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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CRISE DE IDENTIDADE / James J. Cudney
CRISE DE IDENTIDADE / James J. Cudney

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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– No primeiro dia em que nós nos conhecemos, eu já sabia que você faria o meu cabelo ficar branco prematuramente – resmungou April, enquanto agarrava mechas de seu cabelo loiro acinzentado e apertava o seu distintivo dourado até que uma marca em forma de estrela surgisse em sua palma esquerda. – Mas, honestamente, pensei que eu teria mais chances de acertar a previsão dos números da loteria do estado da Pensilvânia, antes de pensar que você pintaria um alvo na sua testa por causa da Família Castigliano. Sério, Kellan, você fez uma confusão e tanto com essa situação. Será que eles vão querer atirar em mim depois disso?
Nós conversávamos sem parar no escritório dela no centro da cidade no prédio administrativo do Condado de Wharton, com a porta completamente fechada. Poucas pessoas sabiam o que havia acontecido com a minha esposa supostamente morta, Francesca. Eu dei de ombros e ofereci a minha melhor expressão de desculpas, o que, não intencionalmente, se parecia com um filhote de cachorro procurando um lugar quente para dormir, ao invés de um homem verdadeiramente arrependido que nunca pretendeu causar tanto caos.
– Nós já falamos sobre isso várias vezes nas últimas semanas. Eu deveria ter informado imediatamente que a família da Francesca tinha forjado a morte dela. Eu não sabia o que fazer até que aquele último bilhete do Cristiano Vargas confirmou que eles tinham sequestrado ela como uma tática de vingança para punir os Castiglianos.
Eu descansei ambas as mãos e o meu queixo na mesa cheia de papeis, dei um grande sorriso como se o meu queixo estivesse prestes a se deslocar, e pisquei duas vezes por detrás dos meus óculos estilosos para ganhar a simpatia da xerife.
Pelo menos ela havia parado de me chamar de Pequeno Ayrwick. De todos os apelidos que eu já havia escutado durante os meus trinta e dois anos, esse era o que mais me insultava. Não havia nada mais de pequeno sobre mim. Depois de me graduar em Braxton uma década atrás, eu havia me transformado de um filho do meio esquisito, vindo de uma família complexa e muito bem-sucedida, para o que muitas mulheres consideravam como um homem extremamente bonito e com um bom físico, abençoado com uma inteligência sagaz e uma personalidade encantadora. Não me entenda mal, eu não sou egocêntrico. Eu apenas me resolvi comigo mesmo e aceitei o positivo e o negativo. Ultimamente, havia muito mais negatividade do que eu gostaria de tolerar. Pelo menos a Nana D ainda me chamava de neto brilhante, o que sempre fazia o meu coração se derreter.
– Essa é a sua desculpa? – April sacudiu vigorosamente a cabeça e bateu com uma caneca de café da Tweety Bird na superfície de metal da mesa. Pingos de um líquido grosso e frio se espalharam sobre a mesa e no meu lábio superior. – Desculpe, eu não pretendia fazer isso – choramingou ela enquanto me entregava um lenço que estava em uma gaveta emperrada. – Ah, caso você tenha se esquecido, é assim que você pede perdão.
Se não fosse pela pequena curva no canto da sua boca sarcástica, eu não saberia que April estava me provocando. Nós havíamos passado uma quantidade enorme de tempo juntos e organizando tudo o que havia acontecido nos últimos dois anos e meio desde o acidente. Certo, é hora de uma recapitulação – Francesca e eu havíamos chegado separadamente à festa de Ação de Graças, porque eu estava trabalhando fora da cidade naquela semana. Nossa filha, Emma, implorou para voltar para casa comigo – o que foi uma benção monumental disfarçada – ao invés de ir com a sua mãe. O que eu não sabia naquela época era que os pais de Francesca, Vincenzo e Cecilia Castigliano, haviam orquestrado toda aquela fachada. Quando eu recebi a ligação de que o carro da minha mulher havia batido e que ela havia sido morta por um motorista bêbado, eu fiz o meu melhor para seguir em frente com a ajuda da Nana D, a minha avó de um metro e meio de altura e de cabeça quente. Enquanto isso, Francesca viveu escondida na mansão Castigliano até que os pais dela pudessem encontrar uma maneira de apaziguar a guerra de gangues com os Los Vargas, a família mafiosa rival que controlava a maior parte da Costa Oeste. Dois anos haviam se passado sem uma solução viável ou sem que alguém descobrisse o segredo.

 


 


Alguns meses atrás, Emma e eu nos mudamos de volta para Braxton, uma pequena cidade no centro-norte da Pensilvânia onde eu havia crescido, e agora eu trabalho como professor assistente especializado em Comunicações e em Estudos Cinematográficos. Francesca escolheu esse momento para se materializar do seu esconderijo, ciumenta e com raiva devido à súbita impossibilidade de ver a sua filha crescer em Los Angeles. Depois que eu me recusei a hibernar no cativeiro, ela foi embora, fazendo com que eu e os seus pais pensássemos que ela estava visitando todos os lugares onde nós tínhamos passado férias — uma viagem abençoada pela estrada da memória. Em um determinado momento, Cristiano Vargas descobriu que Francesca estava viva, sequestrou a minha esposa não morta, e a forçou a enviar cartões-postais de cada lugar, com o objetivo de nos deixar em um estado de confusão. Agora, nós tentávamos imaginar qual seria o próximo movimento deles.

– Desculpe, April. Eu sei que você pretendia abandonar esse espetáculo intenso de drama quando se mudou de Búfalo, mas eu estou confiante de que vamos encontrar uma solução.

Eu limpei o café do meu lábio e sorri internamente diante dos comentários detalhistas dela. – Eu devia te ensinar a como passar um café mais saboroso. Eu acho que é verdade o que dizem sobre os policiais tomarem qualquer coisa que alguém...

– Não continue com esse insulto estereotipado e infamatório, a não ser que você queira que eu te algeme à mesa e saia para trabalhar! – April deu um longo suspiro e folheou pelos papeis manchados dentro de uma pasta desgastada. – Vamos focar nos nossos próximos passos. Os Castiglianos vão chegar logo em Braxton, e é melhor eles terem respostas. Eu concordei em não incluir formalmente o FBI até que recebamos um pedido oficial de resgate. Nós também precisamos provar que a Francesca está viva antes que eles se envolvam mais.

Anteriormente, April e eu não éramos amigos, especialmente porque eu havia solucionado quatro casos de assassinato antes dela – isso não ajudou a quebrar o gelo na nossa relação. Ela me via como um espinho que irritava cada nervo do seu corpo. Nós havíamos combinado uma frágil aliança nas últimas três semanas, e eu havia me convencido de que a demonstração intensa de fogos de artifício no escritório dela, quando os nossos dedos haviam se tocado acidentalmente, era apenas um sinal bizarro no radar. Então, um clarão de luz visceral surgiu dentro do meu corpo e um sonho sensual e acalorado me deixou vermelho e atordoado. Eu ainda era tecnicamente casado e não deveria dar boas-vindas a esses tipos de pensamentos sobre outras mulheres, não é mesmo?

Assim que a guerra acabasse entre as duas famílias, Francesca poderia se revelar para o resto do mundo, e nós teríamos que lidar com as repercussões. Eu só me importava com o impacto sobre a nossa filha de sete anos. Emma não merecia toda essa dor e confusão. E nem eu, mas nos poucos encontros que eu havia tido com Francesca depois da sua ressureição triunfante, havia ficado claro que nós éramos duas pessoas diferentes. Como um bom Católico — a minha família frequentava a igreja aos domingos — o divórcio era uma solução complicada. Eu sabia que amava a Francesca, mas não estava mais apaixonado por ela. Depois de todas as mentiras e enganações, como eu poderia perdoá-la? Sim, a vida dela havia estado em perigo por causa dos Los Vargas, mas ela poderia ter me contado a verdade anos atrás. Eu só havia descoberto a verdade sobre os negócios obscuros da família dela por acidente, depois que ela “morreu”.

– Na última atualização do Cristiano ele me disse que iria entrar em contato em breve com os próximos passos. Talvez ele ofereça termos de resgate razoáveis para os Castiglianos. Então toda essa bagunça vai acabar – Toda a confiança restante foi drenada do meu corpo com cada palavra reticente. – Urgh! Por que eu estou no meio desse dilema? Os Los Vargas deveriam conversar diretamente com os pais da Francesca para que ela fosse liberada em segurança.

– Excelente ponto. Talvez seja o seu charme único e inato que fica implorando por atenção? Independente disso, eu estou coletando evidências suficientes sobre o envolvimento dos Castiglianos no tráfico de drogas para colocá-los atrás das grades para sempre. Alguém tem que ir para a prisão por causa dessa confusão toda. Eu não vou ser capaz de protegê-la, você sabe disso – disse April com um olhar firmemente direcionado. – Eu entendo que ela é a sua esposa, mas a princesa da máfia cometeu vários crimes. Eu fico feliz que você não tenha pegado nenhum cheque do seguro de vida depois da morte dela.

– Eu fui um idiota por não ter feito mais perguntas sobre a vida dela quando nos conhecemos.

Apesar dos membros da minha família mais próxima formarem uma equipe fantástica, os Ayrwicks também gostavam de se meter nos negócios uns dos outros com muita frequência. Quando eu me mudei para Los Angeles para escapar das garras deles, um primeiro amor poderoso e abrangente tinha me deixado cego diante da verdade. Francesca e eu nos casamos rápido demais, e pouco tempo depois, eu consegui o meu PhD, consegui um emprego como diretor assistente em um programa de televisão em Hollywood, e me tornei pai com a chegada da Emma a esse mundo. Nós tínhamos uma vida boa, mas eu sempre soube que havia algo importante faltando entre mim e a Francesca.

– Nós vamos dar um jeito nisso, Kellan. Você está passando por muita coisa, mas não pode contar a mais ninguém até que possamos desmantelar os Los Vargas. De qualquer forma, eu tenho que investigar outro roubo de joias que aconteceu na semana passada.

– Eu estava querendo perguntar à Nana D sobre esses roubos irritantes. Tem alguma coisa que você possa me contar?

April engoliu em seco.

– Joias foram roubadas. As vítimas estão tristes. É isso que você precisa saber, ó santo intrometido? Nem pense em se meter novamente em uma das minhas...

– Blá, blá, blá. Eu li os jornais e sei algumas coisas, April. Vou perguntar à Nana D. Ela tende a saber dos últimos fatos. Eu me lembro vagamente de algo sobre um cartão de visitas incomum deixado para trás, certo?

– Eu prefiro não discutir isso. A inépcia do antigo xerife ainda me deixa com raiva. O meu predecessor tinha uma inclinação a esconder os fatos dos moradores da cidade – grunhiu April, e sacudiu a cabeça.

– A Nana D disse que ele aceitava propina para esconder pequenos crime – disse eu, esperando mantê-la falando. – Talvez eu e você pudéssemos comparar anotações sobre os casos. Eu realmente fui útil no passado.

– E nós acabamos oficialmente por aqui – murmurou April, enquanto avançava na minha direção com uma concentração alarmante nos olhos. – Vamos conversar amanhã sobre o sequestro da sua esposa – O hálito úmido e quente passou dos lábios dela até os meus, e a pele dela cheirava a pimenta preta e coentro: picante, mas fresco.

Apesar do conforto tentador que balançava entre nós como um pêndulo incerto sobre o seu destino, eu me afastei antes que April e eu chegássemos a um ponto que não estávamos preparados para cruzar. Muitos momentos íntimos demais haviam acontecido entre nós ultimamente, e eu não sabia como interpretá-los apropriadamente.

– Claro, eu vou te contar assim que tiver alguma notícia do Cristiano.

Ao sair do escritório dela, eu percebi o meu reflexo no vidro da porta. Uma barba de vários dias por fazer marcava as minhas bochechas e queixo, e olheiras ocupavam os espaços afundados sob meus desconcertados olhos azuis. Pelo menos eu havia conseguido pentear o meu cabelo frequentemente indomável, então eu não estava totalmente desgrenhado. Nana D me daria um tapa no traseiro — palavras dela, não minhas — por envergonhá-la, especialmente agora que ela havia ganho a eleição para se tornar a nova prefeita do Condado de Wharton.

* * *

Algum tempo depois naquela tarde de sábado, eu dirigi até o Parque Wellington em Millner Place para celebrar o aniversário de setenta e cinco anos da Nana D em grande estilo, com a festa do século. Millner Place e Braxton eram duas pequenas cidades das quatro que formavam o Condado de Wharton — as outras duas eram Woodland no noroeste e Lakeview no nordeste. A noventa quilômetros ao sul de Buffalo, Nova Iorque, o nosso condado havia sido um dos primeiros assentamentos na Pensilvânia e tinha sido fundado pelos meus ancestrais.

– Vai ser hoje o casamento duplo, papai? – perguntou Emma, enquanto eu manobrava a SUV em uma vaga apertada.

A tia Deirdre, uma famosa escritora de romances e irmã da minha mãe, havia retornado da Inglaterra e estava coordenando a festa da Nana D, enquanto simultaneamente planejava as suas próprias núpcias com Timothy Paddington, um empresário magnata do ramo de negócios internacionais.

– Não, isso vai ser daqui a duas semanas, no Dia da Independência – relembrei à minha preciosa filha. A irmã de Timothy também estava noiva, o que levou a família dela a sugerir um casamento duplo para facilitar para todos os convidados. Ambos os casais haviam se conhecido recentemente, e fazia mais sentido o casamento acontecer dessa forma como uma maneira de reunir a família Paddington, que havia passado por vários eventos traumáticos no começo do ano. – Você sabe o que é o Dia da Independência, querida?

Quando Emma assentiu com entusiasmo, as suas trancinhas marrons balançaram fervorosamente contra suas bochechas levemente arredondadas e cor de oliva. A minha mãe havia encontrado uma foto da Nana D com sete anos de idade, e desenhou uma roupa igual para a minha filha, já que a Emma parecia muito com ela naquela idade.

– Nós falamos sobre isso no último dia de escola. É quando soltamos fogos de artifício no céu!

– Sim, isso faz parte, mas é também quando nos tornamos o nosso próprio país. A tia Deirdre pensou que seria divertido abandonar a sua independência no mesmo dia em que os Estados Unidos se separaram oficialmente da Inglaterra há dois séculos e meio — expliquei eu. Tendo morado lá durante metade da sua vida, a tia Deirdre se considerava inglesa em tudo o que importava. Ela também vivia dentro da sua cabeça, onde sonhava com romances da época vitoriana o tempo todo. Ofereça à minha tia mais do que duas taças de vinho e as suas raízes americanas ficavam mais óbvias do que a henna nas longas tranças da Nana D.

– Isso parece com uma piada de adultos. Não entendi – Emma fez o sinal de negativo com os dois dedões. – Quando a Nona e o Nono vão chegar? – A minha filha se referia aos pais de Francesca pelas palavras italianas para avô e avó. Os seus olhos cor de amêndoa estavam ficando mais escuros nesse verão, destacando o quando ela se parecia com sua mãe, antes que a minha esposa tivesse adotado tantos disfarces. Emma estava sendo mantida afastada de qualquer conversa sobre sua mãe não-tão-morta, algo com o que até mesmo os Castiglianos haviam concordado facilmente, devido a tudo o que estava explodindo ao nosso redor.

– Na segunda-feira à noite. – Eu peguei a mão dela e caminhamos lentamente em direção ao Parque Wellington. Nana D havia escolhido essa estimada localização do outro lado do Rio Finnulia, dizendo que era um lugar de extrema importância para ser reconstruído; ela também havia prometido sorvete grátis todos os finais de semana, nos discursos durante a sua campanha eleitoral. – Olha, é o Tio Gabriel – adicionei eu, quando o meu irmão se encontrou conosco na entrada cercada por árvores.

Durante um complicado e sentimental jantar de família mais cedo naquele mês, Gabriel havia anunciado a sua inesperada volta para casa e a notícia não tão chocante de que ele era gay. Como não era de se surpreender, os Ayrwicks o receberam de braços abertos com quase nenhuma preocupação. A minha mãe chorou o tempo inteiro diante do seu filho mais novo retornando ao ninho. Os nossos irmãos mais velhos não puderam participar do jantar ou da festa de aniversário da Nana D, mas eu não tinha esperado que eles viajassem. Quando ambos mencionaram que voltariam para o aniversário ou para o casamento, Nana D veementemente insistiu no casamento.

– Emma? Não pode ser! Ela cresceu sessenta centímetros os últimos dias – provocou Gabriel, enquanto pegava a minha menina e a balançava de um lado a outro. Vestido de acordo com o clima abafado do fim de junho, Gabriel estava com um par de shorts e uma camisa polo preta. Uma das suas várias tatuagens estava parcialmente à mostra sob a manga da camisa enquanto os seus braços musculosos carregavam Emma em círculos quase perfeitos.

– Ela está bem grande! Isso machuca? – riu Emma, enquanto tocava o piercing nos lábios dele e a sua barba. Ele era quatro gloriosos anos mais novo do que eu, como ele sempre me relembrava, mas a nossa semelhança continuava estranhamente familiar. Apesar dele projetar uma aparência misteriosa e rude, eu pendia para o lado mais arrumado — exceto em dias como hoje, quando eu não havia feito a barba. Eu me amparava secretamente na desculpa válida de estar lidando com uma esposa que havia voltado dos mortos. Além disso, Gabriel havia sido aceito pela família e era, atualmente, o irmão preferido e estimado, o qual os nossos pais e a Nana D não conseguiam parar de bajular. Até mesmo o nosso pai, o resoluto Wesley Ayrwick, parecia radiante com a volta do seu filho pródigo.

– Não! Mas você também não pode ter uma tatuagem, eu já perguntei ao seu papai. Ele é um estraga prazeres – respondeu Gabriel, sorrindo para seu namorado, Sam Taft, que andava ao seu lado. Depois de soltar Emma, que pulou animadamente para o chão, Gabriel deu de ombros e estreitou os olhos para mim. – Não é isso, mano?

Eu dei a ele um olhar espetacular de advertência. Ele receberia apenas um desses antes que eu o derrubasse no chão por ficar falando bobagens e coisas controversas a Emma. Eu já havia estipulado que ela não poderia usar maquiagem, ir a um encontro ou conversar com um garoto — ou garota, se fosse isso que ela quisesse — até que fizesse dezoito anos. Eu não era superprotetor. Estava sendo cautelosamente consciente e atento. Pelo menos era assim que eu justificava meu estilo de paternidade cuidadosa.

– Por que você e o Sam não vão procurar a Tia Eleanor? Eu preciso relembrar ao Tio Gabriel sobre as várias tardes que ele passou esparramado no chão sujo quando era um adolescente bobo.

Sam, a essência da compaixão, inclinou a cabeça para o lado e grunhiu.

– Será que vocês vão crescer um dia? Eu sou mais novo e mesmo assim mais maduro do que os dois juntos. – Para Emma ele disse: “Vamos, brotinho de feijão. Prepare as pernas e aposte uma corrida comigo até o DJ. Aposto que eu posso fazer a dança da galinha melhor do que você!”

Enquanto eu estava distraído assistindo os dois saírem correndo, cacarejando e batendo os braços como asas, Gabriel se jogou contra mim, pulando nas minhas costas e ombros.

– Você quer dizer assim? – gritou ele, antes de envolver a minha cintura com as suas pernas, fazendo com que eu caísse, e me torturando com um cafuné.

Nós nos batemos durante quinze segundos, cada um tentando manter a dominância. Só paramos quando Nana D interveio e nos deu uma bronca.

– O que há de errado com vocês dois? Será que não podem agir como homens civilizados ao invés de delinquentes que não têm juízo? – Enquanto nos separávamos, ela pegou cada um pela orelha com as mãos hábeis, abaixou nossas cabeças até que estivéssemos perto da sua altura, e nos segurou um ao lado do outro. Por um momento, nós ficamos esperando por um discurso agressivo sobre o nosso comportamento, mesmo que estivéssemos apenas brincando e não realmente brigando. Então, ela soltou as nossas orelhas e nos deu cafunés. – Haha, peguei vocês!

– Isso não foi legal, Nana D – gritou Gabriel, esfregando a cabeça depois de conseguir escapar dos braços bizarramente fortes dela.

– Isso não é muito apropriado para a nova prefeita do condado. Você deveria se envergonhar – completei eu.

– Shhh! Eu estou feliz de ter os meus dois netos de volta em casa. Vocês não têm ideia do que significa para essa senhora de meia-idade querer passar um tempo agradável com vocês antes que eu...

– Se mude para o Complexo de Aposentados Willow Trees? – interrompeu Gabriel, provocando.

O sorriso maroto plantado no rosto dele era mais do que eu podia aguentar. Eu caí na gargalhada, grato de que havia sido ele quem disse algo sarcástico, ao invés de mim. Meia-idade aos setenta e cinco? Nana D não havia apenas exagerado, mas chegado quase ao seu limite.

– Gabriel, se você quer continuar morando no Rancho Danby, é melhor fechar o bico. Eu vou te chutar para fora de lá tão rapidamente quanto te ofereci um lugar para ficar – repreendeu Nana D, abraçando-o e beijando a sua bochecha. – Eu tenho muito controle agora que sou a comandante desse condado.

Depois de ganhar com uma grande vantagem do vereador Marcus Stanton, Nana D não parava de lembrar a todo mundo sobre o poder que ela havia ganhado. Obviamente, ela só planejava usá-lo para o bem, mas havia algo de enervante e duvidoso sobre uma mulher com complexo de Napoleão tendo o controle sobre nós.

– Todos já estão aqui? – perguntei eu, enquanto marchávamos para dentro do parque como soldados de madeira.

– Sim, eu estou triste que os meus outros netos não puderam participar. Eu também gostaria que os meus dois filhos pudessem passar algum tempo com a mãe, mas estou feliz por ter parte da minha família aqui para celebrar – disse Nana D, lutando contra o choro. Ela não ficava sentimental frequentemente, mas em uma grande ocasião como a do seu aniversário de setenta e cinco anos, a parte muito bem escondida da personalidade da minha avó saía para uma pequena mostra.

Pelo resto da tarde, nós compartilhamos histórias do passado da Nana D e demos de presente a ela uma pintura customizada da nossa árvore genealógica, datando até os anos 1600, os registros mais antigos que ela havia conseguido localizar dos seus ancestrais. Um artista local se especializava em transferir árvores genealógicas geradas no computador para um formado de impressão 3D. Todos haviam contribuído para tornar o aniversário da Nana D tão extraordinário quanto ela era para nós. Até mesmo o meu pai fez um breve discurso sobre como, apesar dos seus desentendimentos frequentes e acalorados, ela era uma mulher marcante e um tesouro para a família e para o condado. Ela franziu a testa quando ele disse tesouro antigo, e eu sabia que ela ia encontrar uma maneira de implementar a sua vingança. Haveria convocações do gabinete do prefeito na caixa de correio dele quando ela tomasse posse oficialmente na semana que vem. Como eu disse, o complexo de Napoleão dela causaria grandes impactos nas nossas vidas.

Depois de um delicioso piquenique e vários jogos, nós ficamos observando uma infinidade de cores no céu enquanto o sol se punha. Sam foi embora para se juntar à mãe em um jantar, e Gabriel indicou que tinha urgência para conferir algo no laboratório no qual estava trabalhando. A maneira questionável com a qual ele saiu fez com que eu suspeitasse de que ele estava de ressaca e precisava dormir. Emma pediu para dormir na casa dos meus pais, a Elegante Cabana Real, e foi embora com eles. Apesar de a tia Deirdre ter dado carona para a Nana D até o Parque Wellington, ela havia ido embora uma hora antes junto com o Timothy para discutir as preparações do casamento. Me foi concedida graciosamente a responsabilidade de levar a minha avó em segurança para casa.

Outros convidados também foram embora, lamentando as poucas horas restantes antes de se jogarem em mais uma semana de trabalho. Enquanto muitos dos meus colegas da Faculdade Braxton haviam participado da celebração, eu mal tive tempo de socializar com eles. Nana D havia insistido que eu e Emma ficássemos ao lado dela na maior parte da tarde. Será que ela me queria por perto para evitar outro momento sentimental, ou ela sabia que eu estava distraído pensando sobre o desaparecimento de Francesca?

– No que você está pensando, meu neto brilhante? – perguntou ela, enquanto colocávamos seus presentes no porta-malas.

Nana D estava presente quando o último cartão-postal e o novo filhote de cachorro, um presente me avisando que os Los Vargas haviam sequestrado a minha esposa, haviam chegado. Ela me apoiou enquanto eu entrava em contato com a April, em seu papel oficial como xerife do Condado de Wharton, para pedir ajuda.

– Hoje pareceu o meu último momento com a Emma antes que tudo desmorone. Como você conta a uma menininha que a mãe dela não está morta, e que essa mulher escolheu deixá-la? – Eu dei um suspiro de resignação e encostei minha cabeça contra a lateral da SUV.

– Você conta a ela a verdade, Kellan. Ela é sua filha, o que a torna brilhante, se lembra? Foi a Francesca que causou esse desastre, e você vai ter que esperar para que ela reapareça. Quando ela fizer isso, eu planejo dizer a ela algumas coisas que estão na minha mente! – sorriu Nana D, e entrou no lado do passageiro da SUV, incomodada por toda a confusão do sequestro. – Eu tenho certeza de que você vai pensar na melhor forma...

Nana D foi interrompida quando Connor Hawkins, um bom amigo que havia recentemente mudado de emprego, deixando o cargo de Diretor de Segurança da Faculdade Braxton para trabalhar como detetive para o escritório do xerife do Condado de Wharton, se aproximou de nós.

– Feliz aniversário, Nana D! Quantos anos você tem agora, meia centena? – disse ele, com uma grande animação no seu rosto bem esculpido. Enquanto eu era um cara pálido que não conseguia ficar no sol por tempo suficiente para pegar um bronzeado, Connor havia herdado a mistura perfeita de cor de pele do seu pai sul-africano e da mãe caribenha. Isso até compensava os seus olhos taciturnos e tempestuosos, como ele apontava, sem egoísmo e com frequência. Chamado de Adônis por alguns, para mim ele era apenas um mero mortal que planejava os meus exercícios para que algum dia eu pudesse me parecer mais com ele. Não diga a ele que eu admiti isso!

Eu me afastei para o lado para deixar que ele abraçasse a minha avó. Eles se conheciam há um bom tempo, já que eu e Connor havíamos crescido juntos. Por mais que tivéssemos perdido contato quando eu me mudei para Los Angeles, nós nos reaproximamos nos últimos meses.

– Estou feliz por você ter vindo. Eu pensei que iríamos embora sem te ver.

– Me desculpe, Kellan. Eu ainda estou trabalhando dobrado até que a faculdade encontre o meu substituto. Eu acabei de organizar a equipe para a próxima semana, e agora estou indo atender um chamado. Houve outro roubo de joias – explicou Connor, enquanto fechava a porta do passageiro com o cotovelo.

– Isso é terrível. Quem foi a vítima dessa vez? – Nana D se acomodou no assento e pegou o celular para fazer anotações. – Eu estava alarmada antes, mas esse já é o terceiro roubo, certo? — disse ela através da janela aberta.

– O quarto, madame. Eu acho que posso contar o pouco que sei sobre hoje, especialmente já que você está prestes a ser a nossa nova prefeita. A família Grey sofreu grandes danos dessa vez — respondeu Connor.

Os Greys, um clã proeminente e rico, controlava uma boa porção do condado. O Juiz Hiram Grey, alguns anos mais novo do que a Nana D, já estava nessa cadeira há mais de trinta anos. Eu havia lecionado para a neta dele no semestre anterior, antes dela se formar em Braxton.

– O que o criminoso roubou?

– Não tenho certeza. Um policial foi chamado até o local, mas assim que percebeu quem era a vítima e o que havia realmente acontecido, o sargento entrou em contato comigo. Estou indo para lá agora. – Connor respondeu em um de seus vários dispositivos técnicos de comunicação que ele chegaria ao local em dez minutos.

– Alguém se machucou? – perguntou Nana D, enquanto eu apertava a mão de Connor, me despedindo.

– Sim, Imogene Grey está sendo atendida pelos paramédicos devido à um ferimento na cabeça. Ela pegou o assaltante tentando fugir com uma das suas joias e tentou impedi-lo antes que ele escapasse. Eu vou lhe avisar mais tarde se descobrir mais alguma coisa, Excelência.

Assim que Connor foi embora, eu entrei na SUV e coloquei o cinto de segurança. – Isso está ficando fora de controle, não é mesmo? Imogene é uma das estudantes no meu curso de verão que começa na segunda-feira.

– Você não sabe da metade, Kellan. Isso parece inexplicavelmente parecido com a última vez que tivemos esses roubos de joias descontrolados em Braxton. A mãe da Imogene, Lara, estava aqui gravando um vídeo sobre a festa para uma reportagem do jornal. Ela foi uma das vítimas da rodada anterior – disse Nana D, indignada.

– É verdade, eu esqueci. Você nunca me contou o que aconteceu. – Lara Bouvier, a repórter do canal de notícias local, WCLN, foi casada com um dos filhos do Juiz Grey há alguns anos. A filha deles, Imogene, morou na França durante a maior parte da vida. Imogene era prima de uma das minhas ex-alunas, Carla, que havia se formado recentemente e se tornado uma negociadora de obras de artes. – Eu não acho que tenha conhecido a Imogene.

– É claro que você conheceu. Ela costumava andar com o Gabriel quando eles frequentaram Braxton juntos. Pensando nisso, aquela foi a última vez que esses roubos de joias aconteceram. Eles pararam exatamente antes que o Gabriel desaparecesse durante aquela terrível tempestade. – Nana D estalou os dedos, perdida em reflexão. – Ah, você não estava aqui naquela época, erro meu. Vamos para casa, meu neto brilhante. Esse foi um longo dia.

– Você está querendo sugerir alguma coisa com esse comentário? – O Gabriel estava guardando segredos desde que voltou, e havia ficado mais sombrio e evasivo, mas tinha um bom coração. Disso eu tinha certeza absoluta.

– Eu realmente não estou com vontade de falar sobre isso durante esse final de semana, Kellan. Por que você não me deixa em casa e vem para o brunch na segunda-feira, quando eu estiver mais relaxada? Minha agenda está apertada com todas essas reuniões o dia inteiro amanhã por causa da posse.

Eu não tive escolha a não ser concordar relutantemente com os desejos da Nana D. Era o seu aniversário. Ela deixou bem claro que não estava a fim de uma discussão hoje à noite, e eu só podia aguentar um melodrama por vez. Depois que saímos do Parque Wellington, um casal cruzou a rua correndo e entrou no parque, não parando para observar o possível trânsito. Eu apertei a buzina para dar um aviso e eles me olharam brevemente com expressões chocadas antes de esconderem o rosto contra o farol do meu carro. Devido à pressa deles e ao meu foco nos arredores, eu não tinha conseguido dar uma boa olhada neles.

– O que ele está fazendo com ela? – murmurou Nana D, coçando a cabeça.

– Quem? – Eu os observei desaparecer em uma passarela que levava ao lado sul assim que cruzaram a rua.

– Aquele era o Paul Dodd, o noivo da Imogene. Ele não deveria estar em casa cuidando dela depois do roubo? Não correndo por aí com outra mulher! – reprovou Nana D, antes de me relembrar de que Paul havia sido eleito o novo vereador da cidade de Braxton, assumindo o cargo que havia pertencido a Marcus Stanton.

– Talvez ele estivesse correndo para chegar até a casa da Imogene?

– E seguindo para dentro do parque? Não... ele deveria ser um cara decente. Eu não posso ter certeza, mas a mulher com quem ele estava se parecia com a Krissy Stanton, a filha problemática do Marcus.

Krissy era outra estudante no meu próximo curso, o que fazia o comportamento sorrateiro deles parecer tão suspeito quanto o do veado persistente que invadia o pomar da Nana D e roubava montes de frutas maduras. Marcus havia ameaçado causar um tumulto e não queria reconhecer que a Nana D havia ganhado oficialmente a eleição. Ele era o nosso vizinho, por isso eu também suspeitava que ele fosse aquele veado!

– Você quer segui-los?

– Não, eu tenho como arrancar a verdade do Paul Dodd, o político suspostamente perfeito e cidadão modelo de Braxton. – Nana D deu um tapa no painel e me indicou qual caminho pegar para seguirmos para casa. – Tem algo cheirando mal no estado da Pensilvânia. E dessa vez não é o pé do seu pai, Kellan.


2

 


Eu passei a manhã seguinte preparando a minha nova aula, revisando rapidamente os meus planejamentos de lições e livros, para me assegurar de que eu tivesse o máximo de tempo disponível com a minha filha quando visitasse os meus pais. Gabriel e Eleanor jogaram vários jogos de tabuleiro conosco naquela tarde. Até mesmo os meus pais se juntaram a nós em várias rodadas de cartas e dominós. Sabendo que eu ainda tinha algumas horas de trabalho para completar antes que as aulas começassem no dia seguinte, aceitei a oferta da minha mãe para que ela cuidasse da Emma por mais uma noite. Minha filha ficou em êxtase, o que era tudo o que importava para mim, nessa sofrível situação com os Castiglianos e os Los Vargas.

O final de tarde e o meu trabalho acabaram rapidamente, permitindo que eu sugerisse ao Connor nos encontrarmos para uma cerveja. Eu secretamente queria descobrir o que havia acontecido na mansão Grey, mas ele estava envolvido demais no caso para poder fazer uma pausa. Tudo o que eu tinha ficado sabendo era que a Imogene não havia conseguido identificar o ladrão de joias, apesar de estar em casa quando o vigarista a invadiu. Connor sugeriu um novo horário para a nossa sessão de exercícios naquela semana, e eu fui dormir mais cedo em preparação para o começo da nova programação de aulas.

Depois de uma batalha dura decidindo o que vestir na segunda-feira de manhã, eu escolhi as minhas melhores vestes professorais. O período de verão havia feito a sua ilustre estreia, e eu queria parecer maduro o suficiente para inspirar respeito, e ainda assim, parecer moderno e casual de uma maneira que se encaixasse com a indústria de filmes e televisão. O resultado final: calças de alfaiataria bem cortadas e ajustadas com uma estampa tradicional xadrez; uma camisa cinza de gola aberta; um suéter fino de cashmere em uma cor que a vendedora havia dito que era berinjela e um par de sofisticados mocassins calçados sem meias. Apesar da efusiva insistência da Nana D, eu não estava me transformando em um papagaio extravagante!

Eu corri até A Grande Comedoria, um ponto de encontro de estudantes que tinha o café mais rico e mais saboroso e os encontros românticos mais loucos e lamentáveis de todo o condado. Para a minha sorte, eu evitava a segunda opção, exceto quando a Nana D me arrumou alguns encontros às cegas naquelas poucas ocasiões. Eu pedi dois cafés e duas tortinhas de maçã polvilhadas com açúcar e canela, para viagem. Eu precisava de algo para me abastecer até o horário do brunch com a Nana D. O meu corpo pedia por doces tanto quanto se sentia mais energizado com os meus exercícios diários, que haviam sido preenchidos por uma corrida de seis quilômetros mais cedo naquela manhã. Eu presumia que os dois lados do espectro compensavam um ao outro e me recusava a questionar a grande autoridade de um deus que me permitia ter livre arbítrio.

A Faculdade Braxton era composta por dois campi, Norte e Sul, separados por uma esplanada arborizada com fachadas de lojas aconchegantes, moradias estudantis, e pontos históricos charmosos. Um campus estava localizado no topo de uma inclinação um pouco íngreme das Montanhas Wharton e o outro estava perto da base de uma colina mais baixa que levava diretamente até o centro do nosso distrito. Casas no tradicional estilo vitoriano e da rainha Anne, pintadas com cores vivas e adornadas com grandes torres de pedra e telhados brancos e recortados, faziam com que os visitantes se lembrassem de uma versão mais quieta e menor de São Francisco. Sem o Oceano Pacífico por perto, o lago Crilly e o rio Finnulia generosamente providenciavam o nosso suprimento de água diário, uma opção de relaxamento, e paisagens impressionantes. Os moradores locais se referiam às grandes mansões localizadas no topo de uma colina como a Alameda dos Milionários, e é lá que você pode encontrar os Greys, os Paddingtons e os Stantons.

O Campus Norte era o local principal da faculdade, mas eu trabalhava no Campus Sul que atendia aos estudantes dos departamentos de Ciências Humanas, Comunicações e Música. Um sistema de teleférico elétrico, atualmente passando por manutenção, transportava os estudantes entre os dois espaços acadêmicos. Durante duas semanas de cada verão, geralmente quando o clima alcançava a temperatura de trinta e sete graus, uma empresa local reparava a parte mecânica e refazia os painéis decorativos internos de acordo com qualquer tema que a turma de graduação mais recente havia escolhido para presentear à faculdade. Nesse ano, como uma dedicatória aos valentes esforços de alguns moradores – primeiramente eu, que agi como um investigador amador para localizar alguns assassinos – o tema era Hercule Poirot e Miss Marple, um vagão do teleférico no estilo de 1930. A reforma havia começado dez dias antes, e a cerimônia de inauguração iria ocorrer no final dessa semana.

Eu subi os degraus até a plataforma firme, mas caótica, e examinei a vista panorâmica da cidade com as colinas cobertas de folhagem. A minha mais nova rotina incluía a visita até o teleférico toda manhã para inspecionar o progresso juntamente com o contratado local que executava a reforma. Quint Crawford estava no fim dos seus vinte anos, tinha o cabelo loiro escuro, e exibia orgulhosamente uma barba cheia. Anos trabalhando em canteiros de obra haviam bronzeado sua pele até uma cor dourada e transformado seu corpo ágil em uma máquina sólida capaz de trabalhar frequentemente em serviços pesados. Quando eu chamei o seu nome, o artesão calmo e astuto colocou a cabeça para fora das portas do vagão e me cumprimentou. Enquanto eu estava vestido para o primeiro dia de aulas do meu curso de verão, Quint havia escolhido uma camiseta branca justa e um par de calças jeans bem usadas, que pendiam baixas em sua cintura por causa de todas as ferramentas que pesavam no tecido fino. Apesar de ser mais baixo do que eu por apenas alguns centímetros, a sua postura levemente encurvada fazia com que ele parecesse menor.

Quando eu conheci Quint pela primeira vez há duas semanas, o enigmático eletricista me deixou intrigado. Quint se considerava um conquistador, o que era evidente pela forma com a qual o seu olhar sempre seguia qualquer moça atraente que passasse pela estação do teleférico. Quint era um pouco cheio de si, encantando facilmente as mulheres ao seu redor, exibindo um fascínio libertino na forma como abordava a vida. Mas ele havia mencionado em particular uma desilusão recente causada por um amor perdido e o desejo de convencer a sua ex a lhe dar uma segunda chance. Infelizmente, Quint não havia me dado detalhes do que havia acontecido de errado no relacionamento dele e de sua amada. Mesmo assim, eu fiquei impressionado com a sua atitude firme e a sua habilidade de rapidamente limpar a poeira da roupa e voltar ao ringue mais uma vez, apesar da sua tentativa obviamente dolorosa de esconder as várias feridas resultantes do fim do seu relacionamento.

Assim que ele havia se apresentado formalmente a mim, percebi que eu e a sua mãe havíamos nos encontrado algumas vezes no começo do ano. Sabendo que Bertha Crawford era uma alma gentil e generosa, eu resolvi acreditar que Quint era uma versão sofisticada, ainda que oportunista, da sua mãe, que não gostava de ouvir a palavra não.

– Bom dia, Quint. Como estão as coisas com a sua mãe essa semana? – perguntei eu, passando um copo de café quente e uma tortinha para ele.

– Eu agradeço você passar por aqui com café-da-manhã novamente. Você é um bom homem, Kellan. – Os olhos dele se voltaram para o painel que estava instalando e ele instantaneamente pareceu apreensivo com a minha chegada. – A minha mãe está melhor desde que se aposentou da mansão Paddington. Depois de anos trabalhando em pé o dia inteiro como governanta, e tendo que agir como uma escrava para satisfazer cada um dos caprichos deles, isso acabou cobrando um preço depois de tanto tempo.

– Quer dizer que os tratamentos de radiação estão funcionando? – Ela havia descoberto um nódulo no seio pouco tempo depois de eu conhecê-la alguns meses atrás, então descobriu que era uma forma avançada de câncer. A família Paddington também confirmou que ela deveria parar de trabalhar para poder focar na sua saúde deteriorada. Foi então que Quint resolveu dar prioridade ao cuidado extra da sua mãe, viúva há quase vinte anos. O pai dele havia morrido anos atrás em uma explosão nas minas Betscha.

– Por enquanto os médicos não estão animados – murmurou ele, desaparafusando um painel interior perto da porta.

– Fico triste em saber disso. – Pelo que eu pude ver, os painéis com o design vencedor estavam prontos para serem instalados. Eu percebi alguns fios soltos no fundo e me perguntei quando a parte dos reparos elétricos do trabalho seria completada. – Os novos painéis estão parecendo fantásticos. Tem alguma programação para a troca da parte elétrica?

– Eu tenho que trocar dois cabos, mas vou terminar até amanhã de tarde. Então vamos poder fazer alguns testes para ver como essa máquina velha está funcionando. Deve estar tudo rodando bem! – Quint bateu com os nós dos dedos contra a lateral da cabeça em um sinal de sorte. Enquanto se abaixava, ele estremeceu e gemeu cautelosamente antes de esfregar as costas.

– Você se machucou no trabalho? – perguntei eu, não tendo certeza de qual empresa havia ganhado o contrato para o projeto de reforma. Com sorte, ele iria reportar qualquer ferimento para a administração da faculdade.

– Nada para reclamar. Um homem que trabalha na minha área tem que lidar com algumas dores. – Ele se ajoelhou gentilmente no chão e se virou para terminar de tirar o painel mais abaixo. – Como está a sua filha?

Eu havia trazido a Emma ao campus comigo da última vez, porque ela teve um horário reduzido de aula durante a última semana na escola. Já que ela havia ficado na casa dos meus pais na noite passada, trazê-la junto comigo hoje não era uma opção. Eu também havia marcado um acampamento de verão para que ela participasse enquanto eu estivesse dando aulas nas sete semanas seguintes. A orientação estava marcada para amanhã.

– A Emma vem visitar você de novo em breve. Vou me certificar de trazer ela aqui para você poder dizer oi. Ela se divertiu assistindo você trabalhar da última vez.

– Isso seria legal, Kellan. Eu não quero te apressar, mas eu tenho que terminar isso hoje. A Fern Terry planeja passar por aqui para conferir o meu progresso – avisou Quint, com uma mistura igual de hesitação e irritação substancial, e então deu uma piscadela. – Não que ela saiba muito sobre trabalho de homens.

Fern era a reitora de Assuntos Estudantis e uma boa amiga. Eu precisava marcar um almoço com ela para saber dos planos para o casamento. O filho dela iria se casar com a irmã de Timothy Paddington, por isso aconteceria um casamento duplo no Dia da Independência. Eu ignorei os comentários rasos e ridículos sobre a Fern, estando bem ciente de que nós já tínhamos discutido as opiniões dele no passado. Ele considerava as mulheres mais como conquistas ou belos objetos do que como iguais, ainda assim, facilmente disfarçava suas visões quando precisava parecer suficientemente educado, para encantar uma mulher ao oferecer seu afeto.

– Entendo. Você é o dono da empresa que ganhou o projeto? – eu fiz uma pausa e esperei por uma resposta, mas um tempo incomumente longo se passou sem uma das suas famosas respostas. – Quint, você me ouviu?

– Claro. Me desculpe, eu estava pensando na melhor resposta – respondeu ele, pegando uma ferramenta do cinto. – Eu estou trabalhando para alguém que me prometeu uma parceria barata. Eu vou receber uma parte da empresa assim que esse projeto estiver completo. Não querendo ser rude, cara, mas eu mencionei que estava ocupado. Preciso terminar de consertar essa belezinha até que ela esteja brilhando como um diamante novamente. Podemos conversar outra hora?

Quint ligou a furadeira na velocidade mais alta. Eu acenei adeus para as costas dele —ele já havia se voltado para a sua próxima prioridade sem mais nenhuma palavra — e caminhei em direção ao meu escritório no Pavilhão Diamante. A minha natureza curiosa queria fazer mais perguntas a respeito de para quem ele trabalhava, mas a Fern também poderia me fornecer facilmente essas repostas. Isso também requereria menos tato do que lidar com o meu novo amigo irritável, o Quint.

O Pavilhão Diamante havia sido anteriormente uma grande casa colonial, uma mansão para os padrões modernos, antes da sua transformação nos escritórios do departamento de Comunicações. O prédio arquitetonicamente impressionante tinha três andares e estava coberto por uma fachada de pedra calcária, que havia sido retirada das minas pertencentes ao lado Bestcha da minha família. No piso superior havia uma grande área aberta de trabalho e uma biblioteca departamental, e no segundo andar estavam os escritórios para os funcionários acadêmicos. O andar térreo continha quatro salas de aula, e durante as próximas sete semanas, eu ocuparia a que ficava a noroeste, com vista para o Pavilhão Stanton.

Enquanto eu entrava pela porta da frente, a minha chefe olhou para mim com uma expressão azeda. Não seria um dia típico se eu não tivesse que aguentar, por pelo menos dez minutos, a ira totalmente desnecessária, mas divertida da Dra. Myriam Castle. Mesmo depois de eu ter investigado quem era o perseguidor da sua esposa no mês passado, Myriam ainda me tratava com uma disposição fria e me bombardeava com citações shakespearianas que praticamente não faziam sentido algum.

– Tem um homem esperando você – disse ela de maneira direta, as mãos nos quadris. Adornada por suas roupas tradicionalmente requintadas, a sua figura diminuta estava vestida com um terno de cor creme e uma blusa cinza, sem dúvida vindos da última coleção de algum designer europeu. Era o cabelo espetado, grisalho, curto e imutável que inicialmente chamava a atenção de uma pessoa. – Ele não tem um passe de visitante, e eu não o reconheço. Você deveria dizer aos seus associados desocupados para seguirem as regras, e se eu posso te relembrar, nós deveríamos estar trabalhando, e não socializando.

Bem, aquele era o começo perfeito para um dia de trabalho.

– Eu não tenho nenhuma reunião marcada. Talvez ele seja um estudante do meu curso de verão. – Eu tentei passar rapidamente, mas ela agilmente agarrou o meu braço.

– Certifique-se de que isso não aconteça novamente. Eu comando um navio limpo e rigoroso, e pessoas estranhas geralmente não tem boas intenções. Eu não gosto da aparência bronzeada dele. – Ela fez uma pausa, como se tivesse algo mais a dizer, mas pensou melhor.

– Eu vou cuidar disso agora mesmo. – Bronzeado? Eu não conhecia ninguém que se encaixava nessa descrição.

– Você já considerou a minha recomendação da reunião da semana passada? “Deus deu a você um rosto, e você fez outro para si mesmo”. Eu estou apenas pensando em você. – Myriam franziu o cenho como se tivesse mordido um doce ácido, então bateu seus saltos no chão como uma gata no cio.

Ela vinha falando insistentemente sobre eu instruir os estudantes a se referirem a mim como Dr. Ayrwick, não como Professor ou Kellan, começando com esse curso de verão. Eu não era totalmente contra isso, mas o meu Ph.D. era em Estudos Cinematográficos. Eu não me sentia como um genuíno profissional de medicina, e ainda era considerado um professor assistente temporário.

– Eu não sou do tipo que liga para títulos. Eu entendo a sua opinião de que nós como doutores conquistamos respeito e título, mas se você não se importa, eu...

– Essa decisão não é minha, é a política da faculdade. O seu pai foi decisivo nessa escolha. Converse com ele se você se importa tanto. Como um empregado do meu departamento, você vai seguir as regras. Estamos claros? – Ela assentiu para a expressão confusa no meu rosto e saiu do prédio.

Sem qualquer vontade de conversar com meu pai sobre isso, o resultado da nossa conversa era um acordo fechado. Ele havia sido o presidente até que se aposentou no semestre anterior. Para a minha sorte, a nova presidente era a esposa da Myriam, Ursula. Destino e Ironia eram duas das minhas divas menos favoritas!

– Então vai ser Dr. Ayrwick – gritei eu enquanto subia os degraus, me perguntando quem estava parado do lado de fora da minha porta.

Quando cheguei ao segundo andar e espiei pelo corredor, parecia estar vazio. A porta do meu escritório estava destrancada e entreaberta, e a luz da minha mesa estava acesa – não era como eu havia deixado na última sexta-feira. Eu entrei cautelosamente e encontrei o homem bronzeado sentado à minha mesa, exceto que eu não o consideraria bronzeado. Sabendo que a Myriam geralmente escolhia palavras estranhas para descrever as pessoas, ignorei o comentário dela e me foquei no porquê aquele homem estava sentado na minha cadeira. Ele parecia familiar visto de lado, mas eu não conseguia saber de onde.

– Posso ajudá-lo?’

Assim que ele ficou em pé, um corpo sólido de um metro e noventa de altura com uma pele morena mostrou que a sua estatura era maior do que a maioria. Olhos castanho-dourados perfurantes olhavam na minha direção, e o cabelo castanho escuro cascateava pela sua testa em várias camadas, fazendo com que eu me lembrasse daqueles modelos geneticamente projetados que apareciam nas capas de revistas de moda. Em um instante, eu soube que ele era Cristiano Vargas. Ele havia finalmente decidido me conceder a sua imaculada presença.

– Estou certo de que não há necessidade para apresentações apropriadas, mas se você sentir que é necessário, eu posso aceitar alegremente. – Ele transpirava confiança e falava em uma voz suave e distinta com um sotaque que mostrava levemente sua herança latina. De acordo com tudo o que eu havia lido sobre o homem, ele funcionava como um automóvel perfeitamente regulado e caro, encantando todas as mulheres que conhecia, e inspirava medo nos homens que estavam abaixo dele. Um diploma de Harvard também fazia dele um mestre no mundo dos negócios, sem dúvida assegurando o seu sucesso como o número dois no sindicato Los Vargas.

– Não é necessário. Apenas uma breve explicação do que você quer comigo, então nós dois podemos continuar com as nossas prioridades. – Desejando que a April estivesse presente para essa conversa, eu discretamente peguei o celular do bolso, tentando lembrar onde eu a havia colocado na chamada rápida. Considerando que ele poderia ter me matado a qualquer momento nas últimas semanas, eu pensei sobre o quanto deveria temer Cristiano Vargas.

– Não há necessidade de ligar para as autoridades ou fazer qualquer movimento súbito. Eu não tenho nenhuma intenção de matar você hoje, mas, se necessário, eu vou desarmá-lo. – Ele abriu um lado da jaqueta para revelar uma pistola automática Beretta 92.

Eu não tinha certeza do calibre específico, mas com certeza era letal. Eu estive pesquisando sobre pistolas com a intenção de comprar uma para proteger a Emma contra qualquer um envolvido com essa situação infeliz e além dos limites, mas ainda assim não tinha finalizado a compra. Eu abominava a ideia de carregar uma arma dentro de casa com uma criança ou em qualquer lugar perto da Nana D que, sem nenhuma dúvida, gostaria de sair atirando junto comigo. Eu tive que lutar contra a vontade de rir quando me lembrei da cena em que Rose atirou no vaso preferido de Blanche na série de comédia Supergatas. A Nana D havia me forçado a ficar acordado até tarde assistindo junto com ela todas as noites, enquanto morei na casa principal do Rancho Danby.

– É justo. Eu posso colocar um pouco de confiança na mesa, Cristiano.

– Feche a porta. Sente-se. Fique um tempo comigo. – Cristiano andou suavemente até a cadeira de visitas no outro lado da minha mesa pequena demais e apontou para o seu assento original. – Eu não sou o inimigo. Como um sinal de boa fé, eu vou autorizar você a tomar a posição de maior poder nessa conversa, está bem?

Autorizar? Por que eu tinha a impressão de que eu já odiava esse homem? Eu entrei cautelosamente, procurei por qualquer arma improvisada, e assumi o uso da minha cadeira habitual.

– Não tenho certeza de que eu concordo com essa afirmação. Você invadiu o meu escritório e assustou a minha chefe.

Cristiano riu, exibindo duas covinhas equilibradas sob as suas maçãs do rosto perfeitas.

– As mulheres nunca ficam com medo de mim. Elas querem ficar comigo. Isso pode ser uma maldição, mas essa é a minha sorte na vida. Todos nós temos, como que se diz, um prego no sapato? – Quando Cristiano cruzou as pernas, os seus sapatos Ferragamo finos e da cor Burundi rasparam na minha mesa. – Baseado na minha pesquisa, Myriam Castle não se assusta facilmente. Por favor, não comece a nossa pequena reunião com uma mentira absurda.

– Você pode ter pesquisado sobre a Myriam, mas sofrer com as loucuras dela é uma experiência completamente inimitável. – Ela era certamente um prego no sapato. Eu teria que dar crédito a ele por esse comentário esperto. Eu me sentei com as mãos cruzadas sobre a mesa, desejando que a minha confiança não vacilasse nem um pouco.

Ele deu um sorriso malicioso novamente.

– Francesca disse que você era um cara divertido.

– Então, é você quem está mantendo-a em cativeiro. Existe algum motivo pelo qual você não está negociando diretamente com a família Castigliano? Eu não tenho poder nessa situação complicada. – Eu já havia assistido a vários filmes sobre a máfia e lido incontáveis romances sobre crimes. Eu precisava relaxar e abordar a reunião como se nós estivéssemos negociando um acordo normal de negócios. Eu não podia revelar o meu medo desesperado ou a minha completa inexperiência nesse estilo de vida.

– Francesca também disse que você era muito inteligente e que iria direto ao assunto. Acho que vou gostar de trabalhar com você. – Cristiano imitou a minha posição, nossas testas estavam a menos de trinta centímetros de distância.

Eu apertei a minha perna contra a lateral da mesa estreita para impedir que a minha perna tremesse.

– Tenho esperança de que nós vamos precisar apenas dessa única reunião para discutir a resolução da disputa entre as nossas duas famílias.

Quando eu tentei me afastar, a mão de Cristiano pressionou o meu ombro para baixo.

– Não se mova até que eu permita. Eu quero ter certeza de que você vai entender o que eu estou prestes a lhe contar. Isso ficou claro?

Por que não havia mais ninguém no prédio a essa hora? Eu aceitaria até mesmo a Myriam como a minha guarda-costas nesse breve momento. Com o silêncio dele, eu podia ouvir o relógio no corredor e a ventilação do ar-condicionado soprando no canto da sala. No que a Francesca havia me metido?

– Sim, como um céu sem nuvens.

A outra mão de Cristiano foi até o meu ombro esquerdo, aplicando pressão o suficiente para que aquilo se tornasse desconfortavelmente íntimo e perigoso. Parecia com aqueles círculos antes de um jogo de campeonato, exceto que na realidade, esse era um duelo onde um de nós tinha uma pistola quebrada e sem balas.

– É excruciantemente importante que você tenha medo do que eu sou capaz de fazer. A minha ira não tem limites. Os Los Vargas não jogam jogos que não possam ganhar... de uma maneira ou de outra. Nada é o que parece. A sua esposa é uma mulher fascinante e cheia de recursos que entende a arte de um acordo mutualmente benéfico. – Cristiano agarrou a parte de trás da minha cabeça com as mãos, então bateu repetidamente na minha têmpora com os dedos indicadores.

Estando tão perto assim, eu tive a oportunidade de olhar com atenção para a pele imaculada que adornava o seu rosto. Cristiano não tinha poros, parecia que ele havia sido abençoado com uma pele sem falhas. A perfeição me assustava porque isso significava que alguém iria lutar até a morte para manter cada aspecto daquilo. Se ele não tivesse me dito que não iria me matar hoje, eu teria esperado que o seu próximo movimento seria uma suave torção do meu pescoço até que a minha cabeça pendesse sem vida ao lado do meu corpo.

– Me deixe de fora dessa bagunça. Trate com o Vincenzo e a Cecilia que já estão acostumados com essa loucura. Vai ser bem mais simples dessa maneira.

Cristiano me soltou, caminhou casualmente ao redor da mesa, e deu um tapa na minha bochecha com as costas da mão, com força suficiente para que a minha visão escurecesse e eu sentisse gosto de sangue. Quando fiquei de pé e tentei dar um soco no seu rosto perturbado, ele pegou meu antebraço sem esforço algum e o torceu para trás das minhas costas. Eu não podia me mover sem que houvesse uma dor intensa no meu ombro.

– Nunca me diga o que fazer, Kellan. As consequências para homens mais fortes do que você foi a morte.

Eu fiquei parado, não estava disposto a aceitar, mas fui forçado a escutar as suas palavras.

– Por que eu estou envolvido?

– Surpreendentemente, Francesca ofereceu sacrificar a própria vida para acabar com a guerra. Ainda assim, por mais que ela tenha cooperado comigo e por mais ansiosa que ela estivesse para escapar do olhar vigilante dos seus pais desonestos, eu não confiei totalmente na sua esposa. Mesmo que a solução olho por olho resolvesse muita coisa, isso não deixaria a minha família contente. – Cristiano me soltou e se afastou, cruzando os braços e me dando um olhar que deixava claro que eu não deveria atacá-lo novamente. – A minha família quer um pagamento mais do que equivalente. Reparação pelas indiscrições passadas dos Castiglianos se tornaram necessárias.

– Você não respondeu a minha pergunta. Por que você está me envolvendo nessa negociação?

– Paciência, eu estou te contando uma história. Eu pensei bastante sobre porque a Francesca está disposta a morrer. Eu queria localizar qualquer motivo escondido que pudesse causar algum mal aos Los Vargas. Eu tentei maneiras diferentes de subjugá-la, mas depois que ameacei machucar a Emma, a Francesca finalmente se encolheu, implorou por misericórdia e revelou todos os planos que os pais dela haviam feito para nos destruir. Não tente nada engraçado. Eu odiaria que qualquer coisa ruim acontecesse com aquela preciosa menininha – disse Cristiano, uma sombra sinistra no seu rosto devido à luminária na minha mesa. – Assim que eu encontrei o incentivo correto, com a Francesca a bordo, forçar os Castiglianos a concordar com qualquer coisa que eu pedisse se tornou simples. Usando você como mediador, Francesca e os pais dela são incapazes de conversar uns com os outros ou passar qualquer pista para me enganar. As pessoas ficam dispostas a cooperar quando são incapazes de ver ou ouvir o que está acontecendo com alguém que elas amam. Agora, eu vou ter cooperação e obediência completas de todos. O medo pode ser um poderoso fator encorajador.

– Os Castiglianos não me contam nada. Eles me odeiam há vários anos – expliquei eu, sem saber como isso o faria ganhar qualquer vantagem ou controle sobre os meus sogros. Eu apenas entendia como a Francesca aceitaria, sabendo que ela queria estar novamente com a Emma, isso era óbvio.

– Os Castiglianos não querem sacrificar a filha deles, mas eles também estão com medo de que eu machuque a Emma. Ninguém quer perder a família inteira, não é mesmo? – O sorriso malicioso no seu rosto se manifestou com muita facilidade quando ele me entregou um celular tirado do bolso da sua jaqueta. – Os seus sogros monstruosos não têm escolha a não ser confiar em você se querem ver a filha e a neta sobreviverem a essa provação.

– Agora eu entendi. Emma e eu somos o seu trunfo. Você quer que eu seja o negociador do acordo entre você e os Castiglianos porque isso motiva a todos a se comportarem. Se eu não me comportar ou se qualquer um dos Castiglianos tentar escapar ou retaliar, Emma, Francesca e eu acabamos mortos. Então, todos perdem.

– Você entendeu rapidamente, Kellan. O celular é como nós vamos nos comunicar no futuro. Não o use para mais nada além das nossas conversas. Eu vou entrar em contato daqui a quarenta e oito horas com instruções. Minha equipe diligente está organizando uma leitura estimulante do que a Francesca generosamente compartilhou conosco.

– Nós temos o mesmo objetivo em mente? Será que nós dois estamos esperando um resultado no qual ambos ficaremos felizes?

– Isso depende. Se você pretende seguir com sua vida sem nenhuma preocupação futura, então nós temos desejos similares. Se você pensa que os Castiglianos vão retomar o controle dos seus investimentos de negócios e interesses, então não. – Cristiano retirou um lenço do bolso traseiro e esfregou uma mancha no seu sapato.

– A Francesca vai ficar segura até lá?

– Isso nunca teve nada a ver com ela. Isso é sobre a vingança contra os pais dela e fazer eles aceitarem as consequências pelas ações do passado. Quando eu encontrei a Francesca dois meses atrás, algo de fortuito aconteceu. Ela não é a mulher que eu pensei que fosse. Baseado na cooperação dela até agora, nenhum mal deve acontecer a ela. Se alguma coisa parecer suspeita, o mal vai recair sobre você e sobre a Emma. Concorda?

– Não até que eu fale com a Francesca. – Eu ignorei o sabor metálico na minha boca.

– Em tempo. Não entre em contato comigo; eu vou ligar quando tiver os detalhes que você precisa. – Ele deu alguns passos para perto e me encarou diretamente. – A Emma certamente ama o novo filhotinho dela. Baxter é um nome perfeito.

– Como você sabe que nós chamamos ele de...

Cristiano olhou para mim como se eu tivesse falado uma língua estrangeira ou dito a mais ridícula série de palavras infantis, então ele acertou furiosamente o meu estômago com a palma da mão. As agressões físicas inesperadas dele estavam me afetando, mas eu não deixaria que ele me visse me recolhendo de dor.

– Eu sei de tudo, Kellan. Até mesmo como você não fez o último quilômetro da sua corrida perto do lago Crilly. Imagine o quanto a sua forma física estaria melhor se você se desafiasse e parasse de devorar aquelas tortinhas de maçã traiçoeiras. Eu ficaria mais preocupado que uma dessas sobremesas seja o que vai causar a sua morte algum dia, Pequeno Ayrwick.

Cinco segundos depois, Cristiano havia ido embora, e eu corri para o banheiro masculino. Ou o café havia sido digerido mais rapidamente do que o normal, ou eu estava mais assustado do que pensava. Assim que me senti normal novamente, eu desbloqueei meu celular e comecei a discar o número de April, antes de me dar conta de que Cristiano poderia ter grampeado a minha linha telefônica. Eu não tinha certeza se alguém podia grampear um celular, ou se o mentor dessa conspiração tinha um dispositivo de gravação escondido, ativado por voz, no meu escritório para ouvir cada movimento meu. Eu queria conferir isso com o Connor, mas April havia me avisado para não revelar nada a ele desnecessariamente.

Eu vasculhei brevemente o meu escritório, mas não encontrei nada óbvio. Abandonei a missão e ao invés disso fiz o download dos perfis dos estudantes para o meu curso de verão. Eu segui até a Casa de Espetáculos Paddington, o teatro do campus que ficava no prédio ao lado, e confisquei o telefone do escritório deles. April e eu fizemos planos para discutir os nossos próximos passos no dia seguinte, e ela prometeu encontrar alguém para escanear o meu escritório à procura de qualquer dispositivo de gravação, enquanto eu lecionava Produção de Documentários naquela tarde. Pouco depois do meio-dia, eu saí do teatro e liguei para Nana D do meu celular, para avisar que eu estava dirigindo até o rancho Danby para nosso brunch, e para saber sobre os roubos das joias. Sabendo que eu tinha apenas algumas horas antes que a minha aula começasse, ela havia me prometido mais cedo que a nossa refeição estaria pronta quando eu entrasse pela porta.

– Ainda no caminho, meu neto brilhante? É melhor você se apressar – disse ela com uma voz abafada.

– Sim, vou chegar a tempo. Por que você está agindo como se eu já estivesse atrasado? – A pontualidade estava no topo das expectativas da Nana D, e eu certamente queria evitar punição por causa de algo tão simples.

– Você tem alguns visitantes antecipados. Nós estamos bebendo coquetéis no seu chalé de hóspedes — Uísque Sour para mim e Hemingway para eles. Parecia algo apropriado para os seus sogros. Espero que você não se importe, mas eu vi os Castiglianos estacionando e não queria deixá-los sozinhos – explicou Nana D.

Eu pisei no freio e o carro saltou para frente. A última vez que Nana D havia visto os meus sogros foi quando ela visitou Los Angeles depois da suposta morte de Francesca. Durante os últimos dois anos e meio, eles haviam conseguido evitar uns aos outros como a praga.

– Por favor, se comporte, eu já tive drama o suficiente por hoje.

– É melhor correr, eu não quero deixá-los sozinhos. Eu preciso encontrar a espingarda do seu avô. É melhor estar armada do que indefesa, não é mesmo? Adeusinho, Kellan. – Nana D desligou, rindo maliciosamente.

Eu dirigi no dobro da velocidade permitida para chegar em casa, antes que uma dessas três caricaturas extravagantes da minha vida cometesse um assassinato. Se eu fosse um homem de apostas, Nana D teria a melhor chance, mas quem estava na mira dela esses dias?


3

 


Dez minutos depois, eu abri a porta da frente ao som de três risadas distintas; a gargalhada abrangente da Nana D, o riso alto e pomposo de Cecilia e o grunhido único de Vincenzo, que parecia com o som de um porco procurando por comida em seu curral vazio.

– Vocês estão extremamente adiantados – disse eu, jogando minhas chaves em uma mesa próxima. – O que é tão engraçado?

A cabeça careca e brilhante de Vincenzo parecia ficar exponencialmente maior conforme ele envelhecia, e o cavanhaque grisalho que insistia em ficar grudado no queixo dele me deixava com vergonha alheia. Mesmo assim, o seu tom estranhamente calmo e ameaçador, e o seu corpo pesado assustavam a maioria das pessoas, incluindo eu.

– Eu senti falta desse rosto. Com sorte, nós podemos manter as coisas desse jeito. Você precisa nos visitar com mais frequência, especialmente depois que tudo voltar ao normal. – Ele imediatamente me cumprimentou com um grande abraço, depois beijou ambas as minhas bochechas.

Hum... Será que eu havia entrado no universo de Além da Imaginação? Quando ele se afastou, eu senti as pontas dos seus dedos ainda gravadas nos meus ombros e costas.

– Espero que vocês tenham feito uma boa viagem. – Eu dirigi o meu olhar a ele, e então à Cecilia. Ela me encarou friamente e não ofereceu nenhum abraço, o que foi um alívio depois da saudação de Vincenzo. Cecilia, magra e esbelta, apesar de ser bonita sob a luz correta, com seu impressionante penteado loiro, tinha a mesma altura do marido. Nenhum deles precisava de um banco para trocar uma lâmpada no teto, não que eles se dignificassem a fazer esse tipo de serviço.

Ela relaxou a mandíbula.

– Vamos pular a conversa fiada, Kellan. Não estamos aqui para fazer parte do chá da tarde. Se a Seraphina não tivesse ganhado a recente disputa eleitoral, eu suspeitaria que ela tivesse envenenado nossos coquetéis. Felizmente, ela não pode causar nenhum escândalo agora. Eu acredito que você esteja seguindo as nossas ordens?

Ordens! Todo mundo queria que eu seguisse as suas ordens. Eu já estava de saco cheio de tudo aquilo e me sentia como um fantoche cujos fios estavam sendo controlados freneticamente por maníacos. Cecilia e Vincenzo me instruíram a não falar com a polícia ou com a família Vargas, me encorajando a deixar as negociações nas suas mãos capazes. Em que tipo de esquema distorcido eles estavam se metendo agora? Eu não podia contar a eles que Cristiano havia me visitado mais cedo naquele dia. Eu também não podia revelar o envolvimento da April em uma investigação secreta.

– Eu estou ciente das suas diretivas. Eu pretendo segui-las da melhor forma que puder. Por favor, peguem leve, o perigoso mundo do crime é novo para mim.

Nana D pigarreou.

– Para a sua informação, Don Castigliano, ou qualquer que seja o nome ridículo que vocês da máfia usam... eu não envenenaria vocês. Eu faria com que os meus filhos levassem vocês em uma pequena viagem até a Floresta Nacional de Saddlebrooke para monitorar os nossos famosos ursos cinzentos que estão acordando da hibernação. Apesar de eu não ter certeza de que eles fossem se deliciar com carne estragada. – Ela bebeu o resto do seu coquetel.

Cecilia caminhou até ficar cara a cara com Nana D, apesar de ser trinta centímetros mais alta.

– Eu pensei que nós estávamos nos dando tão bem antes que o Kellan chegasse em casa. Eu sugiro que você tenha cuidado com as suas palavras, Seraphina. Você não quer ser pega no fogo cruzado, certo?

– Já chega de ameaças vindas de vocês. Por que estão aqui? – perguntei aos meus sogros briguentos.

Vincenzo explicou que ele e Cecilia estavam espionando a família Vargas, procurando por qualquer informação que eles pudessem usar para evitar que eles continuassem a manter Francesca em cativeiro.

– Eu descobri algumas possibilidades no último final de semana, mas preciso começar algo que force os Los Vargas a devolverem a minha filha em segurança. Eu não posso entrar em detalhes, mas parece que o Cristiano não é tão limpo quanto diz ser.

Eu peguei a garrafa de uísque da mesa de café e me servi de uma dose. Engoli imediatamente. Então me servi de outra dose e encarei o líquido dourado como se ele fosse o elixir da vida. Eu tomei de uma vez assim como a Nana D havia feito. Pensei em me servir de uma terceira, mas duas eram suficientes para a tarde. Eu tinha uma aula para dar.

– Durante anos, vocês só causaram luto para mim e a minha família. A Emma sabe pouco sobre isso, e eu pretendo manter isso assim. Coloquem mais pressão em cima de mim, e eu vou retaliar. Faça o que você quiser para resgatar a Francesca, mas não faça joguinhos comigo. Assim como para você, a minha filha sempre vem em primeiro lugar.

– Eu lhe asseguro; nós somos tão vítimas nessa catástrofe quanto você, Kellan. – Cecilia tentou conversar comigo usando de muito tato. – Se você tivesse ficado em Los Angeles, isso não teria se tornado um problema.

– Se ele tivesse ficado em Los Angeles, poderia ter virado comida para peixes —guinchou Nana D em uma voz diferente, como se estivesse se preparando para dar um soco. – Que bando de estúpidos...

Eu me movi para perto de Nana D para poder controlar as suas ações, que eram bem problemáticas, baseado em experiências anteriores.

– Vocês dois executem qualquer esquema que for necessário para encontrar uma solução –, eu me dirigi a Vincenzo e Cecilia. – E eu vou manter a Emma protegida da verdade. Ela é tudo o que importa para mim agora.

Cecilia explodiu:

– Quando oferecida a escolha entre salvar você ou a minha filha, você sempre vai perder.

– E se eu tiver que escolher entre salvar a Francesca ou a Emma, como eu já disse, sempre vou escolher a minha filha. – Como a minha sogra psicótica ousava levantar esse assunto!

– Você não ama mais a Francesca? Não quer que ela retorne em segurança? – implorou Vincenzo, de uma maneira que servia para me assustar e me servir de aviso.

– Sim, é claro, mas já se passou muito tempo, e eu não tenho ideia de como isso vai acabar. A Francesca e eu precisamos tomar essa decisão juntos quando for o momento certo. – Eu já havia decidido que não poderia voltar para a minha esposa depois de tudo o que havia acontecido, mas essa não era a hora e nem o local para discutir isso.

