Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CORROMPIDOS
CORROMPIDOS

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 

28


Encolhi-me e abri os olhos. Mesmo com minha reação, ele não recuou, apenas sorriu e terminou de atar meus punhos. Não sei se por seu rosto ser tatuado com uma enorme caveira fizesse com que eu ficasse dez mil vezes mais gelada quando ele sorria ou se era a promessa velada que tinha em seu rosto.

— Você está com medo de mim, não está? — perguntou baixinho, ainda mantendo-me prisioneira entre suas pernas. — Posso sentir seu corpo tremer, finalmente sua fachada de forte se rompeu. — Acrescentou rindo.

Eu queria negar, queria lutar com todas as forças que me restavam, mas eu estava com medo e tremendo. — Por favor. — Pela primeira vez eu implorei, implorei para que o diabo tivesse misericórdia de mim.

Ele pegou uma corda terminando de amarrar meus punhos na barra de ferro da cama, fazendo o pânico se erguer sobre meu peito. O sangue fugiu do meu rosto.

Deany saiu de cima de mim me levando junto com ele, de modo que eu ficasse curvada sobre a cama, colocou na beirada da cama uma faca afiada, assim como sua camisa.

Com um puxão desceu minha calça e minha calcinha, expondo meu corpo da cintura para baixo.

— Nada de mijar dessa vez.

Fiquei imóvel, calculando todas as opções de me livrar daquilo, mas ele foi esperto, aproveitou a dosagem do remédio para me pegar desprevenida e com o organismo inundado de drogas para me tornar uma presa fácil.

— Deixe-me em paz! — Grito.

Deany pega a faca colocando-a firme sobre meu pescoço, podia sentir a lâmina afiada perfurar minimamente minha jugular.

— Quietinha, senão, além de foder você, vou dar sua cabeça para os coiotes que moram aqui perto!

Meu instinto de autopreservação me ordenava a fazer algo, agir, mesmo que em vão. Não havia para onde fugir, ele me pegaria de qualquer forma, não seria por um grito que eu seria salva das mãos dele. Portanto, só fiquei parada, algumas lágrimas quentes escorreram pelo meu rosto.

— Não é uma punição, só um desejo. — Ele sussurrou ao meu ouvido.

Escuto-o abrir o zíper da calça, assim como o barulho dela caindo no chão. Suas mãos entre minhas pernas, o fato dele me acariciar foi me dando pequenas vertigens, assim como intensificando as lágrimas a escorrerem por meu rosto. Sua mão áspera e nojenta esfregando meu clitóris, enquanto enfiava um dedo dentro de mim.

Detestei ter me tornado fraca, ter me rendido a ele. A cada investida bruta com os dedos a faca forçava mais em minha garganta. Gemi de dor, arqueando meu corpo para trás, na tentativa mais inútil de fazê-lo ir para longe.

O tapa veio certeiro, me fazendo virar o rosto tamanha força.

— Eu avisei, putinha! Você tem que ficar calada!

Ele me segurou pelos cabelos, forçando a ficar de pé direito, sua língua passou pelo meu pescoço, indo até o alto de minha bochecha, me causando náuseas.

— Por favor, não! — Grito novamente.

— Shiuu, quietinha! — murmura, acariciando a curva de minhas nádegas. — Você não vai gostar, mas eu vou gozar como um louco! — diz rindo alto.

Senti algo forçando a entrada, fiquei tensa, contraindo todos os músculos, mas a pressão que ele fazia, somado ao da faca fincada em meu pescoço era demais para resistir e a coisa começou a me penetrar.

O grito alto rasgou minha garganta, assim como a lâmina da faca fincou um pouco mais. Por um instante ele parou de tentar me penetrar para socar meu rosto, me deixando tonta, meio caída no chão, não fosse os punhos presos no ferro lateral da cama.

Eu não era uma pessoa violenta, mas lá estava, acredito que ao ser colocada diante de tantas coisas perversas, tinha me corrompido, mesmo tonta e com poucas forças restando, agarrei um punhado generoso de cabelo batendo a cabeça dele contra a barra de ferro, consegui fazer por duas vezes, antes dele se levantar contendo o sangue que saía da pequena ferida em seu crânio e me chutar.

— Sua vadia idiota! — gritou vindo novamente para cima.

Tateei o chão com os pés, tentando pegar a faca que tinha voado para baixo da cama durante nossa pequena luta, meu corpo tremia, estiquei o máximo que consegui, arrastando a faca para perto.

Deany gargalhou quando percebeu o esforço que fazia, empurrando minhas pernas para longe, recuperando sua faca. Ele girava a lâmina entre os dedos, olhando de maneira diabólica para mim. — ERA ISSO QUE QUERIA? — Gritou.

Recuei até onde as malditas cordas em meus pulsos permitiam, com lágrimas de dor e frustração queimando-me os olhos. Não sabia o que ele faria comigo e não queria descobrir.

Uma agente especial, indicada para ser da Swat. Como tinha acabado assim?

“Você se importa, o problema de não pensar em você me faz temer como será quando se infiltrar” — quase sorri ao escutar a voz de Baker em meus pensamentos.

Escuto a porta se abrir com violência, mas me sinto tão pesada, meu corpo está tão pesado que parece que todos estão em câmera lenta; vejo Deany ser arremessado para o lado, batendo contra a parede oposta.

— Que porra é essa? — Uma voz grave me faz tremer.

Ergo o olhar, encarando meu possível salvador, ele era inconfundível. Kiran... naquele momento de confusão total entre manter meus pensamentos confusos indo por uma só direção eu senti vontade de sorrir. Os olhos dele também se cravaram sobre mim, tempo o suficiente para que Deany se levantasse pronto para lutar. Eu queria gritar, avisá-lo para agir ou fugir, mas não encontrava minha voz.

O barulho do tiro fez com que eu abrisse meus olhos, procurando por sangue, em mim, em Kiran, mas ao vê-lo com a arma nas mãos e Deany cair no chão, não sinto o mesmo alívio de antes.

Um dos homens tenta me erguer enquanto presto atenção ao que o outro dizia:

— Porra, Lobo!

Lobo?

“Ele é imperdoável, todos o temem, mas para nós, ele é uma espécie de protetor. Ele não deixa, na maior parte do tempo, que os outros nos inflijam mal” — a voz de uma das garotas vem com força em minha mente.

Imagens do dia que entrei na Penlin e vi pela primeira vez o tal de Lobo entrando por uma passagem entre os espelhos, aquela sensação de conhecer os músculos que delineavam o casaco... Encaro meu suposto salvador, percebendo que ele na verdade era meu demônio, o demônio por quem meu corpo sentia arrepios de prazer. Já não tinha mais motivações, nem que mínimas para ter força, não existia uma maneira de sair dali, nem mesmo de salvar aquelas garotas.


KIRAN


Martin e Try pararam ao meu lado do outro lado do corredor, enquanto eu respirava fundo, contendo o ímpeto de voltar naquela sala e terminar o serviço.

— Porra, Lobo! O que aconteceu? — Martin questiona passando a mão pelo cabelo, a expressão assustada ainda estava presente em seu rosto.

— Parem de reclamar, me falem sobre a garota do Sebastian.

Martin e Try trocam um olhar entre eles, mas rapidamente despejam tudo que já tinham me falado.

— A garota esteve aqui uma noite, arranjou problema com um dos nossos clientes, é valentona. — Try diz.

— Não foi uma surpresa que continuasse firme nos primeiros dias, mas durante meses? Isso é a primeira vez que vejo. — Martin retruca.

— Ela ficou sem comida e água nos primeiros dias, Deany tentou... bem você sabe, ele aterrorizou a garota, tanto que fez a coitada se urinar.

— Proklyatty! — sussurro, chamando Deany de maldito. — O que mais ocorreu enquanto estive fora?

— Ela violou nossa permissão, Erika e ela foram pegas dividindo a comida, Erika foi mandada para três dias na solitária enquanto ela levou uma surra, inclusive do próprio Sebastian.

— Outro que não me cheira bem.

— Ele anda dentro da linha, mas não confio. — Try confessou.

“Me deixe em paz” — o grito ecoou fraco pelo corredor, chamando nossa atenção.

— Merda! — Try exclama tirando a arma do coldre.

— Guarda a porra da arma, Try, não quero cuidar mais de nenhuma merda! — Martin resmunga.

— Que porra está acontecendo aqui hoje? — digo enfurecido.

“Por favor, não!”

Algo naquela voz feminina fez os pelos de meu braço se arrepiarem. Minha respiração aumentar e eu andar a passos largos pelo corredor.

— Está vindo da sala médica. — Escuto Martin dizer.

— Puta que pariu!

Entre o andar apressado pelo corredor, escuto barulhos de coisas caindo, mas isso não é tão atrativo e nem faz meu corpo inteiro entrar em alerta como aquela voz... aquela voz, o tom... Mal percebo que saio correndo em direção à porta, literalmente arrombando-a com o ombro.

Meu sangue gelou e a raiva tomou conta de todo meu corpo, me sentia desesperado para saber que não era tarde demais, para que ainda houvesse vida dentro de seu corpo. O monstro em meu peito estava enlouquecido, com sangue nos olhos.

Como ela havia chegado nesse ponto? Milhares de perguntar rondavam meu cérebro em busca de respostas, mas eu só podia pensar em sangue, eu queria sangue. O demônio dentro de mim sorriu aparecendo no foco de luz, afiando suas facas.

Jogo Deany para longe, fazendo-o bater contra parede, fixando meus olhos realmente em seu corpo jogado no chão, os punhos amarrados na barra lateral da cama hospitalar; vejo um alívio anuviar sua visão e sei que é o pior sentimento que uma pessoa poderia sentir ao me encarar.

— Vejo que veio novamente estragar minha diversão. — Deany sorri como o verdadeiro psicopata que era, levantando-se e olhando de mim para os dois homens parados na porta.

— Lobo, não! — Try fez um pequeno alerta, mas a parte racional do meu corpo estava longe para ouvir qualquer coisa.

Não desvio os olhos dos de Adria, saco a arma da cintura, miro e atiro no joelho de Deany, fazendo aquele verme cair no chão gritando e xingando.

— Porra, Lobo!

Vou até Deany agarrando-o pela gola da camisa, socando seu rosto repetidas vezes, a cada soco que dou sua cabeça se curva para trás, espero que ele erga novamente para socar novamente, sentindo prazer em fazer o sorriso sumir de sua boca, prazer em sentir o sangue assim como alguns de seus dentes pulando para fora.

Martin e Try voam sobre mim, tentando me arrancar de cima dele, e mesmo sendo dois dos homens mais fortes e cruéis de Czar, nenhum consegue me tirar de cima de Deany, quando a cena dele tentando abusar de Adria, da minha... está tão fresca em minha mente, não quando presenciei seu rosto repleto de ferimentos e seu corpo nu e exposto. Arrastando Deany para fora dali, jogando seu corpo no meio do galpão, os dois homens me seguem tentando impedir que o mate. Ele tenta lutar, mas isso só alimenta ainda mais a fera dentro de mim.

— Se alguém tentar me segurar eu juro que mato junto com ele! Cuidem dela, chamem a Netlen! — Digo ao ver que Martin e Try fazem menção de vir até mim.

Busco pelos bolsos de Deany, esse filho da puta sempre andava com um soco inglês, ele adorava aterrorizar as garotas com isso. — Vejamos quantos socos você aguenta. — Digo empunhando o soco inglês.

— Tudo isso por causa daquela puta? Não sabia que queria ser o primeiro, pelo tamanho daquela bunda, virgem não é mais!

Desço o braço socando pelo menos umas quatro vezes seu rosto. Minha mão se manchava com seu sangue, mas eu queria mais, enquanto o sorriso débil não sumisse daquele rosto eu não pararia. Deany iria aprender a não ser a porra de um psicopata, e nunca mais mexer com algo que era meu!

Seu rosto estava desfigurado quando parei, joguei o objeto fora, girando minha faca entre os dedos. — Você gosta também de ameaçá-las com suas facas, não é mesmo?

— Defendendo putas? — vociferou.

Aquele filho da puta ainda tinha forças para me desafiar!

Finco minha faca no meio de sua mão, o grito ecoou pelo espaço. Retiro a faca, segurando sua mão esquerda no lugar, só para descer a lâmina afiada e faminta de minha faca pelas três falanges de sua mão, arrancando um naco dos seus dedos fora.

— Você é um verme, vou cortar sua cabeça e pendurá-la na parede!

Sinto várias mãos puxando meu corpo para trás, para sair de cima de Deany, escutava alguns deles tentando me acalmar ou tentar arrancar a faca de minhas mãos. Aquilo só me incentivou mais, eu queria fincar minha faca no olho, arrancando seu globo ocular fora, mas de alguma maneira os outros homens de Czar conseguiram me puxar para longe, mas não tão rápido que eu não pudesse pisar com toda minha ira e força em cima do seu pau. Deany tombou para trás gritando, me deixando satisfeito ao ver sangue e outro tipo de líquido manchar sua calça de alfaiataria barata.

— Lobo?

Arregacei as mangas da camisa sujas de sangue, desviando o olhar do verme desmaiado em minha frente.

— Preciso de outra camisa.

Martin confirma, saindo por alguns minutos da cena, logo voltando com uma camisa de linho.

— Onde ela está?

Os homens ao meu redor estavam calados, muitos ainda olhavam para Deany deitado no chão, desmaiado devido a dor forte por seus escrotos terem rompido devido ao meu pisão. Nunca dei muita importância para Lei de Talião, mas hoje o “olho por olho” foi satisfatório.

— Netlen está com ela.

Concordo, saindo de lá, seguindo para a sala que utilizávamos para cuidados médicos, ficando até receoso ao aparecer no vão da porta.

— Netlen. — Minha voz estava enganadoramente suave e meu rosto sem expressão. Mesmo que ainda sentisse as enormes ondas de fúria queimando silenciosamente dentro de mim. Podia sentir o lobo inquieto e sedento dando voltas à procura de mais; senti o gosto amargo na boca e pela primeira vez o medo de ver Adria inserida em meu mundo.

O lobo dentro de mim se sentou, sob controle ou talvez rendido por sentimentos que eu não sabia descrevê-los.

— Netlen, nos deixe a sós.

Adria olhava fixamente para mim, faço o mesmo, não tirando meus olhos dela nem quando Netlen passa em minha frente tampando por alguns segundos minha visão, nem mesmo quando ela institivamente recuou, tentando ter um espaço maior entre nós. Caminho devagar, indo até um pequeno armário de medicamentos, retiro um kit de primeiros socorros, voltando para ela.

Seu pescoço tem um pequeno corte, o sangue ali já está seco. Sento na ponta da cama, tudo com muita cautela, mesmo sentindo sua recusa sei que ela não está em seu melhor momento. Estico o braço para passar o remédio na ferida, mas ela se afasta assustada.

— Calma, me deixa cuidar de você.

Seus olhos vão dos meus para minhas mãos. Passo levemente o algodão pela ferida, tirando o sangue, vendo que foi apenas um corte simples, nem precisaria de pontos. Faço o curativo, tudo com calma, deixando que ela veja cada pequeno movimento que faço, me amaldiçoando por cada tremor que seu corpo tenha ao meu toque.

— Adria, o que você está fazendo aqui?

Seus olhos se arregalam. — Sai de perto de mim, sai! — grita amedrontada.

— Acredito que mereço um obrigado por ter salvado sua pele. — Digo.

Ela faz menção de sair da cama, pronta para correr, mas sou mais ágil, seguro seu corpo apertando firmemente contra o meu, de maneira que sua pequena luta em vão não a machuque ainda mais. Ela grita e se contorce em meus braços. Quanto mais lutava, mais fechava meus braços ao seu redor.

— Pare com isso, Adria... sou eu! — Digo dando um pequeno tranco, juntando seu peito contra meu abdômen.

— Solte-me, por favor! Solte-me! — diz caindo no choro.

Limpo com a mão livre as lágrimas que correm por seu rosto, notando os leves hematomas esverdeados. — Acalme-se. — Digo baixo contra sua orelha.

Ela respira fundo, parando de lutar contra mim, aceitando ficar em meu braço.

— Eles te machucaram, há quanto tempo você está aqui?

Ela não diz nada, hoje não será o melhor momento para isso. Deito seu corpo novamente contra o travesseiro. — Você está segura, eu prometo. Ninguém encostará mais em você, você é minha.

Saio da cama, deixando Adria deitada sobre a pequena maca, Netlen me aguardava do lado de fora, assim como Try.

Fecho a porta. — Quero que tomem conta dela, ninguém entra aqui sem minha permissão. Ouviram?

Eles concordam rapidamente, em silêncio.

— Netlen dê tudo que ela precise. E você, Try. Isso será um assunto nosso, não quero Czar envolvido estamos entendidos?

— Lobo...

— Não me venha com essa, porra!

— Tudo bem, Lobo. Mas não sei quanto tempo conseguirá acobertar o que aconteceu hoje.

— Isso é um problema meu.


30


Quando acordei, Kiran se fora.

Eu não lembrava muito do que acontecerá depois que ele havia me colocado na cama. Estava tudo nublado em minha lembrança. Era como se meu cérebro tivesse desligado, incapaz de processar a violência que sofri. Recordava-me de Kiran e toda a confusão dele ser o tal do Lobo, lembrava de Netlen me dizendo que tudo ficaria bem e dele retornando, cuidando de meus ferimentos. Passo a mão pelo pescoço, estava envolto em gaze e doendo muito menos.

Quando não havia esperanças, não havia opções, tudo se tornava notavelmente claro. O fato era que Kiran era o Lobo, era o cara frio e assassino que tanto falavam, mas também era o cara que protegia de certa forma essas garotas de sofrerem mais, se isso era possível. Ele tinha as cartas na mão, agora eu era dele. Afinal, deixou bem claro antes de sair, isso me lembro. A força magnética que tinha em seu olhar ao me encarar. Eu era dele. Não havia escapatória para mim.

Depois que aceitei esse fato, os dias passaram de forma rápida. Netlen sempre vinha nos mesmos horários, deixava um farto prato em minha frente, assim como roupas limpas e me ajudava nos primeiros dias no banho, me ajudando quando não conseguia me manter em pé devido aos meus hematomas. Ela tinha se tornado a única fonte de interação humana. Uma verdadeira babá.

— Tire essas ideias da mente. — disse enquanto deixava meu jantar sob a cama.

— Que ideias? — pergunto deixando o garfo e a faca de lado.

— Se me esfaquear, vai perder a única pessoa disposta a arriscar a bunda por você. Se tentar fugir me ameaçando com a faca só vai encontrar homens dispostos a te jogar junto com as outras garotas e Deus sabe o que farão.

Resmungo algo indecifrável, entre um suspiro.

— Lobo está arriscando não só a própria pele como a minha para manter você aqui. Devia estar agradecida.

— É mesmo? — satirizei.

Netlen revirou os olhos. — Se tivesse prestado realmente atenção nas informações que eu passei, teria pensado mil vezes antes de se infiltrar aqui. Isso não é um clube Adria. — disse baixando o tom de voz. — Isso é um beco sem saída com todos os piores tipos de pesadelos tomando forma e vindo para cima de você.

Dou uma garfada generosa na comida, observando Netlen se sentar perto da porta, na qual vivia trancada. — Você parece conhecê-lo bem.

— Talvez. — diz.

— Ele é o que aqui dentro, o chefão? É o responsável por jogar essas meninas aqui ou apenas por descartá-las como lixo?

Ela suspirou — Pare de bisbilhotar, Adria.

— Que diferença faz? Ao que posso ver, saí de uma puta para uma sequestrada! — Olho para ela com frustração.

— Se ele quiser que conte algo.

— Você gosta dele, é leal a ele.

Ela estreita os olhos para mim. — Sim, tenho gratidão por ele ter salvo minha vida, mesmo que não tenha conseguido fazer o mesmo pela minha irmã. Então sim. Ele tem minha lealdade, pelo menos é por isso que estou aqui salvando seu traseiro.

Assenti voltando a comer.

Com o passar dos dias a frustração foi se tornando mais forte, mais presente, e os sentimentos mais controversos. Eu sonhava com as malditas mãos de Kiran percorrendo meu corpo, me dando prazer, assim como fez aquela noite em meu apartamento. E a ideia era tão medonha que me fazia sentir vontade de vomitar. Ele era um assassino, frio e calculista. Será que haveria verdade nas palavras de Netlen? Que ele não era o que eu imaginava? Mesmo tudo mostrando o contrário?

Tentei pensar racionalmente no assunto por um momento, entender a confusão de sentimentos. Sim, uma pequena parte de mim se ressentia por ele ter desaparecido, ter salvado minha vida, ter me salvado do abuso que iria sofrer e ter me deixado naquele quarto trancada, tendo Netlen como companhia. Não que eu quisesse a atenção dele, mas eu queria respostas. Ao ver por onde meus pensamentos seguiam, notava o absurdo das minhas emoções contraditórias. Tão idiota que me xinguei mentalmente.

Eu estava exatamente constatando que tinha uma atração por um criminoso; eu, uma agente especial treinada e a melhor da minha turma, tinha virado uma daquelas mulheres que se apaixonam pelo inimigo. Eu me recusava a ser, sabia que estar ali sendo bem tratada sob os cuidados dele mexia com minha cabeça, me tirava do foco. Eu estava abandonando meu verdadeiro objetivo de estar ali, do porque tinha me infiltrado naquele inferno.

— Deixe-me voltar para minha missão. — Reclamo.

Netlen ergue a vista, parando de juntar as coisas. — Esqueça. — diz pegando a pequena bandeja e sumindo dali, trancando a porta de ferro ao sair.

***

E finalmente ele estava ali.

Descobri quando ele me acordou de um cochilo. No início não achei que fosse real, mas diferente dos meus sonhos, esse Kiran não sorria, tinha uma aura sombria sobre si.

— Você veio, enfim. — Constatando o óbvio.

— Sim.

Ajeito-me na cama, sentando ereta.

— Fiquei sabendo de suas reclamações.

— Pelo visto Netlen é fofoqueira também. — Resmungo.

— Acredito que é o papel dela, afinal é sua informante.

Encaro seus olhos.

— Com quem estou falando? Adria ou Pam?

— Isso importa?

— Então não é apenas seu pai um agente. Você é policial!

— Alguém fez a lição de casa. — Retruco.

— Diga, o que está fazendo aqui? — ele continuava despejando suas perguntas.

Cruzo os braços diante do peito, me mantendo calada.

Kiran aperta o ponto entre os olhos. — Podemos ficar nessa fase durante toda a noite ou você pode responder minhas perguntas?

— Que tal você responder algo? Como... você é o tal Lobo? Mas que destino filha da puta! — Digo rindo.

— Não é o que está pensando.

— Não é mesmo? Não estão traficando mulheres como se fossem objetos baratos? Não estão abusando daquelas menores de idade, além de tudo o que fazem com todas as mulheres aqui? Então me diga, Kiran ou devo representar o mesmo fanatismo que elas fazem ao citar você, Lobo?

— Você é uma mulher inteligente. Mas está mexendo com coisas fora do seu alcance. E prefiro que me chame de Kiran, pelo menos entre nós.

Estreito os olhos. — Então é Kiran, a menos que esteja matando mulheres ou se divertindo com elas, é isso?

— Chega! — Explode. — Isso tudo está longe demais de suas mãos, não sei como entrou aqui, nem mesmo seus propósitos, mas isso não é brincadeira! O cara que estava a ponto de matá-la dias atrás não tem alma, nenhum de nós temos. Então, sugiro que aceite minha ajuda, assim posso arrancá-la daqui!

— Quem é o responsável por tudo isso? Quem é você e por que está no meio disso?

Ele passa as mãos pelo cabelo, respirando fundo.

— Estou pensando se você é apenas um sociopata ou um psicopata, quem sabe não seria os dois?

Ele ergue o olhar, encarando-me.

— Por que não trocamos informações, pelo visto quer saber algumas coisas de mim e eu quero informações.

— Tente.

— Quem é o mandante? Quem é que sequestra essas garotas? O que você é para isso tudo?

— Nem nos seus piores pesadelos eu desejaria que conhecesse o Czar. E eu? Ao contrário de você, que teve uma criação normal, não tive a mesma sorte. Esse mundo é meu e você não deveria estar nele. Mas não sou um sociopata ou psicopata como disse. — diz. — Minha vez. O que está fazendo aqui?

— Vim acabar com essa organização.

Kiran esboça um sorriso. — Só de ouvir, sua ideia parece tola e inútil.

— Sou agente do FBI, não que não tenha descoberto.

— Você pode ter o governo inteiro aos seus pés, isso tudo é muito maior que você, que sua luta, Adria.

— São pessoas inocentes, mulheres inocentes, crianças! — me exalto.

— Você acredita que cheguei aqui hoje? — diz ficando de pé. — Estou nisso desde que me entendo por gente, matei mais que do que posso me recordar, infringi mais leis do que seu governo pensou em ditá-las.

Uma coisa dentro de mim pediu para que calasse a boca, mas não consegui. — Então, vai me matar?

— Não, Adria. — Ele pareceu exasperado por um momento, por um momento pareceu o Kiran que me encarou nos olhos ao entrar em meu apartamento e tirar minha roupa de maneira gentil.

— Então serei sua refém, me machucará quando tiver vontade?

Ele não negou, se levantou, ainda olhando para mim. — Posso ser um monstro, na verdade realmente sou. Posso ter feito coisas horríveis, mas eu não machucaria você Adria, será que não entende que eu mataria se alguém encostasse em você? Eu procurei você por dois meses, tentando encontrar um paradeiro seu. Netlen vai cuidar de você quando não puder estar por perto. Quando chegar a hora, vou te tirar daqui. Mesmo que de tantas maneiras erradas, eu esteja feliz por finalmente encontrá-la. — Diz antes de sair, fechando a porta atrás de si.

O demônio tinha uma bela face.


KIRAN


— Seus hematomas estão melhores. — Ergo a mão e acaricio seu maxilar com os dedos. — Logo nem existirão mais.

Adria fecha os olhos, afastando seu rosto lentamente de minha mão.

— Você está calada. Se arrependeu das últimas investigações contra mim? — sussurro.

O silêncio que ela impõe entre nós me irrita, me faz desejar os dias amenos que ela não sabia quem eu era de verdade. Dou alguns passos para trás, colocando uma distância entre nós, ela me encara ainda em silêncio, porém não forço. Saio do quarto fechando a porta atrás de mim.

— Pelo visto nada mudou. — Netlen diz saindo das sombras.

— Fique de olho nela, como estão as coisas por aqui?

— Try anda fazendo um bom trabalho em manter todos na linha, acho que seu pequeno surto com Burn e Deany fez algum efeito.

— Tenho que tirá-la antes do leilão, não posso deixá-la chegar tão longe.

— Não entendo porque ela se tornou especial para você. — Netlen retruca, fazendo-me encarar seu rosto.

— E não te devo explicações, acredito que deixei isso claro.

— Desculpe, Lobo.

Assinto, saindo dali, me preparando para o pequeno encontro que teria com Czar.


Entro em seu escritório, Czar está sentado atrás de sua mesa, fumando seu charuto importado. Seus olhos recaem sobre mim, balança a cabeça em direção à porta. Entendo seu gesto silencioso para fechá-la. O faço, permitindo bater um pouco, recebendo seu olhar superior.

— Vou perguntar por que tive que saber de um dos meus homens que você surrou não só um deles, como quase matou Deany?

— Vejo que temos maricas no meio de nossos homens.

— Eu sugiro que não trate nosso assunto com leviandade!

Contemplo meu próximo passo. Puxo a cadeira para trás, sentando e cruzando uma perna sobre a outra. — Não sabia que o fato de dar um corretivo naqueles vermes, era de total interesse seu! — rebato.

— Tudo que ocorre em meu território é de meu interesse. — diz sorrindo, batendo a ponta de seu charuto na pequena cristaleira ao seu lado.

— Eles causaram grandes problemas, perdemos uma virgem porque Burn quis satisfazer seus desejos imundos!

— Sukin Syn! 19 — Exclama batendo o punho contra a mesa de mogno.

— Já cuidei disso, ambos irão ficar espertos.

— Fico contente que você tenha retomado suas raízes.

— Então é por isso que tem me tratado como um de seus lacaios? — pergunto irritado.

— Confiança não é um presente é algo conquistado, Kiran. Você é meu legado. Se você se mostra fraco diante dos meus inimigos, qual será a imagem que eu terei para eles?

Levanto revoltado. — Ela era uma criança!

— Uma criança que era filha de um inimigo, que sua morte nos permitiu dobrar um homem que estava impedindo nosso trabalho. Sempre haverá uma criança ou uma mulher. Os homens se enfraquecem ao se apaixonar, apenas tolos deixam os sentimentos dominarem suas mentes. Homens como nós não têm coração, não têm sentimentos, sentimentos para pessoas como eu e você causam apenas morte. Imagine que tolo se eu me apaixonasse por uma puta como Andreia? Acredita mesmo que eu deixaria de ganhar meu dinheiro por que ela abre as pernas de maneira satisfatória?

— Não estou disposto a isso, judiar de crianças por causa do erro de seus pais?

— Não banque o inocente! Você já visitou esses terrenos, sabe como terminaremos. Você é exatamente como eu, é o espelho de seu pai!

Ranjo os dentes, travando a mandíbula, enquanto Czar fuma tranquilamente seu charuto, soltando a pesada fumaça pelo ar.

— Cometi um erro, Kiran. — diz quebrando o silêncio.

Recuo, em toda minha vida nunca ouvi nada, nem mesmo perto de arrependimento sair de sua boca.

— Lutter tem seguido minhas ordens, sendo meus olhos. E ele trouxe notícias preocupantes, temos um vor entre nós. Eu deixei que um vor se infiltrasse em meus negócios, relaxei minhas muralhas!

— Um ladrão?

— Sim, como vocês costumam dizer, um delator. — diz. — Lutter está quase certo de quem é.

— Como descobriu? — questiono.

Czar esboça um sorriso. — Estou nessa vida há tantos anos, que você mal tem ciência. De qualquer forma, amanhã eles estarão trazendo o traidor para mim.

***

— O filho prodígio. — Orrel zomba. — Que porra quer, Kiran?

Não hesito. — Preciso de um favor.

A gargalhada alta faz com que eu afaste o celular do ouvido.

— Devo estar realmente bêbado, não é que aquele filho da puta alemão acertou quando me colocou para fora do bar?

Olho no relógio em meu punho, lá deveria passar das quatro da madrugada. — Você vai me ouvir?

Ele riu. — Diga, o que o incrível filho do satã quer com um mero mortal como eu, como anda nosso D’yavol20?

— Você tem bolas. — Rosno me arrependendo de ter ligado, mas no momento Orrel é a única via de sumir com Adria do mapa.

— Do que precisa?

— Quero que suma com uma pessoa.

Outra gargalhada.

— Se você não levar esse papo a sério eu juro que atravessarei o mundo para que a próxima coisa que vai olhar seja meu punho contra seu rosto e o teto de um maldito hospital!

— Achei que tinha homens com culhões para fazer seu servicinho sujo.

— Quero que me ajude a fazer uma pessoa desaparecer, não a matar.

— Está querendo esconder uma pessoa de nosso querido satã, é isso mesmo?

Respiro fundo, fechando os olhos estava impossível falar qualquer coisa com Orrel no momento.

— Estou tentando salvá-la do inferno. — Digo baixo.

— Você é um lobo apaixonado? E por acaso sua protegida está encrencada com nosso querido Czar?

— Preciso que me ajude tirá-la dos Estados Unidos, acha que consegue?

— Não sei. Não quero me meter e perder minhas bolas por causa dos seus problemas. Sinto muito que tenha sido um otário, primo.

— Orrel! — urro do outro lado da linha.

— Porra, eu vou ver o que posso fazer. Vou ver!

— Obrigado. Entrarei em contato. — Digo encerrando a ligação e jogando o celular longe.


BAKER


— Baker?

— O FBI encontrou provas que os Rootns estão recriando um site de sexo, porém, não é possível extrair nada, eles estão utilizando a Deep Web. — Menfys diz sem me olhar. — Kate está verificando todos os arquivos.

— Não estou gostando do rumo que as coisas estão tomando Menfys, o tal chefe da organização que o agente Wenth nos fez o retrato, não foi encontrado em nenhum sistema.

— Temos que manter tudo como está, os agentes precisam de tempo para se adequar ao mundo em que foram inseridos.

— Concordo, desde que a principal agente informante não suma por duas semanas deixando toda sua equipe totalmente no escuro! Estou dizendo, Menfys, tem coisa errada!

Menfys suspira, me olhando nos olhos. — Seu afeto pela agente Hamer está afetando seu julgamento.

— O único com julgamentos afetados é você, não percebe que temos que fazer a extração dos agentes? — questiono irritado.

— Extração? Isso poderia matar não só os agentes envolvidos como os que irão para essa caça às bruxas, Stone! Não posso permitir uma extração, são anos de planejamento!

— São duas vidas, dois agentes em perigo e se estiver correto, talvez um, já que Wenth pode ter se curvado a eles!

— Isso é uma acusação séria, Stone. — Menfys se levanta, encarando-me sério. — Nunca julguei ou me intrometi em uma de suas operações, não vou permitir que faça isso com as minhas!

— Deixe-me pelo menos investigar Rowsend, deixe-me tentar extrair algo dele, que nos leve para algo mais concreto!

— Rowsend está em poder da CIA, a essa altura está confinado em um dos Blacksets21 deles, mal sabemos se está vivo.

— Não foi apenas Rowsend que foi preso naquela batida. Deixe-me falar com o outro preso. — Digo.

Menfys fica em silêncio por um momento.

— Teremos que deixar essa visita em absoluto segredo. Posso cuidar da segurança.

— Tudo que preciso, me deixe lidar e tentar arrancar algo.

— Não cometa nenhuma besteira, Stone.

— Não se preocupe.


O sistema penitenciário da administração era ridículo. O governo do Estado, e muito menos o Governo Federal, nada faziam para melhorar as milhares de denúncias que recebiam tanto dos presos como dos funcionários. Chegava a ser desumano.

Um policial me cumprimenta com um movimento de queixo, levantando a mão que segurava as chaves grandes e pesadas.

— Por aqui. — Ele diz, guiando-me pelo corredor repleto de celas. — Tem dez minutos, depois te arranco de lá tenha terminado ou não. — diz nervoso.

— O preso?

— Está sem direito ao banho de sol, arranjou briga com outro preso.

Concordo.

— Vou precisar de sua arma.

Retiro o coldre passando para o policial. Ele abre a pequena cela, permitindo que eu entrasse, trancando-a assim que estava lá dentro.

— Que porra é essa? — questiona encarando-me surpreso.

— Tenho umas perguntinhas para você...

— Tem porra nenhuma! Guarda! — gritou tentando olhar por cima de meu ombro.

— Quero informações de como encontrar sua organização.

Ele manteve seus olhos sobre mim, o rosto rígido e inexpressivo.

— O que você acha que aconteceria com um cara como eu se desse com a língua nos dentes? Aqueles filhos da puta têm uma estrutura dentro dos presídios, não dão ponto sem nó, eu acabaria sendo espancado até a morte num desses corredores.

— Se falar, posso aliviar sua pena ou protegê-lo de outra maneira.

Ele apertou os olhos, sua feição afiada, desconfiando do que falava.

— Me dê algo concreto e eu quebro sua pena ao meio.

— Me tirar daqui? Como?

— Podemos fazer um trato, preciso saber como encontrá-los, preciso saber quem é o mandante.

Ele gargalhou, jogando a cabeça para trás. — Vocês são tolos se acreditam que um dia colocarão as mãos em Czar, o cara mata todos vocês antes do amanhecer.

Arqueio a sobrancelha.

— Cinco minutos. — O policial avisa.

— E as mulheres? Onde ficam e quem é responsável por pegá-las? Elas são dopadas?

Ele gargalha mais uma vez, sentando-se na cama. — Não vai arrancar nada de mim, fazer um acordo com o FBI é a mesma coisa que assinar minha sentença, no mesmo dia que sair ele me encontrará e levará minha cabeça numa bandeja. Afinal, eu não fiz nada de errado, era apenas um cafetão que transportava essas mulheres para eles. Não sabia nem qual a droga que cheiravam.

— O tempo acabou, para fora! — diz o policial abrindo a porta.

— Nos vemos por aí, meu velho. — Ele diz com um enorme sorriso.

***

— O que está te incomodando, querido?

Passo as mãos pelos olhos cansados, passei boa parte do jantar com o pensamento longe, mais revirando a comida no prato do que comendo-a.

— Um problema no trabalho.

Minha filha corre pela sala de estar, brincando com suas bonecas, Lilian segue meu olhar, sorrindo ao ver nossa filha tão entretida em seu pequeno mundo de fantasia.

— O que posso fazer para ajudá-lo?

— Infelizmente nem eu mesmo consigo, querida.

— É tão sério assim?

— Sabe que não posso comentar sobre isso, tenho restrições.

Talvez o problema não fosse deixar minha mulher mergulhar nas águas traiçoeiras do FBI, talvez o fato seria mesmo falar em voz alta que o problema era realmente mais sério do que todos pensavam e que no final minhas suspeitas estivessem corretas, e fosse tarde para fazer algo.

— Lilian?

— Sim, querido.

— O que você faria se soubesse que seus instintos estivessem certos, mesmo que não tivesse nada para comprová-los?

Lilian não disse nada por um instante, fitando meu rosto; mas então, se curva sobre a mesa de jantar, segurando minhas mãos nas suas. Ela me fita com as mãos unidas, o calor tão amoroso se espalhando, até mesmo relaxando-me, minha esposa sempre teve esse pequeno dom, ela era um verdadeiro sopro divino para mim, em todos esses anos de casados.

— Você deveria segui-los. Você é excelente no que faz, sabe disso. Siga seus instintos, talvez encontre a resposta que procura.

Aperto gentilmente suas mãos. Levantando, dou um beijo casto em seu rosto, seguindo para a sala, dando outro em minha filha. Parando apenas para pegar os casacos no pequeno closet ao lado da porta e saindo.

Ficar de tocaia em frente à casa de Luigi era errado, mas algo me dizia que eu precisava confrontá-lo. Passava pouco mais das dez da noite, o vento frio tinha tomado conta das ruas, não tinha uma única alma penada que se atreveria passar por ali. Espero mais alguns minutos, me certificando que nada nem ninguém surja, estava pronto para abrir a porta do carro quando Luigi aparece na entrada de sua casa, caminha até seu carro, colocando uma garrafa térmica em cima da lataria. Teria que ser agora, senão, eu perderia minha oportunidade. Abro a porta, pronto para saltar e ir até ele quando escuto o barulho de pneus cantando pelo asfalto, luzes altas de faróis me cegam ao olhar para trás; leva um segundo para que minha vista volte ao normal, mas tempo o suficiente para que veja o furgão sem placas parar de qualquer jeito pela calçada, dois homens encapuzados saem de dentro dele partindo para cima de Luigi, que cai ao ser atingido por socos e pontapés, logo depois sendo arremessado para dentro do furgão.

Bato a porta, ligando o motor, pronto para segui-los, mantenho uma distância segura, mesmo acelerando atrás deles, alguns carros me cortam ao entrar nas ruas do centro e o furgão segue em alta velocidade, rumando para fora da cidade. Mas como a porra de um passe de mágica, ao demorar alguns segundos a mais para virar na mesma esquina que eles, pronto, foi o bastante para desaparecerem de vista.

Caço o carro pelas ruas próximas, mas sumiu, como se nunca tivesse existido.

Naquela noite mal consegui dormir, vi todas as mudanças que o céu fez até o despertador tocar. Naquela manhã entrei como uma bala de canhão no escritório de Menfys, relatando tudo, desde a visita na penitenciária até o ocorrido com Luigi Wenth. Menfys ouviu tudo e só depois que eu repeti pela terceira vez que tanto a agente Hamer como o agente Wenth estavam em perigo, Menfys se levantou, pediu para que Clain fosse ao seu escritório e ordenou que reunisse os agentes envolvidos na operação Rootns.

— Vamos fazer a extração. Mas concordamos que no passo que estamos, mal sabemos se os agentes ainda estão vivos. Segundo relatos, a boate Penlin que funcionava como ponto de encontro está fechada, os agentes informaram que não há nenhuma movimentação no estabelecimento há dias. Se os agentes forem extraídos, toda nossa operação vai para o ralo e provavelmente esses caras sumam do mapa, segundo você, eles estavam dirigindo para fora da cidade. Será um milagre encontrarmos alguma pista deles, já que mal sabemos para onde eles realmente levam as garotas.

— Entendo, senhor.


KIRAN


— Espero que esse pequeno agrado lhe faça passear mais com sua família, Roach.

Entro no escritório improvisado, fechando a porta atrás de mim. Roach e Czar me encaram, mas voltam para sua pequena negociação. Se um dia procurasse pela definição do crime organizado, havia muito pouco que ele não operava. Políticos eram seus maiores clientes, policiais e assim como alguns bons agentes do FBI corruptos estavam em seu bolso, dançando em suas mãos.

Roach sorriu, ele suava, vestígios de suor escorriam por sua testa e pelo meio de suas costas na camisa social. Poderia dizer que ele estava ansioso para colocar as mãos na pasta preta em sua frente, ou poderia ser apenas nervosismo saindo de seus poros por estar de frente para Czar, até mesmo sabendo que estava no meio do nada, cercado de homens prontos para atirar em seus miolos.

— Mande lembranças para sua adorável esposa, Roach. — Czar diz inclinando-se na cadeira de couro.

Roach se levantou, pegou a maleta, esboçou um leve até logo e saiu da sala.

— Os humanos podem ser como uns bichinhos assustados. — Czar diz levantando-se. — Vamos, temos um evento interessante agora. — Acrescenta batendo em meu ombro ao sair da sala.

Acompanho-o para fora, vendo Lutter e Vernan entrar no galpão, pelo visto estavam fazendo algum trabalho sujo. Czar puxa uma cadeira de ferro para o centro, joga o casaco pesado para trás, sentando-se confortavelmente.

— Senhor. — Vernan para perto de nós.

Czar cruzou os braços dando um leve aceno de cabeça. — Serviço feito?

Lutter inclinou a cabeça. — Sim, senhor.

Czar mostra os dentes brancos, — Tragam-no.

Lutter e Vernan acenaram saindo do galpão.

— Posso saber o que está acontecendo? — questiono, olhando para o rosto de perfil de meu pai.

— Temos um vor entre nós, quero apenas amaciá-lo como um lindo cordeiro para o jantar.

Antes que pudesse piscar, Lutter tinha jogado Sebastian no chão, enfiando um joelho em sua coluna. Ele se retorcia, lutando e amaldiçoando, mas Lutter era o dobro de seu tamanho, ele nunca sairia dali se o próprio Lutter não permitisse.

— Me solta, porra! Me solta!

— Solte o rapaz, pegue uma cadeira e ponham-no sentado. — Czar ordenou e assim foi feito, ou melhor, Sebastian foi arremessado para a cadeira, sentando-se frouxamente, de frente para meu pai.

— O que aconteceu, chefão? — disse.

— Você poderia me dizer, poderia me explicar algumas coisas, Sebastian. — Czar brincou, apreciando a provocação.

Sebastian ficou vermelho. — Não tenho nada para contar. Seus brutamontes me surraram no meio da rua.

— Uma excelente casa para um lacaio prostituto. — Vernan comenta.

— Então diga-me, Sebastian, seu nome é esse mesmo? — Czar questiona.

Vejo o rosto de Sebastian perder a cor e como seu pomo de Adão sobe e desce rápido enquanto engole a saliva.

— Lógico! Que pergunta tola!

O tapa ao pé do ouvido que Lutter lhe deu foi ligeiro, mas forte o suficiente para ele colocar a cabeça entre as pernas, protegendo o rosto.

— Obrigado, Lutter. Alguns homens realmente não sabem como tratar alguém superior ao seu nível de verme falante. — Czar brincou. — Vamos tentar novamente, qual é o seu nome?

— Sebastian. — diz abafado entre os joelhos.

Vejo Vernan concordar em silêncio, caminha até uma pequena mesa do lado oposto pegando um pequeno alicate prateado. Lutter segura Sebastian na cadeira, fazendo com que suas tentativas de fugir sejam nulas. E quando Czar faz um aceno de cabeça, Vernan pressiona o alicate no dedo mindinho de Sebastian, arrancando-o fora. Os gritos ecoaram pelo galpão, inundando meus ouvidos. O último grito que ele soltou era capaz de acordar os mortos antes dele virar o rosto vomitando, quase vomitando em cima de Lutter, que foi rápido o bastante para jogá-lo no chão.

— Seja homem! Pare de nadar no próprio vômito e volte para seu lugar. — Czar assobiou, franzindo o cenho para toda bagunça em sua frente.

Sebastian voltou a se sentar na cadeira segurando o ferimento ainda sangrando; suas mãos, a camisa e as calças estavam cobertas de sangue e vômito.

— Vamos tentar de novo, dessa vez, Lutter, amarre-o na cadeira. E você, quando eu lhe fizer uma pergunta quero que me responda. Senão, meus homens não terão receio em arrancar outro dedo.

Depois de preso à cadeira, Czar retomou suas perguntas:

— Já que não quer nos dizer seu nome, por que não nos conta o que você fazia entrando no prédio do FBI?

Sebastian nos encarou assustado, olhando para cada um presente naquele ambiente. — Vocês estão malucos, eu e o FBI? — disse rindo, mesmo que sua careta parecesse mais de dor.

— Tem algum irmão gêmeo? — Czar questionou novamente.

Sebastian sacudiu a cabeça rapidamente, negando.

— Então devo perguntar de novo, o que você estava fazendo com aqueles porcos imundos do governo?

Sebastian mais uma vez se negou a dizer, dessa vez quem assentiu foi Lutter. Vernan passou o alicate para ele, forçando Sebastian abrir a boca, os gritos voltaram a preencher a sala.

— Apenas o segundo pré-molar. — Czar diz cruzando uma das pernas sobre a outra.

Enquanto Vernan segura o homem se debatendo, Lutter enfia a mão dentro de sua boca, os gritos se intensificam, tornam-se desesperados até que param, viram apenas gemidos de uma boca ensanguentada. Lutter joga o dente pro lado, limpando sua mão do sangue de Sebastian.

— Vamos fazer assim, um dente por uma pergunta, cada pergunta que você responder fica com o dente, aquela que não responder perde. — Czar diz sorrindo. — Dê-lhe um pouco de água gelada, sinto que vai precisar.

O frio toma conta de minha espinha, se Sebastian foi o responsável por trazer Adria para dentro, e ao ser visto dentro do FBI... Ou eles trabalham juntos ou Sebastian é o informante de Adria com o mundo exterior. De qualquer jeito, coloca-a na mira direta de Czar, e isso não é bom. Afasto-me de forma lenta do grupo, tirando o celular do bolso, passo o dedo rápido pelos contatos, parando no de Netlen.

“Temos um problema. Ele sabe, esconda-a, quando puder irei até você. De qualquer forma, você nunca a viu. Entendeu? Eu farei contato.” — envio, sentindo a respiração pesada dentro do peito, até um pouco agoniado pela demora para que a mensagem seja enviada, rapidamente apago qualquer prova, enfiando o celular novamente no bolso.

— Se quiser fazer as honras, tenho certeza que ele não irá resistir a mais dois dentes sendo arrancados.

Viro dando de cara com Czar.

— Aposto em dois. — Digo, mantendo minha voz fria e impessoal.

Ele sorri, dá dois pequenos tapinhas em meu ombro e volta para o pequeno escritório improvisado. Dando um tempo para que Sebastian se acostume com as dores que correm por seu corpo.


— Vamos lá, acorda seu frouxo! — Vernan bate no rosto de Sebastian, fazendo-o se contorcer com dor.

— Porra! Eu não sei de nada, de nada! — diz de maneira enrolada.

— Hora de chamar o chefe, pelo visto o canário quer ou não cantar? — Lutter pergunta.

— Não fiz nada, eu juro!

— A maldita da minha mãe jurou melhor que você antes de morrer. — Um dos outros homens de Czar que assistiam ao show, diz rindo.

— Deite-o na maca.

Continuo parado no canto, um pouco afastado do círculo de carnificina que se formava.

Vernan arrasta Sebastian pelo galpão, amarrando-o deitado sobre uma maca de alumínio, enquanto Lutter traz consigo um balde e um pequeno maçarico nas mãos.

— Que é isso? O que vai fazer com isso? Porra, onde está indo? — Sebastian pergunta desesperado.

— Uma coisa que os americanos me ensinaram foi alguns truques a mais na hora de torturar um homem, Sebastian. Você sabia que os ratos são criaturinhas tão espertas e medrosas que sempre arranjam um lugar para escapar? Principalmente se sentirem dor ou medo. Fora o chiar que eles fazem quando sentem um desses sentimentos. É realmente magnífico!

Czar arregaça as mangas, tirando um rato gordo do balde, segurando-o pelo enorme rabo. — Isso além das doenças que transmitem e quando estão com fome, uma pequena gota de sangue pode fazê-los comer grandes pedaços de carne humana.

— Por favor, eu não trabalho para o FBI, eu trabalho para você, porra! — grita.

Czar ignora o que Sebastian grita, entregando o rato para Vernan, que rasga a camisa de Sebastian, colocando o rato e o balde de metal em cima, enquanto Lutter coloca uma luva especial segurando o balde e ligando o maçarico. Os guinchos do rato ficam altos, assim como os gritos de Sebastian. E mesmo que se debatesse na maca, ele estava amarrado, pouco conseguiria fazer.

— Primeiro ele vai arranhar, muito. Depois pode começar a morder e isso é ruim, pois quando morder ele vai ver que existe como fugir, teve casos que o rato comeu metade do estômago para sair pela lateral do corpo. Incrível, não? — Czar diz, voltando a se sentar na cadeira.

— Puta que pariu, me solta, por favor! — Diz em meio aos gritos de dor. — PORRA, ELE MORDEU, ELE ME MORDEU!

Lutter continua com o maçarico por todo o balde, fazendo os guinchos aumentarem.

— Lutter, pare! — Czar ordena, poucos minutos depois. — Deixe nosso ratinho descansar. Os dois, amarre Sebastian de pé nas correntes.

Eles fazem exatamente como é mandado, todo o círculo onde o balde estava além de queimar um pouco a pele de Sebastian, está marcado com as unhas do rato e com pequenas mordidas. Ele fica pendurado e amarrado no meio do foco de luz, a cabeça pendendo para frente, sua respiração irregular.

— Vamos deixá-lo pensando, amanhã voltaremos. — Czar anda até ele, dando tapas em seu rosto com a mão grande e pesada. — Espero que pense melhor e traga respostas para minhas perguntas.

Espero para que todos, inclusive Czar, tenham saído para me trancar dentro do carro. Digito os números com a maior rapidez que consigo. Impaciente por Orrel demorar tanto para atender.

— Kiran.

— Preciso daquele favor.

— Kiran, veja bem, você seria uma carta marcada, sabe o que isso significa, não sabe? Não tenho poder para ir até os Estados Unidos e trazer uma garota foragida comigo.

— Fale com seu chefe, não me importo. Um favor e mais nada, SÓ PRECISO QUE ELE TRAGA UM AVIÃO PARTICULAR E NÃO RASTREÁVEL ATÉ MIM! — Grito.

— Calma, eu falarei com ele. Se tiver boas notícias retorno a ligação. — Orrel diz.

— O quanto antes.

— Ok.

Encerro a ligação jogando o celular no banco do passageiro, dando alguns murros no volante. Merda! Esse filho da puta logo abrirá o bico! Preciso de outro plano, preciso tirar Adria daquele armazém, mas como? Iria chamar atenção demais se eu saísse com uma das garotas, ainda mais com Czar e seus homens em alerta.... pense, Kiran, pense.

***

— Você não é como eles, Lobo.

Eu era sim. Matei, vivi com o dinheiro repleto de sangue. Já derramei muito sangue em nome da família, tinha tanto sangue em minhas mãos quanto esses caras. Com o passar dos anos, saí da sombra de meu pai e criei a minha própria, mas, e se o meu “ser” for tão sombrio quanto o dele?

— Fique esperta com os movimentos.

— Estou. Ela está segura.

O riso me escapa fácil, ninguém estava seguro, nem mesmo ela e nem mesmo eu.

— O que você quer? Sabe que tem duas saídas para essa confusão toda em que nos metemos.

— Você poderia ter contado, poderia ter falado que uma agente estava te apertando.

Foi um longo tempo antes dela falar. Eu sabia que Netlen vivia em posição difícil, sabia o quanto odiava a vida que vivia e o quanto se culpava pela morte de sua irmã. Até entendi porque não tinha contado sobre isso, ela queria justiça pela sua irmã, mesmo que de forma deturpada, e eu ainda era o filho do inimigo.

— Você se apaixonou. — disse baixo.

Continuo encarando a chuva bater com força contra o vidro do carro e os limpadores fazerem seu melhor para tirar o excesso de água.

— Homens como eu sequer são abençoados com mais um dia de vida. Não temos esses sentimentos.

— Você está errado, novamente. Você se apaixonou por ela, Lobo. Está tão desesperadamente apaixonado que está arriscando sua pele, podendo enfrentá-lo sem titubear.

— Vamos deixar esse papo maluco para outra hora, tenho que voltar para o galpão e você para o seu posto.

— Eles adiaram o leilão. — Netlen diz o que eu já sabia.

Confirmo com um gesto.

— Cuide-se. — diz antes de sair, abrigando-se em seu casaco e nas pequenas marquises das lojas do outro lado da rua.


“Você será meu estimado Ubiytsa, meu assassino mais eficaz.”

Fecho os olhos. E eu fui, me tornei um fantasma na noite, me tornei o próprio cheiro de morte. Desde o dia que Czar parou naquela esquina suja, encarando-me nos olhos com um sorriso falsamente amigável nos lábios.

— Que coisa, não... Sabe quanto custam estes sapatos? Que coisa sem classe, Sebastian!

Entro no galpão escutando meu pai reclamar e Martin se curvar limpando o sangue de seu sapato importado.

— Vai lá, vamos falar, quem sabe um de meus homens não desce você de maneira bem tranquila. Pode ser que alguém até faça um boquete para você antes de jogá-lo no meio do deserto.

Encosto em um dos pilares, vendo a tortura de longe.

— Ah, meu menino, vejo que chegou! Não era você que desenvolvia aquelas drogas... como é que chama? — Czar pergunta virando-se para mim.

— Drogas de obediência. — Digo.

— Isso mesmo, sabe Sebastian, nosso Lobo aqui tem grande apreço pela humanidade, tanto que inventou uma pequena droga que limpa a memória das vítimas, as deixam mais suscetíveis a fazer o que mandamos... até mesmo atos desprezíveis.

— Porra, chefe, eu não fiz nada! Esses cuzões me querem fora daqui! — Sebastian choramingou.

— Chefe, acho que podemos arrancar outro dente ou quem sabe mais um dedo?

— Acalmem-se rapazes, já tiramos muitos dentes, quantos foram mesmo, Lutter?

— Sete dentes, senhor.

— Uau, você é um homem corajoso, Sebastian! Tive homens que no primeiro já estavam soletrando até o alfabeto de minha terra natal.

— Eu não fiz nada! — Sebastian gritou se debatendo na corda.

— Esse instrumento tem muitos nomes. A primeira vez que senti o que esse pequeno bastão pode fazer foi incrível. Eu literalmente fritei os sacos de um homem.

Czar se levanta pegando o bastão de choque. O som do bastão batendo nas mãos de meu pai soava alto, até o pequeno gotejar do sangue de Sebastian batendo no chão fazia o maior barulho.

— Começaremos de novo. Qual seu nome?

— Sebastian.

Czar enfia o bastão no meio do abdômen liberando a carga de choque pelo corpo de Sebastian. Ele se contorce inteiro, até mesmo depois que Czar quebra o contato do bastão ele continua se contorcendo.

— O que estava fazendo no FBI?

— Eu não estava na porra do FBI! — Sebastian diz de maneira pausada.

Czar confirma com um gesto, pressionando novamente o bastão contra o pescoço dele, liberando o choque. Deixando que dessa vez ele recebesse uma carga maior, se divertindo com o corpo de seu capanga tremendo enlouquecidamente.

— Diga a porra do seu nome!

— Este é meu nome! — respondeu com os lábios trêmulos.

Czar ficou tenso, e então sussurrou — Mentira, posso ver em seus olhos que está mentindo. — Czar segurou mais firmemente o bastão, podia ver a raiva saindo devagar por seus poros. — A tortura é algo medieval, os antigos tinham costume de dizer que para obter boas respostas leva-se tempo, e nós temos tempo. Podemos ficar dias surrando grandes ou pequenas partes do seu corpo, posso deixá-lo descansar como ontem, mas uma hora irei acertar tantos pontos miseráveis do seu corpo, que mal conseguirá falar.

Czar sai de perto dele, voltando para a pequena mesa, colocando o bastão novamente em seu lugar, analisando as armas dispostas em sua frente. Vernan foi ao seu encontro, parando perto dele.

— Senhor.

Czar alisou as facas em sua frente, em total silêncio.

— Ele está sendo mais forte do que pensávamos. O que devemos fazer?

— Surrem-no.

— Sim, senhor. — Vernan se afasta fazendo sinal para os outros, rapidamente um círculo é feito em volta de Sebastian. Socos e chutes começam a ser distribuídos por todo corpo dele; sangue começa a escorrer, assim que os homens de Czar intensificam seus golpes.

— Tem certeza que ele é o vor? — pergunto chegando perto de meu pai.

Czar tira uma foto dobrada de dentro do casaco do blazer, entregando para mim. Não tinha como negar, estava nítido, Sebastian saindo de dentro do departamento do FBI, tentando até mesmo esconder parcialmente o rosto.

— É questão de tempo.

Czar volta sorrindo, parando de frente para Sebastian, seu rosto estava completamente vermelho, sangue manchava sua camisa e seu pescoço. Ele faz um movimento com a faca fazendo-a brilhar contra luz, estendendo-a para que Sebastian a admirasse como ele. — Você tem certeza que não quer me dizer a verdade?

Sebastian permaneceu em silêncio, apenas olhando para Czar.

— Entendo. — Czar diz levemente. — Eu realmente gostaria de me divertir mais com você, porém, isso está ficando até mesmo monótono demais. Peguem a mordaça!

Um de seus homens saiu de perto pegando a mordaça de couro, aquilo não só era usado da maneira errada como causava uma imensa dor. Retiro o celular do bolso, escrevendo uma mensagem rápida para Orrel, agora mais que nunca preciso de sua resposta.

“Vai me ajudar ou não?” — faço a mesma coisa que fiz com a mensagem de Netlen, apago qualquer vestígio, devolvendo o celular no modo silencioso para o bolso da calça jeans.

Os olhos de Sebastian se arregalam, olhando para cada um de nós ali presentes, voltando sempre para seu carrasco, Czar. Ele sabe que a única maneira de sair pelo menos vivo dali, será abrindo a boca, contar as informações que ele tem. Por isso, não foi nada surpreendente quando começou a gritar que contaria o que Czar desejasse, arrancando um sorriso de meu pai e um arrepio frio e medonho de minha espinha.

Czar voltou para onde estava sua cadeira, sentando-se. — Vamos do começo? Que tal saber o verdadeiro nome do verme que tentou se infiltrar em minha organização?

Sebastian engoliu em seco. — Luigi Wenth.

— O canário começou a cantar. — Vernan diz acertando um soco em cheio no rosto de Sebastian ou Luigi.

— Calma, Vernan, assim pode assustar nosso pequeno verme. — Czar repreende-o, ainda sorrindo. — Conte mais, o que você é? Um policial corrupto ou apenas um agente fedelho que mal sabe como seu país comanda as coisas?

— Sou apenas um informante, não sei de nada, estou aqui por causa dela.

— Dela?

— Vejo que cheguei em boa hora.

Viro rapidamente dando de cara com Deany, apesar de estar mancando pelo tiro que dei em seu joelho ele se recuperou rapidamente, mesmo que as cicatrizes em seu rosto ainda sejam visíveis.

— O que ele está fazendo aqui? — pergunto irritado.

— Lobo, ele faz parte disso, mesmo você tendo acabado com seus bagos.

— Seu filho da puta, você deveria agradecer por eu não ter metido uma bala no meio da sua cabeça! — Deany vem mancando em minha direção, fazendo minha mão se fechar no coldre de minha arma.

— Rapazes... — Czar alerta. Deany para me encarando, como se um único descuido o fizesse voar sobre mim. — Deany, já conversamos sobre isso, seu instrumento foi ajeitado e estamos no meio de uma missão.

— Sim, senhor. — Disse cuspindo em minha direção.

— Voltamos ao que dizia, quem é ela?

Pego discretamente meu celular, respirando aliviado por Orrel ter respondido.

“Sim, mas saiba que fará um serviço para o meu chefe. Estarei aí quando quiser”

“Esteja aqui o quanto antes, eu ligarei.” — respondo apagando ambas as mensagens.

—...ela entrou em contato comigo depois que me viu batendo em uma puta, achou que seria um ponto forte para entrar na organização, ela quer colocar tudo no chão, quer a cabeça de cada um de vocês num espeto.

— Eu quero nomes! — Czar gritou.

— Adria, Adria Hamer.

Vejo a confusão tanto nos rostos dos homens de meu pai como no rosto de Czar. Ninguém ali conhece ela por esse nome, por um instante achei que bastava isso para que Luigi fosse morto como tantos outros e que meu pai seguisse a mesma investigação que fiz. Desvio o rosto vendo Lutter me encarando seriamente, óbvio que ele tinha feito a associação ao nome, ele era o melhor “investigador” que tínhamos, nunca sequer poderia imaginar que quando dei o nome de Adria para ele que ocorreria algo parecido.

— Adria Hamer, interessante, mas não conheço nenhuma suka com esse nome. — Czar diz.

Lutter abaixa os olhos, mas se mantém em silêncio, se ele falasse algo, além de me jogar na fogueira também atrairia o foco para si.

— Ela entrou com o nome de Pam Gomez.

A gargalhada alta rompeu no meio do galpão atraindo atenção de todos para Deany, que segurava o próprio abdômen enquanto ria como um lunático.

— Qual a graça, Deany?

Deany olhou bem para mim, antes de encarar Czar. — Pam Gomez foi a putinha que esse verme trouxe no dia que se aliou a nós! Agora, o mais engraçado, chefe, é que o Lobo quase me matou por causa dela! — Todos se viraram me encarando, Czar foi o último, mas seu olhar era o que importava, ele tinha feito a conexão que Deany estava apresentando, para ele eu estava defendendo um rato, uma policial.

— Vamos lá, Lobo, há quanto tempo está fodendo a policial? — Deany pergunta.

Avanço sobre ele, mas sou contido por dois homens de Czar que prendem meus braços para trás do corpo, virando-me de frente para ele. Sinto o pequeno suspiro dele bater em meu rosto, assim como o soco no lado direito de minha mandíbula que me dá. O gosto de cobre pelos pequenos cortes em minha bochecha enche minha boca, fazendo-me cuspir o sangue.

— Vy ne uvazhali svoyego ottsa! — Czar diz, encarando o fundo de meus olhos. — Você não respeitou seu pai!

— Onde essa mulher está? — Czar se vira para seus homens, mas todos permanecem em silêncio. — Tragam-na para mim! E o amarrem junto com esse verme!

— Espera aí, eu te contei tudo, não mereço sair? Contei tudo que sei... — Luigi diz desesperado.

Czar se vira, sorri e volta para ele. — Claro, mas antes uma pequena lição sobre ser um vor. Vernan, a boca! — Ordena.

Vernan segura Luigi, que se debate mais que um cordeiro prestes a entrar no forno, tendo sua boca aberta e sua língua exposta. Czar vai sem remorso, segura a língua do homem, passando a lâmina afiada da faca por ela, jogando o pequeno naco longe. O sangue escorre por todo seu braço, assim como pelo corpo de Luigi que tenta gritar, debilitado pela dor e pelo choque. E como se não bastasse, Czar ainda acende o pequeno maçarico, fazendo sua chama pequena brilhar diante de seus olhos, queimando a ferida sangrenta, cauterizando-a.

— Agora joguem-no no deserto, quem sabe o cheiro de sangue atraia alguns coiotes famintos! — Ordena, largando o rosto desmaiado de Luigi.


34


Uma dor de cabeça muito ruim, além disso, notei duas coisas ao mesmo tempo: estava escuro e eu não estava sozinha. Estávamos em movimento? Terceira percepção: Minha visão estava bloqueada por algum tipo de capuz, mesmo meus olhos rolando, quase por instinto, para tentar se orientar de alguma maneira. Eu estava em uma van, meu corpo estava espalhado desordenadamente pelo chão. Meus movimentos estavam lentos e ineficazes, minhas mãos tinham sido atadas atrás das costas, as pernas continuavam livres como constatei ao dobrar os joelhos. Algum buraco ou lombada na rua fez com que meu corpo saísse por um segundo do chão duro da van, voltando com tudo e ferindo minhas costas.

Meu cérebro trabalhava de maneira incansável tentando se lembrar o que havia acontecido. Recordo-me de Netlen ter entrado, e até mesmo comentado que estávamos em perigo, mas depois a porta foi aberta com violência, o tal do Try entrou com outro homem jogando-a contra a parede, apertando sua garganta e ao tentar defendê-la, fui contida, sentindo imediatamente algo pontiagudo perfurar meu pescoço.

— Você está finalmente acordada, estava começando a pensar que meus homens tinham sido cruéis demais com você. Lamento estarmos nos encontrando de maneira tão...

O capuz é arrancado de minha cabeça levando alguns fios de cabelo com ele, fazendo com que eu dê de cara com um homem mais velho, que mesmo sorrindo, eu não acreditei naquele rosto aparentemente amigável.

— O que eu estou fazendo aqui? — minha voz parecia estar com certo atraso, lenta, como se tivesse abusado do álcool.

Meus olhos voam em direção a Kiran, suas mãos estavam atadas por correntes, encarando o chão friamente, o lado direito do seu rosto estava vermelho, marcado. Olho em volta e vejo que estou em outro galpão, há marcas de sangue no chão, algumas poças brilhantes que me causam repulsa. Meu corpo estremece com medo, sentindo primeiramente o olhar dele, antes mesmo que o encare no meio daqueles homens. Deany! Acredito que nem em meus melhores dias e pensamentos mais felizes irei esquecer-me de seu rosto ou da caveira que me encara sorrindo.

Ele sorri novamente, dando uma grande tragada em seu charuto. — Temos alguns probleminhas para resolver.

Minhas mãos estão amarradas no ferro da cadeira, assim como meus pés. Há uns quatro capangas mais no fundo, com armas nas mãos.

— Querida, por acaso você conhece esse rapaz? — ele volta a falar comigo.

Luigi entra sendo carregado por dois homens, e jogado aos meus pés. Seu rosto tem vários hematomas e cortes, assim como seu corpo. Suas roupas tinham mais sangue que eu pudesse verificar, assim como vi que estava sem um dos dedos da mão esquerda. Ele olhou dentro de meus olhos e isso me faz trincar os dentes. O filho da puta deixou-se ser pego!

— Pelo visto vocês se conhecem.

Encaro novamente o velho. — Ele era meu cafetão e se apanhou é porque mereceu.

O sorriso pinta em seu rosto, ele faz um pequeno sinal chamando atenção de um dos homens que assistiam.

O capanga deixa um pequeno balde d’água com uma toalha ao lado. O velho se levanta apagando o charuto com o sapato.

— Por esses tempos, tenho acompanhado os relatórios que meus homens dão de você. É uma mulher interessante eu confesso, veja só... — diz erguendo os braços; o homem que deixou o balde, volta retirando o blazer alinhado e de corte fino que o velho lhe entrega. — Está fazendo este velho voltar para velhas origens!

Ele pega uma espécie de vara, voltando-se para mim. — Essa belezinha foi um presente de um homem do governo. Até que os americanos têm bons métodos para realizar o trabalho, mas eles falham miseravelmente na execução. Assim que ele aproxima a vara de mim, passeando por minha clavícula, seios, parando em meu esterno, sinto uma imensa corrente elétrica passar por todo meu corpo, meus dentes batem uns contra os outros, o choque nubla minha visão, fazendo minha cabeça pender para trás. O som de correntes se debatendo me fazem inclinar a cabeça em direção a Kiran, que é vigiado de perto por dois homens; seu rosto está furioso, encarando o velho como se saísse dali só para arrancar sua cabeça.

— Vamos conversar, agente Adria? — o velho pergunta se abaixando ao nível de meus olhos. — Diga, seu pessoal já está atrás de você? Quais eram seus planos?

Mesmo zonza, encaro ele nos olhos e então cuspo, bem no meio de sua cara. Ele puxa um lenço do bolso passando por seu rosto.

O tapa é tão forte que me faz virar o rosto, quase como a menina do exorcista, fazendo minha cabeça girar ainda mais tonta. — Garota valente!

Ele puxou meu cabelo na parte de trás do meu couro cabeludo, e eu engasguei quando ele puxou meu pescoço para trás, segurando-me firmemente, ficando com o rosto perto do meu, perto o suficiente para que sentisse seu hálito contra meu rosto.

O homem que aguardava com o balde de água entrega um pano grosso para ele, ainda segurando meu cabelo, forçando minha cabeça pender para trás, coloca o pano em cima de meu rosto tampando minha visão. O jato frio da água caindo não só pelo rosto, mas pelo meu corpo fazem minha pele se arrepiar de frio. Minha respiração é inundada por água, minha garganta arde, assim como água desce pelo nariz a cada pequena respirada que tento dar. Cuspo e engasgo.

O velho tira o pano de meu rosto, segurando firme em meu cabelo.

— Veja Kiran como ela é forte, não se torna uma surpresa você ter visto algo especial nela! É uma pena que você a verá morrer, assim como você.

Olho pelo canto dos olhos para o rosto de Kiran, ele se parece bastante com um animal selvagem naquele momento, o rosto enrugado formando uma verdadeira marca de ódio por toda sua face.

Naquele instante, eu desejei muito estar em poder de uma arma, eu atiraria em cada um deles. Mas nem as mãos eu poderia usar. Deany mancou em minha direção, passando a mão por meu rosto, mesmo eu desviando ele segurou firme pelo queixo, sua mão livre passando pelos meus seios, apertando sem piedade, brincando com o botão de minha calça olhando diretamente para Kiran.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia! — Disse dando o primeiro golpe em minhas costelas, me fazendo me contorcer mordendo os lábios para não gemer de dor.

— Seu filho da puta! Vou te matar! — Kiran se jogou para cima do cara que o vigiava de perto, lhe arrebentando o nariz com uma cotovelada.

— Olha bem, imbecil! Olha o que vou fazer com a sua putinha! — disse Deany.

Kiran se contorce, puxando o máximo que pode as correntes, mas é ineficaz. Deany vem com tudo para cima de mim, fincando a faca perto do osso ílio. Meu grito de dor transborda no ambiente.

Deany se afasta limpando a faca na coxa, indo até a pequena mesa exposta, pegando uma barra de ferro. — Dê um jeito de aquecer, quanto mais quente, melhor.

O capanga confirmou sumindo dali, enquanto Deany veio novamente até mim. — Fique tranquila, docinho. Eu não atingi nenhum vaso importante, nem mesmo um órgão. Mas, nossa! Como doí uma ferida assim!

O capanga retorna, trazendo a barra de ferro com uma luva revestindo sua mão. Ele para em minha frente erguendo minha camiseta, pressionando a barra aquecida e vermelha contra minha pele, queimando a ferida; por mais que tento, os gritos escapam de minha garganta, fazendo Deany sorrir.

— Vamos, garota! Qual é sua intenção ao entrar em meu território? — o velho voltou parando perto de mim.

Eu mantive minha boca fechada, segurando a resposta à sua pergunta. E a cada pequeno silêncio ele dava um jeito de agredir partes distintas de meu corpo, partes que eu não sabia que doíam tanto ao serem atingidas, seja com as mãos, ou a barra de ferro, que por vezes solicitava aos seus homens.

— Então você é o mandante? — pergunto entre os dentes.

— Admiro sua força. — Ele faz um sinal e o capanga me acerta com um soco na costela. — Nem mesmo sei por que insisto, seu comparsa a essa hora está sendo jogado em qualquer parte do deserto, levará dias, senão semanas, para que seu bando descubra o paradeiro. Acredito que nem mesmo uma ligação os ajudaria.

O velho foi calmamente até Kiran, olhando-o com desprezo. — Você, sangue do meu sangue. Traiu sua família por um rato embrenhado em nossos esgotos. Você é uma vergonha!

Kiran foi verdadeiramente surrado por aqueles homens, homens que o temiam, e hoje se aproveitavam para descontar. Nem por um único suspiro ele reclamou, não reclamou quando socaram seu corpo, ou quando Deany o cortou com sua faca. Nada, ele muitas vezes fechava os olhos e assim ficava por minutos, outras vezes apenas me encarava e quando isso acontecia me aquecia, no meio de todo esse inferno onde eu só sairia dali morta. Kiran ou Lobo, me manteve firme, presa em seu olhar, aquecida pela raiva que brilha em seu rosto.


KIRAN


Uma dor cegante atravessa minha cabeça, e meus músculos doem. Revivi por um minuto as surras que Czar adorava me expor, a sensação de queimação nos braços, por estarem muito tempo na mesma posição e da circulação ser menor. A luz fraca pendurada no teto parece como uma chama escaldante em meus olhos. Minha boca está seca, quando me concentro na imagem ao meu redor, noto que tudo está silencioso demais, vazio demais. Tirando os dois pequenos focos de luz, tudo está em completa escuridão.

Inclino-me um pouco nas correntes querendo ver Adria, seu corpo está preso como o meu, sua cabeça pende para baixo, alguns fios de cabelo escuro colam em seu rosto no trajeto que seu sangue faz até o chão. A raiva tomou conta de mim, mas de nada adiantaria esbravejar ou colocar Adria ainda mais em perigo. Quando ela desmaiou de dor, Czar veio pessoalmente me marcar; mesmo o processo sendo doloroso, não abri a boca, aguentei tudo, exatamente como ele me ensinou a fazer, acredito que ele próprio sabia que levar meu corpo ao limite não iria me desmontar, como eu disse, fui ensinado pelo próprio diabo.

Mas ali está a marca em meu peito, a pequena, mas significativa tatuagem, que para as pessoas do submundo quando a virem, reconhecerão na hora. Saberão que eu traí.

— Adria. — Sussurro. — Adria!

Ela se mexe minimamente. — Adria, olhe para mim! — Ordeno.

Quando finalmente me encara só vejo dor e medo refletido em seus olhos. — Fique calma, você é minha, eles não tocarão mais em você, mas preciso que faça algo por mim. Está me ouvindo? — pergunto verificando que ninguém esteja escutando meu monólogo sussurrado.

— Eles vão nos tirar aqui, devem nos levar para qualquer lugar para terminar o trabalho.

Ela me encara com medo.

— Faça exatamente o que eu disser, não tente nenhuma gracinha, você está me entendendo?

Adria confirma olhando para frente, assustada.

Burn se aproxima, saindo das sombras, seus olhos escuros percorrem o corpo de Adria; doente como é, está analisando o que poderia tirar de proveito.

— Não banque o engraçadinho, Burn. Eu posso te matar ainda. — Digo com fúria.

Ele sorri, estendendo a mão para as algemas que prendiam os pulsos de Adria, soltando-as. Ela cai no chão, soltando um gemido baixo. Maldito! Seu corpo está fraco e dolorido. Mesmo sendo uma agente, duvido que tenha passado em suas missões algo do tipo, que tivesse sofrido tantas agressões como sofreu. Ele vai até os pés, repetindo a ação, quando a algema foi arrancada dos tornozelos Adria moveu as pernas, e o grito escapou como um choro de sua boca, o sangue percorrendo os músculos cansados, era a parte cruel da libertação.

Burn buscou uma corda no bolso da calça, amarrando os braços de Adria atrás do corpo, deixando-a jogada no chão. Os dedos nojentos e calejados passando pelos lábios dela, enquanto eu controlo minha respiração pesada e assassina dentro do peito, agora não é o momento, digo isso com frequência para mim mesmo. Atacá-los em seu território não era bom, só nos traria mais surras.

— Prepare-os para o transporte, o chefe quer isto feito o mais rápido possível! — Deany vem em minha direção dando tapinhas em meu rosto. — Quem diria que um dia eu caçaria um lobo!

— Não se vanglorie até ter terminado o serviço! — Respondo com raiva.

— Não banque o valente, senão, o último ato que verá será eu metendo o pau dentro de sua putinha, arrombando todos os buracos dela, que tal?

Sádico psicopata!

— Controle-se, Deany. O chefe não quer mais sujeiras aqui!

Lutter vem em minha direção desamarrando meus punhos das correntes penduradas no teto. Seu olhar me lança o aviso para não tentar nenhuma graça.

— Deany, veja se Try está com o carro pronto. — Lutter ordena.

Ele acompanha com os olhos Deany sair do galpão, virando-se para mim. — Seu filho da puta, você queria foder meu rabo?

Confuso com suas palavras me mantenho em silêncio.

— Escute bem, sei que vai dar um jeito de escapar, por isso não vou ser eu que ficarei no seu caminho. — Ele tira um coldre de faca da cintura, enfiando dentro de minha calça.

— Por que está me ajudando? — questiono, isso pode ser uma grande armadilha.

Lutter me encara fixamente nos olhos. — Porque sei que vai matar todos, assim que sairmos daqui! Em todo instante que eles bateram em você, você se manteve firme, apenas encarando essa mulher. Não sei o que ela é para você, mas conheço o Lobo. Sei do que ele é capaz.

— Já se despediu do seu lobinho, Lutter? — Deany volta rindo.

— Vai se foder, seu maluco! Eu quero mesmo é acabar com isso e me afundar em alguma boceta quente!

— Os dias serão melhores sem você, Kiran. Open de boceta, todas ali, desprotegidas para nós. — Deany disse alto, abrindo os braços como se tivesse prestes a dar um abraço em alguém, gargalhando alto.

— Levante-se! — Try puxa a corda que amarrava os punhos de Adria, dando um tranco em seu corpo, ela se atrapalha em seus pés, Try termina ajudando-a, segurando ao redor de seu bíceps, contendo um pouco de seu peso.

Sabia que as lesões gritariam, especialmente da costela quebrada, mas ela se manteve firme, acompanhando Try até o furgão, deixando-se arrastar pela corda. Ele a coloca para dentro, sentada contra um lado da lataria, Deany senta quase de frente para ela, onde fica encarando seu rosto, sorrindo ao puxar seu queixo para cima, fazendo com que ela olhasse em seus olhos.

Aguente, não faça nada... — alerto em minha mente, sei que isso não serve apenas para Adria, mas principalmente para mim, minha vontade de voar em cima dele, arrebentando sua cara e finalizando o serviço que não concluí, me sobe rapidamente como a bile por minha garganta.

Lutter me coloca ao lado dela, sentando-se ao lado de Deany, ambos de frente para nós.

O caminho é torturante, o que é bom, já que consigo agarrar uma das mãos de Adria, apertando minimamente seus dedos para que não me denuncie. A faca que Lutter colocou em minha cintura agora está em minhas mãos, e conforme o carro balança e a proximidade com Adria, consigo ir serrando aos poucos a corda que prende seus punhos.

— Quem tem medo do lobo mau, do lobo mau, do lobo mau! Lobinho frouxo! — Deany cantarola a velha canção de um livro infantil, rindo ao deturpar a letra.

Lutter se mantém em silêncio, encarando-me nos olhos. Ele sabe que logo irei avançar, sinto apenas por ter que matá-lo depois de me ajudar.

— Vamos, Kiran? Não tem mais o arsenal de ameaças que tinha antes? — Deany provoca novamente.

Mordo a ponta da língua evitando cair nas provocações que ele lança, continuando a serrar a corda ao poucos, agora tudo teria que ser rápido, eles já tinham se afastado do galpão e pelo aumento nas trepidações que o carro fazia, era óbvio que Try tinha deixado a estrada principal. Forço um pouco mais a faca, terminando de serrar a corda, mas o uso excessivo de força faz com que corte sem querer a palma da mão de Adria. Ela me olha por um segundo, segurando firme a faca.

— O problema de você se meter onde não conhece, é encontrar alguém com mais sede de sangue que você. E se ele voltar, sempre será para te matar. — Digo.

Deany franze o cenho para mim sem compreender minhas palavras, completamente distraído, principalmente do que ocorre ao seu redor. Vejo tudo em câmera lenta, Lutter se afasta minimamente de Deany ao mesmo tempo em que Adria salta para cima, ficando a ponta da lâmina no pescoço dele. O sangue espira em seu rosto e em sua blusa, mas ela não para o ódio que alimenta seu corpo é tamanho que dá mais quatro facadas antes de puxá-la contra mim, fazendo-a cair sentada em minhas pernas. Respirando ofegante, seu rosto está repleto de sangue.

O carro para bruscamente, e escuto Try dizer:

— Que porra tá rolando aí atrás?

A porta do motorista abre e se fecha. Encaro Lutter, — Vou precisar da sua arma.

Ele assente, passando a arma destravada para mim, seguro apontando diretamente para a porta do furgão e no momento exato que Try abre, escancarando as duas portas, aperto o gatilho sentindo o pequeno tranco e o barulho da munição cortando o ar, até o momento que ela entra no meio da testa de Try, fazendo-o cair para trás.

Sinto Adria trêmula ao meu lado, seguro seu rosto entre minhas mãos e a arma. — Está tudo bem, vou tirar você daqui. Acabou, ouviu?

Ela confirma olhando-me nos olhos, cedo à vontade quase insana, descendo lentamente meus lábios nos seus, mesmo que ela continue petrificada no lugar, a sensação de sentir sua boca morna na minha é delirante, sugo seu lábio inferior sentindo o animal dentro de mim ronronar, louco para vê-la realmente segura e longe disso tudo. E tê-la somente para mim.

— Termine o serviço, Kiran.

Saio do meu pequeno devaneio, afastando meu rosto de Adria, encarando Lutter.

— Vou precisar do seu celular e da arma. — Afirmo.

Ele tira um pequeno aparelho bloqueado e longe de se rastreável do bolso, e me entrega.

— Posso deixá-lo de volta na estrada ou levá-lo para algum lugar. — Digo.

Ele me olha surpreso. — Você não vai...

— Te matar? Não. — Suspiro levantando, ainda que de maneira curvada pelo pequeno espaço dentro daquele furgão. Puxo o corpo inerte de Deany para fora, jogando-o ao lado de Try. — Você pode ser um merda como eles, mas ainda tem uma chance de consertar tudo.

— Ele irá me matar.

— Verdade. Mas é por isso que terá que ser esperto e sumir daqui. Pegue sua família e suma, troquem de nomes, mudem para um bairro pacato onde todos acreditem na imagem que você vender. Saia do radar de Czar.

Lutter confirma saindo do carro, parando de frente para mim. — E você?

— Sou um bom fantasma.

Ele confirma novamente.

Ajudo Adria a sair do meio daquele caos de sangue. — Entre no carro, vamos trocá-lo assim que possível.

— O que fará comigo? — questiona encarando meu rosto.

— Vou levá-la para longe, se você aparecer no radar dele, Czar não terá misericórdia, vai mandar outros para te matar, outros que não terão a mesmo índole de Lutter, vão arrancar sua cabeça no momento que te encontrarem.

— Eu preciso voltar para o FBI, eles têm que saber o que aconteceu. Até mesmo pelo filho da puta do Luigi, mesmo que eu dê tudo para matá-lo.

— Você irá sair do país. E se ir contra minhas ordens eu vou dopá-la, mas você irá. — Retruco rangendo os dentes.

— Aquelas garotas precisam de mim! — Ela grita.

— Aquelas garotas foram condenadas no dia que entraram ali, você acredita mesmo que Czar irá deixar sua organização no mesmo lugar? Ele já deve ter um plano de contingência, se já não estiver longe nesse exato momento. Acorde, Adria, seu momento de ser heroína, morreu assim que você foi pega por eles!

— O chefe já estava esvaziando o armazém, assim que o informante lhe acusou. — Lutter comunica, me ajudando. — Escute o Kiran, o melhor é todos saírem daqui.

Ela respira fundo, ainda me encarando com ódio. E de repente deu um soco em meu maxilar, quase me derrubando no chão. Coloco a mão no queixo, ainda olhando para ela, mesmo sem protestar.

— Foi a primeira e última vez que mentiu para mim! — Ela apontou com o dedo no meio de meu rosto, desafiadora e nervosa. — Se fizer isso de novo, eu prometo que acabarei com você!

Pelo canto do olho vejo Lutter esconder o riso, comprimindo os lábios.

— Eu ainda posso matá-lo, Lutter — Ameaço, volto meus olhos para Adria. — Vai me matar? — questiono arqueando a sobrancelha.

— Não seria a primeira vez.

Ela sai raivosa, marchando até a lateral do carro, entrando pelo lado do passageiro, fechando a porta com agressividade.

— Boa sorte. — Lutter sussurra, caminhando para o lado oposto.

Sorte. Talvez precisássemos mesmo, já que poderíamos não sobreviver para contar a história, nem ela e nem eu.


BAKER


— Os agentes estão prontos, é só dar o sinal, chefe.

Confirmo com um gesto, terminando de fechar o colete a provas de balas.

— Temos tudo sob controle?

— Sim, senhor. Houve vigília nesse local e movimentação nos dias anteriores, algo está acontecendo e temos pistas para crer que é lá que eles se escondem. Naquela região há um enorme número de galpões e armazéns abandonados.

— Vamos logo, então.

Clain vem correndo até mim, ofegante, para um segundo com as mãos no joelho, tentando recuperar o fôlego.

— Diga de uma vez, Clain, parece que irá explodir.

— Senhor, um homem...deu entrada no Hospital Regional, em nome de Luigi Wenth, seu caso ainda não foi publicado pelos médicos, mas o nome apitou em meu sistema.

— Vamos agora para lá.

— Baker por que não deixa que eu e outro agente vamos até o hospital, enquanto você lidera a operação nos galpões? — Fisher diz.

— Por quê?

— Você está envolvido demais, sabemos que sua busca está com foco na agente Hamer.

— Está enganado, fique com o plano, agente.

— Chefe...

— Já dei minha ordem! — Digo saindo e arrastando Clain comigo.


Acelero o máximo até o hospital, caminho até a recepção pedindo informações e ao ver a relutância da recepcionista mostro meu distintivo.

— Vou levá-los direto ao médico responsável.

Atravessamos alguns corredores, parando em frente a porta de um dos quartos; assim que ela se abre e o médico sai, vejo Luigi deitado na cama, entubado, o corpo repleto de ferimentos e queimaduras.

— Doutor. — Digo mostrando meu distintivo do FBI.

— Agentes.

— O que houve?

— Ele chegou ao hospital muito debilitado, um homem estava passando pela estrada e o viu cambaleando pelo acostamento. Tem feridas de queimadura por ter ficado exposto ao sol, assim como um grande nível de desidratação. Os outros machucados são consequência de alguma luta ou tipo de tortura, nunca tinha me deparado com algo assim antes.

— Ele pode se comunicar? — Clain questiona.

— Ele recobra a consciência por vezes, mas acredito que no momento não conseguirão nada dele. — o médico anda até nós, ficando um pouco afastado do leito. — Esse homem foi vítima de uma selvageria, ele não pode falar.

— Como assim, doutor?

O médico nos encara por um momento. — Ele teve a língua dilacerada, cortaram um pedaço da língua. Mas antes de desmaiar ele escreveu algo para se a polícia procurasse por ele. Pela intimação com seus distintivos ao entrarem, sei que o recado é para vocês.

O médico vai até o pequeno sofá debaixo da janela, trazendo consigo uma folha de caderno. E nos entrega.

“Eles nos pegaram, Adria morta.”

Amasso aquela folha entre meus dedos, sentindo o ódio corroer minhas veias, filhos de uma puta!

— Doutor, tem alguma ideia de quando poderemos conversar com ele? — Clain pergunta tomando a frente.

— Acredito que ele ficará melhor quando acordar, mas não irá falar.

— Sim, eu entendo. Poderia nos fazer o favor de quando o agente Wenth recobrar a consciência entrar em contato conosco? — Clain estende um cartão preto com seus contatos para o médico que confirma com um gesto nos encarando e sai, seguindo para o lado oposto do corredor.

— Baker?

Soco a parede diversa vezes querendo que tivesse ali o rosto da pessoa que fez isso, o rosto da pessoa que arrancou a vida de Adria!

— Eles a mataram. — Anuncio após alguns segundo.


37


Meus olhos se abriram, mas continuei fingindo que estava dormindo. Kiran dirigia no meio da noite, a escuridão ao nosso redor dentro e fora do carro. Apenas o painel e as luzes dos carros seguindo caminho contrário me davam pequenos flashes de seu rosto. Mordi o lábio respirando fundo; o beijo, o atrevido teve coragem de me beijar, aquele lábio quente e robusto encaixando-se no meu, sugando o meu para si...

Reviro os olhos e o rosto, mantendo-me escondida de sua visão. Quando saímos do meio do deserto, voltamos para a cidade, Kiran parou em um pequeno posto de gasolina, trazendo alguns lanches do fastfood para nós, comemos avidamente, estava com tanta fome que ele deu sua metade para mim, rindo do modo que devorava até mesmo as batatas murchas. Dali, trocamos de carro.

Lembro do olhar divertido que ele me lançou antes de ameaçar socá-lo outra vez.

— De uma agente especial, condecorada e indicada para fazer parte da SWAT, virei uma ladrazinha de carro. — Tinha retrucado enquanto Kiran fazia a ligação direta.

Ajeito-me no banco, gemendo devido à dor dos meus ferimentos.

— Vejo que acordou. — Sua voz sussurrada no silêncio do carro continuava sedutora. Uma sedução errada, lembre-se Adria, ele continua sendo um criminoso!

Vejo-o encostar o carro na beirada da estrada, debruçando-se sobre mim.

— Quero dar uma olhada em suas costelas. Não me dê um soco. — diz sorrindo.

Ele empurrou minha camisa para cima, revelando centímetro por centímetro de minha pele, exibindo as contusões. Um grande hematoma e dois ligeiramente menores sobre minha caixa torácica. Seus dedos foram gentis, pressionando a contusão, mas me encolho mesmo assim. Indo para longe de seu toque, segurando um silvo entre os lábios.

— Porra!

Noto que ele cerra os dentes, desliza a mão para baixo, traçando levemente por minha costela. Estremeço. — O que está fazendo?

— Preciso ver se elas estão quebradas. — diz.

— Está aproveitando para me apalpar também? É logico que estão quebradas! — Minha tentativa de parecer durona foi destruída pela voz trêmula de dor.

Ele sorri. — Não preciso disso, quando te tocar novamente vai ser porque você desejou.

Estreito os olhos encarando seu rosto, abaixando a blusa. — Tenho pelo menos três costelas quebradas, todas devem estar no processo de conserto.

Kiran se endireita. — Sabe que teremos que quebrá-las novamente, né?

— Sim.

— Vou procurar um hotel para passarmos a noite, e amanhã, seguiremos viagem.

— Para onde vamos?

— Como disse, tirarei você do país. — Ele retruca, voltando a dirigir, tirando o carro da beirada, de volta para a estrada.

— Tenho uma coisa para fazer antes de ir.

Ele me encara, dividindo a atenção entre mim e a estrada. — Impossível.

— Tenho que resolver uma coisa antes de ir. — Digo de maneira firme.

Sinto-o bufar.

Pego um jornal abrindo na parte de crimes da cidade, mostrando a notícia. Meu nome grande e em negrito no meio da manchete. Entrego para ele, que apoia a matéria sobre o volante, acendendo a luz interna para ler.

— Sei que terá uma cerimônia. Baker não deixaria a falta de um corpo atrapalhar.

— Como pode saber disso? Quem é Baker, seu namorado? — sinto a forma azeda com que ele pergunta, principalmente a última parte.

— Sei porque ele fez o mesmo com meu pai. Meu pai foi morto em uma operação, infelizmente nunca encontramos seu corpo, apenas vestígios, Baker era parceiro dele na época. Sei que ele fará a mesma cerimônia para mim, porque é meu amigo, quase um pai. — Digo num suspiro, virando meu rosto para a janela, encarando a escuridão do outro lado, tão parecida com a escuridão que me corrompeu e se instalou dentro de mim.

— Adria, é muito arriscado, aparecermos assim é como colocar um alvo no meio de nossas costas.

— Eu preciso ir. Se não quiser ir, me deixe em qualquer lugar acessível que me viro.

— Upryamaya zhenshchina! — Diz socando o volante. — Mulher teimosa! — Acrescenta olhando em meus olhos, ao mesmo tempo em que dá meia volta na estrada, retornando para a cidade.

***

Vinte minutos depois, eu e Kiran chegamos na entrada de um hotel barato, ele deixou o carro roubado estacionado, andando rapidamente para dentro da recepção do hotel. Fico impaciente aguardando seu retorno. Acabo respirando aliviada quando vejo-o sair balançando as chaves do quarto.

— Um quarto para não fumantes. — Kiran diz assim que chego perto dele.

As luzes sobre nossas cabeças piscavam e apagavam conforme andávamos pelo corredor, passando por portas e mais portas fechadas. A metade lógica do meu cérebro estava realmente pirando, tinha acontecido coisas tão fodidamente piradas que o fato de me enfiar num quarto desse hotelzinho com Kiran, um possível assassino cruel, era até agradável.

Kiran me encara pelo canto dos olhos como se tivesse lido meus pensamentos, parando de frente para o quarto 305. Ele fecha a porta atrás de nós, dando uma olhada cautelosa pela janela, assim como por toda a suíte. Retira o moletom jogando-o em uma das cadeiras, chacoalhando os cabelos úmidos pela chuva que tínhamos pego.

— Não é como seu apartamento, — diz dando de ombros. — Mas vai servir para o propósito.

— Nem consigo imaginar quantas bactérias têm debaixo desse cobertor. — Sussurro.

— Já fiquei em lugares piores. — diz sumindo em direção ao banheiro. — Pelo menos tem sabonetes e toalhas. — Sua voz sai abafada de dentro do banheiro e logo o barulho do chuveiro ligado chega até mim.

Sento na ponta da cama, soltando um suspiro pesado. Kiran deixou a porta entreaberta e a luz se espalhava pelo chão, subindo pela parede oposta do quarto. De onde estava podia ver o pequeno e fraco reflexo dele dentro do banheiro; mesmo querendo fechar os olhos ou trocar de posição evitando quebrar sua privacidade, meus olhos não obedecem, fico hipnotizada pelo caminho que a água faz em seu corpo, descendo por seu abdômen, trilhando um caminho que muito tempo atrás tinha feito com minha boca.

Desvio os olhos quando a água para, me remexo incomodada na cama; pouco tempo depois, sai vestindo apenas seus jeans. Ele deixa a porta aberta, trazendo o vapor para dentro do quarto. Não precisava de outra olhada para confirmar o que eu sabia, Kiran não só tinha um ótimo físico de suas horas na academia como sabia usar cada parte do seu corpo para satisfazer uma mulher. Merda, Adria! Se minha mãe estivesse viva, diria para que eu controlasse minha periquita!

— Qual lado da cama você quer? — perguntou.

Dou de ombros. — Vou tomar um banho.

Ele me encara por um pequeno instante se jogando onde segundos antes eu estava sentada. — Nervosa?

Viro arqueando a sobrancelha. — Não. — Digo tão confiante quanto pude diante das circunstâncias. E as circunstâncias eram que eu estava mentindo através dos meus dentes.

— Você é uma péssima mentirosa! — diz sorrindo.

Kiran sai da cama com olhos predadores; agora eu consigo muito bem ver o tal Lobo incrustado em sua pele, não só na tatuagem que me encara pelo espelho pendurado na parede atrás dele, mas sim dentro de si. Meu corpo inteiro fica rígido. Minhas pernas não respondem ao comando para se afastar.

Ele para a dois passos de mim, estendendo as mãos lentamente entre nós, tocando o osso de minha clavícula, seguindo dolorosamente lento até meu pescoço; as pontas de seus dedos fazem pequenas cócegas no tracejar. Subindo por minha bochecha, parando em meu queixo. Engulo em seco, com os olhos cravados nos de Kiran, ele próprio respira lentamente, como se uma respiração mais profunda fosse me assustar. O que no caso não seria uma completa mentira.

— É melhor você ir tomar seu banho.

Concordo rapidamente, rompendo o contato visual que fazíamos, correndo para dentro do banheiro, trancando-me ali.

***

Kiran estacionou o mais longe possível, desligou o carro e me encarou. — Tem certeza?

Respiro fundo. — Sim. — Eu odiava cemitérios, odiava aquela aura sinistra que circulava por ali, mas eu precisava disso, precisava encerrar essa parte de minha vida, se as pessoas com que eu convivia estavam prontas para dizer adeus sem ao menos procurar uma única pista, a mim não restava nada. Muito menos ficar ali, naquela cidade, esperando um criminoso vir me apunhalar no escuro.

Aquela Adria, morreu. Eu fiquei cara a cara com a maldade mais crua do ser humano, eu vi de perto o inferno, até mesmo me queimei em seu fogo, descobri que naquele mundo esperança é a última coisa que aquelas mulheres tinham. Não tínhamos nomes, diferenças, nada... Éramos apenas peças no tabuleiro de milhões de dólares para eles.

Não houve distorção do mundo exterior, fui eu que abri meus olhos e vi por trás da cortina espessa entre o certo e o errado, eu que fui inserida em uma realidade tão presente e existente quanto o meu dia a dia, eu que decidi ficar na área cinzenta.

Saio do carro com Kiran bem atrás de mim, seguindo meus passos por entre as lápides, subo uma pequena escadaria me escondendo ao lado de um mausoléu. Faço sinal para que Kiran pare também.

Estávamos um pouco longe, mas as vozes chegam com perfeição até nós.

— Nada mesmo, nem uma pista foi achada dela, apenas sangue em um dos armazéns que Baker mandou invadir.

— Isso é foda, não sei o que é pior, ela ter morrido e estar numa cerimônia sem corpo ou a hipocrisia de Wenth sorrindo ao receber aquelas medalhas estúpidas!

Kiran e eu ficamos escondidos no mausoléu esperando até que as vozes estivessem longe o bastante para que saíssemos do pequeno esconderijo, a fim de olhar o que acontecia mais à frente. Mal percebo que ao ouvir os agentes falando sobre mim tinha pego uma das mãos de Kiran e estava apertando seus dedos entre os meus.

— Obrigado. — Disse abrindo e fechando a mão.

— Desculpe, eu... venha. — Desisto de me explicar e ando mais um pouco, escondendo-me atrás de outra lápide, essa era abrigada por uma imensa árvore, seria difícil nos ver ali.

Baker estava de cabeça baixa, ao seu lado Lilian segurando sua mão; vê-lo deu certo conforto em meu peito, mesmo sabendo que dos muitos que ali estavam, ele e sua esposa eram os únicos que eu realmente sabia que estavam sofrendo. Baker basicamente me viu crescer, esteve junto de meu pai, mais que um irmão legítimo ficaria, assim como Lilian era muito amiga de minha mãe.

Meus olhos recaem sobre Luigi e o ódio toma meu corpo. — Não deveria estar com raiva por ele estar vivo, sabia que ele era um rato, pedi muitas vezes para que o diretor trocasse meu parceiro... — deixo minha voz morrer.

— Ele não foi leal a você, Adria. Em nenhum momento, mas não posso culpá-lo, até os mais fortes já se acovardaram perto de Czar.

Encaro seu rosto. — Sabe que uma hora você vai ter que me contar tudo.

Ele confirma, evitando me olhar nos olhos.

Minha atenção é atraída novamente para o pequeno círculo em volta de um caixão vazio. Baker é o primeiro a colocar uma rosa branca em cima, Lilian vem logo em seguida e as pessoas os seguem, enchendo meu caixão com rosas brancas. Eu mesma coloco uma mentalmente, dizendo que não tem como ser mais aquela Adria, não tem como seguir em frente com a antiga venda em meus olhos, porque hoje, eu aceitei que fico mais confortável na área cinzenta.

