelo era tão loiro e alinhado que me causava náuseas. O que mais me chamou a atenção foram os olhos azuis, idênticos aos de Clara, Caleb e Lara, presos totalmente em minha direção.

— Clara, Caleb, Lara! — Mallory gritava animada — A mamãe voltou!


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

 

 

Era começo da noite quando meu carro estacionou no estacionamento do condomínio.

Não pude trabalhar o dia todo pensando sobre Milena e o ocorrido com Carina, por isso decidi contar tudo a ela de uma vez! Não fazia sentido esconder algo da mulher que amo, muito menos algo relacionado ao fantasma da mãe de meus filhos que ela criava como seus.

Ao alcançar o gramado central, deparei-me com uma cena que me fez estremecer dos pés à cabeça.

— Clara, Caleb, Lara! — Mallory gritava parada em frente a uma figura familiar e esbelta — A mamãe voltou!

Senti como se o chão faltasse ao ver Clara, Caleb, Sophia, Lara e Milena olhando em direção a Mallory e Carina no jardim de minha casa. Clara e Caleb pareciam estáticos, realmente diante de um fantasma aterrorizante! Milena tomou Sophia nos braços rapidamente, protetoramente. Lara agarrou-se à perna de Milena, escondendo-se ali.

Cabia a mim fazer algo sobre isso.

Por um momento estudei Carina de costas e ela se virou em direção a mim aos poucos, encarando-me de maneira afrontosa. Mallory, que sempre quis ter a mãe de volta e sonhava em vê-la novamente em toda sua inocência, tinha lágrimas nos olhos parada ao lado da genitora. Exibia-se em um belo penteado e um lindo vestido amarelo. Queria mostrar-se bela para que Carina sentisse orgulho dela.

A beleza física era uma das poucas coisas que Carina verdadeiramente prezava no alto de sua futilidade

— O que você está fazendo aqui? — Rígido, aproximei-me medindo-a dos pés a cabeça com o maior desprezo que pude reunir. Cedo ou tarde isso aconteceria, era inevitável.

Ela havia me garantido que me procuraria, somente não achei que fosse tão cedo.

— Você não foi compreensivo em nosso último encontro, então eu mesma vim te procurar — Deu de ombros, vindo em minha direção. Retirou os óculos escuros da face e me observou mais de perto. Recuei dois passos e ela parou de se mover. Abaixou o olhar para Mallory — Ninguém ficou feliz com a minha presença... Somente você, querida Mabel.

O sorriso de Mallory se desmanchou enquanto Carina acariciava-lhe o cabelo dourado. A menina deu um passo para trás e encarou-a desolada, segurando o choro nos olhos verdes.

— Meu nome não é Mabel! Meu nome é MALLORY! — Cruzou os braços sobre o peito, sentindo-se menor do que já era.

Antes que Carina dissesse qualquer coisa, Caleb se aproximou e tirou a irmã dali, levando-a pelos ombros até os irmãos e Milena.

— Mallory, sua boba! Duvido que ela ainda lembre quem é quem entre nós — O garoto disse em alto e bom som — Ela nunca gostou de nós, nunca!

— E você disse errado, Mallory... A mamãe não voltou. A única mamãe que tivemos em toda a vida está aqui do meu lado! — Clara fez questão de não olhar nenhum segundo para Carina enquanto abraçava Milena pela cintura. Vi o rosto de Milena corar e seus olhos desacreditados ficarem sem reação em relação à presença de Carina.

Carina não parecia em nada comovida pelo choro de Mallory, muito menos pelas palavras dos demais. Ainda seguia firme e irônica.

— Clara — Pronunciou alto e claramente, virando-se para a direção deles. Clara a encarou devagar, os olhos azuis idênticos presos um no outro — Segue sendo uma patricinha caprichosa e como eu suspeitava... Já é uma mulher muito bonita! Se parece muito a mim.

Clara olhou para si mesma com repulsa no olhar, engolindo em seco diante da verdade. Era realmente parecida com a mãe, mais do que qualquer um deles poderia desejar.

— Mulher? Ela tem doze anos! — Caleb disse irritado.

Mallory chorava contra a saia de Milena, que tentava consolá-la enquanto segurava as menores. Trocamos um olhar desesperado.

— Milena, meu amor... — Segui com os olhos em Carina — Leve as menores para dentro, por favor. — Carina torceu os lábios em descontentamento diante de minha frase. Milena olhou para ela nervosa, mas se atentou mais às meninas ao seu redor. Era a única capaz de protegê-las como necessitavam. Concordou com um aceno e saiu com as três, levando-as para dentro — Vou perguntar apenas uma vez — Ergui um dos dedos — O que veio fazer aqui?

Severamente aproximei-me de Carina. Clara e Caleb permaneceram na varanda tomados pelo desgosto.

— Quero ver as crianças. Será que isso é pedir demais? — Estreitou o olhar ameaçadoramente — Por acaso esqueceu que eu os trouxe ao mundo?

— Infelizmente você os trouxe ao mundo, não é? Foi isso que me disse antes de abandoná-los... Que eram o pior feito de sua grande e maravilhosa vida! — Carina revirou os olhos com expressão entediada — Você não tem direitos aqui, Carina. Porque voltou? O que realmente deixou para trás?

— A fortuna do meu pai, óbvio! — Clara gritou nervosa.

— Se engana se acha que não tenho qualquer direito... — Limpou um pouco de batom borrado no rosto — Sou a mãe de todos eles, querido. Todos!

— Quando se abandona o lar e os filhos, querida — A imitei, debochando — Seus direitos, ó... — Fiz um sinal de explodindo com as mãos — Vão para o espaço!

— Tudo isso — Apontou para mim de cima a baixo — É dor de corno porque te troquei por outro, Arthur? — Estreitou o olhar — Jamais pensei que me amasse tanto...

Tive que rir de maneira estridente, vendo a maneira como Clara e Caleb pareciam indignados.

— Carina... Como você é engraçada! — Suspirei após rir — Ir embora foi a melhor coisa que fez por nós em todo esse tempo! Não poderia ter dado melhor presente para seus filhos do que libertá-los de sua presença! Agora sim temos uma mulher de verdade e que realmente nos ama aqui em casa... Agora sim tenho ao meu lado uma verdadeira mulher de valor, uma mulher que sabe ser mulher... Entende?

— Claro que não, pai — Caleb respondeu atrás dela — Como poderia?

— É melhor ir, Carina... É melhor evitar que eu chame a segurança para te tirar daqui — Apoiei as mãos na cintura enquanto a encarava.

— Se não quiser ouvir o que tenho a dizer, Arthur... Saiba que meus advogados entrarão em contato com você! — Apontou para mim nervosamente — Preciso de dinheiro e você vai me dar se não quiser problemas maiores com seus anjinhos! Aguarde-me!

— Saia! — Clara gritou atrás dela, fazendo Carina encará-la — Vá embora e não volte nunca mais!

— Vá embora! — Caleb gritou também e os dois começaram um coro desenfreado.

Não precisei de mais nada para que saísse. O desprezo das crianças a fez sair sem nada dizer, caminhando para seu carro vermelho com o rosto baixo e contrariado. Dei as costas e sai nervosamente em direção à varanda. Quando passei, Clara e Caleb me seguiram de perto em silêncio absoluto. Assim que entrei bati com força contra Milena, que apenas não caiu porque a segurei contra o peito.

— Arthur, onde aquela vagabunda está? Vou eu mesma dar uma lição nela! — Tentava se soltar, mas eu a segurava ainda contra mim — Quem ela pensa que é para fazer Mallory chorar daquela maneira? Como pôde usar de tanto desdém com a menina? A pobre está se debulhando em lágrimas, Arthur!

Clara e Caleb passaram para a sala com as menores e tratei de erguer o rosto cansado de Milena para mim. Parecia uma leoa disposta a tudo para proteger seus filhotes.

— Ela já foi Milena... — A coloquei entre meus braços, segurando-a — Não vale a pena entrar em conflito com ela. Carina não vale nada!

— Vadia! Ordinária! — Praguejava nervosamente — Porque Arthur? Porque essa mulher veio até aqui perturbar as minhas crianças que estavam infinitamente melhor sem ela?

Milena chorava. Sim, chorava! Sentia na pele a dor de Mallory, que finalmente notou que a mãe realmente não ligava para ela. Sentia a tristeza de Clara e Caleb, aquela ferida que nunca cicatrizava... Sentia a confusão de Lara e Sophia, que sequer sabiam de quem se tratava a estranha.

Milena sentia e essa era a diferença entre elas.

Milena tinha um coração. Milena era mãe, mesmo que não fosse!

— Quer dinheiro e vai fazer o que puder para me tirar o quanto precisa — Expliquei cabisbaixo, ainda com o rosto de Milena próximo.

— Era isso que você estava me escondendo, não era? — Concluiu passando as mangas da blusa na bochecha e secando melhor o rosto — Não é a primeira vez que essa bruxa te procura, não é? Por isso você estava estranho...

— Milena... Você acabou de perder sua avó. Acabou de passar dias terríveis! Apenas não quis te preocupar e...

— E me escondeu que sua ex te fez visitinhas, Arthur? — Ironizou entre lágrimas silenciosas, sorrindo nervosa — Que incrível! Quantas vezes vocês se viram? Por acaso aproveitou para fazer mais um filho nela, como acontece todas às vezes quando vocês se reencontram?

— Milena, para! — Pedi cordialmente — Está sendo imatura...

— Imatura? — Ela se afastou quando tentei alcançá-la — Acha imaturidade se zangar porque meu noivo, o homem que dorme comigo na mesma cama todos os dias, me escondeu que andou vendo a ex? Não somente uma ex qualquer, mas a mãe de seus cinco filhos, uma fulana que sempre engravida dele quando reaparece? Não foi assim, entre encontros e desencontros, que vocês fizeram as gêmeas e Sophia? — Com as mãos apoiadas na cintura, Milena me encarava duramente com as lágrimas marcadas no rosto — Isso é ser imatura para você? Tudo bem, sou imatura! Mas não esquece que tenho vinte e dois anos e você trinta! — Apontou meu peito com o dedo em riste. Fechei os olhos diante de sua fúria. Jamais vi Milena daquele jeito antes — Você... Mentiu.

— Menti não! Ocultei! — Retifiquei e Milena cobriu os lábios com as mãos, totalmente baqueada — Fiz isso para não machucá-la! Para protegê-la de ainda mais dor!

— Dor é descobrir que não confiou em mim em algo tão sério, Arthur! — Esbravejou e suspirei — Dor é saber que não pensou no que eu sentiria ao encontrar essa mulher no seu jardim, assim, do nada, sabendo que vocês se vêem as minhas costas! Você disse que tinha nojo dela! Que a odiava! E agora... Agora sai às escondidas com ela, é isso? — Neguei já sem forças — Sabe de uma coisa? Você nunca vai esquecê-la! Nunca vai realmente tirá-la de sua vida!

