Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CREPUSCULO AZUL / Maggie Shayne
CREPUSCULO AZUL / Maggie Shayne

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Na bucólica cidade de Endover, New Hampshire, duas meninas já haviam desaparecido, e só uma pessoa podia encontrá-las: Maxie Stuart, uma investigadora privada que acreditava nos poderes ocultos da noite.

Maxie sabe por que pediram que ajudasse: ninguém sabia mais dos não mortos que ela. Mas a escura força que controlava Endover via tudo e utilizaria de tudo o que Maxie sabia contra ela. Nem sequer Lou Malone, o homem a quem Maxie desejava acima de tudo, poderia fazê-la abandonar aquela cruzada contra um homem que ansiava recuperar seu poder... e ressuscitar um amor.

 

 

 

 

Em seu salão, havia uma mulher encolhida na cadeira de veludo marrom, completamente aterrorizada. Tinha os olhos azuis e assustados e o cabelo de um vermelho aceso. Teria preferido uma loira com os olhos negros como o carvão... esse contraste em uma mulher sempre despertava sua paixão. Ou suas lembranças. Mas enquanto estivessem no salão, onde pudesse ver o retrato, qualquer mulher lhe serviria. Tinha que ser no salão. Sempre tomava ali suas vítimas.

Esta noite Fieldner havia trazido um lanche saboroso. Devia ter por volta de trinta anos de sua vida mortal e, embora fosse alta e magra, e ele gostava das mulheres pequenas, tremia de um modo que era excitante. Em seu pálido rosto se desenhavam uns traços delicados; seus lábios eram muito finos e seu nariz excessivamente reto, mas tinha as maçãs do rosto altas e marcadas. Adorava as mulheres com maçãs do rosto bem definidas. Sim, certamente, esse dia seu criado havia caprichado. Entretanto, precisava apagar o terror dos olhos dessa mulher. Não seria muito complicado. Aproximou-se dela, esboçando um sorriso e confiando em resultar atraente. As mulheres tinham menos medo dos homens atraentes. Era absurdo, evidentemente, mas era assim. Dificultava não poder olhar-se em um espelho para julgar seu aspecto e o impacto que produziria nas mulheres. Sabia que seu cabelo era comprido e escuro, e que seus olhos eram marrons e de olhar intenso. Mas era difícil recordar a estrutura exata de seu rosto, ou calcular quanto tinha que sorrir sem expor o comprimento sobrenatural de suas afiadíssimas presas.

Em todo caso, embora seu aspecto fosse intimidante, ele podia apagar o medo da mente de qualquer um. Tinha submetido completamente a uma cidade inteira, dia e noite, adormecidos ou acordados. Uma mulher aterrorizada não representava para ele o menor desafio.

—Não tem nada a temer. — disse avançando lentamente para ela, em um tom suave e decidido de uma vez — Isto não é mais que um sonho. Uma ilusão. Aqui nada nem ninguém pode fazer mal a você.

A moça piscou e deixou escapar um suspiro entrecortado.

—Olhe nos meus olhos, querida. Escute minhas palavras. Sinta. Não tenha medo. Está a salvo, sinta-se à vontade e completamente relaxada.

Observou como desaparecia parte da tensão que endurecia o corpo da garota. Apagou-se a expressão de pânico de seus olhos, que se tornaram pesados. Ele se aproximou um pouco mais, estendeu a mão e acariciou seu rosto.

—Agora sua mente está totalmente confortável. Você abandonou todo o controle, toda a responsabilidade... e entregou a mim. Só é consciente do que eu te digo. Só sente o que eu te faço sentir. Só deseja o que eu te digo que deseje.

Os olhos da jovem se fecharam e um suspiro lento e profundo escapou de seus lábios. A tensão de seus ombros desapareceu. Assim era melhor, muitíssimo melhor.

—Agora mesmo, querida, você me deseja. Quer minha carícia, o contato de minha pele. Deseja-o mais que a sua própria vida. Mais do que alguma vez desejou algo em sua vida, não é assim?

—Sim — sussurrou ela, esfregando seu rosto contra a mão dele.

—Esta noite vai experimentar prazeres que nunca conseguiu imaginar. E possivelmente também amanhã, ou talvez durante algumas noites mais. É isso o que quer?

—Sim — sussurrou ela.

—Muito bem.

Para recompensá-la, deixou que sua mão percorresse a suave bochecha, passasse pela mandíbula até o pescoço, para continuar até tocar o seio feminino. Ela estremeceu e sorriu. Seria uma grata experiência para ela. Ele se encarregaria de que fosse uma boa experiência. Mergulharia em sua mente até descobrir suas fantasias mais secretas, e as faria realidade. Quando tudo tivesse terminado, ela não recordaria de absolutamente nada. Iria devolvê-la a sua casa sem ter causado o menor dano. E ele teria satisfeito sua sede, ao menos durante um tempo.

A jovem ficou em pé e desabotoou o vestido, que deslizou por seus ombros e caiu ao chão. Ele a observou enquanto tirava a roupa íntima com total desinibição; observava-a, mas evitando olhar seu rosto, dando atenção só a seu corpo nu. O único rosto que ele queria ver estava bem acima dela, olhando-o com amor.

Atraiu a jovem para si e a acariciou, usando as mãos e a mente na mesma medida, para fazer que ela experimentasse sensações por todo seu corpo simultaneamente. Entrou em sua mente para conhecer todos seus desejos. Quando ela desejou que lhe acariciasse os seios, assim o fez, até que quis mais e então beliscou os mamilos turgidos, capturando-os e acariciando-os com seus dedos. Quando ela desejou sua boca, beijou-a, e voltou a sentá-la brandamente na cadeira. Ela separou as pernas para ele, que deslizou sua mão entre elas, utilizando seu poder em cada carícia. Era capaz de lhe provocar um orgasmo inclusive sem tocá-la, mas preferia fazê-lo assim.

Quando ela começou a estremecer-se e apertar-se contra ele, ele se inclinou sobre ela. Não se despiu. Não precisava fazê-lo. Ela sentiria como se a penetrasse, embora não tinha nenhuma intenção de fazê-lo. A moça o sentiria cravar-se profundamente em seu interior e ele satisfaria seus desejos a sua maneira.

Graças à garganta da garota.

—Me chame de “meu príncipe” — lhe indicou.

—Sim, é meu príncipe.

Ele pegou a cabeça da jovem e a inclinou para trás, afastando suavemente o cabelo avermelhado, que caía sobre o pescoço. Ela começou a mover-se ritmicamente, imaginando-o detento entre seus quadris, embora ele não estivesse ali. Entre suas pernas não havia mais que ar e uma fantasia que ele tinha colocado em sua mente.

—Diga em meu idioma, querida, “print meu”.

Ela repetiu suas palavras, enquanto ele a agarrava pelos ombros e a colocava em pé ligeiramente para poder seguir olhando o retrato pendurado sobre eles. Depois inclinou a cabeça e pôs seus lábios sobre a pele macia desse delicado e pálido pescoço. Ela gemia de prazer e o agarrava com força, em sua ânsia por alcançar o clímax. Mas ele não ia permitir, não até que estivesse preparado.

—Me peça que tome. Que beba de você.

—Sim, print meu, tome. Beba-me. Preciso de você. Preciso que faça isso!

—Então, assim o farei.

Seus lábios se separaram e cravou os dentes na garganta dela, atravessando sua jugular, enquanto entreabria os olhos para aqueles olhos cor azeviche[1] que o observavam do quadro. O elixir, o licor da vida, chegou até seus lábios. Bebeu dele, e enquanto o fazia, a mulher se estremeceu e se desfez em um grito de prazer ao alcançar o orgasmo.

Sem deixar de olhar o retrato, levantou a cabeça, satisfeito. A mulher lhe estendeu os braços, mas a um gesto de sua mão firme, ela se relaxou de novo sobre as almofadas com os olhos fechados. Ele a envolveu em um abraço, apertando-a brandamente contra seu peito. Voltou o olhar o retrato e sussurrou:

—Pode sentir, meu amor, onde quer que esteja? Espero que possa, minha amada. Foi você, sabe. Foi você. Todas são.

 

White Plains, Nova Iorque

—Virá — disse Maxie Stuart, alisando a cinta isolante com que acabava de fechar uma caixa de papelão —. É impossível que me deixe ir sem se despedir. Está louco por mim.

Stormy se inclinou sobre a caixa com sua caneta preta e rabiscou “coisas da cozinha”, na tampa. Tampou a caneta e guardou no bolso.

—Aqui está — disse Stormy —. Era a última.

Recolheu a caixa e se dirigiu para a porta.

Maxie a arrancou de suas mãos.

—Disse para você não carregar nada pesado.

—Pare com isso, Maxie. Os médicos dizem que estou perfeita.

Talvez de forma inconsciente, Stormy passou a mão pelo seu curto cabelo. Já tinha crescido bastante e, embora curto e espetado, voltava a ser o cabelo loiro platino e murcho de sempre. O cabelo cobria a cicatriz que tinha ficado no lugar em que uma bala, que quase lhe custara a vida, tinha atravessado seu crânio há somente uns meses, deixando-a em coma. E apesar de Maxie não poder vê-la, era plenamente consciente de que tinha ficado uma profunda marca. Nunca esqueceria quão perto tinha estado de perder a sua melhor amiga. Ainda se impressionava ao pensar nisso.

—Pare de me olhar assim! —disse Stormy.

—Como?

—Como se seus cachos acobreados fossem soltar fumaça pela intensidade de seu pensamento. Realmente estou bem.

—Assim espero — respondeu Maxie —. Abra a porta, tudo bem? Isto pesa muito.

Stormy abriu a porta e ambas saíram da acolhedora casa de madeira branca, baixaram as escadas do alpendre[2] e chegaram à parte de trás de uma caminhonete amarela alugada, que estava estacionada na rampa de entrada, com as portas abertas. Maxie subiu de um salto e colocou a última caixa no único espaço que sobrava. Nesse momento, pensou que toda sua vida estava nessa caminhonete. Baixou-se com um suspiro e fechou as portas.

—Está animada? —perguntou Stormy.

—Claro que sim; começar uma nova vida. Você não está?

—Se não estivesse, não teria aceitado ir com você. Além disso, como não vou estar animada com o que nos espera? Mudaremos para uma mansão restaurada, pelo amor de Deus! E vamos abrir nosso próprio negócio.

—Acredita que teremos sucesso?

—Acredito que vamos arrasar — respondeu Stormy —. Ou você esqueceu que distribuímos folhetos com a nossa foto colorida, nada menos que isso? Dá a impressão de que temos a melhor agência de detetives desde Sam Spade. E, além disso, estamos a todo vapor.

—Sim, estamos a todo vapor — concordou Maxie. Stormy franziu a boca.

—Não parece muito animada. Parece que isto parte seu coração.

Maxie se apoiou na caminhonete e olhou para a casa em que cresceu, com a cerca viva cuidadosamente podada e a grama recém cortada.

—Me irrita ter que fazer duas viagens. Quero dizer, se eu confiasse em minha capacidade para conduzir esta caminhonete com o carro enganchado atrás, usaria a barra de reboque que me deram ao alugá-la. Mas não me atrevo.

—Sei! — disse Stormy, cruzando os braços. Lançou-lhe um olhar que indicava saber perfeitamente não ser isso o que a incomodava.

Maxie assentiu com a cabeça e se deu por vencida.

—Pensei seriamente que Lou se animaria a participar de nosso negócio. Vamos ver, nós duas temos a licença de detetive particular e bons contatos...

—Embora quase todos estejam mortos — acrescentou Stormy com uma piscada.

—Mas seria bom pra nossa imagem um policial aposentado, com vinte anos de experiência em suas costas.

—Acredito que há outras partes de sua anatomia que interessam mais a você do que suas costas.

—Sim, bem, a menos que lhe dê uma porrada na cabeça e o viole, não acredito que chegue a ter nunca acesso à mínima parte de sua anatomia.

Stormy inclinou a cabeça. O sol fez brilhar o piercing que levava no umbigo. Já não levava o aro na sobrancelha. O tinham tirado no hospital, enquanto estava em coma e o buraco se fechou. Mas para celebrar sua recuperação, fez outro no nariz. Pessoalmente, Maxie gostava mais. Era pequeno e atrevido, igual à Stormy.

—Está dizendo-me — perguntou a Maxie com tom incrédulo—, que durante todo o tempo que eu estive em coma, e vocês estavam no Maine salvando a sua irmã de experientes caçadores de vampiros e tentando localizar o bastardo que atirou em mim, não aconteceu nada?

—Não acha que se tivesse acontecido algo teria dito a você?

—Melhor, teria alugado um outdoor para que todo mundo soubesse — disse Stormy—. Assim, agora atira a toalha?

Maxie franziu o cenho.

—Se eu for viver em Maine e Lou insiste em ficar no White Plains, não vejo muitas opções de futuro.

Stormy a olhou com um misto de pena e descrença em seus olhos azul safira.

Lentamente, Maxie se incorporou, olhou para a estrada e sorriu.

—Mas a batalha ainda não está perdida. Aí vem ele — disse assinalando o lixo com rodas que se dispunha a estacionar na rua, já que na entrada da casa não havia espaço. Na pequena pista de asfalto que entrava em sua casa já estavam a caminhonete de aluguel de um lado e o pequeno Miata vermelho da Stormy no outro. O fusca verde de Maxie se encontrava na garagem.

O ruído desapareceu quando Lou desligou o motor; a pesada porta do motorista se abriu lentamente e Lou saiu do carro, enquanto Maxie o olhava encantada. Como era bonito! Esforçava-se tanto, especialmente quando ela estava olhando, por ressaltar qualquer característica da velha rotina de um ex-policial aposentado! Com seus trajes amplos, suas gravatas sempre tortas, seu falar pausado e seu passo lento, tentava converter-se na prova viva de que aos quarenta e quatro anos, só pensava na aposentadoria. Mas não podia enganá-la, ela via além do personagem que ele tinha criado. Não era tão velho; só era muito cauteloso. O único aposentado era o coração do Lou Malone, mas ela não sabia por que. Sempre tinha acreditado que seria capaz de reavivá-lo, apesar do silêncio do ex-policial.

Mas não podia deixar de pensar que já não restava muito tempo para consegui-lo.

Lou atravessou a rampa de entrada e se dirigiu para ela. Olhou a caminhonete e logo a Maxie. Seus olhares se cruzaram e permaneceram fixos uns instantes, o suficiente para que ela percebesse um ar de tristeza em seus olhos, algo que ele camuflou imediatamente com um sorriso. Era possível que lamentasse vê-la partir?

Lou afastou o olhar e saudou Stormy.

—Ei, Lou — disse Stormy—. Já quase pensávamos que não fosse vir se despedir.

—Não perderia isso por nada no mundo. Como está, Stormy?

—Bem, exceto por estar farta de que todo mundo me pergunte — respondeu ela, que acrescentou um sorriso para suavizar suas palavras—. E você?

—Não posso me queixar.

Dirigiu seu olhar para a caminhonete, detendo-se antes no abdômen de Maxie. Ótimo. Teria sido um desperdício ter colocado os jeans de cintura baixa e a camiseta curta se ele não tivesse reparado na faixa de pele que deixavam à vista.

Lou pigarreou e apontou para a caminhonete.

—Vai ter que fazer várias viagens com esse traste, Maxie.

—Não. Já está tudo empacotado e preparado. Exceto meu carro, claro. Terei que vir buscá-lo.

—Tudo? — Perguntou ele, levantando as sobrancelhas —. É impossível que tenha colocado todos os móveis aí dentro.

—Você já esteve na casa da minha irmã, Lou. Morgan me deixará tudo, móveis incluídos.

—Mesmo assim, imagino que você gostaria de ter algo seu, não é?

—De qualquer maneira, a maioria das coisas que estão nesta casa não são minhas. Quase tudo são móveis herdados de meus pais — disse Maxie, que nunca acrescentava o qualificativo de “adotivos” quando falava de seus pais —. Além disso, minhas coisas não combinariam ali. Aquilo é tão... opulento.

—Sim, mas não é seu estilo.

Ela colocou as mãos na cintura e o olhou emburrada.

—O que quer dizer com isso? Que eu não sou opulenta?

Ele levantou as sobrancelhas.

—Não queria ofender, Maxie, só era um comentário. A casa de Morgan é... bem, é como ela. Dramática, escura, rica. Você deveria viver em um local mais... não sei. Acolhedor, moderno, divertido...

—Sexy?

Lou lançou um olhar de desaprovação.

Ela piscou um olho.

—Isso era o que queria dizer, e você sabe. Mas não se preocupe, Lou. Assim que me tenha instalado, redecorarei alguns cômodos ao meu gosto. Mas não posso reformar toda a casa. Afinal, não é como se Morgan tivesse morrido.

—Não, suponho que não — ele respondeu, movendo a cabeça.

—O que foi? —perguntou ela.

—Falamos disso com total naturalidade, como se não fosse nada. E de vez em quando me vêm imagens de tudo o que aconteceu, de tudo o que vimos. Coisas que acreditava que eram meras superstições e resultaram ser reais. Pensar que uma das teorias conspiratórias da amalucada Stuart resultou ser absolutamente certa...

Disse isso com um sorriso zombador que fez que ela desejasse aproximar-se dele e beijá-lo. Mas em lugar disso, encolheu os ombros.

—Eu gostaria que viesse comigo.

—Bom, já te disse que não me retirei do corpo de polícia para me pôr a trabalhar em tempo integral.

—Claro. O que vai fazer é comprar um barquinho pesqueiro e passar o dia deitado no convés, cheirando a peixe e assistir crescer uma barriga de cerveja.

—É o plano ideal, não acha?

—Sim, talvez para um velho doente de setenta anos, mas não para você.

Ele a olhou e Maxie afastou o olhar. Não tinha sido sua intenção parecer caprichosa, nem zangada. A última coisa que queria era que a considerasse uma menina mimada.

—Irei visitá-la. Prometo — acrescentou ele.

Ela o olhou de novo.

—Quando?

—Quando? Bem... não sei.

—O que acha de agora mesmo?

—Agora?

—Hoje.

—Maxie, às vezes me deixa sem palavras.

Ela olhou para o céu.

—Bem, vai me obrigar a admiti-lo, não é?

Ele levantou as duas mãos e segurou a cabeça, com desespero fingido.

—Não estou certa de poder dirigir este... lixo — disse Maxie apontando para a caminhonete—. É enorme, e quase não consigo ver por cima do volante. Tem a direção tão dura como um caminhão, as marchas de um tanque e a mínima brisa o sacode como a um veleiro. Treme, oscila e não posso ver o que está atrás com esses malditos retrovisores.

O olhar de Lou voltou a fixar-se na caminhonete, em seguida, nela.

—Vou lá dentro ver se tudo está fechado, apagado, desligado... já sabe - disse Stormy.

—Trouxe-a até aqui desde o escritório de aluguel — observou Lou, dirigindo-se a Maxie como se não tivesse ouvido o comentário de Stormy. A jovem loira sacudiu a cabeça, fez um discreto gesto de cumplicidade a Maxie e desapareceu no interior da casa.

—É obvio que a trouxe — admitiu Maxie—, Como iria saber como é difícil conduzi-la?

—Acredito que está tentando me forçar a acompanhá-la.

—Conheço muitos homens aos quais não teria que forçar nem um pouco — replicou ela.

—E por que não chama algum deles para dirigir a caminhonete?

—Não quero chamar a nenhum outro. Quero você — disse Maxie, usando de propósito uma frase ambígua.

Ele fingiu não entender. Era irritante. Sempre reagia desse modo a suas indiretas: ou fingia não ter ouvido nada, quando ela sabia perfeitamente que não era assim pelo brilho que às vezes se acendia em seus olhos, ou mudava de assunto. Maxie estava começando a pensar que ele não levava seus esforços a sério.

—Este fim de semana vou pescar — disse ele —. Na verdade, vou daqui. Tenho minha bolsa no carro e um amigo que tem um grande barco está me esperando no cais.

—Deus me livre de atrapalhar plano tão magnífico — respondeu ela.

—Cuidará disso perfeitamente sozinha, Maxie. É a mulher mais competente que conheço.

Ela suspirou conformada.

—Tudo bem. Mas ficará por aqui pelo menos até que tire essa coisa da rampa de entrada, não é? Poderia fingir que volta a ser um policial de tráfico.

—Ahh, os velhos tempos — disse ele olhando para a casa —, vai esperar por Stormy?

—Ela vai de carro. E já conhece o caminho — respondeu a jovem, procurando a chave no bolso de seu jeans; logo subiu à caminhonete e ligou o motor. Através do pára-brisa, viu Stormy sair da casa e fechar a porta com chave. Lançou um sorriso secreto a sua amiga. Stormy franziu o cenho com preocupação.

Maxie colocou a marcha ré e olhou pelo retrovisor. Viu Lou na metade da rua, fazendo gestos para lhe indicar que podia sair. Ela soltou a embreagem. A caminhonete deu algumas sacudidas e parou.

Maxie repetiu a operação, e dessa vez retrocedeu um pouco antes dos puxões e as sacudidas. Seguiu repetindo a operação até que um carro apareceu no início da rua e Lou indicou com um gesto que parasse. Só então retrocedeu rápida e brandamente, levando a caixa de correio, e dirigindo-se inevitavelmente para o carro que circulava tranqüilamente.

Uma buzina soou e ouviu-se o barulho de freios. Stormy deu um guincho e Lou gritou.

A caminhonete parou de novo e Maxie saiu deixando-a ali mesmo, com a parte traseira ocupando a calçada. O carro tinha freado em seco, detendo-se a um metro e meio da caminhonete, e o condutor, um vizinho que Maxie reconheceu, saiu meio morto do susto.

—Sinto muito, senhor Robbins — se desculpou Maxie, envergonhada. Dirigiu-se para o outro lado da caminhonete. Lou e Stormy se juntaram a ela. Maxie olhou com pena a caixa de correio esmagada e sacudiu a cabeça.

—Bom, não tem problema. Recolherei isto e começaremos de novo — disse a seus amigos —. Mmm, talvez devesse trocar de lugar — acrescentou olhando para a rua, onde estava estacionado o carro do Stormy.

O senhor Robbins não podia articular uma palavra. Sacudiu a cabeça e retornou a seu carro. Ligou, deu meia volta e se afastou. Stormy foi mover seu carro.

—Não me ouviu quando disse para parar? — perguntou Lou.

—Sim ouvi, mas me enganei de pedal. Prometo que desta vez farei melhor — respondeu ela, caminhando para a porta do motorista. Quando chegou pôs um pé no degrau da caminhonete.

Lou a agarrou pela cintura, levantou-a pelo ar, tirou-a da caminhonete e a colocou na rampa de entrada. Maxie teve que conter-se para não emitir um gemido de prazer, porque adorava o contato das mãos do Lou sobre sua pele. Em qualquer momento, e em qualquer lugar. Pensou que não se esforçou o suficiente com ele. A paquera era uma linguagem universal, mas alguns homens podiam ser um desastre captando indiretas. Talvez tivesse que expor sem rodeios. Imaginou a situação. Ela olhando-o nos olhos e lhe dizendo: “Lou te desejo. Quero que esteja em minha vida, em minha cama e em todos outros lugares importantes. O que você acha?”.

Com certeza não diria nada. Provavelmente ficaria mudo do susto. Não, certamente, não tinha tentado com suficiente afinco. E agora era muito tarde... a menos que seu improvisado plano de última hora funcionasse como ela esperava.

Olhou Lou com os olhos cheios de inocência e de perguntas.

Ele suspirou e baixou a cabeça.

—De acordo, Maxie. Você ganhou. Conduzirei a caminhonete.

Siiimmm!

—Não seja tolo, Lou. Não é necessário.

—Sim é.

—Mas e seu fim de semana de pesca?

—Será em outro dia.

Ela jogou os braços ao redor de seu pescoço e o abraçou. Após alguns instantes, Lou pôs suas mãos na cintura dela, mas em lugar de atraí-la para si, parecia mais interessado em manter os quadris dela a uma distância segura de seu corpo. Maxie não resistiu; dessa vez tinha que fazer as coisas calma e cuidadosamente. Essa era uma segunda chance... e não podia desperdiçá-la.

—Obrigado, Lou — disse com recato.

—Não vou ficar, Maxie.

Santo Deus! Como conseguia adivinhar suas intenções desse jeito?

Ele separou os braços do Maxie de seu pescoço e a agarrou pelos pulsos, para manter certa distância entre eles, e a olhou firmemente nos olhos.

—Vou dirigir a caminhonete até lá, ajudarei a descarregar e depois volto diretamente, está claro?

—É obvio que sim — respondeu ela—. Pode deixar seu carro na garagem — acrescentou, apontando para o carro velho dele —. Eu trago você quando quiser. Embora seja melhor que leve essa bolsa de fim de semana que trouxe.

Olhou-a como se falasse em um idioma incompreensível.

—Querida, acabei de dizer isso. Não vou ficar.

—Já sei. Mas homem, Lou, são oito horas de viagem. Pelo menos, imagino que você vai querer tomar uma ducha e trocar de roupa antes de iniciar a volta.

Olhou-a franzindo o cenho.

—Não vou precisar da bolsa. Não vou ficar — repetiu, cortante.

—Certo. Certo. Como você queira.

Maxie avançou pela rampa até a garagem, e abriu a porta.

—Ei, já que você vai dirigir, poderíamos usar a barra de reboque e levar meu carro, não é? —gritou, como se acabasse de lhe ocorrer uma brilhante idéia.

Ele olhou para o carro dela estacionado na garagem.

—Tem uma barra de reboque?

—Sim, está debaixo da caminhonete.

Ele assentiu com a cabeça, dirigiu-se para a caminhonete, ligou e a tirou de sua precária posição; estacionou no acostamento de forma muito mais segura, bem em frente de onde tinha estacionado seu carro e deixando espaço atrás para o fusca de Maxie. Saiu da caminhonete e começou a soltar a barra de reboque.

Stormy se reuniu com o Maxie na garagem.

—Ele vem conosco, não é? —perguntou a Maxie.

—Bom, não ia deixar que eu dirigisse depois de ver que podia me matar pelo caminho, não é? —sorriu Maxie.

—Isso foi muito perigoso. Imagine se o senhor Robbins batesse em você.

—Tinha espaço de sobra para frear. Não sou estúpida.

—Não, não, nem um pouco — respondeu Stormy sacudindo a cabeça.

Maxie lançou um jogo de chaves a ela.

—Por que não me faz um favor? Pode tirar meu carro da garagem e colocá-lo atrás da caminhonete? Assim Lou poderá enganchá-lo na barra de reboque.

—Claro.

Stormy ligou o carro de Maxie, tirou-o da garagem com cuidado e estacionou arás da caminhonete.

Maxie se aproximou do carro de Lou e viu que as chaves estavam na ignição. Deu partida e o colocou no lugar que tinha ficado livre na garagem. Ao sair, jogou uma olhada ao assento traseiro. Havia uma grande bolsa cheia até em cima, junto a uma geladeira portátil e um montão de apetrechos de pesca. Olhou para fora.

Stormy e Lou estavam muito ocupados atrás da caminhonete, enganchando o carro de Maxie.

Umedecendo os lábios, Maxie abriu a porta detrás e agarrou a bolsa. Dirigiu-se para a rampa de entrada e a meteu no carro do Stormy.

—Rápida e sigilosa como uma raposa — murmurou.

Depois voltou para a garagem e fechou a porta. Quando terminou, Lou já tinha seu carro preparado para a viagem. Maxie chegou muito alegre à caminhonete e deu a Lou as chaves de seu carro.

—Seu Buick está na minha garagem. Ali estará esperando-o, são e salvo, até que volte.

Ele a olhou desconfiado.

Stormy lhe deu uma tapinha nas costas.

—Não me perca. Estarei bem atrás de você, certo?

—Tudo bem.

—Levem o celular ligado.

—Claro — disse Maxie. Perguntando-se por que Stormy parecia nervosa com essa viagem —. Querida, está preocupada com alguma coisa?

Stormy negou com a cabeça, talvez muito depressa.

—Tenho a direção e tudo, só me preocupa que possa me perder. Então, não vão muito depressa — respondeu. Foi apressadamente para seu carro e ligou o motor.

Segundo Maxie, nem sequer se deu conta de que levava uma bolsa nova no assento de atrás. Nem teria dito nada se tivesse notado. Nesse assunto, Stormy estava do seu lado.

Nisso e em tudo. Era a melhor amiga de Maxie, motivo pelo qual a conhecia o suficiente para estar preocupada com a viagem. Stormy não era a mesma de sempre; não o tinha sido desde o coma.

Maxie estendeu o braço para Lou, disposta a aproveitar outra oportunidade de contato físico.

—Ajuda-me a subir? —pediu do chão, junto à porta do co-piloto.

Lou franziu o cenho, mas ela não se importou, porque voltou a tocá-la ao lhe dar uma mão para subir.

—Maxie, não vou ficar — disse ele colocando uma mão na parte baixa de suas costas e agarrando-lhe o antebraço com a outra, enquanto ela subia à caminhonete.

—Deixe de repetir isso. Já estou sabendo.

Lou deu a volta na caminhonete e subiu pela porta do motorista. Maxie colocou o cinto de segurança, acomodou-se no assento e disse a si mesma que tinha oito horas pela frente para convencer Lou de ficar com ela em Maine. O fracasso não era uma opção que estivesse disposta a considerar.

 

Stormy seguia atrás da caminhonete amarela e repetia que tudo sairia bem. Já imaginava seu brilhante futuro, Maxie e ela a cargo de sua própria agência de investigação privada: SIS. Serviços de Investigação Sobrenatural, porque essa seria sua especialidade. Embora Maxie tenha assegurado que não rechaçariam casos comuns. Segundo Maxie, a sigla SIS era em homenagem tanto a sua recém encontrada irmã gêmea, Morgan, como a sua amizade com Stormy[3]. Ela era muito mais que sua melhor amiga... sempre tinha sido.

Seria como nos velhos tempos, como quando eram adolescentes e colocavam os narizes em assuntos que não eram de sua conta. Naquela época, não eram mais que meninas aficionadas que se dedicavam a procurar provas de alguma das fantasiosas teorias conspiratórias de Maxie e geralmente não encontravam nada.

Até o dia em que o “laboratório de investigação” de White Plains tinha tombado sob as chamas. Maxie sempre tinha insistido que aconteciam coisas estranhas ali dentro. E naquela ocasião, pela primeira vez, tinha razão.

No edifício se encontrava a sede da DIP, a Divisão de Investigações Paranormais, uma agência secreta do governo dedicada ao estudo e eliminação dos vampiros. As conseqüências do que Maxie tinha averiguado aquela noite remexendo entre os restos do incêndio, quase seis anos atrás, ainda seguiam presentes em suas vidas. Tinha encontrado provas da existência de vampiros. Stormy ainda ficava nervosa quando tentava processar tudo que ocorreu desde então. Mas aquilo as tinha levado a isto. A converter-se em bisbilhoteiras profissionais. Maxie e Stormy eram agora detetives particulares especializadas em coisas que estão além do que a maioria das pessoas consideraria “normal”.

Mas não era exatamente igual aos velhos tempos. Na época, eram três. Stormy, Maxie e Jason. O lindíssimo, estudioso e conservador Jason Beck, com sua pele cor chocolate. Ele era o contraponto à audácia de Stormy e à impulsividade de Maxie. Mas ele tinha ido embora, sem chegar a saber o que Maxie tinha encontrado entre as cinzas naquela noite.

Stormy estava acostumada a perguntar-se o que teria acontecido se não tivesse rejeitado Jason quando perguntou se queria sair com ele. Se ele teria ficado ao invés de ir estudar fora, na faculdade de direito. Sentia falta dele.

Jason.

Dor. Era como se uma faca vermelha e quente atravessasse sua cabeça. Uma luz branca a cegou, e um ruído surdo, como se milhares de estações de rádio lutassem pela mesma freqüência, explodiu em sua mente.

Apertou a cabeça com uma mão e pisou no freio, já que não podia ver a estrada.

Jason.

A luz em sua mente tomou forma e viu o perfil familiar de Jason. Seus traços eram mais fortes, mais angulosos do que lembrava. Ele estava mais velho, usava o cabelo curto, mas seus olhos marrons eram os mesmos, e estava tão incrivelmente bonito como sempre.

Na frente dele, também de perfil, havia outro rosto masculino. Um rosto de traços finamente esculpidos, de lábios carnudos e escuros, e olhos profundamente escuros e brilhantes ao mesmo tempo. Seus cílios eram longos e as sobrancelhas tão espessas que quase se tocavam. Tinha o cabelo comprido, totalmente liso e negro como a asa de um corvo. Para Stormy parecia tão familiar como sua própria imagem no espelho. E, entretanto, era um completo desconhecido.

“Dragostea cea vache iti sopteste la meche”, sussurrava a estranha e exótica voz de uma mulher. E embora suas palavras estivessem em um idioma desconhecido para ela, Stormy se deu conta de que a voz que acabava de ouvir era a sua. Só que... diferente.

Assustou-a ter entendido as estranhas palavras que tinha pronunciado. “O velho amor não será esquecido”, sussurrou.

A dor diminuiu. A luz se apagou. O barulho desapareceu e ela abriu os olhos. Seu carro estava atravessado no acostamento da estrada, em meio a uma nuvem de pó. Olhou para frente e viu que a caminhonete também tinha parado no acostamento. Maxie e Lou saíram e correram para ela.

Stormy fechou os olhos. Sim, as coisas tinham mudado. Ela tinha mudado. Tinha mudado desde que saiu do coma.

Não esteve todo o tempo na cama do hospital. Tinha partido. Deixou seu corpo naquela cama e foi... a algum outro lugar.

E não podia desfazer-se da impressão de que não havia voltado só. Algo ou alguém tinha vindo com ela. Talvez a que falava com essa voz em um idioma desconhecido. Mas o certo era que seu corpo já não pertencia exclusivamente a ela.

Maxie batia na janela do motorista e Stormy a baixou.

—Estou bem — a tranqüilizou.

—O que aconteceu? Stormy, perdeu o controle sem nenhum motivo! O que tem?

—Nada. De verdade. Eu... dormi. Isso é tudo.

Não podia enganar Maxie. Ela examinou o rosto de sua amiga e seus olhos se arregalaram de espanto.

—Stormy! Seus olhos!

—O que? O que têm eles? —disse Stormy, aproximando-se do retrovisor para olhar-se.

Uns olhos negros desconhecidos lhe devolveram o olhar. Mas em um instante a cor negra azeviche voltou a transformar-se em seu azul intenso habitual. Sufocou o calafrio que percorreu o seu corpo e voltou a olhar para Maxie, fingindo uma expressão calma.

—Não tem nada nos meus olhos, Maxie. Deve ter sido um efeito da luz do sol refletindo-se.

Maxie a olhou fixamente.

—Mas...

Lou pôs a mão no ombro do Maxie.

—Há uma cafeteria um pouco mais à frente. Acho que devíamos descansar um pouco.

—Boa idéia — disse Maxie —, vá para o lado. Eu dirijo — acrescentou, fazendo um gesto a Stormy para que se afastasse.

Stormy sabia que era melhor não resistir. Maxie estava preocupada. E tinha visto algo. O certo era que Stormy estava surpresa de ter conseguido manter em segredo seus estranhos sintomas durante tanto tempo; ocultar algo de Maxie Stuart não era tarefa fácil. Já tinha tido alguns ataques parecidos com esse: perda de consciência, visões estranhas, murmúrios incoerentes ecoando em seus ouvidos... Mas nunca antes tinha visto uma imagem tão nítida, nem os murmúrios tinham chegado a serem palavras, em nenhum idioma. Fosse o que fosse, teria mais. Mas não podia falar disso com ninguém, nem sequer com Maxie. Ao menos até saber o que era... e o que queria dizer.

Baixou o quebra-sol do passageiro e se olhou no espelhinho, aliviada ao ver que eram seus olhos que devolviam o olhar.

Maxie ligou o carro.

—Bom, vai me dizer o que está acontecendo?

—Sinceramente. Maxie, não sei. Estava cansada e imagino que dormi por um momento.

—Isso é tudo?

—Isso é tudo.

Maxie franziu o cenho. Era o momento de mudar de assunto.

—Ouça, Maxie. Lembra dos folhetos que fizemos, anunciando nossa nova agência?

—Claro.

—Enviou um a Jason Beck?

—É obvio que sim. E também um cartão de visita. Enviei o folheto a todos nossos conhecidos. Por quê? —perguntou Maxie com o cenho franzido.

—Não sei. Ultimamente estive pensando nele.

—Ah, é?

Stormy assentiu e apontou para frente.

—Aí está a cafeteria. Lou está dando a volta.

—Certamente há mais lugar para estacionar lá atrás. Vou segui-lo — disse, conduzindo o carro de Stormy para o estacionamento.

Stormy tinha vontade de esfregar a cabeça... Não era que doesse exatamente, mas incomodava um pouco. Estava sensível. Mas não se atreveu. Se desse a Maxie o menor indício de que não se encontrava em plena forma, ficaria em cima dela como uma mãe de primeira viagem.

—Estou morta de fome — disse Stormy; sabia que para Maxie apetite era sintoma de boa saúde.

—Eu também — respondeu Maxie, que já estacionava o carro de sua amiga perto da caminhonete.

—Qual está sendo o resultado da viagem? — Perguntou Stormy —. Houve algum progresso com Lou?

—Absolutamente nada! Colocou numa emissora de música country para reduzir ao máximo as oportunidades de diálogo.

—Tem certeza que não quer fazer o resto da viagem comigo?

Maxie a olhou com preocupação.

—Sim, acho que irei um pouco contigo. Vou dirigir e você poderá descansar algumas horas.

—Estava brincando, Maxie. Tem que ir com Lou. Talvez passem por um buraco e ele termine em seu colo. Não pode perder uma oportunidade dessas.

—Que diabos! Terei um montão de oportunidades quando se instalar na mansão.

—Mas achava que não ia ficar — disse Stormy.

—Ele também acha — respondeu Maxie—. Mas escondi sua bolsa em seu carro, para o caso.

Stormy olhou para o banco de trás e viu uma mala de couro negro que ela não tinha colocado lá e em que não prestou atenção até esse momento.

—Que capacidade de observação a minha! Podia ser um assassino em série, que eu não teria notado.

—Não tem espaço para um assassino em série — observou Maxie.

—Ei! — disse Lou, batendo no teto do carro —. Pensam em sair ou vão ficar aí dentro?

Sorrindo, Maxie abriu a porta e saiu do carro.

Stormy a seguiu, mas sentia as pernas fracas e os músculos tremiam como se tivesse estado fazendo exercício durante horas. Só que não era assim.

As outras vezes que tinha tido ataques semelhantes, a debilidade tinha desaparecido em seguida. Mas nunca tinham sido tão claros, nem tão intensos como esse, nem a tinham deixado tão fraca. Tinha falado com seu médico depois do primeiro ataque, mas apesar de ter sido submetida a uma infinidade de testes, não tinham detectado nada anormal.

Em todo caso, Stormy estava convencida de que não era algo físico. Sentia que não era físico. Não podia dizer exatamente por que, nem descrever o que sentia.

Enquanto entravam na cafeteria, notou que Maxie observava todos os seus movimentos.

 

—Aqui estão, meu amo.

O vampiro fez seu caminho pela porta aberta que dava para o salão. Fazia semanas que não se alimentava. Tinha aprendido a ficar sem isso durante grandes temporadas, e Fieldner se desculpou lhe assegurando que nenhuma mulher tinha passado por Endover em todo esse tempo.

Mas essa noite alimentaria seu corpo e, o que era mais importante, sua alma, com a lembrança de sua amada.

Olhou à mulher que Fieldner tinha trazido. Sua pele era cor café com leite, tinha os olhos marrons e o cabelo cor visom caía em cachos até seus ombros. Era linda. Estava de pé na metade do salão, tremendo e com o rosto cada vez mais contorcido à medida que ele avançava.

—Não deve ter medo — disse ele, olhando-a fixamente nos olhos e usando seu poder para tranqüilizá-la.

Franziu o cenho e se aproximou ainda mais. Ao ver que ela retrocedia, pronunciou uma palavra e a acompanhou com um gesto de sua mão, para dirigir seu poder com maior intensidade.

—Quieta.

Ela não voltou a mover-se. Ficou ali, de pé, ainda assustada. Podia escutar seu coração batendo descontrolado, como as asas de uma pomba apanhada.

Não importava. A acalmaria ao seu devido tempo. Aproximou-se um pouco mais e ao chegar em frente a ela, acariciou-lhe a bochecha com uma mão e estudou seu rosto.

A raiva o alagou, embora tenha feito um esforço para que não se refletisse em sua voz.

—Quantos anos tem, menina?

—De-dezessete.

Baixou a mão e se afastou dela, enquanto a decepção se apoderava dele e a fome apertava. Uma vez que a mente da menina foi liberada de seu influxo, ela retrocedeu como se de repente se livrasse de uma garra que a capturava.

—Uma menina? —perguntou, procurando o olhar de seu criado, escondido entre as sombras e encolhido de medo—. Trouxe-me uma menina, Fieldner?

O homem se encolheu ainda mais, mas não retrocedeu.

—Tem dezessete anos; já é quase uma mulher. E trouxe duas, mestre.

—Duas? —perguntou o vampiro; voltou-se de novo para ver a segunda menina. Era loira, branca e estava aparentemente inconsciente na cadeira. Aproximou-se dela, enviando mensagens à afiada mente da criatura com seus largos dedos—. Você a drogou? —perguntou a Fieldner.

—Drogou as duas — disse a outra garota.

Seu olhar se voltou para ela.

—Como se chama, menina?

—Delia. Delia Beck. Ela é Janie — respondeu tremendo—. Vai ficar bem?

—Sim, prometo que não acontecerá nada a você. Não tenha medo, Delia Beck. Não tem nada a temer — disse; demorou um momento para acalmar a mente da moça até que ela relaxou um pouco —. Sente-se aqui com sua amiga, enquanto eu me ocupo disto.

Ela se aproximou da cadeira e se sentou ao lado de Janie; pegou sua mão, em silêncio.

Ele atravessou o quarto até onde estava Feildner, que começou a balbuciar.

—Eu... tive que drogá-las. De verdade! Eram duas e teriam resistido. Não queria ferir nenhuma delas. Você se zangou comigo a última vez que feri uma.

—E o que te fez pensar que me trazer sangue contaminado seria motivo de alegria, idiota?

Voltou a olhar para as garotas. A que se chamava Delia o olhava como se não pudesse tirar os olhos dele; seu coração seguia batendo acelerado, mas não estava tão assustada como antes. Estava fascinada e aterrorizada ao mesmo tempo. A outra, Janie, gemia e se movia intranqüila na cadeira.

—Não posso me alimentar com sangue contaminado — disse a Feildner —. E não penso me alimentar de meninas.

—Sinto muito, meu amo.

—O dano já está feito. A única coisa que podemos fazer é evitar que as coisas piorem. Sentirão falta delas, claro.

—Não! Viajavam sozinhas.

Ao menos isso fez direito.

—Bem. Farei que esqueçam tudo e as mandarei de volta para que prossigam seu caminho. Mas preciso de alimento, Fieldner. E não vou beber delas.

—As reservas de emergência, senhor?

—Temo que não.

Inclinando a cabeça, seu lacaio, que era também o chefe de polícia de Endover, percorreu o quarto até chegar a um bar de madeira, um artefato moderno, mas ele gostava. Fieldner retirou um estojo de veludo, abriu a tampa e tirou uma linda taça de cristal esculpido e uma afiadíssima adaga com o punho coberto de jóias.

—Sinto muito pelas garotas, senhor. Mas há algo mais. Algo que deve saber antes que continue.

—Não estará tentando ganhar tempo, verdade Fieldner?

—Não, meu amo — colocou o pulso sobre a taça e agarrou firmemente a adaga com a outra mão, com a lâmina contra a sua pele. O vampiro sabia que faria o que lhe ordenasse. Mas seu sangue seria muito forte. O sangue masculino sempre era forte. E o sangue de um homem tão sem caráter como Fieldner seria sem gosto e sem personalidade.

O vampiro suspirou.

—Então, vamos. Diga o que devo saber.

—Essa. A morena — disse o chefe de polícia apontando para Delia —, conseguiu fazer uma chamada com seu celular.

Seu amo levantou as sobrancelhas.

—E como é que conseguiu fazê-lo? —perguntou.

—Escondendo-se no assento detrás de meu carro. Não percebi o que fazia — respondeu Fieldner—. Seu irmão está na cidade — acrescentou, tragando saliva.

A garota soltou um grito abafado.

—Jason?

Fieldner a olhou com firmeza.

—Não deveria ter feito essa ligação, garota. Agora o que acontecer com seu irmão será sua culpa.

O vampiro sentiu que o pânico voltava a apoderar-se dela e voltou a olhá-la.

—Não acontecerá nada de mal com seu irmão, Delia. Pode confiar em mim.

—E quanto a ele? — Gritou a moça apontando Fieldner com o dedo —. Ele nos deixou trancadas no porão de um farol durante horas! Estava escuro e...

—Calma — disse o vampiro, pronunciando lentamente a palavra para aumentar seu poder sobre a garota. Adolescentes. Sua mente era muito mais difícil de dominar que a dos adultos—. Relaxe, menina. Tudo vai sair bem.

Ela reprimiu um soluço e voltou a sentar-se na cadeira.

—Talvez devesse começar pelo início — disse seu amo, voltando-se para Feildner.

O homem concordou.

—As duas garotas passavam pela cidade. Pararam no velho centro de informação. Enquanto procuravam os serviços, arranquei alguns cabos da bateria de seu carro para que não pudessem partir. Então me ofereci para levá-las a cafeteria mais próxima, onde poderiam esperar o guincho. Elas confiaram em mim.

O vampiro sabia por que tinham acreditado nele. Fieldner era policial. Usava uniforme e dirigia um carro patrulha. Qualquer mulher confiaria nele.

—Isso foi esta manhã. Não podia trazê-las aqui a plena luz do dia, assim as tranquei no farol. Mas no caminho, essa suspeitou que algo estava errado e chamou seu irmão. Nem sequer sei como pôde estabelecer a comunicação, com a má recepção que há na área. Deve ter um ponto com cobertura em algum lugar da estrada.

—E como é que não ouviu que estava fazendo uma chamada?

—Estavam fazendo muito barulho, me pedindo que parasse o carro, que as deixasse sair. Eu... liguei o rádio para abafar o barulho.

O vampiro elevou os olhos ao céu, aborrecido.

—Então, disse a seu irmão onde estava.

Fieldner afirmou.

—Apareceu em meu escritório há uma hora, perguntando por ela.

—E seu carro?

—Já o tinha escondido.

O vampiro fez um gesto de aprovação com a cabeça.

—Pelo menos fez algo bem esta semana — disse —. E onde está ele agora?

—Hospedou-se no North Star. Acho que suspeita de algo.

—Claro que suspeita de algo, a menos que seja um completo estúpido — disse o vampiro com um suspiro.

Complicações. Era algo que detestava. Criou uma vida ideal naquele lugar que tinha em absoluto controle. Cada vez que surgia alguma complicação inesperada, punha em perigo sua forma de vida.

Teria que resolver aquilo da maneira mais discreta possível e o quanto antes.

—Falarei com estas meninas e logo as levará a seu carro. Deixe-as longe da região de Endover. Não recordarão nada, é obvio. Seu irmão não encontrará nada por estas terras e seguirá seu caminho até encontrá-las sãs e salvas — concluiu —. Pode continuar — acrescentou, apontando o pulso de seu criado.

—Há algo mais.

Fechando os olhos lentamente, o vampiro suspirou.

—O que mais?

—Isto — disse Fieldner tirando um papel do bolso. Desdobrou-o e o deu a seu amo.

Ele tomou e jogou uma olhada ao acetinado folheto que anunciava uma espécie de agência de detetives. Mas de repente algo o deixou completamente petrificado. Seus olhos se cravaram na foto das duas mulheres que havia na capa. Em uma delas, para ser mais exato. Era impossível. Impossível.

—O que significa isto? — perguntou em um sussurro.

—A semelhança é incrível, verdade, meu senhor? Eu também pensei.

Enquanto dizia isso, o chefe de polícia olhou para cima, como o vampiro. Seu olhar se dirigia para o retrato de uma mulher de traços tão delicados que parecia uma boneca de porcelana, e com uma bonita juba loira que lhe caía pelos ombros. Usava um vestido de uma época muito longínqua e seus olhos, grandes e expressivos, eram negros como o azeviche.

O olhar do vampiro ia do folheto ao retrato pendurado na parede.

—O que sabe destas duas mulheres? — sussurrou.

—O irmão da garota, Jason Beck, tinha este folheto na carteira. Caiu quando tirou uma foto de sua irmã para me mostrar. Quanto às mulheres, só sei o que tem no folheto, senhor. Chamam-se Maxie Stuart e Stormy Jones. São uma espécie de investigadoras particulares, que, conforme parece, têm um escritório em Maine. Quando perguntei quem eram, Beck disse que eram velhas amigas dele.

Outra boa atuação do policial. O vampiro se aproximou dele, tirou-lhe a adaga das mãos e a guardou em sua capa.

—Vou precisar de você em plena forma, Fieldner.

—Espero suas ordens, senhor.

O vampiro suspirou profundamente e se dirigiu para as garotas. A segunda delas, Janie, sentou-se e o olhava com os olhos perdidos. Estava confusa e assustada.

—Temo que tenham que ser minhas convidadas durante um tempo.

A jovem loira recuperou a voz e a coragem.

—Não nos tranque de novo naquela cela, por favor. Não fizemos nada a você.

Ele franziu o cenho e negou com a cabeça.

—Não, não haverá mais celas. Meu criado tratou vocês de uma forma inaceitável, mas as compensarei por isso. São minhas convidadas. Nada de mal ocorrerá a vocês sob meu teto. Têm minha palavra.

As garotas pareceram captar as ordens que ele enviava com a mente. Delia já estava muito tranquila, e o temor de Janie também começava a dissipar-se. Ele se aproximou de Fieldner e falou em voz baixa.

—Leve-as ao quarto de hóspedes e as tranque ali.

Depois se voltou de novo para as moças.

—Agora meu criado sabe que não as tratou com o devido respeito. Já não têm motivos para temê-lo, asseguro isso. E se tudo correr bem, estarão em casa com suas famílias amanhã. Depois de amanhã se muito.

Fez um gesto a Fieldner e baixou de novo a voz.

—Faça uma foto delas e retorne aqui o quanto antes, Fieldner. Há muito que fazer.

 

Lou viu que Maxie não podia esconder sua excitação quando saiu em disparada do carro de Stormy, estacionado na curva que formava o caminho de entrada de cascalho branco, e ficou contemplando a formosa casa. Ele entendia. Era uma verdadeira casa dos sonhos, uma impecável mansão branca situada na costa escarpada de Easton, Maine. Maxie já percorria com pressa o caminho de pedras brancas que levava à porta principal, com seu grande vidro ovalado, enquanto ele terminava de estacionar a caminhonete. Sorriu ao vê-la usar sua chave nova para abrir a porta.

Desligou a caminhonete e olhou para Stormy. Estava mexendo em suas coisas, no porta-malas, evidentemente não tão ansiosa de entrar na mansão como Maxie. Talvez estivesse preocupada. Pode ser que a inquietação de Maxie por ela não estivesse tão injustificada como Lou tinha querido pensar.

Saltou da caminhonete e se reuniu com Maxie no interior da casa. Estava de pé na metade de uma grande sala, aproveitando o espaço, observando cada detalhe: o lustre pendurado no teto abobadado, o reluzente piso de madeira, os móveis rústicos, de aspecto quase nórdico, as escadas que se alargavam na base dando a impressão de derramar-se de cima, como uma catarata. Adorava esse lugar... via-se no brilho de seus olhos. Lou pensou que, sobretudo gostava porque era de sua irmã. Estava impregnado da presença de Morgan, apesar de que ela não estivesse ali.

— Morgan e Dante não vão estar aqui para recebê-la? — perguntou Lou.

—Não. Estão viajando. Uma lua de mel tardia, eu acho — respondeu ela sorrindo.

Sempre que via esse sorriso, Lou sentia um raio no meio do peito, e essa vez voltou a senti-lo.

—Além disso, acredito que Morgan quer estar segura de que compreendi que agora este lugar é meu. Quer me dar um tempo para que me instale, sinta-me cômoda aqui, sabe?

Ele assentiu; olhou a seu redor.

—E onde vai ser o escritório?

—Ah, já começamos a montá-lo... Estive aqui o fim de semana passado. Está no cômodo em que Morgan costumava escrever quando estava aqui. Acredito que originariamente era um escritório — disse ela. De repente virou-se —. E Stormy?

—Está procurando algo entre suas coisas — respondeu ele, e observou que os olhos dela se nublavam de preocupação—. Esteve bem durante o resto da viagem?

—Assim parece.

—Mas você continua preocupada.

Maxie suspirou.

—Pensará que sou tola.

—Acredito que a forma com que se preocupa por ela é admirável, Maxie. É a pessoa mais leal que conheço.

—Sério? — Disse ela, sorrindo de novo —. É um comentário muito agradável, sobretudo vindo de uma pessoa a quem galanteios são fatais.

—Ah, é? Faço poucos?

—Em seu vocabulário, são espécies em vias de extinção — disse ela —. Lou, está acontecendo alguma coisa com Stormy — acrescentou, olhando de novo para a porta.

Ele franziu o cenho, enquanto um calafrio lhe percorria as costas.

—Ela diz que adormeceu.

—É mentira — disse Maxie, sacudindo a cabeça e voltando para a entrada para assistir Stormy, que continuava mexendo em sua bagagem—. Acho que está me escondendo algo há algum tempo. Desde que saiu do coma.

—Tem alguma idéia do que pode ser?

Maxie negou com a cabeça.

—Antes, quando saiu da estrada, teria jurado que durante uns segundos seus olhos estavam negros.

Lou franziu o cenho.

—Normalmente são de que cor?

—Azuis — respondeu ela —. Está me dizendo que nunca notou a cor dos olhos de Stormy?

—Não estou acostumado a me fixar nessas coisas. O que quer que faça?

—É policial. Tem que se fixar em tudo.

—Ex-policial — destacou Lou.

Maxie cobriu os olhos com a mão.

—De que cor são meus olhos?

Verdes. Uns enormes e vivos olhos verdes, como um par de esmeraldas brilhando ao sol.

—Não tenho nem idéia — disse em voz alta.

Ela tirou a mão, entre magoada e incrédula.

—Então, quer dizer que os olhos de Stormy trocaram de cor?

—Não era só a cor, Lou. Era como se... como se nem sequer fossem seus olhos — disse Maxie, esfregando os braços como se de repente tivesse frio.

—Quer saber o que penso?

—Claro que sim.

—Ótimo, porque ia dizer isso de qualquer jeito — disse ele —. Acredito que se preocupa muito por ela. E está sobrecarregada com a viagem, o novo negócio, a nova casa...

—Mas de uma forma positiva.

—Não importa, Maxie. Faz somente uns meses que descobriu que sua mãe biológica era uma prostituta reabilitada e que tinha uma irmã gêmea. Encontrou Morgan, se inteirou de que estava doente, em fase terminal, e que era assediada por... nada menos que um maldito vampiro. Então, depois de quase matá-lo, descobriu que o vampiro era o mocinho.

Maxie deu de ombros e olhou para longe.

—Não pode me culpar por acreditar que “morto-vivo” era sinônimo de “malvado”. Parecia uma dedução lógica. Além disso, tudo saiu como o esperado. Ele a transformou e agora ela não vai morrer. Nunca.

—Mesmo assim — continuou Lou — mal teve tempo de assimilar tudo isso. De repente, tem dúvidas de tudo aquilo no que acreditava. Do que é real e do que não é. Os conceitos que estavam acostumados a estar claros em sua mente, de repente estão confusos.

Maxie deu-lhe um olhar intenso.

—Tem muita razão no que acaba de dizer.

—Eu sei. De certa forma, eu passei pelo mesmo, Maxie. Mas assim são as coisas. Com tudo isto fervendo dentro de você, tenho certeza que sua imaginação está disparada. Inclusive mais do que o normal — ela sorriu com cumplicidade, mas ele seguiu falando —. Assim, Stormy, depois de estar entre a vida e a morte há uns meses, sai da estrada, te dá um susto de morrer e vai correndo para ela, com suas emoções à flor da pele, o sol lhe dá um reflexo nos olhos, e... bam! Aí o tem.

Ela inclinou a cabeça. Seus cachos cor de fogo acariciaram seu ombro direito, passaram por detrás de seu pescoço e descansaram sobre o outro ombro. Ele tentou não fixar-se nisso, mas notou de qualquer jeito.

—Realmente acredita nisso? — perguntou ela.

—Realmente.

Maxie suspirou, sacudindo a cabeça lentamente.

—Pode ser que tenha razão.

Lou ficou boquiaberto pela surpresa, até que ela acrescentou:

—Mas eu duvido.

Sim, essa era a reação que esperava dela. Ambos eram tão diferentes que era fácil predizer o que diria.

—Imagino que tenha sua própria teoria.

—Estou trabalhando em uma.

—E imagino que seja algo estranho.

—A que se refere como “estranho”?

—Paranormal, sobrenatural, extraterrestre...

—Sim, é algo estranho.

Lou suspirou pelo rumo que começava a tomar a conversa. Depois que uma das teorias fantasiosas dela esteve certa, ninguém poderia impedir que elaborasse outras.

—Tenho medo perguntar.

—Pois não o faça. Ainda não está totalmente acabada — disse ela dando de ombros.

—Sinto muito que tenha perdido seu fim de semana de pesca — comentou, mudando de assunto.

—Não sente nem um pouco. — E a verdade era que ele tampouco sentia. Preferia passar o fim de semana com Maxie, com suas extravagantes teorias e sua paquera descarada, do que em um navio com um companheiro de pesca. Mas se admitisse isso, estava perdido; só serviria para incentivá-la mais.

—Tem razão. Não sinto.

Pelo menos era sincera. A maior parte do tempo... embora não duvidava de que agora estava procurando uma forma de conseguir que ele ficasse mais tempo de que o previsto.

Nesse momento, Stormy entrou com uma mala em cada mão.

—Não me diga que não é o melhor lugar do mundo — disse, deixando as malas no chão. — A linha telefônica já está conectada? Disse a meus pais que ligaria ao chegar.

—Não verifiquei — respondeu Maxie.

As duas garotas atravessaram a sala e saíram pela porta dupla, que levava ao escritório.

Lou as observou enquanto se afastavam. Sobretudo a Maxie. Era uma beleza. Se pensasse por um momento que sua constante paquera indicasse um verdadeiro interesse...

O que faria então? A única coisa que faria seria tentar livrar-se dela o mais educadamente possível e ir para casa. Gostava muito de Maxie para lhe impor o calvário de uma relação com ele. Era um desastre com as mulheres, e sabia disso perfeitamente; um verdadeiro fracasso nesse sentido. Todas as mulheres com as quais saiu nos últimos dez anos o tinham deixado rapidamente, a maioria o acusando de ser tão romântico como uma truta agonizante. Embora não tivesse tentado de verdade com nenhuma delas. Não tinha tentado com nenhuma desde seu divórcio.

Não quis tentá-lo, e seguia sem querer fazê-lo. E Maxie merecia algo mais.

Suspirando, Lou as seguiu até o escritório. Estava praticamente como Morgan deixou, mobiliada com seu estilo elegante. Havia um computador instalado sobre a antiga mesa de mogno. Stormy estava enganchando o cabo do telefone quando ele chegou.

—A linha está conectada. Já temos telefone — disse Stormy —. Ei, a luz da secretária eletrônica está piscando. Acha que já teremos um cliente? — disse apontando o telefone.

—Não pode ser. — disse Maxie — Nem sequer desfizemos as malas.

—Talvez, todos esses folhetos anunciando nossa grande abertura estão dando resultado — disse Stormy, apertando o botão de play. Sentou em uma cadeira para escutar a mensagem. Uma voz masculina saiu da secretária eletrônica e os olhos de Stormy se arregalaram um pouco ao escutá-la.

—Maxie, Stormy, sou eu, Jason. Jason Beck. Eu sei que passou muito tempo e agora estou ligando porque preciso da ajuda de vocês. Sinto-me um pouco estúpido, mas... olhem, algo estranho está acontecendo... Acho que minha irmã desapareceu.

Stormy lançou a Maxie um olhar horrorizado.

—Algo está errado — continuou a voz do Jason — Estava viajando com sua melhor amiga. São as férias da primavera e é seu último ano do colégio. Recebi uma ligação dela muito estranha. O sinal era muito ruim, eu mal pude ouvi-la. Mas sei que está em apuros. Há algo... estranho em toda esta história. Garotas, preciso de vocês; assim, me liguem. Mmm, o celular não tem sinal nesta área, mas tenho telefone no quarto do motel. Me liguem, certo?

A seguir, deu um número de telefone. Ouviu-se nitidamente um ruído quando Jason desligou, e logo outro clique. A secretária eletrônica indicou com um assobio o final da mensagem.

—Jason Beck... olha! Lembro dele — disse Lou —. Era o terceiro membro da banda, não?

Maxie assentiu com a cabeça.

—Foi estudar Direito fora. A que horas deixou a mensagem? —perguntou a Stormy.

Stormy olhou a secretária eletrônica.

—Às sete e dez da tarde. Faz menos de uma hora.

—Coloque outra vez — disse Lou.

—Lou! —Maxie devia ter visto algo em seus olhos, porque se aproximou dele e o olhou fixamente—. O que foi? O que quer...?

—Só ponha uma vez mais.

Stormy apertou o botão e voltaram a escutar a voz preocupada de seu amigo. Quando terminou a mensagem, Lou ficou pensativo.

—Ouviram isso? O clique que soa ao final? — perguntou.

Maxie concordou.

—O que é, Lou?

—Não estou certo, mas o que posso dizer é que me pareceu suspeito.