— Vamos, temos que ir.

Respiro fundo, deixando tudo lá, virando de costas para o Estado falho, para a segurança tão medíocre que não protege as garotas de nosso país, muito menos tem poder perto de criminosos como Czar.


O restante do caminho é feito em completo silêncio, Kiran não me forçou a falar e eu agradeci, seguindo ao seu lado. Sabia que ele tinha dado um jeito de nos tirar daqui, por isso não me surpreendo ao entrar na pista de decolagem desativada, parando perto de um jato executivo. Shutterst, escrito de maneira grande e brilhante na lateral. Sua porta abre assim que Kiran estaciona, saindo um homem de lá.

Kiran desce, indo de encontro ao rapaz, dando um aperto de mão, era palpável a distância que ambos colocavam entre si.

Saio do carro, caminhando até eles. Não entendo nada do que falam, pelo visto é em russo, seu dialeto é rápido e enrolado, fazendo minha cabeça dar voltas ao tentar adivinhar.

— Adria, este é Orrel, ele irá cuidar de você, tudo que precisar peça a ele.

— Prazer, Adria.

Esboço um sorriso, ainda encarando Kiran.

Ele se afasta do tal Orrel, vindo até mim, novamente deixo que sua mão percorra do meu pescoço até minha bochecha, onde seus dedos param, segurando meu rosto. — My skoro budem vmeste, moya devochka.

Fico olhando, esperando que ele traduza o que acabou de dizer, mas singelamente sela meus lábios com os dele e apenas sussurra antes de dizer. — Nos vemos em breve. Não ouse socá-lo se fizer algo e não se separe dessa bolsa. — diz entregando-me uma pequena mala de viagem.


KIRAN


. — My skoro budem vmeste, moya devochka. — Foi a última coisa que disse antes de vê-la entrar no avião. — “Nós estaremos juntos em breve, minha garota”.

— Tome conta dela. — Ameaço.

— Pode deixar, logo entrarei em contato, meu chefe já escolheu o serviço que deseja. Espero que goste de praia. — Orrel brinca, me entregando uma pasta.

Claro, um traficante de armas iria querer o quê, além de matar um possível concorrente?

— México. — Afirmo.

— Beba umas tequilas está precisando. Está horrível!

— Orrel! — Alerto.

Ele se vira caminhando de volta para o avião rindo de minha falta de paciência. Ou de seu humor sádico para a quase morte.


Playa del Carmen. Coloco os óculos escuros no rosto, sentando no pequeno quiosque de palha, os coqueiros baixos, os quiosques de bebidas espalhados pela areia branca, além do mar, tão cristalino que dava para ver os peixes nadando ao seu redor.

— Buen día, señor Walsh, Un hermoso día para disfrutar de la playa.

— Sim, Helga. Ontem fiz aquele pequeno passeio pelo centro. — Digo em inglês. Apesar de Helga manter seu espanhol com os fregueses compreende muito bem quando falamos em inglês.

— Pero veo que volvió de nuevo solo, em todos estos días no encontro ninguma mujer para calaentar sus sábanas?

— Você é uma mulher abusada! — Digo.

Helga entra na brincadeira requebrando seu quadril em minha direção. — ¿ Lo mismo de siempre?

— Sim, por favor.

Analiso a praia mais uma vez, vendo meu alvo chegar acompanhado de uma loira escultural. Pelo visto, esse sim tem muito acalanto em seus lençóis! Guizar Valencia, ou como é conhecido em seu trabalho “Z43”, tem várias ordens de prisão por acusações de tráfico de drogas e armas, líder do cartel mexicano e ao que parece, não está muito preocupado com o fato de que a polícia está à sua caça, lógico que seriam poucos que se aventurariam para pegá-lo aqui, no quintal de sua casa, literalmente.

A questão é que Guizar pisou na bola com Axel Bergstedt, chefe do Orrel. Com meu pedido de favor para tirar Adria dos Estados Unidos em segurança, virei uma espécie de carta marcada, um pequeno código que criminosos usavam para dizer que a pessoa devia favores. E lá estava eu, estudando meu alvo, analisando depois de quantas bebidas ele saía totalmente trôpego da praia, sempre acompanhado de uma mulher, seguindo para sua casa à beira mar.

Eu poderia achar que o fato dele estar sentado na praia tranquilo, admirando e aliciando as curvas de sua acompanhante, que seria um alvo fácil, poderia colocar até mesmo uma pequena dose, nada mais que 0,04 nanogramas da toxina botulínica em sua bebida para que ele começasse a sentir paralisia respiratória e por consequência a morte, já que esse veneno age diretamente no sistema neurológico da vítima. Como ele não saberia o que o atingiu, não poderia administrar com rapidez o antídoto, a antitoxina trivalente equina.

Respiro profundamente, bebendo a bebida deixada sem que eu percebesse pelo garçom de Helga.

Mas sei que tudo que é passado para Guizar, primeiramente passa por seus homens escondidos, no caso eu não envenenaria meu alvo e sim um de seus homens, causando alarde e ele fugiria para se esconder.

Entrar na casa seria um pouco mais difícil; como eu sabia, os homens de Guizar estavam escondidos entre as pessoas, discretamente vestidos de turistas, apenas de olhos no chefe. Percebi isso depois da terceira vez que ele esteve nesta praia, um simples movimento entre os pedestres chamou minha atenção, confirmando minhas suspeitas.

Mas como todo homem ganancioso e prepotente, Guizar tinha sua falha: ele amava as mulheres e não se contentava em ficar apenas com uma, indo ele mesmo à caça no pequeno centro da Playa del Carmen. Ali seria minha melhor chance, um pequeno esbarrão, suficiente para que injetasse minha droga em seu corpo e pronto, ele cairia duro, seus homens atestariam que foi apenas um derrame, ou um infarto, pela quantidade de heroína e álcool que ele consumia.

Retiro o celular do bolso da bermuda florida de turista que visto, atendendo no terceiro toque.

— Serviço feito?

— Agradável como sempre. — Digo ainda de olhos em meu alvo.

— Entendo porque você se apaixonou por ela. — Orrel retruca do outro lado da linha.

— Se você tocou nela, eu juro...

— Guarde suas armas, primo, não fiz nada. Mas ela é como Baba Yagá22, pronta para me devorar.

— Deixe de ser medroso. Tudo correndo conforme o plano? — pergunto.

— Sim, ela está segura.

— Ótimo, logo estarei retornando. — Digo encerrando a ligação quando meu alvo se levanta, puxando a loira para si, saindo da praia. Espero um segundo, indo até o pequeno bar que Helga tem montado no meio da praia entregando o copo vazio.

— Usted tiene el corazón ocupado.

— Por que diz isso? — questiono ainda olhando meu alvo se afastar da praia.

— Porque Helga se da cuenta, y nadie nunca le toco como esa muchacha.

— Deixe de bobeira! — Digo com um sorriso no rosto.

— ¿ El hombre tonto, todavia volverá mañana?

— Sim, venho me despedir de suas bebidas.

Saio do pequeno quiosque de palha, pegando minha toalha na cadeira, jogando-a sobre o ombro seguindo para o centro, atrás de meu alvo. Em meu bolso, a seringa com a pequena quantidade de botulínica. Ando pelo centro admirando as pequenas barracas com peças produzidas pelos moradores locais, exatamente como Guizar faz mais à frente, a loira está tão deslumbrada pela ideia do dinheiro fácil que o arrasta para ver todo tipo de quinquilharia que vendiam, brincando no meio de lenços e chapéus extravagantes. Noto dois homens do lado oposto prontos para agir caso algo aconteça com ele, mas para quem é menos observador, eles não passam de turistas entediados.

— Preciso ir ao banheiro. — Escuto a voz fina e irritante da acompanhante dizer; ele sorri concordando, vejo um simples gesto que dá aos seus homens dispensando-os de segui-los. Essa é a chance perfeita, compro o bendito chapéu que o mexicano enfia praticamente em minha cara. Entrando no restaurante que eles entraram, atravesso o espaço repleto de mesas, seguindo para os fundos. Guizar ainda se agarrava com a loira no corredor dos banheiros, retiro a tampa da seringa ainda em meu bolso, escondendo-a em minha mão.

— Ui, fomos pegos! — A loira ri ao me ver entrando no corredor.

Sorrio colocando a melhor cara de homem safado no rosto, compadecendo com Guizar.

— Posso disser que os banheiros estão ocupados. — Digo em meu espanhol arrastado, mesmo sabendo que eles me entenderiam em inglês.

Guizar sorri apertando a bunda quase nua de sua acompanhante. Acertando um tapa, fazendo-a andar em direção ao banheiro masculino. Aproveito seu braço exposto para aplicar o veneno e quando ele reage à picada, me encarando ao me ver ajoelhado, aparentemente pegando algo do chão, peço desculpas dizendo que foi meu chapéu. Ele sorri acreditando, na verdade, esse chapéu além de ser espalhafatoso, tinha pequenas pontas de palha soltas ao redor.

Quando ele dá o primeiro cambalear, colocando as mãos na cabeça sei que em poucos segundos estará agonizando.

A loira volta desesperada, sacudindo o peito gordo de Guizar, pedindo socorro, mesmo que seja inútil. Aproveito a comoção dentro do restaurante para usar a saída dos fundos, me livro do chapéu e da camisa, e do short florido, ficando apenas com a regata branca, aderindo ao visual de sunga, seguindo no sentido contrário a toda a confusão.

“Está feito.” — envio a mensagem para Orrel.


39


Meu coração estava batendo em minha garganta quando entrei no avião. Eu estava em uma lata a 12 mil quilômetros de altitude com um completo estranho ao meu lado. Mal ousei respirar enquanto estávamos no ar. Dispensei todo tipo de conversa que ele tentou comigo, olhando sempre para a pequena janela ao meu lado. Por um momento, ele desistiu, indo se sentar no fundo do avião, e eu pude respirar aliviada.

Eu mal consegui dormir nas sete horas que levou para o avião chegar ao solo. Mesmo não querendo me render, eu estava preocupada com o fato de Kiran ter ficado nos Estados Unidos, ele estava sendo tão caçado quanto eu a essa altura.

— Vamos, garota problema. Vou deixá-la em segurança. — O tal do Orrel diz sorrindo ao parar ao meu lado. — Bem-vinda a Dingle!

— Dingle? — questiono.

Orrel se vira sorrindo, — Sim, Irlanda. Talvez não a Irlanda que todos procuram para suas viagens, já que todos procuram por Dublin, mas esse mísero pedaço de terra esquecido por Deus.

Ele abre a porta de um carro estacionado do outro lado. — Quer um convite real?

— Você chama isso de carro? — pergunto olhando com descrença para o carro minúsculo, com todas as dúvidas se ele aguentaria nos levar para onde quer que fosse.

— Confie em mim, pode parar um pouco nas subidas, mas chegaremos lá.

Dingle era verde e rochoso, a pequena estrada ao nosso redor era cercada de pedras. A vista era deslumbrante, as montanhas rochosas, a água ao fundo. Realmente a cidade parecia mais uma vila grande do que uma cidade, o centro era pequeno, exatamente como imaginei que seria caso um filme fosse filmado aqui. Depois de passar por mais um monte de rochas e estradas com pequenas poças d’água que espirravam lama no vidro do carro assim que passávamos, Orrel subiu uma pequena entrada, parando perto de uma casa à beira da água.

Uma senhora saiu de dentro da casa, com uma pequena cesta nas mãos. Orrel saiu do carro indo até ela, faço o mesmo, caminhando devagar pelas pedras, sentindo cada pequeno passo em minhas costelas doloridas.

Eles se comunicam em seu idioma, assim como Kiran tinha feito antes de se despedir de mim.

— Isso é arte sua? — a senhora dá um tapa na nuca de Orrel.

— Made, ad23! Isso não é encrenca minha!

Ela o encara por um segundo. — Qual seu nome? — pergunta se virando para mim.

— Adria.

— Entrem, logo começará a chover novamente, Deus sabe que esse tempo está maluco.

Ela me analisa, e sei o que ela vê, uma mulher com roupas esfarrapadas, até mesmo um pouco manchadas de sangue, assim como os hematomas espalhados pelo meu corpo.

Sua casa não era grande, mas quente e calorosa, uma enorme lareira aquecia a sala.

— Acho que tenho um quarto disponível para você.

— Ela precisa de um abrigo até seu queridinho aparecer.

— Kiran? — A senhora pergunta surpresa, virando-se para mim.

— Sim, é a protegida dele. — Orrel diz me olhando com um sorrisinho torto. — Por que a cara de espanto? Kiran foi criado por Madeleine, seria meio óbvio se não mandasse você para cá, é o último lugar que aquele satã do Czar viria te procurar.

Madeleine coloca as mãos sobre a boca. — Vou acompanhar você até o quarto, a casa é modesta, mas estará segura aqui. Quanto a você seu gryaznaya svin’ya24, suma daqui!

Orrel foi dançando até a fruteira, pegou duas maçãs e saiu correndo como um menino travesso quando Madeleine correu em sua direção com a mão armada para esbofeteá-lo.

Segui a senhora para dentro da pequena casa, ela entrou no quarto dos fundos, ajeitando a cama e sorrindo. — Aqui ficará bem, tem um banheiro e se sentir muito frio, uma lareira. Dingle pode ser cruel durante as noites.

— Obrigada.

— Pelo visto você não comeu nada e não tem roupas! Aquele merdinha esqueceu completamente a criação que lhe dei! — diz resmungando; ela sai do quarto, escuto barulho de portas se abrindo e fechando, e os passos pesados dela pela casa. — Aqui estão umas peças, são velhas e gastas, assim como eu. Mas servirão.

— Muito obrigada. Eu posso fazer uma pergunta?

— Claro, menina.

— Você conhece bem o Kiran, eu vi...

Os olhos dela ficaram marejados.

— Kiran é meu menino, mas mudou muito quando Czar colocou as mãos nele, era tão inocente, mas cresceu e com isso veio o interesse do pai. Se é que podemos chamar aquele d’yavol de pai! Porém, isso é assunto para depois, tome um banho tire essas roupas imundas e venha comer.

Confirmo com um gesto, sorrindo para ela.

Duas horas mais tarde, eu olhei para meu novo reflexo no espelho. Peguei uma tesoura com Madeleine e cortei meu cabelo que sempre estivera longo; agora, estava um pouco abaixo do ombro. É claro que isso não impediria as pessoas de me reconhecerem, a menos que passasse por algum método cirúrgico, mas iria camuflar durante um tempo. Também não tinha a intenção de me esconder para o resto da vida, muito menos ficar aqui esperando qualquer um aparecer. Poderia me virar com a quantia de dinheiro que Kiran entregou para mim e o celular descartável. Não poderia movimentar meu dinheiro, pois iria criar rastros de onde estou. Mas acima de tudo, eu queria vingança, matar Deany não foi o suficiente para mim, aceitar o fato que eu tinha fugido, protegida por Kiran enquanto aquelas garotas sofriam não era o que eu gostaria de me lembrar a cada vez que deitasse minha cabeça no travesseiro. Mas eu sabia que essa parte nunca sairia de mim, os gritos, os socos, sempre que fechava meus olhos e respirava profundamente sentia a respiração daquele verme sobre mim, viva, presente, como se estivesse aqui. Suas mãos percorrendo meu corpo...

— Você é minha. Ninguém encostará em você. — Kiran tinha dito.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia!

A porta do quarto se abre, e me faz pular de susto, tirando a arma que Kiran tinha me dado da cintura, apontando no meio do rosto vermelho de Madeleine.

— Sabe menina, — A voz de Madeleine falhou pelo susto. — Acredito que devemos chamar um médico para ver esses hematomas.

— Não. Ele fará perguntas, e isso atrairá atenção, logo, é tudo que não quero.

Visto o casaco pesado sobre a cama, escondendo meus ferimentos de seus olhos, os olhos azuis envoltos por rugas pela idade eram questionadores, varriam meu rosto e meu corpo.

— Que eles queimem no mais profundo inferno!

— Eles queimarão. Muito em breve. — Sussurro minha ameaça velada.

***

Os dias se passam de maneira lenta, não que tenha alguma coisa extraordinária para fazer, todos os dias Madeleine seguia a mesma rotina, acordava bem antes do sol nascer, cuidava das galinhas e colhia algumas verduras no quintal. Depois, as panelas começavam a chiar e assim ficavam até o jantar. Às vezes, quando eu acordava de manhã, não tinha certeza de onde estava, às vezes eu até mesmo pensava que estava de volta aos Estados Unidos. E por vezes, os gritos em minha mente eram tão fortes, tão perturbadores e as mãos passando pelo meu corpo eram tão ásperas e nojentas que mal conseguia respirar.

Muitas vezes eu acordava sem ar, suando frio, sentindo dor em meus ossos. Não tinha me imposto uma rotina, ajudava Madeleine em casa com algumas tarefas, mas no restante do dia passava explorando a cidade, sempre olhando ao meu redor, parecia que o medo de ser seguida ou caçada nunca iria parar, o que fazia os pesadelos virem cruéis para cima de mim.

Entro em casa deixando sobre a mesa de jantar os legumes que tinha acabado de colher antes da chuva cair como um pequeno dilúvio do lado de fora. A panela chiava com algo borbulhando dentro do caldeirão e a cozinha sinceramente fedia a galinha e pimenta.

— Espero que você não seja vegetariana.

— Não.

— Logo o solyanka25 estará pronto.

— Madeleine, eu vi uma fotografia de um garoto. Você tem filho? — questionei meio sem graça. Não queria que ela pensasse que estava sendo abelhuda.

Ela sorriu. — Não de krov’; “de sangue” como vocês costumam dizer. Mas sim, considero Kiran como meu filho, é ele que você viu nas fotografias, meu menino mirrado.

— Ele é filho de Czar?

Aquilo parecia tão surreal para mim, de todos os homens que nunca imaginaria com compaixão para se ter um filho, Czar com certeza não estava nem em último na lista.

— Kiran foi adotado pelo senhor quando ainda era muito novinho, foi encontrado com fome e frio na rua, um mendigo pobrezinho. Criei Kiran como filho, Czar, sempre esteve solteiro depois que a senhora faleceu. Que Deus me perdoe, mas ela está bem melhor agora do que ao lado dele, a pobrezinha apanhava dia sim e outro também daquele satã.

— Kiran sempre... você sabe?

— Nunca, devushka!

— Devushka? — pergunto tentando reproduzir a pronúncia correta.

— Menina, perdão. É o costume. Meu menino Kiran era um amor de criança, mesmo novinho nunca deu um trabalho, mas quando foi se tornando um rapazola forte, senhor Czar fincou os olhos nele como uma águia faminta. O menino sumiu por dias e quando voltou não tinha mais nem uma sombra de alma em seu corpo, ele foi sugado, pouco tempo depois estava seguindo o pai como um de seus homens. E então eles se mudaram, foram para a América.

— E o Orrel? — pergunto ainda mais curiosa.

— Aquela merdinha é sobrinho de Czar, seu pai foi morto quando ainda era um menino e basicamente corria atrás do tio, ansioso por aprender tudo que ele poderia ensinar.

— Aposto que não foram bons ensinamentos. — Afirmo baixinho.

— Até mesmo o satã é um bom professor, minha querida.

— Madeleine, você acredita em redenção? — faço minha última pergunta pensando especialmente em Kiran, nos momentos que passamos juntos antes de toda essa loucura acontecer, antes de sermos brutalmente corrompidos, antes de me ferirem tão fundo que o único sentimento que floresce dentro de mim seja vingança.

— Kiran ama você, se é isso que está com dúvidas, se um dia meu menino arriscou a cabeça, contra até mesmo o pai e tudo que foi ensinado e punido para fazer durante a vida... Então, garota, você é especial para ele. Mas ele é especial para você? — ela questiona se levantando da mesa, dando atenção para suas panelas.


KIRAN

 

— Não seja um covarde. Acerte logo esse bicho no meio do crânio!

A fumaça de seu charuto me cegava e fazia tossir. Sempre odiei aquela fumaça, aquele gosto amargo que ficava no fundo da garganta quando inalava aquilo.

— Madeleine quer cervo para jantar, então você matará!

O cervo parou de comer, encarando-me com olhos assustados, mas não fugiu. Ele poderia ter fugido. A arma em minhas mãos tremia, o que fazia somatória ao seu peso e eu mal conseguia segurá-la.

— Papa, não quero machucá-lo. Made vai entender. — Contive o choro que esmagava minha garganta, homens não choram e meu pai me daria uma surra se visse uma lágrima saindo de meus olhos. Mas só de imaginar eu atirando na cabeça do pobre cervo e o sangue banhando sua pele já sentia meu estômago pronto para vomitar.

Os dedos de meu pai se fincaram com mais força em meu pescoço. — Vamos!

Fuja! Fuja! — dizia em minha mente, mas o cervo estúpido ficava ali, dando boas-vindas para a morte.

A arma foi tomada de minhas mãos, papa engatilhou e o disparo foi feito. O pobre cervo nem teve tempo de pular para longe, meu pai era bom naquilo, já tinha o visto atirar em um homem, ele era bom.

— Procure outro! Só sairemos daqui quando você matar seu próprio cervo! — diz empurrando a arma para mim. — Seja homem, Kiran!

Merda de recordações! Merda de lembranças!

Estava na hora de buscá-la.

***

Ando pelo centro de Dingle despreocupadamente, não preciso procurá-la, sinto em meu corpo, sinto espalhado em minhas veias quando Adria está perto. O tempo frio faz com que as pessoas apertem seus casacos em torno de si, protegendo-se do frio e do vento cortante que atravessa as ruas estreitas.

Já havia passado na casa de Madeleine e sabia que Adria estava pelo centro, mas mesmo sabendo que uma hora ou outra eu cruzaria com ela, não fui capaz de diminuir a vontade de tomá-la para mim, assim que a vi virando a esquina, a rua estava apenas iluminada pelas luzes do poste e ela torcia constantemente o pescoço olhando para trás, aquilo me colocou em alerta. Orrel não tinha dito nada sobre ela estar em perigo, muito pelo contrário, fiquei um tempo longe acreditando fielmente que ela estava bem.

Entro num pequeno beco entre as lojas ainda com os olhos colados em Adria, apesar do gorro na cabeça ela tinha cortado seus cabelos e algo no jeito como se movimentava ou como eu via seus punhos se fecharem dentro do bolso do casaco irradiava raiva, irradiava medo. Assim como eu, quando tocados pela podridão do mundo, quando vislumbramos entre o famoso preto e branco, certo e errado, somos modificados, algo se perde no caminho. Eu só desejava que ela não tivesse se perdido.

Ela não me viu sair do beco, parando no meio da calçada, por isso seu corpo se chocou com o meu; segurei firme em sua cintura, evitando que nós dois caíssemos. Mas aquilo a assustou, seu corpo tremia e se debatia em meus braços, Adria dá um pisão forte em meu pé fazendo com que eu a soltasse e ao olhar para cima estava dois passos para trás com a arma apontada para mim.

— Eu deveria matá-lo! — Diz apontando a arma no meio de meu rosto.

— Sim, você deveria. — Sussurro.

Nossos olhares estavam fixos, cada pequeno gesto que ela fazia era captado por mim, a leve comprimida nos lábios que deu ou como engolia em seco, totalmente apreensiva, ou como por detrás de todo o ódio em seu olhar tinha um desejo, um fogo.

— Mas sabemos que não vai. — Digo caminhando lentamente até ela, parando tão perto que sentia o metal frio da arma tocando meu nariz.

Aquele pequeno segundo de excitação era tudo que eu precisava, arranquei a arma de suas mãos, guardando no cós de minha calça. Puxando Adria para mim, nos enfiando no pequeno beco escuro, prensando seu corpo na parede de tijolos. Reivindiquei sua boca em um beijo feroz que a fez ofegar, minha língua deslizou entre seus lábios e mesmo com a relutância dela, sua boca se abriu recebendo a minha. Suas mãos encontraram caminho até meu cabelo, puxando, juntando e querendo mais perto e até mesmo querendo me empurrar para longe. Adria enfrentava suas próprias batalhas, assim como eu, mas o lobo sedento de saudade daquela boca, sedento de sentir seu corpo em minhas mãos pedia, exigia mais.

Agarro sua cintura, erguendo-a, suas pernas demoraram para se enrolar em minha cintura, meu corpo queimava em luxúria, meu pau reivindicava sua atenção, roçando na intimidade de Adria, fazendo-a derreter um pouco mais.

Por um momento, eu queria de forma tão ofuscante transar com ela, mostrar que ela pertencia a mim, queria fazer amor com ela, com tanto desejo que esqueceria todo resto. Mas a visão de vê-la amarrada quase sendo abusada por Deany vem com força em minha mente, agarro sua cintura, fazendo-a soltar as pernas, apoiando-a sobre os próprios pés. Meus dedos roçam sua pele macia, tocando seu rosto, feliz por não ter mais nenhuma marca do que sofreu.

Somente minha, de agora em diante. — Penso antes de interromper nosso beijo.

Ela ficou tensa, sinto. Não lutou ou questionou porque parei, não fez nada.

— Vamos para casa. — Digo calmamente, seu pulso acelera sob meus dedos, ao descer a mão sobre a sua, juntando-as. Ela não retirou a mão como esperei, muito pelo contrário, continuou com nossos dedos entrelaçados ao caminhar para longe do centro de Dingle.

***

Ainda lutava contra o sono, me revirando no pequeno sofá que Madeleine disponibilizou para que dormisse.

— É bom tê-lo aqui, menino.

Ergo a cabeça, segurando o riso ao ver Madeleine como me recordava na infância, os bobes no cabelo, o roupão apertado no meio da cintura e as meias altas nas panturrilhas.

— Por favor, Made, tente não tomar um tiro caso use aquela sua máscara de dormir!

Ela estreita os olhos me xingando em russo de nomes bem cabeludos a caminho de seu quarto. A porta do quarto onde Adria dormia estava entreaberta, se apurasse meus ouvidos poderia escutar ela se remexendo na cama, assim como sua respiração pesada.

Levanto do sofá, caminhando silenciosamente até a porta, espreitando por entre a fresta. Ela estava virada de costas para a porta, as cortinas abertas traziam a luz da lua até ela, assim como podíamos escutar o pequeno vai e vem da água batendo nas pedras.

Entro no quarto, amaldiçoando uma tábua que range ao meu peso; inferno de casa velha! E então, lá está, Adria me olhando diante da escuridão.

— Desculpe, só queria ver como estava.

— Não consigo dormir. Vem.

Seu pedido me petrifica, fico parado no lugar analisando se tinha ouvido direito.

— Vem. — Pede novamente.

Eu estava completamente e totalmente ferrado com essa mulher.

Entro debaixo das cobertas e as puxo até o queixo, a cama de solteiro não deixa muito espaço para mim, fazendo com que metade do meu corpo pendesse para fora. Ela se aninha de costas, respiro fundo sentindo o calor do seu corpo ondular até mim.

— Nem sequer pense nisso. — diz calmamente, em advertência.

— Não tenho controle sobre isso. — Rio contra seu pescoço, pensando nas coisas mais broxantes que poderia nesse momento.

Ela mesmo ri, se aconchegando melhor na cama. Sua respiração lentamente se torna profunda e seu corpo amolece contra o meu.


Estava tendo um sono sem sonhos, eram raros os momentos que eu tinha sonhos, nem mesmo pesadelos, mas algo mudou, a impotência selou meus braços, um peso enorme se fez em cima do meu tórax, uma mão fina agarrava meu pescoço, fincando as unhas em minha carne, mas foi o primeiro soco que realmente me acordou.

Adria tentava me estrangular com uma das mãos enquanto a outra desferia socos para todos os lados, os gritos de medo preenchiam o quarto. Viro de posição com dificuldade, jogando-a no colchão ao meu lado, vendo que ela estava dormindo. Era um pesadelo.

Seu corpo convulsionava, sofria espasmos e lutava contra algo ou alguém que lhe fazia mal. Na tentativa de acordá-la, balançando seu corpo enquanto chamava seu nome, balanço-a suavemente, mas ela firma ainda mais o aperto em minha garganta acertando um soco em meu nariz.

— Porra! — digo sentindo o líquido quente escorrer. — Adria! Pare! Pare!

A mulher tinha virado uma máquina de matar, estava realmente conseguindo me asfixiar e eu estava lutando em controlar minha força para que não a machucasse. Encaixo dois dedos atrás do osso de sua clavícula fazendo um pouco de força, o que faz com que ela recue e solte meu pescoço. Adria abre os olhos, desorientada e perdida. Dando uma olhada ao redor, percebendo que estava em cima de mim e o que tinha feito.

— Quanto tempo faz que realmente não dorme? — pergunto constatando o óbvio. Adria vinha tendo pesadelos, lógico que sua forma de os combater seria não dormir ou doutrinar seu corpo para que não entrasse no estágio mais profundo do sono, onde sua mente literalmente voava livre.

Deito seu corpo ao meu lado, firmando meu braço ao redor de sua cintura, sua cabeça descansa sobre meu ombro, assim como sua respiração vai aos poucos se acalmando.

— Mil desculpas, Kiran. — Ela cochicha, envergonhada.

— Não peça. Há quanto tempo você não dorme? — pego-a pelo queixo fazendo uns carinhos ali.

Ela faz um sinal de negativo com a cabeça, saindo de meus braços. — Não muito. Quero voltar.

Sento na cama ainda encarando seus olhos. — Adria, sabe que isso é como colocar um imenso alvo nas costas, certo? Matamos homens dele, somos uma ameaça ao seu império sujo.

— Eu tenho assuntos a resolver.

— Aquelas garotas estão perdidas, já disse isso. Deixe de ser teimosa! — Retruco irritado.

— Mesmo que eu salve aquelas meninas, mesmo que eu tire todas do poder dele, isso nunca acabará, ele sequestraria novas garotas, sempre teria uma nova Adria sofrendo nas mãos dele. — Adria respira fundo, olhando em meus olhos. — Eu quero vingança, eu preciso de vingança. E isso só será capaz se eu arrancar a cabeça da cobra, não adianta matar apenas os filhotes!

Eu sabia o que ela estava querendo dizer, Adria queria a cabeça de Czar na bandeja, sinceramente seria um plano inútil, em todos esses anos nunca vi um inimigo chegar sequer perto dele. Eu não estava disposto a perdê-la por um plano maluco.

— Vingança é um caminho sem volta. — Digo sério. — A partir do momento que você apertar o gatilho contra alguém, sua alma se perde, você não será mais a Adria, você não conseguirá viver com isso; conseguiria viver com sangue em suas mãos?

— Eu não sou a mesma e já tenho sangue em minhas mãos.

O silêncio domina por alguns segundos. Até que eu o quebro. — O que você planeja?

— Quero que o FBI saiba exatamente o que acontece ali, o que acontece com aquelas garotas, quero que cada galpão imundo seja invadido. Tenho uma pessoa de confiança e preciso da sua ajuda para isso.

— Você tem noção que se eu aparecer, se deixar de ser um fantasma serei o primeiro a ser preso? Adria, eu posso ser até humano com você, mas já fiz muitas coisas ruins, se você acha que tem sangue nas mãos... — Solto um pequeno riso irônico. — Eu tenho um passado, nada bonito, nada limpo ou moralmente aceito como o seu. Fui criado pelo demônio e por muitos anos segui seus passos.

— Não quero que seja preso, só preciso que envie pistas, pistas exatas de como eles podem chegar até eles, Baker irá saber que sou eu, ele saberá interpretar as pistas.

Respiro fundo, deitando na cama, colocando o braço sobre os olhos. Aquele plano era insano e poderia dar tudo errado, inclusive, eu perder Adria para sempre.

Sinto o colchão se mexer e o calor do seu corpo perto do meu, sinto que está chateada, provavelmente pensando que não aceitaria seu plano. O que essa ved’ma26 não sabe é que eu voltaria para o inferno por ela.

— Eu vou com você. Por raios, vamos executar esse plano maluco! — Sussurro na escuridão segurando a mão de Adria debaixo do cobertor.

— Como você... — disse no escuro, fazendo-me abrir os olhos, abandonando o sono.

— Como eu vivo com tudo isso? É difícil ver as coisas extremamente como erradas e certas, sei tudo que fiz de errado e cada alma que mandei para o inferno. Algumas mereciam estar ali, outras tenho marcas de arrependimento até hoje. No final, você aceita que não é mais como as pessoas que vê nas ruas, no fim, aceita que ultrapassou a linha tênue e sobrevive.

Ela se vira, de frente para mim no escuro. Eu podia ver o branco de seus olhos e o contorno de sua cabeça, mas não muito mais que isso. — Agora entendo porque todos te chamam de Lobo.

— Ele é uma parte de mim, um monstro que habita meu ser, o mesmo imã que há em mim, puxando-a para a escuridão é o mesmo que há em você e me puxa para uma parte mais luminosa.

— Quantos anos você tinha?

Apoio a cabeça em meu braço, a ponta de meus dedos correndo livres por seu braço, gostando do arrepio que sua pele apresentava. — Perto dos onze anos, Czar descobriu que abriguei um cachorro de rua, poucos dias depois o cachorro apareceu sem cabeça no meio do quintal.

— Que coisa horrível!

Sinto meus pensamentos distantes, passando por lugares e lembranças que há muitos anos não venho visitando. — Nesse dia tomei uma surra tão grande que levei um bom tempo para me recuperar. Mas ele já mostrava pequenos indícios do que queria para mim, durante a infância.

Sinto ela reprimir a respiração.

— No início eu queria provar para meu pai que não era um bastardo, queria que ele me visse como seu igual, não como um menino franzino que tirou das ruas, queria provar que era forte e uma vez que comecei a ser temido até mesmo por seus homens, homens mais velhos que eu, parecia um desperdício desistir.

— Deixe esse assunto para lá, moya devushka. — Sussurro perto do seu rosto.

— Garota! Você me chamou de “sua garota” aquele dia e agora. — Ela diz.

Sorrio em meio a escuridão. — Made andou ensinando algo a você!

Dou um beijo demorado em seus lábios, sentindo vontade de agarrar seu corpo... e mesmo que as mãos de Adria tenham novamente se embrenhado em meu cabelo, eu interrompo. Respirando fundo e agradecendo pelo milagre do autocontrole.

— Durma bem, moya devushka.


Não sabia em que momento as coisas tinham se invertido, em que momento Adria veio sedenta para cima de mim, segurando meu pescoço e enfiando a língua dentro de minha boca, para de forma veemente, acariciar e roçar seu corpo no meu, como se quisesse fazer fogo com o atrito que causava. Minhas mãos foram para suas nádegas, puxando uma de suas pernas para cima de meu quadril, fazendo um pequeno círculo com o quadril, roçando em sua intimidade, apenas cueca e calcinha nos separavam de um contato direto, mas nos esfregávamos como se tivéssemos um dentro do outro. Parecia mentira vivenciar isso depois de sair de um tornado repleto de abusos e agressões. Empurro meu corpo contra o dela, beijando seu pescoço, sugando seu queixo e sua língua. Pressionando o quadril na intimidade de Adria.

— Tem certeza? — pergunto ofegante.

Horas antes ela estava imersa em pesadelos, não queria... porém, assim como cortou meus pensamentos, Adria calou minha boca, puxando-me para ela, soltando sua feitiçaria sobre mim. Não me preocupei em tirar a calcinha dela, arranquei-a assim como fiz com minha cueca, passando meu pau por sua entrada úmida e sedenta, acomodando novamente uma de suas pernas em meu quadril fui penetrando Adria com calma, salivando para tê-la em minha boca, mas outro momento surgiria. Eu iria fazer amor com ela, mesmo que nada soubesse sobre isso. Adria gemeu baixinho mordendo meu ombro enquanto eu a penetrava, volta e meia encarava seu rosto, verificando se estava tudo bem. Controlando o lobo dentro de mim, sedento por mais, sedento por fodê-la.

Saboreio cada pequena investida que dei, aquela posição me dava acesso ilimitado de seu corpo, poderia apertar sua bunda conforme penetrava sua boceta ou chupar seus deliciosos seios, fazendo-a jogar a cabeça para trás de tesão.

Sentia seu órgão palpitar em torno de mim, fechando as paredes ao redor de meu pau. Adria abraçou meu corpo apertando a perna contra minhas nádegas, incentivando-me a continuar, os choques de carne contra carne, do excitado contra o excitado preenchiam o pequeno quarto.

— Adria...

Ela crava seus olhos em mim, puxando meu pescoço para um beijo, enroscando sua língua na minha. Adria beijou a tatuagem em meu peito, meus ombros, passando a língua por meu pescoço, completamente entregue a mim. Assim como eu estava disposto a entregar meu corpo em seu nome, minha vida a ela.

Ambos lutavam pelo orgasmo, sentia o dela brotando em seu interior como um redemoinho que levava tudo que estivesse pela frente. E na última e poderosa metida, levou ambos ao delírio; vê-la arquear a cabeça para trás fechando os olhos de prazer, foi o ponto máximo para me levar ao êxtase.

Sustentei seu corpo com força entre meus braços, fechando os olhos ao controlar a respiração. Talvez Adria pudesse se tornar minha última esperança de rendição.


41


Era estranho voltar, era como tentar juntar as peças erradas do quebra cabeça.

— Ficaremos bem aqui. — Kiran diz, dando um beijo casto em minha têmpora.

— Posso sentir cheiro de testosterona. — Brinco olhando para o pequeno apartamento totalmente masculino.

— Aqui foi por diversas vezes um grande refúgio, ninguém desconfiará que estamos aqui. Está segura.

— Meio estranho dizer isso, se tenho o plano de invadir a casa de seu pai. — Deixo minha voz morrer, sentindo que falei demais.

— Ei, não tem problema! Tudo bem. — Kiran diz, me abraçando por um momento. — Vou dar uma olhada pelo lugar e colocar essa mala em nosso quarto.

Confirmo sorrindo.

Nunca pensei que um dia eu me apaixonaria pelo lobo mau!

— Precisamos repassar o plano. — Digo sentando na cama após o jantar.

Kiran confirma, colocando a faca e a arma debaixo do travesseiro, já tinha me acostumado com isso, era algo que o fazia dormir tranquilo.

— Aqui estão as mensagens para você enviar junto com as pistas para o FBI e aqui o endereço de Baker. — Entrego um envelope pardo para ele.

— Tem certeza que isso funcionará? — questiona descrente.

— Sim, Baker irá assustar no primeiro instante, mas ele sabe que eu sou a única que sabe sobre essas coisas e a única que se atreveria a chamá-lo assim.

— Tudo bem.

Passo a mão pelo seu rosto atraindo seu olhar. Eu tinha planejado isso um milhão de vezes em minha mente, e em todas as respectivas falhas, sabia que não partiria apenas de Baker a decisão de seguir aquelas pistas, o FBI recebia milhares de pistas e ligações falsas, mas Baker daria um jeito para que isso se realizasse. Assim como sabia que seguindo meu plano, Kiran não ficaria nem perto da linha de tiro.

— E quanto ao Czar?

— Eu vou com você, não me importo que o mate, mas de maneira nenhuma deixarei que fique sem segurança. Como disse, a última coisa que ele desconfiaria é que alguém entraria em sua casa para tentar matá-lo.

— Acho que temos tudo pronto. Prometa que não fará nada imprudente? — pergunto puxando seu corpo para o meu.

Kiran se deitou, me levando com ele, fazendo pequenos carinhos em minhas costas e nuca. — Estarei sempre aqui, pelo tempo que desejar.

Estremeço em seus braços, beijando seu peitoral. Não conseguia mais viver um dia sem a presença de Kiran, por mais doido que isso fosse.

— Descanse, amanhã será um longo dia. — Diz desligando a luz do abajur, então se inclinando para mim, beijando minha têmpora. — Durma.


Na manhã seguinte demos início ao plano, acordei com Kiran movendo-se pelo quarto, o barulho de água caindo e logo depois ele surgindo com a toalha presa no quadril e o corpo úmido do banho recente. Ele não percebeu que já estava acordada, por isso deu um belo espetáculo mostrando sua bunda firme para mim ao se trocar.

O sorriso apareceu em seus lábios quando se virou e percebeu que o admirava. — Não deveríamos levantar?

— Acho que temos algum tempo.

Ele andou em direção à cama sem outra palavra, meus olhos seguindo cada passo que ele dava, o olhar de cima a baixo transparecia a fera incrustada em si, seu olhar tinha fome. Kiran me puxou para baixo e me beijou, suas mãos acariciando levemente minhas costas, fazendo a pressão entre minhas pernas aumentar gradativamente.

Sua boca se fechou ao redor de meu mamilo, a blusa que havia me emprestado na noite anterior estava enrolada entre meu pescoço e meus seios. Mordiscando e lambendo, antes de passar para o outro e esbanjar a mesma intensidade. Meu pulso estava acelerado, Kiran continuou sua pequena demonstração de um bom dia, lambendo uma trilha até meu umbigo. Sabia pelas pequenas paradas e as olhadas repentinas que ele me dava, que estava verificando como eu estava. Ele ainda me acalentava algumas noites quando os pesadelos tomavam minha mente, assim como me ensinava a doutrinar minha mente para evitá-los.

Agarro um punhado de cabelo, incentivando-o. Com um sorriso malicioso, Kiran move-se entre minhas pernas, empurrando suas mãos abaixo de minhas nádegas e então pressiona a boca em minha carne aquecida. Mordo os lábios gemendo baixinho, erguendo meu quadril contra sua boca. Ele mergulha ainda mais sua língua na minha abertura, desenhando círculos suaves com a ponta da língua, beijando meu clitóris de maneira gentil, enviando espasmos pelo meu corpo. Sua língua deslizou pela minha coxa, mordendo levemente. Os dedos de Kiran se moveram de dentro para fora em um ritmo deliciosamente lento, já não conseguia imaginar maneira de ficar mais excitada e molhada do que estava agora, meu quadril ia ao seu encontro, o que fazia ele ir mais fundo em mim.

— Você quer que eu pare? — ele lambeu minha coxa, sorrindo como um animal encontrando meu olhar.

— QUE PERGUNTA ESTÚPIDA! — gritei em meio ao gemido longo que escapou de mim.

A gargalhada rouca e quente contra minha intimidade me fez puxá-lo para cima, sentindo seu pênis escorregar entre os lábios vaginais, esfregando-se em meu clitóris. Seus olhos pareciam me perfurar, tentando revelar os seus mais profundos e sombrios segredos. Escorregando polegada por polegada para dentro de mim, sua boca reivindicou a minha, tomando posse quando finalmente se enterrou por completo dentro de mim. Seu pênis entrava de maneira dura e profunda, enquanto ele sussurrava coisas em russo em meu ouvido, me fazendo gemer. Nossos olhares se encontraram novamente e eu sabia que por mais insano e errado que isso pudesse parecer, dificilmente conseguiria fugir do que estava sentindo, e isso até me apavorava, meu coração batia forte dentro do peito, assim como minha respiração estava irregular.

— Estou feliz que você seja minha. — Sussurrou beijando meu ombro.

O pesadelo vivido se tornou nossa casa, se tornou um lugar nosso, entrelaçando nossas realidades fodidamente instáveis.

Nós nos apaixonamos. No mais improvável dos momentos, nos amamos em meio ao caos.

***

— Adria?

Paro de encarar a pequena entrada, olhando para os olhos de Kiran no escuro do carro.

— Eu tenho certeza. — Digo confiante, sentindo a onda de raiva me inundar, sentindo a vingança cegar meus olhos.

Kiran confirma em silêncio, entregando-me minha faca e uma arma.

— Como conseguiu? — pergunto admirando confusa a faca de meu pai.

Ele dá de ombros. — Tenho meus métodos, o que você disse sobre aquele Baker estava correto, ele passou o dia comovendo o FBI a seguir a primeira pista.

— Eles invadiram? — pergunto virando-me no banco.

— Ainda não, mas colocaram alguns agentes no local.

— Vigilância.

— É.

— Kiran? — chamo-o, trazendo sua atenção para mim. — Você não precisa entrar... sei que ele é seu pai ou pelo menos criou você como se fosse...

Ele segura minha mão, levando até seus lábios, dando um beijo. — Sou órfão, lyubov’27. Czar tem apenas um homem com ele, como disse, é presunçoso e sabe que ninguém o desafiaria no território dele. Conheço o capanga, ele dá voltas na propriedade a cada dez minutos, quando tiver no jardim da frente eu o pego. Assim teremos acesso livre à casa.

Concordo, voltando minha atenção para a entrada da casa.

Kiran travou sua arma colocando-a na cintura, segurando firmemente sua faca. Ao caminhar silenciosamente até a entrada da casa, nos escondendo e esperando o melhor momento, pude notar que o homem em minha frente não era mais o Kiran amoroso que vinha convivendo, ele era seu alter ego, Lobo, frio e impiedoso, a expressão da própria morte.

Quando dei por mim a ação toda já tinha acontecido, como se eu tivesse numa espécie de câmera lenta. O homem fez a pequena curva no jardim, dando de cara com Kiran, ele mal teve tempo de puxar a arma de seu coldre, Kiran jogou o homem maior que ele contra a parede, esmagando sua jugular cravando a lâmina abaixo de seu queixo, perfurando o cérebro. Engasgo, pressionando meu corpo contra a parede, meus olhos correndo da faca para o rosto do capanga. Kiran arrasta o corpo em direção ao chão, escondendo atrás de uma moita, deixando a faca ainda cravada no homem para que o sangue não jorrasse.

— Você está bem? — perguntou virando-se para mim.

— Sim. — Murmuro.

Ele conferiu as próprias mãos antes de puxar meu rosto em sua direção. — Se for pesado... merda Adria, eu avisei sobre isso!

— Eu estou bem, tá legal. Só foi rápido demais. Vamos em frente.

Ele confirma dando um leve selinho em minha boca.

Kiran andou em direção ao corpo, puxando lentamente a faca para fora, e então saiu do caminho antes que o sangue pudesse espirrar em si. O mesmo não poderia dizer do jardim e do capanga, que logo ficaram encharcados de sangue.

— Fique escondida aqui, vou me certificar que não tem ninguém.

Kiran não espera pela minha confirmação desaparece dentro da casa, os segundos vão se passando e a preocupação pinta meus pensamentos. O que me faz respirar aliviada é vê-lo sair e vir até mim.

— Tudo limpo, ele está na sala de jantar, é nos fundos, apenas siga o corredor, tem certeza que não quer que eu faça?

— Sim.

Entro na casa, olhando tudo ao meu redor, Czar não poupava o dinheiro que ganhava de maneira suja, sua casa era devidamente decorada, móveis de aparência cara enfeitavam a sala de estar, assim como quadros faziam o corredor parecer um pequeno vislumbre de um museu. Tiro a arma da cintura destravando-a, minhas mãos tremem ao segurá-la, respiro fundo antes de entrar na sala da qual Kiran tinha falado, a mesa estava exposta com um verdadeiro banquete, as cadeiras altas e luxuosas em volta e na cabeceira da mesa, o Czar.

— Nem tente pegar uma arma. — Digo de maneira fria, apontando a arma para seu rosto.

Ele sorri, abaixa o jornal que estava lendo, deixando ao lado do prato.

— Vejo que meu bichinho finalmente chegou. Você demorou, mas estava esperando que viesse com aquele traidor.

— Cala a boca! — Grito dando um passo em sua direção, olho pela sala vendo se está armado, mas como Kiran alertou, ele era presunçoso demais e confiante demais que isso pudesse acontecer.

— Me diz, como deseja que fique, quer uma pose especial para guardar na mente? Aposto que essa é sua primeira morte por vingança. — Ele gargalha alto fazendo os pelos de meu braço se arrepiarem. — Sim, você é tão tediosamente certinha que nunca deve ter nem usado uma munição da arma do governo. Me diga, você já matou, bichinho?

— Eu disse para calar a boca!

Tento controlar o leve tremor que persiste em minha mão.

Ele se inclinou para trás, juntando as mãos sobre a mesa. — Suas mãos estão tremendo. Primeira regra, nunca deixe seus inimigos verem seu medo. E confesso Adria, seu medo fede, fede deliciosamente. É o combustível para seus inimigos.

Miro em sua coxa esquerda e atiro, sinto o tranco da arma e a respiração acelerar. — Eu disse para você calar a maldita boca! Você sabe o que irá acontecer, sabe que é seu maldito fim, vou libertar cada menina que você ousou abusar, vou estourar os miolos de cada maldito homem que tenha sob seu poder.

Ele não demonstra dor, mesmo que sua calça bege já tenha uma imensa mancha vermelha, assim como sua cadeira que junta o sangue que escorre de sua perna ou se importa com os pequenos pingos que caem em seu piso de mármore.

— Você não fará nada disso, você não é capaz. Pode até me matar, mas meu rosto irá perturbá-la durante a noite, minha voz dizendo o quanto é fraca assombrará seus ouvidos no meio da madrugada. Kiran não lhe contou como foi a primeira vez que o fiz cortar a garganta de um homem? — ele dá outra gargalhada. — Óbvio que não, passou mais de um mês choramingando durante as noites, gritando por perdão, aquele fraco. Ele já ensinou a doutrinar sua mente?

Engulo em seco.

— Pelo visto sim, anda tendo muitos pesadelos, Adria?

Caminho furiosa até ele, parando perto do seu rosto. O ódio me cegava, um apito soava constante em meus ouvidos, assim como sentia minha respiração falhar dentro do peito. — Realmente, eu poderia arrancar membro por membro para descontar o que você fez, mas não sou assim, não sou um monstro como você.

— Aí está enganada, vejo o monstro bem aí dentro de você. Obman28! — diz desviando os olhos e então atiro, o estampido me faz fechar os olhos, sinto seu sangue atingir meu rosto, meu corpo, espirrando sangue e parte de Czar na parede e chão.

Sinto uma movimentação atrás de mim, viro apontando a arma.

Kiran para com os braços erguidos, dividindo sua atenção entre mim e o resto da sala. — Temos que parar com esse negócio de você apontar uma arma para mim.

— Desculpe. — Sussurro abaixando a arma, tremendo de maneira descontrolada.

— Calma, acabou. Venha, lyubov’. — Kiran me ampara encarando os restos de seu pai.

— Ele disse algo...

— Decepção, era para mim. Esqueça isso. Vamos embora daqui.


KIRAN


Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead

- Bohemian Rhapsody


Adria estava deitada em meus braços, meu corpo pressionado contra suas costas, acalentando seu sono, interrompendo os pesadelos antes deles começarem a ganhar força dentro de si.

— Um dia você conseguirá esquecer isso, estará num lugar tão distante em sua mente, que nada lhe trará eles de volta, eu vou fazer isso sumir, nem mesmo que seja a missão pro resto dos meus dias. — Sussurro dando um beijo em sua cabeça.

Aperto meus braços ao seu redor. Giro uma mecha do seu cabelo em torno do dedo, vendo a noite cair. Quando tive certeza que ela estava dormindo tranquilamente, saio da cama, me vestindo novamente. Eu ainda não tinha completado o que vim fazer aqui. Escrevo um bilhete simples, deixando ao seu lado na cama, dizendo que voltaria em breve, pego meu antigo casaco com capuz e saio.

Foi fácil achar o endereço dele, era quase um insulto às minhas habilidades, o trabalho que o FBI fez para escondê-lo. Deixo o carro parado longe de sua casa, a rua ainda estava escura, não devia ser nem cinco da madrugada. Caminho lentamente com as mãos no bolso, subindo os degraus de entrada, terminando de colocar as luvas de couro.

A casa estava um completo caos, pratos espalhados por todos os lugares, assim como garrafas vazias de cerveja. Luigi dormia bêbado no sofá, era até ridículo querer matar um cara desses.

Vou até a sala de jantar, procurando naquela bagunça uma folha de papel e uma caneta, sento em uma das cadeiras escrevendo um bilhete, é fácil imitar a letra que vejo em alguns papéis espalhados, poderia facilmente alegar que pelo alto nível de álcool, ele não estava em seus plenos poderes.

Deixo o bilhete e uma das garrafas de cerveja sobre ele, vou até o quarto sentindo cheiro de podre, procuro no armário sua arma, acabando por encontrá-la debaixo da cama.

Meu Deus, estava quase desistindo, um dia o cara se mataria sozinho.

Sento em uma das cadeiras, ligando a TV no volume máximo, fazendo Luigi se erguer assustado no sofá, olhando em volta e então me vê. Seu primeiro instinto é fugir. É procurar a arma que balanço em minha mão. Seus olhos arregalados demonstram seu pânico.

— Não tente correr. Sabemos que eu iriar te pegar. Sente-se e escute o que tenho para falar.

Ele fica congelado no lugar, mas vem lentamente até a cadeira em minha frente, seus olhos recaem sobre o papel em sua frente.

— Pelo visto já deve ter uma ideia do que eu vim fazer aqui, agente Wenth.

Ele balança a cabeça, gesticula com as mãos.

— Ah, claro. Arrancaram sua língua. Na verdade, é um milagre ainda estar vivo, achei que eles iriam ser mais cruéis com você. Mas não tem problema, ainda tem dois ouvidos, eu falo e você escuta, que tal? — questiono.

Ele balança a cabeça, encarando meus olhos, sinto o pânico se esvair em suas respirações.

— Durante minha vida já vi muitos ratos, Luigi, posso te chamar assim, né? Deixa as coisas mais informais. — Continuo meu monólogo. — Mas devo confessar que nunca vi um tão traiçoeiro como você. Eu sou muito bom em escrever cartas, sabia? — Luigi não esboça nada. — Sim, na época escolar ganhava boas notas. E esta, em particular, foi feita para você.

Luigi volta a encarar a carta, olhando assustado para mim, negando com a cabeça.

— Sim, apesar de ter conseguido se livrar, de ganhar medalhas e parabenizações que não deveriam ser suas, isso não é uma vida. Olhe para isso? É assim que irá passar o resto dos seus fodidos dias? — digo apontando para o ambiente. — Por isso, você escreveu essa carta, está tão desgostoso com sua vida, tão culpado por ter deixado sua parceira morrer, por ser um grande delator filho da puta, que nada mais justo que se matar.

Ele fica inquieto na cadeira faz até menção de levantar, mas aponto sua arma para ele, fazendo-o permanecer sentado.

— Eu posso fazer isso, e farei se for um covarde, mas aí, não será algo limpo, posso até errar o tiro sem querer e você sentir mais dor. Seria péssimo. Portanto, você tem sua arma e uma munição.

Deslizo a arma pela mesa, com os olhos fixos nele. — Nem tente apontá-la para mim, nós dois sabemos que errará o tiro e vai me fazer amarrá-lo pelo pé do lado de fora do meu carro e arrastá-lo pela cidade.

Luigi pega a arma tremendo, vejo seu medo, seu receio e sua covardia.

— Luigi, meu camarada, eu tenho que ir, logo estará amanhecendo e tenho outra visitinha para fazer. — levanto indo até ele, enfiando o cano da arma em sua boca. — Pronto, agora atire.

Respiro fundo vendo que aquele merda nem para isso serve, puxo minha arma da cintura destravando-a. — Eu ou você? — pergunto.

A lágrima escorre dos olhos dele, e então o estampido seco do tiro ressoa em meus ouvidos, a cabeça dele cai para frente, manchando o papel com seu sangue, enquanto eu saio fechando a porta atrás de mim.


Seguindo os pedidos de Adria entrego a última pista na casa de Baker, espero sentado no carro, a certa distância, vendo-o abrir a pequena caixa do correio e encontrar o último envelope, assim como Adria havia me pedido; ali estava a localização exata dos dois armazéns e de tudo para destruírem de uma vez por todas com todo o império de Czar. E não fico surpreso quando duas horas depois eles estão onde as pistas levavam, retirando as garotas dali, e prendendo os homens que ali estavam, foi uma missão limpa, assim como Adria disse que seria. Estava chegando a hora de encontrá-la, e eu não poderia dizer o quanto estava apreensivo com isso. Não sabia se ela seguiria comigo ou se voltaria para sua vida, agora que tudo que a atormentava tinha acabado. Mesmo Adria me levando um pouco para sua luz, ali não era meu lugar, eu sempre ficaria na área cinzenta, poderia transitar na luz, mas não era como eles. Será que ela aceitaria ficar comigo?


43


Coloco uma rosa branca sobre a lápide de meus pais e outra sobre a minha. Era irônico ver sua lápide, com o dia de uma morte que não ocorreu, graças ao Kiran.

“A estrada é longa, nós seguimos adiante, tente se divertir nesse meio tempo. – Adria Hamer, destemida e amada por todos”

— Algo me disse que se não colocasse isso, alguém me atormentaria após a morte.

Sorrio ao escutar sua voz, viro correndo para ele, abraçando seu corpo com força.

— “A princesa que não precisa ser salva está te esperando!”. Sério mesmo? Você sabe que eu tenho idade, eu posso morrer! — Baker diz afastando-se por um instante, olhando meu rosto ao sorrir. — Nunca mais faça nada parecido na vida! — acrescenta, me puxando novamente para seu abraço.

— Eu sinto muito.

— Prendemos todos, recuperamos as garotas, literalmente explodimos aqueles lugares.

— Eu sei, você foi fantástico, acredito que o FBI mereça um novo diretor.

— Também encobrimos o que aconteceu com Czar Baryshnikov, e não sei se soube... Luigi se matou, foi durante a madrugada, deixou um bilhete dizendo que não estava aguentando a culpa, até os filhos da puta podem sentir algo, pelo visto.

— Achei que ele tinha sido morto pelos homens de Czar. — Comento surpresa.

— Não, ele foi encontrado na beira da estrada, quando chegamos no hospital estava em alto nível de desidratação e tinham cortado sua língua.

— Cristo!

— Enfim, que descanse em paz.

— Pare de me encarar como um presente de natal, velho. — Digo brincando.

Ele sorri me puxando novamente para seu abraço. — Quando deseja voltar? Eu posso colocar suas coisas hoje mesmo em seu apartamento, podemos destruir essa lápide, é mórbido olhá-la tendo você em minha frente viva e bem.

Sinto minha garganta se fechar, eu amava Baker como meu pai, mas isso não era mais para mim. — Eu não vou voltar.

Sua expressão de surpresa o faz se afastar. — Como assim, Adria? Acabou, você está segura... tem mais alguém te ameaçando?

— Não, não. Estou segura, mas aquela Adria não existe mais Baker, não posso voltar para essa sociedade fodida fingindo que por aí não tem outros como eles espalhados, outras garotas sofrendo, abri meus olhos para algo além de tudo que fomos treinados a ver. Aquela Adria não existe mais. — Digo apontando para a descrição em nossa frente.

— E o que fará? Como... — questiona surpreso.

— Vou seguir, em frente.

Ficamos apenas alguns segundos nos encarando em silêncio.

— Pelo menos manda notícias? — pergunta

— Sempre. — Digo, mas minha atenção está longe, basicamente algumas lápides de distância, vestido de preto da cabeça aos pés, me encarando com o olhar animal o qual eu aprendi a amar.

Baker se vira, notando que não estamos mais sozinhos. — Vou sentir saudades.

— Eu também. — Digo abafado em seu ombro. — Cuide-se.

— Você também, menina atrevida. — diz antes de se afastar, ao passar por Kiran eles se cumprimentam com um pequeno aceno.

Kiran mantém seus olhos colados nos meus, fazendo meu corpo tremer com a ansiedade de ter suas mãos em mim.

Havia um lado mau em Kiran, um lado que mataria num estalar de dedos, mas eu vim a perceber que havia em mim também. Talvez não tanto, mas estava lá, adormecido. Em todos nós. Tinha ficado por tempo demais com a venda sobre meus olhos, mas ela foi arrancada, mostrando o quão cruel e imundo o mundo pode ser.

Sim, eu amava o seu lado mau e seu lado bom. Nunca poderia sobrepor o passado de Kiran, como ele não poderia apagar tudo que passei, mas eu construiria um futuro. Mesmo se não pudesse estar feliz com todos os aspectos do mundo.

Eu era do Lobo e ele era meu.

— Gotov vzyat’ to, chto tvoye? — digo em um russo enrolado. — Pronto para pegar o que é seu?

Kiran sorriu caminhando até mim, me pegando em seus braços e beijando minha boca.

— Mais que pronto.

28


Encolhi-me e abri os olhos. Mesmo com minha reação, ele não recuou, apenas sorriu e terminou de atar meus punhos. Não sei se por seu rosto ser tatuado com uma enorme caveira fizesse com que eu ficasse dez mil vezes mais gelada quando ele sorria ou se era a promessa velada que tinha em seu rosto.

— Você está com medo de mim, não está? — perguntou baixinho, ainda mantendo-me prisioneira entre suas pernas. — Posso sentir seu corpo tremer, finalmente sua fachada de forte se rompeu. — Acrescentou rindo.

Eu queria negar, queria lutar com todas as forças que me restavam, mas eu estava com medo e tremendo. — Por favor. — Pela primeira vez eu implorei, implorei para que o diabo tivesse misericórdia de mim.

Ele pegou uma corda terminando de amarrar meus punhos na barra de ferro da cama, fazendo o pânico se erguer sobre meu peito. O sangue fugiu do meu rosto.

Deany saiu de cima de mim me levando junto com ele, de modo que eu ficasse curvada sobre a cama, colocou na beirada da cama uma faca afiada, assim como sua camisa.

Com um puxão desceu minha calça e minha calcinha, expondo meu corpo da cintura para baixo.

— Nada de mijar dessa vez.

Fiquei imóvel, calculando todas as opções de me livrar daquilo, mas ele foi esperto, aproveitou a dosagem do remédio para me pegar desprevenida e com o organismo inundado de drogas para me tornar uma presa fácil.

— Deixe-me em paz! — Grito.

Deany pega a faca colocando-a firme sobre meu pescoço, podia sentir a lâmina afiada perfurar minimamente minha jugular.

— Quietinha, senão, além de foder você, vou dar sua cabeça para os coiotes que moram aqui perto!

Meu instinto de autopreservação me ordenava a fazer algo, agir, mesmo que em vão. Não havia para onde fugir, ele me pegaria de qualquer forma, não seria por um grito que eu seria salva das mãos dele. Portanto, só fiquei parada, algumas lágrimas quentes escorreram pelo meu rosto.

— Não é uma punição, só um desejo. — Ele sussurrou ao meu ouvido.

Escuto-o abrir o zíper da calça, assim como o barulho dela caindo no chão. Suas mãos entre minhas pernas, o fato dele me acariciar foi me dando pequenas vertigens, assim como intensificando as lágrimas a escorrerem por meu rosto. Sua mão áspera e nojenta esfregando meu clitóris, enquanto enfiava um dedo dentro de mim.

Detestei ter me tornado fraca, ter me rendido a ele. A cada investida bruta com os dedos a faca forçava mais em minha garganta. Gemi de dor, arqueando meu corpo para trás, na tentativa mais inútil de fazê-lo ir para longe.

O tapa veio certeiro, me fazendo virar o rosto tamanha força.

— Eu avisei, putinha! Você tem que ficar calada!

Ele me segurou pelos cabelos, forçando a ficar de pé direito, sua língua passou pelo meu pescoço, indo até o alto de minha bochecha, me causando náuseas.

— Por favor, não! — Grito novamente.

— Shiuu, quietinha! — murmura, acariciando a curva de minhas nádegas. — Você não vai gostar, mas eu vou gozar como um louco! — diz rindo alto.

Senti algo forçando a entrada, fiquei tensa, contraindo todos os músculos, mas a pressão que ele fazia, somado ao da faca fincada em meu pescoço era demais para resistir e a coisa começou a me penetrar.

O grito alto rasgou minha garganta, assim como a lâmina da faca fincou um pouco mais. Por um instante ele parou de tentar me penetrar para socar meu rosto, me deixando tonta, meio caída no chão, não fosse os punhos presos no ferro lateral da cama.

Eu não era uma pessoa violenta, mas lá estava, acredito que ao ser colocada diante de tantas coisas perversas, tinha me corrompido, mesmo tonta e com poucas forças restando, agarrei um punhado generoso de cabelo batendo a cabeça dele contra a barra de ferro, consegui fazer por duas vezes, antes dele se levantar contendo o sangue que saía da pequena ferida em seu crânio e me chutar.

— Sua vadia idiota! — gritou vindo novamente para cima.

Tateei o chão com os pés, tentando pegar a faca que tinha voado para baixo da cama durante nossa pequena luta, meu corpo tremia, estiquei o máximo que consegui, arrastando a faca para perto.

Deany gargalhou quando percebeu o esforço que fazia, empurrando minhas pernas para longe, recuperando sua faca. Ele girava a lâmina entre os dedos, olhando de maneira diabólica para mim. — ERA ISSO QUE QUERIA? — Gritou.

Recuei até onde as malditas cordas em meus pulsos permitiam, com lágrimas de dor e frustração queimando-me os olhos. Não sabia o que ele faria comigo e não queria descobrir.

Uma agente especial, indicada para ser da Swat. Como tinha acabado assim?

“Você se importa, o problema de não pensar em você me faz temer como será quando se infiltrar” — quase sorri ao escutar a voz de Baker em meus pensamentos.

Escuto a porta se abrir com violência, mas me sinto tão pesada, meu corpo está tão pesado que parece que todos estão em câmera lenta; vejo Deany ser arremessado para o lado, batendo contra a parede oposta.

— Que porra é essa? — Uma voz grave me faz tremer.

Ergo o olhar, encarando meu possível salvador, ele era inconfundível. Kiran... naquele momento de confusão total entre manter meus pensamentos confusos indo por uma só direção eu senti vontade de sorrir. Os olhos dele também se cravaram sobre mim, tempo o suficiente para que Deany se levantasse pronto para lutar. Eu queria gritar, avisá-lo para agir ou fugir, mas não encontrava minha voz.

O barulho do tiro fez com que eu abrisse meus olhos, procurando por sangue, em mim, em Kiran, mas ao vê-lo com a arma nas mãos e Deany cair no chão, não sinto o mesmo alívio de antes.

Um dos homens tenta me erguer enquanto presto atenção ao que o outro dizia:

— Porra, Lobo!

Lobo?

“Ele é imperdoável, todos o temem, mas para nós, ele é uma espécie de protetor. Ele não deixa, na maior parte do tempo, que os outros nos inflijam mal” — a voz de uma das garotas vem com força em minha mente.

Imagens do dia que entrei na Penlin e vi pela primeira vez o tal de Lobo entrando por uma passagem entre os espelhos, aquela sensação de conhecer os músculos que delineavam o casaco... Encaro meu suposto salvador, percebendo que ele na verdade era meu demônio, o demônio por quem meu corpo sentia arrepios de prazer. Já não tinha mais motivações, nem que mínimas para ter força, não existia uma maneira de sair dali, nem mesmo de salvar aquelas garotas.


KIRAN


Martin e Try pararam ao meu lado do outro lado do corredor, enquanto eu respirava fundo, contendo o ímpeto de voltar naquela sala e terminar o serviço.

— Porra, Lobo! O que aconteceu? — Martin questiona passando a mão pelo cabelo, a expressão assustada ainda estava presente em seu rosto.

— Parem de reclamar, me falem sobre a garota do Sebastian.

Martin e Try trocam um olhar entre eles, mas rapidamente despejam tudo que já tinham me falado.

— A garota esteve aqui uma noite, arranjou problema com um dos nossos clientes, é valentona. — Try diz.

— Não foi uma surpresa que continuasse firme nos primeiros dias, mas durante meses? Isso é a primeira vez que vejo. — Martin retruca.

— Ela ficou sem comida e água nos primeiros dias, Deany tentou... bem você sabe, ele aterrorizou a garota, tanto que fez a coitada se urinar.

— Proklyatty! — sussurro, chamando Deany de maldito. — O que mais ocorreu enquanto estive fora?

— Ela violou nossa permissão, Erika e ela foram pegas dividindo a comida, Erika foi mandada para três dias na solitária enquanto ela levou uma surra, inclusive do próprio Sebastian.

— Outro que não me cheira bem.

— Ele anda dentro da linha, mas não confio. — Try confessou.

“Me deixe em paz” — o grito ecoou fraco pelo corredor, chamando nossa atenção.

— Merda! — Try exclama tirando a arma do coldre.

— Guarda a porra da arma, Try, não quero cuidar mais de nenhuma merda! — Martin resmunga.

— Que porra está acontecendo aqui hoje? — digo enfurecido.

“Por favor, não!”

Algo naquela voz feminina fez os pelos de meu braço se arrepiarem. Minha respiração aumentar e eu andar a passos largos pelo corredor.

— Está vindo da sala médica. — Escuto Martin dizer.

— Puta que pariu!

Entre o andar apressado pelo corredor, escuto barulhos de coisas caindo, mas isso não é tão atrativo e nem faz meu corpo inteiro entrar em alerta como aquela voz... aquela voz, o tom... Mal percebo que saio correndo em direção à porta, literalmente arrombando-a com o ombro.

Meu sangue gelou e a raiva tomou conta de todo meu corpo, me sentia desesperado para saber que não era tarde demais, para que ainda houvesse vida dentro de seu corpo. O monstro em meu peito estava enlouquecido, com sangue nos olhos.

Como ela havia chegado nesse ponto? Milhares de perguntar rondavam meu cérebro em busca de respostas, mas eu só podia pensar em sangue, eu queria sangue. O demônio dentro de mim sorriu aparecendo no foco de luz, afiando suas facas.

Jogo Deany para longe, fazendo-o bater contra parede, fixando meus olhos realmente em seu corpo jogado no chão, os punhos amarrados na barra lateral da cama hospitalar; vejo um alívio anuviar sua visão e sei que é o pior sentimento que uma pessoa poderia sentir ao me encarar.

— Vejo que veio novamente estragar minha diversão. — Deany sorri como o verdadeiro psicopata que era, levantando-se e olhando de mim para os dois homens parados na porta.

— Lobo, não! — Try fez um pequeno alerta, mas a parte racional do meu corpo estava longe para ouvir qualquer coisa.

Não desvio os olhos dos de Adria, saco a arma da cintura, miro e atiro no joelho de Deany, fazendo aquele verme cair no chão gritando e xingando.

— Porra, Lobo!

Vou até Deany agarrando-o pela gola da camisa, socando seu rosto repetidas vezes, a cada soco que dou sua cabeça se curva para trás, espero que ele erga novamente para socar novamente, sentindo prazer em fazer o sorriso sumir de sua boca, prazer em sentir o sangue assim como alguns de seus dentes pulando para fora.

Martin e Try voam sobre mim, tentando me arrancar de cima dele, e mesmo sendo dois dos homens mais fortes e cruéis de Czar, nenhum consegue me tirar de cima de Deany, quando a cena dele tentando abusar de Adria, da minha... está tão fresca em minha mente, não quando presenciei seu rosto repleto de ferimentos e seu corpo nu e exposto. Arrastando Deany para fora dali, jogando seu corpo no meio do galpão, os dois homens me seguem tentando impedir que o mate. Ele tenta lutar, mas isso só alimenta ainda mais a fera dentro de mim.

— Se alguém tentar me segurar eu juro que mato junto com ele! Cuidem dela, chamem a Netlen! — Digo ao ver que Martin e Try fazem menção de vir até mim.

Busco pelos bolsos de Deany, esse filho da puta sempre andava com um soco inglês, ele adorava aterrorizar as garotas com isso. — Vejamos quantos socos você aguenta. — Digo empunhando o soco inglês.

— Tudo isso por causa daquela puta? Não sabia que queria ser o primeiro, pelo tamanho daquela bunda, virgem não é mais!

Desço o braço socando pelo menos umas quatro vezes seu rosto. Minha mão se manchava com seu sangue, mas eu queria mais, enquanto o sorriso débil não sumisse daquele rosto eu não pararia. Deany iria aprender a não ser a porra de um psicopata, e nunca mais mexer com algo que era meu!

Seu rosto estava desfigurado quando parei, joguei o objeto fora, girando minha faca entre os dedos. — Você gosta também de ameaçá-las com suas facas, não é mesmo?

— Defendendo putas? — vociferou.

Aquele filho da puta ainda tinha forças para me desafiar!

Finco minha faca no meio de sua mão, o grito ecoou pelo espaço. Retiro a faca, segurando sua mão esquerda no lugar, só para descer a lâmina afiada e faminta de minha faca pelas três falanges de sua mão, arrancando um naco dos seus dedos fora.

— Você é um verme, vou cortar sua cabeça e pendurá-la na parede!

Sinto várias mãos puxando meu corpo para trás, para sair de cima de Deany, escutava alguns deles tentando me acalmar ou tentar arrancar a faca de minhas mãos. Aquilo só me incentivou mais, eu queria fincar minha faca no olho, arrancando seu globo ocular fora, mas de alguma maneira os outros homens de Czar conseguiram me puxar para longe, mas não tão rápido que eu não pudesse pisar com toda minha ira e força em cima do seu pau. Deany tombou para trás gritando, me deixando satisfeito ao ver sangue e outro tipo de líquido manchar sua calça de alfaiataria barata.

— Lobo?

Arregacei as mangas da camisa sujas de sangue, desviando o olhar do verme desmaiado em minha frente.

— Preciso de outra camisa.

Martin confirma, saindo por alguns minutos da cena, logo voltando com uma camisa de linho.

— Onde ela está?

Os homens ao meu redor estavam calados, muitos ainda olhavam para Deany deitado no chão, desmaiado devido a dor forte por seus escrotos terem rompido devido ao meu pisão. Nunca dei muita importância para Lei de Talião, mas hoje o “olho por olho” foi satisfatório.

— Netlen está com ela.

Concordo, saindo de lá, seguindo para a sala que utilizávamos para cuidados médicos, ficando até receoso ao aparecer no vão da porta.

— Netlen. — Minha voz estava enganadoramente suave e meu rosto sem expressão. Mesmo que ainda sentisse as enormes ondas de fúria queimando silenciosamente dentro de mim. Podia sentir o lobo inquieto e sedento dando voltas à procura de mais; senti o gosto amargo na boca e pela primeira vez o medo de ver Adria inserida em meu mundo.

O lobo dentro de mim se sentou, sob controle ou talvez rendido por sentimentos que eu não sabia descrevê-los.

— Netlen, nos deixe a sós.

Adria olhava fixamente para mim, faço o mesmo, não tirando meus olhos dela nem quando Netlen passa em minha frente tampando por alguns segundos minha visão, nem mesmo quando ela institivamente recuou, tentando ter um espaço maior entre nós. Caminho devagar, indo até um pequeno armário de medicamentos, retiro um kit de primeiros socorros, voltando para ela.

Seu pescoço tem um pequeno corte, o sangue ali já está seco. Sento na ponta da cama, tudo com muita cautela, mesmo sentindo sua recusa sei que ela não está em seu melhor momento. Estico o braço para passar o remédio na ferida, mas ela se afasta assustada.

— Calma, me deixa cuidar de você.

Seus olhos vão dos meus para minhas mãos. Passo levemente o algodão pela ferida, tirando o sangue, vendo que foi apenas um corte simples, nem precisaria de pontos. Faço o curativo, tudo com calma, deixando que ela veja cada pequeno movimento que faço, me amaldiçoando por cada tremor que seu corpo tenha ao meu toque.

— Adria, o que você está fazendo aqui?

Seus olhos se arregalam. — Sai de perto de mim, sai! — grita amedrontada.

— Acredito que mereço um obrigado por ter salvado sua pele. — Digo.

Ela faz menção de sair da cama, pronta para correr, mas sou mais ágil, seguro seu corpo apertando firmemente contra o meu, de maneira que sua pequena luta em vão não a machuque ainda mais. Ela grita e se contorce em meus braços. Quanto mais lutava, mais fechava meus braços ao seu redor.

— Pare com isso, Adria... sou eu! — Digo dando um pequeno tranco, juntando seu peito contra meu abdômen.

— Solte-me, por favor! Solte-me! — diz caindo no choro.

Limpo com a mão livre as lágrimas que correm por seu rosto, notando os leves hematomas esverdeados. — Acalme-se. — Digo baixo contra sua orelha.

Ela respira fundo, parando de lutar contra mim, aceitando ficar em meu braço.

— Eles te machucaram, há quanto tempo você está aqui?

Ela não diz nada, hoje não será o melhor momento para isso. Deito seu corpo novamente contra o travesseiro. — Você está segura, eu prometo. Ninguém encostará mais em você, você é minha.

Saio da cama, deixando Adria deitada sobre a pequena maca, Netlen me aguardava do lado de fora, assim como Try.

Fecho a porta. — Quero que tomem conta dela, ninguém entra aqui sem minha permissão. Ouviram?

Eles concordam rapidamente, em silêncio.

— Netlen dê tudo que ela precise. E você, Try. Isso será um assunto nosso, não quero Czar envolvido estamos entendidos?

— Lobo...

— Não me venha com essa, porra!

— Tudo bem, Lobo. Mas não sei quanto tempo conseguirá acobertar o que aconteceu hoje.

— Isso é um problema meu.


30


Quando acordei, Kiran se fora.

Eu não lembrava muito do que acontecerá depois que ele havia me colocado na cama. Estava tudo nublado em minha lembrança. Era como se meu cérebro tivesse desligado, incapaz de processar a violência que sofri. Recordava-me de Kiran e toda a confusão dele ser o tal do Lobo, lembrava de Netlen me dizendo que tudo ficaria bem e dele retornando, cuidando de meus ferimentos. Passo a mão pelo pescoço, estava envolto em gaze e doendo muito menos.

Quando não havia esperanças, não havia opções, tudo se tornava notavelmente claro. O fato era que Kiran era o Lobo, era o cara frio e assassino que tanto falavam, mas também era o cara que protegia de certa forma essas garotas de sofrerem mais, se isso era possível. Ele tinha as cartas na mão, agora eu era dele. Afinal, deixou bem claro antes de sair, isso me lembro. A força magnética que tinha em seu olhar ao me encarar. Eu era dele. Não havia escapatória para mim.

Depois que aceitei esse fato, os dias passaram de forma rápida. Netlen sempre vinha nos mesmos horários, deixava um farto prato em minha frente, assim como roupas limpas e me ajudava nos primeiros dias no banho, me ajudando quando não conseguia me manter em pé devido aos meus hematomas. Ela tinha se tornado a única fonte de interação humana. Uma verdadeira babá.

— Tire essas ideias da mente. — disse enquanto deixava meu jantar sob a cama.

— Que ideias? — pergunto deixando o garfo e a faca de lado.

— Se me esfaquear, vai perder a única pessoa disposta a arriscar a bunda por você. Se tentar fugir me ameaçando com a faca só vai encontrar homens dispostos a te jogar junto com as outras garotas e Deus sabe o que farão.

Resmungo algo indecifrável, entre um suspiro.

— Lobo está arriscando não só a própria pele como a minha para manter você aqui. Devia estar agradecida.

— É mesmo? — satirizei.

Netlen revirou os olhos. — Se tivesse prestado realmente atenção nas informações que eu passei, teria pensado mil vezes antes de se infiltrar aqui. Isso não é um clube Adria. — disse baixando o tom de voz. — Isso é um beco sem saída com todos os piores tipos de pesadelos tomando forma e vindo para cima de você.

Dou uma garfada generosa na comida, observando Netlen se sentar perto da porta, na qual vivia trancada. — Você parece conhecê-lo bem.

— Talvez. — diz.

— Ele é o que aqui dentro, o chefão? É o responsável por jogar essas meninas aqui ou apenas por descartá-las como lixo?

Ela suspirou — Pare de bisbilhotar, Adria.

— Que diferença faz? Ao que posso ver, saí de uma puta para uma sequestrada! — Olho para ela com frustração.

— Se ele quiser que conte algo.

— Você gosta dele, é leal a ele.

Ela estreita os olhos para mim. — Sim, tenho gratidão por ele ter salvo minha vida, mesmo que não tenha conseguido fazer o mesmo pela minha irmã. Então sim. Ele tem minha lealdade, pelo menos é por isso que estou aqui salvando seu traseiro.

Assenti voltando a comer.

Com o passar dos dias a frustração foi se tornando mais forte, mais presente, e os sentimentos mais controversos. Eu sonhava com as malditas mãos de Kiran percorrendo meu corpo, me dando prazer, assim como fez aquela noite em meu apartamento. E a ideia era tão medonha que me fazia sentir vontade de vomitar. Ele era um assassino, frio e calculista. Será que haveria verdade nas palavras de Netlen? Que ele não era o que eu imaginava? Mesmo tudo mostrando o contrário?

Tentei pensar racionalmente no assunto por um momento, entender a confusão de sentimentos. Sim, uma pequena parte de mim se ressentia por ele ter desaparecido, ter salvado minha vida, ter me salvado do abuso que iria sofrer e ter me deixado naquele quarto trancada, tendo Netlen como companhia. Não que eu quisesse a atenção dele, mas eu queria respostas. Ao ver por onde meus pensamentos seguiam, notava o absurdo das minhas emoções contraditórias. Tão idiota que me xinguei mentalmente.

Eu estava exatamente constatando que tinha uma atração por um criminoso; eu, uma agente especial treinada e a melhor da minha turma, tinha virado uma daquelas mulheres que se apaixonam pelo inimigo. Eu me recusava a ser, sabia que estar ali sendo bem tratada sob os cuidados dele mexia com minha cabeça, me tirava do foco. Eu estava abandonando meu verdadeiro objetivo de estar ali, do porque tinha me infiltrado naquele inferno.

— Deixe-me voltar para minha missão. — Reclamo.

Netlen ergue a vista, parando de juntar as coisas. — Esqueça. — diz pegando a pequena bandeja e sumindo dali, trancando a porta de ferro ao sair.

***

E finalmente ele estava ali.

Descobri quando ele me acordou de um cochilo. No início não achei que fosse real, mas diferente dos meus sonhos, esse Kiran não sorria, tinha uma aura sombria sobre si.

— Você veio, enfim. — Constatando o óbvio.

— Sim.

Ajeito-me na cama, sentando ereta.

— Fiquei sabendo de suas reclamações.

— Pelo visto Netlen é fofoqueira também. — Resmungo.

— Acredito que é o papel dela, afinal é sua informante.

Encaro seus olhos.

— Com quem estou falando? Adria ou Pam?

— Isso importa?

— Então não é apenas seu pai um agente. Você é policial!

— Alguém fez a lição de casa. — Retruco.

— Diga, o que está fazendo aqui? — ele continuava despejando suas perguntas.

Cruzo os braços diante do peito, me mantendo calada.

Kiran aperta o ponto entre os olhos. — Podemos ficar nessa fase durante toda a noite ou você pode responder minhas perguntas?

— Que tal você responder algo? Como... você é o tal Lobo? Mas que destino filha da puta! — Digo rindo.

— Não é o que está pensando.

— Não é mesmo? Não estão traficando mulheres como se fossem objetos baratos? Não estão abusando daquelas menores de idade, além de tudo o que fazem com todas as mulheres aqui? Então me diga, Kiran ou devo representar o mesmo fanatismo que elas fazem ao citar você, Lobo?

— Você é uma mulher inteligente. Mas está mexendo com coisas fora do seu alcance. E prefiro que me chame de Kiran, pelo menos entre nós.

Estreito os olhos. — Então é Kiran, a menos que esteja matando mulheres ou se divertindo com elas, é isso?

— Chega! — Explode. — Isso tudo está longe demais de suas mãos, não sei como entrou aqui, nem mesmo seus propósitos, mas isso não é brincadeira! O cara que estava a ponto de matá-la dias atrás não tem alma, nenhum de nós temos. Então, sugiro que aceite minha ajuda, assim posso arrancá-la daqui!

— Quem é o responsável por tudo isso? Quem é você e por que está no meio disso?

Ele passa as mãos pelo cabelo, respirando fundo.

— Estou pensando se você é apenas um sociopata ou um psicopata, quem sabe não seria os dois?

Ele ergue o olhar, encarando-me.

— Por que não trocamos informações, pelo visto quer saber algumas coisas de mim e eu quero informações.

— Tente.

— Quem é o mandante? Quem é que sequestra essas garotas? O que você é para isso tudo?

— Nem nos seus piores pesadelos eu desejaria que conhecesse o Czar. E eu? Ao contrário de você, que teve uma criação normal, não tive a mesma sorte. Esse mundo é meu e você não deveria estar nele. Mas não sou um sociopata ou psicopata como disse. — diz. — Minha vez. O que está fazendo aqui?

— Vim acabar com essa organização.

Kiran esboça um sorriso. — Só de ouvir, sua ideia parece tola e inútil.

— Sou agente do FBI, não que não tenha descoberto.

— Você pode ter o governo inteiro aos seus pés, isso tudo é muito maior que você, que sua luta, Adria.

— São pessoas inocentes, mulheres inocentes, crianças! — me exalto.

— Você acredita que cheguei aqui hoje? — diz ficando de pé. — Estou nisso desde que me entendo por gente, matei mais que do que posso me recordar, infringi mais leis do que seu governo pensou em ditá-las.

Uma coisa dentro de mim pediu para que calasse a boca, mas não consegui. — Então, vai me matar?

— Não, Adria. — Ele pareceu exasperado por um momento, por um momento pareceu o Kiran que me encarou nos olhos ao entrar em meu apartamento e tirar minha roupa de maneira gentil.

— Então serei sua refém, me machucará quando tiver vontade?

Ele não negou, se levantou, ainda olhando para mim. — Posso ser um monstro, na verdade realmente sou. Posso ter feito coisas horríveis, mas eu não machucaria você Adria, será que não entende que eu mataria se alguém encostasse em você? Eu procurei você por dois meses, tentando encontrar um paradeiro seu. Netlen vai cuidar de você quando não puder estar por perto. Quando chegar a hora, vou te tirar daqui. Mesmo que de tantas maneiras erradas, eu esteja feliz por finalmente encontrá-la. — Diz antes de sair, fechando a porta atrás de si.

O demônio tinha uma bela face.


KIRAN


— Seus hematomas estão melhores. — Ergo a mão e acaricio seu maxilar com os dedos. — Logo nem existirão mais.

Adria fecha os olhos, afastando seu rosto lentamente de minha mão.

— Você está calada. Se arrependeu das últimas investigações contra mim? — sussurro.

O silêncio que ela impõe entre nós me irrita, me faz desejar os dias amenos que ela não sabia quem eu era de verdade. Dou alguns passos para trás, colocando uma distância entre nós, ela me encara ainda em silêncio, porém não forço. Saio do quarto fechando a porta atrás de mim.

— Pelo visto nada mudou. — Netlen diz saindo das sombras.

— Fique de olho nela, como estão as coisas por aqui?

— Try anda fazendo um bom trabalho em manter todos na linha, acho que seu pequeno surto com Burn e Deany fez algum efeito.

— Tenho que tirá-la antes do leilão, não posso deixá-la chegar tão longe.

— Não entendo porque ela se tornou especial para você. — Netlen retruca, fazendo-me encarar seu rosto.

— E não te devo explicações, acredito que deixei isso claro.

— Desculpe, Lobo.

Assinto, saindo dali, me preparando para o pequeno encontro que teria com Czar.


Entro em seu escritório, Czar está sentado atrás de sua mesa, fumando seu charuto importado. Seus olhos recaem sobre mim, balança a cabeça em direção à porta. Entendo seu gesto silencioso para fechá-la. O faço, permitindo bater um pouco, recebendo seu olhar superior.

— Vou perguntar por que tive que saber de um dos meus homens que você surrou não só um deles, como quase matou Deany?

— Vejo que temos maricas no meio de nossos homens.

— Eu sugiro que não trate nosso assunto com leviandade!

Contemplo meu próximo passo. Puxo a cadeira para trás, sentando e cruzando uma perna sobre a outra. — Não sabia que o fato de dar um corretivo naqueles vermes, era de total interesse seu! — rebato.

— Tudo que ocorre em meu território é de meu interesse. — diz sorrindo, batendo a ponta de seu charuto na pequena cristaleira ao seu lado.

— Eles causaram grandes problemas, perdemos uma virgem porque Burn quis satisfazer seus desejos imundos!

— Sukin Syn! 19 — Exclama batendo o punho contra a mesa de mogno.

— Já cuidei disso, ambos irão ficar espertos.

— Fico contente que você tenha retomado suas raízes.

— Então é por isso que tem me tratado como um de seus lacaios? — pergunto irritado.

— Confiança não é um presente é algo conquistado, Kiran. Você é meu legado. Se você se mostra fraco diante dos meus inimigos, qual será a imagem que eu terei para eles?

Levanto revoltado. — Ela era uma criança!

— Uma criança que era filha de um inimigo, que sua morte nos permitiu dobrar um homem que estava impedindo nosso trabalho. Sempre haverá uma criança ou uma mulher. Os homens se enfraquecem ao se apaixonar, apenas tolos deixam os sentimentos dominarem suas mentes. Homens como nós não têm coração, não têm sentimentos, sentimentos para pessoas como eu e você causam apenas morte. Imagine que tolo se eu me apaixonasse por uma puta como Andreia? Acredita mesmo que eu deixaria de ganhar meu dinheiro por que ela abre as pernas de maneira satisfatória?

— Não estou disposto a isso, judiar de crianças por causa do erro de seus pais?

— Não banque o inocente! Você já visitou esses terrenos, sabe como terminaremos. Você é exatamente como eu, é o espelho de seu pai!

Ranjo os dentes, travando a mandíbula, enquanto Czar fuma tranquilamente seu charuto, soltando a pesada fumaça pelo ar.

— Cometi um erro, Kiran. — diz quebrando o silêncio.

Recuo, em toda minha vida nunca ouvi nada, nem mesmo perto de arrependimento sair de sua boca.

— Lutter tem seguido minhas ordens, sendo meus olhos. E ele trouxe notícias preocupantes, temos um vor entre nós. Eu deixei que um vor se infiltrasse em meus negócios, relaxei minhas muralhas!

— Um ladrão?

— Sim, como vocês costumam dizer, um delator. — diz. — Lutter está quase certo de quem é.

— Como descobriu? — questiono.

Czar esboça um sorriso. — Estou nessa vida há tantos anos, que você mal tem ciência. De qualquer forma, amanhã eles estarão trazendo o traidor para mim.

***

— O filho prodígio. — Orrel zomba. — Que porra quer, Kiran?

Não hesito. — Preciso de um favor.

A gargalhada alta faz com que eu afaste o celular do ouvido.

— Devo estar realmente bêbado, não é que aquele filho da puta alemão acertou quando me colocou para fora do bar?

Olho no relógio em meu punho, lá deveria passar das quatro da madrugada. — Você vai me ouvir?

Ele riu. — Diga, o que o incrível filho do satã quer com um mero mortal como eu, como anda nosso D’yavol20?

— Você tem bolas. — Rosno me arrependendo de ter ligado, mas no momento Orrel é a única via de sumir com Adria do mapa.

— Do que precisa?

— Quero que suma com uma pessoa.

Outra gargalhada.

— Se você não levar esse papo a sério eu juro que atravessarei o mundo para que a próxima coisa que vai olhar seja meu punho contra seu rosto e o teto de um maldito hospital!

— Achei que tinha homens com culhões para fazer seu servicinho sujo.

— Quero que me ajude a fazer uma pessoa desaparecer, não a matar.

— Está querendo esconder uma pessoa de nosso querido satã, é isso mesmo?

Respiro fundo, fechando os olhos estava impossível falar qualquer coisa com Orrel no momento.

— Estou tentando salvá-la do inferno. — Digo baixo.

— Você é um lobo apaixonado? E por acaso sua protegida está encrencada com nosso querido Czar?

— Preciso que me ajude tirá-la dos Estados Unidos, acha que consegue?

— Não sei. Não quero me meter e perder minhas bolas por causa dos seus problemas. Sinto muito que tenha sido um otário, primo.

— Orrel! — urro do outro lado da linha.

— Porra, eu vou ver o que posso fazer. Vou ver!

— Obrigado. Entrarei em contato. — Digo encerrando a ligação e jogando o celular longe.


BAKER


— Baker?

— O FBI encontrou provas que os Rootns estão recriando um site de sexo, porém, não é possível extrair nada, eles estão utilizando a Deep Web. — Menfys diz sem me olhar. — Kate está verificando todos os arquivos.

— Não estou gostando do rumo que as coisas estão tomando Menfys, o tal chefe da organização que o agente Wenth nos fez o retrato, não foi encontrado em nenhum sistema.

— Temos que manter tudo como está, os agentes precisam de tempo para se adequar ao mundo em que foram inseridos.

— Concordo, desde que a principal agente informante não suma por duas semanas deixando toda sua equipe totalmente no escuro! Estou dizendo, Menfys, tem coisa errada!

Menfys suspira, me olhando nos olhos. — Seu afeto pela agente Hamer está afetando seu julgamento.

— O único com julgamentos afetados é você, não percebe que temos que fazer a extração dos agentes? — questiono irritado.

— Extração? Isso poderia matar não só os agentes envolvidos como os que irão para essa caça às bruxas, Stone! Não posso permitir uma extração, são anos de planejamento!

— São duas vidas, dois agentes em perigo e se estiver correto, talvez um, já que Wenth pode ter se curvado a eles!

— Isso é uma acusação séria, Stone. — Menfys se levanta, encarando-me sério. — Nunca julguei ou me intrometi em uma de suas operações, não vou permitir que faça isso com as minhas!

— Deixe-me pelo menos investigar Rowsend, deixe-me tentar extrair algo dele, que nos leve para algo mais concreto!

— Rowsend está em poder da CIA, a essa altura está confinado em um dos Blacksets21 deles, mal sabemos se está vivo.

— Não foi apenas Rowsend que foi preso naquela batida. Deixe-me falar com o outro preso. — Digo.

Menfys fica em silêncio por um momento.

— Teremos que deixar essa visita em absoluto segredo. Posso cuidar da segurança.

— Tudo que preciso, me deixe lidar e tentar arrancar algo.

— Não cometa nenhuma besteira, Stone.

— Não se preocupe.


O sistema penitenciário da administração era ridículo. O governo do Estado, e muito menos o Governo Federal, nada faziam para melhorar as milhares de denúncias que recebiam tanto dos presos como dos funcionários. Chegava a ser desumano.

Um policial me cumprimenta com um movimento de queixo, levantando a mão que segurava as chaves grandes e pesadas.

— Por aqui. — Ele diz, guiando-me pelo corredor repleto de celas. — Tem dez minutos, depois te arranco de lá tenha terminado ou não. — diz nervoso.

— O preso?

— Está sem direito ao banho de sol, arranjou briga com outro preso.

Concordo.

— Vou precisar de sua arma.

Retiro o coldre passando para o policial. Ele abre a pequena cela, permitindo que eu entrasse, trancando-a assim que estava lá dentro.

— Que porra é essa? — questiona encarando-me surpreso.

— Tenho umas perguntinhas para você...

— Tem porra nenhuma! Guarda! — gritou tentando olhar por cima de meu ombro.

— Quero informações de como encontrar sua organização.

Ele manteve seus olhos sobre mim, o rosto rígido e inexpressivo.

— O que você acha que aconteceria com um cara como eu se desse com a língua nos dentes? Aqueles filhos da puta têm uma estrutura dentro dos presídios, não dão ponto sem nó, eu acabaria sendo espancado até a morte num desses corredores.

— Se falar, posso aliviar sua pena ou protegê-lo de outra maneira.

Ele apertou os olhos, sua feição afiada, desconfiando do que falava.

— Me dê algo concreto e eu quebro sua pena ao meio.

— Me tirar daqui? Como?

— Podemos fazer um trato, preciso saber como encontrá-los, preciso saber quem é o mandante.

Ele gargalhou, jogando a cabeça para trás. — Vocês são tolos se acreditam que um dia colocarão as mãos em Czar, o cara mata todos vocês antes do amanhecer.

Arqueio a sobrancelha.

— Cinco minutos. — O policial avisa.

— E as mulheres? Onde ficam e quem é responsável por pegá-las? Elas são dopadas?

Ele gargalha mais uma vez, sentando-se na cama. — Não vai arrancar nada de mim, fazer um acordo com o FBI é a mesma coisa que assinar minha sentença, no mesmo dia que sair ele me encontrará e levará minha cabeça numa bandeja. Afinal, eu não fiz nada de errado, era apenas um cafetão que transportava essas mulheres para eles. Não sabia nem qual a droga que cheiravam.

— O tempo acabou, para fora! — diz o policial abrindo a porta.

— Nos vemos por aí, meu velho. — Ele diz com um enorme sorriso.

***

— O que está te incomodando, querido?

Passo as mãos pelos olhos cansados, passei boa parte do jantar com o pensamento longe, mais revirando a comida no prato do que comendo-a.

— Um problema no trabalho.

Minha filha corre pela sala de estar, brincando com suas bonecas, Lilian segue meu olhar, sorrindo ao ver nossa filha tão entretida em seu pequeno mundo de fantasia.

— O que posso fazer para ajudá-lo?

— Infelizmente nem eu mesmo consigo, querida.

— É tão sério assim?

— Sabe que não posso comentar sobre isso, tenho restrições.

Talvez o problema não fosse deixar minha mulher mergulhar nas águas traiçoeiras do FBI, talvez o fato seria mesmo falar em voz alta que o problema era realmente mais sério do que todos pensavam e que no final minhas suspeitas estivessem corretas, e fosse tarde para fazer algo.

— Lilian?

— Sim, querido.

— O que você faria se soubesse que seus instintos estivessem certos, mesmo que não tivesse nada para comprová-los?

Lilian não disse nada por um instante, fitando meu rosto; mas então, se curva sobre a mesa de jantar, segurando minhas mãos nas suas. Ela me fita com as mãos unidas, o calor tão amoroso se espalhando, até mesmo relaxando-me, minha esposa sempre teve esse pequeno dom, ela era um verdadeiro sopro divino para mim, em todos esses anos de casados.

— Você deveria segui-los. Você é excelente no que faz, sabe disso. Siga seus instintos, talvez encontre a resposta que procura.

Aperto gentilmente suas mãos. Levantando, dou um beijo casto em seu rosto, seguindo para a sala, dando outro em minha filha. Parando apenas para pegar os casacos no pequeno closet ao lado da porta e saindo.

Ficar de tocaia em frente à casa de Luigi era errado, mas algo me dizia que eu precisava confrontá-lo. Passava pouco mais das dez da noite, o vento frio tinha tomado conta das ruas, não tinha uma única alma penada que se atreveria passar por ali. Espero mais alguns minutos, me certificando que nada nem ninguém surja, estava pronto para abrir a porta do carro quando Luigi aparece na entrada de sua casa, caminha até seu carro, colocando uma garrafa térmica em cima da lataria. Teria que ser agora, senão, eu perderia minha oportunidade. Abro a porta, pronto para saltar e ir até ele quando escuto o barulho de pneus cantando pelo asfalto, luzes altas de faróis me cegam ao olhar para trás; leva um segundo para que minha vista volte ao normal, mas tempo o suficiente para que veja o furgão sem placas parar de qualquer jeito pela calçada, dois homens encapuzados saem de dentro dele partindo para cima de Luigi, que cai ao ser atingido por socos e pontapés, logo depois sendo arremessado para dentro do furgão.

Bato a porta, ligando o motor, pronto para segui-los, mantenho uma distância segura, mesmo acelerando atrás deles, alguns carros me cortam ao entrar nas ruas do centro e o furgão segue em alta velocidade, rumando para fora da cidade. Mas como a porra de um passe de mágica, ao demorar alguns segundos a mais para virar na mesma esquina que eles, pronto, foi o bastante para desaparecerem de vista.

Caço o carro pelas ruas próximas, mas sumiu, como se nunca tivesse existido.

Naquela noite mal consegui dormir, vi todas as mudanças que o céu fez até o despertador tocar. Naquela manhã entrei como uma bala de canhão no escritório de Menfys, relatando tudo, desde a visita na penitenciária até o ocorrido com Luigi Wenth. Menfys ouviu tudo e só depois que eu repeti pela terceira vez que tanto a agente Hamer como o agente Wenth estavam em perigo, Menfys se levantou, pediu para que Clain fosse ao seu escritório e ordenou que reunisse os agentes envolvidos na operação Rootns.