– Você não teve nenhuma notícia dos Los Vargas desde o sequestro, certo? – ladrou Cecilia conspirativamente.

Eu balancei a cabeça. Eu não queria mentir, mas a melhor opção seria não confiar em nenhum dos lados e ganhar tempo até que April encontrasse algo de útil.

– Quanto tempo vocês vão ficar em Braxton?

– Por alguns dias – respondeu Vincenzo, pegando o braço de Cecilia e a acompanhando porta a fora. – Nós vamos telefonar amanhã para informar as novidades. A nossa agenda está bem cheia essa tarde com... outras discussões.

Depois que eles foram embora, Nana D disse:

– Eu estou contente que você se manteve firme. Você está fazendo a coisa certa.

Eu rezei para que ela estivesse com razão, ou para que ela tivesse uma linha direta com alguém que pudesse proteger todos nós. A minha mente e o meu corpo estavam acabados. As mentiras e o medo estavam cobrando o seu preço, e pensar no que ainda poderia acontecer quando Emma descobrisse que a sua mãe estava viva, fazia com que eu me lembrasse de alguém que esperava um trem desgovernado atropelá-lo.

– Eu te amo, Nana D. Você é a minha âncora durante todo esse fiasco.

– É claro que eu sou. Agora, você quer ouvir sobre aqueles roubos de joias de oito anos atrás, ou você já se esqueceu da razão do nosso brunch? – Nana D saiu do chalé e foi em direção à sua própria casa para preparar a nossa refeição, suspirando o tempo inteiro sobre o quanto eu estava demorando para segui-la.

– Você vai me mandar para o túmulo antes da hora. Eu não acredito que alguém possa te acompanhar. – Quando chegamos à cozinha, ela diminuiu o passo, permitindo que eu ganhasse a sua atenção novamente. – O que temos para hoje?

– Salada de frango com nozes e frutas vermelhas. Eu sei que você adora. – Nana D arrancou o plástico-filme que cobria uma grande tigela. – Pão integral, creme de abacate, e uma pequena fatia de torta de limão com merengue como acompanhamento. Você não pode deixar o seu nível de açúcar baixar demais na frente dos alunos, mas precisa tomar cuidado com o que come na sua idade – completou ela, esticando o braço por cima da mesa e cutucando a minha barriga macia.

Ela tinha combinado com o Cristiano de me insultar hoje?

– O meu metabolismo não parou. Não me azare. – Eu servi chá gelado e escolhi os dois maiores sanduíches como uma forma de me vingar. Nós nos sentamos lado a lado em um banco comprido na sua cozinha de fazenda, olhando para um lado do pomar, onde várias árvores estavam carregadas de frutas. Estávamos passando por um período em junho quando as árvores liberavam automaticamente os seus presentes. – Você ficou sabendo de mais alguma coisa sobre o roubo de joias na mansão Grey? Ou conversou com o Paul sobre as suas aventuras amorosas no parque? A Imogene deve aparecer na minha aula dessa tarde. Fico pensando se ela realmente vai estar lá.

– E vou me encontrar com o Paul na quarta-feira. Tudo o que eu sei é que o crime aconteceu na casa da mãe da Imogene, e não na mansão. O Marcus Stanton está monopolizando todo o tempo da xerife. Ele ainda tem alguns dias antes de deixar o cargo, mas está tentando ao máximo que pode evitar que as informações cheguem a mim. – Nana D fez um gesto estranho com dois dedos dobrados, amaldiçoando o homem de temperamento ácido. Eleanor deve ter ensinado isso a ela — não que as mulheres da minha família acreditassem em bruxaria, mas várias diziam ter poderes psíquicos e receber premonições bem-intencionadas. Eleanor havia aprendido minunciosamente a ler cartas de tarô e folhas de chá.

– Então, aquele movimento estranho com o dedo dobrado quer dizer um não? – perguntei eu, engolindo o purê de abacate.

Eu queria interrogar Connor durante a nossa sessão de exercícios, mas ele havia cancelado novamente por causa do trabalho. Apesar dos roubos de joias não terem nada a ver comigo, o diabinho curioso dentro de mim não queria deixar isso passar. Nana D cruzou os braços como se a minha rebeldia a tivesse insultado, o epítome de uma criança rabugenta quando a convinha.

– Você realmente é a melhor cozinheira da cidade – elogiei eu, esperando que isso apaziguasse o seu súbito desdém. Nana D me deu um olhar de advertência assustador. – Eu quero dizer do condado. – O olhar dela me deu arrepios. – Definitivamente de todo o estado. Sem nenhuma dúvida. – Quando ela se aproximou, eu terminei convenientemente dizendo: - Certo, talvez eu deva apenas encher a minha boca de torta.

– Você finalmente disse algo que faz sentido! – grunhiu ela, e me passou o seu prato, indicando que queria uma grande fatia.

Nana D me contou o que sabia sobre os roubos de joias que aconteceram há oito anos. Entre maio e junho, cinco casas haviam sido roubadas. O primeiro item foi um broche en tremblant, um iridescente buque de flores francês com um impressionante efeito de movimento causado pelos brilhantes, que pertencia à Gwendolyn Paddington. Ela estava assistindo a uma apresentação de teatro na Casa de Espetáculos Paddington no campus quando ele foi supostamente perdido. A família não conseguia se lembrar de tê-lo visto preso ao vestido dela, mas várias testemunhas se lembravam de ter visto o brilho dele devido à luz dos candelabros do teatro.

– No dia seguinte, quando ele não foi encontrado na sessão de achados e perdidos ou na mansão Paddington, Gwennie entrou em contato com o xerife que mandou um policial vasculhar ambos os locais. Foi um exercício inútil.

– Nenhuma pista sobre quem cometeu o roubo? – Eu pensei sobre a confusão de como ele poderia ter sido perdido, e se isso poderia ter alguma relação com os subornos que a April mencionou estarem associados ao antigo xerife.

– Não, a Gwennie insistiu que a investigação permanecesse privada. Ela estava envergonhada por causa da incerteza sobre onde e quando ele havia sido roubado. Nove dias depois, Agnes Nutberry perdeu uma gargantilha enquanto assistia ao concerto da sua neta, Tiffany, no salão para concertos Stanton. – Tiffany era a filha do filho de Agnes, uma farmacêutica, e a esposa dele, Lydia, era a diretora da casa funerária da família. Eu conhecia os Nutberrys há muitos anos, e infelizmente havia tropeçado no envolvimento de um dos membros do clã em um assassinato no mês anterior.

– Eles comunicaram a perda publicamente? – Algo não fazia sentido se isso também houvesse sido silenciado.

– Sim, mas inicialmente ninguém conectou os dois crimes. O xerife Crawford não quis divulgar os fatos centrais da investigação até muito tempo depois, quando não conseguiu encontrar o criminoso. – O antigo xerife era o tio de Quint Crawford, que havia falecido alguns anos atrás logo após a sua aposentadoria.

– Certo, e quanto ao resto? – Eu queria perguntar se havia quaisquer suspeitos, mas ela estava no embalo.

– No terceiro roubo, um par de brincos de rubi foi furtado enquanto estava em exposição num evento da Sociedade Histórica no campus. Lucy Roarke os havia doado para a exposição, porque eles haviam sido feitos das primeiras pedras preciosas encontradas e documentadas na história de Braxton.

Depois que Nana D comentou que o terceiro roubo havia ocorrido exatamente nove dias após o segundo, eu fiz a pergunta óbvia:

– E qual é o significado dos nove dias?

Nana D não tinha nenhuma ideia sobre essa particularidade. Ela revelou que o quarto item roubado também havia desaparecido nove dias depois, era um colar de pérolas que Lara Bouvier havia recebido de presente de casamento com um dos herdeiros Grey. Eles haviam se casado no seu aniversário de dezoito anos, depois que ela havia terminado o ensino médio, mas não havia sido por amor. Lara tinha ficado grávida enquanto ainda estava na escola, e o Juiz Hiram Grey forçou o seu filho a se casar com ela para evitar que a Imogene nascesse fora do matrimônio. Mesmo que isso tenha acontecido há apenas vinte e oito anos atrás, a família dele já havia passado por vários escândalos, e ele estava tentando a sua primeira reeleição ao cargo naquele ano. Depois do divórcio, Lara havia ficado com o colar como parte do generoso acordo.

– Quando a família Grey ofereceu pagar pelas despesas da faculdade de Imogene, Lara ficou animada; no entanto, eles exigiram que o colar fosse devolvido como parte do acordo. Para ficar quites, Lara decidiu vender o colar em um leilão, mas ele acabou sendo roubado na noite anterior, antes que ela pudesse apresentá-lo para os lances.

– Se a Lara não conseguiu descobrir o que aconteceu, o ladrão deve ter sido muito inteligente e habilidoso – sugeri eu, enquanto saboreava o melhor recheio de limão que já havia provado. Nada sobre o período de nove dias entre cada furto fazia sentido, a não ser que isso fosse apenas uma coincidência.

Nana D explicou que cinquenta mil dólares haviam sido roubados da família Stanton no quinto roubo, mas ela não conseguia se lembrar de todos os detalhes do episódio.

– Uma tempestade enorme fez com que tivéssemos falta de energia durante vinte e quatro horas, durante uma grande festa, com convidados socializando durante a noite toda. Marcus causou um grande tumulto, todos entraram em pânico, e ninguém sabia o que estava acontecendo.

Enquanto Nana D limpava a mesa, eu dei uma olhada no jornal local, mas não havia nada sobre o recente roubo na casa de Laura.

– E ninguém nunca foi pego oito anos atrás?

– Não, todas aquelas famílias ricas estavam hesitantes sobre irem a público e parecerem tolas por terem sido enganadas. Silas Crawford, o cunhado da minha amiga, era o antigo xerife. Bertha tinha conhecimento sobre algumas coisas obscuras acontecendo naquela época, mas tentou se desassociar assim que os rumores dele aceitando propina aumentaram. – Nana D me entregou um prato com outra fatia de torta. — Os roubos pararam depois do quinto, e então tudo se aquietou. Foi naquela época também que o Gabriel desapareceu.

– Quando tudo isso começou novamente? – Eu visualizei um calendário para tentar juntar as datas. – Só me conte o básico, eu tenho que voltar logo ao campus para a minha aula.

– Na última semana de maio, pouco antes do nosso grande jantar em família para receber o Gabriel de volta para casa. – Nana D mordeu o lábio e fechou os olhos. – Converse com o seu irmão para descobrir se ele está escondendo alguma informação que pode ser útil para a polícia. Eu não posso começar o meu mandato como prefeita com uma nuvem negra pairando sobre a minha família.

– Eu entendo. – Depois de um abraço de despedida, eu conversei com Emma para verificar se a visita com o meu pai estava indo bem. Eles haviam acabado de terminar o almoço no clube e estavam indo entregar um café para a minha mãe, que estava trabalhando no Escritório de Admissões essa tarde. Emma implorou para dormir novamente na Elegante Cabana Real, e assim que o meu pai abençoou a ideia, eu concordei. Ela precisava ficar longe dos Castiglianos.

No caminho até Braxton, eu liguei para Gabriel para marcarmos de tomar uma cerveja, onde eu também poderia descobrir o que ele sabia sobre os roubos. Ele não atendeu, e a caixa de mensagens estava cheia. Não consegui deixar recado. No que ele havia se metido dessa vez, e como a antiga amizade dele com a última vítima, Imogene Grey, se encaixava nesse quebra-cabeça? Nana D disse que eles eram próximos antes dele sair da cidade.

Produção de Documentários era o meu curso de verão com duração de sete semanas, que teria aulas nas segundas, quartas e sextas-feiras durante duas horas no período da tarde. Esse era um curso eletivo para qualquer estudante se especializando em Comunicações, mas também estava aberto, naquele verão, para qualquer cidadão de Braxton que tivesse interesse na indústria cinematográfica. Como resultado, a maior parte da turma era de pessoas locais com idades entre o fim dos vinte e o começo dos trinta anos, e que não trabalhavam durante o período integral. Depois de passar a lista de presença, revisar a programação e responder perguntas, eu dividi a turma em três grupos, de quatro estudantes cada. Eles receberam a tarefa de selecionar e entrar em um acordo sobre tópicos para futuros documentários tanto em grupo, como individuais. Eu passei a última hora caminhando pela sala para esclarecer dúvidas e dar ideias, então me reuni com cada equipe, que compartilharam as suas propostas de projetos para a minha aprovação. As duas primeiras apresentações aconteceram sem problemas, e eu os encorajei a utilizarem o tempo restante para se conhecerem melhor.

Eu peguei uma das carteiras e a arrastei pelo piso de linóleo até me juntar ao terceiro e último grupo, que havia se reunido em um círculo perto de uma janela aberta. Inicialmente, todas as quatro mulheres estavam em silêncio. Havia expressões descontentes nos seus rostos. Eu reconheci uma delas, Siobhan Walsh, que havia assumido a posição de gerente do escritório do nosso departamento no último semestre. Ela havia saído de licença maternidade dois meses antes que eu começasse a trabalhar no campus. Depois do seu retorno, ela havia sido rapidamente transferida para outro departamento, algo que deixou a minha chefe, Myriam, bem descontente.

Eu não conhecia as outras três mulheres no círculo, mas durante uma revisão preliminar da lista, reconheci os nomes de duas delas. Imogene Grey havia aparecido para a aula apesar do roubo do final de semana anterior, e Krissy Stanton era a filha do vereador da nossa cidade monossílaba, Marcus Stanton. Eu estava preocupado sobre a possibilidade de tensão na sala de aula, resultante do fato da minha avó ter vencido o pai dela na eleição para a prefeitura, mas esperava que nós pudéssemos lidar com a situação como dois adultos maduros. Eu não tinha certeza se Krissy era a mesma garota que eu havia visto correndo em direção ao parque junto com Paul Dodd, apesar da sua figura ser parecida. A quarta mulher, Raquel Salvado, não era familiar para mim e era nova em Braxton.

– Como o grupo está trabalhando até agora? – perguntei eu, ansioso para encorajar a conversa delas.

Siobhan sorriu e tentou falar primeiro. A maquiagem berrante e o cabelo vermelho faziam com que ela parecesse uma versão exageração de si mesma, mas ela era, na verdade, uma mãe de gêmeos doce e centrada. A única coisa que eu me lembrava das nossas interações, além de ter pensado que ela poderia ter matado uma amiga minha, era de que ela podia ser impetuosa e combativa se você cruzasse o seu caminho.

– Nós não fizemos muito progresso. Imogene e Krissy não são capazes de concordar sobre um tópico em grupo. Raquel e eu somos flexíveis, e ficamos felizes em...

– Tudo o que eu disse é que a proposta dela não chamaria a atenção do público –interrompeu Krissy, enquanto apontava na direção de Imogene. – Às vezes ela é sensível demais.

Eu havia esquecido do quão forte era o sotaque irlandês de Siobhan, apesar da sua relocação de Dublin para os Estados Unidos há mais de cinco anos. Eu olhei em direção à Raquel, que assentiu em concordância com Siobhan, e sorriu confiante.

– Talvez eu possa ajudar. Nós já tivemos apresentações apropriadas de cada membro do grupo? Nós deveríamos entender o motivo pelo qual cada uma se inscreveu nesse curso.

– Eu vou primeiro. O meu pai me ensinou a ser uma líder – disse Krissy, então hesitou em continuar quando percebeu com quem estava falando. Krissy, com vinte e tantos anos, parecia excessivamente rabugenta para o começo do curso de verão e havia prendido o seu cabelo ondulado e loiro em um rabo-de-cavalo. Ela estava vestindo uma calça jeans escura elegante, sapatos de salto alto vermelhos, e uma blusa de seda florida que cobria os quilos a mais que ela não queria que ninguém visse. Eu sabia disso porque a minha irmã, Eleanor, havia compartilhado seus próprios truques comigo. – Bom, o meu nome é Krissy Stanton. Eu estou pensando em me mudar para a Califórnia e sempre adorei filmes. Eu pensei... porque não fazer umas aulas... talvez quando eu for para Hollywood eu esteja à frente da maioria. Com essa experiência e o nome e a fama da minha família, eu tenho muitas chances de me tornar uma importante diretora de filmes.

– É ótimo conhecer você, Krissy – comecei eu, pensando em como eu poderia lidar com a animação dela e com a sua confusão sobre como as coisas funcionavam na indústria cinematográfica. – Eu não quero assustar você, mas às vezes pode ser difícil começar nesse mercado sem ter alguma experiência formal. Eu vou fazer o meu melhor para educar a todos sobre os diferentes caminhos que um produtor cinematográfico pode tomar, especialmente em termos de filmes no estilo documentário.

– Obrigada, Dr. Ayrwick. – Krissy conferiu o celular e sorriu com zombaria para Imogene.

– Excelente. E quanto a você, Imogene? Por favor, nos conte um pouco sobre você. – Eu voltei o meu foco para uma mulher também de vinte e tantos anos com olhos expressivos e cabelo encaracolado castanho e curto. Ela parecia ser tímida, mas eu não podia ter certeza se isso era devido ao seu encontro com o ladrão, sua discussão com Krissy, ou simplesmente devido à sua personalidade tendo crescido na família Grey.

– É um prazer conhecer tudo mundo. Eu sou Imogene Grey, e vocês devem conhecer a minha mãe, Lara Bouvier. Ela é repórter da WCLN e cobre todas as grandes reportagens exclusivas do condado de Wharton. Estou animada por estar aqui – disse ela, com uma breve risada, o que a levou a cobrir a boca e desviar o olhar. – Eu cresci em Braxton antes de ir para um colégio interno em Paris. Me graduei na Faculdade Braxton seis anos atrás e me mudei de volta para Paris para fazer a minha pós-graduação, mas recentemente voltei para casa para ficar com meu noivo. Quando eu quis aprender mais sobre o trabalho da minha mãe, ela sugeriu que eu fizesse um curso em Comunicações.

Imogene falava com traços de um sotaque francês, e o seu guarda-roupa devia ser inspirado nas suas experiências em Paris. Ela usava um vestido preto com renda de algum designer famoso e uma boina vermelha, me fazendo lembrar da atriz que estrelou o filme Amelie. Eu percebi a forte semelhança de Imogene com Lara, assim como o fato dela ter tido bastante sorte em não ter herdado o queixo protuberante da família Grey.

– Eu encontrei a sua mãe algumas vezes. Ela é uma jornalista talentosa. Eu não serei capaz de oferecer cada detalhe da vida de uma repórter investigativa nessa aula em particular, mas muitas das habilidades necessárias para se criar um documentário, como técnicas de entrevistas detalhadas e o resumo de eventos passados, vão ser cobertos – respondi eu, não encontrando nenhum sinal óbvio de ferimentos na parte superior do seu corpo. Sabendo que as notícias do ataque contra ela eram semipúblicas, eu questionei sobre isso. – Eu fiquei sabendo que você passou por um problema durante esse final de semana. Você está bem para participar da aula de hoje? Eu adoraria que você continuasse engajada se você estiver se sentindo bem para isso.

Quando Krissy deixou escapar uma risada ao fundo, Raquel deu a ela um olhar de desaprovação. Imogene e Krissy deviam ter se conhecido anteriormente devido ao seu círculo social. Se estivesse acontecendo algo entre Paul e Krissy, talvez Imogene estivesse ciente. Eu podia ver ressentimento nos olhos das mulheres. Com sorte, Raquel e Siobhan seriam as forças calmantes nesse grupo.

– Ah, eu estou bem melhor hoje. O bandido não me bateu com tanta força, e logo que eu percebi o que estava acontecendo, eu empurrei ele para longe e saí correndo do quarto. Tenho sorte por ele não ter me seguido – respondeu Imogene, enquanto apertava as mãos sobre o colo e esfregava os dedos. – Eu ainda estou abalada, mas não queria perder nada que você estivesse planejando nos ensinar.

Em um tom cheio de animação e energia, Siobhan disse:

– Bom para você. Eu já tive alguns encontros com caras não tão legais também. Eu sempre dou o troco. Você teve alguma chance de dar um soco nele?

Imogene olhou para baixo.

– Eu acho... talvez... eu tenha arranhado ele com as minhas unhas.

– Não parece com algo que você faria! Eu acho que o Paul, a mamãe e o papai não estavam lá para te ajudar, não é? – repreendeu Krissy.

– Eu estou feliz de que você esteja bem o suficientemente para estar aqui – interrompi eu. – Mas não quero manter todos aqui até depois do horário. Siobhan, conte ao grupo sobre a sua vida e porque você resolveu fazer essas aulas.

– Eu trabalhava nesse prédio, mas precisava ganhar mais dinheiro. As mães solteiras sofrem com isso. Aceitei uma oferta no escritório de admissões no mês passado. Eu sempre fui interessada em documentários, e essa é a melhor forma de poder continuar ligada aos meus antigos colegas. Eu sinto falta de trabalhar com eles. – Ela estava bastante animada, e se sentou de volta na cadeira, esperando que eu respondesse.

– Nós também sentimos a sua falta, mas para assegurar que isso fique claro, eu planejo tratar todos igualmente nessa sala de aula. Não importa se você conhece alguém da minha família – disse eu, olhando para Imogene e me lembrando de que ela e Gabriel haviam sido amigos. Eu não consegui olhar para Krissy. – Ou se nós trabalhamos juntos no passado. Então, vamos ouvir o último membro da equipe antes de discutir as apresentações.

Uma moça morena e exoticamente atraente, com cerca de vinte e cinco anos, pigarreou e se apresentou:

– Eu sou Raquel Salvado, e essa é a minha primeira aula em Braxton. Eu me mudei recentemente para cá, e ainda não consegui encontrar um emprego. Meu marido me contou sobre esses cursos de verão. Eu pensei que essa seria uma maneira produtiva de conhecer pessoas novas e aprender algo divertido. – A voz dela era suave, mas forte, e ela falava de maneira eloquente como se tivesse frequentado escolas de elite e tivesse vindo de uma família de posses.

– Estamos felizes por ter você por aqui – respondi eu, enquanto analisava a dinâmica do grupo. Krissy e Siobhan seriam as duas disputando pelo controle. O passado de Imogene e de Krissy poderia resultar em desentendimentos. Será que eu deveria considerar trocá-las de grupo agora, antes que os projetos começassem? Eu decidi não fazer nenhuma troca. Se elas não pudessem agir com maturidade e encontrar uma forma de trabalharem juntas, trocaria a equipe delas no fim da semana. Eu devia isso à turma permitindo que a situação tivesse uma chance de se resolver por si só. – Agora que nós nos conhecemos melhor, quem quer explicar as duas opções que vocês tiveram para o projeto?

Depois de várias negociações, concordamos em um novo tema para o trabalho em grupo, e todas as quatro mulheres pareceram satisfeitas com a solução. Eu relembrei a elas o que precisavam fazer para a aula de quarta-feira, as apressei para fora do Pavilhão Diamante, e dirigi para casa para terminar o meu dia sem todas aquelas pessoas loucas na minha vida. Nana D iria se encontrar com amigos para o jantar, e Gabriel provavelmente estava novamente trabalhando. Eu não seria interrompido por ninguém e poderia ir dormir cedo. Assim que respondi alguns e-mails e comi o jantar, liguei para a minha mãe para saber sobre a Emma. Depois de uma rápida conversa, ela entregou o telefone para a minha filha.

– Papai! Eu estou super animada para ir visitar o acampamento de verão amanhã. A que horas que nós vamos? – A voz de Emma era tão incrivelmente doce e entusiasmada que quase transformou completamente a minha noite.

– Nós vamos participar da orientação durante a tarde. O vovô e a vovó vão te levar em algum lugar especial para um almoço mais cedo. Eu vou estar no trabalho durante algumas horas, mas vou usar a minha lâmpada mágica para te encontrar. – Ser um pai solteiro não era fácil, Siobhan estava certa. Pelo menos eu tinha o benefício de uma agenda de aulas parcialmente flexível para assegurar que eu pudesse estar presente em todos os eventos importantes da vida de Emma. Sem os meus pais, Nana D e Eleanor, eu seria um completo desastre, para citar a maneira com a qual a xerife havia descrito a nossa atual situação. Ainda assim, era melhor do que a alternativa em Los Angeles, onde os Castiglianos haveriam cuidado de Emma frequentemente.

– Eu adoro surpresas. Aposto que é um laboratório de ciências. Da última vez, eu comi o meu almoço ao lado de uma tarântula gigante! – Ela deu uma risada e continuou a me encantar com a história que eu ouvia toda vez que ela visitava o campus.

– Eu te amo mais do que doces, sorvete e qualquer outra pessoa – disse eu, sentindo o meu coração vibrar devido à guerra desastrosa entre os Los Vargas e os Castiglianos. – O Baxter está sentindo muito a sua falta, mas já está na hora de você ir dormir, querida. Nos vemos amanhã.

Depois de desligar e levar o filhote dela para passear, eu comecei a me sentir melhor, ou pelo menos forte o suficiente para viver mais um dia. Animais de estimação e crianças: eles sempre deixavam a nossa vida mais feliz!

* * *

A terça-feira de manhã chegou tão rapidamente, que era como se eu tivesse piscado e a noite passado. Na verdade, eu havia passado cada momento acordado, encarando o teto e tentando criar uma solução que não existia para o meu dilema com Cristiano Vargas. Depois de me torturar pela falta de clareza nos próximos passos, eu dirigi até A Grande Comedoria para comprar doces e café para o Quint, escolhendo um com sabor de baunilha para essa ocasião. Pensar sobre algo que não fosse a máfia ou o roubo de joias, havia assegurado o meu bom humor. Na caminhada de cinco minutos até a estação do teleférico, pássaros cantando passaram voando pelas árvores e o som de passos pesados sinalizou que havia alguém na pista de corrida dos arredores. Quando um cheiro forte de sândalo passou por mim, eu olhei ao meu redor e vi através dos galhos quando o corredor pegou um par de luvas que estava no caminho e correu na direção oposta. As manhãs no campus, especialmente no verão, eram em geral incrivelmente quietas. Eu subi os degraus até a plataforma e chamei pelo Quint, me perguntando se ele conseguiria lembrar se o seu tio, o antigo xerife, havia dito alguma coisa sobre os anteriores roubos de joias.

– Donuts com cobertura de chocolate, amigão. Como está o progresso? – Eu dobrei a esquina e entrei no vagão do teleférico.

Infelizmente, essa não era uma cena que eu esperava encontrar, ou a que eu precisava encontrar. Quint estava lá, mas os sons das suas ferramentas enquanto ele terminava os reparos e a reforma não estavam presentes. Quint estava deitado quieto no chão sem se importar com o mundo, exceto que eu sabia que esse não era um breve cochilo entre as suas tarefas. Eu já havia visto a expressão de uma vida extinguida várias vezes antes. Quint estava dormindo permanentemente, quero dizer, morto para toda a eternidade.


4

 


Depois de verificar que Quint estava inquestionavelmente morto, eu debati comigo mesmo sobre ligar para a xerife ou para o Connor. Grato pelo meu relacionamento com a April ter tomado um caminho positivo, notifiquei Connor, esperando que isso pudesse se desdobrar menos dolorosamente com ele. Enquanto ele corria até mim, eu olhei a cena procurando determinar o que havia se passado.

Quint estava deitado de costas no chão do vagão com os olhos arregalados, encarando várias fotos de Agatha Christie no teto finalizado. Ele estava vestido com seus jeans usuais, camiseta branca, e botas de construção, e as suas mãos estavam levemente fechadas. Inspecionando mais de perto, eu percebi que havia marcas vermelhas e marrons nos seus dedos, como se ele tivesse se queimado recentemente em alguma coisa. Havia dois fios expostos no painel do outro lado do espaço apertado que estavam descuidadamente jogados no chão, mas não produziam faíscas. Era o único painel restante que estava solto do corpo do vagão. Será que ele havia acidentalmente se eletrocutado enquanto fazia os reparos? Meu coração doeu pelo homem que havia perdido a sua vida cedo demais.

Parecia que Quint havia tocado os fios expostos. Eu ficaria seguro, contanto que os evitasse. Eu precisava aconselhar Connor para confirmar se o suprimento de energia principal para o teleférico estava desligado ou não no momento. Enquanto eu procurava no restante do vagão, um buquê de flores copo-de-leite que estava ao lado do corpo imóvel do Quint parecia fora de lugar. Será que alguém havia descoberto o acidente e colocou um buquê em respeito ao lado dele? Ou seria uma mensagem de vingança, um chamado da morte? Isso aguçou a minha curiosidade sobre o que havia acontecido nas horas mais escuras da noite dentro do amado sistema de transporte de Braxton.

Quando um carro parou no estacionamento, eu conferi meu relógio e percebi que ainda não eram oito horas da manhã. Connor saiu do seu carro sem identificação, e subiu pesadamente os degraus.

– Kellan, você está aí dentro?

Eu avisei que sim e esperei ele chegar até mim.

– Ele está definitivamente morto. Eu não tenho certeza se ele se eletrocutou sozinho ou alguma outra coisa aconteceu. Olhe... – disse eu, apontando para o buquê assim que ele chegou. – Isso é bem estranho, você não acha?

Connor entrou debaixo da plataforma e confirmou que a energia estava desligada no disjuntor principal, o que não fazia muito sentido baseado nas queimaduras na mão de Quint. Será que ele ainda estava vivo depois do primeiro choque, o que permitiu que ele desligasse a energia, e então morreu por causa de um problema secundário? Enquanto Connor notificava a xerife e o médico legista, eu continuei olhando pelo vagão. A caixa de ferramentas de Quint estava aberta em cima de um pano colocado em um dos bancos recém-estofados. Pelo menos ele tomou cuidado em não arranhar ou rasgar qualquer coisa no vagão enquanto trabalhava. Eu inspecionei o chão e vi um objeto vermelho e brilhante debaixo do banco mais próximo do seu pé.

Eu me agachei para dar uma olhada melhor sem mexer em qualquer evidência em potencial, no caso dessa ser uma cena de crime. A minha mente estava inclinada a ficar sobrecarregada, mas eu não podia me permitir ficar preocupado tão cedo sobre a morte de Quint não ter sido natural. Eu apontei para o objeto brilhante enquanto Connor entrava novamente no vagão.

– Isso é alguma joia?

Para o meu pesar, Connor me pediu para sair enquanto ele inspecionava.

– Espere na plataforma, por favor.

Eu pensei na minha conversa com Quint na manhã anterior. Ele havia se apressado em me dispensar, comentando que havia trabalho a fazer. Será que ele havia descoberto o ladrão voltando de outro roubo na noite passada? Mas então, a Nana D me disse que eles aconteciam a cada nove dias. O último havia ocorrido há apenas três. Eu tomei um grande gole de café, esperando que isso aliviasse a minha confusão. Não funcionou.

Connor voltou à plataforma e aceitou o café que eu pretendia entregar ao Quint.

– Eu acredito que seja um rubi, mas não quero tocar em nada até que a equipe forense chegue ao local. Você encontrou alguém andando por perto do vagão do teleférico quando chegou? E a que horas isso aconteceu exatamente?

Eu fiz uma pausa para recriar mentalmente os meus passos desde quando cheguei ao campus, e então peguei o recibo da Grande Comedoria do meu bolso.

– Eu paguei pelo café às sete e vinte e cinco. Leva menos de cinco minutos para caminhar até aqui, então eu acho que deve ter sido às sete e meia. Agora que você mencionou isso, eu percebi rapidamente a presença de alguém. Na hora pensei que era apenas alguém fazendo uma corrida matinal. Eu não vi o rosto da pessoa, apenas a silhueta de alguém pegando um par de luvas e continuando o seu caminho.

– Certo. O corpo dele está frio. O rigor já se instalou. O legista vai confirmar, mas ele já está morto há talvez seis ou oito horas. – Connor coçou o queixo e sacudiu a cabeça. Havia algo na situação que também o perturbava. – Eu tirei várias fotos da cena do crime antes da equipe chegar.

– O que você acha que aconteceu? – Baseado nas contas de Connor, Quint havia morrido por volta da meia-noite.

Connor espiou o corpo especulativamente, focando principalmente na gola da camiseta.

– Eu presumo que ele tenha sido eletrocutado, mas o pescoço dele apresenta marcas vermelhas que parecem suspeitas.

– Eu presumo que elas não podem ter sido resultantes da voltagem da energia – disse eu, ouvindo a voz da xerife chamando por Connor dos degraus da plataforma. – Será que ele foi estrangulado?

– Possivelmente; elas realmente se parecem com impressões de dedos. Para ser honesto, esse buquê de flores copos-de-leite e o rubi sugerem que isso não foi uma eletrocussão acidental. – Connor cumprimentou a April, que abaixou a cabeça antes de passar por nós para entrar no vagão.

– Cavalheiros, essas não são as melhores circunstâncias para estarmos nos encontrando nessa manhã – começou April, elevando a voz de dentro da seção central. – Kellan, eu esperava que nós não tivéssemos que fazer isso novamente. Será que você anda por aí buscando por cadáveres como um dos seus estimados hobbies? Se você está tão entediado assim, talvez devesse considerar ponto cruz ou dança de salão.

Pelo rápido olhar que eu tinha dado quando ela passou por nós, pensei inicialmente que uma xerife mais calma e de mente aberta havia feito a aparição hoje. Eu estava enganado.

– O seu sarcasmo não tem limites. Eu contatei propositalmente o Connor, esperando evitar exatamente essa conversa...

Enquanto ela saía do vagão, April cobriu a minha boca com uma mão enluvada e me guiou até o fim da plataforma.

– Você finalmente fez a coisa certa. Por meses tem me incomodado o fato de que você insiste em entrar em contato comigo ao invés de com o detetive que eu atribuí à um caso –interrompeu April, e olhou para o seu carro.

Havia alguém sentado no banco do passageiro, mas eu não consegui ter uma visão desobstruída dele. Além de reconhecer que ele era mais novo e mais alto, eu estava perplexo. Ela nunca usava aliança, ainda assim eu nunca a havia visto em um encontro antes. Será que a April Montague esteve em um encontro clandestino noturno com algum namorado?

– Talvez eu simplesmente goste da sua companhia – disse eu, dando de ombros e mentalmente me dando um tapa. Por que a minha boca dizia coisas sobre as quais eu não tinha controle quando eu estava perto da April? – Ou, eu acho, eu não conhecia nenhum dos seus detetives antes que o Connor tivesse se juntado à força.

– Agora que você conhece um, eu acho que vai ser melhor se você o considerar como seu contato primário no futuro. Nós já estamos trabalhando juntos o suficiente na sua situação pessoal. Vamos manter as coisas assim. – April me pegou olhando para o homem dentro do seu carro, mas fingiu que não tinha reparado nele e nem ofereceu qualquer explicação.

– Claro, espero que eu possa sair dessa situação sem ter que dar um depoimento formal dessa vez. – Eu mal conhecia o Quint. Por que eu teria que ficar envolvido nessa investigação?

– Bom. Eu presumo que isso significa que você não tinha a intenção de encontrar o corpo essa manhã e não sabe quem ele é. Eu vou conferir se o Connor tem a situação sob controle, então tenho que levar o meu... – April olhou para o carro. – Então, eu tenho uma coisa para fazer. Tente não se meter em mais problemas nessa semana, certo?

Hum... eu não queria mentir para ela.

– Você deveria saber que eu estive conversando com a vítima quase todas as manhãs durante os últimos dez dias. Eu parei por aqui com o propósito de vê-lo hoje.

A mão direita de April se fechou lentamente.

– Entendo. Eu estou certa de que o Connor vai levar isso em consideração. Você não conhece a família dele, não é? Nada que mantenha você aqui por mais tempo?

– É, bem... sobre isso...

– Pequeno Ayrwick! – os olhos da April se arregalaram como uma flor de primavera testemunhando uma nevasca inesperada e curvando suas pétalas frustradas.

– Ei, você disse que ia parar de me chamar assim! – Eu joguei minhas mãos para o alto em uma imitação falsa de choque. – Você também conhece alguém da família dele. – Eu mencionei que Quint era filho de Bertha Crawford, uma testemunha que ela havia interrogado no caso de assassinato na mansão Paddington. Também comentei que a mulher estava atualmente lutando contra um câncer.

– Aquela pobre coitada. Primeiro, ela fica doente. Então, o seu filho é assassinado. – Os olhos verdes de April revelavam uma tristeza verdadeira por Bertha. – Isso também faz com que a vítima seja o sobrinho do antigo xerife.

– Definitivamente assassinado. – As minhas orelhas coçavam de curiosidade sobre o buquê de copos-de-leite. O que elas significavam?

– Sim, eu confio que você não vá contar isso a ninguém. Eu vou esperar pelo relatório do legista, mas ele foi obviamente estrangulado e eletrocutado. Alguém desesperadamente queria que o Quint Crawford estivesse fora do caminho.

A xerife trocou algumas palavras com Connor e a equipe que havia começado a isolar a área. Depois que ela foi embora me dizendo que iria me ligar sobre o nosso outro caso, Connor me acompanhou descendo os degraus.

– Além da mãe do Quint, você conhece mais alguém para quem nós deveríamos notificar a morte dele?

– Não, eu não o conhecia muito. Eu nem mesmo sabia que a Bertha era mãe dele até que ele me contou alguns dias depois que a reforma já havia começado. – Eu havia me oferecido para conversar com o vencedor do projeto juntamente com a Fern para planejar a programação da reforma e os detalhes. Nós havíamos percebido rapidamente que o Quint era o tipo de cara que respondia melhor a um chefe do sexo masculino, apesar das instruções diretas e dos avisos duros da Fern. Ao invés de transformar isso em problema, ela me pediu para monitorar o progresso dele. Eu achava todo o processo do novo design fascinante e gostava da minha conversa diária com o Quint. – Eu não sei para qual empresa ele estava trabalhando. A Fern cuidou daquela parte e me disse apenas que o Quint era o contato primário.

– Construtora Endicott – respondeu Connor, coçando novamente o queixo. – Eu já vi o caminhão deles por aqui, e tem uma jaqueta com o nome e a logomarca da empresa do outro lado do vagão do teleférico.

Eu devo ter deixado isso passar na minha primeira olhada no espaço.

– Eu podia conversar com o Lindsey Endicott para descobrir se ele é o dono da empresa. – Lindsey, um advogado aposentado que havia aberto uma cervejaria no centro do distrito, era um dos amigos mais próximos da Nana D. Eu achava que ele tinha família pela área, mas não tinha certeza.

– Você não estaria tentando roubar o meu emprego, não é mesmo cara? – avisou Connor, e foi comigo até o fim dos degraus. – Eu vou cuidar de tudo a partir de agora. Passe no escritório da xerife amanhã para revisar o depoimento oficial comigo. Você pode ter visto outra pessoa conversando recentemente com ele.

Connor retornou para o teleférico, e eu segui para o meu escritório para completar o máximo de trabalho possível antes de ir buscar a Emma para o dia de orientação no acampamento de verão. Eu contei a novidade à Nana D, sabendo que ela gostaria de entrar em contato com a sua amiga, Bertha. Minha avó havia levado a mulher à quimioterapia no começo do tratamento, antes do Quint se envolver. Nana D planejava ligar para sua amiga mais tarde, assim que ela tivesse certeza de que alguém havia informado a mulher sobre a morte do filho. Eu também liguei para o Gabriel, mas novamente ele não atendeu, e a sua caixa de mensagens ainda estava cheia. Havia algo de estranho nesse isolamento dele.

* * *

– Por mais que eu vá sentir falta da Nana D enquanto estou no acampamento, ela ficou famosa demais para se preocupar em ser babá, não é mesmo? – perguntou Emma, enquanto entrávamos no programa de verão dos Guerreiros de Woodland para a tarde de orientação.

Eu teria preferido a inscrever no acampamento da Braxton, mas eles estão reformando o prédio nesse verão. A Faculdade Woodland tinha um centro infantil para os estudantes que estivessem se formando em educação, e durante os verões, eles ofereciam um programa de ensino aos estudantes locais para crianças do jardim de infância até a terceira série. Emma havia terminado a segunda série, e podia participar nesse último ano. Também ajudava o fato de que haveria um ônibus para buscá-la todos os dias às oito da manhã, e a deixaria de volta todas as tardes entre as cinco e as sete no campus da faculdade.

– É verdade. Como prefeita, ela vai estar ocupada servindo de babá para uma equipe inteira de servidores do condado que esperam melhorar a vida dos cidadãos. Você ainda vai vê-la durante a noite. – Eu soltei a mão de Emma para deixá-la apertar a campainha, o que sugeria que a unidade tinha uma segurança confiável. A estrutura era um típico prédio de dois andares e de tijolos vermelhos, com as janelas pintadas de azul e um parquinho cercado que continha uma quadra de basquete, asfalto recapeado e um campo gramado. O chão era coberto por um piso de cerâmica velho e meio desgastado, e os projetos artísticos das crianças e outros cartazes cobriam as paredes beges. Estava numa condição decente, mas precisava de uma renovação. Com sorte, a tecnologia, o talento e o currículo eram os melhores.

– Eu quero ser como a Nana D quando eu crescer – declarou Emma, enquanto seguíamos até o escritório da recepção principal. – Ela é mais incrível do que a Mulher Maravilha!

Francesca havia forçado Emma a assistir todos os tipos de programas de super-heróis que mostrassem papéis femininos que servissem de modelo. Eu apoiava a decisão, mas às vezes pensava que isso havia ido um pouco longe demais. Minha filha tinha expectativas para si mesma que eram mais altas do que eu havia desenvolvido na idade dela, e isso me assustava. Lidar com o desapontamento que uma realidade dura podia entregar nunca era fácil, mas ela tinha levado isso na esportiva até agora.

Quando entramos no escritório principal, Helena Roarke, mergulhada em um perfume extremamente doce, nos recebeu. Helena era a irmã mais nova de Maggie Roarke, minha antiga namorada da faculdade, e tinha se metido em problemas no mês passado quando foi encontrada parada ao lado de um cadáver e segurando uma faca. O que ela estava fazendo no Guerreiros de Woodland?

– Esse verão vai ser fantástico – exclamou Helena, alongando o seu corpo ágil e voluptuoso enquanto caminhava até nós. Abençoada com um cabelo cheio, ela às vezes deixava-o com tanto volume que não era capaz de passar por uma porta estreita sem encostar no batente. Ainda assim, as suas características femininas e disposição atraente faziam com que ela fosse a garota que as pessoas tinham vontade de conhecer e de conversar. – Eu sou uma das professoras assistentes na turma da Emma.

Eu revirei os olhos, desejando que eles pudessem disparar raios laser. Não me entenda mal: ela era uma garota engraçada e mais esperta do que a maioria das pessoas reconheciam, mas também era inconsistente e irresponsável. Helena explicou que ela havia estudado educação de crianças durante seus anos em Braxton, mas não havia completado os estudos. Ela estava frequentando as aulas finais durante esse verão e conseguiria o diploma no outono.

– Como você vai conseguir lidar com as aulas, ensinar os alunos, limpar os quartos na pousada dos seus pais e trabalhar para a empresa de buffet? – perguntei eu, lembrando de que ela estava por todo lugar e tentando colocar a vida em ordem da última vez que havíamos conversado.

– Argh! Os Stoddards me demitiram quando eu terminei o relacionamento com o filho deles, Cheney. Ele queria algo mais sério e eu não estava pronta para isso. Meu Deus, eu só tenho vinte e oito anos. Tenho mais dez anos antes de querer me casar. – Helena pegou a minha mão e a de Emma e então nos levou até a sala de aula. – Venham comigo. Eu vou apresentá-los à professora principal.

Quando chegamos, eu conversei sobre os tópicos básicos com a instrutora da Emma, Jane O’Malley, neta da antiga bibliotecária de Braxton, que Maggie acabou substituindo. A Srta. O’Malley queria conversar com a Emma por alguns minutos para se conhecerem melhor. Helena e eu nos sentamos em uma mesa de artes no canto da sala, enquanto Emma explicava tudo sobre o rancho Danby para sua nova pessoa favorita. Pelo menos a minha filha tinha a mente aberta e era amigável quando tentava coisas novas. Ela não havia herdado isso de mim.

– Eu acho que o Cheney não ficou feliz. Ele pressionou os pais dele para te demitirem? – perguntei eu. Helena e Cheney não eram uma combinação apropriada, especialmente porque ele não tinha um passado muito bom e havia ido para a prisão.

– Eles nunca gostaram de mim. Eu duvido que o Cheney tenha pedido. Ele ainda me manda mensagens flertando e fotos do...

Eu a interrompi, não querendo saber para onde aquela sentença lúgubre estava indo. Conhecendo Helena, ela estava indo exatamente para onde eu esperava que fosse.

– Isso é ótimo. É legal continuar tendo amizade com alguém depois de terminar um relacionamento. Então, eles te mandaram embora e você precisava de um novo emprego?

– Isso mesmo. – Ela segurou o meu pulso descaradamente. – Depois daquela coisa toda de ter descoberto o corpo e passado o fim de semana na cadeia, eu meio que tive um momento de clareza. Eu decidi focar em conseguir o meu diploma de professora e educar as crianças do condado de Wharton.

Por que a Maggie não havia me dito que a irmã dela estava trabalhando no Guerreiros de Woodland? Nós havíamos almoçado juntos na semana passada e conversamos sobre a Emma passar o verão aqui. Maggie não devia saber; ela e a irmã não eram próximas, apesar do relacionamento delas parecer estar melhorando ultimamente.

– Parabéns. É ótimo ficar sabendo de notícias positivas sobre o futuro. Essa foi uma manhã difícil. – Eu libertei a minha mão do seu aperto inflexível e me sentei sobre ela para impedir uma nova tentativa.

– Pobre Quint. Eu não consigo acreditar que ele se eletrocutou até a morte. – Helena afofou o seu cabelo loiro e esticou o pescoço de um lado para o outro. – Eu vou sentir falta dele.

Como eles se conheceram?

– Quem te contou que ele está morto? Eu só descobri nessa manhã.

– Sério? Esse é o condado de Wharton. Jane O’Malley, a professora da Emma, ouviu sobre isso da Calliope Nickels. Calliope trabalha como garçonete para a sua irmã na lanchonete Pick-Me-Up. Ela escutou dois policiais comentando sobre isso enquanto devoravam os waffles de maçã e canela do Manny durante o café-da-manhã. Eles te chamam de O Improvável Localizador da Morte. – Helena movimentou as mãos como se tivesse dois fantoches fofocando e divulgando os segredos sobre os moradores de cidades pequenas.

Esse não era um nome pelo qual eu gostaria de ser conhecido! Eu teria que informar ao Connor que os seus colegas estavam conversando livremente demais na lanchonete. No momento em que Helena parou de falar, meu celular vibrou. Era a minha irmã.

Eleanor: Você realmente encontrou o corpo do Quint Crawford nessa manhã? Calliope Nickels disse que ele estava pelado.

Eu: Não. Você tem a informação errada, como sempre.

Eleanor: Hum, então ele está vivo? Mas o corpo dele estava pintado como a bandeira americana para o Dia da Independência?


Como notícias tão chocantes se espalhavam e mudavam tão rapidamente? Isso era pior do que aquela brincadeira infantil do telefone sem fio. A cidade inteira havia se esquecido de como ter respeito. Um homem havia morrido, e enquanto não sabíamos a causa — um acidente bizarro ou assassinato — essa não era a hora de começar a fabricar rumores.

Eu: Argh! Eu te ligo mais tarde. Ele está morto. Ele não estava pelado. Não havia nenhuma pintura corporal. Você é ridícula.

Eleanor: Aparentemente, você é uma bússola divina para localizar cadáveres. Isso faz sentido, eu sou psíquica.

Eu: A loucura faz parte da nossa família. Foi você quem criou o meu novo apelido de O Improvável Localizador da Morte?

Eleanor: Não atire no mensageiro. Pelo menos você teve a chance de ver a April, certo? Beijos e abraços, Romeu.

Eu: Cuide da sua vida. Procure por respostas na sua bola de cristal quebrada da próxima vez. Adeus.


E esse era o motivo número treze do porquê eu nunca deveria ter voltado para Hooterville. Eu escondi meu celular e foquei em Helena.

– Você conhecia bem o Quint?

– Sim, nós frequentamos a escola juntos. Havia um grupo de oito pessoas que sempre saía junto. Ele era o atleta no nosso grupo, sempre exibindo como era rápido. – Helena fechou um botão que havia aberto em sua blusa enquanto se ajeitava na cadeira. Ela logo perceberia que o seu guarda-roupas não era apropriado para trabalhar em um acampamento de verão. – Quint e eu íamos sair para beber essa semana, mas não havíamos escolhido um dia. – O sorriso de Helena desapareceu enquanto ela aceitava que o seu amigo havia partido para sempre.

– Eu sinto muito pela sua perda. Eu encontrei o Quint sete ou oito vezes nos últimos dez dias. Ele estava trabalhando no novo design do vagão do teleférico. – Eu segurei a sua mão, esperando que ela não entendesse aquilo da maneira errada.

– Ah, certo. Eu esqueci que o Nicky tinha contratado ele para aquele projeto.

– Nicky? – As minhas sobrancelhas se arquearam como uma pirâmide, exibindo a minha confusão.

– Nicholas Endicott. O filho do Lindsey, você sabe, o filho que ele teve tarde na vida. – Helena explicou que Nicky era um dos quatro caras no grupo de amigos próximos deles. Quando Nicky se formou na faculdade, o pai dele havia acabado de fazer setenta anos e se aposentado da advocacia. Lindsey havia vendido o escritório para Finnigan Masters e começado no ramo da cervejaria. – Nicky ajudou ele a escolher as cervejas, mas ele sempre quis ter a própria empresa, separado do pai. Foi aí que ele abriu a Construtora Endicott.

Quint havia mencionado que esperava conseguir uma parceria na empresa de construção, mas baseado no que Helena havia dito, Nicky queria cuidar da sua empresa sozinho.

– Eles ainda eram amigos?

Helena não tinha certeza, não oferecendo muita explicação se Quint e Nicky haviam se comunicado recentemente.

– Várias pessoas do nosso grupinho estavam indo ou vindo recentemente. Como o seu irmão.

Eu esperava que ela não revelasse que Gabriel fazia parte do octeto ilustre. Eu sabia que ele e Helena haviam frequentado Braxton juntos durante o primeiro e o segundo ano, mas enquanto o Gabriel havia saído da cidade, Helena havia permanecido aqui para me torturar depois do meu retorno triunfante. Sabendo que Connor não gostaria de tornar pública qualquer noção de que Quint pudesse ter sido assassinado, eu teria que ser cuidadoso quando fizesse qualquer pergunta para determinar um suspeito viável ou potencial. Talvez eu tivesse me precipitando e declarando isso como assassinato cedo demais, mas não faria mal nenhum se eu fizesse perguntas inocentes.

– Quem mais estava envolvido no...

Quando duas sombras se aproximaram de nós, Helena disse:

– Parece que a Emma já terminou de conversar com a Srta. O’Malley.

Emma teve uma reunião produtiva com a sua nova professora, e estava animada para ficar ali o resto da tarde. Eu passei alguns minutos digerindo as várias atividades e matérias que a Srta. O’Malley iria ensinar, então voltei para Braxton para trabalhar um pouco. Saber que Helena ficaria com a Emma era tanto um conforto quanto uma preocupação, mas eu confiava nela para cuidar da minha filha. Sem conseguir encontrar uma maneira de descobrir o que mais Helena sabia sobre o Quint, eu desisti e fui embora da Guerreiros de Woodland. Eu ligaria mais tarde para Helena para conseguir mais detalhes sobre o grupo de amigos dela na faculdade, assim que conseguisse pensar em uma oportunidade para pressionar Connor a me dar alguma informação sobre a morte de Quint.

Enquanto eu não acreditava que Gabriel tivesse alguma relação com os roubos de joias, havia algo de suspeito encapsulando o seu recente retorno. Entre a repetição dos roubos se alinhando com a sua ausência de Braxton, o estranho buquê de flores copo-de-leite, o rubi no chão do vagão, e o provável assassinato de Quint, esses mistérios que se interpunham haviam se tornado excessivamente fascinantes e me puxaram para as suas garras. Para falar a verdade, eu ainda não tinha certeza se o rubi no vagão do teleférico tinha uma conexão com os roubos de joias. Ele poderia ter se soltado de algum anel que Quint estivesse usando quando caiu no chão.

Me lembrando de como as vítimas geralmente conheciam os seus assassinos, eu considerei se a figura correndo que usava um perfume de sândalo e tinha pegado as luvas do chão estava associada com a morte de Quint. Isso dependia de se fosse confirmada a presença de digitais. Se Quint já estava morto há seis horas, o corredor provavelmente era apenas uma pessoa aleatória passando por ali. Eu só queria saber quem fazia parte daquele grupo de oito amigos, e por que eu tinha dificuldades de evitar problemas? Ultimamente eu não conseguia evitar. Eu havia encontrado os corpos e estava inclinado a punir o monstro cruel que havia acabado com a vida de alguém prematuramente. Alguns pessimistas ao meu redor chamavam isso de doença. Eu preferia categorizar isso como o generoso exercício do meu dever cívico.

Depois de voltar ao meu escritório no campus Braxton, tentei ligar para o Gabriel, que já me ignorava já há dois dias. Eu ainda não conseguia deixar uma mensagem de voz e tive que supor que ele estava fazendo algo de ruim. Eu decidi mandar uma mensagem de texto mais uma vez, sabendo que se ele não respondesse, mandaria a Nana D atrás dele.

Eu: Você morreu? Saiu da cidade novamente? Fale comigo ou vou ter que trazer munição pesada.

Gabriel: Viva a sua vida. Eu só estou ocupado trabalhando. Vou conversar com você no final de semana. Prometo.

Eu: Preciso conversar com você sobre várias coisas, incluindo Quint Crawford. Não faça joguinhos comigo.

Gabriel: Eu não estou fazendo joguinhos, é sério. Fiquei sabendo da morte dele. A vida é curta demais. Talvez eu te veja pelo campus.


Depois de várias mensagens, Gabriel ainda se recusava a me responder. Se ele queria ser evasivo, eu iria confrontá-lo quando ele não estivesse esperando. Ele iria trabalhar no Pavilhão de Ciências Cambridge para a exposição de flores de amanhã; eu poderia surpreendê-lo antes da minha aula durante a tarde. Se prepare, maninho. Eu estou na trilha, e você está sendo caçado por um lobo ultra determinado e inteligente em pele de cordeiro.

Eu passei o resto da tarde focado em planejar minha próxima aula e lendo a maioria das notícias que consegui sobre os roubos de joias atuais e passados. Eu havia aprendido vários fatos interessantes para revisar com Nana D, Connor e April, mas não tinha certeza se eles seriam capazes de responder as minhas perguntas abertamente. Se eles não pudessem, ou não quisessem, eu consideraria ir diretamente até as fontes principais. Lara Bouvier havia estado intimamente envolvida em traçar o que havia de comum entre todos os roubos, mas até mesmo ela nunca falou de qualquer potencial suspeito em suas reportagens públicas. Talvez eu pudesse convencê-la a compartilhar as suas teorias particulares comigo. No começo, eu queria apenas provar que Gabriel não estava envolvido, mas agora, com o assassinato de Quint provavelmente ligado a isso, eu estava preocupado por vários outros motivos.

Depois que Emma chegou ao ponto de ônibus, eu a levei até a aula de ginástica, onde ela me impressionou com a sua agilidade e força. Eu demonstrei a minha dose excessiva de orgulho aos pais das outras crianças menos inclinadas atleticamente, então fomos encontrar Eleanor na lanchonete Pick-Me-Up para o jantar. Nós dividimos uma deliciosa sobremesa — Emma não era uma grande fã de doces, então eu confesso que comi a maior parte — um par improvável entrou discretamente na lanchonete e se escondeu em uma cabine no canto.

Eu forcei o meu cérebro a conjurar um motivo legítimo para interromper a refeição deles, mas nada me veio à mente. Eu também não gostava da ideia de lidar com a fúria de um homem que havia perdido a eleição para a Nana D. Marcus Stanton e Imogene Grey poderiam não se beneficiar da minha presença perversamente deliciosa essa noite, mas eu certamente perguntaria à Nana D o que ela pensava da dupla quando eu a visitasse na manhã seguinte. Até onde eu sabia, Imogene e Krissy não gostavam uma da outra, e o noivo de Imogene, Paul, estava assumindo o cargo de vereador da cidade que era do Marcus. Havia algo nefasto acontecendo, e se isso tinha alguma relação com os furtos ou com a morte de Quint Crawford, April precisava saber rapidamente.


5

 


Quando acordei na manhã seguinte, o meu corpo exigia alguns exercícios. Eu havia consumido doces demais na semana anterior, e isso sempre voltava para me assombrar. Assim que Emma estava seguramente no ônibus a caminho do acampamento, eu coloquei as minhas roupas de corrida e passei na Nana D para uma breve conversa. Ainda restavam alguns dias até o começo oficial dela como nova prefeita de Wharton. Nós estávamos trabalhando no discurso, sempre que tínhamos tempo livre, mas ele ainda não estava completo. Nana D queria mostrar um plano de três meses sobre o que os moradores podiam esperar, e ela insistia em fornecer metas métricas e entregáveis que seriam impossíveis até mesmo para um político experiente. O meu aviso gentil não a havia dissuadido, e ela sugeriu que eu deveria tentar mais. Não era que eu não acreditava na habilidade dela de fazer o trabalho, mas sem ter um conhecimento mais profundo sobre o governo do condado, ela poderia estar seguindo para a queda cedo demais.

Nana D estava sentada à mesa de jantar quando eu apareci e abri a porta da frente. Ela acenou para mim e apontou para uma cadeira.

– Você tem alguma notícia do Gabriel? Aquele palerma não está retornando as minhas ligações.

– Pelo menos eu não sou o único que está levando um perdido dele. – Eu me sentei em frente à ela na mesa customizada feita pelo meu avô, passando os meus dedos pelas bordas desenhadas que ele havia passado horas aperfeiçoando. Eu sentia mais saudades dele do que havia percebido nos últimos anos.

– O que isso quer dizer, dando um perdido? – Nana D desviou o olhar do que estava escrevendo em um bloco de notas, suspeita.

– Geralmente se refere à quando alguém para de responder mensagens depois de te darem algum tipo de indicação de que estão interessados em... – eu comecei a dizer, mas Nana D girou o dedo no ar algumas vezes para indicar que eu estava levando muito tempo para explicar o significado. – Basicamente, ignorando você.

– Porque explicar algo em trinta palavras quando você pode fazer isso em duas, meu neto brilhante? Isso não fazia parte da sua graduação na faculdade? No mestrado? Ou no doutorado? Você passou tanto tempo estudando, deveria saber sobre tudo a essa altura. – Nana D me entregou o bloco de notas. – Por favor, dê uma olhada. Acho que eu arrasei dessa vez.

Eu sabia que não devia tentar me defender ou morder a isca. Sim, a brevidade era importante, mas algumas vezes uma maneira elaborada de dizer algo fornecia mais contexto e tom. Algumas pessoas tinham dificuldades em entender aquela abordagem e preferiam ser excessivamente diretas em suas opiniões.

– Claro, me dê um minuto. – Quando terminei, fiz um sinal de positivo. – Perfeito. Parece que você seguiu mais pela minha linha de pensamento com...

– Chega. Nós terminamos. Você não precisa analisar quem contribuiu em quais partes. Agora, e quanto ao Gabriel? – disse ela, se servindo de outra xícara de chá.

– Bom, ele finalmente me respondeu na noite passada. Eu disse a ele que precisava conversar sobre o Quint Crawford, mas ele me ignorou e disse que me veria no campus. Talvez eu apareça no laboratório dele durante a tarde. – Gabriel havia voltado há apenas dois meses, mas ele devia saber que ninguém na nossa família se afastava sem pagar um preço. Quando um fugitivo finalmente voltava ao zoológico, o interno era sujeito a um exame minucioso até que a última barra de ferro estivesse soldada de volta à jaula.

– Pobre Bertha, ela está muito triste e de luto pela morte do filho. Ela pediu que eu ficasse com ela depois do funeral para conversarmos. Pediu especialmente que você também esteja por lá. – Nana D tomou um gole do chá e colocou o discurso em uma pasta que estava na mesa. Ela estava arrumada com um terninho azul marinho e uma camisa de seda branca que tinha um laço na altura do peito. O cabelo estava trançado e enrolado no topo da cabeça, e ela usava um par de óculos vintage estrategicamente colocado na ponta do nariz. Ela raramente os usava em público, mas a sua visão havia piorado ultimamente, e ela não podia mais negar isso. A angústia que cairia sobre mim se mencionasse algo sobre os trapaceiros.

– Eu mal conhecia o Quint. Nós só nos conhecemos a cerca de dez dias atrás no campus. – O que será que ela precisava de mim? Eu ainda estava tentando entender por que Quint nunca havia me contado que tinha sido amigo do meu irmão anos atrás.

– Eu acho que vamos ter que descobrir. Os meus ossos têm doído toda vez que penso sobre aquele rubi que você viu no vagão do teleférico, perto do corpo do Quint. Eu temo que haja uma conexão entre a morte dele e as joias desaparecidas. Talvez ele tenha descoberto a identidade do ladrão e o confrontou no teleférico. Ou talvez...

– Ou talvez seja apenas artrite? – Depois que ela puxou minha orelha, eu considerei o que ela estava pensando e contei sobre o jantar entre Imogene e Marcus. – Eu concordo com você. A Helena e o Gabriel devem ser capazes de nos contar de quem o Quint era mais próximo. Eles podem nos dar alguma luz sobre as atividades dele nas últimas semanas. Seria aí onde eu buscaria por pistas sobre a morte prematura do construtor.

– Talvez Marcus fosse encontrar com o Paul e a Imogene. Será que o Paul não poderia ter aparecido por lá depois que você foi embora, para discutir a transição do cargo de vereador da cidade?

– Eu suponho que sim. Coloque isso na sua lista para conversar com o Paul mais tarde. – a instruí eu, brincando.

– Sim, senhor. Você conseguiu descobrir pela Imogene se o gatuno deixou outra flor copo-de-leite dessa vez?

Eu considerei cuidadosamente a sua expressão antiquada, mas nada surgiu na minha mente a não ser dizer a ela que ninguém havia usado a palavra gatuno no último século. Então, me lembrei do buquê de copos-de-leite pretos ao lado do corpo do Quint.

– Você quer me explicar o que quis dizer sobre a flor na casa da Imogene? Por acaso a flor copo-de-leite é algum tipo de cartão de visitas irônico entre os ladrões, do qual eu não estou ciente?

– Como eu posso saber? Tudo o que eu disse é que em cada local de onde ele fugiu com as joias, o criminoso deixou uma única flor copo-de-leite preta. Eu não contei isso a você no outro dia?

– Não, você convenientemente deixou de fora essa parte na nossa pressa de discutir sobre todos os roubos, antes que a minha aula começasse. Eu não sabia que as flores podiam ser pretas. – Eu deveria ter prestado mais atenção na exibição de flores no mês passado, mas encontrar o assassino era a prioridade naquela época. Espere! Já que havia um buquê de copos-de-leite ao lado do corpo junto com o rubi, isso definitivamente gerava duas ligações entre os roubos de joias e o chocante assassinato do Quint. Eu precisava de confirmação sobre a quem pertencia àquela pedra preciosa.

– Esse é um assunto altamente discutido no mundo da botânica. Millard e eu conversamos várias vezes sobre isso. O que a maioria das pessoas pensam que sejam pétalas negras, na verdade são roxo-escuras. – explicou Nana D, enquanto tamborilava rapidamente os dedos ossudos na mesa.

– Será que eles a pintam com tinta spray para alguns feriados, como o Halloween ou o Dia dos Namorados?

– Lave a sua boca com sabão, Kellan. Isso é bobagem. Eu nunca concordei com a alteração da beleza da natureza de maneira artificial. Unir várias espécies é uma coisa, mas pintar uma flor com spray me parece meio excessivo. – Nana D se mantinha firme sobre o cultivo orgânico e não brincar com a mãe-natureza.

– Entendi, as flores copos-de-leite pretas são na verdade roxo-escuras. Eu vou incutir isso na minha memória na próxima vez. Elas são raras?

– Costumavam ser. Hoje em dia, você pode conseguir qualquer coisa na internet. É raro ver uma preta na realidade, mas não é difícil cultivá-las. – Nana D pegou um catálogo de jardinagem da estante e folheou até um artigo sobre a flor. – Enquanto você examina a revista, eu tenho algumas ligações para fazer. Se você não conversar com seu irmão hoje, me conte. Eu vou ordenar que ele se apresente no gabinete do prefeito para descobrir o que ele sabe sobre esses roubos de joias.

– Aqui está escrito que a flor copo-de-leite representa elegância e mistério e são usadas em funerais. Que bizarro!

– Cresça, por favor. – Nana D cruzou a cozinha para pegar o telefone vintage amarelo e discou o número. – Zarpe daqui. Eu tenho que ir até o centro em duas horas para descobrir por que o Paul Dodd estava se escondendo por aí com a Krissy Stanton, e porque a noiva dele estava se escondendo por aí com o pai da Krissy. Eu sinto como se nós tivéssemos sido jogados no meio de uma das novelas da sua mãe. Você ainda vai me dar uma carona depois da sua pequena rotina de exercícios para perder essas gordurinhas que estão se acumulando?

– Ah, claro, eu quase esqueci. Espere... o que foi que você disse? – Ela já estava conversando com alguém, então eu olhei para o relógio, marquei um alarme e saí para a minha corrida. Normalmente eu ia dirigindo até Braxton, corria na pista interna, tomava um banho na academia do campus e então seguia para o meu escritório no Pavilhão Diamante. Com o novo emprego da Nana D e a hesitação dela em dirigir sozinha, ela havia se tornado dependente de mim até que o seu motorista começasse na semana seguinte. Ter um motorista era uma das regalias que ela ganhou direito ao ter vencido a eleição, mas o atual prefeito não desistiria dele até o seu último dia.

Eu corri pelo pomar até o local onde poderia pegar uma trilha estreita que ia em direção à parte leste das Montanhas Wharton. Era uma distância de cinco quilômetros até alcançá-las e me garantia uma hora de exercícios sem interrupção. Ao longo do caminho, eu bloqueei tudo o que estava pesando dentro de mim e foquei em manter a adrenalina no nível máximo e a minha corrida sólida. Cheguei à metade do caminho e fiz uma pausa para admirar o céu sem nuvens e as árvores e os arbustos coloridos. Ainda era cedo o suficientemente para que o calor do sol ainda não estivesse no pico, e o ar perto das montanhas era sempre um pouco mais fresco. O meu momento de relaxamento completo foi interrompido por um celular tocando, exceto que era um som desconhecido. Eu tinha me lembrado de desligar o som do meu aparelho, me assegurando de deixar apenas as ligações do acampamento da Emma com som. Eu precisava escapar de qualquer distração, mas não podia ficar inalcançável para a minha filha.

Quando peguei o celular do bolso, arquejei. Ao invés de pegar o meu celular pessoal, eu havia pegado por engano aquele que Cristiano Vargas havia me dado, como se eu fosse o seu lacaio particular. Eu aceitei a ligação e disse um fraco “alô”, sabendo que o propósito da minha corrida estava estragado para sempre.

– Bom dia, Kellan. Quarenta quilômetros em trinta minutos, nada mal. – Uma voz animada, e ainda assim alarmante, me cumprimentou.

– Você é certamente um homem de palavra, Cristiano. Já se passaram exatamente dois dias. – Outro motivo para eu odiar o homem, era o seu tempo impecável e precisão incrível. É claro, ele estava me observando nesse exato momento. Eu olhei ao redor, procurando pelo seu capanga profissional escondido no terreno montanhoso, mas havia um grande território para cobrir nesse breve período de tempo.

– Eu fico imensamente feliz em saber que posso cumprir qualquer promessa que fizer. Talvez sob diferentes circunstâncias, você e eu poderíamos ser bons amigos. Vamos deixar esse pensamento de lado por enquanto. Eu preciso da sua ajuda. – Cristiano estava escutando a trilha sonora de Hamilton. Eu reconheci uma das músicas. Francesca e eu havíamos ido a uma mostra antecipada do show vários meses antes dela ter fingido a sua morte. O pai dela tinha nos dado os ingressos de presente, o que havia me deixado chocado na época — era quase impossível de conseguir! Agora eu sabia como ele tinha conseguido; ser o chefe de uma máfia tinha as suas vantagens.

– Você está finalmente pronto para entregar a Francesca para nós? – Eu estava me sentindo mais direto do que o normal.

– Não exatamente. Eu estou gostando da companhia dela. Ela está me apresentando a músicas e culturas das quais eu sabia pouco. O favor que eu preciso não vai ser complicado demais. – Cristiano pigarreou para indicar que ele havia terminado de falar.

– Pode dizer – respondi eu. O que ele possivelmente me pediria que eu estaria disposto a acatar?

– Você precisa dizer ao Signore e a Signora Castigliano que eu fiquei sabendo sobre o que eles estão planejando, e que isso não vai funcionar. Seja extremamente claro com eles. Se eles não recuarem, eu vou ser forçado a punir aqueles tolos insolentes. – Cristiano me informou que a equipe dele estava ciente de que Cecilia e Vincenzo haviam recentemente mandado um espião para dentro da base dos Vargas. – Diga a eles que o rosto amigável que apareceu por aqui para me oferecer um acordo não está mais parecendo particularmente amigável. Eu estou certo de que as feridas de batalha dele sararão com o tempo. A guerra pode ser brutal para alguém que é tão delicado quanto um suflé. Lembre-se disso se você quiser tentar cruzar o meu caminho, Kellan.

Eu nunca havia entendido a expressão sentir o sangue ferver até agora. Como eu havia ficado preso no meio dessa guerra doentia e distorcida?

– O que você fez? Ou melhor dizendo, o que os seus capangas briguentos fizeram?

– O seu trabalho é apenas o de mensageiro. É melhor que você não saiba de nenhum detalhe. Se os Castiglianos seguirem as minhas ordens, Francesca vai ser devolvida a vocês essa semana. Eu tenho que desligar agora.

– Espere, eu não sei o que eles fizeram...

– Adeus, Kellan. Nós não vamos mais conversar até eu conseguir um sinal de que eles entenderam. – Cristiano desligou na minha cara. Como eles lhe dariam um sinal? Será que lançariam no céu a Marca Negra como em Harry Potter? Eu tinha que estar perdendo a informação que esclareceria o que estava pegando fogo ao meu redor.

O meu nível de energia aumentou depois da ligação, e eu corri de volta até o rancho Danby mais rápido do que tinha levado para chegar até as montanhas. Ao chegar em casa, tomei banho e me troquei, deixei a Nana D no prédio administrativo de Wharton, e segui para Braxton, onde passei três horas me preparando para a minha aula vespertina.

Eu também sofri durante uma reunião de funcionários onde Myriam notificou a todos sobre a mudança na programação de outono. Uma professora adjunta havia desistido da vaga, porque tinha conseguido emprego como professora assistente na Faculdade Woodland.

– Eu preciso de um voluntário para entrevistar uma nova candidata em potencial na próxima semana.

Eu não tinha tempo para pegar nenhum trabalho adicional, o que me levou a manter a cabeça abaixada lendo os pontos principais da sua tediosa programação. Eu tinha ficado distraído, e quando a reunião acabou, não percebi que todos haviam ido embora, exceto a Myriam.

– Obrigada, Kellan. Eu aprecio a sua generosidade – disse ela, empurrando um currículo na minha direção.

