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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CORAÇÕES AMORDAÇADOS / Yvonne Whittal
CORAÇÕES AMORDAÇADOS / Yvonne Whittal

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

“O amor é uma emoção fabricada, para o qual não tenho o menor tempo em minha vida” dissera Daniel Grant. E Joanne, sua esposa, não podia fazer nada, a não ser aceitar este fato. Afinal, era um casamento por conveniência, que ambos tinham aceitado – ela, para conseguir um meio de custear os estudos do irmão na Universidade; ele, para satisfazer o desejo da mãe, já que a Sra. Grant tinha seus dias contados. Portanto, Joanne não podia mesmo esperar nada do marido. Mas era incapaz de impedir a paixão que crescia dentro dela. Será que algum dia Daniel ainda veria as coisas diferentes? Será que conseguiria, um dia, transformar aquela união num casamento de verdade?

 

 

 


Capítulo I


Joanne Webster fitava o advogado de seu tio Steven, recentemente falecido. Sentado do outro lado da grande mesa, ele parecia compreender porque ela hesitava em prosseguir falando, e olhava para ela com simpatia. O silêncio embaraçoso só era quebrado pelo ruído contínuo do ar-condicionado.
– Você veio até aqui para tomar conhecimento da vontade de seu tio, expressa no testamento, não é, Srta. Webster? – perguntou gentilmente. Os olhos azuis de Joanne, semi-escondidos pelos longos cabelos dourados que caíam sobre os ombros, tinham uma expressão de surpresa e ansiedade.
– Bem, Sr. Davidson, acho que devo explicar algumas coisas... – A voz doce e suave de Joanne sempre tinha o poder de prender a atenção de quem a escutava, e o Sr. Davidson não foi exceção quando recostou-se na grande cadeira para ouvi-la. – Meu irmão e eu ficamos praticamente sem nada quando nossos pais morreram, há cinco anos. Eu tinha iniciado meu treinamento em enfermagem e Bruce ainda estava se preparando para a Universidade. Tio Steven, condoído pela nossa situação, resolveu custear os estudos de meu irmão, sabendo o quanto Bruce desejava se tornar um engenheiro, como o tio. Assim, resolveu arcar com todas as despesas para que Bruce pudesse freqüentar a universidade. Sempre consideramos isso um empréstimo, a ser pago quando meu irmão se formasse. Mas, ele ainda tem muito tempo pela frente antes que possa ganhar o próprio dinheiro.
– E agora que o Sr. Webster faleceu, você deseja saber se sua tia continuará fornecendo o empréstimo, certo?
– Sim, é isso. – Joanne concordou com a cabeça, a expressão embaraçada. – Tudo sempre foi combinado verbalmente e gostaria de saber se meu tio deixou alguma coisa especificada em seu testamento.
– Na verdade – ele começou a dizer depois de limpar o pigarro da garganta –, se você não tivesse vindo até aqui por conta própria, logo receberia uma carta convidando-a. Mas receio que as notícias não sejam das melhores...
– O senhor quer dizer que meu tio nada mencionou a respeito do empréstimo no testamento? – Ela já se preparava para o pior.
– Infelizmente, ele nada mencionou. E a esposa de seu tio, a Sra. Irene Webster, me instruiu para lhe comunicar que não pretende continuar sustentando seu irmão.
Já era de se esperar, Joanne pensou com tristeza. Irene, que não possuía filhos, sempre tinha deixado claro que não gostava nem um pouco da ajuda financeira que o marido dava ao sobrinho.
– O senhor percebe o que isso significa para nós? – Joanne tentou controlar o tremor da voz. – Significa que meu irmão terá que interromper os estudos, a menos que eu descubra uma maneira de conseguir o dinheiro, Tenho uma certa quantia guardada, que economizei nos últimos anos e com a qual pensava em ajudá-lo a pagar nosso tio quando Bruce se formasse. Mas, de qualquer maneira, será suficiente no máximo para uns seis meses, e Bruce ainda tem vários anos pela frente!
– Talvez se você discutisse isso com sua tia... – Ele começou a dizer com um olhar simpático, sinceramente comovido peia situação de Joanne.
– Não, nunca! – ela interrompeu. – Bruce e eu nunca pedimos ao tio Steven que nos ajudasse, ele fez isso porque queria, por vontade própria! E, com relação a tia Irene, não tenho a menor intenção de me ajoelhar a seus pés e implorar-lhe ajuda. Para ela, nós sempre fomos os parentes pobres, que nunca deviam ter passado da porta da cozinha!
– E não há mais ninguém que possa lhe emprestar o dinheiro? – Nós não temos mais ninguém, Sr. Davidson, e nenhum banco nos daria um empréstimo sem as garantias de um avalista.
– Eu compreendo o que tudo isso significa para você, Srta. Webster – ele disse depois de um longo silêncio – e, se pudesse ajudá-la de alguma forma, teria imenso prazer. Mas infelizmente não há nada que eu possa fazer. Se o Sr. Webster houvesse deixado alguma referência no testamento, então o empréstimo continuaria vigorando e ninguém poderia tirá-lo de vocês.
– Bem, então... obrigada por me receber, Sr. Davidson. – Joanne levantou-se. – Desculpe ter tomado tanto seu tempo.
– Ora, foi um prazer! – ele respondeu, enquanto apertava a mão que Joanne estendia em cumprimento.
Depois do escritório refrigerado do Sr. Davidson, foi com prazer que Joanne sentiu o sol na face rosada, ainda um pouco pálida. Seguiu caminhando pela calçada naquela gostosa tarde de janeiro que se estendia sobre Cape Town. Bruce a esperava numa casa de chá não muito distante dali.
O que é que vou dizer a ele, pensava enquanto esperava o sinal para atravessar a grande e movimentada avenida. Como contar que todos os seus planos para o futuro foram por água abaixo?
Ela era uma mulher atraente e foi alvo de olhares e comentários elogiosos ao atravessar a avenida. Quando chegou ao outro lado, diminuiu o passo, pois a casa de chá ficava há apenas um quarteirão de distância e ainda precisava de tempo para pensar. Deve haver alguma maneira de conseguir esse dinheiro, continuou pensando; apesar de no momento nenhuma idéia lhe ocorrer, por mais que se esforçasse.
Joanne respirou fundo e levantou a cabeça. Era inútil lutar contra alguma coisa que não podia mudar, decidiu.
Bruce, magro e alto, levantou-se e fitou-a, com ansiedade, assim que Joanne entrou na acolhedora casa de chá. Joanne sofria muito com tudo aquilo, pois Bruce era tudo que ela tinha e por nada no mundo gostaria de desapontá-lo.
– E então, qual foi o veredicto? – ele foi logo perguntando, quando a irmã se aproximou. – Pelo seu rosto, acho que não foi muito bom, não é?
– Foi pior do que eu esperava, Bruce. Tio Steven não fez nenhuma referência ao empréstimo; no testamento, e tia Irene disse que não continuará com a ajuda.
Bruce a fitou em silêncio. Um ar de profundo desapontamento tomou conta de seu rosto. Mas logo recuperou a expressão decidida de sempre.
– Então, só há uma coisa a fazei! Vou desistir desse emprego provisório que tinha arrumado para as férias e arrumar um emprego permanente, de período integral. Quando as aulas começarem, farei somente o mínimo de matérias permitido, e assim poderei estudar à noite!
– Não! – Joanne abaixou a voz instintivamente quando percebeu que vários olhares se viraram em sua direção. – Não deixarei você fazer isso, pelo menos por enquanto.
– Joanne, não há mais nada que eu possa fazer. Você não tem o dinheiro, não é mesmo?
– Tenho um pouco, guardado, mas não é o suficiente – ela admitiu com tristeza.
– Então, já está resolvido!
– Bruce, não é possível resolver as coisas assim! Dê-me um pouco de tempo e talvez eu consiga uma outra solução, está bem?
– Eu conheço você... – ele falava com um sorriso meio relutante. – Sei que é capaz de virar o mundo de cabeça para baixo por minha causa. Mas, por favor, não faça nenhuma tolice, está certo, Joanne?
– Está certo, Bruce. – Agora ela também sorria, fitando o irmão com olhos calorosos e suaves. – Ainda temos um mês antes do início das aulas e acho que durante esse tempo poderemos pensar em alguma coisa!
Parecia haver esperança no coração de Joanne mas, no fundo, ela sabia que seria quase impossível evitar a derrota. Sim, Bruce poderia arranjar um emprego fixo, trabalhar o dia inteiro e estudar à noite.
Não seria obrigado a desistir do apartamento onde morava com um colega da faculdade. Mas, em pouco tempo descobriria que era impossível trabalhar durante o dia e ainda fazer uma faculdade como a que havia escolhido, que exigia grande dedicação do aluno. E, em pouco tempo, seria obrigado a abandonar o sonho de se tornar um engenheiro. Para o resto da vida seria um frustrado, como fora seu pai. Não, Joanne não permitiria que a história se repetisse, não com Bruce!
Quando se despediram, Joanne pegou um ônibus para o pequeno apartamento onde morava, perto do hospital em que trabalhava como instrumentadora, auxiliando os cirurgiões durante as operações. A viagem foi rápida e logo depois enfiava a chave na fechadura de casa.
Um sentimento de desolação apossou-se dela quando fechou a porta, com um profundo suspiro. O apartamento era simples, com pouca e antiga mobília. Joanne economizava o mais que podia, para ajudar no pagamento do empréstimo de Bruce. Agora, tio Steven estava morto, o dinheiro ainda tinha que ser pago e, pior que isso, seria necessário arrumar uma quantia muito maior para que Bruce continuasse estudando.
Impossível!, pensou com tristeza, o rosto escondido entre as mãos. Por mais que procurasse uma solução não conseguia encontrá-la.
– Oh, Deus... – ela suspirou, afastando-se da porta. Tirou o sapato e pendurou cuidadosamente o casaco no guarda-roupa. Em seguida, dirigiu-se à cozinha, onde colocou o bule com água para ferver. Sabe-se lá o que vou fazer, pensou, mas tem que ser rápido!

Uma semana depois ela ainda não sabia o que fazer ou como agir, e esse estado de ânimo já estava afetando, seriamente seu trabalho.
Naquela manhã, por duas vezes tinha entregue o instrumento errado para o Dr. Grant, que realizava uma delicada operação no rosto de um homem. Os olhos azuis do médico, sobre a máscara branca, haviam ficado surpresos, quando ela se enganou pela primeira vez. Mas, na segunda, a expressão era de extrema irritação. Ela murmurou qualquer coisa, à guisa de desculpa, e tentou se concentrar no que estava fazendo. Mas o erro já havia sido cometido e o Dr. Grant poderia pedir que a substituíssem, com toda razão.
Nada disso aconteceu, entretanto, e quando o dia finalmente terminou Joanne estava exausta, desejando voltar logo para casa e tomar uma ducha quente antes de ir para a cama. Enquanto esperava no ponto de ônibus, um carro grande e possante aproximou-se e seu ocupante dirigiu-se à ela.
– Vamos, suba!
A porta estava aberta e Joanne seguiu aquela ordem como se ainda estivesse na sala de operações. Quando sentou-se ao lado do Dr. Grant, o carro pôs-se em marcha novamente.
– Dr. Grant, peço-lhe que me desculpe pelo que aconteceu...
– Depois conversamos! – ele a interrompeu. Joanne encolheu-se instintivamente pela inflexão daquela voz.
Sim, ela devia ter imaginado que o Dr. Grant não era o tipo de homem que levaria um problema como aquele até a enfermeira-chefe, para que ela o resolvesse. Certamente o faria ele mesmo, da sua própria maneira. Naquele momento, porém, não tinha certeza do que preferia, se a língua cortante da enfermeira-chefe ou a ira do médico.
Olhou-o com o canto dos olhos mas era impossível saber o que estava pensando. Joanne admirava sua grande habilidade como cirurgião plástico, e depois de trabalhar a seu lado por dois anos já tinha se acostumado com o jeito rude e com as atitudes duras que tomava quando alguma coisa não saía a contento.
Alto e esguio, apesar de forte, ele tinha os cabelos escuros e olhos de um verde profundo. Era adorado por todas as enfermeiras do hospital, mas não parecia notar isso. Mesmo Joanne, que raras vezes o tinha encontrado fora da sala de operações, já se sentira atraída por ele. Mas era um sentimento que, nas poucas vezes em que aflorou, fora reprimido até desaparecer. E agora, sem sabe,r porque, estava ali, sentada ao lado dele, os dois em silêncio e o carro se dirigindo para algum lugar que ela desconhecia.
É ridículo, pensou. Ele podia muito bem tê-la chamado em sua sala, não era necessário tudo aquilo para que pudesse lhe dizer o que tinha em mente.
Logo a marcha do carro diminuiu e estacionaram num café, numa rua calma. Alguns segundos depois já entravam rapidamente no bar, como se ele tivesse pressa para resolver logo aquele desagradável problema.
– Bem, então vamos lá! – ele finalmente disse, sem mais preâmbulos, assim que o café foi servido. – O que a tem deixado tão preocupada?
Não era propriamente uma pergunta, soava mais como censura. Era uma atitude típica de um homem como o Dr. Grant.
– Por que o senhor acha que há algo me preocupando?
– Ora, Srta. Webster... Joanne. – Ele a fitou com aqueles olhos inacreditavelmente verdes. – Posso chamá-la de Joanne?
Pega de surpresa ao ouvir aquilo, tudo que pode fazer foi concordar com a cabeça, Seu nome parecia estranho vindo daqueles lábios. Ele continuou:
– Deve haver alguma coisa errada, Joanne. Quando uma enfermeira tão boa e eficiente como você comete erros dignos da mais ingênua das principiantes! É melhor me dizer logo o que está acontecendo, para que possamos discutir o problema, ou serei obrigado a pedir que a substituam!
– O senhor tem todo direito de fazer isso, Dr. Grant, se achar conveniente! – Em seu olhar não poderia passar desapercebido o orgulho que acompanhava aquelas palavras.
– Ora, Joanne! – ele disse com impaciência. – Você sabe muita bem como seria difícil arrumar uma substituta para você.
Um cumprimenta daqueles, vindo da parte do Dr. Grant, era algo muita raro; que talvez nunca houvesse ocorrido com outra pessoa. Joanne sentiu-se lisonjeada, mas sabia que não poderia contar a ele a razão de suas preocupações.
– É um problema particular, Dr. Grant.
– Não, não é mais um problema particular, porque está interferindo em seu trabalho, e no meu também. Portanto, Srta. Joanne Webster, é bom dizer logo do que se trata.
Joanne fitou par alguns instantes aquele rosto bonito e másculo, as feições finas e duras que agora tinham um ar de inquisição, de curiosidade.
Talvez, pensava com cansaço. fosse melhor dizer-lhe o que estava acontecendo, ainda que ele nada possa fazer. Conversar com alguém talvez lhe fizesse bem e trouxesse algum alívio.
– Não sei direita por onde começar – disse com hesitação, abaixando os olhos para não ter de fitá-lo de frente.
– Bem, comece pelo começo que é o mais simples a fazer!
Um sorriso embaraçado surgiu nos lábios de Joanne e ela fez como ele pedia. Contou-lhe tudo o que tinha acontecido.. assim como fizera para Samuel Davidson e terminou dizendo que, definitivamente, o empréstimo estava suspenso por sua tia.
– Mas você já conversou com ela a esse respeito?
– Não, não conversei e nem pretendo conversar. Tia Irene é uma pessoa muita convencida e minha família nunca foi realmente bem vinda em sua casa, porque meu pai era um simples caixa de banco. Nem sei como permitiu que meu irmão vivesse algum tempo com eles quando ainda estava no colegial.
– Talvez, se eu fosse conversar com ela, quem sabe sua tia poderia mudar de idéia.
– Não, sei que seria inútil. Além do mais, não tinha a mínima intenção de envolvê-lo em nada!
– Acho que não deveria deixar que seu orgulho interferisse no futuro de seu irmão, Joanne.
– Tem razão.. – Era impossível negar. As palavras do. Dr. Grant tiveram o efeito. de uma bofetada em seu rosto. Joanne prosseguiu: – Sim, você tem razão, é por orgulho que digo isso.. Mas por outro lado.. sei que não teria força suficiente para ouvir uma resposta negativa, depois de ter me rebaixada tanto.
– Eu compreendo. Está bem, irei falar com ela, Joanne não acreditou que estivesse realmente ouvindo aquilo. Não podia ser sério! Podia compreender que ele estivesse interessado em ajudá-la na medida em que isso tinha afetado seu trabalho.. Mas envolver-se diretamente em seus problemas pessoais, que não o afetavam e só lhe trariam preocupações também, era algo difícil de compreender...
Depois de terminarem o café, a Dr. Grant levou-a para casa. A viagem mais uma vez transcorreu em silêncio.
Tinha sido gentil da parte dele se interessar por seus problemas, Joanne pensou, mas era tolice achar que podia ajudá-la de alguma forma. Talvez por ter percebido isso, ele se conservava quieto.
– Dê-me o endereço de sua tia – ele disse, assim que Joanne indicou o pequeno prédio em que morava. Era a primeira vez que se dirigia a ela depois de saírem do. bar.
– Dr. Grant, não é possível que esteja falando sério!
– Srta. Webster, não me proponho a fazer coisas para depois desistir. Agora, dê-me o endereço e pare de discutir.
Joanne, sem saber direito como agir, escreveu o endereço no pequeno pedaço de papel que ele lhe oferecia.
– Bem, o Sr. pode me telefonar para dizer o que ela falou?
– Melhor que isso... Virei até aqui para lhe dizer pessoalmente. Portanto, é bom que prepare alguns sanduíches pois estou morrendo de fome!
Joanne fitou o possante carro esporte se afastando, entre atônita e incrédula. Que homem estranho era aquele que se envolvia tão diretamente em problemas que não lhe diziam respeito, e ainda a mandava preparar sanduíches como se estivessem no hospital. onde, lá sim, teria o direito de fazer aquilo!
Foi só quando subiu e entrou em casa que percebeu o que tudo aquilo significava. De repente, sem que ela soubesse direito como, ou por quê, aquele homem, um cirurgião bem-sucedido e rico, estaria em seu modesto apartamento. Sentia-se envergonhada por recebê-lo em sua humilde casa, pobremente decorada. E, no entanto, ele sentaria e ainda comeria sanduíches!
– Oh, Deus! – murmurou, enquanto tirava o casaco. – Acho que vou morrer de vergonha de recebê-lo aqui!
Encaminhou-se ao banheiro para lavar o rosto e escovar os cabelos dourados. Em seguida, tirou o uniforme de trabalho e substituiu-o por um vestido bem leve, já que a tarde estava quente. Ele logo estaria de volta. Era só o tempo de descobrir que falar com tia Irene seria um trabalho inútil! O melhor era preparar os sanduíches, caso contrário ele não iria gostar nem um pouco!
Menos de uma hora depois soava a campainha da porta. O Dr. Grant entrou sem cerimônia e, depois de dar uma rápida olhada na sala, à guisa talvez de reconhecer o ambiente, sentou-se na cadeira mais confortável.
– Então, qual foi o veredicto, afinal? – Joanne perguntou, quebrando o silêncio constrangedor.
– Recuso-me a falar com o estômago vazio! – ele disse com um sorriso.
Com um suspiro de resignação, Joanne foi para a cozinha, onde o bule fervia com água. Depois de coar o café, colocou-o na bandeja junto com os sanduíches de presunto e tomate que havia preparado e foi para a sala.
– Você não vai comer também? – ele perguntou depois de servir-se de um sanduíche e constatar que Joanne só se servia de café.
– Não estou com fome.
– Ora, deixe de bobagem! Você está muito abatida e deve comer para não ficar sem resistência.
– Será que preciso de muita, resistência para ouvir o resultado da conversa que teve com minha tia? – perguntou com um involuntário sorriso nos lábios.
– Precisa de resistência para poder trabalhar direito no hospital amanhã, Srta. Webster. Você sabe como gosto de trabalhar com as pessoas.
Joanne serviu-se com relutância de um sanduíche e logo percebeu que realmente tinha fome. Daniel Grant fitou-a com satisfação quando ela serviu-se do segundo sanduíche.
Algum tempo depois, Joanne sentia-se satisfeita e levemente cansada. Depositou o prato vazio sobre a bandeja e reclinou-se na poltrona, cruzando as lindas pernas. Não havia sido tão embaraçoso recebê-lo em casa, no fim das contas, pois Daniel Grant não deu a mínima mostra de se surpreender com a modéstia do apartamento. Pelo contrário, ele a tinha aceitado tal como era e Joanne sentia-se grata por isso.
– Seus cabelos são lindos, Joanne.
– Eu... obrigado, Dr. Grant. – Ela havia sido pega de surpresa pelo comentário.
– Principalmente quando os deixa soltos, como agora.... – ele continuou, comentando, enquanto acendia um cigarro e dava uma profunda tragada.
Não é possível que ele esteja flertando comigo. Joanne pensou aturdida. De qualquer maneira, era extremamente agradável ouvir um comentário daqueles vindo de um dos mais célebres cirurgiões plásticos do país. Era uma honra ele ter tido tempo para observar seus cabelos.
– O que é que minha tia lhe disse quando o senhor falou a meu respeito? – ela perguntou, tentando levar a conversa para um terreno onde se sentisse mais segura.
– Bem, continuou firmemente decidida a interromper o empréstimo. Nunca encontrei uma pessoa tão dura em toda a minha vida, mas deixei bem claro que estava lá contra a sua vontade, Joanne, e acho que não paira nenhuma dúvida a respeito de minha opinião sobre ela!
– Oh, sinto muito! – Joanne não desejava perguntar por mais detalhes, envergonhada pelo fato de ele ter passado por tudo aquilo por causa dela.
– Sente muito que eu tenha dito a ela o que pensava de uma pessoa que faz o que ela faz?
– Não, não é isso, Dr. Grant. Fico sentida pelo senhor ter passado por uma experiência tão desagradável por minha causa!
Fez-se um silêncio embaraçoso entre eles. Joanne não sabia o que dizer. Foi o Dr. Grant quem retomou a conversa, depois de apagar o cigarro no cinzeiro.
– Refleti muito sobre tudo isso no caminho de volta para cá, Joanne. – Ele a fitava com olhos pensativos. – Tenho uma proposta a lhe fazer, algo que resolveria seu problema e o meu também.
– Acho que não compreendo, Dr. Grant. – Era difícil pensar que alguém na posição dele pudesse ter problemas tão insolúveis como os dela.
– Eu custearei os estudos de seu irmão na Universidade, Joanne.
– Não me recordo de ter lhe pedido um empréstimo, Dr. Grant.
– E não estou lhe oferecendo um, Srta. Webster. Estou me oferecendo para pagar os estudos de seu irmão para que possa ficar aliviada e, em troca disso, você poderia fazer algo por mim que resolveria um problema que tem me atormentado muito nas últimas semanas.
Um sentimento de temor invadiu-a repentinamente, mas ela fingiu que não percebia.
– E de que maneira eu poderia ajudá-lo, Dr. Grant?
– Casando comigo.


Capítulo II


“Casando comigo” era o que ele havia dito, deixando-a atônita, sem saber o que pensar. Não era possível que tivesse ouvido corretamente, mas, de qualquer maneira, ali estava ele, esperando que ela dissesse alguma coisa.
– Não pode estar falando sério, Dr. Grant. – Joanne finalmente balbuciou, a boca seca pelo espanto.
– Nunca falei tão sério em toda a minha vida – ele assegurou, sem deixar de fitá-la por um instante.
– Mas não é possível que queira casar comigo! Nós praticamente não nos conhecemos e, além disso, eu... nós não...
– Nós não nos amamos? – ele completou a frase, observando a palidez que começava a tomar conta do rosto de Joanne. – O amor não entra nesse acordo que estou lhe propondo. O amor é uma emoção fabricada para a qual eu não tenho nenhum tempo em minha vida. Não passa de uma palavra usada no lugar da palavra desejo, talvez porque as pessoas acham que assim se torna mais decente! Mas fique descansada. Srta. Webster, eu não a desejo. O que estou oferecendo é pura e simplesmente um acordo que interessa a nós dois, e que não durará mais do que um ano!
Mesmo que alguém lhe apontasse uma arma naquele momento, obrigando-a a dizer o que estava sentindo. Joanne não seria capaz, tamanha era a confusão em sua cabeça!
– Talvez se explicasse melhor...
– Minha mãe está muito doente. Ela sofre de câncer e é inevitável que morra daqui a algum tempo. – O tom da voz dele não deixava dúvida do quanto aquilo o afetava. – Não há mais nada que possamos fazer a não ser aliviar sua dor enquanto ainda viva. Ela tem no máximo mais um ano de vida, se é que chegará até lá. E, como todas as mães, tem um imenso desejo de ver o filho estabelecido e casado. Ultimamente, isso tem se tornado uma obsessão da parte dela e sei que morreria infeliz se não soubesse que eu já tinha encontrado a mulher certa.
– E então deseja casar comigo para trazer a paz para sua mãe? Mas isso significa que iríamos mentir para ela!
– Eu faria qualquer coisa para ter certeza de que ela viveria feliz os últimos meses de sua vida!
– Você deve gostar muito dela.
– Bem, eu me importo muito com ela e serei capaz de qualquer coisa para aliviar seu sofrimento.
Joanne se levantou e começou a andar pela sala, os braços cruzados, completamente perturbada e confusa.
– Se... se eu casasse com você e depois de algum tempo sua mãe viesse a falecer... o que aconteceria, então?
– Nosso casamento seria anulado e eu continuaria a pagar os estudos de seu irmão, até que ele se formasse. E não seria necessário que me devolvessem o dinheiro.
Era uma proposta tentadora, sem dúvida, mas que envolvia não somente o futuro de Bruce como o dela. Não tinha certeza de que pudesse assumir um casamento sem amor e sair ilesa do processo.
– Gostaria que me desse algum tempo para pensar...
– Quanto tempo? – ele perguntou, com certa impaciência.
– Bem, acho que posso dar uma resposta amanhã.
O Dr. Grant se levantou subitamente e Joanne teve a impressão de que ele estava mais alto do que de costume: ou seria aquela proposta absurda que a fazia sentir-se tão pequena...
– Tenho uma operação amanhã, às onze horas. Espero sua resposta assim que a operação estiver terminada, está bem? – Ele se dirigiu para a porta, com sua maneira abrupta, e, quando segurava a maçaneta, virou-se de repente. – Obrigado pelos sanduíches.
A porta se fechou atrás dele e Joanne se deixou cair na cadeira que até então havia sido ocupada pelo Dr. Grant. Ainda podia sentir o calor de seu corpo no estofado da poltrona e aquela sensação produziu um sentimento incômodo em Joanne, que a fez se levantar imediatamente e levar a bandeja com os pratos sujos para a cozinha.

Joanne não conseguiu pregar os olhos durante a noite, pensando naquela estranha proposta. Nunca tinha visto o Dr. Grant como alguém que pudesse ter tanto carinho, ainda que pela própria mãe. Mas, de qualquer maneira, não sabia praticamente nada a respeito de sua vida fora do hospital. Ainda se lembrava do espanto que sentira quando ele chegou inesperadamente no baile de comemoração do Natal, há alguns meses atrás. Tinha se sentado junto com a madre superiora, à qual obedeciam todas as enfermeiras, e dançado uma valsa com ela. E então, para embaraço de Joanne, atravessou todo o salão para vir até ela e convidá-la para dançar.
Lembrava-se do calor de seus abraços enquanto dançavam, ela seguindo seus ágeis passos. Quando a música terminou, ele agradeceu e, em seguida, retirou-se da festa. Sim, era mesmo um homem estranho, mas, por mais estranho que fosse, Joanne nunca poderia pensar que um dia faria uma proposta daquelas!
Casar! Mas como poderia casar somente para personificar uma mentira? Era o oposto de tudo que sempre desejara. Sim, com vinte e quatro anos, ela era como todas as mulheres, desejava um lar, um marido, filhos, por que haveria de ser diferente? Precisava amar alguém e ser amada por esta pessoa, que é o desejo de todos. Naquilo que lhe propunha o Dr. Grant não havia lugar para o amor, como ele deixara bem claro. Era um arranjo prático, uma transação comercial, um contrato a ser assinado e que seria anulado tão logo a mãe dele viesse a falecer. Porém, se assumisse este papel, o futuro de Bruce estaria resolvido e a salvo!
– E meus sonhos? – perguntou-se, sabendo que não seria capaz de fazer tal coisa. Mas, era o futuro de Bruce que estava em jogo. Dependia exclusivamente de sua decisão e ela não podia desapontá-lo.
“Sei que fará o possível e o impossível para me ajudar. Mas, veja lá: não vá fazer alguma tolice”. Ela se lembrou das palavras de Bruce. E ali estava ela, contemplando a possibilidade de casar com um homem que mal conhecia só para resolver o futuro do irmão.
Bem, talvez não fosse tão complicado, no final das contas! Era realmente uma transação comercial, que terminaria em pouco tempo, deixando-a novamente na condição de uma mulher livre. E, depois disso, Bruce nunca mais precisaria se preocupar em arrumar dinheiro para poder continuar estudando.
Ela estava pensando em círculos e sabia que, ainda que seu coração recusasse a idéia, sua razão lhe dizia que não havia realmente opção. Tudo que tinha a fazer era dar a resposta para Daniel Grant, tarefa que, ela sabia, não seria nada fácil.

Joanne fitou a sala de operações para ver se estava tudo em ordem.
A próxima operação seria a do Dr. Grant e o paciente deveria chegar em alguns segundos. Tinha que se concentrar no trabalho. De maneira alguma podia incorrer nos erros que cometera no dia anterior.
Daniel Grant foi pontual, como sempre, e às onze horas chegava à sala de operação. Não havia nada em seu olhar ou em suas maneiras que traísse o que acontecera no dia anterior, e isso tornava as coisas mais fáceis para Joanne. Assim que colocou o primeiro instrumento na mão dele e deu início a operação, ela estava concentrada única e exclusivamente em seu trabalho.
Fitava com desmedida admiração aquelas mãos ágeis que no momento restauravam o rosto de uma mulher acidentada. Eram mãos leves e precisas. que sabiam exatamente o que fazer e que trabalhavam incansáveis durante horas. Quando a operação finalmente terminou, Joanne sabia que mais um sucesso havia sido acrescentado àquela magnífica carreira de cirurgião.
– Já pedi que trouxessem um pouco de chá até minha sala, Dr. Grant – ela falou assim que chegaram na ante-sala do centro cirúrgico, enquanto ele despia as luvas e a máscara branca.
– Está bem – ele respondeu sem levantar a cabeça. – Estarei lá em alguns minutos.
Agora que o momento havia chegado, ela estava nervosa e apreensiva, incerta quanto à decisão que tomara e desejando estar a quilômetros de distância! Porém era muito tarde, o chá já estava sobre a mesa e até podia ouvir os passos do Dr. Grant se aproximando.
Seu traje branco parecia ressaltar a musculatura e acentuar o verde dos olhos. Joanne serviu o chá, em silêncio. Ele sempre fora um homem de poucas palavras, o que nunca a deixava constrangida, mas naquele momento procurava desesperadamente algo para dizer antes de entrar diretamente no assunto e dar-lhe a resposta. Ele certamente percebeu sua confusão e embaraço, pois começou a falar:
– Vamos direto ao assunto, Joanne. O que foi que decidiu?
– Dr. Grant, eu... – Ela pousou a xícara sobre a mesa e ia começando a dizer alguma coisa quando foi interrompida.
– Sim ou não? – ele perguntou abruptamente.
Seus olhares se encontraram e, quando Joanne respondeu, a voz saiu fraca.
– Sim.
– Ótimo! – ele comentou, enquanto se levantava e depositava a xícara vazia sobre a mesa. – Encontro você hoje, às sete e meia, para combinarmos os detalhes.
Ele partiu antes que Joanne pudesse dizer mais alguma coisa, ela cobriu o rosto com as mãos, tentando não se deixar dominar pelos sentimentos confusos que experimentava. Tinha dito que casaria com ele e a única resposta que obtivera fora: “Encontro você hoje à noite para combinarmos os detalhes”.
Mas, o que mais ela esperava? Este não era um casamento comum e não havia felicidade nenhuma em se tornar esposa daquele homem.
Esposa dele! Aquela idéia tomava conta dela como se fosse um choque elétrico! O que é que tinha feito? Veio-lhe à mente a imagem de Bruce, a expressão sorridente do irmão. Não, ela não poderia desapontá-lo de maneira nenhuma, e a felicidade do irmão valia qualquer sacrifício.