— Vamos fazer a extração. Mas concordamos que no passo que estamos, mal sabemos se os agentes ainda estão vivos. Segundo relatos, a boate Penlin que funcionava como ponto de encontro está fechada, os agentes informaram que não há nenhuma movimentação no estabelecimento há dias. Se os agentes forem extraídos, toda nossa operação vai para o ralo e provavelmente esses caras sumam do mapa, segundo você, eles estavam dirigindo para fora da cidade. Será um milagre encontrarmos alguma pista deles, já que mal sabemos para onde eles realmente levam as garotas.

— Entendo, senhor.


KIRAN


— Espero que esse pequeno agrado lhe faça passear mais com sua família, Roach.

Entro no escritório improvisado, fechando a porta atrás de mim. Roach e Czar me encaram, mas voltam para sua pequena negociação. Se um dia procurasse pela definição do crime organizado, havia muito pouco que ele não operava. Políticos eram seus maiores clientes, policiais e assim como alguns bons agentes do FBI corruptos estavam em seu bolso, dançando em suas mãos.

Roach sorriu, ele suava, vestígios de suor escorriam por sua testa e pelo meio de suas costas na camisa social. Poderia dizer que ele estava ansioso para colocar as mãos na pasta preta em sua frente, ou poderia ser apenas nervosismo saindo de seus poros por estar de frente para Czar, até mesmo sabendo que estava no meio do nada, cercado de homens prontos para atirar em seus miolos.

— Mande lembranças para sua adorável esposa, Roach. — Czar diz inclinando-se na cadeira de couro.

Roach se levantou, pegou a maleta, esboçou um leve até logo e saiu da sala.

— Os humanos podem ser como uns bichinhos assustados. — Czar diz levantando-se. — Vamos, temos um evento interessante agora. — Acrescenta batendo em meu ombro ao sair da sala.

Acompanho-o para fora, vendo Lutter e Vernan entrar no galpão, pelo visto estavam fazendo algum trabalho sujo. Czar puxa uma cadeira de ferro para o centro, joga o casaco pesado para trás, sentando-se confortavelmente.

— Senhor. — Vernan para perto de nós.

Czar cruzou os braços dando um leve aceno de cabeça. — Serviço feito?

Lutter inclinou a cabeça. — Sim, senhor.

Czar mostra os dentes brancos, — Tragam-no.

Lutter e Vernan acenaram saindo do galpão.

— Posso saber o que está acontecendo? — questiono, olhando para o rosto de perfil de meu pai.

— Temos um vor entre nós, quero apenas amaciá-lo como um lindo cordeiro para o jantar.

Antes que pudesse piscar, Lutter tinha jogado Sebastian no chão, enfiando um joelho em sua coluna. Ele se retorcia, lutando e amaldiçoando, mas Lutter era o dobro de seu tamanho, ele nunca sairia dali se o próprio Lutter não permitisse.

— Me solta, porra! Me solta!

— Solte o rapaz, pegue uma cadeira e ponham-no sentado. — Czar ordenou e assim foi feito, ou melhor, Sebastian foi arremessado para a cadeira, sentando-se frouxamente, de frente para meu pai.

— O que aconteceu, chefão? — disse.

— Você poderia me dizer, poderia me explicar algumas coisas, Sebastian. — Czar brincou, apreciando a provocação.

Sebastian ficou vermelho. — Não tenho nada para contar. Seus brutamontes me surraram no meio da rua.

— Uma excelente casa para um lacaio prostituto. — Vernan comenta.

— Então diga-me, Sebastian, seu nome é esse mesmo? — Czar questiona.

Vejo o rosto de Sebastian perder a cor e como seu pomo de Adão sobe e desce rápido enquanto engole a saliva.

— Lógico! Que pergunta tola!

O tapa ao pé do ouvido que Lutter lhe deu foi ligeiro, mas forte o suficiente para ele colocar a cabeça entre as pernas, protegendo o rosto.

— Obrigado, Lutter. Alguns homens realmente não sabem como tratar alguém superior ao seu nível de verme falante. — Czar brincou. — Vamos tentar novamente, qual é o seu nome?

— Sebastian. — diz abafado entre os joelhos.

Vejo Vernan concordar em silêncio, caminha até uma pequena mesa do lado oposto pegando um pequeno alicate prateado. Lutter segura Sebastian na cadeira, fazendo com que suas tentativas de fugir sejam nulas. E quando Czar faz um aceno de cabeça, Vernan pressiona o alicate no dedo mindinho de Sebastian, arrancando-o fora. Os gritos ecoaram pelo galpão, inundando meus ouvidos. O último grito que ele soltou era capaz de acordar os mortos antes dele virar o rosto vomitando, quase vomitando em cima de Lutter, que foi rápido o bastante para jogá-lo no chão.

— Seja homem! Pare de nadar no próprio vômito e volte para seu lugar. — Czar assobiou, franzindo o cenho para toda bagunça em sua frente.

Sebastian voltou a se sentar na cadeira segurando o ferimento ainda sangrando; suas mãos, a camisa e as calças estavam cobertas de sangue e vômito.

— Vamos tentar de novo, dessa vez, Lutter, amarre-o na cadeira. E você, quando eu lhe fizer uma pergunta quero que me responda. Senão, meus homens não terão receio em arrancar outro dedo.

Depois de preso à cadeira, Czar retomou suas perguntas:

— Já que não quer nos dizer seu nome, por que não nos conta o que você fazia entrando no prédio do FBI?

Sebastian nos encarou assustado, olhando para cada um presente naquele ambiente. — Vocês estão malucos, eu e o FBI? — disse rindo, mesmo que sua careta parecesse mais de dor.

— Tem algum irmão gêmeo? — Czar questionou novamente.

Sebastian sacudiu a cabeça rapidamente, negando.

— Então devo perguntar de novo, o que você estava fazendo com aqueles porcos imundos do governo?

Sebastian mais uma vez se negou a dizer, dessa vez quem assentiu foi Lutter. Vernan passou o alicate para ele, forçando Sebastian abrir a boca, os gritos voltaram a preencher a sala.

— Apenas o segundo pré-molar. — Czar diz cruzando uma das pernas sobre a outra.

Enquanto Vernan segura o homem se debatendo, Lutter enfia a mão dentro de sua boca, os gritos se intensificam, tornam-se desesperados até que param, viram apenas gemidos de uma boca ensanguentada. Lutter joga o dente pro lado, limpando sua mão do sangue de Sebastian.

— Vamos fazer assim, um dente por uma pergunta, cada pergunta que você responder fica com o dente, aquela que não responder perde. — Czar diz sorrindo. — Dê-lhe um pouco de água gelada, sinto que vai precisar.

O frio toma conta de minha espinha, se Sebastian foi o responsável por trazer Adria para dentro, e ao ser visto dentro do FBI... Ou eles trabalham juntos ou Sebastian é o informante de Adria com o mundo exterior. De qualquer jeito, coloca-a na mira direta de Czar, e isso não é bom. Afasto-me de forma lenta do grupo, tirando o celular do bolso, passo o dedo rápido pelos contatos, parando no de Netlen.

“Temos um problema. Ele sabe, esconda-a, quando puder irei até você. De qualquer forma, você nunca a viu. Entendeu? Eu farei contato.” — envio, sentindo a respiração pesada dentro do peito, até um pouco agoniado pela demora para que a mensagem seja enviada, rapidamente apago qualquer prova, enfiando o celular novamente no bolso.

— Se quiser fazer as honras, tenho certeza que ele não irá resistir a mais dois dentes sendo arrancados.

Viro dando de cara com Czar.

— Aposto em dois. — Digo, mantendo minha voz fria e impessoal.

Ele sorri, dá dois pequenos tapinhas em meu ombro e volta para o pequeno escritório improvisado. Dando um tempo para que Sebastian se acostume com as dores que correm por seu corpo.


— Vamos lá, acorda seu frouxo! — Vernan bate no rosto de Sebastian, fazendo-o se contorcer com dor.

— Porra! Eu não sei de nada, de nada! — diz de maneira enrolada.

— Hora de chamar o chefe, pelo visto o canário quer ou não cantar? — Lutter pergunta.

— Não fiz nada, eu juro!

— A maldita da minha mãe jurou melhor que você antes de morrer. — Um dos outros homens de Czar que assistiam ao show, diz rindo.

— Deite-o na maca.

Continuo parado no canto, um pouco afastado do círculo de carnificina que se formava.

Vernan arrasta Sebastian pelo galpão, amarrando-o deitado sobre uma maca de alumínio, enquanto Lutter traz consigo um balde e um pequeno maçarico nas mãos.

— Que é isso? O que vai fazer com isso? Porra, onde está indo? — Sebastian pergunta desesperado.

— Uma coisa que os americanos me ensinaram foi alguns truques a mais na hora de torturar um homem, Sebastian. Você sabia que os ratos são criaturinhas tão espertas e medrosas que sempre arranjam um lugar para escapar? Principalmente se sentirem dor ou medo. Fora o chiar que eles fazem quando sentem um desses sentimentos. É realmente magnífico!

Czar arregaça as mangas, tirando um rato gordo do balde, segurando-o pelo enorme rabo. — Isso além das doenças que transmitem e quando estão com fome, uma pequena gota de sangue pode fazê-los comer grandes pedaços de carne humana.

— Por favor, eu não trabalho para o FBI, eu trabalho para você, porra! — grita.

Czar ignora o que Sebastian grita, entregando o rato para Vernan, que rasga a camisa de Sebastian, colocando o rato e o balde de metal em cima, enquanto Lutter coloca uma luva especial segurando o balde e ligando o maçarico. Os guinchos do rato ficam altos, assim como os gritos de Sebastian. E mesmo que se debatesse na maca, ele estava amarrado, pouco conseguiria fazer.

— Primeiro ele vai arranhar, muito. Depois pode começar a morder e isso é ruim, pois quando morder ele vai ver que existe como fugir, teve casos que o rato comeu metade do estômago para sair pela lateral do corpo. Incrível, não? — Czar diz, voltando a se sentar na cadeira.

— Puta que pariu, me solta, por favor! — Diz em meio aos gritos de dor. — PORRA, ELE MORDEU, ELE ME MORDEU!

Lutter continua com o maçarico por todo o balde, fazendo os guinchos aumentarem.

— Lutter, pare! — Czar ordena, poucos minutos depois. — Deixe nosso ratinho descansar. Os dois, amarre Sebastian de pé nas correntes.

Eles fazem exatamente como é mandado, todo o círculo onde o balde estava além de queimar um pouco a pele de Sebastian, está marcado com as unhas do rato e com pequenas mordidas. Ele fica pendurado e amarrado no meio do foco de luz, a cabeça pendendo para frente, sua respiração irregular.

— Vamos deixá-lo pensando, amanhã voltaremos. — Czar anda até ele, dando tapas em seu rosto com a mão grande e pesada. — Espero que pense melhor e traga respostas para minhas perguntas.

Espero para que todos, inclusive Czar, tenham saído para me trancar dentro do carro. Digito os números com a maior rapidez que consigo. Impaciente por Orrel demorar tanto para atender.

— Kiran.

— Preciso daquele favor.

— Kiran, veja bem, você seria uma carta marcada, sabe o que isso significa, não sabe? Não tenho poder para ir até os Estados Unidos e trazer uma garota foragida comigo.

— Fale com seu chefe, não me importo. Um favor e mais nada, SÓ PRECISO QUE ELE TRAGA UM AVIÃO PARTICULAR E NÃO RASTREÁVEL ATÉ MIM! — Grito.

— Calma, eu falarei com ele. Se tiver boas notícias retorno a ligação. — Orrel diz.

— O quanto antes.

— Ok.

Encerro a ligação jogando o celular no banco do passageiro, dando alguns murros no volante. Merda! Esse filho da puta logo abrirá o bico! Preciso de outro plano, preciso tirar Adria daquele armazém, mas como? Iria chamar atenção demais se eu saísse com uma das garotas, ainda mais com Czar e seus homens em alerta.... pense, Kiran, pense.

***

— Você não é como eles, Lobo.

Eu era sim. Matei, vivi com o dinheiro repleto de sangue. Já derramei muito sangue em nome da família, tinha tanto sangue em minhas mãos quanto esses caras. Com o passar dos anos, saí da sombra de meu pai e criei a minha própria, mas, e se o meu “ser” for tão sombrio quanto o dele?

— Fique esperta com os movimentos.

— Estou. Ela está segura.

O riso me escapa fácil, ninguém estava seguro, nem mesmo ela e nem mesmo eu.

— O que você quer? Sabe que tem duas saídas para essa confusão toda em que nos metemos.

— Você poderia ter contado, poderia ter falado que uma agente estava te apertando.

Foi um longo tempo antes dela falar. Eu sabia que Netlen vivia em posição difícil, sabia o quanto odiava a vida que vivia e o quanto se culpava pela morte de sua irmã. Até entendi porque não tinha contado sobre isso, ela queria justiça pela sua irmã, mesmo que de forma deturpada, e eu ainda era o filho do inimigo.

— Você se apaixonou. — disse baixo.

Continuo encarando a chuva bater com força contra o vidro do carro e os limpadores fazerem seu melhor para tirar o excesso de água.

— Homens como eu sequer são abençoados com mais um dia de vida. Não temos esses sentimentos.

— Você está errado, novamente. Você se apaixonou por ela, Lobo. Está tão desesperadamente apaixonado que está arriscando sua pele, podendo enfrentá-lo sem titubear.

— Vamos deixar esse papo maluco para outra hora, tenho que voltar para o galpão e você para o seu posto.

— Eles adiaram o leilão. — Netlen diz o que eu já sabia.

Confirmo com um gesto.

— Cuide-se. — diz antes de sair, abrigando-se em seu casaco e nas pequenas marquises das lojas do outro lado da rua.


“Você será meu estimado Ubiytsa, meu assassino mais eficaz.”

Fecho os olhos. E eu fui, me tornei um fantasma na noite, me tornei o próprio cheiro de morte. Desde o dia que Czar parou naquela esquina suja, encarando-me nos olhos com um sorriso falsamente amigável nos lábios.

— Que coisa, não... Sabe quanto custam estes sapatos? Que coisa sem classe, Sebastian!

Entro no galpão escutando meu pai reclamar e Martin se curvar limpando o sangue de seu sapato importado.

— Vai lá, vamos falar, quem sabe um de meus homens não desce você de maneira bem tranquila. Pode ser que alguém até faça um boquete para você antes de jogá-lo no meio do deserto.

Encosto em um dos pilares, vendo a tortura de longe.

— Ah, meu menino, vejo que chegou! Não era você que desenvolvia aquelas drogas... como é que chama? — Czar pergunta virando-se para mim.

— Drogas de obediência. — Digo.

— Isso mesmo, sabe Sebastian, nosso Lobo aqui tem grande apreço pela humanidade, tanto que inventou uma pequena droga que limpa a memória das vítimas, as deixam mais suscetíveis a fazer o que mandamos... até mesmo atos desprezíveis.

— Porra, chefe, eu não fiz nada! Esses cuzões me querem fora daqui! — Sebastian choramingou.

— Chefe, acho que podemos arrancar outro dente ou quem sabe mais um dedo?

— Acalmem-se rapazes, já tiramos muitos dentes, quantos foram mesmo, Lutter?

— Sete dentes, senhor.

— Uau, você é um homem corajoso, Sebastian! Tive homens que no primeiro já estavam soletrando até o alfabeto de minha terra natal.

— Eu não fiz nada! — Sebastian gritou se debatendo na corda.

— Esse instrumento tem muitos nomes. A primeira vez que senti o que esse pequeno bastão pode fazer foi incrível. Eu literalmente fritei os sacos de um homem.

Czar se levanta pegando o bastão de choque. O som do bastão batendo nas mãos de meu pai soava alto, até o pequeno gotejar do sangue de Sebastian batendo no chão fazia o maior barulho.

— Começaremos de novo. Qual seu nome?

— Sebastian.

Czar enfia o bastão no meio do abdômen liberando a carga de choque pelo corpo de Sebastian. Ele se contorce inteiro, até mesmo depois que Czar quebra o contato do bastão ele continua se contorcendo.

— O que estava fazendo no FBI?

— Eu não estava na porra do FBI! — Sebastian diz de maneira pausada.

Czar confirma com um gesto, pressionando novamente o bastão contra o pescoço dele, liberando o choque. Deixando que dessa vez ele recebesse uma carga maior, se divertindo com o corpo de seu capanga tremendo enlouquecidamente.

— Diga a porra do seu nome!

— Este é meu nome! — respondeu com os lábios trêmulos.

Czar ficou tenso, e então sussurrou — Mentira, posso ver em seus olhos que está mentindo. — Czar segurou mais firmemente o bastão, podia ver a raiva saindo devagar por seus poros. — A tortura é algo medieval, os antigos tinham costume de dizer que para obter boas respostas leva-se tempo, e nós temos tempo. Podemos ficar dias surrando grandes ou pequenas partes do seu corpo, posso deixá-lo descansar como ontem, mas uma hora irei acertar tantos pontos miseráveis do seu corpo, que mal conseguirá falar.

Czar sai de perto dele, voltando para a pequena mesa, colocando o bastão novamente em seu lugar, analisando as armas dispostas em sua frente. Vernan foi ao seu encontro, parando perto dele.

— Senhor.

Czar alisou as facas em sua frente, em total silêncio.

— Ele está sendo mais forte do que pensávamos. O que devemos fazer?

— Surrem-no.

— Sim, senhor. — Vernan se afasta fazendo sinal para os outros, rapidamente um círculo é feito em volta de Sebastian. Socos e chutes começam a ser distribuídos por todo corpo dele; sangue começa a escorrer, assim que os homens de Czar intensificam seus golpes.

— Tem certeza que ele é o vor? — pergunto chegando perto de meu pai.

Czar tira uma foto dobrada de dentro do casaco do blazer, entregando para mim. Não tinha como negar, estava nítido, Sebastian saindo de dentro do departamento do FBI, tentando até mesmo esconder parcialmente o rosto.

— É questão de tempo.

Czar volta sorrindo, parando de frente para Sebastian, seu rosto estava completamente vermelho, sangue manchava sua camisa e seu pescoço. Ele faz um movimento com a faca fazendo-a brilhar contra luz, estendendo-a para que Sebastian a admirasse como ele. — Você tem certeza que não quer me dizer a verdade?

Sebastian permaneceu em silêncio, apenas olhando para Czar.

— Entendo. — Czar diz levemente. — Eu realmente gostaria de me divertir mais com você, porém, isso está ficando até mesmo monótono demais. Peguem a mordaça!

Um de seus homens saiu de perto pegando a mordaça de couro, aquilo não só era usado da maneira errada como causava uma imensa dor. Retiro o celular do bolso, escrevendo uma mensagem rápida para Orrel, agora mais que nunca preciso de sua resposta.

“Vai me ajudar ou não?” — faço a mesma coisa que fiz com a mensagem de Netlen, apago qualquer vestígio, devolvendo o celular no modo silencioso para o bolso da calça jeans.

Os olhos de Sebastian se arregalam, olhando para cada um de nós ali presentes, voltando sempre para seu carrasco, Czar. Ele sabe que a única maneira de sair pelo menos vivo dali, será abrindo a boca, contar as informações que ele tem. Por isso, não foi nada surpreendente quando começou a gritar que contaria o que Czar desejasse, arrancando um sorriso de meu pai e um arrepio frio e medonho de minha espinha.

Czar voltou para onde estava sua cadeira, sentando-se. — Vamos do começo? Que tal saber o verdadeiro nome do verme que tentou se infiltrar em minha organização?

Sebastian engoliu em seco. — Luigi Wenth.

— O canário começou a cantar. — Vernan diz acertando um soco em cheio no rosto de Sebastian ou Luigi.

— Calma, Vernan, assim pode assustar nosso pequeno verme. — Czar repreende-o, ainda sorrindo. — Conte mais, o que você é? Um policial corrupto ou apenas um agente fedelho que mal sabe como seu país comanda as coisas?

— Sou apenas um informante, não sei de nada, estou aqui por causa dela.

— Dela?

— Vejo que cheguei em boa hora.

Viro rapidamente dando de cara com Deany, apesar de estar mancando pelo tiro que dei em seu joelho ele se recuperou rapidamente, mesmo que as cicatrizes em seu rosto ainda sejam visíveis.

— O que ele está fazendo aqui? — pergunto irritado.

— Lobo, ele faz parte disso, mesmo você tendo acabado com seus bagos.

— Seu filho da puta, você deveria agradecer por eu não ter metido uma bala no meio da sua cabeça! — Deany vem mancando em minha direção, fazendo minha mão se fechar no coldre de minha arma.

— Rapazes... — Czar alerta. Deany para me encarando, como se um único descuido o fizesse voar sobre mim. — Deany, já conversamos sobre isso, seu instrumento foi ajeitado e estamos no meio de uma missão.

— Sim, senhor. — Disse cuspindo em minha direção.

— Voltamos ao que dizia, quem é ela?

Pego discretamente meu celular, respirando aliviado por Orrel ter respondido.

“Sim, mas saiba que fará um serviço para o meu chefe. Estarei aí quando quiser”

“Esteja aqui o quanto antes, eu ligarei.” — respondo apagando ambas as mensagens.

—...ela entrou em contato comigo depois que me viu batendo em uma puta, achou que seria um ponto forte para entrar na organização, ela quer colocar tudo no chão, quer a cabeça de cada um de vocês num espeto.

— Eu quero nomes! — Czar gritou.

— Adria, Adria Hamer.

Vejo a confusão tanto nos rostos dos homens de meu pai como no rosto de Czar. Ninguém ali conhece ela por esse nome, por um instante achei que bastava isso para que Luigi fosse morto como tantos outros e que meu pai seguisse a mesma investigação que fiz. Desvio o rosto vendo Lutter me encarando seriamente, óbvio que ele tinha feito a associação ao nome, ele era o melhor “investigador” que tínhamos, nunca sequer poderia imaginar que quando dei o nome de Adria para ele que ocorreria algo parecido.

— Adria Hamer, interessante, mas não conheço nenhuma suka com esse nome. — Czar diz.

Lutter abaixa os olhos, mas se mantém em silêncio, se ele falasse algo, além de me jogar na fogueira também atrairia o foco para si.

— Ela entrou com o nome de Pam Gomez.

A gargalhada alta rompeu no meio do galpão atraindo atenção de todos para Deany, que segurava o próprio abdômen enquanto ria como um lunático.

— Qual a graça, Deany?

Deany olhou bem para mim, antes de encarar Czar. — Pam Gomez foi a putinha que esse verme trouxe no dia que se aliou a nós! Agora, o mais engraçado, chefe, é que o Lobo quase me matou por causa dela! — Todos se viraram me encarando, Czar foi o último, mas seu olhar era o que importava, ele tinha feito a conexão que Deany estava apresentando, para ele eu estava defendendo um rato, uma policial.

— Vamos lá, Lobo, há quanto tempo está fodendo a policial? — Deany pergunta.

Avanço sobre ele, mas sou contido por dois homens de Czar que prendem meus braços para trás do corpo, virando-me de frente para ele. Sinto o pequeno suspiro dele bater em meu rosto, assim como o soco no lado direito de minha mandíbula que me dá. O gosto de cobre pelos pequenos cortes em minha bochecha enche minha boca, fazendo-me cuspir o sangue.

— Vy ne uvazhali svoyego ottsa! — Czar diz, encarando o fundo de meus olhos. — Você não respeitou seu pai!

— Onde essa mulher está? — Czar se vira para seus homens, mas todos permanecem em silêncio. — Tragam-na para mim! E o amarrem junto com esse verme!

— Espera aí, eu te contei tudo, não mereço sair? Contei tudo que sei... — Luigi diz desesperado.

Czar se vira, sorri e volta para ele. — Claro, mas antes uma pequena lição sobre ser um vor. Vernan, a boca! — Ordena.

Vernan segura Luigi, que se debate mais que um cordeiro prestes a entrar no forno, tendo sua boca aberta e sua língua exposta. Czar vai sem remorso, segura a língua do homem, passando a lâmina afiada da faca por ela, jogando o pequeno naco longe. O sangue escorre por todo seu braço, assim como pelo corpo de Luigi que tenta gritar, debilitado pela dor e pelo choque. E como se não bastasse, Czar ainda acende o pequeno maçarico, fazendo sua chama pequena brilhar diante de seus olhos, queimando a ferida sangrenta, cauterizando-a.

— Agora joguem-no no deserto, quem sabe o cheiro de sangue atraia alguns coiotes famintos! — Ordena, largando o rosto desmaiado de Luigi.


34


Uma dor de cabeça muito ruim, além disso, notei duas coisas ao mesmo tempo: estava escuro e eu não estava sozinha. Estávamos em movimento? Terceira percepção: Minha visão estava bloqueada por algum tipo de capuz, mesmo meus olhos rolando, quase por instinto, para tentar se orientar de alguma maneira. Eu estava em uma van, meu corpo estava espalhado desordenadamente pelo chão. Meus movimentos estavam lentos e ineficazes, minhas mãos tinham sido atadas atrás das costas, as pernas continuavam livres como constatei ao dobrar os joelhos. Algum buraco ou lombada na rua fez com que meu corpo saísse por um segundo do chão duro da van, voltando com tudo e ferindo minhas costas.

Meu cérebro trabalhava de maneira incansável tentando se lembrar o que havia acontecido. Recordo-me de Netlen ter entrado, e até mesmo comentado que estávamos em perigo, mas depois a porta foi aberta com violência, o tal do Try entrou com outro homem jogando-a contra a parede, apertando sua garganta e ao tentar defendê-la, fui contida, sentindo imediatamente algo pontiagudo perfurar meu pescoço.

— Você está finalmente acordada, estava começando a pensar que meus homens tinham sido cruéis demais com você. Lamento estarmos nos encontrando de maneira tão...

O capuz é arrancado de minha cabeça levando alguns fios de cabelo com ele, fazendo com que eu dê de cara com um homem mais velho, que mesmo sorrindo, eu não acreditei naquele rosto aparentemente amigável.

— O que eu estou fazendo aqui? — minha voz parecia estar com certo atraso, lenta, como se tivesse abusado do álcool.

Meus olhos voam em direção a Kiran, suas mãos estavam atadas por correntes, encarando o chão friamente, o lado direito do seu rosto estava vermelho, marcado. Olho em volta e vejo que estou em outro galpão, há marcas de sangue no chão, algumas poças brilhantes que me causam repulsa. Meu corpo estremece com medo, sentindo primeiramente o olhar dele, antes mesmo que o encare no meio daqueles homens. Deany! Acredito que nem em meus melhores dias e pensamentos mais felizes irei esquecer-me de seu rosto ou da caveira que me encara sorrindo.

Ele sorri novamente, dando uma grande tragada em seu charuto. — Temos alguns probleminhas para resolver.

Minhas mãos estão amarradas no ferro da cadeira, assim como meus pés. Há uns quatro capangas mais no fundo, com armas nas mãos.

— Querida, por acaso você conhece esse rapaz? — ele volta a falar comigo.

Luigi entra sendo carregado por dois homens, e jogado aos meus pés. Seu rosto tem vários hematomas e cortes, assim como seu corpo. Suas roupas tinham mais sangue que eu pudesse verificar, assim como vi que estava sem um dos dedos da mão esquerda. Ele olhou dentro de meus olhos e isso me faz trincar os dentes. O filho da puta deixou-se ser pego!

— Pelo visto vocês se conhecem.

Encaro novamente o velho. — Ele era meu cafetão e se apanhou é porque mereceu.

O sorriso pinta em seu rosto, ele faz um pequeno sinal chamando atenção de um dos homens que assistiam.

O capanga deixa um pequeno balde d’água com uma toalha ao lado. O velho se levanta apagando o charuto com o sapato.

— Por esses tempos, tenho acompanhado os relatórios que meus homens dão de você. É uma mulher interessante eu confesso, veja só... — diz erguendo os braços; o homem que deixou o balde, volta retirando o blazer alinhado e de corte fino que o velho lhe entrega. — Está fazendo este velho voltar para velhas origens!

Ele pega uma espécie de vara, voltando-se para mim. — Essa belezinha foi um presente de um homem do governo. Até que os americanos têm bons métodos para realizar o trabalho, mas eles falham miseravelmente na execução. Assim que ele aproxima a vara de mim, passeando por minha clavícula, seios, parando em meu esterno, sinto uma imensa corrente elétrica passar por todo meu corpo, meus dentes batem uns contra os outros, o choque nubla minha visão, fazendo minha cabeça pender para trás. O som de correntes se debatendo me fazem inclinar a cabeça em direção a Kiran, que é vigiado de perto por dois homens; seu rosto está furioso, encarando o velho como se saísse dali só para arrancar sua cabeça.

— Vamos conversar, agente Adria? — o velho pergunta se abaixando ao nível de meus olhos. — Diga, seu pessoal já está atrás de você? Quais eram seus planos?

Mesmo zonza, encaro ele nos olhos e então cuspo, bem no meio de sua cara. Ele puxa um lenço do bolso passando por seu rosto.

O tapa é tão forte que me faz virar o rosto, quase como a menina do exorcista, fazendo minha cabeça girar ainda mais tonta. — Garota valente!

Ele puxou meu cabelo na parte de trás do meu couro cabeludo, e eu engasguei quando ele puxou meu pescoço para trás, segurando-me firmemente, ficando com o rosto perto do meu, perto o suficiente para que sentisse seu hálito contra meu rosto.

O homem que aguardava com o balde de água entrega um pano grosso para ele, ainda segurando meu cabelo, forçando minha cabeça pender para trás, coloca o pano em cima de meu rosto tampando minha visão. O jato frio da água caindo não só pelo rosto, mas pelo meu corpo fazem minha pele se arrepiar de frio. Minha respiração é inundada por água, minha garganta arde, assim como água desce pelo nariz a cada pequena respirada que tento dar. Cuspo e engasgo.

O velho tira o pano de meu rosto, segurando firme em meu cabelo.

— Veja Kiran como ela é forte, não se torna uma surpresa você ter visto algo especial nela! É uma pena que você a verá morrer, assim como você.

Olho pelo canto dos olhos para o rosto de Kiran, ele se parece bastante com um animal selvagem naquele momento, o rosto enrugado formando uma verdadeira marca de ódio por toda sua face.

Naquele instante, eu desejei muito estar em poder de uma arma, eu atiraria em cada um deles. Mas nem as mãos eu poderia usar. Deany mancou em minha direção, passando a mão por meu rosto, mesmo eu desviando ele segurou firme pelo queixo, sua mão livre passando pelos meus seios, apertando sem piedade, brincando com o botão de minha calça olhando diretamente para Kiran.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia! — Disse dando o primeiro golpe em minhas costelas, me fazendo me contorcer mordendo os lábios para não gemer de dor.

— Seu filho da puta! Vou te matar! — Kiran se jogou para cima do cara que o vigiava de perto, lhe arrebentando o nariz com uma cotovelada.

— Olha bem, imbecil! Olha o que vou fazer com a sua putinha! — disse Deany.

Kiran se contorce, puxando o máximo que pode as correntes, mas é ineficaz. Deany vem com tudo para cima de mim, fincando a faca perto do osso ílio. Meu grito de dor transborda no ambiente.

Deany se afasta limpando a faca na coxa, indo até a pequena mesa exposta, pegando uma barra de ferro. — Dê um jeito de aquecer, quanto mais quente, melhor.

O capanga confirmou sumindo dali, enquanto Deany veio novamente até mim. — Fique tranquila, docinho. Eu não atingi nenhum vaso importante, nem mesmo um órgão. Mas, nossa! Como doí uma ferida assim!

O capanga retorna, trazendo a barra de ferro com uma luva revestindo sua mão. Ele para em minha frente erguendo minha camiseta, pressionando a barra aquecida e vermelha contra minha pele, queimando a ferida; por mais que tento, os gritos escapam de minha garganta, fazendo Deany sorrir.

— Vamos, garota! Qual é sua intenção ao entrar em meu território? — o velho voltou parando perto de mim.

Eu mantive minha boca fechada, segurando a resposta à sua pergunta. E a cada pequeno silêncio ele dava um jeito de agredir partes distintas de meu corpo, partes que eu não sabia que doíam tanto ao serem atingidas, seja com as mãos, ou a barra de ferro, que por vezes solicitava aos seus homens.

— Então você é o mandante? — pergunto entre os dentes.

— Admiro sua força. — Ele faz um sinal e o capanga me acerta com um soco na costela. — Nem mesmo sei por que insisto, seu comparsa a essa hora está sendo jogado em qualquer parte do deserto, levará dias, senão semanas, para que seu bando descubra o paradeiro. Acredito que nem mesmo uma ligação os ajudaria.

O velho foi calmamente até Kiran, olhando-o com desprezo. — Você, sangue do meu sangue. Traiu sua família por um rato embrenhado em nossos esgotos. Você é uma vergonha!

Kiran foi verdadeiramente surrado por aqueles homens, homens que o temiam, e hoje se aproveitavam para descontar. Nem por um único suspiro ele reclamou, não reclamou quando socaram seu corpo, ou quando Deany o cortou com sua faca. Nada, ele muitas vezes fechava os olhos e assim ficava por minutos, outras vezes apenas me encarava e quando isso acontecia me aquecia, no meio de todo esse inferno onde eu só sairia dali morta. Kiran ou Lobo, me manteve firme, presa em seu olhar, aquecida pela raiva que brilha em seu rosto.


KIRAN


Uma dor cegante atravessa minha cabeça, e meus músculos doem. Revivi por um minuto as surras que Czar adorava me expor, a sensação de queimação nos braços, por estarem muito tempo na mesma posição e da circulação ser menor. A luz fraca pendurada no teto parece como uma chama escaldante em meus olhos. Minha boca está seca, quando me concentro na imagem ao meu redor, noto que tudo está silencioso demais, vazio demais. Tirando os dois pequenos focos de luz, tudo está em completa escuridão.

Inclino-me um pouco nas correntes querendo ver Adria, seu corpo está preso como o meu, sua cabeça pende para baixo, alguns fios de cabelo escuro colam em seu rosto no trajeto que seu sangue faz até o chão. A raiva tomou conta de mim, mas de nada adiantaria esbravejar ou colocar Adria ainda mais em perigo. Quando ela desmaiou de dor, Czar veio pessoalmente me marcar; mesmo o processo sendo doloroso, não abri a boca, aguentei tudo, exatamente como ele me ensinou a fazer, acredito que ele próprio sabia que levar meu corpo ao limite não iria me desmontar, como eu disse, fui ensinado pelo próprio diabo.

Mas ali está a marca em meu peito, a pequena, mas significativa tatuagem, que para as pessoas do submundo quando a virem, reconhecerão na hora. Saberão que eu traí.

— Adria. — Sussurro. — Adria!

Ela se mexe minimamente. — Adria, olhe para mim! — Ordeno.

Quando finalmente me encara só vejo dor e medo refletido em seus olhos. — Fique calma, você é minha, eles não tocarão mais em você, mas preciso que faça algo por mim. Está me ouvindo? — pergunto verificando que ninguém esteja escutando meu monólogo sussurrado.

— Eles vão nos tirar aqui, devem nos levar para qualquer lugar para terminar o trabalho.

Ela me encara com medo.

— Faça exatamente o que eu disser, não tente nenhuma gracinha, você está me entendendo?

Adria confirma olhando para frente, assustada.

Burn se aproxima, saindo das sombras, seus olhos escuros percorrem o corpo de Adria; doente como é, está analisando o que poderia tirar de proveito.

— Não banque o engraçadinho, Burn. Eu posso te matar ainda. — Digo com fúria.

Ele sorri, estendendo a mão para as algemas que prendiam os pulsos de Adria, soltando-as. Ela cai no chão, soltando um gemido baixo. Maldito! Seu corpo está fraco e dolorido. Mesmo sendo uma agente, duvido que tenha passado em suas missões algo do tipo, que tivesse sofrido tantas agressões como sofreu. Ele vai até os pés, repetindo a ação, quando a algema foi arrancada dos tornozelos Adria moveu as pernas, e o grito escapou como um choro de sua boca, o sangue percorrendo os músculos cansados, era a parte cruel da libertação.

Burn buscou uma corda no bolso da calça, amarrando os braços de Adria atrás do corpo, deixando-a jogada no chão. Os dedos nojentos e calejados passando pelos lábios dela, enquanto eu controlo minha respiração pesada e assassina dentro do peito, agora não é o momento, digo isso com frequência para mim mesmo. Atacá-los em seu território não era bom, só nos traria mais surras.

— Prepare-os para o transporte, o chefe quer isto feito o mais rápido possível! — Deany vem em minha direção dando tapinhas em meu rosto. — Quem diria que um dia eu caçaria um lobo!

— Não se vanglorie até ter terminado o serviço! — Respondo com raiva.

— Não banque o valente, senão, o último ato que verá será eu metendo o pau dentro de sua putinha, arrombando todos os buracos dela, que tal?

Sádico psicopata!

— Controle-se, Deany. O chefe não quer mais sujeiras aqui!

Lutter vem em minha direção desamarrando meus punhos das correntes penduradas no teto. Seu olhar me lança o aviso para não tentar nenhuma graça.

— Deany, veja se Try está com o carro pronto. — Lutter ordena.

Ele acompanha com os olhos Deany sair do galpão, virando-se para mim. — Seu filho da puta, você queria foder meu rabo?

Confuso com suas palavras me mantenho em silêncio.

— Escute bem, sei que vai dar um jeito de escapar, por isso não vou ser eu que ficarei no seu caminho. — Ele tira um coldre de faca da cintura, enfiando dentro de minha calça.

— Por que está me ajudando? — questiono, isso pode ser uma grande armadilha.

Lutter me encara fixamente nos olhos. — Porque sei que vai matar todos, assim que sairmos daqui! Em todo instante que eles bateram em você, você se manteve firme, apenas encarando essa mulher. Não sei o que ela é para você, mas conheço o Lobo. Sei do que ele é capaz.

— Já se despediu do seu lobinho, Lutter? — Deany volta rindo.

— Vai se foder, seu maluco! Eu quero mesmo é acabar com isso e me afundar em alguma boceta quente!

— Os dias serão melhores sem você, Kiran. Open de boceta, todas ali, desprotegidas para nós. — Deany disse alto, abrindo os braços como se tivesse prestes a dar um abraço em alguém, gargalhando alto.

— Levante-se! — Try puxa a corda que amarrava os punhos de Adria, dando um tranco em seu corpo, ela se atrapalha em seus pés, Try termina ajudando-a, segurando ao redor de seu bíceps, contendo um pouco de seu peso.

Sabia que as lesões gritariam, especialmente da costela quebrada, mas ela se manteve firme, acompanhando Try até o furgão, deixando-se arrastar pela corda. Ele a coloca para dentro, sentada contra um lado da lataria, Deany senta quase de frente para ela, onde fica encarando seu rosto, sorrindo ao puxar seu queixo para cima, fazendo com que ela olhasse em seus olhos.

Aguente, não faça nada... — alerto em minha mente, sei que isso não serve apenas para Adria, mas principalmente para mim, minha vontade de voar em cima dele, arrebentando sua cara e finalizando o serviço que não concluí, me sobe rapidamente como a bile por minha garganta.

Lutter me coloca ao lado dela, sentando-se ao lado de Deany, ambos de frente para nós.

O caminho é torturante, o que é bom, já que consigo agarrar uma das mãos de Adria, apertando minimamente seus dedos para que não me denuncie. A faca que Lutter colocou em minha cintura agora está em minhas mãos, e conforme o carro balança e a proximidade com Adria, consigo ir serrando aos poucos a corda que prende seus punhos.

— Quem tem medo do lobo mau, do lobo mau, do lobo mau! Lobinho frouxo! — Deany cantarola a velha canção de um livro infantil, rindo ao deturpar a letra.

Lutter se mantém em silêncio, encarando-me nos olhos. Ele sabe que logo irei avançar, sinto apenas por ter que matá-lo depois de me ajudar.

— Vamos, Kiran? Não tem mais o arsenal de ameaças que tinha antes? — Deany provoca novamente.

Mordo a ponta da língua evitando cair nas provocações que ele lança, continuando a serrar a corda ao poucos, agora tudo teria que ser rápido, eles já tinham se afastado do galpão e pelo aumento nas trepidações que o carro fazia, era óbvio que Try tinha deixado a estrada principal. Forço um pouco mais a faca, terminando de serrar a corda, mas o uso excessivo de força faz com que corte sem querer a palma da mão de Adria. Ela me olha por um segundo, segurando firme a faca.

— O problema de você se meter onde não conhece, é encontrar alguém com mais sede de sangue que você. E se ele voltar, sempre será para te matar. — Digo.

Deany franze o cenho para mim sem compreender minhas palavras, completamente distraído, principalmente do que ocorre ao seu redor. Vejo tudo em câmera lenta, Lutter se afasta minimamente de Deany ao mesmo tempo em que Adria salta para cima, ficando a ponta da lâmina no pescoço dele. O sangue espira em seu rosto e em sua blusa, mas ela não para o ódio que alimenta seu corpo é tamanho que dá mais quatro facadas antes de puxá-la contra mim, fazendo-a cair sentada em minhas pernas. Respirando ofegante, seu rosto está repleto de sangue.

O carro para bruscamente, e escuto Try dizer:

— Que porra tá rolando aí atrás?

A porta do motorista abre e se fecha. Encaro Lutter, — Vou precisar da sua arma.

Ele assente, passando a arma destravada para mim, seguro apontando diretamente para a porta do furgão e no momento exato que Try abre, escancarando as duas portas, aperto o gatilho sentindo o pequeno tranco e o barulho da munição cortando o ar, até o momento que ela entra no meio da testa de Try, fazendo-o cair para trás.

Sinto Adria trêmula ao meu lado, seguro seu rosto entre minhas mãos e a arma. — Está tudo bem, vou tirar você daqui. Acabou, ouviu?

Ela confirma olhando-me nos olhos, cedo à vontade quase insana, descendo lentamente meus lábios nos seus, mesmo que ela continue petrificada no lugar, a sensação de sentir sua boca morna na minha é delirante, sugo seu lábio inferior sentindo o animal dentro de mim ronronar, louco para vê-la realmente segura e longe disso tudo. E tê-la somente para mim.

— Termine o serviço, Kiran.

Saio do meu pequeno devaneio, afastando meu rosto de Adria, encarando Lutter.

— Vou precisar do seu celular e da arma. — Afirmo.

Ele tira um pequeno aparelho bloqueado e longe de se rastreável do bolso, e me entrega.

— Posso deixá-lo de volta na estrada ou levá-lo para algum lugar. — Digo.

Ele me olha surpreso. — Você não vai...

— Te matar? Não. — Suspiro levantando, ainda que de maneira curvada pelo pequeno espaço dentro daquele furgão. Puxo o corpo inerte de Deany para fora, jogando-o ao lado de Try. — Você pode ser um merda como eles, mas ainda tem uma chance de consertar tudo.

— Ele irá me matar.

— Verdade. Mas é por isso que terá que ser esperto e sumir daqui. Pegue sua família e suma, troquem de nomes, mudem para um bairro pacato onde todos acreditem na imagem que você vender. Saia do radar de Czar.

Lutter confirma saindo do carro, parando de frente para mim. — E você?

— Sou um bom fantasma.

Ele confirma novamente.

Ajudo Adria a sair do meio daquele caos de sangue. — Entre no carro, vamos trocá-lo assim que possível.

— O que fará comigo? — questiona encarando meu rosto.

— Vou levá-la para longe, se você aparecer no radar dele, Czar não terá misericórdia, vai mandar outros para te matar, outros que não terão a mesmo índole de Lutter, vão arrancar sua cabeça no momento que te encontrarem.

— Eu preciso voltar para o FBI, eles têm que saber o que aconteceu. Até mesmo pelo filho da puta do Luigi, mesmo que eu dê tudo para matá-lo.

— Você irá sair do país. E se ir contra minhas ordens eu vou dopá-la, mas você irá. — Retruco rangendo os dentes.

— Aquelas garotas precisam de mim! — Ela grita.

— Aquelas garotas foram condenadas no dia que entraram ali, você acredita mesmo que Czar irá deixar sua organização no mesmo lugar? Ele já deve ter um plano de contingência, se já não estiver longe nesse exato momento. Acorde, Adria, seu momento de ser heroína, morreu assim que você foi pega por eles!

— O chefe já estava esvaziando o armazém, assim que o informante lhe acusou. — Lutter comunica, me ajudando. — Escute o Kiran, o melhor é todos saírem daqui.

Ela respira fundo, ainda me encarando com ódio. E de repente deu um soco em meu maxilar, quase me derrubando no chão. Coloco a mão no queixo, ainda olhando para ela, mesmo sem protestar.

— Foi a primeira e última vez que mentiu para mim! — Ela apontou com o dedo no meio de meu rosto, desafiadora e nervosa. — Se fizer isso de novo, eu prometo que acabarei com você!

Pelo canto do olho vejo Lutter esconder o riso, comprimindo os lábios.

— Eu ainda posso matá-lo, Lutter — Ameaço, volto meus olhos para Adria. — Vai me matar? — questiono arqueando a sobrancelha.

— Não seria a primeira vez.

Ela sai raivosa, marchando até a lateral do carro, entrando pelo lado do passageiro, fechando a porta com agressividade.

— Boa sorte. — Lutter sussurra, caminhando para o lado oposto.

Sorte. Talvez precisássemos mesmo, já que poderíamos não sobreviver para contar a história, nem ela e nem eu.


BAKER


— Os agentes estão prontos, é só dar o sinal, chefe.

Confirmo com um gesto, terminando de fechar o colete a provas de balas.

— Temos tudo sob controle?

— Sim, senhor. Houve vigília nesse local e movimentação nos dias anteriores, algo está acontecendo e temos pistas para crer que é lá que eles se escondem. Naquela região há um enorme número de galpões e armazéns abandonados.

— Vamos logo, então.

Clain vem correndo até mim, ofegante, para um segundo com as mãos no joelho, tentando recuperar o fôlego.

— Diga de uma vez, Clain, parece que irá explodir.

— Senhor, um homem...deu entrada no Hospital Regional, em nome de Luigi Wenth, seu caso ainda não foi publicado pelos médicos, mas o nome apitou em meu sistema.

— Vamos agora para lá.

— Baker por que não deixa que eu e outro agente vamos até o hospital, enquanto você lidera a operação nos galpões? — Fisher diz.

— Por quê?

— Você está envolvido demais, sabemos que sua busca está com foco na agente Hamer.

— Está enganado, fique com o plano, agente.

— Chefe...

— Já dei minha ordem! — Digo saindo e arrastando Clain comigo.


Acelero o máximo até o hospital, caminho até a recepção pedindo informações e ao ver a relutância da recepcionista mostro meu distintivo.

— Vou levá-los direto ao médico responsável.

Atravessamos alguns corredores, parando em frente a porta de um dos quartos; assim que ela se abre e o médico sai, vejo Luigi deitado na cama, entubado, o corpo repleto de ferimentos e queimaduras.

— Doutor. — Digo mostrando meu distintivo do FBI.

— Agentes.

— O que houve?

— Ele chegou ao hospital muito debilitado, um homem estava passando pela estrada e o viu cambaleando pelo acostamento. Tem feridas de queimadura por ter ficado exposto ao sol, assim como um grande nível de desidratação. Os outros machucados são consequência de alguma luta ou tipo de tortura, nunca tinha me deparado com algo assim antes.

— Ele pode se comunicar? — Clain questiona.

— Ele recobra a consciência por vezes, mas acredito que no momento não conseguirão nada dele. — o médico anda até nós, ficando um pouco afastado do leito. — Esse homem foi vítima de uma selvageria, ele não pode falar.

— Como assim, doutor?

O médico nos encara por um momento. — Ele teve a língua dilacerada, cortaram um pedaço da língua. Mas antes de desmaiar ele escreveu algo para se a polícia procurasse por ele. Pela intimação com seus distintivos ao entrarem, sei que o recado é para vocês.

O médico vai até o pequeno sofá debaixo da janela, trazendo consigo uma folha de caderno. E nos entrega.

“Eles nos pegaram, Adria morta.”

Amasso aquela folha entre meus dedos, sentindo o ódio corroer minhas veias, filhos de uma puta!

— Doutor, tem alguma ideia de quando poderemos conversar com ele? — Clain pergunta tomando a frente.

— Acredito que ele ficará melhor quando acordar, mas não irá falar.

— Sim, eu entendo. Poderia nos fazer o favor de quando o agente Wenth recobrar a consciência entrar em contato conosco? — Clain estende um cartão preto com seus contatos para o médico que confirma com um gesto nos encarando e sai, seguindo para o lado oposto do corredor.

— Baker?

Soco a parede diversa vezes querendo que tivesse ali o rosto da pessoa que fez isso, o rosto da pessoa que arrancou a vida de Adria!

— Eles a mataram. — Anuncio após alguns segundo.


37


Meus olhos se abriram, mas continuei fingindo que estava dormindo. Kiran dirigia no meio da noite, a escuridão ao nosso redor dentro e fora do carro. Apenas o painel e as luzes dos carros seguindo caminho contrário me davam pequenos flashes de seu rosto. Mordi o lábio respirando fundo; o beijo, o atrevido teve coragem de me beijar, aquele lábio quente e robusto encaixando-se no meu, sugando o meu para si...

Reviro os olhos e o rosto, mantendo-me escondida de sua visão. Quando saímos do meio do deserto, voltamos para a cidade, Kiran parou em um pequeno posto de gasolina, trazendo alguns lanches do fastfood para nós, comemos avidamente, estava com tanta fome que ele deu sua metade para mim, rindo do modo que devorava até mesmo as batatas murchas. Dali, trocamos de carro.

Lembro do olhar divertido que ele me lançou antes de ameaçar socá-lo outra vez.

— De uma agente especial, condecorada e indicada para fazer parte da SWAT, virei uma ladrazinha de carro. — Tinha retrucado enquanto Kiran fazia a ligação direta.

Ajeito-me no banco, gemendo devido à dor dos meus ferimentos.

— Vejo que acordou. — Sua voz sussurrada no silêncio do carro continuava sedutora. Uma sedução errada, lembre-se Adria, ele continua sendo um criminoso!

Vejo-o encostar o carro na beirada da estrada, debruçando-se sobre mim.

— Quero dar uma olhada em suas costelas. Não me dê um soco. — diz sorrindo.

Ele empurrou minha camisa para cima, revelando centímetro por centímetro de minha pele, exibindo as contusões. Um grande hematoma e dois ligeiramente menores sobre minha caixa torácica. Seus dedos foram gentis, pressionando a contusão, mas me encolho mesmo assim. Indo para longe de seu toque, segurando um silvo entre os lábios.

— Porra!

Noto que ele cerra os dentes, desliza a mão para baixo, traçando levemente por minha costela. Estremeço. — O que está fazendo?

— Preciso ver se elas estão quebradas. — diz.

— Está aproveitando para me apalpar também? É logico que estão quebradas! — Minha tentativa de parecer durona foi destruída pela voz trêmula de dor.

Ele sorri. — Não preciso disso, quando te tocar novamente vai ser porque você desejou.

Estreito os olhos encarando seu rosto, abaixando a blusa. — Tenho pelo menos três costelas quebradas, todas devem estar no processo de conserto.

Kiran se endireita. — Sabe que teremos que quebrá-las novamente, né?

— Sim.

— Vou procurar um hotel para passarmos a noite, e amanhã, seguiremos viagem.

— Para onde vamos?

— Como disse, tirarei você do país. — Ele retruca, voltando a dirigir, tirando o carro da beirada, de volta para a estrada.

— Tenho uma coisa para fazer antes de ir.

Ele me encara, dividindo a atenção entre mim e a estrada. — Impossível.

— Tenho que resolver uma coisa antes de ir. — Digo de maneira firme.

Sinto-o bufar.

Pego um jornal abrindo na parte de crimes da cidade, mostrando a notícia. Meu nome grande e em negrito no meio da manchete. Entrego para ele, que apoia a matéria sobre o volante, acendendo a luz interna para ler.

— Sei que terá uma cerimônia. Baker não deixaria a falta de um corpo atrapalhar.

— Como pode saber disso? Quem é Baker, seu namorado? — sinto a forma azeda com que ele pergunta, principalmente a última parte.

— Sei porque ele fez o mesmo com meu pai. Meu pai foi morto em uma operação, infelizmente nunca encontramos seu corpo, apenas vestígios, Baker era parceiro dele na época. Sei que ele fará a mesma cerimônia para mim, porque é meu amigo, quase um pai. — Digo num suspiro, virando meu rosto para a janela, encarando a escuridão do outro lado, tão parecida com a escuridão que me corrompeu e se instalou dentro de mim.

— Adria, é muito arriscado, aparecermos assim é como colocar um alvo no meio de nossas costas.

— Eu preciso ir. Se não quiser ir, me deixe em qualquer lugar acessível que me viro.

— Upryamaya zhenshchina! — Diz socando o volante. — Mulher teimosa! — Acrescenta olhando em meus olhos, ao mesmo tempo em que dá meia volta na estrada, retornando para a cidade.

***

Vinte minutos depois, eu e Kiran chegamos na entrada de um hotel barato, ele deixou o carro roubado estacionado, andando rapidamente para dentro da recepção do hotel. Fico impaciente aguardando seu retorno. Acabo respirando aliviada quando vejo-o sair balançando as chaves do quarto.

— Um quarto para não fumantes. — Kiran diz assim que chego perto dele.

As luzes sobre nossas cabeças piscavam e apagavam conforme andávamos pelo corredor, passando por portas e mais portas fechadas. A metade lógica do meu cérebro estava realmente pirando, tinha acontecido coisas tão fodidamente piradas que o fato de me enfiar num quarto desse hotelzinho com Kiran, um possível assassino cruel, era até agradável.

Kiran me encara pelo canto dos olhos como se tivesse lido meus pensamentos, parando de frente para o quarto 305. Ele fecha a porta atrás de nós, dando uma olhada cautelosa pela janela, assim como por toda a suíte. Retira o moletom jogando-o em uma das cadeiras, chacoalhando os cabelos úmidos pela chuva que tínhamos pego.

— Não é como seu apartamento, — diz dando de ombros. — Mas vai servir para o propósito.

— Nem consigo imaginar quantas bactérias têm debaixo desse cobertor. — Sussurro.

— Já fiquei em lugares piores. — diz sumindo em direção ao banheiro. — Pelo menos tem sabonetes e toalhas. — Sua voz sai abafada de dentro do banheiro e logo o barulho do chuveiro ligado chega até mim.

Sento na ponta da cama, soltando um suspiro pesado. Kiran deixou a porta entreaberta e a luz se espalhava pelo chão, subindo pela parede oposta do quarto. De onde estava podia ver o pequeno e fraco reflexo dele dentro do banheiro; mesmo querendo fechar os olhos ou trocar de posição evitando quebrar sua privacidade, meus olhos não obedecem, fico hipnotizada pelo caminho que a água faz em seu corpo, descendo por seu abdômen, trilhando um caminho que muito tempo atrás tinha feito com minha boca.

Desvio os olhos quando a água para, me remexo incomodada na cama; pouco tempo depois, sai vestindo apenas seus jeans. Ele deixa a porta aberta, trazendo o vapor para dentro do quarto. Não precisava de outra olhada para confirmar o que eu sabia, Kiran não só tinha um ótimo físico de suas horas na academia como sabia usar cada parte do seu corpo para satisfazer uma mulher. Merda, Adria! Se minha mãe estivesse viva, diria para que eu controlasse minha periquita!

— Qual lado da cama você quer? — perguntou.

Dou de ombros. — Vou tomar um banho.

Ele me encara por um pequeno instante se jogando onde segundos antes eu estava sentada. — Nervosa?

Viro arqueando a sobrancelha. — Não. — Digo tão confiante quanto pude diante das circunstâncias. E as circunstâncias eram que eu estava mentindo através dos meus dentes.

— Você é uma péssima mentirosa! — diz sorrindo.

Kiran sai da cama com olhos predadores; agora eu consigo muito bem ver o tal Lobo incrustado em sua pele, não só na tatuagem que me encara pelo espelho pendurado na parede atrás dele, mas sim dentro de si. Meu corpo inteiro fica rígido. Minhas pernas não respondem ao comando para se afastar.

Ele para a dois passos de mim, estendendo as mãos lentamente entre nós, tocando o osso de minha clavícula, seguindo dolorosamente lento até meu pescoço; as pontas de seus dedos fazem pequenas cócegas no tracejar. Subindo por minha bochecha, parando em meu queixo. Engulo em seco, com os olhos cravados nos de Kiran, ele próprio respira lentamente, como se uma respiração mais profunda fosse me assustar. O que no caso não seria uma completa mentira.

— É melhor você ir tomar seu banho.

Concordo rapidamente, rompendo o contato visual que fazíamos, correndo para dentro do banheiro, trancando-me ali.

***

Kiran estacionou o mais longe possível, desligou o carro e me encarou. — Tem certeza?

Respiro fundo. — Sim. — Eu odiava cemitérios, odiava aquela aura sinistra que circulava por ali, mas eu precisava disso, precisava encerrar essa parte de minha vida, se as pessoas com que eu convivia estavam prontas para dizer adeus sem ao menos procurar uma única pista, a mim não restava nada. Muito menos ficar ali, naquela cidade, esperando um criminoso vir me apunhalar no escuro.

Aquela Adria, morreu. Eu fiquei cara a cara com a maldade mais crua do ser humano, eu vi de perto o inferno, até mesmo me queimei em seu fogo, descobri que naquele mundo esperança é a última coisa que aquelas mulheres tinham. Não tínhamos nomes, diferenças, nada... Éramos apenas peças no tabuleiro de milhões de dólares para eles.

Não houve distorção do mundo exterior, fui eu que abri meus olhos e vi por trás da cortina espessa entre o certo e o errado, eu que fui inserida em uma realidade tão presente e existente quanto o meu dia a dia, eu que decidi ficar na área cinzenta.

Saio do carro com Kiran bem atrás de mim, seguindo meus passos por entre as lápides, subo uma pequena escadaria me escondendo ao lado de um mausoléu. Faço sinal para que Kiran pare também.

Estávamos um pouco longe, mas as vozes chegam com perfeição até nós.

— Nada mesmo, nem uma pista foi achada dela, apenas sangue em um dos armazéns que Baker mandou invadir.

— Isso é foda, não sei o que é pior, ela ter morrido e estar numa cerimônia sem corpo ou a hipocrisia de Wenth sorrindo ao receber aquelas medalhas estúpidas!

Kiran e eu ficamos escondidos no mausoléu esperando até que as vozes estivessem longe o bastante para que saíssemos do pequeno esconderijo, a fim de olhar o que acontecia mais à frente. Mal percebo que ao ouvir os agentes falando sobre mim tinha pego uma das mãos de Kiran e estava apertando seus dedos entre os meus.

— Obrigado. — Disse abrindo e fechando a mão.

— Desculpe, eu... venha. — Desisto de me explicar e ando mais um pouco, escondendo-me atrás de outra lápide, essa era abrigada por uma imensa árvore, seria difícil nos ver ali.

Baker estava de cabeça baixa, ao seu lado Lilian segurando sua mão; vê-lo deu certo conforto em meu peito, mesmo sabendo que dos muitos que ali estavam, ele e sua esposa eram os únicos que eu realmente sabia que estavam sofrendo. Baker basicamente me viu crescer, esteve junto de meu pai, mais que um irmão legítimo ficaria, assim como Lilian era muito amiga de minha mãe.

Meus olhos recaem sobre Luigi e o ódio toma meu corpo. — Não deveria estar com raiva por ele estar vivo, sabia que ele era um rato, pedi muitas vezes para que o diretor trocasse meu parceiro... — deixo minha voz morrer.

— Ele não foi leal a você, Adria. Em nenhum momento, mas não posso culpá-lo, até os mais fortes já se acovardaram perto de Czar.

Encaro seu rosto. — Sabe que uma hora você vai ter que me contar tudo.

Ele confirma, evitando me olhar nos olhos.

Minha atenção é atraída novamente para o pequeno círculo em volta de um caixão vazio. Baker é o primeiro a colocar uma rosa branca em cima, Lilian vem logo em seguida e as pessoas os seguem, enchendo meu caixão com rosas brancas. Eu mesma coloco uma mentalmente, dizendo que não tem como ser mais aquela Adria, não tem como seguir em frente com a antiga venda em meus olhos, porque hoje, eu aceitei que fico mais confortável na área cinzenta.

— Vamos, temos que ir.

Respiro fundo, deixando tudo lá, virando de costas para o Estado falho, para a segurança tão medíocre que não protege as garotas de nosso país, muito menos tem poder perto de criminosos como Czar.


O restante do caminho é feito em completo silêncio, Kiran não me forçou a falar e eu agradeci, seguindo ao seu lado. Sabia que ele tinha dado um jeito de nos tirar daqui, por isso não me surpreendo ao entrar na pista de decolagem desativada, parando perto de um jato executivo. Shutterst, escrito de maneira grande e brilhante na lateral. Sua porta abre assim que Kiran estaciona, saindo um homem de lá.

Kiran desce, indo de encontro ao rapaz, dando um aperto de mão, era palpável a distância que ambos colocavam entre si.

Saio do carro, caminhando até eles. Não entendo nada do que falam, pelo visto é em russo, seu dialeto é rápido e enrolado, fazendo minha cabeça dar voltas ao tentar adivinhar.

— Adria, este é Orrel, ele irá cuidar de você, tudo que precisar peça a ele.

— Prazer, Adria.

Esboço um sorriso, ainda encarando Kiran.

Ele se afasta do tal Orrel, vindo até mim, novamente deixo que sua mão percorra do meu pescoço até minha bochecha, onde seus dedos param, segurando meu rosto. — My skoro budem vmeste, moya devochka.

Fico olhando, esperando que ele traduza o que acabou de dizer, mas singelamente sela meus lábios com os dele e apenas sussurra antes de dizer. — Nos vemos em breve. Não ouse socá-lo se fizer algo e não se separe dessa bolsa. — diz entregando-me uma pequena mala de viagem.


KIRAN


. — My skoro budem vmeste, moya devochka. — Foi a última coisa que disse antes de vê-la entrar no avião. — “Nós estaremos juntos em breve, minha garota”.

— Tome conta dela. — Ameaço.

— Pode deixar, logo entrarei em contato, meu chefe já escolheu o serviço que deseja. Espero que goste de praia. — Orrel brinca, me entregando uma pasta.

Claro, um traficante de armas iria querer o quê, além de matar um possível concorrente?

— México. — Afirmo.

— Beba umas tequilas está precisando. Está horrível!

— Orrel! — Alerto.

Ele se vira caminhando de volta para o avião rindo de minha falta de paciência. Ou de seu humor sádico para a quase morte.


Playa del Carmen. Coloco os óculos escuros no rosto, sentando no pequeno quiosque de palha, os coqueiros baixos, os quiosques de bebidas espalhados pela areia branca, além do mar, tão cristalino que dava para ver os peixes nadando ao seu redor.

— Buen día, señor Walsh, Un hermoso día para disfrutar de la playa.

— Sim, Helga. Ontem fiz aquele pequeno passeio pelo centro. — Digo em inglês. Apesar de Helga manter seu espanhol com os fregueses compreende muito bem quando falamos em inglês.

— Pero veo que volvió de nuevo solo, em todos estos días no encontro ninguma mujer para calaentar sus sábanas?

— Você é uma mulher abusada! — Digo.

Helga entra na brincadeira requebrando seu quadril em minha direção. — ¿ Lo mismo de siempre?

— Sim, por favor.

Analiso a praia mais uma vez, vendo meu alvo chegar acompanhado de uma loira escultural. Pelo visto, esse sim tem muito acalanto em seus lençóis! Guizar Valencia, ou como é conhecido em seu trabalho “Z43”, tem várias ordens de prisão por acusações de tráfico de drogas e armas, líder do cartel mexicano e ao que parece, não está muito preocupado com o fato de que a polícia está à sua caça, lógico que seriam poucos que se aventurariam para pegá-lo aqui, no quintal de sua casa, literalmente.

A questão é que Guizar pisou na bola com Axel Bergstedt, chefe do Orrel. Com meu pedido de favor para tirar Adria dos Estados Unidos em segurança, virei uma espécie de carta marcada, um pequeno código que criminosos usavam para dizer que a pessoa devia favores. E lá estava eu, estudando meu alvo, analisando depois de quantas bebidas ele saía totalmente trôpego da praia, sempre acompanhado de uma mulher, seguindo para sua casa à beira mar.

Eu poderia achar que o fato dele estar sentado na praia tranquilo, admirando e aliciando as curvas de sua acompanhante, que seria um alvo fácil, poderia colocar até mesmo uma pequena dose, nada mais que 0,04 nanogramas da toxina botulínica em sua bebida para que ele começasse a sentir paralisia respiratória e por consequência a morte, já que esse veneno age diretamente no sistema neurológico da vítima. Como ele não saberia o que o atingiu, não poderia administrar com rapidez o antídoto, a antitoxina trivalente equina.

Respiro profundamente, bebendo a bebida deixada sem que eu percebesse pelo garçom de Helga.

Mas sei que tudo que é passado para Guizar, primeiramente passa por seus homens escondidos, no caso eu não envenenaria meu alvo e sim um de seus homens, causando alarde e ele fugiria para se esconder.

Entrar na casa seria um pouco mais difícil; como eu sabia, os homens de Guizar estavam escondidos entre as pessoas, discretamente vestidos de turistas, apenas de olhos no chefe. Percebi isso depois da terceira vez que ele esteve nesta praia, um simples movimento entre os pedestres chamou minha atenção, confirmando minhas suspeitas.

Mas como todo homem ganancioso e prepotente, Guizar tinha sua falha: ele amava as mulheres e não se contentava em ficar apenas com uma, indo ele mesmo à caça no pequeno centro da Playa del Carmen. Ali seria minha melhor chance, um pequeno esbarrão, suficiente para que injetasse minha droga em seu corpo e pronto, ele cairia duro, seus homens atestariam que foi apenas um derrame, ou um infarto, pela quantidade de heroína e álcool que ele consumia.

Retiro o celular do bolso da bermuda florida de turista que visto, atendendo no terceiro toque.

— Serviço feito?

— Agradável como sempre. — Digo ainda de olhos em meu alvo.

— Entendo porque você se apaixonou por ela. — Orrel retruca do outro lado da linha.

— Se você tocou nela, eu juro...

— Guarde suas armas, primo, não fiz nada. Mas ela é como Baba Yagá22, pronta para me devorar.

— Deixe de ser medroso. Tudo correndo conforme o plano? — pergunto.

— Sim, ela está segura.

— Ótimo, logo estarei retornando. — Digo encerrando a ligação quando meu alvo se levanta, puxando a loira para si, saindo da praia. Espero um segundo, indo até o pequeno bar que Helga tem montado no meio da praia entregando o copo vazio.

— Usted tiene el corazón ocupado.

— Por que diz isso? — questiono ainda olhando meu alvo se afastar da praia.

— Porque Helga se da cuenta, y nadie nunca le toco como esa muchacha.

— Deixe de bobeira! — Digo com um sorriso no rosto.

— ¿ El hombre tonto, todavia volverá mañana?

— Sim, venho me despedir de suas bebidas.

Saio do pequeno quiosque de palha, pegando minha toalha na cadeira, jogando-a sobre o ombro seguindo para o centro, atrás de meu alvo. Em meu bolso, a seringa com a pequena quantidade de botulínica. Ando pelo centro admirando as pequenas barracas com peças produzidas pelos moradores locais, exatamente como Guizar faz mais à frente, a loira está tão deslumbrada pela ideia do dinheiro fácil que o arrasta para ver todo tipo de quinquilharia que vendiam, brincando no meio de lenços e chapéus extravagantes. Noto dois homens do lado oposto prontos para agir caso algo aconteça com ele, mas para quem é menos observador, eles não passam de turistas entediados.

— Preciso ir ao banheiro. — Escuto a voz fina e irritante da acompanhante dizer; ele sorri concordando, vejo um simples gesto que dá aos seus homens dispensando-os de segui-los. Essa é a chance perfeita, compro o bendito chapéu que o mexicano enfia praticamente em minha cara. Entrando no restaurante que eles entraram, atravesso o espaço repleto de mesas, seguindo para os fundos. Guizar ainda se agarrava com a loira no corredor dos banheiros, retiro a tampa da seringa ainda em meu bolso, escondendo-a em minha mão.

— Ui, fomos pegos! — A loira ri ao me ver entrando no corredor.

Sorrio colocando a melhor cara de homem safado no rosto, compadecendo com Guizar.

— Posso disser que os banheiros estão ocupados. — Digo em meu espanhol arrastado, mesmo sabendo que eles me entenderiam em inglês.

Guizar sorri apertando a bunda quase nua de sua acompanhante. Acertando um tapa, fazendo-a andar em direção ao banheiro masculino. Aproveito seu braço exposto para aplicar o veneno e quando ele reage à picada, me encarando ao me ver ajoelhado, aparentemente pegando algo do chão, peço desculpas dizendo que foi meu chapéu. Ele sorri acreditando, na verdade, esse chapéu além de ser espalhafatoso, tinha pequenas pontas de palha soltas ao redor.

Quando ele dá o primeiro cambalear, colocando as mãos na cabeça sei que em poucos segundos estará agonizando.

A loira volta desesperada, sacudindo o peito gordo de Guizar, pedindo socorro, mesmo que seja inútil. Aproveito a comoção dentro do restaurante para usar a saída dos fundos, me livro do chapéu e da camisa, e do short florido, ficando apenas com a regata branca, aderindo ao visual de sunga, seguindo no sentido contrário a toda a confusão.

“Está feito.” — envio a mensagem para Orrel.


39


Meu coração estava batendo em minha garganta quando entrei no avião. Eu estava em uma lata a 12 mil quilômetros de altitude com um completo estranho ao meu lado. Mal ousei respirar enquanto estávamos no ar. Dispensei todo tipo de conversa que ele tentou comigo, olhando sempre para a pequena janela ao meu lado. Por um momento, ele desistiu, indo se sentar no fundo do avião, e eu pude respirar aliviada.

Eu mal consegui dormir nas sete horas que levou para o avião chegar ao solo. Mesmo não querendo me render, eu estava preocupada com o fato de Kiran ter ficado nos Estados Unidos, ele estava sendo tão caçado quanto eu a essa altura.

— Vamos, garota problema. Vou deixá-la em segurança. — O tal do Orrel diz sorrindo ao parar ao meu lado. — Bem-vinda a Dingle!

— Dingle? — questiono.

Orrel se vira sorrindo, — Sim, Irlanda. Talvez não a Irlanda que todos procuram para suas viagens, já que todos procuram por Dublin, mas esse mísero pedaço de terra esquecido por Deus.

Ele abre a porta de um carro estacionado do outro lado. — Quer um convite real?

— Você chama isso de carro? — pergunto olhando com descrença para o carro minúsculo, com todas as dúvidas se ele aguentaria nos levar para onde quer que fosse.

— Confie em mim, pode parar um pouco nas subidas, mas chegaremos lá.

Dingle era verde e rochoso, a pequena estrada ao nosso redor era cercada de pedras. A vista era deslumbrante, as montanhas rochosas, a água ao fundo. Realmente a cidade parecia mais uma vila grande do que uma cidade, o centro era pequeno, exatamente como imaginei que seria caso um filme fosse filmado aqui. Depois de passar por mais um monte de rochas e estradas com pequenas poças d’água que espirravam lama no vidro do carro assim que passávamos, Orrel subiu uma pequena entrada, parando perto de uma casa à beira da água.

Uma senhora saiu de dentro da casa, com uma pequena cesta nas mãos. Orrel saiu do carro indo até ela, faço o mesmo, caminhando devagar pelas pedras, sentindo cada pequeno passo em minhas costelas doloridas.

Eles se comunicam em seu idioma, assim como Kiran tinha feito antes de se despedir de mim.

— Isso é arte sua? — a senhora dá um tapa na nuca de Orrel.

— Made, ad23! Isso não é encrenca minha!

Ela o encara por um segundo. — Qual seu nome? — pergunta se virando para mim.

— Adria.

— Entrem, logo começará a chover novamente, Deus sabe que esse tempo está maluco.

Ela me analisa, e sei o que ela vê, uma mulher com roupas esfarrapadas, até mesmo um pouco manchadas de sangue, assim como os hematomas espalhados pelo meu corpo.

Sua casa não era grande, mas quente e calorosa, uma enorme lareira aquecia a sala.

— Acho que tenho um quarto disponível para você.

— Ela precisa de um abrigo até seu queridinho aparecer.

— Kiran? — A senhora pergunta surpresa, virando-se para mim.

— Sim, é a protegida dele. — Orrel diz me olhando com um sorrisinho torto. — Por que a cara de espanto? Kiran foi criado por Madeleine, seria meio óbvio se não mandasse você para cá, é o último lugar que aquele satã do Czar viria te procurar.

Madeleine coloca as mãos sobre a boca. — Vou acompanhar você até o quarto, a casa é modesta, mas estará segura aqui. Quanto a você seu gryaznaya svin’ya24, suma daqui!

Orrel foi dançando até a fruteira, pegou duas maçãs e saiu correndo como um menino travesso quando Madeleine correu em sua direção com a mão armada para esbofeteá-lo.

Segui a senhora para dentro da pequena casa, ela entrou no quarto dos fundos, ajeitando a cama e sorrindo. — Aqui ficará bem, tem um banheiro e se sentir muito frio, uma lareira. Dingle pode ser cruel durante as noites.

— Obrigada.

— Pelo visto você não comeu nada e não tem roupas! Aquele merdinha esqueceu completamente a criação que lhe dei! — diz resmungando; ela sai do quarto, escuto barulho de portas se abrindo e fechando, e os passos pesados dela pela casa. — Aqui estão umas peças, são velhas e gastas, assim como eu. Mas servirão.

— Muito obrigada. Eu posso fazer uma pergunta?

— Claro, menina.

— Você conhece bem o Kiran, eu vi...

Os olhos dela ficaram marejados.

— Kiran é meu menino, mas mudou muito quando Czar colocou as mãos nele, era tão inocente, mas cresceu e com isso veio o interesse do pai. Se é que podemos chamar aquele d’yavol de pai! Porém, isso é assunto para depois, tome um banho tire essas roupas imundas e venha comer.

Confirmo com um gesto, sorrindo para ela.

Duas horas mais tarde, eu olhei para meu novo reflexo no espelho. Peguei uma tesoura com Madeleine e cortei meu cabelo que sempre estivera longo; agora, estava um pouco abaixo do ombro. É claro que isso não impediria as pessoas de me reconhecerem, a menos que passasse por algum método cirúrgico, mas iria camuflar durante um tempo. Também não tinha a intenção de me esconder para o resto da vida, muito menos ficar aqui esperando qualquer um aparecer. Poderia me virar com a quantia de dinheiro que Kiran entregou para mim e o celular descartável. Não poderia movimentar meu dinheiro, pois iria criar rastros de onde estou. Mas acima de tudo, eu queria vingança, matar Deany não foi o suficiente para mim, aceitar o fato que eu tinha fugido, protegida por Kiran enquanto aquelas garotas sofriam não era o que eu gostaria de me lembrar a cada vez que deitasse minha cabeça no travesseiro. Mas eu sabia que essa parte nunca sairia de mim, os gritos, os socos, sempre que fechava meus olhos e respirava profundamente sentia a respiração daquele verme sobre mim, viva, presente, como se estivesse aqui. Suas mãos percorrendo meu corpo...

— Você é minha. Ninguém encostará em você. — Kiran tinha dito.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia!

A porta do quarto se abre, e me faz pular de susto, tirando a arma que Kiran tinha me dado da cintura, apontando no meio do rosto vermelho de Madeleine.

— Sabe menina, — A voz de Madeleine falhou pelo susto. — Acredito que devemos chamar um médico para ver esses hematomas.

— Não. Ele fará perguntas, e isso atrairá atenção, logo, é tudo que não quero.

Visto o casaco pesado sobre a cama, escondendo meus ferimentos de seus olhos, os olhos azuis envoltos por rugas pela idade eram questionadores, varriam meu rosto e meu corpo.

— Que eles queimem no mais profundo inferno!

— Eles queimarão. Muito em breve. — Sussurro minha ameaça velada.

***

Os dias se passam de maneira lenta, não que tenha alguma coisa extraordinária para fazer, todos os dias Madeleine seguia a mesma rotina, acordava bem antes do sol nascer, cuidava das galinhas e colhia algumas verduras no quintal. Depois, as panelas começavam a chiar e assim ficavam até o jantar. Às vezes, quando eu acordava de manhã, não tinha certeza de onde estava, às vezes eu até mesmo pensava que estava de volta aos Estados Unidos. E por vezes, os gritos em minha mente eram tão fortes, tão perturbadores e as mãos passando pelo meu corpo eram tão ásperas e nojentas que mal conseguia respirar.

Muitas vezes eu acordava sem ar, suando frio, sentindo dor em meus ossos. Não tinha me imposto uma rotina, ajudava Madeleine em casa com algumas tarefas, mas no restante do dia passava explorando a cidade, sempre olhando ao meu redor, parecia que o medo de ser seguida ou caçada nunca iria parar, o que fazia os pesadelos virem cruéis para cima de mim.

Entro em casa deixando sobre a mesa de jantar os legumes que tinha acabado de colher antes da chuva cair como um pequeno dilúvio do lado de fora. A panela chiava com algo borbulhando dentro do caldeirão e a cozinha sinceramente fedia a galinha e pimenta.

— Espero que você não seja vegetariana.

— Não.

— Logo o solyanka25 estará pronto.

— Madeleine, eu vi uma fotografia de um garoto. Você tem filho? — questionei meio sem graça. Não queria que ela pensasse que estava sendo abelhuda.

Ela sorriu. — Não de krov’; “de sangue” como vocês costumam dizer. Mas sim, considero Kiran como meu filho, é ele que você viu nas fotografias, meu menino mirrado.

— Ele é filho de Czar?

Aquilo parecia tão surreal para mim, de todos os homens que nunca imaginaria com compaixão para se ter um filho, Czar com certeza não estava nem em último na lista.

— Kiran foi adotado pelo senhor quando ainda era muito novinho, foi encontrado com fome e frio na rua, um mendigo pobrezinho. Criei Kiran como filho, Czar, sempre esteve solteiro depois que a senhora faleceu. Que Deus me perdoe, mas ela está bem melhor agora do que ao lado dele, a pobrezinha apanhava dia sim e outro também daquele satã.

— Kiran sempre... você sabe?

— Nunca, devushka!

— Devushka? — pergunto tentando reproduzir a pronúncia correta.

— Menina, perdão. É o costume. Meu menino Kiran era um amor de criança, mesmo novinho nunca deu um trabalho, mas quando foi se tornando um rapazola forte, senhor Czar fincou os olhos nele como uma águia faminta. O menino sumiu por dias e quando voltou não tinha mais nem uma sombra de alma em seu corpo, ele foi sugado, pouco tempo depois estava seguindo o pai como um de seus homens. E então eles se mudaram, foram para a América.

— E o Orrel? — pergunto ainda mais curiosa.

— Aquela merdinha é sobrinho de Czar, seu pai foi morto quando ainda era um menino e basicamente corria atrás do tio, ansioso por aprender tudo que ele poderia ensinar.

— Aposto que não foram bons ensinamentos. — Afirmo baixinho.

— Até mesmo o satã é um bom professor, minha querida.

— Madeleine, você acredita em redenção? — faço minha última pergunta pensando especialmente em Kiran, nos momentos que passamos juntos antes de toda essa loucura acontecer, antes de sermos brutalmente corrompidos, antes de me ferirem tão fundo que o único sentimento que floresce dentro de mim seja vingança.

— Kiran ama você, se é isso que está com dúvidas, se um dia meu menino arriscou a cabeça, contra até mesmo o pai e tudo que foi ensinado e punido para fazer durante a vida... Então, garota, você é especial para ele. Mas ele é especial para você? — ela questiona se levantando da mesa, dando atenção para suas panelas.


KIRAN

 

— Não seja um covarde. Acerte logo esse bicho no meio do crânio!

A fumaça de seu charuto me cegava e fazia tossir. Sempre odiei aquela fumaça, aquele gosto amargo que ficava no fundo da garganta quando inalava aquilo.

— Madeleine quer cervo para jantar, então você matará!

O cervo parou de comer, encarando-me com olhos assustados, mas não fugiu. Ele poderia ter fugido. A arma em minhas mãos tremia, o que fazia somatória ao seu peso e eu mal conseguia segurá-la.

— Papa, não quero machucá-lo. Made vai entender. — Contive o choro que esmagava minha garganta, homens não choram e meu pai me daria uma surra se visse uma lágrima saindo de meus olhos. Mas só de imaginar eu atirando na cabeça do pobre cervo e o sangue banhando sua pele já sentia meu estômago pronto para vomitar.

Os dedos de meu pai se fincaram com mais força em meu pescoço. — Vamos!

Fuja! Fuja! — dizia em minha mente, mas o cervo estúpido ficava ali, dando boas-vindas para a morte.

A arma foi tomada de minhas mãos, papa engatilhou e o disparo foi feito. O pobre cervo nem teve tempo de pular para longe, meu pai era bom naquilo, já tinha o visto atirar em um homem, ele era bom.

— Procure outro! Só sairemos daqui quando você matar seu próprio cervo! — diz empurrando a arma para mim. — Seja homem, Kiran!

Merda de recordações! Merda de lembranças!

Estava na hora de buscá-la.

***

Ando pelo centro de Dingle despreocupadamente, não preciso procurá-la, sinto em meu corpo, sinto espalhado em minhas veias quando Adria está perto. O tempo frio faz com que as pessoas apertem seus casacos em torno de si, protegendo-se do frio e do vento cortante que atravessa as ruas estreitas.

Já havia passado na casa de Madeleine e sabia que Adria estava pelo centro, mas mesmo sabendo que uma hora ou outra eu cruzaria com ela, não fui capaz de diminuir a vontade de tomá-la para mim, assim que a vi virando a esquina, a rua estava apenas iluminada pelas luzes do poste e ela torcia constantemente o pescoço olhando para trás, aquilo me colocou em alerta. Orrel não tinha dito nada sobre ela estar em perigo, muito pelo contrário, fiquei um tempo longe acreditando fielmente que ela estava bem.

Entro num pequeno beco entre as lojas ainda com os olhos colados em Adria, apesar do gorro na cabeça ela tinha cortado seus cabelos e algo no jeito como se movimentava ou como eu via seus punhos se fecharem dentro do bolso do casaco irradiava raiva, irradiava medo. Assim como eu, quando tocados pela podridão do mundo, quando vislumbramos entre o famoso preto e branco, certo e errado, somos modificados, algo se perde no caminho. Eu só desejava que ela não tivesse se perdido.

Ela não me viu sair do beco, parando no meio da calçada, por isso seu corpo se chocou com o meu; segurei firme em sua cintura, evitando que nós dois caíssemos. Mas aquilo a assustou, seu corpo tremia e se debatia em meus braços, Adria dá um pisão forte em meu pé fazendo com que eu a soltasse e ao olhar para cima estava dois passos para trás com a arma apontada para mim.

— Eu deveria matá-lo! — Diz apontando a arma no meio de meu rosto.

— Sim, você deveria. — Sussurro.

Nossos olhares estavam fixos, cada pequeno gesto que ela fazia era captado por mim, a leve comprimida nos lábios que deu ou como engolia em seco, totalmente apreensiva, ou como por detrás de todo o ódio em seu olhar tinha um desejo, um fogo.

— Mas sabemos que não vai. — Digo caminhando lentamente até ela, parando tão perto que sentia o metal frio da arma tocando meu nariz.

Aquele pequeno segundo de excitação era tudo que eu precisava, arranquei a arma de suas mãos, guardando no cós de minha calça. Puxando Adria para mim, nos enfiando no pequeno beco escuro, prensando seu corpo na parede de tijolos. Reivindiquei sua boca em um beijo feroz que a fez ofegar, minha língua deslizou entre seus lábios e mesmo com a relutância dela, sua boca se abriu recebendo a minha. Suas mãos encontraram caminho até meu cabelo, puxando, juntando e querendo mais perto e até mesmo querendo me empurrar para longe. Adria enfrentava suas próprias batalhas, assim como eu, mas o lobo sedento de saudade daquela boca, sedento de sentir seu corpo em minhas mãos pedia, exigia mais.

Agarro sua cintura, erguendo-a, suas pernas demoraram para se enrolar em minha cintura, meu corpo queimava em luxúria, meu pau reivindicava sua atenção, roçando na intimidade de Adria, fazendo-a derreter um pouco mais.

Por um momento, eu queria de forma tão ofuscante transar com ela, mostrar que ela pertencia a mim, queria fazer amor com ela, com tanto desejo que esqueceria todo resto. Mas a visão de vê-la amarrada quase sendo abusada por Deany vem com força em minha mente, agarro sua cintura, fazendo-a soltar as pernas, apoiando-a sobre os próprios pés. Meus dedos roçam sua pele macia, tocando seu rosto, feliz por não ter mais nenhuma marca do que sofreu.

Somente minha, de agora em diante. — Penso antes de interromper nosso beijo.

Ela ficou tensa, sinto. Não lutou ou questionou porque parei, não fez nada.

— Vamos para casa. — Digo calmamente, seu pulso acelera sob meus dedos, ao descer a mão sobre a sua, juntando-as. Ela não retirou a mão como esperei, muito pelo contrário, continuou com nossos dedos entrelaçados ao caminhar para longe do centro de Dingle.

***

Ainda lutava contra o sono, me revirando no pequeno sofá que Madeleine disponibilizou para que dormisse.

— É bom tê-lo aqui, menino.

Ergo a cabeça, segurando o riso ao ver Madeleine como me recordava na infância, os bobes no cabelo, o roupão apertado no meio da cintura e as meias altas nas panturrilhas.

— Por favor, Made, tente não tomar um tiro caso use aquela sua máscara de dormir!

Ela estreita os olhos me xingando em russo de nomes bem cabeludos a caminho de seu quarto. A porta do quarto onde Adria dormia estava entreaberta, se apurasse meus ouvidos poderia escutar ela se remexendo na cama, assim como sua respiração pesada.

Levanto do sofá, caminhando silenciosamente até a porta, espreitando por entre a fresta. Ela estava virada de costas para a porta, as cortinas abertas traziam a luz da lua até ela, assim como podíamos escutar o pequeno vai e vem da água batendo nas pedras.

Entro no quarto, amaldiçoando uma tábua que range ao meu peso; inferno de casa velha! E então, lá está, Adria me olhando diante da escuridão.

— Desculpe, só queria ver como estava.

— Não consigo dormir. Vem.

Seu pedido me petrifica, fico parado no lugar analisando se tinha ouvido direito.

— Vem. — Pede novamente.

Eu estava completamente e totalmente ferrado com essa mulher.

Entro debaixo das cobertas e as puxo até o queixo, a cama de solteiro não deixa muito espaço para mim, fazendo com que metade do meu corpo pendesse para fora. Ela se aninha de costas, respiro fundo sentindo o calor do seu corpo ondular até mim.

— Nem sequer pense nisso. — diz calmamente, em advertência.

— Não tenho controle sobre isso. — Rio contra seu pescoço, pensando nas coisas mais broxantes que poderia nesse momento.

Ela mesmo ri, se aconchegando melhor na cama. Sua respiração lentamente se torna profunda e seu corpo amolece contra o meu.


Estava tendo um sono sem sonhos, eram raros os momentos que eu tinha sonhos, nem mesmo pesadelos, mas algo mudou, a impotência selou meus braços, um peso enorme se fez em cima do meu tórax, uma mão fina agarrava meu pescoço, fincando as unhas em minha carne, mas foi o primeiro soco que realmente me acordou.

Adria tentava me estrangular com uma das mãos enquanto a outra desferia socos para todos os lados, os gritos de medo preenchiam o quarto. Viro de posição com dificuldade, jogando-a no colchão ao meu lado, vendo que ela estava dormindo. Era um pesadelo.

Seu corpo convulsionava, sofria espasmos e lutava contra algo ou alguém que lhe fazia mal. Na tentativa de acordá-la, balançando seu corpo enquanto chamava seu nome, balanço-a suavemente, mas ela firma ainda mais o aperto em minha garganta acertando um soco em meu nariz.

— Porra! — digo sentindo o líquido quente escorrer. — Adria! Pare! Pare!

A mulher tinha virado uma máquina de matar, estava realmente conseguindo me asfixiar e eu estava lutando em controlar minha força para que não a machucasse. Encaixo dois dedos atrás do osso de sua clavícula fazendo um pouco de força, o que faz com que ela recue e solte meu pescoço. Adria abre os olhos, desorientada e perdida. Dando uma olhada ao redor, percebendo que estava em cima de mim e o que tinha feito.

— Quanto tempo faz que realmente não dorme? — pergunto constatando o óbvio. Adria vinha tendo pesadelos, lógico que sua forma de os combater seria não dormir ou doutrinar seu corpo para que não entrasse no estágio mais profundo do sono, onde sua mente literalmente voava livre.

Deito seu corpo ao meu lado, firmando meu braço ao redor de sua cintura, sua cabeça descansa sobre meu ombro, assim como sua respiração vai aos poucos se acalmando.

— Mil desculpas, Kiran. — Ela cochicha, envergonhada.

— Não peça. Há quanto tempo você não dorme? — pego-a pelo queixo fazendo uns carinhos ali.

Ela faz um sinal de negativo com a cabeça, saindo de meus braços. — Não muito. Quero voltar.

Sento na cama ainda encarando seus olhos. — Adria, sabe que isso é como colocar um imenso alvo nas costas, certo? Matamos homens dele, somos uma ameaça ao seu império sujo.

— Eu tenho assuntos a resolver.

— Aquelas garotas estão perdidas, já disse isso. Deixe de ser teimosa! — Retruco irritado.

— Mesmo que eu salve aquelas meninas, mesmo que eu tire todas do poder dele, isso nunca acabará, ele sequestraria novas garotas, sempre teria uma nova Adria sofrendo nas mãos dele. — Adria respira fundo, olhando em meus olhos. — Eu quero vingança, eu preciso de vingança. E isso só será capaz se eu arrancar a cabeça da cobra, não adianta matar apenas os filhotes!

Eu sabia o que ela estava querendo dizer, Adria queria a cabeça de Czar na bandeja, sinceramente seria um plano inútil, em todos esses anos nunca vi um inimigo chegar sequer perto dele. Eu não estava disposto a perdê-la por um plano maluco.

— Vingança é um caminho sem volta. — Digo sério. — A partir do momento que você apertar o gatilho contra alguém, sua alma se perde, você não será mais a Adria, você não conseguirá viver com isso; conseguiria viver com sangue em suas mãos?

— Eu não sou a mesma e já tenho sangue em minhas mãos.

O silêncio domina por alguns segundos. Até que eu o quebro. — O que você planeja?

— Quero que o FBI saiba exatamente o que acontece ali, o que acontece com aquelas garotas, quero que cada galpão imundo seja invadido. Tenho uma pessoa de confiança e preciso da sua ajuda para isso.

— Você tem noção que se eu aparecer, se deixar de ser um fantasma serei o primeiro a ser preso? Adria, eu posso ser até humano com você, mas já fiz muitas coisas ruins, se você acha que tem sangue nas mãos... — Solto um pequeno riso irônico. — Eu tenho um passado, nada bonito, nada limpo ou moralmente aceito como o seu. Fui criado pelo demônio e por muitos anos segui seus passos.

— Não quero que seja preso, só preciso que envie pistas, pistas exatas de como eles podem chegar até eles, Baker irá saber que sou eu, ele saberá interpretar as pistas.

Respiro fundo, deitando na cama, colocando o braço sobre os olhos. Aquele plano era insano e poderia dar tudo errado, inclusive, eu perder Adria para sempre.

Sinto o colchão se mexer e o calor do seu corpo perto do meu, sinto que está chateada, provavelmente pensando que não aceitaria seu plano. O que essa ved’ma26 não sabe é que eu voltaria para o inferno por ela.

— Eu vou com você. Por raios, vamos executar esse plano maluco! — Sussurro na escuridão segurando a mão de Adria debaixo do cobertor.

— Como você... — disse no escuro, fazendo-me abrir os olhos, abandonando o sono.

— Como eu vivo com tudo isso? É difícil ver as coisas extremamente como erradas e certas, sei tudo que fiz de errado e cada alma que mandei para o inferno. Algumas mereciam estar ali, outras tenho marcas de arrependimento até hoje. No final, você aceita que não é mais como as pessoas que vê nas ruas, no fim, aceita que ultrapassou a linha tênue e sobrevive.

Ela se vira, de frente para mim no escuro. Eu podia ver o branco de seus olhos e o contorno de sua cabeça, mas não muito mais que isso. — Agora entendo porque todos te chamam de Lobo.

— Ele é uma parte de mim, um monstro que habita meu ser, o mesmo imã que há em mim, puxando-a para a escuridão é o mesmo que há em você e me puxa para uma parte mais luminosa.

— Quantos anos você tinha?

Apoio a cabeça em meu braço, a ponta de meus dedos correndo livres por seu braço, gostando do arrepio que sua pele apresentava. — Perto dos onze anos, Czar descobriu que abriguei um cachorro de rua, poucos dias depois o cachorro apareceu sem cabeça no meio do quintal.

— Que coisa horrível!

Sinto meus pensamentos distantes, passando por lugares e lembranças que há muitos anos não venho visitando. — Nesse dia tomei uma surra tão grande que levei um bom tempo para me recuperar. Mas ele já mostrava pequenos indícios do que queria para mim, durante a infância.

Sinto ela reprimir a respiração.

— No início eu queria provar para meu pai que não era um bastardo, queria que ele me visse como seu igual, não como um menino franzino que tirou das ruas, queria provar que era forte e uma vez que comecei a ser temido até mesmo por seus homens, homens mais velhos que eu, parecia um desperdício desistir.

— Deixe esse assunto para lá, moya devushka. — Sussurro perto do seu rosto.

— Garota! Você me chamou de “sua garota” aquele dia e agora. — Ela diz.

Sorrio em meio a escuridão. — Made andou ensinando algo a você!

Dou um beijo demorado em seus lábios, sentindo vontade de agarrar seu corpo... e mesmo que as mãos de Adria tenham novamente se embrenhado em meu cabelo, eu interrompo. Respirando fundo e agradecendo pelo milagre do autocontrole.

— Durma bem, moya devushka.


Não sabia em que momento as coisas tinham se invertido, em que momento Adria veio sedenta para cima de mim, segurando meu pescoço e enfiando a língua dentro de minha boca, para de forma veemente, acariciar e roçar seu corpo no meu, como se quisesse fazer fogo com o atrito que causava. Minhas mãos foram para suas nádegas, puxando uma de suas pernas para cima de meu quadril, fazendo um pequeno círculo com o quadril, roçando em sua intimidade, apenas cueca e calcinha nos separavam de um contato direto, mas nos esfregávamos como se tivéssemos um dentro do outro. Parecia mentira vivenciar isso depois de sair de um tornado repleto de abusos e agressões. Empurro meu corpo contra o dela, beijando seu pescoço, sugando seu queixo e sua língua. Pressionando o quadril na intimidade de Adria.

— Tem certeza? — pergunto ofegante.

Horas antes ela estava imersa em pesadelos, não queria... porém, assim como cortou meus pensamentos, Adria calou minha boca, puxando-me para ela, soltando sua feitiçaria sobre mim. Não me preocupei em tirar a calcinha dela, arranquei-a assim como fiz com minha cueca, passando meu pau por sua entrada úmida e sedenta, acomodando novamente uma de suas pernas em meu quadril fui penetrando Adria com calma, salivando para tê-la em minha boca, mas outro momento surgiria. Eu iria fazer amor com ela, mesmo que nada soubesse sobre isso. Adria gemeu baixinho mordendo meu ombro enquanto eu a penetrava, volta e meia encarava seu rosto, verificando se estava tudo bem. Controlando o lobo dentro de mim, sedento por mais, sedento por fodê-la.

Saboreio cada pequena investida que dei, aquela posição me dava acesso ilimitado de seu corpo, poderia apertar sua bunda conforme penetrava sua boceta ou chupar seus deliciosos seios, fazendo-a jogar a cabeça para trás de tesão.

Sentia seu órgão palpitar em torno de mim, fechando as paredes ao redor de meu pau. Adria abraçou meu corpo apertando a perna contra minhas nádegas, incentivando-me a continuar, os choques de carne contra carne, do excitado contra o excitado preenchiam o pequeno quarto.

— Adria...

Ela crava seus olhos em mim, puxando meu pescoço para um beijo, enroscando sua língua na minha. Adria beijou a tatuagem em meu peito, meus ombros, passando a língua por meu pescoço, completamente entregue a mim. Assim como eu estava disposto a entregar meu corpo em seu nome, minha vida a ela.

Ambos lutavam pelo orgasmo, sentia o dela brotando em seu interior como um redemoinho que levava tudo que estivesse pela frente. E na última e poderosa metida, levou ambos ao delírio; vê-la arquear a cabeça para trás fechando os olhos de prazer, foi o ponto máximo para me levar ao êxtase.

Sustentei seu corpo com força entre meus braços, fechando os olhos ao controlar a respiração. Talvez Adria pudesse se tornar minha última esperança de rendição.


41


Era estranho voltar, era como tentar juntar as peças erradas do quebra cabeça.

— Ficaremos bem aqui. — Kiran diz, dando um beijo casto em minha têmpora.

— Posso sentir cheiro de testosterona. — Brinco olhando para o pequeno apartamento totalmente masculino.

— Aqui foi por diversas vezes um grande refúgio, ninguém desconfiará que estamos aqui. Está segura.

— Meio estranho dizer isso, se tenho o plano de invadir a casa de seu pai. — Deixo minha voz morrer, sentindo que falei demais.

— Ei, não tem problema! Tudo bem. — Kiran diz, me abraçando por um momento. — Vou dar uma olhada pelo lugar e colocar essa mala em nosso quarto.

Confirmo sorrindo.

Nunca pensei que um dia eu me apaixonaria pelo lobo mau!

— Precisamos repassar o plano. — Digo sentando na cama após o jantar.

Kiran confirma, colocando a faca e a arma debaixo do travesseiro, já tinha me acostumado com isso, era algo que o fazia dormir tranquilo.

— Aqui estão as mensagens para você enviar junto com as pistas para o FBI e aqui o endereço de Baker. — Entrego um envelope pardo para ele.

— Tem certeza que isso funcionará? — questiona descrente.

— Sim, Baker irá assustar no primeiro instante, mas ele sabe que eu sou a única que sabe sobre essas coisas e a única que se atreveria a chamá-lo assim.

— Tudo bem.

Passo a mão pelo seu rosto atraindo seu olhar. Eu tinha planejado isso um milhão de vezes em minha mente, e em todas as respectivas falhas, sabia que não partiria apenas de Baker a decisão de seguir aquelas pistas, o FBI recebia milhares de pistas e ligações falsas, mas Baker daria um jeito para que isso se realizasse. Assim como sabia que seguindo meu plano, Kiran não ficaria nem perto da linha de tiro.

— E quanto ao Czar?

— Eu vou com você, não me importo que o mate, mas de maneira nenhuma deixarei que fique sem segurança. Como disse, a última coisa que ele desconfiaria é que alguém entraria em sua casa para tentar matá-lo.

— Acho que temos tudo pronto. Prometa que não fará nada imprudente? — pergunto puxando seu corpo para o meu.

Kiran se deitou, me levando com ele, fazendo pequenos carinhos em minhas costas e nuca. — Estarei sempre aqui, pelo tempo que desejar.

Estremeço em seus braços, beijando seu peitoral. Não conseguia mais viver um dia sem a presença de Kiran, por mais doido que isso fosse.

— Descanse, amanhã será um longo dia. — Diz desligando a luz do abajur, então se inclinando para mim, beijando minha têmpora. — Durma.


Na manhã seguinte demos início ao plano, acordei com Kiran movendo-se pelo quarto, o barulho de água caindo e logo depois ele surgindo com a toalha presa no quadril e o corpo úmido do banho recente. Ele não percebeu que já estava acordada, por isso deu um belo espetáculo mostrando sua bunda firme para mim ao se trocar.

O sorriso apareceu em seus lábios quando se virou e percebeu que o admirava. — Não deveríamos levantar?

— Acho que temos algum tempo.

