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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DEAD AS A DOORNAL / Charlaine Harris
DEAD AS A DOORNAL / Charlaine Harris

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

EU SABIA QUE meu irmão se transformaria em um leopardo antes dele. Enquanto eu dirigia para o remoto cruzamento de ruas da comunidade de Hotshot, meu irmão olhava o pôr-do-sol em silêncio. Jason estava vestido em roupas velhas, e tinha uma sacola plástica do Wal-Mart contendo umas poucas coisas de que poderia precisar – escova de dente, roupa íntima limpa. Ele se encurvou dentro de sua volumosa jaqueta camuflada, olhando diretamente para frente. Seu rosto estava tenso com a necessidade de controlar seu medo e seu excitamento. “Você colocou seu telefone celular no seu bolso?” Eu perguntei, sabendo que já tinha perguntado a ele assim que as palavras saíram da minha boca. Mas Jason só assentiu com a cabeça ao invés de responder bruscamente para mim. Ainda era de tarde, mas no fim de janeiro o anoitecer vem cedo. Hoje à noite seria a primeira lua cheia do ano novo.  Quando eu parei o carro, Jason se virou para me olhar, e mesmo na indistinta luz vi a mudança em seus olhos. Eles não eram mais azuis como os meus. Eles eram amarelados. O formato deles tinha mudado. “Meu rosto parece engraçado,” ele disse. Mas ele ainda não tinha juntado dois mais dois. A minúscula Hotshot estava silenciosa e tranquila na luz decrescente. Um vento frio estava soprando através dos campos desnudos, e os pinheiros e carvalhos estavam tremulando nas rajadas do ar gelado.

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Somente um homem estava visível. Ele estava parado de pé do lado de fora de uma das pequenas casas, aquela que fora pintada recentemente. Os olhos desse homem estavam fechados, e seu rosto barbudo estava erguido para o céu escurecendo. Calvin Norris esperou até que Jason tivesse saído pela porta de passageiro do meu antigo Chevrolet Nova antes que ele caminhasse para o outro lado e se curvasse sobre a minha janela. Eu a abaixei. Seus olhos verde-dourados eram tão impressionantes quanto eu lembrava, e o resto dele era simplesmente tão comum quanto. Sólido, meio grisalho, vigoroso, ele parecia com uma centena de outros homens que eu tinha visto no Merlotte‟s, exceto por estes olhos. “Eu vou cuidar bem dele,” Calvin Norris disse. Atrás dele, Jason estava de pé com suas costas voltadas para mim. O ar em volta de meu irmão tinha uma qualidade peculiar; parecia estar vibrando. Nada disso era culpa de Calvin Norris. Ele não tinha mordido meu irmão e o mudado para sempre. Calvin, um lobis-leopardo, tinha nascido o que ele era; era sua natureza. Eu me obriguei a dizer: “Obrigada.” “Eu vou levá-lo para casa pela manhã.” “Para minha casa, por favor. Sua caminhonete está na minha casa.” “Tudo bem, então. Tenha uma boa noite.” Ele levantou seu rosto para o vento novamente, e eu senti que toda a comunidade estava esperando, atrás de suas janelas e portas, pela minha saída. Assim eu sai.  Jason bateu em minha porta as sete da manhã seguinte. Ele ainda tinha sua pequena sacola do Wal-Mart, mas ele não tinha usado nada dela. Seu rosto estava contundido, e suas mãos estavam cobertas com arranhões. Ele não disse uma palavra. Ele só me encarou quando eu perguntei a ele como ele estava, e caminhou para longe de mim através da sala de estar e do corredor. Ele fechou a porta do banheiro do corredor com um clique decidido. Eu ouvi a água correndo depois de um segundo, e suspirei comigo mesma de um jeito exausto. Apesar de eu ter ido trabalhar e voltar para casa cansada por volta das duas da manhã, eu não tinha conseguido dormir muito. No momento em que Jason surgiu, eu tinha preparado para ele um pouco de ovos com bacon. Ele se sentou na velha mesa da cozinha com um ar de satisfação: um homem fazendo uma coisa familiar e prazerosa. Mas depois de um segundo encarando o prato, ele levantou em um salto e correu de volta para dentro do banheiro, chutando a porta para fechá-la atrás dele. Eu o ouvi vomitar, repetidamente. Eu fiquei de pé do lado de fora da porta indefesa, sabendo que ele não iria querer que eu entrasse. Depois de um momento, voltei para a cozinha para jogar a comida fora na lata de lixo, envergonhada do desperdício, mas absolutamente incapaz de me obrigar a comer. Quando Jason retornou, ele disse somente, “Café?” Ele parecia nauseado, e caminhou como se estivesse doído. “Você está bem?” Perguntei, incerta se ele seria capaz de responder ou não. Eu despejei o café dentro de uma caneca. “Sim,” ele disse depois de um momento, como se tivesse tido que pensar sobre isso. “Esta foi a experiência mais extraordinária da minha vida.” Por um segundo, pensei que ele queria dizer vomitar em meu banheiro, mas esta com certeza não era uma experiência nova para Jason. Ele tinha sido um belo bêbum em sua adolescência, até que ele compreendeu que não havia nada de glamoroso ou atraente em estar pendurado sobre um vaso sanitário, botando suas tripas para fora. “Transformar-se,” eu disse hesitantemente. Ele assentiu, embalando a caneca de café em suas mãos. Ele manteve seu rosto sobre o vapor ascendente vindo do líquido escuro quente e forte. Ele encontrou meus olhos. Os seus estavam de novo em seu azul normal. “É a „viagem‟ mais inacreditável,” ele disse. “Já que eu fui mordido, não nascido, eu não sou um leopardo de verdade como os outros.”  Eu podia ouvir inveja em sua voz. “Mas mesmo o que eu me tornei é incrível. Você sente a mágica dentro de você, e você sente seus ossos se movendo e se adaptando, e sua visão muda. Então você está abaixado e você anda de um modo todo diferente, e quanto a correr, maldição, você pode correr. Você pode caçar...” E sua voz se extinguiu. Eu preferia não saber daquela parte, de qualquer jeito. “Então não é tão ruim?” Eu perguntei, minhas mãos entrelaçadas. Jason era toda a família que eu tinha, exceto por uma prima que tinha sido arrastada para dentro do submundo das drogas, anos antes. “Não é tão ruim,” Jason concordou, conseguindo com muito esforço um sorriso para me dar. “É ótimo enquanto você é realmente o animal. Tudo é tão simples. É quando você volta a ser humano que você começa a se preocupar com as coisas.” Ele não estava suicida. Ele não estava nem mesmo desanimado. Eu não estava ciente de que eu estava segurando meu fôlego até eu deixá-lo sair. Jason seria capaz de se virar com o jogo que tinha recebido. Ele iria ficar bem. O alívio foi incrível, como se eu tivesse removido alguma coisa apertada dolorosamente entre meus dentes ou retirado uma pedra afiada do meu sapato. Por dias, mesmo semanas, eu tinha estado preocupada, e agora aquela ansiedade tinha terminado. Isto não significava que a vida de Jason como um metamorfo seria livre de preocupações, pelo menos do meu ponto de vista. Se ele casasse com uma mulher humana normal, seus filhos seriam normais. Mas se ele casasse com alguém da comunidade metamorfa em Hotshot, eu teria sobrinhas ou sobrinhos que se transformariam em animais uma vez ao mês. Pelo menos, eles se transformariam depois da puberdade; isto daria a eles, e a sua tia Sook, algum tempo de preparação. Felizmente para Jason, ele tinha vários dias de férias, então ele não estava em dívida no departamento de estradas do município. Mas eu tinha que trabalhar à noite. Tão logo Jason saiu em sua caminhonete espalhafatosa, eu engatinhei de volta para a cama, com jeans e tudo, e por volta de cinco minutos eu rapidamente estava adormecida. O alívio agiu como um tipo de sedativo. Quando eu acordei, eram quase três horas e hora de eu ficar pronta para meu turno no Merlotte‟s. O sol lá fora estava brilhante e claro, e a temperatura era 11°C, dizia meu termômetro internoexterno. Isto não era tão incomum no norte da Louisiana em janeiro. A temperatura caia depois que o sol sumisse, e Jason iria se transformar. Mas ele teria um pouco de pele – não uma cobertura total, visto que ele virava metade-homem, metade-felino – e estaria com outros leopardos. Eles iriam caçar. Os bosques em volta de Hotshot, que se estendem em um canto remoto de Renard Parish, seriam perigosos novamente à noite. Enquanto eu ia de um lado para outro comendo, tomando banho, dobrando roupas lavadas, pensei em uma dúzia de coisas que eu queria saber. Me perguntei se os metamorfos matariam um ser humano se eles encontrassem um nos bosques. Me perguntei quanto de suas consciências humanas eles retinham em suas formas animais. Se eles se acasalassem na forma de leopardo, eles teriam um gatinho ou um bebê? O que acontecia quando uma lobis-leoparda grávida via a lua cheia? Quis saber se Jason já sabia a resposta para todas estas questões, se Calvin tinha dado a ele algum tipo de instrução. Mas eu estava feliz por não ter perguntado a Jason esta manhã enquanto tudo era ainda tão novo para ele. Eu teria um monte de chances de perguntar a ele depois. Pela primeira vez desde o dia de ano novo, eu estava pensando sobre o futuro. O símbolo da lua cheia em meu calendário não mais parecia ser um período marcando o fim de alguma coisa, mas apenas outro modo de contar o tempo. Enquanto eu vestia meu uniforme de garçonete (calças pretas e uma camiseta branca com decote canoa e tênis Reebok preto), me senti quase tonta de alegria. Para variar, eu deixei meu cabelo solto ao invés de amarrá-lo em um rabo de cavalo. Eu coloquei uns brincos de bolinha vermelha brilhantes e combinei meu batom com a cor. Um pouco de maquiagem nos olhos e blush, e eu estava pronta para sair. Eu tinha estacionado na parte de trás da casa ontem à noite, e chequei a varanda traseira cuidadosamente para ter certeza que não tinha nenhum vampiro à espreita antes que eu entrasse e trancasse a porta dos fundos. Eu tinha sido surpreendida antes, e este não era um sentimento agradável. Embora mal tivesse escurecido, poderia ter alguns que acordaram cedo por ali. Provavelmente a última coisa que os japoneses tinham esperado quando desenvolveram o sangue sintético era que esta disponibilidade traria os vampiros do mundo das lendas para a realidade. Os japoneses só estavam tentando ganhar alguns dólares vendendo o sangue sintético como substituto para empresas de ambulância e hospitais de pronto-socorro. Ao invés disso, a maneira que nós víamos o mundo tinha mudado para sempre. Falando em vampiros (mesmo que somente para mim mesma), eu imaginava se Bill Compton estava em casa. Vampiro Bill tinha sido meu primeiro amor, e ele morava perto de mim, exatamente do outro lado do cemitério. Nossas casas ficavam em uma estrada municipal fora da pequena cidade de Bon Temps e ao sul do bar onde eu trabalhava. Ultimamente, Bill viajava muito. Eu só descobria que ele estava em casa se por acaso ele vinha ao Merlotte‟s, o que ele fazia de vez em quando para se misturar com os nativos e tomar um pouco de O-positivo quente. Ele preferia TrueBlood, o mais caro sangue sintético japonês. Ele tinha me dito que isto quase satisfazia completamente seus desejos por sangue fresco da fonte. Desde que eu tinha testemunhado Bill tendo um ataque de sede de sangue, eu só podia agradecer a Deus pelo TrueBlood. Algumas vezes eu sentia terrivelmente a falta de Bill. Me dei uma sacudida mental. Saindo de uma depressão, que tinha sido o tema do dia. Sem mais preocupações! Sem mais medo! Livre e com vinte e seis anos! Trabalhando! Casa paga! Dinheiro no banco! Estas coisas todas eram boas, positivas. O estacionamento estava cheio quando cheguei ao bar. Eu podia ver que estaria ocupada hoje à noite. Dirigi dando a volta por trás para a entrada de empregados. Sam Merlotte, proprietário do bar e meu chefe, morava lá atrás em um trailer muito agradável que tinha até mesmo um pequeno jardim cercado por uma cerca viva, o equivalente a uma cerca branca de madeira para Sam. Tranquei meu carro e cheguei à porta de empregados de trás, a qual abria para um corredor onde ficavam os banheiros masculino e feminino, um depósito grande, e o escritório de Sam. Guardei minha bolsa e casaco numa gaveta vazia no balcão, ergui minhas meias vermelhas, sacudi minha cabeça para ajeitar meu cabelo, e passei pela entrada (esta porta estava quase sempre só encostada) que levava para o grande recinto do bar/restaurante. Não que a cozinha produzisse nada além das coisas mais básicas: hambúrgueres, tiras de frango, batatas fritas e anéis de cebola, saladas no verão e chili no inverno. Sam era o barman, o segurança, e de vez em quando o cozinheiro, mas ultimamente nós tínhamos tido sorte em conseguir preencher nossas posições: as alergias periódicas de Sam vieram com força total, o deixando em condições nada apropriadas para lidar com comida. A nova cozinheira tinha aparecido em resposta ao anúncio de Sam logo na semana anterior. Cozinheiros não pareciam durar muito no Merlotte‟s, mas eu tinha esperanças de que Sweetie Des Arts fosse ficar por aqui algum tempo. Ela aparecia na hora, fazia seu trabalho bem, e nunca deu ao resto da equipe qualquer problema. Realmente, isto era tudo que você podia pedir. Nosso último cozinheiro, um cara, tinha dado a minha amiga Arlene um monte de esperança de que ele era o cara certo – neste caso, ele teria sido o quarto ou quinto “cara certo” dela – antes dele ter fugido durante a noite com a prataria dela e garfos e um aparelho de CD. Os filhos dela tinham ficado devastados; não porque eles amassem o cara, mas porque eles sentiam falta do aparelho de CD deles. Caminhei em direção a uma cortina de barulho e fumaça de cigarro que fez parecer como se eu estivesse entrando em outro universo. Todos os fumantes sentam do lado oeste da sala, mas a fumaça parecia não saber que devia ficar lá. Coloquei um sorriso no meu rosto e fui atrás do balcão para dar um tapinha no braço do Sam. Depois de encher com habilidade um copo com cerveja e deslizá-lo para um cliente, ele colocou outro copo embaixo da torneira e começou o processo todo de novo. “Como estão as coisas?” Sam perguntou cuidadosamente. Ele sabia tudo sobre os problemas de Jason, já que ele tinha estado comigo na noite em que eu tinha achado Jason sendo mantido prisioneiro em um armazém de ferramentas em Hotshot. Mas nós tínhamos que ser indiretos em nossas conversas; vampiros tinham vindo a público, mas metamorfos e Lobis ainda estavam ocultos em segredo. O mundo secreto de seres sobrenaturais estava esperando para ver se os vampiros se dariam bem antes de seguirem o exemplo deles de virem a público. “Melhor do que eu esperava.” Eu olhei para cima sorrindo em sua direção, embora não tão acima, já que Sam não é um homem grande. Sua constituição é magra, mas ele é mais forte do que parece. Sam está em seus trinta – pelo menos, eu penso que ele está – e tem um cabelo louro avermelhado que ilumina ao redor de sua cabeça. Ele é um bom homem, e um grande chefe. Ele também é um metamorfo, então ele pode se transformar em qualquer animal. Mais frequentemente, Sam se transforma em um collie muito fofo com um pêlo brilhante. Algumas vezes ele vem para a minha casa e eu o deixo dormir no tapete na sala de estar. “Ele vai ficar bem.”
“Eu fico contente,” ele disse. Eu não posso ler mentes de metamorfos tão facilmente quanto eu leio mentes de humanos, mas eu posso dizer se um humor é verdadeiro ou não. Sam estava feliz porque eu estava feliz. “Quando você vai sair?” Eu perguntei. Ele tinha aquele olhar distante em seus olhos, o olhar que diz que ele estava mentalmente correndo através dos bosques, caçando gambás. “Assim que Terry chegar aqui.” Ele sorriu para mim de novo, mas desta vez o sorriso era um pouco tenso. Sam estava ficando inquieto. A porta para a cozinha ficava bem do lado de fora da área do bar na ponta oeste, e eu enfiei minha cabeça na porta para dizer olá para Sweetie. Sweetie era ossuda e morena e quarentona, e ela usava muita maquiagem para alguém que ficava fora das vistas, na cozinha, durante a noite toda. Ela também parecia um pouco mais astura, talvez melhor educada, do que qualquer um dos cozinheiros temporários anteriores do Merlotte‟s. “Você está bem, Sookie?” Ela perguntou, virando um hambúrguer enquanto falava. Sweetie ficava em movimento constante na cozinha, e ela não gostava de ninguém atrapalhando seu caminho. O adolescente que a ajudava e limpava mesas ficava aterrorizado com Sweetie, e ele tomava cuidado para esquivar-se dela enquanto ela se movia da chapa para a frigideira. Este garoto adolescente recebia os pratos prontos, fazias as saladas, e ia para a janela para dizer as garçonetes qual pedido estava saindo. Fora, no salão, Holly Cleary e sua melhor amiga, Danielle, estavam trabalhando duro. Elas duas pareceram aliviadas quando me viram entrar. Danielle atendia a seção de fumantes do lado esquerdo, Holly normalmente atendia a área do meio em frente ao balcão, e eu atendia o lado direito quando nós três estávamos de serviço. “Está parecendo que é melhor eu me mexer,” eu disse a Sweetie. Ela me deu um rápido sorriso e se virou de volta para a chapa. O adolescente assustado, cujo nome eu ainda tinha que aprender, me deu um aceno abaixando a cabeça e voltou a encher a máquina de lavar louça. Desejei que Sam tivesse me chamado antes das coisas terem ficado tão movimentadas; eu não teria me incomodado em vir um pouco mais cedo. Claro, ele não era exatamente ele mesmo esta noite. Comecei checando as mesas na minha seção, pegando drinques frescos e recolhendo cestos de comida, coletando dinheiro e trazendo troco. “Garçonete! Me traga um Red Stuff!” A voz não era familiar, e o pedido era incomum. Red Stuff era o sangue artificial mais barato, e somente os vampiros mais novos não prefeririam morrer a pedir aquilo. Peguei uma garrafa do refrigerador transparente e coloquei no micro-ondas. Enquanto aquecia, fiz uma varredura pela multidão em busca do vampiro. Ele estava sentado com minha amiga Tara Thornton. Eu nunca o tinha visto antes, o que era preocupante. Tara esteve namorando um vampiro antigo (muito antigo: Franklin Mott era mais velho do que Tara em anos humanos antes dele morrer, e ele vinha sendo um vampiro por mais de trezentos anos), e ele tinha dado a ela presentes luxuosos – como um Camaro. O que ela estava fazendo com este cara novo? Pelo menos Franklin tinha boas maneiras. Coloquei a garrafa aquecida em uma bandeja e levei-a para o casal. A iluminação no Merlotte‟s à noite não era particularmente brilhante, que é como os clientes preferem, e foi só quando eu cheguei bem perto que pude avaliar a companhia de Tara. Ele era magro e de ombros estreitos, com o cabelo escovado para trás. Ele tinha unhas longas e um rosto astuto. Supus que, de certo modo, ele era atraente – se você gosta de uma dose generosa de perigo no sexo. Coloquei a garrafa posicionada em frente a ele e dei uma olhada duvidosa em Tara. Ela parecia incrível, como sempre. Tara é alta, magra, de cabelo escuro, e tinha um guarda-roupa com peças maravilhosas. Ela tinha superado uma infância verdadeiramente horrível para ter seu próprio negócio, e atualmente, estava associada à câmara de comércio. Então ela começou a sair com o vampiro rico, Franklin Mott, e parou de compartilhar sua vida comigo. “Sookie,” ela disse, “Eu quero que você conheça o amigo de Franklin, Mickey.” Ela não soou como se ela quisesse que nós nos conhecêssemos. Ela soou como se desejasse que eu nunca tivesse vindo até aqui com a bebida de Mickey. Seu próprio copo estava quase vazio, mas ela disse, “Não,” quando perguntei a ela se estava pronta para outro. Troquei um aceno de cabeça com o vampiro; eles não apertam as mãos, não normalmente. Ele estava olhando para mim enquanto tomava um gole da garrafa de sangue, seus olhos tão frios e hostis quanto os de uma cobra. Se ele era um amigo do ultra-refinado Franklin, eu era uma bolsa de seda. Um capataz, mais parecia. Talvez um guarda-costas? Por que Franklin daria a Tara um guarda-costas? Ela obviamente não iria falar abertamente em frente dessa pessoa nojenta, então eu disse, “Vejo você depois,” e peguei o dinheiro de Mickey para a caixa registradora. Estive ocupada por toda a noite, mas nos momentos livres que tive, pensei no meu irmão. Pela segunda noite, ele estava fora, saltitando sob a lua com as outras criaturas. Sam tinha saído como uma bala no momento em que Terry Bellefleur chegou, embora sua lixeira do escritório estivesse cheia de lenços de papel amarrotados. Sua face tinha estado tensa com a expectativa. Esta era uma daquelas noites que me fazia imaginar como os humanos à minha volta podiam ser tão desatentos com o outro mundo operando diretamente junto ao nosso. Somente falta de conhecimento proposital poderia ignorar a carga de magia no ar. Somente uma carência grupal de imaginação poderia tornar compreensível que as pessoas não se perguntassem sobre o que ocorria na escuridão ao redor deles. Mas não há muito tempo atrás, lembrei a mim mesma, eu tinha sido tão deliberadamente cega quanto qualquer um da multidão no Merlotte‟s. Mesmo quando os vampiros tinham feito o anúncio mundial cuidadosamente coordenado de que sua existência era fato, poucas autoridades ou cidadãos pareceram pegar o próximo passo mental: Se vampiros existem, o que mais pode estar espreitando exatamente ali no final da luz? Sem curiosidade, comecei a mergulhar dentro dos cérebros ao meu redor, verificando para ver seus medos. A maioria das pessoas no bar estava pensando em Mickey. As mulheres, e alguns dos homens, estavam imaginando como seria estar com ele. Mesmo a retrógrada advogada Portia Bellefleur estava com seu namorado conservador espiando disfarçadamente para analisar Mickey. Eu só podia me assombrar com essas especulações. Mickey era assustador. Isto negava qualquer atração física que eu pudesse ter sentido por ele. Mas eu tinha muitas evidências de que os outros humanos no bar não se sentiam da mesma maneira. Eu fui capaz de ler mentes por toda a minha vida. A habilidade não é um grande presente. A mente da maioria das pessoas não merece ser lida. Seus pensamentos são chatos, nojentos, decepcionantes, e muito raramente divertidos. Pelo menos Bill tinha me ajudado a aprender como cortar um pouco do zumbido. Antes de ele ter me dado algumas dicas, isto era como sintonizar em uma centena de estações de rádio simultaneamente. Alguns deles vinham claros como cristal, alguns eram remotos, e alguns, como os pensamentos dos metamorfos, eram cheios de estática e obscuridade. Mas todos eles se somavam à cacofonia. Não é de se espantar que muitas pessoas me tratassem como uma estúpida. Vampiros eram silenciosos. Esta era a grande vantagem nos vampiros, pelo menos do meu ponto de vista: eles estavam mortos. Suas mentes estavam mortas, também. Somente uma vez na vida e outra na morte eu conseguia algum tipo de lampejo de uma mente vampira.
Shirley Hunter, o chefe do meu irmão no seu trabalho de conservação de estradas municipais, me perguntou onde Jason estava, quando eu trouxe uma caneca de cerveja para sua mesa. Shirley era universalmente conhecido como “Bagre*.” (*No original, „Catfish‟
É o peixe que aparece na abertura do seriado True Blood do HBO. http://www.ri.net/schools/East_Greenwich/Eldredge/catfish.jpg)
“Seu palpite é tão bom quanto o meu,” eu disse mentirosamente, e ele piscou para mim. O primeiro palpite para onde Jason estava sempre envolvia uma mulher, e o segundo palpite normalmente incluía outra mulher. A mesa cheia de homens, ainda em suas roupas de trabalho, riu mais do que a resposta justificava, mas então eles já tinham tomado um monte de cerveja. Corri de volta para o balcão para pegar três bourbons com Coca com Terry Bellefleur, primo de Portia, que estava trabalhando sob pressão. Terry, um veterano do Vietnã com um monte de cicatrizes físicas e emocionais, aparentava estar se segurando bem nesta noite agitada. Ele gostava de trabalhos simples que requeriam concentração. Seu cabelo castanho acinzentado estava preso em um rabo de cavalo e seu rosto estava atento enquanto ele oferecia as garrafas. Os drinques estavam prontos em um momento, e Terry sorriu para mim enquanto eu os colocava em minha bandeja. Um sorriso vindo de Terry era uma coisa rara, e isto me empolgou. Justo enquanto eu estava me virando com minha bandeja descansando em minha mão direita, o problema irrompeu. Um estudante da Louisiana Tech* de Ruston envolveu-se em um confronto mano-a-mano de classe social com Jeff LaBeff, um trabalhador braçal que tinha muitos filhos e ganhava a vida dirigindo um caminhão de lixo. Talvez este fosse só um caso de dois caras teimosos colidindo e realmente não tivesse muito a ver com a velha briga “cidade vizinha versus campus universitário” (não que nós estivéssemos tão perto de Ruston). Qualquer que fosse a razão para a briga original, levei uns poucos segundos até entender que ela estava se encaminhando para ser mais do que uma competição de gritos. (*É uma universidade.) Naqueles poucos segundos, Terry tentou intervir. Movendo-se rapidamente, ele ficou entre Jeff e o estudante e pegou firme ambos por seus pulsos. Pensei por um minuto que isto funcionaria, mas Terry não era mais tão jovem ou tão ativo quanto ele tinha sido, e todo inferno se libertou. “Você poderia parar isto,” eu disse furiosamente para Mickey, enquanto acelerei passando pela mesa dele e de Tara seguindo para tentar fazer a paz. Ele se recostou em sua cadeira e bebericou seu drinque. “Não é meu trabalho,” ele disse calmamente. Eu entendi isso, mas isto não tornou o vampiro benquisto para mim, especialmente quando o estudante se virou e me desferiu um golpe enquanto me aproximava dele por trás. Ele errou, e eu bati na cabeça dele com minha bandeja. Ele balançou para um lado, talvez sangrando um pouco, e Terry foi capaz de dominar Jeff LaBeff, que estava procurando por uma desculpa para desistir. Incidentes como este estavam acontecendo com mais frequência, especialmente quando Sam estava fora. Era evidente para mim que nós precisávamos de um segurança, no mínimo nas noites de fim-de-semana... e nas noites de lua cheia. O estudante ameaçou processar. “Qual é o seu nome?” Eu perguntei. “Mark Duffy,” o homem jovem respondeu, segurando com força sua cabeça. “Mark, de onde você é?” “Minden.” Eu fiz uma rápida avaliação de suas roupas, seu comportamento, e os assuntos em sua mente.
“Eu vou gostar de ligar para a sua mamãe e dizer a ela que você desferiu um golpe em uma mulher,” eu disse. Ele empalideceu e não disse mais nada sobre processar, e ele e seus companheiros saíram logo depois. Sempre ajuda saber o tratamento mais efetivo. Nós fizemos Jeff partir, também. Terry retomou seu lugar atrás do bar e começou a distribuir drinques, mas ele estava mancando levemente e tinha uma aparência tensa em seu rosto, o que me preocupou. A experiência de guerra de Terry não o deixou realmente estável. Eu já tinha tido problemas suficientes por uma noite. Mas com certeza a noite não tinha terminado ainda. Por volta de uma hora depois da briga, uma mulher entrou no Merlotte‟s. Ela era simples e estava despretensiosamente vestida em um jeans velho e um casaco de camuflagem. Ela estava usando botas que deviam ter sido maravilhosas quando eram novas, mas isto tinha sido há muito tempo. Ela não carregava nenhuma bolsa, e estava com suas mãos enfiadas dentro de seus bolsos. Ali haviam vários indicadores que deixaram minha antena mental ligada. Primeiro de tudo, esta garota não tinha uma aparência correta. Uma mulher local talvez se vestisse desse jeito se estivesse indo caçar ou trabalhar em uma fazenda, mas não para ir ao Merlotte‟s. Para sair à noite para o bar, a maioria das mulheres se arruma melhor. Então esta garota estava em condições de trabalho; mas ela não era uma prostituta, pelo mesmo raciocínio. Isto significava drogas. Para proteger o bar na ausência de Sam, sintonizei nos pensamentos dela. Pessoas não pensam em sentenças completas, claro, e eu estou simplificando a coisa, mas o que estava passando pela cabeça dela era algo do tipo: Restam três frascos ficando velhos perdendo poder preciso vendê-los esta noite então eu posso voltar para Baton Rouge e comprar mais alguns. Vampiro no bar se ele me pegar com sangue de vampiro eu estou morta. Esta cidade é uma lixeira. Voltarei para a cidade na primeira chance que eu tiver. Ela era uma Drenadora, ou talvez ela só fosse uma distribuidora. Sangue vampiro era a droga mais intoxicante no mercado, mas certamente vampiros não davam isto de bom grado. Drenar um vampiro era uma ocupação arriscada, elevando os preços dos minúsculos frascos de sangue para somas incríveis. O que o usuário de drogas conseguia abrindo mão de um monte de dinheiro? Dependendo da idade do sangue – que é o tempo desde que ele tinha sido removido de seu proprietário – e a idade do vampiro de quem o sangue tinha sido removido, e a química individual do usuário de drogas, podia ser bastante. Havia o sentimento de onipotência, a força elevada, visão e audição aguçadas. E mais importante de tudo para americanos, uma aparência física aprimorada. Entretanto, somente um idiota iria beber sangue de vampiro do mercado negro. Em primeiro lugar, os resultados eram notoriamente imprevisíveis. Não apenas os efeitos variavam, mas estes efeitos podiam continuar de duas semanas a dois meses. Em segundo, algumas pessoas simplesmente ficavam malucas quando o sangue atingia o sistema delas – algumas vezes homicidamente malucas. Eu tinha ouvido falar de fornecedores que venderam a usuários ingênuos sangue de porco ou sangue humano contaminado. Mas a mais importante razão para evitar o mercado negro de sangue de vampiro era esta: Vampiros odeiam Drenadores, e eles odeiam os usuários de sangue drenado (comumente conhecidos como viciados em sangue). Você simplesmente não quer um vampiro irritado com você. Não havia qualquer oficial de polícia fora de serviço no Merlotte‟s essa noite. Sam estava fora sacudindo sua cauda em algum lugar. Odiaria alertar Terry, porque eu não sabia como ele reagiria. Eu tinha que fazer alguma coisa em relação a esta mulher.
Na verdade, tento não interferir em eventos quando minha única conexão vem através da minha telepatia. Se eu metesse o bedelho toda vez que eu ouvisse alguma coisa que afetaria as vidas ao meu redor (tipo ficar sabendo que o padre da paróquia estava cometendo fraude, ou que um dos detetives locais recebia subornos), eu não seria capaz de viver em Bon Temps, e este era o meu lar. Mas eu não podia deixar que esta magricela vendesse seu veneno no bar de Sam. Ela sentou-se em um banco vazio do balcão e pediu uma cerveja para Terry. Seu olhar firme demorou nela. Terry, também, percebeu que alguma coisa estava errada com a estranha. Eu vim pegar meu próximo pedido e permaneci perto dela. Ela precisava de um banho, e tinha estado em uma casa aquecida por um fogão à lenha. Dei um jeito de encostar nela, o que sempre melhora minha recepção. Onde estava o sangue? Estava no bolso do casaco dela. Bom. Sem provocar tumulto, eu derrubei um copo de vinho sobre ela. “Maldição!” Ela disse, saltando do banco e dando tapinhas de forma ineficaz em seu peito. “Você é a mulher mais desajeitada e burra que eu já vi!” “Me desculpe,” eu disse humildemente, colocando minha bandeja no bar e encontrando os olhos de Terry brevemente. “Deixe-me colocar um pouco de soda nisto.” Sem esperar pela permissão dela, eu tirei seu casaco por seus braços. No momento em que ela entendeu o que eu estava fazendo e começou a lutar, eu já tinha tomado conta de seu casaco. Joguei-o por cima do balcão para Terry. “Coloque um pouco de soda nisto, por favor,” eu disse. “Tenha certeza de que as coisas em seus bolsos não ficaram molhadas, também.” Eu tinha usado este truque antes. Eu tinha sorte por estar frio e ela estar com as coisas em seu casaco, não nos bolsos do jeans. Isto teria exigido demais da minha criatividade. Sob o casaco, a mulher estava vestindo uma camiseta do Dallas Cowboys* muito velha. Ela começou a tremer, e me perguntei se ela teria experimentado mais drogas convencionais. Terry fez um espetáculo ao aplicar soda com tapinhas para limpar a mancha de vinho. Seguindo minha dica, ele procurou dentro dos bolsos. Ele olhou para baixo para sua mão com repulsa, e ouvi um tilintar enquanto ele jogava os frascos na lata de lixo atrás do balcão. Ele retornou todo o resto para os bolsos dela. (*Dallas Cowboys é um time de futebol americano da cidade de Dallas, Texas.) Ela abriu sua boca para gritar com Terry quando percebeu que ela realmente não podia. Terry encarou a diretamente, desafiando-a a mencionar o sangue. As pessoas à nossa volta observavam com interesse. Eles sabiam que alguma coisa estava acontecendo, mas não o quê, porque a coisa toda tinha terminado muito rapidamente. Quando Terry se certificou de que ela não ia começar a gritar, ele me entregou o casaco. Enquanto eu o segurava para que ela pudesse deslizar seus braços para dentro, Terry disse a ela, “Não volte aqui nunca mais.” Se nós continuássemos a colocar pessoas para fora nessa proporção, nós não teríamos muitos clientes. “Seu peão* filho de uma puta,” ela disse. A multidão a nossa volta prendeu o fôlego coletivamente. (Terry era quase sempre tão imprevisível quanto um viciado em sangue.) (*No orginal, „Redneck‟, que significa trabalhador braçal, mas como é pejorativo, achei melhor substituir por peão, um termo mais brasileiro) “Não me importa do que você me chame,” ele disse. “Eu suponho que um insulto vindo de você não é insulto algum. Simplesmente fique longe.” Eu soltei uma longa respiração de alívio. Ela saiu empurrando todo mundo. Todos na sala a acompanharam enquanto ia em direção a porta, até Mickey, o vampiro. De fato, ele estava fazendo alguma coisa com um dispositivo em suas mãos. Parecia um daqueles telefones celulares que podem tirar foto. Eu imaginei para quem ele estava mandando aquilo. Me perguntei se ela chegaria em casa.
Terry sutilmente não perguntou como eu descobri que a mulher desarrumada tinha alguma coisa ilegal em seus bolsos. Esta era outra coisa estranha sobre as pessoas de Bon Temps. Os rumores sobre mim fluíam soltos há tanto tempo quanto eu conseguia lembrar, desde quando eu era pequena e meus pais me fizeram passar por uma bateria de exames mentais. E ainda, apesar das evidências estarem à disposição, quase todo mundo que eu conhecia preferia acreditar que eu era uma garota estúpida e peculiar a reconhecer minha estranha habilidade. Com certeza, eu tomava cuidado para não esfregar isso na cara deles. E eu mantinha minha boca fechada. De qualquer forma, Terry tinha seus próprios demônios para combater. Terry sobrevivia com algum tipo de pensão do governo, e ele limpava o Merlotte‟s de manhã cedo, junto com alguns outros negócios. Ele substituia Sam três ou quatro vezes no mês. O resto do seu tempo era dele, e ninguém parecia saber o que ele fazia com ele. Lidar com pessoas esgotava Terry, e noites como hoje simplesmente não eram boas para ele. Foi uma sorte ele não estar no Merlotte‟s na noite seguinte, quando o inferno tomou conta.
 
 
A PRINCÍPIO, pensei que tudo tinha voltado ao normal. O bar parecia um pouco mais calmo na noite seguinte. Sam estava de volta ao local, relaxado e animado. Nada parecia irritá-lo, e quando disse a ele o que tinha acontecido com a traficante na noite anterior, ele me elogiou pela minha sutileza. Tara não voltou, então não pude perguntar a ela sobre Mickey. Mas isto era realmente da minha conta? Provavelmente não era da minha conta – mas me preocupava, definitivamente. Jeff LaBeff estava de volta e envergonhado por ter sido irritado por um garoto universitário na noite anterior. Sam tinha se informado sobre o incidente através de uma ligação de Terry, e ele deu a Jeff uma palavra de advertência. Andy Bellefleur, um detetive da força municipal de Renard e irmão de Portia, veio com uma jovem mulher com quem ele estava saindo, Halleigh Robinson. Andy era mais velho do que eu, e eu tenho vinte e seis. Halleigh tem vinte e um – apenas a idade suficiente para estar no Merlotte. Halleigh lecionava na escola fundamental, tinha recém saído da universidade, e era realmente atraente, com cabelo castanho curto na altura do lóbulo da orelha, grandes olhos castanhos e corpo agradavelmente arredondado. Andy vinha saindo com Halleigh por aproximadamente dois meses, e pelo pouco que vi do casal, eles pareciam estar progredindo em seu relacionamento a uma proporção previsível. Os pensamentos exatos de Andy eram de que ele gostava muito de Halleigh (apesar dela ser um pouquinho chata), e que ele estava realmente pronto para dar o próximo passo com ela. Halleigh pensava que Andy era sexy e um verdadeiro homem do mundo, e ela realmente amava a recentemente restaurada mansão da família Bellefleur, mas não acreditava que ele iria ficar por perto muito tempo depois que ela dormisse com ele. Eu odeio saber mais sobre os relacionamentos do que as pessoas neles sabem – mas não importa quão fortalecida eu esteja, eu acabo pegando partes de algumas coisas. Claudine* foi ao bar naquela noite, perto da hora de fechar. Claudine tem 1,80m de altura, com cabelo preto que ondula abaixo de suas costas e pele branca de aparência arroxeada que parecia fina e brilhante como de uma ameixa. Claudine se veste para chamar atenção. Esta noite ela estava vestindo um terninho com calças terracota, cortado muito justo em seu corpo de amazona. Ela trabalha no departamento de reclamações de uma grande loja no centro comercial em Ruston durante o dia. Desejei que ela tivesse trazido seu irmão, Claude, com ela. Ele não joga no meu time, mas é um prazer para os olhos. * Claudine e Claude aparecem primeiro no conto „Fairy Dust in Powers of Detection‟, onde Claudine contrata Sookie para descobrir o assassino da trigêmea de Claudine e Claude, Claudia.  Ele é uma fadinha. Eu quero dizer, literalmente. Claudine também é, é claro. Ela acenou para mim através das cabeças na multidão. Acenei de volta sorrindo. Todo mundo fica feliz ao redor de Claudine, que é sempre alegre quando não há vampiros em sua vizinhança. Claudine é imprevisível e muito divertida, embora, como todas as fadas, seja tão perigosa quanto um tigre quando está furiosa. Felizmente, isto não acontece frequentemente. Fadas ocupam um lugar especial na hierarquia de criaturas mágicas. Eu ainda não compreendi exatamente qual é, mas cedo ou tarde eu vou juntar as peças. Cada homem no bar estava babando por Claudine, e ela estava adorando isto. Ela deu a Andy Bellefleur uma longa, grande olhada, e Halleigh Robinson olhou furiosa, irada o suficiente para socar alguém, até lembrar que ela era uma doce garota sulista. Mas Claudine abandonou todo interesse em Andy quando viu que ele estava bebendo chá gelado com limão. Fadas são ainda mais violentamente alérgicas a limão do que vampiros são ao alho. Claudine veio na minha direção, e me deu um grande abraço, para a inveja de cada macho no bar. Ela pegou minha mão para me puxar para dentro do escritório de Sam. Fui com ela por absoluta curiosidade. “Querida amiga,” Claudine disse, “Eu tenho más notícias para você.” “O quê?” Eu tinha ido de confusa para amedrontada em um batimento cardíaco. “Houve um tiroteio cedo esta manhã. Um dos lobis-leopardo foi atingido.” “Ah, não! Jason!” Mas certamente um de seus amigos não teria ligado se ele não tivesse ido para o trabalho hoje? “Não, seu irmão está bem, Sookie. Mas Calvin Norris foi baleado.” Eu estava impressionada. Jason não tinha ligado para me dizer isso? Eu tive que descobrir de outra pessoa? “Baleado mortalmente?” Eu perguntei, ouvindo minha voz tremer. Não que Calvin e eu fossemos próximos – longe disso – mas eu estava chocada. Heather Kinman, uma adolescente, tinha sido baleada na semana anterior. O que estava acontecendo em Bon Temps? “Baleado no peito. Ele está vivo, mas tem um ferimento grave.” “Ele está no hospital?” “Sim, suas sobrinhas o levaram para o Grainger Memorial.” Grainger era uma cidade mais longe ao sudeste do que Hotshot, e uma viagem mais curta de lá do que até o hospital comunitário em Clarice. “Quem fez isso?” “Ninguém sabe. Alguém atirou nele cedo esta manhã, quando Calvin estava indo para o trabalho. Ele tinha vindo de sua, hum, época do mês, transformado, e partiu pela cidade para seu turno.” Calvin trabalha na Norcross. “Como você ficou sabendo de tudo isso?” “Um dos primos dele foi na loja comprar alguns pijamas, já que Calvin não tem nenhum. Suponho que ele dorme nu,” Claudine disse. “Eu não sei como eles acham que vão colocar uma camisa de pijama sobre as ataduras. Talvez eles só precisassem das calças? Calvin não vai gostar de ficar arrastando os pés pelo hospital só com uma daquelas camisolas indecentes entre ele e o mundo.” Claudine frequentemente se desviava em suas conversas. “Obrigada por me contar,” eu disse. Eu imaginei como o primo conhecera Claudine, mas eu não iria perguntar. “Está bem. Eu sabia que você iria querer saber. Heather Kinman era uma metamorfa, também. Aposto que você não sabia. Pense nisso.” Claudine me deu um beijo na testa – fadas gostam muito de demonstrações afetivas – e nós voltamos para a área do bar. Ela tinha me deixado muda. A própria Claudine estava de volta aos negócios como sempre. A fada pediu um 7-and-7*, e estava cercada de pretendentes em aproximadamente dois minutos. Ela nunca saía com alguém, mas os homens pareciam gostar de tentar. *(É um tipo de drinque feito da mistura de uísque e refrigerante 7up, que é a base de limão, como uma Sprite, enfeitado com uma rodela de limão.) Mesmo Sam estava todo sorridente para ela, e ela não deu a mínima. Quando fechamos o bar, Claudine já tinha saído para voltar para Monroe, e eu tinha transmitido as novidades dela para Sam. Ele ficou tão chocado com a história quanto eu. Apesar de Calvin Norris ser o líder da pequena comunidade de metamorfos de Hotshot, o resto do mundo o conhecia como um solteirão estável e tranquilo que era dono de sua própria casa e tinha um bom emprego como supervisor de equipe na serraria local. Era difícil imaginar qualquer uma das suas personalidades proporcionando uma tentativa de assassinato. Sam decidiu enviar algumas flores pela equipe do bar. Eu vesti meu casaco e saí pela porta de trás do bar logo à frente de Sam. Eu o ouvi trancando a porta atrás de mim. Repentinamente lembrei que nós estávamos ficando com poucas garrafas de sangue, e me virei para dizer isto a Sam. Ele percebeu meu movimento e parou, esperando eu falar, seu rosto cheio de expectativa. No espaço de tempo que leva para piscar, sua expressão mudou, indo da expectativa para o choque, o vermelho escuro começou a se espalhar em sua perna esquerda, e ouvi o som de um tiro. Então o sangue estava por toda parte, Sam se dobrou para o chão, e comecei a gritar.
 
 
EU NUNCA TIVE que pagar o couvert no Fangtasia antes. As poucas vezes que eu tinha entrado pela entrada pública, eu tinha estado com um vampiro. Mas agora eu estava sozinha e chamava a atenção. Eu estava exausta devido a uma noite especialmente longa. Eu ficara no hospital até as seis da manhã, e tinha tido só umas poucas horas de sono irregular depois que tinha chegado em casa. Pam estava pegando o couvert e conduzindo os clientes para as mesas. Ela estava vestindo o traje preto longo e transparente que ela normalmente vestia quando estava de serviço na porta. Pam nunca parecia feliz quando estava vestida como uma vampira de literatura. Ela era de verdade e se orgulhava disso. Seu gosto pessoal se inclinava mais para conjuntos de calças em cores pastéis e mocassins*. Ela pareceu tão surpresa quanto um vampiro pode parecer quando me viu.
*(No original, „penny loafers‟.  http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/7c/Penny_loafers.jpg/300pxPenny_loafers.jpg)
“Sookie,” ela disse, “você tem um compromisso com Eric?” Ela pegou meu dinheiro sem hesitar. Eu estava realmente feliz por vê-la: patético, hein? Eu não tenho um monte de amigos, e valorizo aqueles que tenho, mesmo se suspeito que eles sonham em me pegar em um beco escuro e fazer algo bem sangrento comigo. “Não, mas eu preciso falar com ele. Negócios,” eu adicionei apressadamente. Eu não queria que ninguém pensasse que eu estava atraindo a atenção romântica do chefão morto-vivo de Shreveport, uma posição chamada de “xerife” pelos vampiros. Retirei meu casaco novo cor de amora e o dobrei cuidadosamente sobre meu braço. WDED, a estação de rádio de todos os vampiros situada em Baton Rouge, estava sendo tocada no sistema de som. A voz macia da DJ do início da noite, Connie, a Cadáver, disse, “E aqui vai uma música para todos vocês, pessoas nefastas, que estavam lá fora uivando mais cedo esta semana... „Bad Moon Rising,‟ um antigo sucesso do Creedence Clearwater Revival.” Connie, a Cadáver estava dando uma referência sarcástica secreta para os metamorfos. “Espere no bar enquanto digo a ele que você está aqui,” Pam disse. “Você vai apreciar o novo barman.” Barmans no Fangtasia não tendem a permanecer muito tempo. Eric e Pam sempre tentam contratar alguém pitoresco – um barman exótico atraía os turistas humanos que vinham em ônibus lotados para dar uma volta no lado selvagem – e nisto eles eram bem sucedidos. Mas de alguma forma o trabalho tinha adquirido uma alta taxa de desgaste. O cara novo me deu um sorriso de dentes-brancos quando me sentei em um dos bancos altos. Ele era muito gato. Ele tinha cabelos longos, intensamente cacheados, castanhos na cor. Eles se juntavam espessamente em seus ombros. Ele também ostentava um bigode e um cavanhaque pontudo*. Cobrindo seu olho esquerdo tinha um tapa-olho preto. Já que seu rosto era estreito e os traços nele eram de bom tamanho, seu rosto era lotado. Ele tinha minha altura, 1,70m, e ele estava vestindo uma camisa de pirata** preta, calças pretas e botas de cano longo pretas. Tudo que ele precisava era uma bandana atada ao redor de sua cabeça e uma pistola.
*(No original, „Vandyke‟. http://www.troubleinrivercity.com/wpcontent/uploads/2009/03/vandykebeard.jpg )
**(No original, „poet shirt‟, também conhecida como pirate shirt, que é uma túnica com estilo medieval e aparência confortável com suas mangas amplas. Em alguns casos com babados ou cadarços. http://cn1.kaboodle.com/hi/img/2/0/0/9/a/AAAAAkMHW6gAAAAAAAmkUQ.jpg)
“Talvez um papagaio no seu ombro?” Eu disse. “Aaargh, querida dama, você não é a primeira a sugerir tal coisa.” Ele tinha uma voz maravilhosa e profunda de barítono. “Mas eu entendo que há regras do departamento de saúde contra ter um pássaro solto em um estabelecimento que serve drinques.” Ele fez uma reverência para mim tão profunda quanto a área estreita atrás do bar permitia. “Posso servir-lhe um drinque e ter a honra do seu nome?” Eu tive que sorrir. “Certamente, senhor. Eu sou Sookie Stackhouse.” Ele tinha sentido o cheiro de diversidade em mim. Vampiros quase sempre captam isso. Os vampiros normalmente me notam; os humanos não. É meio que irônico que minha leitura de mentes não funcione nas próprias criaturas que acreditam que isto me diferencia do resto da raça humana, enquanto os humanos preferem acreditar que eu estou mentalmente doente a me dar créditos por minha habilidade incomum. A mulher no banco próximo a mim (cartões de crédito estourados, filho com DDA*) meio que se virou para ouvir. Ela estava com ciúmes, já que tinha tentado atrair a atenção do barman pelos últimos trinta minutos. Ela me olhou, tentando compreender o que tinha motivado o vampiro a começar uma conversa comigo. Ela não ficou impressionada de jeito nenhum com o que viu. (*DDA é a sigla para desordem de déficit de atenção) “Eu estou deleitado em conhecer você, bela donzela,” o novo vampiro disse tranquilamente, e eu dei risadas. Bem, ao menos eu era bela – no sentido loira-com-olhos-azuis. Seus olhos me cercaram; claro, se você é uma mulher que trabalha em um bar, você está acostumada a isso. Pelo menos ele não tinha olhado para mim ofensivamente; e pode acreditar, se você é uma mulher que trabalha num bar, você sabe a diferença entre uma avaliação e um olhar com insinuação sexual. “Eu aposto um bom dinheiro que ela não é uma donzela,” disse a mulher próxima a mim. Ela estava certa, mas isto era irrelevante. “Você deve ser educada com outros convidados,” o vampiro disse a ela, com uma versão alterada de seu sorriso. Não somente suas presas se estenderam levemente, como eu também notei que ele tinha dentes tortos (embora belamente brancos). Os padrões americanos de dentes retos são muito modernos. “Ninguém me diz como agir,” a mulher disse de forma combativa. Ela estava mal-humorada porque a noite não estava indo como ela tinha planejado. Ela tinha pensado que seria fácil atrair um vampiro, que qualquer vampiro iria pensar que era um sortudo por tê-la. Ela tinha planejado deixar um morder seu pescoço, se ele simplesmente solucionasse suas contas de cartão de crédito. Ela estava superestimando a si mesma e subestimando os vampiros. “Perdoe-me, madame, mas enquanto você estiver no Fangtasia, definitivamente eu devo dizer a você como agir,” o barman disse. Ela se acalmou depois dele fixar nela sua encarada dominadora, e eu imaginei se ele não tinha dado a ela uma dose de encantamento. “Meu nome,” ele disse, retornando sua atenção para mim, “é Charles Twining.” “Prazer em conhecê-lo,” eu disse. “E o drinquê?”
“Sim, por favor. Uma cerveja de gengibre*.” Eu tinha que dirigir de volta para Bon Temps depois que tivesse visto Eric. * no original, „ginger ale‟, um refrigerante a base de gengibre. É uma bebida similar ao champagne. Apesar do nome, não é alcoólica. Ele levantou suas sobrancelhas arqueadas, mas me serviu a bebida e a colocou em um guardanapo na minha frente. Paguei a ele e depositei uma boa gorjeta na jarra. O pequeno guardanapo branco tinha algumas presas desenhadas em preto, com um simples pingo vermelho caindo da presa direita – guardanapos sob medida para o bar vampírico. „Fangtasia‟ estava impresso em letras de formato colorido e moderno* em vermelho no canto oposto do guardanapo, duplicando a marca externa. Fofo. Havia camisetas para venda em uma caixa num canto do outro lado, também, junto com copos decorados com a mesma logomarca. A legenda embaixo dizia, „Fangtasia – O Bar que tem “a” Mordida‟. A habilidade de merchandising de Eric tinha feito grandes avanços nos últimos meses. *no original Jazzy que é um adjetivo bem sulista que quer dizer que algo é parecido com o Jazz (movimento musical criado no sul dos EUA), cheio de vida. Mas quando você descreve algum objeto como Jazzy o significado é colorido e moderno.  Enquanto eu esperava minha chance pela atenção de Eric, observei Charles Twining trabalhar. Ele era educado com todos, servia os drinques rapidamente, e nunca ficava agitado. Eu gostei de sua técnica muito mais do que a de Chow, o barman anterior, que sempre fazia com que os clientes se sentissem como se ele estivesse fazendo a eles um grande favor por servir seus drinques. Long Shadow, o barman antes de Chow, olhava demais para as clientes mulheres. Isso tudo causava um monte de brigas em um bar. Perdida em meus próprios pensamentos, eu não percebi que Charles Twining estava diretamente do outro lado do balcão a minha frente até que ele disse: “Senhorita Stackhouse, eu posso dizer a você quão encantadora você está esta noite?” “Obrigada, Senhor Twining,” eu disse, entrando no espírito do encontro inesperado. O olhar no único olho castanho visível de Charles Twining me dizia que ele era um patife de primeira classe, e  a distancia mais confiável para manter dele era aquela onde eu poderia arremessá-lo para longe, o que talvez fosse uns 60 cm. (Os efeitos da minha última infusão de sangue vampiro tinham desaparecido, e eu era um ser humano normal. Ei, eu não sou drogada; uma situação de emergência tinha exigido uma força extra.) Não somente eu estava de volta com a força normal de uma mulher saudável em seus vinte e poucos, bem como minha aparência também estava de volta ao normal; nenhum realce de sangue vampírico. Eu não tinha me vestido bem, visto que eu não queria que Eric pensasse que eu tinha me arrumado para ele, mas eu não queria parecer uma pessoa relaxada, também. Então eu estava vestindo jeans de cintura baixa e um suéter branco macio de manga longa com um decote canoa. Ele acabava justamente na minha cintura, então alguma parte da barriga aparecia quando eu caminhava. A barriga não estava branquela, graças à cama de bronzeamento na locadora de vídeo. “Por favor, querida dama, me chame Charles,” o barman disse, pressionando sua mão em seu coração. Eu ri em voz alta, apesar do meu cansaço. Os gestos teatrais não eram reduzidos pelo fato do coração de Charles não estar batendo. “Claro,” eu disse agradavelmente. “Se você me chamar de Sookie.” Ele rolou seus olhos como se a excitação fosse muita para ele, e eu ri novamente. Pam deu um tapinha no meu ombro. “Se você puder se afastar do seu novo amiguinho, Eric está livre.”
Eu acenei com a cabeça para Charles e saí do banco para seguir Pam. Para minha surpresa, ela não me conduziu para o escritório de Eric, mas para uma das mesas. Evidentemente, esta noite Eric estava de serviço no bar. Todos os vampiros da área de Shreveport tinham concordado em mostrar a si mesmos no Fangtasia por uma certa quantidade de horas a cada semana para que os turistas continuassem vindo; um bar vampírico sem qualquer vampiro real é um estabelecimento perdendo dinheiro. Eric dava um bom exemplo para seus subalternos sentando no bar em intervalos regulares. Normalmente o xerife da Área Cinco sentava no centro do recinto, mas esta noite ele estava numa mesa de canto. Ele observou minha aproximação. Eu sabia que ele estava reparando no meu jeans, que era bem apertado, e em minha barriga, que era lisa, e meu suave e macio suéter branco, que estava preenchido com generosidade natural. Eu devia ter usado minhas roupas desalinhadas. (Acredite em mim, eu tenho uma grande quantidade em meu armário.) Eu não devia ter carregado o casaco amora, que Eric tinha me dado. Eu devia ter feito qualquer coisa, exceto ficar bonita para Eric – e eu tinha que admitir para mim mesma que este tinha sido meu objetivo. Eu tinha me surpreendido. Eric deslizou para fora da mesa e elevou-se a sua considerável altura – em torno de 1,95m. Sua cabeleira loira ondulou por suas costas, e seus olhos azuis faiscaram em sua face muito branca. Eric tem feições destemidas, maçãs do rosto altas, e uma mandíbula quadrada. Ele parece um Viking bárbaro, do tipo que pode saquear uma vila a qualquer momento; e isto era exatamente o que ele tinha sido. Vampiros não dão apertos de mãos exceto sob circunstâncias extraordinárias, então eu não esperei qualquer saudação de Eric. Mas ele se curvou para me dar um beijo na bochecha, e ele o deu demoradamente, como se ele quisesse que eu soubesse que ele adoraria me seduzir. Ele não se dava conta de que já tinha beijado simplesmente cada centímetro de Sookie Stackhouse. Nós tínhamos ficado tão próximos e íntimos quanto um homem e uma mulher podem ficar. Eric só não conseguia lembrar qualquer coisa sobre isso. Eu queria que isso ficasse dessa maneira. Bem, não exatamente queria; mas eu sabia que era melhor se Eric não lembrasse nosso pequeno caso. “Que bonito esmalte,” Eric disse, sorrindo. Ele tinha um leve sotaque. Inglês não era sua segunda língua, claro; talvez fosse sua vigésima quinta. Tentei não sorrir de volta, mas eu estava satisfeita com seu elogio. Confie em Eric para descobrir a única coisa que era nova e diferente em mim. Eu nunca tinha tido unhas compridas até recentemente, e elas estavam pintadas de um maravilhoso vermelho profundo – amora, na verdade, para combinar com o casaco. “Obrigada,” eu murmurei. “Como você tem estado?” “Bem.” Ele levantou uma sobrancelha loira. Vampiros não têm uma saúde variável. Ele balançou a mão para o lado vazio da mesa, e eu deslizei por ela. “Teve algum problema recuperando as rédeas?” Eu perguntei, para esclarecer. Umas poucas semanas antes, uma bruxa tinha deixado Eric com amnésia, e tinha levado vários dias para restaurar sua noção de identidade. Durante este tempo, Pam tinha deixado ele comigo para mantê-lo escondido da bruxa que tinha amaldiçoado ele. O desejo tomou seu lugar. Muitas vezes. “Como andar de bicicleta,” Eric disse, e eu disse a mim mesma para me focar. (Embora eu me perguntasse quando as bicicletas tinham sido inventadas, e se Eric tinha tido alguma coisa a ver com isso.) “Eu recebi uma ligação do criador de Long Shadow, um índio americano cujo nome parece ser Hot Rain. Estou certo de que você lembra do Long Shadow.”
“Eu estava justamente pensando nele,” eu disse. Long Shadow tinha sido o primeiro barman do Fangtasia. Ele vinha roubando dinheiro de Eric, que tinha me coagido a interrogar o barman e outros empregados humanos até eu descobrir o culpado. Aproximadamente dois segundos antes que Long Shadow tivesse rasgado minha garganta, Eric tinha executado o barman com a tradicional estaca de madeira. Matar outro vampiro é uma coisa muito séria, eu entendi, e Eric tinha tido que pagar uma multa alta – para quem, eu não tinha conhecimento, embora agora eu estivesse certa que o dinheiro tinha ido para Hot Rain. Se Eric tivesse matado Long Shadow sem qualquer justificativa, outras penalidades teriam entrado em jogo. Eu estava satisfeita em deixar isto permanecer um mistério. “O que Hot Rain queria?” eu disse. “Me informar que embora eu tenha pago a ele o valor estipulado pelo árbitro, ele não se considera satisfeito.” “Ele queria mais dinheiro?” “Eu acredito que não. Parece que recompensa financeira não era tudo que ele exigia.” Eric deu de ombros. “Por mim, o assunto está resolvido.” Eric tomou um gole do sangue sintético, se reclinou no encosto de sua cadeira, e olhou para mim com olhos azuis ilegíveis. “Assim como o meu pequeno episódio de amnésia. A crise está acabada, as bruxas estão mortas, e a ordem está restaurada no meu pequeno pedaço da Louisiana. Como as coisas têm estado para você?” “Bem, eu estou aqui a negócios,” eu disse, e fiz a minha cara de negócios. “O que eu posso fazer por você, minha Sookie?” ele perguntou. “Sam quer pedir uma coisa para você,” eu disse. “E ele mandou você para pedir isso. Ele é muito esperto ou muito estúpido?” Eric perguntou a si mesmo em voz alta. “Nenhum dos dois,” eu disse, tentando não impertinente. “Ele está muito inutilizado. Quero dizer, ele teve sua perna quebrada ontem à noite. Ele foi baleado.” “Como isso aconteceu?” a atenção de Eric aumentou. Eu expliquei. Eu tremi um pouco quando eu disse a ele que Sam e eu tínhamos estado sozinhos, quão silenciosa a noite tinha sido. “Arlene já tinha saído do estacionamento. Ela foi para casa sem saber de nada. A nova cozinheira, Sweetie – ela tinha saído já, também. Alguém atirou nele das árvores ao norte do estacionamento.” Eu tremi novamente, desta vez com medo. “Quão perto você estava?” “Ah,” eu disse, e minha voz tremeu. “Eu estava realmente perto. Eu tinha justamente me virado para... então ele estava... havia sangue por toda parte.” O rosto de Eric parecia duro como mármore. “O que você fez?” “Sam tinha seu telefone celular no bolso, graças a Deus, e eu mantive uma mão sobre o buraco em sua perna e eu disquei um-nove-dois com a outra.” “Como ele está?” “Bem.” Eu tomei um longo fôlego e tentei me acalmar. “Ele está muito bem, considerando tudo.” Eu tinha esclarecido aquilo muito calmamente. Eu estava orgulhosa. “Mas claro, ele está inativo por um tempo, e tanto... tantas coisas estranhas estão acontecendo no bar ultimamente... Nosso barman substituto, ele simplesmente não pode lidar com isto por muito mais do que umas duas noites. Terry é meio que problemático.” “Então qual é a solicitação de Sam?” “Sam quer que você empreste um barman até sua perna sarar.”
“Por que ele está fazendo esta solicitação para mim, em vez de para o mestre do bando de Shreveport?” Metamorfos raramente conseguiam se organizar, mas os lobisomens da cidade sim. Eric estava certo: teria sido muito mais lógico para Sam fazer a solicitação ao Coronel Flood. Eu olhei para baixo para minhas mãos entrelaçadas em volta do copo de cerveja de gengibre. “Alguém está atirando nos metamorfos e Lobis em Bon Temps,” eu disse. Eu mantive minha voz muito baixa. Eu sabia que ele tinha me ouvido através da música e da conversa de bar. Justamente neste momento um homem cambaleou em cima da mesa, um jovem recruta da Base Aérea de Barksdale, que é uma parte da área de Shreveport. (Eu classifiquei ele instantaneamente pelo seu corte de cabelo, condição física, e seus companheiros circulando o local, que eram mais ou menos clones.) Ele balançou em seus calcanhares por um longo momento, olhando de mim para Eric. “Ei, você,” o jovem homem disse para mim, empurrando meu ombro. Eu olhei para cima em sua direção, resignada ao inevitável. Algumas pessoas cortejam seus próprios desastres, especialmente quando elas bebem. Este jovem homem, com seu cabelo raspado e formas robustas, estava longe de casa e determinado a provar a si mesmo. Não há nada que eu odeie tanto quanto ser chamada de „Ei, você‟ e ser empurrada com um dedo. Mas eu tentei apresentar uma face agradável para o jovem homem. Ele tinha um rosto redondo e olhos redondos e escuros, uma boca pequena e grossas sobrancelhas castanhas. Ele estava vestindo uma blusa clara tricotada e calça de brim apertada. Ele também estava preparado para um confronto. “Não creio que conheça você,” eu disse gentilmente, tentando neutralizar a situação. “Você não deveria estar sentando com um vampiro,” ele disse. “Garotas humanas não deveriam sair com caras mortos.” Quão frequentemente eu tinha ouvido isto? Eu escutei um monte de besteiras do gênero enquanto eu namorei Bill Compton. “Você deve voltar lá para seus amigos, Dave. Você não quer sua mamãe recebendo uma ligação sobre você sendo assassinado em uma briga de bar na Louisiana. Especialmente não em um bar vampírico, certo?” “Como você sabe meu nome?” ele perguntou lentamente. “Não faz nenhuma diferença, faz?” Pelo canto do meu olho, pude ver que Eric estava sacudindo sua cabeça. Desvios suaves não eram a maneira dele de lidar com intromissões. Abruptamente, Dave começou a acalmar-se. “Como você sabe sobre mim?” ele perguntou em uma voz calma. “Eu tenho visão de raios-X,” eu disse solenemente. “Eu posso ler sua carteira de motorista em suas calças.” Ele começou a sorrir. “Ei, você pode ver outras coisas através das minhas calças?” Eu sorri de volta para ele. “Você é um homem de sorte, Dave,” eu disse ambiguamente. “Agora, eu estou na verdade aqui para falar de negócios com este cara, então se você nos der licença...” “Está bem. Desculpe, eu...” “Sem problemas,” eu garanti a ele. Ele voltou para seus amigos, caminhando atrevido. Eu estava certa que ele daria a eles uma boa enfeitada ao contar a conversa. Embora todos no bar tenham tentado fingir que eles não estavam observando o incidente, que teve um potencial enorme para uma suculenta violência, eles lutaram para parecer ocupados quando os olhos de Eric varreram as mesas ao redor.
“Você estava começando a me falar alguma coisa quando nós fomos tão rudemente interrompidos,” ele disse. Sem me perguntar, uma garçonete veio e depositou uma bebida nova na minha frente, levando embora meu copo anterior. Qualquer um sentado com Eric conseguia tratamento de luxo. “Sim. Sam não é o único metamorfo que está sendo baleado em Bon Temps ultimamente. Calvin Norris foi baleado no peito uns poucos dias atrás. Ele é um lobis-leopardo. E Heather Kinman foi baleada antes disso. Heather tinha só dezenove, uma lobis-raposa.” Eric disse, “Eu ainda não vejo porque isto é interessante.” “Eric, ela foi assassinada.” Ele ainda parecia questionador. Eu trinquei meus dentes juntos para que não dissesse a ele que garota agradável Heather Kinman tinha sido: ela tinha se formado recentemente do segundo grau e estava trabalhando em seu primeiro emprego como uma auxiliar no Escritório de Suprimentos de Bon Temps. Ela estava bebendo um milkshake no Sonic quando foi alvejada. Hoje, o laboratório criminal estaria comparando a bala que tinha alvejado Sam com a bala que tinha matado Heather, e ambas com a bala do peito de Calvin. Eu presumia que as balas combinariam. “Eu estou tentando explicar a você porque Sam não quer pedir a outro metamorfo ou lobis para intervir na ajuda,” eu disse através dos dentes trincados. “Ele pensa que pode estar colocando ele ou ela em perigo. E não há um só humano local que tenha obtido as qualificações para o trabalho. Então ele me pediu para vir até você.” “Quando eu fiquei na sua casa, Sookie...” Eu gemi. “Ah, Eric, dá um tempo.” Incomodava Eric que ele não pudesse lembrar o que tinha acontecido enquanto estava amaldiçoado. “Algum dia eu lembrarei,” ele disse quase com tristeza. Quando ele se lembrasse de tudo, não recordaria só do sexo. Ele se recordaria também da mulher que esperoiu na minha cozinha com uma arma. Se recordaria que ele tinha salvado minha vida tomando a bala direcionada para mim. Se recordaria que eu tinha atirado nela. Se recordaria da eliminação do corpo. Perceberia que ele tinha poder sobre mim para sempre. Ele talvez também recordasse que tinha humilhado a si mesmo o suficiente para oferecer abandonar todos seus negócios e viver comigo. Do sexo, ele apreciaria recordar. Do poder, ele apreciaria recordar. Mas de alguma forma eu não achava que Eric apreciaria lembrar daquela última parte. “Sim,” eu disse calmamente, olhando para baixo para minhas mãos. “Algum dia, eu espero que você recorde.” WDED estava tocando uma velha canção de Bob Seger, “Night Moves.” Eu notei que Pam estava girando inconscientemente em sua própria dança, seu anormalmente forte e flexível corpo curvando e girando em maneiras que os corpos humanos não podiam. Eu gostaria de vê-la dançar música vampírica ao vivo. Você tem que escutar uma banda vampírica. Você nunca esquecerá isto. Eles geralmente tocam em Nova Orleans e São Francisco, algumas vezes em Savannah ou Miami. Mas quando eu estava namorando Bill, ele tinha me levado para ouvir um grupo tocando no Fangtasia por uma noite enquanto seguiam para o sul, para Nova Orleans. O cantor líder da banda vampírica – que se chamava Renfield‟s Masters– tinha chorado lágrimas de sangue quando ele cantou uma balada. “Sam foi esperto em mandar você para me pedir,” Eric disse depois de uma longa pausa. Eu tinha nada a dizer sobre isto. “Eu mandarei alguém.”
Eu podia sentir meus ombros relaxarem com alívio. Eu foquei em minhas mãos e respirei profundamente. Quando eu espiei para ele, Eric estava olhando em volta do bar, considerando os vampiros presentes. Eu tinha encontrado a maioria deles de passagem. Thalia tinha longos cachos escuros descendo por suas costas e um perfil que podia ser melhor descrito como clássico. Ela tinha um sotaque pesado – grego, eu achava – e ela também tinha um temperamento imprudente. Indira era uma diminuta vampira indiana, completa com olhos de corça e tikal; ninguém a levaria a sério até as coisas ficassem fora de controle. Maxwell Lee era um banqueiro de investimentos afroamericano. Embora forte como qualquer vampiro, Maxwell tendia a apreciar mais passatempos cerebrais do que atuar como um segurança. “E se eu mandar Charles?” Eric soou casual, mas eu o conhecia bem o suficiente para suspeitar que ele não estava sendo. “Ou Pam,” eu disse. “Ou qualquer um que possa controlar seu temperamento.” Eu observei Thalia esmagar uma caneca de metal com seus dedos para impressionar um homem humano que estava tentando colocar as mãos nela. Ele empalideceu e se apressou de volta para sua mesa. Alguns vampiros apreciam companhia humana, mas Thalia não era um deles. “Charles é o vampiro menos temperamental que eu já conheci, embora eu confesse que eu não o conheça bem. Ele tem trabalhado aqui somente há duas semanas.” “Parece que você o mantém ocupado aqui.” “Eu posso liberar ele.” Eric me deu um olhar esnobe que disse claramente que cabia a ele decidir quão ocupado ele queria manter seu empregado. “Hm... tudo bem.” Os clientes do Merlotte gostariam do pirata muito gentil, e a receita de Sam iria saltar em consequência. “Esses são os termos,” Eric disse, fixando em mim seu olhar. “Sam supre sangue ilimitado para Charles e um lugar seguro para ficar. Talvez você queira mantê-lo em sua casa, como você fez comigo.” “E talvez não,” eu disse de forma indignada. “Eu não estou dirigindo nenhum albergue para vampiros.” Frank Sinatra começou a sussurrar “Strangers in the Night” no fundo. “Ah, claro, eu esqueci. Mas você foi generosamente paga pela minha hospedagem.” Ele tinha tocado em um ponto dolorido. De fato, ele tinha batido nele com uma vareta afiada. Eu hesitei. “Isto foi ideia do meu irmão,” eu disse. Eu vi os olhos de Eric relampejarem, e eu ruborizei em todos lugares. Eu tinha justamente confirmado uma suspeita que ele tinha tido. “Mas ele estava absolutamente certo,” eu disse com convicção. “Por que eu deveria ter colocado um vampiro em minha casa sem receber pagamento? Afinal, eu precisei do dinheiro.” “Os cinquenta mil já se foram?” Eric disse muito calmamente. “Jason pediu por uma parte disto?” “Não é da sua conta,” eu disse, minha voz exatamente tão aguda e indignada quanto eu tinha intencionado estar. Eu tinha dado a Jason somente um quinto do dinheiro. Ele não tinha exatamente pedido, tampouco, embora eu tivesse que admitir para mim mesma que ele claramente esperava que desse a ele alguma coisa. Já que eu precisava dele bem mais, eu tinha mantido a maior parte do que eu tinha inicialmente planejado. Eu não tinha plano de saúde. Jason, claro, estava coberto pelo plano do município. Eu tinha começado a pensar, E se eu ficar incapacitada? E se eu quebrar meu braço ou tiver que tirar meu apêndice? Não só não encaixaria em minhas horas de trabalho, mas eu também teria as contas de hospital. E qualquer estadia em um hospital, hoje em dia e na minha idade, é caro. Eu tinha incorrido em algumas contas médicas durante o ano anterior, e tinha levado um longo e doloroso tempo para liquidá-las. Agora eu estava profundamente satisfeita que tinha tido aquela pontada de precaução. No curso normal das coisas, eu não penso muito no futuro, porque eu estou acostumada a viver dia a dia. Mas a lesão de Sam tinha aberto meus olhos. Eu estive pensando no tanto que eu precisava de um carro novo – bem, um mais novo de segunda mão. Estive pensando no quão sombrias as cortinas da sala estavam, quão agradável seria encomendar novas da JCPenney*. Tinha até cruzado minha mente que seria muito divertido comprar um vestido que não estava em liquidação. Mas eu fui sacudida de tal frivolidade quando Sam teve sua perna quebrada.
*(É uma loja que vende de tudo, moda feminina, masculina, infantis, sapatos, artigos para casa, etc.
 http://www4.jcpenney.com/jcp/default.aspx )
 Enquanto Connie o Cadáver apresentou a próxima música (“One of These Nights”), Eric examinou meu rosto. “Eu gostaria de poder ler sua mente assim como você pode ler a mente dos outros,” ele disse. “Gostaria muito que eu pudesse saber o que está passando em sua cabeça. Eu gostaria de saber por que me importo com o que passa pela sua cabeça.” Eu dei a ele um sorriso torto. “Eu concordo com os termos: sangue livre e alojamento, embora o alojamento não seja comigo necessariamente. Sobre o dinheiro?” Eric sorriu. “Eu vou pegar meu pagamento em espécie. Eu gosto de Sam me devendo um favor.” Eu liguei para Sam com o telefone celular que ele tinha me emprestado. Eu expliquei. Sam soou resignado. “Há um lugar no bar onde o vampiro pode dormir. Tudo bem. Quarto, comida e um favor. Quando ele pode vir?” Eu recoloquei a questão para Eric. “Agora mesmo.” Eric acenou para uma garçonete humana, que estava usando um vestido longo decotado preto, como todas empregadas humanas fêmeas vestiam. (Eu vou dizer a você uma coisa sobre vampiros: eles não gostam de servir mesas. E eles são muito ineficientes nisto. Você não vê um vampiro limpando mesas, tampouco. Os vampiros quase sempre contratam humanos para fazer o trabalho sujo nos seus estabelecimentos.) Eric disse a ela para buscar Charles detrás do bar. Ela curvou-se, colocou seu punho contra o ombro oposto, e disse: “Sim, Mestre.” Honestamente, isto simplesmente te deixava doente. De qualquer jeito, Charles saltou sobre o bar teatralmente, e enquanto clientes aplaudiam, ele seguiu em direção a mesa de Eric. Curvando-se para mim, ele virou-se para Eric com um ar de atenção que devia ter parecido subserviente, mas ao invés parecia simplesmente prático. “Esta mulher irá dizer a você o que fazer. Enquanto ela precisar de você, ela é sua mestra.” Eu simplesmente não podia decifrar a expressão de Charles Twining enquanto ele ouvia a diretriz de Eric. Muitos vampiros simplesmente não concordariam em estar servindo humanos, não importa o que seu chefe dissesse. “Não, Eric!” Eu estava chocada. “Se você o fizer responder a alguém, deve ser Sam.” “Sam enviou você. Eu estou confiando a direção de Charles a você.” O rosto de Eric se fechou. Eu sabia por experiência que uma vez que Eric tinha aquela expressão, não havia como argumentar com ele.
Eu não podia ver onde isto estava indo, mas eu sabia que não era bom. “Deixe-me pegar meu casaco, e eu estarei pronto para partir quando você desejar,” Charles Twining disse, curvando-se em uma nobre e graciosa maneira que me fez sentir como uma idiota. Fiz um ruído abafado em reconhecimento, e apesar dele ainda estar em uma posição mais baixa, seu olho livre da venda dobrou-se para me dar uma piscada. Sorri involuntariamente e me senti muito melhor. Acima da música, Connie, a Cadáver disse, “Ei, vocês ouvintes noturnos. Continuando as dez melhores para nós genuínos cabeças mortas, aqui esta uma favorita.” Connie começou a tocar “Here Comes the Night,” e Eric disse: “Vamos dançar?” Eu olhei para pequena pista de dança. Estava vazia. No entanto, Eric tinha arrumado um barman e segurança para Sam como Sam tinha pedido. Eu devia ser generosa. “Obrigada,” eu disse polidamente, e deslizei para fora da mesa. Eric me ofereceu sua mão, eu a peguei, e ele colocou sua outra mão na minha cintura. Apesar da diferença em nossas alturas, ele administrou totalmente bem. Eu fingi que não sabia que todos no bar estavam olhando para nós, e deslizamos juntos como se soubéssemos o que estávamos fazendo. Eu me foquei na garganta de Eric assim não estaria olhando dentro de seus olhos. Quando a dança estava terminada, ele disse, “Segurar você parece muito familiar, Sookie.” Com um tremendo esforço, mantive meus olhos fixados em seu pomo de Adão. Eu tive um terrível impulso de dizer, „Você me disse que você me amava e ficaria comigo para sempre.‟ “Bem que você gostaria,” eu disse rapidamente ao invés. Eu soltei de suas mãos tão rapidamente quanto eu podia e sai de seu abraço. “A propósito, você alguma vez se deparou com um vampiro meio que com aparência de mal chamado Mickey?” Eric agarrou minha mão à força novamente e a apertou. Eu disse, “Oh!” e ele diminuiu a pressão. “Ele esteve aqui semana passada. Onde você viu Mickey?” ele exigiu. “No Merlotte‟s.” Eu estava surpresa pelo efeito que minha pergunta de última hora tinha tido em Eric. “Qual é o problema?” “O que ele estava fazendo?” “Bebendo Red Stuff e sentando em uma mesa com minha amiga Tara. Você sabe, você viu ela? No Club Dead, em Jackson?” “Quando a vi ela estava sob a proteção de Franklin Mott.” “Bem, eles estavam saindo. Não posso entender porque ele deixaria ela sair com Mickey. Pensei que talvez Mickey estivesse somente lá como seu guarda costas ou algo.” Eu retomei meu casaco da mesa. “Então, qual é a história com este cara?” eu perguntei. “Fique longe dele. Não fale com ele, não o irrite, e não tente ajudar sua amiga Tara. Quando ele esteve aqui, Mickey falou principalmente com Charles. Charles me disse que ele é um patife. Ele é capaz de... coisas que são cruéis. Não ande com a Tara.” Eu abri minhas mãos, pedindo a Eric para explicar. “Ele fará coisas que o resto de nós não faria,” Eric disse. Eu ergui os olhos para Eric, chocada e profundamente preocupada. “Eu não posso apenas ignorar a situação dela. Eu não tenho tantos amigos que eu possa permitir que um afunde no ralo.” “Se ela estiver envolvida com Mickey, ela é só carne pro abate,” Eric disse com uma brutal simplicidade. Ele pegou meu casaco das minhas mãos mim e o segurou enquanto eu deslizava dentro dele. Suas mãos massagearam meus ombros depois que eu o tinha abotoado.
“Ele se ajusta bem,” ele disse. Não precisa um leitor de mentes para adivinhar que ele não queria falar mais sobre Mickey. “Você recebeu minha nota de agradecimento?” “Claro. Muito, ah, digna.” Eu acenei com a cabeça, desejando indicar que isto era o fim do assunto. Mas, claro, não era. “Eu ainda me pergunto por que seu casaco velho tinha marcas de sangue nele,” Eric murmurou, e meus olhos relampejaram acima para os dele. Eu amaldiçoei meu descuido mais uma vez. Quando ele tinha voltado para me agradecer por cuidar dele, ele tinha vagado pela casa enquanto eu estava ocupada até que ele tinha topado com o casaco. “O que nós fizemos, Sookie? E com quem?” “Era sangue de galinha. Eu matei uma galinha e a cozinhei,” eu menti. Eu tinha visto minha avó fazer aquilo quando eu era pequena, muitas vezes, mas nunca tinha feito isto eu mesma. “Sookie, Sookie. Meu medidor de besteira está lendo isto como „falso‟,” Eric disse, sacudindo sua cabeça em uma maneira desaprovadora. Eu estava tão assustada que ri. Era um bom aviso de que eu deveria partir. Eu podia ver Charles Twining de pé na porta da frente, usando uma jaqueta acolchoada e de prontidão. “Adeus, Eric, e obrigada pelo barman,” eu disse, como se Eric tivesse me emprestado algumas pilhas AA ou uma xícara de arroz. Ele se inclinou e roçou minha bochecha com seus lábios frios. “Dirija com segurança,” ele disse. “E fique longe do Mickey. Eu preciso descobrir porque ele está no meu território. Ligue-me se você tiver qualquer problema com Charles.” (Se as pilhas estão defeituosas, ou se o arroz está cheio de vermes.) Além dele eu podia ver que a mesma mulher ainda estava sentada no bar, aquela que tinha observado que eu não era uma donzela. Ela estava obviamente imaginando o que eu tinha feito para conseguir a atenção de um vampiro tão antigo e atraente quanto Eric. Eu frequentemente imaginava a mesma coisa.
 
