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Series & Trilogias Literarias
O clima do mês de março no Condado de Wharton, Pensilvania, era tão imprevisível quanto uma tirada esperta da Nana D. Apesar de estar marcado para acontecer, o impacto real ostentava um alcance infinito, diferente de qualquer míssil que eu já tinha visto ser lançado. Poderia acontecer uma nevasca digna de um globo de neve sendo chacoalhado por uma criança extremamente animada, ou a primavera poderia ter testado o seu desejo de romper pelo solo congelado com um desejo de viver incomparável. Enquanto o trovão soava acima de mim no céu nublado, eu lia pela terceira vez a última mensagem da minha avó, me perguntando se ela percebia a extensão com a qual conseguia deixar as pessoas confusas e querendo chorar (tudo isso em uma única mensagem de texto aleatória).
Nana D: Não consigo mais aguentar esses velhos chorões. Me salve. É melhor que você não se atrase. Você já cortou seu cabelo? Eu tenho visto animais de fazenda mais atraentes do que você ultimamente. Algumas vezes não consigo acreditar que você é da minha família. Preparei uma sobremesa especial. Por que você não me convenceu a sair dessa corrida eleitoral estúpida? Estou orgulhosa por você ter voltado para casa. Me diga novamente o que é um emoji? Preciso arranjar encontros para nós dois. Eu deslizo para a direita ou para a esquerda quando estou interessada em um homem? Se apresse. Beijos e abraços.
Já que nós adorávamos torturar um ao outro de uma maneira amável, mas ainda assim competitiva, eu ignorei a loucura da minha avó, esperando que isso a levasse a ter um ataque de raiva em frente aos seus amigos. Aquele coelhinho da Energizer precisava desesperadamente de uma dose extra de Valium, enquanto eu ansiava pelo tempo mais seco e quente como droga da minha escolha. Ao invés disso, eu encarava depressivamente uma grande nuvem de tempestade que ameaçava nos torturar novamente. Nós já havíamos passado por quatro dias de chuvas torrenciais que fez com que tudo parecesse como pão molhado. E para o caso de eu não ter sido óbvio, ninguém gosta de pão molhado. Agora que pensava sobre isso, minha semana inteira parecia que havia sido como um pedaço de pão molhado com um lado polvilhado com uma sensação de morte implacável e peculiar.
Logo após aceitar meu novo emprego como professor em Braxton e resolver meu primeiro caso de assassinato, eu estava esperando um pouco de descanso. Infelizmente, tudo se transformou em um grande queijo suíço cheio de buracos do tamanho do Grand Canyon. Não, eu não era um policial ou um investigador particular. Eu tive a sorte de solucionar os assassinatos de duas colegas, antes que a nossa xerife ranzinza do condado finalmente prendesse o culpado, ainda assim, isso não foi a coisa mais escandalosa sobre a minha volta para casa depois de um período de dez anos.
Quando contei aos meus sogros que iria sair de Los Angeles e me mudar de volta para a Pensilvania, fiquei sabendo durante uma conversa comum e ordinária, que minha esposa supostamente morta, Francesca, não estava realmente morta. À quase dois anos atrás, eu havia sido levado a acreditar que ela havia perecido em um acidente de carro, quando um motorista bêbado ultraprassou um sinal vermelho em uma interseção perigosa. Isso não era verdade! “Viva hoje, morta amanhã. Hey, estou aqui novamente. A vida depois da morte não era tão divertida, então eu mudei de ideia sobre estar morta. Isso não era para mim!” Talvez as coisas acontecessem assim no ameaçador mundo dos meus sogros, a Família Castigliano, mas definitivamente não no meu.
O acidente de carro havia sido planejado pelos pais de Francesca depois que alguém tentou matar minha esposa como vingança por uma multitude de problemas na máfia. Meus sogros estavam no comando de um sindicato cruel de Los Angeles, e de alguma forma Francesca (que nunca me contou nada sobre esse aspecto da vida dela enquanto estava viva) havia sido pega na teia de mentiras deles. A única maneira que eles tinham de proteger Francesca e a nossa filha, Emma, havia sido fingir a morte de Francesca.
Minhas emoções estavam incrivelmente erráticas e cruas durante os últimos cinco dias, desde que descobri a verdade. E eu não podia contar a ninguém além da minha irmã, Eleanor, que estava presente quando Francesca apareceu. E tão facilmente quanto minha esposa não-mais-morta havia se materializado, ela desapareceu novamente sob a cortina de ferro que era a proteção de seus pais. Será que havia algum livro de bolso sobre como lidar com uma esposa que havia voltado do túmulo? Será que eu havia sido sequestrado e sofrido uma lavagem cerebral por algum culto enquanto performavam algum louco rito de iniciação? Sério?! O que foi que eu fiz no passado para levar o mais forte dos socos no estômago. Infelizmente, eu não tinha respostas, mas com relação às minhas prioridades, minha presença era imediatamente requisitada em outro lugar para um tipo diferente de tortura brutal.
Eu estava dirigindo para visitar minha avó de quase setenta e cinco anos de idade, Nana D (conhecida por todos os outros como Seraphina Danby) que havia declarado sua intenção de concorrer na eleição para Prefeito do Condado de Wharton, em uma conferência de imprensa surpresa, mais cedo naquela semana. Com um metro de meio de altura, menos de cinquenta quilos, quando molhada (a maior parte pelo cabelo vermelho tingido de henna que pegava quase metada da altura dela) e muito mais sarcástica do que eu, Nana D estava se preparando para sua primeira campanha como candidata. Eu havia prometido organizar todos os seus voluntários “velhos chorões” para a campanha eleitoral, já que nenhum deles sabia por onde começar.
Apesar de que um chá completo seria servido na Nana D, eu fui até a The Big Beanery, a cafeteria estudantil charmosa e sempre lotada de Braxton, e pedi um mocha de caramelo extra-forte e extra-grande para viagem. Salivei quando passei pelo balcão de doces, apesar de saber que Nana D provavelmente teria feito algo delicioso que eu, sem dúvida alguma, iria consumir como um porco esfomeado. Eu olhei pelo local procurando por algum dos meus estudantes que pudessem estar por ali com seus amigos, ou revendo os materiais de aula em grupos de estudos, mas a única pessoa que eu reconheci não era de maneira alguma uma estudante.
O que a Reitora Terry estava fazendo no campus em um sábado? Enquanto eu esperava pelo meu café extremamente complexo, com um palpite de que ela estava sentada sozinha, eu segui até a mesa para alegrar seu dia. Esse era o tipo de cara que eu era. Apesar de eu não ter um metro e oitenta de altura, minha colega era o oposto, sendo bem alta, e escolhia manter seu cabelo extremamente curto. Com uma constituição física de um quaterback que havia comido muito sal recentemente, a reitora estava usando sua forte presença para intimidar estudantes durante quase vinte e cinco anos em Braxton. Assim que você passava da superfície, ela era como uma gata mansa.
Depois de me acostumar com a ideia de que nós somos colegas, eu consegui evitar chamá-la de Reitora Terry, e me dirigi a ela pelo primeiro nome. Com um sorriso, eu disse:
– Boa tarde, Fern. Você nunca tira uma folga?
Ela quase havia conseguido a tão disputada vaga de presidente da nossa querida instituição na semana passada. O Conselho de Curadores havia, surpreendentemente, escolhido outra pessoa e oferecido a ela um papel de liderança no comitê que iria converter Braxton de faculdade para uma universidade, dentro dos próximos dois anos. Ela ficou desapontada, mas assim que nós nos conectamos e percebemos que poderíamos fazer grandes coisas juntos, Fern rapidamente subiu à bordo com a decisão.
– Kellan, é tão bom te ver. Eu estou esperando meu filho para tomarmos o brunch juntos. Ele teve que sair para resolver um problema com a produção da peça do Rei Lear. – o tom de Fern tinha mais entusiasmo do que eu estava pronto para lidar naquela hora do dia. Apesar de eu sempre ter conhecido o lado acadêmico e disciplinar dela, recentemente me conectei com a reitora de uma maneira mais pessoal, descobrindo que nós temos muito em comum. Entre o nosso amor mútuo por filmes em preto e branco e viagens cruzando o país de trem, nós estávamos destinados a desenvolver uma forte amizade. Onde esteve aquele amor quando ela me mandou caminhar sobre a brasa por algo que minha fraternidade havia feito quando eu era um estudante aqui dez anos atrás?
Até onde me lembrava, Fern tinha apenas um filho que havia graduado no ensino médio junto comigo. Ao invés de ir diretamente para a faculdade, ele havia se mudado para Nova Iorque para se tornar ator antes de retornar, três anos depois, para obter seu bacharelado.
– E como está o Arthur? Eu não o vejo faz muitos anos. – eu disse, tirando uma mecha do meu cabelo loiro escuro para longe do meu rosto com uma barba por fazer de três dias. Nana D havia sabiamente dito que eu precisava urgentemente de um corte de cabelo, mas já que eu não ia a um barbeiro no Condado de Wharton há dez anos, não tinha ideia de onde ir. Eleanor havia tentado me convencer de deixá-la cortar meu cabelo, mas isso nunca iria acontecer. Ter a mão firme com a tesoura e ser cautelosa, não eram os pontos fortes dela.
– Arthur está dirigindo a peça teatral de Braxton nesse semestre. Infelizmente, isso significa que está trabalhando para a tirana, mas ele já lidou com coisa muito pior na Broadway, tenho certeza disso. – Fern encolheu os ombros, então me ofereceu uma cadeira. Minha boca se encheu de água com a visão do rolinho de canela no prato dela, a poucos centímetros dos meus dedos dormentes.
– Não, obrigado, mas não posso me sentar. Tenho que ir pra algum lugar, mas pensei em passar aqui e te dar um oi. – eu comentei, me preparando para sair enquanto Arthur retornava de sua ligação telefônica e vinha agitado para a mesa. Imagens de um cão raivoso vieram à minha mente quando ele fixou sua expressão fria e alarmada, com as pupilas escuras centradas em sua mãe.
– Aquela mulher é uma vaca miserável, mãe. Eu não sei como você consegue trabalhar com ela todos os dias. – Arthur resmungou. Ele era alto e com uma aparência forte como sua mãe, mas ao invés do cabelo curto de grisalho, tinha um cabelo loiro e ralo que estava penteado em uma tentativa falha de esconder o que iria inevitavelmente acontecer relativamente cedo. Apesar de ele ter trinta e dois anos, rugas profundas começavam a dominar seu rosto. – Ohh, espere... Kellan Ayrwick, é você mesmo?
Eu assenti.
– Eu só posso imaginar que você esteja falando da minha maravilhosa chefe, Myriam Castle. Eu ficaria grato por qualquer dica que você possa me dar sobre como lidar com aquela barracuda venenosa! – eu disparei aquilo tudo pelos meus lábios antes que pudesse impedir minha diarreia verbal. Myriam era uma das pessoas que eu menos gostava. De todas as pessoas. Eu a conhecia faziam apenas três semanas, mas cada interação havia me deixado com um arranhão do tamanho do Texas. Entre o tom alegre e desagradável dela e sua mania de fazer citações de Shakespeare, às vezes me parecia que eu estava em um daqueles episódios arrepiantes de Além da Imaginação ou um caso sinistro do programa Candid Camera. Eu ficava esperando que alguém vestindo uma máscara de demônio fosse pular de algum lugar e gritar surpresa, mas infelizmente, isso nunca acontecia. Isso teria dado para aquela charlatã exatamente o que ela precisava por ter se metido comigo.
– Ah, se eu tivesse. – Arthur se sentou pesadamente na cadeira, secando as mãos molhadas nos seus jeans. Ele havia sido pego pelo dilúvio sem um guarda-chuva. – Corra. Isso é tudo o que eu posso dizer quando é em relação a...
– Agora, Arthur. Todos sabemos o quanto ela pode ser difícil, mas não vamos dizer algo do qual você possa se arrepender. – Fern o interrompeu enquanto dava tapinhas no braço de seu filho. – Lembre-se, essa é a sua oportunidade para entrar no ramo da direção e parar de atuar. Não é isso que você disse que queria? – Fern estava preocupada como uma galinha tentando acalmar seu pintinho. Eu raramente via esse lado dela, mas ela lidava com seu filho com serenidade e tato.
– Eu sei, mãe. Myriam acabou com toda a cena de abertura que nós estávamos ensaiando há quatro dias. Agora, eu tenho que remontar o palco antes do ensaio de figurino amanhã. – ele grunhiu e deu uma mordida agressiva em seu sanduíche de queijo quente. Seus caninos pareciam com as presas de um vampiro.
Arthur atendeu uma ligação de alguém chamado Dana em seu celular. Já que ele e Fern estavam ocupados e meu café estava esfriando no balcão, eu me desculpei para sair. Eu fingi não ter escutado quando Fern arquejou quando Arthur contou à Dana que ele também queria matar uma mulher pelo que ela havia dito nos ensaios da noite passada. Eu me sentia mal pelo Arthur que teria que encontrar uma maneira de trabalhar com aquela mulher corrosiva, ou ela faria da vida dele um inferno.
Quando Myriam se tornou a nova chefe do nosso departamento, tive que aceitar as direções que ela me deu, já que eu estava ministrando aulas para as turmas de escrita para broadcasting, produção televisiva e história dos filmes. Nós tivemos a nossa primeira reunião supervisora nessa semana, onde ela deixou as coisas de maneira bastante claras, dizendo que assim que meu pai tivesse se aposentado oficialmente como presidente da Faculdade Braxton nos próximos dias, eu não teria mais ninguém para me proteger. Eu posso ter conseguido um contrato garantido para um ano, mas Myriam me esclareceu articuladamente que a nova presidente (sua esposa, Ursula Power) poderia cancelá-lo.
Eu peguei meu café e continuei meu caminho até a Nana D. Ela era a dona e gerente do Rancho Danby, um pomar e fazenda orgânicos na parte sul do Condado de Wharton. Em uma época na história do condado, o rancho tinha a maior área cultivada de todas as propriedades rurais, mas Nana D vendeu uma grande parte dele depois que meu avô faleceu. Enquanto eu fazia a curva para entrar na estrada de terra que levava até sua casa de fazenda, coloquei os pensamentos, sobre minha esposa que havia voltado dos mortos e sobre a minha chefe pirada, em uma parte separada da minha mente, e me foquei na próxima missão irracional que eu tinha pela frente.
Quando estacionei no Rancho Danby, minha filha de seis anos correu para fora da casa e pulou nos meus braços. Eu balancei Emma de um lado para o outro e beijei suas bochechas. Ela havia dormido na Nana D na noite passada, para que elas pudessem ter uma festa do pijama, aparentemente sem nenhum menino sendo convidado.
– Papai! Nós fizemos smores na noite passada. Eu passeei de trator de manhã com o ajudante de fazenda da Nana D. Ele tem uma filha da minha idade. Posso brincar com ela? Quando nós vamos ao zoológico? – Emma perguntou, incapaz de conter sua animação. Os cabelos castanhos escuros e frisados estavam presos em tranças, e ela vestia um adorável macacão jeans que Nana D havia costurado na semana anterior. Emma havia herdado a pele cor de oliva de sua mãe, o que me fazia incapaz de esquecer da beleza encantadora da minha esposa.
– Isso parece bem divertido, minha querida! – eu a coloquei sentada ao meu lado no balanço, para passarmos alguns minutos juntos, antes de ter que lidar com os velhos chorões. Nós jogamos algumas rodadas de cama-de-gato e conversamos sobre a noite dela antes que Emma decidisse me levar para dentro da casa. Enquanto ela se servia de um copo de suco e começava a assistir um vídeo, eu marchei para dentro do antro para ser aterrorizado.
Haviam mais quatro pessoas na sala além da minha avó, todos os quais eu já havia conhecido no passado. Era uma reunião de membros fundadores do Clube Septuagenário de Braxton: Nana D, Eustacia Paddington, Gwendolyn Paddington, Millard Paddington e Lindsey Endicott. O clube foi formado há alguns anos atrás quando todos completaram setenta anos, para celebrar o reflorescimento das suas juventudes. Eles haviam iniciado pelo menos quarenta novos membros e viviam livremente, tentando reconquistar qualquer independência restante de suas famílias, que os haviam colocados em lares para idosos ou tirado suas carteiras de habilitação. Nana D era a líder e causava os maiores problemas pela cidade. “Não é meu macaco, não é meu circo,” eu às vezes tinha que lembrar a mim mesmo quando alguém implorava que eu a impedisse de causar qualquer problema que ela tivesse começado.
– Ah, se não é aquele pequeno molhador de cama. – Lindsey Endicott provocou, um advogado aposentado de setenta e seis anos de idade com quem tanto Nana D, quanto Eustacia Paddington, estavam saindo. Sua camisa polo rosa chocante era dois tamanhos menores e revelavam demais a sua barriga de cerveja. Assim que ele havia vendido seu escritório de advocacia, resolveu abrir uma pequena cervejaria em uma das áreas mais frequentadas da cidade. O único problema era que ele era seu melhor cliente, e nunca havia aprendido quando ou como parar.
– Oooh, ele parou de fazer isso há muitos anos atrás, certo, Kellan? – Eustacia disse. Sua roupa de exercícios azul brilhante a vestia perfeitamente, mas ela obviamente não estava vestindo nada por baixo. Eu sacudi minha cabeça com a visão dos vários pontos marcados pela idade e desviei meu olhar para qualquer outro lugar longe dela. Ela continuou. – Eu me lembro quando ele tinha aquele terrível problema. A pobre Seraphina tinha que trocar os lençóis todas as vezes que o garoto dormia aqui.
Será que isso podia ficar ainda mais embaraçoso? Eu tinha três anos de idade e uma bexiga complicada naquela época. Eu já havia ganho controle total da situação há quase três décadas nesse ponto.
– Podem parar com isso, vocês dois. Eu vou jogar suas pequenas pílulas azuis na lata de lixo, Sr. Endicott. O que você acha disso? – os olhos dele se arregalaram fazendo com que suas duas sobrancelhas enormes parecessem com formigas procurando migalhas de comida. – E você, Srta. Paddington... vou cortar vários centímetros da sua bengala e ver como você anda cambaleando por aí.
Millard Paddington, o irmão mais velho de Eustacia (com uma diferença de menos de um ano, gêmeos irlandeses como ela os chamava) ficou vermelho em um tom que eu raramente via por aí. Ele era o único ser humano verdadeiramente gentil do grupo.
– Deixem o garoto em paz, seus babacas, ou eu vou trocar as pílulas para pressão alta da Gwennie pela medicação gastrointestinal da Eustacia. Nenhum de vocês vai saber o que aconteceu. Não temos assuntos importantes para atender? – Millard era o mais alto do grupo, magro como uma vara, e havia perdido o cabelo anos atrás. Ele tinha um bigode handlebar e tinha quase aperfeiçoado as curvas, mas as crianças da biblioteca tinham a mania de puxá-lo quando ele lia para elas. Dizer que o bigode era irregular seria uma descrição generosa, ainda assim ele parecia gostar de toda a atenção das crianças barulhentas.
Gwendolyn, ou Gwennie como seus companheiros do clube a chamavam, havia sido casada com o irmão de Eustacia e Millard, Charles, que faleceu no ano anterior. Ela era extremamente educada e adequada e tinha o hábito de ser julgadora e crítica. Eu tive a sorte de nunca ser julgado por ela, mas Nana D já tinha colocado a mulher no lugar dela várias vezes no passado. Gwendolyn continuou em silêncio com seu nariz empinado parecendo o mais esnobe quanto possível (como se tivesse comido uma laranja azeda e estragada).
– Por mais que eu adore ser zoado pelo pessoal do clube dos antigos, o Sr. Paddington está certo. Como posso ajudar com a campanha da Nana D? – eu perguntei enquanto relaxava na única cadeira restante, o que me deixou praticamente sentado dentro da lareira. – O que vocês já prepararam até agora?
Silêncio. Ninguém disse nenhuma palavra, eles só olharam um para o outro esperando que alguém se manifestasse. Nós continuamos assim por outros cinco minutos, até que eu finalmente pedi que eles fizessem uma lista com as dez principais mudanças que queriam que acontecesse no Condado de Wharton. Eu fiquei agradavelmente surpreso quando descobri que pelo menos seis delas eram ideias pragmáticas que outros poderiam apoiar. As outras quatro não eram: massagens grátis no parque feita pela “mocinha sexy no Complexo Residencial Willow Trees” e um novo aplicativo de encontros chamado “Vamos tirar a sorte” para a população acima dos setenta anos, essas duas ideias pareciam um pouco desnecessárias e inflamatórias para mim. Mas então, talvez eu também quissesse ter essas coisas daqui uns quarenta anos. Quem eu era para julgar ou jogar um balde de água fria nos desejos carnais de alguém no período mais tardio da vida? Já as outras duas ideias, nem mesmo vou mencionar.
Enquanto eu distribuía tarefas para cada um deles, Gwendolyn pediu licença para usar o toucador.
– Eu estou pegando emprestada sua bengala, Eustacia. Não estou sentindo minhas pernas muito firmes nos últimos dias.
Enquanto Gwendolyn caminhava pelo corredor, Nana D provocou:
– Me desculpe por não ter um penico, sua morcega velha. Aqui nós chamamos isso de lavabo! Ninguém mais fala toucador. – será que Gwendolyn estava evitando suas responsabilidades ou sua saída era uma coincidência? Como se tivesse ouvido meus pensamentos, Nana D se virou e disse: – Ela sempre faz isso. Quando voltar, Gwennie vai sair correndo dizendo que tem que lidar com uma emergência. Assim como o Millard sempre que peço para ele dormir aqui. Esse é o motivo real do porquê as coisas não deram certo entre nós. Ele era um egoísta quando se tratava de coisas íntimas como...
– Não, Nana D. Por favor, pare. Eu não posso ouvir isso. – eu disse enquanto minhas entranhas se reviravam. – Nós conversamos sobre isso várias vezes. Eu não quero saber sobre sua vida amorosa. E em retorno, eu não vou te incomodar com nada sobre a minha.
– Isso quer dizer que você tem uma vida amorosa da qual possa falar? Porque da última vez que nós conversamos, sua habilidade para flertar e qualquer estranho desejo sexual que você pudesse ter haviam desaparecido. – ela respondeu enquanto beijava o seu dedo, depois tocou em seu quadril e fez um som chiado. O fraco som dela fez a sala irromper em uma gargalhada de velhos cidadãos rindo da minha cara.
– Eu só vou ficar aqui por pouco tempo, Nana D. Você precisa usar esse tempo de maneira sábia, ou posso não te ajudar com a campanha para a prefeitura. – eu coloquei a Gwendolyn para distribuir panfletos de campanha e saí pela porta da frente para colocar a caixa com os panfletos no carro de Lindsey. Ele havia levado a gangue toda para a casa da Nana D já que era o melhor motorista do grupo. Quando cheguei à varanda, ouvi Gwendolyn falando ao celular no canto mais distante.
Gwendolyn disse:
– Bem, se você não vai conseguir vir, então vou encontrar outra pessoa para pegar seu ingresso. Essa não é a primeira vez que você me desaponta, e tenho a certeza de que não vai ser a última. Eu patrocinei essa produção de Rei Lear. A família inteira deveria estar aqui em apoio à nossa generosa doação. Talvez você não pertença mais à esse clã.
Eu observei a expressão azeda do rosto dela se intensificar até que era novamente a vez dela de falar. Quando ela o fez, até mesmo eu fiquei com arrepios com o tom frio e a ameaça inesperada.
– Você vai se lembrar disso quando eu não estiver mais por aqui. A família deveria cuidar um do outro quando ficam mais velhos. E não jogá-los na sarjeta como se fossem lixo. Talvez eu precise fazer outra visita ao advogado para dar uma olhada no meu testamento novamente. – alguns segundos depois, Gwendolyn gritou ao telefone. – Você sempre foi inútil. Vamos ver o que você vai pensar quando as coisas não acontecerem como você espera. – então desligou e lutou contra o fecho de sua bolsa vintage estilo anos 50. Ela finalmente conseguiu abri-la, jogou o celular dentro, e rapidamente colocou a bolsa de lado.
Eu já havia pisado na varanda e não conseguiria voltar sem que ela percebesse minha presença. Quando ela se virou, Gwendolyn escarneceu:
– Você estava escutando escondido a minha ligação? Que tipo de boas maneiras sua avó lhe ensinou, Kellan? Eu tenho uma boa ideia...
– Me desculpe. Eu estava levando essa caixa para o carro e não sabia que você estava aqui. – eu disse cautelosamente, colocando minha mão livre para cima e equilibrando a caixa contra o meu peito com a outra mão. Eu me senti mal por invadir a privacidade dela, mas fiquei chocado com o que ela havia dito ao telefone. – Está tudo bem?
– Não, minha terrível família fica pegando meu dinheiro, mas se recusam a fazer qualquer coisa legal para mim. Estou prestes a saber o quão horrível um deles realmente é. O que você vai fazer amanhã? – ela perguntou com uma voz áspera.
Além de preparar minhas aulas e tentar entrar em contato com Francesca, que não havia me dado um número de telefone para encontrá-la enquanto se escondia com sua mãe em Nova Iorque, nada mais estava planejado.
– Vou passar meu tempo com minha filha e ajudar a Nana D a se preparar para o debate com o Vereador Stanton.
– Bem, contrate uma babá. Você vai para Braxton comigo para o ensaio de figurino de Rei Lear. Um dos meus parentes inúteis cancelou e eu tenho um ingresso extra. – Gwendolyn limpou uma sujeira do olho. Uma mulher como ela nunca chorava por causa da família. Ela apenas reclamava deles para qualquer um que pudesse escutar. Ou mesmo aqueles que não queriam.
– Eu tenho certeza de que eles te amam. Talvez isso seja um mau-entendido. – eu disse, simpatizando com a condição dela. Nana D havia mencionado várias vezes sobre como os filhos de Gwendolyn ou a haviam abandonado ou entrado em problemas desde que seu pai havia falecido. O marido dela, Charles, havia sido o centro de gravidade da família enquanto estivera vivo, mas agora todos a tratavam como um fardo ou um caixa eletrônico.
– Isso é certamente um monte de merda! Eles ficariam mais felizes se eu batesse as botas no caminho para casa hoje à noite. Estou preocupada que um deles esteja tentando me matar. Tem alguma coisa errada com a maneira que tenho me sentido ultimamente. Eu vou ao médico na segunda-feira para descobrir. – ela se apoiou contra o batente da porta e bufou audivelmente. – Estúpidos ingratos. Se eu descobrir que um deles está fazendo algo contra mim, vou mandá-lo para a prisão. Sem nem pensar duas vezes. Nós podemos ser uma família, mas eles são um bando de abutres.
Gwendolyn voltou para dentro para se juntar ao resto do Clube Septuagenário. Eu esfreguei minhas têmporas, coloquei a caixa dentro do carro do Lindsey, e voltei para a casa. Depois que todos foram embora, Nana D me puxou para dentro da cozinha e para longe dos ouvidos curiosos de Emma.
– Eu escutei a Gwennie contar à você que alguém da família dela está tentando matá-la? – Nana D perguntou com uma contração peculiar na bochecha esquerda.
– Sim, eu acho que ela estava chateada porque um deles não vai ao show. Acho que vou com vocês agora. – eu suspirei como se o peso do mundo estivesse sobre as minhas costas. Eu amava minha avó, mas os amigos dela eram mais difíceis de se lidar do que tentar pegar um porco cheio de lama estando de cabeça para baixo.
– Não, meu neto brilhante. É aí que você se engana. Tem algo definitivamente errado com aquela família. Ela tem agido estranho há várias semanas. Eu não ficaria suspresa se um daqueles Paddingtons estivesse tentando matar a Gwennie. Você vai ajudá-la a descobrir quem é o louco antes que ele tenha sucesso, certo?
2
Depois de deixar a fazenda da Nana D, Emma e eu fomos fazer compras em uma livraria local. Uma hora depois e com cem dólares a menos, nós saímos do charmoso mundo literário, que ficava entre os dois campus de Braxton, com nossas mãos cheias de sacolas lotadas de livros. Eu havia conseguido uma cópia de um novo livro de uma série de mistérios que havia chamado minha atenção. A próxima parada foi na Lanchonete Pick-Me-Up para um jantar mais adiantado e uma seção de terapia muito necessitada com minha irmã. Já que ela era a única pessoa com quem eu podia conversar sobre a Francesca, Eleanor teria que sofrer com as intermináveis conversas sobre o que iríamos fazer.
Quando nós chagamos, eu fiz Emma colocar um capacete para o caso de ela bater em algo da obra que estava sendo feita na Lanchonete Pick-Me-Up. Emma foi para junto de Manny, o chef de Eleanor, que estava na cozinha testando novas receitas, apesar do lugar ainda não estar aberto ao público. Ainda era preciso uma inspeção final na quarta-feira de manhã, antes da permissão para receber clientes.
– Ela parece estar se ajustando bem. – Eleanor disse, colocando seu cabelo loiro e enrolado em um coque no topo da cabeça e prendendo-o com um elástico. Enquanto nossos irmãos mais velhos haviam herdado a estrutura óssea alta e esguia do nosso pai, Eleanor e eu haviamos compartilhado os traços dominantes dos Danby e Bestcha da nossa mãe. Eleanor tinha quadris mais largos e braços mais crutos do que gostaria, e eu aceitei um cabelo indomável e o pequeno nariz arrendondado que se recusava a equilibrar apropriadamente os meus óculos. – Você ainda não disse nada para a Emma, não é mesmo?
– Não, eu não saberia como ou por onde começar. Me sinto como se estivesse vivendo uma de suas novelas dramáticas ultimamente. – eu provoquei minha irmã, apesar de que isso não parecesse um assunto para se dar risadas. Eu amava Francesca, e o dia que enterrei minha esposa havia sido o pior dia da minha vida. Eu estava tendo problemas para acreditar que o reaparecimento dela não era um sonho.
– Me conte exatamente como os Castiglianos fizeram isso? – quando Eleanor foi encontrar minha sogra para pegar Emma, Cecilia havia mandado minha filha para o quarto dos meus pais no andar superior, conhecido como Cabana Chique, enquanto ela pedia que Eleanor esperasse no escritório do nosso pai. Alguns minutos depois, Cecilia levou Francesca escondida para o pequeno e privativo escritório localizado no canto mais distante da casa, e trancou a porta. Eleanor ficou sabendo que Francesca estava viva, e eu fui convocado para chegar em casa imediatamente.
– Eu tive menos de uma hora com ela, então Cecilia levou Francesca para Nova Iorque se recusando a me dar qualquer maneira de contatá-la. Toda a comunicação tem que passar pelos meus sogros controladores. – eu respondi. Era como se um filme do Woody Allen estivesse passando na minha frente, não minha própria vida. – Eu espero vê-la novamente amanhã quando elas retornarem.
– Você está seriamente me dizendo que Francesca estava escondida na mansão Castigliano durante esses dois anos? – Eleanor perguntou com os olhos brilhantes e uma soprada exagerada de ar pela boca para retirar a franja de sua cara. – Diabólico!
– Sim, toda essa série macabra de eventos aconteceu rápida e silenciosamente. Alguns dias antes do falso acidente de carro, Francesca havia sido sequestrada por uma família da máfia rival, a gangue Vargas. Eu nunca fiquei sabendo disso porque estava em um set de filmagem. Os capangas do pai dela mataram um dos homens deles, e como retaliação, os Vargas capturaram Francesca. Quando descobriu o que havia acontecido, Vincenzo mandou um dos seus homens de confiança fazer o que fosse preciso para ter sua filha de volta.
– Mas como ela acabou fingindo a própria morte? Você nunca explicou essa parte. – Eleanor perguntou enquanto espiava por uma pequena janela na porta da cozinha para verificar se Emma ainda estava ajudando Manny a preparar o jantar e não ouvindo a nossa conversa. – A única maneira que Vincenzo poderia protegê-la era fingindo um acidente que fizesse parecer que ela havia sido morta por um dos motoristas mais novos da família Vargas. Ele pagou para um policial local para jogar álcool em todo o carro do outro cara e mandou os paramédicos resgatarem Francesca. Eles nunca prenderam o motorista porque não havia nenhum. Quando a polícia me ligou para me contar sobre o acidente, Francesca estava na sala com eles tentando convencer seu pai a encontrar outra solução.
– Eu não consigo acreditar que ela te machucaria dessa maneira. É doloroso. – Eleanor agia como se fosse sua própria esposa que tivesse mentido e desaparecido. Eu sabia que ela era empática, mas ninguém podia entender o impacto no meu mundo.
– Eu me lembro de ver alguns caras fortões olhando o acidente. Eles deviam estar lá para assegurar que Francesca parecesse morta e para reportar minha reação. Vincenzo eventualmente convenceu a família Vargas que ele já havia sofrido o suficiente ao perder sua filha. Todos concordaram em parar com a briga por território e manter as fronteiras no futuro. – Será que ela tem que ficar morta para sempre? Que tipo de vida é essa? – Eleanor perguntou.
– Eu queria poder saber. Nós só tivemos tempo de concordar sobre não contar para Emma por enquanto. – eu havia ficado tão feliz em ver minha esposa, mas meu corpo havia sido preenchido com uma raiva que eu nunca havia experimentado antes. – Francesca ficava secretamente observando a nossa filha na mansão Castigliano sempre que Emma dormia por lá. Quando eu contei aos Castiglianos que iria me mudar de volta para a Pensilvânia, Francesca se desesperou. Isso significaria que ela não poderia mais ver a Emma de uma distância confortável e segura.
– Então foi por isso que ela voltou dos mortos agora? – Eleanor disse, sem piscar por um longo tempo.
Eu assenti. Francesca tentou acatar as regras de seu pai e continuar escondida, mas quando a possibilidade de nunca mais ver sua filha se tornou uma realidade, ela se escondeu no avião com uma nova identidade para me convencer a não levar Emma para longe. Francesca havia vestido um disfarce, pintado o cabelo, e se sentado longe de Emma (Cecilia sem dúvidas havia voado de primeira classe).
– Eu não tenho ideia do que fazer agora. Não posso deixar isso ter um impacto sobre Emma, mas se a mãe dela está viva, será que não devia fazer parte da vida dela?
– Apenas se isso não for perigoso. E quanto a você? Você está pensando em pegar uma nova identidade e desaparecer em algum lugar para reconstruírem suas vidas juntos? – Eleanor parecia desapontada e preocupada que eu fosse sair da cidade novamente.
Nos quarenta e um minutos que eu e Francesca estivemos juntos, tudo sendo supervisionado pela minha sogra, nós apenas discutimos o que fazer sobre a Emma.
– Não pensei sobre isso. Nesse momento, eu só quero saber o que ela fez durante esses dois anos e meio. Eu nem mesmo sei se nós ainda somos tecnicamente casados, ou como tudo isso funciona.
– Você ainda quer continuar casado com ela? Você amava tanto a Francesca. – Eleanor perguntou enquanto me abraçava.
– Eu estou sobrecarregado. Eu quero ter de volta o que tinhamos antes, mas ela mentiu para mim. Ela acabou com algo que era íntimo e apaixonante. Nós éramos ótimos juntos, e agora, me sinto estranho ao estar perto dela. – eu fiz uma pausa para evitar que minhas emoções explodissem. – A nova Francesca tem um cabelo loiro e curto, usa lentes de contato e fala de maneira diferente. Não sei mais quem é a minha esposa, Eleanor.
Minha irmã se aproximou para me abraçar, mas nós fomos interrompidos pelo meu celular tocando. Eu olhei para a tela e grunhi. O que minha chefe queria comigo num sábado à tarde? Eu queria ignorá-la, mas precisava de uma pausa nos pensamentos sobre o reaparecimento de Francesca na minha vida.
– Boa tarde, Myriam. Como está sendo o seu final de semana? – eu perguntei com a voz mais calma que pude conseguir. Eleanor deu um tapinha no meu ombro, então seguiu para a cozinha para ver Emma e me dar alguma privacidade.
– Não tenho tempo para conversa fiada. Estou tentando consertar enormes problemas com a nossa produção de Rei Lear. Eu de repente me lembrei de que você deveria ter-me entregue as suas recomendações de cursos para o próximo semestre. Você parece gostar de me deixar esperando até fazer o seu trabalho apropriadamente. – Myriam disse altivamente. A aparência normal dela combinava com sua atitude narcisística, ela sempre estava vestida com ternos de corte imaculado e poderoso e mantinha seu cabelo grisalho e curto perfeitamente penteado. Eu havia suspeitado que ela usasse uma peruca, e se algum dia tivesse a chance, iria arrancá-la para testar minha teoria. Não importava que ela tivesse idade suficiente para ser minha mãe, a víbora precisava descer um degrau ou dois em sua atitude.
Por mais que Myriam estivesse correta sobre minha entrega, nós havíamos concordado que o prazo seria até segunda-feira. Ainda era sábado. Eu havia completado as recomendações naquela manhã, mas não iria entregá-las até o último minuto como uma retaliação por ela ter me dado um prazo tão curto. Era a única maneira que eu podia irritar minha chefe sem cruzar demais nenhuma barreira.
– Certamente. Eu pensei que nós pudessemos discutir sobre isso na nossa reunião semanal da terça-feira. Vou ficar feliz em mandá-las por email amanhã.
– Isso simplesmente não é possível. Eu preciso de tempo para revisá-las antes de nos encontrarmos, e estou nos ensaios o dia todo amanhã. Pedi especificadamente para você entregá-las a mim com antecedência, mas parece que você tem problemas de audição assim como de pontualidade. “É melhor estar três horas adiantado do que um minuto atrasado”. Você não concorda?
– Como você quiser. – eu respondi, pensando no nome da comédia de Shakespeare de onde ela tirou a citação.
– Agora você pareceu entender quem é a chefe. Me entregue em trinta minutos na Casa de Espetáculos Paddington. E não se enrole. Tenho certeza de que vou levar horas para revisar e comentar sobre elas. – Myriam respondeu com um grunhido antes de desligar.
Enquanto eu batia meus dedos na mesa empoeirada da lanchonete, considerei minhas opções. Se eu ficasse firme na minha, Myriam iria continuar a especificar tudo o que ela sentisse que fosse motivo suficiente para influenciar na minha saída de Braxton. Se eu deixasse a atitude desagradável dela passar pelos meus ombros como se não fosse nada, ela poderia eventualmente se cansar de me provocar em cada momento de cada dia. Antes de eu agir severamente, seria benéfico eu ter minha primeira reunião oficial com Ursula para entender a perspectiva dela sobre a situação.
Eleanor concordou em deixar a Emma na casa dos nossos pais quando ela fosse embora, já que nossa mãe estaria por lá o resto da noite. Nosso pai tinha um jogo de golfe fora da cidade nesse final de semana, o que significava que nossa mãe planejava se aconchegar com seu último romance de época da sua autora favorita, a irmã dela, Deirdre.
Alguns minutos depois, eu parei o carro no estacionamento do Campus Sul e peguei as recomendações impressas do curso e as sugestões de filmes da minha pasta. Enquanto eu entrava na Casa de Espetáculos Paddington, alguém gritou instruções concisas no palco para os atores e soltou um adereço no chão. Quando o som de algo se estilhaçando chegou até mim, eu concluí que devia ser algo feito de vidro que caiu no palco. Andei pelo saguão esperando que qualquer que fosse a comoção que estivesse agitando dentro do teatro pudesse se acalmar.
A Casa de Espetáculos Paddington havia sido construída pelo pai de Charles, Millard e Eustacia no fim dos anos 40, quando seus filhos eram jovens. Nenhuma das outras faculdades tinha um curso de teatro ou espaços para entretenimento, e os Paddingtons estavam determinados a sempre serem os primeiros. Construída na forma de um grande octágono que lembrava a forma do Globe Theatre de Shakespeare, tinha uma capacidade para mil espectadores. O teto alto como de uma catedral e com vigas de madeiras aparente, assentos dourados e estofados, e paredes pintadas de marfim ofereciam uma atmosfera charmosa e apropriada. A faculdade apresentava quatro peças teatrais por ano, uma das quais sempre era uma produção de Shakespeare para celebrar apropriadamente o bardo.
Eu estava admirando o piso de madeira natural de dois tons enquanto seguia até a área da plateia esperando que o tumulto tivesse acalmado. Arthur e Myriam tentavam co-dirigir vários atores reticentes no palco. Ambos abanavam furiosamente suas mãos e andavam pela extensão do palco demonstrando como os atores deveriam estar fazendo. Eu estava longe demais para ouvir suas palavras ou ver suas expressões, mas era óbvio que eles davam direções contraditórias.
Duas vozes femininas vindas de um canto me assustaram. Uma morena com um jeans da moda e uma blusa vermelha decotada estava dizendo:
– Ele disse que eu estava bonita mais cedo. Talvez eu tenha uma chance.
– Sai dessa. Ele é velho demais para você, Dana. Porque você se interessaria por ele? – uma garota alta e magra com uma cor pastosa e voz anazalada respondeu. Ela puxou seu cabelo verde-neon para debaixo de um boné e estava vestida com um suéter velho e sujo.
Dana disse:
– Eu sei que ele não é exatamente o cara mais sexy e ele pode ser um pouco mais velho, mas ele é hilário. E conhece tantas pessoas famosas. – ela fingiu desmaiar enquanto falava, então olhou em direção ao palco. Quando ela virou a cabeça, percebeu minha presença.
Eu acenei com a cabeça na direção delas.
– Com licença, você saberia quando eles vão fazer uma pausa? Eu preciso entregar algo para Myriam Castle.
– Uii, é melhor você esperar até que ela tenha acabado. A Dra. Castle não gosta de ser interrompida. – Dana disse.
– Nós estamos prestes a fazer uma mudança de cena. Eu sou a designer de cenário, Yuri. – a garota vestida com o suéter respondeu. Agora eu entendi porque ela se vestia mais casualmente que os demais. – Ela é a Dana. E você é?
Eu me lembrei de ter visto o nome Dana no celular do Arthur Terry mais cedo. Será que ela estava falando que tinha um crush no Arthur? Dana provavelmente tinha dezenove ou vinte anos, e ele tinha a minha idade.
– Kellan Ayrwick. Eu sou um dos professores aqui de Braxton.
– Legal. Vamos lá juntos. Eles já vão ter terminado quando nós chegarmos lá em frente. Apenas espere na primeira fileira até eu subir no palco para trocar o cenário. – Yuri disse.
Dana seguiu.
– Estou cuidando dos adereços para o show. Eu não sou uma atriz, mas amo tudo relacionado ao teatro. – o andar saltitante e o sorriso aberto demonstravam a animação de estar trabalhando no show.
– Você deve ser uma estudante de Braxton? – eu perguntei, lembrando-me que Myriam havia indicado que todos que trabalhavam na peça tinham que ser aluno ou ex-aluno de Braxton. Eles primeiro escolhiam os atores e então contratavam outros alunos para o trabalho de apoio. Se houvesse alguma necessidade especial ou um talento que não existia na escola, então solicitavam a ajuda dos ex-alunos.
– Terceiro ano. Estou estudando atuação e psicologia. Eu quero trabalhar na Broadway algum dia, mas meus pais me forçaram a fazer algo mais prático como plano B. Não é como se eu fosse precisar de um emprego de verdade. Minha família é bem rica. – Dana disse, encolhendo os ombros.
Ela parecia familiar, mas eu não conseguia saber de onde.
– Qual você disse que era o seu sobrenome?
– Hmm, Taft, mas a família da minha mãe tem o dinheiro. Você deve conhecer os Paddingtons. Eles são os donos desse lugar. – Dana disse isso com uma pretensão tão grande que não passou despercebida por nenhum de nós.
Era por isso que ela parecia familiar. Ela tinha o mesmo rosto patrício e queixo estreito que Eustacia e Millard.
– Eu conheço alguns membros da sua família. De que lado você vem?
– Minha avó é Gwendolyn Paddington. Meu avô faleceu no ano passado, mas meus pais ainda estão vivos. Você conhece Richard e Ophelia Taft? A grande dama tem o nome inspirado por um dos personagens de Shakespeare favoritos da minha avó. – Dana se apoiou em uma parede enquanto Yuri seguia em direção ao palco assim que a cena terminou.
– Eu me encontrei com sua avó mais cedo hoje. Ela estava visitando a minha avó. – eu respondi. Se Dana era parente da Gwendolyn, ela poderia ser um dos membros da família que estava tentando se livrar da matriarca difícil. – Você também deve passar um bom tempo com sua avó?
Dana revirou os olhos, mas ela nunca seria capaz de competir comigo. Eu era o rei daquele movimento.
– Minha avó é bem difícil de se lidar. Ela se importa mais sobre a aparência das coisas do que com o que está sob a superfície, entende o que quero dizer?
Eu encolhi os ombros.
– Diferentes gerações, eu suponho. Eles esperam que todos os esqueletos nos nossos armários continuem escondidos. Ouvi dizer que ela não tem se sentido bem ultimamente. – eu não estava convencido de que alguém estivesse tentando matar a Gwendolyn, mas não iria fazer mal cutucar um pouco por aí.
– Ela está meio velha. Desde que o vovô morreu ela tem ficado pior. Minha avó gosta de nos relembrar o tempo todo que ela está pagando por todo esse show. – Dana parecia uma típica garota da faculdade com dinheiro no bolso. Jovens da idade dela pensavam que todos acima dos quarenta anos eram velhos. Espere até que ela começasse a ver que o mundo não era tão cor-de-rosa quanto pensava.
– Você está preocupada que algo possa acontecer com ela? – eu perguntei.
– Ela é como um velho pássaro durão, mas ontem ela mal conseguiu terminar o café-da-manhã. Tudo a deixa cansada rapidamente nas últimas semanas. – Dana disse enquanto ajustava as alças de sua blusa e olhava seu reflexo em um espelho de bolsa. – Parece que eles terminaram no palco.
Enquanto Dana subia as escadas, Myriam acenou para mim.
– Não fique parado aí me fazendo esperar. Você trouxe os esboços do curso?
Depois de entregá-los a ela, eu disse:
– E como está indo o show? – o ensaio de figurino de amanhã seria aberto apenas para familiares e membros docentes selecionados. Os estudantes estavam de férias nessa semana, mas se estivessem envolvidos com o teatro, tinham que permanecer no campus.
– É como fazer tratamento de canal sem anestesia. Eu nunca deveria ter contratado o Arthur Terry, mas assim como outras pessoas por aqui, fui forçada a aceitá-lo. – Myriam deslizou seus óculos de aro de tartaruga um centímetro para a ponta do nariz, olhou bem para mim, e então soltou um suspiro. Até mesmo os babados de sua camisa azul-royal pareciam se mexer.
– Arthur é um mau diretor? Nós frequentamos o ensino médio juntos, sabe. – eu disse, ignorando a insinuação dela sobre como eu consegui meu emprego em Braxton. Ela aproveitava cada oportunidade para rebaixar a mim ou a minha família.
– Ele é novo nesse papel. Geralmente os atores acham que podem fazer a transição do trabalho em frente às câmeras para detrás das câmeras. A experiência dele na Broadway não tem brilho. – Myriam se afastou de mim e desceu as escadas. – Não fique aí parado. Siga-me.
Eu tinha uma vontade enorme de imitá-la enquanto andava atrás dela, mas decidi ser um bom exemplo para o caso de alguém estar olhando. Enquanto Myriam se sentava na primeira fileira, eu percebi Dana em um canto com Arthur no outro lado do teatro. Ela havia colocado a mão no braço direito dele, e logo começou a esfregar o ombro dele. A garota estava numa missão, mas Arthur não parecia responder ou mesmo estar interessado.
– Se você não contratou o Arthur, quem foi? – eu perguntei.
– Gwendolyn Paddington insistiu que eu oferecesse a ele a oportunidade. Algumas pessoas não entendem o valor do trabalho duro e do ganho de posições. – Myriam pegou uma caneta vermelha de sua maleta e começou a riscar itens do esboço que eu tinha entregado a ela. – Não, não. Isso não é possível. Você precisa ser mais criativo. – enquanto a tinta sangrava o papel como numa cena de crime, a testa dela se enrugava.
– Gwendolyn sempre foi ativa nas artes assim como o sogro dela, pelo que eu entendi. Ela assumiu a responsabilidade como patrona da Casa de Espetáculos Paddington quanto ele morreu. – ela também havia sido uma crítica de arte e teatro antes de se aposentar várias anos antes.
– Ela fica colocando o nariz dela onde não é chamada. – Myriam olhou para mim esperando por uma resposta. Quando não falei nada, ela disse: – Terminamos. Espere um relatório na terça-feira. Você pode ir embora.
Eu tinha pouca energia para discutir com o monstro e escolhi me despedir. Enquanto caminhava pelo corredor central, um Arthur pálido e desalinhado se juntou a mim.
– Ugh, esses Paddingtons vão realmente me deixar louco. Eu não consigo ganhar a simpatia de nenhum deles. Um dia eles vão estar implorando que eu faça algo por eles ao invés do contrário. – ele passou a mão no cabelo e fez uma careta enquanto entrávamos no lobby.
– Parece que as coisas não estão indo muito bem com o show. Eu sinto muito ouvir isso. – eu disse para o Arthur esperando que minha empatia pudesse acalmá-lo.
– Se não é a Dana com seus joguinhos ou Gwendolyn pensando que pode me controlar, é a confusão com aquela outra. E em cima de tudo isso, eu não consigo encontrar uma maneira de vencer aquela bruxa, a Myriam. Eu nunca deveria ter voltado para casa. – Arthur grunhiu.
Eu não poderia concordar mais com ele sobre a parte de voltar para Braxton. E qual outro Paddington estava causando problemas a ele?
– Myriam mencionou que Gwendolyn insistiu para que você ficasse com esse emprego. Eu pensei que vocês estivessem em bons termos.
Arthur riu loucamente enquanto abria a porta para saírmos.
– Talvez a um tempo atrás, mas não depois do que ela fez comigo. Vou fazer uma pausa para um cigarro antes que faça algo do qual me arrependa. Será que é uma coisa ruim que eu esteja sonhando que estou apertando o pescoço da Gwendolyn Paddington até o último suspiro dela?
3
Depois da minha visita à Casa de Espetáculos Paddington, Emma e eu comemos nosso jantar e fomos assistir um filme. Emma convenceu minha mãe a parar de ler o último livro de romance da Tia Deirdre sobre Casanova e sua voluptuosa amante, Torrentia, que estava morrendo com tuberculose, e ao invés disso, assistir a um filme de animação sobre cachorros governando o mundo. Uma hora depois, eu pedi a conta de quantas vezes Emma perguntou se nós poderíamos adotar um filhote. Nós só conseguimos fazê-la parar assim que minha mãe concordou em preparar sundaes com sorvete. Emma não era uma completa viciada em doces como eu, mas ela amava os caramelos crocantes. Depois de colocar minha menina na cama, eu fui dormir sonhando com cachorros gigantes comandando uma produção completamente diferente de Rei Lear. Até mesmo Myriam estava presente naquele sonho estranho, latindo e tudo, na forma de um shar-pei enrugado fazendo o papel do Bobo da Corte que dava conselhos à versão dálmata de Gwendolyn como Lear.
No domingo de manhã, enquanto minha mãe levava Emma com ela para a igreja, eu saí para fazer uma corrida no Complexo Esportivo Grey, a unidade esportiva da Faculdade Braxton. Enquanto corria a terceira volta na pista interna, me lembrei que havia me esquecido de remarcar o meu jantar com Maggie Roarke, minha ex-namorada dos dias de faculdade. Nós havíamos nos reencontrado recentemente e deveríamos ter ido jantar na última terça-feira, mas assim que Francesca apareceu, eu tive que cancelar dizendo que precisava de mais alguns dias para Emma se acostumar com o lugar. Maggie havia pedido para eu ligar nesse final de semana para escolhermos outra data. Eu ainda não tinha feito isso, mas também não sabia mais o que eu precisava fazer, já que Francesca estava viva. Mais uma vez, deixo marcada a necessidade de um livro de bolso com os protocolos para encontros amorosos, quando você tem uma esposa que não está mais morta.
Minha sogra e eu havíamos planejado para Francesca chegar às dez horas dessa manhã. Já que minha mãe estaria na igreja e em um almoço subsequente para celebrar Lent, e meu pai não voltaria de viagem até o final da tarde, nós teríamos a casa inteira para discutirmos a situação. Eu terminei a corrida, tomei um banho, e cheguei em casa assim que a limousine delas estacionou. Cecilia e Francesca entraram pela porta dos fundos e me encontraram na sala de estar. Francesca ficou um pouco para trás.
Quando Francesca e eu nos conhecemos na California, ela tinha o cabelo longo e escuro que flutuava atrás dela e usava maquiagem em cores discretas. Com sua nova aparência, ela tinha cortado o cabelo curto, descolorido o cabelo até um interessante platinado, e usava cores rosas e vermelhos em seu rosto. Até mesmo suas roupas eram diferentes. Ela era verdadeiramente uma nova mulher, mas não uma que eu achasse tão atraente. Eu não queria dizer apenas em termos de beleza e sex appeal. A atitude de Francesca parecia mais fria e distante.
– Como estava Nova Iorque? – eu perguntei, pegando a mão dela enquanto nos sentávamos no sofá.
– Foi divertido. Eu não saí muito, mas foi bom ver outra cidade novamente. – Francesca se virou para sua mãe e disse nervosamente. – Será que você poderia nos dar um momento a sós?
Cecilia concordou.
– Nós temos apenas quarenta e cinco minutos antes de termos que sair para o aeroporto. Eu vou preparar uma xícara de chá na cozinha. – enquanto ela saía da sala, seu perfume extremamente doce continuou no ar. Eu sempre esperei que ela experimentasse algo diferente do que o Chanel N° 5, mas Cecilia Castigliano era uma mulher de hábitos, digna do Vito Corleone de Mario Puzo.
Quando Francesca sorriu, memórias do nosso passado me invadiram com tudo.
– Você sentiu minha falta? – ela perguntou.
Que tipo de pergunta era essa? Eu senti falta dela durante os dois anos, três meses e quatorze dias. Será que ela queria dizer desde que eu descobri que ela estava viva, no começo daquela semana? Desde o dia em que eu vi o corpo sem vida dela? Desde o dia que eu pegava nossa filha no colo e secava suas lágrimas todas as noites durante um mês depois que sua mãe havia sido morta?
– Eu não sei como responder a essa pergunta. É claro, eu sinto sua falta, mas para onde nós vamos a partir de agora? – eu me segurei para não dizer demais e rapidamente. Olhar para o rosto dela nostálgico e esperançoso só fazia tudo pior.
– Eu já me desculpei tantas vezes, Kellan. Tive pouca escolha no que meu pai fez. Se eu tentar voltar para minha identidade anterior, vão haver muitos danos. Não apenas a família Vargas vai me matar, mas eles vão vir atrás de você e de Emma, meus pais, e qualquer pessoa que eu conheça, como parte da vingança deles. – várias lágrimas correram pelas bochechas dela em uma angustiante câmera lenta. Enquanto olhava nos novos olhos azuis dela, eu suspirei. Ela perguntou: – Você ainda me ama?
Eu havia pensado bastante sobre como eu me sentia desde que ela havia voltado, mas por mais horrível que isso soasse, seria melhor continuar fingindo, pelo bem de Emma, que sua mãe havia realmente morrido? Francesca se aproximou de mim e fez cócegas no meu braço da maneira que ela sempre fazia antes de irmos dormir para me relaxar. Ainda havia uma forte conexão, mas estava tudo envolto por medo e apreensão. Será que eu sempre teria que olhar por cima do ombro para me proteger do que os Castiglianos haviam feito?
– Eu nunca vou parar de amar você. Mas como nós vamos fazer isso funcionar?
Depois que discutimos várias opções e conversamos sobre o quanto Emma havia crescido, Francesca disse:
– Eu tenho que voltar para Los Angeles hoje. Quero que você venha comigo... nós podemos descobrir uma solução... talvez fugirmos juntos. Ou nós podemos morar em segredo na casa dos meus pais... quando Emma tiver idade suficiente, podemos contar a ela a verdade. Meu pai tem que encontrar uma maneira de acabar com essa guerra, então eu posso parar de me esconder.
Eu comecei a responder, mas Cecilia voltou à sala.
– Você sabe que essa nunca vai ser uma opção, bella. Muitos membros da família Vargas ainda estão vivos e com raiva porque não puderem se vingar de nós da maneira que gostariam. Poucos acreditam que você foi morta acidentalmente pelo motorista deles. Eles não vêem a sua morte como um equilíbrio apropriado para as coisas.
Eu fiquei em pé e refleti sobre os seis anos que tive com Francesca antes que nosso mundo feliz parasse de existir. Todas as festas que nós frequentamos com meus colegas de Hollywood. As noites silenciosas em casa vendo Emma dormir em seu berço. As caminhadas românticas na praia à luz do luar. Então me lembrei das noites sem sono depois que Francesca morreu. As noites sombrias onde eu tentava entender como um bêbado podia entrar atrás do volante de um carro e matar outro ser humano. Ou as lágrimas que eu beijei no rosto de Emma no primeiro dia de escola, quando a professora perguntou por que a mãe dela não a estava levando mais.
– Francesca, eu não posso fazer isso com Emma. Ela não pode ser forçada a manter segredos e viver uma vida se escondendo. – Emma era sem dúvidas a minha prioridade nesse caos.
– Eu não posso desistir de vê-la novamente, Kellan. Nós temos uma solução perfeita lá em Los Angeles. Eu posso vê-la crescer, e talvez um dia no futuro, vou ser capaz de falar realmente com ela. – quando Francesca começou a soluçar, foi Cecilia quem a confortou. Eu queria segurar minha esposa, mas me mantive para trás.
– Nós temos que ir. Vamos dar tempo ao Kellan para tomar a decisão correta. Ele vai retornar para Los Angeles, tenho certeza disso. Ele está em choque, bella. – Cecilia deu tapinhas nas costas da filha e me ofereceu um olhar frio e raivoso.
– Eu prometo que vou pensar nisso. Como eu posso entrar em contato com você, Francesca? – eu perguntei sabendo que nunca iria abandonar minha família. Por mais que eles me frustrassem, eu não podia dizer adeus para a Nana D, meus pais, Eleanor ou até meus outros irmãos, mesmo que isso siginificasse que eu pudesse ficar novamente com Francesca.
– Você não pode. – Cecilia disse secamente levando minha esposa em direção à porta dos fundos. – Eu espero que você volte logo para Los Angeles, Kellan. Você tem duas semanas para pensar nisso antes que eu tome a decisão por você.
Antes que eu pudesse contestar, elas saíram pela porta da garagem e entraram na limousine que as esperava. Eu poderia tê-las parado, mas estava angustiado demais pensando em toda a pressão e a ameaça velada de uma decisão sendo tomada por mim. Andei de um lado para o outro por pelo menos dez minutos procurando por uma decisão, mas nada parecia plausível. Em um momento de pura frustração, agarrei a maçaneta da porta pronto para arrancá-la do batente, mas a voz de Emma me impediu.
– Estamos em casa, papai. Eu trouxe um cupcake red velvet para você. – ela disse enquanto corria para me abraçar. Eu me deliciei com a inocência e o amor dela antes de ela subir as escadas para o quarto, delirando sobre um novo desenho animado que alguém descobrira durante o almoço da igreja.
Eu levantei minha cabeça e vi minha mãe me encarando.
– Você parece com alguém que teve roubado seu cobertor preferido, meu filho. – e com isso, ela me puxou por um abraço, apertou o máximo que pode, e beijou minha bochecha. – Estou sempre aqui se você precisar conversar, Kellan. Mesmo que eu esteja pressentindo que tem algo pesando sobre seus ombros, sei que não devo pressioná-lo.
Só essas poucas palavras vindas da minha mãe me ajudaram a perceber que apesar das situações horríveis acontecendo ao meu redor, eu ainda tinha muito amor e apoio na minha vida. Ela ofereceu sair com Emma durante a tarde e comprar novas roupas para a primavera, então me encorajou a ir ao ensaio de figurino do Rei Lear com a Nana D e a família Paddington. Apesar de eu não estar no clima para um drama pesado, coloquei um terno e saí atordoado para o teatro.
A apresentação começava às duas da tarde, o que significava que eu tinha pelo menos trinta minutos para encontrar a Nana D e a Gwendolyn para pegar meu ingresso. Quando entrei no saguão, havia um mar de convidados andando por ali. Arthur entrou no saguão e pediu a atenção de todos os trezentos convidados e instruiu a todos onde olhar em seus ingressos para o número do assento. Enquanto as pessoas seguiam para o local, o barulho ficou mais tolerável e eu pude me mover livremente sem sentir cutucadas em lugares estranhos. Primeiro mandei uma mensagem para Nana D para descobrir onde eu iria me sentar. Se ela me colocasse sentado do lado de algum encontro às cegas do Tinder que ela tivesse me arranjado...
Eu: Onde você está? Aqui tá parecendo um concerto daquele Neil Diamond de cabelo azul.
Nana D: Tá mais pra um concerto de um aspirante a Lady Gaga. Você não conhece nenhuma referência pop atual?
Eu: Dado o número de septuagenários, eu pensei que eles não saberiam quem ela é.
Nana D: Você sabe o que acontece quando você faz suposições, não é mesmo, Kellan?
Eu: Essa foi fraca até mesmo para você. Onde está meu ingresso?
Nana D: Eu deixei na Bilheteria. Não tinha certeza de que você viria. Vá pegá-lo. Agora.
Eu: Sim, chefe. Estou indo. Você parece mal-humorada hoje. Comeu grãos demais e poucos vegetais?
Nana D: Coloque uma rolha na boca e pegue o seu assento. Você ainda não viu nada, meu brilhante neto.
Eu acenei para a Fern enquanto passava por outros colegas que não consegui me lembrar do nome. Enquanto eu me aproximava da janela da bilheteria, Maggie olhou para cima, sorriu, e deixou cair uma bolsa com os programas no chão. A pele de cor de alabastro era a combinação perfeita para o cabelo castanho e para os olhos que tentavam qualquer um a se apaixonar por ela.
– Eu não esperava vê-la aqui hoje. – eu disse, debatendo se deveria abraçá-la. Maggie tomou a decisão quando deu um passo para frente e beijou minha bochecha.
– Eu me ofereci para segurar os ingressos daqueles que viriam de última hora. E então, vou ver o show com o Connor. Ele está terminando o trabalho no escritório e deve chegar a qualquer momento. – Maggie disse enquanto se afastava. O aroma fresco de lavanda da pele dela me confortou e me provocou.
Será que ela considerava isso um encontro? Da última vez que eu e Connor havíamos conversado, meu antigo melhor amigo disse que ele foi apaixonado pela minha antiga namorada durante anos, e planejava conhecê-la melhor. Eu não havia visto nenhum dos dois durante uma década, então não me sentia confortável de impedi-los de ter uma chance. Maggie podia sair com quem ela quisesse. Okay, exceto Connor. Aí está, eu disse em voz alta.
– Oh, isso parece divertido. Eu acredito que você possa estar segurando um ingresso para mim. – eu comentei timidamente, tentando me impedir de pensar em Maggie como qualquer outra coisa além de uma amiga.
– Ah sim. Nana D deixou-o aqui alguns minutos atrás. Venha comigo, está dentro do escritório. – enquanto eu seguia Maggie pela porta, ela me pediu para não fechá-la totalmente. – Às vezes ela fica emperrada, e você só consegue abri-la pelo lado de fora.
Eu encontrei uma pequna lixeira de papel no corredor e a coloquei entre a porta e o batente para que ela não fechasse.
– E como você tem passado? Me desculpe por ter cancelado o jantar da última terça-feira.
Maggie sorriu e colocou a mão dela em cima da minha.
– Emma vem em primeiro lugar. Nós temos bastante tempo para nos conhecermos novamente, não é mesmo?
O toque quente dela me fazia lembrar um lenço de seda tocando minha palma. Cada momento agradável de nosso passado juntos disputava o controle da minha atenção. Uma inundação de calor surgiu no meu corpo. Eu quase me perdi naquele momento, mas uma batida alta interrompeu meus pensamentos.
– O que foi isso? – eu perguntei, me virando.
– Ah não, a porta deve ter se fechado. – Maggie gemeu passando por mim e chutando a lixeira para fora do caminho dela. Ela tentou abrir a porta, mas não teve sucesso. Eu olhei para o relógio e verifiquei que nós tinhamos vários minutos antes do show começar. Meu celular vibrou.
Nana D: Uma pessoa brilhante uma vez me disse para usar meu tempo com sabedoria. Eu acho que deveria lhe dar o mesmo conselho. Vou te avisar quando o show começar. Pegue ela, tigre.
– Eu acho que nós vamos ficar bem. Parece que o destino, na forma de uma velha mulher enxerida que vai ser apropriadamente punida, interviu. – eu disse, sacudindo a cabeça.
– Nana D?
– Sim.
– Ela me viu tendo problemas com a porta mais cedo. Eu posso ter dito algo sobre ela estar quebrada.
Talvez Nana D tivesse um ponto válido, mas o que alguém poderia fazer em tão pouco tempo? Tudo o que eu podia pensar era sobre aquele jogo estúpido que nós jogavamos durante a escola. Enquanto eu tentava me lembrar do nome, Maggie disse:
– É como se nós tivessemos sido trancados em um closet para brincar de Sete Minutos no Céu. – quando ela passou por mim para ir ao fundos do escritório, a pele dela estava vermelha.
– Você quer dizer que estar trancada comigo aqui é como estar no céu? – eu me senti idiota dizendo aquilo, mas muito da nossa ligação no passado girava em torno do humor e da tolice. – Deve ser um jogo completamente diferente quando se tem trinta e dois ao invés de doze anos, certo?
Maggie riu e me entregou o ingresso.
– Faz muito tempo que nós nos beijamos de verdade. Você se lembra daquela noite em que ficamos trancados na biblioteca?
Eu me lembrava.
– Foi a noite que nós dissemos eu te amo um para o outro pela primeira vez.
Uma grande parte de mim queria dar alguns passos para mais perto de Maggie para ver se o toque dos lábios dela contra os meus iria pegar fogo com a mesma intensidade de anos atrás. Parecia que ela estava sentindo a mesma coisa, e começou a se aproximar de mim.
Quando nós nos encontramos no meio, ficamos olhando um para o outro pelo que pareceu uma eternidade. Quem daria o primeiro passo? Eu não acho que eu tivesse forças suficientes já que não conseguia dividir meu foco entre ela e Francesca. Tolamente, eu perguntei:
– Você tem certeza sobre isso?
A química entre nós dois se quebrou temporariamente quando a porta foi aberta de uma vez. Eu tive tempo apenas de dar dois passos para trás antes que Connor nos visse.
– Ah, você ficou trancada novamente? – Connor disse com uma voz hesitante enquanto apertava os olhos com preocupação. Seu traje todo preto, a pele escura e a tempestuosa e impressionante expressão facial nos fizeram dar uma olhada dupla. Maggie por causa de sua sensualidade geral, de acordo com todas as mulheres e metade da população masculina, eu porque Connor era um levantador de peso frequente que podia facilmente me nocautear com um único soco.
Eu liberei um monte de ar quente da minha boca.
– Sim, obrigado. Eu precisava pegar meu ingresso. Vou me encontrar com a Nana D e os amigos dela.
Enquanto eu passava por ele, Connor me parou. Uma colônia almíscarada roubou o resto de oxigênio entre nós.
– É bom ver você. Nós deveríamos ir tomar uma cerveja algum dia desses já que você voltou a morar em Braxton. – o rico e forte sotaque caribenho estava mais presente do que o normal.
– Gosto de como isso soa. – eu murmurei enquanto fazia um estranho sinal de positivo. Será que eu estava de volta à época da faculdade? Enquanto seguia para as portas duplas da entrada da sala de espetáculos, Nana D deu uma piscadela.
– Desculpe, criança, eu tentei. Mas aquele homem é um pedaço de mau caminho que não pode ser ignorado. Pena que não sou dez anos mais nova.
Enquanto procurávamos por nossos lugares, eu fiquei enjoado pelo comentário da Nana D. Também disse a mim mesmo que a interrupção de Connor foi uma coisa boa. Eu não poderia me envolver com Maggie até saber o que estava acontecendo com Francesca. E nem sem saber se Maggie e Connor estavam seriamente interessados um no outro. Eles mereciam uma chance já que eu havia desperdiçado a minha anos atrás.
Eu me sentei na fileira frontral no centro, entre Nana D e Gwendolyn. À direita de Gwendolyn estava Eustacia e então Millard. Lindsey estava no outro lado da Nana D, o que deixava Eustacia incomodada já que eles ainda estavam envolvidos em algum tipo de triângulo amoroso estranho. Eu aparentemente puxei para o lado da Nana D mais do que gostaria de admitir.
Gwendolyn se inclinou para mim.
– Fico feliz que você tenha colocado a cabeça no lugar e vindo ao show. Meu genro, Richard, foi quem cancelou. Foi com ele que você me ouviu conversando ontem.
– Eu sinto muito por ele não ter vindo. Eu espero que vocês dois possam resolver as coisas. – eu respondi, percebendo que Gwendolyn não parecia muito bem. As mãos dela estavam tremendo mais do que o normal, e sua respiração parecia difícil.
– Richard é um pé no saco. Sempre foi. Eu vou consertá-lo algum dia desses, mas agora, estou mais preocupada com meu filho Timothy. – ela disse com uma sensação clara de frustração e emoções confusas.
– Acho que nós nunca vamos parar de nos preocuparmos com nossos filhos, não é? – a futura reação de Emma ao ficar sabendo que sua mãe estava viva estava me deixando com um medo que nunca senti antes como pai.
