Encontrei o bilhete preso à minha porta quando cheguei do trabalho. Trabalhei do turno do almoço até o inicio da noite no Merlotte‘s, mas como estávamos no fim de dezembro, o dia escurecia mais cedo. Então Bill, meu ex-namorado – Bill Compton ou Vampiro Bill, como a maioria dos freqüentadores do Merlotte‘s o chamam –devia ter deixado sua mensagem dentro da última hora. Ele não pode sair antes do anoitecer. Não via o Bill há mais de uma semana, e a nossa despedida não tinha sido uma das mais felizes. Mas, tocar o envelope com meu nome escrito, me deu uma sensação deprimente. Você iria supor – que apesar de eu ter vinte e seis – eu nunca tive, e perdi, um namorado antes. Teria razão. Caras normais não querem sair com alguém tão esquisita quanto eu. As pessoas dizem que tenho problemas mentais desde que comecei a escola. Eles têm razão. Isso não quer dizer que não sou apalpada no bar de vez em quando. Os caras ficam bêbados. Eu sou bonita. Eles esquecem suas apreensões a respeito de minha estranha reputação e meu sorriso sempre presente. Mas apenas Bill já tinha se aproximado de mim de uma maneira íntima. Separar-me dele me machucou demais. Eu esperei para abrir o envelope até que estivesse sentada na velha e maltratada mesa da cozinha. Ainda vestia meu casaco, embora tivesse tirado as luvas.
......
“Querida Sookie, queria ir até aí conversar com você já que está de certa forma recuperada dos lamentáveis acontecimentos do inicio do mês”.
―Lamentáveis acontecimentos,‖ ah, tá e o meu traseiro é redondo. Os hematomas finalmente desapareceram, mas tinha um joelho que ainda doía quando fazia frio, e suspeitava que iria doer sempre. Cada ferimento que eu tinha sofrido, obtive durante o resgate do meu namorado infiel aprisionado por um grupo de vampiros que incluía seu antigo amor, Lorena. Ainda me perguntava por que Bill tinha despertado uma paixão tão cega por Lorena que o fez atender ao seu chamado até o Mississipi. “Provavelmente, você tem um monte de perguntas sobre o que aconteceu”.
Pode ter certeza.
“Se quiser conversar comigo cara a cara, venha à porta principal e me deixe entrar”.
Caramba. Por essa eu não esperava. Refleti por um minuto. Decidindo que, embora eu não confiasse mais no Bill, não acreditava que ele fosse capaz de me machucar fisicamente, voltei pela casa em direção à porta da frente. Eu a abri e disse: - Muito bem, pode entrar. Ele surgiu do bosque que rodeava a clareira onde ficava a minha velha casa. Eu senti dor ao vê-lo. Bill tinha ombros largos e robustos graças à sua vida cultivando suas terras vizinhas à minha casa. Ele era forte e vigoroso, devido aos anos em que serviu como soldado Confederado, antes de sua morte em 1867. O nariz do Bill parecia ter saído das pinturas nos vasos gregos. Seu cabelo era castanho escuro e curto, seus olhos eram igualmente escuros. Ele tinha exatamente a mesma aparência de quando estávamos namorando, e ele sempre teria. Ele hesitou antes de cruzar a soleira da porta, mas tinha concedido a ele minha permissão, e fiquei de lado para que ele pudesse passar por mim rumo à sala de estar, repleta de móveis antigos e confortáveis e meticulosamente arrumados e limpos. - Obrigado, – disse com sua voz fria e tranqüila, uma voz que ainda me provocava uma pontada de puro desejo. Muitas coisas tinham ido mal entre nós, mas não tinham começado na cama. – Eu queria falar com você antes de partir. - Para onde você está indo? – Tentei soar tão calma quanto ele. - Ao Peru. Por ordens da rainha. - Ainda está trabalhando na sua, ah, banco de dados? – Não sabia quase nada a respeito de computadores, mas Bill tinha estudado bastante para se tornar um operador de sistemas. - Sim. Tenho que fazer mais algumas investigações. Um vampiro muito antigo em Lima tem um vasto conhecimento sobre aqueles de nossa raça em seu continente. Farei um pouco de turismo enquanto estiver lá. Lutei contra o impulso de oferecer ao Bill uma garrafa de sangue sintético, que teria sido a coisa mais hospitaleira a fazer. - Sente-se, – disse de forma objetiva, e indiquei com a cabeça a direção do sofá. Sentei-me no canto da velha poltrona reclinável em diagonal a ele. Então caiu um silêncio, um silêncio que me deixou ainda mais consciente do quanto eu estava infeliz. - Como está o Bubba? – Perguntei finalmente. - Ele está em Nova Orleans neste momento, – disse Bill. – A rainha gosta de mantê-lo por perto de vez em quando, e ele estava tão em evidência aqui no mês passado, que pareceu uma boa idéia mandá-lo a outro lugar. Ele voltará logo. Vocês reconheceriam o Bubba se o vissem; todo mundo conhece seu rosto. Mas ele não foi ―trazido de volta‖ de maneira tão bem-sucedida. Provavelmente o empregado do necrotério, que era um vampiro, devia ter ignorado a pequena chama de vida. Mas como ele era um grande fã, ele não foi capaz de resistir, e agora toda a comunidade sulina dos vampiros mandava o Bubba de um lado pro outro e tentava mantê-lo longe da vista do público. Outro silêncio. Eu tinha planejado tirar meus sapatos e meu uniforme, vestir um roupão aconchegante, e assistir televisão com uma pizza Freschetta* do lado. Era um programa despretensioso, mas era meu. Em vez disso, eu estava aqui, sofrendo.
(*Freschetta é uma marca de pizzas e alimentos congelados que pertence a Schwan Food Company)
- Se tiver algo a dizer, é melhor que vá em frente e diga, – eu disse a ele. Ele assentiu, quase para si mesmo. - Eu tenho que explicar, – ele disse. Suas mãos brancas se mantiveram em seu colo. – Lorena e eu... Eu me contraí involuntariamente. Não queria ouvir esse nome nunca mais. Ele tinha me descartado pela Lorena. - Eu tenho que contar a você – ele disse, quase zangado. Ele tinha visto minha contração. – Me dê essa oportunidade. – Depois de um segundo, fiz um gesto com a mão para que continuasse. - A razão pela qual fui até Jackson quando ela me chamou é que não consegui me controlar – ele disse.
Minhas sobrancelhas se elevaram. Já tinha ouvido essa antes. Significa: ―Não tenho auto-controle‖ ou ―Parecia valer a pena naquele momento, e eu não estava pensando da cintura para cima‖*.
* (A expressão no original é ‗It seemed worth it at the time, and I wasn't thinking north of my belt‘ e quer dizer mais ou menos que ele estava ―pensando com a cabeça de baixo‖ ou ―deixando os hormônios tomarem as decisões‖)
- Nós fomos amantes há muito tempo atrás. Como Eric afirma ter contado a você, as uniões entre vampiros não tendem a durar muito, embora sejam intensas enquanto continuam. Entretanto, o que Eric não contou a você é que foi Lorena a vampira que ―me trouxe de volta‖. - Para o Lado Negro? – Perguntei, e depois mordi meu lábio. Esse não era um assunto para ser tratado com leviandade. - Sim, – Bill concordou seriamente. – E ficamos juntos depois disso, como amantes, o que não sempre é o caso. - Mas vocês terminaram… - Sim, há oitenta anos atrás, chegamos ao ponto onde não podíamos tolerar mais um ao outro. Não tinha visto a Lorena desde então, embora ouvisse falar dos seus atos, naturalmente. - Ah, claro, – eu disse inexpressiva. - Mas eu tinha que obedecer seu chamado. Isto é absolutamente imperativo. Quando seu criador chama, você é forçado responder. – Sua voz era urgente. Assenti, tentando parecer compreensiva. Suponho que não fiz um trabalho tão bom. - Ela ordenou que eu a deixasse, – ele disse. Seus olhos escuros penetravam os meus. – Disse que te mataria se eu não o fizesse. Eu estava prestes a perder a cabeça. Mordi o interior de minha bochecha, bem forte, para me obrigar a me manter concentrada. - Então sem uma explicação ou discussão comigo, você decidiu o que era melhor para mim e para você. - Eu tive que fazê-lo, – ele disse. – Tive que cumprir sua ordem. E sabia que ela seria capaz de fazer mal a você. - Bom, nisso você tinha razão. – De fato, Lorena tinha feito todos os seus melhores esforços para me mandar direto pro túmulo. Mas eu a mandei primeiro – certo, foi por mera casualidade, mas funcionou. - E agora já não me ama, – disse Bill, com a menor das perguntas em sua voz. Eu não tinha nenhuma resposta clara. - Não sei, – eu disse. – Não tinha pensado que você queria voltar comigo. Afinal de contas, eu matei sua mamãe. – E lá estava a menor das perguntas em minha voz, também, mas acima de tudo eu estava amargurada. - Então precisamos ficar mais tempo separados. Quando eu retornar, se você quiser, nós vamos conversar novamente. Um beijo de despedida? Para minha vergonha, teria adorado beijar o Bill de novo. Mas era uma idéia tão ruim, que mesmo desejar isso parecia errado. Ficamos de pé, e rocei meus lábios rapidamente em sua bochecha. Sua branca pele resplandeceu com o pequeno brilho que distinguia os vampiros dos humanos. Tinha me surpreendido saber que nem todo mundo podia visualizá-los como eu. - Você está saindo com o Lobis? – ele perguntou, quando estava quase fora da porta. Ele soava como se lhe tivessem arrancado as palavras pela garganta.
- Qual deles? – Perguntei, resistindo a tentação de piscar meus cílios. Ele não merecia uma resposta, e ele sabia. – Quanto tempo você vai ficar fora? –Perguntei rapidamente, e ele me olhou como que especulando algo. - Não é uma coisa muito certa. Talvez duas semanas, – ele respondeu. - Nós talvez conversemos então. – eu disse, desviando meu rosto para longe. – Deixe-me devolver sua chave. – peguei minhas chaves de dentro da minha bolsa. - Não, por favor, guarde-as em seu chaveiro, - ele disse. – Talvez precise dela enquanto estiver fora. Entre na casa quando quiser. Minha correspondência ficará no correio até que eu lhes dê notícia de minha volta, e acredito que meus outros negócios inacabados estão sendo cuidados. Então, eu era seu último assunto pendente. Amaldiçoei a gota de ira que estava prontinha para transbordar atualmente. - Espero que tenha uma boa viagem, – disse friamente, e fechei a porta imediatamente depois. Me dirigi para meu quarto. Tinha um roupão para vestir e um pouco de televisão para assistir. Por Deus, eu iria retomar minha programação original. Mas enquanto estava pondo minha pizza no forno, tive que secar minhas bochechas algumas vezes.
A festa de Véspera de Ano Novo no Bar Merlotte´s até que em fim, tinha definitivamente acabado. Embora o dono do bar, Sam Merlotte, tivesse pedido a todo seu pessoal para trabalhar nessa noite, Holly, Arlene, e eu fomos as únicas a atendê-lo. Charlsie Tooten havia dito que ela estava muito velha para suportar toda a bagunça durante a Véspera do Ano Novo, Danielle tinha há tempos planejado ir a uma festa a fantasia com seu namorado, e uma nova garota não poderia começar em dois dias. Eu acho que Arlene, Holly e eu, precisávamos mais de dinheiro do que diversão. E eu não tinha recebido nenhum convite para fazer outra coisa. Pelo menos quando estou trabalhando no Merlotte´s, faço parte do cenário. Isto é meio que uma aceitação. Enquanto eu varria o papel picado, me lembrei novamente de não comentar com o Sam sobre que péssima idéia tinham sido os sacos de confete. Todos nós ficamos bem conscientes disso, e até Sam que tinha um bom temperamento mostrava sinais de desgaste. Não parecia justo deixar tudo aquilo para que Terry Bellefleur limpasse, apesar de que varrer e esfregar o chão era trabalho dele. Sam estava conferindo e empacotando o dinheiro da caixa registradora para poder depositá-lo de noite no banco. Parecia cansado, mas satisfeito. Com um estalo abriu seu telefone celular. - Kenya? Está pronta para me levar ao banco? Bem, vejo você em um minuto na porta dos fundos. – Kenya, uma policial, freqüentemente escoltava Sam ao caixa eletrônico de depósito 24 horas, especialmente depois de uma entrada tão grande como a desta noite. Eu também estava satisfeita com o dinheiro que consegui. Tinha recebido um monte de gorjetas. Calculei que talvez tivesse recebido trezentos dólares ou mais — e necessitava de cada centavo. Eu teria me divertido com a possibilidade de empilhar o dinheiro quando chegasse em casa, se eu tivesse certeza que ainda tinha cérebro para isso. O barulho e o caos da festa, o corre-corre constante do bar para lá e para cá servindo a todos, a bagunça tremenda que nós tínhamos que limpar, a constante dissonância de todos aqueles cérebros... tinham formado uma mistura que me deixou exausta. Perto do fim eu estava cansada demais para manter minha pobre mente protegida, e muitos pensamentos haviam se infiltrado. Não é fácil ser telepata. Na maioria das vezes, não é divertido. Esta noite tinha sido pior que a maioria. Não eram apenas os clientes do bar, quase todos conhecidos meus há muitos anos, num estado de humor desinibido, mas também tinha algumas notícias que muita gente estava simplesmente morrendo para me contar. - Soube que seu namorado viajou para a América do Sul, - um vendedor de automóveis, Chuck Beecham falou, a malícia brilhando em seus olhos. – Você ficará extremamente solitária em sua casa sem ele. - Está se oferecendo para tomar o lugar dele, Chuck? – o homem ao lado dele no balcão perguntou, e ambos deram uma gargalhada-do-tipo-nós-somos-os-caras. - Não, Terrell, - disse o vendedor. – Eu não me interesso pelas sobras dos vampiros. - Você seja educado, ou saia por aquela porta, - eu disse calmamente. Senti um fervor em minhas costas, e soube que meu chefe, Sam Merlotte, estava olhando para eles sobre meu ombro. - Algum problema? – ele perguntou. - Eles estavam prestes a se desculpar, - disse, olhando Chuck e Terrell bem nos olhos. Eles desviaram o olhar para suas cervejas. - Sinto muito, Sookie, - Chuck resmungou, e Terrell moveu sua cabeça concordando. Assenti com a cabeça e dei a volta para anotar outro pedido. Mas eles tinham tido êxito em me ofender. Que era o seu objetivo. Tinha uma dor cercando meu coração.
Eu tinha certeza que toda a população de Bon Temps, Louisiana, não sabia sobre nosso distanciamento. Bill certamente não tinha o hábito de andar por aí tagarelando seus assuntos pessoais, e eu tampouco. Arlene e Tara sabiam um pouco sobre isso, é claro, já que você tem que dizer as suas melhores amigas quando termina com um cara, mesmo que você tenha deixar todos os detalhes interessantes de fora. (Como o fato que você matou a mulher pela qual ele te abandonou. O que não pude evitar. Sério.) Então qualquer um que me disse que o Bill havia saído do país, presumindo que eu ainda não sabia, estava apenas sendo malicioso. Até a visita recente do Bill a minha casa, a última vez que o tinha visto foi quando eu lhe entreguei os CDs e o computador que ele tinha escondido comigo. Eu me dirigi até lá ao anoitecer, assim o aparelho não ficaria em sua varanda por muito tempo. Tinha posto todas suas coisas encostadas na porta em uma grande caixa a prova de água. Ele saiu justo quando eu ia saindo, mas não me detive. Uma mulher traiçoeira teria dado os CDs ao chefe do Bill, Eric. Uma mulher rancorosa teria guardado aqueles CDs e aquele computador, tendo rescindido ao Bill (e Eric) o convite de entrar na casa. Disse orgulhosamente a mim mesma que não era nem uma mulher traiçoeira nem rancorosa. Além do mais, pensando de maneira prática, Bill poderia ter simplesmente contratado algum humano para entrar em minha casa e pegá-los. Não acho que ele faria isso. Mas ele necessitava deles demais, ou estaria em sérios problemas com a chefe do seu chefe. Tenho um gênio forte, talvez até um gênio ruim, uma vez que é provocado. Mas não sou vingativa. Arlene me diz freqüentemente que sou boazinha demais para meu próprio bem, embora eu lhe garanta que não (Tara nunca diz isto; talvez ela me conheça melhor?). Me dei conta mauhumoradamente que, em algum momento durante esta noite agitada, Arlene ouviria sobre a partida do Bill. Assim, vinte minutos após a zombaria de Chuck e Terrell, ela cruzou a multidão para afagar levemente as minhas costas. - Você não precisava daquele bastardo insensível, de qualquer maneira - disse ela. – O que foi que ele já fez por você? Assenti fracamente para ela para demonstrar o quanto apreciava seu apoio. Mas aí uma mesa pediu dois uísques com limão, duas cervejas, e uma gin tônica, e tive que me apressar, o que na verdade foi uma distração bem-vinda. Quando lhes servi suas bebidas, me fiz a mesma pergunta. O que Bill já tinha feito por mim? Entreguei jarras de cerveja em duas mesas antes que eu conseguisse juntar tudo. Ele tinha me introduzido ao sexo, o que eu realmente aproveitei. Me apresentado a um monte de outros vampiros, o que não curti muito. Salvou a minha vida, apesar de que quando paro pra pensar nisso, não teria perigo algum se não tivesse namorando com ele em primeiro lugar. Mas eu tinha tirado o dele da reta uma ou duas vezes, de modo que essa dívida estava quitada. Ele tinha me chamado de ―amor‖, e na ocasião ele falava sério. - Nada, - eu resmunguei, enquanto eu enxugava a Piña Colada* derramada e entregava uma das últimas toalhas limpas do bar à mulher que tinha esbarrado nela, já que grande parte da bebida ainda estava em sua saia.
(*Piña Colada é um coquetel doce feito com rum, leite de coco, leite condensado e suco de abacaxi. É servido geralmente batido ou mexido com gelo. Sua origem é Porto Riquenha.)
- Ele não tinha feito uma única coisa por mim. – Ela sorriu e assentiu, obviamente pensando que eu estava sendo simpática com ela. O lugar estava muito barulhento para ouvir alguma coisa em todo caso, o que era uma sorte para mim.
Mas eu ficaria feliz quando Bill retornasse. Afinal de contas, ele era meu vizinho mais próximo. Só o cemitério mais velho da comunidade separava nossas propriedades, que se localizavam junto a estrada do condado ao sul de Bon Temps. Eu estava ali sozinha, sem o Bill. - Peru, eu ouvi dizer, - meu irmão Jason disse. Ele estava com o braço ao redor de sua acompanhante da noite, uma garota negra, baixa e magra de vinte e um anos, vinda de algum lugar de fora da região*. (Tinha checado sua identificação). Dei uma olhada minunciosa nela. Jason não sabia, mas ela era uma metamorfa e alguma espécie. Eles são fáceis de identificar. Ela era uma moça atraente, mas se ―transformava‖ em algo com penas ou pêlos na lua cheia. Notei que Sam lhe dirigiu um olhar fulminante quando Jason estava de costas, para lembrá-la de se comportar bem em seu território. Ela lhe devolveu o olhar penetrante, com interesse. Tive um pressentimento de que ela não se transformava em um gatinho, ou em um esquilo.
(*No original a expressão é ‗out in the sticks‘ que normalmente é utilizada como gíria tipo ‗do mato‘ ou ‗de longe da civilização‘ ou ‗de em áreas remotas‘.)
Pensei em vasculhar seu cérebro e tentar lê-lo, mas as mentes dos metamorfos não são fáceis. Seus pensamentos são meio que embaralhados e violentos, embora de vez em quando posso conseguir uma boa imagem de suas emoções. O mesmo acontece com os lobisomens. O próprio Sam se transforma em um collie quando a lua está brilhante e redonda. Às vezes ele corre devagar o caminho inteiro até minha casa, e eu o alimento com sobras numa tigela e o deixo dormir na minha varanda dos fundos, se o tempo estiver bom, ou em minha sala de estar, se o tempo estiver ruim. Não o deixo mais dentro do quarto, porque ele acorda nu — um estado no qual ele fica muito bem, mas simplesmente não preciso ficar tentada pelo meu chefe. Esta noite não era de lua-cheia, então Jason estaria seguro. Decidi não dizer nada a ele sobre sua garota. Todos nós temos um segredo ou dois. Seu segredo era somente um pouco mais colorido. Além da acompanhante de meu irmão, e Sam certamente, havia outras duas criaturas sobrenaturais no Merlotte‘s naquela Véspera de Ano Novo. Uma, era uma mulher maravilhosa de mais ou menos 1,80 de altura, com cabelo escuro, comprido e ondulado. Vestida para arrasar em um vestido laranja colado, de mangas longas, ela tinha entrado sozinha, e estava em processo de conhecer cada homem no bar. Não sabia o que ela era, mas sabia pelo seu cerebral que ela não era humana. A outra criatura era um vampiro, que tinha entrado com um grupo de jovens, a maioria com seus vinte e poucos anos. Não conhecia nenhum deles. Só um olhar de relance lateral de alguns outros farristas notaram a presença do vampiro. Isto só demonstrava a mudança de atitude nos poucos anos desde a Grande Revelação. Há quase três anos, durante a noite da Grande Revelação, os vampiros tinham ido à TV em cada nação para anunciar sua existência. Esta tinha sido uma noite na qual, muitas das suposições mundiais tinham sido deixadas de lado e reorganizadas para sempre. Esta festa de introdução foi estimulada pelos japoneses que desenvolveram um sangue sintético que poderia manter os vampiros satisfeitos e alimentados de forma nutritiva. Desde a Grande Revelação, os Estados Unidos experimentaram numerosas revoltas políticas e sociais no processo instável de adaptação dos nossos mais novos cidadãos, que simplesmente estavam mortos. Os vampiros têm uma representante pública e uma explicação pública de sua condição — eles alegam que uma alergia à luz do sol e ao alho causa severas mudanças metabólicas — mas eu vi o outro lado do mundo vampiro. Meus olhos agora vêem muitas coisas que a maior parte dos seres humanos nunca verão. Me pergunte se este conhecimento tem me deixado feliz. Não.
Mas tenho que confessar que agora o mundo é um lugar mais interessante para mim. Estou sozinha há muito tempo (já que não sou exatamente a Senhorita Normal), nesse caso o excesso de pensamentos abastecendo minha mente era bem-vindo. O medo e o perigo não eram. Vi o lado oculto dos vampiros, e fiquei ciente da existência dos lobisomens, metamorfos e outras coisas. Os lobisomens e metamorfos preferem ficar nas sombras – por ora – enquanto observam como funciona a publicidade de sua existência para os vampiros. Viu só, eu tinha tudo isso para refletir profundamente enquanto recolhia bandeja após bandeja de copos e canecas, e carregava e descarregava a máquina de lavar pratos para ajudar Tack, o novo cozinheiro. (Seu verdadeiro nome é Alphonse Petacki. Dá pra ficar surpreso que ele prefira ser chamado de ―Tack‖*?) Quando nossa parte da limpeza estava quase terminando, e esta longa noite estava finalmente chegando ao fim, abracei Arlene e lhe desejei um Feliz Ano Novo, e ela me abraçou de volta. O namorado da Holly a esperava na entrada dos empregados atrás do bar, e Holly acenou para nós enquanto vestia seu casaco e saía com pressa.
(* trocadilho com Tack, que quer dizer prego, taco, taxa... coisas que furam... també pode ser gíria para ―pênis‖, ―maconha‖ ou ―mulher feia‖.)
- Quais são seus desejos para o Ano Novo, senhoras? – Sam perguntou. Nessa hora, Kenya se apoiava contra o balcão, esperando por ele, seu rosto calmo e alerta. Kenya almoça aqui regulamente junto com seu parceiro, Kevin, que era tão pálido e magro quanto ela era escura e robusta. Sam estava pondo as cadeiras sobre as mesas para que Terry Bellefleur, que chegaria muito cedo pela manhã, pudesse esfregar o chão. - Boa saúde, e o cara certo, - disse Arlene dramaticamente, suas mãos abanando seu coração, e nós rimos. Arlene conheceu muitos homens – e ela esteve casada quatro vezes – mas ainda procurava o ―homem ideal‖. Pude ―ouvir‖ Arlene pensando que esse poderia ser Tack. Fiquei surpresa; nem sequer sabia que ela tinha prestado atenção nele. O espanto ficou estampado na minha cara, e com uma voz duvidosa Arlene disse: - Você acha que eu deveria desistir? - Claro que não, - disse imdiatamente, me repreendendo por não disfarçar melhor minhas expressões. Era que estava simplesmente tão cansada. – Será este ano, tenho certeza, Arlene. – Sorri à única policial mulher e negra de Bon Temps. – Você tem que ter um desejo para o Ano Novo, Kenya. Ou um objetivo. - Sempre desejo que haja paz entre homens e mulheres, - Kenya disse. –Facilita bastante o meu trabalho. E meu objetivo é ir para o nível 4 no levantamento de peso*.
(* No original a expressão é ‗bench-press one-forty‘. O bench-press é um treinamento físico para exercitar a musculatura do peitoral, costas e braços no qual, deitado de costas sobre um banco, o atleta executa o exercício traz a barra com o peso ao nível do tórax, e em seguida o levanta até os braços ficarem retos e os cotovelos rígidos (ou próximos a essa posição) one-forty é o nível de atleta de elite na relação peso/repetição.)
- Uau, - disse Arlene. Seu cabelo tingido de vermelho contrastou violentamente com o tom natural de loiro-avermelhado do cabelo encaracolado de Sam enquanto o abraçou rapidamente. Ele não era muito mais alto que Arlene – embora ela tenha pelo menos 1,76 m, cerca de 5 centímetros mais alta que eu. – Vou perder 4 quilos, este é meu objetivo. – Todos os sorrimos. Este havia sido o objetivo de Arlene nos últimos quatro anos. – E você, Sam? Desejos e objetivos? – ela perguntou.
- Tenho tudo o que necessito, - disse, e senti uma onda azul de sinceridade vinda dele. – Decidi permanecer nesta direção. O bar está indo muito bem, eu gosto de morar em meu trailer préfabricado, e as pessoas daqui são tão boas quanto as de qualquer outro lugar. Me virei para ocultar meu sorriso. Tinha sido uma declaração bastante ambígua. As pessoas de Bon Temps eram, realmente, tão boas quanto as pessoas de outros lugares. - E você, Sookie? – ele perguntou. Arlene, Kenya, e Sam, todos estavam olhando para mim. Abracei Arlene outra vez, porque eu gosto disso. Sou dez anos mais jovem – talvez mais, apesar de Arlene dizer que ela tem trinta e seis anos, eu tenho minhas dúvidas – mas temos sido amigas desde que começamos a trabalhar no Merlotte´s juntas, depois que Sam comprou o bar, há talvez cinco anos. - Vamos lá – Arlene disse, me adulando. Sam pôs seu braço ao meu redor. Kenya sorriu, mas se dirigiu à cozinha para ter uma palavrinha com o Tack. Atuando por impulso, compartilhei meu desejo. - Só espero não ser espancada, - eu disse, meu cansaço e a hora combinando-se em um inoportuno estouro de honestidade. – Não quero ir ao hospital. Não quero ver um médico. – Não queria ter que ingerir nenhum sangue de vampiro, tampouco, que pode te curar de maneira mais rápida, mas tem vários efeitos colaterais. – Então meu objetivo é me manter longe de problemas, - disse firmemente. Arlene pareceu bastante impressionada, e Sam pareceu – bem, não poderia dizer sobre o Sam. Mas já que eu tinha abraçado Arlene, dei um grande abraço nele, também, e senti a força e o calor de seu corpo. Você pensaria que Sam é fraquinho até que o visse sem camisa descarregando caixas de suprimentos. Ele é realmente forte e com uma constituição excelente, e tem uma temperatura corporal naturalmente alta. Eu o senti beijar meu cabelo, e logo todos nós estávamos desejando boa noite uns aos outros e saindo pela porta dos fundos. A caminhonete do Sam estava estacionada em frente ao seu trailer, que fica instalado atrás do Merlotte´s, em um ângulo de noventa graus em relação a ele, porém ele subiu no carro patrulha da Kenya, que o conduziria ao banco. Ela o traria para casa, e só então Sam poderia desmoronar. Ele tinha estado em pé durante horas, assim como todos nós. Enquanto Arlene e eu abríamos nossos carros, notei que Tack estava esperando em sua velha caminhonete; eu estava disposta a apostar que ele ia seguir Arlene até em casa. Com um último ―Boa noite!‖ dito através do silêncio frio da noite da Luisiana, nos separamos para começar nossos anos novos. Dei a volta pela Estrada Hummingbird indo em direção à minha casa, que fica há aproximadamente cinco quilômetros a sudeste do bar. O alívio de estar finalmente sozinha foi imenso, e comecei a relaxar mentalmente. Meus faróis dianteiros reluziram passando pelos densos e próximos troncos dos pinheiros que formavam a fonte principal da indústria madeireira da região. A noite estava extremamente escura e fria. Não tinha nenhuma iluminação na saída das estradas do condado, é claro. As criaturas se agitavam, não por qualquer motivo. Embora ficasse repetindo a mim mesma para ficar alerta por causa dos cervos que cruzam as estradas, eu dirigia como se estivesse no piloto automático. Meus pensamentos foram preenchidos com a simples idéia de lavar meu rosto, vestir a minha camisola mais quentinha e me arrastar sobre minha cama. Algo branco apareceu em frente dos faróis de meu carro velho. Ofeguei me sacudindo da sonolenta expectativa de ficar quentinha e em silêncio. Um homem correndo: às três da manhã de primeiro de Janeiro, ele estava correndo pela estrada do condado, pelo visto estava correndo por sua vida. Reduzi a velocidade, tentando pensar no que deveria fazer. Eu era uma mulher sozinha e desarmada. Se algo horrível o perseguia, poderia me pegar também. Por outro lado, não podia deixar alguém sofrer se eu pudesse ajudar. Tive um momento para notar que esse homem era alto, loiro, e vestido apenas com jeans, antes que me aproximasse dele. Estacionei o carro e me inclinei para baixar o vidro do passageiro. - Posso te ajudar? – eu perguntei. Ele me dirigiu um olhar cheio de pânico e seguiu correndo. Mas naquele momento me dei conta de ele quem era. Saltei do carro e saí correndo atrás dele. - Eric! – Gritei. - Sou eu! Ele então deu a volta, soltando um barulho ameaçador, com suas presas totalmente para fora. Parei tão bruscamente que cambaleei onde fiquei, minhas mãos diante de mim em um gesto de paz. É claro, se Eric decidisse me atacar, eu seria uma mulher morta. Tudo isso pra tentar ser uma boa Samaritana. Por que o Eric não estava me reconhecendo? Eu o conhecia há vários meses. Ele era o chefe do Bill, na complicada hierarquia vampírica que eu estava começando a compreender. Eric era o xerife da Área Cinco, e ele era um vampiro em ascensão. Ele era também estonteantemente lindo e podia beijar com um entusiasmo de pegar fogo, mas este não era o lado mais relevante dele justo neste momento. Presas e mãos poderosas curvadas em garras era o que eu. Eric estava em estado de alerta total, mas ele parecia tão assustado comigo quanto eu estava com ele. Ele não se lançou para me atacar. - Fique onde está, mulher, - advertiu-me. Sua voz soou áspera como se sua garganta estivesse rasgada e dolorida. - O que faz aqui fora? - Quem é você? - Sabe muito bem quem eu sou. O que há de errado com você? Por que está por aqui sem seu carro? – Eric dirigia um Corvette caríssimo, que era simplesmente a cara dele. - Você me conhece? Sabe quem eu sou? Bem, isso me pegou de surpresa. Ele com certeza não deu a impressão de estar brincando. Eu disse cautelosamente; - Mas é claro que te conheço, Eric. A menos que tenha um irmão gêmeo idêntico. Você não tem um, certo? - Não sei. – Seus braços caíram, suas presas pareceram retrair-se, e ele se endireitou de sua posição de ataque, então senti que houve uma melhora definida na atmosfera de nosso encontro. - Não sabe se você tem um irmão? – Eu estava totalmente boiando. - Não. Eu não sei. Eric é meu nome? – Sob a iluminação dos meus faróis, ele simplesmente estava com uma aparência digna de pena. - Uau. – Não pude pensar em nada mais proveitoso para dizer. – Eric Northman é o nome que você usa hoje em dia. Por que está aqui? - Não sei isso, também. Eu estava percebendo a questão aqui. - De verdade? Você não se lembra de nada? – Tratei de eliminar a segurança de que a qualquer momento ele sorriria abertamente e me explicaria tudo, me envolvendo em alguma confusão que terminaria comigo… sendo espancada. - Sério. – Ele se aproximou um passo de mim, e seu peito nu alvo me fez tremer apelativamente com arrepios vibrantes. Também percebi (agora que não estava aterrorizada) o quão desamparado ele parecia. Era uma expressão que nunca tinha visto antes na face confiante do Eric, e me fez sentir inexplicavelmente triste. - Você sabe que é um vampiro, certo? - Sim. – Ele pareceu surpreso por eu ter perguntado. – E você não é.
- Não, eu sou uma humana de verdade, e tenho que saber que você não vai me machucar. Embora já pudesse ter feito isso até agora. Mas acredite em mim, mesmo que não se lembre, somos amigos de certa forma. - Eu não vou te machucar. Eu lembrei a mim mesma que provavelmente centenas e milhares de pessoas tinham ouvido aquelas mesmas palavras antes que Eric rasgasse suas gargantas. Mas o fato é que os vampiros não têm que matar uma vez que eles passam de seu primeiro ano. Um gole aqui, um gole ali, esta é a regra. Como ele parecia tão perdido, era difícil me lembrar que ele poderia me desmembrar com suas próprias mãos. Eu tinha dito ao Bill, uma vez, que a coisa mais esperta para os alienígenas fazerem (quando eles invadissem a Terra) seria chegar disfarçados de coelhinhos de orelhas caídas. - Vem, entre no meu carro antes que congele, - eu disse. Eu estava outra vez com aquele sentimento de ―estou-procurando-ser-mordida‖, mas não sabia mais o que fazer. - Eu conheço você realmente? – ele disse, como se estivesse hesitante em entrar num carro com alguém tão formidavelmente terrível quanto uma mulher vinte e cinco centímetros mais baixa, muitos quilos mais magra, e alguns séculos mais jovem do que ele. - Sim, - disse incapaz de conter uma ponta de impaciência. Eu não estava tão contente comigo mesma, porque ainda tinha suspeitas de que estava sendo enganada por alguma razão insondável. – Agora, venha logo, Eric. Eu estou congelando, e você também. – Não que vampiros pareçam sentir temperaturas extremas, normalmente; mas até a pele do Eric parecia sensivelmente arrepiada. Os mortos podem congelar, certamente. Eles sobreviveriam a isso – eles sobrevivem a quase tudo – mas eu compreendo que é bastante doloroso. – Ah, Meu Deus, Eric, você está descalço. – Tinha acabado de notar. Tomei sua mão; ele me deixou aproximar bastante para isto. Me deixou guiá-lo até o carro e colocá-lo no assento de passageiros. Disse-lhe para fechar o vidro da janela enquanto ia para meu lado do carro, e depois de um longo minuto estudando o mecanismo, ele o fez. Peguei no assento traseiro uma velha manta de lã que guardo ali durante o inverno (para jogos de futebol, etc.) e o agasalhei com ela. Ele não tremia, é óbvio, porque era um vampiro, mas simplesmente não podia suportar ver toda aquela pele nua exposta a esta temperatura. Liguei o aquecedor em sua potência máxima (que, em meu velho carro, não quer dizer muita coisa). A pele exposta do Eric nunca tinha me feito sentir frio antes – quando tinha visto esse tanto de Eric antes, eu senti alguma coisa mas estava atordoada o bastante nesse momento para rir em voz alta antes que pudesse censurar meus próprios pensamentos. Ele estava assustado, e me observava pelo canto do olho. - Você era a última pessoa que esperava ver, - eu disse. - Você saiu assim desse jeito para ver o Bill? Porque ele não está. - Bill? - O vampiro que vive aqui também? Meu ex-namorado? Ele sacudiu sua cabeça. Ele tinha voltado a ficar absolutamente aterrorizado. - Você não sabe como chegou até aqui? Ele sacudiu sua cabeça outra vez. Estava fazendo um grande esforço para raciocinar; mas era somente isso, um esforço. Eu estava exausta. Apesar da carga de adrenalina que recebi quando tinha visto a figura correndo pela estrada escura, aquela agitação se evaporou rápido. Cheguei à curva rumo a minha casa e virei à esquerda, serpenteando através do bosque escuro e silencioso junto a agradável e nivelada entrada privada para minha casa – que, de fato, Eric havia reformado para mim. E era por isso que Eric estava sentado no meu carro agora mesmo, em vez de estar correndo pela noite como um gigantesco coelho branco. Ele tinha tido a inteligência de me dar o que eu realmente queria. (É claro que ele também passou meses querendo que eu fosse para cama com ele. Mas ele tinha me dado aquela reforma porque eu necessitava dela.) - Chegamos, - disse, estacionando nos fundos da minha velha casa. Desliguei o carro. Eu tinha lembrado de deixar as luzes externas ligadas quando saí para o trabalho esta tarde, ainda bem, assim não estávamos sentados alí no escuro total. - É aqui onde você vive? – Ele lançou um olhar ao redor da clareira onde minha velha casa estava, aparentemente apreensivo em sair do carro para a porta dos fundos. - Sim, - disse exasperada. Ele simplesmente me lançou um olhar que mostrou quão brancas suas córneas eram ao redor do azul de seus olhos. - Ah, vamos logo – eu disse, sem nenhuma elegância. Saí do carro e subi os degraus até a varanda dos fundos, que não deixo trancada porque, hey, para que trancar uma porta de proteção tela na varanda dos fundos? O que realmente tranco é a porta interna, e depois de alguns segundos remexendo, consegui abri-la assim a luz que deixei acesa na cozinha poderia iluminar o resto. - Você pode entrar – eu disse, para que ele pudesse atravessar a soleira da porta. Ele entrou em disparada depois de mim, ainda agarrando com força a manta ao seu redor. Sob a iluminação superior na cozinha, Eric parecia lamentável. Seus pés descalços estavam sangrando, o que não tinha notado antes. - Oh, Eric – eu disse tristemente, e tirei uma bacia do armário, e deixei a água quente escorrer na pia. Ele se curaria realmente rápido, como acontece com todos os vampiros, mas o que eu podia fazer era lavá-lo e limpá-lo. O jeans estava imundo ao redor da bainha. - Tire isso – eu disse, sabendo que elas só iam ficar molhadas se eu mergulhasse seus pés na água enquanto ele ainda estivesse vestido. Sem nenhuma olhada sugestiva ou qualquer outra indicação de que ele estivesse se aproveitando deste processo, Eric desabotoou e se sacudiu tirando a calça. Joguei-a na varanda dos fundos para lavar pela manhã, tentando não ficar de boca aberta olhando para meu hóspede, que agora estava vestido com uma roupa intima que definitivamente ia além da minha imaginação, uma cueca cavada num tom de vermelho vivo cuja qualidade da elasticidade estava sendo definitivamente posta à prova. Certo, outra grande surpresa. Eu tinha visto a roupa de baixo do Eric só uma vez antes – que foi um pouco a mais do que deveria – e ele estava usando uma do tipo boxer de seda. Os homens trocam de estilo desse jeito? Sem envaidecer-se, e sem nenhum comentário, o vampiro envolveu novamente seu corpo branco com a manta. Hmmm. Agora estava convencida que não era ele mesmo, como se nenhuma outra evidência pudesse me convencer. Eric era um espécime de mais de um metro e oitenta de pura magnificência (sim, uma magnificência branca de mármore), e ele sabia muito bem disso. Eu apontei para uma das cadeiras na mesa da cozinha. Obedientemente, ele a puxou e se sentou. Agachei-me para pôr a bacia no chão, e gentilmente guiei seus pés grandes até a água. Eric gemeu de dor quando o calor tocou sua pele. Imaginei que até um vampiro poderia sentir o contraste. Consegui um pedaço de pano limpo de debaixo da pia e um pouco de sabonete líquido, e lavei seus pés. Demorei bastante, porque tentava pensar o que fazer depois. - Você estava fora à noite – observou ele, meio que timidamente. - Estava voltando para casa do trabalho, como pode notar pela minha roupa. – Estava usando nosso uniforme de inverno, uma blusa branca de gola canoa e mangas longas com ―Merlotte´s Bar‖ bordado sobre o peito esquerdo e usava enfiada para dentro calças pretas. - Mulheres não deveriam estar fora de casa sozinhas tão tarde da noite – disse ele com desaprovação. - Nem me fale!
- Bem, as mulheres estão mais suscetíveis a serem subjugadas num ataque do que os homens, portanto elas devem ser melhor protegidas – - Não, não quis dizer literalmente. Eu quis dizer, eu concordo. Você está ensinando Pai Nosso ao vigário*. Eu não queria trabalhar até tão tarde da noite.
(*A expressão no original é "You're preaching to the choir" que poderia ser traduzida como ―você está pregando ao coro da igreja‖, ou seja, significa que você está perdendo tempo tentando convencer quem já concorda com você ao invés de usar o discurso para quem é do contra. Achei que utilizar um dito popular nosso teria o mesmo significado e um efeito mais familiar.)
- Então por que estava fora? - Preciso do dinheiro – eu disse, secando minha mão e tirando o rolo de contas em meu bolso e largando-o sobre a mesa enquanto pensava nisso. – Tenho esta casa para manter, meu carro é velho, e tenho impostos e seguros a pagar. Como todo mundo, - acrescentei, se por acaso ele pensasse que eu reclamava injustamente. Odiava choramingar sobre minha pobreza, mas ele tinha perguntado. - Não há nenhum homem em sua família? De vez em quando, eles manifestam vestígios de sua verdadeira idade. - Tenho um irmão. Não consigo lembrar se você já conheceu o Jason. - Um corte em seu pé esquerdo parecia particularmente mal. Pus um pouco mais de água quente na bacia para esquentar o resto. Então tentei tirar toda a sujeira. Ele se retraiu quando esfreguei suavemente a toalha de rosto sobre as margens da ferida. Os cortes menores e as contusões pareciam estar desaparecendo exatamente enquanto eu observava. O gerador que armazenava e fornecia água quente lançou por trás de mim, o som familiar que de algum jeito me tranqüilizou. - Seu irmão permite que você realize este trabalho? Tentei imaginar a cara do Jason quando lhe dissesse que esperava que ele me sustentasse pelo resto da minha vida porque eu era uma mulher e não deveria trabalhar fora de casa. - Ah, pelo amor de Deus, Eric. – Levantei os olhos para ele franzindo as sobrancelhas. - Jason tem seus próprios problemas. – Como ser um egoísta crônico e um verdadeiro galinha. Pus a bacia de água de lado e enxuguei os pés do Eric com uma toalha de pratos com movimentos suaves. Este vampiro agora tinha pés limpos. Rigidamente, fiquei de pé. Minhas costas doíam. Meus pés doíam. - Escuta, acho que o melhor a fazer é ligar para a Pam. Ela provavelmente sabe o que está acontecendo com você. - Pam? Era como ter por perto um guri-de-dois-anos-de-idade particularmente irritante. - Sua segunda-no-comando. – Ele ia fazer outra pergunta, pude perceber. Eu levantei a mão. – Só espere um pouco. Deixe-me ligar para ela e descobrir o que está acontecendo. - Mas, e se ela se virou contra mim? - Então temos que descobrir isto, também. Quanto mais cedo melhor. Pus minha mão sobre o velho telefone que ficava pendurado na parede da cozinha logo no final do balcão. Um banco alto ficava debaixo dele. Minha avó se sentava sempre sobre esse banco para manter suas longuíssimas conversas telefônicas, com papel e lápis à mão. Sentia sua falta todos os dias. Mas neste momento eu não tinha nenhum espaço na minha fileira de emoções para luto, ou sequer nostalgia. Procurei em minha pequena agenda de endereços e telefones pelo número do Fangtasia, o bar vampiro em Shreveport, que proporcionava a principal fonte de renda do Eric e lhe servia como base para suas operações, que eu entendia que tinham um amplo campo de atuação.
Não sabia quão amplos ou rentáveis esses outros projetos eram, e não tinha nenhum interesse especial em saber. Tinha lido no jornal de Shreveport que o Fangtasia também havia planejado uma grande festa arrazadora para esta noite – ―Comece Seu Ano Novo com uma Mordida‖ – então eu sabia que alguém estaria lá. Enquanto o telefone chamava, abri de repente o refrigerador e tirei uma garrafa de sangue sintético para o Eric. Coloquei-a dentro do microondas e o liguei. Ele seguiu cada um de meus movimentos com olhos ansiosos. - Fangtasia, – disse uma voz masculina com sotaque. - Chow? - Sim, como posso servi-la? – Ele lembrou-se de seu personagem de vampiro sexy ao telefone em cima da hora. - É a Sookie. - Ah, – ele disse com uma voz muito mais natural. – Escuta, Feliz Ano Novo, Sook, mas estamos um pouco ocupados aqui. - Procurando por alguém? Houve um silêncio longo e carregado. - Espere um minuto, - ele disse, daí não ouvi nada. - Pam, - ela disse. Ela tinha levantado telefone tão silenciosamente que dei um pulo quando ouvi sua voz. - Você ainda tem um mestre? – Não sabia o quanto poderia falar pelo telefone. Queria saber se tinha sido ela que tinha deixado Eric neste estado, ou se ainda devia lealdade a ele. - Eu tenho, - disse ela firmemente, entendendo o que eu queria saber. – Nós estamos sob… nós temos alguns problemas. Ponderei isto até que ter certeza que tinha lido bem as entrelinhas. Pam estava me dizendo que ela ainda era fiel ao Eric, e que o grupo de seguidores do Eric estava sob alguma espécie de ataque ou em algum tipo de crise. Eu disse, - Ele está aqui. – Pam apreciava objetividade. - Ele está vivo? - Ahã. - Ferido? - Mentalmente. Uma longa pausa, desta vez. - Ele significaria algum perigo para você? Não é que a Pam se preocupasse tanto assim se Eric decidisse me sugar até secar, mas acho que ela estava imaginando se eu poderia abrigar Eric. - Eu acho que não, neste momento, - eu disse. - Parece ser uma questão de memória. - Odeio bruxas. Os humanos tiveram a idéia certa, queimando-as na fogueira. Já que os mesmos humanos que tinham queimado as bruxas ficariam fascinados em afundar a lenha daquela fogueira nos corações dos vampiros, achei o comentário um pouco divertido – mas não tanto, considerando a hora. Imediatamente esqueci do que ela estava falando. Bocejei. - Amanhã à noite, iremos aí, – disse ela finalmente. - Pode mantê-lo durante o dia? O amanhecer chegará em menos de quatro horas. Tem um lugar seguro? - Sim. Mas vocês cheguem aqui ao anoitecer, está me ouvindo? Não quero ficar enrolada nessas merdas dos vampiros outra vez. - Normalmente, não falo tão asperamente; mas como já disse, este era o fim de uma longa noite. - Estaremos aí.
Desligamos simultaneamente. Eric me olhava com seus olhos azuis sem piscar. Seu cabelo estava um emaranhado de nós e ondas loiras bagunçadas. Seu cabelo é exatamente da mesma cor que o meu, e também tenho olhos azuis, mas as semelhanças acabavam aí. Pensei em pegar uma escova para seu cabelo, mas eu estava simplesmente cansada demais. - Bem, o negócio é o seguinte, - eu disse a ele. – Você fica aqui pelo resto da noite e a amanhã, e então Pam e os outros virão buscar você amanhã ao anoitecer e contarão a você o que está acontecendo. - Você não deixará que ninguém entre? – ele perguntou. Notei que ele tinha terminado o sangue, e que não estava consideravelmente tão acabado como estava antes, o que era um alívio. - Eric, eu farei todo o possível para te manter a salvo, - eu disse, bem suavemente. Esfreguei meu rosto com minhas mãos. Acabaria dormindo de pé. – Venha comigo – eu disse, pegando sua mão. Agarrando a manta com a outra mão, ele avançou rumo ao corredor atrás de mim, um gigante branco como a neve em uma minúscula cueca vermelha. Minha velha casa foi ampliada e modificada durante anos, mas nunca deixou de ser uma humilde casa de fazenda. Um segundo andar foi acrescentado por volta da virada do século, e mais dois quartos e uma entrada para o sótão estão no andar de acima, mas raramente vou lá em cima agora. Mantenho-o fechado, para economizar dinheiro na eletricidade. Há dois quartos embaixo, um menor que foi o que eu usei até que minha avó morreu, e o maior que era dela, do outro lado do corredor. Tinha me mudado para o quarto maior depois de sua morte. Mas Bill tinha construído seu ―esconderijo secreto‖ no quarto menor. Conduzi o Eric até lá, acendi a luz, e me assegurei que as persianas estivessem fechadas e as cortinas sobre elas. Então, abri a porta do armário, retirei umas poucas coisas, e puxei a aba do tapete que cobria o chão do armário, expondo o alçapão. Debaixo, havia um espaço apertado e escuro que Bill tinha construído uns meses antes, de modo que ele poderia ficar durante o dia ou usá-lo como um esconderijo se sua própria casa fosse insegura. O Bill gostava de ter um refúgio, e eu tinha certeza que ele tinha alguns que eu nem sabia. Se fosse uma vampira (Deus me livre!), eu mesma os teria. Tive que limpar os pensamentos sobre Bill da minha cabeça enquanto mostrava a meu convidado relutante como fechar o alçapão em cima dele e como o tapete cairia de novo em seu lugar. - Quando eu me levantar colocarei as coisas de volta no armário, assim parecerá mais natural – tranqüilizei-o, e sorri de modo encorajador. - Tenho que entrar agora? – ele perguntou. Eric, me solicitando algo: o mundo realmente estava virado de cabeça para baixo. - Não – eu disse, tentando soar como se me importasse. A única coisa que eu podia pensar era em minha cama. – Não tem que fazê-lo agora. Somente quando estiver amanhecendo. Não tem a menor possibilidade de você esquecer isso, certo? Quero dizer, você não poderia cair no sono e despertar no sol? Ele pensou durante um momento e sacudiu sua cabeça. - Não, - ele disse. - Sei que isto não pode acontecer. Posso ficar no quarto com você? Oh, Deus, olhos de cachorrinho abandonado. Isto, vindo de um antigo vampiro Viking de um metro e oitenta de altura. Isto era simplesmente demais. Eu não tinha energia suficiente para rir, então apenas dei um abatido sorriso em silêncio. - Vamos lá, - eu disse, minha voz tão fraca quanto minhas pernas. Apaguei a luz naquele quarto, cruzei o corredor, e acendi a luz em meu próprio quarto, amarelo e branco, limpo e quente, e dobrei a colcha, o cobertor e o lençol. Enquanto isso, Eric sentou desamparadamente em uma poltrona estofada do outro lado da cama. Tirei meus sapatos e minhas meias, peguei uma camisola de uma gaveta, e me refugiei no banheiro. Eu saí em dez minutos, com rosto e dentes limpos, e usando uma camisola muito velha de flanela bem macia, que era bege com flores azuis espalhadas ao redor. Suas fitas estavam desfiadas e as pregas ao redor dos botões estavam deploráveis, mas ela me servia muito bem. Depois de ter apagado as luzes, lembrei que meu cabelo estava ainda em seu habitual rabo-de-cavalo, então tirei a fita que o sustentava e sacudi minha cabeça para solta-lo. Meu couro cabeludo pareceu relaxar, e suspirei com felicidade. Quando subi na velha cama alta, o meu enorme estraga prazer particular* fez o mesmo. Eu realmente tinha dito que ele poderia ficar na cama comigo? Bem, eu decidi, enquanto me aconchegava debaixo de meus velhos lençóis macios e cobertor e edredom, que se Eric tinha intenções planejadas para mim, eu estava cansada demais para me preocupar.
(* No original a frase é ‗the large fly in my personal ointment did the same‘. A expressão fly in the ointment, traduzida literalmente como mosca na minha pomada, significa uma circunstância que estraga um prazer, exatamente como a nossa expressão mosca que pousou na minha sopa)
- Mulher? - Hmmm? - Qual é o seu nome? - Sookie. Sookie Stackhouse. - Obrigado, Sookie. - Não há de que, Eric. Porque ele soou tão perdido – o Eric que eu conhecia nunca tinha sido alguém que fizesse outra coisa além de supor que os outros deviam servi-lo – eu tateei ao redor, sob os lençóis procurando sua mão. Quando a encontrei, deslizei minha própria mão sobre ela. Sua palma se elevou para encontrar minha palma, e seus dedos se entrelaçaram aos meus. E embora nunca tivesse pensado que fosse possível dormir segurando a mão de um vampiro, isto foi exatamente o que fiz.
Despertei lentamente. Enquanto permanecia aconchegada dentro de minhas cobertas, enquanto me espreguiçava de vez em quando, gradualmente recordei dos eventos surrealistas da noite anterior. Bom, Eric já não estava na cama comigo agora, assim podia supor que ele estava instalado de maneira segura no ―esconderijo secreto‖. Atravessei o corredor. E tal como tinha prometido, coloquei as caixas novamente no armário para fazê-lo parecer mais natural. O relógio me disse que era meiodia, e do lado de fora o sol reluzia brilhante, embora o ar estivesse frio. No Natal, Jason me tinha dado um termômetro que podia ler as temperaturas do lado de fora, mostrando-as em uma tela digital do lado de dentro. Ele também o havia instalado para mim. Agora sabia duas coisas: era meio-dia e lá fora estava à 1º C. Na cozinha, a bacia com água que tinha usado para lavar os pés do Eric ainda estava no chão. Enquanto atirava a água na pia, me dei conta que em algum momento ele tinha lavado a garrafa de sangue sintético. Tinha que conseguir mais sangue sintético para quando ele levantasse, já que você não quer ter um vampiro faminto em sua casa, e também seria educado ter um pouco de sangue extra para oferecer a Pam e quem quer que viesse de Shreveport. Eles explicariam as coisas para mim – ou não. Eles levariam o Eric e resolveriam quaisquer dos problemas que a comunidade dos vampiros de Shreveport estivesse enfrentando, e eles me deixariam em paz. Ou não. O Merlotte´s estaria fechado no primeiro dia do Ano-Novo até as quatro da tarde. Para o dia de Ano Novo, e para o dia seguinte, estava programado que Charlsie, Danielle e a nova garota trabalhariam, porque o resto de nós havia trabalhado na Véspera de Ano-Novo. Assim tinha livres dois dias completos, e ao menos um deles tinha que passar sozinha em casa com um vampiro mentalmente doente. A vida simplesmente não melhora. Tomei duas xícaras de café, coloquei o jeans do Eric na máquina de lavar roupa, li por um momento meu romance, e estudei meu recém estreado Calendário de Palavras do Dia, um presente de Natal de Arlene. Minha primeira palavra para o Ano Novo era ―dessangrar‖. Provavelmente este não era um bom presságio. Jason chegou um pouquinho depois das quatro, voando através de meu meio-fio em sua caminhonete com chamas rosadas e púrpuras dos lados. Já tinha tomado banho e me vestido, mas meu cabelo estava ainda molhado. Eu havia passado condicionador para cabelos*, o escovava devagar, sentada diante da lareira. Tinha ligado a TV em um jogo de futebol para ter algo que ver enquanto escovava meus cabelos, mas tinha mantido o volume baixo. Estava ponderando a difícil situação do Eric enquanto regaladamente sentia o calor do fogo em minhas costas.
(*No original seria: I'd sprayed it with detangler. Detangler significa condicionador para cabelos).
. Não usávamos a chaminé há alguns anos porque comprar lenha era muito caro, mas Jason tinha talhado um montão de árvores que tinham caído no ano passado devido a uma tempestade de neve. Eu estava muito bem abastecida, e estava desfrutando das chamas. Meu irmão pisou muito forte nos degraus dianteiros e tocou perfunctoriamente antes de entrar. Igual a mim, ele tinha crescido e sido criado nesta casa. Ambos tínhamos vindo morar com a vovó quando nossos pais morreram, e ela alugou nossa outra casa até que Jason disse que estava preparado para viver sozinho, aos vinte anos de idade. Agora Jason tinha vinte e oito e era o chefe de uma equipe de estradas no município. Isto era um grande passo para um menino local sem muito nível acadêmico, e eu tinha pensado que era o suficiente para ele até dois meses atrás, quando ele tinha começado a agitar de forma inquieta. - Bom, – disse, quando olhou o fogo. Ele permaneceu em frente à lareira para esquentar suas mãos, acidentalmente me bloqueando do calor. – A que horas chegou em casa ontem à noite? – Disse sobre seu ombro. - Acredito que fui para cama ao redor das três. - O que você achou da garota com quem eu estava? - Acredito que seria melhor se você parasse de sair com ela. Isso não era o que ele esperava escutar. Seus olhos me olharam de esguelha. - O que foi que você descobriu? – Perguntou com uma voz resignada. Meu irmão sabe que sou telepática, mas ele jamais discutiu isto comigo, ou ninguém mais. Eu o vi se meter em brigas com alguns homens que me acusaram de ser anormal, mas ele sabe que sou diferente. Todo mundo sabe, também. Simplesmente eles escolhem não acreditar ou eles acreditam que não seja possível que eu possa ler seus pensamentos – apenas os de outras pessoas. Só Deus sabe que eu tento agir e falar como alguém que não está recebendo uma inundação de emoções e ideias e arrependimentos e acusações, mas às vezes isso simplesmente escapa. - Ela não é seu tipo, - disse olhando o fogo. - Ela com certeza não é uma vampira, – ele protestou. - Não, não é uma vampira. - Bem? – Ele me olhou de maneira provocadora. - Jason, quando os vampiros deram as caras – quando nós soubemos que eles eram reais depois de todas aquelas décadas pensando que eles eram apenas uma lenda tenebrosa – você alguma vez se perguntou se existiriam outros contos que fossem verdadeiros? Meu irmão pensou a respeito durante um minuto. Eu sabia (por que podia ―escutá-lo‖) que Jason queria negar completamente qualquer ideia do tipo e me chamar louca – mas simplesmente não pôde. - Você sabe com certeza, – ele disse. Não era propriamente uma pergunta. Assegurei-me que ele estivesse me olhando nos olhos, e assenti enfaticamente. - Merda, - ele disse aborrecido. – Eu realmente gostava daquela garota e ela era uma tigresa na cama. - De verdade? – Perguntei completamente chocada de que ela tivesse se trocado na frente dele quando não havia lua cheia. – Você está bem? – No segundo seguinte estava me amaldiçoando por minha própria estupidez. É obvio que ela não se transformou. Ele olhou boquiaberto para mim durante um segundo, antes de se partir de rir. - Sookie, você é realmente uma mulher louca! Pareceu como se você realmente acreditasse que ela poderia… - E sua face se congelou. Pude sentir como a ideia perfurou um buraco na bolha protetora que muitas pessoas colocam ao redor de seus cérebros, a bolha que repele qualquer sinal ou ideia que não se enquadra em suas expectativas diárias. Jason caiu pesadamente na poltrona reclinável da vovó. – Desejaria não ter ouvido isto, – disse ele baixinho. - Não necessariamente isso é o que acontece com ela – a coisa da tigresa – mas acredite, algo acontece com ela. Levou um minuto até seu rosto recuperar novamente sua expressão familiar, mas recuperou. Típica atitude do Jason: Como não havia nada que ele pudesse fazer a respeito de seu novo conhecimento, ele o colocou no fundo de sua mente. - Escuta, viu a garota do Hoyt ontem à noite? Depois que eles deixaram o bar, Hoyt ficou preso numa vala na Arcadia, e eles tiveram que caminhar três quilômetros até conseguir um telefone porque ele havia se esquecido de recarregar a bateria de seu celular.
- Não me diga! – Exclamei, de um jeito estimulante e fofoqueiro. – E ela naqueles saltos altos. – O equilíbrio do Jason se restaurou. Ele me contou as fofocas locais durante uns minutos, aceitou minha oferta de uma Coca, e me perguntou se necessitava de algo da cidade. - Sim, preciso. – Tinha estado pensando enquanto ele falava. A maioria de suas notícias eu já havia escutado dos outros cérebros nas noites passadas, em momentos em que minha proteção mental estava baixa. - Ah-oh, – ele disse, parecendo repentinamente fingindo estar assustado. – No que você vai me meter dessa vez? - Preciso de dez garrafas de sangue sintético e roupas para um homem grande, - disse, e o surpreendi novamente. Pobre Jason, ele merecia uma tola megera como irmã que tivesse tido e criasse lindos sobrinhos que o chamariam de Tio Jase e subiriam em suas pernas. Ao invés disso, ele tinha a mim. - O quão grande é este homem, e onde ele está? - Ele tem mais ou menos um metro e noventa ou um e noventa e cinco, e ele está dormindo, – disse. – Calculo que a cintura seja trinta e quatro, e tem as pernas muito fortes e ombros largos. – Lembrei a mim mesma de checar o tamanho na etiqueta dos jeans do Eric, que ainda estavam na secadora da varanda dos fundos. - Que tipo de roupas? - Roupas de trabalho. - Alguém que conheço? - Eu, – respondeu uma voz profunda. Jason virou-se como se estivesse esperando receber um ataque, o que demonstra que seu instinto não está tão mal, afinal de contas. Mas Eric parecia tão pouco ameaçador quanto um vampiro de seu tamanho pode parecer. E ele havia posto gentilmente o robe marrom de veludo que eu tinha deixado no segundo quarto. Era um que eu guardava ali para o Bill, e me deu uma pontada vê-lo em mais alguém. Mas tinha que ser prática; Eric não podia vagar pela casa com um biquíni vermelho – pelo menos, não com o Jason na casa. Jason olhou Eric com os olhos exagerados e me lançou um olhar. - Este é seu novo homem, Sookie? Não deixou sequer que crescesse a grama em seu jardim. – Ele não sabia se soava admirado ou indignado. Jason ainda não tinha se dado conta de que Eric estava morto. Sempre me surpreendeu que um montão de gente não pudesse perceber, até depois de alguns minutos. – E, preciso conseguir roupas para ele? - Sim. Sua camisa rasgou ontem à noite, e seus jeans ainda estão sujos. - Vai me apresentar? Inspirei profundamente. Teria sido muitíssimo melhor se o Jason não tivesse visto o Eric. - Melhor não, – disse. Eles levaram aquilo para o lado pessoal. Jason pareceu ferido, e o vampiro ofendido. - Eric, – ele disse, e estirou sua mão para o Jason. - Jason Stackhouse, o irmão desta dama grosseira. – Jason disse. Ambos apertaram as mãos, e eu tive vontade de torcer o pescoço dos dois. - Presumo que existe alguma razão pela qual vocês dois não podem sair e comprar as roupas, – disse Jason. - Existe uma razão muito boa, - disse. – E existem mais ou menos vinte muito boas razões pelas quais você deve se esquecer que alguma vez viu o Eric. - Você está em perigo? – Jason me perguntou diretamente. - Ainda não, - disse.
- Se fizer algo que possa machucar a minha irmã, vai se encontrar meter em muitos problemas comigo , - Jason disse a Eric, o vampiro. - Não esperaria menos, - disse Eric. – Mas já que você está sendo franco comigo, eu também serei com você. Penso o Acho que você deveria dar cobertura a ela e tomá-la sob seu resguardo dentro de sua casa, assim ela se encontraria mais protegida. A boca do Jason abriu-se de novo, e eu tive que cobrir a minha para não rir em voz alta. Isto era muito melhor do que me tinha imaginado. - Dez garrafas de sangue e uma muda de roupas? – Jason me perguntou, e soube pela mudança de sua voz que ele finalmente entendeu a condição do Eric. - Exato. A loja de licores vende o sangue. E as roupas, você pode compra no Wal-Mart*. –Eric majoritariamente era do tipo camiseta e jeans, que era a única coisa que eu podia pagar, de qualquer jeito. – Ah, também precisa de sapatos.
(*Wal-Mart – É uma famosa rede de lojas de departamento dos Estados Unidos. Foi fundada em 1962 por Sam Walton, em Rogers no estado do Arkansas.)
Jason juntou-se ao Eric e pôs seu pé paralelo ao do vampiro. Ele assobiou, o que fez o Eric dar um salto. - Pés grandes, - Jason comentou, e me lançou um olhar. – O velho ditado é verdade? Sorri a ele. Sabia que ele estava tentando aliviar a atmosfera. - Você pode até não acreditar, mas eu não sei. - Difícil de engolir… sem duplo sentido. Bom, estou indo, - Jason disse, acenando em direção ao Eric. Depois de uns segundos, o escutei manobrar sua caminhonete nas curvas de meu meio-fio, rumo aos escuros bosques. A noite havia se instalado por completo. - Lamento ter saído enquanto ele estava aqui, - Eric disse tentativamente. – Você não queria que ele me conhecesse, eu acho. – Ele se aproximou do fogo e pareceu desfrutar do calor exatamente como eu vinha fazendo. - Não é que eu me envergonhe de ter você aqui – disse a ela. – É só que tenho o pressentimento de que você está metido em um mundo de confusões, e não quero que meu irmão se envolva. - É seu único irmão? - Sim. E meus pais já morreram e também minha avó. Ele é tudo o que me resta, exceto uma prima que está metida com drogas há anos. Suponho que está perdida. - Não fique triste, - ele disse, como se não pudesse impedir de dizê-lo. - Estou bem. – Fiz com que minha voz soasse enérgica e concreta. - Você já teve meu sangue, - ele disse. Ah-oh. Fiquei completamente parada. - Eu não teria como saber o que você está sentindo se você não tivesse meu sangue, - ele disse. – Somos… fomos… amantes? Essa, certamente, era uma maneira muito linda de se colocar. Eric, no geral, era muito anglosaxão sobre sexo. - Não, - disse imediatamente, e estava dizendo a verdade, embora isso não tivesse acontecido apenas por uma finíssima margem. Tinham nos interrompido a tempo, graças a Deus. Não sou casada. Tenho momentos de fraqueza. Ele é maravilhoso. Preciso dizer mais? Mas ele estava me olhando com olhos intensos, e senti meu rosto corar. - Este não é o robe de seu irmão. Oh droga. Fiquei observando o fogo como se dele fosse surgir uma resposta para mim. - Então, de quem é?
- É do Bill, - disse. Essa foi fácil. - Ele é seu amante? Assenti. - Foi, - disse honestamente. - Ele é meu amigo? Pensei a respeito disso por um momento. - Bom, não exatamente. Ele vive na área onde você é o Xerife? Área Cinco? – Voltei a escovar meu cabelo e descobri que já havia se secado. Ele estalou com a eletricidade e seguiu a escova. Sorri para o efeito em meu reflexo do espelho acima da chaminé. Também podia ver o Eric no reflexo. Não tenho nem ideia do por que essa história de que os vampiros não podem ser vistos em espelhos. Ali, certamente havia muito Eric para ver, porque ele era tão alto e não havia apertado tanto o robe… Fechei meus olhos. - Precisa de algo? – Eric perguntou inquieto. Mais autocontrole. - Estou muito bem, - disse, tentando não ranger meus dentes. – Seus amigos estarão aqui logo. Seu jeans está na secadora, e estou desejando que Jason retorne em uns minutos com algumas roupas. - Meus amigos? - Bom, os vampiros que trabalham para você. Suponho que Pam conte como amiga. Não sei a respeito do Chow. - Sookie, onde trabalho? Quem é Pam? Está era realmente uma conversa muito trabalhosa. Tentei explicar ao Eric a respeito de sua posição, seu próprio negócio no Fangtasia, seus outros interesses comerciais, mas honestamente, não tinha conhecimentos suficientes a respeito disso para informá-lo. - Você não sabe muito a respeito do que faço, - ele observou corretamente. - Bom, só vou ao Fangtasia quando Bill me leva, e ele só me leva lá quando você quer que faça algo para você. – Golpeei a mim mesma com a escova na testa. Estúpida, estúpida! - Como posso fazer com que você faça algo? Empresta-me a escova? – Eric perguntou. O olhei de esguelha. Ele me olhou todo preocupado e pensativo. - Claro, - disse, decidindo ignorar sua primeira pergunta. Passei-lhe a escova. Ele começou a usála em seu próprio cabelo, movendo ritmicamente seus músculos do peito. Ooh, droga. Será que eu deveria retornar à ducha e ligar a água fria? Eu entrei como um furacão em meu quarto, pegando uma fita elástica e prendi meu cabelo no rabo-de-cavalo mais apertado que pude fazer, até o topo de minha cabeça. Utilizei minha segunda melhor escova para deixá-lo bem liso, e me assegurei que tinha feito de forma centralizada, girando minha cabeça de um lado para o outro. - Você está tensa, - Eric disse da soleira da porta, e eu soltei um gemido. – Sinto muito, sinto muito! – disse apressado. Lancei-lhe uma olhada, cheia de suspeita, mas ele parecia realmente envergonhado. Se ele fosse o mesmo de sempre, Eric teria rido. Mas diacho, como eu sentia a falta do Eric Verdadeiro. Você sabia onde pisava com ele. Escutei uma batida na porta de entrada. - Fique aqui, - disse a ele. Ele pareceu muito preocupado, e se sentou numa cadeira no canto de meu quarto, como um bom menino. Alegrei-me de ter recolhido minhas roupas sujas na noite anterior, assim, meu quarto não parecia tão pessoal. Fui através da sala de estar até a porta de entrada, desejando que não houvesse mais surpresas. - Quem é? – Perguntei, colocando minha orelha na porta. - Já estamos aqui, - respondeu Pam.
Comecei a girar a maçaneta, parei, logo recordei que eles não podiam entrar de qualquer jeito, e então abri a porta. Pam tem cabelo longo de um loiro muito pálido e uma pele tão branca como uma pétala de magnólia. Fora isso, ela parece uma jovem dona-de-casa suburbana que mantém um emprego de meio período numa escola primária. Embora realmente não acredite que realmente você fosse querer que a Pam se encarregasse de cuidar de seus filhos, nunca a vi fazer nada extraordinariamente cruel ou vicioso. Mas ela está definitivamente convencida de que os vampiros são melhores que os humanos, e é muito direta e não mede palavras. Tenho certeza que se Pam visse que alguma ação imediata fosse necessária para garantir seu bem-estar, ela a faria sem ao menos mover um fio de cabelo. Ela parece ser uma excelente segundo em comando e não muito ambiciosa. Se ela quer ter seu próprio distrito ou área, ela mantém esse desejo muito bem guardado. Chow é farinha de outro saco. Não quero conhecer o Chow mais do que já o conheço. Não confio nele, e nunca me sinto confortável com ele por perto. Chow é asiático, um baixo mas poderoso vampiro com um cabelo comprido e negro. Não mede mais que um metro e meio de altura, mas cada centímetro visível de pele (exceto o rosto) está coberta por tatuagens que são um verdadeiro trabalho de arte. Pam diz que são tatuagens Yakuza*. Chow trabalha no Fangtasia como o garçom do bar algumas noites, e em outras noites apenas senta-se no bar para que os frequentadores se aproximem. (O que é o verdadeiro propósito dos bares vampiros, deixarem que os humanos normais sintam que estão se aventurando pelo lado selvagem ao estar no mesmo lugar com os mortos-vivos de carne e osso. É muito lucrativo, Bill havia me dito.)