— Não é assim, Milena! Espera! — A segui até a garagem e Milena entrou em seu carro, retirando a chave do bolso — Aonde vai, Milena? Espera!

— Pensar... Preciso pensar um pouco sobre tudo, Arthur.

— Milena! — Gritei o nome dela por segundos até o carro sair do condomínio, parado ali com as mãos na cabeça.

Voltei para dentro da casa em busca das crianças, nervoso por não saber se acudia meus filhos ou ia atrás de Milena. Clara estava com os irmãos ao redor do corpo e os cinco me encaravam com desdém.

— Não precisa falar nada Clara! — Adiantei-me sentando no sofá e suspirando. Mallory correu para o meu lado, ainda chorando pela mãe — Já sei que fiz errado!

— Eu disse que ia dar ruim, pai — Caleb murmurou sem ânimo — Agora lascou de vez!

— A Milena não vai voltar mais? Ela também nos deixou? — Mallory soluçou entre lágrimas. Toquei seu cabelo e beijei seu rosto.

— A Milena também foi embora? Não, papai! Não! — Lara correu até mim, agarrando-se a minha perna — Vai atrás dela! Traga ela de volta, pai!

— Mamãe... Cadê minha mãe? — Sophia choramingava também.

— Quem foi que disse que Milena não vai voltar? — Tentei acalmá-las — Foi apenas uma briga!

Eu espero!

— Você não confiou nela, pai. Isso foi... Tenso! — Clara sentou-se junto de Sophia, que abraçava a irmã com fervor.

— Querem parar de me fazer sentir pior do que já estou? — Vociferei — Sei que errei, tenho consciência de meus atos, mas não vou deixar que Milena saia de nossas vidas por algo tão... — Suspirei — Por Carina! Não vou deixar!

— Então é bom você fazer algo, pai — Caleb incentivou — Porque ela saiu daqui bem nervosa!

Demorou até que as meninas se acalmassem e ficassem bem ao lado de Maria e Gabi, que colaboraram muito para o processo. A única coisa que as fez aceitar minha saída foi saber que eu pretendia ir atrás de Milena, viraria céus e terras para encontrá-la!

Subi para o quarto em busca de trocar de camiseta, mas antes passei no de Clara para pedir que ficasse de olho nas irmãs.

— Clara... Vou atrás de Milena e preciso que fique de olho nas meninas — O quarto cor de rosa estava vazio e o chuveiro era ouvido. Clara tinha subido a pouco e tomava banho. Impaciente, caminhei pelo quarto até que saísse do chuveiro, mas não sem antes parar em frente a estante e me deparar com testes de gravidez.

Peguei os mesmo em mãos, analisando ainda mais perto do rosto para ter certeza de que realmente era o que eu pensava! Um arrepio me percorreu a espinha quando a porta do banheiro se abriu a minha filha de doze anos saiu do banheiro envolta em um roupão rosa e com a toalha na cabeça.

A mesma paralisou ao me ver também, olhando fixamente para os testes em minhas mãos. Os olhos azuis estavam maiores do que o rosto pálido.

— Clara... — Sussurrei quase sem voz — O que significa isso?

— Pai, eu juro que... — Sequer conseguia falar com a voz presa na garganta e a língua travada — Pai... Eu posso explicar. Não fique bravo!

Meu sangue subiu imediatamente e passei a ver tudo à minha frente completamente borrado pela raiva. Arremessei os testes no chão e Clara se abaixou para pegar, nervosa por minha reação.

— Como isso aconteceu, Clara? Como? — Gritei a ela, que ainda me olhava ajoelhada.

— Não sei pai! Quem deveria saber é você! — Colocou-se de pé um pouco mais calma, porém ainda apreensiva com o teste em mãos. Aquilo parecia ser um pesadelo completo! — Era só o que me faltava! Você me culpar por isso ter acontecido... — Observava os testes muito interessada.

— Não acredito que foi capaz, Clara! Não acredito que... — Passei os dedos entre o cabelo totalmente descontrolado, gritando mais que a garganta. Clara me interrompeu.

— Espera... Você...

— Eu, Clara? — Gritei frente a seu rosto e ela se assustou — Há quanto tempo sabe disso? Há quanto tempo está me escondendo isso, garota?

— Ela somente me contou hoje — Sussurrou amedrontada — Pai, você está fora de si! Ela vai voltar, calma!

— Milena também sabia disso? — Olhei para a barriga dela e finalmente Clara compreendeu.

— É claro que sabia! Pai, do que você está falando? Como a Milena ia não saber que está...?

— Você tem doze anos, Clara! Doze! Como Milena foi capaz de me esconder que você... — Suspirei me sentando na cama dela com uma das mãos no peito.

— Pai... É sério? Você está realmente pensando que os testes são meus? — Clara riu de minha expressão, se divertindo — Pai... — Segurou meu rosto — Quem está suspeitando de uma gravidez é Milena, não eu! Fala sério, pai!

Demorei alguns segundos para processar a informação, encarando fixamente seus olhos azuis.

— Então você não está grávida? — Ela assentiu negativamente — Graças a Deus! — Abracei-a com força — Que pesadelo, filha! Por um minuto pensei que...

— Pai... Eu não estou grávida, mas pelo que vejo nos testes — Colocou um teste positivo na frente do meu rosto — A Milena está!

 


Sentada no meio fio da calçada, chorei em silêncio enquanto os carros passavam na rua sempre cheia de meu antigo bairro.

— Vó, a senhora me faz tanta falta... — Sussurrei abraçada a meus joelhos, observando as crianças correndo enquanto jogavam futebol juntas na pracinha — Se a senhora estivesse aqui provavelmente surtaria com a notícia, mas me apoiaria, estou segura! — Sequei algumas lágrimas na bochecha — Como pude deixar isso acontecer?

Meu telefone tocou no bolso pela centésima vez e me estiquei para apanhá-lo. Como bloqueei o número de Arthur, provavelmente era meu irmão ou Clara.

Observei o visor. Ana Paula.

— Oi... — Disse quase sem voz.

— Maluca... Estou preocupada contigo! — Vociferou apreensiva e revirei os olhos — O Arthur ligou aqui para o Danilo muito preocupado porque você desapareceu! O que houve mana?

— Houve que Arthur andava se encontrando com a piriguete abandonadora de crianças nas minhas costas! Houve que ele estava vendo a mãe dos filhos dele sem me dizer uma palavra! Entende isso? Entende como me sinto? — Ana ficou em silêncio — Aquela mulher sempre domina o Arthur! Sempre consegue dele o que quer!

— Mas ela é passado, amiga. Você sabe que...

— Que sempre que se encontravam ela voltava grávida? Arthur não a engravidou tantas e tantas vezes à toa, Ana! Arthur jamais vai esquecê-la! — Voltei a chorar de soluçar e Ana Paula apenas me ouvia.

— Onde está sua segurança, garota? Acha mesmo que Arthur vai trocar a pessoa que o ergueu por uma que o jogou no fundo do poço? Só se o cara não tiver um pingo de dignidade! — Apenas funguei profundamente enquanto pensava — Nunca te vi tão emotiva, amiga. Onde você está?

— Estou inchada, com frio e grávida, Ana Paula! — Gritei em meio à rua barulhenta — Sentada em frente à casa vazia de minha avó que está morta!

— Grávida? — Ana gritou do outro lado — É sério Milena? Você pegou barriga daquele... Reprodutor?

— Não vi o teste, sai antes de casa... Mas acredito que sim, amiga. Tenho quase certeza de que estou grávida de Arthur Novateli.

— Amiga... — Sussurrou do outro lado — Então levanta daí e vai atrás dele, Milena! Não fica passando nervoso grávida e sozinha, mulher! Tira da tua cabeça que Arthur quer a outra... Isso é ilusão! Você é a realidade agora, Nena. Apenas está insegura e ciumenta porque nunca antes se apaixonou, amiga.

— Insegura e ciumenta, eu? — Ironizei secando a face com a manga da mão livre — Fala sério, Ana...

— É a única explicação! Você saiu correndo de lá porque ficou com medo da outra voltar e tomar seu lugar na vida de Arthur e das crianças! Ficou horrorizada com a possibilidade de perdê-los!

Calei-me diante das palavras dela. Era exatamente sobre isso! Carina ter aparecido significava uma ameaça a minha estadia com as crianças e meu relacionamento com Arthur... Ao menos em minha cabeça. Arthur ter se encontrado com ela sem me dizer nada também influenciou para que a tempestade se instalasse na mente de uma grávida e sensível mulher apaixonada pela primeira vez.

— Não quero perdê-los, Ana... Não quero ficar sem Arthur e as crianças... — Confessei baixinho — Não quero ficar sem Sophia! Ela é minha filha, sabe? Não nasceu de mim, mas nasceu no meu coração! É o maior amor de minha vida, é a minha razão de viver — Voltei a chorar baixinho — Não importa quantos filhos eu tenha, Sophia sempre será minha primeira filha!

— Volte para lá e converse com Arthur — Aconselhou e concordei — Converse como adulta e mãe que agora você é! Pense em você, nas crianças, em Sophia e no bebê que está em seu ventre!

— Ainda não tenho certeza absoluta...

— Milena! — Repreendeu.

Ana me repreendeu por mais alguns minutos até desligar o celular. Encarei o céu estrelado caminhando vagarosamente até meu carro, estacionado no meio fio. Desbloqueei o número de Arthur e não levou nem um minuto até que meu celular tocasse em uma chamada dele.

Ignorei e comecei a dirigir, pensando se realmente deveria dar uma oportunidade de ouvi-lo e esquecer meu ciúme idiota. Ciúmes dele. Das crianças. Da vida que construí e aquela abandonadora poderia colocar em risco!

— Me desculpe, bebê. Sua mãe aqui está muito sensível — Sussurrei para meu ventre — Nunca fui mãe antes, por isso me dê um crédito! — O sinal fechou e olhei de relance para a foto que eu tinha das crianças no visor do meu celular. Arthur e eu com os cinco anjinhos no parque. Sorri de canto sentindo as lágrimas rolando na face... — Ana Paula tem razão. Eu já sou mãe!

Aqueles cinco eram minha vida. Arthur era todo meu amor.

Eu não podia simplesmente virar as costas e desaparecer sem lutar por todos eles.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO

 

 

Um bebê.

Mais um bebê.

Um filho meu e de Milena... A mulher que eu amava!

Suspirei desesperado, nervoso após a ligação de Ana Paula me garantindo que Milena estava bem. Danilo pegou o telefone e me questionou em tom apreensivo.

— É verdade que minha irmã está grávida?

— Sim, é verdade... — Respondi quase sem voz.

— E o que pretende fazer sobre isso, cara? Pretende ficar fazendo filhos em toda mulher que encosta? Minha irmã só tem vinte e dois anos!

— Vou assumir a criança e Milena também. Posso te garantir que ao meu lado ela ficará bem, Danilo.

— Ela não parecia bem quando conversou com Ana. Parecia desestabilizada e muito nervosa!