—O que quer dizer?

—É como se houvesse alguém escutando a ligação.

Stormy se levantou da cadeira de um salto.

—Acha que seu telefone está grampeado?

—Não sei. É possível — disse Lou, dando de ombros —. Embora talvez não tenha sido mais que um problema técnico da linha.

 

O vampiro estava comodamente sentado em uma cadeira estofada, no canto mais escuro do quarto de um hotel de terceira. Jason Beck, de pé junto à cama, desligou o telefone; então Fieldner desligou a extensão que havia do outro lado da sala.

Jason virou para ele. Tinha um corte no lábio, mas tinha deixado de sangrar, embora seu olho começasse a arroxear; pela manhã estaria completamente roxo. Ainda estava furioso com Fieldner por tê-lo golpeado. O policial tinha perdido o controle quando Jason Beck decidiu enfrentá-lo ele em lugar de cooperar. Uma decisão equivocada. Fieldner podia ter o aspecto de um fracote, mas alguns goles ocasionais de sangue vampírico o faziam forte, e totalmente obediente.

Era uma lástima que fosse tão imbecil.

—Fiz o que me pediu. Chamei-as — disse Beck—. Agora quero ver minha irmã.

—Só deixou uma mensagem em uma secretária eletrônica — disse o vampiro lentamente—. Isso não é exatamente o que disse que faria, não é?

—Vão ligar assim que escutarem. Quando fizerem, vou trazê-las aqui, juro.

—Como está tão certo de que virão?

—Estou — disse Beck, baixando a cabeça para olhar a foto que estava junto ao telefone—. São minhas amigas. Virão.

—Assim espero. E quando fizerem, é melhor você seguir minhas instruções ao pé da letra. Compreendeu, Beck?

Jason o olhou fixamente.

—Não. Não compreendo nada de tudo isto. Quem diabos é você? O que quer de Stormy e Maxie? Se pretende fazer mal a elas...

—Não é minha intenção. Embora se fosse, não poderia me deter. Sua missão aqui, Beck, é fazer o que eu ordenar. Enquanto obedecer, ninguém sofrerá danos: nem sua irmã, nem elas, nem você.

Jason baixou os olhos ante o fixo e penetrante olhar do vampiro, que pensou que aquele jovem tinha uma mente brilhante. Era muito inteligente e adorava a sua irmã. Mas também sentia um grande carinho pelas duas detetives. Isso podia ser um problema se não o controlasse adequadamente.

—Como agiu de boa fé, agora vou levá-lo pra ver sua irmã.

 

Stormy discou o número do quarto de Jason, escutou o sinal e esperou. Moveu a cabeça.

—Não responde.

Enquanto pendurava o telefone, Maxie a olhou com o cenho franzido, recordando a conversa que tinham tido no carro, logo depois de sua amiga sair da estrada.

—Estava pensando no Jason quando vínhamos para cá — disse.

—Sim. Que coincidência, não? — assentiu Stormy, evitando seu olhar.

—O que era? Uma espécie de premonição?

—Por favor... —respondeu Stormy com sarcasmo—. Não responde e não tem secretária eletrônica. Deve ser um albergue — acrescentou, mudando de assunto e voltando a concentrar-se na ligação.

—Um motel — a corrigiu Maxie —. Disse motel, não hotel. Certamente é um lugar comum.

—Deveríamos ir até lá — disse Stormy, olhando para Maxie, dessa vez com olhos suplicantes.

Stormy tinha um pressentimento a respeito de tudo isso; Maxie estava convencida disso.

—Ir aonde? — perguntou —. Nem sequer sabemos onde está Jason.

—Poderíamos tentar localizar a chamada — disse Stormy, olhando para Lou —. Ainda tem amigos no corpo de polícia. Poderia fazê-lo, certo?

Lou concordou.

—Sim, mas há formas mais fáceis. Já têm linha telefônica, e a internet?

—Já está instalada — respondeu Maxie.

—Então podemos fazê-lo on line.

Stormy conferiu os cabos do computador para assegurar-se de que estava conectado, enquanto Lou se sentava de frente para a tela.

Seu espírito de policial estava despertando. Maxie se deu conta pelo brilho de seus olhos. Tinha verdadeira paixão por seu trabalho. E quando estava imerso nele, esquecia-se do papel de velho aposentado que parecia decidido a representar pelo bem dela. Tirava a máscara e se mostrava tal como era. Um homem na flor da vida, com uma mente acordada e ágil, decidido e amante da justiça. Esse era o Lou Malone que despertava nela sentimentos que ninguém antes tinha despertado. Maxie olhou seus compridos e poderosos dedos percorrendo o teclado do computador e lambeu os lábios ao ver a forma como sua mão firme agarrava o mouse.

Depois de teclar um momento, levantou o olhar.

—A ligação foi feita em uma cidade chamada Endover, em New Hampshire.

Maxie o olhou fixamente.

—Tem que me ensinar como fazer isso.

—O que? Pensava que estava prestando atenção.

—Estava atenta, mas não ao computador — respondeu com uma piscada, e viu que ele reagia com vergonha. Era a reação habitual a suas indiretas, e não era muito menos do que ela esperava.

—Deveríamos ir — disse Stormy brandamente.

A Lou custou tirar os olhos do intenso olhar que Maxie lhe lançava, mas por fim conseguiu e se concentrou em Stormy.

—Ouça, na mensagem dizia que o chamássemos. Vamos esperar um pouco. Poderá nos dizer por telefone o que quer que façamos quando conseguirmos localizá-lo.

Maxie riu para si mesma ao escutá-lo falar no plural. Talvez ainda pensasse em voltar a White Plains, mas no fundo, sabia que não ia fazê-lo.

—Lou tem razão — disse —. Além disso, assim teremos tempo de descarregar a caminhonete.

—Quantos anos terá Delia agora? — Perguntou Stormy —. Que idade tinha a última vez que a vimos? Dez? Doze?

Maxie assentiu.

—Deve estar uma mulher. Terá dezesseis, dezessete anos. Jason disse que está no último ano do colégio.

—É difícil imaginar — murmurou Stormy —, Meu deus, como o tempo passa! Jason não mencionou Mikey, seu irmão mais velho, verdade?

—A ultima coisa que sei dele é que se casou, tem dois filhos e vive na Califórnia — respondeu Maxie; pôs uma mão no seu ombro —. Seguiremos ligando até encontrá-lo e decidiremos o que fazer a partir daí, tudo bem?

—Tudo bem, esperaremos — respondeu Stormy com um suspiro.

 

Lou não se foi. Não parava de repetir que ia partir assim que terminasse de ajudar às garotas com isto ou com aquilo. Mas o certo era que não se foi.

Claro que não se foi. Esteve enganando a si mesmo pensando que ia partir, sabendo que Maxie queria que ficasse. Estava disposto a fazer quase algo por ela... e a razão era que tinha um fraco por ela, apesar de serem tão diferentes como o dia e a noite.

Maxie era também um verdadeiro incômodo e em sua opinião deveriam nomeá-la a garota com mais possibilidades de morrer antes do tempo de toda a cidade. Um dos motivos pelo qual, quando Maxie se metia em confusões, ele estava acostumado a querer estar perto para lhe dar uma mão.

Por isso, havia dito que ficaria para ajudá-la a descarregar, e assim o fez. Logo ela decidiu que precisavam comer algo, assim pediram uma pizza e a comeram no terraço, junto ao escritório. Era agradável. Três amigos comendo pizza. Ignorando todo o resto.

Os estranhos sintomas de Stormy. A preocupação de Maxie por sua amiga. As amalucadas teorias de Maxie. O ceticismo de Lou diante de tais teorias. A constante paquera de Maxie. A fingida indiferença de Lou ante ela. Suas mentiras dizendo que queria voltar para casa. A mentira de Maxie lhe dizendo que o deixaria partir. E o medo por um velho amigo. Sim, isso era todo o resto.

Mas o terraço era agradável: móveis de vime branco, uma mesa coberta de vidro e, para proteger do sol, uma sombrinha de cor branca com uma estampa de hera, que se repetia nas almofadas das cadeiras. Era uma noite quente. Sentados ali fora, abaixo das estrelas, respirando a brisa marinha, e iluminados pela tênue luz dos faróis, sentiam-se realmente confortáveis.

Quando começou a refrescar. Lou decidiu fazer café, o que queria dizer que teriam que desempacotar as xícaras e a cafeteira. No fim, teriam que desempacotar todas as caixas marcadas com a palavra “cozinha”. Os três trabalharam em equipe e terminaram em menos de uma hora. O liquidificador e a torradeira de Maxie estavam agora na bancada, junto com a cafeteira, meio vazia depois de terem tomado alguns cafés. Tinham guardado toda a baixela, exceto as xícaras nas que beberam, Lou as colocou na lava-louça.

Gostava daquela cozinha. Era o cômodo que mais gostava de toda a casa. Era limpa, funcional e não era excessivamente luxuosa. O mármore rosa e cinza combinavam perfeitamente. Havia pequenos azulejos quadrados de mármore cobrindo as paredes e um grande bloco formava a ilhota que ficava no meio da cozinha. Isso sim se encaixava com Maxie. Volutas[4] rosas. De aspecto suave na superfície, mas dura como uma rocha no fundo.

Reconfortado pela cafeína e com todo o trabalho da cozinha terminado, Lou subiu umas caixas aos quartos onde dormiriam as garotas.

O quarto de Maxie, que antes tinha sido de Morgan, era enorme, tinha um banheiro anexo com banheira e uma ducha de hidromassagem. Estava totalmente mobiliada e dava para um terraço com um vidro, escondido depois de umas volumosas cortinas brancas.

Deixou as caixas de roupa e produtos de higiene de Maxie em seu quarto e deu uma olhada ao seu redor. Era um quarto escuro e dramático. Não era o estilo de Maxie. Mas quando lançou seu pufe com desenhos de joaninhas em um canto, pensou que ela não teria problemas para adaptá-lo a seu gosto.

—Há mais meia dúzia de quartos, além do de Stormy e do meu — disse Maxie.

Virou-se e a viu de pé na porta. Entrou no quarto, passou do seu lado, recolheu uma caixa do chão e a colocou sobre a imensa cama.

—Já sei — respondeu ele —. Já estive aqui antes, sabe?

Ela assentiu. Estava tirando algumas coisas da caixa. Camisolas, roupa íntima... Sustentava cada objeto nas mãos como se os inspecionasse, antes de dobrá-los e colocá-los em uma das gavetas da cômoda que estava junto à cama.

—Então, em que quarto vai ficar?

—Maxie, querida, já te disse que não vou ficar.

—Anda, homem, não me diga que continua pensando em partir. Se tivesse intenção de fazê-lo, já teria ido. A esta altura, teria que dirigir toda a noite.

Maxie tinha na mão um baby-doll preto semitransparente. O olhar de Lou passou do delicado objeto ao corpo dela, imaginando como ficaria. Não deveria pensar essas coisas, mas não era capaz de tirar essa imagem de sua mente. Era uma camisola curta e Maxie tinha as pernas largas. Tinha-a visto em calças curtas durante o verão, então focou em suas pernas. Demônios! Ela tinha notado. Parecia que estava empenhada em provocá-lo, embora na maior parte do tempo ele conseguisse acreditar que não era sério. Era uma garota jovem e certamente pensava que paquerar com ele não representava nenhum perigo. Ele era muito mais velho que ela, e Maxie não podia levá-lo a sério; e eram muito amigos o que podia ser perigoso. Ela se sentia segura, a salvo.

Certamente tinha razão. Sentia-se como um pervertido pelas imagens que enchiam sua cabeça, nas que via Maxie desfilando com essa camisola muito curta.

—Lou?

Sobressaltou-se ao ouvir seu nome e saiu de seu devaneio.

Ela sorriu.

—Este você gosta, né?

—Como?

—A camisola. Você ficou pasmo olhando-a.

—Nada disso.

—Claro que sim.

—Fiquei absorto em meus pensamentos, isso é tudo.

—Não tem problema. Não me incomoda.

—Pois deveria — murmurou ele, dando meia volta para sair do quarto.

—O que? — perguntou ela.

—Nada. Voltando ao assunto, menina, não posso ficar para dormir. É simples assim. Ficarei até que encontrem com seu amigo Jason, para saber no que estão metidas, e logo...

—E logo será razoável, uma vez em sua vida?

Sabia que Maxie tinha razão. Estava sendo muito pouco razoável. Por que ia passar a noite dirigindo quando ali havia vários quartos disponíveis, e além do mais o haviam convidado expressamente?

Porque não estava seguro de poder passar a noite debaixo do mesmo teto que Maxie, por isso. Procurou rapidamente um bom argumento e se agarrou ao primeiro que veio à sua cabeça.

—Deixei lá todas as minhas coisas.

Era perfeito. Maxie não podia rebater semelhante argumento. Pôs-se a andar pelo corredor, encaminhando-se para as escadas.

Maxie apareceu na porta, atrás dele.

—A verdade é que as trouxe.

Lou se deteve e virou devagar para olhá-la.

Maxie estava de pé, segurando a porta com uma mão, olhando-o com uma expressão inocente em seus grandes olhos verdes.

—Você estava muito teimoso. Tinha medo de que terminasse ficado aqui sem suas coisas, assim... joguei sua bolsa de viagem no carro de Stormy antes de sair de White Plains.

—Você...? — estava tão surpreso que não era capaz de formular uma frase.

—Pode ficar neste quarto — disse ela, avançando pelo corredor para onde ele estava e abrindo uma porta —. É um quarto muito agradável, um de meus favoritos. Acredito que é o que usava o padrinho de Morgan, David Sumner, quando vinha visitá-la. Está decorada em tons ocres[5] e verdes. Muito masculino

Lou também notou que era o quarto junto à de Maxie.

Ela adivinhou seus pensamentos pela expressão de seu rosto.

—Além disso, estará aqui ao lado, se por acaso precisar de você.

Ele a olhou fixamente. Santo Deus! Por que não o deixava em paz com aquela paquera constante?

Era humano, não um boneco de pano! Era um homem de cabelo no peito e já não podia suportar esses joguinhos por mais tempo. A sua libido não importava que ele e Maxie fossem diametralmente opostos, desde sua personalidade até sua fase de vida. Ela estava começando a abrir seu caminho na vida, disposta a comer o mundo. E ele estava desejando baixar o ritmo e relaxar. Ela queria casar-se, um compromisso a longo prazo... crianças. E merecia ter. Ele não desejava nada disso. Não era capaz de nada disso embora o desejasse.

—Maxie, acredito que você e eu deveríamos ter uma conversa.

—Já era hora — disse ela —. No seu quarto ou no meu?

Ele abriu a boca para responder, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, ouviram Stormy chamando do piso de baixo. Maxie apertou os punhos.

—Bem, outra tentativa frustrada! — Começou a descer as escadas —. O que aconteceu, querida?

—Tenho o Jason no telefone.

Maxie jogou um olhar a Lou e ele teve a nítida impressão de que tinha sido salvo pelo gongo... embora não estava muito seguro do que. Mais provocações, isso estava claro. Estava completamente seguro de que não tinha acontecido nada de mais. Mas, se por acaso cometesse um engano... se romperia esse férreo controle que se impunha...

Mostraria a ela que, afinal, não era um boneco de pano.

Fez um esforço para eliminar esse tipo de pensamentos.

—Vamos, Stormy.

Lou desceu as amplas e sinuosas escadas, consistente com um estilo de vida mais luxuoso do que ele poderia chegar a imaginar, atrás de Maxie, tentando não fixar-se na curva que desenhava suas nádegas dentro dos apertados jeans. Suas nádegas não eram assunto dele.

Chegaram ao piso debaixo e ela saiu apressada para o escritório. Lou tomou seu tempo; precisava de uns segundos. Tinha que apagar de sua mente os últimos dez minutos, tudo relacionado à Maxie, com suas atrativas nádegas, sua camisola sexy e seu imenso quarto. Tinha que apagar tudo. Eliminá-lo. Feito.

Bem, estava se convertendo em um especialista nesse tipo de coisa, cada vez o fazia mais rápido.

 

O vampiro observava Jason e o escutava falar no telefone.

O encontro do jovem com sua irmã tinha sido exatamente o que precisava. Jason tinha ficado de pé, depois da porta fechada do quarto mais opulento da mansão, e sua irmã se jogou em seus braços. O jovem a abraçou e logo abriu os braços para abraçar também à outra garota. Após um momento, as separou de si e as olhou.

—Estão bem? Eles fizeram mal a vocês?

—Estamos bem — respondeu Delia—. Mas, por Deus, e você? O que aconteceu com seu rosto? Jason, o que aconteceu? Te fizeram...?

—Foi um acidente. De verdade, estou bem — disse acariciando-a no rosto com a mão. Tinha um olho arroxeado e o lábio cortado. O vampiro amaldiçoou Fieldner por dentro por ter um caráter tão violento.

Delia não parecia convencida, mas quis acreditar nele.

—Nós também estamos bem — disse —. Estes tipos foram... amáveis.

—O outro não — murmurou Janie. Beck a olhou bruscamente.

—Refere-se ao chefe de polícia? Fieldner? Fez mal a vocês?

—Não — respondeu Delia: pôs uma mão sobre o braço de seu irmão e lançou um olhar de reprovação a Janie —. Foi brusco e autoritário e nos deixou em... em uma espécie de cela durante um momento. Mas desde que estamos aqui, estamos bem. Sinceramente, Jason. Não quero que se preocupe. Estamos perfeitamente bem. Além disso, agora está aqui. Tudo terminou. Podemos voltar para casa com você.

Jason franziu o cenho.

—Podemos voltar para casa com você, certo? Veio para nos levar para casa...

Beck baixou a cabeça.

—Ainda não. Mas logo vou tirar vocês daqui.

Delia apagou o sorriso do rosto e o vampiro pensou que estava a ponto de voltar a chorar. Janie fez uma careta, com ar carrancudo.

—O que esse bastardo quer que faça? — perguntou-lhe.

—A que se refere? — respondeu Jason, sem dar nenhuma pista.

“Um menino preparado” pensou o vampiro. Não queria inquietar as garotas dando detalhes. Só queria protegê-las e tirá-las dali, sãs e salvas. Afinal, estava resultando ser tão inteligente como o vampiro tinha pensado.

—Quer algo —disse Janie —. Nos prendeu aqui para te obrigar a fazer algo ou lhe dar algo. Do que se trata? Dinheiro? Ajuda legal? Afinal, está estudando para ser advogado.

Delia conteve a respiração.

—Não tinha pensado nisso. Jason, não faça nada que possa te prejudicar, nada que possa arruinar seu futuro...

—Não é nada disso. Prometo isso. Tirarei vocês daqui em um dia ou dois, juro — virou para o lugar onde esperava o vampiro —. Me deu sua palavra.

—Isso mesmo — disse o vampiro —. E minha palavra é sagrada.

—Não ocorrerá nada mau a vocês — prometeu Jason —. Ficarão aqui, a salvo, até que tudo tenha terminado.

—Acabou nosso tempo. Precisa atender a ligação que está esperando, senhor Beck — disse o vampiro.

Jason assentiu, mas Delia jogou os braços ao seu pescoço.

—Está obrigando-o a fazer algo. Eu sei. O que é?

—Logo tudo terá terminado — disse ele, retirando brandamente os braços de sua irmã —. Terei resolvido antes que se dêem conta, e as levarei para casa, querida, prometo isso a você. Tem que confiar em mim.

Ela deixou que se soltasse, mas as lágrimas começaram a brotar de seus olhos. O vampiro quase chegou a emocionar-se com o profundo carinho que unia a ambos os irmãos, com a intensa dor que causava a eles essa separação. Sentiu. Sentiu cada uma das emoções que os embargavam, do medo, passando pela tristeza, até a firme determinação do jovem de fazer o que fosse para salvar sua irmã. Qualquer coisa.

Quase lamentava ter que fazê-los passar por aquilo.

Mas tinha que ver essa mulher com seus próprios olhos. Tinha que saber...

—Vamos, Jason — disse —. Agora temos que levá-lo para terra firme.

O jovem obedeceu, contra sua vontade, odiando o vampiro com todas as suas forças. O único sentimento mais forte que seu ódio era o amor por sua irmã. O vampiro contava com isso.

Conduziu Jason pelos corredores de sua casa e saíram para o exterior. Era uma bonita noite. Mas, enquanto percorria os atalhos de sua ilha, era totalmente consciente do choro abafado que vinha daquele quarto, dos soluços daquelas duas meninas.

Deveria matar Fieldner por tê-lo metido nessa confusão. Mas agora que tinha visto esse rosto... não podia voltar atrás.

Logo estavam de volta ao quarto do motel de Beck, e este conseguiu, por fim, falar por telefone com as duas detetives, não com sua secretária eletrônica. Fieldner escutava pelo outro telefone, mas o vampiro estava impaciente. Atravessou o quarto e estendeu a mão; Fieldner compreendeu a ordem expressa, passou o telefone e retrocedeu para um canto, perto da porta.

O vampiro aproximou o fone da orelha e fechou os olhos com uma mescla de esperança e desespero, enquanto aguardava ouvir a voz da moça. Não era a mesma.

—Jason, graças a Deus. Passamos horas ligando.

—Tive que sair — respondeu —. Sinto muito.

O vampiro suspirou. A voz era diferente, mas isso não significava que esqueceria o assunto. Olhou a Jason Beck e falou diretamente com sua mente, sem necessidade de formular suas palavras em voz alta.

Diga a elas que venham. Imediatamente.

Jason Beck arregalou os olhos e olhou atônito ao vampiro.

Faça! Precisa que seja lembrado do que acontecerá com sua irmã se não me obedecer?

Beck fechou os olhos lentamente, assentiu para dizer ao vampiro que tinha compreendido e voltou a centrar-se na mulher que estava ao telefone.

 

Quando Lou chegou ao escritório, Stormy estava apertando o botão de viva-voz e colocado o fone no lugar. Lou se sentou em uma cadeira, disposto a escutar a conversa.

—Jason? Coloquei o telefone em viva-voz para que todos possam ter uma idéia da situação. Agora fique calmo. Estamos aqui para te ajudar. Diga que diabos está acontecendo.

Todos ficaram em silêncio, escutando. Quando Jason falou, Lou se levantou da cadeira; havia algo estranho em sua voz, como se tivesse um nó na garganta.

—Não sei exatamente, Stormy. Mas fico feliz em ouvir sua voz.

—Também fico feliz em ouvi-lo — disse Stormy; lançou um olhar inquisitivo a Maxie —. Jason, está bem? Sua voz soa...

—Estou bem. Só... — deteve-se, fazendo um esforço para não chorar —. Maxie está com você?

—Estou aqui, Jason — gritou Maxie —. E Lou também. Lembra do Lou Malone?

—Seu policial?

Lou olhou para Maxie. Desde quando era seu policial?

—Jason, o que aconteceu com Delia? — perguntou Maxie rapidamente.

—Não sei. Estava viajando com sua melhor amiga, Janie. Foram para a costa passar as férias da primavera. Estão no último ano do colégio, sabe? Então me ligou. Parecia aterrorizada, Stormy. Disse que estava em apuros e depois a ligação caiu. A verdade é que a conexão era muito ruim, cheia de cortes e ruídos, então pouco pude ouvi-la. Mas estou seguro de que disse o nome de uma cidade: Endover, em New Hampshire.

—E é onde está agora? — perguntou Stormy.

—Sim. Isto é uma espécie de cidade fantasma.

—Tentou ligar de volta para ela? — perguntou Maxie.

—Foi a primeira coisa que fiz. Estive ligando para ela sem parar. Está desligado. É muito estranho, Maxie — disse Jason, suspirando entrecortadamente —. Mas acredito que está aqui. Estou certo de que as duas estão.

—Quando recebeu essa ligação, Jason?

—Esta mesma manhã — respondeu ele.

—E não teve mais notícias delas?

Houve um breve silêncio antes de sua resposta.

—Não. Nenhuma palavra.

Stormy olhou para Maxie. Lou observou que ambas tinham notado essa sutil hesitação. Jason tinha começado a dizer algo, mas então pensou melhor.

—Garotas, preciso que venham. Imediatamente.

Stormy abriu a boca para responder, mas Lou se adiantou.

—Chamou a polícia?

—Ora, Lou, sabe tão bem quanto eu que não me levariam a sério. Não quando dissesse que estava viajando com uma amiga. Pensarão que sou um irmão superprotetor, alarmista, melodramático...

—Está certo de que não é? — perguntou Lou. Maxie o olhou com cara de poucos amigos e indicou com um gesto que fechasse a boca.

—Cale a boca! — disse em um sussurro inaudível, articulando para que ele lesse seus lábios.

—Não se preocupe, Jason — disse Stormy —. Agora este é nosso trabalho. Não é, Max?

—Exato — disse ela —. Jason, então agora está em Endover, não é?

—Sim. Estou hospedo em um motel ao norte da cidade, saindo pela A-1, à direita. Chama-se North Star. Não tem erro.

—Muito bem.

Stormy tinha sentado em frente ao computador e teclava rapidamente enquanto Jason falava. Lou olhou a tela por cima de seu ombro e viu que tinha introduzido os dados em um programa de busca de mapas. Pressionou o botão de enter e em menos de três segundos apareceram as instruções para chegar ali pela rodovia. Stormy apertou o botão para imprimir.

—Jason, ao que parece, demorará umas quatro horas e meia para chegar. Se nos der uns minutos para preparar uma bolsa de viagem, podemos estar aí por volta das cinco da manhã.

—Um momento, um momento — disse Lou —. Jason, estas garotas dirigiram quase oito horas para chegar até aqui. E foi uma viagem acidentada — acrescentou, lançando um cortante olhar a Stormy e Maxie antes que pudessem fazer alguma objeção.

Maxie suspirou.

—Tem razão. Não deveríamos nos jogar na estrada sem dormir antes umas horas.

Sua resposta não surpreendeu a Lou. Sabia que sua preocupação por Stormy era a única coisa que podia impedi-la de sair correndo para ajudar um velho amigo.

—O que vocês acham de descansarmos um pouco esta noite e saímos pela manhã cedo? Poderíamos estar lá ao meio-dia.

Lou não se deu conta de que se incluiu no grupo até que notou o olhar de Maxie, e então já era muito tarde. Então Jason expôs a pergunta que ele mesmo já estava se fazendo.

—O que quer dizer com isso, Lou? Olhe, não quero que a polícia se meta nisto.

—Eu não sou a polícia. Já não estou no corpo. Retirei-me faz uns meses, moço. Há alguma outra razão pela qual não queira que vá?

A desconfiança e o toque de inexplicável animosidade que tingiam sua voz não eram totalmente inconscientes. Parecia que não podia eliminá-los de seu tom e tampouco queria fazê-lo. Esse menino não deixava de enviar sinais confusos e Lou ia registrando todos.

—Claro que não — disse Jason —. Quanto mais ajuda, melhor. Amanhã ao meio-dia é perfeito. Obrigado, pessoal.

—De nada, Jason — respondeu Maxie.

—Nos vemos amanhã — acrescentou Stormy.

Jason desligou sem se despedir. Stormy se aproximou do telefone para desligar, mas Lou fez um gesto para que esperasse. Escutou um segundo clique, como na mensagem. Todos o ouviram e Lou viu que os olhos das garotas se arregalaram surpresas. Então fez um gesto com a cabeça e Stormy desligou o telefone.

Stormy olhou para Lou e logo para Maxie.

—Aconteceu alguma coisa com Jason.

—Sua irmã desapareceu — disse Maxie —. Foi o que nos disse, é incrível que seja capaz de dizer algo medianamente coerente. Já sabe como a adora — acrescentou, folheando as páginas que tinham saído da impressora para estudar o caminho que deviam seguir para chegar até lá.

—Parecia algo mais do que isso — comentou Lou.

—Ora, Lou, mas mal o conhece.

—O que me faz ser mais objetivo. Além disso, sou policial, lembra?

—Ex-policial — destacou ela.

—Quem foi policial, nunca deixa de sê-lo. E deixe que eu diga, menina, que depois de vinte anos no corpo, detecto quando alguma coisa está errada, e tenho certeza que com seu amigo, alguma coisa está errada. Muito errada. E ainda tem as escutas telefônicas.

—Não pode ter certeza de que esse som seja uma escuta — disse Maxie.

Ele assentiu, admitindo que estava certa.

—Também não posso ter certeza de que não o seja.

Ela se encolheu de ombros.

—Eu tenho certeza de uma coisa.

—Sim? Do que, Nancy Drew[6]?

Ela o olhou fixamente e deu a ele o sorriso mais triunfante e presunçoso que já tinha visto em seu rosto.

—De que você vai conosco.

Nem sequer podia discutir com ela, assim abaixou a cabeça e suspirou.

—Vou pegar outro pedaço de pizza — disse Maxie, saiu do escritório dando um saltinho e foi à cozinha, onde tinham deixado a pizza que tinha sobrado em um tupperware.

Lou a observou afastar-se, tentando sossegar a vozinha que lhe dizia que era um engano ceder diante dela de novo. Mas sentia algo muito mais forte em seu interior, algo muito mais importante. Uma sensação que apertava a boca do estômago e que dizia que algo ruim esperava Maxie Stuart em Endover.

 

Lou não seguiu imediatamente Maxie à cozinha. Não gostava do aspecto de Stormy: estava pálida, tremendo e cobria os olhos com uma mão, como se a luz da tela do computador a incomodasse.

Com exceção do escritório, os demais cômodos estavam cheios de mobília velha e caixas fechadas da mudança. Só esse cômodo permanecia limpo. Era uma grande sala, com uma chaminé em uma parede. Na parede em frente, uma parede de vidro abria para um pequeno terraço, que dava a uma campina; ao longe, um escarpado se mergulhava no mar.

Havia duas mesas, embora até o momento só tinham usado uma delas. A outra estava do outro lado, em frente à chaminé, e estava ainda vazia. Não tinha telefone, nem computador.

Em uma parede estava pendurado um grande quadro da irmã gêmea de Maxie e de seu amado Dante. Ela usava um volumoso vestido de alças e estava sentada com as pernas cruzadas em uma cadeira estofada em pele. Dante estava de pé atrás dela, com as mãos apoiadas nos delicados ombros de Morgan. Lou ficou absorto olhando o quadro. Os traços de Morgan, seus intensos olhos verdes, o cabelo acobreado e o sorriso, eram iguais aos de Maxie. Mas ela era pálida, mesmo antes da transformação. Tinha uma pele de porcelana, seu cabelo era liso e murcho, e seu corpo tão gracioso que alguém poderia se perguntar se projetaria alguma sombra. Embora, de toda forma, já não ia passar muito tempo ao sol. Uma orquídea de estufa. Maxie, ao contrário, era uma rosa selvagem, dura, forte, com espinhos.

—É difícil acreditar que sejam gêmeas, não é? Não poderiam ser mais diferentes — comentou Stormy, olhando por cima do ombro de Lou.

—Eu estava pensando o mesmo — respondeu ele; tirou o olhar do retrato e se voltou para ela —. Está bem?

—Não tenho nada. É só que... detesto esperar.

—Está esgotada. Por que não vai dormir? Precisa descansar.

Ela assentiu.

—Sim, tem razão — desligou o computador —. Então, no fim, você fica, não é? — perguntou, levantando-se da cadeira.

—Maxie não me deixou muitas alternativas — respondeu ele, e suspirou profundamente —. Minha bolsa ainda está em seu carro?

—Não. Está aqui — disse Stormy; agachou-se e tirou a bolsa negra debaixo da mesa —. Está zangado?

—Bobagem! Por que deveria estar? Por mais que tenha negociado por minha mala, não teria por que ficar se não quisesse — moveu a cabeça —. Maxie acredita que me pegou numa armadilha, mas estou aqui porque quero.

—Estou certa de que adoraria ouvir isso.

—De maneira nenhuma. Não penso em dar argumentos que possam animá-la a seguir com suas brincadeiras.

—Vou te dizer uma coisa, Lou. Ela não leva como brincadeira — Stormy observou sua reação e inclinou a cabeça —. E você, o que sente por ela?

—O que... sinto por ela? — Ele se encolheu de ombros e evitou o olhar de Stormy—. Gosto dela. Sempre gostei.

—Como amigo?

Lou voltou a encolher-se de ombros.

—Mais como protetor.

Stormy elevou as sobrancelhas com ar questionador, então, ele tentou explicar-se:

—Tenho constantemente a sensação de que precisa que cuidem dela, sabe? Sempre se mete de cabeça em todas as confusões, sem pensar duas vezes.

—Assim que se vê como seu... protetor.

—Poderíamos dizer que sim.

—Como um irmão mais velho — disse Stormy.

—Mais como um tio. Sou muito velho para ser seu irmão.

Stormy pôs uma mão sobre o ombro de Lou.

—Lou, ela não quer que seja seu tio. Já se deu conta,não é?

Ele a olhou com o cenho franzido.

—Ora, Stormy, não me diga que leva a sério suas paqueras e insinuações.

—Você não?

—Não. Tenho o dobro de sua a idade.

—Vinte e seis não é a metade de quarenta e quatro.

—Quase.

—Isso é uma tolice. Qual é o verdadeiro problema, Lou?

Ele a olhou nos olhos e logo retirou o olhar.

Stormy estava levando o interrogatório um pouco longe.

—Estamos tocando em assuntos muito pessoais, Stormy. Se você não se incomodar...

—Não, de forma alguma. Vou pra cama, mas colocarei o despertador. Quero sair cedo — levantou a bolsa de couro do chão e a lançou ao peito —. E se por acaso não tenha percebido, Lou, neste escritório há espaço de sobra para outra mesa. Vamos, esse vazio aí está pedindo uma aos gritos, não vê?

Ele dirigiu seu olhar para onde ela indicava, um grande espaço vazio no cômodo.

—Logo encontrarão algo com o que enchê-lo.

—Ou alguém. Boa noite, Lou.

—Boa noite.

Quando Stormy saiu do escritório, Lou não passou muito tempo perguntando-se de onde teria tirado essa idéia. O que fez foi atravessar a sala de jantar para dirigir-se à cozinha, na parte de trás da casa. Ali estava Maxie, sentada em um banco, dando conta de um pedaço de pizza fria na ilhota de mármore. Durante uns segundos ficou maravilhado de ver como alguém podia ser tão atraente enquanto mastigava. Ficou observando-a um pouco mais, comparando-a mentalmente com a magrela de sua irmã. Enquanto que Morgan era magra como um palito, Maxie era curvilínea. Lou não estava acostumado a permitir-se pensar nos peitos de Maxie, mas eram perfeitos. Arredondados, firmes, turgentes... Sua cintura era esbelta, e seus quadris desenhavam uma curva perfeita. Tinha umas nádegas redondas que faziam que os jeans lhe sentassem como uma luva. Sua pele era rosada e seu cabelo, espesso e completamente encaracolado.

Seu aspecto encaixava com sua personalidade. Era lutadora, impulsiva, intrépida e divertida.

Stormy tinha razão. As duas irmãs não podiam ser mais diferentes.

Maxie virou e o descobriu olhando-a. Engoliu o último pedaço de pizza e sorriu.

—Vou dormir. Antes vou olhar as portas e janelas para me assegurar de que tudo está bem fechado. Passei para dar boa noite.

Ela olhou a bolsa de viagem que Lou levava na mão.

—Então, o que disse a Jason ao telefone era verdade? Fica conosco até resolver o caso?

—Parece que sim.

—Fico muito feliz — disse ela, puxando com a perna o banco que havia a seu lado e aproximando-o mais dela —. Sente-se. Gostaria de uma mordida?

—Não, obrigado. Já comi pizza suficiente por hoje.

—Não estava falando da pizza — disse ela, lhe dedicando seu particular sorriso, maroto e perigoso.

Ele suspirou e assentiu com a cabeça.

—Certo, vou me sentar. De toda forma, tenho que falar com você.

—Sobre o que?

Voltou a suspirar enquanto se acomodava no banco.

—O certo, menina, é que quero ir com você a Endover. Eu gosto de trabalhar com você e me assusta terrivelmente pensar nas confusões nas quais poderia se colocar se eu não estiver ao seu lado.

Ela elevou a vista ao céu.

—Sua confiança em mim me aflige.

Lou abaixou a cabeça, procurando as palavras adequadas.

—O que acontece é que, embora eu goste de trabalhar com você e quero cuidar de você, algumas das coisas que faz me incomodam.

Ela levantou as sobrancelhas.

—Ah, sim?

—Sim. Querida, não quero que se sinta magoada, nem...

—Ohhhhh — disse ela convertendo sua exclamação em um ronrono sexy —. Eu adoro que me chame de “querida” — disse aproximando-se dele, até que Lou pôde sentir seu morno fôlego no pescoço.

Ele ficou em pé de um salto e golpeou o mármore com a mão.

—Maldita seja, Maxie! Esse é exatamente o tipo de coisas ao qual me refiro.

Ela saltou do banco e o olhou surpreendida.

—Ouça, não é fácil te dizer isto. Na verdade, é muito perigoso pra mim, mas não sei mais o que fazer, a não ser expor isso claramente. Não sou um boneco de pano, Maxie. Nem um monge. Quando joga comigo dessa forma, reajo, certo? Meu corpo reage. Sou um homem forte e saudável. Não sou tão velho para não sentir...

Deixou que o resto de suas palavras se perdessem no silêncio, incapaz de terminar a frase.

—Lou!

—Maxie tem que parar de fazer isso.

Ela o olhou assustada.

Lou estava convencido de que agora tinha saído definitivamente de qualquer possível pedestal no qual ela o tivesse posto. Tinha confessado que se sentia atraído sexualmente por ela! Era humilhante. Não podia culpá-la se decidisse expulsá-lo dali a patadas, assim que tivesse assimilado suas palavras.

—Vou para cama — disse —. Simplesmente... tinha que lhe dizer isso. Se amanhã de manhã continuar querendo que as acompanhe, irei — deu a volta para sair.

—Lou?

Ele se deteve, mas não virou para olhá-la.

—Não entende nada, sabe?

—Não, a verdade é que não. Até amanhã, Maxie.

Maxie levou um momento percorrendo o quarto de um lado para o outro. Estava louca por Lou, desde seu primeiro ano na universidade, quando se matriculou em um curso de autodefesa que ele ensinava. Naquela época, apenas flertou com ele. Mas desde que ele havia voltado a aparecer em sua vida, tinha subido o tom de suas insinuações.

Embora, até esse momento, não tinha se dado conta de que ele era consciente de seus esforços.

Alguém bateu na porta de seu quarto. Maxie se apressou para abri-la, com a remota esperança de que fosse Lou, disposto a render-se e a apertá-la entre seus braços em um apaixonado beijo.

Mas era Stormy quem estava de pé ao outro lado da porta, emoldurada pela trabalhada dobradiça de madeira de cor noz.

Observou atentamente o rosto de Maxie.

—Lou falou com você, não é?

—Como sabe?

—Disse-me que tinha intenção de fazê-lo. Então, escutei você andando pelo quarto e batendo portas, abrindo gavetas e coisas do tipo. Então, pensei que era melhor vir ver você, antes que quebrasse alguma coisa — sorriu —. Bem, e o que ele disse?

Maxie franziu o cenho.

—Disse que acredita que eu estava tirando sarro com ele, que o vejo como alguém inofensivo. Como um boneco de pano. Essas foram suas palavras exatas.

Stormy suspirou e entrou no quarto. Sentou-se de um salto aos pés da enorme cama com dossel, com suas pernas cruzadas, e se afundou no fofo colchão, rodeada de almofadas.

—E você esclareceu as coisas?

—Fiquei tão surpreendida que não reagi. Pegou-me de surpresa. Não soube o que dizer. Que diabos! Continuo sem saber.

Maxie caminhou pelo espesso tapete até chegar à porta de vidro: saiu para olhar as estrelas, que cintilavam em um dossel de veludo azul-noite.

—Pois tem que dizer a ele que nunca o considerou um boneco de pano. Está claro que pensar isso não pode fazer nenhum bem a seu ego.

Maxie mordeu o lábio uns segundos.

—Já sei o que deveria fazer. Deveria colocar essa camisola preta e me plantar em seu quarto para demonstrar até que ponto levo isso a sério.

Separou-se da magnífica vista, abriu a gaveta da cômoda que ocupava meia parede e tirou o baby-doll preto. Junto à penteadeira havia um espelho oval com uma moldura de madeira; Maxie sustentou a camisola na frente dela, sobre seu peito, e se olhou.

—Tem certeza que isso não o fará sair correndo, como uma alma que leva o diabo, a caminho de White Plains, Maxie?

A desafiada franziu o cenho e se mordeu o lábio.

—Não posso deixar que continue pensando isso.

Stormy saiu da cama, aproximou-se de sua amiga e pôs uma mão em seu ombro.

—De qualquer maneira, duvido muito que seja isso o que realmente pensa. No fundo, quero dizer.

—Então, por que...?

—Talvez simplesmente seja o mais fácil — respondeu Stormy —. Pedir que deixe de provocá-lo é muito mais fácil do que pedir que deixe de desejá-lo, não acha?

Maxie virou lentamente.

—Acha que sabe que estou levando a sério e simplesmente... não está interessado?

—Sei que é uma possibilidade que nunca tenha pensado, querida, mas não acha que talvez deveria começar a pensar?

—Mas... mas como é possível que eu não lhe interesse? — perguntou Maxie, tentando conter as ridículas e estúpidas lágrimas que começavam a brotar dos seus olhos.

Stormy lhe apertou o ombro.

—Não se trata de você, mas sim dele.

—Agora parece minha mãe — disse Maxie: guardou a camisola na gaveta e a fechou bruscamente.

—Bom, já sabe que a diferença de idade o preocupa.

—Isso é uma desculpa, não uma razão. São só dezoito anos.

Stormy se encolheu de ombros.

—Ele já esteve casado. Talvez terminasse tão machucado que decidiu rechaçar as mulheres para sempre.

Maxie começou a andar pelo quarto.

—Muito bem. Essa é uma possibilidade. Pelo menos está dentro dos limites do razoável.

Stormy assentiu.

—Sabe algo sobre sua esposa? Por que se divorciaram?

Maxie negou com a cabeça.

—Nunca fala disso. Quando pergunto, muda de assunto.

—Vê? Não parece uma prova de que foi uma experiência negativa para ele?

—Para mim só é uma prova de que não quer falar disso. A questão é, o que se supõe que devo fazer agora? Como posso tirar da cabeça dele o que seja que o impede de sentir por mim... um interesse amoroso?

Stormy a olhou fixamente.

—Porque o fracasso não é uma opção, verdade, Max?

—É obvio que não. Lou é para mim — Maxie começou a andar de novo pelo quarto —. Parecemos feitos um para o outro, e não vou permitir que um detalhe insignificante como o fato de que não queira cooperar se converta em um obstáculo — de repente se deteve —. Agora pensando bem, teoricamente, admitiu que ele também me desejava. Disse que tinha que deixar de provocá-lo porque era um homem de carne e osso e seu corpo reagia a minhas insinuações.

Stormy suspirou.

—Suponho então que poderia ser certo que ele não acredita que leve a sério, e isso o faz sentir-se culpado ao sentir algo por você.

—Bem, primeiro tenho que deixar isso claro e logo decidirei meu próximo passo.

—E já decidisse como vai esclarecê-lo?

Maxie olhou para a gaveta da cômoda.

—Suponho que a camisola está descartada, não é?

—Acho que se aparecer em seu quarto com esse baby-doll, terá desaparecido antes que se dê conta. Seria muito forte para ele.

Maxie suspirou.

—Imagino que poderia dizer-lhe simplesmente.

—Parece a melhor opção.

 

A mente do vampiro era sua arma mais poderosa. Sabia que outros de sua mesma espécie possuíam suas mesmas capacidades: controlar a mente dos outros, comunicar-se telepaticamente, escutar os pensamentos alheios, invadir os sonhos, dominar a vontade das pessoas... Mas pelo que ele sabia, nenhum deles tinha alcançado seu nível de maestria.

Por exemplo, com essa mulher.

Nem sequer estava ali ainda. Estava em algum lugar ao norte, dormindo em sua cama. Mas ele podia chegar até ela, inclusive a essa distância. Chegaria até ela...

Ficou olhando fixamente a foto do folheto. Cravou seu olhar nos olhos que eram de outra cor. Procurou, investigou nas profundezas de sua mente e finalmente a alcançou. Ali estava, muito longe, mas podia tocá-la.

Introduziu-se em sua mente. Ela o sentiu chegar e se agitou no sono.

Quem é? Sussurrou ele, e começou a procurar a resposta em sua mente. Me diga quem é.

Não esperava que a pergunta provocasse uma resposta tão violenta. O vampiro sentiu uma luta enquanto ela procurava a resposta correta. Houve uma espécie de rasgão, um cabo de guerra, como se estivesse lutando para ter o controle.

Sou...

Não! Eu sou...

Vá. Me deixe em paz, maldita seja.

Nunca!

Me ajude. Meu Deus, me ajude... O que está acontecendo comigo?

Lágrimas. O vampiro pôde as escutar e as sentir. Incontroláveis, brotando no interior da moça.

Basta ir. Vá embora e me deixe...

Naooooooooo!

O grito foi tão doloroso, tão desesperado, que ele se retirou imediatamente. Sentou-se em silêncio em sua mansão, agarrando a cabeça com as mãos. Possivelmente tivesse cometido um terrível engano ao fazer que essa mulher fosse a ele. Dava-se conta de que a garota não era completamente normal.

 

Lou se sentia mal. Sabia que tinha ferido os sentimentos de Maxie, e provavelmente a tinha convencido de que era como qualquer outro homem com os quais cruzou. Ele sempre havia se sentido orgulhoso de que ela o considerasse diferente dos outros. Que confiasse nele, embora não confiasse na maioria dos homens. Que se sentisse segura ao seu lado.

Esperava não ter arruinado tudo isso.

Não podia dormir. Tomou um banho frio, logo um quente. Despiu-se, deixando só a camiseta e a cueca, e tinha posto um roupão por cima, no caso de Maxie resolver aparecer para falar com ele. Embora não acreditava que fizesse. Não tinha sono. Tinha vontade de arrumar as coisas entre eles.

Seguia dando voltas pelo quarto quando escutou um grito.

Maxie!

Saiu correndo ao quarto dela; abriu a porta sem sequer bater e entrou com decisão, disposto a brigar com quem fosse.

Maxie não estava em sua cama. A porta do banheiro estava aberta, iluminando tenuemente o resto do quarto, e de seu interior saía uma música suave, assim Lou se apressou para lá.

Maxie estava na gigantesca banheira que ficava em uma plataforma no meio do banheiro, com três degraus de azulejos que conduziam para ela em cada um dos seus extremos. Lou se deteve no segundo degrau, com os olhos cravados na banheira. Estava cheia de água fumegante e Maxie dormia profundamente em seu interior. A água não estava turva, mas límpida e ela estava ali, com os joelhos ligeiramente dobrados e inclinados para um lado. Seus olhos queriam contemplá-la até saciar-se e ele não podia evitá-lo. Seus seios, redondos, perfeitos, roçavam apenas a superfície da água; olhou seu delicado torso e seu ventre suave, a deliciosa curva de seu quadril e suas nádegas arredondadas.

A imagem de seu corpo nu invadiu cada canto de seu cérebro, queimando seu interior. Sentia como se seus músculos estivessem derretendo. Santo céu, que linda era!

Então voltou a escutar um grito, dessa vez mais forte, que o tirou desse estado de transe. Não é Maxie, pensou, mas Stormy.

Maxie abriu os olhos assustada ao escutar o grito e encontrou o olhar de Lou. Ele desceu correndo as escadas da banheira, agarrou o roupão que estava pendurado atrás da porta e o lançou a Maxie.

—É Stormy. Algo aconteceu — disse. Saiu correndo do quarto e foi direto ao de Stormy.

Maxie saiu correndo pelo corredor, tentando não escorregar com os pés molhados. Fechou o roupão enquanto corria e entrou no quarto de Stormy, onde viu Lou inclinado sobre ela, agarrando-a pelos ombros.

—O que aconteceu? Qual é o problema? — gritou Maxie.

Lou e Stormy a olharam.

—Era só um sonho — disse Stormy.

—Que tipo de sonho?

—Não sei. Não tinha nenhum sentido — Stormy se sentou na cama e passou a mão pela cabeleira loira e curta —. Havia várias vozes. Alguém me perguntava quem era, e a outra tentava responder por mim. Sentia-me como se fosse estalar a cabeça.

—Está bem? —disse Maxie. Aproximou-se do outro lado da cama e lhe acariciou o cabelo.

—Perfeitamente. Mas no sonho sentia uma dor terrível. Era como se estivesse me partindo em duas, a dor me rasgava a cabeça ao meio, seguia pelo peito, o coração, o estômago... Não podia detê-la. A sensação de rasgão era tão real! — Maxie a olhou franzindo o cenho.

—Agora ainda dói? Sente algo na cabeça...?

—Não, não me dói nada. A dor era parte do sonho. Estou bem, juro. — Maxie lhe agarrou ambas as mãos.

—Acredito que não é sincera comigo — disse. Stormy a olhou surpresa—. Está diferente... desde o coma. Algo está acontecendo com você, Stormy, e já é hora de que me diga isso.

Sua amiga moveu a cabeça devagar.

—Não posso te enganar, não é?

—Me diga, do que se trata?

—Não sei. Simplesmente, não me sinto a mesma.

—Isso não é uma resposta.

Stormy se encolheu para um lado e fechou os olhos.

—Pois é a única coisa que penso em dizer por esta noite. Estou bem. Voltem para a cama.

—Está certa? Posso ficar aqui se...

—Lou, a faça ir para cama, certo? — resmungou Stormy, encolhendo-se mais ainda no travesseiro.

Maxie teve que admitir que ela parecia estar bem. E de qualquer maneira, não sabia o que podia fazer para ajudar a sua amiga. Olhou para Lou com impotência. Ele se limitou a encolher-se de ombros e se inclinou para cobrir os ombros de Stormy com o lençol.

—Se precisar de nós, chame — disse Lou.

—Não se preocupe.

Fez um gesto a Maxie e ambos saíram do quarto. Uma vez no corredor, ela o olhou fixamente. Lou mordeu os lábios e evitou seu olhar.

—Sinto ter entrado assim em seu quarto. Quando escutei o grito, pensei que...

—Não tem problema.

—Claro que tem.

Agarrou sua mão e percorreu com seus dedos os nódulos dele.

—Lou, tenho que lhe dizer que me tranqüiliza enormemente saber que viria correndo em minha ajuda se me escutasse gritar em plena noite.

—Eu sei.

Ela assentiu.

—Tenho muito medo de que aconteça algo ruim a Stormy; algo grave, sabe? E diga o que diga, tenho razões para acreditar que é assim. Essa é minha prioridade agora mesmo. De modo que posso assegurar a você que me ter visto nua na banheira não me preocupa absolutamente.

Ele assentiu com a cabeça.

—Acredito que exagera com Stormy.

—Que novidade! Segundo você, sempre exagero.

Ele suspirou, abaixou a cabeça e tirou a mão.

—Em todo caso, Lou, o que me mantém à tona agora mesmo é saber que está aqui. Saber que estará ao meu lado, embora não esteja de acordo comigo. Que me apoiará se eu cair. Confio em você como em nenhum outro, tanto que poria minha vida, e a de Stormy, em suas mãos. E não posso nem lhe expressar quão aliviada estou de que venha amanhã conosco, porque tenho um mau pressentimento a respeito de tudo isto.

Apertou a sua mão.

—Você também?

Maxie o olhou.

—Sim. Por quê? Também não tem bom pressentimento?

—Não sei por que, mas algo em meu interior me diz que vamos direto à boca do lobo — Lou suspirou —. Se soubesse que existe uma mínima possibilidade de te convencer de que não fosse, tentaria. Mas te conheço muito bem.

Ela assentiu.

Lou soltou sua mão.

—Deveríamos ir dormir para sair amanhã cedo.

—Sim. Só queria te dizer uma coisa mais.

Seu olhar caiu sobre ela. Maxie engoliu saliva e tomou coragem.

—Jamais acreditei que fosse um boneco de pano, Lou. E nem por um minuto me ocorreu pensar que fosse muito velho para reagir a uma simples paquera.

Viu-o elevar as sobrancelhas, como se procurasse as palavras certas para responder; moveu a cabeça.

—Não quero que responda a nada disto. Só... pensei que devia sabê-lo.

Virou-se e partiu pelo corredor para seu quarto, deixando-o ali plantado.

 

Parecia mais prático levar só um carro, assim Stormy deixou seu Miata estacionado na mansão, em Maine e Lou ficou ao volante do fusca de Maxie. Não porque fosse o homem, supôs Stormy, mas sim porque continuava fingindo que a razão inicial pela que tinha ido com elas era a péssima forma de Maxie dirigir. Ela sabia que não era assim, e pessoalmente os dois estavam patéticos. Embora isso não os impedia de serem superprotetores com ela. Tanto que só a deixavam respirar. Não queria nem imaginar como ficariam ao saber o que acontecia realmente.

Maldição! Como ia dizer algo se não tinha nem idéia do que era.

Em todo caso, a conclusão era que Lou dirigia, Maxie ia sentada ao seu lado, no banco do co-piloto, e Stormy tinha o pequeno, mas cômodo, banco de trás só para ela.

Não se importava absolutamente. Reclinou-se, apoiando as costas contra a lateral, e pôs as pernas no banco, dobrou os joelhos e enrolou a manta que Maxie sempre levava no carro para usá-la como travesseiro. Essa posição permitia observar os dois pombinhos. Era muito mais agradável fazer conjeturas sobre a evolução de sua história de amor do que pensar em seus próprios assuntos.

Ao volante, Lou parecia rígido, precavido. Devia captar a tensão... que emanava de Maxie de forma mais que evidente. Não estava zangada. Não era exatamente isso, ou não só isso. Estava zangada, claro, mas, sobretudo, na opinião de Stormy, estava frustrada e impaciente porque Lou a tinha interpretado mal durante os últimos seis meses. Devia pensar que toda essa paquera tinha sido em vão. E tinha trabalhado duro!

Lou não falava muito, exceto para referir-se à estrada, o caminho que deviam tomar ou quando teria que parar. Stormy não o reprovava. Era um homem, o que significa que a atitude de Maxie o desconcertava totalmente. Não tinha nem idéia do que tinha feito de errado, assim não se atrevia a abrir a boca, para não errar ainda mais.

Pobre homem desorientado! Maxie tampouco estava em plena forma essa manhã. Parecia algo incômoda, insegura e certamente ressentida com ele por fazê-la sentir-se assim. Não podia relacionar-se com ele do modo que estava acostumada, provocando-o, paquerando com ele e lançando indiretas, porque ele tinha pedido que deixasse de fazê-lo, e ainda não tinha encontrado outra maneira de comunicar-se com ele, assim não o fazia. Embora não demoraria muito em encontrar uma nova estratégia, totalmente diferente. Enquanto isso, mantinha-se anormalmente silenciosa. Alguém que não a conhecesse tão bem como Stormy poderia pensar que estava zangada, mas Stormy sabia que não era isso. Maxie estava elaborando um novo plano de ataque.

Enquanto isso, as típicas brincadeiras e sarcasmos entre eles tinham desaparecido e Stormy se deu conta de que sentia falta.

Recostou-se em seu banco, aborrecida de refletir a respeito de seus obstinados amigos, e ficou a pensar em como seria reencontrar-se com Jason Beck depois de tanto tempo. Estaria mais velho, com mais experiência e possivelmente mais forte que antes. O passar do tempo parecia produzir esse efeito na gente. Perguntou-se se estaria muito mudado fisicamente... se teria deixado barba ou se estaria gordo como um tonel, se teria deixado o cabelo comprido, ou se seguiria levando a cabeça raspada, como antes. Perguntou-se se seguiria sendo o mesmo menino tímido dos velhos tempos.

E se não fosse? E se com os anos se tornou mais extrovertido e aberto? Stormy engoliu saliva e fechou os olhos; recordou-se que não ia a New Hampshire para comprovar se Jason podia converter-se em seu novo amor, e sim para ajudá-lo a encontrar a sua irmã.

Além disso, no passado, tinha custado muito manter sua decisão de serem somente amigos. Era muito retraído, muito rígido. Não eram feitos um para o outro. Ela o teria deixado louco ou ele teria cortado suas asas. Nenhuma das duas soluções era satisfatória.

Mas independentemente do que tivesse podido esperar de seu encontro com Jason, nada teria podido prepará-la para o que encontraria quatro horas depois.

Um pouco depois do meio-dia entraram em uma cidade. Passaram por uma placa que dizia “Bem-vindo a Endover”, seguida por outra na qual se lia “Respeite o toque de silêncio”. Stormy franziu o cenho e se perguntou o que quereria dizer aquilo, mas não estava segura de que Lou ou Maxie tivessem visto. Estavam ocupados olhando um edifício de tijolo do outro lado da estrada. Depois do estacionamento deserto, viam-se umas letras grafadas na fachada: “Centro de Informação”.

Stormy sentiu que um calafrio percorria suas costas. Esfregou os braços e o gesto chamou a atenção de Maxie.

—O que foi, querida? — perguntou, virando para olhá-la.

—É só um calafrio — Maxie franziu o cenho ante a resposta de Stormy —. Este é o típico lugar no qual um visitante pararia, não parece? — acrescentou para distrair Maxie.

Tinham passado do centro de informação, mas Maxie olhou de volta.

—Boa observação. Deveríamos dar uma olhada.

Stormy assentiu, aliviada de ver que Maxie se distraiu e deixava de preocupar-se com ela. Observou como pegava um bloco de papel em sua bolsa e escrevia algo, provavelmente um aviso de que tinham que dar uma olhada nesse centro de informação.

Continuaram entrando na cidade, formada por algumas casas, que levavam a um corredor em que aparentemente se encontrava a “zona comercial”. Passaram por um posto de gasolina, uma cafeteria, uma loja de ferragens, uma mercearia, uma farmácia e uma agência de correios. A maioria dos edifícios era de tijolo e isso contribuía para a cidade um aspecto organizado, embora crescesse erva-daninha nas rachaduras das calçadas. Um desses edifícios de tijolo parecia albergar vários escritórios, incluindo o Departamento de Polícia de Endover, conforme se podia ler na porta de vidro opaco.

Não havia tráfego e só cruzaram um semáforo. Viram um punhado de pessoas andando pela calçada em grupos de dois ou três.

A breve faixa ocupada pelas lojas terminava abruptamente, dando lugar a um punhado de casas, a escola primária e, mais à frente, uma rua vazia que desembocava em uma curva. A estrada era ladeada por árvores e de vez em quando se viam pedaços de mar entre as folhas.

Stormy se fixou no mapa que tinham imprimido para chegar até ali.

—O motel deve estar a uns três quilômetros. Vou ligar para Jason para lhe dizer que quase chegamos.

—Não se incomode — disse Maxie, mostrando o celular e apontando para a tela —. Não há sinal. Perdemos desde que entramos na cidade.

—Pergunto-me como pôde, então, a irmã de Jason ligar daqui — disse Lou.

Maxie inclinou a cabeça.

—Pode ser que em algum ponto concreto haja sinal, embora seja irregular. Ou talvez sua linha pertença a outra companhia ou tenha um telefone mais potente que os nossos.

—Ou talvez nunca esteve aqui — interveio Lou.

Maxie já estava um pouco aborrecida com ele e pelo modo em que virou o rosto, Stormy se deu conta de que esse comentário tinha terminado de zangá-la. Lou deveria ter seguido com sua política de não abrir a boca.

—O que quer dizer, Lou? Que Jason inventou isso?

Ao captar o tom de sua voz, Lou a olhou de esguelha.

—Não estou dizendo que seja um mentiroso. Só que pode ter se equivocado.

—Não acredito. Tem um quociente intelectual que o situa entre as categorias de gênio e fenômeno. E nunca mentiria para mim, Lou. É um de meus melhores amigos.

—Ou melhor, era um de seus melhores amigos. Faz quanto que não sabe nada dele? Cinco anos? As pessoas mudam, Maxie — disse ele com um suspiro.

—Jason não.

Lou franziu o cenho sem tirar os olhos dela.

—Talvez não. Assim espero. Só digo que tome cuidado.

Stormy pensou que aquilo era melhor. Se Maxie acreditava que a estava protegendo, deixaria passar qualquer coisa.

Mas o idiota teve que acrescentar algo mais.

—E então não me venha chorando se as coisas não são como esperava, como faz sempre.

Maxie apertou a mandíbula e olhou para frente, sem pronunciar palavra.

Stormy pensou que Lou tinha irritado a todos.

Deixaram o carro no estacionamento do North Star. O edifício em forma de “L” de cor marrom onde estavam os quartos parecia em bom estado. Um caminho de cimento corria paralelo às portas dos quartos, cada um com um número dourado na parte superior. A recepção do motel estava em uma pequena estrutura quadrada, separada dos quartos. Na frente dela havia um grande pedaço de grama recém cortada, onde se estavam algumas mesas de piquenique. Atrás do motel, Stormy pôde ver uma pradaria selvagem, flanqueada por um bosque. Ao sair do carro, respirou a brisa marinha e soube que o mar não estava muito longe.

Os três caminharam para o quarto número dois e bateram na porta.

Jason a abriu e Stormy conteve a respiração, antes de levar a mão à boca. Tinha um enorme hematoma debaixo do olho, que também estava inchado, e o lábio inferior cortado. Além disso, tinha um machucado na bochecha, onde sua pele estava mais escura que o resto.

—Que demônios aconteceu com você? — Perguntou Maxie —. Parece que esteve brigando com um urso.

Ele elevou as sobrancelhas, abrindo os braços carinhosamente.

—Não vai nem sequer me dar um abraço antes de começar com o interrogatório?

Maxie o abraçou rapidamente, logo se separou e Jason virou para Stormy.

—Quanto tempo, né?

—Muito — respondeu ela.