(* Yakuza é uma organização criminosa japonesa. Nasceram no inicio do século XVII, nos grandes centros urbanos de Osaka e Edo, atual Tóquio).
Pam estava vestindo um fofo suéter bege e uma calça de malha cor bronze e Chow vestia seu colete usual e uma calça. Ele raramente usava camisa, assim, os frequentadores do Fangtasia podiam receber o completo efeito de sua arte corporal. Chamei o Eric, e ele entrou na sala lentamente. Estava visivelmente alerta. - Eric, - disse Pam, quando ela o viu. Sua voz estava cheia de alívio. – Está bem? – Seus olhos ansiosamente fixos no Eric. Ela não fez uma reverência, mas lhe dirigiu uma espécie de profundo aceno. - Mestre, - Disse Chow, e fez uma reverência. Tentei não interpretar o que estava vendo e ouvindo, mas assumi que a diferença entre as saudações significava a classe da relação existente entre os três. Eric pareceu inseguro. - Eu te conheço, - ele disse, tentando soar mais como uma afirmação do que como pergunta. Os outros dois vampiros trocaram um olhar. - Trabalhamos para você, - disse Pam. – Nós lhe devemos lealdade. Comecei a sair do aposento, porque tinha certeza que quereriam falar das coisas secretas de vampiros. E se havia algo que eu não queria saber, eram mais secretos. - Por favor, não vá, - Eric me disse. Sua voz estava aterrorizada. Congelei e olhei para trás. Pam e Chow estavam me olhando por cima dos ombros do Eric, e ambos tinham expressões muito diferentes. Pam parecia quase divertida. Chow parecia abertamente desaprovador. Tentei não olhar diretamente nos olhos do Eric, assim poderia deixá-lo com a consciência tranquila, mas simplesmente não funcionou. Ele não queria ser deixado a sós com seus dois auxiliares. Soprei tanto ar para fora, inflando minhas bochechas. Bem, maldição. Andei com dificuldade de novo para o lado do Eric, fulminando a Pam com o olhar o caminho inteiro. Houve outro golpe na porta, e Pam e Chow reagiram de maneira dramática. Ambos estavam preparados imediatamente para lutar, e vampiros nessa condição são muito, muito aterrorizantes. Suas presas saíram, suas mãos se curvaram como garras e seus corpos se curvaram em completo alarme. O ar pareceu se eletrizar ao redor deles. - Sim? – Disse atrás da porta. Tenho que instalar um olho-mágico. - É o seu irmão, - disse Jason bruscamente. Ele não sabia quão sortudo tinha sido por não entrar sem bater na porta. Algo tinha deixado o Jason de mau humor, e me perguntei se haveria alguém com ele. Quase abri a porta. Mas hesitei. Finalmente, me sentindo como uma traidora, girei para a Pam. Silenciosamente lhe indiquei o corredor que levava até a porta traseira, fazendo um gesto de abrir e fechar para que ela não se confundisse com o que estava pedindo. Fiz um círculo no ar com meu dedo – Venha ao redor da casa, Pam – e apontei à porta de entrada. Pam assentiu e correu pelo corredor rumo à porta traseira. Não pude ouvir seus pés no chão. Assombroso. Eric se moveu para longe da porta. Chow ficou em frente dele. Eu aprovei isso. Isto era exatamente o que um subordinado deveria fazer. Em menos de um minuto, ouvi o berreiro do Jason a menos de quinze centímetros de distância. Saltei para longe da porta, assustada. Pam disse: - Abra! Abri a porta completamente para ver o Jason preso entre os braços da Pam. Ela o estava sustentando longe do chão sem nenhum esforço, apesar dele lutar grosseiramente e dificultando ao máximo, Deus o abençoe. - Você está sozinho, - disse, o alívio era a maior de minhas emoções. - É obvio, maldição! Para que a mandou para cima de mim? Me coloque no chão! - É meu irmão, Pam, - disse a ela. – Por favor, o coloque no chão. Pam baixou o Jason, e ele girou para olhar para ela. - Escuta mulher! Não se eleva um homem desse jeito! Tem sorte de que não te golpeei na cabeça! Pam voltou a parecer divertida, e até mesmo Jason pareceu envergonhado. Ele teve a graça de sorrir. – Suponho que isso teria sido muito difícil, - admitiu, recolhendo as bolsas que tinham caído no chão. Pam o ajudou. – Que sorte que consegui o sangue em garrafas tamanho família, - ele disse. – De outra maneira, está adorável dama teria que partir faminta. Ele sorriu sedutoramente para Pam. Jason ama as mulheres. Com Pam, Jason estava de algum modo indo além da conta, mas ele não tinha senso comum para perceber. - Obrigada. Você precisa ir embora agora, - disse abruptamente. Tomei as bolsas de plástico de suas mãos. Ele e Pam estavam se olhando nos olhos. Ela estava pondo seu encanto sobre ele. – Pam, - disse agudamente. –Pam, este é meu irmão. - Eu sei, - ela disse calmamente. – Jason, tem algo para nos dizer? Esqueci que Jason tinha soado como se mal pudesse se aguentar quando estava na porta. ¯ Sim, - ele disse, mal capaz de arrancar seu olhar para longe da vampira. Mas quando ele me lançou um olhar, ele deu uma olhada no Chow, e seus olhos se alargaram. Ao menos tinha senso suficiente de temer o Chow. - Sookie? – disse. – Você está bem? – ele deu um passo dentro do aposento, e pude sentir como a adrenalina deixada pelo susto que Pam lhe tinha dado começava a bombear em seu sistema outra vez. - Sim. Tudo está bem. Estes são somente amigos do Eric que vieram para ver como ele está. - Bom, é melhor que eles vão retirar aqueles pôsteres de ―Procurado‖.
Isso obteve a plena atenção de todos. Jason desfrutou disso. - Há pôsteres pendurados no Wal-Mart, Grabbit Kwik e no Bottle Barn, e em quase todos os lugares da cidade, - ele disse. – Todos dizem: ―Viu este homem?‖ e contam que ele foi sequestrado e seus amigos estão muito preocupados, e a recompensa por uma visão confirmada é imediata de cinquenta mil dólares. Não processei muito bem isto. Majoritariamente estava pensando Huh?, quando a Pam entendeu. - Eles esperam localizá-lo e capturá-lo, - ela disse ao Chow. – Funcionará. - Teremos que nos encarregar disto, - ele disse, acenando a cabeça na direção do Jason. - Não se atreva a pôr nenhuma mão em cima do meu irmão, - disse. E me interpus entre o Jason e Chow, enquanto minhas mãos procuravam uma estaca ou martelo ou algo que servisse para impedir que esse vampiro tocasse no Jason. Pam e Chow focaram em mim com firme atenção. Não achei isso muito lisonjeador, como Jason havia feito. Eu achei isso fatal. Jason abriu a boca para falar – pude sentir a ira crescendo dentro dele, e o impulso de enfrentá-los - mas minha mão se fechou sobre seu punho, e ele grunhiu, e eu disse, - Não diga uma só palavra. –Por um milagre ele não o fez. Pareceu precaver-se que os acontecimentos estavam se precipitando rapidamente para uma direção muito grave. - Terão que me matar primeiro, - eu disse. Chow deu de ombros e disse: - Grande ameça. Pam não disse nada. Se tivesse que se decidir entre manter os interesses dos vampiros e ser minha amiga… bem, adivinhei que íamos simplesmente ter que cancelar nossa festa de pijamas, e eu que tinha estado planejando fazer uma trança francesa em seu cabelo. - Do que se trata tudo isto? – Eric perguntou. Sua voz estava consideravelmente forte. – Explique... Pam. Foi um minuto onde as coisas pareceram pender por um fio. Então Pam virou-se para Eric, e possivelmente se viu brandamente aliviada de não ter que me matar naquele momento. - Sookie e este homem, seu irmão, te viram, - ela explicou. – São humanos. Precisam de dinheiro. Eles o entregarão às bruxas. - Quais bruxas? – Jason e eu dissemos simultaneamente. - Muito obrigado, Eric, por nos colocar dentro desta merda, - Jason resmungou injustamente. – E poderia soltar meu pulso, Sookie? É mais forte do que pensa. Eu estava mais forte do que deveria ser porque tinha tido sangue de vampiro – mais recentemente do Eric. Os efeitos deveriam durar por mais ou menos outras três semanas, possivelmente mais. Já sabia disto por experiência própria. Infelizmente, necessitei daquela força extra em um momento baixo. O mesmo vampiro que agora vestia o robe de meu antigo namorado tinha me doado esse sangue quando me encontrava seriamente ferida, mas tinha que seguir adiante. - Jason, - disse em uma voz nivela – como se os vampiros não pudessem escutar. - Por favor, mantenha-se alerta. – Isto foi o mais perto que pude chegar para dizer ao Jason para ele ser esperto pelo menos uma vez em sua vida. Ele apreciava demais viver no perigo. Muito lenta e cuidadosamente, como se tivesse um leão solto no quarto, Jason e eu nos sentamos na velha poltrona ao lado da chaminé. Isso fez baixar um pouco a temperatura da situação. Depois de um momento de indecisão, Eric se sentou no chão e apoiou-se em minhas pernas. Pam sentou-se na borda da poltrona reclinável, próxima à chaminé, mas Chow decidiu permanecer de pé (no que eu calculei seria uma distância para investir) perto do Jason. A atmosfera ficou menos tensa, apesar de não significar que tivesse ficado relaxada – mas, ainda assim, era uma melhora sobre os momentos passados.
- Seu irmão deve ficar e escutar isto, - disse Pam. – Não importa quanto deseje que ele não saiba de nada. Ele precisa entender por que não deve tentar ganhar esse dinheiro. Jason e eu assentimos rapidamente. Não estava em posição para mandá-los sair. Espere, eu poderia! Poderia dizer a eles que seus convites para estarem em minha casa haviam sido revogados, e então poof! , todos caminhariam para fora da casa. Percebi que eu estava sorrindo. Revogar um convite era extremamente satisfatório. Já tinha o feito uma vez; enviei ambos Bill e Eric em câmera rápida para fora de minha sala de estar, e me havia sentido tão bem que revoguei o convite de cada vampiro que conhecia. Pude sentir sorriso desaparecer à medida que pensava mais cuidadosamente. Se me desse a este impulso, teria que permanecer em minha casa cada noite pelo resto de minha vida, por que eles retornariam ao escurecer do dia seguinte e do dia depois, e assim até que me apanhassem, por que eu tinha seu chefe. Fulminei o Chow com o olhar. Estava disposta a jogar toda a culpa disto nele. - Há algumas noites, nós ficamos sabendo – no Fangtasia, - Pam explicou para o benefício do Jason, - que um grupo de bruxas havia chegado a Shreveport. Uma humana nos disse isso, uma que deseja o Chow. Ela não sabia por que estávamos tão interessados nesta informação. Isso não soava muito ameaçador para mim. Jason deu de ombros. - E? – ele disse. – Caramba, todos vocês são vampiros. O que pode fazer um grupinho de garotas de preto a vocês? - Bruxas verdadeiras podem fazer muito aos vampiros, - Pam disse, com uma evidente abrangência. – As ―garotas de preto‖ que está pensando são apenas imitadoras. As bruxas verdadeiras podem ser homens e mulheres de qualquer idade. São formidáveis e muito poderosos. Eles controlam as forças mágicas, e nossa própria existência está cimentada na magia. Este grupo parece ter mais...* – Ela se deteve, tentando encontrar a palavra.
(*A expressão correta seria: This group seems to have some extra... juice. Não achei melhor modo para traduzir.)
- Vitalidade? – Jason sugeriu cortês. - Vitalidade, - ela concordou. – Não descobrimos o que os faz tão fortes. - Qual foi o motivo para eles virem a Shreveport? – Perguntei. - Uma boa pergunta, - disse Chow aprovadoramente. – Uma pergunta muito melhor. Franzi as sobrancelhas para ele. Não precisava de sua maldita aprovação. - Eles queriam… eles querem… se apoderar dos negócios do Eric, - Pam disse. – As bruxas querem dinheiro tanto quanto qualquer um, e elas imaginaram que poderiam ficar com os negócios, ou fazer que Eric lhes pagasse para que elas o deixassem em paz. - Dinheiro por proteção. – Isto era um conceito familiar para qualquer um que visse TV. – Mas, como eles podem forçá-los a fazer alguma coisa? Vocês são tão poderosos. - Você não tem nem ideia de quantos problemas pode ter um negócio quando as bruxas querem um pedaço dele. Quando nos reunimos pela primeira vez com eles, seus líderes – um casal de irmã e irmão – insinuaram em voz alta. Hallow nos deixou claro que ela poderia amaldiçoar nosso negócio, tornar nossas bebidas alcoólicas ruins, e fazer com que os frequentadores tropeçassem na pista de dança e nos processassem, isso sem mencionar os problemas com o encanamento. – Pam elevou suas mãos com desgosto. – Transformaria cada noite em um pesadelo, e nossos lucros cairiam possivelmente ao ponto de fazer o Fangtasia não valer nada. Jason e eu trocamos olhares precavidos. Naturalmente, os vampiros estavam por dentro dos negócios dos bares, dado que era o mais lucrativo na noite, e eles estavam acordados a essa hora.
Eles faziam tudo durante a noite; tinturarias, restaurantes, cinemas noturnos… mas o bar era mais lucrativo. Se o Fangtasia fechasse, a principal base financeira do Eric sofreria um grande golpe. - Assim eles querem dinheiro por proteção, - disse Jason. Ele havia assistido a trilogia ―O Poderoso Chefão‖ no mínimo umas quinze vezes. Pensei em lhe perguntar se ele queria dormir com os peixes, mas Chow parecia chateado, então me contive. Nós estávamos a um passo de uma desagradável morte, e sabia que não era momento para piadas, especialmente piadas que quase não tinham graça. - Como o Eric acabou correndo a noite por meu meio-fio sem camisa ou sapatos? –Perguntei, pensando que já era a hora de chegar ao ponto. Os subordinados trocaram vários olhares entre si. Olhei para o Eric, que estava pressionado contra minhas pernas. Ele parecia estar tão interessado na resposta quanto nós. Sua mão segurava firmemente meu tornozelo. Senti-me como uma grande capa de segurança. Chow decidiu começar a narração. - Dissemos a eles que discutiríamos o acordo. Mas noite passada, quando fomos trabalhar, uma das bruxas estava esperando no Fangtasia com uma proposta alternativa. – Ele pareceu um pouco desconfortável. – Durante nosso primeiro encontro, a líder do grupo Hallow, decidiu que ela, ah, desejava o Eric. Tal união é altamente reprovada entre bruxas, você entende, já que estamos mortos e a bruxaria deve ser algo... orgânico. – Chow cuspiu a palavra como se fosse algo desagradável preso à sola de seu sapato. – Obviamente, a maioria das bruxas nunca fariam o que essas bruxas estavam tentando. Toda essa gente é guiada pelo próprio poder, ao invés da religião por trás dele. Isto era interessante, mas eu queria escutar o resto da história. Igualmente Jason, que fez um gesto com a mão de ―anda logo‖. Com uma pequena sacudida a si mesmo, como se tirasse seus pensamentos de si mesmo, Chow continuou. - Esta líder das bruxas, esta Hallow, disse ao Eric, através de sua subordinada, que se ele a entretece por sete noites, ela só exigiria quinze por cento de seu negócio, ao invés de cinquenta. - Você deve ter alguma reputação, - meu irmão disse ao Eric, sua voz cheia de sincero respeito. Eric não teve muito êxito ao tentar ocultar sua expressão satisfeita. Ele estava feliz por ouvir que ele era uma espécie de Romeu. Houve uma diferença clara na maneira que ele me olhou no momento seguinte, e eu tive um terrível sentimento de algo inevitável – como quando você vê seu carro deslizando colina abaixo (embora tenha certeza de que havia o estacionado), e sabe que não há maneira de alcançá-lo e freiá-lo, não importa o quanto queira. Esse carro vai bater. - Apesar de alguns de nós pensarmos que seria inteligente aceitar o trato, nosso mestre se negou, - Chow disse, lançando ao ―nosso mestre‖ um olhar pouco amoroso. – E nosso mestre se recusou em termos tão insultantes que Hallow o amaldiçoou. Eric pareceu envergonhado. - O que, na face da Terra, faria você recusar um trato como este? – Jason perguntou, honestamente confuso. - Não me lembro, - disse Eric, movendo-se uma fração mais para perto de minhas pernas. Frações eram o mais próximo que ele podia chegar. Ele parecia relaxado, mas eu sabia que ele não estava. Podia sentir a tensão em seu corpo. – Não sabia meu nome até que esta mulher, Sookie, me disse. - E como acabou aqui na região? - Não sei tampouco. - Ele simplesmente desapareceu de onde estava, - Pam disse. – Estávamos sentados no escritório junto com a jovem bruxa, e Chow e eu estávamos discutindo com o Eric a respeito de sua negativa. E logo já não o estávamos. - Isso soa familiar, Eric*? – Perguntei. E descobri a mim mesma acariciando seu cabelo, como faria com um cão que se aproximasse de mim.
(*A expressão original é ―Ring any Bells, Eric?‖)
O vampiro pareceu confuso. Apesar do inglês do Eric ser excelente, de tanto em tanto uma expressão podia perturbá-lo. - Lembra-se de alguma coisa a respeito disso? – disse, mais explícita. - Tem alguma memória disso? - Eu nasci no momento em que estava correndo naquela estrada na escuridão e no frio, - ele disse. – Até que você me ajudou, eu estava vazio. Pondo dessa maneira, soava aterrorizante. - Algo simplesmente não faz sentido, - disse. – Isto não iria acontecer do nada, sem nenhuma advertência. Pam não pareceu ofendida, mas Chow fez seu melhor esforço para parecer. - Vocês dois fizeram alguma coisa, não é? Vocês estragaram tudo. O que foi que fizeram? – os dois braços do Eric enrolaram minhas pernas, assim fiquei presa naquele lugar. Suprimi uma pequena pontada de pânico. Ele estava apenas inseguro. - Chow perdeu o controle com a bruxa, - Pam disse, depois de uma significativa pausa. Fechei meus olhos. Inclusive Jason pareceu entender o que a Pam estava se referindo, porque seus olhos se alargaram. Eric girou seu rosto para esfregar sua bochecha em minha coxa. Me perguntei por que ele estaria fazendo isso. - E no momento em que ela foi atacada, o Eric desapareceu? – Perguntei. Pam assentiu. - Então lhe colocaram um feitiço como armadilha. - Aparentemente, - disse Chow. – Embora nunca tenha escutado nada sobre isso, e não possa ser acusado. Seu olhar penetrante me desafiou a dizer algo. Me virei para o Jason e rolei os olhos. Lidar com o erro do Chow não era minha responsabilidade. Tinha bastante certeza que se a história completa chegasse aos ouvidos da rainha de Louisiana, a chefe suprema do Eric, ela provavelmente teria algumas coisas para dizer ao Chow sobre o incidente. Houve um pequeno silêncio, durante o qual Jason se levantou para colocar lenha no fogo. - Vocês já estiveram no Merlotte´s antes, não é verdade? – Ele perguntou aos vampiros. – Onde trabalha Sookie? Eric encolheu os ombros; não recordava. Pam disse, - Eu estive, mas Eric não. – Ela me olhou para confirmar, e depois de pensar por um tempo, assenti. - Assim ninguém vai associar instantaneamente o Eric com a Sookie. – Jason lançou esta observação casualmente, mas se via feliz e quase satisfeito. - Não, - Pam disse lentamente. – Possivelmente não. Ali definitivamente havia algo com que deveria começar a me preocupar nesse mesmo momento, mas não podia discernir muito bem o que era. - Então está a salvo pelo menos no que se refere a Bon Temps, - continuou Jason. – Duvido que mais alguém o tenha visto ontem à noite, com exceção da Sookie, e juro que não sei por que ele acabou correndo naquela estrada em particular. Meu irmão havia feito um excelente segundo ponto de vista. Ele realmente estava operando com todas suas baterias no máximo esta noite. - Mas um montão de gente daqui dirige a Shreveport para ir ao bar, Fangtasia. Inclusive eu mesmo fui. – Jason disse. Isto era novo para mim, e lhe dirigi um olhar assassino. Ele encolheu os ombros e pareceu um pouco envergonhado. – Então o que vai acontecer quando alguém tentar obter a recompensa? Quando eles ligarem para o número de telefone no pôster?
Chow decidiu contribuir um pouco mais na conversa. - Certamente, o ―amigo preocupado‖ que responder virá o mais rápido possível para conversar com o informante. Se quem chamou puder convencer o ―amigo preocupado‖ que viu o Eric depois que a bruxa vadia lhe lançou o feitiço, as bruxas começariam a procurar nesta área em específico. Teriam certeza de encontrá-lo. Tentariam contatar as bruxas locais, também, para colocá-las trabalhando nisto também. - Não há bruxas em Bon Temps, - Jason disse, parecendo surpreso de que Chow pudesse sequer sugerir essa ideia. Ali estava meu irmão novamente, fazendo pressupostos. - Oh, aposto que há, - disse. - Por que não? Lembra do que comentei? – Apesar de ter pensado em Lobis e em Metamorfos quando o tinha prevenido de que existiam coisas no mundo que ele não quereria ver. Meu pobre irmão esta noite estava sendo sobrecarregado com informação. - Por que não? – Ele repetiu fracamente. – Quem elas seriam? - Algumas seriam mulheres, outros seriam homens, - disse Pam, sacudindo e juntando suas mãos como se ela estivesse falando de alguma espécie de doença infecciosa. – São como qualquer outra pessoa que leva uma vida secreta – muitos deles são bem simpáticos, aparentemente inofensivos. - Embora Pam não soasse muito convencida quando disse isto. – Mas o mal tende a poluir o bom. - Entretanto, - disse Chow, olhando pensativamente para Pam, – esta é uma região tão esquecida que provavelmente haja pouquíssimas bruxas na área. Nem todas as bruxas vivem em Covens*, e obter a ajuda de uma bruxa sem líder seria muito difícil para Hallow e seus seguidores.
(* Coven, Coventículo ou Conciliábulo é o nome dado a um grupo de bruxos (as), que se unem num laço mágico, físico e emocional, sob o objetivo de louvar a Deusa e o Deus, tendo em comum um juramento de fidelidade à Arte e ao grupo. Um Coven tem como filosofia "Perfeito Amor e Perfeita Confiança". Isto quer dizer que dentro do Coven deverá prevalecer a união, pois um Coven é, antes de mais nada, uma família. Tradicionalmente, ele abriga o máximo de treze pessoas.)
- Por que as bruxas de Shreveport não podem simplesmente lançar um enfeitiço para encontrar o Eric? – Perguntei. - Não puderam encontrar nada dele que lhes sirva para preparar este feitiço. – Pam disse, e ela soou como se soubesse muito bem do que estava falando. – Não podem ir a seu lugar de descanso durante o dia para obter cabelo ou roupa que leve sua essência. E não há ninguém por perto que tenha o sangue do Eric dentro de si. Ah-oh. Eric e eu nos olhamos por um momento. Havia eu; e esperava ardentemente que ninguém mais soubesse disto além do Eric. - De qualquer maneira, - Chow disse, trocando os pés, - em minha opinião, já que estamos mortos, esse tipo de coisa não poderia funcionar para realizar um enfeitiço. Os olhos da Pam encontraram os do Chow. Estavam trocando ideias de novo, e eu não gostei. Eric, a causa de toda esta troca mental de ideias, olhava de um lado pro outro para seus dois vampiros subordinados. Até mesmo para mim ele parecia totalmente perdido. Pam se dirigiu a mim. - Eric deverá ficar aqui, onde está. Levá-lo para outro lugar seria expô-lo a mais perigo. Com ele fora do caminho e seguro, poderemos tomar medidas preventivas contra as bruxas. - Vamos precisar de colchões*, - Jason sussurrou em meu ouvido, ainda preso à terminologia do Poderoso Chefão.
(* No original ‗going to the mattresses‘. Termo usado pela máfia, que significa ir à guerra com uma família ou clã rival. É quando uma família de mafiosos manda alguém se apoderar do apartamento de uma pessoa e de colchões para que os soldados da família possam dormir enquanto se escondem em segurança, esperando por uma ligação sobre o que fazer.)
Agora que Pam havia dito em voz alta, pude ver claramente porque devia ter começado a me preocupar quando Jason enfatizou quão impossível era que alguém associasse o Eric comigo. Ninguém acreditaria que um vampiro com o poder e a importância do Eric estaria estacionado com uma garçonete humana. Meu convidado amnésico parecia confuso. Inclinei-me a ele, me permitindo brevemente o impulso de acariciar seu cabelo, e logo levei minhas mãos a seus ouvidos. Ele permitiu isto, inclusive pôs suas próprias mãos sobre as minhas. Eu ia fingir que ele não ia ouvir o que eu estava prestes a dizer. - Escutem Chow e Pam. Esta é a pior ideia que já escutei. Direi por que. – Eu mal conseguia soltar as palavras rápidas o bastante, enfaticamente o bastante. - Como eu devo protegê-lo? Vocês sabem como isto vai acabar! Vou acabar machucada. Ou provavelmente, até morta. Pam e Chow me olharam com idênticas expressões vazias. Eles podiam até ter dito: ―E, qual é o ponto?‖ - Se minha irmã fizer isto, - Jason disse, me descartando por completo, - ela merece receber um pagamento por isso. Houve, o que se chamaria, um silêncio incômodo. Eu olhei-os de boca aberta. Simultaneamente, Pam e Chow assentiram. - No mínimo a mesma quantia que um informante que ligasse para o telefone impresso no pôster obteria, - Jason disse, seus brilhantes olhos azuis indo de uma cara pálida a outra. –Cinquenta mil. - Jason! – Finalmente pude encontrar minha voz, e tampei ainda mais forte com minhas mãos as orelhas do Eric. Estava envergonhada e humilhada, sem estar em condições de saber exatamente por que. Por um lado, meu irmão estava arrumando meus assuntos como se fossem dele. - Dez, - disse Chow. - Quarenta e cinco, - Jason respondeu. - Vinte. - Trinta e cinco. - Feito. - Sookie, trarei minha escopeta para você, - disse Jason.
- Como isso aconteceu? – perguntei ao fogo, quando todos eles se foram. Todos exceto o grande vampiro Viking que eu devia proteger e preservar. Estava sentada no tapete em frente ao fogo da lareira. Acabara de lançar mais um pedaço de madeira e as chamas eram realmente deliciosas. Precisava pensar sobre algo prazeroso e confortável. Vi um grande pé nu com o canto de meu olho. Eric sentou-se para se reunir a mim no tapete. - Acredito que isto aconteceu porque você tem um irmão ganancioso e porque você é o tipo de mulher que me ajudaria, mesmo estando com medo. - Eric disse corretamente. - Como se sente sobre isso tudo? – Eu nunca perguntaria isso ao verdadeiro Eric, mas ele ainda parecia tão diferente; talvez não o completamente aterrorizado que havia sido na noite anterior, mas ainda muito não-Eric. – Quero dizer... É como se você fosse um pacote que eles põem num armário, sendo eu o tal armário. - Alegra-me que eles tenham medo suficiente de mim para cuidar bem de mim. - Huh, - eu disse inteligentemente. Não era a resposta que eu esperava. - Eu devo ser uma pessoa assustadora, quando sou eu mesmo. Ou eu inspiro tanto a lealdade com minhas boas obras e maneiras amáveis? Ri silenciosamente. - Eu acho que não. - Você é legal, - eu disse para tranqüilizá-lo, embora, pensando bem, o Eric não parecia que precisava de consolo. Entretanto, agora eu era responsável por ele. – Seus pés não estão frios? - Não – ele disse. Mas agora eu estava encarregada de cuidar do Eric, que não precisava de ninguém cuidando dele. E eu estava sendo paga com uma quantia exorbitante de dinheiro para fazer isso, eu lembrei a mim mesma duramente. Eu peguei o velho edredom da parte de trás da poltrona e cobri suas pernas com quadradinhos verdes, azuis e amarelos. Caí de volta no tapete ao lado dele. - Isso é realmente horrível – Eric disse. - Isso foi o que o Bill disse – rolei sobre meu estômago e me peguei sorrindo. - Onde está este Bill? - Ele está no Peru. - Ele disse a você que estava indo? - Sim. - Posso assumir que seu relacionamento com ele acabou? Esta era uma boa maneira de se colocar. - Paramos de nos ver. Está começando a parecer que será permanente. – eu disse com minha voz calma. Ele estava sobre seu estômago ao meu lado agora, apoiado em seus cotovelos para que pudéssemos conversar. Ele estava um pouco mais perto de mim do que eu achava confortável, mas eu não queria fazer disto um grande problema. Ele girou para cobrir a nós dois com o edredom. - Conte a respeito dele, - disse Eric inesperadamente. Todos eles, ele, Pam e Chow, tinham tomado um copo de TrueBlood, antes que os outros vampiros se retirassem, e ele estava parecendo vistoso. - Você conhece o Bill, - eu disse a ele. – Ele trabalhou para você por um longo tempo. Eu acho que você não se lembra, mas o Bill é… bem, ele é calmo e legal, ele é muito protetor e ele parece não conseguir tirar algumas coisas de sua cabeça. – Eu nunca pensei que, de todas as pessoas, eu estaria falando com Eric de minha relação com o Bill. - Ele ama você? Suspirei e meus olhos encheram-se de lágrimas, como comumente acontecia quando eu pensava no Bill – uma chorona, essa sou eu. - Bom, ele disse que sim – murmurei tristemente. – Mas quando aquela vampira vadia entrou em contato com ele, de alguma forma, ele saiu correndo atrás dela. – pelo que eu sabia, ela havia lhe mandado um e-mail. – Ele teve um caso com ela antes, ela era sua... eu não sei como vocês chamam isso, aquela que o tornou vampiro. Trouxe-o de volta, foi o que ele disse. Então, Bill voltou para ela. Ele disse que precisou voltar. E então ele descobriu – eu olhei para Eric com as sobrancelhas levantadas, e ele pareceu fascinado – que ela estava apenas tentando arrastá-lo para um lado ainda mais escuro. - Perdão? - Ela estava tentando fazer com que ele fosse para outro grupo de vampiros no Mississipi e trazer consigo a valiosa base de dados de computador que ele vinha reunindo para seu pessoal, os vampiros de Louisiana, - eu disse, simplificando um pouquinho, tentando ser breve. - O que aconteceu? Isso era tão divertido quanto conversar com a Arlene. Talvez até mais, porque nunca pude contar a ela a história completa. - Bom, Lorena, este é seu nome, ela torturou ele. – eu disse, e os olhos do Eric alargaram-se. – Você pode acreditar nisso? Que ela torturou alguém com quem já tinha feito amor? Alguém com quem ela havia vivido por anos? - Eric sacudiu a cabeça, incrédulo. – De qualquer forma, você disse que eu fosse a Jackson para encontrá-lo, e eu meio que fui buscar pista neste bar de Supes. – Eric assentiu. Certamente não precisava explicá-lo que supes eram as criaturas sobrenaturais. – Seu nome é Josephine‘s, mas os Lobis o chamam de Clube dos Mortos. Você me disse para ir até lá com este Lobi realmente legal que lhe devia um grande favor, e eu fiquei hospedada em sua casa. - Alcide Herveaux ainda permanecia em minhas fantasias. – Mas eu acabei me machucando seriamente, - eu concluí. Me machucando seriamente, como sempre. - Como? - Cravaram-me uma estaca, acredite se quiser. Eric pareceu propriamente surpreso. - Tem uma cicatriz? - Sim, apesar de… - eu parei na hora. Ele indicou que esperava que eu continuasse. - O quê? - Você conseguiu que um dos vampiros de Jackson trabalhasse na minha ferida, assim sobrevivi… e então você me deu sangue para que sarasse mais rápido, assim eu poderia procurar o Bill durante o dia. – Lembrar da forma que Eric me deu seu sangue fez minhas bochechas corarem, e eu só podia desejar que Eric atribuísse a cor ao calor do fogo. - E você salvou o Bill? – ele disse, saindo daquela parte tocante. - Sim, – eu disse orgulhosamente. – Eu salvei seu traseiro. – Girei e olhei para ele. Caramba, era muito bom ter alguém com quem conversar. Eu levantei minha camisa e me inclinei para mostrar ao Eric minha cicatriz, e ele apenas pareceu impressionado. Ele tocou a área com a ponta do dedo e balançou a cabeça. Voltei a arrumar a roupa. - O que aconteceu com a vampira vadia? – ele perguntou. Eu olhei para ele com receio, mas ele não parecia estar se divertindo às minhas custas.
- Bom, - eu disse, - hum, na verdade, eu meio que… ela surgiu quando eu estava soltando o Bill, e ela me atacou, e eu meio que… a matei. Eric me olhou intensamente. Eu não pude decifrar sua expressão. - Você já havia matado alguém antes? – ele perguntou. - Claro que não, - eu disse indignada. – Bem, eu machuquei um cara que estava tentando me matar, mas ele não morreu. Não, eu sou humana. Não preciso matar ninguém para viver. - Mas os humanos matam outros humanos o tempo todo. E eles nem sequer precisam comê-los ou tomar seu sangue. - Não todos os humanos. - Tem razão, - ele disse. – Nós vampiros somos assassinos. - Mas, de certa maneira, vocês são como os leões. Eric pareceu surpreso. - Leões? – Disse fracamente. - Leões, em relação a essa coisa de matar. – Nesse momento, essa idéia surgiu como uma inspiração. – Então, vocês são predadores, como os leões e as aves de rapina. Porque vocês necessitam do que matam. Vocês têm que matar para comer. - Agarrar-se a esta teoria consoladora faz com que nos vejamos quase iguais a você. E estávamos acostumados a ser como você. E nós podemos te amar, assim como podemos nos alimentar de você. Você dificilmente poderia dizer que o leão quer acariciar o antílope. De repente, surgiu algo no ar que não existia momentos antes. Senti-me um pouco como o antílope que estava sendo perseguido por um extravagante leão. Eu tinha me sentido mais confortável quando tomava conta de uma vítima aterrorizada. - Eric, - eu disse muito cuidadosamente, - você sabe que é meu convidado aqui. E você sabe que se eu disser para você partir, e eu vou se você não for direto comigo, você estará lá fora no meio do campo vestindo um robe que é pequeno demais pra você. - Eu disse algo que a deixou desconfortável? – Ele estava (aparentemente) completamente arrependido, seus olhos azuis resplandecendo com sinceridade. – Lamento. Eu estava apenas tentando seguir o rumo de seus comentários. Você tem mais TrueBlood? Quais são as roupas que o Jason trouxe para mim? Seu irmão é muito esperto. – Ele não soou cem por cento admirado quando me disse isso. Não podia culpá-lo. A esperteza do Jason havia lhe custado trinta e cinco mil dólares. Eu peguei a sacola do Wal-Mart, torcendo para que Eric gostasse de seu novo moletom do Louisiana Tech e de jeans baratos. Fui me deitar perto da meia-noite, deixando o Eric absorto em minhas fitas da primeira temporada de Buffy, a caça vampiros. (Que, embora bem-vindas, tinham sido, na verdade, um presente da Tara.) Eric achou o seriado hilariante, especialmente quando as testas dos vampiros se inchavam quando eles tinham desejo de sangue. De tempos em tempos, eu podia ouvir o Eric rindo por todo o caminho até meu quarto. Mas o som não me incomodava. Achei confortável ouvir mais alguém na casa. Me tomou um pouco mais de tempo para cair no sono, porque eu estava pensando em todas as coisas que tinham acontecido naquele dia. Eric estava no programa de proteção à testemunha, de alguma maneira, e eu estava mantendo a casa segura. Ninguém no mundo – bom, exceto Jason, Pam e Chow – sabia onde o Xerife da Área Cinco estava neste momento. Que era deslizando para minha cama. Eu não queria abrir meus olhos e brigar com ele. Eu estava naquele ponto entre a consciência e a inconsciência. Quando ele havia subido em minha cama na noite anterior, Eric estava tão assustado que eu me senti quase maternal, confortando-o ao segurar sua mão. Esta noite, não pareceu tão, bom, neutro, tê-lo em minha cama. - Frio? – eu murmurei, quando ele se aproximou ainda mais.
- Um-hum, - ele sussurrou. Estava deitada, tão confortável que nem pensava em me mover. Ele estava de lado, me encarando, e colocou seu braço ao redor da minha cintura. Mas não se moveu nem mais um centímetro e relaxou completamente. Após um momento de tensão, eu também relaxei, e logo depois eu estava morta para o mundo.
A próxima coisa que eu soube foi que era manhã e o telefone estava tocando. Claro, eu estava sozinha na cama, e, através da porta aberta de meu quarto, eu podia ver o quarto menor do outro lado do corredor. A porta do armário estava aberta, como ele havia deixado quando o amanhecer surgiu e ele entrou no apertado buraco à prova de luz. Estava mais claro e quente hoje, acima dos seis, indo para sete graus Celsius. Eu me senti muito mais alegre do que havia me sentido ao acordar no dia anterior. Agora eu sabia o que estava acontecendo, ou, pelo menos, eu sabia mais ou menos o que devia fazer, como os próximos dias se passariam. Ou eu pensava que sabia. Quando atendi ao telefone, descobri que eu não fazia idéia. - Onde está seu irmão? – berrou o chefe do Jason, Shirley Hennessey. Você pensaria que um homem chamado Shirley era engraçado até que você estivesse cara a cara com ele, e neste momento você decidiria guardar a diversão para si mesmo. - Como é que eu vou saber? – eu disse razoavelmente. – Provavelmente dormindo na casa de alguma mulher. Shirley, que era universalmente conhecido como Bagre, nunca tinha, até então, ligado para cá à procura do Jason. Na verdade, eu ficaria surpresa se ele alguma vez precisou ligar para algum lugar. Uma coisa que o Jason era bom é aparecer no trabalho na hora certa, e ao menos manter-se de pé até o final do expediente. Na verdade, o Jason era realmente bom em seu emprego, o qual eu nunca havia entendido realmente. Parece envolver estacionar sua extravagante caminhonete no departamento de estradas regionais, entrar em outra caminhonete com o logotipo regional do Renard na porta e dirigir por aí dizendo às equipes de trabalhadores o que eles têm que fazer. O trabalho parecia também exigir que ele saísse da caminhonete para ficar com os outros trabalhadores enquanto eles encaravam buracos enormes e trabalhavam nos acostamentos. Bagre ficou chocado pela minha franqueza. - Sookie, você não devia dizer esse tipo de coisa, - ele disse bastante surpreso por uma mulher solteira admitir que seu irmão não fosse mais virgem. - Está dizendo que o Jason não apareceu para trabalhar? E você ligou para sua casa? - Sim e sim, - disse Bagre, que em muitos aspectos não era tolo. – Eu até enviei Dago até sua casa. – Dago (trabalhadores de estradas têm que ter apelidos) era Antonio Guglielmi, que nunca tinha ido mais longe do que ir de Louisiana até Mississipi. Eu tinha certeza que o mesmo poderia ser dito de seus pais e, provavelmente, de seus avós, embora haja um rumor que eles estiveram uma vez em Branson para assistir um espetáculo. - A caminhonete dele estava lá? – Eu estava começando a ter um pressentimento ruim. - Sim. – Bagre disse. – Estava estacionada na frente da casa, com as chaves dentro. A porta estava aberta. - A porta da casa ou da caminhonete? - O quê? - Qual porta estava aberta, da casa ou da caminhonete? - Oh, a da caminhonete. - Isso é mal, Bagre – eu disse. Todos os alarmes estavam soando em minha cabeça. - Quando foi a última vez que você o viu?
- Noite passada. Ele esteve aqui para me visitar, e saiu às… oh, vamos ver… devia ser nove e meia ou dez horas. - Tinha alguém com ele? - Não. – Ele não havia trazido ninguém com ele, isso era verdade. - Você acha que eu deveria chamar o Xerife? – Bagre perguntou. Eu passei a mão no rosto. Não estava preparada para isso ainda, não importa quão mal a situação parecia. - Vamos dar mais uma hora, - eu sugeri. – Se ele não aparecer no trabalho em uma hora, me avise. Se ele aparecer, mande-o ligar para mim. Suponho que seja meu dever avisar ao xerife, se chegar a este ponto. Eu desliguei depois que Bagre repetiu tudo que ele havia dito várias vezes, porque ele simplesmente odiava ter que desligar e voltar a trabalhar. Não, não posso ler mentes através de linhas telefônicas, mas podia ler sua voz. Conheço Bagre Hennessey há muitos anos. Ele foi amigo do meu pai. Carreguei o telefone sem-fio até o banheiro comigo enquanto eu tomava um banho para acordar. Não lavei meu cabelo, só para o caso de eu ter que sair às pressas. Eu me vesti, fiz um pouco de café e deixei meu cabelo em uma longa trança. Todo o tempo, enquanto executava essas tarefas, eu estava pensando, o que é algo difícil para eu fazer quando estou quieta. Eu elaborei algumas hipóteses. Primeira. (Essa era minha favorita). Em algum lugar entre a minha e a sua casa, Jason encontrou uma mulher e caiu de amores tão instantaneamente que ele abandonou seus hábitos de anos e esqueceu-se do trabalho. Neste momento, eles estavam na cama em algum lugar, fazendo sexo. Segunda. As bruxas, ou o que diabos elas eram, haviam de alguma maneira descoberto que o Jason sabia onde o Eric estava, e elas o seqüestraram para forçá-lo a falar. (Eu fiz uma anotação mental para aprender mais sobre as bruxas). Por quanto tempo o Jason conseguiria manter o segredo sobre a localização do Eric? Meu irmão tinha muitos defeitos, mas era um homem bravo – ou talvez obstinado seja o mais próximo da verdade. Ele não falaria facilmente. Talvez as bruxas poderiam enfeitiçá-lo para ele falar? Se as bruxas o tivessem, ele já deveria estar morto, já que elas o teriam por horas. E se ele tivesse falado, eu estava em perigo e o Eric ameaçado. Elas poderiam estar a caminho a qualquer minuto, já que as bruxas não precisam viver na escuridão. Eric estava morto durante o dia, indefeso. Esta era definitivamente a pior hipótese. Terceira. Jason havia retornado a Shreveport com Pam e Chow. Talvez eles tivessem decidido lhe dar um pouco do dinheiro adiantado, ou talvez o Jason quisesse visitar o Fangtasia porque era um popular bar noturno. Uma vez lá, ele poderia ter sido seduzido por uma vampira e ficado com ela a noite toda, já que o Jason era como o Eric, as mulheres realmente o adoravam. Se ela tivesse lhe tirado um pouco mais de sangue, ele poderia estar dormindo. Eu acho que a número 3 era apenas uma variante da hipótese número 1. Se Pam e Chow sabiam onde o Jason estava, mas não ligaram antes de morrerem durante o dia, eu ficaria realmente irritada. Meu primeiro instinto foi de conseguir uma tocha e começar a cortar algumas estacas. Depois me lembrei do que eu estava tentando tão duramente esquecer: como me senti quando a estaca cravou-se no corpo da Lorena, a expressão em seu rosto quando ela se deu conta de que sua tão extensa vida havia se acabado. Eu expulsei esse pensamento o mais longe possível. Você não mata alguém (mesmo uma vampira cruel) sem que isso te afete mais cedo ou mais tarde. A não ser que você seja uma completa sociopata, o que eu não sou. Lorena teria me matado sem hesitar. Na verdade, ela possivelmente teria adorado isso. Mas, bem, ela era uma vampira, e Bill nunca cansou de dizer que os vampiros eram diferentes, que, apesar deles manterem a aparência humana (mais ou menos), suas funções internas e suas personalidades passaram por uma mudança radical. Eu acreditei nele e entendi suas advertências, a maior parte do tempo. Era só que eles pareciam tão humanos; era muito fácil atribuir reações humanas normais e sentimentos a eles. A idéia frustrante era que Chow e Pam não acordariam até o anoitecer, e eu não sabia quem – ou o que – acordaria se eu ligasse para o Fangtasia durante o dia. Eu não achava que os dois viviam no bar. Eu tinha a impressão que Pam e Chow dividiam uma casa… ou um mausoléu… em algum lugar de Shreveport. Eu tinha quase certeza de que empregados humanos iam limpar o bar durante o dia, mas era lógico que um humano não me contaria (poderia me contar) sobre os casos dos vampiros. Humanos que trabalham para os vampiros aprendem muito rapidamente a manterem suas bocas fechadas, como eu podia atestar. Por outro lado, se eu fosse ao bar teria a chance de falar com alguém cara a cara. Eu teria a chance de ler a mente de algum humano. Eu não podia ler mentes de vampiros, o que levou à minha atração inicial pelo Bill. Imagine o alivio do silêncio depois de uma vida ouvindo música de elevador. (Agora, por que eu não podia ler mentes de vampiros? Aqui vai uma grande teoria sobre isso. Estou tão por dentro de ciência quanto uma Saltine*, mas eu tenho lido sobre neurônios, que mandam sinais em nossos cérebros, quando estamos pensando, certo? Como é a magia que anima os vampiros, não uma força de vida normal, seus cérebros não mandam sinais. Então, nada para eu recolher… Exceto que, uma vez a cada três meses, eu consigo um pensamento de algum vampiro. E eu cuidei bem para manter isso em segredo, porque este era um jeito certo de obter-se uma morte certa). Por mais estranho, o único vampiro que eu já ―escutei‖ foi… adivinhem… o Eric.
(* Saltine cracker - É um biscoito fino, geralmente quadrado feito de farinha, levedura e bicarbonato de sódio, e alguns levam um leve toque de sal por cima.( http://en.wikipedia.org/wiki/File:Saltine_crackers.jpg) Ou seja, ela não está por dentro da ciência...haha)
Eu tenho gostado tanto da companhia recente do Eric pelo mesmo motivo que gostei da do Bill, exceto pelo componente romântico que eu tinha com o Bill. Mesmo a Arlene tinha a tendência de parar de me ouvir, quando estou falando, se ela estiver pensando em coisas mais interessantes como as notas escolares de seus filhos e coisas fofas que eles dizem. Mas com o Eric, ele poderia estar pensando que seu carro precisa de um novo limpador de pára-brisas, enquanto lhe abro meu coração, e eu não teria idéia. A hora que eu pedi ao Bagre estava quase acabando e meus pensamentos construtivos tinham caído às mesmas divagações incoerentes que eu já tinha tido antes. Blábláblá. Isso é o que acontece quando você fala consigo mesmo por muito tempo. Certo, hora de agir. O telefone tocou na hora exata, e Bagre admitiu que não tinha noticias. Ninguém havia ouvido falar ou visto o Jason; mas, de qualquer forma, Dago não tinha visto nada suspeito na casa do Jason, exceto a porta aberta da caminhonete. Eu ainda estava relutante em ligar para o xerife, mas eu não pude ver outra opção. Naquele ponto, pareceria estranho não ligar para ele. Eu esperava muita confusão e alerta, mas o que recebi foi ainda pior: recebi benevolência e indiferença. Xerife Dearborn na verdade riu. - Você está me ligando porque seu irmão garanhão faltou um dia de trabalho? Sookie Stackhouse, estou surpreso com você. – Bud Dearborn tinha uma voz suave, uma cara amassada parecida com a de um pequinês, e era muito fácil imaginá-lo fungando do outro lado da linha. - Ele nunca falta o trabalho, e sua caminhonete está em sua casa. A porta estava aberta. – eu disse. Ele considerou isso, porque Bud Dearborn é um homem que aprecia uma boa picape.
- Isto realmente soa um pouco preocupante, mas, ainda assim, o Jason tem mais de vinte e um anos e ele tem uma reputação de… (penetrar qualquer coisa que esteja de pé, eu pensei)… ser muito popular entre as mulheres, - Bud concluiu cuidadosamente. – Eu aposto que ele está entretido com alguma nova moça, e ele se arrependerá por ter te causado qualquer preocupação. Você pode me ligar novamente se não ouvir nada a respeito dele até amanhã à tarde, ouviu? - Certo, - eu disse em minha voz fria. - Agora, Sookie, não fique irritada comigo, eu só estou te dizendo o que qualquer representante da lei lhe diria, - ele disse. Eu pensei: ―qualquer representante da lei com chumbo no traseiro‖. Mas eu não falei isso alto. Bud era com quem eu precisava lidar e devia me manter em bons termos com ele, o máximo que eu pudesse. Eu resmunguei algo que era vagamente educado no telefone e desliguei. Depois de ligar novamente para Bagre, eu decidi que meu único plano de ação seria ir à Shreveport. Eu comecei a ligar para Arlene, mas lembrei que ela teria as crianças em casa, já que ainda era feriado escolar. Eu pensei em ligar para o Sam, mas imaginei que ele poderia se sentir obrigado a fazer algo, e eu ainda não havia descoberto o que isso seria. Eu só queria compartilhar minhas preocupações com mais alguém. Eu sabia que aquilo não era certo. Ninguém podia me ajudar, a não ser eu mesma. Tendo convencido a mim mesma de ser corajosa e independente, eu quase liguei para Alcide Herveaux, que é um homem próspero e trabalhador, que tem sua base de trabalho em Shreveport. O pai de Alcide tem uma companhia de supervisão que contrata para trabalhar em três estados, e Alcide viaja muito entre os vários escritórios. Eu havia o mencionado na noite anterior para o Eric; Eric havia enviado Alcide para Jackson comigo. Mas Alcide e eu tínhamos algumas questões ―homem-mulher‖ que ainda estavam mal resolvidas e seria trapacear ligar para ele quando eu apenas queria a ajuda que ele não poderia me dar. Pelo menos foi assim que me senti. Eu tive medo de sair de casa em caso de surgir noticias do Jason, mas já que o xerife não estava procurando por ele, eu pensei que dificilmente surgiria alguma noticia. Antes de sair, me assegurei de deixar o armário no quarto menor o mais natural possível. Seria um pouco mais difícil para o Eric sair quando anoitecesse, mas não seria extremamente difícil. Deixá-lo um bilhete seria um presente de morte se alguém arrombasse a casa, e ele era esperto demais para atender ao telefone quando eu ligasse, logo após o por do sol. Mas ele estava tão desnorteado pela amnésia, que ele poderia se assustar ao acordar e não ter uma explicação pela minha falta, eu pensei. Tive uma idéia. Arrancando um pedaçinho de papel do Calendário de Palavras do Dia do ano passado (―Cativado‖), eu escrevi: “Jason, se você aparecer, me ligue! Estou muitíssimo preocupada com você. Ninguém sabe onde você está. Eu estarei de volta esta tarde ou à noite. Eu fui até sua casa e depois checarei se você foi à Shreveport. Depois, voltarei para casa. Com amor, Sookie”. Peguei fita adesiva e colei o bilhete na geladeira, justo onde uma irmã esperaria que seu irmão fosse se tivesse vindo visitá-la. Ali estava. Eric era esperto o suficiente para ler as entrelinhas. E ainda todas as palavras eram verossímeis, então se alguém invadisse a casa à procura de algo, eles pensariam que eu tinha apenas tomado uma precaução esperta. Ainda assim, eu estava aterrorizada por deixar o Eric tão vulnerável. E se as bruxas viessem procurá-lo? Mas por que elas viriam? Se elas pudessem rastrear o Eric, elas já estariam aqui, certo? Pelo menos, isso era o que eu pensava. Eu pensei em ligar para alguém como Terry Bellefleur, que era muito durão, para vir esperar em minha casa – eu poderia usar o pretexto de esperar até o Jason ligar – mas não era certo envolver outra pessoa na defesa do Eric. Eu telefonei para todos os hospitais da área, sentindo todo o tempo que o xerife deveria estar fazendo este pequeno trabalho para mim. Os hospitais sabiam dos nomes de todos os que deram alta, e nenhum deles era Jason. Eu liguei para a Patrulha das Estradas para perguntar sobre algum acidente na noite anterior, e descobri que não houve nenhum na região. Eu liguei para algumas mulheres com quem o Jason já saiu e recebi respostas negativas, algumas obscenas. Eu pensei que já havia coberto todas as bases. Eu estava pronta para ir à casa do Jason, e eu me sentia orgulhosa de mim mesma enquanto dirigia a Estrada Hummingbird e depois virei à esquerda na estrada. Enquanto me dirigia a oeste, rumo à casa em que tinha vivido meus primeiro sete anos, passei pelo Merlotte‘s a direita e depois passei pelo desvio principal de Bon Temps. Manobrei à esquerda e pude ver nossa velha casa, certa o bastante de que a picape do Jason estava estacionada na frente da casa. Havia outra picape, igualmente brilhante, estacionada a seis metros de distancia da do Jason. Quando eu saí do carro, um homem muito negro estava examinando o chão ao redor da caminhonete. Fiquei surpresa ao descobrir que a segunda caminhonete pertencia à Alcee Beck, o único detetive Afro-Americano na força policial da região. A presença do Alcee era ao mesmo tempo tranqüilizadora e inquietante. - Senhorita Stackhouse, - ele disse gravemente. Alcee Beck estava vestindo uma jaqueta e calças, colocadas dentro de pesadas botas. As botas não combinavam com o restante das roupas, e estava disposta a apostar que ele a mantinha em sua caminhonete para quando ele tivesse que enfiar-se nos terrenos do interior, onde o chão não era nem um pouco seco. Alcee (cujo nome é pronunciado ALSAY) era também um forte emissor e eu podia receber seus pensamentos claramente quando eu baixava minha guarda mental. Eu descobri em pouco tempo que Alcee Beck não estava feliz em me ver, não gostava de mim e acreditava que algo havia acontecido ao Jason. O detetive Beck não se importava com o Jason, mas ele estava realmente com medo de mim. Ele achava que eu era uma pessoa profundamente assustadora e me evitava o máximo que pudesse. O que, por mim, estava tudo bem, francamente. Eu sabia mais sobre Alcee Beck do que me sentia confortável, e o que eu sabia sobre ele era realmente desagradável. Ele era bruto com prisioneiros que não cooperavam, embora amasse sua esposa e filha. Ele vinha enchendo os bolsos de dinheiro desonesto* sempre que tinha chance, e fazia com que as chances viessem muito rapidamente.
(*No original seria ―He was lining his own pockets whenever he got a chance” que significa fazer/ganhar dinheiro de maneira desonesta.)
Alcee Beck limitava esta prática para a Comunidade de Afro-Americanos, seguindo a teoria de que eles nunca o reportariam ao pessoal branco da força de cumprimento da lei, e até então ele tinha se saído bem. Vê o que digo sobre eu não querer saber das coisas que eu escuto? Há uma grande diferença entre saber que Arlene não achava que o marido da Charlsie era bom o suficiente para a Charlsie, ou que Hoyt Fortenberry havia batido em um carro no estacionamento e não havia avisado ao dono do carro. E, antes que você me pergunte o que eu faço com coisas desse tipo, eu te direi. Eu não faço nada. Eu descobri do modo mais difícil que quase nunca dá certo quando eu tento interferir. O que acontece é que ninguém fica mais feliz e meu pequeno distúrbio é levado à atenção de todos, não deixando ninguém confortável perto de mim durante um mês. Eu tenho mais segredos do que o Fort Knox* tem dinheiro. E estes segredos serão mantidos no mais completo segredo.
(* Fort Knox é uma pequena cidade estadunidense e base do Exército dos Estados Unidos, localizada no estado de Kentucky, ao longo do rio Ohio. Ela abriga importantes unidades de treinamento e comando de recrutamento do exército, o Museu George S. Patton, em homenagem ao general da II Guerra Mundial, e o United States Bullion Depository, (Depósito de Ouro dos Estados Unidos) que é mais conhecido como o depósito de grande parte do ouro guardado pelo governo do país.)
Eu tenho que admitir que a maior parte destes pequenos fatos que eu acumulei não fez tanta diferença no esquema dos fatos, já que a atitude ruim do Alcee na verdade conduziu à miséria humana. Mas naquele momento eu não via nenhuma saída para deter as atividades ilegais do Alcee. Ele era muito esperto ao manter suas atividades sob controle, escondendo de todos que têm o poder de intervir. E eu tinha a terrível certeza de que Bud Dearborn não sabia de nada. - Detetive Beck, - eu disse. – O senhor está procurando pelo Jason? - O xerife me pediu para vir e ver se eu podia encontrar algo estranho. - Encontrou alguma coisa? - Não, senhora, nada. - O chefe do Jason disse a você que a porta da caminhonete estava aberta? - Eu a fechei para a bateria não descarregar. Fui cuidadoso para não tocar em nada, é claro. Mas tenho certeza que seu irmão irá aparecer a qualquer momento, e ele não ficaria feliz se mexêssemos em suas coisas sem nenhum motivo. - Eu tenho a chave da porta e eu vou pedir para o senhor me acompanhar. - A senhorita suspeita que alguma coisa aconteceu com seu irmão dentro da casa? – Alcee Beck estava sendo muito cuidadoso para dizer o que tinha que dizer, e eu imaginei se ele tinha uma fita gravando em algum lugar em seu bolso. - Pode ser. Ele normalmente não falta o trabalho. E eu sempre sei onde ele está. Ele sempre me deixa saber. - Ele lhe diria se ele estivesse com alguma mulher? A maioria dos irmãos não faz isso, senhorita Stackhouse. - Ele diria a mim, ou ele diria ao Bagre. – Alcee Beck fez o máximo para manter seu olhar cético em seu rosto negro, mas não foi tão fácil. A casa ainda estava trancada. Eu peguei a chave certa da outras em meu chaveiro e nós entramos. Eu não tive o sentimento caseiro quando entrei, o sentimento que costumava ter quando era criança. Tenho vivido na casa da vovó há muito mais tempo do que vivi nesta pequena casa. Quando Jason fez vinte anos, ele mudou-se para cá em tempo integral, e, embora eu viesse aqui, devo ter provavelmente passado menos do que vinte e quatro horas nesta casa nos últimos oito anos. Olhando ao redor, eu percebi que meu irmão não havia modificado muito a casa em todo este tempo. A casa tinha um estilo de rancho com pequenos quartos, mas, é claro, era muito mais nova do que a casa da vovó – minha casa – e tinha um aquecedor e um ar-condicionado muito mais eficiente. Meu pai havia feito a maior parte do trabalho, e ele era um bom construtor. A pequena sala de estar estava lotada com a mobília de carvalho que minha mãe escolheu em um desconto na loja de móveis, e sua tapeçaria (bege com flores verdes e azuis que nunca tinham sido vistas na natureza) era ainda brilhante, uma verdadeira lástima. Havia me tomado alguns anos para perceber que minha mãe, apesar de esperta em alguns aspectos, não tinha nenhum bom gosto. Jason nunca chegou a esta conclusão. Ele havia substituído as cortinas quando elas se desfiaram e rasgaram, e ele havia conseguido uma nova toalha para cobrir os pontos mais desgastados do antigo carpete azul. Os eletrodomésticos eram novos, e ele tinha se esforçado muito para modernizar o banheiro. Mas meus pais, se pudessem entrar na casa deles, se sentiriam muito confortáveis. Eu estava chocada ao perceber que eles haviam morrido há quase 20 anos.
Enquanto eu permaneci próxima à soleira da porta, rezando para não ver manchas de sangue, Alcee Beck perambulou pela casa, que certamente parecia em ordem. Depois de um momento de indecisão, eu decidi segui-lo. Não havia muito para ver; como eu havia dito, a casa é pequena. Três quartos (dois deles bem pequenos), a sala de estar, a cozinha, um banheiro, uma pequena sala de descanso e uma minúscula sala de jantar: uma casa que poderia ser duplicada inúmeras vezes em qualquer cidade na América. A casa era bem arrumada. Jason nunca viveu feito um porco, apesar de às vezes agir como um. Mesmo a cama de tamanho gigante que quase enchia completamente o quarto maior estava mais ou menos arrumada, apesar de eu poder ver que os lençóis eram negros e brilhantes. Eles deveriam ser de seda, mas eu tinha certeza que eles eram de algum tecido artificial. Escorregadio demais para mim; eu gosto de lençóis de algodão. - Nenhuma evidência de luta – o detetive ressaltou. - Já que estou aqui, aproveitarei para pegar uma coisa. – eu disse a ele, me dirigindo ao gabinete de armas que havia sido do meu pai. Estava trancado, então chequei meu chaveiro novamente. Sim, eu tinha a chave para aquela porta também, e me lembrei do por que Jason havia me dito que eu precisava de uma – em caso dele estar caçando e precisar de outro rifle, ou algo assim. Como se eu fosse jogar tudo pelos ares e correr para apanhar outro rifle para ele! Bem, eu poderia, se eu não estivesse trabalhando, ou algo assim. Todos os rifles do Jason, e do meu pai, estavam no gabinete de armas – com as correspondentes munições também. - Está tudo aí? – O detetive esperava impaciente na soleira da porta da sala de jantar. - Sim. Eu vou levar uma delas para casa comigo. - Espera encontrar problemas em casa? – Beck pareceu interessado pela primeira vez. - Jason está desaparecido, quem sabe o que isso pode significar? – eu disse, esperando que aquilo fosse ambíguo o suficiente. Beck tinha, de todas as formas, uma opinião muito baixa a meu respeito, considerando o fato de ter medo de mim. Jason tinha me dito que me traria a escopeta, e sabia que eu me sentiria muito melhor tendo-a em casa. Assim, peguei a Benelli* e encontrei sua munição. Jason havia me ensinado como carregar e disparar a escopeta, que era seu orgulho e glória. Havia duas caixas diferentes de munição.
(*Espingarda)
Qual delas? – perguntei ao detetive Beck. - Wow, uma Benelli. – Ele tomou um tempo se impressionando com a arma. – Calibre doze, huh? Eu escolheria as balas mais pesadas. – ele aconselhou. – Essas mais leves não têm poder de deter nada. Eu coloquei a caixa que ele me indicou no meu bolso. Carreguei a arma até meu carro, Beck me seguindo. - Você tem que trancar a arma no seu porta-malas e a munição no carro. – o detetive me informou. Eu fiz exatamente o que ele disse, inclusive colocando a munição no porta-luvas, e então me virei para ele. Ele ficaria feliz em ficar fora das minhas vistas, e eu não achei que ele iria procurar pelo Jason com grande entusiasmo. - Você checou os fundos da casa? – eu perguntei. - Eu tinha acabado de chegar aqui quando você chegou. Sacudi minha cabeça em direção ao reservatório atrás da casa, e nós demos a volta para os fundos. Meu irmão, ajudado por Hoyt Fortenberry, havia posto um largo deque logo depois da porta dos fundos há dois anos atrás. Ele havia arranjado um bom equipamento nas vendas de final da estação no Wal-Mart. Jason tinha até acrescentado um cinzeiro na mesa de metal para que seus amigos pudessem fumar por ali. Alguém já havia usado. Hoyt fumava, eu lembrei. Não havia mais nada interessante no deque. O chão descia do deque até o reservatório. Enquanto Alcee Beck checava a porta dos fundos, eu olhei para o píer que meu pai havia construído e pensei ter visto uma mancha na madeira. Algo desmoronou sobre mim e devo ter feito algum barulho. Alcee veio até mim, e eu disse: - Olhe para o píer. – ele ficou alerta, parecendo um setter.*
(*O Setter Irlandês é um cão de caça de porte grande e pêlo longo. Tem como principal característica a agilidade, a obediência e um excelente olfato. Pode ficar o dia inteiro caçando que não se cansa. Pode viver até 16 anos. Sua altura varia de 63 a 68 cm e o peso de 27 a 31 kg).
- Fique onde você está – ele disse em sua inconfundível voz oficial. Moveu-se cuidadosamente, olhando para o chão em volta de seus pés antes de dar cada passo. Eu senti como se uma hora tivesse passado antes que Alcee finalmente alcançasse o píer. Ele se agachou sobre as bordas clareadas pelo sol para dar uma olhada mais de perto. Ele focou um pouco a direita da mancha, avaliando algo que eu não podia ver, e algo que eu nem podia tirar de sua mente. Mas ele imaginou que tipo de botas de trabalho meu irmão usava; isso surgiu claramente. - Marca Caterpillar*, - eu disse. O medo formou-se em mim, e eu até me senti vibrando intensamente por causa dele. Jason era tudo que eu tinha. E eu percebi que eu tinha cometido um erro que não cometia há anos. Eu havia respondido uma pergunta antes dela ser perguntada.
(*Caterpillar é uma marca de calçados).
Cobri minha boca e pude ver o branco nos olhos do Beck. Ele queria se afastar de mim. E ele estava pensando que o Jason talvez estivesse no reservatório, morto. Ele especulava que o Jason havia caído, batido a cabeça no píer e então deslizado para dentro da água. Mas havia algo que não se encaixava. - Quando você pode vir vasculhar o reservatório? – eu perguntei. Ele voltou a me olhar, o terror em seu rosto. Havia anos que ninguém me olhava daquela maneira. Eu havia assustado-o e desejava não ter este efeito sobre ele. - O sangue está no píer. – afirmei, tentando improvisar respostas. Improvisar razões razoáveis era minha segunda ação. – Tenho medo que o Jason tenha caído na água. Beck pareceu mais tranqüilo depois disso. Ele voltou seus olhos para a água. Meu pai havia escolhido o lado da casa para construir o reservatório. Ele havia me dito quando eu era pequena que o reservatório era muito fundo e alimentado por um fino córrego. A área ao redor de dois terços do reservatório foi ceifada e mantida como um quintal; mas a região mais longe dessa área foi deixada densamente arborizada, e o Jason adorava sentar-se no deque tarde da noite com binóculos, olhando animais virem tomar água. Havia peixes no reservatório. Ele os mantinha estocados. Meu estômago roncou. Finalmente, o detetive subiu a encosta do deque. - Eu terei que fazer algumas ligações, ver quem pode mergulhar – Alcee Beck disse. – Talvez leve um pouco de tempo para arrumar alguém para fazer isso. E o chefe tem que dar o sinal verde. Obviamente, esse tipo de coisa iria custar dinheiro, e esse dinheiro provavelmente não existia no orçamento da região. Respirei fundo. - Está falando de horas ou dias?
- Talvez um dia ou dois. – ele disse finalmente. – De modo algum alguém pode fazer isso sem estar treinado para isso. O reservatório é frio demais, e o próprio Jason me disse que é fundo. - Tudo bem, - eu disse, tentando conter minha impaciência e raiva. Ansiedade me roia por dentro como se fosse outro tipo de fome. - Carla Rodriguez estava na cidade ontem à noite, - Alcee Beck me disse, e, após um longo momento, esta informação penetrou no meu cérebro. Carla Rodriguez, baixa, negra e muito elétrica, havia sido o caso mais próximo que quase fez o Jason perder seu coração. Na verdade, aquela pequena metamorfa com quem o Jason tinha saído no Ano-Novo lembrava muito a Carla, que havia se mudado para Houston três anos atrás, para meu alivio. Estava cansada da pirotecnia rodeando o romance dela com meu irmão; o relacionamento deles foi enfeitado por longas, altas e públicas discussões, ruidosos telefonemas e portas batidas. - Por quê? Com quem ela está ficando aqui? - Sua prima em Shreveport, - Beck disse. – Você sabe, aquela Dovie. Dovie Rodriguez havia visitado demais Bom Temps enquanto Carla morava aqui. Dovie tinha sido a prima sofisticada da cidade, que descia ao campo para corrigir as nossas maneiras, os caipiras locais. É claro, nós invejávamos a Dovie. Pensei que encarar a Dovie era tudo que eu queria. Depois de tudo, teria que ir a Shreveport.
O detetive saiu me atropelando apressadamente depois daquilo, dizendo que ele iria buscar o oficial da perícia para analisar a casa, e que ele manteria contato. Tive a impressão, diretamente de seus pensamentos, que havia alguma coisa que ele não queria que eu visse, e que ele havia mencionado Carla Rodriguez para me distrair. E eu pensei que ele poderia apreender a espingarda, já que agora ele parecia ter certeza de estar lidando com um crime, e a arma poderia ser algum tipo de evidência. Mas Alcee Beck não disse nada, então eu não o lembrei disso. Eu estava mais abalada do que queria admitir a mim mesma. No fundo, eu estava convencida de que, embora precisasse localizar meu irmão, Jason estava realmente bem – apenas desaparecido. Ou no lugar errado, mais precisamente ho, ho, ho. Provavelmente ele estava metido em algum tipo de encrenca-não-tão-grave-assim, eu disse a mim mesma. Agora as circunstâncias pareciam mais sérias. Eu nunca fui capaz de apertar meu orçamento o bastante para arcar com as despesas de um celular, então eu iniciei a volta para casa. Eu estava pensando para quem eu podia ligar, e me veio a mesma resposta de antes. Ninguém. Não tinha nada de concreto para contar. Eu me senti tão solitária quanto jamais estive na vida. Mas eu simplesmente não queria ser a Garota Crise, aparecendo nas portas das casas dos amigos cheia de problemas nos ombros. Lágrimas brotaram em meus olhos. Eu queria minha avó de volta. Eu estacionei o carro no acostamento e dei tapas em minhas bochechas, com força. E xinguei a mim mesma. Shreveport. Eu iria a Shreveport confrontar Dovie e Carla Rodriguez. Enquanto estivesse lá, eu descobriria se Pam e Chow sabiam de algo sobre o desaparecimento do Jason – mesmo que fosse horas antes de eles acordarem, e eu simplesmente tivesse que esperar batendo o pé impacientemente no bar vazio, supondo que alguém estaria lá para me deixar entrar. Mas eu não podia apenas ficar em casa sentada, esperando. Eu podia ler as mentes dos empregados humanos e descobrir se eles sabiam o que estava acontecendo. Por um lado, se eu fosse a Shreveport, eu ficaria desconectada com o que acontecesse aqui. Por outro lado, eu estaria fazendo alguma coisa. Enquanto eu tentava decidir se haveriam outros lados para considerar, outra coisa aconteceu. E era ainda mais estranho do que os eventos anteriores daquele dia. Lá estava eu, estacionada no meio do nada no acostamento da estrada, quando um lustroso, preto e novíssimo Camaro* estacionou bem atrás de mim. Do lado do passageiro saiu uma belíssima mulher, de pelo menos um metro e oitenta. Obviamente, eu me lembrava dela; ela estava no Merlotte‘s na véspera do Ano-Novo. Minha amiga Tara Thornton estava no assento do motorista.