Clara tentou me consolar, mas nada me devolveria à paz enquanto Milena não voltasse. Sophia dormiu em meu colo na sala chorando pela mãe, cansada demais para esperar. Se Milena não voltasse eu teria sérios problemas com as crianças, talvez maiores do que quando Carina foi embora!

— Ela não faria isso, pai — Clara garantiu — Milena não nos deixaria assim.

A porta da sala se abriu quando a madrugada chegava e Milena entrou pela porta com o rosto marcado por lágrimas e a decepção estampada na bonita face. Sophia dormia no sofá ao meu lado e me coloquei de pé assim que a vi. Encostada na porta, me encarava sem expressão.

— Fiquei preocupado... Revirei a cidade atrás de você e... — Fez um sinal para que eu me calasse. Caminhou até Sophia e tocou a testa dela, beijando-lhe a face com carinho. Meu coração doeu diante da cena. Elas se amavam demais... — Ela chorou até dormir chamando seu nome.

Milena ergueu os olhos lacrimejando para mim em total tristeza.

— Mamãe está aqui, amor. Estou aqui... — Sussurrou ao ouvido de Sophia, que se moveu e abraçou ainda mais forte seu paninho.

— Não podia ter feito isso, Milena. Não podia ter saído assim, nervosa, sem mais nem menos, muito menos grávida! — O olhar assustado deixou claro que Milena não esperava minha reação — Se algo te acontecesse eu não me perdoaria nunca!

— Como sabe que estou... — Engoliu as palavras com os olhos marejados.

Sorri de canto e reuni coragem suficiente para prosseguir. Fiz um sinal para sairmos da sala, uma vez que Sophia dormia, e nos dirigimos à área da piscina coberta. Milena se sentou em uma das espreguiçadeiras cansada, encarando-me sem muito rodeio. Parei a sua frente e me sentei também.

— Pode imaginar como me senti ao entrar no quarto de minha filha de doze anos e encontrar testes de gravidez em sua estante? — Milena tapou os lábios com as mãos, horrorizada com a ideia — Você armou uma confusão danada mocinha...

— Arthur! Não me diga que brigou com a menina? — Neguei com um aceno — Não acredito que perdi essa cena! — Riu ao notar minha expressão descontraída. Cocei a cabeça com a lembrança.

— Não foi agradável, mas... Clara me disse a verdade. Me disse que a grávida é você — Ajoelhei-me à frente de Milena, que me encarava com os olhos castanhos brilhando sob a luz que nos iluminava — Porque não me contou?

— Aquele exame deu mesmo positivo? — A pergunta de Milena era séria e apreensiva. Concordei diante de seus olhos, notando seu choque.

— Sim, Milena. Todos os testes estavam positivos — Mordeu os lábios e suspirou — Porque não me contou? — Voltei a repetir.

— Ainda não tinha certeza — Baixou o rosto de maneira envergonhada — Queria confirmar antes de dizer algo. Então aconteceu aquilo tudo bem na hora em que eu e Clara esperávamos o resultado e acabei saindo sem conferir.

— Vamos ter um filho. Apenas uma vez sem proteção e... — Sorri — Te disse que sou bom, não disse? — Milena sorriu sem humor, a confusão estampada no olhar. Ela tinha medo.

— Agora entendo porque sua ex sempre aparecia grávida — Não me encarava.

— Não tenho nada a ver com ela! — Ergui seu queixo em direção a mim — Jamais tive olhos para nenhuma depois de você, pequena. Você é minha e nenhuma outra!

— Então porque me escondeu que a viu?

— Para te poupar de um problema a mais após a perda de sua avó... Para preservar a paz em nosso lar — Milena parecia considerar — Porque Carina só trás medo, desconfiança e coisas ruins aos que a cercam. Não queria que você e todas as crianças se contaminassem com ela, meu amor — Alisei seu rosto delicado, envolto pela bela cabeleira castanha — Me encontrei com ela no shopping apenas uma vez. Não nos vimos mais do que isso.

Milena pensava enquanto me encarava.

— Não quero te perder, Arthur. Não quero perder nossa vida, nossos filhos... — Sorriu de lado de maneira emocionada — Você disse que seu medo era que eu fosse embora um dia, mas quem está escapando de mim são vocês.

— Nunca... Ouviu bem? — Assegurei beijando-a nos lábios ternamente. Milena retribuiu com ardor — Nunca seu lugar em minha vida será roubado! Você é meu sol, amor. Minha vida! Jamais serei capaz de deixá-la, ainda mais agora que... — Sorri encarando seu ventre — Que vou viver a alegria de ter um filho vindo do ventre da mulher que amo... Da mulher que mais admiro e sou apaixonado neste mundo!

— É verdade? — A pergunta foi inocente e baixa. Os grandes olhos castanhos pareciam finalmente se alegrar.

— Vai ser a coisa mais incrível de minha vida... Vai ser tão diferente das outras vezes, que senti o amor de ter um filho, mas não à alegria de vê-lo sendo gerado em meu grande amor — Milena sorriu e me tocou o rosto carinhosamente — Pensando racionalmente eu estaria desesperado por ter mais uma criança, mas não posso evitar sentir aqui dentro — Levei a mão ao peito — Que é o maior presente que a vida me deu. Uma oportunidade de ter um filho com a mulher que amo.

— Arthur... — Milena me puxou para um beijo apaixonado, abraçando-me contra ela fortemente — Te amo, meu amor. Te amo!

 

Sentimentos diversos atravessavam meu coração Intensidade era a palavra certa para descrever tudo o que me cercava.

 

— Você está feliz Milena?

 

A pergunta que Arthur me fez após ouvir que eu o amava fez com que eu pensasse por alguns segundos enquanto encarava profundamente seus olhos verdes emocionados. Pisquei s egurando suas mãos nas minhas. Mordi os lábios já sentindo a poça que se formava sob meus olhos.

 

— Nunca senti tanto medo, mas estou muito feliz. Muito! Acho até que nunca estive mais feliz em toda minha vida! É uma alegria carregar um filho seu, Arthur, principalmente sabendo que você quer tanto viver isso de outra maneira e curtir o que não pôde aproveitar antes. Eu te amo tanto... — Deslizei os dedos em suas mãos sentindo o coração disparado — Agora estamos ligados para sempre!

 

— Você é tudo para mim, Milena encrenqueira! Tudo! — Disse chegando perto mais e mais.

 

Toquei seus lábios afundando-os nos meus quase dolorosamente. Quando nos separamos, Arthur me puxou para seu colo com uma das mãos espalmadas sobre a parte baixa de minha barriga. A pele branca de sua mão contrastava com a minha. Em seu rosto havia um pequeno rastro de lágrima, que sequei com um beijo demorado.

 

— Fica tão lindo emocionado... — Sussurrei próxima de seus lábios — Somente te vi chorar uma vez e foi quando Lara estava internada. Porque chora agora? — Demorou um pouco até que erguesse os olhos e movesse a mão em minha barriga.

 

— Essa é a primeira vez que não sou o único interessado no bem estar do meu bebê... A única vez que a mãe está feliz comigo e que a vinda de uma criança não significa “colocar mais um no mundo para sofrer ao meu lado”.

 

O abracei contra mim beijando qualquer lugar que meus lábios podiam alcançar.

 

— Vamos compensar todas as outras, amor... — Beijei seus lábios com força, deixando-me cair por cima dele — As crianças também celebrarão conosco e... Aliás, você quer menino ou menina?

 

— Depois do segundo isso passa a ser um mero detalhe, amor — Rimos juntos.

 

— Um menino! Pobrezinho do Caleb, será solitário para sempre?

 

— Que tal não pensarmos nisso agora e subirmos para o quarto? — Fez um sinal para cima e concordei — Melhor, não acha?

 

— Não vai machucar o bebê? — Sussurrei sabendo de suas intenções.

 

— Milena... Sou quase um obstetra formado! Tive cinco filhos, esqueceu?

 

 

Durante muito pensei que jamais voltaria a colocar minha vida no eixo, mas as coisas finalmente se acalmaram.

 

Doze semanas se passaram e Carina não apareceu novamente, mas o medo de uma nova aparição não mais nos rondava. Milena e eu nos preparamos para enfrentá-la judicialmente caso algo acontecesse, frente a frente também.

 

Contar para meus filhos sobre a nova gestação definitivamente foi uma das coisas mais complicadas que tive de fazer em toda a vida!

 

Clara foi a primeira a saber e reagiu muito bem com a novidade, acostumada à chegada de novos irmãos desde sempre. Caleb festejou, mas me repreendeu quando Milena não estava vendo. O garoto jamais perdia o costume antigo de se comportar como um adulto, como se fosse meu pai. Mallory foi a grande questão, uma vez que não era crescida o suficiente para compreender que seria igualmente amada, tão pouco era madura para não sentir tanto ciúme. Lara se apegou ainda mais a Milena, criando um problema com Sophia, que também se sentia ameaçada conforme a barriga crescia e tomava forma.

 

Quando Mallory começou a gostar da ideia, Lara e Sophia se tornaram ainda mais ciumentas e pedir atenção era algo corriqueiro. Milena e eu teríamos de enfrentar grandes desafios com as mais novas em relação à chegada do bebê, mas sequer isso tirava nossa felicidade.

 

— Milena, meu amor... Como está? — Era comum passar alguns dias fora de casa a trabalho, mas não deixei de lado o costume de ligar em todos os momentos que podia.

 

Com a gravidez em começo, Milena já não dava conta do serviço de babá devido aos recorrentes enjoos e tão pouco necessitava do mesmo. Agora tinha posição cativa em minha casa como minha mulher, mesmo que ainda não tivéssemos assinado os papéis no cartório. Contratamos uma nova babá, amiga de confiança da falecida avó de Milena, e a senhora se deu muito bem com as crianças. Passava mais tempo acompanhando as atividades, uma vez que o papel de “mãe” era feito por Milena em tempo integral.

 

Era para os braços dela que os cinco corriam quando queriam chorar ou tinham algum problema maior. Minha tranquilidade era saber que tenho uma mulher que ama meus filhos ao lado e sempre poderei contar com ela...

 

— Com saudade, Arthur. Você volta hoje?

 

Era como se pudesse vê-la em minha mente ao ouvi-la. Visualizei perfeitamente o cabelo escuro envolto em um coque, o rosto pálido pelos enjôos, olhos escuros com pouca maquiagem, o corpo magro coberto por uma blusa de alças lilás e justa, ressaltando os seios no decote devido ao leite que se acumulava... A barriga levemente redonda, mas que para ela, mãe de primeira viagem, já era grande demais.

 

Sentia saudade a todo o tempo!

 

— Hoje a noite, amor. Você assistiu à minha entrevista? — Questionei tentando conter a euforia.

 

— Claro que sim, amor. Clara está muito feliz por você tê-la mencionado como motivo de orgulho.

 

— Diga, por favor, que a amo e cada palavra é verdade. Como vai Sophia? — Foi a primeira coisa que veio à minha mente ao ouvir a voz da caçula de fundo.