A VIAGEM DE VOLTA para Bon Temps foi agradável. Vampiros não cheiram como humanos ou agem como humanos, mas eles são relaxantes para o meu cérebro. Estar com um vampiro é quase tão livre de tensão quanto estar sozinha, exceto claro, pelas possibilidades de sugar seu sangue. Charles Twining perguntou-me umas poucas questões sobre o trabalho para o qual ele tinha sido contratado e sobre o bar. Minha forma de dirigir parecia deixá-lo um pouco desconfortável – apesar de que possivelmente seu desconforto era devido a simplesmente estar em um carro. Alguns dos vampiros de antes da Revolução Industrial detestavam transportes modernos. Seu tapa-olho estava em seu olho esquerdo, no meu lado, o que me dava a curiosa sensação de que eu estava invisível. Eu tinha conduzido ele para o albergue vampírico onde ele estava vivendo, assim ele podia recolher umas poucas coisas. Ele tinha uma sacola esportiva com ele, uma grande o suficiente para conter no máximo três mudas de roupas. Ele me disse que tinha se recém mudado para Shreveport, e não tinha tido tempo de decidir onde iria se estabelecer. Depois de quase quarenta minutos na estrada, o vampiro disse, “E você, Senhorita Sookie? Você vive com seu pai e mãe?” “Não, eles se foram desde que eu tinha sete anos,” eu disse. Pelo canto do meu olho, peguei um gesto de mão me convidando a continuar. “Houve muita chuva em um período realmente curto numa noite daquela primavera, e meu pai tentou atravessar uma pequena ponte que já tinha água sobre ela. Eles foram arrastados para longe.” Eu dei uma olhada para a minha direita e percebi que ele estava acenando com a cabeça. Pessoas morrem, algumas vezes repentinamente e inesperadamente, e algumas vezes por razões muito pequenas. Um vampiro sabia aquilo melhor do que qualquer um. “Meu irmão e eu crescemos com minha avó,” eu disse. “Ela morreu ano passado. Meu irmão tem a velha casa dos meus pais, e eu tenho a da minha avó.” “Sorte ter um lugar para viver,” ele comentou.  De perfil, seu nariz curvo era uma elegante miniatura. Eu me perguntei se ele se importava que a raça humana tivesse ficado maior agora, enquanto ele permanecia o mesmo. “Ah, sim,” eu concordei. “Eu sou uma grande sortuda. Tenho um trabalho, tenho meu irmão, tenho uma casa, tenho amigos. E sou saudável.” Ele se virou para me olhar diretamente, mas eu estava passando uma picape Ford surrada, assim não pude retornar seu olhar. “Isto é interessante. Perdoe-me, mas Pam deu a impressão que você tem algum tipo de deficiência.” “Ah, bem, sim.” “E esta seria...? Você parece muito, ah, robusta.” “Eu sou uma telepata.” Ele ruminou sobre aquilo. “E isto quer dizer?” “Eu posso ler outras mentes humanas.” “Mas não de vampiros.” “Não, não de vampiros.” “Muito bom.” “Sim, eu acho que sim.” Se eu pudesse ler mentes de vampiros, teria sido morta muito tempo atrás. Vampiros valorizam sua privacidade. “Você conhecia Chow?” ele perguntou.
“Sim.” Era minha vez de ser concisa. “E Long Shadow?” “Sim.” “Como o mais novo barman do Fangtasia, tenho um grande interesse em suas mortes.” Compreensível, mas eu não tinha ideia de como responder. “Certo,” eu disse cautelosamente. “Você estava lá quando Chow morreu novamente?” Esta era a forma que alguns vampiros se referiam a morte final. “Hm... sim.” “E Long Shadow?” “Bem... sim.” “Eu estou interessado em ouvir o que você tem a dizer.” “Chow morreu no que eles estão chamando de Guerra das Bruxas. Long Shadow estava tentando me matar quando Eric o estaqueou porque ele estava se apropriando indevidamente.” “Você tem certeza que este foi o porque de Eric o ter estaqueado? Por apropriar-se indevidamente?” “Eu estava lá. Eu sei. Fim de assunto.” “Suponho que sua vida tem sido complicada,” Charles disse depois de uma pausa. “Sim.” “Onde irei passar as horas diurnas?” “Meu chefe tem um lugar para você.” “Tem muitos problemas nesse bar?” “Não até recentemente.” Eu hesitei. “Seu segurança regular não pode lidar com metamorfo?” “Nosso segurança regular é o proprietário, Sam Merlotte. Ele é um metamorfo. Neste exato momento, ele é um metamorfo com a perna quebrada. Ele levou um tiro. E não foi o único.” Isto não pareceu surpreender o vampiro. “Quantos?” “Três que eu saiba. Um lobis-pantera chamado Calvin Norris, que não está mortalmente ferido, e também uma garota metamorfa chamada Heather Kinman, que está morta. Ela foi baleada no Sonic. Você sabe o que é Sonic?” Vampiros nem sempre prestavam atenção em restaurantes do tipo fast-food, porque eles não comem. (Ei, quantos bancos de sangue você pode localizar de cabeça?) Charles concordou com a cabeça, seu cabelo castanho cacheado sacudindo em seus ombros. “É aquele onde você come em seu carro?” “Sim, exato,” eu disse. “Heather estava no carro de um amigo, conversando, e ela saiu para voltar ao seu carro umas poucas vagas adiante. O tiro veio do outro lado da rua. Ela tinha um milkshake na mão.” O sorvete de chocolate derretido tinha se misturado com o sangue no pavimento. Eu tinha visto isto na mente de Andy Bellefleur. “Era tarde da noite, e todas as lojas do outro lado da rua estavam fechadas há horas. Então o atirador escapou.” “Todos os três tiroteios foram à noite?” “Sim.” “Eu me pergunto se isso é significante.” “Pode ser; mas talvez seja apenas porque há melhores esconderijos à noite.” Charles concordou. “Desde que Sam foi ferido, houve muita ansiedade entre os metamorfos porque é difícil de acreditar que os três tiroteios possam ser uma coincidência. E humanos comuns estão preocupados porque em seu ponto de vista três pessoas foram baleadas ao acaso, pessoas com nada em comum e poucos inimigos. Já que todo mundo está tenso, há mais brigas no bar.” “Eu nunca fui um segurança antes,” Charles disse informalmente. “Eu era o filho mais novo de um pequeno baronete, então tive que fazer meu próprio caminho, e tive que fazer muitas coisas. Trabalhei como um barman antes, e muitos anos atrás eu era o promotor de um prostíbulo. Ficava de pé do lado de fora, enaltecia as mercadorias das meretrizes – esta é uma frase perfeita, não é? – expulsava os homens que ficavam muito rudes com as prostitutas. Suponho que isto seja o mesmo que ser um segurança.” Eu estava sem palavras frente a esta inesperada confidência. “Claro, isto foi depois de eu perder meu olho, mas antes de me tornar um vampiro,” disse o vampiro. “Claro,” eu ecoei fracamente. “Que foi enquanto eu era um pirata,” ele continuou. Ele estava sorrindo. Eu chequei com uma espiada lateral. “O que você, hm, pirateava?” Eu não sabia se esse era um verbo ou não, mas ele entendeu o que eu quis dizer. “Ah, nós tentávamos pegar qualquer um inesperadamente,” ele disse alegremente. “Ocasionalmente eu vivi na costa da América, próximo a Nova Orleans, onde peguei pequenos navios de carga e coisas do mesmo tipo. Eu naveguei a bordo de um pequeno barco costeiro, assim nós não podíamos tomar navios muito grandes ou bem defendidos. Mas quando nós nos envolvíamos com algum barco, então havia luta.” Ele suspirou – recordando a alegria de golpear as pessoas com uma espada, eu supunha. “E o que aconteceu a você?” Eu perguntei polidamente, querendo saber como ele tinha vindo a despedir-se de sua maravilhosa vida de sangue-quente de pilhagem e assassinato para a edição vampira da mesma coisa. “Uma noite, nós abordamos um galeão* que não tinha nenhuma tripulação viva,” ele disse. Eu notei que suas mãos tinham se curvado em punhos. Sua voz esfriou. “Nós tínhamos velejado para as Tortugas. Era o anoitecer. Fui o primeiro homem a descer ao porão. O que estava no porão me pegou primeiro.” * Um galeão é um navio a vela que possui quatro mastros, de alto bordo, armado em guerra, frequentemente utilizado no transporte de cargas que possuíam alto valor na navegação oceânica entre os séculos XVI e XVIII. Por volta do século XII, o galeão era uma pequena galé com uma só ordem de remos, e de formas finas. Mais tarde aplicou-se o termo a navios de alto bordo e de velas nas carreiras da América, da África e das Índias. Depois daquela pequena história, nós caíamos em silêncio em mútuo consentimento. Sam estava no sofá na sala de estar de seu trailer. Sam tinha estacionado sua casa móvel em um ângulo reto com a parte de trás do bar. Dessa forma, ao menos ele abria sua porta da frente, para uma vista do estacionamento, que era melhor do que olhar para a traseira do bar, com suas grandes lixeiras entre a porta da cozinha e a entrada de funcionários. “Bem, aí estão vocês,” Sam disse, e seu tom era zangado. Sam nunca fora alguém que ficava quieto. Agora que sua perna estava em um gesso, ele está se enervando pela inatividade. O que ele faria durante a próxima lua cheia? A perna estaria curada o suficiente nesta época para ele se transformar? Se ele se transformasse, o que aconteceria com o gesso? Eu tinha conhecido outros metamorfos feridos antes, mas eu não tinha ficado por perto para sua recuperação, então este era um novo território para mim. “Estava começando a pensar que você tinha se perdido no caminho de volta.” A voz de Sam me retornou para o aqui e agora. Tinha um limite nítido.
“ „Caramba, obrigado, Sookie, vejo que você voltou com um segurança,‟ ” eu disse. “ „Sinto muito por você ter que passar pela humilhante experiência de pedir a Eric por um favor em meu benefício.‟ ” Naquele momento, não me importava se ele era meu chefe ou não. Sam pareceu envergonhado. “Eric concordou, então,” ele disse. Ele indicou com a cabeça o pirata. “Charles Twining, ao seu serviço,” disse o vampiro. Os olhos de Sam se alargaram. “Certo. Eu sou Sam Merlotte, proprietário do bar. Aprecio você vir aqui para nos ajudar aqui.” “Fui ordenado a fazê-lo,” o vampiro disse friamente. “Então o acordo que você fechou foi quarto, comida e favor,” Sam disse para mim. “Devo a Eric um favor.” Isso foi dito em um tom que uma pessoa amável descreveria como rancoroso. “Sim.” Eu estava irritada agora. “Você me enviou para fazer um acordo. Chequei os termos com você! Este foi o acordo que eu fiz. Você pediu a Eric por um favor; agora ele quer um favor em retorno. Não importa o que você disse a si mesmo, foi nisso que se transformou.” Sam concordou com a cabeça, embora ele não parecesse feliz. “Além disso, mudei de ideia. Acho que o Sr. Twining, aqui, deveria ficar com você.” “E porque você pensaria isso?” “O closet parece um pouco apertado. Você tem um lugar a prova de luz para vampiros, certo?” “Você não me perguntou se isto estava certo.” “Você está se recusando a fazer isso?” “Sim! Eu não sou uma dona de hotel para vampiros!” “Mas você trabalha para mim, e ele trabalha para mim...” “Aham. E você pediria para Arlene ou Holly para o hospedarem?” Sam pareceu até mais surpreso. “Bem, não, mas isto é porque...” Ele parou então. “Não pode pensar em como terminar a frase, pode?” Eu resmunguei. “Certo companheiro, estou saindo. Gastei uma noite toda colocando a mim mesma em uma situação embaraçosa por você. E o que consegui? Nem um maldito obrigado!” Pisoteei para fora da casa móvel. Não bati a porta porque não queria ser infantil. Bater portas não é maduro. Nem o é se lamuriar. Certo, talvez sair pisoteando também não seja. Mas era uma escolha entre fazer uma saída verbal enfática ou esbofetear Sam. Normalmente Sam era uma das minhas pessoas favoritas no mundo, mas esta noite... não. Eu trabalharia no primeiro turno pelos próximos três dias - não que eu estivesse certa que ainda tinha um trabalho. Quando cheguei ao Merlotte‟s às onze horas na manhã seguinte, me lançando para a porta dos empregados através de uma chuva torrencial em minha capa de chuva de borracha feia, mas útil, estava quase certa que Sam me diria para recolher meu último cheque de pagamento e bater a porta. Mas ele não estava lá. Eu tive um momento que reconheci como desapontamento. Talvez eu estivesse procurando por outra briga, o que era estranho. Terry Bellefleur estava substituindo Sam novamente, e Terry estava tendo um dia ruim. Não era uma boa ideia perguntar coisas a ele ou até mesmo falar com ele além da necessária transmissão de pedidos. Terry particularmente odiava tempo chuvoso, eu tinha notado, e ele também não gostava do Xerife Bud Dearborn. Eu não sabia a razão para nenhum dos preconceitos. Hoje, lâminas cinza de chuva golpeavam as paredes e o telhado, e Bud Dearborn estava falando categoricamente para cinco de seus colegas, no lado dos fumantes. Arlene capturou meu olhar e alargou seus olhos para me dar um aviso.
Apesar de Terry estar pálido e transpirando, ele tinha fechado o zíper até em cima da jaqueta leve que ele frequentemente vestia sobre sua camiseta do Merlotte‟s. Notei que suas mãos tremiam enquanto ele estendia um chope. Perguntei-me se ele poderia aguentar até o escurecer. Pelo menos não havia muitos clientes, se alguma coisa realmente desse errado. Arlene caminhou para alcançar um casal que tinha entrado, amigos dela. Minha seção estava quase vazia, com a exceção de meu irmão, Jason, e seu amigo Hoyt. Hoyt era o amigo mais próximo de Jason. Se eles não fossem ambos definitivamente heterossexuais, eu teria recomendado que eles se casassem, eles complementavam um ao outro muito bem. Hoyt apreciava as piadas, e Jason apreciava contá-las. Hoyt era um fracasso para preencher seu tempo livre, e Jason estava sempre pronto para alguma coisa. A mãe de Hoyt era um pouco opressiva, e Jason era órfão. Hoyt era totalmente pé-no-chão, e tinha um forte senso do que a comunidade toleraria e o que não. Jason não tinha. Pensei no grande segredo que Jason tinha agora, e me perguntei se ele estava tentado a dividi-lo com Hoyt. “Como você está, mana?” Jason perguntou. Ele levantou para cima seu copo, indicando que ele gostaria de refil no seu Dr. Pepper. Jason não bebia até o fim do seu dia de trabalho, um grande ponto em seu favor. “Bem, irmão. Você quer algo mais, Hoyt?” Eu perguntei. “Por favor, Sookie. Chá gelado,” Hoyt disse. Em um segundo eu estava de volta com seus drinques. Terry me olhou zangado quando fui para trás do bar, mas ele não falou. Posso ignorar um olhar zangado. “Sook, você quer ir comigo ao hospital em Grainger esta tarde depois que você sair?” Jason perguntou. “Ah,” eu disse. “Sim, claro.” Calvin sempre tinha sido bom para mim. Hoyt disse, “Com certeza é doido, Sam e Calvin e Heather sendo baleados. O que você acha disso, Sookie?” Hoyt tinha decidido que eu era um oráculo. “Hoyt, você sabe tanto sobre isso quanto eu,” eu disse a ele. “Acho que nós todos deveríamos ser cuidadosos.” Esperei que o significado disso não passasse despercebido para meu irmão. Ele encolheu os ombros. Quando levantei os olhos, vi um estranho esperando para sentar e me apressei até ele. Seu cabelo escuro, preto por causa da chuva, estava puxado para trás em um rabo de cavalo. Seu rosto era marcado por uma cicatriz que era uma longa linha branca e fina que corria ao longo de uma bochecha. Quando ele tirou sua jaqueta, pude ver que ele era um fisiculturista. “Fumante ou não-fumante?” Eu perguntei, com um menu já em minha mão. “Não-fumante,” ele disse, e me seguiu para uma mesa. Ele cuidadosamente suspendeu sua jaqueta molhada nas costas de uma cadeira e pegou o menu depois dele ter se sentado. “Minha esposa estará aqui em uns poucos minutos,” ele disse. “Ela vai me encontrar aqui.” Coloquei outro menu no lugar adjacente. “Você quer pedir agora ou esperar por ela?” “Eu gostaria de um pouco de chá quente,” ele pediu. “Eu esperarei até ela vir para pedir a comida. Um pouco limitado o menu daqui, hein?” Ele deu uma espiada por cima em Arlene e então de voltu para mim. Comecei a me sentir inquieta. Eu sabia que ele não estava aqui por este lugar ser conveniente para almoçar. “Isto é tudo que nós podemos lidar,” eu disse, tomando cuidado de soar relaxada. “O que nós temos, é bom.” Quando reuni a água quente e um saquinho de chá, também coloquei um pires com um par de fatias de limão na bandeja. Sem fadas em volta para ofender. “Você é Sookie Stackhouse?” ele perguntou quando retornei com seu chá.
“Sim, eu sou.” Coloquei o pires gentilmente na mesa, exatamente do lado da xícara. “Por que você quer saber?” Eu já sabia o porque, mas com pessoas comuns, tinha que perguntar. “Eu sou Jack Leeds, investigador particular,” ele disse. Estendeu um cartão de visitas na mesa, virado para que eu pudesse lê-lo. Ele esperou por um golpe, como se ele usualmente conseguisse uma reação dramática por aquela declaração. “Eu fui contratado por uma família em Jackson, Mississippi – a família Pelt,” ele continuou, quando viu que eu não iria falar. Meu coração afundou até meus sapatos antes de começar a bater em um ritmo acelerado. Este homem acreditava que Debbie estava morta. E pensava que havia uma boa chance de que eu pudesse saber alguma coisa sobre isso. Ele estava absolutamente certo. Eu tinha matado Debbie Pelt à tiro algumas semanas antes, em legítima defesa. Eric tinha escondido seu corpo. Ela tinha atirado em mim, Eric entrou na minha frente e tomou a bala em meu lugar. O desaparecimento de Debbie depois de deixar uma “festa” em Shreveport, Louisiana (de fato um batalha de vida-e-morte entre bruxas, vampiros, e lobis), tinha sido uma notícia passageira. Eu esperava ter ouvido o fim desta história. “Então os Pelts não estão satisfeitos com a investigação policial?” Eu perguntei. Era uma questão estúpida, uma que eu peguei no ar ao acaso. Eu tinha que dizer alguma coisa para quebrar o silêncio acumulado. “Não houve realmente uma investigação,” Jack Leeds disse. “A polícia em Jackson decidiu que ela provavelmente desapareceu voluntariamente.” Ele não acreditava naquilo, contudo. Sua face mudou então; era como se alguém tivesse ativado uma luz atrás de seus olhos. Virei-me para ver o que ele estava olhando, e vi uma mulher loira de altura média sacudindo sua sombrinha na porta. Ela tinha cabelo curto e pele clara, e quando se virou, vi que era muito bonita; pelo menos, teria sido se fosse mais animada. Mas esse não era um fator para Jack Leeds. Ele estava olhando para a mulher que ele amava, e quando ela o viu, a mesma luz se ativou atrás dos olhos dela, também. Ela veio através do bar para a mesa dele tão suavemente quanto se estivesse dançando, e quando ela tirou sua própria jaqueta molhada, vi que os braços dela eram tão musculosos quando os dele. Eles não se beijaram, mas a mão dele deslizou sobre as dela e as apertou brevemente. Depois de ela ter pegado sua cadeira e pedido uma Coca diet, os olhos dela foram para o menu. Ela estava pensando que toda a comida que o Merlotte‟s oferecia era prejudicial à saúde. Ela estava certa. “Salada?” Jack Leeds perguntou. “Tenho que comer alguma coisa quente,” ela disse. “Chili*?” *Chili é um prato muito tradicional da culinária mexicana e texana feito de vários tipos de feijão com carne moída, tomates em pedaços e pimenta, sem esquecer do Polvo de Chili (mistura do pó de pimentas, cominho, alho e orégano), que é um tempero fundamental para o preparo deste prato. “Certo. Dois chilis,” ele me disse. “Lily, esta é Sookie Stackhouse. Senhorita Stackhouse, esta é Lily Bard Leeds*.” * Lily Bard é a protagonista de outra série da Charlaine Harris, „Lily Bard (Shakespeare) Series‟. Lily vive em Shakespeare, Arkansas, uma mulher que gosta de proteger sua privacidade e está determinada a ter sucesso em sua agência (de uma só pessoa) de limpeza. Quando o impopular e bastante enxerido proprietário do apartamento ao lado é assassinado e seu corpo jogado no parque local, Lily informa anonimamente à polícia sobre o corpo.  O chefe local da polícia, contudo, não é um bobo e descobre rapidamente o envolvimento de Lily e seu próprio passado, o que a torna uma possível suspeita. Devido à situação, Lily decide que a única maneira de honrar seu nome é achar o verdadeiro assassino.  “Olá,” ela disse. “Estive na sua casa.” Os olhos dela eram azuis luminosos, e ela tinha um olhar fixo como um laser. “Você viu Debbie Pelt na noite que ela desapareceu.” Em sua mente acrescentou, Você é aquela que ela tanto odiava. Eles não conheciam a verdadeira natureza de Debbie Pelt, e eu estava aliviada que os Pelts não tivessem sido capazes de achar um investigador lobis. Eles não poderiam expor sua filha para detetives comuns. Quanto mais tempo os de dupla natureza pudessem manter o fato de sua existência em segredo, era melhor, na medida em que lhes interessava. “Sim,” eu disse. “Eu a vi aquela noite.” “Podemos falar com você sobre isso? Depois que você sair do trabalho?” “Eu tenho que ir ver um amigo no hospital depois do trabalho,” eu disse. “Doente?” Jack Leeds perguntou. “Baleado,” eu disse. O interesse deles acelerou. “Por alguém daqui?” a mulher loira perguntou. Então vi como isso tudo poderia funcionar. “Por um franco atirador,” eu disse. “Alguém está atirando nas pessoas ao acaso nesta área.” “Algum deles desapareceu?” Jack Leeds perguntou. “Não,” eu admiti. “Todos eles foram deixados caídos no chão. Claro, houve testemunhas para todos os tiroteios. Talvez esse seja o porquê.” Eu não sabia de ninguém que tenha visto Calvin sendo baleado, mas alguém tinha vindo logo após e chamado a emergência. Lily Leeds me perguntou se eles poderiam falar comigo no dia seguinte antes de eu ir para o trabalho. Dei-lhes as direções para minha casa e lhes disse para virem às dez. Não acredito que falar com eles fosse uma ideia muito boa, mas não acho que eu tinha muita escolha, tampouco. Eu me transformaria em mais um objeto de suspeita se eu recusasse a falar sobre Debbie. Me peguei desejando poder ligar para Eric esta noite e contar a ele sobre Jack e Lily Leeds; preocupações divididas eram preocupações reduzidas a metade. Mas Eric não se lembrava de nada disso. Eu gostaria de poder esquecer a morte de Debbie, também. Era horrível saber alguma coisa tão pesada, terrível e ser incapaz de dividir isso com uma alma. Eu sabia tantos segredos, mas quase nenhum deles era meu. Este meu segredo era uma carga escura e sangrenta. Charles Twining devia substituir Terry ao escurecer. Arlene estava trabalhando até tarde, já que Danielle estava presente no recital de dança de sua filha, e eu estava apta a levantar um pouco o meu humor, informando a Arlene sobre o novo barman/segurança. Ela estava intrigada. Nós nunca tivemos um homem inglês visitando o bar, muito menos um inglês com um tapa-olho. “Fale para Charles que eu disse oi,” eu falei enquanto começava a colocar minha capa de chuva. Depois de umas horas chuviscando, os pingos estavam começando a vir rápido novamente. Corri para meu carro, o capuz puxado bem para frente sobre o meu rosto. Justamente quando destrancava a porta do motorista e puxava para abri-la, ouvi uma voz chamar meu nome. Sam estava de pé em muletas na porta de seu trailer. Ele tinha adicionado uma varanda coberta alguns anos antes, assim ele não ficava molhado, mas ele não precisava ficar de pé lá, tampouco. Batendo a porta do carro para fechá-la, pulei sobre poças e através dos degraus. Em um segundo ou dois, estava parada de pé em sua varanda e pingando nela toda. “Eu sinto muito,” ele disse. Eu o encarei. “Você deveria sentir,” eu disse rispidamente. “Bem, eu sinto.”
“Certo. Bom.” Eu resolutamente não perguntei o que ele tinha feito com o vampiro. “Alguma coisa aconteceu no bar hoje?” Eu hesitei. “Bem, o público foi escasso, para colocar isso suavemente. Mas...” Comecei a dizer a ele sobre os detetives privados, mas então soube que ele faria perguntas. E eu poderia terminar dizendo a ele toda a história triste só pelo alívio de confessar para alguém. “Tenho que ir, Sam. Jason me pegará para visitar Calvin Norris no hospital em Grainger.” Ele me olhou. Seus olhos se estreitaram. Os cílios eram do mesmo vermelho dourado de seu cabelo, assim eles apareciam somente quando você estava perto dele. E eu não tinha nada que ficar pensando sobre os cílios de Sam, ou qualquer outra parte dele, por sinal. “Eu estava uma merda ontem,” ele disse. “Não tenho que dizer a você por que.” “Bem, eu suponho que você tem que,” eu disse perplexa. “Porque eu com certeza não entendo.” “O negócio é que, você sabe que você pode contar comigo.” Para ficar irritado comigo por nenhuma razão? Para se desculpar mais tarde? “Você realmente tem me deixado muito confusa ultimamente,” eu disse. “Mas você tem sido meu amigo por anos, e tenho muita consideração por você.” Aquilo soou muito artificial, então tentei sorrir. Ele sorriu de volta, e um pingo de chuva caiu fora de meu capuz e pingou em meu nariz, e o momento passou. Eu disse, “Quando você acha que estará de volta no bar?” “Tentarei ir amanhã por um tempo,” ele disse. “Pelo menos posso sentar no escritório e trabalhar nos livros, conseguir fazer algum arquivamento.” “Vejo você por aí.” “Claro.” E me lancei de volta para meu carro, sentindo que meu coração estava muito mais leve do que antes. Estar em conflito com Sam parecia errado. Eu não tinha percebido como aquela discussão tinha me afetado até estar de bem com ele de novo.
 
A CHUVA CAIA quando nós chegamos ao estacionamento do hospital de Grainger. Era tão pequeno quanto o que havia em Clarice, aquele para o qual a maioria das pessoas de Renard Parish era levada. Mas o hospital de Grainger era mais perto ou tinha mais das máquinas de diagnóstico que hospitais modernos pareciam precisar. Eu tinha me trocado para um jeans e um suéter, mas ainda estava usando minha capa de chuva forrada. Enquanto Jason e eu nos apressávamos para as portas de correr de vidro, eu estava me agradecendo por estar vestindo botas. Exatamente como previ, a noite estava provando ser tão desagradável quanto a manhã tinha sido. O hospital estava agitado com metamorfos. Eu podia sentir sua raiva assim que eu entrei. Dois dos lobis-pantera de Hotshot estavam no saguão; calculei que eles estavam agindo como guardas. Jason foi até eles e tomou suas mãos firmemente. Talvez ele tenha dado algum tipo de aperto de mão secreto ou algo do gênero; eu não sei. Pelo menos eles não se esfregaram contra as pernas uns dos outros. Eles não pareciam totalmente felizes de ver Jason tanto quanto ele estava por vê-los, e notei que Jason deu um passo para trás com um pequeno franzir de sobrancelhas entre seus olhos. Os dois olharam para mim atentamente. O homem era de altura média e atarracado, tinha cabelo grosso loiro acastanhado. Seus olhos estavam cheios de curiosidade. “Sook, este é Dixon Mayhew,” Jason disse. “E esta é Dixie Mayhew, sua irmã gêmea.” Dixie tinha um cabelo, da mesma cor de seu irmão, quase tão curto quanto o de Dixon, mas seus olhos eram escuros, quase negros. Certamente os gêmeos não eram idênticos. “Tudo tranquilo por aqui?” Eu perguntei cuidadosamente. “Sem problemas até agora,” Dixie disse, mantendo sua voz baixa. O olhar de Dixon estava fixo em Jason. “Como está o seu chefe?” “Ele está engessado, mas vai se curar.” “Calvin foi baleado feio.” Dixie me olhou por um minuto. “Ele está lá em cima no 214.” Assim que recebemos o selo de aprovação, Jason e eu fomos para as escadas. Os gêmeos nos observaram ao longo do caminho. Nós passamos pela auxiliar hospitalar, a “senhora rosa”, em serviço na escrivaninha de visitantes. Eu me senti meio preocupada com ela: cabelo branco, óculos pesados, face doce preenchida totalmente com rugas. Eu esperava que nada acontecesse durante seu turno para transtornar sua visão do mundo. Era fácil adivinhar qual quarto era o de Calvin. Uma montanha de músculos estava inclinada contra a parede do outro lado, um homem com formato de barril que eu nunca tinha visto. Ele era um lobisomem. Lobisomens eram bons guarda-costas, de acordo com as conversas dos de duplanatureza, porque eles são implacáveis e tenazes. Do que eu tinha visto, esta era somente a imagem de bad-boy que os Lobis têm. Mas é verdade que como regra, eles são o elemento mais duro da comunidade de dupla-natureza. Você não achará muitos Lobis doutores, por exemplo, mas você achará um monte de Lobis em trabalho de construção. Empregos relacionados com motocicletas são pesadamente dominados por Lobis, também. Algumas daquelas gangues fazem mais do que beber cerveja nas noites de lua cheia. Ver um Lobis me perturbou. Eu estava surpresa que as panteras de Hotshot tivessem trazido um estranho. Jason murmurou, “Aquele é Dawson. Ele é dono da pequena loja de consertos de motores entre Hotshot e Grainger.” Dawson estava em alerta enquanto nós descíamos o corredor.
“Jason Stackhouse,” ele disse, identificando meu irmão depois de um minuto. Dawson estava vestindo uma camisa de brim e jeans, mas seus bíceps estavam quase explodindo através do material. Suas botas de couro pretas estavam marcadas pelo uso. “Nós viemos para ver como Calvin está,” Jason disse. “Esta aqui é minha irmã, Sookie.” “Madame,” Dawson rugiu. Ele me inspecionou com o olhar lentamente, e não havia nada de lascivo sobre isso. Eu estava feliz de ter deixado minha bolsa na caminhonete trancada. Eu tinha certeza que ele a teria revistado. “Você quer tirar esse casaco e dar uma volta para mim?” Eu não me ofendi; Dawson estava fazendo seu trabalho. Eu não queria que Calvin fosse ferido novamente, tampouco. Eu tirei minha capa de chuva, entreguei-a para Jason, e rodei. Uma enfermeira que estava anotando alguma coisa em um boletim observou esse procedimento com curiosidade. Eu segurei a jaqueta de Jason quando foi sua vez. Satisfeito, Dawson bateu na porta. Embora eu não tenha ouvido uma resposta, ele deve ter ouvido, porque abriu a porta e disse, “Os Stackhouses.” Somente o sussurro de uma voz veio do quarto. Dawson assentiu com a cabeça. “Senhorita Stackhouse, você pode entrar,” ele disse. Jason começou a me seguir, mas Dawson colocou um braço maciço em frente dele. “Somente sua irmã,” ele disse. Jason e eu começamos a protestar ao mesmo tempo, mas então Jason encolheu os ombros. “Vá em frente, Sook,” ele disse. Obviamente não havia como deslocar Dawson, e não havia razão em perturbar um homem ferido, tampouco. Eu empurrei a porta pesada abrindo-a totalmente. Calvin estava sozinho, embora houvesse outra cama no quarto. O líder pantera parecia horrível. Ele estava pálido e exausto. Seu cabelo estava sujo, embora suas bochechas, acima de sua barba aparada, tivessem sido barbeadas. Ele estava vestindo uma camisola de hospital, e ele estava preso a um monte de coisas. “Eu sinto muito,” eu disse sem pensar. Eu estava horrorizada. Embora muitos cérebros tivessem indicado isto, eu podia ver que se Calvin não fosse de dupla-natureza, o ferimento o teria matado instantaneamente. Quem quer que tenha atirado nele tinha desejado sua morte. Calvin virou sua cabeça para mim, lentamente e com esforço. “Não é tão ruim quanto parece,” ele disse secamente, sua voz cautelosa. “Eles vão me tirar de algumas dessas coisas amanhã.” “Onde você foi atingido?” Eu perguntei. Calvin moveu uma mão para tocar a parte de cima de seu peito esquerdo. Seus olhos castanhos dourados capturaram os meus. Eu fui mais para perto dele e cobri sua mão com a minha. “Eu sinto muito,” eu disse novamente. Os dedos dele se curvaram sob os meus até ele estar segurando minha mão. “Houve outros,” ele disse em um sussurro de voz. “Sim.” “Seu chefe.” Eu concordei com a cabeça. “Aquela pobre garota.” Eu concordei com a cabeça novamente. “Quem quer que esteja fazendo isso, tem que ser detido.” “Sim.” “Tem que ser alguém que odeie metamorfos. A polícia nunca descobrirá quem está fazendo isto. Nós não podemos dizer a eles pelo que procurar.” Bem, esta era parte do problema de manter sua condição em segredo. “Será mais difícil para eles acharem a pessoa,” eu admiti. “Mas talvez eles consigam.”
“Algumas das minhas pessoas se perguntam se o atirador é alguém que é metamorfo,” Calvin disse. Seus dedos se apertaram ao redor dos meus. “Alguém que não queria se tornar um metamorfo em primeiro lugar. Alguém que foi mordido.” Levou um segundo para a luz ligar em minha cabeça. Eu sou uma total idiota. “Ah, não, Calvin, não, não,” eu disse, minhas palavras tropeçando umas sobre as outras em minha afobação. “Ah, Calvin, por favor, não deixe eles irem atrás de Jason. Por favor, ele é tudo que eu tenho.” Lágrimas começaram a correr por minhas bochechas como se alguém tivesse aberto uma torneira em minha cabeça. “Ele estava me dizendo quanto ele apreciou ser um de vocês, mesmo que ele não possa ser exatamente como um nascido pantera. Ele é tão novo, ele não teve tempo para saber quais são todos os outros de dupla-natureza. Eu não acredito que ele sequer percebeu que Sam e Heather eram...” “Ninguém irá matá-lo até nós sabermos a verdade,” Calvin disse. “Embora eu esteja nesta cama, ainda sou o líder.” Mas eu podia dizer que ele teve que argumentar contra isto, e eu também sabia (de ouvir diretamente do cérebro de Calvin) que algumas das panteras ainda estavam a favor de executar Jason. Calvin não poderia prevenir isso. Ele podia ficar furioso mais tarde, mas se Jason fosse morto, isso não faria nenhuma diferença. Os dedos de Calvin libertaram os meus, e sua mão se levantou com um esforço para secar as lágrimas na minha bochecha. “Você é uma mulher doce,” ele disse. “Eu gostaria que você pudesse me amar.” “Eu gostaria também,” eu disse. Muitos dos meus problemas seriam resolvidos se eu amasse Calvin Norris. Eu me mudaria para Hotshot, me tornaria um membro da discreta pequena comunidade. Duas ou três noites no mês, eu teria que ter certeza de ficar dentro de casa, mas fora isso, eu estaria segura. Não somente Calvin me defenderia até a morte, como também o fariam os outros membros do clã de Hotshot. Apenas pensar nisso me fez estremecer. Os campos abertos expostos ao vento, a poderosa e antiga encruzilhada em volta da qual as pequenas casas se agrupavam... Eu não acho que poderia lidar com o isolamento perpétuo do resto do mundo. Minha avó teria me encorajado a aceitar a oferta de Calvin. Ele era um homem estável, era um líder dos metamorfos em Norcross, um emprego que tinha bons benefícios. Você poderia dizer que é ridículo, mas espere até você ter que pagar pelo seu seguro sozinha; e então pode rir. Ocorreu-me (como isto deveria agora) que Calvin estava em uma perfeita posição para forçar minha concordância – a vida de Jason pelo meu companheirismo – e ele não tinha tirado vantagem disso. Inclinei-me sobre ele e dei a Calvin um beijo na bochecha. “Eu rezarei pela sua recuperação,” eu disse. “Obrigada por dar a Jason uma chance.” Talvez a nobreza de Calvin fosse parcialmente devida ao fato que ele não estava em condições de tirar vantagem de mim, mas era nobreza, eu a notei e a apreciei. “Você é um bom homem,” eu disse, e toquei sua face. O pelo de sua bem cuidada barba era macio. Seus olhos estavam firmes quando ele disse tchau. “Cuide daquele seu irmão, Sookie,” ele disse. “Ah, e diga a Dawson que eu não quero mais nenhuma companhia esta noite.” “Ele não vai levar minha palavra em consideração,” eu disse. Calvin tentou sorrir. “Não seria um guarda-costas muito bom se ele levasse, eu suponho.” Eu transmiti a mensagem para o Lobis. Mas como era de se esperar, enquanto Jason e eu caminhávamos de volta para as escadas, Dawson entrou no quarto para confirmar com Calvin. Eu debati por alguns minutos antes de decidir que seria melhor se Jason soubesse o que ele estava enfrentando. Na caminhonete, enquanto ele dirigia para casa, eu repassei minha conversa com Calvin para meu irmão.
Ele estava horrorizado que seus novos companheiros no mundo dos lobis-pantera pudessem acreditar em tal coisa dele. “Se eu tivesse pensado nisto antes de ter mudado pela primeira vez, não posso dizer que não teria sido tentador,” Jason disse enquanto ele dirigia de volta para Bon Temps através da chuva. “Eu estava irritado. Não somente irritado, furioso. Mas agora que eu me transformei, eu vejo isso de modo diferente.” Ele continuou sem parar enquanto meus pensamentos corriam em voltas dentro da minha cabeça, tentando pensar em uma maneira de sair dessa bagunça. O caso dos tiros de tocaia tinha que ser resolvido antes da próxima lua cheia. Se não fosse, os outros poderiam machucar Jason quando eles mudassem. Talvez ele pudesse simplesmente vagar pelos bosques ao redor de sua casa quando ele mudasse para sua forma de lobis-pantera, ou talvez ele pudesse caçar nos bosques ao redor da minha casa – mas ele não estaria seguro em Hotshot. E eles poderiam vir procurar por ele. Eu não poderia defendê-lo contra todos. Até a próxima lua cheia, o atirador tinha que estar em custódia. Até eu estar lavando minha louça naquela noite, não me ocorreu como era bizarro que, apesar de Jason estar sendo acusado pela comunidade de lobis-pantera de ser um assassino, era eu quem tinha realmente atirado em um metamorfo. Eu estava pensando no encontro com os detetives particulares aqui na manhã seguinte. E enquanto eu estava limpando a bagunça de sempre, me peguei rastreando a cozinha por sinais da morte de Debbie Pelt. De assistir ao canal Discovery e o canal Learning, eu sabia que não havia maneira de eu poder erradicar completamente os traços de sangue e tecido que tinham respingado na minha cozinha, mas eu tinha esfregado e limpado repetidamente. Eu estava certa que nenhuma olhada casual – de fato, nenhuma cuidadosa inspeção a olho nu – poderia revelar nada fora de ordem nesta sala. Eu tinha feito a única coisa que eu podia, exceto ficar parada lá para ser assassinada. Era isso que Jesus tinha querido dizer por dar a outra face? Eu esperava que não, porque cada instinto em mim tinha me impelido para me defender, e os meios à mão tinham sido uma espingarda de caça. Claro, eu deveria imediatamente ter informado isso. Mas até fazer isso, o ferimento de Eric teria se curado, aquele que Debbie tinha feito atingindo ele enquanto tentava atirar em mim. Salvo o testemunho de um vampiro e o meu, não havia prova de quem atirou primeiro, e o corpo de Debbie teria sido uma poderosa declaração de nossa culpa. Meu primeiro instinto tinha sido encobrir a visita dela a minha casa. Eric não tinha me dado nenhum outro conselho, o que também poderia ter mudado as coisas. Não, eu não estava culpando Eric pela minha situação desagradável. Ele não tinha nem mesmo estado lúcido naquele momento. Era minha própria culpa que eu não tivesse sentado para pensar como as coisas terminariam. Haveria resíduos do disparo nas mãos de Debbie. A arma dela tinha sido disparada. Teria um pouco do sangue seco de Eric no chão. Ela tinha entrado forçadamente através da minha porta da frente, e a porta tinha claros sinais da violação dela. O carro dela estava escondido do outro lado da estrada, e somente as impressões digitais dela estariam nele. Eu tinha entrado em pânico, e estragado isso. Eu só tinha que viver com isso. Mas eu estava muito pesarosa sobre a incerteza que a família dela estava sofrendo. Eu devia certamente a eles – mas não poderia reembolsá-los. Segurei o pano de lavar e o suspendi organizadamente sobre o divisor da pia. Enxuguei minhas mãos e dobrei o pano de prato. Certo, agora eu tinha fortalecido minha culpa. Isto era tão melhor! Not. Furiosa comigo mesma, eu pisoteei para a sala de estar e liguei a televisão: outro erro. Havia uma história sobre o funeral de Heather; uma equipe de notícias de Shreveport tinha vindo para cobrir o modesto serviço esta tarde. Apenas pensei na sensação que isto iria causar se a imprensa percebesse como o atirador estava selecionando suas vítimas. O âncora do noticiário, um solene homem afro-americano, estava dizendo que a polícia em Renard Parish tinha descoberto outros agrupamentos de aparentes tiroteios ao acaso em pequenas cidades no Tennessee e Mississippi. Eu estava assustada. Um atirador em série, aqui? O telefone tocou. “Alô,” eu disse, não esperando nada bom. “Sookie, olá, é Alcide.” Eu me peguei sorrindo. Alcide Herveaux, que trabalhava na empresa de topografia de seu pai em Shreveport, era uma de minhas pessoas favoritas. Ele era um Lobis, ele era tamto sexy quanto trabalhador, e eu gostava muito dele. Ele também foi noivo de Debbie Pelt. Mas Alcide a tinha repudiado antes dela desaparecer, em um rito que a fazia invisível e inaudível para ele – não literalmente, mas em efeito. “Sookie, eu estou no Merlotte‟s. Eu pensei que você poderia estar trabalhando esta noite, assim eu dirigi até aqui. Eu posso ir para a sua casa? Eu preciso falar com você.” “Você sabe que está em perigo, vindo a Bon Temps.” “Não, por quê?” “Por causa do atirador.” Eu podia ouvir os sons do bar no fundo. Não havia como confundir a risada da Arlene. Eu estava apostando que o novo barman estava encantando a todos. “Por que eu estaria preocupado sobre isso?” Eu deduzi que Alcides não tinha pensado muito sobre as notícias. “Todas as pessoas que foram baleadas? Eles eram de dupla-natureza,” eu disse. “Agora eles estão dizendo no noticiário que houve muito mais pelo sul. Tiroteios aleatórios em pequenas cidades. Balas que combinam com a recuperada de Heather Kinman aqui. E eu tenho quase certeza que as outras vítimas eram metamorfos, também.” Houve um silêncio pensativo no fim da linha, se é que silêncio pode ser caracterizado. “Eu não tinha percebido,” Alcide disse. Sua voz rouca e profunda estava mais deliberada do que o normal. “Ah, e você falou como os detetives particulares?” “O quê? Do que você está falando?” “Se eles nos virem falando juntos, parecerá muito suspeito para a família de Debbie.” “A família de Debbie contratou detetives particulares para procurarem por ela?” “É isto que eu estou dizendo.” “Ouça, eu estou indo para sua casa.” Ele desligou o telefone. Eu não sabia por que na Terra os detetives estariam observando a minha casa, ou de onde eles estariam a observando, mas se eles vissem o antigo noivo de Debbie dirigindo calmamente em minha entrada, seria fácil conectar os pontos e vir com uma imagem totalmente errada. Eles pensariam que Alcide matou Debbie para limpar o caminho para mim, e nada poderia ser mais errado. Eu esperava muito que Jack Leeds e Lily Bard Leeds estivessem profundamente adormecidos ao invés de observando nos bosques em algum lugar com um par de binóculos. Alcide me abraçou. Ele sempre fazia isso. E mais uma vez eu estava impressionada pelo tamanho dele, a masculinidade, o cheiro familiar. A despeito da campainha de aviso tocando em minha cabeça, eu o abracei de volta. Nós nos sentamos no sofá e meio que nos viramos para encararmos um ao outro. Alcide estava vestido com roupas de trabalho, o que com este tempo consistia em uma camisa de flanela aberta sobre uma camiseta, jeans pesados, e meias grossas sob suas botas de trabalho. Seu emaranhado de cabelo negro tinha uma marca de chapéu duro, ele estava começando a ficar um pouco barbudo.
“Fale-me sobre os detetives,” ele disse, e eu descrevi o casal e o que eles tinham dito. “A família de Debbie não contou-me nada sobre isso,” Alcide disse. Ele pensou sobre isso por um minuto. Eu conseguia acompanhar seu pensamento. “Eu acho que isto significa que eles estão certos de que eu a fiz desaparecer.” “Talvez não. Talvez eles só pensem que você está tão pesaroso que eles não quiseram trazer isso à tona.” “Pesaroso.” Alcide ponderou sobre aquilo por um minuto. “Não. Eu gastei todo o...” Ele parou, lutando pelas palavras. “Eu gastei toda a energia que eu tinha para ter misericórdia dela,” ele disse finalmente. “Eu estava tão cego, eu quase acredito que ela usou algum tipo de magia em mim. A mãe dela é uma feiticeira e meio metamorfa. O pai dela é um metamorfo puro sangue.” “Você acha que isto é possível? Magia?” Eu não estava questionando que magia existisse, mas que Debbie a tivesse usado. “Qual a outra razão de eu ter ficado com ela tanto tempo? Desde que ela desapareceu, tem sido como se alguém tivesse tirado um par de óculos escuros para fora da minha visão. Eu queria tanto perdoá-la, como quando ela empurrou você para dentro do porta-malas.” Debbie tinha agarrado uma oportunidade de me empurrar no porta-malas de um carro com meu namorado vampiro, Bill, que tinha estado privado de sangue por dias. E ela tinha partido e me deixado no porta-malas com Bill, que estava para acordar. Olhei para o meu pé, empurrando para longe a recordação de desespero e dor. “Ela deixou você ser estuprada,” Alcide disse duramente. Ele dizer isto dessa forma, sem rodeios, me chocou. “Ei, Bill não sabia que era eu,” eu disse. “Ele não tinha bebido nada por muitos dias, e os impulsos são intimamente relacionados. Eu quero dizer, ele parou, você sabe? Ele parou, quando ele soube que era eu.” Eu não podia afirmar isso daquela forma para mim mesma; eu não podia dizer aquela palavra. Eu sabia sem dúvida que Bill teria preferido mastigar fora sua própria mão a fazer aquilo comigo se ele tivesse em seu juízo perfeito. Naquela época, ele tinha sido o único parceiro sexual que eu já tinha tido. Meus sentimentos sobre o incidente eram tão confusos que eu não podia nem mesmo suportar tentar coletá-los. Quando eu pensava sobre estupro antes, quando outras garotas tinham me falado o que tinha acontecido a elas ou eu tinha lido isto em seus cérebros, eu não tinha sentido a ambiguidade que eu sentia sobre meu próprio período curto e terrível no porta-malas. “Ele fez algo que você não queria que ele fizesse,” Alcide disse simplesmente. “Ele não era ele mesmo,” eu disse. “Mas ele fez isto.” “Sim, ele fez, e eu estava terrivelmente assustada.” Minha voz começou a tremer. “Mas ele voltou ao seu juízo, e ele parou, e eu estava bem, e ele estava realmente, realmente arrependido. Ele nunca mais colocou um dedo em mim desde então, nunca me perguntou se nós poderíamos fazer sexo, nunca...” Minha voz dissipou-se. Eu olhei para baixo para minhas mãos. “Sim, Debbie foi responsável por aquilo.” De alguma forma, dizendo aquilo em voz alta me fez sentir melhor. “Ela sabia o que aconteceria, ou pelo menos ela não se importou com o que iria acontecer.” “E mesmo assim,” Alcide disse, retornando para seu ponto principal, “ela continuou voltando e eu continuei tentando racionalizar seu comportamento. Eu não posso acreditar que eu faria aquilo se eu não estivesse sob algum tipo de influência mágica.” Eu não queria fazer Alcide se sentir mais culpado. Eu tinha minha própria carga de culpa para carregar. “Ei, está acabado.” “Você parece certa.” Eu olhei Alcide diretamente nos olhos. Os dele eram apertados e verdes. “Você pensa que há a menor chance de que Debbie esteja viva?” eu perguntei.
“A família dela...” Alcide parou. “Não, eu não acredito.” Eu não podia me livrar de Debbie Pelt, morta ou viva. “Por que você precisava falar comigo em primeiro lugar?” Eu perguntei. “Você disse no telefone que você precisava falar comigo sobre alguma coisa.” “Coronel Flood morreu ontem.” “Ah, eu sinto muito! O que aconteceu?” “Ele estava dirigindo para a loja quando outro motorista bateu do lado dele.” “Isto é terrível. Havia alguém no carro com ele?” “Não, ele estava sozinho. Seus filhos estão voltando para Shreveport para o funeral, claro. Eu me perguntei se você viria ao funeral comigo.” “Claro. Não é privado?” “Não. Ele conhecia muitas pessoas que ainda estavam na base da Força Aérea, e ele era o cabeça de seu grupo de Vizinhos Observadores e o tesoureiro de sua Igreja, e claro ele era o líder da matilha.” “Ele teve uma grande vida,” eu disse. “Grande quantidade de responsabilidades.” “É amanhã a uma. Qual é sua agenda de trabalho?” “Se eu puder trocar de turno com alguém, eu precisarei estar de volta às quatro e meia para me trocar e ir para o trabalho.” “Isto não deve se um problema.” “Quem será o líder de matilha agora?” “Eu não sei,” Alcide disse, mas sua voz não estava tão neutra quanto eu tinha esperado. “Você quer o trabalho?” “Não.” Ele pareceu um pouco hesitante, e eu senti o conflito em sua cabeça. “Mas meu pai quer.” Ele não tinha terminado. Eu esperei. “Funerais Lobis são muito cerimoniosos,” ele disse, e eu entendi que ele estava tentando me dizer alguma coisa. Eu só não estava certa do que era. “Diga logo.” Direto é sempre bom, no que depende de mim. “Se você acha que pode há jeito de se vestir bem demais para isso, não há,” ele disse. “Eu sei que o resto do mundo metamorfo pensa que Lobis só escolhem couro e correntes, mas isto não é verdade. Para funerais, nós fazemos todo o possível.” Ele queria me dar até mesmo mais dicas de moda, mas ele parou ali. Eu podia ver os pensamentos se amontoando diretamente atrás de seus olhos, esperando para serem liberados. “Toda mulher quer saber o que é apropriado vestir,” eu disse. “Obrigada. Eu não vestirei calças.” Ele sacudiu sua cabeça. “Eu sei que você pode fazer isto, mas eu sou sempre pego de surpresa.” Eu podia ouvir que ele estava desconcertado. “Eu pegarei você às onze e meia,” ele disse. “Deixe-me cuidar sobre a troca de turnos.” Eu liguei para Holly e descobri que ela poderia trocar de turno comigo. “Eu posso dirigir até lá e encontrar você,” eu ofereci. “Não,” ele disse. “Eu virei te pegar e trarei você de volta.” Certo, se ele queria ter o incômodo de me trazer, eu podia viver com isto. Eu pouparia quilometragem no meu carro, eu calculei. Meu velho Nova não era tão confiável. “Tudo bem. Eu estarei pronta.” “Melhor eu ir,” ele disse. O silêncio se estendeu. Eu sabia que Alcide estava pensando em me beijar. Ele se inclinou sobre mim e me beijou levemente nos lábios. Nós nos resguardamos um do outro por uns poucos centímetros.
“Bem, tenho algumas coisas que preciso fazer, e você deve voltar para Shreveport. Eu estarei pronta as onze e meia amanhã.” Depois de Alcide sair, eu peguei meu livro da biblioteca, o último de Carolyn Haines, e tentei esquecer minhas preocupações. Mas dessa vez, um livro somente não poderia resolver. Eu tentei uma imersão quente na banheira, e depilei minhas pernas até elas estarem perfeitamente lisas. Eu pintei minhas unhas dos pés e das mãos com um rosa profundo e então modelei minhas sobrancelhas. Finalmente, me senti relaxada, e quando engatinhei para minha cama, eu tinha alcançado a paz através dos mimos. O sono veio sobre mim com tanta rapidez que eu não terminei minhas orações.
 