Ele andou em direção à cama sem outra palavra, meus olhos seguindo cada passo que ele dava, o olhar de cima a baixo transparecia a fera incrustada em si, seu olhar tinha fome. Kiran me puxou para baixo e me beijou, suas mãos acariciando levemente minhas costas, fazendo a pressão entre minhas pernas aumentar gradativamente.

Sua boca se fechou ao redor de meu mamilo, a blusa que havia me emprestado na noite anterior estava enrolada entre meu pescoço e meus seios. Mordiscando e lambendo, antes de passar para o outro e esbanjar a mesma intensidade. Meu pulso estava acelerado, Kiran continuou sua pequena demonstração de um bom dia, lambendo uma trilha até meu umbigo. Sabia pelas pequenas paradas e as olhadas repentinas que ele me dava, que estava verificando como eu estava. Ele ainda me acalentava algumas noites quando os pesadelos tomavam minha mente, assim como me ensinava a doutrinar minha mente para evitá-los.

Agarro um punhado de cabelo, incentivando-o. Com um sorriso malicioso, Kiran move-se entre minhas pernas, empurrando suas mãos abaixo de minhas nádegas e então pressiona a boca em minha carne aquecida. Mordo os lábios gemendo baixinho, erguendo meu quadril contra sua boca. Ele mergulha ainda mais sua língua na minha abertura, desenhando círculos suaves com a ponta da língua, beijando meu clitóris de maneira gentil, enviando espasmos pelo meu corpo. Sua língua deslizou pela minha coxa, mordendo levemente. Os dedos de Kiran se moveram de dentro para fora em um ritmo deliciosamente lento, já não conseguia imaginar maneira de ficar mais excitada e molhada do que estava agora, meu quadril ia ao seu encontro, o que fazia ele ir mais fundo em mim.

— Você quer que eu pare? — ele lambeu minha coxa, sorrindo como um animal encontrando meu olhar.

— QUE PERGUNTA ESTÚPIDA! — gritei em meio ao gemido longo que escapou de mim.

A gargalhada rouca e quente contra minha intimidade me fez puxá-lo para cima, sentindo seu pênis escorregar entre os lábios vaginais, esfregando-se em meu clitóris. Seus olhos pareciam me perfurar, tentando revelar os seus mais profundos e sombrios segredos. Escorregando polegada por polegada para dentro de mim, sua boca reivindicou a minha, tomando posse quando finalmente se enterrou por completo dentro de mim. Seu pênis entrava de maneira dura e profunda, enquanto ele sussurrava coisas em russo em meu ouvido, me fazendo gemer. Nossos olhares se encontraram novamente e eu sabia que por mais insano e errado que isso pudesse parecer, dificilmente conseguiria fugir do que estava sentindo, e isso até me apavorava, meu coração batia forte dentro do peito, assim como minha respiração estava irregular.

— Estou feliz que você seja minha. — Sussurrou beijando meu ombro.

O pesadelo vivido se tornou nossa casa, se tornou um lugar nosso, entrelaçando nossas realidades fodidamente instáveis.

Nós nos apaixonamos. No mais improvável dos momentos, nos amamos em meio ao caos.

***

— Adria?

Paro de encarar a pequena entrada, olhando para os olhos de Kiran no escuro do carro.

— Eu tenho certeza. — Digo confiante, sentindo a onda de raiva me inundar, sentindo a vingança cegar meus olhos.

Kiran confirma em silêncio, entregando-me minha faca e uma arma.

— Como conseguiu? — pergunto admirando confusa a faca de meu pai.

Ele dá de ombros. — Tenho meus métodos, o que você disse sobre aquele Baker estava correto, ele passou o dia comovendo o FBI a seguir a primeira pista.

— Eles invadiram? — pergunto virando-me no banco.

— Ainda não, mas colocaram alguns agentes no local.

— Vigilância.

— É.

— Kiran? — chamo-o, trazendo sua atenção para mim. — Você não precisa entrar... sei que ele é seu pai ou pelo menos criou você como se fosse...

Ele segura minha mão, levando até seus lábios, dando um beijo. — Sou órfão, lyubov’27. Czar tem apenas um homem com ele, como disse, é presunçoso e sabe que ninguém o desafiaria no território dele. Conheço o capanga, ele dá voltas na propriedade a cada dez minutos, quando tiver no jardim da frente eu o pego. Assim teremos acesso livre à casa.

Concordo, voltando minha atenção para a entrada da casa.

Kiran travou sua arma colocando-a na cintura, segurando firmemente sua faca. Ao caminhar silenciosamente até a entrada da casa, nos escondendo e esperando o melhor momento, pude notar que o homem em minha frente não era mais o Kiran amoroso que vinha convivendo, ele era seu alter ego, Lobo, frio e impiedoso, a expressão da própria morte.

Quando dei por mim a ação toda já tinha acontecido, como se eu tivesse numa espécie de câmera lenta. O homem fez a pequena curva no jardim, dando de cara com Kiran, ele mal teve tempo de puxar a arma de seu coldre, Kiran jogou o homem maior que ele contra a parede, esmagando sua jugular cravando a lâmina abaixo de seu queixo, perfurando o cérebro. Engasgo, pressionando meu corpo contra a parede, meus olhos correndo da faca para o rosto do capanga. Kiran arrasta o corpo em direção ao chão, escondendo atrás de uma moita, deixando a faca ainda cravada no homem para que o sangue não jorrasse.

— Você está bem? — perguntou virando-se para mim.

— Sim. — Murmuro.

Ele conferiu as próprias mãos antes de puxar meu rosto em sua direção. — Se for pesado... merda Adria, eu avisei sobre isso!

— Eu estou bem, tá legal. Só foi rápido demais. Vamos em frente.

Ele confirma dando um leve selinho em minha boca.

Kiran andou em direção ao corpo, puxando lentamente a faca para fora, e então saiu do caminho antes que o sangue pudesse espirrar em si. O mesmo não poderia dizer do jardim e do capanga, que logo ficaram encharcados de sangue.

— Fique escondida aqui, vou me certificar que não tem ninguém.

Kiran não espera pela minha confirmação desaparece dentro da casa, os segundos vão se passando e a preocupação pinta meus pensamentos. O que me faz respirar aliviada é vê-lo sair e vir até mim.

— Tudo limpo, ele está na sala de jantar, é nos fundos, apenas siga o corredor, tem certeza que não quer que eu faça?

— Sim.

Entro na casa, olhando tudo ao meu redor, Czar não poupava o dinheiro que ganhava de maneira suja, sua casa era devidamente decorada, móveis de aparência cara enfeitavam a sala de estar, assim como quadros faziam o corredor parecer um pequeno vislumbre de um museu. Tiro a arma da cintura destravando-a, minhas mãos tremem ao segurá-la, respiro fundo antes de entrar na sala da qual Kiran tinha falado, a mesa estava exposta com um verdadeiro banquete, as cadeiras altas e luxuosas em volta e na cabeceira da mesa, o Czar.

— Nem tente pegar uma arma. — Digo de maneira fria, apontando a arma para seu rosto.

Ele sorri, abaixa o jornal que estava lendo, deixando ao lado do prato.

— Vejo que meu bichinho finalmente chegou. Você demorou, mas estava esperando que viesse com aquele traidor.

— Cala a boca! — Grito dando um passo em sua direção, olho pela sala vendo se está armado, mas como Kiran alertou, ele era presunçoso demais e confiante demais que isso pudesse acontecer.

— Me diz, como deseja que fique, quer uma pose especial para guardar na mente? Aposto que essa é sua primeira morte por vingança. — Ele gargalha alto fazendo os pelos de meu braço se arrepiarem. — Sim, você é tão tediosamente certinha que nunca deve ter nem usado uma munição da arma do governo. Me diga, você já matou, bichinho?

— Eu disse para calar a boca!

Tento controlar o leve tremor que persiste em minha mão.

Ele se inclinou para trás, juntando as mãos sobre a mesa. — Suas mãos estão tremendo. Primeira regra, nunca deixe seus inimigos verem seu medo. E confesso Adria, seu medo fede, fede deliciosamente. É o combustível para seus inimigos.

Miro em sua coxa esquerda e atiro, sinto o tranco da arma e a respiração acelerar. — Eu disse para você calar a maldita boca! Você sabe o que irá acontecer, sabe que é seu maldito fim, vou libertar cada menina que você ousou abusar, vou estourar os miolos de cada maldito homem que tenha sob seu poder.

Ele não demonstra dor, mesmo que sua calça bege já tenha uma imensa mancha vermelha, assim como sua cadeira que junta o sangue que escorre de sua perna ou se importa com os pequenos pingos que caem em seu piso de mármore.

— Você não fará nada disso, você não é capaz. Pode até me matar, mas meu rosto irá perturbá-la durante a noite, minha voz dizendo o quanto é fraca assombrará seus ouvidos no meio da madrugada. Kiran não lhe contou como foi a primeira vez que o fiz cortar a garganta de um homem? — ele dá outra gargalhada. — Óbvio que não, passou mais de um mês choramingando durante as noites, gritando por perdão, aquele fraco. Ele já ensinou a doutrinar sua mente?

Engulo em seco.

— Pelo visto sim, anda tendo muitos pesadelos, Adria?

Caminho furiosa até ele, parando perto do seu rosto. O ódio me cegava, um apito soava constante em meus ouvidos, assim como sentia minha respiração falhar dentro do peito. — Realmente, eu poderia arrancar membro por membro para descontar o que você fez, mas não sou assim, não sou um monstro como você.

— Aí está enganada, vejo o monstro bem aí dentro de você. Obman28! — diz desviando os olhos e então atiro, o estampido me faz fechar os olhos, sinto seu sangue atingir meu rosto, meu corpo, espirrando sangue e parte de Czar na parede e chão.

Sinto uma movimentação atrás de mim, viro apontando a arma.

Kiran para com os braços erguidos, dividindo sua atenção entre mim e o resto da sala. — Temos que parar com esse negócio de você apontar uma arma para mim.

— Desculpe. — Sussurro abaixando a arma, tremendo de maneira descontrolada.

— Calma, acabou. Venha, lyubov’. — Kiran me ampara encarando os restos de seu pai.

— Ele disse algo...

— Decepção, era para mim. Esqueça isso. Vamos embora daqui.


KIRAN


Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead

- Bohemian Rhapsody


Adria estava deitada em meus braços, meu corpo pressionado contra suas costas, acalentando seu sono, interrompendo os pesadelos antes deles começarem a ganhar força dentro de si.

— Um dia você conseguirá esquecer isso, estará num lugar tão distante em sua mente, que nada lhe trará eles de volta, eu vou fazer isso sumir, nem mesmo que seja a missão pro resto dos meus dias. — Sussurro dando um beijo em sua cabeça.

Aperto meus braços ao seu redor. Giro uma mecha do seu cabelo em torno do dedo, vendo a noite cair. Quando tive certeza que ela estava dormindo tranquilamente, saio da cama, me vestindo novamente. Eu ainda não tinha completado o que vim fazer aqui. Escrevo um bilhete simples, deixando ao seu lado na cama, dizendo que voltaria em breve, pego meu antigo casaco com capuz e saio.

Foi fácil achar o endereço dele, era quase um insulto às minhas habilidades, o trabalho que o FBI fez para escondê-lo. Deixo o carro parado longe de sua casa, a rua ainda estava escura, não devia ser nem cinco da madrugada. Caminho lentamente com as mãos no bolso, subindo os degraus de entrada, terminando de colocar as luvas de couro.

A casa estava um completo caos, pratos espalhados por todos os lugares, assim como garrafas vazias de cerveja. Luigi dormia bêbado no sofá, era até ridículo querer matar um cara desses.

Vou até a sala de jantar, procurando naquela bagunça uma folha de papel e uma caneta, sento em uma das cadeiras escrevendo um bilhete, é fácil imitar a letra que vejo em alguns papéis espalhados, poderia facilmente alegar que pelo alto nível de álcool, ele não estava em seus plenos poderes.

Deixo o bilhete e uma das garrafas de cerveja sobre ele, vou até o quarto sentindo cheiro de podre, procuro no armário sua arma, acabando por encontrá-la debaixo da cama.

Meu Deus, estava quase desistindo, um dia o cara se mataria sozinho.

Sento em uma das cadeiras, ligando a TV no volume máximo, fazendo Luigi se erguer assustado no sofá, olhando em volta e então me vê. Seu primeiro instinto é fugir. É procurar a arma que balanço em minha mão. Seus olhos arregalados demonstram seu pânico.

— Não tente correr. Sabemos que eu iriar te pegar. Sente-se e escute o que tenho para falar.

Ele fica congelado no lugar, mas vem lentamente até a cadeira em minha frente, seus olhos recaem sobre o papel em sua frente.

— Pelo visto já deve ter uma ideia do que eu vim fazer aqui, agente Wenth.

Ele balança a cabeça, gesticula com as mãos.

— Ah, claro. Arrancaram sua língua. Na verdade, é um milagre ainda estar vivo, achei que eles iriam ser mais cruéis com você. Mas não tem problema, ainda tem dois ouvidos, eu falo e você escuta, que tal? — questiono.

Ele balança a cabeça, encarando meus olhos, sinto o pânico se esvair em suas respirações.

— Durante minha vida já vi muitos ratos, Luigi, posso te chamar assim, né? Deixa as coisas mais informais. — Continuo meu monólogo. — Mas devo confessar que nunca vi um tão traiçoeiro como você. Eu sou muito bom em escrever cartas, sabia? — Luigi não esboça nada. — Sim, na época escolar ganhava boas notas. E esta, em particular, foi feita para você.

Luigi volta a encarar a carta, olhando assustado para mim, negando com a cabeça.

— Sim, apesar de ter conseguido se livrar, de ganhar medalhas e parabenizações que não deveriam ser suas, isso não é uma vida. Olhe para isso? É assim que irá passar o resto dos seus fodidos dias? — digo apontando para o ambiente. — Por isso, você escreveu essa carta, está tão desgostoso com sua vida, tão culpado por ter deixado sua parceira morrer, por ser um grande delator filho da puta, que nada mais justo que se matar.

Ele fica inquieto na cadeira faz até menção de levantar, mas aponto sua arma para ele, fazendo-o permanecer sentado.

— Eu posso fazer isso, e farei se for um covarde, mas aí, não será algo limpo, posso até errar o tiro sem querer e você sentir mais dor. Seria péssimo. Portanto, você tem sua arma e uma munição.

Deslizo a arma pela mesa, com os olhos fixos nele. — Nem tente apontá-la para mim, nós dois sabemos que errará o tiro e vai me fazer amarrá-lo pelo pé do lado de fora do meu carro e arrastá-lo pela cidade.

Luigi pega a arma tremendo, vejo seu medo, seu receio e sua covardia.

— Luigi, meu camarada, eu tenho que ir, logo estará amanhecendo e tenho outra visitinha para fazer. — levanto indo até ele, enfiando o cano da arma em sua boca. — Pronto, agora atire.

Respiro fundo vendo que aquele merda nem para isso serve, puxo minha arma da cintura destravando-a. — Eu ou você? — pergunto.

A lágrima escorre dos olhos dele, e então o estampido seco do tiro ressoa em meus ouvidos, a cabeça dele cai para frente, manchando o papel com seu sangue, enquanto eu saio fechando a porta atrás de mim.


Seguindo os pedidos de Adria entrego a última pista na casa de Baker, espero sentado no carro, a certa distância, vendo-o abrir a pequena caixa do correio e encontrar o último envelope, assim como Adria havia me pedido; ali estava a localização exata dos dois armazéns e de tudo para destruírem de uma vez por todas com todo o império de Czar. E não fico surpreso quando duas horas depois eles estão onde as pistas levavam, retirando as garotas dali, e prendendo os homens que ali estavam, foi uma missão limpa, assim como Adria disse que seria. Estava chegando a hora de encontrá-la, e eu não poderia dizer o quanto estava apreensivo com isso. Não sabia se ela seguiria comigo ou se voltaria para sua vida, agora que tudo que a atormentava tinha acabado. Mesmo Adria me levando um pouco para sua luz, ali não era meu lugar, eu sempre ficaria na área cinzenta, poderia transitar na luz, mas não era como eles. Será que ela aceitaria ficar comigo?


43


Coloco uma rosa branca sobre a lápide de meus pais e outra sobre a minha. Era irônico ver sua lápide, com o dia de uma morte que não ocorreu, graças ao Kiran.

“A estrada é longa, nós seguimos adiante, tente se divertir nesse meio tempo. – Adria Hamer, destemida e amada por todos”

— Algo me disse que se não colocasse isso, alguém me atormentaria após a morte.

Sorrio ao escutar sua voz, viro correndo para ele, abraçando seu corpo com força.

— “A princesa que não precisa ser salva está te esperando!”. Sério mesmo? Você sabe que eu tenho idade, eu posso morrer! — Baker diz afastando-se por um instante, olhando meu rosto ao sorrir. — Nunca mais faça nada parecido na vida! — acrescenta, me puxando novamente para seu abraço.

— Eu sinto muito.

— Prendemos todos, recuperamos as garotas, literalmente explodimos aqueles lugares.

— Eu sei, você foi fantástico, acredito que o FBI mereça um novo diretor.

— Também encobrimos o que aconteceu com Czar Baryshnikov, e não sei se soube... Luigi se matou, foi durante a madrugada, deixou um bilhete dizendo que não estava aguentando a culpa, até os filhos da puta podem sentir algo, pelo visto.

— Achei que ele tinha sido morto pelos homens de Czar. — Comento surpresa.

— Não, ele foi encontrado na beira da estrada, quando chegamos no hospital estava em alto nível de desidratação e tinham cortado sua língua.

— Cristo!

— Enfim, que descanse em paz.

— Pare de me encarar como um presente de natal, velho. — Digo brincando.

Ele sorri me puxando novamente para seu abraço. — Quando deseja voltar? Eu posso colocar suas coisas hoje mesmo em seu apartamento, podemos destruir essa lápide, é mórbido olhá-la tendo você em minha frente viva e bem.

Sinto minha garganta se fechar, eu amava Baker como meu pai, mas isso não era mais para mim. — Eu não vou voltar.

Sua expressão de surpresa o faz se afastar. — Como assim, Adria? Acabou, você está segura... tem mais alguém te ameaçando?

— Não, não. Estou segura, mas aquela Adria não existe mais Baker, não posso voltar para essa sociedade fodida fingindo que por aí não tem outros como eles espalhados, outras garotas sofrendo, abri meus olhos para algo além de tudo que fomos treinados a ver. Aquela Adria não existe mais. — Digo apontando para a descrição em nossa frente.

— E o que fará? Como... — questiona surpreso.

— Vou seguir, em frente.

Ficamos apenas alguns segundos nos encarando em silêncio.

— Pelo menos manda notícias? — pergunta

— Sempre. — Digo, mas minha atenção está longe, basicamente algumas lápides de distância, vestido de preto da cabeça aos pés, me encarando com o olhar animal o qual eu aprendi a amar.

Baker se vira, notando que não estamos mais sozinhos. — Vou sentir saudades.

— Eu também. — Digo abafado em seu ombro. — Cuide-se.

— Você também, menina atrevida. — diz antes de se afastar, ao passar por Kiran eles se cumprimentam com um pequeno aceno.

Kiran mantém seus olhos colados nos meus, fazendo meu corpo tremer com a ansiedade de ter suas mãos em mim.

Havia um lado mau em Kiran, um lado que mataria num estalar de dedos, mas eu vim a perceber que havia em mim também. Talvez não tanto, mas estava lá, adormecido. Em todos nós. Tinha ficado por tempo demais com a venda sobre meus olhos, mas ela foi arrancada, mostrando o quão cruel e imundo o mundo pode ser.

Sim, eu amava o seu lado mau e seu lado bom. Nunca poderia sobrepor o passado de Kiran, como ele não poderia apagar tudo que passei, mas eu construiria um futuro. Mesmo se não pudesse estar feliz com todos os aspectos do mundo.

Eu era do Lobo e ele era meu.

— Gotov vzyat’ to, chto tvoye? — digo em um russo enrolado. — Pronto para pegar o que é seu?

Kiran sorriu caminhando até mim, me pegando em seus braços e beijando minha boca.

— Mais que pronto.

28


Encolhi-me e abri os olhos. Mesmo com minha reação, ele não recuou, apenas sorriu e terminou de atar meus punhos. Não sei se por seu rosto ser tatuado com uma enorme caveira fizesse com que eu ficasse dez mil vezes mais gelada quando ele sorria ou se era a promessa velada que tinha em seu rosto.

— Você está com medo de mim, não está? — perguntou baixinho, ainda mantendo-me prisioneira entre suas pernas. — Posso sentir seu corpo tremer, finalmente sua fachada de forte se rompeu. — Acrescentou rindo.

Eu queria negar, queria lutar com todas as forças que me restavam, mas eu estava com medo e tremendo. — Por favor. — Pela primeira vez eu implorei, implorei para que o diabo tivesse misericórdia de mim.

Ele pegou uma corda terminando de amarrar meus punhos na barra de ferro da cama, fazendo o pânico se erguer sobre meu peito. O sangue fugiu do meu rosto.

Deany saiu de cima de mim me levando junto com ele, de modo que eu ficasse curvada sobre a cama, colocou na beirada da cama uma faca afiada, assim como sua camisa.

Com um puxão desceu minha calça e minha calcinha, expondo meu corpo da cintura para baixo.

— Nada de mijar dessa vez.

Fiquei imóvel, calculando todas as opções de me livrar daquilo, mas ele foi esperto, aproveitou a dosagem do remédio para me pegar desprevenida e com o organismo inundado de drogas para me tornar uma presa fácil.

— Deixe-me em paz! — Grito.

Deany pega a faca colocando-a firme sobre meu pescoço, podia sentir a lâmina afiada perfurar minimamente minha jugular.

— Quietinha, senão, além de foder você, vou dar sua cabeça para os coiotes que moram aqui perto!

Meu instinto de autopreservação me ordenava a fazer algo, agir, mesmo que em vão. Não havia para onde fugir, ele me pegaria de qualquer forma, não seria por um grito que eu seria salva das mãos dele. Portanto, só fiquei parada, algumas lágrimas quentes escorreram pelo meu rosto.

— Não é uma punição, só um desejo. — Ele sussurrou ao meu ouvido.

Escuto-o abrir o zíper da calça, assim como o barulho dela caindo no chão. Suas mãos entre minhas pernas, o fato dele me acariciar foi me dando pequenas vertigens, assim como intensificando as lágrimas a escorrerem por meu rosto. Sua mão áspera e nojenta esfregando meu clitóris, enquanto enfiava um dedo dentro de mim.

Detestei ter me tornado fraca, ter me rendido a ele. A cada investida bruta com os dedos a faca forçava mais em minha garganta. Gemi de dor, arqueando meu corpo para trás, na tentativa mais inútil de fazê-lo ir para longe.

O tapa veio certeiro, me fazendo virar o rosto tamanha força.

— Eu avisei, putinha! Você tem que ficar calada!

Ele me segurou pelos cabelos, forçando a ficar de pé direito, sua língua passou pelo meu pescoço, indo até o alto de minha bochecha, me causando náuseas.

— Por favor, não! — Grito novamente.

— Shiuu, quietinha! — murmura, acariciando a curva de minhas nádegas. — Você não vai gostar, mas eu vou gozar como um louco! — diz rindo alto.

Senti algo forçando a entrada, fiquei tensa, contraindo todos os músculos, mas a pressão que ele fazia, somado ao da faca fincada em meu pescoço era demais para resistir e a coisa começou a me penetrar.

O grito alto rasgou minha garganta, assim como a lâmina da faca fincou um pouco mais. Por um instante ele parou de tentar me penetrar para socar meu rosto, me deixando tonta, meio caída no chão, não fosse os punhos presos no ferro lateral da cama.

Eu não era uma pessoa violenta, mas lá estava, acredito que ao ser colocada diante de tantas coisas perversas, tinha me corrompido, mesmo tonta e com poucas forças restando, agarrei um punhado generoso de cabelo batendo a cabeça dele contra a barra de ferro, consegui fazer por duas vezes, antes dele se levantar contendo o sangue que saía da pequena ferida em seu crânio e me chutar.

— Sua vadia idiota! — gritou vindo novamente para cima.

Tateei o chão com os pés, tentando pegar a faca que tinha voado para baixo da cama durante nossa pequena luta, meu corpo tremia, estiquei o máximo que consegui, arrastando a faca para perto.

Deany gargalhou quando percebeu o esforço que fazia, empurrando minhas pernas para longe, recuperando sua faca. Ele girava a lâmina entre os dedos, olhando de maneira diabólica para mim. — ERA ISSO QUE QUERIA? — Gritou.

Recuei até onde as malditas cordas em meus pulsos permitiam, com lágrimas de dor e frustração queimando-me os olhos. Não sabia o que ele faria comigo e não queria descobrir.

Uma agente especial, indicada para ser da Swat. Como tinha acabado assim?

“Você se importa, o problema de não pensar em você me faz temer como será quando se infiltrar” — quase sorri ao escutar a voz de Baker em meus pensamentos.

Escuto a porta se abrir com violência, mas me sinto tão pesada, meu corpo está tão pesado que parece que todos estão em câmera lenta; vejo Deany ser arremessado para o lado, batendo contra a parede oposta.

— Que porra é essa? — Uma voz grave me faz tremer.

Ergo o olhar, encarando meu possível salvador, ele era inconfundível. Kiran... naquele momento de confusão total entre manter meus pensamentos confusos indo por uma só direção eu senti vontade de sorrir. Os olhos dele também se cravaram sobre mim, tempo o suficiente para que Deany se levantasse pronto para lutar. Eu queria gritar, avisá-lo para agir ou fugir, mas não encontrava minha voz.

O barulho do tiro fez com que eu abrisse meus olhos, procurando por sangue, em mim, em Kiran, mas ao vê-lo com a arma nas mãos e Deany cair no chão, não sinto o mesmo alívio de antes.

Um dos homens tenta me erguer enquanto presto atenção ao que o outro dizia:

— Porra, Lobo!

Lobo?

“Ele é imperdoável, todos o temem, mas para nós, ele é uma espécie de protetor. Ele não deixa, na maior parte do tempo, que os outros nos inflijam mal” — a voz de uma das garotas vem com força em minha mente.

Imagens do dia que entrei na Penlin e vi pela primeira vez o tal de Lobo entrando por uma passagem entre os espelhos, aquela sensação de conhecer os músculos que delineavam o casaco... Encaro meu suposto salvador, percebendo que ele na verdade era meu demônio, o demônio por quem meu corpo sentia arrepios de prazer. Já não tinha mais motivações, nem que mínimas para ter força, não existia uma maneira de sair dali, nem mesmo de salvar aquelas garotas.


KIRAN


Martin e Try pararam ao meu lado do outro lado do corredor, enquanto eu respirava fundo, contendo o ímpeto de voltar naquela sala e terminar o serviço.

— Porra, Lobo! O que aconteceu? — Martin questiona passando a mão pelo cabelo, a expressão assustada ainda estava presente em seu rosto.

— Parem de reclamar, me falem sobre a garota do Sebastian.

Martin e Try trocam um olhar entre eles, mas rapidamente despejam tudo que já tinham me falado.

— A garota esteve aqui uma noite, arranjou problema com um dos nossos clientes, é valentona. — Try diz.

— Não foi uma surpresa que continuasse firme nos primeiros dias, mas durante meses? Isso é a primeira vez que vejo. — Martin retruca.

— Ela ficou sem comida e água nos primeiros dias, Deany tentou... bem você sabe, ele aterrorizou a garota, tanto que fez a coitada se urinar.

— Proklyatty! — sussurro, chamando Deany de maldito. — O que mais ocorreu enquanto estive fora?

— Ela violou nossa permissão, Erika e ela foram pegas dividindo a comida, Erika foi mandada para três dias na solitária enquanto ela levou uma surra, inclusive do próprio Sebastian.

— Outro que não me cheira bem.

— Ele anda dentro da linha, mas não confio. — Try confessou.

“Me deixe em paz” — o grito ecoou fraco pelo corredor, chamando nossa atenção.

— Merda! — Try exclama tirando a arma do coldre.

— Guarda a porra da arma, Try, não quero cuidar mais de nenhuma merda! — Martin resmunga.

— Que porra está acontecendo aqui hoje? — digo enfurecido.

“Por favor, não!”

Algo naquela voz feminina fez os pelos de meu braço se arrepiarem. Minha respiração aumentar e eu andar a passos largos pelo corredor.

— Está vindo da sala médica. — Escuto Martin dizer.

— Puta que pariu!

Entre o andar apressado pelo corredor, escuto barulhos de coisas caindo, mas isso não é tão atrativo e nem faz meu corpo inteiro entrar em alerta como aquela voz... aquela voz, o tom... Mal percebo que saio correndo em direção à porta, literalmente arrombando-a com o ombro.

Meu sangue gelou e a raiva tomou conta de todo meu corpo, me sentia desesperado para saber que não era tarde demais, para que ainda houvesse vida dentro de seu corpo. O monstro em meu peito estava enlouquecido, com sangue nos olhos.

Como ela havia chegado nesse ponto? Milhares de perguntar rondavam meu cérebro em busca de respostas, mas eu só podia pensar em sangue, eu queria sangue. O demônio dentro de mim sorriu aparecendo no foco de luz, afiando suas facas.

Jogo Deany para longe, fazendo-o bater contra parede, fixando meus olhos realmente em seu corpo jogado no chão, os punhos amarrados na barra lateral da cama hospitalar; vejo um alívio anuviar sua visão e sei que é o pior sentimento que uma pessoa poderia sentir ao me encarar.

— Vejo que veio novamente estragar minha diversão. — Deany sorri como o verdadeiro psicopata que era, levantando-se e olhando de mim para os dois homens parados na porta.

— Lobo, não! — Try fez um pequeno alerta, mas a parte racional do meu corpo estava longe para ouvir qualquer coisa.

Não desvio os olhos dos de Adria, saco a arma da cintura, miro e atiro no joelho de Deany, fazendo aquele verme cair no chão gritando e xingando.

— Porra, Lobo!

Vou até Deany agarrando-o pela gola da camisa, socando seu rosto repetidas vezes, a cada soco que dou sua cabeça se curva para trás, espero que ele erga novamente para socar novamente, sentindo prazer em fazer o sorriso sumir de sua boca, prazer em sentir o sangue assim como alguns de seus dentes pulando para fora.

Martin e Try voam sobre mim, tentando me arrancar de cima dele, e mesmo sendo dois dos homens mais fortes e cruéis de Czar, nenhum consegue me tirar de cima de Deany, quando a cena dele tentando abusar de Adria, da minha... está tão fresca em minha mente, não quando presenciei seu rosto repleto de ferimentos e seu corpo nu e exposto. Arrastando Deany para fora dali, jogando seu corpo no meio do galpão, os dois homens me seguem tentando impedir que o mate. Ele tenta lutar, mas isso só alimenta ainda mais a fera dentro de mim.

— Se alguém tentar me segurar eu juro que mato junto com ele! Cuidem dela, chamem a Netlen! — Digo ao ver que Martin e Try fazem menção de vir até mim.

Busco pelos bolsos de Deany, esse filho da puta sempre andava com um soco inglês, ele adorava aterrorizar as garotas com isso. — Vejamos quantos socos você aguenta. — Digo empunhando o soco inglês.

— Tudo isso por causa daquela puta? Não sabia que queria ser o primeiro, pelo tamanho daquela bunda, virgem não é mais!

Desço o braço socando pelo menos umas quatro vezes seu rosto. Minha mão se manchava com seu sangue, mas eu queria mais, enquanto o sorriso débil não sumisse daquele rosto eu não pararia. Deany iria aprender a não ser a porra de um psicopata, e nunca mais mexer com algo que era meu!

Seu rosto estava desfigurado quando parei, joguei o objeto fora, girando minha faca entre os dedos. — Você gosta também de ameaçá-las com suas facas, não é mesmo?

— Defendendo putas? — vociferou.

Aquele filho da puta ainda tinha forças para me desafiar!

Finco minha faca no meio de sua mão, o grito ecoou pelo espaço. Retiro a faca, segurando sua mão esquerda no lugar, só para descer a lâmina afiada e faminta de minha faca pelas três falanges de sua mão, arrancando um naco dos seus dedos fora.

— Você é um verme, vou cortar sua cabeça e pendurá-la na parede!

Sinto várias mãos puxando meu corpo para trás, para sair de cima de Deany, escutava alguns deles tentando me acalmar ou tentar arrancar a faca de minhas mãos. Aquilo só me incentivou mais, eu queria fincar minha faca no olho, arrancando seu globo ocular fora, mas de alguma maneira os outros homens de Czar conseguiram me puxar para longe, mas não tão rápido que eu não pudesse pisar com toda minha ira e força em cima do seu pau. Deany tombou para trás gritando, me deixando satisfeito ao ver sangue e outro tipo de líquido manchar sua calça de alfaiataria barata.

— Lobo?

Arregacei as mangas da camisa sujas de sangue, desviando o olhar do verme desmaiado em minha frente.

— Preciso de outra camisa.

Martin confirma, saindo por alguns minutos da cena, logo voltando com uma camisa de linho.

— Onde ela está?

Os homens ao meu redor estavam calados, muitos ainda olhavam para Deany deitado no chão, desmaiado devido a dor forte por seus escrotos terem rompido devido ao meu pisão. Nunca dei muita importância para Lei de Talião, mas hoje o “olho por olho” foi satisfatório.

— Netlen está com ela.

Concordo, saindo de lá, seguindo para a sala que utilizávamos para cuidados médicos, ficando até receoso ao aparecer no vão da porta.

— Netlen. — Minha voz estava enganadoramente suave e meu rosto sem expressão. Mesmo que ainda sentisse as enormes ondas de fúria queimando silenciosamente dentro de mim. Podia sentir o lobo inquieto e sedento dando voltas à procura de mais; senti o gosto amargo na boca e pela primeira vez o medo de ver Adria inserida em meu mundo.

O lobo dentro de mim se sentou, sob controle ou talvez rendido por sentimentos que eu não sabia descrevê-los.

— Netlen, nos deixe a sós.

Adria olhava fixamente para mim, faço o mesmo, não tirando meus olhos dela nem quando Netlen passa em minha frente tampando por alguns segundos minha visão, nem mesmo quando ela institivamente recuou, tentando ter um espaço maior entre nós. Caminho devagar, indo até um pequeno armário de medicamentos, retiro um kit de primeiros socorros, voltando para ela.

Seu pescoço tem um pequeno corte, o sangue ali já está seco. Sento na ponta da cama, tudo com muita cautela, mesmo sentindo sua recusa sei que ela não está em seu melhor momento. Estico o braço para passar o remédio na ferida, mas ela se afasta assustada.

— Calma, me deixa cuidar de você.

Seus olhos vão dos meus para minhas mãos. Passo levemente o algodão pela ferida, tirando o sangue, vendo que foi apenas um corte simples, nem precisaria de pontos. Faço o curativo, tudo com calma, deixando que ela veja cada pequeno movimento que faço, me amaldiçoando por cada tremor que seu corpo tenha ao meu toque.

— Adria, o que você está fazendo aqui?

Seus olhos se arregalam. — Sai de perto de mim, sai! — grita amedrontada.

— Acredito que mereço um obrigado por ter salvado sua pele. — Digo.

Ela faz menção de sair da cama, pronta para correr, mas sou mais ágil, seguro seu corpo apertando firmemente contra o meu, de maneira que sua pequena luta em vão não a machuque ainda mais. Ela grita e se contorce em meus braços. Quanto mais lutava, mais fechava meus braços ao seu redor.

— Pare com isso, Adria... sou eu! — Digo dando um pequeno tranco, juntando seu peito contra meu abdômen.

— Solte-me, por favor! Solte-me! — diz caindo no choro.

Limpo com a mão livre as lágrimas que correm por seu rosto, notando os leves hematomas esverdeados. — Acalme-se. — Digo baixo contra sua orelha.

Ela respira fundo, parando de lutar contra mim, aceitando ficar em meu braço.

— Eles te machucaram, há quanto tempo você está aqui?

Ela não diz nada, hoje não será o melhor momento para isso. Deito seu corpo novamente contra o travesseiro. — Você está segura, eu prometo. Ninguém encostará mais em você, você é minha.

Saio da cama, deixando Adria deitada sobre a pequena maca, Netlen me aguardava do lado de fora, assim como Try.

Fecho a porta. — Quero que tomem conta dela, ninguém entra aqui sem minha permissão. Ouviram?

Eles concordam rapidamente, em silêncio.

— Netlen dê tudo que ela precise. E você, Try. Isso será um assunto nosso, não quero Czar envolvido estamos entendidos?

— Lobo...

— Não me venha com essa, porra!

— Tudo bem, Lobo. Mas não sei quanto tempo conseguirá acobertar o que aconteceu hoje.

— Isso é um problema meu.


30


Quando acordei, Kiran se fora.

Eu não lembrava muito do que acontecerá depois que ele havia me colocado na cama. Estava tudo nublado em minha lembrança. Era como se meu cérebro tivesse desligado, incapaz de processar a violência que sofri. Recordava-me de Kiran e toda a confusão dele ser o tal do Lobo, lembrava de Netlen me dizendo que tudo ficaria bem e dele retornando, cuidando de meus ferimentos. Passo a mão pelo pescoço, estava envolto em gaze e doendo muito menos.

Quando não havia esperanças, não havia opções, tudo se tornava notavelmente claro. O fato era que Kiran era o Lobo, era o cara frio e assassino que tanto falavam, mas também era o cara que protegia de certa forma essas garotas de sofrerem mais, se isso era possível. Ele tinha as cartas na mão, agora eu era dele. Afinal, deixou bem claro antes de sair, isso me lembro. A força magnética que tinha em seu olhar ao me encarar. Eu era dele. Não havia escapatória para mim.

Depois que aceitei esse fato, os dias passaram de forma rápida. Netlen sempre vinha nos mesmos horários, deixava um farto prato em minha frente, assim como roupas limpas e me ajudava nos primeiros dias no banho, me ajudando quando não conseguia me manter em pé devido aos meus hematomas. Ela tinha se tornado a única fonte de interação humana. Uma verdadeira babá.

— Tire essas ideias da mente. — disse enquanto deixava meu jantar sob a cama.

— Que ideias? — pergunto deixando o garfo e a faca de lado.

— Se me esfaquear, vai perder a única pessoa disposta a arriscar a bunda por você. Se tentar fugir me ameaçando com a faca só vai encontrar homens dispostos a te jogar junto com as outras garotas e Deus sabe o que farão.

Resmungo algo indecifrável, entre um suspiro.

— Lobo está arriscando não só a própria pele como a minha para manter você aqui. Devia estar agradecida.

— É mesmo? — satirizei.

Netlen revirou os olhos. — Se tivesse prestado realmente atenção nas informações que eu passei, teria pensado mil vezes antes de se infiltrar aqui. Isso não é um clube Adria. — disse baixando o tom de voz. — Isso é um beco sem saída com todos os piores tipos de pesadelos tomando forma e vindo para cima de você.

Dou uma garfada generosa na comida, observando Netlen se sentar perto da porta, na qual vivia trancada. — Você parece conhecê-lo bem.

— Talvez. — diz.

— Ele é o que aqui dentro, o chefão? É o responsável por jogar essas meninas aqui ou apenas por descartá-las como lixo?

Ela suspirou — Pare de bisbilhotar, Adria.

— Que diferença faz? Ao que posso ver, saí de uma puta para uma sequestrada! — Olho para ela com frustração.

— Se ele quiser que conte algo.

— Você gosta dele, é leal a ele.

Ela estreita os olhos para mim. — Sim, tenho gratidão por ele ter salvo minha vida, mesmo que não tenha conseguido fazer o mesmo pela minha irmã. Então sim. Ele tem minha lealdade, pelo menos é por isso que estou aqui salvando seu traseiro.

Assenti voltando a comer.

Com o passar dos dias a frustração foi se tornando mais forte, mais presente, e os sentimentos mais controversos. Eu sonhava com as malditas mãos de Kiran percorrendo meu corpo, me dando prazer, assim como fez aquela noite em meu apartamento. E a ideia era tão medonha que me fazia sentir vontade de vomitar. Ele era um assassino, frio e calculista. Será que haveria verdade nas palavras de Netlen? Que ele não era o que eu imaginava? Mesmo tudo mostrando o contrário?

Tentei pensar racionalmente no assunto por um momento, entender a confusão de sentimentos. Sim, uma pequena parte de mim se ressentia por ele ter desaparecido, ter salvado minha vida, ter me salvado do abuso que iria sofrer e ter me deixado naquele quarto trancada, tendo Netlen como companhia. Não que eu quisesse a atenção dele, mas eu queria respostas. Ao ver por onde meus pensamentos seguiam, notava o absurdo das minhas emoções contraditórias. Tão idiota que me xinguei mentalmente.

Eu estava exatamente constatando que tinha uma atração por um criminoso; eu, uma agente especial treinada e a melhor da minha turma, tinha virado uma daquelas mulheres que se apaixonam pelo inimigo. Eu me recusava a ser, sabia que estar ali sendo bem tratada sob os cuidados dele mexia com minha cabeça, me tirava do foco. Eu estava abandonando meu verdadeiro objetivo de estar ali, do porque tinha me infiltrado naquele inferno.

— Deixe-me voltar para minha missão. — Reclamo.

Netlen ergue a vista, parando de juntar as coisas. — Esqueça. — diz pegando a pequena bandeja e sumindo dali, trancando a porta de ferro ao sair.

***

E finalmente ele estava ali.

Descobri quando ele me acordou de um cochilo. No início não achei que fosse real, mas diferente dos meus sonhos, esse Kiran não sorria, tinha uma aura sombria sobre si.

— Você veio, enfim. — Constatando o óbvio.

— Sim.

Ajeito-me na cama, sentando ereta.

— Fiquei sabendo de suas reclamações.

— Pelo visto Netlen é fofoqueira também. — Resmungo.

— Acredito que é o papel dela, afinal é sua informante.

Encaro seus olhos.

— Com quem estou falando? Adria ou Pam?

— Isso importa?

— Então não é apenas seu pai um agente. Você é policial!

— Alguém fez a lição de casa. — Retruco.

— Diga, o que está fazendo aqui? — ele continuava despejando suas perguntas.

Cruzo os braços diante do peito, me mantendo calada.

Kiran aperta o ponto entre os olhos. — Podemos ficar nessa fase durante toda a noite ou você pode responder minhas perguntas?

— Que tal você responder algo? Como... você é o tal Lobo? Mas que destino filha da puta! — Digo rindo.

— Não é o que está pensando.

— Não é mesmo? Não estão traficando mulheres como se fossem objetos baratos? Não estão abusando daquelas menores de idade, além de tudo o que fazem com todas as mulheres aqui? Então me diga, Kiran ou devo representar o mesmo fanatismo que elas fazem ao citar você, Lobo?

— Você é uma mulher inteligente. Mas está mexendo com coisas fora do seu alcance. E prefiro que me chame de Kiran, pelo menos entre nós.

Estreito os olhos. — Então é Kiran, a menos que esteja matando mulheres ou se divertindo com elas, é isso?

— Chega! — Explode. — Isso tudo está longe demais de suas mãos, não sei como entrou aqui, nem mesmo seus propósitos, mas isso não é brincadeira! O cara que estava a ponto de matá-la dias atrás não tem alma, nenhum de nós temos. Então, sugiro que aceite minha ajuda, assim posso arrancá-la daqui!

— Quem é o responsável por tudo isso? Quem é você e por que está no meio disso?

Ele passa as mãos pelo cabelo, respirando fundo.

— Estou pensando se você é apenas um sociopata ou um psicopata, quem sabe não seria os dois?

Ele ergue o olhar, encarando-me.

— Por que não trocamos informações, pelo visto quer saber algumas coisas de mim e eu quero informações.

— Tente.

— Quem é o mandante? Quem é que sequestra essas garotas? O que você é para isso tudo?

— Nem nos seus piores pesadelos eu desejaria que conhecesse o Czar. E eu? Ao contrário de você, que teve uma criação normal, não tive a mesma sorte. Esse mundo é meu e você não deveria estar nele. Mas não sou um sociopata ou psicopata como disse. — diz. — Minha vez. O que está fazendo aqui?

— Vim acabar com essa organização.

Kiran esboça um sorriso. — Só de ouvir, sua ideia parece tola e inútil.

— Sou agente do FBI, não que não tenha descoberto.

— Você pode ter o governo inteiro aos seus pés, isso tudo é muito maior que você, que sua luta, Adria.

— São pessoas inocentes, mulheres inocentes, crianças! — me exalto.

— Você acredita que cheguei aqui hoje? — diz ficando de pé. — Estou nisso desde que me entendo por gente, matei mais que do que posso me recordar, infringi mais leis do que seu governo pensou em ditá-las.

Uma coisa dentro de mim pediu para que calasse a boca, mas não consegui. — Então, vai me matar?

— Não, Adria. — Ele pareceu exasperado por um momento, por um momento pareceu o Kiran que me encarou nos olhos ao entrar em meu apartamento e tirar minha roupa de maneira gentil.

— Então serei sua refém, me machucará quando tiver vontade?

Ele não negou, se levantou, ainda olhando para mim. — Posso ser um monstro, na verdade realmente sou. Posso ter feito coisas horríveis, mas eu não machucaria você Adria, será que não entende que eu mataria se alguém encostasse em você? Eu procurei você por dois meses, tentando encontrar um paradeiro seu. Netlen vai cuidar de você quando não puder estar por perto. Quando chegar a hora, vou te tirar daqui. Mesmo que de tantas maneiras erradas, eu esteja feliz por finalmente encontrá-la. — Diz antes de sair, fechando a porta atrás de si.

O demônio tinha uma bela face.


KIRAN


— Seus hematomas estão melhores. — Ergo a mão e acaricio seu maxilar com os dedos. — Logo nem existirão mais.

Adria fecha os olhos, afastando seu rosto lentamente de minha mão.

— Você está calada. Se arrependeu das últimas investigações contra mim? — sussurro.

O silêncio que ela impõe entre nós me irrita, me faz desejar os dias amenos que ela não sabia quem eu era de verdade. Dou alguns passos para trás, colocando uma distância entre nós, ela me encara ainda em silêncio, porém não forço. Saio do quarto fechando a porta atrás de mim.

— Pelo visto nada mudou. — Netlen diz saindo das sombras.

— Fique de olho nela, como estão as coisas por aqui?

— Try anda fazendo um bom trabalho em manter todos na linha, acho que seu pequeno surto com Burn e Deany fez algum efeito.

— Tenho que tirá-la antes do leilão, não posso deixá-la chegar tão longe.

— Não entendo porque ela se tornou especial para você. — Netlen retruca, fazendo-me encarar seu rosto.

— E não te devo explicações, acredito que deixei isso claro.

— Desculpe, Lobo.

Assinto, saindo dali, me preparando para o pequeno encontro que teria com Czar.


Entro em seu escritório, Czar está sentado atrás de sua mesa, fumando seu charuto importado. Seus olhos recaem sobre mim, balança a cabeça em direção à porta. Entendo seu gesto silencioso para fechá-la. O faço, permitindo bater um pouco, recebendo seu olhar superior.

— Vou perguntar por que tive que saber de um dos meus homens que você surrou não só um deles, como quase matou Deany?

— Vejo que temos maricas no meio de nossos homens.

— Eu sugiro que não trate nosso assunto com leviandade!

Contemplo meu próximo passo. Puxo a cadeira para trás, sentando e cruzando uma perna sobre a outra. — Não sabia que o fato de dar um corretivo naqueles vermes, era de total interesse seu! — rebato.

— Tudo que ocorre em meu território é de meu interesse. — diz sorrindo, batendo a ponta de seu charuto na pequena cristaleira ao seu lado.

— Eles causaram grandes problemas, perdemos uma virgem porque Burn quis satisfazer seus desejos imundos!

— Sukin Syn! 19 — Exclama batendo o punho contra a mesa de mogno.

— Já cuidei disso, ambos irão ficar espertos.

— Fico contente que você tenha retomado suas raízes.

— Então é por isso que tem me tratado como um de seus lacaios? — pergunto irritado.

— Confiança não é um presente é algo conquistado, Kiran. Você é meu legado. Se você se mostra fraco diante dos meus inimigos, qual será a imagem que eu terei para eles?

Levanto revoltado. — Ela era uma criança!

— Uma criança que era filha de um inimigo, que sua morte nos permitiu dobrar um homem que estava impedindo nosso trabalho. Sempre haverá uma criança ou uma mulher. Os homens se enfraquecem ao se apaixonar, apenas tolos deixam os sentimentos dominarem suas mentes. Homens como nós não têm coração, não têm sentimentos, sentimentos para pessoas como eu e você causam apenas morte. Imagine que tolo se eu me apaixonasse por uma puta como Andreia? Acredita mesmo que eu deixaria de ganhar meu dinheiro por que ela abre as pernas de maneira satisfatória?

— Não estou disposto a isso, judiar de crianças por causa do erro de seus pais?

— Não banque o inocente! Você já visitou esses terrenos, sabe como terminaremos. Você é exatamente como eu, é o espelho de seu pai!

Ranjo os dentes, travando a mandíbula, enquanto Czar fuma tranquilamente seu charuto, soltando a pesada fumaça pelo ar.

— Cometi um erro, Kiran. — diz quebrando o silêncio.

Recuo, em toda minha vida nunca ouvi nada, nem mesmo perto de arrependimento sair de sua boca.

— Lutter tem seguido minhas ordens, sendo meus olhos. E ele trouxe notícias preocupantes, temos um vor entre nós. Eu deixei que um vor se infiltrasse em meus negócios, relaxei minhas muralhas!

— Um ladrão?

— Sim, como vocês costumam dizer, um delator. — diz. — Lutter está quase certo de quem é.

— Como descobriu? — questiono.

Czar esboça um sorriso. — Estou nessa vida há tantos anos, que você mal tem ciência. De qualquer forma, amanhã eles estarão trazendo o traidor para mim.

***

— O filho prodígio. — Orrel zomba. — Que porra quer, Kiran?

Não hesito. — Preciso de um favor.

A gargalhada alta faz com que eu afaste o celular do ouvido.

— Devo estar realmente bêbado, não é que aquele filho da puta alemão acertou quando me colocou para fora do bar?

Olho no relógio em meu punho, lá deveria passar das quatro da madrugada. — Você vai me ouvir?

Ele riu. — Diga, o que o incrível filho do satã quer com um mero mortal como eu, como anda nosso D’yavol20?

— Você tem bolas. — Rosno me arrependendo de ter ligado, mas no momento Orrel é a única via de sumir com Adria do mapa.

— Do que precisa?

— Quero que suma com uma pessoa.

Outra gargalhada.

— Se você não levar esse papo a sério eu juro que atravessarei o mundo para que a próxima coisa que vai olhar seja meu punho contra seu rosto e o teto de um maldito hospital!

— Achei que tinha homens com culhões para fazer seu servicinho sujo.

— Quero que me ajude a fazer uma pessoa desaparecer, não a matar.

— Está querendo esconder uma pessoa de nosso querido satã, é isso mesmo?

Respiro fundo, fechando os olhos estava impossível falar qualquer coisa com Orrel no momento.

— Estou tentando salvá-la do inferno. — Digo baixo.

— Você é um lobo apaixonado? E por acaso sua protegida está encrencada com nosso querido Czar?

— Preciso que me ajude tirá-la dos Estados Unidos, acha que consegue?

— Não sei. Não quero me meter e perder minhas bolas por causa dos seus problemas. Sinto muito que tenha sido um otário, primo.

— Orrel! — urro do outro lado da linha.

— Porra, eu vou ver o que posso fazer. Vou ver!

— Obrigado. Entrarei em contato. — Digo encerrando a ligação e jogando o celular longe.


BAKER


— Baker?

— O FBI encontrou provas que os Rootns estão recriando um site de sexo, porém, não é possível extrair nada, eles estão utilizando a Deep Web. — Menfys diz sem me olhar. — Kate está verificando todos os arquivos.

— Não estou gostando do rumo que as coisas estão tomando Menfys, o tal chefe da organização que o agente Wenth nos fez o retrato, não foi encontrado em nenhum sistema.

— Temos que manter tudo como está, os agentes precisam de tempo para se adequar ao mundo em que foram inseridos.

— Concordo, desde que a principal agente informante não suma por duas semanas deixando toda sua equipe totalmente no escuro! Estou dizendo, Menfys, tem coisa errada!

Menfys suspira, me olhando nos olhos. — Seu afeto pela agente Hamer está afetando seu julgamento.

— O único com julgamentos afetados é você, não percebe que temos que fazer a extração dos agentes? — questiono irritado.

— Extração? Isso poderia matar não só os agentes envolvidos como os que irão para essa caça às bruxas, Stone! Não posso permitir uma extração, são anos de planejamento!

— São duas vidas, dois agentes em perigo e se estiver correto, talvez um, já que Wenth pode ter se curvado a eles!

— Isso é uma acusação séria, Stone. — Menfys se levanta, encarando-me sério. — Nunca julguei ou me intrometi em uma de suas operações, não vou permitir que faça isso com as minhas!

— Deixe-me pelo menos investigar Rowsend, deixe-me tentar extrair algo dele, que nos leve para algo mais concreto!

— Rowsend está em poder da CIA, a essa altura está confinado em um dos Blacksets21 deles, mal sabemos se está vivo.

— Não foi apenas Rowsend que foi preso naquela batida. Deixe-me falar com o outro preso. — Digo.

Menfys fica em silêncio por um momento.

— Teremos que deixar essa visita em absoluto segredo. Posso cuidar da segurança.

— Tudo que preciso, me deixe lidar e tentar arrancar algo.

— Não cometa nenhuma besteira, Stone.

— Não se preocupe.


O sistema penitenciário da administração era ridículo. O governo do Estado, e muito menos o Governo Federal, nada faziam para melhorar as milhares de denúncias que recebiam tanto dos presos como dos funcionários. Chegava a ser desumano.

Um policial me cumprimenta com um movimento de queixo, levantando a mão que segurava as chaves grandes e pesadas.

— Por aqui. — Ele diz, guiando-me pelo corredor repleto de celas. — Tem dez minutos, depois te arranco de lá tenha terminado ou não. — diz nervoso.

— O preso?

— Está sem direito ao banho de sol, arranjou briga com outro preso.

Concordo.

— Vou precisar de sua arma.

Retiro o coldre passando para o policial. Ele abre a pequena cela, permitindo que eu entrasse, trancando-a assim que estava lá dentro.

— Que porra é essa? — questiona encarando-me surpreso.

— Tenho umas perguntinhas para você...

— Tem porra nenhuma! Guarda! — gritou tentando olhar por cima de meu ombro.

— Quero informações de como encontrar sua organização.

Ele manteve seus olhos sobre mim, o rosto rígido e inexpressivo.

— O que você acha que aconteceria com um cara como eu se desse com a língua nos dentes? Aqueles filhos da puta têm uma estrutura dentro dos presídios, não dão ponto sem nó, eu acabaria sendo espancado até a morte num desses corredores.

— Se falar, posso aliviar sua pena ou protegê-lo de outra maneira.

Ele apertou os olhos, sua feição afiada, desconfiando do que falava.

— Me dê algo concreto e eu quebro sua pena ao meio.

— Me tirar daqui? Como?

— Podemos fazer um trato, preciso saber como encontrá-los, preciso saber quem é o mandante.

Ele gargalhou, jogando a cabeça para trás. — Vocês são tolos se acreditam que um dia colocarão as mãos em Czar, o cara mata todos vocês antes do amanhecer.

Arqueio a sobrancelha.

— Cinco minutos. — O policial avisa.

— E as mulheres? Onde ficam e quem é responsável por pegá-las? Elas são dopadas?

Ele gargalha mais uma vez, sentando-se na cama. — Não vai arrancar nada de mim, fazer um acordo com o FBI é a mesma coisa que assinar minha sentença, no mesmo dia que sair ele me encontrará e levará minha cabeça numa bandeja. Afinal, eu não fiz nada de errado, era apenas um cafetão que transportava essas mulheres para eles. Não sabia nem qual a droga que cheiravam.

— O tempo acabou, para fora! — diz o policial abrindo a porta.

— Nos vemos por aí, meu velho. — Ele diz com um enorme sorriso.

***

— O que está te incomodando, querido?

Passo as mãos pelos olhos cansados, passei boa parte do jantar com o pensamento longe, mais revirando a comida no prato do que comendo-a.

— Um problema no trabalho.

Minha filha corre pela sala de estar, brincando com suas bonecas, Lilian segue meu olhar, sorrindo ao ver nossa filha tão entretida em seu pequeno mundo de fantasia.

— O que posso fazer para ajudá-lo?

— Infelizmente nem eu mesmo consigo, querida.

— É tão sério assim?

— Sabe que não posso comentar sobre isso, tenho restrições.

Talvez o problema não fosse deixar minha mulher mergulhar nas águas traiçoeiras do FBI, talvez o fato seria mesmo falar em voz alta que o problema era realmente mais sério do que todos pensavam e que no final minhas suspeitas estivessem corretas, e fosse tarde para fazer algo.

— Lilian?

— Sim, querido.

— O que você faria se soubesse que seus instintos estivessem certos, mesmo que não tivesse nada para comprová-los?

Lilian não disse nada por um instante, fitando meu rosto; mas então, se curva sobre a mesa de jantar, segurando minhas mãos nas suas. Ela me fita com as mãos unidas, o calor tão amoroso se espalhando, até mesmo relaxando-me, minha esposa sempre teve esse pequeno dom, ela era um verdadeiro sopro divino para mim, em todos esses anos de casados.

— Você deveria segui-los. Você é excelente no que faz, sabe disso. Siga seus instintos, talvez encontre a resposta que procura.

Aperto gentilmente suas mãos. Levantando, dou um beijo casto em seu rosto, seguindo para a sala, dando outro em minha filha. Parando apenas para pegar os casacos no pequeno closet ao lado da porta e saindo.

Ficar de tocaia em frente à casa de Luigi era errado, mas algo me dizia que eu precisava confrontá-lo. Passava pouco mais das dez da noite, o vento frio tinha tomado conta das ruas, não tinha uma única alma penada que se atreveria passar por ali. Espero mais alguns minutos, me certificando que nada nem ninguém surja, estava pronto para abrir a porta do carro quando Luigi aparece na entrada de sua casa, caminha até seu carro, colocando uma garrafa térmica em cima da lataria. Teria que ser agora, senão, eu perderia minha oportunidade. Abro a porta, pronto para saltar e ir até ele quando escuto o barulho de pneus cantando pelo asfalto, luzes altas de faróis me cegam ao olhar para trás; leva um segundo para que minha vista volte ao normal, mas tempo o suficiente para que veja o furgão sem placas parar de qualquer jeito pela calçada, dois homens encapuzados saem de dentro dele partindo para cima de Luigi, que cai ao ser atingido por socos e pontapés, logo depois sendo arremessado para dentro do furgão.

Bato a porta, ligando o motor, pronto para segui-los, mantenho uma distância segura, mesmo acelerando atrás deles, alguns carros me cortam ao entrar nas ruas do centro e o furgão segue em alta velocidade, rumando para fora da cidade. Mas como a porra de um passe de mágica, ao demorar alguns segundos a mais para virar na mesma esquina que eles, pronto, foi o bastante para desaparecerem de vista.

Caço o carro pelas ruas próximas, mas sumiu, como se nunca tivesse existido.

Naquela noite mal consegui dormir, vi todas as mudanças que o céu fez até o despertador tocar. Naquela manhã entrei como uma bala de canhão no escritório de Menfys, relatando tudo, desde a visita na penitenciária até o ocorrido com Luigi Wenth. Menfys ouviu tudo e só depois que eu repeti pela terceira vez que tanto a agente Hamer como o agente Wenth estavam em perigo, Menfys se levantou, pediu para que Clain fosse ao seu escritório e ordenou que reunisse os agentes envolvidos na operação Rootns.

— Vamos fazer a extração. Mas concordamos que no passo que estamos, mal sabemos se os agentes ainda estão vivos. Segundo relatos, a boate Penlin que funcionava como ponto de encontro está fechada, os agentes informaram que não há nenhuma movimentação no estabelecimento há dias. Se os agentes forem extraídos, toda nossa operação vai para o ralo e provavelmente esses caras sumam do mapa, segundo você, eles estavam dirigindo para fora da cidade. Será um milagre encontrarmos alguma pista deles, já que mal sabemos para onde eles realmente levam as garotas.

— Entendo, senhor.


KIRAN


— Espero que esse pequeno agrado lhe faça passear mais com sua família, Roach.

Entro no escritório improvisado, fechando a porta atrás de mim. Roach e Czar me encaram, mas voltam para sua pequena negociação. Se um dia procurasse pela definição do crime organizado, havia muito pouco que ele não operava. Políticos eram seus maiores clientes, policiais e assim como alguns bons agentes do FBI corruptos estavam em seu bolso, dançando em suas mãos.

Roach sorriu, ele suava, vestígios de suor escorriam por sua testa e pelo meio de suas costas na camisa social. Poderia dizer que ele estava ansioso para colocar as mãos na pasta preta em sua frente, ou poderia ser apenas nervosismo saindo de seus poros por estar de frente para Czar, até mesmo sabendo que estava no meio do nada, cercado de homens prontos para atirar em seus miolos.

— Mande lembranças para sua adorável esposa, Roach. — Czar diz inclinando-se na cadeira de couro.

Roach se levantou, pegou a maleta, esboçou um leve até logo e saiu da sala.

— Os humanos podem ser como uns bichinhos assustados. — Czar diz levantando-se. — Vamos, temos um evento interessante agora. — Acrescenta batendo em meu ombro ao sair da sala.

Acompanho-o para fora, vendo Lutter e Vernan entrar no galpão, pelo visto estavam fazendo algum trabalho sujo. Czar puxa uma cadeira de ferro para o centro, joga o casaco pesado para trás, sentando-se confortavelmente.

— Senhor. — Vernan para perto de nós.

Czar cruzou os braços dando um leve aceno de cabeça. — Serviço feito?

Lutter inclinou a cabeça. — Sim, senhor.

Czar mostra os dentes brancos, — Tragam-no.

Lutter e Vernan acenaram saindo do galpão.

— Posso saber o que está acontecendo? — questiono, olhando para o rosto de perfil de meu pai.

— Temos um vor entre nós, quero apenas amaciá-lo como um lindo cordeiro para o jantar.

Antes que pudesse piscar, Lutter tinha jogado Sebastian no chão, enfiando um joelho em sua coluna. Ele se retorcia, lutando e amaldiçoando, mas Lutter era o dobro de seu tamanho, ele nunca sairia dali se o próprio Lutter não permitisse.

— Me solta, porra! Me solta!

— Solte o rapaz, pegue uma cadeira e ponham-no sentado. — Czar ordenou e assim foi feito, ou melhor, Sebastian foi arremessado para a cadeira, sentando-se frouxamente, de frente para meu pai.

— O que aconteceu, chefão? — disse.

— Você poderia me dizer, poderia me explicar algumas coisas, Sebastian. — Czar brincou, apreciando a provocação.

Sebastian ficou vermelho. — Não tenho nada para contar. Seus brutamontes me surraram no meio da rua.

— Uma excelente casa para um lacaio prostituto. — Vernan comenta.

— Então diga-me, Sebastian, seu nome é esse mesmo? — Czar questiona.

Vejo o rosto de Sebastian perder a cor e como seu pomo de Adão sobe e desce rápido enquanto engole a saliva.

— Lógico! Que pergunta tola!

O tapa ao pé do ouvido que Lutter lhe deu foi ligeiro, mas forte o suficiente para ele colocar a cabeça entre as pernas, protegendo o rosto.

— Obrigado, Lutter. Alguns homens realmente não sabem como tratar alguém superior ao seu nível de verme falante. — Czar brincou. — Vamos tentar novamente, qual é o seu nome?

— Sebastian. — diz abafado entre os joelhos.

Vejo Vernan concordar em silêncio, caminha até uma pequena mesa do lado oposto pegando um pequeno alicate prateado. Lutter segura Sebastian na cadeira, fazendo com que suas tentativas de fugir sejam nulas. E quando Czar faz um aceno de cabeça, Vernan pressiona o alicate no dedo mindinho de Sebastian, arrancando-o fora. Os gritos ecoaram pelo galpão, inundando meus ouvidos. O último grito que ele soltou era capaz de acordar os mortos antes dele virar o rosto vomitando, quase vomitando em cima de Lutter, que foi rápido o bastante para jogá-lo no chão.

— Seja homem! Pare de nadar no próprio vômito e volte para seu lugar. — Czar assobiou, franzindo o cenho para toda bagunça em sua frente.

Sebastian voltou a se sentar na cadeira segurando o ferimento ainda sangrando; suas mãos, a camisa e as calças estavam cobertas de sangue e vômito.

— Vamos tentar de novo, dessa vez, Lutter, amarre-o na cadeira. E você, quando eu lhe fizer uma pergunta quero que me responda. Senão, meus homens não terão receio em arrancar outro dedo.

Depois de preso à cadeira, Czar retomou suas perguntas:

— Já que não quer nos dizer seu nome, por que não nos conta o que você fazia entrando no prédio do FBI?

Sebastian nos encarou assustado, olhando para cada um presente naquele ambiente. — Vocês estão malucos, eu e o FBI? — disse rindo, mesmo que sua careta parecesse mais de dor.

— Tem algum irmão gêmeo? — Czar questionou novamente.

Sebastian sacudiu a cabeça rapidamente, negando.

— Então devo perguntar de novo, o que você estava fazendo com aqueles porcos imundos do governo?

Sebastian mais uma vez se negou a dizer, dessa vez quem assentiu foi Lutter. Vernan passou o alicate para ele, forçando Sebastian abrir a boca, os gritos voltaram a preencher a sala.

— Apenas o segundo pré-molar. — Czar diz cruzando uma das pernas sobre a outra.

Enquanto Vernan segura o homem se debatendo, Lutter enfia a mão dentro de sua boca, os gritos se intensificam, tornam-se desesperados até que param, viram apenas gemidos de uma boca ensanguentada. Lutter joga o dente pro lado, limpando sua mão do sangue de Sebastian.

— Vamos fazer assim, um dente por uma pergunta, cada pergunta que você responder fica com o dente, aquela que não responder perde. — Czar diz sorrindo. — Dê-lhe um pouco de água gelada, sinto que vai precisar.

O frio toma conta de minha espinha, se Sebastian foi o responsável por trazer Adria para dentro, e ao ser visto dentro do FBI... Ou eles trabalham juntos ou Sebastian é o informante de Adria com o mundo exterior. De qualquer jeito, coloca-a na mira direta de Czar, e isso não é bom. Afasto-me de forma lenta do grupo, tirando o celular do bolso, passo o dedo rápido pelos contatos, parando no de Netlen.

“Temos um problema. Ele sabe, esconda-a, quando puder irei até você. De qualquer forma, você nunca a viu. Entendeu? Eu farei contato.” — envio, sentindo a respiração pesada dentro do peito, até um pouco agoniado pela demora para que a mensagem seja enviada, rapidamente apago qualquer prova, enfiando o celular novamente no bolso.

— Se quiser fazer as honras, tenho certeza que ele não irá resistir a mais dois dentes sendo arrancados.

Viro dando de cara com Czar.

— Aposto em dois. — Digo, mantendo minha voz fria e impessoal.

Ele sorri, dá dois pequenos tapinhas em meu ombro e volta para o pequeno escritório improvisado. Dando um tempo para que Sebastian se acostume com as dores que correm por seu corpo.


— Vamos lá, acorda seu frouxo! — Vernan bate no rosto de Sebastian, fazendo-o se contorcer com dor.

— Porra! Eu não sei de nada, de nada! — diz de maneira enrolada.

— Hora de chamar o chefe, pelo visto o canário quer ou não cantar? — Lutter pergunta.

— Não fiz nada, eu juro!

— A maldita da minha mãe jurou melhor que você antes de morrer. — Um dos outros homens de Czar que assistiam ao show, diz rindo.

— Deite-o na maca.

Continuo parado no canto, um pouco afastado do círculo de carnificina que se formava.

Vernan arrasta Sebastian pelo galpão, amarrando-o deitado sobre uma maca de alumínio, enquanto Lutter traz consigo um balde e um pequeno maçarico nas mãos.

— Que é isso? O que vai fazer com isso? Porra, onde está indo? — Sebastian pergunta desesperado.

— Uma coisa que os americanos me ensinaram foi alguns truques a mais na hora de torturar um homem, Sebastian. Você sabia que os ratos são criaturinhas tão espertas e medrosas que sempre arranjam um lugar para escapar? Principalmente se sentirem dor ou medo. Fora o chiar que eles fazem quando sentem um desses sentimentos. É realmente magnífico!

Czar arregaça as mangas, tirando um rato gordo do balde, segurando-o pelo enorme rabo. — Isso além das doenças que transmitem e quando estão com fome, uma pequena gota de sangue pode fazê-los comer grandes pedaços de carne humana.

— Por favor, eu não trabalho para o FBI, eu trabalho para você, porra! — grita.

Czar ignora o que Sebastian grita, entregando o rato para Vernan, que rasga a camisa de Sebastian, colocando o rato e o balde de metal em cima, enquanto Lutter coloca uma luva especial segurando o balde e ligando o maçarico. Os guinchos do rato ficam altos, assim como os gritos de Sebastian. E mesmo que se debatesse na maca, ele estava amarrado, pouco conseguiria fazer.

— Primeiro ele vai arranhar, muito. Depois pode começar a morder e isso é ruim, pois quando morder ele vai ver que existe como fugir, teve casos que o rato comeu metade do estômago para sair pela lateral do corpo. Incrível, não? — Czar diz, voltando a se sentar na cadeira.

— Puta que pariu, me solta, por favor! — Diz em meio aos gritos de dor. — PORRA, ELE MORDEU, ELE ME MORDEU!

Lutter continua com o maçarico por todo o balde, fazendo os guinchos aumentarem.

— Lutter, pare! — Czar ordena, poucos minutos depois. — Deixe nosso ratinho descansar. Os dois, amarre Sebastian de pé nas correntes.

Eles fazem exatamente como é mandado, todo o círculo onde o balde estava além de queimar um pouco a pele de Sebastian, está marcado com as unhas do rato e com pequenas mordidas. Ele fica pendurado e amarrado no meio do foco de luz, a cabeça pendendo para frente, sua respiração irregular.

— Vamos deixá-lo pensando, amanhã voltaremos. — Czar anda até ele, dando tapas em seu rosto com a mão grande e pesada. — Espero que pense melhor e traga respostas para minhas perguntas.

Espero para que todos, inclusive Czar, tenham saído para me trancar dentro do carro. Digito os números com a maior rapidez que consigo. Impaciente por Orrel demorar tanto para atender.

— Kiran.

— Preciso daquele favor.

— Kiran, veja bem, você seria uma carta marcada, sabe o que isso significa, não sabe? Não tenho poder para ir até os Estados Unidos e trazer uma garota foragida comigo.

— Fale com seu chefe, não me importo. Um favor e mais nada, SÓ PRECISO QUE ELE TRAGA UM AVIÃO PARTICULAR E NÃO RASTREÁVEL ATÉ MIM! — Grito.

— Calma, eu falarei com ele. Se tiver boas notícias retorno a ligação. — Orrel diz.

— O quanto antes.

— Ok.

Encerro a ligação jogando o celular no banco do passageiro, dando alguns murros no volante. Merda! Esse filho da puta logo abrirá o bico! Preciso de outro plano, preciso tirar Adria daquele armazém, mas como? Iria chamar atenção demais se eu saísse com uma das garotas, ainda mais com Czar e seus homens em alerta.... pense, Kiran, pense.

***

— Você não é como eles, Lobo.

Eu era sim. Matei, vivi com o dinheiro repleto de sangue. Já derramei muito sangue em nome da família, tinha tanto sangue em minhas mãos quanto esses caras. Com o passar dos anos, saí da sombra de meu pai e criei a minha própria, mas, e se o meu “ser” for tão sombrio quanto o dele?

— Fique esperta com os movimentos.

— Estou. Ela está segura.

O riso me escapa fácil, ninguém estava seguro, nem mesmo ela e nem mesmo eu.

— O que você quer? Sabe que tem duas saídas para essa confusão toda em que nos metemos.

— Você poderia ter contado, poderia ter falado que uma agente estava te apertando.

Foi um longo tempo antes dela falar. Eu sabia que Netlen vivia em posição difícil, sabia o quanto odiava a vida que vivia e o quanto se culpava pela morte de sua irmã. Até entendi porque não tinha contado sobre isso, ela queria justiça pela sua irmã, mesmo que de forma deturpada, e eu ainda era o filho do inimigo.

— Você se apaixonou. — disse baixo.

Continuo encarando a chuva bater com força contra o vidro do carro e os limpadores fazerem seu melhor para tirar o excesso de água.

— Homens como eu sequer são abençoados com mais um dia de vida. Não temos esses sentimentos.

— Você está errado, novamente. Você se apaixonou por ela, Lobo. Está tão desesperadamente apaixonado que está arriscando sua pele, podendo enfrentá-lo sem titubear.

— Vamos deixar esse papo maluco para outra hora, tenho que voltar para o galpão e você para o seu posto.

— Eles adiaram o leilão. — Netlen diz o que eu já sabia.

Confirmo com um gesto.

— Cuide-se. — diz antes de sair, abrigando-se em seu casaco e nas pequenas marquises das lojas do outro lado da rua.


“Você será meu estimado Ubiytsa, meu assassino mais eficaz.”

Fecho os olhos. E eu fui, me tornei um fantasma na noite, me tornei o próprio cheiro de morte. Desde o dia que Czar parou naquela esquina suja, encarando-me nos olhos com um sorriso falsamente amigável nos lábios.

— Que coisa, não... Sabe quanto custam estes sapatos? Que coisa sem classe, Sebastian!

Entro no galpão escutando meu pai reclamar e Martin se curvar limpando o sangue de seu sapato importado.

— Vai lá, vamos falar, quem sabe um de meus homens não desce você de maneira bem tranquila. Pode ser que alguém até faça um boquete para você antes de jogá-lo no meio do deserto.

Encosto em um dos pilares, vendo a tortura de longe.

— Ah, meu menino, vejo que chegou! Não era você que desenvolvia aquelas drogas... como é que chama? — Czar pergunta virando-se para mim.

— Drogas de obediência. — Digo.

— Isso mesmo, sabe Sebastian, nosso Lobo aqui tem grande apreço pela humanidade, tanto que inventou uma pequena droga que limpa a memória das vítimas, as deixam mais suscetíveis a fazer o que mandamos... até mesmo atos desprezíveis.

— Porra, chefe, eu não fiz nada! Esses cuzões me querem fora daqui! — Sebastian choramingou.

— Chefe, acho que podemos arrancar outro dente ou quem sabe mais um dedo?

— Acalmem-se rapazes, já tiramos muitos dentes, quantos foram mesmo, Lutter?

— Sete dentes, senhor.

— Uau, você é um homem corajoso, Sebastian! Tive homens que no primeiro já estavam soletrando até o alfabeto de minha terra natal.

— Eu não fiz nada! — Sebastian gritou se debatendo na corda.

— Esse instrumento tem muitos nomes. A primeira vez que senti o que esse pequeno bastão pode fazer foi incrível. Eu literalmente fritei os sacos de um homem.

Czar se levanta pegando o bastão de choque. O som do bastão batendo nas mãos de meu pai soava alto, até o pequeno gotejar do sangue de Sebastian batendo no chão fazia o maior barulho.

— Começaremos de novo. Qual seu nome?

— Sebastian.

Czar enfia o bastão no meio do abdômen liberando a carga de choque pelo corpo de Sebastian. Ele se contorce inteiro, até mesmo depois que Czar quebra o contato do bastão ele continua se contorcendo.

— O que estava fazendo no FBI?

— Eu não estava na porra do FBI! — Sebastian diz de maneira pausada.

Czar confirma com um gesto, pressionando novamente o bastão contra o pescoço dele, liberando o choque. Deixando que dessa vez ele recebesse uma carga maior, se divertindo com o corpo de seu capanga tremendo enlouquecidamente.

— Diga a porra do seu nome!

— Este é meu nome! — respondeu com os lábios trêmulos.

Czar ficou tenso, e então sussurrou — Mentira, posso ver em seus olhos que está mentindo. — Czar segurou mais firmemente o bastão, podia ver a raiva saindo devagar por seus poros. — A tortura é algo medieval, os antigos tinham costume de dizer que para obter boas respostas leva-se tempo, e nós temos tempo. Podemos ficar dias surrando grandes ou pequenas partes do seu corpo, posso deixá-lo descansar como ontem, mas uma hora irei acertar tantos pontos miseráveis do seu corpo, que mal conseguirá falar.

Czar sai de perto dele, voltando para a pequena mesa, colocando o bastão novamente em seu lugar, analisando as armas dispostas em sua frente. Vernan foi ao seu encontro, parando perto dele.

— Senhor.

Czar alisou as facas em sua frente, em total silêncio.

— Ele está sendo mais forte do que pensávamos. O que devemos fazer?

— Surrem-no.

— Sim, senhor. — Vernan se afasta fazendo sinal para os outros, rapidamente um círculo é feito em volta de Sebastian. Socos e chutes começam a ser distribuídos por todo corpo dele; sangue começa a escorrer, assim que os homens de Czar intensificam seus golpes.

— Tem certeza que ele é o vor? — pergunto chegando perto de meu pai.

Czar tira uma foto dobrada de dentro do casaco do blazer, entregando para mim. Não tinha como negar, estava nítido, Sebastian saindo de dentro do departamento do FBI, tentando até mesmo esconder parcialmente o rosto.

— É questão de tempo.

Czar volta sorrindo, parando de frente para Sebastian, seu rosto estava completamente vermelho, sangue manchava sua camisa e seu pescoço. Ele faz um movimento com a faca fazendo-a brilhar contra luz, estendendo-a para que Sebastian a admirasse como ele. — Você tem certeza que não quer me dizer a verdade?

Sebastian permaneceu em silêncio, apenas olhando para Czar.

— Entendo. — Czar diz levemente. — Eu realmente gostaria de me divertir mais com você, porém, isso está ficando até mesmo monótono demais. Peguem a mordaça!

Um de seus homens saiu de perto pegando a mordaça de couro, aquilo não só era usado da maneira errada como causava uma imensa dor. Retiro o celular do bolso, escrevendo uma mensagem rápida para Orrel, agora mais que nunca preciso de sua resposta.

“Vai me ajudar ou não?” — faço a mesma coisa que fiz com a mensagem de Netlen, apago qualquer vestígio, devolvendo o celular no modo silencioso para o bolso da calça jeans.

Os olhos de Sebastian se arregalam, olhando para cada um de nós ali presentes, voltando sempre para seu carrasco, Czar. Ele sabe que a única maneira de sair pelo menos vivo dali, será abrindo a boca, contar as informações que ele tem. Por isso, não foi nada surpreendente quando começou a gritar que contaria o que Czar desejasse, arrancando um sorriso de meu pai e um arrepio frio e medonho de minha espinha.

Czar voltou para onde estava sua cadeira, sentando-se. — Vamos do começo? Que tal saber o verdadeiro nome do verme que tentou se infiltrar em minha organização?

Sebastian engoliu em seco. — Luigi Wenth.

— O canário começou a cantar. — Vernan diz acertando um soco em cheio no rosto de Sebastian ou Luigi.

— Calma, Vernan, assim pode assustar nosso pequeno verme. — Czar repreende-o, ainda sorrindo. — Conte mais, o que você é? Um policial corrupto ou apenas um agente fedelho que mal sabe como seu país comanda as coisas?

— Sou apenas um informante, não sei de nada, estou aqui por causa dela.

— Dela?

— Vejo que cheguei em boa hora.

Viro rapidamente dando de cara com Deany, apesar de estar mancando pelo tiro que dei em seu joelho ele se recuperou rapidamente, mesmo que as cicatrizes em seu rosto ainda sejam visíveis.

— O que ele está fazendo aqui? — pergunto irritado.

— Lobo, ele faz parte disso, mesmo você tendo acabado com seus bagos.

— Seu filho da puta, você deveria agradecer por eu não ter metido uma bala no meio da sua cabeça! — Deany vem mancando em minha direção, fazendo minha mão se fechar no coldre de minha arma.

— Rapazes... — Czar alerta. Deany para me encarando, como se um único descuido o fizesse voar sobre mim. — Deany, já conversamos sobre isso, seu instrumento foi ajeitado e estamos no meio de uma missão.

— Sim, senhor. — Disse cuspindo em minha direção.

— Voltamos ao que dizia, quem é ela?

Pego discretamente meu celular, respirando aliviado por Orrel ter respondido.

“Sim, mas saiba que fará um serviço para o meu chefe. Estarei aí quando quiser”

“Esteja aqui o quanto antes, eu ligarei.” — respondo apagando ambas as mensagens.

—...ela entrou em contato comigo depois que me viu batendo em uma puta, achou que seria um ponto forte para entrar na organização, ela quer colocar tudo no chão, quer a cabeça de cada um de vocês num espeto.

— Eu quero nomes! — Czar gritou.

— Adria, Adria Hamer.

Vejo a confusão tanto nos rostos dos homens de meu pai como no rosto de Czar. Ninguém ali conhece ela por esse nome, por um instante achei que bastava isso para que Luigi fosse morto como tantos outros e que meu pai seguisse a mesma investigação que fiz. Desvio o rosto vendo Lutter me encarando seriamente, óbvio que ele tinha feito a associação ao nome, ele era o melhor “investigador” que tínhamos, nunca sequer poderia imaginar que quando dei o nome de Adria para ele que ocorreria algo parecido.

— Adria Hamer, interessante, mas não conheço nenhuma suka com esse nome. — Czar diz.

Lutter abaixa os olhos, mas se mantém em silêncio, se ele falasse algo, além de me jogar na fogueira também atrairia o foco para si.

— Ela entrou com o nome de Pam Gomez.

A gargalhada alta rompeu no meio do galpão atraindo atenção de todos para Deany, que segurava o próprio abdômen enquanto ria como um lunático.

— Qual a graça, Deany?

Deany olhou bem para mim, antes de encarar Czar. — Pam Gomez foi a putinha que esse verme trouxe no dia que se aliou a nós! Agora, o mais engraçado, chefe, é que o Lobo quase me matou por causa dela! — Todos se viraram me encarando, Czar foi o último, mas seu olhar era o que importava, ele tinha feito a conexão que Deany estava apresentando, para ele eu estava defendendo um rato, uma policial.

— Vamos lá, Lobo, há quanto tempo está fodendo a policial? — Deany pergunta.

Avanço sobre ele, mas sou contido por dois homens de Czar que prendem meus braços para trás do corpo, virando-me de frente para ele. Sinto o pequeno suspiro dele bater em meu rosto, assim como o soco no lado direito de minha mandíbula que me dá. O gosto de cobre pelos pequenos cortes em minha bochecha enche minha boca, fazendo-me cuspir o sangue.

— Vy ne uvazhali svoyego ottsa! — Czar diz, encarando o fundo de meus olhos. — Você não respeitou seu pai!

— Onde essa mulher está? — Czar se vira para seus homens, mas todos permanecem em silêncio. — Tragam-na para mim! E o amarrem junto com esse verme!

— Espera aí, eu te contei tudo, não mereço sair? Contei tudo que sei... — Luigi diz desesperado.

Czar se vira, sorri e volta para ele. — Claro, mas antes uma pequena lição sobre ser um vor. Vernan, a boca! — Ordena.

Vernan segura Luigi, que se debate mais que um cordeiro prestes a entrar no forno, tendo sua boca aberta e sua língua exposta. Czar vai sem remorso, segura a língua do homem, passando a lâmina afiada da faca por ela, jogando o pequeno naco longe. O sangue escorre por todo seu braço, assim como pelo corpo de Luigi que tenta gritar, debilitado pela dor e pelo choque. E como se não bastasse, Czar ainda acende o pequeno maçarico, fazendo sua chama pequena brilhar diante de seus olhos, queimando a ferida sangrenta, cauterizando-a.

— Agora joguem-no no deserto, quem sabe o cheiro de sangue atraia alguns coiotes famintos! — Ordena, largando o rosto desmaiado de Luigi.


34


Uma dor de cabeça muito ruim, além disso, notei duas coisas ao mesmo tempo: estava escuro e eu não estava sozinha. Estávamos em movimento? Terceira percepção: Minha visão estava bloqueada por algum tipo de capuz, mesmo meus olhos rolando, quase por instinto, para tentar se orientar de alguma maneira. Eu estava em uma van, meu corpo estava espalhado desordenadamente pelo chão. Meus movimentos estavam lentos e ineficazes, minhas mãos tinham sido atadas atrás das costas, as pernas continuavam livres como constatei ao dobrar os joelhos. Algum buraco ou lombada na rua fez com que meu corpo saísse por um segundo do chão duro da van, voltando com tudo e ferindo minhas costas.

Meu cérebro trabalhava de maneira incansável tentando se lembrar o que havia acontecido. Recordo-me de Netlen ter entrado, e até mesmo comentado que estávamos em perigo, mas depois a porta foi aberta com violência, o tal do Try entrou com outro homem jogando-a contra a parede, apertando sua garganta e ao tentar defendê-la, fui contida, sentindo imediatamente algo pontiagudo perfurar meu pescoço.

— Você está finalmente acordada, estava começando a pensar que meus homens tinham sido cruéis demais com você. Lamento estarmos nos encontrando de maneira tão...

O capuz é arrancado de minha cabeça levando alguns fios de cabelo com ele, fazendo com que eu dê de cara com um homem mais velho, que mesmo sorrindo, eu não acreditei naquele rosto aparentemente amigável.

— O que eu estou fazendo aqui? — minha voz parecia estar com certo atraso, lenta, como se tivesse abusado do álcool.

Meus olhos voam em direção a Kiran, suas mãos estavam atadas por correntes, encarando o chão friamente, o lado direito do seu rosto estava vermelho, marcado. Olho em volta e vejo que estou em outro galpão, há marcas de sangue no chão, algumas poças brilhantes que me causam repulsa. Meu corpo estremece com medo, sentindo primeiramente o olhar dele, antes mesmo que o encare no meio daqueles homens. Deany! Acredito que nem em meus melhores dias e pensamentos mais felizes irei esquecer-me de seu rosto ou da caveira que me encara sorrindo.

Ele sorri novamente, dando uma grande tragada em seu charuto. — Temos alguns probleminhas para resolver.

Minhas mãos estão amarradas no ferro da cadeira, assim como meus pés. Há uns quatro capangas mais no fundo, com armas nas mãos.

— Querida, por acaso você conhece esse rapaz? — ele volta a falar comigo.

Luigi entra sendo carregado por dois homens, e jogado aos meus pés. Seu rosto tem vários hematomas e cortes, assim como seu corpo. Suas roupas tinham mais sangue que eu pudesse verificar, assim como vi que estava sem um dos dedos da mão esquerda. Ele olhou dentro de meus olhos e isso me faz trincar os dentes. O filho da puta deixou-se ser pego!

— Pelo visto vocês se conhecem.

Encaro novamente o velho. — Ele era meu cafetão e se apanhou é porque mereceu.

O sorriso pinta em seu rosto, ele faz um pequeno sinal chamando atenção de um dos homens que assistiam.

O capanga deixa um pequeno balde d’água com uma toalha ao lado. O velho se levanta apagando o charuto com o sapato.

— Por esses tempos, tenho acompanhado os relatórios que meus homens dão de você. É uma mulher interessante eu confesso, veja só... — diz erguendo os braços; o homem que deixou o balde, volta retirando o blazer alinhado e de corte fino que o velho lhe entrega. — Está fazendo este velho voltar para velhas origens!

Ele pega uma espécie de vara, voltando-se para mim. — Essa belezinha foi um presente de um homem do governo. Até que os americanos têm bons métodos para realizar o trabalho, mas eles falham miseravelmente na execução. Assim que ele aproxima a vara de mim, passeando por minha clavícula, seios, parando em meu esterno, sinto uma imensa corrente elétrica passar por todo meu corpo, meus dentes batem uns contra os outros, o choque nubla minha visão, fazendo minha cabeça pender para trás. O som de correntes se debatendo me fazem inclinar a cabeça em direção a Kiran, que é vigiado de perto por dois homens; seu rosto está furioso, encarando o velho como se saísse dali só para arrancar sua cabeça.

— Vamos conversar, agente Adria? — o velho pergunta se abaixando ao nível de meus olhos. — Diga, seu pessoal já está atrás de você? Quais eram seus planos?

Mesmo zonza, encaro ele nos olhos e então cuspo, bem no meio de sua cara. Ele puxa um lenço do bolso passando por seu rosto.

O tapa é tão forte que me faz virar o rosto, quase como a menina do exorcista, fazendo minha cabeça girar ainda mais tonta. — Garota valente!

Ele puxou meu cabelo na parte de trás do meu couro cabeludo, e eu engasguei quando ele puxou meu pescoço para trás, segurando-me firmemente, ficando com o rosto perto do meu, perto o suficiente para que sentisse seu hálito contra meu rosto.

O homem que aguardava com o balde de água entrega um pano grosso para ele, ainda segurando meu cabelo, forçando minha cabeça pender para trás, coloca o pano em cima de meu rosto tampando minha visão. O jato frio da água caindo não só pelo rosto, mas pelo meu corpo fazem minha pele se arrepiar de frio. Minha respiração é inundada por água, minha garganta arde, assim como água desce pelo nariz a cada pequena respirada que tento dar. Cuspo e engasgo.

O velho tira o pano de meu rosto, segurando firme em meu cabelo.

— Veja Kiran como ela é forte, não se torna uma surpresa você ter visto algo especial nela! É uma pena que você a verá morrer, assim como você.

Olho pelo canto dos olhos para o rosto de Kiran, ele se parece bastante com um animal selvagem naquele momento, o rosto enrugado formando uma verdadeira marca de ódio por toda sua face.

Naquele instante, eu desejei muito estar em poder de uma arma, eu atiraria em cada um deles. Mas nem as mãos eu poderia usar. Deany mancou em minha direção, passando a mão por meu rosto, mesmo eu desviando ele segurou firme pelo queixo, sua mão livre passando pelos meus seios, apertando sem piedade, brincando com o botão de minha calça olhando diretamente para Kiran.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia! — Disse dando o primeiro golpe em minhas costelas, me fazendo me contorcer mordendo os lábios para não gemer de dor.

— Seu filho da puta! Vou te matar! — Kiran se jogou para cima do cara que o vigiava de perto, lhe arrebentando o nariz com uma cotovelada.

— Olha bem, imbecil! Olha o que vou fazer com a sua putinha! — disse Deany.

Kiran se contorce, puxando o máximo que pode as correntes, mas é ineficaz. Deany vem com tudo para cima de mim, fincando a faca perto do osso ílio. Meu grito de dor transborda no ambiente.

Deany se afasta limpando a faca na coxa, indo até a pequena mesa exposta, pegando uma barra de ferro. — Dê um jeito de aquecer, quanto mais quente, melhor.

O capanga confirmou sumindo dali, enquanto Deany veio novamente até mim. — Fique tranquila, docinho. Eu não atingi nenhum vaso importante, nem mesmo um órgão. Mas, nossa! Como doí uma ferida assim!

O capanga retorna, trazendo a barra de ferro com uma luva revestindo sua mão. Ele para em minha frente erguendo minha camiseta, pressionando a barra aquecida e vermelha contra minha pele, queimando a ferida; por mais que tento, os gritos escapam de minha garganta, fazendo Deany sorrir.

— Vamos, garota! Qual é sua intenção ao entrar em meu território? — o velho voltou parando perto de mim.

Eu mantive minha boca fechada, segurando a resposta à sua pergunta. E a cada pequeno silêncio ele dava um jeito de agredir partes distintas de meu corpo, partes que eu não sabia que doíam tanto ao serem atingidas, seja com as mãos, ou a barra de ferro, que por vezes solicitava aos seus homens.

— Então você é o mandante? — pergunto entre os dentes.

— Admiro sua força. — Ele faz um sinal e o capanga me acerta com um soco na costela. — Nem mesmo sei por que insisto, seu comparsa a essa hora está sendo jogado em qualquer parte do deserto, levará dias, senão semanas, para que seu bando descubra o paradeiro. Acredito que nem mesmo uma ligação os ajudaria.

O velho foi calmamente até Kiran, olhando-o com desprezo. — Você, sangue do meu sangue. Traiu sua família por um rato embrenhado em nossos esgotos. Você é uma vergonha!

Kiran foi verdadeiramente surrado por aqueles homens, homens que o temiam, e hoje se aproveitavam para descontar. Nem por um único suspiro ele reclamou, não reclamou quando socaram seu corpo, ou quando Deany o cortou com sua faca. Nada, ele muitas vezes fechava os olhos e assim ficava por minutos, outras vezes apenas me encarava e quando isso acontecia me aquecia, no meio de todo esse inferno onde eu só sairia dali morta. Kiran ou Lobo, me manteve firme, presa em seu olhar, aquecida pela raiva que brilha em seu rosto.


KIRAN


Uma dor cegante atravessa minha cabeça, e meus músculos doem. Revivi por um minuto as surras que Czar adorava me expor, a sensação de queimação nos braços, por estarem muito tempo na mesma posição e da circulação ser menor. A luz fraca pendurada no teto parece como uma chama escaldante em meus olhos. Minha boca está seca, quando me concentro na imagem ao meu redor, noto que tudo está silencioso demais, vazio demais. Tirando os dois pequenos focos de luz, tudo está em completa escuridão.

Inclino-me um pouco nas correntes querendo ver Adria, seu corpo está preso como o meu, sua cabeça pende para baixo, alguns fios de cabelo escuro colam em seu rosto no trajeto que seu sangue faz até o chão. A raiva tomou conta de mim, mas de nada adiantaria esbravejar ou colocar Adria ainda mais em perigo. Quando ela desmaiou de dor, Czar veio pessoalmente me marcar; mesmo o processo sendo doloroso, não abri a boca, aguentei tudo, exatamente como ele me ensinou a fazer, acredito que ele próprio sabia que levar meu corpo ao limite não iria me desmontar, como eu disse, fui ensinado pelo próprio diabo.

Mas ali está a marca em meu peito, a pequena, mas significativa tatuagem, que para as pessoas do submundo quando a virem, reconhecerão na hora. Saberão que eu traí.

— Adria. — Sussurro. — Adria!

Ela se mexe minimamente. — Adria, olhe para mim! — Ordeno.

Quando finalmente me encara só vejo dor e medo refletido em seus olhos. — Fique calma, você é minha, eles não tocarão mais em você, mas preciso que faça algo por mim. Está me ouvindo? — pergunto verificando que ninguém esteja escutando meu monólogo sussurrado.

— Eles vão nos tirar aqui, devem nos levar para qualquer lugar para terminar o trabalho.

Ela me encara com medo.

— Faça exatamente o que eu disser, não tente nenhuma gracinha, você está me entendendo?

Adria confirma olhando para frente, assustada.

Burn se aproxima, saindo das sombras, seus olhos escuros percorrem o corpo de Adria; doente como é, está analisando o que poderia tirar de proveito.

— Não banque o engraçadinho, Burn. Eu posso te matar ainda. — Digo com fúria.

Ele sorri, estendendo a mão para as algemas que prendiam os pulsos de Adria, soltando-as. Ela cai no chão, soltando um gemido baixo. Maldito! Seu corpo está fraco e dolorido. Mesmo sendo uma agente, duvido que tenha passado em suas missões algo do tipo, que tivesse sofrido tantas agressões como sofreu. Ele vai até os pés, repetindo a ação, quando a algema foi arrancada dos tornozelos Adria moveu as pernas, e o grito escapou como um choro de sua boca, o sangue percorrendo os músculos cansados, era a parte cruel da libertação.

Burn buscou uma corda no bolso da calça, amarrando os braços de Adria atrás do corpo, deixando-a jogada no chão. Os dedos nojentos e calejados passando pelos lábios dela, enquanto eu controlo minha respiração pesada e assassina dentro do peito, agora não é o momento, digo isso com frequência para mim mesmo. Atacá-los em seu território não era bom, só nos traria mais surras.

— Prepare-os para o transporte, o chefe quer isto feito o mais rápido possível! — Deany vem em minha direção dando tapinhas em meu rosto. — Quem diria que um dia eu caçaria um lobo!

— Não se vanglorie até ter terminado o serviço! — Respondo com raiva.

— Não banque o valente, senão, o último ato que verá será eu metendo o pau dentro de sua putinha, arrombando todos os buracos dela, que tal?

Sádico psicopata!

— Controle-se, Deany. O chefe não quer mais sujeiras aqui!

Lutter vem em minha direção desamarrando meus punhos das correntes penduradas no teto. Seu olhar me lança o aviso para não tentar nenhuma graça.

— Deany, veja se Try está com o carro pronto. — Lutter ordena.

Ele acompanha com os olhos Deany sair do galpão, virando-se para mim. — Seu filho da puta, você queria foder meu rabo?

Confuso com suas palavras me mantenho em silêncio.

— Escute bem, sei que vai dar um jeito de escapar, por isso não vou ser eu que ficarei no seu caminho. — Ele tira um coldre de faca da cintura, enfiando dentro de minha calça.

— Por que está me ajudando? — questiono, isso pode ser uma grande armadilha.

Lutter me encara fixamente nos olhos. — Porque sei que vai matar todos, assim que sairmos daqui! Em todo instante que eles bateram em você, você se manteve firme, apenas encarando essa mulher. Não sei o que ela é para você, mas conheço o Lobo. Sei do que ele é capaz.

— Já se despediu do seu lobinho, Lutter? — Deany volta rindo.

— Vai se foder, seu maluco! Eu quero mesmo é acabar com isso e me afundar em alguma boceta quente!

— Os dias serão melhores sem você, Kiran. Open de boceta, todas ali, desprotegidas para nós. — Deany disse alto, abrindo os braços como se tivesse prestes a dar um abraço em alguém, gargalhando alto.

— Levante-se! — Try puxa a corda que amarrava os punhos de Adria, dando um tranco em seu corpo, ela se atrapalha em seus pés, Try termina ajudando-a, segurando ao redor de seu bíceps, contendo um pouco de seu peso.

Sabia que as lesões gritariam, especialmente da costela quebrada, mas ela se manteve firme, acompanhando Try até o furgão, deixando-se arrastar pela corda. Ele a coloca para dentro, sentada contra um lado da lataria, Deany senta quase de frente para ela, onde fica encarando seu rosto, sorrindo ao puxar seu queixo para cima, fazendo com que ela olhasse em seus olhos.

Aguente, não faça nada... — alerto em minha mente, sei que isso não serve apenas para Adria, mas principalmente para mim, minha vontade de voar em cima dele, arrebentando sua cara e finalizando o serviço que não concluí, me sobe rapidamente como a bile por minha garganta.

Lutter me coloca ao lado dela, sentando-se ao lado de Deany, ambos de frente para nós.

O caminho é torturante, o que é bom, já que consigo agarrar uma das mãos de Adria, apertando minimamente seus dedos para que não me denuncie. A faca que Lutter colocou em minha cintura agora está em minhas mãos, e conforme o carro balança e a proximidade com Adria, consigo ir serrando aos poucos a corda que prende seus punhos.

— Quem tem medo do lobo mau, do lobo mau, do lobo mau! Lobinho frouxo! — Deany cantarola a velha canção de um livro infantil, rindo ao deturpar a letra.

Lutter se mantém em silêncio, encarando-me nos olhos. Ele sabe que logo irei avançar, sinto apenas por ter que matá-lo depois de me ajudar.

— Vamos, Kiran? Não tem mais o arsenal de ameaças que tinha antes? — Deany provoca novamente.

Mordo a ponta da língua evitando cair nas provocações que ele lança, continuando a serrar a corda ao poucos, agora tudo teria que ser rápido, eles já tinham se afastado do galpão e pelo aumento nas trepidações que o carro fazia, era óbvio que Try tinha deixado a estrada principal. Forço um pouco mais a faca, terminando de serrar a corda, mas o uso excessivo de força faz com que corte sem querer a palma da mão de Adria. Ela me olha por um segundo, segurando firme a faca.