(*O Camaro é um carro esportivo de porte médio da Chevrolet. Foi lançado em 1966 e sua produção durou 35 anos (1967 – 2002). O grupo General Motors já anunciou a produção de uma nova versão a partir de 2009).
Certo, eu pensei inexpressivamente encarando os retrovisores, isso é estranho. Eu não via a Tara há semanas, desde que nos encontramos por acaso no bar dos vampiros em Jackson, Mississipi. Ela estava lá com um vampiro chamado Franklin Mott; ele era muito atraente fazendo o tipo homemmaduro, elegante, perigoso e sofisticado. Tara sempre estava com uma aparência incrível. Minha amiga de colegial tem cabelos pretos, olhos escuros e uma pele com um suave tom de oliva, e ela tem muita sagacidade que usa para administrar a Tara‘s Togs, uma loja de roupas femininas sofisticadas que arrenda um espaço no minishopping que pertence ao Bill. (Bom, tão sofisticada quanto o que Bon Temps tem a oferecer). Tara havia se tornado uma amiga minha anos antes, porque ela vinha de uma experiência ainda mais triste do que a minha. Mas a mulher alta colocava até mesmo a Tara nas sombras. Ela tinha cabelos pretos como a Tara, embora a novata tivesse luzes avermelhadas que ressaltavam aos olhos. Ela tinha olhos escuros também, mas os dela eram enormes e amendoados, quase largos de forma anormal. Sua pele era branca como leite, e as suas pernas tão longas quanto uma escada. Ela era consideravelmente bem dotada no que se referia aos seios, e estava usando vermelho resplandecente da cabeça aos pés. Seu batom combinava. - Sookie, - Tara chamou. – Qual é o problema? – Ela andou cuidadosamente até meu velho carro, olhando onde pisava porque estava usando botas de um couro marrom brilhante e com saltos altos que não queria arranhar. Elas teriam durado cinco minutos em meus pés. Eu passo tempo demais de pé para ficar me preocupando unicamente com a beleza dos sapatos. Tara tinha uma aparência bem-sucedida, atraente e segura em seu suéter verde sálvia e sua calça marrom-acinzentada. - Eu estava aplicando minha maquiagem quando ouvi pela freqüência de rádio da polícia que alguma coisa aconteceu na casa do Jason – ela disse. Ela deslizou no assento do passageiro e inclinou-se para me dar um abraço. – Quando cheguei à casa do Jason, vi você saindo. O que houve? – A mulher de vermelho estava encostada no carro, discretamente olhando para a floresta. Eu tinha amado meu pai, e sempre soube (e minha própria mãe definitivamente acreditava) que não importava o que minha mãe tenha me feito passar, ela agia por amor. Mas, os pais da Tara tinham sido perversos, ambos alcoólatras e violentos. Os irmãos mais velhos da Tara haviam deixado a casa deles o mais rápido que puderam, deixando Tara, como era a mais nova, para pagar a conta pela liberdade deles. Mas agora que eu estava encrencada, aqui estava ela, pronta pra ajudar. - Bom, o Jason está desaparecido, - eu disse, em uma voz relativamente estável, mas então eu arruinei o efeito dando um daqueles terríveis soluços engasgados. Eu virei o rosto para olhar para fora da minha janela. Eu estava envergonhada por mostrar tanta aflição na frente da garota desconhecida. Sabiamente, Tara ignorou minhas lágrimas e passou a me perguntar questões obvias: O Jason tinha ligado para o trabalho? Ele tinha ligado na noite anterior? Com quem ele vinha saindo ultimamente? Isso me lembrou a metamorfa que estava com o Jason na noite de Ano-Novo. Eu achei que podia até falar sobre a singularidade da garota porque a Tara tinha estado no Clube dos Mortos naquela noite. A alta acompanhante da Tara era uma Sobre* de alguma espécie. Tara soube tudo sobre o mundo secreto. Mas não sabia mais, como pude comprovar. Sua memória tinha sido apagada. Ou pelo menos, ela fingiu que tinha sido.
(*No original Supe, que vem de supernatural, usado para referir-se aos seres sobrenaturais. Mas nas traduções anteriores o termo que vem sendo utilizado é Sobre, também uma abreviatura de sobrenatural.)
- O quê? – Tara perguntou, quase com uma reação exagerada. – Lobisomens? Naquele bar? Eu me lembro de vê-la por lá. Querida, será que você não bebeu um pouco demais e desmaiou, ou algo assim? Considerando que bebo muito moderadamente, a pergunta da Tara me deixou irritada, mas também era a explicação mais normal que Franklin Mott poderia ter plantado na cabeça da Tara. Eu estava tão desapontada por não poder confiar nela que fechei os olhos para não ver o olhar vazio em seu rosto. Senti as lágrimas deixando pequenos rastros em minhas bochechas. Eu devia ter deixado pra lá, mas eu disse em uma voz calma e áspera.
- Não, não bebi demais. - Oh meu Deus, seu par aquela noite colocou algo em sua bebida? – em verdadeiro terror, Tara apertou minha mão. Era Rohypnol*? Mas Alcide pareceu ser um cara tão legal!
(*O Flunitrazepam, comercializado pela Roche sob a marca Rohypnol®, é um medicamento benzodiazepínico, que induz o sono de forma rápida e intensa, tendo também efeito ansiolítico (redução da ansiedade), anticonvulsivante e relaxante muscular. Ainda são efeitos de sua administração redução do desempenho psicomotor, com diminuição dos reflexos e da atenção, e ocorrência de amnésia, lapso de memória).
- Esquece isso, - eu disse tentando soar gentil. – Isso não tem nada a ver com o Jason afinal de contas. – Com seu rosto ainda preocupado, Tara apertou minha mão novamente. Então de repente, eu estava determinada a não acreditar nela. Tara sabia que os vampiros podem remover memórias, e ela estava fingindo que Franklin Mott havia removido a dela. Eu achava que Tara se lembrava muito bem o que tinha acontecido no Clube dos Mortos, mas ela estava dizendo que não para proteger a si mesma. Se ela tinha que fazer aquilo para sobreviver, tudo bem. Respirei fundo. - Você ainda está saindo com o Franklin? – perguntei para iniciar uma conversa diferente. - Ele me deu este carro. – Eu estava um pouco chocada e um pouco mais que incomodada, mas eu esperava não ser do tipo que ficava julgando. - É um carro maravilhoso. Você não conhece nenhuma bruxa, conhece? – Perguntei, tentando mudar de assunto antes que a Tara pudesse ler minhas preocupações. Eu tinha certeza de que ela riria de mim por fazer tal pergunta, mas era uma boa maneira de desviar do tema. Não a magoaria por nada neste mundo. Encontrar uma bruxa seria de grande ajuda. Eu tinha certeza que o desaparecimento do Jason – e jurei a mim mesma que era um desaparecimento e não um assassinato – estava ligado às bruxas que amaldiçoaram o Eric. Caso contrário, seria coincidência demais. Por outro lado, eu certamente já tinha experimentado as reviravoltas de um bando de coincidências nos últimos meses. Taí, eu sabia que encontraria um terceiro lado. - Claro que conheço, - Tara disse, sorrindo orgulhosamente. – Agora sim, nisso posso ajudá-la. Isso é, uma Wiccan* serve?
(*Wicca é uma religião neopagã fundamentada nos cultos da fertilidade que se originaram na Europa Antiga. O bruxo inglês Gerald B. Gardner impulsionou o renascimento do culto, com o nome de Wicca, junto com outros bruxos e bruxas, em meados dos anos 40 e 50. Embora essa fundação tenha ocorrido provavelmente na década de 1940, ela só foi revelada publicamente em 1954, quando da época da sanção da última das leis contra a Bruxaria na Inglaterra. A tradição Wicca e seus termos são baseados em diversas culturas do paganismo antigo, modificadas pelo que, segundo Gardner, era uma tradição sobrevivente da bruxaria medieval, mas da qual o conhecimento que temos é obscuro.)
Eu tinha tantas expressões que não tinha certeza que todas elas caberiam em meu rosto. Choque, medo, aflição e preocupação davam cambalhotas ao redor do meu cérebro. Quando os giros pararam, nós veríamos qual delas estava no topo. - Você é uma bruxa? – eu disse fracamente. - Oh Meu Deus, não, não eu. Sou católica. Mas tenho alguns amigos que são Wiccans. Alguns deles são bruxos.
- Oh, sério? – Eu não acho que já tinha ouvido a palavra Wiccan antes, apesar de talvez tê-la lido em algum livro de romance ou mistério. – Me desculpe, eu não sei o que isso significa, - eu disse, minha voz humilde. - Holly pode explicar isso melhor do que eu, - Tara disse. - Holly? A Holly que trabalha comigo? Claro. Ou você poderia procurar Danielle, apesar de que ela não estaria tão disposta a falar. Holly e Danielle são do mesmo coven. Eu já tinha ficado tão chocada até agora que poderia muito bem ficar ainda mais aturdida. - Coven? – eu repeti. - Você sabe, um grupo de pagãos que cultuam em conjunto. - Eu pensei que um Coven tinha que ser de bruxas? - Eu acredito que não – mas eles têm que, você sabe, não serem cristãos. Digo, Wicca é uma religião. - Ok, - eu disse. – Ok. Você acha que a Holly falaria comigo sobre isso? - Eu não sei por que não falaria. – Tara foi até seu carro para pegar seu telefone celular, caminhou de lá pra cá entre nossos carros enquanto conversava com a Holly. Fiquei grata por essa pequena pausa possibilitando que minha mente ficasse ―de pé‖ novamente, num modo de falar. Para ser educada, saí do carro e falei com a mulher de vermelho, que vinha sendo muito paciente. - Lamento conhecê-la em um dia tão ruim, - eu disse. – Sou Sookie Stackhouse. - Sou a Claudine, - ela disse com um bonito sorriso. Seus dentes eram brancos, típicos de artistas de Hollywood. Sua pele tinha uma textura estranha; parecia brilhosa e fina, lembrando-me a pele de uma ameixa; tipo se você a mordesse fosse jorrar um suco doce. – Estou aqui devido a toda essa atividade. - Ah? – eu disse, pega de surpresa. - Claro. Vocês têm vampiros, Lobis e muitas outras coisas emaranhadas aqui em Bon Temps – sem mencionar as inúmeras e poderosas encruzilhadas. Fui atraída por todas as possibilidades. - Uh-huh, - eu disse incerta. – Então, você planeja apenas observar essas coisas, ou o que? - Oh não. Apenas observar não faz o meu gênero. – ela riu. – Você é bem a carta coringa do baralho, não é? - A Holly topou. – Tara disse, desligando seu celular e sorrindo porque era bem difícil não fazê-lo com a Claudine por perto. Eu percebi que estava sorrindo de orelha a orelha, não em meu costumeiro sorriso tenso e sim numa expressão de felicidade radiante. - Ela disse que podíamos ir. - Você vem comigo? – Eu não sabia o que pensar sobre a companhia da Tara. - Desculpa, Claudine está me ajudando hoje na loja. – Tara disse. – Estamos com a promoção de Ano-Novo em todo o nosso estoque antigo, e as pessoas estão fazendo compras bem grandes. Quer que eu reserve algo para você? Ainda tenho alguns vestidos de festa lindíssimos. Aquele que você usou em Jackson não foi arruinado? Sim, graças a um fanático que enfiou uma estaca em mim. O vestido estava definitivamente arruinado. - O vestido manchou, - eu disse restritamente. – É realmente legal de sua parte oferecer, mas não acho que terei tempo para experimentar nada. Com o Jason e tudo mais. Tenho tanto com o que me preocupar. – E pouquíssimo dinheiro extra, eu disse a mim mesma. - Claro, - disse Tara. Ela me abraçou novamente. – Ligue se precisar de mim, Sookie. É engraçado, não me lembro de nada daquela noite em Jackson. Talvez eu tenha bebido demais também. Nós dançamos?
- Oh sim, você me levou a repetir aquela coreografia que fizemos quando estávamos no show de talentos da escola. - Eu não fiz isso! – Ela estava implorando para que eu negasse, com um meio sorriso em seu rosto. - Temo que sim. – Eu sabia muito bem que ela lembrava. - Queria ter estado lá, - disse Claudine. – Amo dançar. - Acredite, aquela noite no Clube dos Mortos foi uma que eu queria ter perdido. – eu disse. - Bem, me lembre de nunca mais retornar a Jackson, se eu fiz esta dança em público. – Tara disse. - Eu acho que nenhuma de nós deveria retornar a Jackson. – Eu tinha deixado alguns vampiros muito zangados em Jackson, mas os Lobis ficaram ainda mais enfurecidos. Não que tivesse sobrado muitos deles, na verdade. Mas ainda assim. Tara hesitou um minuto, obviamente tentando estruturar algo que vinha tentando me dizer. - Já que Bill é o dono do prédio onde fica a Tara‘s Togs, - ela disse cuidadosamente, - eu tenho um número para ligar, um número que ele disse que poderia contactá-lo enquanto estivesse fora do país. Então, se você precisar dizer algo a ele…? - Obrigada, - eu disse, sem ter certeza se me sentia agradecida. – Ele me disse que deixou o número em uma caderneta junto ao telefone em sua casa. – Havia uma espécie de finalidade para o Bill estar fora do país, inalcançável. Eu nem mesmo tinha pensado em entrar em contato com ele por causa dos meus problemas; de todas as pessoas que eu pensei em ligar, ele não tinha sequer passado pela minha cabeça. - É que ele parece estar bastante, você sabe, pra baixo. – Tara examinou as pontas de suas botas. – Melancólico, - ela disse, como se ela tivesse gostando de usar uma palavra que não passava por seus lábios frequentemente. Claudine sorriu radiante em aprovação. Que garota estranha. Seus olhos enormes estavam iluminados com felicidade quando ela deu tapinhas em meu ombro. Engoli seco. - Bom, ele nunca foi exatamente o Sr. Sorrisos. – eu disse. – Eu realmente sinto sua falta. Mas… - eu sacudi minha cabeça enfaticamente. – Foi difícil demais. Ele simplesmente… me magoou demais. Agradeço a você por me avisar que posso ligar para ele se precisar, e muito, muitíssimo obrigado por você ter me contado sobre a Holly. Tara ruborizou-se realmente com prazer por ter feito sua boa ação do dia, e retornou ao seu ousado Camaro novo. Depois de ajeitar seu longo corpo no banco do passageiro, Claudine acenou para mim enquanto Tara ia embora. Sentei em meu carro por um longo momento, tentando me lembrar onde Holly Cleary morava. Eu pensei ter me lembrado dela reclamando sobre o tamanho do armário em seu apartamento, então se referia ao condomínio Kingfisher Arms. Quando cheguei ao edifício em formato de U localizado ao sul de Bom Temps, eu chequei as caixas de correio para descobrir o apartamento da Holly. Ela morava no térreo, no número 4. Holly tinha um filho de cinco anos de idade, Cody. Holly e sua melhor amiga Danielle Gray, haviam se casado logo após o colegial, e ambas se divorciaram cinco anos atrás. A mãe de Danielle foi uma grande ajuda para a filha, mas Holly não teve a mesma sorte. Seus pais estavam divorciados há muito tempo e ambos haviam ido embora da cidade, e a avó de Holly havia morrido com Alzheimer* no abrigo para idosos da região. Holly já tinha namorado o detetive Andy Bellefleur por alguns meses, mas não deu em nada. Havia rumores de que a velha Caroline Bellefleur, a avó de Andy, tinha achado que Holly não era ―boa‖ o suficiente para o Andy. Eu não tinha nenhuma opinião sobre isso. Nem a Holly e nem o Andy estão na minha curta lista de pessoas favoritas, embora eu definitivamente me sentisse mais fria em relação ao Andy.
(*O Mal de Alzheimer, ou Doença de Alzheimer ou simplesmente Alzheimer é a forma mais comum de demência. Esta doença degenerativa, até o momento incurável e terminal foi descrita pela primeira vez em 1906 pelo psiquiatra alemão Alois Alzheimer, de quem herdou o nome. Esta doença afeta geralmente pessoas acima dos 65 anos. O sintoma primário é a perda de memória. Com o avançar da doença vão aparecendo novos sintomas como confusão, irritabilidade e agressividade, alterações de humor, falhas na linguagem, perda de memória a longo prazo e o paciente começa a desligar-se da realidade. As suas funções motoras começam a perder-se e o paciente acaba por morrer).
Quando a Holly atendeu a porta, eu percebi de repente o quanto ela tinha mudado nas últimas semanas. Por anos, seu cabelo era tingido com um amarelo berrante. Agora, ele estava preto fosco e repicado. Em cada uma de suas orelhas, pude ver quatro piercings. E eu notei os ossos dos seus quadris aparecendo em sua calça jeans envelhecida. - Hey, Sookie, - ela disse, de forma bastante agradável. – Tara perguntou se eu podia conversar com você, mas eu não tinha certeza se você iria aparecer. Lamento pelo Jason. Entre. O apartamento era pequeno, é claro, e apesar de ter sido repintado recentemente, ele mostrava claros sinais de vários anos de uso intenso. Lá era um combinado de sala de estar – sala de jantar – cozinha, com um balcão para refeições rápidas separando a cozinha dos ambientes restantes. Havia alguns brinquedos em um cesto no canto da sala, havia uma lata de Pledge* e uma toalha na mesa de centro arranhada. Holly estava fazendo faxina. (*Pledge é uma marca de produtos de limpeza doméstica, com uma linha bem variada de produtos que limpam qualquer superfície, de piso até móveis e tecidos, fabricados pela empresa S.C. Johnson & Son)
- Lamento interrompê-la, - eu disse. - Está tudo bem. Coca? Suco? - Não, obrigada. Onde está o Cody? - Ele foi ficar com seu pai, - ela disse, olhando para suas mãos. – Eu o levei logo depois do Natal. - Onde o pai dele está morando? - David está morando em Springhill. Ele acabou de se casar com uma garota, Allie. Ela já tem dois filhos. A garotinha tem a idade do Cody, e ele simplesmente adora brincar com ela. É sempre ―Shelley isso‖, ―Shelley aquilo‖. – Holly pareceu um pouco triste. David Cleary vinha de uma família grande. Seu primo Pharr foi da minha classe durante todo o período escolar. Pelo bem dos genes do Cody, esperava que David fosse mais inteligente que Pharr, o que seria realmente fácil. - Preciso falar com você sobre uma coisa muito pessoal, Holly. – Holly pareceu surpresa novamente. - Bom, nós nunca estivemos exatamente sobre esses termos, não é? – ela disse. – Você pergunta, e eu decido se respondo ou não. Tentei formular o que eu iria dizer – para manter segredo do que precisava ser mantido em segredo e perguntá-la o que eu precisava saber sem ofendê-la. - Você é uma bruxa? – eu disse, envergonhada por usar uma palavra tão dramática. - Estou mais para uma Wiccan. - Você se importaria de explicar a diferença? – Encontrei seus olhos brevemente, e então decidi focar meu olhar nas flores murchas no cesto sobre a televisão. Holly achava que eu só podia ler sua mente se estivesse olhando-a nos olhos. (Como o toque físico, o contato visual torna a leitura de mentes mais fácil, mas certamente não é necessário.) - Acho que não. – Sua voz era calma, como se ela estivesse pensando enquanto falava. – Você não é do tipo que espalha fofocas. - Seja lá o que você me disser, eu não partilharei com ninguém. – Encontrei seus olhos de novo, brevemente. - Certo, - ela disse. – Bom, se você é uma bruxa, é claro, você pratica rituais mágicos. – Ela usava ―você‖ no sentido geral, eu pensei, porque dizer ―eu‖ seria uma baita confissão. – Você desenvolve um poder que a maioria das pessoas nunca alcançará. Ser bruxa não significa ser má, pelo menos não deveria ser. Se você é uma Wiccan, você segue uma religião, uma religião pagã. Seguimos os caminhos da Mãe, temos nosso próprio calendário para dias sagrados. Você pode ser também uma Wccan e uma bruxa; ou mais uma coisa, ou mais a outra. É muito individualizado. Eu pratico bruxaria leve, mas estou mais interessada na vida de Wiccan. Nós acreditamos que suas ações são boas, desde que você não machuque ninguém. De maneira estranha, meu primeiro sentimento foi vergonha, quando ouvi a Holly me dizer que ela não era cristã. Nunca havia conhecido ninguém que pelo menos não fingisse ser cristão, ou ao menos vivesse sob os preceitos básicos do Cristianismo. Eu tinha certeza que havia uma sinagoga* em Shreveport, mas nunca sequer conheci um judeu, até onde eu sabia. Eu estava certamente num processo de aprendizado.
(*Sinagoga é o local de culto da religião judaica, sendo desprovido de imagens religiosas ou de peças de altar e tendo como o seu objeto central a Arca da Torá. O serviço religioso da sinagoga é feito todos os dias, sendo alguns envolvendo leituras da Torá, a peça central da sinagoga, cujos rolos são retirados da Arca e transportados até o púlpito).
- Entendo. Você conhece muitas bruxas? - Conheço algumas. – Holly assentiu repetidamente, ainda evitando meus olhos. Localizei um velho computador sobre uma mesa frágil no canto da sala. - Você tem tipo, uma sala de bate-papo online ou um informativo via e-mail, ou algo do tipo? - Oh, claro. - Ouviu falar de um grupo de bruxas que veio a Shreveport ultimamente? - O rosto da Holly se tornou sério. Suas sobrancelhas escuras se uniram em um olhar severo. - Diga-me que você não está envolvida com eles. – Ela disse. - Não diretamente. Mas conheço alguém que eles machucaram, e temo que talvez tenham sido eles que levaram o Jason. - Então ele está muito encrencado. – ela disse sem rodeios. – A mulher que lidera este grupo é absolutamente desumana. O irmão dela é tão ruim quanto. Aquele grupo, eles não são como o restante de nós. Eles não estão tentando achar um jeito melhor de viver, ou entrar em contato com o mundo natural, ou feitiços para aumentar sua paz interior. Eles são Wiccans. E são malignos. - Você pode me dar alguma pista de como encontrá-los? – Estava dando o melhor de mim para manter meu rosto inexpressivo. Eu podia ouvir com meu outro sentido que Holly estava pensando que se o recém-chegado coven capturou o Jason, ele estaria seriamente machucado, talvez até morto. Holly, aparentemente bem concentrada, olhava para o lado de fora da janela de seu apartamento. Ela temia que eles rastreassem qualquer informação que ela me desse, e viessem castigá-la… talvez através do Cody. Esses não eram o tipo de bruxos que acreditavam em não prejudicar ninguém. Esses eram bruxos cujas vidas eram planejadas rumo à obtenção de todos os tipos de poder.
- São todas mulheres? – Perguntei, porque percebi que ela estava prestes a não me dizer nada. - Se você acredita que o Jason seria capaz de encantá-las com seus charmes, porque ele é um cara tão bonito, pode pensar outra vez. – Holly me disse, seu rosto ameaçador e de algum jeito sinceramente despido de qualquer expressão. Ela não estava tentando causar nenhum impacto; ela queria que eu entendesse o quão perigoso esse pessoal era. – Tem alguns homens também. Eles são… esses não são bruxos normais. Eles não são nem mesmo pessoas normais. Estava disposta a acreditar nisso. Tive que passar a acreditar em coisas estranhas desde a noite em que Bill Compton entrou no Merlotte‘s. Holly falou como se ela soubesse muito mais desse grupo de bruxos do que eu tinha suspeitado… muito mais do que o contexto geral da história que eu esperava arrancar dela. Incitei-a um pouco mais. - O que os faz diferentes? - Eles tomaram sangue de vampiros. – Holly lançou uma olhada para o lado, como se ela sentisse que havia alguém ouvindo o que ela dizia. O movimento me assustou bastante. – Bruxas… bruxos com muito poder estão dispostos a usá-lo para o mal… eles já são maléficos o suficiente. Bruxos poderosos assim e ainda com sangue de vampiro nas veias são… Sookie, você não faz idéia de quão perigosos eles são. Alguns deles são Lobis. Por favor, fique longe deles. Lobisomens? Eles não eram apenas bruxos, mas também Lobis? E eles bebiam sangue de vampiro? Eu estava realmente assustada. Eu não sabia como isso poderia piorar. - Onde eles estão? - Você entendeu o que eu disse? - Eu entendi, mas preciso saber onde eles estão! - Eles estão em uma velha firma não tão longe do shopping Pierre Bossier*. – ela disse, e pude ver a imagem desse local em sua mente. Ela já havia estado lá. Ela já os tinha visto. Ela tinha tudo isso em sua mente, e eu estava captando muita coisa.
(*Shopping Pierre Bossier é localizado na intersecção da Interestadual 20 e a rodovia 3105 no estado de Louisiana. O shopping foi nomeado em homenagem ao colonizador Pierre Bossier. Foi inaugurado em 1982).
- Por que você estava lá? – eu perguntei e ela estremeceu. - Eu estava preocupada em conversar com você, - Holly disse, sua voz raivosa. – Nunca devia ter deixado você entrar. Mas, eu namorei o Jason… você vai acabar fazendo com que eu seja assassinada, Sookie Stackhouse. Eu e o meu filho. - Não, não vou. - Estava lá porque líder deles enviou uma chamada a todas as bruxas da área para uma, tipo, uma reunião de cúpula. Na verdade, o que ela queria fazer era impor sua vontade em todos nós. Alguns ficaram bem impressionados com o seu comprometimento e poder, mas a maioria de nós, Wiccans de cidades pequenas, não gostamos de seu uso de drogas – isso é o que significa tomar sangue de vampiro – ou do gosto dela pelo lado negro da magia. Agora, isso é tudo o que quero dizer sobre isso. - Obrigada, Holly. – Eu tentei pensar em algo para dizer que pudesse aliviar seu medo. Mas ela queria que eu fosse embora mais do que tudo no mundo, e eu já havia a aborrecido muito. Apenas me deixando entrar em sua casa Holly já havia feito uma grande concessão, já que ela realmente acreditava em minha habilidade de ler mentes. Não importava os rumores que ouvissem, as pessoas queriam realmente acreditar que o conteúdo de suas mentes era particular, não importava quais provas eles tivessem do contrário. Eu mesma fazia isso. Eu dei tapinhas no ombro da Holly quando saí, mas ela não se levantou do velho sofá. Ela me encarou com seus olhos castanhos desesperados, como se a qualquer momento alguém fosse entrar em sua casa e cortar sua cabeça. Isso pareceu muito mais assustador para mim do que suas palavras, mais do que seus pensamentos, e deixei o condomínio Kingfisher Arms o mais rápido que pude, tentando prestar atenção nas poucas pessoas que me viram no estacionamento. Não reconheci nenhum deles. Me perguntava porque as bruxas de Shreveport iriam querer o Jason, como eles poderiam ter feito uma conexão entre o desaparecido Eric e meu irmão. Como eu poderia me aproximar deles para descobrir? Será que Pam e Chow ajudariam, ou eles tinham tomado suas próprias medidas? E de quem seria o sangue que aqueles bruxos estariam tomando? Desde que os vampiros se fizeram presentes entre nós, há quase três anos atrás, eles passaram a ser perseguidos de outro jeito. Ao invés de temer levar estacas no coração por imitadores do Van Helsing, os vampiros temiam aos novos empresários chamados drenadores. Drenadores viajavam em times, selecionando os vampiros por uma variedade de métodos, e atando-os com correntes de prata (geralmente em uma emboscada cuidadosamente planejada) e depois drenando o sangue deles para frascos. Dependendo da idade do vampiro, o frasco de sangue poderia custar entre 200 a 400 dólares no mercado negro. O efeito de beber este sangue? Bastante imprevisível, uma vez que o sangue havia deixado o vampiro. Eu acho que essa era parte da atração. O efeito mais comum, por algumas semanas, era o bebedor ganhar força, visão aguçada, uma sensação de ótima saúde e aprimorava seus atrativos sexuais. Isso dependia da idade do vampiro drenado e se o sangue estivesse fresco. É claro, estes efeitos passavam, a não ser que você bebesse mais sangue. Uma porcentagem certa de pessoas que já experimentaram o sangue de vampiros mal podia esperar para conseguir dinheiro para mais. Esses viciados em sangue são extremamente perigosos, é claro. A força policial das cidades ficava contente em contratar vampiros para lidar com eles, já que policiais normais simplesmente seriam esmagados. De vez em quando, um bebedor de sangue simplesmente ficava louco – às vezes de um modo quieto, falando coisas sem sentido, mas, às vezes de modo espetacular e mortífero. Não havia como prever quem seria afetado desta maneira, e poderia acontecer logo na primeira vez que bebesse. Assim havia homens com olhos brilhantes e raivosos em celas acolchoadas e havia estrelas de cinema fascinantes que deviam igualmente sua condição aos drenadores. Drenar era um trabalho arriscado, logicamente. Às vezes o vampiro se soltava, com um resultado muito previsível. Um tribunal na Florida havia decretado que a retaliação de um vampiro foi homicídio justificável, em um famoso caso, porque os drenadores notoriamente descartavam suas vitimas. Eles deixam o vampiro completamente esgotado sem sangue, fraco demais para se mover, em qualquer lugar que o vampiro caísse. O vampiro enfraquecido morria quando o sol nascia ao não ser que ele tivesse a sorte de ser descoberto e salvo durante as horas de escuridão. Levava anos para recuperar-se de uma drenagem, e seriam anos com a ajuda de outros vampiros. Bill tinha me contado que haviam abrigos para vampiros drenados, e que a localização deles era mantida em completo segredo. Bruxas com quase os mesmos poderes físicos dos vampiros – isso parecia uma combinação muito perigosa. Eu continuava pensando nas mulheres quando lembrei do coven que havia se instalado em Shreveport, e fiquei corrigindo a mim mesma. Homens, Holly havia dito, havia homens no grupo. Olhei para o relógio do banco e notei que já passava do meio-dia. Seria noite completa alguns minutos antes das seis; Eric levantava-se um pouco mais cedo, algumas vezes. Eu certamente teria ido e voltado de Shreveport antes disso. Eu não conseguia pensar em outro plano e simplesmente não podia ficar em casa sentada e esperando. Mesmo desperdiçando gasolina era melhor do que voltar para minha casa, embora a preocupação pelo Jason me arrepiava de cima a baixo. Não pude arrumar tempo para deixar a espingarda em casa, mas desde que estivesse desarmada e as balas estivessem em um local separado, estaria dentro da lei o suficiente para dirigir por aí com ela. Pela primeira vez na minha vida, eu chequei meu retrovisor para ver se estava sendo seguida. Não sou muito boa em técnicas de espionagem, mas se alguém estava me seguindo, não pude flagrá-lo. Parei, coloquei gasolina e comprei um ICEE*, só para ver se alguém estacionava no posto de gasolina atrás de mim, mas ninguém o fez. Isso era realmente bom, eu decidi, esperando que a Holly estivesse salva.
(*A Companhia ICEE é uma divisão da J&J Snack Foods Corp localizada em Ontário, Califórnia. Seu produto principal é o ICEE, que são bebidas congeladas vindas de vários sabores de frutas e refrigerantes. ICEE pode vir na forma de outros produtos congelados como sorvetes e picolés. Atualmente, a companhia ICEE possui mais de 75000 máquinas de ICEE em todos os Estados Unidos que produzem mais de 300 milhões de ICEE por ano).
Enquanto dirigia, tive tempo para revisar minha conversa com a Holly. Percebi que esta foi minha primeira conversa com a Holly onde o nome da Danielle não foi mencionado sequer uma vez. Holly e Danielle vinham sendo amigas desde a escola primária. Elas provavelmente menstruavam ao mesmo tempo. Os pais de Danielle, membros originais da Igreja do Livre-Arbítrio Abençoado por Deus, teriam tido um ataque se soubessem sobre tudo isso, então não era de se admirar que a Holly tenha sido tão discreta. Nossa pequena cidade de Bom Temps havia aberto seus portões o suficiente para suportar os vampiros, e os homossexuais já não tinham tempos difíceis como antes (dependendo de como eles expressavam sua preferência). Entretanto, imaginei que os portões poderiam ser fechados na cara dos Wiccans. A peculiar e bela Claudine tinha me falado que foi atraída para Bon Temps por suas tantas singularidades. Imaginei o que mais estaria por aí, esperando para revelar-se.
Carla Rodriguez, minha pista mais promissora, veio primeiro. Verifiquei o velho endereço que eu tinha da Dovie, com quem troquei um estranho cartão de Natal. Encontrei a casa com alguma dificuldade. A casa ficava um pouco longe das áreas comerciais de Shreveport, que eram minhas paradas usuais na cidade. As casas eram muito pequenas e muito juntas onde Dovie morava, e algumas delas estavam em péssimas condições. Senti uma estranha sensação de triunfo quando a própria Carla atendeu a porta. Ela tinha um olho roxo e estava de ressaca, ambos sinais de que ela tinha tido uma grande noite anterior. - Hei, Sookie, - ela disse, identificando-me depois de um momento. – O que faz por aqui? Eu estava no Merlotte‘s ontem à noite, mas eu não vi você lá. Você ainda trabalha lá? - Trabalho. Eu estava na minha noite de folga. – Agora que eu estava de frente para a Carla, não sabia exatamente como explicar para ela o que eu precisava. Decidi ser direta. – Escuta, Jason não foi trabalhar esta manhã, e eu meio que imaginei se ele poderia estar aqui com você. - Queridinha, não tenho nada contra você, mas Jason é o último homem no mundo com quem eu dormiria. – Carla disse planamente. Eu a encarei, ouvindo que ela me dizia a verdade. – Eu não vou pôr minha mão no fogo de novo, tendo queimado ela na primeira vez. Eu realmente olhei ao redor do bar para ver se o encontrava, mas se o fizesse teria dado meia-volta. Assenti. Isto pareceu ser tudo que podia ser dito sobre o assunto. Trocamos algumas outras frases educadas, eu bati papo com a Dovie, que carregava uma criança pequena, mas então já era hora de eu partir. Minha pista mais promissora havia evaporado depois de apenas duas frases. Tentando suprir meu desespero, dirigi até um posto de gasolina lotado e estacionei, para checar meu mapa de Shreveport. Não demorou muito tempo para eu descobrir como ir da casa da Dovie até o bar dos vampiros. Fangtasia estava localizado no centro comercial, perto do Toys ―R‖ Us*. Abria às seis da tarde durante todo o ano, mas, é claro, os vampiros não apareciam antes do anoitecer, o que dependia da estação. A frente do Fangtasia era pintada de cinza, e o letreiro de néon era vermelho. ―O Primeiro Bar Vampiro de Shreveport‖ lia-se num letreiro menor recém acrescentado, escrito abaixo da exótica escrita do nome do bar.
(*Toys"R"Us é uma empresa multinacional norte-americana responsável por uma rede internacional de cerca de 1.500 lojas de brinquedos. Fundada em 1948 por Charles Lazarus em Washington, DC, o capital da empresa pertence desde 2005 ao consórcio formado pelas empresas Brain Capital, Kohlberg Kravis Roberts & Co. (KKR) e Vornado Realty Trust. A sede da empresa está localizada em Wayne, Nova Jérsei).
Estremeci e olhei para os lados. Dois verões atrás, um pequeno grupo de vampiros de Oklahoma tentou instalar um bar rival na localidade adjacente, Bossier City. Após uma particularmente quente e curta noite de Agosto, eles nunca mais foram vistos novamente, e o local que vinham utilizando pegou fogo completamente. Turistas achavam que histórias desse tipo eram realmente divertidas e coloridas. Isto, acrescentado a emoção de pedir bebidas caras (de garçonetes humanas vestindo longos trajes negros de ―vampiro‖) enquanto, de verdade, contemplam um verdadeiro sugador de sangue. Eric fez os vampiros da Área Cinco comparecerem a esta tarefa tão pouco atraente, dando a eles horários semanais para aparecerem no Fangtasia. A maioria de seus subordinados não estava tão entusiasmada para se exibir, mas isso dava a eles a chance de sair com vampirófilos que na verdade morriam de vontade de serem mordidos. Tais encontros não podiam acontecer no Fangtasia: Eric tinha regras sobre isso. E também o departamento de polícia. A única forma de mordidas serem permitidas entre humanos e vampiros era acontecer em privacidade entre adultos que consentiam. Automaticamente, conduzi até a parte traseira do centro comercial. Bill e eu quase sempre usamos a entrada de funcionários. Lá, a porta era apenas cinza, com o nome do bar fixado em letras adesivas do Wal-Mart. Logo abaixo disto, um aviso largo e negro proclamava SOMENTE FUNCIONÁRIOS. Levantei minha mão para bater na porta, mas então percebi que o ferrolho interior não havia sido posto. A porta estava destrancada. Isso era muito, muito ruim. Embora fosse plena luz do dia, meus cabelos da nuca se arrepiaram. Abruptamente, desejei ter o Bill atrás de mim. Não que eu sentisse falta de seu brando amor. Esse é provavelmente um indicador ruim para seu estilo de vida, quando você sente falta de seu ex-namorado porque ele é absolutamente letal. Embora a aparência pública do centro comercial estivesse muito transitada, a área de serviço estava bastante deserta. O silêncio estava cheio de possibilidades, nenhuma delas agradável. Apoiei minha testa contra a fria porta cinza. Decidi retornar para meu velho carro e sair dali, o que haveria sido extremamente inteligente. E eu teria ido embora se não tivesse escutado um gemido. Mesmo então, se tivesse sido capaz de encontrar um telefone público, teria ligado para 911 e ficaria do lado de fora até que alguém da polícia aparecesse. Mas não havia um telefone à vista, e eu não poderia agüentar a possibilidade de que alguém precisava muito mesmo da minha ajuda, e eu tinha ignorado porque estava com medo. Havia uma pesada lixeira diretamente junto à porta, e depois que a tirei para abrir a porta – permanecendo do lado de fora por um segundo para evitar que algo pudesse cair em cima de mim – manobrei a lixeira para segurar a porta entreaberta. Tremia dos pés a cabeça quando entrei. Sem janelas, o Fangtasia requisitava luz elétrica vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Considerando que nenhuma dessas lâmpadas estava acesa, o interior estava como um fosso escuro. A luz desse dia de inverno se estendeu fracamente pelo corredor que levava ao bar. Do lado direito, estavam as portas para o escritório do Eric e a sala do contador. Do lado esquerdo, estava a porta para a larga despensa, que também continha o banheiro dos empregados. Este corredor terminava numa pesada porta para desencorajar qualquer amante de brincadeiras de penetrar pelo fundo do bar. Esta porta também estava aberta pela primeira vez em minha memória. Mais a frente ficava a negra e silenciosa caverna do bar. Imaginei se algo estava sentado naquelas mesas ou escondido naquelas cabines. Eu estava prendendo meu fôlego, então eu poderia detectar pelo menos um pequeno barulho. Após alguns segundos, ouvi um movimento como se alguém se arrastasse e outro som de dor, vindo da despensa. A porta estava silenciosamente entreaberta. Tomei quatro passos até aquela porta. Meu coração pulava todo o caminho até minha garganta, enquanto eu a alcançava na escuridão para acender as lâmpadas. A claridade me fez piscar. Belinda, a única vampirófila quase inteligente que eu já tinha conhecido, estava caída no chão da despensa numa curiosa posição contorcida. Suas pernas estavam dobradas em ângulos contrários, seus sapatos altos pressionados contra seu quadril. Não havia sangue – na verdade, nenhuma marca visível – nela. Aparentemente, ela estava tendo uma gigante e perpetua câimbra. Ajoelhei ao lado da Belinda, meus olhos lançando olhares para todos os lados. Não vi nenhum outro movimento na sala, embora os cantos estivessem escuros com pilhas de caixas de licor e um caixão que era usado como um espetáculo, onde os vampiros às vezes entravam para suas festinhas especiais. A porta do banheiro dos empregados estava fechada. - Belinda, - eu sussurrei. – Belinda, olhe para mim.
Os olhos da Belinda estavam vermelhos e inchados através de seus óculos, e suas bochechas estavam molhadas por lágrimas. Ela piscou e focou seu olhar em meu rosto. - Eles ainda estão aqui? – Eu perguntei, sabendo que ela entenderia que me referia ―às pessoas que haviam feito aquilo com ela‖. - Sookie, - ela disse com a voz rouca. Sua voz estava fraca, e imaginei quanto tempo ela tinha ficado ali, esperando por ajuda. – Oh, graças a Deus. Diga ao Mestre Eric que tentamos detê-los. – Ainda cumprindo seu papel, você podia perceber, mesmo em agonia. – Diga ao nosso amo que lutamos até a morte. – Vocês sabem desse tipo de coisa. - Quem você tentou deter? – Eu perguntei bruscamente. - As bruxas. Eles* vieram ontem à noite depois que fechamos o bar, após Pam e Chow terem ido embora. Apenas Ginger e eu…
(*Vou deixar ―eles‖ quando falarem das bruxas, porque já deixaram claro que também tem homens que são bruxas e tal, aí não faz sentido colocar ―elas‖)
- O que eles queriam? – Tive tempo para notar que Belinda ainda vestia sua roupa de garçonete, com um rasgo em sua longa saia, e ainda havia feridas em seu pescoço. - Eles queriam saber onde havíamos escondido o Mestre Eric. Eles pareciam acreditar que tinham… feito algo com ele e que nós havíamos o escondido. – Durante sua longa pausa, seu rosto se contorceu, e pude notar que ela estava com muita dor, mas eu não podia dizer o que havia de errado nela. - Minhas pernas, - ela gemeu. – Oh. - Mas você não sabia, então você não poderia dizer a eles. - Eu nunca trairia nosso Mestre. – E Belinda era a que tinha senso. - Havia alguém aqui além da Ginger, Belinda? – Mas ela estava em tão profunda dor que ela não conseguiu responder. Seu corpo inteiro estava rígido com a dor, e um baixo gemido saiu de sua garganta novamente. Liguei para 911 do escritório do Eric, já que eu sabia da localização do telefone que ficava lá. A sala havia sido remexida e alguma bruxa brincalhona havia desenhado um grande pentagrama* vermelho em uma das paredes. Eric iria amar aquilo.
(*O pentagrama, estrela de cinco pontas dentro de um círculo, é o símbolo da religião Wicca. Cada ponta do pentagrama representa um dos Cinco Elementos da Natureza: Ar, Fogo, Água, Terra e Akasha (espírito). Os adeptos à religião Wicca crêem que tudo foi criado a partir dos cinco elementos. O pentagrama também representa o corpo humano, os 4 membros e a cabeça).
Retornei até a Belinda para lhe dizer que uma ambulância estava a caminho. - O que há de errado com suas pernas? – perguntei com medo da resposta. - Eles fizeram com que o músculo de detrás da minha perna se contraísse, como se fosse metade… - E ela começou a gemer novamente. – É uma daquelas câimbras gigantes que você tem quando está grávida. Isso era noticia para mim, que Belinda já tivesse ficado grávida. - Onde está a Ginger? – Perguntei, quando sua dor pareceu diminuir um pouco. - Ela estava no banheiro. Ginger, uma loira bonita, burra feito pedra, ainda estava lá. Eu não acho que eles quiseram matála. Mas eles lançaram um feitiço em suas pernas como tinham feito com a Belinda, parecia; suas pernas estavam dobradas do mesmo modo peculiar e doloroso, até a morte. Ginger estava parada na frente da pia quando foi atacada, e sua cabeça havia se chocado na quina da pia quando ela caiu. Seus olhos estavam perdidos e seu cabelo estava emaranhado com sangue coagulado que tinha escorregado do ferimento em sua testa. Não havia nada a ser feito. Eu nem toquei na Ginger; ela estava tão obviamente morta. Eu não disse nada sobre ela para a Belinda que estava em agonia demais para entender, de qualquer modo. Ela teve mais alguns momentos de lucidez antes de eu ir embora. Perguntei a ela onde poderia encontrar Pam e Chow para alertá-los, e Belinda disse que eles apenas surgiam no bar quando era noite. Ela disse também que a mulher que havia lhe lançado o feitiço era uma bruxa chamada Hallow, e que ela tinha quase 1,80 de altura, com um cabelo castanho e curto e com um pequeno desenho pintado em seu rosto. Isso deixava mais fácil para identificá-la. - Ela me disse que ela era tão forte quanto um vampiro, - Belinda ofegou. – Veja… - Belinda apontou para além de mim. Girei, esperando um ataque. Nada alarmante aconteceu, mas o que vi era quase tão inquietante quanto o que eu havia imaginado. Era o puxador do carrinho que os funcionários usavam para servir as bebidas. O longo metal estava torcido em formato de U. - Eu sei que o Mestre Eric irá matá-la quando voltar, - Belinda disse demasiadamente após um minuto, as palavras vinham entrecortadas por causa da dor. - Tenho certeza que ele irá, - eu disse fortemente. Hesitei, me sentindo miserável além das palavras. – Belinda, eu tenho que ir porque não quero que a polícia me mantenha aqui para interrogatório. Por favor, não mencione meu nome. Apenas diga que um desconhecido que passava ouviu você, certo? - Onde está o Mestre Eric? Ele está realmente desaparecido? - Não faço idéia, - disse forçada a mentir. – Tenho que sair daqui. - Vá, - Belinda disse, sua voz desigual. – Tivemos sorte por você entrar aqui. Tive que sair de lá. Nada sabia sobre o que tinha acontecido no bar, e ser questionada por horas me custaria tempo que não podia perder, com meu irmão desaparecido. De volta a meu carro e já saindo do centro comercial, passei pelos carros de polícia e a ambulância enquanto eles avançavam ao bar. Eu havia limpado a maçaneta para tirar minhas impressões digitais. Além dela, não pude me lembrar em o que mais eu tinha tocado e em que não tinha tocado, não importando quão cuidadosamente eu tinha revisado minhas ações. Havia bilhões de impressões digitais lá, de qualquer modo; Deus, era um bar. Após um minuto, percebi que dirigia sem direção. Eu estava esmagadoramente agitada. Estacionei novamente em outro posto de gasolina e olhei ansiosamente para o telefone público. Eu poderia ligar para o Alcide, perguntar a ele onde Pam e Chow passavam suas horas diurnas. Então eu poderia ir até lá e deixar uma mensagem, ou algo do tipo, alertando-os do que tinha acontecido. Tomei profundos fôlegos e pensei com força no que estava fazendo. Era extremamente improvável que os vampiros descem aos Lobis o endereço de seus esconderijos diurnos. Essa não era uma informação que os vampiros passavam a qualquer um que perguntasse. Alcide não tinha nenhuma paixão pelos vampiros de Shreveport, que sustentaram as dividas de jogo de seu pai até que Alcide cumprisse seus desejos. Eu sabia que se eu ligasse, ele viria porque ele era um cara legal. Mas seu envolvimento poderia ter sérias conseqüências para sua família e seu negócio. Entretanto, se essa Hallow era uma ameaça tripla – uma bruxa lobisomem que bebia sangue de vampiro – ela era realmente perigosa, e os Lobis de Shreveport deveriam saber sobre ela. Aliviada, eu havia finalmente decidido o que fazer. Encontrei um telefone público que funcionasse e peguei o cartão do Alcide da minha carteira. Alcide estava no escritório, o que era um milagre. Descrevi minha localização e ele me deu as direções de como chegar a seu escritório. Ele ofereceuse para vir me buscar, mas eu não queria que ele pensasse que eu era uma completa idiota. Eu usei um cartão telefônico para ligar para o xerife Bud Dearborn, para ouvir que não havia noticias sobre o Jason. Seguindo as orientações do Alcide muito cuidadosamente, eu cheguei à Herveaux & Filho em mais ou menos vinte minutos. Não era tão distante da I-30, no limite leste de Shreveport, na verdade, no meu caminho de volta à Bon Temps. Os Herveauxes eram donos do edifício, e sua companhia era a única ocupante. Estacionei na frente do edifício. Na parte traseira, eu vi a picape Dodge Ram* do Alcide no largo estacionamento de empregados. O estacionamento da frente, para visitantes, era muito menor. Era fácil perceber que os Herveauxes iam atrás de seus clientes mais do que os clientes vinham até eles.
(*A Ram é uma picape de porte grande da Dodge. É a única opção de picape da Dodge disponível no Brasil. Começou a ser produzida em 1981).
Sentindo-me tímida e mais do que um pouco nervosa, eu empurrei para abrir a porta da frente e olhei ao redor. Havia um balcão logo à entrada, com uma área de espera do outro lado. Mais além do meio corredor, pude ver estações de trabalho, três delas ocupadas. A mulher por trás do balcão estava encarregada de passar as ligações telefônicas também. Ela tinha cabelos curtos e castanhoescuros que estava cuidadosamente cortado e estilizado, ela usava um belo suéter e estava maravilhosamente maquiada. Estava provavelmente em seus quarenta anos, mas isso não diminuía seus atributos. - Estou aqui para ver o Alcide, - eu disse, me sentindo envergonhada e tímida. - Seu nome? – Ela sorria para mim, mas parecia um pouco incomodada como se ela não aprovasse que uma jovem obviamente fora de moda aparecesse no local de trabalho do Alcide. Eu usava um brilhante top tricotado azul e amarelo com longas mangas, sobre meu velho casaco azul que chegava até o meio de minhas coxas, jeans velhos e meus Reeboks. Eu estava preocupada em achar meu irmão quando me vesti, não em ser julgada pela Policia da Moda*.
(*Fashion Police – Polícia da Moda é um termo que se refere à idéia de uma imaginária força policial que se assegura de que as pessoas vestiam-se de acordo com a moda. O termo é usado como piada às pessoas que criticam o modo de vestir dos outros, e para aqueles que tem senso de moda. O termo pode às vezes ser usado em modo depreciativo, levando em conta que a Policia da Moda tem senso de estilo estreito e rígido.)
- Stackhouse, - eu disse. - A senhorita Stackhouse está aqui para vê-lo, - Sra. Arrogante* disse pelo interfone.
(*No original seria Mrs. Crispy que significa crocante, NÃO CONSEGUI ACHAR OUTRO MODO DE TRADUÇÃO.)
- Oh, bom! – Alcide soou muito feliz, o que era um alivio. Sra. Arrogante disse no interfone: - Devo mandá-la entrar? – quando Alcide surgiu da porta atrás e à esquerda do seu balcão. - Sookie! – ele disse parando à minha frente. Ele parou um segundo como se não pudesse decidir o que deveria fazer e logo me abraçou. Senti que eu sorria por todos os lados. Abracei-o de volta. Eu estava tão feliz em vê-lo! Pensei que ele parecia maravilhoso. Alcide é alto, com cabelos pretos que aparentemente não podem ser domados por uma escova e pente, e ele tem um rosto amplo e olhos verdes. Nós havíamos nos livrado de um cadáver juntos e isto cria um laço. Ele moveu gentilmente minha trança. - Vamos entrar, - ele disse em meu ouvido, já que a Sra. Arrogante nos olhava com um sorriso indulgente. Eu tinha certeza que a parte indulgente era em beneficio do Alcide. Na verdade, eu sabia que sim, porque ela estava pensando que eu não parecia chique ou educada o suficiente para namorar um Herveaux, e não achava que o pai do Alcide (com quem ela vinha dormindo por dois dias) gostaria que Alcide fosse amigo de uma garota tão desprezível quanto eu. Oops, uma daquelas coisas que eu não queria saber. Obviamente eu não estava protegendo minha mente o suficiente. Bill havia me feito praticar, e, agora que eu não o via mais, estava ficando desleixada. Não era inteiramente minha culpa; Sra. Arrogante tinha uma mente aberta. Alcide não tinha, já que ele era um lobisomem. Alcide me levou corredor à dentro, que era cheio de tapetes e quadros neutros – paisagens sem graça e cenários de jardins – que imaginei que algum decorador (ou talvez a Sra. Arrogante) tinha escolhido. Ele me trouxe para dentro de seu escritório, que tinha o nome dele na porta. Era um grande escritório, mas não era luxuoso e elegante, porque era completamente cheio de objetos de trabalho – planos e papéis, capacetes e equipamentos do escritório. Muito prático. A máquina do fax estava sussurrando, e, localizada ao lado de vários objetos, estava uma calculadora exibindo números. - Você está ocupado. Não devia ter ligado, - eu disse, instantaneamente intimidada. - Você está brincando? Sua ligação é a melhor coisa que me aconteceu hoje! – ele soou tão sincero que tive que sorrir novamente. – Tenho algo para lhe dizer, algo que não disse quando levei suas coisas após você ter se machucado. – Após eu ser espancada por valentões alugados. – Me senti tão mal por causa disso, que vinha pensando em ir à Bon Temps para conversar com você cara a cara. Oh Meu Deus, ele havia voltado com sua asquerosa e repugnante noiva, Debbie Pelt. Eu estava captando o nome da Debbie de seu cérebro. - É mesmo? – eu disse, tentando parecer calma e aberta. Ele tomou minha mão entre suas palmas largas. - Eu te devo um pedido de desculpas. Certo, aquilo era inesperado. - Pedido de desculpas por quê? – perguntei, olhando para ele com as sobrancelhas franzidas. Eu tinha vindo aqui para extravasar meus problemas, mas, ao invés disso, era o Alcide que estava. - Aquela última noite, no Clube dos Mortos, - ele começou, - quando você mais precisou de minha ajuda e proteção, eu… Eu sabia o que estava por vir agora. Alcide havia se transformado em lobo ao invés de permanecer humano e me ajudar após eu ser ferida. Pus minha mão livre em sua boca. Sua pele era tão quente. Se você está acostumada a tocar em vampiros, você saberá o quão quente um humano normal pode parecer, e um Lobis ainda mais, já que eles são alguns graus mais quentes. Senti meu pulso acelerar-se e sabia que ele poderia notar. Animais são bons em sentir excitações. - Alcide, - eu disse, - não volte a mencionar isso. Você não pôde evitar, e tudo acabou bem de qualquer forma. – Bom, mais ou menos - tirando meu coração que foi despedaçado pela traição do Bill. - Obrigado por ser tão compreensiva, - ele disse, após uma pausa em que ele apenas me olhou. – Acho que me sentiria melhor se você estivesse brava. – Suponho que ele estava se perguntando se eu estava apenas ocultando uma face furiosa ou se estava sendo realmente sincera. Pude perceber que ele teve o impulso de me beijar, mas ele não tinha certeza se eu gostaria de tal ação ou até mesmo se permitiria.
Bom, eu não sabia se eu permitiria, também, então não dei a mim mesma a chance de descobrir. - Certo, estou furiosa com você, mas estou lidando muito bem com isso, - eu disse. Ele relaxou completamente quando me viu sorrir, mas talvez fosse o último sorriso que compartilharíamos pelo resto do dia. – Ouça, seu escritório no meio do dia não é o melhor lugar e momento para eu lhe contar o que preciso, - eu disse. Falei muito calmamente, para ele perceber que eu não tinha vindo por ele. Não que não gostasse do Alcide, eu achava que ele era um homem daqueles – mas enquanto eu tiver certeza que ele está envolvido com Debbie Pelt, ele estava fora da minha lista de pretendentes. A última coisa que ouvi da Debbie foi que ela estava noiva de outro metamorfo, apesar de ainda ter um envolvimento emocional com o Alcide. Não me envolveria nisso – não com o dano causado pela infidelidade do Bill ainda pesando em meu coração. - Vamos ao Applebee's* rua abaixo e tomar um café, - ele sugeriu. Pelo interfone, ele disse à Arrogante que ele estava de saída. Saímos pela porta dos fundos.
(*Applebee´s é uma rede de restaurantes que foi aberta na Geórgia (Atlanta – EUA) em novembro de 1980, por Bill e T.J. Palmer. Opera restaurantes em 49 estados dos EUA, e em 17 paises diferentes.)
Era mais ou menos duas horas da tarde naquele momento, e o restaurante estava quase vazio. Alcide pediu ao jovem que nos atendeu para nos colocar no assento mais distante de todo mundo que ele pudesse. Deslizei para um dos lados do assento, esperando que Alcide sentasse do outro lado, mas ele escorregou para meu lado. - Se você quer me contar segredos, isso é o mais próximo que posso me aproximar. – ele disse. Nós dois pedimos café, e Alcide pediu ao garçom para trazer um pequeno pote. Perguntei sobre seu pai, após o garçom ter saído, e Alcide perguntou sobre Jason. Não respondi, porque a menção do nome de meu irmão era suficiente para me deixar próxima do choro. Quando nosso café chegou e o jovem rapaz saiu, Alcide disse: - O que aconteceu? Respirei profundamente, tentando decidir por onde começar. - Há uma reunião de bruxas más em Shreveport, - eu disse completamente. – Eles bebem sangue de vampiro, e pelo menos alguns deles são metamorfos. Foi a vez do Alcide respirar fundo. Ergui a mão, indicando que mais coisas viriam. - Eles estão se mudando para Shreveport para tomar conta do reino financeiro dos vampiros. Eles jogaram uma maldição ou feitiço no Eric, e isso levou suas memórias. Invadiram o Fangtasia, tentando descobrir onde os vampiros descansam durante o dia. Jogaram algum tipo de feitiço em duas das garçonetes, e uma delas está no hospital. A outra está morta. Alcide já estava retirando seu telefone celular do bolso. - Pam e Chow esconderam o Eric em minha casa, e tenho que retornar antes do anoitecer para cuidar dele. E o Jason está desaparecido. Eu não sei quem o pegou ou onde ele está, ou se ele está… - Vivo. Mas não pude dizer a palavra. O fôlego do Alcide escapou em um ―whoosh‖, e ele permaneceu me encarando, o celular em sua mão. Ele não podia decidir para quem ligar primeiro, não podia culpá-lo. - Eu não gosto que o Eric esteja em sua casa, - ele disse. – Ele te põe em perigo. Fiquei comovida que seu primeiro pensamento foi sobre a minha segurança. - Jason pediu muito dinheiro para eu fazer isso, e Pam e Chow aceitaram, - eu disse, envergonhada. - Mas Jason não está lá se arriscando, e você está*.
(*No original seria: But Jason isn't there to take the heat, and you are)
Inquestionavelmente verdade. Mas, para dar crédito ao Jason, ele certamente não havia planejado deste modo. Eu disse ao Alcide sobre o sangue encontrado no píer. - Poderia ser uma pista falsa,* - ele disse. – Se o tipo sanguíneo combinar com o do Jason, então você deve se preocupar. – Ele tomou um gole de seu café, seus olhos focados dentro da xícara. – Tenho que fazer algumas ligações, – ele disse.
(* No original seria: Might be a red herring, que no sentido literal significa arenque vermelho, mas pode ser usado como uma expressão que designa algo (ou alguém) que tenta tirar sua atenção do que realmente importa. Como uma pista falsa, por exemplo.)
- Alcide, você é o líder do bando de Shreveport? - Não, não, não sou tão importante assim. – Isso não pareceu possível para mim, e disse isso a ele. Ele tomou minha mão. - Líderes do bando geralmente são mais velhos do que eu, - ele disse. – E você tem que ser muito durão. Muito, muito durão. - Você tem que lutar para tornar-se Líder do bando? - Não, você é eleito, mas os candidatos têm que ser fortes e espertos. Há um tipo de… bom, há um teste que você tem que prestar. - Escrito? Oral? – Alcide pareceu aliviado quando viu que eu estava rindo. – É mais um teste de resistência? – eu disse. Ele concordou. - Quase isso. - Acha que seu Líder deveria saber sobre isso? - Sim. O que mais? - Por que eles estariam fazendo isso? Por que escolheram Shreveport? Se eles têm tanta coisa em jogo, o sangue de vampiros e a vontade de fazer coisas realmente malignas, por que não se instalaram em uma cidade mais próspera? - Esta é uma ótima pergunta. – Alcide estava pensando muito. Seus olhos verdes semicerravamse quando ele pensava. – Nunca ouvi falar de uma bruxa que tivesse tanto poder. Nunca ouvi falar de uma bruxa ser um metamorfo. Penso que esta é a primeira vez que isso já aconteceu. - Primeira vez? - Que uma bruxa tenta tomar controle de uma cidade, tentando controlar as posses da comunidade sobrenatural dessa cidade, - ele disse. - Como as bruxas estão posicionadas na hierarquia sobrenatural? - Bom, eles são humanos que se mantêm humanos. – Ele encolheu os ombros. – Geralmente, os Sobrenaturais acham que as bruxas são como tietes. Do tipo que você deve manter sob vigilância, já que eles praticam magia e são criaturas mágicas, mas ainda assim… - Não são uma grande ameaça? - Correto. Parece que nós devemos repensar isso. A líder deles toma sangue de vampiros. Ela mesma os drena? – Ele discou um número e pôs o telefone em seu ouvido. - Não sei. - E em que ela se transforma? – Os metamorfos podem escolher, mas sempre há um animal com o qual eles tem afinidade, seu animal habitual. Um metamorfo pode se autodenominar um HomemLince ou um Homem-Morcego, se ele não soubesse da variedade de um lobisomem. Lobisomens se opunham fortemente a qualquer outra criatura de duas naturezas que se denominava ―Homem-algo*‖.
(*No original ―Were‖, como em werewolf(lobisomem), ou were-lynx(homem-lince), ou werebat(homem-morcego)... Então, coloquei ―homem-algo‖ lá em cima.)
- Bom, ela é… como você, - eu disse. Os Lobis se consideram os reis da comunidade que apresenta duas naturezas. Eles se transformavam em apenas um animal, e isto era o melhor. Os restantes da comunidade de duas naturezas respondiam dizendo que os lobisomens eram assassinos. - Oh não. – Alcide estava horrorizado. Naquele momento, seu Líder do bando atendeu o telefone. - Alô, é o Alcide. – Um silêncio. – Lamento incomodá-lo quando você está ocupado no quintal. Algo importante aconteceu. Preciso vê-lo o mais rápido possível. – Outro silêncio. – Sim, senhor. Com a sua permissão, levarei alguém comigo. – Após um segundo ou dois, Alcide apertou um botão para acabar com a conversa. – Certamente o Bill sabe onde Pam e Chow vivem, não? - Tenho certeza que sim, mas ele não está aqui para me dizer. – Se ele estivesse. - E onde ele está? – A voz do Alcide estava enganosamente calma. - Ele está no Peru. Eu olhava meu guardanapo, que eu havia dobrado como um leque. Eu encarei o homem a meu lado, que olhava para mim com uma expressão incrédula. - Ele se foi? Ele a deixou lá sozinha? - Bom, ele não sabia que isso aconteceria, - eu disse, tentando não soar defensiva, e então pensei, ‗O que estou dizendo?‘ – Alcide, eu não tenho visto o Bill desde que voltei de Jackson, exceto quando ele veio à minha casa dizer que estava deixando o país. - Mas ela me disse que você tinha voltado para o Bill, - Alcide disse nunca voz muito estranha. - Quem te disse isso? - Debbie. Quem mais? Temo que minha reação não foi muito agradável. - E você acreditou na Debbie? - Ela disse que parou no Merlotte‘s em seu caminho para vir me ver, e que tinha visto você e o Bill agindo muito, ah, amigavelmente enquanto ela estava lá. - E você acreditou nela? – Talvez, se eu continuasse a enfatizar minhas palavras, ele me diria que estava apenas brincando. Alcide pareceu envergonhado agora, ou tão envergonhado quanto um lobisomem pode parecer. - Certo, isso foi estupidez, - ele admitiu. – Lidarei com ela. - Certo. – Me perdoe se não soei muito convencida. Já tinha escutado aquilo. - Bill está realmente no Peru? - Pelo que sei. - E você está sozinha em casa com o Eric? - Eric não sabe que ele é o Eric. - Ele não lembra a identidade dele? - Não. Ele aparentemente não se lembra de seu caráter, também. - Isso é algo bom, - Alcide disse sombrio. Ele nunca tinha visto o Eric com nenhum senso de humor, do mesmo modo que eu. Eu estava sempre suspeitando do Eric, mas eu apreciava seu mau comportamento, sua honestidade e seu estilo. Se você puder dizer que um vampiro sabia aproveitar a vida, Eric sabia muitíssimo*.
(*No original seria: If you could say a vampire had joie de vivre, Eric had it in spades. Joie de vivre, é uma expressão vinda do francês que significa ―the joy of living‖, expressa o prazer de aproveitar a vida.)
- Vamos visitar o Líder do bando agora, - Alcide disse, obviamente em um humor muito mais severo. Nós deslizamos de nossos assentos após ele ter pago o café, e sem ele ter ligado para o trabalho. (Não haveria sentido em ser o chefe se você não podia sumir uma vez ou outra). Ele me ajudou a entrar na caminhonete dele e nós retornamos à Shreveport. Eu tinha certeza de que a Sra. Arrogante pensava que nós havíamos ido a um motel, ou para o apartamento do Alcide, mas isso era melhor do que se ela descobrisse que seu chefe é um lobisomem. Enquanto dirigíamos, Alcide me disse que o Líder do bando era um coronel aposentado da Força Aérea, anteriormente localizada na Base da Força Aérea de Barksdale, em Bossier City, que era próxima a Shreveport. A única filha do Coronel Flood havia se casado com um morador local, e o Coronel havia se estabelecido na cidade para ficar mais próximo de seus netos. - A mulher dele era uma Lobis também? – Perguntei. Se a senhora Flood também era uma Lobis, a filha deles também seria. Se os Lobis conseguirem sobreviver aos primeiros meses, eles vivem por um bom tempo, exceto em caso de acidentes. - Ela era; morreu há alguns meses atrás. O Líder do bando do Alcide vivia numa modesta vizinhança com casas em estilo de ranchos em terrenos pequenos. Coronel Flood estava colhendo pinhas em seu jardim. Aquilo parecia uma coisa tão doméstica e serena para um importante lobisomem fazer. Eu tinha o imaginado usando um uniforme da Força Aérea, mas, é claro, ele usava uma roupa de um cidadão normal ao ar livre. Seu cabelo grosso era branco e cortado muito curto, e ele tinha um bigode que devia ter sido aparado com uma régua, para ser tão reto. O coronel deve ter ficado curioso após a ligação do Alcide, mas ele pediu que entrássemos de um modo calmo. Ele deu um tapinha no ombro do Alcide; ele foi muito educado comigo. A casa era tão arrumada quanto seu bigode. Tinha passado por uma inspeção. - Posso servi-los algo para beber? Café? Chocolate quente? Refrigerante? – O coronel gesticulou para sua cozinha, como se sua empregada estivesse parada lá alerta à suas ordens. - Não, obrigado, - eu disse, já que estava cheia por causa do café do Applebee. Coronel Flood insistiu para que sentássemos na sala de estar, que era estranhamente estreita de forma retangular com uma área para a sala de jantar no final. A Sra. Flood tinha gostado de pássaros de porcelanas. Tinha gostado muito deles. Imaginei como os netos se moviam neste cômodo, e mantive minhas mãos em meu colo com medo de derrubar alguma coisa. - Então, o que posso fazer por você? – Coronel Flood perguntou ao Alcide. – Está em busca de permissão para se casar? - Hoje não, - Alcide disse com um sorriso. Olhei para o chão para manter minha expressão para mim mesma. – Minha amiga Sookie Stackhouse tem informações para compartilhar conosco. É muitíssimo importante. – Seu sorriso desapareceu*. – Ela precisa relatar algo que ela sabe para o senhor.
(*No original seria: His smile died on the vine)
- E por que preciso ouvi-la? Entendi que ele perguntava ao Alcide quem eu era – que se ele era obrigado a me ouvir, ele precisava saber minhas intenções. Mas Alcide se ofendeu em meu nome.
- Não a traria aqui se não fosse importante. Não a apresentaria a você se eu não desse meu sangue por ela. Não tinha plena certeza do que ele queria dizer, mas eu estava presumindo que o Alcide atestava minha confiança e estava se oferecendo para pagar se de algum modo eu me mostrasse falsa. Nada era simples no mundo sobrenatural. - Vamos ouvir sua história, jovenzinha. – o coronel disse energicamente. Relatei o que disse ao Alcide, tentando deixar de fora as partes pessoais. - Onde este coven está estabelecido? – Ele perguntou, quando acabei. Disse a ele o que tinha visto na mente da Holly. - Não é informação suficiente, - Flood disse secamente. – Alcide, precisamos dos rastreadores. - Sim, senhor. – Os olhos do Alcide brilhavam no pensamento de ação. – Ligarei para eles. Tudo que ouvi está me fazendo repensar sobre algo estranho que aconteceu noite passada. Adabelle não veio à reunião do comitê de planejamento. Alcide pareceu alarmado. - Isso não é bom. Eles estavam tentando ser misteriosos na minha frente, mas pude ler o que estava se passando entre os dois lobisomens sem muita dificuldade. Flood e Alcide estavam imaginando se sua… hmmmm, vice-presidente?… Adabelle havia faltado à reunião por alguma razão inocente, ou se as bruxas tinham de algum modo induzido ela a unir-se a eles contra seu próprio bando. - Adabelle tem estado insatisfeita com a liderança do bando há algum tempo, - Coronel Flood disse ao Alcide, com o fantasma de um sorriso em seus lábios finos. – Tive esperança, quando ela foi eleita minha vice, que ela consideraria essa concessão suficiente. Com os pedaços de informação que pude capturar da mente do líder, o bando de Shreveport parecia apoiar firmemente o lado patriarcal. Para Adabelle, uma mulher moderna, a liderança do Coronel Flood era sufocante. - Um novo regime poderia lhe atrair, - Coronel Flood disse, após uma perceptível pausa. – Se os invasores descobriram qualquer coisa sobre nosso bando, foi a Adabelle que eles recrutaram. - Não acho que a Adabelle trairia o bando, não importa quão infeliz ela esteja com o regime, - Alcide disse. Ele soou muito seguro. – Mas, se ela não veio ao encontro noite passada e você não conseguiu se comunicar com ela pelo telefone esta manhã, estou preocupado. - Queria que vocês fossem procurar a Adabelle enquanto eu alerto o bando, - Coronel Flood sugeriu. – Se sua amiga não se importar. Talvez a amiga dele quisesse mover o traseiro de volta à Bon Temps e checar seu convidado pago. Talvez sua amiga quisesse procurar pelo irmão dela. Pensando bem, não podia pensar em nada mais a fazer do que procurar pelo Jason, e seriam menos de duas horas antes do Eric despertar. Alcide disse: - Coronel, Sookie não é um membro do bando e ela não devia estar encarregada de nossas responsabilidades. Ela tem seus próprios problemas, e ela saiu de seu caminho para nos contar sobre este grande problema que nem fazíamos idéia que existia. Nós deveríamos ter sabido. Alguém em nosso bando não foi honesto conosco. A face do Coronel Flood parecia uma pintura, como se ele tivesse engolido uma enguia viva. - Está certo sobre isso, - ele disse. – Obrigado, senhorita Stackhouse, por arrumar tempo para vir a Shreveport e contar ao Alcide o nosso problema… que nós deveríamos ter sabido. Assenti para ele em sinal de reconhecimento. - Acho que você está certo, Alcide. Um de nós deveria ter sabido da presença de outro bando na cidade. - Ligarei para você a respeito da Adabelle, - Alcide disse.