VOCÊ TEM QUE descobrir o que vestir para um funeral, exatamente como em qualquer outra ocasião social, mesmo parecendo que suas roupas deveriam ser a última coisa em sua mente. Eu tinha gostado e admirado o Coronel Flood durante nossa breve relação, e assim, queria parecer apropriada em seu funeral, especialmente depois dos comentários de Alcide. Eu só não conseguia encontrar qualquer coisa em meu closet que parecesse adequada. Por volta das oito da manhã seguinte, telefonei para Tara, que me disse onde sua chave de emergência estava. “Pegue tudo o que você precisar do meu closet,” Tara disse. “Só se assegure de que você não vá entrar em nenhuma outra sala, certo? Vá direto pela porta de trás para o meu quarto e depois saia.” “Isto é o que eu faria de qualquer forma,” eu disse, tentando não parecer ofendida. Tara pensava que eu reviraria sua casa só para bisbilhotar? “Claro que você faria, mas eu só estou sendo responsável.” Repentinamente, eu entendi que Tara estava me dizendo que havia um vampiro dormindo em sua casa. Talvez fosse o guarda-costas Mickey, talvez Franklin Mott. Depois do aviso de Eric, eu queria estar a uma grande distância de Mickey. Somente os vampiros muito antigos podiam levantar antes do escurecer, mas o fato de encontrar um vampiro dormindo já seria desagradável por si só. “Certo, eu entendi,” eu disse apressadamente. A ideia de estar sozinha com Mickey me fez tremer, e não por uma antecipada felicidade. “Direto para dentro, direto para fora.” Já que eu não poderia desperdiçar tempo algum, pulei em meu carro e dirigi para a cidade, até a pequena casa de Tara. Esta era um lugar modesto em uma modesta parte da cidade, mas Tara ser dona de sua própria casa era um milagre, quando eu lembrava o lugar onde ela tinha crescido.  Algumas pessoas nunca deveriam procriar; se suas crianças tinham a falta de sorte de nascerem, estas crianças deveriam ser levadas para longe imediatamente. Isto não era permitido em nosso país, ou em nenhum país que eu soubesse, e eu tinha certeza, em meus momentos inteligentes, que isto era uma boa coisa. Mas os Thorntons, ambos alcoólatras, foram pessoas cruéis que deveriam ter morrido muito antes do que morreram. (Esqueço minha religião quando penso neles.) Lembrei de Myrna Thornton batendo na casa de minha avó procurando por Tara, ignorando os protestos de minha avó, até que ela teve que ligar para o gabinete do xerife para vir arrastar Myrna para fora. Tara saiu correndo pela porta dos fundos para se esconder nos bosques atrás de nossa casa assim que viu a determinação nos ombros de sua mãe, quando a Sra. Thornton cambaleou para nossa porta, graças a Deus. Tara e eu tínhamos treze anos naquele tempo. Eu ainda podia ver o olhar no rosto de minha avó enquanto ela falava com o assistente do xerife, que tinha acabado de colocar Myrna Thornton na traseira do carro patrulha, algemada e gritando. “Uma pena que eu não possa jogá-la no rio, no caminho de volta para a cidade,” o assistente disse. Eu não conseguia me lembrar de seu nome, mas suas palavras tinham me impressionado. Levei cerca de um minuto para conseguir entender o que ele tinha querido dizer, mas logo que entendi, percebi que outras pessoas sabiam o que Tara e seus irmãos estavam passando. Estas outras pessoas eram adultos todo-poderosos. Se eles sabiam, porque não resolviam o problema? Eu percebo agora que isto não era tão simples; mas ainda penso que as crianças Thornton poderiam ter sido poupadas uns poucos anos de sua miséria.
Pelo menos Tara tinha esta pequena casa bem cuidada com eletrodomésticos todos novos, um closet cheio de roupas, e um namorado rico. Eu tinha uma sensação incômoda de não saber tudo o que estava acontecendo na vida de Tara, mas mesmo superficialmente, ela ainda estava bem acima do esperado. Como ela tinha ordenado, eu atravessei a cozinha vigorosamente limpa, virei à direita, e cruzei um canto da sala de estar para passar pela entrada do quarto de Tara. Ela não tinha arrumado sua cama aquela manhã. Eu arrumei os lençóis em um instante e me pareceu bom. (Não pude evitar.) Eu não sabia se aquilo seria um favor para ela ou não, já que agora ela saberia que eu reparei que a cama não tinha sido feita, mas pelo amor de Deus eu não poderia bagunçar aquilo novamente. Abri seu closet apertado. Localizei exatamente o que eu precisava rapidamente. Pendurado no meio do cabideiro traseiro estava um conjunto de malha. A jaqueta era preta com adornos rosa cremoso nas lapelas, com o propósito de ser usado sobre uma blusa sem mangas rosa combinando, pendurada debaixo da jaqueta. A saia preta era de pregas. Tara teve que fazer a bainha; a etiqueta de alteração ainda estava no saco plástico que cobria o conjunto. Segurei a saia sobre mim e olhei no espelho de Tara que dava visão do corpo inteiro. Ela era entre cinco e sete centímetros mais alta que eu, e assim a saia caía exatamente um centímetro acima de meus joelhos, um bom comprimento para um funeral. As mangas da jaqueta eram um pouco longas, mas isto não era tão óbvio. Eu tinha sapato de salto preto e uma bolsa, e até mesmo luvas pretas que eu tentei guardar para algo chique. Missão completa, em tempo recorde. Deslizei a jaqueta e a blusa para dentro da sacola plástica com a saia e fui diretamente para fora da casa. Eu estive na casa de Tara por menos de dez minutos. Com pressa, por causa do meu compromisso das dez horas, comecei a me aprontar. Fiz uma trança embutida em meu cabelo e enrolei o rabo restante abaixo, segurando tudo com alguns pregadores de cabelo antigos que minha avó tinha juntado no decorrer dos anos; eles tinham sido de sua avó. Eu tinha meias pretas, por sorte, e uma anágua preta, e o rosa de minhas unhas pelo menos combinava como o rosa da jaqueta e da blusa. Quando ouvi uma batida na porta da frente as dez, já estava pronta, exceto por meus sapatos. Coloquei os pés dentro de meus escarpins no caminho para a porta. Jack Leed olhou, claramente surpreendido por minha transformação, enquanto as sobrancelhas de Lily contorciam-se. “Por favor, entrem,” eu disse. “Eu estou vestida para um funeral.” “Eu espero que você não esteja enterrando um amigo,” Jack Leeds disse. A face de sua companheira poderia ter sido esculpida em mármore. A mulher nunca tinha ouvido falar em câmara de bronzeamento? “Não um próximo. Por que vocês não sentam? Eu posso pegar alguma coisa para vocês? Café?” “Não, obrigado,” ele disse, seu sorriso transformando seu rosto. Os detetives sentaram no sofá enquanto eu me empoleirei na borda da poltrona reclinável. De alguma forma, minha não habitual elegância me fez sentir corajosa. “Sobre a noite em que a Srta. Pelt desapareceu,” Leeds começou. “Você a viu em Shreveport?” “Sim, fui convidada para a mesma festa que ela. Na casa de Pam.” Todos nós que tínhamos sobrevivido a Guerra das Bruxas – Pam, Eric, Clancy, os três Wiccans, e os Lobis que tinham sobrevivido – tínhamos concordado em nossa história: Ao invés de dizer para a polícia que Debbie saiu do armazém dilapidado e abandonado onde as bruxas tinham estabelecido seu esconderijo, nós dissemos que tínhamos ficado a noite toda na casa de Pam, e que Debbie partiu em seu carro daquele endereço. Os vizinhos poderiam ter testemunhado que qualquer um teria saído mais cedo em grupo, se os Wiccans não tivessem feito uma pequena mágica para nublar suas memórias da noite. “O Coronel Flood estava lá,” eu disse. “Na verdade, é ao seu funeral que estou indo.” Lily olhou interrogativamente, o que era provavelmente o equivalente de alguma outra pessoa exclamando, “Ah, você deve estar brincando!” “O Coronel Flood morreu em um acidente de carro dois dias atrás,” eu disse a eles. Eles olharam um para o outro. “Então, havia muita gente nesta festa?” Jack Leeds disse. Eu sabia que ele teria uma lista completa das pessoas que estiveram sentadas na sala de estar de Pam, para o que tinha sido essencialmente um conselho de guerra. “Ah, sim. Bastante. Eu não conheço todos eles. Pessoas de Shreveport.” Eu vi os três Wiccans naquela noite pela primeira vez. Conhecia os lobisomens superficialmente. Os vampiros, eu conhecia. “Mas você tinha encontrado Debbie Pelt antes?” “Sim.” “Quando você estava saindo com Alcide Herveaux?” Bem. Eles certamente fizeram seu dever de casa. “Sim,” eu disse. “Quando eu estava saindo com Alcide.” Meu rosto estava tão liso e impassível quanto o de Lily. Eu tinha um monte de prática em manter segredos. “Você ficou com ele uma vez no apartamento de Herveaux em Jackson?” Eu comecei a deixar escapar que nós tínhamos ficado em quartos separados, mas isto realmente não era da conta deles. “Sim,” eu disse com certa reserva em minha voz. “Vocês dois se encontraram com a Srta. Pelt numa noite em Jackson em um clube chamado Josephine‟s?” “Sim, ela estava celebrando seu noivado com um cara chamado Clausen,” eu disse. “Aconteceu algo entre vocês aquela noite?” “Sim.” Me perguntei com quem eles teriam falado; alguém deu aos detetives um monte de informações que eles não deveriam ter. “Ela veio para a mesa, e fez uns poucos comentários para nós.” “E você também foi ver Alcide no escritório da Herveaux há algumas semanas atrás? Vocês dois estiveram na cena do crime naquela tarde?” Eles tinham feito dever de casa até demais. “Sim,” eu disse. “E vocês disseram aos policiais na cena do crime que você e Alcide Herveaux estavam noivos?” Mentiras voltam para morder você na bunda. “Eu acho que foi Alcide quem disse isto,” eu disse, tentando parecer pensativa. “E a declaração dele era verdadeira?” Jack Leeds estava pensando que eu era a mulher mais volúvel que ele já conheceu, e ele não entendia como alguém que podia noivar e desnoivar tão facilmente podia ser a garçonete sensata e trabalhadora que ele viu no dia anterior. Ela estava pensando que minha casa era muito limpa. (Estranho, hein?) Também pensava que eu era totalmente capaz de matar Debbie Pelt, porque ela tinha descoberto que as pessoas eram capazes das coisas mais horríveis. Ela e eu compartilhávamos mais do que ela jamais saberia. Eu tinha o mesmo triste conhecimento, já que ouvia isto diretamente de seus cérebros. “Sim,” eu disse. “Naquele momento, era verdade. Nós estivemos noivos por, mais ou menos, dez minutos. Podem me chamar de Britney.” Eu odiava mentir. Quase sempre sabia quando alguma outra pessoa estava mentindo, então sentia que tinha um MENTIROSA impresso em letras garrafais na minha testa. A boca de Jack Leeds se curvou abruptamente, mas minha referência a popular cantora casada por cinquenta e cinco horas não me ajudou em nada com Lily Bard Leeds. “A Srta. Pelt se opunha a que você saísse com Alcide?” “Ah, sim.” Eu estava bem satisfeita por ter anos de prática em esconder meus sentimentos. “Mas Alcide não queria casar com ela.” “Ela estava furiosa com você?” “Sim,” eu disse, visto que sem dúvida eles sabiam a verdade sobre isto. “Sim, você pode dizer isso. Ela me chamou de alguns nomes. Vocês talvez tenham ouvido que Debbie não acreditava em esconder suas emoções.” “Então quando você a viu pela última vez?” “A última vez em que a vi...” (com metade de sua cabeça destruída, esparramada no chão de minha cozinha, suas pernas enroscadas nas pernas de uma cadeira) “Me deixe pensar... Quando deixou a festa naquela noite. Ela saiu no escuro sozinha.” Não da casa de Pam, mas de outro lugar; um cheio de cadáveres, com sangue respingado nas paredes. “Eu simplesmente presumi que ela estava voltando para Jackson.” Dei de ombros. “Ela não veio para Bon Temps? Dá imediatamente na interestadual na rota de retorno dela.” “Eu não posso imaginar porque o faria. Ela não bateu na minha porta.” Ela tinha entrado à força. “Você não a viu depois da festa?” “Eu não a vi mais desde aquela noite.” Agora, aquilo era a absoluta verdade. “Você tem visto o Sr. Herveaux?” “Sim, eu tenho.” “Vocês estão noivos agora?” Eu sorri. “Não que eu saiba,” eu disse. Não me surpreendi quando a mulher pediu para usar meu banheiro. Eu tinha baixado minha guarda para descobrir o quão desconfiados os detetives estavam, e assim sabia que ela queria dar uma olhada mais extensa em minha casa. Mostrei a ela o banheiro no hall, não o do meu quarto; não que ela fosse encontrar qualquer coisa suspeita em nenhum deles. “E sobre o carro dela?” Jack Leeds me perguntou repentinamente. Eu estava tentando olhar o relógio no console sobre a lareira, para me certificar de que a dupla tivesse ido antes de Alcide me pegar para o funeral. “Hein?” Eu tinha perdido o rastro da conversa. “O carro de Debbie Pelt.” “O que tem ele?” “Você tem alguma ideia de onde está?” “Nenhuma ideia absolutamente,” eu disse honestamente. Enquanto Lily voltava para a sala de estar, ele perguntou, “Srta. Stackhouse, só por curiosidade, o que você acha que aconteceu a Debbie Pelt?” Eu pensei, Eu acho que ela encontrou o que estava procurando. Fiquei um pouco chocada comigo mesma. Algumas vezes não sou uma pessoa muito boa, e não pareço estar ficando nem um pouco mais gentil. “Eu não sei, Sr. Leeds,” eu disse. “Eu suponho que tenha que lhe dizer que, exceto pelo pesar pela família dela, eu realmente não me importo. Nós não gostávamos uma da outra. Ela queimou um pedaço do meu xale, me chamou de prostituta, e era terrível para Alcide; apesar de que já que ele é adulto, e isto é problema dele. Ela gostava de manipular as pessoas. Gostava de fazê-los dançar conforme a música dela.” Jack Leeds estava parecendo um pouco impressionado com este fluxo de informação. “Então,” eu concluí, “esta é a maneira como me sinto.” “Obrigado por sua honestidade,” ele disse, enquanto sua esposa me fitava com seus pálidos olhos azuis. Se eu tivesse antes qualquer dúvida, agora entendia claramente que ela era a mais formidável dos dois. Considerando a profundidade da investigação que Jack Leeds tinha executado, isto já dizia muito. “Seu colarinho está torto,” ela disse calmamente. “Me deixe consertá-lo.” Fiquei parada enquanto os seus dedos hábeis avançavam atrás de mim e contorciam a jaqueta até o colarinho se arrumar corretamente. Eles partiram depois disto. Depois que eu observei o carro deles descendo a entrada da garagem, tirei minha jaqueta e a examinei cuidadosamente. Apesar de eu não ter captado nenhum tipo de intenção do cérebro dela, talvez ela tivesse colocado uma escuta em mim? Os Leeds poderiam estar mais desconfiados do que aparentavam. Não, eu descobri: ela realmente era a maluca organizada que parecia, e realmente foi incapaz de resistir ao meu colarinho virado para cima. Já que eu estava desconfiada, inspecionei o banheiro do hall. Eu não tinha estado nele desde a última vez em que o tinha limpado na semana passada, e assim parecia totalmente correto, tão fresco e tão brilhante quanto um banheiro muito velho em uma casa muito velha podia parecer. A pia estava úmida, e a toalha fora usada e redobrada, mas isto era tudo. Não havia nada extra, e nada estava faltando, e se a detetive abriu o armário do banheiro para checar seu conteúdo, eu simplesmente não me importava. Meu salto prendeu em um buraco onde o piso tinha se desgastado pelo uso. Pela centésima vez, me perguntei se eu podia aprender como colocar linóleo, porque o chão certamente precisava de uma nova camada. Também me perguntei como podia conciliar o fato de que eu tinha matado uma mulher em um minuto, e me preocupar sobre o linóleo rachado no banheiro no minuto seguinte. “Ela era má,” eu disse em voz alta. “Ela era perversa e má, e me queria morta sem nenhuma boa razão, de qualquer jeito.” Aquele era meu jeito de lidar com isso. Eu vivia em uma concha de culpa, mas já estava rachada e tudo tinha vindo à tona. Já estava cansada de ficar toda ansiosa por alguém que teria me matado em um instante, alguém que tinha dado o melhor de si para causar a minha morte. Eu nunca faria uma emboscada para Debbie, mas não estava preparada para deixá-la me matar só para satisfazer a sua vontade. Para o inferno com todo o assunto. Eles a achariam, ou não. Nenhuma razão em me preocupar sobre isto de qualquer forma. Repentinamente, eu me senti muito melhor. Ouvi um veículo vindo peloos bosques. Alcide estava exatamente no horário. Eu esperava ver seu Dodge Ram, mas para minha surpresa ele estava em um Lincoln azul escuro. Seu cabelo estava tão liso quanto poderia estar, o que não era muito, e ele estava vestindo um terno cinza grafite sóbrio e uma gravata cor de vinho. Eu o encarei de boca aberta através da janela, enquanto ele subia pelos degraus para a varanda da frente. Ele parecia bom o suficiente para comer, e tentei não sorrir como uma idiota ante a imagem mental. Quando abri a porta, ele parecia igualmente impressionado. “Você está maravilhosa,” ele disse depois de uma longa olhada. “Você também,” eu disse, me sentindo quase tímida. “Eu suponho que nós precisamos ir.” “Claro, se nós quisermos estar lá a tempo.” “Nós precisamos estar lá dez minutos mais cedo,” ele disse.
“Por que, exatamente?” Peguei minha bolsa de mão preta, dei uma olhada no espelho para ter certeza de que meu batom ainda estava fresco, e tranquei a porta da frente atrás de mim. Por sorte, o dia estava apenas quente o suficiente para deixar meu casaco em casa. Eu não queria cobrir meu traje. “Este é um funeral Lobis,” ele disse em um tom de importância. “O que o faz diferente de um funeral normal?” “É um funeral de líder de matilha, e isto o faz mais... formal.” Certo, ele tinha me dito aquilo no dia anterior. “E como você fará as pessoas normais entenderem?” “Você verá.” Eu tive dúvidas sobre a coisa toda. “Você tem certeza de que eu deveria estar indo a isto?” “Ele a fez ser uma amiga da matilha.” Eu lembrei daquilo, apesar de que naquele momento eu não tinha percebido que era um título, da maneira que Alcide fez isto parecer agora: Amiga da Matilha. Eu tinha a sensação desconfortável de que havia muito mais para saber sobre a cerimônia funerária do Coronel Flood. Normalmente eu tinha mais informação do que podia lidar sobre qualquer assunto determinado, já que podia ler mentes; mas não havia qualquer Lobis em Bon Temps, e os outros metamorfos não eram organizados como os lobos eram. Apesar da mente de Alcide ser difícil de ler, eu sabia que ele estava preocupado com o que estaria acontecendo na Igreja, e que estava preocupado também com um Lobis chamado Patrick. O serviço seria realizado na Graça Episcopal, uma Igreja em um antigo e abastado subúrbio de Shreveport. O edifício da Igreja era muito tradicional, construído em pedra cinza, e tinha um campanário no topo. Não havia Igreja Episcopal em Bon Temps, mas eu sabia que os serviços eram similares àqueles da Igreja Católica. Alcide me disse que seu pai estaria presente ao funeral, também, e que nós íamos de Bon Temps no carro do dele. “Meu pai achou que minha caminhonete não parecia digna o suficiente para o dia,” Alcide disse. Eu diria que seu pai era o principal nos pensamentos de Alcide. “Então como o seu pai vai chegar lá?” Eu perguntei. “Seu outro carro,” Alcide disse distraidamente, como se não estivesse realmente ouvindo o que eu estava dizendo. Fiquei um pouco chocada com a ideia de um homem possuir dois carros: em minha experiência, homens podiam ter um carro familiar e uma picape, ou uma picape e um 4x4. Meus pequenos choques do dia estavam apenas começando. Até que nós tivéssemos alcançado a I-20 e virado para oeste, o humor de Alcide tinha enchido o carro. Eu não estava certa a respeito do motivo, mas envolvia silêncio. “Sookie,” Alcide disse abruptamente, suas mãos tão apertadas no volante que suas articulações estavam brancas. “Sim?” O fato de que coisas ruins estavam entrando na conversa podia muito bem ter sido escrito em letreiros luminosos sobre a cabeça de Alcide. Sr. Conflito Interno. “Eu preciso falar com você sobre algumas coisas.” “O quê? Há alguma coisa suspeita sobre a morte do Coronel Flood?” Eu devia ter imaginado! Que infantilidade a minha. Mas os outros metamorfos tinham sido baleados. Um acidente de trânsito era um contraste tão grande. “Não,” Alcide disse, parecendo surpreso. “Até onde eu sei, o acidente foi somente um acidente. O outro cara atravessou um sinal vermelho.” Eu me recostei no assento de couro. “Então qual é o problema?” “Há alguma coisa que você quer me dizer?” Eu congelei. “Dizer a você? Sobre o quê?”
“Sobre aquela noite. A noite da Guerra das Bruxas.” Anos controlando minhas feições vieram em meu resgate. “Nada,” eu disse calma o suficiente, apesar de estar apertando minhas mãos enquanto dizia isto. Alcide não disse mais nada. Ele estacionou o carro e o contornou para me ajudar a sair, o que era desnecessário, mas gentil. Eu decidi que não precisava levar minha bolsa para dentro, assim eu a meti no assento e Alcide trancou o carro. Nós começamos a caminhar em direção à frente da Igreja. Alcide pegou minha mão, o que me surpreendeu. Eu podia ser uma amiga da matilha, mas eu estava aparentemente designada a ser mais amigável com um membro da matilha do que com os outros. “Lá está papai,” Alcide disse enquanto nos aproximávamos de um grupo de parentes do morto. O pai de Alcide era um pouco mais baixo do que Alcide, mas era atlético como seu filho. Jackson Herveaux tinha cabelo cinza ferro ao invés de preto, e um nariz compacto. Tinha o mesmo tom de pele oliva que Alcide. Jackson parecia mais escuro porque ele estava parado perto de uma mulher pálida e delicada com cabelo branco brilhante. “Pai,” Alcide disse formalmente, “esta é Sookie Stackhouse.” “Um prazer conhecê-la, Sookie,” Jackson Herveaux disse. “Esta é Christine Larrabee.” Christine, que podia ter qualquer idade entre cinquenta e cinco a sessenta e cinco, parecia uma pintura feita em tons pastéis. Seus olhos eram de um azul desbotado, sua pele macia era pálida como uma magnólia com o mínimo de matiz rosa, seu cabelo branco imaculadamente arrumado. Ela vestia um conjunto azul claro, o qual eu pessoalmente não teria vestido até que o inverno estivesse completamente acabado, mas ela parecia ótima nele, com certeza. “Prazer em conhecê-la,” eu disse, imaginando se devia fazer reverência. Eu tinha apertado a mão do pai de Alcide, mas Christine não estendeu a dela. Ela me deu um aceno de cabeça e um sorriso doce. Provavelmente não queria me machucar com seus anéis de diamante, decidi depois de uma olhada de soslaio para seus dedos. Claro, eles combinavam com seus brincos. Eu estava fora do nível, sem dúvida. Foda-se, eu pensei. Parecia ser meu dia de me livrar de coisas desagradáveis. “Ocasião tão triste,” Christine disse. Se ela queria fazer um bate-papo polido, eu estava pronta para isso. “Sim, Coronel Flood era um homem maravilhoso,” eu disse. “Ah, você o conhecia, querida?” “Sim,” eu disse. Na realidade, eu o tinha visto nu, mas em circunstâncias decididamente não eróticas. Minha resposta breve não deu a ela muito o que responder. Eu vi divertimento genuíno espreitando em seus olhos pálidos. Alcide e seu pai estavam trocando comentários em voz baixa, o que nós estávamos obviamente fingindo estar ignorando. “Você e eu somos estritamente decorações hoje,” Christine disse. “Então você sabe mais do que eu.” “Eu espero que sim. Você não é uma das de dupla natureza?” “Não.” Christine era, claro. Ela era uma Lobis puro sangue, como Jackson e Alcide. Eu não podia imaginar esta mulher elegante transformando-se em um lobo, especialmente com a baixa e suja reputação que os Lobis tinham na comunidade metamorfa, mas as impressões que eu conseguia da mente dela eram inconfundíveis. “O funeral de um líder de matilha marca a abertura da campanha para substituí-lo,” Christine disse. Visto que esta era a informação mais sólida que eu tinha conseguido em duas horas de Alcide, imediatamente me senti gentilmente disposta a respeito da mulher mais velha.
“Você deve ser extraordinária, para Alcide escolher você como sua companhia hoje,” Christine continuou. “Eu não sei nada sobre ser extra ordinária. No sentido literal, suponho que eu seja. Tenho extras que não são ordinários.” “Bruxa?” Christine deu um palpite. “Fada? Parte duende?” Deus. Eu sacudi minha cabeça. “Nenhuma dessas. Então, o que vai acontecer aqui?” “Haverá mais cordões de isolamento nos bancos da Igreja do que o usual. Todo o bando se sentará na frente da Igreja, os comprometidos com seus parceiros, claro, e suas crianças. Os candidatos à líder do bando virão por último.” “Como eles são escolhidos?” “Eles anunciam a si mesmos,” ela disse. “Mas serão testados, e então os membros votam.” “Por que o pai de Alcide trouxe você, ou esta é uma pergunta realmente pessoal?” “Eu sou a viúva do líder do bando anterior ao do Coronel Flood,” Christine Larrabee disse calmamente. “Isto me dá uma certa influência.” Eu concordei com a cabeça. “O líder do bando é sempre um homem?” “Não. Mas visto que força é parte do teste, machos normalmente ganham.” “Quantos candidatos há?” “Dois. Jackson, claro, e Patrick Furnan.” Ela inclinou sua aristocrática cabeça levemente para sua direita, e eu dei uma olhada atenta no casal que tinha estado na periferia da minha atenção. Patrick Furnan estava em seus quarenta e poucos, algo entre Alcide e seu pai. Era um homem atarracado com um cabelo castanho claro cortado à máquina e barba muito curta, aparada num formato sofisticado. Seu traje era marrom, também, e ele teve problemas abotoando a jaqueta. Sua companhia era uma mulher bonita que acreditava em usar um monte de batom e pedras preciosas. Tinha cabelo castanho curto, também, mas era realçado por mechas loiras e elaboradamente estilizado. Seus saltos tinham no mínimo sete centímetros de altura. Olhei para os sapatos intimidada. Eu quebraria meu pescoço se tentasse andar com eles. Mas esta mulher mantinha um sorriso e oferecia uma palavra de conforto a todos que se aproximavam. Patrick Furnan era mais frio. Seus olhos estreitos mediam e avaliavam cada Lobis na multidão reunida. “A Tammy Faye* lá é a mulher dele?” Eu perguntei a Christine em um discreto tom baixo. (* Tamara "Tammy" Faye Bakker Messner foi uma cantora, escritora, empresária, teleevangelista e celebridade de televisão norte-americana. Foi esposa do tele-evangelista Jim Bakker, com quem liderou a série de televisão religiosa The PTL Club de 1976 a 1987. Aparentemente a referência foi pela maneira de se vestir e o excesso de maquiagem.) Christine fez um som que eu teria chamado de riso abafado se tivesse sido emitido por alguém menos aristocrático. “Ela usa muita maquiagem,” Christine disse. “Seu nome é Libby, na verdade. Sim, ela é sua esposa e uma Lobis puro sangue, e eles têm duas crianças. Então ele acrescentou ao bando.” Somente a criança mais velha se tornaria um Lobis na puberdade. “O que ele faz para viver?” Eu perguntei. “Ele possui uma revenda da Harley-Davidson,” Christine disse. “O que é natural.” Lobis tendiam a gostar muito de motocicletas. Christine sorriu, provavelmente tão perto quanto ela poderia chegar de rir em voz alta. “Quem é o candidato com as melhores chances?” Eu tinha sido atirada no meio de um jogo, e precisava aprender as regras. Depois, eu acertaria Alcide direto entre os olhos; mas exatamente agora, eu estava indo a um funeral, já que foi por isto que tinha vindo.
“Difícil dizer,” Christine murmurou. “Eu não teria me apresentado ao lado de nenhum deles, como minha escolha, mas Jackson apelou para nossa velha amizade, e eu tive que ir para o seu lado.” “Isto não é gentil.” “Não, mas é prático,” ela disse, divertida. “Ele precisa de todo o apoio que puder conseguir. Alcide pediu a você para endossar seu pai?” “Não. Eu estaria completamente ignorante da situação se você não tivesse sido gentil o suficiente para me informar.” Eu acenei a ela em agradecimento. “Visto que você não é uma Lobis – me desculpe, querida, mas eu estou justamente tentando descobrir isto – o que você pode fazer por Alcide, eu me pergunto? Por que ele arrastaria você para isso?” “Ele terá que me explicar isto realmente em breve,” eu disse, e se minha voz estava fria e sinistra, eu não me importava nem um pouco. “Sua última namorada desapareceu,” Christine disse pensativamente. “Eles eram muito instáveis, Jackson me disse. Se os inimigos dele têm alguma coisa a ver com isso, você deve ficar em alerta.” “Eu não acho que esteja em perigo,” eu disse. “Ah?” Mas eu tinha dito o suficiente. “Hum,” Christine disse depois de uma longa e pensativa olhada em meu rosto. “Bem, ela era muito diva para alguém que nem mesmo é uma Lobis.” A voz de Christine expressava o desprezo que os Lobis sentiam pelos outros metamorfos. (“Por que se incomodar em mudar, se você não pode mudar para um lobo?” Eu tinha ouvido um Lobis dizer uma vez.) Minha atenção foi capturada pelo brilho opaco de uma cabeça raspada, e dei um passo um pouco para minha esquerda para ter uma vista melhor. Eu nunca tinha visto este homem antes. Certamente teria lembrado dele; ele era muito alto, mais alto do que Alcide ou até mesmo Eric, eu pensei. Tinha ombros grandes e braços musculosos. Sua cabeça e braços eram morenos, de um caucasiano com um bronzeado real. Eu podia afirmar, porque ele usava uma camiseta sem mangas de seda preta dentro de uma calça preta e sapato social brilhante. Era um dia frio no final de janeiro, mas o frio não parecia afetá-lo de modo algum. Enquanto eu o olhava, imaginando, ele se virou e me olhou, como se pudesse sentir minha atenção. Tinha um nariz arrebitado, e seu rosto era tão liso quanto sua cabeça. Daquela distância, seus olhos pareciam pretos. “Quem é aquele?” Eu perguntei a Christine, minha voz um fio no vento que tinha repentinamente se formado, agitando as folhas dos sagrados arbustos plantados ao redor da Igreja. Christine lançou um olhar ao homem, e deve ter sabido a quem eu me referia, mas não me respondeu. Pessoas normais tinham sido gradualmente filtradas através dos Lobis, subindo os degraus e entrando na Igreja. Agora dois homens em ternos pretos apareceram nas portas. Eles cruzaram suas mãos em frente deles, e aquele à direita acenou para Jackson Herveaux e Patrick Furnan. Os dois homens, com suas companhias femininas, vieram ficar de pé encarando um ao outro na base dos degraus. Os Lobis reunidos passavam entre eles para entrar na Igreja. Alguns acenavam para um, alguns para o outro, alguns para ambos. Indecisos. Mesmo depois de suas linhas terem sido reduzidas pela recente guerra com as bruxas, eu contei vinte e cinco Lobis adultos puro sangue em Shreveport, um bando muito grande para uma cidade tão pequena. Este tamanho era atribuível à base da Força Aérea, eu imaginei. Todos que passavam entre os dois candidatos eram Lobis puros. Vi somente duas crianças. Claro, alguns pais podiam ter deixado suas crianças na escola ao invés de trazê-las para o funeral. Mas eu estava muito certa de que estava vendo a verdade do que Alcide tinha me dito: Infertilidade e alta taxa de mortalidade infantil atormentavam os Lobis. A irmã mais jovem de Alcide, Janice, tinha casado com um humano. Ela mesma nunca mudaria de forma, já que não era a primeira criança nascida. As características Lobis recessivas de seus filhos, Alcides tinha me dito, poderiam se mostrar como incremento de vigor e uma grande habilidade curativa. Muitos atletas profissionais vinham de casais de quem o acervo genético continha uma porcentagem de sangue Lobis. “Nós vamos em um segundo,” Alcide murmurou. Ele estava parado ao meu lado, rastreando os rostos enquanto eles passavam ao lado. “Eu vou matar você depois,” eu disse a ele, mantendo minha face calma para os Lobis que passavam. “Por que você não me explicou isto?” O homem alto subiu os degraus, seus braços oscilando enquanto ele andava, seu corpo grande se movendo com propósito e graça. Sua cabeça se inclinou na minha direção quando ele passou ao lado, e eu encontrei seus olhos. Eles eram muito escuros, mas eu ainda não conseguia distinguir a cor. Ele sorriu para mim. Alcide tocou minha mão, como se soubesse que minha atenção tinha se desviado. Ele se inclinou sobre mim para sussurrar em meu ouvido, “Eu preciso de sua ajuda. Preciso que você consiga uma chance depois do funeral para ler a mente de Patrick. Ele vai fazer alguma coisa para sabotar meu pai.” “Por que simplesmente não me pediu?” Eu estava confusa, e principalmente, ferida. “Eu pensei que você poderia se sentir como se me devesse algo!” “E por que você acharia uma coisa dessas?” “Eu sei que você matou Debbie.” Se ele tivesse me dado um tapa, isto não poderia ter me chocado mais. Eu não tinha ideia do que transparecia em meu rosto. Depois do impacto do choque e da culpa automática desaparecer, eu disse, “Você a tinha repudiado. O que isto significa para você?” “Nada,” ele disse. “Nada. Ela já estava morta para mim.” Eu não acreditei naquilo nem por um minuto. “Mas você pensou que isto me afetaria muito, e então você escondeu. Imaginei que você pensaria que me deve algo.” Se eu tivesse uma arma em minha bolsa, estaria tentada a puxá-la para fora. “Eu não lhe devo nada,” eu disse. “Eu acho que você me trouxe no carro do seu pai porque sabia que eu iria embora assim que me dissesse isso.” “Não,” ele disse. Nós ainda estávamos mantendo nossas vozes baixas, mas eu podia sentir pelos olhares de lado que estávamos conseguindo atrair atenção com nosso diálogo intenso. “Bem, talvez. Por favor, esqueça o que eu disse sobre você me dever. O fato é, meu pai está com problemas e eu farei quase qualquer coisa para ajudá-lo a sair deles. E você pode ajudar.” “Da próxima vez em que precisar de ajuda, só peça. Não tente me chantagear ou me manobrar. Eu gosto de ajudar as pessoas. Mas odeio ser pressionada e enganada.” Ele tinha baixado seus olhos, então eu agarrei seu queixo e o fiz olhar dentro dos meus olhos. “Eu odeio isto.” Olhei para cima, no topo dos degraus, para medir quanto interesse nossa discussão estava atraindo. O homem alto tinha reaparecido. Ele estava olhando para nós sem expressão perceptível. Mas eu sabia que nós tínhamos sua atenção.
Alcide olhou para cima, também. Sua face enrubesceu. “Nós precisamos entrar agora. Você irá comigo?” “Entrar com você vai significar o que para mim?” “Significa que você está do lado do meu pai na candidatura pelo bando.” “O que isto me obriga a fazer?” “Nada.” “Então por que é tão importante que eu faça isto?” “Apesar da escolha de um líder de bando ser um assunto do bando, isto pode influenciar aqueles que sabem o quanto você nos ajudou durante a Guerra das Bruxas.” Luta das Bruxas teria sido mais exato, porque, apesar de ter certamente sido eles versus nós, o número total de pessoas envolvidas fora bastante pequeno – digamos, quarenta ou cinquenta. Mas na história do bando de Shreveport, eu entendi que isto era um episódio épico. Olhei furiosa para meus escarpins pretos. Lutei com meus instintos de guerra. Eles pareciam quase igualmente fortes. Um dizia, “Você está em um funeral. Não faça uma cena. Alcide tem sido bom para você, e não vai doer se você fizer isto por ele.” O outro dizia, “Alcide ajudou você em Jackson porque ele estava tentando livrar a cara do pai dele de problemas com os vampiros. Agora, de novo, ele está envolvendo você em alguma coisa perigosa para ajudar seu pai a sair das encrencas.” A primeira voz compartilhou, “Ele sabia que Debbie era má. Ele tentou se afastar dela, e então a repudiou.” A segunda disse, “Por que ele amaria uma cadela como Debbie em primeiro lugar? Por que ele até mesmo considerou se unir a ela enquanto tinha evidências claras de que ela era diabólica? Ninguém mais tinha sugerido que ela tinha poder de lançar feitiços. Esta coisa de „lançar feitiços‟ é uma desculpa barata.” Me senti como Linda Blair em O Exorcista, com sua cabeça rodando ao redor de seu pescoço. A voz número um ganhou. Eu coloquei minha mão na curva do cotovelo de Alcide, nós subimos as escadas e entramos na Igreja. Os bancos estavam cheios de pessoas comuns. À frente, três fileiras em ambos os lados tinham sido reservadas para o bando. Mas o homem alto, que estava de pé em algum lugar, sentou na fila de trás. Eu vislumbrei seus grandes ombros antes que tivesse que prestar estrita atenção à cerimônia do bando. As duas crianças Furnan, fofos como uns diabinhos, entraram solenemente no banco da frente à direita da Igreja. Então Alcide e eu entramos, precedendo os dois candidatos à líder do bando. Esta cerimônia de sentar era estranhamente como um casamento, com Alcide e eu sendo o padrinho e dama de honra. Jackson e Christine e Patrick e Libby Furnan entrariam como os pais da noiva e do noivo. O que os civis faziam ali eu não sabia. Eu sabia que todos estavam nos encarando, mas estava acostumada a isto. Se ser uma garçonete induzisse você a se acostumar a alguma coisa, era a ser examinada. Eu estava vestida apropriadamente e parecia tão bem quanto podia estar, e Alcide tinha feito o mesmo, então deixe que eles encarem. Alcide e eu sentamos na fila da frente no lado esquerdo da Igreja, e nos encaminhamos para lá. Vi Patrick Furnan e sua esposa, Libby, entrarem no banco do outro lado do corredor. Então olhei para trás para ver Jackson e Christine entrando lentamente, parecendo adequadamente sérios. Houve um leve agitar de cabeças e mãos, um minúsculo zumbido de murmúrios, e então Christine entrou de lado no banco, Jackson ao lado dela. O caixão, guarnecido com um tecido elaboradamente decorado, estava virado para o corredor enquanto nós todos ficamos de pé, e então o serviço fúnebre começou. Depois da ladainha, que Alcide me mostrou no Livro de Orações, o padre perguntou se alguém gostaria de dizer umas poucas palavras sobre o Coronel Flood. Um de seus amigos da Força Aérea foi primeiro e falou da devoção do Coronel para com o serviço e seu senso de orgulho em seu comando. Um de seus camaradas membros da Igreja tomou a próxima vez, glorificando a generosidade do Coronel e aplaudindo o tempo que ele passava fazendo o balanço dos livros da Igreja. Patrick Furnan deixou seu banco e se dirigiu para o púlpito. Ele não fez uma boa caminhada; era muito robusto para isso. Mas seu discurso foi certamente uma mudança nos lamentos que os dois homens anteriores tinham feito. “John Flood era um homem notável e um grande líder,” Furnan começou. Ele era um orador muito melhor do que eu tinha esperado. Apesar de não saber quem tinha escrito suas anotações, tinha sito alguém educado. “Na fraternidade em que participávamos, ele era sempre aquele que nos dizia a direção que deveríamos tomar, o objetivo que deveríamos alcançar. Enquanto envelhecia, ele observou frequentemente que este era um trabalho para os jovens.” Um giro direto de elogio para discurso de campanha. Eu não era a única que tinha notado isto; em toda minha volta havia pequenos movimentos, comentários murmurados. Apesar de ser pego de surpresa pela reação que tinha suscitado, Patrick Furnan seguiu em frente. “Eu disse a John que ele era o homem mais perfeito para o cargo que já tivemos, e ainda acredito nisto. Não importa quem siga seus passos, John Flood nunca será esquecido ou substituído. O próximo líder pode somente esperar trabalhar tão duro quanto John. Eu sempre me orgulharei de John ter colocado sua confiança em mim mais de uma vez, e de que ele até mesmo me chamou de seu braço direito.” Com aquelas frases, o revendedor de Harley enfatizou sua candidatura para tomar a posição do Coronel Flood como líder do bando (ou, como eu me referia a isto internamente, chefe dos lobisomens). Alcide, à minha direita, estava rígido de raiva. Se ele não estivesse sentado na fila da frente de um funeral, ele teria adorado endereçar algumas boas observações a mim sobre Patrick Furnan. Do outro lado de Alcide, eu quase não via Christine, cuja face parecia esculpida em marfim. Ela também estava tentando se controlar.  O pai de Alcide esperou um momento para começar sua viagem para o púlpito. Claramente, ele queria que nós limpássemos nosso paladar mental antes dele começar seu discurso. Jackson Herveaux, topógrafo rico e lobisomem, nos deu a chance de examinar sua linda face madura. Ele começou, “Nós não veremos tão cedo as preferências de John Flood. Um homem cuja sabedoria foi forjada e testada através dos anos...” Ah, ui. Isto não estava indo a lugar algum, não senhor. Eu me desliguei do resto do serviço para prestar atenção em meus próprios pensamentos. Tinha uma abundância de coisas para pensar. Nos levantamos enquanto John Flood, coronel da Força Aérea e mestre de bando, saía desta Igreja pela última vez. Permaneci em silêncio durante o percurso para o cemitério, fiquei de pé ao lado de Alcide durante o serviço ao lado do túmulo, e voltei para o carro quanto este terminou e todos os apertos de mão pós-funeral foram dados. Procurei o homem alto, mas ele não estava no cemitério. Na viagem de volta para Bon Temps, Alcide queria manter nosso silêncio bom e limpo, mas era tempo de responder algumas questões. “Como você soube?” Eu perguntei. Ele nem mesmo tentou fingir não entender sobre o que eu estava falando. “Quando eu fui a sua casa ontem, eu pude sentir um traço muito, muito fraco dela na sua porta da frente,” ele disse. “Demorou pouco para concluir isso.” Eu nunca teria considerado a possibilidade. “Eu não acho que teria captado isso se não a tivesse conhecido tão bem,” ele disse. “Eu certamente não captei mais vestígios em nenhum outro lugar na casa.”
Então toda minha esfregação fora de algum proveito. Eu era simplesmente sortuda por Jack e Lily Leeds não serem de dupla natureza. “Você quer saber o que aconteceu?” “Eu acho que não,” ele disse depois de uma pausa apreciável. “Conhecendo Debbie, estou supondo que você só fez o que tinha que fazer. Afinal, era o aroma dela na sua casa. Ela não tinha o que fazer lá.” Isso estava distante de uma aprovação ressonante. “E Eric ainda estava na sua casa então, não estava? Talvez tenha sido Eric?” Alcide soou quase esperançoso. “Não,” eu disse. “Talvez eu queira a história toda.” “Talvez eu tenha mudado de ideia sobre dizer isto a você. Você ou acredita em mim, ou não. Ou você pensa que eu sou o tipo de pessoa que pode matar uma mulher por nenhuma boa razão, ou você sabe que não.” Verdadeiramente, eu estava mais ferida do que pensei que estivesse. Eu estava tomando cuidado para não deslizar para dentro da cabeça de Alcide, porque estava com medo de que pudesse pegar algo que pudesse ser bem mais doloroso. Alcide tentou várias vezes começar outra conversa, mas a viagem não poderia terminar cedo o suficiente para mim. Quando ele estacionou dentro da clareira e eu soube que estava a poucos metros de estar em minha própria casa, o alívio foi esmagador. Eu não podia me arrastar para fora daquele elegante carro tão rápido quanto gostaria. Mas Alcide estava exatamente atrás de mim. “Eu não me importo,” ele disse em uma voz que era quase um rosnado. “O quê?” Eu tinha chegado a minha porta da frente, e a chave estava na fechadura. “Eu não me importo.” “Eu não acredito nisto nem por um minuto.” “O quê?” “Você é mais difícil de ler do que um humano normal, Alcide, mas eu posso ver os bolsões de ressalva em sua mente. Já que você quer que eu o ajude com seu pai, direi o seguinte a você: Patrick sei-lá-seu-nome planeja trazer à tona os problemas de jogo de seu pai para mostrar que ele é inadequado como mestre do bando.” Nada mais secreto e sobrenatural do que a verdade. “Eu li a mente dele antes de você me pedir para fazê-lo. Eu não quero ver você por um longo, longo, longo tempo.” “O quê?” Alcide disse novamente. Parecia que eu tinha batido na cabeça dele com um ferro. “Ver você... ouvir sua cabeça... me faz sentir mal.” Claro, havia várias razões diferentes pelas quais isso acontecia, mas eu não queria enumerá-las. “Assim, obrigada pela carona para o funeral.” (Eu devo ter soado um pouco sarcástica.) “Obrigada por sua preocupação comigo.” (Uma probabilidade maior de sarcasmo aqui.) Entrei na casa, fechei a porta na cara surpresa dele, e a tranquei só para estar no lado seguro. Marchei através da sala de estar, assim ele poderia ouvir meus passos, mas então parei no corredor e esperei para ouvir enquanto ele voltava para o Lincoln. Ouvi o grande carro balançar-se descendo a entrada de carros, provavelmente colocando sulcos em meu belo cascalho. Enquanto tirava o conjunto de Tara e o empacotava para largar na lavanderia, confesso que estava deprimida. Eles dizem que quando uma porta se fecha, outra se abre. Mas eles não estavam vivendo na minha casa. A maioria das portas que eu abro parecem ter alguma coisa assustadora encolhida atrás delas, de qualquer modo.
 
SAM ESTAVA NO bar naquela noite, sentado em uma mesa de canto como um rei visitante, sua perna poiada em cima de outra cadeira forrada com travesseiros. Ele estava mantendo um olho em Charles e o outro na reação da clientela com o barman vampiro. Pessoas davam uma passada, se deixavam cair na cadeira em frente dele, visitavam por alguns minutos, e então deixavam a cadeira. Eu sabia que Sam estava com dor. Eu sempre podia ler a preocupação das pessoas que estavam feridas. Mas ele estava contente de estar vendo outras pessoas, contente de estar de volta no bar, satisfeito com o trabalho de Charles. Eu podia afirmar tudo isso, e ainda assim quando vinha a pergunta de quem tinha atirado nele, eu não tinha uma pista. Alguém estava atirando nos de dupla-natureza, alguém que tinha matado muitos e ferido vários outros. Descobrir a identidade do atirador era imperativo. A polícia não suspeitava de Jason, mas sua própria gente sim. Se as pessoas de Calvin Norris decidissem cuidar do assunto elas mesmas, eles poderiam facilmente achar uma chance de matar Jason. Eles não sabiam que houve mais vítimas do que aquelas em Bon Temps. Eu sondei dentro das mentes, tentei pegar as pessoas em momentos descuidados, até mesmo tentei pensar nos candidatos mais potenciais para a função de assassino assim eu não perderia tempo ouvindo (por exemplo) as preocupações de Liz Baldwin sobre sua neta mais velha. Eu tinha quase certeza que o atirador era um cara. Eu conhecia muitas mulheres que iam caçar e muito mais com acesso a rifles. Mas atiradores não eram sempre homens? A polícia estava desconcertada pela seleção de alvos do atirador, porque eles não sabiam a verdadeira natureza de todas as vítimas. Os de natureza dupla estavam fora de suas buscas porque eles estavam olhando somente para suspeitos locais. “Sookie,” Sam disse enquanto eu passava perto dele. “Se ajoelhe aqui um minuto.” Coloquei um joelho sobre a cadeira assim ele podia falar em voz baixa. “Sookie, eu odeio pedir a você novamente, mas o closet no depósito não está dando certo para Charles.” O armário de suprimentos de limpeza no depósito não era exatamente construído para ser a prova de luz, mas era inacessível para a luz do dia, o que era bom o suficiente. Afinal de contas, o closet não tinha janelas, e estava dentro de uma sala sem nenhuma janela. Levei um minuto para mudar meu trem de pensamentos para outro trilho. “Você não pode me dizer que ele é incapaz de dormir,” eu disse incredulamente. Vampiros podiam dormir nas horas do dia sob quaisquer circunstâncias. “E eu tenho certeza que você colocou uma fechadura no lado de dentro da porta, também.” “Sim, mas ele diz que está meio encolhido no chão, e ele diz que lá fede a vassouras velhas.” “Bem, nós mantemos coisas de limpeza lá.” “O que eu estou dizendo é, seria tão ruim assim se ele ficasse na sua casa?” “Por que você realmente quer tanto que ele fique na minha casa?” eu perguntei. “Tem que haver mais que uma razão do que o conforto de um vampiro estranho durante o dia, quando ele está morto, de qualquer forma.” “Nós não temos sido amigos por um longo tempo, Sookie?” Eu cheirei alguma coisa grande e podre. “Sim,” eu admiti me colocando de pé assim ele teria que olhar para cima para mim. “E?” “Eu soube através das fofocas que a comunidade de Hotshot contratou um guarda-costas Lobis para o quarto de hospital de Calvin.”
“Sim, eu acho isto meio estranho também.” Reconheci sua preocupação não-falada. “Então eu suponho que você ouviu o que eles suspeitam.” Sam concordou com a cabeça. Seus brilhantes olhos azuis capturaram os meus. “Você tem que levar isto a sério, Sookie.” “O que faz você pensar que eu não levei?” “Você recusou Charles.” “Eu não vejo o que tem a ver dizer a ele que não pode dormir em minha casa, com minha preocupação com o Jason.” “Eu acho que ele ajudaria você a proteger Jason, se precisasse. Eu estou em baixa com esta perna, ou eu iria... eu não acredito que foi Jason quem atirou em mim.” Um nó de tensão dentro de mim relaxou quando Sam disse isto. Eu não tinha percebido que estava preocupada sobre o que ele pensava, mas eu estava. Meu coração suavizou um pouco. “Ah, tudo bem,” eu disse com má vontade. “Ele pode vir ficar comigo.” Saí pisando firme raivosamente, ainda incerta porque tinha concordado. Sam acenou para Charles, conversou com ele brevemente. Mais tarde naquela noite Charles pegou emprestada as minhas chaves para colocar sua sacola no carro. Depois de alguns minutos, ele estava de volta no bar e sinalizou que tinha retornado as chaves para minha bolsa. Concordei com a cabeça, talvez um pouco breve. Eu não estava feliz, mas se fui obrigada a ter um hóspede, pelo menos ele era um hóspede educado. Mickey e Tara vieram ao Merlotte‟s àquela noite. Como antes, a intensidade obscura do vampiro deixou todos no bar um pouco agitados e barulhentos. Os olhos de Tara me seguiam com um tipo de resignação triste. Eu estava esperando pegá-la sozinha, mas não a vi deixar a mesa por nenhuma razão. Descobri que havia outra causa para alarme. Quando ela vinha ao bar com Franklin Mott, ela sempre tirava um minuto para me dar um abraço, conversar comigo sobre família e trabalho. Vislumbrei Claudine, a fada, através da sala e embora planejasse refazer meu caminho para dar uma palavrinha com ela, eu estava preocupada demais com a situação de Tara. Como sempre, Claudine estava cercada por admiradores. Finalmente, fiquei tão ansiosa que agarrei o vampiro pelas presas* e fui para a mesa de Tara. Como uma cobra, Mickey estava encarando nosso exuberante barman, e ele quase não dirigiu o olhar para mim enquanto me aproximava. Tara parecia esperançosa e amedrontada, e eu  parei de pé ao lado dela e coloquei minha mão em seu ombro para pegar uma imagem clara de sua mente. Tara tinha se saído tão bem em sua vida que eu raramente me preocupava com sua única fraqueza: Ela escolhia os homens errados. Eu lembrava quando ela saia com “Eggs” Benedict, que tinha aparentemente morrido em um incêndio no outono passado. Eggs bebia muito e tinha uma personalidade fraca. Franklin Mott pelo menos tratava Tara com respeito e a tinha enchido de presentes, apesar de que a natureza dos presentes era do tipo: “Eu sou uma amante,” ao invés de “Eu sou uma namorada honrada.” Mas o que tinha acontecido para ela estar na companhia de Mickey – Mickey, cujo nome fez até mesmo Eric hesitar? (*Trocadilho com a expressão peguei o touro pelos chifres, ou seja criei coragem) Senti como se estivesse lendo um livro e descoberto que alguém tinha rasgado algumas páginas do meio. “Tara,” eu disse calmamente. Ela olhou para cima, seus grandes olhos castanhos entorpecidos e sem vida: além do medo, a vergonha. Para quem via de fora ela parecia quase normal. Ela estava bem arrumada e maquiada, suas roupas eram modernas e atraentes. Mas por dentro, Tara estava atormentada. O que estava errado com minha amiga? Por que eu não tinha notado antes que alguma coisa a estava corroendo de dentro para fora? Perguntei-me o que fazer a seguir. Tara e eu estávamos somente encarando uma a outra, e apesar dela saber o que eu estava vendo dentro dela, ela não estava respondendo. “Acorde,” eu disse sem nem sequer saber de onde as palavras tinham vindo. “Acorde, Tara!” Uma mão branca agarrou meu braço e removeu minha mão do ombro de Tara forçadamente. “Eu não estou pagando para você tocar minha acompanhante,” Mickey disse. Ele tinha os olhos mais frios que eu já tinha visto – cor de lodo, como os de um réptil. “Eu estou pagando você para nos trazer nossos drinques.” “Tara é minha amiga,” eu disse. Ele ainda estava apertando meu braço, e se um vampiro aperta você, você sabe o que é isso. “Você está fazendo alguma coisa para ela. Ou você está deixando outra pessoa machucá-la.” “Isto não é da sua conta.” “Isto é da minha conta,” eu disse. Eu sabia que meus olhos estavam se enchendo de lágrimas pela dor e tive um momento de absoluta covardia. Olhando em seu rosto, eu sabia que ele poderia me matar e estar fora do bar antes que qualquer um lá pudesse pará-lo. Ele poderia levar Tara com ele, como um cachorro de estimação ou seu gado. Antes que o medo pudesse me dominar, eu disse, “Me solte.” Eu fiz cada palavra ser clara e distinta, mesmo que eu soubesse que ele podia ouvir um alfinete cair em uma tempestade. “Você está tremendo como um cão doente,” ele disse com desdém. “Me solte,” eu repeti. “Ou você irá fazer – o quê?” “Você não pode ficar acordado para sempre. Se não for eu, será alguma outra pessoa.” Mickey pareceu estar reconsiderando. Não acredito que foi minha ameaça, apesar de que eu falei sério da ponta dos dedos do pé às raízes do meu cabelo. Ele olhou para baixo para Tara, e ela falou, como se ele tivesse puxado uma corda. “Sookie, não faça tempestade num copo d‟água. Mickey é meu homem agora. Não me envergonhe na frente dele.” Minha mão caiu de volta no ombro dela e arrisquei tirar meus olhos de Mickey para olhar para baixo nela. Ela definitivamente queria que eu me afastasse; ela estava sendo completamente sincera sobre isso. Mas seu pensamento sobre o motivo era curiosamente sombrio. “Certo, Tara. Você precisa de outra bebida?” Eu perguntei lentamente. Eu estava vagando pela mente dela e estava encontrando uma parede de gelo, escorregadia e quase opaca. “Não, obrigada,” Tara disse educadamente. “Mickey e eu precisamos ir agora.” Aquilo surpreendeu Mickey, eu pude perceber. Senti-me um pouco melhor; Tara era responsável por ela mesma, pelo menos até certo ponto. “Devolverei sua roupa. Já a levei para a lavanderia,” eu disse. “Sem pressa.” “Tudo bem. Vejo você depois.” Mickey apertava firme o braço de minha amiga enquanto os dois saíam pela multidão. Peguei os copos vazios da mesa, limpei a mesa embaixo deles e me virei de volta para o bar. Charles Twining e Sam estavam em alerta. Eles tinham observado todo o pequeno incidente. Eu dei de ombros e eles relaxaram. Quando nós fechamos o bar naquela noite, o novo segurança estava esperando na porta dos fundos por mim enquanto eu colocava meu casaco e tirava minhas chaves da bolsa. Destranquei as portas de meu carro e ele entrou. “Obrigado por concordar em me receber em seu lar,” ele disse.
Me obriguei a dizer uma coisa educada de volta. Nenhuma razão em ser rude. “Você acha que Eric irá se importar de eu ficar aqui?” Charles perguntou enquanto nos dirigíamos pela estreita estrada municipal. “Não é decisão dele,” eu disse curtamente. Me irritei que ele automaticamente se perguntasse sobre Eric. “Ele não vem ver você frequentemente?” inquiriu Charles com a persistência habitual. Não respondi até nós estacionarmos atrás da minha casa. “Ouça,” eu disse, “Não sei o que você ouviu, mas ele não é... nós não somos... desse jeito.” Charles olhou para meu rosto e sabiamente ficou calado enquanto eu destrancava minha porta traseira. “Sinta-se livre para explorar,” eu disse depois de ter convidado ele para a soleira. Vampiros gostavam de conhecer entradas e saídas. “Então mostrarei a você seu lugar de dormir.” Enquanto o segurança olhava curiosamente ao redor da humilde casa onde minha família tinha vivido por tantos anos, pendurei meu casaco e coloquei minha bolsa em meu quarto. Fiz um sanduíche para mim depois de perguntar a Charles se ele queria um pouco de sangue. Eu mantinha um pouco de tipo O na geladeira, e ele pareceu contente de sentar e beber depois de ter estudado a casa. Charles Twining era um tipo de sujeito pacífico para se ter por perto, especialmente para um vampiro. Ele não me desejava, e ele não parecia querer nada de mim. Mostrei a ele a porta do alçapão que se levantava no chão do armário do quarto de hóspedes. Disse a ele como o controle remoto da televisão funcionava, mostrei minha pequena coleção de filmes, apontei os livros nas prateleiras no quarto de hóspedes e na sala de estar. “Há alguma outra coisa que você acha que possa precisar?” eu perguntei. Minha avó me educou muito bem, apesar de eu acreditar que ela nunca imaginou que eu seria anfitriã de um bando de vampiros. “Não, obrigado, Srta. Sookie,” Charles disse educadamente. Seus longos dedos brancos dando tapinhas em seu olho tapado, um estranho hábito que me dava calafrios. “Então, se você me desculpar, direi boa noite.” Eu estava cansada, e era um trabalho exaustivo conversar com um quase estranho. “Claro. Descanse tranquila, Sookie. Se eu quiser vagar nos bosques...?” “Sinta-se livre,” eu disse imediatamente. Eu tinha uma chave extra da porta de trás, e a tirei da gaveta na cozinha onde eu mantinha todas as chaves. Esta tinha sido a gaveta das quinquilharias por talvez oitenta anos, desde que a cozinha tinha sido adicionada a casa. Havia pelo menos uma centena de chaves nela. Algumas, daquelas que já eram velhas quando a cozinha fora construída, eram extremamente esquisitas. Eu tinha rotulado aquelas da minha geração, e colocado a chave da porta de trás em um chaveiro de plástico rosa brilhante da minha agência de seguros State Farm. “Uma vez que você esteja pronto para a noite – bem, permanentemente – feche o trinco, por favor.” Ele concordou e pegou a chave. Geralmente era um erro sentir simpatia por um vampiro, mas eu não podia evitar pensar que havia alguma coisa triste sobre Charles. Ele me parecia solitário, e havia sempre alguma coisa patética sobre solidão. Eu tinha experimentado isto por mim mesma. Eu negava ferozmente que era patética, mas quando via solidão em alguma outra pessoa, podia sentir o puxão de piedade. Lavei meu rosto e vesti um pijama de nylon rosa. Eu já estava quase dormindo quando escovei meus dentes e deslizei na cama alta e velha em que minha avó tinha dormido até ela morrer. Minha bisavó tinha feito o acolchoado que eu puxei sobre mim, e minha tia-avó Julia tinha bordado o padrão nas bordas da colcha. Apesar de eu estar realmente sozinha no mundo – com exceção de meu irmão, Jason – eu dormia cercada pela minha família.
Meu sono profundo é por volta das três da manhã, e em algum momento durante este período eu fui acordada pelo aperto de uma mão em meu ombro. Fui jogada para total consciência, como uma pessoa sendo jogada em uma piscina fria. Para combater o choque que estava perto de me paralisar, movi meu punho. Este foi pego em um aperto frio. “Não, não, não, ssshhh” saiu um penetrante murmúrio da escuridão. Sotaque Inglês. Charles. “Alguém está se esgueirando em volta do lado de fora de sua casa, Sookie.” Minha respiração estava tão ruidosa quanto um acordeão. Perguntei-me se eu estaria tendo um ataque cardíaco. Coloquei uma mão sobre meu coração, como se eu pudesse segurá-lo dentro quando este parecia determinado a golpear até sair do meu peito. “Deite-se!” ele disse diretamente no meu ouvido, e então o senti agachar-se ao lado da cama nas sombras. Eu deitei e fechei meus olhos quase por todo o tempo. A cabeceira da cama estava situada entre as duas janelas do recinto, então quem quer que estivesse deslizando em volta de minha casa não podia realmente conseguir dar uma boa olhada em meu rosto. Me certifiquei de que estava deitada tão parada e relaxada quanto podia conseguir. Tentei pensar, mas estava muito assustada. Se o sorrateiro fosse um vampiro, ele ou ela não poderia entrar – a menos que fosse Eric. Eu tinha rescindido o convite de Eric para entrar? Não conseguia lembrar. Isso é o tipo de coisa que eu preciso manter controle, balbuciei para mim mesma. “Ele está passando.” Charles disse em uma voz tão fraca que era quase o fantasma de uma voz. “O que é?” eu perguntei em uma voz que esperava que estivesse perto de ser sem som. “Está muito escuro do lado de fora para dizer.” Se um vampiro não podia ver o que estava lá fora, deveria estar realmente escuro. “Vou de fininho lá fora e descobrir.” “Não,” eu disse urgentemente, mas era muito tarde. Jesus Cristo, pastor da Judeia. E se o gatuno fosse Mickey? Ele mataria Charles – tinha certeza. “Sookie!” A última coisa que eu esperava – apesar de, francamente, eu não conseguia esperar qualquer coisa conscientemente– era Charles me chamar. “Venha aqui fora, se você não se importar!” Deslizei meu pé dentro de meu chinelo acolchoado rosa e me apressei pelo corredor para a porta de trás; achando que era de onde a voz tinha vindo. “Estou ligando a luz de fora” gritei. Não queria que alguém ficasse cego pela eletricidade repentina. “Você tem certeza que é seguro aí fora?” “Sim” disseram duas vozes quase simultaneamente. Movi o botão com meus olhos fechados. Depois de um segundo, os abri e caminhei para a porta de tela da varanda de trás, com meu pijama e chinelos cor de rosa. Cruzei meus braços sobre meu peito. Apesar de não estar frio esta noite, estava fresco. Absorvi a cena na minha frente. “Certo,” eu disse lentamente. Charles estava na área coberta com pedras onde estacionei, e ele estava com um cotovelo em volta do pescoço de Bill Compton, meu vizinho. Bill é um vampiro, tem sido desde logo depois da Guerra Civil. Nós temos uma história. É provavelmente só uma pedrinha de história na longa vida de Bill, mas na minha, é uma rocha. “Sookie,” Bill disse entre dentes trincados. “Não quero causar dano a este estrangeiro. Diga a ele para tirar suas mãos de mim.” Ruminei aquilo rapidamente. “Charles, acho que você pode deixá-lo ir,” eu disse, e tão rápido quanto eu podia estalar meus dedos Charles estava em pé ao meu lado. “Você conhece este homem?” A voz de Charles estava dura.
Da mesma forma friamente, Bill disse “Ela me conhece, intimamente.” Oh, droga. “Ora, isso é educado?” No meu tom de voz podia ter um pouco de metal frio. “Eu não ando por aí dizendo a todos os detalhes de nosso antigo relacionamento. Eu esperaria o mesmo de qualquer cavalheiro.” Para minha satisfação, Charles olhou furioso para Bill, levantando uma sobrancelha em uma maneira muito superior e irritante. “Então este sujeito está dividindo sua cama agora?” Bill sacudiu sua cabeça na direção do vampiro mais baixo. Se ele tivesse dito qualquer outra coisa, eu poderia ter segurado meu temperamento. Não o perco muito, mas quando eu perco, é de verdade. “Isto é da sua conta?” eu perguntei, mordendo cada palavra. “Se eu dormir com uns cem homens, ou umas cem ovelhas, não te diz respeito! Por que você está se esgueirando em volta da minha casa no meio da noite? Você me assustou quase até a morte.” Bill não parecia remotamente arrependido. “Eu sinto muito que você acordou e ficou assustada” ele disse sem sinceridade. “Eu estava checando sua segurança.” “Você estava vagando em volta dos bosques e sentiu o cheiro de outro vampiro” eu disse. Ele sempre teve um olfato extremamente aguçado. “Então você veio aqui ver quem era.” “Eu queria ter certeza que você não estava sendo atacada,” Bill disse. “Eu acho que peguei um cheiro de humano, também. Você teve um visitante humano hoje?” Eu não acreditei nem por um minuto que Bill estava somente preocupado com minha segurança, mas não queria acreditar que ciúme o trouxe para minha janela, ou algum tipo de curiosidade lasciva. Eu só inspirei e expirei por um minuto, me acalmando e considerando. “Charles não está me atacando,” eu disse orgulhosa de estar falando tão uniformemente. Bill desdenhou. “Charles,” ele repetiu em tom de grande desprezo. “Charles Twining,” disse minha companhia, saudando – se é que se pode chamar uma leve inclinação de sua cabeça castanha cacheada de saudação. “Onde você achou este sujeito?” A voz de Bill tinha recuperado a calma. “Na verdade, ele trabalha para Eric, como você.” “Eric forneceu um guarda-costas para você? Você precisa um guarda-costas?” “Ouça, palhaço” eu disse através de mandíbulas apertadas “minha vida continuou enquanto você estava viajando. Da mesma forma como a da cidade. Pessoas estão recebendo tiros por aqui, entre eles Sam. Nós precisávamos de um barman substituto, e Charles foi oferecido para nos ajudar.” Isto podia não ter sido inteiramente preciso, mas eu não estava querendo ser exata no momento. Eu estava mais querendo expressar o Meu Ponto de Vista. Pelo menos Bill ficou apropriadamente surpreendido pela informação. “Sam. Quem mais?” Eu estava tremendo, visto que este não era tempo para usar pijama de nylon. Mas não queria Bill na casa. “Calvin Norris e Heather Kinman.” “Baleados e mortos?” “Heather foi. Calvin está gravemente ferido.” “A polícia prendeu alguém?” “Não.” “Você sabe quem fez isto?” “Não.” “Você está preocupada com seu irmão.” “Sim.”
“Ele se transformou na lua cheia.” “Sim.” Bill olhou para mim com o que podia ter sido piedade. “Eu sinto muito, Sookie” ele disse, e foi sincero. “Não há razão em me dizer isto” eu cortei. “Diga a Jason – foi ele quem ficou peludo.” O rosto de Bill ficou frio e duro. “Desculpe minha intromissão” ele disse. “Eu irei embora.” Ele se fundiu dentro do bosque. Eu não sabia como Charles reagiu ao episódio, porque me virei e segui de volta para a casa, desligando a luz exterior enquanto me movi. Me joguei de volta na cama e deitei lá, fumegando e fazendo tempestade em copo d‟água silenciosamente. Puxei as cobertas sobre minha cabeça assim o vampiro se ligaria que eu não queria discutir o incidente. Ele se movia tão silenciosamente, eu não tinha certeza de onde ele estava na casa; acho que ele parou na entrada por um segundo, e então foi adiante. Fiquei acordada por pelo menos quarenta e cinco minutos, e então me peguei cedendo ao sono. Então alguém me sacudiu pelo ombro. Senti um perfume doce, e alguma outra coisa, alguma coisa terrível. Eu estava terrivelmente grogue. “Sookie, sua casa está em chamas,” uma voz disse. “Não pode ser,” eu disse. “Eu não deixei nada ligado.” “Você tem que sair agora,” a voz insistiu. Um chiado persistente me lembrou dos exercícios de prevenção de incêndio na escola primária. “Certo,” eu disse, minha cabeça pesada com sono e (vi quando abri meus olhos) fumaça. O chiado no fundo, entendi lentamente, era meu detector de fumaça. Pesadas plumas cinza estavam se deslocando através do meu quarto amarelo e branco como gênios diabólicos. Eu não estava me movendo rápido o suficiente para Claudine, que me puxou com força para fora da cama e me carregou para fora da casa pela porta da frente. Uma mulher nunca tinha me levantado, mas, claro, Claudine não era uma mulher comum. Ela me colocou de pé na grama fria do quintal da frente. O frio que senti por causa disso repentinamente me acordou. Isto não era um pesadelo. “Minha casa pegou fogo?” eu ainda estava lutando para estar alerta. “O vampiro diz que foi aquele humano, lá,” ela disse, apontando para a esquerda da casa. Mas por um longo minuto meus olhos estavam fixos na terrível visão das chamas, e o vermelho do or do fogo iluminando a noite. A varanda de trás e parte da cozinha estavam queimando. Olhei para uma forma contraída no chão, perto de uma forsythia* em flor. Charles estava ajoelhado perto daquilo. “Vocês chamaram o corpo de bombeiros?” eu perguntei a eles enquanto eu caminhava em volta da casa com meus pés descalços para dar uma olhada na figura deitada. Espreitei na luz fraca a face frouxa do homem morto. Ele era branco, sem barba, e estava provavelmente em seus trinta. Apesar das condições serem dificilmente ideais, não o reconheci. * uma espécie de planta:
http://corditecountryshownotes.files.wordpress.com/2009/05/forsythia.jpg
“Oh, não, eu não pensei nisto.” Charles olhou para cima do corpo. Ele era de uma época de antes do corpo de bombeiros. “E eu esqueci meu telefone celular,” disse Claudine, que era tipicamente moderna. “Então eu tenho que entrar de volta e fazer isto, se os telefones ainda funcionarem,” eu disse, virando em meus calcanhares. Charles levantou-se para sua altura inconsiderável e me encarou. “Você não irá voltar lá.” Isto era definitivamente uma ordem de Claudine. “Cara novo, você corre rápido o suficiente para fazer isto.”
“Fogo,” Charles disse “é rapidamente fatal para vampiros.” Isto era verdade; subia como uma tocha uma vez que eles pegassem fogo. Egoistamente, por um segundo eu quase insisti; eu queria meu casaco e meus chinelos e minha bolsa. “Vá ligar do telefone do Bill.” eu disse, apontando na direção certa, e ele foi embora como um coelho. No minuto em que ele estava fora de vista e antes que Claudine pudesse me parar, eu lancei-me de volta para a porta da frente e fui para meu quarto. A fumaça estava muito abundante, e eu podia ver as chamas a uns poucos passos abaixo no corredor da cozinha. Assim que vi as chamas soube que eu tinha cometido um enorme erro entrando novamente na casa, e era difícil não entrar em pânico. Minha bolsa estava exatamente onde eu a tinha deixado, e meu casaco estava jogado sobre a poltrona em um canto de meu quarto. Não podia achar meus chinelos, e sabia que eu não podia ficar. Tateei em uma gaveta por um par de meias, visto que eu sabia com certeza que elas estavam lá, e então corri para fora de meu quarto, tossindo e sufocando. Agindo por puro instinto, me virei brevemente para minha esquerda para fechar a porta para a cozinha, e então rodei com pressa para sair pela porta da frente. Caí sobre uma cadeira na sala de estar. “Aquilo foi estúpido,” disse Claudine, a fada, e eu gritei. Ela me agarrou em volta da cintura e correu para fora da casa novamente, comigo sob seu braço como um carpete dobrado. A combinação de gritar e tossir prendeu meu sistema respiratório em nós por um minuto ou dois, e durante este tempo Claudine me levou para ainda mais longe da minha casa. Ela me sentou na grama e colocou as meias em meus pés. Então ela me ajudou a levantar e colocou meus braços dentro do casaco. Eu o abotoei em meu corpo agradecidamente. Esta era a segunda vez que Claudine tinha aparecido de lugar nenhum quando eu estava a ponto de entrar em sérios problemas. A primeira vez, eu tinha caído no sono dirigindo depois de um dia muito longo. “Você está tornando isto terrivelmente difícil para mim,” ela disse. Ela ainda soava alegre, mas talvez não totalmente doce. Alguma coisa mudou na casa, e eu entendi que a luz noturna no corredor tinha apagado. Ou a eletricidade tinha caído, ou a linha tinha sido cortada na cidade pelo corpo de bombeiros. “Eu sinto muito,” eu disse, sentindo que aquilo era apropriado, embora não tivesse nenhuma ideia porque Claudine sentiu-se explorada quando era minha casa que estava queimando. Quis me apressar para o quintal para conseguir uma visão melhor, mas Claudine tomou posse de meu braço. “Não se aproxime,” ela disse simplesmente, e eu não podia quebrar sua imobilização. “Ouça, os caminhões estão vindo.” Agora eu podia ouvir os carros do corpo de bombeiros, e abençoei cada pessoa que estava vindo ajudar. Eu sabia que os pagers tinham explodido por toda a área, e os voluntários tinham corrido para o posto dos bombeiros direto de suas camas. Bagre Hunter, o chefe de meu irmão, parou em seu carro. Ele pulou para fora e correu direto até mim. “Alguém lá dentro?” – ele perguntou urgentemente. O caminhão de bombeiros da cidade se aproximou depois dele, mandando meu cascalho novo pro inferno. “Não,” eu disse. “Há um tanque de propano?” “Sim.” “Onde?” “Quintal.” “Onde está seu carro, Sookie?” “Na parte de trás,” eu disse, minha voz estava começando a tremer. “Tanque de propano na parte de trás!” Bagre gritou sobre seu ombro.
Houve um berro de resposta, seguido por um monte de atividade decidida. Reconheci Hoyt Fortenberry e Ralph Tooten, mais quatro ou cinco outros homens e umas duas mulheres. Bagre, depois de uma rápida conversa com Hoyt e Ralph, chamou uma mulher muito pequena que parecia ocupada com seu equipamento. Ele apontou para a figura imóvel na grama, e ela livrou-se de seu capacete e se ajoelhou ao lado delas. Depois de alguns olhares e toques, ela sacudiu sua cabeça. Eu mal a reconheci como a enfermeira do Dr. Robert Meredith, Jan alguma coisa. “Quem é o homem morto?” perguntou Bagre. Ele não parecia muito preocupado com o corpo. “Eu não faço ideia,” eu disse. Eu só descobri o quanto estava chocada pelo modo que minha voz saiu – trêmula, pequena. Claudine colocou seu braço ao meu redor. Um carro de polícia parou ao lado do caminhão dos bombeiros, e o Xerife Bud Dearborn saiu do assento do motorista. Andy Bellefleur era seu passageiro. Claudine disse “Oh-ou.” “Sim,” eu disse. Então Charles estava comigo novamente, e Bill estava exatamente em seus calcanhares. Os vampiros captaram a atividade frenética, mas propositada. Eles notaram Claudine. A mulher pequena, que tinha se posto de pé para retomar seu equipamento, chamou “Xerife, me faça um favor e chame uma ambulância para levar este corpo.” Bud Dearborn deu uma olhada em Andy, que se afastou para falar no rádio do carro. “Ter um admirador morto não é suficiente, Sookie?” Bud Dearborn me perguntou. Bill rosnou, os bombeiros quebraram a janela perto da mesa de jantar de minha trisavó, e uma visível corrente de calor e faíscas esguichou na noite. O caminhão tanque fez um monte de barulho, e o telhado de estanho que cobria a cozinha e varanda se separou da casa. Minha casa estava se desfazendo em chamas e fumaça.
 