– Timothy e eu tivemos uma longa conversa ontem à noite. Coisas importantes. O relacionamento entre pais e filhos nunca é uma coisa fácil, Kellan. Eu tenho algumas frutas podres por perto, e pretendo cortá-las fora o mais rápido possível. Algumas vezes nós não conhecemos nossa família tão bem como pensamos. Todos escondem alguma coisa nesses dias, até mesmo na sua família. Eu tenho certeza de que você vai descobrir logo. – enquanto Gwendolyn se sentava ereta com suas costas pressionadas firmemente contra o encosto, eu me perguntei sobre o que ela queria dizer com seus últimos comentários. Será que ela estava pensando em deserdá-los ou mandá-los para fora de casa? E o que isso tinha a ver com minha família?
Eu olhei ao redor para ver quem mais eu conhecia. Dana e Arthur estavam no canto mais distante do palco envolvidos em uma discussão animada; eu podia ouvir as pessoas atrás de mim conversando sobre como esse era o primeiro grande papel de Dana em uma produção da faculdade. Virei minha cabeça para o lado e vi quem eu pensei ser provavelmente a mãe dela, Ophelia, sussurando com alguém diretamente atrás de mim. Não podia me virar mais sem deixar isso óbvio, então teria que tentar novamente durante o intervalo. Eu ouvi Ophelia dizer:
– Não é como se ela tivesse alguma outra coisa para fazer na vida. Ela é certamente a mais preguiçosa dos meus filhos.
Ophelia poderia ser uma competidora de sua mãe, Gwendolyn, no quesito de falar mal dos próprios filhos. Bem quando a outra pessoa estava prestes a responder, Myriam pisou no palco, organizou suas anotações e introduziu a apresentação de estreia de Rei Lear. A primeira parte durou cerca de uma hora e manteve todos entretidos. Apesar de suas diferenças, Arthur e Myriam conseguiram uma apresentação cheia de vigor, profundidade e inteligência.
Quando o intervalo começou, fiquei em pé para me esticar de uma maneira que eu pudesse ver quem estava atrás de nós. Eu pude claramente dizer que Ophelia e Jennifer eram irmãs por causa de seus cabelos castanhos na altura dos ombros, olhos verdes brilhantes e uma pele bronzeada. Ophelia era a mais velha das duas, provavelmente na metade dos cinquenta anos, mas isso era evidente apenas pelas poucas linhas começando a aparecer ao redor dos lábios e na testa. Ela provavelmente vestia apenas roupas de designers, lançadas apenas nas passarelas, e havia ido ao salão de beleza pouco antes do show. Dizer que ela tinha um cabelo perfeitamente modelado no salão seria dizer o óbvio. Como que o cabelo esticava tanto com temperaturas tão altas?
Jennifer era menos chamativa em sua aparência. Ao invés de poucos sinais de idade, os contornos de seu rosto eram mais suaves e com uma tendência para tons escuros. Ela era cerca de cinco centímetros mais alta que sua irmã, o que a colocava mais perto da minha altura, mas já que estava usando salto alto, nós estavamos praticamente iguais. Jennifer se vestia mais casualmente cobrindo seu corpo esbelto com um vestido preto estiloso e um cinto prata.
Quando Nana D e seus amigos foram para o corredor procurando o banheiro, eu continuei escutando a conversa entre Jennifer e Ophelia.
– A mãe tem estado particularmente difícil nessas últimas semanas. Toda vez que temos uma de suas pequenas conversas, é como uma inquisição. Eu tenho quarenta e sete anos e não preciso de seu julgamento incansável.
Ophelia concordou.
– Terrível. Eu sei que nós devemos amar nossos pais, mas já é hora de ela se acostumar com as coisas ou sair do palco.
– Disse tudo. Eu queria poder aprender a ser mais generosa e mente-aberta; sinto que ela é sempre miserável e nunca pensa sobre o que é melhor para nós. Constantemente é apenas sobre o que ela quer. – Jennifer disparou.
– É por isso que o Timothy evitou tudo isso hoje. Ele é o único da família que não apareceu aqui hoje. – Ophelia disse. Timothy era o irmão do meio, mas eu sabia pouco sobre ele e não me lembrava de já tê-lo encontrado. Enquanto Timothy e Jennifer não tinham filhos, Ophelia tinha outros dois além de Dana. Eu apenas nunca tinha sido apresentado a eles.
– Exceto o seu marido. Por onde anda o Richard esses dias... galanteando por aí? – Jennifer fez a acusação com um olhar que pareceu penetrar pela pele de Ophelia e arranhar seu coração de ferro.
– Ele está em uma reunião com clientes. Pelo menos eu consigo manter um marido. Você ainda está esperando pela aprovação da nossa mãe, não é mesmo? – Ophelia continuou suas farpas cruéis uma contra a outra. – Você sabe que a única maneira de controlá-la é enfrentá-la. A nossa mãe não gosta quando nós ficamos juntos e dizemos não a ela.
Jennifer ficou em pé, como se fosse ir embora, mas escolheu ficar.
– Talvez todos nós devessêmos confrontá-la e dizer que é hora de ela liberar o dinheiro do nosso pai e nos dar nossas heranças.
– Vamos discutir isso outra hora. Eu preciso conversar com Dana antes da segunda metade. Será que você pode sair do meu caminho? – Ophelia exigiu enquanto gesticulava com ambas as mãos furiosamente.
Quando Ophelia foi procurar por Dana, e Jennifer seguiu para mais perto do palco, eu segui até o saguão procurando pela Nana D. Eu não consegui encontrá-la, mas vi Gwendolyn conversando com um homem de cerca de cinquenta anos. Parecia que eles estavam discutindo. Enquanto me aproximava, parecia que ele havia segurado o pulso dela com toda a força. Gwendolyn quase deixou cair sua bebida pela intensisade com que ele a segurou. Quando alcancei ela, ele já havia ido embora.
– Você está bem, Sra. Paddington? Parecia que aquele homem a estava incomodando. – eu perguntei, olhando pelo local para ver se ele ainda estava por perto.
– Aquele era o meu filho, Timothy. Ele precisava conversar comigo por um minuto. Você viu Brad por aí? – Gwendolyn perguntou parencendo que estava prestes a cair.
– Eu não conheço ninguém com o nome de Brad. – eu respondi enquanto Nana D se aproximava com um cara mais jovem.
– Brad é o enfermeiro da Gwennie. Ela não conseguiu encontrar o frasco de viagem com o remédio dela na bolsa. Eu liguei para ele mais cedo para que trouxesse aqui. – Nana D me apresentou ao Brad, um cara com cerca de vinte e poucos anos vestido com uma calça jeans skinny e um sweater cinza.
– Estou aqui, Sra. Paddington. Aqui está o seu remédio. – Brad entregou a ela várias pílulas.
– Você vai ter que me explicar o que aconteceu mais cedo. Eu pensei que você tivesse colocado o frasco na minha bolsa. Mas eu não tenho tempo para discutir isso agora. Vou direto para casa assim que o show acabar. – Gwendolyn comentou antes de colocar as pílulas na boca. Pela rápida visão que eu tive, eram três comprimidos, pequenos e grandes, e com cores diferentes. Brad esperou que ela engolisse, a lembrou de tomar um gole de seu chá gelado para ajudá-los a descer, e então desapareceu, provavelmente acostumado a ser dispensado como um dos empregados que conhecem seu lugar dentro da casa.
– Será que nós devemos levá-la para casa? Eu sou como seu irmão mais velho. Você deveria me escutar. – Millard disse.
– Não, eu vou ficar bem. Só fiquei sem fôlego por alguns minutos. Vamos nos sentar. – Gwendolyn respondeu.
Nós todos voltamos ao teatro e pegamos nossos lugares. Jennifer e Ophelia já haviam retornado e estavam uma ao lado da outra, mas claramente não estavam se falando. Enquanto Eustacia segurava o copo de sua cunhada, Lindsey ajudou Gwendolyn a se sentar. Nana D me apresentou aos outros dois filhos de Ophelia, Sam, um veterano em Braxton, e Lilly que havia se graduado dois anos antes. Nenhum deles percebeu que sua avó estava suando ou que estava com dificuldades de se locomover sem quase cair. Os Paddingtons eram uma família estranha. Todos pareciam se importar o suficiente para aparecerem por lá, mas ninguém parecia gostar muito um do outro.
Quandos as luzes piscaram várias vezes, Myriam pisou no palco para anunciar que o intervalo havia acabado e que o show estava prestes a começar. Alguns segundos depois, o teatro ficou escuro. Os atores encenando o Rei Lear e o Bobo da Corte apareceram no palco para uma das minhas cenas preferidas, com diálogos espirituosos e reveladores. No meio da cena, algo bateu contra meu ombro direito. Eu olhei para o lado e percebi que Gwendolyn se apoiava contra mim. Eu sussurei: “a apresentação está entendiante?”, mas ela não respondeu.
Cutuquei o braço dela pensando que ela havia dormido, mas isso também não a fez ter reação. Eu a sacudi com mais força. Gwendolyn não respondia. Eu liguei a lanterna do meu celular e iluminei seu rosto. Parecia que Gwendolyn havia falecido quando as luzes se apagaram. Eu pressionei meu dedo contra o pescoço frio dela procurando pela artéria carótida. Não consegui sentir pulsação, nem nenhum outro sinal de vida. Eu me inclinei para a Nana D e disse:
– Acho que a Gwendolyn acabou de morrer no assento dela!
4
Interromper uma apresentação de teatro ao vivo não era uma tarefa fácil. Enquanto meu estômago se revirava pelo fato de eu ter encontrado outro corpo e que havia enconstado fisicamente em mim no escuro, eu fiz uso do meu extensivo vocabulário em inglês para informar delicadamente os atores que nós precisávamos parar o show. Enquanto Lear amaldiçoava enfaticamente o clima ao seu redor, fui forçado a gritar acima dele estando a poucos metros do centro do palco. Primeiro vieram as vaias e sons das pessoas incomodadas pela minha agitação. Então o ator que fazia o Lear se virou para mim e dentro do personagem me perguntou se eu era a tempestade virulenta que estava prestes a cair no palco. Para minha sorte, assim que o diretor de iluminação direcionou o holofote para meu assento, todo o elenco pode ver que eu estava falando sério sobre alguém precisar de atendimento médico.
Myriam assumiu o controle do palco e pediu que todos os convidados se dirigissem para o saguão em uma fila ordenada. Nana D se ofereceu para ligar para a ambulância enquanto eu impedia que a família de Gwendolyn se amontoasse ao redor dela. Eu sabia que a mulher havia falecido, e enquanto eu não tinha verdadeiramente dado muito crédito para as suspeitas dela sobre alguém em sua família estar tentando matá-la, era importante previnir que o que poderia ser uma cena de crime fosse contaminada. Eu havia aprendido isso várias vezes no passado com a nossa xerife do condado.
Eustacia gemia audivelmente e se voltou para Lindsey confortá-la. Millard, o irmão dela, foi até o corredor para nos dar algum espaço, mas eu estava focado demais nas filhas da Gwendolyn para ouvir a conversa dele. Jennifer, com o rosto marcado de lágrimas, respirava quase em pânico, mas logo recuperou sua compostura. Ophelia ficava olhando em direção a dois de seus filhos para ver como eles reagiam, mas ela não parecia estar chocada ou devastada pela morte de sua mãe. Dana ainda estava nos bastidores e provavelmente não sabia quem havia passado mal ou o que havia parado o show.
– A ambulância está a caminho. – Nana D disse em uma voz tranquilizadora, mas desanimada. – Minha pobre amiga Gwennie. Ela não estava se sentindo bem antes, mas eu não sabia que era tão grave.
Eu coloquei meus braços ao redor da minha vó que se apoiou em mim em busca de conforto.
– Ela estava com um pouco de dificuldades para falar, um pouco mais cedo no saguão. Fico pensando se ela não teve um ataque do coração ou um derrame.
Maggie estava parada perto do palco inclinando a cabeça de uma maneira que eu sabia que dizia que tudo ia ficar bem. Eu sempre pude ler as expressões dela como se estivesse dentro de sua mente. Connor chegou em poucos minutos desesperado para tomar controle da situação. Como chefe da Segurança do Campus Braxton, ele teria sido o primeiro a chegar na cena mesmo se não estivesse em um encontro com a Maggie. Depois de conferir o pulso da Gwendolyn, Connor puxou a mim e a Nana D para um lado.
– Ela está definitivamente morta. Sinto muito pela família dela. – ele disse com tristeza enquanto colocava a mão no ombro da Nana D.
– Connor, você precisa procurar por evidências agora mesmo. – Nana D sussurrou enquanto agarrava o terno dele. – Gwennie me disse que alguém estava tentando machucá-la nas últimas semanas. Ela sabia que algo estava errado. Nós deveríamos ter feito algo mais cedo sobre isso.
– Nana D, eu tenho certeza de que o legista vai procurar por qualquer coisa incomum que possa ter acontecido. – eu não queria colocar mais lenha na fogueira quando já estávamos em uma situação estranha.
O olhar de Connor se arregalou.
– Você está me dizendo que você pensa que alguém tentou matá-la hoje, Sra. Danby? – ele olhou para mim esperando uma confirmação, mas encolhi os ombros. Eu estava distraído, primeiro por tudo o que estava acontecendo, e então pelo grande sorriso de Arthur enquanto falava ao celular perto dos degraus para o palco.
Nana D explicou que sua amiga estava se sentindo bem até o mês anterior, quando começou a ter tonturas e falta de ar. Gwendolyn pensou inicialmente que isso podia ser uma gripe ou resfriado por causa do inverno. Depois de quase quatro semanas, Lindsey e Nana D convenceram Gwendolyn a escutar Brad e marcar uma consulta com o médico dela. Nas últimas duas semanas, ela havia vomitado várias vezes e seu tom de pele tinha ficado mais pálido a cada dia. Ela até mesmo se sentia desorientada em sua própria casa, mas culpava isso por não ter sido capaz de manter comida no estômago ou por não conseguir ter uma noite inteira de sono.
– Ela contou a você sobre estar pensando que alguém a estava tentando machucar? – Connor perguntou.
Eu assenti.
– Ela mencionou que havia algo estranho acontecendo na mansão Paddington e planejava conversar com sua família depois de sua visita ao médico.
Quando os paramédicos chegaram, eu me afastei para deixá-los fazerem seu trabalho. Connor voltou para Maggie que esperava enquanto ele fazia uma ligação. Nana D estava sentada alguns assentos de distância, junto com Millard, Eustacia e Lindsey. O Clube Septuagenário havia perdido um de seus membros fundadores e confortavam um ao outro, de uma maneira que ninguém mais poderia. Enquanto Nana D colocava algo dentro de sua bolsa enorme, ela acenou para mim e apontou em direção ao palco.
Arthur terminou sua ligação, enquanto conversou com a Myriam, que parecia bem agitada. Arthur desapareceu atrás das cortinas, fazendo Myriam se aproximar de mim com uma careta grudada no rosto.
– Você parece se encontrar no meio de tudo ultimamente, Kellan. Desde que você voltou à Braxton, a “morte, que sugou o mel da tua respiração”, segue você como um fantasma na consciência de Hamlet. – Myriam criticou antes de limpar a garganta.
– Romeo disse isso enquanto colocava Paris na tumba, eu creio, não foi? Você está confundindo as grandes tragédias do Bardo. – eu queria perguntar à Myriam qual era a dela com essa fascinação em citar Shakespeare, particularmente em momentos inapropriados, mas fui interrompido por Ophelia. Eu me senti suficientemente satisfeito em conseguir pelo menos uma cutucada.
– Eu reconheço essa linha. Bem apropriada, minha mãe amava Romeu e Julieta. Ela morreu por estar com o coração partido de tantas saudades do meu pai desde o ano passado. – Ophelia disse com um sorriso fraco, então suspirou. Ela passou os dedos pelos seus cabelos volumosos e ajustou um brinco de diamante. – Myriam, me diga, como tem sido o trabalho da Dana no show até agora?
Eu me desliguei enquanto elas conversavam sobre a participação da filha mais nova de Ophelia na produção de Rei Lear. Esse era o momento para se conversar sobre tal tópico? Ophelia tinha tanto tato quanto Myriam tinha gentileza em seus ossos. Eu olhei na direção dos dois outros filhos de Ophelia, percebendo que Lilly, a mais velha, estava ouvindo seu irmão Sam covernsando com sua Tia Jennifer.
Lilly parecia desinteressada na conversa e continuava a se inclinar parar olhar os paramédicos enquanto atendiam sua avó. Seu cabelo castanho, liso e perfeitamente penteado, cascateava por cima de sua blusa de seda verde-jade que pertencia a alguém mais velho, como Gwendolyn ou Eustacia. A blusa estava justa em seu peito amplo e sumia dentro de suas calças de cintura alta, o que a forçava a andar ereta como uma modelo equilibrando um livro sobre a cabeça. Suas características faciais eram marcantes contra as bochechas vazias e um par de olhos arregalados que iam de um lado para o outro. Isso a fazia parecer magra e doentia, mas também como se ela pensasse que era mais importante do que a multidão ao seu redor.
Além de ter visto uma vez a Lilly repreendendo um barista na The Big Beanery por causa de um café com leite fraco, tudo o que eu sabia sobre ela era que ela havia sobrevivido à um acidente de esqui que havia ocorrido anos atrás, enquanto sua colega de quarto não havia tido tanta sorte. Durante as férias de inverno em seu segundo ano, elas estavam competindo em uma das descidas mais traiçoeiras das Montanhas Wharton. Lilly havia caído em cima de sua amiga, que tropeçou montanha abaixo e colidiu diretamente em um grande abeto. Lilly eventualmente conseguiu parar antes que tivesse encontrado o mesmo destino, mas não conseguia se lembrar do que a fizera cair. Havia tido outro amigo, um garoto que ambas estavam saindo naquele ano, que deveria estar esquiando com elas, mas que tinha ficado com intoxicação alimentar na noite anterior. Eu ouvi essa história da Eleanor, que na época era uma instrutora de esqui em meio-período na montanha. Ela sempre sentiu que havia mais naquela história do que Lilly havia contado a todos.
Myriam pediu licença e se retirou para se reunir com o elenco para discutir sobre o próximo ensaio. Ophelia saiu apressada, mencionando que precisava usar o banheiro, mas era claro que ela não queria ser deixada a sós para conversar comigo. Eu havia conhecido-a apenas algum tempo antes, ainda assim reconhecia uma saída quando via uma. Meu olhar retornou para Jennifer, que estava abraçando Lilly e Sam antes de sair do teatro. Lilly caminhou até sua irmã Dana, e ambas desapareceram no saguão rindo presumidamente sobre algo engraçado que uma delas havia acabado de dizer. Dana estava vestida com uma blusa rosa decotada, com os ombros e a barriga de fora, como se nós estivéssemos na primavera ou verão. Apesar da sala estar aquecida, o ar frio não podia ser ignorado. Dana estava vestindo poucas roupas para esse tipo de evento, na minha opinião. Apesar de eu ser um homem americano de sangue vermelho, eu acreditava que havia uma linha tênue entre se vestir de maneira sexy e se vestir de maneira inapropriada.
Sam desparaceu em um canto várias fileiras longe de todos. O olhar distante em seus olhos verdes revelava a dor intensa de ter perdido alguém que ele amava. Nana D várias vezes havia comentado sobre o quão doce e gentil ele sempre foi com ela no passado. “Não como um típico Paddington pomposo ou irascível”, ela brincava sempre que ia visitar Gwendolyn e ele estava em casa. A constituição leve e seu rosto juvenil fazia com que ele se parecesse bem mais novo do que um veterano da faculdade. Seu cabelo loiro perfeitamente penteado e aparência delicada faziam com que eu me lembrasse de uma pintura do Norman Rockwell. Parecia haver uma maturidade e serenidade nele, diferentemente do que em suas irmãs.
Ele sorriu, apesar de eu ter interrompido sua solidão.
– Eu sinto muito sobre sua avó, Sam. Eu perdi meu avô a alguns anos atrás. Ainda me lembro como se tivesse sido ontem.
– Obrigado, estou um pouco em choque. – Sam respondeu, se balançando para frente e para trás nos calcanhares. – Nós passávamos muito tempo juntos. Nós dois amávamos o teatro.
– A Sra. Paddington era uma proeminente apoiadora das artes. Eu tenho certeza de que sua falta será sentida. Como sua família está aguentando? – eu perguntei, esperando saber mais por alguém de dentro da família.
– Por acaso eu conheço você, quero dizer, nós já nos encontramos... deixa pra lá. – Sam pareceu perplexo pelas minhas palavras, mas respondeu em uma voz gentil. – Minha mãe é forte. Ela e a minha avó não se davam muito bem, mas eu sei que ela vai desabar alguma hora. A tia Jennifer é uma bagunça, até mesmo disse que ela tinha que ir embora antes que todos percebessem o quão terrível ela está. Eu queria poder ir embora, mas Lilly é minha carona para casa.
– Suas irmãs também eram próximas dela?
– Não particularmente. A minha avó podia ser difícil se você não soubesse como lidar com ela. Ela respeitava honestidade e franqueza. Eu aprendi isso desde cedo e sempre tentei ficar do lado bom dela. – Sam disse parecendo desgastado, como se estivesse desesperado para ir embora. – Me desculpe, eu não entendi o seu nome.
– Eu peço desculpas. – eu respondi, percebendo que havia esquecido de me apresentar. Apesar de eu saber quem ele era, ele não tinha ideia do porquê eu ainda estava por ali. – Eu sou o Kellan Ayrwick, o neto de Seraphina Danby. Eu estava sentado ao lado da Sra. Paddington quando ela, hmm... passou mal. Eu a havia encontrado várias vezes junto com minha avó. Elas tem sido melhores amigas por mais de cinquenta anos.
Sam sorriu nervosamente, depois recuou como se se sentisse constrangido por ter algum momento de positividade, dadas as circunstâncias.
– Ou meio-inimigas, pelo que eu também ja escutei. Ayrwick, você disse? – um olhar de confusão passou por seu rosto enquanto ele processava nossa conversa.
Eu assenti.
– Sim, elas tiveram seus altos e baixos no passado. Eu me pergunto se isso foi um infarto ou se havia outra coisa acontecendo com a saúde dela.
Sam pegou seu celular.
– Eu tenho que ir. Foi bom te conhecer. Eu aprecio que você estava lá por ela agora... você sabe... quando...
– Eu entendo. Não tem problema. – eu respondi. Sam foi embora rapidamente, me deixando preocupado sobre o porquê de seu humor ter ficado mais amargo perto do fim de nossa conversa. Ele foi até o sagão, então seguiu até as portas da frente sozinho. Era muita espera por uma carona de sua irmã, Lilly.
Enquanto nenhum dos Paddingtons pareciam potenciais assassinos, todos eram misteriosos e diferentes entre si. A família certamente tinha bastante dinheiro. Eu não podia ter certeza sobre as vidas pessoais ou hábitos de gastos da geração mais jovem. Teria que perguntar à Nana D, ou talvez Millard e Eustacia poderiam preencher os espaços em branco. Isso não era da minha conta, mas se um deles havia causado propositalmente a morte da Gwendolyn, eu teria que contar para a Xerife Montague.
Os paramédicos informaram a todos que eles iriam remover o corpo em breve. Essa era uma maneira educada de indicar que era hora de nós sairmos do prédio, já que ninguém iria querer ver Gwendolyn sendo colocada dentro de um saco preto para cadáveres. Nana D estava vendo todos entrarem no carro de Lindsey, enquanto ela segurava estranhamente sua bolsa pra que não caísse. Enquanto eu destrancava a porta do meu SUV, a Xerife Montague chegou em sua moto. Ela estacionou perto da entrada e retirou seu capacete, entrando em seguida. Eu nunca havia visto a mulher vestindo alguma coisa fashion até hoje. Agora, ela estava com uma calça jeans preta de marca e um par de botas de cano longo cinza. Sob seu casaco ajustado, uma blusa de seda roxa e um lenço creme olhavam de volta para mim. Talvez ela tivesse uma vida pessoal como o resto de nós e não vivia em uma caverna escura, contrariando a minha teoria de que ela pudesse ser uma eremita ou um troll.
– Kellan, eu preciso falar com você. – Nana D sussurrou antes que eu fechasse a porta do SUV. Nana D correu para o outro lado e entrou no banco do passageiro. – Shh, não diga nada.
Eu não tinha ideia do que a Nana D estava tentando esconder, mas ela abriu sua bolsa e pegou um copo meio vazio com um canudo saindo do topo. Ela enrolou um pedaço de lenço sobre o topo, para que não tocasse nada.
– O que é isso? – eu perguntei, temendo o pior.
– O chá gelado da Gwennie. Ela não havia terminado, e eu estava com medo de que a equipe de limpeza o jogasse fora. – Nana D estava bem animada sobre o por que de ter ficado com o copo.
– Eu não entendo. Para que isso? – eu peguei o copo, tendo cuidado para não tocar a superfície com meus dedos.
– Evidência. Você precisa testar isso para ver se alguém drogou a Gwennie. – Nana D disse sem rodeios, enquanto batia no meu braço com sua mão livre. – Será que eu tenho que fazer tudo?
– Mesmo se alguém colocou algo na bebida dela, você já a contaminou. Por que você não o deixou lá? – eu bati na minha testa em descrença.
– Não seja absurdo! Usei meu lenço e não toquei em nada. Eu contei ao Connor que era uma morte suspeita, mas não tinha certeza se ele ia ligar para aquela xerife preguiçosa.
– Bem, April Montague está aqui agora. O que você está planejando fazer com o copo?
Nana D recuou.
– Eu? Eu não posso estar envolvida com isso. Estou na disputa para ser prefeita do Condado de Wharton. Você precisa assumir isso daqui. Alguém tem que proteger a Gwennie agora que ela se foi.
Tinha dias que eu queria que minha avó fosse uma idosa mulher excêntrica que gostasse de sentar em casa e jogar Yahtzee ou fazer ponto-cruz. Talvez conversar consigo mesma ou com vinte gatos sobre o preço de uma garrafa de leite antes da Grande Guerra. Mas Nana D não deixava os gatos do celeiro ficarem dentro de casa e ela tinha intolerância à lactose, então nenhuma dessas coisas era possível. E nem ela era do tipo que agia conforme sua idade. Ao invés disso, eu tinha uma avó cheia de energia que interferia na vida de todo mundo e se colocava em todo tipo possível de problema. Será que eu ficaria assim quando tivesse a idade dela? Eu teria que avisar para Emma me colocar em uma casa longe de todo mundo.
– Nana D, eu não posso entregar um copo de chá gelado para a xerife e exigir que ela faça testes de laboratório nele. Um, ela já não gosta de mim. Dois, ela vai ficar com raiva porque eu peguei evidência de uma cena de crime. Três, ela vai me acusar de tentar solucionar outro crime nas costas dela. Quatro, ela vai...
– Isso é o que tem de errado com você, Kellan. Você pensa como se estivesse preso em uma caixa. A vida não é sobre ficar dentro de quatro paredes perfeitas ou de colorir dentro das linhas. – Nana D colocou suas mãos para cima e fez a forma de um quadrado com os dedos, então aproximou do meu rosto. – A vida é embaçada como a sua visão, Magoo. Eu tenho certeza de que você é inteligente o suficiente para perceber que às vezes você pode se livrar de qualquer coisa alegando que não sabia de uma maneira melhor.
– Isso pode funcionar para um membro intrometido do Clube dos Septuagenários, mas eu duvido que a Xerife Montague vai acreditar em mim se eu disser que eu não sabia sobre a contaminação de evidências.
– Está bem. Se você não quer me ajudar, a alma da pobre Gwennie vai ficar rondando por Braxton incapaz de fazer apropriadamente a passagem para o outro lado porque não vai saber quem a matou. Tsk Tsk. – Nana D pressionou os lábios e sacudiu a cabeça. – Uma mulher tão boa. Presa aqui como aqueles personagens do filme Os Fantasmas se Divertem. Você não quer que a Eleanor faça uma sessão espírita, não é mesmo, Kellan? Pense nos perigos de se fazer isso...
– Você está tentando me fazer sentir culpado para que então eu procure o assassino da Gwendolyn? Ela pode não ter sido assassinada. Essa poderia ter sido uma morte normal e natural. Seriamente, por que você não deixa a xerife cutucar por aí e se algo parecer suspeito, nós podemos criar um plano mais tarde? De qualquer forma, vai haver uma autópsia.
– Kellan Michael Ayrwick! Eu sou mais sábia e tenho mais experiência do que você. Eu sou mais velha que você por alguns anos. Eu tenho um direito a...
– Mais do que alguns anos, se você está tentando ser uma candidata honesta para prefeito. – eu disse, incapaz de me segurar. Foi então que Nana D bateu em minha bochecha e quase fez com que eu jogasse o chá gelado no espelho retrovisor. – Aaai. Isso foi desnecessário!
– Totalmente necessário. O meu ponto é... é melhor você fazer alguma coisa sobre isso, ou eu vou te deserdar.
– Não, você não vai.
Nana D revirou seus olhos brilhantes. Agora eu vi de onde puxei isso. Ela continuou a me provocar, dizendo:
– Tudo bem, você está certo. Eu não vou te deserdar, mas eu arranjarei encontros para você com todas as garotas despreocupadas disponíveis nesta cidade. Vou fazer você lutar contra mais pumas e pequenos criminosos do que aquele promotor público tolo que está atualmente no cargo. Ele é o próximo na minha lista assim que você entender que estou certa em testar este chá gelado.
Nana D tinha algo contra todos os setores do governo do Condado de Wharton.
– Ui, sai pra lá, Belzebu. – eu disse com uma careta, enquanto reposicionava o copo, para que pudesse colocá-lo escondido no meu casaco. – Eu vou encontrar uma maneira de consertar o seu erro.
Enquanto Nana D voltava para seu próprio carro murmurando “eu não cometo erros”, eu caminhei em direção à entrada lateral da Casa de Espetáculos Paddington.
Enquanto eu andava pelo corredor da área dos bastidores, vi a Dana conversando com Arthur. Fiquei parado por um momento para escutar a conversa deles.
– Eu não consigo acreditar que ela se foi. – Dana disse. – Eu sei que ela é minha avó, e que eu deveria estar chateada, mas ela sempre foi tão cruel comigo. É melhor assim, agora eu vou finalmente conseguir meu próprio dinheiro e não vou mais ter que escutar minha família.
Arthur respondeu:
– Ela era uma dor e tanto, não é mesmo? Sem ofensa, mas o mundo é um lugar muito melhor sem Gwendolyn Paddington. Ela teve o que mereceu.
Eles pararam de conversar, e com medo de que me pegassem escutando, eu continuei andando. Quando cheguei à cortina, olhei para a área da plateia. Apenas os paramédicos ainda estavam por ali. Eu esperei eles levaram a maca com o corpo pelo corredor principal antes de descer as escadas do palco. No que meus dias haviam se transformado? Eu estava ajudando a minha avó a colocar de volta uma evidência em uma potencial cena de crime, para que então a xerife pudesse encontrá-la por si mesma.
Eu rapidamente coloquei o copo no apoio do banco e subi de volta as escadas em direção ao palco. Quando eu entrei atrás das cortinas e coloquei o lenço no meu bolso, percebi a xerife olhando na minha direção. Eu não tinha certeza se April havia me visto, mas sabia que não seria ideal ser pego com a mão na evidência. Connor apontou para o copo de chá gelado, então a xerife chamou um policial que estava parado no lado do teatro. Alguns segundos depois, ela o colocou em um saco e o identificou. Eu não tenho certeza de como eu teria feito com que ela testasse o copo se não fosse feito de sua própria maneira, mas com sorte isso não seria uma preocupação agora. Ao invés de retornar ao meu carro, eu parei na The Big Beanery para um copo de café e uma sobremesa recheada com o máximo de creme ou geleia que eu pudesse encontrar. Eu merecia isso. Enquanto entrava pela porta, meu telefone vibrou.
Connor: Eu dei cobertura para você, mas é melhor você me explicar o que tem aquele copo e por que você voltou escondido ao teatro.
Eu: Te devo um jantar. Eu prometo, tenho uma explicação válida. Me ligue quando você terminar de flertar com sua namorada. Dê um abraço na xerife por mim.
Connor: Fique esperto, ou vou contar à ela a verdade sobre você. Eu e ela não estamos saindo juntos. Garoto da Calcinha Roxa.
Connor gostava de usar meu apelido dos dias de faculdade, mas eu estava muito distraído lidando com outro corpo. Isso me fazia pensar novamente em Francesca. Enquanto eu me arrumava em uma mesa de canto tentando me segurar para não pedir uma segunda sobremesa, Maggie entrou na The Big Beanery. Por que os pensamentos sobre os dois grandes amores da minha vida sempre voltavam em pares desde que eu tinha vindo para casa?
5
– Hey, estranho. Eu não te encontrei agora a pouco? – Maggie disse em um tom tímido com um grande sorriso que mostrava seus dentes brancos.
– Sim, mas isso foi antes do drama. Apesar de eu me sentir mal pela família Paddington, estou contente em te ver novamente. – entre a morte inesperada e minha determinada tentativa de evitar lembranças sobre a Francesca, eu havia inicialmente pensado que ficar sozinho seria a melhor coisa para mim. Tomar uma xícara de café durante a tarde junto com Maggie mudou minha mente.
– O que aconteceu? – ela perguntou, pedindo ao garçom um grande descafeínado. Quando ele foi entregue, dei ao garoto uma nota de dez dólares, e falei para ele ficar com o troco. Eu não queria ser interrompido novamente.
– Eu não sei se há algum mérito nos temores da Gwendolyn Paddington, mas se a xerife ou o legista encontrar alguma coisa preocupante, nós podemos estar vendo outro assassinato em Braxton. Estou começando a pensar que isso é tudo porque eu voltei para casa.
Maggie inclinou sua cabeça como se eu tivesse falado uma língua estrangeira.
– Talvez você esteja sendo um pouquinho egocêntrico com essa teoria? Você não teve nenhuma relação com as outras mortes, e eu tenho certeza de que se alguém matou a Gwendolyn, não foi por causa de você.
– Eu não quis dizer dessa maneira. Não estou dizendo que as pessoas estão morrendo porque que voltei, eu só quis dizer...
Maggie deu tapinhas de brincadeira na minha mão.
– Eu estava te provocando. – os dedos dela continuaram ali, me fazendo pensar de volta sobre o que poderia ter acontecido quando nós estavamos presos na Bilheteria antes da interrupção de Connor. – Gwendolyn já estava na metade dos setenta anos. Existe muita chance de que isso tenha sido um ataque do coração ou algo normal. Vamos esperar até ouvirmos se existe alguma coisa suspeita.
– Eu sei. Só que sinto uma energia estranha vinda da família dela. Você sabe algo sobre eles?
Maggie sacudiu a cabeça.
– Já que eu voltei a apenas um semestre, nunca tive a chance de interagir com a Lilly. Eu ajudei o Sam a encontrar um livro sobre plantas e flores raras há algumas semanas atrás, mas nós mal passamos algum tempo juntos. Dana e eu tivemos alguns encontros interessantes na biblioteca.
– Sério... de que tipo? – eu perguntei, pensando que isso estava relacionado com a discussão íntima com o Arthur. – Conte-me!
– Dana é extremamente louca por garotos. Quando tem um crush por alguém, ela é capaz de fazer de tudo para conseguir a atenção dele. No mês passado, ela dizia estar apaixonada por um dos meus estagiários e entrou escondida na sala de arquivos. Eu ainda não sei como ela entrou lá sem que ninguém a visse, mas ela havia arranjado um pique-nique e estava vestindo pouquíssimas roupas.
– O estagiário estava com ela?
– Não, Jordan ficava dizendo que estava preocupado sobre uma prova que estava chegando, então eu finalmente disse a ele para parar de me incomodar e ir embora. Ele mencionou ter deixado acidentalmente a porta do arquivo destrancada, e foi assim que eu encontrei a Dana chorando e bebendo de uma garrafa de vinho quase vazia. Eu penso que Jordan estava com medo de encontrá-la, então saiu correndo e me forçou a ser aquela que encontrou a Dana.
– Dana parece ser do tipo que arranja problemas. – eu disse. Jordan Ballantine era um bom garoto que eu havia conhecido mais cedo naquele mês, quando ele era suspeito em uma investigação de assassinato. Também era um dos meus estudantes, e agora que me lembrei, ele era o sobrinho da Fern, o que fazia Arthur ser seu primo. Parecia que Dana estava focada nos caras da mesma família.
– No dia seguinte, quando eu perguntei por que ele fez aquilo, Jordan disse que ela era do tipo louca que nem o Jack Nicholson em “O Iluminado”. Ela ficou mandando mensagens dizendo para ele encontrá-la e mandando fotos comprometedoras. Aparentemente, ela não gosta quando alguém lhe diz não. – Maggie terminou o café dela, então mencionou que ia se encontrar com o Connor mais tarde para um jantar, já que o encontro deles no teatro havia sido adiado.
Eu agradeci a ela pela informação, sugeri um dia para o nosso jantar na semana seguinte, e fingi estar feliz que ela tinha um encontro com outro cara. Enquanto terminava meu café, Connor ligou. Será que as orelhas dele estavam queimando? Eu expliquei o que a Nana D havia feito, e ele prometeu manter as nossas ações em segredo, contanto que nossas digitais não aparecessem no copo apesar de nossas intenções em sermos cuidadosos.
– Da próxima vez informe à Nana D que eu ouço quando ela me conta as coisas. Aquela sua avó vai viver mais que todos nós. – Connor brincou.
– Você soube de alguma informação nova depois que eu saí da Casa de Espetáculos Paddington? – eu perguntei, curioso para saber se ele acreditava ou não que algo de suspeito houvesse acontecido.
– A xerife ordenou uma autópsia já que a morte aconteceu em um lugar público, logo após a falecida ter tomado seus remédios que podem ter sido trocados anteriormente. Ela quer saber a exata causa da morte antes de proceder com qualquer outra coisa. April ficou brava que os paramédicos retiraram o corpo antes que sua equipe pudesse investigar, mas já que isso ocorreu tão rapidamente, ela não pode dizer muito.
– E o que acontece agora? – eu perguntei, debatendo se quaisquer atrasos seriam um problema. Se havia um assassino, será que eles podiam estar escondendo qualquer evidência adicional na casa da Gwendolyn agora mesmo?
– O legista e o laboratório vão terminar hoje à noite com as observações preliminares sobre a causa da morte. Ambos concordaram em apressar suas análises, então a xerife pode conseguir os mandados apropriados para fazer uma busca na casa. Ela também vai interrogar a família para entender se alguém pensa que haja uma causa razoável para isso, que não seja uma causa natural.
– Por causa do que a Nana D disse?
– Em parte sim. April também escutou as pessoas comentando sobre uma discussão que Gwendolyn teve com o filho, Timothy, no saguão durante o intervalo. Foi assim também que ela ficou sabendo sobre o problema dos remédios sendo colocados em lugar errado quando o enfermeiro apareceu.
– Eu ouvi sobre isso também. Parecia haver alguma coisa estranha na conversa da Gwendolyn com o enfermeiro sobre as pílulas não estarem onde deveriam.
– Não se coloque no meio da investigação novamente, Kellan, mesmo se houver a necessidade de uma. Por favor, deixe a xerife fazer o trabalho dela. – Connor grunhiu antes de desligar.
Eu caminhei de volta à minha SUV, ansioso para voltar para casa e jantar com Emma, ficando longe da devastação da tarde. Apesar disso parecer mórbido no começo, eu havia comprado meu carro dos bens de uma amiga, Lorraine, que havia sido assassinada há algumas semanas. A oferta com um ótimo desconto feita pelo irmão dela, me ajudou a manter uma ligação com alguém com quem eu me importava. Quando eu perguntei à minha irmã, se isso era uma boa ideia ou não, ela consultou suas cartas de tarô e rapidamente descobriu que eu deveria ficar conectado com Lorraine, mesmo que ela já tivesse passado para O Grande Além. Não é que eu não acredite em espíritos, mas eu nunca encontrei um antes e honestamente, isso não é minha praia. Eu deixava as coisas sobrenaturais e o horóscopo com a Eleanor. E se Lorraine alguma vez aparecesse como um fantasma carregando uma espingarda em seu antigo veículo e dizendo que ela queria ajudar a solucionar a morte da Gwendolyn, eu iria vender o SUV assombrado para o primeiro interessado. Quando liguei o motor, meu celular tocou.
Nana D: Eu forcei Lindsey a me contar sobre o testamento da Gwennie.
Eu: Isso não é algum tipo de violação da lei? Ele não deveria manter as confidências dela?
Nana D: Lindsey está aposentado. Ele transferiu o testamento, com a permissão da Gwennie, para outro advogado há alguns anos. Além disso, não vamos contar para mais ninguém, né?
Eu: Que coisa imprópria para uma candidata a prefeito. O que ele dizia?
Nana D: O seu penteado é impróprio. Quando Lindsey estava trabalhando nele, Gwennie e Charles haviam planejado deixar tudo para seus três filhos, mas algo mudou perto da época que Charles morreu. Lindsey disse que Gwennie queria mudar o testamento novamente.
Eu: Quem é o herdeiro agora?
Nana D: Gwennie não queria contar nada sobre a mudança para o Lindsey. Qualquer um poderia tê-la matado pensando ainda estar incluído no testamento e pronto para a herança.
* * *
Assim que cheguei em casa, minha mãe saiu para jantar com meu pai, já que ele havia ficado fora o final de semana inteiro. Eu passei o resto do domingo comendo e montando um quebra-cabeças com Emma. Ela havia escolhido uma montagem com animais de zoológico na livraria no começo da semana. Nós assamos cookies de manteiga de amendoim no formato de vacas e ovelhas, enquanto brigávamos para ver quem iria montar os cantos do quebra-cabeças. Eu deixava ela encontrar três dos quatro cantos, mas nunca todos. Era importante ela saber o valor de ser uma boa perdedora.
Já que as férias de primavera começaram em Braxton na segunda-feira, eu não teria aulas para ministrar na semana seguinte. Meu plano era passar algumas horas no campus todos os dias, mas também queria ajudar Emma a se ajustar na sua nova escola. O diretor da escola e o Conselho de Educação haviam concordado em deixá-la avançar um ano baseados nas provas e exames passados dela, e em uma entrevista bem sucedida na semana anterior. Eu fiquei por trinta minutos observando ela interagir com as outras crianças antes de ir para Braxton. Se eu não soubesse melhor, minha filha precoce e madura estivera tentando me empurrar para fora da porta.
Quando eu cheguei à Biblioteca Memorial, eu fiz uma pesquisa sobre um próximo projeto digital requerido como parte de uma das matérias que eu ensinava. Depois de reservar horas suficientes com os bibliotecários para toda a turma, eu terminei de dar notas em algumas provas em uma das salas de leitura, ao invés de voltar ao meu escritório no Campus Sul. Dez minutos depois, Fern acenou para mim e perguntou se poderia se sentar por um momento. Eu presumi que a Reitora para Assuntos Estudantis também não tinha folga nessa semana e estava usando o tempo para adiantar funções administrativas.
– O que te traz à biblioteca hoje? Eu não posso imaginar que você esteja atolada corrigindo provas como eu estou!
– Eu estou revisando as propostas do comitê estudantil desse ano para o redesign do teleférico. Temos alguns alunos sem-noção por aqui, Kellan. – todos os anos, a turma que iria se graduar fazia três propostas para redesenhar o interior do teleférico que ia do Campus Norte ao Campus Sul.
– Qual você acha que vai ganhar? – eu perguntei, me lembrando do debate do meu próprio ano para escolher o tema do filme 300. Uma foto minha com uma roupa nada atraente ainda estava pendurada na parede dos ex-alunos para todo mundo ver.
– Deus nos ajude, mas o tema favorito do comitê é um apocalipse causado pelo aquecimento global e uma dominação cibernética. – ela suspirou pesadamente. – O que aconteceu com os lados mais leves da vida? Eu até mesmo fui assistir Star Wars novamente porque está se tornando tão popular.
– Boa sorte com isso. Como o Arthur está desde o incidente de ontem? – eu perguntei com cautela. Depois do que eu havia escutado nos bastidores, sabia que ele estava bem. Seria bom saber o que a mãe dele pensava.
– Oh, ele está sobrevivendo. – Fern apertou seus lábios e nariz, então cobriu o rosto todo com as mãos. – Foi terrível. Eu não me importava muito com Gwendolyn Paddington, mas me sinto mal pela família dela. Pelo menos ela morreu em um de seus lugares preferidos. Isso é um conforto.
– Eu interagi com eles no teatro enquanto os paramédicos estavam por lá. Arthur os conhecia bem? – eu perguntei, esperando que Fern pudesse compartilhar alguma coisa de valor.
– Gwendolyn conseguiu o emprego pra ele. Ela sempre o apoiou enquanto ele estava no ensino médio, mas algo mudou no relacionamento deles e ela se voltou contra ele. Ele não fala muito sobre isso, mas eu sei de tudo o que ela fez com ele depois disso. – Fern sacudiu a cabeça e fez um som de tsk tsk.
Meus ouvidos se atentaram,
– Eu sabia que havia alguma animosidade entre eles. Arthur mencionou isso um dia, mas eu não percebi que o problema vinha daquela época.
– Bem, ele pediu que ela o apresentasse para alguns de seus contatos em Nova Iorque quando ele mudou para lá depois de terminar o ensino médio. Naquela época ela era professora no clube de teatro e elogiou o talento dele, mas ela queria que ele conseguisse um diploma em Braxton, para que ficasse um passo na frente dos outros antes de tentar suas chances na Broadway.
– E então as coisas ficaram ruins?
– Houve algum tipo de desentendimento. Ela ofereceu apresentá-lo para alguns de seus amigos, mas ele foi um tolo. Ficou cheio de si e usou o nome dela vezes demais. Ele herdou isso do pai. Eu deveria ter deixado aquele homem mais cedo, mas infelizmente, tentei fazer funcionar. De qualquer forma, Gwendolyn o criticou por ultrapassar uma barreira e fez ele ficar mal falado dentro da indústria. Ela podia ser maldosa. É por isso que ele voltou para Braxton alguns anos depois para conseguir seu diploma.
Isso fazia sentido. Eu havia visto ele pelo campos umas duas vezes durante meu último ano, mas ele havia se tornado esnobe e difícil.
– Se ela estava com raiva, por que deu a ele o emprego na direção da peça do Rei Lear?
– Bem, tem um motivo que eu sei, e um que eu suspeito. – Fern sorriu e fez um barulho engraçado na garganta, como se estivesse frustrada com toda a série de eventos.
Eu ri.
– Isso parece... confuso. Ou intrigante.
– Myriam ficou sem opção de último minuto quando a mulher que ela pensou que fosse dirigir a peça teve que desistir depois de conseguir uma turnê nacional para uma comédia. Eu, coincidentemente, me encontrei com ela e Gwendolyn para discutir os planos para a produção. Eu sugeri que Arthur poderia entrar, sabendo que ele não estava conseguindo encontrar emprego nos últimos meses. A mãe coruja em mim não conseguiu se conter. – um olhar misturado de orgulho e constrangimento tomou o lugar de sua expressão calma e confiante.
– Então quais são os dois motivos pra ela ter dito sim?
– Gwendolyn se sentiu mal sobre o quão dura ela havia sido com Arthur e queria dar a ele uma nova chance. Ela também desprezava Myriam mais do que eu sei. – naquele breve momento antes de Fern falar novamente, nossos olhos se encontraram e parte de mim se perguntou se Fern percebia que eu poderia ser o único que desgostava de Myriam ainda mais. – Eu suspeito que Gwendolyn quisesse testemunhar Arthur e Myriam batalharem puramente para seu entretenimento. Isso não era exatamente maduro, mas ela não era a melhor das pessoas.
– Baseado no que sei sobre ela, ela seria capaz de fazer algo assim. – eu respondi. Será que Gwendolyn estava errada ao pensar que era sua família que a estava tentando machucar? Talvez Myriam ou Arthur quisessem vingança contra a desavisada septuagenária.
– Ambas as mulheres estavam dando problemas a ele com relação à preparação do show. Aparentemente, Myriam disse ao Arthur nessa manhã que ela não precisava mais dos serviços dele e o liberou com apenas duas semanas de aviso prévio. – Fern esfregou seus dedos contra a superfície da mesa enquanto determinava o que dizer em seguida. – Ela está completamente dentro de seus direitos como chefe do departamente de teatro para tomar essa decisão. Eu nem tenho mais certeza de quem vai representar a família Paddington agora. Pensei que você poderia me dar uma ideia de com quem eu poderia conversar para convencer a Myriam a não mandar meu filho embora.
Agora eu entendi por que Fern queria conversar comigo.
– Não conheço bem todos os Paddingtons, mas eu suponho que eu possa conversar com um deles. – eu não tinha certeza exatamente de como isso se ajustaria. Gwendolyn era a patrona de Braxton para o programa de teatro. Ela representava a família Paddington em todas as decisões referentes à Casa de Espetáculos e suas operações. Será que essa era uma posição formal dada a alguém após a morte dela ou poderia haver um voluntário dentro da família para cuidar do campus e de seus empreendimentos criativos?
Eu concordei em discutir isso com Eustacia, sabendo que ia encontrar ela e a Nana D na mansão Paddington para o almoço naquela tarde. Quando Fern foi embora, eu terminei de colocar as notas das provas das turmas restantes. Me senti mal ao dar um “F” para dois estudantes, mas um estava claramente plagiando um banco de dados online com ensaios escritos por um estimado professor universitário. O outro não visitou o centro de redação, o que era um requisito para a tarefa. Eu havia contado trinta e oito erros gramaticais e de escrita, muitos dos quais teriam sido pegos por um programa de correção gramatical. Apesar da minha educação e experiência, eu ainda cometia alguns erros de vez em quando, mas o trabalho desse aluno estava impossível de ser lido.
Eu dirigi para a Alameda dos Milionários, uma rua com cerca de um quilômetro de comprimento, que era paralela ao sistema de teleférico que ligava os dois campi, onde havia várias mansões. A mansão Paddington estava localizada entre as propriedades dos Greys e dos Stanton e pairava acima de tudo nas proximidades. A casa havia originalmente pertencido aos pais de Eustacia e Millard, mas quando eles morreram ela foi deixada para seu filho, Charles Paddington, mesmo ele não sendo o filho mais velho. Eu nunca entendi o porquê, e fiz uma anotação mental para perguntar à Nana D como isso tinha acontecido no passado. Charles, o falecido marido da Gwendolyn, havia assumido a responsabilidade de comandar os negócios da família, as Empresas Paddington, durante muitos anos antes de passar para seu filho, Timothy. O conglomerado era composto por várias firmas de consultoria financeira, armazéns e docas ao longo do rio Finnulia e do Lago Crilly, além de empresas de investimentos e desenvolvimento imobiliário.
Apesar de eu ter dirigido em frente à propriedade dos Paddingtons no passado, nunca havia sido convidado a passar dos portões para explorar a joia da cora de todas as casas de Braxton. A mansão de três andares tinha quatro alas separadas e havia sido construída no começo do século XX usando materiais de uma mansão da Georgia que havia sido colocada em leilão. Eu parei no pequeno estacionamento à direita do prédio principal e percorri o caminho de lascas de cedro. Um grande chafariz barroco com pelo menos seis esguichos de água, dominava o caminho circular. Lar de várias espécies de peixes e flores aquáticas, as bolhas cristalinas pareciam garrafas de champanhe transbordando. Jardins robustos com arbustos e árvores moldadas na forma de animais da floresta adornavam os dois lados da casa, sugerindo cenas de várias pinturas famosas da Era Dourada. Eles eram cercados por um córrego cheio de flores coloridas e coleções de pedras esculpidas.
Eu sorri com a beleza e a personalidade estranha da mansão enquanto vagava pelo caminho e subia os degraus de mármore polido. Antes que eu pudesse bater na porta ou tocar a campainha, a porta se abriu. Uma mulher velha e redonda, com cachos grisalhos e um par de óculos presos por uma fina corrente, vestindo um uniforme preto e branco reminiscente daqueles filmes que eu assiti da década de 30, se apresentou como sendo a Sra. Crawford.
– Os Paddingtons estão lhe aguardando. Me dê um momento para deixá-los saber que você já chegou, Sr. Ayrwick. – até mesmo o encantador sotaque dela havia vindo da Georgia.
Antes que a mulher pudesse sair do hall de entrada revestido com mármore travertino, Nana D entrou no espaço escorregadio. Parecia que o lugar esperava um acidente acontecer, especialmente para alguém usando uma bengala.
– Não se preocupe, Sra. Crawford. Eu vou levar meu neto até a sala de jantar. Não é hora de você fazer uma pausa? Eu deixei para você uma torta de pêssegos no balcão da cozinha. Não dê para ninguém mais! É toda sua.
– Isso é muito generoso de sua parte, Sra. Danby. – a Sra. Crawford respondeu com um sorriso que provavelmente nunca havia visto a luz do dia na mansão Paddington.
– Eu lhe disse antes, por favor, me chame de Seraphina. Nenhum dos meus amigos me chama de Sra. Alguma Coisa, então você também não deveria. – Nana D respondeu, guiando a Sra. Crawford pelo corredor oeste em direção à cozinha.
– Esse lugar é enorme. – eu disse, caminhando atrás dela pela parte central da casa. Quando nós entramos no Grande Hall, parecia como se fosse a primeira vez que eu havia visto luz. Uma grande estufa de vidro ocupava o meio da sala, oferecendo tanto brilho que eu mal conseguia focar meu olhar. Eu percebi dúzias de plantas e árvores exóticas espalhadas por ali, muitas das quais eu tinha certeza não podiam sobreviver em nenhum lugar para o norte da linha do Equador.
– Será que nós fomos transportados para o meio da Amazônia? Quem é o jardineiro deles, um clone sul americano da Martha Stewart?
Nana D sorriu.
– É bonito, mas não seja infantil. Millard tem o dedo verde. Ele é o designer e a inspiração por trás de tudo isso. Ele contratou vários ajudantes durante os anos para ajudar a mantê-lo, mas não há uma espécie nessa sala que ele mesmo não tenha selecionado diretamente de seu habitat natural.
Nana D havia saído durante alguns meses com Millard no passado, enquanto eu ainda estava morando em Los Angeles, mas não durou muito tempo. Eu nunca entendi exatamente o que aconteceu para ela terminar as coisas, mas ela frequentemente mencionava a incapacidade dele de ser generoso ou tratar as mulheres igualmente. Ele era charmoso e inteligente, mas tinha aquela ideia antiquada de que o homem pertencia ao gênero dominante. Nana D havia tentado ensiná-lo a ser um homem moderno, mas ele simplesmente não conseguiu agir de acordo com a nova maneira das coisas serem.
– Eu poderia me sentar aqui por horas e admirar a imaginação dele e sua mente criativa. Millard mora aqui também? – eu perguntei, sem saber quais dos Paddingtons moravam na casa da família.
Nana D sacudiu a cabeça.
– Quando Millard foi deixado de lado como o herdeiro de direito, ele saiu da casa para permitir que Charles ocupasse a propriedade da família. Seu irmão o encorajou a ficar, mas Millard sentia que seus pais haviam tomado a decisão por algum motivo e ele tinha que aceitá-la.
– E onde ele mora? – eu sabia que a Eustacia havia sido convidada a morar com a Gwendolyn para assisti-la dentro de casa, mas ela nunca fez isso. Eustacia era orgulhosa demais para se mudar de volta com a família de seu irmão, e havia comprado uma casa moderna no condomínio para pessoas da terceira-idade Willow Trees. Ela estava rodeada por outros habitantes com mais de sessenta e cinco anos, que a mantinham jovem de coração e cheia de energia.
– Millard tem algumas casas. Na maior parte ele fica em uma cabana perto das Montanhas Wharton. Ele prefere ficar perto da natureza, mas volta toda semana para cuidar desse jardim. – Nana D comentou. Eu queria perguntar como ele, sendo o mais velho, nunca ficou com o patrimônio da família, mas sentia que isso era uma pergunta muito pessoal. Eu tinha apenas ficado algum tempo dentro desse palácio e já estava pensando quem havia destronado o rei por direito. Eu culpava isso pelo meu amor pela realeza britânica e sua ordem de sucessão. – Isso significa que apenas os filhos e os netos da Gwendolyn moram aqui? – eu andei pelo lugar admirando a cores vivas e as folhas verdes de toda a luxuriosa folhagem.
– Alguns, mas não todos. Por que nós não seguimos para a sala de jantar e discutimos isso durante o almoço com a Eustacia? Ela está ficando aqui temporariamente para ajudar com os preparativos do funeral e manter as coisas funcionando no lugar.
Eu segui a Nana D pelo Grande Hall e saímos do outro lado em um grande corredor com as paredes cobertas com pinturas famosas. Eu presumi que elas fossem cópias, mas não tinha um olho bem treinado para isso. Por causa de toda a fortuna ao meu redor, não ficaria surpreso se uma ou duas delas fossem originais. Quando nós viramos no corredor final, eu disse:
– Como a Eustacia está?
– Cansada. Ela não dormiu na noite passada, e é difícil manter todos sob controle. Vou deixá-la te contar sobre isso, Kellan. A Xerife Montague esteve aqui mais cedo e nos deu a notícia que confirma as preocupaçãoes da Gwennie sobre alguém ter estado tentando machucá-la. – Nana D olhou para mim com um peso que eu não havia visto em muito tempo. Ela abriu a porta da sala de jantar. – Drogas de algum bandido sujo de rua a mataram. Isso está parecendo bem escandaloso e perturbador.
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– O Kellan está aqui. Vou avisar a Sra. Crawford que ela pode nos servir o almoço em alguns minutos. – Nana D comentou antes de sair novamente da sala. Eu não sabia se eu deveria abraçar a Eustacia ou me sentar ao lado dela na mesa como se eu fosse um de seus convidados. Nós nos conhecíamos a tantos anos, mas eu mal sabia alguma coisa dela como pessoa. Ocasionalmente, eu a encontrava pela cidade onde nós conversávamos rapidamente, ou melhor dizendo, ela brigava comigo por alguma coisa que minha avó tinha feito, então me mandava ficar envolvido para dar um solução. Eustacia e Nana D tinham um tipo de relacionamento simbiótico, onde elas geralmente não conseguiam ficar perto uma da outra, mas se passassem dois dias sem um chá ou fofocas, o mundo poderia chegar ao fim.
– A Seraphina já te contou sobre a conversa com a xerife? – Eustacia apontou para uma cadeira perto dela.
Eu me sentei, então respondi.
– Não muito. Apenas de que a morte não foi por causas naturais.
– Eles encontraram traços de drogas de rua no corpo da minha cunhada. Gwennie nunca tomou nada assim na vida dela! – ela se abanou com um guardanapo de pano que havia pego da mesa.
– Então ela tinha razão de estar preocupada. – eu disse com desespero em minha voz. – Eu sinto muito. Como você acha que isso entrou no sistema dela? – será que a Nana D estava certa de ter pego aquele copo de chá gelado?
– Isso é bem incomum. Aparentemente, ela consumiu uma grande dose ontem, e o coração não conseguiu aguentar a intensidade. O Dr. Betscha não recebeu o relatório completo do legista, mas isso foi uma descoberta premiliminar.
– Eles sabem exatemente como a droga foi ingerida ontem? – eu perguntei hesitantemente. – Ou qual droga era?
– Ainda não. Isso aconteceu enquanto ela estava na Casa de Espetáculos Paddington. Ela não estava se sentindo bem ontem de manhã. Nada mais do que o que nós estavamos vendo no último mês. Seraphina me disse que você foi decisivo para resolver aqueles dois assassinatos há algumas semanas atrás. Isso é verdade? – um olhar de esperança se materializou no rosto da Eustacia enquanto ela procurava por respostas, mas eu não sabia de nada sobre a situação.
– Eu acho que você poderia dizer isso, mas foi muito diferente do que aconteceu com a sua cunhada. No último assassinato, meu pai era um suspeito, e as vítimas eram pessoas que ou eu conhecia bem ou que eu deveria ter entrevistado como parte do meu trabalho. A xerife deveria cuidar desse caso, Srta. Paddington.
– Besteira. Se a Seraphina disse que você solucionou o último assassinato, então você é capaz de solucionar esse. Há poucas coisas que vou conceder a essa sua perturbadora avó, mas ela é uma das minhas melhores amigas. Quando ela acredita em alguém, eu acredito neles também. Posso não gostar de todas as coisas que sua avó faz, mas isso não é da sua conta, e nem pertinente a essa conversa, menino.
Menino? Eu me sentia como uma criança novamente. Eu precisava dizer algo que iria mostrar a ela o contrário.
– Você tentou fazer com que isso fosse da minha conta quando queria que eu impedisse que a Nana D saísse com o Lindsey, certo? – eu não deveria ter usado um tom acusador enquanto dizia as palavras, mas sentia que eu estava prestes a cair em uma armadilha. Tanta coisa para obedecer as pessoas mais velhas!
– Não comece a me dizer o que eu fiz ou deixei de fazer. Isso é diferente. Não estou tentando impedir a Seraphina dessa vez. Eu quero ela envolvida em solucionar o assassinato da minha cunhada. Gwennie foi como uma irmã para mim durante todos esses anos. Quando Charles faleceu, eu tinha apenas Millard. Por mais que eu ame meu irmão, ele não é exatamente sentimental e mente aberta. Eu quero justiça para a Gwennie, mesmo que isso signifique que alguém da nossa família vai para a cadeia.
Nana D retornou com a cozinheira para nos servir o almoço. Ela disse à Sra. Crawford para continuar descansando e deixar-nos na sala durante a tarde. Enquanto comíamos um banquete delicioso com sopa de abóbora, galinhas de caça da Cornualha com caldo de ervas, e couve-de-bruxelas tostadas, eu considerei tudo o que Eustacia havia me contado. Na coluna dos contras, eu verdadeiramente não era qualificado para investigar um assassinato. Eu não era um membro da família, não era um suspeito, e mal conhecia a vítima. Eu também teria a minha parte traseira chutada daqui até Timbuktu pela Xerife Montague se eu chegasse perto de algum dos casos dela. Na coluna dos prós, eu era muito interessado em crimes. Fui eu quem encontrei o corpo, numa maneira de falar, e eu já havia visto alguns comportamentos suspeitos, e o pensamento de cavar fundo nos segredos da família Paddington me animava. Eu também teria minha bunda chutada daqui até Marte pela Nana D se eu não tentasse solucionar o caso.
Já que uma viagem até Marte era muito maior do que uma até Timbuktu, eu tinha mais medo da Nana D do que da xerife, então propus um compromisso.
– Se eu concordar em ajudar, vocês duas tem que ser minha linha de frente para me ajudar em qualquer coisa que a xerife estiver envolvida. Eu valorizo minha vida e liberdade, e por mais que eu não tenha medo dela, ela pode deixar as coisas dificeis para mim.
– Kellan, nenhum neto meu teria medo de fazer a coisa certa. Você está no lado da lei, e aquela incomodação na forma de xerife precisa ser mais tolerante. Se eu for eleita prefeita, ela vai aprender a tomar direções vindas de mim. – Nana D bateu seu punho na mesa para dar mais ênfase na sua declaração.
– Exatamente. E a Seraphina vai ser a próxima prefeita do Condado de Wharton. Hey, isso me faz lembrar, nós não temos que nos preparar para o seu debate com o Vereador Tolo na Quinta? – Eustacia provocou.
– Nana D, a xerife não toma direção vinda apenas do prefeito. É um cargo eleito no Condado de Wharton, não indicado pelo prefeito. Tenho certeza de que há uma parceria nesse relacionamento.
– O que? Eu pensei que poderia despedir aquela mulher! – ela fez uma careta. – Ou aquele peixe inconstante do promotor!
– Não. Eu acho que se você está se elegendo para um cargo público, nós precisamos nos apressar em te ensinar como a política funciona no Condado de Wharton. – eu disse, sacudindo a cabeça por até mesmo tentar me entender com a mulher.
– Bem, essas não são boas notícias. Okay, então você está designado para me ensinar sobre como as coisas funcionam nesse condado, meu neto brilhante. Vamos começar a montar nosso plano hoje à tarde. – Nana D disse com um pouco de irritação na voz.
Antes que eu pudesse responder, a Sra. Crawford bateu na porta da sala de jantar e perguntou se poderia entrar. Nós três respondemos: “Entre”. Nós rimos quando ela entrou dizendo:
– Bem, essa é uma primeira vez. Geralmente a Sra. Paddington, quer dizer, a última Sra. Paddington, me mandava embora das três primeiras vezes que eu batesse na porta. Perdoem-me pela intrusão, mas tem alguém para vê-la, Srta. Paddington. Quer dizer, nova Sra. Paddington. Ohh Deus, isso é complicado.
Eustacia sorriu para Nana D.
– Já que Gwennie não está mais conosco, que Deus cuide da alma dela, vai haver algumas mudanças nesta casa... começando com o fim de toda essa grosseria da família. – Eustacia se voltou para Sra. Crawford. – Primeiro de tudo, você não tem que bater na porta antes de entrar na sala de jantar. E segundo lugar, qual é o seu primeiro nome? – um dedo ossudo balançou na direção da empregada.
– Bertha, madame. – a Sra. Crawford disse hesitantemente, quase deixando cair um pano de prato.
– Terceiro lugar, não vai mais ter senhor e madame enquanto eu estiver no comando por aqui. Pode ser que eu não tenha mais o controle depois de encontrarmos o testamento e descobrirmos quem herdou esse lugar, mas até lá, eu tenho uma procuração da Gwennie, então as coisas vão ser como eu disse. Entendeu, Bertha?
– Sim, madame. Quero dizer, Srta. Paddington... espere... eu não tenho certeza de como te chamar? – ela disse, coçando a cabeça.
Eu assisti toda a conversa se desenvolver na minha frente como se estivesse sentado em uma partida de tênis. Nós tinhamos um assassinato para resolver. Tínhamos uma disputa à prefeitura para ganhar. Bertha disse que alguém estava aqui para nos ver. Eu tentei interromper a discussão mais recente, mas recebi de volta um olhar de morte e uma mão levantada como a de um guarda de trânsito vindos de Eustacia.
– Você pode me chamar de Eustacia. É assim que todos que eu conheço me chamam, exceto as pessoas que tentam arrancar o meu dinheiro. – ela olhou na minha direção, então rapidamente voltou-se para Bertha.
– Mas eu a chamo de Srta. Paddington e eu não estou tentando arrancar... – eu comecei a dizer, mas fui impedido novamente.
Eustacia me encarou.
– Eu não te mostrei o sinal para você parar, Kellan? Aprenda o básico se você quer continuar com esse grupo. – então ela se virou para Nana D com o dedão apontado na minha direção. – Como você tolera esse jeito dele? Ele está cheio de ar quente, vinagre e confusão. Ah, deixa pra lá. É quase como se vocês dois tivessem sido cortados do mesmo pedaço de pano, Seraphina.
A cabeça de Bertha se projetou para o lado quando ela deu dois passos para trás.
– Hmm, me desculpe interrompê-los, mas Brad Shope está aqui para encontrá-los.
– Esse não é o enfermeiro da Gwennie que morava aqui? O que ele quer? Mande ele entrar. Ele pode ser capaz de explicar algumas coisas. – Eustacia pediu, enquanto se servia de outra taça de vinho. Ela falou rapida e seguramente, eu me perguntei se ela tinha sido um sargento no passado.
Havia dias que eu queria me colocar dentro de uma caixa e enviar para qualquer lugar que não fosse Braxton pelos próximos quarenta anos. Era quase como se depois que uma pessoa fazia setenta anos, eles decidiam que era seu direito fazer e falar o que quer que quisessem. Agora que eu havia concordado em solucionar o assassinato da Gwendolyn, eu teria que lidar com não apenas uma septuagenária mal-humorada, mas com uma segunda que, à primeira vista, poderia ser muito pior que minha avó. Por que eu não pude ficar lá em Los Angeles? Ah, é mesmo, os Castiglianos...
Antes que Bertha trouxesse Brad à sala, eu pedi que Eustacia me explicasse o papel dele como cuidador da Gwendolyn. Ele havia sido contratado no ano anterior depois que o marido de Gwendolyn, Charles, morrera de câncer no pâncreas. Passaram-se semanas onde Gwendolyn ficava deitada na cama o dia inteiro, e havia parado de tomar suas medicações normais. Apesar de Bertha ter feito tudo o que podia, nada havia mudado. Durante o inverno, quando ninguém percebeu, Gwendolyn finalmente se forçou a sair da cama e vagou pela vasta propriedade sozinha. Ela havia ficado desorientada, caído no córrego onde acabou quebrando uma perna, e sofrido com a hipotermia. A família subsequentemente a colocou em uma clínica de reabilitação, ao invés de eles mesmos cuidarem para que ela recuperasse a saúde. Assim que ela começou a se recuperar de seus ferimentos e da morte de seu marido, Gwendolyn se mudou novamente para a propriedade da família. Brad a seguiu como um enfermeiro particular que ela havia contratado depois de conhecê-lo através de um amigo que também estava se recuperando no mesmo lugar.
Brad entrou na sala e ofereceu suas condolências para Eustacia. Ele vestia uma camisa xadrez por fora das calças e uma calça jeans de lavagem clara. Seu rosto era um pouco redondo, como se ele ainda tivesse alguma gordurinha de bebê para perder, enquanto suas covinhas provavelmente deixavam as garotas loucas. O cabelo castanho avermelhado estava espetado para cima, e curto em ambos os lados da cabeça. Eu estava considerando um estilo similar para mim mesmo quando encontrasse uma hora para escolher um novo barbeiro.
– Eu peço desculpas por interromper o seu almoço, mas terminei de guardar todas as minhas coisas. Eu pensei em encontrá-la antes de ir embora nessa tarde. – Brad comentou em uma voz calma.
Nana D pediu que ele se sentasse no lado oposto ao dela na mesa.
– Você já almoçou?