O coronel pegou o telefone e consultou um livro de couro vermelho antes de discar. Ele olhou para o Alcide. – Sem resposta na loja dela. – Ele tinha tanto calor irradiando dele quanto um pequeno aquecedor. Já que o Coronel Flood mantinha sua casa tão fria quanto o lado de fora, o calor era muito bem vindo. - Sookie deveria ser nomeada ―Amiga do bando‖. – Pude perceber que isso era mais do que uma recomendação. Alcide estava dizendo algo muito significante, mas ele com certeza não explicaria. Eu estava um pouco cansada das conversas indiretas ao meu redor. - Com licença, Alcide, Coronel, - eu disse o mais educadamente que pude. – Talvez o Alcide possa me levar ao meu carro? Já que todos vocês tem planos a seguir. - É claro, - o coronel disse, e pude perceber que ele estava feliz em se livrar de mim. – Alcide, vejo você aqui novamente em o que? Quarenta minutos ou mais? Falaremos sobre isso depois. Alcide deu uma olhada em seu relógio e relutantemente aceitou. - Eu poderia parar na casa da Adabelle enquanto levo a Sookie para seu carro, - ele disse, e o coronel assentiu, como se fosse apenas por formalidade. - Não sei por que Adabelle não estava atendendo o telefone no trabalho, e não acredito que ela se aproximaria do coven, - Alcide explicou quando retornamos a sua caminhonete. – Adabelle vive com sua mãe, e elas não se dão muito bem. Mas nós primeiro checaremos por lá. Adabelle é a vice do Flood e também nossa melhor rastreadora. - E o que os rastreadores podem fazer? - Eles irão ao Fangtasia e tentarão seguir a trilha de aroma que as bruxas deixaram lá. Isto os levará ao covil das bruxas. Se eles perderem o odor, talvez nós possamos ligar e pedir aos covens de Shreveport. Eles têm que estar tão preocupados quanto nós. - No Fangtasia, temo que qualquer rastro de odor tenha sido encoberto por todo o pessoal da emergência, - eu disse com pesar. Aquilo seria algo para se ver, um rastreamento de lobisomens pela cidade. – E, como você sabe, Hallow já tem contatos com todas as bruxas das redondezas. Eu conversei com uma Wiccan em Bon Temps que tinha recebido uma ligação de Shreveport para comparecer a uma reunião com a Hallow. - Isso é maior do que pensei, mas tenho certeza que o bando saberá lidar com isso. – Alcide soou bem confiante. Alcide deu a ré com a caminhonete para tirá-la da entrada da garagem do coronel Flood, e começamos a retornar a Shreveport novamente. Eu estava vendo mais da cidade naquele dia do que tinha visto minha vida inteira. - De quem foi a idéia do Bill ir para o Peru? – Alcide perguntou de repente. - Não sei. – Eu estava surpresa e perplexa. – Acho que foi da rainha deles. - Mas ele não te disse isto diretamente. - Não. - Ele provavelmente foi mandado a ir. - Suponho que sim. - Quem teria o poder para fazer isso? – Alcide perguntou, como se a resposta pudesse me iluminar de repente. - Eric, é claro. – Já que o Eric era xerife da Área Cinco. – E a rainha. – Ela era a chefe do Eric, a Rainha de Louisiana. É, eu sei. É patético. Mas os vampiros achavam que eles eram uma maravilha da organização moderna. - E agora que o Bill se foi, o Eric está na sua casa. – A voz do Alcide estava me pressionando a alcançar uma conclusão obvia. - Você acha que o Eric orquestrou isso tudo? Você acha que ele mandou o Bill para fora do país, fez as bruxas invadirem Shreveport, fez elas o amaldiçoarem; correu seminu no frio congelante quando ele supôs que eu estivesse por perto, e depois apenas torceu para que eu o levasse para minha casa e para que Pam e Chow conversassem com meu irmão para arranjar que ele ficasse em casa comigo? Alcide pareceu apropriadamente abatido. - Quer dizer que você já tinha pensado em tudo isso? - Alcide, não sou educada, mas não sou burra. – Tente ser educada quando você pode ler as mentes de todos os seus colegas de classe, sem falar do professor. Mas leio muito, e já li muitos livros bons. Claro, agora leio mais mistérios e romances. Então aprendi muita coisa curiosa e tenho um ótimo vocabulário. – Mas o fato é que o Eric dificilmente iria tão longe para me fazer ir para cama com ele. Era isso que você estava pensando? – Claro, eu sabia que sim. Lobisomem ou não, era óbvio. - Colocando dessa forma… - Mas o Alcide não pareceu satisfeito. Logicamente, este era o homem que tinha acreditado em Debbie Pelt quando ela disse que eu tinha definitivamente voltado com o Bill. Imaginei se eu poderia arranjar alguma bruxa para lançar um feitiço de verdade na Debbie Pelt, quem eu desprezava por ter sido cruel com o Alcide, por ter me ofendido gravemente, por ter deixado um buraco no meu xale favorito e – oh – tentado me matar. Ela também tinha um cabelo estúpido. Alcide não reconheceria uma Debbie honesta mesmo se ela viesse e o mordesse no traseiro, embora mordidas no traseiro fossem uma real especialidade da Debbie. Se Alcide soubesse que Bill e eu havíamos nos separado, teria ele vindo? Uma coisa teria levado à outra? Bem, tenho certeza que teria. E lá estaria eu, presa com um cara que acredita na palavra da Debbie Pelt. Lancei um olhar para o Alcide e suspirei. Esse homem era quase perfeito em alguns aspectos. Gostava de sua aparência, entendia seu modo de pensar e ele me tratava com grande consideração e respeito. Certo, ele era um lobisomem, mas eu podia ceder algumas noites por mês. Verdade, de acordo com o Alcide, carregar seu bebê seria difícil para mim, mas ao menos seria possível. Gravidez não fazia parte do quadro com um vampiro. Whoa. Alcide não havia se oferecido para ser o pai dos meus filhos, e ele ainda estava saindo com a Debbie. O que aconteceu com o noivado dela com aquele cara, Clausen? Com o lado mais nobre do meu caráter – assumindo que meu caráter tenha um lado nobre – desejei que o Alcide algum dia visse a Debbie como a verdadeira vadia que ela é, e que ele finalmente tomasse este conhecimento de coração. Se, conseqüentemente, Alcide me buscasse ou não, ele merecia coisa melhor do que Debbie Pelt. Adabelle Yancy e sua mãe moravam em uma rua sem saída* em uma vizinhança de classe média/alta que não era tão distante do Fangtasia. A casa estava sobre uma grama que se elevava além da rua, então a entrada da garagem se guarnecia e ia até a parte traseira da propriedade. Pensei que o Alcide estacionaria na rua e que nós caminharíamos todo o caminho até a porta principal, mas parecia que ele queria deixar a caminhonete fora de vista. Escaneei a rua, mas não vi ninguém, muito menos alguém vigiando a casa para visitantes.
(*No original seria: Adabelle Yancy and her mother lived in a cul-de-sac. Cul-de-sac é uma expressão de origem francesa que, se traduzido literalmente, significaria fundo de saco. O termo também é utilizado com a função de designar "becos-sem-saída' e "ruas sem saída".)
Junto aos fundos da casa em ângulo reto, a garagem para três carros era nítida como um alfinete. Você pensaria que carros nunca eram estacionados lá, que a reluzente Subaru* estava apenas perdida na área.
(*Subaru é uma empresa automobilística japonesa, subsidiária do grupo industrial Fuji Heavy Industries Co. Ltd. (FHI). A norte-americana General Motors já teve uma participação minoritária de 20% em suas ações. Foi fundada em 7 de julho de 1953 por Kenji Kita e Chikuhei Nakajima. Sua sede fica em Ota, Japão e a empresa emprega mais ou menos 11.998 funcionários.)
Descemos da caminhonete. - Aquele é o carro da mãe da Adabelle, - Alcide franzia as sobrancelhas. – Ela abriu uma loja para casamentos. Aposto que já ouviu falar da Verena Rose. Verena se aposentou após trabalhar lá em tempo integral. Ela aparece lá de vez em quando só para deixar a Adabelle louca. Eu nunca fui à loja, mas as noivas de qualquer proeminência na região compravam lá. Deve ser uma loja muito lucrativa. A casa estava em excelente forma, e não tinha mais do que vinte anos. O jardim era bem podado, rasteiro e bem arrumado. Quando o Alcide bateu na porta dos fundos, ela se abriu. A mulher que se revelou na abertura da porta era tão arrumada e elegante quando a casa e o jardim. Seu cabelo cor de aço estava preso em um coque atrás da cabeça e ela usava um traje verdeoliva e sapatos baixos e marrons. Ela olhou do Alcide para mim e não achou o que procurava. Ela empurrou para abrir a porta de vidro. - Alcide, que bom vê-lo, - ela mentiu desesperadamente. Esta era uma mulher em uma confusão profunda. Alcide lhe lançou um longo olhar. - Temos problemas, Verena. Se a sua filha era membro do bando, a própria Verena era lobisomem. Olhei para a mulher curiosamente, e ela pareceu com uma das mais felizes amigas da minha avó. Verena Rose Yancy era uma mulher atraente no fim de seus sessenta, abençoada por uma aposentadoria e sua própria casa. Não pude imaginar esta mulher de quatro patas correndo por um campo. E era óbvio que a Verena não dava a mínima para qualquer problema que o Alcide tinha. - Você viu minha filha? – Ela perguntou, e esperou pela resposta com o terror em seus olhos. – Ela não pode ter traído o bando. - Não, - Alcide disse. – Mas o líder do bando nos enviou para encontrá-la. Ela faltou à reunião do comitê de planejamento do bando noite passada. - Ela me ligou da loja ontem. Ela disse que tinha um encontro inesperado com um desconhecido que havia ligado para a loja, justo no horário de fechamento. – A mulher torceu suas mãos, literalmente. – Pensei que talvez ela fosse se encontrar com aquela bruxa. - Ouviu falar dela desde então? – Eu disse, na voz mais gentil que pude arrumar. - Fui para cama com raiva dela ontem, - Verena disse, olhando diretamente para mim pela primeira vez. – Pensei que ela havia decidido passar a noite com um de seus amigos. Uma de suas amigas, - ela explicou, olhando para mim com as sobrancelhas arqueadas, assim eu entenderia seu movimento. Assenti. – Ela nunca me diria sua hora de chegada, apenas diria ‗Me espere quando me vir‘ ou ‗Vejo você na loja amanhã de manhã‘. – O corpo magro de Verena estremeceu. – Mas ela não retornou para casa e não consigo resposta da loja. - Não era ela que deveria abrir a loja hoje? – Alcide perguntou. - Não, não abrimos na quarta-feira, mas ela sempre vai trabalhar nos livros de contabilidade e tirar a papelada do caminho. Ela sempre vai, - Verena repetiu. - Por que o Alcide e eu não vamos até lá checar a loja para você? – eu disse gentilmente. – Talvez ela tenha deixado um bilhete.
Esta não era o tipo de mulher que você dava tapinhas no braço, então não fiz este gesto natural, mas fechei a porta de vidro para que ela entendesse que deveria ficar lá e não vir conosco. Ela entendeu isto bem claramente. A loja Verena Rose's Bridal and Formal estava localizada em uma velha casa em uma quadra de similares casas reformadas em duas lojas. O prédio foi renovado e mantido tão bonito quanto a residência dos Yancy e não fiquei surpresa que tinha tanto prestigio. A parede pintada de branco, as venezianas verde-escuras, os lustrosos corrimãos negros aos lados da escada, e a placa de informações na porta toda escrita com elegância e riqueza de detalhes. Pude ver que se você tinha ambições para ter classe, este era o lugar que você conseguiria suas roupas do casamento. Localizado um pouco mais para o fundo da rua, com o estacionamento atrás da loja, o prédio destacava uma grande janela* na frente. Nesta janela situava-se um manequim sem face vestindo uma peruca marrom brilhante. Seus braços estavam graciosamente curvados para sustentar um estonteante ramalhete de flores. Mesmo da caminhonete, pude ver que o vestido de noiva, com sua longa cauda bordada, era absolutamente espetacular.
(*No original: the building featured one large bay window in front. Bay window são aquelas janelas que se projetam para fora da casa.)
Estacionamos na entrada da garagem sem dar a volta ao fundo, e eu pulei da picape. Juntos, nós andamos pelo passeio que levava do veículo até a porta da frente, e, assim que nos aproximamos, Alcide amaldiçoou. Por um momento, imaginei que algum tipo de infestação de insetos havia invadido a loja pela janela e pousado nos vestidos brancos. Mas, após um momento, soube que os pontinhos escuros eram certamente sinais de sangue. O sangue havia se espalhado pelo brocado branco e secou ali. Era como se o manequim tivesse se machucado, e por um momento louco eu imaginei que fosse isso. Tenho visto um monte de coisas impossíveis nos últimos meses. - Adabelle, - Alcide disse como se estivesse rezando. Estávamos parados no inicio dos degraus que levavam à porta da frente, olhando para dentro da loja pela janela. A placa FECHADO estava pendurada no meio da maçaneta oval da porta e as venezianas estavam fechadas atrás dela. Não havia nenhuma onda cerebral emanando da casa. Eu havia checado. Havia descoberto, pela maneira mais difícil, que checar era uma boa idéia. - Coisas mortas, - Alcide disse, seu rosto erguido para a brisa fria, seus olhos fechados para ajudálo a se concentrar. – Coisas mortas dentro e fora. Segurei no corrimão curvo com a mão esquerda e subi um degrau. Olhei ao redor. Meus olhos se detiveram em algo no canteiro das flores abaixo da janela, algo pálido que se destacou sobre a terra*. Eu cutuquei o Alcide e apontei silenciosamente com minha mão livre. (*No original seria: the pine bark mulch que é o que está na foto, mas eu não sei o nome em português. http://www.gbtrucking.com/images/100_2941.JPG)
Caída próxima de uma azálea bem podada, havia outra mão – uma mão decepada. Senti o corpo do Alcide tremer quando ele compreendeu o que havia visto. Aquele era o momento quando você tenta reconhecer isto como qualquer outra coisa, menos o que é de verdade. - Espere aqui, - Alcide disse, sua voz grossa e tremida. Aquilo estava ótimo para mim. Mas, quando ele abriu a porta destrancada para entrar na loja, vi o que estava caído no chão logo à frente. Tive que engolir um grito. Foi sorte o Alcide ter um telefone celular. Ele ligou para o Sr. Flood, contou o que aconteceu e pediu a ele para ir à casa da Sra. Yancy. Depois ele ligou para a polícia. Não havia outro jeito. Era uma área movimentada e havia uma chance de alguém ter nos visto caminhar até a porta da frente. Este era com certeza um dia para encontrar cadáveres (para mim e para o departamento de polícia de Shreveport). Eu sabia que havia alguns vampiros policiais, mas logicamente os vampiros tinham que ir ao trabalho no turno da noite, então conversamos com policias normais, velhos e humanos. Não havia nenhum Lobis ou metamorfo entre eles, nem mesmo um humano telepático. Todos esses policiais eram pessoas normais que achavam que nós éramos meio suspeitos. - Por que parou aqui, parceiro? – perguntou o detetive Coughlin, que tinha cabelo castanho, um rosto marcado pelo tempo e uma barriga de cerveja que um dos Clydesdales* teria orgulho.
(*Clydesdales é a raça de um cavalo derivado das fazendas de cavalo de Clydesdale, Escócia, e foi nomeado por causa da região. A raça era usada para carregar cargas pesadas na indústria, na área rural e urbana.)
Alcide pareceu surpreso. Ele não havia pensado tão longe, o que não era tão legal. Eu não conheci Adabelle quando ela estava viva e nunca entrei na loja como ele. Não havia recebido o pior choque. Cabia a mim segurar as rédeas. - Isso foi idéia minha, detetive, - eu disse instantaneamente. – Minha avó, que morreu ano passado? Ela sempre me disse, ―Se você precisa de um vestido de noiva, Sookie, vá a Verena Rose‘s. Não pensei em ligar primeiro e checar se eles abririam hoje. - Então, você e o senhor Herveaux vão se casar? - Sim, - disse Alcide, me puxando para ele e envolvendo seus braços ao meu redor. – Fomos feitos para o altar. Sorri, mas de um modo apropriadamente moderado. - Bom, meus parabéns. – O Detetive Coughlin nos olhou pensativo. – Então, senhorita Stackhouse, você nunca encontrou Adabelle Yancy cara a cara? - Eu posso ter conhecido a velha senhora Yancy quando era uma garotinha, - eu disse cuidadosamente. – Mas não me lembro dela. A família do Alcide conhece os Yancy, é claro. Ele vive aqui por toda sua vida. – Claro, eles eram todos lobisomens. Coughlin ainda se focava em mim. - E você não entrou na loja para nada? Apenas o aqui presente senhor Herveaux? - Alcide entrou enquanto o esperei aqui fora. – Tentei parecer delicada, o que não é fácil para mim. Sou saudável e musculosa, e, embora não seja a Emme*, também não sou a Kate Moss**. – Eu havia visto… a mão, então fiquei aqui fora.
(*Melissa Aronson, mais conhecida como Emme, nasceu em 1963 em Nova York. Ela é uma modelo conhecida por modelar vestuários que foram desenhados e criados especificamente para pessoas com o número maior de roupas. Ela é a primeira modelo desse tipo a ser considerada uma supermodelo).
(**Kate Moss nasceu em Londres, em janeiro de 1974. Kate Moss foi descoberta aos 14 anos por Sarah Doukas, em 1988, no Aeroporto Internacional John F. Kennedy, na cidade de Nova Iorque, depois de uma viagem às Bahamas. Então Moss transformou-se numa anti-supermodelo dos anos 90, comparada às supermodelos de sucesso daquela época, como Cindy Crawford, Claudia Schiffer e Naomi Campbell, que eram conhecidas por serem altas e terem corpos curvilíneos).
- Esta foi uma boa idéia, - Detetive Coughlin disse. – O que há lá dentro não é adequado para que as pessoas vejam. – Ele pareceu mais ou menos vinte anos mais velho quando disse isso. Senti pena por seu trabalho ser tão difícil. Ele estava pensando que os corpos destroçados na casa eram um desperdício de duas boas vidas e que esse foi o trabalho de alguém que ele adoraria prender. – Algum de vocês teria alguma idéia de por que alguém quereria destroçar duas mulheres desse jeito? - Duas, - Alcide disse lentamente, aturdido. - Duas? – Eu disse, menos cautelosa. - Exatamente, sim, - o detetive disse pesadamente. Ele havia pretendido capturar nossas reações, e agora ele as tinha; o que ele achou delas, eu descobriria. - Coitadinha, - eu disse e não estava fingindo as lágrimas que encheram meus olhos. Era agradável ter o peito do Alcide para me apoiar, e, como se pudesse ler minha mente, ele desabotoou sua jaqueta de couro, assim eu ficaria mais próxima dele, envolvendo ambos os lados da jaqueta ao redor de mim para me manter aquecida. – Mas, se uma delas é a Adabelle Yancy, quem é a outra? - Não restou muita coisa da outra, - Coughlin disse, antes dele dizer a si mesmo para calar a boca. - Eles estavam meio misturados, - Alcide disse discretamente próximo do meu ouvido. Ele estava enojado. – Eu não sabia… suponho que se eu tivesse analisado o que estava vendo… Embora eu não pudesse ler os pensamentos do Alcide com clareza, eu conseguia entender que ele estava pensando que Adabelle tinha conseguido derrotar um de seus atacantes. E, quando o resto do grupo escapou, eles não haviam levado todas as mordidas apropriadas com eles. - E você é de Bon Temps, senhorita Stackhouse, - o detetive disse, quase ociosamente. - Sim, senhor, - eu disse ofegante. Eu estava tentando não visualizar os últimos momentos da Adabelle Yancy. - Onde trabalha por lá? - No Merlotte‘s Bar e Grill, - eu disse. – Sirvo mesas. Enquanto ele registrava a diferença no status social entre Alcide e eu, fechei meus olhos e descansei minha cabeça no peito quente do Alcide. O detetive Coughlin estava imaginando se eu estava grávida; se o pai do Alcide, uma figura conhecida em Shreveport, aprovaria este casamento. Ele podia perceber por que eu queria vestidos de noiva tão caros, se eu estava casando com um Herveaux. - Você não tem um anel de noivado, senhorita Stackhouse? - Nós não planejamos um noivado longo, - Alcide disse. Eu podia ouvir sua voz retumbando em seu peito. – Ela ganhará seu diamante no dia em que casarmos. - Você é tão mau, - eu disse afetuosamente, lhe golpeando nas costelas tão forte quanto pude sem ser óbvia. - AI, - ele disse em protesto. De algum modo, essa pequena brincadeira convenceu o detetive Coughlin que nós estávamos realmente noivos. Ele pegou nossos números de telefone e endereços, depois disse que podíamos ir. Alcide estava tão aliviado quanto eu. Nós dirigimos para o lugar mais próximo onde poderíamos estacionar em privacidade (um parque que estava deserto no tempo frio) e Alcide ligou para o Coronel Flood novamente. Esperei na caminhonete enquanto Alcide, passeando pela grama morta, gesticulava e aumentava sua voz, expressando um pouco de seu horror e raiva. Fui capaz de sentir isso aumentando dentro dele. Alcide tinha problemas em articular emoções, como muitos homens. Isto o fez parecer mais familiar e querido. Querido? Seria melhor eu parar de pensar dessa forma. O noivado tinha sido orquestrado em benefício único do detetive Coughlin. Se o Alcide era o ―querido‖ de alguém, esse alguém era a pérfida Debbie. Quando o Alcide retornou para a picape, ele estava carrancudo.
- Acho melhor retornar ao escritório e levá-la até seu carro, - ele disse. – Lamento por tudo isso. - Acho que eu é que deveria estar dizendo isso. - Esta é uma situação que nenhum de nós criou, - ele disse firmemente. – Nenhum de nós estaria envolvido se pudéssemos evitar. - Esta é a verdade de Deus. – Após um minuto pensando no complicado mundo sobrenatural, eu perguntei ao Alcide quais eram os planos do Coronel Flood. - Cuidaremos disso, - Alcide disse. – Lamento, Sook, não posso te dizer o que faremos. - Você estará em perigo? – perguntei, porque não pude evitar. Chegamos ao edifício e o Alcide estacionou sua caminhonete ao lado de meu velho carro. Ele virou um pouco seu rosto para mim e tomou minha mão. - Estarei bem. Não se preocupe, - ele disse gentilmente. – Ligarei para você. - Não se esqueça de fazer isso, - eu disse. – E tenho que te dizer o que as bruxas fizeram para tentar achar o Eric. – Eu não havia contado ao Alcide sobre os cartazes, a recompensa. Ele franziu as sobrancelhas ainda mais quando pensou na esperteza do plano. - Debbie deveria vir até aqui esta tarde, chegar aqui lá pelas seis, - ele disse. Ele olhou seu relógio. – Tarde demais para pará-la. - Se estão planejando um ataque surpresa, ela poderia ajudar, - eu disse. Ele me lançou um olhar agudo. Como uma vara pontuda que ele queria cravar em meu olho. - Ela é uma metamorfa, não uma Lobis, - ele me lembrou defensivamente. Talvez ela se transformasse em uma doninha ou em um rato. - Claro, - eu disse seriamente. Eu literalmente mordi minha língua, então eu não faria nenhum comentário que estava esperando na minha boca, morrendo para ser dito. – Alcide, você acha que o outro corpo era da namorada de Adabelle? Alguém que apenas foi pega na loja com Adabelle quando as bruxas chegaram? - Já que muito do segundo corpo está desaparecido, espero que o corpo seja de uma das bruxas. Espero que Adabelle tenha morrido lutando. - Espero isso, também. – Eu assenti, pondo um fim neste trem de pensamentos. – Devo retornar à Bon Temps. Eric acordará logo. Não se esqueça de dizer a seu pai que estamos noivos. Sua expressão me proporcionou a única diversão que tive o dia todo.
Eu pensei por todo caminho de volta para casa sobre meu dia em Shreveport. Eu tinha pedido ao Alcide para ligar para a polícia de Bon Temps de seu celular, e ele recebeu uma resposta negativa. Não, eles não tinham nenhuma noticia do Jason, ninguém tinha ligado para dizer que o tinha visto. Então, não parei na delegacia de polícia à caminho de casa, mas tive que passar na mercearia para comprar margarina e pão, e teria que ir à loja de bebidas para pegar mais sangue. A primeira coisa que vi quando empurrei abrindo a porta do mini-mercado* foi um pequeno expositor de sangue engarrafado, o que me poupou de ter que passar na loja de bebidas. A segunda coisa que vi foi o pôster com a cara do Eric. Presumi que aquela era a foto que o Eric havia tirado quando ele inaugurou o Fangtasia, porque era uma fotografia nada ameaçadora. Sua imagem apresentava uma sedutora sofisticação; nenhuma pessoa neste universo pensaria que ele mordia às vezes. No topo tinha, ―VOCÊ VIU ESTE VAMPIRO?‖
(* No original a expressão é Super Save-A-Bunch que significa mais ou um local de compras rápidas onde você poupa tempo e dinheiro, pode ser traduzido como um mercado maior que uma mercearia ou loja de conveniência e menor que um supermercado.)
Li o texto cuidadosamente. Tudo que o Jason havia dito sobre isso era verdade. Cinqüenta mil dólares é muito dinheiro. A tal de Hallow devia estar realmente louca pelo Eric para pagar tanto assim, se tudo que ela queria era transar. Era difícil acreditar que obter o controle do Fangtasia (e ter os serviços do Eric na cama) lhe daria algum lucro após pagar uma recompensa tão alta. Eu estava cada vez mais duvidosa de que conhecia a historia toda e cada vez mais tinha certeza de que poderia estar arriscando meu pescoço a levar uma mordida. Hoyt Fortenberry, grande amigo do Jason, estava enchendo o seu carrinho com pizzas no corredor dos congelados. - Hey Sookie, onde você acha que o velho Jason se meteu? – ele perguntou assim que me viu. Hoyt, grande, musculoso e que não era nenhum gênio, parecia verdadeiramente preocupado. - Quem dera eu soubesse, - eu disse, aproximando-me para que pudéssemos conversar sem que ninguém na loja registrasse cada palavra. – Estou muito preocupada. - Não acredita que ele tenha simplesmente sumido com qualquer garota que ele conheceu? Aquela que estava com ele na véspera do Ano-Novo era bem gatinha. - Qual era seu nome? - Crystal. Crystal Norris. - De onde ela é? - Dos arredores de Hotshot, indo naquela direção. – Ele sinalizou para o sul. Hotshot era ainda menor que Bon Temps. Estava há mais ou menos 16 km e tinha a fama de ser uma comunidade um pouco estranha. As crianças de Hotshot que estudavam na escola de Bon Temps sempre andavam juntas, e todos eles eram um pouquinho… diferentes. Não me surpreendia nem um pouco que Crystal vivia em Hotshot. - Então, - Hoyt disse, insistindo em construir seu ponto de vista, - Crystal pode tê-lo convidado para ir ficar com ela. Mas seu cérebro dizia que ele não acreditava nisso, ele estava só tentando me consolar e a si mesmo. Nós dois sabíamos que Jason teria telefonado na mesma hora, não importava o quanto estivesse se divertindo com qualquer mulher que fosse. Mas decidi que ligaria para a Crystal quando tivesse dez minutos livres, o que provavelmente não aconteceria esta noite. Pedi ao Hoyt para transmitir o nome da Crystal ao departamento do xerife e ele disse que iria. Ele não pareceu tão feliz com a idéia. Eu podia perceber que se o cara desaparecido não fosse Jason, ele teria se recusado. Mas Jason sempre foi a fonte de recreação e entretenimento geral do Hoyt, já que o Jason era muito mais esperto e criativo do que o Hoyt-devagar-quase-parando; Se Jason nunca reaparecesse, Hoyt teria uma vida enfadonha. Nós nos separamos no estacionamento do mercado e eu me senti aliviada que o Hoyt não me perguntou sobre o TrueBlood que eu comprei. Tampouco a moça do caixa embora ela tenha manuseado as garrafas com certa repugnância. Enquanto pagava por elas, pensei no quanto já estava gastando por hospedar Eric. Os custos com roupas e sangue eram um acréscimo. Estava escuro quando cheguei à minha casa e tirei as sacolas plásticas de compras do carro. Destranquei a porta dos fundos e entrei, chamando pelo Eric enquanto ligava a luz da cozinha. Não ouvi resposta, então guardei as compras deixando uma garrafa de TrueBlood fora do refrigerador, assim ele poderia pegá-la quando tivesse fome. Peguei a escopeta do meu porta-malas e coloquei a munição nela, e coloquei-a ao lado do aquecedor de água. Levei um minuto para ligar para o departamento do xerife novamente. Nenhuma noticia do Jason, disse o encarregado. Apoiei-me contra a parede da cozinha por um longo momento, me sentindo arrasada. Não era uma coisa boa ficar simplesmente sem fazer nada, deprimida. Talvez eu fosse para a sala de estar e colocasse um filme no videocassete, para entreter o Eric. Ele tinha assistido todas as minhas fitas de Buffy* e eu não tinha Angel**.
(*Buffy the Vampire Slayer (Buffy, a Caça-Vampiros no Brasil) foi uma série de televisão americana criada por Joss Whedon. Foi criticamente aclamada e mantém um forte estatuto como serie cult. Estrelada por Sarah Michelle Gellar.)
(**Angel é uma série da televisão dos Estados Unidos da América que durou cinco temporadas de sucesso entre 1999 e 2004, na rede WB. A série é um spin-off de Buffy, a Caça-Vampiros contando a vida do vampiro com alma Angel, lutando em Los Angeles contra o Mal. Criado por Joss Whedon e David Greenwalt. Estrelada por David Boreanaz.)
Perguntei a mim mesma se ele gostaria de E o Vento Levou* (pelo que eu sabia, ele estava por lá quando foi filmado. Por outro lado, ele estava com amnésia. Qualquer coisa devia ser nova para ele.)
(*No original Gone with the Wind, ...E o vento levou) é um filme clássico americano de 1939, do gênero romance dramático, dirigido por Victor Fleming e com roteiro de Sidney Howard, adaptado do livro homônimo de autoria de Margaret Mitchell. Entre os colaboradores do roteiro estiveram também os escritores F. Scott Fitzgerald e William Faulkner. O filme foi vencedor de 10 prêmios Oscar, sendo o primeiro filme a cores a ganhar o Oscar de melhor filme.)
Mas, enquanto eu andava pelo corredor, ouvi um pequeno movimento. Abri a porta do meu antigo quarto gentilmente, não querendo fazer muito barulho para o caso de meu convidado ainda não estar acordado. Ah, mas ele já estava. Eric estava pondo sua calça jeans, com as costas viradas para mim. Ele não tinha se incomodado em vestir roupa íntima, nem mesmo aquela vermelha minúscula. Meu fôlego ficou preso em minha garganta. Fiz um barulho tipo ―Guck‖, e me obriguei a fechar os olhos. Fechei meus punhos. Se houvesse alguma competição internacional de traseiros, Eric a venceria com as mãos nas costas (ou traseiro para cima). Ele ganharia um troféu grande, enorme. Eu nunca imaginei que uma mulher tivesse que lutar para manter suas mãos afastadas de um homem, mas ali estava eu, cravando minhas unhas nas palmas de minhas mãos, encarando dentro de minhas pálpebras como se talvez pudesse ver através delas se me esforçasse o bastante. Era de algum modo degradante, ansiar alguém tão… tão vorazmente (outra ótima palavra do meu calendário de Palavras do Dia) só porque ele é fisicamente bonito. Não tinha pensado que isso era algo que as mulheres faziam também. - Sookie, está tudo bem com você? – Eric perguntou. Lutei para retornar à minha sanidade apesar da inundação de desejo. Ele estava parado bem à minha frente, suas mãos sobre meus ombros. Olhei diretamente em seus olhos azuis, agora focados em mim e aparentemente cheios de nada exceto preocupação. Eu estava no mesmo nível de seus mamilos firmes. Eles tinham o mesmo tamanho de borrachas de lápis. Mordi meus lábios por dentro. Não me inclinaria àqueles poucos centímetros. - Desculpe, - eu disse, falando muito gentilmente. Eu tinha medo que falar alto, ou até de me mover. Se eu o fizesse, possivelmente o derrubaria. - Não tive a intenção de invadir sua privacidade. Deveria ter batido na porta. - Você me viu por completo antes. Não a parte traseira. Por completo. - Sim, mas entrar sem bater não foi educado. - Não importa. Você parece chateada. Você acha? - Bem, tive um dia muito difícil, - eu disse entre meus dentes apertados. – Meu irmão está desaparecido, e as bruxas Lobis de Shreveport mataram a… a vice-presidente do bando de lobisomens de lá e sua mão estava num canteiro de flores. Bom, a mão de alguém estava. Belinda está no hospital, Ginger está morta. Acho que vou tomar um banho. Dei a volta e marchei para meu quarto. Entrei no banheiro, tirando minhas roupas e atirando-as no cesto. Mordi meu lábio até rir da minha própria rajada de impetuosidade, e então me meti no jato de água quente. Sei que banhos frios são mais tradicionais, mas eu estava gostando do calor e tranqüilidade que o banho trouxe. Molhei meus cabelos, e procurei pelo sabonete. - Farei isso por você, - Eric disse, afastando a cortina e entrando no chuveiro comigo. Ofeguei um pouco parecido com um chiado. Ele havia descartado sua calça jeans. Ele também estava disposto, no mesmo ânimo que eu me encontrava naquele momento. Você realmente poderia ter certeza, com o Eric. Suas presas saíram também. Eu estava envergonhada, horrorizada e absolutamente pronta para pular em cima dele. Enquanto eu permanecia imóvel, paralisada por ondas conflitantes de emoção, Eric pegou o sabonete de minhas mãos e ensaboou suas próprias mãos, colocou o sabonete de volta ao seu lugar e começou a lavar meus braços, subindo um pouco para acariciar minhas axilas, e na região em volta, sem tocar meus seios, que praticamente tremiam como filhotinhos que desejavam ser acariciados. - Nós alguma vez já fizemos amor? – ele perguntou. Sacudi minha cabeça, ainda incapaz de falar. - Então fui um tolo, - ele disse, passando uma mão em um movimento circular sobre meu abdômen. - Vire-se, amada. Virei de costas para ele e ele começou a trabalhar sobre ela. Seus dedos eram muito fortes e cheios de habilidade, e quando o Eric terminou, eu tinha os ombros mais relaxados e limpos de toda Louisiana. Meus ombros eram a única parte que estava relaxada. Minha libido subia e descia. Eu realmente faria isso? Parecia cada vez mais provável que eu faria, eu pensei nervosa. Se o homem em meu chuveiro fosse o Eric verdadeiro, eu teria a força para me afastar. Eu teria o mandado sair no minuto em que ele entrou. O verdadeiro Eric vinha com o pacote completo de poder e política, algo de que eu tinha compreensão e interesse limitados. Este era um Eric diferente… sem a personalidade com que eu já tinha me afeiçoado, de um modo perverso… mas era um Eric bonito, que me desejava, que estava ávido por mim, em um mundo que frequentemente me avisa que poderia seguir muito bem sem mim. Minha mente estava prestes a se desligar e meu corpo estava prestes a assumir o controle. Pude sentir uma parte do Eric pressionada contra mim e ele não estava tão perto. Wow! Nossa! Hum! Ele passou xampu em meus cabelos em seguida. - Está tremendo porque tem medo de mim? – ele perguntou. Pensei sobre isso. Sim, e não. Mas eu não estava prestes a ter uma longa conversa sobre os prós e contras. O debate interior havia sido suficientemente difícil. Ah sim, eu sei, não haveria momento melhor para ter uma longa conversa fiada com o Eric sobre os aspectos morais de transar com alguém que você não ama. E talvez, não houvesse outro momento para estabelecer regras sobre ficar atento em ser gentil comigo fisicamente. Não que o Eric fosse me espancar, mas sua virilidade (como meus romances chamavam aquilo – neste caso os populares adjetivos ―ágil‖ e ―pulsante‖ poderiam ser também aplicados) era uma perspectiva intimidante para uma mulher relativamente inexperiente como eu. Eu me senti como um carro que só havia sido manobrado por um motorista… um carro que seu novo comprador em potencial estava determinado a levar para o circuito Daytona 500*. (*Daytona 500 é a principal prova da NASCAR, disputada desde 1959 percorrendo 200 voltas em uma distância de 500 milhas (805 km) no circuito de Daytona International Speedway na cidade de Daytona Beach, na Flórida. Essa prova é conhecida nos Estados Unidos como The Super Bowl of NASCAR em referência a final do Futebol Americano e como The Great American Race (A Grande Corrida Americana). Desde 1995 sua audiência na TV americana é maior que qualquer outro evento esportivo, superando inclusive as 500 milhas de Indianápolis, uma das provas automobilísticas mais tradicionais do mundo.) Oh, pro inferno com os pensamentos. Eu peguei o sabonete da saboneteira e ensaboei meus dedos. Quando me aproximei mais dele, eu meio que dobrei o Sr. Feliz contra o abdômen do Eric, assim eu poderia chegar as mãos em volta dele e colocar meus dedos sobre aquele traseiro maravilhoso. Não podia olhar para seu rosto, mas ele me deixou saber que estava satisfeito por eu responder. Ele abriu as pernas gentilmente e eu o lavei muito cuidadosamente, de maneira bem minuciosa. Ele começou a fazer pequenos barulhos, a mover-se para frente. Comecei a acariciar seu peito. Fechei meus lábios em volta de seus mamilos e chupei. Ele gostou muito disso. Suas mãos se apertaram atrás da minha cabeça. - Morda um pouco, - ele sussurrou, e eu usei meus dentes. Suas mãos começaram a se mover sem descanso sobre qualquer parte da minha pele que elas pudessem encontrar, acariciando e provocando. Quando ele afastou, decidiu retribuir e se inclinou sobre mim. Enquanto sua boca se fechou em meu seio, sua mão deslizou-se por entre minhas pernas. Dei um suspiro profundo e me movimentei um pouco. Ele tinha dedos longos. Quando me dei conta, o chuveiro estava desligado e ele estava me secando com uma toalha branca e fofa e eu o esfregava com outra. Então nos beijamos por um tempo, mais e mais. - A cama, - ele disse, um pouco dissonante e eu assenti. Ele me carregou e depois nós entramos em uma espécie de emaranhado, comigo tentando puxar a colcha enquanto ele só queria me colocar sobre a cama e prosseguir, mas eu fiz à minha maneira porque estava frio demais em cima da cama. Uma vez que nos arrumamos, me virei para ele e recomeçamos de onde tínhamos parado, mas intensificando o ritmo. Seus dedos e sua boca estavam ocupados conhecendo a superfície do meu corpo, e ele pressionou fortemente contra minha coxa.
Eu estava tão excitada por ele que estava surpresa que chamas não cintilassem das pontas de meus dedos. Curvei meus dedos ao redor dele e o acariciei. De repente, o Eric estava sobre mim, prestes a penetrar. Eu estava estimulada e completamente pronta. Coloquei minhas mãos entre nós para colocá-lo no lugar certo, esfregando a ponta dele no meu sexo enquanto o fazia. - Minha amada, – ele disse roucamente, e empurrou. Embora eu tivesse certeza de que estava preparada e eu sofresse de tanto desejo por ele, gritei com o impacto. Após um momento, ele disse: - Não feche os olhos. Olhe para mim, minha amada. – A maneira que ele disse ―amada‖ foi como uma carícia, como se ele estivesse me chamando por um nome que nenhum outro homem usou antes ou usaria depois. Suas presas estavam completamente estendidas e eu me estiquei para passar a língua sobre elas. Esperava que ele fosse morder meu pescoço, como o Bill quase sempre fazia. - Me observe, - ele disse em meu ouvido, e saiu. Tentei atraí-lo de volta, mas ele começou a beijar descendo pelo meu corpo, fazendo paradas estratégicas e eu estava levitando de prazer quando ele chegou lá embaixo. Sua boca era talentosa e seus dedos tomaram o lugar de seu pênis e então, de repente, ele olhou ao longo do meu corpo para ter certeza que eu estava assistindo (eu estava) e ele virou seu rosto para a parte interna da minha coxa, encostando seu nariz nela, seus dedos estavam se movendo constantemente agora, mais e mais rápido, e então ele mordeu. Devo ter feito um barulho, tenho certeza que fiz, mas no segundo seguinte eu estava flutuando na onda mais poderosa de prazer que já senti. E no minuto que a brilhante onda retrocedeu, Eric estava me beijando na boca novamente e pude sentir o gosto de meus próprios fluidos nele e então ele estava novamente dentro de mim e aconteceu mais uma vez. Seu momento veio logo depois enquanto eu ainda sentia tremores. Ele gritou algo em uma língua que eu nunca tinha escutado e fechou seus próprios olhos e então desmoronou em cima de mim. Após alguns minutos, ele ergueu a cabeça para olhar para baixo. Desejei que ele fingisse respirar, como o Bill sempre fazia durante o sexo. (Eu nunca o pedi, ele sempre o fez e era tranqüilizador). Afastei esse pensamento. Nunca tinha feito como ninguém exceto o Bill e acho que era natural pensar nisso, mas a verdade é que doía me lembrar do meu status anterior de ―um único homem‖, que agora se foi para sempre. Me puxei de volta para O Momento, que era bom o suficiente. Acariciei o cabelo do Eric, prendendo um pouco atrás de suas orelhas. Seus olhos nos meus estavam intensos, e eu sabia que ele estava esperando eu falar. - Eu queria - eu disse, - poder guardar orgasmos numa jarra para quando eu precisasse deles, porque eu acho que tive uns extras. Os olhos do Eric arregalaram-se e de repente rugiu pela risada. Aquilo soou muito bom, aquilo soou para mim como o verdadeiro Eric. Me senti confortável com aquele deslumbrante mas desconhecido estranho, após ter ouvido aquela risada. Ele rolou sobre suas costas e me suspendeu facilmente até que estava sentada sobre ele. - Se eu soubesse que você seria essa maravilha sem roupas, eu teria tentado fazer isto antes, - ele disse. - Você tentou fazer isso antes, mais ou menos umas vinte vezes, - eu disse, sorrindo para ele. - Então eu tenho um ótimo gosto. – Ele hesitou por um longo minuto, um pouco do prazer deixando sua face. – Me conte sobre nós. Há quanto tempo nos conhecemos? A luz do banheiro se propagou pelo lado direito de seu rosto. Seu cabelo se espalhou pelo travesseiro, dourado e brilhante. - Estou com frio, - eu disse gentilmente, e ele me deixou deitar ao lado dele, colocando as cobertas sobre nós. Me apoiei sobre um cotovelo e ele deitou de lado, então estávamos nos encarando.
- Deixe-me pensar. Nós nos conhecemos ano passado no Fangtasia, o bar de vampiros que você é dono em Shreveport. E a propósito, o bar foi atacado hoje. Noite passada. Lamento, eu devia ter dito isso primeiro, mas estava tão preocupada com meu irmão. - Eu quero ouvir sobre hoje, mas me dê nosso passado primeiro. Estou muitíssimo interessado. Outro pequeno choque: O Eric verdadeiro se importava primeiramente com sua própria posição, relacionamentos vinham em… oh, eu não sei, em décimo lugar. Isso era definitivamente estranho. Eu disse a ele: - Você é o xerife da Área Cinco, e meu antigo namorado Bill é seu subordinado. Ele partiu, saiu do país. Eu acho que te contei sobre o Bill. - Seu ex-namorado infiel? Cuja criadora foi a vampira Lorena? - Esse mesmo, - eu disse brevemente. – De qualquer forma, quando conheci você no Fangtasia… Isso tomou um pouco mais de tempo que eu pensei, e quando eu acabei com o conto, as mãos do Eric estavam ocupadas novamente. Ele se agarrou a um seio, com suas presas estendidas, extraindo um pouco de sangue e um gemido agudo de mim, e ele sugou intensamente. Foi uma sensação estranha, porque ele estava recebendo o sangue e meu mamilo. Doloroso e muito excitante… Senti como se ele tivesse extraindo o fluido de muito abaixo. Eu arfei e me sacudi na excitação, e ele de repente levantou minha perna para poder entrar em mim. Não foi um choque tão grande dessa vez, e foi mais lento. Eric queria que eu o olhasse nos olhos; isso obviamente o acendia seu desejo*.
(*No original: flicked his Bic. Flick your Bic é uma expressão provavelmente saída de algum jargão utilizado para os isqueiros da marca Bic, pois é exatamente isso o que quer dizer: acenda seu isqueiro Bic. Sendo que a expressão é uma gíria no sentido sexual tipo: acender, estimular, deixar pegando fogo...)
Eu estava exausta quando acabou, embora eu mesma tivesse aproveitado imensamente. Eu tinha ouvido bastante sobre homens que não ligavam se a mulher tinha tido prazer ou talvez esse tipo de homem presumia que se ele tinha tido prazer, a parceira dele também. Mas nenhum dos homens com quem estive tinham sido assim. Eu não sei se isso é porque eles eram vampiros ou porque eu era sortuda ou ambos. Eric tinha me feito muitos elogios e eu percebi que não tinha dito nada para ele que indicasse minha admiração. Aquilo dificilmente parecia justo. Ele estava me abraçando e minha cabeça estava em seu ombro. Eu murmurei em seu pescoço: - Você é tão bonito. - O que? – Ele estava claramente surpreso. - Você disse que achava meu corpo bonito. – Claro que este não tinha sido o adjetivo que ele usou, mas eu estava envergonhada para repetir suas palavras verdadeiras. – Só quero que você saiba que penso o mesmo sobre você. Eu podia sentir seu peito movendo enquanto ele ria, só um pouquinho. - De que parte você gosta mais? – ele perguntou, sua voz provocando. - Oh, seu traseiro, - eu disse instantaneamente. - Meu… traseiro? - Ahã. - Eu teria pensado em outra parte. - Bem, essa é certamente… adequada, - eu disse a ele, enterrando meu rosto em seu peito. Sabia que tinha escolhido a palavra errada.
- Adequada? – Ele levou minha mão e a colocou sobre a parte em questão. Imediatamente começou a se animar. Ele passou minha mão nele e eu amavelmente o rodeei com meus dedos. - Isso é adequado? - Talvez eu devesse ter dito graciosamente amplo. - Graciosamente amplo. Eu gostei, - ele disse. Ele estava pronto novamente, e honestamente, não sabia se eu conseguiria. Eu estava tão exausta a ponto de imaginar se estaria andando engraçado no dia seguinte. Eu indiquei que ficaria contente com outra alternativa, ao deslizar deitando-me na cama e ele pareceu satisfeito em retribuir. Após outro alívio extraordinário, eu pensei que cada músculo do meu corpo tinha virado Jell-O*.
(*Jell-O é a marca de gelatinas dos Estados Unidos, pertencente à Kraft Foods. É vendido preparado para consumir, sendo os sabores mais populares morango, laranja, limão, cereja e framboesa.)
Eu não falei mais sobre a preocupação que sentia pelo meu irmão, sobre as coisas terríveis que tinham acontecido em Shreveport, sobre qualquer coisa desagradável. Nós sussurramos algumas palavras sinceras (da minha parte), elogios mútuos e logo estava acabada. Não sei o que o Eric fez o restante da noite, porque caí no sono. Eu tinha muitas preocupações me esperando no dia seguinte; mas graças ao Eric, por algumas horas eu simplesmente não me importei.
Na manhã seguinte, o sol brilhava do lado de fora quando acordei. Permaneci na cama numa piscina negligente de contentamento. Estava dolorida, mas satisfeita por estar. Eu tinha um pequeno machucado ou dois – nada que fosse aparecer. E as marcas de presas que eram uma revelação involuntária (como sempre) não estavam em meu pescoço, onde ficavam no passado. Nenhum observador causal seria capaz de dizer que eu tinha desfrutado da companhia de um vampiro, e eu não tinha consulta com meu ginecologista (a única outra pessoa que tinha um motivo para checar aquela área). Outro banho era realmente necessário, então deslizei da cama e cambaleei pelo chão até o banheiro. Nós havíamos deixado uma bagunça, com toalhas penduradas em todo lugar e a cortina do chuveiro meio arrancada de seus aros plásticos (quando isso aconteceu?), mas não me importei em recolhê-lo. Eu reprendi a cortina com um sorriso no rosto e uma canção em meu coração. Enquanto a água caia nas minhas costas, refleti que eu devia ser muito simples. Não precisava de muito para me fazer feliz. Uma longa noite com um cara morto havia chegado ao resultado. Não foi apenas o dinâmico sexo que tinha me dado tanto prazer (embora isto contivesse momentos que eu lembraria até morrer); foi o companheirismo. Na verdade, a intimidade. Me chame de esteriotipada. Eu havia passado a noite com um homem que me disse que eu era bonita, um homem que tinha desfrutado de mim e que havia me dado intenso prazer. Ele me tocou, me abraçou e riu comigo. Não corríamos perigo em ter um filho com nossos prazeres, porque vampiros não podem fazê-lo. Eu não estava sendo desleal com ninguém (embora eu admita que tive algumas pontadas de culpa quando pensei no Bill), e o Eric também não. Não conseguia ver nenhum perigo. Enquanto escovava os dentes e colocava um pouco de maquiagem, tive que admitir a mim mesma que tinha certeza que o Reverendo Fullenwilder não concordaria com meu ponto de vista. Bom, eu não contaria isto a ele mesmo. Seria apenas entre Deus e eu. Supus que Deus havia me feito com a desabilidade da telepatia e Ele poderia pegar leve na coisa do sexo*.
(*No original: He could cut me a little slack on the sex thing, que significa dar um pouco de liberdade, pegar leve.)
Eu tinha arrependimentos, é claro. Eu adoraria casar e ter filhos. Eu seria tão fiel quanto pudesse ser. Eu seria uma boa mãe, também. Mas eu não casaria com um cara normal, porque eu sempre saberia quando ele mentisse pra mim, quando ele estivesse com raiva de mim, todo pequeno pensamento que ele tivesse sobre mim. Mesmo namorar um cara normal tinha sido mais do que pude suportar. Vampiros não podem se casar, ainda não, não legalmente; não que um vampiro houvesse me pedido, lembrei a mim mesma, atirando uma toalha de rosto no cesto um pouco energicamente. Talvez eu pudesse suportar uma longa associação com o Lobi ou um metamorfo, já que seus pensamentos não eram claros. Mas de novo, onde estava o Lobi de boa vontade? Seria melhor desfrutar o que eu tinha neste momento – algo que tenho me tornado ótima em fazer. O que eu tinha era um belo vampiro que tinha temporariamente perdido sua memória e, junto com isso, muito de sua personalidade: um vampiro que precisava de confiança assim como eu. Na verdade, enquanto colocava meus brincos, percebi que o Eric tinha estado tão satisfeito comigo por mais de uma razão. Percebi que após dias sem suas memórias de suas posses ou subordinados, dias necessitando de algum senso de si mesmo, ontem ele tinha ganho algo seu próprio –eu. Sua amante. Embora estivesse parada em frente a um espelho, não estava realmente vendo meu reflexo. Eu via, muito claramente, que – naquele momento – eu era tudo no mundo que o Eric podia chamar de seu. Seria melhor eu não falhar com ele. Rapidamente tinha me levado da ―felicidade relaxada‖ para ―severa culpa‖, então fiquei aliviada quando o telefone tocou. Tinha um identificador de chamadas, notei que o Sam estava ligando do bar ao invés do seu trailer. - Sookie? - Hey, Sam. - Lamento pelo Jason. Alguma notícia? - Não. Liguei para o departamento do xerife quando acordei, e falei com a encarregada. Ela disse que Alcee Beck me avisaria se algo novo surgisse. Foi isso que ela disse nas últimas vinte vezes que liguei. - Quer que eu chame alguém para ficar em seu turno? - Não. Seria melhor me manter ocupada, do que ficar sentada em casa. Eles sabem onde me encontrar se tiverem algo para me falar. - Tem certeza? - Sim. Obrigado por perguntar, de qualquer forma. - Se eu puder fazer algo para ajudá-la, me avise. - Há algo, pensando bem. - Pode falar. - Você se lembra daquela metamorfa que estava no bar com o Jason na Véspera de Ano-Novo? Sam pensou um pouco. - Sim, - ele disse hesitante. – Uma das garotas do Norris? Eles vivem em Hotshot. - Foi o que o Hoyt disse. - Você tem que tomar cuidado com as pessoas de lá, Sookie. É um velho povoado. Um povoado de cruzas. Eu tinha certeza do que Sam estava tentando me dizer. - Será que você pode simplesmente dizer logo? Eu não estou em condições de adivinhar indiretas hoje. - Não posso agora. - Oh, não está sozinho? - Não. O entregador de lanches está aqui. Apenas tenha cuidado. Eles são realmente, realmente diferentes. - Okay, - eu disse lentamente, ainda às cegas. – Terei cuidado. Vejo você às quatro e meia, - eu disse a ele, e desliguei, vagamente infeliz e muito perplexa. Eu tinha muito tempo para ir à Hotshot e voltar antes de ter que ir trabalhar. Vesti uma calça jeans, tênis e uma camisa de mangas-longas vermelha brilhante, e meu velho casaco azul. Procurei pelo endereço de Crystal Norris no catálogo telefônico e tive que pegar meu mapa comercial para rastreálo. Eu vivi em Renard Parish por toda a minha vida e achei que o conhecia muito bem, mas a área de Hotshot era um buraco negro em meu variado e diferente conhecimento. Dirigi para o norte e quando cheguei ao cruzamento T, virei à direita. Passei pela madeireira que era o maior empregador em Bom Temps, e passei por um lugar de estofamento, e passei voando pelo Departamento de Água. Havia uma ou duas lojas de bebidas e depois uma loja country na encruzilhada que tinha um proeminente letreiro escrito CERVEJA GELADA E ISCA deixada do verão apoiado encarando a estrada. Virei à direita novamente, indo para sul. Quanto mais afundava na região rural, mais a estrada parecia piorar. As equipes para cortar a grama e de manutenção não vinham aqui desde o fim do verão. Ou os moradores da comunidade de Hotshot não tinham nenhuma força no governo da região ou eles apenas não queriam visitantes. De vez em quando, a estrada declinava-se em áreas baixas como se estivesse entre canais. Em chuvas pesadas, os locais baixos seriam inundados. Eu não ficaria nem um pouco surpresa de ouvir os moradores locais encontrando ocasionais crocodilos. Finalmente cheguei à outra encruzilhada, que comparada com a da loja de iscas parecia um shopping. Havia algumas casas ao redor, talvez oito ou nove. Eram casas pequenas, nenhuma de tijolos. A maioria delas tinha muitos carros no quintal da frente. Algumas delas tinham um balanço enferrujado ou uma cesta de basquete e em dois quintais flagrei uma antena parabólica. Estranhamente, todas as casas pareciam afastadas da encruzilhada; a área diretamente em volta da intersecção estava vazia. Era como se alguém houvesse amarrado uma corda a uma estaca no meio do cruzamento e desenhado um circulo. Dentro ele, não havia nada. Fora, as casas o rodeavam. Em minha experiência, em um pequeno povoado como esse você tinha o mesmo tipo de pessoa que tinha em qualquer outro lugar. Alguns deles eram pobres e orgulhosos e bons. Alguns eram pobres e maldosos e desprezíveis. Mas todos eles se conheciam meticulosamente e nenhuma ação não era observada. Neste dia frio, eu não vi uma alma fora de casa para que soubesse se esta era uma comunidade negra ou uma comunidade branca. Não era provável ser ambas. Imaginei se eu estava na encruzilhada correta, mas minhas dúvidas desapareceram quando vi uma imitação de uma placa verde de estrada, do tipo que você pode pedir da ―Polishop‖*, montada num poste em frente a uma das casas. Dizia, HOTSHOT.
(*No original seria: the kind you can order from a novelty company. Novelty Company significa uma empresa de novidades, inovações. Seria algo mais ou menos como a Polishop, cheia de artigos úteis para uso pessoal e doméstico, de brinquedos a utensílios de casa.) Era o lugar correto. Agora, eu só precisava encontrar a casa de Crystal Norris. Com alguma dificuldade, flagrei um número em uma caixa de correio enferrujada, então vi outra. Por processo de eliminação, descobri que a próxima casa deveria ser onde Crystal Norris morava. A casa dos Norris era um pouco diferente de todas as outras; tinha uma pequena varanda com uma velha poltrona e duas espreguiçadeiras nela, e dois carros estacionados na frente, um Ford Fiesta* e o outro um antigo Buick**. (*Ford Fiesta é um carro hatch de pequeno porte fabricado pela Ford Motor Company no Brasil, Argentina, México, Venezuela, China, Índia, África do Sul e na Europa. O modelo é vendido mundialmente, incluindo Japão e Australia, e foi vendido brevemente na América do Norte.)
(**Buick é uma marca de automóveis americana pertencente à General Motors. Seus modelos são vendidos na América do Norte, China, Taiwan, e Israel.)
Quando eu estacionei e saí, percebi o que era tão estranho sobre Hotshot. Nenhum cachorro.
Qualquer outro povoado que parecesse como esse teria no mínimo doze cachorros correndo em volta e eu imaginei se seria seguro sair do carro. Aqui nem mesmo um latido quebrava o inverno silencioso. Cruzei pelo duro e sujo jardim, sentindo como se olhos estivessem sobre cada passo que eu dava. Abri porta de tela para bater na porta mais pesada de madeira. Inserido nela havia um modelo de três painéis de vidro. Olhos escuros me contemplaram pelo mais baixo. A porta se abriu, apenas quando a pausa estava começando a me deixar ansiosa. O encontro do Jason da noite de Véspera de Ano-Novo estava menos alegre hoje, em jeans negros e uma camiseta bege. Suas botas tinham vindo da Payless, e seu cabelo curto e crespo estava um pouco negro poeirento. Ela era magra, intensa e embora eu tenha visto sua carteira, ela simplesmente não parecia ter vinte e um anos. - Crystal Norris? - Sim? – Ela não soava particularmente pouco amistosa, mas ela soava preocupada. - Sou a irmã do Jason Stackhouse, Sookie. - Sério? Entre. – Ela se afastou e entrei na pequena sala de estar. Estava cheia com uma mobília planejada para um lugar maior: duas poltronas reclináveis e um sofá marrom da Naugahyde* de três lugares, os grandes botões separando o vinil em montinhos. Você ficaria presa naquilo durante o verão e escorregaria no inverno. Migalhas se acumulariam na depressão em volta dos botões.
(*Naugahyde Company é uma famosa e estabelecida marca de couro artificial feito de polímero de vinil e revestido com plástico. Foi desenvolvida pela Companhia de Borracha dos Estados Unidos.)
Lá havia uma toalha tingida de vermelho-escuro, amarelo e marrom, e lá havia brinquedos espalhados em quase toda superfície sólida. Uma figura da Última Ceia* estava pendurada atrás da televisão, e toda a casa cheirava prazerosamente a feijão vermelhos, arroz e pão de milho.
(*A Última Ceia é uma pintura de Leonardo da Vinci para seu protetor, o Duque Lodovico Sforza. Representa a cena da última ceia de Jesus com os apóstolos antes de ser preso e crucificado como descreve a Bíblia. É um dos maiores bens conhecidos e estimados do mundo. Ao contrário de muitas pinturas valiosas, nunca foi possuída particularmente porque não pode ser removida do seu local de origem, já que esta pintada sobre a parede do refeitorio do convento.)
Uma criança estava experimentando Duplos* na entrada da porta da cozinha. Pensei que era um menino, mas era difícil ter certeza. Macacão e suéter de gola rulê verde não eram exatamente uma pista, e o fino cabelo castanho do bebê não estava nem cortado curto, nem estava decorado com um laçinho. (*Duplos é uma versão dos brinquedos Lego, da bem conhecida empresa Danish, do Grupo Lego Company. Duplo é oito vezes maior em volume, duas vezes maior em tamanho e peso, além de serem mais fáceis para serem manejados por uma criança pequena.) - Seu bebê? – Perguntei, tentando manter minha voz satisfeita e convencional. - Não, da minha irmã, - Crystal disse. Ele gesticulou em direção a uma das poltronas reclináveis. - Crystal, o motivo pelo qual estou aqui…Você soube que o Jason desapareceu? Ela estava sentada na borda do sofá e ela estava encarando suas finas mãos. Quando falei, ela olhou para meus olhos intensamente. Aquilo não era noticia nova para ela.
- Desde quando? – Ela perguntou. Sua voz tinha uma rouquidão agradável; você ouviria o que essa garota tinha para dizer, especialmente se você fosse um homem. - Desde a noite de primeiro de janeiro. Ele deixou minha casa e então, na manhã seguinte, ele não apareceu no trabalho. Há um pouco de sangue naquele pequeno píer atrás da casa. Sua picape ainda estava no jardim da frente. A porta da picape estava aberta. - Não sei nada sobre isso, - ela disse instantaneamente. Ela mentia. - Quem te disse que eu tinha algo a ver com isso? – Ela perguntou, tentando ser nojenta. – Tenho direitos. Não tenho que falar com você. Claro, isto era a Emenda 29 da Constituição: Metamorfos não precisam falar com Sookie Stackhouse. - Sim, você tem. – De repente, abandonei o procedimento simpático. Ela havia acionado o botão errado em mim. – Não sou como você. Não tenho uma irmã ou um sobrinho, - e eu assenti em direção à criança, percebendo que eu tinha cinquenta por cento de chance de estar certa. – Não tenho mãe, nem pai, ou qualquer outra coisa, outra coisa a não ser meu irmão. – Tomei um longo suspiro. – Quero saber onde está o Jason. E se você sabe de alguma coisa, é melhor dizer. - Ou você fará o que? – Sua fina face estava torcida em um rugido. Mas ela genuinamente queria saber o que eu poderia fazer; eu podia ler tudo isso. - Sim, o quê? – Perguntou uma voz mais calma. Olhei para a soleira da porta para ver um homem que provavelmente estava acima dos quarenta. Ele tinha uma barba aparata e salpicada de cinza, seu cabelo era cortado próximo à sua cabeça. Ele era um homem baixo, talvez um metro e setenta, com corpo ágil e braços musculosos. - O que tiver que fazer, - eu disse. Olhei para ele diretamente nos olhos. Eles eram de um estranho verde dourado. Ele não pareceu hostil, exatamente. Ele pareceu curioso. - Por que está aqui? – Ele perguntou, novamente em sua voz neutra. - Quem é você? – Eu tinha que saber quem esse cara era. Não iria desperdiçar meu tempo repetindo a história para alguém não tinha nada melhor para fazer. Deixando de lado seu ar de autoridade e o fato que ele não estava optando por uma beligerância sem sentido, eu estava disposta a apostar que valia a pena falar com este homem - Sou Calvin Norris, tio da Crystal. – Pelo seu padrão cerebral, ele também era um metamorfo de alguma classe. Considerando a ausência de cães neste povoado, assumi que eles eram Lobis. - Senhor Norris, sou Sookie Stackhouse. – Não está imaginando o aumento de interesse em sua expressão. – Sua sobrinha aqui foi à festa de Véspera de Ano Novo no Bar Merlotte com meu irmão Jason. Algum tempo na noite seguinte, meu irmão desapareceu. Quero saber se a Crystal pode me dizer algo que possa me ajudar a encontrá-lo. Calvin Norris se curvou para acariciar a criança na cabeça e depois andou até o sofá onde Crystal franzia as sobrancelhas. Ele sentou ao lado dela, seus cotovelos descansando em seus joelhos, suas mãos balançando relaxadas entre eles. Sua cabeça se inclinou quando ele olhou para o rosto irritado da Crystal. - Isso é razoável, Crystal. A garota quer saber onde está o irmão dela. Diga a ela, se você sabe algo sobre isso. Crystal retrucou para ele. - Por que eu devo dizer algo para ela? Ela vem aqui, tenta me ameaçar. - Porque é apenas uma cortesia comum ajudar alguém que está em perigo. Você não foi exatamente a ela para oferecer ajuda, foi? - Não achei que ele estivesse apenas desaparecido. Pensei que ele… - E sua voz desapareceu quando ela percebeu que sua língua havia lhe levado a problemas.
Todo o corpo do Calvin estava tenso. Ele não tinha esperado que Crystal realmente soubesse algo sobre o desaparecimento do Jason. Ele só queria que ela fosse educada comigo. Eu podia ler isso, mas não muito mais. Eu não conseguia decifrar o relacionamento deles. Ele tinha poder sobre a garota, eu podia dizer isso facilmente, mas que tipo? Era mais do que autoridade de tio; parecia mais que ele era seu ditador de regras. Ele podia estar vestindo velhas roupas de trabalho e botas de segurança, ele podia parecer com qualquer outro homem trabalhador de colarinho azul* da região, mas Calvin Norris era muito mais. (*No original: He might look like any blue-collar man in the area. O termo trabalhador de colarinho azul é usado para designar operários, trabalhadores de fábrica, mineradores, etc.) Líder da Matilha, eu pensei. Mas, quem estaria numa matilha, tão longe nessa região campestre afastada. Apenas Crystal? Então eu me lembrei do aviso velado do Sam sobre a natureza estranha de Hotshot e tive uma revelação. Todos em Hotshot eram de dupla-natureza. Isso era possível? Eu estava completamente certa de que Calvin Norris era um Lobi – mas eu sabia que ele não se transformava num coelhinho. Tive que reprimir o quase irresistível impulso de me curvar e colocar minha mão em seu antebraço, tocar sua pele para ler seus pensamentos o mais claramente possível. Eu tinha completa certeza de uma coisa: eu não queria estar em qualquer lugar nos arredores de Hotshot nas três noites de lua-cheia. - Você é a garçonete do Merlotte, - ele disse, olhando em meus olhos tão intensamente quanto tinha olhado para os da Crystal. - Sou uma garçonete do Merlotte. - Você é amiga do Sam. - Sim, - eu disse cuidadosamente. – Eu sou. Sou amiga de Alcide Herveaux também. E conheço o Coronel Flood. Esses nomes significaram algo para Calvin Norris. Eu não estava surpresa que Norris soubesse os nomes de alguns Lobis proeminentes de Shreveport – e ele conhecia o Sam, é claro. Tinha levado algum tempo para meu chefe se conectar com a comunidade local dos de dupla-natureza, mas ele vinha trabalhando nisso. Crystal vinha escutando com escuros olhos arregalados, em um humor não tão melhor do que ela estava antes. Uma garota vestindo um macacão apareceu dos fundos da casa e ela ergueu a criança de seu ninho de Duplos. Embora seu rosto fosse redondo e menos característico e seu corpo mais cheio, ela era claramente a irmã mais nova da Crystal. Ela aparentemente estava novamente grávida. - Precisa de algo, tio Norris? – Ela perguntou, me encarando por cima do ombro da criança. - Não, Dawn. Cuide do Matthew. – Ela desapareceu pela porta dos fundos com seu fardo. Eu tinha chutado certo o sexo da criança. - Crystal, - disse Calvin Norris, em uma quieta e aterrorizante voz, - nos diga o que você fez. Crystal tinha pensado que ela havia escapado de algum jeito, e estava chocada em ser ordenada a contar. Mas ela obedeceu. Após um pouco de inquietação, ela o fez. - Saí com o Jason na Véspera do Ano Novo, - ela disse. – Eu o conheci no Wal-Mart em Bon Temps, quando fui lá comprar uma bolsa. Suspirei. Jason conseguia encontrar parceiras sexuais em todo lugar. Ele acabaria com uma desagradável doença (se ele já não tivesse) ou envolvido em um caso de paternidade, e não havia nada que eu pudesse fazer exceto assistir isso acontecer.
- Ele me perguntou se eu gostaria de passar a Véspera de Ano Novo com ele. Tive a impressão que a mulher com quem ele havia marcado um encontro tinha mudado de ideia, porque ele é não o tipo de cara que vai à algo grande como isso sem um encontro marcado. Encolhi os ombros. Jason poderia ter marcado e desmarcado encontros com cinco mulheres para o dia da Véspera do Ano Novo, pelo que sabia. E não era pouco frequente que uma mulher se exasperasse tanto por sua intensa procura por qualquer coisa com uma vagina, que elas cancelavam os planos com ele. - Ele é um cara bonito e gosto de sair de Hotshot, então disse sim. Ele perguntou se poderia vir me buscar, mas eu sabia que alguns de meus vizinhos não gostariam disso, então disse que o encontraria no posto de gasolina Fina*, e então iríamos em sua caminhonete. Então foi o que fizemos. E me diverti muito com ele, fomos para casa e tivemos uma ótima noite. – Seus olhos me encararam. – Quer saber como ele é na cama?