Daniel Grant chegou em seu apartamento às sete e meia, pontual como sempre, e foi direto ao assunto.
– Ao contrário do que talvez tenha pensado, Joanne, não pretendo levá-la correndo até o juiz para que nos casemos o mais rápido possível. Para que pareça de fato autêntico, devemos ficar noivos e a cerimônia será numa igreja, como todos os casamentos.
– Você... você quer dizer que teremos convidados, e uma cerimônia religiosa e... e uma recepção e tudo mais? – Sua face estava pálida.
– Claro que sim! – ele disse com um sorriso. – Minha mãe não aceitaria menos que isso!
– E quando será o casamento? – Joanne perguntou resignada.
– Daqui a três semanas, a contar de sábado.
– Mas tão rápido assim? – Ela logo se arrependeu de dizer aquilo ao ver a expressão irritada de Daniel.
– Não há tempo a perder. Farei todos os preparativos. Tudo que tem a fazer é pedir demissão do hospital e comprar um vestido de noiva!
Desistir do emprego era algo que não havia passado por sua cabeça e a idéia não lhe agradava nem um pouco.
– Será que é realmente necessário eu sair do hospital? Acho que poderia continuar trabalhando depois de nosso casamento.
– Ora, Joanne. – ele falava com certa impaciência. – Você sabe que é antiético marido e mulher trabalharem lado a lado em nossa profissão. Além disso, desde que se torne minha esposa, deve ficar em casa até que não haja mais necessidade disso!
Ela percebeu que ele se referia a quando a mãe dele não mais estivesse viva e morando naquela casa. Subitamente, Joanne foi acometida de uma grande vontade de conhecer aquela senhora, que era amada tão profundamente pelo filho.
– Agora, com relação a seu irmão – ele interrompeu seus pensamentos – ele tem conta em algum banco?
– Sim – ela murmurou, enquanto escrevia o nome do banco num pedaço de papel.
– Bem, amanhã arranjarei tudo para que uma certa quantia seja depositada na conta dele duas vezes por ano. Você pode contar a ele de onde vem o dinheiro, se preferir, mas peço que guarde o segredo quanto ao motivo verdadeiro de nosso casamento.
– Eu compreendo. E, de qualquer maneira, se Bruce viesse a saber da verdade, jamais tocaria num centavo desse dinheiro, pois não admitiria que eu fizesse tal coisa por ele.
– Bem, acho que agora só falta comprarmos o anel de noivado – ele anunciou, enquanto se levantava. – É melhor pegar um casaco, Vamos fazer isso agora mesmo!
– Mas, a essa hora? – ela perguntou meio incrédula.
– Não se preocupe, Joanne – ele disse com um sorriso –, já pedi a um amigo que esperasse em sua joalheria para nos mostrar sua coleção de anéis.
Resignada, Joanne foi pegar um leve casaquinho de verão. Examinou-se no espelho, e viu que estava branca como cera; passou um pouco de maquilagem, tentando conseguir uma expressão mais viva. Fez tudo rapidamente, pois, pelo visto, Daniel Grant não era o tipo de homem que gostava de perder tempo!
Que casamento estranho! ela pensava, enquanto se dirigiam para o centro da cidade. Era como um jogo, uma farsa cujo resultado deveria ser convincente para a mãe dele... e para Bruce!
– Bem, aqui estamos – Daniel disse, enquanto estacionava em frente a uma famosa joalheria. – Richard está lá dentro esperando por nós e acho que já nos viu.
Joanne não sabia direito se era um sonho ou pesadelo, mas, quando deu por si, estava dentro da loja, sentada ao lado de Daniel Grant, vários e lindos anéis dispostos a sua frente para que escolhesse um deles, o brilho dos diamantes exercendo sobre ela um poder hipnótico.
– Oh, são tão lindos! – conseguiu dizer finalmente, quando seu olhar encontrou o de Daniel. – Não consigo me decidir. Talvez se você me ajudasse...
– Se é que me permitem a sugestão – era o homem a quem Daniel chamara de “Richard” que intervinha, com grande educação e boa vontade –, a senhorita não tem o tom de pele apropriado para o diamante branco, mais comum. Acho que precisa de algo mais caloroso e personalizado para que possa ressaltar sua aparência.
Daniel virou-se para Joanne e fitou sua face, curioso, parecendo considerar as palavras do amigo joalheiro. Ela, embaraçada por ser assim observada, corou violentamente. Foi Daniel quem finalmente falou:
– Você tem razão, Richard. Acho que já sei qual ficará melhor para ela.
Sem hesitar Daniel escolheu um anel na bandeja e, tomando-lhe a mão, colocou-o em seu dedo. Era o mais maravilhoso diamante amarelo que Joanne já tinha visto na vida, e estava colocado entre dois diamantes menores da mesma cor. Ajustou-se perfeitamente em seu dedo e faiscava quando refletia os raios de luz. Ela estava assombrada, pois sabia a fortuna que Daniel pagaria por aquela maravilha que tinha como único objetivo dar mais veracidade à farsa que representavam.
– Oh. Daniel, é caro demais!
– Você gosta, Joanne?
– Sim, é lindo, mas....
– Então, ele é seu! – disse, enquanto acenava para Richard.
A bandeja com anéis foi retirada, mas Joanne continuou ali, estática sem acreditar no que estava acontecendo, enquanto Daniel terminava de efetuar a transação com o joalheiro.
– Desejo-lhes imensa felicidade no casamento – ele disse, fazendo uma elegante reverência.
– Obrigado, Richard – Daniel agradeceu com voz calma, enquanto convidava Joanne a se levantar. – Apreciamos seus votos de felicidade, não é, querida?
Querida! A maneira como dizia aquilo parecia tão natural, e entretanto, só os dois sabiam que não passava de uma representação destinada a convencer aquele homem, que os fitava de perto.
Quando estavam novamente sozinhos no carro, passando por aquelas ruas movimentadas, Joanne deu vazão a seus pensamentos nebulosos.
– Dr. Grant, sinto-me terrivelmente culpada por aceitar um anel tão caro! Nosso casamento...
– Nosso casamento deve parecer tão natural quanto possível! Se lhe oferecesse um anel de qualidade inferior minha mãe imediatamente suspeitaria de alguma coisa. E Bruce também, com certeza!
Sim, era verdade, mas isso não lhe trazia nenhum conforto. No seu dedo brilhava o lindo anel de noivado, forçando-a a encarar a situação de frente.
– Para onde está me levando? – ela perguntou quando percebeu que não estavam no caminho de sua casa.
– Minha mãe está nos esperando. Está ansiosa para conhecê-la – ele falou calmamente. Joanne sentiu-se imediatamente tensa, e seu olhar desceu pela roupa que vestia. Certamente teria se arrumado melhor se soubesse que iriam visitar a Sra. Grant.
– Você podia ter me avisado, não é, Dr. Grant?
– Se a tivesse avisado só teria contribuído para deixá-la mais nervosa do que já está! E acho que já é hora de começar a me chamar de Daniel!
– Mas... eu não seria capaz!
– Terá que ser. Portanto, é melhor começar a treinar desde já – ele falava sem tirar os olhos da avenida a sua frente.
– É que é tão difícil quebrar a formalidade do hospital, à qual já estou habituada há tanto tempo!
– Ora, é só uma questão de tentar! Vamos lá, olhe para mim e me chame de “Daniel”...
– Está bem... Daniel!
– Isso, assim está melhor. – Ele sorriu, como quem se divertia com tudo aquilo. – Tenho certeza de que cada vez será mais fácil!
Joanne ficou em silêncio a seu lado, agora que se aproximavam do calmo e arborizado bairro onde moravam Daniel Grant e sua mãe. Em pouco tempo chegavam à imponente casa, meio escondida entre as grandes árvores do jardim. Cruzaram o grande portão de ferro e Daniel estacionou defronte à porta principal. Joanne não se sentia tão nervosa desde o tempo de estudante, quando entrou pela primeira vez numa sala de operações para auxiliar numa cirurgia.
– Não é necessário avisá-la de que teremos de nos comportar como um casal de noivos prestes a se casar... – ele disse depois de desligar o motor do carro, a silhueta de seu rosto desenhada contra a luz que vinha de fora.
– Farei o melhor possível – ela garantiu.
– Acho que terá de fazer o possível e o impossível, Joanne. Minha mãe pode estar doente, mas é muito esperta e sensível. E é necessário que fique completamente convencida.
– Está bem, Dr... Daniel, não vou desapontá-lo! – Ela corou violentamente, quando ele deu um sorriso que não deixava dúvidas do quanto se divertia com tudo aquilo.
O ar estava fresco e perfumado pelas pores do jardim. Joanne respirou fundo e endireitou o corpo, pronta para representar o papel que lhe era destinado.
– Por aqui. – Ele tomou seu braço e conduziu-a pela escada de mármore que levava à grande porta de madeira.
– Daniel... eu... eu pareço bem? – ela perguntou assim que adentraram o grande hall iluminado.
– Não. não parece. – Ele tinha um sorriso francamente zombeteiro, ainda que solidário. – Está muito pálida e assustada.!
Ele segurou seu pulso firmemente e, antes que ela pudesse adivinhar o que aconteceria, beijou-a na boca. Sem esperar por aquilo, seu coração imediatamente disparou, enquanto Daniel a abraçava, puxando-a de encontro ao próprio corpo. Isso não fazia parte do acordo, e ela estava perturbada enquanto o afastava com as mãos.
– Não era necessário fazer isso!
– Talvez... Mas de qualquer maneira; seu rosto já ganhou uma cor mais viva e você está muito mais com a aparência de quem acabou de ficar noiva. Vamos, venha comigo!
Ele tomou sua mão e conduziu-a por uma porta à direita. Abriu sem bater e, colocando distraidamente o braço sobre os ombros de Joanne, introduziu-a na grande sala de estar da casa.
Em um segundo Joanne visualizou iodo o ambiente. As longas cortinas douradas que caíam com imponência até o chão, a lareira de mármore com um grande relógio em cima e aquela simpática enfermeira que obviamente cuidava da senhora de aspecto frágil. sentada sobre o sofá estilo Luís XV.
– Mãe – Daniel começou, o braço protetor ainda sobre o ombro de Joanne. –, trouxe minha noiva para que a conhecesse. Joanne, esta é minha mãe e esta – ele apontou a outra mulher – é a enfermeira que tem cuidado dela com muito carinho, a Sra. Johnson.
A pele de Serena Grant era alva, quase translúcida, e seus olhos verdes fitavam-na sorridentes, com calor.
– Minha querida, desejava tanto conhecê-la! Desde que... – Ela hesitou e fitou Daniel, de relance. – Desde que Daniel me deu a maravilhosa notícia!
A maneira com ela falava imediatamente despertou a simpatia de Joanne. Mas havia um outro sentimento, indecifrável. Era como se já a conhecesse, como se já tivesse visto aquela senhora antes.
– Também estava ansiosa para conhecê-la, Sra. Grant!
– Bem, vou deixá-los a sós algum tempo e aproveitar para fazer algumas coisas. Mas não vá se cansar, está bem? – Era a Sra. Johnson que fitava Serena Grant com simpatia.
– Ora, sei muito bem como tomar conta de mim mesma, Sra. Johnson!
– Sim, eu sei. Mas é que já passou meia hora da hora em que o médico mandou que se deitasse e...
– Está bem, está bem. – Serena Grant fez um gesto de impaciência com a mão. – Pode ir embora e agir como se eu já estivesse deitada, em vez de ficar me tratando como uma criança!
– Mas tudo que fiz foi dizer que...
– Pode deixar, Sra. Johnson – Daniel interveio. – Vamos quebrar as regras só desta vez, mas garanto que não a manteremos acordada por mais de meia hora, está bem?
– Pois não, Sr. Grant.
– Essa mulher vai acabar me deixando louca – Serena Grant falou, assim que se encontraram a sós, e Joanne não conseguiu prender o sorriso que aflorou em seus lábios.
– Mamãe, eu a conheço muito bem – Daniel replicou gentilmente.
– Adora que haja alguém a seu lado para tomar conta de você, ficaria muito triste se ela partisse, não é?
– Ora, Daniel, deixe de bobagens! – ela disse divertida, enquanto se afastava um pouco no sofá para dar lugar a Joanne. – Venha querida, sente-se aqui a meu lado. Daniel, traga uma cadeira para você para que eu possa vê-los sem ter que virar a cabeça. E agora – ela disse, tomando a mão de Joanne – deixe-me ver seu anel. Oh, mas é lindo! Você fez a escolha certa, menina!
– Foi Daniel quem escolheu, Sra. Grant – Joanne admitiu, percebendo com surpresa que não era tão difícil chamá-la pelo primeiro nome.
– Então, fico satisfeita por ver que ele foi capaz de escolher algo que se ajusta perfeitamente a você! E o casamento, vocês já marcaram a data?
Joanne fitou Daniel imediatamente, sentindo a boca seca.
– Decidimos não esperar mais que três semanas, mamãe.
Três semanas, Joanne pensou. Faltava pouco tempo para que tornasse a esposa de Daniel Grant. Sua esposa por um ano, talvez, mas não para sempre.


Capítulo III


– Temos que celebrar o noivado de vocês! – Serena Grant insistia com olhos felizes. – Tem uma garrafa de champanhe no gelo, lá na cozinha. Seja um bom menino e vá pegá-la!
– Você pensa em tudo, não é, mamãe? – Daniel disse sorrindo, antes de desaparecer por uma porta à esquerda. Assim que ele deixou a sala, a Sra. Grant dirigiu sua atenção a Joanne.
– Desejava isso há tanto tempo que já estava achando que não ia conhecer minha nora!
– Sra. Grant, eu...
– Sei que não tenho muito tempo pela frente, minha querida – ela interrompeu calmamente –, e é muito importante para mim ver meu filho casado e feliz antes que eu parta. Talvez você me considere uma velha antiquada e chata, mas....
– Não, eu compreendo seus sentimentos, Sra. Grant – Joanne emendou rapidamente, uma culpa involuntária tomando conta de seu coração. Preferiu mudar de assunto. – Sra. Grant, desculpe-me, mas será que já não nos encontramos antes?
– Acho que não, minha criança. Nunca esqueço o rosto das pessoas.
Daniel entrou naquele momento, trazendo uma bandeja com a champanhe imersa no gelo e três taças de cristal. Todos ficaram em silêncio enquanto ele depositava a bandeja sobre uma mesinha.
– Não se assustem! – ele avisou, antes de fazer pressão sobre a rolha, que voou para longe após o forte estampido. O líquido, com a pressão, derramou-se em profusão sobre a bandeja.
– Oh, que maravilha! – a Sra. Grant falou quase gritando de contentamento. – Isso quer dizer que o primeiro filho de vocês será um menino!
– Ora, mamãe, a senhora dá crédito a essas superstições tolas! – Daniel acusou-a gentilmente, fitando Joanne em seguida. – Além do mais, está deixando Joanne muito embaraçada!
– Meu filho, sempre achei que médicos e enfermeiras nunca ficavam embaraçados, pois têm que lidar com situações que requerem espírito atento e prático!
– Fora dos hospitais... – Joanne começou a dizer, recuperando se do embaraço – nós somos tão vulneráveis quanto qualquer outra pessoa, e sujeitos a ficar embaraçados.
– Acho que vou gostar de você, Joanne. Venha me visitar sempre que tiver uma folga no trabalho, querida!
– Farei isso sempre que possível – Joanne respondeu com ternura, sentindo sinceridade nas palavras da boa senhora.
– Seu champanhe, mãe – Daniel disse, oferecendo uma das taças à senhora. Em seguida, estendeu a mão para que Joanne se levantasse e, depois de pegar as duas taças restantes e entregar-lhe uma, enlaçou-a pela cintura. – A nós dois! – brindou, fitando-a nos olhos.
Joanne sentiu u líquido delicioso e gelado descendo pela garganta e observou o rosto alegre de Serena Grant, desejando de todo coração que não fosse preciso mentir para aquela corajosa senhora, fazendo-a acreditar que se tratava de um casamento verdadeiro. Nesse momento, a Sra. Johnson chegou, entrando por uma porta lateral.
– Bem, sua meia hora já acabou, Sra. Grant. Hora de ir para a cama!
– Oh, meu Deus! Você se comporta como um zeloso mordomo inglês!
– Ela tem razão, mamãe, não devemos desobedecer as prescrições do médico! Já ficou muito tempo acordada hoje e, além do mais, já conhece Joanne e até mesmo bebeu champanhe. Agora, é hora de ir descansar!
– Ora, vocês me atordoam de tanto me controlar! – ela reclamou com resignação.
– É para seu próprio bem, mãe.
– Sim, eu sei – ela disse com um sorriso repentino, enquanto aceitava a mão que Daniel oferecia para ajudá-la a levantar-se. – Boa noite, Daniel. – E, estendendo a mão na direção de Joanne: – Venha sempre que puder, Joanne.
– Claro que sim, Sra. Grant – ela respondeu, apertando a mão trêmula da velha senhora. – Boa noite.
A Sra. Johnson se aproximou e, amparando-a com delicadeza, conduziu Serena Grant para fora da sala.
– Sua mãe é uma pessoa maravilhosa, considerando tudo que está passando.
– Não é o tipo de pessoa que deixa a vida escapar facilmente das próprias mãos! Mais champanhe, Joanne?
– Será que devo? – Ela sorriu nervosa.
– Você não tem nada a temer – ele comentou, enquanto enchia novamente as duas taças.
– Bem, nunca achei que tivesse.
Tudo isso é muito irreal, ela pensou. Até ontem era livre e independente e, agora, estava ali com Daniel, bebendo champanhe para comemorar o próprio noivado, o anel em seus dedos e a consciência de que dali a três semanas casaria com aquele homem. Quando levantou a cabeça. Daniel a fitava com curiosidade.
– Quantos anos você tem, Joanne?
– Vinte e quatro. E você?
– Trinta e cinco.
Ela achava que ele devia ter por volta dessa idade, mas, de qualquer maneira, ainda achava estranho ele ser solteiro.
– Você nunca pensou em casar de fato com alguém e se estabelecer na vida, Daniel? Sua liberdade significa tanto para você?
– Ora, mas vou casar, não vou? – Tinha o olhar zombeteiro de antes.
Joanne fitou a própria taça de champanhe, vendo as bolhinhas que se desprendiam do fundo do copo.
– Mas isso é diferente!
– Sim, você precisava do dinheiro para que seu irmão pudesse estudar e eu, necessitava de alguém que se dispusesse a satisfazer o desejo de minha mãe. Não é uma boa base para um casamento, não é mesmo, Joanne?
– Nosso casamento não precisa de uma base sólida, desde que não está destinado a durar, Daniel – ela respondeu, subitamente consciente de como a verdade podia ser dolorosa.
– Você já falou com Bruce?
– Não, ainda não. Estou pensando em convidá-lo para vir a minha casa amanhã à noite.
– Quer que eu esteja lá com você?
– Talvez fosse melhor contar-lhe a sós – ela disse, surpreendida pela oferta. – Mas, de qualquer maneira, acho que será uma ótima oportunidade para se encontrarem. Pedirei que ele que venha às sete horas. Será que poderia nos dar meia hora para que possa contar-lhe a novidade?
– Está bem – Daniel falou com firmeza. – Bem, termine seu champanhe para que possa levá-la de volta para casa.
Joanne não conseguia deixar de pensar em Serena Grant, enquanto o carro cortava velozmente a cidade. Toda vez que a imagem da futura sogra lhe vinha à cabeça não podia evitar um enorme sentimento de culpa. Ela desejava tão ardentemente ver o filho casado e feliz antes de morrer que não suportaria saber que tudo não passava de uma farsa. Seus olhos verdes como os de Daniel, brilharam de satisfação e contentamento, uma ponta de tristeza escondida lá no fundo. Joanne havia percebido que o mau humor com relação à Sra. Johnson era só uma fachada, algo criado deliberadamente para evitar que tivessem pena dela, enquanto guardava para si a certeza de que tinha pouco tempo de vida e toda a dor que advinha daí.
É uma mulher decidida e de caráter, e nós vamos enganá-la, Joanne pensava enquanto Daniel gentilmente abria a porta do apartamento e acendia a luz do pequeno hall de entrada. Como poderia casar com ele agora que sua consciência a tinha feito perceber o que realmente significava tudo aquilo?
– Dr. Grant. eu...
– Daniel.
– Está bem. Daniel... sinto-me horrível quando penso que vamos enganar sua mãe. Parecia simples na teoria, mas agora que já a conheço eu... eu me sinto incapaz de fazer isso! Não posso casar com você. Daniel. É tudo muito ridículo e...
– Agora é muito tarde para desistir!
– Talvez se você explicasse a ela.
– Você mesma a viu hoje à noite, Joanne, e foi testemunha de sua imensa felicidade. Seria capaz de lhe dizer que era tudo mentira, algo que planejamos somente para deixá-la contente?
– Não, eu não seria capaz de fazer isso.
– E o seu irmão? Onde arrumaria dinheiro para continuar os estudos? Joanne – ele segurou seus ombros e fitou-a diretamente nos olhos. – Você não pode me desapontar agora!
– Sim, desculpe-me. Acho que tenho andado muito nervosa. – Ela suspirou, não podendo fugir ao fato de que a felicidade de duas pessoas dependia daquele casamento.
– Você se sentirá melhor amanhã, Joanne. Boa noite!

Na manhã seguinte, a enfermeira-chefe recebeu a carta de demissão de Joanne e. pouco depois, todo o hospital já sabia do casamento de Joanne Webster e Daniel Grant. A notícia se alastrou tão rapidamente que Joanne estava completamente despreparada quando vieram interrogá-la a respeito.
– Não tínhamos a menor idéia de que um romance se desenvolvia bem embaixo de nossos narizes! – era o que comentavam. – E agora, como se sente, sabendo que é invejada por todas as garotas desse hospital?
Joanne murmurava qualquer coisa, à guisa de resposta, e as antigas companheiras ficavam satisfeitas. Ao pedir demissão de seu posto tivera de admitir publicamente seu casamento com Daniel, e agora era impossível voltar atrás. A expressão de Daniel ao entrar no escritório naquela tarde parecia confirmar que ele sabia disso.
– Encontramo-nos às sete e meia, então? – Tinha o olhar frio e um tom de voz impessoal.
Joanne havia se levantado, a mesma reação mecânica que tinha sempre que um doutor entrava em sua sala. Daniel fez um gesto, impaciente para que se sentasse.
– Sim, está tudo certo. Bruce chegará às sete e terei tempo suficiente para lhe contar a respeito do nosso casamento.
– Está certo. – Daniel fitou a face pálida de Joanne. – Mas se quiser parecer mais convincente é melhor passar um pouco de maquilagem, pois não estarei lá para beijá-la e fazê-la parecer mais viva!
Depois de dizer aquilo ele partiu, tão repentinamente como chegara, deixando Joanne embaraçada e irritada. Porém ela sabia que Daniel, queria que Bruce não tivesse nenhuma dúvida a respeito da honestidade do casamento deles.
Já em casa, mais tarde. Joanne tinha acabado de limpar a louça do pequeno lanche que fizera ao chegar do hospital, quando a campainha tocou. Vestido com jeans e camiseta, Bruce parecia bem jovem e cheio de energia, quando se afundou na poltrona da sala.
– Você tem novidades para me contar? – ele perguntou ao ver que ela hesitava. – Está escrito em seu rosto!
– Sim, tenho notícias para você.
– Não me diga que tia Irene mudou de idéia?!
– Não, não mudou. Mas... eu consegui obter o dinheiro de outra maneira.
– Com quem? – ele perguntou vivamente interessado, sentando-se agora no braço da poltrona.
– Com... meu noivo.
– Seu o quê?
– Meu noivo, Bruce – ela repetiu, com uma calma que não estava absolutamente sentindo. – É a segunda parte da notícia que tenho para lhe dar. Vou casar daqui a três semanas!
– Eu não acredito!
– Mas é verdade. Bruce – ela disse, enquanto estendia a mão e exibia o anel de noivado. – Já pedi minha demissão do hospital esta manhã.
– Mas eu nem sabia que você gostava de alguém – ele disse, ainda surpreso, enquanto revirava o bolso à procura do maço de cigarros.
– Bem, acho que não gosto muito de ficar falando de minha vida.
– Eu o conheço?
– Não, mas vai encontrá-lo daqui a pouco. É o Dr. Daniel Grant, cirurgião do hospital onde eu trabalhava.
– E há quanto tempo vocês se conhecem?
– Bem, já o conheço há quase dois anos.
– E durante todo este tempo vocês já estavam...
– Não, não. Foi somente agora que... bem, que resolvemos pensar em casamento.
Muito recente mesmo; anteontem, para ser mais exata, ela pensou.
Bruce a fitava com atenção, meio envolto na fumaça do cigarro.
– Joanne, você não está fazendo nenhuma bobagem, não é? Não está casando com esse homem por causa do dinheiro dele, não é?
– Ora, não seja tolo! – Ela sentiu o coração bater loucamente, como se fosse sair pela boca.
– Você não parece uma garota que está perdidamente apaixonada! – Bruce insistiu, e Joanne pedia a Deus que Daniel chegasse logo para ajudá-la a enfrentar o irmão.
– Ora, e quem é você para dizer como as pessoas se parecem quando estão apaixonadas? – ela disse sorrindo, tentando quebrar aquele clima angustiante.
– Já vi muitas garotas lá na escola que ficam para cima e para baixo mostrando para todo mundo o anel de noivado, anunciando que se casarão em breve, com uma expressão feliz e sonhadora nos olhos!
– Bem, mas não sou nenhuma garota da escola, Bruce. Já tenho vinte e quatro anos e, nessa idade, uma mulher não sai por aí mostrando sua aliança de noivado e anunciando o próprio casamento aos quatro ventos, fazendo exibição pública de sua felicidade!
– Sim, acredito que esteja certa. Mas também não acho que seja o caso de ficar aí sentada, com esse olhar calmo e frio, como se nada disto tivesse a ver com você!
– Bruce... você não vai me cumprimentar e desejar felicidades?
– Jô... é de verdade mesmo? Você não está casando com esse homem por minha causa?
– Não, Bruce, não estou casando com ele só para que possa continuar estudando. – Isso pelo menos era verdade, pois estava se casando com ele, também por causa de Serena Grant. – E não é mais um empréstimo, Bruce, você não precisará devolver o dinheiro.
– Compreendo. – Bruce riu cinicamente. – É como os índios, onde o marido pode ter a noiva desde que ofereça um bom dote, para o pai dela!
– Ora, Bruce, pare de dizer tolices – ela disse secamente, e a campainha tocou em seguida. – Deve ser Daniel!
Joanne nunca ficou tão aliviada ao ver Daniel. Abriu a porta para dar passagem àquela figura alta e atraente, vestida com um blazer azul-marinho e calça clara. Seu coração acelerou-se, quando ele inclinou a cabeça e beijou-a na face.
– Olá, querida, desculpe o atraso.
– Ora, não tem importância – ela respondeu, enquanto o conduzia à pequena sala. – Daniel, gostaria que conhecesse meu irmão. Bruce, este é o Dr. Daniel Grant.
Bruce se levantou, mas foi Daniel quem tomou a iniciativa e avançou com a mão estendida.
– Prazer em conhecê-lo, Bruce. Joanne já me falou muito a seu respeito.
– É mesmo? – Bruce perguntou com uma ponta de sarcasmo, enquanto apertava a mão de Daniel. – Engraçado, ela nunca me disse nada a seu respeito até hoje à noite!
– Talvez porque eu também a tenha surpreendido ao propor que nos casássemos, não é mesmo, querida? – ele completou, aproximando-se dela e colocando o braço sobre seus ombros.
Desapontada e embaraçada pelo que Bruce dissera, ela se esforçou para sorrir, enquanto fitava Daniel e compreendia seu olhar cúmplice.
– Sim, acho mesmo que até agora não consegui me acostumar direito com a idéia!
– Bem, então agora que já o conheço, Dr. Grant – Bruce fitava-os, abraçados e sorridentes –, permitam-me desejar muita felicidade para os dois...
– Obrigado, Bruce – Daniel respondeu, enquanto descia o braço e enlaçava Joanne pela cintura, puxando-a para perto de si. – E acho melhor me chamar de Daniel, pois daqui a pouco tempo seremos cunhados!
– Com relação ao empréstimo... – Bruce começou a dizer.
– Não estou lhe oferecendo um empréstimo. Bruce – ele corrigiu, enquanto se sentava ao lado de Joanne.
– Mas não posso aceitar que me dê este dinheiro!
– Bruce, eu....
– Espere um pouco, Joanne – era Daniel quem a interrompia agora. – Bruce, se você se sente melhor considerando um empréstimo, é você quem sabe. Mas quero que saiba que não pretendo, pressioná-lo para me restituir o dinheiro. Você aceita a coisa nestes termos?
– Sim – Bruce passou a mão nos cabelos – acho que assim está melhor.
– Ótimo! – Daniel disse com satisfação. – Já passei no banco e arrumei tudo para que determinada quantia seja depositada em sua conta duas vezes ao ano. Se você puder passar lá amanhã, poderá me dizer depois se a quantia é suficiente ou se precisará de mais um pouco.
– Muito obrigado. – Bruce estava visivelmente surpreso e seu olhar passeava de Daniel para Joanne e de volta a Daniel. – Acho que nem tenho palavras para dizer o quanto estou grato!
Daniel, que ainda conservava o braço entre os ombros de Joanne, deslizou-o suavemente, de modo que sua mão fizesse carinhos suaves no pescoço dela.
– Bem, que tal bebermos um pouco de café? – ela, perguntou, desesperada para se ver livre daquele toque sensual.
– Obrigado, Joanne.
Daniel retirou a mão, e Joanne sumiu pela porta da cozinha, o coração batendo com força enquanto colocava água no bule e acendia o fogão.
Ouvindo o murmúrio de vozes na sala, virou-se para ver Daniel e Bruce conversando. Seu irmão ainda tinha um olhar de suspeita, pois não se convencera da veracidade daquela história toda. E realmente tinha razão, pois Bruce e Joanne nunca tiveram segredos um para o outro, principalmente nos últimos cinco anos, depois que seus pais faleceram. Sempre dividiram os sonhos e as desilusões. Ela suspirou profundamente enquanto colocava o café nas xícaras, e quase derramou um pouco quando ouviu aquela voz grossa logo atrás de si.
– Precisa de ajuda?
– Não, obrigada, Daniel. Já está pronto e eu ia levar a bandeja para a sala.
Abraçando-a pelas costas, Daniel a impediu de levantar a bandeja e fez com que ela se virasse para fitá-lo de frente. Alarmada coma situação. Joanne sentiu a respiração acelerar-se e o coração voltando a disparar.
– Receio que Bruce ainda não esteja muito convencido! – ele disse em voz baixa. – Suspeita que nosso casamento tem algo a ver com o custeio de seus estudos.
– E o que acha que podemos fazer?
– Não sei direito. – Ele tinha uma expressão pensativa. – Você acha que ele pode nos ver lá da sala?
– Sim – Joanne deu uma rápida olhada na direção da sala. – E está olhando para cá!
– Hum... acho que uma pequena prova de afeição poderia convencê-lo!
Joanne prendeu a respiração quando Daniel a puxou para perto de si.
– Daniel...
– Ponha seus braços sobre meus ombros e me abrace – ele ordenou em voz baixa, quase um sussurro no ouvido de Joanne.
– Mas eu...
– Faça o que eu digo, Joanne! Ou prefere que seu irmão saia daqui com suspeitas na cabeça?
Os lábios de Daniel tocavam sua orelha, fazendo seu corpo inteiro arrepiar enquanto Joanne seguia as instruções. Ao cruzar os braços por trás do pescoço de Daniel, sentiu a maciez e leveza daqueles cabelos escuros e espessos. Era uma situação que nunca poderia ter imaginado antes, ela entre os braços de Daniel, que agora a beijava na garganta. Mas, tudo que sabia era que precisava afastá-lo e o quanto antes.
– O café está esfriando. – Sua voz soou estranha aos próprios ouvidos e, antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, foi impedida pelos lábios de Daniel, que colaram-se aos seus.
Fique quieta e não corresponda a este beijo, ela disse para si mesma, pois sabia que ele á beijava para convencer Bruce de que realmente se amavam. Mas, ainda assim, era tudo mentira.
– Ei, vocês dois, quando é que o café vai ficar pronto? – Bruce gritou lá da sala, e Daniel afastou-se com um ar de relutância que qualquer pessoa poderia jurar que era real.
– Desculpe, Bruce, acho que quase nos esquecemos de você! – Daniel respondeu enquanto pegava a bandeja e fazia um gesto para que Joanne seguisse na frente.
Com o coração bem mais calmo, Joanne se aproximou de Bruce. Se aquela demonstração da cozinha não tivesse bastado para convencê-lo, o rubor e o leve tremor de seus lábios serviram para fazê-lo acreditar que se amavam. Bruce agora a fitava com um olhar aliviado.
Quando o irmão finalmente anunciou que já estava na hora de partir, Joanne acompanhou-o até a porta.
– Jô, você realmente o ama, não é?
– Precisa perguntar? – ela disse, forçando um sorriso maroto.
– Não, acho que não é necessário. Bastava olhar para você quando voltou da cozinha para saber o que sente por este homem. Parecia uma adolescente apaixonada.
– Ora. Bruce, vá embora antes que eu lhe atire alguma coisa na cabeça! – ela falou brincando e Bruce desceu as escadas correndo, parando no patamar para dar adeus.
Daniel a esperava na sala, uma expressão de satisfação nos olhos.
– E então, acha que o convencemos?
– Completamente!
– Que pena! – ele comentou zombeteiro. – Estava começando a ficar com vontade de fazer mais uma sessão de convencimento, como a que fizemos na cozinha, há pouco.
– Isso não tem a menor graça, Daniel – ela comentou séria, virando um pouco a cabeça para não deixar transparecer no rosto as confusas emoções que a agitavam.
– Eu não estou tentando fazer graça, Joanne. Você é uma mulher muito atraente, especialmente quando, deixa os cabelos soltos como agora, e eu não seria humano se não tivesse nenhum prazer, quando a seguro em meus braços!
– Você não deveria dizer estas coisas, Daniel.
– E por que não? O fato de estarmos entrando num casamento platônico não quer dizer que devemos anestesiar nossos instintos naturais.
– O que você quer dizer com isso? – ela perguntou, sentindo receio de algo estranho, que não podia dizer o que era. Um sorriso cortou os lábios de Daniel.
– Para colocar as coisas de formas simples; não há nada em nos se casamento que me proíba de apreciar sua beleza, mas não é preciso ter medo, pois não pretendo fazer amor com você.
Naquele momento Joanne desejou que o mundo se abrisse sob seus pés, e foi só com grande esforço que conseguiu sustentar seu olhar duro e frio.
– Você está começando a ficar repetitivo, Dr. Grant. Já deixou bem claro na noite passada que não me deseja.
– Acho então que está bem claro para nós dois os reais objetivos de nosso casamento – ele disse e logo em seguida levantou-se. – Satisfeita assim?
Joanne concordou silenciosamente com a cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa enquanto acompanhava Daniel até a porta.
Finalmente sozinha em seu apartamento, ela tentou manter a cabeça longe daqueles pensamentos confusos que vinham atormentá-la. Mas, por mais que fizesse, não conseguia fugir daquela voz que parecia vir lá do fundo, sussurrando algo que ela se negava a ouvir. Foi assim enquanto recolhia as xícaras e a bandeja, mas algum tempo depois, na escuridão de seu quarto; não pode mais esconder que amava Daniel Grant, que sempre o tinha amado e que por dois anos havia fugido desse amor, chamando-o de admiração e respeito, a ponto de se convencer de que era isso mesmo que sentia.
Suas defesas desmoronavam e era doloroso reconhecer a inutilidade de amar um homem como Daniel. Nunca tinha se permitido pensar nisso, mas agora que admitira seu verdadeiro sentimento era angustiante saber que nada significava para ele e, se iam casar, era somente para satisfazer um desejo da mãe dele.