– Ainda não. Eu estava limpando e organizando o quarto da Sra. Paddington antes de ir embora. Eu suponho que eu tenha que fazer uma revisão dos itens finais com Bertha? – Brad tinha um comportamento gentil e boas maneiras. Apesar de ser baixo, ele parecia forte e capaz de cumprir seu papel como enfemeiro e fisioterapeuta.
Eustacia pediu que Bertha trouxesse um prato extra e insistiu que Brad comesse algo.
– Você tem algum outro lugar para ir? Eu não tenho certeza do que acontece com o seu emprego quando seu cliente falece.
Brad explicou que ele havia trabalhado apenas em clínicas de recuperação anteriormente. Esse havia sido o seu primeiro cliente particular, como cuidador integral. Ele havia entregado seu apartamento no ano anterior quando Gwendolyn o contratou, para se mudar para sua mansão e cuidar dela. Eu decidi fazer algumas perguntas, já que a oportunidade havia se apresentado. Depois de explicar quem eu era, eu disse:
– Que tipo de serviços você providenciava para a Sra. Paddington?
Brad deu uma grande mordida, engoliu e então me respondeu:
– Isso mudou nas últimas semanas. No começo, eu me assegurava de que ela fizesse a fisioterapia todos os dias para fazê-la andar novamente. É diferente estando em casa, onde as coisas estão mais espalhadas e difíceis de se alcançar. A clínica de reabilitação faz o melhor para recriar os ambientes caseiros, mas geralmente não é o suficiente.
– Especialmente nesse lugar, certo? – Nana D brincou enquanto ajustava a trança no topo da cabeça. – Eu ainda me perco apesar de fazerem anos que venho aqui.
– Verdade. Uma coisa principalmente, nós tivemos que mudar o quarto dela para o andar de baixo, para que ela não tivesse que subir escadas. Assim que ela foi capaz de andar sozinha, nós a mudamos novamente, e eu preparei uma nova rotina para ajudar a manter o corpo dela ativo, mas sendo cuidadoso para protegê-la da possibilidade de outra queda. Eu cuidava dos medicamentos e das consultas médicas. Nós saíamos para caminhadas diárias para manter a flexibilidade e o espírito dela. Acho que nas últimas semanas eu me tornei mais um confidente conforme ela foi precisando de menos cuidados médicos.
– Quais eram os comprimidos que ela tomava? Eu me lembro de alguém mencionar ela dizendo que tinha pressão alta. – eu comentei, enquanto olhava para Nana D. Pelo sorriso dela, sabia que ela estava feliz por eu investigar os detalhes da saúde da Gwendolyn.
– Sim, ela estava tomando esses antes de eu começar a trabalhar aqui. Depois do acidente, o médico acrescentou mais medicações para controlar o aumento da hipertensão e do colesterol. Eu também sugeri que ela considereasse tomar algum anti-depressivo no começo, para ajudar a colocar a mente num lugar melhor. Ela ficou devastada depois de perder o Sr. Paddington. E desde que ela... bem, deixa pra lá, isso não importa mais.
Eustacia pigarreou.
– Eu apreciaria que você nos contasse o que estiver em sua mente, Brad. Minha cunhada faleceu, e eu estou preocupada sobre como ela estava se sentindo nas últimas semanas. Será que eu não fiquei sabendo de algum problema de saúde adicional?
Brad sacudiu a cabeça.
– Não, eu não quis dizer nada... é só que... hmm, ela estava consternada sobre a família dela e como eles não se importavam mais com ela. – ele olhou para o chão e ficou em silêncio.
– Foi bom que ela tivesse seu apoio para sua mente e seu corpo. O que você pode me dizer sobre sua ida ao teatro ontem? – eu disse.
Nana D interjeitou.
– Eu liguei para ele quando Gwennie começou a passar mal. Ela estava tendo dificuldades para respirar.
– Que comprimidos você deu à ela quando foi até lá? Você tem certeza de que não houve uma troca? – Eustacia perguntou abruptamente.
Brad se sentou reto com um olhar nervoso em seu rosto. Suas sobrancelhas se levantaram e os lábios ficaram finos.
– Aconteceu alguma outra coisa além do ataque do coração? Eu dei a ela a medicação normal para a tarde, ela havia acidentalmente deixado em casa. Ela também estava tendo alguns ataques de pânico ultimamente, e era por isso que nós iríamos no Dr. Betscha nessa semana. – Eu olhei na direção da Eustacia.
– Eu tenho certeza de que a família dela está preocupada em como isso foi tão súbito. Estou ajudando-os a saber sobre as últimas semanas dela para acalmar suas mentes. – eu sabia que Eustacia queria respostas, mas ela teria que ser mais delicada na abordagem.
– Eu entendo. A Sra. Paddington era uma mulher especial. Eu percebi algumas coisas que não faziam muito sentido, mas nada muito alarmante. Eu não quis ofender ninguém. – ele disse olhando para Nana D e para Eustacia. – Mas na idade dela infelizmente nós começamos a ver o corpo tendo problemas para manter tudo funcionando corretamente.
– Nem me diga. – Eustacia gracejou enquanto ficava em pé e pegava a bengala. No topo, uma cabeça de leão de bronze olhava para mim com dentes ferozes como se dissessem para eu ter cuidado. – Eu tomo malditas medicações demais, eu as considero como minha refeição arco-íris. Ainda procurando pelo pote de ouro, no entanto.
– Fale por você mesma. Eu sou tão saudável como uma égua puro-sangue no auge de sua carreira nas corridas. – Nana D disse com uma risada. Ela era firme com relação a tomar apenas suplementos herbais e seguir os conceitos holísticos para cuidar da saúde. Ao setenta e quatro anos, ela havia evitado qualquer medicação possível até agora.
Se eu deixasse essas duas continuarem a falar, nós nunca conseguiríamos informação útil.
– Brad, será que você poderia fornecer uma lista da medicação que ela estava tomando? Eu acho que isso iria ajudar a família a se sentir um pouco melhor sobre ela nos últimos dias. E também, se você não tem outro lugar para morar, o que pretende fazer?
– Na verdade, eu já tinha isso escrito para quando nós fossêmos ao médico. E quanto à minha situação de moradia, estou planejando alugar um quarto no hotel Roarke & Daughters Inn por alguns dias. – ele deu de ombros e se levantou para sair. Eu reconheci o nome da pousada que ele havia mencionado. Os pais da Maggie e suas irmãs gerenciavam a charmosa pousada de dez quartos perto do Lago Crilly.
– Besteira. – Eustacia disse enquanto o levava em direção à porta. – Você vai ficar aqui até que encontre outro emprego e um lugar para morar. Eu poderia precisar de um pouco de ajuda. Isso funciona para você?
Eustacia era muito mais inteligente do que deixava os outros perceberem. Se a autópsia revelasse que alguém estivera envenenando Gwendolyn durante esse tempo, Brad poderia ser útil para identificar qual membro da família tinha acesso à qualquer medicamento ou comida onde o veneno poderia ter sido introduzido. Ou revelar se ele estivesse envolvido na tentativa de matá-la. Tê-lo no local seria um ativo útil. Assim que Brad saiu, Nana D, Eustacia e eu nos focamos no debate para a prefeitura.
Por um tempo longo demais, o atual prefeito do Condado de Wharton, Bartleby Grosvalet, e o vereador da cidade, Marcus Stanton, haviam ficado no escritório juntos comandando o show. Na última década, a poderosa dupla havia patinado nas pesquisas vencendo por uma margem estreita. Poucos ousavam ser concorrentes deles, mas seus seguidores fieis conseguiam votos suficientes para continuar com suas agendas sombrias. O Prefeito Grosvalet estava nos seus setentas anos, assim como Nana D, mas ele havia se tornado recluso desde a última eleição e delegava muitos de seus poderes para Marcus. Os grandes obstáculos contra a vitória da Nana D seria a idade dela e a experiência de Stanton como o mão-direita de Grosvalet. A única maneira de conseguir suporte seria se ela alcançasse a alma do condado ao apelar para a sua necessidade de mudanças e crescimento no futuro. Nós fizemos um rascunho dos pontos chaves da campanha da Nana D, e marcamos debates de treinamentos para os próximos dias.
Eu saí para participar da minha primeira reunião oficial com Ursula Power. Nas minhas duas interações anteriores com a nova presidente, fiquei extremamente impressionado com a franqueza e profissionalismo dela. Eu estava um pouco preocupado em ser demtido já que meu outro emprego lá em Los Angeles como diretor assistente do programa de televisão, Realidade Sombria, estava em espera. O produtor executivo havia demitido recentemente o meu chefe e me informou que ele precisava de algumas semanas para decidir se eu tinha ou não um futuro dentro da emissora. Eu não tinha certeza do que eu queria que acontecesse por causa de tudo o que havia na minha vida agora, mas dirigir o meu próprio seriado sobre crimes ainda estava no topo da minha lista de opções. Quando será que eles iriam me ligar para me dar um update?
Eu parei o carro numa vaga vazia do Campus Sul, já que vários estudantes estavam de férias, e entrei no prédio do escritório executivo. Apesar de meu pai ainda ser o presidente por mais algumas semanas, ele e Ursula estavam se encontrando diariamente para que a transição fosse mais tranquila para o campus. Ele havia graciosamente se mudado para um escritório menor no primeiro andar, então Ursula podia se organizar no grande escritório do segundo andar. Eu passei por lá para dizer um oi, mas um estagiário me disse que o Presidente Ayrwick já havia ido embora.
Ursula ainda não havia contratado uma assistente permanente, mas uma animada temporária avisou à chefe dela que eu havia chegado. Enquanto a temporária seguia até a pequena cozinha, Myriam saiu e olhou para mim.
– Isso foi tudo culpa sua, não foi, Kellan? – Myriam disse em um acesso de raiva meio controlada. – Sinto-me compelida a compartilhar com você uma parte da apresentação teatral deste semestre. "Não fique entre o dragão e a ira dela." Será bom lembrar-se disso!
Era raro que eu achasse um furo nas citações da Myriam, mas quando conseguia, eu sentia a necessidade de segurá-lo bem forte.
– Eu acredito que você queira dizer a ira dele. Eu posso apreciar a sua mudança da fala original para combinar com a sua mensagem pretendida, mas um verdadeiro historicista sempre deixaria a mensagem original intacta. – o aviso do Lear para Kent era uma passagem que eu havia escutado durante o ensaio no final de semana anterior, senão eu poderia não ter percebido a pequena alteração dela.
– Isso é absurdo! Eu mudei apenas o gênero e não o significado da fala. Eu não esperaria que alguém como você pudesse separar as pequenas coisas das grandes. Obviamente, você é menos experienciado do que eu pensei com relação a entender a semântica da língua inglesa. – Myriam disparou enquanto se virava na direção da porta de saída.
Ursula saiu de seu escritório obviamente desapontada. Eu nunca tive certeza da idade dela, mas dava um palpite de que deveria estar nos quarenta anos, pelo menos uma década mais jovem do que sua esposa. Por causa das rugas em sua testa que eu havia visto pela primeira vez, talvez eu estivesse errado em alguns anos.
– Myriam, vamos nos encontrar mais tarde em casa. Eu posso dizer que tomei a decisão correta com relação ao problema entre você e o Kellan. – Ursula disse sorrindo como o gato da Alice, então me pediu que a seguisse até o escritório. Eu tive a súbita vontade de que um furacão me levasse para longe dali.
7
Qual era a decisão sobre a qual Ursula estava falando? Meu estômago parecia dez quilos mais pesado, e não havia sido o cheesecake de morango que eu comi no fim do almoço.
– Como tem sido os seus primeiros dias? – eu me sentei em uma poltrona de encosto alto oposta ao lado dela na mesa. A sala havia sido redecorada com um papel de parede cinza pálido com cenas retratando uma variedade de carvalhos japoneses. Os pontos rosas e vermelhos nos galhos das árvores era um ótimo contraste, mas combinavam bem com os móveis em cerejeira e as esculturas de aço perto da janela.
Quando eu encontrei Ursula pela primeira vez semanas antes, tinha algo de etéreo sobre ela. Para falar a verdade, ela podia ter sido uma modelo, mas o que a deixava ainda mais carismática era sua genuína humildade e inteligência. Ela aceitou uma xícara de chá de sua assistente temporária e sorriu para mim.
– Braxton é o tipo de campus com o qual eu sonhei quando era adolescente. Infelizmente, eu não pude pagar para morar no campus e trabalhava em vários empregos para cobrir as aulas. Nunca tive aquela clássica experiência de faculdade onde eu criava laços de amizade com colegas de quarto, saía escondida para festas, e balançava preguiçosamente em uma rede enquanto lia Jane Eyre ou Um Conto de Duas Cidades.
Eu sentia uma sensação agradável sobre a presença de Ursula no campus. Meu pai havia sido um presidente forte, trazendo incontáveis doações elevando a instituição de uma pequena faculdade da comunidade para a melhor do condado, mas ele frequentemente esquecia de focar no lado mais suave de uma educação liberal de artes (amizades, laços e memórias). Ursula seria aquela que faria isso acontecer, eu já podia dizer.
– Eu me lembro disso com carinho, apesar de que agora nós podemos encontrar, com mais frequência, estudantes lendo Harry Potter ou A História Secreta sob as copas daquelas árvores e seus tons de outono amarelos, vermelhos e laranjas. – meu estômago começou a se acalmar pela maneira que Ursula se portava e como levava a conversa. – Eu estou animado com a oportunidade de fazer parte da equipe para a Universidade Braxton. Você já deu uma olhada no currículo proposto?
Nós conversamos durante vinte minutos sobre todas as áreas da expansão, em particular sobre a revisão do departamento de comunicações. Ela estava impressionada com minha experiência e concordava com a decisão do meu pai e do Conselho de Curadores sobre a minha inclusão no comitê de planejamento. Quando nosso tempo chegou ao fim, eu fiquei mais curioso sobre o que ela e a Myriam estiveram discutindo antes de eu entrar. Eu estava prestes à trazer o assunto, mas Ursula me venceu.
– Kellan, eu tenho certeza de que isso pode ser estranho para você responder, mas eu gostaria de saber mais sobre o seu relacionamento com a Myriam. Por favor, não se preocupe sobre o fato de ela ser minha esposa. Eu posso separar facilmente minha vida pessoal da profissional, e conheço ela a mais de vinte anos. Ela tem um diploma avançado em arranjar brigas e escreveu uma tese sobre ficar incomodando as pessoas. Eu ainda não sei como ser bem sucedida ao escolher minhas batalhas. – ela sacudiu gentilmente a cabeça e colocou seu cabelo loiro e ondulado atrás do ombro.
Considerando que Ursula me perguntou diretamente o que eu pensava da Myriam, eu senti que a honestidade era a melhor política. No entanto, eu não era coisa alguma sem meu senso de humor.
– Não vamos nos esquecer que ela tem um certificado honorário em citações obtusas de Shakespeare.
Ursula riu tão alto que a assistente temporária colocou a cabeça para dentro da sala para saber se estava tudo bem. Quando ela voltou ao seu lugar, Ursula disse:
– Tirando tudo isso, como você vê as coisas acontecendo com a Myriam? Você tem um contrato de um ano que eu pretendo honrar. Eu fiz disso uma política para mim, não me inserir nas relações professionais entre colegas a não ser que seja necessário. Infelizmente, houve um certo número de ocorrências entre vocês dois que são preocupantes.
Eu assenti.
– Eu concordo com você. Nós não estamos nos misturando bem, mas eu te asseguro que pretendo remediar nossas diferenças ou mantê-las escondidas. Eu suspeito que você tenha alguma coisa em mente para ajudar com a atual volatilidade. – eu estava um pouco nervoso sobre o que poderia sair da boca da Ursula a seguir por causa do olhar curioso no rosto dela e as observações acusatórias que Myriam havia feito quando cheguei.
– Eu respeito quando alguém vai direto ao ponto, então vou fazer o mesmo, Kellan. – Ursula respondeu me entregando uma pasta cheia de papeis. – Eu recebi uma ligação da Eustacia Paddington nessa manhã. Mesmo de luto, ela está em cima das transições importantes. Além de ligar para me parabenizar pela minha nova posição e pedir que eu participe do funeral da cunhada dela no fim da semana, ela propôs que você seja o representante temporário da família Paddington em todas as coisas relacionadas à Casa de Espetáculos.
Um som ininteligível saiu da minha boca antes que eu pudesse juntar meus pensamentos.
– Eu não entendo. Ela nunca disse nada para mim.
– Deixe-me esclarecer qualquer confusão. Gwendolyn Paddington fez uma parceria com o nosso departamento de teatro para determinar quais shows são apresentados no teatro, trabalhou com patrocinadores para cobrir os gastos de design do cenário e figurinos, anunciava nossos shows pelo condado e era mentora de estudantes no começo de suas carreiras. Aparentemente, não há mais ninguém na família dela qualificado para assumir o papel, então Eustacia sugeriu que você o assuma até que nós possamos decidir o futuro juntos, enquanto eu me acostumo com minha nova posição em Braxton.
– Sugeriu ou insistiu?
– Eu tenho certeza que você pode entender a linha tênua sobre a qual eu ando. Os Paddingtons doam uma quantidade tremenda de dinheiro para Braxton. Eles tem uma certa, vamos dizer, liberdade para tomar decisões sobre o programa de teatro e a Casa de Espetáculos, que tem o nome em homenagem a eles.
– E quanto à Myriam? Ela cuida do departamento de teatro e das operações da Casa de Espetáculos Paddington. – eu disse hesitantemente, percebendo porque minha chefe estava tão brava comigo. – Ela não é uma escolha melhor?
– Eu estava planejando encontrar uma atividade para vocês dois co-liderarem na esperança de que isso os encorajem a se darem melhor. Quando Eustacia fez a sugestão para você ser o patrono temporário, eu fiz um acordo com ela.
– Mas é a Myriam quem tem experiência com teatro. Ela tem as conexões com a Broadway e tem cuidado disso tudo durante anos. – eu soava como se estivesse choramingando, mas não consegui evitar.
– E você tem experiência escrevendo scripts para televisão, dirigindo shows e trabalhando em Hollywood. Você tem uma perspectiva diferente, ainda assim válida, e você também tem os ouvidos da família Paddington agora. Como um time, eu espero grandes coisas da sua parceria com a Myriam.
– Isso é uma proposta, ou você está me dizendo que isso é um requerimento para que eu continue em Braxton? – eu mantive o meu tom civilizado, apesar de querer gritar.
– Eu prefiro pensar nisso como uma decisão mutualmente benéfica que nós todos tomamos juntos com as melhores das intenções para Braxton entre as nossas mentes coletivas. – Ursula se levantou, sorrindo para mim. – Eu tenho certeza de que você também exerga isso dessa maneira. Infelizmente, tenho outra reunião agora. Eu aprecio que você tenha conseguido um tempo para mim.
Ursula indicou os papeis na pasta com o rascunho do orçamento da Casa de Espetáculos para funcionários e operações gerais. Eu agradeci a nova presidente pelas suas contribuições, como Nana D havia-me ensinado a nunca provocar um animal até você saber o quão feroz ele poderia ser. Eu havia inicialmente colocado Ursula na categoria do tipo gentil como um urso de pelúcia, mas isso pode ter sido falho. Se ela conseguia se impor contra a Myriam, indubitavelmente deve haver uma força poderosa digna dos ursos que vagam pela floresta nacional próxima de Saddlebrooke nela.
Quando saí do escritório da Ursula, a assistente temporária me entregou um envelope.
– Seu pai passou por aqui enquanto você estava lá dentro em reunião com a Srta. Power. Ele me pediu que lhe entregasse isso e disse que o encontrou no chão de seu escritório na noite passada quando chegou em casa de viagem. Ele também mencionou algo sobre você precisar explicar o que isso significa. – ela se virou e saiu correndo com um sorriso maroto.
– Muito obrigado. – eu murmurei, me perguntando por que meu pai não deixou para me entregar quando eu chegasse em casa. Enquanto caminhava até o estacionamento, olhei para o envelope. Escrito na parte da frente com letras em caixa alta estava: PARA MEU QUERIDO MARIDO, KELLAN. Agora eu entendia porque ele me entregou o mais rápido possível. Será que ele havia lido a carta da Francesca e sabia que ela estava viva? Eu abri a carta rapidamente e li o conteúdo.
Em uma semana, vai ser o nosso oitavo aniversário de casamento. Todas as noites antes de dormir, eu penso em como você estava quando eu caminhei até o altar no jardim botânico no dia do nosso casamento. Você nunca esteve tão bonito como naquela tarde. O sol batia no seu rosto de uma maneira que me fazia pensar em um anjo. Eu soube então que tinha que protegê-lo da minha família a qualquer custo. Eu tolamente pensei que se você nunca soubesse do segredo deles, então nunca ficaria em perigo.
Quando a família Vargas me sequestrou, honestamente pensei que eu não seria resgatada. Eu sabia que meu pai iria fazer qualquer coisa em seu poder para conseguir vingança, mas eu disse um adeus silencioso e aterrorizado para você e Emma enquanto eles me trancavam em um freezer cheio de dispositivos para me torturar. Assim que a equipe de segurança do meu pai me encontrou, eu prometi a mim mesma que isso nunca aconteceria novamente. Não estou lhe dizendo isso porque eu quero te magoar ou te fazer sentir-se culpado. Eu preciso que você entenda que eu tomei uma decisão para proteger você e Emma acima de qualquer coisa.
Minha mãe não sabe que eu escrevi esse bilhete. Eu espero que você o encontre escondido debaixo da mesa. Eu tive apenas alguns segundos para deixá-lo lá enquanto nós chegávamos. Não estou desistindo de nós. Eu vou encontrar uma solução para nos reunirmos novamente. Não desista de mim. Lembre-se das estrelas. Nós vamos sempre ter um futuro.
Eu olhei para a carta da Francesca pelo que pareceu uma eternidade, mas havia sido apenas alguns segundos. Fui tirado do meu transe por uma série de lágrimas correndo por minhas bochechas e caindo no envelope, borrando o meu nome. Ela queria que eu me lembrasse das estrelas.
Francesca havia se referido à noite do nosso primeiro aniversário. Ela havia me pedido para que a encontrasse no topo de uma montanha não muito longe de onde nós morávamos. Quando eu cheguei, ela havia montado um pique-nique como um jantar atrasado. Ela me disse para deitar no cobertor e olhar para o céu. Encheu duas taças com sidra e então me entregou uma. Eu olhei de volta para ela com um olhar confuso, porque ela sabia o quanto eu adorava champanhe. Momentos depois, Francesca brindou com minha taça e me disse que ia ter um bebê. Então ela me encorajou a olhar para as estrelas, porque uma delas era a nossa filha nos esperando para que nós a amassemos. Nós devemos ter apontado para uma dúzia de estrelas naquela noite, conversando sobre que tipo de menina nós queríamos. No fim, Francesca me disse que ela ficaria feliz não importasse o que o universo nos desse, contanto que ela fossse saudável e feliz. Foi o começo da nossa família e do nosso futuro.
Lembre-se das estrelas. Eu me lembrava delas todos os anos no nosso aniversário. Nós celebrávamos perto do aniversário da Emma. E na noite que Francesca morreu, eu dormi sob elas porque não havia outro lugar onde eu pudesse estar sozinho pela primeira vez. Mas ela nunca morreu. Eu joguei minha cabeça contra o banco e me concentrei com toda a força. O que eu iria fazer com relação ao nosso futuro?
Infelizmente, não pude pensar nisso agora porque já era hora de pegar Emma de seu primeiro dia na escola. Quando eu cheguei, ela chegou dizendo o quão maravilhosa a escola era e como ela mal podia esperar para voltar. Nós jantamos com minha mãe, já que meu pai estava trabalhando até tarde com a Ursula em uma apresentação a ser feita em breve. Emma foi dormir cedo, e eu assisti a reprise de algumas séries para evitar pensar sobre a realidade ao meu redor. Acabei ligando para Cecilia e implorando para que ela me deixasse falar com minha esposa, mas ela colocou Vincenzo na linha. Ele me encorajou firmemente a encontrar uma maneira de voltar à Los Angeles rapidamente. Ele comentou que não concordava com Cecilia sobre ter-me dado duas semanas para decidir sobre como proceder, mas deixaria essa decisão com sua esposa apenas dessa vez.
* * *
Eu dormi mal naquela noite, tentando decidir o que fazer sobre a Francesca. Na terça-feira de manhã cedo, mandei uma mensagem para Eleanor para saber sobre a reforma da lanchonete, mas ela não podia falar. Ela tinha uma consulta com o médico e precisava terminar de preparar tudo para a inspeção final no dia seguinte, para que então pudesse reabrir oficialmente. Nós concordamos que eu passaria para jantar por lá naquela noite para que conversássemos sobre a situação com a Francesca.
Depois de deixar a Emma na escola, eu saí para uma corrida, tentando limpar minha cabeça. Escolhi o caminho do Rio Finnulia já que o clima estava finalmente começando a esquentar, o que significava que eu poderia deixar minhas roupas térmicas em casa. O ar também estava muito mais limpo e mais fácil de respirar perto do lado norte da cidade, onde o rio desaguava no Lago Crilly. Na metade do meu caminho de volta, eu fiz uma pequena pausa para me alongar e beber um pouco de água perto da pousada da família da Maggie. Enquanto me preparava para minha corrida final, um corredor que eu reconheci veio na minha direção. Eu o chamei, observando a fumaça sair da minha boca enquanto falava.
– Você é o Sam Paddington, certo?
Ele olhou estranhamente para mim na sua aproximação, então parou e começou a correr no lugar.
– É Sam Taft. Minha mãe é a Paddington. Não o meu pai.
Eu não tinha esquecido, mas queria confirmar isso com ele. Eu sabia que sua irmã chamava a si mesma de Dana Taft, mas não tinha certeza se todos tinham o mesmo pai. Ophelia e Richard Taft tinham um relacionamento complicado, pelo que a Nana D havia me contado.
– Oh, é mesmo. Eu me esqueci. Dana e Lilly Taft são as suas irmãs. Agora isso faz sentido.
Ele assentiu.
– Sim, nós somos todos Tafts. Você é o Kellan, certo?
Eu perguntei a ele como estava sua família, e ele comentou que todos estavam de luto à sua própria maneira.
– Eu passei muito tempo olhando albuns de fotos e vídeos que fizemos anos atrás. Eu não sei o que vou fazer sem ela. – Sam respondeu. Ele vestia um shorts de corrida azul marinho e uma camiseta da Nike, cujas manchas de suor mostravam claramente que ele estava nesse exercício há algum tempo. Será que ele estava se exercitando por causa do luto ou da culpa?
– Leva algum tempo. Eu ainda me lembro do meu avô que morreu quase dez anos atrás. – eu disse me sentindo nostálgico com o passado. – Parece que você sabe o que está fazendo aqui fora.
– Sou uma maluco por saúde. Eu já vi o que uma dieta pobre e pouco exercícios podem fazer com uma pessoa e não quero desperdiçar meu futuro. Eu tenho muitas esperanças e sonhos. – Sam parou de correr no lugar e olhou seu celular. Ele tinha algo mais em seu bolso, mas eu não conseguia saber o que era. Parecia como um pequeno cilindro ou uma garrafa com algum líquido. Quase parecia com um tubo de cola, o que seria estranho para ele carregar em uma corrida. Ele sorriu quando seu celular bipou com uma mensagem de texto. Eu estava longe demais para ver as palavras ou o nome de quem enviou.
– Alguém está animando o seu dia? – eu disse, percebendo a mudança no comportamento dele. – Namorada, eu suponho? – eu sabia que isso era intromissão da minha parte, mas eu tinha que descobrir um pouco mais sobre ele.
– Hmm, não exatamente. Escute, eu tenho que ir. Vou me encontrar com minha mãe para ajudá-la a planejar o serviço do funeral. Vá com calma. – Sam respondeu. Era a segunda vez que ele parecia estranho ou nervoso ao conversar comigo. Eu observei ele seguir pelo caminho mais perigoso a uma velocidade que eu não conseguiria acompanhar. É óbvio, ele tinha dez anos a menos do que eu, mas também estava plenamente em forma.
Cinco minutos antes que eu chegasse em casa, meu celular tocou.
– É a sua avó. Venha para a propriedade dos Paddingtons nesse exato momento. A equipe da xerife está aqui com um mandado de busca para a casa. A Xerife Montague está vindo para cá. – Nana D disse em um tom claramente grave.
– Você ligou para um advogado? Pelo que ela está procurando? – eu perguntei enquanto acelerava um pouco mais do que deveria. Eu precisava tomar um banho antes de seguir para lá.
– Eustacia ligou para o Lindsey. Ele pode ter se aposentado há anos, mas vai saber o que fazer. Eu não consigo entender aquela baboseira jurídica. Poderia estar escrito que eles estão procurando por uma bruxa voando em uma vassoura, com calcinha de bolinhas cor-de-rosa e sutiã esportivo até onde eu sei, meu neto brilhante.
– Vou estar aí dentro de trinta minutos. Quem está lidando com os assuntos jurídicos dos Paddingtons? – eu parei na garagem e subi os degraus para a Cabana Real, rindo com as expressões dela.
Nana D explicou que ela não sabia quem era o advogado trabalhando para eles. Eu sugeri que ela ligasse para o Finnigan Masters, que havia cuidado dos assuntos jurídicos dos meus pais nos últimos anos. Eu o havia encontrado uma vez quando tive que assinar uns documentos para eles, mas agora que eu estava de volta à Braxton, eu deveria reconectar-me com o homem. Eu havia frequentado a escola com o irmão mais novo dele, que havia se tornado um jogador profissional de hockey. Depois de um banho e uma mudança de roupas, segui para a propriedade dos Paddingtons.
Devido à falta de sorte que eu estava tendo ultimamente, é claro que a primeira pessoa que encontrei no pequeno estacionamento do lado de fora da mansão foi a April Montague. A pele quase transluzente dela, seu cabelo loiro e amassado pelo capacete como uma viking, como eu gostava de falar, e suas maçãs do rosto eram tão salientes que eu não conseguia não encará-la.
– Bom dia, Xerife. Como está sendo seu dia hoje? – eu disse com o sorriso mais falso que consegui dar. Parecia que eu tinha bolas de gude na minha boca por causa da falta de vontade que eu tinha de falar com aquela mulher insuportável.
– Eu poderia ter advinhado que você iria aparecer, Pequeno Ayrwick. Por favor, me diga que você está aqui para cortar a grama ou para limpar as algas do lago? – April me insultou vestindo aquele mesmo blazer favorito dela e jeans manchados. Não era ela quem deveria estar julgando.
– Estou visitando uma velha amiga, só isso. A Srta. Paddington e eu temos que discutir algumas coisas sobre a futura apresentação do Rei Lear. Talvez você não saiba disso, mas eu sou o representante deles para qualquer coisa relacionada ao departamento de teatro ou à Casa de Espetáculos. – eu considerei estender minha mão na direção dela, apesar da sua brincadeira sem graça sobre eu ser um jardineiro. – E o que te traz aqui?
– Você excedeu as minhas expectativas, devo dizer. Está de volta há apenas três semanas e claramente já está no meio dos Paddingtons e dos Stantons como se fosse seu cãozinho de estimação. Fiquei sabendo que você estava presente quando, infelizmente, a Gwendolyn morreu por causa de um ataque do coração naquele dia. – a Xerife Montague disse com um meio sorriso e meia careta. A mandíbula dela estava tão firme que pensei que seria capaz de quebrar algo.
– Claramente, pode não ter sido um ataque do coração se você veio à propriedade com um mandado de busca nas premissas. Tem algo com que eu deva me preocupar? – me belisquei de animação por ter provado meu ponto.
– Além de voltar ao seu carro e sair da propriedade, para que então eu possa fazer o meu trabalho? Da última vez que eu conferi, você não passou na prova de advocacia da Pensilvania. Eu não vejo motivo para você ficar aqui. – ela fechou a porta do veículo do xerife do condado. Era bom ver ela chegando em outra coisa que não fosse sua moto. Apesar do pensamento de ver uma mulher dirigindo uma Harley Davidson me deixar um pouco excitado por algum motivo, imaginar April Montague nela me deixava enjoado. Enjoado no nível do Exorcista.
Eu inclinei minha cabeça para o lado e suspirei.
– Não posso deixar os Paddingtons esperando. Por que nós não entramos juntos como uma mostra de boa fé? Depois de você. – eu apontei em direção à casa como uma aeromoça.
Assim que Bertha nos deixou entrar, nós seguimos para o hall.
– Kellan, é tão adorável te ver novamente. – ela disse. Depois que nós nos abraçamos e compartilhamos pensamentos sobre a torta de pêssego da Nana D, a Xerife Montague interrompeu.
– Eu sempre disse que você tem um talento para a tagarelice, Pequeno Ayrwick. Já que você conhece tão bem o lugar, porque não me leva até onde está a minha equipe.
Eu recusei, tendo pouca energia para continuar nossa batalha. Enquanto a Xerife seguia Bertha, eu encontrei a Nana D.
– O que está acontecendo?
– Eles apareceram há cerca uma hora com um mandado de busca para o local. Lindsey acabou de chegar e disse que é tudo legal. Eles tem uma prova razoável de que a Gwennie foi drogada no teatro, mas aparentemente suspeitam que isso esteve acontecendo durante semanas. – Nana D disse com uma fúria que navegou todos os corredores até o Grande Hall. – Eu não consigo acreditar que ninguém percebeu o que estava acontecendo.
– Lindsey conhece um dos policiais de casos passados. Ele nos contou mais do que deveria, mas estou feliz que ele tenha feito isso. Havia algo errático em várias contagens e números na química do sangue de Gwennie. Coisa de algum idiota presunçoso, se você me perguntar. Tudo o que sei é o que Brad disse que faz sentido, ele estava certo em querer levá-la ao médico esta semana. Se tivesse tido a chance.
– O que exatamente aconteceu no teatro para que ela finalmente sucumbisse? – eu perguntei, sentindo uma preocupação verdadeira com a família inteira.
– Uma overdose de cocaína. Grandes quantidades foram encontradas no corpo dela no exame preliminar da autópsia. Eu tenho que ligar para o Alex para descobrir o que ele sabe. – Alex, mais conhecido como Dr. Alexander Betscha, era o primo distante da Nana D, com quarenta anos, que era o médico da maior parte dos habitantes de Braxton.
– Você conseguiu saber quem é o atual advogado da família? Onde está todo mundo? – eu olhei de um lado para o outro.
– Não. Ophelia está com o Sam no salão de funeral planejando o serviço. Eu não acho que Eustacia já tenha ligado para eles. Dana mora no campus. Lilly vem e vai tantas vezes que ninguém sabe onde ela está.
– E quanto à Jennifer ou Richard? – eu perguntei.
– Richard está viajando. Jennifer não mora aqui. Eustacia estava sozinha em casa quando os policiais chegaram. Ela ligou para mim, e eu corri para cá. Foi então que eu liguei para você e pedi para ela ligar para o Lindsey.
Eustacia caminhava pelo corredor se equilibrando em sua bengala e gritando para nós.
– Desastre. Essa cidade inteira e essa família são um disastre puro. É você Kellan? O que você veio nos contar? Já conseguiu descobrir quem matou a Gwennie? Por que diabos você está demorando tanto?
Infelizmente, a Xerife Montague estava seguindo a Eustacia pelo corredor enquanto ela gritava sua fala.
– Com licença, Srta. Paddington. Será que você pode me explicar por que Kellan estaria tentando descobrir quem matou a Gwendolyn? Primeiro de tudo, ele não é um membro do Escritório do Xerife do Condado de Wharton. Segundo, como ele sabe que foi um assassinato quando eu ainda não anunciei isso publicamente? Ninguém vai saber de nada sobre esse crime até eu dizer que é a hora.
Foi nesse momento que eu soube que seria punido, não importasse se eu me comportasse bem ou não. O mundo gostava de me torturar, o que siginificava que eu tinha que encontrar uma maneira de aceitar isso e seguir em frente.
– Bem, entenda, Xerife Montague, as coisas meio que aconteceram assim...
8
– Feche a sua boca. Eu estou ficando cansada de você aparecendo onde quer que eu esteja. – a xerife começou a gritar até que outra voz interrompeu a tirada dela, fazendo com que todos se virassem ao mesmo tempo para ver a quem ela pertencia.
Millard estava no corredor pedindo que todos se acalmassem. Ele nos levou de volta ao Grande Hall onde nós nos sentamos perto das palmeiras e da lagoa. Uma planta submersa que parecia uma armadilha de mosca de Vênus flutuou por mim enquanto eu passava.
– Que planta é essa? – eu perguntei, pensando que ela estava prestes a prender meu dedo. Será que eu poderia afundar a xerife ali?
– É uma aldrovanda. Espécia rara, geralmente não há na América do Norte. Tenho sido capaz de mantê-la viva com uma programação apropriada de alimentação. – Millard comentou. Depois do que deve ter parecido uma expressão confusa ou preocupada no meu rosto, ele continuou. – Elas são carnívoras. Eu tenho que fornecer carne a elas.
– Que apropriada. – a xerife comentou com um olhar sinistro na minha direção. Eu também ouvi ela murmurar baixinho “Deve ser um amigo do Pequeno Ayrwick”. Ai, nós realmente não gostavamos um do outro.
– E que tal nós tentarmos começar novamente essa conversa, Xerife? – Millard disse.
– Por favor, explique o que está acontecendo, Pequeno Ayrwick. – a xerife disse, claramente frustrada e cansada do meu envolvimento nos casos dela e do vigor da família Paddington.
– Gwendolyn contou à Nana D e a mim no último sábado que ela pensava que alguém estava tentando machucá-la. Ela não estava se sentindo bem, e tinha algumas disputas com diferentes membros da família. Eu não levei isso muito a sério inicialmente, mas quando fui com eles para assistir o ensaio de figurino do Rei Lear no dia seguinte, eu percebi alguns comportamentos e conversas peculiares. Quando ela sofreu o ataque do coração, isso não pareceu natural.
– Eu pedi a ele para cutucar por aí e ver se ele conseguia descobrir o que estava acontecendo. Ele tem a minha autoridade para estar envolvido. – Eustacia gritou em uma voz rouca.
– E como a próxima prefeita, eu apoio isso! – Nana D bateu os nós dos dedos na inserção de madeira nos braços do sofá como uma demonstração equivocada de apoio.
– Não é assim que a lei funciona, senhoras. – a xerife respondeu com um tom autoritário. – É assim que as coisas vão proceder. Todos vocês vão ser interrogados esta tarde. Minha equipe está coletando evidências pela propriedade. Se depois dessas discussões eu tiver alguma outra pergunta, vou contatá-los diretamente. Em retorno, nenhum de vocês vai fazer qualquer coisa para procurar o potencial assassino ou discutir o caso com outras pessoas. Nesse ponto, nós acreditamos que algo suspeito tenha levado à morte da Gwendolyn Paddington, mas temos mais testes para fazer, uma autópsia para completar, e uma investigação para concluir.
– Pode ser importante para você saber que nós já começamos a montar uma lista de suspeitos que... – Nana D começou, mas foi mandada ficar quieta.
– Será que você pode, Sra. Danby. Todos vocês devem continuar nessa sala até que eu os chame no escritório frontal para as perguntas. Isso ficou claro? – a Xerife Montague se levantou e saiu da sala. Alguns segundos depois, o Policial Flatman, um jovem policial que tinha esperança de se tornar detetive algum dia (algo que eu definitivamente não via acontecendo tão em breve dada as minhas interações passadas com ele), chamou Millard para dentro do escritório. Nana D, Eustacia e eu decidimos revisar nossa lista de suspeitos, os próximos passos e as teorias enquanto esperávamos. Lindsey pôde ir embora, já que não era um membro da família, mas ele ficou até que Finnigan chegasse.
Eu estreitei o meu olhar para Eustacia e Nana D.
– Eu concordei em ajudá-las nisso apenas porque vocês me forçaram, mas vou ficar fora do caminho da April Montague. Vocês vão interagir com ela se tivermos mais perguntas dessa vez, e não eu. Isso está claro? – ambas concordaram. – Okay. Quem vai procurar o testamento para entender os motivos que possam existir?
Eustacia se ofereceu para esse esforço.
– Eu tenho a procuração. Lindsey me disse que Finnigan Masters é o advogado que ele recomendou anos atrás para o Charles. Charles e Gwendolyn ambos tinham um testamento com ele. Tudo o que eu preciso fazer é conversar com o Finnigan mais tarde, quando ele vier discutir tudo comigo. Ele estava no tribunal e não podia ir embora até as três da tarde.
– Ótimo, isso vai cobrir qualquer motivo por causa de herança. Quem pode conversar com a Bertha Crawford e com Brad Shope para ter uma ideia mais clara sobre as atividades, refeições e prescrições para a Gwendolyn nas últimas semanas? – eu perguntei olhando para Nana D. Ela já havia se conectado com ambos desde que começou a frequentar a casa para ajudar Eustacia depois da morte de sua cunhada.
Nana D confirmou.
– Eu vou descobrir o que eles sabem. Também irei conseguir os detalhes completos com meu primo, Alex, sobre a autópsia. Eu devo à Gwennie ajudar a descobrir o que aconteceu. E eu preciso ensinar uma lição para aquela xerife, uma que ela não vai mais esquecer. Ninguém manda Seraphina Danby ficar quieta!
Eu revirei meus olhos.
– Eu gostaria de encontrar toda a família novamente. Será que você pode marcar um almoço ou um chá para amanhã, quando todos possam vir, então nós podemos inquirir cuidadosamente o que eles possam saber?
Millard voltou do escritório enquanto eu dava a ideia da reunião de família.
– Pode deixar isso comigo. Nós temos que discutir a organização do funeral com a Ophelia, então essa vai ser a oportunidade perfeita para todos se juntarem. – ele indicou que Eustacia era a próxima a se encontrar com a xerife. Enquanto ela saía, eu contei ao Millard e Nana D que eu conversaria com o Arthur. Ele havia feito alguns comentários depreciativos sobre a Gwendolyn, e teve diversas discussões com ela no passado. Até onde eu sabia, ele poderia estar na lista de suspeitos.
Quando eu terminei de distribuir as responsabilidades de todos, era minha vez de encontrar a xerife. Eu dificilmente saíria dessa sem nenhum arranhão, e também não ficaria sabendo de nada novo. Ela me relembrou para que eu ficasse fora da investigação, o que, é claro, eu concordei em fazer enquanto cruzava meus dedos atrás das minhas costas. Às três horas, fui embora para buscar a Emma na escola. Esperava ter alguns minutos com o Finnigan, mas ele estava atrasado no tribunal. Eu teria que encontrá-lo no futuro.
Emma e eu paramos para um breve lanche, uma tigela de frutas para ela e um café para mim. Nós discutimos sobre o dia dela antes que ela fosse para sua aula de ginástica. Eu havia combinado com uma amiga da Eleanor, que tinha uma filha da mesma idade que Emma, para dividir as responsabilidades de buscá-las e levá-las ao ginásio. Enquanto Emma e eu dirigíamos para a casa da amiga dela, ela fez algumas perguntas sobre a mãe.
– A Nonna Cecilia disse que eu tenho que falar sobre a mamãe o tempo todo. Ajuda a manter a memória dela viva. Por que você nunca mais falou sobre ela, papai? – Emma perguntou com uma curiosidade que eu não queria ouvir.
– Quando ela disse isso? – eu sinceramente esperava que Cecilia não estivesse forçando seus planos dementes por detrás das minhas costas. Apesar de todos reclamarem sobre suas sogras, eu sabia por um fato que a minha era a pior.
– Ela me ligou ontem para saber se eu gostava da minha escola nova. Você sabia que eu consigo encostar minha língua no nariz? – Emma demonstrou isso para mim e me perguntou se eu também podia fazer. Eu tentei, mas falhei miseravelmente. Eu terminei com baba escorrendo dos meus lábios e minha filha de seis anos gargalhando como um ganso.
– A Nonna Cecilia liga sempre pra você? – eu perguntei, me preparando para bloquear o número da Cecilia no celular da Emma. Eu tinha sido contra dar para Emma seu próprio celular por ela ser tão nova, mas percebi que ela era muito mais madura do que os outros. Já que minha filha geralmente alternava entre ficar na minha casa ou na casa dos avós em Los Angeles, e agora isso estava acontecendo aqui entre a Nana D, a casa de Eleanor e a dos meus pais aqui em Braxton, ele era útil para entrar em contato com ela facilmente.
– Quase todos os dias. Mas não hoje. Ela disse que tinha uma grande reunião e que não poderia usar o celular aonde estava indo. – Emma mudou de estação de rádio enquanto nós parávamos na casa da amiga dela. – Nós gostamos de rock, papai.
– Okay, essa é minha favorita também. – enquanto nós esperávamos pela amiga dela, eu disse à Emma que sentia muita falta da mãe dela e esperava poder vê-la novamente no futuro.
– Quando você for para o céu? – ela perguntou.
Eu assenti, sem saber o que dizer mais. Para minha sorte, a porta do passageiro se abriu e a nova melhor amiga da Emma entrou. Eu conversei sobre os detalhes com a mãe da menina sobre quando e onde deixar Emma, então dirigi para o ginásio. Era um grande espaço perto das minas Betscha, cheio de paredes de escalada autênticas, anéis pendurados no teto, vigas de equilíbrio e vários colchonetes pelo chão. Eu conferi que ambas estavam na turma de iniciantes e só trabalhando nos colchonetes hoje. Queria estar presente na primeira vez que Emma usasse qualquer um desses equipamentos mais intensos ou perigosos. Trinta minutos depois, eu cheguei na lanchonete para conversar com minha irmã.
– Você está com cara de quem perdeu seu melhor amigo. – Eleanor disse enquanto me abraçava. – O seu horóscopo para essa semana continua avisando sobre um demônio consumindo cada grama de energia que você tem.
Eu não podia concordar mais. Mas será que o demônio era a Cecilia? Francesca? Myriam? April? Um dos Paddingtons? Como é que eu saberia como impedir isso quando eu nem mesmo sabia quem era?
– O que eu deveria estar fazendo para prevenir isso? – eu perguntei cautelosamente, esperando pelo pior.
Eleanor me pediu para cortar o baralho de tarô algumas vezes, então ela colocou várias cartas na minha frente que contava a história do meu futuro. Ou do meu passado. Eu nunca sabia o que ela estava fazendo com todas essas leituras astrológicas e de numerologia que ela forçava em mim.
– Basicamente, você está ferrado pelas próximas duas semanas. Alguém está com raiva e você vai sentir o peso disso. – ela disse em um tom sério.
– Conte-me algo que eu não saiba. Isso é apenas um fato da minha vida, maninha.
Nós demos gargalhadas, então conversamos sobre a reforma na lanchonete. Ela havia aumentado a cozinha, e fechado uma das pequenas salas para festas que ficavam nos fundos, já que ninguém nunca a alugava. Ao invés de tentar incluir mais mesas, ela pensou que uma cozinha com equipamentos mais modernos iria ajudar a fazer os clientes continuarem a voltar lá.
– O inspetor vem amanhã de manhã. Se tudo correr bem, vamos ter poucas coisas para terminarmos, e então poderemos abrir na semana que vem.
– Nada mal, a lanchonete ficou fechada por apenas duas semanas. Você e Maggie estão conseguindo se manter por tanto tempo sem clientes?
– Isso foi construído no custo do empréstimo. Eu acho que nós vamos ficar bem, mas não podemos ter nenhum atraso. – o rosto de Eleanor relaxou conforme ela falava, o que mostrava o quão forte ela havia se tornado nos últimos anos. Havia um perfeito equilíbrio entre confiança e humildade que ela deixava transparecer.
Eu estava orgulhoso da minha irmã. Ela havia tido diversas discussões com minha mãe sobre o porque dela não haver se casado e se aquietado. Eleanor explicou que ela havia tentado, mas que as coisas não estavam parecendo promissoras naquela área para ela. Até que encontrasse o homem certo, a lanchonete seria o seu parceiro. Eu me senti obrigado a perguntar sobre o Connor.
– Sim, Connor ligou mais cedo hoje. Nós estamos planejando conversar sobre o que está acontecendo entre nós dois. Ele ainda está interessado, mas não quer apressar nada.
– Eu suponho que esse seja o código para estar com medo de ficar entre você e a Maggie?
– E você não ficaria? – Eleanor disse usando o seu tom de “estou falando sério” e seu rosto bravo.
– Só porque você pode ser maldosa quando está atrás de algo que deseja desesperadamente! – eu provoquei.
– Eu sou uma mulher que sabe o que quer e não tem medo de correr atrás. Eu tenho trinta anos e posso não ser casada ou não ter filhos, mas tenho um negócio e uma pequena casa. Eu estou no conselho do centro comunitário da cidade, e sou voluntária em vários comitês diferentes no Condado de Wharton. A vida é boa, mas sempre pode haver mais. Por que não me jogar com tudo em algo quando eu o quero? – havia um brilho no olhar dela quando ela me disse como se sentia sobre si mesma atualmente.
Eu estava animado por ela ter se tornado uma grande mulher de negócios nessa cidade.
– Você é muito incrível, Eleanor. Eu não te digo isso o suficiente.
– Você é o melhor irmão mais velho. Por falar de irmãos, você tem alguma notícia do Hampton? – Hampton, o segundo mais velho dos irmãos Ayrwick, era um advogado casado com uma herdeira do óleo rica e esnobe.
Eu disse:
– Não. Eu pensei que ele ligaria para o nosso pai primeiro, então nós saberíamos qual seria a surpresa que ele tem guardada. E quanto ao Gabriel ou a Penelope? – Penelope era a mais velha, com trinta e seis anos, casada com Jack, dois filhos gêmeos prestes a entrarem na adolescência e uma enteada problemática do primeiro casamento de Jack, tudo o que eu esperava que causaria estragos nos muitos TOCs da minha irmã.
– Penelope e eu conversamos de manhã. Ela foi feita sócia daquela imobilária chique de Nova Iorque. Gabriel ainda é um mistério. – Eleanor disse com uma pontada de dor na voz.
Quase oito anos atrás, meu irmão mais novo, Gabriel, anunciou que ele estava se transferindo para Penn State para terminar sua graduação depois de ter frequentado Braxton por dois anos. Foi quando nosso pai decidiu aceitar a presidência de Braxton que lhe estava sendo oferecida durante anos. Depois de Gabriel mudar de ideia sobre a transferência, ele esperava que nosso pai declinasse o emprego. Mas é claro, ele não podia fazer isso. Gabriel com sua maneira elegante, saiu de Braxton e decidiu nunca voltar para casa dizendo que nosso pai o havia esfaqueado pelas costas. Ele era orgulhoso demais para frequentar a mesma faculdade onde nosso pai era o chefão. Eu não posso dizer que eles sempre se deram bem, mas eu ainda não sabia exatamente o que o havia mantido afastado por tanto tempo.
– Eu estava pensando sobre contratar um detetive para encontrar o Gabriel. Talvez nós pudessemos convencê-lo a dar ao nosso pai uma segunda chance. – eu disse.
– Contratar um detetive? Eu pensei que esse era o seu novo emprego pelo que a Nana D me contou sobre a busca pelo assassino da Gwendolyn. Você não vai concorrer ao cargo de xerife, para que então você seja o parceiro da Nana D quando ela vencer a eleição para prefeito? – Eleanor riu como uma garotinha antes de se levantar para pegar um pouco de sobremesa para nós.
Eu posso ter feito um gesto inapropriado para ela.
– Não, eu não estou concorrendo para xerife. Não tem eleição até o ano que vem, mas você tem um ponto válido. Eu consegui algumas habilidades especiais depois que voltei para casa. Eu poderia rastrear o Gabriel. – hmm, será que eu poderia ser xerife? Não, eu ainda não estava qualificado.
– E o que está acontecendo com o caso dos Paddingtons? – Eleanor perguntou como se eu realmente me referisse a eles como caso. – Eu vi a Jennifer hoje no consultório do médico. Ela é filha da Gwendolyn, certo?
Eu assenti.
– Uma delas, pelo menos. Você conversou com ela?
– Não, eu nunca a encontrei antes, mas a reconheci de algumas organizações de caridade que nós duas trabalhamos no passado. Ela estava discutindo com a recepcionista. – Eleanor levou uma colher de pudim de banana até a boca, os lábios praticamente babando por causa do sabor.
– Tão bom assim? – eu disse com animação antes de dar minha colherada. – Sobre o que era a discussão?
– Dinheiro. Ela reclamou que algum procedimento era muito caro, e ela havia perdido o convênio quando o último emprego dela terminou. Eu não tenho certeza sobre o que era isso, mas ela estava brava porque ninguém havia lhe dito os preços antes que ela consultasse com o médico.
Com o risco de perguntar demais, eu fiz a pergunta de qualquer jeito.
– Que tipo de médico? – temendo que fosse um ginecologista, eu fechei meus olhos e cobri minhas orelhas.
– Você é tão infantil! Sim, era relacionado com as partes femininas dela. Honestamente, Kellan. Você é um adulto de trinta e dois anos e tem uma filha. Você vai ter que se acostumar a falar sobre isso um dia. – Eleanor soltou sua colher na tigela e a empurrou para o fim da mesa. – Você já tomou alguma decisão com relação à Francesca?
Ufa, eu fiquei feliz que ela trouxe o assunto à tona. Eu tinha dificuldades em reconhecer em voz alta o que estava acontecendo na minha vida.
– Obrigado por perguntar. Eu ainda estou em choque. Cecilia está fazendo joguinhos para tentar manipular Emma. E eu encontrei uma carta da Francesca deixada para mim no dia que ela passou por aqui.
– E o que estava escrito? – Eleanor esticou o braço e pegou minha mão.
– Ela me lembrou dos tempos maravilhosos no nosso passado. Apenas algumas coisas pessoais que me fizeram perceber que eu nunca vou parar de amá-la. – minhas barreiras normalmente protegidas começaram a fraquejar. Eu raramente chorava, mas nos últimos dias, eu sentia que as lágrimas estavam quase sempre perto da superfície. – Como isso pode estar acontecendo?
Eleanor me levou até a cozinha para lavar nossos pratos, pensando que um trabalho manual seria uma boa solução para melhorar o meu humor. Nós combinamos de não tomar nenhuma decisão até que o prazo das duas semanas da Cecilia tivesse acabado, e então, eu tomaria controle da situação. Eleanor me lembrou de que eu tenho as cartas, e não eles.
Quando Emma chegou, nós ligamos um pouco de música e tivemos uma festa com dança. Também ajudamos Eleanor a terminar de arrumar a lanchonete em preparação para a inspeção do dia seguinte. Maggie passou por ali para conferir o progresso, mas deixou claro que ela confiava totalmente na Eleanor para tomar todas as decisões. Como uma sócia silenciosa na sua nova aventura com um negócio, Maggie deixou Eleanor tomar ar rédeas da liderança até que deixasse seu emprego na biblioteca. Depois de apresentar a Maggie para Emma, Eleanor levou minha filha para a cozinha para ver o novo equipamento. Eu sabia que ela estava tentando me dar alguns momentos a sós com a Maggie.
– Ela é linda, Kellan. E tão esperta e gentil. Você deve ser um pai maravilhoso. – Maggie disse enquanto me abraçava. – Ela é uma menina de sorte.
Quando Maggie começou a se afastar, nossa música favorita começou a tocar na rádio. Uma versão instrumental de I’ll Stand By You dos The Pretenders, nos acompanhou enquanto nos abraçávamos e começamos a nos mover de um lado para o outro como anos atrás. A luz da rua entrou por uma janela quebrada e iluminou o rosto dela. Por um minuto, eu vi um futuro diferente do que eu sempre pensei que estaria presente com Francesca. Perdido nos meus pensamentos, eu não percebi de imediato que meu celular tocava.
– Eu acho que você precisa atender isso. – Maggie disse com desapontamento.
Eu teria deixado cair na caixa de mensagens se fosse qualquer pessoa, mas tinha que atender a Nana D. Eu tirei o celular do meu bolso enquanto Maggie me dizia que precisava ir embora. Quando observei ela saindo, meu coração bateu ainda mais forte. Eu me forcei a atender a ligação.
– Oi. Está tudo bem?
– Não, Kellan, definitivamente não. Finnigan nos contou o que os policiais descobriram. Nós estávamos certos.
– O que você quer dizer? – eu estava distraído demais para pensar claramente.
– Não havia nada no chá gelado. Foi bom nós termos salvado o copo. Isso significa que a cocaína foi introduzida nos comprimidos que Brad deu para Gwennie. Havia o suficiente para matar um cavalo.
– Isso é horrível. O que mais você ficou sabendo? – minha cabeça começou a latejar com a quantidade de coisas que precisavam da minha atenção.
– Gwennie ligou para o Finnigan na semana passada para refazer o testamento dela.
– Ele disse quais foram as mudanças feitas?
– Não, esse é o problema. Finnigan escreveu as revisões, mas ela pediu que ele deixasse os nomes em branco. Ela planejava preenche-los e mandar de volta para ele. Isso foi na noite anterior à morte dela.
– Onde está o testamento agora? – eu contemplei se essa abordagem era legal, mas Finnigan não teria permitido que isso acontecesse se ele tivesse alguma preocupação. Eu precisava validar isso em algum momento. Talvez meu irmão, Hampton, pudesse saber das especificidades dessa lei. Será que eu ousaria ligar para ele?
– Finnigan não sabe. Ela pode tê-lo colocado no correio, ou ele pode nunca ter sido finalizado. Nós estamos tão confusos quanto um peido em uma fábrica de ventiladores em um dia úmido.
O que ela disse? Eu nem mesmo podia me permitir perguntar sem trazer à mente as mais terríveis imagens e cheiros horrendos. Eu desliguei com a Nana D, percebendo que a possível existência de dois testamentos deixava a investigação muito mais complicada. O que tudo isso significava? Será que a xerife estava considerando Brad como culpado por ter dado a ela os comprimidos com cocaína?
* * *
– Devo ter deixado cair no seu escritório, pai. Eu estava vendo alguma papelada para mudar meu endereço de entrega e o encontrei. – eu brinquei com meu café-da-manhã na manhã seguinte quando meu pai me perguntou sobre a carta da Francesca. Eu havia chegado em casa muito tarde na noite anterior para explicar qualquer coisa, e tive que inventar uma desculpa durante a noite.
– O que você estava fazendo no meu escritório? E ainda por cima debaixo da mesa. – meu pai disse curtamente enquanto estava sentado na cozinha, bebendo café e comendo uma tigela de granola. Ele já havia vestido seu terno para uma grande reunião no campus com o Conselho de Curadores para revisar o orçamento para a conversão de Braxton em universidade. – Não é que eu não queira você por lá, mas isso foi estranho.
Eu o encarei enquanto ele colocava metodicamente vários grãos e uma framboesa na colher antes de engolir. Ele sempre havia me aconselhado a alcançar o equilibrio correto de peso e sabor em casa mordida.
– Eu não tenho certeza, provavelmente me abaixei para pegar algum troco que havia caído das minhas calças e derrubei a carta debaixo da parte da mesa com as gavetas. Estava com a carta no meu bolso enquanto pensava sobre o meu aniversário de casamento com a Francesca que está chegando. Essa carta já tem vários anos. – minha testa começou a suar apesar de eu não ter completado minha corrida matinal.
Nós conversamos distraídamente sobre o clima e a nova escola da Emma. Eu podia dizer que ele tinha suas suspeitas com relação a como a carta foi parar no chão. A não ser que ele tivesse instalado uma câmera de segurança no escritório dele no passado. Uma gota de suor caiu da minha testa direto no meu café. Meu pai olhou para mim e coçou a cabeça.
– Você está se sentindo bem, filho?
Eu assenti e murmurei algo sobre estar quente demais dentro da cozinha. Ele se ofereceu para deixar Emma na escola para mim, o que era uma grande ajuda já que eu precisava fazer algumas coisas, fazer meus exercícios e encontrar a família da Eustacia ao meio dia para a reunião da família que Millard havia organizado para eu participar.
Assim que dei um beijo de despedida na Emma e o carro do meu pai saiu da garagem, corri até o escritório dele e vasculhei cada canto ou fenda que pude encontrar. Eu acenei em todas as direções para ver se eu escutava uma camêra fazendo algum som ou se movendo para me filmar. Eu fiz com que parecesse que estava procurando por um selo. Quando encontrei um alguns minutos depois, eu disse em voz alta, para o caso dele estar escutando também.
– Exatamente o que eu precisava para enviar o meu formulário de mudança de endereço. Sempre posso contar com meu pai para salvar o dia. – eu até mesmo fiz um grande show ao segurar o selo e admirar o mais novo design. Arthur ou Myriam poderiam me escolher para sua próxima produção.
Não consegui encontrar nenhuma câmera, mas não tinha tanto conhecimento no mundo da segurança quanto eu precisava ter. Até onde eu sabia, ele poderia tê-la escondido em uma caneta ou relógio. Talvez até mesmo em um dos ursos de pelúcia da Emma que estavam em uma estante me julgando. Eu imaginei ele me dando um sermão por mentir para minha família. Por algum motivo, o urso soava como o Ursinho Pooh.
9
Assim que todas as minhas tarefas foram completadas, eu parei o carro em frente à propriedade dos Paddingtons faltando cinco minutos para o meio-dia. O que uma pessoa tem que vestir quando você secretamente planeja questionar a amável família de uma mulher que havia sido assassinada, mas não é um detetive? Eu havia escolhido uma roupa mais tradicional, preferindo uma calça de veludo marrom, um blazer azul marinho clássico e uma camisa branca com o colarinho aberto. Se não fossem os Paddingtons, poderia ter preferido algo mais confortável como calças jeans e uma camiseta, mas eu não estava completamente ignorante sobre eu precisar impressionar um potencial assassino? Ou eu deveria ter-me vestido de maneira relaxada, então as pessoas me ignorariam? Esse meu novo trabalho secreto era mais complicado e desconcertante do que o necessário.
Bertha me levou para uma nova sala onde eu não havia estado antes. Nós viramos à esquerda no Grande Hall e passamos por uma grande biblioteca e uma sala de jogos, ambas decoradas com papel de parede dourado e malva. Ela me deixou no que eu pensei ser o escritório da Gwendolyn, já que havia uma grande mesa de conferências e uma mesa de escritório elaborada no canto.
– Os outros chegarão em breve. – ela disse, enquanto fechava a porta atrás de si.
A sala parecia abafada. Tudo havia sido limpo recentemente, já que não havia poeira alguma à vista. Não havia nenhum item pessoal que pudesse oferecer um pouco de calor ou conforto. A iluminação era mínima, e havia apenas uma pequena janela coberta por uma cortina pesada. Eu organizei meus pensamentos enquanto o grande relógio marcava a passagem dos minutos, me deixando mais nervoso com relação a minha abordagem. Revisei as anotações no meu celular para assegurar que eu tivesse todas as perguntas em uma lista. Eu estava lendo concentradamente quando a porta se abriu e me trouxe de volta à realidade.
Jennifer Paddington foi a primeira a entrar na sala. Sua postura levemente encurvada e entrada lenta pareciam estranhas e incomuns. A elegância e confiância normal que ela tinha haviam sido substituídas por algo mais obscuro. Depois de uma expressão confusa onde ela nervosamente arranhou a madeira de uma mesa, Jennifer disse:
– Kellan, eu não esperava te ver por aqui. O Tio Millard nos disse que precisávamos discutir os planos para o funeral da minha mãe. Desculpe-me pelo atraso, eu perdi alguma coisa?
Esperando não ser pego fora de guarda como ela, eu encolhi os ombros e pedi que ela tomasse um lugar na mesa. Eu também pensei que eu estaria entrevistando a família inteira na reunião, mas parecia que Millard tinha outros planos.
– Eu tenho certeza de que todos vão chegar daqui a pouco. Millard e Eustacia pediram que eu passasse por aqui, então eu poderia descobrir se alguém tem alguma ideia sobre o papel da família Paddington na supervisão da Casa de Espetáculos. – eu consegui inventar uma desculpa. Se ela pensasse que eu estava aqui para solicitar ideias enquanto eu assumia temporariamente o papel de patrono, isso poderia deixá-la relaxada.
– Oh, eu me esqueci sobre isso. Minha mãe era tão ativa com o teatro. Algumas vezes ela passava mais tempo com aquelas pessoas do que com sua própria família. – Jennifer comentou com os lábios levemente apertados, seguido por um sorriso falso. Eu sabia que era falso porque ela não conseguia olhar muito tempo para mim sem ficar vermelha ou tossir.
Eu considerei a resposta dela, com dúvidas se ela estava sendo irreverente ou se havia realmente sentido dessa maneira o relacionamento com sua mãe.
– Ela tinha uma paixão para apoiar as artes. Vocês eram próximas?
– Minha mãe não era uma pessoa da qual você pudesse ser próximo facilmente, Kellan. Ela nos amava, certamente, mas nós éramos muitas vezes deixados sozinhos enquanto ela e meu pai estavam ocupados cuidando das Empresas Paddington, viajando para Nova Iorque para assistirem shows, e entretendo pessoas mais importantes. – Jennifer olhou ao redor da sala como se estivesse se lembrando dos tempos passados onde suas necessidades haviam sido deixadas de lado pelas necessidades de seus próprios pais. – Eu nunca gostei dessa sala. É fria. Vazia. Você não concorda?
Eu suspirei.
– Não é um espaço convidativo para passar um tempo em família. Eu sinto muito que as coisas não tenham sido muito boas em casa. Eu admirava a abordagem direta de sua mãe, mas posso entender como pode ter sido difícil ser uma das filhas dela. – eu esperava que houvesse um lado diferente da Gwendolyn, mais privativo, mas parece que esse não era o caso.
– Não tenho nada de valor para acrescentar à Casa de Espetáculos. Não é algo que eu tenha me interessado. Meu sobrinho, Sam, e minha sobrinha, Dana, estavam muito mais envolvidos com minha mãe naquela área. Se isso é tudo, eu vou procurar o Tio Millard. Eu não tenho muito tempo hoje para...
A porta se abriu e Ophelia entrou.
– Qual é o propósito de nos chamar aqui hoje? Eu estou cuidando do funeral da mãe. Não há nada que alguém precise... – uma testa enrugada revelou os desgostos dela antes que as palavras deixassem seus lábios. – Quem é você?
Jennifer gemeu com a interrupção. Eu tentei me reapresentar, mas Ophelia se afastou de mim e se focou em sua irmã.
– Você sabe alguma coisa do testamento da mãe? Eu liguei para o Finnigan Masters, mas ele não retornou minha mensagem de voz. Isso é bem irresponsável por parte dele.
Eustacia entrou na sala se apoiando em sua bengala até que chegou à mesa.
– Sentem-se vocês duas. Finnigan não tem responsabilidade de discutir sobre o testamento com nenhuma de vocês. Eu tenho a procuração da Gwendolyn. Nós estamos organizando tudo essa semana, então poderemos determinar quando a leitura oficial vai ser realizada.
Jennifer se sentou à mesa. Ophelia abanou uma mão para sua tia de uma maneira desdenhosa.
– Eu não entendo porque ela deixou você no comando. Você nem mesmo é irmã dela. Jennifer disse:
– Comporte-se Ophelia. Você sabe que elas ficaram muito próximas depois que o pai faleceu.
– Meu nome é Kellan Ayrwick, Sra. Taft. – eu disse olhando na direção da Ophelia. – Nós nos encontramos no outro dia durante a apresentação de Rei Lear. Eu sou um amigo da sua família...
– Ah, sim, o cara no qual a mãe caiu em cima durante a segunda metade do show. O que você está fazendo aqui? – a voz dela tinha desprezo suficiente para rivalizar com qualquer narcisista que eu conheci no passado, talvez até Myriam.
– Kellan está aqui para discutir sobre a Casa de Espetáculos, mas também está aqui para me ajudar a descobrir quem de vocês levou a pobre Gwennie à morte. – Eustacia se sentou mais ereta na cadeira, não sendo afetada pela acusação contra alguém da família. Ela escolheu ir diretamente à matança ao invés de gradualmente introduzir a conversa.
– Um de nós? Você está louca, Tia Eustacia? A mãe morreu de um ataque do coração. – Ophelia respondeu com um tremor na voz. – De que diabos você está falando?
– Você não sabia que os policiais estavam fazendo uma busca na casa ontem? – Jennifer disse, sacudindo a cabeça para a irmã. – Talvez você não devesse ter ido para um dia de SPA no meio de tudo o que está explodindo ao nosso redor.
– Ninguém liga para o que você pensa, Jennifer. Você é quem deve falar. Se alguém tinha algo contra a nossa mãe, é você. Ela é quem...
– Por que você diria isso, Sra. Taft? – eu interrompi, esperando conseguir saber de algo importante. Esse não era exatamente o lugar para eu me inserir, mas havia claramente problemas na família Paddington.
– Jennifer só visitava a nossa mãe para pegar dinheiro dela. Ela se mantinha distante do resto de nós exceto quando precisava de algo, ou a mãe a forçava a participar de algum evento da família. – Ophelia reclamou enquanto se servia de uma taça de licor de um antigo carrinho de bar em um canto da sala.
Eustacia continuou em silêncio. Eu presumi que ela queria que eu testemunhasse o comportamento desagradável de suas sobrinhas. Certamente era um show exibido várias vezes, que me fazia lembrar da reunião da família Kardashian.
– Isso simplesmente não é verdade. Você tem tentado tirar dinheiro dela durante anos, desde que seu marido desapareceu. – Jennifer relembrou à sua irmã enquanto batia sua mão contra a mesa.
– Ele não desapareceu. Ele saiu da cidade para trabalhar para as Empresas Paddington. Além disso, eu tenho três filhos para cuidar. Você não tem mais ninguém! – Ophelia respondeu rapidamente.
Jennifer desviou o olhar sem responder. Seu rosto havia ficado vermelho de raiva antes que ela mudasse seu foco para um retrato da família atrás da mesa de escritório. Ele havia sido pintado pelo menos vinte anos atrás, quando Ophelia e Jennifer estavam no final dos vinte ou começo dos trinta anos. Eu vi o irmão delas no meio, o que me levou a fazer uma pergunta.