(*Fina Station:
http://www.ratcliffpartnership.co.uk/products/photos/372p_1.jpg)
Houve um movimento rápido, e então havia sangue no cantoda boca dela. A mão do Calvin estava novamente balançando entre suas pernas antes mesmo que eu notasse que ele havia movido. - Seja educada. Não mostre sua pior face a esta mulher, - ele disse e sua voz estava tão séria que me convenci que seria muito educada, apenas por segurança. - Certo. Isso não foi legal, eu acho, - ela admitiu, em uma voz suave e castigada. – Bom, eu queria vê-lo na noite seguinte também, e ele também queria me ver de novo. Então eu dei uma escapadinha e fui até sua casa. Ele teve que sair para ver sua irmã… você? Você é a única irmã dele? Assenti. - E ele disse para permanecer lá, ele voltaria logo. Eu queria ir com ele, e ele disse que se sua irmã não tivesse companhia não haveria problema, mas ela tinha a companhia de um vampiro e ele não queria que eu me misturasse com eles. Acho que o Jason sabia qual seria minha opinião sobre a Crystal Norris e ele quis evitar ouvir isto, então a deixou em sua casa. - Ele retornou para casa? – Calvin disse, dando-lhe uma cotovelada para tirá-la de sua fantasia. - Sim, - ela disse, e fiquei tensa. - O que aconteceu então? – Calvin perguntou, quando ela parou novamente. - Não tenho muita certeza, - ela disse. – Eu estava na casa, esperando por ele, e ouvi sua caminhonete estacionar e pensei: ―Oh, que bom, ele está aqui, podemos festejar‖, e então não o ouvi subir os degraus da frente e imaginei o que teria acontecido, sabe? Logicamente todas as luzes do lado de fora estavam acesas, mas não fui à janela porque sabia que era ele. Claro que uma Lobis conheceria os passos dele, ou talvez, sentiria seu cheiro. – Sou uma ótima ouvinte, - ela continuou, - e o ouvi andar em volta da casa, então pensei que ele viria pela porta dos fundos por algum motivo – botas lamacentas ou algo do tipo. Tomei um profundo suspiro. Ela chegaria ao ponto em um minuto. Eu simplesmente sabia que sim. - E então, dos fundos da casa, e mais longe, a metros da porta, ouvi muito barulho, e alguns gritos e coisas do tipo, e depois nada. Se ela não fosse uma metamorfa, não teria escutado tanto. Aí está, eu sabia que pensaria em um lado positiva se eu procurasse o bastante. - Você saiu e procurou? – Calvin perguntou a Crystal. Sua desgastada mão acariciou seus cachos negros, como se ele estivesse acariciando seu cão favorito. - Não, senhor. Não procurei. - Cheirou?
- Não cheguei perto o bastante, - ela admitiu já um pouco menos carrancuda. – Os ventos sopraram para o lado contrário. Capturei um pouco do Jason, e sangue. Talvez algumas outras coisas. - Tipo o quê? - Metamorfo talvez. Alguns de nós trocamos quando não é lua cheia, mas eu não. De outro modo, teria tido uma melhor chance de cheirar, - ela disse para mim quase se desculpando. - Vampiro? – Calvin perguntou. - Nunca cheirei um antes, - ela disse simplesmente. – Não sei. - Bruxa? – Perguntei. - Eles cheiram diferente de pessoas normais? – Ela perguntou duvidosa. Dei de ombros. Eu não sabia. Calvin disse: - O que você fez depois disso? - Eu sabia que algo havia levado o Jason para a mata. Eu apenas… perdi o controle. Não sou corajosa. - Ela deu de ombros. – Vim pra casa depois disso. Não havia mais nada que eu pudesse fazer. Eu estava tentando não chorar, mas lágrimas simplesmente rolaram para minhas bochechas. Pela primeira vez, admiti para mim mesma que não tinha certeza se veria meu irmão novamente. Mas se a intenção do atacante era matar o Jason, porque não deixar o corpo dele no quintal dos fundos? Como a Crystal havia exaltado, a noite do Ano Novo não foi de lua-cheia. Havia coisas que não precisavam esperar pela lua cheia... A coisa ruim de saber de todas as criaturas do mundo que existiam além de nós, é que eu podia imaginar que havia coisas que poderiam engolir o Jason numa só bocada. Ou em algumas mordidas. Mas eu simplesmente não podia me permitir pensar dessa forma. Embora ainda estivesse aos prantos, forcei a mim mesma a sorrir. - Muito obrigada, - eu disse educadamente. – Foi muito gentil de sua parte arranjar tempo para me ver. Eu sei que você tem coisas para fazer. Crystal pareceu surpresa, mas seu tio Calvin me alcançou e segurou minha mão, o que surpreendeu a todos e a ele mesmo. Ele me levou até meu carro. O céu estava nublado, o que fazia parecer mais frio, e o vento começou a sacudir os ramos nus dos arbustos maiores plantados em volta do jardim. Reconheci ipêsde-jardim* (o que na área médica é chamado de forsythia), espireia** e até mesmo uma árvore de tulipas. Em volta deles seriam plantados narciso*** e íris****… as mesmas flores que estão no quintal da minha avó, os mesmos arbustos que veem crescendo nos jardins do sul por gerações. Neste momento, tudo pareceu sem vida e sórdido. Na primavera, pareceria quase charmoso, pitoresco; a decadência da pobreza adornada pela Mãe Natureza.
(*Ipê-de-jardim são os nomes populares desse arbusto ou pequena árvore muito ramificada. As folhas compostas são serreadas, as flores amarelas em forma de campânula formam inflorescências vistosas. Produz por longos períodos muitas sementes que germinam facilmente. Brota também a partir de estacas: podada, rebrota intensamente. Usada em arborização urbana.)
(**Espireia é um gênero botânico pertencente à família Rosaceae.)
(***Narciso é um gênero botânico pertencente à família Amaryllidaceae. As cores de suas flores geralmente variam entre o amarelo e o branco. A sua origem é o Mediterrâneo e partes da Ásia central e a China continental, mas são cultivares ornamentais difundidos em muitas outras partes do mundo, como nos Estados Unidos, no Canadá e na Argentina. O seu nome tem origem no personagem mitológico Narciso.)
(****Íris é um gênero de plantas com flor, muito apreciado pelas suas diversas espécies, que ostentam flores de cores muito vivas. São, vulgarmente, designadas como lírios, embora tal termo se aplique com mais propriedade a outro tipo de flor. É uma flor muito frequente em jardins.)
Duas ou três casas abaixo na rua, um homem emergiu de um barracão atrás de sua casa, encarou em nossa direção e deu meia-volta. Após um longo momento, ele retornou à sua casa. Estava longe demais para reconhecer mais suas características além de seu cabelo branco, mas sua beleza era fenomenal. As pessoas daqui não apenas não gostavam de estranhos; pareciam alérgicas a eles. - Aquela é minha casa, - Calvin ofereceu, apontando para uma casa muito mais robusta, pequena, mas bem feita, pintada de branco muito recentemente. Tudo estava bem conservado na casa do Calvin Norris. A entrada da garagem e a área de estacionamento eram claramente definidas; o barracão de ferramentas combinando estava sem ferrugem em um piso de concreto. Assenti. - Parece muito legal, - eu disse em uma voz não muito firme. - Quero lhe fazer uma proposta, - Calvin Norris disse. Tentei parecer interessada. Virei meu rosto para encará-lo. - Você é uma mulher desprotegida agora, - ele disse. – Seu irmão se foi. Espero que ele volte, mas você não tem ninguém para defendê-la enquanto ele está desaparecido. Havia muitas coisas erradas neste discurso, mas eu não estava em um humor para debater com o metamorfo. Ele havia me prestado um grande favor, fazendo Crystal falar. Permaneci lá no vento frio e tentei parecer educada e receptiva. - Se você precisar de um lugar para se esconder, se você precisar de alguém para te vigiar ou proteger, eu serei seu homem, - ele disse. Seus olhos verdes e dourados encontraram os meus diretamente. Você me perguntará por que não recusei isso um bufo: Ele não estava sendo superior sobre isso. De acordo com sua moral, ele estava sendo tão legal quanto poderia, estendendo seu escudo para mim se eu precisasse. É claro que ele esperava ―ser o meu homem‖ de todos os jeitos, junto com me proteger; mas ele não estava sendo lascivo em suas maneiras, ou ofensivamente explicito. Calvin Norris estava oferecendo correr perigo pelo meu bem. Ele falava sério. Isso não é algo para ficar irritada. - Obrigada, - eu disse. – Lembrarei que você disse isso. - Ouvi falar sobre você, – ele disse. – Metamorfos e Lobis, eles falam entre si. Ouvi que você é diferente. - Eu sou. – Homens normais achariam meu pacote externo atrativo, mas o interno os repelia. Se eu um dia começar a subir à cabeça, após a atenção dada a mim pelo Eric, Bill, ou até mesmo o Alcide, tudo que eu tinha que fazer é escutar os cérebros de alguns dos clientes do bar para desinflar meu ego. Apertei meu velho casaco azul para mais perto de mim. Como muitos dos de duplanatureza, Calvin tinha um sistema que não sentia frio tão intensamente como o meu metabolismo completamente humano sentia. - Mas minha diferença não é ser de dupla-natureza, embora eu aprecie a sua, ah, bondade. – Isso era o mais próximo que eu podia chegar de perguntar a ele porque estava tão interessado em mim. - Sei disso. – Ele assentiu em conhecimento da minha delicadeza. – Na verdade, isso faz você mais… A coisa é, aqui em Hotshot, somos puros demais. Você ouviu a Crystal. Ela só consegue se transformar na lua e francamente, mesmo assim ela não é tão poderosa. – Ele apontou para seu próprio rosto. – Meus olhos mal conseguem se passar por olhos humanos. Precisamos de uma infusão de novo sangue, novos genes. Você não é de dupla-natureza, mas você não é exatamente uma mulher normal. Mulheres normais não duram muito por aqui.
Bom, este era um modo omisso e ambíguo de colocar isto. Mas eu era simpática e tentei parecer compreensiva. Na verdade, eu entendi, e pude apreciar sua preocupação. Calvin Norris era claramente o líder deste estranho povoado e seu futuro era sua responsabilidade. Ele estava carrancudo quando olhou para a rua da sua casa onde eu tinha visto o homem. Mas ele se virou para mim para terminar de me dizer o que queria que eu soubesse. - Eu acho que você gostaria das pessoas daqui e você seria uma boa procriadora. Posso dizer apenas olhando. Aquele era um elogio muito fora do normal. Eu não conseguia pensar como reconhecê-lo de uma maneira apropriada. - Estou lisonjeada que pense assim, e aprecio sua oferta. Lembrarei do que disse. – Pausei para arrumar meus pensamentos. – Sabe, a polícia irá descobrir que Crystal estava com o Jason, se já não o fizeram. Eles virão aqui também. - Não acharão nada, - Calvin Norris disse. Seus olhos verdes e dourados encontraram os meus com uma fraca diversão. - Eles já estiveram aqui outras vezes; voltarão aqui novamente. Eles nunca aprendem. Espero que encontre seu irmão. Se precisar de ajuda, me avise. Tenho um emprego no Norcross. Sou um homem estável. - Obrigada, - eu disse e entrei no meu carro me sentindo aliviada. Dei ao Calvin um aceno sério e escapuli pela entrada da garagem da Crystal. Então ele trabalhava em Norcross, a serralheria. Norcross tinha bons benefícios e eles promoviam. Eu já tinha recebido piores propostas; pode ter certeza. Quando dirigia para o trabalho, imaginei se a Crystal tinha tentado engravidar durante as noites com o Jason. Não pareceu incomodar ao Calvin ouvir que sua sobrinha tinha feito sexo com um estranho. Alcide havia me dito que Lobis tinham que combinar-se com Lobis para produzir um bebê que tenha as mesmas características, então os habitantes desta pequena comunidade estavam tentando diversificar, aparentemente. Talvez esses pequenos Lobis estivessem tentando se reproduzir fora; isto é, ter filhos com humanos normais. Isto seria melhor do que ter gerações de lobisomens cujos poderes eram tão fracos que eles não conseguiam desempenhar suas funções de dupla-natureza com sucesso, mas que também não se satisfaziam em serem humanos normais. Chegar ao Merlotte‘s foi como dirigir de um século para o outro. Imaginei há quanto tempo as pessoas de Hotshot tem estado enclausuradas ao redor dos cruzamentos, qual significado aquilo tinha originalmente para eles. Embora eu não pudesse evitar ficar um pouco curiosa, achei um verdadeiro alívio descartar estes pensamentos e retornar ao mundo que eu conhecia. Aquela tarde o mundinho do Bar Merlotte‘s estava muito quieto. Troquei de roupa, amarrei meu avental preto, alisei meu cabelo e lavei minhas mãos. Sam estava atrás do balcão com seus braços cruzados em seu peito, encarando o nada. Holly carregava uma jarra de cerveja para uma mesa onde estava sentado um estranho solitário. - Como estava Hotshot? – Sam perguntou, já que estávamos sozinhos no balcão. - Muito estranho. Ele deu tapinhas em meu ombro. - Encontrou algo útil? - Para falar a verdade, encontrei. Apenas não tenho certeza do que significa. – Sam precisava de um corte de cabelo, notei; seu encaracolado cabelo loiro-avermelhado formava um arco em volta de seu rosto em um tipo de efeito Anjo-Renascentista. - Encontrou Calvin Norris? - Sim. Ele fez a Crystal falar comigo e me fez uma oferta muito fora do normal. - O que foi? - Digo a você alguma outra hora. – Pela minha vida, não conseguia descobrir um jeito de expressar isso. Olhei para minhas mãos, que estavam ocupadas lavando uma caneta de cerveja e pude sentir minhas bochechas queimando.
- Calvin é um cara legal, pelo que sei, - Sam disse lentamente. – Ele trabalha na Norcross e ele é um líder de grupo. Bom salário, pacote de aposentadoria, tudo. Alguns dos outros caras de Hotshot são donos de uma loja de soldagem. Ouvi que fazem um bom trabalho. Mas, não sei o que acontece em Hotshot após eles irem para casa à noite, e não acho que alguém saiba também. Você conheceu o Xerife Dowdy, John Dowdy? Ele era o xerife antes de eu me mudar para aqui, eu acho. - Sim, lembro dele. Ele apreendeu o Jason uma vez por vandalismo. Vovó teve que ir tirá-lo da cadeia. Xerife Dowdy deu um sermão no Jason que o assustou bastante, pelo menos por um tempo. - Sid Matt me disse uma história uma noite. Parece que em uma primavera, John Dowdy foi à Hotshot para prender o irmão mais velho de Calvin Norris, Carlton. - Por quê? – Sid Matt Lancaster era um velho e famoso advogado. - Estupro estatutário. A garota permitiu e era até experiente, mas era menor de idade. Ela tinha um padrasto e ele decidiu que Carlton o havia desrespeitado. Nenhuma instância politicamente correta poderia cobrir estas circunstancias. - Então, o que aconteceu? - Ninguém sabe. Tarde naquela noite, o carro patrulha de John Dowdy foi encontrado a meio caminho de volta de Hotshot. Não havia ninguém dentro. Nenhum sangue, nenhuma impressão digital. Ele nunca mais foi visto desde então. Ninguém em Hotshot se lembra de tê-lo visto aquele dia, eles dizem. - Como Jason. – eu disse fracamente. – Ele apenas desapareceu. - Mas Jason estava em sua própria casa, e de acordo com você, Crystal não parece estar envolvida. Pus de lado a pequena e estranha história. - Você tem razão. Alguém descobriu o que aconteceu com o xerife Dowdy? - Não. Mas ninguém nunca mais viu Carlton Norris de novo, também. Agora, esta era a parte interessante. - E a moral da história é? - Que as pessoas de Hotshot cuidam de sua própria justiça. - Então você os quer a seu lado. – Extraí minha própria moral da história. - Sim, - Sam disse. – Você definitivamente os quer do seu lado. Você não se lembra disso? Foi a mais ou menos quinze anos atrás. - Eu estava lidando com meus próprios problemas naquela época, - expliquei. Eu era uma órfã de nove anos de idade lidando com meus crescentes poderes telepáticos. Um pouco depois disso, as pessoas começaram a parar no bar em seus caminhos do trabalho para casa. Sam e eu não tivemos a chance de conversar pelo resto da noite, o que estava bem para mim. Eu gostava muito do Sam, que de vez em quando tinha o papel principal de alguns de minhas fantasias mais privadas, mas neste ponto, eu tinha muito com que me preocupar que eu não podia suportar mais nada. Aquela noite, descobri que algumas pessoas achavam que o desaparecimento do Jason melhorou a sociedade de Bon Temps. Entre eles estavam Andy Bellefleur e sua irmã Portia, que pararam no Merlotte‘s para o jantar, já que sua avó Caroline estava dando um jantar festivo e eles estavam ficando de fora. Andy era um detetive policial e Portia uma advogada e ambos não estavam na minha lista de pessoas preferidas. Em primeiro lugar (um motivo meio bobo), quando o Bill descobriu que eles eram seus descendentes, ele elaborou um plano para dar dinheiro aos Bellefleur anonimamente, e eles tinham adorado seu misterioso legado até o cabo. Mas eles não suportavam o próprio Bill e me irritava constantemente ver seus novos carros e roupas caras e o novo teto da mansão dos Bellefleur, quando eles destrataram o Bill o tempo todo – e eu também, por ser a namorada do Bill. Andy era bem legal comigo antes de eu começar a namorar o Bill. Pelo menos ele era civilizado e deixava gorjetas decentes. Eu sempre fui invisível para a Portia que tinha sua própria quota de desgraças pessoais. Ela tinha vindo com um pretendente, eu ouvi, e imaginei maliciosamente se isso não seria graças à repentina ascensão na fortuna da família Bellefleur. Eu imaginava também, às vezes, se Andy e Portia ficavam felizes em proporção direta à minha miséria. Eles estavam em aspectos legais nesta noite de inverno, ambos comendo seus hambúrgueres com grande entusiasmo. - Lamento pelo seu irmão, Sookie, - Andy disse, enquanto eu reenchia seu copo de chá. Olhei para ele, meu rosto sem expressão. Mentiroso, pensei. Após um segundo, os olhos do Andy desviaram-se inquietamente dos meus para se concentrarem no saleiro, que pareceu se tornar peculiarmente fascinante. - Tem visto o Bill ultimamente? – Portia perguntou, limpando a boca com um guardanapo. Ela estava tentando quebrar o inquietante silêncio com uma pergunta agradável, mas fiquei mais furiosa. - Não, - eu disse. – Posso lhes servir mais alguma coisa? - Não, obrigada, estamos bem, - ela disse rapidamente. Girei em meus saltos e fui para longe. Depois minha boca abriu-se em um sorriso. Justo quando eu estava pensando ―Puta‖, Portia pensava ―Mas que puta‖. A bunda dela é deliciosa, Andy interveio. Deus, telepatia. Que agradável. Eu não desejaria isso ao meu pior inimigo. Invejei as pessoas que só podiam ouvir com seus ouvidos. Kevin e Kenya vieram também, muito cuidadosos para não beber. A parceria deles era hilária às pessoas de Bon Temps. Branco imaculado, Kevin era magro e corado, um corredor de longas distâncias; todo equipamento que ele tinha que usar no cinto do seu uniforme parecia demais para ele carregar. Sua parceira, Kenya era cinco centímetros mais alta, quilos mais pesada e quinze vezes mais escura. Os homens no bar apostavam por dois anos se eles iriam ou não se tornar amantes – logicamente, os caras no bar não falavam em tais termos brandos. Eu contra a minha vontade sabia que Kenya (e suas algemas e cassetete) participava de fantasias de muitos frequentadores e eu também sabia que os homens que mais provocavam e ridicularizavam o Kevin eram os que mais impiedosamente tinham as fantasias mais vívidas. Enquanto eu carregava as cestas de hambúrguer para a mesa do Kevin e da Kenya, pude afirmar que a Kenya estava imaginando se ela deveria sugerir ao Bud Dearborn que ele ligasse para os cães rastreadores da região vizinha para a procura do Jason, enquanto Kevin estava preocupado com o coração de sua mãe, que vinha funcionando mal ultimamente. - Sookie, - Kevin disse, após eu levá-los o frasco de ketchup, - queria lhe dizer, algumas pessoas vieram no departamento de polícia para colocar pôsteres de um vampiro. - Vi um na mercearia, - eu disse. - Eu percebi que só porque namorava um vampiro, você não é uma expert, - Kevin disse cuidadosamente, porque Kevin sempre fazia seu melhor para ser legal comigo, - mas, imaginei se você viu este vampiro. Antes de ele desaparecer, quero dizer. Kenya me olhava também, seus olhos escuros me examinando com grande interesse. Kenya estava pensando que eu sempre parecia estar no meio de coisas ruins que aconteciam em Bon Temps sem eu mesma ser má (obrigada, Kenya). Ela esperava pelo meu bem que o Jason estivesse vivo. Kevin estava pensando que eu sempre fui legal com ele e Kenya; e ele pensava que não me tocaria nem com uma vara de três metros. Eu suspirei, eu espero que imperceptivelmente. Eles esperavam por uma resposta. Hesitei, imaginando qual era minha melhor opção. A verdade sempre parece mais fácil de se lembrar. - Claro, eu já o vi antes. Eric é dono do bar de vampiros de Shreveport, - eu disse. – Eu o vi quando fui lá com o Bill. - Você não o viu recentemente? - Eu com certeza não o sequestrei do Fangtasia, - eu disse, com muito sarcasmo em minha voz.
Kenya me deu um olhar ácido e não a culpei. - Ninguém disse que você o fez, - ela me disse numa voz ―Não me dê problemas‖. Dei de ombros e me afastei. Eu tinha muito o que fazer, já que algumas pessoas ainda jantavam (e algumas estavam bebendo o jantar) e alguns dos frequentadores usuais estavam chegando após comerem em casa. Holly estava igualmente ocupada e quando um dos homens que trabalhava para a companhia telefônica derrubou sua bebida no chão, ela teve que ir buscar um esfregão e um balde. Ela estava atrasada com suas mesas quando a porta se abriu. Eu a vi colocar o pedido de Sid Matt Lancaster na frente dele, com suas costas para a porta. Então ela perdeu a próxima entrada, mas eu não. O jovem homem que o Sam contratou para limpar as mesas em nossos momentos ocupados estava ocupado limpando duas mesas juntas que haviam recebido uma festa grande de trabalhadores locais, e eu limpava a mesa dos Bellefleur. Andy estava conversando com o Sam enquanto esperava por Portia, que tinha ido ao banheiro. Eu tinha acabado de guardar minha gorjeta, que era quinze por cento da conta. O hábito de dar gorjetas dos Bellefleur melhorou – ligeiramente – com a fortuna dos Bellefleur. Lancei um olhar quando a porta se manteve aberta o suficiente para um vento frio me arrepiar. A mulher que entrava era alta e tão magra e de ombros tão largos que chequei seu peito, apenas para ter certeza que registrei seu gênero corretamente. Seu cabelo era curto, grosso e castanho, e ela não usava absolutamente nenhuma maquiagem. Havia um homem com ela, mas eu não o vi até ela ir para o lado. Ele não era nenhum principiante no departamento de músculos, e sua camiseta apertada revelava que seus braços eram mais desenvolvidos do que qualquer um que já vi. Horas numa academia: não, anos numa academia. Seus cabelos castanhos caíam sobre seus ombros em apertados cachos e sua barba e bigode eram perceptivelmente mais vermelhos. Nenhum dos dois usava casacos, apesar de ser definitivamente tempo para casacos. Os recém-chegados andaram até mim. - Onde está o dono? – A mulher me perguntou. - Sam. Ele está atrás do balcão, - eu disse olhando para baixo assim que pude e limpando a mesa novamente. O homem olhou para mim curiosamente; isto era normal. Quando passaram diante de mim, vi que ele carregava alguns pôsteres embaixo do braço e um grampeador. Ele tinha prendido sua mão no cilindro da fita-adesiva, então balançava em seu pulso esquerdo. Lancei um olhar para a Holly. Ela estava paralisada, o copo de café em suas mãos estava a meio caminho do descanso de mesa de Sid Matt Lancaster. O velho advogado olhou para ela, seguiu seu olhar até o casal andando entre as mesas do bar. Merlotte‘s, que era um lugar calmo e quieto, estava de repente alagado de tensão. Holly abaixou o copo sem queimar o Sr. Lancaster e girou sobre seus saltos, indo pela porta da cozinha a toda velocidade. Eu não precisava mais de confirmação para identificar a mulher. Os dois alcançaram o Sam e começaram um conversa baixa com ele, com o Andy ouvindo tudo porque estava por perto. Passei para levar os pratos sujos para a escotilha e ouvi a mulher dizer (em uma voz profunda): - … colocar estes pôsteres na cidade, apenas no caso de alguém o flagrar. Esta era a Hallow, a bruxa cuja perseguição ao Eric tinha causado tal transtorno. Ela ou um membro do seu coven, era provavelmente a assassina de Adabelle Yancy. Esta era a mulher que provavelmente levou meu irmão Jason. Minha cabeça começou a palpitar como se houvesse um pequeno demônio dentro tentando sair com um martelo. Não me surpreende que a Holly estivesse em tal estado e não queria que a Holly a visse. Ela tinha estado na pequena reunião da Hallow em Shreveport e seu coven havia rejeitado o convite da Hallow. - Claro, - Sam disse. – Coloque um na parede. – Ele indicou um espaço vago ao lado da porta que levava aos banheiros e para seu escritório. Holly colocou a cabeça para fora da porta da cozinha, avistou a Hallow e voltou para trás. Os olhos da Hallow piscaram em direção à porta, mas não a tempo de avistar a Holly, eu espero.
Pensei em pular na Hallow, batendo nela até que ela me dissesse o que eu queria saber sobre meu irmão. Isto era o que a palpitação em minha cabeça implorava para eu fazer – iniciar a ação, qualquer ação. Mas eu tinha um vestígio de bom senso, e felizmente para mim, ele veio primeiro. Hallow era grande e ela tinha um parceiro que podia me esmagar – além do mais, Kevin e Kenya me parariam antes que eu pudesse fazê-la falar. Era horrivelmente frustrante tê-la bem à minha frente e ao mesmo tempo ser incapaz de descobrir o que ela sabia. Derrubei todas as minhas barreiras e ouvi o mais forte que pude. Mas ela suspeitou de algo quando toquei dentro de sua cabeça. Ela pareceu vagamente perplexa e olhou ao redor. Aquilo foi um aviso suficiente para mim. Arrastei-me de volta para minha própria cabeça o mais rápido que pude. Continuei por trás do balcão, passando a alguns metros de distância da bruxa enquanto ela tentava descobrir quem havia roçado em seu cérebro. Isto nunca havia me acontecido antes. Ninguém, ninguém, jamais suspeitou que eu estava ouvindo seus pensamentos. Agachei-me atrás do balcão para pegar o grande contêiner de Morton Salt*, me endireitei e cuidadosamente reenchi o frasco que tinha retirado da mesa de Kevin e Kenya. Concentrei-me nisso tão fortemente quanto alguém pode se concentrar em fazer tal tarefa simples, e quando acabei o pôster já tinha sido preso com o grampeador. Hallow retardava-se, prolongando sua conversa com o Sam assim ela poderia descobrir quem tocou dentro de sua cabeça, e o Sr. Músculos estava me olhando – mas, apenas como um homem olha uma mulher – enquanto eu devolvia o frasco para a mesa. Holly não reaparecera. (*Morton Salt é uma empresa norte-americana de sal para alimentos. A sede fica em Chicago, o negócio é o líder de produção e venda de sal do país) - Sookie, - Sam chamou. Oh pelo amor de Deus. Eu tinha que responder. Ele era meu chefe. Fui até os três, com o temor no coração e sorriso no rosto. - Hey, - eu disse com cumprimento, dando à bruxa alta e seu musculoso parceiro um sorriso neutro. Ergui minhas sobrancelhas ao Sam para perguntar o que ele queria. - Marnie Stonebrook, Mark Stonebrook, - ele disse. Acenei para ambos. Hallow certamente, eu pensei, meio entretida. ―Hallow*‖ era apenas um pouco mais espiritual que ―Marnie‖.
(*Hallow significa santificar, consagrar.)
- Eles estão procurando por este cara, - Sam disse, indicando o pôster. – Você o conhece? É claro que o Sam sabia que eu conhecia o Eric. Fiquei satisfeita por ter passado anos escondendo meus sentimentos e pensamentos para os olhos das outras pessoas. Olhei para o pôster deliberadamente. - Claro, já o vi, - eu disse. – Quando fui ao bar de vampiros em Shreveport? Ele é meio que inesquecível, não? – Dei a Hallow – Marnie – um sorriso. Éramos apenas garotas juntas, Marnie e Sookie, dividindo um momento de garotas. - Cara bonito, - ela concordou com sua voz rouca. – Ele está desaparecido agora, e estamos oferecendo recompensa a qualquer um que nos der informações. - Vejo isso pelo pôster, - eu disse, permitindo uma fina camada de irritação em minha voz. – Há alguma razão em particular que você pensa que ele estaria por estas bandas? Não consigo imaginar o que um vampiro de Shreveport estaria fazendo em Bon Temps. – Olhei para ela, questionando. Com certeza não tinha extrapolado ao perguntar isso. - Boa pergunta, Sookie, - Sam disse. – Não que eu me importe em ter o pôster pendurado, mas por que vocês procuram este cara nesta área? Por que ele estaria aqui? Nada acontece em Bon Temps - Há uma residência de um vampiro nesta cidade, não há? – Mark Stonebrook disse de repente. Sua voz era quase gêmea da voz da sua irmã. Ele era tão sarado que você esperaria escutar um som grave*, e até mesmo um contralto** tão profundo quanto o de Mamie soava estranho vindo de sua garganta. Na verdade, pela aparência de Mark Stonebrook, você pensaria que ele apenas grunhia e rosnava para se comunicar.
(*Um som dito grave é um som de baixa freqüência da audição humana. Geralmente sons abaixo de 300Hz são considerados graves.)
(**Contralto é o timbre feminino mais pesado, e soa quase que com a plenitude de uma voz masculina. É um timbre robusto e vigoroso, chamado também de contralto profundo. Sua extensão aguda é curta e compensada no registro grave. Não tem divisão interna por timbre, e raramente canta papéis em Óperas. Sua tessitura usual é do Fá2 ao Fá4.)
- Sim, Bill Compton vive aqui, - Sam disse. – Mas ele está fora da cidade. - Foi para o Peru, ouvi, - eu disse. - Oh sim, ouvi falar sobre Bill Compton. Onde ele mora? – Hallow perguntou, tentando manter a excitação fora de sua voz. - Bem, ele mora após o cemitério que fica em frente à minha casa, - eu disse, porque não tive escolha. Se os dois perguntassem a mais alguém e obtivessem alguma resposta diferente da que lhes dei, saberiam que eu tinha algo (ou neste caso, alguém) para esconder. – Pela Estrada Hummingbird. – Dei a eles direções, não muito claras, e esperei que eles se perdessem em algum lugar como Hotshot. - Bom, nós provavelmente iremos até a casa de Compton, no caso do Eric ter ido visitá-lo, - Hallow disse. Seus olhos foram para os do seu irmão e eles assentiram para nós e deixaram o bar. Eles não ligavam se isto fazia sentido ou não. - Eles estão enviando bruxos para visitar todos os vampiros, - Sam disse calmamente. É claro. Os Stonebrooks estavam indo à residência de todos os vampiros que deviam fidelidade ao Eric – os vampiros da Área Cinco. Eles suspeitam que um desses vampiros possa estar escondendo o Eric. Já que o Eric não tinha aparecido, ele estava sendo escondido. Hallow tinha que ter confiança que seu feitiço funcionou, mas ela provavelmente pode não saber como exatamente tenha funcionado. Apaguei o sorriso da minha face e me apoiei no balcão com meus cotovelos, tentando pensar. Sam disse: - Isso é um grande problema, certo? – Seu rosto estava sério. - Sim, é um grande problema. - Precisa ir embora? Não há muito acontecendo aqui. Holly pode sair da cozinha agora que eles foram embora e eu posso atender as mesas, se você precisa chegar em casa… - Sam não tinha certeza de onde o Eric estava, mas ele suspeitava, e ele notou a fuga abrupta da Holly para a cozinha. Sam havia ganhado minha lealdade e respeito umas cem vezes seguidas. - Darei a eles cinco minutos para sairem do estacionamento. - Você acha que eles podem ter algo a ver com o desaparecimento do Jason?
- Sam, eu simplesmente não sei. – Eu automaticamente disquei para o departamento do xerife e recebi a mesma resposta que recebi o dia todo – ―Nenhuma noticia, ligaremos para você se soubermos de algo‖. Mas após me dizer isso, a expedidora me disse que haveria uma busca no pequeno lago no dia seguinte; a polícia havia conseguido dois mergulhadores de procura e resgate. Eu não sabia como me sentir sobre esta informação. Mais que tudo, estava aliviada que o desaparecimento do Jason estava sendo levado a sério. Quando desliguei o telefone, disse as novidades ao Sam. Após um segundo, eu disse: - Parece muito acreditar que dois homens tenham desaparecido em Bon Temps ao mesmo tempo. Pelo menos, os Stonebrooks parecem pensar que o Eric estava por aqui. Tenho que pensar que há uma conexão. - Aquele Stonebrooks são Lobis, - Sam murmurrou. - E bruxos. Tenha cuidado, Sam. Ela é uma assassina. Os Lobis de Shreveport estão atrás dela e os vampiros também. Tome cuidado. - Por que ela é tão assustadora? Por que a matilha de Shreveport se daria ao trabalho de lidar com ela? - Ela está bebendo sangue de vampiro, - eu disse o mais próximo possível de seu ouvido sem beijá-lo. Olhei ao redor no estabelecimento, para ver que Kevin via nosso intercâmbio com muito interesse. - O que ela quer com Eric? - Seu negócio. Todos os seus negócios. E ele. Os olhos do Sam alargaram-se. - Então são negócios e vida pessoal. - Sim. - Você sabe onde o Eric está? – Ele evitou me perguntar isto diretamente até agora. Sorri para ele. - Por que eu saberia isso? Mas, confesso que estou preocupada por aqueles dois estarem na estrada da minha casa agora. Pressinto que eles vão invadir a casa do Bill. Eles podem encontrar o Eric se escondendo com o Bill, ou na casa do Bill. Tenho certeza que ele arrumou um buraco seguro para o Eric dormir e sangue ao alcance. - Isto era praticamente tudo que um vampiro precisava, sangue e um lugar escuro. - Então você vai até lá proteger a propriedade do Bill? Não é uma boa ideia, Sookie. Deixe os seguros da casa do Bill cuidarem de qualquer dano que eles façam em sua busca. Acho que ele me disse que tem State Farm*. Bill não iria querer que você se machucasse na defesa de plantas e tijolos.
(*State Farm Seguros é um grupo de companhias que prestam serviços de seguro e financeiros. State Farm tem se mantindo como seguradora de automóveis nos EUA desde 1942, mas também funciona com seguro de casa, vida e saúde.)
- Não planejo fazer nada tão perigoso, - eu disse, e verdadeiramente, não planejava. – Mas, acho que correrei para casa. Apenas por precaução. Quando eu vir as luzes dos carros deixando a casa do Bill, irei lá e checarei. - Quer que eu vá com você? - Não, só vou avaliar os danos, só isso. Holly será ajuda o suficiente aqui? - Ela tinha saído da cozinha no minuto em que os Stonebrooks saíram. - Claro. - Certo, estou indo. Muito obrigada. – Minha consciência não pesou tanto quando notei que o lugar não estava tão cheio quanto tinha estado uma hora atrás. Você tem noites como esta, quando as pessoas simplesmente sumiam de repente.
Eu tinha uma sensação nervosa entre meus ombros, e talvez todos os nossos clientes tivessem também. Era aquele sentimento que alguma coisa perambulava de um jeito em que não deveria: aquela sensação de Halloween, como eu chamo, quando você meio que imagina que algo de ruim está rodeando pelos cantos de sua casa, espreitando-se por suas janelas. Quando peguei minha bolsa, destranquei meu carro e dirigi de volta para minha casa, eu estava quase me dobrando de preocupação. Tudo estava indo para um ponto onde não havia mais como reparar*, me parecia. Jason estava desaparecido, a bruxa estava aqui ao invés de em Shreveport e agora ela estava a quase 800 metros do Eric.
(*no original, going to hell in a handbasket, uma expressão que quer dizer chegar a um ponto de total destruição ou ruína.)
Quando virei da estrada estadual para minha longa, sinuosa entrada de garagem e freei para o cervo que cruzava do lado sul para o lado norte dos bosques – afastando-se da casa do Bill, eu notei – eu havia trabalhado em meu estado de ânimo. Conduzindo ao redor da casa para a porta do fundo, saí do carro e subi os degraus do fundo. Fui pega no meio do caminho por um par de braços como ligas de aço. Levantada e rodopiada, eu estava enrolada em volta da cintura do Eric antes mesmo que eu percebesse. - Eric, - eu disse, - você não deveria estar do lado de fora– Minhas palavras foram cortadas por sua boca sobre a minha. Por um minuto, seguir este programa pareceu uma alternativa viável. Eu poderia esquecer toda a maldade e deixar ele doidinho na minha varanda traseira, frio como estava. Mas, a sanidade retornou à meu sobrecarregado estado emocional e o afastei um pouco. Ele vestia calça jeans e um suéter da Louisiana Tech Bulldogs que o Jason havia comprado para ele no Wal-Mart. As mãos grandes do Eric se apoiaram em meu traseiro e minhas pernas o envolveram como se estivessem acostumadas a fazê-lo. - Ouça Eric, - eu disse, quando sua boca se moveu para meu pescoço. - Shhhhh, - ele sussurrou. - Não, você precisa me deixar falar. Nós temos que nos esconder. Isso atraiu sua atenção. - De quem? – ele disse em meu ouvido, e estremeci. O estremecimento não teve relação com a temperatura. - Da bruxa má, a que está atrás de você, - arrastei-me para explicar. – Ela veio ao bar com seu irmão e prenderam aquele pôster. - E? – Sua voz estava despreocupada. - Eles perguntaram que outros vampiros moravam por aqui, e claro que tivemos que dizer que o Bill morava. Então eles pediram direções para a casa do Bill, e acho que eles estão lá procurando por você. - E? - Isso é após o cemitério daqui! E se eles vierem aqui? - Você me aconselha a me esconder? Retornar àquele buraco negro debaixo da sua casa? – Ele soou incerto, mas estava claro para mim que seu orgulho fora ferido. - Oh sim. Apenas por pouco tempo! Você é minha responsabilidade; tenho que te manter seguro. – Mas, eu notei que expressei meus medos da forma errada. Esse estranho tentador, embora parecesse desinteressado das preocupações de vampiro, embora parecesse lembrar pouco do seu poder e posses, ainda tinha a veia de orgulho e curiosidade que o Eric mostrou nos momentos mais estranhos. Toquei diretamente nisso. Imaginei se talvez pudesse convencê-lo a pelo menos entrar em minha casa, melhor do que ficarmos do lado de fora, expostos.
Mas era tarde demais. Você simplesmente não podia dizer nada ao Eric.
- Vamos amor, vamos dar uma olhada, - Eric disse, me dando um beijo rápido. Ele saltou da varanda comigo ainda agarrada a ele – como uma grande craca* – e ele aterrissou silenciosamente, o que pareceu incrível. Eu era a barulhenta, com meus suspiros e pequenos sons de surpresa. Com uma destreza que requisitou muita prática, Eric me lançou ao redor para que eu montasse suas costas. Eu não fazia isso desde criança e meu pai me carregava nos ombros, então eu estava consideravelmente espantada.
(*Craca é o nome comum para os crustáceos marinhos sésseis de vários gêneros, da classe cirripedia. Estes animais quando adultos têm o exoesqueleto calcificado composto por várias placas que definem uma forma cônica. As cracas escolhem normalmente substratos rochosos, mas podem fixar-se também a fundos de barcos (onde causam estragos) ou a outros animais (por exemplo baleias).
Oh, eu estava fazendo um ótimo trabalho montada no Eric. Aqui estávamos, correndo pelo cemitério, indo atrás da Bruxa Malvada do Oeste*, ao invés de nos escondermos num buraco escuro onde ela não nos acharia. Isso foi tão esperto.
(*A Bruxa Má do Oeste é um personagem fictício criada por L. Frank Baum para a história O Mágico de OZ. Ela tem um livro só seu com o nome de Maligna: Para os que Amam ou Odeiam O Mágico de OZ de Gregory Maguire. Sua irmã é Nessarose, a Malvada Bruxa do Leste.)
Ao mesmo tempo, tinha que admitir que estava meio que me divertindo, apesar das dificuldades de continuar agarrada ao Eric enrolada delicadamente nesta região. O cemitério ficava logo na descida depois da minha casa. A casa do Bill, a casa dos Compton, era um pouco mais acima do Cemitério Doce Lar. A jornada pela descida, suave como era a encosta, foi excitante, embora eu tenha visto de relance dois ou três carros estacionados no estreito asfalto ao redor dos túmulos. Isso me assustou. Adolescentes de vez em quando escolhiam o cemitério para privacidade, mas não em grupos. Mas, antes que eu pudesse pensar direito, passamos por eles, rápida e silenciosamente. Eric passou pela colina mais devagar, mas sem sinais de cansaço. Estávamos perto de uma árvore quando o Eric parou. Era um carvalho imenso, e quando o toquei, me orientei mais ou menos. Havia um carvalho deste tamanho há talvez 18 metros ao norte da casa do Bill. Eric desprendeu minhas mãos, então escorreguei de suas costas e ele me colocou entre ele e o tronco da árvore. Eu não sabia se ele estava tentando me prender ou me proteger. Agarrei seus dois pulsos em uma tentativa completamente inútil de mantê-lo próximo de mim. Congelei quando ouvi uma voz vinda da casa do Bill. - Esse carro não se move há um tempo, - uma mulher disse. Hallow. Ela estava na garagem do Bill, que era desse lado da casa. Ela estava tão próxima. Pude sentir o corpo do Eric se enrijecer. O som da voz dela teria evocado um eco em sua memória? - A casa está bem trancada, - gritou Mark Stonebrook, de mais longe. - Bom, podemos cuidar disso. – Pelo som da sua voz, ela estava se movendo para a parte da frente da casa. Ela soou divertida.
Eles iam invadir a casa do Bill! Certamente eu não deveria evitar isso? Eu devo ter feito algum movimento repentino, porque o corpo do Eric achatou o meu contra o tronco da árvore. Meu casaco subiu em volta da minha cintura e uma casca da árvore raspou meu traseiro através do tecido fino da minha calça preta. Eu podia ouvir a Hallow. Ela estava cantarolando, sua voz lenta e de algum jeito ameaçadora. Ela estava na verdade lançando um feitiço. Aquilo deveria ter sido excitante e eu devia estar curiosa: um feitiço mágico de verdade, lançado por uma bruxa de verdade. Mas, eu estava assustada, ansiosa para ir embora. A escuridão pareceu aumentar. - Sinto o cheiro de alguém, - Mark Stonebrook disse. Fee, fie, foe, fum. - O que? Aqui e agora? – Hallow parou seu canto, soando um pouco sem fôlego. Comecei a tremer. - Sim. – Sua voz caiu profunda, quase um rosnado. - Troque, - ela ordenou, assim à toa. Ouvi um som que sabia já ter ouvido antes, embora não pudesse rastrear na memória. Era quase um som viscoso. Pegajoso. Como tirar uma colher dura de um líquido espesso com coisas firmes dentro, talvez amendoins ou pedaços de caramelo. Ou pedaços de osso. Então ouvi um uivo verdadeiro. Não era humano de jeito nenhum. Mark se transformou, e não era lua cheia. Isso era realmente poderoso. A noite de repente pareceu cheia de vida. Fungadas. Latidos. Minúsculos movimentos a nossa volta. Eu era uma grande guardiã para o Eric, huh? Eu deixei ele me arrastar para cá. Estávamos prestes a ser descobertos por uma bruxa Lobis bebedora de sangue de vampiro e quem sabe mais o quê, e eu nem ao menos tinha a espingarda do Jason. Coloquei meus braços em volta do Eric e o abracei me desculpando. - Lamento, - sussurrei, tão baixo quanto uma abelha pode sussurrar. Mas depois, senti alto roçando em nós, algo grande e peludo, enquanto ouvia os sons de lobo do Mark de alguns metros do outro lado da árvore. Mordi meu lábio com força me impedir de dar um gritinho. Ouvindo atentamente, tive certeza de que havia mais de dois animais. Eu daria quase qualquer coisa por um holofote. De talvez 9 metros de distância veio um latido curto, penetrante. Outro lobo? Um simples cão velho no lugar errado e na hora errada? De repente, o Eric me deixou. Em um minuto ele estava me pressionando contra a árvore na escuridão, e no minuto seguinte, o ar frio me golpeou de cima a baixo (demais para meu aperto em seus pulsos). Eu estendi os braços tentando descobrir onde ele foi, e só toquei o ar. Ele só havia se afastado para descobrir o que tinha acontecido? Teria decidido participar? Embora minhas mãos não tivessem encontrado nenhum vampiro, algo grande e quente se pressionou contra minhas pernas. Eu usei meus dedos para uma finalidade melhor, alcançando o animal para explorálo. Toquei em muito pêlo: um par de orelhas levantadas, um longo focinho e uma língua quente. Tentei me mover, me afastar do carvalho, mas o cão (lobo?) não deixou. Apesar de ser menor que eu, e mais leve, ele se prendeu a mim com tanta pressão que não havia modo para eu me mexer. Quando ouvi o que estava acontecendo na escuridão – um monte de rosnados e grunhidos – decidi que estava na verdade muito feliz por aquilo. Afundei em meus joelhos e coloquei um braço em volta das costas caninas. Ele lambeu meu rosto. Eu ouvi um coro de uivos, que se elevaram misteriosamente na noite fria. O cabelo da minha nuca se arrepiou e eu enterrei meu rosto no pescoço peludo do meu companheiro e rezei. De repente, por cima dos barulhos menores, havia um uivo de dor e uma série de latidos. Ouvi um carro dar a partida e faróis cortaram cones na noite. Meu lado da árvore estava longe da luz, mas eu pude ver que estava agarrada por um cachorro e não um lobo.
Então, as luzes se moveram e o cascalho da entrada de garagem do Bill se espalhou quando o carro fez a volta. Houve um momento de pausa, presumi enquanto o motorista trocou a marcha, e então o carro guinchou e o ouvi partir em alta velocidade ladeira abaixo para a saída da Hummingbird Road. Houve um terrível barulho e um alto som de grito que fez meu coração bater ainda mais forte. Era o som de dor que um cão faz quando é atropelado por um carro. - Oh Jesus, - eu disse miseravelmente, e agarrei meu amigo peludo. Pensei em algo que eu podia fazer para ajudar, agora que parecia que os bruxos haviam partido. Eu levantei e corri para a porta da frente da casa do Bill antes que eu o cão pudesse me impedir. Tirei minhas chaves do bolso enquanto corria. Elas haviam estado em minhas mãos quando o Eric me agarrou na minha porta dos fundos e eu as enfiei em meu casaco, onde um lenço havia lhe impedido de tilintar. Tateei procurando pela fechadura, contei minhas chaves até alcançar a chave da casa do Bill – a terceira no chaveiro – e abri a porta da frente. Alcancei e liguei o interruptor externo de luz, e abruptamente o quintal estava iluminado. Estava cheio de lobos. Eu não sabia o quão assustada eu deveria estar. Muito assustada, adivinhei. Eu estava apenas supondo que os Lobis bruxos estavam no carro. E se um deles estivesse entre os lobos presentes? E onde estava meu vampiro? Esta pergunta foi respondida quase instantaneamente. Houve uma espécie de batida quando o Eric aterrissou no quintal. - Os segui até a estrada, mas eles foram rápidos demais para mim, - ele disse, sorrindo para mim como se estivesse jogando um jogo. Um cão – um collie – foi até o Eric, olhou para seu rosto e rosnou. - Shoo, - Eric disse fazendo um gesto imperial com sua mão. Meu chefe trotou até mim e sentou em minhas pernas outra vez. Mesmo na escuridão, imaginei que meu guardião fosse o Sam. Na primeira vez que o encontrei nessa transformação, pensei que ele fosse um vira-lata e o chamei de Dean por causa de um homem que conheci que tinha a mesma cor dos olhos. Agora era um hábito chamá-lo de Dean quando ele estava sobre quatro patas. Sentei nos degraus da casa do Bill e o collie aconchegou-se em mim. Eu disse; - Você é um ótimo cão. – Ele sacudiu seu rabo. Os lobos farejavam o Eric, que estava completamente parado. Um grande lobo correu devagar até mim, o maior lobo que eu já tinha visto. Lobis se transformam em grandes lobos, eu acho; eu não vi muitos. Vivendo em Louisiana, eu nunca vi nem mesmo um lobo normal. Este lobo era quase todo preto, o que pensei que não era comum. Os restantes dos lobos eram mais prateados, exceto por um que era menor e avermelhado. O lobo agarrou a manga do meu casaco com seus longos dentes brancos e puxou. Levantei imediatamente e fui ao local onde os outros lobos estavam reunidos. Estávamos num local fora da luz, então eu não havia notado logo a aglomeração. Havia sangue no chão, e no meio dessa superfície havia uma jovem mulher morena. Ela estava nua. Ela estava obviamente e terrivelmente ferida. Suas pernas estavam quebradas e talvez um braço. - Vá pegar meu carro, - eu disse ao Eric, numa voz que tem que ser obedecida. Atirei minhas chaves para ele, e ele levantou no ar novamente. Em uma parte disponível do meu cérebro, eu esperei que ele lembrasse como dirigir. Notei que embora ele tivesse perdido sua história pessoal, suas habilidades modernas estavam aparentemente intactas. Eu estava tentando não pensar na pobre garota ferida bem na minha frente. Os lobos circularam e rodearam, gemendo. Então, o grande e negro ergueu sua cabeça para o céu negro e uivou novamente. Este era um sinal para todos os outros, que fizeram o mesmo. Olhei para trás para ter certeza que o Dean estava afastado, já que ele era o forasteiro. Eu não tinha certeza o quanto da personalidade humana remanescia nessas pessoas de dupla-natureza após eles se transformarem e eu não queria que nada acontecesse a ele. Ele estava sentado na pequena varanda, fora do caminho, seus olhos fixos em mim. Eu era a única criatura com polegares da cena e de repente, eu estava ciente que isto me dava muita responsabilidade. Primeira coisa para checar? Respiração. Sim, ela estava! Ela tinha pulso. Eu não era paramédica, mas não parecia um pulso normal para mim – o que não seria nenhuma novidade. Sua pele estava quente, talvez da transformação de volta para humana. Eu não vi uma quantidade aterrorizante de sangue, então esperei que nenhuma artéria principal tivesse sido rompida. Passei a mão abaixo da cabeça da garota, muito cuidadosamente e toquei seu cabelo preto sujo, tentando ver se seu couro cabeludo havia sido ferido. Não. Em algum momento durante o processo do exame, comecei a me tremer toda. Seus machucados eram realmente aterrorizantes. Tudo que eu conseguia ver nela estava golpeado, machucado e quebrado. Seus olhos se abriram. Ela estremeceu. Cobertores – ela precisava ser mantida aquecida. Olhei ao redor. Todos os lobos ainda eram lobos. - Seria ótimo se um ou dois de vocês pudesse se transformar de volta, - disse a eles. – Tenho que levá-la a um hospital em meu carro e ela precisa de cobertores de dentro da casa. Um dos lobos, um cinza-prateado, rolou sobre suas costas – certo, lobo macho – e eu ouvi o mesmo barulho viscoso novamente. Uma neblina se envolveu ao redor da figura que se retorcia e quando se dispersou, o Coronel Flood estava enroscado no lugar do lobo. Claro, ele estava nu também, mas decidi superar meu constrangimento natural. Ele teve que permanecer imóvel por pelo menos um ou dois minutos, e era obviamente um grande esforço para ele sentar-se. Ele engatilhou lentamente até a moça ferida. - Maria-Star, - ele disse roucamente. Ele se inclinou para cheirá-la, o que parecia muito estranho quando ele estava na forma humana. Ele gemeu em angustia. Ele girou sua cabeça para olhar para mim. Ele disse, - Onde? - e eu entendi que ele se referia aos cobertores. - Entre na casa, vá lá em cima. Há um quarto logo no fim das escadas. Há um baú de cobertores aos pés da cama. Pegue dois cobertores de lá. Ele cambaleou, aparentemente tendo que lidar com alguma desorientação de sua transformação rápida, antes que ele começasse a dar passos largos para a casa. A garota – Maria-Star – o seguiu com seus olhos. - Você consegue falar? – eu perguntei. - Sim, - ela disse, quase inaudível. - Onde dói mais? - Acho que meu quadril e pernas estão quebrados, - ela disse. – O carro me atingiu. - Lançou você pelo ar? - Sim. - As rodas não passaram sobre você? Ela estremeceu. - Não, foi o impacto que me machucou. - Qual seu nome completo? Maria-Star de que? – Eu precisaria saber para o hospital. Ela poderia não estar consciente até lá. - Cooper, - ela sussurrou. Então, pude ouvir um carro vindo pelo caminho da casa do Bill. O coronel, se movendo mais facilmente agora, apressou-se para sair da casa com os cobertores, e todos os lobos e o humano instantaneamente se posicionaram ao redor de mim e do membro ferido da matilha. O carro era obviamente uma ameaça até que eles também tomassem ciência. Eu admirei o coronel. Precisava ser um verdadeiro homem para enfrentar nu um inimigo que se aproximava.
O recém-chegado era o Eric em meu carro velho. Ele estacionou perto de Maria-Star e de mim com uma pretensão considerável e cantando os freios. Os lobos circularam agitados, seus olhos amarelos fixos na porta do motorista. Os olhos de Calvin Norris aparentavam estar bem diferentes; por um momento, me perguntei por quê. - É o meu carro, está tudo bem, - eu disse, quando um dos lobos começou a rosnar. Muitos pares de olhos se viraram para se fixar em mim em deliberação. Será que eu parecia suspeita, ou deliciosa? Quando terminei de enrolar a Maria-Star nos cobertores, imaginei qual dos lobos era o Alcide. Eu suspeitei que ele fosse o maior, mais escuro, aquele que justo naquele momento se virou para me olhar nos olhos. Sim, Alcide. Este fora o lobo que eu vi no Clube dos Mortos há algumas semanas atrás, quando o Alcide fora meu par numa noite que acabara catastroficamente – para mim e para algumas outras pessoas. Tentei sorrir para ele, mas meu rosto estava rígido com o frio e choque. Eric saltou do banco do motorista, deixando o carro correndo. Ele abriu a porta dos fundos. - Vou colocá-la dentro, - ele gritou e os lobos começaram a latir. Eles não queriam que sua irmã da matilha fosse carregada por um vampiro, e eles não queriam o Eric próximo da Maria-Star. O coronel Flood disse: - Eu a levantarei. – Eric olhou para o físico magro do velho homem e levantou uma sobrancelha duvidosa, mas teve o senso de permanecer afastado. Eu enrolei a garota tão bem quanto pude sem machucá-la, mas o coronel sabia que isso a machucaria ainda mais. No último minuto, ele hesitou. - Talvez devêssemos chamar uma ambulância, - ele resmungou. - E como explicaremos isso? – Perguntei. – Um bando de lobos e um cara pelado, e ela estar próxima a uma propriedade privada, cujo dono está ausente? Eu acho que não! - É claro. – Ele assentiu, aceitando o inevitável. Sem nem ao menos prender sua respiração, ele permaneceu com o embrulho, que era a garota e foi até o carro. Eric correu para o outro lado, abriu a porta e meteu-se dentro para ajudar a acomodá-la melhor no assento traseiro. O coronel permitiu aquilo. A garota guinchou uma vez e eu subi atrás do volante o mais rápido que pude. Eric entrou no lado do passageiro e eu disse: - Você não pode ir. - Porque não? – Ele soou surpreso e insultado. - Terei de dar o dobro de explicações se eu tiver um vampiro comigo! – Para algumas pessoas demorava alguns minutos para decidir que o Eric estava morto, mas é claro que eles descobririam eventualmente. Eric teimosamente manteve-se sentado. – E todo mundo está vendo seu rosto nos malditos pôsteres, - eu disse, trabalhando para manter minha voz razoável, mas urgente. – Eu vivo entre muitas pessoas boas, mas não há ninguém nesta comunidade que não daria bom uso a tanto dinheiro. Ele saiu, não alegremente, e eu gritei: - Apague as luzes e retranque a casa, certo? - Encontre-nos no bar quando souber algo sobre a Maria-Star! – Coronel Flood gritou de volta. – Temos que pegar nossos carros e roupas do lado de fora do cemitério. – Certo, isto explicava a visão que eu tive no caminho até lá. Enquanto conduzia lentamente pela entrada da garagem, os lobos me olhavam partir, Alcide se mantinha afastado dos outros, seu rosto negro peludo virando para acompanhar meu progresso. Imaginei que pensamentos de lobo ele estava tendo. O hospital mais próximo não era em Bon Temps, que é pequena demais para ter seu próprio (nós temos sorte por termos Wal-Mart), mas na localidade próxima Clarice, o centro da região. Por sorte, está nos arredores da cidade, do lado mais próximo de Bon Temps. O caminho até o Hospital Local de Renard simplesmente pareceu levar anos; na verdade, cheguei lá em aproximadamente vinte minutos. Minha passageira gemeu pelos primeiros dez minutos e depois caiu num preocupante silêncio. Eu falei com ela, implorei para que ela falasse comigo, pedi que ela me dissesse sua idade e liguei o rádio numa tentativa de provocar alguma resposta da Maria-Star. Eu não queria perder tempo em estacionar e checá-la, e eu não saberia como agir se o fizesse, então eu dirigi como morcego saído do inferno*. Quando estacionei na entrada de emergência e chamei duas enfermeiras que estavam do lado de fora fumando, eu tinha certeza que a pobre Lobis estava morta.
(*No original a expressão é like a bat out of hell que significa mover-se com loucura ou excesso de velocidade ou intensidade, como morcegos fugindo da luz)
Ela não estava, julgando pela atividade ao redor dela pelos dois minutos seguintes. Nosso hospital da região era pequeno, é claro, e não tem as facilidades que um hospital da cidade pode oferecer. Já nos sentíamos com sorte por termos um hospital. Naquela noite, eles salvaram a vida da Lobis. A doutora, uma mulher magra de cabelos pontudos e acinzentados e grandes óculos com armação preta, me fez algumas perguntas pertinentes que não pude responder, embora eu tivesse trabalhado na fundamentação da minha história por todo caminho até o hospital. Após constatar que eu não sabia de nada, a doutora deixou claro que eu deveria dar o fora dali e deixar a sua equipe trabalhar. Então sentei numa cadeira no corredor e esperei e trabalhei um pouco mais na minha história. Não havia modo para eu ser útil lá e as deslumbrantes luzes florescentes e o reluzente linóleo criavam um ambiente áspero, pouco amistoso. Eu tentei ler uma revista e a joguei na mesa alguns minutos depois. Pela sétima ou oitava vez, pensei em escapar. Mas, havia uma mulher parada na recepção noturna, e ela estava mantendo o olhar em mim. Após mais alguns minutos, decidi visitar o banheiro feminino para lavar o sangue das minhas mãos. Enquanto estava lá, esfreguei meu casaco com um papel-toalha molhado, o que foi um esforço amplamente desperdiçado. Quando emergi do banheiro feminino, havia dois policiais esperando por mim. Eles eram homens grandes, os dois. Eles farfalhavam com suas jaquetas sintéticas acolchoadas e rangiam com o couro de seus cintos e equipamentos. Eu não conseguia imaginá-los chegando de mansinho em ninguém. O mais alto era o mais velho. Seu cabelo cinza-aço estava cortado rente ao seu couro cabeludo. Seu rosto era esculpido com algumas rugas profundas, como uma ribanceira. Sua pança ultrapassava seu cinto. Seu parceiro era um homem mais novo, talvez trintas anos, com cabelos, olhos e pele castanho-claros – um cara curiosamente monocromático. Dei uma rápida mas abrangente sondada neles com todos os meus sentidos. Pude afirmar que os dois estavam preparados para descobrir que eu tinha participação nos ferimentos da garota que eu trouxe ou ao menos, sabia mais do que eu dizia. Logicamente, eles estavam parcialmente certos. - Senhorita Stackhouse? Você trouxe a jovem que a doutora Skinner está tratando? – O homem mais jovem disse gentilmente. - Maria-Star, - eu disse. – Cooper. - Diga-nos como você chegou a fazer isso, - o policial mais velho disse. Era definitivamente uma ordem, embora seu tom fosse moderado. Nenhum dos dois me conhecia, ou sabia de mim, eu ―ouvi‖. Bom. Tomei um profundo suspiro e mergulhei nas águas da desonestidade. - Eu estava dirigindo do trabalho para casa, - eu disse. – Eu trabalho no Bar Merlotte‘s – sabem onde é? Ambos assentiram. Claro que a polícia saberia o local de cada bar da região. - Eu vi um corpo caído no lado da estrada, no cascalho do acostamento, - eu disse cuidadosamente, pensando à frente para não dizer algo que não poderia retirar. – Então, eu parei. Não havia mais ninguém por perto. Quando descobri que ela ainda estava viva, eu sabia que tinha que ajudá-la. Levou um longo tempo para colocá-la no carro. – Eu estava tentando contar o tempo desde que saí do trabalho e o cascalho da entrada de garagem do Bill que eu sabia que estaria na pele dela. Eu não podia calcular quanto cuidado eu tinha que ter para inventar minha história, mas mais cuidado era melhor que menos. - Você notou alguma marca de derrapagem na estrada? – O policial castanho-claro não conseguia ir adiante sem fazer uma pergunta. - Não, não notei. Elas talvez estivessem lá. Eu estava apenas – após tê-la visto, tudo que pensei foi nela. - E então? – o mais velho estimulou. - Eu podia perceber que ela estava muito ferida, então a trouxe até aqui o mais rápido que pude. – Dei de ombros. Fim da minha história. - Você não pensou em chamar uma ambulância? - Eu não tenho celular. - Mulher que vem para casa do trabalho tarde, sozinha, realmente deveria ter um celular, senhora. Eu abri a boca para dizer a ele que se ele estivesse disposto a pagar a conta, eu ficaria feliz em ter um, quando me contive. Sim, seria prático ter um celular, mas eu mal podia pagar meu telefone convencional. Minha única extravagância era a TV a cabo e eu justificava isso dizendo a mim mesma que era o único gasto em recreação. -Tem razão, - eu disse brevemente. - E qual é seu nome todo? – Isso do homem mais jovem. Olhei para cima, encontrei seus olhos. - Sookie Stackhouse, - eu disse. Ele estava pensando que eu parecia meio tímida e doce. - Você é a irmã do homem desaparecido? – O homem de cabelos acinzentados inclinou-se para me olhar no rosto. - Sim, senhor. – Eu olhei para meus dedos dos pés novamente. - Você está tendo uma rajada de má sorte, senhorita Stackhouse. - Nem me diga, - eu disse, minha voz tremendo com sinceridade. - Você já tinha visto esta mulher, a mulher que você trouxe até aqui, antes de hoje à noite? – O policial mais velho rabiscava em uma pequena caderneta que ele tirara do bolso. Seu nome era Curlew, o pequeno broche em seu bolso disse. Sacudi minha cabeça. - Você acha que seu irmão poderia tê-la conhecido? Olhei para cima, surpresa. Encontrei os olhos do homem castanho novamente. Seu nome era Stans. - Como diabos eu saberia? – perguntei. Eu soube no segundo seguinte que ele apenas queria que eu olhasse pra cima de novo. Ele não sabia o que pensar de mim. O monocromático Stans pensou que eu era bonita e parecia como uma boa Samaritana. Por outro lado, meu trabalho não era o que garotas bem-educadas geralmente pegavam e meu irmão era mais conhecido como um bagunceiro, embora muitos dos policiais de patrulha gostassem dele. - Como ela está? – Perguntei. Os dois olharam para a porta atrás onde a luta para salvar a vida da mulher continuava. - Ela ainda está viva, - Stans disse. - Pobrezinha, - eu disse. Lágrimas rolaram pelas minhas bochechas e comecei a vasculhar meus bolsos por um lenço. - Ela disse alguma coisa para você, senhorita Stackhouse? – Tive que pensar sobre isso. - Sim, - eu disse. – Ela disse. A verdade estava salva, neste instante. Eles se iluminaram diante das novidades. - Ela me disse seu nome. Ela disse que suas pernas doíam mais, quando perguntei a ela, - eu disse. – E ela disse que o carro se chocou contra ela, mas não passou por cima dela. Os dois homens se entreolharam.
- Ela descreveu o carro? – Stans perguntou. Eu estava incrivelmente tentada a descrever o carro dos bruxos. Mas eu desconfiei do contentamento que borbulhou dentro de mim diante dessa idéia. E estava feliz por isso, no segundo seguinte, quando percebi que o rastro de evidencia que eles encontrariam no carro seria pele de lobo. Bem pensado, Sook. - Não, ela não o fez, - eu disse tentando parecer como se estivesse buscando na minha memória. – Ela não falou muito após isso, apenas gemeu. Foi horrível. – E o estofado do meu banco traseiro estava provavelmente arruinado também. Eu imediatamente desejei que eu não tivesse pensado em algo tão egoísta. - E você não viu nenhum outro carro, caminhões ou nenhum outro veículo no sua vinda do bar até sua casa, ou até mesmo quando você retornava a cidade? Era uma pergunta ligeiramente diferente. - Não em minha estrada, - eu disse hesitante. – Eu provavelmente vi alguns carros quando cheguei próximo de Bon Temps e passei pela cidade. E é claro que vi mais entre Bon Temps e Clarice. Mas não me lembro de nenhum em particular. - Você pode nos levar até o local onde você a encontrou? O local exato? - Eu duvido. Não havia nada ao lado dela para marcar, - eu disse. Meu nível de coerência estava caindo a cada minuto. – Nenhuma árvore grande, nenhuma placa de estrada ou de velocidade. Talvez amanhã? Durante o dia? Stans deu tapinhas em meu ombro. - Eu sei que está impressionada, moça, - ele disse consoladoramente. – Você fez o melhor que pode por esta garota. Agora temos deixar isso para os médicos e para o Senhor. Assenti enfaticamente, porque eu certamente concordava. O mais velho Curlew ainda me olhava meio cético, mas me agradeceu de maneira formal e eles andaram a passos largos para fora do hospital para a escuridão. Retrocedi um pouco, embora permanecesse olhando para o estacionamento. Em um ou dois segundos, eles alcançaram meu carro e lançaram suas grandes lanternas pela janela, checando o interior. Eu mantinha o interior do meu carro super-limpo, então eles não veriam nada mais do que marcas de sangue no banco traseiro. Notei que eles checaram meu pára-choque dianteiro também, e não os culpei nem um pouco. Eles examinaram meu carro inúmeras vezes e finalmente eles pararam embaixo de uma das grandes luzes e fizeram anotações em cadernetas. Não muito tempo depois disso, a médica saiu para me encontrar. Ela retirou sua máscara e esfregou sua nuca com uma mão longa e fina. - A senhorita Cooper está indo bem. Ela está estável, - ela disse. Assenti e depois fechei meus olhos por um momento de intenso alívio. - Obrigada, - resmunguei. - Vamos transportá-la pelo ar para o Schumpert em Shreveport. O helicóptero estará aqui a qualquer segundo. Pisquei, tentando decidir se aquilo era uma coisa boa ou uma coisa ruim. Não importava qual era minha opinião, a Lobis tinha que ir para o melhor hospital mais próximo. Quando ela fosse capaz de falar, teria que dizer algo a eles. Como eu poderia garantir que sua história se enquadrasse com a minha? - Ela está consciente? – Perguntei. - Apenas um pouco, - a doutora disse quase raivosa como se tais ferimentos fosse um insulto a ela pessoalmente. – Você pode falar brevemente com ela, mas eu não posso garantir que ela se lembrará ou entenderá. Eu tenho que falar com os policiais.
Os dois policiais estavam voltando a passos largos para o hospital, eu vi pela janela de onde eu estava. - Obrigada, - eu disse e segui seu gesto para a sua esquerda. Eu abri a porta para um severo quarto brilhante onde eles tinham atendido a garota. Estava uma bagunça. Havia duas enfermeiras lá até agora, papeando a respeito disso ou daquilo e embalando alguns dos pacotes ataduras e tubos que não foram usados. Um homem com um balde e um esfregão permanecia esperando no canto. Ele limparia o quarto quando a Lobis – a garota – fosse transportada para o helicóptero. Fui até o lado da cama estreita e peguei sua mão. Inclinei-me para perto. - Maria-Star, você conhece minha voz? – perguntei quietamente. Seu rosto inchado pelo impacto com o chão e estava coberto de arranhões e cortes. Estes eram os menores ferimentos, mas pareciam muito dolorosos para mim. - Sim, - ela suspirou. - Fui eu que te encontrei na lateral da estrada, - eu disse. – No meu caminho para casa, ao sul de Bon Temps. Você estava caída na estrada regional. - Entendo, - ela murmurou. - Eu acho, - continuei cuidadosamente, - que alguém fez você sair do carro e depois esta pessoa atropelou você. Mas você sabe que após um trauma, às vezes as pessoas não se lembram de nada. Uma das enfermeiras virou seu rosto para mim, seu rosto curioso. Ela pegou a última parte da minha frase. - Então não se preocupe se você não se lembrar de nada. - Tentarei, - ela disse ambiguamente, ainda naquela voz calma e distante. Não havia mais nada que eu podia fazer lá e muito mais poderia dar errado, então sussurrei ―Adeus,‖ agradeci as enfermeiras e fui para meu carro. Graças aos cobertores (que eu supus que teria que ressarcir o Bill), meu banco traseiro não estava tão estragado. Estava feliz por encontrar algo para ficar satisfeita. Imaginei sobre os cobertores. A polícia estaria com eles? O hospital me ligaria a respeito deles? Ou eles tinham sido lançados no lixo? Dei de ombros. Não havia sentido em me preocupar com dois retângulos de tecido, quando eu tinha tantas outras coisas abarrotando minha lista de preocupações. Em primeiro lugar, eu não gostava dos Lobis se reunindo no Merlotte‘s. Isto envolvia muito o Sam nos problemas dos Lobis. Ele era um metamorfo, afinal de contas, e os metamorfos estavam muito menos envolvidos no mundo sobrenatural. Metamorfos tendiam a ser mais ―cada metamorfo por si‖, enquanto o Lobis eram sempre organizados. Agora eles estavam usando o Merlotte‘s como um local de reuniões, fora do expediente. E havia o Eric. Oh, Senhor, o Eric estaria me esperando em casa. Peguei a mim mesma imaginando que horas seriam no Peru. Bill tinha que estar se divertindo mais do que eu. Era como se eu tivesse ficado exausta na Véspera de Ano Novo e nunca mais tivesse me recuperado; nunca havia me sentido tão cansada. Eu tinha acabado de passar pela encruzilhada onde eu tinha virado à esquerda, na estrada que eventualmente passava pelo Merlotte‘s. Os faróis iluminavam flashes de árvores e arbustos. Ao menos não havia mais nenhum vampiro correndo ao lado… - Acorde, - disse a mulher sentada ao meu lado no acento da frente. - Que? – Minhas pálpebras se abriram. O carro desviou violentamente. - Você estava caindo no sono. Neste momento, eu não ficaria surpresa se uma baleia encalhada estivesse caída no meio da estrada. - Quem é você? – Perguntei, quando minha voz deveria estar sob meu controle.