 

— Está bem, apesar de andar carente pela ideia do novo bebê.

 

— Ela não é mais o único bebê Milena... Sophia precisa entender que agora terá um bebê mais novo, assim como Lara entendeu isso na vez dela.

 

— Sophia sempre será meu bebê...

 

Milena mostrava-se mais confusa que Sophia em relação à atenção recebida por ela. Passava pela experiência de gestar pela primeira vez, mas carregava consigo a bagagem de ser mãe de coração de outras cinco crianças, principalmente Sophia, a quem cuidou desde cedo e sempre manteve uma relação estreita.

 

— Estou morrendo de saudade... E a barriga? Cada vez maior?

 

— Não tem ideia de como cresceu! Na foto não está igual ao vivo! Lara fica desenhando carinhas nela — Gargalhou emocionada. Era o que sentia sempre que falava sobre a gestação — Mallory me enche de perguntar sobre “como o irmãozinho veio parar aqui” e preciso que volte o mais rápido possível para fazermos a ultrassonografia! A questão do “menino e menina” não para de gerar intensos debates!

 

— Eles já têm preferência?

 

— Caleb é o único que aposta em uma menina, pois disse que prefere uma irmã novamente por desejar ser o único garoto. Tudo pelo cartão de aniversário que deu a ele... Sabia que está emoldurado no quarto dele?

 

— Tenho uma coisa importante para te mostrar quando chegar — Sussurrei olhando para meu pulso e encarando minha nova tatuagem.

 

— O que?

 

— Surpresa! — Bernardo apareceu sinalizando que precisávamos ir — Amor, já vou. Daqui a pouco chego em casa! Passo no hotel, depois vou direto para o aeroporto...

 

— Sabia que é pecado deixar uma grávida curiosa? Te amo Arthur! Volte logo!

 

— Te amo.

 

Desliguei o celular olhando ainda para a tatuagem.

 

Assim como tinha tatuado a inicial de meus filhos, fiz o mesmo com Milena e tatuei um “M” no pulso. Junto ao nome das crianças, coloquei a inicial “H”, que seria a escolhida para o novo bebê, independente de ser menino ou menina.

 

Após a viagem rápida, Bernardo e eu paramos no escritório da gravadora e um tipo alto, aparentando ter quarenta anos e trajando terno estava a minha frente estendendo um papel branco em minha direção.

 

— Boa tarde? — Parei no lugar junto de Bernardo, que entrava comigo.

 

— Boa tarde senhor Novateli, sou Eloi Castro, advogado. Estou aqui representando a senhorita Carina.

 

Encarei Bernardo de relance, apoiando as mãos na cintura e medindo o homem com estranheza.

 

— Quem te deixou entrar?

 

Confesso que já esperava por isso... Carina não era de blefes e certamente teria uma carta na manga.

 

— Trago o mandado emitido por um juiz — Mostrou novamente o papel. O apanhei e realmente tratava-se de um comunicado. Enquanto eu lia, ele falava — Como o senhor pode ver, senhorita Carina deseja ter o poder sobre a guarda de alguns de seus filhos. Ela os solicita judicialmente. Devido a isso, uma audiência será marcada e a sua presença é obrigatória se desejar pleitear com ela a guarda das crianças — Ergui os olhos lentamente na direção dele.

 

— Carina quer a guarda de meus filhos, é isso? — A voz saiu alta e o papel foi amassado em minha mão quando o apertei demais — Ela teve esse descaramento?

 

— Ela é a mãe. Têm direitos... — Tentou falar.

 

— Carina nos abandonou, meu caro. Não tem direitos sobre nada! — Vociferei quase partindo para cima do homem, mas Bernardo me segurou para evitar ainda mais problemas — Fui eu quem sempre deu o sangue pelos meus filhos e não se preocupe... Carina não ganhará esse processo... Se eu fosse você, sequer gastaria tempo tentando defender uma espécie como ela!

 

O homem se calou e adotou uma postura rígida enquanto me olhava.

 

— Meu trabalho é apenas comunicá-lo, senhor. A audiência ocorrerá em quinze dias e os menores que a senhorita Carina quer sob sua tutela são Clara Maria Novateli, Caleb Arthur Novateli e Sophia Aurora Novateli — Leu os nomes em um papel — Bom, desejo aos dois uma boa noite. Com licença — Saiu acompanhado por meus olhos.

 

Assim que a porta bateu, foi como se algo explodisse dentro de mim. Experimentei o surto de raiva mais intenso que tive em trinta anos, apertando os olhos para não gritar ainda mais e passando a mão pelo meu cabelo enquanto caminhava pelo quarto.

 

— Calma cara! Essa vagaba não vai tirar as crianças de você! — Bernardo tentou me acalmar, tocando no meu ombro amigavelmente — Ela os abandonou! Temos muitas provas e argumentos contra...

 

— Carina ainda é a mãe deles... A desgraçada ainda é mãe perante a lei! — Bernardo me encarava aflito. Sentei-me na ponta do sofá — Como ela tem coragem de prejudicar os próprios filhos em benefício próprio, somente pensando em si, em ninguém mais? Como teve a cara de pau de me pedir a guarda de Sophia, justo dela, que Carina ignorou desde o ventre e fez de conta que sequer existia? Aquela mulher tentou matá-la três vezes ainda na barriga, cara! Três vezes!

 

— Entendo, irmão. Você tem todo direito e... — Fui até ele e o encarei firmemente. Bernardo até se assustou.

 

— Quero amanhã o melhor advogado do país me esperando onde quer que seja, entendeu? O melhor advogado!

 

— Claro Arthur, claro! — Respondeu prontamente — Mas não entendo...Porque pedir apenas três, não todos os cinco de uma vez?

 

— Porque é uma ordinária e sabe que com isso vai me machucar ainda mais! Como se algum dia de minha vida eu fosse capaz de esquecer meus filhos — Ironizei — Te digo uma coisa, cara... Não odiava Carina, apenas tinha dó dela... Agora sim eu a odeio! A partir de agora, enquanto essa mulher não estiver longe, não terei mais paz! Nunca!

 

Apoiei os braços na mesa enquanto pensava em todas as possibilidades.

 

— E a Milena cara? — Fechei os olhos ao me lembrar.

 

— Milena! — Suspirei — Cara, liga para o hospital mais próximo de minha casa e manda uma ambulância de prontidão. É possível que tenhamos problemas com uma grávida!

 

— Temos aqui a boca... — Mallory dizia ao passo em que fazia desenhos em minha barriga com um batom vermelho — Os olhos...

 

— Deixa que eu faço os olhinhos! — Lara empurrou Mallory, que fez cara feia, mas deixou a irmãzinha passar a sua frente. Lara fez duas bolinhas iguais na parte mais alta da barriga, desenhando os cílios com o lápis de olho — E o nariz vai ser o umbigo!

 

— Ficou legal, meninas, mas não detonem minha maquiagem! — Elas riam me vendo sentada no balanço em forma de banco no jardim. Minha blusa lilás erguida até os seios deixava a barriga de quase cinco meses de gestação exposta.

 

Caleb e Clara se aproximavam, ambos lado a lado, chegando pelo caminho de pedras do jardim. Eram cerca de nove da noite em uma típica noite de sensação térmica ainda elevada.

 

— Já chegaram? — Mallory questionou.

 

— A festa não estava muito boa — Clara sentou-se ao meu lado e sorriu.

 

— A primeira festa da minha vida, quando vovó finalmente me deu permissão para ir, foi o dia mais mágico que já passei com amigos. Nunca vou me esquecer...

 

— Os demais apenas se interessam por causa do papai... — Clara comentou com o rosto triste. Aquilo realmente me partiu o coração.

 

— Temos alguns amigos de verdade, mas grande parte é interesseira — Caleb abraçou a irmã de lado — Onde está Sophia? — Olhou ao redor dando falta da menor.

 

— Sophia ainda não voltou da cozinha? Disse que apenas queria água... — Sentei-me no mesmo momento, me dando conta de que sim, a caçula não estava por perto. Segui até a entrada da casa procurando-a, mas apenas encontrei a pequena na sala encarando um bonito porta-retrato com uma foto dela e do pai — O que faz aqui, bonequinha? — Entrei na sala indo até ela, minha barriga toda desenhada e a blusa ainda enrolada.

 

— Estou com saudade do papai, mamãe — Disse apontando o retrato.

 

— Mamãe também... — Chamei-a para perto, mas ela negou abaixando os bracinhos — O que houve amor?

 

— Mamãe não gosta mais de Sophia... Agora tem outro bebê — Fez um gesto com a cabeça indicando minha barriga.

 

— Ah Sophia, não faça isso comigo! — Peguei em sua mãozinha — Mamãe gosta de você sim! Mamãe te ama para sempre! Venha cá! — Nos abraçamos longamente e Sophia se deitou contra meu peito. Sai da sala com ela quieta agarrada a minha mão.

 

— Papai, papai, papai! — Sophia gritou ao chegarmos ao jardim.

 

Arthur estava lá com Bernardo. Finalmente havia voltado!

 

Sophia correu para pular no colo de Arthur, que a abraçava com bastante força e os olhos fechados. Lara, Caleb, Clara e Mallory ao redor esperavam sua vez. Arthur revezou com todos até ter beijado cada um deles. Bernardo passou perto de mim quando foi para a cozinha.

 

— O que aconteceu? — Questionei a ele baixo, olhando a cena. Arthur era sempre carinhoso, mas a expressão no rosto dele me dizia que havia algo mais.

 

— Algo desagradável que Arthur já vai te contar — Torceu o rosto em uma expressão dolorida.

 

O olhar de Arthur me dizia que algo grandioso estava acontecendo. Algo assustador.


CAPÍTULO VINTE E CINCO

 

 

— Você fez novas tatuagens, pai? — Enquanto me aproximava vagarosamente de Arthur ouvi Caleb comentar.

 

— Ah, que amor! — Clara segurou o pulso do pai — É uma letra M de Milena!

 

Detive-me ao lado de Clara de modo a olhar a nova marca gravada no pulso de Arthur.Sorri ao lembrar da surpresa que mencionou. Arthur ergueu o olhar em minha direção e notei a apreensão em seus olhos verdes e intensos. Caleb e Clara prontamente notaram que Arthur e eu precisávamos ter uma conversa importante e se retiraram com Sophia, Lara e Mallory. Finalmente nos abraçamos com carinho e saudade, deixando de lado todas as complicações. Tudo o que mais desejava na vida era ter Arthur de volta, novamente sob meu olhar.

 

— Você está linda, Milena — Sorriu acariciando-me a face, segurando-me o rosto com carinho. Voltou-se para minha barriga redonda e se abaixou para beijá-la com ternura, sorrindo pela alegria que sentia — Está realmente crescendo, meu campeão...