– E quanto ao Timothy? Eu o vi no show no final de semana passado. Ele estava sentado em outro lugar? Como ele está lidando com a morte de sua mãe?
Jennifer encolheu os ombros.
– Eu não ouvi nada dele.
– E nem eu. – Ophelia acrescentou. – Eu duvido que ele vá ao funeral.
Eustacia limpou a garganta.
– A última vez que eu o vi foi durante o intervalo. Ninguém falou com ele desde então? Com certeza ele deve saber o que aconteceu com a Gwennie.
A sala estava silenciosa quando Millard entrou.
– Que bom que vocês começaram sem mim. Eu estava conversando com o Brad no andar de cima sobre algumas coisas.
– Sr. Paddington, é bom te ver. Sua família estava dizendo que ninguém ouviu nada sobre o Timothy desde que Gwendolyn faleceu no domingo. Você conseguiu entrar em contato com ele? – eu perguntei, achando estranho que ninguém soubesse de nada. Eu também sabia o mínimo sobre o homem e precisaria fazer mais perguntas privativamente quando tivesse uma chance.
– Não, eu pensei que você tivesse, Eustacia. Eu deixei uma mensagem de voz para ele pedindo que estivesse aqui ao meio-dia. Ele não está por aqui? – Millard caminhou até Ophelia e lhe entregou um envelope. Eu não consegui ver o que estava escrito, mas parecia algo que viria de um banco.
– Ninguém ouviu nada sobre ele tem três dias? – Eustacia gritou exasperada. Enquanto ela se erguia da mesa, sua bengala caiu ao chão. Eu pulei para ajudá-la a recuperar o equilíbrio e andar sem que caísse. Olhei ao redor e percebi que ninguém mais parecia prestar atenção. Essa não era uma família com abundância de amor. O filho da Gwendolyn estava desaparecido. Ambas as filhas estavam brigando por causa de dinheiro. Millard estava agindo estranhamente, já que havia sido ele quem concordou em arranjar essa reunião, mas chegou atrasado e nem convidou a família inteira. O que ele entregou para Ophelia?
– Onde estão Dana, Sam e Lilly? – eu perguntei.
Millard ofereceu um olhar de desculpas.
– Eu deveria ter mencionado isso antes. Eu não os convidei para hoje. Pensei que seria melhor que você conhecesse primeiro os filhos da Gwendolyn, então nós podemos prosseguir para os outros.
Eu teria preferido saber disso com antecedência, mas adverti-lo agora não iria me ajudar. Eu estava certo de que ninguém dava uma reprimenda em um Paddington. Ophelia anunciou que tinha que ir embora. Millard a seguiu com a intenção de discutir algo antes que ela fosse embora. Jennifer se levantou, e agradeceu por eu ter passado por lá, então saiu também. Eustacia e eu olhamos um para o outro e rimos.
– Como você lida com eles? Eu não quero dizer isso ofensivamente, mas sua família é mais perturbadora e amarga do que a minha. – eu disse com sentimento.
– Sempre foi assim, Kellan. Meu irmão era quem mantinha todo mundo na linha. Quando Charles faleceu no ano passado, Gwennie perdeu o interesse em controlar seus filhos. O marido da Ophelia está constantemente indo e vindo, eu nunca sei o que está acontecendo entre eles.
– Eles ainda estão casados?
Eustacia assentiu.
– Ophelia diz que Richard a deixou sem nenhum tostão, então ela tinha que pedir constantemente para sua mãe cobrir as despesas. Apesar de que, já que ela mora aqui e todas as contas são pagas pelo orçamento da casa, não tenho certeza do quanto ela precisa para sobreviver.
– Jennifer pareceu abalada quando Ophelia dispensou as necessidades dela porque ela não tem nenhum filho para cuidar.
– Jennifer teve uma vida difícil. Ela ficou noiva duas vezes e ambos os homens terminaram o noivado. O primeiro praticamente a deixou no altar, pobrezinha. E da última vez, bem, aquilo não foi justo com ela. – Eustacia disse melancolicamente enquanto fechava os olhos. – Minha querida sobrinha teve dois abortos enquanto eles estavam noivos, e o maldito a deixou porque pensou que ela nunca poderia lhe dar filhos.
– Isso é terrível. – eu disse pensando sobre minha irmã. Apesar de Eleanor nunca ter ficado grávida, a vontade de ter seu próprio filho era uma força na vida dela nos últimos anos. – Jennifer ainda espera ter uma criança?
– Não é para mim que você deve perguntar. Nós éramos próximas, anos atrás, mas depois do fim do último noivado, ela se mudou de casa e se mantém sozinha. – Eustacia comentou enquanto seguia em direção à porta. – Você conseguiu ficar sabendo de alguma coisa importante hoje?
Eu sacudi a cabeça.
– Talvez um pouco. Acho que nós precisamos encontrar o Timothy. Acho preocupante que ele tenha tido uma discussão pública com sua mãe momentos antes que ela morresse. Ele pode ter tido acesso e colocado a cocaína nos comprimidos dela antes que Brad os trouxesse para o teatro.
– Assim como Ophelia e Jennifer, bem como qualquer um de seus netos ou outra pessoa que tivesse acesso ao armário de medicamentos dela. – Eustacia explicou olhando de volta para o retrato acima da mesa com um foco preocupante. – Nós precisamos descobrir o que estava escrito no testamento. Ou alguém matou a Gwennie por causa da herança, ou eles estavan bravos com ela por algum motivo. Eu não consigo pensar em outra razão, e você?
Eu disse a ela que também não conseguia. Quando Eustacia foi embora, Bertha entrou para me acompanhar até a porta da frente. Enquanto nós seguiamos pelo corredor, eu perguntei:
– Você percebeu alguma coisa de diferente no comportamento da Gwendolyn durante as últimas semanas? – eu sabia que a Nana D iria conversar com os funcionários, mas já que eu estava por ali, eu aproveitei a oportunidade.
– A Sra. Paddington estava mais preocupada do que o normal. Ela raramente me dizia qualquer coisa sobre eles, na maior parte reclamava em geral sobre a falta de consideração deles com ela. Mas ela disse algo uma tarde. – Bertha comentou quando nós chegamos à porta. Quando eu perguntei o que ela havia dito, o rosto da Bertha empalideceu. – Aquela garota precisa aprender uma lição.
– Sobre quem Gwendolyn disse isso? – eu perguntei, não entendendo o comentário.
– Eu acho que era sobre a Jennifer. Gwendolyn havia acabado de desligar o telefone quando eu anunciei o almoço. A Sra. Paddington ficava repitindo essa linha, então me disse para ligar para o advogado dela. – Bertha explicou antes de se despedir de mim.
Enquanto descia os degraus da frente, eu aceitei uma ligação no meu celular e disse:
– Como foi a inspeção?
– Eu não passei. Ele disse que a instalação elétrica não estava de acordo com o código e que eu não posso abrir na semana que vem. Preciso de ajuda, Kellan.
Essas não eram boas notícias.
– Ele te deu uma cópia escrita do que precisa ser corrigido?
– Sim, e é muito mais do que eu posso pagar baseado no que o inspetor sugeriu que deve ser feito. Aparentemente, assim que comecei a reforma ao abrir as paredes e instalar novos equipamentos, fui responsável por trazer a cozinha para o código de instalação elétrica atual. Eu não consigo fazer isso sem dinheiro e sem tempo. – Eleanor parecia enfurecida. Eu não podia culpá-la. Também ficaria desesperado e preocupado se eu tivesse colocado todo o meu dinheiro em um novo negócio que não estava começando em uma boa posição.
– O que o construtor disse?
– Ele já foi embora. Ele guardou todas suas coisas ontem quando o trabalho terminou e me disse para ligar para ele se eu precisasse de qualquer coisa. Quando eu tentei ligar agora, o telefone dele não está mais funcionando.
Eu perguntei sobre como ela havia encontrado aquele construtor, mas Eleanor murmurou algo sobre os donos anteriores o terem recomendado. Por causa do curto período de tempo, ela não se incomodou com referências adicionais e confiou tolamente no julgamento deles. Eleanor me deu o nome do construtor, e eu disse que iria descobrir o que eu poderia fazer.
No caminho até Braxton para visitar minha mãe, pensei sobre as pessoas que poderiam ajudar Eleanor. Eu liguei para a Casa de Espetáculos para ver se Arthur Terry estava disponível. Como ele era a pessoa responsável por dirigir a produção de Rei Lear, ele provavelmente tinha algum carpinteiro ou eletricista disponível que poderia tirar uma hora para fazer um orçamento ou dar opções para Eleanor. Ele não atendeu ao telefone, mas Yuri, a garota que trabalha com o design dos cenários, prometeu entregar minha mensagem urgente assim que Arthur retornasse. Meu dia estava ficando ocupado demais para o que deveriam ser as férias de primavera.
Eu estacionei o SUV no estacionamento do Campus Norte e caminhei rapidamente até o prédio das admissões para visitar minha mãe. A assistente dela mencionou que minha mãe estava quase terminando de conversar com uma família que iria fazer um tour pelo campus. Eu esperei no lobby, do lado de fora da porta dela, admirando a placa com seu nome, Violet Ayrwick, Diretora de Admissões. Quando ela terminou, minha mãe me recebeu em seu escritório, então fechou a porta.
– Tem algo que você esteja escondendo de mim e do seu pai, Kellan?
Eu acho que isso significava que meu pai havia contado para minha mãe sobre a carta.
– Não mesmo, por que você pergunta?
– Oh, só estava pensando... seu pai mencionou ter encontrado algo. Você tem andando muito com os Paddingtons ultimamente. Nana D disse que você está cuidando da campanha dela. Você acha que isso é uma coisa sábia a se fazer? Ela já tem quase setenta e cinco anos, querido. A Nana D precisa descansar. – minha mãe me reprovou.
– Nana D é muito mais ativa do que você lhe dá o crédito, mãe.
– Não é sobre isso que eu estou preocupada. Eu tenho certeza de que ela pode lidar com isso, mas você acha que o Condado de Wharton vai apoia-la? Ela não tem qualificação para ser prefeita. Marcus Stanton vai destruir a reputação dela. – minha mãe tomou um grande gole de água, então suspirou pesadamente. – Eu queria que meu irmão estivesse em casa para ajudar a tirar essa ideia dela. Ele tem estado bem quieto desde que foi para aquele safári na África.
– Eu entendo, mas quando é que você viu a Nana D desistir de um desafio? Ela está determinada a consertar Braxton enquanto ainda tem energia e tempo suficientes. – eu já havia tentando convencer a Nana D a não pegar o emprego, encorajando-a a se tornar uma vereadora quando Marcus desocupasse seu papel para concorrer à prefeitura. Ela não quis me ouvir e disse que tinha que dar umas palmadas nele. Esse era o método frequente dela para ensinar lições às pessoas (ela vem de uma era diferente).
– Apenas fique de olho nela, por favor. Ela te escuta. – minha mãe implorou. Nós rimos por um minuto, sabendo que a Nana D só escutava a si mesma.
Minha mãe fez café enquanto conversávamos. Eu perguntei o que ela sabia sobre a família Paddington. Eu me lembrava dela dizendo que tinha frequentado a escola com a Ophelia, quase trinta anos atrás.
– Ophelia é cruel e maldosa, uma combinação ruim. Muitas pessoas dizem que ela é exatamente como a mãe, mas existe uma diferença sutil. Onde Gwendolyn era obstinada e teimosa, Ophelia brande muito mais um traço mesquinho. Aquela mulher gosta de se vingar de qualquer um que a magoe.
– Parece que você fala isso baseada na sua própria experiência, mãe. – eu imaginei uma batalha épica entre minha mãe e Ophelia, sem saber quem venceria. Por mais que minha mãe fosse doce e gentil, ela tinha um lado competitivo e podia ser furtiva.
Minha mãe pareceu ponderar sobre o passado antes de responder.
– Não muito. Nós nunca fomos amigas ou inimigas. Não andávamos com as mesmas pessoas. Eu tinha que ajudar a cuidar das coisas no Rancho Danby depois da escola. Ophelia ia para uma variedade de clubes sociais e tinha uma babá que cuidava dela.
– Você conhece o marido dela? – eu percebi que ainda precisava encontrá-lo.
– Richard Taft costumava ser amigável com seu pai, e ocasionalmente nós o víamos em eventos de caridade ou esportivos no campus. Ele conseguiu um emprego fora da cidade há mais de um ano atrás no Natal. Ouvi que ele e a Ophelia estavam considerando se separarem, o que faz sentido já que eu não o vi mais por aqui.
– O pai também não sabe dele?
– Não, ele tentou algumas vezes, mas depois de alguns meses, seu pai presumiu que Richard não queria mais conversar. Houveram algumas discussões públicas entre ele e Ophelia.
– Você acha que Ophelia seria capaz de matar a mãe dela? Até onde entendi, ela tinha pouco dinheiro e recentemente estava pressionando a Gwendolyn para lhe emprestar mais. – eu não gostei da forma como aquela mulher havia tratado a mim ou a família dela mais cedo, mas havia uma linha tênue entre ser uma ameaça e matar alguém. Eu não tinha informação suficiente para arriscar um palpite se ela era perigosa ou apenas cruel.
– Oh, Deus. Eu não a conheço tão bem agora. Acho que sob as circunstâncias corretas ela poderia ser bem vingativa. Mas certamente ninguém iria matar sua própria mãe por causa de dinheiro, Kellan. – minha mãe olhou para mim com julgamento e preocupação.
– Não se preocupe, mãe. Eu não estou pensando em lhe mandar para o túmulo mais cedo. – eu brinquei, então olhei na outra direção enquanto batia meus dedos juntos de uma maneira diabólica. – Além disso, como eu iria lidar com a Nana D se você não estivesse aqui para me ajudar?
Minha mãe riu e me avisou para tomar cuidado.
– Eu não confio naquela família. Eu nunca tive nenhum problema com eles, mas tem algo de errado. Todos parecem gostar de magoar um ao outro, inclusive os mais velhos.
Minha mãe me contou que quando os pais deles faleceram, Charles, Millard e Eustacia tiveram uma grande briga sobre a distribuição dos ativos. Naquele tempo, e de acordo como as coisas eram na família Paddington, o filho homem mais velho era o herdeiro do patrimônio. Por algum motivo, Millard foi deixado de lado e tudo foi dado para o Charles. Eustacia havia feito um escândalo tão grande, que os irmãos dela pararam de falar com ela por um ano. Minha mãe não tinha ideia sobre o motivo da briga.
– O que aconteceu quando Charles morreu? – eu perguntei.
– O filho dele, Timothy, estava cuidando da companhia durante a última década depois que Charles se aposentou, mas logo antes de Charles morrer, ele convenceu o Conselho de Curadores a colocar seu filho de licença temporária. Timothy tinha um problema com abuso de substâncias, e estava tomando más decisões nos negócios. Eu acredito que Gwendolyn manteve a casa por que ela ainda estava viva, mas eu não tenho certeza dos outros detalhes ou do atual estado dos negócios da família. – minha mãe comentou antes de me dizer que tinha que se preparar para uma reunião.
10
Depois que eu saí do prédio das admissões, o atual estado das Empresas Paddington se tornou o meu foco. Será que Timothy ainda estava cuidando da organização, ou ele nunca voltou depois da licença forçada que teve que tirar? Eu precisava completar essas peças que faltavam, mas antes que pudesse fazer isso, era hora de ajudar a Nana D a se preparar para seu primeiro debate com Marcus Stanton. Eu mandei para ela uma mensagem de texto indicando que eu iria para o jantar depois de terminar algumas tarefas durante a tarde.
Nana D: Eu quero tacos. Sinto que preciso de uma noite mexicana hoje.
Eu: Nós vamos cozinhar, ou é para eu levar?
Nana D: Será que você não consegue tomar uma decisão sozinho, meu neto brilhante?
Eu: Se eu levar comida pronta, você vai me dizer que está cheia de química. Se comprar todos os ingredientes, vai me dizer que não temos tempo para cozinhar porque devemos praticar para o seu debate.
Nana D: Você está me dizendo que eu nunca deixo você ganhar? Margaritas, também.
Eu: Acho que ficar sóbria seria o melhor para amanhã.
Nana D: Eu não estava pedindo sua opinião. Não seja mão-de-vaca. Traga uma boa bebida. Bye.
Eu decidi comprar tortillas, tacos e burritos no nosso restaurante mexicano favorito, mas também comprei todos os ingredientes para fazer nossa própria guacamole. Eu tinha uma receita secreta com cebolas, cominho e bacon que não podia ser superada. E quanto aos drinks, eu sabia que não tinha como eu impedi-la, então por que tentar? Eu faria a margarita o mais fraco possível, ou derrubaria metade do drink dela quando não estivesse olhando.
* * *
Acordei na quinta-feira de manhã com uma ressaca tão forte que minha cabeça tinha colocado uma placa de fora de serviço. Minhas pálpebras piscaram várias vezes tentando ler o relógio na parede mais distante. Onde eu estava? No sofá da Nana D. Foi então que ouvi alguém falar e tentei entender a conversa.
– Ele não parece tão bem, Nana D. – Emma comentou e cutucou minha bochecha.
– Isso é o que acontece quando você tenta enganar a Nana D, minha querida. Nunca se esqueça dessa lição. – Nana D provocou.
– Ele vai vomitar novamente? Aquilo foi nojento. – Emma estremeceu.
– É a única maneira de ensinar ao seu papai quem sabe mais. Ele gosta de aprender as coisas da maneira mais difícil. Sempre foi assim, mesmo na sua idade. Um menino tão teimoso. – Nana D disse com um suspiro.
– Eu posso ouvir vocês duas. – meu pé esquerdo caiu ao chão com uma pancada. – Por favor, me explique o que aconteceu na noite passada?
Emma me disse que nós estávamos nos divertindo comendo o jantar, mas ela não entendia porque eu ficava trocando o copo da Nana D por um diferente. Quando ela perguntou à Nana D sobre isso, minha avó disse a Emma que as regras precisavam mudar. Era hora de trocar o copo do papai dela por um diferente, que a Nana D havia servido. Parecia que no fim da noite, minha avó havia bebido duas margaritas e eu bebi oito. Agora eu sabia porque eu tinha uma ressaca daquele lugar que eu disse à Emma para nunca falar.
Emma foi para a cozinha pegar um copo de água.
– Eu sou a única pessoa no mundo que a avó tenta de proprósito deixar bêbado. Isso dificilmente parece justo, e nem é algo que você deveria estar ensinando para a Emma, Nana D. – eu disse, sentindo uma secura na boca de um jeito que fazia anos que não acontecia.
– Ah, por favor! Tudo o que a Emma sabe é que você bebeu tanto que quase molhou o sofá. Eu expliquei que ela nunca deve beber tanto líquido antes de dormir, então honestamente, foi uma coisa útil para ela aprender, Kellan. Espero que você também tenha aprendido algo da noite passada. – Nana D me entregou duas aspirinas e um pano molhado, seguido por um copo de algo que cheirava como tomates podres e parecia o molho que nós comemos na noite passada.
– O que é isso? – eu perguntei, sentindo o conteúdo do meu estômago subindo por causa do cheiro do copo.
– A cura pra sua ressaca. Eu não poderia te deixar passando mal o dia inteiro. Preciso do seu apoio no debate. – Nana D sorriu para mim como uma avó gentil e inocente que apenas queria o melhor para o neto.
– Você é uma mulher perversa. Eu entendi. Não mexa com a Nana D. Isso não vai acontecer novamente. – eu disse antes de tomar um grande gole daquela mistura dela.
– Excelente. Então nós vamos começar o dia bem hoje. Ah, também o Timothy ainda não apareceu. Eustacia me ligou uma hora atrás para me dizer que ninguém teve nenhuma notícia dele em quatro dias.
– Vou ver o que consigo descobrir depois do debate. – eu disse, aceitando o copo de água que Emma segurava. Eu alternei entre a água e a cura para ressaca da Nana D até que ambos os copos estavam vazios. Dentro de dez minutos, eu me sentia como uma nova pessoa. – Você faz milagres.
Quando eu desci as escadas vestido e pronto para sair trinta minutos depois, perguntei para a Nana D:
– Alguém conseguiu descobrir alguma coisa sobre os dois testamentos?
Nana D sacudiu a cabeça.
– Eustacia vai pedir para Bertha olhar pela casa inteira para ver se ela consegue descobrir algo. Eu infelizmente não consegui saber de nada novo conversando com ela.
Depois de deixar a Emma na escola, nós dirigimos até o debate. Quando chegamos na estrada principal, meu telefone tocou. Assim que nós vimos quem era, Nana D colocou no viva-voz, então nós dois escutaríamos. Arthur havia ligado para oferecer o uso do seu construtor e de um eletricista que poderia passar pela Lanchonete Pick-Me-Up na folga dele para fazer um orçamento dos reparos para a Eleanor. Quando eu disse a ele o nome do antigo construtor da Eleanor, ele riu loucamente.
– Aquele homem é um trapaceiro. Eu olhei o perfil dele em alguns websites quando ele se candidatou a uma vaga na Casa de Espetáculos. Rouba de todo mundo, então não termina o trabalho. Eleanor deveria se considerar sortuda pelo que ele fez antes de desaparecer! – Arthur sugeriu que nós nos encontrássemos para um café na sexta-feira, para conversarmos. Nós confirmamos os planos, então desligamos.
Enquanto entrávamos no estacionamento do Centro Cívico do Condado de Wharton, Nana D disse:
– Eu vou reprimir esses empreiteiros relaxados e mandá-los para fora do meu condado. Por falar nisso, será que o Arthur é um bom par para a Eleanor? Ela poderia ir a um encontro algum dia desses. Entre você e ela, parece que uma geração inteira desistiu do amor.
Eu revirei meus olhos pela enésima vez para minha avó. Quando eu percebi como o foco dela no relacionamento de Eleanor poderia ser uma benção, eu cedi.
– Essa é uma possibilidade. Talvez você devesse ajudá-la com um novo romance?
– Isso parece um acordo. Mas não pense que isso te tira da linha. Você ainda é o meu foco primário agora. Eu encontrei uma garota charmosa que trabalha na prisão. Bem animada. Forte como um touro, também. Acho que ela é uma guarda de segurança. – Nana D mencionou casualmente enquanto abria a porta do carro e corria para dentro do prédio antes que eu tivesse a chance de responder. Ela estava falando sério?
Enquanto Nana D e Marcus se preparavam com a mediadora, Lara Bouvier, no palco para o debate, eu fiz uma lista das coisas para perguntar assim que nós terminássemos. Eu precisava descobrir o que a xerife sabia, não que ela fosse me contar facilmente. O debate começou com a Lara se apresentando para a sala. A estação de notícias local, WCLN, havia planejado cobrir os três debates, o que significava que o condado inteiro poderia assistir, apesar da participação para esse primeiro, ser limitada a apenas cem cidadões, indo de membros do centro cívico até grupos de mercadores locais. Lara, uma mulher de quarenta anos e divorciada, era a correspondente política da rede de notícias do Condado de Wharton que cobria a política nacional e regional na área. Ela havia sido casada com um dos filhos do Juiz Grey, mas não havia durado muito. Os rumores diziam (via clube dos Septuagenários) que Lara estava tendo um caso com o irmão mais novo de Marcus Stanton, Niles, dono da imobiliária do Condado de Wharton.
Marcus recebeu a primeira pergunta e deslumbrou a sala, indicando seu histórico de reduzir, sozinho, a porcentagem de crimes a cada ano nos últimos sete anos. Quando Nana D teve a oportunidade de contrariar, ela foi à jugular.
– É mesmo? Eu posso não ter acesso a todos os gráficos e detalhes que você tem, Stanton, mas três semanas atrás houveram dois assassinatos em Braxton. Onde você esteve quando eles aconteceram? – Nana D estava indo por um caminho perigoso, já que ambos tinham motivos para manter os detalhes desses incidentes longe do público (Nana D e Marcus Stanton haviam interagido com a assassina e nunca perceberam o que estava acontecendo por trás de suas costas).
Depois de algumas réplicas, Lara os levou à próxima pergunta. Ela perguntou à Nana D:
– Quais são as suas três iniciativas principais? – já que nós havíamos nos preparado para isso, Nana D iria muito bem nessa pergunta.
– Primeiro, nós vamos livrar nossa cidade dessa burocracia, políticos agressivos e falsas promessas. Eu não sou a pessoa para apontar os erros do atual governo, mas claramente essas travessuras tem que parar. O Condado de Wharton precisa de um prefeito que esteja comprometido a se manter verdadeiro à história desta terra. Nós temos que focar na reconstrução do centro da nossa cidade, e isso inclui a margem do Rio Finnulia e do Lago Crilly.
A audiência aplaudiu quando Nana D disse a eles que pretendia assegurar que o condado trouxesse, pelo menos, três novas grandes oportunidades de negócios para criar empregos. Ela então prometeu recriar a atmosfera familiar no Parque Wellington, quando havia tardes que podiam ser apreciadas comendo deliciosas iguarias, jogando jogos à moda antiga com a família e relaxando na beleza do ar livre.
No fim do debate, Marcus Stanton conseguiu uma pequena vitória quando apontou a falta de experiência e a idade da Nana D. Isso era irônico, já que ele estava no começo dos sessenta anos e era elegível para se mudar para o Willow Trees. Ele sugeriu formar um conselho da população mais velha para ajudá-lo em como tornar o Condado de Wharton um lugar melhor. Até mesmo propôs que Nana D desistisse da campanha à prefeitura e que fosse o seu braço direito nesse conselho. Quanto o debate acabou, Lara não declarou nenhum deles vencedor, mas nos assegurou que viu execelente propostas em ambos os lados naquele dia. Enquanto Marcus descia do palco, ele ignorou a Nana D e entrou em sua limusine privativa. Eu rapidamente apontei essa atitude vergonhosa para o câmera, que ficou grato de capturar aquilo em vídeo.
– Eu acho que me saí bem. – Nana D exclamou quando me encontrou trinta minutos depois.
– Você jogou algumas bolas curvas, Nana D. Estou orgulhoso de você. – eu disse abraçando-a, enquanto as câmeras tiravam nossas fotos. Isso seria uma coisa boa para a campanha. Ou talvez para colocar em um porta-retrato com moldura de prata para o aniversário de setenta e cinco anos dela.
Quando eu voltei para a casa da Nana D, percebi que tinha recebido uma mensagem de voz do produtor executivo na emissora de Los Angeles. Depois de terem despedido meu chefe algumas semanas antes, eles me disseram que planejavam levar o show para uma direção diferente, mas não tinham certeza de onde eu me encaixaria. Eles haviam recentemente terminado suas discussões iniciais com alguns investidores e os chefes da emissora decidiram colocar o Realidade Sombria, nossa série de televisão, em hiato durante um ano. Durante esse tempo, eu estava livre para trabalhar para outro show de televisão, mas em um ano, quando eles estiverem prontos para começar a produção da próxima temporada, eles entrarão em contato comigo para discutir potenciais papeis. De um jeito, isso era bom. Isso significava que eu poderia tentar convencê-los a levar o show numa direção onde eu poderia focar em crimes verdadeiros ao invés dos crimes-falsos-feitos-para-televisão que meu antigo chefe havia insistido em ter.
Também era ruim porque isso significava que eu não tinha motivos para voltar para Los Angeles no próximo ano. Eu havia me comprometido a ficar e ensinar em Braxton pelo ano seguinte também. Acho que isso significava que minha vida profissional estava organizada por um curto período, mas ainda tinha uma necessidade de dar um jeito na situação com a Francesca. Se eu voltasse para Los Angeles como ela queria, eu não teria emprego. Como eu poderia manter minha casa e criar Emma? Os Castiglianos certamente pagariam as contas e ficariam completamente animados se eu me mudasse com eles. Isso significaria que eles poderiam ver a Emma todos os dias, e Francesca estaria perto de nós. Mas, ficar escondido com meus sogros e me esgueirar para ver minha esposa, não era a vida que eu queria. Eu precisava de tempo para digerir totalmente as notícias sobre o meu contrato com o Realidade Sombria.
Nós voltamos para a casa da Nana D e tivemos um almoço mais tardio. Quando terminamos, ela ligou para o Dr. Betscha para descobrir mais sobre a morte da Gwendolyn. Eu não tinha certeza exatamente de como ele e a Nana D eram relacionados, mas ambos descendiam dos irmãos Betscha que haviam sido membros fundadores de Braxton e do Condado de Wharton há mais de duzentos anos atrás. Eles seriam primos de terceiro grau na árvore genealógica, depois que se removesse os galhos que foram pulados e as folhas sopradas pelo vento. Quem poderia saber? Eu apenas o chamava de primo.
– Você pode ser da minha família, Seraphina, mas eu não posso te dar muitos detalhes. Isso está amarrado com uma investigação policial, e você não é a parente mais próxima da vítima. – o Dr. Betscha disse.
– Bem, Eustacia é a parente mais próxima, e ela me informou ter lhe dado permissão para nos contar. – Nana D exigiu de seu primo. – Eu estou apenas tentando descobrir o que aconteceu com a minha pobre amiga. Algo não está fazendo sentido, e eu estou disposta a apostar que você sabe o porquê, Alex.
– Eu entreguei um relatório final para a Xerife Montague hoje de manhã. Vou lhe contar algumas coisas, mas, por favor, não deixe a xerife saber disso. – ele respondeu.
– Você é um homem de verdade. A mãe sempre me disse que o seu pai era bom pra ela. Eu posso ver que isso é de família. Quando nós terminarmos essa conversa, você precisa passar aqui para um jantar, Alex. Eu ainda não consigo acreditar que você ainda não foi fisgado. Quarenta anos e não foi casado. O que este mundo está virando? – Nana D provocou.
– Eu sou um solteiro convicto, Seraphina. Saio para alguns encontros de tempos em tempos, mas não encontrei a mulher certa. Isso pode acontecer algum dia. Até lá, vamos deixar isso quieto, está bem?
Nana D concordou. Eu não disse uma palavra, me sentindo grato por não ser a atenção dela dessa vez. Apesar de eu me perguntar se eu deveria tentar arranjar ele com a Jennifer Paddington que estava tentando ter um bebê. Ele poderia ser o melhor candidato.
– O que você pode nos contar, Dr. Betscha? – eu perguntei.
– Nos dê os detalhes. Como isso funciona? – Nana D disse, incapaz de deixar ele falar.
– Vá com calma, Seraphina. Gwendolyn estava doente, provavelmente mais doente do que ela sabia. Ela não tinha vindo me ver em quase três meses. Muito mudou durante esse tempo, e ela não era uma mulher que estava bem. O coração dela havia começado a se deteriorar, e estava desenvolvendo coágulos. Nós poderíamos ter controlado vários dos sintomas, mas pelo que eu vi na corrente sanguínea dela, algumas infecções recentes, e o impacto no coração dela, a pobre mulher iria precisar de medicamentos avançados muito em breve. A medicação que ela tomava durante anos deveria ter mantido o sistema dela trabalhando um pouco melhor, mas...
– Você está dizendo que ela iria morrer de alguma outra coisa? – eu perguntei, sentindo uma pontada em meu peito. Será que Gwendolyn sabia o quão doente ela estava?
– Eu temo que sim. – o Dr. Betscha comentou em um tom simpático. – Mas tenho uma coisa chave para apontar. Os testes no sangue não indicaram um bom nível dos medicamentos que ela deveria estar tomando. Eu conferi duas vezes, e se ela estava seguindo o plano de medicamentos prescritos, eu teria visto isso nos resultados. Baseado no que eu vi, ou Gwendolyn parou de tomar seus remédios, ou alguém trocou vários comprimidos dela por placebos. Eu disse à xerife que suspeito que ela estava tomando comprimidos de açúcar baseado no que encontrei no sangue dela.
Eu arquejei. O choque da perversidade intencional de alguém me enervava.
– Tem alguma coisa que você possa nos contar sobre os placebos? Ou se o enfermeiro dela, Brad, deveria ter reconhecido os sintomas?
– Talvez Brad pudesse ter percebido alguma coisa baseado nos sintomas que você mencionou. Não é incomum para alguém na casa dos setenta anos passar pelos mesmos sinais por causa da idade avançada e uma doença existente.
– Você está dizendo que ele poderia ter pensado que era preciso apenas mudar a dose dos medicamentos dela? Pelo menos até que ela viesse até você, e você fizesse os exames e visse que não havia medicamentos no sangue dela. – eu comentei.
– Correto. A cocaína definitivamente a matou, mas a falta de qualquer medicação real teria levado isso a acontecer bem mais cedo.
Quando nós terminamos com o Dr. Betscha, Nana D e eu concordamos que era hora de ter uma conversa detalhada com o enfermeiro da Gwendolyn, Brad. Ele seria capaz de jogar uma luz sobre como cuidava dos remédios dela. Ele também poderia ser a pessoa que ajudou o assassino em seu plano para matar Gwendolyn. Alguma coisa deve ter mudado nas últimas vinte e quatro horas para fazer com que o assassino acelerasse seu plano, então Gwendolyn estaria fora de cena bem mais cedo.
* * *
– Você é meu salvador, mano. – Eleanor gritou alegremente ao telefone na manhã seguinte. – Eu liguei para o eletricista que Arthur sugeriu, e ele vai começar a trabalhar hoje. Ele acha que consegue converter tudo até domingo. Eu ainda posso ser capaz de abrir na semana que vem.
Eu afastei o celular da orelha e olhei as horas. Por que minha irmã sentia a necessidade de me ligar às seis da manhã para compartilhar as boas notícias?
– Isso é ótimo. Será que você nunca dorme? Essa não é uma hora civilizada para ligar para as pessoas, sabia. – antes que ela pudesse responder, meu celular recebeu outra chamada. Dessa vez era a Nana D. – É sério? Eu preciso aprender a desligar meu celular durante a noite. Posso te ligar mais tarde, Eleanor?
Eu voltei para a outra linha.
– É melhor isso ser importante. Eu te amo muito, Nana D, mas eu estava sonhando com uma praia quente e ensolarada cheia de palmeiras e ondas calmantes.
– Tire essa bunda para fora da cama. O sol já está alto, e você tem um enfermeiro para interrogar. Honestamente, Kellan, eu não sei que tipo de lições você está ensinando para Emma, ao ficar na cama até tão tarde quando existem maiores prioridades que precisam da sua atenção. – a voz da Nana D era como uma buzina no volume máximo dentro de uma pequena sala. – Emma ainda está dormindo. Ela acorda às sete horas para o café-da-manhã, então eu a deixo na escola. Nós temos uma rotina. Eu pensei que nós iríamos nos encontrar na propriedade dos Paddingtons às dez horas hoje para conversar com o Brad? – assim que nós conversamos com o Dr. Betscha na noite anterior, ela havia cozinhado para mim o jantar como um pedido de desculpas por ter me deixado bêbado com as margaritas. Depois disso, voltei cedo para casa, ajudei Emma a fazer a lição de casa, e fui dormir sentindo como se estivesse ficando com um resfriado ou como se tivesse feito exercícios demais na academia. Eu saí da cama, coloquei meu roupão, e olhei o quarto da Emma para confirmar que ela ainda dormia. – O que mudou?
Nana D continuou:
– Isso são notícias de ontem, querido. Finnigan Masters está indo revisar o testamento com a Eustacia às oito e meia da manhã. Encontre-me por lá, então nós poderemos descobrir quem mais tinha um motivo.
– Eu vou fazer o meu melhor, mas não posso prometer que vou estar lá... – eu ouvi o telefone fazer o som ao ser desligado. Minha avó aparentemente não se importava com meus próprios planos para esta manhã. Eu me arrastei pelo corredor até o banheiro, e liguei o chuveiro na água fria. Dentro de segundos, meu corpo começou a sair do estado de hibernação enquanto eu pegava o shampoo. Enquanto me preparava para o dia, não consegui me decidir se Brad não era um enfermeiro eficiente ou se ele tinha algum envolvimento com o plano para matá-la. Havia uma pequena chance de que ele fosse inocente e que tivesse tudo documentado para revisar com o Dr. Betscha, mas a situação inteira parecia suspeita demais.
11
Depois de deixar Emma na escola, eu cheguei à mansão dos Paddingtons logo após as oito e meia. Bertha me cumprimentou e me levou ao Grande Hall, onde a Nana D, Millard, Eustacia e Finnigan estavam tomando café.
– Então você resolveu aparecer. – Nana D provocou. – Nós já conversamos sobre pontualidade antes, meu neto brilhante.
– É uma vergonha o que está acontecendo com essa geração. Eles não apreciam ter que acordar cedo para ter um dia de trabalho duro. – Eustacia continuou. – Essa juventude vai ser a responsável pelo declínio da nossa sociedade.
Eu queria me defender, mas o orgulho ao ser chamado de jovem apesar de eu já ter mais de trinta venceu. Ao invés disso, me voltei para o Finnigan.
– Desculpe por não termos nos encontrado no outro dia. Fico feliz em saber como o seu escritório está indo bem.
Finnigan era dois anos mais velho que eu. Seu cabelo castanho claro estava começando a ficar grisalho nas têmporas, mas ele ainda tinha uma aparência jovial. A família dele era da Inglaterra e tinham se mudado para o Condado de Wharton quando nós éramos crianças. De vez em quando o sotaque dele transparecia, mas na maior parte ele já estava americanizado. Alto e magro, ele e seu irmão, Liam, eram bem mais altos que eu, ainda assim, eles sempre pareciam tentar encolher sua aparência para se misturar com a multidão. Ele estava vestido com um terno azul de listras e uma gravata colorida que me fazia lembrar de uma pintura de Monet, que eu havia visto em um dos corredores da mansão Paddington.
– Obrigado, Kellan. Estou animado que você voltou para Braxton. Liam espera conseguir alguns dias de folga para visitar a cidade entre seus jogos de hockey. – ele me mostrou uma foto dele e de Liam em um jogo recente. Fiquei feliz ao saber como eles continuaram próximos ao longo dos anos. Eu queria que eu tivesse tido essa chance com meus próprios irmãos, mas não tinha dado certo no passado.
– Podemos começar? – Millard disse, com um pouco de nervosismo em sua voz. Ele tomou um gole de seu café enquanto podava uma das árvores de limão por perto. Cada vez que encostava em um dos galhos, um aroma cítrico chegava até nós.
Finnigan limpou a garganta.
– Eu vou deixar isso o mais fácil possível. Quando Charles e Gwendolyn Paddington foram ver meu pai, eu havia recentemente me formado em direito e estava estagiando no escritório da família. Meu pai cuidava dos assuntos dos Paddingtons, mas ele os passou para mim pouco antes de Charles falecer. Eu me encontrei com a Gwendolyn quando Charles foi diagnosticado com câncer no pâncreas, e mais uma vez após ele falecer. Tentei ser o mais cuidadoso e gentil possível com ela durante aqueles tempos difíceis para ajudá-la a preparar um novo testamento.
Millard assentiu.
– Seu pai é um excelente advogado. Ele e Lindsey trabalharam em vários casos juntos no passado. Mente esperta. Ele conhecia as leis americanas melhor do que o Lindsey. Eu devia ligar para marcar um chá com ele.
– Sim, ele insistia para que eu estudasse até mesmo quando era uma criança. Eu ainda sei pouco sobre o Reino Unido por causa dessa pressão para aprender tudo sobre a nossa nova terra.
Eustacia bateu com a bengala no chão.
– Eu não quero te apressar, mas será que podemos deixar de lado os detalhes da sua educação e focar no testamento? Esse não é um remake de Romper Room.
Nana D pressionou os dedos no meu braço como se me disesse para eu ficar quieto. Eu estava lá para escutar, entendi a mensagem.
Finnigan ficou vermelho.
– Me desculpe, eu sei que isso é um pouco complicado dado as circunstâncias. Naquela época, Charles e Gwendolyn haviam tomado a decisão de excluir o filho deles, Timothy, do testamento. Eu não fiquei sabendo de todos os motivos, mas Charles e Gwendolyn haviam escolhido dividir o patrimônio entre várias organizações de caridade e de teatro, assim como com suas filhas, Ophelia e Jennifer. Era uma separação clara. Cinquenta por cento seria alocado para as doações, e os cinquenta por cento restante estava dividido igualmente entre ambas as mulheres.
Eu observei a expressão do Millard enquanto ele se virava para nós. Ele também havia sido excluído do testamento dos seus pais no passado. O rosto dele ficou bem pálido, quase transluzente. Eu precisava entender o que havia levado a tal decisão.
– E o que você pode nos contar sobre o novo testamento que ela discutiu com você? – Eustacia disse diretamente.
– Ele também dividia em porções iguais para várias caridades, mas os outros cinquenta por cento estava alocado para pessoas diferentes. Infelizmente, eu não sei quem Gwendolyn escolheu. Ela me contatou no dia antes de falecer me dizendo que estava cansada de todo o drama com sua família e precisava corrigir algo que havia acontecido no passado.
– Você encontrou o novo testamento? – eu perguntei.
Finnigan sacudiu a cabeça.
– Nós recentemente fizemos uma busca minunciosa na suíte dela, mas não está lá. Millard e Eustacia também não tem ideia da localização do testamento revisado. Eu presumo que se ele estivesse finalizado, talvez ela tenha me enviado por correio. Vou esperar mais alguns dias até revelar o testamento atual para o resto da família.
– Obviamente alguma coisa aconteceu entre a Gwendolyn e suas filhas. Se ela estava mudando o testamento, uma ou ambas, estavam sendo retiradas como beneficiárias. – Nana D comentou.
– Ou elas continuaram e alguém novo foi acrescentado. – Finnigan sugeriu.
– Os filhos da Gwendolyn sabiam sobre esse testamento? Eles sabiam que Timothy não iria herdar nada? Ou que ambas as filhas iriam? – eu perguntei. Era importante entender quem sabia sobre os detalhes da herança.
– Gwendolyn mencionou que ela nunca havia compartilhado a decisão com seus filhos. De fato, ela havia se esquecido dos detalhes no testamento original quando nós conversamos, porque já havia se passado algum tempo e ela não estava muito alerta depois que Charles faleceu. Meu palpite é de que nenhum dos seus filhos sabia quem iria se beneficiar depois da morte dela. – Finnigan explicou enquando guardava suas coisas na maleta.
– Mais alguém sabia que ela planejava escrever um novo testamento? – Millard perguntou.
– Eu não posso responder essa pergunta. – Finnigan respondeu enquanto colocava seu casaco. – Tudo o que posso dizer é que algo aconteceu no último sábado para resultar nessa mudança urgente de testamento. Eu contei apenas a vocês quatro sobre a potencial existência desse novo testamento. A não ser que Gwendolyn tenha contado para as pessoas que seriam os novos beneficiários, ninguém mais sabe sobre isso. – ele foi embora junto com Millard, que mencionou ter que ir até a estufa para inspecionar algumas coisas novas que chegaram. Nana D, Eustacia e eu continuamos conversando já que nós não deveríamos encontrar com Brad até que ele voltasse de algumas coisas que tinha ido fazer para Eustacia às dez horas.
– Isso é ridículo. – Eustacia choramingou e sacudiu a cabeça repetidamente. – Como nós vamos conseguir descobrir?
Nana D disse:
– Não desista Eustacia. Nós estamos apenas começando. O Kellan vai encontrar o assassino da Gwennie. Vamos repassar os fatos novamente.
– Eu vou fazer o meu melhor, mas tenho que concordar com a Eustacia. Existem muitas possibilidades. Iria me ajudar se você pudesse me contar por que Millard foi deixado de fora do testamento dos seus pais. – eu comecei a andar pelo Grande Hall pensando sobre a dinâmica entre todos os membros da família Paddington.
Eustacia explicou que Millard havia sido criado para assumir a responsabilidade das Empresas Paddington. Ele havia conseguido seu MBA em Columbia, trabalhado nos negócios da família por quase vinte anos, e se tornado vice-presidente. Quando fez cinquenta anos, Millard percebeu que havia desperdiçado sua vida para cuidar de uma grande corporação, mas não tinha esposa ou filhos para amar. Ele renunciou de sua posição e conseguiu um emprego em uma floricultura. Os pais haviam ficado tão chateados que ameaçaram parar de falar com ele por causa da vergonha da situação. Por volta da mesma época, Millard havia ficado amigo de uma jovem empregada da mansão. A família desaprovava a amizade já que a garota estava muito abaixo dos padrões de um Paddington.
– É difícil de acreditar que seus pais fossem tão antiquados. Isso foi no começo dos anos noventa certo? – eu perguntei.
Eustacia assentiu.
– Você tem que entender, meus pais eram considerados da alta sociedade, assim como seus pais antes deles. Braxton é uma cidade pequena, as pessoas falam. Meu irmão, Charles, e Gwennie haviam terminado de criar seus três filhos. Jennifer havia se graduado na faculdade, Ophelia e Richard haviam ficado noivos, e Timothy havia começado a trabalhar nos negócios da família. Eles eram vistos como a família perfeita. Gwennie andava por Nova Iorque com estrelas da Broadway e os ricos e famosos. Millard jogou tudo de lado para cuidar de flores e árvores. Nossos pais não conseguiram entender.
– Eles deserdaram Millard porque ele deixou o emprego e teve um caso com uma empregada? – eu perguntei.
– Tem mais nessa história. A empregada era jovem, dezoito ou dezenove anos. Depois de alguns meses, havia ficado óbvio para eles que ela estava grávida. Meus pais estavam com medo de um escândalo. Eles a mandaram para longe antes que qualquer um pudesse descobrir. Eu pensei que eu era a única que sabia da verdade, mas... – ela pareceu se perder em seus pensamentos e parou de falar.
O que a Eustacia contou me deixou chocado. Não era como se isso tivesse acontecido a um século atrás. Isso havia sido a cerca de vinte e cinco anos.
– O que aconteceu com a criança? E por que Millard não tentou apoiar a moça?
– Eu não acho que ele ou alguém mais sabia que a empregada estava grávida. Millard não se importava com a herança. Ele já tinha feito dinheiro suficiente trabalhando para a empresa da família. Foi então que ele viajou pelo mundo e se focou em jardinagem. – Eustacia disse. Estava claro que o passado a assombrava, mas eu não tinha certeza de como isso poderia ter relação com a morte da Gwendolyn.
Nana D completou:
– Millard ficou bem mais feliz depois de deixar as Empresas Paddington. Eu sei que ele se arrependeu por nunca ter tido filhos. Como você descobriu?
Eustacia explicou que ela sabia sobre o bebê porque sua mãe havia mencionado isso em seu leito de morte. Eustacia nunca contou para Millard sobre a criança. Ela se sentia culpada por manter o segredo até mesmo depois que seus pais haviam falecido há quase duas décadas. Eustacia quis contar para seu irmão várias vezes, mas não tinha como encontrar a garota ou saber o que aconteceu com ela. Ela pensou que isso seria uma tentativa fútil e que iria apenas deixar Millard mais chateado ao descobrir a verdade.
– E qual era o nome da empregada? – eu perguntei.
– Nós a chamávamos de Hannah. Isso é tudo o que me lembro sobre ela. – Eustacia disse com um suspiro pesado.
Nana D acompanhou a Eustacia até o banheiro para a ajudá-la a jogar um pouco de água no rosto antes de nos encontrarmos com o Brad. Se Millard tinha um filho secreto, será que esse filho poderia ter tentado se vingar da Gwendolyn ao descobrir sua verdadeira identidade? Se Gwendolyn tivesse descoberto, será que ela teria deixado dinheiro para ele como maneira de corrigir o erro dos pais dele quando excluíram Millard do testamento? Era uma boa teoria, mas até que eu pudesse descobrir quem era esse filho, tudo estava muito confuso.
Assim que o pensamento surgiu na minha mente, Brad entrou no Grande Hall. Eu o cumprimentei, então congelei.
– Brad, quantos anos você tem? – eu perguntei, me sentindo alarmado com a conexão que eu estava prestes a fazer. – Eu, ah, peço desculpas. Eu não queria ser pessoal demais. Apenas fiquei curioso. Você parece tão jovem para ter se formado em enfermagem e já ter tido vários empregos. – ufaa, uma desculpa épica.
Brad ficou em silêncio por alguns segundos, então inclinou a cabeça.
– Não, você pode perguntar. Eu não me importo. Eu fiz vinte e cinco a três semanas atrás. Onde está a Srta. Paddington?
– Eustacia virá logo, tenho certeza. – talvez ele me contasse sobre sua família pensando que era uma conversa inocente. – Você tem bons genes, Brad. Aposto que você herdou de seus pais.
– Minha mãe sempre pareceu jovem também. Eu acho que é bem comum no lado da família dela. – ele disse, esfregando algumas folhas de um arbusto perto, enquanto olhava para longe. – Eu fico feliz em responder qualquer pergunta que você tenha sobre a lista de medicamentos da Gwendolyn que eu entreguei para todo mundo.
– Como está indo a busca por emprego? – eu disse, enrolando até que as outras voltassem para o Grande Hall.
– Eu tenho duas entrevistas nesta tarde. Eustacia conseguiu uma para mim no Willow Trees, e a outra é pra um paciente particular. Também estou esperando algumas ligações sobre apartamentos que parecem promissores. – Brad se sentou em um banco perto da lagoa. Ele parecia cansado e distraído por algo que estava pesando em sua mente.
Eu ouvi a bengala da Eustacia batendo no chão enquanto ela entrava na sala.
– Desculpe minha ausência. Eu vejo que Brad desceu para nos encontrar. Você já começou, Kellan? – ela perguntou. Quando eu sacudi a cabeça, Eustacia continuou. – Brad, algumas coisas vieram à minha atenção com relação à morte da Gwendolyn. Eu gostaria de ouvir exatamente o que você...
– Se eu puder interromper. – ele disse, ficando em pé. – Já discuti isso hoje mais cedo com a xerife. Eu fiquei chocado, pra falar a verdade. Eu não consigo acreditar que alguém iria tentar intencionalmente matar a Sra. Paddington. Eu asseguro a vocês, eu não tinha ideia.
– Certamente você tem mais a dizer do que isso. – Eustacia advertiu com um olhar duro em sua direção. – Você era o único responsável pelos medicamentos da minha cunhada e deu a ela aqueles comprimidos momentos antes de ela morrer no teatro. Enquanto eu não estou acusando-o diretamente de ter algo a ver com o assassinato dela, espero que você entenda que eu preciso ouvir muito mais do que “não consigo acreditar que alguém iria tentar intencionalmente matar ela” como sua única resposta.
Brad juntou as mãos.
– A polícia levou todos os medicamentos, e quaisquer copos, xícaras ou utensílios do quarto dela. Eu tenho certeza de que eles planejam fazer testes neles. Se alguém modificou qualquer comprimido que eu administrei, nós vamos descobrir rapidamente. Certamente não fui eu, se é isso que você está implicando. – ele pareceu ficar ofendido com o tom dela e rapidamente respondeu para se defender.
Eu queria ter alguns minutos a sós com a Eustacia, então poderia contar a ela sobre a idade dele combinar com o bebê Paddington que a empregada supostamente teve. Possivelmente um filho do Millard Paddington. Quando Eustacia e Nana D se viraram para mim, eu tomei controle da conversa.
– Brad, essa é definitivamente uma situação estranha. Por favor, entenda que nós não o estamos acusando de nada diretamente, mas precisamos da sua assistência para entender alguns fatos. Gwendolyn estava agindo estranhamente nas últimas semanas. Nós agora sabemos que ela estava ficando doente lentamente pela falta de medicação adequada. Uma dose letal de cocaína foi ingerida momentos antes de ela morrer no teatro. – eu disse, fazendo uma pausa para olhar nos olhos dele. Ele olhou de volta com um olhar vazio que me fez querer contorcer-me. – Você passava a maior parte do tempo com ela, e você deu a ela os comprimidos que ela havia esquecido de levar junto mais cedo naquele dia. Qualquer pessoa iria querer entender o que você acha que pode ter acontecido.
– Mas eu não tinha motivos para querer que a Sra. Paddington morresse. Ela era minha empregadora e verdadeiramente uma confidente nas últimas semanas. Eu estava passando por alguns problemas pessoais e ela me ajudou a lidar com eles. Vocês não entendem? Eu não tenho emprego e nem casa agora. Por que iria querer matá-la? – ele disse com frustração, então jogou as mãos para o ar. – Eu não tenho o hábito de matar meus pacientes apesar do que possam ter dito no passado.
Nana D o interrompeu para colocar o braço ao redor dos ombros de Brad como se ela estivesse tentando bancar a boa policial enquanto Eustacia era a má policial.
– Brad, você foi um grande apoio para a minha amiga no último ano. Tinha alguém mais que cuidava dos medicamentos dela, ou que você tenha visto alguém no quarto dela que não deveria estar lá?
Nana D tinha um bom ponto com relação a quem teve a oportunidade. Nós precisávamos saber exatamente o que a xerife havia encontrado durante a busca no quarto da Gwendolyn, para entender se a cocaína estava em todos os comprimidos dela ou apenas naquela dosagem que ela tomou no teatro.
– Vamos começar sobre como você cuidava da medicação dela, então nós poderemos determinar como a cocaína foi colocada em uma daquelas pílulas.
Brad se esticou e explicou que a Gwendolyn tomava os remédios três vezes por dia, manhã, tarde e noite. Alguns eram cápsulas de gel com uma medicação em pó e os outros eram comprimidos sólidos. Cada dosagem continha uma combinação das pílulas, mas Brad preparava uma caixa de comprimidos para a semana, separando por cada dia. Se Gwendolyn saísse durante o dia, ela carregava um frasco para viagem que tinha sua próxima dosagem enquanto estivesse fora de casa.
– Cedo naquela manhã, ela tomou seus comprimidos regulares. Ao mesmo tempo em que eu lhe dei as pílulas da manhã, ela pegou o frasco de viagem para a dosagem da tarde. Era cedo demais para tomar a próxima dosagem durante o brunch, então ela planejava toma-la enquanto estivesse no teatro. Eu usei os comprimidos da caixa que eu já havia preparado mais cedo naquela semana e que continha os mesmos que ela havia tomado algumas horas antes. Não havia nada de diferente sobre eles.
– Eles não poderiam estar alterados de manhã cedo já que nada aconteceu com ela antes. – eu concluí. Se o assassino havia substituído apenas alguns comprimidos naquele lote, teria sido coincidência demais que Brad tivesse escolhido aleatóriamente os mesmos comprimidos com cocaína de todo o suprimento quando ele os trouxe para o teatro naquela tarde. Aquela dosagem específica tem que ter sido trocada depois que o frasco de viagem havia sido preparado naquela manhã. – Quando foi que você deu a ela o frasco? E onde ele esteve do momento que você entregou a ela até o momento que você levou ao teatro?
– Eu a observei colocar o frasco de viagem na mesa de cabeceira no quarto. Estava lá enquanto ela tomava banho e se vestia. Eu suponho que tenha ficado algum tempo sem ninguém por perto enquanto ela estava no banheiro, mas eu estava no meu próprio quarto naquele momento. Em algum ponto, ela deve ter colocado o frasco na bolsa e descido para a sala de jantar para tomar o brunch com todos. Eu não sei o que aconteceu durante o brunch até que ela mandou Bertha me chamar novamente. – Brad explicou.
– Enquanto nós estávamos comendo o brunch, nós conversamos sobre sairmos para jantar com a família toda depois que o show acabassse. Foi então que ela chamou o Brad e pediu que ele preparasse duas dosagens para viagem antes que ela fosse para o teatro. – Eustacia comentou. – Gwennie queria que nós todos aparecessemos juntos para a primeira apresentação no teatro da família. Jennifer e Millard estavam em casa naquela manhã. Ophelia e as crianças também. Richard já tinha saído da cidade e não poderia ir à apresentação do Rei Lear. Timothy não estava em lugar algum para ser encontrado.
– Eu estava lá também. – Nana D interjeitou enquanto estalava os dedos. – Brad disse que iria acrescentar a segunda dosagem para as pílulas dela e colocar de volta dentro da bolsa que estava na mesa edwardiana no corredor enquanto todos se preparavam para sair. Ele indicou que faria isso em menos de quinze minutos.
– Correto. Então, eu tirei o frasco de dentro da bolsa dela e coloquei na mesa ao lado do casaco. Eu deixei lá enquanto subia para pegar a caixa de comprimidos, para acrescentar a segunda dosagem de todos os medicamentos. – Brad disse. – Em retrospecto, eu deveria ter levado o frasco comigo, mas eu não estava pensando direito.
– Nós nos sentamos por uns cinco minutos, então todos foram ao Grande Hall para sairmos. – Eustacia completou antes de limpar a garganta. – Nós todos ficamos saindo e entrando no hall para irmos ao banheiro e pegarmos os casacos, e ficamos conversando um com o outro. Qualquer um poderia ter tido acesso e trocado os comprimidos.
– Jennifer se ausentou pelo maior tempo. Lembra, alguém brincou sobre ela sempre causar atrasos. – Nana D comentou.
Enquanto eu queria explorar a ausência prolongada da Jennifer, eu tinha outra pergunta importante.
– Eu ainda não entendo como a Gwendolyn saiu sem levar os comprimidos. Brad, você disse que deixou o frasco na mesa ao lado da bolsa dela enquanto você subia para pegar os comprimidos adicionais. Então você retornou e trouxe a dosagem extra, certo? – eu questionei. – Quando eu voltei ao corredor, o casaco, bolsa e frasco haviam desaparecido. – Brad disse antes de morder os lábios. – Eu pensei que nós tinhamos nos comunicado mal... que ela não iria mais precisar da segunda dosagem para viagem.
– Então você sabia que tinha algo estranho acontecendo naquela manhã? – eu sugeri.
– Não muito. Eu pensei que ela tinha mudado de ideia. Isso havia acontecido outras vezes onde ela previamente decidiu não levar a dosagem extra no último minuto.
– Você não tentou encontrá-la para perguntar? – Nana D disse com uma expressão incomodada.
– Eu perguntei à Bertha para onde todos haviam ido, mas enquanto eu estava no andar superior, eles foram embora para a Casa de Espetáculos Paddington. – Brad explicou. – Eu deveria ter ido atrás dela, mas acho que cometi um erro.
Um erro que potencialmente causou uma morte.
– E o que você fez então? – eu perguntei.
– Eu coloquei a dosagem extra de volta na caixa de comprimidos da semana, saí para uma caminhada dentro da propriedade, e lavei algumas roupas. Então eu recebi uma ligação da Sra. Danby dizendo que a Sra. Paddington não estava se sentindo bem e precisava das pílulas. Eu fiquei confuso, então voltei ao andar térreo para ver se ela as havia acidentalmente esquecido em algum lugar da sala de jantar. Elas estavam na mesa. Eu perguntei à Bertha, que disse que as encontrou no chão debaixo da mesa enquanto estava limpando. Ela pensou que fosse um frasco antigo e planejava me entregar mais tarde naquele dia. – quando Bertha contou a ele sobre como a havia encontrado, Brad pensou que o frasco havia caído acidentalmente ao chão e que a Gwendolyn deve ter pensado que ele já havia colocado de volta dentro da bolsa antes que ela saísse. – Timothy também estava na cozinha conversando com a Bertha. Ele ofereceu levar os comprimidos para sua mãe, mas esse era meu trabalho. Eu não pensei muito naquela hora e corri para a Casa de Espetáculos para entregar.
Nana D apertou a ponta do nariz.
– Alguém deve ter trocado a primeira dosagem para viagem depois que Brad a separou naquela manhã, mas antes que todos saíssem para a Casa de Espetáculos Paddington.
– Gwendolyn iria sair sem conferir se estava com seus comprimidos? – eu perguntei.
Eustacia respondeu.
– Eu posso ver isso acontecendo. Gwennie estava agindo estranhamente naquela manhã. Se ela estava mudando o testamento, pode não ter prestado atenção e não verificou se ele já tinha acrescentado a segunda dosagem dentro da bolsa. Na pressa, ela provavelmente pegou tudo o que viu e saiu pensando que Brad já tinha colocado a segunda dosagem dentro da bolsa.
Nana D completou:
– Eu me lembro vagamente de escutar algo caindo ao chão quando eu voltei do banheiro, mas não pensei em nada naquela hora. Pensei que havia sido em outro ambiente.
– Eu não tenho certeza se nós vamos ser capazes de descobrir quem entrou no corredor ou no quarto e trocou a medicação naquela manhã. Pelo menos nós sabemos quando isso aconteceu, mas infelizmente todos tinham acesso. Eu tenho certeza de que até mesmo teria sido possível para alguém entrar escondido e tê-los trocado. – eu disse, tentando descobrir se havia uma maneira de diminuir a lista de suspeitos. – Na teoria, com ninguém por perto, leva-se apenas um minuto para retirar alguns comprimidos e trocá-los por alguns de cocaína.
Brad concordou comigo, então explicou que tinha que ir para uma entrevista. Eu iria encontrar tempo para verificar o que ele havia contado com a Bertha. Não achava que ele estava mentindo, mas precisava confirmar sua explicação. A súbita aparição do Timothy e a ausência prolongada da Jennifer pareciam altamente suspeitas. Nós definitivamente estávamos deixando algo importante passar.
12
Eustacia pediu que Bertha preparasse um almoço leve para Nana D e eu. Nós devoramos uma salada Ceasar com peito de frango grelhado, camarões e croutons feitos em casa. Na minha mente, eu estava esperando um sanduíche de queijo grelhado ou uma tigela de sopa de tomate, mas não iria reclamar sobre uma refeição grátis.
– Eu ainda não concordo com você colocando o nome do meu irmão na lista. Ele não tinha motivos para matar a Gwennie. – Eustacia discutiu. Seus braços e mãos agitavam fervorosamente enquanto ela expunha seu ponto.
– Eu entendo que isso não parece lógico para você, mas se Millard descobriu que ele pode ter tido um filho e que Gwendolyn poderia saber algo sobre isso, pode ter ficado com muita raiva para conseguir parar. – eu expliquei da maneira mais simples que pude.
– Kellan tem um bom ponto. Se essa é a lógica dele, talvez nós devessemos também colocar a Eustacia na lista. – Nana D sugeriu, parecendo séria e determinada.
Eustacia arquejou.
– Eu? Você ficou louca, Seraphina? Eu não tinha motivos para querer que minha cunhada morresse.
– Talvez ela tenha descoberto o segredo que você manteve do Millard, e você a matou para mantê-la quieta. – Nana D disse com um floreio. – É tão plausível quanto Millard ser o assassino. Nós temos que olhar de todos os ângulos. Eu não acho que você tenha feito isso, mas nós devemos considerar todos os que tiveram a oportunidade e os meios. Apesar do motivo não estar claro agora, não podemos excluir aqueles que tinham acesso imediato à Gwennie.
Enquanto Nana D e Eustacia se engajavam em uma batalha de vontades, eu fui secretamente até o quarto de Brad. Eu havia ouvido Bertha se despedir dele alguns momentos antes, o que siginificava que o quarto dele estava vazio. Ela me levou por um dos corredores posteriores até os aposentos dos funcionários. Enquanto nós caminhávamos, ela corroborou a história do frasco com os comprimidos ter caído sob a mesa do corredor.
– O quarto dele é o da esquerda, perto da lavanderia. – ela disse, apontando. – Eu tenho que voltar para limpar a mesa.
A porta do Brad estava destrancada quando eu virei a maçaneta de vidro. Seu quarto tinha três metros e meio de cada lado e estava no canto mais longe dessa ala. Tinha dois pares de janelas duplas nas paredes leste e sul, uma cama Queen Size com um edredom azul claro perfeitamente esticado, e uma pequena mesa e cadeira. Eu decidi olhar primeiro as gavetas da mesa, que assim como o quarto, estava perfeitamente limpa. Além de algumas contas com despesas mínimas e uma quantidade normal de débito para alguém com a idade dele, nada parecia fora do comum.
Foi na mesa de cabeceira onde eu descobri algo interessante. Escondido atrás de uma pasta com o nome de oportunidades de emprego e um livro de palavras cruzadas, estava uma foto de um pequeno menino e uma mulher na praia. Eu olhei para a foto tentando decidir se era o Brad de anos atrás, mas não podia ter certeza. Havia uma forte semelhança, mas nada nas roupas ou móveis no fundo sugeriam quando a foto havia sido tirada. O papelão coberto de veludo que prendia a foto na moldura cedeu e a moldura caiu ao chão.
Quando eu peguei a foto, um obtuário veio junto. Nele estava escrito:
14 de março de 2017, Hannah Shope
Hannah Shope, 45 anos, de Boise, Idaho, faleceu depois de uma longa batalha contra a esclerose múltipla. Hannah tinha sido um membro frequente da Igreja Católica de St. Francis até o seu diagnóstico anos atrás, quando ficou incapaz de sair de casa. Ela deixa um filho, Brad Shope, que cuidou de sua mãe nos últimos anos. Hannah era uma filha única que se mudou para a área há quase vinte e cinco anos atrás, vinda da Pensilvânia, onde havia trabalhado com serviços domésticos. A falta dela vai ser sentida por todos seus amigos do clube do terço e das missas de domingo. Que ela descanse em paz eternamente.
Eu tirei uma foto tanto do obtuário quanto da fotografia antes de rapidamente fechar a gaveta e verificar se tudo estava exatamente como eu havia encontrado. Voltei para a sala de jantar onde Nana D e Eustacia ainda estavam discutindo sobre os potenciais suspeitos.
– E se for o entregador do correio? Talvez ele tenha entrado no quarto da Gwennie todas as manhãs e trocado as pílulas. Honestamente, Seraphina, você está tirando essas ideias de não sei onde...
– Senhoras, eu encontrei algo. – eu disse com animação. – Você não disse que o nome da empregada era Hannah? Olhe isso. – eu entreguei o meu celular para Eustacia e a Nana D que se juntaram no canto da mesa.
– Eu não me lembro do nome Shope, mas essa é definitivamente ela. Agora eu me lembro da aparência dela, não consigo acreditar que não percebi a semelhança com o Brad antes.
– Você sabe quem aprensentou o Brad para a Gwendolyn na clínica de reabilitação? – eu perguntei.
Ambas sacudiram a cabeça.
– Eu não tenho ideia. – Eustacia disse esfregando seus dedos juntos. – Mas vou ligar para aquela metida da Lydia Nutberry, ela conhece todo mundo.
Eu havia passado mais tempo do que o planejado na mansão Paddington e escapei para a The Big Beanery. Enquanto estava na fila para fazer o pedido, eu ouvi um par de vozes familiares conversando em um canto próximo. Eu me inclinei naquela direção e vi Connor falando com a Xerife Montague. Depois de pegar meu café preto e um pedaço de bolo de café, eu andei até a mesa deles e me sentei em uma cadeira vazia de uma maneira exagerada.
– A melhor das manhãs para vocês! – eu disse com um grande sorriso.
– Pequeno Ayrwick, será que você confundiu o nosso silêncio como um convite para nos interromper? Eu só posso pensar que você já deve ter bebido e está fora do juízo. – a Xerife Montague censurou enquanto amassava seu guardanapo e o jogou em uma lata de lixo próxima.
– Kellan. – Connor disse com um rápido aceno de cabeça. – O que nós podemos fazer por você?
– Bem, é o que eu posso fazer pela xerife, isso é, se ela estiver interessada em discutir o caso Paddington. – eu provoquei enquanto encarava diretamente April Montague. – Eu tenho algumas informações chocantes para você!
– Deixe-me advinhar. Você descobriu que o uso de cuecas brancas corta toda a circulação para o cérebro e sentiu-se na obrigação para compartilhar o seu bilhete dourado com cada homem ou mulher da área? Ou você finalmente percebeu que é possível caminhar e falar ao mesmo tempo sem se esquecer de respirar? – a xerife tinha um jeito de falar cada palavra com um tom de desinteresse, eu decidi que ela seria uma boa comediante.
– Para sua informação, já que você parece obcecada pela minha escolha de roupa de baixo, eu uso cuecas boxer. – para sua surpresa, eu fiquei em pé, levantei a barra da minha camiseta e puxei o elástico da minha cueca. – Se você estiver inclinada para uma prova melhor, eu tenho certeza de que isso pode ser arranjado. Além disso, eu caminho e falo desde os meus dois anos. Já que você marcou a mim e a minha avó como os dois tagarelas de todo o Condado de Wharton, deveria tomar cuidado para não se contradizer quando tentar fazer uma piada às minhas custas. Dê ênfase ao tentar.
Os olhos do Connor se arregalaram. Ele obviamente pensou que eu estava ultrapassando alguma linha invisível que dizia que eu devia ter medo da xerife. Devido ao abuso que já tinha sofrido por causa dela, eu não ia deixar isso se tornar a norma.
– Cara, ótimo abdômem. – ele disse.
– Você está me dizendo que não acha que eu sou engraçada? – a xerife perguntou enquanto inclinava a cabeça para a esquerda e sorria como um palhaço. – Porque eu acho que seria hilário te colocar em algemas e levar para a delegacia por algumas horas.
– Eu não fiz nada de errado. Você não pode me prender, a não ser que essa seja a sua maneira de tentar flertar comigo. O que no caso, eu devo lhe lembrar... ênfase no tentar. – eu não tinha certeza do que tinha acontecido comigo. Talvez depois de estar em casa por quase um mês, além de ter percebido que eu estava começando a fazer progressos decentes em outra investigação de assassinato, minha confiança se fortaleceu.
– Nós podemos fazer isso o dia inteiro. Claro, eu poderia prendê-lo por alguma coisa, mas então teria que lidar com uma papelada. Você não vale meu tempo. Eu tenho cinco minutos e vou escutar com total atenção se isso significar que você vai embora mais rápido. – a Xerife Montague grunhiu e tomou o resto de seu café.