- Claudine. Foi difícil reconhecê-la na luz do painel do carro, mas com certeza, parecia a mulher alta e bonita que tinha estado no Merlotte‘s na Véspera de Ano Novo e com a Tara na manhã anterior. - Como você entrou em meu carro? Porque está aqui? - Porque tem havido uma quantidade estranha de atividade sobrenatural nesta área há uma ou duas semanas atrás. Sou a mediadora. - Mediadora de que? - Entre os dois mundos. Ou, mais precisamente, entre os três mundos. Às vezes, a vida lhe dá mais do que você pode suportar. Então você apenas aceita. - Então, você é como um anjo? Foi assim que você veio me acordar quando eu estava caindo no sono no volante? - Não, eu não cheguei tão longe ainda. Você está cansada demais para entender isso. Você tem que ignorar a mitologia e somente me aceitar pelo que eu sou. Senti um sobressalto engraçado em meu peito. - Olhe, - Claudine apontou. – Aquele homem está acenando para você. Com certeza, no estacionamento do Merlotte‘s havia um vampiro semáforo. Era o Chow. - Oh, que maravilha, - eu disse, na voz mais irritada que pude. – Bom, espero que você não se importe em nós pararmos, Claudine. Preciso entrar. - Claro, eu não perderia isso. Chow acenou para mim nos fundos do bar e eu fiquei espantada em encontrar o estacionamento de funcionários lotado de carros que eram invisíveis da estrada. - Caramba! – Claudine disse. – Uma festa! – Ela saiu do meu carro como se ela mal pudesse restringir seu contentamento e tive a satisfação em ver que o Chow estava completamente estupefato quando avistou seu um metro e oitenta. É difícil surpreender um vampiro. - Vamos entrar, - Claudine disse alegremente e pegou minha mão.
Cada Sobrenatural que eu já conheci estava no Merlotte‘s. Ou talvez apenas pareceu ser isso, já que eu estava morta de cansaço e queria ficar sozinha. O bando de Lobis estava lá, todos na forma humana e mais ou menos vestidos, para meu alivio. Alcide usava calça-caqui e uma camisa desabotoada xadrez verde e azul. Era difícil acreditar que ele podia correr em quatro patas. Os Lobis bebiam café ou refrigerantes, e Eric (parecendo feliz e saudável) tomava TrueBlood. Pam estava sentada num banco do bar, usando uma roupa para correr* verde-cinza, a qual ela conseguiu fazer parecer formal, mas sexy. Ela tinha uma fita no cabelo e tênis em seus pés. Ela trouxe Gerald com ela, um vampiro que encontrei uma ou duas vezes no Fangtasia. Gerald parecia ter trinta anos, mas eu o ouvi se referir à Proibição como se ele a tivesse vivido. Pelo pouco que sabia sobre Gerald, não me predispus a me aproximar dele.
(*No original: Tracksuit.
http://www.killerspin.com/images/catalog/woman-spin-tracksuit.jpg)
Mesmo em tal companhia, minha entrada com a Claudine não foi nada menos que sensacional. Sob a melhor iluminação do bar, pude ver que o corpo arredondado da Claudine estava estrategicamente embutido num vestido laranja tricotado e suas longas pernas acabavam no mais alto dos saltos altos. Ela parecia uma esplendida vadia, em tamanho gigante. Não, ela não podia ser um anjo – pelo menos, pelo que eu entendia dos anjos. Olhando de Claudine para Pam, decidi que era massivamente injusto que elas parecessem tão limpas e atraentes. Como se eu precisasse me sentir pouco atraente, já estando desgastada, assustada e confusa! Toda garota não quer entrar numa sala com uma mulher maravilhosa que praticamente tem ―Eu quero foder‖ tatuado na testa? Se eu não tivesse recebido uma olhada do Sam, a quem eu tinha puxado para dentro disso, eu teria me virado e saído. - Claudine, - disse o Coronel Flood. – O que traz você aqui? Pam e Gerald encaravam a mulher de laranja intensamente, como se esperassem que ela tirasse as roupas a qualquer segundo. - Minha amiga aqui – e Claudine inclinou sua cabeça para mim – caiu no sono no volante. Como é que vocês não cuidaram melhor dela? O coronel, tão digno em suas roupas civis quanto tinha estado em sua pele, pareceu um pouco chocado, como se fosse novidade que ele deveria me dar proteção. - Ah, - ele disse. – Uh… - Devia ter mandado alguém no hospital com ela, - Claudine disse, sacudindo sua cachoeira de cabelos negros. - Eu me ofereci para ir com ela, - Eric disse indignado. – Ela disse que seria suspeito se ela fosse ao hospital com um vampiro. - Bem, o-lá, alto, loiro e morto. – Claudine disse. Ela olhou o Eric de cima a baixo, admirando o que via. – Você tem o hábito de fazer o que uma mulher humana pede a você? Muito obrigada, Claudine, eu disse a ela silenciosamente. Eu deveria ser a guardiã do Eric, e agora ele nem fecharia a porta se eu pedisse. Gerald ainda a olhava do mesmo jeito atordoado. Imaginei se alguém perceberia se eu me estirasse sobre uma das mesas e dormisse. De repente, assim como Pam e Gerald haviam feito, o olhar do Eric se aguçou e ele se fixou na Claudine. Tive tempo para pensar que era como gatos, que de repente flagraram algo deslizando pelo rodapé, antes que mãos grandes me rodeassem e Alcide fizesse com que eu me aproximasse dele. Ele havia passado pela multidão do bar até me alcançar. Como sua camisa estava desabotoada, encontrei meu rosto pressionado em seu peito quente e eu estava feliz por estar lá. O escuro cabelo crespo cheirava a pêlo de cachorro, verdade, mas de outra maneira eu estava confortável em ser abraçada e acariciada. Pareceu delicioso. - Quem é você? – Alcide perguntou a Claudine. Eu tinha meu ouvido contra seu peito e pude ouvilo por dentro e por fora, uma sensação estranha. - Sou Claudine, a fada, - a mulher enorme disse. – Vê? Tive que me virar para ver o que ela estava fazendo. Ela havia levantado seu longo cabelo para mostrar suas orelhas, as quais eram delicadamente pontudas. - Fada, - Alcide repetiu. Ele soou tão aturdido quanto eu me sentia. - Legal, - disse um dos Lobis mais novos, um rapaz de cabelos pontudos que devia ter dezenove anos. Ele pareceu intrigado com o rumo dos eventos, e ele lançou olhares para os outros Lobis sentados em sua mesa, como se estivesse convidando-os a partilhar seu prazer. – De verdade? - Por um tempo, - Claudine disse. – Mais cedo ou mais tarde, eu irei por um ou outro caminho. – Ninguém entendeu isso, com uma possível exceção do coronel. - Você é uma mulher de dar água na boca, - disse o jovem Lobis. Para reforçar a moda do cabelo pontudo, ele vestia jeans e uma camisa esfarrapada do Fallen Angel; ele estava descalço, apesar do Merlotte‘s estar frio, já que o termostato* estava apagado pelo resto da noite. Ele usava anéis nos dedos dos pés.
(*O termostato é um dispositivo destinado a manter constante a temperatura de um determinado sistema, através de regulação automática. A função do termostato é impedir que a temperatura de determinado sistema varie além de certos limites preestabelecidos.)
- Obrigada! – Claudine sorriu para ele. Ela estalou os dedos, e lá estava a mesma neblina que envolvia os Lobis, quando eles trocavam, em volta dela. Era neblina de pura magia. Quando o ar se limpou, Claudine estava usando um vestido branco de noite cheio de lantejoulas. - Legal, - o garoto repetiu de um modo estupefato, e Claudine desfrutou sua admiração. Notei que ela mantinha certa distância dos vampiros. - Claudine, agora que você já se exibiu, será que poderíamos falar sobre algo que não seja você? – Coronel Flood soou tão cansado quanto eu. - Claro, – Claudine disse numa voz apropriadamente castigada. – Pode perguntar. - Uma coisa de cada vez. Senhorita Stackhouse, como está a Maria-Star? - Ela sobreviveu à viagem até o hospital em Clarice. Eles a levaram até Shreveport pelo ar, para o hospital Schumpert. Ela já deve estar a caminho. A médica soou muito positiva sobre suas chances. Todos os Lobis olharam uns para os outros, e a maioria deles deixou escapar tormentosos sons de alivio. Uma mulher, de mais ou menos trinta anos, realmente fez uma dança de felicidade. Os vampiros, até o momento quase totalmente fixados na fada, não reagiram. - O que você disse a médica da sala de emergência? – Coronel Flood perguntou. - Tenho que dizer aos pais dela quais são as declarações oficiais. – Maria-Star provavelmente era a primogênita e única filha Lobis. - Eu disse à polícia que a encontrei na lateral da estrada, que não vi nenhuma marca de pneus de carro ou nada. Eu disse a eles que ela estava caída no cascalho, então não temos que nos preocupar que a grama não tenha marcado-a como deveria… espero que ela tenha entendido. Ela estava bem dopada quando eu falei com ela. - Muito bem pensado, - Coronel Flood disse. – Obrigado, senhorita Stackhouse. Nosso bando está em dívida com você.
Eu agitei minha mão para recusar qualquer dívida. - Como vocês apareceram na casa do Bill no momento certo? - Emilio e Sid rastrearam os bruxos até essa área. Emilio deveria ser o homem pequeno e negro, com enormes olhos castanhos. Havia uma população crescente de imigrantes mexicanos em nossa área e Emilio era aparentemente parte dessa comunidade. O garoto de cabelos pontudos me deu um pequeno aceno e assumi que ele deveria ser o Sid. - De qualquer maneira, após o anoitecer, nós começamos a vigiar o edifício onde a Hallow e seu coven estão enfiados. Foi difícil fazê-lo; é uma vizinhança residencial, sobretudo de negros. – Duas gêmeas Afro-Americanas sorriram uma para a outra. Elas eram jovens o suficiente para acharem isso excitante, como Sid. – Quando Hallow e seu irmão saíram para Bon Temps, os seguimos em nossos carros. Ligamos para o Sam também, para alertá-lo. Olhei para o Sam reprovadoramente. Ele não me alertou, não mencionou que os Lobis vinham em nossa direção. Coronel Flood continuou; - Sam ligou para meu celular para dizer que descobriu para onde eles iam quando deixaram seu bar. Decidi que um local isolado como a casa dos Compton seria um bom lugar para pegá-los. Fomos capazes de estacionar nossos carros no cemitério e trocar de forma, então chegamos lá a tempo. Mas eles pegaram nosso cheiro antes. – O coronel olhou para o Sid. Aparentemente, o Lobis mais novo havia se antecipado*.
(*No original seria: Apparently, the younger Were had jumped the gun; que significa fazer algo antes do tempo, prematuramente.)
- Então, eles escaparam, - eu disse, tentando soar neutra. – E agora eles sabem que vocês estão atrás deles. - Sim, eles escaparam. Os assassinos de Adabelle Yancy. Os líderes de um grupo que está tentando não apenas tomar o território dos vampiros, mas também o nosso. – Coronel Flood ia percorrendo os Lobis reunidos com um olhar frio, e eles se encolheram sob seu olhar, incluindo o Alcide. – Agora os bruxos irão fortalecer sua guarda, já que sabem que nós estamos atrás deles. Suas atenções momentaneamente afastadas da radiante fada Claudine, Pam e Gerald pareciam discretamente divertidos pelo discurso do coronel. Eric, como sempre nesses dias, parecia tão confuso como se o coronel estivesse falando Sânscrito*.
(*A língua sânscrita, ou simplesmente sânscrito é uma língua da Índia, com uso litúrgico no Hinduísmo, Budismo, Jainismo. O sânscrito faz parte do conjunto das 23 línguas oficiais da Índia. É uma das línguas mais antigas da família Indo-Européia. Sua posição nas culturas do sul e sudeste asiático é comparável ao latim e o grego na Europa e foi uma proto-língua, pois influenciou diversas outras línguas modernas.)
- Os Stonebrooks retornaram a Shreveport quando deixaram a casa do Bill? – Perguntei. - Assumimos que sim. Tivemos que trocar muito rapidamente – não é coisa fácil – e depois chegamos aos nossos carros. Alguns de nós tomaram uma direção, alguns outra, mas não vimos nem sinal deles. - E agora estamos aqui. Por quê? – A voz do Alcide era áspera. - Estamos aqui por inúmeras razões, - o líder do bando disse. – Primeiro, queríamos saber como está a Maria-Star. Também queríamos nos recuperar um pouco antes de voltarmos para Shreveport. – Os Lobis, os quais pareciam ter arrancado suas roupas muito precipitadamente, pareciam realmente um pouco esfarrapados. A transformação fora da lua cheia e o rápido retorno para a forma de duas pernas pareciam ter tirado uma porcentagem de cada um deles. - E por que você está aqui? – eu perguntei a Pam. - Temos algo para reportar também, - ela disse. – Evidentemente, temos os mesmos objetivos dos Lobis… neste assunto, em todo caso. – Ela arrancou seu olhar da Claudine com esforço. Ela e Gerald trocavam olhares, e, como um, eles se viraram para o Eric que os olhou sem expressão. Pam suspirou e Gerald olhou para seus pés calçados com botas. - Nosso companheiro de ninho Clancy não retornou noite passada, - Pam disse. Após este anúncio alarmante, ela focou-se na fada outra vez. Claudine parecia causar uma esmagadora fascinação nos vampiros. A maioria dos Lobis pareceu como se pensasse que um vampiro a menos era um passo na direção correta. Mas Alcide disse: - O que você acha que aconteceu? - Temos um bilhete, - Gerald disse, uma das poucas vezes que eu o vi falar em voz alta. Ele tinha um fraco sotaque inglês. – O bilhete disse que os bruxos planejam drenar um dos nossos vampiros para cada dia que eles tenham que procurar pelo Eric. Meus olhos foram para o Eric, que parecia aturdido. - Mas por quê? – ele perguntou. – Eu não consigo entender o que me faz valer tal preço. Uma das garotas Lobis, uma loira bronzeada no final de seus vinte anos, tomou uma questão silenciosa com isso. Ela virou seus olhos para mim e eu só pude sorrir de volta. Mas não importa o quão bonito o Eric parecia e quais idéias interessantes se poderiam ter sobre estar com ele na cama (e, no topo disso, o controle que ele tinha sobre várias empresas vampirescas em Shreveport), esta incessante busca pelo Eric soava o alarme de ‗Excessivo‘. Mesmo se a Hallow transasse com o Eric e depois o drenasse por completo e depois consumisse seu sangue… Espera, aí estava uma idéia. - Quanto sangue pode ser retirado de um de vocês? – Perguntei a Pam. Ela me encarou, o mais próximo de estar surpreendida que eu já havia visto. - Deixe-me ver, - ela disse. Ela encarou o espaço e seus dedos serpentearam. Parecia que a Pam estava traduzindo de uma unidade de medida a outra. – Cinco litros e seiscentos mililitros, - ela disse finalmente. - E quanto sangue eles vendem naqueles pequenos frascos? - Seria… - Ela pensou um pouco mais. – Bem, seria menos que um quarto de copo. – Ela antecipou o que eu estava pensando. – Então o Eric contém mais de noventa e seis unidades vendíveis de sangue. - Quanto você calcula que eles poderiam conseguir com isso? - Bem, nas ruas, o preço alcançou $225 para sangue de vampiros normais, - Pam disse, seus olhos tão frios quanto a geada de inverno. – Pelo sangue do Eric… Ele é tão velho… - Talvez $425 o frasco? - Conservadoramente. - Então, vivo, o Eric vale… - Mais de quarenta mil dólares. Toda a multidão encarou o Eric com renovado interesse – exceto Pam e Gerald, que juntamente com o Eric reassumiram sua contemplação à Claudine. Eles pareciam mover-se cada vez mais para perto da fada. - Então, você acha que isso é motivação o suficiente? – Perguntei. – Eric a desprezou. Ela o quer, ela quer suas coisas e ela quer vender seu sangue. - Isto é muita motivação, - concordou uma mulher Lobis, uma morena bonita no final de seus quarenta anos.
- Ainda mais, a Hallow é louca, - Claudine disse alegremente. Eu achava que a fada não tinha parado de sorrir desde que apareceu em meu carro. - Como você sabe disso, Claudine? – Perguntei. - Estive em seu quartel-general, - ela disse. Todos nós esperamos por ela em silêncio por um momento, mas não tão extasiados quanto os três vampiros. - Claudine, você foi até lá? – Coronel Flood perguntou. Ele soou mais cansado do que tudo. - James, - Claudine disse. – Tenha vergonha! Ela pensou que eu fosse uma bruxa local. – Talvez eu não fosse a única que pensava que sua tão transbordante alegria era um pouco estranha. A maioria dos quinze ou mais Lobis no bar não parecia tão confortável perto da fada. - Teria nos poupado um monte de problemas se você tivesse nos dito isso antes desta noite, Claudine, - o coronel disse, seu tom gélido. - Uma fada verdadeira, - Gerald disse. – Só tive uma antes. - Elas são muito difíceis de se capturar, - Pam disse, sua voz sonhadora. Ela deu um passo mais para perto. Até mesmo o Eric havia perdido seu semblante vazio e frustrado e deu um passo em direção à Claudine. Os três vampiros pareciam viciados em chocolate na fábrica da Hershey*.
(*Hershey's é uma fábrica de chocolates fundada na cidade com mesmo nome localizada na Pensilvânia, nos Estados Unidos da América. Mas a empresa não fabrica somente chocolates. Também possui um parque temático, zoológico, museu, jardim botânico, hotel, além da própria fábrica de chocolates, que recebe muitos turistas.) - Agora, agora, - Claudine disse um pouco ansiosamente. – Qualquer coisa com presas, dê um passo para trás! Pam pareceu um pouco envergonhada e ela tentou relaxar. Gerald se submeteu a contragosto. Eric continuou se aproximando. Nenhum dos vampiros ou dos Lobis pareceu disposto a deter o Eric. Mentalmente, me preparei*. Afinal de contas, Claudine havia me despertado antes que eu causasse um acidente de carro.
(*No original: I mentally girded my loins; que significa se preparar para uma ação)
- Eric, - eu disse, dando três passos rápidos para ficar entre o Eric e a fada. – Sai dessa*!
(*No original: Snap out of it; que significa se tornar de repente livre de uma condição.)
- O que? – Eric me deu tanta atenção quanto daria para uma mosca que zumbia ao redor de sua cabeça. - Ela não está disponível, Eric – eu disse, e os olhos do Eric cintilaram para meu rosto. – Oi, lembra-se de mim? – Coloquei minha mão em seu peito para acalmá-lo. – Eu não sei por que você está tão apressado, amigo, mas você terá que deter seus cavalos. - Eu a quero, - Eric disse, seus olhos azuis reluzindo dentro dos meus. - Bem, ela é maravilhosa, - eu disse, me esforçando para ser razoável, embora na verdade eu estava um pouco magoada. – Mas ela não está disponível, não é Claudine? – Apontei minha voz para trás dos meus ombros. - Não disponível para um vampiro, - a fada disse. – Meu sangue é intoxicante para um vampiro. Você não gostaria de saber o que eles se tornam após me ter. – Mas ela ainda soou animada.
Então eu não estava totalmente errada com a metáfora do chocolate. Provavelmente este é o motivo pelo qual eu não encontrei nenhuma fada antes; eu estava muito na companhia de mortosvivos. Quando você tem pensamentos como estes, sabe que está em perigo. - Claudine, eu acho que precisamos que você dê um pulo lá fora agora, - eu disse um pouco desesperada. Eric estava empurrando-se contra mim, ainda não tão seriamente (ou eu já estaria caída no chão), mas já tive que dar um passo para trás. Eu queria ouvir o que a Claudine tinha a dizer aos Lobis, mas percebi que separar os vampiros da fada era a prioridade principal. - Parece um grande petit four* - Pam suspirou, olhando a Claudine rebolar seu traseiro branco e cheio de lantejoulas porta a fora com o coronel Flood atrás dela. Eric pareceu despertar, uma vez que a Claudine estava fora de vista, eu respirei aliviada.
(*Petit Four é um bolinho, geralmente comido após as refeições ou servido como parte de um bufê. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9b/Petits.fours.wmt.jpg)
- Vampiros realmente gostam de fadas, huh? – eu disse nervosamente. - Oh sim, - eles disseram simultaneamente. - Vocês sabem, ela salvou minha vida e ela aparentemente está nos ajudando nesse negócio dos bruxos, - eu lembrei a eles. Eles pareceram carrancudos. - Claudine foi, na verdade, de grande ajuda, - Coronel Flood disse quando ele retornou, soando surpreso. A porta bateu atrás dele. O braço do Eric me envolveu e pude sentir um tipo de fome transformando em outro. - Por que ela foi ao quartel-general do coven deles? – Alcide perguntou, mais zangado do que o normal. - Você conhece as fadas. Eles adoram flertar com o desastre, eles amam fazer parte do jogo. – O líder do bando suspirou pesadamente. – Até mesmo a Claudine, e ela é uma das boas. Definitivamente em ascensão. O que ela me disse foi isso: Esta Hallow tem um coven de mais ou menos vinte bruxos. Todos são Lobis ou metamorfos maiores. Eles todos usam sangue de vampiro, talvez viciados. - As Wiccans irão nos ajudar a lutar com eles? – perguntou uma mulher de meia-idade com o cabelo tingido de vermelho e queixo duplo. - Eles não se comprometeram a fazer isso ainda. – Um jovem homem com corte de cabelo militar – imaginei se ele servia à Base Área de Barksdale – pareceu conhecer a historia das Wiccans. – Agindo sob ordens de nosso líder, eu liguei ou entrei em contato de outra maneira com cada coven Wiccan ou Wiccans individuais nesta área, e eles estão fazendo o melhor possível para se esconder destas criaturas. Mas eu vi sinais de que a maioria deles iam se encontrar esta noite, apesar de eu não saber onde. Acho que eles vão discutir a situação eles mesmos. Se eles elaborarem um ataque, isto poderia nos ajudar. - Bom trabalho, Portugal, - disse o Coronal Flood, e o jovem homem pareceu gratificado. Já que estávamos de costas para a parede, Eric sentiu-se livre para deixar sua mão escorregar para meu traseiro. Eu não fiz objeções à sensação, que era ótima, mas fiz ao local, que era condenavelmente público. - Claudine não disse nada a respeito dos prisioneiros que podem estar lá? – Perguntei, dando um passo para longe do Eric. - Não, lamento, senhorita Stackhouse. Ela não viu ninguém que correspondesse com a descrição de seu irmão e ela não viu o vampiro Clancy. Eu não estava exatamente surpresa, mas muito desapontada. Sam disse: - Lamento, Sookie. Se a Hallow não está com ele, onde ele poderia estar?
- Claro que só porque ela não o viu, não significa que ele não está lá, - o coronel disse. - Temos certeza que ela pegou o Clancy, e a Claudine não viu sinal dele. - Voltando aos Wiccans, - sugeriu a Lobis ruiva. – O que devemos fazer a respeito deles? - Amanhã, Portugal, ligue para todos os seus contatos Wiccans novamente, - Coronel Flood disse. – Peça ao Culpepper para ajudá-lo. Culpepper era uma jovem mulher com um rosto forte e bonito e um corte de cabelo prático. Ela pareceu satisfeita por ser incluída em algo que Portugal fazia. Ele pareceu satisfeito também, mas ele tentou mascarar isso de maneira brusca. - Sim, senhor, - ele disse rapidamente. Culpepper achou que era fofo demais; eu levantei isto diretamente de seu cérebro. Ela poderia ser Lobis, mas você não podia disfarçar admiração tão intensa. - Uh, por que ligarei para eles de novo? – Portugal perguntou após um longo momento. - Precisamos saber o que eles planejam fazer, se eles partilharão isto conosco, - Coronel Flood disse. – Se eles não estiverem conosco, pelo menos fiquem fora de nosso caminho. - Então, iremos para a guerra? – Isto veio de um homem mais velho, que pareceu ser companheiro da mulher ruiva. - Foram os vampiros que começaram isto, - a ruiva disse. - Isto não é verdade, - eu disse indignada. - Bajuladora de vampiros*, - ela disse. Eu já tinha coisas piores ditas a meu respeito, mas não em minha cara e não de pessoas que queriam que eu as ouvisse.
(*No original seria ―Vampire humper‖. Hump pode ser corcunda, dobra, arquear ou na gíria curvas do corpo (como na música da Fergie My humps) ou até sexo. Porém, no sentido literal eu acho que Vampire humper seria uma mulher que vive pendurada num vampiro, que vai pra cama com um vampiro, que literalmente "curva" um vampiro.)
Eric havia deixado o chão antes que eu pudesse decidir se eu estava mais magoada ou irritada. Ele havia instantaneamente optado pelo ‗irritada‘ e isto o fez muito efetivo. Ela estava no chão e ele por cima dela com suas presas a mostra antes que qualquer um se alarmasse. Foi sorte para a ruiva que Pam e Gerald eram igualmente rápidos, embora tenha precisado de ambos para levantar o Eric de cima da ruiva Lobis. Ela sangrava um pouco, mas choramingava sem parar. Por um segundo, pensei que a sala toda entraria em erupção em uma batalha, mas o Coronel Flood berrou: - SILÊNCIO! – e você não desobedece esta voz. - Amanda, - ele disse para a ruiva, que choramingava como se o Eric lhe tivesse arrancado um membro, e cujo companheiro estava ocupado checando seus ferimentos em um pânico totalmente desnecessário, - você será educada com nossos aliados, e você manterá suas malditas opiniões para você mesma. Suas ofensas cancelam o sangue que ele derramou. Sem retaliações, Parnell! – O homem Lobis grunhiu ao coronel, mas finalmente deu um aceno rancoroso. - Senhorita Stackhouse, desculpe-me pelas maneiras pobres do bando, - o Coronel Flood disse a mim. Apesar de ainda estar chateada, acenei. Não pude evitar, mas notei que o Alcide olhava de mim para o Eric e ele parecia – bem, ele parecia horrorizado. Sam teve o senso de mostrar-se inexpressivo. Minhas costas se enrijeceram e eu passei a mão rapidamente pelos meus olhos para limpar as lágrimas. Eric estava calmo, mas com um esforço. Pam murmurava em seu ouvido e Gerald mantinha seu braço bem apertado. Para fazer a noite perfeita, a porta dos fundos do Merlotte‘s se abriu mais uma vez e Debbie Pelt entrou.
- Vocês estão dando uma festa sem mim. – Ela olhou para a estranha reunião e ergueu suas sobrancelhas. – Hey, amor, - ela disse diretamente para o Alcide, e correu uma mão possessiva por seu braço, enlaçando seus dedos nos dele. Alcide tinha uma expressão estranha em seu rosto. Era como se estivesse feliz e miserável simultaneamente. Debbie era uma mulher imponente, alta e magra, com um longo rosto. Ela tinha cabelos pretos, mas não era encaracolado e despenteado como o do Alcide. Era cortado em pequenos grumos assimétricos e era reto e balançava com seu movimento. Era o corte de cabelo mais ridículo que já vi e sem duvidas havia custado um braço e uma perna. De algum modo, homens não pareciam se interessar em cortes de cabelo. Seria hipocrisia de minha parte cumprimentá-la. Debbie e eu estávamos além disso. Ela já havia tentado me matar, um fato que o Alcide sabia; e ela ainda parecia exercer algum tipo de fascínio sobre ele, apesar dele já tê-la mandado embora quando descobriu isto. Para um homem esperto, prático e trabalhador, ele tinha um enorme ponto cego, e aqui estava, nesta Garota Cruel* de jeans apertados e suéter laranja que abraçava cada centímetro de sua pele. O que ela está fazendo aqui, tão longe de suas terras?
(*Garota Cruel; Cruel Girl – é um trocadilho usado por Sookie, pois Cruel Girl é uma marca de calças jeans nos Estados Unidos.)
Eu senti um impulso repentino de me virar para o Eric e dizer que a Debbie fez um sério atentado à minha vida, só para ver o que aconteceria. Mas me contive novamente. Toda esta repressão era muito dolorosa. Meus dedos espremeram-se, transformando minhas mãos em punhos apertados. - Ligaremos para você se mais alguma coisa acontecer nesta reunião, - Gerald disse. Levou um minuto para eu entender que estava sendo dispensada, e isto era porque eu tinha que levar o Eric de volta para minha casa antes que ele estourasse outra vez. Pela sua expressão, não levaria muito tempo. Seus olhos brilhavam azuis e suas presas estavam, pelo menos, estendidas pela metade. Eu estava mais do que nunca tentada a… não, eu não estava. Eu iria embora. - Adeus, vadia, - Debbie disse, enquanto eu saía pela porta. Vislumbrei o Alcide virar para ela, sua expressão horrorizada, mas Pam agarrou-me pelo braço e me empurrou para o estacionamento. Gerald segurou o Eric, o que foi uma coisa boa também. Quando os dois vampiros nos levaram para fora até o Chow, eu espumava. Chow atirou o Eric no banco do passageiro, então aparentou que eu era o motorista designado. O vampiro asiático disse: - Ligaremos para você mais tarde, vá pra casa, - e eu estava prestes a despachá-lo. Mas olhei para o banco do passageiro e decidi, ao invés disso, ser esperta e sair dali rapidamente. A beligerância do Eric se dissolvia atrapalhadamente. Ele pareceu confuso e perdido, distinguindo-se do cabeludo vingador que ele fora alguns minutos atrás, como você pode imaginar. Nós estávamos a meio caminho de casa antes de o Eric dizer algo. - Por que os vampiros são tão odiados pelos Lobis?, - ele perguntou. - Eu não sei, - respondi, desacelerando porque dois cervos saltaram pela estrada. Você vê o primeiro e sempre espera: Haverá outro, na maioria das vezes. – Vampiros sentem o mesmo pelos Lobis e metamorfos. A comunidade sobrenatural parece se unir contra os humanos, mas, fora isto, vocês rapazes brigam muito, pelo menos pelo que eu posso afirmar. – Tomei um profundo suspiro e considerei a fraseologia. – Hum, Eric, aprecio que você tenha me defendido, quando aquela Amanda me ofendeu. Mas eu estou muito acostumada a falar por mim mesma quando eu acho que a situação pede. Se eu fosse uma vampira, você não sentiria que teria que bater nas pessoas em meu nome, certo? - Mas você não é tão forte quanto um vampiro, nem mesmo como um Lobis, - Eric retrucou.
- Nenhum argumento sobre isso, querido. Mas eu também não teria nem pensado em bater nela, porque isto daria a ela um motivo para me bater de volta. - Você está dizendo que eu a ataquei quando não precisava. - É exatamente isto que estou dizendo. - Envergonhei você. - Não, - eu disse instantaneamente. Depois imaginei se este não era exatamente o caso. – Não, - eu repeti com mais convicção, - você não me envergonhou. Na verdade, isso fez eu me sentir bem, que você se sente, ah, afeiçoado o bastante para ficar irritado quando a Amanda agiu como se eu fosse uma coisa presa em seus sapatos. Mas estou acostumada a este tratamento e posso lidar com isso. Embora falar da Debbie seja outro nível completamente diferente. O novo, pensativo, Eric deu a isto uma mastigada mental. - Por que você está acostumada a isto? – Ele perguntou. Não foi a reação que esperei. Quando chegamos em casa, chequei a área ao redor antes de sair do carro para destrancar a porta dos fundos. Quando estávamos seguros dentro de casa, com a fechadura trancada, eu disse: - Porque estou acostumada que as pessoas não pensem bem das garçonetes. Garçonetes sem educação. Garçonetes telepatas sem educação. Estou acostumada que as pessoas pensem que sou louca, ou pelo menos mentalmente desligada. Eu não estou tentando soar como se pensasse que sou uma Pobre Pérola Miserável*, mas não tenho muitos fãs e estou acostumada a isso.
(*No original seria Poor Pitiful Pearl, que se refere a uma marca de bonecas dos Estados Unidos. A boneca foi fabricada pela Corporação Brookglad e mais tarde pela Companhia Horsman Doll dos anos de 1950 até 1970. a boneca foi baseada num personagem de desenho animado criada por William Steig.)
- Isto confirma minha opinião sobre os humanos em geral, - Eric disse. Ele tirou meu casaco dos meus ombros, olhando para ele com desgosto, e o pendurou no fundo de uma das cadeiras empurradas em baixo da mesa da cozinha. – Você é linda. Ninguém jamais havia olhado nos meus olhos e dito isso. Descobri que tinha que abaixar minha cabeça. – Você é inteligente e você é leal, - ele disse implacavelmente, apesar de eu ter sacudido a mão, pedindo que ele parasse. – Você tem um senso de diversão e de aventura. - Para com isso, - eu disse. - Me obrigue, - ele disse. – Você tem os seios mais lindos que já vi. Você é corajosa. – Coloquei meus dedos em sua boca, e sua língua lançou-se para dar-lhes uma lambida rápida. Eu me relaxei contra ele, sentindo-me vibrar da cabeça aos pés. – Você é responsável e trabalhadora, - ele continuou. Antes que ele pudesse dizer que eu era boa em substituir a sacola plástica da lixeira quando eu levava o lixo para fora, substituí meus dedos pelos meus lábios. - Aí está, - ele disse suavemente, após um longo momento. – Você também é criativa. Pela hora seguinte, ele me mostrou que também era criativo. Foi a única hora neste dia extremamente longo que não fui consumida pelo medo: pelo destino do meu irmão, pela maldade da Hallow, pela morte terrível de Adabelle Yancy. Provavelmente havia mais coisas que me assustavam, mas, em um dia tão longo, era impossível escolher uma coisa que fosse mais terrível do que a outra. Quando descansava envolvida pelos braços do Eric, cantarolando uma pequena melodia sem palavras enquanto riscava uma linha em seu ombro com um dedo desocupado, eu estava agradecida até os ossos pelo prazer que ele havia me proporcionado. Um pedaço de felicidade nunca deveria ser tomado como dívida.
- Obrigada, - eu disse, meu rosto pressionado em seu peito silencioso. Ele pôs um dedo embaixo do meu queixo, então ele pode erguer meus olhos para os dele. - Não, - ele disse serenamente. – Você me tirou da estrada e me manteve seguro. Você está pronta para lutar por mim. Eu posso afirmar isto sobre você. Você não pode acreditar na minha sorte. Quando esta bruxa for derrotada, trarei você para meu lado. Partilharei tudo que tenho com você. Cada vampiro que me deve fidelidade irá honrá-la. Isto era medieval ou o que? Abençoado seja o coração do Eric, nada disso iria acontecer. Pelo menos eu era esperta o suficiente e realista o suficiente para não me enganar nem por um minuto, embora isto fosse uma fantasia maravilhosa. Ele estava pensando como um chefe com seus escravos* a seu dispor, não como um impiedoso vampiro que era dono de um bar turístico em Shreveport.
(*No original seria He was thinking like a chieftain with thralls at his disposal. O termo ―thralls‖ refere-se a escravos escandinavos que era a fonte de trabalho durante a Era Viking.)
- Você tem me feito muito feliz, - eu disse, o que era certamente verdade.
O reservatório de água atrás da casa de Jason já tinha sido vasculhado quando eu acordei na manhã seguinte. Alcee Beck bateu na minha porta por volta das dez horas, e, já que soou exatamente como uma batida de um representante da lei, eu vesti meu jeans e um moletom antes de ir até a porta. - Ele não está no reservatório, - disse Beck, sem preliminares. Eu perdi a firmeza, apoiando-me na soleira da porta. - Oh, graças a Deus. - Fechei os olhos por um minuto nessa posição. - Por favor, entre. - Alcee Beck avançou pela entrada como um vampiro, olhando à sua volta silenciosamente e com uma certa cautela. - Você aceita um café? - Perguntei educadamente, quando ele estava sentado no velho sofá. - Não, obrigado, - disse ele rigidamente, tão desconfortável comigo quanto eu estava com ele. Eu notei a camisa de Eric pendurada na maçaneta do meu quarto, não muito visível de onde o detetive Beck estava sentado. Muitas mulheres usam camisas masculinas, e eu disse a mim mesma para não ficar paranóica com a presença dela. Embora eu tentasse não ouvir a mente do detetive, eu poderia dizer que ele estava apreensivo de estar sozinho na casa de uma mulher branca, e estava desejando que Andy Bellefleur chegasse. - Me dê licença por um minuto, - eu disse, antes que eu cedesse à tentação e perguntasse por que Andy deveria chegar logo. Isso chocaria Alcee Beck ao extremo. Eu agarrei a camisa enquanto entrava no meu quarto, dobrei-a e enfiei-a em uma gaveta, antes de escovar meus dentes e lavar o rosto. Durante o momento em que eu estava fora da sala de estar, Andy tinha feito a sua aparição. O chefe de Jason, Bagre Hennessey, estava com ele. Eu podia sentir o sangue fugindo do meu rosto e eu sentei de uma maneira pesada sobre o divã ao lado do sofá. - O quê? - Eu disse. Eu não consegui articular outra palavra. - O sangue na plataforma é provavelmente sangue de um felino, e há uma pegada nele, além da marca da bota de Jason, - disse Andy. - Nós temos mantido isto em segredo, porque nós não queremos aquele bosque lotado de idiotas. - Eu podia me sentir oscilando num vento invisível. Eu teria sorrido, se eu não tivesse o "dom" da telepatia. Ele não estava pensando numa gatinha malhada ou manchada quando disse felino, ele estava pensando num leopardo. Leopardo era como nós chamávamos os leões da montanha. Claro, não existem montanhas por aqui, mas os leopardos – os homens mais antigos destas redondezas os chamavam de "pumas" - vivem nos pantanais também. Pelo que sei, o único lugar onde os leopardos poderiam ser encontrados na selva era na Flórida, e a quantidade deles foi diminuindo à beira da extinção. Nenhuma evidência concreta foi apresentada para comprovar que qualquer leopardo genuíno tenha vivido na Louisiana nos últimos cinqüenta anos, adicionando ou subtraindo uma década. Mas, evidentemente, existiam boatos. E os nossos bosques e riachos apresentavam uma quantidade sem fim de jacarés, ariranhas, gambás, guaxinins, e até mesmo um urso-escuro de vez em quando ou um gato-montês. Coiotes, também. Mas não havia fotos, ou sons, ou pegadas espalhadas, para provar a presença de leopardos... até agora. Os olhos de Andy Bellefleur estavam ardendo com ânsia, mas não por mim. Qualquer macho viril que já tinha ido caçar alguma vez, ou mesmo qualquer cara politicamente correto que já fotografou a natureza, daria quase qualquer coisa para ver um verdadeiro leopardo selvagem. Apesar do fato de que esses grandes predadores eram profundamente preocupados em evitar os seres humanos, os humanos não retribuíam o favor.
- O que você está pensando? - Perguntei, embora eu soubesse bem até demais o que eles estavam pensando. Mas, para mantê-los em uma condição estável, tive que fingir que não; eles se sentiriam melhor, e podiam deixar alguma coisa escapar. Bagre estava apenas achando que era mais provável que Jason estivesse morto. Os dois homens da lei mantinham seu olhar fixo em mim, mas Bagre, que me conhecia melhor do que eles, estava sentado em frente na ponta da velha cadeira reclinável da vovó, suas grandes mãos vermelhas apertavam-se uma a outra com tanta força que as juntas dos dedos ficaram brancas. - Talvez o Jason tenha visto o leopardo quando chegou em casa naquela noite, - disse Andy cuidadosamente. - Você sabe que ele correria e pegaria sua espingarda e tentaria persegui-lo. - Eles estão ameaçados, - eu disse. - Você acha que Jason não sabe que os leopardos estão ameaçados de extinção? - Claro, eles pensavam que Jason era tão impulsivo e descuidado que ele simplesmente não iria se importar. - Tem a certeza que isso estaria no topo das suas prioridades? - Alcee Beck perguntou, com uma tentativa de delicadeza. - Então você acha que o Jason atirou no leopardo, - eu disse, com um pouco de dificuldade em fazer as palavras saírem da minha boca. - É uma possibilidade. - E daí? - Eu cruzei os braços ao longo do meu peito. Todos os três homens trocaram um olhar. - Talvez Jason tenha seguido o leopardo floresta adentro, - disse Andy. - Talvez o leopardo não tenha ficado tão ferido afinal de contas, e o pegou. - Vocês acham que meu irmão perseguiria um animal ferido e perigoso dentro da floresta - à noite, sozinho. - Claro que achavam. Eu poderia ler isso em alto e bom som. Eles achavam que esse seria um comportamento absolutamente típico de Jason Stackhouse. O que eles não entenderam foi que (mesmo imprudente e maluco como o meu irmão era) a pessoa favorita de Jason em todo o universo era Jason Stackhouse, e ele não colocaria essa pessoa em perigo de uma forma tão evidente. Andy Bellefleur tinha algumas dúvidas sobre esta teoria, mas Alcee Beck certamente não. Ele pensava que eu tinha detalhado o passo a passo de Jason naquela noite com exatidão. O que os dois oficiais não sabiam, e que eu não poderia lhes contar, era que se Jason tinha visto um leopardo em sua casa naquela noite, as chances desse leopardo ser na verdade um humano metamorfo eram muito boas. Claudine não tinha dito que as bruxas reuniram alguns dos maiores metamorfos em sua congregação? O leopardo seria um valioso animal para ter ao seu lado se você estivesse considerando uma tomada de poder hostil. - Jay Stans, lá de Clarice, telefonou-me esta manhã, - disse Andy. Seu rosto redondo voltado para minha direção e seus olhos castanhos travados em mim. - Ele estava me contando sobre essa garota que você encontrou no acostamento da estrada, ontem à noite. Eu assenti, não conseguindo ver a ligação, e também preocupada demais com a especulação sobre o leopardo para adivinhar o que estava por vir. - Esta menina tem qualquer ligação com Jason? - O quê? - Fiquei espantada. - O que você está falando? - Você encontrou essa garota, essa Maria-Star Cooper, no acostamento da estrada. Eles fizeram uma busca, mas não encontraram nenhum vestígio de um acidente. Eu dei de ombros. - Eu disse a eles que eu não tenho certeza se posso definir o local com precisão, e eles não me pediram para ir procurar depois que eu ofereci. Eu não estou realmente surpresa que eles não tenham conseguido encontrar qualquer evidência, sem saber o local exato. Tentei reconhecer o local, mas foi durante a noite, e eu estava muito assustada. Ou ela poderia simplesmente ter sido jogada ali onde a encontrei. - Não é à toa que eu assisto ao Discovery Channel.
- Veja só, o que nós estávamos pensando, - Alcee Beck resmungou, - é que esta era uma dessas garotas descartáveis do Jason, e talvez ele a estivesse mantendo em algum lugar secreto? Mas você a deixou ir quando Jason desapareceu. - Hein? - Era como se eles estivessem falando Urdu ou algo parecido. Eu não consegui ver nenhum sentido naquilo. - Com Jason tendo sido preso sob suspeita de assassinatos no ano passado e tudo mais, imaginamos se não havia algum fogo sob toda essa fumaça. - Você sabe quem cometeu esses assassinatos. Ele está na prisão, a menos que alguma coisa tenha acontecido e que eu não esteja sabendo. E ele confessou. – Bagre encarou os meus olhos, e os seus estavam muito desconfortáveis. O curso desse interrogatório tinha deixado o chefe do meu irmão totalmente aflito. Admito, o meu irmão era um pouco bizarro no departamento sexo (ainda que nenhuma das mulheres com quem ele praticasse suas esquisitices me viesse à mente), mas a idéia dele mantendo uma escrava sexual com quem eu tive que lidar quando ele desapareceu? Ah, fala sério! - Ele realmente confessou, e ainda está na prisão, - disse Andy. Já que Andy tinha tomado a confissão, eu deveria esperar isso. - Mas e se Jason era seu cúmplice? - Espere aí, droga! - eu disse. Minha panela estava começando a transbordar. - Você não pode têlo em ambos os sentidos. Se o meu irmão está morto no bosque após perseguir um leopardo ferido fictício, como ele poderia estar mantendo, qual o nome dela, Maria-Star Cooper, refém em algum lugar? Você está achando que eu estou metida nas supostas atividades sadomasoquistas do meu irmão, também? Você acha que eu a atropelaria com o meu carro? E então eu a carreguei e a conduzi para o pronto-socorro? Todos nós nos encaramos por um longo momento. Os homens estavam arremessando ondas de tensão e confusão como se fossem colares no Mardi Gras*.
(*Mardi Gras é uma festa carnavalesca que ocorre todo o ano em Nova Orleans, Estados Unidos, sendo um dos mais famosos Carnavais do mundo. Conhecido por suas máscaras de gesso, colares de continhas e paradas com bandinhas durante todo mês antes do Carnaval, na "terça-feira gorda" — que significa Mardi Gras em francês. O Mardi Gras começou em Louisiana, feito pelos colonizadores franceses. E suas cores típicas são: o dourado, que significa poder; o verde, que significa fé; e o roxo, que significa justiça. Outros símbolos famosos do evento são as máscaras de drama, a flor de lis e os colares de continhas. A tradição de nudez do Carnaval de Nova Orleans foi primeiro documentada em 1889, com mulheres mostrando os seios. E hoje é famoso por isso, onde as mulheres, geralmente universitárias, mostram os seios e em troca ganham os colares de continhas.)
Então Bagre, em seguida, lançou-se fora do sofá como um foguete. - Não, - ele falou alto. - Vocês me pediram para vir para comunicar as más notícias sobre o leopardo para Sookie. Ninguém disse nada sobre essa coisa de uma garota que foi atropelada por um carro! Esta aqui é uma boa garota. – Bagre apontou para mim. - Ninguém vai chamá-la de algo diferente! Jason Stackhouse nunca precisou fazer mais do que curvar seu dedinho a uma garota para que ela fosse correndo, muito menos tomar uma como refém e fazer coisas esquisitas com ela, e se você estiver acusando Sookie de libertar essa garota Cooper quando Jason não voltou pra casa e, em seguida, tentar atropelá-la, bem, tudo o que tenho a dizer é que vocês podem ir direto para o inferno! Deus abençoe Bagre Hennessey, era tudo o que eu tinha a dizer. Alcee e Andy foram embora logo em seguida, e Bagre e eu tivemos uma conversa confusa que consistia principalmente nele praguejando os oficiais. Quando ele se cansou, olhou para o relógio.
- Vamos, Sookie. Você e eu temos que ir até a casa do Jason. - Por quê? - Eu estava disposta, mas perplexa. - Nós nos juntamos e formamos uma equipe de busca, e eu sei que você vai querer estar lá. Eu o encarei de boca aberta, enquanto Bagre fumegava a respeito das alegações de Alcee e Andy. Eu tentei arduamente pensar em alguma forma de cancelar a equipe de busca. Eu odiava pensar naqueles homens e mulheres colocando todos os seus equipamentos de inverno abrindo caminho através dos arbustos, agora pelados e escuros, que tornavam a floresta tão difícil de atravessar. Mas não havia maneira de detê-los, uma vez que estavam tão bem intencionados; e tinha todos os motivos para me juntar a eles. Havia uma chance remota de que Jason estivesse lá em algum lugar da floresta. Bagre me disse que ele reuniu tantos homens quanto pôde, e Kevin Pryor tinha concordado em ser o coordenador, embora não estivesse trabalhando. Maxine Fortenberry e as beatas da igreja traziam café e donuts da Padaria Bon Temps. Comecei a chorar, porque isto foi simplesmente impressionante, e Bagre ficou ainda mais ruborizado. Mulheres chorando estava bem alto na longa lista de coisas que deixavam Bagre desconfortável. Eu facilitei sua situação ao dizer-lhe que eu tinha que me arrumar. Eu fiz a cama rapidamente, lavei meu rosto limpando as lágrimas, e puxei meu cabelo para trás em um rabo de cavalo. Eu encontrei um par de protetores de ouvidos que talvez eu usasse uma vez por ano, e vesti o meu velho casaco puxado e enfiei minhas luvas de jardinagem no meu bolso, junto com um chumaço de Kleenex no caso de eu começar a chorar novamente. A equipe de busca foi a ação comum do dia em Bon Temps. Não só as pessoas gostam de ajudar em nossa pequena cidade - mas também os rumores sobre a pegada do misterioso animal selvagem inevitavelmente começaram a se espalhar. Até onde eu poderia afirmar, a palavra "leopardo" ainda não estava circulando; se estivesse, a multidão teria sido ainda maior. A maioria dos homens chegou armada – bem, na verdade, a maioria deles sempre andava armada. A caça é um estilo de vida por aqui, a NRA* fornece a maior parte dos adesivos, e a temporada de caça aos cervos é como um feriado santo. Existem épocas especiais para caçar cervos com um arco e flecha, com uma carabina, ou com uma espingarda. (Pode haver uma temporada de lança, sei lá.) Devia ter cinquenta pessoas na casa do Jason, uma grande reunião para um dia útil numa comunidade tão pequena.
(*National Rifle Association - associação americana que promove esportes de tiro e apóia o direito do cidadão de possuir armas de fogo.)
Sam estava lá, e eu estava tão feliz em vê-lo que quase comecei a chorar novamente. Sam era o melhor patrão que eu já tive, e amigo, e ele sempre aparecia quando eu estava em apuros. Seu cabelo castanho-avermelhado estava coberto com um gorro de malha laranja reluzente, e ele usava luvas num tom laranja vivo, também. Seu casaco marrom encorpado parecia sombrio, em contraste, e, como todos os homens, ele estava usando botas de segurança. Você não sai pela floresta, exatamente no inverno, com tornozelos desprotegidos. As cobras ficavam lentas e preguiçosas, mas elas estavam lá, e revidariam se você pisasse nelas. De algum modo, a presença de todas estas pessoas fez com que o desaparecimento de Jason parecesse muito mais assustador. Se todas estas pessoas acreditavam que Jason poderia estar lá na floresta morto ou gravemente ferido, ele poderia estar. Apesar de cada coisa sensata que eu poderia dizer a mim mesma, fui ficando mais e mais receosa. Me deu um branco por alguns minutos diante de todo aquele cenário enquanto eu imaginava tudo o que poderia ter acontecido com Jason, talvez pela centésima vez. Sam estava de pé ao meu lado, quando eu consegui voltar a ver e ouvir. Ele tirou uma luva, e sua mão encontrou a minha e a segurou firme. Seu toque era quente e forte, e eu fiquei feliz por estar apoiada nele. Sam, apesar de ser metamorfo, sabia como direcionar seus pensamentos para mim, embora ele não pudesse "ouvir" o meu em resposta. ―Você realmente acredita que ele está lá?‖* ele me perguntou. Balancei minha cabeça. Nossos olhos se encontraram e continuaram fixos. ―Você acha que ele ainda está vivo?‖*
(*Vou deixar o que o Sam fala em pensamento para a Sookie entre aspas, para diferenciar do que ele falaria mesmo(com a boca) que ficaria com o travessão, tá? Mais pra frente, deixei também entre aspas algumas coisas que a Sookie fala em pensamento. Coisas que, no original, ficavam em itálico.)
Isso foi muito difícil. Enfim, eu simplesmente dei de ombros. Ele continuou sem soltar minha mão, e fiquei contente com isso. Arlene e Tack saíram atrapalhados do carro e vieram em nossa direção. O cabelo de Arlene estava vermelho brilhante como sempre, mas um pouco mais embaraçado do que ela normalmente usava, e o cozinheiro precisava se barbear. Então ele não estava mantendo um barbeador na casa de Arlene ainda, foi a maneira como eu interpretei. - Você viu Tara? - Arlene perguntou. - Não. - Veja. - Ela apontou, o mais secretamente possível, e eu vi Tara de jeans e botas de borracha que chegavam até os joelhos. Ela estava totalmente diferente da proprietária de boutique super arrumada que eu estava acostumada, ainda que estivesse usando um adorável chapéu de pele sintética branca e marrom* que dava vontade de correr e afagar a cabeça dela.
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Seu casaco combinava com o chapéu. Assim como as luvas. Mas, da cintura para baixo, Tara estava pronta para encarar a floresta. O amigo de Jason, Dago, estava observando Tara com o olhar atordoado de quem acabou de se apaixonar. Holly e Danielle tinham chegado também, e, já que o namorado de Danielle não estava por perto, a equipe de busca acabou tendo um aspecto social inesperado. Maxine Fortenberry e duas outras mulheres de sua igreja tinham aberto a traseira da velha caminhonete do marido de Maxine, e lá tinha várias garrafas térmicas contendo café, junto com copos descartáveis, colheres de plástico, e embalagens de açúcar. Seis dúzias de donuts exalavam das caixas enormes em que tinham sido embalados. Um grande cesto de lixo de plástico, já forrado com um saco preto, estava pronto. Essas senhoras sabiam como organizar uma equipe de busca. Eu não podia acreditar que tudo aquilo tivesse sido organizado no espaço de poucas horas. Eu tive que largar a mão do Sam para puxar um lenço e limpar meu rosto. Eu esperava que Arlene viesse, mas a presença de Holly e Danielle foi simplesmente impressionante, e o comparecimento de Tara foi ainda mais surpreendente. Ela não era uma mulher do tipo vamos-vasculhar-a-floresta. Kevin Pryor nem tinha muita preferência por Jason, mas aqui estava ele, com um mapa e um bloco de papel e lápis, organizando tudo ao redor.
Eu encontrei o olhar de Holly, e ela me deu uma espécie de sorriso triste, o tipo de sorriso que você dá a alguém em um funeral. Nessa hora, Kevin bateu a tampa da lixeira de plástico contra a traseira do caminhão, e, quando a atenção de todos estava sobre ele, começou a dar instruções para a busca. Eu não tinha me dado conta de que Kevin podia ser tão autoritário; na maioria das vezes, ele era ofuscado por sua mãe pegajosa, Jeneen, ou pela sua parceira de tamanho fora do comum, Kenya. Você não pegaria Kenya na floresta procurando Jason, eu imaginei, e na mesma hora avistei-a e tive de engolir meus próprios pensamentos. Numa vestimenta confortável, ela estava inclinada contra a caminhonete de Fortenberry, seu rosto moreno absolutamente inexpressivo. Sua postura sugeria que ela era o reforço de Kevin, que iria se mover ou falar apenas se ela fosse desafiada de alguma forma. Kenya sabia como lançar uma ameaça silenciosa; tenho que reconhecer isso. Ela jogaria um balde de água sobre Jason se ele estivesse pegando fogo, mas seus sentimentos pelo meu irmão certamente não eram irresistivelmente positivos. Ela veio porque Kevin era voluntário. Enquanto Kevin dividia as pessoas em equipes, os olhos escuros dela só o deixaram para gravar os rostos dos participantes da busca, incluindo o meu. Ela me deu um leve aceno com a cabeça, e eu respondi da mesma forma. - Cada grupo de cinco tem que ter um atirador, - avisou Kevin. - Isso não pode ser simplesmente qualquer um. Tem que ser alguém que costuma passar o tempo caçando na floresta. - O nível de entusiasmo se elevou ao ponto de ebulição com esta diretriz. Mas, depois disso, eu não ouvi o resto das instruções do Kevin. Eu ainda estava cansada do dia anterior, em primeiro lugar; que dia excepcionalmente cheio tinha sido aquele. E o tempo todo, por trás de tudo isso, meu receio pelo meu irmão vinha sendo contínuo e me corroía. Eu tinha acordado cedo esta manhã depois de uma longa noite, e eu estava aqui em pé no frio do lado de fora da casa em que vivi durante minha infância, esperando para participar de uma patética perseguição ao impossível*- ou pelo menos eu tinha esperanças que fosse isso. Eu estava confusa demais para julgar alguma coisa. Uma rajada de vento frio atravessou a clareira ao redor da casa, tornando as lágrimas em minhas bochechas insuportavelmente frias.
(*No original, a expressão é wild goose chase que seria literalmente caçar um ganso selvagem, mas na verdade a expressão quer dizer perseguir o incerto, o impossível, ou procurar inutilmente algo no lugar errado.)
Sam colocou seus braços em volta de mim, entretanto, com nossos casacos, aquilo foi bem desajeitado. Me pareceu que eu podia sentir o calor dele mesmo através de todo aquele material. - Você sabe que não vamos encontrá-lo lá, - ele sussurrou para mim. - Estou bastante certa de que não, - eu disse, emitindo nada mais que certeza absoluta. Sam disse: - Eu sentirei o cheiro dele se estiver por lá. Isso era tão prático. Levantei os olhos para ele. Eu não tive que olhar muito para cima, porque Sam realmente não é um homem alto. Nesse momento, seu rosto estava muito sério. Sam se diverte mais com a sua autometamorfose do que a maioria dos de natureza-dupla, mas eu poderia perceber que a intenção dele era aliviar o meu medo. Quando ele assumia sua segunda natureza, ele tinha o olfato aguçado do cachorro; quando ele estava na sua forma humana, esse sentido ainda era superior ao de um humano comum. Sam seria capaz de sentir o cheiro de um cadáver relativamente recente. - Você está indo para fora na floresta, - eu disse. - Claro. Vou dar o melhor de mim. Se ele estiver lá, acredito que saberei.
Kevin me contou que o xerife tinha tentado contratar os cães rastreadores treinados por um policial de Shreveport, mas o oficial disse que estavam compromissados nesse dia. Imagino se isso era verdade, ou se o homem só não queria arriscar seus cães na floresta com um leopardo. Sinceramente, eu não poderia culpá-lo. E aqui estava uma oferta melhor, bem na minha frente. - Sam, - eu disse, enchendo os olhos de lágrimas. Tentei agradecer-lhe, mas as palavras não saíam. Eu tinha a sorte de ter um amigo como Sam, e sabia bem disso. - Shiiii, Sookie, - disse ele. - Não chore. Nós vamos descobrir o que aconteceu com o Jason e vamos encontrar uma maneira de restaurar a memória de Eric. - Ele esfregou as lágrimas de minhas bochechas com o seu polegar. Ninguém estava suficientemente perto para ouvir, mas eu não pude evitar dar uma olhada ao redor para ter certeza. - Daí, - disse Sam, com uma pontinha de ameaça bem clara em sua voz, - nós podemos tirar ele de sua casa e mandar ele de volta para Shreveport, onde é o lugar dele. Eu decidi que não responder era a melhor política. - Qual foi a sua palavra do dia? - ele perguntou, voltando atrás. Eu lhe dei um sorriso sem graça. Sam sempre perguntava sobre a Palavra do Dia que o meu calendário sugeria. - Eu não verifiquei esta manhã. Ontem foi ―trapalhada‖, - eu disse. Ele levantou as sobrancelhas curiosamente. - Uma bagunça bem confusa, - eu disse. - Sookie, vamos encontrar uma saída para esta situação. Quando os voluntários para a busca se dividiram em grupos, eu descobri que Sam não era a única criatura de natureza-dupla no quintal de Jason naquele dia. Fiquei abismada ao ver um contingente de Hotshot. Calvin Norris, sua sobrinha Crystal e um segundo homem que parecia vagamente familiar estavam a postos por conta própria. Após um momento agitando o fundo da minha memória, eu percebi que o segundo homem era aquele que eu vi surgir no galpão atrás da casa vizinha a de Crystal. Seu cabelo espesso e descolorido despertou a lembrança, e eu tive certeza absoluta quando vi o jeito elegante como ele se moveu. Kevin designou o reverendo Jimmy Fullenwilder para ir com o trio como o seu homem armado. A combinação dos três lobis com o reverendo me faria gargalhar em outras circunstâncias. Uma vez que faltava uma quinta pessoa, me juntei a eles. Os três lobis de Hotshot me acenaram com a cabeça sobriamente, os olhos castanho-esverdeados de Calvin estavam fixos em mim pensativamente. - Esse aqui é Felton Norris, - ele disse, como forma de apresentação. Eu acenei de volta ao Felton, e Jimmy Fullenwilder, um homem grisalho por volta dos sessenta, me cumprimentou. - Claro que conheço a senhorita Sookie, mas o resto de vocês eu não estou muito certo. Eu sou Jimmy Fullenwilder, pastor da Igreja Batista do Amor Maior, - disse ele, sorrindo para todos ao redor. Calvin absorveu esta informação com um sorriso educado, Crystal desdenhou, e Felton Norris (tinham esgotado os sobrenomes em Hotshot?) ficou mais indiferente. Felton era esquisito, mesmo para um lobisomem de nascença. Seus olhos eram notavelmente escuros, posicionados abaixo de sobrancelhas castanhas, retas e grossas, que contrastavam nitidamente com o seu cabelo claro. Seu rosto era amplo na região dos olhos, estreitando um pouco repentinamente a uma boca de lábios finos. Apesar de ser um homem corpulento, ele se movimentava leve e calmamente, e, enquanto nós começávamos a nos dirigir para a floresta, eu percebi que todos os residentes de Hotshot tinham isso em comum. Em comparação com os Norrises, Jimmy Fullenwilder e eu éramos elefantes desajeitados.
Pelo menos o pastor carregava a sua espingarda Winchester calibre 30 como se soubesse utilizála. Seguindo nossas instruções, nós permanecemos em fila, estendendo os braços na altura do ombro assim ficávamos minuciosamente próximos. Crystal estava à minha direita, e Calvin à minha esquerda. Os outros grupos fizeram o mesmo. Começamos a busca posicionados em forma de leque, conforme o contorno do reservatório. - Lembre-se de quem está no seu grupo, - Kevin gritou. - Nós não queremos deixar pessoas perdidas! Agora, comecem. Começamos a vasculhar o chão à nossa frente, nos movendo num ritmo constante. Jimmy Fullenwilder estava a alguns passos à frente, já que ele estava armado. Era imediatamente evidente que havia disparidades entre as habilidades de orientação na mata entre os companheiros de Hotshot, o reverendo e eu. Crystal parecia flutuar através do matagal, sem ter de passar com dificuldade ou afastá-lo pro lado, ainda que eu pudesse ouvir o seu avanço. Jimmy Fullenwilder, um ávido caçador, sentia-se em casa na mata sendo um experiente praticante de atividades ao ar livre, e eu poderia dizer que ele estava adquirindo muito mais conhecimento dos arredores do que eu, mas ele não era capaz de se mover como Calvin e Felton. Eles deslizavam pela floresta como fantasmas, fazendo tanto ruído quanto um. Logo que me deparei com um matagal particularmente denso de videiras espinhosas, senti duas mãos agarrando cada lado da minha cintura, e eu simplesmente fui levantada antes que tivesse chance de reagir. Calvin Norris colocou-me no chão muito suavemente e voltou imediatamente à sua posição. Eu não acho que alguém tenha notado. Jimmy Fullenwilder, o único que ficaria alarmado, estava indo um pouco mais à frente. Nossa equipe não encontrou nada: nem um pedaço de pano ou carne, nem uma pegada de botas ou pegadas de leopardo, nem cheiro ou vestígio ou uma gota de sangue. Uma das outras equipes gritou porque tinham encontrado o cadáver de um gambá mastigado, mas não havia maneira de saber imediatamente o que tinha causado a sua morte. O percurso ficou mais difícil. Meu irmão tinha caçado nessa floresta, permitia que alguns de seus amigos caçassem lá, mas, fora isso, não tinha interferido com o cenário natural dos vinte hectares ao redor da casa. Isso significava que ele não tinha eliminado galhos caídos ou arrancado mudas, que agravava a dificuldade de nossa movimentação. Minha equipe passou a ser a que encontrou a guarita de caça, que ele e Hoyt tinham construído juntos, cerca de cinco anos atrás para observar os cervos. Embora a guarita ficasse de frente a uma clareira natural que percorria aproximadamente de norte a sul, a mata era tão densa ao seu redor, que ficamos temporariamente fora da vista dos outros grupos, o que eu não acharia que fosse possível no inverno, com os galhos desfolhados. De vez em quando, uma voz humana soava à distância, vinda através dos pinheiros e arbustos e dos galhos dos carvalhos e eucaliptos, mas a sensação de isolamento era devastadora. Felton Norris escalou a escada da guarita de um jeito nada humano que eu tive que distrair o Reverendo Fullenwilder perguntando-lhe se ele poderia fazer uma oração na igreja pelo regresso do meu irmão. É claro, ele me disse que até já tinha feito, e, além disso, ele me avisou que ficaria satisfeito em me ver na sua igreja no domingo e juntar a minha voz à daqueles que faziam suas preces. Apesar de não ir com tanta assiduidade à igreja por causa do meu trabalho, e quando eu realmente vou, eu freqüento a Igreja Metodista (o que Jimmy Fullenwilder sabia muito bem), eu tive mesmo que dizer sim. Justo nessa hora, Felton avisou que a armadilha estava vazia. - Desça com cuidado, esta escada não é muito estável, - Calvin gritou de volta, e eu percebi que Calvin estava advertindo Felton a parecer humano quando ele descesse. Enquanto o metamorfo descia lenta e desajeitadamente, encarei o olhar de Calvin, e ele parecia divertido.
Entediada, esperando na parte inferior da guarita, Crystal ultrapassou rapidamente o nosso homem de frente, o reverendo Fullenwilder, algo que Kevin tinha nos avisado para não fazer. No momento em que eu estava pensando ―Eu não consigo vê-la‖, ouvi o seu grito. No espaço de uns dois segundos, Calvin e Felton tinham percorrido os limites da clareira em direção ao som da voz de Crystal, e o Reverendo Jimmy e eu ficamos para trás. Eu esperava que a agitação do momento embaralhasse sua percepção sobre a forma como Calvin e Felton se moveram. Na subida, à nossa frente, ouvimos um ruído indescritível, um sonoro coro de gritos agudos e movimentos frenéticos vindos da direção do matagal. Então um berro rouco e outro grito estridente chegaram a nós abafados pela densidade do frio da floresta. Ouvimos gritos vindos de todos os lados, enquanto os outros grupos respondiam apressados na direção dos sons alarmantes. O meu salto ficou preso num emaranhado de videiras e eu caí de bunda no chão, com os pés pra cima. Embora eu tenha me levantado e começado a correr novamente, Jimmy Fullenwilder chegou antes de mim, e, enquanto eu me lançava através de um local de pinheiros baixos, nenhum ao redor era maior do que uma caixa de correio, ouvi a explosão da espingarda. ―Oh, meu Deus‖, eu pensava. Oh, meu Deus. A pequena clareira estava cheia de sangue e tumulto. Um animal enorme foi espancado nas folhas secas, respingando gotas vermelhas sobre tudo ao seu redor. Mas não era um leopardo. Pela segunda vez na minha vida, eu estava vendo uma porca selvagem, aquele tipo de suíno selvagem feroz que cresce alcançando um tamanho enorme. Até eu me dar conta do que estava diante de mim, a porca perdeu as forças e morreu. Ela fedia a porco e sangue. A queda e o berro no matagal ao nosso redor indicavam que ela não tinha estado só quando Crystal tropeçou sobre ela. Mas aquele sangue todo não era só da porca. Crystal Norris estava xingando sem parar enquanto sentava encostada num carvalho antigo, apertando as mãos sobre sua coxa perfurada. Suas calças jeans estavam molhadas com seu próprio sangue, e ela e seu tio - bem, eu não sabia qual o parentesco que Felton tinha com Crystal, mas eu tinha certeza de que ali havia um parentesco - estavam curvando-se sobre ela. Jimmy Fullenwilder estava de pé com sua espingarda ainda apontada para o animal, e ele tinha uma expressão em seu rosto que eu só posso descrever como traumatizada. - Como ela está? - Perguntei aos dois homens, e só Calvin olhou para cima. Seus olhos tinham ficado muito diferentes, eu percebi que estavam mais amarelos e arredondados. Ele lançou um olhar inconfundível para a enorme carcaça, um olhar de puro desejo. Havia sangue em torno de sua boca. Havia um remendo de pêlo no dorso da mão dele, meio que cor de pele. Ele deve se tornar um lobo de aparência estranha. Sinalizei silenciosamente para essa evidência da sua natureza, e ele sacudiu com veemência como se ele reconhecesse o aviso. Eu arranquei um lenço do bolso do meu casaco, passei saliva nele e limpei o seu rosto antes que Jimmy Fullenwilder pudesse sair do seu estado de deslumbramento com sua caça e prestar atenção em seus estranhos companheiros. Quando a boca de Calvin não estava mais manchada, eu amarrei o lenço em torno de sua mão para esconder o pêlo. Felton parecia estar normal, até que eu observei o que tinha no final dos seus braços. Não eram mãos de verdade agora. . . nem patas de lobo, tampouco. Elas eram uma coisa muito esquisita, algo grande e achatado e com garras. Eu não podia ler os pensamentos dos homens, mas eu podia sentir os seus desejos, e a maioria desses desejos tinha a ver com o monte de carne suína vermelha e crua. Felton na verdade ainda se moveu para frente e para trás uma ou duas vezes pela força do seu desejo. Sua luta em silêncio foi dolorosa para suportar, mesmo que indiretamente.
Eu senti a mudança quando os dois homens começaram a forçar suas mentes aos padrões humanos. Em alguns segundos, Calvin conseguiu falar. - Ela está perdendo sangue rápido, mas, se nós a levarmos para o hospital, ela vai ficar bem. - Sua voz estava rouca, e ele falou com certo esforço. Os olhos ainda abatidos de Felton começaram a lacrimejar desajeitadamente em sua camisa de flanela. Com as mãos deformadas, ele não poderia encarregar-se do trabalho, e eu assumi a tarefa. Quando a ferida da Crystal estava amarrada o mais apertado possível para um curativo improvisado, os dois homens levantaram a Crystal, agora pálida e silenciosa, e começaram a carregá-la rapidamente para fora da floresta. A posição das mãos do Felton tirou-as de vista, graças a Deus. Isso tudo ocorreu tão rapidamente que os outros grupos de busca foram se juntando na clareira e só então começaram a absorver o que tinha acontecido e a reagir. - Eu matei um porco, - Jimmy Fullenwilder dizia, agitando a cabeça de um lado para o outro, enquanto Kevin e Kenya dispararam pela clareira desde o leste. - Eu não posso acreditar nisso. Ela simplesmente a arremessou longe e as outras porcas e os porquinhos se dispersaram e, em seguida, os dois homens foram pra cima dela, e então saíram do caminho, e eu atirei em sua garganta. - Ele não sabia se era um herói, ou se ele estava em apuros com o Serviço de Proteção aos Animais Selvagens. Ele jamais faria idéia do quão mais teria a temer. Felton e Calvin tinham praticamente desaparecido em pleno estilo Lobis diante da ameaça a Crystal e do despertar dos seus próprios instintos de caça, e o fato de eles terem se afastado, dispensando a porca ao invés de se transformar completamente, provou que eram muito resistentes, na verdade. Mas o fato de que eles não foram capazes de impedir o início da transformação, parecia demonstrar o contrário. A fronteira entre as duas naturezas de alguns dos habitantes de Hotshot parecia estar se tornando muito indefinida. Na verdade, haviam marcas de mordidas na porca. Eu estava tão sobrecarregada com ansiedade que eu não pude manter a minha monitoração, e toda a excitação dos componentes dos grupos transbordaram em minha cabeça – toda a repulsa/medo/pânico diante do sangue, a informação de que um dos participantes da busca tinha sido gravemente ferido, a inveja dos outros caçadores pelo golpe de Jimmy Fullenwilder. Isso tudo era demais, e eu queria ir embora dali mais do que qualquer coisa que eu já desejei. - Vamos embora. A busca termina por aqui, pelo menos por hoje, - disse Sam ao meu lado. Caminhamos juntos para fora da mata, bem lentamente. Eu contei a Maxine o que tinha acontecido, e, depois de agradecer-lhe sua excelente contribuição e aceitar uma caixa de donuts, eu me dirigi para casa. Sam me seguiu. Eu voltei um pouco mais ao meu normal quando chegamos lá. Enquanto eu destrancava a porta dos fundos, pareceu muito estranho saber que na verdade já havia outra pessoa dentro da casa. Eric teria algum nível de percepção de meus passos no chão acima dele – ou ele ficaria tão morto quanto um morto normal? Mas o pensamento cruzou minha mente e saiu pelo outro lado, porque eu estava simplesmente sobrecarregada demais para refletir sobre isso. Sam começou a fazer café. Ele se sentia um pouco em casa na cozinha, pois ele tinha aparecido uma ou duas vezes quando minha avó era viva e tinha visitado também em outras ocasiões. Assim que pendurei nossos casacos, eu disse: - Isso foi um desastre. Sam não discordou. - Não só não encontramos Jason, o que eu realmente nunca tive expectativas, mas os caras de Hotshot quase se revelaram, e Crystal se machucou. Não sei por que eles acharam que deveriam estar lá de qualquer forma, francamente. - Eu sei que não foi legal da minha parte dizer isso, mas eu estava com Sam, que já tinha visto o suficiente do meu lado ruim para se espantar com alguma coisa.