– Espere, o que foi que eu fiz?

– Você se ofereceu para me ajudar com o processo de entrevista. Por acaso você não ficou aqui depois da reunião ter acabado como eu informei a todos que fizessem se estivessem interessados? – Myriam ajustou os óculos e franziu os lábios irritantes enquanto esperava pela minha resposta.

Ela me pegou Se eu confessasse que não havia prestado atenção, isso se voltaria contra mim eventualmente. Ninguém mais havia ficado. Se eu não aceitasse a tarefa, ela me daria de qualquer forma.

– Fico feliz em ajudar a salvar o dia – respondi eu, contrariado, e comecei a sair da sala.

– “Que ninguém presuma usar uma dignidade imerecida.” – Myriam citou uma linha bem conhecida do Mercador de Veneza, então esperou que eu voltasse a minha atenção para ela. – Mais uma coisa. Uma estudante da sua turma me visitou ontem. – Uma careta intrigante dançou ansiosamente no rosto da minha chefe.

– Outro cliente satisfeito? – eu ajustei os óculos, colocando-os acima do osso do nariz.

– Isso o deixaria bem feliz, não é mesmo? Infelizmente, não, esse não é o caso. Por mais que ela não tenha requerido nenhuma mudança, a estudante queria que eu soubesse que ela estava descontente com o grupo no qual ela havia sido colocada. – Myriam então recitou a sua opinião pessoal sobre como lidar com o problema, e me perguntou o que eu planejava fazer sobre aquilo.

– Você vai pelo menos me contar quem foi? – Eu não confrontaria a estudante, mas saberia como prosseguir no futuro. Eu estava convencido de que tinha que ser a Imogene ou a Krissy. Ambas estavam frustradas quando a aula terminou na segunda-feira, mesmo que tenham dito que não tinham problemas com o compromisso na seleção do tópico do grupo.

– É melhor se eu não fizer isso. Se ela retornar, nós vamos ter uma conversa mais aprofundada sobre o problema. Por enquanto, por favor, se certifique de ser mais atento aos problemas e preferências dos estudantes. Nós não podemos sempre nos dobrar a cada necessidade, mas também não podemos aliená-los – me avisou Myriam enquanto recolhia os seus pertences. – Você deve ser cuidadoso com essa situação. Isso pode se tornar um problema para seu futuro em Braxton. Eu vou colocar uma anotação no seu arquivo do RH.

Assim que a Chefe Barracuda foi embora, comprei o meu almoço na cafeteria e conversei com um colega sobre as suas palestras de verão. Eu terminei cedo o suficiente para passar pelo Pavilhão Cambridge e surpreender o Gabriel antes da minha aula. No caminho pelo campus, eu o vi entrando pelas portas principais do prédio. Eu acelerei a minha caminhada para quase alcançá-lo, mas antes que pudesse chegar lá, as portas do elevador se fecharam. Do lado de dentro, ele estava tendo uma animada conversa com uma das minhas estudantes, Krissy Stanton.

Gabriel trabalhava no segundo andar, no laboratório de ciências. Ao invés de esperar pelo elevador, eu subi as escadas no final do corredor. Ao chegar lá, percebi que eu não sabia em qual laboratório ele trabalhava durante a tarde. Eu já havia estado nesse prédio várias vezes, mas nunca para encontrá-lo. Perguntei a uma assistente de laboratório distraída se ela sabia onde ficava o escritório do Gabriel. Com as mãos gesticulando para todo lado, ela guinchou:

– Ele não tem um lugar próprio, ele meio que usa vários laboratórios e mantem as coisas em ordem. Ele acabou de sair do elevador, mas tipo, eu não sei para onde ele foi. Não sou a babá dele!

– Entendi, obrigado. – Será que todo mundo estava louco hoje? Eu andei por todo o andar, mas não o localizei em lugar nenhum. Dez minutos depois, saí do prédio e segui para a minha aula. Para onde ele havia desaparecido?

Eu parei no meu escritório para pegar as minhas anotações para a aula, então segui para a sala de aula no primeiro andar. Alguns estudantes já estavam em seus lugares. Siobhan se aproximou da minha mesa. Eu não achava que ela era a estudante que havia reclamado para a Myriam, mas iria cutucar para tentar descobrir se ela sabia de alguma coisa.

– Como estão os seus gêmeos hoje?

– Estão voando... quero dizer, estão bem. Às vezes eu me esqueço de que você não é irlandês. Eu estou exausta, vou te dizer – respondeu Siobhan, caindo em uma cadeira em frente à minha mesa. – Com a Sra. Crawford precisando de uma folga essa semana, a minha agenda está bem agitada.

– O que você disse? – Eu não entendi o que ela havia me contado. – Bertha Crawford estava trabalhando para você?

– Aye. Depois que ela saiu da mansão Paddington por causa do câncer, ela precisava de mais dinheiro. A Sra. Crawford cuida dos gêmeos enquanto eu estou no trabalho ou em aula. É um dinheiro fácil por algumas horas quando eu não posso levá-los para a creche. – Siobhan cobriu a boca enquanto bocejava. – Depois do que aconteceu com o filho dela, Quint, ela não conseguiu mais aguentar. Eu não a culpo. Só me deixou um pouco atarefada, sabe? Eu tive que encontrar uma nova babá. Hoje é o primeiro dia da nova moça cuidando dos meus bebês.

Eu não sabia que a Siobhan conhecia os Crawfords.

– Foi um choque terrível para a Bertha. Como ela está?

– Eu não a encontrei desde que aconteceu. Quando a polícia a contatou, ela estava cuidando dos gêmeos. Eu tive que sair do trabalho e ir buscá-los. A sua mãe foi muito compreensiva sobre eu precisar pegar a tarde de folga depois que eu já havia me atrasado naquele... – Siobhan fez uma pausa enquanto mais estudantes entravam na sala, incluindo a parceira de grupo dela, Raquel.

– Eu presumo que você conhecia o Quint? – Aquilo não me dizia respeito, mas eu não queria pular diretamente para a minha pergunta sobre alguma reclamação com os grupos.

– Ah, ele era um cara inteligente. Eu... hum... não o conhecia tão bem. Eu sinto muito que ele tenha morrido, mas... bem... eu não tenho muito a dizer sobre esse assunto. De qualquer forma, estou um pouco preocupada sobre como as coisas vão se resolver nesse grupo com aquelas outras duas – disse ela hesitante, então respirou fundo e acenou para a Raquel. – Não ela, a Raquel é uma boneca. Eu quero dizer a Krissy e Imogene. A Krissy me deu uma reprimenda e tanto depois da nossa última aula.

– É mesmo? Sobre preocupações dela com o curso? Você ficou feliz depois da última sessão? – perguntei eu, encontrando a minha abertura, mas também curioso sobre o relacionamento entre as outras duas mulheres. Além disso, será que eu tinha imaginado ou Siobhan preferiu ficar de boca fechada quando perguntei se ela conhecia bem o Quint?

– Essa aula? Aye, vai ser divertida. Eu só vou ter que manter as outras sob controle. A Krissy e a Imogene costumavam ser melhores amigas, mas depois... – Siobhan parou de falar quando alguém entrou apressado na sala de aula, causando uma agitação digna de uma advertência por um árbitro numa partida de futebol.

– Desculpe. Eu me atrasei. Fiquei distraída conversando. Estou aqui agora. A aula já pode começar. – Uma Krissy vaga e sombria se apertou por entre as mesas, derrubando livros e uma cadeira, e então se sentou em um frenesi.

Enquanto vários estudantes suspiraram audivelmente e pegaram os seus pertences, eu conferi o meu relógio. Nós tínhamos apenas um minuto antes do começo da aula. Eu realmente queria saber o que a Siobhan havia quase revelado, mas teria que confrontá-la em outro momento. Eu também procurei uma explicação sobre o porquê da Krissy e o Gabriel estarem juntos.

– Está tudo bem, nós estamos prestes a começar. – Eu olhei pela sala, confirmando que apenas uma pessoa estava faltando. – Vamos dar à Imogene mais um minuto antes de mergulharmos na aula.

– Ela não vem hoje, você pode prosseguir – bufou Krissy, pegando uma caneta e arrumando o cabelo enquanto se ajeitava na cadeira. – Todo mundo finalmente se aquietou.

Eu não gostava da maneira extremamente direta e mandona com a qual Krissy falava com os outros, mas se ela tinha sido a estudante que havia reclamado, não iria ajudar provocá-la na frente dos outros.

– É claro, eu vou ligar para a Imogene hoje à noite e informá-la sobre o que ela perdeu. Vamos falar sobre Nanook, o Esquimó, de Grierson, o primeiro documentário americano original produzido em...

Eu lecionei durante noventa minutos, então fiz um intervalo de dez minutos. Fiz sinal para que Siobham falasse comigo, mas ela correu rapidamente para fora da sala com o celular grudado na orelha. Eu presumi que ela queria checar sobre os filhos e não quis interromper. Ao invés disso, me aproximei de Raquel e Krissy, que estavam engajadas em uma discussão animada.

– Pardon me, eu pensei em fazer uma enquete improvisada para ver como vocês se sentem sobre o andamento da aula até agora. Nós ainda estamos bem no começo se quiserem dizer alguma coisa, eu poderia fazer alguns ajustes.

Raquel ficou quieta, mas Krissy respondeu rapidamente.

– Você é um ótimo palestrante. Fiquei bem envolvida na aula de hoje. Eu sabia que você seria um bom professor, assim como um amigo meu me contou – disse ela com uma piscadela rápida, mas óbvia. Eu presumi que ela estava falando do meu irmão, Gabriel.

Raquel assentiu:

– Eu concordo. Estou realmente animada sobre o próximo capítulo, mas nós temos apenas alguns minutos restantes, e eu preciso usar o banheiro.

Quando Raquel saiu, eu foquei o meu olhar em Krissy.

– Posso perguntar como você sabia que a Imogene não viria à aula essa tarde? Eu estou curioso apenas porque preciso fazer uma anotação sobre a ausência dela. Eu estou permitindo duas ausências para esse curso de verão sem que haja alguma penalidade nas notas.

– Você ficou sabendo sobre o cara que morreu enquanto estava trabalhando no teleférico, o Quint Crawford?

– Sim, eu fiquei. Fui eu quem...

– Quint era o ex-namorado da Imogene. Eles costumavam sair durante a faculdade, antes dela terminar com ele para ficar com o Paul Dodd, o novo vereador. Atualmente, ela está noiva e mal tem tempo de ver os amigos – disse Krissy com uma irritação desafiadora e palpável. – Exceto que agora ela está toda abalada com a morte do Quint e não conseguiu se recompor para vir a aula hoje. Argh, eu também estou realmente chateada com isso, mas... – Krissy fez uma pausa e começou a soluçar à minha frente. Alguns estudantes da sala olharam estranhamente.

– Você está bem? Você o conhecia bem? – perguntei eu, sem saber se deveria dar uns tapinhas de solidariedade no ombro dela ou um momento de privacidade. O relacionamento entre ela e Imogene estava além do estranho. Eu entreguei a ela um lenço do meu bolso, me perguntando porque ela esteve com Paul na noite do aniversário da Nana D.

– Nós éramos todos amigos no passado. Eu me importava com o Quint também, mas forcei a mim mesma a vir para a aula hoje. – Krissy secou as lágrimas e rapidamente arrumou a maquiagem.

– Quando você diz todos, isso também inclui o meu irmão, Gabriel? – Eu pensei que essa seria a melhor hora para confirmar os nomes de quem fazia parte do octeto, minhas perguntas inocentes requeriam respostas.

– Sim, nós éramos um grupo grande que andava junto durante o nosso primeiro e segundo anos. Então o grupo meio que se separou, e cada um seguiu o seu caminho. Eu tentei reunir o que sobrou dele, mas nem todos ficaram em Braxton. Acho que você já sabia disso, né?

– Sim, eu sei. Por acaso eu vi você com o Gabriel agora a pouco, não foi? – Eu levantei os olhos para encontrar com os dela, e me mantive firme. Eu queria ver como ela responderia à minha pergunta antes de inquirir quem mais havia saído da cidade.

– Ah, sim, ele viu você quando estávamos no elevador. Eu o encontrei no caminho para a aula. Ficamos conversando, mas ele estava com pressa para conferir um experimento – explicou ela, enquanto a porta se abria e os estudantes voltavam. Raquel e Siobhan estavam incluídas no grupo que se sentava mais perto da Krissy.

– Parece que nós precisamos recomeçar. Será que podíamos terminar a nossa conversa depois da aula?

Depois que Krissy assentiu cautelosamente, eu voltei para a frente da sala e terminei a aula. Quando terminei, ela já tinha guardado as coisas e estava pronta para ir embora. Eu tinha poucas chances de pará-la antes que ela saísse do Pavilhão Diamante e seguisse até o estacionamento.

Raquel, jogando o seu cabelo longo e castanho para o lado, se aproximou de mim.

– Ela é um pouco desatenta, eu não levaria isso para o lado pessoal. – Ela aplicou gloss rosa nos lábios carnudos habilmente e os juntou com um estalo rápido. A cor adicionou um brilho fresco para combinar com sua pele naturalmente lisa e sedosa.

– Ela acabou de perder um amigo que conhecia há bastante tempo. Eu entendo. O que posso fazer por você? – disse eu, desligando um monitor de apresentação e o meu notebook.

– Eu fiquei pensando se poderia conversar sobre os cursos que você vai ministrar no próximo outono. Quero me inscrever em mais alguma coisa, mas não tenho certeza do que seria o melhor para mim – disse ela, arrumando os seus livros e pegando o celular. – Eu estou livre amanhã de manhã. Será que a gente pode ir tomar um café na Grande Comedoria? Não é lá onde todos os estudantes e professores costumar passar o tempo?

– Sim, é lá – respondi eu cautelosamente. O tom dela era mais sugestivo do que eu esperava. Eu posso ter entendido a situação errado, mas nunca era demais ser cuidadoso, especialmente se fosse ela a garota que fez a reclamação. – Eu tenho atendimento na sexta-feira. O que você acha de nós reservarmos trinta minutos depois que a aula terminar às cinco da tarde?

– Ah, claro. Eu acho que posso esperar até lá então. Isso vai me dar tempo suficiente para ler sobre algumas coisas. – Raquel pestanejou os seus cílios suspeitamente volumosos enquanto digitava os detalhes da nossa reunião no celular, me agradecia e saia da sala de aula.

Siobhan também já havia ido embora, então não poderíamos terminar a nossa conversa. Eu segui direto para o campus norte onde o ônibus da Emma chegaria a qualquer minuto. Enquanto caminhava, considerei tudo o que fiquei sabendo naquela tarde. Aquilo me deixou com mais perguntas do que respostas, e eu ainda não sabia qual estudante expressou suas preocupações sobre a minha última aula. Será que a Myriam poderia ter exagerado sobre o que havia sido dito, para fazer com que eu me sentisse nervoso ou desconfortável? Ou uma das estudantes havia mentido para mim sobre como ela se sentia?

Emma e eu passamos o final de tarde cozinhando o jantar e treinando o Baxter a sentar e nos avisar quando precisava ir ao banheiro. Com dezesseis semanas de idade, ele estava aprendendo truques simples, o que deixava a Emma animada como uma mãe orgulhosa. Depois de lermos uma história curta, ela caiu no sono. Enquanto eu me servia de uma taça de vinho, o telefone tocou. Quando o identificador de chamadas indicou que eram os Castiglianos, eu bebi de uma vez o restante do líquido para ganhar coragem, me servi de mais uma taça para garantir um momento agradável e aceitei a ligação.

– O que é preciso para que eu me livre das suas constantes reclamações e intrusões?


6

 


Depois que expliquei as instruções de Cristiano, Cecilia explodiu.

– Eu avisei ao Vincenzo que o plano dele não iria funcionar. Agora, eu tenho que assumir o controle. Não fique preocupado, Kellan, eu tenho a solução.

Eu tentei arrancar os detalhes básicos ou uma explicação da minha sogra, mas ela me disse que não havia lugar para crianças no jogo que ela estava fazendo.

– Eu ainda não entendo por que os Los Vargas estão envolvendo você, mas aparentemente eles acham que isso vai fazer as coisas darem certo. Se eles soubessem que homens fracos como você não foram feitos para esse tipo de vida. Eu sempre disse à Francesca que você seria o declínio dela. Agora, a minha proclamação de tornou verdadeira.

– Eu também não gosto de ser o mediador, mas já que o Cristiano ameaçou a vida da Emma e me informou que eu seria o contato primário dele, nós estamos presos nisso. Não estamos, Querida Mamãe? A minha raiva e frustração haviam chegado ao limite. Eu estava sendo manipulado por ambos os lados, e não havia como eu assumir o controle ou a liderança nessa guerra. Eu tinha que me sentar e esperar que dois jogadores diabólicos movessem os seus peões em um tabuleiro instável até que alguém ousasse tentar o golpe final.

Depois que desligamos, eu senti que precisava de uma distração de tudo o que estava acabando lentamente com a minha sanidade. Eu peguei os minutos finais da minha série de televisão favorita, e assisti uma reprise de um episódio do Realidade Sombria que eu havia dirigido no ano passado. Eu estava esperando ansiosamente a decisão do diretor executivo, se ele iria ou não considerar me deixar dirigir a minha própria série sobre crimes reais, ao invés da série na qual eu estava preso trabalhando antes que do meu chefe ter sido demitido. Isso não aconteceria até o começo do próximo ano, o que combinava com quando o meu contrato de um ano para lecionar em Braxton no departamento de Comunicações acabaria. Eu não sabia o que faria se nenhum dos dois lugares me oferecesse uma vaga permanente, mas isso não aconteceria por pelo menos mais seis meses.

Bem quando eu estava trocando minhas roupas por um par de shorts e camiseta confortáveis, meu celular tocou novamente. Coloquei o celular no silencioso caso me esquecesse de fazer isso após conversar com a Nana D. Eu estava desesperado por uma noite de sono sem interrupções.

– Oi. O que você está fazendo?

Ao fundo, a televisão estava com o som alto durante uma reportagem da Lara Bouvier sobre a futura cerimônia de posse.

– O Paul Dodd alega que a Krissy Stanton o estava incomodando no parque. Ele disse que estava em casa trabalhando no discurso e decidiu sair para uma caminhada. Ela o encontrou lá e o seguiu até que ele recebeu uma ligação da Imogene sobre a invasão na casa da Lara.

– Você acreditou nele? – Eu ouvi vozes falando acima do som da televisão. – Espere, onde você está?

– Kirklands. Estou tomando um drink com a Eustacia. Ela ouviu falar que esse é um lugar popular. Eu tenho que checar o meu eleitorado. Me deixe adivinhar, você já está na cama? – provocou Nana D.

– Se eu estou na cama ou não, não é a questão. Foi um longo dia. Você não respondeu a minha pergun...

– Calma, meu neto brilhante. Eu não quero atrasar o seu precioso sono da beleza. Eu acredito no Paul, mas ele também disse algo interessante. – Eu esperei que ela continuasse falando, mas tudo o que consegui ouvir foi Eustacia discutindo qual drink pedir a garçonete.

– Terra chamando a mulher excêntrica que gosta de me incomodar?

– Você está ficando beligerante como o seu pai velho e rabugento, Kellan. Você vem nos encontrar para um drink?

– A Emma está dormindo, e ser visto em um bar local com a minha avó, a prefeita, não vai ajudar na minha vida social – expliquei eu, esperando que isso a impedisse de enrolar ainda mais a nossa conversa. – O que o Paul disse?

– Eu vou fingir que não ouvi a parte sobre a sua vida social. E você pode fingir que eu não disse que a sua vida social é equivalente à existência do Monstro do Lago Ness —respondeu Nana D com uma gargalhada e um arroto. Então, Eustacia cacarejou e gritou pelo telefone:

– Significa que você não tem uma, menino.

– Eu vou desligar.

– Tudo bem, seu estraga-prazeres. O Paul me disse que a Krissy tentou convencê-lo de que a Imogene o estava traindo. Ele me disse que não acreditou nela, mas eu vi a raiva queimando nos olhos sonhadores dele. Ele ficou completamente furioso, especialmente quando eu disse que a Imogene estava na lanchonete Pick-Me-Up com o Marcus. Ele não me ofereceu nenhuma explicação.

Nana D e Eustacia continuaram a dar as suas opiniões sobre o quanto Paul era atraente, então mudaram para o quão grosseiros Marcus Stanton e sua filha, Krissy, eram. Eu mal consegui entender quando elas começaram a gritar uma por cima da outra.

– Obrigado por descobrir isso. Como é que você persuade todo mundo a conversar com você, Nana D?

– Uma garota tem que ter alguns segredos, meu neto brilhante. Vá tomar o seu chocolate quente e se enfiar na cama. Que o Sandman traga um bom sonho para o bebê! Não posso ter você de mau humor porque passou da sua hora de dormir. E pensar que o sol mal acabou de se pôr e você já está se encorujando.

– Quem é o motorista designado para hoje à noite? – Eu realmente não podia aguentar mais dela hoje.

– O Uber, a não ser que você queira ser um bom neto e nos buscar?

Eu desliguei. Havia chegado ao meu limite de lidar com avós semiembriagadas e as suas amigas ridículas. Suficientemente apaziguado com a minha terceira taça de vinho e o Baxter enrolado na curva dos meus joelhos, abri o mais novo livro de mistério do meu autor favorito e comecei a ler. Então, meu telefone vibrou novamente, fazendo com que eu murmurasse algumas palavras não tão gentis. Eu havia retirado o som, deixando apenas para vibrar. Dessa vez, era uma mensagem da April, e como sempre, eu não tinha ideia do que pensar. Não era uma questão ou sugestão. Era outra ordem e o prego final no meu caixão essa noite.

April: No meu escritório às nove da manhã. Preciso discutir sobre o seu papel na investigação de assassinato do Quint.

* * *

– Ouça, eu sei que disse para você trabalhar diretamente com o Connor no incidente do teleférico, mas ele encontrou outro ângulo nessa investigação e saiu da cidade. – Se as sobrancelhas juntas de April não fossem um aviso suficiente, o seu semblante atormentado indicava que a manhã de quinta-feira já estava sendo difícil.

– De qualquer forma eu precisava conversar com você. Surgiram algumas coisas a respeito dos Los Vargas ontem – confessei eu, conferindo o que mais teria que fazer nessa manhã ensolarada. Eu precisava de mais café, mas não me atreveria a ter que passar pela terrível tortura dos restos descartados no bule do escritório da April.

– A propósito, o seu escritório está limpo. Não encontramos nenhuma escuta – me avisou April casualmente, antes de me perguntar o que havia acontecido no dia anterior sobre o drama da minha esposa desaparecida.

Era bom ser capaz de conversar livremente dentro do meu escritório sem me preocupar que alguém ouvia as minhas conversas. Eu contei a April o que Cristiano havia me dito e sobre como Cecilia havia reagido às ameaças dele.

– Eu não tenho certeza do quanto mais posso aguentar dessa briga.

– Não é fácil, eu entendo. Se serve de consolo, você está lidando bem com essa loucura. Eu sempre admirei o quão adepto você é a ficar frio e manter a calma. Não muitos homens poderiam enfrentar uma máfia, se enfiar no meio de investigações policiais onde são quase mortos, e ficar incomodando uma maravilhosa xerife que ameaça prendê-lo por obstrução de justiça quase todos os dias. Você é um homem corajoso, Kellan. – April riu da sua tentativa de acalmar as minhas preocupações e acariciar o meu ego.

– Essas devem ser as palavras mais legais e estranhas que você já me disse. Eu não me sinto muito corajoso, mas obrigado por esse elogio.

April abaixou brevemente a cabeça na minha direção.

– Nós liberamos o corpo do Quint para a casa funerária, e eu tenho a impressão de que vai haver um rápido funeral amanhã à noite.

– Apesar da mãe do Quint estar doente, ela vai estar presente. Um grupo de pessoas representando a faculdade vai prestar os nossos respeitos – declarei eu. Eu nunca gostei de ir a funerais, mas eles têm sido prevalentes na minha vida nos últimos meses. Nana D e eu havíamos recentemente lamentado sobre ter que assistir alguns dos amigos dela falecerem. A perda tão súbita de vida era depressiva e alarmante, especialmente com a situação atual do sequestro de Francesca. – Alguma pista sobre o assassino do Quint?

– Sou eu quem faz as perguntas aqui, amigo. Me conte tudo o que você se lembra sobre o tempo que passou com o Quint Crawford – disse ela com um sorriso subserviente.

Eu contei à April cada pequeno detalhe que pude lembrar das minhas conversas com o Quint, desde o momento em que o conheci pela primeira vez, até quando o encontrei morto no vagão do teleférico.

– Ele era geralmente reservado, e por mais que não tenha me chutado para fora cada vez que eu o visitava, eu nunca me senti completamente bem-vindo. Ele parecia ter uma facilidade para ler pessoas ou situações. No começo, eu só tinha a intenção de conferir o progresso dele, mas em algumas oportunidades ele ficou bem conversador. Ou melhor dizendo, ele fez várias perguntas.

– Sobre você ou sobre a faculdade? Ele tinha raiva de alguém em particular? — perguntou April, esperando que eu tivesse mais informações do que eu sabia que tinha.

– Não muito. Eu não o conhecia realmente. Ele perguntou sobre a minha programação de aulas e sobre a minha filha. Quando ele me disse o quanto a mãe estava doente, eu mencionei como havia sido difícil perder o meu avô. O Quint trouxe à tona a morte da Francesca uma vez, mas eu não pude dizer muito sobre isso.

– Por que ele te perguntou sobre isso? – April se aproximou para focar melhor na minha resposta, uma expressão peculiar surgindo no seu rosto.

– Ele disse que tinha ficado sabendo sobre isso pela mãe, e queria me dizer o quanto sentia muito por eu ter perdido a minha esposa tão jovem. – Eu mal me lembrava dos detalhes daquela conversa, já que ocorrera poucos dias depois que eu havia descoberto o sequestro de Francesca e não conseguia pensar normalmente. – Você ficou sabendo de alguma coisa sobre aquele rubi que eu encontrei no vagão? Ele vem dos roubos de joias?

– Eu não tenho certeza do porquê eu e você deveríamos estar discutindo sobre isso, Kellan. Eu estou grata por você ter notado isso, e o Connor está investigando esse ângulo em São Francisco agora mesmo. Eu pedi que você viesse aqui no caso de saber algo importante sobre o Quint. Não o contrário. – April estava hesitante, sugerindo que sabia de algo que não queria me contar.

– Eu estou apenas tentando ajudar. Conheço algumas das pessoas envolvidas. Talvez eu possa descobrir alguma conexão valiosa, April. – Gabriel tinha ido morar em São Francisco após sair da cidade oito anos atrás, depois que a primeira sequência de roubos havia acontecido; isso era certamente uma conexão. – O que o Connor foi fazer na Califórnia?

– OK, vou te contar um pouco. Uma das joias roubadas originalmente foi recuperada três anos atrás. Ela tinha sido vendida em uma loja de penhores na rua Mission. De todos os itens perdidos, os brincos de rubi Roarke foram os únicos devolvidos ou encontrados. Connor está procurando uma descrição melhor da pessoa que os vendeu para a loja de penhores. – April se ajeitou na cadeira e parecia desconfortável com o foco da nossa conversa.

– Se eles foram recuperados, essa informação já não estaria incluída nos registros policiais de Wharton? – Eu sabia que estava pressionando demais por respostas, mas eu havia sido puxado para aquele enigma.

– Deveria ter sido, mas os arquivos do meu antecessor deixam muito a desejar — resmungou April, com um óbvio desprezo pelo homem. – O antigo xerife nunca colocou nenhum alerta sobre as joias desaparecidas para além de Wharton. Tudo o que ele documentou sobre o rubi recuperado foi que uma pessoa aleatória havia ligado para informar à loja de penhores em São Francisco sobre a identidade do dono. – Depois disso, a loja de penhores subsequentemente ligou para o xerife Crawford, ele solicitou uma foto e mostrou à família Roarke. Eventualmente, a Lucy foi capaz de recuperar as pedras preciosas da família. Nenhum outro detalhe havia sido incluído nos registros.

– O que aconteceu com o resto das joias e do dinheiro de oito anos atrás?

– Por que você quer saber? – perguntou April, estreitando o olhar enquanto ficava de pé para retirar o blazer. A Velha Betsy, o seu querido revólver, estava preso ao seu quadril.

Eu não queria implicar o meu irmão, mas não podia mais mentir para a April. Eu expliquei o que sabia sobre o desaparecimento do Gabriel e como podia haver uma ligação entre ele e os roubos de joias.

– Será que você pode me contar alguma coisa sobre os roubos passados e como eles se alinham com os atuais? – Eu estava focado nas joias desaparecidas porque agora eu acreditava, com certeza, que a sequência de invasões tinha alguma coisa a ver com a morte do Quint. Havia poucas chances de que o buquê de flores copo-de-leite pretas e um rubi roubado, encontrados perto do corpo do Quint, não tivessem relação com o motivo dele ter sido brutalmente assassinado.

April considerou o meu pedido, e pela sua expressão pensativa e o estralar frequente dos dedos, ela queria aliviar as minhas preocupações, mas também impedir a si mesma de revelar demais.

– A maior parte disso é de conhecimento público. Eu vou lhe contar o básico do que os jornais imprimiram naquela época. Se eu disser algo que é confidencial, por favor, mantenha isso assim.

Assim que concordei, April preencheu as lacunas do que a Nana D não havia se lembrado ou não estivera ciente.

– No primeiro roubo, apenas quatro estudantes confirmaram terem visto o broche roubado no teatro Paddington. Havia uma flor copo-de-leite preta deixada no quarto da Gwendolyn Paddington, similar àquelas que foram encontradas ao lado do corpo do Quint e em todos os outros furtos. O broche nunca foi recuperado, e os detalhes no relatório do xerife Crawford eram erráticos, para dizer o mínimo.

– Bertha Crawford trabalhava para os Paddingtons. Ela foi interrogada depois daquilo? – Tinha que haver alguma conexão se uma das joias furtadas havia sido encontrada perto do Quint e outra joia havia sido roubada da família que empregava a mãe dele.

– Não de acordo com os arquivos. Gwendolyn insistiu que ela o havia perdido na mansão e não no teatro. O relatório contendo o relato afirma que ela havia pessoalmente interrogado todos os empregados, mas ninguém sabia de nada. – April continuou explicando as ocorrências anteriores, me olhando com dúvida o tempo todo. Enquanto eu duvidava que ficaria sabendo de qualquer coisa nova sobre os roubos anteriores, algumas minúcias obscuras poderiam nos surpreender.

– O que a família Nutberry fez depois que a gargantilha de diamantes foi roubada?

– Agnes morreu algumas semanas após o ocorrido, e todo esse assunto foi deixado de lado. Todos da família tinham álibis sólidos, provando que eles não eram os responsáveis pelo roubo. – A xerife mudou de página para o próximo relatório no arquivo.

– Eu estou mais familiarizado com a terceira vítima, Lucy Roarke. – Eu planejava visitar a mãe da Maggie e da Helena para tentar descobrir o que pudesse nos próximos dias. Eu não queria que a April soubesse que eu estava investigando isso separadamente, então naveguei a nossa conversa por um ângulo diferente. – Como o ladrão teve acesso a todas as casas e joias sem ter sido pego?

– Infelizmente, em três daqueles casos, havia pouca segurança protegendo as joias. Eu consigo ver como o ladrão poderia tê-las roubado sem ser visto pelas câmeras. Naquela época, as pessoas confiavam mais. Até mesmo o departamento administrativo de Braxton admitiu que eles eram mais relaxados. A chave para a sala de exibição onde os rubis Roarke estavam em exposição estava em uma gaveta na mesa da secretária. Qualquer pessoa poderia ter entrado e pegado – reclamou April. Nós concordamos que o ladrão tinha que ser suficientemente inteligente para se assegurar de nunca ser pego, mas que ele ou ela deveria ser alguém cuja presença não seria questionada ao andar por aqueles lugares.

– Você mencionou que havia outras joias em exibição, mas apenas os rubis Roarke foram roubados, certo? – Nos nove dias nos quais os roubos e os alvos específicos haviam sido escolhidos, devia haver algum padrão que não conseguíamos distinguir, um que levaria a identificação do assassino do Quint.

April concordou com a minha teoria.

– Nada disso faz sentido. Será que o Gabriel poderia ter roubado os rubis, então tentou devolvê-los inocentemente aos Roarke depois de mudar de ideia?

– Eu suponho que isso seja possível, mas nós teríamos que perguntar a ele. São Francisco foi um dos primeiros lugares que ele visitou e acabou morando lá por dois anos. – Eu lembrei de que a Nana D queria saber se eu tinha conseguido fazer o Gabriel falar, mas não consegui dizer a ela que eu não o tinha encontrado. Enquanto April procurava outro relatório de polícia, eu mandei uma mensagem para Nana para cumprir com a minha palavra.

– Depois do quarto roubo original, Lara Bouvier procurou pelo ladrão ela mesma, o que levou a WCLN a contratá-la como repórter investigativa para o segmento jornalístico. Ela não conseguiu encontrar a pessoa responsável, e a briga entre ela e a família Grey aumentou imensamente – explicou April, citando que ela já havia questionado Lara para obter todos os detalhes históricos.

– Eu conheci recentemente a Imogene. Ela passou um muito tempo fora do país na França. Eu não consigo imaginar ela tendo alguma relação com isso. Será que os Greys poderiam ter roubado a joia de volta e então pegado outras coisas para evitar alguma suspeita? – Eu pensei que o meu irmão também conhecia muito bem a Imogene naquela época. Será que ele tentou ajudá-la a conseguir dinheiro para a faculdade, já que a família Grey não ajudaria a não ser que Lara devolvesse o colar da família? Talvez ele fosse simplesmente um “Robin Hood” moderno.

– Os Greys estavam fora da cidade há várias semanas em uma viagem de negócios, então é improvável. Connor vai interrogar todos os envolvidos de oito anos atrás para compilar uma lista de suspeitos. O seu irmão também vai precisar nos providenciar um álibi para cada data na qual houve um roubo, e possivelmente para quando o Quint foi assassinado – declarou April, antes de mencionar que nós teríamos que seguir com cautela naquela parte da investigação.

– E quanto ao último roubo de oito anos atrás?

– Wendy Stanton, a falecida esposa do Marcus. Foi na mesma época, só que ao invés de joias, foi uma bolsa de dinheiro. A história dela é interessante. Ela estava casada com o Marcus há cinco anos, mas havia um rumor de que ela estava pensando no divórcio. Durante a campanha eleitoral dele, ela suspeitou de que ele houvesse desviado dinheiro de doações de ex-alunos – revelou April. O oponente dele era um desconhecido da região rural da cidade que tinha poucas chances de ganhar, o que significava que o Marcus não precisou usar as doações para marketing e propagandas. Wendy confirmou que Marcus havia mantido cinquenta mil dólares em dinheiro vindos de uma campanha de arrecadação de fundos do escritório de ex-alunos de Braxton.

– Eu li a reportagem do jornal. O Marcus indicou que ele tinha planejado levar o dinheiro ao banco na segunda-feira seguinte, mas então o dinheiro desapareceu quando a energia caiu durante a tempestade. A Wendy disse que o marido havia roubado o dinheiro e o entregou ao ex-xerife – respondi eu.

– E é claro que aquele parasita não fez nada para investigar se o Marcus esteve ou não desviando dinheiro do evento de ex-alunos para ganho pessoal. O nosso futuro ex-vereador deve ter pagado ao xerife para focar somente em descobrir onde o dinheiro tinha ido parar. – April fechou o registro e bateu com o punho na mesa.

Wendy e Marcus se reconciliaram depois da subsequente reeleição dele oito anos atrás. Wendy também revelou que Marcus havia encontrado uma flor copo-de-leite preta quando foi buscar o dinheiro. Eu perguntei:

– Por acaso alguém sabe se ela estava encobrindo os segredos marido ou se realmente havia uma flor preta?

April grunhiu.

– Surpreendentemente, a única coisa que o xerife Crawford fez corretamente foi não divulgar imediatamente ao público que uma flor copo-de-leite preta havia sido deixada a cada roubo. Wendy e Marcus não tinham como saber sobre os outros presentes nos demais crimes, a não ser que tivessem conversado com as outras vítimas. No começo, ninguém admitiu publicamente que havia sido roubado. – Silas Crawford tinha sido esperto o sido suficiente para manter as notícias sobre aquele cartão de visitas em segredo até que os furtos pararam. Ele queria encontrar o ladrão responsável, mas quando isso pareceu ser impossível, deixou escapar ao público os detalhes para tentar despertar a memória de qualquer pessoa que poderia ter visto alguém andando com copos-de-leite pretos.

– Ninguém ofereceu nenhuma pista?

– Não de acordo com os relatórios originais. Baseado nos novos interrogatórios que nós conduzimos até agora, ou a memória deles está um pouco enevoada, ou eles nos fornecem tantos nomes que nós teríamos que intimar a cidade inteira para interrogar. – Enquanto sacudia a cabeça em desgosto, April indicou que estava focando apenas nos roubos recentes, esperando que isso se provasse mais efetivo em determinar a identidade do ladrão e do assassino do Quint. – Não há nada pior do que tentar solucionar um crime que foi encoberto por alguém anos atrás.

– Eu concordo, provavelmente é o mesmo ladrão. Você deve ser capaz de desvendar os roubos atuais e descobrir como eles se conectam com a morte do Quint. Provavelmente nós estamos deixando passar algo simples e óbvio – disse eu, preocupado que isso só deixava as coisas piores para o meu irmão, se a partida e a volta dele para Braxton coincidissem com o desaparecimentos das joias.

– É possível. Até agora, já houve quatro roubos com uma diferença de nove dias entre eles. – April abriu um armário na parede que escondia um quadro branco que listava as datas, localizações e itens roubados durante o último mês.

– Alguma teoria sobre por que os nove dias?

– Ainda não. É estranha a maneira como esses crimes estão sendo repetidos agora –disse April, antes de explicar os fatos básicos associados com os roubos atuais. – Pode ser um cúmplice ou imitador.

A primeira vítima havia sido Jennifer Paddington, que indicou que um relógio de pulso com cristais e diamantes havia sido roubado da mansão da família no final de semana do baile à fantasia. Nove dias depois, Lydia Nutberry perdeu um par de brincos de safira enquanto participava do funeral da sua irmã. Oito mil dólares que estavam no cofre da casa funerária também desapareceram naquele dia. Outros nove dias se passaram antes que o colar de rubis, que combinava com os brincos, e o mesmo par de brincos fossem roubados da casa de Maggie Roarke. Depois que eles foram sido devolvidos para Lucy, ela os presenteou à filha mais velha, ao invés de trancá-los em um cofre para nunca mais serem usados por ninguém. Então, apenas alguns dias atrás, Imogene Grey foi atacada quando encontrou o ladrão roubando a casa da mãe. Enquanto ela estava dormindo, uma tiara de diamantes — um presente do avô, que por sua vez a recebeu de um ancestral que se casou com um membro da família real — desapareceu.

– Me deixe adivinhar. Em todos os casos, foi uma flor copo-de-leite preta foi deixada. – Eu já sabia da verdade, mas queria uma confirmação indiscutível.

April respondeu:

– Sim. Se o padrão continuar, a casa do Stantons será a próxima a ser atacada daqui a quatro dias. Portanto, eu preciso conversar com o seu irmão para descobrir o que ele sabe.

– Isso não explica por que um dos rubis Roarke foi encontrado no vagão do teleférico, perto do corpo do Quint Crawford com um buquê de flores copo-de-leite pintadas de preto.

– Eu não deveria te contar, mas talvez você tenha uma explicação. O buquê de flores copo-de-leite deixado ao lado do corpo do Quint não foi pintado. Elas eram realmente pretas. Apenas as flores individuais deixadas nos locais onde as joias foram roubadas é que eram brancas e foram pintadas com tinta spray.

– Isso é estranho – comentei eu, não tendo certeza do que essa distinção significava. – Eu espero que o Connor consiga encontrar uma pista enquanto está em São Francisco. Talvez ele consiga uma descrição ou um nome com o dono da loja de penhores, indicando quem vendeu o rubi para eles e quem contou a eles que ele pertencia à família Roarke. Talvez alguma coisa vá explicar essa ligação das flores. Será que você pode me dizer algo sobre as marcas vermelhas ao redor do pescoço do Quint?

April fechou o quadro branco e olhou de volta para mim.

– Essa é uma das coisas confidenciais, Kellan. Eu já disse o suficiente por hoje, especialmente se o seu irmão está de alguma forma no meio dessa situação. Ele tem um dom para ficar perto de criminosos.

– Eu conheço o meu irmão. Ele está agindo de forma estranha, e eu admito, ele pode ter alguma coisa a ver com os roubos de joias. Mas ele não é um assassino. Ele não machucaria ninguém, April. Você tem que acreditar em mim.

– É por isso que é melhor você trabalhar com o Connor em qualquer coisa relacionada a esse caso. Vocês dois são próximos, e ele conhece o seu irmão. Eu já estou envolvida demais no caso do sequestro da sua esposa.

– A minha família é uma bagunça, hein? – Eu não estava sendo cavalheiresco ao compartilhar os meus pensamentos, mas uma nuvem negra pairava sobre os Ayrwicks, e eu precisava de toda ajuda que pudesse conseguir para dispersá-la.

– Pelo bem da nossa amizade em desenvolvimento, eu não vou responder a essa pergunta. – April desviou o olhar quando o legista chegou no escritório. Ela acenou para ele e indicou que era hora de eu ir embora.

Eu andei alguns passos pelo corredor, mas mantive os meus ouvidos atentos a conversa deles. O legista disse:

– Baseado na autópsia, eu posso confirmar que a causa da morte do Quint Crawford foi estrangulamento. A minha análise mostrou grandes danos. Hematomas na laringe e na traqueia com um osso hioide quebrado e petéquias, também conhecidas como manchas de sangue, nos olhos. Sem DNA do assassino, por enquanto. Tenho mais alguns testes para fazer hoje.

April grunhiu:

– Você pode me dizer alguma coisa sobre o assassino que ajude nesse caso?

– Dado o tamanho das marcas no pescoço da vítima, o assassino tinha mãos de tamanho médio. Nem tão pequenas, nem tão grandes. Baseado em experiências passadas e em pesquisas, homens geralmente escolhem o estrangulamento como método de assassinato. Você deveria procurar por um homem com mãos de tamanho médio.

Eu ouvi passos no escritório da April antes dela dizer:

– Você está sendo presunçoso sobre o gênero. Nós tivemos um bom número de assassinas mulheres por aqui ultimamente. Alguma digital?

Eu conversei com o Connor sobre como uma equipe forense era capaz de rastrear a identidade de um assassino ao pegar impressões digitais na pele da vítima. Os óleos encontrados na pele permitiam que as qualidades únicas da digital de uma pessoa fossem mais facilmente obtidas. Será que tivemos sorte dessa vez?

– Nenhuma digital. Meu palpite é de que o assassino estava com luvas ou algum tipo de proteção nas mãos. No entanto, deixe que eu conte sobre a ordem dos eventos que ocorreram na noite em que Quint Crawford foi morto. Por volta da meia-noite, ele foi... – O legista disse enquanto a porta se fechava.


7

 


Mais tarde naquela manhã de quinta-feira, depois de fazer os meus exercícios no Complexo Esportivo Grey e fazer o rascunho de um artigo para um diário de mistérios sobre o começo da carreira de Alfred Hitchcock, eu mandei uma mensagem para Connor, para descobrir quando ele voltaria de São Francisco. Pensei que ele ainda estaria no horário do Pacífico, mas a falta de resposta significava que ou ele estava em um voo, ou ocupado cuidando do caso. Eu queria desesperadamente descobrir o que mais o legista havia contado para a April, e eu tinha certeza de que Connor poderia estar um pouco mais disposto a me contar. Meu irmão e eu tínhamos mãos de tamanhos similares, e elas eram inquestionavelmente maiores do que o comum. Se o que o médico legista contou a xerife fosse verídico, Gabriel não pode ter sido o responsável por estrangular Quint Crawford.

Eu andei pelo campus norte e segui em direção à Biblioteca Memorial, esperando que Maggie soubesse a localização atual do Connor. Durante as aulas de verão, Braxton sempre tinha um período de quatro semanas entre maio e junho durante o qual os estudantes passavam a maior parte do dia focados em uma aula especializada. Do final de junho até o começo de agosto, cada departamento também oferecia duas aulas regulares para aqueles alunos que queriam continuar seus estudos entre os períodos, o que significava que eles estudariam duas vezes mais que o normal e na metade do tempo. Isso era uma opção para que os estudantes transferidos, ou para aqueles que reprovaram no semestre anterior, recuperassem o atraso antes do início do próximo semestre. Os moradores locais geralmente usavam os verões para aproveitarem as aulas extras e se formarem antes dos quatro anos normais.

Enquanto eu me aproximava do último caminho de pedra, encontrei Fern Terry, a Reitora de Assuntos Estudantis, saindo do prédio administrativo. A maior parte dos departamentos não acadêmicos da faculdade tinham escritórios no prédio em estilo colonial construído no começo do século XX, cada um com uma única janela idêntica com vista para o campus. Havia várias chaminés despontando no telhado escuro, e um gigantesco relógio circular no centro, que servia para mostrar o horário oficial do campus.

– Nós já deveríamos ter marcado um almoço – disse eu, parando ao lado de uma árvore onde os dois caminhos se cruzavam. – Eu provavelmente estou livre em qualquer dia da semana que vem. E quanto a você?

– Eu tenho uma conferência fora da cidade, então vou estar em modo de pânico tentando ficar à frente da curva. Tem alguma chance de você ter tempo nesse final de semana? Eu adoraria saber das suas ideias para esse casamento em família. – Fern era mais alta do que eu. O seu corpo amplo fazia com que os estudantes pensassem que ela era uma jogadora de futebol americano usando todo o equipamento. Ela estava tentando perder alguns quilos ultimamente e tinha contratado um personal trainer para focar nas áreas problemáticas, uma sugestão que o Dr. Bestcha deu ao relembrar Fern de que ela não ficaria mais jovem. Eu acredito que ela atacou o meu pobre primo como se eles estivem em um ringue quando ele deu essa notícia de forma muito direta.

Apesar de que o filho da Fern e a minha tia estarem se casando com membros da família Paddington não nos tornasse parentes, nós gostávamos de pensar que, de alguma maneira, isso significava que éramos algum tipo de primos distantes.

– Vamos marcar um jantar no sábado. A Emma vai dormir na casa de uma amiga, e eu tenho a noite para mim. – Uma das colegas de turma da Emma vai celebrar o aniversário e tinha convidado as quatro melhores amigas para passar a tarde no ginásio local, seguido por um jantar no restaurante Chuck E. Cheese e uma noite de filmes de animação.

– Perfeito. Você quer ir à Simplesmente Stoddard? – Fern explicou que eles iriam servir o buffet no casamento e ela queria experimentar alguns dos pratos novamente antes de tomar a decisão final sobre o que seria servido. Os Paddingtons estavam pagando pelo restante do casamento, mas haviam concordado que a Fern financiasse a comida. Eu tinha conhecido os donos do novo restaurante da cidade no mês anterior, e tinha recentemente tentado reparar os restos da nossa estranha relação, especialmente depois de tê-los pressionado tanto por respostas durante uma investigação de assassinato, inquirindo sobre o motivo da mudança deles para Braxton.

Nós concordamos em um horário, e Fern ofereceu fazer a reserva.

– E qual é o status da reforma do teleférico? – Eu sabia que a área havia sido liberada pela polícia, mas não tinha certeza se a Fern havia encontrado uma equipe substituta.

– A Construtora Endicott está mandando uma pessoa nova para terminar os últimos detalhes. Eu mesma me encontrei com o Nicholas, e ele contratou o Cheney Stoddard para terminar – comentou Fern, reclamando que Nicholas havia manchado com tinta preta a sua blusa nova naquele dia. Enquanto ela pedia licença para seguir para uma reunião, eu fiquei pensando se não era a mesma tinta preta que havia sido usada para mudar a cor de algumas flores copo-de-leite. Que motivo o Nicholas poderia estar escondendo para roubar as joias ou matar o Quint? Parecia haver alguma confusão ou discrepância sobre o dono da companhia. Eu coloquei isso na minha lista mental de coisas a investigar.

Fiquei feliz em saber que o Cheney havia conseguido um emprego depois de perder a última oportunidade, quando o meu irmão havia sido contratado para consertar algumas cabanas perto da floresta nacional de Saddlebrook. Eu segui o resto do caminho e fui em direção à biblioteca para visitar a Maggie. Em exposição no lobby estavam os projetos para a reforma que iria começar no outono. Eu estava extremamente animado para ver aquela velha e monótona estrutura sendo demolida para dar lugar a um prédio mais novo e moderno.

Assim que cheguei ao escritório dela, Maggie disse:

– O que te traz aqui, Kellan? – Maggie tinha uma pele imaculada de alabastro, e o seu luxurioso cabelo castanho tinha sido cortado recentemente na altura do ombro. Ela facilmente encantava as pessoas com a sua personalidade cativante, uma mudança agradável da sua antiga personalidade ultra reservada.

– Algumas coisas. Eu fiquei sabendo que o projeto para a nova biblioteca foi liberado e queria ver como o novo lugar vai ficar. Esse vai ser um prédio fantástico quando estiver acabado – disse eu, percebendo que a irmã dela, Helena, estava parada em um canto. Ela não deveria estar nos Guerreiros de Woodland com a minha filha?

– Ei, bonitão. Sexy como sempre – provocou Helena, cantarolando a música “Super Bass” da Nicki Minaj, e completando com um rebolado que fez a sua irmã olhar em reprovação.

– Helena, já chega, nós estamos na biblioteca! – O rosto de Maggie ficou completamente vermelho.

Helena mostrou arrependimento ao cruzar os braços sobre o peito e se curvar.

– A Srta. Inocente ali disse que vai levar apenas um ano para terminar todo o projeto. Imagina só!

– Nós vamos poder usar parte do prédio existente enquanto a nova estrutura estiver sendo construída, mas no semestre de primavera, vamos montar a biblioteca temporariamente em outro local. Eu ainda estou revisando os detalhes finais – explicou Maggie, antes de me oferecer uma garrafa de água e ignorar Helena. – O que mais posso fazer por você? Desculpe, mas eu tenho uma reunião de funcionários em alguns minutos.

– Não vou te segurar por muito tempo. Você tem alguma notícia do Connor? Eu preciso conversar com ele sobre algo.

– Ele deve pousar no aeroporto da Filadélfia amanhã, mais ou menos nesse horário, então vai dirigir de volta para Wharton. Está tudo bem? – perguntou Maggie, estreitando levemente o olhar.

– Sim, eu só queria saber sobre a viagem. Eu deixei uma mensagem. Ele provavelmente vai responder quando tiver tempo. – Eu não queria dizer muito na frente da Helena, mas também não tinha certeza do quão próximos Maggie e Connor estavam atualmente. Ele estava saindo com a Maggie e com a minha irmã, Eleanor, o que era algo com o que eu nunca ficaria confortável. Eu sempre fui o tipo de cara de uma única mulher, mas se ele foi capaz de manter a paz até decidir qual garota era a melhor para ele, eu poderia facilmente manter a minha boca fechada sobre a situação. Eu tinha a impressão de que os sentimentos de Eleanor por ele tinham começado a diminuir com o passar do tempo.

– Eu vou te acompanhar. Preciso ir para o trabalho – disse Helena, enquanto Maggie nos levava de volta até o lobby da biblioteca. Maggie continuou pelo corredor seguindo para a sua reunião, e Helena agarrou o meu braço enquanto saíamos do prédio.

– E aí, o que tem feito, bonitão?

– Eu fiquei sabendo que o Cheney vai terminar a reforma do teleférico. É uma boa mudança para ele – disse eu enquanto revirava os olhos, mesmo ela tendo me dito anteriormente que as coisas não estavam indo bem desde que eles haviam terminado.

– Ele mencionou isso hoje de manhã. O Cheney está animado, mas eu não estou deixando que ele tenha a ideia errada. Eu não quero um relacionamento – explicou Helena, assim que chegamos à entrada principal do campus.

– Você vai participar do funeral do Quint amanhã? – perguntei eu, quando paramos perto do portão.

Helena repetiu que precisava ir para o turno da tarde no Guerreiros de Woodland. Ela e a outra professora assistente dividiam o dia, garantindo que houvesse alguém no local para receber alunos adiantados durante a manhã ou aqueles que iam embora mais tarde.

– Sim, mas vou chegar tarde. Eu não saio do trabalho no campus até às sete da noite. É triste, mas eu estou animada para encontrar o restante das irmãs da Alpha Iota Ômega — respondeu Helena, enquanto procurava as chaves do carro dentro do bolso.

– Eu não sabia que você tinha feito parte de uma irmandade – exclamei eu. Helena, assim como Gabriel, era quatro anos mais nova do que eu e a Maggie, o que significava que nós nunca frequentamos o ensino médio ou a faculdade ao mesmo tempo. – Esse é aquele grupo de amigos que você mencionou no outro dia?

Helena assentiu.

– Imogene Grey, Krissy Stanton, Tiffany Nutberry e eu fizemos o juramento juntas na primavera do nosso segundo ano. Nos divertimos tanto naquela época, mas eu era muito mais ousada quando era mais nova, eu acho.

Baseado em tudo o que eu sabia e no que a Maggie havia me contado, Helena ainda era uma criança rebelde.

– Todas vocês estavam nesse grupo? O Gabriel também fazia parte?

– É claro. O Quint Crawford, Paul Dodd e o Nicky Endicott eram os outros caras com quem a gente andava. Nós oito passávamos o nosso tempo livre juntos antes de eventualmente nos separarmos – explicou ela.

– Por acaso o Gabriel te contou por que saiu da cidade naquele verão?

– Não. Eu e ele não éramos tão próximos. Era um pouco estranho porque nós sabíamos que você e a Maggie tinham sido namorados... nós meio que nos mantivemos um pouco distantes. – Helena declarou novamente que ela precisava ir embora para não se atrasar no acampamento de verão.

Eu não tinha percebido que Helena conhecia todos os envolvidos. Será que ela poderia ter alguma informação inesperada sobre quem poderia ter roubado as joias ou matado o Quint? Eu planejava seguir com isso cautelosamente. A maioria das pessoas acreditava que o Quint havia morrido de causas naturais, apesar de que para mim eletrocussão não poderia ser considerado como morte natural. Eu teria que navegar gentilmente a conversa sobre os roubos de joias em direção aos motivos para alguém querer o Quint morto.

– Eu tenho algumas perguntas. Não vai levar muito tempo. A sua família teve algumas joias roubadas recentemente, certo? – Eu sabia que os rubis pertenciam à mãe dela e à irmã, mas o que ela sabia sobre elas?

– É, isso foi meio bizarro. A Maggie ficou desesperada quando percebeu que alguém tinha roubado as joias enquanto ela estava no trabalho, mas a flor copo-de-leite preta foi a coisa mais estranha. Eu escutei o Connor contar para a Maggie que uma flor foi deixada em todos os outros lugares onde algo havia sido roubado. Você não pode contar isso a mais ninguém. – Helena olhou para o relógio e disse para eu me apressar. – Desculpe, eu não posso perder esse emprego, baby. Além disso, a Emma gosta mais de mim do que da outra professora assistente.

Eu sabia disso. Emma tinha falado sem parar sobre as lições da Srta. Roarke na noite anterior.

– É um pouco estranho que as quatro garotas da irmandade tiveram algo roubado da última vez, e isso parece estar acontecendo novamente com as mesmas famílias. Você sabe alguma coisa sobre isso?

O rosto de Helena ficou vermelho, e então ela desviou o olhar.

– Eu realmente preciso ir, Kellan.

– Espere. Isso é importante. Se você souber de alguma coisa, por favor, me diga, então eu posso... não importa. – Eu peguei gentilmente o seu braço para impedir que ela se afastasse. – Eu não quero que soe como parece, mas eu ajudei a encontrar o assassino do George Braun da última vez, para que você não ficasse na cadeia. É a hora de você me pagar de volta. – Helena me devia por tudo o que eu havia feito para protegê-la quando ela havia sido acusada de esfaquear o professor.

– Urgh, está bem. Você não pode contar a mais ninguém. – Helena me fez prometer sobre o túmulo de Francesca, o que não fazia sentido, mas ela não sabia o motivo. – Isso é algo que nós fizemos para nos juntarmos à irmandade.

A minha fraternidade tinha feito algumas coisas questionáveis no passado, mas havia linhas que nós nunca cruzamos. Parecia que esse não era o caso das outras fraternidades gregas, mas nem todo mundo operava da mesma forma. Geralmente, a cada novo semestre, irmandades e fraternidades faziam eventos sociais para procurar novos membros durante o período de recrutamento. Isso permitia que todos pudessem decidir qual organização combinava melhor com os seus interesses antes que seguissem oficialmente com alguma decisão. Algumas sociedades solicitavam aplicações formais para uma revisão do conselho; outras aceitavam qualquer novo membro. Em Braxton tinha sido mais como uma filiação exclusiva. A irmandade ou fraternidade empregava métodos de notificação clandestinos para avisar potenciais novos membros que entrariam no período probatório. Durante as semanas subsequentes, os candidatos se tornavam membros jurados e tinham que aprender todos os detalhes sobre cada membro oficial. Eles também tinham que cometer algumas ações questionáveis, antes de serem considerados como irmãos ou irmãs oficiais, por isso havia o medo justificado de bullying ou trotes. Como parte do processo de juramento para se tornar um membro da irmandade Alpha Iota Ômega, a cada nova classe de jurados foi dado uma trifeta: algo complexo, perigoso e antiético. Isso era considerado um teste para ver o quão longe cada garota iria para se tornar uma irmã de pleno direito, mas também foi projetado para criar um vínculo e um segredo entre as meninas, garantindo que elas protegeriam umas às outras, não importando o custo.

– Qual foi exatamente a tarefa dada a vocês quatro no momento do juramento? – a pressionei eu, preocupado sobre o que ela poderia revelar e como isso se conectava com os suspeitos responsáveis pelo estrangulamento do Quint.

– Olha, foi bobagem, mas nós roubamos apenas a primeira joia. Nós íamos devolver, exceto que então... – Helena revelou toda a história sórdida.

A irmandade Alpha Iota Ômega havia sido fundada por um grupo de mulheres de cinco grandes famílias que moravam em Braxton no começo do século 20, os Paddington, Nutberry, Grey, Roarke e Stanton. O ano que Helena fez o juramento era o aniversário de cem anos da irmandade, e a liderança havia solicitado algo absurdamente grande, para provar para todos os ex-alunos que elas eram os membros mais fortes. A tarefa para o novo grupo de jurados: roubar uma joia de uma das famílias fundadoras originais, então apresentá-la na noite em que elas seriam formalmente aceitas na irmandade. Havia apenas quatro membros no grupo de Helena representando as famílias, Nutberry, Grey, Roarke e Stanton. Nenhuma das garotas Paddington estava na faculdade naquela época, permitindo que as quatro concordassem em roubar uma joia da família Paddington.

– Nós estávamos assistindo uma apresentação no teatro Paddington quando a Krissy viu o broche no chão. Decidimos pegá-lo naquela noite e concordamos em manter aquilo em segredo. O plano era entregá-lo de volta aos Paddingtons na cerimônia de iniciação, mas então algo saiu dos trilhos – disse Helena, com um desconforto perceptível sobre revelar os segredos repreensíveis da irmandade. – A Krissy deu o broche para a presidente da irmandade depois da apresentação. Todas nós a vimos o colocar dentro do cofre, mas quando fomos recuperá-lo para a cerimônia na semana seguinte com as ex-alunas, ele havia desaparecido.

Helena explicou que elas ficaram com muito medo de ir até a polícia, especialmente quando aconteceram mais roubos ao longo do mês seguinte. Assim que os roubos pararam, as garotas juraram nunca mais falarem sobre isso. Helena e as suas irmãs da irmandade haviam se tornado membros completos, a polícia nunca ficou sabendo que aquilo deveria ter sido apenas uma brincadeira, e as garotas haviam seguido com as suas vidas. Eu achava que uma das garotas da irmandade havia retirado o broche do cofre, o que significava que ela era potencialmente a mesma pessoa que havia cometido os crimes anos atrás. Isso não explicava como a morte do Quint se alinhava com os roubos, a não ser que uma das garotas tivesse começado a roubar novamente e havia perdido o rubi enquanto o matava dentro do vagão por algum outro motivo. Será que o Quint havia descoberto o ladrão e sido punido? Isso também não explicava o envolvimento do Gabriel, mas a data da partida dele de Braxton não devia ser apenas uma coincidência. Era imperativo que eu descobrisse quais eram os registros que a loja de penhores havia mantido de oito anos atrás.

* * *

Eu passei o resto da noite pesquisando para um projeto de trabalho, treinando o Baxter, e assistindo alguns desenhos antes de colocar a Emma na cama e cochilar no sofá. Quando acordei na sexta-feira, Connor ainda não havia respondido a minha mensagem, o que me fez pensar que ele havia descoberto notícias preocupantes sobre o meu irmão. Eu deixei a Emma no ponto de ônibus, a observei indo para o acampamento, e passei a manhã lidando com algumas responsabilidades administrativas em Braxton. Já que eu iria ao funeral do Quint Crawford na casa funerária Pinhos Sussurrantes depois da aula, a minha mãe concordou em pegar a Emma quando o ônibus a trouxesse do acampamento. Eu planejava pegar a minha filha na Cabana Real assim que estivesse livre à noite.

Precisando de uma pausa, eu escapei para cuidar de algumas coisas e pedir um sanduíche em uma lanchonete local para o almoço. Quando terminei de comer e retornar algumas ligações no meu escritório, a aula da tarde já estava prestes a começar. Eu usei a escadaria dos fundos para chegar ao primeiro andar e caminhei em direção à sala de aula. Enquanto me aproximava, ouvi duas mulheres conversando. Eu reconheci as vozes como sendo da Imogene e da Krissy e continuei no corredor para escutar escondido a conversa delas. Eu geralmente não espiava a conversa particular de alguém, mas se elas soubessem de algo sobre os roubos atuais ou sobre a morte do Quint, seria benéfico escutar e posteriormente contar para a April e ao Connor. Eu só esperava que não fosse uma conversa sobre sapatos!

– Sério, você sempre quis ficar com ele. Você tentou roubar o Quint de mim anos atrás também – disse Imogene à Krissy, em voz baixa.

Krissy gritou:

– Eu teria ficado com ele, exceto que você ficou enrolando-o com promessas. Você partiu o coração dele quando escolheu o Paul. E você provavelmente partiu o coração dele de novo dessa vez, sua idiota.

– Isso é bobagem. Você entendeu errado. O Quint estava estranho enquanto estávamos juntos, e foi aí que eu decidi ficar séria com o Paul – respondeu Imogene, com um tom conciso e arrogante. – Nada disso importa. Ele se foi, e eu estou noiva do Paul. E eu sei de coisas sobre você.

– Você já está com o Paul há quase oito anos. Duvido que o nosso novo vereador vá realmente se casar com você. Ele vai querer uma esposa de quem possa se orgulhar, não uma vadia francesa falsa – berrou Krissy.

Eu ouvi o som de um tapa seco e presumi que a Imogene devia ter atacado Krissy. Uma porta se abriu no corredor e Siobhan me chamou.

– Olá, Dr. Ayrwick. Como você vai?

Imogene respondeu:

– Você está com ciúmes porque nenhum dos caras do nosso grupo queria você.

– Isso não é verdade. Você não sabe de nada sobre...

Eu as interrompi ao entrar na sala. Eu não podia ficar parado lá fazendo papel de espectador enquanto a Siobhan me observava, então acenei para ela se aproximar e tentei acalmar as outras garotas.

– Seja lá o que esteja acontecendo entre vocês duas, isso precisa parar agora. Os estudantes estão começando a chegar e é óbvio que vocês duas estão terrivelmente chateadas. Vamos fazer uma pausa rápida. – Eu pedi que Siobhan acompanhasse Krissy até o banheiro enquanto ela jogava água no rosto, já que havia acabado de levar um tapa.

Imogene saiu junto comigo, e eu disse:

– Você quer falar sobre o que acabou de acontecer?

– Isso não é necessário. A Krissy é, e sempre foi, uma valentona. Nós éramos melhores amigas um tempo atrás, mas ela ficou muito pior com o passar dos anos. Vamos dar um jeito nisso. Eu prometo que isso não vai interferir com a aula – disse Imogene, olhando nervosamente para o chão e esfregando a mão que havia usado para bater na Krissy.

Alguma coisa na reação da Imogene me parecia forçado ou insincero. Dada à súbita explosão violenta que eu havia testemunhado, a sua nova calma exterior não teria sido a minha expectativa inicial. Se ela era capaz de uma transição tão rápida, o que mais poderia estar escondendo? Será que poderia ter sido a Imogene que roubou o broche Paddington do cofre da irmandade anos atrás, então seguiu roubando todas as outras joias? Se isso fosse verdade, ela teria que ter fingido o roubo na casa da mãe no final de semana passado.

Então, me lembrei de que o Quint estava triste por causa de um término de relacionamento. Quint e Imogene estiveram apaixonados um pelo outro no passado, e ela havia terminado o namoro por algum motivo. A única motivação que eu podia encontrar, para a Imogene matar o Quint, seria se ele tivesse descoberto a verdade sobre os roubos e a confrontado. Será que a Imogene era realmente capaz de assassinar alguém com quem tinha se envolvido seriamente antes? Algumas vezes as pessoas surpreendiam você com os segredos que mantinham. Era um tiro no escuro, mas eu precisava considerar todas as teorias e suspeitos enquanto coletava informações sobre a vida do Quint e os seus relacionamentos atuais.

– Fico feliz em saber que os seus problemas com a Krissy não vão mais causar incidentes na sala de aula. Você está abalada pela morte do seu amigo. As emoções ficam à flor da pele em tempos difíceis.

– Quint e eu fomos amigos anos atrás, mas perdemos contato. Eu não tinha percebido o quanto sentia a falta dele até recentemente – disse Imogene enquanto se sentava modestamente em um banco próximo.

Alguns estudantes passaram por nós, incluindo a Raquel. Eu havia me esquecido de que ela queria conversar comigo depois da aula de hoje. Quando Imogene abaixou a cabeça, Raquel veio conferir se estava tudo bem. Eu assenti e disse que iríamos entrar em instantes.

– Imogene, talvez o funeral vai te dar a oportunidade de dizer adeus propriamente.

– Você está certo, obrigada. Eu aprecio a sua gentileza, mas nós deveríamos voltar para a aula. – Imogene ficou de pé com um pulo e seguiu em direção ao Pavilhão Diamante com passos determinados.

Enquanto ela se afastava, eu tive dificuldades para entender a troca que havia acontecido entre ela e Krissy. Estava claro que Krissy tinha ciúmes da Imogene, mas qual era a relação da Krissy com o Quint antes que ele tivesse sido morto? Nenhuma das moças parecia ser capaz de estrangular Quint sob condições normais, ainda assim durante uma discussão intensa, isso poderia ser possível, especialmente se Quint tivesse ameaçado ligar para a polícia. Ambas as mulheres tinham mãos de tamanho normal, apesar de que as de Krissy eram um pouco maiores que as de Imogene. O que eu tinha dificuldades para entender era porque alguém iria querer eletrocutar o Quint depois que já o tivesse estrangulado. Foi uma infelicidade o fato de eu não ter conseguido escutar a explicação do médico legista sobre a ordem dos eventos quando o Quint foi assassinado. Será que a eletrocussão foi simplesmente para encobrir alguma evidência, ou isso aconteceu antes? Ainda assim, alguém tinha desligado a fonte de energia antes que eu chegasse, deixando as coisas ainda mais sombrias. Será que aquela pessoa correndo, que eu havia testemunhado, poderia ter sido o assassino voltando para recuperar as luvas e desligar a energia? Sândalo era um perfume forte, e eu poderia encontrar por acaso alguém o usando novamente. Eu queria fazer perguntas mais diretas, mas as pessoas acreditavam que Quint havia morrido devido a uma eletrocussão acidental. Eu não podia mencionar nada sobre assassinato, não sem as repercussões das fofocas. Urgh, isso era tão frustrante!

O restante da aula terminou tranquilamente. Eu fiz uma mudança de último minuto para limitar a quantidade de tempo durante a qual os estudantes iriam trabalhar em grupos, imaginando que seria melhor manter as duas moças longe de interagirem uma com a outra imediatamente depois de terem brigado. Depois que todos foram embora, Raquel e eu passamos trinta minutos revisando os conhecimentos dela e discutindo o seu interesse pela indústria cinematográfica.

– Qual é a sua graduação?

– Ciência Política e Economia, mas eu voltei para a faculdade e consegui um MBA com foco em gerenciamento e liderança. Eu trabalhei durante alguns anos antes de me casar. Ainda estou tentando descobrir o que vem em seguida – respondeu ela, e cruzou as pernas. Apenas alguns centímetros de pele podiam ser vistos abaixo da bainha da sua saia e acima do cano da sua bota de couro.

– Você se vê trabalhando no mundo do entretenimento, ou essa aula é apenas algo para evitar que você fique entediada antes de encontrar o emprego certo? – perguntei eu, curioso para saber se ela planejava continuar em Braxton ou se mudar para outro lugar. Havia pouca oportunidade para fazer filmes nessa parte do país, pelo menos não um como emprego em tempo integral. Por mais que algumas empresas de produção e estúdios haviam se instalado em Nova Iorque e na parte sul do país, eu não conhecia nenhuma grande na Pensilvânia que chamaria a sua atenção.

– Principalmente para me manter ocupada enquanto o meu marido foca na carreira. Nós podemos nos mudar para a costa oeste se o emprego atual dele não funcionar. Como é Los Angeles? – Raquel piscou os olhos coloridos para mim e se aproximou. – Você trabalhou com alguma celebridade ou pessoas importantes? Já esteve em frente à câmera?

– Algumas estrelas cruzaram o meu caminho. Minha expertise está em reportagem investigativa, crimes históricos e coordenação de bastidores. Eu não estou interessado em atuar ou lidar com fãs. Gosto da minha privacidade. – No passado, vários colegas me pressionaram para fazer audição para papeis nas séries populares sobre crimes, mas eu não queria me preocupar em parecer sempre perfeito, interagir com seguidores e atuar em papéis distintos. As minhas habilidades estavam em conseguir que as coisas acontecessem, e não em projetar uma imagem que eu não poderia, possivelmente, manter durante vinte quatro horas por dia, sete dias por semana.

– Você é um cara bonito. Tem os seus seguidores, mesmo que não queira admitir. Eu pesquisei um pouco quando vi que você lecionava nesse curso. Como você acabou voltando para a Pensilvânia? Baseado no que você quer fazer, você estaria melhor em Los Angeles. – Raquel passou a língua pelos lábios e inclinou a cabeça para o lado.

Por um segundo, eu pensei que ela estivesse flertando comigo. Por mais que ela fosse atraente, nós dois éramos casados, mesmo que eu pretendesse terminar o meu relacionamento assim que os Los Vargas soltassem a Francesca.

– Eu não estou confortável para conversar sobre isso. Vamos nos focar em você e no que eu posso fazer para te ajudar.