— O problema de você se meter onde não conhece, é encontrar alguém com mais sede de sangue que você. E se ele voltar, sempre será para te matar. — Digo.

Deany franze o cenho para mim sem compreender minhas palavras, completamente distraído, principalmente do que ocorre ao seu redor. Vejo tudo em câmera lenta, Lutter se afasta minimamente de Deany ao mesmo tempo em que Adria salta para cima, ficando a ponta da lâmina no pescoço dele. O sangue espira em seu rosto e em sua blusa, mas ela não para o ódio que alimenta seu corpo é tamanho que dá mais quatro facadas antes de puxá-la contra mim, fazendo-a cair sentada em minhas pernas. Respirando ofegante, seu rosto está repleto de sangue.

O carro para bruscamente, e escuto Try dizer:

— Que porra tá rolando aí atrás?

A porta do motorista abre e se fecha. Encaro Lutter, — Vou precisar da sua arma.

Ele assente, passando a arma destravada para mim, seguro apontando diretamente para a porta do furgão e no momento exato que Try abre, escancarando as duas portas, aperto o gatilho sentindo o pequeno tranco e o barulho da munição cortando o ar, até o momento que ela entra no meio da testa de Try, fazendo-o cair para trás.

Sinto Adria trêmula ao meu lado, seguro seu rosto entre minhas mãos e a arma. — Está tudo bem, vou tirar você daqui. Acabou, ouviu?

Ela confirma olhando-me nos olhos, cedo à vontade quase insana, descendo lentamente meus lábios nos seus, mesmo que ela continue petrificada no lugar, a sensação de sentir sua boca morna na minha é delirante, sugo seu lábio inferior sentindo o animal dentro de mim ronronar, louco para vê-la realmente segura e longe disso tudo. E tê-la somente para mim.

— Termine o serviço, Kiran.

Saio do meu pequeno devaneio, afastando meu rosto de Adria, encarando Lutter.

— Vou precisar do seu celular e da arma. — Afirmo.

Ele tira um pequeno aparelho bloqueado e longe de se rastreável do bolso, e me entrega.

— Posso deixá-lo de volta na estrada ou levá-lo para algum lugar. — Digo.

Ele me olha surpreso. — Você não vai...

— Te matar? Não. — Suspiro levantando, ainda que de maneira curvada pelo pequeno espaço dentro daquele furgão. Puxo o corpo inerte de Deany para fora, jogando-o ao lado de Try. — Você pode ser um merda como eles, mas ainda tem uma chance de consertar tudo.

— Ele irá me matar.

— Verdade. Mas é por isso que terá que ser esperto e sumir daqui. Pegue sua família e suma, troquem de nomes, mudem para um bairro pacato onde todos acreditem na imagem que você vender. Saia do radar de Czar.

Lutter confirma saindo do carro, parando de frente para mim. — E você?

— Sou um bom fantasma.

Ele confirma novamente.

Ajudo Adria a sair do meio daquele caos de sangue. — Entre no carro, vamos trocá-lo assim que possível.

— O que fará comigo? — questiona encarando meu rosto.

— Vou levá-la para longe, se você aparecer no radar dele, Czar não terá misericórdia, vai mandar outros para te matar, outros que não terão a mesmo índole de Lutter, vão arrancar sua cabeça no momento que te encontrarem.

— Eu preciso voltar para o FBI, eles têm que saber o que aconteceu. Até mesmo pelo filho da puta do Luigi, mesmo que eu dê tudo para matá-lo.

— Você irá sair do país. E se ir contra minhas ordens eu vou dopá-la, mas você irá. — Retruco rangendo os dentes.

— Aquelas garotas precisam de mim! — Ela grita.

— Aquelas garotas foram condenadas no dia que entraram ali, você acredita mesmo que Czar irá deixar sua organização no mesmo lugar? Ele já deve ter um plano de contingência, se já não estiver longe nesse exato momento. Acorde, Adria, seu momento de ser heroína, morreu assim que você foi pega por eles!

— O chefe já estava esvaziando o armazém, assim que o informante lhe acusou. — Lutter comunica, me ajudando. — Escute o Kiran, o melhor é todos saírem daqui.

Ela respira fundo, ainda me encarando com ódio. E de repente deu um soco em meu maxilar, quase me derrubando no chão. Coloco a mão no queixo, ainda olhando para ela, mesmo sem protestar.

— Foi a primeira e última vez que mentiu para mim! — Ela apontou com o dedo no meio de meu rosto, desafiadora e nervosa. — Se fizer isso de novo, eu prometo que acabarei com você!

Pelo canto do olho vejo Lutter esconder o riso, comprimindo os lábios.

— Eu ainda posso matá-lo, Lutter — Ameaço, volto meus olhos para Adria. — Vai me matar? — questiono arqueando a sobrancelha.

— Não seria a primeira vez.

Ela sai raivosa, marchando até a lateral do carro, entrando pelo lado do passageiro, fechando a porta com agressividade.

— Boa sorte. — Lutter sussurra, caminhando para o lado oposto.

Sorte. Talvez precisássemos mesmo, já que poderíamos não sobreviver para contar a história, nem ela e nem eu.


BAKER


— Os agentes estão prontos, é só dar o sinal, chefe.

Confirmo com um gesto, terminando de fechar o colete a provas de balas.

— Temos tudo sob controle?

— Sim, senhor. Houve vigília nesse local e movimentação nos dias anteriores, algo está acontecendo e temos pistas para crer que é lá que eles se escondem. Naquela região há um enorme número de galpões e armazéns abandonados.

— Vamos logo, então.

Clain vem correndo até mim, ofegante, para um segundo com as mãos no joelho, tentando recuperar o fôlego.

— Diga de uma vez, Clain, parece que irá explodir.

— Senhor, um homem...deu entrada no Hospital Regional, em nome de Luigi Wenth, seu caso ainda não foi publicado pelos médicos, mas o nome apitou em meu sistema.

— Vamos agora para lá.

— Baker por que não deixa que eu e outro agente vamos até o hospital, enquanto você lidera a operação nos galpões? — Fisher diz.

— Por quê?

— Você está envolvido demais, sabemos que sua busca está com foco na agente Hamer.

— Está enganado, fique com o plano, agente.

— Chefe...

— Já dei minha ordem! — Digo saindo e arrastando Clain comigo.


Acelero o máximo até o hospital, caminho até a recepção pedindo informações e ao ver a relutância da recepcionista mostro meu distintivo.

— Vou levá-los direto ao médico responsável.

Atravessamos alguns corredores, parando em frente a porta de um dos quartos; assim que ela se abre e o médico sai, vejo Luigi deitado na cama, entubado, o corpo repleto de ferimentos e queimaduras.

— Doutor. — Digo mostrando meu distintivo do FBI.

— Agentes.

— O que houve?

— Ele chegou ao hospital muito debilitado, um homem estava passando pela estrada e o viu cambaleando pelo acostamento. Tem feridas de queimadura por ter ficado exposto ao sol, assim como um grande nível de desidratação. Os outros machucados são consequência de alguma luta ou tipo de tortura, nunca tinha me deparado com algo assim antes.

— Ele pode se comunicar? — Clain questiona.

— Ele recobra a consciência por vezes, mas acredito que no momento não conseguirão nada dele. — o médico anda até nós, ficando um pouco afastado do leito. — Esse homem foi vítima de uma selvageria, ele não pode falar.

— Como assim, doutor?

O médico nos encara por um momento. — Ele teve a língua dilacerada, cortaram um pedaço da língua. Mas antes de desmaiar ele escreveu algo para se a polícia procurasse por ele. Pela intimação com seus distintivos ao entrarem, sei que o recado é para vocês.

O médico vai até o pequeno sofá debaixo da janela, trazendo consigo uma folha de caderno. E nos entrega.

“Eles nos pegaram, Adria morta.”

Amasso aquela folha entre meus dedos, sentindo o ódio corroer minhas veias, filhos de uma puta!

— Doutor, tem alguma ideia de quando poderemos conversar com ele? — Clain pergunta tomando a frente.

— Acredito que ele ficará melhor quando acordar, mas não irá falar.

— Sim, eu entendo. Poderia nos fazer o favor de quando o agente Wenth recobrar a consciência entrar em contato conosco? — Clain estende um cartão preto com seus contatos para o médico que confirma com um gesto nos encarando e sai, seguindo para o lado oposto do corredor.

— Baker?

Soco a parede diversa vezes querendo que tivesse ali o rosto da pessoa que fez isso, o rosto da pessoa que arrancou a vida de Adria!

— Eles a mataram. — Anuncio após alguns segundo.


37


Meus olhos se abriram, mas continuei fingindo que estava dormindo. Kiran dirigia no meio da noite, a escuridão ao nosso redor dentro e fora do carro. Apenas o painel e as luzes dos carros seguindo caminho contrário me davam pequenos flashes de seu rosto. Mordi o lábio respirando fundo; o beijo, o atrevido teve coragem de me beijar, aquele lábio quente e robusto encaixando-se no meu, sugando o meu para si...

Reviro os olhos e o rosto, mantendo-me escondida de sua visão. Quando saímos do meio do deserto, voltamos para a cidade, Kiran parou em um pequeno posto de gasolina, trazendo alguns lanches do fastfood para nós, comemos avidamente, estava com tanta fome que ele deu sua metade para mim, rindo do modo que devorava até mesmo as batatas murchas. Dali, trocamos de carro.

Lembro do olhar divertido que ele me lançou antes de ameaçar socá-lo outra vez.

— De uma agente especial, condecorada e indicada para fazer parte da SWAT, virei uma ladrazinha de carro. — Tinha retrucado enquanto Kiran fazia a ligação direta.

Ajeito-me no banco, gemendo devido à dor dos meus ferimentos.

— Vejo que acordou. — Sua voz sussurrada no silêncio do carro continuava sedutora. Uma sedução errada, lembre-se Adria, ele continua sendo um criminoso!

Vejo-o encostar o carro na beirada da estrada, debruçando-se sobre mim.

— Quero dar uma olhada em suas costelas. Não me dê um soco. — diz sorrindo.

Ele empurrou minha camisa para cima, revelando centímetro por centímetro de minha pele, exibindo as contusões. Um grande hematoma e dois ligeiramente menores sobre minha caixa torácica. Seus dedos foram gentis, pressionando a contusão, mas me encolho mesmo assim. Indo para longe de seu toque, segurando um silvo entre os lábios.

— Porra!

Noto que ele cerra os dentes, desliza a mão para baixo, traçando levemente por minha costela. Estremeço. — O que está fazendo?

— Preciso ver se elas estão quebradas. — diz.

— Está aproveitando para me apalpar também? É logico que estão quebradas! — Minha tentativa de parecer durona foi destruída pela voz trêmula de dor.

Ele sorri. — Não preciso disso, quando te tocar novamente vai ser porque você desejou.

Estreito os olhos encarando seu rosto, abaixando a blusa. — Tenho pelo menos três costelas quebradas, todas devem estar no processo de conserto.

Kiran se endireita. — Sabe que teremos que quebrá-las novamente, né?

— Sim.

— Vou procurar um hotel para passarmos a noite, e amanhã, seguiremos viagem.

— Para onde vamos?

— Como disse, tirarei você do país. — Ele retruca, voltando a dirigir, tirando o carro da beirada, de volta para a estrada.

— Tenho uma coisa para fazer antes de ir.

Ele me encara, dividindo a atenção entre mim e a estrada. — Impossível.

— Tenho que resolver uma coisa antes de ir. — Digo de maneira firme.

Sinto-o bufar.

Pego um jornal abrindo na parte de crimes da cidade, mostrando a notícia. Meu nome grande e em negrito no meio da manchete. Entrego para ele, que apoia a matéria sobre o volante, acendendo a luz interna para ler.

— Sei que terá uma cerimônia. Baker não deixaria a falta de um corpo atrapalhar.

— Como pode saber disso? Quem é Baker, seu namorado? — sinto a forma azeda com que ele pergunta, principalmente a última parte.

— Sei porque ele fez o mesmo com meu pai. Meu pai foi morto em uma operação, infelizmente nunca encontramos seu corpo, apenas vestígios, Baker era parceiro dele na época. Sei que ele fará a mesma cerimônia para mim, porque é meu amigo, quase um pai. — Digo num suspiro, virando meu rosto para a janela, encarando a escuridão do outro lado, tão parecida com a escuridão que me corrompeu e se instalou dentro de mim.

— Adria, é muito arriscado, aparecermos assim é como colocar um alvo no meio de nossas costas.

— Eu preciso ir. Se não quiser ir, me deixe em qualquer lugar acessível que me viro.

— Upryamaya zhenshchina! — Diz socando o volante. — Mulher teimosa! — Acrescenta olhando em meus olhos, ao mesmo tempo em que dá meia volta na estrada, retornando para a cidade.

***

Vinte minutos depois, eu e Kiran chegamos na entrada de um hotel barato, ele deixou o carro roubado estacionado, andando rapidamente para dentro da recepção do hotel. Fico impaciente aguardando seu retorno. Acabo respirando aliviada quando vejo-o sair balançando as chaves do quarto.

— Um quarto para não fumantes. — Kiran diz assim que chego perto dele.

As luzes sobre nossas cabeças piscavam e apagavam conforme andávamos pelo corredor, passando por portas e mais portas fechadas. A metade lógica do meu cérebro estava realmente pirando, tinha acontecido coisas tão fodidamente piradas que o fato de me enfiar num quarto desse hotelzinho com Kiran, um possível assassino cruel, era até agradável.

Kiran me encara pelo canto dos olhos como se tivesse lido meus pensamentos, parando de frente para o quarto 305. Ele fecha a porta atrás de nós, dando uma olhada cautelosa pela janela, assim como por toda a suíte. Retira o moletom jogando-o em uma das cadeiras, chacoalhando os cabelos úmidos pela chuva que tínhamos pego.

— Não é como seu apartamento, — diz dando de ombros. — Mas vai servir para o propósito.

— Nem consigo imaginar quantas bactérias têm debaixo desse cobertor. — Sussurro.

— Já fiquei em lugares piores. — diz sumindo em direção ao banheiro. — Pelo menos tem sabonetes e toalhas. — Sua voz sai abafada de dentro do banheiro e logo o barulho do chuveiro ligado chega até mim.

Sento na ponta da cama, soltando um suspiro pesado. Kiran deixou a porta entreaberta e a luz se espalhava pelo chão, subindo pela parede oposta do quarto. De onde estava podia ver o pequeno e fraco reflexo dele dentro do banheiro; mesmo querendo fechar os olhos ou trocar de posição evitando quebrar sua privacidade, meus olhos não obedecem, fico hipnotizada pelo caminho que a água faz em seu corpo, descendo por seu abdômen, trilhando um caminho que muito tempo atrás tinha feito com minha boca.

Desvio os olhos quando a água para, me remexo incomodada na cama; pouco tempo depois, sai vestindo apenas seus jeans. Ele deixa a porta aberta, trazendo o vapor para dentro do quarto. Não precisava de outra olhada para confirmar o que eu sabia, Kiran não só tinha um ótimo físico de suas horas na academia como sabia usar cada parte do seu corpo para satisfazer uma mulher. Merda, Adria! Se minha mãe estivesse viva, diria para que eu controlasse minha periquita!

— Qual lado da cama você quer? — perguntou.

Dou de ombros. — Vou tomar um banho.

Ele me encara por um pequeno instante se jogando onde segundos antes eu estava sentada. — Nervosa?

Viro arqueando a sobrancelha. — Não. — Digo tão confiante quanto pude diante das circunstâncias. E as circunstâncias eram que eu estava mentindo através dos meus dentes.

— Você é uma péssima mentirosa! — diz sorrindo.

Kiran sai da cama com olhos predadores; agora eu consigo muito bem ver o tal Lobo incrustado em sua pele, não só na tatuagem que me encara pelo espelho pendurado na parede atrás dele, mas sim dentro de si. Meu corpo inteiro fica rígido. Minhas pernas não respondem ao comando para se afastar.

Ele para a dois passos de mim, estendendo as mãos lentamente entre nós, tocando o osso de minha clavícula, seguindo dolorosamente lento até meu pescoço; as pontas de seus dedos fazem pequenas cócegas no tracejar. Subindo por minha bochecha, parando em meu queixo. Engulo em seco, com os olhos cravados nos de Kiran, ele próprio respira lentamente, como se uma respiração mais profunda fosse me assustar. O que no caso não seria uma completa mentira.

— É melhor você ir tomar seu banho.

Concordo rapidamente, rompendo o contato visual que fazíamos, correndo para dentro do banheiro, trancando-me ali.

***

Kiran estacionou o mais longe possível, desligou o carro e me encarou. — Tem certeza?

Respiro fundo. — Sim. — Eu odiava cemitérios, odiava aquela aura sinistra que circulava por ali, mas eu precisava disso, precisava encerrar essa parte de minha vida, se as pessoas com que eu convivia estavam prontas para dizer adeus sem ao menos procurar uma única pista, a mim não restava nada. Muito menos ficar ali, naquela cidade, esperando um criminoso vir me apunhalar no escuro.

Aquela Adria, morreu. Eu fiquei cara a cara com a maldade mais crua do ser humano, eu vi de perto o inferno, até mesmo me queimei em seu fogo, descobri que naquele mundo esperança é a última coisa que aquelas mulheres tinham. Não tínhamos nomes, diferenças, nada... Éramos apenas peças no tabuleiro de milhões de dólares para eles.

Não houve distorção do mundo exterior, fui eu que abri meus olhos e vi por trás da cortina espessa entre o certo e o errado, eu que fui inserida em uma realidade tão presente e existente quanto o meu dia a dia, eu que decidi ficar na área cinzenta.

Saio do carro com Kiran bem atrás de mim, seguindo meus passos por entre as lápides, subo uma pequena escadaria me escondendo ao lado de um mausoléu. Faço sinal para que Kiran pare também.

Estávamos um pouco longe, mas as vozes chegam com perfeição até nós.

— Nada mesmo, nem uma pista foi achada dela, apenas sangue em um dos armazéns que Baker mandou invadir.

— Isso é foda, não sei o que é pior, ela ter morrido e estar numa cerimônia sem corpo ou a hipocrisia de Wenth sorrindo ao receber aquelas medalhas estúpidas!

Kiran e eu ficamos escondidos no mausoléu esperando até que as vozes estivessem longe o bastante para que saíssemos do pequeno esconderijo, a fim de olhar o que acontecia mais à frente. Mal percebo que ao ouvir os agentes falando sobre mim tinha pego uma das mãos de Kiran e estava apertando seus dedos entre os meus.

— Obrigado. — Disse abrindo e fechando a mão.

— Desculpe, eu... venha. — Desisto de me explicar e ando mais um pouco, escondendo-me atrás de outra lápide, essa era abrigada por uma imensa árvore, seria difícil nos ver ali.

Baker estava de cabeça baixa, ao seu lado Lilian segurando sua mão; vê-lo deu certo conforto em meu peito, mesmo sabendo que dos muitos que ali estavam, ele e sua esposa eram os únicos que eu realmente sabia que estavam sofrendo. Baker basicamente me viu crescer, esteve junto de meu pai, mais que um irmão legítimo ficaria, assim como Lilian era muito amiga de minha mãe.

Meus olhos recaem sobre Luigi e o ódio toma meu corpo. — Não deveria estar com raiva por ele estar vivo, sabia que ele era um rato, pedi muitas vezes para que o diretor trocasse meu parceiro... — deixo minha voz morrer.

— Ele não foi leal a você, Adria. Em nenhum momento, mas não posso culpá-lo, até os mais fortes já se acovardaram perto de Czar.

Encaro seu rosto. — Sabe que uma hora você vai ter que me contar tudo.

Ele confirma, evitando me olhar nos olhos.

Minha atenção é atraída novamente para o pequeno círculo em volta de um caixão vazio. Baker é o primeiro a colocar uma rosa branca em cima, Lilian vem logo em seguida e as pessoas os seguem, enchendo meu caixão com rosas brancas. Eu mesma coloco uma mentalmente, dizendo que não tem como ser mais aquela Adria, não tem como seguir em frente com a antiga venda em meus olhos, porque hoje, eu aceitei que fico mais confortável na área cinzenta.

— Vamos, temos que ir.

Respiro fundo, deixando tudo lá, virando de costas para o Estado falho, para a segurança tão medíocre que não protege as garotas de nosso país, muito menos tem poder perto de criminosos como Czar.


O restante do caminho é feito em completo silêncio, Kiran não me forçou a falar e eu agradeci, seguindo ao seu lado. Sabia que ele tinha dado um jeito de nos tirar daqui, por isso não me surpreendo ao entrar na pista de decolagem desativada, parando perto de um jato executivo. Shutterst, escrito de maneira grande e brilhante na lateral. Sua porta abre assim que Kiran estaciona, saindo um homem de lá.

Kiran desce, indo de encontro ao rapaz, dando um aperto de mão, era palpável a distância que ambos colocavam entre si.

Saio do carro, caminhando até eles. Não entendo nada do que falam, pelo visto é em russo, seu dialeto é rápido e enrolado, fazendo minha cabeça dar voltas ao tentar adivinhar.

— Adria, este é Orrel, ele irá cuidar de você, tudo que precisar peça a ele.

— Prazer, Adria.

Esboço um sorriso, ainda encarando Kiran.

Ele se afasta do tal Orrel, vindo até mim, novamente deixo que sua mão percorra do meu pescoço até minha bochecha, onde seus dedos param, segurando meu rosto. — My skoro budem vmeste, moya devochka.

Fico olhando, esperando que ele traduza o que acabou de dizer, mas singelamente sela meus lábios com os dele e apenas sussurra antes de dizer. — Nos vemos em breve. Não ouse socá-lo se fizer algo e não se separe dessa bolsa. — diz entregando-me uma pequena mala de viagem.


KIRAN


. — My skoro budem vmeste, moya devochka. — Foi a última coisa que disse antes de vê-la entrar no avião. — “Nós estaremos juntos em breve, minha garota”.

— Tome conta dela. — Ameaço.

— Pode deixar, logo entrarei em contato, meu chefe já escolheu o serviço que deseja. Espero que goste de praia. — Orrel brinca, me entregando uma pasta.

Claro, um traficante de armas iria querer o quê, além de matar um possível concorrente?

— México. — Afirmo.

— Beba umas tequilas está precisando. Está horrível!

— Orrel! — Alerto.

Ele se vira caminhando de volta para o avião rindo de minha falta de paciência. Ou de seu humor sádico para a quase morte.


Playa del Carmen. Coloco os óculos escuros no rosto, sentando no pequeno quiosque de palha, os coqueiros baixos, os quiosques de bebidas espalhados pela areia branca, além do mar, tão cristalino que dava para ver os peixes nadando ao seu redor.

— Buen día, señor Walsh, Un hermoso día para disfrutar de la playa.

— Sim, Helga. Ontem fiz aquele pequeno passeio pelo centro. — Digo em inglês. Apesar de Helga manter seu espanhol com os fregueses compreende muito bem quando falamos em inglês.

— Pero veo que volvió de nuevo solo, em todos estos días no encontro ninguma mujer para calaentar sus sábanas?

— Você é uma mulher abusada! — Digo.

Helga entra na brincadeira requebrando seu quadril em minha direção. — ¿ Lo mismo de siempre?

— Sim, por favor.

Analiso a praia mais uma vez, vendo meu alvo chegar acompanhado de uma loira escultural. Pelo visto, esse sim tem muito acalanto em seus lençóis! Guizar Valencia, ou como é conhecido em seu trabalho “Z43”, tem várias ordens de prisão por acusações de tráfico de drogas e armas, líder do cartel mexicano e ao que parece, não está muito preocupado com o fato de que a polícia está à sua caça, lógico que seriam poucos que se aventurariam para pegá-lo aqui, no quintal de sua casa, literalmente.

A questão é que Guizar pisou na bola com Axel Bergstedt, chefe do Orrel. Com meu pedido de favor para tirar Adria dos Estados Unidos em segurança, virei uma espécie de carta marcada, um pequeno código que criminosos usavam para dizer que a pessoa devia favores. E lá estava eu, estudando meu alvo, analisando depois de quantas bebidas ele saía totalmente trôpego da praia, sempre acompanhado de uma mulher, seguindo para sua casa à beira mar.

Eu poderia achar que o fato dele estar sentado na praia tranquilo, admirando e aliciando as curvas de sua acompanhante, que seria um alvo fácil, poderia colocar até mesmo uma pequena dose, nada mais que 0,04 nanogramas da toxina botulínica em sua bebida para que ele começasse a sentir paralisia respiratória e por consequência a morte, já que esse veneno age diretamente no sistema neurológico da vítima. Como ele não saberia o que o atingiu, não poderia administrar com rapidez o antídoto, a antitoxina trivalente equina.

Respiro profundamente, bebendo a bebida deixada sem que eu percebesse pelo garçom de Helga.

Mas sei que tudo que é passado para Guizar, primeiramente passa por seus homens escondidos, no caso eu não envenenaria meu alvo e sim um de seus homens, causando alarde e ele fugiria para se esconder.

Entrar na casa seria um pouco mais difícil; como eu sabia, os homens de Guizar estavam escondidos entre as pessoas, discretamente vestidos de turistas, apenas de olhos no chefe. Percebi isso depois da terceira vez que ele esteve nesta praia, um simples movimento entre os pedestres chamou minha atenção, confirmando minhas suspeitas.

Mas como todo homem ganancioso e prepotente, Guizar tinha sua falha: ele amava as mulheres e não se contentava em ficar apenas com uma, indo ele mesmo à caça no pequeno centro da Playa del Carmen. Ali seria minha melhor chance, um pequeno esbarrão, suficiente para que injetasse minha droga em seu corpo e pronto, ele cairia duro, seus homens atestariam que foi apenas um derrame, ou um infarto, pela quantidade de heroína e álcool que ele consumia.

Retiro o celular do bolso da bermuda florida de turista que visto, atendendo no terceiro toque.

— Serviço feito?

— Agradável como sempre. — Digo ainda de olhos em meu alvo.

— Entendo porque você se apaixonou por ela. — Orrel retruca do outro lado da linha.

— Se você tocou nela, eu juro...

— Guarde suas armas, primo, não fiz nada. Mas ela é como Baba Yagá22, pronta para me devorar.

— Deixe de ser medroso. Tudo correndo conforme o plano? — pergunto.

— Sim, ela está segura.

— Ótimo, logo estarei retornando. — Digo encerrando a ligação quando meu alvo se levanta, puxando a loira para si, saindo da praia. Espero um segundo, indo até o pequeno bar que Helga tem montado no meio da praia entregando o copo vazio.

— Usted tiene el corazón ocupado.

— Por que diz isso? — questiono ainda olhando meu alvo se afastar da praia.

— Porque Helga se da cuenta, y nadie nunca le toco como esa muchacha.

— Deixe de bobeira! — Digo com um sorriso no rosto.

— ¿ El hombre tonto, todavia volverá mañana?

— Sim, venho me despedir de suas bebidas.

Saio do pequeno quiosque de palha, pegando minha toalha na cadeira, jogando-a sobre o ombro seguindo para o centro, atrás de meu alvo. Em meu bolso, a seringa com a pequena quantidade de botulínica. Ando pelo centro admirando as pequenas barracas com peças produzidas pelos moradores locais, exatamente como Guizar faz mais à frente, a loira está tão deslumbrada pela ideia do dinheiro fácil que o arrasta para ver todo tipo de quinquilharia que vendiam, brincando no meio de lenços e chapéus extravagantes. Noto dois homens do lado oposto prontos para agir caso algo aconteça com ele, mas para quem é menos observador, eles não passam de turistas entediados.

— Preciso ir ao banheiro. — Escuto a voz fina e irritante da acompanhante dizer; ele sorri concordando, vejo um simples gesto que dá aos seus homens dispensando-os de segui-los. Essa é a chance perfeita, compro o bendito chapéu que o mexicano enfia praticamente em minha cara. Entrando no restaurante que eles entraram, atravesso o espaço repleto de mesas, seguindo para os fundos. Guizar ainda se agarrava com a loira no corredor dos banheiros, retiro a tampa da seringa ainda em meu bolso, escondendo-a em minha mão.

— Ui, fomos pegos! — A loira ri ao me ver entrando no corredor.

Sorrio colocando a melhor cara de homem safado no rosto, compadecendo com Guizar.

— Posso disser que os banheiros estão ocupados. — Digo em meu espanhol arrastado, mesmo sabendo que eles me entenderiam em inglês.

Guizar sorri apertando a bunda quase nua de sua acompanhante. Acertando um tapa, fazendo-a andar em direção ao banheiro masculino. Aproveito seu braço exposto para aplicar o veneno e quando ele reage à picada, me encarando ao me ver ajoelhado, aparentemente pegando algo do chão, peço desculpas dizendo que foi meu chapéu. Ele sorri acreditando, na verdade, esse chapéu além de ser espalhafatoso, tinha pequenas pontas de palha soltas ao redor.

Quando ele dá o primeiro cambalear, colocando as mãos na cabeça sei que em poucos segundos estará agonizando.

A loira volta desesperada, sacudindo o peito gordo de Guizar, pedindo socorro, mesmo que seja inútil. Aproveito a comoção dentro do restaurante para usar a saída dos fundos, me livro do chapéu e da camisa, e do short florido, ficando apenas com a regata branca, aderindo ao visual de sunga, seguindo no sentido contrário a toda a confusão.

“Está feito.” — envio a mensagem para Orrel.


39


Meu coração estava batendo em minha garganta quando entrei no avião. Eu estava em uma lata a 12 mil quilômetros de altitude com um completo estranho ao meu lado. Mal ousei respirar enquanto estávamos no ar. Dispensei todo tipo de conversa que ele tentou comigo, olhando sempre para a pequena janela ao meu lado. Por um momento, ele desistiu, indo se sentar no fundo do avião, e eu pude respirar aliviada.

Eu mal consegui dormir nas sete horas que levou para o avião chegar ao solo. Mesmo não querendo me render, eu estava preocupada com o fato de Kiran ter ficado nos Estados Unidos, ele estava sendo tão caçado quanto eu a essa altura.

— Vamos, garota problema. Vou deixá-la em segurança. — O tal do Orrel diz sorrindo ao parar ao meu lado. — Bem-vinda a Dingle!

— Dingle? — questiono.

Orrel se vira sorrindo, — Sim, Irlanda. Talvez não a Irlanda que todos procuram para suas viagens, já que todos procuram por Dublin, mas esse mísero pedaço de terra esquecido por Deus.

Ele abre a porta de um carro estacionado do outro lado. — Quer um convite real?

— Você chama isso de carro? — pergunto olhando com descrença para o carro minúsculo, com todas as dúvidas se ele aguentaria nos levar para onde quer que fosse.

— Confie em mim, pode parar um pouco nas subidas, mas chegaremos lá.

Dingle era verde e rochoso, a pequena estrada ao nosso redor era cercada de pedras. A vista era deslumbrante, as montanhas rochosas, a água ao fundo. Realmente a cidade parecia mais uma vila grande do que uma cidade, o centro era pequeno, exatamente como imaginei que seria caso um filme fosse filmado aqui. Depois de passar por mais um monte de rochas e estradas com pequenas poças d’água que espirravam lama no vidro do carro assim que passávamos, Orrel subiu uma pequena entrada, parando perto de uma casa à beira da água.

Uma senhora saiu de dentro da casa, com uma pequena cesta nas mãos. Orrel saiu do carro indo até ela, faço o mesmo, caminhando devagar pelas pedras, sentindo cada pequeno passo em minhas costelas doloridas.

Eles se comunicam em seu idioma, assim como Kiran tinha feito antes de se despedir de mim.

— Isso é arte sua? — a senhora dá um tapa na nuca de Orrel.

— Made, ad23! Isso não é encrenca minha!

Ela o encara por um segundo. — Qual seu nome? — pergunta se virando para mim.

— Adria.

— Entrem, logo começará a chover novamente, Deus sabe que esse tempo está maluco.

Ela me analisa, e sei o que ela vê, uma mulher com roupas esfarrapadas, até mesmo um pouco manchadas de sangue, assim como os hematomas espalhados pelo meu corpo.

Sua casa não era grande, mas quente e calorosa, uma enorme lareira aquecia a sala.

— Acho que tenho um quarto disponível para você.

— Ela precisa de um abrigo até seu queridinho aparecer.

— Kiran? — A senhora pergunta surpresa, virando-se para mim.

— Sim, é a protegida dele. — Orrel diz me olhando com um sorrisinho torto. — Por que a cara de espanto? Kiran foi criado por Madeleine, seria meio óbvio se não mandasse você para cá, é o último lugar que aquele satã do Czar viria te procurar.

Madeleine coloca as mãos sobre a boca. — Vou acompanhar você até o quarto, a casa é modesta, mas estará segura aqui. Quanto a você seu gryaznaya svin’ya24, suma daqui!

Orrel foi dançando até a fruteira, pegou duas maçãs e saiu correndo como um menino travesso quando Madeleine correu em sua direção com a mão armada para esbofeteá-lo.

Segui a senhora para dentro da pequena casa, ela entrou no quarto dos fundos, ajeitando a cama e sorrindo. — Aqui ficará bem, tem um banheiro e se sentir muito frio, uma lareira. Dingle pode ser cruel durante as noites.

— Obrigada.

— Pelo visto você não comeu nada e não tem roupas! Aquele merdinha esqueceu completamente a criação que lhe dei! — diz resmungando; ela sai do quarto, escuto barulho de portas se abrindo e fechando, e os passos pesados dela pela casa. — Aqui estão umas peças, são velhas e gastas, assim como eu. Mas servirão.

— Muito obrigada. Eu posso fazer uma pergunta?

— Claro, menina.

— Você conhece bem o Kiran, eu vi...

Os olhos dela ficaram marejados.

— Kiran é meu menino, mas mudou muito quando Czar colocou as mãos nele, era tão inocente, mas cresceu e com isso veio o interesse do pai. Se é que podemos chamar aquele d’yavol de pai! Porém, isso é assunto para depois, tome um banho tire essas roupas imundas e venha comer.

Confirmo com um gesto, sorrindo para ela.

Duas horas mais tarde, eu olhei para meu novo reflexo no espelho. Peguei uma tesoura com Madeleine e cortei meu cabelo que sempre estivera longo; agora, estava um pouco abaixo do ombro. É claro que isso não impediria as pessoas de me reconhecerem, a menos que passasse por algum método cirúrgico, mas iria camuflar durante um tempo. Também não tinha a intenção de me esconder para o resto da vida, muito menos ficar aqui esperando qualquer um aparecer. Poderia me virar com a quantia de dinheiro que Kiran entregou para mim e o celular descartável. Não poderia movimentar meu dinheiro, pois iria criar rastros de onde estou. Mas acima de tudo, eu queria vingança, matar Deany não foi o suficiente para mim, aceitar o fato que eu tinha fugido, protegida por Kiran enquanto aquelas garotas sofriam não era o que eu gostaria de me lembrar a cada vez que deitasse minha cabeça no travesseiro. Mas eu sabia que essa parte nunca sairia de mim, os gritos, os socos, sempre que fechava meus olhos e respirava profundamente sentia a respiração daquele verme sobre mim, viva, presente, como se estivesse aqui. Suas mãos percorrendo meu corpo...

— Você é minha. Ninguém encostará em você. — Kiran tinha dito.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia!

A porta do quarto se abre, e me faz pular de susto, tirando a arma que Kiran tinha me dado da cintura, apontando no meio do rosto vermelho de Madeleine.

— Sabe menina, — A voz de Madeleine falhou pelo susto. — Acredito que devemos chamar um médico para ver esses hematomas.

— Não. Ele fará perguntas, e isso atrairá atenção, logo, é tudo que não quero.

Visto o casaco pesado sobre a cama, escondendo meus ferimentos de seus olhos, os olhos azuis envoltos por rugas pela idade eram questionadores, varriam meu rosto e meu corpo.

— Que eles queimem no mais profundo inferno!

— Eles queimarão. Muito em breve. — Sussurro minha ameaça velada.

***

Os dias se passam de maneira lenta, não que tenha alguma coisa extraordinária para fazer, todos os dias Madeleine seguia a mesma rotina, acordava bem antes do sol nascer, cuidava das galinhas e colhia algumas verduras no quintal. Depois, as panelas começavam a chiar e assim ficavam até o jantar. Às vezes, quando eu acordava de manhã, não tinha certeza de onde estava, às vezes eu até mesmo pensava que estava de volta aos Estados Unidos. E por vezes, os gritos em minha mente eram tão fortes, tão perturbadores e as mãos passando pelo meu corpo eram tão ásperas e nojentas que mal conseguia respirar.

Muitas vezes eu acordava sem ar, suando frio, sentindo dor em meus ossos. Não tinha me imposto uma rotina, ajudava Madeleine em casa com algumas tarefas, mas no restante do dia passava explorando a cidade, sempre olhando ao meu redor, parecia que o medo de ser seguida ou caçada nunca iria parar, o que fazia os pesadelos virem cruéis para cima de mim.

Entro em casa deixando sobre a mesa de jantar os legumes que tinha acabado de colher antes da chuva cair como um pequeno dilúvio do lado de fora. A panela chiava com algo borbulhando dentro do caldeirão e a cozinha sinceramente fedia a galinha e pimenta.

— Espero que você não seja vegetariana.

— Não.

— Logo o solyanka25 estará pronto.

— Madeleine, eu vi uma fotografia de um garoto. Você tem filho? — questionei meio sem graça. Não queria que ela pensasse que estava sendo abelhuda.

Ela sorriu. — Não de krov’; “de sangue” como vocês costumam dizer. Mas sim, considero Kiran como meu filho, é ele que você viu nas fotografias, meu menino mirrado.

— Ele é filho de Czar?

Aquilo parecia tão surreal para mim, de todos os homens que nunca imaginaria com compaixão para se ter um filho, Czar com certeza não estava nem em último na lista.

— Kiran foi adotado pelo senhor quando ainda era muito novinho, foi encontrado com fome e frio na rua, um mendigo pobrezinho. Criei Kiran como filho, Czar, sempre esteve solteiro depois que a senhora faleceu. Que Deus me perdoe, mas ela está bem melhor agora do que ao lado dele, a pobrezinha apanhava dia sim e outro também daquele satã.

— Kiran sempre... você sabe?

— Nunca, devushka!

— Devushka? — pergunto tentando reproduzir a pronúncia correta.

— Menina, perdão. É o costume. Meu menino Kiran era um amor de criança, mesmo novinho nunca deu um trabalho, mas quando foi se tornando um rapazola forte, senhor Czar fincou os olhos nele como uma águia faminta. O menino sumiu por dias e quando voltou não tinha mais nem uma sombra de alma em seu corpo, ele foi sugado, pouco tempo depois estava seguindo o pai como um de seus homens. E então eles se mudaram, foram para a América.

— E o Orrel? — pergunto ainda mais curiosa.

— Aquela merdinha é sobrinho de Czar, seu pai foi morto quando ainda era um menino e basicamente corria atrás do tio, ansioso por aprender tudo que ele poderia ensinar.

— Aposto que não foram bons ensinamentos. — Afirmo baixinho.

— Até mesmo o satã é um bom professor, minha querida.

— Madeleine, você acredita em redenção? — faço minha última pergunta pensando especialmente em Kiran, nos momentos que passamos juntos antes de toda essa loucura acontecer, antes de sermos brutalmente corrompidos, antes de me ferirem tão fundo que o único sentimento que floresce dentro de mim seja vingança.

— Kiran ama você, se é isso que está com dúvidas, se um dia meu menino arriscou a cabeça, contra até mesmo o pai e tudo que foi ensinado e punido para fazer durante a vida... Então, garota, você é especial para ele. Mas ele é especial para você? — ela questiona se levantando da mesa, dando atenção para suas panelas.


KIRAN

 

— Não seja um covarde. Acerte logo esse bicho no meio do crânio!

A fumaça de seu charuto me cegava e fazia tossir. Sempre odiei aquela fumaça, aquele gosto amargo que ficava no fundo da garganta quando inalava aquilo.

— Madeleine quer cervo para jantar, então você matará!

O cervo parou de comer, encarando-me com olhos assustados, mas não fugiu. Ele poderia ter fugido. A arma em minhas mãos tremia, o que fazia somatória ao seu peso e eu mal conseguia segurá-la.

— Papa, não quero machucá-lo. Made vai entender. — Contive o choro que esmagava minha garganta, homens não choram e meu pai me daria uma surra se visse uma lágrima saindo de meus olhos. Mas só de imaginar eu atirando na cabeça do pobre cervo e o sangue banhando sua pele já sentia meu estômago pronto para vomitar.

Os dedos de meu pai se fincaram com mais força em meu pescoço. — Vamos!

Fuja! Fuja! — dizia em minha mente, mas o cervo estúpido ficava ali, dando boas-vindas para a morte.

A arma foi tomada de minhas mãos, papa engatilhou e o disparo foi feito. O pobre cervo nem teve tempo de pular para longe, meu pai era bom naquilo, já tinha o visto atirar em um homem, ele era bom.

— Procure outro! Só sairemos daqui quando você matar seu próprio cervo! — diz empurrando a arma para mim. — Seja homem, Kiran!

Merda de recordações! Merda de lembranças!

Estava na hora de buscá-la.

***

Ando pelo centro de Dingle despreocupadamente, não preciso procurá-la, sinto em meu corpo, sinto espalhado em minhas veias quando Adria está perto. O tempo frio faz com que as pessoas apertem seus casacos em torno de si, protegendo-se do frio e do vento cortante que atravessa as ruas estreitas.

Já havia passado na casa de Madeleine e sabia que Adria estava pelo centro, mas mesmo sabendo que uma hora ou outra eu cruzaria com ela, não fui capaz de diminuir a vontade de tomá-la para mim, assim que a vi virando a esquina, a rua estava apenas iluminada pelas luzes do poste e ela torcia constantemente o pescoço olhando para trás, aquilo me colocou em alerta. Orrel não tinha dito nada sobre ela estar em perigo, muito pelo contrário, fiquei um tempo longe acreditando fielmente que ela estava bem.

Entro num pequeno beco entre as lojas ainda com os olhos colados em Adria, apesar do gorro na cabeça ela tinha cortado seus cabelos e algo no jeito como se movimentava ou como eu via seus punhos se fecharem dentro do bolso do casaco irradiava raiva, irradiava medo. Assim como eu, quando tocados pela podridão do mundo, quando vislumbramos entre o famoso preto e branco, certo e errado, somos modificados, algo se perde no caminho. Eu só desejava que ela não tivesse se perdido.

Ela não me viu sair do beco, parando no meio da calçada, por isso seu corpo se chocou com o meu; segurei firme em sua cintura, evitando que nós dois caíssemos. Mas aquilo a assustou, seu corpo tremia e se debatia em meus braços, Adria dá um pisão forte em meu pé fazendo com que eu a soltasse e ao olhar para cima estava dois passos para trás com a arma apontada para mim.

— Eu deveria matá-lo! — Diz apontando a arma no meio de meu rosto.

— Sim, você deveria. — Sussurro.

Nossos olhares estavam fixos, cada pequeno gesto que ela fazia era captado por mim, a leve comprimida nos lábios que deu ou como engolia em seco, totalmente apreensiva, ou como por detrás de todo o ódio em seu olhar tinha um desejo, um fogo.

— Mas sabemos que não vai. — Digo caminhando lentamente até ela, parando tão perto que sentia o metal frio da arma tocando meu nariz.

Aquele pequeno segundo de excitação era tudo que eu precisava, arranquei a arma de suas mãos, guardando no cós de minha calça. Puxando Adria para mim, nos enfiando no pequeno beco escuro, prensando seu corpo na parede de tijolos. Reivindiquei sua boca em um beijo feroz que a fez ofegar, minha língua deslizou entre seus lábios e mesmo com a relutância dela, sua boca se abriu recebendo a minha. Suas mãos encontraram caminho até meu cabelo, puxando, juntando e querendo mais perto e até mesmo querendo me empurrar para longe. Adria enfrentava suas próprias batalhas, assim como eu, mas o lobo sedento de saudade daquela boca, sedento de sentir seu corpo em minhas mãos pedia, exigia mais.

Agarro sua cintura, erguendo-a, suas pernas demoraram para se enrolar em minha cintura, meu corpo queimava em luxúria, meu pau reivindicava sua atenção, roçando na intimidade de Adria, fazendo-a derreter um pouco mais.

Por um momento, eu queria de forma tão ofuscante transar com ela, mostrar que ela pertencia a mim, queria fazer amor com ela, com tanto desejo que esqueceria todo resto. Mas a visão de vê-la amarrada quase sendo abusada por Deany vem com força em minha mente, agarro sua cintura, fazendo-a soltar as pernas, apoiando-a sobre os próprios pés. Meus dedos roçam sua pele macia, tocando seu rosto, feliz por não ter mais nenhuma marca do que sofreu.

Somente minha, de agora em diante. — Penso antes de interromper nosso beijo.

Ela ficou tensa, sinto. Não lutou ou questionou porque parei, não fez nada.

— Vamos para casa. — Digo calmamente, seu pulso acelera sob meus dedos, ao descer a mão sobre a sua, juntando-as. Ela não retirou a mão como esperei, muito pelo contrário, continuou com nossos dedos entrelaçados ao caminhar para longe do centro de Dingle.

***

Ainda lutava contra o sono, me revirando no pequeno sofá que Madeleine disponibilizou para que dormisse.

— É bom tê-lo aqui, menino.

Ergo a cabeça, segurando o riso ao ver Madeleine como me recordava na infância, os bobes no cabelo, o roupão apertado no meio da cintura e as meias altas nas panturrilhas.

— Por favor, Made, tente não tomar um tiro caso use aquela sua máscara de dormir!

Ela estreita os olhos me xingando em russo de nomes bem cabeludos a caminho de seu quarto. A porta do quarto onde Adria dormia estava entreaberta, se apurasse meus ouvidos poderia escutar ela se remexendo na cama, assim como sua respiração pesada.

Levanto do sofá, caminhando silenciosamente até a porta, espreitando por entre a fresta. Ela estava virada de costas para a porta, as cortinas abertas traziam a luz da lua até ela, assim como podíamos escutar o pequeno vai e vem da água batendo nas pedras.

Entro no quarto, amaldiçoando uma tábua que range ao meu peso; inferno de casa velha! E então, lá está, Adria me olhando diante da escuridão.

— Desculpe, só queria ver como estava.

— Não consigo dormir. Vem.

Seu pedido me petrifica, fico parado no lugar analisando se tinha ouvido direito.

— Vem. — Pede novamente.

Eu estava completamente e totalmente ferrado com essa mulher.

Entro debaixo das cobertas e as puxo até o queixo, a cama de solteiro não deixa muito espaço para mim, fazendo com que metade do meu corpo pendesse para fora. Ela se aninha de costas, respiro fundo sentindo o calor do seu corpo ondular até mim.

— Nem sequer pense nisso. — diz calmamente, em advertência.

— Não tenho controle sobre isso. — Rio contra seu pescoço, pensando nas coisas mais broxantes que poderia nesse momento.

Ela mesmo ri, se aconchegando melhor na cama. Sua respiração lentamente se torna profunda e seu corpo amolece contra o meu.


Estava tendo um sono sem sonhos, eram raros os momentos que eu tinha sonhos, nem mesmo pesadelos, mas algo mudou, a impotência selou meus braços, um peso enorme se fez em cima do meu tórax, uma mão fina agarrava meu pescoço, fincando as unhas em minha carne, mas foi o primeiro soco que realmente me acordou.

Adria tentava me estrangular com uma das mãos enquanto a outra desferia socos para todos os lados, os gritos de medo preenchiam o quarto. Viro de posição com dificuldade, jogando-a no colchão ao meu lado, vendo que ela estava dormindo. Era um pesadelo.

Seu corpo convulsionava, sofria espasmos e lutava contra algo ou alguém que lhe fazia mal. Na tentativa de acordá-la, balançando seu corpo enquanto chamava seu nome, balanço-a suavemente, mas ela firma ainda mais o aperto em minha garganta acertando um soco em meu nariz.

— Porra! — digo sentindo o líquido quente escorrer. — Adria! Pare! Pare!

A mulher tinha virado uma máquina de matar, estava realmente conseguindo me asfixiar e eu estava lutando em controlar minha força para que não a machucasse. Encaixo dois dedos atrás do osso de sua clavícula fazendo um pouco de força, o que faz com que ela recue e solte meu pescoço. Adria abre os olhos, desorientada e perdida. Dando uma olhada ao redor, percebendo que estava em cima de mim e o que tinha feito.

— Quanto tempo faz que realmente não dorme? — pergunto constatando o óbvio. Adria vinha tendo pesadelos, lógico que sua forma de os combater seria não dormir ou doutrinar seu corpo para que não entrasse no estágio mais profundo do sono, onde sua mente literalmente voava livre.

Deito seu corpo ao meu lado, firmando meu braço ao redor de sua cintura, sua cabeça descansa sobre meu ombro, assim como sua respiração vai aos poucos se acalmando.

— Mil desculpas, Kiran. — Ela cochicha, envergonhada.

— Não peça. Há quanto tempo você não dorme? — pego-a pelo queixo fazendo uns carinhos ali.

Ela faz um sinal de negativo com a cabeça, saindo de meus braços. — Não muito. Quero voltar.

Sento na cama ainda encarando seus olhos. — Adria, sabe que isso é como colocar um imenso alvo nas costas, certo? Matamos homens dele, somos uma ameaça ao seu império sujo.

— Eu tenho assuntos a resolver.

— Aquelas garotas estão perdidas, já disse isso. Deixe de ser teimosa! — Retruco irritado.

— Mesmo que eu salve aquelas meninas, mesmo que eu tire todas do poder dele, isso nunca acabará, ele sequestraria novas garotas, sempre teria uma nova Adria sofrendo nas mãos dele. — Adria respira fundo, olhando em meus olhos. — Eu quero vingança, eu preciso de vingança. E isso só será capaz se eu arrancar a cabeça da cobra, não adianta matar apenas os filhotes!

Eu sabia o que ela estava querendo dizer, Adria queria a cabeça de Czar na bandeja, sinceramente seria um plano inútil, em todos esses anos nunca vi um inimigo chegar sequer perto dele. Eu não estava disposto a perdê-la por um plano maluco.

— Vingança é um caminho sem volta. — Digo sério. — A partir do momento que você apertar o gatilho contra alguém, sua alma se perde, você não será mais a Adria, você não conseguirá viver com isso; conseguiria viver com sangue em suas mãos?

— Eu não sou a mesma e já tenho sangue em minhas mãos.

O silêncio domina por alguns segundos. Até que eu o quebro. — O que você planeja?

— Quero que o FBI saiba exatamente o que acontece ali, o que acontece com aquelas garotas, quero que cada galpão imundo seja invadido. Tenho uma pessoa de confiança e preciso da sua ajuda para isso.

— Você tem noção que se eu aparecer, se deixar de ser um fantasma serei o primeiro a ser preso? Adria, eu posso ser até humano com você, mas já fiz muitas coisas ruins, se você acha que tem sangue nas mãos... — Solto um pequeno riso irônico. — Eu tenho um passado, nada bonito, nada limpo ou moralmente aceito como o seu. Fui criado pelo demônio e por muitos anos segui seus passos.

— Não quero que seja preso, só preciso que envie pistas, pistas exatas de como eles podem chegar até eles, Baker irá saber que sou eu, ele saberá interpretar as pistas.

Respiro fundo, deitando na cama, colocando o braço sobre os olhos. Aquele plano era insano e poderia dar tudo errado, inclusive, eu perder Adria para sempre.

Sinto o colchão se mexer e o calor do seu corpo perto do meu, sinto que está chateada, provavelmente pensando que não aceitaria seu plano. O que essa ved’ma26 não sabe é que eu voltaria para o inferno por ela.

— Eu vou com você. Por raios, vamos executar esse plano maluco! — Sussurro na escuridão segurando a mão de Adria debaixo do cobertor.

— Como você... — disse no escuro, fazendo-me abrir os olhos, abandonando o sono.

— Como eu vivo com tudo isso? É difícil ver as coisas extremamente como erradas e certas, sei tudo que fiz de errado e cada alma que mandei para o inferno. Algumas mereciam estar ali, outras tenho marcas de arrependimento até hoje. No final, você aceita que não é mais como as pessoas que vê nas ruas, no fim, aceita que ultrapassou a linha tênue e sobrevive.

Ela se vira, de frente para mim no escuro. Eu podia ver o branco de seus olhos e o contorno de sua cabeça, mas não muito mais que isso. — Agora entendo porque todos te chamam de Lobo.

— Ele é uma parte de mim, um monstro que habita meu ser, o mesmo imã que há em mim, puxando-a para a escuridão é o mesmo que há em você e me puxa para uma parte mais luminosa.

— Quantos anos você tinha?

Apoio a cabeça em meu braço, a ponta de meus dedos correndo livres por seu braço, gostando do arrepio que sua pele apresentava. — Perto dos onze anos, Czar descobriu que abriguei um cachorro de rua, poucos dias depois o cachorro apareceu sem cabeça no meio do quintal.

— Que coisa horrível!

Sinto meus pensamentos distantes, passando por lugares e lembranças que há muitos anos não venho visitando. — Nesse dia tomei uma surra tão grande que levei um bom tempo para me recuperar. Mas ele já mostrava pequenos indícios do que queria para mim, durante a infância.

Sinto ela reprimir a respiração.

— No início eu queria provar para meu pai que não era um bastardo, queria que ele me visse como seu igual, não como um menino franzino que tirou das ruas, queria provar que era forte e uma vez que comecei a ser temido até mesmo por seus homens, homens mais velhos que eu, parecia um desperdício desistir.

— Deixe esse assunto para lá, moya devushka. — Sussurro perto do seu rosto.

— Garota! Você me chamou de “sua garota” aquele dia e agora. — Ela diz.

Sorrio em meio a escuridão. — Made andou ensinando algo a você!

Dou um beijo demorado em seus lábios, sentindo vontade de agarrar seu corpo... e mesmo que as mãos de Adria tenham novamente se embrenhado em meu cabelo, eu interrompo. Respirando fundo e agradecendo pelo milagre do autocontrole.

— Durma bem, moya devushka.


Não sabia em que momento as coisas tinham se invertido, em que momento Adria veio sedenta para cima de mim, segurando meu pescoço e enfiando a língua dentro de minha boca, para de forma veemente, acariciar e roçar seu corpo no meu, como se quisesse fazer fogo com o atrito que causava. Minhas mãos foram para suas nádegas, puxando uma de suas pernas para cima de meu quadril, fazendo um pequeno círculo com o quadril, roçando em sua intimidade, apenas cueca e calcinha nos separavam de um contato direto, mas nos esfregávamos como se tivéssemos um dentro do outro. Parecia mentira vivenciar isso depois de sair de um tornado repleto de abusos e agressões. Empurro meu corpo contra o dela, beijando seu pescoço, sugando seu queixo e sua língua. Pressionando o quadril na intimidade de Adria.

— Tem certeza? — pergunto ofegante.

Horas antes ela estava imersa em pesadelos, não queria... porém, assim como cortou meus pensamentos, Adria calou minha boca, puxando-me para ela, soltando sua feitiçaria sobre mim. Não me preocupei em tirar a calcinha dela, arranquei-a assim como fiz com minha cueca, passando meu pau por sua entrada úmida e sedenta, acomodando novamente uma de suas pernas em meu quadril fui penetrando Adria com calma, salivando para tê-la em minha boca, mas outro momento surgiria. Eu iria fazer amor com ela, mesmo que nada soubesse sobre isso. Adria gemeu baixinho mordendo meu ombro enquanto eu a penetrava, volta e meia encarava seu rosto, verificando se estava tudo bem. Controlando o lobo dentro de mim, sedento por mais, sedento por fodê-la.

Saboreio cada pequena investida que dei, aquela posição me dava acesso ilimitado de seu corpo, poderia apertar sua bunda conforme penetrava sua boceta ou chupar seus deliciosos seios, fazendo-a jogar a cabeça para trás de tesão.

Sentia seu órgão palpitar em torno de mim, fechando as paredes ao redor de meu pau. Adria abraçou meu corpo apertando a perna contra minhas nádegas, incentivando-me a continuar, os choques de carne contra carne, do excitado contra o excitado preenchiam o pequeno quarto.

— Adria...

Ela crava seus olhos em mim, puxando meu pescoço para um beijo, enroscando sua língua na minha. Adria beijou a tatuagem em meu peito, meus ombros, passando a língua por meu pescoço, completamente entregue a mim. Assim como eu estava disposto a entregar meu corpo em seu nome, minha vida a ela.

Ambos lutavam pelo orgasmo, sentia o dela brotando em seu interior como um redemoinho que levava tudo que estivesse pela frente. E na última e poderosa metida, levou ambos ao delírio; vê-la arquear a cabeça para trás fechando os olhos de prazer, foi o ponto máximo para me levar ao êxtase.

Sustentei seu corpo com força entre meus braços, fechando os olhos ao controlar a respiração. Talvez Adria pudesse se tornar minha última esperança de rendição.


41


Era estranho voltar, era como tentar juntar as peças erradas do quebra cabeça.

— Ficaremos bem aqui. — Kiran diz, dando um beijo casto em minha têmpora.

— Posso sentir cheiro de testosterona. — Brinco olhando para o pequeno apartamento totalmente masculino.

— Aqui foi por diversas vezes um grande refúgio, ninguém desconfiará que estamos aqui. Está segura.

— Meio estranho dizer isso, se tenho o plano de invadir a casa de seu pai. — Deixo minha voz morrer, sentindo que falei demais.

— Ei, não tem problema! Tudo bem. — Kiran diz, me abraçando por um momento. — Vou dar uma olhada pelo lugar e colocar essa mala em nosso quarto.

Confirmo sorrindo.

Nunca pensei que um dia eu me apaixonaria pelo lobo mau!

— Precisamos repassar o plano. — Digo sentando na cama após o jantar.

Kiran confirma, colocando a faca e a arma debaixo do travesseiro, já tinha me acostumado com isso, era algo que o fazia dormir tranquilo.

— Aqui estão as mensagens para você enviar junto com as pistas para o FBI e aqui o endereço de Baker. — Entrego um envelope pardo para ele.

— Tem certeza que isso funcionará? — questiona descrente.

— Sim, Baker irá assustar no primeiro instante, mas ele sabe que eu sou a única que sabe sobre essas coisas e a única que se atreveria a chamá-lo assim.

— Tudo bem.

Passo a mão pelo seu rosto atraindo seu olhar. Eu tinha planejado isso um milhão de vezes em minha mente, e em todas as respectivas falhas, sabia que não partiria apenas de Baker a decisão de seguir aquelas pistas, o FBI recebia milhares de pistas e ligações falsas, mas Baker daria um jeito para que isso se realizasse. Assim como sabia que seguindo meu plano, Kiran não ficaria nem perto da linha de tiro.

— E quanto ao Czar?

— Eu vou com você, não me importo que o mate, mas de maneira nenhuma deixarei que fique sem segurança. Como disse, a última coisa que ele desconfiaria é que alguém entraria em sua casa para tentar matá-lo.

— Acho que temos tudo pronto. Prometa que não fará nada imprudente? — pergunto puxando seu corpo para o meu.

Kiran se deitou, me levando com ele, fazendo pequenos carinhos em minhas costas e nuca. — Estarei sempre aqui, pelo tempo que desejar.

Estremeço em seus braços, beijando seu peitoral. Não conseguia mais viver um dia sem a presença de Kiran, por mais doido que isso fosse.

— Descanse, amanhã será um longo dia. — Diz desligando a luz do abajur, então se inclinando para mim, beijando minha têmpora. — Durma.


Na manhã seguinte demos início ao plano, acordei com Kiran movendo-se pelo quarto, o barulho de água caindo e logo depois ele surgindo com a toalha presa no quadril e o corpo úmido do banho recente. Ele não percebeu que já estava acordada, por isso deu um belo espetáculo mostrando sua bunda firme para mim ao se trocar.

O sorriso apareceu em seus lábios quando se virou e percebeu que o admirava. — Não deveríamos levantar?

— Acho que temos algum tempo.

Ele andou em direção à cama sem outra palavra, meus olhos seguindo cada passo que ele dava, o olhar de cima a baixo transparecia a fera incrustada em si, seu olhar tinha fome. Kiran me puxou para baixo e me beijou, suas mãos acariciando levemente minhas costas, fazendo a pressão entre minhas pernas aumentar gradativamente.

Sua boca se fechou ao redor de meu mamilo, a blusa que havia me emprestado na noite anterior estava enrolada entre meu pescoço e meus seios. Mordiscando e lambendo, antes de passar para o outro e esbanjar a mesma intensidade. Meu pulso estava acelerado, Kiran continuou sua pequena demonstração de um bom dia, lambendo uma trilha até meu umbigo. Sabia pelas pequenas paradas e as olhadas repentinas que ele me dava, que estava verificando como eu estava. Ele ainda me acalentava algumas noites quando os pesadelos tomavam minha mente, assim como me ensinava a doutrinar minha mente para evitá-los.

Agarro um punhado de cabelo, incentivando-o. Com um sorriso malicioso, Kiran move-se entre minhas pernas, empurrando suas mãos abaixo de minhas nádegas e então pressiona a boca em minha carne aquecida. Mordo os lábios gemendo baixinho, erguendo meu quadril contra sua boca. Ele mergulha ainda mais sua língua na minha abertura, desenhando círculos suaves com a ponta da língua, beijando meu clitóris de maneira gentil, enviando espasmos pelo meu corpo. Sua língua deslizou pela minha coxa, mordendo levemente. Os dedos de Kiran se moveram de dentro para fora em um ritmo deliciosamente lento, já não conseguia imaginar maneira de ficar mais excitada e molhada do que estava agora, meu quadril ia ao seu encontro, o que fazia ele ir mais fundo em mim.

— Você quer que eu pare? — ele lambeu minha coxa, sorrindo como um animal encontrando meu olhar.

— QUE PERGUNTA ESTÚPIDA! — gritei em meio ao gemido longo que escapou de mim.

A gargalhada rouca e quente contra minha intimidade me fez puxá-lo para cima, sentindo seu pênis escorregar entre os lábios vaginais, esfregando-se em meu clitóris. Seus olhos pareciam me perfurar, tentando revelar os seus mais profundos e sombrios segredos. Escorregando polegada por polegada para dentro de mim, sua boca reivindicou a minha, tomando posse quando finalmente se enterrou por completo dentro de mim. Seu pênis entrava de maneira dura e profunda, enquanto ele sussurrava coisas em russo em meu ouvido, me fazendo gemer. Nossos olhares se encontraram novamente e eu sabia que por mais insano e errado que isso pudesse parecer, dificilmente conseguiria fugir do que estava sentindo, e isso até me apavorava, meu coração batia forte dentro do peito, assim como minha respiração estava irregular.

— Estou feliz que você seja minha. — Sussurrou beijando meu ombro.

O pesadelo vivido se tornou nossa casa, se tornou um lugar nosso, entrelaçando nossas realidades fodidamente instáveis.

Nós nos apaixonamos. No mais improvável dos momentos, nos amamos em meio ao caos.

***

— Adria?

Paro de encarar a pequena entrada, olhando para os olhos de Kiran no escuro do carro.

— Eu tenho certeza. — Digo confiante, sentindo a onda de raiva me inundar, sentindo a vingança cegar meus olhos.

Kiran confirma em silêncio, entregando-me minha faca e uma arma.

— Como conseguiu? — pergunto admirando confusa a faca de meu pai.

Ele dá de ombros. — Tenho meus métodos, o que você disse sobre aquele Baker estava correto, ele passou o dia comovendo o FBI a seguir a primeira pista.

— Eles invadiram? — pergunto virando-me no banco.

— Ainda não, mas colocaram alguns agentes no local.

— Vigilância.

— É.

— Kiran? — chamo-o, trazendo sua atenção para mim. — Você não precisa entrar... sei que ele é seu pai ou pelo menos criou você como se fosse...

Ele segura minha mão, levando até seus lábios, dando um beijo. — Sou órfão, lyubov’27. Czar tem apenas um homem com ele, como disse, é presunçoso e sabe que ninguém o desafiaria no território dele. Conheço o capanga, ele dá voltas na propriedade a cada dez minutos, quando tiver no jardim da frente eu o pego. Assim teremos acesso livre à casa.

Concordo, voltando minha atenção para a entrada da casa.

Kiran travou sua arma colocando-a na cintura, segurando firmemente sua faca. Ao caminhar silenciosamente até a entrada da casa, nos escondendo e esperando o melhor momento, pude notar que o homem em minha frente não era mais o Kiran amoroso que vinha convivendo, ele era seu alter ego, Lobo, frio e impiedoso, a expressão da própria morte.

Quando dei por mim a ação toda já tinha acontecido, como se eu tivesse numa espécie de câmera lenta. O homem fez a pequena curva no jardim, dando de cara com Kiran, ele mal teve tempo de puxar a arma de seu coldre, Kiran jogou o homem maior que ele contra a parede, esmagando sua jugular cravando a lâmina abaixo de seu queixo, perfurando o cérebro. Engasgo, pressionando meu corpo contra a parede, meus olhos correndo da faca para o rosto do capanga. Kiran arrasta o corpo em direção ao chão, escondendo atrás de uma moita, deixando a faca ainda cravada no homem para que o sangue não jorrasse.

— Você está bem? — perguntou virando-se para mim.

— Sim. — Murmuro.

Ele conferiu as próprias mãos antes de puxar meu rosto em sua direção. — Se for pesado... merda Adria, eu avisei sobre isso!

— Eu estou bem, tá legal. Só foi rápido demais. Vamos em frente.

Ele confirma dando um leve selinho em minha boca.

Kiran andou em direção ao corpo, puxando lentamente a faca para fora, e então saiu do caminho antes que o sangue pudesse espirrar em si. O mesmo não poderia dizer do jardim e do capanga, que logo ficaram encharcados de sangue.

— Fique escondida aqui, vou me certificar que não tem ninguém.

Kiran não espera pela minha confirmação desaparece dentro da casa, os segundos vão se passando e a preocupação pinta meus pensamentos. O que me faz respirar aliviada é vê-lo sair e vir até mim.

— Tudo limpo, ele está na sala de jantar, é nos fundos, apenas siga o corredor, tem certeza que não quer que eu faça?

— Sim.

Entro na casa, olhando tudo ao meu redor, Czar não poupava o dinheiro que ganhava de maneira suja, sua casa era devidamente decorada, móveis de aparência cara enfeitavam a sala de estar, assim como quadros faziam o corredor parecer um pequeno vislumbre de um museu. Tiro a arma da cintura destravando-a, minhas mãos tremem ao segurá-la, respiro fundo antes de entrar na sala da qual Kiran tinha falado, a mesa estava exposta com um verdadeiro banquete, as cadeiras altas e luxuosas em volta e na cabeceira da mesa, o Czar.

— Nem tente pegar uma arma. — Digo de maneira fria, apontando a arma para seu rosto.

Ele sorri, abaixa o jornal que estava lendo, deixando ao lado do prato.

— Vejo que meu bichinho finalmente chegou. Você demorou, mas estava esperando que viesse com aquele traidor.

— Cala a boca! — Grito dando um passo em sua direção, olho pela sala vendo se está armado, mas como Kiran alertou, ele era presunçoso demais e confiante demais que isso pudesse acontecer.

— Me diz, como deseja que fique, quer uma pose especial para guardar na mente? Aposto que essa é sua primeira morte por vingança. — Ele gargalha alto fazendo os pelos de meu braço se arrepiarem. — Sim, você é tão tediosamente certinha que nunca deve ter nem usado uma munição da arma do governo. Me diga, você já matou, bichinho?

— Eu disse para calar a boca!

Tento controlar o leve tremor que persiste em minha mão.

Ele se inclinou para trás, juntando as mãos sobre a mesa. — Suas mãos estão tremendo. Primeira regra, nunca deixe seus inimigos verem seu medo. E confesso Adria, seu medo fede, fede deliciosamente. É o combustível para seus inimigos.

Miro em sua coxa esquerda e atiro, sinto o tranco da arma e a respiração acelerar. — Eu disse para você calar a maldita boca! Você sabe o que irá acontecer, sabe que é seu maldito fim, vou libertar cada menina que você ousou abusar, vou estourar os miolos de cada maldito homem que tenha sob seu poder.

Ele não demonstra dor, mesmo que sua calça bege já tenha uma imensa mancha vermelha, assim como sua cadeira que junta o sangue que escorre de sua perna ou se importa com os pequenos pingos que caem em seu piso de mármore.

— Você não fará nada disso, você não é capaz. Pode até me matar, mas meu rosto irá perturbá-la durante a noite, minha voz dizendo o quanto é fraca assombrará seus ouvidos no meio da madrugada. Kiran não lhe contou como foi a primeira vez que o fiz cortar a garganta de um homem? — ele dá outra gargalhada. — Óbvio que não, passou mais de um mês choramingando durante as noites, gritando por perdão, aquele fraco. Ele já ensinou a doutrinar sua mente?

Engulo em seco.

— Pelo visto sim, anda tendo muitos pesadelos, Adria?

Caminho furiosa até ele, parando perto do seu rosto. O ódio me cegava, um apito soava constante em meus ouvidos, assim como sentia minha respiração falhar dentro do peito. — Realmente, eu poderia arrancar membro por membro para descontar o que você fez, mas não sou assim, não sou um monstro como você.

— Aí está enganada, vejo o monstro bem aí dentro de você. Obman28! — diz desviando os olhos e então atiro, o estampido me faz fechar os olhos, sinto seu sangue atingir meu rosto, meu corpo, espirrando sangue e parte de Czar na parede e chão.

Sinto uma movimentação atrás de mim, viro apontando a arma.

Kiran para com os braços erguidos, dividindo sua atenção entre mim e o resto da sala. — Temos que parar com esse negócio de você apontar uma arma para mim.

— Desculpe. — Sussurro abaixando a arma, tremendo de maneira descontrolada.

— Calma, acabou. Venha, lyubov’. — Kiran me ampara encarando os restos de seu pai.

— Ele disse algo...

— Decepção, era para mim. Esqueça isso. Vamos embora daqui.


KIRAN


Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead

- Bohemian Rhapsody


Adria estava deitada em meus braços, meu corpo pressionado contra suas costas, acalentando seu sono, interrompendo os pesadelos antes deles começarem a ganhar força dentro de si.

— Um dia você conseguirá esquecer isso, estará num lugar tão distante em sua mente, que nada lhe trará eles de volta, eu vou fazer isso sumir, nem mesmo que seja a missão pro resto dos meus dias. — Sussurro dando um beijo em sua cabeça.

Aperto meus braços ao seu redor. Giro uma mecha do seu cabelo em torno do dedo, vendo a noite cair. Quando tive certeza que ela estava dormindo tranquilamente, saio da cama, me vestindo novamente. Eu ainda não tinha completado o que vim fazer aqui. Escrevo um bilhete simples, deixando ao seu lado na cama, dizendo que voltaria em breve, pego meu antigo casaco com capuz e saio.

Foi fácil achar o endereço dele, era quase um insulto às minhas habilidades, o trabalho que o FBI fez para escondê-lo. Deixo o carro parado longe de sua casa, a rua ainda estava escura, não devia ser nem cinco da madrugada. Caminho lentamente com as mãos no bolso, subindo os degraus de entrada, terminando de colocar as luvas de couro.

A casa estava um completo caos, pratos espalhados por todos os lugares, assim como garrafas vazias de cerveja. Luigi dormia bêbado no sofá, era até ridículo querer matar um cara desses.

Vou até a sala de jantar, procurando naquela bagunça uma folha de papel e uma caneta, sento em uma das cadeiras escrevendo um bilhete, é fácil imitar a letra que vejo em alguns papéis espalhados, poderia facilmente alegar que pelo alto nível de álcool, ele não estava em seus plenos poderes.

Deixo o bilhete e uma das garrafas de cerveja sobre ele, vou até o quarto sentindo cheiro de podre, procuro no armário sua arma, acabando por encontrá-la debaixo da cama.

Meu Deus, estava quase desistindo, um dia o cara se mataria sozinho.

Sento em uma das cadeiras, ligando a TV no volume máximo, fazendo Luigi se erguer assustado no sofá, olhando em volta e então me vê. Seu primeiro instinto é fugir. É procurar a arma que balanço em minha mão. Seus olhos arregalados demonstram seu pânico.

— Não tente correr. Sabemos que eu iriar te pegar. Sente-se e escute o que tenho para falar.

Ele fica congelado no lugar, mas vem lentamente até a cadeira em minha frente, seus olhos recaem sobre o papel em sua frente.

— Pelo visto já deve ter uma ideia do que eu vim fazer aqui, agente Wenth.

Ele balança a cabeça, gesticula com as mãos.

— Ah, claro. Arrancaram sua língua. Na verdade, é um milagre ainda estar vivo, achei que eles iriam ser mais cruéis com você. Mas não tem problema, ainda tem dois ouvidos, eu falo e você escuta, que tal? — questiono.

Ele balança a cabeça, encarando meus olhos, sinto o pânico se esvair em suas respirações.

— Durante minha vida já vi muitos ratos, Luigi, posso te chamar assim, né? Deixa as coisas mais informais. — Continuo meu monólogo. — Mas devo confessar que nunca vi um tão traiçoeiro como você. Eu sou muito bom em escrever cartas, sabia? — Luigi não esboça nada. — Sim, na época escolar ganhava boas notas. E esta, em particular, foi feita para você.

Luigi volta a encarar a carta, olhando assustado para mim, negando com a cabeça.

— Sim, apesar de ter conseguido se livrar, de ganhar medalhas e parabenizações que não deveriam ser suas, isso não é uma vida. Olhe para isso? É assim que irá passar o resto dos seus fodidos dias? — digo apontando para o ambiente. — Por isso, você escreveu essa carta, está tão desgostoso com sua vida, tão culpado por ter deixado sua parceira morrer, por ser um grande delator filho da puta, que nada mais justo que se matar.

Ele fica inquieto na cadeira faz até menção de levantar, mas aponto sua arma para ele, fazendo-o permanecer sentado.

— Eu posso fazer isso, e farei se for um covarde, mas aí, não será algo limpo, posso até errar o tiro sem querer e você sentir mais dor. Seria péssimo. Portanto, você tem sua arma e uma munição.

Deslizo a arma pela mesa, com os olhos fixos nele. — Nem tente apontá-la para mim, nós dois sabemos que errará o tiro e vai me fazer amarrá-lo pelo pé do lado de fora do meu carro e arrastá-lo pela cidade.

Luigi pega a arma tremendo, vejo seu medo, seu receio e sua covardia.

— Luigi, meu camarada, eu tenho que ir, logo estará amanhecendo e tenho outra visitinha para fazer. — levanto indo até ele, enfiando o cano da arma em sua boca. — Pronto, agora atire.

Respiro fundo vendo que aquele merda nem para isso serve, puxo minha arma da cintura destravando-a. — Eu ou você? — pergunto.

A lágrima escorre dos olhos dele, e então o estampido seco do tiro ressoa em meus ouvidos, a cabeça dele cai para frente, manchando o papel com seu sangue, enquanto eu saio fechando a porta atrás de mim.


Seguindo os pedidos de Adria entrego a última pista na casa de Baker, espero sentado no carro, a certa distância, vendo-o abrir a pequena caixa do correio e encontrar o último envelope, assim como Adria havia me pedido; ali estava a localização exata dos dois armazéns e de tudo para destruírem de uma vez por todas com todo o império de Czar. E não fico surpreso quando duas horas depois eles estão onde as pistas levavam, retirando as garotas dali, e prendendo os homens que ali estavam, foi uma missão limpa, assim como Adria disse que seria. Estava chegando a hora de encontrá-la, e eu não poderia dizer o quanto estava apreensivo com isso. Não sabia se ela seguiria comigo ou se voltaria para sua vida, agora que tudo que a atormentava tinha acabado. Mesmo Adria me levando um pouco para sua luz, ali não era meu lugar, eu sempre ficaria na área cinzenta, poderia transitar na luz, mas não era como eles. Será que ela aceitaria ficar comigo?


43


Coloco uma rosa branca sobre a lápide de meus pais e outra sobre a minha. Era irônico ver sua lápide, com o dia de uma morte que não ocorreu, graças ao Kiran.

“A estrada é longa, nós seguimos adiante, tente se divertir nesse meio tempo. – Adria Hamer, destemida e amada por todos”

— Algo me disse que se não colocasse isso, alguém me atormentaria após a morte.

Sorrio ao escutar sua voz, viro correndo para ele, abraçando seu corpo com força.

— “A princesa que não precisa ser salva está te esperando!”. Sério mesmo? Você sabe que eu tenho idade, eu posso morrer! — Baker diz afastando-se por um instante, olhando meu rosto ao sorrir. — Nunca mais faça nada parecido na vida! — acrescenta, me puxando novamente para seu abraço.

— Eu sinto muito.

— Prendemos todos, recuperamos as garotas, literalmente explodimos aqueles lugares.

— Eu sei, você foi fantástico, acredito que o FBI mereça um novo diretor.

— Também encobrimos o que aconteceu com Czar Baryshnikov, e não sei se soube... Luigi se matou, foi durante a madrugada, deixou um bilhete dizendo que não estava aguentando a culpa, até os filhos da puta podem sentir algo, pelo visto.

— Achei que ele tinha sido morto pelos homens de Czar. — Comento surpresa.

— Não, ele foi encontrado na beira da estrada, quando chegamos no hospital estava em alto nível de desidratação e tinham cortado sua língua.

— Cristo!

— Enfim, que descanse em paz.

— Pare de me encarar como um presente de natal, velho. — Digo brincando.

Ele sorri me puxando novamente para seu abraço. — Quando deseja voltar? Eu posso colocar suas coisas hoje mesmo em seu apartamento, podemos destruir essa lápide, é mórbido olhá-la tendo você em minha frente viva e bem.

Sinto minha garganta se fechar, eu amava Baker como meu pai, mas isso não era mais para mim. — Eu não vou voltar.

Sua expressão de surpresa o faz se afastar. — Como assim, Adria? Acabou, você está segura... tem mais alguém te ameaçando?

— Não, não. Estou segura, mas aquela Adria não existe mais Baker, não posso voltar para essa sociedade fodida fingindo que por aí não tem outros como eles espalhados, outras garotas sofrendo, abri meus olhos para algo além de tudo que fomos treinados a ver. Aquela Adria não existe mais. — Digo apontando para a descrição em nossa frente.

— E o que fará? Como... — questiona surpreso.

— Vou seguir, em frente.

Ficamos apenas alguns segundos nos encarando em silêncio.

— Pelo menos manda notícias? — pergunta

— Sempre. — Digo, mas minha atenção está longe, basicamente algumas lápides de distância, vestido de preto da cabeça aos pés, me encarando com o olhar animal o qual eu aprendi a amar.

Baker se vira, notando que não estamos mais sozinhos. — Vou sentir saudades.

— Eu também. — Digo abafado em seu ombro. — Cuide-se.

— Você também, menina atrevida. — diz antes de se afastar, ao passar por Kiran eles se cumprimentam com um pequeno aceno.

Kiran mantém seus olhos colados nos meus, fazendo meu corpo tremer com a ansiedade de ter suas mãos em mim.

Havia um lado mau em Kiran, um lado que mataria num estalar de dedos, mas eu vim a perceber que havia em mim também. Talvez não tanto, mas estava lá, adormecido. Em todos nós. Tinha ficado por tempo demais com a venda sobre meus olhos, mas ela foi arrancada, mostrando o quão cruel e imundo o mundo pode ser.

Sim, eu amava o seu lado mau e seu lado bom. Nunca poderia sobrepor o passado de Kiran, como ele não poderia apagar tudo que passei, mas eu construiria um futuro. Mesmo se não pudesse estar feliz com todos os aspectos do mundo.

Eu era do Lobo e ele era meu.

— Gotov vzyat’ to, chto tvoye? — digo em um russo enrolado. — Pronto para pegar o que é seu?

Kiran sorriu caminhando até mim, me pegando em seus braços e beijando minha boca.

— Mais que pronto.

28


Encolhi-me e abri os olhos. Mesmo com minha reação, ele não recuou, apenas sorriu e terminou de atar meus punhos. Não sei se por seu rosto ser tatuado com uma enorme caveira fizesse com que eu ficasse dez mil vezes mais gelada quando ele sorria ou se era a promessa velada que tinha em seu rosto.

— Você está com medo de mim, não está? — perguntou baixinho, ainda mantendo-me prisioneira entre suas pernas. — Posso sentir seu corpo tremer, finalmente sua fachada de forte se rompeu. — Acrescentou rindo.

Eu queria negar, queria lutar com todas as forças que me restavam, mas eu estava com medo e tremendo. — Por favor. — Pela primeira vez eu implorei, implorei para que o diabo tivesse misericórdia de mim.

Ele pegou uma corda terminando de amarrar meus punhos na barra de ferro da cama, fazendo o pânico se erguer sobre meu peito. O sangue fugiu do meu rosto.

Deany saiu de cima de mim me levando junto com ele, de modo que eu ficasse curvada sobre a cama, colocou na beirada da cama uma faca afiada, assim como sua camisa.

Com um puxão desceu minha calça e minha calcinha, expondo meu corpo da cintura para baixo.

— Nada de mijar dessa vez.

Fiquei imóvel, calculando todas as opções de me livrar daquilo, mas ele foi esperto, aproveitou a dosagem do remédio para me pegar desprevenida e com o organismo inundado de drogas para me tornar uma presa fácil.

— Deixe-me em paz! — Grito.

Deany pega a faca colocando-a firme sobre meu pescoço, podia sentir a lâmina afiada perfurar minimamente minha jugular.

— Quietinha, senão, além de foder você, vou dar sua cabeça para os coiotes que moram aqui perto!

Meu instinto de autopreservação me ordenava a fazer algo, agir, mesmo que em vão. Não havia para onde fugir, ele me pegaria de qualquer forma, não seria por um grito que eu seria salva das mãos dele. Portanto, só fiquei parada, algumas lágrimas quentes escorreram pelo meu rosto.

— Não é uma punição, só um desejo. — Ele sussurrou ao meu ouvido.

Escuto-o abrir o zíper da calça, assim como o barulho dela caindo no chão. Suas mãos entre minhas pernas, o fato dele me acariciar foi me dando pequenas vertigens, assim como intensificando as lágrimas a escorrerem por meu rosto. Sua mão áspera e nojenta esfregando meu clitóris, enquanto enfiava um dedo dentro de mim.

Detestei ter me tornado fraca, ter me rendido a ele. A cada investida bruta com os dedos a faca forçava mais em minha garganta. Gemi de dor, arqueando meu corpo para trás, na tentativa mais inútil de fazê-lo ir para longe.

O tapa veio certeiro, me fazendo virar o rosto tamanha força.

— Eu avisei, putinha! Você tem que ficar calada!

Ele me segurou pelos cabelos, forçando a ficar de pé direito, sua língua passou pelo meu pescoço, indo até o alto de minha bochecha, me causando náuseas.

— Por favor, não! — Grito novamente.

— Shiuu, quietinha! — murmura, acariciando a curva de minhas nádegas. — Você não vai gostar, mas eu vou gozar como um louco! — diz rindo alto.

Senti algo forçando a entrada, fiquei tensa, contraindo todos os músculos, mas a pressão que ele fazia, somado ao da faca fincada em meu pescoço era demais para resistir e a coisa começou a me penetrar.

O grito alto rasgou minha garganta, assim como a lâmina da faca fincou um pouco mais. Por um instante ele parou de tentar me penetrar para socar meu rosto, me deixando tonta, meio caída no chão, não fosse os punhos presos no ferro lateral da cama.

Eu não era uma pessoa violenta, mas lá estava, acredito que ao ser colocada diante de tantas coisas perversas, tinha me corrompido, mesmo tonta e com poucas forças restando, agarrei um punhado generoso de cabelo batendo a cabeça dele contra a barra de ferro, consegui fazer por duas vezes, antes dele se levantar contendo o sangue que saía da pequena ferida em seu crânio e me chutar.

— Sua vadia idiota! — gritou vindo novamente para cima.

Tateei o chão com os pés, tentando pegar a faca que tinha voado para baixo da cama durante nossa pequena luta, meu corpo tremia, estiquei o máximo que consegui, arrastando a faca para perto.

Deany gargalhou quando percebeu o esforço que fazia, empurrando minhas pernas para longe, recuperando sua faca. Ele girava a lâmina entre os dedos, olhando de maneira diabólica para mim. — ERA ISSO QUE QUERIA? — Gritou.

Recuei até onde as malditas cordas em meus pulsos permitiam, com lágrimas de dor e frustração queimando-me os olhos. Não sabia o que ele faria comigo e não queria descobrir.

Uma agente especial, indicada para ser da Swat. Como tinha acabado assim?

“Você se importa, o problema de não pensar em você me faz temer como será quando se infiltrar” — quase sorri ao escutar a voz de Baker em meus pensamentos.

Escuto a porta se abrir com violência, mas me sinto tão pesada, meu corpo está tão pesado que parece que todos estão em câmera lenta; vejo Deany ser arremessado para o lado, batendo contra a parede oposta.

— Que porra é essa? — Uma voz grave me faz tremer.

Ergo o olhar, encarando meu possível salvador, ele era inconfundível. Kiran... naquele momento de confusão total entre manter meus pensamentos confusos indo por uma só direção eu senti vontade de sorrir. Os olhos dele também se cravaram sobre mim, tempo o suficiente para que Deany se levantasse pronto para lutar. Eu queria gritar, avisá-lo para agir ou fugir, mas não encontrava minha voz.

O barulho do tiro fez com que eu abrisse meus olhos, procurando por sangue, em mim, em Kiran, mas ao vê-lo com a arma nas mãos e Deany cair no chão, não sinto o mesmo alívio de antes.

Um dos homens tenta me erguer enquanto presto atenção ao que o outro dizia:

— Porra, Lobo!

Lobo?

“Ele é imperdoável, todos o temem, mas para nós, ele é uma espécie de protetor. Ele não deixa, na maior parte do tempo, que os outros nos inflijam mal” — a voz de uma das garotas vem com força em minha mente.

Imagens do dia que entrei na Penlin e vi pela primeira vez o tal de Lobo entrando por uma passagem entre os espelhos, aquela sensação de conhecer os músculos que delineavam o casaco... Encaro meu suposto salvador, percebendo que ele na verdade era meu demônio, o demônio por quem meu corpo sentia arrepios de prazer. Já não tinha mais motivações, nem que mínimas para ter força, não existia uma maneira de sair dali, nem mesmo de salvar aquelas garotas.


KIRAN


Martin e Try pararam ao meu lado do outro lado do corredor, enquanto eu respirava fundo, contendo o ímpeto de voltar naquela sala e terminar o serviço.

— Porra, Lobo! O que aconteceu? — Martin questiona passando a mão pelo cabelo, a expressão assustada ainda estava presente em seu rosto.

— Parem de reclamar, me falem sobre a garota do Sebastian.

Martin e Try trocam um olhar entre eles, mas rapidamente despejam tudo que já tinham me falado.

— A garota esteve aqui uma noite, arranjou problema com um dos nossos clientes, é valentona. — Try diz.

— Não foi uma surpresa que continuasse firme nos primeiros dias, mas durante meses? Isso é a primeira vez que vejo. — Martin retruca.

— Ela ficou sem comida e água nos primeiros dias, Deany tentou... bem você sabe, ele aterrorizou a garota, tanto que fez a coitada se urinar.

— Proklyatty! — sussurro, chamando Deany de maldito. — O que mais ocorreu enquanto estive fora?

— Ela violou nossa permissão, Erika e ela foram pegas dividindo a comida, Erika foi mandada para três dias na solitária enquanto ela levou uma surra, inclusive do próprio Sebastian.

— Outro que não me cheira bem.

— Ele anda dentro da linha, mas não confio. — Try confessou.

“Me deixe em paz” — o grito ecoou fraco pelo corredor, chamando nossa atenção.

— Merda! — Try exclama tirando a arma do coldre.

— Guarda a porra da arma, Try, não quero cuidar mais de nenhuma merda! — Martin resmunga.

— Que porra está acontecendo aqui hoje? — digo enfurecido.

“Por favor, não!”

Algo naquela voz feminina fez os pelos de meu braço se arrepiarem. Minha respiração aumentar e eu andar a passos largos pelo corredor.

— Está vindo da sala médica. — Escuto Martin dizer.

— Puta que pariu!

Entre o andar apressado pelo corredor, escuto barulhos de coisas caindo, mas isso não é tão atrativo e nem faz meu corpo inteiro entrar em alerta como aquela voz... aquela voz, o tom... Mal percebo que saio correndo em direção à porta, literalmente arrombando-a com o ombro.

Meu sangue gelou e a raiva tomou conta de todo meu corpo, me sentia desesperado para saber que não era tarde demais, para que ainda houvesse vida dentro de seu corpo. O monstro em meu peito estava enlouquecido, com sangue nos olhos.

Como ela havia chegado nesse ponto? Milhares de perguntar rondavam meu cérebro em busca de respostas, mas eu só podia pensar em sangue, eu queria sangue. O demônio dentro de mim sorriu aparecendo no foco de luz, afiando suas facas.

Jogo Deany para longe, fazendo-o bater contra parede, fixando meus olhos realmente em seu corpo jogado no chão, os punhos amarrados na barra lateral da cama hospitalar; vejo um alívio anuviar sua visão e sei que é o pior sentimento que uma pessoa poderia sentir ao me encarar.

— Vejo que veio novamente estragar minha diversão. — Deany sorri como o verdadeiro psicopata que era, levantando-se e olhando de mim para os dois homens parados na porta.

— Lobo, não! — Try fez um pequeno alerta, mas a parte racional do meu corpo estava longe para ouvir qualquer coisa.

Não desvio os olhos dos de Adria, saco a arma da cintura, miro e atiro no joelho de Deany, fazendo aquele verme cair no chão gritando e xingando.

— Porra, Lobo!

Vou até Deany agarrando-o pela gola da camisa, socando seu rosto repetidas vezes, a cada soco que dou sua cabeça se curva para trás, espero que ele erga novamente para socar novamente, sentindo prazer em fazer o sorriso sumir de sua boca, prazer em sentir o sangue assim como alguns de seus dentes pulando para fora.

Martin e Try voam sobre mim, tentando me arrancar de cima dele, e mesmo sendo dois dos homens mais fortes e cruéis de Czar, nenhum consegue me tirar de cima de Deany, quando a cena dele tentando abusar de Adria, da minha... está tão fresca em minha mente, não quando presenciei seu rosto repleto de ferimentos e seu corpo nu e exposto. Arrastando Deany para fora dali, jogando seu corpo no meio do galpão, os dois homens me seguem tentando impedir que o mate. Ele tenta lutar, mas isso só alimenta ainda mais a fera dentro de mim.

— Se alguém tentar me segurar eu juro que mato junto com ele! Cuidem dela, chamem a Netlen! — Digo ao ver que Martin e Try fazem menção de vir até mim.

Busco pelos bolsos de Deany, esse filho da puta sempre andava com um soco inglês, ele adorava aterrorizar as garotas com isso. — Vejamos quantos socos você aguenta. — Digo empunhando o soco inglês.

— Tudo isso por causa daquela puta? Não sabia que queria ser o primeiro, pelo tamanho daquela bunda, virgem não é mais!

Desço o braço socando pelo menos umas quatro vezes seu rosto. Minha mão se manchava com seu sangue, mas eu queria mais, enquanto o sorriso débil não sumisse daquele rosto eu não pararia. Deany iria aprender a não ser a porra de um psicopata, e nunca mais mexer com algo que era meu!

Seu rosto estava desfigurado quando parei, joguei o objeto fora, girando minha faca entre os dedos. — Você gosta também de ameaçá-las com suas facas, não é mesmo?

— Defendendo putas? — vociferou.

Aquele filho da puta ainda tinha forças para me desafiar!

Finco minha faca no meio de sua mão, o grito ecoou pelo espaço. Retiro a faca, segurando sua mão esquerda no lugar, só para descer a lâmina afiada e faminta de minha faca pelas três falanges de sua mão, arrancando um naco dos seus dedos fora.

— Você é um verme, vou cortar sua cabeça e pendurá-la na parede!

Sinto várias mãos puxando meu corpo para trás, para sair de cima de Deany, escutava alguns deles tentando me acalmar ou tentar arrancar a faca de minhas mãos. Aquilo só me incentivou mais, eu queria fincar minha faca no olho, arrancando seu globo ocular fora, mas de alguma maneira os outros homens de Czar conseguiram me puxar para longe, mas não tão rápido que eu não pudesse pisar com toda minha ira e força em cima do seu pau. Deany tombou para trás gritando, me deixando satisfeito ao ver sangue e outro tipo de líquido manchar sua calça de alfaiataria barata.

— Lobo?

Arregacei as mangas da camisa sujas de sangue, desviando o olhar do verme desmaiado em minha frente.

— Preciso de outra camisa.

Martin confirma, saindo por alguns minutos da cena, logo voltando com uma camisa de linho.

— Onde ela está?

Os homens ao meu redor estavam calados, muitos ainda olhavam para Deany deitado no chão, desmaiado devido a dor forte por seus escrotos terem rompido devido ao meu pisão. Nunca dei muita importância para Lei de Talião, mas hoje o “olho por olho” foi satisfatório.

— Netlen está com ela.

Concordo, saindo de lá, seguindo para a sala que utilizávamos para cuidados médicos, ficando até receoso ao aparecer no vão da porta.

— Netlen. — Minha voz estava enganadoramente suave e meu rosto sem expressão. Mesmo que ainda sentisse as enormes ondas de fúria queimando silenciosamente dentro de mim. Podia sentir o lobo inquieto e sedento dando voltas à procura de mais; senti o gosto amargo na boca e pela primeira vez o medo de ver Adria inserida em meu mundo.

O lobo dentro de mim se sentou, sob controle ou talvez rendido por sentimentos que eu não sabia descrevê-los.

— Netlen, nos deixe a sós.

Adria olhava fixamente para mim, faço o mesmo, não tirando meus olhos dela nem quando Netlen passa em minha frente tampando por alguns segundos minha visão, nem mesmo quando ela institivamente recuou, tentando ter um espaço maior entre nós. Caminho devagar, indo até um pequeno armário de medicamentos, retiro um kit de primeiros socorros, voltando para ela.

Seu pescoço tem um pequeno corte, o sangue ali já está seco. Sento na ponta da cama, tudo com muita cautela, mesmo sentindo sua recusa sei que ela não está em seu melhor momento. Estico o braço para passar o remédio na ferida, mas ela se afasta assustada.

— Calma, me deixa cuidar de você.

Seus olhos vão dos meus para minhas mãos. Passo levemente o algodão pela ferida, tirando o sangue, vendo que foi apenas um corte simples, nem precisaria de pontos. Faço o curativo, tudo com calma, deixando que ela veja cada pequeno movimento que faço, me amaldiçoando por cada tremor que seu corpo tenha ao meu toque.

— Adria, o que você está fazendo aqui?

Seus olhos se arregalam. — Sai de perto de mim, sai! — grita amedrontada.

— Acredito que mereço um obrigado por ter salvado sua pele. — Digo.

Ela faz menção de sair da cama, pronta para correr, mas sou mais ágil, seguro seu corpo apertando firmemente contra o meu, de maneira que sua pequena luta em vão não a machuque ainda mais. Ela grita e se contorce em meus braços. Quanto mais lutava, mais fechava meus braços ao seu redor.

— Pare com isso, Adria... sou eu! — Digo dando um pequeno tranco, juntando seu peito contra meu abdômen.

— Solte-me, por favor! Solte-me! — diz caindo no choro.

Limpo com a mão livre as lágrimas que correm por seu rosto, notando os leves hematomas esverdeados. — Acalme-se. — Digo baixo contra sua orelha.

Ela respira fundo, parando de lutar contra mim, aceitando ficar em meu braço.

— Eles te machucaram, há quanto tempo você está aqui?

Ela não diz nada, hoje não será o melhor momento para isso. Deito seu corpo novamente contra o travesseiro. — Você está segura, eu prometo. Ninguém encostará mais em você, você é minha.

Saio da cama, deixando Adria deitada sobre a pequena maca, Netlen me aguardava do lado de fora, assim como Try.

Fecho a porta. — Quero que tomem conta dela, ninguém entra aqui sem minha permissão. Ouviram?

Eles concordam rapidamente, em silêncio.

— Netlen dê tudo que ela precise. E você, Try. Isso será um assunto nosso, não quero Czar envolvido estamos entendidos?

— Lobo...

— Não me venha com essa, porra!

— Tudo bem, Lobo. Mas não sei quanto tempo conseguirá acobertar o que aconteceu hoje.

— Isso é um problema meu.


30


Quando acordei, Kiran se fora.

Eu não lembrava muito do que acontecerá depois que ele havia me colocado na cama. Estava tudo nublado em minha lembrança. Era como se meu cérebro tivesse desligado, incapaz de processar a violência que sofri. Recordava-me de Kiran e toda a confusão dele ser o tal do Lobo, lembrava de Netlen me dizendo que tudo ficaria bem e dele retornando, cuidando de meus ferimentos. Passo a mão pelo pescoço, estava envolto em gaze e doendo muito menos.

Quando não havia esperanças, não havia opções, tudo se tornava notavelmente claro. O fato era que Kiran era o Lobo, era o cara frio e assassino que tanto falavam, mas também era o cara que protegia de certa forma essas garotas de sofrerem mais, se isso era possível. Ele tinha as cartas na mão, agora eu era dele. Afinal, deixou bem claro antes de sair, isso me lembro. A força magnética que tinha em seu olhar ao me encarar. Eu era dele. Não havia escapatória para mim.

Depois que aceitei esse fato, os dias passaram de forma rápida. Netlen sempre vinha nos mesmos horários, deixava um farto prato em minha frente, assim como roupas limpas e me ajudava nos primeiros dias no banho, me ajudando quando não conseguia me manter em pé devido aos meus hematomas. Ela tinha se tornado a única fonte de interação humana. Uma verdadeira babá.

— Tire essas ideias da mente. — disse enquanto deixava meu jantar sob a cama.

— Que ideias? — pergunto deixando o garfo e a faca de lado.

— Se me esfaquear, vai perder a única pessoa disposta a arriscar a bunda por você. Se tentar fugir me ameaçando com a faca só vai encontrar homens dispostos a te jogar junto com as outras garotas e Deus sabe o que farão.

Resmungo algo indecifrável, entre um suspiro.

— Lobo está arriscando não só a própria pele como a minha para manter você aqui. Devia estar agradecida.

— É mesmo? — satirizei.

Netlen revirou os olhos. — Se tivesse prestado realmente atenção nas informações que eu passei, teria pensado mil vezes antes de se infiltrar aqui. Isso não é um clube Adria. — disse baixando o tom de voz. — Isso é um beco sem saída com todos os piores tipos de pesadelos tomando forma e vindo para cima de você.

Dou uma garfada generosa na comida, observando Netlen se sentar perto da porta, na qual vivia trancada. — Você parece conhecê-lo bem.

— Talvez. — diz.

— Ele é o que aqui dentro, o chefão? É o responsável por jogar essas meninas aqui ou apenas por descartá-las como lixo?

Ela suspirou — Pare de bisbilhotar, Adria.

— Que diferença faz? Ao que posso ver, saí de uma puta para uma sequestrada! — Olho para ela com frustração.

— Se ele quiser que conte algo.

— Você gosta dele, é leal a ele.

Ela estreita os olhos para mim. — Sim, tenho gratidão por ele ter salvo minha vida, mesmo que não tenha conseguido fazer o mesmo pela minha irmã. Então sim. Ele tem minha lealdade, pelo menos é por isso que estou aqui salvando seu traseiro.

Assenti voltando a comer.

Com o passar dos dias a frustração foi se tornando mais forte, mais presente, e os sentimentos mais controversos. Eu sonhava com as malditas mãos de Kiran percorrendo meu corpo, me dando prazer, assim como fez aquela noite em meu apartamento. E a ideia era tão medonha que me fazia sentir vontade de vomitar. Ele era um assassino, frio e calculista. Será que haveria verdade nas palavras de Netlen? Que ele não era o que eu imaginava? Mesmo tudo mostrando o contrário?