 

— Arthur... Pode ser uma princesa. Você parace mais apto a fazer meninas... — Relembrei sem conseguir deixar de lado a apreensão. Arthur nada disse, apenas sorriu e voltou a me abraçar contra si. Parecia descarregar todo seu medo em meus ombros, beijando-me onde podia alcançar para que nosso amor sobrepassasse qualquer barreira — Me diz, amor. O que foi que houve? Foi aquela mulher?

 

O rosto de Arthur ficou vermelho e ele finalmente retirou as mãos de mim, passando os dedos entre os fios de seu cabelo loiro e bagunçado. Seu olhar era o retrato do caos.

 

— Não quero te preocupar, amor, você está grávida! — Aproximei-me tocando seus lábios com os dedos trêmulos.

 

— Seja o que for, prometo ser forte. Esqueceu-se de quem sou? — Baixando o olhar para meu ventre, concordou brevemente.

 

— Queria muito te poupar, mas de qualquer maneira você vai saber de algo... — Suspirou derrotado. Cruzei os braços diante do peito apenas aguardando a facada em minha alma — Carina mandou um advogado atrás de mim — Disse de uma vez. Seus olhos atentos a qualquer reação diferente em mim.

 

— Advogado? Você não disse que jamais chegaram a se casar no civil, apenas se juntaram?

 

— Não tem a ver com o relacionamento... — A expressão desolada de Arthur me entregou a verdade que sequer precisei questionar. Ele pouco tinha forças para seguir falando.

 

— Ela não teria coragem de... — Detive minhas palavras ao me dar conta de que sim, ela teria coragem de se meter com as crianças! Tapei os lábios com as mãos delicadamente, encarando Arthur em desespero — Mas você ficou com a guarda das crianças!

 

— Provisoriamente! Não decidimos sobre isso até hoje, uma vez que Carina jamais teve qualquer intenção de ficar com nenhum deles! Obviamente fiquei com todos, mas perante a lei ela ainda tem direitos porque nunca houve um processo... Nunca levamos o caso à justiça, Milena. Pensei que ela jamais fosse voltar, muito menos desejar a guarda de algum deles! — Explicava nervoso, nitidamente abalado.

 

Culpá-lo faria tudo ainda mais difícil.

 

— É muita audácia! Muita frieza! Muito coração de pedra! — Cuspi as palavras com o desgosto transpassado na garganta — Arthur, você não pode permitir isso! Não pode! Essa mulher não pode tirar as crianças de nós!

 

— Ninguém fará isso, meu amor! Os meus filhos são nossos e vou gastar até meu último centavo para que continuem aqui. Se acalme, por favor! — Segurou meu rosto carinhosamente.

 

Arthur, eu e nosso bebê... Sozinhos! Sem as crianças! Era um pesadelo dos mais cruéis! Como ficariam longe de nós? O que seria deles? Clarinha em suas dúvidas, totalmente incompreendida. Caleb de volta aos tormentos! Mallory novamente uma rebelde amargurada! A pequena Lara sem os cuidados necessários que sua frágil saúde necessitava! E o pior... Sophia! Em sua inocência, perdida em meio à circunstância. Todos como encontrei um dia, de volta ao começo. Ao pesadelo!

 

— Qual é a pior parte? — Questionei ao notá-lo ainda tenso — Sei que tem mais... Me diga!

 

— Carina... Ela escolheu três deles, não todos — Não escondi a surpresa.

 

— Ela quer separá-los? — Arthur concordou — Como? Porque? O que ela ganha separando irmãos que estão juntos desde sempre? Essa mulher definitivamente não tem um coração! — Arthur me segurou contra ele quando comecei a me alterar demais.

 

— Calma amor... Pense no bebê! — Deitei o rosto no peito dele.

 

— Quais ela escolheu? — Questionei com a voz abafada pela camisa de Arthur — Clara... Obviamente, é o mais fácil! Ela já tem doze anos! Deve ter escolhido Caleb também, outro que já sabe se virar... — Hesitei em dizer os outros.

 

— Clara, Caleb e... — Pausou um pouco — Sophia.

 

Por aquilo eu realmente não esperava!

 

— Sophia? — Apertei a camisa dele em meus dedos, evitando chorar — A criança que ela tentou matar no ventre e rejeitou quando nasceu? A que ela sequer quis olhar?

 

Meus olhos se encheram de lágrimas ao pensar na possibilidade de minha Sophia, minha filha, estar sob a tutela de semelhante víbora! Arthur nada disse, somente baixou o olhar também marejado.

 

— Não vou deixar Milena! Te juro que não vou permitir e irei lutar com todas as minhas forças e armas para que as crianças não passem sequer um dia longe de nós!

 

Enquanto Arthur falava, tudo ao meu redor se tornava turvo e distorcido. A ideia de ter Sophia longe de mim era demais para meu coração, principalmente para o emocional. Não suportei, mesmo que fosse forte.

 

A maldade de Carina fez com que eu desmaiasse.

 

 

Clara foi quem nos acompanhou até o hospital e segurou a barra ao meu lado enquanto Milena era atendida. Os demais ficaram com Maria e Gabi em casa.

 

— Não posso acreditar que Carina tenha sido capaz de... — Clara se calou, sentada ao meu lado e abraçada a mim — Não quero ficar com essa mulher, pai! Já tenho doze anos e posso muito bem escolher!

 

— Não vai, querida. Carina só tira vocês de mim por cima de meu cadáver! — Beijei sua testa, mas nada tirava a apreensão de seu olhar azulado.

 

Entrei para ver Milena após bons minutos, mais aliviado ao saber que tudo estava bem com ela e o bebê.

 

— Arthur... — A voz soou fraca quando me viu. O rosto estava pálido, o cabelo espesso espalhado no travesseiro branco da cama onde desancava com um fio de soro ligado a seu braço — Te dei um susto e tanto, não foi? — Sorriu levemente. Fechei a porta, caminhando em sua direção.

 

Sentei na beira da cama contemplando seu pijama rosa e a aparência vulnerável. Toquei levemente o topo de sua barriga, acariciando-a, depois me inclinei para beijá-la nos lábios pálidos. Milena respirou devagar, me olhando como se pedisse desculpas.

 

— Nunca mais faça isso comigo novamente... Não posso perdê-la, Milena! Você é tudo em minha vida!

 

— Milena ergue a mão com cuidado, cobrindo meus lábios com os dedos trêmulos.

 

— Já está tudo bem... — Sorriu tocando minha bochecha — E tenho uma boa novidade!

 

— Boa novidade? — Sorri aliviado, acariciando seu rosto cansado — É disso que preciso, amor.

 

— A doutora me disse o sexo do bebê! — Tomado pela curiosidade, sorri para ela, olhando de relance para a barriga saltada sobre a camiseta.

 

— Jura amor? E o tal chá revelação... — Milena negou sem esconder a felicidade.

 

— Foi uma emergência, a médica não sabia que eu estava esperando esse tal chá... Agora já foi e acredito que tenha sido mais emocionante. Sempre quis passar por isso de ouvir da médica...

 

— Queria ter passado junto a você — Beijei sua testa e Milena me encarou apaixonada — Vamos, me conte! É outra menina?

 

Milena escondeu o rosto enquanto sorria, buscando deixar-me ainda mais curioso. Mostrou a face novamente e torceu os lábios, fazendo um sinal negativo.

 

— É um menino, Arthur! Um menino como você queria!

 

A emoção me fez ficar de pé para comemorar, animado com a novidade! Milena não escondia o contentamento por atender minha vontade, empolgada com toda minha emoção. Era impossível ser indiferente... Já pai de quatro meninas, ter mais um garoto para se juntar a mim e Caleb era de fato meu desejo.

 

— Meu amor! Esse presente é o melhor de toda minha vida, querida! — A beijei nos lábios tocando sua barriga novamente — Caleb vai ficar muito feliz! Finalmente nosso time aumentou!

 

— Mas ainda não saíram da desvantagem! — Relembrou animada, mas sua expressão murchou de repente — Tudo é incrível, mas... Sophia. Ela parece muito tocada pela questão do novo bebê e não aceita bem... Tenho medo de gerar uma competição desnecessária.

 

— Amor... Escute a experiência de um pai de cinco! — Milena riu quando me sentei novamente e adotei um tom de expert — O novo bebê não mudará em nada o que sente por Sophia e todos os outros... Para cada um dos filhos há o mesmo tipo de amor. Cada um ocupa um espaço individual em nosso coração, todos a seu modo. Cabem todos, querida.

 

— Toc, toc — Clara disse abrindo a porta e olhando para nós — Posso? — Ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha.

 

— Claro querida! — Milena se alegrou de imediato. As duas se abraçaram fortemente e Clara aparentava estar muito feliz pela recepção ao ver Milena bem — Que bom que veio, Clara.

 

— Meu pai surtaria se viesse sozinho! — Acusou-me estreitando o olhar e sentando-se ao meu lado.

 

— Obrigado por vir... — Milena sorriu segurando a mão de Clara como se isso a confortasse.

 

— Está tudo bem com meu irmão, não é? — Acariciou a barriga de Milena com ternura.

 

— Esse garotão aqui... — Coloquei também a mão na barriga de Milena — Está perfeito!

 

— É mesmo um menino? — Assentimos juntos diante da surpresa que Clara teve, cobrindo os lábios com as mãos — Meus parabéns Milena! Que maravilha! — Clara se ergueu para abraçar Milena — Finalmente acertou, hein pai? Você sempre errava o sexo dos bebês...

 

— Uma vez na vida acertamos, não é? — Clara me abraçou de lado muito emocionada.

 

— Você acertou seis vezes, Arthur — Milena sorria com lágrimas nos olhos, referindo-se a meus filhos.

 

E ela tinha razão.

 

Assim que me viram novamente em casa, cinco carinhas se voltaram em minha direção e todos correram para mim.

 

Ficar três dias no hospital em observação foi o tempo mais longo que passei longe dos cinco anjinhos Novateli desde que vim morar aqui definitivamente.

 

— Milena, você não foi embora! — Mallory foi a criança que mais se emocionou com minha volta, certamente recordando o momento em que sua mãe biológica se foi para nunca mais retornar.

 

— É verdade que é um menino o bebê, Milena? — Caleb questionou animado com Sophia em seu colo. A pequena me chamava. A tomei para mim, beijando-a n a bochecha gordinha e rosada, abraçando Caleb também.

 

Rever os cinco loirinhos era tudo que desejei nos últimos dias. Não pude evitar não derramar algumas lágrimas diante a imagem de felicidade que os cinco Novateli representavam... Aquele era meu lar. Toda minha vida.

 

— Meus amores... É claro que voltei! — Acariciei o rosto inocente de Lara, que abraçava minha cintura redonda — E sim, vamos ter um menino! As notícias voam, não é?

 

Arthur sorriu orgulhoso ao meu lado.

 

— Senti saudade mamãe — Sophia colou a testa n a minha e nos encaramos com carinho.

 

Parecia ainda mais bonita de perto. Os olhos verdes de Arthur estampados no rosto infantil me apaixonavam ainda mais!