Ele a abraçou... embora com mais acanhamento que a Maxie. De repente, uma luz branca estalou no meio do cérebro de Stormy, uma luz quente e cegante. Agarrou-se firmemente a Jason e apertou as pálpebras com força lutando contra esse flash, mas as imagens abriram espaço de qualquer forma. Uns punhos golpeando seu rosto; ela sentiu os golpes e a dor aguda de um soco no tórax. E então, a luz se apagou.

Soltou Jason, que a olhava com saudades. Era evidente que não sabia por que se agarrou a ele com tanta força. Stormy se separou sem jeito. Lou estendeu a mão ao Jason.

—Beck.

—Olá, Lou. Fico feliz em vê-lo.

—Queria que fosse em circunstâncias mais agradáveis — disse Lou.

—Bem, o que aconteceu com você? — perguntou Maxie. Jason passou a mão pela nuca.

—Uma tolice. Mereci isso, por ser idiota. Saí para procurar Delia pelo bosque — respondeu ele —. Uma idéia bastante infeliz em plena noite. Caí e me fiz um bom estrago.

Lou franziu o cenho e trocou um olhar fugaz com Maxie. Stormy tinha certeza que ele não acreditou na história da queda, e ela sabia perfeitamente que era mentira. Não tinha nem idéia do que tinha acontecido com Jason, mas estava convencida de que a visão que acabava de ter era o que tinha ocorrido na realidade.

—Por que decidiu procurá-la no bosque? — pergunto Lou.

—Parecia-me um lugar tão bom como qualquer outro para buscá-la — respondeu Jason. Abriu sua porta devagar e ficou de lado —. Mas entrem. Agora que estão aqui, talvez tenham uma idéia melhor.

—Quer dizer com isso que quer que nos ocupemos do caso? — perguntou Maxie.

—Esse é o motivo de ter ligado. Embora não pretenda me aproveitar de nossa amizade. Pagarei o preço que tiverem estipulado.

—De maneira nenhuma. Não fazemos pelo dinheiro.

—Não posso permitir que trabalhem de graça, Maxie.

—Então cobraremos a tarifa especial... para velhos amigos e antigos sócios — disse Maxie com uma piscada —. Não se preocupe, Jason. Já estamos aqui, e vamos encontrar Delia. Não importa que seja nosso primeiro caso... porque na realidade não é. Simplesmente é nosso primeiro caso oficial. E tampouco importa que o desaparecimento de adolescentes não seja nossa especialidade. Nós a encontraremos, porque Delia nos preocupa mais que a qualquer outro, e isso fará a diferença.

Jason olhou para Maxie, mas não parecia capaz de sustentar seu olhar mais de um ou dois segundos. Abaixou rapidamente os olhos e saiu para que pudessem entrar em seu quarto. Era pequeno, mobiliado com uma cama de casal e uma televisão, e havia uma porta que dava ao banheiro. Isso era tudo. Jason tinha desdobrado sobre a cama um mapa da cidade que tinha desenhado em uma folha de papel, que talvez tenha sido de um restaurante entrega a domicilio.

Todos se aproximaram do mapa e Jason se inclinou sobre ele, apontando com o dedo.

—Esta é a estrada que atravessa a cidade. Isto aqui é um centro de informação.

Stormy assentiu com a cabeça.

—Vimos ao passar.

—Jason, o que te faz pensar que sua irmã está aqui, em Endover? — perguntou Lou.

Ele olhou para Lou com o cenho franzido.

—Porque... é onde estava quando me ligou.

—Tem certeza? Ficamos sem cobertura há uns três quilômetros.

Jason assentiu com firmeza.

—Tenho certeza absoluta.

—Por quê? O que te faz ter tanta certeza?

Maxie lançou um olhar a Lou.

—Se disse que tem certeza, é porque tem, Lou.

—Mas disse que a recepção era ruim, cheia de cortes e interferências.

—Mesmo assim...

—Não importa, Maxie — Jason pôs uma mão no ombro de sua amiga —. ouvi ela dizer claramente “Endover, New Hampshire”, Lou. O fato de que aqui haja má cobertura explica a péssima qualidade da ligação e os cortes. Tudo isso não faz mais que me confirmar que escutei o nome desta cidade — deu de ombros —. Como não voltou a ligar, imagino que continua por aqui, em algum lugar de onde não pode fazê-lo. Em Endover.

—Como ia ligar pra você? Seu telefone também não tem sinal aqui, não é? — perguntou Lou.

O olhar de Jason passou da cama ao banheiro, logo à janela...

—É... não. Não tem. Mas também não ligou para casa. Estive verificando a secretária eletrônica.

—Perguntou por ela a alguém na cidade?

—Sim... falei com o chefe de polícia.

Lou franziu o cenho.

—E isso foi quando?

—Logo depois de chegar aqui.

Lou sacudiu a cabeça lentamente.

—Antes de nos chamar? — perguntou.

—Exato.

—Então por que disse que não queria que a polícia se metesse nisto?

—Lou, já basta! — rugiu Maxie.

Ele lançou um olhar de impaciência, mas deixou de crivar Jason de perguntas.

Ele abaixou a cabeça e passou as mãos pelo cabelo.

—Olhe, já não sei nem o que faço. Fui à polícia de Endover porque me parecia que era o que teria que fazer. Embora fosse uma perda de tempo. Só há um policial em toda a cidade e não me ajudou em nada. Dei-me conta de que teria que solucionar isto sozinho — disse Jason; olhou-os de um em um, como se tentasse adivinhar seus pensamentos.

Stormy pensou que Lou não confiava em Jason nem um pouco. E ela não estava completamente segura de não estar de acordo com ele. Maxie, por sua vez, parecia acreditar nele... ou pelo menos, queria acreditar. Maxie pôs sua mão no ombro de Jason, para reconfortá-lo.

Stormy se dirigiu a seus dois companheiros de viagem.

—Por onde querem começar?

—Eu gostaria de visitar o centro de informação — disse Maxie —. Acredito que tinha razão, Stormy. Delia poderia ter parado ali para que lhe indicassem o caminho ou o que seja.

—O centro de informação está fechado — disse Jason—. Parei lá quando vinha para a cidade. Está totalmente abandonado.

—Então podemos percorrer a cidade, verificar se tem algum outro lugar no qual pudesse parar. Cafeterias, postos de gasolina... esse tipo de coisa.

Lou assentiu.

—Eu gostaria de falar pessoalmente com o chefe de polícia, para ver o que pode nos dizer. Embora não tenha sido de grande ajuda, convém que saiba que estamos aqui e que estamos procurando por elas, para que esteja alerta e nos contate se souber de algo.

—Não servirá de nada, Lou— disse Jason—. O policial local nem sequer acredita que Delia tenha estado aqui.

—Em todo caso, prefiro falar com ele — disse Lou —. Que carro tinha sua irmã?

—Um Néon vermelho — respondeu Jason —. Só tem dois anos. Delia trabalha à tarde como garçonete para pagar as prestações — acrescentou, tragando saliva.

—Tem o número da placa? — perguntou Lou.

—Sim — assentiu ele.

—Assim poderemos dá-lo à polícia local para que também esteja atenta aos carros. Não será ruim que nos dê uma mão.

Maxie acariciou o ombro do Jason.

—Lou tem razão. Temos que utilizar todos os recursos ao nosso alcance, embora pareça que não vão servir muito — disse —. Acredito que deveríamos investigar a história recente da cidade. Ver se aconteceram desaparecimentos semelhantes no passado.

—Tirarei o laptop do carro — disse Stormy.

Quando Stormy ia sair, Lou pôs uma mão em seu ombro, fazendo que parasse.

—Vamos nos registrar primeiro, certo? Podemos conectar o computador quando estivermos instalados.

Stormy detectou claramente no tom de sua voz que não confiava em Jason. Queria um lugar no qual pudessem falar sem que ele estivesse presente. — Certo.

—Eu me ocupo dos quartos — disse Maxie. Lou a olhou como se fosse dizer algo, mas mordeu a língua. Maxie elevou os olhos ao céu, como se pedindo paciência.

—Um duplo para Stormy e para mim e um individual para você — disse —, Concorda, Lou?

—Perfeito — respondeu ele; tirou a carteira e procurou seu cartão de crédito.

Maxie pôs sua mão sobre a dele.

—Isto é por conta da empresa. É nosso primeiro caso oficial — foi à recepção para reservar os quartos.

Lou suspirou e foi atrás dela. Stormy o compreendia. Era provável que Maxie tivesse estado disposta a compartilhar sua cama com ele se Lou não tivesse sido tão suscetível, e além disso, ele não tinha parado de chateá-la sem notar por toda a manhã.

Quando partiram, encontrou-se a sós com Jason no quarto. Stormy pigarreou. Ele se aproximou da cama e dobrou seu mapa.

—Acha que será difícil para você trabalhar comigo? — perguntou ela.

Ele levantou a vista e sorriu.

—Se fosse um problema trabalhar com cada garota que me deu um fora, Stormy, seria complicado. Não. Não há problema.

Ela mordeu o lábio.

—Ouvi que esteve no hospital — disse ele —. Espero que não tenha sido nada sério.

Ela encolheu de ombros.

—Nada grave: uma bala na cabeça, uns quantos dias em coma... uma tolice.

Ele se virou para olhá-la com os olhos arregalados.

—Isso é uma brincadeira...

—Temo que não — disse ela —. Mas estou bem, sério. Estou completamente recuperada.

Na verdade, não era exatamente assim, mas ele não tinha que saber.

—Alguém atirou em você?

Ela assentiu com a cabeça.

—Meu deus, quem pôde fazer algo assim?

—Quem ia ser? O vilão do filme — respondeu ela com ironia.

—Por Deus, Stormy, como pode brincar com isso?

—Porque quem foi não é importante. Tudo terminou, acabou a história. Acabou-se — disse ela, desejando com todas as suas forças que fosse assim.

Jason se aproximou dela e passou uma mão por sua cabeça, acariciando seu cabelo. Ela a agarrou para dirigir seus dedos para o lugar onde se podia sentir a protuberância irregular de uma cicatriz. Ao notá-la baixo seus dedos, Jason fechou os olhos.

—Se eu tivesse sabido, teria ido vê-la.

—Maxie esteve todo o tempo ao meu lado; pelo menos até que teve que sair atrás do desgraçado que fez isto.

—E o encontrou?

—Mais ou menos. Arruinou seus planos e salvou algumas pessoas às quais pretendia fazer mal, igual fez a mim. Foi um grande golpe para ele, mas ao final conseguiu escapar — Stormy se encolheu de ombros —. Cedo ou tarde, alguém terminará dando o que merece.

Jason deixou sua mão sobre o cabelo dela uns instantes mais do que devia, e logo a retirou lentamente.

—Para mim significa muito que tenham vindo até aqui para me ajudar, sem pensar nisso duas vezes — disse ele.

—Não tivemos dúvida nem por um momento.

—Eu sei — disse ele; abaixou a cabeça e se afastou dela —. Me dei conta quando as chamei. Quero que saiba que não permitirei que nada de mal aconteça a vocês.

—Por que diz isso, Jason? Aqui não há ninguém que tenha motivos para querer me fazer mal, certo?

—Não, é obvio que não. É só que..., bom, em seu último caso acabou ferida, não foi?

Ela franziu o cenho, examinou o rosto de Jason e se perguntou por que as estúpidas visões que apareciam nos momentos mais inoportunos não surgiam agora, quando teria sido melhor. Se fosse uma espécie de... de premonições, teria gostado que lhe dessem uma pista do que se ocultava atrás das palavras de Jason.

Nesse momento, Lou e Maxie entraram pela porta.

—Lou está no quatro, e nós no três — disse Maxie, mostrando um chaveiro de plástico em forma de losango, com um número gasto em um lado e uma chave acobreada pendurando na ponta —. Consegui outra chave pra você, Stormy, mas o adolescente cheio de espinhas da recepção me disse que não podemos perdê-la.

—Deve ser Gary — disse Jason.

—Não gosto dele — comunicou Maxie.

—Como eu pensei — disse Jason sorrindo —. Você não mudou em nada, Maxie. Fico feliz em ver você.

—Digo o mesmo — respondeu ela com um sorriso —. Tudo vai sair bem, Jason — acrescentou, e o abraçou com mais força que a primeira vez.

Lou pigarreou.

—Vamos ver o chefe de polícia. É melhor que estejamos coordenados com ele desde o começo. Embora não nos sirva de muita coisa.

Parecia que Jason ia negar se, mas mudou de idéia.

—Já que estamos de acordo, talvez possamos conseguir algo para comer. Estou morto de fome — acrescentou Lou.

—Há uma cafeteria do outro lado da estrada, a uns metros daqui. E outra na cidade, perto da delegacia de polícia — disse Jason —. Ligarei para o chefe de polícia para dizer que vamos para lá.

—Se vocês não se importam, meninos, eu prefiro ficar — interveio Stormy —. Assim posso me instalar no quarto e talvez durma um pouco.

Maxie a olhou com preocupação e Stormy tentou tranqüilizá-la com o olhar. Maxie captou a mensagem e se conteve.

—Trarei um sanduiche — disse.

—Obrigada.

 

O chefe de polícia Fieldner tinha os dedos vermelhos e machucados. Maxie se deu conta imediatamente. Também se fixou na palidez de sua pele, em seu rosto gasto, em seus olhos brilhantes e no descuidado bigode cinza que pedia a gritos um corte. Pendurado em ambos os lados da boca, como os bigodes de uma morsa, e chegava até o queixo. Disse a Lou assim que o homem os deixou sozinhos com o pretexto de ir procurar alguns relatórios.

—Eu não gosto dele — sussurrou sem rodeios. Estava sentada em uma das duas cadeiras colocadas em frente à impecável mesa de madeira de bordo de Fieldner. Jason estava sentado ao seu lado e Lou estava de pé, observando a sala como um falcão que estuda a sua presa. Embora não havia muito que ver. Alguns telefones, um painel no qual se acumulavam cartas e pôsteres e um arquivo preso à parede, sobre o qual repousava uma cafeteira. O inquisitivo olhar de Lou se voltou para ela.

—Por que não gosta? Não é um jovem atrativo — disse, olhando para Jason —, mas...

—Por Deus, você não pode ver?— respondeu ela, fingindo não ter se dado conta do olhar que ele tinha lançado a Jason. Se estava ciumento, melhor. Embora duvidasse muito que se tratasse disso. Não gostava de Jason, não simpatizava com ele. Tinha notado desde que escutaram sua mensagem na secretária eletrônica, e sua antipatia e desconfiança pareciam aumentar a cada minuto que passava em sua companhia.

Mas nesse momento não podia fazer nada para solucioná-lo, assim que se centrou no assunto que tinham entre as mãos. Era o único polícia do Endover.

—Se não estivéssemos em plena luz do dia, teria jurado que era um vampiro. E dos perigosos. Não há nada mais que pele cobrindo seus ossos, e uma pele branca como a neve... Não tem nem um grama de gordura, nem de músculo... nem de alma. E esses olhos...

—Um vampiro!— exclamou Jason, olhando-a pasmo.

Maxie assentiu.

Lou olhou para a porta pela qual o policial tinha desaparecido. Ali só via um montão de caixas empilhadas.

—Você não vai acreditar que tenha encontrado uma maneira de superar sua aversão natural à luz do sol, não é? — sussurrou Maxie.

—Por Deus, Maxie, não me diga que acredita nessas coisas — perguntou Jason.

Maxie e Lou o olharam ao mesmo tempo.

—Aconteceram algumas coisas desde que foi embora, amigo — disse Maxie.

—Espero que me ponha a par.

Lou os interrompeu antes que Maxie pudesse responder.

—Está tirando conclusões precipitadas. Não tem nenhuma prova de que Fieldner seja um vampiro. Só está inquieta pela desculpa que Stormy deu a você.

Maxie olhou para outro lado, porque tinha acertado em cheio quanto a Stormy. Dizer que estava cansada e que preferia ficar no quarto do motel para dormir um pouco... era impróprio dela.

—Não é normal que admita que precisa descansar... embora seja certo.

—Sei.

—Então, você também está preocupado por ela?

Lou assentiu.

—Têm algum motivo para estarem preocupados? — perguntou Jason —. Me contou do tiro. É verdade que está recuperada?

—Isso é o que dizem os médicos — respondeu Maxie.

—Mas você não acredita que seja assim?

O chefe de polícia Fieldner entrou na sala; suas pernas pareciam muito fracas para sustentar o tronco. Mas apesar de sua magreza extrema, parecia forte, anormalmente forte. Tinha um mapa nas mãos e ia desdobrando enquanto caminhava, para terminar desdobrando-o sobre a mesa.

—Vamos ver — disse, enquanto apontava o mapa com seu esquelético dedo, coroado por uma unha rachada e quebrada —. Este é um mapa da cidade. Aqui está o centro de informação pelo que perguntavam.

Seus olhos azuis, sem vida, percorreram o rosto dos três, detendo-se um pouco mais no de Jason.

—Têm algum motivo para interessar-se por esse lugar em particular?

Maxie pensou que sim. Stormy tinha tido um estranho pressentimento sobre esse lugar. Não havia dito, mas Maxie tinha visto sua reação, e não era algo que estivesse disposta a passar por cima. Mas guardou seus pensamentos para si. Lou pensaria que era absurdo e não era algo que precisassem saber.

—Pareceu um bom lugar para começar — disse Lou.

—Está fechado, sabem? Está fechado há anos.

Lou assentiu.

—Passamos por ele ao chegar à cidade. A primeira vista não pensamos que estivesse fechado e acredito que as garotas também não.

O chefe de polícia suspirou e voltou a centrar-se no mapa.

—Bom, não há muito que ver aí. O estacionamento e um bosque atrás do edifício. Como podem ver, o bosque se estende até a costa. Mas eu mesmo o percorri ontem à noite, e não encontrei nada.

—Esteve procurando pelo bosque? —perguntou Lou, com tom surpreso.

—Pois sim. Decidi dar uma olhada quando este jovem me disse que sua irmã e sua amiga tinham desaparecido. Não podia fazer nada oficial, já que estavam desaparecidas há apenas umas horas naquele momento e não havia indícios de delito. Mas isso não significa que não queria ajudar na medida do possível.

Lou lançou um olhar a Maxie, como se disse: “Vê? Disse que era um bom homem”. Ela ignorou o gesto, porque não estava para nada de acordo.

Lou voltou a centrar sua atenção no policial.

—Realizou uma busca exaustiva? — perguntou.

—Fiz tudo o que pude. Inclusive mais, tendo em conta que conheço o lugar como a palma de minha mão.

Lou assentiu.

—Não se importará se dermos uma olhada de qualquer forma, verdade? —perguntou Maxie—. Para ficamos tranquilos.

—Se querem perder tempo, façam — respondeu o chefe de polícia —. Mas não acredito que se as garotas tiverem desaparecido, esquivando-se de suas famílias para ir à farra, vão encontrá-las em um bosque. Não, eu acredito que aparecerão a qualquer momento, vocês vão ver.

—Mesmo assim, nós gostaríamos de dar uma olhada pelo bosque — disse Lou.

O chefe de polícia assentiu com a cabeça.

—Por mim não há problema. Enquanto o fizerem antes que anoiteça.

Maxie ficou em silêncio; olhou para Lou, que estava tão perplexo como ela. Ambos voltaram seu olhar para o policial.

—E isso por quê? —perguntou Lou.

—Há um toque de silêncio vigente na cidade, desde o anoitecer até o amanhecer — respondeu o policial —. Não viram o aviso?

—Em uma cidade tão pequena como esta? — perguntou Maxie em um tom muito suave. Não queria trair seus pensamentos, mas meninas desaparecidas, uma proibição de sair depois do entardecer, tipos pálidos como a neve... O que se supunha que devia pensar? —. Importa-se se eu perguntar o motivo?

O chefe de polícia se encolheu de ombros.

—Ah, tivemos problemas há uns anos. Os meninos da cidade começaram a fazer confusão. Isto estava se convertendo em uma bagunça, era playground desses adolescentes. Deixavam as praias cheias de latas de cerveja, punham sua música ensurdecedora na rádio do carro... — moveu a cabeça —. Incomodavam às pessoas e alteravam a ordem pública, assim estabelecemos o toque de silêncio.

Maxie não se convenceu com aquela explicação. Lou suspirou.

—Se pedir como cortesia profissional, de policial para policial... — começou a dizer.

—É policial? — interrompeu Feildner.

—Sim. Estive vinte anos no corpo, em White Plains. Agora me retirei.

—Entendo — disse Fieldner com ar reflexivo; e em lugar de olhar para Lou, olhou para Jason.

—Assim, como favor a um colega do corpo, poderia nos dar permissão para sair depois do anoitecer, se fosse necessário? — perguntou Lou com um sorriso amistoso —. Afinal, nós não vamos montar uma festa na praia.

Fieldner olhou fixamente para Jason até que este afastou o olhar, e voltou a colocar seus gélidos olhos azuis em Lou.

—Só me falta que alguém mais desapareça no meio do nada. De noite estes bosques são perigosos. Preferiria que respeitassem o toque de silêncio.

Lou suspirou, mas assentiu com a cabeça, acatando a ordem. Maxie, ao contrario, não tinha nenhuma intenção de cumpri-la.

—Se não se importa que o pergunte — disse —, é verdade que é você o único policial da cidade?

Deu um sorriso que mostrou uns dentes grandes e amarelos debaixo do bigode.

—Há vinte anos.

—Está brincando comigo.

O sorriso dele aumentou.

—Quantos homens acredita que são necessários para resolver os problemas de um punhado de aposentados e algumas famílias? Diabos, esse é outro dos motivos do toque de silêncio. Em algum momento tenho que dormir — Fieldner se levantou da mesa e caminhou para a porta. Estava claro que já tinha falado bastante com eles por esse dia —. Insisto, duvido muito que as garotas tenham desaparecido. Estarão sãs e salvas em algum lugar, divertindo-se por aí.

Maxie lançou um olhar a Jason, esperando que saísse em defesa de sua irmã, mas este se limitou a encolher-se de ombros.

—Pode ser. Delia esteve... um pouco descontrolada ultimamente.

Maxie ficou de pé.

—Talvez devêssemos ir ao centro de informação, para dar uma olhada pelo bosque.

Lou apertou a mão do chefe de polícia e saiu atrás de Maxie, que o esperava junto ao carro.

—Sua mão estava morna. Por suas veias circula sangue — disse olhando em seus olhos.

—Podia ter um pano quente no bolso.

Maxie se sentou no banco do co-piloto e Jason ocupou o banco de trás; moveu a cabeça.

—Segue tão desconfiada como sempre, né, Maxie?

—Não tanto quanto eu — disse Lou, sentando-se ao volante —. Posso saber no que estava pensando lá dentro?

—Como? —perguntou Jason, com ar confuso.

—Por que deu razão a ele quando disse que talvez Delia tenha fugido? — perguntou Lou, virando-se no banco.

—Por que não ia dar se é uma possibilidade, não é?

—Não acha que esse homem vai ajudá-lo se pensar que simplesmente fugiu para ir à farra. E eu não penso que estivesse aqui procurando por ela, nem que tivesse arrastado uma equipe de investigadores particulares até este lugar, se realmente pensasse isso.

—Está preocupado, Lou, isso é tudo. Não seja tão duro com ele. Sua irmã desapareceu — Maxie lançou a Jason um sorriso tranqüilizador —. Não acha que deveríamos solicitar que ativem o alerta Ambar[7] ou algo assim? — acrescentou, dirigindo-se a Lou. Este negou com a cabeça.

—O caso de Delia e Janie não cumpre os requisitos necessários. Tem que ter a certeza de que a criança foi seqüestrada e precisa ter uma descrição do agressor, ou ao menos de seu veículo.

—Isso é absurdo.

—Assim se evita que as crianças que fugiram ou simplesmente estão perdidos bloqueiem o sistema... para que os que realmente precisam recebam ajuda mais rapidamente.

—E o que acontece com os que não estão em nenhum desses casos?

Lou se encolheu de ombros.

—Não disse que é um sistema perfeito, mas acredito que é o melhor possível, apesar de seus defeitos. Além disso, oficialmente, ainda não foram declaradas desaparecidas — acrescentou.

Maxie sentiu o impulso de responder com grosseria, mas se conteve.

Lou a olhou.

—Aonde vamos, Max? Este é seu caso, então você decide.

Era seu caso, mas era ele que tinha um olfato de rastreador, por não falar de sua experiência. O fato de que agora deixasse estar no comando era uma tentativa de acalmá-la, de diminuir seu aborrecimento pela forma com que tinha tratado Jason, e ela era consciente disso, mas suspirou e assumiu o controle de qualquer jeito.

—Quero dar uma volta pela cidade, como tínhamos dito. Percorrer os postos de gasolina, cafeterias, lojas de comida rápida... mas primeiro eu gostaria de ir ver como está Stormy. Vamos comprar algo para comer e retornamos. Eu não gosto desta cidade, nem a cara cheia de espinhas do menino do motel.

—Se quiser que façamos tudo isso antes, quando chegarmos ao centro de informação já o sol se pôs—disse Lou.

Ela assentiu.

—Sim. Essa é outra das razões. Quero ver o que acontece nesta cidade ao anoitecer, o que esse policial repulsivo não quer que vejamos.

—Oh, nem pense em começar com suas teorias sobrenaturais, Maxie. Não tem nenhuma base...

—Não comece, Lou. Ambos sabemos que é muito cético para ser objetivo — disse ela —. Trouxemos lanternas? — acrescentou, mudando de assunto.

—Só uma — respondeu Lou —. Acredito ter visto uma loja de ferragens um pouco mais adiante. Aí está — disse apontando-a, antes de estacionar o carro no pequeno estacionamento situado em frente à loja. Era um edifício pequeno, mas na porta estava pendurado o cartaz de “aberto”.

Maxie saiu do carro e se apressou a entrar na loja junto a Lou.

Tinha uma infinidade de artigos para ser um lugar tão pequeno. As estantes estavam coladas entre si, formando estreitos corredores, e em todas elas se empilhavam artigos que chegavam até o teto. A loja estava cheia de trastes. Um dos corredores continha material de encanamento, outro aparelhos elétricos, e havia dois outros dedicados a material de jardinagem, com todo o necessário, desde terra, fertilizantes e sementes, até enxadas, pás e ancinhos. Uma mulher de cabelo grisalho escolhia suas compras entre os sacos com bulbos de flores quando Maxie e Lou passaram junto dela. A mulher olhou para cima e os observou uns instantes com uma expressão totalmente perdida, antes de voltar a centrar-se nos bulbos. Havia outros clientes perambulando por ali, todos com ar tranquilo e plácido.

Maxie tentou reprimir um persistente calafrio. Havia algo estranho nesse lugar, nessa gente.

—Aqui estão — Jason apareceu pelo corredor com várias lanternas grandes e coloridas na mão —. Uma para cada um, né? — disse, mostrando duas lanternas azuis, uma vermelha e uma negra.

—Perfeito — disse ela —. Também precisamos de pilhas. Dezesseis pilhas tipo D — acrescentou ao observar uma das lanternas.

—Tenho-as junto ao balcão — exclamou uma voz masculina.

Maxie esteve a ponto de deixar cair a lanterna de susto; virou e viu um homenzinho corcunda que lembrava um personagem de um romance de Tolkien[8]. Sorriu de sua baixa estatura, e, embora seus olhos olhavam para cima, sua cabeça permanecia inclinada.

—Ei, obrigada — respondeu Maxie.

O homem se voltou com rigidez e se dirigiu ao balcão, seguido pelos três forasteiros. Maxie tirou a carteira, disposta a pôr a prova pela segunda vez no dia seu cartão de crédito exclusivamente profissional.

—Eu devo pagar isso — interveio Jason.

—Não se preocupe. Pagará. Estará tudo incluído em sua fatura — respondeu ela com uma piscada.

O Jason de antes haveria ao menos fingido captar o toque de humor de seu comentário, mas este se limitou a olhá-la sem piscar.

Maxie ignorou o gesto e seguiu o homenzinho até o balcão.

—São forasteiros, né? Estão fazendo turismo? — perguntou o proprietário da loja.

—Viemos procurar duas garotas que desapareceram — disse Maxie —. De fato, talvez possa nos ajudar. Viu alguma adolescente que não seja daqui? Estavam em um pequeno carro vermelho.

Enquanto falava, Jason tirou uma foto de sua carteira e a deu a Maxie para que a mostrasse ao homenzinho.

O homem olhou a foto e depois ela, enquanto tirava a lanterna da sua mão, e começou lentamente a teclar números em sua caixa registradora.

—Não as vi, na verdade. Embora esteja seguro de que aparecerão. Umas garotas, dizem? Que idade tem?

—Dezessete — respondeu Jason —. A da foto é minha irmã.

O homem deixou ao lado a primeira lanterna, pegou a seguinte, olhou-a atentamente e começou a teclar números. Maxie o olhou impaciente. Será que não era capaz de anotar um preço e multiplicá-lo por quatro?

—Bom, já as encontrarão. O chefe Fieldner é um bom homem, um bom homem.

Separou a terceira lanterna e começou com a quarta.

—Já resolveu este tipo de coisas no passado? — perguntou Lou —. Casos de pessoas desaparecidas, quero dizer.

—Oh, claro. Estas coisas acontecem de vez em quando, e sempre encontrou todo mundo — disse o homem; procurou debaixo do balcão e colocou quatro pacotes de pilhas tipo D sobre ele.

—Então, isto já aconteceu outras vezes? — perguntou Maxie —. Quando?

O homem os olhou com preocupação.

—Estava falando em geral, senhorita. A verdade é que não recordo nenhum caso concreto. Mas já sabem, em uma cidade tão velha como esta aconteceu quase de tudo em algum momento — disse, enquanto seus dedos, de repente ágeis e eficazes, registravam o preço das pilhas. Antes que Maxie pudesse reagir, sua compra estava em uma bolsa e o homenzinho passava já seu cartão de crédito pela máquina.

—Há algum outro representante da autoridade na cidade? Além do chefe de polícia Fieldner, quero dizer — perguntou.

—Não me ocorre ninguém mais — respondeu ele, tamborilando com os dedos sobre o balcão à espera que a máquina autorizasse o cartão.

—Não tem um prefeito, um vereador...? Algo assim.

—Existe apenas o príncipe.

—Têm um príncipe? Ele sorriu.

—É só um apelido.

De repente a mulher de cabelo cinza parou atrás de Maxie, carregada de bulbos.

—Sam! — disse bruscamente —. Se importaria de ser um pouco mais rápido? Não tenho todo o dia.

Maxie fez cara de poucos amigos, enquanto escutava o ruído da autorização do cartão e do recibo ao ser impresso. O velho Sam o colocou sobre o balcão, junto com uma caneta e Maxie assinou.

—Que tenham um bom dia. E boa sorte com as garotas.

—Mas não me respondeu...

—De verdade, que falta de respeito! — Disse a anciã; afastou Maxie com um empurrão para colocar seus bulbos sobre o balcão —. Vamos ver, um destes sacos tem um bulbo seco, Sam. Não estou disposta a pagar o mesmo preço por este saco.

—Não se preocupe, Maddy.

Lou segurou Maxie pelo ombro meio segundo antes que atacasse a anciã. Maxie o olhou e viu que seus olhos recomendavam cautela, assim que se deu por vencida e deixou que a tirasse da loja.

—Meu Deus! — exclamou uma vez que estava fora —. Será que são todos vampiros nesta cidade?

—Não — disse Lou —, estamos em plena luz do dia.

—Qual a diferença? E quem é esse famoso príncipe? Ou será que por acaso Gollum, o corcunda da loja, estava alucinando?

—Chama-se Sam, e tenha um pouco de paciência. Vamos averiguar — disse Lou enquanto abria o porta-malas do fusca para colocar a bolsa com as lanternas. Em seguida, entrou no carro. Jason ficou em silêncio, talvez pensando que não era o momento de interromper a conversa.

—Podia tê-lo feito falar — disse Maxie.

—Se isso for o que quer, é livre para voltar lá dentro agora mesmo.

Lou permanecia sentado no carro, exasperadamente tranquilo. Um menino passou em uma bicicleta, com uma bolsa de jornais no ombro.

—Certo — disse Maxie por fim —. Estou curiosa. Qual é o “mas”?

—Mas — disse Lou sorrindo, satisfeito de ter conseguido despertar sua curiosidade — ficará contra toda a cidade se fizer à sua maneira. É uma forasteira e vem abusando da má educação. A notícia se estenderá por Endover como a pólvora. Ao contrário, se for amável, as pessoas vão querer te ajudar.

Ela franziu o cenho.

—Detesto que tenha razão.

—Não está certo — disse Lou —. O que detesta é estar errada, motivo pelo qual não estou acostumado a mostrar-lhe isso

—Ei!

Sorriu. Era um sorriso autêntico, sincero. Não tinha sorrido assim desde seu bate-papo da noite anterior, e agora ela se derretia ao vê-lo. Maldição! Lou podia passar o dia corrigindo-a e ela seguiria desejando-o. Podia tratar a seu melhor amigo como a um suspeito de assassinato, e, mesmo assim, seguiria querendo-o. Não havia dúvida de que aquilo era sério.

 

Stormy esperou que partissem e se dirigiu para a parte detrás do motel. Seguiu uma pista de asfalto, que devia servir para que o caminhão do lixo tivesse acesso a um contêiner que havia por ali. Depois dela não havia nada mais que um campo cheio de ervas daninha e flores silvestres. Chegou até a janela do quarto de Jason. Tinha tirado o ferrolho quando estavam todos reunidos no quarto, em um momento de distração, e ninguém se deu conta de nada. Bem, duvidava que Maxie não tivesse se dado conta. Maxie notava tudo, embora ultimamente parecesse bastante distraída. Mas, se tivesse visto, não havia dito nada. E Jason não percebeu, ou teria tornado a fechar a janela.

Stormy estava convencida de que seu velho amigo escondia alguma coisa, e ela estava decidida a averiguar o que era, assim que se deslizou pela janela para o interior do quarto. Não havia ninguém que pudesse vê-la. Não havia ninguém, ponto. Esse lugar estava mais morto que um cemitério à meia-noite.

Um calafrio percorreu suas costas. Sacudiu-se para livrar-se disso, fechou a janela e observou o insosso quarto que parecia idêntico ao seu. Não demoraria muito em inspecioná-lo. Embora estivesse muito cansada, sem energia, como se tivesse passado a noite em claro ou algo assim. Mas ignorou essa sensação e colocou mãos à obra. Primeiro foi para o escritório, olhou as gavetas e encontrou uma lista telefônica e um guia com a programação da televisão de anos atrás. Logo verificou a cômoda. Nada, nem roupa, nem meias, nem cueca... Parecia que Jason não tinha tido tempo de fazer as malas antes de sair correndo para lá em busca de sua irmã. Isso, pelo menos, era lógico. No armário havia um casaco, uma tábua de passar e um par de travesseiros. O banheiro estava equipado com o típico: xampu e condicionador em garrafas pequenas e uma barra de sabão.

Não havia absolutamente nada. Verificou os bolsos do casaco como último recurso, e de repente, ficou paralisada.

Seus dedos haviam tocado algo; tirou: era uma foto Polaroid em que duas garotas olhavam aterrorizadas para a câmera.

—Meu deus! — sussurrou.

Virou a foto e leu o que tinha rabiscado na parte detrás. Faça o que digo, ou ambas morrerão.

Um calafrio gelado subiu por suas costas. Passou a mão sobre as linhas manuscritas... e sentiu um golpe. Retrocedeu, pressionando a testa com uma mão e apertando os olhos com força. Tropeçou em algo e caiu no chão. O rosto de um homem apareceu em sua mente, através de suas pálpebras fechadas. Era o rosto de um anjo cansado, o mesmo rosto escuro e inquietante que tinha visto junto a Jason, quando saiu da estrada, a caminho de Maine.

Estava caída no chão e sentiu como sua mão ficava sem forças; a foto caiu de sua mão e perdeu a consciência.

—Stormy! Querida! Vamos, acorde, coração.

Stormy abriu os olhos. Maxie estava inclinada sobre ela, com ar preocupado. Maldição! Já haviam retornado. De repente se deu conta de que havia sido pega em flagrante no quarto de Jason e se sentou como um raio... talvez muito rápido. A cabeça dava voltas; a segurou e piscou algumas vezes para que melhorasse. Quando passou o enjôo, tentou localizar-se e franziu o cenho.

—Como diabos cheguei até a cama?

—Não sei — disse Maxie —. Estava aqui quando cheguei.

—Onde está Jason? Já retornou? — Pôs os pés no chão —. Temos que sair de seu quarto antes que...

—Querida, estamos em nosso quarto.

Stormy ficou muda, com os olhos cravados em Maxie.

—O que?

—Olhe, está desorientada. Veio para o quarto quando Lou, Jason e eu fomos procurar algo para comer e visitar o chefe de polícia. Lembra?

—Sim, mas...

—Deve ter dormido. Estava começando a me preocupar porque não acordava.

Stormy lançou a sua amiga um olhar sério.

—Estava no quarto de Jason. Desmaiei em seu quarto.

Maxie franziu o cenho.

—Tirei o ferrolho da janela quando estávamos todos lá. Na verdade, não queria ficar descansando, o que queria era bisbilhotar um pouco quando tivessem saído. E isso foi o que fiz.

—Esteve bisbilhotando?

—Sim, Maxie, Por Deus. Não me olhe assim.

—Acho que não entendi. Por que suspeita de Jason?

—Não me diga que você não.

—Claro que não — Maxie se encolheu de ombros —. É certo que se comporta de um modo um pouco... estranho, mas tendo em conta pelo que está passando... Além disso, é nosso amigo e tem problemas, isso é a única coisa que me importa.

—Ora, detetive, de fato. Está certa, tem problemas, e pode ser que muito em breve nós também tenhamos.

—Não entendo você.

—Encontrei...

Nada. Não encontrou nada.

Stormy franziu o cenho diante da voz profunda e estranhamente familiar que se ouvia em sua mente.

—Encontrei... algo — disse Stormy, pressionando a cabeça com as mãos. Fechou os olhos, esforçando-se para lembrar, mas só via um profundo buraco negro —. Sei que o fiz.

—Bem, e o que era?

—Não... não me lembro.      

—Querida, tem certeza que não sonhou?

—É obvio que tenho. É só que...

Claro que sim. Não era mais que um sonho, um simples sonho.

—Não sei, pode ser que sim.

Maxie se sentou na cama junto a ela e acariciou sua mão.

—Querida, tem certeza de que está bem?

—Claro que sim.

—Não, não está. Olhe, faz muito tempo que somos amigas para ficar com estas tolices. Algo acontece com você e eu sei. Quando vai me dizer do que se trata, Stormy? Por acaso não confia mais em mim?

Stormy levantou a vista e olhou fixamente nos olhos verdes de Maxie.

—Conhece-me muito bem, né?

—Sim, como você me conhece. Então, me diga Stormy, o que está acontecendo com você?

Stormy tomou fôlego, conteve-o durante uns instantes e assentiu.

—Certo. De qualquer forma o mais provável é que não seja nada Mas... às vezes... sinto uma intensa dor.

—Na cabeça?

—Sim, e tenho esses... flashes.

As sobrancelhas de Maxie quase se tocavam.

—Em forma de luz? Cores?

—São imagens, fotos, rostos. Às vezes ouço vozes que dizem coisas sem sentido — suspirou Stormy —. Tudo vem de uma vez, e quase não posso... A maior parte do tempo é só uma coisa confusa.

—Foi isso o que aconteceu na estrada, quando íamos para Maine?

Stormy assentiu.

—Sim.

—E o que foi que viu?

Ela se encolheu de ombros, sacudindo a cabeça.

—Vi Jason. E outro homem, um homem desconhecido. Mas... que conheço de algum lugar. É como quando tem uma palavra na ponta da língua, mas não consegue recordá-la, sabe?

—Eu... faço uma idéia.

—É como um caleidoscópio. Vejo muitas coisas, e muito depressa para conseguir dar um sentido a elas. Pensei que há algo relacionado com Jason. Voltei a ter outra visão quando chegamos aqui, ao abraçá-lo. Nesse momento, acho que vi como lhe davam uma surra. Acredito que foi assim que surgiram aquelas contusões, e não por uma queda acidental no bosque.

Arriscou um olhar aos olhos de Maxie e viu que estavam atônitos e cravados nela.

—Não me olhe como se estivesse louca.

—Não está louca, Stormy. Talvez... acha que pode ter desenvolvido uma percepção paranormal?

Stormy olhou para o teto, ficou de pé e começou a andar pelo quarto.

—Também poderia tratar-se de minha imaginação desatada. Delírios, alucinações... sofri uma lesão muito grave na cabeça, não foi? Então, como posso dizer que algo não ficou prejudicado? — disse, mordendo os lábios —. Acredito que talvez seja o momento de aceitar que posso ter sofrido algum dano no cérebro, amiga.

Maxie fechou os olhos e negou firmemente com a cabeça.

—Não. Olhe, disse que viu Jason no primeiro flash, quando nos dirigíamos para a casa nova. E quando chegamos, ele nos tinha deixado uma mensagem. Estava em apuros e você sabia. Captou isso, Stormy. Isso é uma premonição.

—Não pode estar certa disso.

—Claro que estou.

Stormy voltou para a cama com um suspiro e pôs sua mão no ombro de Maxie.

—Isso é o que quer acreditar porque é melhor que a outra opção. Eu também te conheço bastante bem, não esqueça.

Maxie sacudiu a cabeça de novo.

—Não acredito que se trate de uma lesão cerebral. Sabe quantas pessoas começam a adquirir esse tipo de habilidade depois de ter estado perto da morte ou em coma?

—Sim. E há dez mil vezes mais pessoas que sofrem danos permanentes no cérebro.

Maxie olhou para Stormy com severidade, logo ficou em pé e se dirigiu para a porta. Stormy não sabia o que tramava e saiu atrás dela. Sua amiga se encaminhou para o quarto ao lado e bateu na porta.

—Por favor. Maxie, não diga a Lou nada disto. Me levará ao hospital mais próximo para que façam milhares de exames.

—Não vou dizer a ele — respondeu ela, batendo de novo na porta.

A porta se abriu de repente e Lou apareceu, com uma toalha presa à cintura. Stormy teve que conter um sorriso ao ver a cara de Maxie. Perguntou-se se sua amiga teria visto o torso nu de Lou alguma vez. A verdade é que era uma bela amostra e aparentemente Maxie pensava o mesmo, porque o comia com os olhos.

—O que foi? — perguntou Lou.

Maxie piscou; esforçou-se para olhá-lo nos olhos.

—Ehhh... sim. Eu... mmm...— disse desconcertada, como se tivesse esquecido porque tinha ido vê-lo. Logo conseguiu controlar-se e pigarreou —. Conte a Stormy o que me disse sobre as feridas de Jason.

Lou jogou uma olhada fugaz a ambos os lados, com cara de poucos amigos; logo a agarrou pelo braço e a arrastou para dentro, fazendo a Stormy um gesto com a cabeça para que os seguisse. Ela entrou e fechou a porta.

—Por todos os Santos, Maxie! Por que não o anuncia com o megafone?

—Só quero que o diga, Lou — disse ela, sem poder evitar que seu olhar se dirigisse para o peito nu de Lou.

Ele franziu o cenho, agarrou um roupão de flanela que tinha tirado de sua bolsa e vestiu.

—Achava que queria que deixasse de suspeitar de seu namorado, Maxie — disse, enquanto fechava o roupão.

—Diga de uma vez.

Lou suspirou e olhou para Stormy.

—Vi muitos acidentes em minha vida, também muitas surras, e acredito que as contusões de Jason pertencem à segunda categoria.

—Acha que o bateram? — perguntou Stormy.

—Sim.

—Tem certeza?

—Não posso ter cem por cento. Mas se tivesse que apostar, jogaria todo meu dinheiro nisso — respondeu ele, encolhendo-se de ombros.

Maxie conseguiu voltar a focar sua atenção em Stormy.

—Vê?

Lou a olhou com ar inquisitivo.

—Como? Você também suspeita dele, Stormy?

—É só um pressentimento.

Lou assentiu e voltou seu olhar para Maxie.

—E você?

Ela mordeu os lábios, suspirando.

—Caramba, não sei. Poderia discutir com um de vocês, mas se ambos pensam que algo não encaixa, suponho que terei que assumir a possibilidade de que seja assim. Mas o certo é que não quero fazê-lo. Gosto de Jason, e meu instinto natural me leva a confiar nele. Além disso, mesmo que tenha mentido a respeito das contusões, isso não significa que esteja metido em nada duvidoso.

—Tolice — murmurou Lou.

Stormy pigarreou, disposta a mudar de assunto antes que começassem a brigar um com o outro.

—O que encontraram no centro de informação, pessoal? — perguntou.

—Ainda não fomos — respondeu Lou —. Maxie queria voltar primeiro para ver como estava. Dormia tão profundamente que quis deixá-la dormir um pouco mais, assim decidimos desfazer a bagagem, tomar banho e nos encontrar aqui com Jason dentro de vinte minutos. Continua sendo esse o plano? — perguntou a Maxie.

—Sim. Estarei pronta quando você tiver terminado.

—Desta vez vou com vocês — acrescentou Stormy —. Só... preciso me pentear um pouco.

—E comer o sanduiche que trouxe — disse Maxie —. De peru com maionese, como você gosta.

—Enquanto isso, aproveitarei para me vestir — disse Lou.

Stormy assentiu e saiu do quarto, embora tenha notado imediatamente que Maxie ficou.

Maxie estava de pé junto à porta, observando-o.

Lou a olhou diretamente aos olhos.

—O que foi?

Ela se encolheu de ombros e abaixou a cabeça.

Lou se aproximou, pegou seu queixo e levantou sua cabeça até ver seu rosto.

—Qual é o problema?

Ela estava desejando ficar nas pontas dos pés e beijá-lo, desejava-o com tanta intensidade que mal conseguia conter-se. Mas não esquecia que tinha advertido que podia desaparecer de sua vida se continuasse pressionando-o. Convenceu a si mesma de que tinha que trocar de estratégia, mas a verdade era que estava sendo muito difícil para ela.

—Que é um mentiroso, esse é o problema.

Ele a olhou como se falasse em chinês.

—Não menti pra você, Maxie.

—Ah não? Vai por aí vestido com suas roupas largas, com sua pinta de policial aposentado e esgotado. Mas debaixo da roupa tem... — Maxie deixou que seu olhar se deslizasse pelo peito dele, o ventre... embora os tivesse escondido sob esse estúpido roupão. Tinha vontade de tirá-lo, de tocá-lo, mas conteve seus impulsos com grandes esforços —. Esteve se escondendo em uma imagem que é completamente falsa.

—Por quê? Só porque não ando me exibindo nu por aí? — respondeu ele.

—Está em forma, não é? — disse ela, fechando os olhos brevemente.

—Tenho que estar. É uma questão de necessidade, não de vaidade. Pelo menos era, e me parece ridículo perder o costume só porque me aposentei. Não pode ficar zangada comigo por isso, Maxie.

Ela voltou a olhá-lo e não pôde evitar umedecer os lábios enquanto o fazia.

—Me zangar com você? Por ter uns abdominais como pedras? Não, “zangada” não é a palavra mais adequada. É um homem atraente, Lou, por dentro e por fora. Não estou zangada, estou... — a palavra “fogosa” passou pela sua cabeça, mas decidiu não utilizá-la. O que não pôde foi reprimir um sorriso ao pensar na cara que sem dúvida faria Lou se a pronunciasse —. Não tem importância. Se vista, estaremos prontas para sair em cinco minutos. Irei procurar Jason.

Ele assentiu e Maxie saiu do quarto.

 

—Teria sido melhor fazer isto à luz do dia — murmurou Lou enquanto os quatro caminhavam junto ao centro de informação e o bosque que havia atrás.

Maxie ia junto dele, e Jason e Stormy caminhavam atrás deles. Todos levavam suas lanternas e havia lua cheia. Lou pensou que poderia ter sido pior, embora não muito pior.

Continuava surpreso com a reação de Maxie quando foi ao seu quarto e o encontrou meio nu. Tinha acreditado que voltaria para as antigas maneiras, com suas provocações descaradas e sua paquera feroz, mas não tinha sido assim. O que tinha deixado claro era que gostava do que via... e ele se sentia bem por isso. Que demônios, todos os homens têm seu ego! Ela tinha estimulado o seu, e de que maneira! Mas não tinha havido paqueras, toques casuais nem comentários picantes... Talvez fosse verdade que ela ia deixar de fazê-lo, e isso era muito bom; isso era o que ele queria.

Mas isso não explicava o sentimento de ligeira decepção que o tinha invadido quando ela saiu do quarto. Era quase como se sentisse falta da paquera.

E não podia evitar perguntar-se se tinha deixado seu flerte constante porque ele o tinha pedido, ou porque tinha encontrado outro objetivo muito mais interessante e receptivo. Fixou-se nos gestos ternos que tinha com Jason Beck. Nos abraços, as carícias... acariciava-o a três por quatro. Além disso, se qualquer outra pessoa agisse do modo que Jason tinha feito, Maxie teria começado a questionar suas intenções em menos de um minuto. Ao Invés disso defendia Jason.

Não deveria incomodar-se. Disse para si que a única razão pela qual se incomodava era porque acreditava que esse menino a colocava em perigo. Era um sentimento que chegava de um lugar profundo e secreto, o mesmo lugar que tinha salvado sua vida durante os últimos vinte anos. E dizia que se Maxie não abrisse os olhos, viraria uma presa fácil.

O centro de informação era um edifício retangular, de tijolo e de um andar. Na frente havia uma máquina de refrigerantes e atrás estavam os serviços. Elevava-se sobre uma plataforma de cimento, e em ambos os lados as ervas daninha cresciam desordenadamente. Além disso, não havia muito mais.

—Não esqueçam que estamos desobedecendo ao toque de silêncio de Fieldner, em uma violação expressa de suas ordens — disse Lou —. E estamos à vista. Deveríamos fazer isto o mais rápido possível e sair daqui.

Todos assentiram. Todos menos Jason, que olhava a seu redor como se a qualquer momento alguém fosse saltar das sombras e lançar-se sobre ele.

Primeiro investigaram o estacionamento. Distribuíram-se, e suas lanternas varreram a esplanada de asfalto, mas não encontraram nada. Pelo menos em um primeiro momento... Logo Maxie se agachou para pegar algo do chão.

—O que você encontrou? — perguntou Lou.

—É o recibo de um caixa automático — respondeu ela; virou para Jason —, Albany, Nova Iorque. Sua cidade natal, e a data é de dois dias atrás.

Jason estendeu a mão.

—Me deixe ver.

Seus olhos examinaram o minúsculo pedaço de papel.

—Os últimos quatro números da conta deveriam aparecer no recibo. Poderia confirmar se coincidem com os de sua conta? — disse Stormy.

Jason fechou os olhos.

—Não sei de cor.

—Não importa — disse Lou —. Afinal, quantas pessoas de Albany acha que teriam vindo aqui nos últimos dois dias?

—Não muitas, na verdade — replicou Maxie —, assim sabemos que esteve aqui.

Jason assentiu com a cabeça.

—Mas seu carro não está aqui. Deve haver...

—Qualquer um pode ter movido seu carro. Eu acredito que é hora de dar uma olhada pelo bosque — disse Maxie, e pôs sua mão sobre o braço de Jason—. Só por precaução, certo?

—Certo.

Caminharam para a parte detrás do centro de informação; o lugar parecia bastante cuidado até que chegaram ao que parecia um velho atalho que saía da parte detrás do edifício e entrava no bosque. Ali as coisas começavam a piorar. Havia latas de refrigerantes, pacotes de barras de chocolate e de comida rápida, e coloridos sacos de batatas fritas atirados pelo chão, junto à bitucas de cigarros, lenços de papel, copos de plástico...

—Meu Deus, que pessoas sujas! — murmurou Lou.

Maxie o olhou dando razão e continuou avançando com dificuldade pelo atalho. Diminuiu o passo, iluminando o chão cuidadosamente.

—Parece que quase todo este lixo está aqui há muito tempo. As cores perderam intensidade, e os papéis estão cobertos de sujeira.

—A mãe natureza está tentando transformar este lixo em fertilizante —disse Stormy; agachou-se para recolher um copo de plástico cheio de porcaria que devia estar lá há vários meses —. Embora não terá muita sorte com alguns destes restos. Pelo menos durante os próximos séculos — acrescentou, guardando o copo em sua mochila.

—Como se isso fosse ajudar — disse Jason.

—Qualquer gesto ajuda, Jason. Se todos os que passassem por aqui recolhessem algo, ao invés de deixar no chão, este lugar estaria limpo.

—Isto não vai nos levar a nenhum lugar — disse Lou —. Pelo menos, não às escuras e sem ter nem ideia do que estamos procurando. Lamento dizer, mas pode ser que Fieldner tivesse razão ao nos dizer que seria uma perda de tempo.

—Temos o recibo do caixa automático. Isso já é algo — repôs Maxie —. Fieldner disse que já tinha dado uma olhada por aqui. É curioso que não o encontrasse.

Olhou Stormy, que imediatamente devolveu o olhar, e quando ambas olharam para Lou, este adivinhou o que estavam pensando e teve que admitir que estavam certas. Fieldner era um policial. Se tivesse ido investigar pela área, teria encontrado. Então, por que tinha mentido?

—Isto não tem nenhum sentido — disse Maxie. Os quatro se separaram, depois de estabelecer uma rocha grande como ponto de partida, para percorrer o bosque em diferentes direções. Contavam com que ao ampliar o raio da busca, teriam mais possibilidades de encontrar uma pista que dissesse para onde tinham ido as garotas, ou para onde as tinham levado. Se por acaso alguma vez tivessem estado no bosque.

Maxie se dirigiu para o leste e Lou, a sua esquerda, foi em direção norte. Stormy estava a sua direita, para o sul, e entrando nas profundezas do bosque. A Jason correspondia o quadrante oeste, que abrangia a área compreendida entre a rocha e o edifício de tijolo. Não era uma partilha premeditada, simplesmente tinha sido assim, embora Maxie tivesse certeza de que nenhum deles confiava em Jason tanto como ela tivesse desejado. Repetia-se que ela sim confiava nele, que o conhecia há muito tempo e que seu estranho comportamento se devia só ao estresse e à preocupação por sua irmã. Mas não deixava de sentir uma dúvida constante, que minava sua lealdade com seu amigo.

Acontecia algo estranho com Jason, e ela não podia negar, mas isso não ia mudar nada.

Ela era, conforme havia dito Lou muitas vezes, a rainha da negação.

Bom, talvez fosse. Certamente, ao que se referia a Lou, negava-se a assumir a derrota.

—Está muito escuro — murmurou enquanto iluminava o chão de musgo coberto de lixo, abaixo um mosaico de sombras e luz de lua.

Elevou um pouco a voz para que os outros, que agora estavam fora de seu campo visual, pudessem ouvi-la.

—Deveríamos ir embora e voltar amanhã.

A brisa se intensificou, fazendo que as folhas rangessem através das árvores.

—Concordo com Maxie — replicou Lou.

A jovem se sobressaltou ao ouvir como sua voz soava longe. Não tinha notado do quão longe tinha chegado... nem sabia até onde se aventuraram os outros.

—Voltemos para ponto de partida, certo? — disse, um pouco mais alto dessa vez. Não tinha sentido arriscar-se a que alguém se perdesse. Ora! Tirava-a do eixo ter que dar razão a esse cretino do Fieldner.

—Por mim, está certo — gritou Lou.

—Por mim também — disse Jason, cuja voz parecia ainda mais distante que a de Lou.

Maxie se voltou para o sul, mas não escutou nenhuma resposta desse lado.

—Stormy? — gritou —, Stormy, está aí?

Nada. Não houve resposta. O coração de Maxie começou a pulsar com força.

—Stormy?

Algo avançava entre as árvores, com um grande estrondo, a suas costas. Maxie virou, quase preparada para fazer frente a um ataque. De repente vislumbrou um vulto escuro aproximando-se. Fechou os punhos, disposta a dar uma surra a quem quer que aparecesse. Mas o que emergiu das sombras era Lou, com o rosto preocupado e iluminado pela luz da lua.

—Algo está errado. Stormy não responde — disse Maxie.

Ele assentiu sem parar. Chegou até onde ela estava, passou uma mão por sua cintura e a conduziu para frente, na direção em que ambos supunham que devia estar Stormy.

—Maldita seja, Stormy! Onde está? — gritou Lou.

Não parecia tão assustado como Maxie. Isso a tranqüilizava... quase tanto como o braço musculoso com o qual rodeava sua cintura, logo acima do quadril, onde sua camiseta se enrolou, deixando uma faixa de pele descoberta. Ele não a tinha baixado, o que era de agradecer, mas estava muito preocupada com sua amiga para poder desfrutar desse contato como teria feito em circunstâncias normais.

Simplesmente arquivaria esse momento de prazer e o reviveria mais tarde.

—Stormy? — Maxie puxou Lou para que parasse e inclinou a cabeça —. Espera, escuta... o que é isso?

O ruído se fazia mais claro, caminhava lentamente entre as árvores e as sombras. Era um grunhido grave, profundo, que chegou até as vísceras de Maxie.

—Meu Deus! —olhou para Lou.

Pôs-se a correr, com a luz da lanterna saltando inutilmente à sua frente. Lou ia logo atrás. Ouvia-o, sentia-o, sabia que cobria suas costas.

—Stormy! —gritou ela.

O grunhido se fez mais intenso, estava mais perto. Fosse o que fosse, tinha que estar quase lá. Deteve-se, tomou fôlego com a respiração entrecortada e iluminou com a lanterna, que parecia mover-se ao ritmo de seu coração. Fez um esforço para manter o feixe de luz fixo e o dirigiu para o lugar de onde vinha o som.

Iluminou uns olhos que a olharam. Mas não eram os de Stormy.

Sua amiga estava apoiada em uma árvore retorcida, em silêncio, paralisada, talvez distraída ou em estado de choque. E não era de se estranhar, porque umas patas enormes se apoiavam em seu peito e uns dentes afiados se agitavam em frente a seu rosto. O cão... não, pelo amor de Deus! Era um lobo! O lobo estava tão perto dela, que Stormy tinha que sentir à força seu fôlego na cara. Abriu ainda mais a mandíbula, deixando ver por completo seus dentes, que gotejavam saliva. A criatura seguia grunhindo sem pestanejar.

 

Os passos fortes de Lou se detiveram junto a Maxie e viu o mesmo que ela: um lobo apoiado em Stormy. Maxie sentiu que estava a seu lado, embora era incapaz de tirar os olhos de sua amiga. Sabia que Lou tinha tirado sua arma, viu pela extremidade do olho ele apontar para o lobo com a mão firme e os braços estendidos.

—Não se mova, Stormy. Fique totalmente parada — disse Maxie, tentando que o tom de sua voz fosse alto o suficiente para que Stormy a ouvisse, mas calmo para que o animal não se alterasse e se lançasse sobre ela. Sabia que podia rasgar a garganta de Stormy em questão de segundos.

Sabia que Stormy a tinha escutado, viu o estranho olhar de sua amiga voltar-se para onde eles estavam. Stormy abriu os olhos excessivamente e pronunciou umas misteriosas palavras com uma voz muito diferente da sua.

—Nu! Cine scoate sabia de sabia va pieri!

—Que diabos é isso? — perguntou Lou. Stormy elevou uma mão e acariciou o tremente pescoço do animal, afundando os dedos em sua pelagem.

El un e asa de negru cum il zugravesc oamenii — murmurou.

O lobo ficou de quatro, virou-se e entrou no bosque, mas Stormy permaneceu onde estava, com o olhar estranhamente ausente. Olhou Maxie como se estivesse com tanto medo dela como tinha estado do lobo.

Lou abaixou a arma e Maxie avançou devagar, com uma mão estendida para sua amiga, enfocando a lanterna ligeiramente para um lado do rosto de Stormy. Não podia vê-la muito bem à luz da lanterna, mas estava certa de que os olhos de Stormy tinham mudado, tornaram-se escuros. Já não eram seus olhos.

—Stormy, querida. Sou eu, Maxie. Está bem? — Suas sobrancelhas perfeitamente desenhadas se franziram em um gesto de perplexidade. Stormy estendeu uma mão para Maxie e desabou no chão.

—Meu Deus!

Maxie se ajoelhou junto a sua amiga e acariciou seu rosto e seu cabelo com delicadeza.

Lou chegou a seu lado imediatamente.

—Está ferida? Vê se sangra ou...?

—Não tem nada. Acredito que o lobo não chegou a atacá-la.

—Por Deus, Maxie, tem que ter algo. Perdeu a consciência.

Ele também estava de joelhos, e iluminava todas as partes do corpo de Stormy com sua lanterna, procurando desesperadamente algum tipo de ferida.

—Acredito que... acredito que se trata da cabeça. Não tem nenhuma ferida, nem foi o lobo.

—O que quer dizer?

—Isto já lhe aconteceu antes, Lou.

Ele deixou de procurar feridas e olhou para Maxie fixamente.

—No caminho para Maine, quando saiu da estrada?

Maxie assentiu.

—E outra vez no motel. Escuta vozes, vê flashes de luz e às vezes também imagens. Acredito que são premonições, mas ela não está certa. E agora isto.

—Vamos, Maxie, premonições? Acaba de sair de um coma. Faz apenas alguns meses que colocaram uma bala na sua cabeça, e você me vem com percepções extrasensoriais. Não acredito!

Ela fechou os olhos e abaixou a cabeça.

—Terá que levá-la a um hospital, Maxie.

—Não — replicou ela, elevando automaticamente a cabeça—. Não se trata de uma lesão cerebral, Lou. É outra coisa.

Lou elevou a vista ao céu, sacudiu a cabeça e levantou Stormy nos braços.

—Desta vez não se trata de você, Maxie, trata-se dela. É pelo bem de Stormy.

—Acha que não sei? — disse ela, correu atrás dele para seguir seu passo, pois Lou percorria o bosque rapidamente, em direção à rocha com Stormy nos braços como se fosse um bebê.