Capítulo IV


As três semanas até o casamento passaram num instante. Anos mais tarde Joanne se lembraria daqueles dias como se tivessem sido irreais.
Por insistência de Serena Grant, ela saiu do apartamento e veio morar com eles. Como já não trabalhava, teve tempo para vender às poucas peças da mobília e, com o dinheiro, comprar algumas roupas para a pretensa lua-de-mel que passariam na casa de praia de Daniel, perto de Knysna.
Bruce também se envolveu nos preparativos do casamento, subitamente orgulhoso e preocupado pelo papel que lhe caberia na igreja, ao tomar o lugar do pai da noiva. Serena Grant estava encantada pelo charme adolescente e pelas engraçadas maneiras de moleque que ele ainda possuía.
Durante aqueles dias, uma surpreendente amizade ganhou corpo entre Bruce e Daniel. Aquilo espantava Joanne e, às vezes, chegava a sentir inveja pela facilidade de relacionamento que existia entre eles e o embaraço que tomava conta dela e Daniel quando se encontravam sozinhos, o que, por acaso ou não, raras vezes aconteceu naquelas semanas.
Gratificantes eram os momentos que passava ao lado de Serena Grant. Era uma mulher inteligente e esperta, que nunca perdia tempo para dizer o que tinha em mente. Era muito perspicaz também, o que deixava Joanne em permanente estado de alerta.
– Estou feliz que esteja casando com meu filho – disse certo dia. – Ele não é um homem muito fácil para se conviver, mas você não é tola. Tenho certeza de que saberá lidar com as dificuldades.
Se saberia ou não driblar as dificuldades não vinha muito ao caso, ela pensou, pois Daniel Grant acabaria com aquela farsa quando sua mãe já não mais existisse.
No dia do casamento, Joanne estava estranhamente calma e controlada, enquanto olhava a própria imagem refletida no grande espelho do quarto. Seu vestido era lindo, e o véu de renda, importado da Ilha da Madeira, havia sido presente de Serena Grant para a noiva de seu filho, o que tinha tocado profundamente o coração de Joanne.
– Este é o dia de meu casamento – murmurava consigo mesma. – Sempre imaginei que seria o dia mais feliz de minha vida e aqui estou, prestes a ir para a igreja, como se fosse assistir ao casamento de outra pessoa.
O grande carro preto que Daniel havia alugado esperava lá fora, o motorista, de pé ao lado do automóvel, aguardava o momento de cumprir sua missão. Mas Joanne se sentia ausente e longe de tudo isso enquanto caminhava em direção ao hall, onde Bruce a esperava.
Ele parecia tão estranho naquele terno escuro com um cravo branco na lapela. Joanne não pôde evitar uma ponta de tristeza quando ele afastou-se da janela pela qual espiava, ao ouvir o ruído de seus passos.
Ele a fitou por longos segundos, um olhar surpreendido. Havia algo em torno dela, uma pureza, que a transformava numa visão irreal. Joanne sorriu.
– Você acha que Daniel vai gostar de mim assim?
– Jô... Você está linda!
– Vindo do próprio irmão, não se deve acreditar muito num elogio assim!
– Mas é a pura verdade. Gostaria que papai e mamãe estivessem aqui hoje para vê-la. Tenho certeza de que ficariam muito orgulhosos da filha!
Joanne sentiu um nó na garganta, mas refez-se logo. Aquele não era o momento para lágrimas e ela sabia disso.
– Suponho que Daniel e a mãe já foram para a igreja...
– Sim, há uns quinze minutos atrás – Bruce respondeu, arrumando o colarinho. – Vamos então? O carro já está aí fora e não devemos nos atrasar.
– É costume a noiva se atrasar um pouco – ela lembrou, com um leve sorriso nos lábios, o que não bastava para esconder o nervosismo que começava a sentir. – Mas talvez seja mesmo melhor não deixar Daniel esperando. Ele não é um homem muito paciente e não acho que será mais tolerante mesmo no dia do próprio casamento!
Carregando somente uma orquídea, à guisa de buquê, Joanne entrou na igreja alguns minutos depois, de braços dados com Bruce.
Ao cruzar o degrau da grande parta de madeira, ela observou o olhar de alívio de Bruce por não ter cometido nenhuma gafe até então; a aprovação nos olhos de Daniel. quando caminhava em sua direção; e o calor suave da mão dele ao segurar a sua, antes de oferecer-lhe o braço. E, mais que tudo, pôde perceber a grande felicidade estampada no rosto de Serena Grant, certamente orgulhosa de reter as lágrimas que queriam explodir em seus olhos.
Sim, agora era muito mais por causa dela que Joanne se casava com Daniel, pois sabia que não poderia desapontar aquela mulher que enfrentava a trágica sorte que a esperava com tanta coragem.
Da cerimônia propriamente dita. Joanne pouco se lembraria mais tarde. A única imagem que ficou realmente guardada foi a do momento em que Daniel colocou a aliança em seu dedo, além da lembrança do pânico que a assaltou naquele instante. Logo tudo estava terminado e eles caminharam para fora da igreja e mergulharam na multidão que os esperava. Daniel ria e a abraçava protetoramente, o flash da máquina fotográfica brilhava e Joanne se sentia em outro mundo. Pouco tempo depois o grande carro escuro apareceu para levá-las de volta para casa, onde haveria a recepção.
– E sua mãe? – Joanne perguntou, subitamente alarmada, quando se acomodava no banco de trás do automóvel.
– Minha mãe voltará com Bruce e a Sra. Johnson em outro carro – ele disse. E então mergulharam num profundo silêncio.
Agora já estava terminado, ela pensou, ainda que tivessem a festa pela frente. Mas. de qualquer maneira, Daniel já dissera que não pretendia ficar muito na recepção, preferindo partir para a casa de praia o quanto antes.
Serena Grant havia convidado mais de cem pessoas para a festa e todos pareciam estar muito contentes. Joanne viu várias amigas do hospital, mas, naquela confusão, nem conseguiu conversar com elas. Depois de feito o brinde aos recém-casados. Serena aproximou-se e sugeriu a Joanne que trocasse o vestido de noiva por algo mais confortável.
Aliviada por poder fugir um pouco de todo aquele alvoroço, Joanne dirigiu-se para o interior da casa. Percebendo seus movimentos, Daniel a seguiu até o quarto.
– Você está um pouco pálida – disse com preocupação. – Acha que não terá problema para viajar?
– Estou me sentindo perfeitamente bem, Daniel – ela assegurou. Sua resposta não pareceu convencê-lo, pois ele só se mostrou satisfeito depois de segurar seu pulso por um momento e constatar que tudo ia bem.
– Gostaria de dizer-lhe algo, Joanne. – Ele a fitava com uma expressão estranha. – Já vi muitas noivas em minha vida, mas nenhuma tão linda quanto você! Queria lhe dizer isso antes que tirasse o vestido.
Joanne olhou-o surpreendido. Aquele tipo de cumprimento não era algo a se esperar de uma pessoa como Daniel, ainda mais dirigido a ela.
– Obrigada, Daniel. É muita gentileza sua dizer isso.
Ele respondeu com um sorriso e em seguida levantou-se e deixou-a a sós. Que coisa estranha. Joanne pensou. Que coisa deliciosamente estranha!
Não havia muito tempo para ficar pensando naquilo, pois sua ausência certamente seria sentida na festa. Podia ouvir o ruído das vozes das crianças brincando entre as árvores do jardim. Joanne estava preocupada com Serena, sabendo que toda aquela agitação lhe consumia muita energia, e, em seu estado, isso não era muito bom.
– Sentirei saudades de vocês – Serena Grant disse, quando Daniel e Joanne vieram se despedir. – Mas não quero que se apressem a voltar por minha causa.
– Isso é uma ordem, mãe? – Daniel perguntou com ar bem humorado.
– É uma ordem sim, e você sabe muito bem disso. – O olhar calmo de Serena fitava o filho e a nora. – Nunca o vi beijar sua noiva, Daniel. E, tendo uma noiva tão linda como Joanne, me espanta que não o tenha feito!
– Tem razão, mamãe, mas a culpa é toda minha. – Olhou para Joanne: – Venha cá, minha linda esposa, seu marido deseja beijá-la – ele disse sorrindo.
E assim, na frente de Serena Grant, de Bruce e de vários outros convidados, Daniel tomou joanne em seus braços e beijou-a longamente, ainda que fosse um beijo sem emoção e falso. Mas era necessário, para não despertar suspeitas.
– Satisfeita? – Ele fitava a mãe, ainda conservando Joanne em seus braços.
– Sim, agora estou satisfeita. Quanto a vocês, o melhor que têm a fazer é partir logo e se divertir bastante nessa lua-de-mel!
– Cuide-se bem – Joanne disse carinhosamente, depois de beijar Serena Grant na face.
– E vocês também, meus queridos. Sejam felizes!
Joanne afastou-se um pouco para que não pudessem ver duas lágrimas que começavam a escorrer de seus olhos, mas deu de cara com o olhar gozador de Bruce.
– Ora, Bruce, você não devia rir assim de mim! – disse, fingindo-se indignada. – Bem, acho que você já estará na Universidade; quando eu voltar. De qualquer maneira. telefono assim que chegar para que possa vir jantar conosco.
– Está bem, Joanne... Sabe, gostaria de lhe dizer muitas coisas agora. Mas, de alguma maneira, não sei direito como começar.
– Eu compreendo, Bruce – ela disse, engolindo em seco. – Às vezes é realmente impossível traduzir em palavras aquilo que sentimos. Mas não tem importância, você sabe que eu o adoro e que é tudo que tenho na vida.
– Você tem Daniel agora, Joanne.
– Sim, eu tenho Daniel! Mas é diferente, você não acha?
Joanne beijou o irmão na face e foi ao encontro de Daniel, que a esperava perto da porta. Seu marido já dava mostras de impaciência e ela não desejava que isso acontecesse.
Seu marido! Como soava estranho, ela pensou enquanto fazia o último aceno de despedida, no carro já em movimento. Agora estavam sozinhos e tinham uma semana inteira pela frente, uma semana que passariam juntos, os dois, e só Deus sabia como fariam para passar o tempo.
A viagem durou várias horas e já era tarde da noite, quando finalmente pegaram a pequena estrada secundária que levava a Salt Bay.
– Já estamos quase chegando – ele disse ao notar que Joanne bocejava. – Pedi ao caseiro que deixasse alguma comida no forno e preparasse os quartos. Assim, logo que chegarmos poderemos comer alguma coisa e dormir em seguida. Você deve estar muito cansada!
– Daniel, será que não acharam estranho você pedir que preparassem dois quartos, justamente em nossa lua-de-mel? – Ela se sentia bem mais à vontade na escuridão que escondia o rubor de seu rosto.
– Bem, se acharam estranho, pelo menos não me disseram nada. Você se importa com o que as pessoas possam achar?
– Não, mas é que... Bem, estou preocupada com sua mãe. O que pensaria que viesse a saber que... que...
– Que não dormimos juntos em nossa lua-de-mel? Meu pai e ela sempre dormiram em quartos separados e acho que ela não achará estranho se fizermos o mesmo. Certamente pensará que tenho os mesmos hábitos de meu pai.
– E... você tem?
– Não, não tenho – ele disse rispidamente. – Dormiria com minha esposa todas as noites, numa cama de casal. Isso a surpreende?
– Não, não me surpreende. Acho que eu também iria preferir...
– Dormir nos braços de seu marido? É isso que ia dizer?
– Sim.
– Talvez ainda consiga realizar seu desejo, Joanne, com uma outra pessoa.
Com outra pessoa, mas nunca com você, ela pensou, sentindo que aquela idéia a entristecia.
A casa de praia era linda, de frente para o mar, rente à linha da areia. Era um lugar calmo, longe das outras casas. Seu interior, com dois quartos, sala, cozinha, e banheiro não era grande, mas transmitia uma sensação de aconchego bastante agradável.
– Esse é o seu quarto, Joanne – ele disse, abrindo uma porta e colocando a bagagem dela dentro do aposento. – Ficarei no quarto menor.
O quarto que ele lhe indicara era mobiliado com móveis de madeira rústica, próprios para uma casa de praia. A janela dava para o mar e Joanne escancarou-a para deixar entrar o vento fresco da noite.
O guarda-roupa não era grande, mas suficiente para guardar as poucas peças que trouxera. Aquela casa era o lugar ideal para quem desejava descansar e relaxar, longe da agitação da cidade.
Mais por curiosidade que por fome, ela se dirigiu à cozinha, onde descobriu que a mesa estava colocada para duas pessoas e um grande assado esperava no forno.
– Você está com fome? – A voz grave e já familiar perguntou. Joanne virou-se e encarou Daniel, que havia trocado de roupa e colocado uma camisa bem leve.
– Não, não estou. E você?
– Também não. Mas acho que devemos comer alguma coisa antes de deitar ou correremos o risco de acordar durante a madrugada morrendo de fome! – Depois de dizer isso, esticou o braço na direção de Joanne, que se retraiu involuntariamente. – Não há nada a temer, só vou pegar os pratos.
Joanne, que tinha estado tensa o dia inteiro, não conseguiu impedir as lágrimas que subitamente inundaram-lhe os olhos. Daniel, vendo aquilo, deixou os pratos de lado e a abraçou carinhosamente.
– Ora, Joanne! Posso agüentar muita coisa, mas não uma mulher chorando. E justo no dia de meu casamento – ele disse brincando.
– Desculpe, não sei o que há comigo. Não sou uma pessoa de chorar sem motivo.
– Nós dois tivemos um dia muito cansativo hoje, cheio de emoções fortes. Tenho certeza de que amanhã se sentirá melhor.
– Sim, suponho que sim – ela respondeu, sentindo o calor d corpo de Daniel colado ao seu e o toque suave da mão dele em seu cabelos...
– Joanne... Você não tem nada a temer. Dou-lhe minha palavra de que nunca farei nada contra sua vontade, assim como espero que você nunca revele a minha mãe o real motivo de nosso casamento. Você acredita em mim, não é?
– Sim, acredito em você, Daniel.
– Ótimo – ele respondeu, enquanto se afastava. – Agora, que tal comermos um pouco? Se não me engano, deve haver uma garrafa de champanhe no refrigerador.
Enquanto colocava a comida na mesa, Joanne descobriu que já se sentia bem mais aliviada e à vontade. Daniel lidava com a garrafa de champanhe, que abriu com um forte estampido da rolha. Quase sem perceber, começaram a saborear o assado, e quando viram não havia sobrado nada nos pratos, talvez por que a comida estivesse de fato deliciosa...
– Você vem sempre aqui? – Joanne perguntou, quando enfim pousou os talheres no prato vazio. Daniel já servindo mais uma taça de champanhe.
– Sempre que posso. Mas fazia um bom tempo que não vinha.
– Por causa de sua mãe?
– Sim, principalmente por causa dela – ele respondeu, o olhar cravado no líquido borbulhante dentro da taça.
– Daniel, será que não há nada que se possa fazer...
– Se houvesse, você acha que eu estaria aqui sentado o inevitável acontecer? – Seus olhos brilhavam de fúria.
– Não, claro que não.
– Desculpe, não queria ser rude com você. Mas acho que compreende como um médico se sente, quando vê que não há mais o que fazer por um paciente. Você se sente inútil, como se todos aqueles anos de dedicação e estudo fossem uma perda de tempo.
– Eu compreendo como se sente, Daniel. – Várias vezes ela tinha visto um médico usando todo o conhecimento que possuía, as mais modernas técnicas, para descobrir, depois de algum tempo, que tudo aquilo era inútil. – É que conhecendo sua mãe e a coragem tão grande que tem, é realmente difícil aceitar isso como um fato consumado. E, também, odeio pensar que a estamos enganando!
– Você não poderia odiar isso mais do que eu mesmo, Joanne. Mas acho melhor não continuar pensando nessas coisas. Que tal se fizéssemos um brinde ao futuro e às coisas boas que a vida reserva para nós?
Terminaram de beber o champanhe e Joanne começou a recolher os pratos, mas Daniel impediu-a com um gesto de enfado.
– Deixe isso para lá, Joanne. Amanhã terá tempo de sobra para fazer as vezes de dona-de-casa! Ordem do médico!
– Sim, doutor! – ela respondeu sorrindo, usando o mesmo tom de voz que usava no hospital. Ele também sorriu.
– Boa noite, Joanne, durma bem.
Quando ligou a luz do quarto; Joanne viu a mala de roupas em cima da cama e resolveu lançar mãos à obra e guardá-las no armário. Mais tarde, quando foi ao banheiro lavar-se para dormir, descobriu que não havia chave na porta. Certamente o barulho da água correndo seria bastante para prevenir Daniel de sua presença lá dentro.
E, realmente, não havia nada a temer, pois só depois que já estava deitada ouviu o barulho dos passos de Daniel em direção ao banheiro.
Aquela era a noite de seu casamento, ela pensou, enquanto ouvia o barulho do mar. Mas era uma noite de núpcias diferente. Legalmente, ela era a Sra. Grant, mas seu marido não tinha nenhuma necessidade da esposa no real sentido da palavra; enquanto ela... Oh, por que é que tinha que amá-lo tanto? Por que ficar ali deitada, sozinha, desejando que ele esquecesse aquele estúpido acordo e viesse ter com ela?
Perturbada pelos próprios pensamentos, Joanne rolava na cama sem conseguir dormir, as palavras de Daniel martelando em sua mente: “Eu não a desejo, Joanne Webster. Admiro sua beleza, mas fique certa que não pretendo fazer amor com você!”
– Oh, Deus – ela murmurou na escuridão. – Daniel nunca poderia saber de meus verdadeiros sentimentos e minha afeição por ele. Não conseguirei encará-lo se descobrir a verdade!
Lá fora a brisa suave vinda do mar fazia as árvores balançarem, arrancando um som monótono, que fez Joanne finalmente adormecer. Era uma noite quente de fevereiro, sua noite de núpcias.