- Eu falei com eles antes de você chegar. Calvin quis mostrar que estava disposto a cortejar você, meio que no estilo de Hotshot, - disse Sam, a sua voz calma e equilibrada. - Felton é seu melhor rastreador, por isso ele fez Felton vir, e Cristal só queria encontrar Jason. Instantaneamente, senti vergonha de mim mesma. - Desculpe, - eu disse, segurando minha cabeça em minhas mãos e sentando de vez numa cadeira. - Sinto muito. Sam ajoelhou-se à minha frente e colocou suas mãos em meus joelhos. - Você tem o direito de estar irritada, - disse ele. Me inclinei sobre ele e beijei o topo de sua cabeça. - Eu não sei o que eu faria sem você. - eu disse, totalmente sem pensar. Ele olhou para mim, e houve um longo e estranho momento, quando a luz na sala parecia dançar e tremer. - Você chamaria Arlene, - disse ele com um sorriso. - Ela viria com as crianças, e tentaria incrementar o seu café com álcool, e contaria sobre todos os ângulos do pênis de Tack, e ela te faria sorrir, e você se sentiria melhor. Eu o abençoei por deixar o momento passar. - Sabe, isso meio que me deixa curiosa, esse detalhe sobre Tack, mas provavelmente isso se enquadra na categoria ―informação demais‖. - eu disse. - Eu também acho, mas isso não me impediu de ouvir quando ela estava contando a Charlsie Tooten. Eu servi uma xícara de café para nós e coloquei o açucareiro, já pela metade, ao alcance de Sam, juntamente com uma colher. Eu olhei ao redor do balcão da cozinha para ver quanto açúcar ainda tinha na lata, e eu reparei que a luz de mensagem na secretária eletrônica estava piscando. Eu só tinha que me levantar e dar um passo para pressionar o botão. A mensagem tinha sido gravada às 5:01 da madrugada. Eu tinha deixado o telefone no silencioso quando eu fui para a cama exausta. Quase sempre minhas mensagens eram realmente normais - Arlene perguntando se eu tinha ouvido um detalhe de alguma fofoca, Tara passando o tempo durante alguma hora parada na loja, mas esta foi realmente do tipo extraordinária. A voz clara de Pam disse: - Esta noite atacaremos a bruxa e seu grupo. Os lobis persuadiram os bruxos locais a se juntarem a nós. Nós precisamos de você para trazer Eric. Ele pode lutar, mesmo que ele não saiba quem ele é. Ele será inútil para nós se não pudermos quebrar o feitiço, de qualquer maneira. - Essa era Pam, sempre prática. Ela estava disposta a utilizar Eric como bucha de canhão, uma vez que talvez não fôssemos capazes de restaurar o módulo completo de liderança de Eric. Após uma pequena pausa, ela continuou: - Os lobis de Shreveport aliados aos vampiros numa batalha. Você poderá assistir um fato histórico, minha amiga telepata. O som do telefone sendo colocado de volta no gancho. O clique que anunciava a próxima mensagem veio em dois minutos após a primeira. - Pensando nisso, - Pam disse, como se ela nunca tivesse desligado, - existe a ideia de que sua habilidade rara possa nos ajudar na nossa luta, e nós queremos prospectar isso. Não é essa a palavra-chave correta agora? Prospectar? Então, chegue aqui o mais perto possível do início da noite. - Ela desligou novamente. Clique. - Aqui fica na Avenida Parchman, número 714. - disse Pam. Desligou. - E aí, como posso fazer isso, com Jason ainda desaparecido? - Perguntei, quando ficou claro que Pam não tinha ligado novamente. - Você está indo é dormir agora, - disse Sam. - Vamos. - Ele me carregou, levou-me para o meu quarto. - Você vai tirar suas botas e jeans, se arrastar de volta pra cama e tirar um longo cochilo. Quando você se levantar, você vai se sentir melhor. Deixe o número de Pam para que eu possa achar você. Diga a polícia para ligar para o bar se eles descobrirem alguma coisa, e eu vou te ligar se eu ouvir algo de Bud Dearborn.
- Então você acha que eu deveria fazer isso? - Fiquei perplexa. - Não, eu não entraria nisso se você não entrasse. Mas acho que você tem que ir. Não é a minha luta, não fui convidado. - Sam me deu um beijo na testa e foi embora de volta ao Merlotte's. Sua atitude era bem interessante, afinal de contas a insistência dos vampiros (tanto do Bill quanto de Eric) é que eu era um bem a ser resguardado. Me senti com bastante autonomia e entusiasmo por cerca de trinta segundos, até que me lembrei da minha decisão do Ano Novo: não me meter em encrenca e sair machucada. Se eu fosse à Shreveport com Eric, então eu tinha a certeza de que veria coisas que eu não quero ver, saberia de coisas que eu não quero saber, e levaria uma surra, também. Por outro lado, meu irmão Jason tinha feito um acordo com os vampiros, e eu tinha que mantê-lo. Às vezes, eu sentia que a minha vida toda estava se passando presa entre o fogo e a fogueira*. Mas até aí, muitas pessoas tinham vidas complicadas.
(*No original ―between a rock and a hard place‖, expressão que quer dizer estar em uma posição desconfortável, sem muita escolha. Tipo: ―entre o fogo e a fogueira‖ ou ainda ―entre a cruz e a espada‖)
Pensei em Eric, um vampiro poderoso cuja mente havia sido esvaziada, desprovida de sua identidade. Pensei na carnificina que eu vi na loja de noivas, as rendas e brocados brancos manchados com sangue e pedaços de corpos. Eu pensei na coitada da Maria-Star, no hospital em Shreveport. Estes bruxos eram maus, e os maus deveriam ser detidos; os maus devem ser derrotados. Esse é o modelo americano. Parecia meio estranho pensar que eu estava do lado dos vampiros e lobisomens, e que esse era o lado bom. Isso me fez rir um pouco, só comigo mesma. Ah, sim, nós os mocinhos salvaríamos o dia.
Surpreendentemente, eu dormi. Acordei com o Eric a meu lado na cama. Ele me cheirava. - Sookie, o que é isso? – Ele perguntou numa voz muito calma. Ele sabia, é claro, quando eu acordei. - Você tem o cheiro de árvores, e você tem o cheiro de metamorfos. E algo ainda mais selvagem. Supus que o metamorfos que ele cheirou era o Sam. – E Lobis, - apontei, não querendo que ele deixasse nada passar. - Não, não é Lobis, - ele disse. Eu estava perplexa. Calvin havia me levantado de cima das silvas*, e seu cheiro ainda deveria estar sobre mim.
(*Silva é uma planta do gênero Rubus L., da família das Rosáceas e que produzem a amora)
- Mais de um tipo de metamorfos, - Eric disse na quase escuridão do meu quarto. – O que você andou fazendo, meu amor? Ele não soou exatamente irritado, mas também não soou feliz. Vampiros. Eles escreveram o livro sobre possessão. - Eu estava no pelotão de busca pelo meu irmão, na mata atrás de sua casa, - eu disse. Eric se manteve quieto por um minuto. Depois ele envolveu seus braços em volta de mim e me aproximou dele. - Desculpe-me, - ele disse. – Sei que você está preocupada. - Deixe-me te perguntar uma coisa, - eu disse, disposta a testar um teoria minha. - É claro. - Olhe dentro de si, Eric. Você realmente, realmente lamenta? Se preocupa com o Jason? – Porque o Eric verdadeiro, em seu juízo perfeito, não ligaria nem um pouquinho. - Mas é claro, - ele protestou. Depois, após um longo momento – desejei poder ver seu rosto – ele disse, - Não de verdade. – Ele soou surpreso. – Eu sei que deveria estar. Eu deveria estar preocupado com seu irmão, porque eu adoro transar com você e eu deveria querer que você pensasse o melhor de mim e assim você iria querer sexo também. Você simplesmente tinha que gostar da honestidade. Isto era o mais próximo do Eric verdadeiro que eu vira em dias. - Mas você me ouvirá, certo? Se eu precisar falar? Pelo mesmo motivo? - É claro, meu amor. - Porque você quer transar comigo. - Por isso, é claro. Mas também porque eu acho que eu realmente tenho… - Ele pausou, como se tivesse prestes a dizer algo ultrajante. – Eu acredito que tenho sentimentos por você. - Oh, - eu disse em seu peito, soando tão espantada quanto ele. Seu peito estava nu, como eu suspeitava que o resto dele também. Senti um ligeiro salpico de cabelos loiros encaracolados em minha bochecha. - Eric, - eu disse, após uma longa pausa, - eu quase odeio dizer isso, mas tenho sentimentos por você também. - Havia muita coisa que eu precisava dizer ao Eric, e nós já deveríamos estar no carro em nosso caminho para Shreveport. Mas eu estava usando este momento para saborear esta pequena felicidade. - Não é exatamente amor, - ele disse. Seus dedos estavam ocupados tentando encontrar a melhor maneira para tirar minhas roupas.
- Não, mas algo próximo. – Eu o ajudei. – Nós não temos muito tempo, Eric, - eu disse, alcançando-o em baixo, tocando-o, fazendo-o arquejar. – Vamos fazer isto bem. - Me beije, - ele disse e ele não estava falando de sua boca. – Vire nesta direção, - ele sussurrou. – Eu quero beijá-la também. Não demorou muito tempo, depois de tudo, para nós estarmos segurando um ao outro, saciados e felizes. - O que aconteceu, - ele perguntou. – Posso ver que algo te assusta. - Temos que ir a Shreveport agora, - eu disse. – Já passamos da hora que a Pam disse no telefone. Hoje será a noite que enfrentaremos a Hallow e seus bruxos. - Então, você deve permanecer aqui, - ele disse imediatamente. - Não, - eu disse gentilmente, colocando minha mão em sua bochecha. – Não, querido, eu tenho que ir com você. - Eu não disse a ele que a Pam pensou que me usar na batalha era uma boa ideia. Eu não disse a ele que ele seria usava com uma máquina lutadora. Eu não disse a ele que tinha certeza que alguém morreria esta noite; talvez muitas pessoas, humanos, Lobis e vampiros. Esta era provavelmente a ultima vez que eu usaria ternura para falar com o Eric. Era talvez a última vez que o Eric acordaria na minha casa. Um de nós poderia não sobreviver esta noite, e se sobrevivêssemos, não havia como saber como nós mudaríamos. O caminho até Shreveport foi silencioso. Nós nos lavamos e nos vestimos sem falar muito também. Pelo menos sete vezes eu pensei em dar a volta e retornar a Bon Temps, com ou sem o Eric. Mas não o fiz. As habilidades do Eric não incluíam leitura de mapas, então tive que estacionar para checar meu mapa de Shreveport para traçar nosso curso até a 714 Parchman, algo que não tinha previsto antes de chegarmos à cidade. (De algum modo, esperei que o Eric lembrasse a direção, mas é claro que ele não lembrou.) - Sua palavra do dia foi ‗aniquilar‘, - ele me disse alegremente. - Oh. Obrigado por checar. – Eu provavelmente não soei muito agradecida. – Você está soando muito excitado sobre tudo isso. - Sookie, não há nada como uma boa briga, - ele disse defensivamente. - Isso depende de quem ganhar, eu diria. Isto o manteve quieto por alguns minutos, o que era ótimo. Eu estava com problemas para encontrar as ruas estranhas na escuridão, com tanto em minha mente. Mas nós finalmente chegamos à rua certa e a casa correta naquela rua. Eu sempre imaginei a Pam e o Chow vivendo numa mansão, mas os vampiros tinham uma grande casa estilo rancho num subúrbio de classe média-alta. Era uma rua de gramado bem cortado, com calçadas para bicicletas e de gramado bem irrigado, pelo que eu podia dizer. A luz da entrada da garagem estava no 714, e a garagem de três carros na parte traseira estava cheia. Subi a encosta da rampa de concreto que existia para estacionar os carros abundantes. Reconheci a caminhonete do Alcide e o carro compacto que tinha estado estacionado no abrigo para automóveis do Coronel Flood. Antes de sairmos do meu velho carro, Eric se inclinou para me beijar. Olhamos um para o outro, seus olhos amplos e azuis, as córneas tão brancas que você malc onseguia desviar o olhar, seus cabelos dourados destramente escovados. Ele o tinha amarrado com uma de minhas fitas elásticas, uma azul-brilhante. Ele usava um par de jeans e uma camisa nova de flanela. - Nós podemos voltar, - ele disse. Sob a luz de cúpula do carro, seu rosto pareceu duro como pedra. – Nós podemos voltar a sua casa. Eu posso ficar com você para sempre. Nós podemos conhecer os corpos um do outro em todas as maneiras, noite após noite. Eu poderia amar você. – Suas narinas alargaram-se, e ele pareceu repentinamente orgulhoso. – Eu poderia trabalhar. Você não seria pobre. Eu te ajudaria. - Soa como um casamento, - eu disse, tentando aliviar a atmosfera. Mas minha voz estava muito instável. - Sim, - ele disse. E ele nunca mais seria ele mesmo novamente. Ele seria uma versão falsa do Eric, um Eric retirado de sua vida verdadeira. Prevendo que o nosso relacionamento (assim como era) durasse, ele se manteria o mesmo; mas eu não. Chega de pensamentos negativos, Sookie, eu disse a mim mesma. Eu seria uma completa idiota por renunciar viver com esta criatura maravilhosa pelo tempo que durasse. Nós realmente nos divertimos juntos e eu gostava do senso de humor do Eric e da sua companhia, sem mencionar sua maneira de fazer amor. Agora que ele tinha perdido sua memória, ele era muita diversão sem complicação. E aqui estava o estraga prazeres. Nós teríamos um relacionamento falsificado, porque este era o Eric falsificado. Eu vinha em um ciclo completo. Deslizei do meu carro com um suspiro. - Eu sou uma completa idiota, - eu disse quando ele veio pelo fundo do carro para andar comigo até a casa. Eric não disse nada. Acho que ele concordou comigo. - Olá, - eu chamei, empurrando a porta após ter batido e não ter obtido resposta. A porta da garagem levava até a lavanderia e dela até a cozinha. Como você esperaria de uma casa de vampiros, a cozinha era absolutamente limpa, porque não era usada. Essa cozinha era pequena para uma casa deste tamanho. Eu acho que a corretora de imóveis pensara que aquele fora seu dia de sorte – sua noite de sorte – quando ela mostrou isso a vampiros, já que uma família verdadeira que cozinha em casa teria problemas em lidar com uma cozinha do tamanho de uma cama de casal. A casa tinha um piso aberto plano, então você podia ver o balcão de café da manhã dentro da sala da ―família‖ – neste caso, a sala principal para uma família muito estranha. Havia três entradas abertas que provavelmente levavam à sala de estar, à sala de jantar e à área dos quartos. Neste exato momento, essa sala da família estava lotada de pessoas. Tive a impressão, pelos vislumbres de pés e braços, que mais pessoas estavam paradas nas entradas abertas nas outras salas. Os vampiros estavam lá: Pam, Chow, Gerald e pelo menos mais dois que reconheci do Fangtasia. Os de ‗dupla-natureza‘ eram representados pelo Coronel Flood, a ruiva Amanda (minha grande fã), o adolescente de cabelos espetados (Sid), Alcide, Culpepper, e (para meu desgosto) Debbie Pelt. Debbie estava vestida no apogeu da moda – pelo menos em sua versão da moda – que parecia um pouco fora do lugar para um encontro com este. Talvez ela quisesse me lembrar que tinha um ótimo emprego trabalhando numa agência de propagandas. Oh, ótimo. A presença da Debbie fez a noite ficar perfeita. O grupo que não reconheci tinha que ser as bruxas locais, por processo de eliminação. Assumi que a mulher digna sentada no sofá era a líder delas. Eu não sabia qual era seu titulo correto – mestre do coven? Mestra? Ela tinha mais ou menos sessenta anos, e tinha um cabelo grisalho cor de ferro. Uma Afro-Americana com a pele da cor de café, ela tinha olhos castanhos que pareciam infinitamente sábios e também céticos. Ela trouxera um jovem homem pálido com óculos, que usava apertadas calças-caqui com uma camisa listrada e polidos sapatos de viagem. Ele provavelmente trabalhava no Office Depot* ou no Super One Foods** em algum tipo de posição gerencial, e seus filhos pensariam que ele tinha saído para jogar boliche ou que estaria em alguma reunião da igreja nesta noite fria de janeiro. Ao invés disso, ele e a jovem bruxa a seu lado estavam prestes a embarcar numa luta até a morte.
(*Office Depot é uma fornecedora de produtos e serviços de escritório. A seleção de produtos da companhia inclui computadores e softwares de computador enquanto os serviços variam entre impressões, cópias, reprodução de documentos, envio de correspondências, etc.)
(**Super One Foods é uma rede de supermercados dos Estados Unidos. Têm lojas no Texas, Louisiana, Arkansas, Dakota do Norte, Minnesota, Michigan, entre outros.)
As duas últimas cadeiras vazias estavam claramente guardadas para o Eric e eu. - Nós esperávamos que você viesse mais cedo, - Pam disse rispidamente. - Oi, bom te ver também, obrigada por vir depois de um aviso tão em cima da hora, - eu murmurei. Por um longo momento, todos na sala olharam para o Eric, esperando que ele controlasse a ação, como fizera por anos. E Eric olhou de volta para eles sem expressão. A longa pausa começou a parecer estranha. - Bem, vejamos o que temos, - Pam disse. Todos os Sobre reunidos viraram seus rostos para ela. Pam pareceu assumir a liderança, e ela estava pronta para lidar com isso. - Graças aos Lobis rastreadores, nós sabemos a localização do prédio que a Hallow usa como seu quartel-general, - Pam me disse. Ela parecia estar ignorando o Eric, mas senti que era porque ela não sabia mais o que fazer. Sid sorriu abertamente para mim; lembrei que ele e Emilio rastrearam os assassinos da loja de noivas até a casa. Então me dei conta que ele me mostrava que tinha deixado seus dentes pontudos. Eca. Eu conseguia entender a presença dos vampiros, dos bruxos e dos Lobis, mas porque a Debbie Pelt estava nesta reunião? Ela era uma metamorfa e não uma Lobis. Os Lobis sempre foram tão esnobes em relação aos metamorfos, e aqui estava uma; mais ainda, uma fora de ser próprio território. Eu tinha aversão a ela e não confiava nela. Ela deve ter insistido em estar ali, e isto me fez confiar ainda menos nela, se isso fosse possível. Se ela estava tão determinada em unir-se, coloquem a Debbie na primeira linha de fogo, seria meu conselho. Você não teria que se preocupar com o que ela fazia pelas suas costas. Minha avó certamente teria vergonha de meu caráter vingativo; mas, então (como Alcide) ela teria achado quase impossível de acreditar que Debbie realmente tentara me matar. - Nos infiltraremos na vizinhança lentamente, - Pam disse. Imaginei se ela teria lido um manual de comando. – Os bruxos já emitiram muita magia na área, então não há muitas pessoas nas ruas. Alguns dos Lobis já estão posicionados. Não seremos tão óbvios. Sookie irá primeiro. Os Sobre presentes viraram seus olhos para mim no mesmo momento. Isso era muito desconcertante: era como estar no meio de picapes à noite, quando todas elas ligassem seus faróis para iluminar o centro. - Por quê? – Alcide perguntou. Suas mãos grandes agarraram seus joelhos. Debbie, que afundou para se sentar no chão ao lado do sofá, sorriu para mim, sabendo que o Alcide não podia vê-la. - Porque a Sookie é humana, - Pam apontou. – E ela é mais um fenômeno natural do que uma verdadeira Sobre. Eles não irão detectá-la. Eric havia segurado minha mão. Ele apertava tão forte que pensei ouvir meus ossos rangendo. Antes de seu feitiço, ele terei cortado o plano da Pam pela raiz* ou talvez teria aprovado-o entusiasmadamente. Agora ele estava intimidado demais para comentar, o que claramente queria fazer.
(*No original seria ―he would have nipped Pam's plan in the bud‖; nipped (something) in the bud, significa cortar (algo) pela raiz.)
- O que eu devo fazer quando chegar lá? – Eu estava orgulhosa de mim mesma por soar tão calma e prática. Eu preferiria estar tomando o pedido complicado de bebidas de uma mesa de oportunistas bêbados do que estar na primeira frente de batalha. - Leia as mentes dos bruxos que estão dentro do prédio enquanto nos posicionamos. Se eles nos detectarem enquanto nos aproximamos, nós perderemos o elemento surpresa e enfrentaremos uma grande chance de receber graves ferimentos. – Quando ela se excitava, Pam tinha um leve sotaque, embora eu não nunca fui capaz de descobrir o que era. Eu pensei que poderia ser apenas inglês como quando era falado trezentos anos atrás. Ou tanto faz. – Você pode contá-los? É possível? Pensei por um segundo. – Sim, eu posso fazer isso. - Isso seria uma grande ajuda também. - O que faremos quando chegarmos ao prédio? – Perguntou Sid. Nervoso com a emoção de tudo aquilo, ele sorria abertamente, expondo seus dentes pontudos. Pam pareceu brandamente surpresa. – Nós matamos todos, - ela disse. O sorriso do Sid desapareceu. Estremeci. Eu não fui a única. Pam pareceu perceber que ela havia dito algo desagradável. – O que mais podemos fazer? – Ela perguntou, genuinamente surpresa. Isto deixou todos perplexos. - Eles farão o melhor para nos matar, - Chow apontou. – Eles fizeram apenas uma tentativa de negociação e isso custou a memória do Eric e a vida do Clancy. Eles entregaram as roupas do Clancy no Fangtasia esta manhã. - As pessoas desviaram seus olhares do Eric, envergonhadas. Ele pareceu aflito, e dei tapinhas em sua mão com a minha mão livre. Seu aperto em minha mão direita havia relaxado um pouco. Minha circulação se restaurou naquela mão, e começou a formigar. Isso era um alivio. - Alguém precisa ir com a Sookie, - Alcide disse. Ele olhou para a Pam de cara feia. – Ela não pode se aproximar daquela casa sozinha. - Eu irei com ela, - disse uma voz familiar do canto da sala e me inclinei, buscando nos rostos. - Bubba! – Eu disse, feliz em ver o vampiro. Eric encarou maravilhado o rosto famoso. O reluzente cabelo negro estava penteado para trás em topete e o lábio inferior estava estirado naquele sorriso que é sua marca registrada. Seu atual guardião deve tê-lo vestido para a noite, porque ao invés de um macacão coberto de imitação de diamante, ou jeans e camiseta, Bubba usava roupa camuflada*.
(* http://www.slygear.com/cgi-bin/image/templates/CamoDisplay-3.jpg ).
- Feliz em vê-la, senhorita Sookie, - Bubba disse. – Eu estou vestindo meu uniforme do Exército. - Posso ver isso. Muito bonito, Bubba. - Obrigado, madame. Pam considerou. – Isso pode ser uma boa ideia, - ela disse. – Seu, ah – padrão mental, a assinatura, vocês entendem o que quero dizer? É tão, ah, atípico que eles não descobrirão que um vampiro está por perto. – Pam falou com muito tato. Bubba era um vampiro terrível. Embora sigiloso e obediente, ele não raciocinava muito bem e ele gostava mais de sangue de gato do que de sangue de humano. - Onde está o Bill, senhorita Sookie? – Ele perguntou, como poderia ter predito que ele faria. Bubba era muito afeiçoado ao Bill. - Ele está no Peru, Bubba. Isso é na América do Sul.
- Não, não estou, - disse uma voz fria, e meu coração disparou. – Estou de volta. – Do lado de fora de uma das passagens aberta, entrou meu antigo amor. Essa era simplesmente uma noite de surpresas. Esperei que algumas delas fossem boas. Ver o Bill tão inesperadamente me deu uma sacudida mais pesada do que eu esperava. Eu nunca tinha tido um ex-namorado antes, minha vida careceu completamente de namorados, então eu não tinha muita experiência em lidar com minhas emoções em estar em sua presença, especialmente com o Eric apertando minha mão como se eu fosse a Mary Poppins* e ele a minha responsabilidade.
(*Mary Poppins é um filme dos Estados Unidos de 1964, do gênero fantasia musical, dirigido por Robert Stevenson, baseado em livro de Pamela Lyndon Travers e produzido pelos Estúdios Disney. Ganhou cinco prêmios Oscar, incluindo o de melhor atriz para Julie Andrews. O filme é sobre uma babá que desce das nuvens até a casa de um banqueiro e sua mulher, usando um guarda-chuva mágico como pára-quedas. Ela anima os filhos do casal com suas canções, brincadeiras e sua alegria em viver.)
Bill estava bonito em suas calças cáquis. Ele vestia uma camisa da Calvin Klein* que eu tinha escolhido para ele, um modelo xadrez marrom e dourado. Não que eu tenha notado.
(*Calvin Klein é o nome da marca de roupa comercializada pela empresa de um estilista de mesmo nome e foi inaugurada em 1968. Calvin Klein é uma grife de sucesso presente há vários anos no mundo da moda. Com sua loja matriz em Nova York, nos Estados Unidos, a loja participa de várias semanas de moda, além de ser vista como uma marca de alto nível.)
- Ótimo, precisamos de você está noite, - Pam disse. Sra. Negócios. – Você terá que me contar como estavam as ruínas, aquelas que todos comentam. Você conhece o resto das pessoas aqui? Bill olhou ao redor. – Coronel Flood, - ele disse, assentindo. – Alcide. – Seu aceno para o Alcide fora menos cordial. – Eu não conheço esses novos aliados, - ele disse, indicando os bruxos. Bill esperou até que as apresentações fossem completadas para perguntar, - O que Debbie Pelt está fazendo aqui? Eu tentei não parecer pasma em ter meus pensamentos mais internos ditos em voz alta. Minha exata pergunta! E como o Bill conhecia a Debbie? Tentei me lembrar se eles haviam se cruzado em Jackson, se eles realmente se conheceram cara a cara; e não pude me lembrar de tal encontro, embora, é claro, o Bill soubesse o que ela havia feito. - Ela é mulher do Alcide, - Pam disse, de um modo cauteloso e surpreso. Ergui minha sobrancelha, olhando para o Alcide, e ele ficou vermelho-escuro. - Ela está aqui para uma visita, e ela decidiu acompanhá-lo, - Pam continuou. – Você tem objeções à presença dela? - Ela participou enquanto eu estava sendo torturado na mansão do rei do Mississipi, - Bill disse. – Ela gostava da minha dor. Alcide paralisou-se, parecendo mais chocado do que já o tinha visto. – Debbie, isso é verdade? Debbie tentou não estremecer, agora que todos os olhares estavam sobre ela e todos os olhares não eram amigáveis. - Eu apenas visitei um amigo Lobis que morava lá, um dos guardas, - ela disse. Sua voz não soou calma o suficiente para corresponder às palavras. – Obviamente, não havia nada que eu pudesse fazer para libertá-lo. Eu terei sido feita em pedaçinhos. Eu não acredito que você se lembra de mim lá claramente. Você estava certamente fora de combate. – Havia um traço de desprezo em suas palavras.
- Você participou da tortura, - Bill disse, sua voz ainda impessoal e tão mais convincente por isso. – Você gostava mais dos alicates. - Você não disse a ninguém que ele estava lá? – Alcide perguntou a Debbie. Sua voz não era nem um pouco impessoal. Continha desgosto, raiva, e traição. – Sabia que alguém de outro reino estava sendo torturado na casa do Russell, e não fez nada? - Ele é um vampiro, pelo amor de Deus! – Debbie disse, soando nada mais do que irritada. - Quando descobri depois que você estava andando com a Sookie para buscá-lo para você poder tirar seu pai da divida com os vampiros, me senti terrível. Mas naquele momento eram apenas negócios de vampiros. Por que eu deveria interferir? - Mas por que qualquer pessoa decente participaria de uma tortura? – A voz do Alcide era tensa. Houve um longo silêncio. - E é claro, ela tentou matar a Sookie, - Bill disse. Ele ainda conseguiu soar desapaixonado. - Eu não sabia que você estava no porta-malas do carro quando a empurrei! Eu não sabia que estava confinando-a com um vampiro faminto! – Debbie protestou. Eu não sabia quanto aos outros, mas não eu não fiquei convencida nem por um segundo. Alcide dobrou sua áspera cabeça escura para olhar para dentro de suas mãos como se elas segurassem um oráculo. Ele ergueu seu rosto para olhar para a Debbie. Ele era um homem incapaz de se esquivar da bala da verdade por muito mais tempo. Lamentei mais por ele do que já senti por outra pessoa por um longo tempo. - Eu te repudio, - Alcide disse. O Coronel Flood estremeceu, e o jovem Sid, Amanda e Culpepper pareceram surpresos e impressionados, como se isso fosse uma cerimônia que eles nunca pensaram que iriam presenciar. - Eu não vou mais vê-la. Eu não vou mais caçar com você. Eu não vou mais dividir carne com você. Isso era obviamente um ritual de grande significado entre os de dupla-natureza. Debbie encarou o Alcide, horrorizada com a sua declaração. Os bruxos murmuraram entre si, mas de outra maneira, a sala permaneceu em silêncio. Até o Bubba estava de olhos arregalados, e a maioria das coisas passava diretamente por sua cabeça brilhante. - Não, - Debbie disse numa voz estrangulada, sacudindo uma mão em sua frente como se ela pudesse apagar aquela passagem. – Não, Alcide! Mas, ele olhava através dela. Ele não a via mais. Embora eu não suportasse a Debbie, seu rosto era doloroso demais para se ver. Como a maioria dos presentes, assim que pude, olhei para qualquer outro lugar, menos a metamorfa. Encarar o coven da Hallow parecia fácil comparado a testemunhar este episódio. Pam pareceu concordar. - Muito bem, então, - ela disse bruscamente. – Bubba irá com a Sookie. Ela fará o melhor para fazer seja lá o que ela faz – e ela nos dará um sinal. – Pam ponderou por um momento. – Sookie, recapitulando: Nós precisamos saber o número de pessoas dentro da casa, se ou não eles são todos bruxos, e qualquer outro petisco que você consiga catar. Mande o Bubba de volta para nós com qualquer informação que você descubra e mantenha guarda até nos movermos. Uma vez que estivermos em posição, você pode retornar ao carro, onde estará mais segura. Eu não tinha nenhum problema com isso. Numa multidão de bruxos, vampiros e Lobis, eu não era combatente. - Isso parece bem, se eu tenho mesmo que estar envolvida, - eu disse. Um puxão em minha mão levou meus olhos aos do Eric. Ele pareceu satisfeito com a perspectiva de lutar, mas ainda estava incerta sua postura e rosto. – Mas o que acontecerá com o Eric? - O que quer dizer?
- Se você entrar e matar a todos, que irá retirar o feitiço dele? – Eu virei meu rosto para os especialistas, o contingente Wiccan. – Se o coven da Hallow morrer, o feitiço morre também? Ou o Eric ainda ficará sem sua memória? - O feitiço deve ser removido, - disse a bruxa mais velha, a calma mulher Afro-Americana. – Se é removido pelo que o lançou em primeiro lugar, é melhor. Pode ser retirado por outra pessoa, mas isso levaria mais tempo, mais esforço, já que não sabemos o que foi colocado para fazer este feitiço. Eu estava evitando olhar para o Alcide, porque ele ainda tremia com a violência das emoções que o levaram a repudiar a Debbie. Apesar de eu não saber que tal ação era possível, minha primeira reação foi me sentir um pouco amarga por ele não tê-la rechaçado logo após eu ter lhe dito um mês atrás que ela tinha tentando me matar. Entretanto, ele poderia ter dito a si mesmo que eu estava enganada, que não havia sido a Debbie que eu havia sentido perto de mim antes dela ter me empurrado no porta-malas do Cadilac. Pelo que eu sabia, essa era a primeira vez que a Debbie admira que tinha feito. E ela protestou que não sabia que o Bill estava no porta-malas, inconsciente. Mas encarcerar uma pessoa dentro do porta-malas de um carro e trancá-la não é nenhuma brincadeira divertida, é? Talvez a Debbie estivesse mentindo um pouco para si própria também. Eu precisava escutar o que estava acontecendo agora. Eu teria muito tempo para pensar a respeito da capacidade do ego do ser humano enganar a si mesmo, se eu sobrevivesse esta noite. Pam ia dizendo. - Então você está pensando que devemos salvar a Hallow? Para retirar o feitiço do Eric? – Ela não soou feliz diante da perspectiva. Eu engoli meus sentimentos dolorosos e me obriguei a escutar. Não era hora de meditar. - Não, - a bruxa disse instantaneamente. – O irmão dela, Mark. Há muito perigo em deixar a Hallow viva. Ela deve morrer o mais rápido que possamos alcançá-la. - E o que você estará fazendo? – Pam perguntou. – Como você vai nos ajudar neste ataque? - Nós estaremos do lado de fora, mas a duas quadras de distância, - o homem disse. – Nós lançaremos feitiços em volta da casa para fazer os bruxos ficarem mais fracos e indefesos. E temos alguns truques na manga. – Ele e a jovem mulher, que tinha uma grande quantidade de maquiagem preta em volta dos olhos, pareceram muito satisfeitos pela chance de poderem usar estes truques. Pam assentiu como se lançar feitiço fosse adição suficiente. Eu pensei que esperar do lado de fora com um lança-chamas seria melhor. Todo esse tempo, Debbie Pelt estava parada como se estivesse paralisada. Agora ela começou a pegar seu caminho até a porta dos fundos. Bubba saltou para agarrar seu braço. Ela sibilou contra ele, mas ele não vacilou, apesar de que eu teria. Nenhum dos Lobis reagiu a esta ocorrência. Era como se ela fosse invisível para eles. - Me deixe ir . Eu não bem-vinda, - ela disse ao Bubba, fúria e miséria brigando pelo controle em seu rosto. Bubba deu de ombros. Ele apenas a segurou, esperando pelo julgamento da Pam. - Se nós deixarmos você ir, você poderá correr até as bruxas e dizê-las que estamos nos aproximando, - Pam disse. – Isso seria fácil com seu caráter, aparentemente. Debbie teve o atrevimento de parecer ultrajada. Alcide parecia como se estivesse assistindo ao Canal do Tempo. - Bill, tome conta dela, - Chow sugeriu. – Se ela se virar contra nós, mate-a. - Isso parece maravilhoso, - Bill disse, sorrindo com as presas. Após mais alguns ajustes sobre o nosso transporte e mais alguma consulta silenciosa entre os bruxos, que estavam encarando um tipo totalmente diferente de luta, Pam disse, - Tudo certo, vamos lá. – Pam, que parecia mais do que nunca com Alice No País das Maravilhas em seu suéter rosa claro e calça rosa escura, levantou-se e checou seu batom no espelho na parede próxima de onde eu estava sentada. Ela deu um sorriso experimental ao seu reflexo, como tenho visto as mulheres fazer milhares de vezes. - Sookie, minha amiga, - ela disse, virando-se para mirar seu sorriso para mim. – Esta é uma grande noite. - É? - Sim. – Pam pôs seu braço em volta dos meus ombros. – Nós defendemos o que é nosso! Nós lutamos pela restauração de nosso líder! – Ela sorriu abertamente para o Eric. – Amanhã, Xerife, você estará de volta à sua mesa no Fangtasia. Você poderá ir para sua própria casa, sua própria cama. Nós mantivemos limpa para você. Eu chequei a reação do Eric. Eu nunca vira a Pam se dirigir ao Eric por seu titulo antes. Apesar de que o vampiro chefe de cada seção fosse chamado de xerife, e eu já deveria ter me acostumado com isso agora, eu não podia evitar imaginar o Eric numa roupa de caubói com uma estrela pregada em seu peito, ou (meu favorito) em calças justas pretas como o vil xerife de Nottingham*. Achei interessante também que ele não morava com Pam e Chow. (*Nottingham é uma cidade da Inglaterra, no Reino Unido. É a capital do condado de Nottinghamshire. Tem cerca de 635 mil habitantes. Tem origem num povoado saxão do século VI.) Eric deu a Pam um olhar tão sério que seu sorriso desapareceu imediatamente de seu rosto. - Se eu morrer esta noite, - ele disse, - pague a esta mulher o dinheiro que lhe foi prometido. – Eu encolhi meus ombros. Eu estava coberta por vampiros. - Eu juro, - Pam disse. – Chow e Gerald saberão também. Eric disse, - Você sabe onde está o irmão dela? Chocada, me afastei da Pam. Pam pareceu igualmente desconcertada; - Não, xerife. - Me ocorreu que você poderia tê-lo feito refém para garantir que ela não me trairia. – A idéia nunca cruzou minha mente, mas deveria. Obviamente, eu tinha muito que aprender sobre ser desonesta. - Desejo ter pensado nisso, - Pam disse admirada, ecoando meus pensamentos com sua própria distorção. – Eu não teria me importado passar um tempo com o Jason como meu refém. – Eu não conseguia entender; a atração do Jason parecia universal. – Mas,não o peguei, - Pam disse. – Se passarmos por isso, Sookie, procurarei por ele eu mesma. Será que os bruxos da Hallow o tenham pegado? - É possível, - eu disse. – Claudine disse que não viu nenhum refém, mas ela também disse que houve salas que ela não entrou. Apesar de que eu não saber por que teriam pegado o Jason, a não ser que a Harlow saiba que eu estava com o Eric? Então eles talvez o teriam usado para me fazer falar, assim como você o usaria para me manter calada. Mas eles não me abordaram. Você não pode chantagear uma pessoa que não sabe o que você tem contra ela. - Entretanto, lembrarei a todos que entrarão na casa para procurar por ele, - Pam disse. - Como está a Belinda? – perguntei. – Você já fez os ajustes para pagar a conta do hospital? Ela olhou para mim sem expressão. - A garçonete que foi ferida defendendo o Fangtasia? – Eu a lembrei, um pouco secamente. – Lembra-se? A amiga da Ginger, que morreu? - É claro, - disse Chow, do seu lugar contra a parede. – Ela se recupera. Nós lhe enviamos flores e doces, - ele disse a Pam. Depois ele se focou em mim. – Ainda mais, nós temos uma política de seguros. – Ele estava orgulhoso como um pai de primeira viagem sobre isso.
Pam pareceu satisfeita com o relatório do Chow. - Bom, - ela disse. – Você tem que mantê-los feliz. Estamos prontos para partir? Dei de ombros. – Acho que sim. Não há motivo para esperar. Bill parou em frente a mim enquanto Chow e Pam consultavam sobre qual veiculo usar. Gerald havia saído para se assegurar que todos estavam atualizados sobre o plano de batalha. - Como estava o Peru? – Perguntei ao Bill. Eu estava bem consciente do Eric, uma enorme sombra loira no meu cotovelo. - Fiz muitas anotações para meu livro, - Bill disse. – A América do Sul não tem sido boa para os vampiros como um todo, mas o Peru não é tão hostil quanto os outros países, e eu pude conversar com alguns vampiros de quem nunca tinha ouvido falar antes. – Por meses, Bill vinha compilando um diretório vampiro sob ordens da rainha de Louisiana, que pensou que obter tal item seria muito prático. Sua opinião certamente não era uma opinião universal da comunidade vampiresca, alguns deles tinham fortes objeções em serem expostos, mesmo entre sua própria espécie. Acho que viver em segredo podia ser quase impossível de se desistir, se você se acostumou a isso por séculos. Havia vampiros que ainda viviam em cemitérios, caçando toda noite, recusando-se a reconhecer a mudança de seu status; parecia com as histórias sobre os soldados japoneses que se recusaram a entregar ilhas no Pacifico muito tempo depois que a Segunda Guerra ter acabado. - Você chegou a ver aquelas ruínas que você falou sobre? - Machu Picchu? Sim, escalei-as eu mesmo. Foi uma experiência maravilhosa. Tentei imaginar o Bill escalando uma montanha à noite, vendo as ruínas de uma civilização antiga sob a luz da lua. Eu não conseguia nem mesmo imaginar como isso deveria ter sido. Eu nunca saí do país. Na verdade, saí poucas vezes do estado. - Esse é o Bill, seu antigo companheiro? – A voz do Eric soou um pouco… tensa. - Ah, isso é – bem, sim, mais ou menos, - eu disse infeliz. O ―antigo‖ estava correto; o ―companheiro‖ estava um pouco distante. Eric pôs as duas mãos sobre meus ombros e se moveu para mais perto de mim. Eu não tinha dúvidas de que ele encarava o Bill por cima da minha cabeça, que o encarava de volta. Eric também deve ter prendido uma placa de ELA É MINHA no topo da minha cabeça. Arlene me disse que ela amava momentos como este, quando seu ex claramente via que outra pessoa havia lhe dado valor, mesmo que ele não tenha. Tudo que posso dizer é que meu gosto de satisfação era completamente diferente. Eu odiei isso. Pareceu estranho e ridículo. - Você realmente não se lembra de mim, - Bill disse para o Eric, como se ele tivesse duvidado disso até o momento. Minhas suspeitas foram confirmadas quando ele me disse, como se o Eric não estivesse parado ali, - Na verdade, eu pensei que isso era um elaborado esquema do Eric para que ele fosse ficar na sua casa, assim ele poderia ir parar na sua cama. Já que o mesmo pensamento chegou a me ocorrer, apesar de eu tê-lo descartado rapidamente, não pude protestar; mas pude sentir-me corar. - Temos que ir para o carro, - eu disse ao Eric, virando-me para flagrar um vislumbre de seu rosto. Ele estava tão duro feito pedra e inexpressivo, o que geralmente sinalizava que ele estava em estado mental perigoso. Mas ele veio comigo quando me movi para a porta, e a casa inteira se esvaziou lentamente de seus habitantes para a estreita rua suburbana. Imaginei o que pensava a vizinhança. É claro, eles sabiam que a casa era habitada por vampiros – ninguém por perto durante o dia, e todo o trabalho no jardim feito por humanos contratados, as pessoas que vinham e iam à noite eram tão pálidas. Esta atividade repentina tinha que convidar a atenção da vizinhança. Dirigi em silêncio, Eric ao meu lado no banco da frente. De vez em quando ele se esticava para me tocar. Eu não sabia com quem o Bill tinha pegado uma carona, mas fiquei feliz por não ter sido comigo. O nível de testosterona seria alto demais no carro, e eu provavelmente sufocaria.
Bubba estava sentado no banco traseiro, cantarolando para si mesmo. Soava como ―Love Me Tender‖.*
(*Love Me Tender é uma canção de Elvis Presley composta no ano de 1956. Love me tender em português significa "Ame-me com ternura".)
- Este carro é uma porcaria, - Eric disse, do nada, pelo que eu sabia. - Sim, - concordei. - Está com medo? - Estou. - Se isto funcionar, você continuará saindo comigo? - Claro, - eu disse, para fazê-lo feliz. Eu tinha certeza que após este confronto, nada seria o mesmo. Mas sem a convicção do verdadeiro Eric sobre sua valentia, inteligência e crueldade, esse Eric era bastante inseguro. Ele havia se revitalizado para a atual batalha, mas agora mesmo precisava de um encorajamento. Pam havia estipulado onde cada um deveria estacionar, para prevenir que o coven da Hallow fosse alarmado pela aparição repentina de muitos carros. Nós tínhamos um mapa com nosso lugar marcado nele. Resultou ser no E-Z Mart* na esquina de duas ruas largas numa área de descida que estava mudando de área residencial para comercial. Estacionamos na esquina mais afastada que o E-Z Mart pôde oferecer. Sem mais discussões, saímos rumo à nossas posições designadas. (*E-Z Mart é uma cadeia de lojas de conveniências. Existem lojas situadas no Arkansas, Texas, Oklahoma, Louisiana e Missouri.) Mais ou menos metade das casas na silenciosa rua tinha placas imobiliárias no gramado frontal, e as que pertenciam a mãos privadas não estavam bem mantidas. Carros estavam tão desgastados quanto o meu, e grandes partes nuas indicavam que o gramado não fora fertilizado ou regado no verão. Toda janela iluminada parecia mostrar uma oscilação de uma tela de televisão. Eu estava feliz por ser inverno, pois as pessoas que moravam ali estavam todas dentro de suas casas. Dois vampiros brancos e uma mulher loira excitariam comentários, se não agressividade, nesta vizinhança. Ainda mais, um dos vampiros era bem reconhecível, apesar dos rigores de sua mudança – o que era porque do Bubba ser quase sempre mantido fora de vista. Logo estávamos na esquina onde o Eric deveria se separar de nós para encontrar os outros vampiros. Eu seguiria para minha posição designada sem acrescentar uma palavra; neste momento eu irradiava tanta carga de tensão que senti que vibraria se você me tocasse com um dedo. Mas Eric não estava contente com uma separação silenciosa. Ele agarrou meus braços e me beijou com tudo o que ele tinha, e acredite, era bastante. Bubba fez um som de desaprovação. - Você não deveria estar beijando mais ninguém, senhorita Sookie, - ele disse. – Bill disse que está tudo bem, mas eu não gosto. Após mais um segundo, Eric me soltou. - Lamento se nós o ofendemos, - ele disse friamente. Ele olhou para mim. – Vejo você mais tarde, meu amor, - ele disse muito quietamente. Pus minha mão em sua bochecha. - Mais tarde, - eu disse, e me virei e me afastei com o Bubba em meu encalço. - Você não está brava comigo, está senhorita Sookie? – ele perguntou ansiosamente. - Não, - eu disse. Forcei-me a sorrir para ele, já que eu sabia que ele podia me ver bem mais claramente do eu podia vê-lo. Era uma noite fria, e embora eu estivesse usando meu casaco, não parecia estar tão quente quanto costumava ser. Minhas mãos nuas tremiam pelo frio e meu nariz sentia-se entorpecido. Eu podia detectar o cheiro de fumaça de madeira de uma chaminé, e descarga de automóvel, e gasolina, e óleo, e todos os outros odores de carro que combinam para criar o Cheiro da Cidade. Mas havia outro cheiro impregnando a vizinhança, um aroma que indicava que esta vizinhança estava contaminada por mais do que ferrugem urbana. Inalei, e o odor entrelaçou-se no ar em floreios quase visíveis. Após um momento de reflexão, percebi que este deveria ser o cheiro de magia, espesso e de contrair o estômago. Magia cheirava como um bazar em algum país exótico podia cheirar. Exala a estranho, a diferente. A essência de muita magia pode ser bem esmagadora. Porque os residentes não reclamavam com a polícia sobre isso? Todo mundo poderia sentir aquele odor? - Bubba, sente algum cheiro estranho? – Perguntei em uma voz muito baixa. Um cão ou dois latiram enquanto passávamos na noite escura, mas eles rapidamente se calaram quando sentiram o cheiro de vampiro. (Para eles, eu acho, Bubba era algo estranho). Cães quase sempre têm medo de vampiros, apesar da reação deles a Lobis e metamorfos ser menos previsível. Descobri a mim mesma convencida de que queria nada mais do que voltar ao carro e partir. Era um esforço consciente fazer meus pés se moverem para a direção correta. - Sim, claro que sim, - ele sussurrou de volta. – Alguém pôs alguns feitiços. Mágica para afastar. – Eu não sabia se as Wiccans do nosso lado, ou os bruxos da Hallow, eram os responsáveis por este penetrante pedaço de habilidade, mas era eficaz. A noite pareceu quase estranhamente silenciosa. Talvez três carros passaram por nós enquanto andávamos pelo labirinto das ruas suburbanas. Bubba e eu não vimos outros pedestres, e a sensação ameaçante de isolamento cresceu. A sensação de nos manter afastados cresceu enquanto nos aproximávamos do que deveríamos nos manter afastados. A escuridão entre as piscinas de luz abaixo dos postes de luz pareceu maior e a luz não pareceu alcançar tão longe. Quando Bubba pegou na minha mão, eu não a afastei. Meus pés pareciam afundar a cada passo. Já tinha notado este cheiro antes, no Fangtasia. Talvez os rastreadores Lobis tenham tido um trabalho mais fácil do que eu tinha imaginado. - Estamos lá, senhorita Sookie, - Bubba disse, sua voz apenas um filamento quieto na noite. Tínhamos virado a esquina. Já que eu sabia que havia um feitiço, e eu sabia que eu podia continuar andando, eu o fiz; mas, se eu fosse uma residente da área, eu teria achado uma rota alternativa e não teria pensado nem duas vezes. O impulso de evitar este lugar era tão grande que imaginei se as pessoas que viviam neste quarteirão era capazes de chegar em casa após o trabalho. Talvez estivessem comendo fora, indo a cinemas, bebendo em bares – qualquer coisa para evitar retornar para suas casas. Cada casa na rua pareceu suspeitosamente escura e desocupada. Do outro lado da rua, e no final oposto do quarteirão, estava o centro de magia. O coven da Hallow encontrara um bom lugar para se instalar: uma empresa para locação, um grande prédio que combinava uma loja de flores e uma padaria. Minnie‘s Flowers & Cakes permanecia numa posição solitária, a maior loja em uma faixa de três que tinha, uma por uma, desbotado e desaparecido como chamas em um candelabro. O prédio tinha estado aparentemente vazio por anos. As grandes vitrines de vidro estavam revestidas com pôsteres de eventos que já haviam acontecido há muito tempo e candidatos políticos que já haviam sido derrotados há muito. O compensado pregado sobre as portas de vidro eram a prova de que vândalos haviam invadido o local mais de uma vez. Até mesmo com o frio do inverno, ervas empurravam-se através de fissuras no estacionamento. Um grande depósito de lixo* permanecia no lado direito do estacionamento. Eu o localizei do outro lado da rua, obtendo o máximo possível de imagem do lado de fora antes de fechar meus olhos para me concentrar em meus outros sentidos. Esperei um momento para me arrepender.
(*Dumpster: http://andrewdavidburgess.files.wordpress.com/2009/03/commercial-dumpster.jpg).
Se você me perguntar, eu teria tido dificuldade em rastrear os passos que havia me levado a este lugar perigoso, neste momento perigoso. Eu estava na borda de uma batalha em que ambos os lados eram bastante duvidosos. Se eu tivesse conhecido os bruxos da Hallow primeiro, eu provavelmente estaria convencida de que os Lobis e vampiros mereciam ser erradicados. Neste momento há um ano, ninguém no mundo entendia ou ligava para o que eu era. Eu era apenas a Sookie Louca, aquela com o irmão selvagem, uma mulher que uns tinham pena e evitavam, em várias maneiras. Agora aqui estava eu, numa rua gelada de Shreveport, agarrada à mão de um vampiro cuja face era legendária e cujo cérebro era um mingau. Isso era uma melhoria? E eu não estava aqui para diversão, ou para progredir, mas para reconhecer o território para um bando de criaturas sobrenaturais, obtendo informações sobre um grupo de bruxos homicidas, bebedores de sangue, metamorfos . Suspirei, eu espero que inaudível. Oh, bem. Pelo menos ninguém havia batido em mim. Meus olhos se fecharam, e eu derrubei meus escudos e alcancei com a minha mente até o prédio do outro lado da rua. Cérebros, ocupados ocupados ocupados. Assombrei-me com o embrulho de impressões que eu recebia. Talvez a ausência de outros humanos na região, ou a esmagadora impregnação de magia era responsável; mas alguns fatores haviam aguçado meu outro sentido ao ponto da dor. Quase atordoada pelo fluxo de informações, percebi que eu tinha que classificá-las e organizá-las. Primeiro, eu contei os cérebros. Não literalmente (―Um lobo temporal, dois lobos temporais…‖), mas aglomerado de pensamentos. Contei quinze. Cinco estavam na sala da frente, que tinha sido a sala de amostras da loja, é claro. Um estava num local menor, que era provavelmente o banheiro, e o restante estava numa terceira e maior sala, que ficava aos fundos. Calculei que esta tinha sido a área de trabalho. Todos no prédio estavam acordados. Um cérebro adormecido ainda me fornece um murmúrio de um ou dois pensamentos, nos sonhos, mas não é a mesma coisa de um cérebro acordado. É como a diferença entre um cachorro contorcendo-se em seu sono e um filhotinho alerta. Para pegar o máximo de informação que eu poderia, tive que me aproximar. Eu nunca tentara escolher um grupo para pegar detalhes tão específicos como culpa ou inocência, e eu nem ao menos tinha certeza se isso era possível. Mas se alguém no prédio não fosse um bruxo malvado, eu não o queria no meio do que estava prestes a acontecer. - Mais perto, - ofeguei para o Bubba. – Mas disfarçado. - Sim, - ele sussurrou de voltou. – Você manterá seus olhos fechados? Assenti e ele me guiou muito cuidadosamente através da rua e dentro da escuridão do depósito de lixo que permanecia a mais ou menos 4,5 metros ao sul do prédio. Eu estava feliz por estar frio, porque isso mantinha o odor do lixo num nível aceitável. Os fantasmas dos odores de rosquinhas e flores mantinham-se por cima do medo de coisas estragadas e fraldas velhas que os passantes havia atirado no prático recipiente. Não se misturava muito bem com o cheiro do feitiço. Ajustei-me, bloqueando o ataque ao meu nariz, e comecei a escutar. Apesar de eu ter me saído melhor, ainda parecia como se eu estivesse tentando ouvir doze conversas ao telefone ao mesmo tempo. Alguns deles era Lobis também, o que complicava as coisas. Eu só podia pegar fragmentos e pedaços. … espero que não seja uma infecção vaginal que sinto aproximar-se… Ela não me ouviria, ela não acha que homens possam fazer o trabalho. Se eu a transformasse num sapo, quem notaria a diferença?
… gostaria que nós tivéssemos pegado uma Coca diet… Eu acharei o maldito vampiro e o matarei... Mãe da Terra ouça as minhas preces. Estou enterrado até o fundo… É melhor eu arranjar uma nova lixa de unhas. Não era decisivo, mas ninguém estava pensando, ―Oh, esses bruxos demoníacos me apanharam, ninguém vai me salvar? ou ―Ouço os vampiros se aproximando!‖ ou nada mais dramático como isso. Isso soara como um bando de gente que se conheciam, estavam pelo menos relaxados na companhia um dos outros, e, portanto, sustentavam os mesmo objetivos. Até mesmo aquele que rezava não estava num estado de urgência ou necessidade. Eu esperei que a Hallow não sentisse o aperto de minha mente, mas todo mundo que toquei parecera preocupados. - Bubba, - eu disse, só um pouco mais alto do que um pensamento, - vá dizer a Pam que há quinze pessoas lá dentro, e pelo que posso dizer, todos são bruxos. - Sim. - Você se lembra de como chegar até a Pam? - Sim. - Então pode soltar minha mão, certo? - Oh. Certo. - Seja silencioso e cuidadoso, - sussurrei. E ele já tinha ido. Eu me agachei na sombra que estava mais escura do que a noite, ao lado dos odores e do metal frio, ouvindo os bruxos. Três cérebros eram masculinos, o restante feminino. Hallow estava lá, porque uma das mulheres estava olhando para ela e pensando nela… temendo-a, o que meio que me deixou incomodada. Imaginei onde eles estacionaram os carros – a não ser que eles voassem em vassouras, ha, ha. Depois, pensei em algo que já deveria ter cruzado a minha mente. Se eles eram tão cuidadosos e perigosos, onde estavam suas sentinelas? Naquele momento, fui agarrada por trás.
- Quem é você? – perguntou uma voz fina. Já que ela tinha uma mão sobre a minha boca e a outra segurando uma faca em meu pescoço, eu não conseguia responder. Ela pareceu entender isso após um segundo, porque ela disse, - Nós vamos entrar, - e começou a me empurrar para os fundos do prédio. Eu não podia aceitar isso. Se ela fosse uma das bruxas no prédio, uma das bruxas bebedoras de sangue, eu não teria conseguido me safar dessa, mas ela era uma bruxa normal, e não tinha visto o Sam acabar tantas brigas de bar quanto eu já tinha. Com as duas mãos, eu a alcancei e agarrei o pulso em que estava a faca, e torci o mais forte que pude enquanto batia nela forte com as minhas partes inferiores. E lá se foi ela, para o imundo e frio pavimento, e eu aterrissei sobre ela, esmurrando sua mão contra o chão até ela soltar a faca. Ela soluçava, com a vontade escorregando dela. - Você é uma porcaria de vigilante, - eu disse a Holly, mantendo minha voz baixa. - Sookie? – Os olhos castanhos da Holly me olharam atentamente debaixo de uma boina de vigilante. Ela havia se vestido para esta noite, mas ainda usava um batom cor-de-rosa brilhante. - O que diabos você faz aqui? - Eles disseram que pegariam meu filho se eu não os ajudasse. Senti-me enojada. - Há quanto tempo você está ajudando eles? Antes de eu ir ao seu apartamento, pedindo por ajuda? Desde quando? – Eu a sacudi o mais forte que pude. - Quando ela veio ao bar com o irmão, ela soube que havia outra bruxa lá. E ela sabia que não era você ou o Sam após falar com vocês. Hallow pode fazer qualquer coisa. Ela sabe de tudo. Mais tarde naquela noite, ela e Mark vieram ao meu apartamento. Eles tinham estado em uma luta; eles estavam bagunçados e estavam com raiva. Mark me segurou enquanto a Hallow bateu em mim. Ela gostou disso. Ela viu a minha foto do meu filho; ela a pegou e disse que poderia amaldiçoá-lo à longa distância, de Shreveport – fazê-lo sair no tráfego ou carregar a arma do seu papai… - Holly chorava agora. Eu não a culpei. Sentia-me enojada ao pensar nisso, e ele nem ao menos era meu filho. – Tive que dizer que iria ajudá-la, - Holly choramingou. - Há outros como você lá dentro? - Forçados a fazer isso? Alguns deles. Isso fez alguns dos pensamentos que eu ouvi mais compreensíveis. - E o Jason? Ele está aí? – Apesar de eu já ter olhado todos os três cérebros masculinos no prédio, eu tinha que perguntar. - Jason é um Wiccan? Sério? – Ela tirou a boina de vigilante e passou os dedos por seus cabelos. - Não, não, não. Ela o está mantendo como refém? - Eu não o vi. E porque diabos a Hallow teria o Jason? Eu vinha me enganando esse tempo todo. Um caçador acharia os restos do meu irmão algum dia: são sempre caçadores ou pessoas passeando com seus cachorros, não é? Eu senti o chão desabar abaixo dos meus pés, como se o chão estivesse literalmente afundando embaixo de mim, mas eu me chamei de volta para o aqui e agora, para longe das emoções que não podia sentir até que eu estivesse num lugar mais seguro. - Você tem que sair daqui, - eu disse na voz mais baixa que consegui. – Você tem que sair desta área agora. - Ela pegará meu filho! - Garanto que ela não irá.
Holly pareceu ler algo na embaçada visão que ela tinha do meu rosto. - Espero que você mate todos, - ela disse tão apaixonadamente quanto alguém pode dizer em um sussurro. – Os únicos que merecem ser salvos são Parton, Chelsea e Jane. Eles foram chantageados como eu. Normalmente, eles são apenas Wiccans que gostam de viver quietos, como eu. Nós não queremos causar nenhum mal para ninguém. - Como eles se parecem? - Parton é um cara de mais ou menos vinte e cinco anos, cabelos castanhos, baixo, com uma marca de nascença na bochecha. Chelsea tem mais ou menos dezessete, seu cabelo é tingido em vermelho brilhante. Jane, hum, bem – Jane é uma velha, você sabe? Cabelos brancos, calça, blusa florida. Óculos. – Minha avó teria repreendido a Holly por classificar todas as idosas juntas, mas Deus a abençoe, ela não estava mais por perto e eu não tinha tempo. - Por que a Hallow não colocou seu pessoal mais forte no dever de guarda? – Eu perguntei, por pura curiosidade. - Eles têm um grande ritual de feitiço armado para esta noite. Eu não acredito que feitiço do afastamento não funcionou em você. Você deve ser resistente. – Então a Hallow sussurrou, com um pequeno resquício de risada em sua voz. – E também, nenhum deles queria ficar no frio. - Vá embora, saia daqui, - eu disse quase inaudível, e a ajudei a levantar. – Não importa onde tenha estacionado seu carro, vá pra norte daqui. – No caso dela não saber para qual lado era o norte, eu sinalizei. Holly foi embora, seus Nikes quase não fazendo barulho na calçada rachada. Seu opaco cabelo negro tingido pareceu absorver a luz do poste quando ela passou abaixo dele. O cheiro em volta da casa, o cheiro de magia, pareceu intensificado. Imaginei o que fazer agora. De algum modo, eu tinha que ter certeza que nenhum dos três Wiccans locais dentro daquele prédio em ruínas, aqueles que foram forçados a servir a Hallow, não fossem machucados. Eu não conseguia pensar em uma maneira de fazer isso. Será que eu conseguiria salvar pelo menos um deles? Eu tinha toda uma coleção de meios pensamentos e impulsos abortados nos próximos sessenta segundos. Todos eles levavam a um beco sem saída. Se eu corresse para dentro e berrasse, ―Parton, Chelsea, Jane – fora!‖ isso alertaria o coven para o ataque iminente. Alguns dos meus amigos – ou pelo menos, meus aliados – morreriam. Se eu ficasse por ali e tentasse dizer aos vampiros que havia três pessoas no prédio que eram inocentes, eles iriam (muito possivelmente) me ignorar. Ou, se uma flecha de piedade se abatesse sobre eles, eles teriam que salvar todos os bruxos e depois selecionar os inocentes, o que daria aos bruxos do coven tempo para contra-atacar. Bruxos não precisavam de armas físicas. Tarde demais, eu percebi que deveria ter mantido a Holly junto comigo e a usado como minha entrada no prédio. Mas arriscar uma mãe assustada também não era uma boa opção. Algo grande e quente se pressionou a meu lado. Olhos e dentes brilharam nas luzes noturnas da cidade. Eu quase gritei até reconhecer o lobo como sendo Alcide. Ele era muito grande. O pêlo prateado ao redor de seus olhos fez o resto de sua pelagem parecer mais escura. Coloquei meu braço em volta de suas costas. - Há três lá dentro que não devem morrer, - eu disse. – Eu não sei o que fazer. Já que era um lobo, Alcide também não sabia o que fazer. Ele olhou para meu rosto. Ele choramingou, só um pouquinho. Eu já deveria ter retornado para os carros naquele momento; mas aqui estava eu, metida na zona de perigo. Eu podia sentir movimentos na escuridão à minha volta. Alcide escorregou para longe para sua posição designada na porta dos fundos do edifício. - O que você faz aqui? – Bill disse furiosamente, embora isso soasse estranho saindo em um fino fio de sussurro. – Pam disse para você ir embora assim que tivesse feito a contagem. - Três aí dentro são inocentes, - eu sussurrei de volta. – Eles são locais. Foram forçados.
Bill disse algo sob sua respiração, e não era algo feliz. Eu passei adiante as vagas descrições que a Holly havia me dado. Pude sentir a tensão no corpo do Bill e então a Debbie reuniu-se a nós em nossa trincheira. No que ela estava pensando, em aproximar-se tanto do vampiro e da humana que mais a odiavam? - Eu disse para você se manter afastada, - Bill disse e sua voz era assustadora. - Alcide me abdicou, - ela me disse, como se não tivesse estado lá quando aconteceu. - O que você esperava? – Eu estava exasperada pelo seu senso de oportunidade e por sua atitude magoada. Será que ela já tinha ouvido falar em conseqüências? - Eu tenho que fazer para ganhar novamente sua confiança. Ela viera à loja errada se queria comprar algum respeito próprio. - Então me ajude a salvar os três inocentes que estão lá dentro. – Eu recontei meus problemas novamente. – Porque você não trocou para seu animal? - Oh, eu não posso, - ela disse amargamente. – Fui abdicada. Eu não posso mais trocar com a matilha do Alcide. Eles têm licença para me matar se eu o fizer. - Para o que você troca, em todo caso? - Lince Bem apropriado. - Vamos lá, - eu disse. Comecei a girar para o edifício. Eu tinha aversão a esta mulher, mas se ela poderia ter algum uso para mim, eu tinha que me aliar a ela. - Espere, eu deveria ir para a porta dos fundos com o Lobis, - Bill sibilou. – Eric já está lá. - Então vá. Senti que mais alguém estava atrás de mim e arrisquei um rápido vislumbre para ver que era a Pam. Ela sorriu para mim, e suas presas estavam para fora, logo isso era um pouco desencorajador. Talvez se os bruxos do lado de dentro não estivessem envolvidos em um ritual, e não tivessem confiado em sua sentinela pouco dedicado, e sua magia, nós não teríamos conseguido chegar à porta sem sermos detectados. Mas a sorte nos favoreceu naqueles minutos. Nós chegamos à porta da frente do edifício, Pam, Debbie e eu, e lá nos encontramos com o jovem Lobis, Sid. Pude reconhecêlo mesmo em seu corpo de lobo. Bubba estava com ele. Fui assolada por uma repentina inspiração. Me movi alguns passos para longe com o Bubba. - Você pode retornar aos Wiccans, aqueles que estão do nosso lado? Você sabe onde eles estão? – Eu sussurrei. Bubba assentiu vigorosamente. – Diga a eles que há três Wiccans locais aí dentro que estão sendo obrigados a fazer isso. Pergunte se eles podem fazer algum feitiço para manter os três inocentes sobressairem. - Direi a eles, senhorita Sookie. Eles são muito gentis comigo. - Bom garoto. Seja rápido, seja silencioso. Ele assentiu, e foi-se na escuridão. O odor ao redor do prédio estava intensificado em tal grau que eu estava tendo problemas para respirar. O ar estava tão permeado pelo cheiro, que me lembrei de passar na loja de velas num shopping. Pam disse, - Onde você enviou o Bubba? - De volta aos Wiccans. Eles precisam fazer três inocentes sobressaírem para que de algum modo não os matemos. - Mas ele tem que retornar agora. Ele era quem abriria a porta para mim! - Mas… - Eu estava desconcertada com a reação da Pam. – Ele não pode entrar sem convite, como você.
- Bubba tem o cérebro danificado, degradado. Ele não é um vampiro de verdade. Ele pode entrar sem um convite expresso. Olhei boquiaberta para a Pam. - Porque você não me disse? – Ela só ergueu suas sobrancelhas. Quando pensei, era verdade que lembrava que pelo menos duas vezes que o Bubba entrara em habitações sem convite. Eu nunca tinha somado dois mais dois. - Então terei que ser a primeira a entrar, - eu disse, mais sem emoções do que eu realmente me sentia. – Então convido todos a entrarem? - Sim. Seu convite será suficiente. O prédio não pertence a eles. - Devemos fazer isso agora? Pam deu um bufo quase inaudível. Ela sorria no brilho da luz da rua, de repente animada. - Está esperando por um convite esculpido? O Senhor me salve de vampiros sarcásticos. - Você acha que o Bubba já teve tempo suficiente para chegar até os Wiccans? - Claro. Vamos chutar os traseiros bruxos, - ela disse contente. Eu podia afirmar que o destino dos bruxos locais estava muito baixo na lista de prioridades. Todos pareciam não se preocupar com isso, exceto eu. Até mesmo o pequeno Lobis mostrar demais suas presas. - Eu chuto, você entra, - Pam disse. Ela me deu um rápido estalinho na bochecha, me surpreendendo completamente. Eu pensei, ―Não quero mesmo ficar aqui.‖ Então levantei de onde estava agachada, permanecendo atrás da Pam, e assisti com temor enquanto ela esticava a perna e chutava com a força de quatro ou cinco mulas. A fechadura espatifou-se, a porta escancarou-se para dentro enquanto a velha madeira cravada sobre ela se estilhaçou e se rachou, e eu saltei para dentro e gritei ―Entrem!‖ para os vampiros atrás de mim e para aqueles na porta dos fundos. Por um estranho momento, eu estava sozinha no covil dos bruxos, e todos eles tinham se virado para me olhar num completo assombro. A sala estava cheia de velas e pessoas sentadas em almofadas no chão; durante o tempo que esperamos do lado de fora, todos os outros no prédio pareceram entrar na sala da frente, e eles estavam sentados de pernas cruzadas num circulo, cada um com uma vela queimando a sua frente e uma tigela e uma faca. Dos três que eu tentaria salvar, a ―velha‖ era a mais fácil de se reconhecer. Só havia uma mulher de cabelos brancos no circulo. Ela usava batom cor-de-rosa brilhante, um pouco enviesado e manchado, e havia sangue ressecado em sua bochecha. Agarrei seu braço e a puxei para o canto, enquanto tudo sobre mim estava um caos. Só haviam três homens humanos na sala. O irmão da Hallow, Mark, agora sendo atacado por uma matilha de lobos, era um deles. O segundo homem era um homem de meia-idade com bochechas côncavas e cabelos pretos suspeitos, e ele não só murmurava uma espécie de feitiço, mas tirava um canivete da jaqueta caída no chão a sua direita. Ele estava longe demais para que eu pudesse fazer algo; eu tive que confiar nos outros para se protegerem. Então eu flagrei o terceiro homem, marca de nascença na bochecha – devia ser o Parton. Ele estava se agachando com as mãos na cabeça. Eu sabia como ele sentia. Agarrei seu braço e o puxei para cima, ele veio socando, é claro. Mas eu não ia aguentar isso, ninguém ia me bater, então eu destinei meu punho diretamente entre seus ineficazes braços esvoaçantes e lhe acertei bem no nariz. Ele chiou, adicionando outra camada de barulho na já cacofônica* sala, e eu o empurrei para o mesmo canto onde havia deixado a Jane. Então eu vi que ambos a velha e o jovem homem estavam brilhando. Certo, os Wiccans haviam surgido com um feitiço e estava funcionando, embora um pouco tarde. Agora eu tinha que achar a jovem moça brilhante com o cabelo tingido de vermelho, a terceira local.