—Pois se sabe, deixe de pensar em você mesma. Deixe de pensar em quão terrível seria para você se descobrissem algo de errado e comece a pensar no que é certo para Stormy. Ela não está bem, Maxie, e temos que conseguir que volte a estar em forma.

—Digo que desta vez não estou negando a realidade, Lou! Sei que isto não é físico.

—Você não sabe absolutamente nada. Talvez pense, talvez sinta, intua, mas não sabe.

—Não saberá até que tenha provas disso, e não as terá até que se submeta a um exame médico. Pode ser que tenham que fazer alguns exames a mais, para ter certeza.

Chegaram ao montículo onde estava a grande rocha. Jason estava sentado sobre ela, mas se levantou de um salto quando os viu chegar; seu rosto se escureceu ao ver Stormy.

—O que aconteceu?

—Foi atacada por um lobo. Não acredito que esteja ferida, mas desmaiou... —começou a dizer Maxie.

Lou a interrompeu.

—Terá que levá-la a um hospital, Jason.

Ele assentiu, deu a volta e começou a andar para o carro, iluminando o caminho com sua lanterna.

—Os assentos de trás do Jipe são dobráveis — disse Jason —. Podem deitá-la aí. Eu dirijo.

—Sabe onde é o hospital mais próximo? — perguntou Maxie.

—Não tenho nem ideia.

—Havia um aviso a uns dez quilômetros, na estrada — disse Lou —. A saída anterior a Endover, lembra?

Maxie assentiu. Por fim chegaram ao edifício de tijolo, rodearam-no e se dirigiram para o estacionamento. Jason se adiantou para abrir o porta-malas do Jipe e baixar os assentos. Lou colocou Stormy no carro, com a mesma delicadeza como se fosse uma criança ferida.

—Pronto — disse Jason, sentando-se ao volante.

Lou lançou um olhar a Maxie, que ela interpretou imediatamente, e assim o indicou com um gesto.

—Eu vou com ela, Jason.

—Não há lugar...

—Pois terá que ter — respondeu ela em um tom que não admitia discussão, diante do que Jason reagiu virando-se e a olhando de um modo estranho —. É minha melhor amiga e vou ficar com ela, está claro?

—Certo, Maxie, não fique assim. Eu estou do seu lado.

—Sério?

Jason franziu o cenho, mas retirou o olhar. Esperou que ela se sentasse no banco do passageiro, de onde poderia virar-se, acariciar o cabelo e o rosto de sua amiga, falar com ela...

Lou ligou o fusca verde de Maxie e saiu primeiro, para mostrar o caminho.

Quando saíram de Endover, Maxie teve uma estranha sensação, como se fosse tirado um estranho peso de cima dela.

 

O vampiro os observava. Não tinha deixado de observá-los. Havia possuído o lobo para olhar por seus olhos e tinha permanecido na mente do animal enquanto este espreitava à misteriosa mulher porque desejava vê-la mais de perto e tocá-la. Mas não tinha conseguido nada com isso.

Exceto que falava seu mesmo idioma materno e que tinha defendido o lobo quando aquele homem, Lou Malone, tinha apontado a arma dele, e havia dito ao animal que, se vivia uma vida violenta, provavelmente terminaria morrendo de forma violenta. Era uma ameaça.

E logo tinha acariciado ao lobo e olhado firmemente nos olhos do lobo, que eram os olhos dele, e tinha sussurrado em seu idioma: “Não é tão negro como o pintam”.

Mas ela não tinha nem ideia.

E agora Jason Beck a levava, tirava-a de seu controle... fora da cidade que tinha submetida a sua vontade.

Aonde demônios acha que a estava levando? Jason deu um pulo no banco e girou o volante rapidamente, assustado ao escutar essa voz em sua mente. Até o momento tinha obedecido, tinha levado-as até ali. Toda a história de investigar, julgar Fieldner, estudar os mapas... não tinha sido mais que uma farsa. Beck seguia o guia e desempenhava seu papel. Fazia o que tinha que fazer para manter seus amigos ali tempo suficiente para acalmar o vampiro que tinha a sua irmã.

—Ao hospital — respondeu em voz alta, porque não sabia de que outra maneira responder a uma voz que retumbava em sua cabeça.

Certo, pensou o vampiro. Embora não dissesse nada mais...

A ruiva chamada Maxie o olhou surpresa.

—O que?

—A que distância Lou disse que estava o hospital? — replicou Beck rapidamente, para disfarçar, enquanto grossas gotas de suor percorriam seu corpo.

O vampiro sabia que detestava mentir para suas amigas, Maxie e, sobretudo, a que chamavam Stormy e cujo nome significava “Tempestade”. Eram unidos. O vampiro estava certo de que Lou Malone tinha tocado Beck e este sabia. O garoto dizia a si mesmo que tudo ia sair bem, que não permitiria que nada de mal acontecesse a suas amigas, que era capaz de resgatar sua irmã e de proteger a Stormy e Maxie.

Mas não era mais que um garoto enfrentando o homem mais poderoso com que se encontrara. Malone, ao contrário, podia ser um adversário mais perigoso. Beck não era mais que uma ferramenta e o vampiro o utilizaria da maneira mais conveniente para alcançar seu objetivo.

—Lou disse que a saída estava a uns dez quilômetros — respondeu Maxie.

Mas Jason não a escutou, porque o vampiro falava de novo e sua voz ressonava na cabeça do jovem como um milhão de sinos que repicassem com um eco ensurdecedor.

Não a leve ao hospital. Traga-a até mim.

—Por quê?

—Por que, o que, Jason? — perguntou Maxie.

Pobre idiota! Acaso se atreve a me questionar? Eu sou o que governa este lugar! Tenho a vida de sua própria irmã em minhas mãos e não duvidarei em acabar com ela de um só golpe. Faça o que eu digo!

—Não posso.

—Jason, com quem diabos está falando?

—Não estou sozinho — respondeu ele.

Maxie o bateu no ombro. Ele lutou para liberar seus pensamentos do influxo do vampiro e virou para Maxie.

—Isto é muito para mim. Primeiro minha irmã e agora Stormy. Mas pelo menos não estou sozinho — disse.

Ela o olhou com estranheza, observando-o com atenção, como se pensasse que talvez estivesse sofrendo uma crise nervosa. Ele mesmo se perguntava se era isso. Ouvia vozes em sua cabeça. Até que ponto isso podia ser real? Embora, por outro lado, também não era muito comum na Nova Inglaterra do século XXI ver lobos atacando pessoas.

Pensou, e não era a primeira vez que esse pensamento lhe passava pela cabeça, que talvez o melhor fosse justificar-se com Maxie e contar toda a verdade.

Nem pense em fazer isso, Jason Beck. Se o fizer, sua irmã pagará com sua vida.

Beck assentiu, admitindo para si mesmo que tinha que fazer o que essa voz dizia, embora implicasse pôr seus amigos em perigo. A vida de Delia estava em jogo e ele era seu irmão; tinha que cuidar dela, era sua obrigação.

Mas não tinha pensado que essa voz pudesse pedir Stormy. Stormy. Houve um tempo em que acreditou estar apaixonado por ela. Talvez ainda estivesse.

O vampiro escutava cada sussurro que atravessava a mente do rapaz, Apaixonado por ela? De modo que assim estavam as coisas.

O que aconteceu com a garota? Perguntou.

—Quem dera soubesse — disse Jason, e se voltou imediatamente para Maxie—. O que aconteceu com Stormy, quero dizer.

Maxie assentiu.

O vampiro sabia que se afastavam rapidamente para onde seu poder não podia alcançá-los. Podia detê-los, mas não seria necessário. Entrou na mente do Beck e sabia que voltaria; traria Stormy de novo, porque queria a sua irmã acima de tudo.

Leva-a ao hospital, então. Mas não deve ficar! Tem que trazê-la de volta a Endover antes da alvorada. Compreendeu?

—Sim — respondeu Jason —, compreendo.

Notou que sua mente se limpava. Abaixou a janela para pegar ar e sentiu a brisa fresca refrescando seu rosto.

Uns gemidos suaves na parte detrás do Jipe avisaram que Stormy começava a acordar.

 

Quando Lou deixou o carro no estacionamento do hospital, Stormy já estava acordada e discutindo. Não tinha dúvida de que discutia, pela forma como movia os lábios e a irada expressão em seu rosto à luz dos faróis, quando Maxie e Jason a tiraram do Jipe e a arrastaram para a entrada.

Não parecia muito feliz, mas Lou decidiu unir-se à festa de todo o jeito. Quando chegou até eles estavam trocando opiniões.

—Vamos, Stormy, seja razoável. É só uma consulta — disse Maxie.

—Se vir um maldito médico mais, vou terminar precisando de um psiquiatra.

Lou não pôde sorrir para isso. Ao vê-lo chegar, Stormy lhe lançou um olhar.

—Ei, não olhe para mim — protestou ele —. Eu só estou aqui de acompanhante.

—Meu Deus, Lou, muito obrigado — protestou Maxie —. Não se engane, Stormy. Foi ele que me convenceu a traze-la.

—Estou bem — disse Stormy, apertando a mandíbula.

—Certamente que sim — disse Lou—. Talvez não tenha absolutamente nada. Façamos uma coisa, se me disser o que significa o que disse no bosque, não terá que ver nenhum médico hoje, o que acha?

Ela elevou as sobrancelhas, mas logo achou algo suspeito e voltou a baixá-las.

—A que se refere? O que foi o que eu disse no bosque?

—Espera um segundo, anotei vindo para aqui — respondeu Lou, procurando em seus bolsos com ar inocente.

Deu-se conta de que Maxie o olhava com curiosidade. Talvez estivesse impressionada com seus métodos, embora não era para tanto. Lou se sentia aliviado do modo brusco em que Maxie tinha respondido a Beck antes de abandonar o centro de informação. Possivelmente não confiasse tão cegamente em seu velho amigo como ela mesma achava. Por fim encontrou o pedacinho de papel, uma fatura de um posto de gasolina em que tinha utilizado a parte de atrás.

—Tenho-o escrito foneticamente, claro — disse Lou, e pigarreou disposto a ler — Aí vai! Keen-ay sko-ah-tay sah-be-ah, de sah-be-ah va pi — ere-ai. Era algo assim, não? —disse olhando para Maxie.

—Era mais para: keen-eh sko-uh-tay — disse ela —. Mas, além disso, acertou na mosca. Bem, quebrou um pouco, mas captou a essência.

Os olhos de Maxie se cruzaram com os seus rapidamente e viu neles agradecimento e ironia, junto com o carinho que acostumava encontrar sempre.

Ultimamente tinha sentido falta disso, desde a recente mudança de atitude dela. Não sabia o que faria se estragasse sua estranha amizade com Maxie. Temia tê-la quebrado irremediavelmente, mas o olhar que acabavam de trocar deu esperanças a ele que talvez sua amizade pudesse ser salva.

Maxie virou para Stormy que olhava a ambos com receio.

Lou pensou que os quatro, agrupados no estacionamento de um hospital, dizendo coisas incompreensíveis embaixo da luz dos faróis, deviam formar um quadro bastante chamativo.

—Do que estão falando? — perguntou Stormy — Quando eu falei algo assim?

—Disse isso e mais. Mas anotei no escuro — respondeu Lou —. Não acredito que valha a pena que repita o resto. Foi quando o lobo te encurralou contra a árvore.

—Lobo? Havia um lobo?

—Na verdade, Lou, ela não disse nada disso até que você apontou sua pistola ao lobo — esclareceu Maxie —. Quase me deu a impressão de que o estava protegendo, dizendo que não disparasse nele.

—Estão inventando — protestou Stormy.

Maxie se aproximou dela com expressão séria e preocupada.

—Olhe sua blusa, Stormy.

Stormy baixou o olhar e viu uns pequenos rasgões no tecido de sua camisa e o nítido rastro de uma pata sobre seu peito. Franziu a testa e seus lábios começaram a tremer.

—Meu Deus!

—Estendeu a mão e acariciou o lobo — disse Maxie —. Foi a coisa mais incrível que vi em minha vida. Acariciou-o e ele deixou de grunhir. Ficou de quatro e foi embora.

Os olhos de Stormy, cheios de lágrimas, procuraram os de Maxie.

—Por que não me lembro?

—Não sei, querida. Não sei. Por isso estamos aqui, para investigar — disse Maxie, e abraçou sua amiga durante alguns segundos —. Mas tudo vai acabar bem. Estamos aqui para ajudar.

Stormy se levantou, embora a atitude desafiante já tivesse desaparecido de seu rosto. Agora em seus olhos azuis reinava um medo profundo. Medo e confusão.

—Pergunto-me que idioma seria — disse Maxie, quando entravam pela porta da Emergência.

Lou se encolheu de ombros.

—Não acredito que seja nenhum idioma real, só balbuciava sons. Stormy fala algum idioma estrangeiro?

—Não — respondeu Maxie.

—Não é certo — respondeu Stormy, com um ligeiro toque de humor em seu tom —. Falo espanhol.

Todos sabiam que seu nível de espanhol era, se muito, lamentável.

—Isso era espanhol, Stormy? — perguntou Maxie.

Suspirando, Stormy baixou a cabeça.

—Não. Nunca tinha ouvido nada parecido. E não me lembro de ter dito, também não me lembro do lobo. Minha mãe, como é possível que não me lembre do lobo? Parece incrível.

Maxie assentiu.

—Desmaiou imediatamente depois e esteve inconsciente quase todo o caminho. Isso deve ter desorientado você.

—Só vai fazer um exame, certo, Stormy? — disse Lou —. Por seu próprio bem e para ficarmos tranqüilos.

—Concordo com eles — acrescentou Jason —. É lógico comprovar que não se produziram danos colaterais como resultado da bala ou do coma. Um coágulo, uma hemorragia, ou o que seja.

Ela fechou os olhos e assentiu.

—Certo. Já que estamos aqui, não custa nada. Farei umas radiografias e direi que enviem os resultados a meu médico de White Plains, se for o caso, certo? Com isso me deixarão em paz?

—Claro que sim — respondeu Lou. Adiantou-se e abriu uma das portas duplas, que sustentou enquanto entravam Stormy e Maxie, seguidas de Jason.

No hospital não havia muito movimento. Depois de cinco minutos na sala de espera, levaram Stormy a uma sala, enquanto Maxie ficava preenchendo formulários. Acabava de completar o último quando Jason apareceu com três cafés. Ofereceu um a Lou e outro a Maxie.

Maxie tomou e o olhou nos olhos.

—Desculpe pelo modo como respondi antes. Estava alterada, não foi nada de mais.

—Entendo. Eu também estive bastante alterado nos últimos dois dias. Já está esquecido, tudo bem?

Agarrou a sua mão e a apertou.

— Tudo bem.

Lou tentou fingir que sua careta de desgosto se devia à qualidade do café, embora, para que fosse assim, teria que tê-lo provado antes.

Duas horas depois, Stormy apareceu com um sorriso forçado e um atestado médico que dizia que estava perfeitamente bem. Maxie pareceu aliviada, embora não surpresa, e Lou não podia acreditar.

Enquanto se dirigiam para o estacionamento, Maxie se aproximou dele.

—Disse que não era físico — sussurrou.

—Não pode estar completamente certa disso. Pelo menos não até que seu médico de White Plains revise os resultados.

Maxie encolheu de ombros.

—Essa frase que ela disse no bosque. A que anotou. Ainda tem?

—Sim, por quê? —respondeu ele, olhando-a desconfiado.

—Pode me dar isso?

Ele tirou o pedaço de papel de seu bolso. Maxie o agarrou e o colocou no seu, ao mesmo tempo em que lançava um olhar furtivo a Jason e Stormy, que caminhavam na frente deles.

—O que está tramando, Maxie? — perguntou Lou.

—Vou tentar que me traduzam isso.

—Não são mais que sons inarticulados — disse ele sacudindo a cabeça.

—Talvez. Mas e se não for assim?

—Que outra coisa pode ser? Você mesma disse, Maxie. Stormy não fala nenhum idioma estrangeiro. Seu espanhol do colégio é de dar risada. Não pode ter começado a dizer frases em um idioma que não conhece. É impossível.

Ela o olhou nos olhos e sacudiu a cabeça lentamente.

—Lou, a estas alturas, ainda não compreendeu que tudo é possível?

 

O celular de Maxie começou a tocar quando se dirigiam aos carros.

Procurou em sua bolsa com gesto contrariado.

—O que acha? Já temos sinal. Nem me lembrava de que estava ligado — disse: apertou um botão e aproximou o aparelho da orelha —. Maxie Stuart.

Lou pensou que seu tom era formal e eficiente. Se a pessoa do outro lado do telefone não a tivesse visto nunca, não podia imaginar que estava falando com um turbilhão impulsivo, com uma pessoa de imaginação transbordante,

Stormy e Jason pararam e se voltaram para Maxie.

—Parece que já temos sinal, não é? — disse Jason, enquanto Maxie tampava a orelha que estava livre e se inclinava sobre o telefone, como se não ouvisse muito bem.

—Talvez o sinal só se perde completamente em Endover — disse Stormy. Lançou a Lou um olhar que o fez deduzir que ela também estava começando a afeiçoar-se às teorias conspirativas de Maxie. Estava claro que cedo ou tarde tinha que acontecer.

—É necessário que retorne, agente Gray? — perguntou Maxie, ainda ao telefone.

Lou a olhou com ar preocupado.

—O que aconteceu, Max?

Ela elevou a mão para que esperasse.

—Muito bem, muito obrigado. Sim, passarei quanto antes possível.

Desligou o telefone e voltou a guardá-lo na bolsa.

—Roubaram minha casa — disse, olhando para Lou.

Lou resmungou um palavrão entre dentes.

—Tenho certeza que alguém viu que estava se mudando e entrou para ver se tinha deixado algo de valor — disse ele.

—Não, não foi essa casa. A casa de Maine, a mansão. O alarme que Morgan tinha instalado disparou, avisou à polícia de Easton e o agente Sandy Gray foi investigar. Forçaram a porta principal, quebrando o lindo vidro oval, e verificaram toda a casa. Levaram o computador e ainda não sabem o que mais. Querem que retorne para fazer um inventário o quanto antes possível.

Lou franziu o cenho, enquanto milhares de perguntas passavam pela sua cabeça.

—Por que alguém ia querer roubar seu computador, Max?

Ela se encolheu de ombros.

—Não sei. Para vendê-lo, imagino.

—Menos mal que trouxe o laptop — disse Stormy —. Não se preocupe, Maxie, temos cópias de tudo o que havia no disco rígido.

—Me passe o telefone — disse Lou, estendendo a mão.

Maxie o deu, ele procurou no menu de chamadas recebidas para localizar o número e ligou de novo.

—Polícia de Easton. Agente Gray na escuta.

Lou se apresentou como membro do corpo de polícia e amigo de Maxie e começou a interrogar o policial. Quando desligou o telefone, já tinha muito mais informações sobre o roubo.

—Gray disse que não tocaram na televisão, no vídeo nem nas jóias — disse Lou —. Também deixaram o monitor do computador, a impressora, o escaner e todo o resto. Só levaram a CPU. O roubo aconteceu na primeira hora da tarde. Estiveram ligando pro seu celular a cada duas horas para nos comunicar isso, tiraram o número dos cartões de visita. Também me disse que os arquivos estavam remexidos, espalhados pelo chão. Quem fez isso, procurava algo muito específico. Algo que acreditava que poderia encontrar em seus arquivos.

Maxie franziu o cenho.

—Bom, não é que tenha nenhuma informação secreta nos arquivos, exceto...

Ela mesma se interrompeu ao se dar conta, e arregalou os olhos.

—Os arquivos do DIP — disse ela —. O CD que roubei há cinco anos em White Plains entre as cinzas do que tinham batizado como laboratório de investigação. Continha os arquivos de centenas de vampiros.

—Nunca chegamos a copiá-lo no disco rígido — disse Stormy.

—Não, mas tinha cópias de segurança em alguma das caixas da mudança. Não tive tempo de colocar no cofre. Apenas tivemos tempo de desfazer as malas. E se alguém as levou?

—Acha que pode ter sido Frank Stiles, o bastardo que atirou em mim e tentou matar Dante? — perguntou Stormy.

Jason olhava de uma para a outra, com os olhos arregalados.

—Um momento, um momento. Arquivos de vampiros? DIP? Quem diabos é Frank Stiles?

Maxie suspirou e baixou a cabeça. Lou detectou preocupação e arrependimento em seus olhos. Entendia-a muito bem. Se esses detalhes a respeito dos mortos vivos caíam em mãos erradas, muitos vampiros inocentes poderiam morrer.

Vampiros inocentes. Teria que reconhecer que, desde que Maxie tinha aparecido, sua vida se tornou muito surrealista.

—Voltemos para o motel — disse Maxie —. Lou, você leva Stormy; eu irei com Jason. Tenho que pô-lo a par.

Lou assentiu.

—Por mim, tudo bem.

Aproximou-se dela e colocou um braço pela sua cintura para atraí-la para si. Não pensava em outra maneira de aproximar-se o suficiente para precavê-la. Inclinou a cabeça até roçar seus lábios e sussurrou:

—Tome cuidado com o que diz. Não confio nele.

—Maldito seja! — sussurrou ela a sua vez —. E eu que pensava que só queria me abraçar!

Ao dizer isso, seus lábios estavam tão perto do pescoço de Lou, que roçaram sua pele, acariciando-a com seu morno fôlego. Lou sentiu como alterava o pulso e o sangue queimava nas veias. Claro que queria abraçá-la! Que diabos tinha isso de errado?

—Não quero deixar este caso para ir resolver o do roubo, Lou — sussurrou Maxie, mudando de assunto.

Olhou seu rosto e viu seus enormes olhos verdes cheios de sinceridade e de frustração. Suas bochechas perfeitas, arredondadas, que sempre pareciam estar pedindo uma carícia, um beijo. Lou demorou a se dar conta que seu braço continuava agarrando-a pela cintura. Gostava de fazê-lo, o corpo de Maxie encaixava perfeitamente em seu abraço.

Com muito pesar, deixou cair o braço a um lado.

—Não tem por que voltar. Chame Lídia. Estará encantada de pegar o carro e plantar-se lá para tomar conta de tudo até que possamos retornar. Diga onde deixou os CDs para que verifique se continuam lá.

Ela baixou o olhar.

—Não sei, acho que é pedir muito a ela.

Ele assentiu.

—Olhe, já sei que a conheceu recentemente, mas é sua mãe biológica, Maxie, e te ama loucamente. Além disso, é uma boa amiga minha há anos. Acredite em mim, isto não seria abusar de sua recente relação com ela — disse Lou —. Às vezes penso que se mudaria para Maine, para estar mais perto, se você pedisse — acrescentou, encolhendo-se de ombros.

—Sério?

Ele assentiu.

—Ama você, Maxie.

A jovem assentiu lentamente.

—A não ser que chame Morgan e interrompa em plena lua de mel, suponho que não há mais ninguém a quem possa pedir.

—Ligarei para ela no caminho, antes que fiquemos de novo sem sinal.

—Obrigado, Lou. Você sempre sabe o que deve ser feito — disse ela.

Jogou os braços ao redor do seu pescoço e roçou a mandíbula dele com os lábios, com seu corpo grudado ao dele. Soltou-se e saiu apressadamente para o jipe de Jason.

Ele a observou afastar-se e se perguntou por que se sentia tão confuso em relação a ela. Pelo menos já não parecia estar zangada com ele. Mas quando acreditava que sua amizade estava a salvo, de repente ela dava um passo a mais, que o excitava de um modo incrível.

Virou-se e se dirigiu para o fusca. Stormy o alcançou antes que chegasse ao carro.

—Parece que por fim o está conquistando, não é?

—Quem?

—Maxie. Esse abraço que acaba de dar nela antes que partisse...

Stormy parou, provavelmente porque viu o gesto envergonhado de Lou. Só a tinha abraçado para poder sussurrar uma advertência em seu ouvido sem que Jason Beck escutasse. O rápido beijo que ela tinha dado em troca devia ser sua forma de agradecer

—Não me diga — disse Stormy — Não era um abraço de verdade.

—Exato.

Embora ele não pretendesse que o fosse, o certo era que tinha parecido muito real. Muito real.

—Não brinque com ela, Lou. A menos que seja sincero. Maxie não conseguiria suportar.

Ele olhou Stormy com o cenho franzido, mas ela se limitou a virar e abrir a porta para entrar no carro. De que demônios estava falando? Maxie era a mulher mais forte que tinha conhecido em sua vida. Não pensava em nada que não fosse capaz de suportar. Além disso, já tinha deixado de tentar seduzi-lo, apesar da pequena farsa há pouco. Simplesmente, Maxie estava feliz de que ele estivesse ali, e Lou entendia, porque o sentimento era mútuo. Nada mais.

Uma pequena voz em seu interior o lembrou que tinha começado a perguntar-se se não haveria algo mais. Desde que Maxie tinha declarado veementemente que nunca o tinha considerado muito velho nem acabado para responder a suas provocações, tinha começado a duvidar; e se não se tratava de meras provocações? E se fosse a sério?

Caramba! Não podia enfrentar essa possibilidade, porque não sabia como fazê-lo. A verdade era que tinha medo dela. Quem poderia dizer isso, um policial veterano, que tinha visto de tudo em sua vida, assustado com um lindo e atrevido duende como Maxie.

Bem, já tinha visto coisas mais estranhas.

 

Maxie ainda sentia o calor do abraço de Lou na pele e a decepção de saber que não tinha significado absolutamente nada para ele. Não é que ela tivesse pensado que podia significar algo... bem, talvez tivesse pensado rapidamente... quando a atraiu com força para ele, e seu coração disparou como um cavalo a galope.

Se fechasse os olhos ainda podia senti-lo abraçando-a contra seu corpo, fortemente, com firmeza, como se...

—Então o laboratório de investigação de White Plains não era realmente um laboratório de investigação — disse Jason —. Foi tudo que consegui entender.

A voz de Jason a fez sair do êxtase no qual estava e a obrigou a dar-lhe atenção.

—Na verdade, era. Só que não investigavam sobre o câncer. Era o quartel general de uma organização do governo chamada Divisão de Investigações Paranormais.

—DIP — disse ele, assentindo com a cabeça —. E se dedicavam a investigar a respeito de... vampiros?

Ela assentiu.

—Parece uma loucura, mas não é. É verdade, Jason. Quando Stormy, você e eu fomos dar uma olhada, depois do incêndio, encontrei um CD. Estava cheio de informação e continha o histórico de centenas de vampiros. Qual era sua idade, quem os tinha transformado, quando tinham sido vistos pela última vez. Alguns estavam presos nesse lugar, para utilizá-los como cobaias em seus estudos. — Ele sacudiu a cabeça.

—Quando recebi seu folheto e vi que investigavam casos sobrenaturais, pensei... diabos, não sei o que pensei. Suponho que em adolescentes sinistros que se disfarçavam e bebiam sangue para se divertir. Talvez acompanhado de alguma busca por espíritos — disse, e lançou um olhar perspicaz —. Mas isto não pode ser verdade, Maxie. Quero dizer... vampiros?

—Vi-os, estive com eles. Maldito seja, alguns são amigos meus — não disse que um deles era sua irmã.

Queria confiar nele, mas não bastava querer fazê-lo, e sabia que Lou tinha razão ao aconselhá-la que fosse precavida.

—É difícil de acreditar. Como... como são?

Ela o olhou, pois detectava que sua pergunta ocultava algo.

—Suponho que como nós. Alguns são bons, outros são maus, alguns estão completamente loucos...

Ele umedeceu os lábios.

—Mas, na verdade, não são exatamente como nós. Quero dizer, são diferentes fisicamente, não é?

Ela inclinou a cabeça.

—Não podem sair à luz do dia, e precisam de sangue para sobreviver.

—Que aspecto têm?

Ela o olhou fixamente.

—Por quê? Acha que viu um?

Ele começou a rir com nervosismo.

—Que absurdo! Mas eu gostaria de saber para o caso de me encontrar com um alguma vez.

Maxie se encolheu de ombros.

—São mais pálidos que nós. De resto, não há grandes diferenças. — Ele assentiu.

—E sobre seus... poderes?

—A que se refere?

De repente começou a sentir-se incômoda falando com ele sobre tudo isso.

—Já sabe, o que se vê nos filmes. Converter-se em morcegos ou falar com a gente através da mente — disse Jason, olhando a de esguelha —. É verdade?

Ela assentiu lentamente com a cabeça.

—Dominam a telepatia. Também ouvi falar de transformações, mas nunca vi com meus próprios olhos.

—Incrível! — Disse ele, sacudindo a cabeça lentamente —. E como pode matá-los?

Maxie teve que conter uma exclamação. Não sabia o que dizer, e enquanto ela procurava em sua cabeça uma resposta adequada, ele continuou fazendo perguntas.

—Crucifixos? Uma estaca de madeira?

—Nunca... surgiu essa questão — respondeu ela.

—Acha que...? — Ele se interrompeu na metade da frase —. Não, não pode ser.

—Se acredito que o que acontece nesta cidade está relacionado com os mortos vivos? Era isso que iria me perguntar, verdade, Jason?

Ele mordeu o lábio e assentiu.

—Não sei. Pensava que não, mas agora... demônios! Quem entrou na minha casa ia atrás desses arquivos. Pelo menos isso é o que diz meu instinto. E se sabiam que não estava em casa, pode ser que soubessem que estava aqui — disse Maxie. Fez uma pausa, tomou ar e decidiu continuar —. Talvez pudesse resolver isto, Jason, se me contasse a verdade.

Ele virou imediatamente a cabeça para ela.

—O que quer dizer?

—Por que me faz todas estas perguntas sobre vampiros? Tem algum motivo para pensar que há um vampiro envolvido em tudo isto?

—Não. É obvio que não. Só sentia curiosidade. Caramba, Max! Não falo todos os dias com uma pessoa que diz ter tido um contato direto com uma criatura assim.

Ela suspirou.

—Acredito que está ocultando algo, Jason. Acredito que sabe mais do que diz.

Ele voltou a fixar a vista à frente e sua mandíbula ficou tensa.

—Disse tudo o que sei.

—Incluindo como ficou com essas contusões?

Ele ficou em silêncio.

—Não foi uma queda. Isso foi uma surra, Jason. Alguém te atacou.

Ele mordeu os lábios nervosamente, tentando com todas suas forças parecer tranqüilo.

—Certo. Estava exausto. Fui a um bar perguntar se alguém tinha visto Delia e tomei algumas doses a mais. Terminei metido em uma briga. Não foi nada.

—Então, por que mentiu?

—Deram-me uma surra, estava envergonhado, certo?

—Isso é tudo? Não há nada mais?

—Nada mais.

—O chefe de polícia Fieldner tinha os nódulos em carne viva, Jason. Como explica?

Lançou um olhar fugaz, e respondeu sem perder um segundo.

—Apareceu para deter a briga e repartiu um par de murros. Isso é tudo.

Ela suspirou. Estava certa de que não tiraria nada mais dele e confiou que era porque não havia nada mais para tirar.

Jason pigarreou.

—É forte, Maxie.

—Quem? — perguntou ela, surpresa —. Fieldner?

Ele assentiu.

—Parece um espantalho esquálido, mas é muito forte. Quase... anormalmente forte.

Isso era uma advertência, não podia ser outra coisa.

—Não esquecerei — disse ela.

—Dê uma olhada no celular — disse ele —. Veja se tem sinal. Estamos próximos de Endover.

Ela pegou o telefone.

—Três barras — observou Maxie. De repente viu como o sinal sumia pouco a pouco —. Duas. Uma. Nada. Maldito seja.

—O motel está a uns dois quilômetros. Pelo menos agora sabemos até onde temos que chegar para ter sinal.

Maxie se deu conta de que ele tinha mudado de assunto e se perguntou se teria feito deliberadamente.

—Colocarei para recarregar esta noite, por precaução — disse.

Ele assentiu.

—E agora o que fazemos?

—Investigar — respondeu a jovem —. Quero saber se alguma vez aconteceu algo parecido na cidade. Talvez o desaparecimento de garotas não seja um fato incomum em Endover, New Hampshire.

 

Era perto de meia-noite quando alguém bateu na porta de Maxie. Ela acordou assustada, com o coração apertado. A primeira coisa que fez foi olhar o relógio. Seu coração começou a pulsar apressadamente e um suor frio percorreu seu corpo. Então ouviu Lou do outro lado da porta.

—Abre, Maxie, sou eu.

Suspirou aliviada, acendeu a luz e saiu da cama. Ao chegar à porta, tirou o fecho e quando a abriu, Lou não pôde evitar olhá-la de cima abaixo. Ela sorriu para si mesma, contente de não ter posto nada mais que uma minúscula camiseta que apenas lhe chegava à cintura e calcinha.

—Quer colocar um roupão ou algo?

—Não trouxe roupão ou algo.

Ele fechou os olhos, como se esse fosse o único modo de deixar de olhá-la, e quando voltou a abri-los e entrou no quarto, seu olhar foi direto para a cama vazia que havia do outro lado.

—Onde está Stormy?

—O casal que estava no quarto ao lado se foi enquanto estávamos fora e Stormy se mudou pra lá. Disse que precisa de espaço — explicou Maxie, que suspeitava que o verdadeiro motivo de sua mudança era deixar espaço para ela... se por acaso as coisas se animavam com Lou. Mas isso não ia dizer a ele.

—Preocupa-me saber que está sozinha.

—A mim também — disse Maxie, e a seguir apontou para uma porta que havia em uma parede —. Há uma porta que comunica os dois quartos. Disse que não trancasse para poder dar uma olhada de vez em quando. Mas a porta não está nem sequer totalmente fechada, assim posso ouvi-la. Está bem.

Lou fez um gesto de aprovação.

—Ótimo.

—O que aconteceu?

—Ponha calças, Maxie.

Ela elevou a vista ao céu, em um gesto de desespero.

—Meu Deus, não acredito que a nenhum homem seja tão desagradável a visão de uma mulher meio nua como a você.

—Quem disse que me parece desagradável? — replicou ele —. Vamos dar um passeio e lá fora faz frio.

Ela franziu o cenho, mas se encolheu de ombros e se dirigiu para uma mala aberta que havia sobre a cômoda. Tirou uns jeans e colocou. Deu-se conta de que Lou não se virou enquanto ela se vestia. Bom! Isso já era um progresso, não? Subiu as calças lentamente, não tanto para que parecesse intencional, mas o bastante para excitá-lo... ou ao menos isso esperava. Provocá-lo desse modo era cruel, mas os velhos costumes são difíceis de superar.

Subiu o zíper, fechou o botão e colocou os chinelos.

—Pronto.

—Leve um casaco — disse ele.

—Não. Eu gosto de sentir o ar da noite na pele.

Ele suspirou, mas não disse nada, simplesmente ficou esperando-a junto à porta aberta.

—Aonde vamos?

—Lá fora.

Cruzaram o estacionamento, dirigindo-se para o lugar onde a grama se encontrava com o asfalto. Ali havia um par de mesas de piquenique e Lou foi direto para uma delas, tirou algo do bolso e o deixou sobre a superfície de madeira manchada.

Maxie se sentou sobre a mesa e agarrou o pequeno objeto.

—O que é isto?

—Um microfone oculto.

Maxie o olhou.

—Encontrei-o instalado no telefone de meu quarto. Aposto o que quiser que em seu quarto também tem um.

—Meu deus! — disse ela; observou o pequeno botão eletrônico. Logo olhou para Lou —. Continua...?

—Não. Está desativado. Mas, em minha opinião, estava funcionando até que o encontrei.

—Minha mãe, Lou, como pensou em olhar?

Ele sacudiu a cabeça.

—Não podia deixar de pensar no som que ouvimos na linha telefônica, quando Jason nos ligou do telefone de seu quarto. Soava como se houvesse alguém escutando de outro aparelho, mas... Não sei, com o tempo desenvolvi uma espécie de instinto para estas coisas. Algo me dizia que devia olhar, então olhei — disse, encolhendo-se de ombros —. Temos que voltar e olhar no seu quarto. E também no de Stormy e Jason.

Ela suspirou e assentiu.

—Certo.

—O que foi?

—Não é nada — disse Maxie; levantou a vista e encontrou seus olhos.

—Sim é. Este lugar a está afetando. Esta cidade, o desaparecimento das garotas, a inquietante sensação que envolve este maldito lugar.

Ela o olhou nos olhos.

—Você também sente?

—Sim. É como se caminhasse dentro de uma nuvem de clorofórmio ou algo parecido.

Maxie assentiu com veemência.

—É como se meus sentidos se nublassem às vezes. Sinto-me lenta, pesada... Parece que melhora quando saímos de Endover, mas reaparece assim que voltamos. É algo muito sutil.

—Talvez devêssemos realizar uma investigação um pouco mais exaustiva. Ver se houve algum caso de contaminação química na área, alguma fuga de radiação, de gás natural... do que seja.

—Se fosse gás natural, sentiríamos o cheiro, não?

—Não acredito.

—Eu sim. E a radiação demoraria anos para produzir efeitos.

—Eu não gosto — insistiu ele —. O que acha se amanhã nos afastássemos alguns quilômetros de Endover e procurássemos outro lugar onde nos alojar?

—Não sei. Sinto que devemos ficar aqui, sabe?

—Bem, pense sobre isso pelo menos.

—Certo — disse Maxie, levantando-se da mesa. Pegou o microfone e começou a caminhar para o motel.

Lou a alcançou em seguida.

—Tinha razão antes — disse ela —. Acontece algo comigo, mas não se trata desta cidade, nem deste caso. Não é o ar de Endover.

Continuou caminhando até chegar à porta de seu quarto, onde se deteve para olhar Lou.

—Noto em seus olhos que já sabe o que vou dizer... e está desejando que não o faça.

Ele a olhou uns segundos.

—Prometeu-me que não iria continuar com suas histórias, Maxie.

—Bom, a verdade é que não me deixou isso nada fácil, me agarrando em seus braços esta noite no hospital, como se planejasse algum tipo de truque — disse ela, e tentou detectar alguma reação em seus olhos —. Em um momento de loucura cheguei a pensar que era verdade, que fosse me beijar.

Ele baixou o olhar, evitando enfrentar a intensidade do olhar de Maxie. Não tinha sido sua intenção, mas tinha feito que se zangasse.

—E agora mesmo, quando veio ao meu quarto...

—Por Deus, Maxie, deixe disso já! Estamos trabalhando juntos em um caso. Mesmo se alguma coisa... Este não é o momento.

Ela assentiu.

—Sei que tem razão, Lou, mas se quiser que cumpra minha parte do trato, o mínimo que pode fazer é deixar de brincar comigo dessa forma.

—Brincar com você...?

—Quase me dá a impressão de que se diverte me lançando o anzol para ver se sigo saltando por ele.

Virou-se com um suspiro e colocou a chave na fechadura.

As mãos do Lou descansaram em seus ombros; virou-a para ele.

—Maxie, eu nunca..., por favor, não pense que é isso que estou fazendo. Que demônios! Nunca me teria ocorrido que...

Interrompeu-se e acariciou seu cabelo, renunciando a tentativa de expressar sua confusão.

—Já sei. Você nunca pensou que pudesse me ferir. Porque jamais levou a sério meus sentimentos.

—Maxie, não lhe faria mal por nada no mundo.

Parecia sincero e talvez o fosse. Maxie girou a chave e abriu a porta.

—Mas o tem feito. E meus sentimentos são sérios. Se quiser que guarde isso, perfeito. Disse que o faria, e o farei. Mas você também tem que cumprir sua parte do trato.

Ele assentiu.

—Sinto muito. Sério, Maxie, sinto muito. Não..., não voltará a acontecer. Prometo isso. Não haverá mais abraços nem mais visitas noturnas, certo?

Ela suspirou profundamente. Não haveria mais abraços. Essa era a última coisa que queria ouvi-lo dizer.

—Simplesmente não me abrace se não o sente — disse ela —. E, até fechar este caso, suponho que terá que aparecer em minha porta no meio da noite por motivos que não têm nada a ver com você em minha cama, então, será melhor não descartar as visitas noturnas — acrescentou, encolhendo-se de ombros—. E mais, também não descartemos a motivação alternativa.

Lançou-lhe um sorriso por cima do ombro e entrou em seu quarto.

Lou parecia aliviado. Talvez não estivesse brincando com seus sentimentos depois de tudo. Como ia fazer isso? Afinal, nunca tinha acreditado que ela sentisse nada sério por ele. Sempre tinha considerado que seu comportamento se devia a ser uma garota provocadora, sem dar-se conta de que não paquerava com ninguém mais além dele.

Ele entrou no quarto de Maxie, aproximou-se da mesinha e pegou o telefone. Retirou o microfone e extraiu outro aparelho de escuta do matagal de cabos de cores.

Ela abriu a boca para dizer algo, mas Lou levou um dedo aos lábios. Tirou a parte de trás do minúsculo microfone com forma de botão, fez algo em seu interior e voltou a pôr a tampa.

—Já podemos falar tranqüilos. A não ser que haja outros.

Ela olhou ao redor, sentindo-se de repente exposta, observada, como se milhares de olhos a estivessem vigiando. Esfregou os braços para afugentar o calafrio que esse pensamento provocou.

—Não vou conseguir dormir neste quarto.

—Sim conseguirá — disse Lou, e depois começou a procurar.

Começou por uma parede e comprovou cada superfície, cada rodapé, as cortinas e as barras que as sujeitavam, o marco da janela... Seguiu percorrendo todo o quarto, passando inclusive as mãos sobre o carpete para comprovar se havia algum volume, e usou uma navalha como chave de fenda para tirar os parafusos das tomadas e dos interruptores e poder olhar atrás. Revisou os armários, tirou as gavetas da penteadeira e desmontou o rádio-despertador. Olhou o banheiro, as torneiras e luminárias. Deixou a cama para o final, desfez-a completamente e tirou o colchão para ver pelo outro lado, antes de olhar debaixo da cama.

Por fim, assentiu, satisfeito.

—Não há mais. O único microfone era o do telefone. Seu quarto está em ordem.

—Se você diz... — replicou ela, de pé no meio do quarto, com os braços na cintura, olhando a confusão que tinha feito.

Lou voltou a pôr o colchão em seu lugar, então fez a cama. Maxie recolheu as gavetas e as colocou em seu lugar.

—E os outros quartos?

—Revistaremos amanhã. Não tem sentido despertar todo mundo.

—Como é possível que alguém soubesse que vínhamos, Lou? E mais, os quartos em que nos alojaríamos?

Ele sacudiu a cabeça.

—Se o telefone do Jason está grampeado e ele nos ligou dele, então alguém... quem quer que o estivesse escutando, sabia que vínhamos para cá. Mas, para começar, por que foram grampear seu telefone?

Maxie franziu o cenho.

—Pode ser que todos os quartos do motel estejam grampeados — disse elevando as sobrancelhas —. E aqui não funcionam celulares. Talvez seja uma coincidência, Lou. E talvez não se trate de nós... pode ser que alguém vigie de perto todos que visitam esta cidade.

Lou entreabriu os olhos, pensativo, mas logo negou com a cabeça.

—Isso não tem nenhum sentido, Maxie.

—Para você nada disto tem sentido, Lou — disse ela, sacudindo lentamente a cabeça —. Vou dormir. Ou venha comigo ou vá para seu quarto.

Lançou um olhar severo.

Maxie se encolheu de ombros e sorriu envergonhada.

—Sinto muito. É a força do hábito.

Ele suspirou e começou a caminhar para a porta. Maxie o interrompeu.

—Lou.

—Sim? —respondeu ele, já com o trinco na mão.

—O que aconteceu entre sua mulher e você?

Lou ficou imóvel. Elevou a cabeça e se voltou para ela muito devagar.

—Acreditava que já lhe tinha contado isso, não?

—Disse-me que foi um marido péssimo, que é como não dizer nada.

Ele suspirou e baixou a cabeça.

—Bem, talvez seja melhor ouvi-lo. Possivelmente isso lhe... — interrompeu-se na metade da frase, voltou a elevar a cabeça, olhou-a nos olhos e se aproximou dela atravessando lentamente o quarto.

Maxie pensou que ia falar com ela de verdade, que ia justificar-se enfim. Pelo menos isso esperava. Subiu de um salto à cama que tão primorosamente tinha feito Lou, apoiou as costas no travesseiro, dobrou as pernas e deu uns tapinhas a seu lado, convidando Lou a sentar-se.

Ele não opôs nenhuma resistência. Sentou-se, mas na ponta da cama, isso sim, e com os pés tocando o chão.

—Tivemos um filho, sabe?

Maxie ficou paralisada.

—Um menino.

—Minha mãe, Lou! Como pôde esconder isso em todo o tempo que nos conhecemos?

Ele se encolheu de ombros. Estava sentado de costas para ela, e Maxie tinha vontade de que se virasse, de ver seu rosto.

—Não é algo que eu goste de falar. Ele, uh..., esteve conosco só três anos.

 

O coração do Maxie tombou. Deslizou-se pela cama até sentar junto dele, com as pernas ainda cruzadas debaixo de seu corpo, e pôs uma mão no seu ombro.

—Morreu?

Lou assentiu.

—Leucemia.

—Oh, meu Deus!

Ele moveu a cabeça.

—Não pude dar conta da situação. Não podia ajudar ninguém, nem a minha mulher, nem a mim mesmo. Me joguei no trabalho e ela desabou. Queria ter outro filho, mas eu não podia suportar a ideia de que pudéssemos passar de novo pelo que passamos com Jimmy. Então, ela encontrou outro. Isso é tudo.

—Isso é tudo? — disse Maxie, que estava totalmente comovida. Santo céu! Não tinha nem ideia, e se ela se sentia tão afetada só de escutar, como Lou se sentiria? —. Isso é tudo? Não acredito.

—Pois é assim. Não há nada mais para contar.

—Faz quanto tempo que aconteceu isso?

—Jimmy faria quinze anos este ano — disse Lou.

Ela fechou os olhos.

—Sinto muito. Sinto muito.

—Já sei que sente, Maxie. Não tem problema. Faz muito tempo.    

—Não, claro que tem. Algo assim deixa marcado para sempre. Não me estranha que seja... como é.

Ele a olhou de esguelha.

—E como sou?

Maxie não podia tirar os olhos do rosto dele. Desejava com todas suas forças abraçá-lo, consolá-lo, apagar a tristeza antiga e profunda que escurecia seu olhar. Mas não podia fazê-lo, porque ele não o permitiria.

—É... solitário e se protege se escondendo em sua carapaça. Nunca se aproxima muito, nem aprofunda muito. Às vezes tenho a impressão de que sua parte mais autêntica está guardada em algum canto em seu interior. E agora já sei por que.

Ele mordeu os lábios, como se refletisse as palavras dela, mas as descartou negando com a cabeça.

—Sou o que sou. Não há escuros nós psicológicos que desvendar. Não há nada oculto nem guardado. É como se estivesse tão queimado que todo meu ser se curtiu, como o couro — disse encolhendo-se de ombros —. É uma boa maneira de ser.

—Imagino. Nada pode danificar o couro.

Ele esboçou um sorriso. Maxie aproximou sua mão do rosto dele, e o acariciou, olhando-o nos olhos.

—Sinto muito que perdeu seu filho, Lou. Tenho certeza de que foi um pai maravilhoso.

Ele ficou em pé bruscamente.

—Vá dormir, Maxie. Tem que descansar. Temos muito que fazer amanhã.

Ela assentiu.

—Boa noite, Lou.

—Boa noite. Tranque a porta quando eu sair.

Lou saiu do quarto.

Maxie se levantou da cama e se aproximou da porta para trancá-la, porque sabia que ele estaria escutando do outro lado, esperando que o fizesse. Depois esperou dando tempo para que retornasse a seu quarto. Pensou que cinco minutos bastariam.

Durante esse tempo se dedicou a refletir sobre o que acabava de saber de Lou. Não era estranho que tivesse medo das relações. Não se tinha recuperado de seu matrimônio fracassado, da morte de seu filho pequeno... Não se tinha permitido superar.

Conhecia Lou. Qualquer coisa que fizesse, ou fazia muito bem, ou abandonava. Uma vez tinha tentado jogar golfe e ela tinha brincado de como ele era ruim. Desde esse dia não havia tornado a jogar.

Era um bom policial. Que diabos! Era um policial excelente. Se não tivesse sido, pensou ela, teria abandonado o corpo quando era novato e teria se dedicado a outra coisa.

De modo que tinha estado casado e seu matrimônio tinha fracassado. Tinha tido um filho e o tinha perdido. Convenceu-se a si mesmo de que essas coisas não eram para ele, que era um desastre como pai e marido e que nunca voltaria a sê-lo.

Ela fechou os olhos. Chegar até ele ia ser muito mais difícil do que imaginou.

Obrigou-se a concentrar-se no assunto que tinha nas mãos. Deu uma olhada no relógio, mas não estava certa de que depois que Lou o montou novamente, fosse completamente confiável, então, calculou mentalmente o tempo, enquanto pegava seu cartão de crédito, uma caderneta, uma caneta e sua fiel lanterna de bolso. Quando considerou que tinha passado tempo suficiente, destrancou a porta, abriu e olhou para fora.

Não viu ninguém. Escutava o canto dos grilos ao longe. Tomou uma baforada desse ar noturno; cheirava a mar, não deviam estar longe da costa. Fazia uma noite clara, iluminada pela pálida luz da lua, que envolvia tudo com um tênue resplendor. Servia para substituir a luz quebrada que se elevava como um sentinela aleijado no estacionamento.

Maxie saiu e caminhou rápida e silenciosa, com os pés descalços, até chegar ao edifício de recepção. Aproximou-se da janela e pôs as mãos ao redor dos olhos para olhar para o interior.

As luzes estavam apagadas e parecia que não havia ninguém. Tentou abrir a porta, mas estava fechada com chave. Não importava. Já tinha inspecionado o terreno antes. Deu a volta no edifício, até chegar a uma janela situada na parede. Era uma janela velha e tirou facilmente o trinco introduzindo seu cartão de crédito entre os vidros. Abriu-a e subiu por ela.

O escritório era pequeno. Havia um balcão de pouco mais de um metro de comprimento, que ocultava uma pequena mesa de trabalho, atrás da qual se encontrava uma porta. Agora a porta estava fechada. A última vez que tinha estado ali, não tinha tido a oportunidade de ver exatamente o que havia atrás dela, se um escritório maior ou uma pequena moradia. Se for o segundo, o repulsivo empregado certamente estaria por ali nesse momento.

Moveu-se devagar e se deslizou para trás do balcão.

Tirou sua lanterna do bolso dos jeans, sem deixar de olhar para trás várias vezes. Inclinou-se sobre as prateleiras que havia debaixo do balcão e pegou o livro de registros. Colocou-o sobre o balcão, abriu e encontrou seu próprio registro. Então, começou a anotar todos os nomes, endereços, números de registro e telefone dos clientes que tinham estado ali antes deles. Decidiu anotar tantos nomes e endereços quanto pudesse nesse tempo.

Estava ali, passando páginas e anotando nomes, quando um som, tão suave que podia ter sido seu próprio pulso pulsando em sua garganta, fez com que se parasse. Olhou para atrás. A porta seguia fechada.

Arrancou com cuidado a primeira página de sua caderneta, dobrou-a e a colocou no bolso dos jeans. Inclinou-se sobre o registro para começar a encher a segunda página.

Quando estava no terceiro nome dessa página, sua cabeça estalou de dor. Uma luz branca atravessou sua mente como um raio e a seguir ela ficou envolta na escuridão.

 

Lou não voltou a dormir. É obvio.

Como diabos Maxie conseguia fazê-lo falar de coisas que tinha vivido mais de uma década sem contar a ninguém?

Desde que a conheceu, levou suas paqueras como um jogo e nada mais. Claro que nunca tinham sido mais que simples conhecidos... até o caso de Frank Stiles.

Foi quando começaram a ver-se diariamente, quando começou a suspeitar que as paqueras brincalhonas dela pudessem ser algo mais.

E agora tinha certeza. E não sabia o que fazer a respeito.

Ela se enganava com ele. Não tinha sido um pai maravilhoso, muito menos um grande marido. Tinha passado muito tempo trabalhando, assumindo sempre que teria tempo para sua família depois. Só quando chegou o diagnóstico de Jimmy começou a dar-se conta de que possivelmente não haveria um depois. E então tirou tempo livre e tentou compensar sua falta anterior. Mas foi muito pouco e muito tarde. Não podia culpar Barbara por tê-lo deixado. Era de se esperar. E ele tinha conseguido viver doze anos sem sentir nada mais que uma ligeira atração por outra mulher.

Entretanto, sentia algo por Maxie. Algo que ia além da atração. Mas não estava preparado... nem acreditava que estaria nunca, para uma relação com ela.

E ela era muito especial para uma aventura. Uma aventura destruiria o que tinham e possivelmente também a ela. E além dessas duas opções, uma relação séria e a longo prazo ou uma aventura, não havia nenhuma outra que não fosse conservar o que já tinham. Uma amizade sincera, respeito mútuo. Admiração.

Mas temia que Maxie não se conformasse com isso.

Precisava dar um passeio. Serem amigos era fantástico na teoria, mas quando ela o olhava com seus grandes olhos verdes e ele a via vestida com uma camiseta, sem sutiã por baixo e com esses pés descalços tão encantadores que queria beijá-los... Maldição!

Sim, daria um passeio para tranquilizar-se um pouco.

Lou abriu a porta, saiu e viu um carro estacionado em frente ao escritório de recepção. As luzes traseiras piscaram e o porta-malas foi aberto. Então conseguiu ver uma forma jogada no chão, na frente do escritório.

Maxie!

Sacou a arma e saiu correndo para lá; quando chegou, uma silhueta negra, masculina, inclinava-se sobre ela. Lou viu um vislumbre de surpresa nos olhos do homem, como se a mulher que estava a ponto de levantar em seus braços não fosse a que esperava, mas esse olhar sumiu quando virou a cabeça para Lou, que lhe deu uma coronhada.

O misterioso indivíduo caiu de costas ao chão, mas se levantou imediatamente, assobiando e mostrando os dentes.

Tinha presas. Já não cabia nenhuma dúvida da natureza desse ser.

Lou apontou a pistola.

—Se afaste dela, bastardo chupa-sangue! — exclamou, colocando-se entre Maxie e a criatura imortal.

Os olhos selvagens, quase fosforescentes, do vampiro o olharam fixamente.

—Não pode me matar com esse brinquedo.

—Sei perfeitamente o que posso fazer com este brinquedo, amigo. Posso lhe fazer tanto dano como nunca sentiu em sua vida. E se colocar a bala onde quero, posso fazer com que sangre antes do amanhecer.

A surpresa invadiu os olhos do vampiro.

—Sabe mais do que qualquer mortal deveria saber.

—Sei o bastante para não confiar em você. Saia daqui.

O vampiro jogou-se contra ele. Lou fez um disparo ao ar, como advertência, e o vampiro ficou paralisado onde estava. Era alto, de constituição forte, e seus longos cabelos pretos se moviam com a brisa, como se tivesse vida própria. Seus olhos negros ficaram olhando fixamente para Lou durante uns segundos.

—Tem algo que me pertence, mortal. E me vai dar.

—Caso se refira a Maxie, terá que ser por cima do meu cadáver. E mesmo assim, teria que suar para consegui-lo.

Depois de olhá-lo prolongadamente, o vampiro virou-se e sumiu do nada. Lou pensou que os malditos vampiros o tiravam do eixo quando decidiam mover-se a velocidades muito rápidas para o olho humano. Não tinha passado nem meio segundo entre esse penetrante olhar e o carro que se afastava pela estrada.

Pensou que ele se moveu à mesma velocidade, porque em um abrir e fechar de olhos estava abraçando a Maxie, tirando seu cabelo do rosto para ver em que estado se encontrava.

—Maxie! Vamos, querida, me diga algo.

Escutou como se abriam as portas de vários quartos e as pessoas perguntando o que tinha acontecido. Logo ouviu Stormy gritar enquanto se aproximava correndo, seguida de Jason.

Lou sustentava a cabeça de Maxie com uma mão, enquanto com a outra tentava encontrar seu pulso no pescoço. Sentiu um batimento do coração, forte e firme, no mesmo instante em que notou um calor pegajoso na palma da mão, justo no lugar onde sustentava sua cabeça.

—Meu Deus, Maxie!

—O que aconteceu? — perguntou Stormy ao chegar a seu lado —. Ouvi um disparo.

—Era eu, defendendo-a do mau. Está ferida. Preciso de uma lanterna.

Jason pegou uma, ajoelhou-se e focou na cabeça de Maxie. Nesse momento, saiu de seu escritório o encarregado do motel, com olhos sonolentos.

—O que aconteceu? — perguntou.

—Meu Deus, está sangrando! — exclamou Stormy. Lou a elevou em seus braços.

—Vamos levá-la a seu quarto. Você, do motel...

—Meu nome é Gary.

—Chama a polícia, Gary. E se houver algum médico na cidade, que venha também. Pode fazer isso?

O jovem assentiu com a cabeça e Lou levou Maxie de volta a seu próprio quarto, não ao dela. Deitou-a sobre a cama colocando-a de lado com delicadeza. Jason acendeu a luz. Stormy trouxe uma toalha úmida, Lou a pegou e limpou o sangue da cabeça de Maxie até que localizou o pequeno corte em seu couro cabeludo.

Não tinha o crânio esmagado nem era um buraco de bala. Não se tratava de uma ferida grave. Lou respirou aliviado. Havia se sentido fisicamente mal, até tinha sentido náuseas, ao pensar que a vida dela pudesse estar em perigo. O alívio que sentiu ao dar-se conta de que não era assim fez com que seus joelhos tremessem.

Pressionou a ferida com a toalha para parar a hemorragia e colocou Maxie de barriga para cima.

Ela franziu os olhos sem chegar a abri-los e fez um beicinho.

—Ai, maldição. Isso dói.

— Imagino. Abra os olhos, querida.

Ela apenas os entreabriu, lentamente.

—A luz é muito forte. Dói minha cabeça.

—Isso é porque alguém bateu em você — disse Lou; pegou uma camisa que havia no encosto da cadeira e a pôs sobre o abajur —. Melhor assim?

Ela voltou a abrir os olhos com dificuldade.

—Sim.

—O que aconteceu, Maxie? Lembra de algo?

Ela franziu ainda mais o cenho e olhou ao longe, como se verificasse quem mais estava no quarto.

—Me dê um pouco de tempo. Minha cabeça está dando voltas.

Lou assentiu com a cabeça.

—Como soube que estava em apuros? — perguntou Maxie.

—Não conseguia dormir. Saí a tomar ar e vi você estirada no estacionamento, atrás de um carro. Um tipo abria o porta-malas e parecia disposto a colocá-la dentro.

Ela abriu os olhos surpresa.

—Alguém tentava me seqüestrar?

Lou assentiu.

—Essas pareciam suas intenções. Disparei um tiro de advertência ao ar e escapou a toda velocidade — respondeu Lou.

Maxie entreabriu os olhos.

—A que velocidade?

Lou se encolheu de ombros sem deixar de olhá-la.

—Beck, pode ir ver o que está fazendo o maldito encarregado para conseguir um médico? Maxie precisa de alguns pontos.

—Agora mesmo — disse Jason, e saiu do quarto apressadamente.

Lou cruzou seu olhar com o de Stormy e fez um gesto indicando a porta. Ela foi para lá e a fechou.

—Se houver um “príncipe” que manda em Endover, acabo de conhecê-lo, e não me cabe nenhuma dúvida: é um vampiro — disse Lou.

—Bom, muito bem, e só para apaziguar minha natureza cética, Lou, poderia me dizer no que se baseia? — perguntou Maxie.

—Principalmente, em suas presas.

—Meu Deus! — disse Maxie —. Lou disse que os telefones de nossos quartos estão grampeados? — perguntou a Stormy.

—Não.

—Pensei que isso podia esperar até manhã — comentou Lou.

Stormy levou as mãos à cabeça e começou a caminhar pelo quarto.

—Que demônios está acontecendo aqui? Telefones grampeados, visitantes à meia-noite... por que um vampiro ia querer sequestrar Max?

—Talvez pela mesma razão que sequestrou Delia e sua amiga — sugeriu Lou.

Stormy resmungou um palavrão entre dentes.

—Vou ver como estão as coisas lá fora. Ver se alguém viu algo.

—Tome cuidado — exclamou Maxie.

Sua amiga assentiu com a cabeça e se dirigiu para a porta.

Maxie olhou para Lou e deu um leve sorriso.

—Salvou minha vida.

—Para começar, você não deveria estar lá fora. O que aconteceu, Max?

Ela se encolheu de ombros.

—Entrei na recepção do motel. Pensei que podia anotar os nomes dos clientes que se hospedaram aqui nos últimos meses, para ver se havia algo interessante.

Ele fechou os olhos e sacudiu a cabeça lentamente.

—Alguém me bateu na cabeça por trás. Não vi quem fez, mas apostaria o que seja que foi esse Gary.

—O que faz você pensar nisso?

—Como disse, golpearam-me por trás. A única coisa que havia a minhas costas era a porta que leva da recepção do motel até... até em qualquer lugar que leve. Certamente é seu quarto.

—E não havia ninguém mais?

—Quem quer que fosse saiu por essa porta.

—A menos que fosse alguém que se move muito rápido para ser visto.

—Um vampiro não teria nenhuma necessidade de me dar um golpe na cabeça para me deixar inconsciente — recordou ela.

Lou mordeu o lábio inferior.

—Conseguiu alguma informação nessa pequena excursão, ou só arriscou a vida por diversão?

— Eu tenho feito principalmente por diversão — respondeu ela —. Tinha uma caderneta, mas suponho não estar jogada no chão a meu lado.

—Não.

Ela suspirou, mas logo seus olhos se iluminaram.

—Quer olhar o que tem nas minhas calças?

Ele lançou um olhar; suas palavras aceleravam seu pulso e esquentava seu sangue.

—Nem sequer fecharam o corte na sua cabeça.

Ela sorriu lentamente e trocou de posição.