Capítulo V


Apesar de toda a preocupação de Joanne, aqueles dias em Salt Bay foram inesquecíveis. Passavam a maior parte do tempo na praia, nadando, caminhando ou simplesmente deitados sob o sol. Teve a oportunidade de conhecer melhor o homem com o qual se casara, e foi com surpresa que descobriu um outro Daniel, que não sabia existir. Suas maneiras ríspidas, quase rudes, deram lugar a um comportamento calmo e amigável. Não lhe passava desapercebida a beleza física de Daniel, o que a fazia sentir com mais intensidade a própria feminilidade.
Quase nunca conversavam sobre Serena Grant, como se houvesse um acordo tácito para que não se tocasse naquele assunto. No entanto, Joanne sempre se lembrava daquela mulher que conhecia há tão pouco tempo mas que tinha aprendido a amar e admirar.
Era nela que pensava naquele momento, quando saía do banho e começava a se enxugar. Será que estaria bem?
Um ruído de porta se abrindo a fez colocar rapidamente a toalha em volta do corpo. O susto fez seu coração bater loucamente.
– O que é que você quer? – perguntou, tentando não deixar que o pânico se apoderasse dela.
Daniel, com a mão ainda na maçaneta da porta, olhava-a com uma expressão estranha, um olhar que parecia enxergar através da toalha, descobrindo o corpo de Joanne.
– Desculpe. Pensei que você estivesse na cozinha, preparando o café.
– Daniel, será que podia sair para eu me vestir? – ela perguntou, tentando manter a calma. Para sua surpresa e terror, ele fechou a porta e encostou-se nela de braços cruzados sobre o peito bronzeado.
– Não tenho vergonha nenhuma de observá-la enquanto se troca! E também não estou com a mínima pressa de fazer a barba.
– Por favor, quer me deixar sozinha?
Ele não fez caso de seu pedido e começou a caminhar em sua direção. Joanne estava atônita, incapaz de adivinhar quais as intenções dele, e nem se atrevia a pensar nisso. Daniel se aproximou com calma e, delicadamente, retirou o grampo que prendia os cabelos de Joanne no alto da cabeça, fazendo-os rolar soltos sobre seus ombros.
– Lorelei – ele disse com voz sedutora. – Você é como Lorelei, a ninfa aquática da mitologia!
– Daniel, por favor... – Ela tentou impedi-la quando ele a abraçou e a forçou a se aproximar. As mãos de Joanne, que ainda seguravam a toalha, espalharam-se no tórax musculoso de Daniel. Seus olhos arregalados foram obrigados a se fechar quando ele começou a beijá-los. E, antes que aqueles lábios descessem e alcançassem os dela, Joanne lutou contra o impulso de se entregar. Sabia que se não conseguisse se ver livre rapidamente, dali a pouco não seria capaz de resistir.
Segurando a toalha com apenas uma mão, afastou-o com a outra, enquanto fugia ao contato daqueles lábios quentes.
– Oh, solte-me. Daniel!
– Fique calma. Lorelei; não pretendo machucá-la.
Daniel pegou a toalha, com a intenção de abri-ta. Joanne sabia que temia muito mais os próprios sentimentos do que temia Daniel e, reunindo todas as forças, jogou a última arma para se ver livre dele.
– Você me deu sua palavra!
Daniel recuou de imediato, como se houvesse levado uma bofetada no rosto. Sim, as palavras de Joanne conseguiram o efeito desejado.
– Vista-se de uma vez, feiticeira! É melhor eu ir até a cidade depois do café e comprar uma tranca para esta porta. Caso contrário, poderei ser tentado a invadi-la novamente! – Ele virou-se para partir, mas voltou-se ao chegar à porta. – Eu estava enganado a seu respeito! Quando não está usando aquele uniforme de enfermeira, você se torna uma mulher muito atraente, Joanne. Portanto, não me tente demais, Lorelei. caso contrário poderei não cumprir minha palavra da próxima vez!
Joanne estava tremendo quando ele desapareceu, sem saber se era pela raiva que sentia ou por ter descoberto a exata extensão de seus sentimentos. Vestiu rapidamente a. roupa, fechando o zíper da calça com mãos trêmulas e inseguras.
Como ele podia acusá-la de tentá-lo, quando era ele quem tinha entrado no banheiro que ela ocupava, sem se anunciar e sem permissão para isso?
Lorelei! Sim, estava indignada, mas não podia deixar de admitir que também se sentira lisonjeada. Ao contrário do que afirmara antes, ele agora admitia que a desejava. Mas, desejo não bastava para Joanne e amor era uma coisa na qual Daniel não acreditava!
Daniel realmente foi até a cidade depois do café, como disse que faria, deixando Joanne sozinha em casa. Não era um dia bom para nadar, ventava muito e o céu estava meio nublado. Mesmo assim, ela resolveu caminhar um pouco pela praia.
Já fazia cinco dias que estavam na praia e ainda restava o fim de semana antes que voltassem, mas Joanne desejava imensamente voltar para Cape Town o quanto antes. Sentindo a areia molhada tocar-lhe os pés descalços, reconheceu que desde o dia anterior havia se instaurado um clima estranho entre eles que certamente não desapareceria com facilidade.
Continuou andando pela praia por muito tempo até chegar nas pedras que marcavam o fim da areia, onde um pescador solitário jogava seu anzol no mar agitado. Começou a subir nas grandes pedras, sentindo o prazer do vento no rosto, e admirando a beleza daquela paisagem. Subitamente, deu-se conta de que já estava ausente de casa muito mais tempo do que pretendia e Daniel, que certamente já teria.... voltado, devia estar preocupado.
Apressando o passo, resolveu cortar caminho pelas pequenas dunas de areia que circundavam a praia. Já estava perto de casa quando sentiu uma dor aguda na sola do pé. Abaixando-se para examinar o que tinha acontecido, descobriu que havia cortado o pé num caco de vidro semi-escondido pela areia. Culpou-se por estar andando descalça, e, com o lenço, tentou estancar o sangue que escorria em abundância.
A perspectiva de voltar saltitando para casa não era das melhores, e a dor cortante só fazia aumentar. Foi com alívio que viu Daniel se aproximando, a camisa aberta quase até a cintura, deixando à mostra o peito musculoso e bronzeado.
– Com os diabos, o que é que aconteceu?
– Eu... eu saí para andar e...
– Isso é óbvio! O que há de errado com seu pé?
– Cortei num caco de vidro.
– Deixe-me dar uma olhada.
As mãos dele eram extremamente delicadas quando examinavam o corte, mas Joanne não pôde evitar um grito de dor quando Daniel apertou-o para que o sangue escorresse e limpasse o ferimento.
– Está muito sujo de areia e não posso examiná-lo direito. É melhor voltarmos logo para casa e dar um jeito nisso.
– Vou colocar a sandália – ela disse, mas Daniel tinha outros planos e, pegando-a pela cintura, ergueu-a do chão e começou a carregá-la. – Daniel, não há necessidade disso, posso muito bem caminhar.
– Caminhar com o pé assim seria pior para o ferimento. Portanto, é melhor se agarrar a meu pescoço e ficar quietinha!
Joanne podia sentir a respiração quente de Daniel em sua face. Além disso, o contato daquele corpo desejado, perturbou-a de tal modo que esqueceu a dor que sentia.
Daniel só a soltou quando chegaram na cozinha, onde depositou-a suavemente sobre uma cadeira. Depois de trazer a caixa de primeiros socorros, ajoelhou-se ao lado de Joanne.
– Isso vai doer um pouquinho – advertiu. – Tenho que me certificar de que não ficou nem uma lasca de vidro.
Joanne concordou com a cabeça e preferiu não olhar, apertando os dentes enquanto Daniel limpava o corte profundo. Ele acabou retirando um pequeno pedaço de vidro e mostrou-o a Joanne.
– Pronto, agora não há mais perigo de infeccionar.
– Felizmente o corte não foi dos piores – ela comentou, enquanto Daniel acabava de limpar e desinfetar o machucado.
– Sim, poderia infeccionar. Desculpe ter feito doer ainda mais; era necessário.
– Eu sei. Acho que foi mesmo uma estupidez caminhar descalça naquele lugar. Acabei levando o que merecia!
– Sim! Mas da próxima vez vai tomar mais cuidado!
Próxima vez... Não haverá uma próxima vez, pelo menos com você e em Salt Bay, ela pensou enquanto se levantava e colocava aos poucos o pé no chão para descobrir como andar sem comprimir o corte. Enquanto Daniel levava de volta a caixa com os medicamentos para o banheiro, colocou água no fogo para fazer um pouco de chá.
Foi só mais tarde, durante o almoço, que reuniu coragem suficiente para abordar o assunto com Daniel.
– Você não acha que já está na hora de voltarmos para Cape Town?
– Se olhar bem – ele respondeu com ar zombeteiro –, verá que já coloquei uma tranca na porta do banheiro. Ou será que tem medo que eu ponha a porta abaixo?
– Não é isso, Daniel! É por causa de sua mãe.
– O que tem minha mãe? – Sua expressão se alterou imediatamente.
– Não sei... não consigo explicar direito mas tenho um sentimento que me diz que... que devíamos voltar.
– Será que é o que chamam de intuição feminina?
– Chame como quiser – ela replicou. encarando-o de frente –, mas não posso esconder que algo me diz que devíamos voltar.
– Durante estes anos trabalhando como médico, aprendi a considerar a intuição das enfermeiras... – Ele estreitou um pouco os olhos. – Vou pegar o carro e ir até o correio, telefonar para casa.
– Vou.com você – ela disse, enquanto se levantava e começava a tirar a mesa. – Acho que se a Sra. Johnson não poderia entrar em contato conosco se algo ruim sucedesse.
– Não, acho que não. Instrui o operador no correio para me procurar em caso de recado urgente. Mas, conhecendo minha mãe, acho que seria bem capaz de não permitir que a Sra. Johnson ligasse para cá!
Pouco tempo depois já estavam no correio, e Joanne esperava dentro do carro. Estava começando a achar que talvez aquela situação fosse uma besteira e nada de errado estivesse de fato acontecendo. Depois de algum tempo, que pareceu uma eternidade, Daniel finalmente apareceu e a expressão em sua face era bastante significativa.
– E então? – ela perguntou ansiosamente, enquanto Daniel sentava e batia a porta do carro.
– Ela teve uma pequena crise ontem e o Dr. Erasmus mandou que não se levantasse por alguns dias. Mas, como não havia nenhum perigo imediato, não permitiu que a Sra. Johnson ligasse e ela não pôde deixar de cumprir a ordem.
Permanecer em Salt. Bay agora que sabiam como estava Serena Grant não fazia mais sentido e Joanne resolveu tomar a iniciativa.
– Se partirmos agora, estaremos em Cape Town no começo da noite.
Daniel fitou-a intensamente por um momento antes de concordar com a cabeça.
– Está bem! Vamos arrumar as malas. A lua-de-mel está terminada!
Passava já das oito horas quando chegaram. Apesar de cansados e empoeirados pela viagem, largaram as malas no hall e foram direto para o quarto de Serena.
– Crianças! – Seus olhos se abriram de espanto e Joanne não pôde evitar um ar de espanto ante a visão do corpo fraco e magro de Serena sobre a cama. – Mas, por que já estão de volta?
A Sra. Johnson, depois de cumprimentá-los educadamente, pediu desculpas e se retirou. Daniel sorriu para Joanne com um infinito ar de doçura.
– Acho que minha mulher se encheu de me ter a seu lado o dia inteiro, mamãe!
– Não é verdade. Nós dois decidimos que gostaríamos de passar o fim de semana com a senhora.
– Hum... – O olhar dela tinha uma expressão de suspeita. – Será que a Sra. Johnson foi tola o suficiente para desobedecer minhas ordens? Ela telefonou para vocês?
– E por que nos telefonaria? – Daniel perguntou com falsa inocência.
– Você sabe muito bem por que! Fui estúpida o bastante para ter um desmaio ontem e agora estou aqui nessa cama. O médico não permite que me levante e ficam todos me vigiando!
– Ora, mamãe, é bom que você descanse!
– Descansar? E como é que se pode descansar com ela me rodeando o dia inteiro, com tantas pílulas e injeções? Já estou toda espetada! – Encostou-se na cama, certamente cansada pelo esforço de falar. – Ora, que Deus a tenha. Sei que se não cuidasse de mim seria muito pior. Ainda mais eu, que sou chata e dou tanto trabalho!
– Ah, confessou, não é? Vou contar para a Sra. Johnson – Daniel brincou.
– E eu vou negar tudo que disser! Bem, agora vão se arrumar para jantar. Oh, céus! Espero que Violeta tenha preparado o suficiente! Só esperávamos vocês no domingo!
– Ora, Violeta sempre cozinha o bastante para três famílias! Bom, nós a veremos mais tarde – ele disse, levantando-se.
– Sim – ela concordou, fechando os olhos. – Joanne e eu temos que conversar. Ainda há muita coisa que gostaria de lhe dizer e muita coisa que gostaria de ouvir.
– Ela não parece muito bem – Joanne admitiu para Daniel, quando caminhavam pelo corredor.
– Não, não parece – ele concordou, franzindo as sobrancelhas. – Talvez não possa mais sair da cama daqui para a frente.
– Não diga isso, Daniel – ela protestou, alarmada por aquela dedução, mas sabendo que no fundo ele estava certo.
– Vamos, vou levá-la até seu quarto.
Daniel conduziu-a à ala norte da casa, onde estava localizado o principal aposento da mansão, com sua grande cama de casal e as cortinas alvas e compridas. Havia uma porta do lado direito que conduzia ao banheiro, porém foi uma segunda porta que chamou a atenção de Joanne.
– Aquela porta leva ao meu quarto – Daniel explicou. – Como pode ver, ela tem chave e você pode trancá-la se isso a deixar mais segura – ele zombou.
– Nunca pensei que fosse necessário fechar a porta a chave contra você, Daniel.
Ele virou-se e aproximou-se dela, que instintivamente se afastou um pouco. Daniel tomou sua face com as mãos e a obrigou a fitá-lo nos olhos.
– O problema, Joanne, é que você é como um vinho muito bom. A gente prova uma vez e aí quer mais e mais e mais.
– Daniel, por favor.
– Daniel, por favor me beije? É isso que quer dizer, Joanne? – Ela podia sentir o hálito quente no próprio rosto. – Não é preciso pedir, pois é a coisa que mais desejo neste momento.
– Você sabe que não foi isso que quis dizer!
– Você me desaponta! – Ele riu do gesto inútil de Joanne para afastá-lo. – Quando esse vinho fica conhecido do paladar, não se tem opção a não ser saboreá-la o tanto quanto possível.
Daniel beijou-a profundamente, a princípio com carinho, mas depois, cada vez com mais volúpia, comprimindo o corpo ao dela, fazendo aflorar o desejo que Joanne prometera a si mesma guardar com todas as forças.
O beijo durou uma eternidade, até que ele finalmente a soltou e se afastou um pouco. A expressão de sua face era inescrutável, a não ser pelos olhos que pareciam brilhar de emoção.
– Posso tolerar suas amostras de carinho quando temos uma audiência nos observando, mas quando estamos sozinhos não há razão para isso e não permitirei que você o faça. Não estava em nosso acordo...
– Não há nenhum acordo escrito, Joanne.
– Mas você me deu sua palavra. Será que já não posso mais confiar nela?
– Estou tentando manter a palavra – disse com um sorriso cínico. – Mas sou um homem e reajo como tal. Depois, legalmente você é minha esposa, o que me dá certos direitos. Será que podem me considerar culpado de, em certos momentos, não conseguir pensar em mais nada além de que você é linda e que estamos legalmente casados?
– Só nos casamos por causa da saúde de sua mãe.
– E por uma certa quantia de dinheiro – ele interrompeu com frieza. – É bom não se esquecer disso!
– Não vou esquecer, Daniel. Já me sinto degradada o suficiente por ter sido levada a unir-me a alguém para conseguir o dinheiro para a educação de Bruce.
– Joanne – ele disse com mais calma. – Não há por que ficarmos nos acusando destas coisas.
– É por sua culpa!
– Minha culpa? Só por que a beijei? Não a beijaria se não tivesse certeza de que você também gosta; tanto quanto eu!
– Está enganado se pensa isso, Daniel.
– Não, não estou. E, aliás, começo a achar que se fosse em frente e fizesse amor com você, certamente lhe agradaria bastante!
– Oh, como é que se atreve? – ela disse, afastando-se impulsivamente.
– Atrevo-me porque toda vez que a beijei senti que em você o desejo também se acendia e ganhava corpo. Negar isso seria tolice!
Joanne nada pôde dizer, pois sabia que ele tinha razão. Se Daniel agisse com determinação, conseguiria vencer suas resistências, e por isso ela temia mais os próprios sentimentos, sobre os quais não tinha controle.
– Não nego que entre nós existe atração física – ela falou finalmente, notando o olhar de triunfo nos olhos de Daniel. – Mas sinto que é algo contra o que devemos resistir. Nós casamos por razões que não preciso repetir e seria tolice estragar nosso futuro só porque sentimos essa atração. Tanto eu quanto você talvez ainda encontremos uma pessoa com a qual possamos dividir nossas vidas, e eu seria incapaz de me dar a um homem somente por desejá-lo fisicamente. Para um homem é diferente, eu sei. Dorme com uma mulher determinada noite e, no dia seguinte, já não se lembra dela. Mas, para as mulheres, para mim, é diferente.
– Eu compreendo – ele disse, passando a mão em seus cabelos. – Você daria o corpo e a alma para o homem ao qual se entregasse, sem desejar nada em troca.
– E acha que devia ser diferente?
– Não. – Seu braço caiu ao longo do corpo, uma expressão de fraqueza. – Joanne, encontro você na sala de estar quando estiver pronta.
Por que aquela conversa com Daniel a tinha incomodado tanto era algo que não conseguia decifrar, enquanto ele se afastava. Sentia-se cansada, o ferimento no pé latejava um pouquinho. Todas as suas coisas já tinham sido transferidas do quarto que ocupava antes do casamento e agora estavam guardadas no guarda-roupa ou dispostas sobre a penteadeira, como os cosméticos e aquele perfume de que gostava tanto e que esquecera de levar na viagem.
Só conseguiu relaxar e sentir-se melhor depois de tomar um banho quente. Em seguida passou a cuidar do machucado. Tinha estado muito tempo de pé e por isso ele doía. Mas tudo se resolveria com um repouso completo.
Seus pensamentos inevitavelmente retomaram a Daniel e sentiu um arrepio quando se lembrou da forma como a beijou. Atração física, ela admitia que sentia, mas era muito mais que isso. A atração que tinha por ele era física e emocional, porém esse sentimento não interessaria a Daniel. Não se passaria muito tempo antes que se cansasse daquilo e fosse procurar outra pessoa, talvez alguém que não fosse tola o suficiente para se entregar em troca da satisfação física.
– Oh, Deus, como eu tentei não amá-lo – ela murmurou, enquanto começava a se vestir para o jantar.
Depois do jantar, foram ter com Serena, porém pouco depois Joanne desculpou-se por estar muito cansada e voltou para o quarto indo direto para a cama.
Não tardou a adormecer, mas o sono foi bastante agitado. No meio da noite foi assaltada por um pesadelo horrível, em que se via num incêndio numa floresta e Daniel, fora do fogo, esticava os braços para socorrê-la, mas não a alcançava.
Acordou sobressaltada, sem entender direito por que a seu lado, sacudindo-a levemente.
– Fique calma, estou só tentando ajudá-la.
– Daniel! – ela soluçou. – Tive um sonho terrível.
– Eu ouvi você me chamando e imaginei que estava tendo um pesadelo. Mas agora já passou... Acho que está um pouco febril, Joanne – ele disse, tocando sua face com a mão.
– Não estou me sentindo muito bem – ela admitiu. – Meu pé está latejando tanto!
Daniel puxou o cobertor sem a menor cerimônia, descobrindo o pé ferido.
– Quando foi que começou?
– Um pouco antes do jantar.
– E por que você não falou nada? Veja só como está infeccionado, Joanne!
– Eu... eu não pensei que fosse piorar.
– Fique deitada. Voltarei num instante.
– Penicilina? – ela perguntou assim que ele voltou uma seringa de injeção.
– Sim. Acho que será o suficiente para acabar com a infecção.
Com a eficiência que ela conhecia tão bem. Daniel aplicou a injeção em seu braço. Em seguida limpou cuidadosamente o ferimento e depois arrumou novamente o cobertor e o travesseiro de Joanne, observando-a depois por um longo momento.
– Você vai ficar boa logo – disse finalmente. – Vou deixar a porta de meu quarto aberta, se precisar de alguma coisa me chame – ele disse e virou-se para sair, sem esperar por resposta.
– Daniel! – Ele voltou-se ao ouvir o chamado. – Obrigada!
– Depois mando a conta da consulta – ele brincou. – Boa noite!
– Boa noite! – Ela sorriu, desligando a luz em seguida e fechando os olhos.
A porta entre seus quartos estava aberta e desta vez Joanne sentia conforto em saber que Daniel estava a seu lado. Pouco tempo depois, o pé um pouco menos dolorido, conseguiu adormecer, agora profunda e calmamente.


Capítulo VI


A saúde de Serena Grant foi piorando progressivamente tal como Daniel havia previsto. Nunca mais conseguiu levantar da cama, tamanha sua fraqueza.
– Ah, minha querida criança – ela começou a dizer certa noite, quando Joanne chegou e sentou-se numa cadeira ao lado da cama. Acho que minha vida seria muito triste se não tivesse você para me fazer companhia.
– Ora, de qualquer maneira teria Daniel e a Sra. Johnson a seu lado.
– Daniel tem seu trabalho, que o ocupa tanto; e a Sra. Johnson cumpre sua tarefa de forma admirável. Mas ambos me tratam bem demais, me bajulam, você compreende? E é exatamente por isso que gosto de você, porque me trata de modo natural, me. coloca no lugar certo! Estou tão feliz que meu filho a tenha escolhido para esposa! Seria terrível se não pudesse me dar bem com minha própria nora.
– Daniel nunca casaria com alguém que a senhora não aprovasse!
– O amor é uma coisa engraçada, Joanne. Não depende da aprovação de ninguém. E, depois, com a personalidade forte de Daniel, acho que não levaria muito em conta minha opinião! – Serena tomou a mão de Joanne. – Casou com você porque a ama, minha aprovação foi incidental.
“Casou com você porque a ama”. As palavras ecoaram nos ouvidos de Joanne. Oh, Deus, se realmente fosse verdade!
Serena Grant suspirou e fechou os olhos, a respiração profunda. Só depois de certificar-se de que tinha adormecido, Joanne deixou o quarto em silêncio.
As palavras de Serena ainda continuavam em sua cabeça enquanto caminhava pelo corredor. No fim da passagem, encontrou Daniel, que acabara de chegar. A expressão consternada de Joanne indicava que algo não ia bem.
– Qual o problema, Joanne?
– Daniel, preciso falar com você – ela falou com tanta urgência que Daniel tomou-a pelo braço e foram até o escritório dele.
– O que foi?
– Daniel, não consigo continuar, mentindo desta forma! Nós temos que dizer a verdade a sua mãe! Não podemos continuar deixando-a pensar que... que somos um casal em perfeita harmonia e felicidade! Não é justo!
– Pare de dizer tolices, Joanne! – A voz dele era ríspida, como se estivesse prestes a esbofeteá-la.
– Oh, Daniel, sinto-me tão culpada cada vez que sua mãe fala de nós! E ela faz isso com tanta freqüência!
– E você não acha que isso mostra o quanto ela está feliz com o nosso casamento? – Ele tomou seu queixo e obrigou-a a fitá-lo nos olhos. – Será que você desejaria tirar essa felicidade dela?
– Você sabe que eu seria incapaz de machucá-la, mas o que não consigo suportar é estar traindo uma pessoa que deposita tanta confiança em nós. Cada vez que ela comenta algo, tenho que ficar escutando e me odiando por fazer isso! Eu... eu acho que a respeito demais para continuar com esta farsa!
– Mas você tem que continuar! – Ele a segurava pelos ombros, com certa violência. – Você prometeu!
– Mas ela não merece isso, Daniel.
– Você vai voltar atrás com sua palavra, Joanne?
Ela sustentou o olhar dele por um instante, vendo a zangada determinação que lá estava. Mas,abaixou os olhos, desolada.
– Não, não vou, Daniel.
Ele a soltou vagarosamente, uma expressão de alívio estampada no rosto. Oh, se ela pudesse fazê-lo ver como estava errado enganar a mãe desta maneira! Seus esforços seriam inúteis, ela sabia disso. Nunca deveria ter concordado com aquele casamento, mas estava tão desesperada para obter o dinheiro para Bruce que em nenhum momento pensou no que seu gesto significaria para Serena Grant. Quando teve consciência da dimensão de sua decisão já era tarde demais. Agora, a única maneira de melhorar as coisas seria contar toda a verdade para Serena, mas Daniel nunca permitiria.

Bruce veio almoçar com eles no domingo. À tarde, tomaram chá; sentados num banco sob as grandes árvores do jardim.
– Você não parece estar muito bem – o irmão comentou quando finalmente se encontraram a sós. – Não vá dizer que já está grávida!
– Ora, não seja tolo, Bruce...
– Ora, vocês já estão casados há três meses e poderia ter acontecido.
– Não conosco! – ela disse espantada, mas corrigiu em seguida. – Não até agora, pelo menos.
– Sempre achei que você gostasse de crianças.
– Eu gosto... Ora, coma outro biscoito e pare de dizer bobagens!
– Está bem, está bem, não precisa ficar brava – ele disse sorrindo.
Depois ficou pensativo por um instante, antes de continuar. – A Sra. Grant está piorando bastante.
– Sim, é verdade, a cada dia que passa se torna mais fraca.
– Daniel também tem me parecido muito abatido ultimamente.
– Para ele é muito duro ficar observando a vida da própria mãe se esvaindo.
– Não sei, mas me parece que existe algo mais que o preocupa bastante.
Sua consciência, talvez?, ela não pode evitar o pensamento. Desde aquela conversa em que ela tinha implorado para que contassem a verdade para Serena, nunca mais haviam tocado no assunto. No entanto, tudo permanecia no ar, e o sentimento de culpa continuava atormentando Joanne.
Era esse mesmo sentimento que a incomodava naquele noite ali, ao lado de Serena, Daniel a abraçando pela cintura.
– Mais tarde volto para vê-la, mãe – ele disse olhando o relógio. – Tenho que ver um paciente no hospital que não está muito bem.
– Claro, querido. Não se preocupe, Joanne me fará companhia.
– Você não deve se cansar e sabe disso – ele a advertiu.
– Ora. Daniel, nunca é cansativo ouvir Joanne falar. Ela tem na voz a doçura dos anjos! Não venha me dizer que nunca percebeu isso!
– Mamãe, essa é justamente uma das razões pelas quais me casei com ela – Daniel disse sorrindo e em seguida virou-se para Joanne.
– Bem, vejo você mais tarde também.
Ao dizer aquilo beijou-a suavemente no rosto, despedindo-se. Joanne sabia que ele fazia isso só por estar na frente de Serena, mas não pôde evitar que seu coração se acelerasse. Ela ainda podia sentir o calor daqueles lábios na própria face quando puxou uma cadeira e sentou-se ao lado de Serena.
– Joanne, sei que posso ser um pouco intrometida, mas... –, ela fitou a moça com uma expressão cansada mas decidida – Está tudo bem entre você e Daniel?
– Por que pergunta isso? – Joanne começou a sentir um grande constrangimento.
– Não sei, talvez seja estupidez de minha parte, mas às vezes tenho um pressentimento de que algo não vai bem e... – ela fitou Joanne profundamente – Existe algum problema, não é mesmo?
– Não, claro que não.
– Joanne... você não sabe mentir e além disso eu não sou boba. Você sabe que a amo como se fosse minha própria filha, então por que é que não confia em mim?
Joanne se sentia terrivelmente mal, entre o impulso de contar-lhe toda a verdade e o medo de quebrar o compromisso que tinha com Daniel.
– Eu não posso! Prometi que...
– Prometeu a Daniel que não me diria nada, não é?
– Sim.
– Você ama meu filho, Joanne?
– Eu... sim, amo muito – ela admitiu, depois de hesitar por um momento.
– Então não tem importância que ele tenha casado com você só para satisfazer meus estúpidos desejos!
– Oh, como é que a senhora sabe...?
– Bem, eu não sabia. Mas você acabou de confirmar minhas suspeitas – a bondosa senhora admitiu, com um sorriso de triunfo nos olhos.
– Oh, a senhora me enganou!
– Sim – ela disse com um sorriso, sem o menor sinal de remorso. – Sou mesmo uma mulher terrível, não é? – Apertou o braço de Joanne. – Eu tenho que saber toda a verdade, Joanne.
– Mas se Daniel...
– Ora, aos diabos com Daniel. Conte-me tudo!
Joanne relutava, mas Serena Grant a olhava com decisão e ela não resistiu e começou a contar a respeito de Bruce, da necessidade de dinheiro e do desejo de Daniel de tornar a mãe feliz. No começo hesitou, mas depois, excitada por estar revelando toda a verdade, foi falando cada vez mais depressa e, dentro em pouco, não havia nada mais que Serena não soubesse. Joanne sentiu um frio na barriga, como se tivesse cometido um crime horrível.
– Nunca pensei que Daniel pudesse ser tão tolo! – disse Serena Grant com certa tristeza. – Mas fico contente que tenha ajudado Bruce, pois é um ótimo garoto.
– Oh, se Daniel descobrir que contei tudo para a senhora...
– Você mesmo é quem lhe contará um, dia, quando tiver tornado seu casamento real, Joanne. Você realmente deseja que se transforme num casamento de verdade, não é? Não diz isso só para me acalmar, eu acredito...
– Minto muito mal, não se lembra?
– Sim – ela concordou coma cabeça, satisfeita. – Sei que está sendo sincera.
– Saber a verdade não a tornou infeliz, não é? – Joanne perguntou com uma ponta de aflição, enquanto tomava entre as suas as fracas mãos de Serena Grant.
– Não, claro que não. – Ela sorriu. – Estou muito mais satisfeita agora que sei de tudo. E ainda lhe devo uma desculpa.
– Desculpa?
– Sim, minha querida criança. Se não fosse meu desejo estúpido de vê-lo casado, talvez Daniel tivesse deixado as coisas seguirem seu curso natural e vocês se casassem quando chegasse o momento certo.
– Oh... não diga isso! Desse jeito eu não a teria conhecido, e isso é algo de que sempre vou lembrar com alegria.
– Você é uma criança muito doce, Joanne.
– Você está cansada – Joanne disse, depois de um curto silêncio. – Acho que já está na hora de dormir!
– Joanne... dê um pouco de tempo a ele.
– Eu lhe darei todo o tempo que quiser – ela prometeu, beijando a anciã na testa. Depois se dirigiu para seu próprio quarto.

Com o passar dos dias, a condição física de Serena só fazia piorar. E o medo tomou o lugar do alívio que Joanne sentira quando contou a ela toda a verdade. Não mantivera sua palavra e agora não sabia como Daniel reagiria se viesse a saber. Será que entenderia ou perderia para sempre a confiança nela?
– Você tem andado tão pensativa ultimamente... – ele comentou certo dia, depois de terminado o jantar. – Não gostaria de conversar sobre isso?
– Bem... – Joanne sentiu no rosto o ar frio da noite que tornava a varanda onde estavam fresca e agradável. – Tenho pensado em sua mãe e... em nós.
– Posso entender que pense em minha mãe, em seu estado, mas o que é que a preocupa com relação a nós dois?
– E nosso casamento, tudo tão confuso...
– Você está com pressa para ser livre, Joanne?
– Você diz isso como se me perguntasse se tenho pressa para que sua mãe morra, e sabe muito bem que...
– Joanne – ele a interrompeu subitamente. – Esqueça minha mãe por um momento. Você está com pressa de se ver livre de mim?
– Não, não é verdade! – Joanne começava a sentir-se incomodada, o pulso acelerando.
– Bem, não sei quais são suas vontades...
– Não vou procurar um advogado assim que... que... – as palavras não saíam. – Oh, Daniel!
– Joanne!
Ele começou a acariciar seu ombro e depois, deslizando suavemente a mão, afagou os cabelos sedosos que caíam em mechas douradas.
– Daniel, por favor, não faça isso!
– Quando você treme, como agora, tenho vontade de tê-la em meus braços – ele disse, a respiração quente na testa de Joanne. – Sei que não tem aversão a meus beijos e... será que um dia consentirá em dar uma chance para nosso casamento?
– Você quer dizer, transformá-lo num casamento verdadeiro?
– E por que não? Acha que seria impossível?
– Mas você não me ama! – Ela tentava fugir ao imenso desejo de acariciá-lo também.
– Amor, Joanne, é uma palavra já tão gasta que perdeu o sentido. Acho que, se permitíssemos, talvez nosso casamento fosse bem sucedido. Estou ansioso para tentar, se você também estiver.
– Eu... eu não sei – ela murmurou. – Terei que pensar.
– Não quero apressá-la – ele disse, com um sorriso. – Mas devo preveni-la de que não limitarei nossos beijos àqueles momentos em que existe alguém nos observando. Existem outros momentos em que sinto vontade de beijá-la, por mim mesmo, como agora, por exemplo!
Antes que Joanne pudesse protestar, ele a envolveu num abraço e beijou-a profundamente. Joanne percebeu toda a sensibilidade que emanava do corpo forte de Daniel. Seria tão fácil responder agora, pensou. Mas como poderia dizer “sim” se não ia ser um casamento baseado no amor, pelo menos do ponto de vista de Daniel?
– Não me beije mais, Daniel, por favor.
– Então pare de tremer de desejo!
– Ora, Daniel, isso não está acontecendo.
– Mentirosa – ele disse carinhosamente, com um sorriso. – E então, vai considerar meu pedido?
– Sim, eu disse que ia, não disse? – Ela estava ansiosa para escapar ao toque perturbador das mãos dele. – Daniel, deixe-me entrar em casa.
– Será que devo soltá-la?
– Por favor!
– Mas... – Ele colocou as costas das mãos sobre o peito de Joanne. – Seu coração está batendo como louco!
– Por favor, Daniel!
– Está bem – ele disse, soltando-a com certa rispidez e dando um passo atrás. – Não há razão para entrar em pânico. Não estou tão desesperado... pelo menos por enquanto.
– Você me dá a impressão de reduzir tudo a sexo, Daniel – ela disse, corando violentamente.
– E o que pode ser mais importante que isso? – ele perguntou, enquanto acendia um cigarro e encostava-se à parede, uma expressão de autoconfiança nos olhos.
– Oh! – Ela estava furiosa. – Você é odiável!
– Se me acha assim tão ruim, por que é que treme quando eu a toco?
– É aversão!
– Não, minha Joanne, não é isso c você sabe muito bem. É o desejo que a deixa assim!
– Não!
– É o que veremos...
A risada de Daniel a seguiu enquanto entrava rapidamente. Porém, antes que tivesse o alívio de chegar em seu quarto foi abordada pela Sra. Johnson, que lhe dirigiu a palavra.
– Bem, Sra. Joanne, a senhora havia me oferecido ajuda, se eu precisasse, e acho Que agora não poderei mais recusar. A Sra. Serena precisa ter alguém a seu lado vinte e quatro horas por dia.
Joanne ficou chocada, a princípio, pois sabia o que aquilo significava. Seus anos como enfermeira profissional haviam lhe ensinado como agir em tais situações.
– Está bem. Acho que poderíamos nos revezar de quatro em quatro horas, não?
– Para mim seria ótimo, Sra. Joanne.
– Então está combinado. Você precisa me explicar os remédios que devem ser dados e a que horas.
A Sra. Johnson concordou e ambas foram até o quarto de Serena, onde Joanne recebeu as instruções, transmitidas em voz baixa.
– Por que todo esse movimento? – perguntou Serena Grant abrindo os olhos.
– Não é nada – Joanne assegurou com voz suave. – É que, de agora em diante, ficarei um pouco em sua companhia para que a Sra. Johnson possa descansar.
– Estou piorando?
Joanne fitou aqueles olhos verdes tão fracos, mas ainda tão vivos e sentiu uma imensa dor no coração.
– Só estamos intensificando o tratamento. – Virou-se para a enfermeira. – Vá descansar um pouco, Sra. Johnson.
– Não vou viver muito tempo, não é mesmo? – Serena perguntou, assim que ficaram sozinhas.
– Oh, por favor, não diga essas coisas.
– Minha querida filha, eu... já sei disso e... – Sua voz era cortada pela fraqueza. – Não tenho medo de morrer, Joanne. Será um alívio poder descansar dessa dor que me acompanha há tanto tempo.
– Oh... – Joanne nada conseguia dizer, sentindo que estava prestes a chorar.
– Joanne... será que poderia ler um pouco para mim? Sua voz é tão suave...
– O que quer que eu leia? – ela perguntou, tomando a pequena bíblia que estava sobre a mesa-de-cabeceira e começando a folheá-la.
– Nada que seja triste – Serena disse com um suspiro. A injeção que a Sra. Johnson aplicara certamente começava a fazer efeito. – Leia aquele capítulo sobre o amor, no primeiro livro. Já o leu outras vezes, mas é que gosto tanto dele!
Joanne começou a ler com voz serena e pausada e, quando leu o sétimo verso, a velha senhora pediu-lhe que lesse novamente.
– “O amor nunca desiste: sua fé, esperança e paciência nunca desaparecem” – Joanne repetiu com suavidade. – “O amor é eterno”.
– O amor é eterno – Serena repetiu. – Não são palavras lindas, Joanne?
– Sim, são palavras maravilhosas – Joanne concordou e Serena fechou os olhos e adormeceu.