– Eu, inesperadamente, descobri algumas informações sobre os testamentos da família Paddington e algumas circunstâncias onde alguns membros foram deixados de fora. Eu também descobri que alguém pode ter uma ligação com os Paddingtons, mas não sei se isso tem relação com a morte da Gwendolyn. – eu não queria dar toda a informação que havia ficado sabendo e escolhi dar pistas suficientes para ver ao que a xerife respondia.
– Se você está se referindo ao testamento da Gwendolyn, eu já estou em contato com Finnigan Masters para discutir sobre isso quando estiver disponível para leitura. E quanto à essas pistas sobre outros testamentos e conexões, pode contar. – a xerife pegou um bloco de notas e começou a escrever.
Eu expliquei o que havia ficado sabendo sobre quando Millard foi excluído do testamento de seus pais, então a chegada de Brad alguns meses depois que Charles morreu. Eu deixei de fora sobre o novo testamento, então teria isso para mais tarde.
– Deve haver alguma ligação em algum lugar. A mãe de Brad, Hannah, morreu vários dias após Charles ter morrido. Isso poderia ser uma coincidência, ainda assim, foi quando Brad começou a trabalhar para a Gwendolyn. E se Millard é o pai do Brad e um deles tem algum tipo de plano diabólico para fugir com o dinheiro da família?
– Isso é estranho, eu concordo. Seja cuidadoso com as suas alegações. Eu não tenho certeza do que isso significa, mas Millard não tem seu próprio dinheiro? Ele é um paisagista mundialmente famoso e costumava cuidar da companhia décadas atrás. – a Xerife Montague estalou os dedos e afastou a cadeira da mesa.
Eu assenti.
– Eu não consegui achar o sentido disso também. Alguma chance de você ter alguma notícia sobre o Timothy? Eustacia está tentando encontrá-lo há quase seis dias, mas ainda nada. Ela gostaria de realizar o funeral nesse final de semana, mas esperava encontrá-lo antes. Ele era filho da Gwendolyn.
– O Timothy já foi localizado e é atualmente uma pessoa de interesse. Como você está ciente, ele foi visto discutindo com sua mãe no teatro menos de trinta minutos antes que ela fosse assassinada.
Connor disse:
– Eu olhei a filmagem das câmeras de segurança no saguão. As únicas duas pessoas que tocaram na bebida da Gwendolyn foram Brad e o Timothy. Eu tenho certeza de que mais alguém teve acesso dentro do teatro onde nós não temos câmeras. E o atendente que serviu o chá gelado é um estudante que tem referências impecáveis e nenhuma ligação com Gwendolyn. A Xerife pigarreou.
– Nós fizemos alguns testes em tudo o que pegamos no teatro. Não havia nenhum traço de droga em nenhuma das bebidas, potes ou nenhuma das superfíceis na loja de refrescos onde ela pegou o chá gelado. Tem que ter sido introduzido no comprimido e não no copo que foi dado à vítima. Eu estou esperando o resultado dos testes dos comprimidos restantes que pegamos na casa.
– Será que você pode me dizer onde encontrou o Timothy? – eu perguntei.
– Eu não tenho certeza de que isso seja algo que ele queira que o público fique sabendo. Além disso, eu espero que dentro das próximas vinte e quatro horas, Timothy não esteja mais por lá e que fique sob minha custódia. – a xerife disse com um olhar duro.
– Você está me dizendo que ele é o seu suspeito primário? – eu inquiri. Enquanto tudo apontava para Brad ou Millard baseado no que eu fiquei sabendo, o fato de eu não saber do paradeiro de Timothy me deixava em desvantagem. – E quanto ao que eu acabei de te contar?
– Eu vou seguir isso também. Enquanto isso, se mais alguma coisa surgir, se certifique de me contar.
– E fico fora da sua investigação de assassinato... yeah, yeah. Eu entendi. – eu disse, mentindo através dos meus dentes. Eu precisava encontrar onde Timothy estava se escondendo, mas eu deveria ir me encontrar com o Arthur. Eu me despedi do Connor e da xerife, pedi um café para viagem, e caminhei até a Casa de Espetáculos Paddington. Enquanto eu entrava, meu celular vibrou com uma mensagem de texto. Era um mistério o quão pontual ela podia ser.
Nana D: Nós encontramos o Timothy. Você nunca vai advinhar onde ele está.
Eu: Em um hotel bebendo?
Nana D: Não, o oposto completo.
Eu não tinha ideia do que a Nana D queria dizer com seu último comentário e não consegui entender suas pistas. Eu olhei para cima e vi a Dana Taft acenando para mim.
Eu: Eu tenho que ir. Me conte.
Nana D: Você tem muito a aprender sobre como ser um detetive.
Eu: Está bem, um por favor bem adocicado. Posso saber também qual é o segredo?
Nana D: Assim está melhor. Timothy se internou em uma clínica de reabilitação.
Eu: Por causa do vício em drogas?
Nana D: E jogos. Ele aparentemente foi para lá depois da briga com a Gwennie no show antes que ela morresse.
Uau! O que isso significava? Eu não tive tempo para responder por que Dana me interrompeu.
– Hey. Você é o Kellan, certo? – ela disse enquanto piscava algumas vezes. – Arthur já vem.
– Como você está? – eu disse.
– Ah, você sabe. Tentando me focar nas aulas e no show.
– E ter perdido a sua avó, eu tenho certeza, foi doloroso. – eu me encolhi com a rapidez com que ela pareceu esquecer ou ignorar a morte da Gwendolyn.
– Nós não éramos realmente próximas. – Dana comentou. – Ninguém gostava muito dela.
– Eu pensei que ela e seu irmão, Sam, eram bem próximos. – eu argumentei.
– Oh, ele enganou você também? – Dana obviamente tinha algo que queria me contar.
Enquanto eu não me importava muito com Dana por causa da sua atitude e da maneira como ela se comportou com o Arthur no passado, Sam não merecia a reprovação da irmã.
– Eu posso não conhecer sua família, Dana, mas geralmente sou um bom juiz de caráter. Sam estava devastado no dia que ela faleceu.
– Você não tem ideia! Ela e Sam tiveram uma grande briga no dia anterior. Eu os ouvi discutindo quando passei em casa para pegar algo do meu quarto. – Dana choramingou. – Ele tenta tanto parecer inocente, mas está escondendo algo de todo mundo.
– Tem alguma coisa que você está tentando me contar, Dana? Porque para ser honesto, agora, parece que você está sendo um pouco ciumenta e imatura. – eu não tinha certeza se era o tom infantil dela ou os gestos de descaso que ela fazia com cada declaração, mas a atitude da Dana me deixou com raiva. Eu não conhecia muito bem o Sam, mas o garoto estava genuinamente devastado por causa da morte de sua avó.
– Eu não preciso ouvir isso vindo de alguém como você. Se você não acredita em mim, pergunte ao Sam você mesmo. Eu ouvi distintamente ele dizer à minha avó que ela estava sendo uma julgadora ranzinza. Então ele bateu a porta e disse a ela que não iria voltar atrás. Eu não tenho ideia sobre o que ele queria dizer, mas ele tem sido super secreto nos últimos meses e se recusa a conversar com qualquer um sobre isso. – Dana exigiu que eu a deixasse em paz e saiu pisando duro enquanto Arthur se aproximava.
– Eu já vi aquele olhar antes. O que você fez? Disse a ela que não está interessado? – Arthur provocou.
– Se fosse isso. Mas é um pouco mais complicado. Quão bem você a conhece? – eu perguntei.
– Eu nunca encontrei a Dana antes desse show, mas ela é bem astuta. Se você não se afastar, ela tenta se colocar em cada minuto da sua vida. – Arthur comentou. – Eu hesito em dizer isso, mas tome cuidado para nunca ficar sozinho com ela. Ela é bem mãos-à-obra e facilmente interpreta errado uma situação.
– Eu aprecio o conselho. Escute, obrigado por mandar o nome do seu eletricista. Ele salvou o dia da minha irmã e pode ajudá-la a abrir a Lanchonete Pick-Me-Up em dia. – eu disse, apertando a mão dele. Ele havia me ajudado, e eu definitivamente devia um favor a ele no futuro.
– É pra isso que servem os amigos, Kellan. Eu sei que as coisas saíram do controle quando eu voltei para Braxton alguns anos atrás, mas tudo está sob controle agora. Eu consegui colocar minha vida em ordem. – a postura de Arthur estava mais relaxada do que na última vez que eu o vi.
– E como tem sido as coisas por aqui na última semana? Eu não posso imaginar que tenha sido fácil com o cancelamento do ensaio de figurinos no último domingo.
– Myriam e eu trabalhamos algumas das nossas diferenças, mas no fim, o show deve continuar, certo? – ele disse com um floreio e uma reverência. – Os policiais suspeitam que eu tenha alguma relação com a morte da Gwendolyn. Me chamaram para uma conferência, como aquela xerife colocou isso.
– Isso é parte do processo. Eu também tive que conversar com eles. Foi por causa das diferenças que você e a Gwendolyn tiveram no passado?
Arthur assentiu.
– Alguém contou a eles que eu ameacei matá-la na semana passada. Eu não me lembro de ter dito isso, e mesmo se eu disse, sou um ator. Eu digo coisas que não querem dizer nada o tempo todo. – ele gracejou. Arthur poderia estar atuando com todo mundo. Eu pedi a ele que me contasse mais sobre o tempo em que ele trabalhou na Broadway esperando encontrar algum furo no seu relato do passado. Não consegui saber de nada importante.
Arthur mais tarde me explicou que tinha tido pouca interação com a Gwendolyn, a não ser uma vez por semana quando se reuniam com todos os funcionários da Casa de Espetáculos para discutir os projetos atuais e futuros. Ela também havia participado de ensaios, de vez em quando, para providenciar direção para ele e a Myriam. Isso geralmente resultava em compromissos provisórios ou discussões acaloradas, mas Gwendolyn sempre conseguia o que queria. Ele havia começado a entender que é assim que as coisas funcionavam com aquela mulher poderosa. Ele havia visitado a mansão Paddington uma vez naquele mês, quando ela convidou toda a equipe de direção para um brunch, mas sabia de quase nada sobre a propriedade. Arthur terminou seu café e retornou para ensaiar o ato final com o resto do elenco.
Eu havia feito pouco progresso, além de conjecturar motivos para quase todo mundo ser o assassino. Era hora de buscar a Emma na escola, e então a levar até a biblioteca para um programa de leitura. Eu a deixei lá para a atividade de noventa minutos, então aproveitei o tempo livre para sair para correr, não tive oportunidade mais cedo naquela manhã já que a Nana D tinha exigido a minha presença. Enquanto eu navegava pelas colinas inclinadas das Montanhas Wharton, continuei a procurar uma solução para o meu problema com o reaparecimento da Francesca.
O casamento era sobre viver com o bom e o ruim. Será que eu era o tipo de cara que poderia abandonar a esposa por não conseguir imaginar-me vivendo escondido por alguns anos? Ao invés de ser grato de que ela não havia morrido no acidente de carro, eu fiquei com raiva por ter sido colocado em uma situação impossível. Não era justo para Emma não poder ver a mãe, mas se isso colocasse a minha filha em qualquer perigo, pensei que era aceitável ficar longe de Los Angeles. Eu não via como eu poderia reconstruir a confiança e o amor com a Francesca se nós morássemos quase três mil quilômetros distantes um do outro. Outras pessoas podem ter feito relacionamentos à distância funcionarem, mas nunca com a complicação adicional de ameaças de morte e interferência da máfia.
Sentindo-me satisfeito com minha decisão de não voltar para Los Angeles, eu sabia que havia escolhido Emma como prioridade nesse assunto sórdido. Infelizmente, isso também deixaria as coisas bem mais dificeis para mim. Mesmo se eu encontrasse uma maneira de esquecer o quanto eu amava Francesca, nós sempre seríamos casados aos olhos da lei. Nunca poderia haver outra mulher em minha vida enquanto ela ainda estivesse em algum lugar. Era uma decisão impossível para forçar alguém a tomar. Eu terminei o último quilômetro da trilha e estacionei no lado de fora da biblioteca. Emma saiu correndo da entrada quando me viu.
Depois de me abraçar, Emma disse:
– Você tá cheirando como uma cesta de roupas sujas, papai. Acho que você precisa tomar um longo banho hoje à noite.
Eu dei uma rápida fungada, então fingi ficar enjoado para dar o efeito.
– Oh, eu estou pior do que um cachorro molhado que rolou na lama. – eu provoquei. Então, eu percebi que isso havia sido a coisa errada ao falar já que Emma nunca iria me deixar esquecer.
– Quando nós vamos pegar um filhotinho, papai? Eu acho que já que você está me fazendo ficar sentada nesse carro quando você está cheirando tão mal, você me deve uma! – Emma colocou o cinto de segurança no banco de trás e deu um sorriso tão grande que eu temi que ela se dividisse em duas.
Eu conferi se o cinto de segurança estava bem preso, então abanei uma toalha suja na direção dela.
– Você acha que eu estou fedendo? Espere até que você tenha que limpar a sujeira do cachorro, minha querida! – enquanto eu ligava o motor e olhava no espelho retrovisor, eu peguei Emma revirando os olhos da mesma maneira que eu fazia.
– Não, não! Esse é o seu trabalho. Eu vou estar lá pra brincar com o filhote. Você tem que mantê-lo limpo!
Se ela fosse um pouquinho mais velha, eu poderia ter dito touché, mas ela precisava de mais alguns anos antes que eu pudesse deixá-la imitar o meu sarcasmo.
13
Eu acordei na manhã seguinte e decidi aproveitar meu tempo com Emma e sair para fazer compras. Lutar contra o trânsito para ir ao shopping em uma manhã de sábado nunca seria um problema no Condado de Wharton. Emma e eu estacionamos o carro (ela insistiu em escolher o lugar e me ajudou a navegar o carro, do banco traseiro) e fomos até a entrada norte. Nós jogamos alguns jogos de Frogger e Pac-Man, ambos Emma disse que tinham gráficos muito ruins (evidência do declínio de crianças sendo criadas assistindo iPads e outras tecnologias digitais). Ela riu quando os fantasmas me capturaram em alguns cantos e me disse que eu deveria estar ficando velho, se não conseguia escapar de um fantasma flutuando devagar. Como as crianças mal sabem o suficiente para enfeitar qualquer coisa relacionada à idade de um adulto, eu despenteei o cabelo dela e disse que ela era preciosa.
– Talvez a Nana D possa te ensinar a jogar melhor. Ela venceu de mim no Candy Crush essa semana! – Emma murmurou enquanto saíamos da parte de recreação e seguimos para comprar um novo quebra-cabeças para a semana. Quando percebi que o o piso estava decorado com adesivos coloridos para a primavera, eu a desafiei a apenas pisar nos azuis ou rosas, e eu iria pisar nos laranjas e verdes. Ela ficou tão animada que eu quase me senti mal quando ela ficou longe demais da entrada da loja de brinquedos, e sem nenhum adesivo para pisar. Eu acenei para ela de dentro da loja.
– Eu acho que vou ter que escolher o quebra-cabeças sozinho, hein? – eu provoquei.
Emma estreitou os olhos para mim, e então me deu um olhar fazendo-a ficar parecida demais com a Nana D, que acabei ficando sem ar. Fiquei tão chocado que não ouvi alguém chamando meu nome de dentro da loja. Assim que eu disse à Emma que ela havia ganhado o jogo, ela seguiu para a entrada. Eu a peguei no ar enquanto ela pulava para mim. Quando me virei, Jennifer Paddington caminhava na minha direção. Depois das apresentações, Emma perguntou se poderia ir olhar os quebra-cabeças no fundo da loja. Eu deixei ela ir, sabendo que eu poderia vê-la no reflexo do grande espelho que tinha na parede lateral.
– Ela parece uma menina tão feliz, você deve estar orgulhoso. – Jennifer comentou enquanto colocava dois cobertores para bebês sobre o ombro esquerdo e se ajoelhou perto de uma prateleira. – Eu não sabia que você tinha filhos. Há quanto tempo você voltou para casa?
– É apenas a Emma. Nós nos mudamos para Braxton há algumas semanas atrás. – eu respondi, me lembrando sobre o que a Eustacia me contou sobre os abortos que Jennifer sofreu. O que a havia trazido a uma loja de brinquedos?
– Crianças são uma benção. Nós não temos um bebê na família há muito tempo. – um olhar sombrio desceu sobre a Jennifer enquanto ela falava. Eu não conseguia imaginar desejar tanto uma criança para perdê-la na gravidez.
– Comprando um presente? – eu perguntei, esperando que isso não a deixasse tão triste.
– Ah, meio que isso. Eu passo aqui nessa loja de vez em quando. Eu... eu não tenho filhos, mas espero conseguir, algum dia em breve. – Jennifer disse quase num sussurro. Ela dobrou um dos cobertores e o colocou na prateleira perto da saída.
– Eu espero que isso funcione para você. Minha irmã mencionou que viu você no consultório médico outro dia. – eu disse, rezando para que isso não fosse interpretado como invasão de privacidade. Se Jennifer havia mencionado o fato de querer um bebê, parecia aceitável trazer o assunto de que Eleanor a havia visto no ginecologista.
– Hmmm... eu não a vi. Quando foi isso?
– Alguns dias atrás, eu não me lembro exatamente. Eu acho que ela tinha ido lá para consulta de rotina. – depois de verificar que Emma ainda estava olhando os quebra-cabeças, eu me voltei para Jennifer. – Eu poderia estar enganado.
– Bem, eu tenho ido muito ao médico, mas a única consulta nas últimas semanas foi na clínica de fertilização in-vitro. Não era o meu médico regular. – ela explicou. – Não é impossível conceber por conta própria, mas eu preciso de toda a ajuda que puder, já que os cinquenta anos está bem mais perto do que os quarenta ultimamente. – ela tentou dar uma leveza à situação, mas eu podia dizer que isso era doloroso para ela discutir.
Eu assenti, me sentindo desconfortável por perguntar coisas pessoais demais.
– Isso deve ser difícil. Talvez algo inesperado possa funcionar para você.
– Não está parecendo muito positivo. Todos os procedimentos são caros. Eu tive que colocá-los em espera até que consiga encontrar mais dinheiro. – Jennifer disse enquanto seus olhos ficavam vermelhos e inchados.
– Eu não quero me meter, mas a sua família não poderia te ajudar com os aspectos financeiros? Os Paddingtons parecem ter mais do que o suficiente para sobreviver. – eu disse, sentindo meu coração próximo da mulher. Eu estava curioso sobre o quanto a família dela sabia sobre sua situação.
– Não, não é assim na nossa família. Minha mãe não estava me apoiando muito sobre eu ter um filho sozinha. Eu não sou muito próxima do Timothy ou da Ophelia. Nós meio que apenas toleramos uns aos outros nos últimos anos. – Jennifer dobrou o outro cobertor e o colocou na prateleira mais baixa.
– Mais uma vez, eu sinto muito saber disso. – será que a Jennifer estaria desesperada suficientemente para colocar sua mãe mais cedo no túmulo sabendo que ela herdaria dinheiro para pagar pelos procedimentos? – Talvez as coisas sejam diferentes agora. Você já conversou com a sua Tia Eustacia sobre a herança da sua mãe?
– Não. – ela disse. – Tia Eustacia disse que nós precisamos fazer o funeral amanhã, e então nos encontrarmos com os advogados na semana seguinte. Algo sobre estar levando algum tempo para verificar a versão final do testamento. – Jennifer pegou o celular da bolsa, então comentou que precisava ir embora.
Eustacia foi inteligente em manter a família à espera enquanto Finnigan tentava encontrar o supostamente novo testamento que a Gwendolyn pode ter finalizado na noite antes de ser morta.
– Você conversou com alguém sobre a causa específica da morte da sua mãe?
Jennifer recuou.
– Ela era velha e tinha problemas no coração. Eu pensei que foi um ataque do coração que finalmente a levou. Por que você pergunta?
Hmmm... eu não queria ser a pessoa que contaria a verdade a ela. Ela parecia genuinamente surpresa com a minha pergunta, mas eu não podia ter certeza se ela era uma boa atriz.
– Apenas curiosidade. Algumas vezes ajuda com o processo de luto você saber o que aconteceu com um ente querido. – eu disse, me lembrando de algumas das perguntas que eu quis fazer quando a Francesca morreu. Ou supostamente morreu.
Jennifer me agradeceu pela sugestão, e eu desejei sucesso em conseguir o dinheiro para marcar outro procedimento de fertilização in-vitro. Enquanto ela ia embora, um nó surgiu em minha garganta. Se Jennifer não estava no seu médico regular quando ela viu Eleanor, isso significava que Eleanor também estava visitando a clínica de fertilização. Será que ela estava tentando ter um filho? Eu sabia o quanto era importante para a minha irmã ter filhos, mas ela nunca disse que procuraria métodos alternativos. Será que eu poderia perguntar isso a ela? Ou isso seria apenas uma conversa inicial para entender suas opções? Eu teria que pensar na melhor maneira de abordar esse assunto, me assegurando que eu não a alienasse ou chateasse.
Emma retornou para a frente da loja com duas opções de quebra-cabeças. Eu escolhi o com o tema de Frozen, sabendo que ela estava obcecada com a Disney assim como ter um filhote. Nós pagamos pela nossa compra e partimos para o Campo Grey para assistir uma partida de beisebol de Braxton. Depois de uma visita rápida pelo campus, compramos cachorros quentes e batatas fritas na barraca da entrada, depois fomos à barraca do centro para nos abastecermos de guardanapos e ketchup. Enquanto terminávamos de encher nossas bandejas, Emma acenou para Nana D que estava parada a alguns metros da entrada dos banheiros conversando com o Marcus.
– A Nana D parece um pouco ocupada, querida. Vamos dar um minuto para ela terminar a conversa. – Emma colocou várias batatas na boca enquanto eu escutava inocentemente a conversa deles.
Nana D disse:
– Não, eu não estou pronta para ter o nosso próximo debate na terça-feira. Nós concordamos em todas essas datas com antecedência. Você não está sendo justo, Stanton!
– Qual é, Seraphina. Eu estou apenas pedindo para adiantar a data em três dias. Quando nós concordamos, eu tinha esquecido sobre as férias da minha família começarem na semana que vem. Eu não posso cancelá-las tão perto da viagem. – Marcus respondeu. – Além disso, já coloquei os funcionários para organizarem o hall para nós discutirmos assuntos de campanha.
– O que? Nós também havíamos concordado em fazer o próximo debate no Parque Wellington. Será que você não consegue cumprir as promessas que faz? Isso explica por que o abrigo para as pessoas sem casa perdeu seu orçamento nesse ano. – Nana D argumentou.
– Isso é bobagem! Eles perderam dinheiro porque o estado reduziu sua contribuição. Eu não tenho nada a ver com isso. – Marcus a desafiou em uma voz mais alta.
Algumas pessoas pararam e escutaram eles brigarem. Nana D colocou uma mão no quadril e cutucou Marcus no peito com a outra.
– Você é um mentiroso e um ladrão. Nós vamos ter o debate na sexta-feira como havíamos concordado previamente, e se você tentar mudar isso, eu vou contar à todos a fraude que você é. – Nana D continuou cutucando-o. Ela era uma mulher esperta. Ao focar na tentativa dele de mudar algo que já haviam concordado, isso fazia ele parecer muito pior. Pelo menos umas quinze pessoas começaram a se agrupar em volta.
Peguei a mão de Emma e caminhei na direção deles, esperando que eu conseguisse conter o temperamento da discussão.
– Olá, vereador, Nana D. Hoje vai ser um jogo emocionante. Por que nós não vamos aos nossos lugares e assistimos os arremessadores se aquecendo?
– Yeah, Nana D. Eu preciso contar tudo sobre como o papai perdeu no Packer-man. – Emma provocou enquanto levava sua bisavó em direção à arquibancada. Nana D piscou para mim enquanto se afastava engajada em uma conversa com a Emma.
Eu me virei para o Marcus.
– Dispersar aquela situação parecia a coisa ideal.
– Hmm, provavelmente foi um bom plano. Aquela sua avó é uma mal-humorada. Ela está determinada em me fazer responsável por cada coisa que nós discutimos. Algumas vezes mudanças são necessárias. – ele disse, tentando explicar seu comportamento e fingindo que eu não apoiaria automaticamente a família antes dele.
– Vocês dois tem algo um contra o outro há muitos anos. O que começou isso tudo? – eu perguntei, sempre curioso para saber sobre o passado. Nana D nunca revelaria o que havia acontecido entre eles, o que me deixava ainda mais determinado a descobrir seus segredos.
– Nada que eu queira discutir! – Marcus apertou os dois punhos e os sacudiu com vontade. – É melhor você cuidar da sua vida quando é em relação ao passado, Kellan.
– Bem, se é assim que você se sente, eu vou levar isso em consideração. – eu consenti, sabendo que essa não seria a única maneira de eu descobrir a verdade. – Eu vejo que o Striker está arremessando hoje. – Striker era o enteado dele, e ele havia efetivamente criado o menino pela maior parte da vida depois que a mãe do Striker faleceu.
Marcus havia parado de prestar atenção em mim e ao invés disso estava focado em um par de garotas com cerca de vinte anos que passaram por nós. Eu apenas as tinha visto por trás, mas eu vi que uma das garotas tinha mais perna do que eu tive de stripers na minha despedida de solteiro. Apesar de eu ter tentado impedir meus colegas de fazerem a festa em um clube para homens de Los Angeles, eventualmente cedi e me comportei! Quem quer que fosse aquela garota que tinha passado por mim e pelo vereador, ela pensava que usar fio dental era apropriado para um jogo de beisebol. Okay, era mais do que um fio dental, mas Emma nunca teria permissão para se vestir daquele jeito!
– Com licença, Kellan. Eu preciso discutir algo com a Srta. Taft. – ele disse me dispensando.
Eu percebi que era a Lilly e sua irmã Dana que passaram por nós. Dana estava vestida com uma roupa mais ousada, enquanto Lilly estava muito mais conservadora e pretensiosa em um vestido.
– Espere, vereador. Lilly Taft? O que você tem para discutir com ela? – eu perguntei.
– E o que isso tem a ver com você? – Marcus inclinou a cabeça na minha direção e tinha uma expressão azeda.
– Nada, na verdade. Eu estou conhecendo melhor a família. Agora que moro em Braxton, é importante para mim me conectar com minhas raízes, só isso. – eu esperava que isso fosse o suficiente para não levantar nenhuma suspeita, mas fiquei curioso para saber se ele tinha alguma relação com os Paddingtons atualmente.
– Lilly se formou com a minha filha mais nova. Eu conheço bem a família dela. Ela está procurando por investidores para algum novo negócio que quer abrir.
Interessante. O que será que ela estava tentando fazer?
– Você vai emprestar dinheiro para ela?
– Parece que não vou mais precisar. – Marcus respondeu, se afastando de mim.
– Espere, como ela conseguiu o dinheiro? – eu perguntei, apesar de não ter motivos para me meter na transação de negócios deles. Se ela não precisava mais do dinheiro, por que ele precisava encontrá-la?
– Eu não tenho ideia. Eu disse a ela que iria pensar sobre o assunto na última vez que nós discutimos a oportunidade, mas então Lilly disse à minha filha, essa semana, que ela não precisa mais da minha ajuda. – Marcus começou a ir embora, então parou e se virou para mim. – Talvez o seu tempo fosse melhor aproveitado se você focasse em controlar aquela sua avó, ao invés de ficar obcecado sobre as atividades diárias dos Stantons e dos Paddingtons. Nós estamos um pouco acima da sua família, Kellan. – Marcus gracejou enquanto corria atrás da Lilly.
Eu não podia segui-los sem ser percebido, e nem tinha alguma ideia de onde eles estavam indo. Ignorei os comentários depreciativos dele sobre o meu status social e ponderei a informação que tinha ficado sabendo. Ou Lilly havia encontrado um investidor ou pensou que iria receber dinheiro. Eu precisava contar isso para Eustacia. Com sorte ela teria algum conhecimento sobre os empreendimentos da Lilly.
O locutor pediu que todos se levantassem para o hino nacional sendo cantado pelo coral da faculdade. Depois do final emocionante, eu segui para os nossos lugares e assisti o jogo com a Nana D e Emma. Ao fim do jogo, Emma ficou tão animada que os Braxton Bears haviam vencido, que pediu para dormir na casa da Nana D. Quando a Nana D concordou, eu aceitei, sabendo que isso siginificaria que eu poderia fazer a maior parte do meu trabalho para as aulas na segunda-feira, já que as férias iriam acabar. Enquanto Emma ia embora com a Nana D, eu segui até o estacionamento e para a fileira onde havia deixado o SUV. Eu percebi o Sam Taft acenando para alguém que havia parado na vaga ao lado da dele.
– Hey, Sam. Mostrando um pouco de espírito esportivo hoje? – eu disse.
– Kellan, oh... oi... você viu... hmm... deixa pra lá. Yeah, eu sou voluntário no hospital. – Sam parecia alarmado e confuso. Novamente ele se recusou a olhar diretamente para mim.
– No que? – eu imaginei ele conversando com vários idosos por algum motivo.
– O que você quer dizer? – ele disse, colocando as mãos nos bolsos e engolindo em seco.
– Você disse que é voluntário. Eu estava perguntando no que você trabalha? – eu expliquei. As pessoas sempre se sentiam relaxadas ao meu redor. Eu nunca fui conhecido por deixar as pessoas preocupadas no passado. Ou o Sam ficava facilmente assustado, ou ele estava escondendo alguma coisa de mim.
– Certo. Eu trago crianças doentes do Hospital Geral do Condado de Wharton para alguns dos eventos esportivos de Braxton. Isso as ajuda a sair por um pouco de tempo, então elas podem esquecer sobre a doença. – ele disse, se esticando um pouco.
– Isso é uma coisa bem gentil para se fazer. – eu respondi. – É bom ver que você é generoso com seu tempo. – Sam não se comportava como o resto dos Paddingtons ou Tafts. Havia uma qualidade verdadeiramente realista nele. – Eu vi a sua irmã Lilly um pouco mais cedo. Ela iria se encontrar com o Vereador Stanton.
Sam mordeu o lábio.
– Ah, é mesmo? Yeah, ela é amiga da filha dele. – ele disse, começando a caminhar na direção da porta do motorista.
– O vereador mencionou algo sobre investir em uma oportunidade de negócios com a sua irmã. Você sabe de algo sobre isso? – eu perguntei esperando que ele pudesse compartilhar o que sabia.
– Oh, aquilo... yeah, ela está tentando começar uma agência de propaganda digital. Lilly está por dentro de assuntos como redes sociais e parcerias de marketing. Eu acho que está indo bem, mas nós não conversamos muito. – quando Sam tirou a mão do bolso para abrir a porta, algo caiu ao chão.
Eu me aproximei dele e me abaixei ao mesmo tempo.
– Eu pego. – eu disse.
– Não, pode deixar. – Sam o pegou primeiro, então colocou rapidamente no bolso antes que eu pudesse identificar o que era.
– Hmm, está tudo certo, Sam? Você parece meio abalado. – eu percebi o rosto dele começando a ficar vermelho.
– Sim, eu tenho que ir.
Enquanto Sam ia embora, eu sacudi minha cabeça. Ele era muito fechado com todos, incluindo eu. Eu mal o conhecia, mas isso era fácil de perceber mesmo nas três ou quatro vezes que nós nos cruzamos. Ou isso era falta de confiança por estar cercado de abutres em sua família, ou ele estava escondendo um segredo perigoso, baseado na teoria da Dana, e o garoto estava prestes a explodir. Eu precisava descobrir em quem ele confiava, na esperança de que a pessoa pudesse ser capaz de me dar uma pista do que estava acontecendo com o Sam. Enquanto eu dirigia para casa, liguei para Eustacia para ver o que ela poderia saber.
– Eu não tenho ideia de onde Lilly poderia ter conseguido o dinheiro para abrir o negócio dela. Eu só sei que ela estava tentando encontrar investidores porque Brad mencionou isso. – Eustacia disse depois que eu expliquei o que eu havia conversado com o Marcus.
– Eu não sabia que a Lilly e o Brad se conheciam bem. – eu comentei. Lilly morava na mansão Paddington, mas ela não parecia ser o tipo de garota que andava com os funcionários. – O que você pode me contar sobre o relacionamento deles?
– Não tenho ideia. Eu não sei o que essas crianças fazem ultimamente. Por que você não pergunta a eles? Por acaso eu os vi conversando algumas vezes nos corredores essa semana, sempre que ele estava em casa. – Eustacia comentou com desdém. – Aquela garota vai e vem mais do que as minhas ondas de calor. Bem, quando eu as tinha. Agora eu tenho esses malditos tremores constantes. Parece que minha bateria está acabando, ou algo assim.
Se nós não pudéssemos encontrar nenhuma cópia revisada do testamento da Gwendolyn, então Eustacia e Finnigan teriam que prosseguir com aquele que ele tinha guardado. Talvez Lilly pensasse que ela iria conseguir dinheiro com sua mãe que estava prestes a herdar uma boa grana com a morte da Gwendolyn. Eu ignorei as reclamações aleatórias da Eustacia sobre a temperatura do corpo dela, já que não queria ter pesadelos durante a noite.
– E quanto ao Sam? Você sabe alguma coisa sobre ele? Ele sempre parece agitado quando eu o encontro. – eu perguntei para Eustacia. – Agora mesmo, ele deixou algo cair e agiu estranhamente quando eu tentei pegar.
– Será que não foi a caneta web dele? – Eustacia perguntou. Eu pude ouvir a Bertha no fundo avisando que o jantar já poderia ser servido. – O garoto não pode comer nada sem aquilo.
Caneta web. Do que ela estava falando?
– Hmm, o Sam é doente? – eu perguntei, me lembrando da primeira vez que eu o havia visto segurando alguma coisa no bolso dele. Será que ela queria dizer uma caneta de epinefrina? Seja o que for que ele tinha naquele dia, seria o mesmo formato e tamanho. Será que ele estava carregando medicamento para o caso de seu corpo entrar em choque anafilático?
– Eu acho que você poderia dizer isso. Ele tem alergia a várias coisas, então tem que carregar aquela coisa por aí para se injetar no caso de sentir falta de ar ou desmaiar. – Eustacia comentou antes de dizer que tinha que desligar. – Sam sempre foi uma criança nervosa. Ele é o garoto mais gentil e respeitoso que já conheci, mas é bem quieto. Ele é sempre vago quando você faz perguntas diretas. Eu não tenho certeza sobre o porquê disso, mas provavelmente porque sempre tem medo de passar mal.
14
Vários minutos depois de retornar de uma corrida na manhã seguinte, eu encontrei um bilhete dos meus pais indicando que haviam ido à missa de domingo e planejavam encontrar alguns amigos para um brunch. Eu havia acabado de retirar minhas roupas de ginástica suadas e ligado o chuveiro, quando o telefone da casa tocou. Olhei para o identificador de chamadas, percebendo que meu irmão Hampton estava ligando. Além de algumas férias de verão ou outros feriados, nós havíamos passado pouco tempo juntos como adultos. Ele havia ficado mais conservador e mente-fechada assim que se conectou com o pai de sua esposa, e focado em construir seu próprio império.
– Howdy? Como está o meu hampster favorito? – eu provoquei ao atender o telefone. Quando nós éramos pequenos, meu irmão tinha trazido o animal de estimação da sua turma para casa, Houdini, para cuidar dele durante um feriado prolongado, mas o hamster desapareceu. Enquanto ele estava se sentindo triste e envergonhado por ter perdido o animal, meu irmão pegou sua roupa suja para dar para a empregada antes de nós irmos para a escola. Quando ela se abaixou para pegar a cesta, a criatura peluda colocou sua cabeça para fora da pilha de roupas assustando a pobre mulher, que pediu demissão. Sabendo que Hampton iria pegar a roupa suja, eu não contei a ele que havia encontrado o bichinho, e ao invés disso, coloquei o Houdini debaixo da primeira camada de roupas alguns minutos antes da empregada pegar o cesto. Até esse dia, Hampton não sabe o que eu fiz. Se contasse a ele, eu não seria capaz de usar o apelido odiado, o Hampster, nunca mais.
– Vejo que você continua infantil como sempre, Kellan. Eu acho que eu não posso esperar que você cresça quando ainda está morando na casa do pai e da mãe. – Hampton zombou no telefone.
– Eu estou aqui temporariamente enquanto decido o que fazer. Ainda não vendi minha casa em Los Angeles e estou considerando colocá-la para aluguel durante um ano. Eu acho que isso é uma coisa bem astuta para se fazer, sabe? – eu tentei apelar para o lado barato dele ao destacar uma oportunidade para ser responsável financeiramente.
– Vamos ter essa conversa novamente em alguns meses para ver se alguma coisa mudou. – ele respondeu. Hampton contava constantemente a todos sobre seu salário, pensão, bônus, casa de veraneio na marina de Maryland, e qualquer coisa que mostrasse claramente o quão bem de vida ele era. – Como o salário de professor está funcionando para você?
– Eu tenho certeza de que você vai gostar de saber que eu negociei um bom pacote para mim mesmo. Estou trabalhando em dois empregos ao ajudar a desenvolver o programa para expandir Braxton. – eu comentei me sentindo orgulhoso de mim mesmo por simplesmente dizer os fatos ao invés de tentar conseguir uma atitude mais gentil dele.
– Sem dúvidas por causa de algo que o pai conseguiu arranjar, eu tenho certeza. Ele está por aí?
Eu não tinha certeza do porquê eu tentava impressionar o meu irmão. Era como perder uma batalha não importava o caminho que eu escolhesse.
– Não, eles estão em um brunch com os amigos. Posso te fazer uma pergunta de questão legal? – eu me encostei na parede do banheiro observando o vapor acumular ao meu redor, talvez também dentro de mim.
– Eu suponho que posso te dar uma consulta grátis. Você está prestes a ser preso por alguma coisa? Eu não estou familiarizado com a lei criminal tanto como estou com a lei corporativa e empresarial. – Hampton suspirou, então riu quando terminou de falar.
– Preciso saber sobre patrimônios e heranças. Eu estou ajudando uma das amigas da Nana D que faleceu recentemente. Você se lembra da Gwendolyn Paddington?
– Você a está ajudando? Os Paddingtons tem bastante dinheiro. Eu tenho certeza de que eles têm vários advogados para lidar com isso, Kellan. Por que você está se inserindo em uma situação para a qual tem zero qualificações? A mãe poderia cuidar disso melhor do que você. Ou a Nana D.
– Pare de ser tão sarcástico. Eu não disse uma palavra para você nessa ligação que mereça suas piadas implacáveis. E você ainda fala sobre eu não crescer, mano.
– Está bem. O que você precisa saber? – ele perguntou. Eu não podia ter certeza se ele estava genuinamente querendo ajudar ou preferia desligar o mais rápido possível.
Eu expliquei a situação sobre o testamento desaparecido e comentei que não tinha certeza se ele realmente existia.
Ele respondeu:
– É completamente legal se o Finnigan fez o rascunho do testamento e alguns nomes foram escritos à mão nos lugares próprios. Supondo que ele foi assinado por duas pessoas que não eram os beneficiários, e esteja datado após o testamento antigo, o novo seria aceito em qualquer tribunal da Pensilvânia.
Eu fiz um som de concordância.
– Estou preocupado que alguém o está segurando até depois que termine o funeral, então ele ou ela irá dizer que o encontrou misteriosamente.
– Você já perguntou por aí? Talvez um dos funcionários da mansão Paddington tenha assinado como testemunha. É provavel que ninguém da família tenha agido como testemunha, assumindo que a Gwendolyn deixou seu dinheiro para a família. As testemunhas devem ser partes desinteressadas.
O Hampster tinha um argumento sólido. Os funcionários teriam pensando que não era seu trabalho contar sobre isso, ou acreditavam que o testamento já estava com os advogados.
– Por falar em família, Eleanor e eu estávamos conversando no outro dia. Nenhum de nós sabe sobre o Gabriel. E você?
– Não. Até onde eu sei, ele abandonou a família quando foi embora anos atrás. Se o Gabriel não quer entrar em contato conosco, então não tenho vontade de perder tempo pensando nele.
Ah, o irmão que eu conhecia havia retornado depois de ter abaixado a guarda por alguns minutos.
– Eu fiquei sabendo que você tem novidades. Você está preparado para compartilhar comigo? – Eleanor estava convencida de que a esposa dele estava grávida novamente. Eu pensava que era algo maior.
– É por isso que eu estava ligando para o pai. Eu acho que posso te contar, mas por favor, me deixe ser eu quem vai contar a ele quando ele retornar minha ligação. Você vai avisá-lo que liguei, certo, Kellan?
– É claro. O que está acontecendo? – eu perguntei, esperando que fosse algo positivo. Por mais que gostasse de provocá-lo, eu desejava apenas o melhor para meu irmão. Nós podemos não ter mais muito em comum, mas com o Gabriel desaparecido e a Penelope morando em Nova Iorque, nós estavamos perdendo irmãos para todos os lados.
– Natasha está esperando o nosso quarto filho para esse verão. Nós também decidimos nos mudar de volta para a Pensilvânia. O pai dela encontrou um novo poço perto das minas Betscha que acha que pode ser lucrativo. Ele quer que eu ajude a cuidar das operações dessa vez. Acho que ele está considerando deixar sua empresa para Natasha e eu ao invés de seu filho que não parece interessado. Ou competente. Seria quase tão ruim quanto se ele as desse para você.
Depois de eu desligar com o Hampton, terminei de tomar banho e me vestir para minha terceira ida a um funeral nas últimas semanas. Nana D me ligou enquanto eu entrava no SUV para me avisar que havia deixado a Emma com a Eleanor na Lanchonete Pick-Me-Up. Eleanor havia concordado em cuidar da Emma enquanto precisava ficar na lanchonete para ver o eletricista terminar todo o trabalho na cozinha. Ela planejava pedir que Emma a ajudasse a decidir o cardápio final com o Chef Manny. Eles haviam mantido a maior parte dos pratos originais, mas Eleanor queria que a nova lanchonete refletisse sua personalidade assim como mantivesse a história do local. Conhecendo o amor da Eleanor por astrologia, eu imaginava os novos pratos com nomes como “Peixe da sorte” e “Panquecas Bola de Cristal”.
Eu cheguei na casa de velórios Wharton Whispering Pines dez minutos depois. Havia apenas dois lugares para funerais em todo o Condado de Wharton, e por algum motivo, todos os três últimos funerais haviam acontecido nesse lugar. Eu entrei no prédio e cumprimentei a diretora, Lydia Nutberry, uma agente funerária da terceira geração, que já me reconhecia.
– É a sala três seguindo pelo corredor, a mesma que da última vez, Kellan. – ela disse.
Apesar da Gwendolyn ser bem conhecida em Braxton, a família resolveu manter o funeral privativo. Um memorial separado seria organizado na semana seguinte nas Empresas Paddington para qualquer funcionário ou colega que conheciam a Gwendolyn, e teria um similar acontecendo na Casa de Espetáculos Paddington ao fim da produção de Rei Lear, para quaisquer amigos dela do teatro. Eu havia enviado um email para a Myriam sugerindo que nós tivéssemos uma dedicatória especial para Gwendolyn na apresentação de estreia e fiquei agradavelmente surpreso quando ela apoiou a ideia.
Já que o funeral de hoje era um evento apenas para convidados, Eustacia e o resto da família haviam feito uma lista das pessoas específicas que poderiam participar. Exceções eram permitidas apenas através da Ophelia, que tinha o direito de limitar a lista de convidados. Enquanto isso parecia peculiar no começo, Nana D apontou que as pessoas em Braxton geralmente iam aos funerais apenas para ouvir fofocas e comer de graça. Já que iriam haver três cerimônias diferentes para amigos e outras pessoas poderem ficar de luto apropriadamente, eu mantive minha boca fechada. Também seria mais fácil para eu observar os movimentos e reações da família um com o outro, já que finalmente todos estariam juntos na mesma sala.
Depois de uma rápida discussão com Lindsey, Millard, Eustacia e a Nana D, eu olhei a sala para ter uma ideia de quem já havia chegado. Dana conversava com sua mãe em um canto perto dos fundos da sala. Havia um homem mais velho com elas, mas eu não o reconheci. Poderia ser o Richard Taft, marido da Ophelia e pai da Dana. Ele tinha o braço em volta de Dana de uma maneira meio paternal. O cabelo grisalho estava cortado curto, e ele usava um par de óculos com armação prateada. Não era particularmente alto e tinha alguns quilos a mais na região do abdômem. Ele assentiu para Lilly quando ela se afastou da Jennifer e veio na minha direção.
– Você é o Kellan, certo? – ela disse com o nariz empinado. Ela estava vestida com um respeitável vestido cinza com os ombros e braços cobertos por mangas bufantes. O cabelo brilhoso e preto dela estava preso em uma trança francesa atrás da cabeça. Ela cruzou os braços e disse: – Eu ouvi que você está indo à mansão ultimamente, perguntando várias coisas sobre mim. O que você quer?
Quem havia dito isso? Acho que Marcus Stanton poderia ter mencionado que eu perguntei sobre ela. Eu duvidava que Eustacia ou Millard diriam alguma coisa. Talvez Sam ou Dana, talvez até mesmo Jennifer, pudessem ter trazido meu nome à tona. Eu não achava que eu já tinha conversado com Brad sobre ela, mas todas as conversas estavam começando a se misturar por causa do número de relações entre os Paddingtons.
– Oh, é mesmo? Eu devo ter indicado que eu não tive uma chance de conversar com você depois que sua avó faleceu. Por favor, aceite minhas condolências pela perda dela. – eu disse com uma breve inclinação de cabeça na direção dela.
– Yeah, obrigada. Então, eu estou acostumada com as pessoas falando sobre mim. Eu estou geralmente no centro das coisas. Você me encontrou agora. O que quer saber? – Lilly mudou seu peso de um pé para o outro como se estivesse pronta para me ouvir por uma quantidade ínfima de tempo, mas queria estar em outro lugar.
– Eu não acho que tenha algo específico que eu queira saber. Já que estou passando bastante tempo com a sua família e os representando na Casa de Espetáculos, parecia apropriado conhecer um pouco mais sobre todos. – eu comentei, enquanto observava o homem que havia estado com Ophelia e Dana beijá-las nas bochecha e ir em direção à saída. – Será que você saberia quem é aquele cavalheiro? – eu disse apontando em direção ao homem grisalho que eu suspeitava ser o Richard Taft.
– Será que você já não deveria ter advinhado? Quero dizer, você vai ser o nosso representante na Casa de Espetáculos, seja lá o que isso signifique, e você precisa entrar no programa, Kellan. Eu não consigo entender o que a Tia Eustacia vê, se você não conhece os membros da família. – Lilly bufou audivelmente e caminhou em direção à mesa para se servir de chá.
Eu a segui.
– Eu presumo que seja o seu pai, mas estou conhecendo a sua família a apenas alguns dias. Ele não estava por aqui antes, estava, Lilly? – eu tentei ser o mais educado possível, para não afastá-la, mas a garota pingava veneno assim como sua mãe e avó. A maldade ou atitudes incultas definitivamente corriam na família.
– Sim, é o meu pai. Ele viaja à trabalho, mas não por muito tempo. Se você não ficou sabendo, ele vai ser o novo chefe da empresa da família. – Lilly parecia orgulhosa de si mesma, obviamente a garotinha do papai. Será que era assim que ela pensava que ia ter dinheiro para lançar seu novo negócio?
– Oh, Eustacia não mencionou isso para mim ainda. Acho que é uma coisa boa para sua família. Eu estava sob a impressão de que o seu Tio Timothy estava apenas de licença temporária das Empresas Paddington.
– Aquele perdedor drogado? Ugh, por favor. Isso são notícias de ontem. – quando Lilly colocou o leite no chá, derrubou um pouco na mesa. Antes de se afastar, ela disse para mim: – Você limpa isso, não é mesmo, querido?
Eu limpei a sujeira rindo comigo mesmo sobre a falta de boas maneiras dela e seu semblante impertinente. Quando a alcancei, ela estava olhando ao redor antes de se focar no Brad enquanto ele entrava na sala.
– Eu entendo que você e Brad são amigos. – eu disse, esperando conseguir uma reação.
– Eu não tenho certeza se isso é assunto seu. Se você não tem mais nada para me perguntar, então acho que nós já terminamos. – Lilly disse, abanando uma mão para mim. Antes de ela se afastar, se virou para mim e me entregou o copo de papel. – Isso vai na lixeira, se você não se importar, querido.
Eu aceitei o copo, mas gentilmente segurei o pulso dela por um momento.
– Ah, certamente. Eu não me importo nenhum pouco, mas nós claramente não terminamos, querida. Conte-me mais sobre esse pequeno projeto que você está tentando conseguir investidores. – eu havia lidado com muitas garotas como ela em Los Angeles. Se você as deixar falar por cima de você, sempre fariam isso. Algumas vezes você tinha que empurrar de volta, mesmo que isso significasse arriscar o relacionamento ou sua oportunidade de conseguir respostas.
– Não é um pequeno projeto. Eu tenho uma equipe brilhante pronta para executar planos sólidos de marketing e abordagens únicas para vender melhor produtos e serviços. Eu sou a rainha das redes sociais, e isso vai ser grande quando começar a funcionar. – Lilly respondeu, soltando seu pulso da minha mão. – Eu agradeceria se você não encostasse sua pata em mim.
– Minhas desculpas, eu apenas pretendia continuar nossa conversa, e não deixá-la desconfortável. Eu sou fascinado pela ciência por trás dos dados de propagandas e pesquisa. Eu presumo que você já tenha encontrado investidores? – eu disse com um sorriso falso.
– Não exatamente, mas vou conseguir logo o dinheiro, o meu pai ofereceu que as Empresas Paddington financiem o lançamento completo. Minha mãe não estava disposta a me ajudar até que ele voltou às nossas vidas. Ela é bem inútil quando o assunto é negócios. Eu sei o suficiente para não ficar como ela. Estou surpresa de que ela não tentou se livrar da nossa avó antes. – Lilly piscou várias vezes, então se afastou mostrando um exorbitante e injustificado senso de orgulho de si mesma.
Eu fiquei parado em silêncio pensando sobre o mau comportamento da Lilly quando fui interrompido.
– O que a minha filha queria com você? – uma voz fria falou atrás de mim. Eu fiz uma careta quando me virei e Ophelia olhava para mim com os olhos em pânico e os lábios apertados. – E não venha com desculpas, eu sei de tudo sobre as perguntas que você tem feito para o resto da família. Meu filho, Sam, mencionou que você o tem incomodado durante várias vezes na última semana.
– Primeiro de tudo, eu certamente não estava incomodando o seu filho. Nós nos encontramos enquanto eu estava correndo nas Montanhas Wharton, e então novamente no estacionamento do Campo Grey. Ele estava tenso e chateado com a perda de sua avó. Eu compartilhei minha própria história sobre ter perdido um ente querido na esperança de confortar o garoto.
– Eu sugiro que você deixe minha família em paz. Não tenho certeza do porquê a Tia Eustacia insistiu que você tivesse acesso completo à mansão e a Casa de Espetáculos, mas isso vai mudar em breve quando o testamento for lido e eu ficar responsável pelo seguimento das coisas. – Ophelia comentou, parecendo mais e mais com a Cruella de Vil. – Enquanto isso, se você tiver alguma pergunta sobre a minha família, você as pode direcionar para mim. Deixe o Sam, a Dana e a Lilly em paz. Eles são bem jovens e não tem uma compreensão clara do que está acontecendo aqui. Eles não sabem que alguém pode ter adulterado a medicação da minha mãe, e nem precisam saber sobre isso. Estou sendo clara?
Qual era o problema com a família Paddington? Eles me fizeram de escravo ao invés de ter uma conversa normal como uma pessoa civilizada.
– A minha única intenção é ajudar a Eustacia a entender o que aconteceu com a Gwendolyn nas últimas semanas. Ela estava ficando mais doente, e ninguém fez qualquer coisa para remediar isso ou percebeu o que estava acontecendo. Mas o fato continua, alguém trocou os medicamentos para o coração dela por placebos, então deu uma overdose de cocaína.
– Tudo o que você está fazendo é dizer os supostos fatos. Eu já tive o suficiente disso vindo daquela xerife invasiva. – Ophelia respondeu enquanto arrumava uma mecha de cabelo que havia se soltado de seu penteado perfeito.
– Me desculpe por dizer isso, Ophelia, mas poucas pessoas da sua família parecem preocupadas sobre quem pode ter alterado a medicação da sua mãe. Todo mundo está mais interessado na leitura do testamento. E se tiver sido a sua irmã ou um de seus filhos? Ou você já sabe quem foi? – eu presumi que seria controverso sugerir tal teoria, mas naquele ponto, a única maneira de combater os comentários maldosos que estava recebendo era retornar com fogo. Eu não gostava de ser cruel, mas havia sido encurralado em um canto.
– Como você ousa! Ninguém nessa família assassinou a minha mãe. Eu tenho certeza de que houve alguma confusão com os medicamentos dela. E quanto à overdose por droga, eu não posso explicar isso. Ligue para o farmacêutico! Como eu disse para a xerife, deixe essa família em paz para que possamos lidar com nosso luto. Se você insistir que tem algo estranho, talvez você devesse focar naquele enfermeiro enxerido ou naquele diretor de teatro repugnante que tinha algo contra ela há mais de uma década. – Ophelia sacudiu o dedo no meu rosto, mas manteve a voz baixa não querendo criar uma cena.
– Eu estou olhando de todos os ângulos. Se você tem tanta certeza de que a sua família é inocente, por que a Lilly disse que ela pensava que você poderia ter matado sua mãe? Sua filha não parece focada em lhe proteger.
Ophelia recuou, então bufou para mim.
– Lilly está com raiva porque eu não vou dar nenhum dinheiro para ela abrir aquele negócio confuso que ela quer começar. Temos espaço para ela em qualquer uma das empresas da família, ela não precisa procurar em outro lugar. – Ophelia se virou prontamente na direção oposta procurando por alguém que conhecesse e se afastou de mim.
Bem, isso foi divertido. Era como se eu tivesse sido marcado como alvo por uma mãe e uma filha que queriam descontar sua raiva e vingança em alguém que estivesse por perto. Ao invés de tentar me engajar com a Dana, Jennifer ou Sam, desisti e saí do salão de funerais depois de passar pelo caixão fechado da Gwendolyn para prestar meu adeus. Quando entrei no carro, meu celular mostrava uma nova mensagem. Por favor, que não seja outro Paddington ou Taft me incomodando.
Nana D: Parece que você se divertiu. Conseguiu saber de algo?
Eu: Não muito. Nós precisamos descobrir se existe outro testamento. Se não, minha aposta seria a Jennifer ou Ophelia como assassina. Elas teriam mais a ganhar.
Nana D: Você está com sorte. Eu conversei com a Bertha. Ela nunca viu os detalhes, mas foi uma das duas pessoas que o assinou. Ele definitivamente existe.
Eu: Essas são ótimas notícias. Quem foi a outra testemunha? E onde está o testamento agora?
Nana D: Ela só pode responder uma dessas perguntas.
Eu: Qual delas? Fale logo, Nana D. Eu estou cansado de ser arrastado e mantido à distância hoje.
Nana D: Você é o garoto mais impaciente que já conheci. Brad foi a segunda testemunha. Bertha não tem certeza de onde o novo testamento foi parar.
Eu: O Brad??? Onde Bertha viu o testamento por último?
Nana D: Na caixa de correio. Gwendolyn o enviou para si mesma. Garota esperta.
Eu: Já se passou uma semana. Já devia ter chegado.
Nana D: A não ser que alguém o tenha encontrado e destruído, então eles não perderiam na herança.
15
As aulas retornaram na segunda-feira de manhã. Depois de deixar a Emma na escola, eu dirigi até o campus e ministrei a minha primeira aula do dia. Enquanto os alunos conversavam em grupos, a empregada grávida que desapareceu da mansão Paddington anos antes veio à minha mente. Se Brad era o filho de Hannah, será que a descoberta do pai dele teria sido por que Gwendolyn havia morrido? Eu precisava convencer a Eustacia de que nós precisávamos contar ao Millard o que sabemos, mesmo se isso causasse dor a ele. Por mais que eu não pensasse que ele pudesse ter matado sua própria cunhada, talvez fosse hora da verdade vir à tona sobre Hannah ter tido um filho dele.
Assim que minha segunda aula terminou, eu segui os estudantes para fora da sala de aula para pegar outro copo de café. Eu havia acordado tarde demais e precisava de cafeína extra para seguir com o dia. Enquanto estava na fila, Connor e a Xerife Montague entraram na The Big Beanery. Eu paguei pelo meu café e escolhi uma mesa do canto, então acenei para que eles viessem assim que pegaram seus pedidos.
– Kellan, é bom te ver. – Connor disse enquanto se sentava à minha frente. – A xerife e eu temos apenas um minuto, mas não queríamos ser rudes.
– Eu aprecio isso. Tenho certeza de que vocês dois tem bastante a discutir sobre a morte da Gwendolyn. Eu entendi que você finalmente localizou o Timothy. – eu ofereci uma maneira de focar a conversa. – Eu queria conversar com ele, mas até onde entendi, ele estava recusando visitantes na clínica de reabilitação.
– Sim, ele está tentando ficar limpo e lutar contra o seu vício em apostas. Enquanto eu o elogio por lutar contra seus demônios, essa é certamente uma hora conveniente para se esconder. – a Xerife Montague grunhiu enquanto mexia o leite em seu copo. Quando eu passei a bandeja com os saches de açúcar para ela, ela levantou a palma da mão para mim. – Connor me mostrou a luz sobre ficar longe dessas coisas.
Nas quatro vezes que eu os havia visto juntos, percebi um clima crescente. Eu não achava que Connor estivesse completamente ciente sobre quantas vezes ela o encarava ou tentava flertar casualmente. Eu havia mencionado isso antes, mas Connor, que tinha o físico de uma parede de tijolos, me mandou ficar de boca fechada. Não sendo alguém que queria arriscar as consequências indesejadas, eu segui o conselho dele e observei de longe o comportamento da April com ele. Houve pelo menos dois olhares furtivos e um toque de braços quando ela se sentou conosco.
– O que faz você pensar que a decisão de Timothy sobre largar as drogas e o jogo ser conveniente? – eu perguntei.
– Enquanto a mãe dele tem um ataque do coração e cai morta no meio de uma apresentação de teatro por causa de uma overdose de cocaína, ele de repente vê a luz e se interna em uma clínica? Você não percebe a coincidência disso, Pequeno Ayrwick? – ela estralou os dedos fazendo com que eu me encolhesse a cada estralo bem sucedido.
– Eu não o vi no funeral. Você não o prendeu, não é mesmo? – eu perguntei, acreditando que a xerife não iria impedir um filho de visitar sua mãe uma última vez antes do enterro.
– Timothy não está preso. Nós os interrogamos na esperança de entender mais sobre a escolha de drogas dele. Parece que a cocaína também foi o declínio dele. – a Xerife Montague disse em um tom tão superficial que eu poderia praticamente ver o que ela estava pensando. Ela achava que o Timothy havia matado sua própria mãe.
– Timothy estava livre para sair da clínica de reabilitação, mas aparentemente escolheu não aparecer no funeral. – Connor completou. Ele colocou ambas as mãos na mesa em frente e começou a bater os dedos. – Parece que ele não precisava dizer um último adeus.
– Talvez ele tenha encontrado a religião e ter feito as pazes com a morte dela. Nem todos gostam de ir a funerais. – pessoalmente, eu achava que eles eram entediantes e frustrantes. A maior parte das pessoas ia porque se sentiam compelidas a dizer adeus para um corpo. Enquanto eu não tinha ideia de para onde o espírito ou alma iria depois da morte, eu ficava muito mais confortável conversando com alguém que eu havia perdido no conforto da minha própria casa ou em um banco de um parque calmo. – Ele explicou por que eles brigaram durante o intervalo no teatro? – eu ainda não sabia por que Timothy havia escolhido não assistir ao show, mas apareceu por lá.
– Se você está curioso, por que não vai até a Clínica de Reabilitação Reflexões da Segunda Escolha para você mesmo perguntar? – a xerife sugeriu.
Eu fiquei feliz, já que eu não sabia qual era a clínica que ele tinha se internado. Muito bem!
– Apenas curioso. Havia muitas pessoas que pensavam que iriam se beneficiar com a morte da Gwendolyn.
A Xerife Montague disse:
– Bem, uma delas foi até o ponto de trocar apenas uma dosagem do comprimido por uma grande dose de cocaína para matá-la. Não havia traços adicionais de cocaína em nenhuma das outras pílulas que Gwendolyn tomou no teatro. Nenhuma das outras que encontramos na casa dela estavam contaminadas também.
Pelo menos agora eu tinha a confirmação de que os comprimidos adulterados foram especificadamente trocados para aquela dose da tarde.
– Eu acho que até alguém encontrar o novo testamento desaparecido, nós não podemos determinar quem é o culpado. Eu, particularmente, não gosto ou confio em ninguém daquela família.
– Com licença, você disse um novo testamento? – a xerife disse enquanto seus olhos brilhavam e uma expressão azeda surgia em seu rosto. – Eu não estou ciente de ninguém procurando por um novo testamento.
– Sim, Gwendolyn assinou um novo testamento na noite antes de morrer. Ninguém foi capaz de localizá-lo ainda, mas eu entendi a existência de duas testemunhas que o assinaram. Eu tenho certeza de que eles podem atestar a sua existência, assim como Finnigan Masters, o advogado da Gwendolyn. – eu sorri enquanto respondia à xerife, me sentindo presunçoso por saber de algo que ela ainda não sabia. Isso não era maduro de minha parte, mas eu aceitava pequenas vitórias de tempos em tempos.
– Okay, Pequeno Ayrwick... vamos voltar um pouquinho. Por favor, explique o que quer que você saiba. Eu posso dizer pelo sorriso enjoativo no seu rosto que você tá tendo o seu ego massageado. Por favor, compartilhe a sua destreza investigativa com a pobre e infeliz xerife que parece estar um passo atrás de você dessa vez. – ela colocou as mãos juntas e fingiu que estava implorando pela minha ajuda.
Será que ela estava realmente admitindo que eu fui capaz de descobrir mais do que ela?
– E o que isso significa para mim? – eu olhei diretamente nos olhos dela enquanto respondia. – Quero dizer, parece que você está querendo trabalhar junto comigo para resolver esse quebra-cabeças peculiar.
– Na troca por você contar o que sabe, felizmente, não vou levar o seu traseiro patético para a cadeia do condado por ocultar evidências e desrespeitar a força da lei. – enquanto ela ficava em pé, uma mão foi em direção ao quadril onde uma arma estava seguramente guardada no coldre. Será que ela estava tentando me intimidar?
– Eu estou tentando encontrar uma maneira de trabalharmos em parceria, April, mas você me bloqueia a cada vez. Eu acho que você precisa abrir sua mente e ser mais flexível. Correndo o risco de te incomodar ainda mais, qual é o problema com uma “quid pro quo” quando isso pode ajudar a encontrar um criminoso? Não é como se eu fosse colocar no jornal tudo o que você me diz. Eu não fiz nada nesse caso para ficar no seu caminho, ou fiz?
O choque e a trepidação do Connor me disseram claramente que eu precisava recuar.
– Kellan, eu tenho certeza de que a xerife aprecia a sua ajuda, mas por que isso é tão importante para você?
– Honestamente, no começo era porque a Nana D me pediu para descobrir se alguém estava tentando machucar a Gwendolyn, mas menos de vinte e quatro horas depois, a mulher foi assassinada. Toda vez que eu converso com alguém da família Paddington, eles me censuram ou me tratam como se eu não valesse a poeira onde pisam. Eu quero ver quem tiver matado a mulher ir para a cadeia.
– Você está começando a me incomodar mais do que o normal, mas obviamente, mais uma vez, você tem a habilidade de chegar perto de todos os jogadores chave nessa investigação de assassinato. Eu não vou fingir que ter você do lado de dentro não é um benefício, mas nós precisamos estabelecer algumas regras. Eu preferia não ter que lhe colocar na prisão, com aquela sua avó louca na liderança para se tornar a próxima prefeita.
– Eu posso respeitar as regras se elas forem justas e mutualmente benéficas. – eu completei. Devia haver uma maneira que eu poderia ter a permissão sem causar tensão adicional com a xerife e ainda assim ajudar a Eustacia a descobrir quem matou sua cunhada.
Depois de explicar tudo o que eu sabia, a xerife me pediu vinte e quatro horas para processar o que eu havia contado.
– Não dê nenhuma informação para ninguém naquela família agora! – ela gritou antes de sair pela porta.
– Você precisa agir um pouco mais de leve, Kellan. – Connor comentou depois que ela saiu. – Você sempre foi enxerido, mas parece estar ficando muito mais confiante e intrometido do que eu me lembro.
Eu não havia pensado dessa maneira. Eu me via como sendo capaz de conseguir respostas, e o meu intelecto e curiosidade ficavam intrigados por investigações reais de crimes. Eu sempre quis ter meu próprio show focado nos casos históricos, mas a adrenalina de algo atual, ou conectado com as pessoas que eu conhecia, me animava.
– Eu não quis ser pretensioso. Apenas acho que tenho um talento natural nessa área. Por que eu o desperdiçaria se posso encontrar o equilíbrio entre cumprir a lei e descobrir a verdade?
– Até que você acabe sendo morto porque o assassino é mais esperto e preparado do que você. Será que você já pensou sobre como a Emma se sentiria depois de perder ambos os pais em uma idade tão jovem? – Connor disse.
Eu fechei os meus olhos para evitar que eu dissesse algo que não podia. Ou não deveria. Quando me senti aliviado o suficiente para responder, eu disse:
– Eu sei que você está certo. Prometo que vou ser mais cuidadoso.
– Se você está comprometido em ficar em Braxton, eu gostaria de sugerir que nós reconstruíssemos a nossa amizade. Voltar aos dias da faculdade. – Connor respondeu, me dando um soco no braço. – Eu tenho estado sozinho durante muito tempo e sinto falta de ter um melhor amigo.
– Eu também sinto. – eu disse, engolindo a bola de stress emocional que se formou na minha garganta. Por mais que Eleanor estivesse me ajudando a tentar entender o que eu deveria fazer com relação à Francesca, conversar com o Connor sobre isso era algo que eu queria fazer desesperadamente havia dias.
– Vamos voltar a tomar uns drinks e sair para jantar mais frequentemente. Talvez nós pudéssemos sair para umas corridas juntos? – Connor ficou em pé e me deu dois tapas no ombro. – Você tem um pouquinho para tirar o atraso, cara.
Eu ri, sabendo que poderia usar essa motivação.
– Por falar em jantar, Eleanor mencionou que vocês vão sair amanhã para conversar sobre o que aconteceu entre vocês no último Natal.
– Sim. Eu não estou dizendo que as coisas vão funcionar entre mim e ela, e eu ainda estou interessado na Maggie, mas prometi a você que conversaria com a Eleanor. Ela é uma mulher maravilhosa. Quem não iria querer sair com ela?
Apesar de eu saber que ele estava certo, ela era minha irmã e eu ainda não tinha perguntado por que ela tinha ido à clínica de fertilidade. Depois que eu e Connor fizemos planos para irmos correr naquele final de semana e nos despedimos, eu ministrei a minha aula de três horas e revisei meus planos para as próximas aulas. O sol estava começando a se pôr e apesar de querer ir me exercitar, eu precisava descobrir do Brad o que ele sabia sobre o novo testamento da Gwendolyn. Quando peguei meu celular para encontrar o número da mansão Paddington, percebi várias ligações perdidas da Eleanor.
Eu tinha me esquecido que hoje era a reunião final com o inspetor para ver se ela poderia abrir a lanchonete. Rapidamente liguei para ela e descobri que ela havia passado. Eleanor estava feliz de finalmente ter tudo no lugar. Eu disse a ela que passaria lá em algumas horas para um jantar mais tardio junto com a Emma. Minha avó também havia deixado uma mensagem de texto para mim.
Nana D: Emma está aqui comigo. Nós estamos fazendo doces, já que você teve um final de semana difícil.
Eu: Você é a melhor. Eu vou passar aí às sete, então nós podemos ir à abertura da Lanchonete Pick-Me-Up.
Nana D: Você já foi falar com o Brad?
Eu: Estou indo agora, por isso estou atrasado.
Nana D: Então pare de me incomodar e consiga completar algo, pra variar.
Eu: Por falar em completar as coisas, você já tem um plano para o debate de sexta?
Nana D: Será que alguém já te falou que você é um diabinho presunçoso?
Eu: Sim. Uma mulher maluca com quem eu gosto de estar por perto, mesmo que não admita com frequência. Isso sobe à cabeça dela com muita facilidade. E todos nós tivemos o suficiente dessa experiência por toda a vida.
Nana D: Isso significa que você virá morar comigo? Seus pais precisam de privacidade. Eles precisam ter o ninho vazio, para que tenham algum espaço para seguir em frente. Você está atrapalhando o estilo deles. Eu imagino que eles não fizeram nada desde que você voltou.
Eu: Pode parar por aí. Obrigado por me dar uma imagem que nunca vou ser capaz de apagar da memória. Se você entendesse os emojis, eu mandaria uma imagem de um sapo vomitando. Mas já que não entende, vou me contentar dizendo ECA!
Nana D: Você é tão imaturo. Eu não o criei para ser tão fraco.
Eu sacudi minha cabeça para tirar as imagens que a conversa havia criado. Quando liguei para a mansão Paddington, Bertha me informou que o Brad havia saído para uma entrevista no hospital. Eu passei por uma lista de contatos que poderiam saber onde a entrevista dele estava acontecendo, então decidi por uma antiga colega da escola que trabalhava no RH do Hospital Geral do Condado de Wharton. Dez minutos depois, incluindo uma promessa de levar a filha de Lydia Nutberry, Tiffany, para tomar um café na semana seguinte, eu sabia a hora, localização e o contato da pessoa com quem Brad iria se encontrar. Eu tinha certeza de que o fato de ela ter revelado a informação era algum tipo de violação da lei, mas provavelmente não era algo pelo qual a Xerife Montague pudesse me prender. Eu havia prometido à xerife que ficaria quieto por vinte e quatro horas. Ter uma pequena conversa com meu novo amigo Brad, sobre o testamento de uma velha amiga, possivelmente não me deixaria com problemas.