Lou a deteve, pondo uma mão no seu ombro.

—Quieta. Cada vez que se move, a ferida sangra mais.

—Então suponho que terá que colocar a mão no meu jeans, e não me importo, na verdade.

Lou a olhou nos olhos, enquanto a imagem proibida dele colocando a mão onde não devia cruzava por sua mente e chegava até o local entre suas pernas.

—No bolso dianteiro direito para mim, esquerdo para você.

Lou colocou a mão no bolso como ela tinha indicado, sabendo que Maxie estava adorando. E o certo era que ele também estava, por mais custasse admitir.

Bom, qual é seu problema?

A voz de sua consciência se parecia muito a de Maxie. Ignorou-a e colocou a mão um pouco mais dentro. Encontrou uma folha de papel dobrada e a tirou. Desdobrou-a e leu o que tinha escrito, em parte por curiosidade, e em parte porque não queria olhar para os olhos Maxie nesse momento. Estariam cheios de malícia ou de paixão. Das duas opções, a segunda o assustava mais.

No papel havia uma lista de nomes e de dados de contato. Lou elevou as sobrancelhas e, esquecendo-se de sua cautela, olhou-a nos olhos.

—Havia mais. Pegue um papel e uma caneta e direi os que lembrar — disse ela.

Alguém bateu na porta.

—Muito tarde. Tente guardá-los. Maxie — disse Lou, levantou-se e guardou o papel em seu bolso. Logo lhe lançou um olhar, antes de abrir a porta —. Teve uma boa idéia. Bom trabalho.

—Obrigada.

—Não disse que aprovo o modo como fez, menina. Nenhuma informação é tão valiosa para pôr sua vida em perigo.

—Se tivesse pensado que arriscava a vida, teria pensado nisso melhor — respondeu ela.

Lou abriu a porta e encontrou o chefe de polícia acompanhado de um homem de aspecto frágil e com menos melanina que um albino, que devia ser o médico.

 

—Três pontos — disse Stormy —. Garota, vai ter que se esforçar muito mais se quiser ficar a minha altura.

—Me dê tempo. Ainda sou jovem — respondeu Maxie.

Continuava na cama de Lou, mas agora estava incorporando-se.

O chefe de polícia e o médico partiram e Jason estava de pé no meio do quarto. Mal tinha sentado desde que chegou. E agora ficou de novo em pé imediatamente antes de chegar a tocar a cadeira.

Maxie deu um suspiro e se sentou com os pés no chão.

—Já é hora de irmos para cama. Se não dormirmos um pouco, amanhã não serviremos para nada.

—Acredito que Stormy e você deveriam ficar aqui. Podem dividir minha cama; eu dormirei na cadeira.

Stormy fez um gesto com a mão.

—De maneira nenhuma, Lou, eu vou para o meu quarto. Não se preocupe, fecharei com chave. Se alguém tentar entrar, me ouvirá, acredite. Estou aqui ao lado. Boa noite, Maxie. Nos vemos pela manhã.

—Boa noite.

Stormy e Jason saíram do quarto. Lou suspirou. Maxie sabia que ele não gostava daquilo, mas também sabia que não tinha sentido discutir com Stormy. Era impossível ganhar. Olhou-a.

—E você o que quer fazer?

—Que pergunta é essa?

Ele sorriu ligeiramente. Maxie o viu antes que se virasse para ir pegar uma manta e um travesseiro no armário.

—Lou, não tem que dormir na cadeira. Venha, prometo que sua virtude não será manchada. Vai terminar com as costas destroçadas se passar a noite nessa cadeira.

—Estarei bem.

Ela suspirou.

—Não confia em mim. Seriamente acha que estou tão desesperada que te atacaria enquanto dorme, embora me acabem de abrir a cabeça? Por favor, Lou, é isso o que pensa de mim?

—Nunca.

—Não? Pois demonstre — disse ela, deslizando-se entre os lençóis. Acomodou-se e deu uns tapinhas no colchão, a seu lado.

Ele ficou ali plantado, com o travesseiro e a manta debaixo do braço, a meio caminho entre a cadeira e a cama.

—Talvez não seja em mim que não confia, e sim em você.

—Não diga tolices.

Ela se encolheu de ombros.

—Pois se confia em mim, e também em você... — disse, e voltou a dar uns tapinhas no colchão.

Lou suspirou e foi para a cama.

—Certo. Se com isso consigo que fique tranquila e durma.

Lou se sentou, colocou o travesseiro contra a cabeceira e deitou, por cima dos lençóis.

Maxie pensou que não queria arriscar-se nem um pouco. Ele desdobrou a manta, jogou-a por cima e fechou os olhos.

Maxie se retorceu debaixo dos lençóis para tirar a calça e a jogou no chão.

—Vai dormir vestido, Lou?

—Sim — respondeu ele. Logo estendeu a mão para o abajur que havia na mesinha e apagou a luz—. Boa noite, Maxie.

—Boa noite, Lou.

 

O vampiro soube quando retornaram a seus domínios. Sentiu sua presença, notou-o tão claramente como notava a chegada do amanhecer. E, sobretudo, sentiu a presença dela.

É bom que tenha retornado, disse a Jason Beck, invadindo sua mente com a mesma facilidade com que passearia por um jardim iluminado pela lua. Não teria gostado que descumprisse a palavra que me deu.

Beck levantou da cama, olhando a seu redor. Relaxou um pouco ao comprovar que estava em seu quarto do motel, às escuras.

—Quanto tempo acha que poderei prendê-los? Estão começando a suspeitar de mim.

O vampiro sabia que estava certo, mas, sobretudo, que o jovem estava desejando recuperar a sua irmã. Que pena. Ele ainda não estava preparado. Tinha que averiguar mais coisas sobre essa mulher. Havia algo que não ia bem... com ela, com seus próprios sentimentos, com toda a situação. E não tinha vivido durante séculos para jogar-se de cabeça em uma situação determinada sem conhecer antes todos os riscos.

Tenha paciência, disse a Beck. Não terá que esperar muito mais.

—Quero que devolva a minha irmã — respondeu o outro —. E logo.

O vampiro não respondeu.

—Disse que não faria mal a meus amigos. Mas ontem à noite feriu Maxie — prosseguiu Beck.

Não fui eu. Foi um de meus capangas. Foi um engano, e será castigado por isso.

—Não posso traí-los a menos que saiba que não acontecerá nada com eles — disse Jason Beck.

De modo que no coração do jovem havia um pingo de nobreza, de dignidade. Embora não o suficiente para pôr em perigo a vida de sua irmã. O melhor seria tranqüilizá-lo, assegurar-se de que seguiria cooperando. Não voltará a acontecer. Dou minha palavra.

E antes que Beck pudesse responder, abandonou a mente do jovem para centrar-se no milhão de assuntos que percorriam a sua.

 

Lou sabia muito bem que estava assumindo um grande risco. Ultimamente tinha pensado em Maxie de um modo que não se permitiu até então. Meter-se na cama com ela não ia melhorar as coisas. E não queria que ela descobrisse o quanto o atraía. Ela não pararia se descobrisse; não pararia até que ele se desse por vencido. E isso terminaria destroçando os dois. Ela faria ideias românticas, enquanto ele lutava para que tudo ficasse em um ponto meramente físico. Ela sairia ferida e terminaria odiando-o. Que demônios! Ele mesmo também se odiaria por magoá-la.

Não podia dar o que ela queria: um amor intenso, duradouro, romântico. Seu coração estava vazio há muito tempo, já não tinha nada em seu interior que pudesse oferecer.

Não valia a pena. Ele não valia à pena.

E, entretanto, tinha deixado que ela se saísse com as suas, como sempre. Lou se meteu na cama sabendo perfeitamente que era uma má idéia, em parte porque detectou um toque de dor nos olhos de Maxie ao dizer que não, e em parte porque ele estava desejando fazê-lo tanto quanto ela.

Assim quando despertaram na manhã seguinte, não o surpreendeu absolutamente encontrar-se com o pequeno corpo de Maxie enroscado em torno do dele como uma trepadeira. Ela tinha tirado os lençóis e se pôs de lado, para ele. Sua cabeça ruiva repousava sobre o peito dele, de modo que o aroma de seu cabelo, misturado ao anti-séptico que o médico tinha aplicado, invadiam-no. Maxie tinha passado seu braço sobre o peito de Lou e tinha a mão em seu ombro. Ele levantou a cabeça ligeiramente para olhá-la. Santo céu! Sua coxa, nua, firme e atraente, estava sobre o corpo dele... sobre sua pélvis.

Sentiu algo se agitando entre suas pernas e se deu conta de que devia sair dali antes que ela despertasse, porque um minuto depois ela saberia sem nenhuma dúvida que a desejava. Mas quando começou a virar-se, ela suspirou brandamente, apertou seu ombro, levantou a cabeça e lançou um olhar sonolento e sexy.

—Bom dia, Lou

—Bom dia.

Ela sorriu devagar, aproximou sua mão do rosto dele e acariciou sua bochecha.

—Sem barbear. Eu gosto.

—Maxie...

Ela se aproximou um pouco mais e esfregou sua suave bochecha contra a dele.

Deus santo! Se ele não se afastasse logo, ia começar a lançar fumaça.

—É hora de levantar, querida. Como está a cabeça?

—Dolorida. E acredito que a medicação para a dor que o médico me deu me deixou um pouco transtornada. Pelo menos isso é o que vou dizer quando me der a bronca.

—Por que ia dar uma bronca em você?

—Porque vou te dar um beijo de bom dia — respondeu ela, aproximando-se ainda mais. Seu rosto estava a centímetros do dele, da boca, dos lábios dele.

—Não se preocupe. Nem sequer poderá desfrutá-lo, com o fôlego matinal, e o resto.

Lou não tinha conseguido dormir. Despertou três vezes e na última escovou os dentes, envergonhado pela possibilidade de ter mau hálito e que ela estivesse muito perto e se desse conta.

Maxie se aproximou mais um pouco. Cheirava a hortelã. Ele podia ter girado a cabeça. Sim, podia tê-lo feito... se fosse de pedra. Mas não era de pedra e não tirou a cabeça. Ficou quieto, odiando-a por mover-se tão devagar, dando tempo de sobra para esquivar-se. Desesperado porque ela ia terminar descobrindo, falasse o que falasse para dissimular... ela ia terminar sabendo... que a desejava. E como!

Seus lábios, suaves e úmidos, pressionaram os dele. Maxie fechou os olhos e seus longos cílios acariciaram as bochechas dele. O fôlego saía de sua boca entrecortadamente, enquanto seus lábios capturavam os dele com uma suave pressão. Sem deixar de beijá-lo, começou a acariciar seu rosto; deslizou depois a mão pelo cabelo dele, enquanto com a outra desenhava círculos em seu peito.

Lou sentiu que se derretia como um cubo de gelo ao sol. Esqueceu-se de todos seus sentidos menos do tato. A boca de Maxie na sua, movendo-se faminta. Seu corpo, estendido sobre o dele e os movimentos quase imperceptíveis dos quadris dela, leves, sutis... Sua coxa nua sobre a pélvis dele, movendo-se, apertando-se a ele. Notou como sua própria mão roçava essa coxa suave e escura e não era consciente de havê-la movido. Ele também a estava beijando. Santo céu! Estava beijando-a.

Lou passou as mãos pelo cabelo para segurar sua cabeça... mas seus dedos tocaram a atadura que tinha na parte de trás da cabeça. Isso lhe recordou a imagem que tinha visto na noite anterior: Maxie atirada no asfalto, seu medo, a criatura que se inclinava sobre ela, sua própria raiva e logo como a levantou em seus braços, respondendo a seu desatado instinto protetor.

Era Maxie. Era sua melhor amiga; sua amiga adorável, intrépida e pesada. Que diabos estava fazendo?

Abriu os olhos, pegou seu rosto delicadamente com ambas as mãos, separou-se e se afastou dela. Maxie abriu os olhos, que ardiam com um fogo verde sensual.

—Oh... Lou.

—Não, Maxie. Isto não é... não é boa ideia.

Ela fez uma careta, mas se afastou.

—Ao menos agora sabemos a verdade — disse.

—Que verdade? — replicou ele, sentando-se na cama, de costas para ela.

—Que isto é mútuo. Você também sente.

—Já tentei explicar isso menina. Sou humano, e sou um homem. Se uma garota bonita me beijar, produzem-se certas reações. O corpo toma o controle e o cérebro se apaga, em certo sentido. É algo masculino.

—E não era mais que isso? Uma reação física?

—Nada mais.

Ela suspirou.

—É um mentiroso.

—Pois eu acredito que a mentirosa é você — replicou ele, desejando mudar de assunto.

Ficou em pé, completamente excitado e, decidido a manter-se de costas para ela, começou a caminhar para o banheiro.

—Eu sou uma mentirosa? E posso saber no que menti?

—No fôlego matinal.

Ela sorriu lentamente.

—Encontrei uma dessas pastilhas de hortelã que deixam sobre o travesseiro.

—É maquiavélica.

—Mas minha boca tem sabor de glória.

Ele virou a cabeça e se encontrou com seu olhar ardente. Teve que fazer um esforço para afastar a vista e entrar no banheiro para tomar um banho bem frio.

Maldição! Tinha quarenta e quatro anos e, quando estava junto dela, sentia-se como um adolescente, e mais quente que uma estufa de carvão.

 

Alguém bateu na porta enquanto Lou estava ainda no banho e Maxie continuava abraçada ao travesseiro, sorrindo de orelha a orelha. Apesar da persistente dor de cabeça, pulou da cama e se aproximou dançando até o olho mágico, para ver quem era. Stormy estava do outro lado da porta, com seu laptop e um punhado de cabos enrolados debaixo do braço. Jason vinha atrás dela, carregando uma bandeja cheia de copos de plástico fumegantes cheios de café, sobre uma grande caixa branca que parecia saída de uma padaria e que Maxie confiou que estivesse cheia de pães-doces quentes.

—Um momento! — gritou. Colocou os jeans e abriu a porta.

—Como não tenho a menor idéia de como tirar os microfones do quarto de Jason ou do meu — disse Stormy, entrando no quaro —, decidi que nossa reunião matutina será aqui — acrescentou; colocou o laptop sobre a superfície mais próxima, uma mesa redonda que estava junto à parede.

Stormy retirou as revistas e os folhetos do motel e os colocou em uma prateleira.

Jason também entrou e pôs a caixa da confeitaria e o café sobre a mesa.

—Estamos quase certos de que só grampearam os telefones — disse Maxie —. Embora seja melhor certificar-se.

Stormy deixou de desenrolar os cabos do computador, elevou a cabeça e olhou a seu redor.

—Precisamos de mais cadeiras. Jason, se importaria de trazer as de nossos quartos? — disse Stormy e jogou uma chave.

Ele partiu rapidamente, enquanto ela conectava o computador à rede elétrica e o modem à linha telefônica. Stormy olhou para a porta, para assegurar-se de que Jason tinha ido, então para o banheiro, de onde se podia ouvir a água do chuveiro, e por último olhou para a cama desfeita; seu olhar se encontrou com o de Maxie.

—Teve sorte? — perguntou.

—Mais ou menos. Beijei-o.

Stormy sorriu.

—E não saiu correndo?

—Não. Ele também me beijou.

—Detalhes, menina, quero todos os detalhes.

Maxie pegou um copo de café, sentou-se em uma cadeira, e tentou apagar o sorriso triunfal de seu rosto, enquanto contava a Stormy o que tinha acontecido com todas as letras. Estava chegando ao momento em que Lou tinha parado tudo tentando justificar-se com sua versão de uma aula de anatomia, quando ouviram fechar a torneira do chuveiro. Nesse momento, Jason entrou com duas cadeiras.

—Então — murmurou Maxie —. O que trouxe?

—Bolinhos. Há uma padaria na cidade... que abre às cinco da manhã. Peguei emprestado seu fusca e saí para clarear as idéias — respondeu Stormy.

Ambas tinham uma cópia das chaves de seus respectivos carros. De fato, havia muito poucas coisas que não compartilhassem.

—Da próxima vez — disse Maxie—, tente dirigir em outra direção.

—Hã?

—O ar fora de Endover é muito mais propício para clarear as idéias — explicou Maxie.

Stormy assentiu com a cabeça.

—Sim, eu também notei.

Maxie abriu a caixa e observou os vários tipos de pães-doces, rosquinhas e bolinhos.

—Também pedi uma pizza — disse Stormy —. Trarão em dez minutos.

—Uau, deve estar com fome.

—Passei quase toda a noite em pé.

Maxie franziu o cenho. Jason colocava as cadeiras ao redor da mesa; agora tinham três cadeiras de escritório e uma poltrona. Lou saiu do banho com o cabelo molhado, calças jeans e uma camiseta. Tinha um aspecto magnífico. Aos quarenta e quatro anos, conservava-se maravilhoso; mais ou menos como Harrison Ford a essa idade. Deveria ser proibido estar tão bem, em qualquer idade.

Maxie voltou a centrar sua atenção em Stormy.

—Por que passou a noite em claro? Está bem?

—Sim, sim, só que estava completamente sem sono. Não podia dormir. Passei a noite procurando informação — continuou Stormy.

Maxie pensou que tinha bom aspecto; não parecia cansada nem estava com a cara ruim. Ficou a teclar no computador; o modem começou a chiar como um gato ao que estivessem pisando na cauda.

—Fiz uma busca cruzada com os termos “pessoas desaparecidas” e “Endover, New Hampshire”. Encontrei algo... interessante.

Enquanto esperava que a página carregasse, pegou um bolinho da caixa e o deu a Maxie. Logo voltou a focar-se no computador, estendeu uma mão e Maxie se dispôs a passar seu café.

—Qual é seu copo?

—O que tem um “S” na tampa — disse Stormy, sem separar a vista da tela.

Maxie assentiu, pegou o copo e o colocou na mão de sua amiga.

—Bem, aqui está a lista de coincidências. Elaborei-a me limitando aos artigos de jornais que contiveram ambos os termos.

—Há muitos habitantes de Endover com tendência a desaparecer? — perguntou Maxie.

Lou pegou uma cadeira e se sentou. Maxie localizou o copo com um “L” na tampa, e o passou. Seus dedos roçaram os dela ao pegar o copo, o que fez com que Maxie o olhasse. Seus olhares se cruzaram durante um segundo; logo ele afastou a vista.

Estaria arrependendo-se desse beijo? Provavelmente sim. Mas Maxie estava totalmente segura de que tinha gostado.

—Isso é o interessante — disse Stormy —. Não há muita gente de Endover que desapareça, mas há muita gente que desaparece em Endover. Dêem uma olhada.

Maxie ficou de pé e se inclinou sobre Lou para olhar a tela, com sua cabeça muito perto da dele.

Havia uma lista de páginas da Web com artigos nos quais apareciam os termos da busca e em cada uma se destacava a frase relacionada. “Vista pela última vez em Endover, New Hampshire” era o denominador comum.

—Tenho a impressão — disse Lou —, que os forasteiros que visitam Endover tendem a desaparecer sem deixar rastro.

—Meu Deus! — exclamou Jason —. Há quanto tempo está acontecendo?

Ele também se aproximou do computador e se inclinou sobre os outros para dar uma olhada na tela.

—Três anos, conforme parece — respondeu Stormy.

Lou assentiu com firmeza.

—Fez um trabalho excelente. Leu os artigos?

—Sim — respondeu Stormy; apertou uma tecla para abrir outra página — Estes sites são os que guardam relação com a busca. Todas são mulheres, atrativas e bastante jovens, embora nenhuma seja tão jovem como Delia e Janie.

—Mas... o que aconteceu com elas? Com todas essas mulheres? — perguntou Jason.

—Ainda não sei. Demorei bastante para obter toda esta informação. Agora temos que procurar artigos que tenham seguido a evolução dos casos. E isso vai gerar muitas coincidências... há muita gente com o mesmo nome, sabe? Levará algum tempo para filtrar todas e determinar o que é relevante e o que não.

—Então, esse é seu plano para esta manhã — disse Maxie —. Muito bem, Stormy, se dedique a isso. Jason, você fica com ela. Se assegure de que ninguém se aproxime dela, certo? O que me aconteceu ontem à noite não foi casualidade.

Stormy assentiu.

—E você, o que vai fazer?

—Antes de qualquer coisa, Lou tem que tirar os microfones de seus telefones. Logo, ele e eu iremos procurar uma gráfica para fazer uma centena de cartazes das garotas. Espalharemos pela cidade e falaremos com todos os habitantes de Endover que possamos.

Jason ficou em pé, procurou em sua carteira e tirou uma foto.

—Pode usar esta.

Deu uma foto de Janie e Delia vestidas com roupa de festa. Devia ser em um baile do colégio. Fez-se um nó na garganta de Maxie ao vê-las.

Stormy assentiu com a cabeça.

—Maravilha. É um bom plano. Aproveite e tente conseguir um bom mapa da área, Maxie.

—De que tipo? Mapa de estrada ou topográfico?

—Qualquer um dos dois. Ou melhor, os dois. Quanto mais informação nós tivermos, melhor.

Nesse momento, bateram na porta. Todos se sobressaltaram e Lou foi abrir.

Do outro lado da porta havia um menino com uma bicicleta e uma pizza. Sorriu abertamente, deixando ver umas gengivas enormes e uns dentes anormalmente pequenos e separados. Tinha o cabelo preto, a cara redonda e os olhos amendoados.

—Aqui está sua pizza — disse com voz rouca.

—Uau, é um menino muito trabalhador — disse Lou —. Acho que o vi entregando jornais outro dia.

—Preciso de dinheiro para poder ir ao colégio.

—Ah, é? Não vai à escola pública de Endover?

—Sim, mas eu não gosto.

—Por que não?

O menino se encolheu de ombros.

—São dez e cinquenta — disse. Lou tirou a carteira.

—Como se chama, filho?

—Sid.

—E quantos anos tem, Sid?

—Dez. Vou completar onze.

—Surpreende-me que a pizzaria contrate um entregador tão jovem.

Sid sorriu.

—É do meu tio — explicou.

—Então, está economizando para ir a uma escola privada, né?

—A uma escola especial. Longe daqui.

Lou se agachou para olhar o menino nos olhos.

—Por que quer sair daqui, Sid?

Ele franziu os lábios.

—O ar não é bom — disse ele —. Não notaram?

Lou franziu o cenho e lançou um olhar fugaz a Maxie. Ela quase não pôde conter uma exclamação por ouvir as palavras do menino, tão próximas à descrição do que ela sentia naquele lugar.

—Sim. Eu também pensei que havia algo estranho no ar.

—A maioria dos adultos não se dá conta até que é muito tarde.

—Muito tarde?

Ele assentiu.

—Ficam estúpidos. E você também ficará se ficar tempo suficiente.

—E você, Sid? Não lhe afeta este ar?

Ele sacudiu a cabeça de um lado a outro com decisão.

Lou tirou vinte dólares e cinquenta. Pegou a pizza e deu ao menino dez e cinquenta.

—Isto é pela pizza — disse a Sid —. E isto... — acrescentou, dando os outros dez dólares — é para você.

—Obrigado!

—Não há de que. Sabe? Se tiver interesse, talvez possa lhe oferecer outro trabalho.

—De verdade?

—Claro. Preciso de um guia. Ainda não me oriento muito bem por aqui.

O menino sorriu de orelha a orelha.

—Termino com as pizzas às duas.

—Pode voltar para cá nessa hora?

—É obvio — disse o menino —. Quarto quatro — acrescentou, olhando o número da porta —. Aqui estarei.

—Então até mais tarde.

—Adeus!

Lou fechou a porta e virou, com a pizza na mão.

—Isto é completamente surrealista.

—Há algo estranho nesta cidade — disse Maxie —. Há algo que a polui e que afeta nossas mentes, nos entorpecendo.

—Nos deixando estúpidos — acrescentou Lou com cara de poucos amigos —. Escutem, temos que nos organizar agora mesmo para passar ao menos algumas horas do dia fora desta cidade. Para ver se serve para combater isto... seja lá o que seja.

—Acha que Sid é imune? — perguntou Jason.

—Talvez. Não sei. Maldição, nem sequer sei se esta teoria do “ar ruim” tem alguma base. Possivelmente possamos averiguar algo mais esta tarde, graças a nosso novo amigo Sid — disse Lou —. Vamos comer e sair daqui. Temos muito que fazer — acrescentou, colocando a pizza sobre a mesa.

 

Stormy estava se esforçando para suportar Jason ali rondando, dando voltas pelo quarto e aparecendo por cima de seu ombro de vez em quando. A forma como a olhava a distraía muito. Encontrou um artigo em que falavam do caso de uma mulher desaparecida, a que tinham encontrado sã e salva uma semana depois de seu desaparecimento. Rastreou o texto com o olhar, procurando os detalhes. Onde e como a tinham encontrado, quem o tinha feito, e...

—Então, hoje se sente bem?

A voz de Jason a desconcentrou. Sua atenção passou do computador para seu amigo. Por fim tinha deixado de andar pelo quarto e se sentou em uma cadeira, de onde podia ver a tela do computador.

—Por agora sim — disse ela —. Não se preocupe, não acredito que vá desmaiar diante de seus olhos, Jason. Na verdade, esta manhã estou bastante bem.

Ele assentiu. Stormy voltou a focar-se no texto.

Aí estava.

“Theresa Mulroy, de vinte e quatro anos, cujo desaparecimento foi denunciado por sua família há mais de uma semana, apareceu. Mulroy foi achada dormindo em seu carro, junto a uma estrada rural no condado de Culliver, a uns oitenta quilômetros da cidade situada na costa de New Hampshire onde foi vista pela última vez. Um ajudante do xerife do condado, que inspecionava o que acreditava ser um veículo abandonado, encontrou-a...”

—Fiquei muito assustado ao vê-la assim.

Ela se virou de novo, franzindo o cenho ao ouvir o tom de Jason. Em suas palavras havia um pouco de... ternura.

—Passou muito tempo, Stormy, mas sabe que continuo gostando de você.

—Isso é muito bonito, Jason. Quando esteve tão unido a alguém como estivemos nós três, não acredito que possa desaparecer só com o tempo e a distância. Acredito que sempre continuará gostando dessas pessoas.

Ele assentiu.

—Quero dizer, que foi por isso que viemos assim que soubemos que precisava de nós — acrescentou ela —. E sei que no caso contrário, se tivéssemos sido Maxie ou eu as que precisavam de ajuda, você teria ajudado imediatamente.

—É obvio que sim — disse ele —. Claro que o teria feito.

—Eu sei.

Ele suspirou.

—Sempre esperei... que pudesse haver algo mais entre nós que uma mera amizade, você sabe.

Ela baixou a cabeça.

—Eu sei.

—Alguma vez se perguntou o que teria acontecido se tivesse me dado uma oportunidade, Stormy?

Ela moveu a cadeira para ficar de frente a ele.

—Claro que sim. Perguntei-me isso muitas vezes.

—Sério?

Stormy sorriu levemente e assentiu.

—Mas suponho que não tem muito sentido continuar dando voltas. Isso é parte do passado.

—Embora isso não signifique que tenha que continuar sendo parte dele.

Stormy percorreu o rosto de Jason com o olhar. Sempre tinha sido atraente; tinha uns traços perfeitos e sua pele cor chocolate com leite era mais que desejável. Seus cílios sempre a tinham fascinado; eram longos e espessos e rodeavam uns olhos de um marrom aveludado.

—Jason, sei o que quer dizer. Mas, olhe... agora mesmo estão me acontecendo muitas coisas. Tenho... muita coisa na cabeça. Coisas que nem sequer compreendo. E você também tem, com o desaparecimento de Delia — ele baixou o olhar para ouvir suas palavras —. Já ligou para seu irmão?

—Não. Não posso. Não posso fazê-lo até ter algo mais concreto para dizer.

—E para os pais de Janie?

Ele negou com a cabeça.

—Estão de férias pela Europa. Tentei, mas não encontrei como localizá-los — disse Jason —. Espero não ter que fazê-lo — acrescentou depois de tragar saliva.

Ela assentiu com a cabeça.

—Que tal adiar essa conversa a respeito de nós, certo? Pelo menos por agora.

—Então, não a descarta?

Ela o olhou nos olhos e encontrou o atraente olhar de sempre.

—O que digo é que agora não é o momento. Agora temos que dedicar toda nossa atenção às garotas.

E sinceramente, estranhava que Jason não fizesse isso. Teria que estar roendo as unhas de impaciência, caminhando preocupado de um lado a outro, desejando fazer algo... Mas não estava. Parecia como se estivesse... esperando.

Mas esperando o que?

Jason sorriu, inclinou-se para ela e, passou uma mão pelo seu pescoço e a beijou nos lábios. Beijou-a brandamente, com ternura, nada mais que um instante. Ela fechou os olhos e...

Traidor!

Stormy afastou a cabeça, sobressaltada, com os olhos arregalados. Olhou desesperadamente em torno de si, enquanto Jason procurava seu olhar.

—O que aconteceu, Stormy?

Ela voltou a olhá-lo nos olhos.

—Não ouviu isso?

—Ouvi o que?

—Uma voz... uma voz de mulher, acredito — disse ela, olhando de novo a seu redor, mas não viu ninguém.

—Não — disse Jason —. Não ouvi absolutamente nada. Talvez porque meu coração estava disparado — acrescentou com um sorriso, embora em seus olhos se lia preocupação.

Então Stormy compreendeu. Esse som, esse grito, essa acusação, não vinha de fora, mas sim de seu interior. E tinha que disfarçar. Não queria que ninguém começasse a duvidar de sua saúde mental, porque estava claro que esse seria o seguinte passo lógico. Se continuassem acontecendo coisas estranhas e as causas físicas ficavam descartadas, só podia ser algo mental.

Sorriu também.

—Talvez tenha sido isso o que ouvi. Mas acredito que é mais provável que se trate da senhora do quarto 12. Grita muito com o jovem que a acompanha.

—Seu filho? —perguntou Jason.

—Não acho — respondeu ela, sorrindo com malícia.

Logo voltou para o computador e se esforçou por retomar o texto onde o tinha deixado.

“A mulher não pôde explicar onde tinha estado. Afirma não recordar nada do acontecido durante os dois dias que esteve desaparecida. O oficial Welsh, ajudante do xerife, não adiantou nenhuma hipótese, embora em seu relatório se mencione a presença de garrafas vazias no veículo e de um persistente aroma de álcool.”

—Stormy, quer um pouco mais de café? — disse Jason que estava de pé atrás dela, massageando brandamente seus ombros—. Posso ir num instante à cafeteria.

Tinha voltado a desconcentrá-la. A jovem tentou disfarçar sua irritação quando se voltou para ele e o olhou nos olhos. Afinal, o menino só pretendia mostrar-se atento, e isso era bastante lisonjeador.

—Sabe o que realmente preciso, Jason?

—O que?

—Uma impressora. Posso guardar toda esta informação no disco rígido, mas com uma impressora o trabalho seria mais eficaz.

—Uma impressora.

—Agora vendem impressoras por trinta dólares. Não há um centro comercial pelos arredores?

—Bom, suponho que poderia perguntar a Gary.

—Isso seria genial. E compre também um cartucho de tinta adicional... os que vêm com a impressora não duram muito. Ah, também precisamos de papel. E não se esqueça do cabo. Espera, farei uma lista.

Stormy se levantou da cadeira e atravessou o quarto até chegar à mesinha. Pegou a caneta e o bloco de papel do motel e começou a escrever sua lista.

—E já que vai, podia trazer algo para comer.

Ele assentiu com a cabeça.

—Toma, leve meu cartão — disse ela, enquanto procurava em sua bolsa o cartão de crédito da empresa que estava em seu nome.

—Usarei o meu — disse ele —. Aproveitarei para comprar algumas roupas e outras coisas. Não trouxe nada. Esta manhã, eu tive que pedir na recepção uma escova de dentes.

Surpreendeu-a que nesse motel tivessem escovas de dentes.

—Trarei a fatura e assim poderá deduzir os gastos que correspondam quando tudo isto tiver terminado — disse Jason.

—Certo.

—Tudo bem — murmurou ele. Vacilou uns segundos, mas por fim deu a volta e partiu.

Ela suspirou e se perguntou como ia dirigir a situação. Ele se sentia atraído por ela; perguntou-se se era mútuo. Sempre tinha sido. No passado, ela se tinha sentido atraída por ele e nunca tinha previsto um problema. Mas então, com apenas vinte e dois anos, tinha decidido que ele era muito sério para ela, muito formal, muito prático. Agora ela estava mais madura, o suficiente para saber que a formalidade não era algo ruim. Mas não era capaz de definir o que sentia por ele. Tinha muitas coisas na cabeça, muitas emoções, sentimentos, idéias... Às vezes inclusive pareciam não pertencer a ela. Agora mesmo não tinha nem idéia do que sentia de forma alguma.

Voltou a focar-se na tela do computador e leu de novo a insinuação de que a mulher desaparecida tinha estado de porre. Tinham-na levado ao hospital, tinham feito exames e consideraram que estava ilesa.

—Ouça, Stormy.

Levantou a cabeça e viu Jason aparecer na porta do quarto. Sorriu forçadamente e tentou fazer sua voz soar agradável.

—O que aconteceu, Jason?

—Gary disse que a loja mais próxima onde posso encontrar impressoras está a uns noventa minutos. Tem certeza de que quer que eu vá?

Graças a Deus!

Ela franziu o cenho e silenciou à estranha voz que retumbava em sua cabeça.

—Sim, quero que vá. De fato, é fundamental.

—Mas tem certeza de que estará bem aqui sozinha?

—Não se preocupe, Jason. Cada vez parece mais claro que, neste caso, o perigo espreita só à noite. Estarei bem.

—E o que acontece se de repente ataca de dia? — perguntou ele.

Ela sorriu, levantou a camiseta e mostrou a capa que tinha atada à cintura e a pistola de calibre 38 que continha. Lou tinha insistido que ficasse com ela.

—Então terei que me defender — disse ela.

Ele assentiu, muito mais tranquilo.

—Tem a lista? — perguntou ela.

—Aqui está. Nos vemos em umas duas horas.

—Adeus, Jason.

Ele saiu do quarto e fechou a porta. Dessa vez Stormy se levantou para comprovar que estava fechada com chave, embora brigasse consigo mesma por desejar desfazer-se dele de um modo tão irracional. Logo seguiu investigando pela Internet, aliviada ao saber que podia seguir trabalhando sem mais interrupções.

 

Maxie grampeou o cartaz em um poste de telefones. Tinha grampeado tantos que sua mão doía. Tinham coberto primeiro as cidades circundantes, parando em todas as lojas e lugares públicos medianos para perguntar se alguém tinha visto as garotas. E talvez fosse só uma impressão, mas teria jurado que tinha a cabeça mais limpa e se sentia mais cheia de energia pelo tempo passado fora de Endover.

Quando voltaram para a cidade e começaram a pendurar cartazes, as ruas estavam tranquilas. Passavam algumas pessoas, mas não pareciam interessar-se absolutamente pelo que faziam. Seguiam andando sem olhar duas vezes. As pessoas a que perguntavam não pareciam surpresas, nem preocupadas quando mostravam os cartazes, como ocorria em outras cidades.

Que diabos acontecia naquele lugar?

Quando subiu no carro com Lou para voltar para o motel, era mais de uma e estava faminta.

—Perguntei a mais de uma dúzia de pessoas e foi a mesma resposta repetida uma e outra vez. Só trocavam a cara e o corpo — comentou.

Lou a olhou de soslaio.

—Olhos frágeis e uma voz monótona sem alterações no tom.

—Exato — respondeu ela.

—Aconteceu o mesmo comigo — murmurou ele.

Ficaram um momento em silêncio. Lou passou pelo motel e percorreu um pouco mais a estrada até parar em um mirante com grade que dava para a orla rochosa.

—Vamos descer aqui para nos recuperar — propôs.

Saiu e Maxie o imitou. Aproximaram-se da grade em silêncio.

—Melhor? — perguntou ele depois de um momento.

—Sim.

—Falei com um amigo da polícia — murmurou por fim Lou —. Pedi que investigasse. Disse que não há antecedentes de contaminação do ar ou da água por aqui. Nada que tenham podido encontrar.

Ela apontou o oceano.

—O que é isso?

Lou fincou uma mão nos olhos como uma viseira e olhou.

—O que?

Ela apontou para a costa de Endover.

—Isso.

Ele franziu o cenho.

—Não sei. Uma ilha?

—Parece que há uma casa ali?

—Não sei. Tem binóculos?

—Aqui não.

—Pois nem parece detetive. Não deve sair de casa sem eles.

Maxie apertou os olhos, mas não conseguiu ver melhor.

—Por que não a vimos de Endover?

—Certamente há uma curva na costa ou um bosque ou colina que a esconde da vista. Ou algo.

—Sim. E o que me preocupa é esse “algo”.

 

—Olhe ali - disse Lou quando deixaram essa tarde o fusca no estacionamento do motel.

Maxie olhou para onde ele apontava. Um menino estava de pé diante do quarto de Lou como se fizesse guarda.

—É Sid. Por que está do lado de fora? — a jovem franziu o cenho —. Acha que Stormy e Jason saíram?

—O jipe de Jason continua aqui.

Saíram do veículo e começaram a cruzar o estacionamento. Enquanto o faziam, entrou um carro e avançou para eles e Lou, de repente, pegou Maxie pela cintura e a tirou rapidamente dali, enquanto olhava com nervosismo o veículo.

Pararam na calçada ao lado das portas e ela pôs uma mão na dele e o olhou.

—Por que isso?

—Só quero ser cauteloso.

Ela sorriu calorosamente. O carro, enquanto isso, estacionou inofensivamente em uma vaga.

—Eu gosto assim. Protetor e vigilante.

—Ontem à noite tentaram atacá-la. Não podemos ter certeza de que não voltarão a tentar.

—O de ontem à noite foi um vampiro — recordou ela —. E não tentará a plena luz do dia.

Lou se encolheu de ombros e afastou a vista.

—Só quero ter certeza de que não tenha essa oportunidade.

—Porque se importa comigo.

—Claro que me importo. É uma de minhas melhores amigas. Possivelmente a melhor, sabe?

—Sei — sustentou seu olhar e desejou que ele pudesse ver que havia algo mais que amizade entre eles. Mas ele já sabia. Embora o negasse, sabia. Tinha que saber.

—Ei, senhor.

Lou afastou a vista dela e Maxie se sentiu sozinha de repente. Mas se virou com ele para o menino que estava ao lado da porta de Lou.

—Olá, Sid — Lou olhou seu relógio —. Sinto chegar tarde.

—Não importa. Esperei.

—Estou vendo. Por que não entrou?

O menino franziu o cenho.

—Você disse que nos encontraríamos aqui. Na porta.

Lou assentiu, como se aquilo tivesse todo o sentido do mundo.

—É verdade, disse isso, não foi? Mas já estou aqui, então, pode entrar.

O menino parecia vacilante.

—Normalmente não deve falar com desconhecidos — comentou Maxie —, mas o senhor Malone é policial,então, desta vez pode.

Sid a olhou e sorriu.

—Claro que sim. Eu sei quem é bom e quem não é.

—Sabe?

—Isso.

—E como sabe?

—Pelas cores. Você é laranja, vermelho e amarelo. E você é verde e azul — disse a Lou.

Este franziu o cenho e olhou sua roupa como se procurasse as cores em questão.

—Acredito que fala de auras — disse.

—Não, só cores — respondeu o menino.

Maxie sorriu e bateu na porta com os dedos. Ouviram passos e Stormy abriu.

—Já voltaram — disse.

—E estou acabada. E você?

—Esgotada. Mas encontrei coisas interessantes — sorriu ao menino —. Fico feliz em te ver de novo, Sid. Quer comida lixo?

O menino franziu o cenho.

—Batatas, Coca-cola, bolas de queijo...?

—Sim!

—Sirva-se — Stormy se afastou e apontou para a mesa, onde havia um montão de sacolas abertas.

O menino entrou correndo e começou a comer.

Maxie se sentou em uma poltrona e apoiou a cabeça no encosto. Lou entrou direto ao banheiro, de onde voltou com duas pastilhas na mão. Tirou uma Coca-cola light do cubo de gelo e ofereceu ambas as coisas a Maxie.

—Para a cabeça.

—Estou bem.

—Tome de todo jeito. Faça o que digo, certo?

Ela assentiu e tomou os analgésicos, que engoliu com a Coca-cola. Agradeceu com o olhar e se virou para Stormy.

—Falamos com pessoas e colocamos cartazes nas cidades mais próximas em três direções, além de encher Endover com eles. O curioso é que aqui não interessa a ninguém o que fazemos, nem por que. Não perguntam. E quando dizemos, não parecem se importar.

Stormy assentiu pensativa.

—Os que se incomodaram em responder basicamente diziam o mesmo: “Deixem de procurar, vão para casa e esperem. Já aparecerão”.

Stormy assentiu de novo.

—Tem sentido.

—Por quê? — perguntou Maxie.

Sua amiga estendeu a mão para um montão de papéis e Maxie se fixou na impressora que havia na mesa.

—Vocês dois estiveram ocupados — comentou.

—Sim. Jason nos trouxe uma impressora, além de um fornecimento amplo de sacolas de comida e Coca-cola — passou o montão de páginas para Maxie e Lou se aproximou para ler por cima de seu ombro —. Parece que desaparece muita gente neste lugar ou perto dele. Todos os que pude averiguar apareceram sãos e salvos em poucos dias ou uma semana mais tarde.

—Asseguro que me tirou um grande peso de cima quando Stormy me disse isso — comentou Jason.

Maxie folheou os artigos de jornal que Stormy tinha imprimido da Internet.

—Onde os encontraram?

—Normalmente a poucos quilômetros de suas casas. O estranho é que nenhuma delas parecia recordar onde tinha estado.

Maxie franziu o cenho.

—Me resuma isto, por favor.

—Mulheres entre vinte e dois e trinta e oito, sem contar nossas duas garotas de dezessete. Atraentes. Esses parecem ser os únicos denominadores comuns.

—Além disso, tem de tudo. Casadas, solteiras, mulheres de carreira, de classe operária, umas tinham filhos, outras não, e procediam de uma ampla variedade de lugares.

—Mas todas passavam por Endover?

— Parece que sim.

—Vocês também perderam alguém? — perguntou Sid.

Maxie quase tinha esquecido a presença do menino. Virou-se para olhá-lo, sentado aos pés da cama, com uma tigela de bolas de queijo nos joelhos e os lábios manchados de pó laranja. A seu lado havia um dos cartazes que Lou e ela tinham levado essa manhã à gráfica. Tinha uma foto de Delia e Janie.

Lou se aproximou da cama e se sentou ao lado do menino.

—Sim. Essas garotas do cartaz. Esta é Delia — disse apontando-a com o dedo —. E esta é sua amiga Janie.

O menino olhou o quarto e posou a vista em Jason.

—Não se preocupe — disse —. Voltarão.

—Como sabe isso? — perguntou Lou.

Sid se encolheu de ombros.

—Sei.

—Sid — Maxie se aproximou mais dele —. Veio mais gente aqui procurando pessoas que tinham perdido?

—Sim. Mas não as encontram aqui.

—Não?

—Não. Encontram elas em casa — o menino olhou para Jason de novo —. Deveria ir para casa. Ela estará lá.

—Eu não estou tão certo disso, menino — respondeu Jason.

—Por isso tem tantos pontos?

—Pontos?

—Refere-se a suas cores, Sid? — perguntou Maxie. O menino assentiu e ela olhou para Jason —. Sabe que eu não posso ver como você.

—Ninguém pode — ele baixou a vista com certa tristeza.

—Como são as cores de Jason?

—Não são boas — disse o menino —. Nem sequer posso ver as verdadeiras cores, há uma nuvem escura em cima deles. Como em todas as pessoas daqui. E também manchas negras.

—Nesta cidade todo mundo tem nuvens escuras em cima das cores? — perguntou Maxie.

Sid a olhou primeiro para ela e depois para Lou.

—Minha mãe diz que está tudo na minha cabeça. Igual ao homem da noite.

—O homem da noite?

O menino assentiu com olhos arregalados pelo medo.

—Acredito que eu também o vi, Sid — disse Lou —. O vi ontem à noite.

Sid piscou com incredulidade.                             

—Os adultos não o vêem nunca.

—Talvez alguns podem — respondeu Lou —. Tenho certeza de que vi alguém de cabelo comprido e escuro — arqueou as sobrancelhas —. Refiro-me a sua roupa. Eu não sei como são suas outras cores.

—Não tem. Eu pensava que talvez não tivesse porque não era real, como dizia mamãe — Sid o olhou nos olhos —. Mas sim tem cabelo comprido negro e roupa negra.

—E você é o único que o viu? — perguntou Lou.

—Não sei. Talvez.

—Sabe onde vive?

Sid afastou a vista com rapidez e se tampou os olhos com o dorso da mão.

Lou se inclinou para ele.

—Ei, não aconteceu nada. Não tenha medo.

—Não tenho. É só que... ninguém tinha acreditado em mim antes.

Maxie captou uma ternura nos olhos de Lou que não tinha visto nunca. Um momento depois, ele abraçava o menino e dava tapinhas em suas costas.

—Eu acredito — disse —. Aqui todos acreditam. E sua mãe também acreditaria se o ar ruim não pusesse essa nuvem escura em cima de suas cores.

Sid se abraçou em seu pescoço com força. Quando por fim o soltou, afastou-se um pouco e o olhou nos olhos.

Lou devolveu o olhar um instante.

—Me desculpe um momento. Deixei algo no carro — ficou em pé e saiu sem olhar para trás.

Stormy olhou Maxie com ar interrogativo.

—Come algo mais, Sid — disse ela —. Já volto.

E saiu atrás de Lou.

Tinha sido doloroso abraçar o menino. Fazia que voltassem suas lembranças até que tinha a impressão de que só fazia um dia que tinha perdido o seu precioso Jimmy. Com os anos se endureceu. Tinha encerrado a dor em um canto escuro de sua mente e, em sua maior parte, tinha conseguido mantê-la ali. Incapacitado e impotente. Mas ultimamente... Ultimamente gotejava como uma torneira quebrada. E ardia por suas veias nos momentos mais inexplicáveis.

Algo estava abrandando sua carapaça dura e ele sabia o que era: Maxie. Para manter essa carapaça em seu lugar, era necessário que não se importasse muito com nada. Com os anos tinha conseguido cultivar sua atitude de “nada me importa” quase até a perfeição. Era o único modo de que nada pudesse feri-lo.

Maxie fazia com que se importasse. Agarrava-o pelo pescoço e o arrastava para suas aventuras e a sua vida de loucura. E embora ele pensasse que só queria paz e tranqüilidade, ela fazia que quisesse permanecer ali, em meio ao caos.

Ouviu-a aproximar-se. Reconheceu seus passos e sentiu o calor de sua presença. Ela pôs uma mão em seu ombro.

—Sei que dói, Lou. Deve doer muito mais do que eu possa imaginar.

Ele pensou em negar, dizer que só precisava tomar ar. Mas depois de tudo, era Maxie. Ela sabia.

—Não se parece nada com Jimmy; nem sequer tem a mesma idade, mas... esse abraço me golpeou como um martelo.

—Sei — ela se colocou frente a ele —. Sente falta dele.

—Muitíssimo.

A jovem assentiu.

—Eu vivi algo similar quando pensei que ia perder Stormy. E sei que isso não pode comparar-se a perder um filho — o abraçou pela cintura e o atraiu para si —. Eu estou ao seu lado, Lou. Como amiga, se não puder ser nada mais, mas estou aqui. Sempre estarei.

Lou fechou os olhos com força e a abraçou também.

—Sei. Sei.

Permaneceram assim uns momentos. Depois Lou a soltou.

—Deveríamos voltar para dentro. Stormy pensará que perdi o juízo completamente.

Maxie sorriu.

—Não se preocupe, não contarei de Jimmy. Eu não faria isso com você.

Ele sabia que ela não faria. Às vezes o surpreendia dar-se conta de até que ponto confiava naquela ruiva louca.

—Sabe de uma coisa? — puxou a mão dela e a puxou para a porta.

—O que?

—Fico feliz de que esteja aqui.

—Já sei — o sorriso malicioso que ela esboçou fez que Lou desejasse poder ser algo mais que seu amigo. Poder ser capaz de dar o amor que ela merecia. Sentiu uma pontada de desejo no peito, mas a reprimiu e voltaram juntos ao quarto.

Sid elevou a vista assim que entraram.

—Eu sei onde vive o homem da noite — disse —, mas é melhor não ir lá.

Lou se aproximou e se agachou para ficar a sua altura.

—Se não souber onde vive, como vou ter certeza de que não vou lá? Poderia ir por engano.

O menino franziu o cenho pensando naquilo. Apertou os lábios e assentiu com a cabeça.

—É na ilha. Na água. Só se pode ver do farol.

—Ahhh, claro, o farol. E o farol está...?

—Tem que ir andando. Está nesse caminho sujo mais à frente da cidade.

Lou despenteou seu cabelo.

—Obrigado, filho. Ajudou muito.

—Sim?

—Sim — Lou tirou uma nota de vinte dólares e o deu —. Para você. Coloca em seu cofre, certo?

—Certo — Saltou da cama e correu à porta, mas se deteve e virou para abraçar Lou. Depois partiu a toda velocidade.

Lou se virou devagar.

—Acredito que terá que tirar esse menino desta cidade — comentou Stormy com suavidade —. Se algo do que acredita que sabe é certo...

—É ridículo — interveio Jason —. Não pode saber nada. E o que são essas tolices de um “homem da noite”? Parece que viu muitos filmes de monstros.

Maxie olhou para os outros com ar interrogativo. Lou assentiu. Stormy, mais devagar, também.

—Jason — disse —. Sid é a única pessoa desta cidade que não parece... apagada, quase sedada. E acredito que sei por que.

—Acha que alguém está drogando a água?

—Não. Acredito que toda esta cidade está sob a influência de um vampiro.

—Um vampi...? Já estamos outra vez com os vampiros, Max? — Jason começou a sorrir, mas seu sorriso se apagou ao ver o olhar dela —. Acha que minha irmã foi levada por um vampiro?

—Não disse nada antes porque não queria te assustar, mas o homem que veio atrás de mim... era um vampiro.

Jason a olhou nos olhos. Engoliu saliva com força.

—Não sei o que dizer. Parece-me que não acredito. Que não quero fazê-lo.

Afastou-se uns passos com ar confuso.

—Sid está em perigo — disse Maxie —. Sobretudo se alguém se der conta de que é imune ao tipo de poder que tem esse vampiro sobre todos os outros habitantes daqui.

Stormy arqueou as sobrancelhas.

—Acha que esse tipo faria mal a um menino?

—Delia e Janie são quase umas meninas — respondeu Maxie. Jason se virou para olhá-la.

—Mas não fez nada a elas — quando viu que todos o olhavam, continuou —. Até onde sabemos. De todo jeito, nunca fez nada, assim podemos supor que... Se fosse um ser diabólico, por que todas as outras mulheres apareceram ilesas?

—Não sei — respondeu Maxie —, mas tem razão. É melhor pensar assim.

—Estou de acordo com Jason — interveio Stormy —. Não acredito que seja capaz de matar ninguém.

Lou a olhou nos olhos.

—Em que se baseia essa opinião?

Stormy se encolheu de ombros.

—Não sei. Uma intuição?

—Sid disse que estava economizando para ir a um colégio privado — comentou Lou —. O que acham se ele tiver a oportunidade de visitar um com todos os gastos pagos? Colocamos um par de centenas de dólares para um quarto em um albergue juvenil, dinheiro para a viagem e o inscrevemos.

—Se sua mãe estiver de acordo, pode ser que funcione — respondeu Maxie.

—Eu posso procurar um colégio na Internet — interveio Stormy —. Preparar tudo.

—Faça com que fique pelo menos três dias — sugeriu Lou —. Se sua mãe se afastar um tempo daqui, talvez limpe a cabeça e pense duas vezes antes de voltar.

—Podemos ligar para ela quando estiver fora e ver se se mostra razoável. E sugerir que não tenha pressa em voltar.

—Certo — assentiu Lou —, E enquanto isso...

—Enquanto isso — disse Maxie, esfregando as mãos —. Nós temos que visitar uma ilha.

 

Em todo Endover só havia um lugar onde alugar botes. Estava situado em um edifício que parecia um palheiro na beira da água, e na parte dianteira tinha escritas as palavras “Aluguel de botes de Endover”. Havia vários cais e meia dúzia de lanchas a motor de diferentes tamanhos, algumas amarradas no cais e balançando-se serenamente na água; outras presas a ganchos uns metros fora do alcance das ondas que lambiam com gentileza e perseverança a borda de areia e pedrinhas.

—Isto é muito bonito — murmurou Stormy quando saíram do jipe de Jason. Permaneceu um momento olhando a vista: água azul escura salteada de cristas brancas pequenas até onde alcançavam os olhos.

—É bonito — assentiu Maxie —. Eu gosto do mar — respirou fundo o ar marinho, mas em vez de sentir-se revitalizada, fez-a bocejar. Suspirou e seguiu Lou, que já se dirigia à entrada, uma porta pequena ao lado de outra muito maior, com um sinal na parte superior que dizia: “Escritório”.

Lou bateu duas vezes com os dedos, abriu a porta e colocou a cabeça.

—Olá? Há alguém?

Um homem baixinho e magro apareceu. Estava se barbeando, vestia um macacão de trabalho e secava as mãos em um pano. Sorriu com dentes brancos e uniformes e levou uma mão à boina de cor verde oliva.

—Vamos — disse —. No que posso servi-los?

—Stan, certo? — perguntou Lou, olhando a placa que levava no macacão. Estendeu a mão —. Lou Malone.

—Fico feliz em conhecê-lo. Temo que não tenham vindo em um bom momento.

—Não?

—Não. Não tenho lanchas disponíveis. Suponho que queriam alugar uma.

—Sim, queríamos.

O homem jogou a boina para trás e passou uma mão pelo cabelo.

—Sinto muito.

Lou franziu o cenho.

—Está dizendo que todas essas lanchas estão alugadas?

—Só as que funcionam. Esta última semana tivemos muitos problemas com os motores.

—Ah, sim? — Stan assentiu.

—E suponho que não conhecerá outro lugar onde possamos alugar uma lancha por aqui.

—Este é o único. Voltem amanhã ou depois e possivelmente possa dar algo a vocês. Certo?

—Claro — respondeu Lou —. Voltaremos.

O homem assentiu. Maxie abriu a boca para protestar, mas Lou pôs uma mão no seu braço e a olhou nos olhos e ela ficou em silêncio e foi com os outros até o jipe. Lou não falou até que se afastaram do lugar.

—Alguém acreditou no que disse Stan? — perguntou.

—Para mim as lanchas pareciam em bom estado — respondeu Maxie —. E não é possível que estejam todas avariadas.

— Eu penso o mesmo. Mas ele não parecia estar mentindo.

Jason franziu o cenho diante do comentário.

—Lou foi policial durante vinte anos e sabe perceber quando alguém mente — explicou Maxie —. Acerta mais vezes que um detector de mentiras. E acha que dizia a verdade? — perguntou.

—Embora não tenha sentido, sim. Ou pelo menos que ele acreditava que era a verdade.

Maxie franziu o cenho e inclinou a cabeça a um lado.

—Tinha uma expressão vazia nos olhos — disse Stormy —. Como tantos outros nesta cidade. Lou suspirou.

—Vamos um momento pela costa. Tem que haver um bote em alguma parte que possamos pedir emprestado ou roubar. Estamos ao lado do mar, não?

Uns oito quilômetros depois, Maxie pensou que tinham encontrado o que procuravam. Um bote que balançava gentilmente nas ondas, preso a um cais e sem uma casa à vista.

—Pare aqui — disse.

Pararam o carro e olharam ao redor.

—O que acha? — perguntou Maxie.

—O que acho? — Lou a olhou —. Acho que não é nosso.

—Você disse pedir emprestado ou roubar — recordou ela.

—Esperava que fosse o primeiro.

A jovem se encolheu de ombros.

—E é. Vamos pegá-lo emprestado.

—Sem permissão. Isso é roubar.

— Uma vez policial, sempre policial — suspirou ela.

—Como sabemos que está bem? — perguntou Jason.

Saíram do jipe e se aproximaram da borda da água.

Maxie olhou o bote e suspirou.

—Não tem motor e olhem esse buraco no fundo. Essas cordas não são para evitar que se afaste flutuando, mas para evitar que afunde.

—Isso resolve a questão do roubo.

Maxie franziu o cenho e se inclinou sobre o bote.

—Olhem esse buraco. Qual a probabilidade de que se choque com uma rocha que provoque um buraco assim? É quase um círculo perfeito. E bem no centro.

—Pode acontecer — respondeu Lou.

—Parece que o golpearam com um martelo — Maxie olhou para Stormy, que por sua vez olhava algo distante. Virou-se para lá e viu a parte superior de um farol, apenas visível atrás de uma curva. — Lou — disse —. Olhe.

Ele assentiu com a cabeça.

—Temos que ir ali — comentou Stormy.

Maxie pôs uma mão em seu ombro.

—Está bem? Parece um pouco...

—Estou bem — ela piscou e sacudiu a cabeça —. Temos que ir ao farol.

—Certo. Iremos.

Voltaram para o jipe. Stormy tirou o mapa da cidade e encontraram o dedo pequeno que assinalava uma península. Não mostrava nenhum farol, mas era o único lugar do mapa que encaixava com aquela posição. E ao que parece, não havia estradas que chegassem até ali. Muito estranho. Mas por fim encontraram um caminho de terra pouco transitável que terminava em uma grade com muitos sinais de “Proibido o acesso”. Jason saiu para abrir a grade e moveu a cabeça. Apontou para um cadeado e uma corrente.

—Parece que terá que continuar a pé — murmurou Maxie.

Lou parecia nervoso.

—Acredito que Stormy e você deveriam voltar para o motel. Jason e eu exploraremos isto.

—Deixa de ser cavalheiresco. Somos tão capazes como vocês — respondeu Maxie —. Além disso, no momento, só temos um veículo. Ou vamos juntos ou não vamos.

Ele suspirou.

—Não penso em ceder — adiantou ela —. Então, pode deixar de pensar em mais razões.

Lou assentiu e saiu do veículo. Os quatro saltaram a grade e seguiram andando pelo caminho de terra. Percorreram mais de um quilômetro e meio, mas acabaram por avistar o farol. Saíram do caminho rodeado de árvores na clareira formada pelo dedo de terra que parecia fazer sinais ao mar para que se aproximasse. Na ponta se levantava o farol, um pouco inclinado, branco em outro tempo e necessitado agora de uma mão de pintura. No telhado faltavam telhas e havia vidros quebrados nas janelas de cima. Os que seguiam intactos estavam cobertos de imundície e pó.

—Este lugar não é usado há anos — sussurrou Max; e em seguida se perguntou por que sussurrava. Aquele lugar tinha algo que impulsionava a baixar a voz.

Aproximaram-se do edifício e Lou apontou o mar.

—Olhem. Aí está a ilha que mencionou Sid. Disse que só se via do farol.

—Acha que o homem da noite vive aí? — perguntou Stormy.

Lou se encolheu de ombros.

—Impossível saber. Primeiro de tudo, vamos examinar o farol.

Jason os seguiu em silêncio. Maxie sabia que aquilo devia ser muito doloroso para ele, não sabendo o que podiam encontrar dentro.

Caminharam juntos até a única entrada visível, uma porta vermelha pequena e com a pintura desgastada e uma maçaneta suja de bronze. Maxie tentou, mas não girou.

—Que estranho! — comentou —. Quem se importa em fechar um lugar que tem a metade das janelas quebradas?

Lou se encolheu de ombros. E embora se mostrasse resistente a roubar, não parecia colocar empecilhos à invasão de moradia. Colocou-a a um lado, pegou a maçaneta e golpeou com o ombro a porta, que se abriu sem muita resistência. Maxie olhou dentro e Lou se colocou ao seu lado, pôs uma mão no seu braço e olhou o lugar com atenção.

Não havia rastros de presença humana. O pó e as teias de aranha cobriam tudo. As tábuas do chão eram antigas e inacabadas, com espaços grandes entre elas. Lou apontou para baixo.

—Rastros de pés no pó. Olhem. — Todos olharam.

—Alguém esteve aqui recentemente — comentou Maxie.

—Mais de uma pessoa.

Maxie assentiu.

Entraram e seguiram as pisadas, que levavam a uma porta desmantelada, e quando Lou a abriu de um empurrão, viram umas escadas que baixavam em espiral.

—Alguém trouxe por acaso uma lanterna? — perguntou Lou.

—Eu — Jason se adiantou, tirando sua lanterna. Tocou Maxie com o cotovelo —. Será melhor que volte. Acontece alguma coisa com Stormy. Está muito estranha desde que entramos. Lou e eu investigaremos isto.

Maxie não duvidou. Olhou atrás deles. Stormy estava sentada no chão debaixo de uma janela com as costas apoiada na parede e a vista cravada no vazio. Maxie correu para ela enquanto Lou e Jason baixavam as escadas.

—Stormy? O que aconteceu?

—Não sei, não sei — disse a interpelada —. Há algo... — levou as mãos à cabeça, fechou os olhos e começou a balançar-se levemente.

—Dói algo?

—É... Eu....

—Me diga algo, por favor!

Stormy deixou de balançar-se e levantou a cabeça com olhos furiosos e chamejantes... e muito negros. Olhou Maxie e sussurrou:

— Vitlpea banana un cade in curse.

 

Lou desceu as escadas atrás do raio de luz que Jason apontava para o chão. E de repente já não pôde avançar mais porque uma porta com grades tipo cela bloqueava o caminho.

—Jesus Cristo! — exclamou Jason. Lou pegou a lanterna e iluminou a porta. Puxou ela e a abriu entre gemidos de suas dobradiças. Enfocou a fechadura, que parecia operacional. E as grades eram tão fortes que não acreditava que uma pessoa normal conseguisse sair dali se a deixassem presa.