Tentei pensar racionalmente no assunto por um momento, entender a confusão de sentimentos. Sim, uma pequena parte de mim se ressentia por ele ter desaparecido, ter salvado minha vida, ter me salvado do abuso que iria sofrer e ter me deixado naquele quarto trancada, tendo Netlen como companhia. Não que eu quisesse a atenção dele, mas eu queria respostas. Ao ver por onde meus pensamentos seguiam, notava o absurdo das minhas emoções contraditórias. Tão idiota que me xinguei mentalmente.

Eu estava exatamente constatando que tinha uma atração por um criminoso; eu, uma agente especial treinada e a melhor da minha turma, tinha virado uma daquelas mulheres que se apaixonam pelo inimigo. Eu me recusava a ser, sabia que estar ali sendo bem tratada sob os cuidados dele mexia com minha cabeça, me tirava do foco. Eu estava abandonando meu verdadeiro objetivo de estar ali, do porque tinha me infiltrado naquele inferno.

— Deixe-me voltar para minha missão. — Reclamo.

Netlen ergue a vista, parando de juntar as coisas. — Esqueça. — diz pegando a pequena bandeja e sumindo dali, trancando a porta de ferro ao sair.

***

E finalmente ele estava ali.

Descobri quando ele me acordou de um cochilo. No início não achei que fosse real, mas diferente dos meus sonhos, esse Kiran não sorria, tinha uma aura sombria sobre si.

— Você veio, enfim. — Constatando o óbvio.

— Sim.

Ajeito-me na cama, sentando ereta.

— Fiquei sabendo de suas reclamações.

— Pelo visto Netlen é fofoqueira também. — Resmungo.

— Acredito que é o papel dela, afinal é sua informante.

Encaro seus olhos.

— Com quem estou falando? Adria ou Pam?

— Isso importa?

— Então não é apenas seu pai um agente. Você é policial!

— Alguém fez a lição de casa. — Retruco.

— Diga, o que está fazendo aqui? — ele continuava despejando suas perguntas.

Cruzo os braços diante do peito, me mantendo calada.

Kiran aperta o ponto entre os olhos. — Podemos ficar nessa fase durante toda a noite ou você pode responder minhas perguntas?

— Que tal você responder algo? Como... você é o tal Lobo? Mas que destino filha da puta! — Digo rindo.

— Não é o que está pensando.

— Não é mesmo? Não estão traficando mulheres como se fossem objetos baratos? Não estão abusando daquelas menores de idade, além de tudo o que fazem com todas as mulheres aqui? Então me diga, Kiran ou devo representar o mesmo fanatismo que elas fazem ao citar você, Lobo?

— Você é uma mulher inteligente. Mas está mexendo com coisas fora do seu alcance. E prefiro que me chame de Kiran, pelo menos entre nós.

Estreito os olhos. — Então é Kiran, a menos que esteja matando mulheres ou se divertindo com elas, é isso?

— Chega! — Explode. — Isso tudo está longe demais de suas mãos, não sei como entrou aqui, nem mesmo seus propósitos, mas isso não é brincadeira! O cara que estava a ponto de matá-la dias atrás não tem alma, nenhum de nós temos. Então, sugiro que aceite minha ajuda, assim posso arrancá-la daqui!

— Quem é o responsável por tudo isso? Quem é você e por que está no meio disso?

Ele passa as mãos pelo cabelo, respirando fundo.

— Estou pensando se você é apenas um sociopata ou um psicopata, quem sabe não seria os dois?

Ele ergue o olhar, encarando-me.

— Por que não trocamos informações, pelo visto quer saber algumas coisas de mim e eu quero informações.

— Tente.

— Quem é o mandante? Quem é que sequestra essas garotas? O que você é para isso tudo?

— Nem nos seus piores pesadelos eu desejaria que conhecesse o Czar. E eu? Ao contrário de você, que teve uma criação normal, não tive a mesma sorte. Esse mundo é meu e você não deveria estar nele. Mas não sou um sociopata ou psicopata como disse. — diz. — Minha vez. O que está fazendo aqui?

— Vim acabar com essa organização.

Kiran esboça um sorriso. — Só de ouvir, sua ideia parece tola e inútil.

— Sou agente do FBI, não que não tenha descoberto.

— Você pode ter o governo inteiro aos seus pés, isso tudo é muito maior que você, que sua luta, Adria.

— São pessoas inocentes, mulheres inocentes, crianças! — me exalto.

— Você acredita que cheguei aqui hoje? — diz ficando de pé. — Estou nisso desde que me entendo por gente, matei mais que do que posso me recordar, infringi mais leis do que seu governo pensou em ditá-las.

Uma coisa dentro de mim pediu para que calasse a boca, mas não consegui. — Então, vai me matar?

— Não, Adria. — Ele pareceu exasperado por um momento, por um momento pareceu o Kiran que me encarou nos olhos ao entrar em meu apartamento e tirar minha roupa de maneira gentil.

— Então serei sua refém, me machucará quando tiver vontade?

Ele não negou, se levantou, ainda olhando para mim. — Posso ser um monstro, na verdade realmente sou. Posso ter feito coisas horríveis, mas eu não machucaria você Adria, será que não entende que eu mataria se alguém encostasse em você? Eu procurei você por dois meses, tentando encontrar um paradeiro seu. Netlen vai cuidar de você quando não puder estar por perto. Quando chegar a hora, vou te tirar daqui. Mesmo que de tantas maneiras erradas, eu esteja feliz por finalmente encontrá-la. — Diz antes de sair, fechando a porta atrás de si.

O demônio tinha uma bela face.


KIRAN


— Seus hematomas estão melhores. — Ergo a mão e acaricio seu maxilar com os dedos. — Logo nem existirão mais.

Adria fecha os olhos, afastando seu rosto lentamente de minha mão.

— Você está calada. Se arrependeu das últimas investigações contra mim? — sussurro.

O silêncio que ela impõe entre nós me irrita, me faz desejar os dias amenos que ela não sabia quem eu era de verdade. Dou alguns passos para trás, colocando uma distância entre nós, ela me encara ainda em silêncio, porém não forço. Saio do quarto fechando a porta atrás de mim.

— Pelo visto nada mudou. — Netlen diz saindo das sombras.

— Fique de olho nela, como estão as coisas por aqui?

— Try anda fazendo um bom trabalho em manter todos na linha, acho que seu pequeno surto com Burn e Deany fez algum efeito.

— Tenho que tirá-la antes do leilão, não posso deixá-la chegar tão longe.

— Não entendo porque ela se tornou especial para você. — Netlen retruca, fazendo-me encarar seu rosto.

— E não te devo explicações, acredito que deixei isso claro.

— Desculpe, Lobo.

Assinto, saindo dali, me preparando para o pequeno encontro que teria com Czar.


Entro em seu escritório, Czar está sentado atrás de sua mesa, fumando seu charuto importado. Seus olhos recaem sobre mim, balança a cabeça em direção à porta. Entendo seu gesto silencioso para fechá-la. O faço, permitindo bater um pouco, recebendo seu olhar superior.

— Vou perguntar por que tive que saber de um dos meus homens que você surrou não só um deles, como quase matou Deany?

— Vejo que temos maricas no meio de nossos homens.

— Eu sugiro que não trate nosso assunto com leviandade!

Contemplo meu próximo passo. Puxo a cadeira para trás, sentando e cruzando uma perna sobre a outra. — Não sabia que o fato de dar um corretivo naqueles vermes, era de total interesse seu! — rebato.

— Tudo que ocorre em meu território é de meu interesse. — diz sorrindo, batendo a ponta de seu charuto na pequena cristaleira ao seu lado.

— Eles causaram grandes problemas, perdemos uma virgem porque Burn quis satisfazer seus desejos imundos!

— Sukin Syn! 19 — Exclama batendo o punho contra a mesa de mogno.

— Já cuidei disso, ambos irão ficar espertos.

— Fico contente que você tenha retomado suas raízes.

— Então é por isso que tem me tratado como um de seus lacaios? — pergunto irritado.

— Confiança não é um presente é algo conquistado, Kiran. Você é meu legado. Se você se mostra fraco diante dos meus inimigos, qual será a imagem que eu terei para eles?

Levanto revoltado. — Ela era uma criança!

— Uma criança que era filha de um inimigo, que sua morte nos permitiu dobrar um homem que estava impedindo nosso trabalho. Sempre haverá uma criança ou uma mulher. Os homens se enfraquecem ao se apaixonar, apenas tolos deixam os sentimentos dominarem suas mentes. Homens como nós não têm coração, não têm sentimentos, sentimentos para pessoas como eu e você causam apenas morte. Imagine que tolo se eu me apaixonasse por uma puta como Andreia? Acredita mesmo que eu deixaria de ganhar meu dinheiro por que ela abre as pernas de maneira satisfatória?

— Não estou disposto a isso, judiar de crianças por causa do erro de seus pais?

— Não banque o inocente! Você já visitou esses terrenos, sabe como terminaremos. Você é exatamente como eu, é o espelho de seu pai!

Ranjo os dentes, travando a mandíbula, enquanto Czar fuma tranquilamente seu charuto, soltando a pesada fumaça pelo ar.

— Cometi um erro, Kiran. — diz quebrando o silêncio.

Recuo, em toda minha vida nunca ouvi nada, nem mesmo perto de arrependimento sair de sua boca.

— Lutter tem seguido minhas ordens, sendo meus olhos. E ele trouxe notícias preocupantes, temos um vor entre nós. Eu deixei que um vor se infiltrasse em meus negócios, relaxei minhas muralhas!

— Um ladrão?

— Sim, como vocês costumam dizer, um delator. — diz. — Lutter está quase certo de quem é.

— Como descobriu? — questiono.

Czar esboça um sorriso. — Estou nessa vida há tantos anos, que você mal tem ciência. De qualquer forma, amanhã eles estarão trazendo o traidor para mim.

***

— O filho prodígio. — Orrel zomba. — Que porra quer, Kiran?

Não hesito. — Preciso de um favor.

A gargalhada alta faz com que eu afaste o celular do ouvido.

— Devo estar realmente bêbado, não é que aquele filho da puta alemão acertou quando me colocou para fora do bar?

Olho no relógio em meu punho, lá deveria passar das quatro da madrugada. — Você vai me ouvir?

Ele riu. — Diga, o que o incrível filho do satã quer com um mero mortal como eu, como anda nosso D’yavol20?

— Você tem bolas. — Rosno me arrependendo de ter ligado, mas no momento Orrel é a única via de sumir com Adria do mapa.

— Do que precisa?

— Quero que suma com uma pessoa.

Outra gargalhada.

— Se você não levar esse papo a sério eu juro que atravessarei o mundo para que a próxima coisa que vai olhar seja meu punho contra seu rosto e o teto de um maldito hospital!

— Achei que tinha homens com culhões para fazer seu servicinho sujo.

— Quero que me ajude a fazer uma pessoa desaparecer, não a matar.

— Está querendo esconder uma pessoa de nosso querido satã, é isso mesmo?

Respiro fundo, fechando os olhos estava impossível falar qualquer coisa com Orrel no momento.

— Estou tentando salvá-la do inferno. — Digo baixo.

— Você é um lobo apaixonado? E por acaso sua protegida está encrencada com nosso querido Czar?

— Preciso que me ajude tirá-la dos Estados Unidos, acha que consegue?

— Não sei. Não quero me meter e perder minhas bolas por causa dos seus problemas. Sinto muito que tenha sido um otário, primo.

— Orrel! — urro do outro lado da linha.

— Porra, eu vou ver o que posso fazer. Vou ver!

— Obrigado. Entrarei em contato. — Digo encerrando a ligação e jogando o celular longe.


BAKER


— Baker?

— O FBI encontrou provas que os Rootns estão recriando um site de sexo, porém, não é possível extrair nada, eles estão utilizando a Deep Web. — Menfys diz sem me olhar. — Kate está verificando todos os arquivos.

— Não estou gostando do rumo que as coisas estão tomando Menfys, o tal chefe da organização que o agente Wenth nos fez o retrato, não foi encontrado em nenhum sistema.

— Temos que manter tudo como está, os agentes precisam de tempo para se adequar ao mundo em que foram inseridos.

— Concordo, desde que a principal agente informante não suma por duas semanas deixando toda sua equipe totalmente no escuro! Estou dizendo, Menfys, tem coisa errada!

Menfys suspira, me olhando nos olhos. — Seu afeto pela agente Hamer está afetando seu julgamento.

— O único com julgamentos afetados é você, não percebe que temos que fazer a extração dos agentes? — questiono irritado.

— Extração? Isso poderia matar não só os agentes envolvidos como os que irão para essa caça às bruxas, Stone! Não posso permitir uma extração, são anos de planejamento!

— São duas vidas, dois agentes em perigo e se estiver correto, talvez um, já que Wenth pode ter se curvado a eles!

— Isso é uma acusação séria, Stone. — Menfys se levanta, encarando-me sério. — Nunca julguei ou me intrometi em uma de suas operações, não vou permitir que faça isso com as minhas!

— Deixe-me pelo menos investigar Rowsend, deixe-me tentar extrair algo dele, que nos leve para algo mais concreto!

— Rowsend está em poder da CIA, a essa altura está confinado em um dos Blacksets21 deles, mal sabemos se está vivo.

— Não foi apenas Rowsend que foi preso naquela batida. Deixe-me falar com o outro preso. — Digo.

Menfys fica em silêncio por um momento.

— Teremos que deixar essa visita em absoluto segredo. Posso cuidar da segurança.

— Tudo que preciso, me deixe lidar e tentar arrancar algo.

— Não cometa nenhuma besteira, Stone.

— Não se preocupe.


O sistema penitenciário da administração era ridículo. O governo do Estado, e muito menos o Governo Federal, nada faziam para melhorar as milhares de denúncias que recebiam tanto dos presos como dos funcionários. Chegava a ser desumano.

Um policial me cumprimenta com um movimento de queixo, levantando a mão que segurava as chaves grandes e pesadas.

— Por aqui. — Ele diz, guiando-me pelo corredor repleto de celas. — Tem dez minutos, depois te arranco de lá tenha terminado ou não. — diz nervoso.

— O preso?

— Está sem direito ao banho de sol, arranjou briga com outro preso.

Concordo.

— Vou precisar de sua arma.

Retiro o coldre passando para o policial. Ele abre a pequena cela, permitindo que eu entrasse, trancando-a assim que estava lá dentro.

— Que porra é essa? — questiona encarando-me surpreso.

— Tenho umas perguntinhas para você...

— Tem porra nenhuma! Guarda! — gritou tentando olhar por cima de meu ombro.

— Quero informações de como encontrar sua organização.

Ele manteve seus olhos sobre mim, o rosto rígido e inexpressivo.

— O que você acha que aconteceria com um cara como eu se desse com a língua nos dentes? Aqueles filhos da puta têm uma estrutura dentro dos presídios, não dão ponto sem nó, eu acabaria sendo espancado até a morte num desses corredores.

— Se falar, posso aliviar sua pena ou protegê-lo de outra maneira.

Ele apertou os olhos, sua feição afiada, desconfiando do que falava.

— Me dê algo concreto e eu quebro sua pena ao meio.

— Me tirar daqui? Como?

— Podemos fazer um trato, preciso saber como encontrá-los, preciso saber quem é o mandante.

Ele gargalhou, jogando a cabeça para trás. — Vocês são tolos se acreditam que um dia colocarão as mãos em Czar, o cara mata todos vocês antes do amanhecer.

Arqueio a sobrancelha.

— Cinco minutos. — O policial avisa.

— E as mulheres? Onde ficam e quem é responsável por pegá-las? Elas são dopadas?

Ele gargalha mais uma vez, sentando-se na cama. — Não vai arrancar nada de mim, fazer um acordo com o FBI é a mesma coisa que assinar minha sentença, no mesmo dia que sair ele me encontrará e levará minha cabeça numa bandeja. Afinal, eu não fiz nada de errado, era apenas um cafetão que transportava essas mulheres para eles. Não sabia nem qual a droga que cheiravam.

— O tempo acabou, para fora! — diz o policial abrindo a porta.

— Nos vemos por aí, meu velho. — Ele diz com um enorme sorriso.

***

— O que está te incomodando, querido?

Passo as mãos pelos olhos cansados, passei boa parte do jantar com o pensamento longe, mais revirando a comida no prato do que comendo-a.

— Um problema no trabalho.

Minha filha corre pela sala de estar, brincando com suas bonecas, Lilian segue meu olhar, sorrindo ao ver nossa filha tão entretida em seu pequeno mundo de fantasia.

— O que posso fazer para ajudá-lo?

— Infelizmente nem eu mesmo consigo, querida.

— É tão sério assim?

— Sabe que não posso comentar sobre isso, tenho restrições.

Talvez o problema não fosse deixar minha mulher mergulhar nas águas traiçoeiras do FBI, talvez o fato seria mesmo falar em voz alta que o problema era realmente mais sério do que todos pensavam e que no final minhas suspeitas estivessem corretas, e fosse tarde para fazer algo.

— Lilian?

— Sim, querido.

— O que você faria se soubesse que seus instintos estivessem certos, mesmo que não tivesse nada para comprová-los?

Lilian não disse nada por um instante, fitando meu rosto; mas então, se curva sobre a mesa de jantar, segurando minhas mãos nas suas. Ela me fita com as mãos unidas, o calor tão amoroso se espalhando, até mesmo relaxando-me, minha esposa sempre teve esse pequeno dom, ela era um verdadeiro sopro divino para mim, em todos esses anos de casados.

— Você deveria segui-los. Você é excelente no que faz, sabe disso. Siga seus instintos, talvez encontre a resposta que procura.

Aperto gentilmente suas mãos. Levantando, dou um beijo casto em seu rosto, seguindo para a sala, dando outro em minha filha. Parando apenas para pegar os casacos no pequeno closet ao lado da porta e saindo.

Ficar de tocaia em frente à casa de Luigi era errado, mas algo me dizia que eu precisava confrontá-lo. Passava pouco mais das dez da noite, o vento frio tinha tomado conta das ruas, não tinha uma única alma penada que se atreveria passar por ali. Espero mais alguns minutos, me certificando que nada nem ninguém surja, estava pronto para abrir a porta do carro quando Luigi aparece na entrada de sua casa, caminha até seu carro, colocando uma garrafa térmica em cima da lataria. Teria que ser agora, senão, eu perderia minha oportunidade. Abro a porta, pronto para saltar e ir até ele quando escuto o barulho de pneus cantando pelo asfalto, luzes altas de faróis me cegam ao olhar para trás; leva um segundo para que minha vista volte ao normal, mas tempo o suficiente para que veja o furgão sem placas parar de qualquer jeito pela calçada, dois homens encapuzados saem de dentro dele partindo para cima de Luigi, que cai ao ser atingido por socos e pontapés, logo depois sendo arremessado para dentro do furgão.

Bato a porta, ligando o motor, pronto para segui-los, mantenho uma distância segura, mesmo acelerando atrás deles, alguns carros me cortam ao entrar nas ruas do centro e o furgão segue em alta velocidade, rumando para fora da cidade. Mas como a porra de um passe de mágica, ao demorar alguns segundos a mais para virar na mesma esquina que eles, pronto, foi o bastante para desaparecerem de vista.

Caço o carro pelas ruas próximas, mas sumiu, como se nunca tivesse existido.

Naquela noite mal consegui dormir, vi todas as mudanças que o céu fez até o despertador tocar. Naquela manhã entrei como uma bala de canhão no escritório de Menfys, relatando tudo, desde a visita na penitenciária até o ocorrido com Luigi Wenth. Menfys ouviu tudo e só depois que eu repeti pela terceira vez que tanto a agente Hamer como o agente Wenth estavam em perigo, Menfys se levantou, pediu para que Clain fosse ao seu escritório e ordenou que reunisse os agentes envolvidos na operação Rootns.

— Vamos fazer a extração. Mas concordamos que no passo que estamos, mal sabemos se os agentes ainda estão vivos. Segundo relatos, a boate Penlin que funcionava como ponto de encontro está fechada, os agentes informaram que não há nenhuma movimentação no estabelecimento há dias. Se os agentes forem extraídos, toda nossa operação vai para o ralo e provavelmente esses caras sumam do mapa, segundo você, eles estavam dirigindo para fora da cidade. Será um milagre encontrarmos alguma pista deles, já que mal sabemos para onde eles realmente levam as garotas.

— Entendo, senhor.


KIRAN


— Espero que esse pequeno agrado lhe faça passear mais com sua família, Roach.

Entro no escritório improvisado, fechando a porta atrás de mim. Roach e Czar me encaram, mas voltam para sua pequena negociação. Se um dia procurasse pela definição do crime organizado, havia muito pouco que ele não operava. Políticos eram seus maiores clientes, policiais e assim como alguns bons agentes do FBI corruptos estavam em seu bolso, dançando em suas mãos.

Roach sorriu, ele suava, vestígios de suor escorriam por sua testa e pelo meio de suas costas na camisa social. Poderia dizer que ele estava ansioso para colocar as mãos na pasta preta em sua frente, ou poderia ser apenas nervosismo saindo de seus poros por estar de frente para Czar, até mesmo sabendo que estava no meio do nada, cercado de homens prontos para atirar em seus miolos.

— Mande lembranças para sua adorável esposa, Roach. — Czar diz inclinando-se na cadeira de couro.

Roach se levantou, pegou a maleta, esboçou um leve até logo e saiu da sala.

— Os humanos podem ser como uns bichinhos assustados. — Czar diz levantando-se. — Vamos, temos um evento interessante agora. — Acrescenta batendo em meu ombro ao sair da sala.

Acompanho-o para fora, vendo Lutter e Vernan entrar no galpão, pelo visto estavam fazendo algum trabalho sujo. Czar puxa uma cadeira de ferro para o centro, joga o casaco pesado para trás, sentando-se confortavelmente.

— Senhor. — Vernan para perto de nós.

Czar cruzou os braços dando um leve aceno de cabeça. — Serviço feito?

Lutter inclinou a cabeça. — Sim, senhor.

Czar mostra os dentes brancos, — Tragam-no.

Lutter e Vernan acenaram saindo do galpão.

— Posso saber o que está acontecendo? — questiono, olhando para o rosto de perfil de meu pai.

— Temos um vor entre nós, quero apenas amaciá-lo como um lindo cordeiro para o jantar.

Antes que pudesse piscar, Lutter tinha jogado Sebastian no chão, enfiando um joelho em sua coluna. Ele se retorcia, lutando e amaldiçoando, mas Lutter era o dobro de seu tamanho, ele nunca sairia dali se o próprio Lutter não permitisse.

— Me solta, porra! Me solta!

— Solte o rapaz, pegue uma cadeira e ponham-no sentado. — Czar ordenou e assim foi feito, ou melhor, Sebastian foi arremessado para a cadeira, sentando-se frouxamente, de frente para meu pai.

— O que aconteceu, chefão? — disse.

— Você poderia me dizer, poderia me explicar algumas coisas, Sebastian. — Czar brincou, apreciando a provocação.

Sebastian ficou vermelho. — Não tenho nada para contar. Seus brutamontes me surraram no meio da rua.

— Uma excelente casa para um lacaio prostituto. — Vernan comenta.

— Então diga-me, Sebastian, seu nome é esse mesmo? — Czar questiona.

Vejo o rosto de Sebastian perder a cor e como seu pomo de Adão sobe e desce rápido enquanto engole a saliva.

— Lógico! Que pergunta tola!

O tapa ao pé do ouvido que Lutter lhe deu foi ligeiro, mas forte o suficiente para ele colocar a cabeça entre as pernas, protegendo o rosto.

— Obrigado, Lutter. Alguns homens realmente não sabem como tratar alguém superior ao seu nível de verme falante. — Czar brincou. — Vamos tentar novamente, qual é o seu nome?

— Sebastian. — diz abafado entre os joelhos.

Vejo Vernan concordar em silêncio, caminha até uma pequena mesa do lado oposto pegando um pequeno alicate prateado. Lutter segura Sebastian na cadeira, fazendo com que suas tentativas de fugir sejam nulas. E quando Czar faz um aceno de cabeça, Vernan pressiona o alicate no dedo mindinho de Sebastian, arrancando-o fora. Os gritos ecoaram pelo galpão, inundando meus ouvidos. O último grito que ele soltou era capaz de acordar os mortos antes dele virar o rosto vomitando, quase vomitando em cima de Lutter, que foi rápido o bastante para jogá-lo no chão.

— Seja homem! Pare de nadar no próprio vômito e volte para seu lugar. — Czar assobiou, franzindo o cenho para toda bagunça em sua frente.

Sebastian voltou a se sentar na cadeira segurando o ferimento ainda sangrando; suas mãos, a camisa e as calças estavam cobertas de sangue e vômito.

— Vamos tentar de novo, dessa vez, Lutter, amarre-o na cadeira. E você, quando eu lhe fizer uma pergunta quero que me responda. Senão, meus homens não terão receio em arrancar outro dedo.

Depois de preso à cadeira, Czar retomou suas perguntas:

— Já que não quer nos dizer seu nome, por que não nos conta o que você fazia entrando no prédio do FBI?

Sebastian nos encarou assustado, olhando para cada um presente naquele ambiente. — Vocês estão malucos, eu e o FBI? — disse rindo, mesmo que sua careta parecesse mais de dor.

— Tem algum irmão gêmeo? — Czar questionou novamente.

Sebastian sacudiu a cabeça rapidamente, negando.

— Então devo perguntar de novo, o que você estava fazendo com aqueles porcos imundos do governo?

Sebastian mais uma vez se negou a dizer, dessa vez quem assentiu foi Lutter. Vernan passou o alicate para ele, forçando Sebastian abrir a boca, os gritos voltaram a preencher a sala.

— Apenas o segundo pré-molar. — Czar diz cruzando uma das pernas sobre a outra.

Enquanto Vernan segura o homem se debatendo, Lutter enfia a mão dentro de sua boca, os gritos se intensificam, tornam-se desesperados até que param, viram apenas gemidos de uma boca ensanguentada. Lutter joga o dente pro lado, limpando sua mão do sangue de Sebastian.

— Vamos fazer assim, um dente por uma pergunta, cada pergunta que você responder fica com o dente, aquela que não responder perde. — Czar diz sorrindo. — Dê-lhe um pouco de água gelada, sinto que vai precisar.

O frio toma conta de minha espinha, se Sebastian foi o responsável por trazer Adria para dentro, e ao ser visto dentro do FBI... Ou eles trabalham juntos ou Sebastian é o informante de Adria com o mundo exterior. De qualquer jeito, coloca-a na mira direta de Czar, e isso não é bom. Afasto-me de forma lenta do grupo, tirando o celular do bolso, passo o dedo rápido pelos contatos, parando no de Netlen.

“Temos um problema. Ele sabe, esconda-a, quando puder irei até você. De qualquer forma, você nunca a viu. Entendeu? Eu farei contato.” — envio, sentindo a respiração pesada dentro do peito, até um pouco agoniado pela demora para que a mensagem seja enviada, rapidamente apago qualquer prova, enfiando o celular novamente no bolso.

— Se quiser fazer as honras, tenho certeza que ele não irá resistir a mais dois dentes sendo arrancados.

Viro dando de cara com Czar.

— Aposto em dois. — Digo, mantendo minha voz fria e impessoal.

Ele sorri, dá dois pequenos tapinhas em meu ombro e volta para o pequeno escritório improvisado. Dando um tempo para que Sebastian se acostume com as dores que correm por seu corpo.


— Vamos lá, acorda seu frouxo! — Vernan bate no rosto de Sebastian, fazendo-o se contorcer com dor.

— Porra! Eu não sei de nada, de nada! — diz de maneira enrolada.

— Hora de chamar o chefe, pelo visto o canário quer ou não cantar? — Lutter pergunta.

— Não fiz nada, eu juro!

— A maldita da minha mãe jurou melhor que você antes de morrer. — Um dos outros homens de Czar que assistiam ao show, diz rindo.

— Deite-o na maca.

Continuo parado no canto, um pouco afastado do círculo de carnificina que se formava.

Vernan arrasta Sebastian pelo galpão, amarrando-o deitado sobre uma maca de alumínio, enquanto Lutter traz consigo um balde e um pequeno maçarico nas mãos.

— Que é isso? O que vai fazer com isso? Porra, onde está indo? — Sebastian pergunta desesperado.

— Uma coisa que os americanos me ensinaram foi alguns truques a mais na hora de torturar um homem, Sebastian. Você sabia que os ratos são criaturinhas tão espertas e medrosas que sempre arranjam um lugar para escapar? Principalmente se sentirem dor ou medo. Fora o chiar que eles fazem quando sentem um desses sentimentos. É realmente magnífico!

Czar arregaça as mangas, tirando um rato gordo do balde, segurando-o pelo enorme rabo. — Isso além das doenças que transmitem e quando estão com fome, uma pequena gota de sangue pode fazê-los comer grandes pedaços de carne humana.

— Por favor, eu não trabalho para o FBI, eu trabalho para você, porra! — grita.

Czar ignora o que Sebastian grita, entregando o rato para Vernan, que rasga a camisa de Sebastian, colocando o rato e o balde de metal em cima, enquanto Lutter coloca uma luva especial segurando o balde e ligando o maçarico. Os guinchos do rato ficam altos, assim como os gritos de Sebastian. E mesmo que se debatesse na maca, ele estava amarrado, pouco conseguiria fazer.

— Primeiro ele vai arranhar, muito. Depois pode começar a morder e isso é ruim, pois quando morder ele vai ver que existe como fugir, teve casos que o rato comeu metade do estômago para sair pela lateral do corpo. Incrível, não? — Czar diz, voltando a se sentar na cadeira.

— Puta que pariu, me solta, por favor! — Diz em meio aos gritos de dor. — PORRA, ELE MORDEU, ELE ME MORDEU!

Lutter continua com o maçarico por todo o balde, fazendo os guinchos aumentarem.

— Lutter, pare! — Czar ordena, poucos minutos depois. — Deixe nosso ratinho descansar. Os dois, amarre Sebastian de pé nas correntes.

Eles fazem exatamente como é mandado, todo o círculo onde o balde estava além de queimar um pouco a pele de Sebastian, está marcado com as unhas do rato e com pequenas mordidas. Ele fica pendurado e amarrado no meio do foco de luz, a cabeça pendendo para frente, sua respiração irregular.

— Vamos deixá-lo pensando, amanhã voltaremos. — Czar anda até ele, dando tapas em seu rosto com a mão grande e pesada. — Espero que pense melhor e traga respostas para minhas perguntas.

Espero para que todos, inclusive Czar, tenham saído para me trancar dentro do carro. Digito os números com a maior rapidez que consigo. Impaciente por Orrel demorar tanto para atender.

— Kiran.

— Preciso daquele favor.

— Kiran, veja bem, você seria uma carta marcada, sabe o que isso significa, não sabe? Não tenho poder para ir até os Estados Unidos e trazer uma garota foragida comigo.

— Fale com seu chefe, não me importo. Um favor e mais nada, SÓ PRECISO QUE ELE TRAGA UM AVIÃO PARTICULAR E NÃO RASTREÁVEL ATÉ MIM! — Grito.

— Calma, eu falarei com ele. Se tiver boas notícias retorno a ligação. — Orrel diz.

— O quanto antes.

— Ok.

Encerro a ligação jogando o celular no banco do passageiro, dando alguns murros no volante. Merda! Esse filho da puta logo abrirá o bico! Preciso de outro plano, preciso tirar Adria daquele armazém, mas como? Iria chamar atenção demais se eu saísse com uma das garotas, ainda mais com Czar e seus homens em alerta.... pense, Kiran, pense.

***

— Você não é como eles, Lobo.

Eu era sim. Matei, vivi com o dinheiro repleto de sangue. Já derramei muito sangue em nome da família, tinha tanto sangue em minhas mãos quanto esses caras. Com o passar dos anos, saí da sombra de meu pai e criei a minha própria, mas, e se o meu “ser” for tão sombrio quanto o dele?

— Fique esperta com os movimentos.

— Estou. Ela está segura.

O riso me escapa fácil, ninguém estava seguro, nem mesmo ela e nem mesmo eu.

— O que você quer? Sabe que tem duas saídas para essa confusão toda em que nos metemos.

— Você poderia ter contado, poderia ter falado que uma agente estava te apertando.

Foi um longo tempo antes dela falar. Eu sabia que Netlen vivia em posição difícil, sabia o quanto odiava a vida que vivia e o quanto se culpava pela morte de sua irmã. Até entendi porque não tinha contado sobre isso, ela queria justiça pela sua irmã, mesmo que de forma deturpada, e eu ainda era o filho do inimigo.

— Você se apaixonou. — disse baixo.

Continuo encarando a chuva bater com força contra o vidro do carro e os limpadores fazerem seu melhor para tirar o excesso de água.

— Homens como eu sequer são abençoados com mais um dia de vida. Não temos esses sentimentos.

— Você está errado, novamente. Você se apaixonou por ela, Lobo. Está tão desesperadamente apaixonado que está arriscando sua pele, podendo enfrentá-lo sem titubear.

— Vamos deixar esse papo maluco para outra hora, tenho que voltar para o galpão e você para o seu posto.

— Eles adiaram o leilão. — Netlen diz o que eu já sabia.

Confirmo com um gesto.

— Cuide-se. — diz antes de sair, abrigando-se em seu casaco e nas pequenas marquises das lojas do outro lado da rua.


“Você será meu estimado Ubiytsa, meu assassino mais eficaz.”

Fecho os olhos. E eu fui, me tornei um fantasma na noite, me tornei o próprio cheiro de morte. Desde o dia que Czar parou naquela esquina suja, encarando-me nos olhos com um sorriso falsamente amigável nos lábios.

— Que coisa, não... Sabe quanto custam estes sapatos? Que coisa sem classe, Sebastian!

Entro no galpão escutando meu pai reclamar e Martin se curvar limpando o sangue de seu sapato importado.

— Vai lá, vamos falar, quem sabe um de meus homens não desce você de maneira bem tranquila. Pode ser que alguém até faça um boquete para você antes de jogá-lo no meio do deserto.

Encosto em um dos pilares, vendo a tortura de longe.

— Ah, meu menino, vejo que chegou! Não era você que desenvolvia aquelas drogas... como é que chama? — Czar pergunta virando-se para mim.

— Drogas de obediência. — Digo.

— Isso mesmo, sabe Sebastian, nosso Lobo aqui tem grande apreço pela humanidade, tanto que inventou uma pequena droga que limpa a memória das vítimas, as deixam mais suscetíveis a fazer o que mandamos... até mesmo atos desprezíveis.

— Porra, chefe, eu não fiz nada! Esses cuzões me querem fora daqui! — Sebastian choramingou.

— Chefe, acho que podemos arrancar outro dente ou quem sabe mais um dedo?

— Acalmem-se rapazes, já tiramos muitos dentes, quantos foram mesmo, Lutter?

— Sete dentes, senhor.

— Uau, você é um homem corajoso, Sebastian! Tive homens que no primeiro já estavam soletrando até o alfabeto de minha terra natal.

— Eu não fiz nada! — Sebastian gritou se debatendo na corda.

— Esse instrumento tem muitos nomes. A primeira vez que senti o que esse pequeno bastão pode fazer foi incrível. Eu literalmente fritei os sacos de um homem.

Czar se levanta pegando o bastão de choque. O som do bastão batendo nas mãos de meu pai soava alto, até o pequeno gotejar do sangue de Sebastian batendo no chão fazia o maior barulho.

— Começaremos de novo. Qual seu nome?

— Sebastian.

Czar enfia o bastão no meio do abdômen liberando a carga de choque pelo corpo de Sebastian. Ele se contorce inteiro, até mesmo depois que Czar quebra o contato do bastão ele continua se contorcendo.

— O que estava fazendo no FBI?

— Eu não estava na porra do FBI! — Sebastian diz de maneira pausada.

Czar confirma com um gesto, pressionando novamente o bastão contra o pescoço dele, liberando o choque. Deixando que dessa vez ele recebesse uma carga maior, se divertindo com o corpo de seu capanga tremendo enlouquecidamente.

— Diga a porra do seu nome!

— Este é meu nome! — respondeu com os lábios trêmulos.

Czar ficou tenso, e então sussurrou — Mentira, posso ver em seus olhos que está mentindo. — Czar segurou mais firmemente o bastão, podia ver a raiva saindo devagar por seus poros. — A tortura é algo medieval, os antigos tinham costume de dizer que para obter boas respostas leva-se tempo, e nós temos tempo. Podemos ficar dias surrando grandes ou pequenas partes do seu corpo, posso deixá-lo descansar como ontem, mas uma hora irei acertar tantos pontos miseráveis do seu corpo, que mal conseguirá falar.

Czar sai de perto dele, voltando para a pequena mesa, colocando o bastão novamente em seu lugar, analisando as armas dispostas em sua frente. Vernan foi ao seu encontro, parando perto dele.

— Senhor.

Czar alisou as facas em sua frente, em total silêncio.

— Ele está sendo mais forte do que pensávamos. O que devemos fazer?

— Surrem-no.

— Sim, senhor. — Vernan se afasta fazendo sinal para os outros, rapidamente um círculo é feito em volta de Sebastian. Socos e chutes começam a ser distribuídos por todo corpo dele; sangue começa a escorrer, assim que os homens de Czar intensificam seus golpes.

— Tem certeza que ele é o vor? — pergunto chegando perto de meu pai.

Czar tira uma foto dobrada de dentro do casaco do blazer, entregando para mim. Não tinha como negar, estava nítido, Sebastian saindo de dentro do departamento do FBI, tentando até mesmo esconder parcialmente o rosto.

— É questão de tempo.

Czar volta sorrindo, parando de frente para Sebastian, seu rosto estava completamente vermelho, sangue manchava sua camisa e seu pescoço. Ele faz um movimento com a faca fazendo-a brilhar contra luz, estendendo-a para que Sebastian a admirasse como ele. — Você tem certeza que não quer me dizer a verdade?

Sebastian permaneceu em silêncio, apenas olhando para Czar.

— Entendo. — Czar diz levemente. — Eu realmente gostaria de me divertir mais com você, porém, isso está ficando até mesmo monótono demais. Peguem a mordaça!

Um de seus homens saiu de perto pegando a mordaça de couro, aquilo não só era usado da maneira errada como causava uma imensa dor. Retiro o celular do bolso, escrevendo uma mensagem rápida para Orrel, agora mais que nunca preciso de sua resposta.

“Vai me ajudar ou não?” — faço a mesma coisa que fiz com a mensagem de Netlen, apago qualquer vestígio, devolvendo o celular no modo silencioso para o bolso da calça jeans.

Os olhos de Sebastian se arregalam, olhando para cada um de nós ali presentes, voltando sempre para seu carrasco, Czar. Ele sabe que a única maneira de sair pelo menos vivo dali, será abrindo a boca, contar as informações que ele tem. Por isso, não foi nada surpreendente quando começou a gritar que contaria o que Czar desejasse, arrancando um sorriso de meu pai e um arrepio frio e medonho de minha espinha.

Czar voltou para onde estava sua cadeira, sentando-se. — Vamos do começo? Que tal saber o verdadeiro nome do verme que tentou se infiltrar em minha organização?

Sebastian engoliu em seco. — Luigi Wenth.

— O canário começou a cantar. — Vernan diz acertando um soco em cheio no rosto de Sebastian ou Luigi.

— Calma, Vernan, assim pode assustar nosso pequeno verme. — Czar repreende-o, ainda sorrindo. — Conte mais, o que você é? Um policial corrupto ou apenas um agente fedelho que mal sabe como seu país comanda as coisas?

— Sou apenas um informante, não sei de nada, estou aqui por causa dela.

— Dela?

— Vejo que cheguei em boa hora.

Viro rapidamente dando de cara com Deany, apesar de estar mancando pelo tiro que dei em seu joelho ele se recuperou rapidamente, mesmo que as cicatrizes em seu rosto ainda sejam visíveis.

— O que ele está fazendo aqui? — pergunto irritado.

— Lobo, ele faz parte disso, mesmo você tendo acabado com seus bagos.

— Seu filho da puta, você deveria agradecer por eu não ter metido uma bala no meio da sua cabeça! — Deany vem mancando em minha direção, fazendo minha mão se fechar no coldre de minha arma.

— Rapazes... — Czar alerta. Deany para me encarando, como se um único descuido o fizesse voar sobre mim. — Deany, já conversamos sobre isso, seu instrumento foi ajeitado e estamos no meio de uma missão.

— Sim, senhor. — Disse cuspindo em minha direção.

— Voltamos ao que dizia, quem é ela?

Pego discretamente meu celular, respirando aliviado por Orrel ter respondido.

“Sim, mas saiba que fará um serviço para o meu chefe. Estarei aí quando quiser”

“Esteja aqui o quanto antes, eu ligarei.” — respondo apagando ambas as mensagens.

—...ela entrou em contato comigo depois que me viu batendo em uma puta, achou que seria um ponto forte para entrar na organização, ela quer colocar tudo no chão, quer a cabeça de cada um de vocês num espeto.

— Eu quero nomes! — Czar gritou.

— Adria, Adria Hamer.

Vejo a confusão tanto nos rostos dos homens de meu pai como no rosto de Czar. Ninguém ali conhece ela por esse nome, por um instante achei que bastava isso para que Luigi fosse morto como tantos outros e que meu pai seguisse a mesma investigação que fiz. Desvio o rosto vendo Lutter me encarando seriamente, óbvio que ele tinha feito a associação ao nome, ele era o melhor “investigador” que tínhamos, nunca sequer poderia imaginar que quando dei o nome de Adria para ele que ocorreria algo parecido.

— Adria Hamer, interessante, mas não conheço nenhuma suka com esse nome. — Czar diz.

Lutter abaixa os olhos, mas se mantém em silêncio, se ele falasse algo, além de me jogar na fogueira também atrairia o foco para si.

— Ela entrou com o nome de Pam Gomez.

A gargalhada alta rompeu no meio do galpão atraindo atenção de todos para Deany, que segurava o próprio abdômen enquanto ria como um lunático.

— Qual a graça, Deany?

Deany olhou bem para mim, antes de encarar Czar. — Pam Gomez foi a putinha que esse verme trouxe no dia que se aliou a nós! Agora, o mais engraçado, chefe, é que o Lobo quase me matou por causa dela! — Todos se viraram me encarando, Czar foi o último, mas seu olhar era o que importava, ele tinha feito a conexão que Deany estava apresentando, para ele eu estava defendendo um rato, uma policial.

— Vamos lá, Lobo, há quanto tempo está fodendo a policial? — Deany pergunta.

Avanço sobre ele, mas sou contido por dois homens de Czar que prendem meus braços para trás do corpo, virando-me de frente para ele. Sinto o pequeno suspiro dele bater em meu rosto, assim como o soco no lado direito de minha mandíbula que me dá. O gosto de cobre pelos pequenos cortes em minha bochecha enche minha boca, fazendo-me cuspir o sangue.

— Vy ne uvazhali svoyego ottsa! — Czar diz, encarando o fundo de meus olhos. — Você não respeitou seu pai!

— Onde essa mulher está? — Czar se vira para seus homens, mas todos permanecem em silêncio. — Tragam-na para mim! E o amarrem junto com esse verme!

— Espera aí, eu te contei tudo, não mereço sair? Contei tudo que sei... — Luigi diz desesperado.

Czar se vira, sorri e volta para ele. — Claro, mas antes uma pequena lição sobre ser um vor. Vernan, a boca! — Ordena.

Vernan segura Luigi, que se debate mais que um cordeiro prestes a entrar no forno, tendo sua boca aberta e sua língua exposta. Czar vai sem remorso, segura a língua do homem, passando a lâmina afiada da faca por ela, jogando o pequeno naco longe. O sangue escorre por todo seu braço, assim como pelo corpo de Luigi que tenta gritar, debilitado pela dor e pelo choque. E como se não bastasse, Czar ainda acende o pequeno maçarico, fazendo sua chama pequena brilhar diante de seus olhos, queimando a ferida sangrenta, cauterizando-a.

— Agora joguem-no no deserto, quem sabe o cheiro de sangue atraia alguns coiotes famintos! — Ordena, largando o rosto desmaiado de Luigi.


34


Uma dor de cabeça muito ruim, além disso, notei duas coisas ao mesmo tempo: estava escuro e eu não estava sozinha. Estávamos em movimento? Terceira percepção: Minha visão estava bloqueada por algum tipo de capuz, mesmo meus olhos rolando, quase por instinto, para tentar se orientar de alguma maneira. Eu estava em uma van, meu corpo estava espalhado desordenadamente pelo chão. Meus movimentos estavam lentos e ineficazes, minhas mãos tinham sido atadas atrás das costas, as pernas continuavam livres como constatei ao dobrar os joelhos. Algum buraco ou lombada na rua fez com que meu corpo saísse por um segundo do chão duro da van, voltando com tudo e ferindo minhas costas.

Meu cérebro trabalhava de maneira incansável tentando se lembrar o que havia acontecido. Recordo-me de Netlen ter entrado, e até mesmo comentado que estávamos em perigo, mas depois a porta foi aberta com violência, o tal do Try entrou com outro homem jogando-a contra a parede, apertando sua garganta e ao tentar defendê-la, fui contida, sentindo imediatamente algo pontiagudo perfurar meu pescoço.

— Você está finalmente acordada, estava começando a pensar que meus homens tinham sido cruéis demais com você. Lamento estarmos nos encontrando de maneira tão...

O capuz é arrancado de minha cabeça levando alguns fios de cabelo com ele, fazendo com que eu dê de cara com um homem mais velho, que mesmo sorrindo, eu não acreditei naquele rosto aparentemente amigável.

— O que eu estou fazendo aqui? — minha voz parecia estar com certo atraso, lenta, como se tivesse abusado do álcool.

Meus olhos voam em direção a Kiran, suas mãos estavam atadas por correntes, encarando o chão friamente, o lado direito do seu rosto estava vermelho, marcado. Olho em volta e vejo que estou em outro galpão, há marcas de sangue no chão, algumas poças brilhantes que me causam repulsa. Meu corpo estremece com medo, sentindo primeiramente o olhar dele, antes mesmo que o encare no meio daqueles homens. Deany! Acredito que nem em meus melhores dias e pensamentos mais felizes irei esquecer-me de seu rosto ou da caveira que me encara sorrindo.

Ele sorri novamente, dando uma grande tragada em seu charuto. — Temos alguns probleminhas para resolver.

Minhas mãos estão amarradas no ferro da cadeira, assim como meus pés. Há uns quatro capangas mais no fundo, com armas nas mãos.

— Querida, por acaso você conhece esse rapaz? — ele volta a falar comigo.

Luigi entra sendo carregado por dois homens, e jogado aos meus pés. Seu rosto tem vários hematomas e cortes, assim como seu corpo. Suas roupas tinham mais sangue que eu pudesse verificar, assim como vi que estava sem um dos dedos da mão esquerda. Ele olhou dentro de meus olhos e isso me faz trincar os dentes. O filho da puta deixou-se ser pego!

— Pelo visto vocês se conhecem.

Encaro novamente o velho. — Ele era meu cafetão e se apanhou é porque mereceu.

O sorriso pinta em seu rosto, ele faz um pequeno sinal chamando atenção de um dos homens que assistiam.

O capanga deixa um pequeno balde d’água com uma toalha ao lado. O velho se levanta apagando o charuto com o sapato.

— Por esses tempos, tenho acompanhado os relatórios que meus homens dão de você. É uma mulher interessante eu confesso, veja só... — diz erguendo os braços; o homem que deixou o balde, volta retirando o blazer alinhado e de corte fino que o velho lhe entrega. — Está fazendo este velho voltar para velhas origens!

Ele pega uma espécie de vara, voltando-se para mim. — Essa belezinha foi um presente de um homem do governo. Até que os americanos têm bons métodos para realizar o trabalho, mas eles falham miseravelmente na execução. Assim que ele aproxima a vara de mim, passeando por minha clavícula, seios, parando em meu esterno, sinto uma imensa corrente elétrica passar por todo meu corpo, meus dentes batem uns contra os outros, o choque nubla minha visão, fazendo minha cabeça pender para trás. O som de correntes se debatendo me fazem inclinar a cabeça em direção a Kiran, que é vigiado de perto por dois homens; seu rosto está furioso, encarando o velho como se saísse dali só para arrancar sua cabeça.

— Vamos conversar, agente Adria? — o velho pergunta se abaixando ao nível de meus olhos. — Diga, seu pessoal já está atrás de você? Quais eram seus planos?

Mesmo zonza, encaro ele nos olhos e então cuspo, bem no meio de sua cara. Ele puxa um lenço do bolso passando por seu rosto.

O tapa é tão forte que me faz virar o rosto, quase como a menina do exorcista, fazendo minha cabeça girar ainda mais tonta. — Garota valente!

Ele puxou meu cabelo na parte de trás do meu couro cabeludo, e eu engasguei quando ele puxou meu pescoço para trás, segurando-me firmemente, ficando com o rosto perto do meu, perto o suficiente para que sentisse seu hálito contra meu rosto.

O homem que aguardava com o balde de água entrega um pano grosso para ele, ainda segurando meu cabelo, forçando minha cabeça pender para trás, coloca o pano em cima de meu rosto tampando minha visão. O jato frio da água caindo não só pelo rosto, mas pelo meu corpo fazem minha pele se arrepiar de frio. Minha respiração é inundada por água, minha garganta arde, assim como água desce pelo nariz a cada pequena respirada que tento dar. Cuspo e engasgo.

O velho tira o pano de meu rosto, segurando firme em meu cabelo.

— Veja Kiran como ela é forte, não se torna uma surpresa você ter visto algo especial nela! É uma pena que você a verá morrer, assim como você.

Olho pelo canto dos olhos para o rosto de Kiran, ele se parece bastante com um animal selvagem naquele momento, o rosto enrugado formando uma verdadeira marca de ódio por toda sua face.

Naquele instante, eu desejei muito estar em poder de uma arma, eu atiraria em cada um deles. Mas nem as mãos eu poderia usar. Deany mancou em minha direção, passando a mão por meu rosto, mesmo eu desviando ele segurou firme pelo queixo, sua mão livre passando pelos meus seios, apertando sem piedade, brincando com o botão de minha calça olhando diretamente para Kiran.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia! — Disse dando o primeiro golpe em minhas costelas, me fazendo me contorcer mordendo os lábios para não gemer de dor.

— Seu filho da puta! Vou te matar! — Kiran se jogou para cima do cara que o vigiava de perto, lhe arrebentando o nariz com uma cotovelada.

— Olha bem, imbecil! Olha o que vou fazer com a sua putinha! — disse Deany.

Kiran se contorce, puxando o máximo que pode as correntes, mas é ineficaz. Deany vem com tudo para cima de mim, fincando a faca perto do osso ílio. Meu grito de dor transborda no ambiente.

Deany se afasta limpando a faca na coxa, indo até a pequena mesa exposta, pegando uma barra de ferro. — Dê um jeito de aquecer, quanto mais quente, melhor.

O capanga confirmou sumindo dali, enquanto Deany veio novamente até mim. — Fique tranquila, docinho. Eu não atingi nenhum vaso importante, nem mesmo um órgão. Mas, nossa! Como doí uma ferida assim!

O capanga retorna, trazendo a barra de ferro com uma luva revestindo sua mão. Ele para em minha frente erguendo minha camiseta, pressionando a barra aquecida e vermelha contra minha pele, queimando a ferida; por mais que tento, os gritos escapam de minha garganta, fazendo Deany sorrir.

— Vamos, garota! Qual é sua intenção ao entrar em meu território? — o velho voltou parando perto de mim.

Eu mantive minha boca fechada, segurando a resposta à sua pergunta. E a cada pequeno silêncio ele dava um jeito de agredir partes distintas de meu corpo, partes que eu não sabia que doíam tanto ao serem atingidas, seja com as mãos, ou a barra de ferro, que por vezes solicitava aos seus homens.

— Então você é o mandante? — pergunto entre os dentes.

— Admiro sua força. — Ele faz um sinal e o capanga me acerta com um soco na costela. — Nem mesmo sei por que insisto, seu comparsa a essa hora está sendo jogado em qualquer parte do deserto, levará dias, senão semanas, para que seu bando descubra o paradeiro. Acredito que nem mesmo uma ligação os ajudaria.

O velho foi calmamente até Kiran, olhando-o com desprezo. — Você, sangue do meu sangue. Traiu sua família por um rato embrenhado em nossos esgotos. Você é uma vergonha!

Kiran foi verdadeiramente surrado por aqueles homens, homens que o temiam, e hoje se aproveitavam para descontar. Nem por um único suspiro ele reclamou, não reclamou quando socaram seu corpo, ou quando Deany o cortou com sua faca. Nada, ele muitas vezes fechava os olhos e assim ficava por minutos, outras vezes apenas me encarava e quando isso acontecia me aquecia, no meio de todo esse inferno onde eu só sairia dali morta. Kiran ou Lobo, me manteve firme, presa em seu olhar, aquecida pela raiva que brilha em seu rosto.


KIRAN


Uma dor cegante atravessa minha cabeça, e meus músculos doem. Revivi por um minuto as surras que Czar adorava me expor, a sensação de queimação nos braços, por estarem muito tempo na mesma posição e da circulação ser menor. A luz fraca pendurada no teto parece como uma chama escaldante em meus olhos. Minha boca está seca, quando me concentro na imagem ao meu redor, noto que tudo está silencioso demais, vazio demais. Tirando os dois pequenos focos de luz, tudo está em completa escuridão.

Inclino-me um pouco nas correntes querendo ver Adria, seu corpo está preso como o meu, sua cabeça pende para baixo, alguns fios de cabelo escuro colam em seu rosto no trajeto que seu sangue faz até o chão. A raiva tomou conta de mim, mas de nada adiantaria esbravejar ou colocar Adria ainda mais em perigo. Quando ela desmaiou de dor, Czar veio pessoalmente me marcar; mesmo o processo sendo doloroso, não abri a boca, aguentei tudo, exatamente como ele me ensinou a fazer, acredito que ele próprio sabia que levar meu corpo ao limite não iria me desmontar, como eu disse, fui ensinado pelo próprio diabo.

Mas ali está a marca em meu peito, a pequena, mas significativa tatuagem, que para as pessoas do submundo quando a virem, reconhecerão na hora. Saberão que eu traí.

— Adria. — Sussurro. — Adria!

Ela se mexe minimamente. — Adria, olhe para mim! — Ordeno.

Quando finalmente me encara só vejo dor e medo refletido em seus olhos. — Fique calma, você é minha, eles não tocarão mais em você, mas preciso que faça algo por mim. Está me ouvindo? — pergunto verificando que ninguém esteja escutando meu monólogo sussurrado.

— Eles vão nos tirar aqui, devem nos levar para qualquer lugar para terminar o trabalho.

Ela me encara com medo.

— Faça exatamente o que eu disser, não tente nenhuma gracinha, você está me entendendo?

Adria confirma olhando para frente, assustada.

Burn se aproxima, saindo das sombras, seus olhos escuros percorrem o corpo de Adria; doente como é, está analisando o que poderia tirar de proveito.

— Não banque o engraçadinho, Burn. Eu posso te matar ainda. — Digo com fúria.

Ele sorri, estendendo a mão para as algemas que prendiam os pulsos de Adria, soltando-as. Ela cai no chão, soltando um gemido baixo. Maldito! Seu corpo está fraco e dolorido. Mesmo sendo uma agente, duvido que tenha passado em suas missões algo do tipo, que tivesse sofrido tantas agressões como sofreu. Ele vai até os pés, repetindo a ação, quando a algema foi arrancada dos tornozelos Adria moveu as pernas, e o grito escapou como um choro de sua boca, o sangue percorrendo os músculos cansados, era a parte cruel da libertação.

Burn buscou uma corda no bolso da calça, amarrando os braços de Adria atrás do corpo, deixando-a jogada no chão. Os dedos nojentos e calejados passando pelos lábios dela, enquanto eu controlo minha respiração pesada e assassina dentro do peito, agora não é o momento, digo isso com frequência para mim mesmo. Atacá-los em seu território não era bom, só nos traria mais surras.

— Prepare-os para o transporte, o chefe quer isto feito o mais rápido possível! — Deany vem em minha direção dando tapinhas em meu rosto. — Quem diria que um dia eu caçaria um lobo!

— Não se vanglorie até ter terminado o serviço! — Respondo com raiva.

— Não banque o valente, senão, o último ato que verá será eu metendo o pau dentro de sua putinha, arrombando todos os buracos dela, que tal?

Sádico psicopata!

— Controle-se, Deany. O chefe não quer mais sujeiras aqui!

Lutter vem em minha direção desamarrando meus punhos das correntes penduradas no teto. Seu olhar me lança o aviso para não tentar nenhuma graça.

— Deany, veja se Try está com o carro pronto. — Lutter ordena.

Ele acompanha com os olhos Deany sair do galpão, virando-se para mim. — Seu filho da puta, você queria foder meu rabo?

Confuso com suas palavras me mantenho em silêncio.

— Escute bem, sei que vai dar um jeito de escapar, por isso não vou ser eu que ficarei no seu caminho. — Ele tira um coldre de faca da cintura, enfiando dentro de minha calça.

— Por que está me ajudando? — questiono, isso pode ser uma grande armadilha.

Lutter me encara fixamente nos olhos. — Porque sei que vai matar todos, assim que sairmos daqui! Em todo instante que eles bateram em você, você se manteve firme, apenas encarando essa mulher. Não sei o que ela é para você, mas conheço o Lobo. Sei do que ele é capaz.

— Já se despediu do seu lobinho, Lutter? — Deany volta rindo.

— Vai se foder, seu maluco! Eu quero mesmo é acabar com isso e me afundar em alguma boceta quente!

— Os dias serão melhores sem você, Kiran. Open de boceta, todas ali, desprotegidas para nós. — Deany disse alto, abrindo os braços como se tivesse prestes a dar um abraço em alguém, gargalhando alto.

— Levante-se! — Try puxa a corda que amarrava os punhos de Adria, dando um tranco em seu corpo, ela se atrapalha em seus pés, Try termina ajudando-a, segurando ao redor de seu bíceps, contendo um pouco de seu peso.

Sabia que as lesões gritariam, especialmente da costela quebrada, mas ela se manteve firme, acompanhando Try até o furgão, deixando-se arrastar pela corda. Ele a coloca para dentro, sentada contra um lado da lataria, Deany senta quase de frente para ela, onde fica encarando seu rosto, sorrindo ao puxar seu queixo para cima, fazendo com que ela olhasse em seus olhos.

Aguente, não faça nada... — alerto em minha mente, sei que isso não serve apenas para Adria, mas principalmente para mim, minha vontade de voar em cima dele, arrebentando sua cara e finalizando o serviço que não concluí, me sobe rapidamente como a bile por minha garganta.

Lutter me coloca ao lado dela, sentando-se ao lado de Deany, ambos de frente para nós.

O caminho é torturante, o que é bom, já que consigo agarrar uma das mãos de Adria, apertando minimamente seus dedos para que não me denuncie. A faca que Lutter colocou em minha cintura agora está em minhas mãos, e conforme o carro balança e a proximidade com Adria, consigo ir serrando aos poucos a corda que prende seus punhos.

— Quem tem medo do lobo mau, do lobo mau, do lobo mau! Lobinho frouxo! — Deany cantarola a velha canção de um livro infantil, rindo ao deturpar a letra.

Lutter se mantém em silêncio, encarando-me nos olhos. Ele sabe que logo irei avançar, sinto apenas por ter que matá-lo depois de me ajudar.

— Vamos, Kiran? Não tem mais o arsenal de ameaças que tinha antes? — Deany provoca novamente.

Mordo a ponta da língua evitando cair nas provocações que ele lança, continuando a serrar a corda ao poucos, agora tudo teria que ser rápido, eles já tinham se afastado do galpão e pelo aumento nas trepidações que o carro fazia, era óbvio que Try tinha deixado a estrada principal. Forço um pouco mais a faca, terminando de serrar a corda, mas o uso excessivo de força faz com que corte sem querer a palma da mão de Adria. Ela me olha por um segundo, segurando firme a faca.

— O problema de você se meter onde não conhece, é encontrar alguém com mais sede de sangue que você. E se ele voltar, sempre será para te matar. — Digo.

Deany franze o cenho para mim sem compreender minhas palavras, completamente distraído, principalmente do que ocorre ao seu redor. Vejo tudo em câmera lenta, Lutter se afasta minimamente de Deany ao mesmo tempo em que Adria salta para cima, ficando a ponta da lâmina no pescoço dele. O sangue espira em seu rosto e em sua blusa, mas ela não para o ódio que alimenta seu corpo é tamanho que dá mais quatro facadas antes de puxá-la contra mim, fazendo-a cair sentada em minhas pernas. Respirando ofegante, seu rosto está repleto de sangue.

O carro para bruscamente, e escuto Try dizer:

— Que porra tá rolando aí atrás?

A porta do motorista abre e se fecha. Encaro Lutter, — Vou precisar da sua arma.

Ele assente, passando a arma destravada para mim, seguro apontando diretamente para a porta do furgão e no momento exato que Try abre, escancarando as duas portas, aperto o gatilho sentindo o pequeno tranco e o barulho da munição cortando o ar, até o momento que ela entra no meio da testa de Try, fazendo-o cair para trás.

Sinto Adria trêmula ao meu lado, seguro seu rosto entre minhas mãos e a arma. — Está tudo bem, vou tirar você daqui. Acabou, ouviu?

Ela confirma olhando-me nos olhos, cedo à vontade quase insana, descendo lentamente meus lábios nos seus, mesmo que ela continue petrificada no lugar, a sensação de sentir sua boca morna na minha é delirante, sugo seu lábio inferior sentindo o animal dentro de mim ronronar, louco para vê-la realmente segura e longe disso tudo. E tê-la somente para mim.

— Termine o serviço, Kiran.

Saio do meu pequeno devaneio, afastando meu rosto de Adria, encarando Lutter.

— Vou precisar do seu celular e da arma. — Afirmo.

Ele tira um pequeno aparelho bloqueado e longe de se rastreável do bolso, e me entrega.

— Posso deixá-lo de volta na estrada ou levá-lo para algum lugar. — Digo.

Ele me olha surpreso. — Você não vai...

— Te matar? Não. — Suspiro levantando, ainda que de maneira curvada pelo pequeno espaço dentro daquele furgão. Puxo o corpo inerte de Deany para fora, jogando-o ao lado de Try. — Você pode ser um merda como eles, mas ainda tem uma chance de consertar tudo.

— Ele irá me matar.

— Verdade. Mas é por isso que terá que ser esperto e sumir daqui. Pegue sua família e suma, troquem de nomes, mudem para um bairro pacato onde todos acreditem na imagem que você vender. Saia do radar de Czar.

Lutter confirma saindo do carro, parando de frente para mim. — E você?

— Sou um bom fantasma.

Ele confirma novamente.

Ajudo Adria a sair do meio daquele caos de sangue. — Entre no carro, vamos trocá-lo assim que possível.

— O que fará comigo? — questiona encarando meu rosto.

— Vou levá-la para longe, se você aparecer no radar dele, Czar não terá misericórdia, vai mandar outros para te matar, outros que não terão a mesmo índole de Lutter, vão arrancar sua cabeça no momento que te encontrarem.

— Eu preciso voltar para o FBI, eles têm que saber o que aconteceu. Até mesmo pelo filho da puta do Luigi, mesmo que eu dê tudo para matá-lo.

— Você irá sair do país. E se ir contra minhas ordens eu vou dopá-la, mas você irá. — Retruco rangendo os dentes.

— Aquelas garotas precisam de mim! — Ela grita.

— Aquelas garotas foram condenadas no dia que entraram ali, você acredita mesmo que Czar irá deixar sua organização no mesmo lugar? Ele já deve ter um plano de contingência, se já não estiver longe nesse exato momento. Acorde, Adria, seu momento de ser heroína, morreu assim que você foi pega por eles!

— O chefe já estava esvaziando o armazém, assim que o informante lhe acusou. — Lutter comunica, me ajudando. — Escute o Kiran, o melhor é todos saírem daqui.

Ela respira fundo, ainda me encarando com ódio. E de repente deu um soco em meu maxilar, quase me derrubando no chão. Coloco a mão no queixo, ainda olhando para ela, mesmo sem protestar.

— Foi a primeira e última vez que mentiu para mim! — Ela apontou com o dedo no meio de meu rosto, desafiadora e nervosa. — Se fizer isso de novo, eu prometo que acabarei com você!

Pelo canto do olho vejo Lutter esconder o riso, comprimindo os lábios.

— Eu ainda posso matá-lo, Lutter — Ameaço, volto meus olhos para Adria. — Vai me matar? — questiono arqueando a sobrancelha.

— Não seria a primeira vez.

Ela sai raivosa, marchando até a lateral do carro, entrando pelo lado do passageiro, fechando a porta com agressividade.

— Boa sorte. — Lutter sussurra, caminhando para o lado oposto.

Sorte. Talvez precisássemos mesmo, já que poderíamos não sobreviver para contar a história, nem ela e nem eu.


BAKER


— Os agentes estão prontos, é só dar o sinal, chefe.

Confirmo com um gesto, terminando de fechar o colete a provas de balas.

— Temos tudo sob controle?

— Sim, senhor. Houve vigília nesse local e movimentação nos dias anteriores, algo está acontecendo e temos pistas para crer que é lá que eles se escondem. Naquela região há um enorme número de galpões e armazéns abandonados.

— Vamos logo, então.

Clain vem correndo até mim, ofegante, para um segundo com as mãos no joelho, tentando recuperar o fôlego.

— Diga de uma vez, Clain, parece que irá explodir.

— Senhor, um homem...deu entrada no Hospital Regional, em nome de Luigi Wenth, seu caso ainda não foi publicado pelos médicos, mas o nome apitou em meu sistema.

— Vamos agora para lá.

— Baker por que não deixa que eu e outro agente vamos até o hospital, enquanto você lidera a operação nos galpões? — Fisher diz.

— Por quê?

— Você está envolvido demais, sabemos que sua busca está com foco na agente Hamer.

— Está enganado, fique com o plano, agente.

— Chefe...

— Já dei minha ordem! — Digo saindo e arrastando Clain comigo.


Acelero o máximo até o hospital, caminho até a recepção pedindo informações e ao ver a relutância da recepcionista mostro meu distintivo.

— Vou levá-los direto ao médico responsável.

Atravessamos alguns corredores, parando em frente a porta de um dos quartos; assim que ela se abre e o médico sai, vejo Luigi deitado na cama, entubado, o corpo repleto de ferimentos e queimaduras.

— Doutor. — Digo mostrando meu distintivo do FBI.

— Agentes.

— O que houve?

— Ele chegou ao hospital muito debilitado, um homem estava passando pela estrada e o viu cambaleando pelo acostamento. Tem feridas de queimadura por ter ficado exposto ao sol, assim como um grande nível de desidratação. Os outros machucados são consequência de alguma luta ou tipo de tortura, nunca tinha me deparado com algo assim antes.

— Ele pode se comunicar? — Clain questiona.

— Ele recobra a consciência por vezes, mas acredito que no momento não conseguirão nada dele. — o médico anda até nós, ficando um pouco afastado do leito. — Esse homem foi vítima de uma selvageria, ele não pode falar.

— Como assim, doutor?

O médico nos encara por um momento. — Ele teve a língua dilacerada, cortaram um pedaço da língua. Mas antes de desmaiar ele escreveu algo para se a polícia procurasse por ele. Pela intimação com seus distintivos ao entrarem, sei que o recado é para vocês.

O médico vai até o pequeno sofá debaixo da janela, trazendo consigo uma folha de caderno. E nos entrega.

“Eles nos pegaram, Adria morta.”

Amasso aquela folha entre meus dedos, sentindo o ódio corroer minhas veias, filhos de uma puta!

— Doutor, tem alguma ideia de quando poderemos conversar com ele? — Clain pergunta tomando a frente.

— Acredito que ele ficará melhor quando acordar, mas não irá falar.

— Sim, eu entendo. Poderia nos fazer o favor de quando o agente Wenth recobrar a consciência entrar em contato conosco? — Clain estende um cartão preto com seus contatos para o médico que confirma com um gesto nos encarando e sai, seguindo para o lado oposto do corredor.

— Baker?

Soco a parede diversa vezes querendo que tivesse ali o rosto da pessoa que fez isso, o rosto da pessoa que arrancou a vida de Adria!

— Eles a mataram. — Anuncio após alguns segundo.


37


Meus olhos se abriram, mas continuei fingindo que estava dormindo. Kiran dirigia no meio da noite, a escuridão ao nosso redor dentro e fora do carro. Apenas o painel e as luzes dos carros seguindo caminho contrário me davam pequenos flashes de seu rosto. Mordi o lábio respirando fundo; o beijo, o atrevido teve coragem de me beijar, aquele lábio quente e robusto encaixando-se no meu, sugando o meu para si...

Reviro os olhos e o rosto, mantendo-me escondida de sua visão. Quando saímos do meio do deserto, voltamos para a cidade, Kiran parou em um pequeno posto de gasolina, trazendo alguns lanches do fastfood para nós, comemos avidamente, estava com tanta fome que ele deu sua metade para mim, rindo do modo que devorava até mesmo as batatas murchas. Dali, trocamos de carro.

Lembro do olhar divertido que ele me lançou antes de ameaçar socá-lo outra vez.

— De uma agente especial, condecorada e indicada para fazer parte da SWAT, virei uma ladrazinha de carro. — Tinha retrucado enquanto Kiran fazia a ligação direta.

Ajeito-me no banco, gemendo devido à dor dos meus ferimentos.

— Vejo que acordou. — Sua voz sussurrada no silêncio do carro continuava sedutora. Uma sedução errada, lembre-se Adria, ele continua sendo um criminoso!

Vejo-o encostar o carro na beirada da estrada, debruçando-se sobre mim.

— Quero dar uma olhada em suas costelas. Não me dê um soco. — diz sorrindo.

Ele empurrou minha camisa para cima, revelando centímetro por centímetro de minha pele, exibindo as contusões. Um grande hematoma e dois ligeiramente menores sobre minha caixa torácica. Seus dedos foram gentis, pressionando a contusão, mas me encolho mesmo assim. Indo para longe de seu toque, segurando um silvo entre os lábios.

— Porra!

Noto que ele cerra os dentes, desliza a mão para baixo, traçando levemente por minha costela. Estremeço. — O que está fazendo?

— Preciso ver se elas estão quebradas. — diz.

— Está aproveitando para me apalpar também? É logico que estão quebradas! — Minha tentativa de parecer durona foi destruída pela voz trêmula de dor.

Ele sorri. — Não preciso disso, quando te tocar novamente vai ser porque você desejou.

Estreito os olhos encarando seu rosto, abaixando a blusa. — Tenho pelo menos três costelas quebradas, todas devem estar no processo de conserto.

Kiran se endireita. — Sabe que teremos que quebrá-las novamente, né?

— Sim.

— Vou procurar um hotel para passarmos a noite, e amanhã, seguiremos viagem.

— Para onde vamos?

— Como disse, tirarei você do país. — Ele retruca, voltando a dirigir, tirando o carro da beirada, de volta para a estrada.

— Tenho uma coisa para fazer antes de ir.

Ele me encara, dividindo a atenção entre mim e a estrada. — Impossível.

— Tenho que resolver uma coisa antes de ir. — Digo de maneira firme.

Sinto-o bufar.

Pego um jornal abrindo na parte de crimes da cidade, mostrando a notícia. Meu nome grande e em negrito no meio da manchete. Entrego para ele, que apoia a matéria sobre o volante, acendendo a luz interna para ler.

— Sei que terá uma cerimônia. Baker não deixaria a falta de um corpo atrapalhar.

— Como pode saber disso? Quem é Baker, seu namorado? — sinto a forma azeda com que ele pergunta, principalmente a última parte.

— Sei porque ele fez o mesmo com meu pai. Meu pai foi morto em uma operação, infelizmente nunca encontramos seu corpo, apenas vestígios, Baker era parceiro dele na época. Sei que ele fará a mesma cerimônia para mim, porque é meu amigo, quase um pai. — Digo num suspiro, virando meu rosto para a janela, encarando a escuridão do outro lado, tão parecida com a escuridão que me corrompeu e se instalou dentro de mim.

— Adria, é muito arriscado, aparecermos assim é como colocar um alvo no meio de nossas costas.

— Eu preciso ir. Se não quiser ir, me deixe em qualquer lugar acessível que me viro.

— Upryamaya zhenshchina! — Diz socando o volante. — Mulher teimosa! — Acrescenta olhando em meus olhos, ao mesmo tempo em que dá meia volta na estrada, retornando para a cidade.

***

Vinte minutos depois, eu e Kiran chegamos na entrada de um hotel barato, ele deixou o carro roubado estacionado, andando rapidamente para dentro da recepção do hotel. Fico impaciente aguardando seu retorno. Acabo respirando aliviada quando vejo-o sair balançando as chaves do quarto.

— Um quarto para não fumantes. — Kiran diz assim que chego perto dele.

As luzes sobre nossas cabeças piscavam e apagavam conforme andávamos pelo corredor, passando por portas e mais portas fechadas. A metade lógica do meu cérebro estava realmente pirando, tinha acontecido coisas tão fodidamente piradas que o fato de me enfiar num quarto desse hotelzinho com Kiran, um possível assassino cruel, era até agradável.

Kiran me encara pelo canto dos olhos como se tivesse lido meus pensamentos, parando de frente para o quarto 305. Ele fecha a porta atrás de nós, dando uma olhada cautelosa pela janela, assim como por toda a suíte. Retira o moletom jogando-o em uma das cadeiras, chacoalhando os cabelos úmidos pela chuva que tínhamos pego.

— Não é como seu apartamento, — diz dando de ombros. — Mas vai servir para o propósito.

— Nem consigo imaginar quantas bactérias têm debaixo desse cobertor. — Sussurro.

— Já fiquei em lugares piores. — diz sumindo em direção ao banheiro. — Pelo menos tem sabonetes e toalhas. — Sua voz sai abafada de dentro do banheiro e logo o barulho do chuveiro ligado chega até mim.

Sento na ponta da cama, soltando um suspiro pesado. Kiran deixou a porta entreaberta e a luz se espalhava pelo chão, subindo pela parede oposta do quarto. De onde estava podia ver o pequeno e fraco reflexo dele dentro do banheiro; mesmo querendo fechar os olhos ou trocar de posição evitando quebrar sua privacidade, meus olhos não obedecem, fico hipnotizada pelo caminho que a água faz em seu corpo, descendo por seu abdômen, trilhando um caminho que muito tempo atrás tinha feito com minha boca.

Desvio os olhos quando a água para, me remexo incomodada na cama; pouco tempo depois, sai vestindo apenas seus jeans. Ele deixa a porta aberta, trazendo o vapor para dentro do quarto. Não precisava de outra olhada para confirmar o que eu sabia, Kiran não só tinha um ótimo físico de suas horas na academia como sabia usar cada parte do seu corpo para satisfazer uma mulher. Merda, Adria! Se minha mãe estivesse viva, diria para que eu controlasse minha periquita!

— Qual lado da cama você quer? — perguntou.

Dou de ombros. — Vou tomar um banho.

Ele me encara por um pequeno instante se jogando onde segundos antes eu estava sentada. — Nervosa?

Viro arqueando a sobrancelha. — Não. — Digo tão confiante quanto pude diante das circunstâncias. E as circunstâncias eram que eu estava mentindo através dos meus dentes.

— Você é uma péssima mentirosa! — diz sorrindo.

Kiran sai da cama com olhos predadores; agora eu consigo muito bem ver o tal Lobo incrustado em sua pele, não só na tatuagem que me encara pelo espelho pendurado na parede atrás dele, mas sim dentro de si. Meu corpo inteiro fica rígido. Minhas pernas não respondem ao comando para se afastar.

Ele para a dois passos de mim, estendendo as mãos lentamente entre nós, tocando o osso de minha clavícula, seguindo dolorosamente lento até meu pescoço; as pontas de seus dedos fazem pequenas cócegas no tracejar. Subindo por minha bochecha, parando em meu queixo. Engulo em seco, com os olhos cravados nos de Kiran, ele próprio respira lentamente, como se uma respiração mais profunda fosse me assustar. O que no caso não seria uma completa mentira.

— É melhor você ir tomar seu banho.

Concordo rapidamente, rompendo o contato visual que fazíamos, correndo para dentro do banheiro, trancando-me ali.

***

Kiran estacionou o mais longe possível, desligou o carro e me encarou. — Tem certeza?

Respiro fundo. — Sim. — Eu odiava cemitérios, odiava aquela aura sinistra que circulava por ali, mas eu precisava disso, precisava encerrar essa parte de minha vida, se as pessoas com que eu convivia estavam prontas para dizer adeus sem ao menos procurar uma única pista, a mim não restava nada. Muito menos ficar ali, naquela cidade, esperando um criminoso vir me apunhalar no escuro.

Aquela Adria, morreu. Eu fiquei cara a cara com a maldade mais crua do ser humano, eu vi de perto o inferno, até mesmo me queimei em seu fogo, descobri que naquele mundo esperança é a última coisa que aquelas mulheres tinham. Não tínhamos nomes, diferenças, nada... Éramos apenas peças no tabuleiro de milhões de dólares para eles.

Não houve distorção do mundo exterior, fui eu que abri meus olhos e vi por trás da cortina espessa entre o certo e o errado, eu que fui inserida em uma realidade tão presente e existente quanto o meu dia a dia, eu que decidi ficar na área cinzenta.

Saio do carro com Kiran bem atrás de mim, seguindo meus passos por entre as lápides, subo uma pequena escadaria me escondendo ao lado de um mausoléu. Faço sinal para que Kiran pare também.

Estávamos um pouco longe, mas as vozes chegam com perfeição até nós.

— Nada mesmo, nem uma pista foi achada dela, apenas sangue em um dos armazéns que Baker mandou invadir.

— Isso é foda, não sei o que é pior, ela ter morrido e estar numa cerimônia sem corpo ou a hipocrisia de Wenth sorrindo ao receber aquelas medalhas estúpidas!

Kiran e eu ficamos escondidos no mausoléu esperando até que as vozes estivessem longe o bastante para que saíssemos do pequeno esconderijo, a fim de olhar o que acontecia mais à frente. Mal percebo que ao ouvir os agentes falando sobre mim tinha pego uma das mãos de Kiran e estava apertando seus dedos entre os meus.

— Obrigado. — Disse abrindo e fechando a mão.

— Desculpe, eu... venha. — Desisto de me explicar e ando mais um pouco, escondendo-me atrás de outra lápide, essa era abrigada por uma imensa árvore, seria difícil nos ver ali.

Baker estava de cabeça baixa, ao seu lado Lilian segurando sua mão; vê-lo deu certo conforto em meu peito, mesmo sabendo que dos muitos que ali estavam, ele e sua esposa eram os únicos que eu realmente sabia que estavam sofrendo. Baker basicamente me viu crescer, esteve junto de meu pai, mais que um irmão legítimo ficaria, assim como Lilian era muito amiga de minha mãe.

Meus olhos recaem sobre Luigi e o ódio toma meu corpo. — Não deveria estar com raiva por ele estar vivo, sabia que ele era um rato, pedi muitas vezes para que o diretor trocasse meu parceiro... — deixo minha voz morrer.

— Ele não foi leal a você, Adria. Em nenhum momento, mas não posso culpá-lo, até os mais fortes já se acovardaram perto de Czar.

Encaro seu rosto. — Sabe que uma hora você vai ter que me contar tudo.

Ele confirma, evitando me olhar nos olhos.

Minha atenção é atraída novamente para o pequeno círculo em volta de um caixão vazio. Baker é o primeiro a colocar uma rosa branca em cima, Lilian vem logo em seguida e as pessoas os seguem, enchendo meu caixão com rosas brancas. Eu mesma coloco uma mentalmente, dizendo que não tem como ser mais aquela Adria, não tem como seguir em frente com a antiga venda em meus olhos, porque hoje, eu aceitei que fico mais confortável na área cinzenta.

— Vamos, temos que ir.

Respiro fundo, deixando tudo lá, virando de costas para o Estado falho, para a segurança tão medíocre que não protege as garotas de nosso país, muito menos tem poder perto de criminosos como Czar.


O restante do caminho é feito em completo silêncio, Kiran não me forçou a falar e eu agradeci, seguindo ao seu lado. Sabia que ele tinha dado um jeito de nos tirar daqui, por isso não me surpreendo ao entrar na pista de decolagem desativada, parando perto de um jato executivo. Shutterst, escrito de maneira grande e brilhante na lateral. Sua porta abre assim que Kiran estaciona, saindo um homem de lá.

Kiran desce, indo de encontro ao rapaz, dando um aperto de mão, era palpável a distância que ambos colocavam entre si.

Saio do carro, caminhando até eles. Não entendo nada do que falam, pelo visto é em russo, seu dialeto é rápido e enrolado, fazendo minha cabeça dar voltas ao tentar adivinhar.

— Adria, este é Orrel, ele irá cuidar de você, tudo que precisar peça a ele.

— Prazer, Adria.

Esboço um sorriso, ainda encarando Kiran.

Ele se afasta do tal Orrel, vindo até mim, novamente deixo que sua mão percorra do meu pescoço até minha bochecha, onde seus dedos param, segurando meu rosto. — My skoro budem vmeste, moya devochka.

Fico olhando, esperando que ele traduza o que acabou de dizer, mas singelamente sela meus lábios com os dele e apenas sussurra antes de dizer. — Nos vemos em breve. Não ouse socá-lo se fizer algo e não se separe dessa bolsa. — diz entregando-me uma pequena mala de viagem.


KIRAN


. — My skoro budem vmeste, moya devochka. — Foi a última coisa que disse antes de vê-la entrar no avião. — “Nós estaremos juntos em breve, minha garota”.

— Tome conta dela. — Ameaço.

— Pode deixar, logo entrarei em contato, meu chefe já escolheu o serviço que deseja. Espero que goste de praia. — Orrel brinca, me entregando uma pasta.

Claro, um traficante de armas iria querer o quê, além de matar um possível concorrente?

— México. — Afirmo.

— Beba umas tequilas está precisando. Está horrível!

— Orrel! — Alerto.

Ele se vira caminhando de volta para o avião rindo de minha falta de paciência. Ou de seu humor sádico para a quase morte.


Playa del Carmen. Coloco os óculos escuros no rosto, sentando no pequeno quiosque de palha, os coqueiros baixos, os quiosques de bebidas espalhados pela areia branca, além do mar, tão cristalino que dava para ver os peixes nadando ao seu redor.

— Buen día, señor Walsh, Un hermoso día para disfrutar de la playa.

— Sim, Helga. Ontem fiz aquele pequeno passeio pelo centro. — Digo em inglês. Apesar de Helga manter seu espanhol com os fregueses compreende muito bem quando falamos em inglês.

— Pero veo que volvió de nuevo solo, em todos estos días no encontro ninguma mujer para calaentar sus sábanas?

— Você é uma mulher abusada! — Digo.

Helga entra na brincadeira requebrando seu quadril em minha direção. — ¿ Lo mismo de siempre?

— Sim, por favor.

Analiso a praia mais uma vez, vendo meu alvo chegar acompanhado de uma loira escultural. Pelo visto, esse sim tem muito acalanto em seus lençóis! Guizar Valencia, ou como é conhecido em seu trabalho “Z43”, tem várias ordens de prisão por acusações de tráfico de drogas e armas, líder do cartel mexicano e ao que parece, não está muito preocupado com o fato de que a polícia está à sua caça, lógico que seriam poucos que se aventurariam para pegá-lo aqui, no quintal de sua casa, literalmente.

A questão é que Guizar pisou na bola com Axel Bergstedt, chefe do Orrel. Com meu pedido de favor para tirar Adria dos Estados Unidos em segurança, virei uma espécie de carta marcada, um pequeno código que criminosos usavam para dizer que a pessoa devia favores. E lá estava eu, estudando meu alvo, analisando depois de quantas bebidas ele saía totalmente trôpego da praia, sempre acompanhado de uma mulher, seguindo para sua casa à beira mar.

Eu poderia achar que o fato dele estar sentado na praia tranquilo, admirando e aliciando as curvas de sua acompanhante, que seria um alvo fácil, poderia colocar até mesmo uma pequena dose, nada mais que 0,04 nanogramas da toxina botulínica em sua bebida para que ele começasse a sentir paralisia respiratória e por consequência a morte, já que esse veneno age diretamente no sistema neurológico da vítima. Como ele não saberia o que o atingiu, não poderia administrar com rapidez o antídoto, a antitoxina trivalente equina.

Respiro profundamente, bebendo a bebida deixada sem que eu percebesse pelo garçom de Helga.

Mas sei que tudo que é passado para Guizar, primeiramente passa por seus homens escondidos, no caso eu não envenenaria meu alvo e sim um de seus homens, causando alarde e ele fugiria para se esconder.

Entrar na casa seria um pouco mais difícil; como eu sabia, os homens de Guizar estavam escondidos entre as pessoas, discretamente vestidos de turistas, apenas de olhos no chefe. Percebi isso depois da terceira vez que ele esteve nesta praia, um simples movimento entre os pedestres chamou minha atenção, confirmando minhas suspeitas.

Mas como todo homem ganancioso e prepotente, Guizar tinha sua falha: ele amava as mulheres e não se contentava em ficar apenas com uma, indo ele mesmo à caça no pequeno centro da Playa del Carmen. Ali seria minha melhor chance, um pequeno esbarrão, suficiente para que injetasse minha droga em seu corpo e pronto, ele cairia duro, seus homens atestariam que foi apenas um derrame, ou um infarto, pela quantidade de heroína e álcool que ele consumia.

Retiro o celular do bolso da bermuda florida de turista que visto, atendendo no terceiro toque.

— Serviço feito?

— Agradável como sempre. — Digo ainda de olhos em meu alvo.

— Entendo porque você se apaixonou por ela. — Orrel retruca do outro lado da linha.

— Se você tocou nela, eu juro...

— Guarde suas armas, primo, não fiz nada. Mas ela é como Baba Yagá22, pronta para me devorar.

— Deixe de ser medroso. Tudo correndo conforme o plano? — pergunto.

— Sim, ela está segura.

— Ótimo, logo estarei retornando. — Digo encerrando a ligação quando meu alvo se levanta, puxando a loira para si, saindo da praia. Espero um segundo, indo até o pequeno bar que Helga tem montado no meio da praia entregando o copo vazio.

— Usted tiene el corazón ocupado.

— Por que diz isso? — questiono ainda olhando meu alvo se afastar da praia.

— Porque Helga se da cuenta, y nadie nunca le toco como esa muchacha.

— Deixe de bobeira! — Digo com um sorriso no rosto.

— ¿ El hombre tonto, todavia volverá mañana?

— Sim, venho me despedir de suas bebidas.

Saio do pequeno quiosque de palha, pegando minha toalha na cadeira, jogando-a sobre o ombro seguindo para o centro, atrás de meu alvo. Em meu bolso, a seringa com a pequena quantidade de botulínica. Ando pelo centro admirando as pequenas barracas com peças produzidas pelos moradores locais, exatamente como Guizar faz mais à frente, a loira está tão deslumbrada pela ideia do dinheiro fácil que o arrasta para ver todo tipo de quinquilharia que vendiam, brincando no meio de lenços e chapéus extravagantes. Noto dois homens do lado oposto prontos para agir caso algo aconteça com ele, mas para quem é menos observador, eles não passam de turistas entediados.

— Preciso ir ao banheiro. — Escuto a voz fina e irritante da acompanhante dizer; ele sorri concordando, vejo um simples gesto que dá aos seus homens dispensando-os de segui-los. Essa é a chance perfeita, compro o bendito chapéu que o mexicano enfia praticamente em minha cara. Entrando no restaurante que eles entraram, atravesso o espaço repleto de mesas, seguindo para os fundos. Guizar ainda se agarrava com a loira no corredor dos banheiros, retiro a tampa da seringa ainda em meu bolso, escondendo-a em minha mão.

— Ui, fomos pegos! — A loira ri ao me ver entrando no corredor.

Sorrio colocando a melhor cara de homem safado no rosto, compadecendo com Guizar.

— Posso disser que os banheiros estão ocupados. — Digo em meu espanhol arrastado, mesmo sabendo que eles me entenderiam em inglês.

Guizar sorri apertando a bunda quase nua de sua acompanhante. Acertando um tapa, fazendo-a andar em direção ao banheiro masculino. Aproveito seu braço exposto para aplicar o veneno e quando ele reage à picada, me encarando ao me ver ajoelhado, aparentemente pegando algo do chão, peço desculpas dizendo que foi meu chapéu. Ele sorri acreditando, na verdade, esse chapéu além de ser espalhafatoso, tinha pequenas pontas de palha soltas ao redor.

Quando ele dá o primeiro cambalear, colocando as mãos na cabeça sei que em poucos segundos estará agonizando.

A loira volta desesperada, sacudindo o peito gordo de Guizar, pedindo socorro, mesmo que seja inútil. Aproveito a comoção dentro do restaurante para usar a saída dos fundos, me livro do chapéu e da camisa, e do short florido, ficando apenas com a regata branca, aderindo ao visual de sunga, seguindo no sentido contrário a toda a confusão.

“Está feito.” — envio a mensagem para Orrel.


39


Meu coração estava batendo em minha garganta quando entrei no avião. Eu estava em uma lata a 12 mil quilômetros de altitude com um completo estranho ao meu lado. Mal ousei respirar enquanto estávamos no ar. Dispensei todo tipo de conversa que ele tentou comigo, olhando sempre para a pequena janela ao meu lado. Por um momento, ele desistiu, indo se sentar no fundo do avião, e eu pude respirar aliviada.

Eu mal consegui dormir nas sete horas que levou para o avião chegar ao solo. Mesmo não querendo me render, eu estava preocupada com o fato de Kiran ter ficado nos Estados Unidos, ele estava sendo tão caçado quanto eu a essa altura.

— Vamos, garota problema. Vou deixá-la em segurança. — O tal do Orrel diz sorrindo ao parar ao meu lado. — Bem-vinda a Dingle!

— Dingle? — questiono.

Orrel se vira sorrindo, — Sim, Irlanda. Talvez não a Irlanda que todos procuram para suas viagens, já que todos procuram por Dublin, mas esse mísero pedaço de terra esquecido por Deus.

Ele abre a porta de um carro estacionado do outro lado. — Quer um convite real?

— Você chama isso de carro? — pergunto olhando com descrença para o carro minúsculo, com todas as dúvidas se ele aguentaria nos levar para onde quer que fosse.

— Confie em mim, pode parar um pouco nas subidas, mas chegaremos lá.

Dingle era verde e rochoso, a pequena estrada ao nosso redor era cercada de pedras. A vista era deslumbrante, as montanhas rochosas, a água ao fundo. Realmente a cidade parecia mais uma vila grande do que uma cidade, o centro era pequeno, exatamente como imaginei que seria caso um filme fosse filmado aqui. Depois de passar por mais um monte de rochas e estradas com pequenas poças d’água que espirravam lama no vidro do carro assim que passávamos, Orrel subiu uma pequena entrada, parando perto de uma casa à beira da água.

Uma senhora saiu de dentro da casa, com uma pequena cesta nas mãos. Orrel saiu do carro indo até ela, faço o mesmo, caminhando devagar pelas pedras, sentindo cada pequeno passo em minhas costelas doloridas.

Eles se comunicam em seu idioma, assim como Kiran tinha feito antes de se despedir de mim.

— Isso é arte sua? — a senhora dá um tapa na nuca de Orrel.

— Made, ad23! Isso não é encrenca minha!

Ela o encara por um segundo. — Qual seu nome? — pergunta se virando para mim.

— Adria.

— Entrem, logo começará a chover novamente, Deus sabe que esse tempo está maluco.

Ela me analisa, e sei o que ela vê, uma mulher com roupas esfarrapadas, até mesmo um pouco manchadas de sangue, assim como os hematomas espalhados pelo meu corpo.

Sua casa não era grande, mas quente e calorosa, uma enorme lareira aquecia a sala.

— Acho que tenho um quarto disponível para você.

— Ela precisa de um abrigo até seu queridinho aparecer.

— Kiran? — A senhora pergunta surpresa, virando-se para mim.

— Sim, é a protegida dele. — Orrel diz me olhando com um sorrisinho torto. — Por que a cara de espanto? Kiran foi criado por Madeleine, seria meio óbvio se não mandasse você para cá, é o último lugar que aquele satã do Czar viria te procurar.

Madeleine coloca as mãos sobre a boca. — Vou acompanhar você até o quarto, a casa é modesta, mas estará segura aqui. Quanto a você seu gryaznaya svin’ya24, suma daqui!

Orrel foi dançando até a fruteira, pegou duas maçãs e saiu correndo como um menino travesso quando Madeleine correu em sua direção com a mão armada para esbofeteá-lo.

Segui a senhora para dentro da pequena casa, ela entrou no quarto dos fundos, ajeitando a cama e sorrindo. — Aqui ficará bem, tem um banheiro e se sentir muito frio, uma lareira. Dingle pode ser cruel durante as noites.

— Obrigada.

— Pelo visto você não comeu nada e não tem roupas! Aquele merdinha esqueceu completamente a criação que lhe dei! — diz resmungando; ela sai do quarto, escuto barulho de portas se abrindo e fechando, e os passos pesados dela pela casa. — Aqui estão umas peças, são velhas e gastas, assim como eu. Mas servirão.

— Muito obrigada. Eu posso fazer uma pergunta?

— Claro, menina.

— Você conhece bem o Kiran, eu vi...

Os olhos dela ficaram marejados.

— Kiran é meu menino, mas mudou muito quando Czar colocou as mãos nele, era tão inocente, mas cresceu e com isso veio o interesse do pai. Se é que podemos chamar aquele d’yavol de pai! Porém, isso é assunto para depois, tome um banho tire essas roupas imundas e venha comer.

Confirmo com um gesto, sorrindo para ela.

Duas horas mais tarde, eu olhei para meu novo reflexo no espelho. Peguei uma tesoura com Madeleine e cortei meu cabelo que sempre estivera longo; agora, estava um pouco abaixo do ombro. É claro que isso não impediria as pessoas de me reconhecerem, a menos que passasse por algum método cirúrgico, mas iria camuflar durante um tempo. Também não tinha a intenção de me esconder para o resto da vida, muito menos ficar aqui esperando qualquer um aparecer. Poderia me virar com a quantia de dinheiro que Kiran entregou para mim e o celular descartável. Não poderia movimentar meu dinheiro, pois iria criar rastros de onde estou. Mas acima de tudo, eu queria vingança, matar Deany não foi o suficiente para mim, aceitar o fato que eu tinha fugido, protegida por Kiran enquanto aquelas garotas sofriam não era o que eu gostaria de me lembrar a cada vez que deitasse minha cabeça no travesseiro. Mas eu sabia que essa parte nunca sairia de mim, os gritos, os socos, sempre que fechava meus olhos e respirava profundamente sentia a respiração daquele verme sobre mim, viva, presente, como se estivesse aqui. Suas mãos percorrendo meu corpo...

— Você é minha. Ninguém encostará em você. — Kiran tinha dito.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia!

A porta do quarto se abre, e me faz pular de susto, tirando a arma que Kiran tinha me dado da cintura, apontando no meio do rosto vermelho de Madeleine.

— Sabe menina, — A voz de Madeleine falhou pelo susto. — Acredito que devemos chamar um médico para ver esses hematomas.

— Não. Ele fará perguntas, e isso atrairá atenção, logo, é tudo que não quero.

Visto o casaco pesado sobre a cama, escondendo meus ferimentos de seus olhos, os olhos azuis envoltos por rugas pela idade eram questionadores, varriam meu rosto e meu corpo.

— Que eles queimem no mais profundo inferno!

— Eles queimarão. Muito em breve. — Sussurro minha ameaça velada.

***

Os dias se passam de maneira lenta, não que tenha alguma coisa extraordinária para fazer, todos os dias Madeleine seguia a mesma rotina, acordava bem antes do sol nascer, cuidava das galinhas e colhia algumas verduras no quintal. Depois, as panelas começavam a chiar e assim ficavam até o jantar. Às vezes, quando eu acordava de manhã, não tinha certeza de onde estava, às vezes eu até mesmo pensava que estava de volta aos Estados Unidos. E por vezes, os gritos em minha mente eram tão fortes, tão perturbadores e as mãos passando pelo meu corpo eram tão ásperas e nojentas que mal conseguia respirar.

Muitas vezes eu acordava sem ar, suando frio, sentindo dor em meus ossos. Não tinha me imposto uma rotina, ajudava Madeleine em casa com algumas tarefas, mas no restante do dia passava explorando a cidade, sempre olhando ao meu redor, parecia que o medo de ser seguida ou caçada nunca iria parar, o que fazia os pesadelos virem cruéis para cima de mim.

Entro em casa deixando sobre a mesa de jantar os legumes que tinha acabado de colher antes da chuva cair como um pequeno dilúvio do lado de fora. A panela chiava com algo borbulhando dentro do caldeirão e a cozinha sinceramente fedia a galinha e pimenta.

— Espero que você não seja vegetariana.

— Não.

— Logo o solyanka25 estará pronto.

— Madeleine, eu vi uma fotografia de um garoto. Você tem filho? — questionei meio sem graça. Não queria que ela pensasse que estava sendo abelhuda.

Ela sorriu. — Não de krov’; “de sangue” como vocês costumam dizer. Mas sim, considero Kiran como meu filho, é ele que você viu nas fotografias, meu menino mirrado.

— Ele é filho de Czar?

Aquilo parecia tão surreal para mim, de todos os homens que nunca imaginaria com compaixão para se ter um filho, Czar com certeza não estava nem em último na lista.

— Kiran foi adotado pelo senhor quando ainda era muito novinho, foi encontrado com fome e frio na rua, um mendigo pobrezinho. Criei Kiran como filho, Czar, sempre esteve solteiro depois que a senhora faleceu. Que Deus me perdoe, mas ela está bem melhor agora do que ao lado dele, a pobrezinha apanhava dia sim e outro também daquele satã.

— Kiran sempre... você sabe?

— Nunca, devushka!

— Devushka? — pergunto tentando reproduzir a pronúncia correta.

— Menina, perdão. É o costume. Meu menino Kiran era um amor de criança, mesmo novinho nunca deu um trabalho, mas quando foi se tornando um rapazola forte, senhor Czar fincou os olhos nele como uma águia faminta. O menino sumiu por dias e quando voltou não tinha mais nem uma sombra de alma em seu corpo, ele foi sugado, pouco tempo depois estava seguindo o pai como um de seus homens. E então eles se mudaram, foram para a América.

— E o Orrel? — pergunto ainda mais curiosa.

— Aquela merdinha é sobrinho de Czar, seu pai foi morto quando ainda era um menino e basicamente corria atrás do tio, ansioso por aprender tudo que ele poderia ensinar.

— Aposto que não foram bons ensinamentos. — Afirmo baixinho.

— Até mesmo o satã é um bom professor, minha querida.

— Madeleine, você acredita em redenção? — faço minha última pergunta pensando especialmente em Kiran, nos momentos que passamos juntos antes de toda essa loucura acontecer, antes de sermos brutalmente corrompidos, antes de me ferirem tão fundo que o único sentimento que floresce dentro de mim seja vingança.

— Kiran ama você, se é isso que está com dúvidas, se um dia meu menino arriscou a cabeça, contra até mesmo o pai e tudo que foi ensinado e punido para fazer durante a vida... Então, garota, você é especial para ele. Mas ele é especial para você? — ela questiona se levantando da mesa, dando atenção para suas panelas.


KIRAN

 

— Não seja um covarde. Acerte logo esse bicho no meio do crânio!

A fumaça de seu charuto me cegava e fazia tossir. Sempre odiei aquela fumaça, aquele gosto amargo que ficava no fundo da garganta quando inalava aquilo.

— Madeleine quer cervo para jantar, então você matará!

O cervo parou de comer, encarando-me com olhos assustados, mas não fugiu. Ele poderia ter fugido. A arma em minhas mãos tremia, o que fazia somatória ao seu peso e eu mal conseguia segurá-la.