Dois dias depois, já passava da meia-noite quando Joanne tentou acordar Daniel, sacudindo-o.
– Lorelei... – ele murmurou sonolento, tentando puxar Joanne para junto dele.
– Daniel, sua mãe está pedindo para ver você – ela disse com voz angustiada e ele imediatamente acordou e levantou-se, dando um pulo da cama e agarrando o roupão, que vestiu sobre o pijama.
Foi a última vez que Serena conversou com alguém, pois logo depois perdeu a consciência e, antes que o sol nascesse, já havia falecido.
– Estou tão triste, Daniel... Gostaria de dizer que... – Joanne hesitava, pois com palavras não poderia dizer o que sentia. Daniel afastou-se da janela, onde ficara olhando para fora com o olhar vago, e aproximou-se dela.
– Eu compreendo – ele disse, abraçando-a. Assim ficaram por um momento, como se um transmitisse força ao outro. Depois de certo tempo, Daniel levantou a cabeça e continuou: – Bem, é melhor eu tomar um banho e fazer a barba, pois tenho que sair logo e começar a preparar tudo.
– Quer que ajude em alguma coisa?
– Sim, gostaria que ligasse para minha secretária e mandasse cancelar todos os compromissos para hoje. Depois, seria bom ligar para o hospital e dizer que irei somente à tarde dar uma olhada em meus pacientes. Do resto eu cuido.
O Dr. Erasmus veio logo cedo e, pouco depois, não havia ninguém na cama onde Serena Grant havia estado durante tanto tempo. Dentro do peito de Joanne, um vazio imenso se instalara.
A Sra. Johnson ficou até o dia seguinte, depois do funeral. Quando estava partindo. aproximou-se de Joanne e entregou-lhe um envelope lacrado.
– A Sra. Grant me pediu que lhe entregasse isto, quando tudo estivesse terminado. Pediu também que o fizesse quando a senhora estivesse a sós, e é o que estou fazendo.
– Obrigada, Sra. Johnson. – Joanne fitou o envelope com seu nome escrito com caligrafia irregular, que denunciava a fraqueza de Serena, tentando segurar as lágrimas. – Muito obrigada, Sra. Johnson, por tudo que fez. Tenho certeza de que meu marido também já lhe agradeceu.
– Sim – ela concordou com a cabeça e em seguida estendeu a mão para despedir-se. – Até logo, Sra. Joanne, que Deus a acompanhe.
Joanne ficou ali de pé por um momento, fitando o envelope que Serena lhe endereçava, e em seguida foi para o quarto. Depois de sentar-se na cama, abriu a carta com mãos trêmulas.
“Minha querida Joanne”, escrevera Serena Grant, “...escrevo isso enquanto ainda sou capaz de lidar com a caneta. Mais tarde, só Deus sabe. Quero que saiba que, se me fosse dado escolher, nunca acharia uma esposa mais amável e preciosa para meu filho do que você, e saber de toda a verdade só fez com que me sentisse bem feliz. Acredito que seu amor por Daniel encontrará uma maneira de superar todos os obstáculos, mas permita que lhe dê um conselho: não consume o casamento enquanto não houver algo verdadeiro e profundo entre vocês. Diga a Daniel que eu soube de toda a verdade antes de morrer e diga também que minha felicidade foi maior ainda por saber que, mesmo me enganando, ele foi capaz de tudo isso somente porque acreditava que eu seria mais feliz. Gosto muito de vocês dois e sei que um dia você será recompensada por tudo de bom que fez para uma velha chata e ranzinza como eu. Serena Grant.”
Joanne deixou escorrer todas as lágrimas que, a tanto custo, havia retido até então. Deitando-se de bruços sobre a cama chorou copiosamente, até se sentir mais aliviada e calma.


Capítulo VII


Sem Serena Grant e sem a Sra. Johnson a casa perdeu sua identidade, e Joanne sentia que a solidão ia ganhando corpo dentro dela. Passava os dias sozinha, Daniel ficava o tempo todo no hospital e à noite, após o jantar, invariavelmente trancava-se no escritório. Ela só o via para dizer boa noite.
Não havia mais sentido para o casamento continuar. A sugestão dele para que o transformassem em um casamento real nunca mais fora mencionada, e Daniel não a encorajava a dizer o que sentia. As refeições eram silenciosas e pouco se viam. Era uma situação muito dolorosa para Joanne, que estava acostumada a ser sempre uma pessoa muito ativa.
As chuvas de inverno já haviam chegado e os dias eram escuros e frios. Depois de algumas semanas, Joanne sabia que não poderia continuar com aquilo por muito tempo, mas não tinha como se aproximar de Daniel. Foi ele quem veio ter com ela certa noite, quando Joanne já se preparava para dormir. Ouvi as batidas na porta de comunicação entre seu quarto e o de Daniel.
– Há algo que desejo conversar com você – ele disse assim que ela abriu a porta, permitindo que entrasse.
– Também preciso falar com você, Daniel. Nosso casamento...
– Sim, nosso casamento – ele disse com uma expressão estranha. – Já está querendo terminar com ele?
– Não é isso – ela começou a dizer, enquanto apertava um pouco mais o cinto do roupão que usava sobre a camisola. – Não tenho pressa nenhuma, mas é necessário tomarmos alguma decisão. Não posso ficar aqui sentada o dia inteiro, sem nada para fazer, sentindo-me inútil.
– E o que você sugere? – ele perguntou com um sarcasmo que a feriu.
– Sugiro que discutamos a possibilidade de anulá-lo daqui a algum tempo para que eu possa arrumar um emprego e ter algo com o que, pelo menos, preencher meu tempo.
Joanne se surpreendeu com as próprias palavras. Apesar de dizer aquilo, o que mais queria era que Daniel demonstrasse de alguma forma que não era o que realmente desejava e, sim que ficassem juntos.
– Em outras palavras, você acha que devemos desistir de nosso casamento – ele perguntou com suavidade.
– Daniel, eu... eu...
– Eu já perguntei uma vez, Joanne, e você não respondeu.
– Sim, mas eu... eu não achei que estivesse falando realmente a sério. – Ela daria tudo para ouvir dele que gostava e se importava com ela, pois só assim poderia assumir aquele casamento.
– Mas eu estava falando sério e continuo esperando sua resposta.
– Agora? Você quer uma resposta agora?
– E por que não? Acho que teve bastante tempo para pensar nisso nas últimas semanas.
– Você acha que... que um casamento onde não existe amor tem chance de ser bem-sucedido?
Daniel olhou-a de modo estranho e, em seguida, passou os braços em torno do corpo esbelto de Joanne e beijou-a com suavidade na boca.
– Será que isso responde sua pergunta?
– Um casamento baseado na atração física não me parece possível – ela disse, embaraçada pela proximidade e pelo calor do corpo dele. – O que acontecerá quando eu não mais o atrair fisicamente?
– Isso é o futuro – ele começou a dizer, enquanto passava os dedos suavemente por seus cabelos. – O que estamos discutindo agora é o presente!
– Mas o presente afeta o futuro, Daniel. Um casamento verdadeiro traz compromissos que não podemos ignorar.
– Você sabe que não sou o tipo de homem que costuma fugir às próprias responsabilidades, não sabe?
– Sim, mas não gostaria de ter um marido que se sentisse obrigado a ficar comigo só porque assumiu um compromisso.
– Joanne, estamos fugindo do assunto. Quero saber se você se tornará minha esposa na totalidade da palavra. – Ele puxou-a mais para perto ao dizer isso, mas Joanne fez com que se afastasse, colocando as mãos sobre seu peito.
Não é mais uma questão de dizer sim ou não, ela pensou. Havia algo que devia confessar antes que pudesse pensar em qualquer coisa com relação àquele homem. E, se Daniel ainda a quisesse depois de saber de tudo, então Joanne se entregaria ao que ele tinha a oferecer, com a esperança de que o futuro não trouxesse tristeza e desilusão.
– Antes de lhe dar uma resposta, há algo que preciso dizer.
– Será que vai me prevenir de que ronca durante a noite? – ele perguntou, bem-humorado.
– Daniel, não brinque com isso, por favor.
– Está bem, sou todo ouvidos – ele disse e ficou esperando. No momento em que estava prestes a contar tudo, porém, a coragem abandonava Joanne. – E então? – ele insistiu. – Vai me dizer o que tem de tão importante?
– Daniel, eu... eu contei toda a verdade a sua mãe antes que ela morresse.
Fez-se um silêncio tão grande que se podia ouvir a respiração deles. Joanne olhava-o com tremor, observando a mudança que ocorria em sua expressão. Daniel ficou tenso como uma pantera pronta para atacar, e de repente aquele quarto pareceu pequeno e opressor.
– O que é que você fez?
– Contei-lhe toda a verdade, Tinha que fazer isso, pois....
– Contou para minha mãe sobre os motivos do nosso casamento?
– Sim, mas...
– Você me deu sua palavra e eu confiei em você!
– Sei que lhe dei minha palavra, Daniel, mas ela...
– Você deliberadamente arruinou tudo que eu fiz para diminuir o sofrimento de minha mãe – ele a interrompeu, sem deixar que ela explicasse que Serena já suspeitava de tudo e que, na verdade, tinha ficado muito mais feliz por saber de toda a verdade.
– Ela já...
– Eu seria capaz de matá-la, Joanne! – ele explodiu selvagemente e Joanne fechou os olhos, pronta para o pior. Ele a segurou pelos ombros, com uma violência que ela nunca imaginara.
– Daniel, por favor, deixe-me explicar...
– Explicar? Você já explicou o suficiente.
– Daniel, nosso casamento... – Ela falava com lágrimas nos olhos, sentindo os ombros doerem pela força com que ele a segurava.
– Nosso casamento já não tem a menor importância para mim, mas você não vai se safar assim tão facilmente! – Ele puxou-a com violência inusitada e Joanne sentiu um medo que nunca sentira antes. – Você faltou à palavra que tinha me dado. Agora, chegou minha vez de não cumprir o que prometi!
– Não, não, por favor! – ela implorou, enquanto tentava escapar dos beijos selvagens que Daniel lhe dava. – Daniel, por favor, me escute...
– Já escutei o suficiente e não adianta nada lutar, Joanne, pois desta vez não haverá como escapar de mim.
– Você está louco! – ela balbuciou, desesperada.
– Sim, estou louco! Louco de raiva, e se você fosse um homem neste momento, eu a arrebentaria inteira!
Ele segurou-a pelo cabelo e obrigou-a a olhar dentro de seus olhos. Com uma força que não deixava qualquer margem de ação para Joanne, puxou-a até a cama. No desespero para se ver livre, seu roupão abriu-se, deixando à mostra a camisola leve e quase transparente que usava por baixo. Daniel jogou-a sobre a cama e atirou-se sobre ela, beijando-a com selvageria.
– Solte-me, por favor! – ela gritou, quando ele puxou a camisola, rasgando-a. – Daniel, eu lhe imploro que não faça isso.
– Fique quieta! Não quero ouvir mais sua voz!
Com um desesperado esforço, Joanne tentou libertar-se, mas nada podia contra a força e a fúria do marido. Seu corpo nu e indefeso contorcia-se na luta, mas ela sabia que Daniel conseguiria obter o que desejava com tanto ódio, algo que ela teria entregado com prazer se ele desse algum sinal de que gostava dela.

Joanne acordou, na manhã seguinte, com o ruído no quarto ao lado. Certamente era Daniel que se aprontava para sair, pensou vagamente, mas acordou completamente quando lembrou-se do que ocorrera na noite passada. Era vívida a lembrança de toda a brutalidade a que fora submetida, e também do que dissera quando ele finalmente a soltou e levantou-se.
– Vou odiá-lo e desprezá-lo enquanto estiver viva! – ela dissera, os dentes trincados de ódio, enquanto Daniel lhe dava as costas e desaparecia.
Sim, ela sabia que agora ele também a odiava e não havia a mais remota possibilidade de permanecerem juntos depois de tudo que acontecera, depois de toda a humilhação por que havia passado. Talvez, se Daniel tivesse deixado que ela explicasse tudo, as coisas não tivessem sido daquela maneira. Mas ele, que sempre se mostrara uma pessoa razoável e compreensiva, estivera irreconhecível na noite passada, tamanha a fúria que sentia.
O corpo de Joanne estava arranhado e os lábios doloridos, e entrou no banho como que para se purificar de toda a sujeira da noite passada. Começou a definir seus planos para o futuro enquanto se enxugava e punha um vestido. Sim, ela iria embora e tentaria achar um emprego em algum lugar longe de Cape Town, usando suas economias até que isso acontecesse. Começou a colocar suas coisas na mala, deixando de lado todas as roupas Caras que Daniel fizera questão que comprasse. Agora, ela ia embora e nunca mais pensaria em tudo aquilo, esqueceria aquele homem que tanta tristeza lhe trouxera e nunca mais se entregaria a nenhuma outra pessoa.
Com as malas no hall e o táxi esperando lá fora, Joanne foi até o escritório de Daniel, procurando lápis e caneta..
“Daniel”, começou a escrever, “estou indo embora, pois sei que não me quer aqui e eu tampouco desejo ficar. Vou para um lugar onde seja útil e necessária, e se ainda existe um pouco de decência em você espero que nunca mais tente me achar. Talvez não acredite nisso, mas posso afirmar que sua mãe morreu muito mais feliz sabendo de toda a verdade. Sempre serei grata por tudo que está fazendo por Bruce e pode ter certeza de que ele não o desapontará, como você deve achar que eu fiz. Não criarei obstáculos para o divórcio, mas não fiará nenhuma diferença para meus planos futuros.”
Assinou e colocou o bilhete num envelope que encontrou na gaveta, e então o brilho do grande diamante amarelo em seu dedo chamou-lhe a. atenção. Tocou-o carinhosamente e, em seguida tirou-o, fazendo o mesmo com a aliança. Colocou-os também dentro do envelope e acrescentou um adendo à carta:
“Deixo com você os anéis de noivado e casamento que me deu. São parte da farsa que interpretamos juntos e isso é um capítulo de minha vida que desejo esquecer”.
Fechou o envelope cuidadosamente e depositou-o sobre a mesa, onde Daniel facilmente acharia.
Menos de uma hora depois já estava instalada num pequeno quarto de hotel, as malas no chão, ao lado da cama. Tinha que desempacotar algumas coisas mas, antes de mais nada, deveria telefonar para Bruce e dizer-lhe onde estava.
– Bruce – começou sem preâmbulos, quando a ligação foi completada – estou no Hotel Gateway perto do Jardim Municipal.
Houve um breve silêncio do outro lado da linha, antes que Bruce começasse a falar, com certa impaciência:
– Sim, sei muito bem onde fica. Mas, com os diabos, o que está fazendo aí?
– Eu lhe explicarei se puder vir até aqui, o mais rápido possível.
– À tarde tenho que ir à aula, então acho que vou até aí agora mesmo! Jô, Daniel está com você?
– Não.
– O que aconteceu?
– Não posso explicar por telefone, Bruce.
– Está bem, estarei aí daqui a pouco.
Joanne desligou o telefone e escondeu o rosto com as mãos. Não queria pensar em Daniel agora, principalmente porque a imagem mais recente era a de um homem selvagem e violento, que a tinha magoado tanto. Sentia dentro de si um vazio enorme, uma ausência de sentimentos. Debaixo das mangas do vestido, os arranhões ainda ardiam como se fossem chagas. Joanne fez um pacto secreto consigo mesma: homem nenhum jamais a tocaria novamente.
Estava esfriando cada vez mais e ela resolveu ligar o aquecimento.
Tirava as coisas das malas quando ouviu baterem na porta.
– Jô? – Bruce fitou-a ansioso, as mãos enfiadas nos bolsos da calça, o tênis colorido nos pés.
– Entre. Bruce – ela falou calmamente, sentindo-se melhor por estar com o irmão. – O quarto está todo bagunçado porque ainda não acabei de guardar minhas coisas.
– Você abandonou Daniel? – ele perguntou, enquanto fechava a porta.
– Sim – respondeu, indicando uma cadeira para que se sentasse.
– Por quê? – ele perguntou preocupado, mas Joanne somente acenou a cabeça como se nada houvesse a dizer. – Pelo amor de Deus, Jô, tem que haver uma razão!
Joanne sentou-se na cama e olhou para as mãos, não deixando de perceber a ausência dos anéis.
– Tenho razões pessoais. Mas, de qualquer maneira, é uma decisão definitiva.
– Ele já sabe que você o deixou?
– Saberá hoje à noite, quando chegar em casa.
– Eu não compreendo, Jô – ele disse, passando a mão nervosamente nos cabelos. – Ele é uma pessoa tão boa, sempre achei que você o amava.
– Eu... também achei que o amava... – ela disse desolada. – Mas... Bruce, prometa-me que mesmo que ele insista você não vai dar meu endereço.
– Então devo mentir para ele e dizer que não sei onde você está? – Tirou o maço de cigarros do bolso e acendeu um, com mãos trêmulas. – Ora, você acha que ele vai engolir isso?
– Não me importo com o que diga a ele, desde que não diga onde estou, Bruce. – Ela se inclinou para a frente, tocando seus joelhos, e fitou-o intensamente. – Bruce, é tão difícil eu lhe pedir um favor... Só desta vez, prometa-me que vai fazer o que lhe peço.
– Está bem, está bem – Bruce disse finalmente, depois de um longo silêncio. – Mas continuo não entendendo o que aconteceu. Eram loucos um pelo outro há alguns meses atrás, e agora...
– Agora acabou. Bruce, e pretendo arrumar um emprego, bem longe daqui.
– Você pretende ir embora de Cape Town? – Ele arregalou os olhos.
– Sim, acho que será o melhor para mim.
– Jô, tem certeza de que não está fazendo tempestade em copo d’água?
– Eu sei bem o que faço. Bruce.
– De qualquer maneira, acho que você é quem sabe o que é melhor – ele disse. levantando-se e abraçando a irmã.
– Nós sempre fomos muito unidos, Bruce, e não quis partir sem antes conversar com você.
– Sim, tem razão. Só fico sentido pelas coisas não terem dado certo entre você e Daniel.
Joanne se levantou, deu um profundo suspiro e caminhou até a penteadeira, onde suas coisas estavam espalhadas. Encontrou o olhar de Bruce pelo espelho.
– Você gosta muito de Daniel, não é, Bruce?
– Sim, gosto dele. É o tipo de homem com o qual sempre desejei que você casasse. À primeira vista, parece ser um pouco rude. Mas, no fundo, é uma pessoa sensível e inteligente. Foi capaz de, firmar-se como um ótimo cirurgião, mas é modesto e não se tornou uma pessoa convencida e orgulhosa.
Também acho. Joanne pensou depois que Bruce se retirou. Como todas as enfermeiras do hospital, ela sempre o admirara bastante, porém essa admiração havia desaparecido depois do que acontecera na noite passada.
Sim. Daniel tinha o direito de ficar furioso, pois ela havia faltado à palavra. Ele resolveu agir da mesma forma, usando para isso a arma mais poderosa e mais à mão. Como ela desejara que fosse diferente, que Daniel a tivesse num verdadeiro ato de amor, e não daquela maneira violenta e selvagem.
Ela tinha chorado muito durante a noite, depois que ele a deixou. Mas o coração continuava dolorido e amargurado, e Joanne sabia que esta ferida permaneceria pelo resto de sua vida.

Duas semanas mais tarde, recebeu o telefonema de Bruce convidando-a para tomar chá numa casa no centro da cidade, e foi durante o encontro que recebeu a notícia da viagem de Daniel.
– Já colocou inclusive a casa à venda – Bruce lhe contava. Há duas semanas, recebeu um convite para trabalhar numa clínica na Suíça por um ano e resolveu aceitar.
– E como é que você ficou sabendo? – ela perguntou, com uma ponta de tristeza no coração.
– Bem... – Bruce evitava olhá-la nos olhos. – Nós temos nos visto com alguma freqüência ultimamente.
– Vocês têm se visto – Ela estava espantada.
– Sim, Joanne. Nunca existiu nenhum problema entre nós e, além do mais, ele continua pagando meus estudos.
– É, tem razão. Ele... ele disse alguma coisa sobre...
– Sobre a separação de vocês? Tudo que disse foi que considerava o casamento de vocês um erro pelo qual se arrependeria para o resto da vida.
E o que é que eu esperava? Joanne pensou. De qualquer maneira, era horrível ouvir aquilo. Daniel devia odiá-la muito, nunca a perdoaria.
– E quando vai partir?
– Ele partiu na noite passada.
– Eu... compreendo.
– Agora não há mais motivo para você ir embora de Cape Town, não é mesmo Joanne?
– Receio que já seja tarde, Bruce. Já aceitei um posto numa clínica em Willowmead.
– Fica a quase duzentos quilômetros daqui.
– Eu sei – ela disse, tentando forçar um sorriso. – Mas assim que puder, vou comprar um carro de segunda mão e virei visitá-la nos fins de semana.
– Jô... sobre Daniel...
– Por favor. Bruce, é algo que já está encerrado e prefiro não falar mais nisso.
– Mas você ainda o ama, não é mesmo?
Era muito mais uma afirmação do que uma pergunta; mas, sabendo que Bruce ainda mantinha contato com Daniel, ela não podia dizer a verdade.
– Nunca deixarei de admirá-lo.
– E isso é tudo que sente por ele?
– É tudo que posso lhe dizer, pelo menos agora.


Capítulo VIII


Joanne se deixou ficar na cadeira atrás da mesa de trabalho, pois estava realmente muito cansada. Aquele tinha sido um dia extenuante na sala de operações e todos no hospital estavam muito tensos por causa das mudanças em curso.
– Gostaria de saber algo sobre esse sócio – Alice Fraser comentou. – Há tanto mistério em torno do novo médico que já estou morrendo de curiosidade!
– Pelo que sei, ele já se mudou para a antiga residência do Dr. Van Amstel – Joanne replicou, sem muito interesse, pois não estava de fato preocupada com aquilo. Como só tinha mais uma operação para aquele dia, pensava em ocupar seu tempo livre para colocar uns papéis em ordem.
– Você não está nem um pouco curiosa? – a amiga insistiu. O Dr. Van Amstel era um homem muito bom, ótima pessoa para se ter como chefe. Agora, esse novo médico pode terminar se revelando um tirano para nós!
– Ele só se tornará um tirano se o corpo de enfermeiras não trabalhar bem. Isso não devemos temer, pois ninguém pode nos acusar de incompetência!
– Ainda mais com uma pessoa como você, trabalhando na sala de operações.
Joanne sorriu, percebendo que o elogio era sincero. Sabia da curiosidade de Alice, que não poderia satisfazer. Depois de um ano trabalhando na clínica de Willowmead, sempre preferira guardar certa distância das companheiras de trabalho. Passava o tempo livre no pequeno apartamento que comprara, lendo ou escutando música. Nos fins de semana, em geral, ia até Cape Town, encontrar Bruce. Muitos homens tentavam se aproximar dela, mas Joanne sempre os evitava polidamente. A vida já era bastante complicada sem nenhuma relação amorosa, quanto mais se houvesse uma!
– Todos achavam que o Dr. Van der Merwe seria o novo sócio do Dr. Ellis – Alice continuou – incluindo o próprio Dr. Van der Merwe!
Isso Joanne já tinha deduzido pela irritação dele desde que souberam que um cirurgião estava vindo da Europa para tomar o lugar do Dr. Van Amstel. Como o Dr. Van der Merwe já trabalhava com o Dr. Van Amstel por muitos anos, era de se esperar que tomasse seu lugar quando ele veio a falecer, há algum tempo atrás. Mas o Dr. Ellis, o outro dono do hospital, preferira dividir a sociedade com este novo cirurgião, acabando com as esperanças do Dr. Van der Merwe.
– Ele vai ter que aceitar a decisão – Joanne comentou. enquanto começava a arrumar os papéis sobre a mesa. – De qualquer maneira, o Dr. Ellis certamente escolheu alguém em quem confia para auxiliá-lo na direção do hospital.
– Gostaria de saber se ele é velho ou moço!
Joanne sorriu ao ouvir as fantasias de Alice, e lembrou-se de quando também era assim, em seus tempos de estudante de enfermagem. Mas, aquilo fora há muito tempo, quando ainda lhe era permitido sonhar.
Algumas horas mais tarde, depois de uma difícil operação. Joanne finalmente pôde pegar suas coisas e ir para casa. Colocou o casaco, pois era agosto e ainda fazia um pouco de frio lá fora.
A Clínica Willowmead ficava num lindo vale rodeado de montanhas, praticamente encoberta pelas grandes árvores que a rodeavam. Destinava-se a pacientes que, por acidente ou doença, tinham ficado deformados e necessitavam de cirurgias plásticas. Aquela clínica, rodeada de plantações de uvas nas montanhas ao longe, que mudavam de cor de acordo com as estações, era o lugar ideal para uma recuperação pós-operatória.
O vento estava gelado e Joanne fechou a gola do casaco, enquanto caminhava pelo estacionamento, na direção do pequeno carro azul que comprara há pouco tempo. Sua casa ficava bem perto; mesmo assim ela estava com pressa. Naquele fim de semana estaria livre e, tinha planejado ir para uma gostosa hospedaria nas montanhas, onde poderia andar a cavalo, descansar e desfrutar da maravilhosa paisagem.
Poucos minutos depois, já se aproximava do pequeno lugarejo chamado Willowmead. As lojas estavam fechando e, em pouco tempo, os únicos lugares movimentados na cidade seriam o hotel e o cinema local.
Estacionou defronte ao antigo edifício reformado que agora abrigava quatro apartamentos, um dos quais era o seu. Subiu as escadas correndo e, depois de abrir a porta, fechou-a rapidamente para evitar que o ar frio entrasse.
Era um apartamento maior do que o que morava em Cape Town e, desta vez, Joanne resolvera se preocupar um pouco mais com a mobília. O pequeno, mas confortável sofá de veludo combinava com as cortinas claras e o carpete era macio e espesso. Joanne deixou os sapatos na sala e foi para o quarto, ainda vestida com o grosso casaco.
Depois de tirá-lo, sentou-se na frente da penteadeira e se olhou no espelho. Soltou os longos cabelos dourados e pensou em como estava diferente da Joanne que conheciam no hospital, sempre de uniforme e cabelos presos. Os olhos também já não tinham a expressão impessoal de quando estava trabalhando. Em suas profundezas podia-se perceber uma ponta de tristeza.
– Você tem um fim de semana inteiro pela frente, para fazer o que quiser e ser você mesma, sem uniforme e necessidade de ser educada todo o tempo – disse para o espelho com um sorriso nos lábios. – Vai ser ótimo!
Depois de tomar um banho rápido, Joanne arrumou a bagagem que levaria no fim de semana, satisfeita com a expectativa do relaxante passeio que faria. Pouco depois, descia as escadas para apanhar o carro. Seus fins de semana fora de Willowmead haviam se convertido numa forma de escapar de relacionamentos mais profundos; pois assim raramente encontrava um conhecido fora do trabalho. A amizade, cedo ou tarde, leva as pessoas a trocarem confidências, e isso era algo que Joanne não estava preparada para fazer. Sua vida antes de vir para aquele lugar era algo que interessava só a ela e... claro, a Daniel.
Quantas vezes acordara durante a noite com o nome dele nos lábios, sentindo o coração apertado ao descobrir que continuava solitária e que tudo estava terminado entre eles. Mas isso também era algo que pertencia ao passado. Ela já começava a esquecer de tudo, enquanto o carro deslizava pela estrada escura, rumo às montanhas, a não ser por aquela voz interior que, vez por outra, insistia em lembrá-la do tempo em que a presença daquele homem, a seu lado, fazia seu coração bater como louco e acendia nela o desejo.
– Daniel – ela murmurou. Como são inúteis os esforços da mente quando o coração se encontra escravizado! Onde estaria agora?
Na Europa ainda, ou teria retomado a Cape Town? Sabia que Bruce mantivera correspondência com ele durante todo o tempo, mas nunca lhe perguntou nada, era um assunto sobre o qual nunca conversaram, um assunto proibido.
– Oh, pare com isso! – disse para si mesma. – Pare de pensar nessas coisas que já deveriam estar mortas e enterradas.