– Eu só estou tentando entender como você tomou as suas decisões. Eu pensei que isso poderia me ajudar a entender se seria melhor me mudar para Hollywood. – Ela se afastou novamente, recobrando os olhares longos e o sorriso provocativo. – Ouvi alguns rumores sobre você ter solucionado vários casos de assassinatos por aqui. Você deve ser fantástico no que faz, deveria ter entrado para o FBI ao invés de dirigir filmes e dar aulas.

– Eu considerei isso quando era mais novo. Sempre gostei de solucionar quebra-cabeças e descobrir o segredo das pessoas. É fácil de ver para além das paredes que as pessoas constroem ao seu redor quando você escuta as palavras que elas usam, especialmente se eu sinto que alguém não está sendo verdadeiro comigo. – Assim que eu me mudei para a costa oeste e consegui ter sorte em algumas coisas, eu tinha ficado enamorado demais com Hollywood e decidi não ir embora até recentemente. Mas eu estava mais feliz com a minha vida ultimamente, especialmente estando perto da minha família novamente.

– Contanto que você seja cuidadoso. Eu escutei a Krissy e a Imogene conversando sobre os roubos de joias durante o intervalo. Isso me pareceu perigoso. Espero que você não esteja envolvido em tentar solucionar esse crime! – Raquel me entregou uma cópia impressa dos cursos do próximo semestre. – Isso é o que eu espero cursar. O que você acha?

– Primeiro de tudo, eu acho que a xerife é capaz de solucionar os roubos. E segundo, o meu prato já está bem cheio ultimamente. Agora, vamos examinar a sua proposta. – Eu dei uma olhada nas sugestões dela e concordei com os seus planos. Talvez ela estivesse simplesmente entediada e curiosa, e queria me conhecer melhor. Eu contei algumas coisas que sabia sobre como ela podia estudar a indústria cinematográfica fora de Braxton. Depois que Raquel foi embora, o meu celular vibrou com uma mensagem que acentuava a aura já desastrosa que rondava a noite.

Connor: Acabei de pousar. Nós precisamos conversar sobre o seu irmão. É importante.

Eu: O que o Gabriel fez agora? Nós podemos nos encontrar no funeral hoje à noite.

Connor: Tudo bem. Para começar, parece que ele está envolvido em alguns ou em todos os roubos de joias.

Eu: Talvez só pareça ser assim? Me dê um pouco de esperança, cara.

Connor: O Gabriel também está, rapidamente, subindo para o topo da minha lista de suspeitos conectados com o assassinato do Quint.

Eu: Isso não está me ajudando! Ele NÃO é um assassino.

Connor: Eu queria ter notícias melhores, mas posso ser forçado a conseguir um mandado para a prisão dele amanhã.


8

 


Depois da última mensagem do Connor, o meu corpo precisava de alguma distração positiva. Quando chequei a Emma, a minha mãe havia acabado de chegar em casa e estava esquentando o jantar para todos eles. A empregada havia colocado a refeição na geladeira depois que terminou de cozinhar mais cedo naquele dia; a minha mãe não era a pessoa com os melhores dotes para trabalhos domésticos que eu conhecia. Depois da nossa conversa, eu parei na lanchonete Pick-Me-Up para uma refeição rápida com a Eleanor. Com uma hora faltando para começar o funeral do Quint, seria bom para mim, ter um pequeno encontro entre irmãos.

– Olha só o que o gato trouxe – provocou ela quando eu entrei na lanchonete recém-reformada que ficava a algumas quadras do campus. Um vestido de verão, turquesa e cinza, adornava o corpo sólido e compacto da minha irmã, características que ela havia tido dificuldades em aceitar, até perceber o valor delas durante a sua época de jogadora de hockey. Os quadris largos e os braços musculosos vinham do lado da família Danby, e isso não era algo que ela pudesse mudar. Eleanor entregou o recibo para um cliente que passou por mim e seguiu para o estacionamento.

– Boa tarde para você também. Você recepciona os seus melhores clientes desse jeito? – perguntei eu, enquanto ela beijava a minha bochecha e entregava dois cardápios para uma garçonete que estava mostrando os lugares para alguém na minha frente.

– Apenas os que eu amo. Vem comigo até o escritório. Eu preciso ligar para um fornecedor. Você pode passar na cozinha e pegar os nossos pratos com o chef Manny. Eles já devem estar prontos – disse Eleanor, enquanto seguia para o canto mais distante da lanchonete. Quando ela mencionou o nome do Manny, eu podia jurar que os olhos dela brilharam.

Quando ela virou à direita em direção ao escritório, eu parei em frente à cozinha e gentilmente abri a porta vai-e-vem. Antes que eu pudesse colocar minha cabeça para dentro para avisar ao Manny que nós já estávamos prontos, a voz dele ecoou pelo corredor. Seria um problema com a companhia de seguros ou uma violação do código de saúde se eu entrasse na cozinha. Eu não trabalhava lá e nem tinha treinamento; portanto, eu não podia entrar lá completamente.

– Não, ela não sabe. Eu estou com medo de contar para ela. E se isso não funcionar? –disse Manny, com um excesso de hesitação na voz. Eu não conseguia vê-lo por que ele estava cozinhando na grelha. Provavelmente ele não estava falando comigo, já que eu não tinha ideia do que ele queria dizer.

Outra voz abafada respondeu:

– Ela é a chefe. Você tem que dizer a ela hoje se vai sair da cidade. É uma oportunidade incrível. Por acaso a Eleanor sabe que você se casou naquela viagem para Vegas?

Manny respondeu:

– Não. Eu não quero que ela fique desapontada. Nós já trabalhamos juntos há anos e somos muito próximos. Eu me sentiria como um idiota indo embora logo quando ela assumiu o lugar.

Até onde eu sabia, Manny estava feliz trabalhando na lanchonete. Eu sempre suspeitei de que ele se sentia um pouco atraído pela Eleanor, mas nada nunca saiu disso. Ele tinha saído de férias depois que ela comprou o lugar na primavera, mas assim que retornou, Eleanor achou que ele estava agindo estranho. Ela pensou que ele estava sendo solícito porque eles costumavam ser colegas, mas como dona, ela era oficialmente a chefe dele, ao invés de apenas a gerente. Não havia sido um caminho fácil para a minha irmã, especialmente quando a empresa que ela havia contratado para a reforma sumiu com o seu dinheiro e depois ela acabou descobrindo que havia sido reprovada na inspeção elétrica inicial. Seria um desastre se o chef dela pedisse demissão nos primeiros meses.

Manny deve ter percebido a porta levemente aberta.

– Quem é?

Eu coloquei a minha cabeça para dentro da cozinha e sorri.

– Hola, amigo. Eleanor disse que está pronta para o nosso jantar.

– Oi, Kellan, eu vou levar até o escritório dela em um minuto. A Emma está aqui? – O Manny adorava quando eu os visitava com a minha filha. Ela dava sugestões para pratos sempre que a Eleanor cuidava dela para mim.

– Hoje não. Ela está com os meus pais, mas nós vamos voltar aqui em breve, tenho certeza. Como vai tudo? – perguntei eu, pensando se ele me contaria alguma coisa sobre o que eu havia acabado de escutar.

– Bueno. Diga a ela que eu disse oi – respondeu ele, sem desviar o olhar da grelha.

Quando uma garçonete chegou para pegar um prato quente, eu saí do caminho dela e segui para o escritório da Eleanor. Quando cheguei lá, minha irmã desligou o telefone e disse:

– Tudo certo?

– Isso depende. Você descobriu por que o Manny está agindo estranhamente nos últimos dois meses? – Eu não queria ser a pessoa a contar, mas também não tinha certeza se eu sabia de toda a história. Qual era a oportunidade incrível sobre a qual o outro cozinheiro havia falado?

– Nós conversamos há algumas semanas. Eu tive a impressão de que ele estava bem, mas sei que tem algo que ele está escondendo. Não tenho certeza se ele ficou chateado pelo fato de eu ter comprado a lanchonete e ele queria ter feito isso ele mesmo, ou se tem algo mais. – Eleanor limpou a mesa distraidamente, para que tivéssemos um lugar para comer. – Eu não achava que ele queria ter o próprio restaurante. Ele gosta de operar nos bastidores, meio como você.

Eu contei para Eleanor o que havia escutado e ofereci uma pequena concessão para fazê-la se sentir melhor.

– Talvez eu tenha entendido a conversa errado. Eu me confundo fácil.

– Se ele for embora isso vai ser terrível. Eu vou confrontar o Manny. – Ela passou por mim marchando em fúria.

Eu peguei o braço dela.

– Espere aí, Átila. Talvez agora não seja a melhor hora. Espere até as coisas se acalmarem e quando você puder conversar com ele sozinho.

Eleanor não pôde responder quando Manny entrou com dois pratos e os colocou na mesa.

– É o especial do dia. Frango à cordon bleu com batatas à milanesa.

– O cheiro está incrível. Você é o melhor chef das redondezas. Eu estou realmente feliz por estamos trabalhando juntos. Eu provavelmente deveria te dar um aumento, hein? – disse Eleanor, dando tapinhas nas costas dele. Ela estava exagerando um pouco, na minha humilde opinião, mas pelo menos não o confrontou.

Manny ficou vermelho e agitou as mãos na direção dela enquanto saía do escritório andando de costas.

– Não, não. Está tudo bem. Eu preciso voltar para a cozinha. – Ele a encarou por mais tempo do que eu teria esperado.

Eleanor me olhou com a cara feia.

– Ele está com a mesma expressão no rosto que você fica quando se sente culpado sobre alguma coisa. Isso é uma coisa de homens? Por que vocês não podem simplesmente contar a verdade? – Ela cortou o frango com um pouco mais de energia e precisão e grunhiu como um ogro raivoso.

– Não desconte as suas frustrações em mim, irmãzinha. Eu não escondo coisas das pessoas.

– Uma palavra – disse ela, olhando para mim com um sorriso diabólico.

– Incrível?

– Francesca.

Ela tinha razão. Eu estava escondendo a reencarnação da minha esposa dos meus pais.

– Isso é diferente.

– Eu sei. – O comportamento da Eleanor havia mudado completamente desde que eu apareci quinze minutos atrás. – Eu só queria mencionar o nome dela, para você me contar as últimas.

Eu contei a Eleanor sobre a minha parceria com a April, as ligações do Cristiano, e o encontro com os Castiglianos. Eu esperava que algo novo acontecesse no final de semana, mas temia que o resultado fosse outra surpresa indesejável. Ela me ajudou a ficar o mais calmo possível sob as circunstâncias.

– Eu tenho que ir até a casa funerária para o funeral do Quint.

– Coitado. Ele costumava flertar comigo o tempo todo quando vinha para o almoço ou jantar. Eu gostava dele, e ele podia ser terrivelmente persuasivo e assertivo, mas o Quint não fazia o meu tipo. Apesar disso, quase cedi à sedução dele uma vez. Ele sabia como fazer eu me sentir especial, mas ele também tinha sofrido demais por causa da Imogene e não conseguia se comprometer com outra garota – explicou Eleanor com um suspiro de pesar.

– Eu fiquei sabendo isso. Você acha que ele machucaria uma mulher? – Eu experimentei reações diversas vindas de diferentes pessoas na vida do Quint com relação ao comportamento dele. Ele venerava todas as mulheres com quem tinha saído, mas tinha problemas em ver outras, como a Fern, como uma figura de autoridade. Eu só pude concluir que ele era um pouco camaleão, dependendo da situação e do equilíbrio de poder no relacionamento. Imagino que alguém ficou ressentido com a habilidade dele de encantar uma mulher e então desapontá-la quando ele se retraia. Ou será que alguém como o Paul invejava o passado do Quint com a Imogene? Não seria a primeira vez que um homem ciumento matava para proteger a mulher que amava.

– Não, eu acho que o Quint pressionava demais, mas ele parava quando uma mulher dizia não. Ele sempre fez isso comigo. Ele era muito inteligente, apesar de ter um ego maior do que o seu. – Eleanor massageou distraidamente a cicatriz que tinha no cotovelo devido à uma queimadura com gordura anos atrás.

– Touché, Átila. – Eu não queria falar sobre o papel em potencial do Gabriel nos roubos de joias até que eu e ele pudéssemos conversar, mesmo que ela fosse nossa irmã. Quando terminamos de comer e eu percebi que já estava na hora do funeral do Quint, eu avisei a Eleanor para pegar leve com o Manny e sugeri que ele estava apenas pensando sobre se mudar para Las Vegas com a sua nova esposa. Algumas vezes as pessoas ponderavam sobre as suas opções antes de tomar uma decisão final — e ela não deveria saltar para conclusões precipitadas. Assim que as palavras saíram dos meus lábios, eu percebi que deveria seguir o meu próprio conselho banal. Eu já havia julgado o Gabriel como culpado de uma série de crimes, mesmo sem ter descoberto provas adequadas ou ter tido uma conversa apropriada com ele sobre o que aconteceu no passado.

* * *

Eu entrei pela porta da frente da Pinhos Suspirantes, sentindo um calafrio ao pensar em atender mais um funeral. A capela funerária cheirava a violetas, apesar de não ser época para elas. Era como se os Nutberry tentassem esconder o cheiro dos fluídos de embalsamento e forçassem as pessoas a esquecer do que acontecia com os cadáveres antes que eles fossem colocados no caixão para que os seus familiares e amigos pudessem vê-los.

Lydia Nutberry estava conversando com a Nana D e com Bertha Crawford em um canto afastado. Não querendo interromper, eu circulei pela sala verificando quem estava no local. Eu parei ao lado do caixão para prestar os meus respeitos e dizer adeus ao Quint Crawford. Eu o havia conhecido por apenas duas semanas, mas nunca o tinha visto vestido com algo que não fosse uma camiseta e jeans. Hoje, ele estava com um terno marrom escuro, uma camisa off-white, e uma gravata bege. Parecia um homem completamente diferente, um que não estava confortável com as suas roupas atuais.

– Eu disse que estaria aqui, Kellan. Você não precisava colocar a Nana D atrás de mim. Ela estava em cima de mim mais cedo, como um leão sobre uma carcaça fresca – explodiu Gabriel, assim que me ergui após ter ficado de joelhos ao lado do caixão.

Eu me virei e encarei meu irmão. Ele estava com um terno de cor escura e uma camisa azul clara combinando com a gravata, parecendo tão desconfortável quanto eu e o Quint.

– Eu não forcei ela a fazer ou a dizer nada. Você conhece a Nana D. Ela agarra o touro pelos chifres com as próprias mãos.

Gabriel me levou para um canto agarrando a manga do meu terno.

– Não vamos fazer isso hoje à noite. Eu recebi todas as suas mensagens. Eu sei que você tem perguntas, mas esse não é o lugar apropriado. Você tem tempo amanhã? Nós podíamos tomar uns drinks no Kirklands como da última vez, onde eu contei os meus segredos.

– Claro, amanhã está bem, mas passe em casa de manhã para o café. A Emma vai adorar ver você – respondi eu, enquanto Connor andava por perto e inclinava a cabeça indicando onde deveríamos nos encontrar. – O que eu sei não faz muito sentido, e você está sendo burro escondendo algo de todos.

– Amanhã às nove. Estarei lá – disse Gabriel antes de se afastar. Eu o segui, para relembrá-lo de que estava do seu lado, mas ele se juntou a dois caras sentados algumas fileiras atrás das janelas. Um deles era o novo vereador da cidade e noivo da Imogene, Paul Dodd. Baseado na semelhança, eu presumi que o outro era Nicholas Endicott, o filho que Lindsey havia tido com uma antiga namorada que tinha conhecido na sua festa de aniversário de quarenta e nove anos. Tinha sido um grande choque para os amigos e para a família quando ele teve um filho naquela idade.

Em outra fileira logo atrás, Imogene, Krissy, Tiffany e Helena estavam perdidas em conversa. Todos os oito membros do antigo grupo estavam presentes, exceto que um deles logo seria enterrado sete palmos abaixo da terra. O que cada um deles sabia sobre a morte do Quint e os roubos de joias? Enquanto eu me afastava, o familiar perfume de sândalo que eu havia sentido perto do teleférico preencheu o ar. Eu não podia exatamente caminhar até eles e cheirar seus pescoços como um porco procurando por trufas; isso pareceria bizarro. Qual deles tinha sido a pessoa que eu vi recolhendo as luvas no dia no qual Quint morreu? Poderia ter sido uma coincidência, mas eu não acreditava mais nelas quando o assunto era investigações de assassinatos nas quais eu havia me envolvido.

– Fico feliz que você tenha esperado o Gabriel se afastar antes de conversarmos — começou Connor assim que cheguei no canto. – A April me contou que ela informou sobre o porquê de eu ter ido até São Francisco.

– Eu não vou gostar muito do que você tem para me contar, não é? – Abandonando brevemente a minha busca pela pessoa que estava usando o perfume, eu planejava seguir a trilha depois que eu e Connor conversássemos.

– Não é de todo ruim. Eu consegui rastrear o empregado que estava trabalhando na noite em que os rubis Roarke foram vendidos – disse Connor, demonstrando porque ele havia sido a adição perfeita para o escritório do xerife de Wharton. – Duas pessoas foram inicialmente até a loja, mas ambas foram embora depois de uma discussão na entrada. Só uma delas retornou mais tarde para preencher todos os formulários para a venda dos rubis. A loja ainda tinha o registro.

– Por que eles não ofereceram o documento para o xerife Crawford? A April indicou que a informação não estava nos arquivos dela.

– O dono da loja jura que enviou por fax os registros quando o antigo xerife pediu. O que aconteceu depois disso, eu não tenho ideia. Tenho minhas suspeitas, mas não posso ter certeza. – Connor podia fazer o melhor que pudesse para proteger o meu irmão, mas ele não iria burlar a lei. – Essa não era a loja com integridade mais duvidosa que eu já conheci. Eu acho que eles tentaram fazer a coisa certa, e cooperaram comigo. Tenho certeza de que eles quebraram algumas regras da última vez. – Connor colocou a mão nas minhas costas e apertou o meu ombro. – O nome no registro é Gabriel Ayrwick. Desculpe, cara.

Um minuto se passou até que eu digerisse a notícia. Eu olhei para o meu irmão mais novo enquanto uma tristeza crescia dentro de mim, como eu não tinha sentido em muito tempo.

– Isso significa que ele é o ladrão que você está procurando?

Connor explicou que não havia registro do nome da outra pessoa, e nem havia nenhuma gravação em vídeo de oito anos atrás.

– O vendedor entregou o dinheiro para o seu irmão. Você sabe como lojas de penhores funcionam? – Depois que eu sacudi a cabeça negativamente, já que não tinha cem por cento de certeza, Connor me contou sobre a política da loja de emprestar dinheiro para um cliente que havia penhorado um item. Se a pessoa trouxer o dinheiro de volta dentro de um mês, além de uma quantia adicional para as taxas da loja, o item é devolvido. Se ninguém aparecer dentro de um mês, o item pode ser vendido para outra pessoa por qualquer preço. – Existe um fato interessante sobre isso.

– O Gabriel voltou para tentar recuperar o item, certo? – Eu queria acreditar que o meu irmão era inocente, mas os detalhes que o Connor havia conseguido nessa viagem eram incontestáveis.

– Ele não poderia. Pouco antes do prazo de um mês acabar, uma ligação anônima avisou a loja de que os rubis pertenciam a alguém de Braxton. A loja eventualmente entrou em contato com o xerife Crawford que solicitou fotos. Os formulários formais foram preenchidos, e os rubis foram devolvidos para a família Roarke. – A loja de penhores lidou com a seguradora deles, e o xerife seguiu com um relatório sobre quem os havia penhorado. Mas nós não sabemos o que Crawford fez porque o relatório não estava incluso nos arquivos. Alguma coisa o impediu de procurar pelo Gabriel.

– Você tem alguma ideia de quem estava com o Gabriel na loja de penhores?

– O funcionário da loja de penhores não conseguia se lembrar se um homem ou uma mulher tinha entrado inicialmente com o seu irmão. As tatuagens e os piercings do Gabriel chamaram a atenção do homem naquele dia – respondeu Connor, sacudindo a cabeça e fazendo uma careta. – Eu vou perguntar à Lucy Roarke sobre o que o xerife Crawford disse quando retornou com os rubis roubados. Ele deveria estar encobrindo o seu irmão.

– Você acha que os Roarkes optaram por não prestar queixas por que o Gabriel estava envolvido e eles não queriam magoar a minha família?

Connor assentiu.

– Eu temo que isso possa ter acontecido. Isso não explica por que ninguém tentou localizar todos os outros itens roubados, nem porque roubos similares estão acontecendo novamente.

Quando olhamos para ver o que Gabriel estava fazendo, o meu irmão já tinha ido embora. Assim como Nicholas Endicott, Paul Dodd, e a maior parte das meninas da irmandade. Eu considerei contar ao Connor o que Helena havia revelado sobre o ritual do trote, no qual tiveram que roubar o broche original dos Paddingtons, mas eu queria conversar com o Gabriel primeiro. Se ele e o Quint tivessem se envolvido em uma discussão acalorada, será que o Gabriel teria ido tão longe? Um homem pode passar por várias coisas em oito anos que mudam a sua personalidade; no entanto, o tamanho das mãos do meu irmão não poderia combinar com as marcas ao redor do pescoço do Quint. Será que havia um cúmplice, uma pessoa desconhecida que poderia ser a responsável?

Nana D me interrompeu antes que eu pudesse perguntar ao Connor sobre os seus próximos passos.

– A Bertha gostaria de conversar com você. Tem um minuto?

Connor pediu licença, indicando que conversaria comigo durante o final de semana. Eu não sabia se ele prenderia o meu irmão ou se esperaria até que tivesse mais informações. Até onde eu sabia, o papel do Gabriel nos roubos atuais era circunstancial. Era provável que ele fosse apenas uma pessoa de interesse até que eles encontrassem algo que o ligasse aos novos crimes. Será que eles poderiam prendê-lo por causa dos roubos de oito anos atrás? Eu achava que não havia nenhum estatuto de limitações em roubos se você eventualmente encontrasse o culpado. Eu segui a Nana D até a pequena área com cadeiras onde uma Bertha Crawford cansada se encostava contra o braço de uma poltrona. O cheiro de sândalo já havia sido trocado pelo de violetas. Eu havia perdido a minha chance de encontrar o potencial culpado ou cúmplice.

– Obrigada, Kellan. Eu fico feliz por você ter me dado algum tempo. – A mão trêmula de Bertha se esticou na minha direção, e o sotaque da Geórgia ainda estava forte, apesar do controle persistente do câncer sobre a sua vida. A mulher que um dia havia sido grande e redonda como uma matrona, abençoada com uma cabeça cheia de cachos grisalhos, havia se deteriorado em uma casca ossuda e de pele frágil. Ela havia feito o melhor para esconder as mudanças dolorosas no seu corpo, mas nada tinha escondido os efeitos da doença feroz no seu rosto e cabelos. Havia um lenço preto elegantemente amarrado ao redor da sua cabeça, ainda assim era óbvio que ela não tinha muita vontade ou força para combater a verdade.

– Eu sinto muito pela sua perda, Bertha – disse eu, me lembrando de que ela sempre brigou quando eu a chamei de Sra. Crawford no passado. – O Quint e eu demos algumas risadas juntos nas últimas duas semanas enquanto ele trabalhava no projeto do teleférico. Eu sei o quanto você tinha orgulho dele.

– Eu não consigo acreditar que ele se foi. Deveria ter sido eu a morrer primeiro. Não entendo como uma velha senhora como eu pode ficar por aí com câncer, mas um jovem rapaz como ele pode ser assassinado por um louco. – O rosto dela estava estoico, e ela se recusava a chorar em público.

– O que você quer dizer com ter sido assassinado por um louco? – Será que a April ou o Connor haviam contado mais a ela do que a mim?

– A nova xerife me prometeu que vai encontrar o assassino dele, mas eu vi como você descobriu o que aconteceu com a Gwendolyn Paddington. E u preciso da sua ajuda, Kellan. Eu estou implorando que você investigue quem matou o meu menino. – Bertha fechou os olhos e enterrou a cabeça nas mãos.

Eu olhei para a Nana D confuso e hesitante sobre o potencial envolvimento do Gabriel na situação.

– Eu não tenho certeza de que essa é a melhor ideia. O que a xerife indicou como a causa da morte?

Bertha murmurou basicamente uma resposta incoerente. Tudo o que eu consegui entender era que Quint havia sido eletrocutado, mas alguém também o havia estrangulado até a morte com as próprias mãos. Não foram encontradas impressões digitais no corpo dele ou dentro do vagão do teleférico.

– Eu não posso falar muito sobre a vida do Quinton além do pouco que ele me contava. Durante o último mês, tudo o que ele estava fazendo era trabalhar para o Nicky Endicott e cuidar de mim.

Eu investigaria Nicky como uma prioridade, mas se eu tivesse qualquer chance de encontrar o assassino do Quint, precisaria saber de tudo o que ele estava fazendo e com quem havia socializado recentemente. Bertha confirmou que não havia outros membros da família pela área, e que os dois tinha ficado mais tempo em casa desde o diagnóstico dela.

– O Quint estava saindo com alguém? Ele me disse que tinha se apaixonado, mas que não tinha acabado bem.

Bertha considerou minha pergunta, então sacudiu a cabeça negativamente.

– Não que ele tenha me contado. Ele saiu com algumas mulheres em Braxton, mas nunca superou a Imogene. Por acaso ela não está noiva de outro homem?

Paul Dodd estava na minha lista, mas eu sabia pouco sobre ele. Será que era ele que estava usando aquele perfume? Quando pressionei Bertha por mais informações, ela perdeu mais da sua energia. Eu apertei sua mão e disse que faria o meu melhor.

– A Imogene me disse que eles foram amigos no passado. Eu vou ver o que ela sabe. Ela pode ser a nossa única pista real no momento.

– Existe alguém com quem o Quint tenha brigado e que possa ter tentado machucar ele? – perguntou Nana D.

– Eu não consigo imaginar alguém que estaria com tanta raiva. A única pessoa com quem ele teve uma discussão foi com aquela moça irlandesa, e ela só ficou chateada porque o meu menino mudou de ideia com relação a ela. – Bertha fechou os olhos e descansou a cabeça contra a almofada que a Nana D havia colocado nas costas da cadeira.

Garota irlandesa? De quem ela estava falando? Levou um minuto para que eu juntasse tudo o que ela havia me dito.

– Você quer dizer a Siobhan Walsh? A jovem com os gêmeos para quem você estava de babá?

– Sim, é ela. Quinton e Siobhan saíram juntos algumas vezes, mas não deu certo. Ela ficou com muita raiva quando ele terminou. – Os olhos de Bertha imploraram na minha direção. – Por favor, descubra quem fez isso com o meu Quinton. Eu preciso saber disso logo... é difícil... que eu me recupere dessa doença horrível.

Nana D sugeriu que eu desse uma busca no quarto do Quint na casa de Bertha para localizar qualquer pista em potencial. Era uma boa ideia, e eu concordei em visitá-la assim que possível. Nós concordamos que alguém teria que conversar com a Siobhan para entender o que havia acontecido entre ela e o Quint, mesmo que isso não tivesse relação com a morte dele. Por outro lado, se Siobhan tivesse motivo para machucá-lo, e eles tiveram uma briga no vagão do teleférico, talvez ela estivesse envolvida de alguma forma na morte dele. Ela também mencionou que não estava recebendo dinheiro suficiente antes de aceitar o novo emprego no escritório de admissão junto com a minha mãe. Eu me lembrava vividamente da resposta dela para a Imogene, no primeiro dia de aula, sobre como ela havia dado conta de um homem que a havia machucado uma vez. Será que ela estava se referindo ao Quint? Não poderia ser, eu me convenci. Isso era meramente outro caso de evidência circunstancial.

Bertha pediu à Nana D se ela a acompanharia até o caixão para dizer um último adeus antes do enterro na manhã seguinte. Enquanto elas se afastavam, eu senti alguém bater fortemente no meu ombro. Quando me virei, uma Lydia Nutberry de aparência estranha colocou uma mão no quadril e balançou o dedo indicador da outra. A última vez que eu tinha conversado com ela foi antes que eu provocasse a sua cunhada a confessar o assassinato no mês anterior. No que eu estava prestes a me meter?


9

 


– Eu estou muito brava com você – repreendeu Lydia. Infelizmente abençoada com um semblante austero, ela também mantinha o cabelo grisalho penteado perfeitamente em um coque no topo da cabeça. Ela usava um paletó largo que pendia do seu corpo como os últimos fios agarrando um cabide quebrado com medo do esquecimento eterno. Pequenos óculos delicadamente equilibrados com uma corrente de contas e um par de sapatos ortopédicos pesados completavam o look. O seu nariz e queixo pontudos, não muito diferentes de uma bruxa de desenho animado, geralmente avisavam as pessoas para não mexerem com ela.

Convencido de que ela não faria uma cena no meio de um funeral, eu a deixei desabafar, ao invés de tentar defender as minhas ações.

– Eu sinto muito por como tudo explodiu na abertura da Exposição de Flores Mendel. Eu não tinha intenção de machucar a sua família quando o meu discurso compeliu a sua cunhada a admitir o que ela tinha feito ao marido da Judy. – Mesmo que isso não fosse completamente verdade, o escritório do xerife de Wharton preferia que o meu envolvimento parecesse ter sido não intencional para o público em geral. Eles temiam que o advogado de Lissette alegasse que ela havia sido coagida a fazer uma confissão falsa, mas a prova do crime era irrefutável.

– Pelo menos você sabe muito bem que precisa começar com um pedido de desculpas. – Lydia me levou pelo corredor até o seu escritório. Nossos pés trotavam em um carpete verde-esmeralda macio, enquanto passávamos pelas paredes infinitas, cobertas na metade superior por um papel de parede floral e na inferior com um lambri bordô. – Mas você entendeu tudo errado. Eu não estou brava por você ter descoberto o que a minha cunhada fez.

Será que eu tinha ouvido corretamente?

– O que você quer dizer? Eu pensei que você nunca mais fosse falar comigo.

– Exatamente como o meu marido pensa. Todos vocês precisam ser reeducados. – Lydia apontou para uma cadeira. – Eu estou incomodada porque você não me visitou depois que aquele incidente aconteceu. Há quanto tempo as nossas famílias se conhecem, Kellan?

– Bem, há pelo menos... ah, eu diria perto de... hum... – Eu comecei a traçar nossa história e tinha acabado de me lembrar de ter ido a um acampamento com um dos filhos dela, quando ela me interrompeu.

– Décadas. Isso é um tempo suficientemente longo para esperar uma reação melhor. – Lydia explicou que por mais que ela tivesse ficado triste que uma das suas cunhadas havia falecido e a outra tinha ido parar em uma ala psiquiátrica para avaliação antes de cumprir pena na prisão, ela acreditava apaixonadamente que as pessoas tinham que ser punidas pelos seus crimes e deveriam procurar ajuda mental para se recuperar sempre que possível. Lydia ficou incomodada por eu não ter ido visitá-la ou ter mostrado solidariedade e apoio a ela depois de toda aquela propaganda ruim e rumores circulando pela cidade sobre a família Nutberry.

– Eu devia saber. Esse foi um ano difícil para você. – Eu me lembrei de algumas reações da comunidade. As vendas caíram na casa funerária da família quando os clientes preferiram ir até as vilas vizinhas para os serviços que precisavam. Nana D também havia mencionado que a farmácia estava às moscas, já que as pessoas estavam preocupadas sobre a instabilidade da família Nutberry para prescrever remédios para os clientes. Depois que reparamos o nosso relacionamento, Lydia me surpreendeu com seu próximo assunto.

– A minha filha, Tiffany, está perturbada com a perda precoce do amigo. Você realmente devia visitá-la nesse fim de semana; ela precisa se animar um pouco. Mas, na verdade, tem outro assunto que eu quero conversar com você. – Lydia me entregou uma xícara de chá feita na máquina Keurig que estava em um aparador atrás dela. – Com você sendo um detetive tão inteligente, espero que esteja colocando essas habilidades em bom uso e tentando descobrir o que aconteceu com o Quint. A Bertha está contando com você para solucionar isso antes que ela venha a falecer. O Quint não morreu eletrocutado. Ele foi assassinado!

Eu não tinha percebido que Bertha e Lydia eram amigas, mas isso fazia sentido já que os seus filhos conheciam um ao outro.

– Bertha me pediu ajuda, mas e se eu descobrir algo que nenhuma de vocês duas gostariam que as pessoas soubessem? – Alguém naquele grupo de oito havia roubado as joias, e o meu palpite era de que um deles havia matado o Quint por vingança, por causa de algo ainda a ser descoberto, ou para encobrir o papel dele nos roubos. Quint não poderia ter estrangulado a si mesmo, e eu podia jurar que o meu irmão não era capaz de cometer um assassinato. Isso nos deixava com seis outras opções, apesar de não haver nada de óbvio que ligasse a Tiffany, a filha da Lydia, aos crimes.

– A verdade sempre tem uma maneira engraçada de conseguir vir à tona. Eu confio que você vai cuidar disso com o cuidado e respeito apropriados – aconselhou ela. Lydia era uma mulher forte que havia entrado na família Nutberry pelo casamento, e lutado para encontrar o seu lugar no meio de pessoas bem teimosas. Ela era direta, mas justa, quando ouvia o que as outras pessoas tinham a dizer. – Como eu posso ajudar?

– Já que perguntou, talvez você possa me dizer o que sabe sobre os roubos de joias. A sua família teve duas coisas perdidas, certo? – Quando ela assentiu um pouco confusa, eu adicionei: – Não que a morte do Quint esteja necessariamente ligada a eles, mas é importante que eu entenda tudo. Havia um rubi roubado ao lado do corpo do Quint. Me conte o que aconteceu com a gargantilha da sua sogra há oito anos.

– Eu não tenho certeza do que uma coisa tem a ver com a outra, mas vou contar tudo o que conseguir me lembrar. – Lydia retirou os óculos bifocais e apertou a ponta do nariz. – A Agnes tinha retirado a gargantilha do cofre naquela manhã porque ela planejava usá-la no concerto da Tiffany. Eu sei que todos pensam que ela pagou o diretor, mas a Tiffany era uma musicista maravilhosa. Talvez não fosse a melhor flautista daquela temporada, mas estava entre os três melhores. O que ninguém mais quer admitir é que a garota que era a número um tinha sido suspeita de usar um pouco de pó – disse ela, batendo no lado do nariz e sorrindo tristemente.

Lydia terminou de contar a sua história. Agnes havia trocado de roupa na última hora e decidiu não usar a gargantilha. Eles estavam atrasados, o que não deixou que ela tivesse tempo para colocá-la de volta no cofre antes de sair para o concerto. Quando voltaram para casa, a gargantilha havia desaparecido. Agnes ligou apara a polícia, e o antigo xerife visitou pessoalmente a família na manhã seguinte. Aquele tinha sido o segundo roubo àquela altura, mas ninguém havia feito a ligação com o primeiro até muito tempo depois, devido à confusão sobre onde o broche Paddington havia sido roubado e a revelação sobre as flores copo-de-leite consistentemente aparecendo em todos os locais. Eventualmente, Agnes reportou o roubo para a companhia de seguros e foi compensada pela perda. A gargantilha ainda está desaparecida até hoje.

– Como a Tiffany se sentiu sobre tudo isso? Quint era amigo dela, e o tio dele não conseguiu ajudar muito – disse eu, me perguntando sobre o que a Lydia poderia ter pensado.

– A Tiffany mal tinha vinte anos. Ela estava um pouco estranha, mas todos são assim naquela idade.

– Ela morava nos dormitórios em Braxton?

– Sim, mas ela veio para casa naquele final de semana para uma festa de família. Eu acho que ela tinha amigos visitando no dia do concerto e estava envolvida com a vida social. Pensando nisso, a Agnes mostrou para todos a gargantilha naquela noite enquanto eles estavam jantando. – Lydia confirmou que todos os oito jovens do grupo, incluindo Quint e o meu irmão, estavam naquela refeição antes de retornarem para seus dormitórios. Lydia e Agnes haviam saído para tomarem alguns drinks. Quando chegaram, a casa estava vazia, e Agnes descobriu que a gargantilha tinha sido roubada. Tiffany confirmou que não tinha voltado para casa depois do concerto, então também não tinha certeza. Ela não conseguia se lembrar de ninguém desaparecendo durante o jantar, mas isso poderia ter sido possível.

– E quanto aos seus brincos? Eles não foram roubados a algumas semanas atrás quando você esteve no funeral da sua cunhada na igreja?

– Sim, a Tiffany tinha usado eles para uma festa de noivado na noite anterior, e ela os deixou na Pinhos Sussurrantes. Eu também tinha oito mil dólares em dinheiro no cofre naquele dia. – Lydia explicou que ela mantinha dinheiro suficiente no escritório para incidentes e pagamentos para vendedores que ofereciam desconto, se o pagamento por certos serviços fosse a dinheiro vivo. Ela tinha sido a última pessoa na capela funerária naquela noite e pensou que havia trancado o cofre, mas não tinha certeza. Ela foi diretamente para a igreja, então deixou os brincos na funerária durante a noite. Quando chegou na manhã seguinte, o cofre estava vazio e havia uma flor copo-de-leite preta deixada para trás. Ela nunca havia precisado de câmeras no local antes, especialmente no escritório, e não havia nenhuma outra impressão digital além das dos empregados regulares. – Nós já instalamos um novo sistema de segurança e vigilância.

– Você tem alguma ideia de quem possa ser o responsável? – perguntei eu, imaginando se Tiffany havia revelado sem querer para alguém sobre ter deixado os brincos na casa funerária.

– A xerife Montague mencionou que havia uma série de roubos acontecendo novamente, mas então ela me perguntou nessa manhã se eu tinha visto o seu irmão ultimamente. Certamente, ela não acha que ele está envolvido, não é mesmo? – Lydia se afastou e arquejou um pouco como se tivesse acabado de se lembrar de algo importante.

– Você está bem?

– O Gabriel deu carona para a Tiffany no dia em que ela veio entregar os brincos. Eu havia me esquecido disso até agora. Foi bem rápido, mas ela disse que ele ficou esperando no carro já que tinha que fazer uma ligação antes de saírem para almoçar. – Lydia não sabia de nenhum outro potencial suspeito que pudesse ter matado o Quint, então eu decidi não fazer mais perguntas. Eu precisava conversar com a Tiffany para descobrir o que ela estava escondendo de todo mundo.

Assim que eu e Lydia terminamos de conversar, retornamos ao salão principal. Eu me despedi da Nana D e da Bertha, prometendo ligar para ela em breve com algumas perguntas e novidades sobre o que havia acontecido com o Quint. A sala estava quase vazia, e não havia mais ninguém com quem conversar sobre a situação. O dia tinha sido longo e eu precisava buscar a Emma nos meus pais. Nós já estávamos atrasados para levar o cachorro para passear e ler uma história antes que ela dormisse.

* * *

Assim que Gabriel enviou uma mensagem dizendo que estava a caminho no sábado de manhã, Emma e eu preparamos o café-da-manhã. Era uma caminhada de menos de dez minutos entre a casa da Nana D e o chalé de visitas, então eu fiz ovos mexidos e coloquei várias fatias de pão integral na torradeira. Eu não tinha tempo para montar um café completo como a Nana D teria feito, mas o que tinha serviria para aquela manhã.

Gabriel bateu na porta duas vezes e entrou. As olheiras abaixo dos seus olhos estavam escuras como a lama.

– A Nana D manda lembranças. Ela tinha uma reunião agora cedo com o Paul Dodd para a preparação do primeiro ano dos dois trabalhando juntos e mandou um bolo de café que ela fez ontem de manhã.

Emma e Gabriel montaram a mesa enquanto eu terminava de cozinhar. Quando tudo estava pronto, tomamos o café-da-manhã juntos, mantendo a conversa normal e focada em assuntos mais leves. Assim que terminamos, Emma levou o Baxter para fora para treinar alguns truques com ele. Eu fiquei observando pela janela enquanto eles brincavam na pequena área cercada na saída da porta dos fundos. Ouvi Emma avisar firmemente para o filhote que ele não ganharia nenhum petisco se não a escutasse apropriadamente. Ela viraria outra Nana D se eu não tivesse cuidado!

– Nós temos bastante o que discutir, e é melhor que você seja honesto – avisei firmemente ao Gabriel, percebendo que a minha filha havia puxado mais a mim do que eu havia reconhecido anteriormente.

– É, as suas incansáveis mensagens e a sua atitude bruta deixaram isso claro. – Ele se serviu de um copo de suco de laranja, chutou os sapatos para longe e se sentou à minha frente, colocando os pés no sofá ao meu lado. – Existem dois lados de cada história. Tudo o que eu peço é que você não me julgue até que eu tenha terminado.

Gabriel e eu sempre fomos próximos quando crianças, mesmo tendo quatro anos de diferença. Eu nunca tinha tido esse tipo de relação com o nosso irmão mais velho, Hampton, que havia me torturado e me tratado como empregado. Quando Hampton se mudou, eu estava cansado de ser o filho do meio na nossa família e fui para a faculdade construir uma nova vida. Eu me culpava por ter abandonado o Gabriel quando ele mais precisava de mim. Aceitar a verdade sobre a sua homossexualidade deve ter sido difícil, se ele sentiu que não havia ninguém para conversar sobre as suas emoções e medos.

– Eu prometo. Pode ser que seja um pouco tarde demais, mas eu vou fazer qualquer coisa para ajudar a consertar o que você fez – disse eu, dando um tapa de brincadeira na coxa dele para mostrar o meu apoio. – Abra o jogo.

– Esse é o problema. Eu já tentei consertar isso anos atrás, e veja o que aconteceu —grunhiu Gabriel, pulando do sofá e caminhando em direção à porta da frente. – Eu não roubei as joias oito anos atrás. Eu sei que as pessoas suspeitam de mim, mas eu sou inocente.

– Fico feliz em ouvir isso. Por que você acha que eles suspeitam de você?

– Porque eu sei quem roubou. E essa pessoa me forçou a me envolver mais do que eu precisava. – As sobrancelhas dele estavam juntas e os olhos focados enquanto ele andava de um lado para o outro da sala.

– Eu sei o que aconteceu em São Francisco na loja de penhores. – Eu deveria ter esperado que o meu irmão contasse quando estivesse pronto, mas eu queria respostas.

– O que? Você tem que estar brincando. Ninguém deveria saber sobre aquilo. Ele prometeu que manteria isso em segredo. – Gabriel deu um soco na porta para descontar as suas frustrações.

– Quem prometeu isso a você? O Connor? – Minha cabeça estava enevoada demais para interpretar a explicação dele.

– Connor? O que ele tem a ver com a loja de penhores? Eu estou falando sobre o papai. Ele cuidou de tudo. Isso é parte do porquê eu saí da cidade. – Gabriel havia me jogado uma bola curva com aquela revelação, enquanto ele se apoiava na parede oposta grunhindo alto suficiente para que a Emma viesse dar uma olhada em nós.

Eu a apressei de volta pela porta dos fundos e a assegurei de que estava tudo bem.

– Você me deixou completamente perdido, Gabriel. Connor e eu descobrimos um dos rubis Roarke perto do corpo do Quint no vagão do teleférico. Ele percebeu que era de uma das peças originais das joias que alguém havia roubado, e que eventualmente foram deixadas em uma loja de penhores na Califórnia. – Eu sacudi a cabeça, tentando entender a situação. – Connor acha que quem matou o Quint é a mesma pessoa que roubou todas as joias e perdeu o controle...

– Você está dizendo que a polícia suspeita que eu tenha matado o Quint? Isso é absurdo, ele era o meu amigo. Quint pode ter feito algumas coisas estúpidas e tentado tirar vantagem de mim, mas eu nunca o machucaria fisicamente. – Gabriel parecia tão magoado quanto chocado pela ideia de alguém o acusando de assassinato novamente. – Eu tenho que ir embora daqui. Foi uma tolice ter voltado para Braxton. Nada mudou.

– Espere! Você disse algo sobre o nosso pai. O que ele tem a ver com essa bagunça?

– Pergunte você mesmo. Eu preciso conversar com alguém antes que isso saia do controle – gritou Gabriel, e saiu correndo pela porta da frente em direção à casa principal.

Com quem ele ia falar? Eu não podia segui-lo, já que a Emma estava do lado de fora com o Baxter e era nova demais para ficar sozinha. A minha discussão com o Gabriel só serviu para me deixar ainda mais confuso. Eu liguei para a minha mãe e verifiquei se ainda íamos almoçar na Nana D no dia seguinte, depois que a missa na igreja terminasse. Meu pai tentaria evitar a conversa, mas eu pretendia arrancar dele qualquer segredo que ele e o Gabriel estivessem mantendo.

* * *

Depois que a Tiffany concordou em me encontrar para tomarmos um drink em Kirklands, o resto da tarde girou em torno da Emma. Nós arrumamos o seu quarto, fizemos uma pequena mala para a noite, e dirigimos até o ginásio perto das minas Bestcha. Eu a assisti retorcer o corpo nas barras paralelas e ficar pendurada de cabeça para baixo nas argolas. Há muito tempo, eu também tinha sido adepto, mas o pensamento de ficar pendurado assim me deixava com náuseas hoje em dia. Emma me deu um abraço de despedida e voltou para suas amigas, me fazendo pensar que eu só tinha mais alguns anos com a minha menininha.

Tiffany estava sentada, e se balançando levemente, no bar quando eu cheguei. Considerado uma furada pela maioria, os clientes habituais do Kirklands ficavam mais do que satisfeitos com cervejas de dois dólares e coquetéis de cinco dólares durante o happy hour. A sua característica mais atraente, além dos cantos escuros e sombrios onde os clientes podiam facilmente se esconder, era o gosto pela música eclética e por exibir talentos locais nos fins de semana.

– Minha mãe me contou sobre a conversa que vocês tiveram na noite passada. Eu meio que estava esperando você me ligar. – Tiffany meio que me abraçou e deslizou por cima de um copo de cerveja. A luz do local recaía sobre ela, destacando o seu cabelo castanho claro, suas sardas e cintura fina. As mãos dela não eram nada pequenas, o que significava que ela poderia ser a pessoa que matou o Quint. Quando ela falava, o cheiro do cosmopolitan vinha no ar.

– Primeiro, me deixe dizer que eu sinto muito sobre o Quint. Pelo que soube vocês eram bem próximos. – Eu ofereci pagar uma cerveja, mas ela balançou o meu braço para longe e passou um perfume floral nos pulsos.

– Que aroma gostoso – disse eu, erguendo a mão dela até o meu nariz. – Eu tenho sentido um perfume de sândalo ultimamente, mas não consigo descobrir o nome.

– Você deveria perguntar ao Nicky Endicott. Ele é um fanático por perfumes. Eu tenho quase certeza de que os amadeirados são a última obsessão dele. Tudo é amadeirado, até as cuecas, e não me pergunte como eu sei disso! Aquele lenhador gato até prefere sair para correr pelas trilhas de lascas de madeiras em Braxton o tempo todo. – Depois de tomar um grande gole da sua caneca e ficar um pouco verde, ela pareceu desinteressada na cerveja. – O que eu posso fazer por você? Parecia urgente pelo telefone. Eu só vim aqui porque precisava de uma desculpa para sair de um brunch que não estava indo bem.

Essa era uma pista que eu não imaginava conseguir hoje. Será que o Nicky poderia ter sido a pessoa que eu vi perto do teleférico na manhã que encontrei o corpo do Quint? Eu teria que encontrá-lo logo para descobrir, e para avisá-lo que a Tiffany tinha um crush secreto nele.

– Eu fiquei sabendo de algo que prefiro não contar agora, mas que está conectado com os roubos de joias que estão acontecendo novamente. Será que você pode me contar alguma coisa sobre isso? – Será que ela estava bêbada o suficiente para me dizer a verdade, ou seria evasiva com o assunto?

– O que isso tem a ver comigo? – Ela colocou o lábio inferior dentro da boca e o mordeu gentilmente.

– Eu espero que você revele tudo o que sabe, começando com o trote da irmandade de oito anos atrás e terminando com o que você e o Gabriel conversaram naquele dia quando você devolveu os brincos para a sua mãe na Pinhos Sussurrantes. – Eu peguei a minha caneca, encostei na dela, e disse: – Beba. Nós temos bastante para conversar.

Tiffany não ficou muito animada ao descobrir que eu sabia sobre as práticas de trote da irmandade.

– Isso deveria ser confidencial. Eu não sei quem te contou, mas ela definitivamente vai ter problemas por causa disso.

– Esqueça como eu sei. Apenas me ajude a ligar os pontos. Você sabe quem roubou as joias?

– Isso foi só uma brincadeira inofensiva que fizemos com a Gwendolyn Paddington, mas aí o broche realmente desapareceu. Quando um segundo item foi roubado, dessa vez da minha família, eu fiquei me perguntando se era uma coincidência ou se tudo estava ligado de alguma maneira estranha.

– Por que ninguém disse nada à polícia? Ou você poderia ter contado aos seus pais. Isso poderia ter impedido o ladrão de roubar mais joias e dinheiro dos Roarkes, Greys e Stantons.

– Nós estávamos com medo. Eu não podia contar aos meus pais que tínhamos roubado o broche em primeiro lugar. Ninguém queria ser acusado de todos os outros roubos ou acabar na prisão. – Tiffany começou a falar arrastado com mais frequência.

– Certo, eu consigo entender isso. Vocês chegaram a suspeitar que uma de vocês fosse o verdadeiro ladrão?

– Na verdade não. Quer dizer, eu pensei que apenas nós quatro do grupo sabíamos sobre o trote. Uma delas deve ter contado para mais alguém – rosnou ela.

– Não fique irritada comigo. Eu só estou fazendo perguntas. – Eu não era o inimigo, mas isso não ajudaria. – Vocês deixaram uma flor copo-de-leite preta na mansão Paddington depois que roubaram o broche?

– Não, você está brincando? Nós pegamos o broche no teatro, trancamos ele no cofre da casa da irmandade e fomos embora. Alguém deve ter decidido continuar roubando itens e tentado fazer com que isso parecesse estar ligado com a Alpha Iota Ômega, mas o culpado nunca foi pego.

– E como o Quint, Paul, Nicholas e o Gabriel se encaixam? Eles sabiam sobre esse trote da irmandade?

– Eu já respondi sobre isso. Ninguém deveria saber o que nós fizemos, mas não posso garantir sobre o que alguém mais sabia. – Ela colocou uma nota de dez dólares no bar e acenou para o bartender.

– Nós não terminamos. Tem mais alguma coisa que você possa me contar? Eu estou preocupado que o Quint tenha confrontado alguém dentro do vagão sobre os roubos de joias. – Eu fiz uma pausa para que ela absorvesse aquilo. – Se você souber de algo, pode ser capaz de determinar o que aconteceu com o coitado no dia em que ele morreu.

– Eu estou devastada que o meu amigo tenha falecido, mas isso não passa de um acidente. Eu não entendo como a morte dele possa ter alguma relação com os roubos. – Frustrada, Tiffany suspirou audivelmente.

– Onde você estava na noite em que o Quint morreu? Só estou curioso sobre quando e como você descobriu – disse eu despreocupadamente.

– Humm, eu não me lembro. Ele não se eletrocutou sozinho no meio da noite? Eu acho que provavelmente eu estava dormindo. Minha mãe me contou na manhã seguinte. Urgh, eu preciso sair daqui. – Tiffany pulou do banco do bar e vacilou mais do que o esperado. Ela estava parcialmente bêbada e não conseguia me olhar nos olhos, ainda assim estava lendo algo no celular. Parecia um truque. Por quê?

– Você está escondendo algo de mim. Se você se preocupa com o Gabriel, está em boa companhia.

Tiffany fechou os olhos e respirou fundo.

– Foi o Gabriel quem desapareceu depois que todo aquele dinheiro foi roubado dos Stantons durante os primeiros roubos. Eu também o vi enfiar alguma coisa brilhante em uma bolsa quando passei pelo dormitório dele para fazer uma surpresa, na noite que ele saiu da cidade.

– Você tem certeza de que foi o Gabriel? – perguntei eu, pensando se esse não seria um caso de identidade trocada.

– A não ser que eu estivesse confusa sobre quem vi pela fresta da porta, o seu irmão está envolvido. Eu acho que não vi o rosto da pessoa, mas era o quarto do seu irmão. Por causa de algumas coincidências eu presumi que o Gabriel poderia ser o ladrão, mas não podia entregar um amigo, então fiquei quieta. Daí ele mencionou ter saído cedo do meu concerto na noite em que a casa da minha mãe foi roubada para...

– Espere! A sua mãe me disse que você não se lembrava de ninguém desaparecendo naquela noite. Qual é a verdade? – Eu não estava feliz com aquela mudança de rumo, já que isso fazia o meu irmão parecer mais suspeito.

– Eu estava animada demais por causa do concerto naquela época. Quando o Gabriel me contou recentemente que tinha ido embora do show para se encontrar com o namorado secreto, isso ativou a minha memória.

– Você acredita que ele é culpado ou acha que ele foi encontrar o namorado naquela noite?

– Eu não tenho certeza. Ninguém tinha conhecimento suficiente e acesso aos detalhes sobre as idas e vindas de todo mundo, tanto no passado quanto agora. Se o Gabriel não é o ladrão, então eu não sei quem está roubando as pessoas novamente. – Tiffany pagou a conta para o bartender e se afastou do bar.

– E quando você deixou os brincos na casa funerária da sua mãe algumas semanas atrás? Mais alguém sabia que você iria fazer isso?

– O Gabriel e eu almoçamos com o Quint, a Krissy e o Nicky naquele dia. Eu posso ter mencionado sobre devolver os brincos, não tenho certeza. – Ela saiu cambaleando pelo bar e saiu rapidamente de Kirklands para pegar um táxi. Que bom que ela não estava planejando dirigir.

Eu senti como se estivesse tonto; até mesmo os amigos do meu irmão pensavam que ele era culpado. Eu teria que seguir com os álibis da Krissy e do Nicky para a hora em que os brincos da Lydia foram roubados. Nesse ponto, eu podia apenas dar pistas de que a morte do Quint tinha sido incomum, o que significava que pedir pelos álibis das pessoas não seria fácil. Será que eu conseguiria provar a inocência do meu irmão dessa maneira? Se não, talvez quando eu e a Fern nos encontrássemos para jantar, ela poderia me dar uma ideia sobre as garotas da irmandade Alpha Iota Ômega. Também era hora de conferir com o Connor o que ele sabia sobre as exatas circunstâncias envolvendo a morte do Quint.


10

 


– O Connor está em uma reunião externa no momento. Tem alguma coisa em que eu possa ajudar? – perguntou April, quando esbarrei nela no lobby do escritório do xerife. O blazer de tweed e jeans não estavam à vista hoje. No lugar deles, ela vestia um par de calças de cintura alta cinza, uma camisa de seda amarela com um lenço marrom jogado por cima do ombro esquerdo, e um par de saltos altos. Ela estava positivamente radiante e pronta para uma noite na cidade.

– Isso pode esperar. Eu não quero interromper nada – disse eu, observando-a passar por mim como se estivesse esperando por alguém no fim do corredor. – Eu tive algumas conversas interessantes com o Gabriel e com alguns membros da família Nutberry. Só queria comparar impressões.

– É quase como se você pensasse que tem um parceiro de investigação agora que um dos meus detetives é o seu melhor amigo, não é? – Ela deu um sorriso travesso e bateu levemente no meu ombro. – Eu só estou provocando, não fique irritado comigo. Você precisa conversar sobre isso?

Eu precisava, mas não parecia tê-la encontrado numa boa hora.

– Você está prestes a sair. Vou esperar pelo Connor. Você acha que ele vai voltar em breve? –Eu conferi o relógio para confirmar que ainda faltavam algumas horas antes de encontrar com a Fern para o jantar.

– Duvido. Ele está com o legista revisando o relatório final sobre a morte do Quint Crawford. – April assentiu para alguém atrás de mim, então acenou para a pessoa se juntar a nós. – Eu vou participar de uma espécie de coquetel essa noite, mas posso te dar alguns minutos.

Essas eram palavras que eu não esperava ouvir juntas: April e uma festa. Baseado em tudo o que ela havia me contado no passado, ela não gostava desse tipo de evento. Eu virei a cabeça para descobrir quem estava se aproximando de nós e imediatamente me lembrei de ter visto esse homem no carro dela no outro dia. Será que eu estava prestes a encontrar o potencial namorado que ela mantinha escondido de todo mundo?

– Eu espero que vocês tenham uma noite maravilhosa. – Eu estendi a mão na direção do homem quando ele nos alcançou, tentando conter o meu choque diante do seu rosto de bebê e da expressão inocente no seu rosto. Se o acompanhante dela era um dia mais velho do que dezoito anos, eu sacaria o dinheiro da minha aposentadoria e o doaria para a causa mais inútil que pudesse encontrar. – Vocês certamente vão atrair olhares aonde quer que forem hoje à noite. – Será que a April secretamente gostava de caras mais jovens? Quem poderia imaginar!

– August, esse é o Kellan Ayrwick, um... – disse April, enquanto apontava para mim e fazia uma pausa momentânea. – Um amigo com o qual estou trabalhando em um caso.

– Prazer em conhecê-lo, Sr. Ayrwick – respondeu ele, e esticou a mão confiante na minha direção. O cabelo loiro platinado era curto nas laterais, mas tinha vários centímetros de comprimento no topo, estando perfeitamente penteado para trás. – Pode me chamar de Augie. Ela se recusa a ouvir as preferências dos outros, mesmo assim sou eu que levo bronca quando não faço o que ela quer em casa. É um saco às vezes.

Eu já gostava dele. Qualquer um que dificultasse a vida da April estava no topo da minha lista.

– Vocês se conhecem a muito tempo? Muitas piadas internas rolando. – Espere! Ele disse que eles moravam juntos?

– Você poderia dizer isso – respondeu April, conferindo o relógio.

Augie olhou para ela, revirando os olhos verdes de maneira exagerada.

– Bem mais do que eu gosto de pensar.

O rapaz tinha ganhado mais um ponto por fazer a minha marca registrada.

– Você deve conhecer alguns segredos dela. – Eu voltei meus olhos na direção da April. – Na minha experiência, ela pode ser bem difícil.

– Cara, ela passa dos limites às vezes. Parece que ela nasceu para ser uma mãe superprotetora, sabe? – Augie colocou o braço longo e fino ao redor da April e a beijou na bochecha. – Você está pronta para ir, Mamãe Dukes?

O último comentário foi como um soco no estômago. Augie era filho dela? Quem podia adivinhar que ela tinha um filho. Ela nunca disse nada antes. Fazendo as contas (nós tínhamos quase a mesma idade) April devia ter quatorze ou quinze anos quando ele nasceu. Eu achei engraçado que ambos tinham nomes que combinavam com meses do ano começando com a letra A.

– É assim que você vai conversar quando conhecer todo mundo no campus hoje à noite? – April segurou Augie pela base do pescoço e apertou. – Como eu acabei tendo que cuidar de um tipinho como você?

Eu precisava desesperadamente saber o que estava acontecendo.

– Para os sem noção e aqueles prestes a vomitar, ele é seu filho ou o seu par?

Augie caiu de joelhos e se agarrou à blusa da April.

– Por favor mãe, quero dizer, querida, não me faça ir hoje à noite – choramingou ele, e então gargalhou tão alto que o policial na recepção mandou que ele se calasse. – Será que você pode tentar ser uma sugar mommy melhor, querida? Eu vou me comportar na festa.

– Kellan... August não... é... meu filho. – April se virou e entregou as chaves a ele. – Ligue o carro, seu idiota. Vou sair em alguns minutos.

– Obrigado pelas risadas, cara. Você fez a minha noite. – Augie me deu um tapa nas costas, colocou os fones de ouvido e começou a ouvir música antes de seguir pela porta da frente. Eles tinham a mesma altura, maçãs do rosto proeminentes que se encaixavam bem na sua estrutura facial, mas ele tinha um andar um pouco estranho enquanto a April era mais confiante e determinada.

– Ele é meu irmão. August tem morado comigo pelos últimos cinco anos, depois de tudo o que aconteceu em Buffalo. – April se sentou em um banco de madeira próximo e esperou que eu me juntasse a ela. – Meus pais já eram mais velhos quando o August nasceu. Foi uma surpresa, já que minha mãe tinha mais de quarenta anos e eu tinha começado o ensino médio. Ela teve uma gravidez difícil, mas conseguiu viver por mais dez anos. Infelizmente, quando ela faleceu, o meu pai não foi capaz de cuidar do August sozinho.

April contou que o pai dela era um alcóolatra que tinha começado a bater no seu irmão, no primeiro ano depois que a esposa havia perdido a batalha contra uma dolorosa doença. Ele culpava o August pela morte da esposa e descontou na pobre criança, que era muito novo para se defender na época. April lutou com o pai durante dois anos antes que o tribunal finalmente entregasse a ela a custódia dele quando ela completou vinte e sete anos.

– Eu sinto muito. Você nunca me disse nada – respondi eu. April sempre havia mantido silêncio sobre a vida pessoal, até quando fiquei sabendo sobre a morte do seu noivo, devido a um tiroteio, vários anos atrás. – Ele parece ser forte. Eu gosto que ele não se intimide com você.

– Ele é um garoto forte, mas levou muito tempo para chegar até aqui. Ele vai entrar no último ano no outono, e nós estamos checando as faculdades locais. – April suspirou e me mostrou uma foto dos dois da época quando conseguiu a custódia. – Hoje tem uma festa em Braxton para possíveis novos estudantes. Nós vamos para lá daqui a pouco.

– Você tem toda essa vida da qual eu não sei nada, April. Eu sinto como se tivesse confessado tudo sobre mim mesmo, mas ainda assim estou no escuro com relação a você. – Eu admirava a habilidade da April de proteger a sua privacidade. Saber do relacionamento dela com o Augie esclarecia muito para mim com relação a quem ela era como ser humano. – O que você fez por ele me impressiona muito.

– Algumas vezes eu esqueço que preciso ser como uma mãe. Ele sempre foi bem esperto para a idade, especialmente precisando crescer tão rápido quando a nossa mãe morreu. Nosso pai tirou vantagem da situação. – April colocou a foto de lado e segurou uma da minhas mãos. – Nós não somos tão diferentes, você e eu. É difícil aceitar isso, mas quando eu vi você com a Emma pela primeira vez, eu sabia que havia sido rígida demais naqueles primeiros meses.

O ar ao nosso redor parecia conter uma mágica que desesperadamente nos colocava mais próximos. Parte de mim suprimia o desejo de acariciar gentilmente a sua bochecha e experimentar uma conexão física como a que nós tivemos quando os nossos dedos se tocaram no mês passado. Será que havia algo crescendo entre nós? April sorriu quando eu fechei os seus dedos longos na minha mão e olhei diretamente para ela. Eu estava considerando me aproximar para beijá-la, mas um celular tocou em algum lugar.

– Eu acho que é você. – Ela se afastou de mim e apontou para a minha bolsa de couro.

Eu saí do meu transe temporário e peguei o dispositivo. Era o telefone que o Cristiano havia entregue no começo daquela semana.

– São os Los Vargas.

– Atenda. Se apresse, talvez nós estejamos mais perto de resolver um dos nossos dilemas – encorajou April.

Eu aceitei a ligação.

– Kellan falando.

– É a Francesca. É bom ouvir a sua voz.

Os meus olhos se arregalaram e eu me enchi de animação e de medo. Eu estava feliz por saber que ela estava viva, mas a realidade da situação havia se tornado totalmente aparente naquele momento.

– Você está bem? – perguntei à Francesca, antes de me virar para a April e sussurrar o nome de quem estava ao telefone.

– Sim, o Cristiano me permitiu apenas um minuto para conversar com você. Ele também está aqui e quer que você saiba que ele está ciente da sua localização. – A voz de Francesca estava calma e segura, como se ela não tivesse medo do que estava acontecendo com ela. – Não faça nada idiota.

– Ele vai deixar você voltar para casa logo? O que você pode me dizer? – perguntei eu, olhando da April para o chão quando não consegui encontrar o lugar mais confortável para encarar.

Houve um momento de silêncio seguido por uma conversa abafada antes de Cristiano entrar na linha.

– Eu cumpri a minha promessa de deixar você conversar com a Francesca. Agora que você sabe que ela está viva, eu devo perguntar... você cumpriu a sua promessa de notificar os Castiglianos sobre as minhas instruções?

– Eu contei a eles, Cristiano. Não posso forçá-los a responder, mas eles entenderam a sua mensagem. – Eu troquei de banco para que a April pudesse escutar comigo. As nossas orelhas estavam pressionadas juntas em outro momento de intimidade inesperado enquanto esperávamos a resposta dele.

– Excelente. A Francesca me convenceu de que eu poderia contar com você. Você não deve esperar por muito tempo. Estou marcando uma discussão para a próxima semana. Os Castiglianos têm algo que eu quero, e se eles entregarem a você, podemos colocar um fim a essa situação inconveniente.

April pegou o celular dela e digitou a palavra onde na tela.

– Você vai voltar à Braxton para essa discussão? Onde eu preciso te encontrar? – perguntei eu, tentando ignorar as cócegas agradáveis que o cabelo da April fazia na minha bochecha.

– Para um homem tão esperto, você certamente deixou passar o óbvio, Kellan. Eu nunca saí de Braxton depois da nossa última conversa. – Ele então sussurrou algo que eu não consegui ouvir. – Francesca pediu para que eu lhe diga que a Emma parece feliz no Chuck. E. Cheese e que ela sente falta de ver a filha todos os dias.

Eu fechei os olhos e deixei a cabeça cair em direção ao meu colo. Eu sabia que o Cristiano estava espionando cada movimento meu, mas ele trouxe a Francesca para me monitorar também?

– Onde você está? Por que nós não podemos nos encontrar imediatamente e resolver isso?

Um fogo queimava dentro de mim, ameaçando incinerar tudo ao nosso redor. Por que eles não podiam deixar a Emma em paz? Enquanto a April mandava uma mensagem no celular para alguém da sua equipe ir até o Chuck E. Cheese imediatamente, eu a senti esfregando as minhas costas para me acalmar. Virei a cabeça e murmurei um obrigado.

– Mais alguns dias, e tudo isso deve acabar, Kellan. Eu sinto muito que o sequestro da Francesca tenha sido a minha apólice de seguro, mas se os pais dela fizeram a coisa certa, todos nós vamos ter o que queremos. Vou entrar em contato. – Cristiano cortou abruptamente a ligação.

– Espere! – gritei eu, apesar de saber que ele já havia desligado. – Isso é um pesadelo. Toda vez que eu penso que podemos voltar ao normal, esse cara me assusta seguindo a Emma por aí.

– Eu tenho um veículo sem identificação parando no estacionamento. Tenha fé, Kellan. A sua filha vai ficar bem, e nós vamos pegar as pessoas responsáveis por causar essa guerra. – April agarrou os meus ombros e me forçou a olhar diretamente para ela. – Confie em mim. Estou com você.

Nós esperamos em silencio durante cinco minutos antes que um dos seus policiais confirmasse que ele havia acabado de perder de vista duas pessoas saindo pela porta lateral do restaurante. Eles entraram em uma limusine e se afastaram rapidamente, mas a Emma estava bem e completamente alheia a presença deles. April disse:

– Emma está feliz e brincando com suas amigas como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Você quer vê-la? Eu posso te deixar lá no meu caminho até Braxton.

Eu sacudi a cabeça. Francesca nunca deixaria que o Cristiano machucasse a Emma.

– Está tudo bem. Eu só estou frustrado. Talvez passe por lá antes de um jantar com uma amiga minha. Você deveria ir para Braxton e ajudar o Augie a decidir se é lá que ele quer fazer faculdade.

April assentiu.

– Eu estou com o celular no caso de você precisar de qualquer coisa. Você tem certeza de que não quer conversar sobre o seu irmão ou o que aconteceu com a família Nutberry?

Eu contei brevemente à April sobre as minhas conversas com a Lydia, Tiffany e com o Gabriel, excluindo a parte sobre o meu pai saber de algo importante. Eu precisava conversar com ele antes de revelar essa parte.

– O Connor vai prender o Gabriel pelos roubos de joias ou pelo assassinato do Quint?

– Ainda não. Nós não temos evidências suficientes, e provavelmente eu não deveria estar te contando o que estou prestes a contar, mas você precisa de boas notícias – respondeu April, enquanto ficava em pé para ir embora. – Nós conseguimos algumas digitais na caixa do disjuntor do teleférico. Não sabemos a quem elas pertencem, mas não combinam com as do seu irmão. Nós tínhamos a dele nos arquivos do caso do George Braun no mês passado.

Eu dei um pequeno suspiro de alívio.

– Isso é útil. Eu tenho certeza de que essas digitais poderiam pertencer a vários eletricistas, não é mesmo?

– Na verdade, eram apenas dois conjuntos, as do Quint e de uma pessoa desconhecida. Nós estamos montando uma estratégia para conferir todos os envolvidos. Eu não posso te contar tudo, mas alguns membros desse grupo de amigos não estão sendo totalmente honestos. – April indicou que iria mandar uma mensagem mais tarde.

Enquanto ela saía do prédio, eu refleti sobre as mudanças que começaram a se desenvolver no nosso relacionamento. Quando nos conhecemos inicialmente, éramos como dois gatos de rua brigando por território. Durante os últimos três meses, eu a havia ajudado a resolver vários casos e ficado na sua lista negra mais vezes do que me importava em lembrar. Nas últimas semanas, desde que ela começou a me ajudar com sequestro da Francesca, as coisas estavam bem. Eu a considerava uma amiga; alguém em quem eu podia confiar para cuidar da minha segurança. Depois do momento que tivemos hoje, eu sabia que havia algo mais forte acontecendo entre nós. Eu não podia processar isso até que tudo se acalmasse. Havia uma tempestade violenta sobre nós, e até que esse tornado nos deixasse em um terreno seguro, seria melhor evitar que algo mais sério surgisse.

* * *

Uma hora mais tarde, depois de verificar por mim mesmo que Emma estava bem, eu dirigi de volta ao centro para encontrar a Fern no Simplesmente Stoddard para o jantar. O novo estabelecimento tinha uma localização privilegiada na Praça dos Restaurantes ao lado do rio Finnulia, onde um lindo moinho octogonal de cedro e móveis de teca habilmente dispostos recebiam os visitantes no verão e no início do outono.

Eu cheguei antes da Fern e informei a recepcionista sobre a reserva. Depois de saber que a nossa mesa não estava pronta, eu me sentei no bar e pedi um Jack Daniels e um refrigerante de gengibre, sem gelo. Ele apenas diluía o drink e eu sempre ficava arrepiado quando o gelo batia nos meus dentes. Enquanto o bartender me entregava o coquetel, uma das donas, Karen Stoddard, se aproximou vindo do lado oposto do espaço onde uma cozinha recém-reformada, top de linha, com um tradicional forno-à-lenha e um balcão de sobremesas provocava os clientes. A blusa neon de Karen e a sua saia lápis brilhavam através do espaço apertado entre duas mesas.

– Que bom te ver novamente, Kellan. Fico feliz em saber que podemos colocar as nossas diferenças passadas de lado e coexistir na mesma cidade – comentou ela. As pontas descoloridas do seu cabelo acentuavam o corte, uma escolha estranha, mas ousada, para uma mulher cujo nariz arrebitado era uma característica muito proeminente.