Entrou e moveu lentamente a lanterna pelo interior da cela. Era um lugar redondo, igual ao farol. Pequena, de pouco mais de quatro metros de diâmetro, com paredes de pedra e argamassa, chão de terra. Iluminou o chão em busca de pistas. Sentia-se já aliviado de que não houvesse corpos esperando-os e esperava não encontrar outras amostras de violência. Passou o raio de luz pelo chão.

—Espere! — disse Jason—. Volte um pouco. Vi algo.

Lou voltou a lanterna um pouco e iluminou algo brilhante, que lançava reflexos. Estreitou os olhos.

Parecia...

Jason se adiantou, colocou-se de joelhos e levantou o objeto.

—É um prendedor de cabelo. Uma presilha — murmurou.

Lou o olhou e Jason se virou para ele.

—É de Delia — fechou os olhos —. Meu Deus! Esteve aqui... neste buraco. Deve ter se sentido aterrorizada.

—Não há razão para pensar que não continue viva — comentou Lou; embora desconfiasse de Jason, nesse momento se compadecia dele.

—Lou!

Os dois homens se viraram para ouvir o grito de Maxie. Lou subiu correndo e Jason se levantou e o seguiu. Quando chegaram acima, viram que Maxie retrocedia afastando-se de Stormy, que se levantava devagar do chão a olhando fixamente com o rosto retorcido em uma careta.

Ce ti-e saris, infrunte ri-e pus! — gritou. E se lançou sobre Maxie com um grito, com as mãos levantadas como garras.

—Que demônios...? — gritou Jason.

Lou se colocou na frente de Maxie, agarrou Stormy pelos ombros ela arranhou seu rosto e começou a dar muros nele para se soltar. Até que parou de repente e caiu com os olhos em branco.

Lou a segurou contra ele e a levantou em velo, surpreso como seu corpo parecia inerte e sem vida.

—Terá que tirá-la daqui — se virou e Maxie gritou.

—O que foi? — perguntou ele.

—Arranhou-o muito!

—Não importa, estou bem — declarou ele com firmeza —. Vamos levá-la para o carro.

A jovem assentiu e começou a andar para a porta.

—Não sei o que aconteceu. Estava sentada no chão parecendo enjoada e parecia que sofria, embora não tenha certeza. E, de repente, se levantou e se jogou contra mim gritando em uma língua que não conheço.

—O que fez com as últimas coisas que disse... as que eu anotei?

—Enviei por e-mail a um lingüista da Universidade da Pennsylvania. Ainda não soube de nada, mas não é fácil usar o computador sem que ela saiba. Fica no seu quarto.

Lou assentiu; a cabeça de Stormy caía para trás em seus braços como se fosse de uma boneca de pano.

—Acredito que deve apressar esse lingüista assim que voltarmos. E acredito que, neste momento, não deve se importar de fazer diante dela. Se não gostar, sinto muito.

—Estou de acordo. O que encontrou no porão?

—Uma cela — respondeu Jason —. Uma jaula pequena e escura com chão de terra e barras de aço. E o prendedor de cabelo de Delia.

—Oh, Santo céu! — murmurou Maxie —. Então ela esteve ali.

—Esteve — respondeu Jason. Parecia zangado, mais furioso do que Maxie o tinha visto antes —. Matarei esse filho da mãe.

Maxie engoliu saliva.

—Temos que ir à ilha. Deve ser ali onde mantêm as garotas.

—Esta noite não — respondeu Lou.

—Mas...

—Ouça, o que sabemos até o momento? Sabemos que lutamos com um vampiro que parece ter o costume de seqüestrar mulheres, apagar sua mente e liberá-las. Sabemos que o chefe de polícia certamente está junto com ele e que o resto da cidade participa de boa vontade ou está sob uma espécie de... influência. Temos que usar o senso comum. Estamos em minoria e começa a escurecer. Não queremos ir contra esse bastardo na escuridão. Estamos em desvantagem e precisamos aproveitar ao máximo tudo o que possa nos ajudar. Temos que voltar para o motel agora mesmo.

Maxie não queria esperar. Só Deus sabia o que podiam estar sofrendo aquelas garotas... se é que na verdade estivessem na ilha. E se continuavam vivas.

—Não compreendo — disse Jason —. Se esse tipo for de verdade um... um vampiro... o que faz com as garotas que leva lá?

Maxie olhou para Lou nos olhos e viu que estavam muito escuros. Compreendeu que ele também estava zangado. Zangado porque a tinham atacado e porque havia duas adolescentes a mercê de um vampiro descarado.

—A única coisa que sabemos com certeza é que as devolve ilesas — respondeu.

—Mas... o que faz com elas até esse momento?

Lou fechou os olhos. Maxie afastou a vista.

—Acham que... alimenta-se delas?

—Minha opinião é que sim — confessou Lou.

Jason lançou um xingamento e pareceu capaz de chegar ao assassinato.

—Não é tão ruim como você imagina — disse Lou —. Não há dor. E se apaga sua memória e as deixa ilesas, certamente sua irmã não corre um perigo iminente. De fato, corre menos perigo que Maxie neste momento com sua melhor amiga.

A jovem pôs uma mão em seu ombro.

—Stormy não me teria feito mal, Lou.

Ele a olhou.

—Há pouco era tão forte como um homem. Não sei que diabos está acontecendo, mas... acredito que não era Stormy. Acredito que não era ela de forma alguma.

Maxie sustentou seu olhar. Estava de acordo com ele. A pessoa a que acabava de ver gritando em uma língua estrangeira não era Stormy.

—Seus olhos mudaram outra vez. Eram de uma cor diferente.

Lou apertou os lábios, mas não disse nada.

—Me deixe levá-la um momento — se ofereceu Jason —. Quando me cansar, passo outra vez para você.

Lou assentiu e pôs Stormy em seus braços. Aproximou-se de Maxie e passou um braço por seus ombros.

—Está sangrando — disse ela.

—Melhor eu que você.

—Obrigada. Sempre está do meu lado para me salvar.

Ele a olhou nos olhos.

—E sempre estarei — tocou os arranhões do rosto e olhou o sangue que havia em seus dedos.

—No motel tenho pomada anti-séptica — disse ela —. O médico deixou para a cabeça. Curarei seus arranhões assim que voltemos.

O primeiro impulso de Lou foi dizer que podia fazer sozinho, mas pensou melhor e ficou em silêncio.

Maxie passou um braço pela sua cintura e apoiou a cabeça em seu ombro.

—Devo dizer que estou começando a me assustar. Não sei com que classe de vampiro estamos lutando, mas tem que ser muito poderoso. Se for capaz de manter a uma cidade inteira sob seu domínio... E talvez também exerça algum tipo de controle mental sobre Stormy.

—A questão é por que ela e não nós.

Maxie moveu a cabeça. Já via a grade e o céu se escurecia aos poucos. Lou a soltou.

—Meu turno.

Jason passou Stormy, que abriu os olhos e levantou a cabeça, piscando.

—Stormy?

Ela olhou para Maxie com o cenho franzido. Olhou depois para Lou e arregalou os olhos.

—O que aconteceu com você?

Lou relaxou. Era a voz de Stormy e falava inglês. E seus olhos tinham a cor adequada.

—Maxie, Lou está sangrando — disse Stormy —. O que aconteceu? Onde... onde estamos? Onde está o farol?

—Estamos retornando — respondeu Lou —. Desmaiou outra vez. E eu tive um mau encontro com um... esquilo furioso. Não foi nada.

Stormy franziu o cenho e olhou de novo para Max; estava claro que não acreditava.

—Relaxe — disse Lou.

—Por que me leva nos braços?

—Já disse que desmaiou outra vez.

—Mas já posso andar. Abaixe-me.

Embora não gostasse da idéia, Lou obedeceu.

Stormy se endireitou, mas os joelhos se dobraram e teve que agarrar-se a Lou. Recuperou-se, fincou os pés no chão e o soltou.

—Maldição! Um enjôo, nada mais.

—Tem certeza que está bem? — perguntou Maxie.

—Certeza — olhou a todos e, embora Maxie e Lou fingiam que não acontecia nada estranho, Jason a olhava como se fosse um cão raivoso a ponto de atacar.

—Meu Deus! — sussurrou Stormy —. O que aconteceu?

—Vamos, deixe que eu ajude você a pular a grade — interveio Maxie —. Falaremos disso no motel, certo?

Stormy se aproximou da grade, mas se deteve de repente e olhou as mãos. Levantou-as com os dedos abertos e olhou para Lou piscando.

—Tenho as unhas quebradas... há sangue. Meu Deus! Fui eu que fiz isso em você,não é verdade?

Lou suspirou.

—Ouça, teve um lapso momentâneo...

—Uma experiência fora de seu corpo ou algo assim — disse Maxie.

—Eu fiz isso. Não posso acreditar... por que eu...? — levou as mãos à cabeça —. Que diabos está acontecendo comigo?

Stormy não tinha estado tão assustada em toda sua vida, nem sequer quando tinha metido uma bala no seu corpo um homem que a tinha atraído ao apartamento de Lou porque queria culpá-lo pelo assassinato dela. Então não tinha tido tempo de assustar-se. Tinha cruzado a porta, ouvido um ruído seco e sentido sua cabeça cair para trás. Não tinha havido dor, nem tempo para ceder ao pânico.

O de agora era muito diferente. Sentia-se atacada, mas não do exterior. Esse atacante parecia golpeá-la de dentro, do interior de sua mente e de seu corpo.

E não sabia como acontecia.

—Não tem bom aspecto — Maxie entrou ao seu lado no quarto de Lou. Tinha tentado convencê-la que fosse ao seu, mas Stormy sabia que tinha trabalho. E de toda forma, sabia que não poderia dormir —. Vou mandar Jason comprar algo para o jantar. Direi que traga algum chá para você.

—Obrigada, mas gostaria de mais hambúrgueres, batatas fritas, um milk-shake e algo de beber que me estimule.

Maxie sorriu. Stormy pôde ver o alívio em seus olhos e jurou que tentaria agir como sempre... embora não se sentisse como sempre de jeito nenhum.

—E os outros? — perguntou —. Calorias para todos?

—Me parece bom, e mataria por uma cerveja para acompanhar — respondeu Lou.

—Espere — Maxie se aproximou do telefone, tomou a caderneta que havia ao lado e fez uma lista —. Coca-cola light, seis latas de cerveja, hambúrgueres e batatas fritas para todos?

—E um milk-shake de chocolate — acrescentou Stormy.

A mera idéia fazia que seu estômago se revirasse, mas se confessasse isso, Maxie se preocuparia ainda mais com ela... se é que isso era possível.

Maxie anotou algo e estendeu a caderneta a Jason.

—Quer ir buscá-lo?

Stormy o olhou. Estava horrível, com um aspecto tão ruim como certamente tinha ela. Tinha círculos ao redor dos olhos e parecia enjoado e confuso. A jovem duvidava que tivesse interesse em sair com ela depois do que acabava de ver. Agora parecia ter medo dela, embora, quem poderia culpá-lo por isso?

—Eu não posso comer — respondeu Jason. Olhou pela janela distraído —. Mas irei buscá-lo. Não há nada mais que possa fazer neste momento. Meu Deus! Quero que volte já. Isto está me matando.

—Tudo sairá bem, Jason. Uma noite mais e amanhã iremos a essa ilha custe o que custar — prometeu Maxie.

Ele assentiu, arrancou a primeira folha da caderneta e saiu do quarto.

Maxie lambeu os lábios.

—Também precisamos que alguém procure algumas dessas outras mulheres. Falar com elas para ver se conseguimos descobrir algo.

Stormy assentiu com a cabeça.

—Eu poderia começar isso esta noite.

—Esta noite você deveria descansar. Depois do que aconteceu...

—O que é que aconteceu? — interrompeu Stormy —. O problema é que não sabemos o que aconteceu. Não sabemos — olhou para Lou, que tinha entrado no banheiro e lavava o rosto na pia —. Como pude fazer isso e nem sequer me lembrar?

—Não sei.

Stormy moveu a cabeça, aproximou-se da cama e se sentou.

—Deveriam me prender até que saibamos o que está acontecendo. Só Deus sabe o que posso chegar a fazer. Tenho a sensação de que estou perdendo o controle de meu corpo, de que há um desconhecido que se apropria dele a vontade — fechou os olhos —. E é uma sensação horrível.

—Deve ser — Maxie se sentou ao seu lado.

—O que você acha que é, Maxie?

—Não sei.

Stormy a olhou nos olhos.

—Tem uma teoria. Vamos, você sempre tem uma teoria. O que acha que está acontecendo?

Maxie apertou os lábios, baixou a vista e lançou um olhar rápido ao banheiro. Lou tinha fechado a porta e ela ouviu abrir o chuveiro e supôs que não podia ouvi-la.

—Me parece que tem algo a ver com o coma.

—Eu também pensei nisso. Mas não compreendo...

—Lembra que quando saiu dele disse que tinha se perdido? Que tinha vagado por um lugar escuro, incapaz de encontrar seu caminho de volta? E que lá encontrou a minha irmã?

—Morgan, sim. Lembro. Ela me ajudou a encontrar o caminho de volta — Stormy baixou a cabeça —. E ela também lembrava. Reconheceu-me quando me viu, embora não nos conhecêssemos antes.

—O que significa que, de certo modo, foi real. Esse lugar a que foi. Pôde se relacionar com outras pessoas, com outros... seres.

—Suponho que sim. Sim.

—Lembra se encontrou com alguém mais enquanto estava lá?

Stormy franziu o cenho.

—Não... Não.

—Parece insegura.

Stormy encolheu de ombros. Tinha havido outros encontros, mas tinham sido consigo mesma. Tinha visto sua vida passar diante de seus olhos, cenas de sua infância. Tinha visto sua primeira infância, tempos felizes com seus pais. Viu-se encontrando com Jason e Maxie na segunda série e como ficaram amigos desde o começo. Havia visto muitas coisas.

Mas nada disso contava.

—Houve outros. Gente que passava rapidamente por nós. Pensávamos que eram pessoas que não estavam... presas ou perdidas como nós. Que elas sabiam onde se supunha que estavam... era como um desfile de almas que passavam voando como cometas, para o outro lado ou dele. Foram em ambas as direções. Parecia que nós estávamos em uma espécie de... estação de passagem. Um ponto intermediário. Mas além delas, não vi ninguém mais.

—Pois eu acredito que possivelmente sim. Pode ser que não se lembre ou que nem sequer fosse consciente disso, mas acredito que alguém... ou algo... voltou aqui contigo.

Stormy ficou sem fala. A teoria de Maxie encaixava tão bem com o que ela havia sentido que lhe dava calafrios.

—Pode ser uma espécie de... não sei. Acha que algo entrou em seu corpo enquanto você estava fora dele? Que algo se instalou aí e agora não quer partir?

Stormy fechou os olhos.

—Uma... espécie de posse?

—Quando acontece isso, seus olhos mudam de cor. Sua voz muda. E não posso ter certeza, mas acredito que fala em outra língua. É como se fosse outra pessoa.

Stormy não pôde parar o soluço que subiu pela sua garganta e esteve a ponto de afogá-la. Dobrou-se sobre si mesmo, abraçada a sua cintura, lutando contra uma sensação de pânico que não queria abandoná-la.

Maxie acariciou suas costas e seus ombros.

—Pode ser que esteja equivocada, poderia ser outra coisa, mas...

—Tenho a sensação de que está certa. Meu Deus, Max! Quero que saia de mim. Como faço que saia de mim?

—Não sei. Mas prometo que descobriremos.

Quando Jason Beck chegou ao restaurante, já era de noite. Saiu do jipe e procurou a entrada, mas o vampiro não o deixou entrar. Rodeou o seu pescoço com um braço por trás e antes que Beck pudesse piscar, jogou-o em um beco e o empurrou contra a parede de tijolo.

—O que acha que está fazendo, Jason Beck?

—Ah, por favor, tome cuidado!

O vampiro afrouxou a pressão do braço, mas não o soltou.

—Não tenho intenção de ir com cuidado contigo. Você tinha ordens. Disse que fosse paciente e esperasse instruções. E você deixou que esses bastardos fofoqueiros entrassem no meu farol.

—Eu não podia detê-los sem me delatar. Quer me soltar, por favor? Não vou fugir.

O vampiro o soltou e ouviu seus pensamentos. Pensava: Este não é um homem, é um vampiro. O animal que tem a vida de minha irmã em suas mãos.

Jason plantou os pés no chão com mais firmeza e ajeitou a jaqueta, que tinha subido à altura dos ombros.

Levantou o queixo.

—Tudo isto é necessário? Não poderíamos falar tomando uma cerveja dentro do restaurante? Ninguém nesta cidade vai desafiá-lo.

O vampiro esboçou um sorriso lento e deliberado.

—Certo. E o que é isto, então... uma tentativa de ser meu amigo? Não funcionará, Jason Beck. Eu não tenho amigos. E nunca bebo... cerveja — seu sorriso se apagou —. Mas você já sabe disso, certo? O que descobriu no farol?

—Vi onde prendeu a minha irmã. Meu Deus! Que classe de monstro pode colocar uma garota jovem em um buraco assim?

O vampiro sentiu uma pontada de remorso e teve que baixar a vista, mas só um instante.

—As garotas estiveram muito pouco tempo ali. Asseguro que neste momento estão em um lugar luxuoso, como você mesmo viu quando foi vê-las. Têm cinema, piscina e inclusive uma sauna. Minha casa tem todas as comodidades. Desfrutam de comidas de gourmet e dos melhores cuidados, e seguirão fazendo-o enquanto você cumpra minhas instruções ao pé da letra — franziu o cenho ao ver os olhos de Jason, escurecidos por seus pensamentos de pesadelo —. Seus medos são infundados. Eu não a provei. Eu não gosto de meninas. Deixe de se torturar com esses pensamentos e se concentre no que terá que fazer.

Notou que Jason não sabia se acreditava nele, mas que confiava que o que dizia era certo.

—Tenho entendido que os microfones dos telefones dos quartos do motel já não funcionam.

—Isso não foi por mim, mas sim por Malone, o ex-policial. Encontrou um em seu quarto e achou os demais. Se eu o tivesse parado, teria sabido que ocultava algo.

O vampiro olhou-o nos olhos, na mente, e assentiu.

—Não importa. Posso segui-los sem ajuda eletrônica.

Jason engoliu saliva e assentiu.

—Fiz o que me pediu. Consegui que Maxie e Stormy viessem aqui. Não sei mais o quer de mim.

O vampiro arqueou suas sobrancelhas escuras.

—Oh, muito mais. Encontrei parte da informação que a mulher chamada Maxie reuniu sobre... certos assuntos. Mas ainda não sei tudo o que preciso saber sobre ela. E menos ainda o que preciso saber sobre a outra mulher, a que chama Stormy. Ela me interessa muito mais.

Jason levantou a cabeça com rapidez.

—Que interesse pode ter nela?

—Isso não é teu assunto. Está... doente?

Jason negou com a cabeça.

—Há uns meses deram um tiro na sua cabeça. Passou um tempo em coma. Agora parece haver... efeitos secundários. Ou algo.

—Ou algo?

Jason se encolheu de ombros.

—Algumas vezes perde o sentido. Antes parece ficar em branco e... não sei como descrevê-lo... é como se perdesse o juízo.

O vampiro estreitou os olhos, mas na mente do jovem não pôde encontrar nada que indicasse que mentia.

—O que descobriram os médicos quando a levaram ao hospital?

—Nada. Não encontraram nada. Malone parece pensar que é você que está brincando com sua mente.

—Eu não sou. Se acontecer algo, não se deve a nenhuma interferência por minha parte. Você... tem sentimentos por essa... Stormy?

—Somos amigos, nada mais.

O vampiro assentiu.

—E fará bem em procurar não passar daí.

Jason franziu o cenho.

—Que diabos significa isso?

—Não deve tocar na mulher chamada Stormy. Compreende?

Jason não respondeu. Estava zangado, muito zangado, mas sabia que não podia desafiar o homem que estava diante dele. Que não tinha nenhuma possibilidade contra ele. Jason não era tolo.

E o vampiro pensou que era melhor assim.

—Preciso das mulheres, das duas. Tem que trazê-las para minha ilha sem o homem.

—Não. Ouça, se quer falar com Maxie, por que não vai ao motel e pergunta o que quer saber? Asseguro que não se negará a dizer algo se souber que a vida de minha irmã depende disso.

O vampiro sustentou seu olhar. O de Jason era intenso e decidido.

—Trará as mulheres à ilha. De noite, só de noite e sem esse Malone. Se o fizer, liberarei sua irmã e sua amiga. Se não...

—São minhas amigas — Jason quebrou a voz —. Não posso entregá-las assim.

—Não tenho intenção de fazer nenhum dano a elas.

Jason moveu a cabeça.

—E como diabos quer que acredite nisso?

—Não me importo se acredita ou não. Preciso das mulheres e você me entregará isso. Encontre um jeito.

Jason baixou a cabeça.

—Tentarei.

—Três noites contando a partir de agora. Se na meia-noite da terceira noite não as trouxer até mim, virei buscá-las. Haverá derramamento de sangue. Seu sangue, de Malone e a de sua irmã. Compreende?

Jason assentiu, incapaz de olhá-lo nos olhos.

O vampiro sabia que não vacilaria em trair suas amigas para salvar a sua irmã.

Jason elevou a cabeça e, quando o vampiro se despediu, secou a umidade dos olhos. Dirigiu-se ao restaurante esforçando-se por deixar de tremer.

 

Maxie olhou a página que estava imprimindo e a tirou com impaciência da impressora.

—Onde diabos está Jason com a comida?

Mal acabou de falar quando alguém bateu na porta. Stormy foi abrir e Jason entrou com os braços carregados de sacolas. Stormy pegou uma, colocou na cama e tirou as seis latas de cerveja e dois pacotes de seis latas da Coca-cola.

—Vamos precisar de gelo.

Jason já tirava o conteúdo da outra sacola, que continha hambúrgueres e batatas fritas.

—Algum problema? — perguntou Lou.

—Não. O serviço era um pouco lento. Esta cidade precisa de mais restaurantes.

Maxie pensou que seu tom era muito animado, muito ligeiro, como se fosse falso, forçado.

—O que vocês fizeram? — perguntou Jason.

—Repassamos a lista de vítimas. Pessoas desaparecidas que apareceram depois. Algumas delas estão perto daqui. Ou pelo menos estavam quando escreveram os artigos. Stormy as está localizando pela Internet. Pensamos que poderíamos falar com elas.

—Boa idéia — disse Jason.

Maxie deixou de lado a folha de papel.

—Tenho alguns telefones. Ligarei depois de jantar.

—Esta noite? — ele parecia surpreso.

—Claro, esta noite. Por que esperar? Quanto antes descubramos tudo o que possamos, melhor para Delia.

Ele assentiu.

—Por quê? Há alguma razão pela qual acha que deveríamos esperar?

—Não — a negativa dele foi muito rápida —. Não, nenhuma. Só estou surpreso. Trabalham depressa.

—É a única velocidade que conhece — respondeu Lou —. Mas antes vamos comer.

Maxie sorriu e afastou o computador para deixar lugar na mesa para que se sentassem para jantar.

—Organizamos o de Sid e sua mãe. Stormy pediu um favor a um amigo que tem muitos contatos. Amanhã ligarão de um colégio privado. Acredito que tudo irá bem.

—Fico feliz — respondeu Jason —. Quanto antes o menino saia deste buraco infernal, melhor.

Vários hambúrgueres, batatas fritas e Coca-colas mais tarde, Maxie digitou um número com certo nervosismo. Olhou o relógio para ter certeza que não era muito tarde para ligar. Não eram ainda nove horas, então, pensou que não havia problema.

Lou, sentado ao seu lado, olhava a lista de nomes que havia na folha impressa.

—Começamos de cima? — perguntou.

Ela assentiu. Stormy pegou a extensão que havia perto da cama e dobrou as pernas sob ela para escutar.

—Diga? — respondeu uma voz suave e profunda de mulher.

—Olá. Quero falar com Lisette Campanelli.

Houve uma pausa.

—Quem é?

—Meu nome é Maxine Stuart. Investigo o desaparecimento de duas garotas perto da cidade de Endover.

—Sinto muito. Não está disponível.

Maxie decidiu tentar de novo.

—Lisette, por favor. São garotas do colégio.

Houve um silêncio do outro lado.

—Só quero falar com você. Nada mais. Vou vê-la onde você quiser.

Ouviu um suspiro.

—Não servirá de nada. Não sei nada disso.

—É mais do que eu sei— respondeu Maxie —. Sei que você desapareceu um tempo sob circunstâncias parecidas. Acredito que aconteceu a elas o mesmo que aconteceu com você.

—Espero que esteja errada.

—Então se lembra de algo?

De novo se fez silêncio. Maxie lutou para ser paciente e dar tempo à mulher. Por fim a ouviu suspirar.

—Verei você, mas em nenhum lugar perto de Endover.

—Compreendo.

—Você está lá agora? — perguntou a mulher.

—Sim.

—Nesse lugar acontece algo estranho. Não deveria ficar aí — houve uma pausa —. Em Manchester há um Starbucks.

—Só um? — riu Maxie, em um esforço para tirar o peso da conversa.

—Vários — respondeu a mulher —. Mas direi como chegar ao que estou falando.

Maxie olhou ao seu redor em busca de um mapa e viu que Stormy já tinha um mapa aberto na cama. Stormy tampou seu telefone com a mão e sussurrou.

—Está a sessenta quilômetros.

—Lisette, Manchester está a sessenta quilômetros daqui.

—Eu não vou me aproximar mais de Endover. Risquei uma linha invisível na metade deste estado e não penso em cruzá-la. Não me peça que o faça.

—Está bem, não farei. Posso estar em Manchester em uma hora. A cafeteria estará aberta?

—Eu já não saio de noite, senhorita Stuart. Mas a verei pela manhã. Às dez é muito cedo?

Maxie queria inspecionar a ilha pela manhã. Era vital fazê-lo.

—Seria melhor às doze.

—Às doze. Posso dizer o caminho?

Stormy já tinha uma caderneta e um lápis e assentiu com a cabeça.

—Sim — murmurou Maxie.

A mulher disse o caminho, que Stormy anotou.

—Obrigado, Lisette — disse Maxie quando terminou.

—Verei você amanhã.

Lisette desligou. Maxie respirou fundo, arqueou as sobrancelhas e olhou ao seu redor.

—Isso não foi fácil.

—Esperava que fosse? — perguntou Lou.

—Não. E não espero que seja mais fácil com as demais pessoas da lista — Maxie olhou para Stormy —. Acha que temos tempo suficiente para ir à ilha?

—Sim, se pudermos sair logo. O que significa que temos que encontrar um bote.

—Se não conseguir encontrar um, penso roubá-lo — declarou Maxie —. Fale você com a próxima pessoa da lista, Stormy. Está em Massachusetts. E a próxima vive no norte, em Maine. Teremos que dividir a lista se quisermos falar com todas.

—Com sorte, encontraremos as garotas antes de ter que ir a alguma dessas entrevistas.

—Mesmo que seja assim, acredito que deveríamos continuar com isto. Esse bastardo tem que parar.

Stormy assentiu e levantou o fone. Maxie discou o número, já que a lista estava mais perto dela.

—Esta se chama Mary Ann Prusinski — disse.

Quando terminaram, tinham cada uma duas entrevistas para o dia seguinte. Maxie iria primeiro a Manchester e depois a Newport, outros sessenta quilômetros para o interior. Stormy iria ao sul, a Boston e depois pararia em Lowell no caminho de volta. Maxie tinha pensado que uma das duas teria que deslocar-se ao norte, a Maine, para ver a quinta mulher da lista, mas quando ligou, soube que a mulher havia se suicidado.

 

Deveria ter esperado. Depois de tudo, estava há séculos esperando. Já teria que estar acostumado.

Mas não era assim. E por isso se encontrava no motel, movendo-se devagar na escuridão de porta em porta. Colocava em cada uma delas a palma na porta, fechava os olhos, abria sua mente e a buscava... a única que havia sentido desde que chegou ali. A única cuja fotografia o tinha sobressaltado daquele modo. Quem era? Por que o distraía sua presença até a loucura?

—Desculpe... há algo que possa fazer por você?

Esticou-se para ouvir a voz atrás dele e se perguntou como podia estar tão absorto por aquela mulher para permitir que um mortal o surpreendesse tão facilmente. Estudou rapidamente o homem que tinha atrás. Jovem, ingênuo... Gary, o encarregado do motel. Um dos seus, um boneco de pano impulsionado a fazer sua vontade, a proteger seus segredos, embora ele não soubesse. Gary era tão fiel que tinha deixado inconsciente a uma dessas mulheres quando a tinha surpreendido espiando. Quando ele foi atender o chamado do menino, pensava que era a loira a que estava no chão e estava decidido a levá-la consigo à ilha e furioso com o menino. Se lhe tinha feito algo...

Mas o golpe não tinha importância; e a vítima era a mulher equivocada.

Virou-se devagar e olhou ao Gary aos olhos.

—Está sonhando — disse —. Isto só é um sonho. Volte para sua cama e esqueça que me viu. Esqueça isso.

Gary não piscou. Tinha os olhos fixos e muito abertos.

—Um sonho — murmurou.

—Isso. Só um sonho. Esqueça, Gary. Vá para cama e esqueça — moveu a mão ante os olhos do jovem.

Gary se virou e foi arrastando os pés para o escritório do motel, onde entrou por uma porta traseira e foi diretamente para seu quarto e sua cama.

O vampiro assentiu com satisfação e voltou sua atenção à porta; apoiou a mão nela, tratando de captar sua presença.

Sim. Ela estava do outro lado. Dormindo profundamente na cama. Tão profundamente que nenhum sonho enfeitiçava sua mente.

Moveu a mão no trinco e notou que cedia. Abriu a porta e entrou devagar.

Não era a primeira vez que tinha visto a mulher estranha a que chamavam Stormy. Seu cabelo curto, suave e pálido, complementava-se muito bem com seu delicioso rosto. Seus olhos eram grandes e em forma de amêndoa e suas maçãs do rosto pareciam esculpidas pela mão de um criador amoroso. O nome ia bem, pois era fácil sentir a tormenta que vibrava em seu interior, inclusive nesse momento. O vampiro fechou os olhos e se aproximou da cama; deteve-se a um lado, desejoso de deixá-la dormir enquanto explorava os cantos mais profundos de sua mente.

Mas o que encontrou ali o sobressaltou de tal modo que se afastou com um suave estremecimento. A mulher não era uma... eram duas. Outro ser vivia em seu interior. Escondido nas profundidades ocultas de sua mente e dormindo agora, como a ela. Mas forte, e crescendo em força.

Ela se moveu. No quarto ao lado, alguém estava acordado e em movimento. Mas não pôde resistir à tentação de tocá-la. Só uma vez. Baixou a mão até seu cabelo e fechou os olhos ao sentir sua suavidade na palma. E logo passou os dedos pela bochecha dela, desejando que não despertasse.

Ela abriu os lábios e murmurou em sonhos. Palavras na língua nativa dele, palavras que o sobressaltaram bem no fundo. Iubirea ca moartea e de tare

—O amor é mais forte que a morte — sussurrou. Fixou os olhos no rosto dela —. Quem é você?

A única coisa que viu na mente dela, ao estudá-la mais a fundo, foi sua intenção de ir na manhã seguinte à ilha... levando consigo seus amigos.

Ele não podia permitir isso. Não à luz do dia nem com Malone. Aquele homem era um adversário muito forte para permitir que espiasse sua morada.

Por sorte, tinha modos de impedir que fossem ali de dia. Ele se encarregaria disso.

Precisava saber mais dessa mulher, dessa Stormy. Mas para isso precisava afastá-la dos outros, de seus protetores. Precisava dela a sós, longe de todos os outros.

Os movimentos no quarto ao lado se fizeram mais fortes e compreendeu que não demorariam a descobri-lo se não partisse. Não estava preparado para isso. Ainda não. Não tinha acumulado informação suficiente sobre essas mulheres... sobre o que faziam. Só tinha descoberto o suficiente para saber que eram perigosas para ele. Que tudo aquilo — incluindo a aparência de Stormy — podia ser parte de um plano para destrui-lo. Tinha que descobrir mais sobre elas antes de fazer algum movimento.

Além disso, não queria ter que tomá-la à força nem fazer mal a seus amigos no processo. Se fizesse, ganharia seu ódio, coisa que desejava evitar. Por isso tinha que ir. Mas resolveria o mistério daquela mulher, do poder que tinha sobre ele e da sensação que não podia ignorar que estavam destroçando lentamente a alma dela.

 

A primeira coisa que ouviu Maxie ao despertar pela manhã foram os ruídos de uma furiosa tempestade. Muito vento, relâmpagos e trovões tão altos que apenas se ouvia os golpes na porta.

Saltou da cama e foi abrir. Lou, Stormy e Jason entraram pingando.

—Quando começou isto? — perguntou Maxie, que fechou a porta contra a tempestade.

—Ao amanhecer — respondeu Lou. Tirou o agasalho impermeável e o sacudiu—. Vai ser um inferno ir à ilha com este tempo.

—E mais ainda encontrar um bote para chegar lá — acrescentou Stormy.

Maxie correu para o banheiro e voltou com toalhas. Deu uma a cada um.

Jason moveu a cabeça enquanto secava o rosto e o cabelo.

—Não podemos. Com esta tempestade não podemos nem tentar.

—Mas é preciso — protestou Maxie —. As garotas já estão há muito tempo a mercê desse maníaco.

Ele a olhou nos olhos.

—Poderíamos acabar afogados no processo. E quem as ajudaria então?

Lou baixou a cabeça.

—Talvez passe. Possivelmente se esperarmos até a tarde...

—Eu não quero esperar, Lou. — Ele a olhou nos olhos e ela soube em seguida que ele também não queria.

—Não é seguro, Maxie.

—Para quem? — ele afastou a vista —. Isso que penso. Caso se tratasse só de você, ou de você e Jason, iriam apesar da tempestade. Sabe que tenho razão — suspirou ela. Colocou uma mão no seu braço —. É muito amável que queira nos proteger, mas Stormy e eu não somos fêmeas frágeis que precisam de um homem forte que cuide de nós. Podemos fazê-lo.

—Não temos bote.

—Pois voltaremos para o lugar de aluguel de lanchas e desta vez não aceitaremos um “não” como resposta.

—Não — disse Jason. Olhou-a de frente —. Eu contratei vocês, não foi? O que significa que trabalham para mim. É minha irmã que está desaparecida e meu dinheiro que paga tudo isto. A decisão é minha.

Maxie o olhou piscando.

—Não posso acreditar. Você deveria ser o que mais pressionasse para chegar lá quanto antes possível.

Ele baixou a vista.

—Eu quero recuperar as garotas mais do que possa imaginar, mas não podemos ir lá esta manhã. Assim não. Esperaremos para ver se a tempestade passa. Vocês têm visitas a fazer. Liguem para as mulheres para ver se podem adiantar as entrevistas. Lou e eu acompanharemos cada uma de vocês. Possivelmente quando voltarmos o tempo se limpou.

Maxie fechou os olhos e mordeu o lábio inferior para reprimir um xingamento. Por que diabos Jason estava tão decidido? Era possível que Lou tivesse razão e ele ocultasse algo?

—É um vampiro — interveio Lou —. Não pode fazer nada às garotas durante o dia. Estarão seguras até que possamos ir lá.

Maxie não gostava nada de adiar a exploração da ilha, nem de deixar aquelas pobres garotas ali um minuto mais do que o necessário. E seu instinto dizia que o melhor era encontrar um modo de ir lá apesar da tempestade.

Entretanto, supunha que eles tinham razão. Esperar que passasse a tempestade era melhor que afogar-se na tentativa. E o vampiro não podia machucar as garotas durante o dia.

No café da manhã, pediram comida a domicilio, enquanto ela ligava para as mulheres para trocar a hora das entrevistas. Também ligou para Lydia, que disse que tinha pedido um vidro para substituir o da porta da mansão e que certamente o instalariam antes que Maxie voltasse.

A tempestade continuou igual, sem perder intensidade, até que Lou e ela estiveram no carro, a caminho das entrevistas com as sobreviventes do vampiro. Os limpadores de pára-brisa golpeavam freneticamente contra o dilúvio.

Mas quando saíram de Endover, as nuvens escuras pareceram acabar e logo desapareceram totalmente. As estradas mais à frente da cidade estavam secas e os céus secos e brilhantes.

—Jesus! — murmurou Lou.

Maxie moveu a cabeça e tentou mostrar-se positiva sobre o atraso forçado.

—Para Stormy será muito bom sair dessa cidade — comentou.

—E também não será ruim para nós. Embora não sei se eu gosto que só conte com a ajuda de Jason.

Maxie se encolheu de ombros.

—Também não gosto muito, mas ela insistiu. Acredito que teria preferido ir sozinha, mas pensou que isso faria com que Jason se sentisse excluído e que podia ficar louco sem nada mais para fazer a não ser esperar sozinho no motel — engoliu saliva —. Agora me pergunto se não estaria mais segura sozinha. Jason... começo a achar que tem razão. Que nos oculta algo.

Lou estendeu o braço e lhe deu um tapinha na mão que ela tinha apoiada no assento.

—Pode ser que sim, mas adora Stormy. Se fosse sozinha e tivesse um desses transes dela, o que aconteceria? É melhor que Jason a acompanhe. Sabe o que acontece e pode ajudá-la se necessário. Além disso, todos levamos celulares.

—Sim. E milagrosamente, funcionam assim que saímos de Endover. E essa tempestade se centrava também sobre a cidade. Que poder deve ter esse tipo para poder controlar o tempo?

—Não sabe se foi ele.

—Pode ser que você não saiba, mas eu acredito que tem feito algo à cidade e que por isso os celulares não funcionam ali.

Lou baixou a janela.

—Eu já me sinto melhor, e com certeza Stormy também.

—Assim espero. Tenho muito medo por ela, Lou.

—Eu também, querida. Teve notícias do linguista?

A jovem assentiu.

—Ontem à noite mandei outro e-mail e disse que era urgente. Respondeu-me antes de uma hora, mas não vi até esta manhã. Fui ver o correio enquanto Stormy estava no banho.

—E...?

—Disse que não pode ter certeza, tendo em conta que o que enviei estava escrito de ouvido, mas que acredita ser algo eslavo, possivelmente romeno.

—Não posso acreditar nisso.

Ela arqueou as sobrancelhas.

—Parece surpreso.

—Esperava que fossem palavras sem sentido. E esse homem tentou traduzi-lo?

—Se fosse romeno, ele acredita que diria algo como: “que vive pela espada, perecerá pela espada”.

—Isso foi o que disse quando eu me preparava para disparar no lobo?

—Sim.

—E o outro? O que sussurrou quando acariciava seu pescoço?

—“Não é tão negro como o pintam” — Maxie se estremeceu ao repetir a tradução —. Que diabos pode significar isso, Lou?

—Não sei. Não tenho nem idéia — ele a olhou de soslaio —. Disse para Stormy?

—Ainda não. Tenho medo de alterá-la ainda mais. Mas suponho que terei que dizer.

—Sim. Claro que sim.

Tomou a sua mão um momento e ela se deixou consolar por sua força e desejou, como sempre, que pudesse lhe dar mais.

 

Mary Ann Prusinski era uma mulher alta de uns trinta anos. Chegou ao lugar da entrevista, um café de Boston, vinte minutos atrasada, e quando por fim apareceu, Stormy já quase se dispunha a partir. Mas entrou no café, com o cabelo negro preso em um coque atrás da cabeça e um traje cinza apagado que Stormy adivinhou ser destinado a passar despercebida. Nada nela chamava a atenção. Podia ter sido bela, com seus enormes olhos escuros e seu nariz aristocrático, mas não era... era comum até não poder mais.

—Mary Ann? — Stormy se levantou quando a mulher se aproximava da mesa que ocupava com Jason.

—Sim. Você é a senhorita Jones?

—Me chame Stormy; todos o fazem.

A mulher olhou para Jason com nervosismo.

—Quem é você?

—É meu amigo, Jason Beck — apresentou Stormy—. Uma das garotas desaparecidas é sua irmã.

—Entendo.

Jason se levantou e estendeu a mão. A mulher negou com a cabeça, tirou a cadeira vazia e se sentou.

—Sinto por sua irmã — disse —. Mas temo que não vou poder ajudá-los muito. Já disse por telefone que não me lembro do que aconteceu durante o tempo que estive... desaparecida.

—Sei — respondeu Stormy —. Nenhuma lembra.

Aquilo chamou a atenção da mulher.

—Nenhuma? Há mais?

—Quase uma dúzia.

—Sem contar a minha irmã e sua amiga — acrescentou Jason.

Chegou uma garçonete, que pôs um copo de água com gelo diante de cada um deles e passou a cardápio. Começou a recitar os especiais e Stormy levantou a mão.

—Deixe-nos um momento?

A garçonete assentiu e se afastou depressa.

Mary Ann piscou surpresa.

—Não... compreendo.

—Nós também não — respondeu Stormy —. Só sabemos que muitas mulheres desapareceram da face da terra quando passavam por Endover ou perto dali. E que todas voltaram a aparecer uns dias ou uma semana mais tarde sem recordar onde tinham estado nem o que tinha acontecido.

—Meu Deus!

—Eu esperava que você pudesse me dizer algo que nos ajude a entender o que está acontecendo.

Mary Ann negou lentamente com a cabeça.

—Mas eu não me lembro.

—Sei, sei. Mas há outras coisas, além das lembranças, que podem nos dar alguma pista.

—Que tipo de coisas?

—Não sei. Sofreu algum dano físico durante seu... desaparecimento?

—Não. Voltei perfeitamente sã.

—E mentalmente?

A mulher lançou um olhar penetrante.

—Não estou louca, senhorita Jones.

—Já sei. Referia-me a... houve alguma diferença em você emocional ou mentalmente? Desenvolveu algum costume que não tivesse antes? Medos, fobias, depressão?

A mulher piscou... e baixou a cabeça.

—O que, Mary Ann? — pressionou-a Stormy—. Do que se trata?

A mulher levantou a mão.

—Agora tenho medo da escuridão, antes não — elevou a cabeça —. E há... sonhos.

—Pesadelos?

—Não exatamente.

A mulher olhou para Jason, que captou a indireta.

—Vou ao toalete. Não demorarei — se levantou da mesa e as deixou sozinhas.

Quando partiu, Mary Ann se inclinou para Stormy.

—Nos sonhos estou paralisada, não posso me mover. E há um homem. e... faz-me algo.

Stormy franziu o cenho.

—Atacaram você sexualmente, Mary Ann?

—Não. Ou pelo menos, os médicos não encontraram sinais disso. E ele não me toca... nos sonhos. Pelo menos não com as mãos. É como... se o fizesse com a mente. E me... me morde.

Stormy tinha se inclinado para diante. Mas essas palavras a fizeram se endireitar.

—Bebe de você — murmurou. Mary Ann assentiu com a cabeça.

—Meu psicólogo diz que minha mente encheu o tempo perdido com fantasias, coisas que tirei de novelas ou filmes.

—Mas o que você acha?

—Eu não sei o que pensar.

Stormy cobriu uma mão dela com a sua.

—Sinto muito. Deve assustá-la muito.

A mulher negou com a cabeça.

—Não. É quase... erótico — fechou os olhos rapidamente e tirou a mão —. Embora me dê vergonha de admitir.

—Não há por que. Você não tem culpa.

Mary Ann fechou os olhos um momento e Stormy pensou que estava combatendo as lágrimas.

—Acredita que poderia desenhá-lo com certa semelhança? Tentou alguma vez?

A mulher abriu os olhos.

—Como pode saber isso?

—Se o desenhou?

Mary Anna se inclinou para a bolsa que descansava no chão ao lado de sua cadeira. Tirou uma pasta e a passou a Stormy com mãos trementes.

Stormy abriu a pasta.

Um homem a olhou da página. O desenho a lápis parecia observá-la com uma intensidade que enchia seu estômago de nós. Rosto longo e estreito, lábios cheios, uma covinha no queixo, cabelo comprido moreno. E uns olhos profundos e penetrantes.

—Você não acredita que é real? — sussurrou Mary Ann.

—Não sei — respondeu Stormy.

Mas sim sabia. Ele era real. Ela o tinha visto antes... em sua mente.

A sua cabeça começou a dar voltas. Sentia-se enjoada e inundada por um ruído branco.

—Senhorita Jones?

Stormy apertou o eixo do nariz e combateu o enjôo que se aproximava.

—Posso ficar com ele — conseguiu perguntar.

—Sim. Sim, é obvio? — a mulher olhou ao redor do café —. Tenho a sensação de que ele está aqui. Observando.

—É de dia. Está segura. Mas... deveria ir.

—Deveria...

—Vá. Agora — Stormy se apoiou na cadeira, apertou ambas as mãos aos lados da cabeça e fechou os olhos com força. Um instante depois, Jason estava ali com as mãos nos ombros dela.

—Aguenta. Stormy. Aguenta, não se deixe levar — ajudou a levantar-se.

—Foi embora? Onde está...?

—Mary Ann se foi. Tudo está bem.

—Pegue os desenhos — sussurrou ela.

Ele pegou a pasta e a bolsa dela. Stormy pensou em deixar umas notas na mesa, uma gorjeta para a garçonete, já que não tinham chegado a pedir nada, mas Jason já a tirava do café. Colocou-a no jipe e pôs o cinto.

—Venha aqui.

Sentou-se diante do volante e estendeu um pedaço de tecido.

Stormy compreendeu que era um guardanapo branco do café.

—Jogue-se para frente e abaixe a cabeça.

Ela assim fez. Ele pôs o tecido na parte de atrás do pescoço dela. Frio. Estava cheio de gelo, que certamente tinha tirado do copo de água. Stormy suspirou.

—Melhor?

—Já direi isso.

—Quer voltar para o motel?

Ela pegou o guardanapo para que ele pudesse voltar a usar as mãos.

—Não. Vamos à próxima entrevista.

—Mas...

Stormy respirou fundo.

—Está passando, estou bem — o olhou nos olhos —. Olhe, meus olhos são da cor certa, não?

—São da cor perfeita — ela forçou um sorriso.

—E continuo falando inglês. Acredito que o gelo funcionou.

—Ou mais provavelmente, você fica mais forte quanto mais nos afastamos desse lugar.

—Talvez — ela apontou com a cabeça as chaves que ele sustentava na mão —. Vamos. Passa o tempo e na volta temos que parar em Salem.

—Em Salem? Por quê?

—Ontem investiguei um pouco na Internet e encontrei uns livros que podem ser que me ajudem a descobrir o que está acontecendo comigo. Em Salem há uma loja estranha onde tem dois deles.

Jason assentiu.

—Certo. Mas se voltar a acontecer...

—Se voltar a acontecer, me amarre se for preciso, mas não me deixe fazer mal a você. Promete isso?

Ele assentiu, mas ela não estava certa que o dissesse a sério. Jason pôs o motor em marcha.

 

Quando voltavam para Endover, pela tarde, Maxie já estava pensando no jantar. O seu estômago grunhia e não precisamente porque desejasse pizzas, nem hambúrgueres.

—Pergunto-me se continua chovendo — murmurou —. Certamente não. Já é quase de noite. A viagem durou mais do que esperava. E quando escurecer já não precisa nos manter longe da ilha.

—E uma tempestade natural não é provável que dure um dia inteiro — respondeu Lou.

—Sempre tão cético — respondeu ela —. O que acha se esta noite jantássemos em um restaurante de verdade?

—Acho bom. Mas Stormy e Jason estarão nos esperando no motel.

—Freie um pouco. Ligarei para eles antes que entremos na área sem sinal.

Stormy respondeu em seguida. Sua voz soava cansada, nervosa.

—Olá, sou eu. Descobriu algo?

—Nada do outro mundo. E vocês?

—Coisas macabras. Contarei isso quando nos virmos. Onde está?

—Estaremos em Endover em vinte minutos. Por quê?

—Por que não nos vemos nesse restaurante da costa? Que vimos anunciado outro dia no caminho do lugar de aluguel de lanchas, lembra? Tenho fome de comida de verdade e gosto que me sirvam. Quando chegarmos será de noite e precisamos decidir o que vamos fazer a seguir.

—Certo. Por que não? Lembro do anúncio. O restaurante está fora dos limites de Endover, então, não pode ser ruim.

—Tem certeza que quer ir? Tem voz de cansada.

—Estou bem. Vemo-nos em meia hora ou menos.

Stormy desligou. Maxie fechou o telefone e franziu o cenho.

—Está estranha.

—Acha que vai acontecer de novo?

—Não sei. É, pode ser que o restaurante tenha sido má idéia.

—É boa idéia. Você precisa de uma pausa e ela também. Se acontecer algo, Jason e eu poderemos lutar com isso.

Maxie se disse que era ilógico acreditar que tudo iria bem sempre que Lou estivesse ao seu lado. Ilógico e pouco realista. Mas era o que sentia e em sua maior parte o considerava certo. Embora fosse ilógico.

Lou e ela estavam mais perto, assim foram os primeiros a chegar ao restaurante. Não havia nem rastro da tempestade, nem chuva, nem nuvens, nem sequer no caminho para Endover; mas já começava a entardecer.

O restaurante era um edifício grande branco, cuja parte de trás estava formada em sua maior parte por painéis de vidro, de modo que quase todas as mesas olhavam ao oceano. Ao longo da costa havia luzes que se acendiam quando caía a escuridão para manter a vista viva. Era muito bonito.

Lou pediu mesa para quatro e uma maitre, usando calças negras, blusa branca e uma faixa negra ao redor do pescoço, os levou até uma mesa colocada ao lado dos vidros. A Maxie aliviou muito olhá-la nos olhos e ver que a olhava uma mulher de verdade e não uma zumbi em transe. Pediu vinho, decidida a relaxar um pouco. Lou pediu café e um copo grande de água com gelo, certamente porque queria estar limpo.

A garçonete levou as bebidas, deixou o cardápio e se afastou.

—Isto é muito bonito — comentou Maxie —. Deveríamos voltar os dois sozinhos algum dia.

—Não sei se quero incluir Endover em minha lista de lugares de férias.

Maxie se encolheu de ombros.

—Não importa. Em Easton há muitos lugares bonitos que tem vista para o mar.

Ele assentiu.

—Pensou mais nisso, Lou?

—No que?

Maxie suspirou.

—Em trabalhar conosco em Easton. Ir viver lá.

Lou respirou fundo.

—Não vou mentir. É verdade que pensei nisso, mas não estou certo de que seja boa idéia.

—Por quê?

—Querida, já falamos sobre isso.

—Não, não falamos. Você me deu incontáveis razões, nenhuma das quais vale nada, de por que não podemos estar juntos como casal. Mas nunca me deu nenhuma razão para que não possamos trabalhar juntos.

—Porque são as mesmas.

Maxie tomou um gole de vinho e pensou nisso.

—Ou seja, que não acha que pudéssemos estar tanto tempo juntos sem... aprofundar nossa relação.

—Eu não disse isso.

Ela franziu o cenho.

Ele pegou seu copo de vinho e tomou um gole. Quando voltou a deixá-lo, assentiu com a cabeça.

—Certo, rendo-me. Tem razão, acredito que se estivermos juntos todo o tempo, sim... tenho certeza que ocorreria algo.

Ela sorriu.

—Sou irresistível pra você.

—Bastante — ele afastou a vista assim que disse e Maxie adivinhou que teria gostado de poder retirar essa palavra.

—Isso não danificaria nada, Lou. Só melhoraria as coisas.

—Arruinaria você, moça. E eu não vou fazer isso.

—Lou, querido, ainda não entende? Não pode apagar seu coração. Acredita que o tem feito, mas não é assim. Negar algo não faz com que desapareça. E fingir que nãolhe importo não faz que seja certo.

Lou olhou à porta, mas ela sabia que a tinha ouvido, lia em seus olhos. Era possível que estivesse escutando, para variar? Poderia chegar finalmente até ele? Quase tinha medo de pensar que pudesse ocorrer.

—Aí chegam Stormy e Jason — ele se levantou e os saudou agitando a mão.

Maxie suspirou decepcionada. Teria gostado de seguir mais tempo com aquela conversa. Pela primeira vez sentia que estava fazendo progressos.

O restaurante foi enchendo pouco a pouco, mas ainda havia muitas mesas vazias. Stormy os viu e os saudou também com a mão, mas para Maxie seu sorriso pareceu forçado e seu andar menos alegre e vivaz que outras vezes.

—Teve um dia duro — murmurou, mas se levantou e abraçou sua amiga—. Olá, querida. Parece esgotada.

—Foi um dia comprido e interessante — comentou Stormy.

Jason tirou uma cadeira e a jovem se sentou. Maxie voltou para seu assento também. E Lou fez gestos à garçonete, enquanto Jason se sentava por sua vez.

Duas garçonetes correram a tomar os pedidos de bebidas de Jason e Stormy e partiram em seguida.

—E então? — perguntou Lou —. O que descobriram?

Stormy respirou fundo.

—As duas mulheres contaram coisas muito similares. Ambas desenvolveram um medo à escuridão. As duas têm... sonhos perturbadores.

—Sobre um homem que bebe delas? — perguntou Maxie.

Stormy a olhou nos olhos.

—As suas também?

—Sim. Uma o tinha pintado.

—Uma das minhas o desenhou a lápis.

As duas alcançaram suas bolsas ao mesmo tempo. Maxie tirou uma miniatura com uma moldura ovalada, o retrato de um homem com olhos negros poderosos e cabelo comprido escuro. O passou a Stormy e tomou a pasta. Abriu e conteve o fôlego.

—Idêntico — comentou.

Stormy assentiu e mostrou a miniatura a Jason sem ao menos olhá-la. Maxie se perguntou por que Jason apertou os lábios e assentiu. Maxie folheou os desenhos e Lou se inclinou sobre a mesa para olhá-los.

—É macabro — comentou Stormy.

—Se for real, não — replicou Lou —. E acredito que já não podemos duvidar de que é, sobretudo depois de havê-lo visto cara a cara — tocou um dos desenhos com o dedo indicador —. É o mesmo homem que tentou agarrá-la na outra noite, Maxie. É nosso vampiro —. Maxie fechou os olhos.

—Já começamos outra vez.

—Acredito que é hora de que peçamos reforços — disse Lou —. Sua irmã. Dante, alguns amigos deles...

A jovem negou com a cabeça com firmeza.

—Até que não estejamos seguros do que nós enfrentamos, não. Diabos. Lou, veio até mim. Há a probabilidade de que queira colocá-los nisto... talvez seja um tipo de armadilha para eles. Talvez procure uma espécie de vingança ou algo parecido.

—Mas como, diabos, saberia que você estava relacionada com outros de sua classe? — perguntou Lou. A seguir baixou a cabeça e respondeu ele mesmo a sua pergunta —. A invasão. Que diabos, ocorreu na primeira noite que você saiu da casa.

—E só levaram o computador — assentiu Maxie —. Está decidido. Não vamos colocar mais vampiros nisto. Poderia ser um vilão, um assassino dos de sua classe. Não seria a primeira vez que um vampiro se volta contra os seus.

Jason olhava aos dois com ar sombrio. Stormy pôs uma mão no seu braço.

—Isso não significa que tenha feito algum mal a Delia. As outras mulheres deixou partir; não há motivo para pensar que agora vá trocar de tática.

Maxie fechou a pasta e a devolveu a Stormy, que a meteu na bolsa que tinha ao lado. Maxie olhou então a bolsa, negra com alças trançadas e um logotipo na parte dianteira.

—Teve tempo de ir às compras? — perguntou.

Stormy assentiu.

—É material de investigação.

Maxie subiu a bolsa a seus joelhos e olhou em seu interior. Dentro havia dois livros grossos que cheiravam a mofo e tinham as páginas amareladas. Olhou os títulos. “Casos históricos de posse demoníaca” e “Ritos de exorcismo: guia para os clérigos”. De um deles caiu um cartão. Maxie o recolheu e o leu. Era de uma hipnotizadora de Salem.

Lambeu os lábios e voltou a deixar o cartão no livro.

—Boa escolha — comentou —. Leremos juntas.

—De acordo.

—Mas antes vamos comer, não é? Estou morta de fome.

Stormy se animou um pouco.

—Eu também.

Abriu o cardápio, mas Maxie teve a impressão de que não o lia.

 

Maxie não tinha conseguido levar de novo Lou à cama desde aquela primeira noite. Tinha passado a noite anterior em seu quarto do motel e ele não tinha comentado nada, embora, a julgar por suas olheiras, a jovem adivinhava que passou a noite em claro. Não se dava conta de que dormiria melhor com ela nos braços? Mas não, ele preferia andar pelo cômodo e aguçar os ouvidos se por acaso ouvisse algum ruído que indicasse problemas. Maxie sabia o que ele fazia porque ela fazia o mesmo, em um esforço para proteger Stormy. Talvez o melhor seria que se deitassem todos juntos. Assim se economizariam problemas e preocupações.

Mas ele não pediu, então, ela saiu do carro depois de jantar e foi para seu quarto. Não havia nem sinal da tempestade. O céu estava claro e o vento se converteu em uma brisa gentil.

Às doze horas e três minutos, Maxie ouviu o ruído de uma porta fechando. Havia cochilado, mas correu a sua porta e abriu um pouco.

Stormy caminhava pelo estacionamento. Usava uma camisola e meias. Nada mais. Maxie agarrou a manta extra que havia aos pés da cama, porque era mais rápido do que ir ao armário colocar casaco e sapatos. Jogou a manta nos ombros e correu para fora. Quando passou na frente da porta de Lou esteve a ponto de chamá-lo, mas decidiu ver antes o que acontecia e continuou andando.

Atrás do motel não havia grande coisa. Um contêiner cheio de lixo. Uma faixa estreita de pavimento que dava a volta da parte dianteira. E, além disso, uma extensão de grama sem cortar, que terminava em um grupo de árvores magras.

Stormy cruzou o campo e se dirigiu para as árvores. Maxie engoliu saliva com força e desejou ter avisado a Lou. Mas já era tarde. Se voltasse agora, arriscava perder Stormy de vista. Tirou a manta dos ombros, deixou-a cair sobre a grama e continuou andando. Pensou em chamar sua amiga, mas não sabia qual seria o melhor curso de ação.

Continuou andando. Por todos os poucos metros pisava em ramos pontudos e pedras. Tropeçava e se esforçava por evitar as dificuldades do chão, mas não era fácil na escuridão.

Stormy não tinha esses problemas. Avançava com passo firme; ou caminhava por intuição ou não se importava com o desconforto dos pés nus no chão do bosque, nem com os ramos no rosto.

Maxie afastava os ramos ao andar e pensava que ela era a coisa mais ruidosa que havia no bosque essa noite. Stormy, entretanto, não parecia fazer nenhum ruído ao andar. Ou talvez ela não pudesse ouvi-lo devido ao próprio. Começava a ser difícil não perder de vista sua amiga.

E de repente já não era difícil, era impossível, porque Stormy tinha desaparecido.

Maxie tentou ver na escuridão, mas não pôde identificá-la. Correu para o ponto onde a tinha visto pela última vez. O bosque acabava ali, de repente e sem prévio aviso. Maxie saiu a um escarpado e se deteve de repente. O declive caía em um mergulho, formado por terra, pedras e areia. Ali só crescia grama. No fundo havia água, uma baía pequena onde o mar lambia a borda. A um lado da praia havia um bote e uma figura clara e imóvel jazia a seu lado.

—Stormy!

Maxie se pôs em movimento e começou a descer. A superfície estava solta e cedia sob seus pés. Suas pernas escorregavam e ela se jogava para trás em um esforço por manter o equilíbrio. Pouco depois, suas mãos agarravam o chão a suas costas e seu traseiro e suas pernas se deslizavam depressa, embora ela cravasse os calcanhares e tentasse frear a descida. E logo chegou ao fundo e se endireitou como pôde para correr para onde jazia Stormy no chão.

A camisola de sua amiga estava molhada e as ondas chegavam às suas pernas. Maxie ficou de joelhos e a agarrou pelos ombros.

—Stormy? Vamos, acorda — levantou a parte superior do corpo em seus braços e olhou seu rosto imóvel. Era evidente que havia caído. Teria quebrado o pescoço?

—Stormy? Por favor, fale algo!

—Continua viva. Não há por que se assustar.

Maxie levantou a cabeça para ouvir uma voz profunda de homem que não pertencia nem a Lou nem a Jason. Viu-o de pé na borda com as ondas lambendo seus pés e a brisa do mar afastando o comprido cabelo negro dos ombros. As nuvens se afastaram e a luz da lua banhou seu rosto. O mesmo rosto que tinha visto essa noite nos desenhos de suas vítimas.

O seu instinto dizia que se afastasse, mas não o fez. Em vez disso, levantou-se para colocar-se entre Stormy e ele.

—Se souber o que é melhor pra você, irá embora daqui — disse.

Ele arqueou as sobrancelhas.

—Valor? Ou estupidez?

—Certamente as duas coisas. Mas saia daqui antes que meus amigos cheguem e cravem uma estaca no seu traseiro — era muito consciente que não tinha nenhuma arma que pudesse usar contra ele.

—Estaca? Isso é muito divertido — ele se aproximou mais.

Maxie se agachou rapidamente e agarrou a maior pedra que viu a seu alcance.

—Se acalme, Maxie Stuart. Seus amigos não vão vir e acredito que sabe que essa pedra não pode me fazer mal.

—Também sei que vai doer muito quando abrir o seu crânio com ela. Se afaste.

Ele baixou a vista para Stormy. E arregalou os olhos.

Maxie baixou também a vista rapidamente, embora tivesse medo de afastar os olhos dele mais que um instante. Stormy tinha os olhos abertos. E eram de um negro intenso que quase parecia brilhar na escuridão.