Joanne entrou em sua sala na terça de manhã e pendurou o casaco no suporte preso na parede. O fim de semana a tinha deixado meio letárgica, mas o serviço logo remediaria isso, pensou enquanto olhava o grande relógio na parede, lá eram sete e meia e, na verdade, ela estava um pouco adiantada. De qualquer maneira, isto lhe daria tempo para checar as operações que faria naquele dia antes de Alice chegar.
– Bom dia, enfermeira Webster!
Aquela voz! Não podia ser!, pensou assustada antes de virar-se e encontrar aqueles olhos verdes e tão familiares. Joanne sentiu-se como se as paredes desabassem sobre sua cabeça. Daniel Grant! O homem que teria o poder de arruinar a tranqüilidade que adquirira a tanto custo depois que viera para Willowmead. Lá estava ele, de pé diante dela, vestido em roupa de trabalho. Ela nunca o esperava encontrar de novo, mas, por uma brincadeira do destino, ali estava ele na clínica e, pelo visto, pronto para trabalhar.
Todo o tempo que se passara desde seu último encontro pareceu deixar de existir agora que ela podia contemplá-lo ali mesmo à sua frente! A imagem do rosto cheio de ódio e fúria que conhecera certa noite voltou, junto com a sensação daquelas mãos violentas que tanto a machucaram.
– Gostaria de ver a lista de operações para hoje – ele disse, sua voz trazendo-a de volta ao presente. Exceto pelo leve tremor das mãos quando entregou a ele o papel, nada mais denunciava os pensamentos que, incontroláveis, agitavam-se na mente de Joanne. E, para seu alívio, também a voz dele era fria e impessoal, como se não desejasse relembrar o passado..
– O que está fazendo aqui? – ela conseguiu dizer, depois de um momento de silêncio que parecia interminável.
– Trabalho aqui! – ele respondeu, erguendo os olhos do papel e encarando-a.
– Isso eu já pude perceber! Mas, por que justamente aqui?
– E por que não? Nesse hospital se fazem operações que estão dentro de minha área de especialidade e, portanto, me parece uma escolha óbvia.
– Existem outros lugares – ela murmurou.
– Bem, acho que o nome de Willowmead me soa bem – ele falou com ar debochado. – E, pelo que já pude conhecer, acho que me darei muito bem neste lugar.
– Você... é você quem tomará o lugar do Dr. Van Amstel?
– Sim, eu mesmo... enfermeira Webster!
O ruído de passos fez com que ele interrompesse a conversa e Alice Fraser entrou na sala, um olhar curioso e excitado, quando viu a companhia de Joanne.
– Bom dia, Dr. Grant. O senhor já foi apresentado à Sra. Webster?
– Sim – ele respondeu abruptamente, enquanto devolvia a lista para Joanne. Antes de partir, deu um sorriso para Alice e um olhar impessoal para Joanne.
– Ele não é um homem lindo? – Alice desabafou e se jogou numa cadeira. – Quando olha para mim, sinto as pernas fracas e a sensação de que vou cair! – acrescentou com uma risada.
– É melhor se controlar, Alice – Joanne estava visivelmente irritada. – Não pode sentir essas coisas cada vez que o Dr. Grant olhar para você na sala de operações.
– Ora, será que os homens não a interessam nem um pouco? Veja o Dr. Grant, por exemplo. Acho que é o homem mais lindo que já apareceu neste hospital. Será que ao vê-lo seu coração não se emociona nem um pouquinho?
– Ora, Alice, não diga bobagens! É melhor começarmos a trabalhar, pois a primeira operação será às oito horas.
– Trabalhar! Você só pensa nisso, não é?
– É tudo que tem importância neste momento! Vamos lá!
Joanne passou o resto do dia perturbada. Ouvir a voz de Daniel mexia com ela de uma forma estranha. Ele tinha evitado conversar a maior parte do tempo, mas o silêncio não era menos incômodo.
Felizmente, havia só uma operação com ele naquele dia. Sob as roupas de médico, o rosto semi-escondido pela máscara, ele podia ser qualquer pessoa, ela pensou, mas não foi o bastante para acalmá-la.
Já tinha visto diversos cirurgiões trabalhando, mas Daniel era especial! Quando se debruçava sobre um paciente, suas mãos eram mãos de artista, um delicado artesão cheio de habilidades nos dedos, que efetuava verdadeiros milagres.
Sim, ela o admirava profundamente como cirurgião, porém nunca permitiria que outros sentimentos crescessem dentro de si.
Foi com um suspiro de alívio que partiu ao fim da tarde, mas, ao chegar em casa, sentia que estava tensa e preocupada. Sob aquelas circunstâncias, sabia que precisaria partir, pois não seria capaz de suportar outro dia como aquele.
Não ficou nada surpresa quando, em pouco depois do jantar, a campainha soou e, abrindo a porta, deu de cara com Daniel.
– Entre, eu estava esperando que viesse.
– É mesmo? – ele perguntou com certa surpresa. – E será que sabe também a razão pela qual estou aqui?
– Acho que posso adivinhar. Mas, de qualquer maneira, não precisa ter o trabalho de me dizer. – Ela entregou o envelope fechado.
– O que é isso?
– Meu pedido de demissão!
– Por quê? – ele perguntou, ao receber o envelope.
– Não posso continuar trabalhando na clínica.
– O que quer dizer é que não poderá continuar trabalhando a meu lado...
– Sim, é isso mesmo.
– Bem, receio que... – Ele sorria cinicamente, e se acomodava numa cadeira – receio que não poderei aceitar sua demissão, enfermeira Webster. Ou você continua trabalhando na clínica ou levarei ao conhecimento de todos que somos marido e mulher.
– Você sabia que eu estava aqui em Willowmead quando escolheu este lugar? – ela perguntou, ignorando suas palavras.
– Sabia. – Ele a fitou com insolência.
– Bruce...
– Sim, foi ele mesmo quem falou mas tenha certeza de que não fez de propósito. Aliás, até já deve ter esquecido, pois foi algo que disse em meio a uma conversa e nunca mais tocamos no assunto... Por que é que você não deu início ao processo de divórcio quando teve oportunidade para isso, Joanne?
– Porque estava muito ocupada tentando esquecer tudo. E, além disso, achei que você...
– Eu estava muito ocupado tentando me lembrar. Os Alpes Suíços são um ótimo lugar para que a gente se lembre daquilo que preferiria esquecer: as paisagens de nosso país natal, a lua cheia brilhando em Cape Town... e os lindos cabelos de uma certa mulher.
– Pare com isso! – ela disse rispidamente, sabendo que aquele homem sentado em sua própria sala ainda tinha o poder de atraí-la e despertar sensações a que não estava habituada.
– Joanne, quando se está num país estranho, a gente tem tempo para pensar no passado, lembrar as coisas boas e ruins que aconteceram. Não se pode alterar o que já aconteceu, mas, pelo menos, pode-se tentar não repetir os mesmos erros.
– Não compreendo onde você quer chegar.
– Não? Acho que eu também não compreendo muito bem. Mas, de qualquer maneira, aqui estou, recém-chegado a Willowmead. Já comprei aquela casa adorável que pertencia ao Dr. Van Amstel e pretendo ficar!
– Vou procurar um advogado amanhã.
– Não, não vai porque não concordarei com o divórcio.
– Você se considera muito esperto, não é?
– Não exatamente. – Ele sorriu com um ar malicioso. – Acho que faço isso só porque gosto de representar! Antes éramos casados, e fingíamos que nosso casamento era real; agora, somos casados e fingimos que não somos! É um pouco confuso, mas, ainda assim, divertido, não acha?
– Oh, nunca pensei que você pudesse ser uma pessoa tão odiável!
– E eu nunca imaginei que você podia ser tão linda quando fica zangada!
– Pelo amor de Deus! Se você já disse tudo que tinha a dizer, é melhor ir embora.
– Ora, você não costuma oferecer nada para seus convidados beberem?
– Você não é um convidado!
– Não, claro que não, sou seu marido! Aliás, devia ficar satisfeita por eu estar lhe pedindo só um pouco de café.
– Seu... você... você...
– É melhor fazer logo o café, antes que me decida a pedir outras coisas a que um marido tem direito!
Sabendo que a única maneira de se livrar dele, no momento, era cumprir seus caprichos, Joanne foi para a cozinha e colocou o bule com água no fogo. Pouco tempo depois já retomava à sala, depositando a bandeja com o café sobre a pequena mesa ao lado da poltrona.
– Sente-se.
– Eu...
– Sente-se – ele ordenou, tomando seu braço e forçando-a a sentar-se na outra poltrona. – Isso, assim está melhor, já ouvi bastante a seu respeito nesses poucos dias em que trabalhei na clínica.
– É mesmo? – ela perguntou com desinteresse.
– E devo dizer que a imagem que as pessoas têm de você não corresponde exatamente à verdade. Fria, distante e misteriosa, é o que dizem. Fiquei pensando se eu é que nunca tinha conhecido a verdadeira Joanne!
– É uma pena, pois daqui para a frente não terá mais oportunidade para que isso aconteça!
– Sarcástica? Bem, vejo que está fingindo mesmo, Joanne, você não é assim.
– Preferia que você fosse embora, Daniel.
– E mal-educada também... – ele disse com um sorriso, enquanto depositava a xícara vazia na bandeja.
– Daniel, estou feliz aqui. Por favor, não torne minha vida insuportável. Será que daqui por diante poderíamos limitar nossos encontros à clínica?
– Acho que será meio difícil, pois gosto muito de sua companhia, mesmo quando é assim tão anti-social.
– Mas eu não gosto! – Joanne levantou-se em seguida, desejando atirar alguma coisa nele naquele momento.
– É uma pena... mas acho que gostará daqui a algum tempo!
– Não tenha muita certeza disto... – Para seu alívio ele se levantou e fez menção de partir. Mas segurou seu pulso e forçou-a a se aproximar. – Boa noite, Joanne... ou será que devo dizer “enfermeira Webster”?
– Boa noite, Dr. Grant – ela respondeu, ignorando suas palavras e conduzindo-o até a porta.
Ouviu seus passos descendo a escada e, pouco depois, o ruído do carro se afastando. Só então descobriu que prendera a respiração por aqueles segundos que pareceram intermináveis e, ao soltar o ar, conseguiu relaxar um pouco. Por quanto tempo ainda teria que lutar contra aqueles sentimentos que insistiam em renascer dentro dela? E o que ele tinha em mente, afinal?


Capítulo IX


Almoçava na cantina no dia seguinte, quando Joanne percebeu que o Dr. Chris Van der Merwe caminhava em direção à sua mesa. Era um homem de uns quarenta anos. Estatura mediana, ombros largos. Muito simpático e até mesmo bonito, podia-se dizer. E tinha acompanhado Joanne em duas festas do pessoal do hospital, que ela não podia deixar de ir. Mas, depois, ela recusara o convite para acompanhá-lo a um baile no hotel local, pois sabia que ele facilmente levaria a sério uma relação com a garota que concordasse em acompanhá-to algumas vezes. Joanne decididamente não pretendia se envolver com ninguém; não depois do que se passara entre ela e Daniel.
– Posso me sentar com você, Srta. Webster?
– Sim, claro que sim. – Não havia como recusar.
– Gostaria de pedir desculpas pelo meu mau humor nos últimos dias.
– Não tem que se desculpar para mim, Dr. Van der Merwe.
– Tem razão. Eu deveria me desculpar com todo o pessoal do hospital. Mas é que pensei que, se o fizesse com você, então entenderia por que tenho me comportado desta maneira.
– Não precisa explicar, doutor – ela replicou, sentindo-se condoída pelo jeito dele.
– Eu me sentiria melhor. – ele insistiu. – Trabalhei tantos anos com o Dr. Van Amstel e conhecia suas técnicas como ninguém. Quando ele morreu, eu estava certo de que seria escolhido como o novo sócio e parceiro do Dr. Ellis. Mas ele preferiu colocar o Dr. Grant no lugar, em favor de técnicas mais novas e modernas que me fazem tremer quando penso que terei que trabalhar com métodos desconhecidos neste país!
Joanne sentia pena dele. No entanto, sua admiração pelo trabalho de Daniel obrigou-a a defendê-lo:
– O Dr. Grant é um excelente cirurgião!
– Sim, sei que tem a reputação de conseguir o impossível na mesa de operações. Mas pensei que o Dr. Ellis levasse em conta o longo tempo que trabalhei nesta clínica.
– A escolha é de responsabilidade somente do Dr. Ellis, eu suponho...
– Sim! As ações do hospital passaram automaticamente para suas mãos depois da morte do sócio. Devo confessar que levei certo tempo para aceitar a idéia de que, no final das contas, eu não era bom o suficiente!
– Ora, não se entregue a tais sentimentos de inferioridade, doutor! Já trabalhei com muitos cirurgiões e posso dizer que o senhor é um dos melhores!
– Você sabe como agradar meu ego, Srta. Joanne – ele falou com um sorriso. Em seguida, passaram a conversar de coisas mais triviais até que Joanne percebeu que alguém os fitava com atenção. Seu olhar encontrou o de Daniel, do outro lado da cantina repleta de gente, e ela ficou extremamente perturbada quando viu que ele começava a caminhar em sua direção.
– Boa tarde, Dr. Van der Merwe – ele cumprimentou o colega com polida amabilidade. – Olá, Joanne, desculpe tê-la deixado esperando.
– Pode usar minha cadeira, Dr. Grant – o outro médico disse prontamente, surpreso ao ouvir aquilo. – Eu já estava mesmo partindo.
– O que é que pretende, interrompendo assim minha conversa com um amigo e ainda por cima dando a entender que tínhamos combinado um encontro? – ela perguntou, assim que ficaram sozinhos.
– Bem, ele estava conversando muito animadamente com você e achei que seria melhor não deixar que criasse nenhuma ilusão a seu respeito. – Ele se inclinou na direção dela, apoiando os cotovelos sobre a mesa. – Você é minha e pretendo que continue assim!
– Como se atreve a dizer isso?
– Cuidado querida, as pessoas estão olhando!
– Não me chame de querida! – ela disse, abaixando o tom de voz. – Você não pode ficar reclamando supostos direitos sobre mim. E o que faço fora da clínica ou durante meu horário de almoço é somente da minha conta! Você não tinha o menor direito de interromper minha conversa com ele e, ainda por cima, dando a impressão de que... de que...
– De que tenho interesse por você? – ele completou calmamente. – Pois bem, foi exatamente essa a impressão que desejei que ele tivesse. Ele e todos os outros aqui. Joanne, há um documento guardado lá em casa que diz que tenho todo o direito de ser possessivo. E eu sou possessivo! Não desisto assim facilmente.
– Por que você faz isso. Daniel?
– Por quê? Bem, digamos que aprecio tudo que é bonito, e você é linda, minha Lorelei!
– Não me chame de Lorelei! – ela disse furiosa, tentando tirar da cabeça as lembranças que aquele nome trazia com tanta nitidez.
– Acho melhor manter a voz baixa, a menos que queira fazer um escândalo aqui na cantina!
– Você é desprezível!
– Obrigado, Joanne – ele disse com um sorriso enquanto se levantava para partir. – Bem, vejo-a hoje à noite.
– Não estarei em casa!
– É melhor que esteja – ele falou ameaçadoramente. – Caso contrário procurarei em todos os lugares desta pequena cidade até encontrá-la!
À tarde, quando se encontraram novamente na sala de operações, Daniel não demonstrava nada do que havia entre eles, agindo de maneira fria e impessoal. Mas, quando ela viu o carro dele estacionando diante de seu prédio, já de noite, sentiu uma grande sensação de desamparo e solidão. Por que ele não a deixava em paz?
– Quem é? – Ela fingiu não saber quando tocaram a campainha.
– Daniel.
– Vá embora! Não quero falar com você!
– Joanne... Ou você abre a porta ou faço uma cena; e em poucos minutos todos os vizinhos estarão aqui!
Ela mal conhecia os vizinhos, mas a idéia de um escândalo a desagradava profundamente. Vendo que, como sempre, não tinha outra opção, abriu a porta para ele.
– Está bem, entre de uma vez!
– Ótimo! Assim está melhor! Lorelei, você está tão pálida!
Abraçou-a de uma forma tão inesperada que, quando viu, Joanne já estava sendo beijada. As mãos dele afagavam seus cabelos e, sem que percebesse, Daniel soltou os grampos que o prendiam, deixando-o cair sobre os ombros.
Ele a soltou tão repentinamente como a abraçava e Joanne, atônita, encostou-se na parede, ofegante.
– Oh, por que é que não me deixa em paz!
– Não gosto de você com os cabelos presos. Quando os solta, fica tão mais feminina, Lorelei, minha doce ninfa das águas!
– Não me chame assim! – ela disse, o rosto corado pela irritação.
– Ah, sim, quase ia esquecendo. Pegue seu casaco, pois vamos sair.
– Sair?
– Sim! Quero que vá até minha casa dar umas sugestões sobre a decoração!
– Não estou absolutamente interessada em ajudar na decoração de sua casa!
– E eu não comprarei nenhum móvel para todos aqueles aposentos vazios a não ser que você os escolha, Joanne!
– Para mim isso tanto faz!
– Ora, quanto veneno saindo de uma boca tão linda!
– Vá embora! Por favor, Daniel!
– Joanne, começarei a berrar se você não vier comigo!
– Então pode começar! – Ela o desafiou. Mas voltou atrás quando Daniel começou a encher os pulmões e abriu a boca: – Não faça isso!
– Sabia que você ia compreender! Bem, então pegue seu casaco para que possamos ir. Está frio lá fora!
Ela estava tão furiosa que agarrou o primeiro casaco que viu e, só algum tempo depois, percebeu que pegara justamente um que Serena Grant lhe dera de presente. Agora, no silêncio dentro do automóvel, surpreendia-se com a falta que aquela mulher fazia. Assaltava-a uma vontade enorme de novamente poder segurar aquelas mãos fracas pela doença, mas tão amigas e firmes!
Pouco tempo depois, chegavam à casa que Daniel comprara. Era uma residência muito bonita, com uma varanda acolhedora que a rodeava e um grande jardim, onde havia uma piscina e quadra de tênis.
– Seja bem-vinda! – ele disse assim que entraram no hall onde Joanne reconheceu muitos objetos dá casa antiga. Daniel tomou seu braço. – Por aqui!
A grande sala estava quase vazia, apenas com os móveis antigos de Daniel, pois certamente era uma sala bem maior do que a da casa de Cape Town.
– Você guardou grande parte da mobília – ela disse, tentando quebrar o silêncio desconfortável.
– Sim, mas esta casa é muito maior. Tem oito cômodos e apenas cinco estão mobiliados. Os móveis desta sala irão para um outro aposento menor que esse, e é aí que preciso de sua ajuda. – Ele caminhou até o bar perto da lareira e apanhou uma garrafa. – Acho melhor tomar um pouco de cherry para se acalmar, antes que eu a leve para conhecer o resto da casa.
– Não quero beber nada.
– Ora, será que precisa sempre contestar tudo? Estou começando a ficar entediado!
– Não fui eu quem quis vir até aqui.
– Mas agora já está aqui. Portanto, comporte-se como a dama que sei que é. e aceite minha hospitalidade! – Dizendo isso, ele serviu duas pequenas taças de cherry e depositou-as na mesinha ao lado da lareira, onde o fogo crepitava acolhedoramente. Enquanto a ajudava a tirar o casaco. Joanne não pôde deixar de reconhecer que ele estava muito atraente com aquela jaqueta verde, tão esportiva. Daniel fez um gesto para que ela se sentasse na poltrona perto da lareira e ofereceu-lhe a taça com cherry. – Vamos, beba este drinque. É ótimo para fazer passar o mau humor!
Conhecer os outros aposentos da casa não foi tarefa demorada, principalmente porque Joanne já estivera lá antes, no tempo em que era a residência do Dr. Van Amstel. Apesar de tudo, ela percebeu que desejava ajudar na decoração daquelas salas e quartos.
– Tenho um catálogo aqui e você poderá escolher os móveis – ele disse assim que retomaram à sala de estar. – Tem também amostras de cortinas.
– Daniel, eu não...
– Por favor, Lorelei! – ele pediu, enquanto lhe entregava o grosso catálogo colorido.
– Talvez... talvez você não goste de minhas escolhas.
– Ora, confio em seu gosto, Joanne – ele sustentava o olhar de Joanne sem nenhuma dificuldade. Após um breve momento de hesitação, ela começou a folhear o catálogo. Daniel recostou-se na poltrona e acendeu um cigarro. – Eis enfim a minha garota!
Depois de algum tempo, ela se deu por satisfeita com as escolhas que fizera. Devolveu-lhe o catálogo todo rabiscado com a caneta que Daniel lhe entregara antes.
– Obrigado, Joanne – ele disse, enquanto se dirigia ao barzinho. – Acho que devemos tomar mais um cherry para celebrar!
– Para mim não, obrigada.
– Sabe que não gosto de beber sozinho.
– Mas já é tarde, Daniel.
– Ainda não são nem dez horas – ele disse, sorrindo.
E, sem saber direito como. Joanne bebeu mais uma taça de cherry, sentindo o delicioso calor que a bebida produzia ao descer pela garganta.
– Tenho que ir para casa, agora – ela disse finalmente, depois de terminar o drinque.
– Venha, sente-se aqui. – Daniel indicava um lugar no sofá, a seu lado.
– Não, Daniel.
– Está com medo?
– Não estou com medo, mas...
– Então venha e sente-se aqui. Você não fica nervosa por estar aqui sozinha comigo, não é?
– Não, claro que não! – ela afirmou, consentindo em sentar-se ao lado dele para provar o que estava dizendo.
– Relaxe – ele falou, enquanto colocava o braço no espaldar do sofá e com a ponta dos dedos acariciava-lhe a nuca suavemente. – Não vou morder você!
– Não achei que fosse.
– Fico feliz em saber disso. Lorelei – ele disse, enquanto se aproximava dela.
– Daniel... não se aproxime, por favor – ela pediu quando ele começou a acariciar sua face.. Ele fingiu não ouvir e avançou um pouco mais.
– Pare de lutar contra o inevitável, minha Joanne!
– Eu não sou sua Joanne!
– Ora, claro que é! – ele disse antes de começar a beijá-la com uma suavidade profunda.
Joanne tinha que lutar contra o desejo que começava a tomar conta de seu corpo. Lutar contra um sentimento que pensou que nunca mais fosse experimentar.
– Deixe-me ir embora! Eu odeio você!
– Eu sei que você me odeia, mas isso não altera meu desejo por você...
– Daniel, pare com isso! – ela tentou afastá-lo com as mãos.
– Eu quero você, Joanne, tanto quanto você me quer! E, por favor, não negue isso!
Ela tinha que escapar daqueles lábios ou, em breve não teria mais controle sobre as sensações que se agitavam dentro de seu corpo, indomáveis. Daniel enlaçou sua cintura e passou a acariciar-lhe as costas, os dedos deixando atrás de si uma trilha de fogo. Tentou soltar o sutiã, e os esforços de Joanne para se ver livre acabaram por auxiliá-lo, e Daniel tomou-lhe avidamente os seios.
Ela tremia violentamente, desejando aquele toque ainda que soubesse que não podia permitir isso. Mas seu corpo não queria obedecer às ordens que sua razão ditava e, enlaçando-o com os braços,
Joanne puxou-o para perto de si.
– Lorelei – ele murmurava em seu ouvido. – Fique aqui comigo esta noite.
– Não, não, eu não posso – ela balbuciou, a mente rejeitando aquele pedido que o corpo aceitava com prazer.
– Você pode. Joanne, você é minha esposa.
– Não! – Ela reuniu todas as forças que possuía e o afastou com um forte movimento dos braços. Em seguida levantou-se e começou a fechar o zíper do vestido, apressadamente. Daniel se levantou devagar e aproximou-se dela. – Não me toque!
– Não precisa entrar em pânico – ele falou com voz ríspida. – Se ficar aqui será por sua livre vontade. Não a obrigarei a nada.
– Leve-me para casa, por favor.
– Esta é sua casa – ele disse com ar de zombaria; mas para Joanne já tinha sido o suficiente. Ela agarrou o casaco e começou a caminhar em direção à porta. Daniel foi mais rápido e impediu-lhe a passagem. – Ei, onde pensa que vai?
– Se você não me leva para casa, terei que caminhar.
– Joanne, tenho vontade de... – Ele estava furioso e não chegou a completar a frase. – Está bem, enfermeira Webster, vou levá-la para casa!
A viagem de volta transcorreu no mais absoluto silêncio, Joanne incomodada pelo sutiã desabotoado. Seu corpo ainda sentia as carícias de alguns minutos atrás e, rebelde, não estava satisfeito.
Daniel acompanhou-a até a porta do apartamento e, ao se despedir, inesperadamente tomou-a nos braços e beijou-a longamente. Quando se viu livre, Joanne entrou correndo e fechou a porta. Pouco depois, ouviu o ruído do carro se afastando, sabendo que parte dela ia junto com Daniel. Sim, ela lutara tanto tempo contra aquilo, mas de nada adiantara, pois não podia negar que continuava amando aquele homem, como sempre. E ele? Ela deu um profundo suspiro. Era difícil saber o que ele sentia, mas, de qualquer maneira, não era amor. Sim, ele a desejava loucamente, como antes; porém era tudo uma questão de satisfação física, o amor nunca entrara em seu coração. E foi pensando nessas coisas que ela adormeceu, muito tempo depois.

O Dr. Chris Van der Merwe veio ter com Joanne, logo na manhã seguinte. Ao entrar na sala dela estava meio sem jeito e tinha um olhar embaraçado.
– Aquela... aquela conversa... – ele começou a falar com hesitação, depois de cumprimentá-la.
– Aquela conversa era estritamente entre nós dois, doutor – Joanne assegurou. adivinhando as razões de seu desconforto.
– Oh, muito obrigado – ele disse, com uma expressão de alívio. – Não queria que o Dr. Grant pensasse que estou criando problemas.
– Eu compreendo, doutor, mas pode ficar sossegado.
– Você é muito compreensiva, Srta. Webster. Não posso dizer que não fiquei surpreso quando ele a chamou de Joanne, tão informalmente, enquanto eu... Bem, você já o conhecia antes?
– Eu... – Joanne hesitou. Até onde poderia contar sem se comprometer? – Bem, estritamente entre nós dois, doutor, já trabalhei antes com o Dr. Grant.
– Sim, pode ficar sossegada que não direi nada a ninguém. Você o conhece bem?
– Sim, acho que posso dizer que sim.
– Compreendo... Suponho, então, que não terei nenhuma chance... com você...
– Doutor, eu... – Agora era Joanne quem estava visivelmente embaraçada.
– Não, não precisa responder. Acho que fui grosseiro ao lhe dizer isso. Peço que me desculpe.
Ele se despediu com um aceno de mão e foi embora antes que Joanne pudesse dizer qualquer coisa. Ela tinha acabado de se recuperar do espanto com o rumo que aquela conversa tinha tomado, quando Daniel entrou em sua sala.
– Quero ver a lista de operações para esta manhã – disse friamente, enquanto Joanne se levantava em sinal de respeito, e entregava-lhe o papel que pedia.
Aquele encontro a perturbava bastante, mas Daniel não deu a menor mostra de sentir algo estranho. Sua aparência era a mesma de sempre, um homem prático e frio. Mas, Joanne sabia que por trás daquela imagem escondia-se um homem capaz de emoções suaves e apaixonadas. Sim, ela também conhecia este outro lado de Daniel.
Mas, acima de tudo, conhecia sua fúria violenta.
– Acho que prefiro operar a Srta. Gray na parte da manhã e colocar o Sr. Walter para a tarde – ele disse com voz grave. – Será que pode informar o resto do pessoal sobre a mudança?
– Certamente, Dr. Grant – Ela também se surpreendia por ser capaz de falar naquele tom impessoal, enquanto por dentro, mil emoções se debatiam. Tomou o telefone para transmitir as instruções e sentiu um estranho desapontamento quando Daniel foi embora sem nem mesmo olhar para trás.
Quando será que aprenderia que não significava nada para ele? Na noite passada, quando a desejara fisicamente, era um homem diferente, mas, agora, era o mesmo Daniel, distante e frio. Oh, Deus, pensou, por que fui me apaixonar por ele?


Capítulo X


Daniel não veio vê-la naquela quinta-feira à noite, e Joanne se descobriu meio perdida, sem saber o que fazer, tentando achar algum pretexto para encontrar com ele. Sabia que nunca deveria procurá-lo, sob pena de ter que admitir os próprios sentimentos.
Onde estaria? Em casa, talvez, sozinho. Será que também se sentia solitário naquele momento, e desejava estar com ela?
Afastando aqueles pensamentos da cabeça, começou a separar umas roupas que pretendia levar no fim de semana. Bruce telefonara à tarde, dizendo que estaria sozinho no apartamento pois seu companheiro de quarto viajaria na sexta-feira.
– Venha no sábado de manhã – ele dissera ao telefone. – Traga alguma roupa para sair. Podemos ir até a cidade no sábado à noite, está bem?
Um convite daqueles era estranho vindo da parte de Bruce, mas talvez tivesse algo para comemorar, e Joanne não queria desapontá-lo.
Teve um sono agitado durante a noite, povoado de sonhos com imagens de Daniel e de um passado que preferia ter esquecido. Acordou, na manhã seguinte, com uma dor de cabeça forte, que durou quase o dia inteiro.
A impessoalidade de Daniel tomou a irritá-la naquela dia. Mas não podia culpá-lo por isso. Ele nunca pedira a ela que o amasse, nunca!
Quando acabava de arrumar suas coisas para a viagem, depois de chegar do trabalho, Joanne sentia urna estranha ansiedade, que parecia não ter motivo aparente. Mas, ao ouvir a campainha e abrir a porta para Daniel, entendeu tudo.
– Estou bastante ocupada – disse com rispidez. – O que você deseja?
– É assim que recebe suas visitas? – ele perguntou, com ar zombeteiro. – Vai me deixar plantado aqui na porta a noite inteira?
– Está bem, entre.
– Aceito o convite, apesar da forma como o faz – ele disse com sarcasmo, antes de passar por ela e entrar na sala.
– Quer tomar um pouco de café? – ela perguntou, sentindo-se um pouco culpada. – Receio não ter nada mais forte para oferecer.
– Obrigado, o café já está bom – ele disse e sentou-se numa cadeira. Joanne foi para a cozinha e, segundos depois, ouviu Daniel se aproximando.
– Notei que está arrumando as malas. Vai viajar?
– Vou passar o fim de semana fora. – Ela virou-se para encontrar o olhar de Daniel, já perturbada por sua proximidade.
– Vai encontrar-se com Bruce?
– Sim, provavelmente.
– Por que tantas evasivas?
– Não gosto que as pessoas se metam em minha vida!
– Eu também não gosto – ele disse com um sorriso. – Mas, quando se trata da minha esposa...
– Não sou sua esposa.
– É minha esposa na exata medida da palavra, Joanne. Ou será que já se esqueceu?
– Gostaria de ser realmente capaz de esquecer toda a humilhação e violência a que você me sujeitou – ela disse virando o rosto para outro lado.
– Fui cruel com você só aquela vez, Joanne. – Ele chegou tão perto que ela podia sentir o calor de seu corpo viril. – Mas houve ocasiões em que eu...
– Pare! – ela interrompeu-o decidida. – Não quero me lembrar dessas ocasiões.
– Joanne, quando você foi lá em casa anteontem...
– Não! – ela gritou, mas baixou o tom de voz em seguida pois não desejava perder o controle. – Daniel, você é atraente mesmo com esses modos rudes, e as enfermeiras no hospital, sem dúvida, corresponderiam a seu afeto. Posso até lhe dizer que estão ansiosas para isso! Por que... por que tem que ser comigo, Daniel?
– Ora, Joanne, elas ficam me adulando o tempo todo e não quero este tipo de coisa.
– Será que está começando a achar insuportável o pedestal onde o colocam?
Para surpresa dela, o rosto de Daniel abriu-se num sorriso.
– Se você tivesse sido tola também para me colocar num pedestal, eu certamente já teria levado um grande tombo nessas alturas!
– Sim... – Ela também sorriu, mais relaxada. – Mas você já levou grandes tombos, quando lhe faltou esse pedestal, não é?
– Sim, e isso não é ruim, Joanne. Sou humano e também já errei muitas vezes. Não se esqueça disso!
Ele segurou seu braço e Joanne deixou-se perder por um momento na imensidão verde daqueles olhos profundos. A chaleira com água no fogão começou a ferver e apitar.
– Vou preparar o café – ela disse, virando-se e afastando-se dele.
– Ontem estava mexendo nas minhas coisas e descobri algo que lhe pertence – ele começou a dizer algum tempo mais tarde, quando estavam sentados na sala de estar, depois de tomar o café.
– Que me pertence? – ela perguntou surpresa.
– Sim – ele disse retirando algo do bolso e atirando para ela. – Agarre!
Uma pequena caixinha recoberta de veludo azul-marinho caiu em suas mãos e Joanne se retrai imediatamente, pois sabia o que continha. – Não, não, eu não posso...
– Esses anéis foram comprados para você, Joanne, e não há por que ficarem guardados em minha gaveta. Eles devem estar nos seus dedos... Vamos, me dê sua mão.
– Daniel... não. – Ela tentou resistir, mas Daniel levantou-se e, segurando sua mão esquerda, colocou os anéis em seu dedo, enquanto Joanne fitava silenciosamente o brilho fascinante das pedras.
– Isso, assim está melhor. É bom ter uma esposa novamente!
– Mas não quero usá-los – ela disse, enquanto ele a levantava.
– Será que acha assim tão terrível ser minha?
– Não pertenço a você, Daniel. Nunca poderia pertencer a um homem como você.
– Algum dia, Joanne... – ele disse finalmente, quebrando o insuportável silêncio que se instalara entre os dois. – Algum dia, ainda vou perder a paciência com você e... – ele murmurou algo incompreensível e, em seguida, abraçou-a com violência e beijou-a. – Boa noite!
Saiu batendo a porta com força e Joanne continuou onde estava, os lábios doloridos pelo beijo cruel de Daniel. Notou os anéis na mão e apressou-se a guardá-los na caixinha que ficara sobre a mesa. Não queria os anéis que ele lhe dera! Não queria ser possuída por um homem tão bruto como aquele!
– Oh. Deus! – falou para si mesma. – Desejo ter Daniel comigo mais do que qualquer coisa! Desejo ser amada por ele! Amada, e não meramente objeto de seu prazer.