CLAUDINE ESTAVA À minha esquerda. Bill veio para minha direita e pegou minha mão. Juntos, nós observamos os bombeiros apontarem a mangueira pela janela quebrada. Um som de copo quebrando do outro lado da casa indicou que eles estavam quebrando a janela em cima da pia também. Enquanto os bombeiros se concentravam no fogo, a polícia se concentrou no corpo. Charles se adiantou imediatamente sem hesitar. “Eu o matei,” ele disse calmamente. “Eu o peguei colocando fogo na casa. Ele estava armado e me atacou.” Xerife Bud Dearborn parecia mais com um pequinês do que qualquer humano deveria parecer. Seu rosto era praticamente côncavo. Seus olhos eram redondos e brilhantes, e, no momento, extremamente curiosos. Seu cabelo castanho, generosamente riscado com cinza, foi penteado todo para trás ao redor de seu rosto, e eu esperava que sua voz saísse fanha quando ele falasse. “E você seria?” Ele perguntou ao vampiro. “Charles Twining,” Charles respondeu graciosamente. “À sua disposição.” Eu não esperava o bufar do xerife ou o girar de olhos de Andy Bellefleur. “E você estaria no local por que...?” “Ele está ficando comigo,” Bill disse suavemente, “enquanto ele trabalha no Merlotte.” Presumivelmente o xerife já tinha ouvido falar sobre o novo barman, porque ele só acenou com a cabeça. Eu estava aliviada em não ter que confessar que supostamente Charles estaria dormindo em meu armário e abençoei Bill por ter mentido sobre isso. Nossos olhares se encontraram por um momento. “Então você admite que matou este homem?” Andy perguntou a Charles. Charles acenou com a cabeça curtamente. Andy acenou para mulher com roupas de hospital que estava esperando no carro dela – somando talvez cinco carros no meu jardim, mais o caminhão de bombeiros. Esta recém chegada olhou para mim curiosamente enquanto caminhava para a forma amontoada nos arbustos. Puxando um estetoscópio de um bolso, ela ajoelhou-se perto homem e escutou várias partes do corpo dele. “Sim, morto como uma porta” ela declarou.  Andy tinha tirado uma polaroid da radiopatrulha para tirar fotos do corpo. Já que a única luz era o flash da câmera e a luz bruxuleante da chama da minha casa queimando, não pensei que as fotos fossem sair muito boas. Eu estava entorpecida com o choque e observei Andy como se esta fosse uma atividade importante. “Que pena. Teria sido bom descobrir porque ele incendiou a casa de Sookie.” Bill disse enquanto ele assistiu Andy trabalhar. Sua voz rivalizava com uma geladeira pela frieza. “Em meu medo pela segurança de Sookie, suponho que golpeei muito duramente.” Charles tentou parecer arrependido. “Considerando que o pescoço dele parece estar quebrado, eu suponho que você o fez,” disse a doutora, estudando o rosto branco de Charles com a mesma atenção cuidadosa que ela tinha dado a mim. Acho que a doutora tinha por volta de trinta anos; uma mulher esbelta a ponto de ser magra, com cabelo vermelho muito curto. Ela tinha aproximadamente um metro e sessenta, e tinha feições de duende, ou pelo menos o tipo que eu sempre tinha pensado como de duendes: um nariz curto, virado para cima, olhos amplos, boca grande. As palavras dela eram tão secas como ousadas, e ela não parecia de modo algum desconcertada ou entusiasmada por ser convocada no meio da noite para algo assim. Ela deve ser a médica-legista do município, assim eu devia ter votado nela, mas eu não conseguia lembrar seu nome. “Quem é você?” Claudine perguntou em sua voz mais doce. A doutora piscou ao ver Claudine. Claudine, nesta hora profana da manhã, estava com a maquiagem completa e um top fúcsia de malha com leggings de malha preta. Seus sapatos eram listrados em fúcsia e preto e sua jaqueta também era. O cabelo preto ondulado de Claudine estava afastado de seu rosto com pentes fúcsia. “Eu sou a Dra. Tonnesen. Linda. Quem é você?” “Claudine Crane,” a fada disse. Eu nunca soubera o sobrenome que Claudine usava. “E por que você estava aqui no local, Srta. Crane?” Andy Bellefleur perguntou. “Eu sou a fada madrinha de Sookie,” Claudine disse, rindo. Mesmo com a cena macabra, todos os outros riram, também. Era como se nós não pudéssemos deixar de ser alegres ao redor de Claudine. Mas eu desejei saber muito mais sobre a explicação de Claudine. “Não, sério,” Bud Dearborn disse. “Por que você está aqui, Srta. Crane?” Claudine sorriu travessamente. “Eu estava passando a noite com Sookie,” ela disse, piscando. Em um segundo, nós éramos os objetos de uma fascinada pesquisa minuciosa de cada macho que pode ouvir suas palavras, e tive que fechar minha cabeça como se fosse uma prisão de segurança máxima para bloquear as imagens mentais que os sujeitos estavam transmitindo. Andy se sacudiu, fechando sua boca, e se agachou perto do homem morto. “Bud, eu vou virar ele,” ele disse um pouco roucamente, e virou o cadáver para que assim ele pudesse apalpar dentro dos bolsos do homem morto. A carteira do homem provou estar na jaqueta dele, o que parecia um pouco incomum para mim. Andy se endireitou e caminhou para longe do corpo para examinar o conteúdo da carteira. “Você quer dar uma olhada, ver se você o reconhece?” Xerife Dearborn me perguntou. Claro que não, mas eu também vi que realmente não tinha escolha. Nervosamente, eu avancei lentamente um pouco mais perto e olhei novamente para a face do homem morto. Ele ainda pareceu comum. Ele ainda pareceu morto. Ele poderia estar em seus trinta. “Eu não o conheço,” eu disse, minha voz pequena no barulho dos bombeiros e da água que vertendo sobre a casa. “O quê?” Bud Dearborn estava com dificuldade em me ouvir. Seus redondos olhos castanhos estavam travados sobre minha face. “Não o conheço!” Eu disse, quase gritando. “Que eu me lembre, nunca o vi. Claudine? Eu não sei por que eu perguntei a Claudine. “Oh, sim, eu o vi,” ela disse alegremente. Isso atraiu a inteira atenção dos dois vampiros, dos dois oficiais da lei, da doutora e a minha. “Onde?” Claudine lançou seu braço ao redor dos meus ombros. “Ora, ele estava hoje à noite no Merlotte. Você estava muito preocupada com sua amiga para notar, eu suponho. Ele estava no mesmo lado do recinto onde eu estava sentanda.” Arlene estava trabalhando daquele lado. Não era muito impressionante que eu tinha perdido uma face masculina em um bar abarrotado. Mas me aborreceu que eu estava escutando o pensamento das pessoas e tinha passado por cima de pensamentos que deveriam ter sido relevantes para mim. Afinal de contas, ele estava em um bar comigo, e poucas horas depois ele tinha ateado fogo na minha casa. Ele deve ter ponderado sobre mim, certo? “Esta carteira de motorista diz que ele é de Little Rock, Arkansas” Andy disse.
“Não foi isso que ele me falou” Claudine disse. “Ele disse que era da Geórgia.” Ela ainda parecia radiante quando percebeu que ele tinha mentido para ela, mas não estava sorrindo. “Ele disse que o nome dele era Marlon.” “Ele lhe falou por que ele estava na cidade, Srta. Crane?” “Ele disse que estava só de passagem, tinha um quarto de motel na interestadual.” “Ele explicou algo mais?” “Não.” “Você foi ao motel dele, Srta. Crane?” Bud Dearborn perguntou na sua melhor voz imparcial. Dra. Tonnesen estava olhando de orador a orador como se ela estivesse em uma partida de tênis verbal. “Deus, não, eu não faço coisas como esta.” Claudine sorriu em todas as direções. Bill parecia como se alguém tivesse acabado de agitar uma garrafa de sangue em frente de seu rosto. Suas presas se estenderam, e seus olhos se fixaram em Claudine. Vampiros têm que se controlarem ao máximo quando as fadas estão por perto. Charles deu um passo para mais perto de Claudine, também. Ela tinha que partir antes que os oficiais da lei observassem como os vampiros estavam reagindo. Linda Tonnesen já tinha notado; ela mesma estava bem interessada em Claudine. Eu esperava que ela tivesse atribuído a fascinação dos vampiros à excelente aparência de Claudine, ao invés da devastadora sedução que fadas possuíam sobre vampiros. “Sociedade do Sol.” Andy disse. “Ele tinha um genuíno cartão de sócio aqui. Não há nome escrito no cartão; isto é estranho. Sua carteira de motorista é emitida para Jeff Marriot.” Ele olhou interrogativamente para mim. Eu sacudi minha cabeça. O nome não significava nada para mim. Era bem típico um membro da Sociedade pensar que pudesse fazer algo tão sórdido quanto incendiar minha casa – comigo nela – e ninguém o questionaria. Não era a primeira vez que a Sociedade do Sol, um grupo de ódio anti-vampiro, tinha tentado me queimar viva. “Ele deveria saber que você teve, ah, uma associação com vampiros,” Andy disse no silêncio. “Eu estou perdendo minha casa e poderia ter morrido porque conheço vampiros?” Até mesmo Bud Dearborn pareceu um pouco envergonhado. “Alguém deve ter ouvido que você costumava sair com o Sr. Compton, aqui” Bud murmurou. “Eu sinto muito, Sookie.” Eu disse “Claudine precisa partir.” A mudança abrupta de assunto assustou tanto Andy e Bud, quanto Claudine também. Ela olhou para os dois vampiros, que estavam perceptivelmente mais perto dela, e apressadamente disse “Sim, sinto muito, tenho que voltar para casa. Eu tenho que trabalhar amanhã.” “Onde está seu carro, Srta. Crane?” Bud Dearborn olhou em volta elaboradamente. “Eu não vejo qualquer carro exceto o de Sookie, e este está estacionado na parte de trás.” “Eu estacionei no Bill” Claudine mentiu suavemente, com anos de prática. Sem esperar por mais discussão, ela desapareceu nos bosques, e só minhas mãos agarrando os braços deles impediu Charles e Bill de deslizarem na escuridão atrás dela. Eles estavam fitando o negrume das árvores quando eu os belisquei fortemente. “O quê?” Bill perguntou, quase sonhadoramente. “Saiam dessa,” eu murmurei, esperando que Bud e Andy e a nova doutora não ouvissem por acaso. Eles não precisavam saber que Claudine era sobrenatural. “Esta é uma mulher e tanto,” Dra. Tonnesen disse, quase tão ofuscada quanto os vampiros. Ela sacudiu-se. “A ambulância virá pegar, uh, Jeff Marriot. Eu só estou aqui porque estava com meu scanner ligado enquanto eu estava dirigindo de volta de meu turno no hospital de Clarice. Eu preciso chegar em casa e dormir um pouco. Sinto sobre seu incêndio Srta. Stackhouse, mas pelo menos você não acabou como este sujeito aqui.” Ela acenou com a cabeça para o cadáver. Conforme ela entrava no seu Ranger, o chefe dos bombeiros marchou até nós. Eu conhecia Bagre Hunter há anos – ele tinha sido um amigo de meu pai – mas eu nunca o tinha visto em sua posição como chefe voluntário dos bombeiros. Bagre estava suando apesar do frio, e seu rosto estava sujo com fumaça. “Sookie, nós terminamos aqui,” ele disse cansadamente. “Não é tão ruim quanto você pensa.” “Não é?” Eu perguntei em uma voz baixa. “Não, querida. Você perdeu sua varanda de trás, sua cozinha e quanto a seu carro, estou receoso. Ele respingou um pouco de gasolina no carro também. Mas a maior parte da casa deve estar bem.” A cozinha... Onde os únicos rastros da morte que eu tinha causado poderiam ser achados. Agora nem mesmo os técnicos especializados do canal Discovery poderiam achar qualquer traço de sangue no recinto queimado. Sem querer, eu comecei a rir. “A cozinha,” eu disse entre risadinhas. “A cozinha foi toda?” “Sim,” disse Bagre inquietamente. “Eu espero que você tenha um seguro da casa.” “Oh,” eu disse, esforçando-me para não dar mais risadas. “Eu tenho. É difícil para eu manter os pagamentos, mas mantive a apólice que a vovó tinha na casa.” Graças a Deus minha avó tinha sido uma grande crente em seguros. Ela tinha visto muitas pessoas abandonarem o pagamento da apólice para cortar seus gastos mensais e então sofrerem perdas que eles eram incapazes de recuperar. "Quem é o responsável pelo seguro? Eu chamarei o agora." Bagre estava tão ansioso para me fazer parar de rir que ele estava pronto para fazer cara de palhaço e latir se eu lhe pedisse. "Greg Aubert," eu disse. A noite inteira repentinamente se levantou e me atingiu de uma vez. Minha casa tinha queimado, pelo menos parcialmente. Eu tinha tido mais do que apenas um gatuno. Eu tinha um vampiro em casa para quem tinha que ser providenciado abrigo para as horas do dia. Meu carro estava acabado. Havia um homem morto chamado Jeff Marriot em meu quintal, e ele tinha colocado fogo na minha casa e no meu carro por puro preconceito. Eu estava estupefata. "Jason não está em casa," Bagre disse de longe. "Eu liguei para ele. Ele gostaria que ela fosse para a casa dele. "Ela e Charles – isto é, Charles e eu a levaremos para minha casa," Bill disse. Ele parecia ser estar longe. "Eu não sei sobre isso," Bud Dearborn disse duvidosamente. "Sookie, isto está bom pra você?" Dificilmente eu poderia fazer minha mente procurar outras opções. Eu não podia chamar Tara porque Mickey estava lá. O trailer de Arlene estava tão abarrotado quanto poderia estar. "Sim, está tudo bem," eu disse, minha voz soou remota e vazia, até mesmo para meus próprios ouvidos. "Certo, desde que nós saibamos onde te encontrar." "Eu liguei para o Greg, Sookie, e deixei uma mensagem na secretária eletrônica do escritório dele. É melhor você mesma ligar pela manhã," Bagre disse. "Certo," eu disse.
E todos os bombeiros se foram, todos eles me disseram quão sentidos estavam. Eu conhecia cada um deles: amigos de meu pai, amigos de Jason, clientes no bar, conhecidos da escola secundária. "Vocês todos fizeram o melhor que podiam," eu disse repetidamente. "Obrigada por salvarem a maior parte." E a ambulância veio para levar para longe o incendiário. Até então, Andy tinha achado uma lata de gasolina nos arbustos, e as mãos do cadáver cheiravam a gasolina, disse a Dra. Tonnesen. Eu quase não podia acreditar que um estranho tinha decidido que eu deveria perder minha casa e minha vida por causa da minha preferência amorosa. Pensando naquele momento em quão perto eu tinha chegado da morte, eu não senti que era injusto que ele tivesse perdido sua própria vida no processo. Eu admiti a mim mesma que eu achava que Charles tinha feito uma coisa boa. Eu devia minha vida à insistência de Sam para que o vampiro ficasse na minha casa. Se Sam estivesse lá no momento, eu teria dado a ele um agradecimento muito entusiasmado. Finalmente Bill, Charles e eu fomos para a casa Bill. Bagre tinha me aconselhado a não voltar à minha casa até amanhã de manhã, e então só depois que o agente de seguro e o investigador de incêndios premeditados a tivessem examinado. Dra. Tonnesen tinha me dito que se eu me sentisse ofegante, para ir ao consultório dela pela manhã. Ela tinha dito algumas outras coisas, mas eu não tinha as absorvido totalmente. Estava escuro nos bosques, claro, talvez fossem cinco da manhã. Depois de uns poucos passos entre as árvores, Bill me levantou e me carregou. Eu não protestei, porque eu estava tão cansada que eu estava me perguntando como ia me arranjar tropeçando pelo cemitério. Ele me colocou no chão quando nós chegamos a sua casa. “Você pode subir os degraus?” ele perguntou. “Eu pegarei você,” Charles ofereceu. “Não, eu posso fazer isto,” eu disse, e comecei a subir antes que eles pudessem fazer mais alguma coisa. Para falar a verdade, eu não estava tão certa que eu podia, mas lentamente caminhei para o quarto que eu tinha usado quando Bill era meu namorado. Ele tinha um lugar confortável à prova de luz em algum lugar no andar térreo da casa, mas eu nunca tinha lhe perguntado onde era exatamente. (Eu tinha um palpite de que estava no espaço que os construtores tinham removido da cozinha para criar o ofurô / estufa). Ainda que o lençol freático fosse muito alto na Louisiana para as casas terem porões, eu estava quase certa que havia outro buraco escuro escondido em algum lugar. De qualquer maneira ele tinha um quarto para Charles sem que eles tivessem que dormir juntos– não que aquilo estivesse muito no alto da minha lista de preocupações. Uma das minhas camisolas ainda estava na gaveta no quarto antiquado, ainda havia uma escova de dente minha no banheiro do corredor. Bill não tinha colocado minhas coisas no lixo; ele as tinha deixado como se esperasse meu retorno. Ou talvez ele somente não tivesse muita razão para ir ao andar superior desde que nós tínhamos terminado. Prometendo a mim mesma um longo banho pela manhã, tirei meu pijama fedorento e manchado e as meias arruinadas. Lavei meu rosto e me arrastei para dentro da camisola limpa antes de engatinhar na cama alta, usando o antigo banco ainda posicionado onde eu o tinha deixado. Enquanto os incidentes do dia e da noite zuniam em minha cabeça como abelhas, agradeci a Deus pelo fato de que minha vida tinha sido poupada, e isto foi tudo que tive tempo de dizer para Ele antes do sono me engolir. Dormi somente três horas. Então a preocupação me acordou. Eu estava de pé e tinha tempo suficiente para encontrar Greg Aubert, o agente de seguro. Vesti uma calça jeans de Bill e uma de suas camisas. Elas tinham sido deixadas no lado de fora de minha porta, junto com meias pesadas. Os sapatos dele estavam fora de questão, mas para meu deleite achei um velho par de chinelos com solado de borracha que tinha deixado no fundo do armário. Bill ainda tinha um pouco de café e uma cafeteira em sua cozinha do nosso período de namoro, e eu estava agradecida por ter uma caneca para carregar comigo enquanto caminhava cuidadosamente pelo cemitério e através do cinturão de bosques cercando o que restou de minha casa. Greg estava chegando ao jardim da frente enquanto eu vinha das árvores. Ele saiu de sua picape, examinou meu estranho conjunto de roupas, e polidamente o ignorou. Ele e eu ficamos de pé lado a lado, observando a velha casa. Greg tinha cabelo cor de areia e óculos sem aro, e ele era um presbítero na Igreja Presbiteriana. Eu sempre gostei dele, pelo menos em parte porque toda a vez que eu tinha levado minha avó para pagar seus seguros, ele tinha saído de seu escritório para apertar a mão dela e fazê-la se sentir como uma cliente valiosa. Seu tino para negócios era rivalizado somente pela sua sorte. Há anos as pessoas diziam que sua fortuna pessoal estendia-se para seus segurados, apesar de que, claro, eles dizerem isso como um tipo de piada. “Se eu pudesse ter previsto isto,” Greg disse. “Sookie, sinto muito que isso tenha acontecido.” “O que você quer dizer, Greg?” “Oh, eu estou só... Eu gostaria de ter pensado que você precisaria de mais cobertura,” ele disse abruptamente. Ele começou a caminhar para a parte de trás da casa, e eu fui atrás dele. Curiosa, comecei a ouvir sua mente, e fui jogada para fora de minha melancolia pelo que ouvi lá. “Então lançar feitiços para apoiar seu seguro realmente funciona?” eu perguntei. Ele uivou. Não havia outra palavra para isto. “É verdade o que dizem sobre você,” ele arfou. “Eu... eu não... é só...” Ele parou do lado de fora da minha cozinha enegrecida e me encarou de boca aberta. “Está tudo bem,” eu disse de modo tranquilizador. “Você pode fingir que eu não sei se isto ajudar você a se sentir melhor.” “Minha mulher morreria se ela soubesse,” ele disse seriamente. “E as crianças, também. Eu só quero mantê-los separados desta parte da minha vida. Minha mãe era... ela era...” “Uma bruxa?” eu auxiliei. “Bem, sim.” Os óculos de Greg cintilaram no sol do começo da manhã enquanto ele olhava o que restou da minha cozinha. “Mas meu pai sempre fingiu que não sabia, e apesar dela me treinar para tomar seu lugar, eu queria ser um homem normal mais do qualquer coisa no mundo.” Greg acenou com a cabeça, como se para dizer que ele tinha atingido seu objetivo. Olhei para baixo para dentro da minha caneca de café, contente que eu tinha alguma coisa para segurar em minhas mãos. Greg estava mentindo para si mesmo de uma forma importante, mas não era minha função apontar aquilo para ele. Era alguma coisa que ele teria que ver com seu Deus e sua consciência. Eu não estava dizendo que o método de Greg era um método ruim, mas certamente não era uma escolha normal de homem. Assegurar seu sustento (literalmente) com uso de mágica tinha que ser contra algum tipo de regra. “Quero dizer, eu sou um bom agente,” ele disse, se defendendo, apesar de eu não ter dito uma palavra. “Eu sou cuidadoso sobre o que eu faço seguro. Eu sou cuidadoso sobre examinar as coisas. Não é tudo magia.” “Oh, não,” eu disse, porque ele explodiria de ansiedade se eu não dissesse. “De qualquer forma as pessoas se acidentam, certo?” “Independente de qual feitiço uso,” ele concordou melancolicamente. “Eles dirigem bêbados. E algumas vezes, partes de metal abrem caminho, não importa o que.”
A ideia do convencional Greg Aubert circulando por Bon Temps colocando feitiços nos carros quase foi suficiente para me distrair da ruína de minha casa... Mas não totalmente. Na luz do dia clara e fria, eu podia ver o estrago completo. Apesar de ficar dizendo a mim mesma que podia ter sido muito pior – e que eu era muito sortuda que a cozinha tinha sido ampliada para a parte de trás da casa, visto que tinha sido construída em uma data posterior – era também o cômodo que tinha itens de maior valor. Eu teria que substituir o fogão, a geladeira, o aquecedor de água, e o micro-ondas, a varanda de trás tinha sido o lar da minha lavadora e secadora. Depois da perda daqueles aparelhos principais, aí vinha os pratos, as panelas, as frigideiras e os talheres, alguns destes muito velhos de fato. Uma das minhas bisavós tinha vindo de uma família com um pouco de dinheiro, e ela tinha trazido um conjunto de louça de porcelana chique e um serviço de chá de prata que tinha sido um estorvo para polir. Eu percebi que nunca teria de polir aquilo de novo, mas não havia alegria no pensamento. Meu Nova era velho, e eu precisava substitui-lo há muito tempo, mas não tinha planejado fazer isso agora. Bem, eu tinha seguro, e tinha dinheiro no banco, graças aos vampiros que tinham me pagado para cuidar do Eric quando ele tinha perdido sua memória. “E você tinha detectores de fumaça?” Greg estava perguntando. “Sim, tinha,” eu disse, lembrando o pulsar estridente que tinha começado exatamente depois de Claudine ter me acordado. “Se o teto no corredor ainda estiver lá, você será capaz de ver um.” Não havia mais degraus atrás para nos levar à varanda, e as tábuas do piso pareciam muito instáveis. De fato, a lavadora tinha meio que caído nas tábuas e estava inclinada em um ângulo estranho. Isso me deixava enjoada, ver minhas coisas do dia a dia, coisas que eu tinha tocado e usado centenas de vezes, expostas para o mundo e arruinadas. “Nós iremos pela porta da frente,” Greg sugeriu, e eu fiquei contente em concordar. Ela ainda estava destrancada, e senti uma agitação de alarme antes de entender quão ridículo era aquilo. Eu entrei. A primeira coisa que notei foi o cheiro. Todas as coisas recendiam a fumaça. Abri as janelas e a brisa fria que soprou por elas começou a remover o cheiro até ficar tolerável. Esta extremidade da casa estava melhor do que eu esperava. A mobília precisaria ser limpa, claro. Mas o chão estava sólido e sem danos. Nem mesmo fui ao andar de cima; eu raramente usava os cômodos de lá em cima, então o que quer que tenha acontecido lá podia esperar. Meus braços estavam cruzados sobre meu peito. Olhei de lado a lado, me movendo lentamente através da sala em direção ao corredor. Senti o chão vibrar enquanto alguma outra pessoa entrava. Soube sem olhar em volta que Jason estava atrás de mim. Ele e Greg disseram alguma coisa um para outro, mas depois de um segundo Jason caiu em silêncio, tão chocado quanto eu estava. Nós passamos para o corredor. A porta para meu quarto e a porta para o quarto no fim do corredor estavam abertas. Minha cama ainda estava desarrumada. Meus chinelos estavam ao lado da mesa de cabeceira. Todas as janelas estavam sujas com fumaça e umidade, e o odor terrível ficou mais forte. Lá estava o detector de fumaça no teto do corredor. Apontei para ele silenciosamente. Abri a porta para o armário de roupas de cama e banho e descobri que tudo dentro estava úmido. Bem, estas coisas poderiam ser lavadas. Fui para dentro de meu quarto e abri a porta de meu armário. Meu armário dividia uma parede com a cozinha. Na primeira olhada minhas roupas pareciam intactas, até eu notar que cada peça de roupa pendurada em um cabide de arame tinha uma linha pelos ombros onde o cabide aquecido tinha queimado a roupa. Meus sapatos tinham assado. Talvez três pares fossem usáveis.
Engoli em seco. Apesar de sentir-me instável por um segundo, me juntei ao meu irmão e ao agente de seguro enquanto eles cuidadosamente continuavam no corredor para a cozinha. O chão mais perto da parte velha da casa parecia bom. A cozinha tinha sido um recinto grande, já que também tinha servido como sala de jantar da família. A mesa estava parcialmente queimada, como estavam duas das cadeiras. O linóleo no chão estava todo partido, e grande parte dele estava queimado. O aquecedor de água tinha atravessado o chão, e as cortinas que tinham coberto a janela sobre a pia estavam penduradas em tiras. Lembrei da vovó fazendo aquelas cortinas; ela não apreciava costurar, mas aquelas da JCPenney que ela tinha gostado eram muito caras. Então ela tirou a máquina de costura de sua mãe, comprou uns tecidos floridos baratos, mas bonitos, no Hancock, ela tinha medido, tinha amaldiçoado baixinho, trabalhado e trabalhado até finalmente ter conseguido fazêlas. Jason e eu as tínhamos admirado extravagantemente para fazê-la sentir que tinha valido o esforço, e ela tinha ficado tão satisfeita. Abri uma gaveta, aquela que tinha contido todas as chaves. Elas estavam derretidas juntas. Pressionei meus lábios juntos, duramente. Jason parou em pé ao meu lado, olhando para baixo. “Merda,” ele disse, sua voz baixa e má. Aquilo me ajudou a empurrar as lágrimas de volta. Segurei em seu braço por só um minuto. Ele me deu um tapinha sem jeito. Vendo itens tão familiares, itens que eram preciosos pelo seu uso, irrevogavelmente alterados pelo fogo era um choque terrível, não importa quantas vezes eu lembrasse a mim mesma que a casa toda podia ter sido consumida pelas chamas; que eu podia ter morrido, também. Até mesmo se o detector de fumaça tivesse me acordado em tempo, havia toda a probabilidade de que eu teria corrido para fora para ser confrontada pelo incendiário, Jeff Marriot. Quase tudo no lado leste da cozinha estava arruinado. O chão estava instável. O telhado da cozinha tinha ido. “É uma sorte que os quartos no andar de cima não se estendam sobre a cozinha,” Greg disse quando ele desceu depois de examinar os dois quartos e o sótão. “Você terá que arrumar um construtor para te informar, mas eu acho que o segundo andar está essencialmente sólido.” Falei com Greg sobre dinheiro depois disto. Quando viria? Quanto seria? Que franquia eu teria que pagar? Jason vagou em volta do quintal enquanto Greg e eu ficávamos em pé perto de seu carro. Eu podia interpretar a postura e movimentos de meu irmão. Jason estava muito furioso: por minha experiência próxima da morte, pelo que tinha acontecido com a casa. Depois de Greg ir embora, me deixando com uma exaustiva lista de coisas e ligações para fazer (de onde?) e ficar pronta para o trabalho (vestindo o quê?), Jason andou em minha direção “Se eu tivesse aqui, eu poderia ter matado ele.” “Em seu novo corpo?” eu perguntei. “Sim. Teria dado àquele filho da puta o maior susto de sua vida antes dele deixá-la.” “Eu acredito que Charles provavelmente foi muito assustador, mas aprecio a intenção.” “Eles colocaram o vampiro na cadeia?” “Não, Bud Dearborn só disse a ele para não deixar a cidade. Afinal de contas, a cadeia de Bon Temps não tem uma cela para vampiros. E celas comuns não os seguram, além disso, elas têm janelas.” “O cara era da – Sociedade do Sol? Simplesmente um estranho que veio para a cidade para fazer isto a você?” “É o que parece.”
“O que eles têm contra você? Além de você namorar Bill e se associar com alguns dos outros vampiros?” Na verdade, a Sociedade tinha um pouquinho contra mim. Eu tinha sido responsável pela sua grande Igreja em Dallas ser invadida e atacada, e um de seus principais líderes cair na clandestinidade. Os papéis tinham sido tudo o que a polícia tinha achado no prédio da Sociedade no Texas. Ao chegarem, encontraram os membros fazendo confusão em volta do prédio, clamando que vampiros os tinham atacado, a polícia entrou no prédio para procurar e acharam uma câmara de tortura no porão, armas ilegais adaptadas para atirar estacas de madeira nos vampiros, e um cadáver. A polícia não viu nenhum vampiro. Steve e Sarah Newlin, os líderes da Igreja da Sociedade em Dallas, estavam desaparecidos desde aquela noite. Eu tinha visto Steve Newlin. Ele esteve no Clube dos Mortos em Jackson. Ele e um de seus colegas tinham se prepararam para estaquear um vampiro no clube quando eu os preveni. Newlin tinha escapado; seu amigo não. Parecia que os seguidores de Newlin tinham me localizado. Não tinha previsto tal coisa, mas também, eu nunca tinha previsto nada do que tinha me acontecido no último ano. Quando Bill estava aprendendo como usar seu computador, ele tinha me dito que com um pouco de conhecimento e dinheiro, qualquer um pode ser achado através de um computador. Talvez a Sociedade tivesse contratado detetives particulares, como o casal que esteve em minha casa ontem. Talvez Jack e Lily Leeds estivessem apenas fingindo terem sido contratados pela família Pelt? Talvez os Newlins fossem seus patrões verdadeiros? Eles não me tinham parecido pessoas politizadas, mas o poder da cor verde era universal. “Eu suponho que namorar um vampiro seja suficiente para eles me odiarem,” eu disse a Jason. Nós estávamos sentados na traseira de sua picape, encarando com tristeza a casa. “Quem você acha que eu devo chamar para a reconstrução da cozinha?” Não acreditava que eu precisasse de um arquiteto: eu só queria substituir o que tinha desaparecido. A casa foi construída longe do chão, então tamanho de laje não era problema. Visto que o chão dentro da cozinha estava queimado e teria que ser completamente substituído, não custaria muito mais fazer a cozinha um pouco maior e fechar a varanda de trás completamente. A lavadora e a secadora não seriam tão terríveis para usar no tempo ruim, eu pensei saudosamente. Tinha mais do que dinheiro suficiente para pagar a franquia, e estava certa que o seguro pagaria pela maioria do restante. Depois de um momento, nós ouvimos outra picape vindo. Maxine Fortenberry, a mãe de Hoyt, saiu com um par de cestos de lavanderia. “Onde estão suas roupas, garota?” ela disse. “Eu vou levá-las para casa e lavá-las, assim você terá alguma coisa para vestir que não cheire a fumaça.” Depois de eu protestar e ela insistir, nós entramos no ar sufocantemente desagradável da casa para conseguir algumas roupas. Maxine também insistiu em encher seu braço com roupas de cama e banho do armário para ver se alguma delas podia ser ressuscitada. Logo depois de Maxine partir, Tara dirigiu seu carro novo para dentro da clareira, seguida por sua ajudante de meio período, uma mulher jovem e alta chamada McKenna, que estava dirigindo o carro velho de Tara. Depois de um abraço e umas poucas palavras de simpatia, Tara disse “Dirija este velho Malibu enquanto estiver conseguindo que suas coisas de seguro se ajeitem. Isto está parado no meu estacionamento não fazendo nada e eu ia justamente colocar no jornal na coluna de Vendese. Você pode usá-lo.” “Obrigada,” eu disse espantada. “Tara, isto é muito legal da sua parte.” Ela não parecia bem, eu notei vagamente, mas eu estava afundada em meus próprios problemas para realmente avaliar o comportamento de Tara. Quando ela e McKenna partiram, eu dei a elas um frouxo aceno de tchau. Depois disto, Terry Bellefleur chegou. Ele se ofereceu para demolir a parte queimada por uma soma muito simbólica e por um pouco mais ele carregaria todo o lixo resultante para o depósito de lixo municipal. Ele começaria tão cedo quanto a polícia desse a ele o sinal verde, ele disse, e para meu assombro me deu um pequeno abraço. Sam veio depois disto, conduzido por Arlene. Ele ficou de pé e olhou a parte de trás da casa por uns minutos. Seus lábios estavam firmemente comprimidos. Quase qualquer homem teria dito „Muita sorte eu mandar o vampiro para casa com você, hein?‟ Mas Sam não. “O que eu posso fazer?” ele disse ao invés. “Mantenha-me trabalhando,” eu disse, sorrindo. “Perdoe-me por ir trabalhar em algo que não as minhas roupas de trabalho normais.” Arlene caminhou por toda a volta da casa, e então me abraçou sem palavras. “Isto dá para fazer facilmente,” ele disse. Ele ainda não estava sorrindo. “Eu ouvi que o cara que começou o fogo era um membro da Sociedade, que este é algum tipo de pagamento por você ter namorado Bill.” “Ele tinha o cartão em sua carteira e tinha uma lata de gasolina.” Eu dei de ombros. “Mas como ele achou você? Eu quero dizer, ninguém por perto...” A voz de Sam esgotou-se enquanto ele considerava a possibilidade mais cautelosamente. Ele estava pensando, como eu, que a possibilidade de o incêndio ter sido causado apenas porque eu namorei Bill, parecia uma drástica reação exagerada. Uma retaliação mais típica era um membro da Sociedade jogar sangue de porco em humanos que namoravam ou tinham uma sociedade de trabalho com um vampiro. O que tinha acontecido mais de uma vez, mais notavelmente para um estilista da Dior que tinha empregado todos os modelos vampiros para uma apresentação de primavera. Tais incidentes usualmente ocorriam nas grandes cidades, cidades que hospedavam grandes “Igrejas” da Sociedade e uma maior população vampírica. E se o homem tivesse sido contratado para colocar fogo em minha casa por alguma outra pessoa? E se o cartão da Sociedade em sua carteira estava plantado lá para dar uma pista falsa? Qualquer dessas coisas poderia ser verdade; ou todas elas, ou nenhuma delas. Eu não podia decidir no que eu acreditava. Então, eu era o alvo de um assassino, como os metamorfos? Deveria também temer um tiro do escuro, agora que o fogo tinha falhado? Essa era uma possibilidade tão assustadora que me acovardei a segui-la. Aquelas eram águas muito profundas para mim. O investigador de incêndios criminosos da polícia estadual apareceu enquanto Sam e Arlene ainda estavam lá. Eu estava comendo um almoço que Arlene tinha comprado para mim. Arlene não é uma pessoa muito de comida, colocando isso  de uma forma mais gentil, assim meu sanduíche era feito de mortadela barata e queijo plástico e minha bebida enlatada era um desconhecido chá adoçado. Mas ela tinha pensado em mim e os trazido para mim, e suas crianças tinham feito um desenho para mim. Eu teria ficado feliz se ela tivesse me trazido só um pedaço de pão sob aquelas condições. Automaticamente, Arlene olhou convidativamente para o investigador de incêndios. Ele era um homem magro em seus quarenta chamado Dennis Pettibone. Dennis tinha uma câmera, um notebook, e um ponto de vista amargo. Arlene demorou talvez dois minutos de conversa para obter um pequeno sorriso dos lábios do Sr. Pettibone, e seus olhos castanhos estavam admirando as curvas dela depois que mais dois minutos tinham passado. Antes de Arlene levar Sam para casa, ela tinha uma promessa do investigador que ele passaria pelo bar aquela noite.
Também antes dela partir, Arlene me ofereceu o sofá desdobrável no seu trailer, o que era amável da parte dela, mas eu sabia que isso a abarrotaria e confundiria sua rotina matinal de levar as crianças para a escola, então eu disse a ela que tinha um lugar para ficar. Não pensei que Bill iria me despejar. Jason tinha mencionado que sua casa estava aberta para mim, e para meu espanto, antes dele sair, Sam disse “Você pode ficar comigo, Sookie. Sem segundas intenções. Eu tenho dois quartos vazios na casa sobre rodas. Há na verdade uma cama em um deles.” “Isto é muito gentil da sua parte,” eu disse, colocando toda a minha sinceridade em minha voz. “Cada alma em Bon Temps nos levaria até o altar se você fizesse isso, mas eu com certeza agradeço por isto.” “Você não acha que eles não farão suposições se você ficar com Bill?” “Eu não posso casar com Bill. Não é legal,” eu repliquei, cortando aquele argumento. “Além disso, Charles está lá, também.” “Combustível para o fogo” Sam apontou. “Isto é até mais picante.” “Isto é um tanto lisonjeiro, creditar a mim atração suficiente para cuidar de dois vampiros ao mesmo tempo.” Sam deu uma risada, o que diminuiu aproximadamente dez anos de sua idade. Ele olhou sobre meu ombro enquanto nós ouvíamos o som do cascalho triturando sob ainda outro veículo. “Olhe quem está vindo,” ele disse. Uma imensa e antiga picape rangeu ao parar. Dawson, um imenso Lobis que estava agindo como guarda-costas de Calvin Norris, saiu dela. “Sookie,” ele rugiu, sua voz tão profunda que eu esperei que o chão vibrasse. “Ei, Dawson.” Eu queria perguntar, „O que você está fazendo aqui?‟, mas calculei que soaria simplesmente rude. “Calvin ouviu sobre seu incêndio.” Dawson disse, não desperdiçando tempo com preliminares. “Ele me disse para vir aqui e ver se você estava ferida, e para dizer que ele está pensando em você e que se ele estivesse bem, ele já estaria aqui golpeando pregos.” Vi pelo canto de meu olho que Dennis Pettibone estava olhando Dawson com interesse. Dawson podia muito bem usar um sinal dizendo CARA PERIGOSO nele. “Diga a ele que eu estou realmente agradecida pelo pensamento. Gostaria que ele estivesse bem, também. Como ele está indo, Dawson?” “Ele conseguiu desligar um par de coisas esta manhã, e ele tem caminhado um pouco. Foi um ferimento ruim,” Dawson disse. “Vai levar um tempinho.” Ele espiou para ver o quanto o investigador de incêndios estava longe. “Mesmo para um de nós,” ele adicionou. “Com certeza,” eu disse. “Eu aprecio você ter vindo.” “Também, Calvin diz que a casa dele está vazia enquanto ele está no hospital, se você precisar de um lugar para ficar. Ele estaria feliz de deixar você usá-la.” Aquilo, também, era gentil, e eu disse isso. Mas me sentiria muito estranha, devendo um favor para Calvin em uma maneira tão significante. Dennis Pettibone me chamou. “Veja Srta. Stackhouse,” ele disse. “Você pode ver onde ele usou a gasolina na sua varanda. Vê o caminho que o fogo correu do respingo que ele fez na porta?” Eu engoli em seco. “Sim, eu vejo.” “Você teve sorte que não havia qualquer vento na noite passada. E mais que tudo, você teve sorte que aquela porta estava fechada, aquela entre a cozinha e o resto da casa. O fogo teria ido direto pelo corredor se você não tivesse fechado a porta. Quando os bombeiros quebraram aquela janela no lado norte, o fogo correu por aquele caminho procurando por oxigênio, ao invés de tentar fazer isto pelo resto da casa.”
Eu lembrei o impulso que tinha me empurrado de volta para dentro da casa contra todo senso comum, o bater de último minuto daquela porta. “Depois de alguns dias, não acho que a parte principal da casa irá cheirar tão mal,” o investigador me disse. “Abra as janelas agora, reze para que não chova e razoavelmente cedo eu não acho que você terá muitos problemas. Claro, você tem que chamar a companhia de energia e falar para eles sobre a eletricidade. E a companhia de gás precisa dar uma olhada no tanque. Assim a casa não está habitável, sobre este ponto de vista.” A ideia central do que ele estava dizendo era que eu podia só dormir lá para ter um teto sobre minha cabeça. Sem eletricidade, sem calor, sem água quente, sem cozinhar. Agradeci Dennis Pettibone e pedi licença para ter uma última palavra com Dawson, que estava escutando. “Tentarei ir ver Calvin em um dia ou dois, assim que consiga ajeitar isto,” eu disse, acenando em direção à parte de trás de minha casa que estava enegrecida. “Oh, sim,” o guarda-costas disse, um pé já na sua picape. “Calvin disse para contar a ele se sabe quem fez isto, se foi ordenado por alguém além do filho da puta morto na cena.” Olhei o que restou de minha cozinha e podia quase contar os metros das chamas para meu quarto. “Eu aprecio isto mais que tudo,” eu disse, antes que meu ego Cristão pudesse abafar o pensamento. Os olhos castanhos de Dawson encontraram os meus em um momento de perfeito entendimento.
 
GRAÇAS A MAXINE, eu tinha roupas limpas para vestir para trabalhar, mas ainda tinha que comprar sapatos na Payless. Normalmente, eu gastava um pouco de dinheiro a mais nos meus sapatos, já que eu ficava tanto tempo de pé, mas não dava tempo de ir até Clarice para encontrar uma boa loja de sapatos lá, ou dirigir até Monroe, para o centro comercial. Quando cheguei no trabalho, Sweetie Des Arts saiu da cozinha para me abraçar, seu corpo magro envolvido em um avental branco de cozinheira. Até mesmo o rapaz que limpava as mesas me disse estar penalizado. Holly e Danielle, que estavam trocando de turno, me deram um tapinha no ombro e disseram que elas esperavam que as coisas melhorassem para mim. Arlene me perguntou se eu achava que o lindo Dennis Pettibone viria, e eu respondi que estava certa de que ele viria. “Eu suponho que ele tenha que viajar muito,” ela disse pensativamente. “Me pergunto onde ele está situado.” “Eu consegui o cartão de visitas dele, ele está situado em Shreveport. Ele me disse que adquiriu uma pequena fazenda nos arredores de Shreveport, agora que pensei nisto.” Os olhos de Arlene se estreitaram. “Parece que você e Dennis conversaram bastante.” Comecei a protestar, dizendo que o investigador de incêndio era um pouco velho para mim, mas visto que Arlene vinha dizendo que estava com trinta e seis pelos últimos três anos, calculei que seria menos do que diplomático. “Ele estava só passando o tempo,” eu disse a ela. “Ele me perguntou há quanto tempo eu trabalhava com você, e se você tinha filhos.” “Oh, ele perguntou?” Arlene se iluminou. “Ora, ora.” Ela foi checar suas mesas desfilando animadamente. Eu me absorvi no trabalho, tendo que demorar mais tempo do que o normal para fazer tudo por causa das constantes interrupções. Sabia que alguma outra sensação da cidade logo ofuscaria minha casa incendiada. Apesar de não esperar que qualquer um experimentasse um desastre similar, eu ficaria feliz quando não fosse o objeto de discussão de todos os clientes do bar.  Terry não fora capaz de lidar com as obrigações diurnas do bar hoje, e assim Arlene e eu ajudamos a cobrir. Estar ocupada me ajudou a sentir menos constrangida. Apesar de ter dormido apenas três horas, fiquei bem até Sam me chamar do corredor que levava a seu escritório e aos banheiros públicos. Duas pessoas tinham vindo mais cedo e ido até sua mesa de canto para falar com ele; eu os tinha notado somente de passagem. A mulher estava em seus sessenta, muito redonda e pequena. Usava uma bengala. O homem jovem com ela tinha cabelo castanho, com um nariz pontudo e sobrancelhas pesadas, que davam a seu rosto alguma personalidade. Ele me lembrava alguém, mas eu não conseguia lembrar quem exatamente. Sam os tinha levado para a parte de trás, dentro de seu escritório. “Sookie,” Sam disse, de modo infeliz: “As pessoas em meu escritório querem falar com você.” “Quem são eles?” “Ela é a mãe de Jeff Marriot. O homem é seu gêmeo.” “Oh, meu Deus,” eu disse, percebendo que o homem me lembrava do cadáver. “Por que eles querem falar comigo?” “Eles não acham que ele tenha algo a ver com a Sociedade. Não entendem o motivo de sua morte.”
Dizer que eu temi este encontro era colocar isto suavemente. “Por que falar comigo?” Eu disse, num lamento vencido. Já estava quase no fim da minha resistência emocional. “Eles só... querem respostas. Estão de luto.” “Eu também,” eu disse. “Meu lar.” “O ente querido deles.” Eu encarei Sam. “Por que eu deveria falar com eles?” Perguntei. “O que é que você quer de mim?” “Você precisa ouvir o que eles têm a dizer,” Sam disse com uma nota definitiva em sua voz. Ele não pressionaria mais, e não explicaria mais. Agora a decisão era minha. Porque confiava em Sam, concordei com a cabeça. “Falarei com eles quando sair do trabalho,” eu disse. Secretamente esperava que eles tivessem partido até então. Mas quando meu turno estava terminado, os dois ainda estavam sentados no escritório de Sam. Tirei meu avental e o joguei na grande lata de lixo rotulada ROUPA SUJA (refletindo pela centésima vez que a lata de lixo provavelmente implodiria se alguém colocasse algumas roupas de verdade nela) e caminhei laboriosamente para dentro do escritório. Olhei para os Marriots mais cuidadosamente, agora que estávamos cara a cara. A Sra. Marriot (eu presumi) estava em má forma. Sua pele estava acinzentada, e todo seu corpo parecia afundar. Seus óculos estavam manchados por andar chorando muito, e ela agarrava com força um lenço úmido em suas mãos. Seu filho estava chocado, sem expressão. Ele perdera seu gêmeo, e estava me enviando tanta angústia que eu dificilmente podia absorvê-la. “Obrigado por falar conosco,” disse. Ele automaticamente se levantou de seu assento e me estendeu sua mão. “Sou Jay Marriot, e esta é minha mãe, Justine.” Esta era uma família que achou uma letra do alfabeto de que gostava e se prendeu a ela. Eu não sabia o que dizer. Eu podia dizer a eles que sentia muito que seu ente querido estivesse morto, quando ele tinha tentado me matar? Não havia regra de etiqueta para isto; mesmo minha avó teria ficado frustrada. “Senhorita... Senhorita... Stackhouse, você conhecia meu irmão antes?” “Não,” eu disse. Sam tomou minha mão. Já que os Marriots estavam sentados nas duas únicas cadeiras que o escritório de Sam podia comportar, ele e eu nos apoiamos contra a frente de sua escrivaninha. Eu esperava que sua perna não estivesse doendo. “Por que ele colocaria fogo em sua casa? Ele nunca foi preso antes, por qualquer coisa,” Justine falou pela primeira vez. Sua voz estava áspera e sufocada pelas lágrimas; tinha um tom suave de súplica. Ela estava me pedindo para não deixar isto ser verdade, esta alegação contra seu filho Jeff. “Eu com certeza não sei.” “Você pode nos dizer como isto aconteceu? Sua... morte, eu quero dizer?” Eu me senti queimar de raiva por ser obrigada a ter piedade deles – pela necessidade de ser delicada, por ter que lidar com eles de forma especial. Afinal, quem tinha quase morrido aqui? Quem tinha perdido parte de sua casa? Quem estava encarando uma crise financeira que só o acaso tinha salvado de um desastre total? A raiva cresceu em mim, e Sam largou minha mão e colocou seu braço ao meu redor. Ele podia sentir a tensão em meu corpo, e esperava que eu controlasse o impulso de partir para o ataque verbal. Eu me segurei ao meu bom comportamento com unhas e dentes, mas segurei. “Uma amiga me acordou,” eu disse. “Quando chegamos do lado de fora, encontramos um vampiro que está hospedado com meu vizinho – também vampiro – em pé perto do corpo do Sr. Marriot. Havia uma lata de gasolina perto do... vizinho. A doutora que veio disse que havia gasolina nas mãos dele.”
“O que o matou?” A mãe novamente. “O vampiro.” “O mordeu?” “Não, ele... não. Sem mordida.” “Como, então?” Jay demonstrou um pouco de sua própria raiva. “Quebrou seu pescoço, eu acho.” “Isto foi o que nós ouvimos no escritório do xerife,” Jay disse. “Mas não sabíamos se eles estavam nos dizendo a verdade.” Oh, pelo amor de Deus. Sweetie Des Arts enfiou a cabeça porta adentro para perguntar a Sam se podia emprestar as chaves do depósito, porque ela precisava um vidro de picles, se desculpando por interromper. Arlene acenou para mim enquanto passava pelo corredor para a porta dos empregados, e me perguntei se Dennis Pettibone tinha vindo ao bar. Eu estive tão mergulhada em meus próprios problemas, que não tinha notado. Quando a porta do lado de fora bateu atrás dela, o silêncio pareceu crescer na pequena sala. “Então, porque o vampiro estava no seu quintal?” Jay perguntou impacientemente. “No meio da noite?” Eu não disse que isto não era assunto dele. A mão de Sam acariciou meu braço. “É quando eles estão acordados. E ele estava na única outra casa perto da minha.” É o que nós tínhamos dito à polícia. “Eu suponho que ele tenha ouvido alguém em meu quintal enquanto estava nos arredores, e veio investigar.” “Nós não sabemos como Jeff chegou lá,” Justine disse. “Onde está o carro dele?” “Eu não sei.” “E ele tinha um cartão em sua carteira?” “Sim, um cartão de membro da Sociedade do Sol,” eu disse a ela. “Mas ele não tinha nada pessoal contra vampiros,” Jay protestou. “Nós éramos gêmeos. Eu saberia se ele tivesse algum grande rancor. Isto não faz nenhum sentido.” “Ele deu a uma mulher no bar um nome e cidade natal falsos,” eu disse, tão gentilmente quanto podia. “Bem, ele estava só de passagem,” Jay disse. “Eu sou um homem casado, mas Jeff é divorciado. Eu não gosto de dizer isto na frente da minha mãe, mas não é incomum a homens darem um nome e história falsos quando conhecem uma mulher em um bar.” Isto era verdade. Apesar do Merlotte ser primeiramente um bar da vizinhança, eu já ouvi várias histórias de pessoas de fora da cidade que tinham entrado lá; e eu sabia com certeza quando estavam mentindo. “Onde estava a carteira?” Justine perguntou. Ela olhou para mim como um velho cachorro espancado, e isto fez meu coração ficar doente. “No bolso de sua jaqueta,” eu disse. Jay se levantou abruptamente. Ele começou a se mover, marchando no pequeno espaço que ele tinha a sua disposição. “Outra vez,” ele disse, sua voz mais animada: “Isto não tem nada a ver com Jeff. Ele mantinha sua carteira em seus jeans, como eu. Nós nunca colocamos nossas carteiras em nossas jaquetas. “O que você está dizendo?” Sam perguntou. “Eu estou dizendo que não acho que Jeff tenha feito isto,” seu gêmeo disse. “Mesmo aquelas pessoas no posto Fina, elas podem estar erradas.” “Alguém no Fina disse que ele comprou uma lata de gasolina lá?” Sam perguntou. Justine hesitou novamente, a pele suave de seu queixo tremendo.
Eu estive me perguntando se ali poderia ter algo suspeito para os Marriots, mas aquela ideia estava extinta agora. O telefone tocou, e todos nós pulamos. Sam o atendeu e disse, “Merlotte‟s,” em uma voz calma. Ele ouviu, disse “Uhum,” e “Isto é certo?,” e finalmente “Eu direi a ela.” Ele desligou. “O carro de seu irmão foi encontrado,” ele disse a Jay Marriot. “Estava na pequena estrada quase diretamente em frente da entrada de carros de Sookie.” A luz se apagou completamente no pequeno raio de esperança da família, e eu podia somente sentir pesar por eles. Justine parecia dez anos mais velha do que quando ela tinha vindo ao bar, e Jay parecia ter passado dias sem sono ou comida. Eles saíram sem mais palavras para mim, o que era um alívio. Das poucas frases que trocaram entre eles, eu concluí que eles iriam ver o carro de Jeff e perguntar se poderiam remover de lá seus pertences. Pensei que eles encontrariam outro espaço em branco lá. Eric me dissera que naquela pequena estrada, uma estrada de terra batida conduzindo de volta para um campo de cervos, era onde Debbie Pelt tinha escondido seu carro quando veio me matar. Talvez fosse bom colocar uma placa: ESTACIONAMENTO PARA ATACANTES NOTURNOS DE SOOKIE STACKHOUSE. Sam veio mancando de volta para a sala. Ele acompanhara os Marriots para fora. Ele ficou de pé perto de mim, escorado em sua escrivaninha, e colocou suas muletas de lado, colocando seu braço ao meu redor. Eu Me virei para ele e deslizei meus braços ao redor de sua cintura. Ele me segurou contra ele, e me senti em paz por um maravilhoso minuto. O calor de seu corpo me aqueceu, e o conhecimento de sua afeição me confortou. “Sua perna dói?” eu perguntei quando ele se moveu agitadamente. “Não minha perna,” ele disse. Eu olhei para cima, estarrecida, para encontrar seus olhos. Ele parecia deplorável. Repentinamente, me tornei ciente exatamente do que estava machucando Sam, e enrubesci. Mas não o soltei. Eu estava relutante de acabar com o conforto de estar próxima de alguém – não, de estar próxima de Sam. Quando eu não me afastei, ele lentamente colocou seus lábios nos meus, me dando toda chance de parar o avanço. Sua boca roçou a minha uma vez, duas vezes. Então ele começou a me beijar, e o calor de sua língua encheu minha boca, acariciando. Aquilo era incrivelmente bom. Com a visita da família Marriot, estive folheando a seção Mistério. Agora eu tinha definitivamente me desviado para os Romances. Sua altura era próxima o bastante da minha para que eu não tivesse que me esforçar para encontrar sua boca. Seu beijo ficou mais urgente. Seus lábios se desviaram para meu pescoço, para o lugar vulnerável e sensível justo na base, e seus dentes beliscaram muito gentilmente. Eu arfei. Eu simplesmente não podia evitar. Se eu tivesse o dom de teletransporte, eu nos levaria a algum lugar mais privado em um instante. Remotamente, eu senti que havia algo de brega em sentir esta lascívia em um escritório bagunçado em um bar. Mas o calor surgiu enquanto ele me beijava novamente. Nós sempre tivemos algo entre nós, e a brasa latente tinha simplesmente explodido em chamas. Lutei para conseguir um pouco de senso. Isso era a sede de luxúria por ter sobrevivido? E sua perna? Ele realmente precisava dos botões em sua camisa? “Não é bom o bastante para você aqui,” ele disse, também ofegando um pouco. Ele me empurrou para longe e avançou para suas muletas, mas então me puxou de volta e me beijou de novo. “Sookie, eu vou– “O que você vai fazer?” perguntou uma voz fria vindo da entrada. Se eu estava chocada, Sam estava enfurecido. Em uma fração de segundo eu fui empurrada para um lado, e ele se jogou no intruso, com perna quebrada e tudo.
Meu coração estava batendo como um coelho assustado, e coloquei uma mão sobre ele para ter certeza que estava em meu peito. O repentino ataque de Sam tinha jogado Bill no chão. Sam retraiu seu punho para dar um murro, mas Bill usou sua altura maior e força para rolar Sam até ele estar embaixo. As presas de Bill estavam para fora e seus olhos estavam brilhando. “Parem,” eu gritei em volume reduzido, assustada que os clientes viessem correndo. Em uma pequena ação rápida, eu agarrei o macio cabelo escuro de Bill com ambas as mãos e o usei para puxar com força sua cabeça para trás. No excitamento do momento, Bill avançou para trás dele para pegar meus pulsos em suas mãos, e ele começou a torcer. Eu sufoquei com a dor. Meus braços estavam quase quebrando quando Sam aproveitou a oportunidade para socar Bill na mandíbula com toda a sua força. Metamorfos não são tão poderosos quanto Lobis e vampiros, mas eles podem esmurrar poderosamente, e Bill foi chacoalhado lateralmente. Ele também voltou a si. Libertando meus braços, ele levantou e se virou para mim em um movimento gracioso. Meus olhos se encheram de lágrimas de dor, e eu os arregalei, determinada a não deixar as lágrimas rolarem por minhas bochechas. Mas tinha certeza de que eu parecia exatamente alguém que estava tentando firmemente não chorar. Eu mantinha meus braços à minha frente, imaginando quando parariam de doer. “Já que seu carro estava queimado, eu vim pegar você porque era hora de você sair do trabalho,” Bill disse, seus dedos gentilmente avaliando as marcas em meus antebraços. “Eu juro que a minha única intenção era fazer um favor a você. Juro que não estava espionando você. Juro que nunca tive intenção de causar qualquer dano a você.” Aquela era uma desculpa muito boa, e fiquei feliz que ele tivesse falado primeiro. Não somente eu estava com dor, como estava totalmente envergonhada. Naturalmente, Bill não tinha como saber que Tara tinha me emprestado um carro. Eu devia ter deixado a ele um bilhete ou deixado uma mensagem em sua secretária eletrônica, mas eu tinha dirigido direto para o trabalho da casa queimada, e isto simplesmente não tinha passado pela minha cabeça. Outra coisa me ocorreu, como isto devia ter terminado. “Oh, Sam, sua perna piorou?” Eu me afastei de Bill para ajudar Sam a ficar de pé. Eu suportei o tanto de seu peso quanto podia, sabendo que ele preferiria repousar no chão para sempre a aceitar qualquer assistência de Bill. Finalmente, com alguma dificuldade, eu manobrei Sam até ele ficar de pé, e vi que ele estava cuidando para sustentar seu peso na sua perna boa. Não podia nem mesmo imaginar como Sam devia estar se sentindo. Ele estava muito irritado, eu descobri diretamente. Ele olhou furiosamente para Bill. “Você entrou sem gritar, sem bater? Eu tenho certeza que você não espera que eu diga que sinto muito por pular em você.” Eu nunca tinha visto Sam tão furioso. Podia dizer que ele estava envergonhado por não ter me “protegido” mais efetivamente, que ele estava humilhado por Bill ter ganhado a vantagem, e além disto, ter me machucado. Por último, mas não menos importante, Sam estava lidando com o efeito colateral de todos aqueles hormônios que estavam explodindo quando nós fomos interrompidos. “Oh, não. Eu não espero isto.” A voz de Bill desceu em temperatura quando ele falou com Sam. Eu esperei ver formas de pontas de gelo nas paredes. Desejei estar a milhares de quilômetros. Desejei ter habilidade para sair, entrar em meu próprio carro, e dirigir para minha própria casa. Claro, eu não podia. Pelo menos eu tinha o uso de um carro, e expliquei aquilo para Bill. “Então eu não precisava ter o aborrecimento de vir pegar você, e vocês dois poderiam ter continuado sem interrupção,” ele disse em um tom absolutamente letal. “Onde você vai passar a noite, se eu posso perguntar? Eu estava indo para o armazém comprar comida para você.”
Já que Bill odiava fazer compras de comestíveis, aquilo teria sido um grande esforço, e ele queria ter certeza que eu soubesse disso. (Claro, era também possível que ele estivesse inventando isto no momento para ter certeza de que eu me sentisse tão culpada quanto possível.) Eu revi minhas opções. Apesar de nunca saber no que estaria me metendo na casa de meu irmão, aquilo parecia minha escolha mais segura. “Eu vou passar em casa para pegar algumas maquiagens do banheiro, e depois vou para a casa de Jason,” eu disse. “Obrigada por me hospedar a noite passada, Bill. Eu suponho que você trouxe Charles para trabalhar? Diga a ele que se ele quiser passar a noite na minha casa, eu suponho que o, hãn, buraco, está bem.” “Diga a ele você mesma. Ele está lá fora,” Bill disse em uma voz que eu só podia caracterizar como zangada. A imaginação de Bill tinha eventualmente tecido um cenário completamente diferente para a noite. A forma como os eventos estavam se desenvolvendo estava fazendo ele ficar muito triste. Sam estava com tanta dor (eu podia ver isto pairando como um brilho vermelho ao redor dele) que a coisa mais misericordiosa que eu podia fazer era sair de lá antes dele se entregar a isto. “Verei você amanhã, Sam,” eu disse, e o beijei na bochecha. Ele tentou sorrir para mim. Eu não ousei me oferecer para ajudá-lo a ir para seu trailer enquanto os vampiros estavam lá, porque sabia que o orgulho de Sam sofreria. No momento, aquilo era mais importante para ele do que o estado de sua perna machucada. Charles estava atrás do bar, e já ocupado. Quando Bill ofereceu acomodações novamente por um segundo dia, Charles aceitou, ao invés da opção pelo meu não-testado alçapão. “Nós temos que checar seu esconderijo, Sookie, por fendas que possam ter ocorrido durante o fogo,” Charles disse com seriedade. Eu podia entender a necessidade, e sem dizer uma palavra para Bill, entrei no carro emprestado e dirigi para minha casa. Nós tínhamos deixado as janelas abertas o dia todo, e o cheiro tinha se dissipado bastante. Aquilo era um progresso bem vindo. Graças à estratégia dos bombeiros e à maneira inexperiente que o fogo tinha sido ateado, a parte principal da minha casa seria habitável de novo rapidamente. Eu tinha chamado um empreiteiro, Randall Shurtliff, naquela noite no bar, e ele concordara em dar uma passada no dia seguinte à tarde. Terry Bellefleur tinha me prometido começar a remover os resquícios da cozinha cedo no dia seguinte. Eu teria que estar lá para colocar de lado qualquer coisa que eu pudesse salvar. Me sentia como se tivesse dois empregos agora. Eu estava repentinamente e completamente exausta, e meu braços doíam. Eu teria imensos hematomas no dia seguinte. Era quase quente demais para justificar mangas longas, mas eu teria que vesti-las. Armada com uma lanterna do porta-luvas do carro de Tara, eu consegui minha maquiagem e mais algumas roupas do meu quarto, jogando-as todas dentro de uma sacola esportiva que ganhei na Corrida pela Vida. Peguei alguns livros que não tinha lido ainda – livros que eu tinha trocado na prateleira de permutas da biblioteca. Aquilo estimulou outra linha de pensamento. Eu tinha algum filme que precisava ser devolvido para a locadora? Não. Livros da biblioteca? Sim, tinha que devolver alguns, e precisava arejá-los primeiro. Alguma outra coisa que pertencia a outra pessoa? Graças ao bom Deus eu tinha deixado o conjunto de Tara na lavanderia. Não havia razão em fechar e trancar as janelas, que eu tinha deixado abertas para dissipar o odor, enquanto a casa estava facilmente acessível através da cozinha queimada. Mas quando saí pela minha porta da frente, eu a tranquei atrás de mim. Já estava na estrada Hummingbird antes de perceber quão tolo aquilo tinha sido, e enquanto dirigia para a casa de Jason, me peguei sorrindo pela primeira vez em muitas, muitas horas.
 