Infelizmente, peguei muito trânsito enquanto dirigia pelo centro na hora do rush, quando cheguei, eu tinha três minutos para encontrar o Brad antes que sua entrevista começasse. Eu deixei meu carro no terceiro andar do estacionamento e peguei o elevador para a ala administrativa. O Hospital Geral do Condado de Wharton havia sido construído vinte anos atrás no centro do condado, para que fosse acessível à todas as cidades ao redor. Com as generosas doações da família Grey, ele tratava da maior parte das doenças e ferimentos, mas cirurgias maiores ou procedimentos de risco eram transferidos para a Philadelphia. Localizado perto do escritório da xerife e do prédio do tribunal, o hospital ocupava duas quadras de cada lado.
Eu saí correndo da escadaria (o elevador estava levando tempo demais) esperando que a entrevista começasse atrasada e corri até o final do corredor para o lugar onde o Brad deveria estar. Parei do lado de fora da porta de vidro para recuperar o fôlego. Apesar de eu sair para correr várias vezes por semana, não estava acostumado a correr em escadas, já que parecia que eu ia ter meu próprio ataque cardíaco. Quando entrei na sala, minha garganta se fechou por outro motivo. Brad não estava na sala. A xerife estava.
– Pequeno Ayrwick, você está aqui para uma entrevista para a vaga de enfermeiro? Eu pagaria uma boa nota para te ver com um avental. – ela disse com um grande sorriso. – Certamente, você não poderia estar aqui para tentar encontrar uma pessoa de interesse em uma das minhas investigações de assassinato.
Eu poderia ter mentido. Eu poderia ter dito que estava lá por qualquer outro motivo. Exceto que nada veio à minha mente. Ao invés disso, minha boca se abriu e um pouco de baba começou a escorrer pelo canto dos meus lábios. Eu respirei fundo, então disse:
– Eu sou terrível. Não sei como escutar. Eu estava tentando deixar o seu trabalho mais fácil. Pensei que se pudesse descobrir o que Brad sabia sobre o testamento, seria uma pessoa a menos para você encontrar tempo para lidar. Será que tem alguma chance de eu sair daqui sem...
– Pra fora agora! – ela gritou. Enquanto eu passava pela porta, Tiffany sussurrou “desculpe” para mim. Eu encolhi meus ombros, preparado para aceitar qualquer punição que fosse jogada na minha direção.
– Será que você poderia deixar isso passar dessa vez? Você nem mesmo sabe exatamente o que...
– Cale. A. Sua. Boca. Antes. Que. Eu. A. Cale. Para. Você. – a Xerife Montague disse com uma pausa entre cada palavra. Era assim que eu soava quando tentava ensinar grandes palavras para a Emma? Eu esperei em silêncio até que nós chegarmos ao fim do corredor e nos sentamos em uma pequena sala de espera. Se ela iria me prender, deveria ter feito isso em público, não em uma sala onde estávamos sozinhos. – Brad Shope assinou o testamento ao mesmo tempo que Bertha Crawford. Nenhum deles conseguiu ver quem herdou qualquer coisa com a morte da Gwendolyn Paddington. Ele estava sob a impressão de que a Gwendolyn planejava entregar o testamento para o advogado dela na semana seguinte. Ele me assegurou que não a matou, não que eu esteja inclinada a acreditar nele ainda.
– Por que você está me contando isso e não chutando o meu...
– Eu pedi à você para ficar quieto, Pequeno Ayrwick. Nós vamos fazer isso do jeito fácil ou difícil? – a xerife disse de uma maneira desagradável. Quando eu não respondi, ela disse: – Eu lhe fiz uma pergunta?
Será que eu deveria responder ou ficar calado? Por que isso continuava acontecendo comigo? Eu decidi digitar a minha resposta no bloco de notas do celular. Eu seria capaz de reconhecer que eu preferia a maneira fácil, mas que não precisava realmente falar as palavras. Quando terminei de digitar, entreguei a ela meu celular.
April leu minha mensagem e começou uma risada inesperada.
– Você é o homem mais sarcástico e obstinado que já conheci!
Eu digitei minha resposta no celular: “Posso falar agora?” Quando ela assentiu, eu disse:
– Você perguntou sobre o obituário da mãe dele ou se ele sabia da identidade do pai?
– Não, eu não perguntei. Por causa da nossa conversa anterior, decidi que seria melhor que você lidasse com esse assunto. Eu não tenho certeza se isso tem relação com a morte da Gwendolyn. Brad vai me encontrar dentro de dois dias. Eu não queria inibir as chances dele de conseguir o emprego para o qual está fazendo a entrevista.
– Okay, então você quer que eu converse com o Millard para descobrir se eles são pai e filho?
– Sim, me ligue o mais rápido possível, então nós podemos discutir isso. E não ache que eu esqueci que você desobedeceu ordens diretas. Eu espero que você veja esse ato de gentileza como o menor dos galhos de oliveira. Nós podemos discutir isso mais tarde assim que você descobrir algo útil.
Eu observei a xerife caminhar em direção ao elevador e entrar depois que as portas se abriram. Enquanto elas se fechavam, ela olhou através da fenda que diminuía segurando dois dedos primeiro na frente dos olhos e então na minha direção, e murmurando o que eu tive certeza que eram as palavras “Eu estou de olho em você, Pequeno Ayrwick”.
16
– Você tem certeza de que era realmente a xerife? Talvez houve uma invasão de ladrões de corpos mais cedo hoje. Eu senti o cheiro de algo estranho no ar essa tarde. – Nana D disse com uma exagerada voz alienígena, fazendo com que Emma risse como uma hiena. – O que você acha, criança, será que alguma criatura verde, nojenta e com quatro olhos vinda do espaço disse ao seu pai para ele continuar investigando?
Emma riu novamente e deu um tapa em sua testa.
– Os alienígenas não visitam a Terra durante o inverno, Nana D. É frio demaaaaiiiss para eles. Eles precisam de ar quente para respirar. Você não assistiu Avatar?
– Oh querida, eu não sei o que é um avatar ou o que ele faz, mas se você encontrasse aquela xerife, você saberia que ela tem tanto ar quente que poderia suportar um planeta alienígena completo. – Nana D respondeu, arregalando tanto os olhos que ela caiu na mesa em frente por ter colocado tanta pressão neles.
– Nana D, você vai sofrer um aneurisma. É melhor parar enquanto está à frente do jogo. – eu disse. Nós havíamos acabado de nos sentar em uma cabine confortável, que a Eleanor havia reservado para nós no canto frontal da Lanchonete Pick-Me-Up. A grande reabertura havia movimentado a cidade. Nós tivemos sorte de conseguirmos nossa mesa, e apesar do Prefeito Bartleby Grosvalet ter aparecido no último minuto sem uma reserva, Eleanor encontrou um espaço para ele no bar e o serviu com vários martinis. O prefeito gostava de beber bastante.
– O que é um anarisma, papai? – Emma colocou seu cardápio de volta na mesa e anunciou que queria um filé Diana.
– Aneurisma. É meio como quando você come sorvete demais e fica com dor de cabeça, só que muito pior. – eu expliquei, então sugeri que ela poderia não gostar de comer uma mulher chamada Diana.
– Não, seu bobo. Diana é o nome da deusa da caça. Eu não vou comer ninguém. Meu nome não é Hannibal. – ela mostrou a língua para a Nana D, que imediatamente devolveu o gesto, só que com alguns sons infantis em uma tentativa de aumentar a aposta. Como a minha filha sabia quem eram essas pessoas? Ela só tem seis anos, eu repeti várias vezes na minha mente.
– Eu não tenho certeza de quem é mais madura entre vocês duas. – eu as repreendi. A julgar pela competição ocorrendo na mesa, eu era o mais maduro e isso não queria dizer muita coisa. – E quanto à xerife, eu não ia arriscar a minha sorte para descobrir o que levou à generosidade dela. Assim que saí de lá, liguei para o Millard. Ele vai nos encontrar aqui daqui a vinte minutos.
Meu telefone tocou antes que alguém pudesse responder. Era a minha sogra, e eu não iria deixar cair a ligação dela na caixa de mensagens.
– Eu volto logo. – eu murmurei para a Nana D e Emma que ainda estavam fazendo caretas uma para a outra.
Eu passei pela Eleanor perto da cozinha e apontei para o telefone.
– O diabo está me ligando, vou me esconder no seu escritório. – depois que eu fechei a porta, aceitei a ligação e parei com o tema do filme Tubarões que era o meu ringtone. – Oi, Cecilia. Eu estou na lanchonete da minha irmã jantando com a Emma. Eu atendi apenas porque nós precisamos conversar sobre essa confusão ridícula. Posso ligar para você depois de um tempo?
– O tempo está quase acabando. Será que você já voltou a si? – ela disse sem nenhum cumprimento.
– Eu deixei várias mensagens para você durante o final de semana. Preciso conversar com a minha esposa. – eu disse através dos dentes percebendo que ela não iria cooperar. Eu destravei minha mandíbula pensando que seria forçado a ir ao dentista para ver se não havia quebrado nenhum dente. Esse era um dos cinco lugares que eu nunca iria novamente a não ser que fosse necessário para prevenir a morte.
– Os Castiglianos não respondem a você, Kellan. Eu deixei bem claro que você não pode conversar com ela. Também o relembro de que enquanto essa pode ser uma linha segura, por favor, pare de usar o nome dela. – Cecilia sempre havia sido cabeça dura, mas por muitos anos, ela sabia que a Francesca não toleraria seus pais me tratando mal. Parecia que ela agora estava por cima e não precisava se segurar.
– Por que você está fazendo isso conosco? Você não sente remorso por causa da dor que causou à Emma? Esqueça o que isso fez comigo, mas o negócio sujo de você e de seu marido roubou a oportunidade de uma preciosa menina crescer com dois pais amorosos. – Emma havia se recuperado da morte de sua mãe, mas ainda haveria um impacto permanente no futuro dela. Eu nunca os perdoaria pelo que eles fizeram a ela.
– Eu não vou ter outra conversa onde você nos diz o quanto somos maus pais ou que deveríamos estar na prisão. Já deixou seu argumento claro. Você não respeita os nossos negócios, a decisão que nós tomamos, ou a necessidade de assegurar a segurança do nosso futuro. Isso é bem egoísta de sua parte, mas eu sempre disse a ela que você não era bom o suficiente para se casar. – Cecilia falou tão alto que eu afastei o celular da orelha. Se eu não estivesse em um lugar público, eu teria perdido a minha calma e gritado de volta para ela.
– Você tem alguma outra solução que não seja morar em alguma ala secreta da sua mansão? Como você vê isso funcionando a longo termo, Cecilia?
– Eu não tenho todas as respostas. Mas o que eu tenho é história e conhecimento suficiente dos perigos envolvidos se você não retornar para Los Angeles. Minha filha não vai desistir. Ela está com raiva desde que toda essa situação explodiu nos nossos rostos anos atrás.
– Eu não posso viver em isolamento. Será que você não pode envolver a polícia? Quantos membros da família Vargas nós esperamos que ainda estejam com raiva depois de todos esses anos? – eu sabia pouco sobre a etiqueta e a política das máfias. Estávamos falando em esperar um antigo chefão chutar o balde? Ou haveria hordas de Vargas raivosos procurando colocar cabeças de cavalo mortas na cama de cada membro da família?
– Não é mais daquele jeito. Nós gerenciamos tudo como um negócio. Existe uma linha tênue para manter o status quo entre todos os territórios diferentes. Se alguém descobrir que nós enganamos a família Vargas, todos começarão a colocar divisas, formar alianças e executar táticas de retaliação. – Cecilia disse em um tom humilhante. – Eu estou fazendo o meu melhor para ajudar a vocês dois, Kellan. Eu não quero que ninguém se machuque.
Que ótimo! Ela havia praticamente me ameaçado quando esteve em Braxton da última vez.
– Eu tenho mais alguns dias, mas posso lhe dizer uma coisa com toda certeza. Eu me recuso a tomar qualquer decisão sem falar novamente com minha esposa. Se você acha que tem alguma chance de eu te escutar, então é melhor encontrar uma maneira de fazer o que estou dizendo. – eu disse com raiva. Metade do meu corpo estava queimando como se o fogo estivesse em minhas veias, enquanto a outra metade congelava com um frio que poderia nunca voltar à temperatura normal. Eu olhei para a tela do meu celular vendo o tempo de ligação aumentar. Não pude aguentar outro segundo e cortei a ligação com Cecilia. Para adicionar mais efeito, eu também desliguei o celular, sem querer conversar com aquela mulher nessa noite.
Eu voltei pisando duro para a mesa, ao mesmo tempo em que Millard chegou. Depois de apresentá-lo para Emma, eu pedi que ela fosse encontrar a Tia Eleanor para ajudar a preparar os nossos jantares. Eu não queria que Emma ouvisse qualquer parte da minha conversa com o Millard.
– Então, Kellan, o que é tão urgente que você quiz me encontrar hoje à noite? – Millard perguntou enquanto esfregava o bigode. Emma o achou tão engraçado que o chamou de Yosemite Sam, por causa de um de seus desenhos preferidos.
– Sr. Paddington, eu preciso conversar com você sobre algo do seu passado. Eu não sei de todos os detalhes, então isso pode ser um pouco difícil. Você é do tipo de cara que tira o Band-aid com calma para evitar a dor? Ou é do tipo de cara que o arranca de uma vez, grita uma vez, e supera tudo? – pessoalmente, eu era do tipo que arrancava, gritava várias vezes. Eu não iria falar essa opção e a julgar pelo número de arranhões no braço dele por ter podado as árvores mais cedo naquele dia, ele não iria gritar.
A Nana D inclinou a cabeça para o lado.
– Pare de ser tão enrolado, Kellan. Apenas pergunte se ele sabia que a Hannah Shope teve um filho dele há vinte e cinco anos atrás. Ele é um cara crescido, acho que pode aguentar. – sem ser conhecida pelo seu tato, Nana D jogou ambas as mãos para o alto entre ela e Millard esperando pela resposta dele.
Millard se retesou contra o estofamento da cabine.
– Eu teria dito o tipo de cara que arranca o Band-Aid, Kellan. Seraphina me conhece bem o suficiente. – ele fez uma pausa e começou a pensar. Enquanto esperava pela resposta dele, estudei o olhar distante dele sabendo que ele se lembrava dos dias felizes no passado.
– Tome o seu tempo, eu tenho certeza de que isso não é fácil. – eu completei.
– Se ela teve um bebê há vinte e cinco anos, parece que você está me dizendo que ela estava grávida quando saiu de Braxton. Mais especificadamente, quando ela parou de trabalhar na mansão Paddington. – Millard disse. A mão esquerda dele tremeu um pouco antes que ele a descansasse junto com a outra mão na mesa.
– Foi isso que eu consegui entender, se fiz as contas corretamente. Eu percebo pela sua expressão que isso não era algo do qual você estava ciente. Desculpe-me por ser a pessoa a lhe contar sobre o seu filho perdido há muito tempo. Mas eu acho que sei quem ele é. Assim como você. – eu disse lentamente, esperando não agitar o Millard mais do que o necessário.
– Você sempre quis ser pai, Millard. Eu suponho que isso pode lhe dar a oportunidade de se redimir pelo passado. Ele pode ser um adulto agora, mais ainda há tempo para se reconectar com ele. – Nana D disse enquanto segurava as mãos dele. Apesar do relacionamento não ter funcionado entre os dois no passado, a afeição dela pelo amigo era evidente.
Um olhar confuso caiu sobre o rosto de Millard.
– Você acha que eu era o pai do filho da Hannah?
Nana D e eu olhamos um para o outro.
– É claro. Você não foi o motivo pelo qual ela foi demitida? Eu sei que seus pais não eram tolerantes e não gostavam de ninguém se envolvendo com os funcionários.
– Oh, Seraphina, você conhece bem a minha família, mas claramente você deve achar que eu sou tão mal quanto eles. – Millard seguiu para o fim do banco. – Eu não poderia ter sido o pai daquela criança.
Eu pensei que havia ouvido incorretamente.
– Eu não entendo por que não.
– Hannah e eu nunca fomos íntimos. Nós éramos amigos. Eu precisava de alguém para conversar sobre querer deixar os negócios da família e começar a trabalhar com jardinagem. Ela me ajudou a me manter são naquela casa de loucura. – Millard disse com uma risada. – Eu preciso de um pouco de ar fresco, se vocês não se importarem. Acho que vou deixar passar o jantar. Por favor, estenda as minhas desculpas para a sua filha e irmã, Kellan.
Enquanto ele pegava algum dinheiro na sua carteira e o deixava sobre a mesa, a Nana D falou. Eu estava confuso demais com o que ele havia acabado de nos contar.
– Millard, o que você quer dizer? Se você não é o pai daquela criança, então quem é? – Nana D sussurrou. Era uma coisa rara ela manter a boca quieta, mas parecia que ela não queria que alguém escutasse a pergunta.
– Em retorno pelo apoio dela, eu também emprestei os meus ouvidos para a Hannah naqueles poucos meses que ela trabalhou na mansão. Ela se sentia atraída por alguém na casa e tinha aparentemente desenvolvido sentimentos sinceros por ele. Não era exatamente alguém com quem ela deveria se envolver, mas certamente não era eu. Eu meramente a aconselhei a deixar isso de lado se queria manter o emprego e não causar a ira de alguém na minha família. – quando ele começou a se afastar da mesa, ele se virou e olhou para a Nana D. – Eu não posso acreditar que você acha que eu teria seduzido uma garota jovem. Eu poderia ter sido o pai dela, Seraphina. Nós tínhamos um tipo diferente de relacionamento do que o que você implicou hoje.
Eu o chamei antes que ele estivesse longe demais.
– Sr. Paddington, tem alguma coisa que você possa nos contar sobre quem poderia ser o pai dessa criança? Nós tememos que isso tenha sido o motivo pelo qual a Gwendolyn tenha sido morta.
– Não posso. Hannah nunca me contou por quem ela havia se apaixonado. Eu também não queria saber. Eu precisava ir para longe da minha família. Eles também pensaram que eu estava brincando com aquela pobre moça, e é por isso que a demitiram. Nunca tive a chance de dizer adeus. Naquele mesmo dia eu deixei os negócios da família e ela foi demitida, meu pai me informou que eu havia sido cortado do testamento por causa das escolhas que havia feito. Acho que ele pensou que isso fosse uma punição justa.
Enquanto Millard ia embora, Nana D se virou para mim.
– Eu não posso acreditar que você cometeu um erro tão grande, Kellan. Nós precisamos encontrar uma maneira de nos desculparmos com aquele homem.
Eu? Ela deveria ter me dito que ele não era do tipo que faria algo assim.
– Eu não entendo. Se não era ele, Millard estava dizendo que poderia ter sido seu pai, Timothy ou o Charles?
– Millard tinha mais de cinquenta anos naquela época. Eu não posso imaginar que tenha sido o pai dele. O velho Paddington estava com quase oitenta! E não do tipo de pessoa com oitenta anos que eu serei um dia. Ele estava à beira da morte.
Nós dois estremecemos ao pensar sobre um homem de oitenta anos e uma moça de dezoito sendo íntimos.
– Você acha que o Charles poderia ter traído a Gwendolyn com uma empregada?
– Eu não sei. Mas se o Brad é um Paddington de verdade... – Nana D comentou.
– Isso teria deixado o Timothy, Ophelia e Jennifer com raiva, já que eles pensavam que teriam todo o dinheiro. – eu disse, me sentindo confiante que a paternidade de Brad tinha algo a ver com o motivo pelo qual a Gwendolyn morreu. – Algo ainda não faz sentido. A Gwendolyn não poderia ter deixado alguma coisa para o Brad se ele também assinou como testemunha. O Hampster confirmou o que Finnigan nos contou. A lei da Pensilvania pode ter uma interpretação onde um beneficiário também possa ser uma testemunha, mas Finnigan esclareceu a Gwendolyn de que ela não deveria fazer isso.
Nana D me lembrou de que nem todos sabiam das especificidades daquelas leis. Assim que Emma retornou, nós comemos a nossa refeição escolhendo deixar a investigação de assassinato fora das nossas conversas. Eleanor e Maggie passaram na nossa mesa para se assegurarem de que tudo estava bom, mas não puderam ficar para conversar. Elas tinham centenas de outros convidados para conferir na noite de abertura.
Quando nós terminamos de nos despedir e deixamos uma gorjeta generosa (nossa refeição havia sido grátis porque conhecíamos as donas) Myriam chegou à lanchonete. Olhei meu relógio e fiquei surpreso ao ver que eram nove e meia. Eu precisava colocar a Emma na cama. Esperando passar pela Myriam sem que ela me percebesse, eu empurrei a Emma e Nana D na frente, então poderia ficar atrás delas. Depois que elas saíram, eu também tentei, mas o olhar penetrante da Myriam me encontrou.
– Kellan, eu pensei em parar por aqui para experimentar a comida na nova Lanchonete Pick-Me-Up. A apresentação de Rei Lear terminou agora a pouco, e eu estava com fome. – ela disse, levantando um dedo para deixar a garçonete saber que ela precisava de uma mesa para um. A garçonete atormentada pediu que Myriam esperasse alguns minutos até que uma mesa ficasse desocupada.
– Eu aprecio que você tenha vindo dar um pouco de apoio para o negócio da minha irmã, obrigado. – eu disse, passando pela porta. Eu sorri, sabendo que ela teria que convocar a habilidade de ser paciente antes que pudesse se sentar em uma mesa. Ela odiava ter que esperar por qualquer motivo.
– Você deveria saber que eu não vim aqui porque ela é sua irmã. Eu pensei que era importante mostrar apoio à minha colega, Maggie Roarke. Eu acredito que ela seja uma das donas daqui, certo? Não escolhi esse lugar por causa da sua família. Eu teria pensado que você já saberia disso. – Myriam grunhiu.
– É claro. Eu deveria ter advinhado. Por favor, aceite as minhas humildes desculpas, mas eu preciso alcançar a minha filha. – eu estava totalmente ciente de que Myriam odiava a minha família, mas já que Ursula havia lhe dado um ultimato com relação a nós trabalharmos juntos, eu pensei que ela teria tentado brincar melhor na caixa de areia.
– Ursula está presa com o Conselho de Curadores de Braxton esta noite, então vou ter que jantar sozinha. Eu gostaria de marcar um horário com você nos próximos dias para discutir o seu papel como a voz da família Paddington na Casa de Espetáculos. – o nariz dela se enrugou com a irritação que claramente sentia com a situação.
– Certamente, talvez amanhã? Eu preciso discutir a sua decisão de demitir o Arthur. Se entendi corretamente, você deu a ele um aviso prévio de duas semanas. Talvez nós pudéssemos encontrar uma maneira de reconsiderar isso. – eu me lembrei de que havia prometido à Fern ajudar a salvar o emprego do filho.
– Eu geralmente estou aberta a discutir sobre vários assuntos. Esse não é um deles. Se envolver em comportamento indecente em um camarim de uma propriedade pública certamente não é aceitável no meu negócio. Arthur teve sorte que eu não o tenha despedido imediatamente e sem qualquer pagamento adicional. – Myriam pegou um cardápio de uma parede e levantou seus óculos até a ponta do nariz para começar a ler.
Sobre o que ela estava falando? Arthur disse que ele estava evitando os flertes da Dana nas últimas semanas.
– Você tem certeza de que era o Arthur? Ou de que nesse caso... eram definitivamente duas pessoas envolvidas...
– Você não precisa articular nenhuma descrição detalhada para mim. Definitivamente era o Arthur porque eu o vi saindo do camarim vinte minutos depois. – Myriam respondeu apertando os lábios.
– Posso perguntar quando foi isso?
– Um mês atrás. Por que isso é tão importante? O fato de que isso tenha acontecido não é o suficiente para você concordar comigo? Eu esperava que você apoiasse a minha decisão, mas posso ver que a sua moral é tão suja quanto a dele.
– Honestamente, não posso discutir isso agora. Eu vou ficar feliz de conversamos mais amanhã. Se ele e a Dana estavam se comportando inapropriadamente, então eu posso entender a decisão de demiti-lo. – eu disse, pegando uma bala de menta do balcão. Eu tinha um gosto amargo na boca.
– Eu positivamente não disse que era a Dana. Não tenho certeza de quem estava dentro da camarim com ele, mas eu insisti que o zelador desinfetasse o camarim naquela noite. E quanto à Dana, ela é uma garota esperta. Duvido que ela se envolvesse com aquele palhaço. Ela foi a única pessoa que pôde localizar a medicação falsa de que nós precisávamos para a próxima produção desse verão. – enquanto Myriam terminava de falar, a garçonete lhe disse que sua mesa estava pronta.
– Espere aí. O que você disse sobre medicação falsa? – meu coração quase parou quando ela disse a palavra falsa. – Me conte exatamente o que isso significa.
Myriam explicou que ela estivera procurando por vários tipos de pílulas e embalagens de medicamentos para uma futura cena de hospital. Já que a Dana era a responsável pelos adereços, ela havia recebido essa tarefa. Dentro de vinte e quatro horas, ela tinha várias opções para que a Myriam escolhesse. Dana havia encontrado os placebos em um website usado por teatros e programas de televisão para localizar os adereços complicados. Enquanto Myriam saía, ela se virou e disse:
– “Então, adeus ao bem que você me carrega. Despedida! Um longo adeus, a toda a minha grandeza!”
Se eu me lembrava apropriadamente, isso era da peça Henrique VIII. O Cardeal Wolsey, um homem ambicioso e arrogante, havia dito essa frase.
– Myriam, você tem orgulho da semelhança que você acabou de exibir com um homem que apoiou um dos reis mais abomináveis da história inglesa?
Myriam parou no seu caminho e sem se virar para me encarar diretamente, respondeu:
– Você sempre fala o óbvio, Kellan, não é mesmo? Talvez você precise convencer as suas pequenas, minúsculas e ignorantes células cinzentas no seu cérebro a olhar além das palavras ditas e descobrir o verdadeiro significado.
Enquanto ela continuava a se afastar, Eleanor apareceu.
– Ela tem um bom ponto, mano. Às vezes você tem uma visão de túnel.
– Você a está apoiando? – eu perguntei, sentindo minha frustração aumentar.
Os ombros de Eleanor se encolheram.
– Ela é uma cliente pagante. Você não. Eu sei de onde vem a manteiga do meu pão.
Eu fechei os meus olhos cantarolando o mais alto que podia para me distrair da vontade de explodir com a próxima pessoa que me dissesse algo rude, maldoso ou negativo. Quando os abri, Emma estava parada à minha frente.
– Você vem, papai? A Nana D reclamou que você sempre leva tempo demais. Ela me mandou de volta para lhe dizer uma coisa.
– E o que é isso, minha querida? – eu me preparei para uma ladainha dos comentários ridículos da Nana D.
– Ela disse, “Diga ao seu pai que ele deve desculpas para o Sr. Paddington. E como punimento por ter feito suposições erradas, não vai haver nenhuma sobremesa por duas semanas”. O que você fez agora, papai? Como você sempre se mete em problemas quando eu saio da sala. – Emma me levou para fora e até o estacionamento, para que então eu pudesse dirigir para casa e esquecer sobre a noite. – Eu estou cansada, e tenho aula amanhã. Você realmente não deveria me deixar acordada até tarde da próxima vez, papai.
Depois de colocar o cinto de segurança em Emma no banco de trás, eu fechei a porta e abri a minha. Um homem grande estava parado por perto olhando na minha direção.
– Você é o Kellan Ayrwick?
Eu assenti.
– Tenho uma mensagem para você. – ele colocou a mão dentro do bolso.
Eu engoli em seco e recuei contra a porta de Emma.
– De quem?
– Ela disse que você nunca deve desligar na cara dela novamente. E nem deve desligar seu celular. A linha deve ser mantida aberta para quando a chefe quiser conversar com você.
Minha sogra havia me rastreado até a lanchonete. Dentro de uma hora. Ela tinha contatos por perto que estavam dispostos a fazer o trabalho sujo dela.
– Eu vou levar isso em consideração. – eu senti minhas pernas fraquejarem, mas estava confiante de que Cecilia nunca iria fazer algo para machucar a Emma. Como me matar na frente da minha filha.
– Eu conheço a chefe muito bem, Sr. Ayrwick. Ela só avisa uma única vez. Acredito que você já acabou com a sua cota algumas vezes. Eu sugiro que você leve isso mais do que em consideração. – apesar de ele ter desaparecido na escuridão, eu podia ouvir seus sapatos pesados pisando na calçada e uma bola de chiclete explodindo do pacote que ele havia retirado do bolso.
17
– Eu mal dormi na noite passada, Nana D. É uma coisa boa que eu não tenha que ministrar aulas hoje. Talvez eu passe pelo Rancho Danby depois de localizar o Timothy. Eu preciso saber o que ele e a mãe estavam conversando antes que ela morresse. – pesadelos com o capanga da minha sogra me assombraram quase a noite toda, enquanto eu ficava deitado na cama tentando esquecer o nosso encontro no estacionamento. Meu corpo inquieto se contorcia cada vez que um galho de árvore arranhava no telhado ou o vento assobiava através das fendas. Dormir no quarto do sótão tinha seus benefícios, assim como suas desvantagens. A noite passada certamente foi da desvantagem.
– Bom garoto, essa é a prioridade de hoje. Eu vou pedir que a Eustacia venha para um chá hoje às três horas. Vai fazer bem a ela sair um pouco daquela mansão. Está sugando a energia dela mais do que ter que passar uma noite ouvindo o seu pai falando sobre si mesmo. E aquela velha morcega precisa me testar para o debate de sexta-feira. – Nana D estava se familiarizando sobre que tipo de empregos as pessoas tinham no Condado de Wharton e quais políticas haviam mudado na última década sob o comando do Prefeito Grosvaler e do Vereador Stanton.
Depois de concordar em encontrá-las para o chá, eu deixei a Emma na escola e dirigi até o campus para experienciar o meu assédio semanal com a Myriam. Eu fui capaz de convecê-la a deixar o Arthur trabalhar até o fim da temporada do Rei Lear, quando nós reavaliaríamos a posição dele no fim do semestre. Ela terminou com a reunião rapidamente, dizendo que precisava completar alguma pesquisa. Eu fiquei agradavelmente surpreso pela atitude dela mais hospitaleira, mas isso apenas me lembrou de que ela provavelmente estava me adulando, para depois me fazer um ataque surpresa como todas as aranhas fazem.
Com as minhas atividades do trabalho em dia, isso singificava que eu teria tempo para uma corrida. Haviam algumas trilhas escondidas espalhadas pela seção oeste do Parque Wellington, que também ficavam perto da clínica de reabilitação Reflexões da Segunda Chance, onde Timothy estava se recuperando. Eu nunca havia estado lá antes, mas algumas pessoas com quem eu tinha frequentado a faculdade lá procuraram ajuda para largarem as drogas ou o álcool. Ela havia sido construída nos anos 70 depois que uma quantidade excessiva de vícios assombraram o Condado de Wharton. Nós havíamos sido na maior parte um condado seco, então foram dadas licenças para alguns estabelecimentos logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, conforme os anos se passaram, o governo do condado perdeu o controle da situação e os cidadões se voltaram para substâncias perigosas, como distrações quando a crise financeira nos atingiu.
Timothy havia se internado voluntariamente, mas ainda dependia dele a aceitação de visitas. Eu parei no balcão frontal da área da recepção antes de começar a minha corrida.
– Eu gostaria de solicitar uma breve visita ao Timothy Paddington. Ele não está me esperando, mas sua família pediu que eu conversasse com ele por alguns minutos hoje. – eu disse para um velho cavalheiro chamado Buddy que estava vestido com um confortável cardigã, camiseta bege e calças de veludo marrom.
– Ele te colocou na lista de visitantes aprovados? – Buddy tinha uma gentileza nele que me fez pensar que eu teria uma chance de conseguir entrar.
– Provavelmente não, mas isso é importante. A mãe dele faleceu recentemente, e sua família está preocupada que Timothy esteja lidando com a morte dela de maneira muito difícil. Sua tia e tio não estão muito bem também. Eles já estão com mais de setenta anos e tendo alguns problemas de saúde. – eu apelei para a humanidade de Buddy e a necessidade de se proteger os pacientes. Talvez isso conseguisse vencê-lo.
– Timothy é um bom rapaz, mas ele está tendo dificuldades. Conheci o garoto nos tempos de escola. Eu era o médico da escola e o examinei alguma vezes. Agora estou aqui tentando ajudá-lo. Não é fácil. Essa cidade está toda bagunçada quando se trata de proteger os cidadãos de idade. – Buddy disse, mudando para um tópico completamente diferente.
Eu precisava que ele ficasse focado antes que eu perdesse minha chance de entrar.
– Eu não sabia que você conhecia o Timothy. Ele teve uma vida difícil pelo que entendi.
– Ele jogava no time de futebol americano. Um quarterback no último ano. – Buddy disse com um brilho nostágilco nos olhos. Ele me contou mais sobre os dias de Timothy durante o ensino médio em Braxton, explicou como havia sido difícil crescer na família Paddington, e ofereceu suas sinceras esperanças de que Timothy conseguisse vencer os seus demônios atuais. Buddy concordou em conferir com o Timothy se ele me concederia alguns minutos, mesmo que fosse contra as regras do local permitir que visitantes aleatórios que não estavam na lista pudessem entrar.
– Eu fico muito grato, Buddy. Eu sei que a família dele também ficaria. – enquanto Buddy se afastva, eu me lembrei de tê-lo visto no meu primeiro ano do ensino médio. Eu não praticava nenhum esporte, mas também lembrei que ele se aposentou naquele ano. Ele provavelmente havia completado seus anos de serviço na escola, recebido sua pensão, e encontrado uma nova carreira de meio-período para conseguir um salário adicional. Como a maior parte de outros lugares pelo país, os professores e administradores de escolas não eram pagos apropriadamente e tinham dificuldades em sobreviver depois de se aposentarem de suas posições.
Enquanto Buddy desaparecia atrás de uma entrada trancada para a parte principal da clínica, eu folheei um panfleto sobre a Reflexões da Segunda Chance. Eu encontrei alguma informação, percebendo como os seus fundos vinham tanto da assistência do governo quanto de contribuições particulares. Também encontrei alguns números que eu pensei serem úteis para Nana D usar nos planos de campanha dela, que beneficiariam ela e os pacientes da Reflexões da Segunda Chance. Eu coloquei o panfleto dentro do meu bolso posterior enquanto Buddy retornava para a recepção.
– Você está com sorte. Timothy precisa da sua ajuda. Siga-me, e eu vou lhe preparar uma das salas de visita. A Sala Sul tem a melhor visão dos jardins. Eles não estão muito bem cuidados, mas pelo menos você não vai ficar olhando para os fundos de uma estação rodoviária ou do estacionamento. – Buddy verificou minha identidade, me colocou no sistema, e nos levou através de um estreito corredor. Apesar da clínica ser limpa e organizada, a decoração não havia mudado desde os anos 80. Eu suspeitava que os fundos que eles recebiam do governo não cobriam a parte de decoração, já que não era muito dinheiro. Eu tinha certeza de que a Nana D poderia convencer o clube de jardinagem a doar algumas horas de seu tempo a cada semana, para cuidar do que parecia ser uma incrível paisagem.
Quando cheguei à Sala Sul, Buddy abriu a porta para mim e retornou à área de recepção. Timothy me cumprimentou enquanto estava parado ao lado de duas cadeiras de madeira e uma pequena mesa com um tampo de fórmica verde, com alguns arranhões na superfície. A sala não tinha mais do que doze metros quadrados e parecia remarcadamente similar com as salas de visita da prisão do condado, tirando as grades e divisórias de vidro. As paredes estavam pintadas de branco e cheias de marcas. Várias marcas de humidade manchavam o teto. Eu não chamaria isso exatamente de lixo, mas mais um ou dois anos sem um cuidado, e era assim que ficaria.
Timothy parecia o mesmo de quando eu o havia visto brevemente na Casa de Espetáculos Paddington no dia que a Gwendolyn foi assassinada. Seu rosto estava pálido e mucho, ele precisava cortar o cabelo há pelo menos um mês, e suas roupas eram um tamanho maior do que seu corpo precisava. Ele aparentemente havia perdido peso, provavelmente por causa do seu vício em drogas, e não podia pagar por uma clínica de reabilitação mais cara já que também tinha problemas com jogos de aposta e dívidas. Eu havia visto uma foto dele como Presidente das Empresas Paddington alguns anos atrás, quando Lara Bouvier havia feito uma reportagem especial para a rede de notícias local. Era como se um homem completamente diferente estivesse agora naquela sala. Infelizmente, não de uma maneira boa.
– Kellan, eu fiquei surpreso de ouvir que você veio me visitar. – Timothy disse enquanto apertava a minha mão e me oferecia uma cadeira. – Eu conheço os seus pais, mas eu não te via desde que você era uma criança pequena.
– Eu aprecio que você tenha concordado em me ver. Eu disse ao Buddy que a sua família me pediu para visitá-lo, o que é verdade, mas não o motivo completo. – eu coloquei as minhas mãos sobre a mesa e sorri para ele. Essa não seria uma conversa fácil.
– Buddy está cuidando de mim. Eu não queria tratamento de férias. Ferrei com tudo na último ano, e parte da minha recuperação inclui viver como um cara normal. Eu não espero que as pessoas saiam de seu caminho porque eu sou um Paddington. – as pernas de Timothy deviam estar tremendo embaixo da mesa, porque eu podia sentir o móvel vibrando. – Antes de você me dizer porque veio, como está a minha família?
Eu não tinha certeza sobre quais membros ele se importava, então eu lhe contei sobre o funeral e minhas interações com o Millard e Eustacia.
– Eu sei que os dois estão preocupados com você.
– A Tia Eustacia é uma em um milhão. Ela é um biscoito duro, mas aquela mulher esteve lá por mim mais vezes do que eu me importo em lembrar. – Timothy comentou agarrando as bordas da mesa com ambas as mãos e seus nós dos dedos ficaram brancos.
Eu não tinha certeza se deveria começar com as minhas perguntas ou deixá-lo falar por alguns minutos. Ele estava nervoso, e seus olhos dardejaram pela sala várias vezes. Será que ele havia parado com tudo ou estava gradualmente diminuindo a quantidade de drogas até se desintoxicar?
–Você quer me contar como veio parar aqui? Eu não sou da família, mas posso ouvir se tiver algo que você precise colocar para fora. – eu ainda não o conhecia bem, ainda assim ele claramente estava sofrendo por tudo acontencendo ao seu redor.
– Isso seria ótimo, você é um cara bom. Não tem muitas pessoas que me visitam aqui. Eu escolhi o Reflexões da Segunda Chance por dois motivos. Um, eu estou quebrado e eles eram o lugar mais barato disponível. E dois, ninguém da minha família iria me visitar aqui. Não é como se eu nunca mais quisesse vê-los, mas... bem, eu percebi que parte do motivo por eu ter tantos problemas é por causa da minha família.
Timothy explicou que ele havia sido colocado sob um microscópio desde criança. Seus pais esperavam que ele fosse o filho perfeito, o perfeito homem de negócios, e um perfeito homem de família. Ele havia passado tanto tempo tentando acompanhar as expectativas do Charles e da Gwendolyn, que havia se esquecido de suas próprias necessidades, até que não pode mais aguentar a pressão. Isso parecia muito com a história do Millard, e foi então que eu percebi o tanto de sorte que eu tinha com a minha própria família. Apesar de me sentir sob pressão de tempos em tempos, eu nunca me senti como se estivesse sendo escrutinizado tão de perto que precisava de algum tipo de medicação ou de drogas para escapar. Eu posso ter fugido para o outro lado do país para ficar longe deles, mas isso era diferente. Pelo menos eu disse a mim mesmo para viver cada dia.
– No ano que meu pai se aposentou, eu estava no topo do mundo. Mas logo comecei a declinar. Cada minuto era consumido pelos negócios da família. Eu trabalhava dezesseis horas por dia e viajava por todo o mundo, nunca sabendo qual fuso horário que eu estava, não tinha ninguém ao meu lado para ter um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Eu comecei a fugir para as drogas apenas para sentir algo chocante e diferente. – Timothy ficou em pé, caminhou até a janela, e olhou para o jardim desolado. – Comecei a fazer apostas em coisas tolas. Mesmo quando perdia, ainda me sentia vivo. Foi então que eu me envolvi com as pessoas erradas e comecei a usar drogas demais, que eventualmente perdi a noção do que era dia e do que era noite. Meu pai convenceu o Conselho de Diretores a me colocarem em licença temporária, insistindo que eu não poderia voltar a trabalhar até que tivesse terminado a terapia.
– Foi isso que finalmente o levou a se internar na Reflexões da Segunda Chance na semana passada? – eu perguntei, sabendo que isso não era tudo, já que havia se passado quase um ano entre os dois eventos.
– Não, eu escapei durante um tempo. Gastei todo o dinheiro. – ele disse, se virando novamente para mim. Eu pude ver que ele estava tremendo visivelmente. – Desde que eu parei com as drogas na última semana, meu corpo está sempre gelado. Cru.
– Você está fazendo a coisa certa, Timothy. Você conseguiu ficar sóbrio e encontrar um melhor caminho na vida. Tem muito tempo restante em seu futuro para fazer as coisas certas novamente. – eu disse, pensando que ele poderia ter um filho a conhecer.
– Exatamente. Eu prometi à minha mãe, no dia que ela morreu, que eu arrumaria as coisas. – Timothy lutou contra a sua consciência enquanto se balançava na cadeira. Eu podia sentir a dor e o medo emanando dele.
Apesar de eu querer ajudá-lo, meu propósito para essa visita era determinar se ele poderia ser o pai do Brad ou se teria matado sua mãe.
– O que vocês conversaram no teatro? – eu perguntei.
Timothy fechou os punhos.
– Foi na noite anterior que tudo mudou. Eu parei no teatro apenas para dizer adeus. Eu já havia entrado em contato com a Reflexões da Segunda Chance para me internar.
Timothy explicou o que havia acontecido no final de semana antes que a Gwendolyn morresse. Ele havia ido à Philadelphia e ficado extremamente alterado. Quando estava voltando ao seu hotel depois de beber em um bar, ele pisou para fora da calçada e foi quase atropelado por um carro. Alguém o tentou ajudar, mas ele empurrou o Bom Samaritano para longe e gritou com ele por nenhum motivo além de estar chapado. Acordou na manhã seguinte dormindo metade na calçada e metade na rua, coberto de lama e lixo, e deitado ao lado de um adolescente drogado. Ele estava sem a carteira e sem os sapatos, e tinha uma grande ferida aberta no braço.
– Eu havia chegado ao fundo do poço. Voltei para casa naquele sábado para me dar um jeito, ficar sóbrio e me desculpar com minha mãe. Eu disse à ela que estava planejando conseguir ajuda.
– A que horas foi isso? – eu disse, tentando entender a cronologia dos eventos.
– Tarde. Ela havia acabado de chegar em casa depois de visitar uma amiga. Acho que era a sua avó. Eu ainda estava um pouco alterado, mas me lembro da maior parte da conversa. Chorei nos braços da minha mãe pela primeira vez desde que era criança. Eu nem mesmo chorei no funeral do meu pai. Eu estava chapado com cocaína e maconha no dia que ele foi enterrado. – Timothy escondeu o rosto com suas mãos para esconder a vergonha sobre o passado. Ele explicou o quão grato ficou por ter tido uma última chance de deixar as coisas certas entre eles antes que ela morresse.
Eu percebi pela maneira que ele falava, que Timothy tinha a impressão de que sua mãe havia sofrido um ataque do coração e morrido de causas naturais. Eu não queria ser a pessoa a contar para ele que ela havia sido assassinada. Eu iria confirmar isso com a Xerife Montague para ter certeza de que ela nunca havia contado a ele os resultados da autópsia. Timothy não havia visto ninguém, e a xerife evitou que isso saísse nos jornais até que pudesse encontrar o assassino.
– O que sua mãe pensava sobre você conseguir tratamento? – eu queria que ele se focasse em algo positivo, mas também precisava saber como eles tinham deixado as coisas.
– Ela estava me apoiando. Nós tivemos uma ótima conversa naquela noite. Minha mãe até mesmo me disse que me colocaria novamente no testamento se eu pudesse provar que estava no caminho certo. Eu não me importava com o dinheiro, só queria consertar as coisas com ela. Ela é minha mãe, e eu havia ferrado com tudo por vezes demais.
Eu assenti para o Timothy. Ele sabia que não estava no antigo testamento, o que significava que não tinha motivo financeiro para matá-la.
– Eu tenho certeza de que aquela noite significou muito para ela. Você... me desculpe por ter que lhe perguntar isso, mas você sabia se ela tinha feito um novo testamento?
Timothy sacudiu a cabeça.
– Eu não sei. Eu saí de casa logo após nossa conversa e fui para a minha casa empacotar minhas coisas, para que eu pudesse vir para cá no dia seguinte. Nós não nos falamos novamente até a tarde seguinte.
– Ela estava na Casa de Espetáculos assistindo o show comigo. – eu expliquei.
– Certo. Eu havia ido até a mansão para me despedir, mas não a encontrei lá.
– Você viu alguém mais na casa? – eu precisava saber se ele admitiria ter visto o Brad na cozinha. Se ele mentisse, pensei que ele poderia ter feito algo ruim, como ter trocado as pílulas.
– Eu entrei pela porta da frente e fui diretamente ao quarto da minha mãe. Bati na porta, mas ela não respondeu. Eu pensei tê-la ouvido se mover lá dentro, mas não quis entrar. Ela era uma mulher privada. Então, desci para ver se encontrava o Brad ou a Sra. Crawford.
– E onde eles estavam? – eu perguntei, começando a sentir que eu estava prestes a saber de algo importante.
– A Sra. Crawford estava na cozinha falando com o cozinheiro sobre as refeições para a semana seguinte. O Brad entrou alguns minutos depois para dizer que tinha que ir à Casa de Espetáculos levar os remédios da minha mãe.
– Será que poderia ter sido o Brad quem você escutou no quarto dela? – eu perguntei, imaginando se Timothy ainda estava drogado naquela manhã. Quando ele sacudiu a cabeça, eu perguntei: – Quando você saiu para ir ao teatro?
Timothy começou a esfregar as têmporas.
– Eu ofereci para levar as pílulas para minha mãe, mas o Brad disse que ele estava com pressa. Acho que foi cerca de uma hora depois, eu acho. Tem algum motivo para todas essas perguntas? O Brad fez alguma coisa errada?
– Não, desculpe. Eu não quis te deixar alarmado. Eu estava tentando entender o horário.
Timothy assentiu.
– Eu deveria me internar aqui às quatro da tarde. Fui até a Casa de Espetáculos para pegar a minha mãe durante o intervalo e agradecê-la e dizer adeus. Originalmente, eu não teria visitantes durante um mês assim que me internasse na Reflexões da Segunda Chance. Eu precisava me focar na minha recuperação e pensar sobre o meu futuro. Mas algo mais aconteceu, e agora você apareceu aqui.
– Você parecia chateado enquanto conversava com sua mãe no teatro. O que aconteceu? – eu perguntei, tentando entender a história completa. Eu perguntaria sobre o que ele quis dizer com algo mais aconteceu em seguida.
– Ela não queria que eu fosse embora até o final do show. Ela queria ir comigo, mas eu insisti que tinha que fazer isso sozinho. Nós discutimos sobre isso, mas eu disse que a veria em breve. Foi então que ela tocou o meu braço, e eu senti dor na minha ferida. Eu a empurrei e disse que ela tinha que confiar em mim.
– E então você veio para cá? – se ele e a mãe não estavam em maus momentos, havia pouca chance de que ele a tivesse matado. Isso não faria sentido, e ele não parecia estar mentindo para mim agora. Havia uma dor genuína em seu comportamento, como se ele estivesse verdadeiramente deixando anos de drogas, e seu corpo e mente não estivessem fortes o suficiente para criar um ardil elaborado para que eu acreditasse.
Timothy disse que ele estava começando a ficar cansado e precisava ficar sozinho.
– Antes que você vá, tem um motivo para que eu tenha aceitado lhe receber. Eu preciso da sua ajuda baseado no que aconteceu.
– Claro, o que eu posso fazer? – eu também queria descobrir se ele esteve envolvido romanticamente com a Hannah, mas deixei que ele pedisse o favor primeiro.
– Será que você pode entregar isso para a Tia Eustacia? Eu não tenho permissão para mandar ou receber cartas aqui enquanto estou passando pelo estágio inicial de recuperação. Ela pagou recentemente a minha dívida de jogos, então eu posso começar de novo quando terminar meu programa. – ele me entregou um pequeno envelope de seu bolso.
– É claro. Ela o ama e quer te ver bem. – eu disse, sentindo muito respeito pela mulher briguenta que amava me repreender. Ela podia ser difícil algumas vezes, mas Eustacia era verdadeiramente uma mulher admirável. – Antes de eu ir embora, tenho mais uma pergunta. Você se recorda de uma jovem empregada que trabalhava na mansão da sua família há cerca de vinte e cinco anos atrás?
Timothy sorriu.
– Claro, a Hannah. Ela ficou por lá por menos de um ano. Por que você pergunta?
– Eu conheci um membro da família dela, e ele queria saber mais sobre a Hannah. Ela morreu há cerca de um ano. – eu não queria dizer demais. Seria melhor deixar que o Timothy me contasse o que sabia.
– Ela era a empregada mais nova na época logo após eu começar a trabalhar nas Empresas Paddington. A anterior havia se aposentado, e meus pais aceitaram a primeira garota que se candidatou. Eu ainda morava com meus pais naquela época. Eu não a conhecia muito bem, para ser honesto. Eu provavelmente não poderia ajudar quem está perguntando por ela.
– Eu pensei que talvez você e a Hannah fossem mais próximos... hmm... já que vocês tinham quase a mesma idade na época, você sabe... – eu hesitei em dizer alguma coisa que pudesse deixar o Timothy chateado, mas precisava saber se ele poderia ser o pai do Brad.
– Você pensou que eu e a Hannah estávamos juntos? – Timothy riu pela primeira vez desde que eu havia chegado à Reflexões da Segunda Chance. Isso o deixou mais tranquilo e me mostrou a possibilidade para um futuro melhor. – Não, definitivamente não. Eu estava focado demais em ser o filho perfeito. Se meu pai ou o meu avô pensassem que eu estava me envolvendo com um dos funcionários da família, eles teriam me punido durante anos. Acho que isso acabou acontecendo de qualquer forma, não é?
Se o pai do Brad não era o Millard ou Timothy, isso deixava o Charles ou alguém de quem ainda não sabia.
– Obrigado. Vou contar para a família da Hannah. Você se lembra de quem ela poderia ter ficado próxima?
– Nada na minha mente agora. Se eu pensar em alguém, vou lhe contar. – Timothy disse antes de apertar minha mão e sair da sala.
Apesar de eu ter ficado sabendo de várias informações novas ao me encontrar com ele, isso apenas eleiminou suspeitos da minha lista. Eu saí da clínica de reabilitação e saí para um corrida de uma hora. Depois que terminei meu banho e de me trocar, já era hora do almoço. Eu peguei comida na cafeteria de Braxton, e parei no meu escritório no Hall Diamante para encontrar alguns estudantes que tinham perguntas sobre uma prova futura. Entre as visitas deles, Maggie e eu colocamos o assunto em dia.
Eu: Como está a biblioteca hoje?
Maggie: Boa. Eu estou finalizando os últimos retoques nos convites para o baile de máscaras.
Eu: Para o novo prédio? Quando é o baile?
Maggie: Em maio, logo após a graduação. Vai ser o primeiro de uma série de eventos para levantar o dinheiro.
Eu: Ótimo! Reservas para sexta-feira às oito no novo restaurante francês na margem do Rio Finnulia.
Maggie: Estou ansiosa por isso. Nós temos bastante para conversar. Tenho uma reunião. Vejo você em breve.
Eu coloquei minha cabeça sobre a mesa para tirar um cochilo. Para minha sorte, Emma iria na casa de uma amiga depois da escola, então eu poderia descansar meus olhos por algum tempo antes de ir encontrar a Nana D para o chá. Eu tinha apenas alguns dias para dizer à Francesca se eu iria voltar para Los Angeles. Será que eu poderia contar à Maggie sobre o que estava acontecendo? Será que ela seria capaz de me ajudar sem deixar que qualquer sentimento pessoal ficasse no meio? Sem respostas para minhas perguntas, eu me forcei a dirigir para o Rancho Danby. Eu precisava de distração e a Nana D iria me dar a melhor maneira de eu me sentir melhor, sobremesas!
18
Quando eu cheguei, Eustacia e Nana D estavam colocando a mesa para o chá. Nana D havia assado um cheesecake de chocolate com calda de amendoim. Ele estava com uma aparência deliciosa e um cheiro também. Eu mal consegui me impedir de pegar as migalhas do topo e dos lados. Nana D deu um tapa na minha mão algumas vezes.
– Para com isso. Espere até que o chá esteja pronto. Vamos conversar sobre a Gwennie.
– Yeah, o que você conseguiu saber até agora, Kellan? Você não é um investigador tão bom quanto sua avó disse que era. Por que eu ainda não tenho nenhuma resposta? – Eustacia reclamou.
Depois de contar a elas sobre a minha visita ao Timothy, Eustacia me deu alguns pontos por ter feito progresso e confirmou que ela havia pago a dívida.
– Eu não consigo imaginar o meu irmão, Charles, traindo a Gwennie, mas acho que tudo é possível. – Eustacia disse enquanto fatiava o cheesecake.
– Eu quero conversar com você sobre os seus sobrinhos-netos. Eu não fui capaz de analisá-los apropriadamente. Até onde nós sabemos, eles poderiam ter sido inclusos no novo testamento. Vamos fingir por um minuto que a Gwendolyn tenha escolhido deixar para um ou mais de um deles a fortuna da família Paddington.
– Boa ideia. Qual poderia ter sido o motivo dos pequenos patifes? – Nana D comentou enquanto servia o chá em três xícaras.
– Dana me contou que o Sam brigou com a Gwendolyn sobre algo alguns dias antes de ela ser morta. Alguém sabe o porquê? – eu perguntei.
– Sam sempre foi um bom garoto. Gwennie pensava que ele até mesmo cuidaria dela se ela ficasse doente demais. Eu não tenho certeza sobre o que eles poderiam ter brigado. - Eustacia explicou, tendo dificuldades com o chá e deixando cair um pouco na mesa. A falta de respostas a estava desgastando.
– E quem é a pessoa mais próxima dele? Alguém precisa perguntar a ele, mas eu não vejo essa pessoa sendo eu. O garoto foge sempre que eu tento conversar com ele. – eu comentei enquanto entregava um guardanapo para Eustacia.
– Eu vou fazer isso. – Nana D disse. – Eu sou boa em conversar com os jovens. Eles parecem confiar em mim.
Nana D tinha um bom ponto. Eu havia contado os meus segredos para ela no passado. Não contar a ela sobre a Francesca estar viva era a única coisa que eu já havia escondido, e isso estava quase me matando.
– Vá com calma. Ele pode ser perigoso, nós ainda não sabemos.
– Gwennie costumava reclamar sobre a Lilly o tempo todo. Ela se colocou em problemas anos atrás quando uma amiga dela morreu em acidente de esqui. Foi logo antes do avô dela ter falecido, mas ele pensava que Lilly poderia ter sido capaz de empurrar sua amiga montanha abaixo. Gwennie sempre achou que a capacidade de compreensão da verdade do Charles estava começando a ficar com problemas perto do fim. Ela acreditava que a Lilly era difícil, mas não patologica. Estou inclinada a concordar com ela sobre isso.
– Eu já vi a Lilly ser maldosa, e ela foi bem rude comigo durante o funeral. Pelo que entendi, Lilly acredita que tenha encontrado dinheiro para começar seu novo negócio. – eu disse, pegando meu primeiro pedaço de cheesecake. – Isso está maravilhoso, Nana D.
– É claro que está. Nada do que eu faço está longe da perfeição. Agora, quanto à Lilly... eu vi ela e o Brad conversando várias vezes durante as últimas semanas. Ela parece gostar dele, mas eu não sei sobre o que eles estavam conversando. – Nana D disse. – Não parecia nada romântico, mas não posso ter certeza.
– Lilly e a mãe nunca se deram bem. Ela culpava a mãe pelos frequentes desaparecimentos do Richard. Ela está bem melhor agora que a Ophelia e o pai estão juntos novamente.
– Será que o Richard poderia ter emprestado dinheiro para ela? Alguém me disse que ele vai ser o novo presidente das Empresas Paddington. – eu perguntei, contemplando sobre como localizá-lo.
– Com o Timothy fora de figura na reabilitação, Richard é o único que resta na família que conhece o suficiente sobre negócios. O Conselho o aprovou como novo presidente por um período de um ano. Pode ser que ele vá investir no negócio da Lilly. E se esse for o caso, então ela não tinha motivo para matar a avó para conseguir dinheiro. – Eustacia disse, batendo o punho na mesa. – Então tem a Dana.
– Sim, ela também é complicada. Eu já ouvi algumas pessoas falando sobre a forma como ela fica atrás dos rapazes. Houve um incidente uma vez na biblioteca, e eu suspeito que a Dana estava envolvida com o Arthur no... – eu parei quando percebi a minha platéia. Eu estava contando para duas senhoras com mais de setenta anos sobre as ações arriscadas de uma jovem moça que elas conheciam.
– Bem? – Nana D gritou. – Não nos deixe esperando. O que foi que ela fez?
– Kellan, a minha sobrinha-neta é um pouco desleixada. Eu estou ciente do comportamento dela. Se você tem algo a dizer, coloque para fora. – Eustacia comentou antes de me entregar a xícara para servir de mais chá.
– Me desculpe. Eu não tenho certeza de como dizer isso. Ela tem flertado execessivamente, mas no meu entendimento o Arthur inicialmente rejeitou os avanços dela. Algo não está fazendo sentido. – eu expliquei, pensando sobre como também havia sido a Dana quem encontrou e comprou os placebos.
– Arthur estava indignado com a Gwennie. Talvez a Dana tenha convencido a Gwennie a deixar a fortuna para ela, e ela ajudou o Arthur a conseguir a vingança.
– Será que ela tinha realisticamente acesso para trocar os comprimidos por cocaína na manhã que a Gwendolyn morreu? – Nana D perguntou, batendo os dedos na mesa.
– Dana estava conosco no teatro, não no brunch na mansão. Ela vive no campus, não é mesmo? – eu disse. – Será que ela poderia ter ido até a mansão no domingo de manhã para roubar os remédios da avó, trocá-los por cocaína, e retornar ao teatro sem que ninguém soubesse?
– Provavelmente não, mas então poderia ter sido aí que o Arthur a ajudou. – Eustacia disse.
– Vou perguntar à Myriam. Eu tenho certeza de que o Arthur não poderia ter saído da Casa de Espetáculos Paddington antes ou durante o ensaio de figurino. Ele está direcionando o local e tinha muito a fazer. – eu expliquei.
– Eu vou perguntar à Bertha se Dana foi para lá durante o final de semana. Você descubra algo com a Myriam. – a Nana D instruiu. Ela começou a limpar os pratos enquanto conversávamos. – Você sabe o que tem que fazer, Kellan.
Eu? Sobre o que ela estava falando?
– Hmm, o que você tem em mente?
Em uníssono, Eustacia e a Nana D gritaram.
– A xerife, Kellan. Vá ver a xerife.
Apesar da April Montague ter relevado um pouco na última vez que conversamos, eu não achava que ela fosse me contar nada de importante sobre o caso. Eu realmente precisava contar a ela sobre a minha conversa com o Millard à respeito de seu relacionamento não-íntimo com a Hannah, mas isso iria ajudar em alguma coisa?
– Ótimo, vou fazer isso pela equipe novamente. Mas não vou gostar de fazê-lo.
– Assim é a vida, Kellan. Pelo menos até você ter a nossa idade. – Eustacia escarneceu.
– E aí você pode mandar todo mundo fazer o trabalho de verdade! – Nana D disse com um aperto de mão em Eustacia.
Depois de sair da Nana D, eu peguei a Emma na casa de sua amiga. No caminho até nossa casa, conversamos sobre os nossos dias. Eu deixei de lado a parte da investigação de assassinato, apesar de parte de mim ficar me perguntanado se ela poderia ter um palpite interessante sobre o possível culpado. As crianças frequentemente eliminam as informações estranhas e apontam a única coisa que você deixou passar desde o começo. Será que eu deveria tentar?
Eu estava considerando isso quando o nome do meu pai apareceu na tela do meu celular enquanto entrávamos na rua da casa deles.
– Oi pai. O que está acontecendo?
– Você tem uma visitante. Eu pensei que você poderia querer voltar para casa o mais rápido possível. – ele disse da maneira como ele costumava me cutucar para voltar para casa para jantar mais vezes para ver minha mãe enquanto eu estava na faculdade. Parei o carro em frente à casa.
Por causa da motocicleta estacionada na calçada da Cabana Chic e da minha estúpida sorte, era provavelmente a xerife. Por um momento realmente longo onde até mesmo Emma teve que me relembrar de que eu estava ao telefone, considerei passar pela casa como se eu nunca estivesse ido para lá. Foi então que eu ouvi uma batida na janela do lado do passageiro e desliguei o celular.
– Papai, tem uma policial mulher aqui para ver você. E ela parece com raiva. Ou como se tivesse engolido um monte de comida ruim. Uuuii!!! – Emma disse com uma vozinha aguda.
– Apenas não olhe nos olhos dela, querida. Ela não é uma policial de verdade. Ela é um demônio do mal, e você não quer ficar do lado ruim dela, okay? Finja que não a viu e entre lentamente em casa como se estivesse com medo dela. Ela vai te ignorar. – eu murmurei enquanto sorria para a xerife através da janela fechada. Antes de sair do meu próprio assento, eu soltei o cinto de segurança da Emma e disse a ela para entrar correndo e encontrar com o vovô. Depois de fechar a porta, Emma decidiu não seguir as minhas instruções e ao invés disso marchou direto para a xerife.
– Posso ver o seu distintivo? Meu papai falou que você é uma policial de mentira, mas eu não acredito nele. Você parece uma de verdade. Apenas uma malvada. Você comeu alguma coisa ruim agora à pouco? Porque pelo seu rosto parece que sim. Você está tentando esconder suas presas de monstro? Estou confusa, mas vou descobrir.
April olhou de Emma para mim. Eu pude imaginar o que estava na mente dela pelos tremores subsequentes no canto dos lábios. Ela era terrível em esconder seus sentimentos.
– Crianças. Elas dizem as coisas mais estranhas, não é? – eu disse, encolhendo os ombros e apontando na direção da casa. – Para dentro, Emma.
– Mas papai, se ela for um monstro de verdade, eu vou colocar um feitiço mágico nela e mandá-la embora. E ela não respondeu a minha pergunta. Isso é rude! – Emma colocou suas mãos nos quadris e olhou para a xerife. – A minha amiga Shalini na escola disse que os garotos incomodam você quando eles querem que você seja sua namorada. Você é má com o meu papai porque quer ser a namorada dele?
Os olhos de April se arregalaram tanto que ela parecia que havia colocado um dedo na tomada.
– Ela tá falando sério, Pequeno Arywick? Você alugou uma pequena versão sua para o dia?
Eu não tive escolha a não ser apresentar a Emma para April.
– Ela tem seis anos e algumas vezes não sabe quando manter a boca fechada. Eu não tenho certeza do que minha filha está falando a metade do tempo.
– Eu posso ver a semelhança. – April disse para mim, então se virou para a Emma. – É um prazer te conhecer, Emma. Eu não sou um monstro, mas uma policial de verdade. Posso parecer um pouco brava porque o seu papai deveria ter me ligado mais cedo para me contar uma coisa importante. Ele também não deveria contar a mais ninguém sobre isso. Mas por algum motivo, ele parece ter se esquecido do que nós discutimos recentemente. Eu gosto de seguir as regras, e eu espero que os outros também as sigam.
– Eu também gosto de regras. O papai é esquecido às vezes. Eu acho que é porque ele faz coisas demais. Acho que você não gostaria de ser namorada dele. Ele provavelmente iria esquecer do seu aniversário. Apesar de que ele nunca se esqueceu do meu. Eu fico pensando se ele precisa de uma namorada para manter ele na linha. Foi isso que a Nana D me contou outro dia. – Emma anunciou enquanto caminhava até a casa para ver meu pai.
– Eu acho que você tem as suas mãos ocupadas com aquela menina, Kellan. – a xerife comentou.
– Kellan? Eu acho que essa é a única vez que você me chamou pelo meu primeiro nome. – eu fiz uma anotação mental para ter algum ato de rebeldia contra a Nana D por ela ter dito algo sobre eu conseguir uma namorada na frente da Emma.
– Yeah, bem... baseado no que você tem que lidar entre a sua avó e a sua filha, eu acho que posso ser capaz de pegar leve com você de tempos em tempos. Eu certamente não quero ser a responsável por causar o seu colapso completo e absoluto. – a xerife disse enquanto pegava seu bloco de notas. – E quanto aos comentários reveladores que você aparentemente fala de mim na frente da sua filha, pelo menos eu sei onde nós estamos. E pensar que eu cheguei a cogitar em ser mais aberta com você no futuro.
– Talvez tenha havido um pouco de exagero. Será que você pode, honestamente, me dizer que nunca disse algo igualmente controverso sobre mim? Certamente o Connor tem sido um bom ouvinte. Eu tenho visto a maneira como você olha... – eu disse com sarcasmo suficiente para provar meu ponto, mas fui interrompido no meio da fala.
– Vamos continuar. Nenhum de nós quer ter essa conversa. Então, o que você descobriu com o Timothy? Eu sinto a necessidade de lembrá-lo que você deveria falar sobre a Hannah apenas com o Millard. Não tenho certeza de como você pensou que tinha a aprovação para encontrar o Timothy. Eu estava apenas brincando quando lhe disse onde ele estava e que você poderia conferir por si mesmo. – a Xerife Montague caminhou em direção à garagem para evitar o vento frio que nos castigava.
Nós concordamos em discordar sobre a minha abordagem, então eu lhe contei sobre tudo o que o Timothy havia me dito na Reflexões da Segunda Chance.
– Ele não sabe que sua mãe foi assassinada, eu presumo?
– Não. Eu estava tentando manter isso o mais em segredo possível, mas Eustacia contou à várias pessoas da família. Ela é um trabalho e tanto, não é mesmo? – a xerife anotou algo em seu bloco, então continuou depois que eu assenti para o comentário dela. – Nós agora fomos capazes de confirmar que a cocaína dada à Gwendolyn não estava em mais nenhum lugar da casa, e nem nos seus outros remédios. Encontramos um pouco no apartamento do Timothy, mas eu não tenho certeza de que vamos ser capazes de provar que foi dali que veio. O Dr. Betscha não é um especialista em drogas recreativas, mas ele está fazendo o seu melhor.
– E quanto ao pai do Brad, eu estou perdido. Será que nós poderíamos tentar um teste de DNA? – eu disse.
– Eu não poderia conseguir um mandato para isso nesse ponto. Nós não podemos provar que o Brad tenha feito algo errado. – a xerife explicou. – No entanto, fiquei sabendo de algo interessante quando estava cutucando o passado do Brad.
A minha curiosidade se atiçou.
– Será que você pode me contar?
– Se você me prometer que vai seguir todas as minhas instruções daqui para frente, sim, eu posso. – ela disse, estreitando os olhos. – Isso é contra o meu melhor julgamenteo, mas se você pisar fora da linha, aparentemente tudo o que eu preciso fazer é falar com a sua filha para te colocar de volta.
– Promessa de escoteiro. – eu respondi, fazendo o gesto apropriado com uma das mãos, e a outra atrás das costas cruzando o dedo. Ela também não precisava saber que eu nunca havia sido um escoteiro.
– Brad Shope não tem licença para ser enfermeiro. Ele completou a maior parte do currículo do curso, mas nunca recebeu a certificação formal. Aparentemente, ele não passou em uma das provas, então foi demitido de uma posição anterior onde houve uma confusão com os medicamentos de vários pacientes. – quando o celular da xerife tocou, ela se afastou para atender.
Isso era uma notícia inesperada. O que ele estava escondendo? Talvez Eustacia pudesse conversar com o Dr. Betscha para fazer um teste de DNA. Se o Brad era culpado ou não pela morte da Gwendolyn, se era um membro legítimo da família, todos teriam que saber. Ou pelo menos deveriam. Eles provavelmente não queriam saber.
– Parece que houveram várias saques de grandes quantias sobre os quais os contadores dos Paddingtons não sabiam. Eu estou indo descobrir mais. – a Xerife Montague disse ao retornar. – Não fale com o Brad sobre nada disso. Eu vou lhe contar quando tiver mais informações sobre a vida dele.
– Posso sugerir um teste de DNA para a Eustacia? – eu perguntei.
– Sim, mas isso é tudo. A propósito, sua filha é adorável. Eu posso ver que você é um ótimo pai. Talvez eu reconsidere deixar você me chamar de April ao invés de Xerife Montague. – ela disse antes de subir na moto e sair rapidamente da calçada.