Com a vista fixa no vampiro, murmurou algo que soava mais ou menos como “print meu” e depois olhou para Maxie e a pedra que tinha na mão. Gritou algo no idioma estranho que falava sempre e Stormy se sentou, virou o corpo, agarrou as pernas de Maxie e a atirou ao chão. Subiu em cima dela arranhando-a e golpeando-a. Maxie não pôde fazer outra coisa a não ser cobrir-se com os braços, mas não serviu muito. Sua melhor amiga estava lhe dando uma boa surra.

Taifa. ¡Sterge-o-ca-t-i-iraq us sut iría cur! — gritou Stormy.

O homem só gritou uma palavra:

—Stm!

E para surpresa de Maxie, Stormy ficou imóvel e se virou para olhá-lo com os olhos cheios de lágrimas.

—Dragostea cea veche ttí sopteste la ureche — estendeu a mão —. Print meu.

Por um momento pareceu que ele ia tomá-la, mas então ela desmaiou e rodou ao chão do corpo de Maxie.

—Que diabos significa isto? — perguntou o vampiro tremendo, com os olhos úmidos fixos em Stormy—. Que tipo de jogo vocês duas estão fazendo?

—Não sei do que está falando. Está doente e eu quero ajudá-la.

—Pensa que vou acreditar nisso? — perguntou ele —. Onde aprendeu essas palavras?

Maxie piscou.

—Quer dizer que... entendeu? O que disse?

Ele suspirou e começou a virar-se, mas Maxie se levantou e o agarrou pelo braço.

—O que disse? — gritou.

—Chamou você de prostituta. Disse mais ou menos que fosse embora ou te daria uma surra.

Maxie fez uma careta e fechou os olhos com força.

—E depois disse: “O velho amor não será esquecido” — o tom dele suavizou e agora olhava a Stormy —. Não sou tão burro que não saiba que isto tem que ser um truque — disse.

—Não me importo com o que pensa — Maxie se ajoelhou ao lado de sua amiga e tocou seu rosto.

—Se afaste — ordenou ele.

—Se acha que vou deixar que a toque, está louco.

—Não poderão subir essa ladeira — pôs uma mão fria e poderosa no seu ombro —. E se eu tivesse querido fazer mal a vocês, já estariam mortas.

Ela se virou para olhá-lo.

—O que tem feito a essas garotas? Onde estão Delia e Janie?

—Estão bem. Quer vê-las?

Maxie ficou tão surpresa que conteve o fôlego.

—Se quiser, venha à ilha com ela — apontou para Stormy com a cabeça —. Sozinhas e só de noite — sorriu devagar —. Acredito que já adivinhou que eu jamais permitiria que viessem de dia.

—Sabia... — Maxie olhou a seu redor —. Isto foi obra sua, não é? Atrair Stormy aqui no meio da noite, colocá-la em transe...

—Venha a mim de noite e traga ela junto. Quando o fizer, as garotas irão embora com você.

—Recuperarei essas garotas, isso não duvide. Mas do meu jeito, não do seu. Do seu jamais.

O vampiro se encolheu de ombros.

—Por que me incomodo em negociar com uma mortal? Levarei-a agora comigo. Você não pode me deter. Adeus, Maxie Stuart.

Maxie se colocou entre Stormy e ele. Ele estendeu os braços para apará-la.

—Filho de...

—Tire as mãos de cima dela!

O grito vinha da metade do barranco, que Lou descia correndo. Quando o vampiro se virou, Lou já caía sobre ele como um míssil. O impacto jogou os dois na água, onde rodaram e se debateram.

—Lou, não! Cuidado! — gritou Maxie —. É o... — Os homens saíram da água, agachados, um em frente ao outro, com um joelho cravado na terra. Algo brilhou e Maxie viu uma navalha na mão de Lou.

—Você não pode fazer nada contra mim, mortal, e acredito que sabe.

—Pode ser que não. Mas te garanto que farei tanto dano que não poderá esquecer facilmente — Lou se lançou para frente agitando a navalha.

Maxie lançou um gemido, surpresa pela velocidade de seu ataque, e também por sua brutalidade. A lâmina se cravou com força e o vampiro retrocedeu agarrando o antebraço. Entre seus dedos saía sangue, que cobria sua mão e gotejava dela.

—Maldito seja!

Lou se encolheu de ombros.

—Fique e termine a briga! — gritou —. Eu o desafio. Sangrará, sim, mas isso não me importa.

—Sabe suficiente dos de minha classe para ser perigoso — grunhiu o vampiro.

—Sei mais dos de sua classe do que eu queria — respondeu Lou —. Agora você decide.

O vampiro estreitou os olhos.

—É um digno adversário... para ser mortal. Será uma pena matá-lo.

—Nisso estamos de acordo.

—Cuidem da mulher chamada Stormy. Quero que esteja em boa saúde quando for procurá-la. Acabaremos isto em outro momento.

Lou assentiu e o vampiro se afastou em uma mancha veloz que pareceu mover-se ao sul ao longo da costa e desaparecer depois.

Lou se voltou para a borda. Dobrou a navalha e a guardou no bolso. Maxie correu para ele e o abraçou.

—Podia tê-lo matado.

—Obrigado pelo voto de confiança — ele a abraçou por sua vez e depois a afastou um pouco para olhá-la —. Santo céu, Maxie! O que esse bastardo fez a você?

Ela negou com a cabeça.

—Não foi ele, foi Stormy.

Lou arqueou as sobrancelhas.

—Stormy fez tudo isso?

—Quase tudo. Uma parte eu fiz ao descer rolando o maldito barranco.

Ele se inclinou sobre Stormy e tomou-a em seus braços.

—Parece que também deveria te levar nos braços ao motel — disse. E pôs-se a andar para o norte pela praia em busca de um modo mais fácil de subir.

Maxie pôs-se a andar a seu lado. Viu-o olhar o bote que descansava na borda.

—Isso resolve um problema — murmurou ele —. Tem certeza que está bem, Maxie?

—Sim. De verdade — não era certo. De fato, o corpo doía cada vez mais à medida que a adrenalina voltava para seus níveis normais. Pôs uma mão no seu ombro —. Não posso acreditar que tenha atacado um vampiro para me defender... pela segunda vez. Sabe tão bem como eu quão poderosos são. — Lou se encolheu de ombros.

—Também sei suas fraquezas. Que sentem a dor muito mais que nós. E como sangram quando se cortam.

A jovem assentiu.

—Terá que apertar bem esse corte se quiser durar até o amanhecer. — Lou fez uma careta.

—Conseguirá. E depois se curará com um dia de sono e eu terei que começar do zero.

—Não, se depender de mim. — Encontraram um caminho que subia o declive de modo gradual, entrava no bosque e saía ao lado do motel, ao invés de atrás. Lou a observava todo o caminho, preocupado e atento a ela.

Deteve-se na porta de Stormy e Maxie disse:

—Espera, tenho uma chave em meu quarto.

Correu para lá e não demorou em sair de novo. Lou deixou Stormy em sua cama.

—A camisola está muita molhada — disse.

—Eu vou trocá-la — Maxie se aproximou dele —. Não precisa esperar. Eu me cuido sozinha.

—Bobagem. Parece que brigou com um gato selvagem. Você se ocupa dela e depois é sua vez.

Maxie sorriu e se dispôs a responder algo inteligente, mas ele pôs um dedo em seus lábios antes que pudesse falar.

—Faça isso, Maxie.

—Eu farei.

Tirou uma camiseta da cômoda e tirou a camisola molhada de Stormy. Colocou a camiseta nela e a deitou com cuidado. Feito isso, umedeceu uma esponja no banheiro e lavou seus pés e pernas. Ao fazê-lo, examinou-a com as mãos para ver se tinha ossos quebrados, machucados ou arranhões. Também examinou atentamente sua cabeça, mas não encontrou feridas. Por fim, cobriu-a com o lençol e a agasalhou.

—Acha que está bem? — perguntou.

Lou assentiu.

—Respira bem. Seu pulso é forte. E se estava fisicamente tão sã para te fazer tanto dano, não tenho dúvidas de que está bem. O que me preocupa é você.

—Tenho certeza de que não é tão ruim como parece.

—Se fosse, seria horrível. Vamos.

—Ao seu quarto?

—O estojo de primeiro socorros está lá — estendeu a mão e ela pegou e olhou pela primeira vez os arranhões que cobriam seu braço —. Droga, é pior do que pensava.

Lou assentiu e a atraiu para si. Saiu com ela, fechou com chave a porta de Stormy e levou Maxie a seu quarto.

Entraram no banheiro, onde fez que ela se sentasse na borda da banheira, abriu as torneiras e tampou o ralo.

—Estou coberta de pó e areia?

—Não, mas amanhã estará coberta de hematomas. Um banho quente ajudará um pouco. Olhe seus pés.

Ajoelhou-se e levantou um deles. Moveu a cabeça e examinou a planta.

—Se dispa e tome um bom banho. Não tenha pressa — apontou um roupão de flanela xadrez que estava pendurado no cabide —. Pode pôr isso quando terminar. Certo?

Maxie se resignou a banhar-se só e o viu sair, embora tenha notado que ele não fechou a porta totalmente, só o suficiente para dar certa intimidade.

Tirou a camisa e a calcinha e entrou na água quente. Em sua maior parte, caia bem, embora também ardia em alguns lugares. Recostou-se e esperou que a banheira enchesse toda. Quando a água batia em seu pescoço, fechou a torneira e deixou que o banho levasse suas dores.

Os pensamentos se amontoavam em sua cabeça. O temerário ataque de Lou ao vampiro era uma prova clara de que a amava. A posse de Stormy parecia piorar. Tinha que encontrar um modo de ajudá-la. Também pensou no vampiro. Não o tinha visto antes e não sabia seu nome, mas tinha desenhos dele. Possivelmente se os enviasse e perguntasse... mas os vampiros que ela conhecia não tinham fax. E o que fazia aquele vilão com duas garotas? E por que queria que Stormy e ela fossem sozinhas à ilha?

A que interessava a ele era Stormy. Maxie já tinha percebido antes e agora ele tinha admitido isso. Essa noite tinha acontecido algo evidente e elétrico entre eles.

Mas a água foi dissolvendo lentamente seus pensamentos e substituindo-os por relaxamento. Fechou os olhos e deixou que o caos se fosse derretendo. Deixou de pensar para limitar-se a sentir. Sentir a água lavando a sujeira dos numerosos arranhões que a cobriam. E sentir como sua mente cansada abandonava a preocupação.

 

Lou esperou até que acreditou que a água já devia estar fria e então se aproximou da porta e disse seu nome. Como ela não respondeu, apareceu ao interior.

Maxie estava na água com a cabeça apoiada na banheira e os olhos fechados. Um braço pendurado a um lado da banheira, com a pele brilhante e suave, embora marcada por arranhões e golpes que começavam a ficar escuros e roxos.

—Maxie? — chamou, mais alto agora. Nada.

Lou suspirou, entrou no banheiro e se obrigou a não olhá-la. Pegou uma toalha grande da prateleira e se aproximou da banheira, esforçando-se por manter os olhos fixos em seu rosto e não olhar nada mais.

E possivelmente teria conseguido... se não fosse humano e varão. Olhou.

Ela jazia de costas na água como uma deusa recém-nascida. Tinha os joelhos dobrados e inclinados para a parte de trás da banheira, por isso ele viu a curva do quadril e a da cintura. Os peitos eram tentadores debaixo da água. E o pescoço... tinha um pescoço soberbo. Um pescoço que fazia que qualquer homem entendesse por que os vampiros sempre iam na jugular. Estava certo de que não era só pela pressão do sangue.

Aproximou-se, inclinou-se sobre os pés e retirou o plugue. A água começou a sair e ele esperou, sem incomodar-se em deixar de olhar agora que o dano já parecia.

Quando desapareceu a água e a pele dela estava arrepiada, colocou a toalha em cima dela e a atraiu para si para levantá-la e tirá-la da banheira. Estava pingando e a toalha não se fechava bem atrás. Lou pegou o roupão ao sair do banheiro e a colocou sobre a cama. Abriu-a com uma mão e depositou a jovem nela.

Maxie abriu os olhos um pouco, mas não se moveu nem ajudou. A toalha a cobria enquanto colocava seus braços nas mangas do roupão. Logo fechou o roupão na frente e tirou a toalha por baixo.

Maxie sorriu.

—Só você poderia tirar uma mulher nua da banheira e colocá-la na cama sem ter que olhá-la, nem ao menos tocá-la.

Ele arqueou as sobrancelhas.

—Fiz o possível, mas nem sequer eu sou tão forte.

Ela piscou surpresa.

—Vou pegar o estojo de primeiro socorros — disse Lou.

—Conformo-me com uma gota de morfina e uma taça de algo forte.

—Não servem uma aspirina e uma cerveja?

—Parece bom — respondeu ela.

Lou voltou para o banheiro. Quando saiu de novo, ela estava metida na cama e o roupão no chão. Maxie viu sua cara e baixou os lençóis.

—Peguei emprestada uma camiseta. O roupão estava úmido e estou com frio.

—Não importa.

Maxie tomou duas aspirinas e bebeu o copo de água que ele levou.

—Que mais tem?

Lou mostrou um tubo de pomada analgésica.

—Não cheira, mas funciona tão bem como as que cheiram.

—Você viaja com isso?

—Tenho velhas feridas que às vezes despertam.

—Sim? Que tipo de feridas? Acertaram um tiro no ato de serviço?

Ele a olhou de relance.

—Vire-se.

A jovem obedeceu. Lou baixou os lençóis até seus quadris e levantou a camiseta. Jogou pomada em sua mão, esfregou as mãos para que esquentasse e começou a massagear sua pele com ela. Estava quente e tensa e gostava de tocá-la. Tudo nele ressuscitava quando colocava as mãos em sua pele.

Sentiu-a relaxar sob seu contato e a ouviu suspirar.

—Tem umas mãos maravilhosas — murmurou ela —. Vai contar o que aconteceu? Como ficou com essas velhas feridas?

Esfregou seus ombros tensos.

—Eu era ainda um novato que estava de guarda na estrada e passou um carro muito depressa. Pus as luzes e a sirene e saí atrás dele. Parei-o, anotei a placa, saí e me aproximei da porta do motorista.

—E?

Ela o olhava por cima do ombro com olhos arregalados.

—Atropelou-me uma caminhonete do tamanho de um tanque. Ou pelo menos assim pareceu.

Maxie se virou tão depressa que ele se encontrou com as mãos em seu ventre. Era um ventre suave e gostava da sensação de suas mãos ali, mas as afastou rapidamente.

—Por que não sei nada dessas coisas, Lou? Quanto tempo faz que te conheço?

Ele se encolheu de ombros.

—Anos.

—Quase uma década. Eu acreditava que fôssemos amigos.

—Somos.

—E por que me inteiro agora das coisas importantes de sua vida?

—Talvez esta seja a primeira vez que me senti impulsionado a contar isso

Maxie piscou. Ele a olhou e leu seu rosto. Queria saber por que nesse momento. Queria saber se isso significava algo, se era uma espécie de sinal de que ele pudesse estar preparado para ir mais à frente.

Mas ele não estava preparado para nada disso, embora não quisesse ferir seus sentimentos.

—Onde está a cerveja que me prometeu? — perguntou ela.

Lou ficou surpreso. Mas se levantou, foi à geladeira e tirou duas cervejas. Abriu uma e a deu. Ela tinha amontoado algumas almofadas e estava sentada na cama.

Ele se sentou para beber a cerveja, deixou a lata no chão e pegou de novo a pomada. Sabia que aquilo era patético, porque não havia nenhuma razão para que ela não passasse sozinha a pomada nas pernas.

—Feriram-lhe gravemente? — perguntou ela. Lou usou o dedo para pôr pomada nos seus arranhões e cortes.

—Quebrei o fêmur e três costelas e desloquei o ombro — olhou-a nos olhos, que estavam fixos em seu rosto —. Não houve danos permanentes. Agora estou bem.

—Teve sorte de que não o matasse.

—Sei — Lou se encolheu de ombros. Pôs uma mão no seu queixo e se inclinou para olhar seu rosto. Virou sua cabeça para esquerda e direita —. Tem uns arranhões horríveis no pescoço.

—É?

Ele assentiu, e se deu conta muito tarde do perto que estava do rosto dela e da insistência com que o olhava. Pigarreou e colocou mais pomada no dedo, que passou gentilmente pela pele suave do pescoço.

Tudo foi bem até que ela jogou a cabeça para trás e fechou os olhos, soltando o ar com um suspiro estremecido.

Lou não se deu conta de que sua mão tinha deixado de mover-se até que ela abriu seus olhos verdes e o olhou.

Levantou a cabeça das almofadas e o beijou na boca. Foi um beijo breve, ligeiro, que repetiu uma e outra vez. Beijos pequenos que faziam com que ele desejasse cada vez mais, até que por fim, incapaz de resistir, abraçou-a e a beijou com profundidade e ela arqueou o corpo contra ele.

Quando por fim respirou e levantou a cabeça, ela sussurrou:

—Não se atreva a começar a me dar razões pelas quais não deveríamos. Se fizer, juro que disparo em você com sua própria pistola.

Lou a olhou; desejava-a tanto que todo seu corpo lutava por estar mais perto.

—Não tem por que ser mais que isto — murmurou ela —. Só nós aqui e agora. Nem futuro, nem passado. Nem exigências, nem expectativas, nem repercussões. Juro.

Lou sabia que dizia a sério. E também sabia que se equivocava.

Maxie se endireitou e beijou seu pescoço e ombros.

—Pelo amor de Deus, faça amor comigo. Por favor.

Ele pensou em todas as razões pelas quais não deveria. Mas não se sentia capaz de negar-se. Estava quase tremendo de desejo.

Beijou-a e sentiu o sorriso dela em sua boca. E logo as mãos dela repousaram em seu peito, os dedos abriram espaço entre os corpos de ambos e começaram a desabotoar sua camisa.

 

Estava acontecendo e Maxie mal podia acreditar. Lou a beijava na boca e subia sua camiseta. Estava deitado na cama a seu lado e deixou de beijá-la para olhá-la enquanto ela tirava a camiseta pela cabeça. Olhava-a como olha um menino ao Papai Noel, com olhos maravilhados. Sua mão acariciou seu pescoço e foi baixando para o seio, e ela fechou os olhos de prazer e se arqueou.

Ele ficou imóvel, então, Maxie voltou a abrir os olhos.

—Lou?

Ele seguia olhando seu corpo, mas de repente afastou a vista.

—Não posso fazê-lo — se separou dela e se sentou com os pés no chão —. Tenho pomada nas mãos.

—Isso não é motivo para... Lou?

Ele se levantou e entrou no banheiro, embora deixasse a porta aberta. Abriu a torneira da pia e começou a lavar as mãos.

Ela se levantou também, decidida a não deixá-lo fugir uma vez mais. Entrou no banheiro.

—Não faça isto. Desta vez não... Não depois de... tudo isso.

Lou baixou a vista.

—Faço por seu bem.

—Por que não deixa que eu me preocupe com o que é bom pra mim? Você preocupa-se do que é bom pra você. Seria bom pra você. Lou. Muito bom...

—Cale-se.

Maxie engoliu o orgulho e se colocou a seu lado. Pegou seu braço e puxou até que se virou. Ele arregalou os olhos e a viu nua.

—O que está fazendo?

—Faço por seu bem — procurou as mãos dele, ainda molhadas. Levou-as a seus seios e as apertou ali. Então as soltou para poder tocá-lo a sua vez por debaixo da camisa, que continuava aberta —. Eu adoro seu peito — disse —. E seus abdomen...

As mãos dele baixaram e apertaram seus seios. Acariciaram-nos ritmicamente. Maxie levou as suas ao zíper dos jeans dele e o baixou. Ele não se afastou. Ela o sentiu tremer sob seus dedos.

Estava excitado e quente ao tato. Passou as gemas dos dedos pela ponta do membro e o ouviu respirar com força. Rodeou a ereção com a mão e foi baixando devagar, apertando ao fazê-lo.

Ele soltou um gemido fundo que lhe disse que ia por um bom caminho.

Sorridente, quase bêbada pelo poder que sentia ao saber que já não podia lhe dizer “não” embora quisesse, deixou-se cair de joelhos, baixando suas calças de passagem, e antes que ele pudesse protestar, meteu o endurecido membro na boca.

Ele lançou uma série de xingamentos e inclusive retrocedeu um pouco, mas seu traseiro se chocou com a pia. Maxie meteu o membro mais dentro e foi deslizando os lábios até a ponta, onde primeiro usou a língua e depois sugou com mais força e voltou a meter muito fundo.

Levantou a boca sem soltá-lo. Viu-o jogar a cabeça para trás e fechar os olhos ao mesmo tempo em que enterrava as mãos em seu cabelo. Agora movia a cabeça com mais força, tentando possivelmente resistir o impulso de agarrar sua cabeça e introduzir-se em sua garganta. Ao invés disso, baixou as mãos aos ombros dela e a empurrou com decisão.

Muito bem. Maxie se levantou, jogou os braços ao redor de seu pescoço e o beijou na boca, afastando-o da pia no processo. As mãos dele apertaram suas nádegas e a atraíram para si. Abriu mais sua boca com a língua e a beijou profundamente. Maxie se agarrou a seu pescoço, levantou as pernas e o abraçou com as coxas. As mãos dele apertaram com mais força. Ela se retorceu até que sentiu a dureza dele em seu púbis e então se baixou um pouco e o aceitou em seu interior. Afundaram-se um momento porque seus joelhos falharam, mas se repôs em seguida, endireitou-se e começou a movê-la em cima dele; e pouco depois a levou cambaleando-se até a cama.

As costas dela se chocaram com o colchão e aproveitou o impulso para introduzi-lo ainda mais profundamente em seu interior. Elevou os quadris, esforçando-se por tomar tudo o que ele queria dar, embora já estivesse quase no limite. Arqueou-se e ele agarrou seus quadris para freá-la.

—Calma, querida, calma. Ou vou te machucar.

Ela respondeu agarrando seu traseiro e apertando, cravando inclusive um pouco as unhas.

—Mais — sussurrou ao ouvido —. Quero você inteiro.

Mordeu o lóbulo da orelha e ele estremeceu e deu o que pedia. Baixou as mãos até os joelhos dela e empurrou. Maxie separou os tornozelos atrás das costas dele e deixou que a abrisse ainda mais. Lou separou seus joelhos e os subiu um pouco. Olhou-a nos olhos.

—Dê-me isso — desafiou-o ela.

E ele o fez; meteu-se tão profundamente nela que a jovem sentiu que o ar abandonava seus pulmões com força. E logo outra vez e outra mais. Enchendo-a sempre, cada vez com mais intensidade. Ela sussurrou seu nome, gemeu e ofegou enquanto ele a levava cada vez mais acima. Soltou seus joelhos e deslizou uma mão entre as nádegas dela para explorar e invadir seus segredos mais escuros. Com a outra mão procurou um dos mamilos. Apertou-o entre o polegar e o indicador e começou a retorcê-lo.

—Sim, sim, sim — sussurrou ela. Perdeu todo sentido do que ele fazia ou de como fazia. Sentia prazer, misturado com travessas pontadas de dor onde ele pinçava e atirava. E de repente explodiu e soube que acontecia o mesmo com ele, porque a penetrou com tanta força que o sentiu no ventre, palpitante em seu interior, agarrando-a para que o recebesse ali.

Abraçou-o contra si com desespero no momento que um prazer insuportável enchia seu corpo de nós. Agarrou-se a ele e Lou fez o mesmo; seus braços e seu corpo foram a âncora dela no momento do orgasmo. Seu corpo relaxou. Seus braços passaram de aferrá-lo a simplesmente abraçá-lo.

Lou levantou a cabeça para poder ver seu rosto. Maxie pensou que ia beijá-la e sorriu esperando. Mas ele não fez. Afastou-se e manobrou com ambos até que ficaram deitados em uma posição mais cômoda. Cobriu os corpos de ambos, apagou a luz e a abraçou.

—Lou?

—Sim?

—Isto te parece bem?

—Durma. Não temos por que analisá-lo esta noite.

—Não temos que analisá-lo nunca. Foi maravilhoso. Um momento incrível. Não tem por que ser nada mais.

Ele a atraiu para si.

—Prefere que vá para meu quarto? — perguntou ela.

—Nem pense nisso.

—Mas...

—Maxie, querida, cale-se e durma, certo? Não se preocupe pelo que eu penso. Nem sequer sei o que penso neste momento. Pergunte-me isso pela manhã — deu um beijo em seu ombro para suavizar suas palavras.

—Certo. Mas não tem por que mudar nada, sabe?

—Tudo mudou, Maxie.

Ela fechou os olhos, temendo o que ele diria a seguir.

—Estive... você...?

—Esteve incrível — ele a abraçou com força —. Você é incrível — a abraçou com mais força —. Durma um pouco. Pensaremos nisto amanhã.

Mas quando Maxie acordou, estava sozinha na cama.

Deitou-se de costas, piscando, e fez uma careta porque esse simples movimento causou dor. Uma dor profunda e apagada impregnava seu corpo. As costas e as extremidades doíam.

E o que mais doía era a incerteza que havia em sua mente. Conhecia Lou muito bem para pensar que ele iria com calma. Certamente estaria já como louco. Aquele homem pensava muito.

Sentou-se na cama e olhou a seu redor. A porta do banheiro estava aberta. Cheirava a xampu e sabão. Levantou-se e se olhou nua. O espelho estava ainda embaçado pelo vapor. Passou uma mão por ele. No cabide havia uma toalha úmida.

Lou tinha levantado cedo, tomou banho sem fazer ruído e partiu. Maxie inclinou a cabeça a um lado e olhou pela janela do quarto. Seu carro não estava no estacionamento, mas Lou voltaria. Disso não tinha dúvida. Sabia que nunca a deixaria, enquanto estivesse em perigo. O melhor seria tomar banho e preparar-se para o golpe que sem dúvida receberia quando ele voltasse.

Entrou na banheira, fechou a cortina, embora tenha deixado a porta aberta, e abriu a torneira. Deixou que o jorro massageasse seu corpo dolorido e procurou relaxar.

—Olá? Está aí, Maxie? — gritou a voz do Stormy.

—Sim. Trouxe o café da manhã?

—Não. Lou foi buscá-lo. Eu quero detalhes. O que aconteceu esta noite?

Maxie terminou de limpar o cabelo e apareceu pela cortina.

—Fizemos.

Stormy sorriu de orelha a orelha.

—Pois já era hora de que conseguisse. Fico feliz por você.

—Não sei — Maxie voltou a meter-se debaixo do jorro.

—Quer dizer que não foi...?

—Não. A parte sexual foi maravilhosa. São as repercussões que me preocupam. Temo que não serão tão fantásticas.

—Oh. Haverá repercussões?

Maxie fechou a torneira, pegou uma toalha, envolveu-se nela e saiu da ducha.

—Oh, sim. Voltará a qualquer momento e suponho que tenha passado a noite acordado pensando como me explicar o grande engano que foi isto e por que não pode voltar a acontecer.

—Se pensasse que é um engano, não teria feito.

Maxie se inclinou e esfregou a cabeça com força com uma toalha.

—Não dei muita escolha — murmurou.

Stormy arqueou as sobrancelhas.

—O que fez, violou-o sob a mira de uma arma?

—Não exatamente — Maxie deixou a toalha na prateleira e se penteou com os dedos —. Embora um pouco parecido. Tenho que ir procurar roupa no meu quarto.

—Eu vou, se você me fizer antes um favor — ofereceu-se Stormy.

—Qual?

Quando viu os olhos de Stormy, soube que tinha mais problemas com que preocupar-se que a reação de Lou a sua noite de paixão. Stormy olhava suas pernas, os machucados da noite anterior. E seus braços não estavam muito melhores. Maxie sabia que tinha também marcas de arranhões no pescoço e no rosto.

—Me diga o que aconteceu ontem à noite. Sei muito bem que essas marcas não foram feitas por Lou. Que diabos aconteceu com você?

Maxie tentou falar rapidamente.

—Pensei que alguém rondava lá fora e saí sozinha como uma imbecil. Acabei caindo pela ladeira do escarpado e rodando até o fundo — moveu a cabeça —. Parece pior do que é.

—Se não fosse assim estaria morta.

—Fui uma estúpida. Por sorte, Lou me viu sair e veio atrás de mim. Trouxe-me aqui e cuidou de mim.

—Aha.

—E assim foi como acabamos...

—Maxie, não diga mais tolices. Eu também acordei cheia de machucados. E não usava a camisola com que me deitei. Por quê?

—Certo. Certo. Direi a verdade.

— Eu ataquei você.

—Não. Não. Você foi quem eu vi rondando. Segui-a. Você caiu como eu. Estava escuro e o precipício apareceu de repente. Lou também teria caído se não tivesse me visto desaparecer antes.

Stormy a olhou.

—Acredito que estava sonâmbula — disse Maxie. Não mencionou o vampiro nem disse que tinha dado uma surra nela no que parecia uma defesa acalorada desse mesmo vampiro. Isso não diria nunca.

—Ainda não me contou tudo.

—Claro que sim. Isso é tudo.

Stormy estreitou os olhos e Maxie viu que estava zangada, nem tanto com ela, mas com a situação.

—Odeio não ser capaz de me lembrar. Odeio que meu corpo pareça tão desejoso de fazer coisas sem meu conhecimento, nem meu consentimento. É muito frustrante.

—Sei. Mas chegaremos ao fundo disto, querida. Possivelmente, inclusive hoje — apontou para a janela —. Olhe, não há nuvens. Está limpo.

Stormy ia dizer algo, mas nesse momento chegou Lou com café e pães doces. Viu Maxie envolta na toalha e seus olhos baixaram pelo corpo dela e se escureceram por efeito da paixão antes de voltar a subir até seu rosto.

—Vou procurar roupa no quarto de Maxie — anunciou Stormy —. Demorarei dez minutos — olhou seu relógio —. Está bem assim? Porque posso demorar vinte se...

—Não precisa ir — declarou Maxie.

—Que sejam quinze — interveio Lou.

—Nesse caso, levarei isto — Stormy pegou um copo de café, tirou um donut de uma bolsa e saiu do quarto.

Maxie não gostava muito da conversa que estava vindo.

—O tempo não está mal esta manhã, não é?

—Não. Está limpo.

—Pergunto-me se mudará assim que saiamos a procurar uma lancha.

—Ainda tenho minhas dúvidas sobre se um vampiro pode controlar o tempo enquanto dorme durante o dia.

—Eu não. Ontem à noite virtualmente admitiu que tinha causado a tempestade de ontem.

Lou deixou as bolsas na mesa. Passou uma mão pelo cabelo, ainda úmido, e moveu a cabeça com lentidão.

—Olha-me como se pensasse que vou cravar uma estaca no seu coração.

—E não é assim?

—Não. Rendo-me. Você ganhou.

Maxie piscou três vezes rapidamente.

—Eu ganhei?

Ele assentiu.

—Acredito que deveríamos nos casar.

—O que?

—Disse que acredito que...

—Já sei o que disse, mas não tenho certeza do por que disse. Como passamos de “que sejamos só amigos” a “vamos casar”?

—Bom... é bastante evidente, não?

—Fizemos amor. Disse que não tem por que significar nada.

—Mas você quer que signifique e eu estou cansado de lutar contra isso. Além disso, já está feito. O dano já está feito e não há como volta atrás. Então, é a única solução.

—Mas em que planeta vive você?

Lou se encolheu de ombros.

—Não estou sendo antiquado, a não ser prático — passou uma mão pelo cabelo e afastou-se uns passos —. Fomos muito longe para voltar atrás. A amizade já está arruinada. Não podemos voltar a ser platônicos... não depois disto.

—E não podemos ser só amantes um tempo? O que tem de mal nisso?

Ele levantou as sobrancelhas.

—Eu não faço isso. Sou muito velho para me preocupar com encontros, romantismo e paqueras. E aí é aonde você quer chegar com tudo isto, verdade? Então, por que não saltamos o meio e vamos ao final? Não demoraremos a descobrir se isto pode funcionar ou não.

Maxie não podia acreditar que aquelas palavras saíssem da boca dele. E se sentia cada vez mais ferida.

—Além disso, conheço você o bastante bem para saber que não está tomando pílula. Suponho que o resultado da idiotice de ontem à noite seja...

Maxie lhe deu uma bofetada. Forte. Surpreendeu a ela tanto como a ele. A cabeça de Lou caiu a um lado e sua mão ardeu. Uma marca vermelha escureceu a bochecha dele.

—Por Deus, Maxie! Que diabos...?

—Maldito seja, Lou.

—Eu não...

—Não, você não, e suponho que não o fará nunca. Mas direi uma coisa. Quando entender o enorme engano que acaba de cometer, será sua vez de correr atrás. Eu terminei. Não voltarei a te propor nada embora me suplique isso. Estou cansada de ser a única que se interessa, de ser a rechaçada, inclusive depois do fato. Então, vá ao inferno!

Correu para a porta e a abriu. Stormy estava ali com sua roupa na mão. Maxie pegou ao passar e um segundo depois batia a porta de seu quarto com tanta força que ouviu tremer os vidros da janela.

 

—Santo céu! — exclamou Stormy. Olhou para Lou, que continuava paralisado pelo susto —. Esperava que dissesse que não voltaria a acontecer, então, não sei por que reagiu assim.

Lou engoliu saliva.

—Não disse que não voltaria a acontecer. Pedi que se casasse comigo.

Stormy franziu o cenho.

—Essa não é a reação de uma mulher que conquista por fim o coração do homem pelo qual está louca desde os dezessete anos. Como pediu exatamente?

Ele franziu o cenho.

—Disse que parecia o mais lógico, nada mais.

—Lógico? A lógica não é um ponto forte em assuntos do coração. Disse que a amava, que não pode viver sem ela, que tinha feito mal em resistir tanto tempo?

Ele a olhava como se falasse em chinês.

—Nada disso, né? Apoiou sua proposta no fato de que por fim fizeram amor?

Lou arregalou os olhos.

—Uma espécie de rendição a contra gosto agora que o inimigo conquistou seu forte? — continuou Stormy.

—Ouça. Tudo isto é privado, sabe?

Ela se encolheu de ombros.

—É, se não quiser minha opinião...

—Não quero.

Ela suspirou e se apoiou na parede, pouco disposta a partir agora que a conversa ficava interessante.

—Espero que não se incomode — disse ele, depois de um momento de reflexão —. Gosto de você como a uma irmã, mas isto é algo pessoal.

—Compreendo. Mas falharia como amiga de Maxie se não te dissesse que certamente acaba de fazer muito mal a ela.

—Dou-me conta.

—Ela o interpretou como eu. Que tem a sensação de que o derrotou e por isso quer deixar de lutar.

Ele arqueou as sobrancelhas.

—Acha que feri seu orgulho?

Ela assentiu.

—Sim. Mas isso é o de menos. Certamente também partiu seu coração.

—Diabos!

—Se conheço Maxie, depois disto não voltará a aproximar-se de você.

Ele respirou fundo e abriu a boca.

—E não se incomode em me dizer que certamente é melhor assim. Por Deus, Lou! De verdade é tão grosso ou agarra-se a isso por costume?

—O que?

Stormy fechou os olhos.

—Quando por fim descubra o que quer, terá que ser você quem vai buscá-lo, e imagino que de joelhos.

Lou voltava a parecer confuso.

—Pobre Maxie! — exclamou Stormy — Primeiro o que aconteceu ontem à noite na praia e agora isto. Deve estar como louca.

Ele franziu o cenho.

—Não tinha pensado nisso. Foi uma noite difícil.

—Está cheia de marcas — Stormy baixou os olhos e levou uma mão à frente —. Quando a vi esta manhã, não podia acreditar...

—Não pode se culpar, Stormy.

—Claro que posso. Fui eu quem a levou lá.

—Mas você não é responsável pelo que faz quando... já sabe, quando perde o controle.

—E se eu não sou responsável, quem é? — perguntou ela.

Lou se encolheu de ombros.

—Pode ser que ninguém seja.

Stormy virou e começou a andar pelo cômodo para ocultar seu rosto e não revelar nada.

—Já é bastante ruim que eu a levasse ali — disse —. Pode ser que isso pudesse perdoar. Mas o resto...

—Vamos, Stormy. Maxie é forte. Se tivesse começado a machucá-la de verdade, teria se defendido.

Portanto era verdade. Maxie tinha mentido.

—Comigo não se defenderia — murmurou —. Me trata como se fosse feita de porcelana da China. Certamente ficou quieta e me deixou golpeá-la.

—Está bem, Stormy. Parece pior do que é.

—Isso ela disse — a jovem apertou os lábios —. Mas também disse que fez tudo isso em uma queda. Presumi que devia ter sido eu e tinha que ter certeza.

Lou lançou um xingamento.

—Sinto muito, Lou; não pretendia estender uma armadilha, mas... compreende, não é verdade?

Ele suspirou.

—Suponho que sim.

—Temos que fazer algo. Tomar alguma precaução para que não possa voltar a atacá-la. Se fizesse algo irreparável, não me perdoaria nunca.

Ele assentiu.

—Não posso perdê-la de vista.

—Não, mas agora ela não vai cooperar nisso. — Lou a olhou.

—Ah, vamos — disse ela —. Admite que meteu os pés pelas mãos. Pelo menos quando eu a ataco não sei o que faço. Você consegue fazê-lo estando normal.

—Eu não a ataquei.

—Arrancou seu coração. E não finja que ainda não se deu conta.

Lou fechou os olhos e ela viu autêntica dor em seu rosto.

—Consertarei isso — disse.

—É melhor.

 

Maxie colocava suas coisas em uma mala quando bateram na porta.

—Vá embora.

—Sou eu — disse Stormy —. Venho sozinha. Deixe-me entrar.

Maxie parou de guardar as coisas tempo suficiente para virar para o espelho e secar os olhos. Aproximou-se da porta e olhou pelo olho-mágico. Não acreditava que Stormy tentaria enganá-la, mas tinha que ter certeza. Abriu a porta.

Stormy entrou e a abraçou com força.

—Sinto muito, querida.

—Não sinta. Isto poderia ser visto há muito tempo.

—Não me referia a Lou. Essa partida está longe de ter terminado — apontou para a mala com o queixo —. Vai para casa?

Maxie se sentou na cama.

—Se não se referia a Lou, por que se desculpava?

—Por ter te dado uma surra ontem à noite.

—Você não...

—Não se incomode em negar. Supunha que tinha acontecido isso e fiz uma armadilha para Lou para que me confirmasse isso. E não o culpe; você o deixou tão confuso que não sabe onde está.

Maxie suspirou.

—Sinto ter batido em você — repetiu Stormy.

—Não foi você. Foi outra pessoa. Não se torture com isso. Não foi você e nós duas sabemos.

Stormy fechou os olhos e baixou a cabeça. Quando voltou a elevá-la, perguntou:

—Vai embora?

Maxie olhou sua mala.

—Não sei o que faço.

—Não é próprio de você se render. Você não se rende nunca.

—Isso era antes. Agora acredito que estive me enganando todo este tempo. Tinha me convencido de que no fundo me amava.

—E agora acha que estava errada?

—Agora sei que estava errada.

—Porque fizeram amor e foi horrível?

Maxie olhou para Stormy.

—Foi maravilhoso, já disse isso.

—Certo. Então é porque pediu que se case com ele?

—Não me pediu isso. Deixou cair e disse que era o mais razoável. Como se tivesse conquistado um tigre e esse fosse o único modo de escapar.

—E você acha que isso é o que sente?

—Sim.

—Não concordo. E não pode ir agora. Jason conta com você.

—Se o fizer, dizemos que está alucinando. Mencionamos a ferida recente na cabeça e seguimos nosso caminho.

—Acha que engoliria?

—Não sei. Mas que outras opções temos?

—Poderíamos ir ver um vampiro — respondeu Stormy —. Eles podem ler o pensamento e entrar na cabeça da gente. Dante podia fazê-lo. E tenho certeza que Morgan também já pode. E essa Serafina... tem que ser bastante boa.

—Serafina não fala com nosso ramo da família desde que minha irmã lhe roubou Dante — suspirou Maxie —. Além disso, poderia ser perigoso trazer algum deles aqui.

—Não temos que trazê-los, podemos ir e pedir que me olhem para ver o que acontece. — Maxie suspirou.

—Se um deles ler seu pensamento, eles saberão o que acontece aqui, mesmo que não queiramos dizer. E insistirão em ajudar.

Stormy assentiu.

—E se este vampiro for perigoso...

—Os colocaríamos em perigo.

—Está bem, está bem, vamos chamar essa mulher e pedir um encontro. E enquanto isso, acredito que deveríamos tentar chegar a essa ilha de dia, quando é seguro.

—Não acredito que você deva ir. Não é bom pra você.

—Sabia que era isso o que queria. Não pense nem por um momento que vou deixá-la ir sozinha, Maxie.

—Arrisca-se a ter outro episódio desses.

—Sim? Pois me faça um favor e desta vez me pegue, me prenda ou faça o que for preciso para convencer a quem olha através de meus olhos que te diga quem é e o que faz em meu corpo.

Maxie assentiu a contra gosto.

—Deveríamos levar Lou e Jason para o caso de eu ficar estranha — prosseguiu Stormy —. Não quero correr o risco de te fazer nada mais. E muito menos na ilha.

—Eu pensava enviar Lou a White Plains depois de tomar café da manhã — comentou Maxie. Stormy arqueou as sobrancelhas.

—O que aconteceu? Nunca pensei que deixaria de querer consegui-lo.

—Nunca quis consegui-lo assim. Como um maldito mártir que marcha corajosamente à fogueira. Esquece. Sou melhor que isso e mereço algo melhor.

—Tem razão — respondeu Stormy —. Mas seria mais fácil procurar algo melhor se não estivesse apaixonada por esse maldito idiota, não? — Maxie assentiu com a cabeça.

—Muito mais fácil.

—Não irá embora mesmo que o diga.

—Certamente não. Mas só porque acredita que estamos em perigo.

—E porque você importa a ele.

—Não no sentido que eu quero importar. Mas deixemos o tema e vamos chamar essa hipnotizadora. — Stormy se aproximou, tirou o cartão de seu bolso e o passou. Maxie leu.

—Só está à uma hora daqui. Acredito que será bom pra você se afastar desta cidade.

—E a você de Lou?

Maxie assentiu, embora não tinha intenção de acompanhar sua amiga à sessão, mas sim pensava em fazer uma visita ao vampiro na ilha e averiguar o que queria dela. Estava farta de esperar. Queria-a na ilha? Pois a teria ali. E não arrastaria sua amiga a esse perigo. Podia levar a Stormy, deixá-la com a hipnotizadora e escapar e voltar sem ela. Stormy não a perdoaria nunca, mas valeria a pena desde que aquilo acabasse.

Devolveu o cartão.

—Ligue pra ela e pergunte se tem hora pra hoje.

Stormy levantou o fone.

 

Lou não sabia como tinha dado um fora tão grande, mas odiava sua situação atual. Maxie se mostrava fria e distante com ele.

Stormy e ela se reuniram com Jason e ele na praia, aonde tinham ido inspecionar o bote. Fazia um dia maravilhoso, quente e ensolarado. Ninguém teria suspeitado que um vampiro rondava perto.

—Não sairá bem — disse Maxie.

—O bote é sólido. Não vejo por que...

—Olhe.

Lou virou para onde ela apontava e viu uma massa de nuvens negras que começavam a reunir-se na distância. O céu se escureceu imediatamente e soou um trovão no mar. Aumentou o vento.

—Ontem à noite me disse que nunca nos permitiria ir à ilha de dia. Mas eu tenho outra idéia.

—Sim?

—Stormy e eu vamos a Salem esta manhã.

Lou franziu o cenho.

—O que há em Salem?

—Vou ver uma hipnotizadora — interveio Stormy —, para ver se ela consegue descobrir o que acontece na minha cabeça.

Lou olhou o mar. A tempestade espreitava dali, como se estivesse esperando algo. Olhou de novo o bote e teria podido jurar que o vento aumentava ainda mais nesse momento. O murmúrio do trovão se converteu em um rugido

—Acha que uma hipnotizadora pode ajudar, Stormy? — perguntou.

—Não me fará mal. Além disso, Maxie acredita que é boa idéia. E eu confio nela.

Lou olhou para Maxie, mas esta evitou seu olhar.

—Eu também, mas me parece uma perda de tempo. Poderíamos nos dedicar a interrogar as pessoas da cidade.

—Você pode fazer isso — respondeu Maxie—. Stormy e eu vamos a Salem sozinhas.

Lou se sentiu ofendido, mas tentou não mostrar.

—Acredito que as chaves de seu carro continuam em meu quarto — disse —. Venha comigo e darei a você.

Viu o olhar que ela lançou a Stormy, mas não tentou interpretar. Virou para o motel e ela o alcançou uns passos mais à frente. Lou a olhou de soslaio.

—Perdão, Maxie.

—Por que, Lou?

—Não pretendia feri-la. Isso é a última coisa que quero fazer no mundo. Você sabe, verdade? — ela o olhou.

—Sei. Ouça, isto não é sua culpa. Não pode evitar sentir o que sente. Disse muitas vezes que não quer esse tipo de relação comigo. Deveria ter escutado.

Eram as palavras que ele queria ouvir há muito tempo. E, entretanto, agora doíam. Por quê?

—Sabia que se dormíssemos juntos, isso mudaria tudo — disse —. Mas foi muito especial, Maxie. Significou algo para mim, não ache que não foi assim.

Ela suspirou.

—Não foi o sexo que mudou as coisas, e sim o fato de que por fim captei a mensagem. E isso teria ocorrido antes ou depois, com sexo ou sem ele.

—Não sei que mensagem acha que dei, mas...

Ela levantou uma mão.

—Ouça, me dê um tempo, certo? Vivi muito com essa fantasia e não sei o que fazer agora que se acabou.

Nas últimas palavras quebrou algo em sua voz. Para Lou doía dar-se conta de até que ponto a tinha ferido.

—Que fantasia?

Ela baixou a cabeça.

—Não vai querer ouvir agora.

—Sim, quero.

Maxie seguiu andando com a cabeça baixa.

—Durante anos consegui me convencer de que, no fundo, estava apaixonado por mim. De que não se tinha dado conta, mas cedo ou tarde descobriria isso. E quando o fizesse...

—Por Deus, Max! Ofereci me casar com você. Não sei o que...

—Você não me quer. Acha que quero viver com um marido que só se casou comigo porque o cansei? — baixou os olhos e negou com a cabeça —. Você tinha razão. Vamos nos conformar sendo amigos.

—E como vamos fazer isso se está tão zangada comigo? — Lou se sentia a beira do pânico e não sabia por que.

—Não estou zangada com você. Feriu meu orgulho. Estou envergonhada e um pouco triste, mas não o culpo por isso e você também não pode me culpar. É normal que esteja triste se vejo terminar meu sonho favorito. Mas tudo terminará bem. Prometo. Pode ir para White Plains se quiser. Não me ofenderei por isso.

—Sabe que não posso fazê-lo.

Sustentou o seu olhar um momento.

—Sim, suponho que sei. Fique então. Resolveremos isto e logo... logo suponho que tudo acabará.

Lou se sentia como um assassino. Como o homem mais cruel e mesquinho de toda a criação.

—Vou passar o dia com Stormy — disse ela —. Será bom pra mim pôr certa distância entre nós. Quando voltar, terei superado. Prometo.

Durante o caminho para Salem, Maxie parecia sombria. Tentou conversar, sim, mas não podia ocultar a dor de seus olhos. Stormy queria arrumar as coisas, mas sabia que não podia. Só havia duas pessoas que podiam arrumar aquela confusão e ela não era uma delas.

—Morgan e Dante podem já ter retornado à mansão — comentou.

—É possível — assentiu Maxie.

—Lydia lhes dirá onde estamos. E certamente ligarão. Ou até aparecerão aqui. Espero que terminemos com isto antes que apareçam.

Se o que suspeitava Stormy fosse certo, e ela tinha adquirido uma espécie de encosto espiritual enquanto estava em coma, talvez Morgan pudesse ajudá-la. Tinham estado juntas ali e encontrado o caminho de volta juntas... embora naquele momento não se conhecessem.

Mas Maxie não queria envolver outros vampiros no caso. E se ela envolvesse Morgan, sua vida podia correr perigo. Portanto, reservaria Morgan como último recurso. Mesmo que a hipnotizadora fracassasse...

 

Martha Knoxville vivia em uma casa de uma rua tranquila de Salem, em meio a outras casas parecidas, altas e um tanto elegantes, com um telhado em pico de telhas vermelhas e portas e janelas de madeira.

A um lado, o lado que dava ao curto caminho de entrada pavimentado, havia outra entrada com um cartaz que dizia “Escritório”.

Maxie e Stormy se dirigiram para lá. A porta levava ao que parecia uma sala de estar comum, de madeira boa e decorada em tons terra. Ao longo de uma das paredes havia um aquário enorme, com peixes de cores brilhantes de muitas formas e tamanhos. Contra outra das paredes se via uma fonte da altura de uma pessoa, com a água caindo em cascata pelo rosto de pedra e recolhendo-se em um recipiente que parecia esculpido na rocha. Havia plantas por toda parte. Árvores altas nos cantos, cestas pendentes nos tetos. Um sofá marrom com poltronas combinando, que eram tão convidativas que Stormy se perguntou se alguém podia entrar ali e resistir a sentar-se, embora fosse só por um momento.

—Você deve ser a senhorita Jones. Ou posso chamá-la Stormy?

A interpelada levantou a vista e viu uma mulher pequena e gorda, de uns trinta e tantos anos, com um arbusto de cabelo castanho encaracolado que chegava até a metade das suas costas. Seus olhos eram também marrons, sinceros e amigáveis, e tinha um dos sorrisos mais resplandecentes que Stormy já tinha visto.

—Me chame de Stormy. Todo mundo o faz.

—Me chame de Martha.

—Prazer em conhecê-la, Martha — Stormy apertou sua mão, que era quente e suave —. Esta é minha amiga Maxie.

Ela estendeu também a mão.

—Obrigada por nos receber tão depressa.

—De nada. Não tenho tantos clientes. Por favor, sentem-se. Vou preparar um chá.

—Por favor, não se incomode — murmurou Stormy.

—É parte da sessão. Camomila com mel. Ajudará que relaxe.

Saiu da sala e Stormy se sentou no sofá com um suspiro.

—Acha que tiraremos algo disto? — perguntou.

Maxie se acomodou a seu lado.

—Eu poderia me hipnotizar só olhando esses peixes — assinalou o aquário —. Olhe esse azul.

Stormy assentiu e olhou o peixe gordo que se movia lentamente pela água. Era de um azul que ela nunca tinha imaginado que existisse na natureza.

Martha voltou com uma bandeja com três xícaras de camomila. Deixou na mesinha de café e pegou uma xícara. Stormy, obediente, pegou outra e deu um gole.

—Por que não me conta o que acontece com você? — perguntou a mulher — No que acha que a hipnose pode te ajudar?

 

—O que aconteceu com Maxie? — perguntou Jason.

Reuniu-se com o Lou em seu quarto do motel, enquanto a tempestade explodia fora. Lou teria preferido estar a sós, mas supunha que aquele não era o momento para perder a cabeça, nem pensar no que podia fazer a seguir.

—Por que acha que aconteceu algo?

—Esta manhã está diferente — Jason o olhou por um momento —. E você também. Brigaram?

—Não.

—Um mal-entendido?

—É algo entre nós, certo?

—Claro, tudo bem.

—Foi melhor que foram sem nós. Assim temos oportunidade de ir a essa ilha sem que Stormy tenha um ataque.

Jason moveu a cabeça.

—Má idéia, Lou — olhou o céu escuro —. E não podemos chegar lá de qualquer jeito.

—Ouça, cedo ou tarde temos que inspecionar esse lugar, com ou sem tempestade. Não quero Maxie ali e sei que está acabando sua paciência. Irá a qualquer momento... a menos que nós o façamos antes.

Jason franziu o cenho e olhou os pés.

—Se acha que Maxie está zangada com você agora, como acha que ficará se fizer algo assim?

Lou ignorou a pergunta.

—Esse tipo é um vampiro. Não suporá nenhum perigo durante o dia. Temos que ir de dia.

—Sim. E a tempestade?

Lou olhou pela janela.

—Teremos que nos arriscar.

Jason se colocou a seu lado e olhou o céu negro. Nesse momento começou a chover.

—Quase parece que sabe o que estamos pensando.

—Eu acredito que sabe.

Jason engoliu saliva com força.

—Peço que não faça isso, Lou. Não vá hoje lá. — Lou o olhou nos olhos e tentou ler o que havia detrás deles.

—Sinto muito, tenho que fazê-lo. E não só por sua irmã e sua amiga, tenho que fazê-lo por Maxie. Preciso acabar com isto para poder... concentrar-me em outras coisas.

Jason assentiu com ar sombrio.

—Vou a meu quarto procurar uma lanterna, agasalho impermeável e o celular, se por acaso funcionar lá — olhou Lou —. No bote não há coletes salva-vidas.

—Não. Sabe nadar?

Jason assentiu e abriu a porta. A tempestade estava já em pleno apogeu e o olhar que lançou para Lou dizia tudo. Ninguém poderia nadar com aquele tempo.

Saiu e Lou passou um momento revisando sua pistola, que colocou dentro da roupa, onde se conservaria seca. Tirou um agasalho impermeável e colocou uma lanterna no bolso. Levava a navalha e o celular. E decidiu deixar um recado para Maxie.

Saiu do quarto e foi em busca de Jason. Justo quando ia bater na porta, achou ter ouvido a voz de Jason falando com alguém.

Franziu o cenho e se aproximou da janela ao lado da porta, mas as cortinas estavam fechadas. Um segundo mais tarde se afastou porque ouviu que Jason se aproximava da porta.

Lou fingiu que estava a ponto de chamar e tentou olhar dentro do quarto, mas não viu rastro de ninguém. O copo de café de Jason estava ao lado do telefone.

Fazia uma ligação?

Lou engoliu saliva com força.

—Vamos — Jason encolheu os ombros contra a chuva e juntos rodearam o motel e saíram ao campo aberto. O vento e a chuva pareceram diminuir quando entraram no bosque. Dava a impressão de que as árvores os freavam.

Avançavam depressa e não demoraram a chegar ao escarpado.

Assim que saíram das árvores, Lou ficou imóvel, levantou a cabeça ao céu e passou uma mão pelo cabelo.

—Está parando de chover.

Jason olhou o céu também.

—Acredito que o vento também é mais fraco. Talvez vamos conseguir chegar com vida depois de tudo.

Lou franziu o cenho, primeiro para Jason e depois para o céu. As nuvens pareciam mais magras. Que diabos estava acontecendo?

Engoliu saliva com força e desceu até o bote. Não havia nuvens nem se ouviam trovões. Olhou para Jason.

— Eu não gosto disto.

—Possivelmente não deveríamos ir. Certamente terá capangas na praia.

Lou o olhou.

—Sabe? Tem razão. Pode ser arriscado ir lá. Possivelmente seria mais inteligente deixar alguém atrás, alguém que saiba para onde enviar reforços se acontecer algo.

Jason o olhou.

—Acha que tenho medo de ir e me oferece essa saída. Sou tão homem como você, Lou.

Este se encolheu de ombros.

—Depende de você. Eu vou. Com ou sem você.

—Com. Precisa de mim.

—Sim?

—Sim.

Lou assentiu a contra gosto. Via o medo nos olhos de Jason. E isso não era suspeito, era normal que tivesse medo. Nunca tinha lutado com algo desse tipo. Mesmo assim, não podia tirar a impressão de que havia algo mais que medo em seus olhos. Como... como se soubesse de algo.

Pegou a parte de atrás do bote e Jason o ajudou. Colocaram na água, o que implicou neles também entrando até os joelhos. Subiram a bordo e Lou ficou na frente do motor, enquanto Jason usava um remo para entrar mais no mar. Lou puxou o cordão duas vezes; na terceira tentativa, ligou e partiram. E o tempo não mudou. Em todo caso, limpou-se ainda mais.

Quase como se algo tivesse decidido deixá-los ir. Mas acaso importava? Tinha que fazer aquilo. Devia a Maxie.

 

—Stormy, está profundamente adormecida. Relaxada e a salvo. Cômoda e a vontade.

Maxie pensou que a voz da mulher era tão relaxante que ela mesma podia entrar em transe a qualquer momento. Deu uma batidinha no seu no ombro e apontou com a cabeça.

A mulher a seguiu ao outro lado da sala.

—Tenho que ir — disse Maxie —. Quando acordar, diga...

—Não acredito que seja boa idéia — murmurou Martha.

—Mas... ela estará bem. É importante que eu...

—Está assustada. Não sabemos o que pode revelar a sessão. Pode ser muito traumático para ela. Sua amiga precisa de você. Além disso, não levará muito tempo.

Stormy sussurrou então:

—Maxie? — e levantou uma mão, com a que agarrou o ar.

—Precisa de você — repetiu Martha.

Max engoliu saliva e voltou para o sofá, pegou a mão de Stormy e se sentou a seu lado. Sua amiga relaxou de novo e um suspirou saiu de seus lábios.

—Está a salvo, Stormy — murmurou Martha, que voltou a sentar-se na poltrona na frente dela —. Maxie está aqui, eu estou aqui e nada pode te fazer mal.

—Sim. A salvo — murmurou Stormy. Apertou com mais força a mão de Maxie.

—Agora quero falar com a outra. O ser dentro deste corpo que não é Stormy Jones. Está aí?

Nada. Stormy seguia com a cabeça apoiada no encosto do sofá, os olhos fechados e a respiração profunda.

—Por favor, fale comigo. Quero falar com a outra.

Stormy levantou a cabeça e abriu os olhos. Separou os lábios e soltou uma sequência de palavras que Maxie não entendeu.

Lasa ma ínpace!

Martha assentiu e deu um tapinha na sua mão para acalmá-la. Sua voz seguia sendo calma, embora fosse evidente que se sobressaltou.

—Terá que falar em inglês, minha amiga.

A pessoa... porque Maxie sabia que não era Stormy... assentiu com a cabeça.

—Me deixe em paz.

—Farei. Logo. Mas antes tem que me dizer quem é.

—Eu sou ela. Ela sou eu.

—Você é Stormy?

—Sim.

—E quem é a outra mulher dentro de você? A dos olhos azuis que fala inglês?

—Ela sou eu. Somos uma.

—Ela não te conhece.

—Não se lembra. Eu sou de antes.

—De antes?

A pessoa assentiu. Era incrível quão diferente era da Stormy que Maxie conhecia e amava.

—Por que ataca os amigos de Stormy? — perguntou Martha devagar —. Depois de tudo, se você for ela, também são seus amigos.

—Eu protejo os meus.

—Entendo. E eles são uma ameaça para os seus?

A pessoa voltou a assentir.

—Por quê?

—Ele. Print meu — fechou os olhos —. Sou tão fraca aqui! Levem-me de volta ao mar.

—Antes me diga seu nome.

—Estou doente. Sunt bolnav.

—Por favor, só diga seu nome e poderá voltar. — os olhos se abriram um pouco e a cor negra começava a mudar lentamente, a ficar mais clara.

—Os nomes não significam nada. Tive muitos. Agora me chamo Stormy. Antes me chamava Mina e antes disso fui Elisabeta. Mas não importa. Todas somos a mesma.

Fechou os olhos e, quando voltou a abri-los, eram azuis como a safira.

—Stormy — disse já com sua própria voz —. Me chamo Stormy.

Martha assentiu. Maxie não afastava os olhos de sua melhor amiga.

—Me diga o que sente quando está perto do oceano em Endover — perguntou a hipnotizadora.

A jovem sorriu.

—É como ir para casa.

—Porque você viveu antes em um lugar assim? Possivelmente em sua infância?

—Não. Quando eu era menina nos mudamos de White Plains para Iowa.

—E como se sente quando tem os... episódios que tem?

O corpo de Stormy se esticou um pouco.

—É como se estivesse dormindo e tivesse sonhado tudo. Só que a do sonho não era eu. Era outra pessoa que faz coisas que eu não faria nunca. E então, quando acordo, fico sabendo que as fiz.

—Ou seja, nesses sonhos pode ver as coisas que faz?

Stormy baixou um pouco a cabeça.

—Às vezes. Isso faz com que me sinta ainda mais culpada.

—Não é sua culpa.

—Eu tenho a sensação de que é.

—Quando vê essas coisas nos sonhos, quem as faz?

Stormy enrugou a testa.

—Uma mulher.

—E como ela parece?

—É bonita. Pele cremosa, cabelo loiro selvagem, olhos de ébano.

—Você a conhece?

Stormy negou com a cabeça, mas deteve o movimento na metade.

—Acredito que deveria conhecê-la. Parece familiar. Como quando se encontra com alguém a quem não vê há muito tempo e não sabe de onde os conhece.

—Entendo.

—Quem dera pudesse me lembrar dela!

—Acredito que lembrará quando estiver preparada. Agora quero que relaxe um pouco mais comigo. Vou levá-la a um sono mais profundo.

 

Jason se sentou no banco e devolveu o remo a seu lugar. Lou ia sentado no assento pequeno da parte de trás do bote e se ocupava de dirigi-lo.

—De onde acha que saiu este bote? — perguntou Jason.

—Não sei. Suspeito que é do Gary, mas é só uma intuição.

Viu o farol à distância e se dirigiu para ele. Quando se aproximaram mais, a ilha apareceu no horizonte.

—Aí está.

Jason olhou também para lá.

—Tem certeza que quer fazer isto?

—É preciso. Você quer recuperar sua irmã, certo?

E ele queria recuperar Maxie. Foi um pensamento que cruzou por sua mente como uma brisa errante e que não tentou analisar.

—Faria qualquer coisa para recuperar Delia — respondeu Jason —. Você também faria se fosse Maxie, verdade?

—Sim.

—Então compreende.

Lou franziu o cenho e se perguntou a que se referia, mas Jason olhou de novo para frente.

—Como vamos fazer? Acredito que vejo um telhado na extremidade mais afastado da ilha. Vê?