 

— Senti saudades de você também, bonequinha — Sussurrei a ela — Muita, muita, muita!

 

Uma semana depois

 

Seria uma grande irresponsabilidade me submeter a situações de fortes emoções, como disse minha médica, mas nada me impediria de assistir a audiência que definiria permanentemente a guarda dos pequenos. Arthur deu entrada no pedido pela guarda dos cinco e estava nas mãos do juiz decidir o futuro das crianças.

 

Arthur não aprovava a ideia de levar-me a audiência, mas estava ciente de minha teimosia. Eu precisava olhar nos olhos de Carina quando a mesma começasse a discursar sobre o tema.

 

— Você está grávida, Milena — Arthur me parou no corredor antes de irmos, encostando uma das mãos na parede ao meu lado — Pense em nosso filho! Não queremos prejudicá-lo!

 

— Sinto muito Arthur, mas desta vez não farei o que me pede — O afastei levemente, caminhando para as escadas.

 

Usava um vestido preto confortável para uma gestação de seis meses e sapatos baixos. Não estava fácil carregar um bebê sendo tão pequena, mas as coisas aconteciam. Nada no mundo me afastaria das crianças.

 

— Milena teimosa... — Sussurrou Arthur, mas fingi não ouvi-lo. Clara estava na sala com os irmãos e me olhou espantada.

 

— Onde vai, Milena? — Tinha as mãos na cintura magra.

 

— Acompanhá-los na audiência.

 

— Mas Milena... Você não pode sair de casa! Olha o tamanho da sua barriga! — Caleb segurava Sophia em seu colo.

 

— Nem tão grande assim, Caleb! Exagero seu! — Rebati.

 

— Sua maluca! Você precisa de repouso, sabe o que é isso? — Clara me repreendeu mais severamente. Arthur entrou na sala com uma roupa social azul escuro, ajeitando a gravata no mesmo tom.

 

— Vamos? — Arthur apontou a porta.

 

Cruzei os braços sobre o peito de maneira decidida, caminhando em direção ao carro.

 

As lembranças de um passado terrível me dominavam a memória conforme a audiência de custódia começava a tomar forma.

 

Clara e Caleb, as duas crianças que mais sofreram nas mãos de Carina e tinham lembranças terríveis dela, tiveram de comparecer junto a mim no local. Ambos teriam voz frente ao juiz e isso era o que me amedrontava! Falar sobre o passado com a mãe significava abrir feridas, algo muito complicado para Clara, uma garota tão intensa.

 

Assim que chegamos — Clara, Caleb, Milena e eu — Carina já estava em seu lugar e me acenou com um sorriso irônico. Fingi não vê-la, mais preocupado com Milena e seu bem-estar. Clara entrou em seguida, usando um vestido vinho e uma tiara brilhante no cabelo loiro e longo. Carina se levantou ao vê- la, ameaçando vir em nossa direção. A aparência da mãe biológica de meus filhos era impecável e se tornava doloroso para Clara notar o quanto era parecida a ela.

 

— Clara... Será que podemos conversar? Sou sua mãe, querida... — Carina não se aproximou muito, mas o suficiente para que Clara me abraçasse amedrontada.

 

— Você não é minha mãe, senhora! — Respondeu firmemente, encarando-a sem um pingo de sentimentalismo no olhar azul — Sei qual o motivo de ter armado esse show todo, uma vez que nunca fez nada além de nos usar em benefício próprio. Cheguei a conclusão de que você não tem e nunca teve um coração!

 

Milena segurou a mão de Caleb nitidamente abalada por estar frente a frente com Carina, presenciando tal cena com Clara. Era doloroso a maneira como uma se referia a outra, com tanto pesar.

 

Clara e Carina pareciam duas estranhas, mesmo sendo fisicamente tão iguais.

 

Milena caminhou para perto de mim com Caleb. A barriga saltada fazia volume em seu vestido escuro, apertado no decote.

 

— A famosa Milena... — Carina tinha um sorriso debochado — Vejo que não perdeu tempo em garantir o seu, não é? — Desceu os olhos para a barriga de Milena – Meus parabéns pelo bebê!

 

Milena sequer se deu ao trabalho de responder, ignorando-a com um aceno negativo.

 

— Por favor, será que pode nos deixar em paz? — Sempre educado, Caleb era o único capaz de ter um pouco de cordialidade com Carina. A mesma o encarava com certa nostalgia, pela primeira vez sentindo um pouco de algo diferente — Já não basta tudo de ruim que vem causando em nossas vidas? Me recuso a acreditar que verdadeiramente não tenha coração! Todas as pessoas têm! — Carina baixou o olhar diante do filho, por um minuto se mostrando envergonhada — Pare de fazer coisas ruins para as pessoas, pare de fazer coisas ruins para si mesma! Não era isso que você queria, se ver livre de nós? Porque não foi ser feliz? Porque teve de voltar para nos procurar?

 

Carina tomou fôlego, aproximando-se mais de Caleb.

 

— Porque acredito que ainda tenhamos tempo, Caleb. Meu filho... — Esticou a mão para tocar o rosto dele e Caleb sequer se moveu, seguiu paralisado diante dela — Você está tão crescido, tão bonito...

 

— Seja honesta consigo mesma — Caleb seguiu estático — O que quer de nós é o dinheiro do meu pai, não é? O homem que te bancava antes terminou com você e por isso você voltou, não é?

 

— Realmente preciso de dinheiro, filho. Entenda...

 

— E isso tem que custar nossa felicidade? Minha, de Clara e de Sophia? Sophia, esse é o nome dela, sabia? Ou esqueceu, como esqueceu o de Mallory? — Carina novamente baixou o olhar — Sophia tem outra mãe... Sophia sequer sabe quem você é! Por que faz isso com ela? Porque colocou-a nessa história? Mallory... Mallory esperava por você, esperou esse tempo todo, e o que fez com ela? A magoou! — Carina engoliu em seco.

 

— Se o problema é dinheiro, posso pagar o quanto quiser sem que cheguemos a tais extremos — Interferi querendo tornar tudo mais simples.

 

— Pense no que está fazendo... — Caleb segurou o ombro de Carina com a decepção estampada no olhar — Porque em nome de seu egoísmo está novamente destruindo a nossa família, a família de seus filhos! Demoramos muito tempo para superar o que você causou em nossa vida, principalmente eu e Clara... Deixe-nos em paz agora que conseguimos uma familia de verdade!

 

Caleb realmente calou a todos com seu discurso, principalmente Carina. Era como se houvesse levado uma surra gigantesca diante dos olhos. Abracei Caleb quando voltou para perto, caminhando com ele, Clara e Milena até os assentos.

 

Não havia mais nada a ser dito. Nada que valesse a pena.

 

 

Como a boa grávida que sou, não demorou muito para apertar a vontade de ir ao banheiro.

 

Entrei rápido, sem olhar para os arredores, mas ao terminar de urinar e sair do box, deparei-me com uma familiar figura loira prostrada diante do espelho tentando consertar o desastre que a maquiagem borrada por lágrimas causou em sua face.

 

— Carina... — Sussurrei quase sem querer.

 

Eu e ela, sozinhas, cara a cara.

— Milena... — Respondeu quase sem voz. Não me parecia um fingimento, mas sim um choro sofrido e doloroso. As palavras de Caleb realmente a pegaram no fundo da alma, talvez somando com isso o fato de ver o filho tão crescido e consciente — Espera... — Falou antes que eu saísse. Parei e cruzei os braços, curiosa pelo que ela tinha a dizer — Queria que compreendesse que nem todas as mulheres nasceram para ser mãe como você — Dizia entre lágrimas – Sou uma delas!

 

— Isso não justifica ter feito seus filhos sofrerem tanto... Não justifica se ausentar completamente da responsabilidade emocional sobre eles ou todas as outras coisas que prefiro não comentar!

 

— Tentei ser boa, sabe? Tentei por um tempo... — Amassava um pedaço de papel nas mãos trêmulas — Mas os vícios me venceram. O passado me chamava e me vi perdida, me vi... — Suspirou — Sem condições de criá-los. Sempre fiz o pior para eles e não quero continuar fazendo, não quero! — Garantiu enfaticamente, derramando lágrimas pelo rosto — Caleb tem razão, ele... — Sorriu — É um menino tão lindo e inteligente... Tão parecido com Arthur!

 

— Se realmente se arrependeu do que fez — Aproximei-me alguns passos — Comece se redimindo com seus filhos... Comece abrindo mão da guarda de todos eles! Isso os fará feliz, Carina — Ainda com o olhar baixo, Carina pensava — Arthur e eu somos uma família estruturada e damos o melhor para eles todos os dias! O melhor que pode fazer por Clara, Caleb, Mallory, Lara e Sophia é deixá-los conosco...

 

Concordando com um aceno, Carina ergueu o rosto.

 

— Já é tarde, Milena. Meus filhos não são mais meus filhos... Eles são seus — Carina se aproximou de mim e ficamos realmente frente a frente, a poucos centímetros. A força de suas palavras me emocionaram, ela realmente se sentia de tal maneira — De verdade, ficaram bem melhor sem mim e você tem razão... Apenas causaria mais dor a eles se voltassem ao meu lado. Fico feliz que tenham encontrado você pelo caminho e... — Apertou os olhos, deixando cair mais lágrimas. Não pude evitar não chorar também — Diga a Sophia e Lara que me perdoem quando contarem a elas sobre o que fiz nas gestações. Diga que são lindas e especiais... — Sorriu em meio às lágrimas — Diga a Mallory que é uma menina inteligente e capaz... A Caleb que me enche de orgulho e a Clara... — Secou algumas lágrimas na bochecha — Que me arrependo demasiadamente de tudo que um dia cheguei a dizer a ela.

 

Parada diante daquela mulher muitas palavras vieram a minha boca, mas fiz questão de ignorá-las. Nada que eu dissesse teria a capacidade de tornar tudo mais fácil... Ou justificar qualquer ato.

 

— Eu direi — Garanti enfaticamente — Acredito em seu arrependimento, Carina. Poderia te julgar, te jogar pedras e teria razão, mas... Não mudaria nada em absoluto! A dor continuaria dentro deles... O passado ainda seria real. O que podemos mudar é o futuro, entende? — Ela assentiu — Você pode começar agora sua mudança, fazendo algo bom para seus filhos. A maior prova de amor que poderá dar as crianças é deixando-as conosco. Quem sabe em um futuro você possa ter uma relação ao menos amigável com eles, não é?

 

— Não sei... Não sou capaz de garantir nada, mas... Não quero causar mais danos — Suspirou secando as lágrimas — Você os ama? — Fixou os olhos azuis em mim — Realmente está disposto a amá-los como eu nunca poderei?