– Eu não poderia concordar mais. O seu marido é um chef talentoso, e eu sempre prefiro encontrar um terreno em comum com alguém do que ficar brigando por coisas inúteis. Como estão o Cheney e a Sierra?

– Meus filhos estão bem. Sierra voltou para Londres, e o Cheney está feliz por terminar o projeto do teleférico. Eu espero que ele tenha desistido da Helena. Ela é uma boa moça, mas o Cheney precisa focar em colocar a vida em ordem – avisou Karen, então disse ao bartender que o meu coquetel era por conta da casa.

– Obrigado. Eu concordo com você. A Helena deveria focar em si mesma. Ela tem um lado turbulento que precisa acalmar um pouco antes de poder se envolver em um relacionamento sério – concordei eu.

– Exatamente. Ela estava aqui mais cedo com algumas mulheres. Houve uma gritaria e bebidas sendo atiradas na mesa. Eu tive que mandá-las embora – explicou Karen, sacudindo a cabeça e grunhindo. – Para quatro mulheres se aproximando dos trinta anos, aquilo foi muito imaturo.

– Sério? Você por acaso sabe com quem ela estava? – Eu presumi que era o grupo da irmandade que tinha discutido sobre os roubos das joias e a morte do Quint. A Tiffany havia mencionado que precisava escapar de um brunch que não tinha ido bem.

– Eu conhecia duas das garotas, Imogene Grey e Krissy Stanton. Eu as escutei discutindo sobre flores copo-de-leite e quem roubou o namorado de quem ao longo dos anos. Coisas triviais – disse Karen, como se não conseguisse entender o que era ficar tagarelando com uma amiga.

Eu descrevi Tiffany Nutberry, e Karen confirmou que ela era a quarta garota.

– Eu agradeço. Isso explica muita coisa. – As garotas tinham, sem dúvida, se reunido para comparar informações e concordar em uma história caso alguém mais fizesse perguntas. Tiffany tinha ficado extremamente brava que uma delas havia revelado sobre o ritual da irmandade.

Quando Karen foi embora, Fern acenou para mim da mesa da recepcionista. Eu deixei algumas notas no bar, a encontrei na nossa mesa, e pedi outro drink. Nós conversamos sobre o seu dia e o casamento que estava por vir. O filho dela, Arthur, estava se casando com a irmã do noivo da minha tia Deirdre, Jennifer Paddington. Eles haviam começado a sair juntos no começo do ano e quando a Jennifer descobriu que estava grávida, Arthur a pediu em casamento. Era uma combinação estranha para o clã. Arthur tinha a minha idade e estava mais para o lado nerd, enquanto a Jennifer estava na metade dos quarenta e vinha de uma família de posses. Eu precisava conversar com a Jennifer para descobrir as circunstâncias do roubo na mansão. Ela havia perdido um relógio caro de família nessa onda de roubos atual.

Assim que cobrimos os assuntos normais e terminamos a nossa refeição, eu perguntei à Fern sobre a irmandade Alpha Iota Ômega. Fern trabalhava em Braxton há mais de vinte anos e aconselhava todas as sociedades gregas do campus. Se houvesse quaisquer segredos para serem descobertos sobre a ligação da irmandade com os roubos de joias, ela saberia.

– O que você pode me dizer sobre o atual estado da Alpha Iota Ômega?

Fern riu.

– Ah, isso é fácil. Eu encerrei aquela irmandade anos atrás. Elas eram uma das infames que gostavam de ultrapassar demais os limites. Eu costumava te desafiar por causa de algumas das práticas de iniciação da sua fraternidade, mas essas meninas eram monstros.

– O que você quer dizer? Elas fizeram algo ilegal?

– O trote em si não era ilegal naquela época, mas eu sempre acreditei que era altamente antiético e perigoso. Eu estava no comitê de frente do instituto contra o bullying da Pensilvânia. Apesar de eu não ter conseguido provar, havia rumores de consumo exagerado de bebidas alcoólicas, violência e trotes perigosos com aquelas garotas. – Fern pediu que o garçom trouxesse uma xícara de café quando ele passou por nós.

– E quanto aos roubos de joias? Você ouviu falar sobre isso? – Eu contei um pouco a Fern sobre o que Helena havia me revelado, sabendo que aquilo não poderia ir além, especialmente com o encerramento da irmandade.

Fern sacudiu a cabeça.

– Nada que eu saiba. A maior parte das informações veio de testemunhas que viram as coisas acontecendo no campus, ou de garotas que reclamavam quando eram tratadas injustamente. Se você está se referindo aos roubos daquele ano, não, eu não sei de nada.

– Isso é decepcionante – disse eu, me sentindo desanimado por não ter descoberto nada de novo com a minha conversa com a Fern. – Eu esperava que você pudesse me fornecer alguma pista que estava faltando. Entre aquelas flores copos-de-leite aparecendo e a repetição dos crimes originais acontecendo nesse ano, eu estou perplexo.

– Flores copo-de-leite? Você sabe que essa é a flor oficial da irmandade Alpha Iota Ômega, certo? É a tradição que mãe da irmandade e a irmã mais velha deem de presente uma flor copo-de-leite branca para cada nova homenageada quando ela se tornava um membro completo. – Fern se aproximou e sussurrou. – Isso foi criado para imitar algo especial que as famílias fundadoras originais costumavam fazer, quando uma filha revelava que gostava de um rapaz. Uma mãe mandava uma flor copo-de-leite branca em nome da filha para o rapaz durante nove dias. Era um sinal de que ele era bem-vindo para chamar a filha para um encontro. Se ele estivesse interessado, ele apareceria com um buque de flores copo-de-leite na décima noite. Se não estivesse, ele mandaria uma única flor copo-de-leite preta para a mãe como um aviso de rejeição. – Fern explicou que no Livro Revelações, Alpha e Ômega significavam o começo e o fim da vida. Lota era também a nona letra do alfabeto grego, e tinha um significado especial para a irmandade em termos da apresentação da flor.

– Você está brincando! – Fern havia acabado de me dar uma peça importante da charada. Se o ladrão estava deixando uma flor copo-de-leite preta a cada nove dias, será que ele ou ela estava tentando mostrar sua rejeição a algo? O quebra-cabeça estava começando a se formar, mas eu precisava de mais informações. Infelizmente, a Fern não conseguiu me contar mais nada de útil. Alguém naquela irmandade sabia o que estava acontecendo, ou pelo menos havia contado a história da flor sendo usada para contar a alguém se você estava ou não interessado em sair com ela. Agora, eu precisava descobrir exatamente o que os símbolos do ladrão significavam e se nós poderíamos prevenir o próximo roubo de acontecer em alguns dias. Isso também poderia revelar o provável assassino do Quint.


11

 


– O Gabriel não vai almoçar conosco hoje. Ele foi embora, na noite passada, para meditar sobre alguma coisa. Ele deixou um bilhete avisando que foi acampar com o Sam nas montanhas – disse Nana D, enquanto alimentávamos os cavalos no domingo de manhã e esperávamos que os meus pais chegassem da igreja. Apesar de estar preparada para entregar a fazenda para o seu braço direito, a minha avó queria aproveitar os últimos dias antes de ficar enterrada em todas as responsabilidades como prefeita que estava prestes a absorver.

– Ele foi embora porque eu o confrontei ontem. Também não consegui uma resposta clara. – Eu esperava que ele fosse confessar tudo o que havia feito enquanto esteve longe de Braxton, mas as suas explicações deixaram mais buracos abertos do que o macacão favorito da Nana D, o que queria dizer muito. – Ele te contou mais alguma coisa?

Emma segurava o balde enquanto o seu cavalo favorito comia a sua aveia matinal. A mãe de uma das suas amigas foi buscá-la essa manhã e deixou Emma no rancho Danby para mim.

– O tio Gabriel não foi embora para sempre, não é?

– Não querida. Ele só precisava se acalmar um pouco – disse Nana D, confortando a minha filha e olhando para mim. – Ele está clareando a mente antes de falar com alguém importante. – Nana D pegou a mão da Emma e começou a caminhar de volta até a casa principal.

Por pessoas importantes, Nana D queria dizer o escritório da xerife. Apesar da polícia não estar procurando oficialmente o Gabriel, ele precisaria discutir tudo o que sabia sobre os roubos de joias, agora que o Connor havia descoberto o nome dele nos registros da loja de penhores na Califórnia.

– Por acaso o Marcus já admitiu a derrota para você? Ou está apenas ignorando a sua posse?

– Ele me ligou ontem para reconhecer que eu venci. Eu também forcei o Marcus a explicar por que ele se encontrou com a Imogene na lanchonete durante a semana passada. Aparentemente, ela solicitou a conversa para avisá-lo de que se a filha dele continuar a causar problemas para o noivo dela, já que ele está começando uma nova carreira em Braxton, ela vai processar a Krissy por calúnia. O Paul deve ter contado a ela o que a Krissy disse no parque na noite da festa do meu aniversário, sobre a Imogene estar o traindo com o Quint.

Nana D fez cócegas na Emma enquanto cruzávamos o jardim de flores, e depois a perseguiu por vários metros antes de finalmente jogar os braços para o ar e admitir a derrota. As flores me fizeram lembrar do que Fern havia me contado na noite anterior, sobre o papel das flores copo-de-leite nos históricos processos de corte da irmandade Alpha Iota Ômega. Eu ainda não consegui descobrir a ligação entre as flores e os roubos de joias ou com a morte do Quint. Se a Imogene havia traído o Paul com o Quint, talvez Paul tivesse ficado bravo por ter sido traído e matou o Quint como forma de retaliação. Será que o Paul havia abandonado um buque de flores copo-de-leite para ficar quite com o seu amigo, por tê-lo apunhalado pelas costas? Ainda assim, eu ainda não tinha certeza se a Imogene havia traído o Paul.

Nana D explicou que o Marcus contou aquilo apenas porque havia ficado bêbado para reunir coragem e admitir a derrota.

– Marcus colocou a culpa da derrota da eleição em outra pessoa, é claro.

No caminho de volta, Eleanor se juntou a nós. Ela só poderia nos visitar durante uma hora antes de precisar atender as pessoas durante o horário de almoço na lanchonete lotada, mas queria passar algum tempo com o resto da família.

– Deixa eu adivinhar, ele culpou o Kellan?

Isso Eleanor! Eu achava que aquele homem iria causar problemas em algum momento.

– Provavelmente.

– Não. Quint Crawford. Aparentemente, o Quint tinha feito algum trabalho na casa do Marcus, e o Marcus nunca pagou. Eu ouvi de alguns moradores que o Quint estava começando a contar às pessoas sobre isso – indicou Nana D, e então sugeriu que eu deveria descobrir se esse rumor era verdadeiro. Enquanto caminhávamos pelo pomar, tia Deirdre e Timothy Paddington estacionaram o carro.

Alguns minutos depois, nós estávamos sentados na sala de estar e conversando sobre tudo o que estava acontecendo entre eles. Assim que o Timothy terminou o seu programa de reabilitação de três meses na clínica Reflexões da Segunda Chance, ele havia se mudado de volta para a mansão Paddington. A tia Deirdre esteve morando com a Nana D no rancho Danby, mas ela se mudou com o Timothy depois que um quarto separado foi preparado para ela. Como uma garota de valores antigos, ela não queria dormir no mesmo quarto que ele até a noite do casamento, mas também sabia que seria muito benéfico para eles, passar o máximo de tempo possível juntos. A maior parte do relacionamento deles havia se desenvolvido por meio eletrônico, enquanto ela morava na Inglaterra e ele esteve na reabilitação.

– O Facebook nos reuniu novamente. Nós namoramos alguns anos atrás, mas muita coisa aconteceu no passado que nós preferimos esquecer – explicou tia Deirdre, com o olhar estreito em direção ao Timothy. O cabelo louro-escuro na altura dos ombros da minha adorável tia estava amarrado para trás com uma fita rosa, destacando a curva elegante de seu decote. Seu pescoço estava adornado com um colar de prata e diamantes, cortesia do seu rico noivo.

– Exatamente, querida. A Reflexões da Segunda Chance me ofereceu um novo sopro de vida, e agora nós precisamos aproveitar isso. – Timothy apertou a mão dela e beijou seu nariz. O tempo dele na reabilitação havia revertido vários dos impactos físicos do seu vício em álcool, drogas e jogos, mas o seu cabelo continuava a ficar mais grisalho nas têmporas e acima das orelhas. Ele era um excelente exemplo do porque as pessoas diziam que os homens se tornavam mais distintos à medida que envelheciam. – Eu simplesmente adoro esse pêssego maravilhoso de mulher.

Nana D caminhou por detrás do sofá, onde apenas eu e Emma podíamos vê-la. Ela fingiu colocar dois dedos na boca e vomitar quaisquer pensamentos que haviam ficado presos dentro do seu corpo. Quando voltou ao campo de visão de todo mundo, ela disse:

– Ah, vocês dois são tão fofos! Contem para gente sobre os seus planos simplesmente divinos para depois do casamento? – Era uma benção não ser o alvo do sarcasmo dela, por mais que eu soubesse que a minha hora chegaria logo.

– Obrigada, mãe – disse a tia Deirdre, com a leve torção de uma veia ao lado do seu pescoço. A evidência do seu sotaque britânico desaparecia conforme ela bebia, ou ficava mais frustrada e com raiva, enquanto falava. – Timothy vai me levar para as Maldivas durante nove dias, então nós vamos passar na Inglaterra para uma celebração com todos os meus amigos de lá.

– Onde vocês estão planejando morar depois do casamento? Vocês vão embora de Braxton assim tão rapidamente?

Timothy passou o braço ao redor dos ombros da minha tia.

– Nós só vamos ficar fora por algumas semanas enquanto eu me atualizo sobre o que está acontecendo nas empresas Paddington. Vamos retornar no fim de julho quando eu puder assumir o controle e deixar o tio Millard voltar para a aposentadoria.

– Timothy e eu planejamos dividir onde vamos morar. Meu apartamento em Londres é grande o suficiente para montar um escritório remoto para ele, como um ou dois quartos extras para quando tivermos os nossos pequenos – explicou tia Deirdre, resultando em um engasgo incontrolável na minha avó. Segundos depois, Nana D chutou a perna da mesa de centro e casualmente culpou o engasgo à uma câimbra inesperada na perna.

Pelo canto do olho, eu vi um olhar estranho quando Eleanor percebeu que a tia Deirdre estava esperando ficar grávida com um bebê do Timothy. A minha irmã vinha considerando inseminação artificial nos últimos meses porque ainda não havia encontrado seu marido; a tia Deirdre já tinha cinquenta anos, e por mais que a ciência moderna já houvesse feito grandes avanços, isso era um passo e tanto para a família aceitar.

– Enquanto estamos aqui em Braxton, vamos cuidar da mansão Paddington. A tia Eustacia está se mudando de volta para Willow Trees para retomar sua vida, mas minhas irmãs vão continuar na mansão conosco. Existem várias alas para dar a todos a privacidade que precisamos – acrescentou Timothy.

– Vocês realmente acham que precisam ter filhos nessa idade quando... – Nana D foi interrompida quando a porta da frente se abriu, e os meus pais entraram carregando uma caixa da padaria local e um pequeno presente para Emma. A minha mãe mimava a minha filha, e havia pouco que eu pudesse fazer para impedir isso.

A tia Deirdre zombou e sussurrou algo para Timothy, Emma pulou do banco e correu em direção ao meu pai. Depois de trocarmos cumprimentos, eu peguei a caixa da minha mãe e caminhei com ela até a cozinha. Meu pai conversava com Emma sobre o mais novo truque do Baxter. Eu teria que encontrar tempo mais tarde para encurralá-lo sobre o segredinho sujo dele e do Gabriel.

– Você está maravilhosa hoje, mãe. Eu sinto falta de te ver com mais frequência. Nós devíamos organizar um almoço semanal. Afinal trabalhamos no mesmo campus, não é? – Ela trabalhava como diretora de admissão por mais tempo do que eu conseguia me lembrar, e ainda assim nós raramente nos esforçávamos para nos encontrar, de acordo com a minha programação de aulas.

– Eu adoraria, Kellan. Mais cedo na igreja, o padre O’Malley falou sobre a importância da família. Eu sou tão grata por você e o Gabriel terem voltado para Braxton, e o Hampton vem para cá no fim do verão. Até mesmo a minha irmã está em casa novamente. – Ela me abraçou como quando eu era pequeno e dançou alegremente pela cozinha. – Eu convenci a Nana D a não fazer sobremesa hoje. Queria trazer aqueles éclairs que você ama daquela pequena padaria na rua principal. Eles são simplesmente divinos!

– Obrigado, mãe. Vou conferir a minha programação e sugerir alguns dias para almoçarmos. É a Siobhan quem está organizando o seu calendário agora que ela trabalha no escritório de admissões? – perguntei eu enquanto ela colocava os éclairs em um prato.

– A perda do seu departamento foi um ganho para o meu. A Siobhan é muito eficiente, até mesmo quando está presa em casa com um bebê doente. Eu amo os meus netos, mas estou aliviada que aqueles dias já acabaram para mim. – A minha mãe podia kvetch bastante — uma palavra hebraica que a April me ensinou — sobre cuidas de crianças aos trinta anos, mas a sua beleza excepcionalmente jovem e a sua atenção aos novos produtos revelavam o seu medo de envelhecer.

– Vocês duas são próximas? Eu sei que a Siobhan estava contando com a ajuda da Bertha Crawford para cuidar dos bebês, mas depois que a Bertha ficou doente e o filho dela morreu na semana passada, não tem sido fácil. – Eu estava curioso se a minha mãe sabia de algum ressentimento entre o Quint e a Siobhan, baseado no que a Bertha havia mencionado na casa funerária.

– Aquele pobre rapaz! Eu tenho que admitir, nunca liguei muito para o amigo do seu irmão. Parecia que o Quint sempre encontrava problemas, e já o vi ser direto demais com as mulheres. Ele e a Siobhan tiveram uma briga recentemente, e eu não gostei da maneira como ele estava se comportando. Nada muito cavalheiresco. – Minha mãe fez um som de reprovação enquanto entrava na sala de jantar e colocava a bandeja na mesa.

Eu pedi que ela me desse um exemplo, e ela revelou o que havia acontecido entre a Siobhan e o Quint no mês passado. Quando Siobhan deixou os gêmeos na casa dos Crawford, Bertha pediu que ela fizesse um favor: entregar o almoço do Quint no caminho dela de volta para o campus. Depois que Siobhan o conheceu, surgiram faíscas entre os dois. Quint deve ter convencido Siobhan a passar a noite com ele enquanto a sua mãe cuidava dos bebês.

– A Siobhan pensou que ele estava genuinamente interessado nela. Quando tentou ficar mais séria com ele, ele se afastou, dizendo que o seu coração pertencia à outra mulher. Ela ficou terrivelmente brava, e eu não a culpo. Eu não acho que o Quint queria fazer algum mal, mas ele realmente deixou a Siobhan chateada. Ela queria ensinar uma lição a ele, mas eu disse que deixasse aquilo de lado, que homens americanos podem ser tolos. Aquela pobre moça ainda fica incomodada quando eu menciono o nome dele. O Quint sempre pensou que era o presente de Deus para as mulheres, mas infelizmente, ele não vai ser capaz de se redimir agora que se foi. É realmente desesperador quando alguém jovem morre em um acidente como aquele. – Ela mexeu em uma mecha do cabelo castanho avermelhado que não queria ficar preso atrás da orelha.

– Ele fez coisas desse tipo antes? Ou essa foi uma ocorrência isolada? – perguntei eu, surpreso por ficar sabendo sobre esse lado dele. Quint podia ser persistente, mas eu imaginei que ele fosse um cara decente que sabia como tratar as mulheres. Helena e Tiffany nunca haviam mencionado nada de negativo que me levasse a acreditar no contrário. Imogene não teria namorado com ele se ele fosse tão insensível assim. Será que ele poderia ter mudado?

– Eu realmente não tenho certeza, mas a situação se tornou tão ruim que a Siobhan considerou contar para a Bertha o que o filho dela havia feito. Ela não teve coragem de partir o coração da mulher, especialmente durante a quimioterapia, com as histórias do mau-comportamento do filho. Ao invés disso, ela procurou outra babá.

– Você acha que a Siobhan tentou se vingar do Quint? – Ela era uma mulher forte e poderia estrangular alguém, especialmente se ele estivesse inebriado e incapaz de se defender. Eu precisava confirmar com o Connor se o Quint estava bêbado na noite em que morreu. Eu não me lembrava de ter sentido cheiro de álcool no vagão do teleférico, ainda assim a Siobhan definitivamente tinha as mãos do tamanho certo, baseado na descrição do médico legista.

– Siobhan tem o temperamento forte, mas ela é uma garota inteligente e não se meteria nesse tipo de problema. – Minha mãe sacudiu a cabeça para dar mais ênfase.

– Ela estava no escritório no dia que o Quint morreu? – Eu pensei em como a Siobhan havia agido no dia anterior e no dia posterior à morte do Quint, mas não havia nada estranho.

– Tenho que conferir. Eu não me lembro, vou olhar no meu calendário quando voltar ao trabalho amanhã – respondeu a minha mãe no momento que Nana D entrava na sala de jantar.

– Vamos tirar a nossa refeição do forno. O seu marido estúpido está ficando rabugento na outra sala, Violet. Às vezes eu não consigo aguentar a voz daquele homem – resmungou Nana D enquanto passava por nós, e então gritou na direção da sala de estar: – Mexam os seus traseiros para cá, todo mundo. Nós temos que comer antes que o Rei Wesley nos entedie até a morte com uma das suas maravilhosas histórias sobre si mesmo.

– Não precisa gritar, Excelentíssima, todos nós te seguimos até a sala de jantar para o caso de você tropeçar acidentalmente e cair em cima do seu ego. Não queremos que você quebre um quadril, ou queremos? – anunciou o meu pai enquanto se sentava na cabeceira da mesa. Até mesmo na casa da Nana D, ele assumia o que sentia que era o seu lugar de direito depois que o meu avô morreu. As brigas deles por controle haviam sido épicas ao longo dos anos, e por várias vezes eu apenas me sentava e escutava as acusações selvagens e conotações ocultas passando por mim.

Assim que terminamos de comer, Eleanor foi para o trabalho. Timothy se ofereceu para lavar os pratos com a tia Deirdre, como parte dos contínuos exercícios para o desenvolvimento do relacionamento.

– Aqueles que limpam juntos sempre brilham juntos, certo, mãe? – disse ele, se virando para a Nana D. Chamá-la daquele jeito não cairia bem!

Dessa vez, eu e Nana D nos viramos para imitar o som de pessoas vomitando. O tempo que Timothy tinha passado na reabilitação o havia convertido em um ser humano cheio de energia. Eu mal podia esperar para ver como as coisas correriam quando ele voltasse para as empresas Paddington, uma corporação conhecida por ser tão cruel como qualquer outra grande companhia internacional com a qual tinham negócios. Eu peguei dois copos e a garrafa de whisky do armário da Nana D e sinalizei para o meu pai se juntar a mim na varanda. Emma estava brincando de jogar bola com o Baxter enquanto minha mãe discutia sobre os planos de casamento da irmã dela junto com a Nana D.

– Excelente ideia, filho. Você sabe exatamente como fazer a tarde ficar melhor – meu pai se animou, enquanto me dava tapinhas nas costas ao sairmos de casa. Uma brisa suave carregava o aroma das frutas frescas do pomar. Eu fiquei tentado a dar uma caminhada, mas tinha assuntos urgentes para tratar com o meu pai.

– Não fique tão animado ainda, pai. Eu tenho um outro motivo. – Eu esperei que ele se sentasse em uma cadeira de palha antes de servir e entregar o uísque. – Nós precisamos ter uma conversa sobre o Gabriel.

– Entendo. Você está me adulando antes de jogar uma bomba em mim? Você definitivamente puxou mais à sua mãe do que a mim, filho. – Ele tomou metade da dose e pigarreou audivelmente. – Estou pronto. O que vocês dois estão aprontando, e o que você precisa de mim para começo de conversa?

Meu pai já havia imaginado os seus três filhos se unindo em um negócio para construir um império familiar. O meu irmão mais velho, Hampton, havia se juntado a uma prestigiosa firma de advocacia anos atrás e iria se mudar novamente para a Pensilvânia no outono. Quando eu saí da cidade para focar na indústria de filmes e televisão, o sonho do meu pai foi esmagado, mas por várias vezes ele ainda tentava redirecionar os meus interesses. Isso não havia funcionado até que ele me convenceu, no começo desse ano, a ajudá-lo a construir um programa avançado de comunicações em Braxton. Nós trabalhávamos bem juntos, mas isso era basicamente porque havia várias outras pessoas envolvidas no projeto.

– O Gabriel pode estar com problemas, e eu acho que você sabe muito bem sobre isso. Ele mencionou que você cuidou de algo quando ele deixou a cidade há oito anos. – Eu fiz uma pausa para deixar que o silêncio prevalecesse, esperando que isso deixaria o meu pai suficientemente desconfortável para ser honesto comigo.

– Aquilo está no passado. Não há motivo para desenterrar isso novamente. Além disso, eu não tenho certeza do que aconteceu, às vezes é melhor deixar certas coisas não ditas. Por que não conversamos sobre outro assunto? – Meu pai se levantou e olhou para o horizonte, chacoalhando as moedas no seu bolso.

Eu escutei enquanto ele respirava até conseguir encontrar as palavras certas.

– O que quer que você tenha feito oito anos atrás, não funcionou. O Gabriel pode ser preso pelo papel dele nos roubos de joias, e honestamente, pai, ele parece culpado para mim. Eu quero protegê-lo, mas não tenho informações para fazer isso. – Fiquei parado ao lado do meu pai e observei a fazenda, tentando entender no que ele estava focado. – Eu suspeito que você tenha. Nós podemos trabalhar juntos para solicitar alguma ajuda para ele, como as famílias fazem quando um dos seus precisa de ajuda.

Alguns pássaros cantaram e um cortador de grama fazia o seu trabalho em algum lugar distante enquanto ele considerava o meu pedido.

– Você faz o seu melhor como pai para proteger os filhos quando eles são jovens. E você espera que eles aprendam a lição e não repitam os mesmos erros. – Meu pai se encostou à coluna, levemente desanimado e hesitante em continuar. – O Hampton se saiu bem, mas ele quase não conseguiu terminar o último ano da faculdade de Direito. Um dia ele desistiu porque não era o melhor estudante da turma, e então foi embora por duas semanas. Eu só descobri isso quando a faculdade ligou para saber se ele tinha ficado doente.

– Eu não sabia. Ele sempre pareceu bem sensato – respondi eu, me sentindo estranhamente triste pelo meu irmão, mas feliz em saber que ele era realmente humano e que cometia erros.

Meu pai me contou como encontrou Hampton e o colocou de volta no rumo a tempo de poder se formar.

– A sua irmã, Penelope, fez algo parecido, assim como a Eleanor e o Gabriel cometeram erros bobos no passado. Isso parece fazer parte do DNA da família.

Eu fiquei sabendo sobre a fuga da minha irmã para se casar com o marido e de como ela confessou ter feito isso para impedir meus pais de tentarem controlar a sua vida. Eleanor os havia desapontado quando não se tornou médica e aceitou um emprego como garçonete na lanchonete. Ambas as minhas irmãs haviam redimido as suas ações anos depois, mas as coisas ficaram estranhas durante um tempo.

– Talvez tenhamos puxado esse lado rebelde da Nana D – provoquei eu, esperando aliviar a tensão.

– Kellan, de todos os meus filhos, você é o único que efetivamente me enfrentou. Você me impediu de interferir nas suas decisões. Você sai da sua zona de conforto para proteger todos da família. Eu estou orgulhoso de você, filho. – Meu pai se aproximou para me abraçar, e por um momento, eu não consegui pensar em nenhuma resposta apropriada. – Há oito anos fiz algo que não deveria. Talvez seja hora de você consertar isso.

Meu pai confessou um segredo sinistro que ele e o Gabriel estiveram escondendo. Depois que nosso pai aceitou a oferta para se tornar o novo presidente de Braxton, Gabriel havia decidido não se transferir para Penn State. O relacionamento escondido do meu irmão havia acabado inesperadamente, e ele sabia que teria que revelar a verdade sobre se sentir atraído por homens. Gabriel, então, se mudou para São Francisco para se esconder e passar algum tempo, que durou mais do que o planejado. Nós já havíamos conversado sobre essa parte no mês anterior quando ele retornou para a cidade; no entanto, ninguém sabia que o meu pai havia decidido, brevemente, desistir do cargo de presidente para dar ao Gabriel a opção de continuar em Braxton. Infelizmente, foi então que o xerife Crawford abordou meu pai com notícias incômodas que mudaram tudo.

– O xerife alegou que o Gabriel estava envolvido em pelo menos um dos roubos de joias. Ele se ofereceu para encobrir o assunto, mas insistiu que ambos os garotos saíssem da cidade para garantir que as coisas esfriassem por um tempo.

– O que você quer dizer com ambos os garotos saíssem da cidade? Quem mais estava envolvido?

– Quint Crawford. Silas me contou que o seu sobrinho e o Gabriel estavam envolvidos nos roubos. Você não acabou de me contar que já sabia disso? – meu pai disse, com a cabeça inclinada para o lado.

– Não, eu sabia que havia mais alguém envolvido, mas nunca ouvi o nome. Quando o Quint foi embora da cidade? – Ninguém nunca me disse que o Quint tinha morado fora de Braxton.

– Há cerca de oito anos, mais ou menos ao mesmo tempo que o Gabriel. Ele só retornou em abril, quando soube que a mãe estava doente – meu pai respondeu, explicando que havia inicialmente se recusado a acreditar que o Gabriel estava envolvido, mas assim que vasculhou no dormitório do meu irmão, encontrou algumas das joias desaparecidas. Meu pai então o confrontou, e ele não negou as acusações e nem as admitiu. Ao invés disso, Gabriel focou na sua batalha para aceitar que era gay e na sua frustração com o novo emprego do meu pai. Meu pai tomou a decisão de convencê-lo a sair da cidade, não por estar com vergonha sobre o filho ser gay, mas porque queria que o filho tivesse uma vida melhor do que ser jogado na prisão.

– Eu me senti terrível durante todos esses anos por ter sido o motivo pelo qual ele ficou longe de todo mundo – meu pai disse em uma voz triste e baixa, antes de explicar que o xerife Crawford havia mostrado uma cópia do registro da loja de penhores com o nome do Gabriel. – Então eu soube que seu irmão era culpado de alguma coisa. Mesmo que não tenha sido ele quem roubou as joias, ele as tinha guardado no quarto do dormitório e as vendido em São Francisco. Talvez se eu tivesse feito o Gabriel tomar responsabilidade por suas ações, as coisas seriam diferentes agora.

Eu considerei tudo o que o meu pai havia revelado, incluindo reconhecer o que ele havia confirmado: Tiffany havia visto Gabriel com as joias no dia em que ele fugiu da cidade.

– O Gabriel fez isso, pai. Ou ele ou o Quint voltou para Braxton para começar a roubar novamente, sabendo que o xerife tinha falecido no ano passado, ou o Gabriel sabe quem está recriando os crimes agora. Talvez haja um cúmplice ou um imitador.

Concordamos em nos reunir no dia seguinte assim que o Gabriel retornasse das montanhas. Achávamos que o meu irmão não havia desaparecido novamente, mas só o tempo diria com certeza. Enquanto o meu pai entrava em casa, eu refleti sobre o que havia descoberto do seu papel e sobre a história das flores copo-de-leite da irmandade. Nós também não tínhamos acesso aos registros de oito anos atrás. O xerife era corrupto. Eu não aprenderia muito sobre os crimes antigos. Eu já havia conversado com a Lydia e a Tiffany Nutberry sobre os brincos que haviam sido roubados na casa delas no mês passado. Agora, eu precisava confirmar onde o Quint e o Gabriel haviam estado naquela noite, bem como nas outras três vezes que outras joias foram roubadas.

Baseado nas ocorrências passadas, nós tínhamos um dia antes que o próximo roubo ocorresse, se esse padrão de nove dias continuasse consistente. Se o roubo acontecesse, então Gabriel provavelmente era o responsável e teria que se entregar. Se não, talvez o Quint tivesse sido o líder e o Gabriel não estivesse envolvido nessa sequência atual. Eu tinha que descobrir a verdade para evitar que o meu irmão cometesse outro erro. E mais importante, eu tinha que aceitar que havia falhado em descobrir um fato relevante: Quint também havia saído da cidade logo após os roubos originais. Enquanto identificar o cúmplice e/ou o mentor resolveria um problema para mim, isso criava outro ainda mais complicado. Se Quint e Gabriel eram os ladrões, e eles estavam trabalhando juntos novamente, não havia mais um cúmplice misterioso para ser culpado pela morte do Quint. Eu não podia aceitar que Gabriel fosse o assassino, sugerindo que a outra única solução lógica era de que a morte do Quint não tinha relação com os roubos. Agora, como eu solucionaria o seu assassinato?


12

 


Depois que a tia Deirdre contou à minha filha sobre as novas flores na estufa da mansão Paddington, minha filha implorou para vê-las. Timothy se ofereceu para levá-la e trazê-la de volta, mas eu vi isso como uma oportunidade de conversar com Eustacia e Jennifer Paddington, a tia e a irmã dele, para questionar sobre o que elas sabiam dos roubos. Seguimos a tia Deirdre e o Timothy (eu me recusava a chamá-lo de tio Timothy a essa altura da vida) até a mansão. A casa de três andares havia sido construída no começo do século XX e estava perto de completar cem anos. Timothy havia mencionado fazer uma recepção, durante o verão, para todos os amigos deles, para celebrar a história da família e deixar de lado as tragédias do último ano. Um pequeno estacionamento, um caminho de lascas de cedro e jardins luxuosos com arbustos e árvores, que haviam sido podadas no formato de animais da floresta, recebiam os visitantes no caminho até a mansão.

A substituta de Bertha nos recebeu na porta. Enquanto Emma foi com a tia Deirdre e o Timothy conferir a estufa, eu perguntei para a nova empregada o que ela sabia sobre o último roubo de joias. Infelizmente, ela havia começado a trabalhar lá na semana seguinte ao acontecido, o que significava que ela não podia me ajudar.

–Não tinha ninguém trabalhando na casa no dia do roubo, senhor. Os Paddingtons ainda estavam fazendo as entrevistas para a substituição – comentou ela, antes de sair para encontrar a Eustacia. Quando a encontrou, ela me conduziu para uma sala de estar onde Eustacia e Jennifer conversavam sobre os detalhes do casamento.

– Kellan, que surpresa. O que te traz por aqui? – cantarolou Eustacia da sua poltrona azul-bebê. A bengala dela, com um topo de cabeça de leão, estava ao lado da poltrona, permitindo que os seus pés descansassem confortavelmente. Eu não queria fazê-la se levantar, então me inclinei para um cumprimento sem muita precisão. Eu conhecia a amiga da minha avó há anos, e estava grato pelas duas estarem em bons termos desde que a eleição havia sido decidida. – Nós sentimos a sua falta em Kirklands na outra noite, dorminhoco.

– Você é muito engraçada. – Eu contei a elas sobre os interesses botânicos da Emma, então trouxe o assunto da Bertha Crawford. – Eu a vi durante o funeral da sexta à noite. Ela não parecia bem.

Eustacia sacudiu a cabeça e suspirou. A cor normalmente azulada do cabelo dela havia sido deixada mais neutra, mas ela nunca abandonaria o conforto das suas clássicas roupas de ginástica dos anos oitenta. Quando eu estava em casa, apesar de exigir que os outros se vestissem mais sofisticadamente, ela preferia o conforto ao invés do lado fashion.

– A vida nunca deveria acabar tão brevemente. Eu não consigo imaginar como é ter sido eletrocutado, aquela pobre alma.

Pelo menos a xerife havia sido capaz de impedir que a causa verdadeira da morte do Quint alcançasse muitas pessoas.

– Eu imagino que você o conhecia desde menino já que a Bertha trabalhava aqui.

– Sim, ele costumava vir nos visitar quando era um menino. A Bertha trabalhou para nós durante quase vinte e cinco anos antes de se aposentar – disse Eustacia enquanto olhava inocentemente pela sala.

– A Bertha estava trabalhando aqui no dia em que houve o roubo de joias Paddington? – perguntei eu, esperando que tivesse introduzido o assunto de maneira inconspícua.

– Em qual das vezes? – Jennifer colocou as agulhas de tricô no colo. Ela estava criando o que parecia com um cobertor para seu bebê, previsto para nascer no outono. Usando menos maquiagem do que o normal e com o cabelo castanho claro cortado um pouco mais curto, Jennifer parecia bonita e relaxada. A maternidade e o casamento iminentes suavizaram as arestas e as suas tendências de agir de maneira mimada.

– Eu suponho que nas duas? – disse eu, me sentindo um pouco culpado por levá-las onde eu precisava. – Oito anos atrás, Gwendolyn perdeu um broche, certo?

Eustacia riu.

– Perdeu? Ele foi roubado, meu querido. Ela jurou de pés juntos por dias sobre não tê-lo perdido no teatro, mas ninguém acreditou nela. Eu sei com certeza que ela estava contando a verdade.

Notícias interessantes. Helena havia me contado que elas haviam pegado o broche enquanto ela assistia uma apresentação de teatro, mas todos os outros diziam que o broche não estava por lá.

– O que você quer dizer?

– O show aconteceu em uma sexta-feira à noite. Eu não pude ir porque a minha artrite estava atacando e eu não tinha conseguido conversar com o Dr. Bestcha naquela tarde. Não posso falar sobre o que aconteceu no teatro, mas no dia seguinte... – disse ela, parecendo feliz consigo mesma. – O broche estava na penteadeira da Gwennie onde ela o havia deixado, tão óbvio como as rugas no rosto dela.

– Então, você acredita que o ladrão roubou o broche daqui, e não do teatro? – Eu estava confuso por causa das duas histórias diferentes, mas sabia que devia haver alguma explicação razoável. Helena tinha dito que a Krissy o pegou no chão do lobby principal na Casa de Espetáculos Paddington. Quando Eustacia assentiu, eu disse: – Como você explica que várias testemunhas disseram tê-lo visto durante o show?

– Elas deviam estar confusas. Era apenas um grupo de meninas da irmandade, elas provavelmente viram o broche de outra pessoa e pensaram ser o da Gwennie – respondeu ela com determinação, se virando para a Jennifer. – Você estava lá. Viu o broche?

– Eu não estava prestando muita atenção, tia Eustacia. Foi a Bertha quem sugeriu que a polícia deveria perguntar a todos os que foram ao show. O filho dela, Quint, tinha estado aqui naquele dia para o aniversário dela, e ele mencionou que os amigos estiveram no local e poderiam se lembrar de terem visto alguma coisa. – Jennifer beliscou um biscoito seco antes de me oferecer um de um prato ornamentado com vários outros, outro sinal de que as suas maneiras estavam melhorando desde que a sua mãe faleceu no começo daquele ano.

Eu recusei a oferta, apenas conseguindo focar na presença do Quint em todos os lugares. Por que ele havia decidido roubar todas as joias? Ele colocou o meu irmão nisso? Krissy Stanton diz ter visto o broche no chão do teatro. Como ele voltou para a mansão Paddington depois que alguém o colocou no cofre na casa da irmandade? Cada vez mais parecia que eu precisava fazer uma visita à Krissy, que podia se lembrar de mais do que imaginava.

– E quanto a você, Jennifer? O que você teve roubado recentemente?

Jennifer explicou que havia desenvolvido uma reação incomum ao usar joias de prata depois de entrar no segundo trimestre da gravidez. Ela parou de usar um antigo relógio que o seu pai havia dado pelo seu aniversário de dezoito anos. Ele tinha cristais e diamantes na parte frontal e valia um bom dinheiro.

– Eu decidi mandá-lo para limpeza, esperando que talvez eu conseguisse usá-lo novamente sem ter irritação na pele. Ele estava na minha mesa de cabeceira no dia em que foi roubado. Arthur me buscou para o almoço, e eu pensei que havia ativado o alarme antes de sair de casa. Eu posso ter me esquecido... você sabe, por causa da gravidez e tal.

Jennifer explicou que não havia mais ninguém na casa naquela manhã ou noite, por causa da festa à fantasia acontecendo na Biblioteca Memorial. Millard estava no escritório, Eustacia estava com amigos, e Ophelia e as filhas estavam de férias; a faculdade havia acabado e elas precisavam de uma folga da sua agenda atarefada. Quando Jennifer retornou ao quarto naquela noite, o relógio estava desaparecido e havia uma flor copo-de-leite preta no lugar.

– O relógio foi a única coisa que nós não trancamos no cofre naquele dia. O último dia de trabalho da Bertha também havia sido naquela semana. O lugar estava verdadeiramente vazio – disse ela, então se virou para a Eustacia. – O que me faz lembrar, Bertha mencionou que o Quint devolveria as chaves naquele final de semana, mas eu nunca o vi. Eu não acho que nós devemos perguntar a ela sobre isso agora, não é mesmo?

Depois que Eustacia olhou para mim, sincronizando a nossa nova clareza e percebendo que ela lidaria com isso, eu disse:

– Vocês não têm câmeras instaladas por toda a casa?

Eustacia riu como uma criança pequena.

– Nós tínhamos, mas depois da tragédia do assassinato da Gwennie, tivemos que pedir outro sistema. O Timothy queria cuidar disso, mas ele não estava em casa durante a reabilitação. O novo sistema está instalado agora. – Ela também indicou que não havia sinais de arrombamento, por isso Jennifer pensou originalmente que havia esquecido a porta da frente destrancada.

– Você contou à polícia tudo o que acabou de me contar?

Jennifer assentiu.

– Exceto sobre a Bertha não nos ter entregado as chaves. Eu tinha me esquecido dessa parte. Você não acha que o Quint tem alguma relação com isso, ou acha?

– Eu realmente não posso dizer, mas seria uma estranha coincidência com as chaves e nenhum sinal de entrada forçada. Talvez ele as tenha perdido acidentalmente. – Eu precisava contar à April e ao Connor o que eu sabia. – Espero que a polícia encontre o relógio, ele parece ser bem especial para você – sugeri eu, me perguntando se deveria também visitar a Bertha e contar o que eu havia descoberto. Se ela tivesse entregado as chaves ao Quint, nós poderíamos ter encontrado a explicação de como o roubo do relógio da Jennifer aconteceu.

Emma e Timothy se juntaram a nós na sala de estar. Eles tinham se divertido bastante olhando todas as flores e a pequena lagoa no meio do Grande Pavilhão.

– Tem uma planta malvada que morde os peixinhos dourados, papai – estremeceu Emma, escondendo algo atrás das costas. – Eu não quero uma daquelas, e nós nunca vamos trazer o Baxter para cá.

– Boa ideia. O que você tem aí? – Eu a virei e arquejei.

– A tia Deirdre disse que é uma flor copo-de-leite. – Ela deu uma risada e me entregou a que estava escondendo atrás das costas. – Alguém cortou um monte e deixou essa perto da lagoa. Elas não são bonitas?

– Sim, é chamada copo-de-leite, e sim, são muito bonitas. Especialmente as pretas. – Ela estava começando a murchar, o que sugeria que não havia sido cortada recentemente.

Timothy respondeu:

– Eu liguei para o tio Millard para avisar que tem várias delas faltando no Grande Pavilhão. Ele não passou por aqui para limpar a lagoa ou monitorar as flores do jardim já tem uma semana. A última vez foi no dia do aniversário da Nana D, quando tudo estava certo.

– Você tem alguma câmera que poderia mostrar quem esteve perto da lagoa?

– Talvez — disse Eustácia, — mas provavelmente foi a nova empregada. Não se preocupe, nós vamos cuidar disso, Kellan. Se eu não soubesse, suspeitaria que fosse o nosso ladrão de joias, mas provavelmente é apenas uma coincidência.

– Por que você disse isso?

– Todas as flores que foram deixadas como um cartão de visitas depois dos roubos eram flores copos-de-leite brancas que haviam sido pintadas de preto com spray. Aquelas desaparecidas do nosso jardim são autênticas flores copo-de-leite pretas. Nós começamos a plantá-las apenas duas semanas atrás, depois que o relógio da Jennifer foi roubado.

Por mais que o que a Eustacia disse fizesse sentido, ela não tinha o privilégio de saber que aquelas deixadas ao lado do corpo do Quint também eram autênticas. Não havia sido usada tinta spray naquele buquê.

– Eu posso ver a gravação? Não posso te dizer porque, mas pode haver algo de importante nela.

– É claro, eu confio que você tem um motivo válido — disse Timothy, — mas infelizmente não existem câmeras apontando para perto da lagoa no Grande Pavilhão. Nós só instalamos câmeras nas entradas, saídas, corredores, salas principais e no exterior da casa.

Isso não iria me ajudar. Se eu soubesse quem esteve dentro do Grande Pavilhão, eu podia confirmar quem cortou várias flores para deixar ao lado do corpo do Quint depois de matá-lo.

– Será que você pode compilar uma lista de quem teve acesso ao local entre o horário que o Millard cuidou das flores no último domingo até a terça-feira pela manhã? Visitantes, empregados, qualquer um da família. Por favor, é importante.

Jennifer olhou para a tia e o irmão, então sacudiu a cabeça.

– Não foi quando você encontrou o corpo do Quint Crawford?

Eu assenti.

– É claro, vou conversar com todos na casa e montar a lista – anunciou Eustacia firmemente, então se apoiou na bengala para se levantar da poltrona. – Venha, Jennifer, nós temos trabalho a fazer e um novo criminoso para pegar.

* * *

No caminho para casa, eu me convenci a contar ao Connor o que eu havia descoberto sobre as flores de copo-de-leite terem sido cortadas na mansão Paddington. Informando a ele, eu estava arriscando que ele intervisse com a Eustacia e insistisse que ela entregasse a lista para ele, e não para mim. Eu daria um jeito se e quando isso acontecesse.

Emma e eu passamos o resto da tarde juntos. Enquanto ela lia alguns capítulos do seu escritor favorito, eu me preparava para as próximas aulas. Nós teríamos o nosso primeiro quiz naquela semana, e eu precisava criar perguntas que cobrissem uma grande variedade de assuntos. Na hora do jantar, Emma estava com vontade de comida chinesa. Confiante de que a entrega demoraria demais, eu fiz o pedido de algumas opções diferentes e dirigi até o restaurante para buscar. Nosso pedido não estava pronto quando eu cheguei, e a recepcionista nos deixou esperar em uma mesa de canto com um balde de biscoitos da sorte grátis. Havia um gato dourado de cerâmica (um símbolo chinês tradicional para a sorte) que ficava acenando continuamente para nós de uma prateleira próxima. Emma colocou os fones de ouvido e começou a jogar no celular. Eu usei o meu próprio aparelho para me atualizar dos e-mails de trabalho que tivesse deixado passar desde a sexta-feira. Eu tinha acabado de abrir o resumo da reunião de funcionários da Myriam quando o meu nome foi chamado.

Não era a recepcionista com notícias da minha comida.

– Que engraçado te ver por aqui, Dr. Ayrwick – disse Krissy Stanton enquanto se aproximava da nossa mesa. – Essa deve ser a sua adorável filha.

– Sim, essa é a Emma. – Eu cutuquei o cotovelo da minha filha e as apresentei. Emma me contou que estava quase passando para a próxima fase, então eu a deixei continuar jogando. – Você está chegando ou saindo? – perguntei à Krissy.

– Chegando. Vou jantar com meu pai hoje à noite. Ele ainda não chegou – disse ela, se sentando à minha frente. – Você se importa?

– Nem um pouco. Eu queria mesmo conversar com você. – A sorte estava do meu lado. Eu teria que agradecer àquele gato chinês antes de ir embora. Eu não poderia ter planejado esse encontro improvisado de uma maneira melhor, se tivesse tentado. – Como está o Marcus nesses últimos dois dias antes do cargo de vereador chegar ao fim?

– Não se vanglorie demais. O meu pai não aceita derrota facilmente. Ele provavelmente está planejando alguma jogada, então você deveria dizer à sua avó para ficar preparada – me avisou Krissy. O tom dela era amigável, então não tomei isso como uma ameaça. – Para ser honesta, estou cansada dos jogos do meu pai e planejo dizer isso a ele hoje à noite.

– Relacionamentos com os pais geralmente são dolorosos, eu te entendo. – Será que eu tinha encontrado a maneira de trazer à tona o assunto da morte do Quint? – Eu vou me certificar de alertar a Nana D. Ela conversou com ele ontem, ou pelo menos ele ligou para ela. A propósito, eu ouvi um rumor estranho. Estava me perguntando se você saberia de alguma coisa sobre isso.

– E o que é? – perguntou ela, brincando com um par de hashis e batendo o pé contra a lateral da cabine. Quando perguntei sobre o trabalho que o Quint havia feito na casa do seu pai, Krissy bufou. – Não é um rumor. O Quint era meu amigo, e ele fez um trabalho incrível. Eu estava em casa o tempo todo vendo-o trocar a fiação de vários ambientes.

– O seu pai é conhecido por ser um... pouco trabalhoso. Não querendo ofender, é claro. Você acha que o seu pai faria alguma coisa com o Quint depois que ele contou a todo mundo que o seu pai não pagou pelo serviço?

As sobrancelhas de Krissy se arquearam e a boca dela se abriu.

– Eu... eu... nunca pensei sobre isso. Meu pai tem estado com raiva desde que perdeu a eleição. Eu não o tenho visto muito. Ele pode ser vingativo, mas o Quint nunca mencionou nada. – O comportamento dela mudou em frente aos meus olhos depois que sugeri aquilo.

– Bom, eu não me preocuparia demais então – disse eu, não tendo certeza do quão longe Marcus iria para impedir que alguém manchasse a sua reputação. Quando a recepcionista disse que o meu pedido ficaria pronto em cinco minutos, eu me aproximei de Kirssy e disse em voz baixa: – Você se importa se eu fizer outra pergunta que pode ser desconfortável de responder?

– Hum... claro, é sobre o incidente com a Imogene durante a aula? – perguntou ela, engolindo em seco.

– Não, não é. – Eu juntei as mãos e estralei os dedos. – Eu sei o que aconteceu oito anos atrás quando você fez o juramento para a irmandade Alpha Iota Ômega. Eu esperava que você pudesse me esclarecer algumas coisas.

Krissy se encolheu rapidamente e olhou para o lobby para ver se o seu pai já havia chegado.

– Eu não quero falar sobre isso, e provavelmente devia ir para a minha mesa.

– Krissy, espere – disse eu, levantando minha mão. – Eu só quero saber o que aconteceu na Casa de Espetáculos Paddington na noite que a Gwendolyn perdeu o broche. O resto da família jura que o broche estava na mansão no dia seguinte, mas você e as outras garotas o haviam roubado na noite anterior. – Eu expliquei o que sabia sobre o trote e como o broche havia desaparecido do cofre, então sugeri que o Quint poderia estar envolvido.

– Se eu te disser o que eu sei, você concorda em deixar isso quieto? Isso aconteceu há muito tempo, e eu preferia esquecer da coisa toda – implorou ela. Quando assenti, ela continuou. – Eu roubei o broche do cofre da casa da irmandade e entreguei ao Quint para ele devolver à mansão Paddington. Me senti culpada sobre o que havíamos feito.

Eu havia suspeitado de que algo assim tivesse acontecido, mas não tinha certeza de qual garota era a boa samaritana.

– Mais alguém sabe disso?

– Não, só o Quint. Ele me ajudou a roubá-lo em primeiro lugar. O Quint passava bastante tempo na mansão Paddington, e ele tinha visto o broche algumas vezes. Ele tinha passado por lá para visitar a mãe enquanto ela estava trabalhando no dia do show e pegou ele para mim. Eu nunca contei às meninas sobre essa parte.

– Foi assim que você contou para todo mundo que tinha visto o broche caído no chão do lobby do teatro? – Parte da história estava começando a fazer sentido.

– Sim. O Quint pegou ele para mim, para que a gente pudesse cumprir o pedido da irmandade antes de ter permissão para nos tornar membros da Alpha Iota Ômega. Ele colocou o broche na bolsa da Gwendolyn pouco antes dela ir para o show, então eu peguei ele quando ninguém estava olhando, dentro do banheiro, e contei às outras garotas que tinha encontrado no chão. Mais tarde naquela noite, a presidente da irmandade o colocou no cofre. Eu vi qual era a combinação e o recuperei na manhã seguinte. Entreguei o broche para o Quint, que o colocou de volta quando foi visitar a mãe por causa do aniversário dela. Eu tinha me sentido culpada demais por tudo aquilo e não queria mais continuar.

– Você sabe o que aconteceu depois disso?

– Não, o broche realmente desapareceu porque os Paddingtons disseram que ele foi roubado depois disso. Eu vi o Quint colocá-lo de volta no quarto dela. Eustacia Paddington não estava mentindo. Ela deve ter percebido ele na manhã seguinte depois que o Quint o devolveu. Eu estava lá com ele para desejar feliz aniversário para a mãe dele.

Se o Quint e a Krissy haviam devolvido o broche, então como ele desapareceu novamente? Quando eu perguntei se ela tinha alguma sugestão, ela parecia humilhada por seu papel no passado.

– Você tem certeza de que ninguém sabia o que você e o Quint tinham feito? Existe alguma chance de que meu irmão estava ciente? – Eu precisava descobrir se o Gabriel ou o Quint havia agido sozinho ou se tinha mais alguém envolvido.

– Eu não sei. Aquele foi um mês realmente ruim para todo mundo. A Imogene e o Quint estavam namorando, então ela trocou ele pelo Paul Dodd. O seu irmão começou a se distanciar de nós, mas agora eu sei que era porque ele não queria nos contar sobre ser gay – disse Krissy, indicando que o seu pai estava passando pela porta da frente. – Eu me lembro do Gabriel agindo de maneira suspeita no dia em que ele desapareceu.

– Você estava ciente dos outros roubos de joias naquela época? – perguntei eu, sem ter certeza de quem sabia naquela época, especialmente considerando que o xerife era tio do Quint e havia escondido fatos das pessoas.

– Apenas pequenos detalhes até que saiu nos jornais alguns dias depois do último, e naquele tempo, o seu irmão e o Quint já tinham saído da cidade. O grupo se desintegrou. – Krissy cutucou o braço da Emma e acenou um tchau quando a minha filha desviou o olhar do seu jogo. – Eu tenho que ir. Tenho certeza de que você preferiria não esbarrar no meu pai.

Marcus zombou enquanto sua filha se juntava a ele no lobby, e então eles seguiram para a mesa no outro lado do restaurante. Quando a recepcionista trouxe o meu pedido, eu paguei a conta e caminhei até o estacionamento com a Emma.

Pelo menos agora eu entendia a confusão sobre o broche ter aparecido no teatro, mas porque o Quint havia enganado a Krissy fingindo tê-lo devolvido na mansão Paddington? Eu liguei para a Nana D e pedi que ela arranjasse um encontro com a Bertha Crawford, curioso para saber se ela estava escondendo alguma informação sobre os roubos de joias. Será que ela sabia mais do que havia confessado sobre o filho?

Depois do jantar e de uma partida de xadrez, Emma foi dormir. Eu entrei em contato com o Connor para marcar a nossa próxima sessão de exercícios. Enquanto me deitava, ele respondeu que podíamos nos encontrar na terça-feira no Complexo Esportivo Grey, antes do trabalho. Então eu vi que vários pontos no chat aparecerem e desaparecerem, Connor tinha mais a falar, mas ficava mudando de ideia.

Eu: Cara, você vai me causar um ataque do coração. Tem mais alguma coisa que você quer dizer?

Connor: Eu ia te ligar mais cedo, mas fiquei preso em uma coisa. Você está livre amanhã?

Eu: Tenho uma reunião, entrevista e aula, fora a isso, estou livre. O que foi?

Connor: O Gabriel retornou a minha ligação. Eu vou interrogá-lo às quatro da tarde. A April quer que eu converse com você antes disso. Ela acha que você sabe mais do que contou.

Eu: Claro. Na Grande Comedoria às 8:15h, ok?

Connor: Fechado. Por falar nisso, tem alguma coisa acontecendo entre vocês dois? Você me provocou uma vez...


Eu comecei a responder várias vezes, apenas para apagar cada uma delas e tentar novamente. Desisti depois de seis tentativas, retirei meus óculos e puxei as cobertas sobre a cabeça. Era a vez do Connor de ver vários pontinhos no chat aparecerem e desaparecerem. Eu fingi não reconhecer a ironia da situação, completamente ciente de que ele havia me respondido e eu estava abandonando a conversa sem uma explicação.

Havia sempre o amanhã com a promessa de uma resposta melhor. Eu comecei a cochilar, reconhecendo que se o ladrão se mantivesse no seu padrão, amanhã seriam nove dias desde o roubo na casa da Lara, quando a Imogene foi atacada. Se um roubo final tendo os Stanton como alvo fosse acontecer, exatamente onde e quando ele iria ocorrer?


13

 


Assim que a Emma estava em segurança dentro do ônibus na manhã seguinte, eu dirigi até o campus sul e me encontrei com o Connor na Comedoria. Conferi o relógio para confirmar que tinha chegado a tempo, já que a pontualidade havia sido instilada em mim pela Nana D desde que eu tinha idade suficiente para ler as horas no relógio analógico. Ela não me deixou usar nada digital até que eu soubesse a diferença entre o ponteiro grande e o pequeno, assim como eu não pude ter sapatos com velcro até saber amarrar apropriadamente os cadarços. Aquela mulher nunca desistia até conseguir o que queria!

Além de poucas pessoas na fila e da minha chefe e sua esposa sentadas em uma cabine do canto, o lugar estava vazio. Eu acenei para a Myriam e a Ursula, então entrei na fila. Apenas uma acenou de volta, é claro. Quando eu estava prestes a fazer o pedido, Connor se juntou a mim e adicionou os seus itens.

– Coloque mais dois cafés pretos, pode deixar de fora esses doces que ele pediu, e nos dê três tigelas de frutas, por favor.

Eu dei a ele um olhar de desaprovação.

– Doces me motivam. Se você quer conversar comigo, então os coloque de volta na lista. – Eu olhei Connor e o caixa, me perguntando quem venceria a disputa antes que a compreensão do que ele tinha falado me acertasse. Naquela confusão temporária, ele inseriu o cartão de crédito na máquina para pagar pelo pedido, sem os doces. – Por que três?

– Para mim – disse April, enquanto se aproximava do outro lado do balcão onde o funcionário colocava os nossos pedidos. – Eu percebi que três cabeças são melhores do que duas quando se trata de solucionar esse confuso enigma.

Assim que as tigelas de frutas foram colocadas em uma bandeja, April me disse para pegar guardanapos e garfos e encontrar uma mesa. Eu segui os dois, e então afundei em uma cadeira vazia perto deles.

– Estou mais confuso do que minha mãe tentando se entender na cozinha. Primeiro você me disse para ficar fora das suas investigações. Então, você me diz para trabalhar com o Connor e deixar você em paz. Agora, você está se juntando a nós antes que eu tenha tomado café suficiente para processar tudo o que está acontecendo ao meu redor.

– Ele sempre fala sem parar de manhã? – Arrancando um garfo e guardanapo da minha mão, April ignorou a frustração crescente na minha expressão.

– Você devia vê-lo tentar levantar os primeiros pesos. Eu fico por perto para o caso de ele cair e ficar inconsciente – respondeu Connor, enquanto entregava as tigelas de frutas.

– Eu preciso ficar aqui? Posso ter mais sorte em não ser jogado de um lado para o outro se eu ficar parado no meio do trânsito de uma rodovia – grunhi, enquanto eles bebiam café.

– Você está certo, Kellan. Eu tenho te dado sinais confusos – disse April, oferecendo uma das raras concessões que eu geralmente testemunhava apenas durante as luas cheias em um ano bissexto, uma vez a cada milênio. – Connor e eu tivemos uma longa conversa ontem sobre o seu envolvimento nos nossos trabalhos.

Eu desviei o olhar brevemente para o rosto estoico do Connor, incapaz de lê-lo. O meu nome estava sendo chamado apenas por motivos profissionais ou havia um pouco de interesses pessoais aparecendo? April começou explicando que seria melhor compartilharmos informações, destacando a minha familiaridade com várias pessoas envolvidas com os roubos de joias e com o assassinato do Quint. Ela reiterou que eu não posso conversar com mais ninguém sobre o caso, enfatizando a reticência dela em revelar detalhes chave para um cidadão comum.

– Você não é um policial, e não tem nenhum privilégio especial, então não deixe isso subir à sua cabeça.

– Eu prometo que valho à pena – disse eu, em uma voz inesperadamente confiante e amorosa, então pisquei para a April. O que estava acontecendo com o meu autocontrole perto dessa mulher? – Quero dizer, você pode confiar completamente em mim. Certo, então...

Connor deve ter notado o meu tom porque um sorriso maroto se formou nos seus lábios.

– Você quer que eu fique por aqui, ou prefere conversar sozinho com a April, Kellan?

– Vamos apenas continuar com a conversa – respondi, chutando-o por debaixo da mesa. Ele e eu teríamos uma conversa particular e dolorosa da próxima vez que eu o estivesse ajudando com os pesos e ele colocasse demais. – Devemos começar pelos roubos de joias ou com a morte por eletrocussão-traço-estrangulamento?

– Eu entendo que eles estão conectados, mas vamos começar com o assassinato. – A revelação do Connor sobre a morte do Quint me surpreendeu, especialmente quando ele esclareceu a ordem dos eventos. – O médico legista trabalhou junto com o Dr. Bestcha para confirmar exatamente o que aconteceu dentro do vagão. O Quint foi eletrocutado antes de ser estrangulado até a morte. – Baseado nas marcas de queimadura e nos efeitos residuais no sistema do Quint, ele foi eletrocutado por volta da meia-noite. Ele não sofreu um ataque cardíaco, o que significava que os cabos de energia não foram a causa da morte. Ele deve ter pegado um cabo enquanto instalava um painel, achando que o suprimento de energia havia sido desligado, então desmaiou por causa dos ferimentos. – Isso pode ou não ter sido acidental. A autópsia mostrou um pouco de álcool no corpo dele.

– O que é estranho, é que a energia estava desligada quando Connor conferiu naquela manhã – comentou April. — Alguém, possivelmente a pessoa que o estrangulou, tentou nos confundir.

– Me diga o que você sabe sobre a hora da morte. – Nós tínhamos visto impressões no pescoço dele. Se o Quint tivesse se machucado e se enfraquecido por causa do choque elétrico, ele não teria sido capaz de impedir o atacante de lhe estrangular. Qualquer um envolvido poderia tê-lo matado, dependendo do tamanho da mão.

– Entre a meia-noite e meia e uma hora da manhã, cerca de sete horas antes que você o encontrasse – respondeu Connor, contando os detalhes chaves do relatório dele. – Houve um grande dano na laringe e traqueia, mas para isso não teria sido necessária muita força por causa da condição dele após ser eletrocutado.

– Você acha que a mesma pessoa que tentou eletrocutá-lo ficou por ali para terminar o trabalho? – O meu estômago começou a revirar com desgosto ao pensar sobre a crueldade que Quint havia sofrido. Que tipo de pessoa faria isso? Apesar dele ter sido um ladrão, o seu assassinato não era justificado.

– Essa é definitivamente uma possibilidade, mas não podemos ter certeza. Estamos conferindo os álibis de todos com quem ele foi visto conversando nas últimas semanas – disse April, terminando o café e pedindo um refil à garçonete. a– O que nos traz aos roubos de joias e o motivo pelo qual queremos conversar com o Gabriel.

– Antes de você dizer mais alguma coisa, tem algo que eu deveria ter contado antes. Só consegui a confirmação nesse final de semana, e isso pode mudar a sua abordagem. – Eu esperava que eles não ficassem bravos por eu ter mantido os detalhes sobre o trote da irmandade Alpha Iota Ômega em segredo. Terminei de explicar tudo o que sabia, incluindo o que meu pai havia compartilhado sobre a chantagem do xerife anterior e o que Krissy havia revelado sobre ter devolvido o broche junto com o Quint na mansão Paddington.

Olhando para mim intensamente, April rosnou.

– Isso muda tudo!

– Vou entrar em contato com a Eustacia Paddington para que ela me entregue diretamente a lista das pessoas com acesso às flores na mansão — disse Connor. — Também vou pedir que alguém procure por impressões digitais, mas é improvável que encontremos alguma a essa altura.

Depois que terminamos de organizar o caso, montamos um plano onde o Connor iria interrogar todas as garotas que fizeram o juramento à irmandade, colocando pressão suficiente para forçar alguém a compartilhar alguma informação adicional. Ele também iria obter os seus álibis cobrindo as horas precedentes e incluindo a morte do Quint. April contactaria Siobhan Walsh e Marcus Stanton para determinar se um deles tinha estado envolvido no assassinato. A minha tarefa era convencer o Gabriel a contar tudo o que ele sabia quando eles se encontrassem mais tarde. Eu contei ao Connor e à April que pretendia visitar Bertha depois da minha aula, para saber se ela podia lembrar de qualquer outra coisa, e também perguntar sobre as chaves da mansão Paddington.

Eu joguei os meus óculos na mesa para descansar meus olhos de focarem na expressão lívida nos rostos deles.

– Olha, eu sei que fiz besteira em não entrar em contato com nenhum de vocês imediatamente. Só conversei com a Krissy sobre aquela última parte na noite passada. Eu queria descobrir o que o Gabriel sabia antes de contar ao escritório do xerife. – Eu genuinamente nunca pretendi manter a informação escondida deles, mas salvar o meu irmão era importante para mim. April pegou a bandeja contendo os restos do nosso café-da-manhã das minhas mãos quando eu tentei pegá-la. Depois de uma breve disputa, eu a soltei, esperando que algo acidentalmente caísse nela. Infelizmente, ela foi bem cuidadosa e se afastou antes que algo caísse em seu colo.

– Eu entendo. – Claramente frustrada e pronta para torcer o pescoço de alguém, April jogou o lixo fora e rapidamente limpou a mesa com um guardanapo. – Eu não estou com tanta raiva de você quanto estou dos que mentiram ou esconderam informações no passado. Nós poderíamos ter impedido essa segunda rodada de roubos e a morte do Quint.

Assim que eles saíram da Comedoria, eu percebi que a April havia inadvertidamente jogado os meus óculos no lixo. Sem estar disposto a remexer o conteúdo nojento, peguei o meu par reserva de dentro da bolsa e fiz um lembrete mental de ler para ela o Ato do Motim. Quando os coloquei, percebi que o café havia ficado lotado e procurei pela minha entrevistada. Dez minutos depois, uma mulher afro-americana no fim dos quarenta anos, a candidata para o cargo de professor assistente do semestre de outono, apareceu. A Dra. Lawson seria uma adição forte ao departamento, mas no fim, ela mostrou uma conexão potencialmente complexa com o condado de Wharton, mostrando alguns sinais preocupantes. Eu mencionaria isso à Myriam, que tomaria a decisão final de contratar ou não a estimada historicista.

Sabendo que eu tinha um pouco mais de tempo livre, confirmei com a Bertha que iria visitá-la às sete e meia daquela noite, então agradeci à Nana D por marcar o encontro. Também liguei para a minha mãe para me certificar de que ela tinha conferido sua agenda para marcarmos o dia ideal para o nosso encontro semanal. Eu queria conversar com ela antes que ela ficasse presa em reuniões.

– Ótimo, então vamos almoçar juntos ao meio-dia das sextas-feiras na cafeteria do campus.

– Perfeito. Enquanto estou falando com você, me deixe confirmar aquela outra coisa que você me perguntou – adicionou a minha mãe, mexendo em algumas chaves no seu escritório no Pavilhão de Admissões.

Eu tinha me esquecido de que ela iria confirmar se a Siobhan esteve trabalhando na terça-feira pela manhã no dia após o Quint ser morto.

– Eu agradeço. Duvido que ela tenha feito alguma coisa, mas pelo menos vamos ter certeza.

– Faço anotações sempre que algum funcionário meu se atrasa. Eu tento dar um pouco mais de folga para a Siobhan já que ela tem bebês tão pequenos, mas quero um registro caso isso fique fora de controle. – A minha mãe era muito observadora, apesar do olhar desconectado e da postura relaxada que ela mostrava. – Ah sim, ela se atrasou naquele dia. Siobhan me disse que havia levado os gêmeos para uma clínica no centro da cidade por causa de alguma emergência na noite anterior. Parece que eles tinham apenas inflamação na garganta, pelo que entendi.

Eu agradeci à minha mãe pela informação e considerei como provar o álibi da Siobhan. Com toda a segurança em relação aos registros médicos de um paciente, isso não seria fácil. Mas então, a April conversaria com a Siobhan, então eu deveria deixar a xerife fazer o trabalho dela, certo? Enquanto me levantava para ir embora, esbarrei em alguém devido à minha distração.

– Desculpe – disse eu, e dei um passo para o lado, para que ele pudesse passar por mim.

– Eu só estava procurando por uma mesa e pensei que você já estivesse saindo — respondeu um homem de aparência familiar, olhando em direção a alguém no balcão da frente. Então, o perfume de sândalo preencheu o ar ao meu redor.

– Nicholas Endicott? – perguntei eu, percebendo que era o seu pai, Lindsey, a pessoa que ele estava procurando na fila. – Eu sou Kellan Ayrwick. Conheço o seu pai, e acho que você é amigo do meu irmão, Gabriel.

– Ah sim, eu já ouvi o seu nome. É ótimo te conhecer finalmente – respondeu ele, e me agradeceu quando eu lhe ofereci a mesa.

– Sem problemas, eu já estava indo embora. Eu sinto muito sobre o seu amigo, Quint.

– Obrigado, cara. Definitivamente ele foi embora cedo demais. Pode me chamar de Nicky, todo mundo me chama assim. – Ele me cumprimentou com um firme aperto de mão antes de tirar algumas migalhas da mesa. Elas estavam no lado da April, não no meu. Ainda bem que a entrevistada se sentou do outro lado. A April fazia tanta bagunça! A Nana D sempre exigia que eu limpasse a mesa depois que saísse. Enquanto ele soltava minha mão, eu vi um grande arranhão no seu braço e tinta preta nas suas unhas quebradas. Será que ele tinha conseguido aquele arranhão ao atacar a Imogene durante o roubo? Será que as manchas pretas eram da tinta spray usada para pintar as flores copo-de-leite? Nicky era o cúmplice desconhecido? Ele percebeu para onde eu olhava e disse. – Trabalho de construção pode ser doloroso. Eu estava cortando e tingindo algumas tábuas em uma das minhas obras.

Eu agradeci o destino ter jogado essa oportunidade no meu colo, mas não tinha certeza se acreditava nele sobre os cortes e a tinta preta.

– Quint me disse uma vez como estava ansioso para fazer parte da sua empresa. É bom saber que amigos podem se juntar nos negócios sem maiores problemas – disse eu, esperando que ele me contasse alguma coisa de valor durante a nossa conversa. Eu sabia extraordinariamente pouco sobre o Nicky, mas já que ele era filho do Lindsey, eu começaria com o benefício da dúvida ao assumir que ele não estava envolvido em nenhum crime.

– É, esse não era exatamente o plano. Quint queria fazer parte da empresa, e nós éramos amigos, mas eu não planejava dividir a posse com ninguém. – Nicky acenou para que o seu pai se juntasse a nós.