Jason assentiu. As árvores bloqueavam a estrutura, mas podia ver.

—Por que não desembarcamos deste lado para que não possam nos ver da casa? Só por precaução.

—Boa idéia — Lou freou o bote e o levou ao lado ocidental, onde ficariam ocultos da casa. Desligou o motor, pegou um dos remos e remou o resto do caminho.

Perto da beira saltaram os dois ao chão e arrastaram o bote até a praia de pedras. Esconderam o bote entre uns arbustos e logo Lou olhou a seu redor. A ilha estava rodeada de pinheiros, árvores grandes e velhas que se elevavam para o céu e davam sombra para a terra. O solo estava coberto de pinhas e de uma manta de agulhas. O aroma era incrível. Pensou que Maxie adoraria esse lugar.

Jason e ele abriram caminho entre os pinheiros gigantes. Cantavam os pássaros, que voavam às vezes diante deles, sobressaltando-os. Por fim, chegaram ao lugar onde acabavam as árvores e estava a casa, um edifico construído de blocos de granito branco, com torres arredondadas nas esquinas e colunas flanqueando as gigantescas portas de madeira em forma de arco. Lou pensou que parecia quase uma igreja. Ou um castelo.

—Não parece que vá ser fácil entrar — murmurou Jason.

—Entrar não será nenhum problema.

Os dois homens se viraram, porque a voz tinha vindo detrás deles.

O chefe Fieldner e dois homens mais apontavam seus revólveres para Lou. Este reagiu instantaneamente, levado por anos de treinamento. Golpeou o mais próximo na mandíbula, agarrou seu braço, o retorceu a suas costas e tirou sua pistola. Em um instante, tinha-o diante dele como um escudo humano e apontava para os outros com sua pistola.

—Soltem as armas ou seu amigo será história.

Olharam primeiro para ele e então entre si.

—Vamos! — gritou Lou, apoiando o canhão na cabeça de seu refém.

Eles olharam para Jason, que assentiu.

—Será melhor que façam o que diz.

Os dois homens deixaram as armas no chão. Lou olhou para Jason.

—Pegue.

Este obedeceu. Colocou duas pistolas no cinturão e deixou a outra em sua mão. A seguir foi colocar-se ao lado de Lou.

— Se arrependerá disto — disse Fieldner —. Você tinha que trazer aqui as mulheres, não o homem — gritou para Jason.

Na mente de Lou soaram sinos de alarme e girou a cabeça e a pistola para Jason... só para descobrir que o revólver que sustentava ele apontava diretamente à frente.

—Disse por telefone que não podia impedir que viesse — respondeu Jason —, mas não importa. As mulheres virão. Se ele estiver aqui, elas virão.

—Por Deus, Jason! O que acha que está fazendo?

—Baixe a pistola, Lou. Já disse. Farei o que for preciso para recuperar minha irmã. Por desgraça, isso inclui enfrentar você.

—A mim, tudo bem. Entendo. Mas a Maxie e Stormy?

—Sinto muito, Lou. Baixe a pistola.

Lou vacilou.

—Não me obrigue a disparar — Jason engatilhou a pistola.

Lou sabia que não poderia sobreviver se Jason disparasse a essa distância. E então Maxie estaria a sua mercê. Confiando em um amigo que não merecia sua confiança. Tinha que seguir vivo por ela. Por Maxie.

Deixou cair a arma que tinha na mão e o homem que prendia se soltou dele.

—A sua também — disse Jason —. Sei que trouxe uma pistola.

Lou tirou sua arma com cuidado e a deixou também no chão.

—Não faça isto, Jason. Não soltará Delia só porque faz o que diz.

—Se não fizer, a matará.

—E como sabe que não a matará de todos os modos?

Lou deu um passo para Jason antes que o golpeassem na cabeça por trás com algo duro. Caiu de joelhos e voltaram a golpeá-lo.

Lou caiu no chão e ficou ali. Não tinha sentido brigar com quatro homens. Ficou deitado, lutando para não perder a consciência, mas fingindo que estava inconsciente.

Ouviu o impacto de um murro e o grunhido e o xingamento de Jason.

—Estúpido imbecil! Disseram que não o trouxesse aqui — era Fieldner que falava, mas era outro que golpeava Jason.

—Tentei detê-lo. Liguei para dizer...

—Tolices. Não cumpriu sua palavra — outro golpe, outro grunhido e Jason caiu no chão úmido, não longe de onde estava Lou.

—Basta! — ordenou Fieldner. Lou entreabriu os olhos com cautela e viu o chefe de polícia de pé perto de Jason —. Teremos que arrumá-lo o melhor possível. Pode ser que ter aqui o senhor Malone nos traga algum benefício. Levem-no para dentro.

—E este? — perguntou um de seus capangas olhando para Jason.

—Terá que voltar para dizer às mulheres que Malone está preso aqui e que venham resgatá-lo.

Lou abriu os olhos. Lançou a Jason um olhar que dizia claramente que não fizesse isso.

—Terá que parecer que lutou conosco e tentou salvar seu companheiro — continuou o chefe. Olhou a seus capangas —. Façam que seja convincente, mas nem tanto que não possa voltar para o motel — se encolheu de ombros —. Embora se for assim, vocês sempre podem levá-lo.

Seus homens sorriram e se aproximaram de Jason, que se encolheu mais sobre si mesmo antes que o golpeasse a primeira bota. Quando terminaram, Jason estava imóvel no chão. Pegaram Lou pelos braços e começaram a arrastá-lo para a casa.

 

Martha começou a levar Stormy a um estado de hipnose mais profundo. Logo disse que ela, Stormy, estava no controle e a outra parte de sua psique não devia voltar a tomar o comando. Deu à outra permissão para falar com Stormy e disse que escutasse também e voltou a repetir que Stormy estava no controle. Então, a tirou devagar de seu estado de transe, depois de dizer que se lembrasse de tudo o que tinham falado, inclusive as coisas que havia dito a outra, e de assegurar que despertaria corajosa e no controle da situação.

Depois preparou uma infusão de canela e especiarias que disse que daria energia e pediu a Stormy que comesse algumas das bolachas que tinha levado, embora não gostasse.

—E então? Que acha de tudo isto? — perguntou Maxie —. É um caso de posse?

—É sim, por parte de alguém que está convencida de que ela é parte de Stormy — olhou para Stormy —. Lembra da conversa que tive com a outra? — Stormy franziu o cenho e arqueou as sobrancelhas.

—Sim. Lembro de tudo.

—E o que captou dela quando falava comigo?

—Sinceridade. E uma espécie de... quase desespero.

—Certo.

—Está bem. Eu acredito que todos nós temos... uma identidade espiritual. Uma identidade mais elevada, se preferir. Acredito que quando deixamos esta vida, a pessoa que fomos, a alma, deixa o mundo físico e passa ao plano espiritual, onde, se tudo for bem, funde-se com a identidade superior. Seguem-me até o momento?

Maxie assentiu com a cabeça. Stormy se limitou a olhá-la, concentrada na história.

—E a identidade superior está formada por todas as pessoas que fomos a cada vida e gera uma alma nova, feita das experiências combinadas de todas as velhas, uma alma que renasce na vida posterior.

—Se aceitarmos a teoria de que vivemos mais de uma vez — particularizou Maxie.

—Sim.Todos estamos familiarizados com a idéia dos fantasmas, de almas que se negam a morrer, ou que por alguma razão não podem transladar-se e permanecem no mundo físico.

Maxie assentiu.

—Acha que isto é um fantasma? — perguntou Stormy.

—Não exatamente — respondeu Martha —. Acredito que a maior parte das almas segue seu caminho, deixam o mundo físico e passam para o outro lado. Mas acredito que, uma vez ali, algumas podem ser incapazes de assimilá-lo ou não estar dispostas a fundir-se com a identidade superior. E que, então, permanecem como um indivíduo, embora a identidade superior gere uma alma nova que renasce e inicia outra vida. Compreende?

—Sim — respondeu Maxie —. Não sei se acredito, mas compreendo.

—Stormy?

Ela assentiu, mas não disse nada.

—Antes de começar — continuou Martha —, disse-me que quando estava em coma deixou seu corpo. Falou da experiência de estar perdida e inclusive de um encontro com alguém que não conhecia, mas que depois viu também na vida real. E ela também se lembrava desse encontro.

—Sim. Se não fosse isso, eu teria pensado que era tudo uma alucinação.

—Frequentemente desconfiamos de nossos próprios sentidos — disse Martha —. Suponho que, quando estava ali rondando, uma alma que não se fundiu com a identidade superior a viu e entrou em você e quando retornou ao seu corpo havia duas almas em lugar de uma.

—Acredito que isso é muito para supor — comentou Maxie, movendo a cabeça.

—Mas isso é o que eu sinto exatamente — protestou Stormy —. Quem é a outra alma? Por que queria voltar comigo?

—Não posso ter certeza. Ela diz que é você. Acredito que há uma possibilidade de que possa ser parte de ti. Outra alma gerada por sua identidade superior.

Stormy franziu o cenho, confusa.

—Acha que é uma de suas reencarnações anteriores? — perguntou Maxie.

Stormy fechou os olhos.

—Não é justo. Eu quero me libertar dela. Como posso fazê-lo? E o que quer de mim?

—Essa é a pergunta fundamental. O que quer? Por que retornou? Pode ser que tenha deixado assuntos inacabados em sua época. Ou pode ser que aqui haja algo que quer e só pode reclamar se vier ela mesma — Martha pôs uma mão em cima da de Stormy —. Acredito que abri as linhas de comunicação entre vocês. Se for assim, poderá descobrir você mesma. Fale com ela, escute-a, sinta o mesmo que ela, e possivelmente poderá compreendê-la.

—E se não for assim? — Martha baixou a vista.

—Não sei.

—Um momento — interveio Maxie —. Quer dizer que não há um modo de livrar-se dessa… intrusa? Não poderia fazer um exorcismo?

—Talvez sim. Ou pode ser que o exorcismo acabasse expulsando a alma equivocada.

Stormy se estremeceu.

—E que diabos podemos fazer?

—Maxie, não levante a voz. Ela faz o que pode.

Maxie se levantou e andou pelo cômodo.

—Sinto muito, Martha. É só que estou preocupada com minha amiga.

—Não me estranha. Olhe, faz muito tempo que suspeito que o que acabo de explicar é a fonte de muitos casos de desordem de personalidade. Acredito que almas mais velhas intervêm para ajudar a outra mais jovem que está vivendo um trauma grave, e que funciona, mas acaba que há mais de um indivíduo habitando um corpo. Seja ou não certo, os sintomas são muito parecidos e pode ser que o tratamento também seja.

—E que tratamento seria esse? — perguntou Maxie.

—Sobre isso há duas escolas de pensamento. Em uma, os terapeutas guiam o paciente através de meditações nas que imaginam que vão encontrando e matando as outras almas. Eu duvido muito que esse seja o melhor tratamento. Outros psiquiatras tiveram êxito fundindo as personalidades individuais em um todo, e acredito que essa pode ser uma solução muito mais sã.

—Está-me dizendo que está presa com essa outra? E que quer que a... adote? — Maxie negou com a cabeça —. Eu digo que tentemos a primeira opção. Matar essa coisa e nos liberar dela.

—Não — Stormy ficou em pé —. Não, não quero fazer isso. Pelo menos ainda não.

—Stormy, ficou louca?

—Pode ser — Stormy a olhou nos olhos e esboçou um sorriso tremente —. Mas tenho que saber quem é, por que retornou e o que quer de mim.

—Stormy, essa vagabunda atacou Lou e me atacou. É perigosa.

—É parte de mim. E acredito que Martha a fez saber que Lou e você são meus amigos e não querem me fazer mal. Não acredito que volte a ficar violenta.

—Concordo — disse Martha —. E também disse algo sobre o mar e se referia a Endover — suspirou —. Não quero lhes assustar com fofocas, mas não é a primeira vez que há rumores de que ali acontecem coisas estranhas. E ela é mais forte lá e mais fraca no interior. Pode usar isso para permanecer no controle.

Stormy assentiu.

—Obrigada. Deu-me muito no que pensar.

—Sim, obrigada — disse também Maxie, embora soasse menos sincera. Custava muito conciliar seu carinho por Stormy com seu ódio pela outra. E como era possível que sentisse coisas tão distintas se esta era parte de sua amiga?

 

—Maldição! Não posso acreditar!

Maxie saiu do carro, que estava com o nariz na sarjeta, e observou o pneu que acabava de explodir.

—Genial. Simplesmente genial.

—Não é para tanto. Podemos arrumar.

Maxie suspirou e se aproximou do porta-malas a procurar o macaco e o estepe, mas, assim que tocou nele, notou que também estava furado.

—Agora sim estamos perdidas.

Stormy se aproximou dela, tocou na roda furada e fez uma careta.

—Perdidas também não. Ainda temos os celulares.

—E há sinal?

Stormy tirou o telefone do bolso e olhou.

—Sim. Três barras. Quase o máximo.

—Que estranho, não é? Já estamos perto de Endover

—É, quem sou eu para desprezar pequenos favores? Pode ser que alguém esteja cuidando de nós.

Aquilo era o que Maxie temia.

—Estou preocupada com Lou. Tenho um mau pressentimento.

—Lou está bem. E logo trocaremos esta roda e chegaremos lá. Só temos que chamar um mecânico. Sabe algum número?

—Acredito que há um cartão de um clube de automobilismo no porta-luvas — Maxie se aproximou para procurá-lo.

Stormy pegou o número, discou os números do cartão e levantou a vista do telefone.

—Sua inscrição está esgotada. Quer renová-la?

—Darão-me um reboque?

—Quer que pergunte isso a um computador? Porque até agora só posso apertar o um para o “sim” e o dois para o ”não”.

—Um para o “sim’ — Maxie tirou um cartão de crédito do bolso e leu em voz alta os números, que Stormy digitava no telefone.

Por fim conseguiram falar com um ser humano que disse que passaria uma hora até que chegasse um reboque.

Stormy fechou o telefone e o colocou no bolso.

—Uma hora. Possivelmente deveria se trancar no carro.

—Por quê?

—Olhe a seu redor.

Maxie assim o fez. Estavam em um trecho deserto da estrada, onde não tinha passado nenhum outro carro desde a furada. A estrada se estendia como uma faixa negra e desaparecia entre as árvores à distância.

—Acha que tenho medo de estar a sós com você?

—Não tem?

—Não!

—Pois deveria. E se ela voltar?

—Ora, vamos. Se Martha tiver razão, agora você está no controle.

—E se não for assim?

—Ficarei amiga dela.

—Não brinque, Maxie. Isto não tem graça.

—Está bem, está bem. Ouça, se seus olhos começarem a mudar de cor, entrarei no carro e me trancarei. Certo?

—Promete?

—Prometo. Porque se não fizer, posso ser obrigada a lhe dar uma surra e não quero isso.

Stormy sorriu.

—Não poderia, embora tentasse.

—Oh, por favor. Deixaria você destroçada — Maxie a empurrou no ombro com ar brincalhão.

—Você e mais vinte — sorriu Stormy, que devolveu o empurrão.

Maxie suspirou.

—Eu gostaria que pudéssemos voltar agora.

Mas passou uma hora e meia antes que aparecesse o reboque, e a única coisa que fez foi as rebocar até a oficina mais próxima, a quase sessenta quilômetros em direção contrária a Endover, onde esperaram duas horas mais para que trocassem a roda. Nesse tempo, Maxie tentou ligar para Lou três vezes, tanto no celular como no quarto do motel, mas não obteve resposta. Tentou também com Jason, mas com o mesmo resultado.

Por fim, quando já esperava que o mecânico passasse o cartão de crédito, ligou para o escritório do motel.

Respondeu Gary.

—Olá. Sou Maxie Stuart. Quarto 3.

—Já sei quem é.

—Viu Lou Malone ou Jason Beck? Liguei para eles, mas não respondem.

—Não os vi.

—O carro de Jason está no estacionamento? É um Jipe Wrangler marrom claro, quase caramelo...

—Sim, está.

—E onde podem estar?

—Como vou saber? — murmurou Gary.

Maxie apertou os lábios.

—Pode olhar nos quartos?

O menino suspirou pesadamente, mas respondeu:

—Um momento.

Maxie ouviu passos que se afastavam e depois a porta que se fechava.

Passaram os minutos. Por fim ouviu abrir a porta e os passos de novo.

—Não estão em seus quartos, mas aquele menino condenado está de novo aqui. Não posso deixar que esteja espreitando pelos quartos. É ruim para o negócio.

—Sim, quase tão ruim como os vagueadores noturnos que querem sequestrar suas hóspedes.

—O que?

—Deixe-o em paz. Estarei aí em uma hora. Deixe o menino em paz, certo?

—Como quiser — desligou o telefone e Maxie sentiu vontade de bater nele na cabeça com o telefone.

O mecânico voltou com o cartão e o recibo.

—Assine aqui.

Maxie obedeceu e saiu para o carro. Stormy a seguia de perto.

—Você acha que aconteceu algo, não é? — perguntou preocupada.

Maxie assentiu.

—Sei que aconteceu algo. E está começando a escurecer.

 

Lou perdeu a consciência, enquanto o arrastavam ao interior da casa e a recuperou um tempo depois. Encontrava-se preso num cômodo que devia estar no porão. Não havia janelas, só paredes e chão de cimento. Olhou seu relógio e se surpreendeu ao ver que tinha passado todo o dia. Era impossível que tivesse estado tanto tempo inconsciente pelos golpes que havia recebido. Suspeitava, ao invés disso, de uma causa sobrenatural. O cômodo tinha só uma porta, de aço e sem cristais. Abria-se para fora de modo que não se podiam alcançar as dobradiças por dentro. A maçaneta não se movia, mas localizou a fechadura bem debaixo dela.

Subiu a perna da calça e tirou uma pistola pequena de calibre 38 que tinha escondida em uma capa na panturrilha. Era a mesma que tinha insistido que Stormy ficasse quando teve que ficar sozinha e após o ataque a Maxie, tinha decidido guardar pessoalmente.

Tirou a camisa, enrolou o mais que pôde, enterrou o canhão da pistola no tecido e o apoiou na porta. Apertou o gatilho sem vacilar.

O ruído do disparo pareceu ensurdecedor, mas cumpriu seu objetivo. A fechadura se separou em duas e a porta abriu devagar. Lou abriu a camisa e a pôs apesar de que tinha vários buracos causados pela bala.

Saiu da cela e fechou a porta atrás de si para que os outros demorassem uns minutos em dar-se conta de sua fuga. Caminhou pelo porão, que era como um labirinto, com corredores que giravam e se bifurcavam.

Passou várias portas fechadas e pensou que aquele lugar tinha sido construído de propósito para confundir.

Caminhou muito tempo antes de encontrar uma escada que subia. Na parte de cima havia uma porta de aspecto comum e quando tentou abri-la, cedeu sem problemas.

Escutou por um momento, abriu a porta, apareceu e saiu. A casa era pura opulência. Pisou em um tapete grosso, as paredes estavam cobertas de papel aveludado, as janelas apresentavam cortinas grossas em tons brilhantes sobre um fundo negro.

—Os vidros estão embaçados — disse uma voz de homem —. Mas é que nunca se é muito precavido.

Lou se virou e viu o vampiro de pé na metade da sala. Atrás dele havia duas garotas adolescentes, de ar frágil e dócil, com as mãos atadas nas costas.

—Não tem problema — disse Lou —. Vim tirá-las daqui — olhou para o vampiro —. É hora de deixar que partam, não acha?

—E vai me obrigar com essa pistola? Suponho que sabe que as pistolas não me fazem nada.

—E acredito que você sabe que já falamos disso.

O vampiro arqueou as sobrancelhas.

—Impressiona sua coragem, Malone. Diga, como aprendeu tanto sobre os mortos vivos?

—Viajo muito.

—E quanto sabe exatamente sobre os de minha classe?

—O suficiente para saber que não são tão animais como alguns dizem. Ou pelo menos, não são todos, porque acredito que você é a escória da terra.

O vampiro sorriu.

—E por que isso, se mal me conhece?

—O que quer destas duas garotas? São meninas.

Enquanto perguntava, procurava observá-las sem afastar a vista do vampiro mais que um instante. Estavam limpas e vestidas, ao que parecia, com sua própria roupa. Não se viam sinais externos de feridas... nem de medo.

—O que você acha que quero delas? Hein? Utilize sua imaginação, Malone. Por sorte delas, eu não gosto das meninas ou já as teria deixado tão secas como as conchas da praia.

Lou piscou.

—Agora está mentindo.

—Sim?

—Sim. Sequestrou muitas mulheres, mas sempre voltaram a aparecer vivas e ilesas.

O vampiro se encolheu de ombros.

—Eu não mato para comer, Malone. Mas isso não significa que não possa fazê-lo. Mato quando quero e quando preciso e não tenho remorsos por isso. E também não terei se matar você.

—Que diabos quer de mim? — perguntou Lou.

—De você? Eu quero as mulheres.

—Procure outra para acalmar seu apetite porque não vai se aproximar destas.

O vampiro assentiu com a cabeça.

—Não quero me alimentar delas. A ruiva é a perita nos de minha classe, certo?

—Eu sei tanto quanto ela.

—É muito galante seu modo de protegê-la — sorriu o vampiro —. Você a ama — levantou uma sobrancelha —. Oh, você o nega, não é? Inclusive de você mesmo. Surpreende-me como os mortais perdem o pouco tempo que tem em assuntos tão corriqueiros como a autonegação.

—Deixe as garotas irem embora. Já não precisa delas, tem a mim.

—Sim, mas quero as mulheres. As duas.

Lou sentiu uma fissura de raiva abrir em sua alma. Tinha a sensação de que por ela escapava lava quente.

—O que quer delas?

—Ohhh, você pode imaginar muitas coisas. Vejo em seus olhos — sorriu —. Há algo confuso na que se chama Stormy. Algo nela que tenho que entender pela minha paz mental — suspirou —. Cansei de esperar que Jason a trouxesse e me arrisquei a ir atrás dela. Tinha que ter deixado que eu a levasse. Teria sido mais fácil para todos.

—E o que quer de Maxie?

O vampiro se encolheu de ombros.

—De sua mulher só quero informação. Bom, e possivelmente prová-la um pouco. Só um gole. E você não pode me impedir isso

Lou disparou a pistola ao coração do vampiro. Mas este se moveu com tal rapidez que pareceu desaparecer e apareceu atrás de Lou.

Este virou, bateu nele com a pistola com todas as suas forças e o vampiro grunhiu de dor e saiu voando ao outro lado do cômodo. Lou se lançou para as garotas e soltou as cordas que atavam seus braços.

—Há um bote escondido — sussurrou —. Rodeiem a ilha para a direita uns cinquenta metros. Está perto da beira, entre os arbustos. Vão embora daqui. E se virem minhas amigas, digam que vão cair em uma armadilha. Vamos!

As garotas saíram correndo. O vampiro atacou de novo e Lou se virou para esperá-lo, sabendo que tinha pouca esperança de derrotá-lo.

Mas lutou com todas as suas forças para dar tempo às garotas para escapar. E rezou para que não houvesse vilões do lado de fora que voltassem a apanhá-las.

Esquivou um golpe e distribuiu outro. Encaixou um no centro do peito e foi tão forte que acreditou que parava seu coração. Caiu contra uma parede e rachou o gesso.

—É um digno oponente — disse o vampiro, a seu lado —. É uma pena ter que lutar contigo, mas agradeço a diversão — moveu a cabeça, levantou uma mão e ordenou: Dorme!

E Lou dormiu imediatamente.

 

Quando por fim se puseram a caminho, depois de arrumar a roda, Maxie estava petrificada de preocupação por Lou. Que diabos podia ter acontecido com eles? Dirigiu tão depressa quanto pôde até o estacionamento do motel.

Ali, diante do quarto de Lou, estava Sid. Maxie saltou do carro e correu até ele. Ficou de joelhos e o agarrou pelos ombros.

—Sabe o que aconteceu? Onde está Lou?

—Não sei.

A jovem olhou a seu redor, mas não havia nem rastro de Lou, nem do Jason, então, voltou sua atenção ao menino.

—Queria nos dizer algo?

O pequeno a olhou nos olhos.

—Dizer algo para Lou.

A jovem assentiu com paciência.

—Não sei onde está. Estou muito preocupada com ele e prometo que vou procurá-lo em seguida. Mas antes, por que não me diz o que veio dizer a ele? Assim o direi de sua parte quando o encontrar.

O menino apertou os lábios e pareceu pensar.

Maxie decidiu ajudá-lo tirando uma nota de vinte dólares do bolso.

—E também pagarei por ele — acrescentou.

Sid sorriu e pegou o dinheiro.

—Vim falar do outro. Jason.

—Sim?

—Sim. Está ferido gravemente.

Stormy já estava também ao seu lado. Maxie a olhou alarmada e viu que sua amiga arregalava os olhos com preocupação.

—Onde está, Sid? Sabe onde está para que possamos ir ajudá-lo?

O menino assentiu e apontou para trás do motel.

—Ao lado da água. Às vezes vou ali para procurar conchas. Começou a andar para cá, mas caiu e não voltou a levantar.

Maxie o olhou preocupada.

—Agora vai para casa. Quero que esta noite não saia de casa.

—Certo. Mamãe diz que tenho que me deitar logo porque amanhã vamos viajar.

Maxie quase tinha esquecido a visita ao colégio privado.

—Isso é muito bom. Vai para casa para que não chegue tarde.

—Certo.

—E obrigada por sua ajuda.

O menino sorriu e pôs-se a correr.

—Temos que entrar no quarto de Lou — disse Maxie —. Se ele não levou as pistolas, deveríamos levá-las.

Stormy assentiu e ficou atrás enquanto Maxie, muito impaciente para esperar a chave, abria a porta de um chute.

Entraram as duas correndo no quarto e começaram a procurar as pistolas. Maxie se deteve ao ver o bilhete colocado na mesinha.

 

“Max:

Vou à ilha embora saiba que vai se zangar. Acredito que errei sobre nós e só espero ter oportunidade de arrumar as coisas. Amo você,

Lou”.

 

A jovem engoliu saliva com força.

—Foi à ilha — sussurrou, percorrendo com os dedos trementes as palavras “amo você”.

—Vamos procurar Jason e ver o que sabe — ao ver que não respondia, Stormy pôs uma mão no seu braço —. Não acontecerá nada a ele.

—É melhor.

Maxie guardou a nota no bolso e saíram do quarto. Correram juntas pelo bosque atrás do motel, longe do brilho das luzes do estacionamento e do cartaz de néon. Encontraram o atalho e desceram para a borda. O pequeno bote da noite anterior tinha desaparecido. E Jason jazia imóvel no chão.

Ajoelharam em ambos os lados dele.

—Deram-lhe uma boa surra.

—E pela primeira vez sei que não fui eu — murmurou Stormy. Tocou seu rosto —. Jason?

Maxie correu à beira da água, juntou um punhado nas mãos e jogou no seu rosto.

—Maldição, Jason, acorda! — Ele abriu os olhos.

—Onde está Lou? — perguntou a jovem.

—Ahhh... Ilha.

—Está na ilha com esse vampiro louco?

—Capturado.

—Vamos levá-lo ao quarto — disse Stormy.

—Leva você, eu vou atrás de Lou — Maxie se levantou com intenção de fazer o que dizia, mas não havia bote. Olhou para Jason —. Você foi à ilha com ele?

Jason assentiu fracamente.

—E como voltou para cá?

—Trouxeram-me... Atiraram-me aqui.

—Quem?

—Os homens do vampiro. Da cidade, acredito. E Fieldner — fechou os olhos; um estava roxo e inchado e tinha o lábio cortado —. Não vá, Maxie. É uma armadilha.

—Já veremos onde está a armadilha quando puser as mãos em cima deles...

—Maxie — Stormy se levantou e se aproximou dela —, Maxie!

—O que?

—Me ajude a levá-lo ao quarto. Então, procuraremos um bote e iremos lá, certo?

Jason já tentava se levantar. Maxie se virou para ele para ajudá-lo, mas então ouviu algo. Batidas na água. Vozes na água.

Virou e viu o bote que se aproximava. O seu coração deu um salto.

—Lou? — sussurrou, esforçando-se para ver.

Mas não. No bote havia uma mulher, e seu cabelo comprido loiro se movia ao vento. Não. Duas mulheres. Duas... garotas.

—Delia! — gritou Jason.

Entrou na água cambaleando e certamente teria se afogado se Maxie e Stormy não tivessem entrado atrás dele e o agarrado cada uma em um braço.

—Jason! — Delia saltou do bote e correu para ele. A outra garota se dispunha a fazer o mesmo, assim Maxie soltou Jason e foi prender o bote antes que as ondas o levassem. Puxou ele até a borda, enquanto os outros saíam também da água. Delia abraçava Jason e chorava. Ele chorava abertamente também e rodeava com um braço a outra garota, Janie.

—Meu Deus, Jason! O que aconteceu com você?

—Já haverá tempo para isso mais tarde — disse Stormy com firmeza —. Alguma de vocês está ferida?

—Não, não, não nos fez nada — respondeu Janie —. Disse que, se Jason fizesse o que mandava, nos deixaria livres.

—Se Jason fizesse o que mandava — repetiu Maxie.

Janie assentiu.

—Há outro homem lá. Seu amigo. Brigaram e ele atirou o outro ao chão e nos desamarrou. Disse que corrêssemos e onde estava o bote, e que disséssemos a suas amigas para não irem, que é uma armadilha.

—Não sabíamos ligar o motor — interveio Delia —. Tivemos que vir remando. Eu tinha certeza de que esse homem estranho ia vir atrás, mas suponho que já queria que fôssemos ou teria feito — olhou a seu irmão —. Não é humano. Acredito que não é humano.

—Sei — ele a abraçou e olhou Maxie nos olhos.

Maxie se aproximou dele, puxou pelo braço e o separou de sua irmã. Stormy levou as meninas uns metros mais à frente e seguiu interrogando-as.

Maxie apertou o braço dele com força.

—Nos traiu.

—Disse que a mataria.

—Deixou que Lou fosse ali como um maldito touro ao sacrifício.

—Não. Foi ele que insistiu em ir. Eu tentei detê-lo.

—Por quê?

Jason baixou a vista.

—Porque o vampiro quer vocês. Você e Stormy. Não ele — engoliu saliva —. O capturaram e me deram uma surra e me atiraram aqui para que dissesse a vocês onde está Lou e que fossem atrás dele.

A jovem assentiu.

—Já não posso confiar em você?

—Sinto muito, Maxie. Disse que mataria minha irmã. Eu só queria mantê-la com vida.

Maxie pensou em sua própria irmã e no que tinha feito para protegê-la. Por fim assentiu com a cabeça.

—Quer fazer algo por mim? Posso confiar que fará algo por mim?

—O que você disser.

—Quero que leve essas duas garotas ao jipe e tire-as daqui. Não pare para recolher suas coisas, nem pagar a fatura do motel. Para nada. Vão diretamente ao carro e partam.

Ele assentiu.

—Eu levarei suas coisas, se sobreviver a isto. Assim que sair de Endover e tenha sinal, liga para este número. Quando atenderem, diga que liga da parte de Maxie e que está em apuros. E, então, diga para onde fui. Avise a eles que pode ser uma armadilha. Diga que há um vampiro canalha nessa ilha e que tem Lou. Entendeu?

—Sim.

—Jura pela vida de sua irmã que fará exatamente o que disse?

—Juro. Mas preferiria que não fossem lá. Venham comigo. Quando chegarem seus reforços, então vamos todos.

Maxie negou com a cabeça.

—Eu o amo e não posso deixá-lo lá sozinho. Vou. E nenhum vampiro poderá me impedir.

Stormy levou as duas garotas de volta para Jason. — Ajudem-no a subir até o jipe e vão embora daqui.

—Certo.

Stormy olhou para Maxie.

—Nem pense em me dizer que fique aqui, porque vou contigo. Está preparada?

Maxie assentiu.

—Dá-se conta de onde vamos nos meter, certo?

—Sim.

Subiram no bote e Maxie puxou o cordão até que o motor ligou. Pouco depois a ilha aparecia à vista, e mais tarde as luzes. Tochas que marcavam um caminho ao longo da costa, um caminho que chegava até a casa.

—Parece que nos estendeu o tapete vermelho — comentou Stormy.

—Sim, esperemos que não esteja vermelho de sangue.

Desligaram o motor, deixaram o bote na praia e começaram a andar. Pouco mais à frente, Maxie ouviu um som. Uma voz de homem que gritava de dor. A voz de Lou.

—Maldição! — parou de andar, pegou uma tocha e saiu correndo. E sabia muito bem que sua amiga corria a seu lado.

O grito chegou de novo, seguido de outro som. Uma voz profunda e rica. Não alta exatamente, mas tão potente que se ouvia em toda a ilha como se surgisse de um alto-falante ou um megafone.

—Senhorita Stuart, não nos faça esperar muito mais. Não quero ter que fazer sofrer mais a seu amado, mas o farei se se atrasar.

Maxie apertou os punhos e soltou um grito selvagem que atravessou a noite.

Ouviu a risada do vampiro reverberando entre as árvores.

Agarrou a tocha com força e seguiu correndo até que por fim viu a casa, palaciana e elegante. Subiu correndo os degraus e bateu na porta.

Abriu-se sozinha e Maxie entrou na casa.

—Onde está, bastardo doente?

—Tenho que fazer mais efeitos de som para que os siga?

—Acabou. Já estou farta.

Lançou-se sobre a janela mais próxima e moveu a tocha, pintando com ela listras de fogo nas cortinas. Continuou então com a janela seguinte e depois com a outra.

—Você não sabe com quem está se metendo, não é? Mas está a ponto de descobri-lo. E depois poderá arder no inferno, filho da mãe. Começando agora mesmo.

 

Lou ouviu o desafio de Maxie e viu que o rosto do vampiro mudar de uma expressão de malícia a outra de medo.

Aquela mulher era especial.

Sua mulher. O vampiro a tinha chamado assim e Lou tinha gostado. Que idiota tinha sido!

O vampiro deixou o ferro de marcar gado na mesa com suas demais “ferramentas” e farejou o ar.

—Atreve-se a...

—Atreve-se a tudo — respondeu Lou —. E se fizer algo a ela, farei você sofrer como nunca sofreu.

O vampiro o olhou de soslaio.

—Se tivesse alguma idéia de como sofri, saberia o quão difícil será isso — e desapareceu.

Lou puxou as correntes que prendiam seus braços à parede em uma espécie de crucificação. Mas era inútil. Aquele bastardo tinha lhe aplicado eletricidade suficiente para reduzir seus músculos à gelatina. Continuava ainda tremente, sentindo os choques posteriores nas pontas dos nervos. E de todo jeito, também não teria podido romper essas correntes, embora tivesse toda sua força.

O vampiro voltou um momento depois e arrastava Maxie com uma mão e Stormy com a outra. Pegou-as pelo braço e quando as soltou, caíram ao chão.

—As duas têm muita sorte de terem conseguido apagar as chamas. Se tivessem queimado minha casa, teriam ardido com ela. E seu amigo também.

Maxie levantou a cabeça, viu-o e se levantou imediatamente.

—Lou! — correu para ele, jogou os braços ao pescoço e o beijou no rosto e no pescoço, enquanto acariciava seu cabelo.

Lou amaldiçoou seu corpo por reagir à proximidade dela inclusive naquele estado lastimoso. A quem diabos tinha tentado enganar?

Por fim ela se separou um pouco e seus lindos olhos verdes percorreram o rosto e o corpo dele. Sua camisa estava tão rasgada que ocultava muito pouco aos olhos penetrantes dela. E esses olhos verdes se estreitaram perigosamente e olharam para o vampiro.

—Fez mal a ele, escória. Atreve-se a fazer mal a ele? Você sabe quem sou?

—Se sei quem é? — ele se encolheu de ombros —. Não fiz nenhum dano irreparável a seu amigo e descobrir quem é, ou mais exatamente o que sabe e como sabe, é uma das razões pelas quais trouxe você aqui — olhou para Stormy um instante —. É uma espécie de detetive. Uma perita nos de minha classe. Por quê?

—Por que quer saber?

Ele sorriu, aproximou-se da mesa e tomou o gancho metálico. Virou-se com ele e deu um passo em direção a Lou.

Maxie se colocou imediatamente diante dele.

—Capto a mensagem. Estou aqui para responder a suas perguntas.

Ele assentiu.

—Não foi fácil ler seu pensamento.

—Ensinaram-me a protegê-lo.

O vampiro assentiu e olhou para Stormy.

—E você, pequena? Protege também seus pensamentos?

Stormy o olhou nos olhos. Os dela eram distantes e nebulosos, como se estivesse em algum tipo de transe.

—Não saberia quais proteger. Uns são meus e outros... não.

Ele franziu o cenho e a observou com atenção. Maxie se aproximou de sua amiga, a pegou pelo braço e a levou a uma poltrona colocada no canto.

—Descansa aqui, certo?

Stormy assentiu.

—Há algo estranho, Maxie — fechou os olhos e levou as mãos à cabeça.

—Calma, relaxe um pouco.

Lou olhou também para Stormy, que parecia drogada, como em um estupor. Perguntou-se se iria ter outro de seus episódios.

—O que descobriu quando leu meus pensamentos? — perguntou Maxie.

O vampiro a olhou.

—Que este homem é a pessoa mais importante em sua vida. Que morreria por ele sem duvidar. Você o ama?

—Loucamente — confessou ela —. Tanto que direi tudo o que quiser saber. Mas antes tenho uma condição — o vampiro arqueou as sobrancelhas —. Tire-o daí. — O vampiro olhou em direção a Lou.

—Tem muitos recursos e é muito imprudente.

—Tem razão, Maxie. Se me soltar, encontrarei um modo de fazer muito dano a ele. Saia daqui com Stormy e me deixe com ele.

Ela fechou os olhos.

—Não poderia deixá-lo nunca.

—Stormy está à beira de algo.

Maxie olhou a sua amiga, que baixou as mãos e abriu os olhos.

—Não vamos deixá-lo aqui, Lou. Eu estou bem.

Maxie assentiu.

—Nesse caso, vamos tentar nos apressar — olhou para o vampiro —. Minha irmã gêmea é uma vampira. Chama-se Morgan de Silva. Agora está casada com o vampiro Dante. Esses nomes lembram algo?

Ele negou com a cabeça.

—Dante foi criado por sua tia avó, uma cigana vampira muito velha chamada Serafina.

—Ah. Esse nome sim, conheço. Serafina tem certa... fama.

—Lou e eu salvamos a vida de Dante o ano passado. Serafina destroçará todos que façam algo contra nós — Lou sabia que isso era mentira, pois Serafina não gostava deles; mas valia a pena tentar o blefe —. E teria ajuda de sobra, asseguro isso.

O vampiro sorriu.

—Não vai me assustar com ameaças, então, não perca tempo. Além disso, vejo que mente. Serafina nem sequer gosta de vocês.

—Isso daria igual. Está em dívida comigo. — Ele não parecia impressionado.

—Ou seja, sabe tanto de nós porque tem um parente entre os nossos.

—Não. Não só por isso. Conhece o DIP?

—Ouvi falar deles. A agência do Governo dedicada a procurar e eliminar aos mortos vivos. Agora está fechada, não?

—Um grupo de vampiros queimou seu quartel general e matou a maioria dos agentes há pouco mais de cinco anos. Eu era uma adolescente curiosa que vivia perto dali. Depois do fogo, procurei no chão e encontrei um CD cheio de informação, com arquivos sobre vampiros que tinham estudado, testes que tinham feito e outras coisas. Parecia uma novela de terror, mas era real — se encolheu de ombros —. Desde então estudei o tema.

O vampiro arqueou as sobrancelhas.

—Se algum sobreviveu e sabe desses arquivos...

—Sobreviveram vários. Frank W. Stiles é o mais perigoso. E sabe — levantou o queixo e se aproximou mais dele —. Disparou contra Stormy na cabeça e tentou culpar Lou do crime. Ela passou uma semana em coma. Nós três arriscamos a vida para proteger os vampiros que amamos de pessoas como Frank Stiles e outros caçadores de vampiros. E não esperávamos que nos pagassem isso assim. Com tortura e enganos. Mas, por outra parte, suponho que há ovelhas negras em todos os grupos, não é? Posso saber seu nome?

—Assim você pode enviar um exército de protetores para mim? — sorriu ele.

—Oh, já estão a caminho. As meninas que sequestrou chegaram à costa — olhou seu relógio —. As enviei para fora da cidade com instruções de ligar para minha irmã e tenho certeza de que já o terão feito. Tem pouco tempo, meu amigo. Então, se houver algo mais que queira saber de mim, pode se apressar.

O rosto dele perdeu toda expressão.

—Não é um blefe, assim vamos ao ponto. O que quer saber?

—Quero saber sobre o Gilgamesh.

—O primeiro vampiro. Por quê?

Ele estendeu a mão para o gancho de gado.

—Nu! Stai! — gritou Stormy. Levantou-se. Seu rosto mostrava muita ferocidade e seus olhos tinham mudado de cor e brilhavam como jóias de ônix.

—O que acontece com ela? — sussurrou o vampiro.

—Não sabemos. É uma espécie de posse. Esta agora já não é Stormy, é outra pessoa. Quando voltar a ser ela mesma é possível que não se lembre do que tem feito ou dito em seu outro estado. Quando está assim fica violenta. Se te atacar, por favor, não faça nada a ela. Não é culpa dela.

O vampiro olhou para Maxie como se estivesse louca. E depois de novo para Stormy, que tinha os olhos fixos nele e cheios de lágrimas.

Ele levantou uma mão.

—Fique tranquila, pequena.

—Deixe-os ir embora.

O vampiro olhou para Maxie.

—Me diga o que sabe do Gilgamesh.

—Por quê?

—Porque foi o primeiro. Porque procurou poder sobre a vida e a morte e ele conseguiu. E eu preciso desse poder.

—E pensa em matá-lo?

—Não me julgue. Você faria o mesmo para trazê-lo de volta — apontou para Lou com a cabeça —. Se estivesse em meu lugar.

Ela franziu o cenho.

—Quer trazer alguém de volta? De onde? De entre os mortos?

—Os mortos estão mortos — murmurou Stormy.

Logo gritou as mesmas palavras uma e outra vez e se lançou contra o vampiro, ao que golpeou com os punhos e arranhou.

Ele caiu de costas pelo ímpeto do ataque e um molho de chaves saiu de seu bolso. Era evidente que tentava não machucar Stormy, mas se esforçava a deter o ataque sem causar danos. Com esse fim agarrou seus braços e os prendeu com força.

E de repente Stormy deixou de lutar e começou a beijá-lo deitada em cima dele e apertando-o com seu corpo. Murmurou contra sua boca:

—Este amor é uma doce tortura, meu príncipe.

Maxie pegou as chaves e se aproximou rapidamente de Lou, aproveitando a distração do vampiro. Não sabia o que acontecia com Stormy, mas tinha que aproveitar o momento. E confiava que ele não tentaria mordê-la.

Abriu rapidamente os ferros que prendiam os braços de Lou e viu que o vampiro abraçava Stormy com um gemido e começava a devolver seus beijos com um ardor que beirava o desespero.

—Stormy! — Maxie correu até ela, pegou seus ombros e a separou dos lábios da criatura.

O vampiro deixou de beijá-la e a tirou de cima com gentileza. Levantou-se com os olhos fixos nela, que estava sentada no chão. Parecia perplexo.

—Quem é você?

—Como pode me esquecer, meu amor? Estou tão perdida...! Preciso de você — passou a mão pelo cabelo, piscou e franziu o cenho, confusa.

—Me diga quem é — pediu ele. E sua voz soava rouca pela emoção.

Stormy o olhou perplexa. Quando voltou a falar, fez com sua voz.

—Meu nome é Stormy Jones. Quem é você?

Voltava a ser ela mesma.

E Lou estava livre e agora era ele quem sustentava o ferro para gado.

—Afaste-se dela!

O vampiro o olhou. A seguir lançou um olhar irado para Stormy.

—Pelo menos usou uma lâmina agradável para me cravar nas costas.

—Do que está falando?

—Você me beijou. Está me dizendo que não foi uma tática de distração? — moveu a cabeça —. Envergonho-me de ter me permitido acreditar, embora tenha sido só um momento...

—Eu te beijei? — Stormy olhou para Maxie —. O beijei?

—Sim, mais ou menos.

Stormy levou os dedos aos lábios e o olhou nos olhos.

—Por que fiz isso?

O vampiro estendeu a mão para ajudá-la a levantar-se, mas Lou bateu nele com o ferro e lançou uma descarga elétrica que o deixou de joelhos.

—Não, não faça isso! — gritou Stormy. Aproximou-se dele e se deteve de repente, confusa.

O vampiro estava ajoelhado com as mãos no chão.

—Vamos, Maxie. Stormy. Vamos sair daqui. — Stormy olhou para Lou.

—Não! — O vampiro se levantou e, antes que Lou pudesse impedi-lo, agarrou Stormy por trás, colocou-a diante dele, com as costas apoiada em seu corpo e o rosto perigosamente perto da garganta dela —. Você não vai a nenhuma parte.

—Por favor, nos diga de uma vez o que quer! — gritou Maxie —. Não faça nada a ela. Juro que ela não tentava te enganar.

—Quero Gilgamesh. Quero saber como encontrá-lo. E quero saber tudo o que terei que saber desta... Stormy.

—Não posso dizer como encontrar um vampiro para que você tente roubar seu poder.

Ele baixou a cabeça, abriu a boca e a fechou no pescoço de Stormy. Lou saltou e se jogou sobre ele, mas o vampiro virou e manteve Stormy entre eles. Ela jogou a cabeça para trás, fechou os olhos, abriu a boca e deu um salto, embora fosse impossível adivinhar se era de prazer ou de dor. Levantou as mãos até a cabeça dele e deslizou os dedos em seu cabelo.

O vampiro elevou a cabeça. Seus olhos brilhavam de paixão. No pescoço de Stormy havia duas feridas pequenas. Ela abriu os olhos, que estavam já mudando. Acariciou lentamente a cabeça do vampiro. Não tentou soltar-se, mas sim se agarrou mais a ele.

Ele franziu o cenho, mas, além disso, ignorou a carícia.

—Tenho que deixá-la seca ou me vai me dizer isso antes que cheguem seus amigos para destruir o que tanto trabalhei por construir aqui?

—É sua ânsia de poder que destruirá seu reino, meu amor — sussurrou Stormy —. Como da outra vez.

Ele fez uma careta.

—O que está fazendo?

—Não me conhece? Já não me ama?

—Basta! — gritou ele.

Levantou um braço e Maxie se adiantou... e recebeu o golpe da força invisível que lançava aquele braço. A pegou de surpresa e a lançou de costas contra a parede.

Lou se jogou contra o vampiro.

—É um filho da...!

E se viu imerso em um combate com ele. Golpeavam-se mutuamente e se lançavam contra os móveis. Lou se chocou com a parede e algo pesado caiu de uma prateleira e aterrissou na cabeça de Maxie.

Os dois homens ficaram imóveis. O vampiro parecia surpreso e se lançou para ela, mas Lou o afastou e se aproximou primeiro.

—Realmente é o bastardo sem coração que parece? — gritou Stormy.

O príncipe se virou para ela, enquanto Malone pegava sua mulher em seus braços. Da testa de Maxie caía sangue. A teria matado?

—Não vê que acabou? — perguntou Stormy —. Os outros se aproximam. Se não for embora daqui, logo só será pó.

—Como sabe que estão perto?

Ela fez uma careta zombadora.

—Tão cego está pelo ódio que não pode senti-los? Abra sua mente! Deixe esses dois irem embora. Não precisa deles para nada.

—Preciso deles como reféns — virou para Lou, mas o deteve a mão de Stormy no ombro.

—Conheço você — sussurrou ela —. Não é este ser que finge ser. É um grande líder, um príncipe. É Vlad Dracul. Drácula. Príncipe do meu coração.

Ele se deteve imediatamente.

—Como me chamou?— virou-se devagar —, Como sabe esse nome?

Ela levou as mãos às têmporas e seus olhos se encheram de lágrimas.

—Não sei. Não sei. Só sei... que te conheço. Por favor, Vlad...

Ele se aproximou dela, que não retrocedeu.

—Pegue a mim como refém, mas deixa-os partir.

—Sabe o que me pede? — Acariciou-a com os olhos —. Não te deixarei ir até que queira. E se descobrir que tentou me enganar com isto...

—Não é um engano. Possivelmente... possivelmente você seja o único que pode me ajudar a descobrir o que é.

Ele estendeu a mão e ela pegou. E ele a pegou em seus braços e a transportou para fora do castelo.

 

Maxie jazia no chão com a cabeça batendo como um tambor, mas conseguiu abrir os olhos. Lou a abraçava contra seu peito, com o rosto dela enterrado em seu pescoço e o dele no cabelo dela. Balançava-a com gentileza e ela sentia uma umidade que deviam ser lágrimas.

—Que idiota fui! — sussurrou ele —, Maxie, por favor, não morra. Agora não. Não vá. Eu a amo. Sempre amei, mas era muito teimoso e tinha muito medo de admitir. Tinha medo de acabar perdendo-a como perdi minha esposa... e meu filhinho. Querida, não poderia aguentar. Não poderia. Não queria correr um risco assim outra vez, mas me deixe dizer algo. Você merece. Você vale qualquer risco. Qualquer.

—Lou?

Ele afrouxou o abraço um pouco, o suficiente para poder ver seu rosto.

—Está viva.

—Sim. Tinha alguma dúvida?

—Não podia sentir seu pulso.

—Estou bem. Estou aqui. Acredito que se deixou levar pelo pânico.

Ele negou com a cabeça.

—Há quanto tempo está acordada?

—Um pouco. Onde está Stormy?

Lou olhou a seu redor.

—Não! — sussurrou —. Maldição, não! — levantou-se e a ajudou a levantar.

Então ouviu o ruído das portas ao serem quebradas e um som de movimento.

Apareceram Morgan e Dante, com aspecto de estarem furiosos e preparados para o combate.

Morgan correu para abraçar sua irmã gêmea. Dante se adiantou também e deu uma palmada no ombro de Lou.

—Tem um aspecto muito ruim, amigo.

—Sim, bom, ele também levou sua parte.

—Quem? O vampiro? Vlad Dracul?

Lou e Maxie trocaram um olhar.

—Como assim Vlad Dracul? Ele não era...

—Sim era — respondeu Morgan —. Todo mundo sobrenatural sabe que vive aqui como um rei e tem a toda cidade sob o controle de sua mente. Ninguém se atreveu a incomodá-lo e ninguém pensava que fosse urgente detê-lo, já que não matava a suas vítimas.

—Quando chegamos a casa e Lydia nos disse que estavam aqui, viemos imediatamente — Dante olhou para Lou com admiração—. Lutou com o príncipe Vlad. O autêntico Drácula.

—E temo que tenha que voltar a fazê-lo. Esse bastardo sequestrou Stormy.

—Terá que ir atrás dele! — gritou Maxie.

—Iremos, iremos — Lou tocou seu cabelo, a ferida que tinha ali —. Precisa de uns pontos.

—Você cuida dela — disse Dante —. Nós seguiremos seu rastro e contataremos vocês quando se deitar para dormir pelo dia. Então poderão se reunir conosco. Certo?

Lou assentiu.

Maxie negou com a cabeça.

—Não posso deixar que escapem.

—Juro que seguiremos seu rastro — disse sua irmã com suavidade —. Não permitirei que aconteça nada a Stormy.

Maxie baixou a vista.

—Tudo bem.

Lou a tomou em seus braços e a tirou da mansão. Na praia encontrou o bote em que tinham ido Stormy e Maxie. Depositou-a nele com gentileza e correu o máximo que pôde para a costa.

Uma vez lá, viu Gary, que o ajudou a tirar o bote e pareceu preocupado ao ver Maxie.

—O que aconteceu?

Lou se fixou em que parecia diferente. Seus olhos não estavam tão nublados como antes e parecia mais acordado.

—Teve um acidente na ilha.

—A ilha? Que fazia lá? Ninguém vai lá. Não há nada mais que bosques e mato — franziu o cenho —. O que... está queimando?

Maxie levantou a cabeça e olhou para a ilha. As chamas se elevavam para o céu e dava a impressão de que lambessem às próprias estrelas. Morgan e Dante tinham terminado o trabalho que ela começou. Ao amanhecer, a casa seria só cinzas.

—Aonde pode tê-la levado?

—Você disse que a língua que falava era romeno?

—Sim, mas...

—E viu como o beijava? E não era ele que colocava essas palavras em sua cabeça. Ele estava atônito, acusava-a de usar truques. Então, se não era ele, quem era?

Maxie engoliu saliva e recordou a teoria de Martha.

—Os encontraremos — disse Lou —. Prometo isso. Devo isso a você.

Levou-a colina acima até seu quarto no motel e a deitou na cama. Foi ao banheiro para pegar uma toalha e voltou com ela cheia de gelo.

—Ponha isto na cabeça.

A jovem obedeceu. Lou tirou uma bolsa debaixo da cama e começou a guardar todas as suas coisas nela. Levou cinco minutos.

—Pode andar?

A jovem assentiu e ele pegou sua mão e a levou ao quarto dela.

—Sente-se e coloque o gelo na cabeça. Eu me ocuparei de tudo.

Maxie apertou os lábios.

—Não estou tão mal — era mentira. Sua vista se nublava e estava muito enjoada. No mínimo tinha uma comoção.

—Sim, está, ou estaria agora com sua irmã procurando Stormy.

Maldição! Conhecia-a muito bem.

Ele começou a guardar suas coisas na mala.

—Pensei que estivesse morta — disse —. Dá-se conta disso? Acreditava que tinha morrido.

—Não estou morta.

—Sei — deixou de empacotar e se aproximou dela —. Sinto ter agido assim depois de... Eu não quis dizer do modo que você interpretou.

—Não?

Lou a olhou nos olhos.

—Isto não é fácil para mim, sabe?

—Sei.

Lou terminou a mala e a pegou na mão. Deixou-a na porta, levou as bolsas ao porta-malas do carro e voltou para entrar com ela no quarto de Stormy.

—Quero dizer algo e não quero que me responda agora. Certo?

A jovem assentiu.

—Quando fizemos amor e eu estava ali te abraçando e pensando no que aconteceria a seguir, não me sentia derrotado, capturado ou acuado. Sentia-me... aliviado.

—Sim?

Ele assentiu e se deteve com a escova de cabelo de Stormy na mão. Olhou um momento os cabelos amarelos que havia nele.

—Não acredito que Stormy corra nenhum perigo com esse vampiro.

Maxie piscou pela mudança de assunto.

—Por que diz isso?

—Porque quando a olha... há algo em seus olhos.

—Nem sequer a conhece.

—Mesmo assim, esse olhar me lembra do que sinto quando olho pra você.

Maxie elevou a vista para ele, mas Lou a ajudou a levantar-se e a tirou do quarto. Colocou a bolsa de Stormy no carro e a levou ao quarto de Jason, onde começou a empacotar também, enquanto ela se sentava em uma cadeira.

—Meu gelo está derretendo.

—Aguenta um pouco mais. Onde estava?

—Sentia-se aliviado depois de fazer amor comigo.

—Sim, aliviado. Em grande parte porque estava muito cansado de resistir a você. Cansado de dizer que não e de tentar controlar meus sentimentos para que você não os adivinhasse.

—Por que não queria que eu soubesse?

Lou não respondeu. Estava guardando os artigos de higiene de Jason.

—Pode deixar isso um momento e me olhar?

Ele assim fez. Olhou-a e sua expressão parecia atormentada.

—Fiquei com tanto medo, que estraguei tudo. Tentei fazer funcionar meu matrimônio, Maxie. Tentei e fracassei e acabei sofrendo, e ela também. Perdi-a. Tentei ser um pai para meu filho e também o perdi. Se fizesse mal a você nesse sentido, não acredito que pudesse viver comigo mesmo.

—Eu não vou permitir que você me faça mal, Lou. E certamente, você não vai me perder.

Passou as mãos pelo cabelo. Assentiu com a cabeça.

—Está bem. Vou ser sincero. Amo você. Estou louco por você. Acredito que sempre estive.

—Sim?

—Sim. Como não estar? — afastou a toalha com gelo derretido para poder ver o corte —. Depois de fazer amor me senti aliviado porque pensei que podia deixar de lutar, mas, não sei por que, segui negando o que sentia. Por costume, suponho. Medo do fracasso. Não sei. Mas esta noite compreendi que você e eu somos companheiros. Trabalhamos juntos e jogamos juntos. Quando acontece algo ruim comigo, a única coisa que quero é chamá-la ou contar-lhe isso E o mesmo quando acontece algo bom. E acredito que seja o mesmo com você.

Maxie assentiu.

—Sempre foi assim.

—É minha melhor amiga, mas também um pouco mais profundo. Porque a idéia de imaginar você com outro homem me provoca impulsos assassinos. Você é minha.

—Sempre fui sua. Só estava esperando que você decidisse que queria que fosse.

—Eu sempre quis que fosse. Mas não me dava conta. Quero ser seu companheiro no trabalho. Me mudar para Maine e comprar um navio de pesca e levá-la para o mar nos fins de semana e férias. Quero ter o direito de ser ciumento e possessivo com você e de protege-la, e quero que todo mundo saiba que tenho esse direito. Porque a amo como ninguém nunca amou outra pessoa. Nunca. E por isso quero me casar com você.

Ela se aproximou e o beijou na boca.

—Amo você — murmurou.

—É mútuo, meu amor.

Lou a puxou para o carro.

—Aonde vamos? — perguntou Maxie.

—Procurar um médico que costure sua cabeça. E depois vamos procurar Stormy. Depois disso, tanto faz. Porque aonde quer que formos, iremos juntos. Durante toda minha vida, Maxie. É uma promessa.

—Penso em fazê-lo cumpri-la — advertiu ela.

—Conto com isso.

 

Stormy estava sentada no veleiro com as mãos juntas e observava navegar o homem que acreditava que era o próprio Drácula. Ele se dirigia para o horizonte escuro com o vento da noite movendo as velas, cada vez mais longe de tudo o que ela tinha conhecido.

E para algo que a jovem desejava tanto como temia. Um pouco curiosamente familiar e ao mesmo tempo aterrorizante. Algo que a atraía e repelia ao mesmo tempo.

Como o homem.

Drácula.

Ele a olhou com seu cabelo comprido flutuando ao vento. Olhou-a com nervosismo, como se ela fosse uma das caçadoras de vampiros das que tinha ouvido falar com Maxie.

—Pode me desatar — disse Stormy.

—Não confio que não tente escapar. E se fizer, se afogará.

—Prometo que não tentarei escapar. Sei que não poderia ir nadando até a costa daqui. E sei que não vai me fazer mal.

—Não esteja tão segura disso, pequena.

Inclinou-se e levantou para ele os braços atados dela. Tirou uma navalha e cortou as cordas.

—O que sente tem uma explicação — sussurrou perto de seu ouvido.

—Tem?

Ele assentiu. Olhou-a nos olhos.

—Bebi de você. Foi uma estupidez de minha parte e não devia ter feito isso, mas às vezes sou... impulsivo.

—Não foi como eu acreditava que seria.

—Não. E cria uma... uma atração. Por isso seu sangue esquenta quando olha nos meus olhos, pequena. Passará.

Sustentou seu olhar.

—Eu acredito que não.

—Não?

A jovem negou com a cabeça.

—Não. Porque eu já sentia... o que sinto... muito antes que me tocasse. Possivelmente antes de... o conhecer. Muito, muito antes.

O vampiro fechou os olhos.

—A que se refere com isso?

Ela respirou fundo e baixou as pálpebras.

—Não sei. Não sei, Vlad.

Ele a olhou por um longo momento.

—Logo sairá o sol e me verei obrigado a procurar refúgio. Espero que não se importe de descansar durante o dia com seu corpo unido ao de um homem morto.

Aquela idéia fez com que Stormy se estremecesse de medo. E de algo mais. Algo que se parecia com desejo.

 

 

 

[1] Azeviche: substância mineral muito negra, uma variedade muito compacta do linhito. Gema utilizada para confecção de adornos e objetos.

[2] 1. Cobertura suspensa por cima da porta principal de um edifício, para abrigo do sol, da chuva, ou simplesmente para ornato. 2. Teto saliente que cobre a entrada de um edifício. 3. Pátio coberto. 4. Telheiro, galpão, barracão.

[3] Sis é uma gíria para irmã.

[4] A voluta é uma forma em espiral muito comum no reino animal, que lembra um caramujo. Há séculos vem sendo utilizada em exemplos aplicados na geometria, além de servir como objeto de adorno, no arremate de capitéis de colunas, modilhões, mísulas e outros.

As colunas ornadas por essa forma têm origem no cidade jônio, da Grécia antiga. É também um dos símbolos da arquitetura dos períodos Maneirista e Barroco.

[5] Variação do marrom

[6] Nancy Drew é uma detetive adolescente que acompanha seu pai numa viagem de negócios a Los Angeles. Lá, ela descobre pistas que podem levá-la a solucionar um misterioso assassinato envolvendo uma grande estrela de cinema.

[7] O programa ‘Alerta Ambar’ nos EUA é uma parceria voluntária entre agências policiais, radiodifusores, a indústria de transporte e indústria radiofônica, com o objetivo de ativar um boletim/anúncio urgente nos casos mais sérios de rapto de crianças. O objetivo de tal alerta é incitar de imediato a comunidade inteira a ajudar na busca e recuperação da criança em segurança. Um sistema similar foi desenvolvido em alguns países europeus.

[8] J. R. R. Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis, é conhecido como sendo o criador da Alta-Fantasia. Seus livros narram histórias sobre terras míticas, cidades maravilhosos, grandiosas batalhas, lendas heróicas e mitos perdidos sobre os primórdios do mundo.

 

 

                                                                                                    Maggie Shayne

 

 

 

                                          Voltar a Série

 

 

 

                                       

O melhor da literatura para todos os gostos e idades