 

— Bom eu... — Sorri enquanto pensava — Chorei como uma criança quando Mallory me presenteou com um desenho de dias das mães no colégio, principalmente quando disse que era a primeira vez que participava. Quando Sophia me chamou de mamãe pela primeira vez... De fato foi um dos dias mais felizes de minha vida! — Fiz uma breve pausa diante do olhar nostálgico de Carina — Mesmo que nunca tenham estado dentro de mim como estiveram dentro de você, o amor que sinto é o mais poderoso do universo... O mesmo amor que tenho por Heitor — Falei o nome do meu bebê, tocando a barriga — Me comprometo a amá-los... A cuidar como se fossem meus até o fim de meus dias. Também não sei ser mãe, uma vez que a minha morreu muito cedo, mas aprendi a amar quando cheguei até os Novateli e talvez isso seja a chave... O amor. Os cinco nasceram de meu coração e sempre será assim. Sempre!

 

Carina concordou com um leve sorriso, recompondo-se.

 

— Tudo bem, Milena. Você me convenceu! Vou fazer o que me pede, mas em troca... Faça meus filhos felizes. Seja para eles o que nunca conseguir ser...

 

— Eu prometo que serei.

 

Carina esticou a mão para mim e aceitei seu aperto, sabendo que ali selamos um pacto. Um pacto de mães! Ela, mãe biológica, mas que não tinha em absoluto nenhum dom para maternidade. Eu, a mãe que o destino encarregou de moldar para acolher seus filhos.

 

Aquele pacto duraria para sempre.

 

 

Milena demorou demais no banheiro e, para minha total surpresa, voltou caminhando lado a lado com Carina.

 

— O que aconteceu? — Clara sussurrou para mim completamente embasbacada pela cena que víamos.

 

— A Milena ficou maluca? — Caleb também sussurrou, um sentado de cada lado a mim — O que ela faz com Carina?

 

As duas mulheres se dirigiram ao juiz, já postado em sua cadeira central, e uma conversa se iniciou. A cena realmente parecia assustadora! Como Milena era capaz de chegar tão perto de Carina, uma vez que sempre deixava claro o quanto a abominava?

 

— Não acha melhor ir até elas, pai? — Clara sugeriu.

 

— Parecem conversar tranquilamente com o juiz, filha. Caso algo mude e uma das duas se altere, pode ter certeza que irei — Seguimos encarando a cena, que levou quase vinte minutos.

 

Milena voltou até nós enquanto Carina e seu advogado, ao lado do meu, seguiam falando com o juiz. Seu sorriso era imenso quando se lançou em meus braços, envolvendo-me em um abraço apaixonado.

 

— Arthur... O juiz quer você lá — Apontou para eles.

 

— Como assim? O que houve? O que você fez, garota encrenqueira?

 

— Consegui, Arthur! Consegui convencer Carina a abrir mão das crianças, eu consegui! — Saltitava no lugar em pura empolgação.

 

— É sério? — Caleb questionou enquanto Clara abraçava Milena sem sequer perguntar nada — Como...

 

— Milena... — Comecei quase sem voz — Explica isso, como assim? E a audiência de custódia?

 

— Esquece isso! — Milena abraçou Caleb de lado também — Carina está assinando ali, perante o juíz, um documento que garante abrir mão das crianças para que fiquem com você, Arthur! Ouviu? Vá até lá!

 

Olhei em direção a meu advogado, que acenava de maneira a me chamar e trazia um grande sorriso sob os óculos de grau. Carina realmente assinava algo perante o juiz e aos poucos fui me dando conta de que sim, era real! Milena tinha conseguido! Abracei Milena antes de me mover, beijando-lhe os lábios com gratidão e alegria. Clara e Caleb pulavam ao nosso redor, comemorando a vitória iminente. A vitória de nossa família!

 

— Obrigado Milena... — Sussurrei segurando o rosto dela completamente emocionado — Você realmente é mágica! É a melhor coisa que já aconteceu em toda minha vida!


EPÍLOGO

 


Cinco anos depois...

 

 

A casa dos Novateli jamais seria um lugar calmo e tranquilo, mesmo que as crianças já fossem crescidas.

 

Nosso caçula, Heitor Arthur, é a criança mais nova da casa e tem cinco anos, mas tudo ainda é movimentado e muito alegre como sempre foi um dia. A felicidade que sentimos por estarmos juntos e ser uma família numerosa jamais seria tirada.

 

Clara, a menina que conheci aos doze anos afogada em sentimentos, hoje era uma adolescente de dezessete anos prestes a ingressar na faculdade de Direito. Seu grande sonho era ser delegada e auxiliar as crianças que eram vitimas de abuso infantil, seja ele físico ou psicológico, como ela e os irmãos sofreram um dia.

 

Caleb, nosso garoto de quinze anos, era a estrela do time de futebol da escola e superou a imagem de garoto nerd que tinha. Gostava de malhar com Arthur e cantava com o pai nas horas vagas... Arthur jurava que o filho seguiria seus passos na música, mas Caleb encarava tudo como um simples hobbie. Ainda era inteligente demais para ser apenas um cantor. Também mostrava interesse pelo Direito, assim como Clara, buscando ajudar crianças.

 

Mallory, agora aos onze anos, começava o ensino fundamental como a garota descolada que sempre foi. Competia no time de natação, era muito desenvolta e bonita, a mais bonita entre todos. Apesar de ser uma ótima esportista, pediu para começar as aulas em uma escola de teatro e vinha se dedicando arduamente nas apresentações... Ela sim realmente herdou a veia artística do pai.

 

Lara, prestes a completar dez anos, ainda era muito menina para pensar em um futuro, mas também se dedicava a cursar teatro com Mallory e realizar ginástica artística. Seus problemas de saúde ficaram para trás conforme foi crescendo e tomando forma. Era a criança mais carinhosa que já conheci em toda vida e uma grande parceira minha.

 

Sophia... Ah, o meu grande amor!

 

Sophia Aurora era peculiar e inquieta, uma garotinha de oito anos disposta a tudo para saber todas as coisas. Não havia ninguém no mundo mais apegada a mim, ninguém no mundo que me amasse tanto!

 

Faz pouco tempo que descobriu não ser de fato minha filha, uma vez que esperamos um sinal da psicóloga que cuidava das crianças para finalmente tocar no assunto delicado. Sua reação foi a mais bela, uma vez que nada mudou! Ela sempre soube que nasceu de meu coração... Sempre me chamou de mãe. Sempre, desde o primeiro momento em que nossos olhares se cruzaram, foi minha filha!

 

Heitor, nosso caçula, era a única criança de cabelo escuro na casa dos Novateli e muito parecido a mim. Após seu nascimento Arthur realizou uma vasectomia e por isso, somente por isso, fechamos a fábrica por ali. A produção de Arthur era demasiadamente eficaz, por isso me precavi. Aquele único garoto gerado em meu ventre era o suficiente para completar nossa linda família.

 

Heitor era de fato meu filho... Um menino sapeca, encrenqueiro e perspicaz. Não desistia nunca do que queria e sempre tirava o melhor de tudo. Era o mais paparicado entre os irmãos, que o tratavam com imenso carinho. Aquele garotinho era a retratação viva de meu amor com Arthur.

 

Nossa família não podia ser mais perfeita, mesmo com algumas situações que nos surpreenderam.

 

Carina tentou se aproximar novamente das crianças e Arthur e eu concordamos em dar uma chance. Ela não fazia parte efetivamente da vida deles, mas de vez em quando marcava uma visita e aparecia para conversar um pouco e vê-los de perto. Clara demorou anos para voltar a falar com ela, mas hoje em dia já ao menos a cumprimentava. Casou-se novamente com um ex-participante de reality show e vivia uma vida de festas e mídia, algo distante da realidade das crianças.

 

Ao menos sempre deixava claro que o lugar de todos os cinco era conosco. Nossa relação com ela era respeitosa e distante, apenas quando aparecia em raras ocasiões. Para Sophia e Lara foi complicado assimilar suas aparições, mas aos poucos compreendiam que aquela era somente a mulher que os trouxe ao mundo e, vez ou outra, passava para visitá-los. Nenhum dos cinco a chamava de mãe.

 

Lara e Sophia me chamavam de mãe, mas Clara, Caleb e Mallory não o faziam e jamais cobrei algo do tipo. Os mais velhos sabiam demais para serem tão inocentes quanto as caçulas. Apesar disso, nossa relação jamais foi diferente da minha com as menores. Os três mais velhos sabiam que também eram meus filhos!

 

Ana Paula e Danilo tiveram gêmeos, uma menina e um menino, Valentina e Vinicius. Viviam bem próximos e sempre passamos os verões juntos na casa de campo de Arthur.

 

A vida era tranquila e movimentada, sempre regada a grandes emoções que uma casa cheia de crianças proporciona. Eu, Milena, jamais saberia voltar a uma vida onde os cinco pequenos Novateli e seu pai não estivessem.

 

Arthur, Clara, Caleb, Mallory, Lara, Sophia e Heitor eram toda minha vida! Tudo que um dia não sonhei, mas que caiu de paraquedas em meu colo como um maravilhoso presente da vida. Hoje sei que jamais conquistaria qualquer bem maior do que este.

 

Hoje era um dia especial... Uma apresentação de dia das mães no colégio. As meninas, como sempre, brigavam pelas roupas e maquiagens, enquanto cabia a mim apartar as confusões e intermediar as discussões.

 

— Sophia? — Quando entrei no quarto de nossa menina caçula, encontrei a mesma sentada em sua cama lendo um papel cor de rosa — Já está pronta, querida?

 

Os olhos grandes e verdes se moveram em minha direção e ela rapidamente tratou de esconder os papéis atrás de si.

 

— Oi ma mãe! — Sorriu ajeitando o cabelo ondulado e dourado atrás da orelha. Era linda como um raio de sol, bela como sempre foi! Tinha os olhos de Arthur e um sorriso maravilhoso... Jamais vi uma menina tão encantadora quanto minha pequena Sophia.

 

— O que é isso que acabou de esconder, mocinha? — Me aproximei curiosa, vendo-a sentada na cama rosa.

 

— Nada demais mãe, somente o meu discurso da apresentação... Sabe que é uma surpresa, não sabe?

 

— E você sabe que eu não gosto de suspense, não sabe? — Caminhei até o closet dela e retirei de lá o vestido rosa que usaria na comemoração. Coloquei sobre a cama — Venha se vestir, querida. Só falta você! — Sophia subiu na cama e passei a vesti-la. Ela me encarava emocionada, nitidamente querendo me dizer algo — O que você tem, querida?

 

— Te amo, mamãe. Você sabia? — Toquei seu rosto carinhosamente.

 

Terminei de pentear o cabelo dela, que desceu para a sala junto dos irmãos e discursou para eles a tal apresentação.

 

Todos se dividiam em duplas de maneira natural, apesar de serem muito unidos entre os seis. Clara e Caleb eram confidentes e se encobriam em diversas situações. Por serem os mais velhos e adolescentes, me ajudavam demasiado com as demais crianças. Mallory e Lara hoje frequentavam o mesmo grupo de amigos, separadas apenas por uma série na escola. As duas passavam pela fase de roupas legais, músicas e pré-adolescência... Sempre juntas!