Eu entrei em casa com um sorriso. Talvez a Emma realmente soubesse as coisas certas a dizer! Nós passamos o resto da noite juntos com meus pais comendo o jantar, assando biscoitos e assitindo um episódio do show de televisão favorito da Emma. Normalmente ela não tinha permissão para assisti-lo durante a semana, mas ela merecia um prêmio. Então nós lemos uma história antes de dormir e discutimos sobre pegarmos um filhote. Ela estava vencendo.
* * *
Na quarta-feira, depois de ministrar minhas aulas, tive um almoço de trabalho junto com a Fern para preparar a nossa primeira grande apresentação sobre a estrutura do novo departamento de comunicações da Universidade Braxton. Assim que terminamos, ela perguntou:
– Você conversou com a Myriam sobre deixar o Arthur continuar trabalhando? – Fern estava parecendo alguém que precisava de boas notícias. A cabeça dela estava um pouco baixa e seus olhos pareciam cansados.
– Temporariamente até o fim do show. Eu vou conferir isso novamente com ela essa tarde. Ela pediu alguns dias para considerar a minha opinião. Eu te aviso sobre o que descobrir. – eu tirei o plástico que cobria meu brownie duplo da cafeteria e ofereci metade para a Fern.
– Eu precisava disso, obrigada. – ela disse, aceitando a sobremesa. – Arthur se meteu em algum tipo de problema novamente. Ele me ligou ontem à noite para dizer que as coisas tinham ficado complicadas, mas não quis me dizer o porquê. Espero que não seja algo com a Casa de Espetáculos ou com o show. Ele precisa ficar focado na carreira dele.
– Você é uma boa mãe, Fern. Arthur é que é um pouco dramático às vezes. Talvez ele esteja exagerando sobre o quão complicadas as coisas são. – eu já havia visto a explosão dele algumas vezes desde que voltei para casa. Eu também tinha quase certeza de que isso tinha relação com a Dana. Havia mais coisas acontecendo aqui do que eu conseguia apontar no momento. – Ele está saindo com alguém? – eu perguntei.
– Não que eu saiba. Ele estava se encontrando com alguém em Nova Iorque antes de vir para casa, mas aquilo acabou. Eu não sabia nada sobre a pessoa também. – ela disse, tendo cuidado para não dizer o gênero de seu antigo parceiro. – Ele é geralmente bem secreto sobre com quem está namorando.
Ter morado em Los Angeles tinha me exposto a uma comunidade maior e diferente da nossa cidade pequena, onde as pessoas ainda tem receio de revelar sua sexualidade. Eu não tinha certeza se Arthur saía com homens ou mulheres, mas a reação dele com a Dana e os segredos dele me faziam acreditar que a preferência dele poderia ter alguma relação sobre porque ele resistiu à Dana. Isso não era algo que eu me sentia confortável em conversar com a Fern, especialmente se a mãe não tinha noção.
– Por acaso o Arthur comentou algo sobre a morte da Gwendolyn? Eu sei que eles não estiveram sempre brigados um com o outro, mas como ele tem reagido ultimamente? – eu perguntei em uma abordagem hesitante.
– Kellan, nós conhecemos um ao outro há muitos anos. Eu também sei que você estava investigando as duas mortes no campus no mês passado. Você está me perguntando isso por que o Arthur tem alguma coisa a ver com a morte da Gwendolyn? Eu pensei que tivesse sido um ataque do coração. – Fern disse, com uma preocupação crescente no rosto.
– Eu não vou mentir. Nós precisamos trabalhar juntos e confiar um no outro. Eu ouvi alguns rumores de que houve alguma mistura com os medicamentos dela e que a família poderia estar envolvida. Eu sei que o Arthur tem uma amizade com uma das netas dela, Dana. Um pensamento ou dois vieram à minha mente se ele poderia ter sido coagido a fazer algo... e agora que você mencionou que ele está com problemas, bem... – meu estômago doeu sabendo que eu estava deixando a nossa reunião desconfortável.
– Eu duvido disso. Arthur pode ser difícil, mas não é um assassino. Ele também sabe cuidar de si mesmo, e se alguém naquela família tentasse forçá-lo a fazer algo ilegal, Arthur não teria permitido isso. – Fern disse com um ponta de dúvida em sua voz.
– Você tem certeza? Eu também não acho que ele tenha feito isso, mas não posso deixá-lo de fora. Eu ouvi que ele esteve... como eu posso dizer... envolvido intimamente com alguém recentemente.
– Eu conheço o meu filho. Ele nunca foi capaz de mentir para mim antes. – Fern disse enquanto recolhia nossas bandejas. – E não ache que estou chateada com você por ter perguntado. Eu entendo porque você está fazendo isso. Você sempre foi um cara de força, até mesmo quando costumava brigar pela sua fraternidade quando era um estudante aqui. Eu admirava a sua coragem e força naquela época, e ainda admiro hoje.
– Obrigado, isso significa muito ouvir você dizendo isso. – depois que Fern foi embora, eu percebi uma mensagem de voz perdida de um número desconhecido. Quem queria algo agora?
19
Eu ouvi a mensagem de voz apenas para ficar sabendo que havia me esquecido de remarcar o meu exame anual com o Dr. Betscha. Eu tive que cancelá-lo quando encontrei a carta da Francesca e não consegui me forçar a fazer nada por algumas horas, a não ser ficar relembrando e pensando. Sabendo que eu também precisava conversar com ele sobre a Gwendolyn, liguei para o consultório e escolhi uma nova data e horário.
– Tem alguma chance de ele estar disponível para conversar?
– Claro, ele tem uma tarde tranquila hoje. Ele deveria ter ido para uma conferência, mas a agenda mudou no último minuto. – ela disse antes de me colocar à espera.
Alguns segundos depois, ele atendeu. Depois que nós conversamos sobre as coisas grandes acontecendo em nossas vidas, ele disse:
– Então, o que eu posso fazer por você hoje, Kellan?
Eu contei a ele sobre a possibilidade da empregada dos Paddingtons de ter dado à luz uma criança que poderia ser filha de alguém naquela casa. Ele ficou incomumente quieto antes de finalmente responder.
– Me desculpe, eu precisava pensar apropriadamente sobre essa pergunta. Alguém na família Paddington recentemente me fez a mesma pergunta. – o Dr. Betscha disse. – Eu suponho que agora que ela faleceu, eu não esteja quebrando a confiança da Gwendolyn, especialmente, se você está ajudando a família a descobrir quem a matou.
O que ele me contou me deixou surpreso.
– A Gwendolyn pediu a você para fazer um teste de DNA no Brad Shope?
– Sim. Ela aparentemente ficou sabendo da mesma coisa que você sobre o Brad. Eu a coloquei em contato com um amigo meu que tem um laboratório de DNA em Woodland. Eu não acho que ela teve tempo de conseguir os resultados finais, mas ela pediu para serem feitos dois testes diferentes, se eu entendi corretamente. Isso foi a cerca de duas semanas atrás. – o Dr. Betscha disse.
– Por acaso ela disse quem suspeitava ser o pai dele?
– Não, mas ela queria saber se ele era ou não um Paddington. Eu acredito que ela gostava do garoto. – o Dr. Betscha me colocou à espera para conversar com outro paciente que exigia que o médico estivesse disponível. – Desculpe por isso, Kellan. Eu não tenho certeza sobre como lidar com esses Paddingtons o dia inteiro. Era um deles me implorando por um minuto do meu tempo nessa tarde. – ele respondeu. O Dr. Betscha era um bom médico, e ele dava o maior tempo possível para seus pacientes. Algumas vezes ele não sabia quando ou como dizer não. Qual Paddington estava ligando para ele? Eu não achava que ele pudesse me revelar isso também.
– Não vou te segurar por muito tempo. Será que você pode me enviar a mesma informação que você enviou para a Gwendolyn? É a minha última tentativa para entender quem poderia querer ela morta. Se um parente pensasse que ela iria colocar mais um beneficiário ou tirar o nome de alguém da lista, eu estou preocupado que essa pessoa possa tê-la matado.
– É uma teoria. Havia muitas pessoas naquela família que não gostavam da Gwendolyn. Até mesmo a filha dela, Jennifer, ameaçou matá-la, e ela era a mais normal do grupo todo. Pelo menos era antes do incidente, quero dizer. – o Dr. Betscha tossiu, então começou a se despedir.
Eu não tinha certeza sobre qual incidente ele se referia.
– Espere, isso é alguma coisa que você pode me contar?
– Eu provavelmente não deveria, mas isso não foi dito em confidência. Fiquei sabendo através de uma conversa casual com a Jennifer no dia seguinte ao acontecido. Aparentemente, o motivo pelo qual ela sofreu seu último aborto, que acabou levando ao fim do seu noivado, foi uma briga com sua mãe. Gwendolyn acidentalmente empurrou a Jennifer escada abaixo durante uma discussão na mansão.
– Verdade? Eu sabia sobre os abortos, mas não sobre o resto. Será que ela contou para mais alguém?
– Não, não foi desse jeito. No começo, ela disse à emergência que havia sido um acidente. Quando ela veio me ver algumas horas depois, eu tive uma consulta com seu obstetra. Nós contamos à Jennifer que ela poderia ter dificuldades de conceber uma criança novamente, e ela ficou bem chateada. Foi então que ela começou a desabafar e reclamar sobre sua mãe a ter empurrado das escadas.
– Você acha que foi isso que aconteceu? – eu perguntei, de repente vendo um motivo mais forte sobre o porquê Jennifer poderia querer machucar sua mãe.
– Jennifer ficou com raiva e chateada com o pensamento de não poder ter filhos. Nós nunca dissemos que ela não poderia, só que seria mais difícil por causa dos danos. Você pode querer conversar com ela sobre isso. Já faz quatro ou cinco anos, e eu não sei como ela se sente sobre essa situação no momento. – o Dr. Betscha desligou para lidar com seu outro paciente.
A família Paddington era tão cheia de drama, ódio e desentendimentos antigos. Qualquer um deles poderia verdadeiramente ter estourado em algum momento nos últimos meses, e criado um plano para assassinar a Gwendolyn. Eu não seria capaz de solucionar isso até que nós pudéssemos encontrar o testamento desaparecido ou forçar alguém a confessar a culpa. Talvez o melhor próximo passo fosse organizar uma reunião com a família e colocar todas as cartas na mesa. Será que nós poderíamos fazer com que o assassino dissesse algo que revelaria a sua identidade?
Depois de tentar sem sucesso conversar com a Nana D ou a Eustacia sobre a minha conversa com o Dr. Betscha, eu fui até a biblioteca fazer um pouco de pesquisa sobre como redeclarar alguém como vivo e que havia sido previamente declarado morto. Surpreendentemente, havia uma boa lista de artigos e alguns livros extraordinários sobre o assunto. A maior parte do que eu havia aprendido estava focado no lado financeiro e legal de ser declarado morto, quando não havia um corpo para se provar o fato. Esse não era o meu problema. Definitivamente havia um corpo, só que ele estava vivo. E eu estava lidando com uma louca família da máfia que pagou propina para os policiais e o legista para que fosse emitida uma certidão de óbito. Quem iria acreditar em mim?
Três horas mais tarde, depois de bater minha cabeça na mesa várias vezes, fazendo com que eu tivesse um pequeno calombo, tomei uma aspirina e dirigi para casa. Minha mãe havia pegado a Emma na escola e ido para a festa de aniversário da filha de uma amiga, o que significava que eu iria jantar sozinho. Ninguém mais estaria por ali. Eu precisava de alguns amigos ou tirar vantagem de uma noite mais longa para descansar, já que meu corpo parecia estar lutando contra um resfriado. Eu mandei uma mensagem para minha mãe dizendo que iria dormir e que ela seria a responsável por colocar a Emma na cama. Ela concordou e me mandou o número de um florista com uma dica de que ela poderia ter algumas flores no escritório. Eu fiz o pedido de dois buquês de lírios e fui dormir ouvindo um episódio do show Great British Baking.
* * *
Na quinta-feira de manhã, eu acordei com a cabeça congestionada e uma tosse frustrante. O relógio na mesa de cabeceira mostrava que eram nove horas. Um bilhete ao lado dele, do meu pai, dizia que ele havia levado a Emma para a escola naquela manhã. Quando eu não havia acordado até mesmo depois da Emma me cutucar, eles sabiam que eu não tinha condições de seguir com o meu dia sozinho. Mandei uma mensagem para cada um dos meus pais agradecendo por serem os melhores do mundo. Meu pai respondeu dizendo que estava fazendo a conta dos favores que eu havia precisado desde que havia voltado para casa, e que eu deveria esperar uma conta no fim do mês. Ele estava brincando? Por que nunca podia contar com aquele homem? Minha mãe respondeu dizendo que as flores haviam sido entregues precisamente às oito e meia e eram tão perfumadas, que todos no prédio de admissões paravam para admirá-las.
Depois de fazer meus exercícios e a corrida, eu tomei um banho e tive um agradável café-da-manhã. A Nana D me ligou para dizer que eu ia me dar mal se faltasse no debate para prefeito. Ela havia ouvido da minha mãe que disse que eu estava no meu leito de morte. Não tinha certeza de como eu tinha passado de um resfriado para estar quase morrendo, mas as conversas telefônicas entre a minha mãe e a mãe dela geralmente saíam dos trilhos facilmente. Contei à Nana D que eu estaria no debate assim que pegasse minhas roupas na lavanderia, fizesse algumas ligações telefônicas e pegasse um remédio descongestionante. Trinta minutos depois, eu estava sentado em uma mesa alta na The Big Beanery bebendo uma xícara de chá para aliviar a garganta que havia começado a arranhar.
Eu entrei em contato com a clínica de testes de DNA e deixei uma mensagem dizendo que estava perguntando em nome de Gwendolyn Paddignton que havia falecido recentemente. Eu queria saber se eles poderiam entregar os resultados para mim ou para o advogado dela, o que eles se sentissem mais confortáveis fazendo. Eu sabia que teria que ser através do advogado, mas tinha que tentar. Finnigan sem dúvidas compartilharia o resultado com a Eustacia, então ao fim eu veria. Enquanto pensava sobre como parecia que eu tinha sido atropelado por um caminhão, e querendo que fosse possível voltar para cama, ouvi uma voz familiar. Eu me virei e vi o Sam Taft sentando em uma cabine à minha esquerda. Fiquei escutando a ligação dele.
Sam disse:
– Eu nunca pensei que isso fosse acontecer, mas desde que te conheci, tudo parece tão melhor na minha vida. Você é incrível. Mal posso esperar para te encontrar novamente.
A voz dele parecia cheia de animação e felicidade, que eu senti que poderia flutuar ali. Será que Sam estava saindo com alguém novo? Se sim, eu fiquei feliz por ele, mas quem seria?
Sam continuou:
– Eu entendo que você não queira que ninguém saiba mais sobre isso agora. É complexo, eu entendo. Não estou pedindo que você compartilhe as novidades até que esteja pronto. Claro... yeah, eu posso fazer isso.
Será que a namorada dele estava tentando manter tudo debaixo dos panos? Eu me senti mal ao ouvir, mas era uma oportunidade para aprender mais sobre ele. O garoto era cheio de segredos e retraído sempre que eu estava perto dele.
Sam riu, e então disse:
– Eu estou me apaixonando por você. Não me importo com o que os outros pensam. Minha família pode não gostar disso, mas quem precisa deles? A minha avó era a única que me escutava. Ainda não consigo acreditar que brigamos sobre eu contar aos outros sobre você. Então ela morreu sem aviso.
Interessante. Eu havia aprendido duas coisas da conversa do Sam ao telefone. Uma, por que ele mataria a avó se ela era a única pessoa que parecia se importar com ele? Dois, ele tinha um amante secreto. Será que a Dana não aprovava com quem ele estava saindo e era por isso que ela me contou sobre a briga dele?
Sam disse:
– Eu acho que o Kellan sabe. Ele apareceu algumas vezes quando eu não esperava vê-lo. Eu sei que nós precisamos manter isso em segredo por enquanto. Mas o que nós vamos fazer se ele descobrir o que está acontecendo? Eu já estou com medo de que a minha avó tenha morrido por causa disso.
O que ele queria dizer? Enquanto eu considerava tudo o que havia escutado, eu me perguntei se o Sam não tinha uma namorada. Será que ele tinha um namorado e estava com medo de sair do armário? E se o cara com quem ele estava conversando também não estava preparado para contar a alguém, será que ele era alguém que a família do Sam conhecia? Eu arquejei quando outro pensamento passou pela minha mente. Será que poderia ser o Arthur ou o Brad? Eu mal conhecia algo sobre a vida pessoal do Brad, mas seria incesto se o Brad acabasse se revelando um Paddington. Minha mente estava ocupada, cheia de pensamentos e processando tudo, que eu nem percebi o Sam se aproximar de mim.
– Kellan, eu não vi você aqui. Você me escutou conversando? – Sam disse, mordendo os lábios com força.
Será que eu deveria dizer sim, ou fingir que não havia escutado.
– Hm... eu... percebi que você estava ali, sim, mas... eu não queria interrompê-lo quando vi que você estava ao telefone.
– Não é o que você pensa. Eu não queria manter isso escondido. – os olhos de Sam seguiram para o chão.
– Eu não ouvi muito. Tem alguma coisa que você queira me contar?
Ele sacudiu a cabeça.
– Eu estava conversando com um amigo, isso é tudo.
Eu decidi jogar uma isca para ver se ele iria morder.
– Ah, não seria por acaso o Brad, seria? Eu precisava conversar com ele e não o encontrei essa manhã.
Sam olhou para mim com uma expressão confusa.
– Que Brad?
– O enfermeiro da sua avó. – eu respondi.
– Ah, não. Não era o Brad. Eu mal o conheço. Pensei que ele não estava mais trabalhando na mansão. – Sam comentou, pegando sua mochila.
– O Brad está ajudando a sua tia-avó Eustacia com várias coisas. Acredito que ele vai continuar lá por mais alguns dias. – eu expliquei, procurando por alguma pista no rosto do Sam.
– Bem, eu tenho que ir. Não posso te ajudar com o Brad. A propósito, eu sei que você disse que não ouviu muito, mas se por acaso tiver ouvido, por favor, não conte a ninguém. Eu não estou preparado para compartilhar as notícias. Ainda estou lidando com isso, e bem, o segredo é apenas metade meu. Também tem mais alguém envolvido. Eu tenho certeza de que você entende por que é importante até que nós estejamos todos prontos para sentar e conversar sobre isso, certo?
Eu assenti, apenas entendendo em partes o que ele queria dizer. Será que ele estava preocupado que eu revelasse que ele era gay? Ou que ele tinha algum envolvimento com a morte da Gwendolyn?
– Claro, esse não é um assunto meu para eu comentar. Eu quero que todos os envolvidos estejam felizes.
– Obrigado. Eu pensei que você, dentre todas as pessoas, pudesse entender, Kellan. Talvez eu te veja por aí novamente. – Sam colocou o casaco e saiu da The Big Beanery parecendo um pouco aliviado.
Eu precisava de tempo para processar toda a conversa, mas tinha certeza de que a atitude do Sam comigo havia mudado de repente. Talvez ele tivesse visto que eu não estava incomodado pelas notícias dele e que ele não precisava se preocupar em esconder a verdade de outra pessoa. Ou talvez ele estivesse sabiamente me mantendo confuso, para que eu não descobrisse o que realmente havia acontecido com a avó dele. Eu fiquei parado no meu banco percebendo que tinha que seguir para o debate. A Nana D havia forçado o Marcus a continuar com a data e o local originais apesar do esforço dele para alterá-los.
Vinte minutos depois, ambos subiram no palco, juntamente com Lara Bouvier no Parque Wellington. Nós estávamos sentados em um anfiteatro ao ar livre, protegidos do vento frio por dezenas de lâmpadas térmicas. Lara pediu que os dois candidatos compartilhassem uma mensagem pessoal com os constituintes. Marcus falou sobre como sua família já estava no Condado de Wharton há duzentos anos, destacando todas as doações que eles haviam feito para a construção do hospital, promover o Hall para Concertos, e redesenvolver a margem do Rio Finnulia. Nana D respondeu dizendo todos os benefícios que seus ancestrais, os Danby e Betschas, haviam dado a todos, incluindo a criação de empregos nas minas Betscha, o desenvolvimento da terra cultivável, e a organização de todos os programas de voluntariado. Ela até mesmo citou as novas oportunidades que iria se comprometer a fazer, incluindo sugestões que eu havia dado para ajudar a reformar a clínica Reflexões da Segunda Chance.
Durante quase o debate inteiro, eles estiveram pescoço a pescoço. Até que chegou a hora dos espectadores fazerem as perguntas. O primeiro morador perguntou ao Marcus como ele iria encaminhar os problemas sobre o meio-ambiente. O Lago Crilly estava começando a encolher devido à água limitada do escoamento da montanha, drenando inadequadamente em sua bacia, e várias das velhas companhias de produtos químicos na área despejavam lixo tóxico dentro do Rio Finnulia. Algumas haviam sido pegas, mas as últimas leituras sobre a limpeza da água mostrou que um foco melhor era necessário. O vereador já estava pesquisando sobre os impactos ao meio-ambiente no condado e anunciou diversos planos que iria colocar em execução para dar um fim aos atuais infratores e aumentar a multa para os futuros.
Quando foi a vez de alguém perguntar para a Nana D, a mulher focou sua pergunta nos habitantes do Condado de Wharton, que estavam preocupados que conforme o condado ficasse mais populoso e oferecesse oportunidades para grandes negócios, como isso iria impactar na percentagem do orçamento que o estado mandaria no futuro. Infelizmente, o entendimento da Nana D com relação à estrutura política dentro da cidade de Braxton, Condado de Wharton e do estado da Pensilvânia ainda era limitado. Por mais que ela estivesse ciente do que os cidadãos do condado precisavam em termos de mais empregos e menos corrupção, ela ainda não havia aprendido sobre os riscos do aumento dos lucros e da receita ao impactar no equilíbrio do orçamento que o estado distribuía para o condado. Ela falou algumas coisas erradas sobre o que pensava que nós deveríamos fazer, e Marcus chamou a atenção dela em sua réplica. No fim, os apoiadores da Nana D ainda torciam por ela, mas ela tinha dado um doloroso passo para trás aos olhos dos grandes grupos de negócios, que ainda tinham que revelar para qual candidato eles iriam dar o apoio.
Conforme o debate terminava, eu escutei algumas conversas e as coisas não pareciam bem para a Nana D. Por mais que os moradores do condado quisessem mudanças, eles tinham medo de que perderiam dinheiro do governo ao apoiar uma candidata cuja experiência não era tão forte quanto eles precisavam. Eu confortei a Nana D, que mal falou durante a caminhada de volta ao carro. Quando nós chegamos ao estacionamento, vimos uma mulher parada ao lado de um carro e tentando não cair ao chão. Enquanto nos aproximávamos, eu percebi que era a Jennifer Paddington. Peguei a mão dela e a firmei contra meu corpo.
– Você está bem?
– Kellan, sim, obrigada. – ela murmurou. Depois de recobrar a compostura, ela me entregou as chaves do carro. – Será que você pode pegar aquela garrafa de água dentro da bolsa no banco do passageiro, por favor?
Eu entreguei as chaves para a Nana D que abriu a porta e pegou a garrafa. Quando ela voltou até mim e a Jennifer, Nana D pegou algo dentro de sua bolsa.
– Parece que você poderia comer alguma coisa também. Aqui, pegue uma maçã. – ela disse, depois de pegar a fruta da bolsa.
– O que aconteceu, Jennifer? – eu perguntei, quando ela se encostou na lateral do carro.
– Eu estava me sentindo como se fosse desmaiar. Deve ser o enjôo matinal. – Jennifer disse, parecendo doente.
– Hmm, você está grávida? – Nana D perguntou.
Jennifer assentiu.
– Sim, eu descobri apenas há poucos dias atrás. Foi uma surpresa completa.
– Mas eu pensei que você estava indo na clínica de fertilização, Jennifer? – eu disse, me sentindo estupefato pela última frase dela e nossa conversa na loja de brinquedos.
– Eu estava indo durante o último ano, mas fiquei sem dinheiro depois da última tentativa. Fiquei chocada quando fiz um teste caseiro nessa semana e estava mostrando que eu estava grávida. Eu fui ao Dr. Betscha que confirmou. Estou grávida de seis semanas. – Jennifer disse com o início de um sorriso se formando nos lábios.
– Parabéns! Eu acho que o procedimento funcionou afinal de contas. – a Nana D completou.
– Não, não foi assim que aconteceu. Eu tenho certeza de que o último procedimento não funcionou. Eu fiquei grávida da maneira mais tradicional. Me desculpe ser tão direta. – ela disse secando a bochecha. – Ainda estou chocada!
– Você deve estar animada. – eu disse, me perguntando o que tudo isso significava.
– Sim, definitivamente. Não me entenda mal. Meu corpo já passou por muita coisa. Ainda está tentando se ajustar às diferentes drogas, ficar grávida e a morte da minha mãe. Eu preciso ir para casa e descansar, eu acho. – ela disse, entrando no carro.
– Você não deveria estar dirigindo agora, Jennifer. Eu vou segui-la até que você chegue em casa, para ter certeza de que tudo correu certo. Isso está bom pra você? – eu disse. Jennifer assentiu, e Nana D foi até o carro dela. Eu entrei no meu, e ela me mandou uma mensagem.
Nana D: O que foi tudo aquilo? Você não é o pai, ou é?
Eu: O que tem de errado com você? É claro que não.
Nana D: Estou apenas dizendo. Eu não o culparia se você precisasse cuidar dessa parte da sua vida.
Eu: E qual é essa parte? Ter um filho com uma mulher estranha que poderia ter matado a própria mãe?
Nana D: Não seja um tolo! Se não é você, então quem é o pai?
Eu: Eu não tenho ideia! Eu nem mesmo tenho certeza do que isso significa com relação à morte da Gwendolyn. Ou do testamento.
Nana D: A propósito... você está saindo com alguém? Acho que é hora de você seguir em frente. Emma pode gostar de um irmão ou irmã algum dia. Ela vai parar de te pedir o filhotinho.
Eu: Isso não é da sua conta. Especialmente agora. Vá fazer um pouco de pesquisa para a sua campanha.
Nana D: Algumas vezes você pode ser um neto bem mau. Eu estou com vontade de te tirar do meu testamento agora!
Eu: Nada engraçado! Talvez eu devesse lhe entregar um copo de chá gelado?
Nana D: Você precisa de outra lição como a da margarita?
Isso fechou a minha boca rapidamente. Quando voltei para casa, eu passei o resto da tarde e o começo da noite atualizando o meu gráfico “Quem matou a Gwendolyn?”. Eu tinha mais questões do que respostas, mas pelo menos tudo estava escrito. Enquanto me preparava para buscar a Emma na aula de ginástica, meu telefone tocou. Isso iria provavelmente ser a cereja podre do topo do meu dia ruim.
– Alô, Myriam.
– Boa noite, Kellan. Eu acabei de receber o correio do departamento. – ela disse com uma voz perfeitamente normal. Não havia nenhuma pista de sarcasmo vindo dela. Será que ela estava se preparando para um ataque rápido?
– Tem algum motivo para você ter ligado para me contar isso? – eu perguntei da maneira mais agradável possível.
– Correto. Tem um pacote com o endereço de alguém que não trabalha aqui, mas eu acredito que você seja a melhor pessoa para lidar com ele. – Myriam respondeu. Ainda sem raiva ou citações peculiares do Shakespeare.
Sobre o que ela poderia estar falando?
– Okay, eu vou passar e pegar de manhã. Para quem está endereçado?
– Para Gwendolyn Paddington. Ele também veio da Gwendolyn Paddington. Parece que ela mandou algo para si mesma e com o endereço da Casa de Espetáculos Paddington. – Myriam comentou.
Havia apenas uma coisa que isso poderia ser, nós finalmente encontramos o testamento revisado dela!
20
Mais uma noite se passou sem que eu fosse capaz de dormir muito já que meu resfriado havia se tornado algo muito pior. Morando em Los Angeles por quase uma década, eu havia evitado todos os germes e doenças que eu pudesse pegar. Um mês de volta à Braxton com seus invernos cruéis, e meu corpo já estava pronto para me abandonar. Eu acho que esse não era o único motivo pelo qual não consegui dormir.
Assim que Myriam me avisou sobre o pacote que a Gwendolyn recebeu na Casa de Espetáculos Paddington, eu imediatamente pensei em correr até lá para buscá-lo. Então percebi que era provavelmente uma violação da lei federal abrir a correspondência de alguém mesmo que a pessoa não estivesse mais viva. Na verdade, foi a Myriam que me contou a última parte. Quando eu disse a ela que iria pegar o pacote naquela noite, ela discretamente tentou explicar por que não poderia me entregá-lo sem uma aprovação apropriada. Quando eu perguntei quem ela esperava que fosse me dar consentimento, ouvi uma lista de maneiras possíveis de transferir o documento. Eu queria sugerir termos uma sessão espírita onde Eleanor poderia contatar o fantasma da Gwendolyn e pedir que ela assombrasse a Myriam até que ela cedesse, mas eu tinha certeza de que isso iria mandar a minha chefe vingativa para a clínica Reflexões da Segunda Chance para fazer terapia. Até mesmo eu sabia que isso não seria muito legal da minha parte.
Myriam estava ocupada demais com a apresentação do Rei Lear para discutirmos os próximos passos, mas ela concordou em me dar o documento nessa manhã se eu tivesse a aprovação tanto do advogado da Gwendolyn, quanto do executor do testamento. Finnigan e Eustacia foram suficientemente gentis para me mandar uma aprovação por email enquanto eu estava dormindo. Tudo o que eu precisava fazer era mostrá-las para a Myriam quando fosse ministrar minhas aulas em Braxton. Exceto que eu me sentia tão terrível, que me movia tão lentamente quanto um caracol com o casco quebrado e uma ressaca. Mas a minha ressaca não era por ter bebido álcool, era por causa de uma combinação de xarope para tosse, e vários outros medicamentos que eu havia comprado com pressa na Farmácia Nutberry no dia anterior. Não apenas eles eram donos de um dos salões de funerais, mas a família Nutberry também nos mantinha medicados durante a vida. Eu ainda estava tentando evitar uma das curas infames da Nana D. Ela provavelmente me faria tomar algum chá de raízes e folhas de eucalipto. Só estou arriscando um palpite sobre suas curas holísticas, pois a última vez que tive uma cãibra nas pernas durante quatro dias, ela me fez beber a mistura mais horrível de todos os tempos. Eu ainda tinha alucinações esquisitas e jurava a mim mesmo que nunca mais aceitaria sua marca de remédios.
Tive que fazer um novo planejamento para a aula de hoje durante o caminho até o campus, escolhendo mostrar um filme de trinta minutos e organizar a turma em grupos para discussões. Eu poderia andar pela sala e comentar enquanto eles o discutiam, então pedir uma página com o resumo de seus pensamentos. Essa não era a maneira como eu preferia ensinar, mas havia pouca chance de que fosse conseguir chegar ao final do dia quando meu corpo precisava de descanso.
Eu liguei para a xerife para avisá-la sobre o pacote na Casa de Espetáculos Paddington. Ela pediu que eu a encontrasse no escritório do Finnigan durante a tarde para que ela estivesse presente quando o pacote fosse aberto. Eu imprimi os e-mails (incluindo as assinaturas) depois que terminei as minhas aulas, passei no escritório da Myriam.
– Boa tarde. Como está sendo o seu dia? – eu disse, seguido por um alto espirro e várias fungadas nada atraentes.
– Melhor do que o seu, Kellan. Você parece pior do que o habitual. Festejando demais? Eu esperava que você levasse o seu emprego com mais seriedade e ficasse com uma boa saúde. – ela disse enquanto abria a gaveta de sua mesa. Ela pegou um pequeno pacote de lenços desinfetantes e começou a limpar a mesa como se eu tivesse espirrado nas coisas dela.
– Eu não estou em forma para engajar na nossa habitual briga. E a sua esposa pediu que nós fossemos legais um com o outro. – eu disse, enquanto entregava para ela as aprovações impressas. – Assinadas tanto pelo Finnigan Masters, estimado advogado da recém falecida Gwendolyn, e pela Eustacia Paddington, como a executora. Eu acho que isso será suficiente para você me entregar o pacote que recebeu ontem?
– Deixe-as na mesa. Quando eu tiver luvas, vou sanitalizá-las e colocá-las nos meus arquivos. Parece que há uma praga sobre ambas as suas casas. – os lábios da Myriam se encolheram quando ela se levantou e caminhou até o outro lado da mesa para lê-las. Ambas as minhas casas? Ou ela havia se tornado mais obtusa do que o normal ou meus vários sintomas estavam bagunçando a minha audição.
– Fale de novo?
– Você não só está cheio de algum tipo de doença que trouxe no campus, como também está envolvido com outra praga na mansão Paddington, envolvendo drogas e assassinato. Eu conversei com a xerife mais cedo. Ela me contou que a Gwendolyn não morreu de apenas um ataque do coração. Tem um fedor de assassinato no ar. – Myriam usou um lápis para mover a cópia que estava por cima, então ela poderia terminar de ler as aprovações.
– Eu acho que você sentiu a necessidade de checar duas vezes o meu trabalho. Não deveria haver uma confiança mais forte entre nós dois? – eu perguntei, seguido por outro espirro. Eu me certifiquei de cobrir a minha boca, mas a Myriam pulou para tão longe de mim, que eu não podia ter certeza.
– Eu não confio em ninguém. Seus papeis parecem estar em ordem. Se você não se importa, por favor, leve a sua presença cheia de vírus para algum outro lugar. O pacote está ali. – ela exigiu, e apontou para a cadeira no canto.
– Bem, você é um refúgio de conforto no tempo de necessidade de um homem doente. Uma mistura de Madre Teresa e Florence Nightingale na forma de um humano generoso. – eu disse antes de pegar o pacote e sair do escritório dela. Enquanto eu saí, percebi o nariz dela se encolher de raiva e surpresa. Também não havia culpa visível ou tristeza na expressão dela, apenas uma satisfatória repugnância que eu queria cortar com um facão.
Apesar de ter várias tarefas administrativas para completar, eu fui embora sabendo que não poderia me concentrar em nada mais para salvar minha vida. Enquanto eu dirigia pelo Campus Norte, Maggie me mandou uma mensagem dizendo que estava ansiosa para nosso encontro. Meu estômago se encolheu quando percebi que talvez eu não estivesse bem o suficiente para socializar com ela. Decidi primeiramente encontrar-me com o Finnigan, Eustacia e a xerife, então ir para casa e tirar um cochilo. Se eu me sentisse tão mal quanto agora quando acordasse, eu teria que remarcar o jantar com a Maggie.
Enquanto eu ia embora, a clínica de testes de DNA me ligou para informar que eles não estavam autorizados a me contar tudo, mas entrariam em contato na semana seguinte com a pessoa que Gwendolyn havia nomeado como o indivíduo autorizado a receber os resultados. Eles não puderam me dar mais nenhuma informação, o que fazia sentido já que precisavam de privacidade e segurança nos dias atuais.
Trinta minutos depois, eu cheguei ao escritório de advocacia na base das Montanhas Wharton. Finnigan havia herdado o local do pai dele, que não queria estar no meio de toda a ação no centro de Braxton. Ele, ao invés disso, havia escolhido uma cabana charmosa e a converteu em seu escritório, então poderia aproveitar uma maravilhosa vista todos os dias. Quando todos nós estávamos reunidos na sala de reuniões do Finnigan, eu entreguei a ele o pacote. Finnigan explicou que iria precisar autenticar o documento verificando as assinaturas e se assegurando de que era a cópia exata do texto que havia mandando para a Gwendolyn. Ele nos lembrou de que ela deveria preencher alguns nomes dentro dos espaços adequados, assinar o documento em alguns lugares, e obter assinaturas de duas testemunhas desinteressadas.
Eustacia o encarou firmemente.
– Apenas o abra, por favor. Nós estamos esperando há séculos por esse maldito documento aparecer. – ela bateu com a bengala no chão de madeira. Enquanto o som reverberava contra as paredes, Finnigan abriu o pacote com fervor.
– Eu vou precisar de uma cópia. – a Xerife Montague disse enquanto trazia a cadeira para mais próximo da mesa. – Isso pode não ter relação com o caso, mas eu sempre mantenho os meus registros atualizados e limpos. – ela se virou para mim como se eu precisasse ser lembrado de sua atenção com os detalhes.
– Excelente ponto. – eu disse, seguido por outro espirro.
Eustacia me entregou o lenço dela, quando parecia que eu estava precisando de um, para parar a corrente ameaçando explodir do meu nariz.
– Você deveria falar com a sua avó. Ela sempre tem aquelas curas milagrosas. Na última semana, ela cuidou de uma erupção que estava na minha perna. Eu não sei de onde tinha vindo, mas por Deus Todo-Poderoso, não estava melhorando. Fiquei coçando durante semanas até que ela viu minha perna toda vermelha e inchada como um fungo. Seraphina me curou em menos de quarenta e oito horas.
Eu me engasguei com uma pequena quantidade de bile que subiu até minha garganta.
– Vou fazer isso. – quando Eustacia olhou na direção do Finnigan, eu revirei os meus olhos, estremecendo por causa da pressão exercida no meu rosto.
A xerife abafou uma risada enquanto se inclinava na minha direção.
– Você realmente se encaixa bem com os amigos da sua avó, não é mesmo, Pequeno Ayrwick?
Finnigan limpou a garganta.
– Eu vou pular a abordagem normal de quando eu leio o último testamento. Devo focar apenas nos beneficiários? – ele disse, olhando pela sala. Nós todos concordamos.
– Vá com tudo, Masters. Eu poderia morrer antes de você falar tudo. Não estou te pagando por hora nesse caso. – Eustacia reclamou. Mais duas batidas da bengala dela no chão. Finnigan sorriu e juntou as mãos.
– Certamente. Vamos ver... okay. A Gwendolyn Paddington dividiu sua fortuna em duas. Cinquenta por cento foi deixado para várias organizações de caridade e a Casa de Espetáculos Paddington em Braxton. O restante dos cinquenta por cento foi dividido igualmente entre três pessoas.
Interessante. Ela havia incluído alguém novo desde sua versão anterior. Eustacia tossiu.
– Continue.
– Millard Paddington, o cunhado dela. Timothy Paddington, seu filho. E Sam Taft, seu neto. Ela mencionou ter deixado para trás outra carta, que deve ser lida em voz alta somente no final da leitura do testamento. A carta explica porque ela tomou essas decisões. – Finnigan esclareceu. Seu olhar passou pela sala, começando com a Xerife, então eu e terminando com a Eustacia. – Aparentemente, ela deixou isso com você, Eustacia. Esse bilhete diz que a carta está escondida seguramente dentro de algo que você depende altamente para viver cada um dos seus dias.
A xerife ficou em pé.
– Eu acho que nós precisamos ler a carta, Srta. Paddington. Aquela carta pode nos dizer quem poderia estar com raiva suficiente contra ela sobre sua decisão final e quis matá-la. Entregue-a para mim.
Eustacia recuou.
– Não tenho nenhuma carta. Eu não tenho certeza sobre o que ela está falando!
A Xerife Montague respondeu.
– Bem, pense um pouco sobre isso enquanto nós lemos o restante do testamento. Isso é importante.
– Do que você depende, Eustacia? – eu perguntei, enquanto caminhava na direção dela confuso.
– Talvez esteja em algum lugar na minha casa em Willow Trees. Eu vou olhar hoje à noite. – Eustacia comentou enquanto apertava os olhos e batia a bengala contra o chão. – Mulher desconcertada.
– Quem foram as testemunhas? – eu perguntei, pensando que isso iria nos ajudar a seguir em frente por enquanto.
– Brad Shope e Bertha Crawford. – Finnigan respondeu. – O testamento parece estar em boas condições. Meu secretário legal vai combinar palavra com palavra com o rascunho feito, mas nós podemos usá-lo para inventariar o patrimônio.
– Bertha o assinou sem nenhum interesse. Ela é apenas uma empregada que provavelmente fez um favor para a Gwendolyn naquela noite ao ajudá-la a finalizar o novo testamento. Eu estou mais preocupada sobre o Brad ser uma das testemunhas. – a xerife comentou, retorcendo os dedos.
Eu não tinha certeza de onde a ideia havia surgido, mas, de repente, pensei em uma maneira de fazer o assassino sair do seu esconderijo.
– E se nós informarmos para toda a família Paddington que o novo testamento foi encontrado. Nós contamos a eles que Gwendolyn havia mandado por correio para ela mesma na Casa de Espetáculos Paddington, mas estávamos esperando pela aprovação apropriada para abri-lo.
– Vá em frente, acho que entendo aonde você quer chegar com isso, Pequeno Ayrwick. – a xerife tinha um pequeno sorriso se formando.
– Se o assassino quer impedir que esse novo testamento seja encontrado, ele ou ela pode tentar roubá-lo para destruí-lo. O assassino provavelmente pensou que ele estava perdido ou havia sido jogado fora, mas se o testamento aparecer, o assassino pode precisar fazer algo para proteger seus interesses. – eu senti meu rosto ficar vermelho, sem ter certeza se era por causa da medicação ou da animação pela descoberta de uma maneira potencial para solucionar o caso.
– Você está dizendo para criarmos uma armadilha. – Eustacia comentou. Ela tentou se levantar, mas não conseguiu afastar a cadeira da mesa. – Essa é uma ideia inteligente. Eu posso reunir a família amanhã para dizer a eles que vamos ler o testamento. Então podemos contar sobre o novo!
Finnigan se levantou para ajudar a Eustacia.
– Eu vou fingir junto com vocês se a xerife pensar que isso pode ajudar potencialmente.
A Xerife Montague consentiu.
– É uma possibilidade forte. Deixe-me pensar sobre como eu quero lidar com isso. Mas vão em frente, marque a reunião para amanhã de manhã às dez horas na mansão Paddington.
Depois de nós concordarmos sobre as coisas básicas, todos saíram do escritório do Finnigan. A xerife me puxou para um lado no estacionamento.
– Eu discuti tudo com os contadores dos Paddintons. Parece que a Ophelia foi a responsável por aqueles saques inexplicados das contas da Gwendolyn. Ela tinha o acesso durante anos, mas nunca o usou até recentemente. Eu acho que a Gwendolyn nunca percebeu que sua filha foi capaz de sacar dinheiro depois da morte do Charles no ano passado. Ophelia pode ser a pessoa de quem nós estamos atrás.
– Ela tem sido bem cautelosa sobre toda essa situação durante a última semana. Agora que seu marido está de volta e é o presidente da companhia, parece que tudo está dando certo para ela. – eu comentei. – Se ela foi retirada de beneficiária no novo testamento, matar sua mãe antes que o novo aparecesse é definitivamente a oportunidade e o motivo de que nós precisamos. Talvez nós a peguemos amanhã.
A xerife ficou surpresa sobre o quão rapidamente eu tinha pensado na ideia de fisgar o assassino.
– Essa abordagem é a melhor chance que nós temos de ficarmos perto de solucionar o caso. Nós não temos uma arma para procurar ou nenhum álibi para confirmar ou negar. Esse tipo de assassinato é sempre difícil de solucionar.
– Eu fico satisfeito por ter pensado nisso. Nós podemos solucionar essa investigação juntos. – eu comentei com um sorriso, apesar de uma necessidade desesperada por cair na minha cama durante algumas horas. Eu decidi abusar da sorte. – Não tem de que, April. – a Xerife Montague assentiu para mim enquanto subia na moto e saía do estacionamento.
No caminho para casa, eu liguei para os meus pais para agradecer-lhes por terem levado a Emma para a Philadelphia. Emma havia convencido-os a levá-la ao zoológico durante a tarde, e já que a escola dela estava fechada para alguma conferência de professores naquele dia, meus pais se ofereceram para cuidar dela. Eu estacionei na garagem da Cabana Chic me arrastando escada acima para tirar uma soneca. Quando cheguei ao último degrau, a porta do meu quarto estava aberta e uma luz brilhava através da fresta. Eu sabia que havia deixado a porta fechada e que não havia mais ninguém em casa.
Eu entrei pela porta enquanto dizia “oláááá”. Em retrospecto, sabendo que a família Castigliano tinha mandado um capanga para me assustar no estacionamento da Lanchonete Pick-Me-Up mais cedo naquela semana, eu não deveria ter entrado no quarto sem ficar preocupado. Talvez tivesse sido os remédios que eu havia tomando ou a doença roubando o resto de senso comum que eu tinha. Quando a porta se abriu completamente, vi alguém sentado no canto da minha cama. Ela olhou para mim com um sorriso diabólico, mas ainda assim reconfortante, e disse:
– Surpresa.
– O que você está fazendo aqui? Alguém poderia tê-la pego! – eu fiquei quase paralisado.
– Os seus pais saíram pelo dia inteiro. Eu sabia que podia ficar escondida aqui até você voltar para casa. – Francesca disse, caminhando na minha direção para me abraçar.
– Mas como você sabia? Quando você chegou aqui? – eu disse, sentindo a minha cabeça leve.
– Minha mãe colocou escutas pela casa da última vez que esteve aqui. Ela tem escutado todas as suas conversas para ver se você diria alguma coisa sobre eu estar viva. Eu ouvi você e ela conversando no outro dia, e peguei um vôo para cá na manhã seguinte. – Francesca explicou que ela ficou escondida em um hotel no dia anterior esperando pelo momento certo de se revelar. Eu estava feliz de vê-la, e nós precisávamos conversar apesar de eu não me sentir bem o suficiente para me focar. – Mas não se preocupe, eu desconectei os dispositivos no seu quarto quando cheguei aqui.
Meu corpo começou a fraquejar. Quando percebi que não havia comido o meu café-da-manhã ou o almoço, e que eu provavelmente havia tomado remédio demais tentando acabar com o resfriado que virou algum vírus, eu caí ao chão. A última coisa que eu me lembro antes de ter desmaiado foi a Francesca se inclinando sobre mim e dizendo:
– Está tudo bem... você pode dormir um pouco. Deixe a sua esposa tomar conta de você.
* * *
Enquanto eu rolava por cima das costas, uma luz bateu no meu rosto. Eu estava no meu quarto, mas não tinha ideia de que dia era, ou do horário. Eu procurei na mesa de cabeceira pelos meus óculos, então olhei para um relógio que mostrava sete e meia. Alguma coisa não estava certa. Eu levantei os lençóis e senti um súbito frio. Quando olhei para baixo, estava vestido apenas com minhas cuecas boxer. Eu não me lembrava de ter tirado a minha roupa. Então eu percebi que se eram sete e meia em março, o sol já deveria ter se posto. Por que havia luz vinda pela janela? Me sentei na cama e peguei um cobertor para me enrolar. Foi então que me lembrei que a Francesca estava no meu quarto. Eu estava prestes a pular da cama quando a porta se abriu.
– Bom dia, raio de sol. Como você está? – Francesca perguntou com um grande sorriso. – Eu estou tão feliz que você dormiu durante a noite toda. Eu fiquei preocupada quando conferi a sua temperatura e você estava com uma febre alta. – ela colocou a bandeja de café-da-manhã na mesa do outro lado da cama e me trouxe uma xícara de café.
– O que aconteceu? Como você... onde está a Emma? – eu disse. Então eu me lembrei de que os meus pais a haviam levado ao zoológico na Philadelphia e que eles iriam passar a noite por lá. Mas também me lembrei de que eu deveria ter ido jantar com a Maggie. Se já era de manhã, eu tinha dormido durante o final da tarde e a noite inteira.
– Se acalme. Não fique ainda mais doente. Você estava mal na noite passada e desmaiou. Eu tive que arrastar você para a cama e deixá-lo confortável. – Francesca disse enquanto se sentava na cama e colocava a mão na minha testa. – Não tem mais febre.
Tirei as cobertas e verifiquei se eu realmente estava com minha roupa de baixo.
– Você tirou as minhas roupas também?
– Você agindo assim é incomum. Eu sou a sua esposa, certo? – Francesca deu um tapinha na minha perna e beijou a minha bochecha. – Você está maravilhoso, querido. Eu senti falta de te abraçar durante a noite.
– Será que nós... fizemos alguma coisa... – eu perguntei, fazendo meu cérebro tentar se lembrar do que aconteceu na noite passada. – Onde você dormiu? – eu não tinha certeza se isso importava já que ela era minha esposa.
– Você estava doente demais para fazermos qualquer coisa, Kellan. Eu cobri você quando era final de tarde. Você ficou adormecido por quase dezesseis horas. Não que eu não quisesse, é claro, mas prefiro que você esteja suficientemente acordado para se lembrar da nossa primeira vez juntos novamente. – ela murmurou. – Eu dormi ao seu lado na maior parte da noite para ter certeza de que você estava bem.
– Onde está o meu celular? – eu perguntei hesitantemente e sentia uma tonteira estranha na minha cabeça. Quando Francesca o entregou para mim, eu o desbloqueei e conferi o que havia perdido. Tinha mais de vinte ligações perdidas e várias mensagens de voz da xerife, Nana D, Eleanor, Maggie e da minha mãe.
– O seu celular ficava tocando, então eu o desliguei enquanto você dormia. Eu tentei desbloqueá-lo, mas você deve estar usando um código diferente agora. Não consegui desbloquear esse aparelho infernal. – Francesca comentou. Ela pegou um pedaço de torrada da bandeja e entregou para mim. – Coma algo, querido. Você precisa ficar forte.
Eu senti o poço no meu estômago ficando tão grande que não conseguia nem mesmo engolir um pedaço de torrada.
– Alguém sabe que você está aqui?
Francesca explicou que a mãe dela ficou horrorizada e com raiva ao saber que ela havia fugido, mas Cecilia se acalmou contanto que Francesca voltasse naquela noite.
– Eu liguei para a Eleanor, também. Expliquei que você estava aqui comigo e não se sentia bem. Eu pedi a ela para contar à Nana D que você estava bem. Sua avó ficou te ligando antes que eu desligasse o celular. Eu não queria que ela se preocupasse.
– Obrigado. – eu murmurei, passando por todas as minhas mensagens de texto. Eu poderia responder a todas mais tarde, com exceção da xerife e da Maggie. Só que não era possível ligar para a Maggie com a Francesca no quarto. – Será que você poderia ir buscar um pouco de água gelada? Eu preciso de algo frio para minha garganta.
Assim que a Francesca saiu, disquei o número da Maggie para me desculpar com ela. Ela não atendeu. A mensagem de voz e as mensagens de texto não soavam como se ela estivesse com raiva por eu ter perdido o jantar, mas eu não tinha certeza. Deixei uma mensagem de voz me desculpando por não ter ligado. Contei à ela que estivera tão doente, que eu pretendia cochilar e então acordar para ligar para ela, mas dormi a noite inteira. Eu consertaria tudo na próxima vez que conversássemos. Então liguei para a xerife.
– Onde você esteve? Nós precisamos discutir o plano para a reunião com a família Paddington. Eu pensei que pudesse confiar em você depois da nossa última conversa. – ela gritou ao telefone.
– Sinto muito. Eu vou para lá logo. Eu explico tudo mais tarde. Ainda não são dez horas? Vou chegar um pouco antes para conversar com você. – eu consegui dar uma desculpa rapidamente antes de espirrar novamente.
– Okay. Mas você deu um grande passo para trás aos meus olhos, Pequeno Ayrwick. Eu vou ficar observando a câmera de segurança na mansão Paddington para fazer uma leitura das expressões de todo mundo e dos comentários. – a Xerife Montague grunhiu. Ela estava mais do que brava comigo.
Quando desliguei, Francesca entrou no quarto e me entregou um copo de água e mais remédios.
– Tome esses. São os mesmos comprimidos que você tomou ontem à noite. Na bula estava escrito para tomar a cada oito horas, mas você perdeu uma dosagem enquanto estava dormindo. Eu não quis te acordar.
Por um momento, fiquei pensando se deveria tomá-los. Alguém havia trocado a medicação da Gwendolyn, e isso a matou. Francesca certamente não faria isso comigo, mas eu não estava me sentindo eu mesmo por causa de tudo o que havia acontecido no último dia.
– Obrigado. Tenho que ir a um lugar importante dentro de duas horas, mas nós temos que conversar antes disso.
– É por isso que estou aqui, Kellan. Vamos conversar. – Francesca subiu na cama e se acomodou contra o meu peito. – É como se fosse igual a antes do acidente. Nós dois, um nos braços do outro e conversando sobre o nosso futuro.
Eu engoli os comprimidos com um grande gole de água, disse a mim mesmo que eu havia considerado minunciosamente as minhas opções, e me preparei para ter uma conversa muito difícil com a minha esposa.
21
– Você sabe o quanto eu te amo, não é mesmo? Fico de coração partido quando penso sobre onde nós viemos parar depois de tudo o que passamos juntos. – eu disse para a Francesca enquanto nós estavamos de mãos dadas na cama. Eu estava um pouco mais seguro da minha decisão do que havia estado no dia anterior. Por mais que ela tivesse cuidado bem de mim, e dos momentos de felicidade que sentia estando tão perto dela, o reaparecimento da Francesca no meu quarto ajudou a confirmar os próximos passos.
– Nós somos almas gêmeas, Kellan. Desde aquele primeiro dia que nós nos encontramos no píer de Santa Monica, eu sabia que você era o cara certo. Mal posso esperar para levar a Emma para casa, então posso vê-la o tempo todo. – Francesca beijou minha bochecha e apertou a minha mão.
– Eu tenho pensado muito sobre nós ultimamente. Desde que descobri que você estava viva, eu sonho sobre nós juntos preparando o café-da-manhã, você ensinando a Emma a ler, e caminhando na praia de mãos dadas enquanto procuramos por um tesouro escondido. – e isso era verdade. Por um curto tempo, eu fiquei pensando sobre todas as coisas maravilhosas que nós poderíamos fazer como família, assim que Emma estivesse um pouco mais velha e nós voltássemos para Los Angeles. Então percebi o quão temeroso e nervoso eu estava com a presença da Francesca na casa dos meus pais nesse momento.
– Vamos voltar para casa hoje. Meu vôo parte daqui a algumas horas. Eu vou na frente agora, e você pode me encontrar lá com a Emma mais tarde. Tenho certeza de que vocês vão encontrar dois lugares no vôo. – Francesca disse, parecendo linda como sempre. A esperança e o desejo no rosto dela era tão contagiante como nunca havia sido.
Eu mudei de posição na cama, então poderia olhar diretamente para minha esposa.
– Mas eu também tenho me sentido com medo e com raiva nas últimas semanas. Talvez com mais raiva do que senti no primeiro ano depois que pensei que você tinha morrido. Quando eu queria matar aquele motorista bêbado e não tinha nenhuma vontade de viver sem você. A única coisa que me manteve focado era saber que eu tinha que proteger a nossa menininha. Emma precisava de mim, não importava como eu estivesse me sentindo. – eu encontrei a minha força e me preparai para contar à Francesca a minha decisão.
Cada nervo do meu corpo estava em estado de alerta. E se alguém entrasse enquanto estávamos conversando? Será que a família Vargas suspeitaria de algo se eu e a Emma retornássemos? Será que já estávamos sendo observados? Eu não poderia viver com aquilo. Por mais terrível que isso soasse e sentisse, deixar a minha filha pensar que sua mãe estava morta, mesmo se existisse a menor das chances de nós fazermos essa situação bizarra funcionar, era a melhor solução. Como eu poderia saber a resposta correta?
– Eu sei que isso te machucou, mas vou te compensar. Nós vamos descobrir como vai funcionar, contanto que você volte para Los Angeles. Eu prometo que não vai ser assim para sempre. – Francesca disse com lágrimas correndo pelo rosto. Quando ela veio me abraçar, eu senti uma lágrima também cair na minha bochecha.
– Sinto muito. – eu sussurrei no ouvido dela. – Mas não posso fazer isso, eu não vou voltar para Los Angeles e arriscar o futuro da Emma. Eu sei que isso significa que você não vai poder vê-la, mas essa é a minha decisão final. Eu sinto muito, Francesca.
Inicialmente, ela ficou quieta. Pude sentir o corpo dela ficando tenso como se ela estivesse em estado de choque. Eu murmurei algumas palavras para tentar explicar como eu me sentia, provavelmente ainda tentando me convencer sobre o que eu estava fazendo. Francesca eventualmente chegou ao ponto da raiva e descontou sobre mim.
– Você não pode, eu não vou deixar. Ela é minha filha! – Francesca gritou, me afastando dela. Nós continuamos a conversar e procurar por uma solução que não existia. Pelo menos nenhuma que funcionaria para nós dois. Por alguns segundos, o conselho da Nana D ficou firme em minha mente. “Se você ama algo, deixe-o ir. Se for para ser seu, ele vai voltar”. Eu não me atrevia a dizer essas palavras para a Francesca, porque eu não sabia nessa situação quem estava verdadeiramente deixando o outro ir.
Quando meu celular tocou e Francesca viu que era a minha mãe, ela foi pegá-lo pensando que era a Emma ligando da Philadelphia para dizer bom dia. Ela estava prestes a apertar o botão, então olhou de volta para mim.
– Você tem que atendê-lo.
– Eu vou colocar no viva-voz, então você também pode ouvi-la. – Francesca e eu nos sentamos juntos, ouvindo a nossa filha contar animadamente sobre a viagem com os avós. Quando desligamos, eu peguei a mão da Francesca. – Talvez um dia as coisas mudem. E nós vamos descobrir uma maneira para você vê-la. Eu vou voltar para Los Angeles para pequenas viagens e ficar na casa da sua família, então você vai saber como a Emma está.
– Isso não vai ser suficiente. – Francesca chorou. – Eu quero a minha vida de volta. Eu mereço isso. Você merece isso. – os lábios quentes estavam tremendo enquanto ela me beijava depois de anos de vontade, me fazendo lembrar do porquê eu havia me apaixonado por ela. Enquanto ela saía correndo do quarto e descia as escadas, senti cada um de seus passos reverberando no meu peito e quebrando o meu coração em pequenos pedaços. Eu havia causado essa dor ao decidir não reunir nossa família. Eu teria que viver com as consequências de mentir para nossa filha. Se nós descobrissemos uma maneira de Francesca voltar à vida, será que a Emma me perdoaria pelo que eu havia feito? Eu mal conseguia me perdoar.
* * *
Uma hora mais tarde, depois de chorar por muito tempo e tomar um banho ainda mais longo, eu cheguei à mansão Paddington com a cabeça enevoada. Mesmo com o fato de que eu deveria ficar na cama, eu havia me acostumado a ser colocado em situações desconfortáveis e precisava descobrir o assassino da Gwendolyn. De uma maneira estranha e purificante, a potencial maneira de fechar a porta para a dor da Gwendolyn poderia aliviar a minha própria.
Eustacia e eu conversamos com a xerife no caminho para estabelecermos um protocolo para a reunião de família. April e eu ficaríamos escutando dentro do armário da central de segurança. No começo, eu não fiquei feliz de saber que ficaria trancado em um pequeno espaço junto com a xerife durante uma hora. Então eu fiquei sabendo que aquela central de segurança na mansão Paddington era maior do que o meu quarto na Cabana-Real. April e eu teríamos poltronas reclináveis, isolamento acústico, para que ninguém pudesse nos ouvir, e um grande monitor de vídeo para vermos cada movimento e palavra da família Paddington.
Vinte minutos depois, Bertha nos deixou entrar escondidos por uma entrada de serviço e nos levou até o armário. Quando ela fechou a porta, April se virou para mim e disse:
– Certamente essa não é a minha ideia de diversão para aproveitar uma manhã de sábado. Apenas fique quieto e faça a sua parte quando chegar a hora. Não se distancie do nosso script. Eu ainda não tenho certeza se posso confiar em você depois do seu desaparecimento na noite passada.
Como minha energia era praticamente não-existente, eu nem mesmo tentei continuar a briga da maneira que gostava de fazer nas últimas semanas.
– Okay, eu vou estar pronto. Você não tem que se preocupar. Eu realmente sinto muito.
– Espere, quem é você? – April respondeu com um olhar confuso. – Será que os marcianos sequestraram o verdadeiro Kellan Ayrwick e o trocaram por um autômato com quem estou presa aqui? – para dar mais ênfase, April andou pela sala como um robô balançando seus braços em uma exagerada câmera lenta.
– Eu sabia que você podia ser espirituosa e sarcástica, mas nunca esperei que você pudesse fazer piadas normais e antiquadas. – eu disse, tentando fazer uma provocação. Eu não estava pronto para rir. – Desculpe. Tem sido uma manhã difícil.
– Bem, eu prefiro o velho Kellan, mesmo que ele seja uma dor no meu tuchus (nádegas). Do tipo que é tão grave, que sinto ela irradiando por cada membro do meu corpo ao ponto de que eu querer te esganar com as minhas próprias mãos. Mas é claro, como xerife desse ótimo condado, eu nunca faria tal coisa. – ela inclinou a cabeça e sorriu para mim.
Consegui dar uma pequena risada. Será que ela estava tentando me fazer rir como uma maneira de eu me sentir melhor?
– Eu nunca percebi que você era judia. Ou você tomou emprestada uma das palavras deles para fazer uma argumentação mais eloquente?
– Nascida e criada. Minha mãe me daria uns tapas se ela soubesse que estou trabalhando hoje. É dia de sabbath, sabe.
– Eu presumo que os criminosos não param de fazer coisas ruins só porque é sábado, hein?
– Eles ficam piores nos finais de semana. Se eu fosse paga pelo número de vezes que recebi uma ligação entre uma sexta à noite e o domingo de manhã, eu seria rica. – April sorriu com um sorriso maroto. – Espero que o que o tenha infectado se dissipe logo. Nós temos um assassinato para solucionar hoje. E por mais que eu goste de brigar com você, não gosto de te ver assim, Pequeno Ayrwick. É como chutar um filhotinho. E se eu ver alguém fazendo isso, vou atirar neles com a minha velha Betsy aqui. – ela disse, apontando para a arma no coldre.
April aumentou o volume da televisão e indicou que a Eustacia estava começando a conversar com a família. Nós dois nos sentamos nas poltronas e observamos cuidadosamente. Eu tinha meu celular na mão pronto para fazer a ligação quando chegasse a hora.
Eustacia estava sentada na ponta da mesa parecendo calma e contida. Millard, que não tinha ideia de que nós estávamos escondidos por perto ou que isso era parte de um plano, estava sentado à direita dela podando uma pequena planta no seu colo. Ou ele tinha pouco interesse no testamento ou estava tentando se distrair. Com cada poda, havia um toque delicado e um claro sentido de dedicação ao seu trabalho.
No mesmo lado da mesa estavam Jennifer e Sam engajados em uma conversa silenciosa. Eu não conseguia ouvir as palavras deles, mas baseado no cuidado da Jennifer com a barriga, eu achava que ela tinha contado ao sobrinho sobre a gravidez. Quando Sam sorriu, os olhos dela se arregalaram e ela sussurrou “shhh” para que ele não dissesse nada. Parecia que ela não queria fazer um grande anúncio na reunião de família.
– O que está acontecendo aí? – Ophelia, irritada, exigiu. Pela minha experiência passada, ela nunca deixava que alguém a impedisse de saber o que estava acontecendo, e nem gostava que seus filhos ficassem muito próximos de outras pessoas. Ela estava sentada do outro lado da mesa em frente à Jennifer, e à esquerda de seu marido, Richard.
Era a primeira vez que eu o via, além daquele breve momento no funeral quando eu estava focado em outras coisas. Ele mexia em algo no seu celular, olhando para cima a cada dez segundos para ver o que estava acontecendo ao seu redor. Não sorria e nem franzia o cenho. Ele parecia mais desconectado e entendiado.
– Aquele Taft é certamente interessante, você não acha? – April disse quando Eustacia pediu que todos se acomodassem. – Eu fiz um pouco de pesquisa sobre ele. Ele faz viagens frequentes para Los Angeles para os negócios da família. Você já se encontrou com ele antes?
Eu sacudi a cabeça.
– Não. Ao contrário da crença popular, os moradores de Braxton não conhecem todos os outros! – eu consegui dar um sorriso, então ela saberia que eu estava começando a me sentir um pouco melhor.
– Yeah, bem, eu nunca confio nas pessoas da costa oeste... um pouco demais... bem, vamos apenas dizer que é um lugar diferente do que um lugar como o Condado de Wharton, onde nós estamos com as raízes nos valores e crenças antigos. – ela disse.
– Como assassinatos? – eu sabia que April não quis dizer algo mal sobre Los Angeles, então eu deixei quieto. Ela estava apenas acostumada com os nossos confortáveis arredores do meio oeste. – Eu presumo que você nunca foi para lá?
– Não. Mas talvez eu tenha que ir para lá em breve. Encontrei uma ligação entre as Empresas Paddington e um negócio de importação e exportação na California chamado Castigliano Internacional. Já ouviu falar? – April casualmente me contou isso enquanto mudava de posição na poltrona, podendo relaxar.
Eu me recusei a olhar para ela. Será que ela estava tentando descobrir a minha ligação com eles? Será que ela sabia sobre a Francesca ter aparecido?
– Ouvi falar. Como isso está ligado com os Paddingtons? – eu perguntei, sentindo o meu coração começar a bater mais rápido.
– Eu não tenho certeza. Recebi uma informação anônima na semana passada sobre uma transação de negócios entre as duas companhias a cerca de um ano atrás, quando Timothy estava no comando. O informante aparentemente pensou que havia algo ilegal acontecendo e queria que eu investigasse isso.
Nós paramos de falar quando Eustacia se adereçou à família. A mensagem da April havia me deixado nervoso. O que os meus sogros tinham a ver com as Empresas Paddington? Se havia acontecido há um ano, foi mais ou menos quando Charles faleceu e o Timothy estava prestes a ser retirado da companhia pelo Conselho de Diretores.
Lilly foi a primeira a falar depois que Eustacia disse a todos que eles estavam lá para discutir sobre o testamento da Gwendolyn. Ela estava sentada ao lado da irmã, Dana, no outro lado do pai delas, Richard.
– O que é isso tudo, Tia Eustacia? Eu não entendo por que você nos ligou de última hora e exigiu que nós viessemos aqui hoje. É melhor que isso não seja uma perda do meu tempo.
Ophelia se inclinou por sobre o Richard para acariciar o braço da filha.
– Vamos esperar para ver o que ela quer, querida.
Dana perguntou:
– E onde está o Tio Timothy? Como ele conseguiu evitar essa reunião? – eu pensei que essa era uma boa pergunta apesar da arrogância da garota.
– A sua avó morreu, minha jovem. O mínimo que você pode fazer é manter a sua boca fechada enquanto nós discutimos sobre suas últimas palavras antes que ela fosse chamada ao Paraíso. Honestamente, Ophelia... as suas filhas são tão mimadas quanto você era quando criança. Meus pais estão se revirando no túmulo pelo que você fez com elas. – Eustacia bateu a bengala no chão e gritou novamente. – Chega! Não quero ouvir nenhuma palavra de vocês até que eu tenha contado algo importante.
Eustacia informou a todos que um segundo e mais recente testamento havia sido encontrado. Enquanto ela contava a eles sobre as mudanças de último minuto que a Gwendolyn havia feito no dia antes de morrer, April e eu olhamos nos rostos e maneirismos de todos para ver se conseguíamos descobrir algo que pudessem tentar esconder.
Ophelia pegou a mão de Richard e se inclinou para frente com uma expressão chocada no rosto. Ele gentilmente a puxou de volta e acariciou o pulso dela. Isso poderia ter sido uma reação normal ao saber de uma notícia inesperada. Os ouvidos de Millard se aguçaram, e ele parou de podar a planta. Ele abriu a boca para falar, mas então pensou melhor. Jennifer parecia desinteressada. Sam, Dana e Lilly se recostaram na cadeira com expressões alarmadas.
– Infelizmente, vai haver um atraso na leitura do novo testamento. – Finnigan comentou. ele estava sentado do lado oposto da Eustacia, na outra ponta da mesa, com suas costas para a câmera. – Gwendolyn o enviou para outra pessoa, mas eu lhes asseguro que ele é válido. Eu revisei o testamento junto com ela no dia antes de ela morrer. Ela queria fazer uma mudança final naquela noite, o que fez. Eu pedi que ela o entregasse no dia seguinte, mas ela ficou preocupada sobre não ser capaz de me encontrar no domingo, já que iria ao ensaio de figurinos do Rei Lear naquela tarde. Ao invés disso, ela o enviou para um amigo por segurança. Eu não tenho certeza do porquê ela não enviou para mim, mas nós vamos precisar pegar a versão final com ele. – era uma explicação arriscada, mas nós tinhamos que tentar.
– Isso é ridículo. – Lilly ficou em pé e gritou. – Por que ela faria uma coisa tão idiota?
Richard pegou a mão da filha.
– A sua avó era um pouco excêntrica. Vamos deixar o advogado falar, então nós poderemos saber o que vai acontecer a seguir.
– Excêntrica? Ela era uma louca certificada. Você deveria tê-la internado há anos atrás. – Dana comentou enquanto cruzava os braços e deslizava na cadeira.
– Não diga coisas tão repulsivas, Dana. – Ophelia reclamou. – Ninguém dessa família pertence a uma ala psiquiátrica!
Era a minha dica para ligar. Eustacia colocou o telefone do escritório no viva-voz, então todos poderiam ouvir.
– Alô, é você, Kellan?
– Sim, estou aqui. Ainda é a hora certa? – eu respondi.
Eustacia confirmou e explicou a todos que o pacote estava trancado no escritório da Casa de Espetáculos Paddington, mas havia sido enviado para mim. Jennifer riu quando ouviu isso, então se virou para o Sam e encolheu os ombros. Richard e Ophelia sussurraram algo que eu não consegui ouvir.
– Eu recebi o pacote na noite passada quando passei na Casa de Espetáculos. Quando percebi que era o testamento da Gwendolyn, eu liguei para o Finnigan para avisar o que havia encontrado. Infelizmente, eu o deixei trancado no escritório e tive que ir à cidade hoje. Eu vou voltar amanhã e deixá-lo com o Finnigan.