MEU MELANCÓLICO IRMÃO ficou feliz em me ver. O fato de que sua nova “família” não confiava nele ficou corroendo Jason o dia inteiro. Mesmo sua namorada leoparda, Crystal, estava preocupada em vê-lo enquanto a nuvem de suspeita pairava sobre ele. Ela o tinha expulsado vergonhosamente quando ele apareceu na porta de sua casa esta noite. Quando eu descobri que ele tinha na verdade dirigido até Hotshot, eu explodi. Disse a meu irmão em termos duvidosos que ele aparentemente tinha um desejo de morte e que eu não seria responsável pelo que quer que acontecesse a ele. Ele respondeu que eu nunca tinha sido responsável por qualquer coisa que ele tivesse feito, de qualquer jeito, então por que eu começaria a ser agora? Isto continuou daquele jeito por um momento. Depois dele ter concordado relutantemente em ficar longe de seus companheiros metamorfos, eu carreguei minha sacola pelo pequeno corredor até o quarto de hóspedes. Alí era onde ele mantinha seu computador, seus velhos troféus da escola secundária do time de basquetebol e de futebol, e um antigo sofá-cama, que mantinha principalmente para visitantes que beberam demais e não podiam dirigir para casa. Eu nem mesmo me incomodei em abri-lo, mas estendi um antigo acolchoado sobre a imitação de couro brilhante. Puxei outro sobre mim. Depois de fazer minhas orações, revi meu dia. Fora tão cheio de incidentes que consegui me cansar tentando lembrar de tudo. Em quase três minutos, eu estava apagada como uma lâmpada. Sonhei com animais rosnando aquela noite: eles estavam todos à minha volta no nevoeiro, e eu estava assustada. Podia ouvir Jason gritando em algum lugar na neblina, e eu não podia achá-lo para defendê-lo.  Algumas vezes você não precisa de um psiquiatra para interpretar um sonho, certo? Acordei só um pouquinho quando Jason saiu para o trabalho na manhã, principalmente porque ele bateu a porta atrás com força. Adormeci de novo por outra hora, mas então acordei definitivamente. Terry iria até minha casa para começar a demolir a parte arruinada, e eu precisava ver se algumas das minhas coisas de cozinha podiam ser salvas. Já que este seria provavelmente um trabalho sujo, peguei emprestado o macacão azul de Jason, aquele que ele vestia quando trabalhava em seu carro. Olhei em seu armário e peguei uma velha jaqueta de couro que Jason vestia para o trabalho pesado. Eu também me apropriei de uma caixa de sacos de lixo. Enquanto ligava o carro de Tara, me perguntei como nesse mundo eu poderia reembolsá-la por esse favor. Lembrei a mim mesma de pegar seu conjunto. Com isto em mente, fiz um pequeno desvio para resgatá-lo da lavanderia. Terry estava com um humor estável hoje, para meu alívio. Ele estava sorrindo à medida em que batia ruidosamente pelo lado de fora nas tábuas queimadas da varanda de trás com uma marreta. Apesar do dia estar muito frio, Terry vestia somente uma camiseta sem mangas enfiada em seus jeans. Esta cobria a maioria das suas cicatrizes apavorantes. Depois de cumprimentá-lo e perceber que ele não queria conversar, entrei pela porta da frente. Eu estava descendo o corredor para a cozinha para olhar novamente os danos. Os bombeiros tinham dito que o chão estava seguro. Fiquei nervosa em andar sobre o linóleo queimado, mas depois de um momento ou dois, me senti confortável. Coloquei as luvas e comecei a trabalhar, vasculhando gabinetes, armários e gavetas. Algumas coisas tinham derretido ou deformado com o calor. Umas poucas coisas, como meu coador plástico, estavam tão torcidas que demorei um segundo ou dois para identificar o que eu estava segurando. Atirei as coisas arruinadas fora, diretamente pela janela sul da cozinha, longe de Terry.
Não confiava em nenhum dos alimentos que estavam nos gabinetes que ficavam na parede externa. A farinha, o arroz, o açúcar –estavam todos guardados em potes de Tupperware, e apesar dos selos terem aguentado, eu não queria usar os conteúdos. O mesmo valia para os enlatados; pela mesma razão, me senti desconfortável em usar comida de latas que tinham ficado tão quentes. Felizmente, meus utensílios de cerâmica diários e a boa porcelana que tinha pertencido a minha tataravó tinham sobrevivido, já que eles ficavam no gabinete mais distante das chamas. Sua prataria estava em boa forma, também. Meu aparelho de jantar mais útil sem manchas, muito mais próximo do fogo, estava torcido e deformado. Algumas das panelas e frigideiras ainda eram aproveitáveis. Trabalhei por duas ou três horas, separando coisas para a crescente pilha do lado de fora da janela ou as ensacando nos sacos de lixo de Jason, para uso futuro em uma nova cozinha. Terry trabalhou pesado, também, fazendo uma pausa de vez em quando para beber água engarrafada enquanto ele se empoleirava na carroceria traseira de sua picape. A temperatura foi para acima dos vinte. Nós podíamos ter mais um pouco de geadas pesadas, e havia sempre a chance de uma tempestade de granizo, mas era possível contar com a primavera vindo logo. Não foi uma manhã ruim. Senti como se eu estivesse dando um passo na direção de recuperar meu lar. Terry era uma companhia não muito exigente, já que ele não gostava de conversar, e ele estava exorcizando seus demônios com trabalho duro. Terry estava no fim de seus cinquenta agora. Alguns dos cabelos do peito que eu podia ver acima do colarinho de sua camiseta eram grisalhos. O seu cabelo, uma vez castanho avermelhado, estava desbotando enquanto ele envelhecia. Mas era um homem forte, e ele balançava sua marreta com vigor, colocando tábuas em cima do reboque de sua caminhonete sem nenhum sinal de tensão. Terry saiu para levar uma carga para o depósito de lixo municipal. Enquanto ele estava fora, entrei no meu quarto e fiz minha cama – uma coisa estranha e tola para se fazer, eu sei. Teria que tirar os lençóis e lavá-los; de fato, eu teria que lavar quase cada peça de tecido na casa para livrálos completamente do cheiro de queimado. Eu teria mesmo que lavar as paredes e repintar o corredor, apesar da pintura no resto da casa parecer limpa o suficiente. Eu estava fazendo um intervalo no quintal quando ouvi uma caminhonete se aproximar um momento antes de aparecer, saindo das árvores que cercam a entrada de carros. Para minha surpresa, a reconheci como a caminhonete de Alcide, e senti uma pontada de medo. Eu tinha dito a ele para ficar longe. Ele parecia estar nervoso com alguma coisa quando saltou da cabine. Eu estava sentada à luz do sol, em uma de minhas cadeiras de alumínio de jardim, me perguntando que horas eram e quando o empreiteiro chegaria aqui. Depois do completo desconforto de minha noite passada na casa de Jason, estava também planejando achar algum outro lugar para ficar enquanto a cozinha estava sendo reconstruída. Não podia imaginar o resto de minha casa sendo habitável até o trabalho estar completo, e aquilo poderia demorar meses. Jason não iria me querer por perto tanto tempo, com certeza. Ele teria me hospedado se eu quisesse ficar – ele era meu irmão, afinal – mas eu não queria pressionar seu espírito fraternal. Não havia ninguém com quem eu quisesse ficar por alguns meses, quando considerei a questão. “Por que você não me contou?” Alcide falou alto enquanto seus pés tocavam o chão. Eu suspirei. Outro homem furioso. “Nós agora não somos exatamente grandes amigos,” eu o lembrei. “Mas eu teria contado. Só teria levado alguns dias.”
“Você deveria ter me chamado antes de qualquer coisa,” ele me disse, caminhando em volta da casa para examinar o dano. Ele parou exatamente na minha frente. “Você podia ter morrido,” ele disse, como se isto fosse uma grande novidade. “Sim,” eu disse. “Eu sei disso.” “Um vampiro teve que salvar você.” Havia aversão em sua voz. Vampiros e Lobis simplesmente não se entendiam. “Sim,” eu concordei, apesar de na verdade meu salvador ter sido Claudine. Mas Charles matou o incendiário. “Oh, você teria preferido que eu tivesse queimado?” “Não, claro que não!” Ele se virou para longe, olhando para a varanda quase toda desmantelada. “Alguém já está trabalhando na demolição da parte danificada?” “Sim.” “Eu poderia ter conseguido uma equipe inteira aqui fora.” “Terry se ofereceu.” “Eu posso conseguir para você um bom preço na reconstrução.” “Eu providenciei um empreiteiro.” “Eu posso emprestar dinheiro a você para fazer isto.” “Eu tenho o dinheiro, muito obrigada.” Aquilo o assustou. “Você tem? Onde...?” Ele parou antes de dizer algo indesculpável. “Eu não pensei que sua avó tivesse muito para deixar a você,” ele disse, o que era quase tão ruim. “Eu ganhei o dinheiro,” eu disse. “Você ganhou o dinheiro de Eric?” ele supôs acuradamente. Os olhos verdes de Alcide estavam fervendo de raiva. Eu pensei que ele iria me sacudir. “Você trate de se acalmar, Alcide Herveaux,” eu disse severamente. “Como eu o ganhei não é da sua maldita conta. Eu estou contente de tê-lo. Se você descer de seu pedestal, eu direi que estou feliz que você esteja preocupado comigo, e agradecida por você estar oferecendo ajuda. Mas não me trate como se eu fosse uma aluna da quinta série em uma classe especial.” Alcide baixou o olhar para mim enquanto absorvia meu discurso. “Eu sinto muito. Eu pensei que você – eu pensei que nós éramos próximos o suficiente para você ter me chamado aquela noite. Eu pensei... que talvez você precisasse de ajuda.” Ele estava jogando o jogo do “você feriu meus sentimentos.” “Eu não me importo de pedir por ajuda quando preciso. Eu não sou tão orgulhosa,” eu disse. “E estou feliz por ver você.” (Não era totalmente verdade.) “Mas não aja como se eu não pudesse fazer coisas por mim mesma, porque posso, e estou fazendo.” “Os vampiros pagaram você por hospedar Eric enquanto as bruxas estavam em Shreveport?” “Sim,” eu disse. “Ideia do meu irmão. Me envergonhou. Mas agora estou grata que eu tenha conseguido o dinheiro. Não tenho que pedir emprestado a alguém para conseguir colocar a casa em forma.” Terry Bellefleur retornou com sua picape justamente naquele momento, e eu apresentei os dois homens. Terry não parecia nada impressionado por conhecer Alcide. De fato, ele foi voltou direto ao trabalho depois dele dar à mão de Alcide uma sacudida negligente. Alcide observou Terry duvidosamente. “Onde você está ficando?” Alcide tinha decidido não formular questões sobre as cicatrizes de Terry, graças a Deus. “Eu estou ficando com Jason,” eu disse prontamente, deixando de fora o fato que eu esperava que fosse temporário. “Quanto tempo levará para reconstruir?”
“Aqui está o cara que pode me dizer,” eu disse agradecidamente. Randall Shurtliff estava em uma picape, também, e ele tinha sua esposa e sócia com ele. Delia Shurtliff era mais jovem do que Randall, bonita como uma pintura, e dura como pregos. Ela era a segunda esposa de Randall. Quando ele tinha conseguido se divorciar de sua esposa “inicial,” aquela com quem tivera três crianças e que limpara sua casa por doze anos, Delia já estava trabalhando para Randall e tinha gradualmente começado a administrar seu negócio para ele muito mais eficientemente do que ele jamais tinha feito. Ele era capaz de dar à sua primeira esposa e filhos mais vantagens com o dinheiro que sua segunda esposa tinha ajudado ele a ganhar, do que poderia de outra forma, se tivesse casado com qualquer outra pessoa. Era de conhecimento geral (por isso eu queria dizer que eu não era a única que sabia disto) que Delia estava louca para Mary Helen casar de novo e para os três garotos Shurtliff se graduarem na escola secundária. Eu calei os pensamentos de Delia com uma resolução firme de trabalhar para manter meus escudos levantados. Randall ficou satisfeito por encontrar Alcide, que ele tinha conhecido superficialmente, e Randall estava até mesmo mais ávido para pegar a reconstrução de minha cozinha quando ele soube que eu era amiga de Alcide. A família Herveaux era muito importante pessoal e financeiramente no negócio de construção. Para minha irritação, Randall começou a dirigir todas suas observações para Alcide ao invés de mim. Alcide aceitou aquilo muito naturalmente. Eu olhei para Delia. Delia olhou para mim. Nós éramos muito diferentes, mas nós estávamos unidas naquele momento. “O que você pensa, Delia?” eu perguntei a ela. “Quanto tempo?” “Ele bufará e ele soprará,” ela disse. Seu cabelo era mais claro do que o meu, cortesia de um salão de beleza, e usava maquiagem poderosa nos olhos, mas estava vestida sensivelmente com uma calça caqui e uma camisa pólo com “Construção Shurtliff” escrito acima de seu seio esquerdo. “Mas ele pegou aquela casa em Robin Egg para terminar. Ele pode trabalhar na sua cozinha antes de começar uma casa em Clarice. Assim, digamos, em três ou quatro meses a partir de agora, você terá uma cozinha utilizável.” “Obrigada, Delia. Eu preciso assinar alguma coisa?” “Nós conseguiremos um orçamento pronto para você. Eu o levarei ao bar para você checar. Nós incluiremos os novos eletrodomésticos, porque podemos conseguir um desconto de revendedor. Mas eu direi a você agora, veja, isso será algo aproximado.” Ela me apresentou o orçamento de uma reforma de cozinha que eles tinham feito um mês antes. “Eu tenho isto,” eu disse, apesar de dar um longo berro no fundo do coração. Mesmo com o dinheiro do seguro, eu usaria mais que um grande pedaço do que eu tinha no banco. Eu deveria estar agradecida, lembrei a mim mesma firmemente, que Eric tinha me pagado todo aquele dinheiro, e que eu o tinha para despender. Não teria que emprestar do banco, vender a terra ou tomar qualquer outra atitude drástica. Deveria pensar naquele dinheiro como somente passando pela minha conta ao invés de vivendo lá. Eu não fora dona dele de verdade. Eu tive somente a custódia dele por um momento. “Você e Alcide são bons amigos?” Delia perguntou, nossos negócios concluídos. Eu pensei nisso um pouco. “Algumas vezes,” eu respondi honestamente. Ela riu, uma gargalhada dura que era de alguma forma sexy. Ambos os homens olharam em volta para ouvir o que estávamos dizendo. “Eu te digo uma coisa,” Delia Shurtliff me disse baixinho. “Só entre você, eu e o moirão da cerca. A secretária de Jackson Herveaux, Connie Babcock – você a conhece?”
Eu concordei com a cabeça. Eu tinha pelo menos visto e falado com ela quando passei pelo escritório de Alcide em Shreveport. “Ela foi presa esta manhã por roubar da Herveaux e Filho.” “O que ela pegou?” eu era toda ouvidos. “Isto é o que eu não entendo. Ela foi pega entregando alguns papéis fora do escritório de Jackson Herveaux. Não papéis de negócios, mas pessoais, da forma que ouvi. Ela disse que foi paga para fazer isto.” “Por?” “Algum cara que é dono de uma revenda de motocicletas. Agora, isto faz sentido?” Faria se você soubesse que Connie Babcock andava dormindo com Jackson Herveaux, e também trabalhando em seu escritório. Faria se você repentinamente percebesse que Jackson tinha levado Christine Larrabee, uma Lobis pura e influente, para o funeral do Coronel Flood, ao invés de levar a humana impotente Connie Babcock. Enquanto Delia pensava na história, me coloquei em pé, perdida em pensamentos. Jackson Herveaux era sem uma dúvida um homem de negócios inteligente, mas estava provando ser um político estúpido. Ter Connie presa era estúpido. Isto atraía atenção para os Lobis, tinha o potencial de expô-los. Umas pessoas tão reservadas não apreciariam um líder que não pode manejar um problema sem mais sutileza do que aquilo. De fato, já que Alcide e Randall ainda estavam discutindo a reconstrução de minha casa um com o outro ao invés de comigo, uma carência de sutileza parecia correr na família Herveaux. Então eu franzi as sobrancelhas. Ocorreu-me que Patrick Furnan podia ser desonesto e esperto o suficiente para ter projetado a coisa toda – subornando a rejeitada Connie para roubar papéis privados de Jackson, e então se assegurando que ela fosse pega – sabendo que Jackson reagiria com a cabeça quente. Patrick Furnan podia ser muito mais inteligente do que ele parecia, e Jackson Herveaux muito mais estúpido, pelo menos na forma que faria diferença se você queria ser o mestre do bando. Tentei livrar-me daquelas especulações perturbadoras. Alcide não tinha dito uma palavra sobre a prisão de Connie, então eu tinha que concluir que ele considerava que isto não fosse da minha conta. Certo, talvez pensasse que eu tinha o suficiente com o que me preocupar, e ele estava certo. Voltei minha mente para o momento. “Você acha que eles notariam se nós partíssemos?” eu perguntei a Delia. “Oh, sim,” Delia disse confiantemente. “Randall poderia demorar uns minutos, mas olharia em volta me procurando. Ele ficaria perdido se não pudesse me achar.” Aqui estava uma mulher que sabia seu próprio valor. Eu suspirei e pensei em entrar em meu carro emprestado e dirigir para longe. Alcide, pegando um vislumbre de meu rosto, cortou sua discussão com meu empreiteiro e pareceu culpado. “Desculpe,” ele chamou. “Hábito.” Randall voltou para onde eu estava de pé um pouquinho mais rápido do que ele tinha demorado desviando-se para longe. “Desculpe,” ele se desculpou. “Nós estávamos falando de trabalho. O que você tem em mente, Sookie?” “Eu quero a cozinha nas mesmas dimensões de antes,” eu disse, tendo abandonado as visões de um recinto maior depois de ver o orçamento. “Mas quero que a nova varanda traseira seja tão ampla quanto a cozinha, e quero fechá-la.” Randall produziu uma tabela, e eu esbocei o que queria. “Você quer as pias onde elas eram antes? Você quer todos os eletrodomésticos onde eles ficavam?” Depois de alguma discussão, desenhei tudo que eu queria, e Randall disse que me ligaria quando fosse a época de escolher os gabinetes, as pias e todas as outras despesas extras.”
“Uma coisa que eu desejo que você faça por mim hoje ou amanhã é consertar a porta do corredor para dentro da cozinha,” eu disse. “Eu quero poder trancar a casa.” Randall procurou com afinco na traseira de sua picape por um minuto ou dois e apareceu com uma maçaneta de porta novinha em folha com uma fechadura, ainda em sua embalagem. “Isto não manterá do lado de fora alguém realmente determinado” ele disse, ainda com um jeito arrependido “Mas é melhor do que nada.” Ele a instalou dentro de quinze minutos, e eu poderia trancar a parte inteira da casa longe da parte queimada. Senti-me muito melhor, apesar de saber que esta fechadura não valia muito. Eu precisava colocar um trinco do lado de dentro da porta; o que seria até melhor. Perguntei-me se eu mesma podia fazê-lo, mas lembrei que aquilo acarretaria cortar alguma moldura da porta, e eu não tinha nada de carpinteiro. Seguramente podia achar alguém que me ajudasse com aquela tarefa. Randall e Delia partiram com muitas garantias de que eu seria a próxima na lista, e Terry retomou o trabalho. Alcide disse “Você nunca está sozinha,” em um tom moderadamente exasperado. “Sobre o que você quer conversar? Terry não pode nos ouvir aqui.”Andei para o outro lado, onde minha cadeira de alumínio estava localizada sob uma árvore. Sua companheira estava encostada contra o tronco grosso do carvalho, e Alcide a abriu. Ela rangeu um pouco sob seu peso enquanto ele se assentava. Eu presumi que ele falaria sobre a prisão de Connie Babcock. “Eu transtornei você da última vez que conversamos,” ele disse diretamente. Tive que mudar as engrenagens mentais pela inesperada abertura. Certo, eu gostava de um homem que podia se desculpar. “Sim, você me transtornou.” “Você não queria que eu te contasse que sabia sobre Debbie?” “Eu só odeio tudo isso que aconteceu. Odeio que a família dela esteja passando por isso. Odeio que eles não saibam, que estejam sofrendo. Mas eu estou feliz por estar viva, e eu não estou indo para a cadeia por me defender.” “Se isto fizer você se sentir um pouco melhor, Debbie não era tão próxima assim da família. Seus pais sempre preferiram a irmã mais nova de Debbie, apesar dela não ter herdado nenhuma das características metamorfas. Sandra é a menina de seus olhos, e a única razão deles estarem perseguindo isto com tanto vigor é que Sandra espera isto.” “Você acha que eles desistirão?” “Eles pensam que eu fiz isto,” Alcide disse. “Os Pelts acham que porque Debbie ficou noiva de outro homem, eu a matei. Eu recebi um e-mail de Sandra em resposta ao meu sobre os detetives particulares.” Eu só pude olhar boquiaberta para ele. Tive uma horrível imagem do futuro na qual me vi indo para a delegacia de polícia e confessando para salvar Alcide da cadeia. Mesmo ser suspeito de um assassinato que ele não cometeu era uma coisa terrível, e eu não podia permitir isto. Só não tinha me ocorrido que outra pessoa seria culpada pelo que eu tinha feito. “Mas,” Alcide continuou, “Eu posso provar que não fui eu. Quatro membros do bando jurarão que eu fiquei na casa de Pam depois que Debbie partiu, e uma fêmea jurará que eu passei a noite com ela.” Ele esteve com membros do bando, em algum outro lugar. Desmoronei com o alívio. Eu não estava tendo um espasmo de ciúmes por causa da fêmea. Ele não a teria chamado daquilo se tivesse feito sexo de verdade com ela. “Assim os Pelts terão que suspeitar de alguma outra pessoa. Mas isto não é o que eu quero falar com você, de qualquer forma.”
Alcide tomou minha mão. A sua era grande, e dura, e prendeu a minha como se estivesse segurando algo selvagem que voaria para longe se ele relaxasse sua contenção. “Eu quero que você pense sobre me ver de uma forma constante,” ele disse. “Tipo... todo dia.” De novo, o mundo parecia rearranjar a si mesmo à minha volta. “Hein?” eu disse. “Eu gosto muito de você,” ele disse. E acho que você gosta de mim, também. Nós desejamos um ao outro.” Ele se inclinou mais para me beijar uma vez na bochecha e então, quando eu não me movi, na boca. Eu estava tão surpresa com isso e insegura se eu queria, de qualquer forma. Não é frequente uma leitora de mentes ser pega pela surpresa, mas Alcide tinha conseguido isto. Ele inspirou profundamente e continuou. “Nós gostamos da companhia um do outro. Eu quero tanto você na minha cama que chega a doer. Eu não teria falado isto tão depressa, sem nós estarmos juntos por mais tempo, mas você precisa um lugar para viver agora. Eu tenho um apartamento em Shreveport. Eu quero que você pense em ficar comigo.” Se ele tivesse me acertado na cabeça com um pedaço de madeira, eu não poderia ter ficado mais atordoada. Ao invés de tentar com tanta força ficar de fora da cabeça das pessoas, eu devia considerar voltar para dentro delas. Comecei várias frases em minha cabeça, descartei todas elas. O calor dele, a atração de seu grande corpo, era algo contra o que eu tinha que lutar enquanto tentava ordenar meus pensamentos. “Alcide,” eu comecei finalmente, falando acima do barulho ao fundo da marreta de Terry derrubando as tábuas de minha cozinha queimada, “Você está certo, eu gosto de você. De fato, eu mais do que gosto de você.” Eu não podia nem mesmo olhar em seu rosto. Em vez disso, olhei para suas grandes mãos, com seus tufos de cabelo escuro acima das costas. Se eu olhasse logo abaixo de suas mãos, poderia ver suas coxas musculosas e seu... Bem, de volta para as mãos. “Mas o momento parece todo errado. Eu acho que você precisa de mais tempo para superar seu relacionamento com Debbie, já que você parecia tão escravizado por ela. Você pode sentir que só dizendo as palavras „Eu repudio você‟ mandou embora todos seus sentimentos por ela, mas eu não estou convencida de que é assim.” “É um poderoso ritual de minha gente,” Alcide disse rigidamente, e eu arrisquei um rápido olhar em seu rosto. “Eu posso ver que é um poderoso ritual,” eu assegurei a ele, “E teve um grande efeito em todos lá. Mas eu não posso acreditar que, rápido como um relâmpago, todo sentimento que você tinha por Debbie foi arrancado pela raiz quando você disse as palavras. Não é assim que as pessoas funcionam.” “É como os lobisomens funcionam.” Ele parecia teimoso. E determinado. Eu pensei muito sério sobre o que eu queria dizer. “Eu amaria alguém intervir e resolver todos os meus problemas,” eu disse a ele. “Mas não quero aceitar sua oferta por precisar de um lugar para viver e nós estarmos entusiasmados um pelo outro. Quando minha casa estiver reconstruída, então nós falaremos, se você ainda sentir o mesmo.” “Este é o momento em que você mais precisa de mim,” ele protestou, as palavras derramando-se para fora de sua boca em sua pressa de me persuadir. “Você precisa de mim agora. Eu preciso de você agora. Nós somos feitos um para o outro. Você sabe disto.” “Não, eu não sei. Eu sei que você está preocupado com um monte de coisas agora. Você perdeu sua amante, seja lá como isto aconteceu. Eu não acho que isso tenha terminado dentro de você, mesmo que não a veja novamente.” Ele hesitou. “Eu atirei nela, Alcide. Com uma espingarda.”
Todo seu rosto se contraiu. “Viu? Alcide, eu já vi você rasgar a carne das pessoas quando estava transformado em lobo. E isto não me fez ter medo de você. Porque eu estou do seu lado. Mas você amava Debbie, pelo menos por um tempo. Se nós nos envolvermos em um relacionamento agora, em algum ponto você olhará para mim e dirá, „Aqui está aquela que acabou com a vida dela‟.” Alcide abriu sua boca para protestar, mas eu levantei uma mão. Eu queria terminar. “Além disso, Alcide, seu pai está nesta luta sucessória. Ele quer ganhar a eleição. Talvez você ter um relacionamento estabelecido ajude as ambições dele. Eu não sei. Mas eu não quero ter nada a ver com a política Lobis. Eu não gostei de você me arrastando para dentro disto sem meu conhecimento na semana passada, no funeral. Você deveria ter me deixado decidir.” “Eu queria que eles se acostumassem à visão de você a meu lado,” Alcide disse, seu rosto endurecendo com o insulto. “Eu quis lhe prestar uma honraria.” “Eu poderia ter apreciado mais esta honra se eu tivesse sabido sobre ela,” repreendi. Era um alívio ouvir outro veículo se aproximando, ver Andy Bellefleur sair de seu Ford e observar seu primo derrubando minha cozinha. Pela primeira vez em meses, eu estava feliz em ver Andy. Apresentei Andy para Alcide, claro, e os observei medirem um ao outro de cima abaixo. Gosto de homens em geral, e alguns homens em específico, mas quando os vejo praticamente circularem enquanto eles cheiram a bunda um do outro – me desculpe, trocam cumprimentos – eu só tenho que sacudir minha cabeça. Alcide era mais alto uns bons dez centímetros, mas Andy Bellefleur esteve no time de luta livre da faculdade, e ainda era um bloco de músculos. Eles eram quase da mesma idade. Eu até apostaria dinheiro neles em uma briga, desde que Alcide mantivesse sua forma humana. “Sookie, você me pediu para mantê-la informada sobre o homem que morreu aqui,” Andy disse. Claro, mas nunca tinha me ocorrido que ele realmente faria isso. Andy não tinha uma boa opinião sobre mim, apesar dele sempre ter sido um grande fã de meu traseiro. É maravilhoso ser telepata, hein? “Ele não tinha registros anteriores,” Andy disse, olhando para baixo em seu pequeno bloco de anotações. “Ele não tinha associação conhecida com a Irmandade do Sol.” “Mas isto não faz sentido,” eu disse depois do pequeno silêncio que se seguiu. “Por que então ele poria fogo?” “Eu estava esperando que você pudesse me dizer isso,” Andy disse, seus olhos cinza claros encontrando os meus. Eu cheguei ao meu limite com Andy, abrupta e finalmente. Em nossas interações no decorrer dos anos, ele tinha me insultado e me magoado, e agora eu tinha encontrado aquela gota d‟água. “Me ouça, Andy,” eu disse, e olhei diretamente dentro de seus olhos. “Eu nunca fiz nada contra você, até onde sei. Nunca fui presa. Eu nunca nem mesmo atravessei a rua sem observar as regras, ou atrasei no pagamento de meus impostos, ou vendi uma bebida para um adolescente menor de idade. Nunca nem mesmo tive uma multa por excesso de velocidade. Agora alguém tentou fazer um churrasco de mim dentro de minha própria casa. Onde você está com a cabeça para me fazer sentir como se eu tivesse feito algo de errado?” Além de atirar em Debbie Pelt, uma voz sussurrou em minha cabeça. Era a voz da minha consciência. “Eu não acho que tenha algo no passado desse cara que indique que ele faria isto com você.” “Bom! Então descubra quem fez! Porque alguém queimou minha casa, e com certeza não fui eu!” Eu estava gritando quando cheguei na última parte, parcialmente para abafar a voz. Meu único recurso era virar e andar para longe, com passos decididos e longos em volta da casa até estar fora da visão de Andy. Terry me deu uma longa olhada de esguelha, mas não parou de balançar sua marreta. Depois de um minuto, ouvi alguém andando através dos escombros atrás de mim. “Ele se foi,” Alcide disse, sua voz profunda só um pouquinho divertida. “Eu suponho que você não esteja interessada em prosseguir mais com a nossa conversa.” “Você está certo,” eu disse, concisa. “Então voltarei para Shreveport. Me chame se você precisar de mim.” “Claro.” Eu me forcei a ser mais educada. “Obrigada por sua oferta de ajuda.” “„Ajuda‟? Eu pedi a você para morar comigo!” “Então obrigada por me pedir para morar com você.” Eu não podia evitar se não soei completamente sincera. Eu disse as palavras certas. Então a voz de minha avó soou em minha cabeça, me dizendo que eu estava agindo como se tivesse sete anos de idade. Eu me virei de volta. “Eu realmente aprecio sua... afeição,” eu disse, olhando para cima, para o rosto de Alcide. Mesmo assim tão no início da primavera, ele tinha uma linha de bronzeamento de usar um capacete de segurança. Sua tez oliva estaria mais escura em umas poucas semanas. “Eu realmente aprecio...” Eu me esgotei, incerta de como colocar isto. Eu apreciava sua disposição de me considerar como uma mulher adequada para casar com ele, o que tantos homens não consideravam, tão bem quanto sua suposição de que eu seria uma boa companheira e uma boa aliada. Isto era o mais próximo que eu podia conseguir em expressar o que eu queria dizer. “Mas você não está sentindo o mesmo.” Os olhos verdes me observavam firmemente. “Eu não estou dizendo isto.” Inspirei. “Estou dizendo que agora não é o momento para trabalhar em um relacionamento com você.” Apesar de que eu não me importaria de pular em cima de você, acrescentei para mim mesma desejosamente. Mas eu não iria fazer aquilo por capricho, e certamente não com um homem como Alcide. A nova Sookie, a Sookie recuperada, não cometeria o mesmo erro duas vezes consecutivas. Eu estava duplamente recuperada. (Se você se recupera de dois homens que você teve até agora, você acaba virgem de novo? Para que estado você é recuperada?) Alcide me deu um abraço firme e plantou um beijo em minha bochecha. Ele saiu enquanto eu ainda estava ponderando aquilo tudo. Pouco tempo depois de Alcide sair, Terry encerrou o trabalho pelo dia. Troquei o macacão de para-quedista por minhas roupas de trabalho. A tarde tinha esfriado, então coloquei a jaqueta. Eu a tinha pego do armário de Jason. Cheirava ligeiramente a ele. Dei a volta no caminho para o trabalho para entregar o conjunto rosa e preto na casa de Tara. Seu carro não estava lá, então imaginei que ela ainda estaria na loja. Entrei e fui até seu quarto colocar o saco plástico no seu armário. A casa estava escura e profundamente sombreada. Anoitecia do lado de fora. Repentinamente meus nervos vibraram, alarmados. Eu não deveria estar lá. Me afastei do armário e olhei em volta do quarto. Quando meus olhos chegaram na entrada, ela estava preenchida com uma figura magra. Arfei antes de poder me controlar. Mostrar a eles que você está assustada é como acenar uma bandeira vermelha na frente de um touro. Eu não conseguia ver o rosto de Mickey para ler sua expressão, se ele tinha alguma. “De onde veio aquele novo barman no Merlotte?,” ele perguntou. Se eu tinha esperado algo, não era isto. “Quando Sam foi baleado, nós precisamos de outro barman com urgência. Nós o pegamos emprestado de Shreveport,” eu disse. “Do bar de vampiros.” “Ele trabalha lá há muito tempo?”
“Não,” eu disse, conseguindo me sentir surpresa mesmo através do meu arrepiante medo. “Ele não está lá há muito tempo não.” Mickey concordou com a cabeça, como se aquilo confirmasse alguma conclusão à qual que ele tivesse chegado. “Caia fora daqui,” ele disse, sua voz profunda totalmente calma. “Você é uma má influência para Tara. Ela não precisa de nada além de mim, até eu estar cansado dela. Não volte.” O único caminho para sair do quarto era através da porta que ele estava obstruindo. Eu não confiava em mim mesma para falar. Andei em direção a ele tão confiantemente quanto podia, e me perguntei se ele se moveria quando eu o alcançasse. Parecia como se três horas tivessem passado pelo tempo que eu contornei a cama de Tara e passei em volta de sua penteadeira. Quando não mostrei nenhum sinal de diminuir a velocidade, o vampiro deu um passo para o lado. Eu não pude evitar olhar em seu rosto enquanto passava por ele, e ele estava mostrando as presas. Estremeci. Não pude me impedir de me sentir incrivelmente doente por Tara. Como isso tinha acontecido a ela? Quando ele viu minha repulsa, sorriu. Empurrei o problema de Tara para longe, no meu coração, para resolver mais tarde. Talvez eu pudesse pensar em algo para fazer por ela, mas enquanto ela parecesse desejosa de ficar com esta monstruosa criatura, eu não via o que eu podia fazer para ajudar. Sweetie Des Arts estava do lado de fora fumando um cigarro quando estacionei meu carro nos fundos do Merlotte. Ela parecia muito bem, a despeito de estar vestida com um avental branco manchado. Os holofotes exteriores iluminavam cada pequena ruga em sua pele, revelando que Sweetie era um pouco mais velha do que eu tinha pensado, mas ela ainda parecia muito saudável para alguém que cozinha a maior parte do dia. De fato, se não fosse pelo avental branco a envolvendo e o cheiro forte de óleo de cozinha, Sweetie poderia ser uma mulher sexy. Ela certamente agia como uma pessoa que era acostumada a ser notada. Nós tivemos uma sucessão de cozinheiros tão grande que eu não tinha feito muito esforço para conhecê-la. Eu estava certa de que ela iria embora cedo ou tarde – provavelmente mais cedo. Mas ela levantou uma mão em cumprimento e parecia querer conversar comigo, então eu parei. “Sinto muito sobre sua casa,” ela disse. Seus olhos estavam brilhando na luz artificial. Não cheirava nada bem aqui perto da lata de lixo, mas Sweetie estava tão relaxada quanto se ela estivesse em uma praia em Acapulco. “Obrigada,” eu disse. Eu simplesmente não queria falar sobre isso. “Como você está hoje?” “Bem, obrigada.” Ela acenou a mão com o cigarro em volta, indicando o estacionamento. “Apreciando a vista. Ei, você tem algo na sua jaqueta.” Mantendo sua mão cuidadosamente para o lado para não me derrubar cinzas, ela se inclinou para frente, mais perto do que minha zona de conforto permitia, e sacudiu alguma coisa para fora do meu ombro. Ela fungou. Talvez o cheiro de fumaça da madeira queimada tenha se aderido a mim, apesar de todos meus esforços. “Eu preciso entrar. Hora do meu turno,” eu disse. “Sim, eu mesma tenho que voltar. Está uma noite bem cheia.” Mas Sweetie ficou onde estava. “Você sabe, Sam é simplesmente louco por tudo que lhe diz respeito.” “Eu trabalho para ele há bastante tempo.” “Não, eu acho que vai um pouco além disso.” “Ah, eu não acredito nisso, Sweetie.” Eu não podia pensar em qualquer forma educada para concluir a conversa que tinha ido por um caminho tão pessoal. “Você estava com ele quando ele foi baleado, certo?” “Sim, ele estava indo para seu trailer e eu, para meu carro.” Eu queria deixar claro que nós estávamos indo em direções diferentes.
“Você não notou nada?” Sweetie se inclinou contra a parede e inclinou sua cabeça para trás, seus olhos fechados como se ela estivesse pegando sol. “Não. Eu queria que tivesse. Gostaria que a polícia pegasse quem quer que seja que esteja fazendo isso.” “Você já pensou que pode haver uma razão para aquelas pessoas serem visadas?” “Não,” eu menti decididamente. “Heather, Sam e Calvin não tem nada em comum.” Sweetie abriu um olho castanho e deu uma olhada para mim. “Se nós estivéssemos em uma história de mistério, eles todos conheceriam o mesmo segredo, ou teriam testemunhado o mesmo acidente, ou algo assim. Ou a polícia descobriria que eles todos frequentavam a mesma lavanderia.” Sweetie bateu as cinzas de seu cigarro. Relaxei um pouco. “Eu vejo que você está intrigada,” eu disse. “Mas acho que a vida real não tem tantos padrões quanto um livro de assassinatos em série. Acho que eles todos foram escolhidos ao acaso. Sweetie deu de ombros. “Você provavelmente está certa.” Eu vi que ela andava lendo um romance de suspense de Tami Hoag, agora enfiado dentro no bolso do avental. Ela deu um tapinha em seu livro com uma unha cega. “Ficção só torna tudo mais interessante. A verdade é tão chata.” “Não no meu mundo,” eu disse.
 
BILL TEVE UM encontro no Merlotte naquela noite. Imaginei que essa seria o pagamento por ter beijado Sam, ou talvez eu só estivesse sendo orgulhosa. Este possível pagamento foi na forma de uma mulher de Clarice. Eu já a tinha visto no bar anteriormente, algumas vezes. Ela era morena e magra, com o cabelo na altura dos ombros, e Danielle quase não podia esperar para me dizer que ela era Selah Pumphrey, uma vendedora de imóveis que conseguira o prêmio de um milhão de dólares de vendas no ano anterior. Eu a odiei instantaneamente, completamente, e passionalmente. Então eu sorri tão brilhantemente quanto uma lâmpada de mil watts e servi a eles o TrueBlood aquecido de Bill e o coquetel de vodka e suco de laranja dela, rápido como um piscar de olhos. Eu não cuspi no coquetel, tampouco. Eu estava muito acima disso, disse a mim mesma. Também, eu não tive privacidade o suficiente. Não somente o bar estava abarrotado, como Charles estava me olhando atentamente. O pirata estava em boa forma esta noite, vestindo uma camisa branca com mangas bufantes e uma calça Dockers azul marinha, com um lenço brilhante puxado através do passador, dando um toque de cor. Seu tapa-olho combinava com a calça Dockers, e tinha uma estrela dourada bordada. Isto era tão exótico quanto Bon Temps podia conseguir. Sam acenou para mim de sua mesa minúscula, que nós tínhamos colocado em um canto. Ele estava com sua perna ruim apoiada em outra cadeira. “Você está bem, Sookie?” Sam murmurou, dando as costas para a multidão no bar, assim ninguém podia nem mesmo ler seus lábios. “Claro, Sam!” Eu mostrei a ele uma expressão divertida. “Por que não?” Naquele momento, eu o odiava por me beijar, e me odiava por corresponder. Ele revirou os olhos e sorriu por um efêmero segundo. “Acho que resolvi seu problema de moradia,” ele disse para me distrair. “Direi a você mais tarde.” Eu me afastei depressa para pegar um pedido. Nós estávamos lotados naquela noite. O tempo quente e a atração de um novo barman tinham se somado para encher o Merlotte com os otimistas e os curiosos. Eu deixei Bill, lembrei a mim mesma orgulhosamente. Apesar de ele ter me traído, ele não quis que nós terminássemos. Eu tinha que continuar me dizendo aquilo, só assim não odiaria todos os presentes que estavam testemunhando minha humilhação. Claro, nenhuma das pessoas presentes sabia nada das circunstâncias, então estavam livres para imaginar que Bill tinha me abandonado por aquela cadela morena. O que não era o caso. Eu endureci minhas costas, ampliei meu sorriso, e me ocupei com os drinques. Depois dos primeiros dez minutos, comecei a relaxar e ver que estava me comportando como uma tola. Como milhões de casais, Bill e eu tínhamos terminado. Naturalmente, ele começou a sair com outra pessoa. Se eu tivesse tido a série normal de namorados, começando com uns treze ou catorze anos, meu relacionamento com Bill seria só mais um em uma longa lista de relacionamentos que não tiveram sucesso. Eu seria capaz de aceitar isto com calma, ou pelo menos com alguma perspectiva. Eu não tinha perspectiva. Bill foi meu primeiro amor, em todos os sentidos. Da segunda vez em que levei drinques para a mesa deles, Selah Pumphrey olhou para mim desconfortavelmente, quando sorri alegremente para ela. “Obrigada,” ela disse de modo incerto. “Não há de que,” eu a adverti entredentes, e ela empalideceu.
Bill virou o rosto para o outro lado. Eu esperava que ele não estivesse escondendo um sorriso. Voltei para o bar. Charles disse, “Eu devo dar um bom susto nela, se for passar a noite com ele?" Eu estava de pé atrás do bar com ele, olhando dentro da geladeira com porta de vidro que nós mantemos lá atrás. Ela contém drinques leves, sangue engarrafado, e fatias de limões e limas. Eu vim pegar uma fatia de limão e uma cereja para colocar em um Tom Collins, e acabei ficando. Ele era tão perceptivo. “Sim, por favor,” eu disse, agradecida. O vampiro pirata estava se transformando em um aliado. Ele me salvou do incêndio, matou o homem que incendiou minha casa, e agora estava se oferecendo para assustar o encontro de Bill. Eu tinha que gostar daquilo. “Pode considerá-la aterrorizada,” ele disse de um jeito nobre, me saudando com um movimento floreado de seu braço, sua outra mão em seu coração. “Oh, você,” eu disse com um sorriso mais natural, e peguei a tigela de fatias de limão. Precisei de cada grama de autocontrole que eu tinha para ficar fora da cabeça de Selah Pumphrey. Eu estava muito orgulhosa de mim mesma por me esforçar. Para meu horror, a próxima vez em que a porta se abriu, Eric entrou. Meus batimentos cardíacos aceleraram imediatamente, e me senti quase fraca. Eu precisava parar de reagir dessa forma. Eu desejava poder esquecer nosso “tempo juntos” (como um dos meus romances favoritos pudesse talvez designar) tão perfeitamente quanto Eric tinha esquecido. Talvez eu devesse localizar uma bruxa, ou um hipnoterapeuta, e me dar uma dose de amnésia. Eu mordi forte minha boca por dentro da bochecha, e levei dois jarros de cerveja para uma mesa de jovens casais que estavam celebrando a promoção de um dos homens a supervisor – de alguém, em algum lugar. Eric estava falando com Charles quando voltei, e apesar de vampiros poderem ser muito inexpressivos quando estão lidando uns com os outros, parecia óbvio para mim que Eric não estava nem um pouco feliz com seu barman emprestado. Charles era quase trinta centímetros mais baixo que seu chefe, e sua cabeça estava virada para cima enquanto eles conversavam. Mas suas costas estavam enrijecidas, suas presas projetadas um pouco, e seus olhos brilhavam. Eric era muito assustador quando estava furioso, também. Ele definitivamente agora parecia estar cheio de dentes. Os humanos em volta do bar pareciam inclinados a encontrar algo para fazer em algum outro lugar no recinto, e a qualquer minuto eles começariam a achar algo para fazer em qualquer outro bar. Eu vi Sam pegando sua bengala – uma melhora em relação às muletas – assim ele poderia levantar-se e ir até eles, então fui rapidamente até sua mesa no canto. “Você fique bem aí,” eu disse a ele em voz baixa, mas firmemente. “Nem pense em intervir.” Andei lentamente para o bar. “Olá, Eric! Como você está? Há algo em que eu possa te ajudar?” Eu sorri para ele. “Sim. Eu preciso falar com você, também,” ele rosnou. “Então por que você não vem comigo? Eu estava justamente indo lá atrás para fazer um intervalo,” ofereci. Me apossei de seu braço e o reboquei através da porta e do corredor para a entrada de empregados. Nós estávamos do lado de fora, no frio ar noturno, antes que você pudesse dizer Jack Robinson. “É melhor que você não esteja aqui para me dizer o que fazer,” eu disse rapidamente. “Já tive o bastante disso por um dia, Bill está aqui com uma mulher, e eu perdi minha cozinha. Eu estou com um humor péssimo. Enfatizei isto apertando o braço de Eric, o que era o mesmo que apertar um pequeno tronco de árvore.
“Eu não me importo nem um pouco com o seu humor,” ele disse instantaneamente, mostrando as presas. “Eu pago Charles Twining para vigiar e manter você segura, e quem salva você do fogo? Uma fada. Enquanto Charles está no quintal, matando o incendiário, ao invés de salvando a vida de sua anfitriã. Inglês estúpido!” “Ele devia estar aqui como um favor para Sam. Devia estar aqui para dar uma mão para Sam.” Eu olhei para Eric duvidosamente. “Como se eu ligasse muito para um metamorfo,” o vampiro disse impacientemente. Eu o encarei. “Há algo em você,” Eric disse. Sua voz estava fria, mas seus olhos não estavam. “Há algo que eu estou quase descobrindo sobre você, e isto está na superfície, essa sensação de que algo aconteceu enquanto eu estava amaldiçoado, algo que eu deveria saber. Nós fizemos sexo, Sookie? Mas eu não posso pensar que seja isso, ou que foi somente isso. Seu casaco foi arruinado por tecido cerebral. Eu matei alguém, Sookie? É isso? Você está me protegendo do que fiz enquanto estava amaldiçoado?” Seus olhos estavam brilhando como lâmpadas na escuridão. Eu nunca teria imaginado que ele estivesse se perguntando quem ele teria matado. Mas francamente, se isto tivesse me ocorrido, eu não teria pensado que Eric pudesse se importar; que diferença faria uma vida humana para um vampiro tão velho quanto este aqui? Mas ele parecia muito preocupado. Assim que entendi sobre o que exatamente ele estava preocupado, eu disse: “Eric, você não matou ninguém na minha casa aquela noite.” Parei bruscamente. “Você tem que me dizer o que aconteceu.” Ele se curvou um pouco para olhar em meu rosto. “Eu odeio não saber o que fiz. Tive uma vida mais longa do que você pode conseguir imaginar, e me lembro de cada segundo dela, exceto por aqueles dias que passei com você.” “Eu não posso fazer você se lembrar,” eu disse tão calmamente quanto podia. “Só posso dizer que você ficou comigo por vários dias, e então Pam veio te buscar.” Eric ficou me encarando um pouco mais. “Eu queria poder entrar em sua cabeça e tirar a verdade de você,” ele disse, o que me alarmou mais do que eu queria demonstrar. “Você bebeu meu sangue. Eu posso dizer que você está ocultando coisas de mim.” Depois de um momento de silêncio, ele disse: “Gostaria de saber quem está tentando matar você. E soube que detetives particulares te visitaram. O que eles queriam?” “Quem disse isso a você?” Agora eu tinha outra coisa com que me preocupar. Alguém estava lhe informando sobre mim. Eu podia sentir minha pressão sanguínea subindo. Me perguntei se Charles estava se reportando a Eric todas as noites. “Isto tem algo a ver com a mulher que está desaparecida, aquela cadela que o Lobis amava tanto? Você o está protegendo? Se eu não a matei, ele a matou? Ela morreu na nossa frente?” Eric agarrava meus ombros com força, e a pressão era excruciante. “Ouça, você está me machucando! Me solte!” O aperto de Eric aliviou, mas ele não removeu suas mãos. Minha respiração começou a vir mais rápida e mais superficial, e o ar estava cheio do crepitar do perigo. Eu estava de saco cheio de ser ameaçada. “Me diga agora,” ele exigiu. Ele teria poder sobre mim pelo resto da minha vida se eu lhe dissesse que ele tinha me visto matar alguém. Eric já sabia mais sobre mim do que eu gostaria que ele soubesse, porque eu tinha bebido seu sangue, e ele o meu. Agora eu lamentava nossa troca de sangue mais do que nunca. Eric tinha certeza de que eu estava escondendo algo importante. “Você era tão doce quando não sabia quem você era,” eu disse, e o que quer que fosse que ele esperava que eu dissesse, não era isso. A surpresa se alternou com o horror, transparecendo em seu lindo rosto. Finalmente, ele ficou entretido.
“Doce?” ele disse, um canto de sua boca virando para cima em um sorriso. “Muito,” eu disse, tentando sorrir de volta. “Nós fofocávamos como velhos companheiros.” Meus ombros doíam. Provavelmente todos no bar precisavam de um novo drinque. Mas eu não podia voltar para dentro, ainda. “Você estava assustado e sozinho, e gostava de conversar comigo. Era divertido ter você por perto.” “Divertido,” ele disse pensativamente. “Eu não sou divertido agora?” “Não, Eric. Você está tão ocupado sendo... você mesmo.” Chefão vampiro, político animal, magnata em desenvolvimento. Ele encolheu os ombros. “Ser eu mesmo é tão ruim? Muitas mulheres parecem pensar que não.” “Eu tenho certeza de que elas pensam.” Eu estava cansada até os ossos. A porta de trás se abriu. “Sookie, você está bem?” Sam tinha mancado para me resgatar. Seu rosto estava tenso com a dor. “Metamorfo, ela não precisa da sua assistência,” Eric disse. Sam não disse nada. Ele só manteve a atenção em Eric. “Eu fui rude,” Eric disse, não exatamente se desculpando, mas com civilidade suficiente. “Estou no seu território. Agora devo ir. Sookie,” ele disse para mim, “Nós não terminamos esta conversa, mas vejo que este não é o momento ou lugar.” “Eu verei você,” eu disse, já que eu sabia que não teria escolha. Eric se fundiu na escuridão, um truque elegante que eu adoraria controlar algum dia. “Com o que ele estava tão preocupado?” Sam perguntou. Ele mancou para fora da entrada e se recostou contra a parede. “Ele não se lembra do que aconteceu enquanto estava amaldiçoado,” eu disse, falando lentamente por absoluto cansaço. “Isto o faz sentir como se perdesse o controle. Vampiros são mestres em ter controle. Eu suponho que você tenha notado.” Sam sorriu – um pequeno sorriso, mas genuíno. “Sim, prestei atenção nisso,” ele admitiu. “Notei também que eles são muito possessivos.” “Você está se referindo à reação de Bill quando nos surpreendeu?” Sam concordou com a cabeça. “Bem, ele parece ter superado isso.” “Eu acho que ele só está retribuindo a você na mesma moeda.” Eu me senti estranha. Noite passada, estive muito perto de ir para cama com Sam. Mas estava bem longe de me sentir apaixonada neste momento, e a perna de Sam fora gravemente machucada em sua queda. Ele não parecia poder cortejar uma boneca de pano, muito menos uma mulher robusta como eu. Eu sabia que era errado pensar em me entregar a jogos sexuais com meu chefe, apesar de Sam e eu estarmos oscilando em um limite sutil há meses. Ir para o lado do “não” era a coisa mais segura e mais equilibrada a se fazer. Esta noite, particularmente depois dos eventos emocionalmente dissonantes da última hora, eu queria estar segura. “Ele nos parou a tempo,” eu disse. Sam levantou uma fina sobrancelha vermelho-dourada. “Você queria ser parada?” “Não naquele momento,” eu admiti. “Mas acho que foi o melhor.” Sam só me olhou por um momento. “O que eu ia dizer a você, apesar de estar esperando até depois do bar fechar, é que uma das minhas casas de aluguel está vazia neste momento. É aquela próxima a – bem, você lembra, aquela onde Dawn...” “Morreu,” eu finalizei.
“Certo. Eu a redecorei, e está para alugar agora. Então teria um vizinho, e você não está acostumada a isto. Mas o lado vazio está mobiliado. Você só teria que trazer algumas roupas de cama e banho, suas roupas, algumas panelas e frigideiras.” Sam sorriu. “Você poderia trazer tudo em um carro. A propósito, onde você conseguiu esse?” Ele indicou o Malibu com a cabeça. Eu contei a ele sobre a generosidade de Tara, e também que eu estava preocupada com ela. Repeti o aviso que Eric tinha me dado sobre Mickey. Quando eu vi quão ansioso Sam pareceu, me senti uma egoísta detestável por sobrecarregá-lo com tudo isso. Sam tinha o bastante com que se preocupar. Eu disse, “Sinto muito. Você não precisa ouvir mais problemas. Venha, vamos voltar para dentro.” Sam me encarou. “Eu realmente preciso me sentar,” ele disse, depois de um momento. “Obrigada pelo aluguel. Claro que eu o pagarei. Estou tão feliz de ter um lugar para viver onde eu possa vir e ir sem incomodar a ninguém! Quanto é? Acho que meu seguro pagará para eu alugar um lugar para morar enquanto minha casa está sendo consertada.” Sam me deu um olhar duro, e então mencionou um preço que eu tinha certeza que era bem abaixo da sua taxa normal. Deslizei meu braço ao redor dele porque seu membro estava muito pior. Ele aceitou a ajuda sem luta, o que me fez pensar até melhor dele. Ele mancou pelo corredor com minha ajuda e se assentou na cadeira com rodinhas atrás de sua escrivaninha com um suspiro. Eu empurrei uma das cadeiras de visitas, assim ele poderia colocar sua perna para cima nela se ele quisesse, e ele a usou imediatamente. Sob a forte luz fluorescente em seu escritório, meu chefe parecia cansado. “Volte ao trabalho,” ele disse, fingindo um tom ameaçador. “Aposto que eles estão cercando Charles.” O bar estava tão caótico quanto eu tinha temido, e comecei a servir minhas mesas imediatamente. Danielle me lançou um olhar hostil, e até Charles parecia meio infeliz. Mas gradualmente, me movendo tão rápido quanto eu podia, servi drinques frescos, retirei copos vazios, esvaziei ocasionais cinzeiros, sequei as mesas úmidas, e sorri e falei com tantas pessoas quanto podia. Eu podia dar adeus às minhas gorjetas, mas pelo menos a paz estava restaurada. Pouco a pouco, a vibração do bar diminuiu e retornou para o normal. Bill e sua acompanhante estavam profundamente absortos conversando, eu notei... Apesar de eu fazer um grande esforço para não ficar espiando eles à distância. Para meu desalento, toda vez que eu os via como um casal, sentia uma onda de raiva que não falava bem do meu caráter. Por outro lado, apesar de meus sentimentos serem matéria de indiferença para quase noventa por cento dos clientes do bar, os outros dez por cento estava observando como abutres para ver se o encontro de Bill estava me fazendo sofrer. Alguns deles estariam felizes de ver isto, e alguns não – mas não era da conta de ninguém, em ambos os casos. Enquanto eu limpava uma mesa que tinha vagado neste momento, senti um tapinha no meu ombro. Tive um presságio justamente enquanto me virava, e aquilo me fez capaz de manter meu sorriso no lugar. Selah Pumphrey estava esperando por minha atenção, seu próprio sorriso brilhante e blindado. Ela era mais alta do que eu, e talvez quinhentas gramas mais leve. Sua maquiagem era cara e experiente, e ela cheirava como um milhão de dólares. Eu avancei e toquei seu cérebro sem nem mesmo pensar duas vezes. Selah estava pensando que tinha acabado comigo, a menos que eu fosse fantástica na cama. Selah pensava que mulheres de classe baixa deviam ser sempre melhores na cama, por serem menos inibidas. Ela sabia que era mais magra, mais inteligente, ganhava mais dinheiro, e que era de longe mais educada e melhor leitora do que a garçonete que ela estava olhando. Mas Selah Pumphrey duvidava de sua própria habilidade sexual e tinha pânico de se tornar vulnerável. Eu pisquei. Isto era mais do que eu queria saber. Era interessante descobrir que (na mente de Selah) já que eu era pobre e sem instrução, eu estava mais em contato com minha natureza como um ser sexual. Eu teria que contar a todas as outras pessoas pobres em Bon Temps. Aqui nós tínhamos momentos maravilhosos fodendo uns aos outros, fazendo um sexo muito melhor do que pessoas inteligentes da classe alta, e nós nem mesmo apreciávamos isto. “Sim?” eu perguntei. “Onde é o banheiro feminino?” ela perguntou. “Depois daquela porta lá. Aquela com „Toalete‟ na placa sobre ela.” Eu deveria ser grata por ser esperta o suficiente para ler placas. “Oh! Desculpe, eu não notei.” Eu só esperei. “Então, hum, você tem alguma dica para mim? Sobre sair com um vampiro?” Ela esperou, parecendo nervosa e desafiante, tudo de uma vez. “Claro,” eu disse. “Não coma alho.” E me afastei dela para secar a mesa. Assim que me certifiquei que ela estava fora do recinto, dei a volta para levar duas canecas de cerveja vazias para o bar, e quando me virei, Bill estava de pé lá. Arfei com a surpresa. Bill tinha cabelo castanho escuro, e claro, a pele mais branca que você possa imaginar. Seus olhos são tão escuros quanto seu cabelo. Exatamente naquele momento, aqueles olhos estavam fixos nos meus. “Por que ela falou com você?” ele perguntou. “Queria saber o caminho para o banheiro.” Ele ergueu uma sobrancelha, espiando para cima, na placa. “Ela só queria dar uma boa olhada em mim,” eu disse. “Pelo menos, este é meu palpite.” Eu me sentia estranhamente confortável com Bill naquele momento, não importava o que tinha se passado entre nós. “Você a assustou?” “Nem tentei.” “Você a assustou?” Ele perguntou novamente em uma voz severa. Mas sorriu para mim. “Não,” eu disse. “Você queria que eu assustasse?” Ele sacudiu sua cabeça em falsa repulsa. “Você está com ciúmes?” “Sim.” Honestidade sempre era mais segura. “Eu odeio suas coxas magras e sua atitude elitista. Espero que ela seja uma cadela terrível que faça você tão miserável que você uive quando se lembrar de mim.” “Bom,” disse Bill. “Isto é bom de ouvir.” Ele roçou os lábios na minha bochecha. Ao contato de sua carne fria, eu tremi, recordando. Ele também. Eu vi o calor chamejar em seus olhos, as presas começando a sair. Então Bagre Hunter gritou para eu mexer minhas pernas e trazer-lhe outro uísque com Coca, e me afastei de meu primeiro amante. Tinha sido um longo, longo dia, não somente do ponto de vista da energia-física-gasta, mas também em medir-profundidade-emocional. Quando cheguei na casa do meu irmão, haviam risinhos e rangidos vindos de seu quarto, e logo deduzi que Jason estava se consolando em sua maneira de sempre. Jason talvez estivesse preocupado que sua nova comunidade suspeitasse dele em um crime feio, mas ele não estava tão preocupado a ponto de afetar sua libido. Usei o banheiro tão rapidamente quanto pude e fui para o quarto de hóspedes, fechando a porta firmemente atrás de mim. Esta noite o sofá parecia muito mais convidativo do que fora na noite anterior. Enquanto me enroscava e puxava o acolchoado sobre mim, percebi que a mulher que estava com meu irmão era uma metamorfa; eu pude sentir isto no fraco pulsar avermelhado de seu cérebro. Tinha esperanças de que ela fosse Crystal Norris. Queria que Jason tivesse, de alguma forma, persuadido a garota que ele não tinha nada a ver com os disparos. Se Jason queria capitalizar seus problemas, o melhor caminho possível seria trair Crystal, a mulher que ele tinha escolhido da comunidade de lobis-pantera. E certamente nem mesmo Jason poderia ser tão estúpido. Certamente. E ele não era. Eu encontrei Crystal na cozinha na manhã seguinte, depois das dez horas. Jason tinha saído há muito tempo, já que ele entrava no trabalho lá pelas sete e quarenta e cinco. Eu bebia minha primeira caneca de café quando Crystal entrou tropeçando, vestindo uma das camisas de Jason, seu rosto embaçado pelo sono. Crystal não era uma das minhas pessoas favoritas, e eu não era uma das dela, mas ela disse, “Dia,” com bastante civilidade. Eu concordei que era dia, e peguei uma caneca para ela. Ela fez uma careta e pegou um copo, o preenchendo com gelo e depois Coca-Cola. Dei de ombros. “Como está seu tio?” Perguntei, quando ela pareceu consciente. “Está melhor,” ela disse. “Você precisa ir vê-lo. Ele gostou da sua visita.” “Eu suponho que você tenha certeza de que Jason não atirou nele.” “Eu tenho,” ela disse brevemente. “Eu não queria falar com ele, mas quando ele conseguiu falar comigo no telefone, ele falou do jeito dele e eu não tive mais suspeitas.” Eu queria perguntar a ela se os outros habitantes de Hotshot também estavam dando a Jason o benefício da dúvida, mas eu odiava ter que trazer à tona um assunto tão sensível. Pensei no que eu tinha para fazer hoje: pegar roupas suficientes, lençóis e cobertores, e alguns utensílios da cozinha de casa, e conseguir instalar tudo no duplex do Sam. Mudar para um lugar pequeno e mobiliado era uma solução perfeita para meu problema de moradia. Eu me esquecera de que Sam era dono de várias pequenas casas na rua Berry, três delas duplex. Ele mesmo trabalhava nelas, apesar de algumas vezes ele contratar JB du Rone, um amigo meu da escola secundária, para fazer reparos simples e serviços de manutenção. Simplicidade era o melhor meio para manter tudo, com JB. Depois de pegar minhas coisas, eu talvez tivesse tempo para ir ver Calvin. Tomei banho e me vesti, e Crystal estava sentada na sala de estar assistindo TV, quando eu saí. Presumi que estava tudo certo com Jason. Terry estava firme no trabalho quando estacionei na clareira. Dei a volta por trás para checar seu progresso, e fiquei deliciada ao ver que ele tinha feito mais do que eu teria pensado ser possível. Ele sorriu quando eu disse, e parou de colocar tábuas quebradas em sua caminhonete. “Destruir é sempre mais fácil do que construir,” ele disse. Esta não era nenhuma grande afirmação filosófica, mas uma expressão de construtor. “Eu devo levar mais uns dois dias para terminar, se nada acontecer para me desacelerar. Não há previsão de chuva.” “Ótimo. Quanto eu deverei a você?” “Oh,” ele murmurou, dando de ombros e parecendo embaraçado. “Cem? Cinquenta?” “Não, não é o bastante.” Fiz uma estimativa rápida de suas horas em minha cabeça, multipliquei. “Melhor uns trezentos.” “Sookie, eu não vou cobrar tanto de você.” Terry fez uma cara teimosa. “Eu nem cobraria nada, mas quero comprar um cachorro novo.” Terry comprava um cão de caça da raça Catahoula, muito caro, aproximadamente a cada quatro anos. Ele não trocava velhos modelos por novos. Algo sempre parecia acontecer aos cachorros de Terry, apesar dele cuidar muito bem deles. Depois de ele passar quase três anos com o primeiro cão de caça, uma caminhonete o tinha atingido. Alguém dera carne envenenada para o segundo.A terceira, que ele chamou de Molly, fora mordida por uma cobra, e a mordida acabou infeccionando. Terry já estava há meses na lista da próxima ninhada, nascida no canil em Clarice que criava Catahoulas. “Você traz aquele filhote aqui para eu abraçar,” eu sugeri, e ele sorriu. Terry estava em seu lugar ao ar livre, notei pela primeira vez. Ele sempre parecia mais confortável, mental e fisicamente, quando não estava fechado em algum lugar, e quando estava do lado de fora com um cachorro, ele parecia totalmente normal. Eu destranquei a casa e entrei para reunir o que fosse talvez precisar. Fazia sol, e assim a ausência de luz elétrica não seria problema. Enchi uma grande cesta plástica de lavanderia com dois conjuntos de lençóis e uma velha colcha de chenile, mais algumas roupas, e umas poucas panelas e frigideiras. Precisaria de uma cafeteira nova. A minha velha estava derretida. E então, de pé lá, olhando para fora da janela para a cafeteira, a qual eu tinha arremessado para o topo da pilha de lixo, vi o quão perto eu tinha chegado de morrer. A compreensão bateu em mim violentamente. Um minuto eu estava de pé em minha janela do quarto, olhando para fora para o pedaço de plástico desfigurado; no próximo eu estava sentada no chão, encarando as tábuas pintadas e tentando respirar. Por que aquilo tinha me atingido agora, depois de três dias? Eu não sabia. Talvez tivesse a ver com a forma com que o Sr. Café parecia: fio tostado, plástico torcido com o calor. O plástico tinha literalmente borbulhado. Olhei para a pele das minhas mãos e estremeci. Fiquei no chão, tremendo e sacudindo, por um lapso de tempo imensurável. No primeiro minuto ou dois depois daquilo, eu não tive pensamento nenhum. Minha proximidade da morte simplesmente me subjugou. Claudine não só muito provavelmente salvara minha vida; ela certamente me salvara de uma dor tão excruciante que eu teria querido estar morta. Eu teria com ela uma dívida que nunca seria capaz de retribuir. Talvez ela realmente fosse minha fada madrinha. Me levantei, me sacudindo. Agarrando a cesta plástica, saí para me mudar para meu novo lar.
 