– Ah, eu devo ter entendido errado. Estava tudo bem entre vocês dois?

Nicky assentiu.

– Eu prefiro não misturar negócio e prazer. A construtora Endicott é o meu bebê. – Ele parecia assustado com as minhas perguntas e terminou de falar abruptamente quando o seu pai chegou à mesa.

– A Nana D está se preparando para a posse de amanhã. Obrigado por ter ajudado ela durante todo o caminho – eu o cumprimentei.

– Bom te ver, Kellan. É uma cidade pequena, não é? Como está a Seraphina? – respondeu Lindsey.

– Ótima. – Eu decidi ir com tudo. – Fiquei sabendo que você é um corredor, Nicky. Talvez nós devêssemos testar as pistas no campus de Braxton juntos um dia. Tem algumas pistas ótimas nas colinas perto da estação do teleférico.

Pela expressão do Nicky, parecia que eu havia sugerido que fôssemos melhores amigos para sempre e ele de repente ficou desconfortável com a minha presença.

– Eu gosto de correr todas as manhãs antes de seguir para os canteiros de obras. Claro, talvez eu te veja por aí.

Quando a conversa não seguiu mais para lugar nenhum, e eu não consegui pensar em uma abordagem para saber onde ele esteve no dia em que o Quint morreu, eu disse adeus e dirigi até o campus norte para uma reunião com a equipe trabalhando nos planos de expansão, para oferecer um currículo de graduação e converter Braxton em uma universidade no ano seguinte. Depois de uma hora revisando os próximos resultados, fomos liberados para terminar o resto do nosso dia. Eu tinha algumas horas até a minha aula, mas precisava organizar os detalhes do quiz. Quando voltei ao meu escritório no campus sul, percebi que havia esquecido a minha bolsa debaixo da mesa na Grande Comedoria. Quando passei pela estação do teleférico no caminho para buscá-la, visitei o Cheney que estava dando os toques finais. Ele indicou que planejava fazer uma viagem teste na manhã seguinte para verificar se os reparos haviam sido completados e se o vagão estava pronto para a grande reinauguração naquela semana. Ele disse que Nicky havia oferecido a ele um emprego em tempo integral na construtora, então as coisas finalmente pareciam estar dando certo.

Eu peguei o caminho até a Comedoria e me aproximei das portas da frente, com a maçaneta desenhada para se parecer com os filtros de uma máquina de café expresso. Através do vidro, vi que a mesa ainda estava vazia, o que seria mais fácil para entrar e pegar a minha bolsa rapidamente. Eu recolhi os meus pertences, e então ouvi a voz do meu irmão vindo por uma janela aberta. Saí pela porta lateral, dei a volta pelo prédio em forma de grão de café, e espiei no estacionamento. Parado na área externa, Gabriel estava conversando com o Nicky. Eu me aproximei para ouvir a conversa deles antes de interrompê-los. Aí está, pode me chamar de bisbilhoteiro, afinal de contas!

– Olha, eu te devo esse dinheiro, pegue – implorou Gabriel, enquanto entregava um envelope a Nicky.

– Se eu estivesse tão desesperado, eu teria te encontrado. – Nicky empurrou o envelope para longe.

– Eu me sentiria muito melhor se pagasse a minha dívida. Você me fez um grande favor na noite em que fui embora de Braxton.

Eu não podia perder a chance de confrontar o meu irmão antes que eles terminassem a conversa.

– Gabriel, deixa isso para lá. Use o dinheiro para comprar algo para você e siga em frente – disse Nicky enquanto eu me aproximava deles. Quando me viu, a cabeça dele se retraiu rapidamente, e ele parecia assustado. – Kellan

– Você está me seguindo? — perguntou Gabriel. — Eu fui bem claro naquele dia. Não quero falar com você.

– Eu sei sobre o seu compromisso hoje às quatro da tarde. O que eu não sei é porque você está entregando um envelope cheio de dinheiro para alguém no meio de um estacionamento. Se importa de explicar, irmão?

Nicky se afastou.

– Isso parece um assunto de família. Eu espero que vocês resolvam isso logo. Te ligo mais tarde.

Meu irmão problemático se virou para mim e sacudiu a cabeça.

– Você é um pé no...

– Nem comece. Eu estou cansado de meias-verdades e histórias incompletas sobre porque você foi embora da cidade e o que te trouxe de volta. Pare de ser uma criança imatura e faça a coisa certa para variar – o critiquei eu.

– Ótimo – disparou ele, e começou a se afastar. – Você quer conversar? Vamos fazer do meu jeito dessa vez.

– Aonde você está indo? – gritei eu, enquanto corria atrás dele.

Quando parou, Gabriel estava de frente a sua moto e soltou os dois capacetes.

– Suba. Eu quero ter essa conversa em um lugar aonde ninguém vai nos interromper. – Gabriel colocou o capacete, e ligou a moto. Por cima do rugido poderoso, ele gritou: – Vamos lá.


14

 


Um vento quente e forte separava os meus lábios e queimava as minhas bochechas enquanto o Gabriel navegava instintivamente pela rodovia, seguindo no sentido norte através da cadeia de montanhas Wharton. Quando éramos adolescentes, ele costumava pilotar a moto de duas velocidades até o lago Crilly para escapar da monotonia da vida familiar. Ele sempre preferiu ficar sozinho quando precisava pensar, e eu especulei que ele estava me levando para o lugar onde ele tomava as maiores decisões da sua vida. Eu coloquei o meu braço esquerdo ao redor do seu torso para me manter firme e deixei o outro braço o segurando frouxamente pela cintura. De alguma maneira, parecia errado depender do apoio do meu irmão. Deveria ser o contrário.

Na última saída de Wharton, ele diminuiu a velocidade na Curva do Homem Morto. Um garoto com o qual eu tinha frequentado a escola não teve muita sorte na semana em que nos formamos e perdeu o futuro que merecia ao fazer aquela curva rápido demais. O novo Gabriel podia ser rebelde, mas nunca colocaria as nossas vidas em perigo. Eu só andei de moto uma vez antes, quando alguns amigos meus de Los Angeles haviam me levado para uma corrida na qual haviam se inscrito. A emoção de dirigir pela costa da Califórnia com eles durante uma tarde havia deixado uma impressão e tanto em mim. Não era de se estranhar que a April e o Gabriel tinham comprado as suas próprias motos, não que eu deixaria a Emma se arriscar em uma dessas enquanto eu estivesse vivo. Eu tinha os meus limites e, por mais hipócrita que fosse, ser um pai meio controlador e amoroso era a prioridade.

Gabriel parou a cerca de seis metros da margem do lago e esperou que eu desembarcasse. Quando retirei meu capacete, acalmei os batimentos do meu coração e limpei um mosquito morto dos meus óculos, ele já havia retirado os sapatos, erguido as calças até a altura dos joelhos e se sentado na extremidade da doca.

Eu me sentei ao lado dele e disse:

– Você se lembra quando a animadora de torcida chefe, Misty Donovan, contou a todo mundo que você tentou roubar as calcinhas dela na aula de educação física... e o capitão do time de futebol reuniu o time e eles saíram atrás de você enquanto estávamos jogando frisbee no parque?

Gabriel assentiu.

– Você não tinha medo de ninguém naquela época, e você não tem medo de ninguém agora. Ou tem? – Eu empurrei a cabeça dele para o lado de uma maneira brincalhona entre irmãos.

Ele deu um sorriso e passou os dedos pelo cabelo para arrumar a bagunça que eu tinha feito.

– Claramente, todos já devem saber, a essa altura, que eu nunca estive interessado nas calcinhas de renda da Misty.

– Eu acho que talvez, você queria as calcinhas de renda do capitão do time de futebol? – Eu comecei a gargalhar da minha piada-barra-insulto, segurando a cabeça contra o meu colo com os braços cobrindo o pescoço, me protegendo contra qualquer golpe. Eu nunca deveria ter baixado a minha guarda, porque a próxima coisa que percebi foi o meu irmão me empurrando para fora da doca, e eu caindo na água gelada com roupa e tudo.

Gabriel cruzou os braços.

– Ei, você está certo. Eu não tenho medo de ninguém agora. – Ele estendeu um braço na minha direção e me ajudou a subir de volta na doca.

– Eu tenho uma aula para dar em algumas horas, seu idiota – disse eu, e dei a ele os meus óculos. – Seque, se você não se importar.

– Podemos passar pelo rancho Danby e pegar uma muda de roupas para você. Você é tão dramático, Kellan. E as pessoas pensam que eu sou o único com quem precisam se preocupar sobre causar uma cena em público.

Nos sentamos em silêncio durante dez minutos observando alguns peixes nadando por perto. Um grande pássaro passou voando e tentou pegar um, mas não teve sucesso.

– Se você não for mais cuidadoso, Gabriel, alguém vai te pegar quando você menos esperar. Por que você não me deixa te ajudar?

– Porque eu fiz besteira e mereço ser punido. – Gabriel confessou toda a história, e eu sabia que ele não estava deixando nada de fora. À certa altura, até mesmo lágrimas foram derramadas devido à perda de uma amizade complicada com o Quint Crawford, que foi assassinado no vagão do teleférico na semana passada.

Dentro do grupo, Nicky e Paul eram melhores amigos, e o Gabriel e o Quint eram melhores amigos. Nicky estava sempre atrás da próxima garota, e o Paul e o Quint ambos tinham uma queda pela Imogene Grey. Imogene e Quint haviam namorado durante alguns meses, até que Lara Bouvier o confrontou e disse que ele não era bom o bastante para a sua filha. Ela havia ameaçado começar uma investigação sobre o comportamento suspeito do tio dele. Apesar de ter havido rumores persistentes sobre o fato do seu tio, o xerife Crawford, ser desonesto e aproveitador, nada nunca foi provado. Quint não queria que a imprensa magoasse a sua mãe, então concordou em terminar o relacionamento com a Imogene. Isso o destruiu porque ele sempre havia se sentido como o elo mais fraco do grupo, já que todos vinham de famílias que tinham dinheiro, menos ele. Quint então começou a criar problemas pelo campus, o que fez com que o grupo se separasse. Naquela época, Gabriel estava saindo com o seu namorado secreto e tentando ficar fora do radar. Exceto por um dia, quando Quint descobriu a verdade.

– No começo, ele agiu como se tudo estivesse bem e aquilo não o incomodasse. Mas quanto mais ele se afastava da Imogene para proteger a mãe, mas ficava com raiva de qualquer um que estivesse apaixonado – explicou Gabriel, enquanto linhas de preocupação se formavam ao redor da sua boca.

– Isso deve ter sido difícil para a amizade de vocês – simpatizei eu.

– Sim. Foi ficando gradualmente pior. Um dia, ele me disse que queria ir embora da cidade, e queria que eu fosse com ele. Eu tinha acabado de terminar meu relacionamento com o cara que te contei, e tudo estava desmoronando para mim. O papai não queria me ouvir sobre não aceitar a presidência de Braxton, e eu precisava de espaço.

– O que isso tem a ver com os roubos de joias? Não tenho certeza se entendo.

– Quint era o ladrão. Ele queria dar o troco em todos que o tinham deixado com raiva naquele semestre. A Krissy tinha pedido a ele para roubar algo da mansão Paddington enquanto ele visitava a mãe. Ele ajudou, mas então ela pediu que ele devolvesse. Isso foi a gota d’água; ele estava cansado de ser tratado como a mãe, uma servente ou empregada. – Gabriel explicou que Quint precisava de dinheiro para sair da cidade e havia tentado chantagear algumas pessoas, mas quando isso não funcionou, ele se voltou para o roubo.

– O Quint teria sido um bom espião, pelo que você está me dizendo.

Quint havia pensado originalmente que se roubasse algumas joias, ele poderia vendê-las em outro estado e começar uma nova vida. Mas então, ele estava compelido a dar o troco nas garotas da irmandade Alpha Iota Ômega. Imogene havia contado a ele a história sobre a mãe da moça deixar uma flor copo-de-leite branca na porta do garoto durante nove dias para revelar o interesse da filha, e como ele teria que escolher deixar uma flor preta ou um buquê de flores brancas, dependendo dos seus sentimentos. Já que o Quint não estava mais interessado nos amigos, ele decidiu puni-los. Quando não conseguiu encontrar flores copo-de-leite pretas, escolheu pintar as flores brancas e deixá-las em cada cena de roubo.

– Foi a tentativa dele de dizer dane-se para os que haviam feito algo contra ele. O Quint não sabia que as flores de copo-de-leite pretas são na verdade roxo escuras, e eu não queria fazê-lo se sentir estúpido – respondeu Gabriel com um pequeno sorriso.

– Posso entender como isso deixaria a situação pior. – Eu balancei a cabeça diante do que tinha ouvido, descobrindo que a pessoa que havia matado o Quint não devia saber que ele estava pintando as flores brancas com tinta spray. O assassino usou as flores reais porque não sabia do contrário.

O Quint tinha esperado que isso levasse o seu tio a investigar a irmandade e as suas famílias, tirando os policiais do seu encalce e conseguindo sua vingança contra as pessoas, como a Lara Bouvier. Isso quase funcionou, mas o seu tio descobriu a verdade.

– O xerife Crawford escutou quando eu e o Quint conversávamos sobre o que o sobrinho dele tinha feito. Ele entendeu errado, achou que eu e o Quint estávamos trabalhando nisso juntos.

– Mas você nunca roubou nada, apenas sabia o que ele estava fazendo.

Gabriel assentiu.

– Tudo ficou louco naquele dia. Eu contei ao papai a verdade sobre o cara que me largou e que eu era gay. Ele queria que eu contasse a todos na família e que trabalhássemos nisso juntos. Eu implorei que ele abdicasse da presidência de Braxton, e ele pediu um dia para pensar. Algumas horas depois, ele passou pelo meu quarto no dormitório e convenceu a equipe de limpeza a deixá-lo entrar para que ele pudesse deixar um bilhete para mim. Foi quando ele encontrou as joias roubadas no meu quarto.

– O Quint tinha a chave extra do meu quarto e plantou as joias. Ele planejou tudo, até mesmo se vestiu como eu para fazer parecer que eu estava fazendo algo errado – disse Gabriel, a frustração e a dor evidentes no seu rosto. – Ele estava com medo que eu entregasse ele e o tio ao prefeito. Ele queria algo para me segurar. O Quint tinha planejado a coisa toda para se assegurar de que não sofresse a punição sozinho. Ele não era apenas oportunista. Ele era engenhoso e audacioso na hora de proteger a si mesmo.

Eu juntei o resto da história. Tiffany havia visto o Quint no quarto do Gabriel, e não o Gabriel, e pensou que o meu irmão fosse o responsável pelos roubos. Que bagunça!

– Foi por isso que o xerife Crawford contou ao papai que você estava envolvido e que ele tinha que olhar no seu dormitório. O xerife tinha oferecido encobrir o que aconteceu contanto que o papai te forçasse a sair da cidade. Ele estava protegendo o sobrinho.

– Sim, só que eu já tinha ido até o Nicky Endicott e implorado para que ele me emprestasse dinheiro para sair de Braxton. Foi isso que você me viu fazendo agora, pagando o dinheiro que eu nunca devolvi para ele. – Gabriel ficou de pé e abaixou as pernas da calça. – Quando o papai me encontrou mais tarde naquela noite, estava rolando uma tempestade muito forte. O Quint estava ocupado roubando do evento de ex-alunos do Marcus Stanton durante a queda de energia. Eu estava brigando com o papai, que disse que sabia o que eu tinha feito. Ele tentou me dar dinheiro para que eu fosse embora, mas eu disse que nunca mais queria falar com ele. O papai pensou que eu era o ladrão, e nunca acreditou que eu pudesse ser inocente depois que eu tinha escondido todo o resto dele. Quando o Quint terminou o último roubo, ele me chantageou para ir embora da cidade naquela noite e penhorar todas as joias. – Quint havia ameaçado contar a todos que Gabriel era o ladrão se ele não o acompanhasse na viagem. O dinheiro do Nicky não foi tão útil quanto Gabriel havia planejado originalmente. Eles foram até uma loja de penhores com os brincos Roarke como um primeiro teste. – Eu não tinha mais dinheiro, e então fiz algo estúpido. Quint me forçou a colocar o meu nome no formulário. Então, esperamos alguns dias para verificar que não tinha acontecido nada assim que recebemos o dinheiro dos brincos.

– Mas e quanto a todo aquele dinheiro que o Quint roubou do escritório do Marcus Stanton? – perguntei eu, confuso.

Gabriel grunhiu.

– Eu não sabia sobre isso até a noite que fui procurar por algo na bolsa dele. Ele estava fora comprando comida, e eu encontrei o dinheiro. Tivemos uma briga enorme quando ele voltou para o hostel. O Quint não queria gastar aquele dinheiro até ter certeza de que as notas não podiam ser rastreadas, e ele queria o meu nome em qualquer registro formal para se assegurar de que nada recaísse contra ele. O tio dele tinha avisado sobre isso. Naquela noite, o Quint pegou as suas coisas, o dinheiro e as joias, e desapareceu. Eu nunca mais tive notícias dele. Eu entrei em pânico. Eu sabia que não podia voltar para casa por muito tempo.

Eu mesmo poderia ter matado o Quint pelo que ele havia feito ao meu irmão.

– Foi por isso que você ligou para a loja de penhores para contar onde eles encontrariam os donos dos rubis?

– Sim, eu disfarcei a voz e deixei uma mensagem de um telefone público em outra parte de São Francisco. Então, consegui um emprego, voltei a estudar, e você sabe do resto, eu acho. – Gabriel indicou que nós deveríamos voltar se eu quisesse chegar a tempo da minha aula.

– Eu sei do resto com relação ao tempo que você passou fora de Braxton, mas o que aconteceu quando você voltou esse ano? Você confrontou o Quint novamente? – perguntei eu, enquanto chegávamos até a moto dele.

– Eu não o vi durante as primeiras semanas, mas nós nos encontramos por acaso durante um almoço. Ele me disse o quanto se sentia mal sobre toda a situação e que ele esperava que pudéssemos deixar aquilo de lado. Ele me prometeu que havia mudado. – Gabriel explicou que disse ao Quint que precisava pensar, mas eles nunca tiveram a chance de conversar novamente. Meu irmão não tinha informações sobre os atuais roubos de joias, e nem tinha ideia de quem poderia ter ficado com raiva suficiente para matar o Quint. – A Imogene e o Paul nunca souberam do que o Quint tinha feito, e agora eles estão noivos e felizes. A Tiffany, a Imogene e a Helena não sabem que a Krissy pediu para o Quint roubar o broche original, então nunca suspeitaram dele ser o ladrão. A Tiffany acha que sou eu porque eu estava com ela na casa funerária no dia que a mãe dela foi roubada, e ela viu o Quint vestido como eu no meu quarto no dormitório com as joias roubadas. O Nicky só contratou o Quint porque ele não sabia do que o cara tinha feito comigo, até que eu contei a ele algumas semanas atrás.

Gabriel confirmou que ele não tinha álibi para a noite na qual Quint foi morto. Ele tinha estado em casa dormindo e não podia provar que não esteve perto do teleférico. A Nana D também estava dormindo. Gabriel ligou a moto e dirigiu até o rancho Danby para que eu pudesse trocar de roupa, então voltamos para o campus. Ele foi para o trabalho, prometendo contar toda a verdade ao Connor naquela tarde.

Quando ele foi embora, eu entrei em contato com Lucy Roarke para saber se alguém havia contado a ela quem roubou os rubis. Segundo ela, Silas Crawford disse que nunca descobriu nenhum nome quando a polícia de São Francisco transferiu as pedras. Ele havia definitivamente encoberto o papel do sobrinho e havia escolhido não liberar nenhuma informação que tinha ficado sabendo pela loja de penhores aos Roarkes. Eu terminei a ligação justamente quando o meu pai me ligou para mencionar que não havia se lembrado de nada novo desde a nossa conversa anterior.

– Mas se lembre, isso é um problema de família nos homens Crawford, então o Quint é o verdadeiro ladrão. Eu tenho certeza de que não vai haver mais nenhum roubo, Kellan.

Eu não tinha tanta certeza. Caminhando de volta até o Pavilhão Diamante, eu contemplei tudo o que havia aprendido; novas ligações na teia de aranha de pistas começaram a ficar muito mais claras. Quint ficou com raiva porque as garotas da irmandade haviam tirado vantagem dele. Então, Lara forçou a filha a terminar o relacionamento. Quint queria vingança. Ele havia escolhido propositalmente roubar das famílias que fundaram a Alpha Iota Ômega, e havia deixado a flor copo-de-leite para implicar que alguém da irmandade estava roubando as joias. Exceto que ele tinha se dado bem e se livrado de qualquer acusação, saindo da cidade com todo o espólio.

Quando Quint retornou à cidade, ele começou a repetir os seus crimes, mas de uma maneira levemente diferente. Havia um padrão mais intricado que ninguém mais havia descoberto. No primeiro roubo de cada rodada, ele roubou de Gwendolyn Paddington e da sua filha, Jennifer. No segundo roubo, foi a Agnes seguida da sua nora, Lydia. No terceiro, Lucy Roarke e sua filha, Maggie. No quarto roubo, Laura e sua filha, Imogene Grey. Quando considerei a última vítima original, Wendy Stanton, eu fiquei empacado. Wendy não tinha nenhuma filha e o seu filho era novo demais para ser casado. Então, percebi que ela tinha uma enteada, Krissy. Se havia um novo cúmplice que havia matado o Quint por algum motivo desconhecido, ainda poderia acontecer um roubo. Baseado no padrão, isso aconteceria muito em breve. Será que poderíamos ficar à frente do segundo ladrão e provável assassino do Quint?

Eu precisava contar a minha teoria ao Connor e à April, mas teria que esperar até depois da aula. Eu dei uma desculpa, anunciando que precisava conversar com a Krissy e outro estudante durante o intervalo sobre um problema com as suas transcrições. Eu queria me assegurar de que a Krissy estaria disponível para conversar comigo, para o caso dela ter alguma preocupação em ser o alvo do próximo roubo. Durante noventa minutos, discutimos os prós e contras das mudanças nos estilos de documentários desde que a internet havia se tornado disponível. Enquanto a primeira estudante veio me ver durante o intervalo, Krissy não fez o mesmo. Eu disse à estudante que estava confuso e havia encontrado o que precisava para os arquivos dela, então ela poderia ignorar tudo. Procurei pela Krissy no andar inteiro, mas ela não estava à vista.

Raquel me viu olhando ao redor.

– Quem você está procurando, Dr. Ayrwick? – Depois que eu contei, ela disse: — A Krissy e a Imogene saíram pela porta dos fundos alguns minutos atrás.

Eu agradeci e fui conferir por mim mesmo. Aquelas saídas eram geralmente apenas para os professores para chegarem até os escritórios no segundo andar. A última vez que alguma coisa incomum havia me levado até aquela escadaria, eu havia encontrado o meu primeiro cadáver. Meu estômago se revirou com o pensamento disso acontecendo novamente.

Eu subi o primeiro lance de escadas, mas elas não estavam lá. Então, ouvi uma voz à distância e percebi que alguém tinha ido até o espaço da biblioteca do terceiro andar. Eu subi os degraus silenciosamente, esperando que a minha presença passasse despercebida. Quando cheguei ao topo, Krissy e Imogene estavam discutindo. Elas não podiam me ver pela pequena fresta da porta, até onde eu sabia.

– A polícia veio me ver hoje. Eles sugeriram que a morte do Quint não tinha sido um acidente. Eu sei que você esteve lá. – Imogene parecia nervosa, mas determinada a confrontar a Krissy.

– Eu não sei sobre o que você está falando. Você é uma idiota. Eu não entendo o que o Paul vê em você – respondeu Krissy com uma raiva venenosa em seu tom, o que eu nunca tinha ouvido antes.

– Você não está preocupada que eu contei a eles sobre você ter ido até o teleférico? Imagino se eles vão te interrogar em seguida, talvez até mesmo prender você por alguma coisa, hein? – provocou Imogene, seu comportamento normalmente calmo aguentando firme.

O que a Krissy estava fazendo no teleférico? Será que a Imogene estava se referindo ao dia em que o Quint foi morto?

– Os policiais ligaram. Eu vou encontrá-los amanhã. Eu tenho muito para contar a eles sobre você também, sua bruxa. – Krissy se aproximou alguns passos. – Eu só estava visitando o Quint naquela noite. Nós éramos amigos.

Eu peguei o celular para gravar a conversa delas, mas fiquei com medo que elas me ouvissem apertando os botões. Eu continuei escutando, curioso para saber o que mais elas poderiam dizer. A minha palavra seria suficiente para a xerife se alguém confessasse naquela tarde.

– Às onze horas da noite quando o Quint foi eletrocutado? Eu te vi antes de ir para a casa do Paul naquela noite. – Imogene se afastou e ficou atrás de uma pequena cadeira.

Eu considerei o layout da sala e pensei se havia algum tipo de arma por perto. Nada me veio à mente, mas eu não tinha estado lá em semanas. Até mesmo um livro poderia machucar alguém.

Krissy gargalhou.

– Sim, o Quint e eu bebemos naquela noite. Ele mencionou precisar de algo que havia esquecido no vagão do teleférico mais cedo naquele dia, então eu fui com ele. Foi só isso. Você provavelmente me viu saindo do estacionamento enquanto ele ficou para trás trabalhando, antes de se eletrocutar por acidente.

– Um horário estranho para se estar no campus, hein? O Quint era muito esperto. Eu tenho que concordar com a polícia; não acho que ele era tolo a ponto de deixar a energia ligada. Eu disse a eles que você passou um tempo lá, e que você tentou roubar o Quint de mim durante a faculdade também. Aquele detetive estava bem interessado em saber o que eu tinha para falar – respondeu Imogene.

Eu teria que encontrar uma maneira de corroborar a história da Imogene sobre ter ido até a casa do Paul naquela noite. Se a Krissy esteve lá uma hora antes de o Quint morrer, isso significava que ela era a culpada, ou que ela tinha visto alguém mais andando por perto do teleférico? Ela sabia sobre o propósito das flores copo-de-leite e também havia pedido para o Quint roubar o primeiro item para ela. Será que eu tinha deixado passar alguma pista chave quando ela revelou a história no restaurante chinês naquela noite? Eu desci os degraus nas pontas dos pés, preocupado que elas me encontrassem escutando escondido. Eu teria que repensar meu plano de conversar com a Krissy sobre o próximo roubo em potencial. Talvez essa garota estivesse envolvida muito mais do que eu havia percebido. Será que ela poderia ter sido a cúmplice do Quint, tentando encobrir seus rastros?

* * *

Depois que a aula terminou, eu passei alguns planos de lições e mandei uma mensagem de texto para o Connor e para a April os informando de que eu tinha informações urgentes. Quando olhei para o relógio, percebi que eles ainda estariam interrogando o Gabriel e que eu tinha que buscar a Emma no ponto de ônibus. Ela havia pego o último ônibus hoje. Assim que a busquei, dirigimos até a casa da Bertha Crawford para contar o que eu havia descoberto desde o funeral do Quint.

Emma me presenteou no caminho até lá com histórias sobre todos os seus novos amigos do acampamento. Eu também fiquei sabendo que a Srta. Roarke, Helena para mim, havia entrado em uma discussão com alguém que havia aparecido na escola durante a tarde. Emma se lembrava de que a outra mulher ficava dizendo “Como você não me disse que ele era um traidor?” Então ela me perguntou:

– O que é um traidor, papai? É quando o nono esconde as cartas no bolso da jaqueta dele?

Eu não havia percebido que o Vincenzo era assim tão óbvio na frente da Emma.

– Ah, mais ou menos isso, querida. É por isso que eu sempre digo que é melhor ser honesto e aprender a ser um bom perdedor. Você não pode vencer sempre. – Eu teria uma conversa com o meu sogro da próxima vez que o visse, para sugerir que ele parasse de fazer coisas tolas quando a Emma estivesse por perto. É tão horrível assim que eu desejasse que ele tivesse sido raptado ao invés da Francesca? Eu ainda não tinha criado um plano razoável sobre como contar à Emma que a mãe dela estava viva. Qualquer dia desses, Francesca poderia ser uma mulher livre novamente. Eu deveria estar animado com isso, e talvez a seis meses atrás eu estivesse. Tinham acontecido coisas demais esse ano, eu supunha. Com quem a Helena brigou durante o trabalho?

Emma e eu batemos na porta da Bertha, e ela gritou para que entrássemos. Ela morava em uma pequena casa de três quartos, não muito longe das minas Betscha onde o seu marido costumava trabalhar. A Nana D havia me contado que o cunhado dela, Silas, o antigo xerife, havia se mudado com ela depois que o seu irmão morreu, para ajudar a dar um modelo masculino para o seu jovem sobrinho. Baseado no que eu sabia, ele tinha sido bem-sucedido. Enquanto o xerife havia sido um policial corrupto, o Quint cresceu para se tornar um ladrão.

– Sentem-se. Essa deve ser a Emma – disse ela. Depois de apresentações rápidas, Bertha disse à Emma que tinha feito cupcakes que estavam esfriando na mesa da cozinha. – Você pode colocar cobertura neles se quiser.

Assim que Emma correu para a cozinha, eu disse:

– Obrigado. Eu agradeço por você ter tirado um tempo para mim hoje.

– Baseada na sombra nesses lindos olhos normalmente azuis e pela hesitação na sua voz, eu presumo que você veio portando notícias indesejadas. – Bertha retirou o tubo de oxigênio que estava preso ao seu nariz e o colocou em uma mesinha lateral. – Eu preciso aprender a respirar sozinha novamente.

– Você é uma mulher inteligente, e eu lamento de verdade ter que entregar essas notícias. – Me sentei no sofá ao lado dela e peguei sua mão gelada. Bertha estava lutando, mas a quimioterapia a havia afetado bastante. Eu estava preocupado de que ela não tivesse mais muito tempo de vida.

– Pode colocar para fora. Meu filho fez algumas coisas tolas, então não se preocupe em magoar o coração de uma velha mulher. Eu fiz o meu melhor para criar aquele menino, mas quando perdemos o pai dele, as coisas nunca melhoraram. Havia algumas más influências por perto. – Ela suspirou enquanto olhava para uma foto na prateleira do outro lado da sala. Era uma foto emoldurada dela com o marido e com o Quint, quando ele era apenas um menino.

– Eu sei com certeza que o Quint roubou todas aquelas joias e o dinheiro de algumas famílias oito anos atrás. – Eu fiz uma pausa para que ela absorvesse a informação. Sem se mover, ela continuou a me encarar. – Ele convenceu outra pessoa a penhorar algumas peças, então deve ter partido e vivido dos lucros.

– Isso faz sentido. Eu recebi alguns presentes caros pelo correio logo após ele ter ido embora daquela vez. Ele continuou a roubar depois que saiu de Braxton? – O peito dela se movimentava com muito esforço.

Depois que Bertha se recuperou, eu disse:

– Eu não tenho certeza, mas suspeito de que ele tenha alguma relação com a nova rodada recentes de roubos. Eu também sei que o seu cunhado encobriu os roubos originais.

Bertha expressou tristeza pelo filho que havia perdido quando era um menino e por aquele que ela perdeu depois que ele cresceu e seguiu os passos incertos do tio.

– Um clássico caso de tragédia familiar. Uma mãe sempre sabe quando o seu filho não está fazendo algo de bom, mesmo que ela não admita para mais ninguém até que seja tarde demais.

– A outra pessoa envolvida anos atrás está conversando com a xerife Montague no momento.

– Você acha que essa pessoa matou o meu Quinton? – Os olhos de Bertha se encheram de lágrimas.

Eu entreguei um lenço a ela.

– Não, senhora. Eu acredito com cada fibra do meu ser que ele não machucou o seu filho. Mas o meu bom amigo é o detetive nesse caso. Estou confiante de que ele vai encontrar o verdadeiro criminoso.

– Você tem sido honesto comigo, Kellan. Pode olhar o quarto do Quint se quiser, apesar de que não sei se vai encontrar alguma coisa. Uma das amigas dele veio até aqui querendo ficar perto dele uma última vez – disse Bertha, secando as bochechas e colocando novamente o tubo de oxigênio. – Ele não tinha quase nada lá. Duvido que você encontre algo.

Eu fiquei curioso ao ouvir que uma amiga havia remexido pelo quarto.

– Você se lembra quem era?

Bertha fechou os olhos e juntou as pontas dos dedos.

– Ela veio aqui logo depois de eu terminar de assar os cupcakes. Fazer a massa havia me deixado exausta. Eu disse a ela para entrar direto no quarto dele. Eu não estava de óculos, e tinha tomado um analgésico. Estava exausta demais para me lembrar de muita coisa.

– Você consegue descrever a garota?

Bertha não conseguia se lembrar de nada específico a não ser que ela tinha o cabelo escuro.

– Deve ter mais ou menos a mesma idade do Quinton. Eu devo ter dormido. A próxima coisa de que me lembro foi você batendo na porta.

Poderia ser a Imogene, mas quando eu mostrei a ela uma foto no meu celular que eu havia encontrado na internet, não foi de grande ajuda. Bertha estava cansada. Era hora de irmos embora. Eu olhei o quarto do Quint, mas só encontrei um conjunto de abridores de cadeado e outras ferramentas que ele usava para invadir os lugares.

– Tem mais alguma coisa que você possa me contar, antes de eu ir embora? – Eu acenei para a Emma, que havia trazido um cupcake com cobertura para a Bertha.

– Leve alguns para casa, querida. Eu não tenho netos. Faz uma velha se sentir útil cozinhá-los para alguém que gosta tanto. – Bertha esticou o braço e bagunçou o cabelo da Emma, então se virou para mim. – Quinton realmente tinha algum dinheiro nos últimos meses. Ele estava pagando todas as despesas para manter a casa. Os Paddington se ofereceram para pagar os meus gastos médicos, mas eu não deixei. Acho que o meu orgulho ficou um pouco grande demais. Me sinto terrível que o meu filho tenha roubado deles anos atrás.

– Se você se lembrar de qualquer coisa sobre a mulher, por favor, me ligue. – Antes de sairmos, Bertha confirmou que ela havia entregado as chaves da mansão Paddington para que o seu filho as devolvesse, e achou que ele tinha feito exatamente isso. Nós dois concordamos que ele deve tê-las usado para roubar o relógio da Jennifer. As chaves ou tinham desaparecido novamente, ou Quint as jogou fora, para que ninguém as relacionasse a ele.

Emma e eu saímos da casa da Bertha e passamos o começo da noite com a Nana D. Eu não tinha energia para contar ao Connor e à April sobre o que a Bertha havia me contado. Quando eles entrarem em contato com a mulher, vão descobrir. Gabriel confirmou que havia sobrevivido ao interrogatório com o Connor e prometeu me ligar em breve para explicar o que tinha acontecido. Sabendo que amanhã seria o primeiro dia da Nana D como a nova prefeita, eu fui para a cama para dormir um pouco. Então, percebi uma nova mensagem chegando no meu celular.

Connor: Os Paddingtons me mandaram a lista. Isso é uma informação confidencial. Houve vários visitantes, mas apenas quatro poderiam ter tido acesso. Imogene e Paul levaram um presente de noivado e ficaram esperando dentro do Grande Pavilhão por alguns minutos. Krissy Stanton se perdeu ao usar o banheiro depois de passar na mansão para coletar doações para um evento de caridade que ela estava organizando. Nicky Endicott passou por lá para fazer um orçamento de reforma do teto do Grande Pavilhão, e ficou sozinho enquanto a empregada saiu para buscar um copo de água.


Quatro pessoas tiveram acesso, mas só porque uma delas havia deixado um buquê de flores copo-de-leite ao lado do Quint, isso não significava que essa pessoa o tivesse matado. Eu precisava criar um plano para interrogar todo mundo. Com sorte, pela manhã a melhor alternativa se apresentaria. Enquanto eu cochilava, percebi que hoje à noite seria o nono dia desde que o roubo aconteceu na casa da Lara, e ainda assim nada havia acontecido. Baseado no padrão, o crime poderia estar ocorrendo agora ou dentro das próximas doze horas. Será que alguma coisa aconteceria durante a noite?


15

 


Nana D participou da coletiva de imprensa às nove horas da manhã seguinte do lado de fora do prédio administrativo. A Mãe Natureza cooperou ao nos entregar um dia glorioso com sol forte e uma temperatura de vinte e cinco graus. Foi um momento quase perfeito, a não ser devido às reclamações do vereador Marcus Stanton no fundo da plateia. Todas as quatro cidades do condado haviam elegido um novo vereador, o que significava que havia cinco novos líderes se juntando à categoria na segunda metade do ano. Que boas-vindas julho nos trouxe!

Eu tinha me comprometido a deixar que a Emma participasse da cerimônia de posse, mas planejava deixá-la no acampamento ao final da manhã. Lara Bouvier concordou em almoçar comigo para conversar sobre os roubos das joias, contanto que eu prometesse um espaço para o programa de televisão dela mostrando o primeiro dia de Nana D no escritório. Um pouco de “quid pro quo” não machucaria ninguém se fosse focado em compartilhar informações para solucionar um crime, pelo menos era o que eu vinha dizendo a mim mesmo, enquanto me preocupava sobre que tipo de perguntas Lara poderia fazer.

– Onde ela está? Não consigo ver – disse Emma, enquanto pulava para tentar ter uma visão melhor. Nós estávamos na calçada na frente da plateia ouvindo o primeiro orador, mas ninguém veria a Nana D até ela passar pela cortina preta e entrar no palco. Ter um metro e meio de altura tinham suas vantagens e desvantagens, e ela se manteve bem escondida até que fosse a sua vez de falar.

– O gerente de campanha da Nana D está quase acabando – expliquei eu, colocando a Emma nos ombros. – Ela está nos bastidores ensaiando o discurso e esperando por uma introdução memorável.

Com base na agenda final para o seu primeiro dia no escritório, Nana D estava em uma missão para provar que era a mulher certa para o trabalho. A manhã começaria com uma coletiva de imprensa para destacar e agradecer aos governantes anteriores da cidade pelo seus serviços, seguido por uma cerimônia de posse com duração de trinta minutos, onde minha avó revelaria a sua visão para os próximos três meses. Ela havia coordenado uma feira de rua e almoço, onde iria se encontrar com os empresários locais, visitar o abrigo de moradores sem-teto da cidade, e fazer uma sessão de perguntas e respostas para que a população em geral sugerisse ideias que a sua equipe deveria considerar como atividades prioritárias. No lugar de uma festa ou coquetel — a Nana D não gostava de pompa — ela convidou grupos locais de coral das organizações religiosas e escolas para entreterem a população durante um piquenique no parque Wellington. As Empresas Paddington estavam financiando ambas as refeições, assegurando que o fundo da cidade não fosse usado para pagar pela sua festa de posse. Para fechar a noite, Nana D marcou a primeira reunião oficial com os novos vereadores para as nove da noite, assegurando a todos os cidadãos que sua equipe não tinha medo de trabalhar até tarde para ajudar a melhorar o condado de Wharton.

Quando o prefeito deposto e o gerente de campanha da Nana D terminaram de falar e a Nana D entrou no palco, a Emma foi a primeira a gritar animada e iniciar uma salva de palmas.

– Ela está tão bonita! – gritou Emma, e se balançou jovialmente nos meus ombros. Nana D havia se vestido para a ocasião com um terno preto vintage e uma camisa de seda vermelha. O seu longo cabelo ruivo estava elegantemente trançado e enrolado em um pequeno cone no topo da cabeça, coberto por uma redinha preta e preso com uma rosa. Ela estava usando até mesmo seus novos óculos de armação rosa, e a sua presença fez com que eu me lembrasse de uma versão mais nova de uma juíza da suprema corte que eu admirava muito.

– Bom dia, condado de Wharton – projetou Nana D, para uma plateia animada com as mudanças que o sangue novo traria para as suas queridas cidades. – Agora é oficialmente o momento de fazer meu juramento, e eu não posso pensar em ninguém melhor para estar ao meu lado de que esse amado grupo de pessoas.

Depois que o Juiz Grey jurou a Nana D ao cargo, ela agradeceu ao seu predecessor e ofereceu compartilhar o holofote com ele durante aquele dia. O ex-prefeito Grosvalet recusou, citando que precisava deixar o futuro começar hoje. Nana D começou o seu discurso, cobrindo alguns minutos falando sobre a sua vida e credenciais, dando uma ideia do que foi preciso para se eleger ao cargo, e o que prometia entregar em noventa dias.

– Eu não sou o mesmo tipo de líder que vocês tiveram na última década. Vocês me escolheram porque queriam mudanças. E mudança é o que vocês vão ter... – Nana D graciosamente destacou a corrupção e desleixe que observou acontecer por todo o condado, mas rapidamente introduziu o seu foco em eliminar qualquer forma de propina durante o seu período no cargo. Ela relembrou a todos que aconteceriam conflitos, mas diferentemente de como foi no passado, isso agora seria resolvido com o benefício de todos os cidadãos em mente.

A multidão ao nosso redor estava louca de admiração e esperança com as histórias do passado da minha avó, assim como eu fiquei, até quando Nana D me chamou especificamente do meio da plateia enquanto falava sobre o futuro.

– O Kellan é a próxima geração de líderes que esse condado precisa, e eu planejo trabalhar de perto com ele para assegurar que pessoas como ele voltem à cidade para tornar o condado de Wharton o melhor condado da Pensilvânia.

Eu avistei os meus pais e a Eleanor no fim da plateia animada. Por que o Gabriel não estava com eles? Eu queria saber o que tinha acontecido quando ele conversou com o Connor, mas é claro, ele tinha se escondido novamente. Quando as atividades mais importantes acabaram, Emma e eu seguimos para o estacionamento. Então percebi a Nana D se aproximando.

– Onze horas da manhã amanhã. No meu novo escritório, por favor – exigiu ela, enquanto se esticava para me abraçar.

– Você estava incrível hoje, mas sobre o que é essa reunião? – perguntei eu, com a voz trêmula.

– A xerife Montague vai me entregar um relatório sobre a investigação do assassinato do Quint Crawford. Você precisa estar lá. – Ela beijou a testa da Emma e apertou a presilha no cabelo dela.

– Eu não tenho certeza se é uma boa ideia. Eu tenho um monte de coisas para fazer, e a April não vai ficar feliz de ver...

– Você pode não ser meu funcionário... – interrompeu ela com um aceno de mão. – Mas eu pago a você com sobremesas e uma casa livre de aluguel. Você não pode dizer não a isso, a não ser que não queira mais que eu cozinhe... Além disso, você pode apenas aparecer casualmente para ver como estou me saindo no meu segundo dia, e surpresa, a xerife está por lá. – Nana D me deu um olhar firme que dizia que ela não estava de brincadeira.

– Por acaso isso não contradiz o que você disse sobre propina a cerca de uma hora atrás?

– Emma, o seu pai é um limão azedo. Eu estou promovendo você à nova assistente da prefeita. Eu espero que você o convença a aparecer por lá amanhã – disse Nana D, enquanto se afastava lentamente. – Kellan, isso não é uma sugestão. Seja um bom neto e faça o que a prefeita te diz para fazer, meu neto brilhante.

Eu lutei contra a vontade de chutar o meio-fio, especialmente quando a Emma se virou para mim e disse com um dedo apontado na minha direção:

– Isso, brilhante. A Prefeita Nana D te deu uma ordem. Eu faria o que ela está dizendo, ou ela vai te colocar na cadeia. – Eu desisti, deixei a Emma no acampamento, e encontrei com a Lara para almoçarmos. Tinha que ser uma melhora do meu dia até agora.

Lara e eu nos encontramos em uma mesa de canto na lanchonete Pick-Me-Up. Apesar de ter quase cinquenta anos, ser morena e uma das pessoas mais inteligentes que eu já havia encontrado, ela poderia facilmente se passar por irmã da sua filha. Filha de pais franceses, ela havia crescido nos Estados Unidos, e já tinha sido modelo de passarela antes de se envolver com a família Grey.

– Um dia histórico – disse Lara, ativando um gravador de voz e abrindo uma tela no seu tablet para fazer anotações. – Seraphina Danby, a primeira prefeita mulher. Paul Dodd, o vereador mais jovem. Nós devíamos ter orgulho das nossas famílias.

– Ah, é mesmo. Eu esqueci, o Paul está noivo da sua filha, Imogene. Ela deve estar ocupada planejando o casamento e decidindo qual deve ser a posição dela como primeira-dama de Braxton. – Eu ri pensando em Braxton tendo alguém nesse papel. Marcus Stanton havia exibido convenientemente o seu estilo de vida de solteiro depois que sua esposa faleceu anos atrás.

– Sim para o casamento. Duvidoso sobre estar em frente ao público. A Imogene é muito tímida. Ela deve ter herdado esse traço de personalidade do lado do meu ex-marido. – Quando Lara sorriu, um rosto sem rugas iluminou a lanchonete. Ela era uma mulher bonita e culta, e eu podia ver por que ela tinha conquistado o cargo de repórter investigativa para a WCLN e a posição de âncora no jornal de notícias local.

– Eu tenho gostado de trabalhar com a Imogene durante a aula. Ela mencionou que está fazendo o curso para entender melhor o seu trabalho. Deve ser ótimo ter uma filha seguindo os seus passos.

Lara jogou as mãos para o ar.

– Ah, eu a amo demais, mas nós somos mulheres completamente diferentes e temos um gosto oposto com relação a homens. Eu só estou feliz que ela finalmente tenha aceitado o pedido de casamento do Paul. Com sorte, agora que aquele Quint Crawford está morto, ela vai parar com o hábito de tentar consertar os homens que namora.

Eu havia encontrado Lara apenas algumas vezes, mas ela era muito mais aberta do que eu havia esperado.

–Eu sei que a Imogene namorou com o Quint anos atrás. Não foi durante a faculdade, até um pouco antes dele sair da cidade?

– Sim, mas ela pensava nele o tempo todo. Ela e o Paul têm um relacionamento com mais idas e vindas do que um casal famoso de celebridades. Minha filha finalmente disse sim ao Paul durante a primavera quando voltou da França. Uma semana depois, ela estava almoçando com o Quint e me dizendo o quanto sentia falta dele. – Lara chamou uma garçonete para fazermos o pedido.

Eu esperei até a garçonete se afastar, e então continuei:

– Você acha que tinha alguma coisa acontecendo entre a sua filha e o Quint novamente? – Eu não conseguia decidir como isso se encaixava no que a Emma havia escutado no acampamento sobre alguém gritando com a Helena por causa de um traidor.

– Eu não sou de fazer intriga, e não é por isso que nós estamos aqui, não é mesmo? Vamos nos manter nos pontos chave hoje – disse Lara, mudando o assunto para a minha avó. Nós passamos os próximos trinta minutos conversando sobre os planos da Nana D durante o almoço.

Quando nossos pratos foram retirados e pedimos um café, eu voltei à conversa:

– Você iria me contar tudo o que sabia sobre os roubos das joias, certo?

Ela assentiu.

– Me diga por que você se importa. Eu entendo a necessidade jornalística de encontrar respostas e procurar a verdade, mas você deixou aquela vida quando se mudou de Los Angeles. Eu não entendo completamente o porquê, mas isso é uma história para outro dia. – Lara era direta, mas justa, uma abordagem que a maioria das pessoas apreciava sobre ela.

Eu levei um minuto para considerar a minha resposta.

– A vida é sobre equilíbrio. Minha filha precisava ficar perto da família, e eu não estava confortável com algumas das influências na costa oeste. Em Braxton, eu posso ensinar a ela bons valores e proporcionar um estilo de vida menos estressante.

– Eu presumo que você esteja se referindo aos Castiglianos? – disse ela, digitando em seu tablet. – Eu não vou publicar nada disso, então não se preocupe.

– Obrigado. Sim, os meus sogros são pessoas complexas; quando eu saí da série de tv, perdi o meu lado analítico. Lecionar é algo fantástico e recompensador, mas desvendar quebra-cabeças complexos e garantir que as pessoas sejam responsabilizadas pelos seus atos é algo importante para mim. – Eu estava tentando encontrar alguém que entendesse a minha paixão por solucionar crimes. Lara parecia se identificar com esse desejo interno.

– Você e eu somos bem parecidos – respondeu ela com um sorriso. – Talvez devêssemos trabalhar juntos mais vezes. Me diga o que você sabe sobre os roubos. Eu vou preencher as lacunas sobre qualquer coisa que eu puder esclarecer sobre a morte do Quint. Eu sei que as duas coisas estão relacionadas de alguma forma.

Será que eu podia confiar nela? Eu revelei alguns pontos de interesse, sem contar qualquer coisa que a xerife não aprovaria e sem mencionar o papel do Gabriel.

– Até onde eu posso dizer, o Quint tinha alguma relação com os roubos das joias. A mãe dele e eu tivemos uma longa conversa sobre isso. Alguém a visitou ontem, mas a Bertha não conseguiu se lembrar muito da garota.

– A Imogene sempre gostou muito da Bertha. Eu suponho que ela possa ter ido até lá. Vou ver se consigo descobrir, mas duvido que ela tenha alguma coisa a ver com os roubos ou com a morte do Quint. Os rumores circulando dentro da emissora são de que o Quint foi assassinado. O problema elétrico não foi um acidente.

Eu dei de ombros.

– Eu não saberia com certeza. Você teria que perguntar à xerife ou ao Connor Hawkins, o detetive do caso.

– E o seu melhor amigo. Eu posso ver no seu rosto. Os rumores são verdadeiros. Você não seria um bom criminoso, Kellan. Não conseguiria mentir para salvar a sua vida, mas eu gosto disso em você – disse Lara, abrindo a tampa de um pote de creme sem gordura e o colocando no seu café. – Eu vou te contar o que descobri sobre as joias desaparecidas.

Lara explicou tudo o que havia acontecido na casa dela na semana anterior. Imogene admirava a tiara que a sua avó do lado dos Greys havia dado a ela anos atrás. Ela queria incorporá-la no seu look de casamento e planejava levar a tiara até o salão de beleza para considerá-la. Ela estava morando na mansão Grey onde mantinha sua herança de família guardada em segurança, mas resolveu passar a noite na casa da Lara, na noite do aniversário de setenta e cinco anos da Nana D, para onde também havia levado a tiara, para que pudesse ir diretamente até o salão de beleza na manhã seguinte. Lara tinha estado gravando uma reportagem na festa da Nana D, e o Paul estava em casa trabalhando nos seus planos como novo vereador. Um barulho acordou Imogene enquanto cochilava, e ela pensou ser a sua mãe voltando para casa. Quando se levantou para conferir, já estava escurecendo, e ela teve dificuldades para enxergar devido ao brilho do sol poente. Alguém a nocauteou e tentou correr porta afora. Ela conhecia o layout do quarto melhor do que o ladrão, e quando ele estava tentando escapar, tropeçou nela novamente. Ela lutou com ele, arranhou o seu braço, e o ladrão bateu na cabeça dela com uma tigela que estava em uma mesa próxima.

– Quem você acha que era?

Lara se recostou na cadeira e desligou o gravador, não querendo dizer nada que pudesse machucar a sua filha enquanto gravava.

– A Imogene não quis informar para a polícia, mas ela me disse que poucas pessoas sabiam que ela estava com a tiara naquela noite. Algumas pessoas da família Grey, mas eles poderiam tê-la roubado em qualquer ponto no passado. Ela estava com medo de que tivesse sido um dos seus amigos.

– Você acha que foi o Quint, não é?

– Ela tinha almoçado com ele naquele dia, e ele pediu outra chance a ela. Ele queria que ela terminasse com o Paul, mas a Imogene precisava de tempo para pensar. O Paul fazia ela se sentir segura e oferecia um futuro sem preocupações com dinheiro ou sobre o que as pessoas iriam pensar.

– O Quint deve ter ficado com muita raiva. Será que ele teria roubado a tiara para assustá-la, ou talvez vender para conseguir dinheiro para sustentar os dois? Por acaso ela tem o próprio dinheiro vindo da família Grey? – Quem tinha confrontado a Helena no acampamento devia estar falando da Imogene traindo o Paul, pelo menos essa parecia ser a explicação até o momento. Talvez a Emma tivesse entendido o contrário. Será que a Krissy estaria chateada pela Imogene e o Quint estarem saindo juntos? Talvez ela também estivesse interessada no Quint como havia acontecido anos atrás.

Lara sacudiu a cabeça.

– Não muito. Está tudo congelado até que ela faça quarenta anos. Na família Grey, você deve provar o seu valor antes que o Hiram permita que um centavo passe para a próxima geração. Ele é um tirano, e foi por isso que o meu casamento com o filho dele nunca funcionou.

Eu bebi um gole do meu café e processei o que a Lara havia me contado.

– Você acha que a Imogene contou ao Paul que o Quint havia pedido para voltar?

– O Paul está focado no seu novo papel moldando o futuro de Wharton. Ele já é apaixonado por ela há mais de uma década, mas o fato de o Quint ter voltado o deixou nervoso. Eu perguntei à Imogene se ela tinha contado tudo ao noivo, mas ela não quis me dizer. Desde que o Quint morreu, ela tem sido apenas uma casca da sua antiga personalidade. Por mais que eu não quisesse ele junto com a minha filha, eu podia ver o quanto ela amava o amava. Ele a fazia sentir como uma rainha no meio das outras mulheres. – O celular da Lara começou a vibrar, e ela aceitou a ligação.

Enquanto ela conversava com o chefe na emissora, eu paguei a conta. Será que ela poderia ter ficado preocupada com o Quint magoando sua filha e resolveu tomar o assunto nas próprias mãos?

Ela se levantou após terminar a ligação.

– Eu tenho que ir. O meu chefe adiantou um prazo e eu tenho que entrevistar alguém hoje. Não se preocupe, isso não tem nada a ver com o que nós conversamos.

– Lara, quando a Imogene contou a você sobre o Quint ter pedido a ela para terminar com o Paul? – Se Lara havia ficado sabendo disso antes do Quint morrer, aquilo poderia me dar um motivo para duvidar da honestidade dela.

– Arrá! Se você está tentando encontrar uma maneira de saber se eu matei aquele perdedor, pode parar por aí. Eu não gostava do Quint Crawford, e com toda a certeza não queria aquele homem perto da Imogene. Mas eu tenho os meus limites. Eu teria contratado alguém para espancá-lo se tivesse sido capaz de provar que foi ele quem a atacou na minha casa. Mas eu não chamaria pessoas como os seus sogros para acabar com ele permanentemente. – Lara se aproximou para me beijar na bochecha, então sorriu enquanto se afastava. – Eu deixo esse tipo de coisa para a sua família, querido.

– Você é engraçada, Lara. Espere um pouco antes de sair – disse eu, me preparando para ir embora com ela. – Já que nós dois acreditamos que o Quint era o ladrão atual, e que parece que alguém intencionalmente pode tê-lo eletrocutado ou matado, quem está no topo da sua lista?

– Eu não acredito nem por um minuto que tenha sido o Paul. Como eu disse, a vida dele está focada na política agora. Krissy Stanton sempre foi um espinho na vida da minha filha, e o pai dela ficou incrivelmente bravo pelo Quint ter contado a todo mundo que os Stantons o enganaram no trabalho que ele tinha feito. Se eu não tivesse essa outra história, eu estaria focada nos Stantons e no Nicky Endicott. O Nicky só contratou o Quint porque eles eram velhos amigos, mas a Imogene disse que eles brigavam o tempo todo por causa da construtora.

Depois que Lara foi embora, eu fiz algumas anotações no meu celular enquanto esperava que a recepcionista conferisse se a Eleanor estava disponível. A porta do escritório dela estava fechada, e eu não queria interromper se ela estivesse em reunião com alguém. A garçonete retornou ao balcão e disse:

– Ela teve que buscar algumas coisas no fornecedor que não vieram essa semana. A Eleanor não vai estar de volta até o final da tarde.

– Entendi, obrigado. Eu vi a porta fechada e pensei que ela estava ao telefone.

– Não, o chef Manny está no intervalo. Ele está lá dentro com a esposa – comentou ela, e saiu para limpar uma mesa.

Esposa? Será que a Eleanor tinha conversado com ele sobre o que eu havia escutado? Ela nunca me contou, mas conhecendo a minha irmã, ela deve tê-lo repreendido sem fim. Eu estava curioso para saber o que estava acontecendo e decidi abrir a porta para dizer olá. A Emma adorava o chef Manny, e se ele estava indo embora da cidade, eu queria saber.

– Quem está aí? – perguntou Manny, depois que eu bati na porta.

– É o Kellan. Só queria dizer oi.

Quando a porta se abriu, eu olhei duas vezes para a pessoa que estava ao lado do Manny.

– Raquel? – O que uma das minhas estudantes estava fazendo com o chef da Eleanor?

Raquel deu um passo para frente e envolveu o braço ao redor da cintura do Manny.

– Oi, Dr. Ayrwick. Já conhece o meu marido, Manny Salvado?

Eu fiquei chocado por um momento, então percebi que fiquei de boca aberta por tempo demais.

– Eu nunca esperei ver vocês dois juntos. Me desculpe. Só estou um pouco confuso. – Ele havia se casado recentemente com alguém de fora da cidade. Raquel havia indicado que era nova na cidade e que estava esperando o marido decidir algumas coisas com relação ao seu emprego. A conclusão fazia total sentido agora. Exceto que, será que eu estava prestes a perder uma estudante e a Eleanor o seu chef? – Meus parabéns a vocês dois. Tenho que confessar, Manny, eu escutei você conversando no outro dia sobre ter se casado e se mudar para Las Vegas. – Eu inspirei profundamente e me apoiei no batente da porta. Será que eu poderia perguntar sobre os planos deles para o futuro?

Raquel parecia ter percebido que havia falado demais quando nós conversamos.

– Talvez eu devesse deixar vocês sozinhos. Tenho algumas coisas para fazer. – Raquel beijou Manny na bochecha e disse ao marido que o veria de noite em casa.

Assim que ela foi embora, eu me virei para o Manny.

– Então, a Eleanor te confrontou? Quer dizer... você tem que fazer o que for melhor para você, mas ela vai sentir a sua falta.

Manny pediu que eu entrasse e fechou a porta.

– Esse casamento é algo novo para mim, Kellan. Eu realmente gosto dela, mas não sei bem onde me meti. Eu não sei o que fazer. – Algumas linhas de expressão ao redor da sua boca mostravam uma preocupação significante sobre a situação na qual ele se encontrava. No começo daquela primavera, ele e os amigos fizeram uma viagem para Las Vegas, depois que os antigos donos da lanchonete venderam o lugar para a Eleanor. Ele tinha certeza de que ela iria demiti-lo e contratar a sua própria equipe. Ele e os amigos passaram a noite em um clube com algumas garotas. Raquel era uma delas, e eles se encontraram várias vezes durante aquela semana. Na última noite, eles foram até a famosa rua Strip para festejar antes de voltarem para casa, e os amigos o desafiaram a tomar várias doses de bebida. Na manhã seguinte, ele e Raquel acordaram juntos na cama, usando alianças de casamento.

– Os meus amigos estavam um pouco confusos sobre como aquilo aconteceu, mas eles estavam na capela com a gente durante a cerimônia – confessou ele, batendo com a mão na testa com um som tão forte que eu pude sentir do outro lado da sala.

Uau! Eu pensava que o que acontecia em Las Vegas devia ficar em Vegas.

– Você a ama? – Ele assentiu e deu de ombros ao mesmo tempo, mostrando que não tinha ideia. – Eu presumo que se ela está aqui, isso significa que ela se mudou para a sua casa. Por acaso a Raquel está te pressionando para a mudar de cidade?

– Não exatamente. Ela tem grandes planos sobre o que quer conquistar na vida. Ela está morando aqui por algumas semanas, mas vai voltar para casa para visitar a família e os amigos. – Ele estalou os dedos e olhou para o teto em uma prece silenciosa. Então, admitiu que a Eleanor ainda não sabia da verdade.

– O que você planeja fazer?

– Por enquanto, eu acho, nós vamos continuar nos dividindo entre as duas costas até encontrarmos a melhor decisão. A Raquel está tentando arranjar algo para mim com alguns caras que ela conhece de casa, para conseguir um emprego em um dos grandes restaurantes. A minha família me mataria se eu me divorciasse. Eles são extremamente religiosos. – Manny explicou que eles estavam sendo frios com a esposa devido à falta de um casamento tradicional. – Será que você pode conversar com a sua irmã?

Esse não era o meu trabalho, mas o cara parecia desesperado.

– Vou pensar nisso. Por enquanto, não diga nada a ela. Mas se ela te perguntar, você tem que contar a verdade.

Assim que o Manny agradeceu o meu conselho e me deu um abraço de urso que quase quebrou as minhas costelas, eu saí do escritório da Eleanor e peguei meu celular. Eu o senti vibrando antes, mas não podia conferir enquanto ouvia o que o Manny me contava.

Quando ouvi a mensagem de voz, senti o peso da ruína rondando a minha porta. Marcus havia deixado uma mensagem:

“Kellan, nós precisamos conversar sobre esses roubos de joias. Eu tenho provas de que o seu irmão acabou de roubar algo da minha família, e estou te dando a cortesia de uma ligação de aviso antes de levar esse assunto à polícia. Eu tenho uma proposta a fazer, e se você for esperto, vai aceitar sem qualquer pergunta. Você tem até as cinco da tarde para retornar a minha ligação, ou então vou entrar em contato com a xerife Montague”.


16

 


– Eu esqueci completamente, muito obrigado – respondi eu, para a mãe de uma das amigas da Emma. As meninas tinham aula de ginástica às sete da noite, e nós tínhamos concordado em dividir as responsabilidades de transporte. Eu liguei para o acampamento para avisá-los sobre quem buscaria a Emma no acampamento essa tarde, já que eu pegaria as meninas depois da ginástica às oito e meia da noite. Como sempre, fiquei grato pela escola pedir que eu confirmasse a palavra secreta para provar a minha identidade, antes de concordarem em deixar a Emma ir embora com outra pessoa. Em seguida, mandei uma mensagem de texto para a Helena Roarke e para a professora dela, para confirmar que a Emma tinha autorização. Nos dias de hoje, nunca era demais ser cuidadoso.

Eu concordei em me encontrar com o Marcus na casa dele, que ficava ao lado da fazenda da Nana D, o rancho Danby. Apesar dos seus irmãos morarem na mansão da família na Alameda dos Milionários, ele havia comprado a sua própria casa anos atrás. Eu não tinha ideia do que o homem queria, mas sem dúvida, seria um encontro perigoso. Ele estava em guerra desde que perdeu a eleição para a Nana D, e se ele tinha algo contra o Gabriel, seria difícil fazer Marcus desistir de qualquer plano astucioso que ele tivesse criado.

Eu parei em frente à casa justamente quando o celular que o Cristiano me deu começou a tocar. Eu não podia ignorá-lo, então aceitei a ligação e o cumprimentei.

– É a Francesca – disse a minha esposa, com uma voz calma. – O Cristiano pensou que você gostaria de ter notícias minhas.

– Oi – disse eu, com um pouco de hesitação na minha voz enquanto saía da SUV. – Está tudo bem?

– Estou bem. O Cristiano marcou um horário para o encontro. Ele vai me liberar sem nenhum ferimento se os meus pais derem tudo o que ele quer no seu próximo pedido: todas as evidências de qualquer transgressão passada dos Castiglianos, um acordo assinado oficialmente entregando cinquenta e um por cento da Castigliano Internacional para a família dele, e uma gravação em vídeo onde eles prometem que não vão procurar qualquer tipo de retribuição ou vingança. – Francesca parecia estar negociando um acordo de negócios, e não os termos da sua própria soltura.

– Seus pais vão realmente fazer isso? – O volume de concessões era astronômico. É claro, Francesca valia isso para eles, mas tinha algo que não parecia certo com esse acordo.

– Eles não têm escolha. O pai do Cristiano deixou claro que ele espera que o filho se livre de mim permanente se os meus pais não concordarem. – Francesca fez uma pausa para falar com o Cristiano, então retornou à ligação. – Eu não converso com eles há três meses, Kellan. Eu preciso que você diga a eles o quanto é importante que eles façam isso. Eu não quero sofrer as consequências.

– Eu entendo. Me diga onde e quando, e eu vou me certificar de que eles venham. – Eu não podia deixar que eles machucassem a minha esposa. Eu sabia que as coisas haviam mudado entre nós, mas ela não merecia morrer pelo que os seus pais haviam feito ao longo dos anos. – Eu vou te proteger. – O estresse e o medo aumentaram dentro de mim até que o meu corpo vacilou e me jogou contra o pilar de pedra na entrada dos Stantons.

– O Cristiano quer falar com você agora – disse Francesca, abandonando a ligação.

– Eu disse que nós estávamos perto de uma solução, Kellan. Se ouvir com cuidado e obedecer a cada instrução que eu lhe der, tudo isso vai acabar até amanhã à noite. – A voz suave de Cristiano não era um conforto, apesar das suas intenções. Ele me disse que a Francesca havia saído da sala, então podíamos conversar abertamente.

– Só me diga o que fazer, tudo bem? – Eu me segurei para não deixar que a minha voz demonstrasse a minha apreensão. A transpiração formando embaixo dos braços era um bom lembrete. – Eu vou arrastar os Castiglianos na mira de um revólver até o ponto de encontro se for preciso.

– É justamente isso, você não tem que se preocupar. Eu tenho uma solução muito mais simples em mente. – Cristiano explicou que queria que eu coletasse as evidências dos Castiglianos antes do horário do nosso encontro. A maior parte das evidências poderia ser salva em um dispositivo de armazenamento eletrônico. Quaisquer cópias físicas, além do acordo assinado da entrega do negócio deles, tinham que ser destruídas.

– Então o que?

– Amanhã às nove da noite, você vai me encontrar em um local específico para a troca — respondeu Cristiano.

– Ótimo. Isso me dá apenas um pouco mais de vinte e quatro horas. Onde você quer me encontrar? – Eu conferi o calendário para confirmar a minha programação de amanhã e decidi que pediria aos meus pais para cuidarem da Emma durante a noite.

– Vou avisar você trinta minutos antes do encontro. Não posso arriscar que você compartilhe a localização com ninguém antes da hora. Eu tenho visto quanto tempo você tem passado com aquela xerife ultimamente. Fico me perguntando o que a sua esposa pensaria sobre esse relacionamento em construção. – Cristiano deve ter dado um sorriso maldoso porque um som sinistro emanou pelo telefone.

– Não é o que você pensa. Nós estamos trabalhando em outra coisa juntos...

– Eu não ligo para os detalhes. Se você contar à April Montague qualquer coisa sobre essa conversa, ou se qualquer policial ou agente do FBI aparecer perto do ponto de encontro, o acordo está cancelado. Você, a sua esposa e a sua filha vão descobrir o que é nadar no meio do lago Crilly, com os pés e mãos presos em algemas ferro e as cabeças envoltas em um saco plástico. – Cristiano não disse mais nada e esperou que eu respondesse.

– As suas instruções são claras, Cristiano. Você também é a escória da terra. – Eu não consegui controlar o meu temperamento e soquei o pilar de pedra. – Mas vou fazer o que você está pedindo.

– Eu não sou como a minha família. Eu te disse antes que podíamos ter amigos em outra vida. Eu estou cumprindo ordens do meu pai, assim como você as está cumprindo para mim. Eu sou o mediador nesse procedimento. – Cristiano confirmou o plano e desligou.

Eu fiquei parado no fim da entrada de carros absorvendo a severidade da situação enquanto o sangue pulsava nas minhas mãos. A minha vida havia se tornado um dos filmes do Poderoso Chefão, mas não havia um personagem que eu pudesse conjurar que me assegurasse que tudo ficaria bem. Eu liguei para os Castiglianos para entregar as instruções. Vincenzo indicou que ele e Cecilia teriam o que eu precisava na manhã seguinte. Nós concordamos em nos encontrar ao meio-dia para a primeira troca.

Eu encarei meu celular pessoal desesperado para ligar para a April e contar os detalhes do plano, mas se eu fizesse isso, Cristiano iria matar a Francesca. Eu não tinha certeza de qual risco era maior, mas tinha pouco tempo para decidir. Marcus Stanton vinha pelo caminho, a raiva presente em sua voz.

– Por que você demorou tanto? Eu tenho coisas importantes para fazer. Você está preparado para proteger o seu irmãozinho, Kellan? – Marcus, um homem de sessenta e poucos anos com uma queda por mulheres mais jovens, tinha duas características sobre as quais as pessoas gostavam de comentar — as mãos eternamente suadas e um topete que estava ficando cada dia mais ralo. Sem ser alto e nem baixo, nem magro e nem gordo, ele era o proeminente homem comum e monótono, exceto por essas notáveis exceções. Infelizmente, ele pensava muito mais de si mesmo.

– Olha, Stanton. Eu já tive um dia e tanto hoje, e deixe-me assegurá-lo – explodi eu, enquanto caminhava até estar diretamente de frente para ele. – Você é a menor das minhas preocupações no momento. O meu irmão não fez nada de errado, e se você tem qualquer evidência, eu apostaria o meu último centavo de que foi criada por um dos seus lacaios. Eu estou perto de estrangular o próximo idiota que me ameaçar. Você quer testar a minha paciência? Pode vir. – A fúria dentro de mim deveria estar cozinhando durante meses. Eu sabia que não devia liberá-la fisicamente, mas podia liberá-la verbalmente se necessário.

Marcus deu um passo para trás com um olhar de medo genuíno.

– Eu tenho certeza de que podemos entrar em um acordo mutualmente benéfico. Não tem necessidade de ficar agitado.

Percebendo a sua retirada, eu me permiti ficar mais calmo para que pudéssemos ter uma conversa mais produtiva.

– Qual é essa tal evidência que você diz ter? – Pegando um lenço do meu bolso, eu o pressionei contra o ferimento na minha mão.

Marcus me entregou uma fotografia do Gabriel tirada pelo sistema de segurança da casa do Stanton.

– Olhe a hora marcada.

– Foi tirada às oito e quarenta e sete dessa manhã – respondi eu, estudando a foto para entender o que estava acontecendo na cena. – Parece que o meu irmão está parado na sua porta da frente. O que tem isso? – Eu pensei por que o Gabriel não havia aparecido na cerimônia de posse da Nana D, mas pensei que talvez ele estivesse em um lugar onde eu não consegui vê-lo. Eu tinha que me lembrar de ligar para a minha mãe, quando terminasse essa conversa, para pedir que ela cuidasse da Emma na noite seguinte. Minha memória estava curta ultimamente.

– Eu saí de casa nessa manhã às oito e quinze para participar da pequena coletiva de imprensa da Seraphina. A minha filha estava comigo, e a Krissy pode verificar o que eu estou lhe contando. – O rosto dele estava ficando vermelho como um tomate enquanto ele falava. Se era devido ao seu temperamento, ansiedade ou ao tempo quente, eu não podia ter certeza. E nem me importava.

– Fale logo, por favor. Não tenho o dia todo. – Eu bati com o pé no chão, impaciente, esperando que ele chegasse ao ponto.

– A Krissy chegou em casa às dez horas. Ela estava com dor de cabeça e não podia ficar no sol. Quando chegou, encontrou o cofre destrancado e a porta completamente aberta. Eu tinha dinheiro e algumas joias da minha falecida esposa dentro dele. Tudo desapareceu! – Ele colocou as mãos nos quadris e olhou para mim.