— Papa, não quero machucá-lo. Made vai entender. — Contive o choro que esmagava minha garganta, homens não choram e meu pai me daria uma surra se visse uma lágrima saindo de meus olhos. Mas só de imaginar eu atirando na cabeça do pobre cervo e o sangue banhando sua pele já sentia meu estômago pronto para vomitar.

Os dedos de meu pai se fincaram com mais força em meu pescoço. — Vamos!

Fuja! Fuja! — dizia em minha mente, mas o cervo estúpido ficava ali, dando boas-vindas para a morte.

A arma foi tomada de minhas mãos, papa engatilhou e o disparo foi feito. O pobre cervo nem teve tempo de pular para longe, meu pai era bom naquilo, já tinha o visto atirar em um homem, ele era bom.

— Procure outro! Só sairemos daqui quando você matar seu próprio cervo! — diz empurrando a arma para mim. — Seja homem, Kiran!

Merda de recordações! Merda de lembranças!

Estava na hora de buscá-la.

***

Ando pelo centro de Dingle despreocupadamente, não preciso procurá-la, sinto em meu corpo, sinto espalhado em minhas veias quando Adria está perto. O tempo frio faz com que as pessoas apertem seus casacos em torno de si, protegendo-se do frio e do vento cortante que atravessa as ruas estreitas.

Já havia passado na casa de Madeleine e sabia que Adria estava pelo centro, mas mesmo sabendo que uma hora ou outra eu cruzaria com ela, não fui capaz de diminuir a vontade de tomá-la para mim, assim que a vi virando a esquina, a rua estava apenas iluminada pelas luzes do poste e ela torcia constantemente o pescoço olhando para trás, aquilo me colocou em alerta. Orrel não tinha dito nada sobre ela estar em perigo, muito pelo contrário, fiquei um tempo longe acreditando fielmente que ela estava bem.

Entro num pequeno beco entre as lojas ainda com os olhos colados em Adria, apesar do gorro na cabeça ela tinha cortado seus cabelos e algo no jeito como se movimentava ou como eu via seus punhos se fecharem dentro do bolso do casaco irradiava raiva, irradiava medo. Assim como eu, quando tocados pela podridão do mundo, quando vislumbramos entre o famoso preto e branco, certo e errado, somos modificados, algo se perde no caminho. Eu só desejava que ela não tivesse se perdido.

Ela não me viu sair do beco, parando no meio da calçada, por isso seu corpo se chocou com o meu; segurei firme em sua cintura, evitando que nós dois caíssemos. Mas aquilo a assustou, seu corpo tremia e se debatia em meus braços, Adria dá um pisão forte em meu pé fazendo com que eu a soltasse e ao olhar para cima estava dois passos para trás com a arma apontada para mim.

— Eu deveria matá-lo! — Diz apontando a arma no meio de meu rosto.

— Sim, você deveria. — Sussurro.

Nossos olhares estavam fixos, cada pequeno gesto que ela fazia era captado por mim, a leve comprimida nos lábios que deu ou como engolia em seco, totalmente apreensiva, ou como por detrás de todo o ódio em seu olhar tinha um desejo, um fogo.

— Mas sabemos que não vai. — Digo caminhando lentamente até ela, parando tão perto que sentia o metal frio da arma tocando meu nariz.

Aquele pequeno segundo de excitação era tudo que eu precisava, arranquei a arma de suas mãos, guardando no cós de minha calça. Puxando Adria para mim, nos enfiando no pequeno beco escuro, prensando seu corpo na parede de tijolos. Reivindiquei sua boca em um beijo feroz que a fez ofegar, minha língua deslizou entre seus lábios e mesmo com a relutância dela, sua boca se abriu recebendo a minha. Suas mãos encontraram caminho até meu cabelo, puxando, juntando e querendo mais perto e até mesmo querendo me empurrar para longe. Adria enfrentava suas próprias batalhas, assim como eu, mas o lobo sedento de saudade daquela boca, sedento de sentir seu corpo em minhas mãos pedia, exigia mais.

Agarro sua cintura, erguendo-a, suas pernas demoraram para se enrolar em minha cintura, meu corpo queimava em luxúria, meu pau reivindicava sua atenção, roçando na intimidade de Adria, fazendo-a derreter um pouco mais.

Por um momento, eu queria de forma tão ofuscante transar com ela, mostrar que ela pertencia a mim, queria fazer amor com ela, com tanto desejo que esqueceria todo resto. Mas a visão de vê-la amarrada quase sendo abusada por Deany vem com força em minha mente, agarro sua cintura, fazendo-a soltar as pernas, apoiando-a sobre os próprios pés. Meus dedos roçam sua pele macia, tocando seu rosto, feliz por não ter mais nenhuma marca do que sofreu.

Somente minha, de agora em diante. — Penso antes de interromper nosso beijo.

Ela ficou tensa, sinto. Não lutou ou questionou porque parei, não fez nada.

— Vamos para casa. — Digo calmamente, seu pulso acelera sob meus dedos, ao descer a mão sobre a sua, juntando-as. Ela não retirou a mão como esperei, muito pelo contrário, continuou com nossos dedos entrelaçados ao caminhar para longe do centro de Dingle.

***

Ainda lutava contra o sono, me revirando no pequeno sofá que Madeleine disponibilizou para que dormisse.

— É bom tê-lo aqui, menino.

Ergo a cabeça, segurando o riso ao ver Madeleine como me recordava na infância, os bobes no cabelo, o roupão apertado no meio da cintura e as meias altas nas panturrilhas.

— Por favor, Made, tente não tomar um tiro caso use aquela sua máscara de dormir!

Ela estreita os olhos me xingando em russo de nomes bem cabeludos a caminho de seu quarto. A porta do quarto onde Adria dormia estava entreaberta, se apurasse meus ouvidos poderia escutar ela se remexendo na cama, assim como sua respiração pesada.

Levanto do sofá, caminhando silenciosamente até a porta, espreitando por entre a fresta. Ela estava virada de costas para a porta, as cortinas abertas traziam a luz da lua até ela, assim como podíamos escutar o pequeno vai e vem da água batendo nas pedras.

Entro no quarto, amaldiçoando uma tábua que range ao meu peso; inferno de casa velha! E então, lá está, Adria me olhando diante da escuridão.

— Desculpe, só queria ver como estava.

— Não consigo dormir. Vem.

Seu pedido me petrifica, fico parado no lugar analisando se tinha ouvido direito.

— Vem. — Pede novamente.

Eu estava completamente e totalmente ferrado com essa mulher.

Entro debaixo das cobertas e as puxo até o queixo, a cama de solteiro não deixa muito espaço para mim, fazendo com que metade do meu corpo pendesse para fora. Ela se aninha de costas, respiro fundo sentindo o calor do seu corpo ondular até mim.

— Nem sequer pense nisso. — diz calmamente, em advertência.

— Não tenho controle sobre isso. — Rio contra seu pescoço, pensando nas coisas mais broxantes que poderia nesse momento.

Ela mesmo ri, se aconchegando melhor na cama. Sua respiração lentamente se torna profunda e seu corpo amolece contra o meu.


Estava tendo um sono sem sonhos, eram raros os momentos que eu tinha sonhos, nem mesmo pesadelos, mas algo mudou, a impotência selou meus braços, um peso enorme se fez em cima do meu tórax, uma mão fina agarrava meu pescoço, fincando as unhas em minha carne, mas foi o primeiro soco que realmente me acordou.

Adria tentava me estrangular com uma das mãos enquanto a outra desferia socos para todos os lados, os gritos de medo preenchiam o quarto. Viro de posição com dificuldade, jogando-a no colchão ao meu lado, vendo que ela estava dormindo. Era um pesadelo.

Seu corpo convulsionava, sofria espasmos e lutava contra algo ou alguém que lhe fazia mal. Na tentativa de acordá-la, balançando seu corpo enquanto chamava seu nome, balanço-a suavemente, mas ela firma ainda mais o aperto em minha garganta acertando um soco em meu nariz.

— Porra! — digo sentindo o líquido quente escorrer. — Adria! Pare! Pare!

A mulher tinha virado uma máquina de matar, estava realmente conseguindo me asfixiar e eu estava lutando em controlar minha força para que não a machucasse. Encaixo dois dedos atrás do osso de sua clavícula fazendo um pouco de força, o que faz com que ela recue e solte meu pescoço. Adria abre os olhos, desorientada e perdida. Dando uma olhada ao redor, percebendo que estava em cima de mim e o que tinha feito.

— Quanto tempo faz que realmente não dorme? — pergunto constatando o óbvio. Adria vinha tendo pesadelos, lógico que sua forma de os combater seria não dormir ou doutrinar seu corpo para que não entrasse no estágio mais profundo do sono, onde sua mente literalmente voava livre.

Deito seu corpo ao meu lado, firmando meu braço ao redor de sua cintura, sua cabeça descansa sobre meu ombro, assim como sua respiração vai aos poucos se acalmando.

— Mil desculpas, Kiran. — Ela cochicha, envergonhada.

— Não peça. Há quanto tempo você não dorme? — pego-a pelo queixo fazendo uns carinhos ali.

Ela faz um sinal de negativo com a cabeça, saindo de meus braços. — Não muito. Quero voltar.

Sento na cama ainda encarando seus olhos. — Adria, sabe que isso é como colocar um imenso alvo nas costas, certo? Matamos homens dele, somos uma ameaça ao seu império sujo.

— Eu tenho assuntos a resolver.

— Aquelas garotas estão perdidas, já disse isso. Deixe de ser teimosa! — Retruco irritado.

— Mesmo que eu salve aquelas meninas, mesmo que eu tire todas do poder dele, isso nunca acabará, ele sequestraria novas garotas, sempre teria uma nova Adria sofrendo nas mãos dele. — Adria respira fundo, olhando em meus olhos. — Eu quero vingança, eu preciso de vingança. E isso só será capaz se eu arrancar a cabeça da cobra, não adianta matar apenas os filhotes!

Eu sabia o que ela estava querendo dizer, Adria queria a cabeça de Czar na bandeja, sinceramente seria um plano inútil, em todos esses anos nunca vi um inimigo chegar sequer perto dele. Eu não estava disposto a perdê-la por um plano maluco.

— Vingança é um caminho sem volta. — Digo sério. — A partir do momento que você apertar o gatilho contra alguém, sua alma se perde, você não será mais a Adria, você não conseguirá viver com isso; conseguiria viver com sangue em suas mãos?

— Eu não sou a mesma e já tenho sangue em minhas mãos.

O silêncio domina por alguns segundos. Até que eu o quebro. — O que você planeja?

— Quero que o FBI saiba exatamente o que acontece ali, o que acontece com aquelas garotas, quero que cada galpão imundo seja invadido. Tenho uma pessoa de confiança e preciso da sua ajuda para isso.

— Você tem noção que se eu aparecer, se deixar de ser um fantasma serei o primeiro a ser preso? Adria, eu posso ser até humano com você, mas já fiz muitas coisas ruins, se você acha que tem sangue nas mãos... — Solto um pequeno riso irônico. — Eu tenho um passado, nada bonito, nada limpo ou moralmente aceito como o seu. Fui criado pelo demônio e por muitos anos segui seus passos.

— Não quero que seja preso, só preciso que envie pistas, pistas exatas de como eles podem chegar até eles, Baker irá saber que sou eu, ele saberá interpretar as pistas.

Respiro fundo, deitando na cama, colocando o braço sobre os olhos. Aquele plano era insano e poderia dar tudo errado, inclusive, eu perder Adria para sempre.

Sinto o colchão se mexer e o calor do seu corpo perto do meu, sinto que está chateada, provavelmente pensando que não aceitaria seu plano. O que essa ved’ma26 não sabe é que eu voltaria para o inferno por ela.

— Eu vou com você. Por raios, vamos executar esse plano maluco! — Sussurro na escuridão segurando a mão de Adria debaixo do cobertor.

— Como você... — disse no escuro, fazendo-me abrir os olhos, abandonando o sono.

— Como eu vivo com tudo isso? É difícil ver as coisas extremamente como erradas e certas, sei tudo que fiz de errado e cada alma que mandei para o inferno. Algumas mereciam estar ali, outras tenho marcas de arrependimento até hoje. No final, você aceita que não é mais como as pessoas que vê nas ruas, no fim, aceita que ultrapassou a linha tênue e sobrevive.

Ela se vira, de frente para mim no escuro. Eu podia ver o branco de seus olhos e o contorno de sua cabeça, mas não muito mais que isso. — Agora entendo porque todos te chamam de Lobo.

— Ele é uma parte de mim, um monstro que habita meu ser, o mesmo imã que há em mim, puxando-a para a escuridão é o mesmo que há em você e me puxa para uma parte mais luminosa.

— Quantos anos você tinha?

Apoio a cabeça em meu braço, a ponta de meus dedos correndo livres por seu braço, gostando do arrepio que sua pele apresentava. — Perto dos onze anos, Czar descobriu que abriguei um cachorro de rua, poucos dias depois o cachorro apareceu sem cabeça no meio do quintal.

— Que coisa horrível!

Sinto meus pensamentos distantes, passando por lugares e lembranças que há muitos anos não venho visitando. — Nesse dia tomei uma surra tão grande que levei um bom tempo para me recuperar. Mas ele já mostrava pequenos indícios do que queria para mim, durante a infância.

Sinto ela reprimir a respiração.

— No início eu queria provar para meu pai que não era um bastardo, queria que ele me visse como seu igual, não como um menino franzino que tirou das ruas, queria provar que era forte e uma vez que comecei a ser temido até mesmo por seus homens, homens mais velhos que eu, parecia um desperdício desistir.

— Deixe esse assunto para lá, moya devushka. — Sussurro perto do seu rosto.

— Garota! Você me chamou de “sua garota” aquele dia e agora. — Ela diz.

Sorrio em meio a escuridão. — Made andou ensinando algo a você!

Dou um beijo demorado em seus lábios, sentindo vontade de agarrar seu corpo... e mesmo que as mãos de Adria tenham novamente se embrenhado em meu cabelo, eu interrompo. Respirando fundo e agradecendo pelo milagre do autocontrole.

— Durma bem, moya devushka.


Não sabia em que momento as coisas tinham se invertido, em que momento Adria veio sedenta para cima de mim, segurando meu pescoço e enfiando a língua dentro de minha boca, para de forma veemente, acariciar e roçar seu corpo no meu, como se quisesse fazer fogo com o atrito que causava. Minhas mãos foram para suas nádegas, puxando uma de suas pernas para cima de meu quadril, fazendo um pequeno círculo com o quadril, roçando em sua intimidade, apenas cueca e calcinha nos separavam de um contato direto, mas nos esfregávamos como se tivéssemos um dentro do outro. Parecia mentira vivenciar isso depois de sair de um tornado repleto de abusos e agressões. Empurro meu corpo contra o dela, beijando seu pescoço, sugando seu queixo e sua língua. Pressionando o quadril na intimidade de Adria.

— Tem certeza? — pergunto ofegante.

Horas antes ela estava imersa em pesadelos, não queria... porém, assim como cortou meus pensamentos, Adria calou minha boca, puxando-me para ela, soltando sua feitiçaria sobre mim. Não me preocupei em tirar a calcinha dela, arranquei-a assim como fiz com minha cueca, passando meu pau por sua entrada úmida e sedenta, acomodando novamente uma de suas pernas em meu quadril fui penetrando Adria com calma, salivando para tê-la em minha boca, mas outro momento surgiria. Eu iria fazer amor com ela, mesmo que nada soubesse sobre isso. Adria gemeu baixinho mordendo meu ombro enquanto eu a penetrava, volta e meia encarava seu rosto, verificando se estava tudo bem. Controlando o lobo dentro de mim, sedento por mais, sedento por fodê-la.

Saboreio cada pequena investida que dei, aquela posição me dava acesso ilimitado de seu corpo, poderia apertar sua bunda conforme penetrava sua boceta ou chupar seus deliciosos seios, fazendo-a jogar a cabeça para trás de tesão.

Sentia seu órgão palpitar em torno de mim, fechando as paredes ao redor de meu pau. Adria abraçou meu corpo apertando a perna contra minhas nádegas, incentivando-me a continuar, os choques de carne contra carne, do excitado contra o excitado preenchiam o pequeno quarto.

— Adria...

Ela crava seus olhos em mim, puxando meu pescoço para um beijo, enroscando sua língua na minha. Adria beijou a tatuagem em meu peito, meus ombros, passando a língua por meu pescoço, completamente entregue a mim. Assim como eu estava disposto a entregar meu corpo em seu nome, minha vida a ela.

Ambos lutavam pelo orgasmo, sentia o dela brotando em seu interior como um redemoinho que levava tudo que estivesse pela frente. E na última e poderosa metida, levou ambos ao delírio; vê-la arquear a cabeça para trás fechando os olhos de prazer, foi o ponto máximo para me levar ao êxtase.

Sustentei seu corpo com força entre meus braços, fechando os olhos ao controlar a respiração. Talvez Adria pudesse se tornar minha última esperança de rendição.


41


Era estranho voltar, era como tentar juntar as peças erradas do quebra cabeça.

— Ficaremos bem aqui. — Kiran diz, dando um beijo casto em minha têmpora.

— Posso sentir cheiro de testosterona. — Brinco olhando para o pequeno apartamento totalmente masculino.

— Aqui foi por diversas vezes um grande refúgio, ninguém desconfiará que estamos aqui. Está segura.

— Meio estranho dizer isso, se tenho o plano de invadir a casa de seu pai. — Deixo minha voz morrer, sentindo que falei demais.

— Ei, não tem problema! Tudo bem. — Kiran diz, me abraçando por um momento. — Vou dar uma olhada pelo lugar e colocar essa mala em nosso quarto.

Confirmo sorrindo.

Nunca pensei que um dia eu me apaixonaria pelo lobo mau!

— Precisamos repassar o plano. — Digo sentando na cama após o jantar.

Kiran confirma, colocando a faca e a arma debaixo do travesseiro, já tinha me acostumado com isso, era algo que o fazia dormir tranquilo.

— Aqui estão as mensagens para você enviar junto com as pistas para o FBI e aqui o endereço de Baker. — Entrego um envelope pardo para ele.

— Tem certeza que isso funcionará? — questiona descrente.

— Sim, Baker irá assustar no primeiro instante, mas ele sabe que eu sou a única que sabe sobre essas coisas e a única que se atreveria a chamá-lo assim.

— Tudo bem.

Passo a mão pelo seu rosto atraindo seu olhar. Eu tinha planejado isso um milhão de vezes em minha mente, e em todas as respectivas falhas, sabia que não partiria apenas de Baker a decisão de seguir aquelas pistas, o FBI recebia milhares de pistas e ligações falsas, mas Baker daria um jeito para que isso se realizasse. Assim como sabia que seguindo meu plano, Kiran não ficaria nem perto da linha de tiro.

— E quanto ao Czar?

— Eu vou com você, não me importo que o mate, mas de maneira nenhuma deixarei que fique sem segurança. Como disse, a última coisa que ele desconfiaria é que alguém entraria em sua casa para tentar matá-lo.

— Acho que temos tudo pronto. Prometa que não fará nada imprudente? — pergunto puxando seu corpo para o meu.

Kiran se deitou, me levando com ele, fazendo pequenos carinhos em minhas costas e nuca. — Estarei sempre aqui, pelo tempo que desejar.

Estremeço em seus braços, beijando seu peitoral. Não conseguia mais viver um dia sem a presença de Kiran, por mais doido que isso fosse.

— Descanse, amanhã será um longo dia. — Diz desligando a luz do abajur, então se inclinando para mim, beijando minha têmpora. — Durma.


Na manhã seguinte demos início ao plano, acordei com Kiran movendo-se pelo quarto, o barulho de água caindo e logo depois ele surgindo com a toalha presa no quadril e o corpo úmido do banho recente. Ele não percebeu que já estava acordada, por isso deu um belo espetáculo mostrando sua bunda firme para mim ao se trocar.

O sorriso apareceu em seus lábios quando se virou e percebeu que o admirava. — Não deveríamos levantar?

— Acho que temos algum tempo.

Ele andou em direção à cama sem outra palavra, meus olhos seguindo cada passo que ele dava, o olhar de cima a baixo transparecia a fera incrustada em si, seu olhar tinha fome. Kiran me puxou para baixo e me beijou, suas mãos acariciando levemente minhas costas, fazendo a pressão entre minhas pernas aumentar gradativamente.

Sua boca se fechou ao redor de meu mamilo, a blusa que havia me emprestado na noite anterior estava enrolada entre meu pescoço e meus seios. Mordiscando e lambendo, antes de passar para o outro e esbanjar a mesma intensidade. Meu pulso estava acelerado, Kiran continuou sua pequena demonstração de um bom dia, lambendo uma trilha até meu umbigo. Sabia pelas pequenas paradas e as olhadas repentinas que ele me dava, que estava verificando como eu estava. Ele ainda me acalentava algumas noites quando os pesadelos tomavam minha mente, assim como me ensinava a doutrinar minha mente para evitá-los.

Agarro um punhado de cabelo, incentivando-o. Com um sorriso malicioso, Kiran move-se entre minhas pernas, empurrando suas mãos abaixo de minhas nádegas e então pressiona a boca em minha carne aquecida. Mordo os lábios gemendo baixinho, erguendo meu quadril contra sua boca. Ele mergulha ainda mais sua língua na minha abertura, desenhando círculos suaves com a ponta da língua, beijando meu clitóris de maneira gentil, enviando espasmos pelo meu corpo. Sua língua deslizou pela minha coxa, mordendo levemente. Os dedos de Kiran se moveram de dentro para fora em um ritmo deliciosamente lento, já não conseguia imaginar maneira de ficar mais excitada e molhada do que estava agora, meu quadril ia ao seu encontro, o que fazia ele ir mais fundo em mim.

— Você quer que eu pare? — ele lambeu minha coxa, sorrindo como um animal encontrando meu olhar.

— QUE PERGUNTA ESTÚPIDA! — gritei em meio ao gemido longo que escapou de mim.

A gargalhada rouca e quente contra minha intimidade me fez puxá-lo para cima, sentindo seu pênis escorregar entre os lábios vaginais, esfregando-se em meu clitóris. Seus olhos pareciam me perfurar, tentando revelar os seus mais profundos e sombrios segredos. Escorregando polegada por polegada para dentro de mim, sua boca reivindicou a minha, tomando posse quando finalmente se enterrou por completo dentro de mim. Seu pênis entrava de maneira dura e profunda, enquanto ele sussurrava coisas em russo em meu ouvido, me fazendo gemer. Nossos olhares se encontraram novamente e eu sabia que por mais insano e errado que isso pudesse parecer, dificilmente conseguiria fugir do que estava sentindo, e isso até me apavorava, meu coração batia forte dentro do peito, assim como minha respiração estava irregular.

— Estou feliz que você seja minha. — Sussurrou beijando meu ombro.

O pesadelo vivido se tornou nossa casa, se tornou um lugar nosso, entrelaçando nossas realidades fodidamente instáveis.

Nós nos apaixonamos. No mais improvável dos momentos, nos amamos em meio ao caos.

***

— Adria?

Paro de encarar a pequena entrada, olhando para os olhos de Kiran no escuro do carro.

— Eu tenho certeza. — Digo confiante, sentindo a onda de raiva me inundar, sentindo a vingança cegar meus olhos.

Kiran confirma em silêncio, entregando-me minha faca e uma arma.

— Como conseguiu? — pergunto admirando confusa a faca de meu pai.

Ele dá de ombros. — Tenho meus métodos, o que você disse sobre aquele Baker estava correto, ele passou o dia comovendo o FBI a seguir a primeira pista.

— Eles invadiram? — pergunto virando-me no banco.

— Ainda não, mas colocaram alguns agentes no local.

— Vigilância.

— É.

— Kiran? — chamo-o, trazendo sua atenção para mim. — Você não precisa entrar... sei que ele é seu pai ou pelo menos criou você como se fosse...

Ele segura minha mão, levando até seus lábios, dando um beijo. — Sou órfão, lyubov’27. Czar tem apenas um homem com ele, como disse, é presunçoso e sabe que ninguém o desafiaria no território dele. Conheço o capanga, ele dá voltas na propriedade a cada dez minutos, quando tiver no jardim da frente eu o pego. Assim teremos acesso livre à casa.

Concordo, voltando minha atenção para a entrada da casa.

Kiran travou sua arma colocando-a na cintura, segurando firmemente sua faca. Ao caminhar silenciosamente até a entrada da casa, nos escondendo e esperando o melhor momento, pude notar que o homem em minha frente não era mais o Kiran amoroso que vinha convivendo, ele era seu alter ego, Lobo, frio e impiedoso, a expressão da própria morte.

Quando dei por mim a ação toda já tinha acontecido, como se eu tivesse numa espécie de câmera lenta. O homem fez a pequena curva no jardim, dando de cara com Kiran, ele mal teve tempo de puxar a arma de seu coldre, Kiran jogou o homem maior que ele contra a parede, esmagando sua jugular cravando a lâmina abaixo de seu queixo, perfurando o cérebro. Engasgo, pressionando meu corpo contra a parede, meus olhos correndo da faca para o rosto do capanga. Kiran arrasta o corpo em direção ao chão, escondendo atrás de uma moita, deixando a faca ainda cravada no homem para que o sangue não jorrasse.

— Você está bem? — perguntou virando-se para mim.

— Sim. — Murmuro.

Ele conferiu as próprias mãos antes de puxar meu rosto em sua direção. — Se for pesado... merda Adria, eu avisei sobre isso!

— Eu estou bem, tá legal. Só foi rápido demais. Vamos em frente.

Ele confirma dando um leve selinho em minha boca.

Kiran andou em direção ao corpo, puxando lentamente a faca para fora, e então saiu do caminho antes que o sangue pudesse espirrar em si. O mesmo não poderia dizer do jardim e do capanga, que logo ficaram encharcados de sangue.

— Fique escondida aqui, vou me certificar que não tem ninguém.

Kiran não espera pela minha confirmação desaparece dentro da casa, os segundos vão se passando e a preocupação pinta meus pensamentos. O que me faz respirar aliviada é vê-lo sair e vir até mim.

— Tudo limpo, ele está na sala de jantar, é nos fundos, apenas siga o corredor, tem certeza que não quer que eu faça?

— Sim.

Entro na casa, olhando tudo ao meu redor, Czar não poupava o dinheiro que ganhava de maneira suja, sua casa era devidamente decorada, móveis de aparência cara enfeitavam a sala de estar, assim como quadros faziam o corredor parecer um pequeno vislumbre de um museu. Tiro a arma da cintura destravando-a, minhas mãos tremem ao segurá-la, respiro fundo antes de entrar na sala da qual Kiran tinha falado, a mesa estava exposta com um verdadeiro banquete, as cadeiras altas e luxuosas em volta e na cabeceira da mesa, o Czar.

— Nem tente pegar uma arma. — Digo de maneira fria, apontando a arma para seu rosto.

Ele sorri, abaixa o jornal que estava lendo, deixando ao lado do prato.

— Vejo que meu bichinho finalmente chegou. Você demorou, mas estava esperando que viesse com aquele traidor.

— Cala a boca! — Grito dando um passo em sua direção, olho pela sala vendo se está armado, mas como Kiran alertou, ele era presunçoso demais e confiante demais que isso pudesse acontecer.

— Me diz, como deseja que fique, quer uma pose especial para guardar na mente? Aposto que essa é sua primeira morte por vingança. — Ele gargalha alto fazendo os pelos de meu braço se arrepiarem. — Sim, você é tão tediosamente certinha que nunca deve ter nem usado uma munição da arma do governo. Me diga, você já matou, bichinho?

— Eu disse para calar a boca!

Tento controlar o leve tremor que persiste em minha mão.

Ele se inclinou para trás, juntando as mãos sobre a mesa. — Suas mãos estão tremendo. Primeira regra, nunca deixe seus inimigos verem seu medo. E confesso Adria, seu medo fede, fede deliciosamente. É o combustível para seus inimigos.

Miro em sua coxa esquerda e atiro, sinto o tranco da arma e a respiração acelerar. — Eu disse para você calar a maldita boca! Você sabe o que irá acontecer, sabe que é seu maldito fim, vou libertar cada menina que você ousou abusar, vou estourar os miolos de cada maldito homem que tenha sob seu poder.

Ele não demonstra dor, mesmo que sua calça bege já tenha uma imensa mancha vermelha, assim como sua cadeira que junta o sangue que escorre de sua perna ou se importa com os pequenos pingos que caem em seu piso de mármore.

— Você não fará nada disso, você não é capaz. Pode até me matar, mas meu rosto irá perturbá-la durante a noite, minha voz dizendo o quanto é fraca assombrará seus ouvidos no meio da madrugada. Kiran não lhe contou como foi a primeira vez que o fiz cortar a garganta de um homem? — ele dá outra gargalhada. — Óbvio que não, passou mais de um mês choramingando durante as noites, gritando por perdão, aquele fraco. Ele já ensinou a doutrinar sua mente?

Engulo em seco.

— Pelo visto sim, anda tendo muitos pesadelos, Adria?

Caminho furiosa até ele, parando perto do seu rosto. O ódio me cegava, um apito soava constante em meus ouvidos, assim como sentia minha respiração falhar dentro do peito. — Realmente, eu poderia arrancar membro por membro para descontar o que você fez, mas não sou assim, não sou um monstro como você.

— Aí está enganada, vejo o monstro bem aí dentro de você. Obman28! — diz desviando os olhos e então atiro, o estampido me faz fechar os olhos, sinto seu sangue atingir meu rosto, meu corpo, espirrando sangue e parte de Czar na parede e chão.

Sinto uma movimentação atrás de mim, viro apontando a arma.

Kiran para com os braços erguidos, dividindo sua atenção entre mim e o resto da sala. — Temos que parar com esse negócio de você apontar uma arma para mim.

— Desculpe. — Sussurro abaixando a arma, tremendo de maneira descontrolada.

— Calma, acabou. Venha, lyubov’. — Kiran me ampara encarando os restos de seu pai.

— Ele disse algo...

— Decepção, era para mim. Esqueça isso. Vamos embora daqui.


KIRAN


Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead

- Bohemian Rhapsody


Adria estava deitada em meus braços, meu corpo pressionado contra suas costas, acalentando seu sono, interrompendo os pesadelos antes deles começarem a ganhar força dentro de si.

— Um dia você conseguirá esquecer isso, estará num lugar tão distante em sua mente, que nada lhe trará eles de volta, eu vou fazer isso sumir, nem mesmo que seja a missão pro resto dos meus dias. — Sussurro dando um beijo em sua cabeça.

Aperto meus braços ao seu redor. Giro uma mecha do seu cabelo em torno do dedo, vendo a noite cair. Quando tive certeza que ela estava dormindo tranquilamente, saio da cama, me vestindo novamente. Eu ainda não tinha completado o que vim fazer aqui. Escrevo um bilhete simples, deixando ao seu lado na cama, dizendo que voltaria em breve, pego meu antigo casaco com capuz e saio.

Foi fácil achar o endereço dele, era quase um insulto às minhas habilidades, o trabalho que o FBI fez para escondê-lo. Deixo o carro parado longe de sua casa, a rua ainda estava escura, não devia ser nem cinco da madrugada. Caminho lentamente com as mãos no bolso, subindo os degraus de entrada, terminando de colocar as luvas de couro.

A casa estava um completo caos, pratos espalhados por todos os lugares, assim como garrafas vazias de cerveja. Luigi dormia bêbado no sofá, era até ridículo querer matar um cara desses.

Vou até a sala de jantar, procurando naquela bagunça uma folha de papel e uma caneta, sento em uma das cadeiras escrevendo um bilhete, é fácil imitar a letra que vejo em alguns papéis espalhados, poderia facilmente alegar que pelo alto nível de álcool, ele não estava em seus plenos poderes.

Deixo o bilhete e uma das garrafas de cerveja sobre ele, vou até o quarto sentindo cheiro de podre, procuro no armário sua arma, acabando por encontrá-la debaixo da cama.

Meu Deus, estava quase desistindo, um dia o cara se mataria sozinho.

Sento em uma das cadeiras, ligando a TV no volume máximo, fazendo Luigi se erguer assustado no sofá, olhando em volta e então me vê. Seu primeiro instinto é fugir. É procurar a arma que balanço em minha mão. Seus olhos arregalados demonstram seu pânico.

— Não tente correr. Sabemos que eu iriar te pegar. Sente-se e escute o que tenho para falar.

Ele fica congelado no lugar, mas vem lentamente até a cadeira em minha frente, seus olhos recaem sobre o papel em sua frente.

— Pelo visto já deve ter uma ideia do que eu vim fazer aqui, agente Wenth.

Ele balança a cabeça, gesticula com as mãos.

— Ah, claro. Arrancaram sua língua. Na verdade, é um milagre ainda estar vivo, achei que eles iriam ser mais cruéis com você. Mas não tem problema, ainda tem dois ouvidos, eu falo e você escuta, que tal? — questiono.

Ele balança a cabeça, encarando meus olhos, sinto o pânico se esvair em suas respirações.

— Durante minha vida já vi muitos ratos, Luigi, posso te chamar assim, né? Deixa as coisas mais informais. — Continuo meu monólogo. — Mas devo confessar que nunca vi um tão traiçoeiro como você. Eu sou muito bom em escrever cartas, sabia? — Luigi não esboça nada. — Sim, na época escolar ganhava boas notas. E esta, em particular, foi feita para você.

Luigi volta a encarar a carta, olhando assustado para mim, negando com a cabeça.

— Sim, apesar de ter conseguido se livrar, de ganhar medalhas e parabenizações que não deveriam ser suas, isso não é uma vida. Olhe para isso? É assim que irá passar o resto dos seus fodidos dias? — digo apontando para o ambiente. — Por isso, você escreveu essa carta, está tão desgostoso com sua vida, tão culpado por ter deixado sua parceira morrer, por ser um grande delator filho da puta, que nada mais justo que se matar.

Ele fica inquieto na cadeira faz até menção de levantar, mas aponto sua arma para ele, fazendo-o permanecer sentado.

— Eu posso fazer isso, e farei se for um covarde, mas aí, não será algo limpo, posso até errar o tiro sem querer e você sentir mais dor. Seria péssimo. Portanto, você tem sua arma e uma munição.

Deslizo a arma pela mesa, com os olhos fixos nele. — Nem tente apontá-la para mim, nós dois sabemos que errará o tiro e vai me fazer amarrá-lo pelo pé do lado de fora do meu carro e arrastá-lo pela cidade.

Luigi pega a arma tremendo, vejo seu medo, seu receio e sua covardia.

— Luigi, meu camarada, eu tenho que ir, logo estará amanhecendo e tenho outra visitinha para fazer. — levanto indo até ele, enfiando o cano da arma em sua boca. — Pronto, agora atire.

Respiro fundo vendo que aquele merda nem para isso serve, puxo minha arma da cintura destravando-a. — Eu ou você? — pergunto.

A lágrima escorre dos olhos dele, e então o estampido seco do tiro ressoa em meus ouvidos, a cabeça dele cai para frente, manchando o papel com seu sangue, enquanto eu saio fechando a porta atrás de mim.


Seguindo os pedidos de Adria entrego a última pista na casa de Baker, espero sentado no carro, a certa distância, vendo-o abrir a pequena caixa do correio e encontrar o último envelope, assim como Adria havia me pedido; ali estava a localização exata dos dois armazéns e de tudo para destruírem de uma vez por todas com todo o império de Czar. E não fico surpreso quando duas horas depois eles estão onde as pistas levavam, retirando as garotas dali, e prendendo os homens que ali estavam, foi uma missão limpa, assim como Adria disse que seria. Estava chegando a hora de encontrá-la, e eu não poderia dizer o quanto estava apreensivo com isso. Não sabia se ela seguiria comigo ou se voltaria para sua vida, agora que tudo que a atormentava tinha acabado. Mesmo Adria me levando um pouco para sua luz, ali não era meu lugar, eu sempre ficaria na área cinzenta, poderia transitar na luz, mas não era como eles. Será que ela aceitaria ficar comigo?


43


Coloco uma rosa branca sobre a lápide de meus pais e outra sobre a minha. Era irônico ver sua lápide, com o dia de uma morte que não ocorreu, graças ao Kiran.

“A estrada é longa, nós seguimos adiante, tente se divertir nesse meio tempo. – Adria Hamer, destemida e amada por todos”

— Algo me disse que se não colocasse isso, alguém me atormentaria após a morte.

Sorrio ao escutar sua voz, viro correndo para ele, abraçando seu corpo com força.

— “A princesa que não precisa ser salva está te esperando!”. Sério mesmo? Você sabe que eu tenho idade, eu posso morrer! — Baker diz afastando-se por um instante, olhando meu rosto ao sorrir. — Nunca mais faça nada parecido na vida! — acrescenta, me puxando novamente para seu abraço.

— Eu sinto muito.

— Prendemos todos, recuperamos as garotas, literalmente explodimos aqueles lugares.

— Eu sei, você foi fantástico, acredito que o FBI mereça um novo diretor.

— Também encobrimos o que aconteceu com Czar Baryshnikov, e não sei se soube... Luigi se matou, foi durante a madrugada, deixou um bilhete dizendo que não estava aguentando a culpa, até os filhos da puta podem sentir algo, pelo visto.

— Achei que ele tinha sido morto pelos homens de Czar. — Comento surpresa.

— Não, ele foi encontrado na beira da estrada, quando chegamos no hospital estava em alto nível de desidratação e tinham cortado sua língua.

— Cristo!

— Enfim, que descanse em paz.

— Pare de me encarar como um presente de natal, velho. — Digo brincando.

Ele sorri me puxando novamente para seu abraço. — Quando deseja voltar? Eu posso colocar suas coisas hoje mesmo em seu apartamento, podemos destruir essa lápide, é mórbido olhá-la tendo você em minha frente viva e bem.

Sinto minha garganta se fechar, eu amava Baker como meu pai, mas isso não era mais para mim. — Eu não vou voltar.

Sua expressão de surpresa o faz se afastar. — Como assim, Adria? Acabou, você está segura... tem mais alguém te ameaçando?

— Não, não. Estou segura, mas aquela Adria não existe mais Baker, não posso voltar para essa sociedade fodida fingindo que por aí não tem outros como eles espalhados, outras garotas sofrendo, abri meus olhos para algo além de tudo que fomos treinados a ver. Aquela Adria não existe mais. — Digo apontando para a descrição em nossa frente.

— E o que fará? Como... — questiona surpreso.

— Vou seguir, em frente.

Ficamos apenas alguns segundos nos encarando em silêncio.

— Pelo menos manda notícias? — pergunta

— Sempre. — Digo, mas minha atenção está longe, basicamente algumas lápides de distância, vestido de preto da cabeça aos pés, me encarando com o olhar animal o qual eu aprendi a amar.

Baker se vira, notando que não estamos mais sozinhos. — Vou sentir saudades.

— Eu também. — Digo abafado em seu ombro. — Cuide-se.

— Você também, menina atrevida. — diz antes de se afastar, ao passar por Kiran eles se cumprimentam com um pequeno aceno.

Kiran mantém seus olhos colados nos meus, fazendo meu corpo tremer com a ansiedade de ter suas mãos em mim.

Havia um lado mau em Kiran, um lado que mataria num estalar de dedos, mas eu vim a perceber que havia em mim também. Talvez não tanto, mas estava lá, adormecido. Em todos nós. Tinha ficado por tempo demais com a venda sobre meus olhos, mas ela foi arrancada, mostrando o quão cruel e imundo o mundo pode ser.

Sim, eu amava o seu lado mau e seu lado bom. Nunca poderia sobrepor o passado de Kiran, como ele não poderia apagar tudo que passei, mas eu construiria um futuro. Mesmo se não pudesse estar feliz com todos os aspectos do mundo.

Eu era do Lobo e ele era meu.

— Gotov vzyat’ to, chto tvoye? — digo em um russo enrolado. — Pronto para pegar o que é seu?

Kiran sorriu caminhando até mim, me pegando em seus braços e beijando minha boca.

— Mais que pronto.

28


Encolhi-me e abri os olhos. Mesmo com minha reação, ele não recuou, apenas sorriu e terminou de atar meus punhos. Não sei se por seu rosto ser tatuado com uma enorme caveira fizesse com que eu ficasse dez mil vezes mais gelada quando ele sorria ou se era a promessa velada que tinha em seu rosto.

— Você está com medo de mim, não está? — perguntou baixinho, ainda mantendo-me prisioneira entre suas pernas. — Posso sentir seu corpo tremer, finalmente sua fachada de forte se rompeu. — Acrescentou rindo.

Eu queria negar, queria lutar com todas as forças que me restavam, mas eu estava com medo e tremendo. — Por favor. — Pela primeira vez eu implorei, implorei para que o diabo tivesse misericórdia de mim.

Ele pegou uma corda terminando de amarrar meus punhos na barra de ferro da cama, fazendo o pânico se erguer sobre meu peito. O sangue fugiu do meu rosto.

Deany saiu de cima de mim me levando junto com ele, de modo que eu ficasse curvada sobre a cama, colocou na beirada da cama uma faca afiada, assim como sua camisa.

Com um puxão desceu minha calça e minha calcinha, expondo meu corpo da cintura para baixo.

— Nada de mijar dessa vez.

Fiquei imóvel, calculando todas as opções de me livrar daquilo, mas ele foi esperto, aproveitou a dosagem do remédio para me pegar desprevenida e com o organismo inundado de drogas para me tornar uma presa fácil.

— Deixe-me em paz! — Grito.

Deany pega a faca colocando-a firme sobre meu pescoço, podia sentir a lâmina afiada perfurar minimamente minha jugular.

— Quietinha, senão, além de foder você, vou dar sua cabeça para os coiotes que moram aqui perto!

Meu instinto de autopreservação me ordenava a fazer algo, agir, mesmo que em vão. Não havia para onde fugir, ele me pegaria de qualquer forma, não seria por um grito que eu seria salva das mãos dele. Portanto, só fiquei parada, algumas lágrimas quentes escorreram pelo meu rosto.

— Não é uma punição, só um desejo. — Ele sussurrou ao meu ouvido.

Escuto-o abrir o zíper da calça, assim como o barulho dela caindo no chão. Suas mãos entre minhas pernas, o fato dele me acariciar foi me dando pequenas vertigens, assim como intensificando as lágrimas a escorrerem por meu rosto. Sua mão áspera e nojenta esfregando meu clitóris, enquanto enfiava um dedo dentro de mim.

Detestei ter me tornado fraca, ter me rendido a ele. A cada investida bruta com os dedos a faca forçava mais em minha garganta. Gemi de dor, arqueando meu corpo para trás, na tentativa mais inútil de fazê-lo ir para longe.

O tapa veio certeiro, me fazendo virar o rosto tamanha força.

— Eu avisei, putinha! Você tem que ficar calada!

Ele me segurou pelos cabelos, forçando a ficar de pé direito, sua língua passou pelo meu pescoço, indo até o alto de minha bochecha, me causando náuseas.

— Por favor, não! — Grito novamente.

— Shiuu, quietinha! — murmura, acariciando a curva de minhas nádegas. — Você não vai gostar, mas eu vou gozar como um louco! — diz rindo alto.

Senti algo forçando a entrada, fiquei tensa, contraindo todos os músculos, mas a pressão que ele fazia, somado ao da faca fincada em meu pescoço era demais para resistir e a coisa começou a me penetrar.

O grito alto rasgou minha garganta, assim como a lâmina da faca fincou um pouco mais. Por um instante ele parou de tentar me penetrar para socar meu rosto, me deixando tonta, meio caída no chão, não fosse os punhos presos no ferro lateral da cama.

Eu não era uma pessoa violenta, mas lá estava, acredito que ao ser colocada diante de tantas coisas perversas, tinha me corrompido, mesmo tonta e com poucas forças restando, agarrei um punhado generoso de cabelo batendo a cabeça dele contra a barra de ferro, consegui fazer por duas vezes, antes dele se levantar contendo o sangue que saía da pequena ferida em seu crânio e me chutar.

— Sua vadia idiota! — gritou vindo novamente para cima.

Tateei o chão com os pés, tentando pegar a faca que tinha voado para baixo da cama durante nossa pequena luta, meu corpo tremia, estiquei o máximo que consegui, arrastando a faca para perto.

Deany gargalhou quando percebeu o esforço que fazia, empurrando minhas pernas para longe, recuperando sua faca. Ele girava a lâmina entre os dedos, olhando de maneira diabólica para mim. — ERA ISSO QUE QUERIA? — Gritou.

Recuei até onde as malditas cordas em meus pulsos permitiam, com lágrimas de dor e frustração queimando-me os olhos. Não sabia o que ele faria comigo e não queria descobrir.

Uma agente especial, indicada para ser da Swat. Como tinha acabado assim?

“Você se importa, o problema de não pensar em você me faz temer como será quando se infiltrar” — quase sorri ao escutar a voz de Baker em meus pensamentos.

Escuto a porta se abrir com violência, mas me sinto tão pesada, meu corpo está tão pesado que parece que todos estão em câmera lenta; vejo Deany ser arremessado para o lado, batendo contra a parede oposta.

— Que porra é essa? — Uma voz grave me faz tremer.

Ergo o olhar, encarando meu possível salvador, ele era inconfundível. Kiran... naquele momento de confusão total entre manter meus pensamentos confusos indo por uma só direção eu senti vontade de sorrir. Os olhos dele também se cravaram sobre mim, tempo o suficiente para que Deany se levantasse pronto para lutar. Eu queria gritar, avisá-lo para agir ou fugir, mas não encontrava minha voz.

O barulho do tiro fez com que eu abrisse meus olhos, procurando por sangue, em mim, em Kiran, mas ao vê-lo com a arma nas mãos e Deany cair no chão, não sinto o mesmo alívio de antes.

Um dos homens tenta me erguer enquanto presto atenção ao que o outro dizia:

— Porra, Lobo!

Lobo?

“Ele é imperdoável, todos o temem, mas para nós, ele é uma espécie de protetor. Ele não deixa, na maior parte do tempo, que os outros nos inflijam mal” — a voz de uma das garotas vem com força em minha mente.

Imagens do dia que entrei na Penlin e vi pela primeira vez o tal de Lobo entrando por uma passagem entre os espelhos, aquela sensação de conhecer os músculos que delineavam o casaco... Encaro meu suposto salvador, percebendo que ele na verdade era meu demônio, o demônio por quem meu corpo sentia arrepios de prazer. Já não tinha mais motivações, nem que mínimas para ter força, não existia uma maneira de sair dali, nem mesmo de salvar aquelas garotas.


KIRAN


Martin e Try pararam ao meu lado do outro lado do corredor, enquanto eu respirava fundo, contendo o ímpeto de voltar naquela sala e terminar o serviço.

— Porra, Lobo! O que aconteceu? — Martin questiona passando a mão pelo cabelo, a expressão assustada ainda estava presente em seu rosto.

— Parem de reclamar, me falem sobre a garota do Sebastian.

Martin e Try trocam um olhar entre eles, mas rapidamente despejam tudo que já tinham me falado.

— A garota esteve aqui uma noite, arranjou problema com um dos nossos clientes, é valentona. — Try diz.

— Não foi uma surpresa que continuasse firme nos primeiros dias, mas durante meses? Isso é a primeira vez que vejo. — Martin retruca.

— Ela ficou sem comida e água nos primeiros dias, Deany tentou... bem você sabe, ele aterrorizou a garota, tanto que fez a coitada se urinar.

— Proklyatty! — sussurro, chamando Deany de maldito. — O que mais ocorreu enquanto estive fora?

— Ela violou nossa permissão, Erika e ela foram pegas dividindo a comida, Erika foi mandada para três dias na solitária enquanto ela levou uma surra, inclusive do próprio Sebastian.

— Outro que não me cheira bem.

— Ele anda dentro da linha, mas não confio. — Try confessou.

“Me deixe em paz” — o grito ecoou fraco pelo corredor, chamando nossa atenção.

— Merda! — Try exclama tirando a arma do coldre.

— Guarda a porra da arma, Try, não quero cuidar mais de nenhuma merda! — Martin resmunga.

— Que porra está acontecendo aqui hoje? — digo enfurecido.

“Por favor, não!”

Algo naquela voz feminina fez os pelos de meu braço se arrepiarem. Minha respiração aumentar e eu andar a passos largos pelo corredor.

— Está vindo da sala médica. — Escuto Martin dizer.

— Puta que pariu!

Entre o andar apressado pelo corredor, escuto barulhos de coisas caindo, mas isso não é tão atrativo e nem faz meu corpo inteiro entrar em alerta como aquela voz... aquela voz, o tom... Mal percebo que saio correndo em direção à porta, literalmente arrombando-a com o ombro.

Meu sangue gelou e a raiva tomou conta de todo meu corpo, me sentia desesperado para saber que não era tarde demais, para que ainda houvesse vida dentro de seu corpo. O monstro em meu peito estava enlouquecido, com sangue nos olhos.

Como ela havia chegado nesse ponto? Milhares de perguntar rondavam meu cérebro em busca de respostas, mas eu só podia pensar em sangue, eu queria sangue. O demônio dentro de mim sorriu aparecendo no foco de luz, afiando suas facas.

Jogo Deany para longe, fazendo-o bater contra parede, fixando meus olhos realmente em seu corpo jogado no chão, os punhos amarrados na barra lateral da cama hospitalar; vejo um alívio anuviar sua visão e sei que é o pior sentimento que uma pessoa poderia sentir ao me encarar.

— Vejo que veio novamente estragar minha diversão. — Deany sorri como o verdadeiro psicopata que era, levantando-se e olhando de mim para os dois homens parados na porta.

— Lobo, não! — Try fez um pequeno alerta, mas a parte racional do meu corpo estava longe para ouvir qualquer coisa.

Não desvio os olhos dos de Adria, saco a arma da cintura, miro e atiro no joelho de Deany, fazendo aquele verme cair no chão gritando e xingando.

— Porra, Lobo!

Vou até Deany agarrando-o pela gola da camisa, socando seu rosto repetidas vezes, a cada soco que dou sua cabeça se curva para trás, espero que ele erga novamente para socar novamente, sentindo prazer em fazer o sorriso sumir de sua boca, prazer em sentir o sangue assim como alguns de seus dentes pulando para fora.

Martin e Try voam sobre mim, tentando me arrancar de cima dele, e mesmo sendo dois dos homens mais fortes e cruéis de Czar, nenhum consegue me tirar de cima de Deany, quando a cena dele tentando abusar de Adria, da minha... está tão fresca em minha mente, não quando presenciei seu rosto repleto de ferimentos e seu corpo nu e exposto. Arrastando Deany para fora dali, jogando seu corpo no meio do galpão, os dois homens me seguem tentando impedir que o mate. Ele tenta lutar, mas isso só alimenta ainda mais a fera dentro de mim.

— Se alguém tentar me segurar eu juro que mato junto com ele! Cuidem dela, chamem a Netlen! — Digo ao ver que Martin e Try fazem menção de vir até mim.

Busco pelos bolsos de Deany, esse filho da puta sempre andava com um soco inglês, ele adorava aterrorizar as garotas com isso. — Vejamos quantos socos você aguenta. — Digo empunhando o soco inglês.

— Tudo isso por causa daquela puta? Não sabia que queria ser o primeiro, pelo tamanho daquela bunda, virgem não é mais!

Desço o braço socando pelo menos umas quatro vezes seu rosto. Minha mão se manchava com seu sangue, mas eu queria mais, enquanto o sorriso débil não sumisse daquele rosto eu não pararia. Deany iria aprender a não ser a porra de um psicopata, e nunca mais mexer com algo que era meu!

Seu rosto estava desfigurado quando parei, joguei o objeto fora, girando minha faca entre os dedos. — Você gosta também de ameaçá-las com suas facas, não é mesmo?

— Defendendo putas? — vociferou.

Aquele filho da puta ainda tinha forças para me desafiar!

Finco minha faca no meio de sua mão, o grito ecoou pelo espaço. Retiro a faca, segurando sua mão esquerda no lugar, só para descer a lâmina afiada e faminta de minha faca pelas três falanges de sua mão, arrancando um naco dos seus dedos fora.

— Você é um verme, vou cortar sua cabeça e pendurá-la na parede!

Sinto várias mãos puxando meu corpo para trás, para sair de cima de Deany, escutava alguns deles tentando me acalmar ou tentar arrancar a faca de minhas mãos. Aquilo só me incentivou mais, eu queria fincar minha faca no olho, arrancando seu globo ocular fora, mas de alguma maneira os outros homens de Czar conseguiram me puxar para longe, mas não tão rápido que eu não pudesse pisar com toda minha ira e força em cima do seu pau. Deany tombou para trás gritando, me deixando satisfeito ao ver sangue e outro tipo de líquido manchar sua calça de alfaiataria barata.

— Lobo?

Arregacei as mangas da camisa sujas de sangue, desviando o olhar do verme desmaiado em minha frente.

— Preciso de outra camisa.

Martin confirma, saindo por alguns minutos da cena, logo voltando com uma camisa de linho.

— Onde ela está?

Os homens ao meu redor estavam calados, muitos ainda olhavam para Deany deitado no chão, desmaiado devido a dor forte por seus escrotos terem rompido devido ao meu pisão. Nunca dei muita importância para Lei de Talião, mas hoje o “olho por olho” foi satisfatório.

— Netlen está com ela.

Concordo, saindo de lá, seguindo para a sala que utilizávamos para cuidados médicos, ficando até receoso ao aparecer no vão da porta.

— Netlen. — Minha voz estava enganadoramente suave e meu rosto sem expressão. Mesmo que ainda sentisse as enormes ondas de fúria queimando silenciosamente dentro de mim. Podia sentir o lobo inquieto e sedento dando voltas à procura de mais; senti o gosto amargo na boca e pela primeira vez o medo de ver Adria inserida em meu mundo.

O lobo dentro de mim se sentou, sob controle ou talvez rendido por sentimentos que eu não sabia descrevê-los.

— Netlen, nos deixe a sós.

Adria olhava fixamente para mim, faço o mesmo, não tirando meus olhos dela nem quando Netlen passa em minha frente tampando por alguns segundos minha visão, nem mesmo quando ela institivamente recuou, tentando ter um espaço maior entre nós. Caminho devagar, indo até um pequeno armário de medicamentos, retiro um kit de primeiros socorros, voltando para ela.

Seu pescoço tem um pequeno corte, o sangue ali já está seco. Sento na ponta da cama, tudo com muita cautela, mesmo sentindo sua recusa sei que ela não está em seu melhor momento. Estico o braço para passar o remédio na ferida, mas ela se afasta assustada.

— Calma, me deixa cuidar de você.

Seus olhos vão dos meus para minhas mãos. Passo levemente o algodão pela ferida, tirando o sangue, vendo que foi apenas um corte simples, nem precisaria de pontos. Faço o curativo, tudo com calma, deixando que ela veja cada pequeno movimento que faço, me amaldiçoando por cada tremor que seu corpo tenha ao meu toque.

— Adria, o que você está fazendo aqui?

Seus olhos se arregalam. — Sai de perto de mim, sai! — grita amedrontada.

— Acredito que mereço um obrigado por ter salvado sua pele. — Digo.

Ela faz menção de sair da cama, pronta para correr, mas sou mais ágil, seguro seu corpo apertando firmemente contra o meu, de maneira que sua pequena luta em vão não a machuque ainda mais. Ela grita e se contorce em meus braços. Quanto mais lutava, mais fechava meus braços ao seu redor.

— Pare com isso, Adria... sou eu! — Digo dando um pequeno tranco, juntando seu peito contra meu abdômen.

— Solte-me, por favor! Solte-me! — diz caindo no choro.

Limpo com a mão livre as lágrimas que correm por seu rosto, notando os leves hematomas esverdeados. — Acalme-se. — Digo baixo contra sua orelha.

Ela respira fundo, parando de lutar contra mim, aceitando ficar em meu braço.

— Eles te machucaram, há quanto tempo você está aqui?

Ela não diz nada, hoje não será o melhor momento para isso. Deito seu corpo novamente contra o travesseiro. — Você está segura, eu prometo. Ninguém encostará mais em você, você é minha.

Saio da cama, deixando Adria deitada sobre a pequena maca, Netlen me aguardava do lado de fora, assim como Try.

Fecho a porta. — Quero que tomem conta dela, ninguém entra aqui sem minha permissão. Ouviram?

Eles concordam rapidamente, em silêncio.

— Netlen dê tudo que ela precise. E você, Try. Isso será um assunto nosso, não quero Czar envolvido estamos entendidos?

— Lobo...

— Não me venha com essa, porra!

— Tudo bem, Lobo. Mas não sei quanto tempo conseguirá acobertar o que aconteceu hoje.

— Isso é um problema meu.


30


Quando acordei, Kiran se fora.

Eu não lembrava muito do que acontecerá depois que ele havia me colocado na cama. Estava tudo nublado em minha lembrança. Era como se meu cérebro tivesse desligado, incapaz de processar a violência que sofri. Recordava-me de Kiran e toda a confusão dele ser o tal do Lobo, lembrava de Netlen me dizendo que tudo ficaria bem e dele retornando, cuidando de meus ferimentos. Passo a mão pelo pescoço, estava envolto em gaze e doendo muito menos.

Quando não havia esperanças, não havia opções, tudo se tornava notavelmente claro. O fato era que Kiran era o Lobo, era o cara frio e assassino que tanto falavam, mas também era o cara que protegia de certa forma essas garotas de sofrerem mais, se isso era possível. Ele tinha as cartas na mão, agora eu era dele. Afinal, deixou bem claro antes de sair, isso me lembro. A força magnética que tinha em seu olhar ao me encarar. Eu era dele. Não havia escapatória para mim.

Depois que aceitei esse fato, os dias passaram de forma rápida. Netlen sempre vinha nos mesmos horários, deixava um farto prato em minha frente, assim como roupas limpas e me ajudava nos primeiros dias no banho, me ajudando quando não conseguia me manter em pé devido aos meus hematomas. Ela tinha se tornado a única fonte de interação humana. Uma verdadeira babá.

— Tire essas ideias da mente. — disse enquanto deixava meu jantar sob a cama.

— Que ideias? — pergunto deixando o garfo e a faca de lado.

— Se me esfaquear, vai perder a única pessoa disposta a arriscar a bunda por você. Se tentar fugir me ameaçando com a faca só vai encontrar homens dispostos a te jogar junto com as outras garotas e Deus sabe o que farão.

Resmungo algo indecifrável, entre um suspiro.

— Lobo está arriscando não só a própria pele como a minha para manter você aqui. Devia estar agradecida.

— É mesmo? — satirizei.

Netlen revirou os olhos. — Se tivesse prestado realmente atenção nas informações que eu passei, teria pensado mil vezes antes de se infiltrar aqui. Isso não é um clube Adria. — disse baixando o tom de voz. — Isso é um beco sem saída com todos os piores tipos de pesadelos tomando forma e vindo para cima de você.

Dou uma garfada generosa na comida, observando Netlen se sentar perto da porta, na qual vivia trancada. — Você parece conhecê-lo bem.

— Talvez. — diz.

— Ele é o que aqui dentro, o chefão? É o responsável por jogar essas meninas aqui ou apenas por descartá-las como lixo?

Ela suspirou — Pare de bisbilhotar, Adria.

— Que diferença faz? Ao que posso ver, saí de uma puta para uma sequestrada! — Olho para ela com frustração.

— Se ele quiser que conte algo.

— Você gosta dele, é leal a ele.

Ela estreita os olhos para mim. — Sim, tenho gratidão por ele ter salvo minha vida, mesmo que não tenha conseguido fazer o mesmo pela minha irmã. Então sim. Ele tem minha lealdade, pelo menos é por isso que estou aqui salvando seu traseiro.

Assenti voltando a comer.

Com o passar dos dias a frustração foi se tornando mais forte, mais presente, e os sentimentos mais controversos. Eu sonhava com as malditas mãos de Kiran percorrendo meu corpo, me dando prazer, assim como fez aquela noite em meu apartamento. E a ideia era tão medonha que me fazia sentir vontade de vomitar. Ele era um assassino, frio e calculista. Será que haveria verdade nas palavras de Netlen? Que ele não era o que eu imaginava? Mesmo tudo mostrando o contrário?

Tentei pensar racionalmente no assunto por um momento, entender a confusão de sentimentos. Sim, uma pequena parte de mim se ressentia por ele ter desaparecido, ter salvado minha vida, ter me salvado do abuso que iria sofrer e ter me deixado naquele quarto trancada, tendo Netlen como companhia. Não que eu quisesse a atenção dele, mas eu queria respostas. Ao ver por onde meus pensamentos seguiam, notava o absurdo das minhas emoções contraditórias. Tão idiota que me xinguei mentalmente.

Eu estava exatamente constatando que tinha uma atração por um criminoso; eu, uma agente especial treinada e a melhor da minha turma, tinha virado uma daquelas mulheres que se apaixonam pelo inimigo. Eu me recusava a ser, sabia que estar ali sendo bem tratada sob os cuidados dele mexia com minha cabeça, me tirava do foco. Eu estava abandonando meu verdadeiro objetivo de estar ali, do porque tinha me infiltrado naquele inferno.

— Deixe-me voltar para minha missão. — Reclamo.

Netlen ergue a vista, parando de juntar as coisas. — Esqueça. — diz pegando a pequena bandeja e sumindo dali, trancando a porta de ferro ao sair.

***

E finalmente ele estava ali.

Descobri quando ele me acordou de um cochilo. No início não achei que fosse real, mas diferente dos meus sonhos, esse Kiran não sorria, tinha uma aura sombria sobre si.

— Você veio, enfim. — Constatando o óbvio.

— Sim.

Ajeito-me na cama, sentando ereta.

— Fiquei sabendo de suas reclamações.

— Pelo visto Netlen é fofoqueira também. — Resmungo.

— Acredito que é o papel dela, afinal é sua informante.

Encaro seus olhos.

— Com quem estou falando? Adria ou Pam?

— Isso importa?

— Então não é apenas seu pai um agente. Você é policial!

— Alguém fez a lição de casa. — Retruco.

— Diga, o que está fazendo aqui? — ele continuava despejando suas perguntas.

Cruzo os braços diante do peito, me mantendo calada.

Kiran aperta o ponto entre os olhos. — Podemos ficar nessa fase durante toda a noite ou você pode responder minhas perguntas?

— Que tal você responder algo? Como... você é o tal Lobo? Mas que destino filha da puta! — Digo rindo.

— Não é o que está pensando.

— Não é mesmo? Não estão traficando mulheres como se fossem objetos baratos? Não estão abusando daquelas menores de idade, além de tudo o que fazem com todas as mulheres aqui? Então me diga, Kiran ou devo representar o mesmo fanatismo que elas fazem ao citar você, Lobo?

— Você é uma mulher inteligente. Mas está mexendo com coisas fora do seu alcance. E prefiro que me chame de Kiran, pelo menos entre nós.

Estreito os olhos. — Então é Kiran, a menos que esteja matando mulheres ou se divertindo com elas, é isso?

— Chega! — Explode. — Isso tudo está longe demais de suas mãos, não sei como entrou aqui, nem mesmo seus propósitos, mas isso não é brincadeira! O cara que estava a ponto de matá-la dias atrás não tem alma, nenhum de nós temos. Então, sugiro que aceite minha ajuda, assim posso arrancá-la daqui!

— Quem é o responsável por tudo isso? Quem é você e por que está no meio disso?

Ele passa as mãos pelo cabelo, respirando fundo.

— Estou pensando se você é apenas um sociopata ou um psicopata, quem sabe não seria os dois?

Ele ergue o olhar, encarando-me.

— Por que não trocamos informações, pelo visto quer saber algumas coisas de mim e eu quero informações.

— Tente.

— Quem é o mandante? Quem é que sequestra essas garotas? O que você é para isso tudo?

— Nem nos seus piores pesadelos eu desejaria que conhecesse o Czar. E eu? Ao contrário de você, que teve uma criação normal, não tive a mesma sorte. Esse mundo é meu e você não deveria estar nele. Mas não sou um sociopata ou psicopata como disse. — diz. — Minha vez. O que está fazendo aqui?

— Vim acabar com essa organização.

Kiran esboça um sorriso. — Só de ouvir, sua ideia parece tola e inútil.

— Sou agente do FBI, não que não tenha descoberto.

— Você pode ter o governo inteiro aos seus pés, isso tudo é muito maior que você, que sua luta, Adria.

— São pessoas inocentes, mulheres inocentes, crianças! — me exalto.

— Você acredita que cheguei aqui hoje? — diz ficando de pé. — Estou nisso desde que me entendo por gente, matei mais que do que posso me recordar, infringi mais leis do que seu governo pensou em ditá-las.

Uma coisa dentro de mim pediu para que calasse a boca, mas não consegui. — Então, vai me matar?

— Não, Adria. — Ele pareceu exasperado por um momento, por um momento pareceu o Kiran que me encarou nos olhos ao entrar em meu apartamento e tirar minha roupa de maneira gentil.

— Então serei sua refém, me machucará quando tiver vontade?

Ele não negou, se levantou, ainda olhando para mim. — Posso ser um monstro, na verdade realmente sou. Posso ter feito coisas horríveis, mas eu não machucaria você Adria, será que não entende que eu mataria se alguém encostasse em você? Eu procurei você por dois meses, tentando encontrar um paradeiro seu. Netlen vai cuidar de você quando não puder estar por perto. Quando chegar a hora, vou te tirar daqui. Mesmo que de tantas maneiras erradas, eu esteja feliz por finalmente encontrá-la. — Diz antes de sair, fechando a porta atrás de si.

O demônio tinha uma bela face.


KIRAN


— Seus hematomas estão melhores. — Ergo a mão e acaricio seu maxilar com os dedos. — Logo nem existirão mais.

Adria fecha os olhos, afastando seu rosto lentamente de minha mão.

— Você está calada. Se arrependeu das últimas investigações contra mim? — sussurro.

O silêncio que ela impõe entre nós me irrita, me faz desejar os dias amenos que ela não sabia quem eu era de verdade. Dou alguns passos para trás, colocando uma distância entre nós, ela me encara ainda em silêncio, porém não forço. Saio do quarto fechando a porta atrás de mim.

— Pelo visto nada mudou. — Netlen diz saindo das sombras.

— Fique de olho nela, como estão as coisas por aqui?

— Try anda fazendo um bom trabalho em manter todos na linha, acho que seu pequeno surto com Burn e Deany fez algum efeito.

— Tenho que tirá-la antes do leilão, não posso deixá-la chegar tão longe.

— Não entendo porque ela se tornou especial para você. — Netlen retruca, fazendo-me encarar seu rosto.

— E não te devo explicações, acredito que deixei isso claro.

— Desculpe, Lobo.

Assinto, saindo dali, me preparando para o pequeno encontro que teria com Czar.


Entro em seu escritório, Czar está sentado atrás de sua mesa, fumando seu charuto importado. Seus olhos recaem sobre mim, balança a cabeça em direção à porta. Entendo seu gesto silencioso para fechá-la. O faço, permitindo bater um pouco, recebendo seu olhar superior.

— Vou perguntar por que tive que saber de um dos meus homens que você surrou não só um deles, como quase matou Deany?

— Vejo que temos maricas no meio de nossos homens.

— Eu sugiro que não trate nosso assunto com leviandade!

Contemplo meu próximo passo. Puxo a cadeira para trás, sentando e cruzando uma perna sobre a outra. — Não sabia que o fato de dar um corretivo naqueles vermes, era de total interesse seu! — rebato.

— Tudo que ocorre em meu território é de meu interesse. — diz sorrindo, batendo a ponta de seu charuto na pequena cristaleira ao seu lado.

— Eles causaram grandes problemas, perdemos uma virgem porque Burn quis satisfazer seus desejos imundos!

— Sukin Syn! 19 — Exclama batendo o punho contra a mesa de mogno.

— Já cuidei disso, ambos irão ficar espertos.

— Fico contente que você tenha retomado suas raízes.

— Então é por isso que tem me tratado como um de seus lacaios? — pergunto irritado.

— Confiança não é um presente é algo conquistado, Kiran. Você é meu legado. Se você se mostra fraco diante dos meus inimigos, qual será a imagem que eu terei para eles?

Levanto revoltado. — Ela era uma criança!

— Uma criança que era filha de um inimigo, que sua morte nos permitiu dobrar um homem que estava impedindo nosso trabalho. Sempre haverá uma criança ou uma mulher. Os homens se enfraquecem ao se apaixonar, apenas tolos deixam os sentimentos dominarem suas mentes. Homens como nós não têm coração, não têm sentimentos, sentimentos para pessoas como eu e você causam apenas morte. Imagine que tolo se eu me apaixonasse por uma puta como Andreia? Acredita mesmo que eu deixaria de ganhar meu dinheiro por que ela abre as pernas de maneira satisfatória?

— Não estou disposto a isso, judiar de crianças por causa do erro de seus pais?

— Não banque o inocente! Você já visitou esses terrenos, sabe como terminaremos. Você é exatamente como eu, é o espelho de seu pai!

Ranjo os dentes, travando a mandíbula, enquanto Czar fuma tranquilamente seu charuto, soltando a pesada fumaça pelo ar.

— Cometi um erro, Kiran. — diz quebrando o silêncio.

Recuo, em toda minha vida nunca ouvi nada, nem mesmo perto de arrependimento sair de sua boca.

— Lutter tem seguido minhas ordens, sendo meus olhos. E ele trouxe notícias preocupantes, temos um vor entre nós. Eu deixei que um vor se infiltrasse em meus negócios, relaxei minhas muralhas!

— Um ladrão?

— Sim, como vocês costumam dizer, um delator. — diz. — Lutter está quase certo de quem é.

— Como descobriu? — questiono.

Czar esboça um sorriso. — Estou nessa vida há tantos anos, que você mal tem ciência. De qualquer forma, amanhã eles estarão trazendo o traidor para mim.

***

— O filho prodígio. — Orrel zomba. — Que porra quer, Kiran?

Não hesito. — Preciso de um favor.

A gargalhada alta faz com que eu afaste o celular do ouvido.

— Devo estar realmente bêbado, não é que aquele filho da puta alemão acertou quando me colocou para fora do bar?

Olho no relógio em meu punho, lá deveria passar das quatro da madrugada. — Você vai me ouvir?

Ele riu. — Diga, o que o incrível filho do satã quer com um mero mortal como eu, como anda nosso D’yavol20?

— Você tem bolas. — Rosno me arrependendo de ter ligado, mas no momento Orrel é a única via de sumir com Adria do mapa.

— Do que precisa?

— Quero que suma com uma pessoa.

Outra gargalhada.

— Se você não levar esse papo a sério eu juro que atravessarei o mundo para que a próxima coisa que vai olhar seja meu punho contra seu rosto e o teto de um maldito hospital!

— Achei que tinha homens com culhões para fazer seu servicinho sujo.

— Quero que me ajude a fazer uma pessoa desaparecer, não a matar.

— Está querendo esconder uma pessoa de nosso querido satã, é isso mesmo?

Respiro fundo, fechando os olhos estava impossível falar qualquer coisa com Orrel no momento.

— Estou tentando salvá-la do inferno. — Digo baixo.

— Você é um lobo apaixonado? E por acaso sua protegida está encrencada com nosso querido Czar?

— Preciso que me ajude tirá-la dos Estados Unidos, acha que consegue?

— Não sei. Não quero me meter e perder minhas bolas por causa dos seus problemas. Sinto muito que tenha sido um otário, primo.

— Orrel! — urro do outro lado da linha.

— Porra, eu vou ver o que posso fazer. Vou ver!

— Obrigado. Entrarei em contato. — Digo encerrando a ligação e jogando o celular longe.


BAKER


— Baker?

— O FBI encontrou provas que os Rootns estão recriando um site de sexo, porém, não é possível extrair nada, eles estão utilizando a Deep Web. — Menfys diz sem me olhar. — Kate está verificando todos os arquivos.

— Não estou gostando do rumo que as coisas estão tomando Menfys, o tal chefe da organização que o agente Wenth nos fez o retrato, não foi encontrado em nenhum sistema.

— Temos que manter tudo como está, os agentes precisam de tempo para se adequar ao mundo em que foram inseridos.

— Concordo, desde que a principal agente informante não suma por duas semanas deixando toda sua equipe totalmente no escuro! Estou dizendo, Menfys, tem coisa errada!

Menfys suspira, me olhando nos olhos. — Seu afeto pela agente Hamer está afetando seu julgamento.

— O único com julgamentos afetados é você, não percebe que temos que fazer a extração dos agentes? — questiono irritado.

— Extração? Isso poderia matar não só os agentes envolvidos como os que irão para essa caça às bruxas, Stone! Não posso permitir uma extração, são anos de planejamento!

— São duas vidas, dois agentes em perigo e se estiver correto, talvez um, já que Wenth pode ter se curvado a eles!

— Isso é uma acusação séria, Stone. — Menfys se levanta, encarando-me sério. — Nunca julguei ou me intrometi em uma de suas operações, não vou permitir que faça isso com as minhas!

— Deixe-me pelo menos investigar Rowsend, deixe-me tentar extrair algo dele, que nos leve para algo mais concreto!

— Rowsend está em poder da CIA, a essa altura está confinado em um dos Blacksets21 deles, mal sabemos se está vivo.

— Não foi apenas Rowsend que foi preso naquela batida. Deixe-me falar com o outro preso. — Digo.

Menfys fica em silêncio por um momento.

— Teremos que deixar essa visita em absoluto segredo. Posso cuidar da segurança.

— Tudo que preciso, me deixe lidar e tentar arrancar algo.

— Não cometa nenhuma besteira, Stone.

— Não se preocupe.


O sistema penitenciário da administração era ridículo. O governo do Estado, e muito menos o Governo Federal, nada faziam para melhorar as milhares de denúncias que recebiam tanto dos presos como dos funcionários. Chegava a ser desumano.

Um policial me cumprimenta com um movimento de queixo, levantando a mão que segurava as chaves grandes e pesadas.

— Por aqui. — Ele diz, guiando-me pelo corredor repleto de celas. — Tem dez minutos, depois te arranco de lá tenha terminado ou não. — diz nervoso.

— O preso?

— Está sem direito ao banho de sol, arranjou briga com outro preso.

Concordo.

— Vou precisar de sua arma.

Retiro o coldre passando para o policial. Ele abre a pequena cela, permitindo que eu entrasse, trancando-a assim que estava lá dentro.

— Que porra é essa? — questiona encarando-me surpreso.

— Tenho umas perguntinhas para você...

— Tem porra nenhuma! Guarda! — gritou tentando olhar por cima de meu ombro.

— Quero informações de como encontrar sua organização.

Ele manteve seus olhos sobre mim, o rosto rígido e inexpressivo.

— O que você acha que aconteceria com um cara como eu se desse com a língua nos dentes? Aqueles filhos da puta têm uma estrutura dentro dos presídios, não dão ponto sem nó, eu acabaria sendo espancado até a morte num desses corredores.

— Se falar, posso aliviar sua pena ou protegê-lo de outra maneira.

Ele apertou os olhos, sua feição afiada, desconfiando do que falava.

— Me dê algo concreto e eu quebro sua pena ao meio.

— Me tirar daqui? Como?

— Podemos fazer um trato, preciso saber como encontrá-los, preciso saber quem é o mandante.

Ele gargalhou, jogando a cabeça para trás. — Vocês são tolos se acreditam que um dia colocarão as mãos em Czar, o cara mata todos vocês antes do amanhecer.

Arqueio a sobrancelha.

— Cinco minutos. — O policial avisa.

— E as mulheres? Onde ficam e quem é responsável por pegá-las? Elas são dopadas?

Ele gargalha mais uma vez, sentando-se na cama. — Não vai arrancar nada de mim, fazer um acordo com o FBI é a mesma coisa que assinar minha sentença, no mesmo dia que sair ele me encontrará e levará minha cabeça numa bandeja. Afinal, eu não fiz nada de errado, era apenas um cafetão que transportava essas mulheres para eles. Não sabia nem qual a droga que cheiravam.

— O tempo acabou, para fora! — diz o policial abrindo a porta.

— Nos vemos por aí, meu velho. — Ele diz com um enorme sorriso.

***

— O que está te incomodando, querido?

Passo as mãos pelos olhos cansados, passei boa parte do jantar com o pensamento longe, mais revirando a comida no prato do que comendo-a.

— Um problema no trabalho.

Minha filha corre pela sala de estar, brincando com suas bonecas, Lilian segue meu olhar, sorrindo ao ver nossa filha tão entretida em seu pequeno mundo de fantasia.

— O que posso fazer para ajudá-lo?

— Infelizmente nem eu mesmo consigo, querida.

— É tão sério assim?

— Sabe que não posso comentar sobre isso, tenho restrições.

Talvez o problema não fosse deixar minha mulher mergulhar nas águas traiçoeiras do FBI, talvez o fato seria mesmo falar em voz alta que o problema era realmente mais sério do que todos pensavam e que no final minhas suspeitas estivessem corretas, e fosse tarde para fazer algo.

— Lilian?

— Sim, querido.

— O que você faria se soubesse que seus instintos estivessem certos, mesmo que não tivesse nada para comprová-los?

Lilian não disse nada por um instante, fitando meu rosto; mas então, se curva sobre a mesa de jantar, segurando minhas mãos nas suas. Ela me fita com as mãos unidas, o calor tão amoroso se espalhando, até mesmo relaxando-me, minha esposa sempre teve esse pequeno dom, ela era um verdadeiro sopro divino para mim, em todos esses anos de casados.

— Você deveria segui-los. Você é excelente no que faz, sabe disso. Siga seus instintos, talvez encontre a resposta que procura.

Aperto gentilmente suas mãos. Levantando, dou um beijo casto em seu rosto, seguindo para a sala, dando outro em minha filha. Parando apenas para pegar os casacos no pequeno closet ao lado da porta e saindo.

Ficar de tocaia em frente à casa de Luigi era errado, mas algo me dizia que eu precisava confrontá-lo. Passava pouco mais das dez da noite, o vento frio tinha tomado conta das ruas, não tinha uma única alma penada que se atreveria passar por ali. Espero mais alguns minutos, me certificando que nada nem ninguém surja, estava pronto para abrir a porta do carro quando Luigi aparece na entrada de sua casa, caminha até seu carro, colocando uma garrafa térmica em cima da lataria. Teria que ser agora, senão, eu perderia minha oportunidade. Abro a porta, pronto para saltar e ir até ele quando escuto o barulho de pneus cantando pelo asfalto, luzes altas de faróis me cegam ao olhar para trás; leva um segundo para que minha vista volte ao normal, mas tempo o suficiente para que veja o furgão sem placas parar de qualquer jeito pela calçada, dois homens encapuzados saem de dentro dele partindo para cima de Luigi, que cai ao ser atingido por socos e pontapés, logo depois sendo arremessado para dentro do furgão.

Bato a porta, ligando o motor, pronto para segui-los, mantenho uma distância segura, mesmo acelerando atrás deles, alguns carros me cortam ao entrar nas ruas do centro e o furgão segue em alta velocidade, rumando para fora da cidade. Mas como a porra de um passe de mágica, ao demorar alguns segundos a mais para virar na mesma esquina que eles, pronto, foi o bastante para desaparecerem de vista.

Caço o carro pelas ruas próximas, mas sumiu, como se nunca tivesse existido.

Naquela noite mal consegui dormir, vi todas as mudanças que o céu fez até o despertador tocar. Naquela manhã entrei como uma bala de canhão no escritório de Menfys, relatando tudo, desde a visita na penitenciária até o ocorrido com Luigi Wenth. Menfys ouviu tudo e só depois que eu repeti pela terceira vez que tanto a agente Hamer como o agente Wenth estavam em perigo, Menfys se levantou, pediu para que Clain fosse ao seu escritório e ordenou que reunisse os agentes envolvidos na operação Rootns.

— Vamos fazer a extração. Mas concordamos que no passo que estamos, mal sabemos se os agentes ainda estão vivos. Segundo relatos, a boate Penlin que funcionava como ponto de encontro está fechada, os agentes informaram que não há nenhuma movimentação no estabelecimento há dias. Se os agentes forem extraídos, toda nossa operação vai para o ralo e provavelmente esses caras sumam do mapa, segundo você, eles estavam dirigindo para fora da cidade. Será um milagre encontrarmos alguma pista deles, já que mal sabemos para onde eles realmente levam as garotas.

— Entendo, senhor.


KIRAN


— Espero que esse pequeno agrado lhe faça passear mais com sua família, Roach.

Entro no escritório improvisado, fechando a porta atrás de mim. Roach e Czar me encaram, mas voltam para sua pequena negociação. Se um dia procurasse pela definição do crime organizado, havia muito pouco que ele não operava. Políticos eram seus maiores clientes, policiais e assim como alguns bons agentes do FBI corruptos estavam em seu bolso, dançando em suas mãos.

Roach sorriu, ele suava, vestígios de suor escorriam por sua testa e pelo meio de suas costas na camisa social. Poderia dizer que ele estava ansioso para colocar as mãos na pasta preta em sua frente, ou poderia ser apenas nervosismo saindo de seus poros por estar de frente para Czar, até mesmo sabendo que estava no meio do nada, cercado de homens prontos para atirar em seus miolos.

— Mande lembranças para sua adorável esposa, Roach. — Czar diz inclinando-se na cadeira de couro.

Roach se levantou, pegou a maleta, esboçou um leve até logo e saiu da sala.

— Os humanos podem ser como uns bichinhos assustados. — Czar diz levantando-se. — Vamos, temos um evento interessante agora. — Acrescenta batendo em meu ombro ao sair da sala.

Acompanho-o para fora, vendo Lutter e Vernan entrar no galpão, pelo visto estavam fazendo algum trabalho sujo. Czar puxa uma cadeira de ferro para o centro, joga o casaco pesado para trás, sentando-se confortavelmente.

— Senhor. — Vernan para perto de nós.

Czar cruzou os braços dando um leve aceno de cabeça. — Serviço feito?

Lutter inclinou a cabeça. — Sim, senhor.

Czar mostra os dentes brancos, — Tragam-no.

Lutter e Vernan acenaram saindo do galpão.

— Posso saber o que está acontecendo? — questiono, olhando para o rosto de perfil de meu pai.

— Temos um vor entre nós, quero apenas amaciá-lo como um lindo cordeiro para o jantar.

Antes que pudesse piscar, Lutter tinha jogado Sebastian no chão, enfiando um joelho em sua coluna. Ele se retorcia, lutando e amaldiçoando, mas Lutter era o dobro de seu tamanho, ele nunca sairia dali se o próprio Lutter não permitisse.

— Me solta, porra! Me solta!

— Solte o rapaz, pegue uma cadeira e ponham-no sentado. — Czar ordenou e assim foi feito, ou melhor, Sebastian foi arremessado para a cadeira, sentando-se frouxamente, de frente para meu pai.

— O que aconteceu, chefão? — disse.

— Você poderia me dizer, poderia me explicar algumas coisas, Sebastian. — Czar brincou, apreciando a provocação.

Sebastian ficou vermelho. — Não tenho nada para contar. Seus brutamontes me surraram no meio da rua.

— Uma excelente casa para um lacaio prostituto. — Vernan comenta.

— Então diga-me, Sebastian, seu nome é esse mesmo? — Czar questiona.

Vejo o rosto de Sebastian perder a cor e como seu pomo de Adão sobe e desce rápido enquanto engole a saliva.

— Lógico! Que pergunta tola!

O tapa ao pé do ouvido que Lutter lhe deu foi ligeiro, mas forte o suficiente para ele colocar a cabeça entre as pernas, protegendo o rosto.

— Obrigado, Lutter. Alguns homens realmente não sabem como tratar alguém superior ao seu nível de verme falante. — Czar brincou. — Vamos tentar novamente, qual é o seu nome?

— Sebastian. — diz abafado entre os joelhos.

Vejo Vernan concordar em silêncio, caminha até uma pequena mesa do lado oposto pegando um pequeno alicate prateado. Lutter segura Sebastian na cadeira, fazendo com que suas tentativas de fugir sejam nulas. E quando Czar faz um aceno de cabeça, Vernan pressiona o alicate no dedo mindinho de Sebastian, arrancando-o fora. Os gritos ecoaram pelo galpão, inundando meus ouvidos. O último grito que ele soltou era capaz de acordar os mortos antes dele virar o rosto vomitando, quase vomitando em cima de Lutter, que foi rápido o bastante para jogá-lo no chão.

— Seja homem! Pare de nadar no próprio vômito e volte para seu lugar. — Czar assobiou, franzindo o cenho para toda bagunça em sua frente.

Sebastian voltou a se sentar na cadeira segurando o ferimento ainda sangrando; suas mãos, a camisa e as calças estavam cobertas de sangue e vômito.

— Vamos tentar de novo, dessa vez, Lutter, amarre-o na cadeira. E você, quando eu lhe fizer uma pergunta quero que me responda. Senão, meus homens não terão receio em arrancar outro dedo.

Depois de preso à cadeira, Czar retomou suas perguntas:

— Já que não quer nos dizer seu nome, por que não nos conta o que você fazia entrando no prédio do FBI?

Sebastian nos encarou assustado, olhando para cada um presente naquele ambiente. — Vocês estão malucos, eu e o FBI? — disse rindo, mesmo que sua careta parecesse mais de dor.

— Tem algum irmão gêmeo? — Czar questionou novamente.

Sebastian sacudiu a cabeça rapidamente, negando.

— Então devo perguntar de novo, o que você estava fazendo com aqueles porcos imundos do governo?

Sebastian mais uma vez se negou a dizer, dessa vez quem assentiu foi Lutter. Vernan passou o alicate para ele, forçando Sebastian abrir a boca, os gritos voltaram a preencher a sala.

— Apenas o segundo pré-molar. — Czar diz cruzando uma das pernas sobre a outra.

Enquanto Vernan segura o homem se debatendo, Lutter enfia a mão dentro de sua boca, os gritos se intensificam, tornam-se desesperados até que param, viram apenas gemidos de uma boca ensanguentada. Lutter joga o dente pro lado, limpando sua mão do sangue de Sebastian.

— Vamos fazer assim, um dente por uma pergunta, cada pergunta que você responder fica com o dente, aquela que não responder perde. — Czar diz sorrindo. — Dê-lhe um pouco de água gelada, sinto que vai precisar.

O frio toma conta de minha espinha, se Sebastian foi o responsável por trazer Adria para dentro, e ao ser visto dentro do FBI... Ou eles trabalham juntos ou Sebastian é o informante de Adria com o mundo exterior. De qualquer jeito, coloca-a na mira direta de Czar, e isso não é bom. Afasto-me de forma lenta do grupo, tirando o celular do bolso, passo o dedo rápido pelos contatos, parando no de Netlen.

“Temos um problema. Ele sabe, esconda-a, quando puder irei até você. De qualquer forma, você nunca a viu. Entendeu? Eu farei contato.” — envio, sentindo a respiração pesada dentro do peito, até um pouco agoniado pela demora para que a mensagem seja enviada, rapidamente apago qualquer prova, enfiando o celular novamente no bolso.

— Se quiser fazer as honras, tenho certeza que ele não irá resistir a mais dois dentes sendo arrancados.

Viro dando de cara com Czar.

— Aposto em dois. — Digo, mantendo minha voz fria e impessoal.

Ele sorri, dá dois pequenos tapinhas em meu ombro e volta para o pequeno escritório improvisado. Dando um tempo para que Sebastian se acostume com as dores que correm por seu corpo.


— Vamos lá, acorda seu frouxo! — Vernan bate no rosto de Sebastian, fazendo-o se contorcer com dor.

— Porra! Eu não sei de nada, de nada! — diz de maneira enrolada.

— Hora de chamar o chefe, pelo visto o canário quer ou não cantar? — Lutter pergunta.

— Não fiz nada, eu juro!

— A maldita da minha mãe jurou melhor que você antes de morrer. — Um dos outros homens de Czar que assistiam ao show, diz rindo.

— Deite-o na maca.

Continuo parado no canto, um pouco afastado do círculo de carnificina que se formava.

Vernan arrasta Sebastian pelo galpão, amarrando-o deitado sobre uma maca de alumínio, enquanto Lutter traz consigo um balde e um pequeno maçarico nas mãos.

— Que é isso? O que vai fazer com isso? Porra, onde está indo? — Sebastian pergunta desesperado.

— Uma coisa que os americanos me ensinaram foi alguns truques a mais na hora de torturar um homem, Sebastian. Você sabia que os ratos são criaturinhas tão espertas e medrosas que sempre arranjam um lugar para escapar? Principalmente se sentirem dor ou medo. Fora o chiar que eles fazem quando sentem um desses sentimentos. É realmente magnífico!

Czar arregaça as mangas, tirando um rato gordo do balde, segurando-o pelo enorme rabo. — Isso além das doenças que transmitem e quando estão com fome, uma pequena gota de sangue pode fazê-los comer grandes pedaços de carne humana.

— Por favor, eu não trabalho para o FBI, eu trabalho para você, porra! — grita.

Czar ignora o que Sebastian grita, entregando o rato para Vernan, que rasga a camisa de Sebastian, colocando o rato e o balde de metal em cima, enquanto Lutter coloca uma luva especial segurando o balde e ligando o maçarico. Os guinchos do rato ficam altos, assim como os gritos de Sebastian. E mesmo que se debatesse na maca, ele estava amarrado, pouco conseguiria fazer.

— Primeiro ele vai arranhar, muito. Depois pode começar a morder e isso é ruim, pois quando morder ele vai ver que existe como fugir, teve casos que o rato comeu metade do estômago para sair pela lateral do corpo. Incrível, não? — Czar diz, voltando a se sentar na cadeira.

— Puta que pariu, me solta, por favor! — Diz em meio aos gritos de dor. — PORRA, ELE MORDEU, ELE ME MORDEU!

Lutter continua com o maçarico por todo o balde, fazendo os guinchos aumentarem.

— Lutter, pare! — Czar ordena, poucos minutos depois. — Deixe nosso ratinho descansar. Os dois, amarre Sebastian de pé nas correntes.

Eles fazem exatamente como é mandado, todo o círculo onde o balde estava além de queimar um pouco a pele de Sebastian, está marcado com as unhas do rato e com pequenas mordidas. Ele fica pendurado e amarrado no meio do foco de luz, a cabeça pendendo para frente, sua respiração irregular.

— Vamos deixá-lo pensando, amanhã voltaremos. — Czar anda até ele, dando tapas em seu rosto com a mão grande e pesada. — Espero que pense melhor e traga respostas para minhas perguntas.

Espero para que todos, inclusive Czar, tenham saído para me trancar dentro do carro. Digito os números com a maior rapidez que consigo. Impaciente por Orrel demorar tanto para atender.

— Kiran.

— Preciso daquele favor.

— Kiran, veja bem, você seria uma carta marcada, sabe o que isso significa, não sabe? Não tenho poder para ir até os Estados Unidos e trazer uma garota foragida comigo.

— Fale com seu chefe, não me importo. Um favor e mais nada, SÓ PRECISO QUE ELE TRAGA UM AVIÃO PARTICULAR E NÃO RASTREÁVEL ATÉ MIM! — Grito.

— Calma, eu falarei com ele. Se tiver boas notícias retorno a ligação. — Orrel diz.

— O quanto antes.

— Ok.

Encerro a ligação jogando o celular no banco do passageiro, dando alguns murros no volante. Merda! Esse filho da puta logo abrirá o bico! Preciso de outro plano, preciso tirar Adria daquele armazém, mas como? Iria chamar atenção demais se eu saísse com uma das garotas, ainda mais com Czar e seus homens em alerta.... pense, Kiran, pense.

***

— Você não é como eles, Lobo.

Eu era sim. Matei, vivi com o dinheiro repleto de sangue. Já derramei muito sangue em nome da família, tinha tanto sangue em minhas mãos quanto esses caras. Com o passar dos anos, saí da sombra de meu pai e criei a minha própria, mas, e se o meu “ser” for tão sombrio quanto o dele?

— Fique esperta com os movimentos.

— Estou. Ela está segura.

O riso me escapa fácil, ninguém estava seguro, nem mesmo ela e nem mesmo eu.

— O que você quer? Sabe que tem duas saídas para essa confusão toda em que nos metemos.

— Você poderia ter contado, poderia ter falado que uma agente estava te apertando.

Foi um longo tempo antes dela falar. Eu sabia que Netlen vivia em posição difícil, sabia o quanto odiava a vida que vivia e o quanto se culpava pela morte de sua irmã. Até entendi porque não tinha contado sobre isso, ela queria justiça pela sua irmã, mesmo que de forma deturpada, e eu ainda era o filho do inimigo.

— Você se apaixonou. — disse baixo.

Continuo encarando a chuva bater com força contra o vidro do carro e os limpadores fazerem seu melhor para tirar o excesso de água.

— Homens como eu sequer são abençoados com mais um dia de vida. Não temos esses sentimentos.

— Você está errado, novamente. Você se apaixonou por ela, Lobo. Está tão desesperadamente apaixonado que está arriscando sua pele, podendo enfrentá-lo sem titubear.

— Vamos deixar esse papo maluco para outra hora, tenho que voltar para o galpão e você para o seu posto.

— Eles adiaram o leilão. — Netlen diz o que eu já sabia.

Confirmo com um gesto.

— Cuide-se. — diz antes de sair, abrigando-se em seu casaco e nas pequenas marquises das lojas do outro lado da rua.


“Você será meu estimado Ubiytsa, meu assassino mais eficaz.”

Fecho os olhos. E eu fui, me tornei um fantasma na noite, me tornei o próprio cheiro de morte. Desde o dia que Czar parou naquela esquina suja, encarando-me nos olhos com um sorriso falsamente amigável nos lábios.

— Que coisa, não... Sabe quanto custam estes sapatos? Que coisa sem classe, Sebastian!

Entro no galpão escutando meu pai reclamar e Martin se curvar limpando o sangue de seu sapato importado.

— Vai lá, vamos falar, quem sabe um de meus homens não desce você de maneira bem tranquila. Pode ser que alguém até faça um boquete para você antes de jogá-lo no meio do deserto.

Encosto em um dos pilares, vendo a tortura de longe.

— Ah, meu menino, vejo que chegou! Não era você que desenvolvia aquelas drogas... como é que chama? — Czar pergunta virando-se para mim.

— Drogas de obediência. — Digo.

— Isso mesmo, sabe Sebastian, nosso Lobo aqui tem grande apreço pela humanidade, tanto que inventou uma pequena droga que limpa a memória das vítimas, as deixam mais suscetíveis a fazer o que mandamos... até mesmo atos desprezíveis.

— Porra, chefe, eu não fiz nada! Esses cuzões me querem fora daqui! — Sebastian choramingou.

— Chefe, acho que podemos arrancar outro dente ou quem sabe mais um dedo?

— Acalmem-se rapazes, já tiramos muitos dentes, quantos foram mesmo, Lutter?

— Sete dentes, senhor.

— Uau, você é um homem corajoso, Sebastian! Tive homens que no primeiro já estavam soletrando até o alfabeto de minha terra natal.

— Eu não fiz nada! — Sebastian gritou se debatendo na corda.

— Esse instrumento tem muitos nomes. A primeira vez que senti o que esse pequeno bastão pode fazer foi incrível. Eu literalmente fritei os sacos de um homem.

Czar se levanta pegando o bastão de choque. O som do bastão batendo nas mãos de meu pai soava alto, até o pequeno gotejar do sangue de Sebastian batendo no chão fazia o maior barulho.

— Começaremos de novo. Qual seu nome?

— Sebastian.

Czar enfia o bastão no meio do abdômen liberando a carga de choque pelo corpo de Sebastian. Ele se contorce inteiro, até mesmo depois que Czar quebra o contato do bastão ele continua se contorcendo.

— O que estava fazendo no FBI?

— Eu não estava na porra do FBI! — Sebastian diz de maneira pausada.

Czar confirma com um gesto, pressionando novamente o bastão contra o pescoço dele, liberando o choque. Deixando que dessa vez ele recebesse uma carga maior, se divertindo com o corpo de seu capanga tremendo enlouquecidamente.

— Diga a porra do seu nome!

— Este é meu nome! — respondeu com os lábios trêmulos.

Czar ficou tenso, e então sussurrou — Mentira, posso ver em seus olhos que está mentindo. — Czar segurou mais firmemente o bastão, podia ver a raiva saindo devagar por seus poros. — A tortura é algo medieval, os antigos tinham costume de dizer que para obter boas respostas leva-se tempo, e nós temos tempo. Podemos ficar dias surrando grandes ou pequenas partes do seu corpo, posso deixá-lo descansar como ontem, mas uma hora irei acertar tantos pontos miseráveis do seu corpo, que mal conseguirá falar.

Czar sai de perto dele, voltando para a pequena mesa, colocando o bastão novamente em seu lugar, analisando as armas dispostas em sua frente. Vernan foi ao seu encontro, parando perto dele.

— Senhor.

Czar alisou as facas em sua frente, em total silêncio.

— Ele está sendo mais forte do que pensávamos. O que devemos fazer?

— Surrem-no.

— Sim, senhor. — Vernan se afasta fazendo sinal para os outros, rapidamente um círculo é feito em volta de Sebastian. Socos e chutes começam a ser distribuídos por todo corpo dele; sangue começa a escorrer, assim que os homens de Czar intensificam seus golpes.

— Tem certeza que ele é o vor? — pergunto chegando perto de meu pai.

Czar tira uma foto dobrada de dentro do casaco do blazer, entregando para mim. Não tinha como negar, estava nítido, Sebastian saindo de dentro do departamento do FBI, tentando até mesmo esconder parcialmente o rosto.

— É questão de tempo.

Czar volta sorrindo, parando de frente para Sebastian, seu rosto estava completamente vermelho, sangue manchava sua camisa e seu pescoço. Ele faz um movimento com a faca fazendo-a brilhar contra luz, estendendo-a para que Sebastian a admirasse como ele. — Você tem certeza que não quer me dizer a verdade?

Sebastian permaneceu em silêncio, apenas olhando para Czar.

— Entendo. — Czar diz levemente. — Eu realmente gostaria de me divertir mais com você, porém, isso está ficando até mesmo monótono demais. Peguem a mordaça!

Um de seus homens saiu de perto pegando a mordaça de couro, aquilo não só era usado da maneira errada como causava uma imensa dor. Retiro o celular do bolso, escrevendo uma mensagem rápida para Orrel, agora mais que nunca preciso de sua resposta.

“Vai me ajudar ou não?” — faço a mesma coisa que fiz com a mensagem de Netlen, apago qualquer vestígio, devolvendo o celular no modo silencioso para o bolso da calça jeans.

Os olhos de Sebastian se arregalam, olhando para cada um de nós ali presentes, voltando sempre para seu carrasco, Czar. Ele sabe que a única maneira de sair pelo menos vivo dali, será abrindo a boca, contar as informações que ele tem. Por isso, não foi nada surpreendente quando começou a gritar que contaria o que Czar desejasse, arrancando um sorriso de meu pai e um arrepio frio e medonho de minha espinha.

Czar voltou para onde estava sua cadeira, sentando-se. — Vamos do começo? Que tal saber o verdadeiro nome do verme que tentou se infiltrar em minha organização?

Sebastian engoliu em seco. — Luigi Wenth.

— O canário começou a cantar. — Vernan diz acertando um soco em cheio no rosto de Sebastian ou Luigi.

— Calma, Vernan, assim pode assustar nosso pequeno verme. — Czar repreende-o, ainda sorrindo. — Conte mais, o que você é? Um policial corrupto ou apenas um agente fedelho que mal sabe como seu país comanda as coisas?

— Sou apenas um informante, não sei de nada, estou aqui por causa dela.

— Dela?

— Vejo que cheguei em boa hora.

Viro rapidamente dando de cara com Deany, apesar de estar mancando pelo tiro que dei em seu joelho ele se recuperou rapidamente, mesmo que as cicatrizes em seu rosto ainda sejam visíveis.

— O que ele está fazendo aqui? — pergunto irritado.

— Lobo, ele faz parte disso, mesmo você tendo acabado com seus bagos.