ENTREI COM A chave que peguei com Sam. Eu estava do lado direito de um duplex, o espelho da casa ao lado atualmente ocupada por Halleigh Robinson, a jovem professora que saía com Andy Bellefleur. Calculei que era provável ter proteção policial por pelo menos parte do tempo, e Halleigh ficaria fora a maior parte do dia, o que era agradável, considerando minhas horas noturnas. A sala de estar era pequena e continha um sofá florido, uma mesa de centro baixa e uma poltrona. O próximo cômodo era a cozinha, que era minúscula, claro. Mas tinha um fogão, uma geladeira e um micro-ondas. Nenhuma lavadora de louça, mas eu nunca tive uma. Duas cadeiras de plástico estavam enfiadas sob uma mesa minúscula. Depois de vistoriar a cozinha, passei pelo pequeno corredor que separava o quarto maior (mesmo assim pequeno) à direita do quarto menor (minúsculo), e o banheiro à esquerda. No fim do corredor havia uma porta para a pequena varanda atrás. Era um lugar muito básico, mas bastante limpo. Havia aquecimento e refrigeração central, e os pisos eram nivelados. Examinei as janelas. Elas se ajustavam bem. Agradável. Me lembrei que teria de manter as persianas abaixadas, já que eu tinha vizinhos. Arrumei a cama de casal no quarto maior. Guardei minhas roupas na cômoda pintada recentemente. Comecei uma lista de outras coisas de que precisava: esfregão, vassoura, balde, produtos de limpeza. . . Esses ficavam na varanda da parte de trás. Eu teria que trazer meu aspirador de pó de casa. Ficava guardado no armário na sala de estar, logo, deveria estar bem. Eu trouxe um de meus telefones para ligá-lo aqui, então teria que arranjar com a companhia telefônica para que minhas chamadas fossem direcionadas para este endereço. Trouxe minha televisão no carro, mas tinha que conseguir que meu cabo fosse conectado aqui. Eu teria que ligar do Merlotte. Desde o incêndio, todo meu tempo estava sendo absorvido com as mecânicas de se viver. Eu sentei no sofá duro, olhando para o nada. Tentei pensar em algo divertido, algo que eu poderia esperar ansiosamente. Bem, em dois meses, seria hora de tomar banho de sol. Isso me fez sorrir. Eu gostava de deitar ao sol com um biquíni pequeno, cronometrando cuidadosamente para não me queimar. Eu amava o cheiro de óleo de coco. Tinha prazer em raspar minhas pernas e remover a maior parte dos pelos do corpo, ficando lisa como bunda de bebê. E eu não quero ouvir nenhuma lição sobre o mal que o bronzeamento faz para você. Esse é meu vício. Todo mundo tem um. Antes disso, era hora de ir até a biblioteca e pegar outro grupo de livros; eu tinha resgatado minha última sacola cheia enquanto estava em casa, e os tinha esparramado aqui na minha varanda minúscula, assim eles arejariam. Ir à biblioteca – isso seria divertido. Antes de ir trabalhar, decidi que cozinharia algo para mim em minha nova cozinha. Isso rendeu uma ida ao supermercado, o que levou mais tempo do que tinha planejado, porque fiquei vendo mercadorias que tinha certeza de que poderia precisar. Guardar os mantimentos nos armários do duplex me fez sentir que realmente vivia lá. Dourei um par de bistecas de porco e as coloquei no forno, cozinhei uma batata no micro-ondas e aqueci ervilhas. Quando eu tinha que trabalhar à noite, normalmente ia para o Merlotte por volta das cinco, e minha refeição caseira nesses dias era uma combinação de almoço e jantar. Depois que tivesse comido e limpado tudo, pensei que tinha o tempo exato de dirigir até o hospital de Grainger para visitar Calvin.
Os gêmeos ainda não tinham chegado para ocupar seu posto no saguão, se eles ainda estavam fazendo vigília. Dawson ainda estava parado do lado de fora do quarto de Calvin. Ele acenou com a cabeça para mim, gesticulou para eu parar enquanto eu ainda estava longe, e meteu sua cabeça no quarto de Calvin. Para meu alívio, Dawson balançou a porta escancarada para eu entrar e até bateu levemente no meu ombro enquanto eu entrava. Sua cor estava melhor, sua barba e cabelo estavam limpos e aparados, e de um modo geral se parecia mais com ele mesmo. Vestia pijamas de seda azul. Vi que ainda tinha um tubo ou dois conectados a ele. Na verdade, ele tentou se levantar da cadeira. “Não, não ouse levantar!” Puxei uma cadeira de espaldar reta e sentei em frente a ele. “Me diga como você está.” “Contente em ver você,” disse ele. Até mesmo sua voz estava mais forte. “Dawson disse que você não aceitaria nenhuma ajuda. Me diga quem começou o incêndio.” “Essa é a coisa estranha, Calvin. Eu não sei por que este homem ateou fogo. A família dele veio me ver...” Hesitei, porque Calvin estava se recuperando de sua própria quase morte, e ele não deveria ter que se preocupar com mais nada. Mas ele disse, “Me diga o que você está pensando,” e ele pareceu tão interessado que acabei contando tudo para o metamorfo ferido: minhas dúvidas sobre os motivos do incendiário, meu alívio que o dano poderia ser reparado, minha preocupação com o problema entre Eric e Charles Twining. E disse a Calvin que a polícia local tinha descoberto sobre agrupamentos de atividade de atiradores de tocaia. “Isso limparia a barra de Jason,” apontei, e ele acenou com a cabeça. Eu não forcei isto. “Pelo menos ninguém mais foi baleado,” eu disse, tentando pensar em algo positivo para acrescentar à mistura lúgubre. “Até onde sabemos,” Calvin disse. “O quê?” “Até onde sabemos. Talvez mais alguém tenha sido baleado, e não foi encontrado ainda.” Eu estava surpresa com o pensamento, e ainda assim fez sentido. “Como você pensou nisso?” “Eu não tenho nada mais para fazer,” ele disse com um pequeno sorriso. “Eu não leio, como você. Não ligo muito pra televisão, com exceção dos esportes.” De fato, a estação que ele estava assistindo quando entrei era a ESPN. “O que você faz em seu tempo livre?” Eu perguntei por mera curiosidade. Calvin ficou satisfeito de eu ter lhe perguntado algo pessoal. “Eu trabalho muitas horas na Norcross,” ele disse. “Gosto de caçar, apesar de preferir caçar na lua cheia.” Em seu corpo de pantera. Bem, eu podia entender isso. “Gosto de pescar. Adoro as manhãs em que eu posso só sentar em meu barco, na água, e não me preocupar com nada.” “Aham,” eu disse de maneira encorajadora. “Que mais?” “Gosto de cozinhar. Algumas vezes fazemos camarão cozido, ou fazemos bagre para todo mundo e comemos do lado de fora – bagre e pão de milho frito e salada de repolho e melancia. No verão, é claro.” Minha boca se encheu de água só de pensar. “No inverno, eu trabalho dentro de casa. Eu saio e corto madeira para as pessoas que não podem cortar por elas mesmas, em nossa comunidade. Parece que eu sempre tenho algo pra fazer.” Agora eu sabia duas vezes mais sobre Calvin Norris do que antes. “Me conte da sua recuperação,” perguntei.
“Eu ainda tenho a maldita intra-venosa aqui dentro,” ele disse, gesticulando com seu braço. “Fora isso, estou muito melhor. Nós nos curamos depressa, você sabe.” “E como você explica a presença de Dawson às pessoas do seu trabalho que vem te visitar?” Havia arranjos de flores, tigelas de frutas e até mesmo um gato de pelúcia enchendo todas as superfícies planas do quarto. “Só digo a eles que é meu primo que fica aqui para se certificar de que eu não ficarei muito desgastado com as visitas.” Eu tinha certeza de que ninguém questionaria Dawson diretamente. “Eu tenho que ir trabalhar,” eu disse, olhando o relógio na parede. Estava estranhamente relutante em partir. Eu desfrutei o fato de ter uma conversa normal com alguém. Pequenos momentos como estes eram raros em minha vida. “Você ainda está preocupada com seu irmão?” ele perguntou. “Sim.” Mas eu tinha decidido de que eu não imploraria outra vez. Calvin me ouviu da primeira vez. Não havia nenhuma necessidade de repetição. “Nós ficaremos de olho nele.” Eu queria saber se o observador informou a Calvin que Crystal estava passando a noite com Jason. Ou talvez a própria Crystal seria o observador? Nesse caso, ela certamente estava levando seu trabalho a sério. Estava observando Jason quase tão perto quanto ele podia ser observado. “Isto é bom,” eu disse. “Essa é a melhor maneira de descobrir se ele não fez isto.” Eu estava aliviada de ouvir as notícias de Calvin, e quanto mais eu ponderava sobre elas, mais percebia que deveria ter percebido isto eu mesma. “Calvin, tome cuidado.” Me levantei para partir, e ele ergueu sua bochecha em minha direção. Um tanto relutantemente, toquei meus lábios nela. Ele estava pensando que meus lábios eram macios e que eu cheirava bem. Eu não podia fazer nada além de sorrir enquanto partia. Saber que alguém simplesmente acha você atraente sempre é um incentivo para o estado de espírito. Eu dirigi de volta para Bon Temps e passei na biblioteca antes de ir para o trabalho. A biblioteca de Renard Parish é um prédio velho e feio, de tijolo marrom, construído nos anos trinta. Parece ter todos os minutos de sua idade. Os bibliotecários fizeram muitas reclamações justificadas sobre o sistema de aquecimento e resfriamento, e as instalações elétricas deixavam muito a desejar. O estacionamento da biblioteca estava em má forma, e a clínica velha ao lado, que abrira suas portas em 1918, agora tinha janelas cobertas com tábuas – sempre uma visão deprimente. O terreno coberto de vegetação da clínica há muito fechada parecia mais com uma selva do que uma parte do centro da cidade. Me dei dez minutos para trocar meus livros. Entrei e saí em oito. O estacionamento da biblioteca estava quase vazio, pois era pouco antes das cinco horas. Pessoas estavam fazendo compras no Wal-Mart ou já em casa, cozinhando o jantar. A luz de inverno estava enfraquecendo. Eu não estava pensando em nada em particular, e isso salvou minha vida. No momento oportuno, eu identifiquei uma excitação intensa pulsando em outro cérebro, e automaticamente me abaixei, sentindo um empurrão afiado em meu ombro enquanto fazia isso, depois uma lança quente de dor ofuscante, e então umidade e um grande barulho. Isto tudo aconteceu tão rápido que eu definitivamente não pude ordenar, quando mais tarde tentei reconstruir o momento. Um grito veio por trás de mim, e então outro. Embora eu não soubesse como isto tinha acontecido, me vi de joelhos ao lado de meu carro, e sangue estava respingado na frente da minha camiseta branca.
Estranhamente, meu primeiro pensamento foi Graças a Deus não coloquei meu casaco novo.
A pessoa que gritou foi Portia Bellefleur. Portia não estava em seu habitual eu controlado enquanto escorregava pelo estacionamento, se abaixando ao meu lado. Os olhos dela foram em uma direção, depois outra, como se tentasse localizar o perigo vindo de qualquer direção. “Aguente firme,” ela disse nitidamente, como se eu tivesse sugerido correr uma maratona. Eu ainda estava ajoelhada, mas virar de pernas para o ar parecia ser uma opção agradável. Sangue estava gotejando pelo meu braço abaixo. “Alguém atirou em você, Sookie. Oh meu Deus, oh meu Deus.” “Pegue os livros,” eu disse. “Eu não quero sujar os livros de sangue. Terei de pagar por eles.” Portia me ignorou. Ela estava falando no telefone celular dela. Pessoas falavam em seus telefones nos momentos mais extraordinários! Na biblioteca, pelo amor de Deus, ou no oculista. Ou no bar. Tagarelice, tagarelice, tagarelice. Como se tudo fosse tão importante que não pudesse esperar. Assim eu pus os livros no chão ao meu lado totalmente sozinha. Em vez de ajoelhada, me vi sentando, as costas contra meu carro. E então, como se alguém tivesse tirado uma fatia de minha vida, descobri que estava deitando no chão do estacionamento da biblioteca, olhando a grande mancha velha de óleo de alguém. As pessoas deveriam cuidar melhor de seus carros... Apaguei. “Acorde,” uma voz estava dizendo. Eu não estava no estacionamento, mas em uma cama. Pensei que minha casa estava em chamas novamente, e Claudine estava tentando me fazer sair. Pessoas estavam sempre tentando me fazer sair da cama. Embora não soasse com a Claudine; parecia mais como... “Jason?” Tentei abrir os olhos. Eu me arranjei para espreitar por minhas muito pouco abertas pálpebras para identificar meu irmão. Estava em um quarto azul vagamente iluminado e doía tanto que eu queria chorar. “Você foi baleada,” ele disse. “Você foi baleada, e eu estava no Merlotte, esperando por você.” “Você parece... feliz,” eu disse por lábios que estavam estranhamente inchados e rígidos. Hospital. “Eu não posso ter feito isto! Eu estava acompanhado o tempo todo! Hoyt foi comigo na caminhonete do trabalho para o Merlotte, porque a caminhonete dele está na loja. Eu estou salvo.” “Oh, bom. Estou feliz por ter sido baleada, então. Contanto que você esteja bem.” Era tanto esforço dizer isto que fiquei contente quando Jason captou o sarcasmo. “Sim, ei, eu sinto muito sobre isso. Pelo menos não é sério.” “Não é?” “Esqueci de lhe dizer. Seu ombro foi amassado, e isto vai doer durante algum tempo. Aperte este botão se doer. Você se da a dose de medicamento para dor. Legal, hein? Escute, Andy está ali fora.” Eu pensei naquilo, e finalmente deduzi que Andy Bellefleur estava lá na sua posição oficial. “Certo,” eu disse. “Ele pode entrar.” Eu estendi um dedo e cuidadosamente apertei o botão. Então pisquei, e deve ter sido uma piscada longa, porque quando abri meus olhos outra vez, Jason tinha saído e Andy estava no lugar dele, com um pequeno caderno e uma caneta em suas mãos. Havia algo que eu tinha que dizer a ele, e depois de um momento de reflexão, eu soube o que era.
“Diga a Portia que eu agradeço,” eu falei. “Direi,” ele disse seriamente. “Ela está muito agitada. Nunca esteve tão perto de violência antes. Ela achou que você ia morrer.” Eu não podia pensar em nada pra dizer sobre isso. Esperei por ele me perguntar o que queria saber. Sua boca se moveu, e suponho que lhe respondi. “...você disse que se abaixou no último segundo?” “Ouvi algo, eu acho,” sussurrei. Aquilo era verdade, também. Eu apenas não tinha usado meus ouvidos... Mas Andy soube o que eu quis dizer, e ele era um crente. Os olhos dele encontraram os meus e se arregalaram. Apaguei novamente. O médico da emergência certamente me deu um analgésico excelente. Queria saber em qual hospital eu estava. O de Clarice era um pouco mais perto da biblioteca; o de Grainger tinha uma emergência melhor. Se eu estava em Grainger, eu podia muito bem ter me poupado o tempo de dirigir de volta para Bon Temps e depois ido para a biblioteca. Poderia ter sido baleada bem no estacionamento do hospital, quando eu saí da visita para Calvin, e aquilo teria me poupado a viagem. “Sookie,” disse uma voz quieta e familiar. Era fresca e escura como água correndo em um riacho numa noite sem luar. “Bill,” eu disse, me sentindo feliz e segura. “Não vá.” “Estarei exatamente aqui.” E ele estava lá, lendo, em uma cadeira perto da minha cama, quando acordei às três da manhã. Podia sentir as mentes nos quartos à minha volta, todas fechadas, dormindo. Mas o cérebro na cabeça do homem a meu lado era um espaço em branco. Naquele momento, eu percebi que a pessoa que tinha me baleado não fora um vampiro, apesar de todos os tiroteios terem acontecido ao entardecer ou em completa escuridão. Eu ouvi o cérebro do atirador no segundo antes do tiro, e aquilo salvou minha vida. Bill ergueu os olhos no momento em que me movi. “Como você está se sentindo?” perguntou. Apertei o botão para levantar a cabeceira da cama. “Como num inferno muito quente,” eu disse com franqueza, depois de avaliar meu ombro. “Meus remédios para dor acabaram, e meu ombro dói como se fosse cair. Minha boca está como se um exército tivesse marchado por ela, e eu preciso ir ao banheiro da pior forma.” “Eu posso lhe ajudar a cuidar disso” ele disse, e antes que eu pudesse ficar envergonhada, ele já movera o poste da intra-venosa ao redor da cama e me ajudou a levantar. Eu fiquei em pé cautelosamente, medindo quão firmes minhas pernas estavam. Ele disse, “Eu não vou deixar você cair.” “Eu sei,” eu disse, e começamos a atravessar o quarto até o banheiro. Quando conseguiu me colocar no banheiro, saiu diplomaticamente, mas deixou a porta com uma brecha aberta enquanto esperava do lado de fora. Eu fiz tudo desastradamente, mas fiquei profundamente ciente de que eu era sortuda por ter sido baleada no ombro esquerdo em vez do direito. Claro, o atirador deve ter apontado para meu coração. Bill me levou de volta para a cama tão habilmente como se tivesse cuidado de pessoas durante toda sua vida. Ele já tinha alisado a cama e sacudido os travesseiros, e eu me sentia muito mais confortável. Mas o ombro continuou me importunando, e eu apertei o botão de dor. Minha boca estava seca, e eu perguntei a Bill se havia água na jarra plástica. Bill apertou o botão da enfermeira. Quando a voz metálica dela veio pelo interfone, Bill disse, “Um pouco de água para a Senhorita Stackhouse,” e a voz gritou de volta que sim, certamente. Ela foi rápida, também. A presença de Bill poderia ter tido algo a ver com a velocidade dela. Pessoas podiam ter aceitado a realidade dos vampiros, mas isso não significava que eles gostassem dos mortos-vivos americanos. Muitos americanos de classe-média não conseguiam relaxar perto de vampiros. O que era inteligente da parte deles, pensei. “Onde nós estamos?” Perguntei. “Grainger,” ele disse. “Eu consegui ficar com você em um hospital diferente, desta vez.” Da última vez, eu estive no Hospital Renard Parish, em Clarice. “Você pode descer o corredor e visitar Calvin.” “Se eu tivesse algum interesse em fazer isso.” Ele sentou na cama. Algo sobre a carência de vida da hora, a estranheza da noite, me fez ter vontade de ser franca. Talvez fossem somente as drogas. “Eu nunca estive em um hospital até conhecer você,” eu disse. “Você me culpa?” “Às vezes.” Observei sua face brilhar. Outras pessoas nem sempre reconhecem um vampiro quando vêem um; aquilo era difícil para mim entender. “Quando conheci você, naquela primeira noite em que fui ao Merlotte, eu não sabia o que pensar de você,” ele disse. “Você era tão bonita, tão cheia de vitalidade. E eu podia dizer que havia algo diferente em você. Você era interessante.” “Minha maldição,” eu disse. “Ou sua bênção.” Ele pôs uma de suas mãos frias na minha bochecha. “Sem febre,” ele disse para si mesmo. “Você ficará curada.” Então se sentou mais ereto. “Você dormiu com Eric enquanto ele estava hospedado com você.” “Por que a pergunta, se você já sabe?” Havia um negócio chamado honestidade demais. “Não estou perguntando. Soube quando vi vocês juntos. Eu o senti o cheiro dele todo em você; eu podia dizer como você se sentia a respeito dele. Nós bebemos o sangue um do outro. É duro resistir ao Eric,” Bill entrou em um modo imparcial. “Ele é tão vigoroso quanto você, e vocês compartilham um gosto pela vida. Mas tenho certeza de que você sabe disso...” Ele parou, e parecia estar tentando pensar como moldar o que ele queria dizer. “Eu sei que você ficará feliz se eu nunca dormir com mais ninguém pro resto da minha vida,” eu disse, exprimindo seus pensamentos em palavras por ele. “E como você se sente a meu respeito?” “Da mesma forma. Oh, mas espere, você já dormiu com outra pessoa. Antes até que nós nos separássemos.” Bill olhou para longe, a linha de sua mandíbula como granito. “Certo, aquilo é água debaixo da ponte. Não, eu não quero pensar em você com Selah, ou com qualquer uma. Mas minha cabeça sabe que é irracional.” “É irracional esperar que nós fiquemos juntos novamente?” Eu considerei as circunstâncias que tinham me virado contra Bill. Pensei na infidelidade dele com Lorena; mas ela fora sua criadora e ele teve que a obedecer. Tudo que eu ouvi de outros vampiros confirmou o que ele me disse sobre aquela relação. Pensei no quase-estupro que ele fez comigo no porta-malas de um carro; mas ele estava morto de fome e torturado e não sabia o que estava fazendo. No instante em que voltou a si, ele tinha parado. Eu lembrei de como era feliz enquanto tinha o que eu pensava que era o amor dele. Eu nunca me senti mais segura em toda a minha vida. Como essa sensação tinha sido falsa: Ele ficou tão absorvido no seu trabalho para a Rainha de Louisiana que fiquei em um distante segundo lugar. De todos os vampiros que poderiam ter entrado no Bar Merlotte, eu peguei o viciado em trabalho. “Não sei se nós poderemos ter a mesma relação outra vez,” eu disse. “Pode ser possível, quando eu estiver um pouco menos ferida da dor. Mas estou contente de você estar aqui hoje à noite, e quero que você se deite comigo um pouco... se quiser.” Mudei de lugar na cama estreita para dar mais espaço, e me virei para meu lado direito, assim o ombro ferido ficou para cima. Bill se deitou por trás e colocou seu braço sobre mim. Ninguém poderia se aproximar de mim sem que ele soubesse. Sentia-me perfeitamente protegida, absolutamente segura, e adorei. “Estou tão feliz que você esteja aqui,” resmunguei, enquanto o medicamento fazia efeito. Enquanto estava flutuando para dormir novamente, lembrei de minha resolução de ano novo: Eu não queria ser espancada. Nota pessoal: Eu deveria ter incluído “baleada.” Fui liberada na manhã seguinte. Quando fui ao departamento financeiro, a balconista, cujo nome na etiqueta se lia Srta. BEESON, disse, “Já foi acertado.” “Por quem?” Perguntei. “A pessoa deseja permanecer anônima,” a balconista disse, seu rosto redondo e marrom fixo de um jeito que insinuava que eu não devia olhar nos dentes dos cavalos dados. Isto me deixou intranquila, muito intranquila. Eu na verdade tinha o dinheiro no banco para pagar a conta toda, em vez de enviar um cheque por mês. E nada vem sem um preço. Havia algumas pessoas a quem eu não queria dever. Quando absorvi o total no final da conta, fiquei chocada em ver que era muito devedora. Talvez eu devesse ter ficado no escritório mais tempo e argumentado com a Srta. Beeson mais vigorosamente, mas eu não estava nem um pouco entusiasmada. Só queria tomar banho ou pelo menos me lavar – algo mais completo que o esfregar de pontos estratégicos que eu tinha feito em mim mesma (muito lenta e cuidadosamente) naquela manhã. Queria comer minha própria comida. Queria um pouco de solidão e paz. Então eu voltei para a cadeira de rodas e deixei a assistente me empurrar para a entrada principal. Eu me senti muito idiota quando me ocorreu que eu não tinha um meio de ir para casa. Meu carro ainda estava no estacionamento da biblioteca em Bon Temps – não que eu pretendesse dirigir por alguns dias. No momento em que eu estava a ponto de pedir à ajudante para me empurrar de volta para dentro, assim eu poderia ir até o quarto de Calvin (talvez Dawson pudesse me dar uma carona), um reluzente Impala vermelho parou bem na minha frente. O irmão de Claudine, Claude, se inclinou para abrir a porta do passageiro. Fiquei sentada olhando boquiaberta para ele. Ele disse de um jeito irritante, “Bem, você vai entrar?” “Uau,” murmurou a assistente. “Uau.” Eu achei que os botões da blusa dela iam estourar, de tão forte que ela estava respirando. Eu encontrara o irmão de Claudine, Claude, somente uma vez antes. Eu me esqueci do impacto que ele causa. Claude era absolutamente de tirar o fôlego, tão encantador que a proximidade dele me faz ficar tensa como um fio de alta tensão. Relaxar perto de Claude era como tentar ser indiferente com Brad Pitt. Claude fora striper na noite das mulheres no Hooligans, um clube em Monroe, mas ultimamente ele não só passou a administrar o clube, como também se ramificou ao servir de modelo em impressos e na passarela. As oportunidades para esse trabalho eram poucas e distantes no norte da Louisiana, assim Claude (de acordo com Claudine) decidiu competir para Sr. Romance em uma convenção de leitores de romance. Ele até alterou suas orelhas cirurgicamente, para não serem mais pontudas. A grande compensação era a chance de aparecer em uma capa de romance. Eu não sabia muito sobre a competição, mas sabia o que eu via quando olhava para Claude. Tinha certeza de que Claude ganharia por aclamação. Claudine tinha mencionado que Claude tinha recém terminado com seu namorado, então ele estava solteiro: todos os seus 1,82m, enfeitados com cabelo preto ondulante e músculos ondulantes e um tanque que poderia ser apresentado na revista Abs Weekly*. Mentalmente adicione nisso tudo um par de olhos castanhos suaves e aveludados, uma mandíbula esculpida e uma boca sensual, com um lábio inferior fazendo beicinho, e aí você tem Claude. Não que eu estivesse notando. * Abdômens Semanais Sem a ajuda da assistente, que ainda estava dizendo, “Uau, uau, uau,” muito calmamente, saí da cadeira de rodas e entrei no carro. “Obrigada,” eu disse para Claude, tentando não parecer tão surpresa quanto me sentia. “Claudine não podia sair do trabalho, então me ligou e me acordou, assim eu estaria aqui para ser seu chofer,” Claude disse, parecendo totalmente irritado. “Estou grata pela carona,” eu disse, depois de considerar várias possíveis respostas. Notei que Claude não tinha me pedido indicações para Bon Temps, apesar de eu nunca têlo visto na área – e acho que deixei bem claro que ele era difícil de não se notar. “Como está seu ombro?” ele disse abruptamente, como se tivesse lembrado que era a pergunta educada a se fazer. “Está melhorando,” eu disse. “E eu tenho uma receita de analgésicos para pedir.” “Então eu suponho que você precise fazer isto, também?” “Hm, bem, isso seria bom, já que provavelmente não poderei dirigir por mais um dia ou dois.” Quando alcançamos Bon Temps, eu guiei Claude até a farmácia, onde ele achou uma vaga exatamente em frente. Eu consegui sair do carro segurando a prescrição, já que Claude não se ofereceu. O farmacêutico, claro, já tinha ouvido o que tinha acontecido e queria saber para onde este mundo estava caminhando. Eu não podia dizer a ele. Eu passei o tempo enquanto ele estava aviando minha receita especulando a possibilidade de que Claude fosse bissexual – até mesmo um pouco? Toda mulher que entrou na farmácia estava com o olhar vidrado em seu rosto. Claro, elas não tiveram o privilégio de ter uma conversa real com Claude, então não tiveram também o benefício de sua personalidade cintilante. “Você demorou bastante tempo,” Claude disse enquanto eu voltava ao carro. “Sim, Sr. Habilidades Sociais,” repreendi. “Tentarei me apressar de agora em diante. Por que ser baleada deveria reduzir minha velocidade? Eu me desculpo.” Pelo canto do olho, notei as bochechas de Claude se avermelhando. “Eu sinto muito,” ele disse rigidamente. “Fui brusco. As pessoas me dizem que sou rude.” “Não! Realmente?” “Sim,” ele admitiu, e então percebeu que fui um pouquinho sarcástica. Ele me deu um olhar que eu teria chamado de carranca vindo de uma criatura menos bonita. “Escute, tenho um favor para lhe pedir.” “Você começou bem. Você já me amansou.” “Você pode parar com isso? Eu sei que não sou... não sou...” “Educado? Minimamente cortês? Galanteador? Não está trazendo isso do jeito certo?” “Sookie!” ele berrou. “Fique quieta!” Eu queria uma de minhas pílulas para dor. “Sim, Claude?” Eu disse em uma voz calma e razoável. “As pessoas concorrendo ao concurso tem que ter um portifólio. Vou ao estúdio em Ruston para fazer algumas fotos glamurosas, mas acho que seria uma boa ideia fazer algumas imagens em pose, também. Como as capas dos livros que Claudine sempre está lendo. Claudine diz que eu deveria ter uma loira posando comigo, já que sou moreno. Eu pensei em você.” Acho que nem se Claude tivesse me falado que ele queria que eu tivesse o bebê dele eu poderia ficar mais surpresa, mas com dificuldade. Embora Claude fosse o homem mais grosseiro que eu já tinha conhecido, Claudine tinha o hábito de salvar minha vida. Por causa dela, eu queria fazer o favor.
“Eu precisaria, do que, de uma fantasia?” “Sim. Mas o fotógrafo também faz dramas amadores e ele aluga por temporada fantasias de Dia das Bruxas, e ele pensou que poderia ter algumas coisas que serviriam. Que tamanho você usa?” “Trinta e oito.” Às vezes eu sou mais quarenta. Mas também, às vezes, trinta e seis, está bem? “E quando você pode fazer isto?” “Meu ombro precisa se curar,” eu disse gentilmente. “O curativo não ficaria bom nas fotos.” “Oh, certo. Você ligará para mim?” “Sim.” “Não vai esquecer?” “Não. Estarei esperando ansiosamente por isto.” Na verdade, no momento o que eu queria era meu próprio espaço, livre e limpo de qualquer outra pessoa, e uma Coca-Cola Diet, e uma das pílulas que eu estava apertando em minha mão. Talvez eu tirasse um pequeno cochilo antes de tomar o banho que também se apresentava em minha lista. “Eu já conhecia a cozinheira do Merlotte,” Claude disse, as comportas agora evidentemente escancaradas. “Aham. Sweetie.” “É assim que ela se chama agora? Ela costumava trabalhar no Foxy Femmes.” “Ela era striper?” “Sim, até o acidente.” “Sweetie sofreu um acidente?” Eu ficava mais esgotada a cada segundo. “Sim, ela ficou marcada por cicatrizes e não quis mais tirar a roupa. Precisaria de muita maquilagem, ela disse. Salvo que, nessa época, ela estava ficando um pouco, hãn, velha para tirar a roupa.” “Coitada,” eu disse. Tentei imaginar Sweetie desfilando numa passarela com sapatos de saltos altos e penas. Perturbador. “Eu nunca a deixaria ouvir você dizer isto,” ele aconselhou. Estacionamos em frente ao duplex. Alguém pegou meu carro no estacionamento da biblioteca. A porta do outro lado do duplex se abriu, e Halleigh Robinson saiu com minhas chaves em sua mão. Eu vestia as calças pretas que coloquei desde que saí para o trabalho, mas minha camiseta do Merlotte ficou arruinada, assim o hospital me deu uma blusa de moletom branca que alguém deixou por lá em algum momento no passado. Ficava enorme em mim, mas esse não era o motivo pelo qual Halleigh estava de pé sem se mover, pegando moscas com sua boca. Claude tinha de fato saído para me ajudar a entrar na casa, e a visão dele paralisara a jovem professora. Claude relaxou seu braço ternamente ao redor de meus ombros, curvou sua cabeça para olhar com adoração para o meu rosto, e piscou. Esta foi a primeira pista que tive que Claude tinha senso de humor. Me agradou descobrir que ele não era universalmente desagradável. “Obrigado por trazer minhas chaves,” chamei, e Halleigh repentinamente lembrou que podia andar. “Hm,” ela disse. “Hm, claro.” Ela pôs as chaves em algum lugar perto da minha mão, e eu as peguei. “Halleigh, este é meu amigo Claude,” eu disse com o que eu esperei que fosse um sorriso expressivo.
Claude moveu seu braço para baixo para enlaçar minha cintura e lhe dar um sorriso distraído próprio dele, quase não tirando seus olhos dos meus. Ai Jesus. “Olá, Halleigh,” ele disse em seu tom barítono mais rico. “Você tem sorte de ter alguém para lhe trazer para casa do hospital,” Halleigh disse. “Isto é muito gentil de sua parte, hãn, Claude.” “Eu faria qualquer coisa pela Sookie,” Claude disse suavemente. “Mesmo?” Halleigh sacudiu a si mesma. “Bem, isso é ótimo. Andy trouxe seu carro de volta para cá, Sookie, e me pediu para lhe dar suas chaves. Foi sorte você me pegar. Eu só vim em casa para almoçar. Eu, hm, eu tenho que voltar...” Ela deu a Claude um olhar fixo abrangente final antes de entrar em seu pequeno Mazda para dirigir de volta para a escola primária. Destranquei minha porta desajeitadamente e entrei em minha pequena sala de estar. “Aqui é onde estou ficando enquanto minha casa está sendo reconstruída”, eu disse a Claude. Me sentia vagamente envergonhada na pequena sala estéril. “Eu tinha acabado de me mudar no dia em que levei o tiro. Ontem,” eu disse com algum assombro. Claude, sua falsa admiração já derrubada depois que Halleigh se afastou, olhou-me com alguma depreciação. “Você tem muita má sorte,” observou. “Sob alguns aspectos,” eu disse. Mas pensei em toda a ajuda que eu já conseguira, e em meus amigos. Lembrei do simples prazer de dormir perto de Bill na noite anterior. “Minha sorte definitivamente poderia ser pior,” acrescentei, mais ou menos para mim mesma. Claude estava completamente desinteressado em minha filosofia. Depois que lhe agradeci novamente e pedi a ele para dar a Claudine um abraço por mim, repeti minha promessa de chamá-lo quando meu ferimento estivesse bom o bastante para a sessão de fotos. Meu ombro estava começando a doer agora. Quando tranquei a porta atrás dele, engoli uma pílula. Eu liguei da biblioteca para a companhia telefônica na tarde anterior, e para minha surpresa e prazer, consegui um sinal de discar quando peguei meu telefone. Liguei para o celular de Jason para lhe dizer que eu estava fora do hospital, mas ele não atendeu, e deixei uma mensagem no seu correio de voz. Então eu liguei para o bar para falar para Sam que eu estaria de volta ao trabalho no dia seguinte. Perdi dois dias dignos de pagamento e gorjetas, e não podia dispor de mais nenhum. Estendi-me na cama e tirei uma longa soneca. Quando acordei, o céu estava escurecendo de um jeito que significava chuva. No quintal da frente da casa do outro lado da rua, um pequeno bordo* estava balançando de uma forma alarmante. Pensei no telhado de zinco que minha avó adorava e do ruído que a chuva faz quando bate na superfície dura. A chuva aqui na cidade devia ser obviamente mais quieta.
* (no original, maple) O bordo (ô) é uma árvore (ou arbusto) do género Acer. Existem aproximadamente 125 espécies, a maioria das quais são nativas da Ásia, mas várias espécies também ocorrem na Europa, África setentrional e América do Norte. http://pt.wikipedia.org/wiki/Bordo 
Eu estava olhando para fora da janela do meu quarto para o duplex vizinho idêntico, imaginando quem seria meu vizinho, quando ouvi uma batida aguda. Arlene estava sem fôlego por fugir das primeiras gotas de chuva. Tinha uma sacola da Wendy* na sua mão, e o cheiro da comida fez meu estômago acordar com um rosnado. * restaurante/lanchonete americana de fast food, como Starbucks, Mc‟ Donalds, Denny´s, etc.
“Não tive tempo de cozinhar nada,” ela disse, se desculpando, enquanto eu me colocava de lado para deixá-la entrar. “Mas lembrei que você gosta de hambúrguer duplo com bacon quando você está se sentindo para baixo, e calculei que você está se sentindo muito para baixo.” “Você calculou certo,” eu disse, apesar de estar descobrindo que agora eu estava muito melhor do que estive esta manhã. Fui na cozinha pegar um prato e Arlene me seguiu, seus olhos indo para todos os lados. “Ei, é agradável!” ela disse. Apesar de parecer estéril para mim, minha casa temporária devia parecer maravilhosamente arrumada para ela. “Como foi?” Arlene perguntou. Tentei não ouvir que ela estava pensando que eu arrumava mais problemas que qualquer um que ela conhecesse. “Você deve ter ficado tão assustada!” “Sim.” Eu estava séria e minha voz mostrou isto. “Eu fiquei muito assustada.” “A cidade inteira está falando sobre isto,” Arlene disse simplesmente. Aquilo era justamente o que eu queria ouvir: que eu era o assunto de muitas conversas. “Ei, você se lembra de Dennis Pettibone?” “O perito em incêndios premeditados?” Eu disse. “Claro.” “Nós vamos sair amanhã à noite.” “Parabéns, Arlene. O que vocês irão fazer?” “Vamos levar as crianças para a pista de patinação em Grainger. Ele tem uma menina, Katy. Ela tem treze.” “Bem, isto parece divertido.” “Ele está em campana* hoje à noite” Arlene disse com importância. *(no original, stakeout) emboscada, tocaia, no caso, vigilância policial Eu pisquei. “O que ele está vigiando?” “Eles precisaram de todos os oficiais que podiam chamar. Estão vigiando diferentes estacionamentos ao redor da cidade para ver se pegam este atirador em flagrante.” “Eu podia ver uma falha no plano deles. “E se o atirador os vir primeiro?” “São homens treinados profissionalmente, Sookie. Acho que eles sabem como lidar com isto.” Arlene pareceu e soou bastante arrogante. De repente, ela era Srta. Imposição da Lei. “Acalme-se,” eu disse. “Só estou preocupada.” Exceto que, a menos que os oficiais da lei fossem Lobis, eles não estariam em perigo. Claro que, a grande falha naquela teoria era que eu tinha sido baleada. Não era nem Lobis nem metamorfa. Eu ainda não tinha entendido como fazer isso funcionar dentro do meu cenário. “Onde é o espelho?” Arlene perguntou, e eu olhei em volta. “Acho que o único grande está no banheiro,” eu disse e me sentia estranha em ter que pensar sobre a localização de um item no lugar onde morava. Enquanto Arlene se preocupava desnecessariamente com seu cabelo, coloquei minha comida em um prato, esperando que conseguisse comer enquanto ainda estava quente. Me vi ficando em pé como uma tola com a sacola vazia de comida em minha mão, imaginando onde estaria a lata de lixo. Claro que não teria uma lata de lixo até que eu saísse para comprar uma. Eu nunca vivi em outro lugar senão na casa de minha avó pelos últimos dezenove anos. Eu nunca tive que começar o trabalho doméstico do início. “Sam ainda não está dirigindo, assim ele não pode vir ver você, mas está pensando em você,” Arlene chamou. “Você vai conseguir trabalhar amanhã de noite?” “É o que estou planejando.” “Bom. Está programada a minha folga, a neta de Charlsie está no hospital com pneumonia, assim ela não estará, e Holly nem sempre aparece quando está escalada. Danielle vai estar fora da cidade. Aquela menina nova, Jada – ela é melhor que Danielle, de qualquer maneira.”
“Você acha?” “Sim.” Arlene bufou. “Eu não sei se você tem notado, mas Danielle parece não estar nem aí. Pessoas podem estar esperando drinques e chamando por ela, e isto não faz uma pitada de diferença para ela. Só fica lá falando com seu namorado enquanto as pessoas gritam por ela.” Era verdade que Danielle tinha sido menos que escrupulosa em seus hábitos de trabalho desde que ela tinha começado namorar firme com um sujeito de Arcadia. “Você acha que ela vai se demitir?” Eu perguntei, e aquilo abriu outra cratera de conversa que nós minamos em aproximadamente cinco minutos, apesar de Arlene ter dito que estava com pressa. Ela me ordenou que comesse enquanto a comida estava boa, assim eu mastiguei e engoli enquanto ela falava. Nós não dissemos qualquer coisa assustadoramente nova ou original, mas tivemos um bom momento. Eu podia dizer que Arlene (pra variar) estava simplesmente desfrutando sentar comigo, ser ociosa. Um dos muitos lados ruins para a telepatia é o fato de que você sabe a diferença quando alguém está realmente te escutando, e quando você está falando para só um rosto em vez de uma mente. Andy Bellefleur chegou no momento em que Arlene estava entrando no carro dela. Eu estava feliz por ter enfiado a sacola da Wendy em um armário só para tirá-la do caminho. “Você é vizinha de Halleigh,” Andy disse – uma óbvia artimanha de abertura. “Obrigada por deixar minhas chaves com ela e trazer meu carro para cá,” eu disse. Andy tinha seus momentos. “Ela disse que o sujeito que lhe trouxe para casa do hospital era realmente, hãn, interessante.” Andy estava obviamente pescando. Eu sorri para Andy. Seja o que for que Halleigh tinha dito, o tinha deixado curioso e talvez um pouco ciumento. “É, poderia se dizer que sim,” eu concordei. Ele esperou para ver se eu explicaria. Quando não expliquei, ele ficou todo formal. “A razão de eu estar aqui é que quis descobrir se você se lembrou sobre algo mais de ontem.” “Andy, eu não sabia de nada ontem, muito menos agora.” “Mas você se abaixou.” “Oh, Andy,” eu disse, exasperada, já que ele sabia muito bem sobre minha condição, “Você não tem que perguntar por que eu abaixei.” Ele ficou vermelho, lentamente e de forma imprópria. Andy era um homem atlético e um agente policial inteligente, mas tinha tal ambiguidade na direção de coisas que ele sabia serem verdade, mesmo que essas coisas não fossem itens completamente convencionais de conhecimento comum. “Nós estamos aqui sozinhos,” eu indiquei. “E as paredes são grossas o bastante para que eu não ouça Halleigh se mover ao lado.” “Há mais?” ele perguntou de repente, seus olhos acesos com curiosidade. “Sookie, há mais?” Eu soube o que ele quis dizer exatamente. Ele nunca soletraria isto, mas queria saber se havia mais neste mundo do que humanos, vampiros e telepatas. “Muito mais,” eu disse, mantendo minha voz calma e uniforme. “Outro mundo.” Os olhos de Andy se encontraram com os meus. Suas suspeitas tinham sido confirmadas e ele estava intrigado. Ele estava exatamente à beira de me perguntar sobre as pessoas que tinham sido baleadas – logo antes de cruzar a linha – mas no último instante, ele recuou. “Você não viu nada ou ouviu algo que pudesse nos ajudar? Havia algo de diferente na a noite que Sam foi baleado?”
“Não,” eu disse. “Nada. Por quê?” Ele não respondeu, mas eu podia ler seus pensamentos como um livro. A bala da perna de Sam não combinava com as outras balas recuperadas. Depois que ele partiu, tentei dissecar aquela impressão rápida que tive, aquela que tinha me incitado a abaixar. Se o estacionamento não estivesse vazio, eu poderia não a ter captado de jeito nenhum, visto que o cérebro que a tinha emitido estava a alguma distância. E o que eu senti foi um emaranhado de determinação, raiva, e acima de tudo, desgosto. A pessoa que atirara estava certa de que eu era repulsiva e inumana. Estupidamente o bastante, minha primeira reação foi mágoa – depois de tudo, ninguém gosta de ser desprezado. Então considerei o estranho fato de que a bala de Sam não combinava com nenhum dos tiroteios prévios de Lobis. Eu não conseguia entender isso. Podia pensar em muitas explicações, mas todas elas pareciam forçadas. A chuva começou a cair do lado de fora, batendo nas janelas viradas para o norte com um assobio. Eu não tinha motivo para ligar para ninguém, mas tive vontade de inventar um. Não era uma boa noite para estar isolada. Enquanto a pancadaria da chuva aumentava, fiquei mais e mais ansiosa. O céu era de um cinza pesado como chumbo; logo estaria uma escuridão completa. Imaginei por que eu estava tão nervosa. Estava acostumada a estar sozinha e isto raramente me incomodou. Agora eu estava fisicamente mais perto das pessoas do que eu já tinha estado em minha casa na estrada Beija-Flor, mas me sentia mais sozinha. Apesar de não poder dirigir, precisava de coisas para o duplex. Eu teria feito da pequena viagem uma necessidade e ido até o Wal-Mart apesar da chuva – ou por causa da chuva – se a enfermeira não tivesse feito disto uma grande coisa, fora descansar meu ombro. Fui agitadamente de quarto em quarto até o esmigalhar do cascalho me dizer que eu teria mais companhia. Isto era viver na cidade, sem dúvida. Quando eu abri a porta, Tara estava de pé lá com uma capa de chuva com estampa de leopardo, com um capuz. Claro que eu lhe disse para entrar, e ela tentou ao máximo sacudir o casaco na pequena varanda dianteira. Eu o carreguei para dentro da cozinha para pingar no linóleo. Ela me abraçou muito gentilmente e disse, “Me diga como você está.” Depois que recordei a história mais uma vez, ela disse, “Eu tenho andado preocupada com você. Não pude me afastar da loja até agora, mas simplesmente tinha que vir ver você. Eu vi o conjunto em meu armário. Você foi na minha casa?” “Sim,” eu disse. “Antes de ontem. Mickey não lhe disse?” “Ele estava na casa quando você esteve lá? Eu te avisei,” ela disse, quase apavorada. “Ele não feriu você, não é? Ele não teve nada a ver com você ser baleada?” “Não que eu saiba. Mas entrei em sua casa meio tarde, e sei que você me disse para não fazer isso. Foi só estupidez. Ele, hãn, tentou me assustar. Eu não o deixaria saber que você veio me ver, se eu fosse você. Como você conseguiu vir aqui hoje à noite?” Uma veneziana caiu sobre o rosto de Tara. Seus grandes olhos escuros endureceram e ela se afastou de mim. “Ele saiu para algum lugar,” ela disse. “Tara, você pode me dizer como você acabou se envolvendo com ele? O que aconteceu com o Franklin?” Tentei formular aquelas questões tão gentilmente quanto podia, porque sabia que estava pisando em chão delicado. Os olhos de Tara se encheram de lágrimas. Ela estava lutando para me responder, mas estava envergonhada. “Sookie,” ela começou afinal, quase sussurrando, “Eu realmente pensei que Franklin se preocupava comigo, sabe? Quero dizer, eu pensei que ele me respeitava. Como uma pessoa.”
Eu acenei com a cabeça, atenta em seu rosto. Eu estava com medo de interromper o fluxo de sua história, agora que ela tinha finalmente começado a falar comigo. “Mas ele... ele só me passou adiante quando não quis mais nada comigo.” “Oh, não, Tara! Ele... seguramente ele explicou para você por que você dois estavam terminando. Ou vocês tiveram uma briga grande?” Eu não queria acreditar que Tara tinha sido passada de vampiro para vampiro como algum vampirófilo em uma festa de chupadores de sangue. “Ele disse, „Tara, você é uma garota bonita e você tem sido uma boa companhia, mas tenho uma dívida com a criadora de Mickey, e Mickey quer você agora.” Eu sabia que minha boca estava aberta, e não me importava. Quase não podia acreditar no que Tara me dizia. Podia ouvir a humilhação rolando para fora dela em ondas de autodepreciação. “Você não podia fazer nada a respeito disto?” Perguntei. Eu tentava manter a incredulidade fora de minha voz. “Acredite, eu tentei,” Tara disse amargamente. Ela não estava me culpando por minha pergunta, o que era um alívio. “Eu disse a ele que não faria. Disse a ele que eu não era uma prostituta, que saía com ele porque gostava dele.” Os ombros dela desmoronaram. “Mas você sabe, Sookie, eu não disse toda a verdade, e ele sabia. Levei todos os presentes que ele me deu. Eram coisas caras. Mas foram dados livremente, e ele não me disse que havia segundas intenções! Eu nunca pedi nada!” “Então ele disse que porque você aceitou os presentes dele, você estava obrigada a fazer o que ele mandasse?” “Ele disse,” Tara começou a chorar, e seus soluços fizeram tudo sair em pequenos solavancos. “Ele disse que eu estava agindo como uma amante, e que pagou por tudo que eu tinha, e que eu podia tão bem ser de melhor uso para ele. Eu disse que seria, que devolveria tudo, e ele disse que não queria isto. Me disse que este vampiro chamado Mickey tinha me visto com ele, que ele, Franklin, devia a Mickey um grande favor.” “Mas esta é a América,” eu protestei. “Como eles podem fazer isso?” “Vampiros são terríveis,” Tara disse com tristeza. “Eu não sei como você pode continuar saindo com eles. Pensei que eu era tão legal, tendo um namorado vampiro. Certo, ele era mais como um velho rico e safado, eu acho.” Tara suspirou à admissão. “Era só tão agradável ser, você sabe, tratada tão bem. Eu não estou acostumada com isso. Realmente pensei que ele gostava de mim, também. Eu não estava só sendo gananciosa.” “Ele bebeu sangue de você?” Perguntei. “Eles não bebem sempre?” ela perguntou, surpresa. “Durante o sexo?” “Até onde eu sei,” eu disse. “Sim. Mas você sabe, depois que ele beber seu sangue, ele pode dizer como você se sente sobre ele.” “Ele pode?” “Depois que eles bebem seu sangue, ficam sintonizados a seus sentimentos.” Eu tinha certeza de que Tara não gostava de Franklin Mott tanto quanto ela disse, e que ela estava muito mais interessada em seus presentes luxuosos e tratamento cortês do que nele. Claro, ele sabia disso. Ele poderia não ter se importado muito se Tara gostava dele por ele mesmo ou não, mas aquilo certamente o tinha deixado mais inclinado a trocá-la. “Então, como isto aconteceu?” “Bem, não foi tão abrupto quanto fiz parecer,” ela disse. Ela baixou os olhos para suas mãos. “Primeiro Franklin disse que ele não podia ir a um lugar comigo, então tudo bem se outro sujeito me levasse ao invés dele? Eu pensei que ele estava pensando em mim, de quão desapontada eu teria ficado se não conseguisse ir – era um concerto – assim eu realmente não pensei nisso.
Mickey estava muito bem comportado, e não foi uma noite ruim. Ele me deixou na porta, como um cavalheiro.” Eu tentei não elevar minhas sobrancelhas em descrença. Uma cobra como Mickey, cujo cada poro respirava “mau até o osso,” tinha persuadido Tara de que ele era um cavalheiro? “Certo, então o que mais?” “Então Franklin teve que sair da cidade, e Mickey veio ver se eu tinha tudo que eu precisava, ele me trouxe um presente, que eu pensei era de Franklin.” Tara estava mentindo para mim, e até certo ponto, mentindo para si mesma. Ela seguramente sabia que o presente, uma pulseira, era de Mickey. Ela se persuadira que era uma espécie de tributo de um vassalo para a senhora de seu senhor, mas ela sabia que isto não era de Franklin. “Assim eu o peguei, e nós saímos, e então quando voltamos naquela noite, ele começou a fazer avanços. E eu o contive.” Ela me mostrou uma expressão calma e real. Ela pode ter recusado os avanços dele aquela noite, mas não tinha feito isto imediata e decisivamente. Até mesmo Tara esquecia de que eu podia ler seu pensamento. “Assim, daquela vez ele partiu,” ela disse. Inspirou profundamente. “Na vez seguinte, ele não partiu.” Ele dera bastante aviso prévio de suas intenções. Eu olhei para ela. Ela vacilou. “Eu sei,” ela choramingou. “Eu sei, eu errei!” “Então, ele está vivendo em sua casa?” “Ele tem um lugar para o dia em algum lugar por perto,” ela disse, fraca e miserável. “Ele aparece ao anoitecer, e nós ficamos juntos a noite inteira. Ele me leva a reuniões, me leva para sair e ele...” “Certo, certo.” Eu bati levemente na mão dela. Aquilo não pareceu o bastante, e eu a abracei. Tara era mais alta do que eu, assim não era um abraço muito maternal, mas eu só queria que minha amiga soubesse que eu estava ao lado dela. “Ele é realmente bruto,” Tara disse muito calmamente. “Ele vai me matar algum dia.” “Não se nós o matarmos primeiro.” “Oh, nós não podemos.” “Você acha que ele é muito forte?” “Eu acho que não posso matar ninguém, nem mesmo ele.” “Oh.” Pensei que Tara tivesse mais coragem, depois do que seus pais a tinham feito passar. “Então nós temos que pensar em um modo para arrancá-lo de perto de você.” “E quanto ao seu amigo?” “Qual deles?” “Eric. Todo mundo diz que Eric tem uma queda por você.” “Todo mundo?” “Os vampiros das redondezas. Bill passou você para Eric?” Ele me falou uma vez que eu deveria ir para Eric se algo acontecesse a ele, mas eu não tinha entendido aquilo como se Eric devesse assumir a mesma função que Bill tinha em minha vida. Como se mostrou, eu tive um casinho com Eric, mas sob circunstâncias completamente diferentes. “Não, ele não me passou,” eu disse com objetividade absoluta. “Me deixe pensar.” Ponderei sobre tudo, sentindo a terrível pressão dos olhos de Tara. “Quem é o chefe de Mickey”? Perguntei. “Ou seu criador?”
“Acho que é uma mulher,” Tara disse. “Pelo menos, Mickey me levou a um lugar em Baton Rouge algumas vezes, um cassino, onde ele se encontrou com uma vampira. O nome dela é Salome.” “Como a da bíblia?” “Sim. Imagine chamar seu filho disso.” “Então, esta Salome é uma xerife?” “O quê?” “Ela é uma chefe regional?” “Eu não sei. Mickey e Franklin nunca falaram sobre estas coisas.” Eu tentei não parecer tão exasperada quanto me sentia. “Qual é o nome do cassino?” “Sete Véus.” Hmmm. “Certo, ele a tratou com deferência?” Aquela era uma boa indicação de Palavra do Dia do meu calendário, que eu não tinha visto mais desde o incêndio. “Bem, ele meio que se curvou para ela.” “Só sua cabeça, ou da cintura?” “Da cintura. Bem, mais do que a cabeça. Quer dizer, ele se dobrou.” “Certo. De que ele a chamou?” “Mestra.” “Certo.” Eu hesitei e então perguntei novamente, “Você tem certeza de que nós não podemos matá-lo?” “Talvez você possa,” ela disse de forma ressentida. “Eu fiquei de pé sobre ele com um picador de gelo por quinze minutos uma noite quando ele foi dormir depois de, você sabe, sexo. Mas eu estava com muito medo. Se ele descobrir que estive aqui para ver você, ficará maluco. Ele não gosta nem um pouco de você. Pensa que é uma má influência.” “Ele acertou essa,” eu disse com uma confiança que eu estava longe de sentir. “Me deixe ver no que eu posso pensar.” Tara partiu depois de outro abraço. Ela até tentou um pequeno sorriso, mas eu não sabia quão justificado seu instante de otimismo poderia ser. Havia só uma coisa que eu podia fazer. Na noite seguinte eu estaria trabalhando. Era escuridão completa agora, e ele estaria de pé. Eu tive que chamar Eric.
 
“FANGTASIA,” DISSE uma voz feminina entediada. “Onde todos os seus sonhos sangrentos se tornam realidade.” “Pam, é Sookie.” “Oh, olá,” ela disse mais alegremente. “Eu soube que você está com mais problemas. Teve sua casa queimada. Você não vai viver muito mais tempo se continuar assim.” “Não, talvez não,” eu concordei. “Escute, Eric está aí?” “Sim, ele está no escritório dele.” “Você pode me transferir para ele?” “Eu não sei como,” ela disse desdenhosamente. “Você poderia levar o telefone para ele, por favor, senhora?” “Claro. Algo sempre acontece por aqui depois que você liga. É totalmente fora da rotina.” Pam estava levando o telefone pelo bar; eu sabia disso pela mudança no som ambiente. Havia música ao fundo. KDED novamente: “The Night Has a Thousand Eyes*” desta vez. * A Noite Tem Mil Olhos “O que está acontecendo em Bon Temps, Sookie?” Pam perguntou, fazendo um claro aparte para algum cliente do bar, “Ande para o lado, seu filho ilegítimo de uma prostituta!” “Eles gostam desse tipo de conversa,” ela disse para mim informalmente. “Agora, o que está acontecendo?” “Eu fui baleada.” “Oh, que péssimo,” ela disse. “Eric, você sabe o que Sookie está me contando? Alguém a baleou.” “Não fique tão emocional, Pam,” eu disse. “Alguém poderia pensar que você se preocupa comigo.” Ela riu. “Aqui está o homem,” ela disse. Soando quase tão prosaico quanto Pam tinha sido, Eric disse, “Não pode ser crítico ou você não estaria falando comigo.” Isto era verdade, entretanto eu teria preferido uma reação mais horrorizada. Mas este não era o momento de se pensar em questões pequenas. Respirei profundamente. Eu sabia, como um tiro certeiro, o que estava vindo, mas tinha que ajudar Tara. “Eric,” eu disse com uma sensação de maldição, “Eu preciso de um favor.” “Sério?” ele disse. Então, depois de uma pausa notável, “Sério?” Ele começou a rir. “Eu peguei você,” ele disse. Ele chegou ao duplex uma hora depois e parou no umbral depois que respondi à sua batida. “Nova construção,” ele me lembrou. “Você é bem-vindo para entrar,” eu disse sem sinceridade, e ele entrou, seu rosto branco praticamente brilhando com – triunfo? Excitação? O cabelo de Eric estava molhado de chuva e estendido sobre seus ombros como rabos de rato. Ele vestia uma camisa de seda marrom dourada e calça marrom pregueada, com um cinto magnífico que era quase bárbaro: montes de couro, ouro e franjas balançando. Você pode tirar o homem da era Viking, mas você não pode tirar o Viking do homem. “Posso pegar uma bebida para você?” Eu disse. “Sinto muito, não tenho TrueBlood, e não posso dirigir, então não pude comprar nada.”
Eu sabia que essa era uma grande violação de hospitalidade, mas não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Eu não tinha chegado ao ponto de pedir a alguém para me trazer sangue para Eric. “Não se incomode,” ele disse suavemente, olhando em volta para o pequeno aposento. “Por favor, se sente.” Eric sentou no sofá, seu tornozelo direito no joelho de sua perna esquerda. Suas mãos grandes estavam inquietas. “Qual é o favor que você precisa, Sookie?” Ele estava descaradamente alegre. Suspirei. Pelo menos eu estava bem segura de que ele ajudaria, desde que ele pudesse praticamente provar a influência que ele teria sobre mim. Me sentei na beirada da poltrona encaroçada. Expliquei sobre Tara, sobre Franklin, sobre Mickey. Eric ficou sério rapidamente. “Ela poderia partir durante o dia, mas não o faz,” ele mostrou. “Por que ela deveria deixar seu negócio e sua casa? Ele é quem deveria partir,” discuti. (Embora eu tenha que confessar, eu mesma tinha pensado o porque de Tara não ter tirado umas férias. Certamente Mickey não persistiria muito tempo por aqui se seu passeio grátis tivesse ido embora?) “Tara estaria olhando por sobre seu ombro para o resto de sua vida se tentasse se livrar dele precipitadamente,” eu disse firmemente. “Aprendi mais sobre Franklin desde que o conheci no Mississipi,” Eric disse. Imaginei se Eric tinha aprendido isto no banco de dados de Bill. “Franklin tem uma mentalidade antiquada.” Isto era legal, vindo de um guerreiro Viking cujos dias mais felizes foram gastos saqueando, estuprando e destruindo. “Vampiros costumavam passar seus humanos adiante,” Eric explicou. “Quando nossa existência era secreta, era conveniente ter um amante humano, manter aquela pessoa... quer dizer, não tomar muito sangue... e então, quando não houvesse restado ninguém que quisesse ela – ou ele,” Eric acrescentou apressadamente, assim meu lado feminista não seria ofendido, “Aquela pessoa seria, hãn, completamente usada.” Eu estava enojada e demonstrei. “Você quer dizer drenada,” eu disse. “Sookie, você tem que entender que por centenas, milhares de anos, nós temos nos considerado melhores que os humanos, à parte dos humanos.” Ele pensou por um segundo. “Mais ou menos a mesma relação que os humanos têm com, digamos, vacas. Comestíveis como as vacas, mas fofos, também.” Eu fiquei em choque, sem palavras. Eu sabia disto, claro, mas ter isso esclarecido era simplesmente... nauseante. Comida que andava e falava, isso que nós éramos. McPessoas. “Então procurarei Bill. Ele conhece Tara, e ela aluga a loja dele, e aposto que ele se sentirá obrigado a ajudar,” eu disse, furiosa. “Sim. Ele seria obrigado a tentar matar o subalterno de Salome. Bill não se classifica nem um ponto mais alto do que Mickey, assim ele não pode ordenar que ele vá embora. Quem você acha que sobreviveria à briga?” A ideia me paralisou por um minuto. Estremeci. E se Mickey ganhasse? “Não, temo que eu seja sua melhor esperança aqui, Sookie.” Eric me deu um sorriso brilhante. “Falarei com Salome e lhe pedirei que ordene a seu cachorro que pare de atacar. Franklin não é sua criação, mas Mickey é. Considerando que ele anda cruzando a fronteira ilegalmente em minha área, ela será obrigada a chamá-lo de volta. Ele elevou uma sobrancelha loira. “E já que você está me pedindo para fazer isto, claro, você me deve.”
“Deus, eu me pergunto o que você vai querer em troca?” Perguntei, talvez um pouco seca e sarcástica. Ele sorriu amplamente, me dando um relance de suas presas. “Me diga o que aconteceu enquanto eu estava com você. Me conte tudo, sem deixar nada de fora. Depois disso, eu farei o que você quer.” Ele pôs ambos os pés no chão e se inclinou para frente, focado em mim. “Certo.” Falando em ficar entre a cruz e a espada. Eu olhei para baixo, para minhas mãos apertadas em meu colo. “Nós fizemos sexo?” Ele perguntou diretamente. Por aproximadamente dois minutos, isto podia ser verdadeiramente divertido. “Eric,” eu disse, “Nós fizemos sexo em todas as posições que eu poderia imaginar e algumas que eu não conseguiria. Nós fizemos sexo em todos os aposentos da minha casa, e também ao ar livre. Você me disse que fui a melhor que você já teve.” (Na época ele não podia lembrar de todo o sexo que já tinha feito. Mas foi um elogio.) “É muito ruim que você não possa se lembrar disto,” concluí com um sorriso modesto. Eric pareceu como se eu o tivesse golpeado na testa com um martelo de madeira. Por longos trinta segundos sua reação foi completamente gratificante. Então comecei a ficar intranquila. “Há alguma outra coisa que eu deveria saber?” Ele disse em uma voz tão controlada, e até mesmo aquilo era simplesmente assustador. “Hm, sim.” “Então talvez você possa me esclarecer.” “Você se ofereceu para renunciar a sua posição como xerife e vir viver comigo. E arrumar um emprego.” Certo, talvez isto não estivesse indo tão bem. Eric não podia estar mais branco ou mais imóvel. “Ah,” ele disse. “Algo mais?” “Sim.” Abaixei minha cabeça, porque eu tinha chegado à parte absolutamente não-divertida. “Quando nós viemos para casa naquela última noite, a noite em que tivemos a batalha com as bruxas em Shreveport, nós entramos pela porta dos fundos, certo, como sempre faço. E Debbie Pelt – você se lembra dela. A – oh, seja lá o que ela fosse para o Alcide... Debbie estava sentada na minha mesa da cozinha. E tinha uma arma e ia atirar em mim.” Arrisquei uma espiada e achei que as sobrancelhas de Eric tinham se juntado em uma carranca sinistra. “Mas você se jogou na minha frente.” Me inclinei para frente rapidamente e afaguei seu joelho, então voltei a meu lugar. “E você levou a bala, o que foi realmente, realmente doce da sua parte. Mas ela ia atirar novamente, e eu peguei a espingarda de meu irmão e a matei.” Eu não tinha chorado naquela noite, mas senti uma lágrima descer agora em minha bochecha. “Eu a matei,” eu disse, e ofeguei. A boca de Eric se abriu como se ele fosse fazer uma pergunta, mas ergui a mão em um gesto para que esperasse. Eu tinha que terminar. “Nós recolhemos o corpo e o ensacamos, e você o levou e a enterrou em algum lugar enquanto limpei a cozinha. E você encontrou o carro dela, e o escondeu. Eu não sei onde. Levei horas para conseguir tirar o sangue da cozinha. Estava por toda parte.” Me agarrei desesperadamente ao meu auto-controle. Esfreguei meus olhos com a parte de trás de meu pulso. Meu ombro doeu, e me movi na cadeira, tentando aliviar isto. “E agora outra pessoa atirou em você e eu não estava lá para levar a bala,” Eric disse. “Você deve estar vivendo de modo errado. Você acha que a família Pelt está tentando se vingar?” “Não,” eu disse. Eu estava feliz por Eric estar levando tudo tão calmamente. Eu não sabia bem o que estava esperando, mas não era isto. Ele parecia, antes de qualquer coisa, subjugado. “Eles contrataram detetives particulares, e até onde sei, eles não encontraram nenhum motivo para suspeitar de mim mais do que de qualquer outro. A única razão de eu ser suspeita, de qualquer forma, era porque quando Alcide e eu encontramos aquele corpo em Shreveport, na Verena Rose, dissemos à polícia que estávamos noivos. Nós tivemos que explicar por que tínhamos ido juntos a uma loja nupcial. Já que ele tinha a tal relação instável com Debbie, ele, ao dizer que iríamos nos casar, naturalmente levantou uma bandeira vermelha quando os detetives verificaram isto. Ele tinha um bom álibi para o momento em que ela morreu, como se mostrou. Mas se eles alguma vez suspeitarem de mim seriamente, eu ficarei em apuros. Eu não posso dar você como álibi, porque claro que você nem mesmo estava aqui, pelo que todo mundo sabe. Você não me pode dar um álibi porque você não se lembra daquela noite; e claro, eu sou tão obviamente culpada. Eu a matei. Tive que fazer isto.” Eu tinha certeza de que Caim disse o mesmo quando matou Abel. “Você está falando demais,” Eric disse. Eu apertei meus lábios. Um minuto ele queria que eu lhe contasse tudo; no minuto seguinte, queria que eu deixasse de falar. Por uns cinco minutos, Eric só olhou para mim. Eu não tinha certeza de que ele estivesse me vendo. Estava perdido em pensamentos profundos. “Eu disse que deixaria tudo por você?” Ele disse ao final de toda esta ruminação. Bufei. Só o Eric para selecionar justo aquela como a ideia principal. “E como você respondeu?” Certo, isso me surpreendeu. “Você não podia ficar comigo, sem memória. Isso não seria correto.” Ele estreitou seus olhos. Fiquei cansada de ser observada através de fendas azuis. “Então,” eu disse, curiosamente vazia. Talvez eu estivesse esperando uma cena mais emocional do que essa. Talvez eu esperasse que Eric me agarrasse e me beijasse tolamente e me dissesse que ele ainda sentia o mesmo. Talvez eu fosse fã demais de devaneios. “Eu fiz seu favor. Agora você faz o meu.” Não tirando os olhos de mim, Eric pescou um telefone celular de seu bolso e discou um número de memória. “Rose-Anne,” ele disse. “Você está bem? Sim, por favor, se ela estiver livre. Diga-lhe que eu tenho uma informação que a interessará.” Eu não pude ouvir a resposta do outro lado, mas Eric acenou com a cabeça, como ele faria se o orador estivesse presente. “Claro que espero. Até breve.” Em um minuto, ele disse, “E olá para você, também, a mais bela princesa. Sim, me mantém ocupado. Como estão os negócios no cassino? Certo, certo. Há um nascendo a cada minuto. Liguei para lhe falar algo sobre seu subordinado, aquele que se chama Mickey. Ele tem alguma ligação de negócios com Franklin Mott?” Então as sobrancelhas de Eric se elevaram, e ele sorriu ligeiramente. “É mesmo? Eu não culpo você. Mott está tentando continuar com os velhos tempos e esta é a América.” Ele escutou novamente. “Sim, estou lhe dando esta informação de graça. Se você escolher não me conceder um pequeno favor de volta, claro que isso não terá nenhuma consequência. Você sabe como a estimo.” Eric sorriu encantadoramente ao telefone. “Pensei que você deveria saber a respeito de Mott passando uma mulher humana a Mickey. Mickey a está mantendo sob seu comando, ameaçando sua vida e propriedade. Ela está totalmente subjugada contra sua vontade.” Depois de outro silêncio, durante o qual o sorriso dele se alargou, Eric disse, “O pequeno favor é remover Mickey. Sim, isso é tudo. Só se assegure de que ele saiba que nunca deverá se aproximar novamente desta mulher, Tara Thornton. Ele não deve ter nada mais a ver com ela, ou seus pertences e amigos. A conexão deve ser completamente cortada. Ou terei que cuidar de cortar alguma parte de Mickey. Ele fez isto em minha área, sem a cortesia de vir me visitar. Eu realmente esperava modos melhores de qualquer criança sua. Eu cobri todas as bases?”
Aquele americanismo soou estranho, vindo de Eric Northman. Desejei saber se ele alguma vez tinha jogado beisebol. “Não, você não precisa me agradecer, Salome. Estou feliz por ter sido útil. E se você pudesse me avisar quando a coisa estiver realizada? Obrigado. Bem, de volta ao trabalho.” Eric sacudiu o telefone para fechar e começou a lançá-lo no ar e pegá-lo, repetidamente. “Você sabia que Mickey e Franklin estavam fazendo algo errado desde o começo,” eu disse, chocada, mas estranhamente não surpreendida. “Você sabia que a chefe deles se alegraria em descobrir que eles estavam quebrando as regras, já que o vampiro dela estava violando seu território. Assim isto não o afetará de forma alguma.” “Eu só soube disto quando você me falou o que queria,” Eric frisou, a absoluta essência da razão. Ele sorriu para mim. “Como eu poderia saber que o desejo do seu coração seria que eu ajudasse outra pessoa?” “O que você achou que eu queria?” “Pensei que talvez você quisesse que eu pagasse para reconstruir sua casa, ou você me pediria que ajudasse a descobrir quem está atirando nos Lobis. Alguém que poderia tê-la confundido com um Lobis,” Eric me disse, como se eu já devesse saber. “Com quem você esteve antes de ser baleada?” “Eu estive visitando Calvin Norris,” eu disse, e Eric pareceu descontente. “Assim você ficou com o cheiro dele em você.” “Bem, eu lhe dei um abraço de adeus, então, sim.” Eric me olhou de um jeito cético. “Alcide Herveaux esteve lá?” “Ele veio até minha casa,” eu disse. “Ele a abraçou, também?” “Não me lembro,” eu disse. “Não tem importância.” “Tem para alguém procurando metamorfos e Lobis para atirar. E você está abraçando pessoas demais.” “Talvez fosse o cheiro de Claude,” eu disse, pensativa. “Deus, eu não pensei nisso. Não, espere, Claude me abraçou depois do tiroteio. Então suponho que o cheiro de fada não tenha importado.” “Uma fada,” Eric disse, as pupilas de seus olhos se dilatando de fato. “Venha aqui, Sookie.” Oh-ou. Eu posso exagerado devido à minha irritação. “Não,” eu disse. “Eu lhe disse o que você queria, você fez o que eu pedi, e agora você pode voltar para Shreveport e me deixar dormir um pouco. Lembra?” Apontei para meu ombro enfaixado. “Então eu vou até você,” Eric disse, e se ajoelhou na minha frente. Ele se pressionou contra minhas pernas e se inclinou por cima de mim, sua cabeça no meu pescoço. Ele inspirou, segurou um momento, expirou. Precisei sufocar um riso nervoso à visão de que o processo parecia alguém se drogando. “Você fede,” Eric disse, e eu enrijeci. “Você cheira a metamorfo, Lobis e fada. Um coquetel de outras raças.” Fiquei totalmente imóvel. Seus lábios estavam a aproximadamente dois milímetros da minha orelha. “Eu deveria simplesmente morder você e acabar com tudo isto?” Ele sussurrou. “Eu nunca mais teria que pensar em você. Pensar em você é um hábito irritante, e um de que quero me livrar. Ou deveria começar a te excitar, e descobrir se o sexo com você foi realmente o melhor que já tive?” Eu não achei que teria alguma opção. Limpei minha garganta. “Eric,” eu disse, um pouco roucamente, “Nós precisamos falar sobre uma coisa.” “Não. Não. Não,” ele disse. A cada “não” os lábios dele roçavam minha pele.
Eu estava olhando para além do ombro dele, para a janela. “Eric,” sussurrei, “Alguém está nos observando.” “Onde?” Sua postura não mudou, mas Eric trocara de um humor que era definitivamente perigoso para mim para um que era perigoso para outra pessoa. Considerando que o cenário olhos-na-janela era um eco tímido da situação da noite em que minha casa tinha incendiado, e naquela noite o evasor provou ser o Bill, eu esperava que o observador pudesse ser Bill novamente. Talvez ele estivesse com ciúmes, ou curioso, ou só me investigando. Se o transgressor fosse humano, eu poderia ter lido seu cérebro e descoberto quem ele era, ou pelo menos o que pretendia; mas era um vampiro, como o buraco em branco onde o padrão cerebral deveria ter estado me informou. “É um vampiro,” eu disse a Eric no sussurro mais minúsculo que eu consegui, e ele pôs seus braços ao redor de mim, me puxando para ele. “Você é uma encrenca e tanto,” Eric disse, e mesmo assim não soou exasperado. Pareceu excitado. Eric amava os momentos de ação. Até então, eu estava certa de que o espreitador não era Bill, que teria se feito conhecido. E Charles estava provavelmente ocupado no Merlotte, misturando daiquiris. Aquilo deixava um vampiro na área para quem eu não tinha explicação. “Mickey,” respirei, meus dedos agarrando a camisa de Eric. “Salome agiu mais depressa do que eu esperava,” Eric disse em uma voz regular. “Ele está muito bravo para a obedecer, eu suponho. Ele nunca esteve aqui, correto?” “Correto.” Graças a Deus. “Então ele não pode entrar.” “Mas ele pode quebrar a janela,” eu disse enquanto o vidro se estilhaçava a nossa esquerda. Mickey tinha jogado uma pedra tão grande quanto meu punho, e para meu horror, a pedra acertou Eric em cheio na cabeça. Ele caiu como um – bem, como uma pedra. Ele ficou deitado imóvel. Sangue escuro jorrava de um corte profundo em sua têmpora. Me levantei de um salto, completamente aturdida ao ver o poderoso Eric aparentemente inconsciente. “Me convide para entrar,” disse Mickey, do lado de fora da janela. Seu rosto, branco e furioso, brilhou na tromba d‟água. Seu cabelo preto estava grudado à cabeça dele. “Claro que não,” eu disse, ajoelhando ao lado de Eric que piscou, para meu alívio. Não que ele pudesse estar morto, claro que não, mas quando você vê alguém levar uma pancada assim, vampiro ou não, é verdadeiramente assustador. Eric tinha caído em frente à poltrona, que ficava voltada para a janela, assim Mickey não podia vê-lo. Mas agora eu poderia ver o que Mickey estava segurando em uma mão: Tara. Ela estava quase tão pálida quanto ele, e ela fora muito espancada. Sangue escorria para fora do canto da sua boca. O vampiro magro apertava impiedosamente o braço dela. “Eu a matarei se você não me deixar entrar,” ele disse, e para provar seu ponto, ele colocou as mãos ao redor do pescoço dela e começou a apertar. Uma explosão de trovão e um raio de relâmpago iluminaram o rosto desesperado de Tara enquanto ela arranhava debilmente os braços dele. Ele sorriu, as presas completamente expostas. Se eu o deixasse entrar, ele mataria a todos nós. Se eu o deixasse lá fora, eu teria que vê-lo matar Tara. Senti as mãos de Eric apoderarem-se de meu braço. “Faça,” eu disse, não tirando os olhos de Mickey. Eric mordeu, e isto doeu como o inferno. Ele não estava tendo nenhum cuidado. Estava desesperado para se curar depressa. Eu só tinha que engolir a dor. Tentei duramente manter minha face imóvel, mas então percebi que havia uma grande razão para eu parecer chateada. “Solte ela!” Eu gritei para Mickey, tentando comprar alguns segundos. Desejei saber se algum dos vizinhos estava acordado, se eles podiam ouvir a confusão, e rezei para que não viessem tentar descobrir o que estava acontecendo. Eu quase temia pela polícia, se eles viessem. Nós não tínhamos nenhum policial vampiro para lidar com transgressores da lei, como as cidades grandes têm. “Eu a deixarei ir quando você me deixar entrar,” Mickey gritou. Ele parecia um demônio lá fora, na chuva. “Como seu vampiro adestrado está?” “Ele ainda está apagado,” menti. “Você o feriu seriamente.” Não foi nenhum esforço manter minha voz quebrada, como se eu estivesse à beira das lágrimas. “Eu posso ver o crânio dele,” lamentei, olhando para baixo para ver que Eric ainda se alimentava tão gulosamente quanto um bebê faminto. Sua cabeça estava se consertando enquanto eu observava. Eu já tinha visto vampiros se curarem antes, mas ainda era algo incrível. “Ele não pode nem mesmo abrir seus olhos,” acrescentei de um modo desanimado, e justamente então os olhos azuis de Eric se incendiaram para mim. Eu não sabia se ele já estava em condição de luta, mas eu não podia mais assistir Tara sendo sufocada. “Ainda não,” Eric disse urgentemente, mas eu já tinha dito para Mickey entrar. “Oops,” eu disse e então Mickey escorregou janela adentro em um movimento curiosamente sem ossos. Ele jogou o vidro quebrado para fora do caminho negligentemente, como se não o ferisse o fato de se cortar. Ele arrastou Tara atrás dele, mas pelo menos ele tinha transferido o aperto no pescoço dela para seu braço. Então a derrubou no chão, e a chuva entrou pela janela caindo muito pesadamente sobre ela, mas ela não podia ficar mais molhada do que já estava. Eu nem sabia se ela estava consciente. Seus olhos estavam fechados em sua face sangrenta, e suas contusões estavam se tornando escuras. Eu fiquei de pé, tonta com a perda de sangue, mas mantendo meu pulso escondido na parte de trás da poltrona. Eu senti Eric passar a língua sobre ele, mas ainda levaria alguns minutos para me curar. “O que você quer?” Perguntei a Mickey. Como se eu não soubesse. “Sua cabeça, cadela,” ele disse, suas feições estreitas torcidas com ódio, as presas completamente para fora. Elas estavam brancas, brilhantes e afiadas na clara luz do teto. “Se ajoelhe para seus superiores!” Antes que eu tivesse alguma reação – na realidade, antes que eu pudesse piscar – o vampiro me bateu com as costas da mão, e eu tropecei pela pequena sala, indo bater no meio no sofá antes que eu deslizasse para o chão. O ar saiu de mim em um grande sopro, e eu simplesmente não podia me mover, não podia nem mesmo puxar o ar, por um longo e doloroso minuto. Enquanto isso, Mickey estava em cima de mim, as intenções dele totalmente claras quando ele abaixou o braço para abrir suas calças. “Isto é tudo para o que você serve!” Ele disse, o desprezo o enfeiando ainda mais. Ele tentou dominar minha mente, também, forçando o medo dele em meu cérebro para me acovardar. E meus pulmões inflaram. O alívio de respirar era excelente, até mesmo sob essas circunstâncias. Com ar veio a raiva, como se eu tivesse inalado tudo junto com o oxigênio. Essa era a carta trunfo que os machos ameaçam jogar, sempre. Eu fiquei doente com isso – doente por ser assustada pelo bicho papão caralho. “Não!” Eu gritei para ele. “Não!” E finalmente eu podia raciocinar outra vez; finalmente o medo me deixou. “Seu convite está rescindido!” Eu gritei, e era a vez dele se apavorar. Ele saiu de cima de mim, parecendo ridículo com suas calças abertas, e foi recuando até a janela, pisando na pobre Tara enquanto saía. Ele tentou se abaixar para pegá-la, assim ele poderia levá-la com ele, mas me lancei pela pequena sala para segurar nos tornozelos dela, e seus braços estavam muito escorregadios com a chuva para que ele pudesse puxar, e a magia que o possuíra era muito forte. Em um segundo, ele estava do lado de fora olhando para dentro, gritando com raiva. Então ele olhou para o leste, como se ouvisse alguém chamando, então desapareceu na escuridão.
Eric se alçou para ficar de pé, parecendo quase tão assustado quanto Mickey. “Esse foi o raciocínio mais claro do que a maioria dos humanos pode conseguir,” ele disse suavemente no silêncio súbito. “Como você está, Sookie?” Ele me estendeu uma mão, me puxando para me levantar. “Eu mesmo estou me sentindo muito melhor. Bebi seu sangue sem ter que pedir, e não tive que lutar com Mickey. Você fez todo o trabalho.” “Você foi acertado na cabeça com uma pedra,” apontei, contente só por ficar de pé por um minuto, apesar de saber que tinha que chamar uma ambulância para Tara. Eu mesma estava me sentindo um pouco fraca. “Um preço pequeno a se pagar,” Eric me disse. Ele pegou seu celular, o abrindo, e apertou o botão de REDIAL. “Salome,” Eric disse, “Que bom que você atendeu. Ele está tentando fugir...” Eu ouvi a risada alegre vinda do outro lado do telefone. Era assustadora. Eu não sentia o menor pesar por Mickey, mas estava feliz por não ter que testemunhar seu castigo. “Salome o pegará?” Perguntei. Eric acenou com a cabeça alegremente enquanto guardava o telefone em seu bolso. “E ela pode fazer coisas mais dolorosas a ele do que qualquer coisa que eu possa imaginar,” ele disse. “Embora eu possa imaginar muitas delas agora mesmo.” “Ela é tão, hãn, criativa?” “Ele é dela. Ela é sua criadora. Pode fazer com ele o que ela desejar. Ele não pode desobedecê-la e sair impune. Ele tem que ir até ela quando ela o chama, e ela está chamando.” “Não pelo telefone, eu entendi,” eu arrisquei. Os olhos dele cintilaram para mim. “Não, ela não precisará de um telefone. Ele está tentando fugir, mas irá até ela eventualmente. Quanto mais tempo ele resistir, mais severa será sua tortura. Claro,” ele adicionou, no caso de eu perder o principal, “Que é como deveria ser.” “Pam é sua, certo?” Perguntei, ajoelhando e colocando meus dedos no pescoço frio de Tara. Eu não queria olhar para ela. “Sim,” Eric disse. “Ela é livre para partir quando quiser, mas volta quando eu a informo que eu preciso de sua ajuda.” Eu não soube ao certo como me sentir a respeito disso, mas realmente não fazia a porcaria de muita diferença. Tara arfou e gemeu. “Acorde, garota,” eu disse. “Tara! Eu vou chamar uma ambulância para você.” “Não,” ela disse nitidamente. “Não.” Essa palavra estava circulando muito hoje à noite. “Mas você está muito ferida.” “Eu não posso ir para o hospital. Todo mundo saberá.” “Todo o mundo vai saber que você foi espancada quando não puder ir trabalhar durante algumas semanas, sua idiota.” “Você pode beber um pouco do meu sangue,” Eric ofereceu. Ele estava olhando para Tara sem qualquer emoção óbvia. “Não,” ela disse. “Eu preferiria morrer.” “Você pode,” eu disse, a examinando. “Oh, mas você bebeu sangue de Franklin ou Mickey.” Eu estava assumindo alguma troca no ato sexual deles. “Claro que não,” ela disse, chocada. O horror na voz dela me surpreendeu. Eu tomei sangue de vampiro quando precisei. Na primeira vez, eu teria morrido sem isso. “Então você tem que ir para o hospital.” Eu estava realmente preocupada que Tara pudesse ter lesões internas. “Eu estou com medo que você se mova,” protestei, quando ela tentou se erguer para uma posição sentada. Sr. Super Força não ajudou, o que me irritou, já que ele poderia a ter transportado facilmente.
Mas finalmente Tara conseguiu sentar com suas costas contra a parede, a janela vazia permitindo que o vento frio soprasse para dentro e balançasse as cortinas para lá e para cá. A chuva tinha diminuído até que só uma gota ou duas estavam entrando. O linóleo em frente à janela estava molhado com água e sangue, e o vidro se estendia em fragmentos afiados brilhantes, alguns aderidos às roupas úmidas e pele de Tara. “Tara, me escute,” Eric disse. Ela olhou para ele. Considerando que ele estava perto da luz fluorescente, ela tinha que olhar com os olhos semicerrados. Achei que ela parecia lamentável, mas Eric não parecia ver a mesma pessoa que eu estava vendo. “Sua ganância e egoísmo colocaram minha – minha amiga Sookie em perigo. Você diz que você é amiga dela, também, mas você não age dessa forma.” Tara não tinha me emprestado uma roupa quando precisei? Ela não tinha me emprestado o carro dela quando o meu queimou? Ela não tinha me ajudado em outras ocasiões quando precisei? “Eric, isto não é assunto seu,” eu disse. “Você me chamou e pediu minha ajuda. Passou a ser assunto meu. Chamei Salome e disse a ela o que a criança dela estava fazendo, e ela a levou embora e a castigará por isto. Não era o que você queria?” “Sim,” eu disse e estou envergonhada em dizer que soei mal-humorada. “Então eu vou fazer Tara entender.” Ele baixou o olhar para ela outra vez. “Você me entende?” Tara acenou com a cabeça dolorosamente. As contusões em seu rosto e garganta pareciam estar escurecendo mais a cada minuto. “Vou pegar um pouco de gelo para sua garganta,” eu disse a ela, e corri para dentro da cozinha para esvaziar as bandejas de plástico de gelo em um saco de Ziploc. Eu não quis ouvir Eric a repreendendo; ela parecia tão lamentável. Quando eu voltei menos de um minuto depois, Eric tinha terminado o que quer que fosse que ele tinha que dizer a Tara. Ela estava tocando o pescoço cautelosamente, e então tomou o saco de mim e o segurou sobre sua garganta. Enquanto eu estava debruçada sobre ela, ansiosa e assustada, Eric estava de volta em seu telefone celular. Agitei-me com a preocupação. “Você precisa de um médico,” eu a encorajei. “Não,” ela disse. Olhei para Eric, que estava justamente terminando seu telefonema. Ele era o perito de ferimentos. “Ela se curará sem ir para o hospital,” ele disse brevemente. Sua indiferença fez um frio correr por minha espinha. Justamente quando eu pensava estar acostumada a eles, os vampiros me mostravam sua verdadeira face, e eu tinha que me lembrar de novo que eles eram uma raça diferente. Ou talvez fossem séculos de condicionamento que faziam a diferença; décadas dispondo das pessoas como quisessem, pegando o que escolhiam, suportando a dicotomia de serem os seres mais poderosos sobre a terra na escuridão, e ainda assim completamente desamparados e vulneráveis durante as horas de luz. “Mas ela terá algum dano permanente? Algo que os médicos poderiam consertar se ela fosse vê-los imediatamente?” “Tenho certeza de que a garganta dela está só gravemente contundida. Tem algumas costelas quebradas do espancamento, e possivelmente alguns dentes soltos. Mickey poderia ter quebrado a mandíbula e o pescoço dela muito facilmente, você sabe. Ele provavelmente queria que ela pudesse falar com você quando a trouxe aqui, assim ele se segurou um pouco. Ele contava que você se apavorasse e o deixasse entrar. Não pensou que você pudesse organizar seus pensamentos tão depressa. Se eu fosse ele, meu primeiro movimento teria sido danificar sua boca ou pescoço, assim você não poderia rescindir minha entrada.” Aquela possibilidade não tinha me ocorrido, e empalideci. “Quando ele bateu em você com as costas da mão, eu pensei que isso era o que ele estava planejando fazer,” Eric continuou de forma desapaixonada. Eu tinha ouvido o suficiente. Empurrei uma vassoura e a pá de lixo nas mãos dele. Ele os olhou como se fossem artefatos antigos e ele não pudesse compreender o uso deles. “Varra,” eu disse, usando uma toalha molhada para limpar o sangue e sujeira da minha amiga. Eu não sabia quanto desta conversação Tara estava absorvendo, mas os olhos dela estavam abertos e sua boca estava fechada, assim talvez ela estivesse escutando. Talvez ela só estivesse tentando aguentar sua dor. Eric moveu a vassoura experimentalmente e fez uma tentativa para varrer o vidro na pá enquanto ela jazia no meio do chão. Claro, a pá deslizou para longe. Eric fez cara feia. Eu finalmente achei algo que Eric fazia mal. “Você pode ficar de pé?” Perguntei a Tara. Ela focalizou meu rosto e acenou com a cabeça muito ligeiramente. Eu me agachei e tomei suas mãos. Lenta e dolorosamente, ela puxou seus joelhos juntos, e então empurrou enquanto eu puxei. Apesar da janela ter sido quebrada principalmente em pedaços grandes, alguns pedaços de vidro caíram dela enquanto levantava, e eu espiei Eric para ter certeza de que ele entendeu que deveria limpá-los. Sua boca estava numa posição truculenta. Eu tentei por meu braço ao redor de Tara para ajudá-la a entrar em meu quarto, mas meu ombro ferido deu um espasmo de dor tão inesperado que vacilei. Eric soltou a pá de lixo. Ele apanhou Tara em um gesto suave e a pôs no sofá, em vez da minha cama. Abri minha boca para protestar e ele olhou para mim. Fechei minha boca. Entrei na cozinha e trouxe uma de minhas pílulas de dor, e consegui que Tara engolisse uma, o que precisou de alguma persuasão. O remédio pareceu nocauteá-la, ou talvez ela só não quisesse mais reconhecer Eric. De qualquer maneira, ela manteve os olhos fechados e o corpo frouxo, e gradualmente sua respiração ficou uniforme e profunda. Eric me entregou a vassoura com um sorriso triunfante. Considerando que ele tinha erguido Tara, claramente eu estava presa com a tarefa dele. Estava desajeitada por causa do meu ombro ruim, mas terminei de varrer o vidro e o dispor em um saco de lixo. Eric se virou em direção à porta. Eu não ouvi ninguém chegar, mas Eric abriu a porta para Bill antes mesmo de Bill bater. A conversa telefônica de Eric mais cedo deve ter sido com Bill. De certo modo, aquilo fez sentido; Bill vivia no feudo de Eric, ou seja lá como fosse que eles chamavam isto. Eric precisava de ajuda, assim Bill era obrigado a fornecê-la. Meu ex estava carregando um grande pedaço de madeira compensada, um martelo e uma caixa de pregos. “Entre,” eu disse quando Bill hesitou na entrada, e sem dizerem uma palavra um ao outro, os dois vampiros pregaram a madeira na janela. Dizer que me sentia estranha seria uma indicação incompleta, entretanto, graças aos eventos da noite, eu não estava tão sensível quanto teria estado em outro momento. Estava principalmente preocupada com a dor em meu ombro, e a recuperação de Tara, e o paradeiro de Mickey. O espaço extra que me sobrava depois de me preocupar com esses itens, eu enchi com alguma ansiedade em substituir a janela de Sam, e se os vizinhos tinham ouvido o bastante desta briga barulhenta para chamar a polícia. No geral, achei que não tinham; alguém já teria vindo aqui. Depois de Bill e Eric terminarem o conserto temporário deles, ambos ficaram me observando limpar a água e sangue no linóleo. O silêncio começou a pesar expressivamente em todos os três: pelo menos, em meu terço dos três de nós. A delicadeza de Bill em cuidar de mim na noite anterior tinha me tocado. Mas Eric ter adquirido conhecimento de nossa intimidade elevou minha autoconsciência a um nível totalmente novo. Eu estava na mesma sala com dois caras que sabiam que eu tinha dormido com o outro. Eu quis cavar um buraco, deitar nele e puxar a abertura para dentro comigo, como um personagem em um desenho. Eu não podia olhar nenhum deles no rosto. Se eu rescindisse a ambos seus convites, eles teriam que sair sem uma palavra; mas tendo em vista o fato de que os dois só tinham me ajudado, tal procedimento seria rude. Eu tinha resolvido meus problemas com eles antes exatamente daquele modo. Embora estivesse tentada a repetir isto para aliviar meu embaraço pessoal, eu simplesmente não pude. Sendo assim o que nós faríamos a seguir? Eu deveria provocar uma briga? Gritar com um ou com outro poderia clarear a atmosfera. Ou talvez um reconhecimento franco da situação... não. Eu tive um repentino quadro mental de nós três escalando a cama de casal no pequeno quarto. Ao invés de expulsar nossos conflitos, ou conversar sobre nossos problemas, nós poderíamos... não. Eu podia sentir meu rosto queimar e ficar vermelho, enquanto era rasgada entre um semi-histérico divertimento e uma grande arremetida de vergonha em até mesmo ter o pensamento. Jason e seu amigo Hoyt tinham frequentemente discutido (em minha audição) que toda fantasia masculina era estar na cama com duas mulheres. E homens que vinham no bar ecoavam aquela ideia, como eu soube ao conferir a teoria de Jason lendo uma amostra aleatória de mentes masculinas. Seguramente eu estava autorizada a considerar o mesmo tipo de fantasia? Dei uma risadinha histérica, o que definitivamente assustou a ambos os vampiros. “Isto é divertido?” Bill perguntou. Ele gesticulou para a madeira compensada, para Tara deitada, e para a bandagem em meu ombro. Ele omitiu apontar de Eric para ele. Eu ri alto. Eric levantou uma sobrancelha loira. “Nós somos divertidos?” Eu acenei com a cabeça silenciosamente. Eu pensei, Em vez de um concurso gastronômico, nós poderíamos ter um concurso de pênis*. Em vez de uma corrida de pesca, nós poderíamos ter um... * no original, „,Instead of a cook-off, we could have a cock-off.‟ Há um trocadilho com cook-off e cock-off, por terem uma grafia muito similar. Pelo menos em parte porque eu estava cansada, e tensa, e tivera meu sangue drenado, acabei entrando no caminho tolice. Eu ri muito mais quando olhei para os rostos de Eric e Bill. Eles usavam expressões quase idênticas de exasperação. Eric disse, “Sookie, nós não terminamos nossa discussão.” “Oh sim, nós terminamos,” eu disse, entretanto ainda estava sorrindo. “Eu pedi a você por um favor: libertar Tara da servidão de Mickey. Você me pediu como pagamento aquele favor: dizer a você o que aconteceu quando perdeu a memória. Você executou seu lado da barganha, e assim fiz eu. Comprado e pago. Fim.” Bill olhou de Eric para mim. Agora ele sabia que Eric sabia o que eu sabia... Eu ri novamente. Então a frivolidade simplesmente desapareceu de mim. Eu era um balão vazio, sem dúvida. “Boa noite, vocês dois,” eu disse. “Obrigada, Eric, por levar aquela pedra na cabeça, e por se pendurar no telefone ao longo da noite. Obrigado, Bill, por arrumar tão tarde da noite materiais de conserto de janela. Eu realmente apreciei, mesmo que você tenha apenas obedecido ao Eric.” Sob circunstâncias normais – se existia esse negócio de circunstâncias normais com vampiros por perto – eu teria dado a cada um deles um abraço, mas aquilo parecia muito estranho. “Xô,” eu disse. “Tenho que ir para cama. Estou esgotada.” “Um de nós não deveria ficar aqui com você hoje à noite?” Bill perguntou.
Se eu tivesse que dizer sim para aquilo, que escolher um deles para ficar comigo aquela noite, teria sido Bill – se eu pudesse contar com ele para ser tão pouco exigente e suave quanto ele fora na noite anterior. Quando você está triste e com dor, a coisa mais maravilhosa no mundo é se sentir apreciado. Mas aquele era um grupo muito grande de “ses” para esta noite. “Acho que ficarei bem,” eu disse. “Eric me assegurou que Salome pegará Mickey num instante, e eu preciso dormir mais do que qualquer outra coisa. Eu gostaria que vocês se fossem.” Por um longo momento pensei que eles poderiam simplesmente dizer “Não” e tentar esperar mais tempo do que o outro. Mas Eric me beijou na testa e partiu, e Bill, para não ser ultrapassado, roçou meus lábios com os dele e se despediu. Quando os dois vampiros tinham partido, eu estava feliz por estar sozinha. Claro, eu não estava exatamente sozinha. Tara estava desmaiada no sofá. Me certifiquei que ela estivesse confortável – tirei seus sapatos , peguei o cobertor da minha cama para cobri-la – e então caí em minha própria cama.
 