– O que isso prova? O Gabriel deve ter passado por aqui para visitar a Krissy, mas ela estava no centro da cidade com você. – A minha paciência estava no limite, e se ele continuasse me pressionando, não iria gostar dos resultados.

Marcus me entregou uma segunda foto.

– Olhe essa aqui. É de uma câmera lateral apenas três minutos depois daquela. O seu irmão estava espiando pela janela da cozinha.

– Certo, então ele foi persistente. Como supostamente ele entrou?

– Quando eu cheguei em casa para conferir por mim mesmo, encontrei vidro debaixo da janela do corredor de entrada dos fundos. Eu não tenho uma câmera lá, então não posso te mostrar outra foto. Mas existem várias pegadas. Alguém invadiu a casa durante as duas horas em que eu e a Krissy estávamos fora.

– E você acha que foi o meu irmão? Isso não é prova. Me deixe ver esse vidro – disse eu, marchando à frente dele. A informação dele não fazia sentido a não ser que o ladrão estivesse quebrando o seu padrão de nove dias. O roubo deveria ter acontecido ontem. O Gabriel pode não ter ido conosco à cerimônia, mas eu não tiraria qualquer conclusão sobre a culpa dele. Depois da nossa última conversa, ele havia me convencido de que era inocente.

Marcus veio correndo atrás de mim.

– Eu liguei para você porque podemos resolver isso privadamente. Se você fizer o Gabriel devolver o que ele roubou, não vou prestar queixa. Mas com uma condição.

Eu caminhei ao redor da casa, ignorando as palavras dele. Quando cheguei até a janela quebrada, percebi que todo o vidro estava caído no lado de fora. Quatro grandes cacos de vidro preencheriam quase noventa por cento do buraco na janela. Havia alguns pedaços pequenos espalhados pelo canteiro de flores, mas pelo que eu podia dizer, a janela havia sido quebrada por alguém que esteve do lado de dentro. Ou Marcus estava tentando me enganar, ou alguém que tinha a chave havia roubado os itens da sua casa, então quebrado a janela para fazer parecer que havia sido uma invasão. Será que o Marcus teria feito isso ele mesmo? Ou a Krissy estava envolvida? Baseado no que eu havia escutado e no que a Lara havia me contado, os dois cenários eram completamente possíveis.

Apesar de que eu o desmascaria eventualmente, decidi brincar por mais alguns minutos.

– Claro, podemos manter isso só entre nós. O que você quer?

– Convença a sua avó a desistir do cargo da prefeitura. Ela pode me recomendar como substituto. Eu era o outro candidato, e as pessoas não vão querer esperar por outra eleição. – Marcus sorriu como uma criança em uma loja de doces, só que essa criança não era alguém em quem se pudesse confiar.

– Como você espera que eu faça isso? Ninguém vai acreditar que a Nana D decidiu sair depois de todo o esforço para chegar nessa posição. É sério? – Será que o homem estava ficando louco?

Marcus continuou pedindo que eu considerasse o seu acordo, ameaçando chamar os policiais sem demora se eu não concordasse.

– Isso acontece mais vezes do que você imagina. A Seraphina pode dizer que ela está com problemas de saúde, ou que talvez tenha que sair da cidade para visitar um dos seus tios onde quer que eles estejam morando atualmente.

Os dois filhos da Nana D, meus interessantes e peculiares tios, viajavam a trabalho. Zachary, um famoso veterinário de animais selvagens, estava atualmente estudando a migração de elefantes africanos durante o verão, e o Campbell estava em uma missão humanitária secreta na selva amazônica. Não tínhamos notícias deles há meses, mas isso não era incomum devido ao trabalho intenso e ao frequente isolamento da sociedade.

– Você está blefando, Marcus. Primeiro, você não mencionou nada sobre uma flor copo-de-leite. Em cada cena de roubo, uma delas foi abandonada, então há algo de errado com essa aqui. E outra coisa... – Eu expliquei a imprecisão da posição dos cacos de vidro, e então disse a ele que tinha um acordo melhor para fazer.

Os olhos dele escureceram, e ele chutou um monte de terra que tinha por perto.

– Não tente brincar comigo, Kellan. Eu ainda tenho poder nessa cidade, e só porque ela é a prefeita, isso não significa que a xerife Montague vai escutar a sua avó. A xerife segue a lei, e se ela achar que o Gabriel é o responsável, ela vai prendê-lo. Especialmente desde a última vez que conversamos, os roubos de joias estavam relacionados ao assassinato do Crawford.

– Já é tarde demais. O que eu acho mais interessante é o papel em potencial da sua família na morte do Quint. Que tal você me contar onde esteve na noite em que ele se eletrocutou? E quanto à Krissy? Eu escutei uma conversa que me leva a acreditar que ela sabe mais do que está dizendo. – Eu coloquei as mãos grudentas no bolso e comecei a caminhar até a frente da casa, sabendo que o rato me seguiria e imploraria por mais informações.

– Eu estava em uma reunião tarde da noite com o nosso ex-prefeito. Você pode conferir com a assistente dele sobre isso. Eu não tenho nada a ver com a morte do Crawford — grunhiu Marcus, vindo atrás de mim rapidamente, mas incapaz de acompanhar o meu passo.

Quando cheguei até a SUV, eu me virei e perguntei calmamente:

– Então, você não estava tentando se vingar do Quint por ele ter dito às pessoas que você nunca pagou pelos serviços de reparos feitos por ele? Se é assim, então talvez a April Montague intime a sua filha até o escritório do xerife para uma conversa.

– Nicholas Endicott recebeu todo o dinheiro dois dias antes da eleição. Se eu quisesse matar o Quint, você não acha que eu teria feito isso antes para impedir que ele ficasse espalhando informações negativas sobre mim? – Marcus colocou a mão gorda na porta da SUV para que eu não pudesse abri-la.

– Eu preciso ir embora. Tire a mão do meu...

– A Krissy certamente tem um álibi para aquela noite. Talvez ela tenha visto uma flor copo-de-leite hoje também. Vou conversar sobre isso com ela, para que possamos fechar esse assunto. Não ache que terminamos essa negociação. Assim que eu confirmar que a Kirssy está limpa, mesmo sabendo que a minha filha é inocente, eu vou levar essas fotos até a polícia. Você tem até amanhã ao meio-dia para aceitar os meus termos, Kellan. – Marcus balançou o dedo a centímetros do meu nariz e reiterou seu ponto antes de se arrastar entrada acima e sacar o celular.

A April supostamente devia investigar o que aconteceu entre o Quint, o Nicky e o Marcus com relação ao serviço de reforma que não pago, mas eu tinha certeza de que Stanton não teria mentido para mim. Ele precisava saber que eu podia facilmente conferir o seu álibi, então acreditei nele temporariamente quando ele me disse que não tinha relação com o assassinato do Quint. Eu não estava tão convencido com relação à inocência da filha dele, e precisava fazer com que ela conversasse comigo em um local público. Por que o ladrão havia esperado um dia a mais para executar o último roubo?

Conferi com o Gabriel o que ele estava fazendo na casa dos Stanton naquela manhã. Quando ele atendeu ao primeiro toque, eu pude ouvir alguns gritos ao fundo.

– Onde você está? Em alguma partida?

Gabriel me pediu para esperar um segundo, então reconectou vinte segundos depois.

– Desculpa, eu estava saindo de Kirklands. Me encontrei com o Nicky para alguns drinks depois do trabalho.

Meu relógio mostrava que já passava das seis da tarde. O dia estava passando rápido demais. Gabriel me explicou que a Krissy havia mandado uma mensagem para ele na noite anterior pedindo uma carona para a cerimônia de posse, porque ela havia emprestado o carro à Tiffany, que por sua vez havia mandado o dela para a concessionária a fim de trocar os cintos de segurança.

– Você notou algum vidro quebrado de uma das janelas?

Gabriel disse que não tinha notado, mas ele também só olhou nas janelas frontais e laterais.

– Eu achei estranho que ela me pediu para buscá-la às oito e quarenta e cinco e não estava por lá essa manhã. Eu esperei no carro por alguns minutos, mas não queria me atrasar para a cerimônia da Nana D. A Krissy não atendeu à campainha e nem as minhas ligações, então eu fui embora.

– Certo, obrigado. Escute, o Marcus Stanton pode querer causar problemas para você, então seja cuidadoso. Como foi com a xerife e o Connor? – Porque Krissy pediu para Gabriel buscá-la e então resolveu ir com o pai ao invés disso? O que ela estava planejando?

– Foi bem. Eles não decidiram o que fazer com relação ao meu envolvimento nos roubos de joias de oito anos atrás, mas a xerife prometeu que não deixaria isso passar facilmente. Eu não posso sair da cidade ou discutir isso com ninguém além de você. Por que?

– Outra hora eu te explico, mano. Não posso entrar nisso agora. – E eu não podia explicar porque nem eu mesmo entendia o que estava acontecendo. – Eu te ligo amanhã. Um monte de coisas malucas estão acontecendo, e eu preciso encontrar a Krissy.

– Espera. A Krissy talvez ainda esteja por aqui com a Tiffany. Elas estavam bebendo à algumas mesas de mim. Eu ia confrontar ela quando estava saindo, para perguntar por que ela me deu o bolo essa manhã, mas então você ligou. Quer que eu a interrompa? – perguntou Gabriel.

– Não, eu estou indo para aí. Não preciso buscar a Emma por mais algumas horas. Obrigado. – Depois que desliguei, eu dirigi até o bar. Durante o caminho, liguei para a minha mãe para implorar que ela cuidasse da Emma na noite seguinte. Ela tinha acabado de chegar em casa do trabalho e estava esperando o meu pai voltar com a pizza que ele tinha ido buscar. A minha mãe odiava esperar pelo entregador, já que a comida sempre chegava fria. Obviamente, ela ficou animada sobre cuidar da Emma. – Eu agradeço, mãe. Você é a melhor.

– Eu vou buscar a Emma no ponto de ônibus às sete horas, mas tenho uma reunião às oito da noite com um possível estudante. A Emma pode ficar na sala de conferências por um tempo. Eu não espero que a reunião demore demais.

Seria melhor se a Emma ficasse escondida no campus com a minha mãe enquanto eu estava em outro lugar me encontrando com o Cristiano e a Francesca para a troca. Depois que desligamos, eu informei ao acampamento que Emma pegaria o último ônibus para casa amanhã. Quando cheguei ao Kirklands, eu estava faminto. Caminhei até o bar e encontrei Tiffany sentada, sozinha.

– Ei, eu não te vejo há alguns dias. – Eu fiz sinal a um bartender apresado para pedir um hamburguer completo e uma cerveja de gengibre grande, então me voltei para a Tiffany. – Posso te oferecer alguma coisa?

Ela recusou.

– Você acabou de perder o seu irmão. Ele estava aqui com o Nicky e alguns colegas de trabalho, mas foram todos embora. Como estão as coisas?

– Não muito boas – disse eu, tomando a minha bebida e colocando um guardanapo no colo. – Me disseram que a Krissy Stanton estava por aqui, e eu preciso conversar com ela.

– Boa sorte. Ela saiu escondida pelos fundos depois que o seu irmão foi embora. Acho que ela o está evitando, e além disso, ela está saindo da cidade – disse Tiffany, com um indício de irritação na voz.

– Espere, o que você quer dizer?

– Eu me encontrei com ela para tomar um drink e devolver o carro. Ela me emprestaria ele por alguns dias, mas algo urgente surgiu e ela precisou dele volta – disse Tiffany, saltando do banco do bar e pegando a bolsa. – Eu tenho que ir. Se cuide.

– Antes de ir, você sabe por que ela está saindo da cidade? – Eu tinha as minhas suspeitas, mas queria confirmação antes de entrar em ação. As coisas estavam começando a se encaixar baseado no que havia acontecido na casa dos Stantons hoje.

– Eu acho que não importa porque ela está indo embora. Eu posso te contar o que ela me disse. – Tiffany pediu outro drink ao bartender e informou que ele iria para a minha conta. – A Krissy queria dizer adeus antes de sair de Braxton. Ela estava preocupada com alguma coisa, mas não sei exatamente o que era. Ela jogou muito drama em cima de mim hoje.

– Ela disse algum nome ou detalhes que você possa me contar?

– A Krissy confessou que estava tentando voltar com o Quint desde que ele retornou para Braxton alguns meses atrás. Ela estava muito mais afetada com a morte dele do que admitiu na semana passada.

Se as minhas suposições estivessem corretas, Krissy devia ter descoberto que Quint havia roubado todas as joias e não reagiu bem. Será que ela poderia tê-lo matado durante uma luta no vagão do teleférico tentando convencê-lo a se entregar?

– Ela disse por que tinha que sair da cidade tão rapidamente?

– Ela disse que ninguém a entendia. Eu acho que ela estava com raiva da Imogene também. Aparentemente, o Quint ainda estava apaixonado por ela e não se comprometia com a Krissy. Meu palpite é de que ela está cansada de todo o caos na sua vida e precisa de uma folga. – Tiffany explicou que Krissy sempre teve uma queda por Quint, desde a faculdade, mas ele namorava a Imogene, então ela recuou no terceiro ano. Quando Imogene terminou com o Quint e escolheu o Paul, Krissy pensou que tinha uma chance. Então, Quint foi embora da cidade sem contar a ninguém o porquê. Krissy sempre culpou Imogene por tê-lo mandado embora de Braxton. Ela não sabia que ele esteve roubando todas as joias e que precisou escapar devido às chantagens do tio.

– Deve ter sido difícil para ela. Você acha que ela já foi embora, ou será que consigo encontrá-la?

Tiffany jogou as mãos para o ar, se excluindo da conversa.

– Quem sabe? O meu Uber está esperando. Talvez você consiga encontrá-la amanhã. Ela mencionou algo sobre passar no banco durante a tarde antes de poder sair da cidade.

Enquanto Tiffany ia embora, o meu hamburguer chegou. Ao mesmo tempo em que comia o meu jantar, eu analisei várias teorias. Bertha disse que uma moça havia aparecido na sua casa e foi até o quarto do Quint. A moça havia sido a Krissy ou a Imogene, mas eu não tinha certeza de qual. Imogene poderia ter querido dizer um adeus permanente antes de se comprometer totalmente com o Paul. Talvez a Krissy tivesse encontrado as joias que o Quint havia roubado e as levou com ela até o banco para mantê-las seguras. O que eu não tinha certeza era se ela planejava entregá-las à polícia ou se livrar delas, para que a memória do Quint não fosse manchada com a prova dos seus crimes. Eu só não conseguia entender como a última situação com o Marcus naquela manhã se encaixava em tudo aquilo. Será que ela estava mentindo para mim, ou algo havia mudado nos planos da Krissy para participar da cerimônia de posse com o Gabriel? De qualquer forma, quem havia entrado na casa dos Stanton e roubado o dinheiro e as joias do cofre?

Eu estava mexendo no celular para ligar para a Krissy, quando Siobhan Walsh e Nicky Endicott entraram no bar e escolheram uma mesa de canto. Ele puxou a cadeira para ela e a beijou nos lábios antes de se sentar. Gabriel tinha dito que Nicky sempre estava com uma garota nova, mas vê-lo com a Siobhan era surpreendente. Que tipo de esquema esses dois estavam planejando juntos?


17

 


Eu paguei pela minha refeição e segui até a mesa da Siobhan e do Nicky, curioso para saber se aquilo tinha alguma relação com a morte do Quint ou com as joias desaparecidas. Eu ainda não tinha uma confirmação sobre a suposta visita da Siobhan ao médico na mesma hora em que o Quint foi assassinado.

– Que surpresa ver vocês dois juntos. Eu vim aqui para um drink e já estava prestes a ir embora quando vi vocês dois chegando. – Eu coloquei o recibo do cartão de crédito no bolso e esperei pela resposta deles.

– Ei, Dr. Ayrwick – Siobhan começou a falar, um pouco agitada e em pânico. – Nós estamos em um encontro. Eu conheci o Nicky quando ele foi restaurar algumas tábuas de madeira na minha sala de estar na semana passada, e gostamos um do outro imediatamente.

– Aquela cor escura que você escolheu para a madeira ficou perfeita naquela sala. – Nicky tinha um sorriso de escárnio se formando em seu rosto. – Ela é uma mulher encantadora. Eu estou animado para passar mais tempo com ela – disse ele, pegando a sua mão.

– Contanto que você não se corte e encha o meu chão de sangue novamente – brincou Siobhan.

Se o que ela havia acabado de me dizer era verdade, os dedos do Nicky não estavam manchados de preto por pintar as flores com tinta spray, e ele não tinha se machucado ao atacar a Imogene e roubar a tiara na casa da Lara. Talvez ele não fosse o cúmplice secreto.

– Eu não vou ficar enrolando vocês, só queria fazer algumas perguntas. – Eu me virei para a Siobhan e disse: – A minha mãe mencionou que os gêmeos estavam bem doentes. Ela ficou preocupada quando você teve que ir ao hospital na semana passada. Está tudo bem?

Siobhan assentiu.

– Sim, o meu filho estava bem, mas a minha filha teve difteria. É comum, mas eu não consegui ver o pediatra. Fiquei feliz que a clínica estava aberta àquela hora.

– É mesmo? Em qual clínica você foi? Eu gostaria de ter uma reserva para o caso da Emma ficar doente e eu não querer ir até a emergência. – Aquilo soava como uma afirmação lógica, e na verdade, eu deveria ter um plano reserva melhor do que os remédios antiquados da Nana D.

– No centro, perto da lanchonete Pick-Me-Up – disse Siobhan, soltando a mão de Nicky.

– Crianças. Sempre uma preocupação, não é? – Ele parecia desinteressado enquanto olhava ao redor do espaço procurando por um garçom.

– É verdade, elas ficam doentes com muita facilidade. Essa clínica sempre fica aberta até tarde? Eu acho que eles estavam cheios, hein?

Siobhan olhou para Nicky e ofereceu um olhar de desculpas pela interrupção do encontro deles, então pegou a bolsa.

– Eu acho que ainda tenho o recibo. Não estava tão cheia – disse ela, então pegou um envelope e retirou a conta. – Aqui diz que eu fiz o pagamento à meia noite e meia, e que o horário de funcionamento é... espere, deixe eu conferir... eles fecham para novos pacientes à meia-noite. Eu fui a última pessoa a sair de lá.

Baseado nesses horários, ela esteve na clínica e não teria como ter estado no vagão do teleférico confrontando o Quint. Eu suponho que outra pessoa poderia ter levado os gêmeos até o hospital e estava cobrindo para ela, mas eu não conseguia ver a Siobhan matando um homem por ter sido enganada por ele. Quando perguntei a ela sobre isso, ela confessou que esteve com raiva, mas alguns dias depois, ela e o Nicky haviam tido o seu primeiro encontro.

– Eu superei o Quint bem rápido. Não sou o tipo de mulher que sai por aí matando homens por eles serem cafajestes!

Depois que Nicky confirmou que esteve perto do teleférico e que havia deixado as suas luvas caírem enquanto estava correndo na manhã na qual eu encontrei o corpo do Quint, eu percebi que provavelmente não foi ele quem matou o homem. Eu precisava ter certeza, então perguntei sobre a falta de pagamento do serviço na casa do Marcus.

– Você acha que a decisão do Quint de tornar isso público tem alguma relação com o Stanton ter perdido a eleição? Você acha que o Marcus ficou com tanta raiva a ponto de se vingar do Quint?

Ele pareceu surpreso com a minha pergunta, mas se recuperou rapidamente.

– O Paul Dodd e eu estávamos falando sobre isso mais cedo. O Stanton estava ombro a ombro com a sua avó durante um tempo, mas quando Quint começou a contar para as pessoas, o Marcus começou a perder os números. – Enquanto Nicky pedia bebidas para ele e Siobhan, eu planejei as minhas próximas perguntas.

– O Marcus estava gritando sobre isso hoje à tarde. Ele me disse que pagou o serviço para você logo que terminou, e que a confusão era da parte do Quint porque ele não sabia que você já tinha recebido.

Nicky assentiu.

– O Quint nunca foi bom com a parte financeira do negócio. Ele pensou que porque tinha feito com que a Krissy convencesse o pai a usá-lo como empreiteiro, que ele receberia o pagamento integral do Stanton. Mas o serviço foi através da minha construtora, e levou alguns dias até eu acertar tudo.

– Eu acho que assim que você acertou tudo, as coisas ficaram bem, certo? – Eu não tinha certeza do que perguntar, mas sentia que o óbvio estava na frente do meu nariz.

– É, o Marcus tentou conseguir um desconto, como sempre. Ele disse que a filha estava ajudando o Quint com todo o trabalho. A Krissy só estava interessada em aprender sobre o negócio, até mesmo me seguiu em alguns trabalhos para entender como fazer o básico dos serviços elétricos. Ela achava a coisa toda interessante, por algum motivo. Já terminamos, cara? – Nicky claramente queria que eu fosse embora, para que pudesse prosseguir com o seu encontro.

Eu desejei a eles uma boa noite e voltei para minha SUV. Tudo estava apontando para a Krissy agora. Se ela tinha conhecimento sobre o trabalho elétrico, será que tinha conhecimento suficiente para causar um problema de força no vagão do teleférico que pudesse ter deixado o Quint desacordado? Cada vez mais parecia que eu havia encontrado o culpado, me levando a conversar com a April o mais rápido possível para discutir os nossos próximos passos.

Depois de sair de Kirklands, eu peguei a Emma e uma amiga no ginásio, então deixei a garota em casa. Emma e eu levamos o cachorro para passear e brincamos com ele durante alguns minutos. Eu era grato que um dos funcionários da fazenda da Nana D passava duas vezes durante o dia para levar o Baxter para passear enquanto eu e a Emma estávamos fora. Assim que nós terminamos de cansar a nossa adorável besta, Emma reclamou que estava tão exausta que podia dormir por uma eternidade. Minha filha foi para a cama e abriu mão da historinha. Não tinha problema que isso acontecesse de vez em quando, e eu tinha uma ligação urgente para fazer. April precisava saber o que havia acontecido com o Marcus e o Cristiano mais cedo naquele dia. E eu merecia conversar com alguém que estava do meu lado.

* * *

– Você está bem, papai? A sua cara está engraçada – disse Emma, enquanto esperávamos pelo ônibus na quarta-feira de manhã. Eu considerei levá-la até o acampamento, mas não queria que ela pensasse que havia algo de diferente acontecendo hoje.

– É claro, querida. É só um grande dia para mim no trabalho. Você sabe o quanto eu te amo, certo? – Eu coloquei as mãos nas suas bochechas quentes e a beijei na testa, desejando silenciosamente que o universo a protegesse. – Eu vou fazer tudo o que for necessário para manter esse sorriso maravilhoso no seu rosto.

– Eu sei. Você é o melhor. Às vezes eu penso na mamãe e fico triste que ela foi para o céu. Eu vou ver ela novamente um dia. – Emma pegou na parte de trás do meu pescoço e segurou firmemente. – Mas isso bem lá no futuro porque eu vou viver para sempre.

– Isso é verdade. Você vai ficar tão velha quanto a Nana D um dia, e me prometa que você nunca vai esquecer que eu tentei fazer tudo da melhor maneira possível para você, tudo bem? – Eu deixei Emma se afastar de mim quando o ônibus chegou, então a peguei para um último abraço para me dar forças no que eu precisava fazer. Se tudo ocorresse de acordo com o plano naquela noite, Francesca poderia estar de volta às nossas vidas. – E se lembre, a vovó vai te buscar no último ônibus hoje. Ela vai te levar para o escritório dela no Pavilhão de Admissões.

Emma acenou enquanto entrava no ônibus, então se virou rindo.

– Te vejo hoje à noite! Fala para o Baxter que eu o amo.

Sessenta segundos depois, o ônibus escolar amarelo era só uma visão fraca na distância. Os meus olhos estavam ardendo com a vontade de chorar, mas eu forcei as lágrimas de volta ao seu esconderijo. Eu precisava desesperadamente de um dos abraços da minha avó.

Depois de terminar algumas coisas para a minha próxima aula, eu cheguei ao prédio administrativo para contar à Nana D sobre os planos do Cristiano.

– Vai dar tudo certo, Kellan. Deus está cuidando da nossa família, e você já passou por coisas demais por causa da família Castigliano. Se tem alguém que pode negociar os termos para consertar os erros do passado, eu acredito que seja você. – Nana D tinha mais força nos braços do que nas palavras naquela manhã, e a sua mensagem havia sido alta, extremamente clara, e difícil de superar. – Não faça nada tolo. Confie nos seus instintos.

– Palavra de escoteiro – disse eu, e um funcionário bateu na porta do escritório para nos avisar de que a April havia chegado.

Enquanto entrava na sala, April inclinou a cabeça para o lado.

– O que você está fazendo aqui?

Quando liguei para a April na noite anterior para montarmos uma estratégia para os encontros com os Castiglianos e com o Los Vargas, eu não contei que participaria da reunião dela com a Nana D. Havíamos focado em como me comunicar hoje para assegurar a minha segurança e oferecer as melhores chances para o retorno iminente da Francesca. Eu havia guardado tudo o que sabia sobre a morte do Quint, incluindo a potencial culpa da Krissy, para a reunião de hoje.

– Eu mandei a Emma para o acampamento hoje de manhã e precisava de alguém para me dizer que tudo daria certo hoje à noite – respondi eu, me sentindo culpado por aquela pequena mentira. Eu não tinha forças para lutar com a April sobre qualquer outra coisa.

– Entendo. – April esfregou o meu ombro. – A sua família está com você, e isso é uma coisa boa.

Nana D estreitou os olhos diante da discussão com a April, mas manteve seus pensamentos para si mesma.

– Eu gostaria que o Kellan ficasse aqui enquanto discutimos sobre os roubos de joias e o assassinato do Quint Crawford. Ele foi útil nas investigações passadas e conhece os jogadores. Algum problema, xerife Montague?

April mordeu os lábios, pronta para discordar, então pegou uma cadeira e se sentou perto da mesa.

– Nenhum problema, prefeita Danby. Estou confiante de que o Kellan vai manter tudo o que nós conversamos nessa sala apenas para si mesmo. As intuições dele têm sido úteis até agora.

A April não estava recuando porque tinha medo da Nana D. Como as duas líderes primárias protegendo o condado de Wharton, as mulheres tinham um certo respeito uma pela outra. April estava comprando tempo para apresentar objeções no momento certo. Essa conversa não afetaria os casos abertos que estamos investigando.

Nana D pediu que April resumisse o que havia feito até o momento. Isso terminado, decidimos que os arranhões que o médico legista havia identificado no corpo do Quint tinham acontecido quando ele atacou a Imogene na casa da sua mãe durante a tentativa de roubo. Baseado no horário que o legista havia especificado, era a combinação perfeita. Eu esperava que aquilo tivesse vindo de um cúmplice, alguém que poderia ter se voltado contra ele e o matado dois dias depois. Não tive tanta sorte. Nana D então me perguntou se eu tinha alguma teoria ou nova informação que tivesse obtido desde a minha última conversa com a xerife. Eu disse:

– Baseado em tudo o que ouvimos até o momento, sabemos que o Quint roubou as joias há oito anos. O Gabriel pode tê-lo ajudado a sair de Braxton e penhorar algumas das peças em uma loja de penhores de São Francisco, mas ele não parece ter tido nenhum lucro com isso. Quint pegou todo o dinheiro quando eles se separaram.

April assentiu e juntou as mãos no colo.

– Eu acredito que o Quint voltou à cidade para cuidar da mãe doente e viu uma oportunidade de roubar mais joias. Baseado na sua raiva devido às mães interferindo na vida das filhas, ele recriou os crimes com as mesmas famílias. Eu suspeito que houvesse um cúmplice dessa vez também, já que a segurança nas casas estava mais reforçada e complicada de evitar.

– Provavelmente a Krissy Stanton é essa cúmplice, e ela parece decidida a sair da cidade. O Marcus pode estar envolvido também. – Eu contei à Nana D e à April sobre a tentativa de chantagem devido à visita do Gabriel até a casa dos Stanton. – Ele me deu menos de vinte e quatro horas, e o prazo final vai acabar em breve. Eu acredito que ele vai entrar em contato com o escritório da xerife no começo da tarde.

– Eu não tenho o suficiente para fazer nada além de intimar a Krissy a responder algumas perguntas. Sim, ela conhece sobre instalações elétricas. Sim, ela pode ter visitado o quarto do Quint e pego algo de lá. Sim, você escutou que a Imogene pode testemunhar que ela esteve perto do vagão do teleférico naquela noite – explicou April, a frustração em sua voz era clara e profunda.

– Será que você não pode colocar alguém para segui-la? – sugeriu Nana D, andando pela sala. – Ou impedir que ela saia da cidade?

– Nós temos que fazer as coisas na ordem correta, prefeita Danby. Assim que terminarmos aqui, eu vou conversar com o detetive Connor Hawkins sobre os interrogatórios anteriores com a Imogene e a Krissy. – April explicou a verificação dos álibis de Helena e de Tiffany de que estavam assistindo um filme na sessão da meia-noite quando o Quint foi morto.

Com os álibis para a hora da morte confirmados para Siobhan, Nicky, Helena e Tiffany, isso nos deixava com Gabriel, Krissy, Paul e Imogene como potenciais suspeitos.

– Nós sabemos que o Gabriel não fez isso, mesmo que ninguém possa confirmar o paradeiro dele para o horário no qual o Quint foi estrangulado. O Paul e a Imogene são uma possibilidade, mesmo que não seja provável se nos basearmos no que a Lara Bouvier nos contou. Eu suponho que se o Paul tivesse descoberto que foi o Quint quem abordou a sua noiva, ele poderia ter procurado por vingança.

Nana D concordou em ser mais paciente e esperar até o dia seguinte antes de pedir por uma atualização. Ela sabia que a April e eu tínhamos que focar na troca com os Los Vargas às nove da noite. Assim que ela saiu para se reunir com os seus funcionários, April e eu terminamos de conversar sobre a abordagem para a noite.

– O Cristiano vai me ligar às oito e meia para me dizer onde eu devo encontrá-lo. Ele está observando tudo, então você não vai poder ficar perto de mim – disse eu, preocupado que um deslize pudesse causar a falha no plano.

– Você vai carregar esse dispositivo de rastreamento. – April me entregou um novo par de óculos. – O meu contato no FBI colocou um chip dentro da armação.

– Espere! Como você conseguiu os detalhes da minha prescrição? Ah... que inteligente, você roubou os meus óculos no outro dia na Grande Comedoria. – A minha boca se abriu em choque.

– Nunca me subestime, Kellan. Eu sou uma mulher determinada. – April se levantou e retirou os óculos que eu estava usando. Eu podia sentir o cheiro do novo sabonete de lavanda na pele dela quando seus dedos tocaram as minhas orelhas. – Eles são idênticos.

Enquanto April se afastava, eu segurei seu pulso gentilmente.

– Eu não sei como te agradecer por fazer isso do meu jeito. Você não é o que eu esperava baseado no dia em que nos conhecemos.

– Você também não é – respondeu April, a mão tremendo contra a minha. – Você pode ser arrogante e teimoso de vez em quando, mas também tem esse incrivelmente adorá...

– Com licença, vocês dois vão embora logo? Eu tenho que limpar as coisas aqui para a prefeita Danby. – Uma voz profunda veio da porta.

April se virou e contou ao assistente, que veio na hora errada, que nós já havíamos terminado. Enquanto ela olhava para longe, eu fechei os olhos e aceitei a verdade. Eu estava desenvolvendo sentimentos por ela, mesmo depois de tudo o que passamos juntos nos últimos meses. Essa não era uma complicação da qual eu poderia cuidar até que tudo o mais tivesse se acalmado na minha vida. Eu pulei da minha cadeira e corri até o outro lado da sala.

– Desculpe, nós estamos trabalhando em um caso juntos.

April e eu saímos do escritório, fingindo que o momento nunca aconteceu. Uma dança estranha e distante nos seguiu desde o silêncio no escritório até o elevador, onde escutamos uma música tranquila e ignoramos um ao outro. Quando chegamos ao lobby, ela disse:

– Eu posso rastreá-lo aonde quer que você vá, contanto que esteja com esses óculos. O Cristiano não vai suspeitar que fizemos qualquer coisa com eles.

– Espero que sim – murmurei eu, olhando pela entrada principal, certo de que um capanga dos Los Vargas estava me seguindo. – É por isso que não podemos envolver o FBI ou colocar alguma escuta em mim. Ele vai conferir tudo assim que aparecer por lá. Ele é bem inteligente.

April abriu um aplicativo no celular e mostrou como era capaz de me localizar através do GPS.

– Ele é bem sensível, então nós vamos conseguir descobrir o endereço ou o prédio, mas não exatamente onde você está dentro do local. Você vai precisar abandonar algumas migalhas, mas não seja óbvio.

– E quanto ao dispositivo de armazenamento falso? Você estava criando documentos falsos e arquivos para o caso dele conferir o tamanho do conteúdo. – Eu esperei que April olhasse pelo lobby.

Ela colocou um grande pen-drive no bolso do meu casaco.

– É isso que você vai dar a eles caso eles peçam algo antes de eu chegar.

Nosso plano era simples, mas havia pouco espaço para chances ou erros. Nunca houve uma situação como essa. Nenhuma das partes confiava uma na outra, e alguém sempre podia fazer algo inesperado. Se eu me mantivesse no rumo, tínhamos uma grande chance de escapar ilesos.

Eu terminaria de lecionar hoje à noite, então seguiria para casa e esperaria as instruções do Cristiano. Assim que ele me dissesse onde encontrá-lo, eu repetiria em voz alta para um dispositivo de gravação que ela já havia instalado na minha sala de estar. Alguém da equipe da April escutaria a localização como um plano alternativo caso o GPS nos meus óculos não funcionasse. Eu dirigiria até o ponto de encontro e tentaria atrasar a troca, supondo que eu pudesse exigir ver uma prova de que a Francesca estava viva antes de entregar o dispositivo de armazenamento. Com sorte, isso daria tempo suficiente para a equipe da April cercar o prédio e assegurar um resgate seguro. Isso podia virar uma situação com reféns se o Cristiano conferisse cada arquivo, mas nós esperávamos que ele confiasse em nós assim que eu entregasse o acordo assinado, passando cinquenta e um por cento da Castigliano Internacional para ele. Quando ele estivesse saindo do prédio, April o pegaria. Se ele mandar que eu e a Francesca saiamos primeiro, então os policiais entram no prédio para capturá-lo.

– Me ligue assim que você pegar tudo com os Castiglianos. Eu vou informar ao Connor o que ele precisa para seguir com o caso do Quint Crawford. – April me deixou parado no prédio com uma nuvem negra pairando sobre o meu futuro, e talvez o começo de uma muito mais clara por perto.

Eu segui para o campus onde os Castiglianos estariam me esperando. Quando cheguei ao Pavilhão Diamante, os encontrei sentados em um banco do lado de fora da entrada posterior.

– É melhor você não estragar isso – me avisou Cecilia, com um olhar de julgamento na minha direção. – Você já abandonou a minha filha antes, e eu prometo, se isso acontecer novamente hoje à noite, você vai sofrer as consequências.

Vincenzo pediu que a sua esposa se calasse e sugeriu que continuássemos a nossa conversa no meu escritório, de portas fechadas. Eu deixei que eles se sentassem primeiro, então perguntei:

– Por que vocês estão dispostos a entregar a empresa tão facilmente? Eu tenho uma suspeita de que vocês estão escondendo algo de mim.

– Você tem instintos fortes, Kellan – disse Vincenzo, enquanto me entregava o dispositivo de armazenamento e uma pasta com o acordo assinado. – Alguns dos conteúdos dentro desse pen-drive poderiam colocar a minha empresa e a minha família em problemas, mas não é nada em que os meus advogados não possam dar um jeito. E com relação a esse tal acordo...

– Ele não é válido, e qualquer tribunal vai jogá-lo pela janela. Nós estamos sendo coagidos a assinar um contrato. – Cecilia fez uma expressão de repugnância. – Estamos fazendo o que temos que fazer para recuperarmos nossa filha. Você pode ficar tranquilo, não estamos simplesmente aceitando isso sem colocar o nosso plano igualmente prejudicial em andamento.

– Vocês não podem fazer nada para machucá-la – gritei eu, então acalmei a voz para que ninguém nos ouvisse. Tudo o que eu precisava era da Myriam escutando e se envolvendo. – Que tipo de jogo vocês estão fazendo?

– Silêncio, Kellan – respondeu Cecilia, estreitando o olhar e formando um sorriso sinistro que eu não esqueceria tão cedo. – Hoje à noite tudo vai acontecer como planejado. Você vai entregar o que os Los Vargas exigiram. Enquanto isso, Vincenzo e eu temos evidências que planejamos mostrar essa noite. Isso pode convencer o Cristiano Vargas a entregar a Francesca e devolver o dispositivo a você.

– Mas ele foi específico ao dizer que vocês não podem aparecer – eu relembrei a eles, pensando sobre as ameaças e na direção que essa noite poderia seguir. – Como vocês vão saber onde encontrá-los?

– Nós temos os nossos meios, Kellan. A minha esposa não vai fazer nenhuma bobagem, mas eu prometo a você que vamos vencer essa guerra. – Vincenzo pegou a mão da Cecilia e caminhou com ela pelo corredor.

Enquanto eles desciam pela escadaria frontal, Myriam colocou a cabeça para fora do escritório dela.

– Nós já não tivemos uma conversa recentemente sobre o tipo de visitantes que você tem recebido ultimamente, Dr. Ayrwick?

Eu queria acabar com ela, mas sabia que não devia colocar a minha raiva no local errado, onde ela pioraria um relacionamento já problemático. Ela também havia se referido a mim pelo meu título completo pela primeira vez, o que era algo que eu não esperava.

– Você está cem por cento certa, Dra. Castle. Essa será a última vez que você os verá. Eu já cansei desse circo de família e do drama egocêntrico que eles trazem consigo.

* * *

O fim da minha aula chegou rapidamente. Eu passei a maior parte dela analisando cada decisão que eu havia tomado desde que a Francesca desapareceu da minha vida há dois anos e meio. Na primeira metade da aula, os estudantes completaram o quiz que eu havia criado. Na segunda metade, eles trabalharam em duplas para comparar e contrastar os diferentes estilos de documentário. Krissy Stanton não apareceu, e Raquel estava um pouco retraída quando tentei conversar com ela durante o intervalo. Eventualmente, ela admitiu que pensava que eu estava bravo com ela pela potencial mudança do Manny para Las Vegas. Eu a assegurei de que entendia que casais precisavam fazer o que era melhor para o futuro dos dois, e que eu não tinha nenhum sentimento ruim com relação a isso. Eu a avisei para ficar calma quando eles contassem à Eleanor sobre a decisão final.

Eu peguei a minha bolsa e segui em direção ao escritório para deixar os quizzes. Antes de chegar ao corredor, Imogene me chamou. Quando olhei para trás, ela estava perto da porta junto com o seu noivo.

– Dr. Ayrwick, me foi pedido que eu o apresentasse ao Paul. Ele estava esperando por mim do lado de fora do Pavilhão Diamante e queria conhecê-lo – disse Imogene, segurando a mão dele e apoiando a cabeça no seu no ombro. Ela era vários centímetros mais baixa do que o noivo, e pela maneira com a qual segurava a bolsa e o tablet com os nós dos dedos vermelhos, parecia que preferia estar em qualquer outro lugar ao invés dali.

Apesar de precisar conferir com a April se ela havia localizado a Krissy, um pequeno atraso não teria impacto nos meus planos. Eu andei na direção deles com a mão esticada para cumprimentar o vereador Dodd.

– É um prazer conhecê-lo, Paul. Eu acredito que você e o meu irmão, Gabriel, são amigos há vários anos.

– Sim, a não ser que você não conte aqueles oito anos em que perdemos contato — adicionou ele, com uma breve risada. Paul tinha o cabelo preto, ombros largos e uma pele brilhante, mais polida do que a coleção de prata da Nana D. As suas roupas deviam ter custado mais do que o meu primeiro carro, e isso era dizer muito, já que eu havia economizado durante três verões para comprar um Honda com cinco anos de uso em condição impecável.

– Parabéns pelo seu novo cargo. Eu estou confiante de que você vai ser um líder mais forte e efetivo do que o seu predecessor – apontei eu, colocando a alça da minha bolsa sobre o ombro. – Também sinto muito pela morte do seu amigo, Quint Crawford.

– Eu ainda estou chocado que nós o perdemos – suspirou Paul, inclinando a cabeça em direção à Imogene. – A vida deve continuar. Muito obrigado pelo elogio. Estou animado para trabalhar com a sua avó para o benefício de Braxton.

Enquanto eu tinha os dois ali, resolvi fazer mais perguntas.

– Pelo que eu entendi através da Krissy, a tirada do Quint contra o Marcus pode ter arruinado a disputa dele para o cargo de prefeito. Você ouviu alguma coisa sobre isso?

Paul se apoiou nos calcanhares e balançou para frente e para trás.

– O Quint era um cara legal, no passado. Desde que voltou para Braxton, ele tinha mudado. Estava mais sombrio. Mais perturbado. Sinto dizer, que existe um rumor de que ele era o ladrão que atacou a minha pobre Imogene.

Imogene fez um pequeno som gutural.

– Não vamos falar mal dos mortos, Paul.

– Você deve ter cuidado com o que fala, vereador. A xerife pode perguntar onde você esteve na noite em que o Quint morreu – brinquei eu, me assegurando de que eu risse da minha própria piada para manter a conversa leve.

– Eu gostaria de ver eles tentarem. Eu estava em casa com a minha noiva. Além disso, o Quint não se eletrocutou acidentalmente? – perguntou Paul, pegando o celular e abrindo um aplicativo. – No caso de você não acreditar em mim, olhe as fotos daquele dia. Eu nem mesmo sei exatamente a que horas ele morreu.

– Por volta da meia-noite – disse eu, lembrando de que a Imogene havia dito que esteve perto da estação do teleférico antes disso. Se ela esteve perto do local, por que o Paul diria que ela esteve com ele em casa? Quem estava mentindo?

Imogene tentou pegar o celular, mas não conseguiu.

– O Dr. Ayrwick não precisa conferir. Ele confia em nós, não é mesmo?

– Deixe que ele decida por si mesmo. Eu estou trabalhando com a avó dele, então não pode haver nenhuma dúvida. Eu já ouvi falar do quanto ele pode ser bisbilhoteiro – respondeu Paul, então se virou para mim. – Estou vendendo a minha casa para encontrar algo maior e melhor para a Imogene. Nós tiramos essas fotos para o anúncio na imobiliária naquela noite antes de irmos dormir. Imogene foi para casa por volta da meia noite e cinquenta daquela noite, eu creio.

Eu assenti hesitante, peguei o celular do Paul e olhei as fotos, focando no horário em que elas foram tiradas. Ele tinha várias imagens dos ambientes da casa, começando logo após às onze horas e terminando à meia-noite e cinquenta, justamente quando Quint foi morto. Imogene estava em várias das fotos também. Por mais que o Paul ou a Imogene pudessem ter algo a ver com a tentativa de eletrocussão, nenhum deles poderia ter ido até a estação do teleférico para estrangular o Quint e voltar para casa para tirar aquelas fotos. Imogene provavelmente tinha visto a Krissy por lá às onze horas, então ido até a casa do Paul. Talvez essas fotos pudessem ser um álibi falsificado, mas a Lara estava certa de que ambos eram inocentes.

– Boa sorte com a venda, é uma bela casa – respondi eu, esperando manter a conversa fluindo. – Você recebeu alguma novidade sobre o roubo? Eu presumo que ninguém tenha devolvido a sua tiara.

Imogene negou com a cabeça.

– Ainda está desaparecida, e provavelmente nunca vou recuperá-la. O Paul quer que a xerife faça uma busca na casa dos Crawford, mas eles não têm um mandado.

Eu me convenci de que podia pressionar mais, até mesmo fazer com que a Imogene revelasse se tinha sido ela a mulher que foi visitar Bertha mais cedo naquela semana.

– Por que você não visita a Sra. Crawford e vê se consegue encontrar alguma coisa no quarto dele? Ela adoraria a companhia, eu tenho certeza.

– Vamos pensar nisso. Obrigado, Kellan. – Paul colocou o braço ao redor dos ombros de Imogene. – Nós temos que ir, querida. Você tem que se preparar para aquele jantar. Não quer que cheguemos atrasados, não é?

Imogene sorriu timidamente.

– A Krissy não vai estar lá. Vou gostar de ter uma folga daquela mulher.

Os meus ouvidos captaram a referência.

– Eu percebi que ela não veio à aula essa tarde. Vocês ainda não estão se dando bem?

Paul respondeu:

– Não estão. A Krissy esteve no banco hoje mais cedo. Eu a vi na sala com as caixas de depósito do cofre. Eu tive que ser adicionado à conta bancária da cidade para autorizar os gastos futuros, então passei por lá depois do almoço, mas antes da aula da Imogene começar. A Krissy deve ter decidido faltar aula, e ela provavelmente está prestes a sair da cidade. Eu diria que ela vai reprovar na sua matéria, certo? – Ele liderou sua noiva pela porta com um sorriso bajulador enquanto desejava boa noite.


18

 


Se a Krissy esteve no centro da cidade mais cedo, talvez ela ainda não tivesse saído de Braxton. Eu conferi o relógio para confirmar que tinha mais tempo do que o suficiente antes da ligação do Cristiano. Eu podia passar na casa do Marcus Stanton e convencer a Krissy a me contar o que ela sabia sobre os roubos das joias. Se ela era a cúmplice do Quint, eu apelaria à amizade dela para proteger o Gabriel contra qualquer contragolpe. Quando cheguei ao estacionamento, o meu celular tocou. Eu me assustei, imaginando ser o Cristiano ligando mais cedo do que havia combinado. Mas o telefone que estava tocando não era o que ele havia me dado.

– Kellan falando.

– É o Connor. A xerife Montague está aqui comigo, e ela pediu que eu ligasse.

– Está tudo certo para hoje à noite? – perguntei eu, sem saber se ela havia contado ao Connor algo sobre o retorno da Francesca. Concordamos em manter isso entre nós, mas se ela precisasse de ajuda para coordenar, ela poderia tê-lo alistado.

– O que tem hoje à noite? – perguntou ele.

– Esquece, eu misturei as datas. O que posso fazer por você?

– Marcus Stanton apareceu no escritório da xerife algumas horas atrás dizendo que o Gabriel invadiu a casa dele e roubou joias e dinheiro. O seu irmão está sob custódia. Nós pensamos que você gostaria de saber. – A voz de Connor não tinha emoção. Eu sabia que ele não queria me contar aquilo, mas pensou que eu preferiria ouvir a notícia perturbadora da sua boca.

– Ele não fez nada. Você não pode acreditar naquele canalha do Stanton – gritei eu, sentindo um desejo crescente de dirigir até a casa do homem e falar umas verdades a ele e à filha.

– Nós também achamos. No entanto, temos um problema.

– O que é agora? – Se a minha vida não se acalmasse, eu seria o candidato ideal a um ataque cardíaco.

– Eu visitei o seu irmão a cerca de uma hora atrás para fazer algumas perguntas. Nos encontramos no estacionamento de Braxton antes dele ir trabalhar. Eu não tenho certeza de como te dizer isso, Kellan – Connor começou a falar com uma voz hesitante. Havia algo estranho sobre o quão calmo ele estava antes de terminar de falar. – O Gabriel estava com algumas das joias desaparecidas. Não todas, mas algumas peças que tinham sido roubadas no mês passado estavam em uma mochila no banco do passageiro do carro dele.

– Você tem que estar de brincadeira. Isso é uma armação. O Gabriel não seria tão estúpido a ponto de deixar as joias roubadas no próprio carro – exclamei eu. O Paul viu a Krissy no banco, ela devia estar guardando as joias lá por segurança, mas percebeu que o cerco estava se fechando. Como eu podia convencer o Connor?

– April e eu conversamos sobre isso. Infelizmente, ela está ocupada com outro caso, mas pediu que eu trabalhasse diretamente com você nesse. Ela quer colocar o seu irmão na cadeia por essa noite.

Esse pesadelo estava acabando comigo.

– Você encontrou a Krissy? Eu estou dirigindo até a casa dos Stantons para confrontá-la. Eu vou obrigá-la admitir o que fez. – Tinha que ser a Krissy. Não havia mais ninguém no grupo que ainda fosse próximo do Quint e que tinha ido até o quarto dele para pegar as peças roubadas.

– Kellan, eu preciso que você confie em mim. Nós temos uma causa razoável para prender o seu irmão por vinte e quatro horas. A April concorda, alguém está planejando isso para fazê-lo cair – implorou Connor. Ele explicou que as joias que o Marcus afirmou terem sido roubadas pelo Gabriel não estavam na mochila. Se o Gabriel estava tentando sair da cidade, ele teria todas as joias juntas.

– O que você vai fazer para impedir isso? Ele é o meu irmão, Connor.

– Me escute por um minuto. Se a Krissy é a ladra, ela está tentando implicar o Gabriel hoje à noite. Então, ela vai sair da cidade com as joias que roubou do cofre do pai. Eu não tenho ideia do que está se passando na cabeça dela, mas estou convencido de que nós encontramos o assassino do Quint. – Connor implorou para eu não interferisse com o plano deles. – Se o seu irmão estiver na cadeia, e nós pegarmos a Krissy indo embora com o dinheiro e as joias do pai, então podemos provar que o Gabriel é inocente. Eu não vou deixar nada de ruim acontecer com ele. – Connor fez uma pausa para conversar com alguém que estava na sala. Quando voltou à ligação, ele disse: – O Gabriel disse que está bem e que você deixe que eu faça o que tenho que fazer.

– Está bem, mas para que fique registrado, vocês todos vão pagar pelo que estão fazendo comigo!

Connor riu.

– Por que você está indo até a casa dos Stantons? Eu realmente acho que você devia ficar longe dele.

Eu estava bastante estressado. Sabia que devia focar em um problema por vez. Esperar a ligação do Cristiano para encontrá-lo hoje à noite era a minha prioridade.

– Você tem razão. Tudo bem, vou esquecer isso por essa noite.

Connor me assegurou que entraria em contato comigo assim que conseguissem um mandado de busca para a casa dos Stantons. Marcus havia impedido que eles entrassem mais cedo naquela tarde sem um, mesmo que fosse para a coleta de impressões digitais da invasão. Connor já tinha as suas suspeitas e tinha começado a montar o caso para o juiz. Quando desligamos, eu dirigi até o rancho Danby para me preparar para o retorno de Francesca.

Depois de conferir com a minha mãe que ela havia buscado a Emma no ponto de ônibus, tomei um banho rápido e tentei relaxar. Eu não tinha vontade de jantar, e não estava disposto a tomar um drink para o caso do álcool enevoar a minha capacidade de julgamento. Tirei os sapatos e os joguei no chão perto do sofá. Era cedo demais para colocá-los. Me sentei em silêncio preocupado sobre como as coisas se desenrolariam naquela noite.

Precisamente às oito e meia, Cristiano ligou.

– Você tem um pacote para mim vindo dos Castiglianos?

– Sim, está tudo pronto – confirmei eu, tocando o bolso do jeans. Eu havia escondido o verdadeiro pen-drive dentro do sapato, apenas para o caso de encontrar algum problema com o falso. Enquanto eu não queria perder a única evidência que tínhamos contra os meus sogros, proteger a Francesca vinha em primeiro lugar. Será que eles conseguiriam encontrar uma maneira de aparecer por lá hoje?

– Bem, você sabe seguir instruções. Eu gosto disso em você. – Ele fez uma pausa para passar a notícia para alguém próximo, provavelmente a minha esposa desaparecida. – Vamos nos reunir no ponto de partida do campo de beisebol Grey em Braxton. Eu pensei que seria um lugar apropriado para o retorno da Francesca.

Ao ar livre podia ser um lugar seguro. A April poderia me rastrear facilmente com o dispositivo de GPS sem qualquer interrupção de paredes ou outras barreiras. Isso também podia providenciar um acesso mais fácil para a sua equipe. Conforme pensava no plano, eu ficava mais preocupado. O Cristiano era inteligente, e isso o deixaria aberto a qualquer perigo em potencial.

– Você tem certeza de que o encontro no campo de beisebol perto do Complexo Esportivo Grey é o melhor local?

– Eu espero que isso não seja dúvida na sua voz, Kellan. A Francesca me assegurou de que você sabia como aceitar instruções explícitas – respondeu Cristiano.

– OK, estava apenas conferindo. Não precisa ficar irritado! – Eu repeti a localização para ter certeza de que o dispositivo de gravação na minha sala de estar o havia capturado, então saí pela porta da frente da cabana para conferir se havia alguém observando de algum lugar da propriedade.

– Vejo você em trinta minutos. E, por favor, lembre-se, Kellan, nós sabemos de tudo o que você está fazendo. Está aproveitando essa adorável brisa na varanda da sua pequena cabana? Pode ser perigoso caminhar descalço sobre uma superfície de madeira. Você pode acabar com uma farpa no pé. – Cristiano tinha colocado alguém para seguir cada movimento meu. Onde estava essa pessoa? – Você conhece as regras. Nada de polícia. Nada dos Castiglianos. Sem armas. Nem brincadeirinhas. Nós vamos conferir tudo. Não apareça por lá até precisamente às nove horas.

Quando eu confirmei que as suas exigências seriam cumpridas, ele desligou o telefone. Eu tinha quinze minutos antes de sair do rancho Danby. Eu queria desesperadamente ligar para a April para verificar que tudo estava no lugar e que ela havia escutado o local. Andei de um lado a outro da varanda com os ouvidos atentos a qualquer som estranho. A máquina de gravação apitou, e eu sabia que a equipe da April havia discado para pegar a localização. A minha confiança aumentou um ponto.

Então, eu escutei Krissy Stanton falando ao celular do outro lado da cerca. Eu me aproximei e espiei através de um buraco em uma das tábuas de madeira do portão. Ela estava colocando malas apressadamente dentro do carro. Eu corri para dentro do chalé e calcei os sapatos. Se agisse rapidamente, eu podia confrontá-la antes que ela fosse embora. Mandei uma mensagem para o Connor, avisando que eu havia visto a Krissy em casa.

Andei na ponta dos pés pelo caminho de pedras e cortei pelo gramado lateral até o portão entre as nossas propriedades. Em dois minutos, eu havia aberto a tranca e corrido até a porta da frente, que estava aberta. Entrei na casa e olhei ao redor.

Krissy dobrou o corredor, quase batendo em mim.

– O que você está fazendo aqui? – Ela deu alguns passos para trás e deixou cair uma mala no chão. Os seus olhos estavam sombrios e distantes.

– Eu sei o que você fez, Krissy. Como pode fazer algo tão terrível contra um dos seus amigos? – Eu coloquei um braço para frente quando ela tentou passar por mim. – Nós precisamos conversar.

– Eu sei que tentar sair da cidade é burrice, mas eu tenho que ficar longe da minha família. O Gabriel vai ficar bem, o meu pai não tem um caso contra ele – disse ela, lágrimas se formando nos seus olhos.

– Você entendeu certo. O Gabriel vai sobreviver, mas você vai acabar na prisão. Você não vai receber a pena de morte, mas eu aposto que vai cumprir décadas na prisão pelo estrangulamento do Quint. – Eu devia ter sido mais cuidadoso com as minhas acusações, especialmente sabendo que ela já havia matado uma pessoa e eu podia ser o próximo. Então o que aconteceria com a Francesca e os Castiglianos? Eu não conseguia mais controlar as minhas ações. De repente entendi o quão parecido eu era com a Nana D. O meu corpo fervilhava de raiva devido à pessoas imprudentes que se chamavam de amigos, pessoas que roubariam de você, ou te matariam.

Krissy ficou parada no lugar com lágrimas escorrendo pelas bochechas.

– Do que você está falando? O Quint foi eletrocutado, não estrangulado. Eu nunca pretendi matar ele, só assustar. Foi um acidente. Eu já me sinto culpada o suficiente pelo que eu fiz. Não faça isso ficar ainda pior.

Eu fiz uma pausa para digerir o que ela havia me contado. O olhar de pânico e choque no rosto dela parecia genuíno.

– Você não estrangulou o seu namorado quando o plano para o eletrocutar falhou?

– Não, eu nem sabia que ele tinha sido estrangulado. E, de acordo com ele, ele não era o meu namorado. – Krissy inclinou a cabeça e estreitou o olhar. – Alguma coisa não está fazendo sentido.

– Talvez você devesse começar pelo início. Me conte exatamente o que você fez – disse eu, a encorajando a divulgar os seus segredos o mais rápido possível. – Eu preciso ir a um lugar importante em breve, mas posso te dar mais dez minutos.

– Se você está me contando a verdade, e alguém estrangulou o Quint, então eu preciso sair daqui mais rápido do que pensei. – Krissy tentou passar correndo por mim, mas eu agarrei o braço dela e a empurrei contra a parede.

– Não, eu quero entender o que você sabe, o que você fez com ele – gritei eu, querendo sacudi-la até que ela concordasse em falar. Até mesmo na minha fúria, eu sabia que a contenção era a melhor abordagem.

Krissy secou o rosto e se sentou nos degraus à minha frente.

– O Quint era o ladrão de joias. Eu não percebi isso no começo. Eu te disse que ele me ajudou a roubar o broche dos Paddingtons oito anos atrás, mas evidentemente, ele levou o negócio mais além naquela época e estava recriando os crimes novamente nesse ano. Ele estava coletando informações em segredo para identificar os melhores horários e locais para os roubos.

Krissy explicou o que sabia sobre os roubos das joias. Logo após Quint ter roubado o broche há oito anos, ele viu Imogene e Paul se beijando na Biblioteca Memorial. Quando ele a confrontou, ela contou que a sua família não aprovava o relacionamento deles e queriam que ela se casasse com alguém com uma situação mais elevada. Então, Lara tentou chantagear Quint com evidências das propinas que o tio havia aceitado. A mãe de Imogene estava tentando forçá-lo a sair da cidade. Ele ficou com raiva por não ser aceito pela alta sociedade do condado de Wharton, então planejou se vingar. Usando os detalhes da história que Imogene havia lhe contado sobre as flores copo-de-leite da irmandade, Quint decidiu ter como alvo as famílias fundadoras da Alpha Iota Ômega. Ela sempre havia suspeitado que Gabriel fosse o ladrão, porque ele guardava segredos naquela época. Kirssy pensou que Quint estava agindo estranho devido ao fim do seu relacionamento com Imogene, então tentou confortá-lo. Ele a rejeitou quando ela sugeriu que eles saíssem juntos, porque estava com raiva e focado em se vingar antes de sair da cidade.

Krissy não tinha ideia sobre nada aquilo até algumas semanas atrás, quando Quint retornou à cidade. Ela admitiu que nunca o havia esquecido e que ainda o amava. Ela tentou convencê-lo a lhe dar uma chance, mas Imogene flertou com ele no Kirklands uma noite. Bêbado, ele revelou à Krissy que ainda amava Imogene e acreditava que ela ainda sentia o mesmo.

– Eu fiquei morta de raiva do Quint por me magoar novamente. Eu confrontei a Imogene e ameacei contar ao Paul se ela não se afastasse. Ela finalmente concordou em contar ao Quint que amava o Paul. Então, eu tive que lidar com a Siobhan.

– O que? – Eu fiquei perplexo com aquela mudança de direção.

– Siobhan e Quint dormiram juntos. Ele estava devastado por causa da recente rejeição da Imogene. Ao invés de me procurar, ele se encontrou com a Siobhan. Quando Quint percebeu que tinha dado a impressão errada, ele terminou, mas já era tarde demais. Eu fiquei com raiva dele por estar me ignorando, então contei ao Paul sobre a Imogene ter se encontrado secretamente com o Quint no Kirklands. Também contei ao Quint que a Imogene tinha levado a tiara para a casa da mãe naquela noite. Ela estava se gabando sobre a tiara quando a vi no campus naquele dia.

– Fale sobre como o Quint morreu. – Eu estava ansioso para ouvir todos os detalhes, mas incapaz de ficar ali por muito mais tempo.

– Tudo bem. Quando a Imogene não quis acabar o noivado, o Quint presumiu que ela o estava usando para fazer ciúmes no Paul. Ele invadiu a casa da mãe dela para roubar a tiara, mas não sabia que a Imogene estava dormindo lá. Ele tentou escapar, mas ela o reconheceu. – Imogene nunca contou isso ao Paul, e não quis prestar queixa porque estava com medo de que a verdade sobre os seus sentimentos viesse à tona. – Quando confrontei o Quint, ele confessou que nunca poderia me amar e que eu era apenas uma boa amiga. Eu fiquei tão lívida, eu queria machucar ele de uma maneira monumental.

– O que você fez com os painéis elétricos dentro do vagão do teleférico?

Krissy fechou os olhos.

– Foi uma besteira. Eu só queria dar um choque nele. Eu aprendi bastante andando com ele, e o Nicky tinha me ensinado o básico sobre instalações elétricas, então eu me senti segura de que o Quint simplesmente levaria um susto e aprenderia a lição. Algo saiu horrivelmente errado, e agora eu acho que sei por quê.

– Por favor, se apresse Krissy. Me conte o que aconteceu no vagão. – Eu desejei ter o dispositivo de gravação naquele momento, mas eu podia contar tudo ao Connor e a April depois do meu encontro com o Cristiano Vargas.

– O Quint e eu nos encontramos para uns drinks naquela noite. Eu já havia mexido em alguns fios e ligado a fonte de energia na estação. Nós nos encontramos, e eu implorei para ele me mostrar as renovações. – Eles haviam parado no campus para visitar o vagão do teleférico onde o Quint procedeu a se gabar do trabalho que estava completando. Ele pensou que a energia estava desligada e ligou a luz do celular. Quando foi olhar o painel, sua mão tocou nos fios elétricos, atordoando-o gravemente. – Eu não estava pensando normalmente e desliguei a energia com as minhas mãos nuas. Me esqueci de usar luvas na hora porque estava nervosa. O Quint tinha sido eletrocutado, mas ele ainda estava vivo, apesar de que o choque tinha deixado ele fraco e incapaz de se mover. Eu tinha conseguido a minha vingança, mas também sabia que ele ficaria bem. Quando estive na mansão Paddington, mais cedo naquele dia, vi várias flores copo-de-leite pretas e pensei que seria uma maneira perfeita de jogar todo o desastre na cara dele. Eu as peguei do meu carro depois de desligar a energia da estação, então as joguei perto do corpo inconsciente dele, para que ele soubesse que alguém queria vingança pelo que ele tinha feito. Eu o deixei inconsciente e fui para casa. Ele nunca soube o que eu fiz.

– Você está dizendo que quando foi embora, ele ainda estava vivo?

– Ele estava. Eu juro – chorou Krissy. – Quando fiquei sabendo no dia seguinte que ele havia morrido, não pude contar a ninguém. Fiquei com medo de que os policiais me colocassem na cadeia pelo que deveria ter sido apenas uma retribuição. – Krissy explicou que ela era a mulher que havia confrontado Helena no acampamento porque ela sabia que Quint a estava enganando e que ainda estava interessado na Imogene. Ela achou que a sua suposta amiga deveria ter tentado protegê-la ao invés de deixar Quint magoá-la.

Por mais que o que ela disse fizesse sentido, eu tinha apenas cinco minutos para chegar ao campo de beisebol.

– Você encontrou as joias que o Quint tinha roubado e as escondeu no carro do Gabriel hoje? Ele foi preso, mas não é o culpado.

– O ladrão era o Quint, não eu. Eu não tenho ideia de como elas foram parar no carro do Gabriel. – Krissy prometeu que não estava tentando incriminá-lo e nunca soube onde Quint havia escondido as joias. – Mas agora, eu estou com medo de que alguém tenha visto o que aconteceu no vagão do teleférico. Eu recebi uma ligação mais cedo de alguém com a voz disfarçada. Esse estranho me ameaçou – disse Krissy, começando a hiperventilar.

– Como é? – Eu estava ficando mais confuso conforme ela explicava a situação.

– A pessoa me provocou, dizendo que havia visto o que eu tinha feito com o Quint. Eu pensei que tinha sido a Imogene porque ela tinha ameaçado a contar aos policiais que me viu perto do teleférico também.

– Então, você não acredita mais que a Imogene foi a pessoa que te ligou? – Se não foi a Krissy quem entrou no quarto do Quint no outro dia, Imogene era a única outra moça que poderia ter visitado a casa da Bertha. Quem mais teria pegado as joias do quarto do Quint e as colocado no carro do Gabriel?

– Eram duas horas da tarde quando eu recebi a ligação. A Imogene não estava na aula com você? – Krissy andou pelo corredor de entrada como se quisesse criar buracos no piso de cerâmica.

Imogene esteve comigo às duas da tarde de hoje, mas eu não tinha tempo para me demorar naquilo agora. Ouvir o resto da história teria que esperar até depois do meu encontro com os Los Vargas.

– Eu tenho que ir, mas você precisa conversar com o detetive Connor Hawkins. Talvez o Paul Dodd seja quem ligou ameaçando você. Será que ele e a Imogene podiam estar conspirando juntos?

– Não, Kellan. Agora que estou juntando tudo, eu sei quem foi. Eu vi alguém me seguindo no outro dia. Quando a confrontei, ela tinha uma explicação válida. Eu deixei aquilo passar na hora, mas depois de hoje, não tenho mais certeza. – Krissy congelou no meio do corredor e encarou a frente da casa. As minhas costas estavam voltadas para a porta. Eu não podia ver o que estava acontecendo atrás de mim. Ela arquejou e apontou na minha direção.

– O que? Quem você acha que foi? – implorei eu, me perguntando para o que ela estava olhando e porque havia levantado o dedo para mim.

Uma voz familiar respondeu:

– A Krissy deve estar confusa de me encontrar aqui. Ela é muito mais esperta do que eu imaginei, e eu acho que ela começou a descobrir algumas coisas.

Eu me virei devagar quando ouvi o som de uma arma engatilhando. Quando fiquei cara a cara com a mulher segurando o revólver, minha mente ficou confusa e em pânico. Será que eu perderia o encontro com o Cristiano agora?

– Que porcaria está acontecendo aqui?

– Você deve me reconhecer como Raquel Salvado, a nova esposa do chef Manny, mas você provavelmente me conheceria melhor se eu te dissesse o meu nome de solteira. Permita que eu me apresente apropriadamente. Antes de me casar, meus amigos, família, associados de negócios e o governo se referiam a mim como Raquel Vargas. Eu acredito que você conheça o meu irmão, Cristiano. – Raquel sinalizou com a arma para que eu me juntasse ao lado da Krissy. – Talvez seja hora de eu contar uma pequena história do quão bem vocês conheciam o seu amigo, ou eu deveria dizer inimigo, Quint Crawford.


19

 


Com uma arma apontada para o meu peito, eu tinha pouco tempo ou foco para entender o que estava acontecendo. Krissy se agarrava ao meu braço como se fosse um colete salva-vidas. A cor havia sumido do seu rosto. O meu coração e respiração se aceleraram.

– E quanto ao encontro com o Cristiano para a troca do dispositivo de armazenamento pela Francesca?

Krissy engoliu em seco.

– A sua esposa? Eu pensei que ela estivesse morta.

Raquel riu descontroladamente.

– Amadores. Você realmente acha que eu deixaria o encontro acontecer em um campo aberto onde todos poderiam ver vocês e chamar a polícia? – Ela olhou em direção à sala de estar próxima para absorver o que a rodeava. – Vocês dois precisam se sentar naquele sofá em frente à janela. Primeiro feche a cortina. O sol ainda não se pôs completamente.

Enquanto a obedecíamos, Raquel esticou o braço na minha direção.

– Me entregue o dispositivo agora. Só então nós vamos conversar. Eu mandei o Marcus Stanton em uma busca louca atrás das suas joias desaparecidas, então ele não vai estar de volta por pelo menos uma hora.

Eu procurei nos bolsos atrapalhadamente, sem lembrar direito onde eu o havia deixado anteriormente. Quando o encontrei, pensei novamente na decisão de entregar uma cópia falsa das evidências em vez do que os Castiglianos haviam feito, mas aquilo ficaria bem pior se eu admitisse o que havia feito. Dei um passo para frente antes de me sentar no sofá, tendo cuidado para não me mover rápido demais e arriscar levar um tiro no braço de uma mafiosa maluca.

– Aqui está o que o Cristiano está esperando. O contrato assinado está na minha casa.

– Vamos lidar com isso mais tarde. O que acham de conversarmos sobre o pobre e estúpido Quint – começou Raquel, se apoiando contra a parede oposta a nós na sala dos Stantons. Ela tinha a arma apontada diretamente para mim, mas os seus olhos ocasionalmente se moviam na direção da Krissy.

– Você matou o meu namorado – disse Krissy entre os dentes, os joelhos vibrando como as cordas de um violino sendo tocadas pelo arco francês. – Você não vai sair livre disso.

Krissy parecia não entender a ironia da situação. Foi ela quem tentou eletrocutá-lo. O meu palpite era de que se ela não tivesse desencapado e deixado os fios elétricos soltos para ensinar uma lição a ele, Quint teria tido força suficiente para lutar contra a Raquel.

– Deixe ela falar, não faça as coisas ficarem piores do que já estão.

– Esperto, Kellan – respondeu ela, e então se virou para a Krissy. – Escute aqui, de amiga para amiga... o Quint era um mentiroso. Nenhuma mulher deveria ficar atrás de um cara que não a trata como deve. Eu salvei você de uma vida de miséria. – Raquel estava orgulhosa de si mesma por ter se livrado de um homem que tirou mais do mundo do que deixou.

Krissy se contorceu, mas se conteve de abrir a boca. Um relógio na parede mais distante mostrava que já eram nove horas e sete minutos. Nós estávamos oficialmente atrasados, mas a April devia ser capaz de rastrear a minha localização com o dispositivo GPS nos meus óculos. Será que ela mandaria um carro de patrulha para conferir onde eu estava?

– E quanto ao encontro no campo Grey? Eu não estou tentando distrair você, mas o que vai acontecer com a Francesca? – perguntei eu, na realidade esperando mudar o foco da sua atenção. Por mais que eu me preocupasse com a minha segurança, assim como com a da Krissy, os meus instintos me diziam para enrolar a Raquel pelo máximo de tempo possível.

– Eu conversei com o meu irmão a alguns minutos atrás. Nós mudamos o ponto de encontro. Eu não confio em você, e ele está cego por aquela sua esposa esperta0. – Raquel se aproximou do sofá oposto e se sentou com os cotovelos nos joelhos e a arma apontada para uma parte muito preciosa do meu corpo. – Vamos encontrar os nossos entes queridos em pouco tempo. Não se preocupe, tudo está sendo providenciado.

Raquel estava ansiosa para contar a história do quão facilmente ela havia se integrado à vida das pessoas que eu conhecia. Animada, ela contou sobre a sua chegada à Braxton quatro meses antes, pouco antes de Francesca ser sequestrada.

– A minha família sabia que os Castiglianos tinham fingido a morte da sua esposa, mas não podíamos provar. Eles a mantiveram bem escondida e pagaram os funcionários um bom dinheiro para que mantivessem o segredo. Quando a Francesca voou para cá para tentar impedir você de se mudar definitivamente, nós tivemos uma prova inegável. Um segurança do aeroporto tirou uma foto dela e mandou para nós. Também sabemos como cuidar das pessoas na nossa folha de pagamento.