— Seu filho da puta, você deveria agradecer por eu não ter metido uma bala no meio da sua cabeça! — Deany vem mancando em minha direção, fazendo minha mão se fechar no coldre de minha arma.

— Rapazes... — Czar alerta. Deany para me encarando, como se um único descuido o fizesse voar sobre mim. — Deany, já conversamos sobre isso, seu instrumento foi ajeitado e estamos no meio de uma missão.

— Sim, senhor. — Disse cuspindo em minha direção.

— Voltamos ao que dizia, quem é ela?

Pego discretamente meu celular, respirando aliviado por Orrel ter respondido.

“Sim, mas saiba que fará um serviço para o meu chefe. Estarei aí quando quiser”

“Esteja aqui o quanto antes, eu ligarei.” — respondo apagando ambas as mensagens.

—...ela entrou em contato comigo depois que me viu batendo em uma puta, achou que seria um ponto forte para entrar na organização, ela quer colocar tudo no chão, quer a cabeça de cada um de vocês num espeto.

— Eu quero nomes! — Czar gritou.

— Adria, Adria Hamer.

Vejo a confusão tanto nos rostos dos homens de meu pai como no rosto de Czar. Ninguém ali conhece ela por esse nome, por um instante achei que bastava isso para que Luigi fosse morto como tantos outros e que meu pai seguisse a mesma investigação que fiz. Desvio o rosto vendo Lutter me encarando seriamente, óbvio que ele tinha feito a associação ao nome, ele era o melhor “investigador” que tínhamos, nunca sequer poderia imaginar que quando dei o nome de Adria para ele que ocorreria algo parecido.

— Adria Hamer, interessante, mas não conheço nenhuma suka com esse nome. — Czar diz.

Lutter abaixa os olhos, mas se mantém em silêncio, se ele falasse algo, além de me jogar na fogueira também atrairia o foco para si.

— Ela entrou com o nome de Pam Gomez.

A gargalhada alta rompeu no meio do galpão atraindo atenção de todos para Deany, que segurava o próprio abdômen enquanto ria como um lunático.

— Qual a graça, Deany?

Deany olhou bem para mim, antes de encarar Czar. — Pam Gomez foi a putinha que esse verme trouxe no dia que se aliou a nós! Agora, o mais engraçado, chefe, é que o Lobo quase me matou por causa dela! — Todos se viraram me encarando, Czar foi o último, mas seu olhar era o que importava, ele tinha feito a conexão que Deany estava apresentando, para ele eu estava defendendo um rato, uma policial.

— Vamos lá, Lobo, há quanto tempo está fodendo a policial? — Deany pergunta.

Avanço sobre ele, mas sou contido por dois homens de Czar que prendem meus braços para trás do corpo, virando-me de frente para ele. Sinto o pequeno suspiro dele bater em meu rosto, assim como o soco no lado direito de minha mandíbula que me dá. O gosto de cobre pelos pequenos cortes em minha bochecha enche minha boca, fazendo-me cuspir o sangue.

— Vy ne uvazhali svoyego ottsa! — Czar diz, encarando o fundo de meus olhos. — Você não respeitou seu pai!

— Onde essa mulher está? — Czar se vira para seus homens, mas todos permanecem em silêncio. — Tragam-na para mim! E o amarrem junto com esse verme!

— Espera aí, eu te contei tudo, não mereço sair? Contei tudo que sei... — Luigi diz desesperado.

Czar se vira, sorri e volta para ele. — Claro, mas antes uma pequena lição sobre ser um vor. Vernan, a boca! — Ordena.

Vernan segura Luigi, que se debate mais que um cordeiro prestes a entrar no forno, tendo sua boca aberta e sua língua exposta. Czar vai sem remorso, segura a língua do homem, passando a lâmina afiada da faca por ela, jogando o pequeno naco longe. O sangue escorre por todo seu braço, assim como pelo corpo de Luigi que tenta gritar, debilitado pela dor e pelo choque. E como se não bastasse, Czar ainda acende o pequeno maçarico, fazendo sua chama pequena brilhar diante de seus olhos, queimando a ferida sangrenta, cauterizando-a.

— Agora joguem-no no deserto, quem sabe o cheiro de sangue atraia alguns coiotes famintos! — Ordena, largando o rosto desmaiado de Luigi.


34


Uma dor de cabeça muito ruim, além disso, notei duas coisas ao mesmo tempo: estava escuro e eu não estava sozinha. Estávamos em movimento? Terceira percepção: Minha visão estava bloqueada por algum tipo de capuz, mesmo meus olhos rolando, quase por instinto, para tentar se orientar de alguma maneira. Eu estava em uma van, meu corpo estava espalhado desordenadamente pelo chão. Meus movimentos estavam lentos e ineficazes, minhas mãos tinham sido atadas atrás das costas, as pernas continuavam livres como constatei ao dobrar os joelhos. Algum buraco ou lombada na rua fez com que meu corpo saísse por um segundo do chão duro da van, voltando com tudo e ferindo minhas costas.

Meu cérebro trabalhava de maneira incansável tentando se lembrar o que havia acontecido. Recordo-me de Netlen ter entrado, e até mesmo comentado que estávamos em perigo, mas depois a porta foi aberta com violência, o tal do Try entrou com outro homem jogando-a contra a parede, apertando sua garganta e ao tentar defendê-la, fui contida, sentindo imediatamente algo pontiagudo perfurar meu pescoço.

— Você está finalmente acordada, estava começando a pensar que meus homens tinham sido cruéis demais com você. Lamento estarmos nos encontrando de maneira tão...

O capuz é arrancado de minha cabeça levando alguns fios de cabelo com ele, fazendo com que eu dê de cara com um homem mais velho, que mesmo sorrindo, eu não acreditei naquele rosto aparentemente amigável.

— O que eu estou fazendo aqui? — minha voz parecia estar com certo atraso, lenta, como se tivesse abusado do álcool.

Meus olhos voam em direção a Kiran, suas mãos estavam atadas por correntes, encarando o chão friamente, o lado direito do seu rosto estava vermelho, marcado. Olho em volta e vejo que estou em outro galpão, há marcas de sangue no chão, algumas poças brilhantes que me causam repulsa. Meu corpo estremece com medo, sentindo primeiramente o olhar dele, antes mesmo que o encare no meio daqueles homens. Deany! Acredito que nem em meus melhores dias e pensamentos mais felizes irei esquecer-me de seu rosto ou da caveira que me encara sorrindo.

Ele sorri novamente, dando uma grande tragada em seu charuto. — Temos alguns probleminhas para resolver.

Minhas mãos estão amarradas no ferro da cadeira, assim como meus pés. Há uns quatro capangas mais no fundo, com armas nas mãos.

— Querida, por acaso você conhece esse rapaz? — ele volta a falar comigo.

Luigi entra sendo carregado por dois homens, e jogado aos meus pés. Seu rosto tem vários hematomas e cortes, assim como seu corpo. Suas roupas tinham mais sangue que eu pudesse verificar, assim como vi que estava sem um dos dedos da mão esquerda. Ele olhou dentro de meus olhos e isso me faz trincar os dentes. O filho da puta deixou-se ser pego!

— Pelo visto vocês se conhecem.

Encaro novamente o velho. — Ele era meu cafetão e se apanhou é porque mereceu.

O sorriso pinta em seu rosto, ele faz um pequeno sinal chamando atenção de um dos homens que assistiam.

O capanga deixa um pequeno balde d’água com uma toalha ao lado. O velho se levanta apagando o charuto com o sapato.

— Por esses tempos, tenho acompanhado os relatórios que meus homens dão de você. É uma mulher interessante eu confesso, veja só... — diz erguendo os braços; o homem que deixou o balde, volta retirando o blazer alinhado e de corte fino que o velho lhe entrega. — Está fazendo este velho voltar para velhas origens!

Ele pega uma espécie de vara, voltando-se para mim. — Essa belezinha foi um presente de um homem do governo. Até que os americanos têm bons métodos para realizar o trabalho, mas eles falham miseravelmente na execução. Assim que ele aproxima a vara de mim, passeando por minha clavícula, seios, parando em meu esterno, sinto uma imensa corrente elétrica passar por todo meu corpo, meus dentes batem uns contra os outros, o choque nubla minha visão, fazendo minha cabeça pender para trás. O som de correntes se debatendo me fazem inclinar a cabeça em direção a Kiran, que é vigiado de perto por dois homens; seu rosto está furioso, encarando o velho como se saísse dali só para arrancar sua cabeça.

— Vamos conversar, agente Adria? — o velho pergunta se abaixando ao nível de meus olhos. — Diga, seu pessoal já está atrás de você? Quais eram seus planos?

Mesmo zonza, encaro ele nos olhos e então cuspo, bem no meio de sua cara. Ele puxa um lenço do bolso passando por seu rosto.

O tapa é tão forte que me faz virar o rosto, quase como a menina do exorcista, fazendo minha cabeça girar ainda mais tonta. — Garota valente!

Ele puxou meu cabelo na parte de trás do meu couro cabeludo, e eu engasguei quando ele puxou meu pescoço para trás, segurando-me firmemente, ficando com o rosto perto do meu, perto o suficiente para que sentisse seu hálito contra meu rosto.

O homem que aguardava com o balde de água entrega um pano grosso para ele, ainda segurando meu cabelo, forçando minha cabeça pender para trás, coloca o pano em cima de meu rosto tampando minha visão. O jato frio da água caindo não só pelo rosto, mas pelo meu corpo fazem minha pele se arrepiar de frio. Minha respiração é inundada por água, minha garganta arde, assim como água desce pelo nariz a cada pequena respirada que tento dar. Cuspo e engasgo.

O velho tira o pano de meu rosto, segurando firme em meu cabelo.

— Veja Kiran como ela é forte, não se torna uma surpresa você ter visto algo especial nela! É uma pena que você a verá morrer, assim como você.

Olho pelo canto dos olhos para o rosto de Kiran, ele se parece bastante com um animal selvagem naquele momento, o rosto enrugado formando uma verdadeira marca de ódio por toda sua face.

Naquele instante, eu desejei muito estar em poder de uma arma, eu atiraria em cada um deles. Mas nem as mãos eu poderia usar. Deany mancou em minha direção, passando a mão por meu rosto, mesmo eu desviando ele segurou firme pelo queixo, sua mão livre passando pelos meus seios, apertando sem piedade, brincando com o botão de minha calça olhando diretamente para Kiran.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia! — Disse dando o primeiro golpe em minhas costelas, me fazendo me contorcer mordendo os lábios para não gemer de dor.

— Seu filho da puta! Vou te matar! — Kiran se jogou para cima do cara que o vigiava de perto, lhe arrebentando o nariz com uma cotovelada.

— Olha bem, imbecil! Olha o que vou fazer com a sua putinha! — disse Deany.

Kiran se contorce, puxando o máximo que pode as correntes, mas é ineficaz. Deany vem com tudo para cima de mim, fincando a faca perto do osso ílio. Meu grito de dor transborda no ambiente.

Deany se afasta limpando a faca na coxa, indo até a pequena mesa exposta, pegando uma barra de ferro. — Dê um jeito de aquecer, quanto mais quente, melhor.

O capanga confirmou sumindo dali, enquanto Deany veio novamente até mim. — Fique tranquila, docinho. Eu não atingi nenhum vaso importante, nem mesmo um órgão. Mas, nossa! Como doí uma ferida assim!

O capanga retorna, trazendo a barra de ferro com uma luva revestindo sua mão. Ele para em minha frente erguendo minha camiseta, pressionando a barra aquecida e vermelha contra minha pele, queimando a ferida; por mais que tento, os gritos escapam de minha garganta, fazendo Deany sorrir.

— Vamos, garota! Qual é sua intenção ao entrar em meu território? — o velho voltou parando perto de mim.

Eu mantive minha boca fechada, segurando a resposta à sua pergunta. E a cada pequeno silêncio ele dava um jeito de agredir partes distintas de meu corpo, partes que eu não sabia que doíam tanto ao serem atingidas, seja com as mãos, ou a barra de ferro, que por vezes solicitava aos seus homens.

— Então você é o mandante? — pergunto entre os dentes.

— Admiro sua força. — Ele faz um sinal e o capanga me acerta com um soco na costela. — Nem mesmo sei por que insisto, seu comparsa a essa hora está sendo jogado em qualquer parte do deserto, levará dias, senão semanas, para que seu bando descubra o paradeiro. Acredito que nem mesmo uma ligação os ajudaria.

O velho foi calmamente até Kiran, olhando-o com desprezo. — Você, sangue do meu sangue. Traiu sua família por um rato embrenhado em nossos esgotos. Você é uma vergonha!

Kiran foi verdadeiramente surrado por aqueles homens, homens que o temiam, e hoje se aproveitavam para descontar. Nem por um único suspiro ele reclamou, não reclamou quando socaram seu corpo, ou quando Deany o cortou com sua faca. Nada, ele muitas vezes fechava os olhos e assim ficava por minutos, outras vezes apenas me encarava e quando isso acontecia me aquecia, no meio de todo esse inferno onde eu só sairia dali morta. Kiran ou Lobo, me manteve firme, presa em seu olhar, aquecida pela raiva que brilha em seu rosto.


KIRAN


Uma dor cegante atravessa minha cabeça, e meus músculos doem. Revivi por um minuto as surras que Czar adorava me expor, a sensação de queimação nos braços, por estarem muito tempo na mesma posição e da circulação ser menor. A luz fraca pendurada no teto parece como uma chama escaldante em meus olhos. Minha boca está seca, quando me concentro na imagem ao meu redor, noto que tudo está silencioso demais, vazio demais. Tirando os dois pequenos focos de luz, tudo está em completa escuridão.

Inclino-me um pouco nas correntes querendo ver Adria, seu corpo está preso como o meu, sua cabeça pende para baixo, alguns fios de cabelo escuro colam em seu rosto no trajeto que seu sangue faz até o chão. A raiva tomou conta de mim, mas de nada adiantaria esbravejar ou colocar Adria ainda mais em perigo. Quando ela desmaiou de dor, Czar veio pessoalmente me marcar; mesmo o processo sendo doloroso, não abri a boca, aguentei tudo, exatamente como ele me ensinou a fazer, acredito que ele próprio sabia que levar meu corpo ao limite não iria me desmontar, como eu disse, fui ensinado pelo próprio diabo.

Mas ali está a marca em meu peito, a pequena, mas significativa tatuagem, que para as pessoas do submundo quando a virem, reconhecerão na hora. Saberão que eu traí.

— Adria. — Sussurro. — Adria!

Ela se mexe minimamente. — Adria, olhe para mim! — Ordeno.

Quando finalmente me encara só vejo dor e medo refletido em seus olhos. — Fique calma, você é minha, eles não tocarão mais em você, mas preciso que faça algo por mim. Está me ouvindo? — pergunto verificando que ninguém esteja escutando meu monólogo sussurrado.

— Eles vão nos tirar aqui, devem nos levar para qualquer lugar para terminar o trabalho.

Ela me encara com medo.

— Faça exatamente o que eu disser, não tente nenhuma gracinha, você está me entendendo?

Adria confirma olhando para frente, assustada.

Burn se aproxima, saindo das sombras, seus olhos escuros percorrem o corpo de Adria; doente como é, está analisando o que poderia tirar de proveito.

— Não banque o engraçadinho, Burn. Eu posso te matar ainda. — Digo com fúria.

Ele sorri, estendendo a mão para as algemas que prendiam os pulsos de Adria, soltando-as. Ela cai no chão, soltando um gemido baixo. Maldito! Seu corpo está fraco e dolorido. Mesmo sendo uma agente, duvido que tenha passado em suas missões algo do tipo, que tivesse sofrido tantas agressões como sofreu. Ele vai até os pés, repetindo a ação, quando a algema foi arrancada dos tornozelos Adria moveu as pernas, e o grito escapou como um choro de sua boca, o sangue percorrendo os músculos cansados, era a parte cruel da libertação.

Burn buscou uma corda no bolso da calça, amarrando os braços de Adria atrás do corpo, deixando-a jogada no chão. Os dedos nojentos e calejados passando pelos lábios dela, enquanto eu controlo minha respiração pesada e assassina dentro do peito, agora não é o momento, digo isso com frequência para mim mesmo. Atacá-los em seu território não era bom, só nos traria mais surras.

— Prepare-os para o transporte, o chefe quer isto feito o mais rápido possível! — Deany vem em minha direção dando tapinhas em meu rosto. — Quem diria que um dia eu caçaria um lobo!

— Não se vanglorie até ter terminado o serviço! — Respondo com raiva.

— Não banque o valente, senão, o último ato que verá será eu metendo o pau dentro de sua putinha, arrombando todos os buracos dela, que tal?

Sádico psicopata!

— Controle-se, Deany. O chefe não quer mais sujeiras aqui!

Lutter vem em minha direção desamarrando meus punhos das correntes penduradas no teto. Seu olhar me lança o aviso para não tentar nenhuma graça.

— Deany, veja se Try está com o carro pronto. — Lutter ordena.

Ele acompanha com os olhos Deany sair do galpão, virando-se para mim. — Seu filho da puta, você queria foder meu rabo?

Confuso com suas palavras me mantenho em silêncio.

— Escute bem, sei que vai dar um jeito de escapar, por isso não vou ser eu que ficarei no seu caminho. — Ele tira um coldre de faca da cintura, enfiando dentro de minha calça.

— Por que está me ajudando? — questiono, isso pode ser uma grande armadilha.

Lutter me encara fixamente nos olhos. — Porque sei que vai matar todos, assim que sairmos daqui! Em todo instante que eles bateram em você, você se manteve firme, apenas encarando essa mulher. Não sei o que ela é para você, mas conheço o Lobo. Sei do que ele é capaz.

— Já se despediu do seu lobinho, Lutter? — Deany volta rindo.

— Vai se foder, seu maluco! Eu quero mesmo é acabar com isso e me afundar em alguma boceta quente!

— Os dias serão melhores sem você, Kiran. Open de boceta, todas ali, desprotegidas para nós. — Deany disse alto, abrindo os braços como se tivesse prestes a dar um abraço em alguém, gargalhando alto.

— Levante-se! — Try puxa a corda que amarrava os punhos de Adria, dando um tranco em seu corpo, ela se atrapalha em seus pés, Try termina ajudando-a, segurando ao redor de seu bíceps, contendo um pouco de seu peso.

Sabia que as lesões gritariam, especialmente da costela quebrada, mas ela se manteve firme, acompanhando Try até o furgão, deixando-se arrastar pela corda. Ele a coloca para dentro, sentada contra um lado da lataria, Deany senta quase de frente para ela, onde fica encarando seu rosto, sorrindo ao puxar seu queixo para cima, fazendo com que ela olhasse em seus olhos.

Aguente, não faça nada... — alerto em minha mente, sei que isso não serve apenas para Adria, mas principalmente para mim, minha vontade de voar em cima dele, arrebentando sua cara e finalizando o serviço que não concluí, me sobe rapidamente como a bile por minha garganta.

Lutter me coloca ao lado dela, sentando-se ao lado de Deany, ambos de frente para nós.

O caminho é torturante, o que é bom, já que consigo agarrar uma das mãos de Adria, apertando minimamente seus dedos para que não me denuncie. A faca que Lutter colocou em minha cintura agora está em minhas mãos, e conforme o carro balança e a proximidade com Adria, consigo ir serrando aos poucos a corda que prende seus punhos.

— Quem tem medo do lobo mau, do lobo mau, do lobo mau! Lobinho frouxo! — Deany cantarola a velha canção de um livro infantil, rindo ao deturpar a letra.

Lutter se mantém em silêncio, encarando-me nos olhos. Ele sabe que logo irei avançar, sinto apenas por ter que matá-lo depois de me ajudar.

— Vamos, Kiran? Não tem mais o arsenal de ameaças que tinha antes? — Deany provoca novamente.

Mordo a ponta da língua evitando cair nas provocações que ele lança, continuando a serrar a corda ao poucos, agora tudo teria que ser rápido, eles já tinham se afastado do galpão e pelo aumento nas trepidações que o carro fazia, era óbvio que Try tinha deixado a estrada principal. Forço um pouco mais a faca, terminando de serrar a corda, mas o uso excessivo de força faz com que corte sem querer a palma da mão de Adria. Ela me olha por um segundo, segurando firme a faca.

— O problema de você se meter onde não conhece, é encontrar alguém com mais sede de sangue que você. E se ele voltar, sempre será para te matar. — Digo.

Deany franze o cenho para mim sem compreender minhas palavras, completamente distraído, principalmente do que ocorre ao seu redor. Vejo tudo em câmera lenta, Lutter se afasta minimamente de Deany ao mesmo tempo em que Adria salta para cima, ficando a ponta da lâmina no pescoço dele. O sangue espira em seu rosto e em sua blusa, mas ela não para o ódio que alimenta seu corpo é tamanho que dá mais quatro facadas antes de puxá-la contra mim, fazendo-a cair sentada em minhas pernas. Respirando ofegante, seu rosto está repleto de sangue.

O carro para bruscamente, e escuto Try dizer:

— Que porra tá rolando aí atrás?

A porta do motorista abre e se fecha. Encaro Lutter, — Vou precisar da sua arma.

Ele assente, passando a arma destravada para mim, seguro apontando diretamente para a porta do furgão e no momento exato que Try abre, escancarando as duas portas, aperto o gatilho sentindo o pequeno tranco e o barulho da munição cortando o ar, até o momento que ela entra no meio da testa de Try, fazendo-o cair para trás.

Sinto Adria trêmula ao meu lado, seguro seu rosto entre minhas mãos e a arma. — Está tudo bem, vou tirar você daqui. Acabou, ouviu?

Ela confirma olhando-me nos olhos, cedo à vontade quase insana, descendo lentamente meus lábios nos seus, mesmo que ela continue petrificada no lugar, a sensação de sentir sua boca morna na minha é delirante, sugo seu lábio inferior sentindo o animal dentro de mim ronronar, louco para vê-la realmente segura e longe disso tudo. E tê-la somente para mim.

— Termine o serviço, Kiran.

Saio do meu pequeno devaneio, afastando meu rosto de Adria, encarando Lutter.

— Vou precisar do seu celular e da arma. — Afirmo.

Ele tira um pequeno aparelho bloqueado e longe de se rastreável do bolso, e me entrega.

— Posso deixá-lo de volta na estrada ou levá-lo para algum lugar. — Digo.

Ele me olha surpreso. — Você não vai...

— Te matar? Não. — Suspiro levantando, ainda que de maneira curvada pelo pequeno espaço dentro daquele furgão. Puxo o corpo inerte de Deany para fora, jogando-o ao lado de Try. — Você pode ser um merda como eles, mas ainda tem uma chance de consertar tudo.

— Ele irá me matar.

— Verdade. Mas é por isso que terá que ser esperto e sumir daqui. Pegue sua família e suma, troquem de nomes, mudem para um bairro pacato onde todos acreditem na imagem que você vender. Saia do radar de Czar.

Lutter confirma saindo do carro, parando de frente para mim. — E você?

— Sou um bom fantasma.

Ele confirma novamente.

Ajudo Adria a sair do meio daquele caos de sangue. — Entre no carro, vamos trocá-lo assim que possível.

— O que fará comigo? — questiona encarando meu rosto.

— Vou levá-la para longe, se você aparecer no radar dele, Czar não terá misericórdia, vai mandar outros para te matar, outros que não terão a mesmo índole de Lutter, vão arrancar sua cabeça no momento que te encontrarem.

— Eu preciso voltar para o FBI, eles têm que saber o que aconteceu. Até mesmo pelo filho da puta do Luigi, mesmo que eu dê tudo para matá-lo.

— Você irá sair do país. E se ir contra minhas ordens eu vou dopá-la, mas você irá. — Retruco rangendo os dentes.

— Aquelas garotas precisam de mim! — Ela grita.

— Aquelas garotas foram condenadas no dia que entraram ali, você acredita mesmo que Czar irá deixar sua organização no mesmo lugar? Ele já deve ter um plano de contingência, se já não estiver longe nesse exato momento. Acorde, Adria, seu momento de ser heroína, morreu assim que você foi pega por eles!

— O chefe já estava esvaziando o armazém, assim que o informante lhe acusou. — Lutter comunica, me ajudando. — Escute o Kiran, o melhor é todos saírem daqui.

Ela respira fundo, ainda me encarando com ódio. E de repente deu um soco em meu maxilar, quase me derrubando no chão. Coloco a mão no queixo, ainda olhando para ela, mesmo sem protestar.

— Foi a primeira e última vez que mentiu para mim! — Ela apontou com o dedo no meio de meu rosto, desafiadora e nervosa. — Se fizer isso de novo, eu prometo que acabarei com você!

Pelo canto do olho vejo Lutter esconder o riso, comprimindo os lábios.

— Eu ainda posso matá-lo, Lutter — Ameaço, volto meus olhos para Adria. — Vai me matar? — questiono arqueando a sobrancelha.

— Não seria a primeira vez.

Ela sai raivosa, marchando até a lateral do carro, entrando pelo lado do passageiro, fechando a porta com agressividade.

— Boa sorte. — Lutter sussurra, caminhando para o lado oposto.

Sorte. Talvez precisássemos mesmo, já que poderíamos não sobreviver para contar a história, nem ela e nem eu.


BAKER


— Os agentes estão prontos, é só dar o sinal, chefe.

Confirmo com um gesto, terminando de fechar o colete a provas de balas.

— Temos tudo sob controle?

— Sim, senhor. Houve vigília nesse local e movimentação nos dias anteriores, algo está acontecendo e temos pistas para crer que é lá que eles se escondem. Naquela região há um enorme número de galpões e armazéns abandonados.

— Vamos logo, então.

Clain vem correndo até mim, ofegante, para um segundo com as mãos no joelho, tentando recuperar o fôlego.

— Diga de uma vez, Clain, parece que irá explodir.

— Senhor, um homem...deu entrada no Hospital Regional, em nome de Luigi Wenth, seu caso ainda não foi publicado pelos médicos, mas o nome apitou em meu sistema.

— Vamos agora para lá.

— Baker por que não deixa que eu e outro agente vamos até o hospital, enquanto você lidera a operação nos galpões? — Fisher diz.

— Por quê?

— Você está envolvido demais, sabemos que sua busca está com foco na agente Hamer.

— Está enganado, fique com o plano, agente.

— Chefe...

— Já dei minha ordem! — Digo saindo e arrastando Clain comigo.


Acelero o máximo até o hospital, caminho até a recepção pedindo informações e ao ver a relutância da recepcionista mostro meu distintivo.

— Vou levá-los direto ao médico responsável.

Atravessamos alguns corredores, parando em frente a porta de um dos quartos; assim que ela se abre e o médico sai, vejo Luigi deitado na cama, entubado, o corpo repleto de ferimentos e queimaduras.

— Doutor. — Digo mostrando meu distintivo do FBI.

— Agentes.

— O que houve?

— Ele chegou ao hospital muito debilitado, um homem estava passando pela estrada e o viu cambaleando pelo acostamento. Tem feridas de queimadura por ter ficado exposto ao sol, assim como um grande nível de desidratação. Os outros machucados são consequência de alguma luta ou tipo de tortura, nunca tinha me deparado com algo assim antes.

— Ele pode se comunicar? — Clain questiona.

— Ele recobra a consciência por vezes, mas acredito que no momento não conseguirão nada dele. — o médico anda até nós, ficando um pouco afastado do leito. — Esse homem foi vítima de uma selvageria, ele não pode falar.

— Como assim, doutor?

O médico nos encara por um momento. — Ele teve a língua dilacerada, cortaram um pedaço da língua. Mas antes de desmaiar ele escreveu algo para se a polícia procurasse por ele. Pela intimação com seus distintivos ao entrarem, sei que o recado é para vocês.

O médico vai até o pequeno sofá debaixo da janela, trazendo consigo uma folha de caderno. E nos entrega.

“Eles nos pegaram, Adria morta.”

Amasso aquela folha entre meus dedos, sentindo o ódio corroer minhas veias, filhos de uma puta!

— Doutor, tem alguma ideia de quando poderemos conversar com ele? — Clain pergunta tomando a frente.

— Acredito que ele ficará melhor quando acordar, mas não irá falar.

— Sim, eu entendo. Poderia nos fazer o favor de quando o agente Wenth recobrar a consciência entrar em contato conosco? — Clain estende um cartão preto com seus contatos para o médico que confirma com um gesto nos encarando e sai, seguindo para o lado oposto do corredor.

— Baker?

Soco a parede diversa vezes querendo que tivesse ali o rosto da pessoa que fez isso, o rosto da pessoa que arrancou a vida de Adria!

— Eles a mataram. — Anuncio após alguns segundo.


37


Meus olhos se abriram, mas continuei fingindo que estava dormindo. Kiran dirigia no meio da noite, a escuridão ao nosso redor dentro e fora do carro. Apenas o painel e as luzes dos carros seguindo caminho contrário me davam pequenos flashes de seu rosto. Mordi o lábio respirando fundo; o beijo, o atrevido teve coragem de me beijar, aquele lábio quente e robusto encaixando-se no meu, sugando o meu para si...

Reviro os olhos e o rosto, mantendo-me escondida de sua visão. Quando saímos do meio do deserto, voltamos para a cidade, Kiran parou em um pequeno posto de gasolina, trazendo alguns lanches do fastfood para nós, comemos avidamente, estava com tanta fome que ele deu sua metade para mim, rindo do modo que devorava até mesmo as batatas murchas. Dali, trocamos de carro.

Lembro do olhar divertido que ele me lançou antes de ameaçar socá-lo outra vez.

— De uma agente especial, condecorada e indicada para fazer parte da SWAT, virei uma ladrazinha de carro. — Tinha retrucado enquanto Kiran fazia a ligação direta.

Ajeito-me no banco, gemendo devido à dor dos meus ferimentos.

— Vejo que acordou. — Sua voz sussurrada no silêncio do carro continuava sedutora. Uma sedução errada, lembre-se Adria, ele continua sendo um criminoso!

Vejo-o encostar o carro na beirada da estrada, debruçando-se sobre mim.

— Quero dar uma olhada em suas costelas. Não me dê um soco. — diz sorrindo.

Ele empurrou minha camisa para cima, revelando centímetro por centímetro de minha pele, exibindo as contusões. Um grande hematoma e dois ligeiramente menores sobre minha caixa torácica. Seus dedos foram gentis, pressionando a contusão, mas me encolho mesmo assim. Indo para longe de seu toque, segurando um silvo entre os lábios.

— Porra!

Noto que ele cerra os dentes, desliza a mão para baixo, traçando levemente por minha costela. Estremeço. — O que está fazendo?

— Preciso ver se elas estão quebradas. — diz.

— Está aproveitando para me apalpar também? É logico que estão quebradas! — Minha tentativa de parecer durona foi destruída pela voz trêmula de dor.

Ele sorri. — Não preciso disso, quando te tocar novamente vai ser porque você desejou.

Estreito os olhos encarando seu rosto, abaixando a blusa. — Tenho pelo menos três costelas quebradas, todas devem estar no processo de conserto.

Kiran se endireita. — Sabe que teremos que quebrá-las novamente, né?

— Sim.

— Vou procurar um hotel para passarmos a noite, e amanhã, seguiremos viagem.

— Para onde vamos?

— Como disse, tirarei você do país. — Ele retruca, voltando a dirigir, tirando o carro da beirada, de volta para a estrada.

— Tenho uma coisa para fazer antes de ir.

Ele me encara, dividindo a atenção entre mim e a estrada. — Impossível.

— Tenho que resolver uma coisa antes de ir. — Digo de maneira firme.

Sinto-o bufar.

Pego um jornal abrindo na parte de crimes da cidade, mostrando a notícia. Meu nome grande e em negrito no meio da manchete. Entrego para ele, que apoia a matéria sobre o volante, acendendo a luz interna para ler.

— Sei que terá uma cerimônia. Baker não deixaria a falta de um corpo atrapalhar.

— Como pode saber disso? Quem é Baker, seu namorado? — sinto a forma azeda com que ele pergunta, principalmente a última parte.

— Sei porque ele fez o mesmo com meu pai. Meu pai foi morto em uma operação, infelizmente nunca encontramos seu corpo, apenas vestígios, Baker era parceiro dele na época. Sei que ele fará a mesma cerimônia para mim, porque é meu amigo, quase um pai. — Digo num suspiro, virando meu rosto para a janela, encarando a escuridão do outro lado, tão parecida com a escuridão que me corrompeu e se instalou dentro de mim.

— Adria, é muito arriscado, aparecermos assim é como colocar um alvo no meio de nossas costas.

— Eu preciso ir. Se não quiser ir, me deixe em qualquer lugar acessível que me viro.

— Upryamaya zhenshchina! — Diz socando o volante. — Mulher teimosa! — Acrescenta olhando em meus olhos, ao mesmo tempo em que dá meia volta na estrada, retornando para a cidade.

***

Vinte minutos depois, eu e Kiran chegamos na entrada de um hotel barato, ele deixou o carro roubado estacionado, andando rapidamente para dentro da recepção do hotel. Fico impaciente aguardando seu retorno. Acabo respirando aliviada quando vejo-o sair balançando as chaves do quarto.

— Um quarto para não fumantes. — Kiran diz assim que chego perto dele.

As luzes sobre nossas cabeças piscavam e apagavam conforme andávamos pelo corredor, passando por portas e mais portas fechadas. A metade lógica do meu cérebro estava realmente pirando, tinha acontecido coisas tão fodidamente piradas que o fato de me enfiar num quarto desse hotelzinho com Kiran, um possível assassino cruel, era até agradável.

Kiran me encara pelo canto dos olhos como se tivesse lido meus pensamentos, parando de frente para o quarto 305. Ele fecha a porta atrás de nós, dando uma olhada cautelosa pela janela, assim como por toda a suíte. Retira o moletom jogando-o em uma das cadeiras, chacoalhando os cabelos úmidos pela chuva que tínhamos pego.

— Não é como seu apartamento, — diz dando de ombros. — Mas vai servir para o propósito.

— Nem consigo imaginar quantas bactérias têm debaixo desse cobertor. — Sussurro.

— Já fiquei em lugares piores. — diz sumindo em direção ao banheiro. — Pelo menos tem sabonetes e toalhas. — Sua voz sai abafada de dentro do banheiro e logo o barulho do chuveiro ligado chega até mim.

Sento na ponta da cama, soltando um suspiro pesado. Kiran deixou a porta entreaberta e a luz se espalhava pelo chão, subindo pela parede oposta do quarto. De onde estava podia ver o pequeno e fraco reflexo dele dentro do banheiro; mesmo querendo fechar os olhos ou trocar de posição evitando quebrar sua privacidade, meus olhos não obedecem, fico hipnotizada pelo caminho que a água faz em seu corpo, descendo por seu abdômen, trilhando um caminho que muito tempo atrás tinha feito com minha boca.

Desvio os olhos quando a água para, me remexo incomodada na cama; pouco tempo depois, sai vestindo apenas seus jeans. Ele deixa a porta aberta, trazendo o vapor para dentro do quarto. Não precisava de outra olhada para confirmar o que eu sabia, Kiran não só tinha um ótimo físico de suas horas na academia como sabia usar cada parte do seu corpo para satisfazer uma mulher. Merda, Adria! Se minha mãe estivesse viva, diria para que eu controlasse minha periquita!

— Qual lado da cama você quer? — perguntou.

Dou de ombros. — Vou tomar um banho.

Ele me encara por um pequeno instante se jogando onde segundos antes eu estava sentada. — Nervosa?

Viro arqueando a sobrancelha. — Não. — Digo tão confiante quanto pude diante das circunstâncias. E as circunstâncias eram que eu estava mentindo através dos meus dentes.

— Você é uma péssima mentirosa! — diz sorrindo.

Kiran sai da cama com olhos predadores; agora eu consigo muito bem ver o tal Lobo incrustado em sua pele, não só na tatuagem que me encara pelo espelho pendurado na parede atrás dele, mas sim dentro de si. Meu corpo inteiro fica rígido. Minhas pernas não respondem ao comando para se afastar.

Ele para a dois passos de mim, estendendo as mãos lentamente entre nós, tocando o osso de minha clavícula, seguindo dolorosamente lento até meu pescoço; as pontas de seus dedos fazem pequenas cócegas no tracejar. Subindo por minha bochecha, parando em meu queixo. Engulo em seco, com os olhos cravados nos de Kiran, ele próprio respira lentamente, como se uma respiração mais profunda fosse me assustar. O que no caso não seria uma completa mentira.

— É melhor você ir tomar seu banho.

Concordo rapidamente, rompendo o contato visual que fazíamos, correndo para dentro do banheiro, trancando-me ali.

***

Kiran estacionou o mais longe possível, desligou o carro e me encarou. — Tem certeza?

Respiro fundo. — Sim. — Eu odiava cemitérios, odiava aquela aura sinistra que circulava por ali, mas eu precisava disso, precisava encerrar essa parte de minha vida, se as pessoas com que eu convivia estavam prontas para dizer adeus sem ao menos procurar uma única pista, a mim não restava nada. Muito menos ficar ali, naquela cidade, esperando um criminoso vir me apunhalar no escuro.

Aquela Adria, morreu. Eu fiquei cara a cara com a maldade mais crua do ser humano, eu vi de perto o inferno, até mesmo me queimei em seu fogo, descobri que naquele mundo esperança é a última coisa que aquelas mulheres tinham. Não tínhamos nomes, diferenças, nada... Éramos apenas peças no tabuleiro de milhões de dólares para eles.

Não houve distorção do mundo exterior, fui eu que abri meus olhos e vi por trás da cortina espessa entre o certo e o errado, eu que fui inserida em uma realidade tão presente e existente quanto o meu dia a dia, eu que decidi ficar na área cinzenta.

Saio do carro com Kiran bem atrás de mim, seguindo meus passos por entre as lápides, subo uma pequena escadaria me escondendo ao lado de um mausoléu. Faço sinal para que Kiran pare também.

Estávamos um pouco longe, mas as vozes chegam com perfeição até nós.

— Nada mesmo, nem uma pista foi achada dela, apenas sangue em um dos armazéns que Baker mandou invadir.

— Isso é foda, não sei o que é pior, ela ter morrido e estar numa cerimônia sem corpo ou a hipocrisia de Wenth sorrindo ao receber aquelas medalhas estúpidas!

Kiran e eu ficamos escondidos no mausoléu esperando até que as vozes estivessem longe o bastante para que saíssemos do pequeno esconderijo, a fim de olhar o que acontecia mais à frente. Mal percebo que ao ouvir os agentes falando sobre mim tinha pego uma das mãos de Kiran e estava apertando seus dedos entre os meus.

— Obrigado. — Disse abrindo e fechando a mão.

— Desculpe, eu... venha. — Desisto de me explicar e ando mais um pouco, escondendo-me atrás de outra lápide, essa era abrigada por uma imensa árvore, seria difícil nos ver ali.

Baker estava de cabeça baixa, ao seu lado Lilian segurando sua mão; vê-lo deu certo conforto em meu peito, mesmo sabendo que dos muitos que ali estavam, ele e sua esposa eram os únicos que eu realmente sabia que estavam sofrendo. Baker basicamente me viu crescer, esteve junto de meu pai, mais que um irmão legítimo ficaria, assim como Lilian era muito amiga de minha mãe.

Meus olhos recaem sobre Luigi e o ódio toma meu corpo. — Não deveria estar com raiva por ele estar vivo, sabia que ele era um rato, pedi muitas vezes para que o diretor trocasse meu parceiro... — deixo minha voz morrer.

— Ele não foi leal a você, Adria. Em nenhum momento, mas não posso culpá-lo, até os mais fortes já se acovardaram perto de Czar.

Encaro seu rosto. — Sabe que uma hora você vai ter que me contar tudo.

Ele confirma, evitando me olhar nos olhos.

Minha atenção é atraída novamente para o pequeno círculo em volta de um caixão vazio. Baker é o primeiro a colocar uma rosa branca em cima, Lilian vem logo em seguida e as pessoas os seguem, enchendo meu caixão com rosas brancas. Eu mesma coloco uma mentalmente, dizendo que não tem como ser mais aquela Adria, não tem como seguir em frente com a antiga venda em meus olhos, porque hoje, eu aceitei que fico mais confortável na área cinzenta.

— Vamos, temos que ir.

Respiro fundo, deixando tudo lá, virando de costas para o Estado falho, para a segurança tão medíocre que não protege as garotas de nosso país, muito menos tem poder perto de criminosos como Czar.


O restante do caminho é feito em completo silêncio, Kiran não me forçou a falar e eu agradeci, seguindo ao seu lado. Sabia que ele tinha dado um jeito de nos tirar daqui, por isso não me surpreendo ao entrar na pista de decolagem desativada, parando perto de um jato executivo. Shutterst, escrito de maneira grande e brilhante na lateral. Sua porta abre assim que Kiran estaciona, saindo um homem de lá.

Kiran desce, indo de encontro ao rapaz, dando um aperto de mão, era palpável a distância que ambos colocavam entre si.

Saio do carro, caminhando até eles. Não entendo nada do que falam, pelo visto é em russo, seu dialeto é rápido e enrolado, fazendo minha cabeça dar voltas ao tentar adivinhar.

— Adria, este é Orrel, ele irá cuidar de você, tudo que precisar peça a ele.

— Prazer, Adria.

Esboço um sorriso, ainda encarando Kiran.

Ele se afasta do tal Orrel, vindo até mim, novamente deixo que sua mão percorra do meu pescoço até minha bochecha, onde seus dedos param, segurando meu rosto. — My skoro budem vmeste, moya devochka.

Fico olhando, esperando que ele traduza o que acabou de dizer, mas singelamente sela meus lábios com os dele e apenas sussurra antes de dizer. — Nos vemos em breve. Não ouse socá-lo se fizer algo e não se separe dessa bolsa. — diz entregando-me uma pequena mala de viagem.


KIRAN


. — My skoro budem vmeste, moya devochka. — Foi a última coisa que disse antes de vê-la entrar no avião. — “Nós estaremos juntos em breve, minha garota”.

— Tome conta dela. — Ameaço.

— Pode deixar, logo entrarei em contato, meu chefe já escolheu o serviço que deseja. Espero que goste de praia. — Orrel brinca, me entregando uma pasta.

Claro, um traficante de armas iria querer o quê, além de matar um possível concorrente?

— México. — Afirmo.

— Beba umas tequilas está precisando. Está horrível!

— Orrel! — Alerto.

Ele se vira caminhando de volta para o avião rindo de minha falta de paciência. Ou de seu humor sádico para a quase morte.


Playa del Carmen. Coloco os óculos escuros no rosto, sentando no pequeno quiosque de palha, os coqueiros baixos, os quiosques de bebidas espalhados pela areia branca, além do mar, tão cristalino que dava para ver os peixes nadando ao seu redor.

— Buen día, señor Walsh, Un hermoso día para disfrutar de la playa.

— Sim, Helga. Ontem fiz aquele pequeno passeio pelo centro. — Digo em inglês. Apesar de Helga manter seu espanhol com os fregueses compreende muito bem quando falamos em inglês.

— Pero veo que volvió de nuevo solo, em todos estos días no encontro ninguma mujer para calaentar sus sábanas?

— Você é uma mulher abusada! — Digo.

Helga entra na brincadeira requebrando seu quadril em minha direção. — ¿ Lo mismo de siempre?

— Sim, por favor.

Analiso a praia mais uma vez, vendo meu alvo chegar acompanhado de uma loira escultural. Pelo visto, esse sim tem muito acalanto em seus lençóis! Guizar Valencia, ou como é conhecido em seu trabalho “Z43”, tem várias ordens de prisão por acusações de tráfico de drogas e armas, líder do cartel mexicano e ao que parece, não está muito preocupado com o fato de que a polícia está à sua caça, lógico que seriam poucos que se aventurariam para pegá-lo aqui, no quintal de sua casa, literalmente.

A questão é que Guizar pisou na bola com Axel Bergstedt, chefe do Orrel. Com meu pedido de favor para tirar Adria dos Estados Unidos em segurança, virei uma espécie de carta marcada, um pequeno código que criminosos usavam para dizer que a pessoa devia favores. E lá estava eu, estudando meu alvo, analisando depois de quantas bebidas ele saía totalmente trôpego da praia, sempre acompanhado de uma mulher, seguindo para sua casa à beira mar.

Eu poderia achar que o fato dele estar sentado na praia tranquilo, admirando e aliciando as curvas de sua acompanhante, que seria um alvo fácil, poderia colocar até mesmo uma pequena dose, nada mais que 0,04 nanogramas da toxina botulínica em sua bebida para que ele começasse a sentir paralisia respiratória e por consequência a morte, já que esse veneno age diretamente no sistema neurológico da vítima. Como ele não saberia o que o atingiu, não poderia administrar com rapidez o antídoto, a antitoxina trivalente equina.

Respiro profundamente, bebendo a bebida deixada sem que eu percebesse pelo garçom de Helga.

Mas sei que tudo que é passado para Guizar, primeiramente passa por seus homens escondidos, no caso eu não envenenaria meu alvo e sim um de seus homens, causando alarde e ele fugiria para se esconder.

Entrar na casa seria um pouco mais difícil; como eu sabia, os homens de Guizar estavam escondidos entre as pessoas, discretamente vestidos de turistas, apenas de olhos no chefe. Percebi isso depois da terceira vez que ele esteve nesta praia, um simples movimento entre os pedestres chamou minha atenção, confirmando minhas suspeitas.

Mas como todo homem ganancioso e prepotente, Guizar tinha sua falha: ele amava as mulheres e não se contentava em ficar apenas com uma, indo ele mesmo à caça no pequeno centro da Playa del Carmen. Ali seria minha melhor chance, um pequeno esbarrão, suficiente para que injetasse minha droga em seu corpo e pronto, ele cairia duro, seus homens atestariam que foi apenas um derrame, ou um infarto, pela quantidade de heroína e álcool que ele consumia.

Retiro o celular do bolso da bermuda florida de turista que visto, atendendo no terceiro toque.

— Serviço feito?

— Agradável como sempre. — Digo ainda de olhos em meu alvo.

— Entendo porque você se apaixonou por ela. — Orrel retruca do outro lado da linha.

— Se você tocou nela, eu juro...

— Guarde suas armas, primo, não fiz nada. Mas ela é como Baba Yagá22, pronta para me devorar.

— Deixe de ser medroso. Tudo correndo conforme o plano? — pergunto.

— Sim, ela está segura.

— Ótimo, logo estarei retornando. — Digo encerrando a ligação quando meu alvo se levanta, puxando a loira para si, saindo da praia. Espero um segundo, indo até o pequeno bar que Helga tem montado no meio da praia entregando o copo vazio.

— Usted tiene el corazón ocupado.

— Por que diz isso? — questiono ainda olhando meu alvo se afastar da praia.

— Porque Helga se da cuenta, y nadie nunca le toco como esa muchacha.

— Deixe de bobeira! — Digo com um sorriso no rosto.

— ¿ El hombre tonto, todavia volverá mañana?

— Sim, venho me despedir de suas bebidas.

Saio do pequeno quiosque de palha, pegando minha toalha na cadeira, jogando-a sobre o ombro seguindo para o centro, atrás de meu alvo. Em meu bolso, a seringa com a pequena quantidade de botulínica. Ando pelo centro admirando as pequenas barracas com peças produzidas pelos moradores locais, exatamente como Guizar faz mais à frente, a loira está tão deslumbrada pela ideia do dinheiro fácil que o arrasta para ver todo tipo de quinquilharia que vendiam, brincando no meio de lenços e chapéus extravagantes. Noto dois homens do lado oposto prontos para agir caso algo aconteça com ele, mas para quem é menos observador, eles não passam de turistas entediados.

— Preciso ir ao banheiro. — Escuto a voz fina e irritante da acompanhante dizer; ele sorri concordando, vejo um simples gesto que dá aos seus homens dispensando-os de segui-los. Essa é a chance perfeita, compro o bendito chapéu que o mexicano enfia praticamente em minha cara. Entrando no restaurante que eles entraram, atravesso o espaço repleto de mesas, seguindo para os fundos. Guizar ainda se agarrava com a loira no corredor dos banheiros, retiro a tampa da seringa ainda em meu bolso, escondendo-a em minha mão.

— Ui, fomos pegos! — A loira ri ao me ver entrando no corredor.

Sorrio colocando a melhor cara de homem safado no rosto, compadecendo com Guizar.

— Posso disser que os banheiros estão ocupados. — Digo em meu espanhol arrastado, mesmo sabendo que eles me entenderiam em inglês.

Guizar sorri apertando a bunda quase nua de sua acompanhante. Acertando um tapa, fazendo-a andar em direção ao banheiro masculino. Aproveito seu braço exposto para aplicar o veneno e quando ele reage à picada, me encarando ao me ver ajoelhado, aparentemente pegando algo do chão, peço desculpas dizendo que foi meu chapéu. Ele sorri acreditando, na verdade, esse chapéu além de ser espalhafatoso, tinha pequenas pontas de palha soltas ao redor.

Quando ele dá o primeiro cambalear, colocando as mãos na cabeça sei que em poucos segundos estará agonizando.

A loira volta desesperada, sacudindo o peito gordo de Guizar, pedindo socorro, mesmo que seja inútil. Aproveito a comoção dentro do restaurante para usar a saída dos fundos, me livro do chapéu e da camisa, e do short florido, ficando apenas com a regata branca, aderindo ao visual de sunga, seguindo no sentido contrário a toda a confusão.

“Está feito.” — envio a mensagem para Orrel.


39


Meu coração estava batendo em minha garganta quando entrei no avião. Eu estava em uma lata a 12 mil quilômetros de altitude com um completo estranho ao meu lado. Mal ousei respirar enquanto estávamos no ar. Dispensei todo tipo de conversa que ele tentou comigo, olhando sempre para a pequena janela ao meu lado. Por um momento, ele desistiu, indo se sentar no fundo do avião, e eu pude respirar aliviada.

Eu mal consegui dormir nas sete horas que levou para o avião chegar ao solo. Mesmo não querendo me render, eu estava preocupada com o fato de Kiran ter ficado nos Estados Unidos, ele estava sendo tão caçado quanto eu a essa altura.

— Vamos, garota problema. Vou deixá-la em segurança. — O tal do Orrel diz sorrindo ao parar ao meu lado. — Bem-vinda a Dingle!

— Dingle? — questiono.

Orrel se vira sorrindo, — Sim, Irlanda. Talvez não a Irlanda que todos procuram para suas viagens, já que todos procuram por Dublin, mas esse mísero pedaço de terra esquecido por Deus.

Ele abre a porta de um carro estacionado do outro lado. — Quer um convite real?

— Você chama isso de carro? — pergunto olhando com descrença para o carro minúsculo, com todas as dúvidas se ele aguentaria nos levar para onde quer que fosse.

— Confie em mim, pode parar um pouco nas subidas, mas chegaremos lá.

Dingle era verde e rochoso, a pequena estrada ao nosso redor era cercada de pedras. A vista era deslumbrante, as montanhas rochosas, a água ao fundo. Realmente a cidade parecia mais uma vila grande do que uma cidade, o centro era pequeno, exatamente como imaginei que seria caso um filme fosse filmado aqui. Depois de passar por mais um monte de rochas e estradas com pequenas poças d’água que espirravam lama no vidro do carro assim que passávamos, Orrel subiu uma pequena entrada, parando perto de uma casa à beira da água.

Uma senhora saiu de dentro da casa, com uma pequena cesta nas mãos. Orrel saiu do carro indo até ela, faço o mesmo, caminhando devagar pelas pedras, sentindo cada pequeno passo em minhas costelas doloridas.

Eles se comunicam em seu idioma, assim como Kiran tinha feito antes de se despedir de mim.

— Isso é arte sua? — a senhora dá um tapa na nuca de Orrel.

— Made, ad23! Isso não é encrenca minha!

Ela o encara por um segundo. — Qual seu nome? — pergunta se virando para mim.

— Adria.

— Entrem, logo começará a chover novamente, Deus sabe que esse tempo está maluco.

Ela me analisa, e sei o que ela vê, uma mulher com roupas esfarrapadas, até mesmo um pouco manchadas de sangue, assim como os hematomas espalhados pelo meu corpo.

Sua casa não era grande, mas quente e calorosa, uma enorme lareira aquecia a sala.

— Acho que tenho um quarto disponível para você.

— Ela precisa de um abrigo até seu queridinho aparecer.

— Kiran? — A senhora pergunta surpresa, virando-se para mim.

— Sim, é a protegida dele. — Orrel diz me olhando com um sorrisinho torto. — Por que a cara de espanto? Kiran foi criado por Madeleine, seria meio óbvio se não mandasse você para cá, é o último lugar que aquele satã do Czar viria te procurar.

Madeleine coloca as mãos sobre a boca. — Vou acompanhar você até o quarto, a casa é modesta, mas estará segura aqui. Quanto a você seu gryaznaya svin’ya24, suma daqui!

Orrel foi dançando até a fruteira, pegou duas maçãs e saiu correndo como um menino travesso quando Madeleine correu em sua direção com a mão armada para esbofeteá-lo.

Segui a senhora para dentro da pequena casa, ela entrou no quarto dos fundos, ajeitando a cama e sorrindo. — Aqui ficará bem, tem um banheiro e se sentir muito frio, uma lareira. Dingle pode ser cruel durante as noites.

— Obrigada.

— Pelo visto você não comeu nada e não tem roupas! Aquele merdinha esqueceu completamente a criação que lhe dei! — diz resmungando; ela sai do quarto, escuto barulho de portas se abrindo e fechando, e os passos pesados dela pela casa. — Aqui estão umas peças, são velhas e gastas, assim como eu. Mas servirão.

— Muito obrigada. Eu posso fazer uma pergunta?

— Claro, menina.

— Você conhece bem o Kiran, eu vi...

Os olhos dela ficaram marejados.

— Kiran é meu menino, mas mudou muito quando Czar colocou as mãos nele, era tão inocente, mas cresceu e com isso veio o interesse do pai. Se é que podemos chamar aquele d’yavol de pai! Porém, isso é assunto para depois, tome um banho tire essas roupas imundas e venha comer.

Confirmo com um gesto, sorrindo para ela.

Duas horas mais tarde, eu olhei para meu novo reflexo no espelho. Peguei uma tesoura com Madeleine e cortei meu cabelo que sempre estivera longo; agora, estava um pouco abaixo do ombro. É claro que isso não impediria as pessoas de me reconhecerem, a menos que passasse por algum método cirúrgico, mas iria camuflar durante um tempo. Também não tinha a intenção de me esconder para o resto da vida, muito menos ficar aqui esperando qualquer um aparecer. Poderia me virar com a quantia de dinheiro que Kiran entregou para mim e o celular descartável. Não poderia movimentar meu dinheiro, pois iria criar rastros de onde estou. Mas acima de tudo, eu queria vingança, matar Deany não foi o suficiente para mim, aceitar o fato que eu tinha fugido, protegida por Kiran enquanto aquelas garotas sofriam não era o que eu gostaria de me lembrar a cada vez que deitasse minha cabeça no travesseiro. Mas eu sabia que essa parte nunca sairia de mim, os gritos, os socos, sempre que fechava meus olhos e respirava profundamente sentia a respiração daquele verme sobre mim, viva, presente, como se estivesse aqui. Suas mãos percorrendo meu corpo...

— Você é minha. Ninguém encostará em você. — Kiran tinha dito.

— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia!

A porta do quarto se abre, e me faz pular de susto, tirando a arma que Kiran tinha me dado da cintura, apontando no meio do rosto vermelho de Madeleine.

— Sabe menina, — A voz de Madeleine falhou pelo susto. — Acredito que devemos chamar um médico para ver esses hematomas.

— Não. Ele fará perguntas, e isso atrairá atenção, logo, é tudo que não quero.

Visto o casaco pesado sobre a cama, escondendo meus ferimentos de seus olhos, os olhos azuis envoltos por rugas pela idade eram questionadores, varriam meu rosto e meu corpo.

— Que eles queimem no mais profundo inferno!

— Eles queimarão. Muito em breve. — Sussurro minha ameaça velada.

***

Os dias se passam de maneira lenta, não que tenha alguma coisa extraordinária para fazer, todos os dias Madeleine seguia a mesma rotina, acordava bem antes do sol nascer, cuidava das galinhas e colhia algumas verduras no quintal. Depois, as panelas começavam a chiar e assim ficavam até o jantar. Às vezes, quando eu acordava de manhã, não tinha certeza de onde estava, às vezes eu até mesmo pensava que estava de volta aos Estados Unidos. E por vezes, os gritos em minha mente eram tão fortes, tão perturbadores e as mãos passando pelo meu corpo eram tão ásperas e nojentas que mal conseguia respirar.

Muitas vezes eu acordava sem ar, suando frio, sentindo dor em meus ossos. Não tinha me imposto uma rotina, ajudava Madeleine em casa com algumas tarefas, mas no restante do dia passava explorando a cidade, sempre olhando ao meu redor, parecia que o medo de ser seguida ou caçada nunca iria parar, o que fazia os pesadelos virem cruéis para cima de mim.

Entro em casa deixando sobre a mesa de jantar os legumes que tinha acabado de colher antes da chuva cair como um pequeno dilúvio do lado de fora. A panela chiava com algo borbulhando dentro do caldeirão e a cozinha sinceramente fedia a galinha e pimenta.

— Espero que você não seja vegetariana.

— Não.

— Logo o solyanka25 estará pronto.

— Madeleine, eu vi uma fotografia de um garoto. Você tem filho? — questionei meio sem graça. Não queria que ela pensasse que estava sendo abelhuda.

Ela sorriu. — Não de krov’; “de sangue” como vocês costumam dizer. Mas sim, considero Kiran como meu filho, é ele que você viu nas fotografias, meu menino mirrado.

— Ele é filho de Czar?

Aquilo parecia tão surreal para mim, de todos os homens que nunca imaginaria com compaixão para se ter um filho, Czar com certeza não estava nem em último na lista.

— Kiran foi adotado pelo senhor quando ainda era muito novinho, foi encontrado com fome e frio na rua, um mendigo pobrezinho. Criei Kiran como filho, Czar, sempre esteve solteiro depois que a senhora faleceu. Que Deus me perdoe, mas ela está bem melhor agora do que ao lado dele, a pobrezinha apanhava dia sim e outro também daquele satã.

— Kiran sempre... você sabe?

— Nunca, devushka!

— Devushka? — pergunto tentando reproduzir a pronúncia correta.

— Menina, perdão. É o costume. Meu menino Kiran era um amor de criança, mesmo novinho nunca deu um trabalho, mas quando foi se tornando um rapazola forte, senhor Czar fincou os olhos nele como uma águia faminta. O menino sumiu por dias e quando voltou não tinha mais nem uma sombra de alma em seu corpo, ele foi sugado, pouco tempo depois estava seguindo o pai como um de seus homens. E então eles se mudaram, foram para a América.

— E o Orrel? — pergunto ainda mais curiosa.

— Aquela merdinha é sobrinho de Czar, seu pai foi morto quando ainda era um menino e basicamente corria atrás do tio, ansioso por aprender tudo que ele poderia ensinar.

— Aposto que não foram bons ensinamentos. — Afirmo baixinho.

— Até mesmo o satã é um bom professor, minha querida.

— Madeleine, você acredita em redenção? — faço minha última pergunta pensando especialmente em Kiran, nos momentos que passamos juntos antes de toda essa loucura acontecer, antes de sermos brutalmente corrompidos, antes de me ferirem tão fundo que o único sentimento que floresce dentro de mim seja vingança.

— Kiran ama você, se é isso que está com dúvidas, se um dia meu menino arriscou a cabeça, contra até mesmo o pai e tudo que foi ensinado e punido para fazer durante a vida... Então, garota, você é especial para ele. Mas ele é especial para você? — ela questiona se levantando da mesa, dando atenção para suas panelas.


KIRAN

 

— Não seja um covarde. Acerte logo esse bicho no meio do crânio!

A fumaça de seu charuto me cegava e fazia tossir. Sempre odiei aquela fumaça, aquele gosto amargo que ficava no fundo da garganta quando inalava aquilo.

— Madeleine quer cervo para jantar, então você matará!

O cervo parou de comer, encarando-me com olhos assustados, mas não fugiu. Ele poderia ter fugido. A arma em minhas mãos tremia, o que fazia somatória ao seu peso e eu mal conseguia segurá-la.

— Papa, não quero machucá-lo. Made vai entender. — Contive o choro que esmagava minha garganta, homens não choram e meu pai me daria uma surra se visse uma lágrima saindo de meus olhos. Mas só de imaginar eu atirando na cabeça do pobre cervo e o sangue banhando sua pele já sentia meu estômago pronto para vomitar.

Os dedos de meu pai se fincaram com mais força em meu pescoço. — Vamos!

Fuja! Fuja! — dizia em minha mente, mas o cervo estúpido ficava ali, dando boas-vindas para a morte.

A arma foi tomada de minhas mãos, papa engatilhou e o disparo foi feito. O pobre cervo nem teve tempo de pular para longe, meu pai era bom naquilo, já tinha o visto atirar em um homem, ele era bom.

— Procure outro! Só sairemos daqui quando você matar seu próprio cervo! — diz empurrando a arma para mim. — Seja homem, Kiran!

Merda de recordações! Merda de lembranças!

Estava na hora de buscá-la.

***

Ando pelo centro de Dingle despreocupadamente, não preciso procurá-la, sinto em meu corpo, sinto espalhado em minhas veias quando Adria está perto. O tempo frio faz com que as pessoas apertem seus casacos em torno de si, protegendo-se do frio e do vento cortante que atravessa as ruas estreitas.

Já havia passado na casa de Madeleine e sabia que Adria estava pelo centro, mas mesmo sabendo que uma hora ou outra eu cruzaria com ela, não fui capaz de diminuir a vontade de tomá-la para mim, assim que a vi virando a esquina, a rua estava apenas iluminada pelas luzes do poste e ela torcia constantemente o pescoço olhando para trás, aquilo me colocou em alerta. Orrel não tinha dito nada sobre ela estar em perigo, muito pelo contrário, fiquei um tempo longe acreditando fielmente que ela estava bem.

Entro num pequeno beco entre as lojas ainda com os olhos colados em Adria, apesar do gorro na cabeça ela tinha cortado seus cabelos e algo no jeito como se movimentava ou como eu via seus punhos se fecharem dentro do bolso do casaco irradiava raiva, irradiava medo. Assim como eu, quando tocados pela podridão do mundo, quando vislumbramos entre o famoso preto e branco, certo e errado, somos modificados, algo se perde no caminho. Eu só desejava que ela não tivesse se perdido.

Ela não me viu sair do beco, parando no meio da calçada, por isso seu corpo se chocou com o meu; segurei firme em sua cintura, evitando que nós dois caíssemos. Mas aquilo a assustou, seu corpo tremia e se debatia em meus braços, Adria dá um pisão forte em meu pé fazendo com que eu a soltasse e ao olhar para cima estava dois passos para trás com a arma apontada para mim.

— Eu deveria matá-lo! — Diz apontando a arma no meio de meu rosto.

— Sim, você deveria. — Sussurro.

Nossos olhares estavam fixos, cada pequeno gesto que ela fazia era captado por mim, a leve comprimida nos lábios que deu ou como engolia em seco, totalmente apreensiva, ou como por detrás de todo o ódio em seu olhar tinha um desejo, um fogo.

— Mas sabemos que não vai. — Digo caminhando lentamente até ela, parando tão perto que sentia o metal frio da arma tocando meu nariz.

Aquele pequeno segundo de excitação era tudo que eu precisava, arranquei a arma de suas mãos, guardando no cós de minha calça. Puxando Adria para mim, nos enfiando no pequeno beco escuro, prensando seu corpo na parede de tijolos. Reivindiquei sua boca em um beijo feroz que a fez ofegar, minha língua deslizou entre seus lábios e mesmo com a relutância dela, sua boca se abriu recebendo a minha. Suas mãos encontraram caminho até meu cabelo, puxando, juntando e querendo mais perto e até mesmo querendo me empurrar para longe. Adria enfrentava suas próprias batalhas, assim como eu, mas o lobo sedento de saudade daquela boca, sedento de sentir seu corpo em minhas mãos pedia, exigia mais.

Agarro sua cintura, erguendo-a, suas pernas demoraram para se enrolar em minha cintura, meu corpo queimava em luxúria, meu pau reivindicava sua atenção, roçando na intimidade de Adria, fazendo-a derreter um pouco mais.

Por um momento, eu queria de forma tão ofuscante transar com ela, mostrar que ela pertencia a mim, queria fazer amor com ela, com tanto desejo que esqueceria todo resto. Mas a visão de vê-la amarrada quase sendo abusada por Deany vem com força em minha mente, agarro sua cintura, fazendo-a soltar as pernas, apoiando-a sobre os próprios pés. Meus dedos roçam sua pele macia, tocando seu rosto, feliz por não ter mais nenhuma marca do que sofreu.

Somente minha, de agora em diante. — Penso antes de interromper nosso beijo.

Ela ficou tensa, sinto. Não lutou ou questionou porque parei, não fez nada.

— Vamos para casa. — Digo calmamente, seu pulso acelera sob meus dedos, ao descer a mão sobre a sua, juntando-as. Ela não retirou a mão como esperei, muito pelo contrário, continuou com nossos dedos entrelaçados ao caminhar para longe do centro de Dingle.

***

Ainda lutava contra o sono, me revirando no pequeno sofá que Madeleine disponibilizou para que dormisse.

— É bom tê-lo aqui, menino.

Ergo a cabeça, segurando o riso ao ver Madeleine como me recordava na infância, os bobes no cabelo, o roupão apertado no meio da cintura e as meias altas nas panturrilhas.

— Por favor, Made, tente não tomar um tiro caso use aquela sua máscara de dormir!

Ela estreita os olhos me xingando em russo de nomes bem cabeludos a caminho de seu quarto. A porta do quarto onde Adria dormia estava entreaberta, se apurasse meus ouvidos poderia escutar ela se remexendo na cama, assim como sua respiração pesada.

Levanto do sofá, caminhando silenciosamente até a porta, espreitando por entre a fresta. Ela estava virada de costas para a porta, as cortinas abertas traziam a luz da lua até ela, assim como podíamos escutar o pequeno vai e vem da água batendo nas pedras.

Entro no quarto, amaldiçoando uma tábua que range ao meu peso; inferno de casa velha! E então, lá está, Adria me olhando diante da escuridão.

— Desculpe, só queria ver como estava.

— Não consigo dormir. Vem.

Seu pedido me petrifica, fico parado no lugar analisando se tinha ouvido direito.

— Vem. — Pede novamente.

Eu estava completamente e totalmente ferrado com essa mulher.

Entro debaixo das cobertas e as puxo até o queixo, a cama de solteiro não deixa muito espaço para mim, fazendo com que metade do meu corpo pendesse para fora. Ela se aninha de costas, respiro fundo sentindo o calor do seu corpo ondular até mim.

— Nem sequer pense nisso. — diz calmamente, em advertência.

— Não tenho controle sobre isso. — Rio contra seu pescoço, pensando nas coisas mais broxantes que poderia nesse momento.

Ela mesmo ri, se aconchegando melhor na cama. Sua respiração lentamente se torna profunda e seu corpo amolece contra o meu.


Estava tendo um sono sem sonhos, eram raros os momentos que eu tinha sonhos, nem mesmo pesadelos, mas algo mudou, a impotência selou meus braços, um peso enorme se fez em cima do meu tórax, uma mão fina agarrava meu pescoço, fincando as unhas em minha carne, mas foi o primeiro soco que realmente me acordou.

Adria tentava me estrangular com uma das mãos enquanto a outra desferia socos para todos os lados, os gritos de medo preenchiam o quarto. Viro de posição com dificuldade, jogando-a no colchão ao meu lado, vendo que ela estava dormindo. Era um pesadelo.

Seu corpo convulsionava, sofria espasmos e lutava contra algo ou alguém que lhe fazia mal. Na tentativa de acordá-la, balançando seu corpo enquanto chamava seu nome, balanço-a suavemente, mas ela firma ainda mais o aperto em minha garganta acertando um soco em meu nariz.

— Porra! — digo sentindo o líquido quente escorrer. — Adria! Pare! Pare!

A mulher tinha virado uma máquina de matar, estava realmente conseguindo me asfixiar e eu estava lutando em controlar minha força para que não a machucasse. Encaixo dois dedos atrás do osso de sua clavícula fazendo um pouco de força, o que faz com que ela recue e solte meu pescoço. Adria abre os olhos, desorientada e perdida. Dando uma olhada ao redor, percebendo que estava em cima de mim e o que tinha feito.

— Quanto tempo faz que realmente não dorme? — pergunto constatando o óbvio. Adria vinha tendo pesadelos, lógico que sua forma de os combater seria não dormir ou doutrinar seu corpo para que não entrasse no estágio mais profundo do sono, onde sua mente literalmente voava livre.

Deito seu corpo ao meu lado, firmando meu braço ao redor de sua cintura, sua cabeça descansa sobre meu ombro, assim como sua respiração vai aos poucos se acalmando.

— Mil desculpas, Kiran. — Ela cochicha, envergonhada.

— Não peça. Há quanto tempo você não dorme? — pego-a pelo queixo fazendo uns carinhos ali.

Ela faz um sinal de negativo com a cabeça, saindo de meus braços. — Não muito. Quero voltar.

Sento na cama ainda encarando seus olhos. — Adria, sabe que isso é como colocar um imenso alvo nas costas, certo? Matamos homens dele, somos uma ameaça ao seu império sujo.

— Eu tenho assuntos a resolver.

— Aquelas garotas estão perdidas, já disse isso. Deixe de ser teimosa! — Retruco irritado.

— Mesmo que eu salve aquelas meninas, mesmo que eu tire todas do poder dele, isso nunca acabará, ele sequestraria novas garotas, sempre teria uma nova Adria sofrendo nas mãos dele. — Adria respira fundo, olhando em meus olhos. — Eu quero vingança, eu preciso de vingança. E isso só será capaz se eu arrancar a cabeça da cobra, não adianta matar apenas os filhotes!

Eu sabia o que ela estava querendo dizer, Adria queria a cabeça de Czar na bandeja, sinceramente seria um plano inútil, em todos esses anos nunca vi um inimigo chegar sequer perto dele. Eu não estava disposto a perdê-la por um plano maluco.

— Vingança é um caminho sem volta. — Digo sério. — A partir do momento que você apertar o gatilho contra alguém, sua alma se perde, você não será mais a Adria, você não conseguirá viver com isso; conseguiria viver com sangue em suas mãos?

— Eu não sou a mesma e já tenho sangue em minhas mãos.

O silêncio domina por alguns segundos. Até que eu o quebro. — O que você planeja?

— Quero que o FBI saiba exatamente o que acontece ali, o que acontece com aquelas garotas, quero que cada galpão imundo seja invadido. Tenho uma pessoa de confiança e preciso da sua ajuda para isso.

— Você tem noção que se eu aparecer, se deixar de ser um fantasma serei o primeiro a ser preso? Adria, eu posso ser até humano com você, mas já fiz muitas coisas ruins, se você acha que tem sangue nas mãos... — Solto um pequeno riso irônico. — Eu tenho um passado, nada bonito, nada limpo ou moralmente aceito como o seu. Fui criado pelo demônio e por muitos anos segui seus passos.

— Não quero que seja preso, só preciso que envie pistas, pistas exatas de como eles podem chegar até eles, Baker irá saber que sou eu, ele saberá interpretar as pistas.

Respiro fundo, deitando na cama, colocando o braço sobre os olhos. Aquele plano era insano e poderia dar tudo errado, inclusive, eu perder Adria para sempre.

Sinto o colchão se mexer e o calor do seu corpo perto do meu, sinto que está chateada, provavelmente pensando que não aceitaria seu plano. O que essa ved’ma26 não sabe é que eu voltaria para o inferno por ela.

— Eu vou com você. Por raios, vamos executar esse plano maluco! — Sussurro na escuridão segurando a mão de Adria debaixo do cobertor.

— Como você... — disse no escuro, fazendo-me abrir os olhos, abandonando o sono.

— Como eu vivo com tudo isso? É difícil ver as coisas extremamente como erradas e certas, sei tudo que fiz de errado e cada alma que mandei para o inferno. Algumas mereciam estar ali, outras tenho marcas de arrependimento até hoje. No final, você aceita que não é mais como as pessoas que vê nas ruas, no fim, aceita que ultrapassou a linha tênue e sobrevive.

Ela se vira, de frente para mim no escuro. Eu podia ver o branco de seus olhos e o contorno de sua cabeça, mas não muito mais que isso. — Agora entendo porque todos te chamam de Lobo.

— Ele é uma parte de mim, um monstro que habita meu ser, o mesmo imã que há em mim, puxando-a para a escuridão é o mesmo que há em você e me puxa para uma parte mais luminosa.

— Quantos anos você tinha?

Apoio a cabeça em meu braço, a ponta de meus dedos correndo livres por seu braço, gostando do arrepio que sua pele apresentava. — Perto dos onze anos, Czar descobriu que abriguei um cachorro de rua, poucos dias depois o cachorro apareceu sem cabeça no meio do quintal.

— Que coisa horrível!

Sinto meus pensamentos distantes, passando por lugares e lembranças que há muitos anos não venho visitando. — Nesse dia tomei uma surra tão grande que levei um bom tempo para me recuperar. Mas ele já mostrava pequenos indícios do que queria para mim, durante a infância.

Sinto ela reprimir a respiração.

— No início eu queria provar para meu pai que não era um bastardo, queria que ele me visse como seu igual, não como um menino franzino que tirou das ruas, queria provar que era forte e uma vez que comecei a ser temido até mesmo por seus homens, homens mais velhos que eu, parecia um desperdício desistir.

— Deixe esse assunto para lá, moya devushka. — Sussurro perto do seu rosto.

— Garota! Você me chamou de “sua garota” aquele dia e agora. — Ela diz.

Sorrio em meio a escuridão. — Made andou ensinando algo a você!

Dou um beijo demorado em seus lábios, sentindo vontade de agarrar seu corpo... e mesmo que as mãos de Adria tenham novamente se embrenhado em meu cabelo, eu interrompo. Respirando fundo e agradecendo pelo milagre do autocontrole.

— Durma bem, moya devushka.


Não sabia em que momento as coisas tinham se invertido, em que momento Adria veio sedenta para cima de mim, segurando meu pescoço e enfiando a língua dentro de minha boca, para de forma veemente, acariciar e roçar seu corpo no meu, como se quisesse fazer fogo com o atrito que causava. Minhas mãos foram para suas nádegas, puxando uma de suas pernas para cima de meu quadril, fazendo um pequeno círculo com o quadril, roçando em sua intimidade, apenas cueca e calcinha nos separavam de um contato direto, mas nos esfregávamos como se tivéssemos um dentro do outro. Parecia mentira vivenciar isso depois de sair de um tornado repleto de abusos e agressões. Empurro meu corpo contra o dela, beijando seu pescoço, sugando seu queixo e sua língua. Pressionando o quadril na intimidade de Adria.

— Tem certeza? — pergunto ofegante.

Horas antes ela estava imersa em pesadelos, não queria... porém, assim como cortou meus pensamentos, Adria calou minha boca, puxando-me para ela, soltando sua feitiçaria sobre mim. Não me preocupei em tirar a calcinha dela, arranquei-a assim como fiz com minha cueca, passando meu pau por sua entrada úmida e sedenta, acomodando novamente uma de suas pernas em meu quadril fui penetrando Adria com calma, salivando para tê-la em minha boca, mas outro momento surgiria. Eu iria fazer amor com ela, mesmo que nada soubesse sobre isso. Adria gemeu baixinho mordendo meu ombro enquanto eu a penetrava, volta e meia encarava seu rosto, verificando se estava tudo bem. Controlando o lobo dentro de mim, sedento por mais, sedento por fodê-la.

Saboreio cada pequena investida que dei, aquela posição me dava acesso ilimitado de seu corpo, poderia apertar sua bunda conforme penetrava sua boceta ou chupar seus deliciosos seios, fazendo-a jogar a cabeça para trás de tesão.

Sentia seu órgão palpitar em torno de mim, fechando as paredes ao redor de meu pau. Adria abraçou meu corpo apertando a perna contra minhas nádegas, incentivando-me a continuar, os choques de carne contra carne, do excitado contra o excitado preenchiam o pequeno quarto.

— Adria...

Ela crava seus olhos em mim, puxando meu pescoço para um beijo, enroscando sua língua na minha. Adria beijou a tatuagem em meu peito, meus ombros, passando a língua por meu pescoço, completamente entregue a mim. Assim como eu estava disposto a entregar meu corpo em seu nome, minha vida a ela.

Ambos lutavam pelo orgasmo, sentia o dela brotando em seu interior como um redemoinho que levava tudo que estivesse pela frente. E na última e poderosa metida, levou ambos ao delírio; vê-la arquear a cabeça para trás fechando os olhos de prazer, foi o ponto máximo para me levar ao êxtase.

Sustentei seu corpo com força entre meus braços, fechando os olhos ao controlar a respiração. Talvez Adria pudesse se tornar minha última esperança de rendição.


41


Era estranho voltar, era como tentar juntar as peças erradas do quebra cabeça.

— Ficaremos bem aqui. — Kiran diz, dando um beijo casto em minha têmpora.

— Posso sentir cheiro de testosterona. — Brinco olhando para o pequeno apartamento totalmente masculino.

— Aqui foi por diversas vezes um grande refúgio, ninguém desconfiará que estamos aqui. Está segura.

— Meio estranho dizer isso, se tenho o plano de invadir a casa de seu pai. — Deixo minha voz morrer, sentindo que falei demais.

— Ei, não tem problema! Tudo bem. — Kiran diz, me abraçando por um momento. — Vou dar uma olhada pelo lugar e colocar essa mala em nosso quarto.

Confirmo sorrindo.

Nunca pensei que um dia eu me apaixonaria pelo lobo mau!

— Precisamos repassar o plano. — Digo sentando na cama após o jantar.

Kiran confirma, colocando a faca e a arma debaixo do travesseiro, já tinha me acostumado com isso, era algo que o fazia dormir tranquilo.

— Aqui estão as mensagens para você enviar junto com as pistas para o FBI e aqui o endereço de Baker. — Entrego um envelope pardo para ele.

— Tem certeza que isso funcionará? — questiona descrente.

— Sim, Baker irá assustar no primeiro instante, mas ele sabe que eu sou a única que sabe sobre essas coisas e a única que se atreveria a chamá-lo assim.

— Tudo bem.

Passo a mão pelo seu rosto atraindo seu olhar. Eu tinha planejado isso um milhão de vezes em minha mente, e em todas as respectivas falhas, sabia que não partiria apenas de Baker a decisão de seguir aquelas pistas, o FBI recebia milhares de pistas e ligações falsas, mas Baker daria um jeito para que isso se realizasse. Assim como sabia que seguindo meu plano, Kiran não ficaria nem perto da linha de tiro.

— E quanto ao Czar?

— Eu vou com você, não me importo que o mate, mas de maneira nenhuma deixarei que fique sem segurança. Como disse, a última coisa que ele desconfiaria é que alguém entraria em sua casa para tentar matá-lo.

— Acho que temos tudo pronto. Prometa que não fará nada imprudente? — pergunto puxando seu corpo para o meu.

Kiran se deitou, me levando com ele, fazendo pequenos carinhos em minhas costas e nuca. — Estarei sempre aqui, pelo tempo que desejar.

Estremeço em seus braços, beijando seu peitoral. Não conseguia mais viver um dia sem a presença de Kiran, por mais doido que isso fosse.

— Descanse, amanhã será um longo dia. — Diz desligando a luz do abajur, então se inclinando para mim, beijando minha têmpora. — Durma.


Na manhã seguinte demos início ao plano, acordei com Kiran movendo-se pelo quarto, o barulho de água caindo e logo depois ele surgindo com a toalha presa no quadril e o corpo úmido do banho recente. Ele não percebeu que já estava acordada, por isso deu um belo espetáculo mostrando sua bunda firme para mim ao se trocar.

O sorriso apareceu em seus lábios quando se virou e percebeu que o admirava. — Não deveríamos levantar?

— Acho que temos algum tempo.

Ele andou em direção à cama sem outra palavra, meus olhos seguindo cada passo que ele dava, o olhar de cima a baixo transparecia a fera incrustada em si, seu olhar tinha fome. Kiran me puxou para baixo e me beijou, suas mãos acariciando levemente minhas costas, fazendo a pressão entre minhas pernas aumentar gradativamente.

Sua boca se fechou ao redor de meu mamilo, a blusa que havia me emprestado na noite anterior estava enrolada entre meu pescoço e meus seios. Mordiscando e lambendo, antes de passar para o outro e esbanjar a mesma intensidade. Meu pulso estava acelerado, Kiran continuou sua pequena demonstração de um bom dia, lambendo uma trilha até meu umbigo. Sabia pelas pequenas paradas e as olhadas repentinas que ele me dava, que estava verificando como eu estava. Ele ainda me acalentava algumas noites quando os pesadelos tomavam minha mente, assim como me ensinava a doutrinar minha mente para evitá-los.

Agarro um punhado de cabelo, incentivando-o. Com um sorriso malicioso, Kiran move-se entre minhas pernas, empurrando suas mãos abaixo de minhas nádegas e então pressiona a boca em minha carne aquecida. Mordo os lábios gemendo baixinho, erguendo meu quadril contra sua boca. Ele mergulha ainda mais sua língua na minha abertura, desenhando círculos suaves com a ponta da língua, beijando meu clitóris de maneira gentil, enviando espasmos pelo meu corpo. Sua língua deslizou pela minha coxa, mordendo levemente. Os dedos de Kiran se moveram de dentro para fora em um ritmo deliciosamente lento, já não conseguia imaginar maneira de ficar mais excitada e molhada do que estava agora, meu quadril ia ao seu encontro, o que fazia ele ir mais fundo em mim.

— Você quer que eu pare? — ele lambeu minha coxa, sorrindo como um animal encontrando meu olhar.

— QUE PERGUNTA ESTÚPIDA! — gritei em meio ao gemido longo que escapou de mim.

A gargalhada rouca e quente contra minha intimidade me fez puxá-lo para cima, sentindo seu pênis escorregar entre os lábios vaginais, esfregando-se em meu clitóris. Seus olhos pareciam me perfurar, tentando revelar os seus mais profundos e sombrios segredos. Escorregando polegada por polegada para dentro de mim, sua boca reivindicou a minha, tomando posse quando finalmente se enterrou por completo dentro de mim. Seu pênis entrava de maneira dura e profunda, enquanto ele sussurrava coisas em russo em meu ouvido, me fazendo gemer. Nossos olhares se encontraram novamente e eu sabia que por mais insano e errado que isso pudesse parecer, dificilmente conseguiria fugir do que estava sentindo, e isso até me apavorava, meu coração batia forte dentro do peito, assim como minha respiração estava irregular.

— Estou feliz que você seja minha. — Sussurrou beijando meu ombro.

O pesadelo vivido se tornou nossa casa, se tornou um lugar nosso, entrelaçando nossas realidades fodidamente instáveis.

Nós nos apaixonamos. No mais improvável dos momentos, nos amamos em meio ao caos.

***

— Adria?

Paro de encarar a pequena entrada, olhando para os olhos de Kiran no escuro do carro.

— Eu tenho certeza. — Digo confiante, sentindo a onda de raiva me inundar, sentindo a vingança cegar meus olhos.

Kiran confirma em silêncio, entregando-me minha faca e uma arma.

— Como conseguiu? — pergunto admirando confusa a faca de meu pai.

Ele dá de ombros. — Tenho meus métodos, o que você disse sobre aquele Baker estava correto, ele passou o dia comovendo o FBI a seguir a primeira pista.

— Eles invadiram? — pergunto virando-me no banco.

— Ainda não, mas colocaram alguns agentes no local.

— Vigilância.

— É.

— Kiran? — chamo-o, trazendo sua atenção para mim. — Você não precisa entrar... sei que ele é seu pai ou pelo menos criou você como se fosse...

Ele segura minha mão, levando até seus lábios, dando um beijo. — Sou órfão, lyubov’27. Czar tem apenas um homem com ele, como disse, é presunçoso e sabe que ninguém o desafiaria no território dele. Conheço o capanga, ele dá voltas na propriedade a cada dez minutos, quando tiver no jardim da frente eu o pego. Assim teremos acesso livre à casa.

Concordo, voltando minha atenção para a entrada da casa.

Kiran travou sua arma colocando-a na cintura, segurando firmemente sua faca. Ao caminhar silenciosamente até a entrada da casa, nos escondendo e esperando o melhor momento, pude notar que o homem em minha frente não era mais o Kiran amoroso que vinha convivendo, ele era seu alter ego, Lobo, frio e impiedoso, a expressão da própria morte.

Quando dei por mim a ação toda já tinha acontecido, como se eu tivesse numa espécie de câmera lenta. O homem fez a pequena curva no jardim, dando de cara com Kiran, ele mal teve tempo de puxar a arma de seu coldre, Kiran jogou o homem maior que ele contra a parede, esmagando sua jugular cravando a lâmina abaixo de seu queixo, perfurando o cérebro. Engasgo, pressionando meu corpo contra a parede, meus olhos correndo da faca para o rosto do capanga. Kiran arrasta o corpo em direção ao chão, escondendo atrás de uma moita, deixando a faca ainda cravada no homem para que o sangue não jorrasse.

— Você está bem? — perguntou virando-se para mim.

— Sim. — Murmuro.

Ele conferiu as próprias mãos antes de puxar meu rosto em sua direção. — Se for pesado... merda Adria, eu avisei sobre isso!

— Eu estou bem, tá legal. Só foi rápido demais. Vamos em frente.

Ele confirma dando um leve selinho em minha boca.

Kiran andou em direção ao corpo, puxando lentamente a faca para fora, e então saiu do caminho antes que o sangue pudesse espirrar em si. O mesmo não poderia dizer do jardim e do capanga, que logo ficaram encharcados de sangue.

— Fique escondida aqui, vou me certificar que não tem ninguém.

Kiran não espera pela minha confirmação desaparece dentro da casa, os segundos vão se passando e a preocupação pinta meus pensamentos. O que me faz respirar aliviada é vê-lo sair e vir até mim.

— Tudo limpo, ele está na sala de jantar, é nos fundos, apenas siga o corredor, tem certeza que não quer que eu faça?

— Sim.

Entro na casa, olhando tudo ao meu redor, Czar não poupava o dinheiro que ganhava de maneira suja, sua casa era devidamente decorada, móveis de aparência cara enfeitavam a sala de estar, assim como quadros faziam o corredor parecer um pequeno vislumbre de um museu. Tiro a arma da cintura destravando-a, minhas mãos tremem ao segurá-la, respiro fundo antes de entrar na sala da qual Kiran tinha falado, a mesa estava exposta com um verdadeiro banquete, as cadeiras altas e luxuosas em volta e na cabeceira da mesa, o Czar.

— Nem tente pegar uma arma. — Digo de maneira fria, apontando a arma para seu rosto.

Ele sorri, abaixa o jornal que estava lendo, deixando ao lado do prato.

— Vejo que meu bichinho finalmente chegou. Você demorou, mas estava esperando que viesse com aquele traidor.

— Cala a boca! — Grito dando um passo em sua direção, olho pela sala vendo se está armado, mas como Kiran alertou, ele era presunçoso demais e confiante demais que isso pudesse acontecer.

— Me diz, como deseja que fique, quer uma pose especial para guardar na mente? Aposto que essa é sua primeira morte por vingança. — Ele gargalha alto fazendo os pelos de meu braço se arrepiarem. — Sim, você é tão tediosamente certinha que nunca deve ter nem usado uma munição da arma do governo. Me diga, você já matou, bichinho?

— Eu disse para calar a boca!

Tento controlar o leve tremor que persiste em minha mão.

Ele se inclinou para trás, juntando as mãos sobre a mesa. — Suas mãos estão tremendo. Primeira regra, nunca deixe seus inimigos verem seu medo. E confesso Adria, seu medo fede, fede deliciosamente. É o combustível para seus inimigos.

Miro em sua coxa esquerda e atiro, sinto o tranco da arma e a respiração acelerar. — Eu disse para você calar a maldita boca! Você sabe o que irá acontecer, sabe que é seu maldito fim, vou libertar cada menina que você ousou abusar, vou estourar os miolos de cada maldito homem que tenha sob seu poder.

Ele não demonstra dor, mesmo que sua calça bege já tenha uma imensa mancha vermelha, assim como sua cadeira que junta o sangue que escorre de sua perna ou se importa com os pequenos pingos que caem em seu piso de mármore.

— Você não fará nada disso, você não é capaz. Pode até me matar, mas meu rosto irá perturbá-la durante a noite, minha voz dizendo o quanto é fraca assombrará seus ouvidos no meio da madrugada. Kiran não lhe contou como foi a primeira vez que o fiz cortar a garganta de um homem? — ele dá outra gargalhada. — Óbvio que não, passou mais de um mês choramingando durante as noites, gritando por perdão, aquele fraco. Ele já ensinou a doutrinar sua mente?

Engulo em seco.

— Pelo visto sim, anda tendo muitos pesadelos, Adria?

Caminho furiosa até ele, parando perto do seu rosto. O ódio me cegava, um apito soava constante em meus ouvidos, assim como sentia minha respiração falhar dentro do peito. — Realmente, eu poderia arrancar membro por membro para descontar o que você fez, mas não sou assim, não sou um monstro como você.

— Aí está enganada, vejo o monstro bem aí dentro de você. Obman28! — diz desviando os olhos e então atiro, o estampido me faz fechar os olhos, sinto seu sangue atingir meu rosto, meu corpo, espirrando sangue e parte de Czar na parede e chão.

Sinto uma movimentação atrás de mim, viro apontando a arma.

Kiran para com os braços erguidos, dividindo sua atenção entre mim e o resto da sala. — Temos que parar com esse negócio de você apontar uma arma para mim.

— Desculpe. — Sussurro abaixando a arma, tremendo de maneira descontrolada.

— Calma, acabou. Venha, lyubov’. — Kiran me ampara encarando os restos de seu pai.

— Ele disse algo...

— Decepção, era para mim. Esqueça isso. Vamos embora daqui.


KIRAN


Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead

- Bohemian Rhapsody


Adria estava deitada em meus braços, meu corpo pressionado contra suas costas, acalentando seu sono, interrompendo os pesadelos antes deles começarem a ganhar força dentro de si.

— Um dia você conseguirá esquecer isso, estará num lugar tão distante em sua mente, que nada lhe trará eles de volta, eu vou fazer isso sumir, nem mesmo que seja a missão pro resto dos meus dias. — Sussurro dando um beijo em sua cabeça.

Aperto meus braços ao seu redor. Giro uma mecha do seu cabelo em torno do dedo, vendo a noite cair. Quando tive certeza que ela estava dormindo tranquilamente, saio da cama, me vestindo novamente. Eu ainda não tinha completado o que vim fazer aqui. Escrevo um bilhete simples, deixando ao seu lado na cama, dizendo que voltaria em breve, pego meu antigo casaco com capuz e saio.

Foi fácil achar o endereço dele, era quase um insulto às minhas habilidades, o trabalho que o FBI fez para escondê-lo. Deixo o carro parado longe de sua casa, a rua ainda estava escura, não devia ser nem cinco da madrugada. Caminho lentamente com as mãos no bolso, subindo os degraus de entrada, terminando de colocar as luvas de couro.

A casa estava um completo caos, pratos espalhados por todos os lugares, assim como garrafas vazias de cerveja. Luigi dormia bêbado no sofá, era até ridículo querer matar um cara desses.

Vou até a sala de jantar, procurando naquela bagunça uma folha de papel e uma caneta, sento em uma das cadeiras escrevendo um bilhete, é fácil imitar a letra que vejo em alguns papéis espalhados, poderia facilmente alegar que pelo alto nível de álcool, ele não estava em seus plenos poderes.

Deixo o bilhete e uma das garrafas de cerveja sobre ele, vou até o quarto sentindo cheiro de podre, procuro no armário sua arma, acabando por encontrá-la debaixo da cama.

Meu Deus, estava quase desistindo, um dia o cara se mataria sozinho.

Sento em uma das cadeiras, ligando a TV no volume máximo, fazendo Luigi se erguer assustado no sofá, olhando em volta e então me vê. Seu primeiro instinto é fugir. É procurar a arma que balanço em minha mão. Seus olhos arregalados demonstram seu pânico.

— Não tente correr. Sabemos que eu iriar te pegar. Sente-se e escute o que tenho para falar.

Ele fica congelado no lugar, mas vem lentamente até a cadeira em minha frente, seus olhos recaem sobre o papel em sua frente.

— Pelo visto já deve ter uma ideia do que eu vim fazer aqui, agente Wenth.

Ele balança a cabeça, gesticula com as mãos.

— Ah, claro. Arrancaram sua língua. Na verdade, é um milagre ainda estar vivo, achei que eles iriam ser mais cruéis com você. Mas não tem problema, ainda tem dois ouvidos, eu falo e você escuta, que tal? — questiono.

Ele balança a cabeça, encarando meus olhos, sinto o pânico se esvair em suas respirações.

— Durante minha vida já vi muitos ratos, Luigi, posso te chamar assim, né? Deixa as coisas mais informais. — Continuo meu monólogo. — Mas devo confessar que nunca vi um tão traiçoeiro como você. Eu sou muito bom em escrever cartas, sabia? — Luigi não esboça nada. — Sim, na época escolar ganhava boas notas. E esta, em particular, foi feita para você.

Luigi volta a encarar a carta, olhando assustado para mim, negando com a cabeça.

— Sim, apesar de ter conseguido se livrar, de ganhar medalhas e parabenizações que não deveriam ser suas, isso não é uma vida. Olhe para isso? É assim que irá passar o resto dos seus fodidos dias? — digo apontando para o ambiente. — Por isso, você escreveu essa carta, está tão desgostoso com sua vida, tão culpado por ter deixado sua parceira morrer, por ser um grande delator filho da puta, que nada mais justo que se matar.

Ele fica inquieto na cadeira faz até menção de levantar, mas aponto sua arma para ele, fazendo-o permanecer sentado.

— Eu posso fazer isso, e farei se for um covarde, mas aí, não será algo limpo, posso até errar o tiro sem querer e você sentir mais dor. Seria péssimo. Portanto, você tem sua arma e uma munição.

Deslizo a arma pela mesa, com os olhos fixos nele. — Nem tente apontá-la para mim, nós dois sabemos que errará o tiro e vai me fazer amarrá-lo pelo pé do lado de fora do meu carro e arrastá-lo pela cidade.

Luigi pega a arma tremendo, vejo seu medo, seu receio e sua covardia.

— Luigi, meu camarada, eu tenho que ir, logo estará amanhecendo e tenho outra visitinha para fazer. — levanto indo até ele, enfiando o cano da arma em sua boca. — Pronto, agora atire.

Respiro fundo vendo que aquele merda nem para isso serve, puxo minha arma da cintura destravando-a. — Eu ou você? — pergunto.

A lágrima escorre dos olhos dele, e então o estampido seco do tiro ressoa em meus ouvidos, a cabeça dele cai para frente, manchando o papel com seu sangue, enquanto eu saio fechando a porta atrás de mim.


Seguindo os pedidos de Adria entrego a última pista na casa de Baker, espero sentado no carro, a certa distância, vendo-o abrir a pequena caixa do correio e encontrar o último envelope, assim como Adria havia me pedido; ali estava a localização exata dos dois armazéns e de tudo para destruírem de uma vez por todas com todo o império de Czar. E não fico surpreso quando duas horas depois eles estão onde as pistas levavam, retirando as garotas dali, e prendendo os homens que ali estavam, foi uma missão limpa, assim como Adria disse que seria. Estava chegando a hora de encontrá-la, e eu não poderia dizer o quanto estava apreensivo com isso. Não sabia se ela seguiria comigo ou se voltaria para sua vida, agora que tudo que a atormentava tinha acabado. Mesmo Adria me levando um pouco para sua luz, ali não era meu lugar, eu sempre ficaria na área cinzenta, poderia transitar na luz, mas não era como eles. Será que ela aceitaria ficar comigo?


43


Coloco uma rosa branca sobre a lápide de meus pais e outra sobre a minha. Era irônico ver sua lápide, com o dia de uma morte que não ocorreu, graças ao Kiran.

“A estrada é longa, nós seguimos adiante, tente se divertir nesse meio tempo. – Adria Hamer, destemida e amada por todos”

— Algo me disse que se não colocasse isso, alguém me atormentaria após a morte.

Sorrio ao escutar sua voz, viro correndo para ele, abraçando seu corpo com força.

— “A princesa que não precisa ser salva está te esperando!”. Sério mesmo? Você sabe que eu tenho idade, eu posso morrer! — Baker diz afastando-se por um instante, olhando meu rosto ao sorrir. — Nunca mais faça nada parecido na vida! — acrescenta, me puxando novamente para seu abraço.

— Eu sinto muito.

— Prendemos todos, recuperamos as garotas, literalmente explodimos aqueles lugares.

— Eu sei, você foi fantástico, acredito que o FBI mereça um novo diretor.

— Também encobrimos o que aconteceu com Czar Baryshnikov, e não sei se soube... Luigi se matou, foi durante a madrugada, deixou um bilhete dizendo que não estava aguentando a culpa, até os filhos da puta podem sentir algo, pelo visto.

— Achei que ele tinha sido morto pelos homens de Czar. — Comento surpresa.

— Não, ele foi encontrado na beira da estrada, quando chegamos no hospital estava em alto nível de desidratação e tinham cortado sua língua.

— Cristo!

— Enfim, que descanse em paz.

— Pare de me encarar como um presente de natal, velho. — Digo brincando.

Ele sorri me puxando novamente para seu abraço. — Quando deseja voltar? Eu posso colocar suas coisas hoje mesmo em seu apartamento, podemos destruir essa lápide, é mórbido olhá-la tendo você em minha frente viva e bem.

Sinto minha garganta se fechar, eu amava Baker como meu pai, mas isso não era mais para mim. — Eu não vou voltar.

Sua expressão de surpresa o faz se afastar. — Como assim, Adria? Acabou, você está segura... tem mais alguém te ameaçando?

— Não, não. Estou segura, mas aquela Adria não existe mais Baker, não posso voltar para essa sociedade fodida fingindo que por aí não tem outros como eles espalhados, outras garotas sofrendo, abri meus olhos para algo além de tudo que fomos treinados a ver. Aquela Adria não existe mais. — Digo apontando para a descrição em nossa frente.

— E o que fará? Como... — questiona surpreso.

— Vou seguir, em frente.

Ficamos apenas alguns segundos nos encarando em silêncio.

— Pelo menos manda notícias? — pergunta

— Sempre. — Digo, mas minha atenção está longe, basicamente algumas lápides de distância, vestido de preto da cabeça aos pés, me encarando com o olhar animal o qual eu aprendi a amar.

Baker se vira, notando que não estamos mais sozinhos. — Vou sentir saudades.

— Eu também. — Digo abafado em seu ombro. — Cuide-se.

— Você também, menina atrevida. — diz antes de se afastar, ao passar por Kiran eles se cumprimentam com um pequeno aceno.

Kiran mantém seus olhos colados nos meus, fazendo meu corpo tremer com a ansiedade de ter suas mãos em mim.

Havia um lado mau em Kiran, um lado que mataria num estalar de dedos, mas eu vim a perceber que havia em mim também. Talvez não tanto, mas estava lá, adormecido. Em todos nós. Tinha ficado por tempo demais com a venda sobre meus olhos, mas ela foi arrancada, mostrando o quão cruel e imundo o mundo pode ser.

Sim, eu amava o seu lado mau e seu lado bom. Nunca poderia sobrepor o passado de Kiran, como ele não poderia apagar tudo que passei, mas eu construiria um futuro. Mesmo se não pudesse estar feliz com todos os aspectos do mundo.

Eu era do Lobo e ele era meu.

— Gotov vzyat’ to, chto tvoye? — digo em um russo enrolado. — Pronto para pegar o que é seu?

Kiran sorriu caminhando até mim, me pegando em seus braços e beijando minha boca.

— Mais que pronto.

                                                                  A. K. Raimundi

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

 

                                                   

O melhor da literatura para todos os gostos e idades