EU DORMI POR horas. Quando acordei, Tara tinha ido embora. Senti uma punhalada de pânico, até perceber que ela tinha dobrado o cobertor, lavado o rosto no banheiro (toalha molhada), e calçado seus sapatos. Ela me deixou uma pequena nota, também, em um envelope velho que já continha o início da minha lista de compras. Dizia, “Ligarei para você mais tarde. T” – uma nota concisa, e não exatamente sugerindo amor de irmã. Fiquei um pouco triste. Imaginei que não seria a pessoa favorita de Tara por um bom tempo. Meu ombro estava muito melhor, e decidi que dirigiria até o Supercentro do Wal-Mart em Clarice e faria todas as minhas compras numa única viagem. Também, lá não veria tantas pessoas conhecidas, e não teria que falar sobre o tiro. Era muito reconfortante ser anônima na grande loja. Fiz tudo lentamente, li rótulos, e até mesmo selecionei uma cortina de chuveiro para o banheiro do duplex. Gastei tempo completando minha lista. Quando transferi as sacolas do carrinho para o carro, tentei levantar todo o peso com meu braço direito. Estava praticamente fedendo a virtude quando consegui voltar para a casa na rua Berry. O furgão da Floricultura Bon Temps estava na entrada de carros. Toda mulher tinha um pequeno estímulo em seu coração quando o furgão da floricultura parava, e eu não era exceção. “Tenho uma entrega múltipla aqui,” disse a esposa de Bud Dearborn, Greta. Greta tinha o rosto achatado e era pequena e gorda como o xerife, mas sua natureza era feliz e confiante. “Você é uma garota de sorte, Sookie.” “Sim, senhora, eu sou,” eu concordei, com só um pouquinho de ironia. Depois de Greta ter me ajudado a carregar minhas sacolas, ela começou a levar as flores para dentro. Tara me enviara um pequeno vaso de margaridas e cravos. Eu sou muito fã de margaridas, e o amarelo e branco parecia bonito na minha pequena cozinha. O cartão só dizia “De Tara.” Calvin me mandou um arbusto pequeno de gardênia embrulhado em tecido, com um grande laço. Estava pronto para sair do balde plástico e ser plantado tão logo o perigo de uma geada tivesse passado. Fiquei impressionada com a consideração do presente, considerando que o arbusto de gardênia perfumaria meu quintal por anos. Já que ele teve que ligar para encomendar, o cartão carregava a mensagem convencional “Pensando em você – Calvin.” De Pam veio um buquê variado, e o cartão dizia, “Não leve mais tiros. Da gangue do Fangtasia.” Aquilo me fez rir um pouco. Automaticamente pensei em escrever notas de agradecimento, mas não trouxera meus artigos de escritório. No caminho pararia na farmácia e compraria. A farmácia do centro da cidade tinha um canto que era uma papelaria, e também aceitava pacotes para a picape da UPS. Você precisava se diversificar em Bon Temps. Coloquei minhas compras de lado, suspendendo sem jeito a cortina de chuveiro, e fui me arrumar para o trabalho. Sweetie Des Arts foi a primeira pessoa que vi quando passei pela entrada de empregados. Ela carregava uma braçada de toalhas de cozinha, e estava com seu avental amarrado. “Você é uma mulher difícil de matar,” ela observou. “Como você está se sentindo?” “Estou bem,” eu disse. Parecia que Sweetie estava me esperando, e apreciei o gesto. “Soube que você se abaixou justo no momento certo,” ela disse. “Como conseguiu? Você ouviu algo?”
“Não exatamente,” eu disse. Sam saiu mancando do escritório, usando sua bengala. Estava de cara feia. Com certeza eu não queria explicar minha pequena excentricidade para Sweetie perto de Sam. Eu disse, “Só tive um pressentimento,” e dei de ombros, o que foi inesperadamente doloroso. Sweetie sacudiu sua cabeça, atendendo meu apelo interior, e se virou para atravessar o bar de volta à cozinha. Sam indicou com sua cabeça o escritório, e com um coração afundado eu o segui para dentro. Ele fechou a porta atrás de nós. “O que você estava fazendo quando foi baleada?” Ele perguntou. Seus olhos brilhavam de raiva. Eu não seria culpada pelo que tinha me acontecido. Me ergui diretamente até Sam, encarando seu rosto. “Estava só devolvendo e pegando livros da biblioteca,” eu disse entre dentes. “Então por que ele acharia que você era metamorfa?” “Não faço ideia.” “Com quem você esteve?” “Fui visitar Calvin, e eu tinha...” Minha voz morreu enquanto me dava conta de algo. “Então, quem pode afirmar que você cheira como um metamorfo?” Perguntei lentamente. “Ninguém senão outro metamorfo, certo? Ou alguém com sangue metamorfo. Ou um vampiro. Alguma coisa sobrenatural.” “Mas não tivemos nenhum metamorfo estranho por aqui ultimamente.” “Você foi onde o atirador esteve, para farejar?” “Não, a única vez em que estive no local de um tiroteio, estava muito ocupado gritando no chão com sangue jorrando da minha perna.” “Mas talvez agora você possa pegar algo.” Sam baixou os olhos para sua perna duvidosamente. “Choveu, mas eu suponho que valha uma tentativa,” ele concedeu. “Eu devia ter pensado nisso. Certo, hoje à noite, depois do trabalho.” “Está marcado,” eu disse de forma irreverente enquanto Sam afundava em sua cadeira rangente. Coloquei minha bolsa na gaveta que Sam mantinha vazia e saí para checar minhas mesas. Charles estava firme no trabalho, e me deu um aceno de cabeça e um sorriso antes de se concentrar no nível de cerveja do jarro que ele segurava na torneira. Uma de nossas bêbadas regulares, Jane Bodehouse, estava sentada no bar com Charles em sua mira. Não parecia deixar o vampiro desconfortável. Eu vi que o ritmo do bar estava de volta ao normal; o novo barman fora absorvido no pano de fundo. Depois de eu ter trabalhado aproximadamente por uma hora, Jason entrou. Crystal estava aconchegada na curva de seu braço. Ele estava mais feliz do que eu já o tinha visto. Estava excitado com sua nova vida e muito satisfeito com a companhia de Crystal. Me perguntei quanto tempo aquilo iria durar. Mas a própria Crystal parecia ser da mesma opinião. Ela me disse que Calvin sairia do hospital no dia seguinte, e iria para casa, em Hotshot. Fiz questão de mencionar as flores que ele me enviou, dizendo a ela que eu cozinharia algo para Calvin, para comemorar sua volta para casa. Crystal estava certa de estar grávida. Mesmo através do nó do cérebro metamorfo, eu podia ler aquele pensamento tão claro quanto um sino. Não era a primeira vez que eu descobrira que alguma garota “saindo” com Jason tinha certeza de que ele seria papai, e eu esperava que desta vez fosse tão falso quanto da última. Não que eu tivesse algo contra Crystal... Bem, eu estava mentindo a mim mesma. Eu tinha algo contra Crystal. Crystal era parte de Hotshot, e ela nunca abandonaria isto. Eu não queria que uma sobrinha ou sobrinho meu fosse criado naquela comunidade estranha e pequena, dentro da pulsante influência mágica da encruzilhada que formava seu centro. Crystal estava fazendo segredo de sua menstruação atrasada para Jason por enquanto, determinada a ficar quieta até que tivesse certeza do que isto significava. Eu aprovei. Ela mamou uma cerveja enquanto Jason derrubou duas, e então eles saíram para ir ao cinema em Clarice. Jason me deu um abraço no caminho, enquanto eu distribuía drinques para um grupo de oficiais da lei. Alcee Beck, Bud Dearborn, Andy Bellefleur, Kevin Pryor, e Kenya Jones, e a mais nova atração de Arlene, o investigador de incêndios premeditados Dennis Pettibone, estavam todos reunidos em volta de duas mesas juntas em um canto. Havia dois estranhos com eles, mas eu soube bem facilmente que eram tiras também, parte de alguma força-tarefa. Arlene podia até querer servi-los, mas eles estavam claramente no meu território, e claramente falavam sobre alguma merda grande. Quando eu estava pegando os pedidos de bebidas, eles suspenderam a conversa, e a retomaram quando me afastei. Claro, o que eles diziam com suas bocas não fazia nenhuma diferença para mim, considerando que eu sabia o que cada um e todos eles estavam pensando. E eles todos sabiam disto muito bem; e todos se esqueceram. Alcee Beck, em particular, morria de medo de mim, mas mesmo ele tinha esquecido totalmente da minha habilidade, apesar de eu já a ter demonstrado para ele anteriormente. O mesmo podia ser dito de Andy Bellefleur. “O que a convenção de oficiais da lei no canto está tramando?” Perguntou Charles. Jane tinha cambaleado para o banheiro feminino, e ele estava temporariamente sozinho no bar. “Deixe-me ver,” eu disse, fechando meus olhos, assim eu podia me concentrar melhor. “Bem, eles estão pensando em transferir a vigilância policial do atirador para outro estacionamento esta noite, e estão convencidos de que o incendiário está conectado aos atentados a bala, e que a morte de Jeff Marriot está conectada a tudo, de alguma forma. Eles estão até mesmo imaginando se o desaparecimento de Debbie Pelt está incluído neste grupo de crimes, já que ela foi vista pela última vez abastecendo na interestadual, no posto de gasolina mais próximo de Bon Temps. E meu irmão, Jason, desapareceu por um tempo algumas semanas atrás; talvez isto seja parte do quadro, também.” Eu sacudi minha cabeça e abri meus olhos para descobrir que Charles estava perturbadoramente perto. Seu único olho bom, o direito, encarava firme o meu esquerdo. “Você tem talentos muito incomuns, jovem mulher,” ele disse depois de um momento. “Meu último empregador colecionava o incomum.” “Para quem você trabalhava antes de vir para o território de Eric?” Perguntei. Ele se voltou para pegar o Jack Daniel‟s. “O Rei do Mississippi,” ele disse. Eu senti como se alguém tivesse puxado o tapete de baixo dos meus pés. “Por que você deixou o Mississippi e veio para cá?” Perguntei, ignorando os assobios da mesa há um metro e meio dali. O Rei do Mississippi, Russell Edgington, me conhecia como a namorada de Alcide, mas não como uma telepata ocasionalmente empregada por vampiros. Era totalmente possível que Edgington pudesse ter ressentimentos contra mim. Bill fora mantido nos antigos estábulos atrás da mansão de Edgington e torturado por Lorena, a criatura que tinha transformado Bill em vampiro cento e quarenta anos antes. Bill escapou. Lorena morreu. Russel Edgington não necessariamente sabia que eu era a causadora destes eventos. Mas por outro lado, ele podia saber. “Eu fiquei cansado dos hábitos de Russell,” Sir Charles disse. “Eu não compartilho sua orientação sexual, e ficar cercado por perversão acaba se tornando cansativo.” Edgington apreciava a companhia de homens, era verdade. Ele tinha uma casa cheia deles, e também um companheiro humano firme, Talbot.
Era possível que Charles estivesse por lá enquanto eu estava visitando, apesar de eu não o ter notado. Fui gravemente ferida na noite em que fui levada para a mansão. Não tinha visto todos os seus habitantes, e não lembrava exatamente daqueles que tinha visto. Fiquei consciente de que o pirata e eu ainda estávamos mantendo contato visual. Se já vivessem por um certo período de tempo, vampiros liam emoções humanas muito bem, e imaginei o que Charles Twining estava colhendo de meu rosto e comportamento. Esta era uma das poucas vezes em que desejei poder ler a mente de um vampiro. Perguntei-me, e muito, se Eric sabia do histórico de Charles. Seguramente Eric não o teria contratado sem uma checagem de antecedentes? Eric era um vampiro cauteloso. Ele tinha visto histórias que eu não podia imaginar, e vivera por ser cuidadoso. Finalmente me virei para responder à convocação dos impacientes consertadores de telhado que estavam tentando por vários minutos conseguir que eu tornasse a encher seus jarros de cerveja. Evitei falar com nosso novo barman pelo resto da noite. Me perguntei por que ele me dissera tanto. Ou Charles queria que eu soubesse que estava me observando, ou ele realmente não tinha ideia que estive no Mississippi recentemente. Eu tinha muito o que pensar. A parte de trabalho da noite finalmente terminou. Tivemos que chamar o filho de Jane para vir pegar sua mãe bêbada, mas não era nenhuma novidade. O barman pirata trabalhou com ritmo, sem cometer erros, e dando a cada cliente uma boa palavra enquanto ele satisfazia os pedidos. Seu pote de gorjetas parecia cheio. Bill chegou para pegar seu hóspede enquanto nós fechávamos. Eu queria ter uma conversa sossegada com ele, mas Charles estava ao lado de Bill num instante, e assim não tive oportunidade. Bill me deu uma olhada estranha, mas eles se foram sem que eu pudesse falar com ele. Não sabia ao certo o que eu diria, de qualquer forma. Eu tinha certeza de que Bill tinha visto os piores empregados de Russel Edgington, porque o torturaram. Se Charles Twining era desconhecido para Bill, ele poderia ser bom. Sam estava pronto para continuar nossa missão de farejar. Estava frio e claro do lado de fora, as estrelas cintilando no céu da noite. Sam vestia roupas quentes, e eu coloquei meu bonito casaco vermelho. Eu tinha um conjunto combinando de luvas e chapéu, e precisaria deles agora. Embora a primavera estivesse se aproximando a cada dia, o inverno ainda não tinha terminado. Ninguém estava no bar exceto nós. O estacionamento inteiro estava vazio, a não ser pelo carro de Jane. A claridade das luzes de segurança fazia as sombras parecerem mais profundas. Ouvi um cachorro latir bem longe, na distância. Sam estava se movendo cuidadosamente em suas muletas, tentando transpor o estacionamento irregular. Sam disse, “Eu vou me transformar.” E ele não queria dizer suas roupas. “O que acontecerá com a sua perna se transformar?” “Vamos descobrir.” Sam era um metamorfo puro sangue dos dois lados. Ele podia se transformar quando não era lua cheia, embora a experiência fosse muito diferente, ele já me dissera. Sam podia se transformar em mais de um animal, apesar de cachorros serem sua preferência, e um collie era sua escolha entre cachorros. Sam foi para trás da cerca viva em frente a seu trailer, para livrar-se de suas roupas. Mesmo à noite, vi a perturbação do ar que sinalizou que a mágica estava trabalhando ao redor dele. Ele caiu ajoelhado e arfou, e eu não podia mais vê-lo através dos densos arbustos. Depois de um minuto, um bloodhound* trotou para fora, vermelho, suas orelhas balançando de lado para lado. Eu não estava acostumada a ver Sam desta forma, e levei um segundo para me certificar que era ele. Quando o cachorro olhou para mim, eu soube que meu chefe estava ali dentro.
* raça de cão http://pt.wikipedia.org/wiki/Bloodhound
  “Venha, Dean,” eu disse. Eu tinha nomeado Sam assim em sua aparência animal, antes de perceber que o homem e o cachorro eram o mesmo ser. O bloodhound trotou na minha frente pelo estacionamento e para dentro da floresta onde o atirador tinha esperado por Sam sair do clube. Observei como o cachorro se movia. Estava favorecendo sua perna traseira direita, mas não drasticamente. Na noite fria da floresta, o céu estava parcialmente bloqueado. Eu tinha uma lanterna, e a liguei, mas de alguma forma aquilo só fez as árvores ficarem mais apavorantes. O bloodhound – Sam – já alcançara o lugar que a polícia tinha decidido marcar como a posição privilegiada do atirador. O cachorro, o papo balançando, curvou sua cabeça para o chão e se moveu pelos arredores, selecionando através de todas as informações de aroma que ele recebia. Fiquei de pé fora do caminho, me sentindo inútil. Então Dean olhou para mim e disse, “Rowf.” Ele começou a voltar para o estacionamento. Supus que ele tinha reunido tudo que podia. Como tínhamos combinado, levei Dean no Malibu para outro local de tiroteio, atrás de alguns velhos prédios em frente ao Sonic, onde o atirador tinha se escondido na noite em que a pobre Heather Kinman fora assassinada. Eu dobrei no beco de serviço atrás dos velhos armazéns e estacionei atrás da Lavanderia Patsy, que tinha se mudado para uma nova e mais conveniente localização quinze anos antes. Entre a lavanderia e o dilapidado e há-muito-tempo-vazio Louisiana Suprimentos e Grãos, uma abertura estreita permitia uma grande vista ao Sonic. O restaurante drive-in estava fechado, mas ainda iluminado. Considerando que o Sonic estava na rua principal da cidade, havia luzes acima e abaixo na rua, e eu podia realmente ver muito bem as áreas onde a estrutura permitia a iluminação; infelizmente, aquilo fez as sombras ficarem impenetráveis. De novo, o bloodhound trabalhou pela área, tendo um interesse particular na faixa de ervas daninhas do chão entre os dois velhos armazéns, uma faixa tão estreita que não era mais do que um espaço suficiente para uma pessoa. Ele pareceu muito excitado com algum aroma particular que achou. Eu fiquei excitada, também, esperando que ele tivesse achado algo que nós poderíamos traduzir em evidências para a polícia. Repentinamente Dean deixou sair um “Whoof!” e levantou sua cabeça para olhar para além de mim. Ele estava certamente focando em algo, ou alguém. Quase relutantemente, me virei para ver. Andy Bellefleur estava de pé no ponto onde o beco de serviço cruzava a abertura entre os prédios. Somente seu rosto e torso superior estavam na luz. “Jesus Cristo, Pastor da Judeia! Andy, você me assustou como o diabo!” Se eu não estivesse observando o cachorro tão atentamente, o teria sentido chegar. Vigilância policial, maldição. Eu deveria ter lembrado. “O que você está fazendo aqui, Sookie? Onde você conseguiu o cachorro?” Eu não podia pensar em uma simples resposta que fosse plausível. “Pareceu uma boa tentativa ver se um cachorro treinado podia farejar os lugares onde o atirador ficou,” eu disse. Dean se inclinou contra minhas pernas, arquejando e babando. “Então, quando você entrou na folha de pagamento municipal?” Andy perguntou. “Eu não sabia que você tinha sido contratada como investigadora.” Certo, isto não estava indo nada bem. “Andy, se você se sair do meu caminho, eu e o cachorro simplesmente voltaremos para dentro do meu carro, iremos embora, e você não terá mais que ficar furioso comigo.” Ele estava muito irritado, e determinado a descarregar em mim, a qualquer custo. Andy queria conseguir realinhar o mundo, com os fatos que ele conhecia formando os trilhos em que este deveria correr.
Eu não me ajustava naquele mundo. Eu não corria naqueles trilhos. Eu podia ler sua mente, e não gostava do que eu estava ouvindo. Eu percebi, tardiamente, que Andy tinha bebido além da conta durante a conferência no bar. O suficiente para remover suas habituais restrições. “Você não deveria estar em nossa cidade, Sookie,” ele disse. “Eu tenho tanto direito de estar aqui quanto você, Andy Bellefleur.” “Você é um acaso genético ou algo assim. Sua avó era uma mulher realmente gentil, e as pessoas me dizem que seu pai e mãe eram boas pessoas. O que aconteceu com você e Jason?” “Eu não acho que haja nada muito errado comigo e Jason, Andy,” eu disse calmamente, mas suas palavras me ferroaram como formigas de fogo. “Acho que somos pessoas normais, nem melhores e nem piores do que você e Portia.” Andy realmente bufou. Repentinamente o lado do bloodhound, pressionado contra minhas pernas, começou a vibrar. Dean estava rosnando quase inaudivelmente. Mas ele não estava olhando para Andy. A pesada cabeça do cão de caça estava virada em outra direção, voltada para as sombras escuras da outra extremidade do beco. Outra mente viva: um humano. Não um humano normal, contudo. “Andy,” eu disse. Meu sussurro penetrou sua auto-concentração. “Você está armado?” Eu não sabia se me senti muito melhor quando ele puxou sua pistola. “Largue isto, Bellefleur,” disse uma voz séria, que soava familiar. “Besteira,” Andy zombou. “Por que eu deveria?” “Porque eu tenho uma arma maior,” disse a voz, fria e sarcástica. Sweetie Des Arts saiu das sombras, carregando um rifle. Estava apontado para Andy, e eu não tinha dúvidas de que ela estava pronta para atirar. Sentia como se minhas entranhas tivessem virado gelatina. “Por que você simplesmente não vai embora, Andy Bellefleur?” Sweetie perguntou. Ela vestia um macacão de mecânico e jaqueta, e suas mãos estavam enluvadas. Ela não parecia nada com uma cozinheira de fast food. “Eu não tenho que brigar com você. Você é só uma pessoa.” Andy estava balançando a cabeça, tentando clarear as ideias. Eu notei que ele não tinha largado sua arma ainda. “Você é a cozinheira no bar, certo? Por que você está fazendo isto?” “Você deveria saber, Bellefleur. Eu ouvi sua pequena conversa com a metamorfa aí. Talvez este cachorro seja um humano, alguém que você conhece.” Ela não esperou Andy responder. “E Heather Kinman era tanto quanto. Ela se transformava em raposa. E o cara que trabalha na Norcross, Calvin Norris? Ele é uma maldita pantera.” “E você atirou em todos eles? Você atirou em mim, também?” Eu queria ter certeza de que Andy estava registrando isto. “Há só uma coisa errada com sua pequena vingança, Sweetie. Eu não sou uma metamorfa.” “Você cheira como uma,” Sweetie disse, claramente certa de que tinha razão. “Alguns dos meus amigos são metamorfos, e aquele dia eu tinha abraçado alguns deles. Mas eu mesma – não sou uma metamorfa de jeito nenhum.” “Culpada por associação,” Sweetie disse. “Eu aposto que você tem um toque de metamorfo em algum lugar.” “E você?” Perguntei. Eu não queria levar um tiro outra vez. A evidência sugeriu que Sweetie não era uma boa atiradora: Sam, Calvin e eu tínhamos sobrevivido. Eu sabia que mirar a noite tinha sido difícil, mas ainda assim, você tinha que levar em conta que ela podia ter feito melhor. “Por que você está nesta vingança?” “Eu tenho somente uma fração de um metamorfo,” ela disse, resmungando tanto quanto Dean. “Fui mordida quando tive um carro destroçado. Esta... coisa... meio homem meio lobo correu para fora da floresta perto de onde eu estava deitada sangrando, e a maldita coisa me mordeu... e então outro carro fez a curva e ele fugiu. Mas na primeira lua cheia depois daquela, minhas mãos mudaram! Meus pais vomitaram.” “E seu namorado? Você tinha um?” Eu continuei falando, tentando distrai-la. Andy estava se movendo para tão longe de mim quanto podia, assim ela não poderia atirar em nós dois tão depressa. Ela planejara atirar em mim primeiro, eu sabia. Eu queria que o bloodhound saísse de perto de mim, mas ele ficou lealmente pressionado contra minhas pernas. Ela não tinha certeza de que o cachorro era um metamorfo. E, estranhamente, ela não tinha mencionado atirar em Sam. “Eu era uma striper então, vivendo com um cara ótimo,” ela disse, a raiva borbulhando através de sua voz. “Ele viu minhas mãos e o cabelo extra e me odiou. Saía quando a lua estava cheia. Ele tinha viagens de negócios. Ele tinha que jogar golfe com seus amigos. Ele ficava preso em um encontro tardio.” “Então há quanto tempo você anda atirando em metamorfos?” “Três anos,” ela disse, orgulhosamente. “Eu matei vinte e dois e feri quarenta e um.” “Isto é terrível,” eu disse. “Tenho orgulho disso,” ela disse. “Limpando a gentalha da face da terra.” “Você sempre encontra trabalho em bares?” “Me dá a chance de ver quem é um dos irmãos,” ela disse, sorrindo. “Investigo Igrejas e restaurantes, também. Os centros de assistência social.” “Oh, não.” Achei que iria vomitar. Meus sentidos estavam hiper-alertas, como você pode imaginar, então eu sabia que havia alguém vindo no beco atrás de Sweetie. Eu podia sentir a raiva turva em uma cabeça de duplanatureza. Não olhei, tentando manter a atenção de Sweetie por tanto tempo quanto pudesse. Mas houve um pequeno barulho, talvez o som de um pedaço de papel descartado farfalhando contra o chão, e aquilo foi suficiente para Sweetie. Ela se voltou com o rifle apoiado no ombro, e atirou. Houve um guincho na escuridão da extremidade sul do beco, e então um ganido alto. Andy aproveitou a oportunidade e atirou em Sweetie Des Arts enquanto as costas dela estavam viradas. Eu me pressionei contra os tijolos irregulares do velho Suprimentos e Grãos, e enquanto o rifle caía da mão dela, eu vi o sangue sair de sua boca, preto na luz das estrelas. Então ela caiu no chão. Enquanto Andy ficava de pé sobre ela, sua arma pendurada na sua mão, me afastei deles para descobrir quem tinha vindo nos socorrer. Liguei minha lanterna para descobrir um lobisomem, terrivelmente ferido. A bala de Sweetie o tinha atingido no meio do peito, como eu podia ver através do denso pêlo, e gritei para Andy, “Use seu telefone celular! Peça ajuda!” Estava pressionando o ferimento borbulhante tão forte quanto podia, esperando que estivesse fazendo a coisa certa. O ferimento se mexia de uma forma muito desconcertante, considerando que o Lobis estava em processo de se transformar de volta em humano. Olhei em volta para ver que Andy ainda estava perdido em seu próprio pequeno vale de horror, pelo que tinha feito. “Morda ele,” eu disse a Dean, e Dean se aproximou do policial e beliscou sua mão. Andy gritou, claro, e levantou sua arma como se fosse atirar no bloodhound. “Não!” Eu gritei, levantando-me de repente do agonizante Lobis. “Use seu telefone, seu idiota. Chame uma ambulância.” Então a arma se voltou na minha direção. Por um longo e tenso momento eu pensei que o fim de minha vida tinha chegado. Nós todos gostamos de matar o que não entendemos, o que nos assusta, e eu definitivamente assustava Andy Bellefleur.
Mas então a arma vacilou e caiu de volta no lado de Andy. Seu rosto largo me encarou com um princípio de compreensão. Ele tateou em seu bolso, e retirou um telefone celular. Para o meu profundo alívio, ele guardou a arma no coldre depois de digitar um número. Me voltei para o Lobis, agora completamente humano e nu, enquanto Andy dizia, “Houve um tiroteio múltiplo no beco atrás do velho Suprimentos e Grãos e da Lavanderia Patsy, no outro lado da Rua Magnólia do Sonic. Certo. Duas ambulâncias, dois ferimentos a bala. Não, eu estou bem.” O Lobis ferido era Dawson. Seus olhos tremeluziram abertos, e ele tentou arfar. Eu não podia nem mesmo imaginar a dor que ele deveria estar sentindo. “Calvin,” ele tentou dizer. “Não se preocupe agora. A ajuda está a caminho,” eu disse para o homem enorme. Minha lanterna estava caída no chão ao meu lado, e por esta estranhamente inclinada luz eu podia ver seus enormes músculos e o peito nu e peludo. Ele parecia gelado, claro, e me perguntei onde suas roupas estariam. Eu ficaria feliz de ter sua camisa para pressionar contra o ferimento, que estava constantemente gotejando sangue. Minhas mãos estavam cobertas de sangue. “Me disse para terminar meu último dia zelando por você,” Dawson disse. Ele estava tremendo inteiro. Tentou sorrir. “Eu disse, „Tarefa fácil‟.” E então ele não falou mais nada, e perdeu a consciência. Os pesados sapatos pretos de Andy entraram em meu campo de visão. Achei que Dawson iria morrer. E eu nem sabia seu primeiro nome. Não fazia ideia de como nós iríamos explicar um cara nu para a polícia. Espere... Aquilo cabia a mim? Seguramente Andy era quem teria a difícil tarefa de dar explicações? Como se ele estivesse lendo a minha mente – para variar – Andy disse, “Você conhece este cara, certo?” “Um pouco.” “Bem, você terá que dizer que você o conhece melhor do que isto, para explicar a carência de roupas dele.” Eu engoli em seco. “Certo,” eu disse, depois de uma breve, amarga pausa. “Vocês dois estavam aqui procurando pelo cachorro dele. Você,” Andy disse para Dean. “Eu não sei quem você é, mas você continua cachorro, você me ouviu?” Andy andou para longe nervosamente. “E eu voltei aqui porque tinha seguido a mulher – e ela estava agindo de forma suspeita.” Eu concordei com a cabeça, ouvindo a respiração ruidosa na garganta de Dawson. Se eu pudesse dar a ele sangue para curá-lo, como um vampiro. Se eu conhecesse algum procedimento médico... Mas já conseguia ouvir os carros de polícia e as ambulâncias se aproximando. Nada em Bon Temps era muito longe de nada, e neste lado da cidade, o lado sul, o hospital de Grainger seria o mais próximo. “Eu ouvi a confissão dela,” eu disse. “Eu a ouvi dizer que atirou nos outros.” “Me diga uma coisa, Sookie,” Andy disse com pressa. “Antes deles chegarem aqui. Não há nada estranho com Halleigh, certo?” Eu olhei para ele, surpresa de que pudesse pensar em tal coisa neste momento. “Nada além da estúpida maneira com que ela pronuncia seu próprio nome.” Então me lembrei de quem tinha atirado na cadela deitada no chão há um metro e meio. “Não, nada,” eu disse. “Halleigh é normal, no velho estilo.” “Graças a Deus,” ele disse. “Graças a Deus.” E então Alcee Beck apareceu no beco e parou, tentando entender a cena diante ele. Logo atrás estava Kevin Pryor, e a parceira de Kevin, Kenya, adiantou-se rente a parede com sua arma sacada. A equipe da ambulância estava esperando até que tivessem certeza de que a cena estava segura. Eu estava de pé contra a parede sendo revistada antes que soubesse o que estava acontecendo. Kenya ficou dizendo, “Desculpe, Sookie,” e “Eu tenho que fazer isso,” até eu dizer a ela, “Só termine logo. Onde está meu cachorro?” “Ele fugiu,” ela disse. “Eu suponho que as luzes o tenham assustado. Ele é um bloodhound, hein? Ele voltará para casa.” Quando ela terminou seu trabalho perfeito de sempre, me disse, “Sookie? Por que este cara está pelado?” Esse era só o começo. Minha história era extremamente fraca. Li a descrença escrita bem grande em quase todos os rostos. O clima não estava para fazer amor ao ar livre, e eu estava completamente vestida. Mas Andy me apoiou em todos os passos do caminho, e não houve ninguém para dizer que tudo não tinha ocorrido da forma que contei. Aproximadamente duas horas depois, eles me deixaram entrar em meu carro para retornar ao duplex. A primeira coisa que fiz quando entrei foi ligar para o hospital, para tentar descobrir como Dawson estava. De alguma forma, Calvin conseguiu pegar o telefone. “Ele está vivo,” ele disse laconicamente. “Deus te abençoe por mandá-lo atrás de mim,” eu disse. Minha voz estava tão frouxa quanto uma cortina em um tranquilo dia de verão. “Eu estaria morta se não fosse por ele.” “Eu ouvi que o policial disparou nela.” “Sim, ele disparou.” “Eu ouvi um monte de outras coisas.” “Foi complicado.” “Vou te ver esta semana.” “Sim, com certeza.” “Vá tentar dormir.” “Obrigada novamente, Calvin.” Meu débito com o lobis-pantera estava se acumulando em uma taxa que me assustava. Eu sabia que teria que compensar mais tarde. Estava cansada e dolorida. Estava suja por dentro com a história triste de Sweetie, e suja por fora de me ajoelhar no beco, ajudando o ensanguentado Lobis. Deixei minhas roupas caírem no chão do quarto, fui para dentro do banheiro, e fiquei sob o chuveiro, tentando muito manter minha atadura seca com minha touca de banho, do jeito que uma das enfermeiras tinha me mostrado. Quando a campainha tocou na manhã seguinte, amaldiçoei viver na cidade. Mas como se revelou, não era um vizinho que queria pegar uma xícara de farinha emprestada. Alcide Herveaux estava de pé do lado de fora, segurando um envelope. Olhei furiosa para ele através de olhos que fechavam, pesados de sono. Sem dizer uma palavra, me arrastei de volta para meu quarto e engatinhei para dentro da cama. Isto não era o bastante para deter Alcide, que entrou atrás de mim. “Você é agora duplamente amiga do bando,” ele disse, como se tivesse certeza de que essa era a minha maior preocupação atual. Virei as costas para ele e me aninhei sob as cobertas. “Dawson diz que você salvou a vida dele.” “Fico feliz de que Dawson esteja bem o suficiente para falar,” murmurei, fechando os olhos firmemente, e desejando que Alcide fosse logo embora. “Considerando que ele tomou um tiro por minha conta, seu bando não me deve nada.” Pelo movimento do ar, eu podia dizer que Alcide estava ajoelhando ao lado da cama. “Isto não é decisão sua, mas nossa,” ele disse de forma reprovadora. “Você está intimada para a competição de líder do bando.” “O quê? O que eu tenho que fazer?” “Você só observa os procedimentos e congratula o vencedor, não importa quem ele seja.”
Com certeza, para Alcide, a luta pela sucessão era a coisa mais importante em andamento. Era difícil para ele entender que eu não tinha as mesmas prioridades. Estava me afundando numa onda de obrigações sobrenaturais. O bando de lobisomens de Shreveport disse que me devia algo. Eu devia a Calvin. Andy Bellefleur devia a mim, Dawson e Sam por esclarecer o caso dele. Eu devia a Andy por salvar minha vida. Embora eu tivesse esclarecido a Andy sobre a completa normalidade de Halleigh, talvez aquilo cancelasse meu débito com ele por atirar em Sweetie. Sweetie teve o pagamento devido em retorno por seus ataques. Eric e eu estávamos igualados, calculei. Eu devia um pouco a Bill. Sam e eu estávamos mais ou menos iguais. Alcide pessoalmente me devia, até onde sabia. Eu tinha vindo para esta merda de bando e tentado seguir as regras para dar uma mão a ele. No mundo em que vivia, o mundo de pessoas humanas, havia laços e débitos e consequências e boas ações. Aquilo era o que atava as pessoas à sociedade; talvez aquilo fosse o que constituía a sociedade. E tentei viver em minha pequena parte dela da melhor forma que podia. Juntar-me aos secretos clãs dos de dupla natureza e dos vampiros fazia da minha vida na sociedade humana muito mais difícil e complicada. E interessante. E algumas vezes... divertida. Alcide continuara falando por pelo menos algum do tempo em que eu andei pensando e eu tinha perdido uma grande parte. E ele estava se dando conta disso. Ele disse, “Sinto se eu estou entediando você, Sookie,” em uma voz dura. Me virei para ficar de frente para ele. Seus olhos verdes estavam cheios de dor. “Não entediada. Eu só tenho muito no que pensar. Deixe o convite, certo? Eu voltarei lá com você.” Me perguntei o que se vestia para um evento lutando-por-mestre-do-bando. Me perguntei se o Sr. Herveaux sênior e o gorducho proprietário de revenda de motocicletas realmente iriam rolar no chão e lutar. Os olhos verdes de Alcide estavam cheios de perplexidade. “Você está agindo tão estranho, Sookie. Me sentia tão confortável com você antes. Agora sinto como se eu não conhecesse você.” Válido fora uma das minhas Palavras do Dia na última semana. “Esta é uma observação válida,” eu disse, tentando soar prática. “Só me senti tão confortável com você quando encontrei você da primeira vez. E então comecei a descobrir coisas. Como sobre Debbie, e a política metamorfa, e a servidão de alguns metamorfos para os vampiros.” “Nenhuma sociedade é perfeita,” Alcide disse, defensivamente. “Em relação à Debbie, eu não quero nem mesmo ouvir o nome dela de novo.” “Que seja,” eu disse. Deus sabia que eu não podia ficar de qualquer forma mais enjoada de ouvir o nome dela. Deixando o envelope creme na mesa de cabeceira, Alcide pegou minha mão, se curvou sobre ela, e beijou as costas dela. Era um gesto cerimonial, e desejei conhecer sua importância. Mas no momento em que ia perguntar, Alcide tinha ido embora. “Tranque a porta atrás de você,” eu falei. “Só vire o pequeno botão na maçaneta.” E suponho que ele fez isso, pois voltei imediatamente a dormir, e ninguém me acordou até que fosse quase hora de ir trabalhar. Exceto que havia uma nota na minha porta da frente que dizia, “Consegui Linda T. para substituir você. Pegue a noite de folga. Sam.” Voltei para dentro, tirei minhas roupas de garçonete e vesti jeans. Eu estava pronta para ir trabalhar, e agora estava estranhamente confusa. Fiquei quase animada ao perceber que eu tinha outra obrigação, e fui até a cozinha para começar a realizá-la. Depois de uma hora e meia de luta em uma cozinha desconhecida com aproximadamente metade da minha parafernália habitual, eu estava a caminho da casa de Calvin em Hotshot, com um prato de peitos de frango cozidos com arroz em molho de nata azeda, e alguns biscoitos. Não liguei para avisar. Planejei entregar a comida e sair, mas quando alcancei a pequena comunidade, vi que havia vários carros estacionados, na estrada em frente da casa pequena e adornada de Calvin. “Maldição,” eu disse. Eu não queria estar mais envolvida com Hotshot do que já estava. A nova natureza de meu irmão e a corte de Calvin já tinham me levado muito longe. Com o coração oprimido, estacionei e passei meu braço pelo cabo da cesta cheia de biscoitos. Peguei o prato quente de frango e arroz com as mãos em luvas de cozinha, cerrei meus dentes com a dor em meu ombro, e marchei meu traseiro acima para a porta da frente de Calvin. Os Stackhouse sempre faziam a coisa certa. Crystal atendeu a porta. A surpresa e prazer em sua face me envergonharam. “Eu estou tão feliz que você está aqui,” ela disse, muito natural para ser improvisado. “Por favor, entre.” Ela retrocedeu, e agora eu podia ver que a sala de estar pequena estava cheia de pessoas, incluindo meu irmão. A maioria deles era lobis-pantera, com certeza. Os lobisomens de Shreveport tinham enviado um representante; para meu assombro, era Patrick Furnan, candidato para o trono e vendedor de Harley-Davidsons. Crystal me apresentou para a mulher que parecia estar atuando como anfitriã, Maryelizabeth Norris. Maryelizabeth se moveu como se não tivesse qualquer osso. Eu estava disposta a apostar que Maryelizabeth não deixava Hotshot frequentemente. A metamorfa me apresentou pela sala muito cuidadosamente, se assegurando que eu entendesse a relação que Calvin mantinha com cada indivíduo. Todos eles começaram logo a ficar indistintos. Mas eu podia ver que (com umas poucas exceções) os nativos de Hotshot tinham um de dois tipos: pequenos, com cabelos escuros, velozes como Crystal, e os mais bonitos e troncudos, com belos olhos verdes ou marrom dourado, como Calvin. Os sobrenomes eram principalmente Norris ou Hart. Patrick Furnan foi a última pessoa que Crystal alcançou. “Com certeza eu conheço você,” ele disse entusiasticamente, sorrindo com alegria para mim como se nós tivéssemos dançado em um casamento juntos. “Esta aqui é a namorada de Alcide,” ele disse, alterando a voz para ser ouvido por todos na sala. “Alcide é o filho do outro candidato para mestre do bando.” Houve um longo silêncio, o qual eu definitivamente caracterizaria como “carregado.” “Você está errado,” eu disse em um tom normal de conversa. “Alcide e eu somos amigos.” Sorri para ele de maneira que o fizesse saber que era melhor que não ficasse sozinho comigo em um beco, num futuro próximo. “Meu erro,” ele disse, macio como seda. Calvin estava recebendo umas boas vindas de herói ao lar. Havia balões, bandeiras, flores e plantas, e sua casa estava meticulosamente limpa. A cozinha estava cheia de comida. Então Maryelizabeth prosseguiu, virou suas costas para cortar Patrick Furnan completamente, e disse, “Venha por aqui, querida. Calvin está pronto para ver você.” Se ela tivesse uma trombeta próxima de si, teria soprado um floreio nela. Maryelizabeth não era uma mulher sutil, embora tivesse um enganoso ar de mistério, devido a seus olhos largamente espaçados e dourados. Eu suponho que podia ter ficado mais desconfortável, se houvesse uma cama de carvão em brasa para andar em cima.
Maryelizabeth me conduziu até o quarto de Calvin. A mobília dele era muito agradável, com linhas simples e limpas. Parecia escandinavo, embora eu soubesse pouco sobre mobília – ou estilo, a propósito. Ele tinha uma cama alta, queen size, e estava apoiado nela em lençóis com motivo africano de leopardos caçando. (Alguém tinha senso de humor, de qualquer modo.) Contra as cores profundas dos lençóis e o laranja da colcha, Calvin parecia pálido. Vestia um pijama marrom, e parecia exatamente com um homem que tinha saído a pouco tempo do hospital. Mas estava contente em me ver. Me peguei pensando que havia algo um pouco triste em Calvin Norris, algo que me tocava sem que eu pudesse impedir. “Venha sentar,” ele disse, indicando a cama. Chegou um pouco para o lado, assim eu teria espaço para me empoleirar. Acho que ele fez algum sinal, porque o homem e a mulher que estavam no quarto – Dixie e Dixon – silenciosamente saíram pela porta, a fechando atrás deles. Me sentei, um pouco de forma constrangedora, na cama ao lado dele. Ele tinha uma daquelas mesas que você vê mais frequentemente em hospitais, o tipo que pode ser rolada para cima da cama. Havia um copo de chá gelado e um prato nela, vapores se elevando da comida. Eu gesticulei que ele deveria começar. Ele curvou sua cabeça e disse uma oração silenciosa enquanto eu sentava em silêncio. Me perguntei para quem a oração era endereçada. “Me conte o que aconteceu,” Calvin disse enquanto desembrulhava seu guardanapo, e aquilo me deixou muito mais confortável. Ele comeu enquanto eu contava o que tinha acontecido no beco. Eu notei que a comida na bandeja era a caçarola de frango-e-arroz que eu tinha trazido, com um pouco de caçarola de vegetais variados e dois dos meus biscoitos. Ele me queria vendo que estava comendo a comida que eu preparara para ele. Fiquei tocada, o que soava uma campainha de advertência na minha cabeça. “Então, sem Dawson, não há como dizer o que teria acontecido,” concluí. “Eu agradeço a você por mandá-lo. Como ele está?” Calvin disse, “Aguentando. Eles o transportaram via aérea de Grainger para Baton Rouge. Ele estaria morto, se não fosse um Lobis. Ele durou até agora; acho que conseguirá.” Me senti terrível. “Não vá se culpando por isto,” Calvin disse, sua voz repentinamente parecendo mais profunda. “Esta é a escolha de Dawson.” “Hein?” Teria soado ignorante, então eu disse, “Como assim?” “Sua escolha de profissão. Sua escolha de ação. Talvez ele devesse ter saltado nela alguns segundos antes. Por que ele esperou? Eu não sei. Como ela saberia mirar baixo, com a luz fraca? Eu não sei. Escolhas conduzem a consequências.” Calvin estava lutando para expressar algo. Ele não era naturalmente um cara articulado, e estava tentando transmitir um pensamento tão importante quanto abstrato. “Não há culpa,” ele disse finalmente. “Seria agradável acreditar nisto, e espero que algum dia eu consiga,” eu disse. “Suspeito que os Lobis convidarão você para sua pequena festa de líder de bando,” Calvin disse. Ele pegou minha mão. A sua estava quente e seca. Concordei com a cabeça. “Aposto que você irá,” ele disse. “Acho que tenho que ir,” eu disse desconfortável, imaginando qual seria seu objetivo. “Eu não vou dizer a você o que fazer,” Calvin disse. “Não tenho autoridade sobre você.” Ele não pareceu tão feliz com isso. “Mas se você for, por favor, tome cuidado. Não por minha causa; isto não significa nada para você, ainda. Mas por você mesma.” “Isso eu posso prometer,” eu disse depois de uma pausa cuidadosa. Calvin não era um cara para quem você revelava a primeira ideia em sua cabeça. Era um homem sério.
Calvin me deu um de seus raros sorrisos. “Você é uma cozinheira extremamente boa,” ele disse. Eu sorri de volta. “Obrigada, senhor,” eu disse, e levantei. A mão dele apertou a minha e puxou. Eu não combati um homem que tinha recém saído do hospital, então me curvei em direção a ele e estendi minha bochecha para seus lábios. “Não,” ele disse, e quando me virei um pouco para descobrir o que tinha de errado, ele me beijou nos lábios. Francamente, eu não esperei sentir algo. Mas seus lábios eram tão quentes e secos quanto suas mãos, e ele cheirava como minha cozinha, familiar e caseira. Era surpreendente, e por incrível que pareça, confortável, estar tão perto de Calvin Norris. Recuei um pouco, e acho que meu rosto mostrou o leve choque que senti. O lobis-pantera sorriu e liberou minha mão. “A coisa boa em estar no hospital era você vindo me ver,” ele disse. “Não seja uma estranha agora que eu estou em casa.” “Claro que não,” eu disse, pronta para estar fora do quarto assim que pudesse recuperar minha compostura. A sala exterior tinha esvaziado da maioria da multidão enquanto falava com Calvin. Crystal e Jason tinham desaparecido, e Maryelizabeth estava recolhendo pratos com a ajuda de uma adolescente lobis-pantera. “Terry,” Maryelizabeth disse, com uma inclinação de lado de sua cabeça. “Minha filha. Nós vivemos na casa vizinha.” Acenei com a cabeça para a garota, que me deu um olhar dardejante antes de voltar para sua tarefa. Ela não era minha fã. Era do lado dos puros sangues bonitos, como Maryelizabeth e Calvin, e era uma pensadora. “Você casará com meu pai?” Ela me perguntou. “Não estou planejando casar com ninguém,” eu disse cautelosamente. “Quem é seu pai?” Maryelizabeth deu a Terry um olhar oblíquo que prometia a Terry que ela se arrependeria mais tarde. “Terry é de Calvin,” ela disse. Eu ainda fiquei estarrecida por um segundo ou dois, mas repentinamente, a postura tanto da mais jovem quanto da mulher mais velha, suas tarefas, seus ares de conforto nesta casa, fizeram sentido no lugar. Eu não disse nada. Meu rosto deve ter mostrado algo, e Maryelizabeth pareceu alarmada, e então ficou furiosa. “Não ouse julgar como vivemos nossas vidas,” ela disse. “Nós não somos como você.” “Isto é verdade,” eu disse, engolindo minha repulsa. Forcei um sorriso para meus lábios. “Obrigada por me apresentar a todos. Eu apreciei isto. Há algo em que possa ajudar você?” “Nós podemos cuidar de tudo,” disse Terry, me dando outro olhar que era uma estranha combinação de respeito e hostilidade. “Nós nunca deveríamos ter mandado você para a escola,” Maryelizabeth disse para a garota. Seus espaçados olhos dourados estavam tão amorosos quanto pesarosos. “Tchau,” eu disse, e depois de recuperar meu casaco, deixei a casa, tentando não acelerar. Para meu desalento, Patrick Furnan estava esperando por mim ao lado de meu carro. Ele segurava um capacete de motociclista sob seu braço, e localizei a Harley um pouco mais longe, abaixo na estrada. “Você está interessada em ouvir o que eu tenho a dizer?” O Lobis barbudo perguntou. “Não, na verdade não,” eu disse a ele. “Ele não estaria te ajudando por nada,” Furnan disse, e toda minha cabeça se virou para olhar para este homem. “Sobre o que você está falando?”
“Um obrigado e um beijo não irão segurá-lo. Ele irá exigir pagamento mais cedo ou mais tarde. Não será capaz de evitar isto.” “Não me lembro de ter pedido conselhos a você,” eu disse. Ele chegou mais perto. “E você mantenha distância.” Deixei meu olhar vagar para as casas em volta. O olhar vigilante da comunidade estava sobre nós; eu podia sentir seu peso. “Mais cedo ou mais tarde,” Furnan repetiu. Ele riu para mim repentinamente. “Espero que seja mais cedo. Você não pode botar chifres em um Lobis, você sabe. Ou em uma pantera. Você será rasgada em pedaços entre eles.” “Eu não estou botando chifres em ninguém,” eu disse, frustrada quase além do tolerável pela insistência dele em conhecer minha vida amorosa melhor do que eu mesma. “Não estou saindo com nenhum deles.” “Então você não tem proteção,” ele disse triunfalmente. Eu não podia vencer. “Vá para o inferno,” eu disse, completamente exasperada. Entrei em meu carro e fui para longe, deixando meus olhos passarem sobre o Lobis como se ele não estivesse lá. (Este conceito de “repudiar” podia vir a ser bem útil.) A última coisa que vi em meu espelho retrovisor foi Patrick Furnan colocando seu capacete, ainda observando meu carro em fuga. Se eu realmente não me importava quem ganharia a competição de Rei da Montanha entre Jackson Herveaux e Patrick Furnan, agora eu me importava.
 