– Como é que consegue viver nesta bagunça? – ela perguntou ao irmão, vendo as montanhas de livros, cadernos e papéis empilhados nas prateleiras. e peças de roupa espalhadas pela casa. – Será que vocês dois nunca reservam um pouco de tempo para arrumar esta confusão toda?
– Nós gostamos assim deste jeito, e devo dizer-lhe que as intervenções femininas não são bem-vindas neste lar estritamente masculino – Bruce respondeu de pé sobre a cama, o mesmo ar moleque no rosto.
– Bem, então devo me considerar honrada por ter sido convidada! Ou será que não me consideram muito feminina?
– Bem, existem momentos em que temos que fazer certas concessões para a irmã! – Bruce disse sorrindo.
– Se não tomar cuidado, ainda vou acabar atirando alguma coisa em você para deixar de ser tão engraçadinho! – ela brincou, enquanto acabava de recolher os pratos que usara, no jantar. – Vai me ajudar com a louça?
– Não – ele disse, fechando a torneira e afastando Joanne da pia. – Você vai sair, ou será que já se esqueceu?
– Você quer dizer que nós dois vamos sair, não é?
– É... sim, senhora! – ele disse impaciente tomando-a pelo braço e tirando-a da cozinha. – Agora, use logo o banheiro que depois também preciso me arrumar.
– Quer saber de uma coisa? Você está ficando tão mandão quanto...
– Sim? – Bruce perguntou, quando Joanne silenciou subitamente.
– Ora, deixe para lá! – Ela desistiu, preferindo não discutir sua relação com Daniel. Tinha certeza que, de alguma forma, Bruce sabia que Daniel também trabalhava em Willowmead, mas, como se existisse um acordo tácito entre eles, não haviam tocado no assunto.
Era a primeira vez que Bruce a convidava para ficar junto com ele no apartamento, ela pensava enquanto tomava um delicioso banho quente. Em geral, ela pernoitava num hotel ali perto. Mas, desta vez, como seu companheiro de quarto viajara, Bruce insistiu para que ficasse ali.
As batidas impacientes na porta fizeram com que se apressasse. depois de se enxugar, colocou um roupão azul e gritou para Bruce que o banheiro estava desocupado.
Pouco tempo depois ela se examinava no grande espelho do quarto. Trouxera um bonito vestido azul, que ia muito bem com a cor de seus olhos, e estava satisfeita com a própria aparência.
Tinha deixado os cabelos soltos, coisa que raramente fazia, e eles caíam livres sobre seus ombros. Usava um colar de pérolas delicadas que fora presente de sua mãe, e brincos também de pérolas nas orelhas. Não era sempre que Bruce a convidava para sair, e ela desejava estar bem bonita.
A campainha tocou quando acabou de colocar suas coisas dentro da bolsa, e ela ainda hesitava quanto ao que fazer quando Bruce gritou do outro aposento.
– Jô, atenda para mim, por favor!
– Você está esperando alguém? – ela perguntou, enquanto caminhava em direção à porta.
– Deve ser algum amigo que veio em busca de um pouco de cerveja grátis! Diga que a despensa está vazia e que estamos de saída.
Sorrindo, Joanne atravessou a sala, correndo, já que a campainha tocava com insistência. Quem quer que seja, não gostava de esperar, ela pensou, enquanto lidava com a fechadura que não conhecia.
O sorriso sumiu rapidamente de seus lábios quando viu quem estava ali plantado. esperando para entrar.
– Você! – ela balbuciou ao ver Daniel, que trajava um elegante terno escuro e gravata clara, um traje que acentuava seu corpo poderoso e viril. – Mas o que é que está fazendo aqui?
– Mal recebido, como sempre – ele disse, parecendo estar se divertindo com tudo aquilo.
– Não sabia que pretendia vir para Cape Town também – ela murmurou, não podendo evitar a leve sensação de prazer, quando Daniel passou a seu lado e entrou no apartamento.
– Esqueci de contar-lhe. – ele disse calmamente. – Oh, olá Bruce. Como é, comprou aqueles ingressos que lhe pedi?
– Sim – Bruce respondeu, lançando um olhar receoso na direção de Joanne e entregando os ingressos para Daniel. – Foi o melhor que pude conseguir, pois já estavam quase todos vendidos.
– Muito obrigado – Daniel guardou os ingressos no bolso e fitou Joanne. – E então, está pronta?
– Pronta?
– Sim, estão apresentando o Lago dos Cisnes no Teatro Municipal – informou, com certa impaciência na voz.
– E o que é que tenho a ver com isso?
– Vou levá-la para assistir – ele disse com uma confiança arrogante. – Os ingressos já estão comigo.
– Ei, espere um pouco! – ela percebeu toda a trama. – Vocês combinaram isso juntos? É por isso que insistiu tanto para que eu ficasse aqui em seu apartamento, Bruce?
– Bem. eu... – Bruce corou violentamente.
– A responsabilidade é toda minha – Daniel interveio com rispidez.
– Ora, a idéia pode ter sido sua, mas Bruce também é responsável e...
– Nós estamos perdendo tempo discutindo essas coisas, Joanne.
– Não me importo quanto tempo percamos, pois não vou com você de qualquer maneira.
– É claro que vai! – Ele tomou seu braço com dedos firmes e decididos. – Bruce, por favor, vá pegar a bolsa de sua irmã.
– Você não pode me forçar a sair com você, Daniel!
– Sou capaz de levá-la no colo até o carro, mesmo que grite e esperneie! – Ele ameaçou e, pela expressão de seus olhos, Joanne sabia que não estava mentindo. Bruce logo retornou com o casaco e a bolsa de Joanne e Daniel colocou o casaco sobre as costas dela como faria com uma criança. – Bem, vem sozinha ou terei que carregá-la?
O ar estava carregado quando Joanne fitou Daniel e Bruce.
– Vocês dois são desprezíveis!
– Você está tornando tudo mais difícil – Bruce falou constrangido.
– Tornando as coisas mais difíceis? – Ela estava furiosa. – O problema é que nenhum dos dois parece considerar que eu também tenho sentimentos! Vocês me tratam como se fosse uma coisa com a qual podem fazer o que bem desejarem, sem se importar se me machuco com isso!
– Bem, já nos impressionou o suficiente com seu discurso; agora, vamos embora! Não gosto de entrar num teatro quando as luzes já se apagaram.
Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, Bruce entregou uma chave do apartamento para Daniel e este a empurrou sem a menor cerimônia até o elevador.
– Por aqui! – Ele indicou onde estava estacionado o carro. – Fico feliz por sua sensibilidade em aceitar meu convite!
Joanne nada respondeu, reprimindo tudo aquilo o que queria dizer, mas não podia perder o controle como tinha acontecido momentos antes, no apartamento de Bruce.
Pouco tempo depois, chegavam ao grande teatro, que estava todo iluminado e bastante movimentado. Era um dos mais modernos edifícios do mundo, mas Joanne estava com os pensamentos muito longe para perceber a beleza da grande construção. A apresentação ainda não tinha começado e não tiveram dificuldade para chegar até seus lugares.
– Relaxe, Joanne – disse Daniel assim que sentaram. – Você está tão furiosa que só de sentar a seu lado já posso sentir!
– Tenho vontade de furar os seus olhos!
– Aqui? – ele perguntou divertido. – Nesse teatro tão adorável?
– Não me importo com o lugar, qualquer lugar serviria!
– Sugiro que espere até estarmos sozinhos para então fazer o que quiser. Acho que até vou gostar disso!
– Oh. como odeio você!
– Ora. Joanne, você está se repetindo tanto que fica entediante!
– Ótimo! Quando eu me tornar bastante entediante para ser suportada, talvez você me deixe em paz!
– Querida... – ele começou a dizer, com voz suave e provocante. – Você fica tão linda quando está nervosa que estou me controlando para não beijá-la aqui mesmo!
Ele a olhou de um jeito que parecia ser uma carícia. Joanne involuntariamente se perturbou com aquele olhar, corando até ficar com o rosto em fogo. Desviou os olhos e respirou aliviada, quando as luzes se apagaram e a orquestra atacou os acordes iniciais do Lago do Cisne de Tchaikovsky.
Joanne já tinha tido a oportunidade de assistir a este balé com outras companhias, mas, mesmo assim, o espetáculo era tão envolvente que ela chegou a esquecer como tinha ido parar ali. Quando as cortinas se fecharam na última cena, ela deu um suspiro de satisfação.
– Fico feliz que tenha gostado! – Daniel disse simpaticamente e, antes de perceber o que fazia, Joanne sorriu para ele, agradecida.
Estava calma e relaxada o suficiente para desistir de continuar brigando, e não fez objeções quando Daniel tomou sua cintura, guiando-a através das pessoas que deixavam a sala de espetáculo.
– Daniel, querido – disse uma voz musical e feminina, e Joanne pôde sentir que ele ficava tenso enquanto uma mulher se aproximava abrindo caminho na multidão. Era loira e devia ter por volta de trinta anos, Joanne reparou, notando as jóias que ela trazia e que faiscavam sob a luz. – Mas que encontro agradável! – ela falou, assim que os alcançou.
– Greta! – Daniel exclamou. – Não esperava encontrá-la aqui em Cape Town! Manfred está com você?
– Oh, você ainda não sabe? – ela perguntou com uma dramaticidade fingida. – Manfred morreu há alguns meses atrás e, como você sabe, nunca fui muito feliz na África do Sul. Então, resolvi voltar!
– Oh, eu não sabia... Greta, gostaria que conhecesse minha... – ele ia dizendo quando notou a expressão apreensiva de Joanne. – Gostaria que conhecesse Joanne Webster. Joanne, esta é Greta Neal, nós nos conhecemos desde os tempos do ginásio!
– Prazer em conhecê-la Sra. Neal.
Greta fitou Joanne com uma expressão curiosa e cumprimentou-a com certo descaso, antes de olhar novamente para Daniel.
– E, então, querido, você continua morando aqui em nossa cidadezinha? – perguntou, a mão repousando possessivamente sobre o braço de Daniel.
– Não, tanto Joanne como eu estamos trabalhando numa clínica em Willowmead.
– Você também é cirurgiã? – Os olhos especulativos dela pareciam dissecar Joanne.
– Não, Sra. Neal, sou enfermeira.
– Oh... – Os lábios de Greta se curvaram de maneira insultuosa.
– Greta, desculpe, mas temos que ir andando... – Daniel interrompeu subitamente. Joanne podia sentir sua impaciência.
– Espero encontrá-lo em breve, querido, para que possamos conversar sobre os velhos tempos!
– Fiquei contente em vê-la – foi o que ele respondeu, fingindo ignorar o tom provocante que ela usara. Depois de murmurar um rápido “boa-noite”, começou a puxar Joanne apressadamente, esbarrando nas pessoas que ainda saíam da sala de espetáculo.
Enquanto caminhavam, Joanne tentava imaginar que importância aquela mulher loira ê atraente havia tido no passado de Daniel. Era difícil imaginá-la como uma garota ginasiana; e mais difícil ainda era imaginar Daniel menino. Será que subia em árvores e coisas do gênero? Começou a relembrar a própria infância, quando seus pais ainda estavam vivos e, junto com Bruce, ela costumava ficar horas brincando nas árvores do jardim, fingindo que eram Jane e Tarzan e que tinham uma perigosa missão a cumprir antes que sua mãe os chamasse para tomar banho e jantar.
Joanne suspirou fundo. Daniel certamente tinha sido um menino bem comportado, que não arrumava encrencas nem se sujava muito.
Quanto a Greta, a imagem que lhe vinha à cabeça era de uma menina bem-arrumada, sempre cheia de laços, fitas e vestidos novos.
Enquanto o carro seguia pelas ruas movimentadas, uma grande calma tomou conta de Joanne, que já não se sentia mal por estar ao lado de Daniel. Pensava no comportamento que ele tinha tido no teatro, quando encontraram Greta Neal. Ele havia sido educado e agradável, mas, ao mesmo tempo, frio e impessoal. Além disso, se não fosse pela intervenção rápida de Joanne, teria dito àquela mulher que eram casados, o que certamente acabaria com todas suas possíveis intenções com relação a ele. Mas, apesar da certeza de que Daniel não mostrara o mínimo interesse em se envolver com a amiga, Joanne tinha um estranho sentimento de que ela ainda lhe causaria problemas.


Capítulo XI


– Fale-me de Greta Neal – Joanne pediu quando já estavam instalados numa mesa isolada de um bar acolhedor nas imediações da cidade.
– O que você gostaria de saber a respeito dela? – Daniel perguntou com um sorriso nos lábios.
– O marido dela era fazendeiro na. África?
– Não, estava metido em negócios com diamantes.
– Compreendo... – ela disse com um sorriso. – Greta certamente é bastante corajosa para usar todas aquelas jóias em público! É como mostrar a quantas anda sua conta no banco, para quem quiser ver!
– Greta sempre gostou de se exibir um pouco e Manfred nunca deixou de atender seus pedidos, por mais fúteis que fossem.
– E... entre vocês existiu alguma vez um caso amoroso?
– Claro que não! Tempos atrás cheguei a pensar que ela tinha casado com Manfred porque eu nunca lhe dava bola, mas acho que era imaginação. Coisa de um jovem estudante orgulhoso e cheio de si. Mais tarde compreendi que casou com ele pelas razões usuais...
– E ele certamente a transformou numa viúva bastante rica... Querido... – Joanne imitava o tom de voz de Greta.
– Ora, sua fofoqueira! – Ele sorriu e subitamente tomou as mãos de Joanne, que como sempre ficou perturbada com aquele toque.
– É melhor tomar cuidado! Tenho a impressão de que ela virá atrás de você! – ela brincou com ele, surpreendendo-se por, depois de tanto tempo, ser novamente capaz de estar na companhia de Daniel sem que isso a deixasse irada e tensa.
– Ser procurado por mulheres nunca me impressionou – ele replicou, e Joanne logo pensou que Daniel era o tipo de homem que preferia procurar as mulheres a ser procurado por elas. – Vamos dançar um pouco?
Ela concordou com a cabeça, um pouco apreensiva; levantou-se e Daniel a conduziu até a pista de dança onde inúmeros casais rodopiavam ao som do conjunto de jazz que tocava num pequeno palco elevado.
– Você está gostando da noite, não está? – ele perguntou enquanto dançavam, os lábios quase colados ao ouvido de Joanne.
– Sim... – ela suspirou com, certo remorso. – Acho que foi uma tolice de minha parte me comportar daquela maneira no apartamento de Bruce. Desculpe!
– Se eu a tivesse convidado para sair da maneira normal você nunca teria aceitado, não é?
– Provavelmente não.
– Então. Bruce e eu estamos perdoados?
– Sim.
Ele apertou um pouco mais sua cintura, aproximando-a ainda mais, enquanto Joanne seguia seus passos ágeis.
– Será que vai continuar dizendo “sim” a tudo que eu lhe disser esta noite?
– Bem, isso depende!
– Depende do quê? – perguntou, a respiração quente na face de Joanne.
– Depende do que você disser, naturalmente.
– Você parece tão frágil esta noite, como se pudesse derreter em meus braços. Joanne, quero beijar você.
– Não aqui! – ela disse apressada, antes de poder compreender a exata extensão das próprias palavras. – Bem, quero dizer...
– Aonde, então?
Ela não respondeu. Daniel começou a.sorrir e abaixou a cabeça de modo que seu queixo quase chegava a tocar o ombro de Joanne.
– Estou com um humor estranho esta noite, minha querida Joanne. E se fingíssemos que nos atraímos mutuamente e que realmente desejamos e nos faz bem a companhia um do outro, somente por esta noite?
– Mas, e depois?
– Depois, minha querida, não nos preocuparemos com nada e deixaremos que a natureza prossiga em seu livre curso.
– Essa pode ser uma brincadeira muito perigosa, Daniel – ela finalmente respondeu, depois de um longo silêncio.
– Mas pode ser também uma brincadeira inocente na qual não teremos nada a perder, a não ser, talvez, uns beijos antes de eu deixá-la no apartamento de Bruce!
– Será que posso acreditar que você não tentará tirar vantagem dessa brincadeira tola?
– Pode confiar, Joanne, que não farei nada que você não deseje – ele prometeu, beijando-a suàvemente na face.
– Você é muito persuasivo e estou bastante tentada a aceitar ela disse com honestidade, mas perguntando-se se devia correr o risco de participar daquele jogo sem se deixar envolver em aventuras das quais se arrependeria mais tarde.
– Tente não se importar com o que vem depois, pelo menos desta vez, Joanne.
– Está bem, desta vez vou me permitir ser tão louca quanto você e aceitar esse jogo arriscado – ela fitou-o bem dentro dos olhos.
– Maravilhoso! – ele exclamou, abraçando-a fortemente, quase a ponto de erguê-la do chão.
Era como uma estranha loucura que se apoderava de Joanne. Eles riram, conversaram e dançaram até bem depois da meia-noite, sem se importar com os olhares curiosos que testemunhavam todo aquele prazer e alegria.
Quando voltavam para o apartamento de Bruce, Daniel subitamente parou o carro no acostamento da estrada, desligou o motor e tomou-a em seus braços. Joanne entregou-se e correspondeu àqueles beijos profundos como nunca fizera antes. No elevador também se beijaram, ao entrar no apartamento de Bruce e fechar a porta que finalmente os isolou do mundo exterior, Joanne mais uma vez se viu em seus braços.
Talvez fosse pelo vinho, mas, de qualquer maneira, amando-o como o amava, era difícil para Joanne separar a realidade da brincadeira. Quando Daniel começou a acariciar seus seios ela compreendeu que já era hora de parar com aquele jogo. Afastou-se, usando o irmão como desculpa, mas Daniel novamente a tomou nos braços.
– Bruce está numa festa com os amigos da Universidade e, se bem me lembro de meus tempos de estudante, certamente não estará de volta antes do dia amanhecer. Temos muito tempo, Joanne!
– Daniel, foi uma noite ótima e seria uma pena se nós a estragássemos – ela afirmou, colocando as mãos sobre o peito de Daniel para afastá-lo.
– Eu não tenho a menor intenção de estragar esta noite tão agradável, Joanne – ele disse, afastando-se um pouco.
– Será que... será que não poderíamos conversar? Conversar quieta e calmamente? – ela sugeriu hesitante, deixando que a realidade voltasse a tomar conta de seus atos.
– Conversar? Agora? – ele perguntou, incrédulo enquanto seus dedos continuavam a acariciar-lhe as costas.
– Por que não, Daniel? Estamos tão serenos agora.
– Eu não diria que estou sereno, Joanne – ele disse enquanto tomava a mão de Joanne e a colocava sobre o próprio coração, por dentro da camisa e em contato direto com a pele. – Acha que meu coração bateria desta maneira se eu estivesse sereno?
– Daniel... – ela murmurou com voz fraca.. o calor daquele peito sob sua mão.
– Está bem, vamos conversar, se é o que você quer.
A voz de Daniel tinha recobrado o tom habitual e seu olhar era um pouco frio, quando se sentaram no sofá de Bruce. Joanne não tinha certeza se aquele era realmente o melhor momento para falar sobre o assunto, temendo que Daniel voltasse à habitual postura arrogante e ríspida. Ela hesitava.
– E então? – ele inquiriu calmamente.
– Bem, gostaria de saber se você reconsiderou o que me disse e está disposto a me conceder o divórcio.
Tomado de surpresa por aquelas palavras, Daniel recostou-se no sofá. Com uma expressão constrangida no rosto, acendeu um cigarro e só depois da primeira tragada foi que respondeu:
– Se pelo menos me der, uma boa razão para eu fazer isso, talvez eu possa reconsiderar minha decisão – ele disse com voz quieta e calma.
– Eu quero construir uma vida para mim num lugar onde o passado não me persiga, Daniel, e quero continuar minha carreira de enfermeira. – Aquelas palavras soavam estranhas a seus próprios ouvidos. – E você sabe que não poderei fazer isso enquanto este casamento continuar existindo, como uma espada sobre minha cabeça.
O silêncio se instalou entre os dois e Joanne pensou que se Daniel tivesse algum afeto verdadeiro por ela, rejeitaria sua proposta. Antes da mãe dele morrer havia pedido a ela que considerasse a possibilidade de transformar aquele casamento numa união real. Era uma esperança ingênua, Joanne continuou a pensar, mas de qualquer maneira ela o testaria para ter certeza do que achava.
– Sua liberdade é tão importante assim para você? – ele perguntou finalmente. quebrando o silêncio constrangedor.
– Sim. Daniel – ela mentia desesperadamente. – Muito importante!
– E... se eu concordar com esse divórcio que você deseja tanto... para onde você irá?
– Para algum lugar tranqüilo: algum lugar semelhante a Willowmead.
– Você deixará a clínica? – Ele franziu as sobrancelhas.
– Sim. Daniel, pois seria melhor que não nos encontrássemos com tanta freqüência.
– Mas permitirá que eu a visitasse de vez em quando?
– Sim, acho que não haveria mal nisso.
– Está bem. Joanne – ele disse, depois de suspirar profundamente. – Vou dar a entrada nos papéis.
– Obrigada, Daniel. – Ela sentiu o sabor da derrota, enquanto forçava os lábios a se curvarem num sorriso meio sem jeito.
– Não me agradeça – ele falou apagando o cigarro no cinzeiro. – Agradeça ao estado de espírito em que me encontro no momento. Amanhã, provavelmente, estarei me culpando por ter concordado com isso!
– Eu confio em você. Sei que não faltará com a palavra.
– Eu também já confiei em você Joanne... certa vez!
– Eu sei – ela disse, abaixando o rosto para não ter que enfrentar seu olhar. – E eu o desapontei.
– Sim, e... não. – Ela fitou-o surpresa. Havia algo novo no olhar dele. – Lá em cima, nos Alpes, tive muito tempo para pensar em tudo que aconteceu. Você de fato me desapontou mas... nunca desapontou minha mãe! É o que me intriga. Joanne, pois tenho certeza de que ela foi feliz até quando morreu.
– Sim. Daniel, ela foi feliz.
– Será que você a fez pensar que tentaria fazer de nossa união um casamento verdadeiro?
Sua perspicácia era tão acurada que Joanne teve que se controlar muito para não deixá-lo perceber que tinha acertado em cheio.
– Sua... sua mãe já tinha adivinhado toda a verdade antes de eu contar qualquer coisa. Tirou as próprias conclusões e eu não as neguei.
– Meu Deus! – ele disse, levantando-se e começando a caminhar pela sala. – Você deve me odiar pelo que aconteceu depois!
Horas depois, quando ele já tinha partido, aquelas palavras continuavam soando no ouvido de Joanne. Sim, ela o tinha odiado tempos atrás, mas o amor está muito próximo do ódio e ela não tardou a perceber que o maior sacrificado naquele episódio tinha sido seu próprio orgulho. Se uma palavra de amor tivesse passado pelos lábios dele, ela teria se entregado de espontânea vontade. Mas naquela época, como agora, Daniel só a desejava fisicamente. E Joanne não poderia assumir um casamento baseado no simples desejo, pois quando a chama se apagasse restariam as cinzas, e ela seria infeliz para o resto da vida.

A primavera chegou trazendo vida nova para o vale da clínica de Willowmead. As montanhas tomaram-se verdes e floridas, como se um enorme tapete natural as recobrisse. Os jardins também estavam em seu apogeu, o ar perfumado pelas lindas flores dos canteiros. Os jardineiros trabalhavam ativamente, semeando novas plantas, Joanne cruzou o pátio, vindo de um rápido almoço na cantina, e parou para admirar a beleza daquele lugar, sentindo o calor do sol no rosto, Mas havia muito a fazer e ela logo voltou Pila o prédio principal da clínica. Ao entrar no hall, deu de cara com Daniel e Greta Neal.
– Ora, se não é a enfermeira que estava com você há alguns dias atrás! – A moça sorriu para Daniel; mas, ao voltar-se para Joanne, seu olhar era frio e duro. – Você vai cuidar de mim enquanto eu estiver aqui?
– A enfermeira Webster trabalha na sala de operações – Daniel disse, depois que Joanne o fitou com ar interrogativo.
– Seria bom se pudéssemos nos conhecer melhor. – Greta sorria agora para Joanne. os inevitáveis diamantes do colar e dos anéis faiscando e a mão possessiva sobre o braço de Daniel. Aquela intimidade fazia Joanne sentir um ciúme estranho.
Daniel tomou a amiga pelo braço e, com um gesto de impaciência, começou a conduzi-la pelo corredor. Surpresa, sem saber direito o que estava ocorrendo, Joanne fitou a secretária atrás da mesa da recepção.
– A Sra. Neal vai se internar aqui na clínica?
– Sim. Ela chegou meia hora atrás, mim carro com chofer particular e insistiu para falar com o Dr. Grant e ninguém mais!
– Mas que operação tão especial ela precisa fazer para ter escolhido justamente este hospital?
– Bem, acho que tem uma mancha no ombro esquerdo, que quer remover.
– Uma mancha? Mas ela poderia fazer isso em qualquer hospital em Cape Town! Por que veio para cá?
– Foi o que o Dr. Grant lhe disse, mas ela respondeu: “Querido, eu não permitiria que nenhuma outra pessoa, a não ser você, colocasse a mão nesta mancha”. – A recepcionista imitou Greta, fazendo Joanne sorrir, divertida. – Você precisava ter visto a cara do Dr. Grant! Nunca o vi tão bravo antes! Se eu fosse a Sra. Neal teria ido embora no mesmo instante. Mas ela continuou sorrindo e entregou-lhe os papéis para a internação. que já havia providenciado. Agora, acho que tudo que resta ao doutor é fazer logo a operação para ela ir embora o quanto antes!
Naquele mesmo dia a operação foi realizada e, para surpresa de Joanne. Daniel trabalhou como se a simples cirurgia fosse algo que necessitasse de cuidados tão grandes quanto o das operações mais complicadas.
– Para mim, Joanne, os sentimentos pessoais não interferem no trabalho. Portanto. na sala de cirurgia ela era um paciente como qualquer outro – ele dizia naquela noite. depois de chegar no apartamento de Joanne sem avisar.
– Quanto tempo ela vai ficar no hospital?
– Poderia voltar para casa amanhã. Mas eu conheço Greta Neal, provavelmente vai fazer disso uma longa história. Quando deixei a clínica, alguns minutos atrás, ela estava reclamando de uma suposta fraqueza que a impedia de levantar da cama!
– Você acha que ela vai esticar ao máximo essa temporada no hospital?
– O que acho é que não irá embora, enquanto eu não colocá-la para fora! Puxa, estou mesmo cansado hoje.
Joanne fitou-o por um momento, percebendo que realmente tinha o rosto cansado e os olhos profundos, de quem estava com sono.
– Vou preparar um pouco de café para você beber e depois, acho que o melhor a fazer é ir para casa dormir!
Alguns minutos depois, quando voltou para a sala trazendo o café, a jaqueta e a gravata de Daniel estavam sobre a poltrona, mas não havia sinal dele. Joanne depositou a bandeja sobre a mesa e, hesitante, foi até o quarto.
Ele estava deitado na cama, já adormecido, os cabelos despenteados dando-lhe um ar de moleque. Sem coragem de acordá-la, Joanne cobriu-o com um cobertor leve e voltou para a sala, para retomar as costuras, que fazia quando Daniel chegou. Já passava das dez horas quando voltou para o quarto com uma xícara de café fresco na mão, a fim de acordá-lo.
– Daniel – ela murmurou, tocando seu braço gentilmente.
– Lorelei – ele murmurou abrindo os olhos. Depois de retirar o cobertor, levantou-se da cama. – Acho que peguei no sono!
– Trouxe um pouco de café para que possa acordar direito e voltar para casa.
– Desculpe a falta de educação de adormecer assim...
– Ora, você estava muito cansado.
– E então você me deixou dormir aqui em sua cama – ele disse tomando-a pela cintura. – É uma cama muito confortável!
Ele calou os protestos dela com um beijo que a princípio Joanne não quis aceitar, mas a suavidade de Daniel logo ganhou seu coração.
– Daniel, já é tarde – ela disse, quando seus lábios finalmente se separaram.
– Será que eu não poderia ficar aqui?
– Ora. Daniel, o que as pessoas vão dizer ao ver que seu carro ficou estacionado aí fora durante a noite toda?
– Bem, poderia sempre esfregar nossa certidão de casamento no nariz deles! E então?
– Não, Daniel, não estou interessada nesse tipo de relação com você...
– E em qual tipo de relação está interessada? Num relacionamento que admite alguns beijos, algumas carícias, mas nenhum sexo, definitivamente?
– Daniel! – ela disse, corando imediatamente e tentando se soltar daqueles braços que insistiam em prendê-la.
– Tenho certeza de que, neste momento, você me deseja tanto quanto eu a você! Se não fôssemos casados eu poderia entender sua relutância e, além do mais, nós já fizemos amor uma vez!
– Sim, e foi horrível!
– Você sabe que eu estava louco de raiva naquela noite! Oh, Joanne, deixe-me mostrar-lhe que o amor pode ser fonte de prazer também! Não vou machucá-la! – ele disse puxando-a para mais perto.
– Solte-me. Daniel – ela implorou, o coração batendo como louco.
– Está bem, sente-se aqui a meu lado enquanto tomo o café ele falou, segurando-a pelo pulso e obrigando-a a sentar-se. Bebeu o café rapidamente e em seguida fitou-a, com um ar frio e distante. – Joanne, qualquer dia teremos que sentar e conversar seriamente. para nosso próprio bem. – Ele foi para a sala e pegou a jaqueta e gravata. Joanne o seguiu. – Obrigado pela hospitalidade! Acho que, afinal, não foi uma idéia tão boa ter vindo aqui esta noite!
– Daniel! – ela disse quando ele já estava na porta, prestes a partir. – Acho que precisamos mesmo da nossa liberdade!
– Estou começando a achar que tem razão – ele murmurou.
Quando fechou a porta, Joanne permitiu que as lágrimas descessem silenciosamente por seu rosto.

– Quando tiver um tempinho livre, Srta. Webster, venha até o quarto 421 – dizia a enfermeira Dason no telefone. – A Sra. Neal deseja conversar com você com urgência.
Pouco tempo depois. Joanne se dirigia ao quarto de Greta Neal, perguntando-se por que o tom de voz da enfermeira Dason no telefone era tão irritado.
– Até que enfim você veio! – Greta falou assim que Joanne entrou no quarto. – Estive tentando falar com você o dia inteiro!
– Eu estive na sala de operações a manhã inteira.
– Com Daniel?
– Não somente com o Dr. Grant, mas com os outros cirurgiões que operaram nesta manhã.
– O que é que existe entre você e Daniel?
– Como? – Joanne perguntou surpresa.
– Ora, você me ouviu muito bem!
– Foi por isso que me chamou até aqui? – Joanne perguntou incrédula.
– Vamos, responda logo: o que há entre vocês? – ela quase gritou, agitando a mão e lançando reflexos com o grande diamante do anel.
– Não existe nada entre Dan... o Dr. Grant e eu.
– Então, o que vocês parecem esconder? Por acaso é amante dele?
– Não sei do que está falando – Joanne replicou friamente.
– Conheço bem os homens, Joanne, e sei que, se passaram o fim de semana juntos em Cape Town, é porque existe algo entre vocês.
– Mas nós não passamos o fim de semana juntos e...
– Eu o quero para mim! – ela disse irritada. – E não desejo que nada atrapalhe meu caminho. Qual é o seu preço?
– Meu... preço? – Joanne repetiu incrédula e chocada.
– Sim! Será que cinqüenta mil bastariam?
– Sra. Neal, a senhora está enganada se pensa que...
– Está bem, cem mil então! Devia saber que alguém como você não ia se satisfazer com pouco.
Joanne não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir, era demais para suportar.
– Vamos logo! Exijo que me responda!
– Você não está em condições de exigir nada de mim – Joanne replicou com sarcasmo. – Não quero seu dinheiro e nem pretendo continuar aqui ouvindo essas propostas infames.