– Eu entendo. Vincenzo e Cecilia são pessoas terríveis. Eu concordo com você, mas eu não tinha nenhuma relação com qualquer vendeta que as suas famílias têm uma contra a outra. Você tem os documentos dos Castiglianos; deixe a Francesca ir embora, e tudo pode seguir em frente – disse eu, esperando encontrar o lado racional da Raquel. Como eu não havia percebido as pistas enquanto ela tinha sido minha aluna dentro da sala de aula?

– Não é tão fácil assim, Kellan. Deixe que eu termine a minha história. Você tem o hábito de falar demais, e eu sinto que é o meu dever aconselhar que você se sairia melhor na vida se ficasse calado de vez em quando. – Raquel contou que enquanto Cristiano permaneceu focado no seu plano para sequestrar Francesca, era ela a responsável por coletar informações e descobrir segredos sobre os Ayrwick e chantagear pessoas para fazer o que eles queriam.

Em uma visita anterior à lanchonete Pick-Me-Up, Raquel havia escutado que Manny, o chef da Eleanor, estava planejando visitar Las Vegas. Ela o seguiu e o deixou bêbado uma noite, então o convenceu a se casar. Isso deu a ela uma desculpa para poder andar pela lanchonete sem que ninguém suspeitasse. Ela implorou ao Manny que não espalhasse que eles eram casados, até que ela pudesse resolver algumas coisas pessoais com a família. Ele ficou feliz em obedecer e falou abertamente sobre a Eleanor, sobre mim e sobre os nossos amigos que visitavam a lanchonete.

– Honestamente, o Manny é um bom marido. Exceto, é claro, que nós não somos casados legalmente. Nós nunca nos registramos propriamente em Nevada, e o cara que fez a cerimônia não tinha licença. Ele devia um favor para a família Vargas, e bem, agora já está pago.

– Você coletou todos esses dados sobre nós, isso é brilhante. E como o Quint Crawford se encaixa? – Eu não tinha trazido o celular e não tinha como notificar ninguém sobre o que estava acontecendo. Olhei de lado em direção à Krissy, que parecia congelada em um transe. O medo havia retirado a habilidade dela de fazer qualquer coisa ou trabalhar comigo em um plano de fuga.

– O Quint gostava de conversar. Eu ouvi a conversa dele com o seu irmão na lanchonete. Eles estavam discutindo sobre todas as joias que o Quint tinha roubado anos atrás, e que ele precisava de ajuda para pagar o tratamento da mãe.

Raquel havia oferecido dinheiro para que Quint me espionasse e fizesse algumas tarefas importantes para ela. Foi ele quem me viu com a Emma na loja de animais, então comprou e entregou o filhote na minha cabana no mês anterior. Aparentemente, os tentáculos escorregadios do Quint tinham invadido a minha vida inteira, e eu estive completamente inconsciente disso durante semanas. Eu tinha que dar o braço a torcer à Raquel: ela era diabólica e ousada. Eu nunca percebi que o Quint estava extraindo informações de mim durante o tempo no qual o visitei no teleférico.

– Por que você matou ele?

– O Quint começou a se achar importante demais. Quando eu tinha conseguido tudo o que precisava dele, lhe dei um bônus gordo e disse a ele para esquecer que havíamos nos conhecido um dia. Ele tentou me chantagear, mas infelizmente teve que aprender a lição da maneira mais difícil. – Raquel bateu a arma contra a mesa de café quando Krissy se virou e parecia prestes a sair correndo. – Fique onde está, garota. Eu preferia não ter que atirar em você, mas se precisar, eu vou atirar.

Raquel sabia que Quint estava roubando novamente. Ela também havia descoberto que ele estava enganando a Krissy, e definhando pela Imogene. Outro dos capangas dela o seguiu. Ele viu quando Krissy sabotou o projeto de renovação do vagão do teleférico e contou à chefe que tinha alguém tentando matar o Quint.

– Quando cheguei na estação, a Krissy estava correndo pelo estacionamento. Eu olhei dentro do vagão e percebi que o Quint estava desmaiado, mas ainda vivo. Krissy tinha colocado um buquê das flores copo-de-leite pretas que tinha roubado quando visitou a mansão Paddington naquele dia, ao lado do corpo inconsciente dele. Depois de roubar um dos rubis do Quint, dias antes quando ele acidentalmente deixou um deles cair durante um dos nossos vários encontros secretos, eu o deixei no vagão do teleférico para implicá-lo e ligar a morte dele a todos os roubos. Me deu um prazer enorme estrangular o meu antigo informante, assistir a vida e a energia se extinguirem de um homem supostamente esperto e charmoso. Segurar algo tão precioso nas suas mãos e ser responsável por eliminá-lo... não havia mais nada que eu poderia pedir para completar o meu dia. E voilà, o meu problema de chantagem em potencial acabou. – Raquel sorriu como uma maníaca, observando a expressão da Krissy mudar de medo para choque e raiva.

Krissy pulou por cima da mesa e deu um soco em Raquel. Durante a briga, eu tentei correr, não porque não queria proteger a Krissy, mas se eu pudesse escapar, poderia conseguir ligar para a polícia. Eu não tive tempo suficiente. Raquel lançou a arma na direção da Krissy e acertou a sua têmpora. Krissy voou em direção ao chão e bateu a cabeça na mesa de centro.

Raquel apontou a arma para mim quando eu chegava no corredor.

– Pare aí mesmo ou eu vou estourar o seu traseiro, mesmo que ele seja bem bonito...

Eu voltei até a sala, me virei, e disse timidamente:

– OK. Eu acho que vou ficar parado por enquanto. – Algo surgiu na minha mente enquanto eu me aproximava dela. – Você reclamou à Myriam sobre mim. Por quê?

– Apenas para te causar problemas. Eu queria que você se sentisse atacado por todos os lados. É a minha maneira de tirar o seu equilíbrio... fazer você incapaz de descobrir o meu plano. – Um sorriso maldoso se formou nos lábios dela.

– Isso quase funcionou. – Eu não tinha confiado nela, mas também não tinha conseguido identificar o porquê.

Raquel me instruiu a amarrar Krissy com os fios de uma obra de arte que estava pendurada na parede, era um metal grosso e maleável, mas forte o suficientemente para segurar alguém. Eu levantei a Krissy, sussurrando no ouvido dela que faria de tudo para nos salvar. Raquel apontou para uma cadeira em um canto onde eu amarrei as suas mãos contra o encosto de madeira e os seus tornozelos aos pés da cadeira.

Enquanto fui direcionado a ficar no canto, Raquel inspecionou o meu trabalho.

– Vai servir por enquanto. De qualquer forma, parece que a Krissy vai desmaiar.

Enquanto eu estava parado lá, a revelação me acertou. A mulher que foi até a casa da Bertha Crawford, sob o disfarce de que queria passar um último momento no quarto do Quint antes de dizer adeus, era a Raquel.

– Você pegou as joias que o Quint tinha roubado e implicou o meu irmão hoje mais cedo.

– Culpada. O Quint já tinha vendido algumas peças para pagar as despesas da mãe, então ele tinha apenas algumas restantes no quarto. Eu fiquei preocupada de que você estava suspeitando demais, então decidi manter a sua mente enxerida focada em outro lugar — confirmou ela, então sinalizou com a arma para que eu marchasse até a porta da frente. – Vamos embora. Outra pessoa vai chegar em breve para cuidar da Srta. Stanton. Temos que estar no novo ponto de encontro em quinze minutos.

– Espere. – Eu parei. April tinha que estar preocupada por eu não ter aparecido no campo de beisebol. Ela me procuraria em breve, encontraria o chalé vazio e a minha SUV ainda no local. – O que fez você pensar que eu estava chegando perto? Eu não tinha ideia de que você estava envolvida.

– Você tinha um show de televisão sobre crimes. Você fez perguntas demais. Eu tinha certeza de que logo você descobriria as conexões. Além disso, a Krissy estava quase lá e poderia ter descoberto por si mesma. Ela sabia que eu a estava seguindo nos últimos dias. Eu fiz alguém ligar para ela mais cedo e tentar despistá-la, mas ela te contou assim mesmo. Ela vai sofrer mais tarde quando for dar um longo mergulho.

– Para onde estamos indo? – exigi eu, enquanto ela me empurrava pela porta com uma mão e pressionava a arma contra o meu ombro com a outra. Enquanto era possível que eu a dominasse, eu não podia arriscar — dada a sua mente diabólica — que ela atirasse em mim.

– Eu encontrei um local adorável que deve estar relativamente calmo essa noite. Na verdade, o Cristiano está lá com a Francesca e alguns dos nossos guarda-costas – respondeu Raquel, mandando que eu fechasse a porta. Andamos pelo gramado e passamos pelo portão como eu tinha feito anteriormente. Raquel realmente observou cada um dos meus movimentos. – Ah, é mesmo – disse ela, fazendo com que eu parasse quando cheguei à porta da frente. – Você provavelmente está familiarizado com o local. Me diga Kellan, você visitou o escritório da sua mãe recentemente?

Emma!

– Não, por favor, não podemos nos encontrar lá. – O meu estômago afundou antecipando as consequências desastrosas.

– Entre e pegue o contrato assinado. Podemos discutir sobre isso enquanto você dirige até lá – insistiu Raquel. O sol tinha se posto, mas a luz da varanda brilhava no rosto dela. Foi então que eu soube que apenas um de nós sobreviveria àquela noite. Ninguém ameaçava a minha filha e saía livre.

Eu peguei as chaves da SUV e o contrato que estavam no sofá onde eu o havia deixado antes de sair correndo da cabana. Eu queria repetir a mudança de local em voz alta para o caso da equipe da April ainda estar ouvindo.

– Esse novo ponto de encontro tem que ser no Pavilhão de Admissões de Braxton? E quanto ao meu escritório no Pavilhão Diamante? Não tem ninguém lá, e é ainda mais calmo.

– Você não é um fofo? Você devia saber que a minha equipe destruiu aquele dispositivo de gravação que a xerife Montague colocou aqui mais cedo. Deixa eu adivinhar, quando você ouviu aquele som estranho, pensou que a sua amiguinha estava obtendo os detalhes? – Raquel pegou a chave, me empurrou porta afora e me seguiu de perto.

Eu finalmente entendi o alcance dos tentáculos dos Los Vargas. Eu tinha pouca esperança de que eles manteriam a palavra e não machucariam a minha filha, minha mãe ou a Francesca. A esse ponto, eu daria a minha própria vida para assegurar a segurança da Emma.

– Por favor, eu faço qualquer coisa.

– Bom, então assim que nós estacionarmos o carro, você vai retirar os seus óculos. Infelizmente, você precisa deles para dirigir, senão eu já os teria quebrado. – Ela esperou enquanto eu entrava na SUV, antes de entrar e me entregar a chave. – Sim, eu também sei sobre o dispositivo de GPS. Dirija.

Raquel ignorou tudo o que eu disse e continuou apontando a arma para mim enquanto nos encaminhávamos até Braxton. Eu considerei virar rapidamente o volante para desequilibrá-la, mas a mulher insana não pensaria duas vezes antes de tomar o controle do carro e atirar em mim assim que eu fizesse qualquer movimento súbito. Eu cumpri as exigências dela e estacionei em uma vaga vazia.

– Me dê os óculos – disse ela, jogando-os na rua e os esmagando com o salto do seu sapato vermelho. – Eu serei os seus olhos e vou te navegar pelo prédio.

Eu pensei ter visto um carro escuro nos seguindo, mas se fosse o caso, provavelmente era um dos guarda-costas da Raquel. Talvez a equipe de segurança do campus passasse por ali e se perguntasse quem estaria trabalhando até tarde da noite. O substituto do Connor ainda não havia sido contratado, e a equipe de segurança da faculdade era mais relaxada durante os verões, mas eu esperava que alguém nos encontrasse antes que fosse tarde.

Depois de chegarmos ao Pavilhão de Admissões, Raquel ligou para o Cristiano. Ficamos parados em frente à entrada até que ele verificou que não era uma armadilha e procurou por qualquer escuta em mim. Conforme nós entramos, eu foquei em memorizar o layout do escritório. O local estava estranhamente silencioso. Onde estava todo mundo?

Raquel me entregou a Cristiano.

– O Kellan tem cooperado, mas ele tem uma boca e tanto. Você tem certeza de que eu não posso me divertir um pouco hoje à noite ensinando uma lição a ele?

– Não, hermana. Nós machucamos apenas aqueles que nos machucam. No que importa, o Kellan é um espectador inocente. – Com o seu usual tom calmo, Cristiano falou comigo em seguida. – Minha irmã me contou que a única experiência negativa que ela teve nesses últimos meses durante a missão foi assistir a sua aula. A Raquel nunca gostou de filmes; ela prefere fazer parte da ação.

Sem os meus óculos, a minha confiança diminuía. Eu me sentia desorientado sem conhecer o ambiente, mas ainda sentia a adrenalina e o medo nas minhas veias.

– Onde está a minha família?

– Eu sinto muito que as coisas tiveram que ser assim, Kellan – respondeu Cristiano empaticamente, então sussurrou algo para Raquel, que rapidamente desapareceu da sala. – A Emma e a sua mãe estão atualmente sentadas em um escritório com um dos meus empregados. Ambas estão bem, mas eu vou mandá-lo pegar a Krissy em breve.

– E a Francesca?

Passos soaram atrás de mim.

– Estou bem aqui, Kellan.

Eu me virei e estiquei as minhas mãos na direção da voz dela. A minha visão estava tão desfocada que eu só conseguia ver o que estava a trinta centímetros dos meus olhos. Tudo ao meu redor era um borrão de formas amorfas e cores, não havia distinção facial ou percepção de profundidade.

– Você está bem? Viu a Emma?

– Estou bem. Eles trouxeram biscoitos e suco para ela. A Emma acha que isso é um jogo. A sua mãe está com ela, mas elas não me viram. Eu prometo a você... – disse Francesca, segurando minhas mãos. – Não vou deixar que machuquem ela.

– Eu daria um momento a sós para vocês dois, mas temo que não temos muito tempo – disse Cristiano. A sombra dele cruzou ao meu lado, e ele falou com outra pessoa. – Você tem os itens que ele deveria me entregar?

Raquel respondeu:

– Sim. O contrato está assinado, e está no meu bolso de trás. Eu não conferi o dispositivo. Ele e a xerife estavam mexendo com ele mais cedo. Você tem um computador?

– Eu tenho certeza de que a mãe do Kellan pode nos ajudar com isso – respondeu Cristiano, e direcionou alguém no escritório para ir buscá-la.

– Eu vou me afastar por um minuto, Kellan. Não quero que a Emma me veja até que possamos conversar com ela juntos – sussurrou Francesca na minha orelha.

A sala estava começando a ficar quente, roubando o pouco oxigênio que ainda restava nos meus pulmões. O ar-condicionado era sempre diminuído durante a noite, e havia pessoas demais em uma sala pequena sem janelas ou aberturas de ventilação. Eu estava grato pela Francesca estar focada em proteger a Emma, mas o que aconteceria quando eles conferissem o dispositivo? A April deveria estar aqui antes que isso acontecesse, mas agora, ela não tinha ideia de onde nós estávamos.

Cristiano disse:

– Violet querida, vou precisar da sua ajuda. Será que você pode fazer login no computador, para que eu possa olhar os conteúdos desse pen-drive?

Minha mãe conseguiu sussurrar um sim antes de perceber a minha presença.

– Kellan, Emma... a Emma está bem. Eu não consigo acreditar que a Francesca...

– Está tudo bem, mãe. Só faça o que eles estão pedindo e tudo vai ficar bem. – Eu não tinha certeza de quem eu estava convencendo naquele momento.

Enquanto minha mãe ajudava Cristiano com os arquivos e Raquel pressionava a arma contra as minhas costas, eu ouvi um som vindo do escritório ao lado.

– Não, espere, você não pode entrar aí – gritou uma voz ríspida.

Então eu escutei a Emma:

– Mas eu quero ver a vovó. Eu não entendo mais esse jogo.

O meu pânico se intensificou. Eu me forcei a não fazer nada precipitado. A Emma deve ter me visto.

– O papai está aqui. – Eu ouvi pequenos passos correndo pelo chão, mas não conseguia ver nada.

– Emma, eu pensei que você seria uma boa menina e escutaria o que falei – disse Cristiano.

Eu não conseguia ter certeza, mas parecia que ele havia agarrado o braço dela enquanto ela corria para impedir que ela chegasse até a mim.

– Quem é ela? – perguntou Emma, provavelmente apontando para Raquel, já que eu não sabia exatamente quem estava na sala.

Naquele momento, tudo aconteceu muito rápido, e eu mal pude entender o que estava acontecendo. Francesca voltou para o escritório e caminhou na nossa direção. Ela se agachou na minha frente, a não mais do que três metros de distância, dizendo:

– Minha preciosa Emma. Está tudo...

A porta se abriu, e duas pessoas entraram correndo. Eu não consegui identificá-las no começo, mas reconheci as vozes.

A fúria por trás das palavras de Vincenzo era alarmante.

– O seu guarda foi desarmado e nocauteado. Nós já tivemos drama suficiente por hoje, Cristiano. Está na hora de termos uma pequena discussão.

Raquel me agarrou e apontou a arma para a minha testa.

Emma e a minha mãe gritaram. Eu vi um borrão rápido passar na minha frente e pensei que ou Cristiano ou Francesa havia segurado a Emma.

– Escuta aqui, velho, a sua família começou esse jogo quando invadiram o nosso território e mataram vários dos nossos melhores homens – respondeu Cristiano, em uma voz suave e arrepiante. – Você não deveria ter vindo aqui hoje à noite. Como nos encontrou?

– Seguimos a sua irmã e o Kellan. Observamos durante a noite inteira tentando descobrir onde o encontro iria acontecer – anunciou Cecilia. Ela também devia estar com uma arma, pois a ouvi engatilhando.

– Por favor, me deixe levar a Emma para longe daqui – implorou a minha mãe.

– Eu estou com medo. Não sei o que está acontecendo. Aquela é a minha mamãe? – A voz de Emma estava tensa. Eu conhecia a minha filha. Os seus olhos estavam apertados enquanto ela se agarrava a quem a segurava, lutando para se libertar. Sempre que ficava assustada, ela corria e se escondia até que eu pudesse protegê-la.

Eu sempre imaginei que isso se devia ao choque de descobrir que a mãe havia morrido. Ninguém mais podia confortar o meu bebê quando ela se sentia abandonada, exceto eu.

– Ela só tem sete anos. Por favor, não a machuque.

Francesca choramingou, impotente, enquanto seus mundos colidiam em uma tigela gigante de raiva mal calculada. Ela queria confortar nossa filha, mas não deve ter pensado que podia fazer alguma coisa para quebrar a tensão com segurança.

– Kellan, nada vai acontecer à Emma. Ela está comigo e eu a estou protegendo – me aconselhou Cristiano. Ele soava sincero, mas a sala era um depósito de pólvora e eu não podia fazer nada para impedir a explosão. Ele se dirigiu aos Castiglianos. – Vocês me entregaram as evidências e a sua empresa. É hora de irem embora, e vou soltar a Francesca.

– Não tão rápido – cuspiu Cecilia, a voz cheia de energia. Ela estava a poucos centímetros de nós. – Tem mais uma evidência que precisamos discutir.

– O que está acontecendo? – A voz de Raquel ecoou nos meus ouvidos, me irritando ainda mais.

Vincenzo jogou algo para a minha mãe.

– Você se importa de colocar esse vídeo no monitor? Como sempre, é um prazer vê-la, Violet. Você não mudou nada.

Com as mãos ainda tremendo, minha mãe conseguiu inserir o pen-drive na entrada USB no notebook. Uma janela se abriu na tela com um único arquivo disponível para selecionar. Ela clicou duas vezes, e uma nova janela apareceu. Eu não conseguia entender as palavras, mas conhecia a forma.

– Maximize e aumente o volume, pode fazer isso, Violet? – pediu Vincenzo, com a arma ainda apontada para Cristiano. Ele nunca atiraria com a neta dele nos braços do homem.

– Estou com medo, papai – chorou Emma, tentando me alcançar.

Eu havia perdido a noção de onde Francesca estava naquele momento. O meu coração se partiu em pedaços diante do que estava acontecendo à minha frente. Não ser capaz de visualizar nenhum detalhe fazia com que tudo se tornasse ainda mais trágico e assustador.

– Está tudo bem, querida, só mais alguns minutos.

Cristiano tentou confortar a minha filha.

– Isso tudo é só um jogo divertido, Emma. Só fique de olhos fechados e você logo vai estar com o seu papai.

Minha mãe deve ter aumentado o vídeo. Alguém na gravação começou a falar, mas eu não tinha certeza de quem. Eu não conseguia ver nenhum detalhe porque estava sem óculos e não perto o suficiente. Ao estreitar e forçar o meu olhar, eu conseguia distinguir apenas algumas ações.

– Ah, Quint Crawford. Você foi uma adição valiosa à minha família. Agora, você não é nada além de um homem à beira da morte – avisou uma voz fria e virulenta no vídeo.

– O que você está planejando fazer, Raquel? – Outra voz falou na gravação.

– Nós não queremos que os últimos momentos dele sejam difíceis. A vida não deveria ser tão difícil para ninguém. Desligue aquela câmera e se assegure de que não tem ninguém olhando. – Dessa vez era o tom sádico da Raquel que eu ouvia.

– O que você vai fazer com ele, chefe? – perguntou o homem operando a câmera. Alguns segundos de silêncio se seguiram. – Você vai estrangular ele?

– Isso era necessário. Mais um problema resolvido. Como eu disse ao meu irmão, uma mulher sempre vai salvar o dia – respondeu Raquel no vídeo.

Enquanto minha mãe arquejava no outro lado da sala, Raquel gritou:

– Isso é impossível. Como...

– Talvez vocês queiram fazer um novo acordo – sugeriu Cecilia, então explicou que o capanga que Raquel havia colocado para seguir o Quint havia traído a família Vargas e gravou Raquel enquanto ela estrangulava Quint até a morte.

– Levei um tempo até conseguir encontrá-lo, mas quando consegui, ele estava mais do que disposto a me vender o vídeo por uma pequena soma de dinheiro, para começar uma nova vida em outro lugar.

Raquel me soltou e caminhou em direção à Cecilia.

– Ele desapareceu hoje à tarde. Agora eu sei por quê. Aquele arrogante filho-da-p...

– Eu preferiria não ouvir nenhuma linguagem chula vinda de você, senhorita — respondeu Vincenzo, discutindo com ela à pelo menos três metros de distância. – Você já fez o suficiente. Sobre o nosso acordo, é hora de renegociarmos.

Os próximos minutos foram um borrão, não apenas porque eu não conseguia ver o que estava acontecendo. Raquel passou por mim e investiu em direção a Vincenzo. Eu caí sobre uma mesa. Depois de recuperar meu equilíbrio, olhei pela sala procurando pelo Cristiano e pela minha filha, tentando decifrar as suas vozes em meio à cacofonia. Minha mãe gritou “maldita assassina”, e um conjunto de passos passou correndo à minha frente. Eu ouvi a April gritar:

– Aqui é a xerife do Condado de Wharton. Larguem as armas e coloquem as mãos para cima!

Alguns segundos depois, vários tiros reverberaram pela sala, seguidos por um grito forte da minha filha. Eu cobri a cabeça e mergulhei no chão em direção onde eu pensava que ela estava sendo mantida presa. Eu não tinha ideia de quem havia levado um tiro, e não me importava de proteger a mim mesmo naquele momento, apenas à minha filha.

– Emma! – gritei eu, implorando por misericórdia de qualquer um que ouvisse e prometendo a minha vida em troca da completa segurança.


20

 


– Eu realmente sinto muito, Kellan. Não consigo imaginar como você está se sentindo – me confortou April. Estávamos sentados no escritório da minha mãe com as portas fechadas. Os sons dos tiros de uma hora atrás ainda ecoavam na minha cabeça. Eu havia visto tiroteios em filmes e através de recriações para a minha antiga série sobre crimes, mas passar por um ao vivo era uma situação completamente diferente. Ver alguém ser morto a tiros na sua frente era algo que eu nunca queria experimentar novamente.

– Você já havia matado alguém antes, April? – O meu fraco estado mental quase não me permitia perguntar, mas eu estava começando a melhorar.

– Infelizmente, hoje não foi a primeira vez. Isso só aconteceu em poucas ocasiões, mas nunca fica mais fácil. – April pegou ambas as minhas mãos e as cobriu com as dela. – Em uma situação como aquela, os instintos falam mais alto. Eu a vi levantar a arma, mas não sabia em que ela ia atirar.

– Raquel está definitivamente morta?

April assentiu.

– Eles colocaram Vincenzo Castigliano na ambulância. A Raquel conseguiu dar dois tiros antes da Velha Betsy a derrubar. Ele levou um tiro no peito. Eu não tenho certeza do que vai acontecer. – Ela tirou o cabelo dos meus olhos e colocou um par de óculos no meu rosto pela segunda vez naquele dia. – Foi bom eu ter mantido os seus óculos originais depois do nosso café-da-manhã de hoje.

Era bom poder enxergar novamente.

– Obrigado – disse eu, olhando diretamente para a mulher que havia acabado de salvar a vida da minha família inteira. A minha visão da April estava indubitavelmente clara. – Onde está todo mundo?

Assim que os tiros foram disparados e a April assumiu o controle do Pavilhão de Admissões, eu havia corrido até a minha filha e a tirei dos braços do Cristiano. Eu tinha perdido todo o sentido do que estava acontecendo na sala ao meu redor. Eu a carreguei até o escritório mais próximo, fechei e tranquei a porta, só a abrindo novamente quando a minha mãe terminou de falar com os policiais e suplicou para ver sua neta. Nós confortamos a Emma durante quinze minutos antes do Connor nos avisar que era seguro sairmos novamente.

– Estou permitindo que a Cecilia e a Francesca vão ao hospital com o Vincenzo. Ambas estão algemadas, e vamos lidar com as queixas contra elas mais tarde. Se houver alguma chance do Vincenzo não sobreviver, eu não gostaria de tirar da família a chance de um último adeus. Há vários policiais com eles, e ambas estão sob vigilância. – April me entregou um copo de água e pediu que eu bebesse devagar.

– A Emma ainda está com a minha mãe? – Eu não queria deixá-las sozinhas, mas precisava de alguns minutos para que pudesse processar tudo o que havia acontecido. Eu estava pronto para vê-las novamente.

– Sim, ela está dormindo nos braços da sua mãe. Ela vai ficar bem, você sabe. Crianças são mais resilientes do que pensamos – me assegurou April, com um olhar de sabedoria. – Vamos conversar por alguns minutos sobre como isso aconteceu. Eu quero ter certeza de que entendi tudo enquanto ainda está fresco na sua mente. Eu prometo, apenas um breve resumo, então amanhã ou no dia seguinte, podemos conversar sobre os detalhes.

Eu me levantei e fui até o outro lado do escritório para contar à April tudo o que havia acontecido depois que retornei da aula.

– Eu desliguei a ligação com o Cristiano e ouvi a voz da Krissy quando saí de casa. – Quando disse o nome dela, me lembrei de que ela estava amarrada na casa dos Stantons. – Ah, a Krissy, ela está...

– A Krissy está bem. Depois que você e a Raquel foram embora, o Marcus retornou para casa mais cedo e encontrou a filha. Ela tinha apenas desmaiado, e o ferimento da cabeça não era grave. A Krissy nos ajudou a encontrar você – explicou April. Antes de perder a consciência, Krissy havia escutado quando eu repeti a localização de para onde a Raquel planejava me levar. – Marcus ligou para a polícia. Connor ouviu os detalhes da ligação, e correu até a casa. A Kirssy estava preocupada com você, Kellan. Ela se sente horrível com tudo o que aconteceu, especialmente sobre o que o pai dela estava tentando fazer com o Gabriel. Nós também combinamos as impressões digitais da Krissy com as encontradas na caixa de força sob a plataforma da estação teleférica. Ela diz que só queria machucá-lo, e sabendo que ela não limpou as digitais do local, isso provavelmente é verdade. Ela é uma garota esperta. Eu duvido que ela tenha tentado matá-lo intencionalmente e propositalmente deixado evidências para trás.

– Você está certa. Marcus admitiu ter mentido sobre as joias roubadas do cofre dele?

– Não exatamente. Foi a Krissy quem planejou fugir com as peças. Ela quebrou a janela para fazer parecer que tinha sido um roubo comum, pensando que todos achariam que se tratava do quinto roubo se alinhando com os anteriores. Quando Marcus reportou o crime um dia depois de conversar com você, ele realmente acreditava que o seu irmão era o responsável. – April explicou que o Marcus havia confrontado Krissy algum tempo depois de prestar queixa, e ela confessou que havia roubado o dinheiro e as joias, escondido tudo no banco e que planejava sair de Braxton. O pai tinha cortado a ajuda financeira depois de perder a eleição, acreditando que ela estava envolvida com o Quint, o homem que Marcus culpava por ter perdido. Krissy e o pai discutiram durante uma hora naquela tarde, logo depois dela chegar do banco e começar a colocar as coisas no carro para ir embora. Marcus desapareceu para encontrar uma maneira de a impedir, mas quando retornou para casa, encontrou a filha amarrada na sala de estar.

– Eles estão no escritório do xerife com o Connor resolvendo aquela situação. Assim que o Connor soube o que tinha acontecido com você, ele me ligou, e foi assim que eu consegui encontrar vocês no Pavilhão de Admissões. – April havia provado, hoje à noite, porque era a pessoa certa para o cargo de xerife no condado de Wharton. Não apenas a sua equipe a respeitava e confiava nela, mas ela era capaz de prender o criminoso no final das contas.

– E quanto ao Cristiano? O que vai acontecer com ele? – Apesar de tudo, por mais cruel que a sua família tenha sido, ele continuava prometendo que nunca machucaria a Emma. Eu tinha acreditado, mas ele ainda era parcialmente culpado por tudo o que havia acontecido naquela noite.

– Isso vai ser difícil. Você sabia que eu estava investigando as famílias Vargas e Castigliano. O Cristiano conseguiu se manter completamente limpo. Até que eu converse com a sua esposa, não sei o que aconteceu. Ele está lá fora com a irmã. – April abriu a porta do escritório e me deixou espiar para dentro a parte principal da sala. Cristiano estava sentado no chão, segurando a mão de Raquel.

– Posso falar com ele?

– Eu não acho que seja uma boa ideia, Kellan.

– Apenas por um minuto. Eu quero agradecer por uma coisa.

April concordou e caminhou até eles comigo.

Cristiano olhou para mim, a expressão indecifrável. Eu podia sentir a devastação que o cercava. Ele olhou para Raquel, que estava deitada pacificamente ao seu lado, e fechou suas pálpebras. Com um grande suspiro, ele se levantou.

– A Emma está bem?

Eu assenti.

– Tenho certeza de que nós teremos mais a dizer um ao outro nos próximos dias, mas há duas coisas que eu me sinto compelido a te dizer antes de ir embora.

– Sim? – Ele inspirou fundo, provavelmente se preparando para que eu o destroçasse.

– Obrigado por proteger a Emma, e eu realmente sinto muito pelo que aconteceu com a sua irmã. Eu não tenho ideia de como ela era fora desse evento, mas a mulher que eu conheci durante as minhas aulas sempre me pareceu como alguém que ela gostaria de ser por dentro. – Eu me virei e comecei a me afastar.

Cristiano segurou o meu braço.

– A Raquel já foi uma boa pessoa. Quando era criança, ela tinha paixão por mudar o mundo para melhor. O nosso pai é um tirano, e ele insistiu que ela fizesse parte dos negócios da família. Ele é o culpado por ela ter morrido hoje à noite, nem você e nem ninguém.

– Isso significa que você não vai procurar vingança contra a família Castigliano? – perguntei eu, esperando que a guerra acabasse para que todos pudéssemos continuar com as nossas vidas.

– A sua amiga aqui, a xerife, vai fazer o melhor para me culpar por vários crimes. Nenhum deles vai funcionar. Eu fiz muitas coisas erradas na minha vida, Kellan, mas depois de hoje à noite, sou um homem mudado. – Cristiano soltou o meu braço e deixou um policial colocar um par de algemas nos seus pulsos. – Eu não sequestrei a Francesca, e estou confiante de que ela logo vai te contar a verdade.

Chocado com a resposta dele, eu mal consegui me mover. Enquanto o policial Flatman o levava, eu o chamei e pedi que eles parassem.

– Espere! Se você não a sequestrou, então quem foi?

– Ninguém. A Francesca veio até mim pela sua própria vontade. Ela sabia que a única maneira de acabar com a guerra era entregando a família à polícia. Ela os culpava por ter perdido você e a filha durante todos esses anos. A Francesca insistiu que as negociações fossem feitas através de você, para que ela não tivesse que lidar diretamente com os pais. Nem você e nem a Emma estiveram em perigo até o momento que o Vincenzo e a Cecilia apareceram aqui hoje à noite. Eles deveriam ter nos escutado, e nada disso teria acontecido. – Cristiano fechou os olhos e fez uma prece silenciosa. Quando abriu os olhos, muito da dor que estava no seu rosto desapareceu. – Eu estou apaixonado pela sua esposa, Kellan. Eu acredito que ela também está apaixonada por mim. Espero que você esteja OK com isso porque eu planejo lutar por ela. Sem ressentimentos, mi amigo?

– Leve ele daqui, oficial Flatman – exigiu April, segurando o meu ombro e me arrastando na direção oposta. – Haverá outra hora e lugar para você falar sobre toda essa bobagem. Vamos levar você de volta até a sua mãe e a Emma.

Eu observei o sorriso sarcástico de Cristiano enquanto ele era levado embora. O que ele havia me dito não me incomodou em nada. Muito havia acontecido desde a última vez em que eu e Francesca havíamos sido felizes juntos, talvez todos nós pudéssemos encontrar um fim para esse conflito.

Quando a porta do Pavilhão de Admissões se abriu, eu vi a minha esposa parada do lado de fora, ao lado da ambulância. Ela e a mãe foram direcionadas a entrar em uma viatura que as levaria até o hospital para ficarem com o Vincenzo.

– Posso pedir mais um favor, April? Eu preciso falar com ela.

– Sim, é claro – disse ela, enquanto íamos até o carro. – Seja breve por enquanto. Vamos deixar que ela se concentre no pai, e então vocês podem lidar com a explicação do retorno dela para a Emma.

April ficou atrás de mim enquanto eu me aproximava de Francesca. Cecilia já estava na viatura.

– Você realmente deixou que eu pensasse que você havia sido sequestrada esse tempo todo? – perguntei eu.

O rosto de Francesca estava vermelho e inchado. Ela limpou algumas lágrimas contra o ombro e fungou.

– Eu fiz o que era necessário para proteger o futuro da Emma. Quando saí de Braxton, fui até Vancouver para estar em um lugar que me fizesse lembrar de você e do nosso passado juntos. Você me magoou, Kellan, quando disse que eu não poderia mais ver a Emma.

– Isso não responde a minha pergunta. – Eu me mantive firme.

– Quando o Cristiano me encontrou, eu não tinha a intenção de fazer nada que fosse prejudicial. Nós passamos alguns dias juntos conversando sobre as nossas famílias. Apesar de sabermos quem éramos e até mesmo termos nos encontrado algumas vezes quando crianças, ele era diferente do que eu esperava. O Cristiano entendia o que era crescer em uma casa onde as vidas das pessoas eram manipuladas sem nenhum cuidado, como se não significassem nada. – Ela suspirou e levantou as mãos algemadas até o coração. – A nossa vida juntos era diferente. Você me ajudou a escapar daquele tipo de loucura, e eu nunca mais queria voltar. O meus pais me forçaram a viver escondida, e quando o Cristiano me apresentou uma oportunidade de escapar, eu fui com ele.

– Então isso é um sim. Você, conscientemente, me deixou ficar preocupado uma segunda vez. Primeiro, eu pensei que você tinha sido morta em um acidente causado por um motorista bêbado. Então, eu pensei que você tinha sido sequestrada por uma família rival. O que vem em seguida? – disse eu, sentindo apenas desprezo pela minha esposa naquele momento.

– O que vem em seguida é que eu vou visitar o meu pai no hospital e rezar para que ele sobreviva aos ferimentos. – Ela sacudiu a cabeça para mim, e pela primeira vez, eu vi um lado completamente diferente da mulher por quem já havia sido completamente apaixonado. – E então, eu vou trabalhar com o Cristiano para assegurar que nenhum de nós vá para a prisão pelo que aconteceu. Nós começamos apenas querendo terminar a guerra entre as nossas famílias, mas acabamos nos apaixonando.

– Isso significa que nós terminamos? – perguntei eu, sabendo no meu coração que isso era verdade, mas precisando ouvir essas palavras da Francesca. – E quanto à Emma?

– Eu acho que nós passamos por coisas demais para consertar qualquer coisa. Eu gostaria que pudéssemos ser amigos, mas isso vai depender do que você fizer em seguida. – Francesca assentiu para o policial abrir a porta da viatura.

– O que isso quer dizer? – O meu coração começou a bater forte novamente.

– A Emma precisa saber que eu estou viva, que eu a amo. Você vai me manter longe da minha filha?

Eu não tinha formulado um plano. Tudo o que eu sabia era que precisava ser honesto com a Emma.

– Eu não vou mantê-la longe de você, mas vou fazer o que for necessário para protegê-la, para que algo assim não aconteça novamente.

– Como eu disse, possamos ser amigos. Assim que os advogados do Cristiano assegurarem de que eu e ele não ficaremos sob custódia, eu pretendo formar um compromisso. Eu sei que você não vai me deixar ter a custódia da Emma, e nenhum tribunal no mundo me garantiria isso depois do que aconteceu hoje.

– Eu estou com raiva de você agora. Vamos deixar essa conversa para o futuro quando tivermos uma ideia melhor. – Eu precisava de tempo para pensar. Com sorte, a Emma não faria muitas perguntas quando acordasse. Eu tinha certeza de que ela havia visto a Francesca por pelo menos um minuto dento do prédio. – Eu sinto muito sobre o seu pai.

– Você terá notícias minhas em breve. – Depois que Francesa entrou no carro, o policial fechou a porta e se sentou no banco da frente.

Enquanto eles iam embora, April se juntou a mim.

– Você está bem?

– No momento não, mas vou ficar.

– O que eu posso fazer para ajudar?

Quando April parou de falar, eu me virei na direção dela, sorrindo pela primeira vez naquela noite. Apesar da escuridão do céu nos envolvendo, havia um holofote brilhando atrás dela que lhe dava um brilho incomum. Eu vi os olhos verdes e gentis de uma mulher que estava genuinamente preocupada comigo.

– Eu tenho um casamento para ir na sexta-feira. É da minha tia e o noivo dela, mas é um casamento duplo, porque tem outro casal que conhecemos que também vai se casar. Depois de tudo o que passamos juntos nesses últimos meses, eu sinto que te devo um pouco de diversão em troca. Você gostaria de me acompanhar?

– Pequeno Ayrwick – provocou ela, com uma voz curiosa. – Você está me convidando para sair?

– Isso depende – respondi eu, colocando as mãos nos bolsos e estufando o peito. – Você não tinha concordado em parar de me chamar desse nome terrível, malvado, absurdo e rude?

– Eu suponho que sim.

– Então eu suponho que sim também. – Eu olhei em direção ao céu e observei algumas estrelas brilhando sobre nós. – Vou te ligar amanhã com todos os detalhes. Agora, preciso levar a minha filha para casa.

April sorriu alegremente antes de se afastar lentamente à procura de um policial.

Eu senti uma súbita mudança na atmosfera e sabia que as coisas estavam finalmente começando a se mover em uma direção positiva. Quando dei um passo para frente, senti uma dor no pé.

– April, espere – chamei eu, correndo atrapalhadamente para alcançá-la. – Eu tenho um presente para você. – Eu tirei um pé do sapato para pegar o dispositivo contendo a evidência que os Castiglianos haviam preparado originalmente.

Inclinando a cabeça para o lado, April olhou para mim com uma expressão peculiar.

– Você realmente acabou de tirar isso do seu sapato suado e está tentando me entregar como se fosse um presente?

– Eu não sei mais o que dar a alguém no primeiro encontro. Já faz muito tempo que tive um. Além disso, eu tomei banho há três horas. – Eu dei de ombros e revirei os olhos. – Será que eu deveria me calar?

April chegou bem perto, para que os nossos lábios ficassem a poucos centímetros de distância.

– Se não estivéssemos em uma cena de crime, e você não tivesse dito o que acabou de dizer, eu já teria te beijado a essa altura.

– Isso não me parece uma desculpa legítima. Vá em frente, transforme a minha noite – respondi eu, reduzindo a distância para apenas dois centímetros e fechando os olhos. Estávamos respirando o mesmo ar naquele momento, e parecia que isso podia nos levar pela noite inteira.

– Eu acho que vou deixar isso para o nosso primeiro encontro de verdade depois do casamento. Ou depois que você se divorciar. Eu não saio com homens casados. – April se afastou alguns passos, e um sorriso encantador e travesso se formou nos lábios dela quando abri os olhos novamente. – Eu tenho grandes expectativas para qualquer homem com o qual me envolvo. Você devia saber que eu não sou do tipo que se encanta facilmente.

Eu a deixei ir embora com a palavra final dessa vez. Eu não me importava em perder uma pequena batalha quando tinha certeza absoluta de que ganharia a guerra. Refleti sobre a minha interação com a Raquel mais cedo naquela noite, quando prometi a mim mesmo que apenas um de nós terminaria a noite vivo. Naquele momento, eu estava com medo de que não seria eu. Por mais que eu valorizasse demais a vida para me sentir bem sobre o que havia acontecido, me permiti sentir abençoado que os mocinhos haviam vencido. Eu retornei ao prédio do Pavilhão de Admissões para ficar com a minha mãe e filha, sem saber o que os dias seguintes iriam trazer, mas forte o suficiente para aguentar tudo. Quando passei pela sala principal, vi um homem ajoelhado ao lado do corpo da Raquel. A equipe forense ainda estava examinando a cena, mas eles permitiram que o Manny a visse antes que ela fosse colocada em um saco para cadáveres.

Manny me ouviu chegar.

– Eu não sei o que dizer. Como pude ser tão idiota?

Eu contei a Manny que nós havíamos sido enganados, para que ele soubesse como eu me sentia.

– A Raquel não merecia morrer, mas não podemos mudar o passado. Podemos apenas focar no futuro. Eu entendo o que está se passando na sua cabeça e como você está se sentindo. Por favor, saiba que eu estou aqui para te apoiar no que você precisar.

– A polícia me contou tudo o que ela fez. É verdade, Kellan? A minha esposa realmente matou o amigo do seu irmão, o Quint? E talvez também o seu sogro? – O luto sobre tudo o que ele havia feito ao fornecer à esposa informações sobre a minha família havia finalmente impactado Manny.

– Sim, mas tem outra coisa que você deveria saber – disse eu, hesitante em colocar mais um fardo sobre o homem enfraquecido. – A Raquel me disse mais cedo que o casamento de vocês não era real. Ela nunca deu entrada nos papeis oficialmente, e o cara que oficializou a cerimônia não tinha licença.

Manny levou um minuto para processar o que eu tinha dito, então me abraçou.

– Eu não sei o que sentir sobre o que você me contou, mas você está certo. Eu sinto muito pela perda e pela dor da família da Raquel. Mas isso significa que vou ter a minha vida de volta, e que não preciso deixar a sua irmã sozinha na lanchonete.

Manny e eu conversamos por mais alguns minutos, e quando ele foi embora do campus, e eu tive o pressentimento de que o motivo pelo qual ele estava agindo tão estranho perto da minha irmã não era só porque estava com medo de abandonar a lanchonete, quando pensou que a Raquel iria forçá-lo a se mudar de Braxton. Ele havia inesperadamente desenvolvido sentimentos pela minha irmã e não tinha certeza de como contar a verdade.

A porta do escritório se abriu, e minha mãe me chamou.

– A Emma está acordada.

Eu entrei correndo na sala para ver a minha filha.

– Ei, minha querida. Nós podemos ir para casa agora. Você precisa dormir um pouco. O Baxter vai ficar tão animado em te ver, e eu vou ficar em casa o dia inteiro com você amanhã. Nada de acampamento até a semana que vem. O que você acha disso?

Emma pulou nos meus braços e me abraçou com mais força do que uma menina de sete anos de idade deveria ter.

– Isso é incrível, mas eu tenho uma pergunta, papai.

Eu sabia qual era, e não havia uma maneira de evitar isso.

– O que é, meu docinho? – disse eu, olhando na direção da minha mãe, que se aproximou e beijou a testa da Emma.

– Era a mamãe quem eu vi mais cedo, ou foi apenas um sonho?

– Conte a verdade a ela, Kellan. Ela é uma menina forte por sua causa. Eu tenho fé de que você vai encontrar as palavras certas – Minha mãe sussurrou no meu ouvido, derramando suas próprias lágrimas devido aos eventos traumáticos da noite. Em um instante, minha mãe e eu havíamos ficado próximos novamente. – Vocês dois são brilhantes.

Eu respondi à Emma:

– Vamos para casa e então podemos conversar. Eu vou te fazer uma xícara de chocolate quente, vamos subir na cama juntos com o Baxter, e o papai vai explicar tudo o que aconteceu hoje à noite. Está bem?


21

 


Quinta-feira foi o tipo de dia meio feliz e meio triste, que me mostrou porque eu devia ter orgulho da minha filha e por ficar animado com a mudança positiva que havia acontecido na minha vida desde que voltei para Braxton. Depois de uma conversa longa e difícil na noite anterior, Emma entendeu que a sua mãe havia sido levada pelos homens maus que queriam machucar a nossa família. Nós conversamos sobre os perigos das mentiras e segredos, nos lembramos de vários momentos preciosos que ela teve com a mãe anos atrás, e discutimos como seguir em frente como uma família, assim que organizássemos os próximos passos.

Foi um dia feliz e triste porque eu tive que explicar à Emma que a mãe dela e eu não ficaríamos juntos no futuro. Eu comparei isso a um divórcio, o que ela entendeu, citando que os pais de uma amiga, Shalini, haviam se divorciado recentemente também. Eu percebi que tinha que começar a pensar sobre preencher os papéis do divórcio no futuro para anunciar a minha intenção à Francesca. Antes que pudéssemos fazer isso, ela teria que ser declarada viva novamente, pelo menos foi isso que entendi, depois da minha breve pesquisa na internet. Eu decidi focar na Emma durante esse final de semana prolongado, e lidar com as repercussões de tudo o mais na segunda-feira seguinte.

Fern adiou a cerimônia de inauguração do teleférico até a semana seguinte, então passei a quinta-feira com a minha família. Nana D tinha responsabilidades como prefeita, para assegurar aos cidadãos de Wharton que o drama que aconteceu naquela semana havia sido totalmente controlado. Nana D fez uma parceria com a April para mostrar uma frente unida contra o crime nas nossas cidades, discutindo como aquilo havia acontecido e o que todos podiam fazer para evitar que acontecesse novamente no futuro. Detalhes limitados foram liberados para o público inicialmente. A posição oficial do condado era de que as famílias Castigliano e Vargas haviam iniciado uma guerra territorial, que havia começado em Los Angeles e seguiu até Braxton nos últimos anos. Nana D explicou que o antigo xerife havia feito pouco para responsabilizar o ladrão de joias por suas ações há oito anos, e continuamos a sofrer por causa das suas ações duvidosas e antiéticas.

Ela insistiu bastante para que a verdade fosse liberada aos cidadãos, mas o promotor público do condado e os novos membros da assembleia sentiram que seria melhor recolher todos os fatos antes de espalhar informações imprecisas. No fim, Nana D cedeu, não porque não estava cumprindo sua promessa de campanha sobre ser honesta, mas para se assegurar que não espalhasse fatos incorretos. Ela também ameaçou sua equipe com algumas noções de tortura se eles não marcassem uma coletiva de imprensa para liberar todos os detalhes na metade da semana seguinte, no dia da reabertura do teleférico.

Nana D passou no chalé para conversarmos antes de ir encontrar Bertha, que estava se aproximando da sua batalha final contra o câncer.

– As notícias sobre os segredos do cunhado dela e a morte do Quint cobraram o seu preço. Eu temo que ela não sobreviva até o final do mês, Kellan.

Nana D e eu trocamos alguns olhares de tristeza enquanto bebíamos um chá de hortelã. Eu fatiei o pão de banana que ela havia trazido e a entreguei um grande pedaço.

– A Bertha não merecia uma família como esses dois, mas ela teve uma boa vida. Todos a amam apesar de todos os problemas que eles causaram.

Nós concordamos em visitá-la juntos durante aquele final de semana, antes que ela estivesse doente demais para nos reconhecer, e também para assumir a responsabilidade pelos planos do seu funeral.

– A Emma está bem hoje? – perguntou Nana D, olhando pelo corredor até a minha filha, que rolava uma bola de tênis pelo chão se afastando de Baxter, tentando ensiná-lo a pegar.

– Ela foi dormir bem tarde, então a mamãe e o papai vieram almoçar com ela. O Gabriel esteve aqui, e até mesmo a Eleanor e a tia Deirdre trouxeram alguns brinquedos e jogos. A Emma é forte, ela vai ficar bem.

– Quando você vai deixar que ela converse com a Francesca? – A Nana D realmente nunca gostou da minha esposa, mas ela sabia que não devia dizer nenhum disparate, mesmo se eu concordasse com as palavras.

– O pai dela faleceu no hospital hoje pela manhã. Os ferimentos do Vincenzo eram invasivos demais. Ela quer ver a Emma o mais cedo possível, mas nós temos um acordo que eu espero que ela respeite. – Havíamos conversado durante alguns minutos quando Francesca me ligou para avisar o que havia acontecido com o pai, e prometeu compartilhar a guarda de maneira justa pelo bem da nossa filha.

Eu não havia contado à Emma que o nono dela tinha falecido, mas assim que tivesse os detalhes do funeral, eu teria outra conversa difícil com a minha filha naquele final de semana. Francesca teve permissão para passar a noite no hospital junto com o pai. Dois policiais, escolhidos pelo Connor e pela April, tinham recebido o dever de ficar de guarda do lado de fora do quarto, para assegurar que não acontecesse nada de ilegal. Francesca estava destruída pela morte do seu pai, mas ela tinha uma reunião com o advogado da família, com o Cristiano e o advogado dele, e o promotor de Wharton para discutir os próximos passos. O estado da Califórnia pediria a extradição pelos crimes relacionados com a sua falsa morte, o que significava que qualquer coisa que ela tivesse feito de ilegal na Pensilvânia seguiria a partir dali. Ainda era muito cedo para dizer o que iria acontecer, mas até que qualquer decisão fosse tomada, não queríamos conectá-la à Emma. Por um lado, era um final de semana prolongado e nenhum juiz mudaria a sua agenda para acomodar a situação. Por outro, Francesca e Cecilia tinham um funeral para preparar, o que poderia acontecer enquanto elas passavam o fim de semana na prisão.

– Quando a Emma acha que verá a mãe novamente? – perguntou Nana D, enquanto mexia o chá.

– Eu disse a ela que o nono estava machucado e ficaria no hospital durante alguns dias, e que a mamãe estava cuidando dele. Eu me senti mal por mentir, mas vou contar a verdade. É errado querer que ela tenha um momento de felicidade durante o casamento amanhã, antes de deixá-la triste novamente?

Nana D colocou os braços ao meu redor e se recusou a me soltar.

– Não é, meu neto brilhante. Você é o único que sabe o que é o melhor para ela. Eu vou me sentar com vocês dois quando voltarmos do casamento amanhã à noite, então poderemos contar a ela juntos.

– Obrigado, Nana D. Ela te ama tanto, vai ser mais fácil se ela souber que você está bem.

– Eu nunca vou morrer. Você me ouve dizendo isso desde que era pequeno. Não vou deixar a minha família para trás facilmente, não enquanto eu puder viver até os cento e vinte anos e torturá-los todos os dias – respondeu ela com um sorriso brincalhão, então pegou o celular para ler uma mensagem de texto que havia recebido.

– Compromissos urgentes da prefeitura?

– Não exatamente. É o seu tio Zachary. Ele precisa conversar comigo assim que possível – disse Nana D, se sentando na cadeira.

– Ele não está em um safári na África para salvar elefantes? – O meu tio era um veterinário incrível, mas tinha partido no verão anterior enquanto eu ainda morava em Los Angeles. Ele tinha conseguido um contrato de um ano para salvar uma espécie rara de entrar em extinção e aceitou a oportunidade sem hesitar.

– Sim, espere um pouco, deixe eu ligar para ele rapidinho – respondeu ela, encontrando o número e fazendo a ligação. – Talvez ele esteja se casando também!

O tio Zach tinha sido casado. A esposa dele morreu durante o parto há vários anos. Ela estava grávida de gêmeos, mas infelizmente, apenas um dos bebês sobreviveu. O meu primo, Ulan, era o menino que sobreviveu, e ele tinha recebido esse nome porque significava o primeiro nascido de gêmeos na África. Ulan tinha atualmente quinze anos e tinha se mudado para a África junto com o pai para continuar a escola.

– Zach, é você? Quase não consigo te escutar – disse Nana D, e então brigou com ele por não voltar para casa para o casamento da irmã.

Enquanto Nana D dizia vários ã hãs e uh huhs monótonos, eu fui conferir como a Emma estava. Ela e o Baxter estavam abraçados na cama enquanto ela lia uma história sobre um pequeno cachorro que havia se perdido, mas encontrou uma nova casa. Ela olhou para mim e sorriu quando eu coloquei a cabeça para dentro do quarto. Dessa vez, o meu telefone tocou enquanto eu seguia pelo corredor. Era um número de Los Angeles, mas eu não tinha certeza de quem estava ligando. Esperava que não fosse nenhum canal de notícias que tinha ficado sabendo sobre a morte do Vincenzo e queria uma entrevista.

– Alô, aqui é o Kellan Ayrwick.

– Olá, aqui é o Gary Hill do canal de televisão que possui os direitos da sua série, Realidade Sombria. Quero conversar com você sobre algumas coisas.

Tecnicamente, o Realidade Sombria não era a minha série. Eu tinha sido diretor assistente nos últimos dois episódios da primeira temporada, mas como ela havia sido colocada na geladeira e o diretor principal demitido, eu tinha perdido o emprego no começo daquele ano.

– Prazer em falar com você. Você deve ser o novo produtor executivo que assumiu o controle.

– Sim, sou eu. Você tem um minuto para conversarmos?

– Para ser honesto, não é um bom momento. Eu tenho uma emergência de família e um funeral para atender, mas eu posso conversar daqui a alguns dias. – Se eu seria despedido formalmente, preferia lidar com mais notícias chocantes no futuro.

– Entendo. Sem problema. Escute, talvez você pudesse pegar uma avião para me ver na próxima semana. Eu estou fazendo algumas pesquisas sobre a série e a sua carreira. Eu tenho uma proposta para você considerar.

Acho que eu não estava sendo demitido.

– Eu pensei que essa decisão esperaria até o começo do próximo ano.

– Sim, deveria, mas eu me mexo mais rápido do que os meus predecessores. Eu li os seus arquivos e a proposta que você fez para aquele antigo diretor que foi demitido. Eu quero você de volta em Hollywood, e se você aceitar, nós queremos televisar a sua ideia para...

Eu parei de ouvir naquele momento. Eu mal podia acreditar. Eu tinha acabado de dizer como ter voltado para Braxton tinha sido a melhor decisão que eu havia tomado no ano inteiro. E agora, isso. Eu concordei em ligar para Gary na próxima semana e desliguei, deixando as notícias se assentarem na minha mente.

Voltei para a cozinha em um transe, ouvindo o fim da conversa da Nana D com o meu tio.

– Eu não consigo fazer isso, Zach. Se eu pudesse eu te ajudaria, mas eu mal estou em casa – disse ela, e então olhou para mim. Um grande sorriso tomou o seu rosto antes de responder novamente. – Na verdade, eu tenho outra ideia em mente. Vá em frente, reserve a passagem. Nós vamos fazer isso funcionar.

Nana D e o meu tio conversaram por mais alguns minutos enquanto eu retirava da mesa as xícaras e os pires depois do nosso chá da tarde. O que ela tinha feito agora? Nana D bateu com o telefone na mesa e gargalhou.

– Esse meu menino é distraído e nunca planeja com antecedência.

– O que ele fez agora? – gritei eu, acima do som da água vindo da torneira.

– Ele aceitou uma extensão naquele projeto dos elefantes, e agora vai ficar na África por mais um ano. Eu amo meus filhos até a morte, mas eles podem me impedir de alcançar o meu objetivo de viver mais cinquenta anos. – Nana D tirou o xale das costas da cadeira e bateu no meu ombro.

Eu não estava gostando da expressão perversa no rosto dela.

– Eu ouvi você dizer a ele que não podia fazer alguma coisa, e então mudou de ideia. Pode falar. Você parece o gato que engoliu o canário.

– Agora que a ideia se assentou, na verdade ela é bem espetacular, meu neto brilhante. – Ela puxou meu braço para que eu me abaixasse, para que pudesse beijar a minha bochecha. – Você não vai mais poder morar aqui, mas vamos encontrar um novo lugar.

– Hein? – Eu tinha começado a amar morar naquele chalé. Por que ela estava me colocando para fora? Enquanto Nana D caminhava em direção à porta da frente, eu desliguei a torneira, sequei as mãos, e corri para a sala de jantar. – O que você fez?

– O Zach vai estar muito ocupado para prestar atenção no filho. Ele quer que o Ulan fique comigo durante o próximo ano escolar. As escolas são boas onde ele está trabalhando, mas não é a mesma coisa. – Nana D abriu a porta da frente e pisou na varanda.

– E o que isso tem a ver comigo me mudando do chalé? – Se alguém pudesse trancar a minha avó em um armário pelo resto da vida, essa certamente seria a maior benção que eu já havia recebido.

– Com as minhas novas obrigações como prefeita, eu certamente não vou ter tempo de cuidar do Ulan. Eu já parei de criar crianças, especialmente um adolescente cheio de hormônios entrando na puberdade. O seu tio Campbell ainda está na Amazônia. A Deirdre e o Timothy estarão recém-casados viajando de um lado para o outro do Atlântico. Isso simplesmente não vai funcionar. – Ela pisou na calçada e caminhou em direção à entrada dos carros.

– Sim, e? – Eu sabia o que estava para vir, mas não queria falar em voz alta.

– Os seus pais têm espaço, mas honestamente, a forma como alguns dos seus irmãos acabaram... – Ela abriu a porta do carro e então girou, a mão segurando o queixo e um dedo batendo na bochecha.

– Você. Não. Fez. Isso.

– Eu fiz. O Ulan vai morar com você durante o próximo ano enquanto o pai está tentando fazer algo de positivo para os preciosos elefantes. A Emma vai adorar ter o primo dela por perto. Vai ser como um irmão mais velho. – Nana D se sentou no carro, ligou o motor, e abaixou a janela. – Eu acho que é melhor você começar a procurar por um novo lugar. Com apenas dois quartos, vocês três não podem morar aqui confortavelmente. Talvez o Gabriel se mude para o chalé agora. – Nana D acenou para mim e acelerou pela saída de carros em direção à sua próxima reunião.

Eu grunhi. Duas vezes. E então uma terceira porque percebi que havia pisado em cocô de cachorro.

– Emma, o Baxter não devia ser deixado do lado de fora sem supervisão...

* * *

Na sexta-feira, que também era o Dia da Independência, fomos ao tão esperado casamento duplo. Tia Deirdre me pediu para levá-la até o altar já que o seu pai havia falecido anos atrás, e os seus dois irmãos estavam fora da cidade. Ela tinha considerado pedir ao meu pai, mas rapidamente abandonou a ideia. Nana D estaria de um lado da minha tia, e não havia como ela dividir a responsabilidade com o Wesley Ayrwick.

A tia Deirdre estava deslumbrante no seu vestido de noiva vintage quando eu a encontrei no quarto. Em apenas alguns minutos, seguimos pelo caminho coberto por um gazebo no lago Crilly onde ela se casaria com o Timothy Paddington. Enquanto isso, a irmã de Timothy, Jennifer Paddington, estava com um lindo vestido de noiva mais moderno, que praticamente disfarçava a sua barriga de grávida. O tio dela, Millard, a levaria até o mesmo altar para casá-la com Arthur Terry, o filho de Fern.

Entre os convidados estavam a família e amigos de ambos os casais. Até mesmo os meus irmãos, Penelope e Hampton, tinham retornado para o fim de semana. Gabriel e o namorado dele, Sam Taft (sobrinho do Timothy e da Jennifer) estavam sentados na primeira fileira torcendo por eles. Eu os vi de mãos dadas enquanto acompanhava minha tia até o gazebo. No lado oposto da área de cadeiras, Fern acenou para mim com lágrimas nos olhos. Ela nunca esteve tão orgulhosa do seu filho e não conseguia conter a animação sobre se tornar avó em breve.

Eleanor tirou folga da lanchonete, promovendo Manny como o seu novo gerente — isso é, assim que Maggie, a sua parceira silenciosa no negócio, concordou com a mudança. Ele teria um cargo duplo como chef por enquanto, mas eu tinha certeza de que coisas novas iriam florescer para eles no futuro. A minha irmã podia lutar contra isso no começo, assim como ela lutava para negar tudo até que finalmente cedesse à verdade. Talvez ela finalmente desistisse do meu melhor amigo, Connor, que estava sentado junto com Maggie na fileira mais distante, arregalando os olhos para o seu par. Honestamente, esses dois sempre foram feitos um para o outro.

Emma era a menina das flores, e ela caminhou pelo corredor até o altar ao lado do Baxter. Ela havia praticado com ele várias vezes, mas não importava o quanto ela implorasse, ele continuava querendo comer a almofada e engolindo os anéis de plástico que tínhamos amarrado às suas costas. Nós não daríamos a ele a chance de comer os verdadeiros durante o casamento, então a Emma os manteve seguros dentro de um bolso do vestido. Ela contou a todo mundo o quanto se sentia bonita e que mal podia esperar pelo dia do seu casamento dali a alguns anos. Eu expliquei que ela nunca teria permissão para se casar enquanto eu estivesse vivo. Eu não vou contar o gesto inapropriado que a Nana D ensinou a ela como resposta — e durante um casamento, não menos!

Nana D chorou novamente quando o padre perguntou quem entregaria a tia Deirdre em casamento. Eu dei a ela o meu lenço, mas ela o empurrou de lado, dizendo que as suas alergias estavam atacando por estar ao ar livre perto do lago. O vovô Michael estava conosco em espírito; eu podia senti-lo ao meu lado. Eu saí do gazebo e corri para o meu assento, onde April estava esperando por mim. Eu ainda não a havia visto. Minha atenção tinha estado ocupada, mantendo a programação e impedindo os outros de chorarem demais.

Quando ela entrou no meu campo de visão, os meus olhos se arregalaram e meus lábios se curvaram para cima. Ela tinha feito um penteado profissional estilizado em um coque preso na nuca. Um lindo vestido verde se agarrava ao seu corpo, acentuando as piscinas verdes que eram os seus olhos. A extensão perfeita de colo aparecia no topo do seu vestido, me tentando mais do que o desejado, e uma fenda revelava duas pernas lindas e em perfeita forma que terminavam em sandálias de salto alto. Essa não era a mesma xerife que eu via frequentemente vestindo um blazer de lã, jeans simples e botas chatas.

– Quem é você, e o que você fez com a April Montague? – perguntei eu, me sentando ao seu lado e sentindo o meu corpo reagir com a aparência sensual da minha acompanhante.

– Eu te asseguro, Kellan... não tenho nada a esconder. É tudo real, e existem muitos lados meus aos quais você ainda não foi exposto. – April segurou a minha mão e pediu que eu me calasse. – Tem um casamento acontecendo. Não me force a fazer algo para te deixar de boca fechada. – Ela abriu a bolsa e me mostrou que a Velha Betsy estava esperando lá dentro, para o caso de precisar fazer alguma aparição.

Quando a cerimônia acabou, os dois novos casais haviam se tornado marido e mulher. Eu refleti sobre o dia do meu próprio casamento, e em tantos pontos positivos e negativos que haviam se materializado desde então. Apesar de uma semana complicada, havíamos encontrado o nosso compromisso, mas o meu coração ainda doía pela perda recente da minha esposa. Eu a visitaria no dia seguinte para fazer o que pudesse para ajudar a planejar o funeral do seu pai. Ela já sabia disso, mas eu queria ter certeza de que eles tocariam uma música do Billy Joel para uma despedida apropriada ao Vincenzo.

A recepção do casamento aconteceu em um country club não muito distante do lago Crilly. Depois de todos os brindes, eu me virei para a April.

– Essa é provavelmente uma pergunta estranha, mas você já foi casada antes? – Eu sabia que ela tinha sido noiva, antes do companheiro ter sido morto por um atirador em um carro.

– Eu sinto como se soubesse tudo sobre a sua vida. Acho que não contei muito sobre a minha além do que aconteceu com o meu irmão e com o meu noivo – respondeu ela, com um brilho diabólico no olhar.

– Você não respondeu à pergunta – disse eu, curioso sobre o porquê dela estar evitando o assunto.

– Não, eu não respondi. Você consideraria esse o nosso primeiro encontro? — respondeu April, tilintando as nossas taças de champanhe. – Mesmo que você ainda seja casado.

– Sim, eu acredito que seja. – Eu via Nana D se aproximando e senti a necessidade de correr pela minha vida.

– Provavelmente nós não deveríamos cobrir toda a nossa história no primeiro encontro, certo? – disse April, antes de beber metade do conteúdo da sua taça. – Vamos aproveitar o processo de conhecermos um ao outro.

O que ela estava tentando me dizer? Será que ela tinha sido casada antes do último noivo?

– Hum, isso não é justo. Você sabe sobre a Francesca. Será que você não deveria ser igualmente aberta sobre...

– A sua avó está quase aqui. Vamos ter tempo para falar sobre tudo isso, Kellan.

– É verdade? – perguntou Nana D, olhando de mim para April, e então voltando a fazer isso várias vezes. – Você entende que o meu neto ainda é um homem casado. E que eu sou a sua chefe, baseado nos nossos empregos atuais?

– Se eu estou aqui com o Kellan em um dever oficial, você quer dizer? – ofereceu April em resposta à Nana D.

Nana D cruzou os braços.

– Hum... eu preciso de um minuto a sós com o meu neto, xerife. Você se importaria de encher a minha taça?

April pegou o copo.

– Pode ficar tranquila, prefeita Danby, eu não sou o tipo de mulher que se mete entre os votos matrimoniais de um casal. Por enquanto, estou apreciando a companhia de um homem bonito que me ajudou a solucionar algumas investigações. O que o futuro trará, eu suponho que vamos descobrir. – Ela piscou para mim, e então seguiu de maneira sedutora para o bar do outro lado do salão. Aquilo tudo era para mim?

Minha boca permaneceu aberta até que Nana D a fechou com dois dedos.

– Talvez eu tenha julgado errado aquela mulher. Você poderia ter escolhido pior. Você escolheu pior, na verdade, agora que eu penso nisso...

– Por favor, fique fora disso. Eu não tenho ideia do que está acontecendo, e a minha vida está uma bagunça, mas estou feliz por estar aqui com a minha família. – Eu olhei pelo salão para verificar se a Emma ainda estava sobre os pés do meu pai enquanto ele a liderava pela pista de dança.

– Está bem. Temos bastante tempo para conversarmos sobre isso nesse final de semana, depois de resolvermos como receber o Ulan quando ele chegar no mês que vem — concordou April, colocando a cabeça no meu ombro.

– No mês que vem? Eu pensei que tivesse mais alguns meses antes dele voar para cá. Como vou encontrar um novo lugar para morar? – Eu não me atrevi a falar sobre a ligação de Hollywood que havia recebido. Nana D poderia me estrangular na frente de todo mundo se eu contasse que tinha uma oferta para morar fora da cidade novamente.

– Pode ficar calmo, ou eu vou lhe dar um tapa no traseiro na frente da sua nova namorada. – Ela bateu o pé no chão, pensando profundamente. – Sabe, a velha casa dos Grey estava à venda. Eu não tenho certeza se ainda está, ao menos se você acredita nos rumores.

Eleanor passou justamente quando Nana D mencionou a casa dilapidada na esquina da rua principal com a Alameda dos Milionários que ninguém queria comprar.

– O lugar que é assombrado há mais de cinquenta anos?

Nana D sorriu e lhe deu um tapa na coxa.

– Sim, essa mesmo. O encanamento está vazando. As paredes estão caindo. Ontem mesmo, uma telha caiu sobre o meu ombro e um espírito com raiva passou perto de mim.

– Eu pensei que aquele lugar estava pronto para ser demolido – sugeri eu timidamente, enquanto os meus nervos formigavam.

– E está – disse Eleanor, balançando a cabeça no ritmo da música. – Várias pessoas já disseram ter ouvido sons e vozes emanando da casa o tempo todo.

– Desde que aquela mulher desapareceu, tem havido rumores sobre fantasmas visitando o lugar. Eu culpo o Hiram Grey – respondeu Nana D.

– O que ele tem a ver com o desaparecimento da mulher? – perguntei eu.

– Você não sabe nada sobre a história da nossa cidade, irmãozinho? A primeira esposa dele desapareceu no dia do incêndio na antiga biblioteca. Ninguém nunca mais ouviu falar dela. – Eleanor sacudiu a cabeça repetidamente, me lembrando de todas as vezes em que ela, Gabriel e Nana D haviam se unido contra mim no passado.

– Aquela mulher colocou uma maldição sobre a casa antes de fugir da cidade. As pessoas sempre dizem ver um fantasma assombrando o lugar no aniversário da data do incêndio, todos os anos desde que aconteceu – disse Nana D.

– Vocês duas estão querendo me assustar? – O meu estômago afundou e a minha garganta começou a se fechar.

Nana D nunca foi o tipo de pessoa que conta histórias de fantasmas ou que acredita nesse tipo de bobagem. Mesmo que a Eleanor dissesse que estava em contato com as suas habilidades psíquicas, isso era algo sobre o qual apenas brincávamos.

– Eu não sei, Kellan. Tudo o que sei é que essa é uma casa histórica, e seria uma pena vê-la ser destruída.

– Você está propondo que eu deveria comprar a velha casa dos Greys, reformá-la e me mudar? – Eu revirei os olhos diante da sugestão absurda da Nana D. – Não, isso não vai acontecer. Eu não vou lidar com o paranormal ou o sobrenatural. Eu traço um limite para os tipos de coisas que investigo quando se trata de fantasmas!

– Você não tem que comprá-la. Eu já fiz uma oferta para aquele juiz velho e rabugento essa manhã. O velhote mal pode esperar para se livrar do lugar. Você vai será capaz de pagar por ele, confie em mim, meu neto brilhante. – Nana D aceitou a taça de champanhe de April, que havia voltado a tempo de ouvir a notícia e brindar à minha potencial nova casa.

– Eu posso lidar com pessoas mortas, mas não estou pronto para viver em meio a uma tribo de fantasmas vingativos. – Então, eu abaixei a cabeça e aceitei que a Nana D sempre comandaria a minha vida. Que tipo de aventuras me aguardavam em seguida? Não podia ser pior do que todo o caos e drama que eu já havia passado até agora esse ano. Ou podia?

 

 

                                                   James J. Cudney         

 

 

 

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