Finnigan disse:
– Correto. Eu vou validar o testamento e nós poderemos nos reunir novamente na segunda-feira para lê-lo assim que eu tiver a chance de entender as últimas mudanças que a Gwendolyn fez.
– Será que o Kellan não pode nos contar o que está escrito? Isso faria mais sentido. – Sam comentou. Ele soava genuíno, mas eu não tinha conseguido conhecê-lo apropriadamente desde que nós nos conhecemos na semana passada. – Já é suficientemente difícil pensar que a minha avó faleceu, mas atrasar isso ainda mais parece um pouco de exagero.
– Eu concordo. Não entendo o que ele tem a ver com a nossa família. Sou eu quem fico no teatro. Por que a avó não me nomeou a representante dela. Por que o Kellan está tão envolvido nas nossas coisas nesses últimos dias? Será que ele está tentando roubar o dinheiro da família? – Dana grunhiu.
– Exatamente! Isso é ridículo. Faça algo, papai. – Lilly exalou. – Eu cansei disso. Não quero ouvir mais nada até que essa situação esteja sob controle. A mãe é a mais velha, ela deveria estar no comando.
Millard correu para impedir que a Lilly fosse embora.
– Escute, minha jovem. Eu passei por isso várias vezes antes. Sei o quão difícil isso é, mas o seu comportamento é inapropriado. Eu sugiro que você se sente e espere até nós termos mais instruções. – ele se virou para o Finnigan e disse. – Será que não tem alguém que possa ir buscar o documento agora, então nós podemos terminar com isso hoje? Parece ser urgente.
– Infelizmente, isso não vai funcionar. O testamento da Gwendolyn está fechado em outro envelope endereçado especificamente ao Finnigan Masters. Não abri aquele outro. – eu disse, olhando para a xerife e assentindo. – Eu fiz a mesma pergunta ao Finnigan, mas já que apenas o primeiro envelope estava no meu nome, eu preciso entregá-lo ao advogado ou representante da Gwendolyn, para que não haja nenhuma dúvida sobre a autenticidade do testamento ou que algo tenha sido alterado desde que o recebi. Vou estar de volta amanhã e o entregar pessoalmente para o Finnigan.
Eu desliguei o telefone depois de ouvir todo mundo reclamar e expressar suas frustrações. Eles planejavam assistir a apresentação de Rei Lear naquela tarde, já que nunca tiveram a oportunidade de vê-la inteira da primeira vez quando a Gwendolyn morreu durante a segunda metade. A xerife ficou para trás para terminar de ouvir a conversa, e eu corri para a Casa de Espetáculos Paddington. Eu iria me encontrar com o Policial Flatman para nos escondermos no escritório no caso de alguém tentar invadir para roubar o testamento.
No caminho, liguei para a Nana D contando o que havia acontecido.
– Estou orgulhosa de você, meu neto brilhante. Você se colocou no meio desse fiasco e encontrou uma maneira de pegar o assassino. – Nana D disse.
– Vamos esperar que sim. Eu não consegui analisar direito a sala. Todos estavam chateados, mas isso poderia ter sido por causa da perda de tempo, ou eles não se importavam com o dinheiro. – eu respondi, parando no estacionamento.
– E quanto ao Brad Shope? Você já conversou com ele?
– Eu vou ligar para ele assim que desligar com você, e pedir que ele me encontre no teatro. Ele não sabe de nada sobre o testamento, mas se o Brad estava trabalhando com alguém da família, ele ou ela podem já ter contado para ele. – se o Brad estava conspirando com alguém, ele poderia estranhar o fato de eu não estar fora da cidade, mas eu descobriria uma maneira de dar uma desculpa se o assunto surgisse. Isso provaria que alguém foi correndo até ele assim que a reunião havia terminado.
– Você acha que o Brad vai tentar roubar o testamento ou fazer perguntas sobre ele enquanto estiver com você na Casa de Espetáculos Paddington? – a Nana D perguntou.
– A xerife não conseguiu pensar em uma maneira de dar uma dica ao Brad sobre o novo testamento, então ela me disse para convidá-lo depois da reunião. Isso cobre todas as nossas bases, mas pode não resultar em muito no final.
Nana D fez um som de animação repetidas vezes.
– Quase me esqueci de te contar. Eu conversei com o Sam. Ele estava definitivamente escondendo alguém. Ele tinha um encontro e não podia conversar, mas queria falar sobre algo. Ele falou que a avó lhe disse que ele poderia confiar em mim se precisasse de ajuda.
– Eu me pergunto sobre o que pode ser isso. Você acha que ele acidentalmente fez algo contra a Gwendolyn e pode confessar a você? – eu perguntei, sem querer acreditar que ele poderia ter cruzado a linha.
– Eu acho que não, mas ele tinha algo importante para contar. Vamos ver o que vai resultar dessa armadilha que vocês colocaram. Além disso, se você não solucionar isso hoje, amanhã nós vamos encontrar um novo plano. Eu estou começando a gostar de solucionar crimes com você, Kellan. – a Nana D provocou.
– É excitante, não é mesmo? Apesar disso, a xerife parece saber de algo que não está me contando. Eu acho que ela já sabe a identidade do assassino. Ela mencionou algo sobre a família Paddington ter negócios com a família Castigliano. – eu ainda não conseguia saber qual era a ligação, mas sabia que era importante. Parte de mim queria ligar para os meus sogros, mas fiquei preocupado que isso pudesse causar um problema maior. Eu também achava que a Francesca já havia contado a eles que eu não iria retornar para Los Angeles. Provocar a ira deles não era algo que eu estava ansioso para fazer.
– É uma coisa boa que você tenha decidido se mudar de volta para Braxton. É a melhor coisa ficar longe daquelas pessoas. Eu nunca gostei muito deles. Eles vão acabar com você, e ninguém machuca o meu neto a não ser eu! – Nana D riu assim que terminou de falar. Eu queria desesperadamente contar a ela sobre a Francesca estar viva. Ela me diria que eu fiz a coisa certa ao ficar em Braxton.
– Eu tenho que ir, Nana D. A xerife está me ligando. – eu disse, antes de desligar e aceitar a ligação da April. – Tudo certo?
A xerife disse:
– Sim. Você foi bem. Richard e Ophelia saíram juntos. Sam está do lado de fora conversando com a Eustacia. Jennifer e Millard foram para aquela sala com as flores. Eu os vi enquanto saía escondida.
– Você quer dizer o Grande Hall. E quanto à Lilly e a Dana? Você ouviu os comentários maldosos delas? – eu disse.
– Eu tenho um nome para pessoas como elas. – April reclamou. – Mas como uma dama, eu me recuso a dizer alguma coisa.
Eu mantive a minha boca fechada. Não era que eu não achasse que a April fosse uma dama. Eu ainda estava tendo dificuldades de encontrar aquela linha tênue entre aborrecê-la e ficando no lado bom dela.
– Eu vou te contar sobre o que acontecer no teatro, April. Estou ansioso para me encontrar com o Policial Flatman.
22
Quando entrei no saguão da Casa de Espetáculos Paddington, eu vi o Arthur entrando na bilheteria. Eu olhei o meu relógio e confirmei que era quase hora do teatro abrir e dos ingressos começarem a serem vendidos. Havia apenas uma apresentação de matinê hoje, já que eles ainda estavam no pré-show por mais dois dias.
– Espere, Arthur. Eu vou com você. – eu disse, correndo em direção à porta.
– Kellan, o que você está fazendo aqui? Eu mandei vários ingressos para você para a noite de abertura na segunda-feira. – Arthur segurou a porta enquanto eu me aproximava. Ele estava vestido com um terno escuro e uma gravata destacando as cores de Braxton, burgundy e azul. Havia um ar de relaxamento nele agora que eu havia convencido a Myriam a deixá-lo ficar no cargo até o final desse show. Baseado em como as coisas seriam, nós poderíamos extender a oferta para ele dirigir a próxima produção ou dispensá-lo de maneira justa. A não ser que ele fosse o assassino, o que era uma pequena preocupação no meio de tudo na minha cabeça.
– Eu vou estar lá, muito obrigado. Vou trazer a Emma, meus pais e a minha irmã. Eles estão todos ansiosos, mas não é por isso que estou aqui hoje. – eu estava curioso sobre a indiscrição dele em um dos camarins e como isso se encaixava no quebra-cabeças. Fechei a porta atrás de mim, percebendo que ela não ficou emperrada. – Consertaram a porta?
Arthur assentiu, enquanto ligava as luzes da bilheteria.
– No começo dessa semana. Você se lembra daquele eletricista que ajudou a sua irmã? É a mesma equipe, eles são do tipo faz-tudo.
Nós conversamos sobre a apresentação antes de eu perceber que precisava ligar para o Brad.
– Vou ficar no escritório Paddington por algum tempo enquanto o show está no palco. Só queria verificar com você se isso não tinha problema. – eu disse, procurando em seu rosto por alguma objeção.
– Você tem carta branca. Minha mãe me falou que você conversou com a Myriam para salvar o meu emprego. Eu ainda não consigo acreditar em quão vingativa aquela mulher pode ser. Obrigado. – ele parecia calmo e grato, nenhum traço de medo sobre eu ir ao escritório. Não parecia que ele sabia sobre o testamento. Eu tinha o pacote comigo agora, mas tinha que entrar lá logo. Não tinha certeza sobre o quão rápido alguém poderia vir até aqui depois de sair da mansão Paddington. – Está destrancado. Eu entrei lá para colocar umas correspondências. Preciso voltar e trancá-lo, mas queria pegar algumas propagandas que havia deixado aqui antes. Talvez você pudesse levá-las com você?
– Claro. – eu disse, pegando o envelope. – Você pode me contar sobre o que a Myriam ficou com tanta raiva?
– Hmm, bem... eu tinha trazido alguém comigo naquela tarde ao teatro... e nós nos aconchegamos em um espaço que eu pensei ser privativo, mas... bem, Myriam meio que nos ouviu... bem... você entende. – Arthur disse enquanto seu rosto ficava vermelho. – Não foi planejado. Myriam fez um bom barraco sobre isso a e próxima coisa que eu sei... ela estava gritando alguma citação idiota de Sonho de Uma Noite de Verão. Aquela mulher é tão cabeça dura, ela é pior do que lidar com o Departamento de Trânsito.
– Você tem que ser mais cuidadoso com a Dana. – eu disse, apesar de saber que a Myriam disse que era outra pessoa. Eu precisava saber se ele me diria o nome de quem estava com ele. Eu tinha certeza de que era o Sam.
– Dana? Não, eu lhe disse da última vez, estou ficando longe dela. Ela é completamente louca! Eu estou mais interessado em alguém mais calmo, quieto... bem, deixa pra lá. O ponto é, eu assumi o meu erro, e não vou fazer isso de novo. – Arthur explicou, antes de me dizer que tinha que verificar se havia dinheiro suficiente nas caixas registradoras da Bilheteria para os vendedores.
Eu o acompanhei e então segui pelo corredor em direção ao Escritório Paddington. Durante o caminho, liguei para o Brad, que disse que passaria ali em breve para conversar comigo. Ele não parecia saber que eu deveria estar fora da cidade. Eu também pedi uma pizza, já que não havia comido meu almoço. Conferi que o testamento estava na minha bolsa, coloquei a alça sobre o ombro, e segui. Quando me aproximei do escritório, eu vi o Policial Flatman e acenei para ele. Estava prestes a chamá-lo quando meu celular tocou. Era a Maggie, e eu não podia deixar cair na caixa de mensagens. Eu tinha um pedido de desculpas massivo para fazer.
Eu peguei o celular e disse:
– Você tem todos os motivos para estar brava comigo, mas eu verdadeiramente tenho uma desculpa válida. – eu senti minha testa para verificar se a febre havia passado. Minha cabeça ainda estava tonta por causa dos remédios, meus olhos estavam doloridos por chorar por causa da Francesca, mas minha saúde estava melhorando. Eu expliquei como o remédio me faz dormir demais.
– Eu entendo. Você está se preocupando demais, Kellan. – a voz dela era gentil e carinhosa, mas eu conhecia a Maggie suficientemente bem para saber que ela havia ficado desapontada quando eu não apareci. – Connor foi no seu lugar. Eu pensei que não havia motivo para desperdiçar a mesa, então ele apareceu. Pensei muito sobre nós essa manhã.
Senti uma pontada de ciúmes quando ela disse que o Connor havia tomado o meu lugar. Eu queria contar a ela a verdade, mas também sabia que eu já havia tido um dia exaustante e emocional e precisava ter cuidado com o que eu contava.
– Eu também. Estava animado para ter algum tempo a sós com você. Eu só voltei há algumas semanas, mas parece que nós mal tivemos a chance de conversar.
– Eu sinto a mesma coisa. Percebi hoje de manhã que nós tentamos marcar o jantar várias vezes, ainda assim sempre acontece algo. Talvez seja a influência da Eleanor, mas será que o Universo não está tentando nos dizer algo? – Maggie riu no final, apenas o suficiente para revelar o seu desconforto. Eu podia imaginá-la brincando com as orelhas, de tanto que a nossa conversa a estava deixando nervosa.
Meu coração estava tendo pontadas de dor enquanto ela falava e eu preparava a minha resposta. Eu sabia o que tinha que fazer.
– Eu estou inclinado a concordar. Você ainda está tentando descobrir como se sente com relação ao Connor. Você também acabou de se mudar de volta para Braxton.
– O mesmo vale pra você. E a morte da Francesca é muito mais recente do que a do meu marido. Eu sei pelo que você está passando. Esticar o braço no meio da noite apenas para sentir se o outro lado da cama está quente. Comprar as coisas que ela gostava, então não ter a força para devolvê-las. Vai ficar mais fácil, Kellan. – Maggie sempre colocava as outras pessoas em primeiro lugar. Ela estava tentando me confortar apesar do fato de que fui eu quem cancelei com ela.
– Você é uma mulher maravilhosa. Eu amei você durante tanto tempo, mas talvez nós dois não estamos prontos para começar algo. – eu disse, enterrando meu rosto na minha mão livre esperando que isso impedisse o inevitável.
– E você é um cara incrível. Você precisa do seu tempo para descobrir como criar a sua filha numa nova cidade. Mesmo que tenha voltado para cá algumas vezes visitando, Braxton está diferente do que era uma década atrás. – Maggie fungou do outro lado da linha. Eu imaginei ela secando suas bochechas com um lenço de papel, mas sorrindo como se nós estivéssemos perto um do outro.
Ela está certa. Eu ainda era casado aos olhos da igreja e do meu coração. A lei podia pensar que Francesca estava morta e permitir que eu seguisse em frente, mas era apenas uma fantasia ou uma fachada que os Castiglianos haviam criado para que o mundo acreditasse.
– Vamos concordar em focar na reconstrução da nossa amizade, Maggie. E talvez em alguns meses ou um ano, nós vamos estar prontos para conversar sobre algo mais.
– Eu acho que isso é perfeito, Kellan. – enquanto ela desligava, me lembrei do conselho da Nana D sobre as coisas voltarem depois de serem libertadas. Eu ainda não tinha certeza se isso se aplicava para a Francesca ou a Maggie. Eu também tinha pouco tempo para me colocar em mais luto ou perda na minha vida pessoal.
O Policial Flatman chegou com a pizza.
– Eu acredito que você tenha feito o pedido disso? O cara disse que já estava paga, mas eu dei a ele uma gorjeta.
– Nós precisamos de algo para comer. Podemos ter que passar por uma longa tarde à nossa frente. – eu respondi. Ele recusou a devolução do valor da gorjeta. Nós seguimos até o Escritório Paddington e comemos algumas fatias. Enquanto comíamos, conversamos sobre o caso.
– A Xerife Montague se encontrou novamente com os contadores dos Paddingtons. Foi ali que ela ficou sabendo dos detalhes sobre as transações com a família Castigliano. Alguém nas Empresas Paddington estava usando os serviços deles para importar produtos para dentro do país. Ela está tentando descobrir exatamente quem estava envolvido e exatamente o que era. – ele explicou. – Aparentemente, isso tem alguma relação com esconder drogas.
Eu estava prestes a responder quando o número do Brad apareceu na tela do meu celular. Eu atendi, e ele me disse que estava no saguão principal. O Policial Flatman desligou as luzes e se escondeu no armário em um canto da sala. Eu coloquei o testamento sobre a mesa, então fui encontrar o Brad.
Enquanto o levava de volta ao escritório, eu disse:
– Fico feliz que você tenha vindo. Eu tinha algumas coisas para discutir com você, mas precisei ficar pelo teatro essa tarde como representante da família enquanto o show está na produção.
– Eu entendo, e isso é meio engraçado. Algo surgiu e eu queria conversar com você, também. – Brad respondeu enquanto entrávamos no Escritório Paddington. Eu o vi olhar para a mesa e pensei que ele havia percebido o testamento.
– Ouça, eu preciso jogar fora essa caixa de pizza e levar algo até a Bilheteria. – eu disse para o Brad, seguindo para o corredor. – Será que você pode esperar alguns minutos? Eu volto logo. – o Policial Flatman observava através de uma pequena fresta na porta do armário. Se Brad tentasse ir embora com o testamento, ele o impediria.
Eu saí e joguei a caixa no lixo. Andei até a área de recepção olhando alguns convidados seguirem para o teatro já que o show iria começar. Depois que se passaram cinco minutos, eu voltei ao escritório Paddington.
– Me desculpe por isso. Tudo limpo, e nós temos algum tempo para conversarmos sozinhos. – o testamento não havia sido mexido. Ou ele olhou, folheou e o colocou no mesmo lugar quando eu saí, ou não havia se incomodado em tocá-lo.
– Sem problemas. Então, você primeiro? – Brad disse.
– Claro, eu gostaria de lhe perguntar algumas coisas. Não sou de ficar fazendo rodeios, então me desculpe se eu for muito direto. – eu expliquei, esperando causar alguma reação nele.
– Essa é a melhor forma de ser. Minha mãe me ensinou a nunca manter segredos ou desperdiçar o tempo das pessoas. Dinheiro era precioso para ela, ela trabalhou duro para cuidar de mim e tinha poucas liberdades. – Brad se inclinou contra a mesa com suas mãos no bolso.
– Ótimo. Então... primeiro, chegou ao meu conhecimento que você era a segunda testemunha quando a Gwendolyn mudou o testamento no dia antes de morrer. Eu não tenho certeza do porquê você não me contou isso antes.
– Oh, bem, eu... – o Brad começou, mas eu levantei a mão.
– Deixe-me falar primeiro, então você vai ter a sua chance, Brad. – eu disse. Quando ele assentiu, eu continuei. – Então, eu fiquei sabendo que você não tem a sua licença oficial e nem diploma como enfermeiro. Você teve o diploma negado depois que alguma coisa aconteceu no hospital ou clínica anterior onde você misturou a medicação de vários pacientes. A ironia é que isso é exatamente o que levou Gwendolyn à morte. – eu o observei cuidadosamente, mas ele apenas abriu a boca para interromper novamente.
– Não foi assim que aconteceu. Se você me deixar...
– Por favor, deixe-me terminar e vai ser tudo mais fácil. – eu disse, sabendo que eu estava falando como um tirano. Tempos desesperados pediam medidas desesperadas. – Eu também estou ciente de que a sua mãe, Hannah Shope, costumava trabalhar na mansão Paddington há vinte e cinco anos. De fato, ela provavelmente o concebeu enquanto ainda estava empregada lá. Parece que a Gwendolyn pediu um teste de DNA para determinar se você era relacionado com a família dela.
Brad ficou pálido, mas não falou. Ele bateu o pé no chão e engoliu com força.
– Quando eu coloco tudo isso junto, perceba, isso faz com que você pareça culpado de algo. Se é de assassinato ou conspiração para cometer assassinto junto com outra pessoa, eu não sei. Mas não sinto essa vibe em você. Você está escondendo algo, isso eu tenho certeza. – eu me aproximei dele para pegar o testamento se ele tentasse fazer alguma coisa. – Antes de eu contar para a Xerife sobre todas essas coisas, tem alguma coisa que você queira me contar?
Brad assentiu, então tirou a mão do bolso. Ele desdobrou um pedaço de papel e o entregou para mim.
– Esse é o teste de DNA. A Gwendolyn me ajudou a encontrar alguém para realizá-lo. Se você me der um minuto, vou lhe contar tudo o que eu sei. Mas para começar, eu lhe asseguro, não tenho relação com a morte dela. Não havia motivo para eu machucar a mulher.
Eu olhei para o resultado do teste de DNA, mas não consegui entender nada do jargão médico. Eu não sabia qual amostra pertencia a qual pessoa.
– Okay, vá em frente. – eu sabia que o Policial Flatman estava ouvindo toda a conversa, então não me preocupei em perder algo importante relacionado ao assassinato. Eu queria descobrir como o Brad se encaixava na família Paddington.
– Eu trabalhei anteriormente para alguém que ficava me pressionando para eu sair com ela. Depois que eu disse não e ameacei reportá-la para o hospital e o conselho médico, ela finalmente recuou. Eu estava a poucas semanas de conseguir o meu diploma de enfermagem quando um dos meus pacientes ficou doente. Alguns dias depois, outro paciente faleceu. Alguma coisa não estava certa, mas eu não queria colocar em risco as minhas chances de finalmente alcançar o meu sonho de me tornar um enfermeiro. Eu sabia que a mulher queria se vingar de mim, mas não podia provar nada. Ela essencialmente fez com que eu não conseguisse a minha licença. – Brad sacudiu a cabeça com desonra e frustração. Ele disse que a outra moça era quem estava fazendo aquilo, e não ele.
– É terrível quando alguém tira vantagem sobre você dessa maneira, eu sinto muito. Como você veio parar em Braxton?
– Quando minha mãe estava perto do fim, ela falava muito sobre ter crescido em Braxton. Sem nenhum emprego ou família, eu me mudei para cá e consegui um novo emprego como enfermeiro. Só preciso pegar a minha certificação formal.
– Okay, mas isso não explica como você conheceu a Gwendolyn. – eu disse.
– Eu estava trabalhando na clínica de reabilitação onde ela estava se recuperando. Eu não trabalhava na ala dela, mas ela tinha uma amizade com um dos meus pacientes. Eu contei ao meu paciente que a minha mãe havia trabalhado na mansão Paddington anos atrás. A próxima coisa que eu sabia, Gwendolyn me ligou e perguntou se eu estaria interessado em me tornar o enfermeiro particular dela. Meu antigo paciente havia contado a história para a Gwendolyn. No começo eu fiquei chateado, mas isso acabou sendo uma grande ajuda.
Se a Gwendolyn sabia sobre o bebê, ela pode ter percebido que o Brad poderia estar relacionado com ela. Foi provavelmente por isso que ela o contratou, então conseguiria uma amostra do DNA dele e assim descobriria mais.
– Eu nem tive que fazer isso. Algumas semanas depois que comecei a trabalhar para ela, ela trouxe o assunto à tona. Eu não estava interessado em descobrir quem era o meu pai, mas ela ficava me pressionando. Ela me disse que um erro havia sido cometido anos atrás, e se meu pai era quem ela pensava ser, eu iria querer conhecê-lo. – Brad parecia profundamente chateado. O rosto dele começou a se encolher e enrugar como se ele tivesse pouco controle sobre suas emoções no momento.
– Ela fez o teste de DNA com o seu consentimento? Ou foi por trás das suas costas? – eu perguntei.
– Eventualmente eu concordei. Eu nunca estive interessado no dinheiro, apenas em saber mais sobre meu pai e a família dele. Gwendolyn e eu ficamos amigos nas últimas semanas. Ela não precisava mais de um enfermeiro. Apenas de alguém para conversar. Alguém para que ela não ficasse solitária e entediada na casa. Você viu o quão terrível aquela família é.
Pelo jeito que ele disse aquela família, eu começava a acreditar que ele não fazia parte dela.
– Eu já os vi se comportando como animais. O que esses resultados provam?
– Eu não sou um Paddington. Ela pensou que Millard era o meu pai, mas ele não pode ser. Eu não compartilho nenhum DNA com o Millard nem com a Ophelia. Gwendolyn não era uma Paddington por sangue, então eles não poderiam tentar com o dela.
Eu fiquei chocado com a resposta. Não parecia que ele estava mentindo.
– Ela descobriu quem é o seu pai?
Brad sacudiu a cabeça.
– Se ela sabia, Gwendolyn não me contou. Nós pegamos o resultado daquele primeiro teste de DNA no dia antes de ela morrer. Ela me disse que havia pedido que fosse feito um outro baseado num palpite, mas então ela faleceu no dia seguinte.
– Como você se tornou uma das testemunhas para assinar o novo testamento dela?
– Depois que ela chegou em casa vindo da sua avó, ela chamou a mim e a Bertha até o quarto dela e pediu que nós assinássemos o testamento. Ela preencheu os novos nomes, mas não vi para quem ela deixou o dinheiro. E então fui embora.
– Então, você não tem ideia de quem seja o seu pai? – se não era um Paddington, quem mais estivera naquela casa que pode ter sido o amante da Hannah há vinte e cinco anos atrás?
– Não. Por um tempo, tentei conhecer todo mundo na família. Eu esperava que talvez eu fosse parente deles, não porque gostasse deles, mas porque eu não tenho outra família. Desde que a minha mãe morreu, estive sozinho. Minha mãe não tinha irmãos, e os pais dela faleceram antes de eu nascer.
Brad não tinha motivo para matar a Gwendolyn.
– Obrigado por compartilhar o resultado do teste de DNA comigo. É isso que você queria dizer quando mencionou ter algo para conversarmos?
– Sim, eu estive mantendo esse segredo escondido de todos porque não queria que alguém da família pensasse que eu estava tentando me inserir entre eles logo após a morte da Gwendolyn. Então a Eustacia me contratou para ser enfermeiro dela por meio perído, e eu comecei a me sentir culpado. Pensei que seria melhor eu conversar com você primeiro para me ajudar a decidir o que contar a eles.
Eu informei ao Brad que a clínica de DNA havia me contado e que eles entrariam em contato com ele em breve com os resultados do segundo teste. Eu sabia que o parentesco do Brad não iria importar aos Paddingtons, mas era mais importante descobrir o que isso singificava em relação à Gwendolyn sendo assassinada por causa da mudança no testamento. Quando ele foi embora, Brad fechou a porta, e ela se trancou automaticamente. Eu conferi com o Policial Flatman que confirmou que o Brad nunca tocou o testamento enquanto esteve sozinho no escritório.
Nós nos sentamos ponderando sobre a situação inteira. Depois de uma hora, nós ouvimos alguém tentando abrir a porta. O Policial Flatman olhou para mim com os olhos arregalados e excitados, e sussurrou:
– Talvez seja o assassino tentando pegar o testamento?
Eu concordei e gentilmente coloquei o testamento de volta na mesa. Eu rapidamente desliguei as luzes, então silenciosamente corri para dentro do armário e fechei a porta. Enquanto nós estávamos na escuridão, fiquei preocupado que a pessoa tentando entrar na sala fosse apenas um empregado, mas então me lembrei de que esse era um escritório privativo que os Paddingtons mantinham trancado o tempo todo. Além da equipe de limpeza, da Myriam e do Arthur, ninguém mais tinha a chave.
Alguns segundos depois, nós ouvimos a porta ser destrancada. Alguém ligou as luzes e caminhou em direção à mesa. Eu não consegui determinar inicialmente quem era porque ele ou ela havia sido rápido para chegar à mesa antes que tivesse luz suficiente na sala. Quando a pessoa se virou, eu arquejei. Tudo fazia sentido completo agora que vi quem apareceu para roubar o testamento. Como eu podia ter sido tão tolo de não perceber quem havia matado a Gwendolyn?
23
Richard Taft foi diretamente à mesa e inspecionou o envelope. Ele não sabia que era uma cópia falsa que eu havia feito naquela manhã antes de sair da casa dos meus pais. Eu não queria arriscar que o testamento verdadeiro fosse roubado, então havia aberto o envelope com o endereço no Finnigan e troquei o conteúdo por uma carta onde estava escrito “Surpresa, esse não é o testamento que você está procurando!”
Enquanto Richard abria o envelope e lia o bilhete, ele murmurou em voz alta:
– Que tipo de brincadeira aquele Ayrwick idiota está fazendo? – ele folheou pelo resto dos papeis da mesa, mas não encontrou nada mais. O testamento verdadeiro estava nas mãos do Finnigan, já que eu havia entregue para a Xerife antes de eu ir embora da mansão Paddington. Ela havia prometido entregar de volta ao Finnigan no caminho de volta. Richard andou de um lado para o outro no escritório, grunhindo e batendo seu punho na mesa. – Aquela mulher tentou me mandar para fora da cidade durante os últimos vinte e cinco anos, mas consegui me livrar dela primeiro. Eu vou encontrar esse testamento, nem que seja a última coisa que eu faça!
E essa era a minha chance. Eu não tinha esperado que ele confessasse o crime, e talvez isso não servisse para o tribunal, mas o Policial Flatman e eu havíamos ouvido ele dizer que havia feito algo com a Gwendolyn. Flatman me mandou sair do armário primeiro, e ele ficaria para trás ouvindo do seu lugar vantajoso. Ouvi uma rodada de aplausos vindo de dentro do teatro, o que significava que o intervalo estava começando. Eu tinha alguns minutos para conseguir uma confissão completa do Richard.
Eu saí do armário enquanto ele estava de costas para mim, então a porta do armário se fechou quase totalmente.
– Você encontrou o que estava procurando, Richard?
Ele se virou com uma careta no rosto e praticamente cuspiu em mim.
– O que está acontecendo aqui? Onde está o testamento? Isso não é assunto seu.
– Não é esse o testamento nas suas mãos? Certamente, é isso que você veio procurar. – eu disse calmamente. – Tenho que admitir, você não estava no meu radar durante a última semana. Fez um trabalho fantástico indo e voltando tão frequentemente que era praticamente um barulho de plano de fundo. Até agora. – eu olhei para ele como se estivesse preparando para dar um tiro mortal.
– Você não tem ideia do que está falando. Apenas pensei que seria mais fácil eu vir aqui já que eu estava no show. Que tipo de brincadeira é essa que você fez nos dizendo que havia deixado o testamento no escritório e que você estava fora da cidade. Você está aqui, e esse é um bilhete estúpido de uma mulher ainda mais estúpida! – ele deu um passo na minha direção com um olhar de pânico, mas ainda assim perigoso, em seu rosto.
– Eu diria que a Gwendolyn foi bem inteligente em mudar o testamento quando o fez. Você pode querer olhar no espelho antes de jogar pedras, Richard. Você a matou para que Ophelia herdasse todo o dinheiro? A sua esposa está com você nisso? – eu o medi enquanto estava parado lá, percebendo que ele era mais pesado do que eu. Eu não via nenhum tipo de arma, mas não podia ter certeza.
– Eu acho que posso te contar a história completa. Não é como se você fosse sair daqui e se encontrar com alguém mais. – ele respondeu com um tom ameaçador enquanto estreitava o olhar. – Quanto você já sabe?
Contanto que eu ficasse perto da porta do armário, o Policial Flatman poderia pular lá de dentro a qualquer momento para impedir que Richard me ferisse. Entrei mais fundo no papel para conseguir respostas antes que ele tentasse fugir de nós. Eu me lembrava da Eustacia dizendo que a Ophelia havia acabado de se casar e que ela e o Richard estavam morando na mansão Paddington quando a nova empregada começou a trabalhar lá. Eu havia me esquecido disso até agora.
– Você tinha amizade com uma mulher chamada Hannah Shope mais ou menos na época que você se casou? Talvez vinte cinco ou vinte e seis anos atrás, isso soa familiar?
– Parece que você encontrou um monte de informações pessoais nos últimos dias. O ruim é que isso não vai te salvar. – ele fechou suas mãos em gigantescos punhos.
– Deixe-me ver se eu entendi o que aconteceu. – eu disse, implorando a ele com a minha mente para que me desse uma chance antes que ele me atacasse. – Você e a Hannah estavam tendo um caso mesmo que você tivesse acabado de se casar com a Ophelia. Quando Hannah contou à Gwendolyn que estava grávida, Gwendolyn pensou que era o bebê do Millard. Mas não era. Era seu. Só que você não sabia disso até recentemente.
– Eu não tinha ideia de que a Hannah estava grávida. Os Paddingtons a mandaram embora sem contar para ninguém. Eu cheguei em casa uma noite e ela havia desaparecido. Gwendolyn disse que Hannah havia se demitido e não havia deixado nenhuma informação para contato. Tentei encontrá-la naquelas primeiras semanas, mas não consegui. Foi então que eu percebi que estava preso com a Ophelia. – apesar de eu poder simpatizar com a dor dele, eu nunca cometeria assassinato por causa disso.
– Aqui é onde eu estou um pouco confuso sobre o que aconteceu. Você continuou casado com a Ophelia e teve vários filhos, mas continuava aceitando trabalhos fora da cidade porque você não suportava ficar ao lado dela. Por que você sentiu a necessidade de matar a Gwendolyn agora? – eu sabia que isso tinha a ver com o teste de DNA e o Brad aparecendo misteriosamente, mas não conseguia determinar exatamente o que havia mudado.
– Durante anos, Charles focou em seu filho. Timothy conseguiu os negócios da família. Timothy deveria herdar o patrimônio da família quando Gwendolyn morreu. Mas por trás das cenas, era eu quem estava fazendo todo o trabalho. Assegurei novas linhas de negócios. Eu mantive as operações funcionando nas Empresas Paddington. Eu aceitei o meu papel até que um dia, quando Timothy e eu estávamos em um clube, ele começou a usar drogas recreativas. Se ele iria machucar a si mesmo, talvez não fosse tão ruim que eu deixasse as coisas um pouco mais fáceis para que isso acontecesse. Eu decidi pressioná-lo a experimentar diferentes tipos de drogas até que ele ficou viciado. Cocaína foi o declínio dele.
– E então ele começou a fazer apostas e ferrar com vários acordos no escritório porque ele estava chapado ou em vários cassinos apostando demais?
– Exatamente. Quando Charles fez com que o Conselho retirasse o Timothy do comando, pensei que finalmente eu teria a minha chance, mas não, isso nunca aconteceu. Charles colocou o Timothy em uma licença de um ano enquanto ele entregava a empresa para uma estúpida equipe de liderança que não sabia de nada sobre a organização. Eu fui ignorado, assim como eles haviam ignorado a Ophelia durante todos esses anos. Aquele tolo pomposo é um viciado em drogas e quase acabou com a companhia!
– E você queria vingança? – eu pude ver o Richard se revelando em partes.
– Charles morreu, Timothy estava afastado. A Gwendolyn ficou depressiva, quebrou o quadril e se internou no hospital. Eu deveria ter conseguido as chaves para as Empresas Paddington. Então a Gwendolyn me confrontou sobre o meu caso com a Hannah de anos atrás. Ela descobriu sobre isso e ameaçou contar para a Ophelia. Eu pensei que esse segredo estava enterrado.
– Quando o primeiro teste de DNA falhou em provar que o Brad era um Paddington, Gwendolyn percebeu que era você. Foi então que ela mandou fazer um segundo teste para ter certeza antes de contar para alguém. – eu disse, juntando toda a história sórdida.
– E o meu acordo pré-nupcial com a Ophelia dizia que eu não conseguiria nada se eu tivesse um caso. – um sorriso maldoso estava em seu rosto. Richard Taft era um homem astuto. – Eu não podia reconhecer o Brad como meu filho.
– Então você começou a trocar os remédios da Gwendolyn por placebos. Dana está envolvida nessa fraude com você? – eu estava preocupado que ele não fosse a única pessoa na família que havia tentado matar a Gwendolyn.
– Não, a minha filha não tinha ideia de que eu os roubei dela. Foi uma coincidência quando ela me contou que havia localizado onde comprá-los para o próximo show no teatro. O sol estava brilhando para mim naquele dia. Eu poderia matar a Gwendolyn lentamente e assistir ela sofrer da maneira como ela me fez sofrer durante todos esses anos. Só levou tempo demais.
– Foi então que você pensou em um plano para dar uma overdose de cocaína nela?
– Eu disse a ela que não poderia ir ao show. Fui para Los Angeles para um rápido acordo e retornei cedo no domingo de manhã em um avião particular. Fiz parecer que eu havia pego um avião de volta apenas depois que ouvi as notícias sobre a Gwendolyn ter falecido. – Richard não tinha vergonha ou remorso pelas suas ações. Ele pensou que ninguém pediria uma autópsia, e se o fizessem, provavelmente isso levaria ao Timothy.
– Como você conseguiu a cocaína?
– Ahh! Isso é fácil. Uma das linhas de negócios que comecei dentro das Empresas Paddington é com relação ao tráfico de drogas para dentro e fora do país. Eu peguei um pouco de um carregamento e dei para o Timothy, então ele teria um bom suprimento para continuar destruindo sua vida. Guardei o suficiente para colocar na medicação da Gwendolyn naquela manhã.
– Quando você fez a troca? – eu perguntei.
– Eu entrei escondido na casa, no domingo de manhã, depois que meu avião aterrisou e quando todos ainda estavam dormindo. Me escondi no andar térreo enquanto todos comiam o brunch. – Richard se aproximou de mim procurando uma arma pela sala.
– Foi então que você viu o frasco na mesa do corredor. Você sabia que a Gwendolyn tomaria os remédios enquanto estivesse no show, então colocou os comprimidos com cocaína dentro do frasco. – eu disse, percebendo que ele havia tido uma vantagem ao entrar furtivamente e conhecer os esconderijos.
– Infelizmente, aquela sua avó enxerida estava voltando pelo corredor, e na pressa, eu deixei o frasco cair ao chão.
– Esperto... e pensar que você quase saiu livre disso. – eu disse, percebendo, de repente, que a empresa com quem ele estava trabalhando era a Castigliano Internacional. Isso significava que os meus sogros estão envolvidos no tráfico de drogas. Será que a Francesca sabia de algo sobre esse lado covarde do negócio da família dela?
– Eu vou sair livre disso. Assim que você me contar onde está o novo testamento, Ophelia vai herdar um quarto do patrimônio de sua mãe com o testamento anterior. – ele disse com o sorriso de um demônio ficando maior a cada momento que passava. – Agora, passe ele para cá, e eu vou ser bem gentil quando te matar.
O Policial Flatman saiu de dentro do armário com sua arma apontada diretamente para o Richard naquele exato momento.
– Eu acho que não. Coloque suas mãos para cima.
Richard pegou a lateral de uma estante na parede à sua direita e a empurrou na nossa direção, dando a ele tempo suficiente para seguir para o corredor. Enquanto o Policial Flatman e eu jogávamos os livros e prateleiras para fora do nosso caminho, Richard abriu a porta e entrou no corredor sem perceber que os convidados estavam começando a sair da apresentação. Enquanto ele tentava correr até o saguão de saída, Eustacia esticou sua bengala e o fez cair. A xerife correu pelo saguão empurrando alguns convidados pelo caminho, e apontou a velha Betsy para Richard. O Policial Flatman e eu logo o seguimos e ficamos ao redor dele, então não haveria rota de fuga disponível.
Eustacia gargalhou.
– Esse é o tolo responsável pela morte da Gwennie?
– Sim, madame. – eu disse, me apoiando em uma parede. Durante a briga, eu perdi o meu folêgo e comecei a me sentir mal pelo excesso de esforço. Isso estava me desgastando ao ponto de eu quase desmaiar novamente.
Ophelia e seus filhos correram até nós para ver por que Richard estava sendo algemado. O Policial Flatman disse:
– Ele confessou ter matado a Gwendolyn enquanto nós estávamos no escritório. Não só isso, ele também admitiu ter tido um caso com a Hannah Shope há vinte e cinco anos.
– E o Brad é o filho secreto do Richard. – eu disse, observando os olhos da Ophelia brilharem como laser.
Lilly olhou para o pai e estremeceu.
– Ele é o meu meio-irmão? Como você pôde fazer isso com a mãe?
Dana se virou para a Jennifer que estava parada por perto.
– Eu não entendo. Como ele pôde não ter nos contado?
Quando recuperei o meu folêgo, eu vi a Nana D, Lindsey e Millard confortando a Eustacia. Ophelia repreendeu Richard enquanto a Xerife Montague o entregava para que o Policial Flatman pudesse ler os direitos dele. Sam parecia chocado e devastado. Ele não tinha certeza de para quem se virar e ficava sacudindo a cabeça. Quando eu caminhei na direção dele para perguntar se ele estava bem, ele saiu correndo e nunca olhou para trás.
A Xerife Montague se aproximou de mim.
– Excelente trabalho, Pequeno Ayrwick. Flatman me contou que você convenceu o Richard a continuar falando, para que ele te dissesse exatamente como tudo aconteceu.
– Por algum motivo, eu não fiquei surpreso de vê-lo aparecer no escritório naquela hora. Foi necessário colocar ele no lugar correto para que eu percebesse como ele esteve por trás de tudo o tempo todo. – eu observei a Eustacia se voltar para o Lindsey, então percebi a resposta da Nana D. Ela ainda gostava do Lindsey, apesar disso estava recuando para deixar que a Eustacia tivesse uma chance com ele. Era difícil ver a Nana D desanimada, mas eu sabia que não era a primeira vez.
– Não se sinta mal. Ele também não estava no meu radar de início. Então eu recebi uma dica sobre as ligações de negócios entre os Paddingtons e os Castiglianos. Foi isso que me levou a ver quem assinou o acordo entre as duas empresas. Foi o Richard. – a xerife comentou enquanto passava a mão pelo cabelo. – Se aquelas negociações de drogas aconteceram no Condado de Wharton, eu vou colocar o meu foco para descobrir esses traficantes sujos. Eu li sobre a máfia Castigliano. Eles são uma família maldosa, mas não tenho medo deles. Vou acabar com um por um se eu tiver que fazer isso. – o olhar determinado da April passou direto por mim.
Tudo o que eu sabia é que precisava dormir um pouco.
– Eu tenho certeza de que se alguém pode acabar com os Castiglianos, é você April.
– Sim. Talvez eu vá precisar da sua ajuda. Eu não gosto de admitir quando estou errada, mas essa é a segunda vez consecutiva que você mete o nariz para proteger a nossa cidade. Não estou dizendo que o julguei errado, então não deixe isso subir a sua bela cabeça e ficar maior do que já é. Eu vou ligar para você na próxima semana para discutir um pouco mais os meus planos. – enquanto a xerife ia embora da Casa de Espetáculos, sacudi a minha cabeça em descrença. Eu ficava dizendo a mim mesmo que queria provar para aquela mulher que eu era melhor do que ela. Agora ela queria conversar sobre trabalharmos juntos. O que tinha de errado comigo? Era como se eu quisesse me punir repetidamente. Não havia algum grupo de apoio para esse tipo de pessoa?
– Kellan! Por que levou tanto tempo para você descobrir esse? Eu poderia ter lhe contado que o Richard Taft não era um bom perdedor. – Nana D reclamou enquanto se afastava dos seus companheiros septuagenários e se juntava a mim. – Tá parecendo que você morreu. Aqui, tome essa garrafa de suco. Eu acabei de abri-la.
– Obrigado, Nana D. – eu fiquei tentado a perguntar se ela não havia colocado cocaína ali, mas achei que era cedo demais para fazer tal piada. – É apenas suco, certo?
– Você acha que eu te envenenaria? Sério, beba isso. Você realmente precisa prestar mais atenção ao que ouve. Eu lhe disse que aquela família estava tentando matar a pobre Gwennie desde o primeiro dia lá no Rancho Danby. Mas não... você não levou isso a sério até que ela caiu no seu colo. Que tipo de cão de caça você é?
Agora que entendi por que eu estava constantemente sendo sujeitado a relacionamentos como os que eu tinha com a Myriam e a April. Eu estava cercado por mulheres espirituosas que gostavam de me torturar. Se eu amava a Nana D, será que isso significava que um dia eu poderia amar a April e Myriam também? Meu estômago começou a se revirar. Fiquei com medo de que se eu não fizesse algo em breve, nós teríamos um problema no saguão da Casa de Espetáculos Paddington. Eu estava prestes a cair ao chão para tirar a minha soneca quando uma confusão inesperada começou por perto.
– Jennifer, eu ouvi o que aconteceu. Eu estava preso nos bastidores. Eu sinto muito. Você está bem? – Arthur se deteu antes de nos alcançar e abraçá-la. – Por favor, me diga que nada aconteceu com o nosso bebê!
– Bebê? Arthur é o pai do seu bebê? Você estava me traindo com a minha tia? Ela é tipo uma anciã e quase da idade da minha mãe. Não posso acreditar nisso. – Dana gritou e bateu no peito do Arthur.
– Eu vou ser avó. – Fern disse, cobrindo a boca em choque enquanto se juntava ao grupo.
Arthur pegou os pulsos da Dana e impediu que ela batesse nele.
– Chega Dana. Eu lhe disse desde o primeiro dia que você tentou me seduzir que eu não estou interessado. Você é uma menina que faz birra quando não consegue o que quer. Você já se jogou para cada cara em um raio de um metro e meio. Você nunca vai chegar aos pés da sua tia, e precisa ficar longe de nós e do nosso bebê.
– Você é um monstro. Eu não consigo acreditar que gostei de você. – Dana rosnou enquanto olhava ao redor, mas sua mãe já havia ido embora junto com o Policial Flatman quando ele escoltou o Richard até a delegacia. – Vou me vingar de você, Tia Jennifer! Eu também sou uma Paddington!
Enquanto Dana ia embora pisando duro, Lilly segurou o pulso da irmã.
– Nosso pai acabou de ser preso por ter matado a nossa avó. Nós temos um meio-irmão chamado Brad. Sam saiu correndo, e nós não sabemos onde ele está. Eu acho que a nossa família já tem o suficiente para lidar, irmãzinha. Cresça e pare de ser tão infantil!
Por mais que as palavras da Lilly tivessem sido apropriadas, ela não havia sido o melhor modelo no passado. Enquanto Lilly e Dana saíam do saguão, eu cumprimentei a Fern, esperando que ela interpretasse bem minha mostra de simpatia e parabenização para ela. Fern e Arthur agora estariam para sempre ligados à família Paddington.
Eu me despedi da Nana D e dirigi para casa, para finalmente dormir um pouco. Eu conferi com meus pais, que confirmaram que iriam ficar mais uma noite na Philadelphia e iriam trazer a Emma na noite seguinte, então ela poderia descansar bastante antes da escola na segunda-feira. Verifiquei que o vôo da Francesca havia decolado, o que significava que ela estava no meio do caminho de volta à Los Angeles. Eu não tinha nenhuma ligação dos Castiglianos me ameaçando. Francesca provavelmente ainda não havia contado a minha decisão para eles. Talvez eu acordasse com um novo foco e nova perspectiva para minha vida. Quando parei na garagem da Cabana Chic, Ursula Power saiu do carro dela e acenou para que eu fosse encontrá-la. O que a minha chefe estava fazendo na minha casa num sábado à noite? Depois de ir até meu carro, Ursula disse:
– Algo urgente surgiu, e eu preciso do seu conselho. Não conte a ninguém, especialmente para a Myriam. Ela não pode saber em quantos problemas eu estou metida. Você é a minha única esperança.
Eu não tinha certeza sobre como responder, mas precisava de um tempo quieto antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.
– Claro, será que podemos nos encontrar amanhã? Eu estou quase desmaiando.
Ursula hesitou antes de ir embora.
– Sim, mas isso é importante. Meu passado está de volta para me assombrar, e eu não sei quanto tempo tenho antes que ele exploda novamente.
– Eu prometo. Nós podemos nos encontrar para o jantar amanhã se você quiser.
Ursula assentiu e voltou para o carro dela. Antes de fechar a porta, ela se virou na minha direção e disse:
– Se eu puder falar francamente, Kellan... você precisa cortar o cabelo. Esse esfregão na sua cabeça está ridículo. Eu tenho esperado durante semanas para que você faça algo, mas precisei intervir antes que fique pior. Você parece um punk dos anos oitenta, e não de uma maneira legal. – Ursula pegou o celular e digitou alguma coisa. – Olhe as suas mensagens, mandei para você o nome e número do meu cabelereiro. Ele vai ser capaz de te salvar de algum constrangimento futuro.
24
Eu acordei no domingo de manhã com várias mensagens e o que parecia um corpo inteiramente novo. Todos aquele remédios que eu havia tomado devem ter finalmente chutado os meus sintomas de resfriado para a sargeta. Eu estava feliz por não ter desenvolvido uma gripe completa, já que não tinha tempo para descansar por causa de tudo o que estava acontecendo em Braxton. Mesmo que eu houvesse solucionado o último assassinato, não conseguia evitar ficar preocupado que algo mais iria continuar aparecendo. Alguma coisa no ar me dizia que esse era um alívio temporário e que eu deveria me preparar para uma batalha maior. Eleanor iria me dizer que as estrelas estavam me avisando para ficar na cama o dia inteiro. Eu olhei as minhas mensagens, então entrei em contato com todos para organizar o meu dia antes de me encontrar com a Ursula para o jantar. Nana D foi a primeira pessoa para quem respondi.
Eu: Eu sou um novo homem esta manhã. A vida é boa.
Nana D: Eu sabia que você precisava de uma das minhas misturas especiais para te curar.
Eu: Sobre o que você está falando?
Nana D: Você não pensou que era apenas suco ontem, pensou? Eu acrescentei algumas coisas.
Eu: Você me drogou? Eu sabia que você estava aprontando alguma coisa. Espere, porque ele não tinha gosto ruim?
Nana D: Certamente você não espera que eu lhe conte todos os meus segredos?
Eu: Você devia ser trancafiada em algum lugar. Tem alguma coisa errada com você.
Nana D: Eh, não vou discutir com você depois do que eu fiz na noite passada.
Eu respondi e liguei algumas vezes, mas Nana D não explicou sua última frase. Eu pensei que a veria em breve na mansão Paddington para o brunch de agradecimento que eles estavam fazendo em minha honra. Tomei um banho, me vesti, e segui para a mansão com medo de qualquer desastre que pudesse estar me esperando. Bertha me recebeu e me levou ao Grande Hall.
– A minha avó está aqui também? – eu perguntei.
Bertha sacudiu a cabeça.
– Não, Kellan. Eustacia e a Seraphina tiveram um pequeno desentendimento na última noite. Ela não vai participar do brunch hoje.
Eu suspeitava que isso tinha a ver com o fato da Eustacia ter se voltado para o Lindsey no teatro.
– Você é capaz de me contar o que causou esse pequeno desentendimento?
– Bem, eu não tenho certeza exatamente de como começou dessa vez. Elas estavam bem ontem quando Seraphina veio para o jantar. Até o Vereador Stanton aparecer. As coisas ficaram um pouco feias. – Bertha disse, enquanto enterrava o rosto entre as mãos. – Eu levei três horas para limpar as manchas no papel de parede da sala de jantar na noite passada.
– Hmm... você está me dizendo que houve uma guerra de comida? – eu imaginei a Nana D jogando um punhado de aspargos ou brócolis no vereador. Ela não sabia quando parar e iria acabar na cadeia novamente se não aprendesse a controlar seu desgosto por aquele homem.
– Se fosse assim tão simples. Tudo começou calmo, mas então Lindsey disse que ele concordava com um dos novos planos políticos do Vereador Stanton. Ele estava fazendo uma doação para a campanha, parece. Seraphina não ficou muito feliz com isso.
– Eu não a culpo. Pensei que o Clube Septuagenário estava apoiando a minha avó! O que pode ter dado errado para causar tal mudança?
– Foi então que a Seraphina pegou a tigela inteira de molho e almôndegas que eu havia colocado na mesa. O jantar era no estilo buffet, já que nós não estávamos esperando companhia, mas então todo mundo apareceu. Seraphina é mais forte do que parece! – Bertha limpou as mãos no avental.
– O que aconteceu exatamente? – eu perguntei, alarmado sobre como a noite havia acabado.
– Eu não tenho certeza de como lhe contar isso, Kellan. A Seraphina começou a correr pela sala jogando almôndegas em todo mundo como se fosse uma zona de guerra. Uma por uma, ela as tirou do molho e as jogou como se fossem balões de água. Quando não tinha mais almondêgas, ela jogou a tigela inteira de molho na cabeça de alguém.
– Na cabeça do Lindsey? Ou do vereador? De qualquer forma, isso é terrível!
– Não, Kellan. Na cabeça da Eustacia. Seraphina disse a ela que isso era um retorno por ela ter convidado o diabo para a pequena festa dela, e por ser uma megera cruel por tentar roubar o Lindsey novamente. Eu não sei sobre o que ela estava falando, mas a sua avó era uma mulher possuída. – Bertha e eu chegamos ao Grande Hall. Ela parou antes que eu fosse na direção do chafariz e da lagoa. Eu não podia evitar de pensar sobre a planta carnívora e sua necessida de comer carne.
– Acho que a Eustacia não ficou muito feliz com a minha avó, certo? – eu disse, sentindo a necessidade de segurar o meu riso. O diabo era provavelmente o Marcus Stanton, o que fazia sentido, mas chamar a Eustacia de megera na frente de todo mundo não era uma coisa muito produtiva ou gentil de se fazer.
– Não. Aparentemente, Eustacia havia armado a coisa toda como um truque para convencer o vereador que ele tinha o apoio dos Paddingtons, e depois eles iriam retirar o apoio no próximo debate. Só que a Eustacia esqueceu de avisar previamente para a Seraphina. – Bertha disse antes de caminhar em direção à cozinha. – Mulheres tolas!
E agora Nana D havia recomeçado a sua rivalidade contra a Eustacia. Isso seria um problema e tanto para eu resolver.
– Porque você faz isso comigo? – eu disse em voz alta, olhando através do domo de vidro para o céu. Eu não esperava que alguém respondesse, mas quando ouvi uma voz, me assustei.
– Você é o único que pode controlá-la, Kellan. – Millard estava no Grande Hall alguns metros distante, e havia ouvido a conversa inteira. – Não temos muito tempo restante. Nós precisamos fazer a Seraphina e a Eustacia conversarem novamente se temos alguma chance de vencer a eleição.
– Eu creio que você esteja certo, Sr. Paddington. Vou conversar com a Nana D hoje de tarde. Você convence a Eustacia a dar a ela uma nova chance. Nós vamos reuni-las amanhã para ajustar tudo. – eu disse, apertando a mão dele.
– Eu fico feliz por te ver hoje. Queria lhe agradecer por ajudar a minha família. Eu acho que nós vamos passar por um tempo difícil no futuro, mas no fim, é a melhor coisa que nos aconteceu em anos. Com o Richard fora das nossas vidas, e o Timothy finalmente conseguindo ajuda, essa família pode ter a chance de reclamar o poder e respeito que já tivemos um dia. – Millard e eu nos sentamos perto de algumas árvores frutíferas à direita dele. O aroma de limãos era forte, mas ainda assim reconfortante de uma maneira que eu precisava desesperadamente.
– O que vai acontecer com as Empresas Paddington agora? – eu perguntei.
– Eu vou assumir e ajudar por alguns meses. Só até que o Timothy termine a sua recuperação na Reflexões da Segunda Chance. Assim que ele voltar, nós vamos conversar sobre colocar o filho e as filhas da Ophelia envolvidos nos negócios da família. Eles ainda são jovens, mas acho que posso mantê-los focados. – Millard coçou seu bigode quando terminou de falar.
– Isso parece um bom plano. E quanto ao Brad? Como ele se encaixa nisso tudo? Ele não é um Paddington, mas está ligado a essa família agora. – eu perguntei, me sentindo mal pelo enfermeiro. Ele finalmente descobriu quem é o seu pai apenas para saber que o homem havia assassinado alguém para evitar que essa notícia se espalhasse.
– O Brad vai ficar para ajudar a Eustacia. Ela vai vender a casa na Willow Trees e cuidar da mansão Paddington por um tempo. Pelo menos até decidir se a Ophelia ou Jennifer vão ser capazes de cuidar da família.
– Por falar na Ophelia, eu tenho uma pergunta sobre algo que vi no outro dia. Você entregou a ela um envelope que parecia ser de um banco. – eu me senti estranho perguntando ao Millard sobre um assunto particular, mas não perguntar sobre isso iria me incomodar para sempre.
– Sim, aquilo... eu acredito que a carta final da Gwennie vai explicar tudo. Eustacia a encontrou na noite passada, depois que todos foram embora. Estava dentro da bengala dela, foi isso que ela quis dizer com a Eustacia precisando daquilo para viver todos os dias. Quando ela deixou a bengala cair na noite passada, a parte inferior se soltou e revelou a carta. Minha cunhada sempre soube como motivar o resto dessa família. Eu acho que a Gwennie perdeu a confiança em si mesma depois que Charles morreu, mas isso nos mostra que ela nos alinhou novamente. Por mais que seja doloroso, a morte da Gwennie serviu a um propósito. – Millard comentou enquanto me entregava a carta que ela havia mencionado no testamento.
Para minha família...
Desde que eu perdi o Charles, minha vida não tem sido a mesma. A morte dele me impactou de maneiras que eu nunca esperei. Nós fizemos o melhor que pudemos para criar nossos três filhos e dar um exemplo para nossos netos. Em alguns níveis, nós tivemos sucesso. De outros, não tivemos. Eu não tenho certeza de quanto tempo ainda me resta nesse planeta, mas se alguma coisa acontecer comigo antes que eu tenha a chance de consertar as coisas, eu deixo para trás esses pensamentos finais.
Millard, você tem sido um cunhado maravilhoso para mim e tio para meus filhos. Você tem um coração mole para as minhas meninas desde que elas eram adolescentes rebeldes e esperava ensiná-las como serem melhores pessoas. Enquanto eu não gostei de ter descoberto que você tem dado dinheiro para a Ophelia, para que ela pudesse cuidar de si e daquele marido tolo, eu sei que isso foi feito com boas intenções. Isso precisa parar até que ela aprenda a ajudar a si mesma. Eu também preciso consertar o erro do seu pai quando ele te retirou do testamento. Eu deixei uma porção do patrimônio para você administrar em nome das minhas filhas e para usar como você preferir. Quando elas crescerem e pararem de imaturidade, você pode compartilhar um pouco da herança com elas. Faça algo legal para você também. Obrigada por sempre cuidar de nós.
Timothy, estou feliz que você tenha decidido procurar ajuda. Você estragou as coisas no passado, mas de todos os meus filhos, você é aquele que finalmente está fazendo algo para melhorar. Eu estou animada que você tenha se internado na clínica de reabilitação e mal posso esperar para ver seu progresso. Foi um erro te retirar do testamento anos atrás, então você está de volta. Cuide de suas irmãs. Encontre para si mesmo uma esposa e talvez tenha filhos. Você não está ficando mais jovem, mas acho que esse é apenas o começo da sua nova vida.
Jennifer, eu verdadeiramente sinto muito que nós tenhamos brigado tanto no passado, mas você precisa parar de me culpar pelos seus erros. Eu vou sempre me arrepender de ter te dado um tapa naquele dia nas escadas, especialmente porque isso levou à sua queda e à perda de seu precioso bebê. Agora é hora de organizar a sua vida. Se você quer ser uma pessoa melhor, consiga um emprego e pare de ir atrás de homens que não são bons. Encontre alguém que a mereça. Assim que você tiver provado para o Millard que pode parar de ser aquela menininha chorona, ele vai compartilhar a herança, então você pode ter outra chance de se tornar uma mãe através daquela ridícula clínica de fertilização. Não faz nenhum sentido você não poder fazer isso da maneira tradicional, mas boa sorte para você.
Ophelia, o seu marido é um idiota. Alguém está roubando dinheiro das nossas contas, e enquanto eu não sei se é você ou ele, isso precisa parar. Eu ordenei um teste de DNA para provar que ele te traiu anos atrás. Os resultados vão ser enviados para o cavalheiro que eu acredito que seja filho dele, mas para o caso de alguma coisa acontecer comigo, eu queria que você soubesse o que ele fez no passado. Você precisa crescer e dar um melhor exemplo para seus filhos. Eu estou lhe ensinando uma lição agora, e é melhor você prestar atenção. Deixe o Richard. Seja uma mãe melhor. Trabalhe na empresa da família. Millard vai conseguir uma posição para você, para que você recomece sua vida, e talvez ele lhe dê um pouco da minha herança. Eu acredito em você.
Lilly e Dana, não há muito para se dizer agora. Vocês duas são rancorosas e mimadas. Assim como eu era na idade de vocês. Cresçam. Parem de esperar que um homem as faça felizes. Se tornem algo e talvez suas vidas resultem em algo melhor. Se o negócio da Lilly tem tanto potencial, prove isso para o Millard. Trabalhem juntos nisso, e ele vai lhe guiar por todos os passos necessários.
Sam, de todos na família, você sempre foi o mais precioso para mim. Nunca se passou um dia sem que você tenha se sentado comigo no hospital ou na mansão durante a minha recuperação. Você é o futuro dessa família. Você precisa fazer as suas irmãs verem a realidade. Precisa descobrir uma maneira de amar mais sua mãe, mesmo que ela tenha sido difícil com você. Eu sei que você está tendo dificuldades com uma grande decisão, e eu sinto muito que nós tenhamos brigado sobre isso antes que eu morresse. Essa família não é exatamente mente-aberta, mas com o tempo, eles vão ficar bem com o que você tem para contar. E baseado no que você vai eventualmente contar para eles, suspeito que as coisas vão ficar muito mais complicadas. Eu estou deixando para você parte do meu patrimônio porque acredito que você vai ser o guia para essa família voltar à grandeza. Não me desaponte, ou eu vou te persguir do além.
Eustacia, você tem sido a minha melhor amiga na família durante a maior parte das nossas vidas. É seu trabalho colocar todos de volta nos trilhos. É por isso que eu deixei essa carta na sua amada bengala. A sua seiva. Todos deveriam ter o direito de morar na mansão da família, e eu quero que você cuide do lugar. Você decide o que vai acontecer com ela no devido tempo. Talvez alguém da família se ofereça e mostre que é capaz.
A Gwendolyn provavelmente sabia que estava ficando mais doente, ou então acreditava verdadeiramente que alguém estava tentando matá-la. Ela morreu sem a confirmação de que o Richard era o pai do Brad, o que significava que provavelmente nunca soube que era o Richard quem tentava matá-la. Depois que eu entreguei a carta de volta para o Millard e nós nos despedimos, Brad entrou no Grande Hall. Nós nos cumprimentamos rapidamente, então ele me agradeceu por ajudá-lo a encontrar o pai. Eustacia o havia chamado depois da prisão no teatro para revelar o segredo.
– Você tem sido um bom amigo. Eu vou precisar disso se decidir ficar pela cidade e viver com o conhecimento de que Richard Taft é meu pai.
– Você tem duas meia-irmãs e um meio-irmão para conhecer. Eu acho que você pode ser uma boa influência para eles. Pelo menos para Lilly e Dana. Elas foram deixadas às suas próprias vontades por tempo demais. Sam é um bom garoto. Eu só não consegui entendê-lo. – eu disse, esperando que Brad colocasse seu irmão mais novo debaixo de suas asas.
– O Sam é um cara legal. Ele me contou essa manhã que encontrou alguém e que havia anteriormente contado tudo para a Gwendolyn. Ela estava aceitando as escolhas de vida dele, o que era uma boa coisa de se ver. Nem todas as famílias dão apoio quando alguém sai do armário. – Brad seria um bom exemplo para seus irmãos mais novos com aquela atitude. – Eu vou na clínica de DNA amanhã. Eles vão ter o resultado do segundo teste, mas parece que já sei a resposta. Huh, Richard Taft, um assassino!
– Eu sinto muito que as coisas acabaram ficando assim. Lhe desejo sorte para conseguir a sua licença de enfermeiro. Se eu puder ajudar, a minha falecida esposa era uma enfermeira. Eu sei um pouco sobre o que é necessário para completar seu curso. – eu expliquei antes de me despedir. Brad e eu fizemos planos para tomarmos alguns drinks na semana seguinte e discutirmos tudo. Eu precisava fazer novos amigos, e agora que ele não era suspeito de nada, ele seria um ótimo cara para conversar.
Já que o brunch havia sido cancelado por causa da briga da última noite e da festa de almôndegas, eu segui para o meu restaurante preferido. Parei no estacionamento da Lanchonete Pick-Me-Up ao mesmo tempo que a Maggie. Nós entramos juntos, fazendo o nosso melhor para evitarmos a conversa que havíamos tido no dia anterior.
– Então, nós somos amigos, certo? – ela disse com um grande sorriso.
– Eu acho que sim. Estou pronto para me reconectar com você e fazer coisas que os amigos fazem. – eu disse.
– Amigos podem abraçar um ao outro, certo? – Maggie disse.
– Certamente que podem. – eu respondi e me aproximei dela. Quando nós nos abraçamos, eu soube que sempre haveria algo entre nós, mas também sabia que não era hora de explorar isso novamente. – Vamos entrar e ver como a nova lanchonete está se saindo desde a abertura na semana passada.
Maggie foi falar com o chef enquanto eu procurava a Eleanor.
– Hey, mana, conte-me sobre o seu dia. Eu acho que é hora de nós pararmos de conversar sobre mim e começarmos a falar sobre você.
– Uau! Eu levo uma vida bem chata. Não tenho uma esposa que voltou dos mortos, assassinos tentando fugir de mim, ou campanhas eleitorais explodindo no meu rosto. Eu diria que é você quem tem coisas para contar. – Eleanor provocou com um bocado de sarcasmo e uma fatia de torta de maçã.
– Sério? Você não acha que visitar uma clínica de fertilidade é algo para se contar? Isso pode não ser da minha conta, mas eu tenho contado tudo sobre a minha vida para você. Então, pode falar. O que está acontecendo? – eu disse, empurrando ela para o escritório e fechando a porta.
– Você não pode contar para ninguém! – ela disse, mal sendo capaz de conter a animação. – Eu decidi ter um bebê. Sei que essa é uma ideia louca, mas eu quero ter um filho. E não estou ficando mais jovem. Eu tenho apenas trinta, mas essa parece ser a hora certa. Eu poderia esperar até que encontrasse o cara certo e fazer tudo da maneira tradicional, mas as estrelas tem me apontado para essa direção há meses. Eu finalmente resolvi ouvi-las.
– E o que exatamente elas disseram? – eu não tinha certeza de como eu me sentia sobre a decisão dela, mas ela era a minha irmã e eu a apoiaria em tudo o que precisasse.
– Elas disseram que eu deveria parar de esperar para as coisas acontecerem e ir atrás do que eu quero. Vou fazer isso. Eu apenas tenho que descobrir quem vai ser o pai! – Eleanor jogou as mãos para o ar e fez a versão dela da dança feliz que parecia mais como uma macarena bêbada. – O que você acha?
Eu queria contar a ela que ela estava fazendo coisas demais de uma vez só ao assumir a posse da lanchonete, indo atrás do Connor, e tentando se tornar uma mãe solteira. Mas se eu pude fazer isso, então ela também poderia, eu acabei decidindo.
– Acho que é fantástico. Eu não quero saber de nenhum detalhe de como você conseguiu ficar grávida.
– Você realmente precisa crescer. Eu já não te disse isso recentemente? A Nana D está certa, você pode ser um bebê gigante algumas vezes. – Eleanor me provocou, então pediu que eu fosse com ela à clínica na semana seguinte para discutir as opções. Ela precisava escolher um doador de esperma e queria a minha opinião. As coisas que eu fazia pela minha família estavam ficando muito estranhas.
Enquanto eu andava pelo estacionamento, tirei tudo da minha cabeça, exceto chegar em casa e passar a tarde com meus pais e a Emma assim que eles chegassem. Eu caminhei até a última fileira e estava prestes a destrancar minha SUV quando eu percebi o Sam conversando com alguém perto da calçada.
No começo, eu olhei ao redor sem querer me intrometer e sabendo o quão desconfortável ele ficava perto de mim. Eu não tinha ideia do porquê eu o deixava tão nervoso, mas se ele não queria falar comigo, eu não tinha escolha a não ser respeitar os seus desejos. Então tive que entrar no espaço entre a SUV e o outro carro do lado, para que eu pudesse sair. Enquanto me virava, eu fiquei perto o suficiente para ver o Sam se aproximar e beijar a pessoa com quem ele estava conversando. Era o tipo de beijo que você vê apenas em filmes quando duas pessoas que se amam finalmente cedem às suas paixões e não se importam sobre o que o mundo possa falar sobre isso.
Já que eu era tâo enxerido quanto a Nana D, eu posso ter olhado por mais tempo do que deveria, já que eu esperava conseguir ver quem era o cara com quem ele estava se beijando na calçada. Se não era o Arthur ou Brad, eu não tinha ideia. Quando Sam se afastou, eu tive o choque da minha vida. Sam Taft estava beijando alguém que eu conhecia, meu irmão. Não apenas o Gabriel estava de volta à Braxton e não havia contado a nenhum de nós, ele parecia estar guardando outro grande segredo. Eu fiquei paralizado lá por alguns segundos. Será que eu deveria interrompê-los? Deveria me esconder, então eles não me veriam? Talvez fosse por isso que o Sam ficava tão nervoso quando perto de mim. Ele sabia que eu era o irmão do Gabriel. Antes que eu pudesse decidir o que fazer, meu celular tocou.
Eu sabia que eles tinham ouvido ele tocar, então fiquei de joelhos e me escondi ao lado da SUV. Eu olhei a tela do celular apenas para soltar um xingamento quando vi que era a Cecilia Castigliano. Eu apertei o botão para aceitar e sussurrei.
– Oi. Não posso falar agora. Eu te ligo em alguns minutos. Eu acho que a Francesca lhe contou a decisão que eu tomei.
– Não, Kellan. Ela não me contou coisa alguma porque ela nunca entrou naquele avião de volta para casa. Francesca está desaparecida, e eu culpo você inteiramente por isso. O que você fez com a minha filha?
James J. Cudney
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