 

Sophia e Heitor sobravam ainda curtindo a infância que os irmãos mais velhos deixaram para trás.

 

Arthur e eu nos casamos um ano após o nascimento de Heitor. Foi a cerimônia mais linda de toda minha vida, uma vez que cada uma das crianças fez um discurso sobre nós e todos os seis levaram as alianças. Jamais me imaginei casada, muito menos com seis filhos!

 

Sophia e Heitor eram os únicos que frequentavam a escola primária, por isso seriam os únicos a discursar na apresentação. Os demais nos acompanharam, empolgados em assistirem os menores.

 

— Está nervoso, querido? — Heitor passou para me dar um beijo antes de começar a comemoração. Ajeitei carinhosamente sua gravata borboleta azul, combinando com o terninho escuro. O cabelo era castanho em forma de tigela e os olhos verdes como os do pai.

 

— Não mãe... Já peguei o jeito de falar para muitas pessoas, Caleb me ensinou tudo! — O irmão mais velho era o herói de Heitor.

 

— Estou orgulhosa, meu pequeno... — Beijei seu rosto carinhosamente.

 

— Obrigado mãe. Também tenho orgulho de você e de tudo que fez por meus irmãos — Estreitei o olhar diante de sua fala — A Sophia já me contou tudo.

 

— Ah, sim? — Questionei curiosa — O que ela contou?

 

— Você vai descobrir quando chegar minha vez de falar! — Piscou para mim fazendo suspense. Arthur e eu trocamos um olhar confuso.

 

— Espero não ter surpresas... — Comentei entrelaçando sua mão grande na minha carinhosamente, todos nós sentados lado a lado na primeira fila do teatro da escola das crianças.

 

— Surpresas são bem-vindas, meu amor — Sorri para ele quando tocou meu queixo com a mão livre — Você foi uma surpresa e resultou no melhor acontecimento de minha vida...

 

— Você também foi uma surpresa incrível, quebrando com carinho meu coração de pedra — Me aproximei para dar um selinho em seus lábios, ainda apaixonada pela maneira como era lindo aos meus olhos e de todas.

 

— Milena encrenqueira... — Sussurrou contra meus lábios.

 

— Arthur Novateli... O melhor cantor do país! — Rimos juntos em meio a um novo beijo.

 

As crianças subiram ao palco, finalmente, começando o tal discurso. Heitor e Sophia foram quase à última dupla, juntando-se como irmãos para homenagear a mãe especial.

 

Calmamente Heitor tomou a frente do microfone, que se encontrava em um apoio baixo frente a seu rosto angelical. O filho de meu ventre era o meu maior motivo de orgulho... Sua gestação foi complicada, mas vencemos. Vê-lo tão lindo era um milagre feito real. Ajeitando o papel que leria, Heitor começou seu discurso.

 

— Meu nome é Heitor Arthur Novateli. Minha mãe se chama Milena é a mãe mais especial de todas! — Arthur sorria para mim e entrelaçou nossos dedos com ainda mais força, também orgulhoso de nosso filho — Não só porque é minha mãe, mas porque sinto muito orgulho de tudo que faz por meus irmãos também. Somente eu nasci da barriga dela, meus outros cinco irmãos mais velhos nasceram em seu coração, como ela mesmo fala... — O auditório ouvia atentamente as palavras inocentes de meu garotinho — Apesar disso, todos os seis somos tratados com o mesmo amor e carinho. Tenho orgulho dela por ser forte e ter um grande coração. Eu te amo, mamãe. Obrigado por ter o maior coração de mãe do mundo! Obrigado por nos amar tanto!

 

Todos aplaudiram fortemente meu garotinho de cinco anos, que sorria satisfeito. Arthur aplaudia com assobios, assim como as crianças ao nosso lado. Movi-me curiosa quando Sophia parou ao lado do irmão, também se postando na frente do microfone.

 

— Meu nome é Sophia Aurora Novateli e tenho duas mães — Os olhares curiosos encaravam Sophia sobre o palco usando um lindo vestido rosa que contrastava com seu cabelo dourado e longo — Uma delas me trouxe ao mundo e me deu a vida, mas nunca foi realmente capaz de me amar. A outra me conheceu aos dois anos sem ainda dizer nenhuma palavra e me amou desde o primeiro momento... — Meus olhos se encheram de lágrimas e Arthur me abraçou pelo ombro, beijando meu cabelo. Sophia agora olhava para mim fixamente, falando diretamente comigo — Cresci acreditando que você era mesmo minha mãe e faz pouco que descobri que não temos o mesmo sangue — Também parecia emocionada — Sempre achei estranho o fato de apenas Heitor ter cabelo escuro, mas... — Deu de ombros enquanto todos riam — Doeu saber que a mãe que me fez nascer não amava a mim e meus irmãos... Doeu saber sobre a rejeição. Cheguei a pensar que tudo mudaria, mas nada mudou. Você continua sendo minha melhor amiga, a única mãe que conheci. Um dia, conversando com minha irmã Clara, entendi o que a mãe significa na vida de um filho... Não é somente a mulher que te trás ao mundo, mas a mulher que te ama incondicionalmente e daria a vida por você. A mulher que te ama todos os dias com o único amor que pode ser equiparado ao de Deus... Nasci do seu coração, assim como meus irmãos mais velhos, e agradeço todos os dias a Deus por você nos amar tanto, mãe... — Lágrimas deslizaram em meu rosto. Mallory, sentada do meu outro lado, também me abraçou emocionada — Obrigado por ter aparecido. Obrigado por nos amar. Te amo muito, mamãe.

 

Sophia jogou um beijo em minha direção enquanto Heitor a abraçava e todos aplaudiram emocionados. Ao final, Sophia e Heitor desceram para me abraçar e os outros quatro também o fizeram, encerrando com chave de ouro uma jornada inesquecível de amor e perdão.

 

 

Naquela noite, após chegarmos em casa e comemorarmos com um jantar especial, vi quando Arthur entrou no quarto de Clara e me escorei na parede para ouvi-los. A garota lia um livro em sua cama e o fechou quando Arthur se sentou aos pés da cama alta.

 

— “Ser feliz sem culpa” — Arthur leu o título do livro dela, que sorriu para ele enquanto ajeitava o longo cabelo loiro atrás da orelha — Melhor que os de antigamente...

 

— Realmente melhor. Muito melhor! — Clara admitiu — Fiz alguma coisa, pai? É por isso que veio até aqui?

 

— Claro que não, querida... — Tocou a mão dela carinhosamente, um tanto nostálgico — Somente pensava em como a minha primogênita cresceu... Nem acredito que minha menina já se tornou uma mulher de dezessete anos, prestes a ingressar na universidade... — Clara sorriu orgulhosa — Sempre tive orgulho de você, princesa. Sempre terei!

 

— E eu de você, pai... Você é o melhor pai do mundo, o único que eu escolheria! Olhando para trás e para como estamos hoje, sequer parece que enfrentamos tantas coisas... — Clara se aproximou e o abraçou, deitando o rosto em seu peito.

 

— Agora somos felizes, finalmente... E eu e você estivemos juntos nesta jornada desde o começo! — Acariciou o cabelo dela fazendo-a sorrir — Você nunca pensou em me deixar e agradeço, querida. Como mais velha podia ter ido viver com suas avós, qualquer uma delas, pois as duas sempre convidavam... Mas escolheu ficar ao meu lado e ajudar com seus irmãos. Sempre serei grato, meu amor...

 

— Jamais abandonaria quem me deixou viver, pai. Jamais deixaria quem nunca me abandonou! Te amo, papai — Beijou o rosto de Arthur, nitidamente emocionado. Sorri diante das palavras de ambos, que agora levavam uma relação de carinho e respeito, muito diferente dos antigos conflitos.

 

— Também te amo... — Soltou-se e a encarou — E por te amar, a mocinha vai me explicar agora esse papo que suas irmãs andam falando sobre você ter um namorado!

 

— Quem te contou isso? — Segurei o riso diante da indignação de Clara — Foi a Mallory, não foi? Aquela intrometida!

 

— Não importa! Anda logo, me conte!

 

— Mas PAI... Para de ser ciumento, por favor! Eu já tenho dezessete anos, quase dezoito, pai! — Clara protestou diante de Arthur — Você tem mais três filhas menores para se preocupar em proteger!

 

— Você é minha primogênita e tem coisas que nunca mudam... Anda... Explique-me tudo!

 

Clara suspirou em protesto, cansada antes mesmo de começar. Arthur sempre seria um pai ciumento de quatro meninas que amava mais que tudo.

 

— Sophia? — Bati na porta do quarto de nossa menina caçula e abri. Apenas uma luz fraca vinha da cama.

 

Sophia dormia. O cabelo loiro e cacheado espalhava pelo travesseiro. Caminhei para o lado dela com uma imensa emoção contida no peito . Cada palavra de seu discurso vinha a minha mente. Sentei-me na cama ao seu lado, acariciando levemente o cabelo dourado.

 

Recordei os velhos tempos, quando minha menina não passava de um bebê e dependia de mim totalmente... Quando descobri que jamais poderia viver sem ela! Assim como fui sua mãe antes de ser a de todos os outros, Sophia foi minha primeira filha, a primeira que me aceitou e que realmente me ofereceu seu amor sincero, antes mesmo de Arthur.

 

Recordei sua primeira palavra, a primeira vez que a vi no colo de Arthur chorando e de fralda... Jamais esquecerei a maneira como se acomodou em meu colo pela primeira vez, como se ali fosse seu lugar no mundo.

 

Se Clara era o início do amor de pai de Arthur, Sophia era o meu amor de mãe, definitivamente. Beijei sua testa levemente.

 

— Mãe? — Abriu os olhos verdes um pouco assustada — O que está fazendo aqui?

 

— Vim ver meu bebê dormir — Sussurrei olhando seu rosto que ainda era muito parecido ao de quando era bebê. Sorrindo, me abraçou.

 

Notei que a pulseira com a letra “ S” que um dia dei a ela seguia pendurada em seu pulso da mesma maneira de anos atrás.

 

— Porque você es tá chorando? — Questionou preocupada, sentando-se na cama.

 

— Te amo muito, Sophia — A abracei mais forte — Lembra que um dia prometi ser a melhor mãe que poderia e nunca te deixar?

 

— Você conseguiu mãe, conseguiu!

 

— Desculpe por ter ocultado por algum tempo s obre Carina — Ela assentiu ainda me abraçando — Não queria te decepcionar...

 

— Você é minha única mãe, Milena Milani! Jamais me decepcionou! — Toquei seu rosto infantil e belo, emocionada. Beijei sua testa com carinho, tocando seu nariz ao final como fazia quando ainda era um bebê.

 

— Te amo filhota.

 

— Também te amo mamãe.

 

A primeira palavra do começo da vida de Sophia servia perfeitamente para o nosso final. A palavra que definia todo nosso amor e me trouxe até os Novateli...

 

Mamãe.

 

 

                                                                  Izabella Mancini

 

 

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