Capítulo XII


Joanne nunca se sentira tão ultrajada em toda a vida e estava furiosa. Aquele episódio lhe causara náuseas. Ora, Greta Neal que ficasse com Daniel! Ela não tinha nada a ver com isso. Talvez, até servisse mesmo um para o outro!
– Joanne. – Era Daniel que aparecia repentinamente no corredor. – O que estava fazenda no quarto de Greta?
– Por que não vai lá e pergunta a ela?
– Porque estou perguntando a você! – ele disse, tomando-a pelo braço e entrando numa sala próxima, onde poderiam conversar a sós. – Vamos, conte-me tudo.
– Está bem – ela decidiu, achando que era melhor Daniel saber mesmo de tudo. – A Sra. Neal pensa que existe algo entre nós e me ofereceu dinheiro para deixá-lo em paz!
– E o que você disse para ela? – Daniel perguntou com ar surpreendido mas com expressão de quem se divertia com tudo aquilo.
– Ora, eu quase a mandei para o inferno! – Joanne disse, e continuou um pouco mais calma. – Daniel, essa mulher é perigosa e tenho o pressentimento de que seu veneno está dirigido especialmente a mim!
– Você está imaginando coisas! Acho melhor ignorar tudo isso, não há nada que ela possa fazer contra você.
– Espero que tenha razão! – ela respondeu com um suspiro. A suspeita não desapareceu pelo resto do dia e, na manhã seguinte, a coisa toda ainda persistia quando Joanne novamente recebeu um telefonema da enfermeira Dason, informando que Greta desejava vê-la novamente.
– Receio não poder ir – Joanne respondeu ao telefone. – Tenho muitas coisas para fazer. Diga à Sra. Neal, por favor, que não poderei atender seu pedido.
– Acho que ela não vai gostar disso! E já tem nos dado tantos problemas. – a enfermeira Dason comentou do outro lado da linha. Apesar de ganhar a simpatia de Joanne, ela realmente já estava decidida.
– A Sra. Neal está acostumada a ter tudo que deseja, mas comigo não vai conseguir nada.
Durante a tarde. Joanne recebeu um pequeno envelope e pelo perfume do papel logo adivinhou de onde vinha. Evitando o olhar curioso de Alice, que estava por perto, ela o abriu.
“Enfermeira Webster, se não quiser que o hospital inteiro fique sabendo que passou o fim de semana com Daniel, venha até meu quarto ainda hoje. Greta Neal.”
Joanne sentiu-se perturbada, quando rasgou e picou em pedaços o bilhete.
– A Sra. Neal de novo? – Alice perguntou e Joanne concordou com a cabeça. – Não sei por que permite que ela a perturbe tanto!
– Eu também não sei! – Joanne sorriu constrangida. – Será que podia tomar conta das coisas por aqui enquanto vou ver o que ela deseja desta vez?
Joanne não ficou surpresa ao encontrá-la deitada na cama como se estivesse de fato doente. Já estava totalmente recuperada, mas, com o dinheiro que possuía, podia se dar ao luxo de continuar internada.
– Ah, vejo que foi sensível o suficiente para atender meu pedido – ela disse, com uma voz calma e doce.
– Bem, acho que não deixou muita escolha – Joanne replicou com frieza.
– Tudo que desejo, querida, é pedir desculpas pelo meu comportamento de ontem. – Greta sorriu com o olhar surpreendido de Joanne. – Você acha estranho que o queira fazer pessoalmente?
– Não, claro que não.
– Acho que o que fiz foi horrível e gostaria de pedir que me desculpasse – ela continuou com voz melodiosa.
– Está bem. Sra. Neal – Joanne murmurou, ainda suspeitando daquela mudança de atitude tão rápida e brusca.
– Bem, agora que já me desculpou – ela tentava se arrumar na cama –, será que poderia me ajudar com estes travesseiros?
– Naturalmente – Joanne respondeu de forma educada e, em seguida, ajudou-a a arrumar os travesseiro em posição mais confortável. – Assim está melhor?
– Sim, muito melhor. Agora, gostaria de... – Ela olhou para o lado e fez menção de que ia pegar alguma coisa na mesa-de-cabeceira ao lado da cama. – Meu anel! Meu anel de diamante! Ele sumiu!
– Acalme-se, Sra. Neal, ele deve estar por aqui.
– Estava sobre a mesa-de-cabeceira até você chegar!
– Pode ter caído no chão – Joanne disse, abaixando-se para olhar.
– Ora, não seja idiota! Eu ouviria se ele tivesse caído! Olhe, é um anel muito valioso e precisa ser encontrado, entendeu?
– Sra. Neal – Joanne começou a falar mais foi interrompida.
– Chame a enfermeira-chefe! Chame Daniel! Quero-os aqui imediatamente, está me entendendo?
– Por Deus, o que está acontecendo aqui? – perguntou a enfermeira Dason, assim que entrou no quarto e viu Joanne ajoelhada no chão, procurando em vão pelo anel.
– Por favor, enfermeira Dason – Joanne pediu enquanto se punha de pé –, peça à enfermeira-chefe para vir aqui imediatamente e chame também o Dr. Grant. – Ela apontou a loira na cama. – A Sra. Neal perdeu um anel muito valioso.
A Sra. Dason fechou os olhos como se aquilo fosse a gota d’água, mas em seguida afastou-se, resignada.
Enquanto esperavam, Joanne continuou procurando pelo quarto inteiro, sem sucesso. Greta Neal, muito nervosa, não parava de dizer coisas desconexas, e os pedidos de Joanne para que se acalmasse não surtiam efeito.
– Mas afinal, que confusão é essa? – Daniel perguntou, assim que entrou no quarto, seguido pela Sra. Maureen, a enfermeira-chefe.
– Daniel!– Greta gritou dramaticamente. – Meu anel de diamante sumiu!
– Pelo amor de Deus, Greta, tem certeza de que não o guardou em algum lugar e agora está esquecida?
– Não, claro que não! – ela continuou de maneira teatral. – Eu o tirei e coloquei-o sobre a mesa-de-cabeceira. – Ela apontou o pequeno móvel. – E em seguida passei um pouco de creme nas mãos. Então, a Srta. Webster chegou, ajudou-me a arrumar os travesseiros e, quando fui procurá-lo; havia sumido!
– Você já procurou pelo quarto? – a Sra. Maureen perguntou consternada.
– Sim; já procurei pelo quarto inteiro – Joanne respondeu.
– Sra. Neal – a enfermeira-chefe continuou –, a senhora disse que o anel estava sobre a mesa-de-cabeceira até antes da enfermeira Webster chegar?
– Sim, tenho certeza de que estava!
– E mais alguém entrou aqui? – a enfermeira-chefe perguntou.
– Não... só... – Greta Neal fitou Joanne com um olhar duro e acusativo. – Reviste-a, Sra. Maureen, reviste a enfermeira Webster! Ela foi a única que...
– Você está ficando louca? – Daniel a interrompeu bruscamente, enquanto Joanne começava a suar frio e um nó lhe subia pela garganta.
– Daniel – Greta continuou quase histérica – estou lhe dizendo que a enfermeira Webster foi a única pessoa a entrar neste quarto entre o momento que retirei o anel e quando descobri que havia sumido. Por isso exijo que a revistem!
– Bem... – a Sra. Maureen pigarreou consternada. – Nunca tive essa desagradável tarefa de revistar alguém!
– Se o anel foi roubado, ela é a única pessoa que pode ter feito isso – Greta insistiu, aos gritos. – E provavelmente deve estar com ela!
– Srta. Webster... será que... poderia virar seus bolsos para fora? – a enfermeira-chefe pediu constrangida, fitando Joanne, que estava pálida e silenciosa.
– Ora, não lhe peça para fazer isso – Greta continuou indignada. – Procure você mesma!
– Bem, Sra. Neal... – a Sra. Maureen não sabia como agir, e fitou Daniel interrogativamente. Ele indicou com a cabeça que ela devia prosseguir com a busca e Joanne sabia que não podia dizer nada, pois tudo que Greta dissera era realmente verdade, isto é, só ela tinha entrado no quarto, ainda que nem tivesse dado pela existência do anel sobre o móvel.
O quarto ficou mergulhado num silêncio mortal enquanto a enfermeira-chefe revistava o bolso de Joanne. Depois de alguns segundos, pela expressão de sua face, todos adivinharam que havia encontrado o anel.
– É esse o seu anel, Sra. Neal? – ela perguntou, segurando o pequeno e brilhante objeto entre os dedos.
– Sim, sim, claro que é! – ela exclamou excitada. – Nunca pensei que pudesse agir como uma ladra vulgar, Srta. Webster – Greta acusou, enquanto colocava a mão sobre o braço de Daniel. – Daniel, insisto que a despeça imediatamente!
– Greta – Daniel replicou depois de um segundo de hesitação. –, vista uma roupa decente e venha até o escritório do Sra. Maureen, onde poderemos discutir c resolver tudo isso em particular.
– Mas estou doente – Greta protestou, deixando-se cair sobre os travesseiros, como se estivesse muito fraca. – Eu não conseguiria.
– Vamos, levante-se e faça o que estou dizendo! – Daniel falou com rispidez.
– Está bem – ela disse a contragosto, enquanto a enfermeira a ajudava a levantar.
Joanne se sentia completamente pasmada enquanto os quatro caminhavam silenciosos até a sala da chefia. Sua intuição estava certa, no fim das contas, mas nunca imaginou que Greta chegasse ao ponto de fazer uma coisa daquelas. Para uma enfermeira, o pior que podia acontecer era a suspeita de furto, e era do que a acusavam naquele momento, justamente ela, que nunca tirara um fio de cabelo de alguém! Ela podia imaginar como aquele anel tinha vindo parar em seu bolso, mas sabia também que aquela mulher não admitiria a verdade de maneira alguma.
– Greta, quero que pense bastante no que vai dizer – Daniel tomou a iniciativa assim que fecharam a porta e a Sra. Maureen sentou-se atrás de sua grande mesa. Greta jazia sobre a poltrona. – Não existe possibilidade do anel ter caído no bolso da enfermeira·Webster, sem que nenhuma das duas se dessem conta disso?
– Claro que não! – Greta virou o olhar para fitar a enfermeira-chefe e medir o efeito de suas palavras. Em seguida, virou-se novamente para Daniel. – Ora, querido, não compreendo por que insiste em defender esta mulher! Ela é uma ladra e acho que isso já ficou comprovado.
A expressão no rosto de Daniel se tornou dura e em seus olhos se podia ver a fúria que o agitava por dentro.
– Greta, quero deixar bem claro que Joanne Webster não é uma ladra e eu posso garantir isso!
Era como uma cena de filme policial, Joanne pensou, só que ela é que estava sendo acusada de um crime horrível.
– Dr. Grant – era a Sra. Maureen quem falava –, será que posso fazer umas perguntas para a Srta. Webster?
– Certamente – ele concordou, fitando Joanne, enquanto a enfermeira-chefe começava a falar.
– Srta. Webster, tem alguma idéia de como este anel veio parar em seu bolso?
– Não, senhora, não tenho a menor idéia.
– Você notou o Anel sobre a mesa-de-cabeceira, quando entrou no quarto da Sra. Neal?
– Não, não notei.
– Ela está mentindo! – Greta gritou. – Ela notou muito bem e deve ter imaginado que era muito valioso, por isso o roubou!
– Controle-se, Greta! – Daniel falou rispidamente, dirigindo-se a Joanne em seguida. – Alguém mais chegou a entrar no quarto, alguém que talvez lhe desejasse pregar uma peça?
– Só a enfermeira Dason – Joanne começou a responder timidamente –, mas ela não chegou a ultrapassar a porta.
– Srta. Webster – começou a Sra. Maureen –, existe algo que possa dizer em sua defesa? – Sua expressão não oferecia nenhum conforto.
– Só posso jurar que nunca toquei no anel da Sra. Neal e que não tenho a menor idéia de como ele veio parar em meu bolso.
– Sra. Maureen, acho que está tão claro quanto meu nariz que foi ela mesma quem roubou o anel! Insisto que a despeça imediatamente!
– A enfermeira-chefe não vai fazer nada disso – Daniel interveio de modo brusco. – Deve haver uma explicação para esse anel ter vindo parar no bolso da enfermeira Webster; e eu pretendo descobrir exatamente como foi que aconteceu!
– Dr. Grant, o senhor parece ter certeza absoluta a respeito da inocência da Srta. Webster. – A Sra. Maureen franziu as sobrancelhas. – Posso lhe perguntar por quê?
– Existem duas razões, senhora – Daniel começou a dizer com um sorriso nos lábios que fez Joanne ficar gelada. – Em primeiro lugar, porque conheço Joanne há vários anos e sempre admirei sua honestidade; e, em segundo lugar...
– Daniel... por favor! – Joanne implorou apreensiva, pois já adivinhava o que ele ia dizer e podia ver seu futuro rolando por água abaixo.
– Em segundo lugar – ele continuou imperturbável –, Joanne é minha esposa!
Foi como se uma bomba tivesse explodido na sala. A Sra. Maureen em seu respeitável uniforme branco, foi incapaz de dizer qualquer coisa. Os olhos se arregalaram de espanto e o queixo foi caindo até ela ficar com a boca aberta. Mas foi a ira que surgiu nos olhos de Greta que fez o sangue sumir da face de Joanne. Ela ficou pálida como um fantasma.
– Você está mentindo só para protegê-la! – Greta gritou furiosa.
– Pelo contrário – Daniel falava com voz calma e tinha um sorriso nos lábios. – Acabo de descobrir que a verdade pode ser uma arma excelente, às vezes!
– Então você é um idiota! – Greta continuou, a face vermelha. – Eu poderia ter lhe oferecido muito mais!
– Nunca estive interessado no que você, por ventura, tivesse a me oferecer, e nem nunca estarei! – ele replicou com crueldade. – Pelo menos uma vez na vida, diga a verdade, Greta. Limpe o nome de minha mulher. Pelo menos assim, você ganhará o meu respeito!
– Está bem, você venceu – ela disse depois de uma breve hesitação, curvando os lábios num sorriso artificial. – Sim, fui eu quem coloquei o anel em seu bolso enquanto ela arrumava os travesseiros.
– Mas por quê, Sra. Neal? – perguntou a Sra. Maureen, ainda incrédula e sem saber direito o que estava acontecendo.
– Por quê? – Greta riu alto, lançando um olhar frio na direção de Joanne. – Porque queria desacreditá-la aos olhos do Dr. Grant, é claro que não sabia que eram casados!
– Ninguém aqui na clínica sabia Greta. E ninguém saberia se você não tivesse me obrigado a contar toda a verdade!
– Bem, bem... – Ela sorriu com sarcasmo. – Acho que então acabei marcando pelo menos um ponto, no fim das contas – Ela se levantou da cadeira elegantemente, mostrando que já readquirira seu autocontrole. – Suponho que posso ir embora desse lugar infernal assim que o desejar...
– Claro que sim! Pode fazer isso e com os meus cumprimentos – Daniel fez questão de acrescentar.
– Oh, querido, você, é tão educado... Bem, então, bom dia para todos – ela disse com ironia.
Saiu da sala batendo com força a porta e deixando no ar o aroma de seu forte perfume. Joanne fechou os olhos, sentindo um grande enjôo no estômago e uma vontade incontrolável de sumir daquele lugar.
– Enfermeira Webster... quero dizer, Sra. Grant – a Sra. Maureen corrigiu-se, dirigindo-se agora a Joanne com um inédito respeito. – Suponho que saiba que... que não podemos permitir que continue trabalhando aqui, considerando que o Dr. Grant é seu... marido. É uma situação anti-ética, se me permitem dizê-to.
– Por favor, Sra. Maureen – Joanne começou, agora que já tinha recobrado a força para falar. Havia um limite do que podia suportar, e esse limite já havia sido ultrapassado há alguns minutos atrás. – Compreendo muito bem o que quer dizer, e sei que tem razão. Mas não se preocupe. Amanhã mesmo entrego meu pedido de demissão. E, se, a Srta. Forbes puder me substituir na sala de operações hoje gostaria de ir para minha casa.
Sem esperar resposta, Joanne saiu da sala. Mantinha a cabeça erguida e uma força dentro dela felizmente a impedia de perder o controle e dar vazão a toda a dor que sentia. Não queria chorar ou algo assim. Sabia que todos os olhares do hospital se voltariam em sua direção e ela não seria capaz de suportar tamanho embaraço.

Na privacidade de seu apartamento, Joanne deixou-se cair sobre a cama. molhando o travesseiro com as lágrimas que até então estancara a todo custo. Sentia-se triste e amargurada, uma sensação de enorme vazio interior que nada no mundo poderia preencher. Depois de chorar bastante, reuniu forças e foi até a cozinha preparar um café bem forte.
Há muita coisa a fazer, pensou depois de tomar o café e sentir o calor interior que ele fornecia. Antes de qualquer coisa, porém, deveria redigir sua carta de demissão. Depois disso, bem, depois disso a decisão seria das autoridades da clínica, ela já não poderia fazer mais nada.
Pegou papel e caneta e escreveu a carta, como prometera à Sra. Maureen. Depois de fechar o envelope, seu olhar recaiu sobre a carta que Serena Grant lhe escrevera pouco antes de morrer, e que estava sobre a cômoda. Ela sabia de cor o conteúdo daquela carta e pensar naquelas palavras era como mexer numa ferida muito antiga, mas, que por força dos acontecimentos não tinha ainda cicatrizado. Joanne se perguntava se algum dia isso chegaria a acontecer.
Colocando tais pensamentos de lado, levantou-se e foi, para a cozinha preparar alguma coisa para comer. Não que estivesse com fome, na verdade não tinha nenhum apetite, mas sabia que era necessário se ocupar para remover as imagens do passado que se misturavam às expectativas para o futuro. Seus planos para o amanhã já haviam sido um sonho, mas agora eram um pesadelo horrível, do qual não havia maneira de escapar.
Imersa nesse estado de espírito, conseguiu se ocupar até a noite. Então, sem nada mais para fazer, resolveu tomar um banho quente, na certeza de que conseguiria relaxar um pouco.
Depois de se enxugar vigorosamente, tirou os grampos que prendiam os cabelos e deixou-os soltos. Vestiu um roupão azul e. quando saiu do banheiro, foi para dar de cara com Daniel Grant, que tinha entrado sem avisar e, pelo visto, sem nenhuma cerimônia. Parecia que estava em casa. Tinha tirado o paletó e a gravata, que jaziam sobre a poltrona da sala, e a camisa estava aberta até quase a cintura, deixando à mostra seu tórax musculoso e repleto de pêlos.
O modo como a olhou deixou claro que sabia que sob o roupão, Joanne não usava nenhuma roupa. Ela desviou o olhar, tentando esconder o rubor que lhe tingia as faces. Daniel sorriu como se a aparência de Joanne o satisfizesse.
– Bati na porta, mas você não ouviu. Como não estava trancada, achei que não ficaria zangada se eu entrasse sem avisar.
– O que você quer? – ela perguntou com voz calma, apertando ainda mais o cinto do roupão que escondia sua nudez, num gesto involuntário.
– Existem umas coisas que quero conversar com você.
– Nós não temos nada para conversar.
– Ora, certamente que temos! Antes de mais nada, acho que ficará contente por saber que Greta Neal já deixou a clínica.
– Isso já não tem nenhuma importância para mim – ela disse, abaixando os olhos e fitando os intrincados desenhos do tapete.
– Mas tem importância para mim! – ele insistiu, aproximando-se de Joanne. – Nunca achei nada engraçado ter aquela mulher andando atrás de mim!
Um arrepio de prazer passou por Joanne, mas ela o reprimiu depressa. Não desejava se render mais a esse tipo de sentimento.
– Suponho que deveria dizer “obrigada” peta maneira como me defendeu hoje à tarde.
– Não é necessário que o faça, se prefere assim... – ele disse, resistindo ao impulso de dar uma boa gargalhada.
– Não havia nenhum motivo para que mencionasse o fato de que somos casados – ela disse de repente, erguendo o olhar e exibindo uma energia que até aquele momento, parecia longe dela.
– É claro que havia um motivo. E bem forte! – ele interrompeu bruscamente, tomando seu braço com tanta força que chegava a doer. – Estou cansado de ficar representando o tempo todo, sem fazer nada para acabar com essa confusão na qual transformamos nossas vidas, Joanne!
– Você está machucando meu braço!
– Desculpe... – Ele a soltou imediatamente, colocando a mão no bolso e retirando uma carta que Joanne teria dado tudo na vida para que ele nunca tivesse visto. – Por que você nunca me mostrou essa carta?
– Onde foi que você a encontrou? – ela perguntou com ansiedade, respirando agitada.
– Ali mesmo sobre a cômoda – ele disse, apontando a caixa de papéis que Joanne descuidadamente deixara aberta sobre o móvel. – Não pude deixar de reconhecer a caligrafia de minha mãe... – ele continuou fitando-a bem dentro dos olhos. – Desde quando você tem esta carta?
– A Sra. Johnson me deu logo depois que o funeral terminou.
– E você nunca pensou em mostrá-la para mim? – ele perguntou em tom acusador, depositando novamente a carta dentro da caixinha de madeira.
Incomodada pela proximidade dele, ela caminhou até a janela e abriu as cortinas. vendo a rua escura lá embaixo e o carro de Daniel, estacionado bem defronte ao edifício.
– Eu... eu cheguei a pensar em mostrá-la, mas você nunca me deu oportunidade nem nunca quis ouvir minhas explicações.
– Joanne... eu preciso saber de tudo! – ele disse enquanto se aproximava dela, o calor de suas mãos fazendo-a estremecer. – Minha mãe supunha que você gostava de mim por suas próprias conclusões ou... ou foi você quem lhe disse isso, Joanne?
– Tenho que me vestir, Daniel – ela começou a dizer para fugir àquela pergunta incômoda, mas Daniel, apertou seus ombros com mais força, obrigando-a a encará-lo.
– Eu tenho que saber de tudo, Joanne.
– Será que importa alguma coisa?
– Sim, importa. E bastante!
Joanne engoliu em seco com dificuldade, todos os nervos de seu corpo, conscientes da proximidade de Daniel. Agora não era mais possível deixar de admitir a verdade, ainda que fosse humilhante para ela.
– Fui eu quem falei para ela, Daniel.
– E realmente estava sendo sincera? – ele perguntou, com uma urgência na voz que Joanne não podia adivinhar a que se devia.
– Sim, estava sendo sincera – ela admitiu finalmente, já não se incomodando pela humilhação que isso significava. Libertou-se das mãos de Daniel e se afastou dele. – Bem, por que é que você não está rindo? Acho que essa é a piada do século, a piada de que fui tola o suficiente para me apaixonar por você!
Daniel fitou-a com um olhar enternecido e, enquanto falava, começou novamente a se aproximar, fazendo menção de abraçá-la.
– Como é que poderia rir. minha querida Lorelei, se eu também a amo há muito mais tempo do que você imagina?
– Não, Daniel... por favor! – ela implorava para que não dissesse tais coisas agora, quando tantas outras vezes tinha declarado que não acreditava no amor, que, tudo que existia era somente o desejo físico e nada mais. – Será que já não me humilhei o suficiente. Daniel?
– Joanne, olhe para mim – ele pediu, com voz doce e persuasiva.
– Eu... eu não posso – ela murmurou timidamente, o rosto parecendo pegar fogo e o coração batendo desordenadamente.
– Pois eu me recuso a falar para seus cabelos, por mais lindos que possam ser – ele disse sorrindo, tomando seu rosto com as duas mãos e obrigando-a a fitá-lo bem dentro dos olhos, que agora brilhavam aquecidos pelo calor de sentimentos que Joanne desconhecia. – Querida, desde que a olhei nos olhos pela primeira vez sabia que queria me casar com você algum dia. Não tinha nenhuma intenção de fazer as coisas com tanta pressa, como acabou ocorrendo. Mas a doença de minha mãe foi a responsável pela urgência em consumar logo o casamento. E ela também sabia disso, Joanne. – Ele sorria com as reminiscências que lhe vinham à cabeça. – Eu a levei comigo naquela festa de Natal no hospital pouco antes de nosso casamento. Disse-lhe que apontaria aquela com a qual desejava me casar, tirando-a para dançar. Você se lembra disso, não lembra. Joanne?
Ela examinou o rosto amoroso de Daniel, sentindo uma profunda dor no peito enquanto rememorava tudo o que já parecia ter-se perdido no passado distante. Sim, lembrava-se de que ele a convidara para dançar; lembrava-se de ter visto Serena Grant sentada das mesas e agora entendia por que aquele rosto lhe pareceu familiar quando Daniel a levou para conhecer aquela que seria sua sogra.
– Joanne – Ele beijou sua face com imenso carinho e depois deixou que o olhar repousasse sobre sua boca. – Nosso casamento ocorreu no momento errado e por razões erradas... mas, eu a amo!
Ela o fitou por um momento, temerosa de acreditar naquelas palavras, mas algo dentro dela dizia que devia crer, que devia se entregar àquele momento. E foi então que percebeu que na sua frente estava um Daniel que ela desconhecia, um Daniel que nunca vira antes e que não se importava em revelar os próprios sentimentos através do brilho dos olhos e da suavidade das mãos.
– Oh, Daniel... – ela murmurou comovida, permitindo-se finalmente abraçá-lo como há muito tempo desejava.
Os dois se abraçaram com força, toda a força daquela paixão finalmente revelada. Os lábios de Daniel procuravam os dela e pousaram num beijo longo e profundo, um beijo destinado a selar aquele amor que passara por tantos desencontros.
– Minha querida Joanne – ele começou a dizer, enquanto seus lábios percorriam a face da amada. – Vamos, diga-me as palavras que há tanto tempo tenho esperado para ouvir.
– Eu amo você, Daniel! – ela murmurou, deixando pela primeira vez seus sentimentos fluírem com toda a força que possuíam. Eu o amei desde que concordei em me casar com você. E se soubesse que você também me amava, nunca teríamos desperdiçado tanto tempo de nossas vidas!
Daniel sorriu para ela, os olhos brilhantes enquanto segurava seu rosto e passava suavemente os dedos sobre seus lábios, aqueles lábios que agora pareciam se oferecer e pedir para serem beijados.
– Lorelei, você não está usando nada sob este roupão, eu suponho – ele disse. enquanto sua mão descia e começava a acariciar o corpo de Joanne.
– Nem uma peça! – ela admitiu, os lábios entreabertos num sorriso maroto.
– Minha amada Lorelei! – ele exclamou, antes de começar a beijá-la novamente e explorar seu corpo com as mãos, despertando sensações que se transformavam num desejo incontrolável. Joanne colocou as mãos sobre seu peito e ele a afastou delicadamente. – Quando é que vai se mudar para aquela casa enorme onde moro tão sozinho?
– E... e nosso divórcio?
– Que divórcio? – ele perguntou franzindo as sobrancelhas, indicando que nunca tinha levado adiante a promessa que fizera de começar a tratar dos papéis.
– E o que é que faço com este apartamento e toda esta mobília?
– Ora, venda os móveis e cancele o contrato de aluguel!
– Bem, pelo menos eu deveria notificar aos proprietários um mês antes – ela continuou divertida.
– Ora. Lorelei. – O rosto dele indicava desaprovação. – Sou um homem impaciente, você sabe muito bem. Portanto, acho que... o melhor é pagar dois aluguéis adiantados, o que certamente os deixará satisfeitos o suficiente para não criar nenhum problema!
– E meu emprego na clínica?
– Bem, a Sra. Maureen já me disse que você poderá ficar até arrumarem uma pessoa para substituí-la. Mas você sabe que não pretendo esperar todo esse tempo para tomar nosso casamento uma coisa pública, não é?
– Daniel...
– Sem discussão, Joanne. – Ele avisou com autoridade, um calor imenso sob o tom de ordem daquelas palavras. – Minha esposa deve ficar no lugar que lhe cabe por direito!
– E onde fica este lugar posso perguntar? – ela inquiriu com inocência fingida, sentindo o pulso acelerar enquanto Daniel aumentava a pressão das mãos sobre a sua cintura e a puxava mais para perto dele.
– O lugar de minha esposa é em minha casa, em meus braços e na minha cama!
– Daniel... Daniel... – ela suspirou depois de uma sucessão de beijos que cada vez a deixavam mais excitada. – Oh, eu o amo tanto!
– Será que estou perdoado por tê-la tratado tão brutalmente naquela noite, quando você tentava me dizer toda a verdade? – Agora era ele quem abaixava os olhos, sem muita coragem de fitá-la de frente. – Oh, minha querida Joanne... eu estava tão iludido e tão fora de mim...
– Querido – ela disse beijando-lhe os lábios suavemente. – Será que você não sabe que o amor é eterno e nos faz perdoar tudo?
– Joanne, durante todo o tempo que passei na Suíça não conseguia pensar em outra pessoa que não fosse você. Lembrava de seus cabelos, de seu jeito, de seu olhar... Mas. sobretudo, lembrava da sensação de tê-la em meus braços, o calor de seu corpo em minhas. mãos! Eu a desejava tanto, Joanne, e me lembrava de seu sorriso, de sua voz, que estavam tão distantes. Quase ficava louco quando pensava que, se não fosse por meu comportamento idiota naquela noite, poderíamos estar juntos naquela paisagem maravilhosa. Mas sempre tinha que retomar à realidade e encará-la de frente. O que descobria era que você estava a quilômetros de distância, um oceano inteiro nos separava. E, mais que tudo, o que era realmente, doloroso e quase impossível de suportar era a consciência de que você não gostava de mim, provavelmente me odiava por eu tê-la tratado daquela maneira tão selvagem e brutal. Oh, Joanne, você não pode imaginar como foi difícil para mim! E nem com que freqüência você povoava meus sonhos e meus pensamentos!
– Oh, meu querido... – ela murmurou quase como um suspiro, deixando os dedos passearem livremente pelos sedosos cabelos de Daniel.
– Ei, você ainda não respondeu à minha pergunta! Quando é que pretende se mudar para nossa casa?
– Amanhã, se é assim que você quer.
As mãos de Daniel acariciaram suas costas com imensa suavidade, sem esconder a urgência que as movia.
– E quanto a... hoje à noite?
– Bem, acho que posso arrumar o sofá para você aqui na sala. Que acha?
– Acho que posso pensar em algo mais confortável – ele disse sorrindo e, em seguida, ergueu-a do chão como se não pesasse mais que uma criança. – Daqui por diante. Sra. Joanne Grant, seu lugar é ao lado de seu marido. Será que me fiz compreender bem?
– Muito bem, Dr. Grant – ela respondeu sorrindo, passando os braços por trás do pescoço musculoso e oferecendo os lábios para serem beijados.
– Ora, quanta obediência – ele disse brincalhão. – Puxa, é interessante o que três pequenas palavras são capazes de obter!
– Quando elas provêm do coração não são simplesmente palavras, mas um voto secreto – ela falou com expressão séria, enquanto com o dedo suave traçava as linhas do rosto de Daniel.
– Toda essa sabedoria. Lorelei, deve ser recompensada! – ele falou, capturando seus lábios num beijo profundo, enquanto a carregava para o quarto. Em pouco tempo as risadas suaves foram substituídas por murmúrios entrecortados, até que os dois corações se viram batendo juntos na escuridão daquela noite de setembro, com a promessa de um futuro maravilhoso que agora finalmente parecia ao alcance deles.

 

 

 

 

                                                                  Yvonne Whittal

 

 

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