EU ESTAVA LAVANDO os pratos que usei para cozinhar para Calvin. Meu pequeno duplex estava tranquilo. Se Halleigh estava em casa, estava sendo silenciosa como um rato. Eu não costumava prestar atenção à lavagem da louça, para dizer a verdade. Era um bom momento para deixar minha mente fluir continuamente, e frequentemente eu produzia boas decisões enquanto fazia algo completamente mundano. Não tão incrível quanto possa parecer, eu estava pensando na noite anterior. Tentava lembrar exatamente o que Sweetie tinha dito. Algo sobre isto tinha me parecido errado, mas no momento eu não estava exatamente em posição de levantar minha mão para fazer perguntas. Tinha algo a ver com Sam. Eu finalmente lembrei que, embora ela tivesse dito a Andy Bellefleur que o cachorro no beco era metamorfo, ela não sabia que ele era Sam. Não havia nada de estranho naquilo, considerando que Sam estava transformado em bloodhound, não em sua forma habitual de coolie. Depois que percebi o que estava me incomodando, achei que minha mente ficaria em paz. Isso não aconteceu. Havia algo mais – algo mais que Sweetie tinha dito. Eu pensei e pensei, mas simplesmente não me veio à cabeça o que poderia ser. Para minha surpresa, me peguei ligando para a casa de Andy Bellefleur. Sua irmã Portia ficou simplesmente tão surpresa quanto eu quando atendeu, e me disse um tanto friamente que chamaria Andy. “Sim, Sookie?” Andy pareceu neutro. “Deixe-me te fazer uma pergunta, Andy.” “Estou ouvindo.” “Quando Sam foi baleado,” eu disse, e pausei, tentando descobrir o que dizer. “Certo,” Andy disse. “O que tem?” “É verdade que a bala não combinou com as outras?” “Nós não recuperamos as balas de todos os casos.” Não era uma resposta direta, mas provavelmente tão boa quanto eu poderia conseguir. “Hmmm. Certo,” eu disse, então agradeci a ele e desliguei, incerta se tinha descoberto o que eu queria ou não. Então tirei isso da mente e fui cuidar de qualquer outra coisa. Se havia uma questão lá, ela eventualmente faria seu caminho para o topo da pilha de problemas que sobrecarregavam meus pensamentos. O resto da noite foi quieto, o que estava começando a ser um raro prazer. Com uma casa tão pequena para limpar, e um quintal tão pequeno para cuidar, haveria um monte de horas livres por vir. Eu li por uma hora, fiz palavras cruzadas, e fui para cama aproximadamente às onze. Surpreendentemente, ninguém me acordou por toda a noite. Ninguém morreu, não houve nenhum fogo, e ninguém teve que me avisar sobre emergência nenhuma. Na manhã seguinte me levantei me sentindo melhor do que tinha me sentido em uma semana. Um relance no relógio me disse que tinha dormido direto até dez horas. Bem, aquilo não era tão surpreendente. Meu ombro estava quase curado; minha consciência tinha sossegado. Eu não achava que tivesse muitos segredos para manter, e aquilo era um tremendo alívio. Estava acostumada a guardar os segredos das outras pessoas, mas não os meus. O telefone tocou enquanto eu engolia o final do meu café da manhã. Coloquei meu livro de face para baixo na mesa da cozinha para marcar a página e levantei para atendê-lo. “Alô,” eu disse animadamente. “É hoje,” Alcide disse, sua voz vibrando de excitação. “Você precisa vir.”
Trinta minutos, foi o que durou minha paz. Trinta minutos. “Suponho que você esteja falando da competição pela posição de mestre do bando.” “Claro.” “E eu preciso estar lá por quê?” “Você precisa estar lá porque o bando inteiro e todos os amigos do bando têm que estar lá,” Alcide disse, sua voz sem nenhuma discordância. “Christine especialmente pensou que você deveria ser testemunha.” Eu poderia ter argumentado se ele não tivesse adicionado a parte sobre Christine. A mulher do antigo mestre do bando me impressionara, como uma mulher muito inteligente e de cabeça fria. “Tudo bem,” eu disse, tentando não parecer zangada. “Onde e quando?” “À tarde, esteja no prédio vazio na Clairemont, 2005. Costumava ser David & Van Such, a companhia de impressão.” Eu peguei algumas orientações e desliguei. Enquanto tomava banho, considerei que este seria um evento esportivo, então vesti minha velha saia de brim com uma camiseta de manga longa vermelha. Vesti meia calça vermelha (a saia era muito curta) e sapatos Mary Jane pretos. Estavam um pouco gastos, e esperava que Christine não olhasse para baixo para meus sapatos. Enfiei minha cruz de prata dentro da blusa; a significância religiosa não incomodaria os Lobis de modo algum, mas a prata talvez pudesse. A extinta companhia de impressão David & Van Such funcionava em um prédio muito moderno, em um igualmente moderno parque industrial, amplamente abandonado neste sábado. Todos os prédios foram construídos para combinar: pedra cinza baixa e edifícios de vidro escuro, com arbustos de murta crepe ao redor todo, grama mediana, e um agradável meio fio. David & Van Such tinha uma ponte ornamental sobre um lago ornamental, e uma porta frontal vermelha. Na primavera, e depois de alguma manutenção restauradora, seria tão bonito quanto um moderno prédio de negócios poderia ser. Hoje, na enfraquecida fase do inverno, as ervas daninhas mortas que cresceram durante o verão anterior ondulavam em uma brisa fria. As esqueléticos murtas crepe  precisavam ser podadas novamente, e a água no lago parecia estagnada, com lixo flutuando tristemente aqui e ali. O estacionamento da David & Van Such continha aproximadamente trinta carros, incluindo – de maneira preocupante – uma ambulância. Embora eu vestisse uma jaqueta, o dia repentinamente pareceu mais frio enquanto eu ia do estacionamento para o outro lado da ponte até a porta da frente. Estava arrependida de ter deixado meu casaco mais pesado em casa, mas não pareceu valer a pena trazê-lo para uma breve corrida entre espaços fechados. O vidro da frente da David & Van Such, quebrado apenas pela porta vermelha, refletia o claro céu azul pálido e a grama morta. Não parecia certo bater em uma porta de negócios, então eu deslizei para dentro. Duas pessoas estavam à minha frente, tendo já cruzado a agora-vazia área de recepção. Eles atravessaram simples portas duplas cinza. Eu os segui, me perguntando no que estava me enfiando. Nós entramos no que fora a área de produção, eu supus; as imensas impressoras estavam mortas há muito tempo. Ou talvez esta sala fosse cheia de escrivaninhas guarnecidas por secretárias pegando pedidos ou fazendo trabalho contábil. Claraboias no telhado deixavam entrar alguma iluminação. Havia um grupo de pessoas perto do meio do salão. Bem, eu não tinha entendido a coisa das roupas direito. As mulheres estavam predominantemente vestindo mais trajes com calça, e vislumbrei um vestido aqui e lá. Dei de ombros. Quem poderia adivinhar? Havia umas poucas pessoas na multidão que eu não tinha visto no funeral. Acenei com a cabeça para uma Lobis de cabelos vermelhos chamada Amanda (Eu a conhecia da Guerra das Bruxas), e ela acenou de volta. Fiquei surpresa ao localizar Claudine e Claude. Os gêmeos pareciam sensacionais, como sempre. Claudine vestia um suéter verde profundo e uma calça preta, e Claude, suéter preto e calça também verde profundo. O efeito era impressionante. Considerando que as duas fadas eram os únicos não-Lobis óbvios no local, fui ficar com eles. Claudine se curvou e me beijou na bochecha, e o mesmo fez Claude. Seus beijos pareciam exatamente iguais. “O que irá acontecer?” Eu sussurrei a pergunta porque o grupo estava anormalmente quieto. Podia ver coisas penduradas no teto, mas na luz fraca, eu não podia imaginar o que seriam. “Serão vários testes,” Claudine murmurou. “Você não é muito de gritar, certo?” Eu nunca fui, mas me perguntei se romperia novos territórios hoje. Uma porta abriu do lado mais distante da sala, e Jackson Herveaux e Patrick Furnan entraram. Estavam nus. Tendo visto muito poucos homens nus, não tinha muita base para comparação, mas tenho que dizer que estes dois Lobis não eram meu ideal. Jackson, mesmo que certamente em forma, era um homem mais velho com pernas magras, e Patrick (embora ele, também, parecesse forte e musculoso) era como um barril, na forma. Depois de eu ter me ajustado à nudez dos homens, notei que cada um estava acompanhado por outro Lobis. Alcide seguia seu pai, e um jovem homem loiro, Patrick. Alcide e o Lobis loiro estavam completamente vestidos. “Seria agradável se eles estivessem nus, hein?” Claudine sussurrou, indicando com a cabeça os dois homens mais jovens. “Eles são os ajudantes.” Como em um duelo. Olhei para ver se carregavam pistolas ou espadas, mas suas mãos estavam vazias. Notei Christine somente quando ela apareceu na frente da multidão. Ela estendeu seus braços acima de sua cabeça e bateu suas mãos uma vez. Não havia muita tagarelice antes disto, mas agora o imenso espaço ficou totalmente silencioso. A delicada mulher com cabelo prata comandou toda a atenção. Ela consultou um livreto antes de começar. “Nós nos encontramos para discernir o próximo líder do bando de Shreveport, também chamado de bando Dentes Longos. Para ser líder do bando, estes Lobis devem competir em três testes.” Christine pausou para olhar o livro. Três era um bom número místico. Eu teria esperado três. Eu esperava que nenhum destes testes envolvesse sangue. Uma chance improvável. “O primeiro teste é o teste de agilidade.” Christine gesticulou para trás de si em uma área fechada cercada. Parecia um playground gigante na luz turva. “Então, o teste de resistência.” Ela apontou para uma área acarpetada à sua esquerda. “Então, o teste de força em batalha.” Ela ondulou uma mão para uma estrutura atrás dela. Lá se foi não ter sangue. “E então o ganhador deve acasalar com outra Lobis, para assegurar a sobrevivência do bando.” Eu com certeza esperava que a parte quatro fosse simbólica. Afinal, Patrick Furnan tinha uma esposa, que estava à parte, com um grupo que era definitivamente pró-Patrick. Parecia quatro testes para mim, não três, a menos que a parte de acasalamento fosse encarada como o troféu do ganhador. Claude e Claudine pegaram minhas mãos e deram a elas um simultâneo aperto. “Isto vai ser ruim,” sussurrei, e eles concordaram com a cabeça em uníssono. Vi dois paramédicos uniformizados na parte posterior da multidão. Eram ambos metamorfos de algum tipo, seus padrões cerebrais me disseram. Com eles estava uma pessoa – bem, talvez uma criatura – que eu não via há meses: Dra. Ludwig. Ela captou meu olhar e me fez uma reverência. Considerando que tinha cerca de um metro de altura, ela não tinha medida para se curvar. Fiz uma reverência de volta. A Dra. Ludwig tinha o nariz grande, pele oliva, e o cabelo marrom muito ondulado. Estava feliz que ela estivesse lá. Não tinha ideia do que a Dra. Ludwig na verdade era, exceto que não era humana, mas era uma boa doutora. Minhas costas teriam ficado com cicatrizes permanentes – assumindo que eu tivesse sobrevivido – se a Dra. Ludwig não tivesse me tratado depois do ataque de uma bacante. Eu tinha escapado depois de alguns dias enferma e um fino bordado branco atravessando minhas omoplatas, graças à diminuta doutora. Os competidores entraram no “ringue” – na verdade um grande quadrado limitado por cordas de veludo e postes com metal no topo que se usa em hotéis. Eu pensei que a área delimitada parecia um playground, mas agora, enquanto as luzes eram ligadas, percebi que estava vendo algo mais como uma pista de saltos para cavalos cruzada com uma arena de ginástica – ou um percurso para competições de agilidade canina para cachorros gigantes. Christine disse, “Vocês se transformarão.” Ela se afastou para se fundir de volta à multidão. Ambos os candidatos se abaixaram, e o ar à volta deles começou a tremeluzir e distorcer. Transformar-se rapidamente quando desejar era uma grande fonte de orgulho entre metamorfos. Os dois Lobis atingiram suas transformações quase ao mesmo instante. Jackson Herveaux tornouse um imenso lobo preto, como seu filho. Patrick Furnan era cinza pálido, largo no peito, um pouquinho mais baixo no comprimento. Enquanto a pequena multidão chegava mais perto, abraçando as cordas de veludo, um dos maiores homens que eu já vi emergiu das sombras mais escuras para entrar na arena. O reconheci como o homem que eu tinha visto pela última vez no funeral do Coronel Flood. Com pelo menos um metro e noventa e oito de altura, hoje ele estava desnudo da cintura para cima, e descalço. Ele era musculoso de um modo impressionante, e seu peito era tão nu quanto sua cabeça. Ele parecia um gênio; teria ficado totalmente natural com um cinturão e pantalonas. Ao invés disso, usava jeans azuis velhos. Seus olhos eram poços de piche. Com certeza, ele era algum tipo de metamorfo, mas eu não podia imaginar no que ele se transformava. “Opa,” respirou Claude. “Oh, Deus,” sussurrou Claudine. “Cruzes*,” eu murmurei. (*wowzers quer dizer estraga-prazeres, achei que não tinha muito sentido dentro do contexto, daí optei por “Cruzes”.) Ficando de pé entre os competidores, o homem alto os conduziu para o início do percurso. “Uma vez que os testes comecem, nenhum membro do bando pode interromper,” ele disse, olhando de um Lobis para o outro. “O primeiro competidor é Patrick, lobo deste bando,” o homem alto disse. Sua voz de baixo era tão dramática quanto o distante ribombar de tambores. Eu entendi, então; ele era o juiz. “Patrick vai primeiro, por cara e coroa,” o homem alto disse. Antes que eu pudesse pensar que era muito divertido que toda esta cerimônia incluísse um sorteio de moeda, o lobo pálido estava fora, se movendo tão rápido que eu quase não podia acompanhar o rastro dele. Ele voou acima de uma rampa, saltou três barris, bateu no chão do outro lado em uma arremetida, subiu outra rampa e atravessou um anel pendurado no teto (que balançou violentamente depois que ele passou), e caiu no chão, andando de quatro através de um túnel claro que era muito estreito e sinuoso em intervalos. Era como aqueles vendidos em lojas de animais para furões e roedores, só que maior. Uma vez fora do túnel, o lobo, de boca aberta em uma respiração ofegante, veio para a área plana coberta com Astroturf*. Aqui, ele parou e pensou antes de colocar um pé para fora. Cada passo foi daquele jeito, enquanto o lobo fazia seu caminho através dos dezoito metros, mais ou menos, de sua área particular. Repentinamente uma seção de Astroturf saltou para cima enquanto uma armadilha se fechava, quase prendendo a perna traseira do lobo. Ele latiu em consternação, congelado no lugar. Deve ter sido agoniante, tentar se conter para não se arremeter para a segurança da plataforma que estava agora somente a poucos centímetros de distância.
(*Astroturf = marca de um tipo de grama sintética, que acabou virando o nome do item, como Xerox)
Eu tremia, embora esta competição tivesse pouco a ver comigo. A tensão estava claramente crescendo entre os Lobis. Eles não pareciam estar mais se movendo como humanos. Até mesmo a excessivamente maquiada Sra. Furnan estava com os olhos totalmente redondos, olhos que não se pareciam como os de uma mulher que tivesse usado toda aquela maquiagem. Enquanto o lobo cinza fazia seu teste final, o salto de uma última parada que tinha que cobrir o comprimento de talvez dois carros, um uivo de triunfo irrompeu da garganta da companheira de Patrick. O lobo cinza ficou em pé em segurança, na plataforma. O juiz checou um cronômetro em sua mão. “Segundo candidato,” disse ele, “Jackson Herveaux, lobo deste bando.” Um cérebro próximo me supriu o nome do homem grande. “Quinn,” eu sussurrei para Claudine. Seus olhos se abriram amplamente. O nome era significativo para ela em um modo que eu não conseguia supor. Jackson Herveaux começou o mesmo teste de habilidades que Patrick já tinha completado. Ele foi mais gracioso, atravessando a argola suspensa; ela pouco se moveu enquanto ele saltava. Ele levou um pouco mais de tempo, eu pensei, atravessando o túnel. Ele pareceu perceber isto, também, porque andou dentro do campo de armadilhas mais apressadamente do que achei sábio. Ele parou completamente, talvez chegando à mesma conclusão. Então se curvou para usar seu nariz mais cuidadosamente. A informação que conseguiu assim o fez estremecer inteiro. Com cuidado e delicadeza, o lobisomem levantou uma pata dianteira preta e a moveu uma fração de centímetro. Nós estávamos segurando nosso fôlego enquanto ele seguia adiante em um estilo completamente diferente de seu predecessor. Patrick Furnan se movera em passos grandes, com longas pausas no meio para farejar cuidadosamente, num tipo de estilo vá-depressa-e-espere. Jackson Herveaux se moveu mais constantemente em pequenos avanços, seu nariz sempre ocupado, seus movimentos tramados com astúcia. Para meu alívio, o pai de Alcide teve sucesso ao ir para o outro lado ileso, sem cair em nenhuma das armadilhas. O lobo preto se preparou para o longo salto final e lançou-se ao ar com todo seu poder. Sua aterrissagem foi menos que graciosa, enquanto suas patas traseiras tiveram que arranhar para agarrar-se à beira do local de aterrissagem. Mas ele conseguiu, e alguns latidos de congratulação ecoaram através do espaço vazio. “Ambos os candidatos passaram no teste de agilidade,” Quinn disse. Seus olhos vagaram pela multidão. Quando passaram sobre nosso estranho trio – duas altas fadas gêmeas de cabelo preto e uma loira humana muito mais baixa – seu exame talvez tenha se demorado um momento, mas era difícil de dizer. Christine estava tentando conseguir minha atenção. Quando viu que eu estava olhando para ela, me deu um minúsculo e apressado aceno de sua cabeça para um ponto no redil do teste de resistência. Embaraçada, mas obediente, me movi gradualmente pela multidão. Eu não sabia que os gêmeos tinham me seguido até que voltaram a ficar a meu lado. Havia algo que Christine queria que eu visse, para... Claro. Ela queria que eu usasse meu talento aqui. Ela suspeitava de... trapaça. Enquanto Alcide e sua contraparte loira tomavam seus lugares no redil, notei que os dois usavam luvas. A atenção deles estava totalmente absorvida na competição; não deixando nada para eu pegar daquele foco. Então sobravam os dois lobos. Eu nunca tinha tentado olhar dentro da mente de uma pessoa metamorfoseada.
Com ansiedade considerável, me concentrei em me abrir para seus pensamentos. Como eu podia esperar, a combinação de padrões de pensamento humano e canino era totalmente desafiadora. Em uma primeira varredura eu só conseguia obter o mesmo tipo de foco, mas então detectei uma diferença. Enquanto Alcide levantava um bastão de prata de quarenta-e-cinco-centímetros de comprimento, meu estômago sentiu um frio e tremor. Observando o Lobis loiro próximo a ele repetir o gesto, senti meus lábios cerrarem em desgosto. As luvas não eram totalmente necessárias, porque em forma humana, uma pele de Lobis não seria danificada pela prata. Na forma de lobo, a prata era terrivelmente dolorosa. O ajudante loiro de Furnan correu suas mãos cobertas sobre a prata, como se testasse a barra, procurando por falhas escondidas. Eu não tinha ideia porque a prata enfraquecia vampiros e os queimava, e porque podia ser fatal para Lobis, enquanto não tinha efeito nenhum em fadas – que, no entanto, não podiam tolerar prolongada exposição ao ferro. Mas sabia que estas coisas eram verdade, e também que o teste iminente seria terrível de se observar. Todavia, eu estava lá para testemunhá-lo. Algo estava acontecendo que necessitava da minha atenção. Voltei minha mente para a pequena diferença que eu tinha lido nos pensamentos de Patrick. Em sua forma Lobis, eles eram tão primitivos que dificilmente se qualificavam como “pensamentos”. Quinn ficou entre os dois ajudantes, sua cabeça lisa brilhando com a luz. Ele tinha um cronômetro em suas mãos. “Os candidatos segurarão a prata agora,” ele disse, e com suas mãos enluvadas Alcide colocou a barra na boca de seu pai. O lobo preto agarrou fortemente e sentou, exatamente como o claro lobo cinza fez com sua barra de prata. Os dois ajudantes recuaram. Um alto lamento de dor veio de Jackson Herveaux, enquanto Patrick Furnan não mostrava sinais de estresse a não ser um ofegar pesado. Enquanto a delicada pele de suas gengivas e lábios começava a fazer fumaça e cheirar um pouco, o lamento de Jackson se tornou mais alto. A pele de Patrick mostrava os mesmos sintomas dolorosos, mas ele estava quieto. “Eles são tão corajosos,” sussurrou Claude, observando com fascinado horror para o tormento ao qual os dois lobos estavam resistindo. Estava se tornando aparente que o lobo mais velho não ganharia esta competição. Os sinais visíveis de dor estavam crescendo a cada segundo, e embora Alcide ficasse lá de pé focando somente em seu pai para acrescentar à seu suporte, a qualquer momento isto estaria acabado. Exceto... “Ele está trapaceando,” eu disse claramente, apontando para o lobo cinza. “Nenhum membro do bando pode falar.” A voz profunda de Quinn não era furiosa, e sim meramente prática. “Eu não sou um membro do bando.” “Você desafia a competição?” Quinn estava olhando para mim agora. Todos os membros do bando que estavam à minha volta recuaram, até eu ficar sozinha com as duas fadas, que me olhavam com alguma surpresa e horror. “Você pode apostar o seu traseiro que sim. Cheire as luvas que o ajudante de Patrick está vestindo.” O ajudante loiro parecia completamente pego de surpresa. E culpado. “Soltem as barras,” Quinn comandou, e os dois lobos obedeceram, Jackson Herveaux com uma lamúria. Alcide ajoelhou até seu pai, colocando os braços em volta do lobo mais velho. Quinn, se movendo tão suavemente como se suas articulações estivessem engraxadas, se ajoelhou para pegar as luvas que o ajudante de Patrick tinha jogado no chão. A mão de Libby Furnnan se lançou sobre a corda de veludo para pegá-las apressadamente, mas um rosnado furioso e profundo de Quinn disse a ela para parar. Isto fez minha própria espinha formigar, e eu estava muito mais distante do que Libby. Quinn levantou as luvas e as cheirou. Ele olhou para Patrick Furnan com um desprezo tão pesado que fiquei surpresa pelo lobo não ter se dobrado sob seu peso. Ele se virou para enfrentar o resto da multidão. “A mulher está certa.” A voz profunda de Quinn deu às palavras a gravidade de uma pedra. “Há droga nas luvas. Isto fez a pele de Furnan ficar insensível quando a prata foi colocada em sua boca, assim ele poderia permanecer mais tempo. Eu o declaro perdedor desta parte da competição. O bando terá que decidir se ele deve perder qualquer direito de continuar, e se seu ajudante deve ainda ser um membro do bando.” O loiro Lobis se encolhia como se esperasse que alguém batesse nele. Eu não sabia por que sua punição deveria ser pior do que a de Patrick; talvez quanto menor sua posição, pior sua punição? Não era exatamente justo; mas eu não era uma Lobis. “O bando votará,” Christine chamou. Ela encontrou meus olhos e eu soube que foi para isto que ela me queria aqui. “O resto de vocês pode ir para a sala exterior?” Quinn, Claude, Claudine, e três metamorfos se foram comigo para as portas que conduziam para a outra sala. Havia mais luz natural lá, o que era um prazer. Desprazer era a curiosidade que se fundia a meu redor. Meus escudos ainda estavam baixos, e eu senti a suspeita e conjectura fluindo dos cérebros de minhas companhias, exceto, claro, das duas fadas. Para Claude e Claudine, minha peculiaridade era um raro presente, e eu era uma mulher de sorte. “Venha aqui,” Quinn rugiu, e pensei em dizer a ele para pegar suas ordens e enfiá-las onde o sol não brilha. Mas aquilo seria infantil, e eu nada tinha a temer. (Pelo menos foi o que eu disse a mim mesma umas sete vezes em rápida sucessão.) Endureci minha espinha, fui até ele e olhei em seu rosto. “Você não tem que projetar sua mandíbula desse jeito,” ele disse calmamente. “Eu não vou bater em você.” “Nunca pensei que você iria,” eu disse com uma secura em minha voz da qual eu estava orgulhosa. Descobri que seus olhos redondos eram um rico marrom-violeta de amores-perfeitos, muito escuro. Uau, eles eram bonitos! Sorri de absoluto prazer... e com um montão de alívio. Inesperadamente, ele sorriu de volta. Tinha lábios cheios, dentes brancos muito uniformes, e um pescoço que era coluna vigorosa. “Quão frequentemente você tem que se barbear?” Perguntei, fascinada com sua suavidade. Ele gargalhou. “Você tem medo de algo?” Perguntou. “Tantas coisas,” eu disse, arrependidamente. Ele considerou aquilo por um momento. “Você tem um olfato extra-sensível?” “Não.” “Você conhece aquele loiro?” “Nunca o vi antes.” “Então como você sabia?” “Sookie é telepata,” Claude disse. Quando ele sentiu o peso total do olhar do homem grande, pareceu que ele estava arrependido por ter interrompido. “Minha irmã é sua, hãn, guardiã,” Claude concluiu com pressa. “Então você está fazendo um trabalho terrível,” Quinn disse a Claudine. “Não critique a Claudine,” eu disse, indignada. “Claudine tem salvado bastante a minha vida.”
Quinn pareceu exasperado. “Fadas,” ele murmurou. “Os Lobis não ficarão felizes com sua informação,” ele me disse. “Pelo menos metade deles estará desejando que você estivesse morta. Se sua segurança é a principal prioridade de Claudine, ela deveria ter mantido sua boca fechada.” Claudine parecia arrasada. “Ei,” eu disse, “pare com isso. Eu sei que você tem amigos lá com quem está preocupado, mas não descarregue isto em Claudine. Ou em mim,” acrescentei apressadamente, enquanto seus olhos se fixavam em mim. “Eu não tenho amigos lá. E me barbeio todas as manhãs,” ele disse. “Certo, então.” Concordei com a cabeça, desconcertada. “Ou quando saio à noite.” “Entendi.” “Ou para fazer algo especial.” O que Quinn consideraria especial? As portas se abriram, interrompendo uma das mais estranhas conversas que eu já tinha tido. “Vocês podem voltar para dentro,” disse uma jovem Lobis em sapatos sensualíssimos de sete centímetros de altura. Ela vestia uma roupa apertada cor de vinho, e quando a seguimos de volta para a grande sala, ela deu a seu andar um gingado extra. Me perguntei a quem ela estava tentando extasiar, Quinn ou Claude. Ou talvez Claudine? “Este é nosso julgamento,” disse Christine para Quinn. “Nós retomaremos a competição de onde terminou. De acordo com o voto, considerando que Patrick trapaceou no segundo teste, ele é declarado perdedor daquele teste. Do teste de agilidade, também. Todavia, ele tem permissão para continuar na corrida. Mas, para ganhar, tem que ganhar o último teste decisivamente.” Eu não estava certa do que “decisivamente” queria dizer neste contexto. Pela expressão de Christine, eu me convenci de que isto não era um bom prenúncio. Pela primeira vez, percebi que a justiça poderia não prevalecer. Alcide parecia muito amargo, quando achei seu rosto na multidão. Este julgamento parecia claramente tendencioso em favor do oponente de seu pai. Eu não percebi que haviam mais Lobis no grupo de Furnan do que no grupo de Herveaux, e me perguntei quando aquela mudança tinha ocorrido. A contagem pareceu mais equilibrada no funeral. Considerando que eu já tinha interferido, me senti livre para interferir mais. Comecei a vagar entre os membros do bando, ouvindo seus cérebros. Embora os tortuosos e difíceis cérebros de todos Lobis e metamorfos fossem duros de decifrar, comecei a juntar uma pista aqui e lá. Os Furnan, eu descobri, tinham seguido seu plano de gotejar estórias sobre os hábitos de jogo de Jackson Herveaux, falando com empolgação de como aquilo fazia Jackson não ser confiável como líder. Eu sabia por Alcide que as histórias sobre as apostas de seu pai eram verdadeiras. Embora não admirasse os Furnan por se utilizar dessa informação, não considerava que isso era jogar sujo, tampouco. Os dois competidores ainda estavam em sua forma de lobo. Se eu tinha entendido corretamente, eles estavam programados para lutar de qualquer forma. Eu estava perto de Amanda. “O que foi mudado no último teste?” Perguntei. A ruiva sussurrou que agora a luta era não mais uma competição normal, com o competidor que sobrasse de pé depois de cinco minutos declarado o vencedor. Agora, para ganhar a luta “decisivamente”, o perdedor tinha que estar morto ou incapacitado. Isto era mais do que eu podia aguentar, mas sabia sem perguntar que eu não poderia partir. O grupo reunido em volta de um domo de arame que me lembrava irresistivelmente Mad Max, Além da Cúpula do Trovão. Lembra-se – “Dois homens entram, um homem sai.*” Eu suponho que isto era o equivalente dos lobos. Quinn abriu a porta, e os dois grandes lobos entraram, lançando seus olhares de um lado para o outro enquanto contavam seus partidários. Ou, pelo menos, aquilo foi o que eu supus que eles faziam. * terceiro filme da franquia Mad Max, que conta a história de um policial que perde de forma trágica seu parceiro e percebe que tem que se preparar para proteger não somente a sua família, mas também a si mesmo. Foi o filme que transformou Mel Gibson em astro conhecido no mundo todo é o maior sucesso de bilheteria do cinema australiano. A frase „Dois homens entram, um homem sai‟ foi usada como slogan do filme. Quinn virou e acenou para mim. Oh-ou. Franzi o cenho. Os olhos escuros, marrom-violeta, estavam atentos. O homem estava sério. Me aproximei dele relutantemente. “Vá ler as mentes deles novamente,” ele me disse, então pôs uma imensa mão em meu ombro, me virando para encará-lo, o que me trouxe cara-a-cara – bem, por assim dizer – com seus mamilos marrom-escuros. Desconcertada, olhei para cima. “Ouça, loira, tudo que você tem que fazer é ir lá dentro e fazer sua coisa,” ele disse de modo tranquilizador. Ele não podia ter tido esta ideia enquanto os lobos estavam do lado de fora da gaiola? E se ele fechasse a porta na minha cara? Eu olhei sobre meu ombro para Claudine, que estava freneticamente sacudindo sua cabeça. “Por que eu preciso fazer? A qual propósito isto servirá?” Perguntei, não sendo uma idiota completa. “Ele vai trapacear novamente?” Quinn perguntou tão suavemente que eu sabia que ninguém mais podia ouvi-lo. “Furnan tem recursos para trapacear que eu não posso ver?” “Você garante minha segurança?” Ele encontrou meus olhos. “Sim,” ele disse sem hesitação. Ele abriu a porta para a jaula. Embora tivesse que se inclinar, ele entrou atrás de mim. Os dois lobos se aproximaram de mim cautelosamente. O cheiro deles era forte; como cachorros, mas mais almiscarados e mais selvagens. Nervosamente, eu coloquei minha mão na cabeça de Patrick Furnan. Eu olhei em sua cabeça tão firme quanto podia, e eu não pude discernir nada senão raiva por mim por custar a ele sua vitória na competição de resistência. Havia uma ardente brasa sobre a batalha próxima, que ele planejava ganhar por completa brutalidade. Eu suspirei, sacudi minha cabeça, e afastei minha mão. Para ser justa, eu a coloquei nos ombros de Jackson, que era tão alto que fiquei surpresa. O lobo estava literalmente vibrando, um fraco estremecimento que fez seu pêlo agitar sob meu toque. Toda sua resolução estava dirigida a rasgar seu rival, membro por membro. Mas Jackson tinha receio do lobo mais jovem. “Tudo bem,” eu disse, e Quinn deu as costas para abrir a porta. Ele se encolheu para passar por ela, e eu estava quase seguindo-o quando a garota encaixada-na-roupa-justa-cor-de-vinho gritou. Movendo-se mais rápido do que pensei que um homem tão grande poderia se mover, Quinn se virou, agarrou meu braço com uma mão, e puxou com tudo que ele podia. Com sua outra mão ele bateu fechando a porta, e ouvi algo colidir contra ela. Os barulhos atrás de mim me disseram que a batalha já tinha começado, mas eu estava presa contra uma imensa extensão de suave pele bronzeada. Com meu ouvido no peito de Quinn, eu podia ouvir o rumor dentro tão bem quanto fora, enquanto ele perguntava, “Ele pegou você?” Eu estava com a minha própria agitação e tremor acontecendo. Minha perna estava úmida, e vi que minha meia-calça estava rasgada, e o sangue escorria de um ferimento no lado da minha panturrilha direita. Minha perna tinha raspado a porta quando Quinn a tinha fechado tão rapidamente, ou fui mordida? Oh, meu Deus, se eu tivesse sido mordida...
Todos os outros estavam pressionados contra a jaula de arame, observando os lobos resmungando, rodando. Dei uma espiada para ver o ataque de Jackson na pata traseira de Patrick quebrar quando Patrick se curvou para trás para morder o focinho de Jackson. Peguei um relance do rosto de Alcide, atento e angustiado. Eu não queria ver isto. Preferiria olhar na pele deste estranho a observar os dois homens se matando. “Estou sangrando,” eu disse a Quinn. “Não é tão ruim.” Um alto latido vindo da jaula sugeriu que um dos lobos tinha conseguido um golpe. Eu me encolhi. O homem grande meio que me transportou para a parede. Aquela era uma boa distância da luta. Ele me ajudou a virar e descer para uma posição sentada. Quinn se abaixou, também. Ele era tão gracioso para alguém tão grande que fiquei absorvida em só observá-lo se mover. Ele se ajoelhou perto de mim para tirar meus sapatos, e então minhas meias, que estavam rasgadas em tiras e respingadas de sangue. Eu estava quieta e agitada enquanto ele mergulhava para baixo para deitar de bruços. Ele segurou meu joelho e meu calcanhar em suas enormes mãos como se minha perna fosse um grande bastão de bateria. Sem dizer uma palavra, Quinn começou a lamber o sangue da minha panturrilha. Eu estava receosa de que isto fosse preparatório para receber uma mordida, mas a Dra. Ludwig trotou para cima, olhou para baixo, e concordou com a cabeça. “Você ficará bem,” ela disse sem interesse. Depois de me dar um tapinha na cabeça como se eu fosse um cachorro ferido, a minúscula doutora trotou de volta até seus assistentes. Entretanto, apesar de eu não achar que fosse possível que eu estivesse exceto prestes a ter um ataque de nervos devido ao suspense, a coisa da lambida-na-perna estava fornecendo uma distração inteiramente inesperada. Me desloquei agitadamente, sufocando uma arfada. Talvez devesse remover minha perna da posse de Quinn? Observando a resplandecente cabeça careca levantar e abaixar enquanto ele lambia estava me fazendo pensar em algo muito distante da batalha de vida-e-morte que tinha lugar do outro lado da sala. Quinn estava trabalhando mais e mais lentamente, sua língua quente e um pouco áspera enquanto limpava minha perna. Embora seu cérebro fosse o mais opaco cérebro metamorfo que eu já tinha encontrado, captei a ideia de que ele estava tendo a mesma reação que a minha. Quando terminou, ele deitou a cabeça em minha coxa. Estava respirando pesadamente, e eu tentava não o fazer. Suas mãos libertaram sua contenção, mas acariciaram minha perna deliberadamente. Ele olhou para cima, para mim. Seus olhos tinham mudado. Eles estavam dourados, ouro sólido. A cor enchia seus olhos. Uau. Eu suponho que ele podia dizer pela minha expressão que eu estava, sendo sutil, conflitante sobre nosso pequeno interlúdio. “Não é nosso momento ou lugar, meu bem,” ele disse. “Deus, isto foi... incrível.” Ele se esticou, e não era uma extensão superficial de braços e peito, do modo que humanos se esticam. Ele ondulou da base de sua espinha até os ombros. Era uma das coisas mais estranhas que eu já tinha visto, e eu já tinha visto um monte de coisas estranhas. “Você sabe quem eu sou?” ele perguntou. Eu concordei com a cabeça. “Quinn?” Eu disse, sentindo minhas bochechas colorirem. “Eu ouvi dizer que seu nome é Sookie,” ele disse, ficando de joelhos. “Sookie Stackhouse,” eu disse. Ele colocou sua mão sob meu queixo, assim eu tinha que olhar para ele. Encarei dentro de seus olhos tão firme quanto podia. Ele não piscou. “Me pergunto o que você está vendo,” ele disse finalmente, e removeu sua mão.
Dei uma olhada para baixo, para minha perna. A marca nela, agora limpa de sangue, era quase que certamente um arranhão do metal da porta. “Não uma mordida,” eu disse, minha voz vacilando na última palavra. A tensão me abandonou em um susto. “Não. Nenhuma loba em seu futuro,” ele concordou, e ficou de pé, me estendendo sua mão. Eu a peguei, e ele me ergueu em um segundo. Um perfurante uivo da jaula me puxou com força de volta para o aqui e agora. “Me diga algo. Por que diabos ele não podem simplesmente votar?” Perguntei a ele. Os olhos redondos de Quinn, de volta à sua cor marrom-violeta e devidamente cercados com branco, enrugaram-se nos cantos com divertimento. “Não é o modo dos metamorfos, meu bem. Você me verá mais tarde,” Quinn prometeu. Sem outra palavra ele andou de volta para a jaula, e minha pequena viagem de campo estava terminada. Tive que voltar minha atenção para a coisa verdadeiramente importante acontecendo neste prédio. Claudine e Claude estavam olhando ansiosamente sobre seus ombros quando os encontrei. Eles abriram um pequeno espaço para eu relaxar entre eles, e enroscaram seus braços à minha volta quando eu estava no lugar. Pareciam muito preocupados, e Claudine tinha duas lágrimas descendo por suas bochechas. O lobo mais claro estava ganhando. A pele do lobo preto estava opaca com o sangue. Ele ainda estava em pé, ainda resmungando, mas uma de suas patas traseiras estava cedendo sob seu peso de tempos em tempos. Ele se arrumou para se erguer duas vezes, mas pela terceira vez a perna desmoronou, e o lobo mais jovem avançou nele, os dois girando repetidamente em um aterrorizante borrão de dentes, carne rasgada, e pêlo. Esquecendo as regras de silêncio, todos os Lobis estavam gritando seu apoio para um competidor ou o outro, ou só uivando. A violência e o barulho fundiram-se juntos em uma colagem caótica. Eu finalmente localizei Alcide golpeando suas mãos contra o metal em fútil agitação. Eu nunca tinha sentido tanta pena de alguém em toda minha vida. Me perguntei se ele tinha tentado entrar à força na jaula de combate. Mas outro olhar me disse que mesmo que o respeito de Alcide pelas leis do bando desmoronassem e ele tentasse ir para o auxílio de seu pai, Quinn estava bloqueando a porta. Era por isso que o bando tinha trazido uma pessoa de fora, com certeza. Abruptamente, a luta estava acabada. O lobo mais claro tinha o mais escuro pela garganta. Ele estava segurando, mas não mordendo. Talvez Jackson teria continuado a lutar se ele não tivesse sido tão severamente ferido, mas sua força estava exaurida. Ele deitou ganindo, totalmente incapaz de se defender, incapacitado. A sala caiu completamente silenciosa “Patrick Furnan é declarado o vencedor,” disse Quinn, sua voz neutra. E então Patrick Furnan mordeu a garganta de Jackson Herveaux e o matou.
 
QUINN TOMOU O comando da limpeza com a óbvia autoridade de alguém que tinha supervisionado tais coisas antes. Embora eu estivesse entopercida e estúpida por causa do choque, eu notei que ele deu claras e concisas instruções em relação à dispersão dos materiais de teste. Membros do bando desmontaram a jaula em seções e a arena com agilidade e eficiente presteza. Uma equipe de limpeza tomou conta de eliminar o sangue e outros fluidos. Em pouco tempo o prédio estava vazio de tudo, com exceção das pessoas. Patrick Furnan tinha revertido para sua forma humana, e a Dra. Ludwig estava cuidando de seus vários ferimentos. Eu estava contente de que ele tivesse cada um deles. Só sentia muito que eles não fossem piores. Mas o bando aceitara a escolha de Furnan. Se eles não iam protestar sobre tal brutalidade desnecessária, eu não podia. Alcide estava sendo confortado por Maria-Star Cooper, uma jovem Lobis que eu conhecia superficialmente. Maria-Star o abraçava e acariciava suas costas, oferecendo suporte com sua completa proximidade. Ele não tinha que me dizer que, nesta ocasião, preferia a companhia de outros Lobis à minha. Eu fui abraçá-lo, mas quando me aproximei e encontrei seus olhos, eu soube. Aquilo doeu, e doeu muito; mas hoje não era sobre eu e meus sentimentos. Claudine estava chorando nos braços de seu irmão. “Ela é tão compassiva,” eu sussurrei para Claude, me sentindo um pouco embaraçada por não estar chorando. Minha preocupação era o Alcide; eu quase não conhecera Jackson Herveaux. “Ela atravessou a segunda guerra dos elfos em Iowa lutando com os melhores deles,” Claude disse, sacudindo sua cabeça. “Eu vi um duende decapitado botar sua língua para fora para ela em seus espasmos de morte, e ela rir. Mas à medida em que fica mais perto da luz, ela se torna mais sensível.” Aquilo me calou efetivamente. Eu não estava prestes a pedir qualquer explicação de mais outra regra arcana sobrenatural. Eu tive mais que o suficiente hoje. Agora que toda a bagunça estava retirada do caminho (aquela bagunça incluia o corpo de Jackson, que a Dra. Ludwig levou para algum lugar para ser alterado, para tornar a história de sua morte mais plausível), todos os membros do bando presentes se reuniram em frente a Patrick Furnan, que não tinha ainda se vestido. De acordo com seu corpo, a vitória o tinha feito se sentir másculo. Eca. Ele estava de pé em um cobertor; era um cobertor para estádio* axadrezado vermelho, do tipo que você pegaria para levar a um jogo de futebol americano. Eu senti meus lábios crisparemse, mas fiquei completamente sóbria quando a esposa do novo mestre do bando conduziu uma jovem mulher para ele, uma garota de cabelo marrom que parecia estar no final de sua adolescência. A garota estava tão pelada quanto o mestre do bando, embora parecesse consideravelmente melhor naquele estado.
(* http://www.wolfsportswear.com/stadium_blanket_1.jpg)
 Que diabos? Repentinamente me lembrei da última parte da cerimônia, e entendi que Patrick Furnan iria foder esta garota na nossa frente. Não. De maneira nenhuma eu iria assistir isto. Tentei virar para ir embora. Mas Claude vaiou, “Você não pode partir.” Ele cobriu minha boca e me ergueu para me mover para a parte de trás da multidão. Claudine se moveu conosco e ficou de pé na minha frente, mas com suas costas voltadas para mim, assim eu não teria que ver. Fiz um som furioso dentro da mão de Claude. “Cale a boca,” a fada disse assustadoramente, sua voz tão concentrada com sinceridade quanto ele podia manejar. “Você nos encrencará. Se fizer você se sentir um pouco melhor, isto é tradicional. A garota se voluntariou. Depois disto, Patrick será um marido fiel mais uma vez. Mas ele já gerou seu filhote com sua esposa, e tem que fazer o gesto cerimonial de gerar outro. Talvez consiga, talvez não, mas tem ser feito.” Eu mantive meus olhos fechados e estava agradecida quando Claudine se virou para mim e colocou suas mãos úmidas de lágrimas sobre meus ouvidos. Um grito subiu da multidão quando a coisa estava completada. As duas fadas relaxaram e me deram algum espaço. Eu não vi o que aconteceu com a garota. Furnan permaneceu pelado, mas enquanto ele estivesse em estado calmo, eu podia lidar com aquilo. Para selar seu status, o novo mestre do bando começou a receber as promessas de seus lobos. Eles foram em turnos, dos mais velhos para os mais jovens, eu calculei, depois de um momento de observação. Cada Lobis lambeu as costas da mão de Patrick Furnan e expôs o pescoço dele ou dela para um ritual de momento. Quando foi a vez de Alcide, eu repentinamente percebi que havia potencial para mais desastre. Descobri que estava segurando meu fôlego. Pelo profundo silêncio, eu soube que eu não era a única. Depois de uma longa hesitação, Furnan se inclinou sobre Alcide e colocou seus dentes no pescoço dele; eu abri minha boca para protestar, mas Claudine espalmou sua mão sobre ela. Os dentes de Furnan se separaram da carne de Alcide, a deixando incólume. O mestre do bando Furnan tinha enviado um sinal claro. Quando o último Lobis tinha executado o ritual, eu estava exaurida de tanta emoção. Certamente este era o fim? Sim, o bando estava se dispersando, alguns membros dando aos Furnan abraços de congratulação, e alguns caminhando para fora silenciosamente. Eu mesma os evitei e fiz uma linha reta para a porta. A próxima vez em que alguém me dissesse que eu tinha que assistir a um rito sobrenatural, eu iria dizer que eu tinha que lavar meu cabelo. Uma vez fora, no espaço aberto, eu andei lentamente, meus pés se arrastando. Eu tinha que pensar em coisas que eu tinha colocado de lado, como o que eu vi na cabeça de Alcide depois que toda a derrocada estava terminada. Alcide pensou que eu tinha falhado com ele. Ele me disse que eu tinha que vir, e vim; eu deveria ter sabido que ele tinha algum propósito ao insistir que eu estivesse presente. Agora eu sabia que ele suspeitava que Furnan guardava algum truque secreto em mente. Alcide preparou Christine, aliada de seu pai, à frente do tempo. Ela garantiu que eu usasse minha telepatia em Patrick Furnan. E, como previsto, eu descobri que o oponente de Jackson estava trapaceando. Aquela revelação deveria ter assegurado a vitória de Jackson. Ao invés disso, o desejo do bando tinha ficado contra Jackson, e a competição continuou com as apostas até mais altas. Eu não tinha nada a ver com aquela decisão. Mas agora, Alcide, em seu pesar e raiva, estava me culpando. Eu estava tentando ficar furiosa, mas estava tão triste. Claude e Claudine disseram adeus, e saltaram para dentro do Cadillac de Claudine, saindo rapidamente do estacionamento como se não pudessem esperar para voltar para Monroe. Eu era da mesma opinião, mas muito menos resiliente do que as fadas. Tive que sentar atrás do volante do Malibu emprestado por cinco ou dez minutos, me estabilizando até poder dirigir para casa.
Me peguei pensando em Quinn. Era um alívio bem vindo em vez de pensar em carne rasgada, sangue e morte. Quando olhei em sua cabeça, vi um homem que conhecia seu caminho. E eu ainda não tinha nenhuma pista em relação ao que ele era. A viagem para casa foi amarga. Eu bem que podia ter telefonado para o Merlotte naquela noite. Oh, claro, eu passei por todos os movimentos de pegar pedidos e carregá-los para as mesas certas, re-enchendo jarras de cerveja, atirando minhas gorjetas no pote de gorjeta, secando líquidos derramados e garantindo que o cozinheiro temporário (um vampiro chamado Anthony Bolivar; ele tinha trabalhado como substituto para nós antes) lembrasse que o ajudante de garçom estava na zona proibida. Mas eu não tinha tido nenhum brilho, nem alegria, em meu trabalho. Notei que Sam parecia estar circulando melhor. Ele estava obviamente nervoso, sentado em seu canto, observando Charles trabalhar. Possivelmente Sam estava também um pouco ofendido, considerando que Charles só parecia ficar cada vez mais e mais popular com a clientela. O vampiro era charmoso, com certeza. Ele usava um tapa-olho vermelho enfeitado com lantejoulas esta noite, e sua usual camisa de poeta sob um colete preto enfeitado com lantejoulas – berrante ao extremo, mas distrativo, também. “Você parece deprimida, bonita senhora,” ele disse, quando eu vim pegar um Tom Collins e um rum com Coca. “Só estou tendo um longo dia,” eu disse, fazendo um esforço para sorrir. Eu tinha tantas outras coisas para digerir emocionalmente que nem me importei quando Bill trouxe Selah Pumphrey novamente. Nem mesmo quando eles sentaram em meu setor, não me importei. Mas quando Bill pegou minha mão enquanto eu me afastava para pegar o pedido deles, eu a arranquei dele como se ele tivesse tentado me colocar fogo. “Eu só quero saber o que está errado,” ele disse, e por um segundo me lembrei de como tinha me sentido bem aquela noite no hospital, quando ele se deitou comigo. Minha boca de fato começou a se abrir, mas então vi de relance o rosto indignado de Selah, e fechei meu emocional como água no medidor. “Volto logo com o seu sangue,” eu disse animadamente, sorrindo amplamente o bastante para mostrar cada dente em minha boca. Pro inferno com ele, eu pensei com superioridade. Ele e o cavalo em que ele viaja.* * no original, „Him and the horse he rode in‟, que é uma frase que quer dizer algo do tipo „que se exploda ele e tudo ligado a ele‟. Depois daquilo fiquei estritamente formal. Eu sorri e trabalhei, e trabalhei e sorri. Fiquei longe de Sam, porque não queria ter uma longa conversa com outro metamorfo aquela noite. Eu estava receosa – considerando que não tinha qualquer razão para estar com raiva de Sam – de que se ele me perguntasse o que estava errado, eu acabaria dizendo a ele; e eu simplesmente não queria falar sobre isto. Você alguma vez simplesmente sentiu como se andar por aí fosse difícil e miserável por um momento? Aquele era o tipo de humor em que eu me encontrava. Mas eu tive que ir até Sam, depois de tudo, quando Bagre perguntou se ele podia pagar com um cheque por estas festividades noturnas. Aquela era a regra de Sam: ele tinha que aprovar cheques. E eu tinha que ficar perto de Sam, porque o bar estava muito barulhento. Eu não pensei nada sobre isto, além de não querer ir com aquele humor até ele, mas quando me inclinei para ele para explicar o problema de fluxo de caixa de Bagre, os olhos de Sam se ampliaram. “Meu Deus, Sookie,” ele disse, “Com quem você esteve?” Eu recuei, sem palavras. Ele estava tão chocado quanto consternado por um cheiro que eu não tinha nem mesmo sabido que carregava. Eu estava cansada de sobrenaturais forçando isto tudo em mim.
“Onde você se encontrou com um tigre?” ele perguntou. “Um tigre,” eu repeti entorpecidamente. Então, agora eu sabia no que meu novo conhecido Quinn se transformava quando a lua estava cheia. “Me diga,” ele exigiu. “Não,” estalei, “Eu não vou dizer. E sobre Bagre?” “Ele pode preencher um cheque desta vez. Se houver problema, ele nunca mais passará outro aqui.” Eu não retransmiti esta última sentença. Peguei o cheque de Bagre e seu agradecimento abastecido a álcool, e depositei ambos onde pertenciam. Para piorar meu humor, enganchei minha corrente de prata em um canto do bar quando me inclinei para pegar um guardanapo que algum relaxado tinha jogado no chão. A corrente quebrou, e eu a peguei e a deixei cair em meu bolso. Maldição. Este tinha sido um dia podre, seguido por uma noite podre. Fiz questão de acenar para Selah enquanto ela e Bill saiam. Ele tinha me deixado uma boa gorjeta, e enchi meu outro bolso com ela com tanta força que o tecido quase rasgou. Um par de vezes durante a noite, eu ouvi o telefone do bar tocar, e quando estava tirando alguns copos sujos para janela da cozinha, Charles disse, “Alguém continua ligando e desligando. Muito irritante.” “Eles ficarão cansados e desistirão,” eu disse em tom confortador. Aproximadamente uma hora mais tarde, enquanto eu colocava uma Coca na frente de Sam, o ajudante de garçom veio me dizer que havia alguém na entrada de empregados, perguntando por mim. “O que você estava fazendo do lado de fora?” Sam perguntou com severidade. O rapaz parecia embaraçado. “Eu fumo, Sr. Merlotte,” ele disse. “Eu estava ali fora fazendo um intervalo, porque o vampiro disse que ele me drenaria se eu acendesse aqui dentro, quando este homem surgiu do nada.” “Como ele se parece?” Eu perguntei. “Oh, ele é velho, e tem cabelo preto,” o rapaz disse, dando de ombros. Definitivamente não tinha o dom da descrição. “Certo,” eu disse. Fiquei feliz de tirar um intervalo. Suspeitei quem o visitante poderia ser, e se ele tivesse vindo para dentro do bar, teria causado tumulto. Sam achou uma desculpa para me seguir para fora dizendo que precisava de uma parada no banheiro, pegou sua bengala e a usou para mancar pelo corredor depois de mim. Ele tinha seu próprio minúsculo banheiro junto a seu escritório, e  coxeou para dentro dele enquanto eu continuei para além dos banheiros masculino e feminino até a porta de trás. A abri cautelosamente e espreitei do lado de fora. Então eu comecei a sorrir. O homem esperando por mim tinha um dos mais famosos rostos no mundo – exceto, aparentemente, para ajudantes de garçom adolescentes. “Bubba,” eu disse, satisfeita em ver o vampiro. Você não pode chamá-lo por seu antigo nome, ou ele fica realmente confuso e agitado. Bubba era anteriormente conhecido como... Bem, me deixe simplesmente colocar desta maneira. Você se pergunta sobre todas aquelas visões depois de sua morte? Esta era a explicação. A conversão não tinha sido um completo sucesso porque seu sistema estava muito intoxicado com drogas; mas à parte de sua predileção por sangue de gato, Bubba se virava muito bem. A comunidade vampírica tomava conta dele. Eric mantinha Bubba na equipe como um menino de recados. O brilhante cabelo preto de Bubba estava sempre penteado e estilizado, suas longas costeletas nitidamente aparadas. Esta noite ele estava vestindo uma jaqueta preta de couro, novos jeans azuis, e uma camisa xadrez preta-e-prata.
“Você parece ótimo, Bubba,” eu disse, admirativamente. “Você também, Srta. Sookie.” Ele sorriu com alegria para mim. “Você queria me dizer algo?” “Sim, senhora. Sr. Eric me enviou aqui para dizer a você que ele não é o que parece.” Eu pisquei. “Quem, Bubba?” Eu perguntei, tentando manter minha voz gentil. “Ele é um assassino de aluguel.” Eu encarei o rosto de Bubba não porque eu pensasse que fazendo isso chegaria a algum lugar, mas porque tentava entender a mensagem. Este era um erro; os olhos de Bubba começaram a se mover rapidamente de um lado para outro, e seu rosto perdeu seu sorriso. Eu devia ter me virado para encarar a parede – isto teria me dado informação na mesma medida, e Bubba não teria ficado tão ansioso. “Obrigada, Bubba,” eu disse, dando um tapinha nele, em seu ombro musculoso. “Você fez tudo certo.” “Eu posso ir agora? De volta para Shreveport?” “Claro,” eu disse. Eu ligaria para Eric. Por que ele não tinha usado o telefone para uma mensagem tão urgente e importante quanto esta parecia ser? “Eu achei um caminho pelos fundos para dentro do abrigo de animais,” Bubba confidenciou orgulhosamente. Eu engoli em seco. “Oh, bem, ótimo,” eu disse, tentando não ficar enjoada. “Vejo você mais tarde, jacaré*,” ele chamou da beira do estacionamento. Justo quando pensava que Bubba era o pior vampiro do mundo, ele fazia algo incrível como mover-se em uma velocidade que você simplesmente não podia seguir. (*É uma rima, See you later, alligator. Não chamamos aqui de aligator, e sim de jacaré ou crocodilo. Não faz muito sentido, não rima em português, mas resolvi manter.) “Depois de um tempo, crocodilo,” eu disse obedientemente. “Aquele era quem eu penso que era?” A voz estava diretamente atrás de mim. Eu pulei. Eu girei em volta para descobrir que Charles tinha abandonado seu posto no bar. “Você me assustou,” eu disse, como se ele não tivesse sido capaz de afirmar isso. “Desculpe.” “Sim, aquele era ele.” “Pensei que sim. Eu nunca o ouvi cantar em pessoa. Deve ser incrível.” Charles olhou longamente o estacionamento como se estivesse pensando muito sobre outra coisa. Eu tive a definitiva impressão de que ele não estava ouvindo suas próprias palavras. Eu abri minha boca para fazer uma pergunta, mas antes que minhas palavras alcançassem meus lábios eu realmente pensei sobre o que o pirata inglês tinha acabado de dizer, e as palavras congelaram em minha garganta. Depois de uma longa hesitação, eu sabia que eu tinha que falar, ou ele saberia que algo estava errado. “Bem, suponho que é melhor que eu volte a trabalhar,” eu disse, sorrindo o brilhante sorriso que estoura em meu rosto quando eu estou nervosa. E, rapaz, eu estava nervosa agora. Aquela ofuscante revelação que eu tive tinha feito tudo começar a se encaixar no lugar em minha cabeça. Cada pequeno pelo em meus braços e pescoço ficou de pé imediatamente. Meu reflexo de lutarou-fugir estava fixado firmemente em “fugir”. Charles estava entre a porta externa e eu. Comecei a recuar para o corredor em direção ao bar. A porta do bar para o corredor era normalmente deixada aberta, porque as pessoas tinham que passar para o interior do corredor o tempo todo para usar os banheiros. Mas agora estava fechada. Estava aberta quando passei pelo corredor para falar com Bubba.
Isto era ruim. “Sookie,” Charles disse, atrás de mim. “Eu verdadeiramente lamento isto.” “Foi você quem atirou em Sam, não foi?” Eu recuei, tateando a maçaneta que abriria aquela porta. Ele não me mataria na frente de todas aquelas pessoas, mataria? Então me lembrei da noite em que Eric e Bill tinham exterminado uma sala cheia de homens em minha casa. Lembrei que tinha demorado somente três ou quatro minutos. Lembrei de como os homens tinham parecido mais tarde. “Sim. Foi um golpe de sorte quando você pegou a cozinheira, e ela confessou. Mas ela não confessou atirar em Sam, confessou?” “Não, ela não confessou,” eu disse entorpecidamente. “Todos os outros, mas não Sam, e a bala não combinava.” Meus dedos acharam a maçaneta. Se eu a virasse, talvez vivesse. Mas talvez não. Quanto Charles valorizava sua própria vida? “Você queria o trabalho aqui,” eu disse. “Pensei que havia uma boa chance de que eu viria a ser útil quando Sam estivesse fora de cena.” “E como você sabia que eu pediria ajuda a Eric?” “Eu não sabia. Mas sabia que alguém diria a ele que o bar estava em dificuldades. Considerando que isto significaria ajudar você, ele faria isto. E eu era a escolha lógica para enviar.” “Por que você está fazendo tudo isto?” “Eric tem uma dívida.” Ele estava se aproximando, embora não muito rapidamente. Talvez estivesse relutante em completar a ação. Talvez estivesse esperando por um momento mais vantajoso, quando poderia me matar em silêncio. “Parece que Eric descobriu que eu não sou do ninho de Jackson, como eu tinha dito.” “Sim. Você escolheu o errado.” “Por quê? Parecia ideal para mim. Muitos homens lá; você não teria visto todos eles. Ninguém pode lembrar de todos os homens que passaram por aquela mansão.” “Mas eles teriam ouvido Bubba cantar,” eu disse suavemente. “Ele cantou para eles uma noite. Você nunca esqueceria disto. Eu não sei como Eric descobriu, mas eu sei que tão logo você disse que nunca–“ Ele saltou. Eu estava de costas no chão em uma fração de segundo, mas minha mão já estava em meu bolso, e ele abriu a boca para me morder. Ele estava apoiado em seus braços, cortesmente tentando realmente não deitar sobre mim. Suas presas estavam totalmente para fora, e elas brilhavam na luz. “Eu tenho que fazer isto,” ele disse. “Estou jurado. Sinto muito.” “Eu não,” eu disse, e empurrei a corrente de prata dentro de sua boca, usando minha mão para manter sua mandíbula fechada. Ele gritou e me bateu, e eu senti uma costela se partir, e a fumaça saindo de sua boca. Me arrastei para longe, dando um pequeno grito por conta própria. A porta abriu com tudo, e uma enxurrada de clientes do bar trovejou para dentro do pequeno corredor. Sam se jogou para fora da porta de seu escritório como se tivesse sido atirado de um canhão, se movendo muito bem para um homem com uma perna quebrada, e para meu espanto ele tinha uma estaca em sua mão. Naquele momento, o vampiro gritante estava soterrado debaixo de tantos homens musculosos em calças jeans que você não podia sequer vê-lo. Charles estava tentando morder qualquer um que ele pudesse, mas sua boca queimada estava tão doída que seus esforços eram fracos.
Bagre Hunter parecia estar na base da pilha, em contato direto. “Você me passe aquela estaca aqui, rapaz!” ele falou para Sam. Sam a passou para Hoyt Fortenberry, que a passou para Dago Guglielmi, que a transferiu para a mão cabeluda de Bagre. “Nós vamos esperar pela polícia vampírica, ou vamos tomar conta disto nós mesmos?” Bagre perguntou. “Sookie?” Depois de um chocado segundo de tentação, eu abri minha boca para dizer, “Chame a polícia.” A polícia de Shreveport tinha um esquadrão de policiais vampiros, assim como o necessário veículo especial de transporte e celas de cadeia especiais. “Termine isto,” disse Charles, de algum lugar embaixo da ondeante pilha de homens. “Eu falhei em minha missão, e não posso tolerar ser preso.” “Sem probleminhas,” Bagre disse, e o estaqueou. Depois que tudo terminou e o corpo tinha se desintegrado, os homens voltaram para dentro do bar e se assentaram nas mesas onde eles estavam antes de ouvirem a luta tomando conta no corredor. Era muito mais que estranho. Não se ouviam muitas risadas, nem se viam muitos sorrisos, e ninguém que tinha ficado no bar perguntou a qualquer um que tinha saído o que tinha acontecido. Com certeza, era tentador pensar que este era um eco dos terríveis velhos tempos, quando homens negros eram linchados se houvesse até mesmo um rumor de que eles tinham piscado para uma mulher branca. Mas, você sabe, a comparação simplesmente não se mantinha. Charles era de uma raça diferente, verdade. Mas ele era culpado como o diabo de tentar me matar. Eu seria uma mulher morta em mais trinta segundos, a despeito da minha tática de diversificação, se os homens de Bon Temps não tivessem intervindo. Nós éramos sortudos em um monte de maneiras. Não havia um agente da lei no bar aquela noite. Nem cinco minutos depois de todos retomarem suas mesas, Dennis Pettibone, o investigador de incêndios premeditados, entrou para ter um encontro com Arlene. (O ajudante de garçom estava ainda esfregando o corredor, de fato.) Sam tinha amarrado minhas costelas com algumas bandagens Ace* em seu escritório, e eu fui, lenta e cuidadosamente, perguntar a Dennis o que ele queria beber.
(*Um tipo de atadura elástica. Ace  http://www.firstaidandsafetyonline.com/admin/uploads/ace-bandages--all.-160jpg.jpg)
Nós tínhamos sorte de não haver nenhuma pessoa de fora. Nenhum garoto de faculdade de Ruston, nenhum caminhoneiro de Shreveport, nenhum parente que tinha entrado para tomar uma cerveja com um primo ou um tio. Tínhamos sorte de não haver muitas mulheres. Eu não sei por que, mas imaginei que uma mulher seria mais propensa a ficar melindrada sobre a execução de Charles. De fato, eu me sentia muito melindrada com isto, quando não estava contando minhas estrelas da sorte por ainda estar viva. E Eric teve sorte quando ele se lançou dentro do bar aproximadamente trinta minutos depois por Sam não ter mais estacas à mão. Tão nervosos quanto todos estavam, alguma alma apressada teria se voluntariado para eliminar Eric: mas ele não sairia disto relativamente incólume, como aqueles que tinham cuidado de Charles tinham saído. E Eric teve sorte também de que as primeiras palavras que saíram de sua boca foram “Sookie, você está bem?” Em sua ansiedade, ele me agarrou, com uma mão em cada lado de minha cintura, e eu gritei. “Você está ferida,” ele disse, e então percebeu que cinco ou seis homens tinham se levantado.
“Eu estou só dolorida,” eu disse, fazendo um imenso esforço para parecer bem. “Tudo está bem. Este é meu amigo Eric,” eu disse um pouco alto. “Ele estava tentando entrar em contato comigo, e agora eu sei porque era tão urgente.” Olhei nos olhos de cada homem, e um por um, eles caíram de volta em seus assentos. “Nós vamos sentar e conversar,” eu disse muito calmamente. “Onde ele está? Estaquearei o bastardo eu mesmo, não importa o que Hot Rain mande atrás de mim.” Eric estava furioso. “Isto já foi resolvido,” eu vaiei. “Quer se acalmar?” Com a permissão de Sam, nós fomos para seu escritório, o único lugar no prédio que oferecia tanto cadeiras como privacidade. Sam estava de volta atrás do bar, empoleirado em um banco alto com sua perna em um banco mais baixo, se arranjando para ser o barman ele mesmo. “Bill pesquisou sua base de dados,” Eric disse orgulhosamente. “O bastardo me disse que veio do Mississippi, então eu o anotei como um dos bonitos rapazes descartados. Eu até liguei para Russel, para perguntar a ele se Twining tinha trabalhado bem para ele. Russel disse que ele tinha tantos novos vampiros na mansão, que ele só se lembrava vagamente de Twining. Mas Russel, como observei no Bar Josephine, não é o tipo de administrador que eu sou.” Dei um sorriso. Aquilo era definitivamente verdade. “Então, quando me vi tendo curiosidade, pedi a Bill para trabalhar, e Bill seguiu Twining desde seu nascimento como um vampiro até sua promessa para Hot Rain.” “Este Hot Rain foi quem o transformou num vampiro?” “Não, não,” Eric disse, impacientemente. “Hot Rain transformou o criador do pirata em vampiro. E quando o criador de Charles foi morto durante a guerra da França e Índia, Charles prometeu si mesmo para Hot Rain. Quando Hot Rain ficou insatisfeito com a morte de Long Shadow, ele enviou Charles para exigir pagamento pelo débito que ele sentia que lhe era devido.” “Por que me matando cancelaria o débito?” “Porque ele decidiu depois de ouvir boatos e muita patrulha na área inimiga que você era importante para mim, e que sua morte me machucaria da forma que a morte de Long Shadow o tinha machucado.” “Ah.” Eu não podia pensar em nada para dizer. Nada. Por fim eu perguntei, “Então Hot Rain e Long Shadow estavam juntos, há muito tempo?” Eric disse, “Sim, mas não era uma conexão sexual, era uma... uma afeição. Esta era a parte valiosa da ligação.” “Então por que este Hot Rain decidiu que a multa que você pagou a ele pela morte de Long Shadow não foi o bastante, ele enviou Charles para fazer algo igualmente doloroso para você.” “Sim.” “E Charles chegou a Shreveport, manteve seus ouvidos abertas, descobriu sobre mim, e decidiu que minha morte serviria ao propósito.” “Aparentemente.” “E ele ouviu sobre os tiroteios, sabia que Sam é metamorfo, e atirou em Sam, criando uma boa razão para vir para Bon Temps.” “Sim.” “Isto é realmente, realmente complicado. Por que Charles simplesmente não pulou em mim alguma noite?” “Porque queria que parecesse um acidente. Ele não queria a culpa ligada a um vampiro de modo algum, porque não somente não queria ser pego, como ele não queria que Hot Rain sofresse qualquer penalidade.”
Fechei meus olhos. “Ele colocou fogo na minha casa,” eu disse. “Não aquele pobre rapaz Marriot. Aposto que Charles o matou antes mesmo do bar fechar aquela noite e o trouxe de volta para minha casa, para que ele levasse a culpa. Afinal, o sujeito era um estranho em Bon Temps. Ninguém iria sentir falta dele. Oh meu Deus! Charles estava com as minhas chaves! Aposto que o homem estava no meu porta-malas! Não morto, mas hipnotizado. Charles plantou aquele cartão no bolso do sujeito. O pobre camarada não era um membro da Sociedade do Sol mais do que eu sou.” “Deve ter sido frustrante para Charles, quando ele descobriu que você estava cercada por amigos,” Eric disse um pouco friamente, considerando que um par daqueles “amigos” tinha se aproximado pesadamente e de forma barulhenta, usando a viagem para o banheiro como pretexto para manter um olho nele. “Sim, deve ter sido.” Eu sorri. “Você parece melhor do que eu esperava,” Eric disse um pouco hesitante. “Menos traumatizada, como eles dizem agora.” “Eric, eu sou uma mulher de sorte,” eu disse. “Hoje eu vi mais coisas más do que você pode imaginar. Tudo que posso pensar é, eu escapei. Por sinal, Shreveport agora tem um novo mestre do bando, e ele é um mentiroso bastardo, trapaceiro.” “Então eu entendo que Jackson Herveaux perdeu a disputa para o trabalho.” “Perdeu mais do que isto.” Os olhos de Eric se ampliaram. “Então a competição era hoje. Eu ouvi que Quinn estava na cidade. Normalmente, ele mantém transgressões em um nível mínimo.” “Não foi escolha dele,” eu disse. “Houve uma votação contra Jackson; isto deveria ter ajudado, mas... não ajudou.” “Por que você esteve lá? Aquele maldito Alcide estava tentando usar você para algum propósito na competição?” “Olha quem fala sobre usar.” “Sim, mas eu sou direto sobre isto,” Eric disse, seus olhos azuis arregalados e sinceros. Eu tive que rir. Eu não esperava poder rir por dias, ou semanas, e mesmo assim aqui eu estava, rindo. “Verdade,” eu admiti. “Então, devo entender que Charles Twining não existe mais?” Eric perguntou de forma totalmente sóbria. “Isto é correto.” “Bem, bem. As pessoas aqui são inesperadamente empreendedoras. Que dano você sofreu?” “Costela quebrada.” “Uma costela quebrada não é muito quando um vampiro está lutando por sua vida.” “Correto, novamente.” “Quando Bubba voltou e eu descobri que ele não tinha exatamente entregado sua mensagem, eu corri para cá galantemente para salvar você. Eu tinha tentado ligar para o bar hoje à noite para dizer a você para tomar cuidado, mas Charles atendeu o telefone todas as vezes.” “Foi galante da sua parte, ao extremo,” admiti. “Mas, como se revelou, desnecessário.” “Bem, então... voltarei para meu próprio bar e olharei para meus próprios clientes de meu próprio escritório. Nós estamos expandindo nossa linha de produtos do Fangtasia.” “Oh?” “Sim. O que você acha de um calendário de nus? „Vampiros Gostosões do Fangtasia‟ é como Pam pensa que ele deveria ser chamado.” “Você estará nele?” “Oh, com certeza. Sr. Janeiro.”
“Bem, me reserve três. Darei um para Arlene e um para Tara. E colocarei um em minha própria parede.” “Se você prometer mantê-lo aberto na minha foto, eu darei um a você de graça,” Eric prometeu. “Está prometido.” Ele levantou-se. “Mais uma coisa, antes de eu ir.” Eu levantei, também, mas muito mais lentamente. “Eu posso precisar contratar você no início de março.” “Vou checar minha agenda. O que está acontecendo?” “Vai acontecer uma pequena reunião de cúpula. Um encontro de reis e rainhas de alguns dos estados do sul. A localização não foi resolvida, mas quando for, desejo saber se você pode conseguir licença de seu trabalho aqui para acompanhar a mim e meu pessoal.” “Eu não posso pensar tão à frente exatamente neste momento, Eric,” eu disse. Recuei conforme comecei a andar para fora do escritório. “Espere um momento,” ele disse repentinamente, e inesperadamente estava à minha frente. Eu olhei para cima, me sentindo pesadamente cansada. Ele se curvou e beijou minha boca, tão suave quanto o tremular de uma borboleta. “Você contou que eu disse a você que você foi a melhor que eu já tive,” ele disse. “Mas você respondeu na mesma moeda?” “Você não adoraria saber?” eu disse, e voltei ao trabalho.

 

 

                                                                                                    Charleine Harris

 

 

 

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