(*Cacofonia é o nome que se dá a sons desagradáveis ao ouvido formados pela combinação de palavras, que ao serem pronunciadas podem dar um sentido pejorativo, obsceno ou mesmo engraçado.)
Mas, a minha sorte se esgotou; a dela já tinha. Ela brilhava, mas estava morta. Sua garganta fora rasgada por um dos lobos: um dos nossos, ou um dos deles, não importava realmente. Eu me arrastei pela disputa até o canto e prendi os dois Wiccans sobreviventes com meus braços. Debbie Pelt veio apressada. - Saiam daqui, - eu disse a eles. – Encontrem os outros Wiccans lá fora, ou vão pra casa agora. Andem, peguem um táxi, tanto faz. - É uma vizinhança ruim lá fora, - tremeu Jane. Eu a encarei. – E essa aqui não é? – Na última vez que vi os dois, Debbie estava apontando e dando instruções. Ela saíra pela porta com eles. Eu estava prestes a me mandar depois deles, já que eu nem deveria estar aqui de qualquer maneira, quando um dos Lobis bruxos bateu em minha perna. Seus dentes não acertaram a carne, mas rasgaram o tecido da minha calça e isso fora o suficiente me puxar de volta. Tropecei e quase caí no chão, mas consegui me agarrar à quina da porta a tempo de recuperar meu chão. Neste momento, a segunda onda de Lobis e vampiros surgiram da porta dos fundos, e o lobo girou para encontrar o novo assalto dos fundos. A sala estava cheia de corpos voadores e sangue salpicado e gritos. Os bruxos lutavam com tudo que tinham, e aqueles que podiam trocar haviam feito. Hallow trocara e ela era uma massa de rosnados e dentadas. Seu irmão tentava trabalhar em algum tipo de magia, que requisitava que ele estivesse sob a forma humana e ele tentava manter os Lobis e os vampiros afastados tempo o suficiente para completar seu feitiço. Ele cantarolava algo, ele e o homem de bochechas côncavas, mesmo quando Mark Stonebrook dirigiu seu punho ao estômago do Eric. Uma pesada neblina começou a se arrastar pela sala. Os bruxos, que lutavam com facas e dentes de lobo entenderam a ideia, e aqueles que podiam falar começaram a adicionar ao que Mark dizia. A nuvem de neblina na sala começou a se espessar e se espessar, até que era impossível dizer quem era amigo ou inimigo. Saltei pela porta para escapar da nuvem sufocante. Esta coisa fez com que respirar fosse um grande esforço. Era como tentar inalar e exalar bolas de algodão. Estendi minha mão, mas o pouco de parede que toquei não incluía uma porta. Estava logo ali! Senti uma onda de pânico em meu estômago enquanto eu tateava freneticamente, tentando rastrear o contorno da saída. Não só falhei em encontrar a saída, como perdi totalmente o contato com a parede nos próximos passos. Tropecei no corpo de um lobo. Eu não conseguia ver uma ferida, então eu segurei seus ombros e arrastei, tentando resgatá-lo da espessa fumaça. O lobo começou a se contorcer e trocou sobre minhas mãos, o que era bastante desconcertante. Ainda pior, trocou para uma Hallow nua. Eu não sabia que ninguém podia trocar tão rápido. Aterrorizada, eu a soltei imediatamente e retrocedi na nuvem. Eu tinha tentado ser a boa Samaritana com a vítima errada. Uma anônima, uma das bruxas, me agarrou por trás com poder sobre-humano. Ela tentou apertar meu pescoço com uma das mãos enquanto segurava meu braço com a outra, mas sua mão continuou escorregando, e eu a mordi o mais forte que pude. Ela podia ser uma bruxa, e ela podia ser uma Lobis, e ela podia ter bebido um galão de sangue de vampiro, mas ela não era uma guerreira. Ela berrou e me soltou. Neste momento, eu estava completamente desorientada. Qual era o caminho da saída? Eu tossia e meus olhos lacrimejavam. A única sensação que eu sentia era a gravidade. Visão, audição, tato: todos estavam afetados pelas grossas ondas brancas, que estava, ficando ainda mais densas. Os vampiros tinham vantagem nesta situação; eles não precisavam respirar. Todo o resto precisava.
Comparado com a espessa atmosfera na velha padaria, o ar poluído da cidade do lado de fora parecia puro e delicioso. Arfando e choramingando, lancei meus braços à minha frente e tentei encontrar uma parede ou uma porta, qualquer tipo de divisória. Uma sala que não parecia ser tão larga agora parecia cavernosa. Senti que tropecei em metros de nada, mas isso não era possível a não ser que os bruxos tivessem mudado as dimensões da sala, e minha mente prosaica simplesmente não podia aceitar esta possibilidade. À minha volta, ouvi gritos e sons que eram amortecidos pela nuvem, mas não menos assustadores. Uma borrifada de sangue de repente surgiu na frente do meu casaco. Senti o borrifo acertar meu rosto. Emiti alguns sons de aflição que eu não conseguia formar em palavras. Eu sabia que não era meu sangue e eu sabia que não fora machucada, mas de alguma maneira isto era difícil para eu acreditar. Então algo caiu a meu lado, e enquanto ia para o chão eu vislumbrei um rosto. Era o rosto de Mark Stonebrook e ele estava em processo de morte. A fumaça se fechou ao redor dele, e ele poderia ter estado em outra cidade. Deveria eu me abaixar também? O ar poderia estar melhor perto do chão. Mas o corpo do Mark estava lá embaixo, e outras coisas. Lá se foi a chance do Mark remover o feitiço do Eric, eu pensei selvagemente. Agora precisaríamos da Hallow. ―Os melhores planos de homens e ratos…‖ De onde minha avó tirara esta citação? Gerald me bateu lateralmente quando passou à procura de algo que eu não podia ver. Eu disse a mim mesma que eu era corajosa e cheia de recursos, mas as palavras soaram ocas. Eu me movimentei para frente e para trás de um jeito estabafado, tentando não tropeçar sobre os escombros no chão. A parafernália dos bruxos, tigelas e facas e pedaços de ossos e vegetais que eu não conseguia identificar, tinha sido dispersados na briga. Um ponto claro se abriu inesperadamente e eu pude ver uma tigela derrubada e uma das facas no chão aos meus pés. Eu recolhi a faca logo antes que a nuvem cobrisse tudo de novo. Eu tinha certeza de que a faca deveria ser usada para algum ritual – mas eu não era uma bruxa, e precisava dela para me defender. Me senti melhor quando tinha a faca, que era realmente bonita e parecia muito afiada. Imaginei o que nossos Wiccans faziam. Seriam eles responsáveis pela nuvem? Desejei ter tido poder de voto. Nossos bruxos, como se verificou, estavam tendo vividas cenas da luta de uma de suas irmãs do coven, que era uma adivinha. (Apesar de ela estar fisicamente com eles, ela podia ver o que estava acontecendo na superfície de uma tigela d‗água, eu descobri depois.) Ela conseguia decifrar mais usando esse metódo do que nós, apesar do porque dela não ver um bando de fumaça branca ondeando na superfície da água, eu não sei. De qualquer modo, nossos bruxos fizeram chover… no prédio. De algum modo, a chuva reduziu lentamente a cobertura da nuvem, e apesar de estar úmido e extremamente frio, eu também descobri que estava próxima à porta de entrada, a que conduzia à segunda, longa sala. Gradualmente, eu fiquei ciente de que podia enxergar; a sala começara a brilhar com a luz, e eu podia discernir formas. Uma saltou sobre mim com pernas que pareciam não bem humanas, e o rosto de Debbie Pelt rosnou para mim. O que ela fazia aqui? Ela havia saído para mostrar aos Wiccans em qual direção achariam um local seguro, e agora ela estava de volta à sala. Eu não sabia se ela podia ou não evitar, ou se ela simplesmente fora varrida pela loucura da batalha, mas Debbie tinha trocado parcialmente. Seu rosto brotava pelo e seus dentes começaram a se esticare e se afiare. Ela tentou morder minha garganta, mas uma convulsão causada pela mudança fez seus dentes diminuírem. Tentei me afastar, mas eu tropecei em algo no chão e levei um ou dois segundos preciosos para retomar meu passo. Ela armou o bote novamente, sua intenção inegável e lembrei que tinha uma faca na minha mão. Ataquei-a decidida, e ela hesitou, rosnando.
Ela iria usar a confusão para acertar nosso placar. Eu não era forte o suficiente para lutar com uma metamorfa. Eu teria que usar a faca, apesar de algo dentro de mim se rebelasse ante ao pensamento. Então, dos restos da névoa surgiu uma mão grande manchada de sangue, e esta grande mão agarrou a garganta da Debbie Pelt e apertou. E apertou. Antes que eu pudesse seguir do braço até o resto de seu dono, um lobo saltou do chão e me derrubou. E farejou meu rosto. Certo, isto era… então o lobo que estava sobre mim foi derrubado e rolou no chão, grunhindo e tentando morder o outro lobo. Eu não pude ajudar, pois os dois lobos se moviam tão rápido que eu não saberia se estava ajudando o lado correto. A névoa se dispersara em um bom nível neste momento, e eu podia ver a sala inteira, apesar de ainda haver pedaços da névoa opaca. Embora eu estivesse desesperada por este momento, eu quase me arrependi por isso ter acontecido. Corpos, tanto mortos quanto feridos, espalhavam-se pelo chão juntamente com a parafernália do coven, e sangue salpicava as paredes. Portugal, o jovem bonito Lobis da base da força Aérea estava esparramado na minha frente. Ele estava morto. Culpepper se agachou a seu lado, lamentando. Este era um pedaço pequeno da guerra, e eu o odiei. Hallow ainda estava de pé e completamente em sua forma humana, nua e coberta de sangue. Ela pegou um lobo e o lançou contra a parede enquanto eu assistia. Ela era magnífica e horripilante. Pam se aproximava atrás dela, e Pam estava desgrenhada e suja. Eu nunca tinha visto a vampira nem mesmo desarrumada, e quase não a reconheci. Pam se lançou, agarrando a Hallow pela cintura e lançando-a contra o chão. Esta era uma jogada como eu não via em anos de futebol americano as sextas à noite, e se a Pam tivesse pegado a Hallow um pouco mais alto teria conseguido um aperto sobre ela e teria se acabado. Mas a Hallow esta escorregadia com a chuva nebulosa e o sangue, e seus braços estavam livres. Ela girou no aperto da Pam e agarrou seus compridos cabelos com as duas mãos e puxou, e várias mechas saíram, presas a um pedaço do couro cabeludo. Pam chiou como um bule gigante. Eu não ouvira um barulho tão alto saindo de uma garganta – neste caso, não de uma garganta humana, mas de uma garganta mesmo assim. Já que a Pam frequentava a escola de ―empatar‖, ela segurou a Hallow no chão agarrando seus braços e pressionando, pressionando até que a Hallow estivesse enfraquecida. Já que a bruxa era tão forte, aquele era um aperto terrível, e Pam era atrapalhada pelo sangue que escorria por seu rosto. Mas a Hallow era humana e a Pam não. Pam ganhava até que um dos bruxos, o homem de bochecas côncavas, rastejou sobre as duas mulheres e mordeu a Pam no pescoço. Seus dois braços estavam ocupados e ela não podia pará-lo. Ele não só mordeu, ele bebeu, e enquanto bebia, ele se fortalecia, como se sua bateria estivesse sendo carregada. Ela bebia diretamente da fonte. Ninguém parecia assistir, além de mim. Subi por seu corpo peludo e mole de lobo e um dos vampiros para esmurrar o homem de bochechas côncavas, que simplesmente me ignorou. Eu teria que usar a faca. Eu nunca fizera algo parecido com ninguém; quando eu devolvia o golpe a alguém, havia sido uma situação de vida ou morte, e a vida e a morte eram minhas. Isso era diferente. Eu hesitei, mas tinha que fazer algo rápido. Pam se enfraquecia na minha frente, ela não seria capaz de segurar a Hallow por muito mais tempo. Peguei a faca de cabo preto e a segurei em sua garganta; eu cravei-a, um pouco. - Solte-a, - eu disse. Ele me ignorou. Cravei mais forte e um rio de cor escarlate escorreu da pele de seu pescoço. Ele libertou a Pam então. Sua boca estava coberta por seu sangue. Mas antes que pudesse celebrar por ele tê-la liberado, ele girou enquanto ainda estava abaixo de mim e veio em minha direção, seus olhos absolutamente insanos e sua boca aberta para beber de mim também. Eu podia sentir o desejo em seu cérebro, quero, quero, quero. Pus a faca em seu pescoço outra vez, e bem quando eu me fortalecia, ele avançou e enterrou a lâmina em seu próprio pescoço. Seus olhos se esvaziaram quase instantaneamente. Ele se matara por meu intermédio. Eu não acho que ele tenha percebido que a faca estava lá. Esta fora uma morte próxima, uma morte bem na minha cara, e eu fora o instrumento da morte, embora inadvertidamente. Quando pude olhar para cima, Pam estava sentada no peito da Hallow, seus joelhos prensando os braços dela e ela sorria. Isso era tão bizarro que eu olhei em volta para encontrar a razão e vi que a batalha parecia ter terminado. Eu não conseguia imaginar quanto tempo havia durado aquela luta alta mas invisível na espessa neblina, mas agora os resultados estavam bem claros. Vampiros não matam limpamente, eles matam sujo. Lobos também não são conhecidos por suas maneiras à mesa. Os bruxos pareceram conseguir espalhar menos sangue, mas o resultado era realmente horrível, como um filme muito ruim, do tipo que você tem vergonha de pagar para assistir. Pareceu que havíamos ganhado. Neste momento, eu dificilmente me importava. Eu estava muito cansada, mentalmente e fisicamente, e isso significava que alguns dos pensamentos de humanos, e de alguns dos pensamentos dos Lobis, rolaram por meu cérebro como roupas na secadora. Não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, então eu deixei essas coisas passarem por meu cérebro enquanto, usando minhas últimas forças, eu me afastei do corpo. Deitei de costas, encarando o teto. Já que eu não tinha pensamentos, eu carreguei com os dos outros. Quase todo mundo estava tendo o mesmo tipo de pensamento: o quão cansados eles estavam, quão sangrenta a sala estava, como era difícil de acreditar que eles passaram por uma luta dessas e tinham sobrevivido. O garoto de cabelos espetados havia retomado sua forma humana e ele pensava no quanto tinha gostado disso, mais do que deveria. Na verdade, seu corpo despido mostrava visivelmente o quanto ele tinha gostado disso e ele tentava se sentir envergonhado por isso. Mais do que tudo, ele queria localizar aquela jovem Wiccan e encontrar um lugar tranquilo. Hallow estava odiando a Pam, estava odiando a mim, ela estava odiando o Eric, ela odiava todo mundo. Ela começou a murmurar um feitiço para deixar todos nós doentes, mas Pam deu-lhe uma cotovelada no pescoço e isto a calou imediatamente. Debbie Pelt levantou do chão e contemplou a cena. Ela parecia incrivelmente primitiva e enérgica, como se ela não tivesse um rosto peludo e nunca nem mesmo tivesse a menor ideia de como matar alguém. Ela tomou seu caminho entre os corpos espalhados pelo chão, alguns vivos e alguns não, até ela encontrar o Alcide, ainda em sua forma de lobo. Ela abaixou-se para checar suas feridas e ele rosnou para ela em um aviso claro. Talvez ela não acreditasse que ele fosse atacar, ou talvez ela só houvesse enganado a si mesma para acreditar nisso, mas ela pôs sua mão em seu ombro e ele a mordeu selvagemente, o suficiente para lhe tirar sangue. Ela berrou e foi para trás. Por alguns segundos, ela agachou-se lá, apertando sua mão ensanguentada e chorando. Seus olhos encontraram os meus e quase brilharam de ódio. Ela nunca me perdoaria. Ela me culparia pelo resto de sua vida pelo Alcide ter descoberto sua natureza sombria. Ela brincara com ele por dois anos, puxando-o para ela, o empurrando de volta, ocultando elementos de sua natureza que ele nunca aceitaria, mas desejando-o apesar de tudo. Agora estava tudo acabado. E isso era minha culpa? Mas eu não pensava nos termos da Debbie, eu pensava como um ser humano racional, e é claro que Debbie Pelt não era um. Eu desejei que as mãos que haviam pegado ela pelo pescoço durante a luta na nuvem tivessem a estrangulado até a morte. Assisti suas costas enquanto ela empurrava a porta e desaparecia na noite, e naquele momento eu sabia que Debbie Pelt estaria atrás de mim pelo resto de sua vida. Talvez a mordida do Alcide a infectaria e ela teria o sangue envenenado?
Em uma ação reflexiva, castiguei-me: Isto era um pensamento malvado; Deus não queria que desejássemos o mal para ninguém. Eu só esperei que Ele ouvisse a Debbie também, do modo que você espera que o patrulheiro da estrada que o parou por uma infração também pare o cara atrás de você que tentava ultrapassá-lo em uma linha amarela dupla. A Lobis ruiva, Amanda, veio até mim. Ela fora mordida aqui e ali, e ela tinha um galo que crescia em sua testa, mas ela estava bem radiante. - Enquanto estou de bom humor, quero me desculpar por insultá-la, - ela disse diretamente. – Você se envolveu na luta. Mesmo que você consiga tolerar vampiros, eu não irei mais usar isso contra você. Talvez você veja a luz. – Eu assenti, e ela se afastou para checar seus companheiros da matilha. Pam amarrara a Hallow, e ela, Eric e Gerald tinham ido se ajoelhar ao lado de alguém do outro lado da sala. Eu imaginei vagamente o que tinha acontecido lá, mas Alcide se transformava de volta em sua forma humana, e quando se orientara, ele aproximou-se de mim. Eu estava exausta demais para me importar que ele estivesse nu, mas eu tive uma ideia nebulosa de que deveria tentar me lembrar da vista, já que eu queria relembrar disso mais tarde em meu momento de lazer. Ele tinha alguns arranhões e lugares sangrentos, e uma laceração profunda, mas fora isso ele parecia muito bem. - Há sangue em seu rosto, - ele disse, com um esforço. - Não é meu. - Graças a Deus, - ele disse, e ele deitou no chão a meu lado. – O quanto está ferida? - Não estou ferida, não de verdade, - eu disse. – Quero dizer, me empurram muito e sufoquei um pouco, talvez, e tentaram me morder, mas ninguém me bateu! – Por céus, conseguiria realizar meu desejo de Ano-Novo depois de tudo. - Lamento por não termos encontrado o Jason aqui, - ele disse. - Eric perguntou a Pam e Gerald se os vampiros estavam com ele e eles disseram não, - eu comentei. – Ele pensou em um ótimo motivo para os vampiros tê-lo. Mas não o tinham. - Chow está morto. - Como? – Eu perguntei, soando tão calma como se eu não me importasse. É verdade que eu nunca fora muito apegada ao bartender, mas eu mostraria uma preocupação decente se não estivesse tão cansada. - Alguém no grupo da Hallow tinha uma faca de madeira. - Eu nunca vi uma antes, - eu disse após um momento, e isso era tudo que eu podia pensar em dizer sobre a morte do Chow. - Nem eu. Após um longo momento, eu disse; - Lamento pela Debbie. – O que eu queria dizer é que lamentava pela Debbie tê-lo machucado tanto, por ter provado ser uma pessoa tão terrível que ele teve ter tomar um passo tão drástico para tirá-la de sua vida. - Qual Debbie? – Ele perguntou, e se impulsionou para ficar de pé e trotou através do chão imundo cheio de sangue, corpos e escombros sobrenaturais.
O resultado de uma batalha é deprimente e imundo. Acho que poderíamos chamar aquilo de batalha. . . ou talvez estivesse mais para um conflito sobrenatural? Os feridos tinham de ser cuidados, o sangue tinha que ser limpo, os corpos tinham de ser enterrados. Ou, neste caso, eliminados - Pam decidiu incendiar completamente a loja, deixando os corpos do Coven de Hallow dentro. Eles não estavam todos mortos. Hallow, é claro, ainda estava viva. Uma outra bruxa sobreviveu, embora ela estivesse seriamente ferida e perdendo muito sangue. Dos Lobis, Coronel Flood foi gravemente ferido; Portugal tinha sido morto por Mark Stonebrook. Os outros estavam mais ou menos bem. Apenas Chow tinha morrido, dentre o contingente vampiro. Os demais tiveram ferimentos, alguns bem horríveis, mas os vampiros se curariam. Fiquei supresa que as bruxas não tivessem apresentado uma performance melhor. "Eles provavelmente eram bons bruxos, mas não eram bons lutadores," disse Pam. "Eles foram selecionados por seus talentos mágicos e por sua disposição em seguir Hallow, não por suas habilidades de guerra. Ela não deveria ter tentado assumir Shreveport com um exército desses." "Por que Shreveport?" Perguntei a Pam. "É o que vou descobrir," Pam disse, sorrindo. Eu estremeci. Eu não quis levar em consideração os métodos de Pam. "Como você vai impedir que ela lance um feitiço em você enquanto a interroga?" Pam disse, "Eu vou pensar em alguma coisa." Ela ainda estava sorrindo. "Sinto muito pelo Chow," eu disse, um pouco hesitante. "O trabalho de barman no Fangtasia não parece ser um emprego de sorte," ela admitiu. "Não sei se serei capaz de encontrar alguém para substituir Chow. Afinal, tanto ele quanto Long Shadow pereceram dentro de um ano após começar o trabalho." "O que você pretende fazer em relação a desenfeitiçar o Eric?" Pam parecia bastante satisfeita em conversar comigo, mesmo eu sendo apenas uma humana, já que ela tinha perdido o seu auxiliar. "Nós obrigaremos Hallow a fazê-lo, mais cedo ou mais tarde. E ela vai nos contar por que fez isso." "Se Hallow simplesmente desistisse da perspectiva geral do feitiço, seria suficiente? Ou será que ela mesma tem que executar algo?" Tentei reformular a frase na minha cabeça para soar menos confusa, mas Pam pareceu me entender. "Eu não sei. Nós vamos ter que perguntar aos nossos parceiros Wiccans. Os que você salvou devem estar gratos o bastante para nos dar qualquer ajuda que precisarmos," disse Pam, enquanto ela jogava um pouco mais de gasolina ao redor da sala. Ela já tinha checado o prédio para remover as poucas coisas que ela pudesse querer dali, e o coven local tinha reunido os apetrechos mágicos, no caso de um dos policiais que fosse investigar esse incêndio pudesse reconhecer partes remanescentes. Eu dei uma olhada no meu relógio. Eu esperava que Holly tivesse conseguido chegar em casa em segurança agora. Eu lhe diria que seu filho estava seguro. Eu continuei desviando os olhos do trabalho que a bruxa mais jovem estava fazendo na perna esquerda do Coronel Flood. Ele tinha sofrido um rasgo feio no músculo da coxa. Era um ferimento grave. Ele fez pouco caso daquilo, e depois que Alcide trouxe suas roupas, o coronel saiu mancando com um sorriso no rosto. Mas quando o sangue vazou através do curativo, o líder do bando foi obrigado a deixar que os lobis o levassem a um médico que fosse de dupla natureza e estivesse disposto a ajudar por ‗debaixo dos panos‘, uma vez que ninguém conseguia pensar em uma boa história que explicasse uma ferida daquelas. Antes de ir embora, o coronel apertou as mãos cerimoniosamente com a líder dos bruxos e com a Pam, embora eu pudesse ver o suor escorrendo em sua testa, mesmo na atmosfera gelada do velho edifício. Perguntei ao Eric se ele sentia algo diferente, mas ele ainda estava esquecido de seu passado. Ele parecia chateado e à beira do pânico. A morte de Mark Stonebrook não tinha feito a menor diferença, assim Hallow ia experimentar algumas horas desagradáveis, cortesia da Pam. Eu simplesmente aceitei isso. Eu não quis pensar rigorosamente sobre isso. Ou sequer pensar. Quanto a mim, eu me sentia completamente perdida. Deveria voltar pra casa em Bon Temps, levando Eric comigo?(Eu ainda estava encarregada dele?) Deveria tentar encontrar um lugar para passar as últimas horas da noite aqui na cidade? Shreveport era a casa de todos, exceto para Bill e eu, e Bill estava planejando usar a cama vazia de Chow (ou o que quer que fosse) pelo próximo dia, como sugeriu a Pam. Eu hesitei indecisa diante da situação por alguns minutos, tentando chegar a uma conclusão. Mas ninguém parecia precisar de mim para alguma coisa específica, e ninguém me procurou para uma conversa. Então, quando Pam ficou envolvida em dar orientações aos outros vampiros sobre o transporte de Hallow, eu apenas saí andando. A noite estava tão calma quanto antes, mas alguns cães latiram enquanto eu caminhava pela rua. O cheiro de magia tinha diminuído. A noite estava tão escura, e até mesmo mais fria, e eu estava numa pior. Eu não sabia o que eu diria se um policial me parasse; eu estava ensaguentada e esfarrapada, e não tinha nenhuma explicação. Naquele momento, eu achei difícil me importar. Eu tinha avançado talvez uma quadra quando Eric me alcançou. Ele estava muito ansioso - quase assustado. "Você não estava lá. Eu olhei ao redor e você não estava lá," disse ele acusatoriamente. "Aonde você vai? Por que você não me disse?" "Por favor," eu disse, e levantei uma mão para implorar a ele para ficar em silêncio. "Por favor". Eu estava muito cansada para ser forte por ele, e tive que lutar contra uma depressão devastadora, embora eu não pudesse dizer exatamente o por quê; afinal, ninguém tinha me atingido. Eu deveria estar feliz, certo? Os objetivos da noite tinham sido alcançados. Hallow foi derrotada e estava aprisionada; Eric ainda não estava restabelecido, mas ele logo estaria, porque a Pam tinha certeza que convenceria Hallow graças ao jeito de agir dos vampiros, de forma dolorosa e fatal. Sem dúvida, Pam também descobriria por que Hallow havia começado este plano todo. E o Fangtasia adquiriria um novo barman, algum gostosão de presas afiadas que arrancaria alguns dólares dos turistas. Ela e Eric iriam abrir a boate de striptease que estavam planejando, ou a lavanderia noturna, ou o serviço de guarda-costas. Meu irmão ainda estaria desaparecido. "Me deixe ir para casa com você. Eu não os conheço," disse Eric, sua voz baixa e quase suplicante. Doeu dentro de mim quando Eric disse algo que era tão contrário à sua personalidade normal. Ou eu estava vendo a verdadeira natureza do Eric? Seu exibicionismo e arrogância seriam algo que ele tinha adotado, como uma segunda pele, ao longo dos anos? "Claro, vamos," eu disse, tão desesperada quanto Eric, mas pelos meus próprios motivos. Eu só queria que ele ficasse quieto, e forte. Eu me contentaria com o silêncio. Ele me emprestou sua força física, pelo menos. Ele me pegou em seus braços e me carregou de volta para o carro. Fiquei surpresa ao descobrir que minhas bochechas estavam molhadas com lágrimas. "Você está toda coberta de sangue," disse ele em meu ouvido. "Sim, mas não fique animado com isso," eu avisei. "Isso não me ajuda em nada. Eu só quero tomar banho." Eu estava naquela fase do choro dos espasmos-soluçantes, quase acabando.
"Você tem que se livrar desse casaco agora," disse ele, um pouco satisfeito. "Eu vou deixá-lo limpo." Eu estava cansada demais para responder a comentários depreciativos sobre o meu casaco. Fugir da influência e do cheiro da magia era quase tão bom quanto uma grande xícara de café e uma dose de oxigênio. Quando eu me aproximei de Bon Temps, eu não estava me sentindo tão irritada, e eu estava calma enquanto entrávamos pela porta dos fundos. Eric veio atrás de mim e deu um passo para a minha direita para contornar a mesa da cozinha, enquanto eu me inclinava para a esquerda para acender as luzes. Quando liguei a luz, Debbie Pelt estava sorrindo para mim. Ela estava sentada no escuro na minha mesa de cozinha, e ela tinha uma arma na mão. Sem dizer uma palavra, ela disparou em mim. Mas ela não tinha contado com Eric, que era tão rápido, mais rápido do que qualquer humano. Ele levou o tiro que era para mim, e foi atingido diretamente no peito. Ele caiu na minha frente. Ela não tinha tido tempo para vasculhar a casa, o que foi uma sorte. Por trás do aquecedor de água, eu puxei a espingarda que tinha trazido da casa do Jason. Posicionei a bala no tambor - um dos sons assustadores no mundo - e atirei em Debbie Pelt enquanto ela ainda estava olhando, chocada, para Eric, que estava de joelhos e tossindo sangue. Deixei outro cartucho no ponto, mas eu não precisaria precisei disparar nela novamente. Seus dedos relaxaram e sua arma caiu no chão. Eu mesma sentei no chão, porque eu não podia mais me manter de pé. Eric já estava totalmente estirado no chão, arquejando e se contorcendo em uma piscina de sangue. Não tinha sobrado muito da parte superior do tórax e do pescoço de Debbie. Minha cozinha parecia como se eu tivesse desmembrado um monte de porcos, porcos que garantido uma boa luta. Comecei a estender a mão para alcançar o telefone no final do balcão. Minha mão caiu de volta no chão quando me perguntei para quem eu ia ligar. Para a lei? Ha. Sam? E atolá-lo ainda mais em meus problemas? Eu acho que não. Pam? E deixar que ela veja o quão perto eu cheguei de deixar o meu protegido ser morto? Uh-uh. Alcide? Claro, ele ia amar ver o que eu tinha feito com sua noiva, repudiada ou não repudiada. Arlene? Ela tinha a sua vida pra tocar, e dois filhos pequenos. Ela não precisava ficar no meio de algo ilegal. Tara? Escrupulosa demais. Essa seria a hora onde eu chamaria o meu irmão, se eu soubesse onde ele estava. Quando você tem que limpar o sangue da cozinha, é da família que você precisa. Eu teria que fazer isso sozinha. Eric vinha primeiro. Eu cambaleei até ele, me reclinei ao lado dele com um cotovelo para me apoiar. "Eric," eu disse bem alto. Seus olhos azuis se abriram. Eles estavam claros de dor. O buraco em seu peito borbulhava sangue. Eu odiava pensar em como estava a saída daquela ferida. Talvez tivesse sido uma bala calibre vinte e dois? Talvez a bala ainda estivesse lá dentro? Eu olhei para a parede que estava atrás dele quando ainda estava de pé, e eu não consegui ver nenhum sangue borrifado ou buraco de bala. Na verdade, eu me dei conta, se a bala tivesse passado por ele, teria me atingido. Eu olhei para mim mesma, remexendo o casaco largo. Não, não tinha sangue fresco. Enquanto eu observava Eric, ele começou a parecer um pouco melhor. "Beber," disse ele, e eu quase coloquei o meu pulso em seus lábios, quando eu reconsiderei. Eu consegui tirar umas garrafas de TrueBlood da geladeira e aquecê-las, embora a frente do microondas não estivesse muito imaculada. Eu me ajoelhei para dar a ele. "Por que não você?" ele perguntou dolorosamente. "Sinto muito," eu me desculpei. "Eu sei que você merece, querido. Mas tenho que estar com toda a minha energia. Eu tenho mais trabalho pela frente." Eric engoliu a bebida em poucos goles enormes. Eu desabotoei seu casaco e sua camisa de flanela, e enquanto eu olhava para o seu peito para medir o avanço do seu sangramento, eu vi uma coisa espantosa. A bala que o atingiu pulou saindo da ferida. Em mais três minutos, ou talvez menos, o buraco tinha fechado. O sangue ainda estava secando no cabelo do peito dele, e a ferida da bala tinha sumido. "Outra bebida?" Eric pediu. "Claro. Como você se sente?" Eu mesma estava entorpecida. Seu sorriso estava torto. "Fraco". Busquei mais sangue e ele bebeu esta garrafa mais lentamente. Contraindo-se, ele se posicionou inteiramente sentado. Ele olhou para a bagunça do outro lado da mesa. Então ele olhou para mim. "Eu sei, eu sei, o que fiz foi terrível!" Eu disse. "Eu sinto muito mesmo!" Eu podia sentir lágrimas – novamente – descendo pelas minhas bochechas. Eu dificilmente poderia me sentir mais infeliz. Eu tinha feito uma coisa terrível. Eu fracassei na minha tarefa. Eu tinha uma enorme limpeza pela frente. E eu estava horrorosa. Eric pareceu ligeiramente surpreso com a minha explosão. "Você poderia ter morrido com aquela bala, e eu sabia que eu não," ele assinalou. "Eu mantive a bala longe de você da maneira mais prática, e então você me defendeu efetivamente." Essa era certamente uma forma distorcida de encarar o fato, mas curiosamente, eu de fato me sentia menos horrível. "Eu matei um outro ser humano," eu disse. Isso somava dois na mesma noite; mas na minha opinião, o bruxo das bochechas côncavas se matou ao se jogar sobre aquela faca. Eu tinha definitivamente disparado a espingarda por conta própria. Eu estremeci e me afastei do amontoado de ossos e carne despedaçados que um dia foi Debbie Pelt. "Você não fez isso," ele disse bruscamente. "Você matou uma metmorfa que era uma traidora, uma vagabunda sanguinária, uma metamorfa que já tinha tentado matá-la por duas vezes." Então tinha sido a mão do Eric que tinha apertado a garganta dela e a fez me largar. "Eu devia ter terminado o serviço quando a peguei antes," disse ele, confirmando o que pensei. "Teria poupado a nós dois alguma dor de cabeça, no meu caso, literalmente." Eu tive uma sensação de que não era isto que o Reverendo Fullenwilder iria dizer. Eu resmunguei algo nesse sentido. "Eu nunca fui um cristão," disse Eric. Agora, isso não me surpreendia. "Mas eu não posso imaginar um sistema de crença que lhe diz para ficar sentado esperando ser massacrado." Eu pisquei, me perguntando se aquilo não era exatamente o que o cristianismo ensinava. Mas eu não sou teóloga ou estudiosa da Bíblia, e teria que deixar o julgamento das minhas ações na mão de Deus, que também não era nenhum teólogo. De alguma forma me senti melhor, e eu estava, de fato, grata por estar viva. "Obrigada, Eric," eu disse. Eu o beijei na bochecha. "Agora vá se limpar no banheiro enquanto eu começo por aqui." Mas ele não fez nada disso. Deus o abençoe, ele me ajudou com tanto zelo. Já que ele conseguia lidar com as coisas mais repugnantes sem nenhuma vertigem aparente, fiquei satisfeita por deixá-lo ajudar.
Você não iria querer saber como aquilo foi abominável, ou os mínimos detalhes. Mas juntamos os restos de Debbie e ensacamos, e Eric se dirigiu para dentro da floresta e a enterrou e ocultou o túmulo, ele jurou, enquanto eu limpava. Tive de retirar as cortinas de cima da pia e mergulhá-las na máquina de lavar em água fria, e enfiei meu casaco junto, embora sem muita esperança de que ele voltasse a ser usável novamente. Eu coloquei as luvas de borracha e usei toalhas embebidas em alvejante para esfregar várias vezes a cadeira, a mesa e o chão, e borrifei lustra-móvel* na frente dos armários de madeira e esfreguei até limpar.
(*No original Wood Soap – que é como eles chamam o produto de limpeza para madeira, que não necessariamente é um tipo de sabão ou detergente, pode ser óleo tipo ―óleo de peroba‖, coloquei lustra-móveis por que achei mais fácil de entender)
Você simplesmente não acreditaria nos locais onde os respingos de sangue tinham ido parar. Eu percebi que atentar para estes pequenos detalhes foi me ajudando a manter minha mente longe do acontecimento principal, e que quanto mais tempo eu evitasse encarar aquilo honestamente – quanto mais eu deixava as palavras úteis de Eric serem absorvidas pela minha consciência – melhor eu ficaria. Não havia nada que eu pudesse desfazer. Não havia nenhuma maneira de poder consertar o que eu tinha feito. Eu tive um número limitado de opções, e eu tinha que conviver com a escolha que tinha feito. Minha avó sempre me dizia que uma mulher - qualquer mulher de valor - poderia fazer o que quer que ela tivesse que fazer. Se você dissesse que a vovó era uma mulher liberal, ela teria negado vigorosamente, mas tinha sido a mulher mais forte que eu já conheci, e se ela acreditava que eu podia concluir esta tarefa nojenta só porque eu tinha que fazer, eu o faria. Quando eu acabei, a cozinha exalava produtos de limpeza, e a olho nu, estava literalmente imaculada. Eu tinha certeza de que um perito em cenas do crime seria capaz de encontrar traços de evidências (um muito obrigado* ao Learning Channel), mas eu não tinha a intenção de que um perito algum dia tivesse motivos para entrar em minha cozinha.
(* No original a expressão é a tip of the hat to the Learning Channel (ponta do chapéu) que é um gesto de agradecimento que vc faz tocando a aba do chapéu e que acabou virando uma expresão idiomática que indica reconhecimento, agradecimento)
Ela tinha invadido pela porta da frente. Nunca me ocorreu checá-la antes de vir pelos fundos. Lá se vai a minha carreira como guarda-costas. Eu apoiei uma cadeira sob a maçaneta para mantê-la bloqueada pelo resto da noite. Eric, ao retornar de sua tarefa funerária, parecia estar altamente entusiasmado, então eu pedi a ele que fosse procurar pelo carro de Debbie. Ela tinha um Mazda Miata, e ela o tinha escondido numa trilha para veículos de tração nas quatro rodas bem do outro lado da estrada que fazia o retorno para minha casa. Eric teve a perspicácia de guardar a chave dela, e se ofereceu para conduzir o carro para outro lugar. Eu deveria tê-lo seguido, para trazê-lo de volta à minha casa, mas ele insistiu que ele poderia fazer o trabalho sozinho, e eu estava exausta demais para ficar lhe dando ordens. Eu fiquei debaixo de um jato de água e me esfreguei toda enquanto ele estava fora. Eu estava feliz por estar sozinha, e eu me lavava sem parar. Quando eu fiquei o mais limpa possível pelo lado de fora, coloquei uma camisola rosa de nylon e engatinhei na cama. Estava quase amanhecendo, e eu esperava que Eric voltasse logo. Eu tinha aberto o armário e o buraco para ele, e colocado um travesseiro extra lá dentro.
Eu o ouvi entrar justo quando estava caindo no sono, e ele me beijou na bochecha. "Tudo feito," disse ele, e eu resmunguei, "Obrigada, querido." "Qualquer coisa por você," disse ele, sua voz suave. "Boa noite, minha amada." Me ocorreu que eu era fatal para as ex. Eu transformei em cinzas o grande amor de Bill (e sua mãe); agora eu matei a querida ex-atual-ex-novamente de Alcide. Eu conhecia centenas de homens. Eu nunca tinha sido homicida em relação às ex deles. Mas quanto às criaturas que eu gostava, bem, nesse caso parecia ser diferente. Me perguntava se Eric tinha alguma namorada antiga por aí. Provavelmente cerca de umas cem ou mais. Bem, era melhor elas tomarem cuidado comigo. Depois disso, quer eu quisesse ou não, fui sugada para um buraco negro de exaustão.
Acho que a Pam ficou ―cuidando‖ da Hallow até o amanhecer dar as caras pelo horizonte. Eu mesma estava dormindo tão profundamente, com tanta necessidade de cura física e mental, que eu não acordei até as quatro horas da tarde. Estava um dia sombrio de inverno, do tipo que faz você ligar o rádio para ver se uma tempestade de gelo está chegando. Eu fui checar para ter certeza de que eu tinha lenha suficiente para três ou quatro dias empilhada na varanda dos fundos. Eric acordaria mais cedo hoje. Eu me vesti e comi com a velocidade de uma lesma, tentando alcançar algum nível de controle ou entendimento sobre o meu estado de espírito. Fisicamente, eu estava bem. Uma contusão aqui ou ali, um pouco de dor muscular – que não era nada. Era a segunda semana de janeiro e eu estava cumprindo a minha resolução de Ano Novo muito bem. Por outro lado – e há sempre um outro lado – mentalmente, ou talvez emocionalmente, eu não estava nada estável. Não importa quão prática você é, nem quanto estômago pra aguentar você tenha, você não consegue fazer algo como o que eu tinha feito sem sofrer algumas consequências. É assim que deve ser. Quando eu pensei em Eric levantando, pensei em talvez me aninhar um pouco a ele antes que eu tivesse que ir trabalhar. E eu pensei no prazer de estar com alguém que achava que eu era tão importante. Eu não tinha previsto que o feitiço teria sido quebrado. Eric se levantou às cinco e meia. Quando ouvi o movimento no quarto de hóspedes, eu dei uma batidinha na porta e a abri. Ele virou-se rapidamente, com suas presas para fora e suas mãos formando garras à sua frente. Eu quase disse: "Oi, querido," mas a precaução me manteve calada. "Sookie," ele disse lentamente. "Estou na sua casa?" Eu estava feliz por estar vestida. "Sim," eu disse, me recompondo loucamente. "Você ficou aqui para sua proteção. Você sabe o que aconteceu?" "Eu fui a uma reunião com algumas pessoas novas," disse ele, com dúvida na sua voz. "Não fui?" Ele olhou para baixo surpreso com suas roupas do WalMart. "Quando eu comprei isto?" "Eu tive de comprá-las para você," eu disse. "Você me vestiu, também?" perguntou, pasando as mãos no peito até embaixo. Ele me deu um sorriso ‗bem Eric‘. Ele não se lembrava. De nada. "Não," eu disse. Lembrei de Eric no chuveiro comigo. Na mesa de cozinha. Na cama. "Onde está a Pam?" ele perguntou. "Você devia ligar para ela," eu disse. "Você se lembra de alguma coisa sobre ontem?" "Ontem eu tive a reunião com os bruxos," disse ele, como se isso fosse incontestável. Sacudi a minha cabeça. "Isso foi há dias," Eu disse a ele, incapaz de somar quantos deles na minha cabeça. Meu coração afundou ainda mais. "Você não se lembra de ontem à noite, depois que voltamos de Shreveport," eu o pressionei, vendo de repente um raio de luz em tudo isso. "Nós fizemos amor?" ele perguntou esperançoso. "Você finalmente se rendeu a mim, Sookie? Era só uma questão de tempo, é claro." Ele sorriu cinicamente para mim. Não, ontem à noite tivemos que nos desfazer de um cadáver, eu pensei.
Eu era a única que sabia. E mesmo eu não sabia onde os restos mortais de Debbie foram enterrados, ou o que tinha acontecido ao seu carro. Eu sentei na beira da minha velha cama estreita. Eric me olhou atentamente. "Tem algo errado, Sookie? O que aconteceu enquanto eu estava - Porque eu não me lembro o que aconteceu?" Quanto menos fosse dito, mais rápido resolvido. Tudo está bem quando acaba bem. Longe da vista, fora da mente. (Ah, eu queria muito que isso fosse verdade.) "Aposto que Pam estará aqui a qualquer minuto," eu disse. "Acho que vou deixá-la contar tudo a você." "E Chow?" "Não, ele não vai estar aqui. Ele morreu na noite passada. O Fangtasia parece ter um efeito negativo sobre barmens." "Quem o matou? Eu vou me vingar." "Você já se vingou." "Tem mais alguma coisa errada com você," disse Eric. Ele sempre foi astuto. "Sim, tem muita coisa errada comigo." Eu adoraria tê-lo abraçado nesse momento, mas isso só complicaria tudo. "E eu acho que vai nevar." "Nevar, aqui?" Eric estava tão encantado quanto uma criança. "Eu adoro neve!" Por que eu não estava surpresa? "Talvez nós fiquemos cercados pela neve juntos," disse ele sugestivamente, mexendo suas sobrancelhas loiras. Eu ri. Eu simplesmente não pude evitar. E era absurdamente melhor do que chorar, o que eu já tinha feito bastante ultimamente. "Como se você alguma vez tivesse deixado o tempo te impedir de fazer o que quisesse," eu disse, e levantei. "Vamos, eu vou aquecer um pouco de sangue pra você." Mesmo poucas noites de intimidade tinham me suavizado o suficiente para que eu tivesse que vigiar minhas atitudes. Uma hora eu quase acariciei seu cabelo enquanto passava por ele; e outra e me inclinei para beijá-lo, e tive que fingir que tinha deixado algo cair no chão. Quando Pam bateu na porta da frente uns trinta minutos depois, eu estava pronta para ir trabalhar, e Eric estava impaciente como o inferno. Pam mal se sentou à sua frente e ele começou a bombardeá-la com perguntas. Eu disse a eles discretamente que eu estava saindo, e não creio que eles sequer notaram quando eu saí pela porta da cozinha. O Merlotte's não estava muito agitado naquela noite, depois que tínhamos lidado com a multidão que vinha para o jantar. Alguns flocos de neve tinham convencido a maior parte dos clientes de que ir sóbrios para casa poderia ser uma ideia muito boa. Havia clientes o suficiente para manter a mim e Arlene moderadamente ocupadas. Sam me pegou enquanto eu estava enchendo minha bandeja com sete canecas de cerveja e quis ficar a par dos acontecimentos da noite anterior. "Eu te conto mais tarde," eu prometi, pensando que teria que editar a minha narrativa com bastante cuidado. "Algum vestígio de Jason?" ele perguntou. "Não," eu disse, me sentindo mais triste do que nunca. O atendente da delegacia me pareceu quase irritado quando eu liguei para perguntar se havia alguma novidade. Kevin e Kenya apareceram por lá aquela noite depois que eles ficaram de folga. Quando anotei o pedido de suas bebidas (um uísque com Coca-cola e uma gin tônica), Kenya disse: "Estivemos à procura de seu irmão, Sookie. Sinto muito." "Eu sei que todos vocês têm procurado," disse. "Eu agradeço tanto a todos vocês por organizarem a busca! Eu só queria..." E então eu não conseguia pensar em mais nada para dizer. Graças a minha deficiência, eu sabia algo sobre cada um deles que o outro não sabia. Eles se amavam. Mas Kevin sabia que sua mãe enfiaria a cabeça no forno antes que ela o visse casado com uma mulher negra, e Kenya sabia que seus irmãos prefeririam arremessar Kevin contra uma parede a vê-lo caminhar ao lado dela em direção ao altar. E eu sabia disso, apesar do fato de nenhum deles saberem; e eu odiava ter este tipo de informação conhecimento pessoal, de conhecimento íntimo, que eu simplesmente não podia evitar saber. Pior que saber, inclusive, era a tentação de interferir. Eu disse a mim mesma severamente que eu já tinha problemas suficientes sem causar problemas para outras pessoas. Felizmente, eu fiquei bastante ocupada o resto da noite para apagar a tentação da minha mente. Apesar de eu não poder revelar esse tipo de segredo, eu lembrei a mim mesma que eu devia muito aos dois agentes, muito mesmo. Se eu ouvisse algo que eu pudesse deixá-los saber, eu o faria. Quando o bar fechou, eu ajudei Sam a colocar as cadeiras em cima das mesas de modo que Terry Bellefleur pudesse chegar e esfregar o chão e limpar os banheiros logo cedo pela manhã. Arlene e Tack tinham ido embora, cantando "Let It Snow,‖ enquanto saiam pela porta dos fundos. Com certeza, os flocos estavam flutuando do lado de fora, embora eu não achasse que ficariam lá até a manhã. Pensei nas criaturas lá na floresta hoje à noite, tentando se manter aquecidas e secas. Eu sabia que em algum lugar na floresta, Debbie Pelt jazia em um buraco, fria para sempre. Me perguntei até quando eu iria pensar nela assim, e eu esperava de verdade que eu conseguisse me lembrar tão claramente que pessoa terrível ela tinha sido, tão vingativa e mortífera. Na verdade, eu fiquei olhando para fora da janela por alguns minutos, quando Sam chegou atrás de mim. "O que você está pensando?" ele perguntou. Ele segurou meu cotovelo, e eu pude sentir a força nos seus dedos. Eu suspirei, não pela primeira vez. "Só pensando no Jason," eu disse. Isso estava próximo o suficiente da verdade. Ele me deu tapinhas de maneira consoladora. "Me conte sobre a noite passada," disse ele, e por um segundo eu pensei que ele estava me perguntando sobre Debbie. Então, obviamente, eu me dei conta que ele se referiu à batalha com as bruxas, e tive condições de lhe fazer um relato. "Então, Pam apareceu hoje à noite em sua casa." Sam pareceu contente com isso. "Ela deve ter quebrado a Hallow, obrigando-a a desfazer o feitiço. Eric voltou a ser ele mesmo de novo?" "Até onde pude perceber." "O que ele tinha a dizer sobre a experiência?" "Ele não se lembra de nada sobre isso," eu disse lentamente. "Ele não parecia ter a mínima ideia." Sam afastou o olhar de mim quando ele disse, "Como você está se sentindo com isso?" "Acho que foi melhor assim," eu disse a ele. "Sem dúvida." Mas eu teria que voltar para uma casa vazia novamente. O pensamento avançou rapidamente rodeando a minha consciência, mas eu não iria encará-lo diretamente. "Pena que você não estava trabalhando no turno da tarde," disse ele, de alguma forma seguindo uma linha de raciocínio semelhante. "Calvin Norris esteve aqui." "E?" "Eu acho que ele veio na esperança de ver você." Olhei para Sam ceticamente. "Certo." "Eu acho que ele está falando sério, Sookie." "Sam," eu disse, me sentindo inexplicavelmente ofendida, "eu estou sozinha, e às vezes isso não é divertido, mas eu não tenho que me juntar com um lobisomem só porque ele ofereceu." Sam pareceu levemente intrigado. "Você não teria. As pessoas de Hotshot não são lobis."
"Ele disse que eles eram." "Não, não lobis com um L maiúsculo. Eles são muito orgulhosos para se denominarem metamorfos, mas isso é o que eles são. Eles são homens-leopardos." "O quê?" Juro que vi interrogações flutuando no ar ao redor dos meus olhos. "Sookie? O que há de errado?" "Leopardos? Você não sabia que a pegada sobre a plataforma de Jason era uma pegada de um leopardo?" "Não, ninguém me falou de nenhuma pegada! Tem certeza?" Eu lancei-lhe um olhar exasperado. "Claro, eu tenho certeza. E ele desapareceu na noite em que Crystal Norris estava esperando por ele na casa dele. Você é o único dono de bar no mundo que não sabe todas as fofocas da cidade." "Crystal – ela é a garota de Hotshot que estava com ele no Réveillon? A garota magra de cabelo preto que estava na busca?" Eu assenti. "Aquela que Felton ama tanto?" "Ele o quê?" "Felton, você sabe, aquele que apareceu na busca. Ela tem sido o grande amor dele a vida inteira." "E você sabe disso como?" Uma vez que eu, a leitora de mentes, não sabia, fiquei claramente chateada. "Ele me contou uma noite, quando ele tinha bebido demais. Esses caras de Hotshot, eles não vêm muito aqui, mas quando vêm, bebem de verdade." "Então, por que ele iria participar da busca?" "Acho que talvez fosse melhor nós irmos fazer algumas perguntas." "A esta hora?" "Tem alguma coisa melhor para fazer? Ele tinha razão, e eu com certeza queria saber se eles estavam com o meu irmão ou poderiam me dizer o que tinha acontecido com ele. Mas de certa forma, eu estava com medo de descobrir. "Esse casaco é muito leve para este clima, Sookie,‖ disse Sam, enquanto nos agasalhávamos. "Meu casaco está lavando," eu disse. Na verdade, eu não tinha tido a chance de colocá-la na secadora, ou sequer de verificar se todo o sangue tinha saído. E ele estava cheio de buracos. "Hummm" foi tudo o que Sam disse, antes que ele me emprestasse um pulôver verde para usar sob o meu casaco. Entramos na caminhonete do Sam porque a neve estava realmente começando a cair, e como todos os homens, Sam estava convencido de que ele poderia dirigir na neve, apesar de quase nunca fazer isso. A ida para Hotshot pareceu ainda mais longa na noite escura, com a neve rodopiando sob a luz dos faróis. "Agradeço por você ter me trazido até aqui, mas estou começando a achar que nós ficamos loucos," eu disse, quando estávamos na metade do caminho. "Você está com o seu cinto de segurança?" Sam perguntou. "Claro." "Bom,‖ ele disse, e continuamos no caminho. Finalmente chegamos à pequena comunidade. Não tinha nenhum poste de luz por aqui, evidentemente, mas alguns moradores pagaram para ter luzes de segurança acopladas aos postes elétricos. As janelas estavam iluminadas em algumas das casas. "Onde você acha que devemos ir?"
"Na casa do Calvin. Ele é o cara,‖ disse Sam, soando determinado. Eu lembrava como Calvin tinha demonstrdo orgulho de sua casa, e eu estava um pouco curiosa para ver o interior. Suas luzes estavam ligadas, e sua caminhonete estava estacionada na frente da casa. Saindo da caminhonete quente para a noite nevada foi como andar sobre um pano molhado frio até alcançar a porta da frente. Eu bati, e após uma longa pausa, a porta se abriu. Calvin parecia contente até que ele viu Sam atrás de mim. "Entre," ele disse, não muito calorosamente, e ficou de lado. Nós batemos os nossos pés educadamente antes de entrarmos. A casa era simples e limpa, decorada com mobília e quadros baratos, mas cuidadosamente organizados. Nenhuma das imagens tinha pessoas nelas, o que eu achei interessante. Paisagens. Vida Selvagem. "Esta é uma péssima noite para sair dirigindo por aí,‖ Calvin observou. Eu sabia que teria de ter cautela, por mais que eu quisesse agarrar a gola de sua camisa de flanela e gritar na cara dele. Era ele que governava. Realmente não tinha importância o tamanho do reino. "Calvin,‖ disse, o mais tranquilamente que pude, "você sabia que a polícia encontrou uma pegada de leopardo na plataforma, ao lado da pegada de Jason?" "Não,‖ disse ele, após um longo momento. Eu podia ver a raiva crescendo atrás de seus olhos. "Nós não ouvimos muitas fofocas da cidade por aqui. Me perguntei por que a busca tinha homens com armas, mas nós deixamos as outras pessoas meio que nervosas, e ninguém estava falando muito com a gente. Pegada de leopardo. Huh." "Eu não sabia que era sua, hum, outra identidade, até hoje." Ele olhou para mim fixamente. "Você acha que um de nós levou seu irmão." Eu fiquei calada, sem tirar meus olhos dos dele. Sam estava igualmente imóvel ao meu lado. "Você acha que Crystal ficou com raiva de seu irmão e machucou ele?" "Não,‖ eu disse. Seus olhos dourados estavam ficando arregalados e arredondados enquanto eu falava com ele. "Você tem medo de mim?" ele perguntou subitamente. "Não,‖ eu disse. "Eu não tenho." "Felton,‖ disse ele. Eu assenti. "Vamos ver,‖ disse ele. De volta para a neve e a escuridão. Eu podia sentir os flocos pinicando em minhas bochechas, e eu fiquei feliz que meu casaco tinha um capuz. A mão enluvada de Sam segurou a minha enquanto eu tropeçei sobre alguma ferramenta ou um brinquedo largados no jardim da casa ao lado da de Felton. Enquanto nós rastejávamos até a laje de concreto que moldava a varanda de Felton, Calvin já estava batendo na porta. "Quem é?" Felton perguntou. "Abra,‖ disse Calvin. Reconhecendo a sua voz, Felton abriu a porta imediatamente. Ele não tinha a mesma mania de limpeza que Calvin, e seus móveis não eram tão arrumados e sim enfiados contra a parede que ficasse mais próxima. A forma como ele se movia não era humana, e esta noite isso parecia estar ainda mais nítido do que durante a busca. Felton, eu pensei, estava mais próximo de reverter à sua natureza animal. O acasalamento da mesma raça tinha definitivamente deixado sua marca nele. "Onde está o homem?" Calvin perguntou sem introduções.
Os olhos de Felton chamejaram arregalados, e ele estremeceu, como se estivesse pensando em correr. Ele não falou. "Onde?" Calvin questionou mais uma vez, e então sua mão se transformou em uma pata e passou cruzando o rosto de Felton. "Ele está vivo?" Eu coloquei as mãos sobre minha boca para não gritar. Felton caiu de joelhos, seu rosto marcado com linhas paralelas enchendo de sangue. "No galpão dos fundos,‖ disse ele indistintamente. Dei a volta saindo da entrada tão rapidamente que Sam mal conseguiu me alcançar. Ao virar pela lateral da casa eu saltei e caí por cima de um monte de lenha. Embora eu soubesse que ia doer mais tarde, eu levantei e me vi apoiada por Calvin Norris, que, como ele tinha feito na floresta, me carregou de cima do monte antes que eu soubesse o que ele pretendia. Ele mesmo saltou sobre a pilha de lenha com fácil graça, e então estávamos na porta do galpão, que era um daqueles que você encomenda na Sears ou Penney's*. Você chama os seus vizinhos para ajudar a levantá-lo, quando o caminhão de concreto vem colocar a sua laje.
(* também conhecido como JCPenney, é uma cadeia de lojas de departamento americana, operando em 49 dos 50 estados. )
A porta estava trancada com cadeado, mas estes galpões não são destinados a repelir intrusos determinados, e Calvin era muito forte. Ele quebrou o cadeado, empurrou a porta, e ligou a luz. Me pareceu incrível que houvesse electricidade aqui, porque isso certamente não era a regra. Inicialmente eu não tive certeza de que estava olhando para o meu irmão, porque essa criatura não se parecia nada com Jason. Ele era loiro, com certeza, mas ele estava tão sujo e fedorento que eu hesitei, mesmo estando congelando lá fora. E ele estava azul de frio, pois vestia somente calças. Ele estava deitado em um único cobertor sobre o piso de concreto. Eu me ajoelhei ao lado dele, apoiando-o da melhor maneira que pude em meus braços, e suas pálpebras se abriram agitadas. "Sookie?" ele disse, e eu podia ouvir a descrença na sua voz. "Sookie? Eu estou salvo?" "Sim,‖ eu disse, sem saber de jeito nenhum se era uma certeza. Lembrei do que tinha acontecido com o xerife que veio aqui e encontrou algo errado. "Nós vamos te levar para casa." Ele tinha sido mordido. Ele tinha sido bastante mordido. "Oh, não," eu disse suavemente, entendendo o significado da mordidas. "Eu não o matei,‖ disse Felton defensivamente, lá de fora. "Você o mordeu," eu disse, e minha voz pareceu ser de outra pessoa. "Você queria que ele fosse como você." "Assim Crystal não gostaria mais dele. Ela sabe que precisamos acasalar com outras raças, mas ela realmente gosta mais de mim,‖ disse Felton. "Então você o agarrou, e o prendeu, e você o mordeu." Jason estava muito fraco para ficar de pé. "Por favor, carregue-o para a caminhonete,‖ eu disse rigidamente, incapaz de olhar nos olhos de ninguém ao meu redor. Eu podia sentir a fúria crescendo em mim como uma onda negra,e eu sabia que tinha de reprimi-la até que fôssemos embora daqui. Eu tinha controle suficiente para fazer isso. Eu sabia que tinha. Jason gritou quando Calvin e Sam o levantaram. Eles pegaram o cobertor, também, e meio que o dobraram ao redor dele. Eu fui tropeçando atrás deles enquanto seguiam o caminho de volta para a casa de Calvin e a caminhonete.
Eu tinha o meu irmão de volta. Havia a chance de que ele se transformasse em um leopardo de tempos em tempos, mas eu o tinha de volta. Eu não sei se as regras para todos os metamorfos eram as mesmas, mas Alcide tinha me dito que lobis que eram mordidos, não nascidos - lobis criados, ao invés de lobis genéticos – transformavam-se em metade-homem, metade-criaturas animais que apareciam nos filmes de terror. Me obriguei a abandonar aquele raciocínio, para pensar na alegria de ter meu irmão de volta, vivo. Calvin colocou Jason dentro da caminhonete e o deslizou para o meio, e Sam subiu no banco do motorista. Jason ficaria entre nós depois que eu subisse na caminhonete. Mas Calvin tinha de me dizer algo primeiro. "Felton, será punido,‖ disse ele. "Agora mesmo." Punir Felton não tinha estado no topo da minha lista de preocupações, mas eu assenti, porque eu queria dar o fora dali. "Se nós cuidarmos de Felton, você irá até a polícia?" ele perguntou. Ele estava em pé rigidamente, como se ele estivesse tentando ser casual sobre a questão. Mas este era um momento perigoso. Eu sabia o que acontecia às pessoas que chamaram atenção para a comunidade de Hotshot. "Não,‖ eu disse. "Foi apenas o Felton.‖ Embora, evidentemente, Crystal tinha que ter conhecimento, pelo menos em algum nível. Ela me disse que tinha sentido o cheiro de um animal naquela noite na casa de Jason. Como ela poderia ter confundido o cheiro de um leopardo, quando ela era uma? E ela provavelmente soubera o tempo todo que esse leopardo era o Felton. Seu cheiro seria familiar para ela. Mas esse simplesmente não era o momento para falar disso; Calvin saberia disso tão bem quanto eu, quando ele tivesse um momento para pensar. ―E meu irmão pode ser um de vocês agora. Ele precisará de você,‖ acrescentei, no tom de voz mais calmo que eu poderia conseguir. Não foi muito calmo, afinal de contas. "Irei procurar Jason, na próxima lua cheia." Eu assenti novamente. "Obrigada,‖ eu disse a ele, porque eu sabia que nunca teria encontrado Jason se ele se recusasse a cooperar e nos barrasse. "Eu tenho que levar meu irmão para casa agora." Eu sabia que Calvin queria que eu o tocasse, queria que me relacionasse com ele de alguma forma, mas eu simplesmente não podia fazê-lo. "Claro,‖ disse ele, após um longo momento. O metamorfo se afastou enquanto eu subi apressada na cabine. Ele parecia saber que eu não queria nenhuma ajuda dele agora. Eu pensei que tinha captado os padrões cerebrais incomuns das pessoas de Hotshot porque elas eram lobis de nascença. Nunca me ocorreu que fossem algo diferente de lobisomens. Eu tinha suposto. Eu sei o que o meu treinador de voleibol da escola sempre me dizia sobre "supor.‖ É claro, ele também nos dizia que tínhamos de deixar tudo fora na quadra, assim tudo estaria lá quando nós voltássemos, o que eu ainda tinha que entender. Mas ele estava certo sobre suposições. Sam já tinha deixado o aquecedor funcionado na caminhonete, mas não em força total. Calor demais tão cedo faria mal para Jason, eu tinha certeza. Assim sendo, no segundo em que Jason começou a se aquecer, o seu cheiro ficou muito evidente, e quase me desculpei com Sam, mas poupar Jason de qualquer outra humilhação era ainda mais importante. "Tirando as mordidas, e estar com tanto frio, você está bem?" Perguntei, quando achei que Jason tinha parado de tremer e poderia falar. "Sim,‖ disse ele. "Sim. Toda noite, toda maldita noite, ele ia ao galpão, e se transformava na minha frente, e eu pensava, Hoje à noite ele vai me matar e me comer. E todas as noites, ele me mordia. Daí ele simplesmente se transformava de volta e ia embora. Eu percebia que era difícil para ele, depois que ele sentia o cheiro do sangue... mas ele nunca fez nada além de morder."
"Eles irão matá-lo esta noite," eu disse. "Em troca de nós não irmos à polícia." "Bom acordo,‖ disse Jason, e ele falava sério.
Jason era capaz de se sustentar tempo o suficiente para tomar um banho, que ele disse ser o melhor que ele tomara em sua vida. Quando ele estava limpo e cheirava a cada coisa perfumada do meu banheiro, e estava modestamente enrolado numa grande toalha, o percorri completamente com Neosporin*. Eu usei um tubo inteiro nas mordidas. Elas pareciam já estar se curando, mas eu não podia me impedir de tentar pensar em coisas para fazer por ele. Ele tinha tomado chocolate quente, e ele comera um pouco de mingau de aveia quente (o que pensei ser uma escolha estranha, mas ele disse que tudo o que o Felton dera para ele comer fora carne mal passada), e ele colocara a calça de dormir que eu comprara para o Eric (grande demais, mas o cordão na cintura ajudou), e ele colocara uma velha camiseta folgada que consegui quando fiz a Caminhada pela Vida dois anos atrás. Ele continuou a tocar o material como se estivesse encantado por estar vestido. (*Neosporin antibiótico para alívio da dor). Ele pareceu querer se esquentar e dormir, mais do que qualquer coisa. Eu o coloquei no meu velho quarto. Com uma olhada triste para o armário, que o Eric deixara todo torto, eu desejei boa noite para meu irmão. Ele me pediu para ligar a luz do corredor e para deixar a porta um pouco entreaberta. Era duro para o Jason pedir isso, então eu não disse uma palavra. Eu só fiz o que ele me pediu. Sam estava sentado na cozinha, bebendo uma xícara de chá quente. Ele me olhou por cima do vapor e sorriu. - Como ele está? Deixei-me cair no meu lugar costumeiro. - Ele está melhor do que pensei que estaria, - eu disse. – Considerando que ele passou o tempo todo num galpão sem calefação e sendo mordido todo dia. - Imagino quando tempo o Felton o teria mantido? - Até a lua cheia, eu acho. Então o Felton descobriria se ele tinha tido êxito ou não. – Eu me senti um pouco enjoada. - Cheque seu calendário. Ele ainda tem duas semanas. - Bom. Dá ao Jason tempo para recuperar suas forças antes dele ter outra coisa para encarar. – Descansei minha cabeça em minhas mãos por um minuto. – Tenho que ligar para a polícia. - Para avisá-los para interromper as buscas? - Sim. - Você já decidiu o que vai dizer? O Jason lhe deu ideias? - Talvez que os parentes masculinos de alguma garota o sequestraram? – Na verdade, isso meio que era verdade. - Os tiras iriam querer saber onde ele foi mantido. Se ele tivesse escapado sozinho, eles iriam querer saber como, e iriam querer ter certeza que ele tem mais informações para eles. Imaginei se eu ainda tinha poder cerebral o suficiente para pensar. Encarei a mesa sem expressão: o porta-guardanapo familiar que minha avó comprara numa feira de artesanato, e o açucareiro, e o saleiro e pimenteiro em forma de galo e galinha. Notei que algo fora enfiado embaixo do saleiro. Era um cheque de $50.000, assinado por Eric Northman. Eric não apenas me pagara, ele me dera a maior gorjeta da minha carreira. - Oh, - eu disse, muito gentilmente. – Oh, nossa. – Eu olhei para o cheque por mais um minuto, para ter certeza que eu o lia corretamente. Passei pela mesa para o Sam.
- Uau. Pagamento por manter o Eric? – Sam olhou para mim e eu assenti. – O que você fará com isso? - Colocar isso no banco, a primeira coisa amanhã de manhã. Ele sorriu. - Acho que eu estava pensando num período mais longo que isso. - Apenas relaxar. Isso simplesmente me relaxará por tê-lo. Para saber que… - Para minha vergonha, vieram lágrimas. De novo. Droga. - Então não terei que me preocupar todo o tempo. - As coisas têm estado apertadas recentemente, notei. – Eu assenti e a boca do Sam se comprimiu. – Você… - Ele começou, e então não conseguiu terminar sua frase. - Obrigada, mas não posso fazer isso às pessoas, - eu disse firmemente. – Vovó sempre dizia que era o modo mais seguro de acabar com uma amizade. - Você poderia vender este terreno, comprar uma casa na cidade, ter vizinhos, - Sam sugeriu, como se ele estivesse morrendo para dizer isso por meses. - Me mudar desta casa? Alguns membros da minha família vinham morando nesta casa continuamente por mais de cento e cinquenta anos. Claro, isso não a fazia sagrada nem nada, e a casa fora acrescentada e modernizada várias vezes. Eu pensei em viver numa casa pequena e moderna térrea e com banheiros atualizados e uma cozinha conveniente cheia de tomadas. Nenhum aquecedor externo para água. Bom isolamento no sótão. Uma garagem! Deslumbrada ante a visão, eu engoli em seco. - Irei considerar isso, - eu disse, me sentindo enormemente ousada em até mesmo cogitar a ideia. – Mas não posso pensar muito em nada neste momento. Só sobreviver até amanhã será duro o suficiente. Pensei nas horas em que os policiais haviam colocado nas buscas pelo Jason. De repente eu estava tão cansada, que eu simplesmente não conseguia armar uma história para a lei. - Você precisa ir para a cama, - Sam disse astutamente. Eu só consegui assenti. – Obrigada, Sam. Muito obrigada. – Nós ficamos de pé e eu dei um abraço nele. Acabou virando um abraço mais longo do que eu planejara, porque abraçá-lo era inesperadamente relaxante e confortável. – Boa noite, - eu disse. – Por favor, dirija com cuidado em seu retorno. – Pensei brevemente em oferecê-lo uma das camas no andar de cima, mas eu mantinha o andar trancado e estaria terrivelmente frio; e eu teria que subir e arrumar a cama. Ele estaria mais confortável fazendo uma pequena viagem de volta à sua casa, mesmo na neve. - Dirigirei, - ele disse e me soltou. – Me ligue de manhã. - Obrigada novamente. - Chega de ―obrigados‖, - ele disse. Eric colocara dois pregos na porta da frente para mantê-la fechada, até que eu conseguisse arrumar um ferrolho. Tranquei a porta da frente atrás do Sam, e mal consegui escovar meus dentes e colocar uma camisola antes de eu me atirar na cama. A primeira coisa que fiz na manhã seguinte foi checar meu irmão. Jason ainda dormia profundamente e na luz do dia, eu podia ver os efeitos de seu sequestro claramente. Seu rosto tinha uma barba rala. Mesmo em seu sono, ele parecia mais velho. Havia contusões aqui e ali, e isso era apenas em seu rosto e braços. Seus olhos abriram quando sentei na cama, olhando pra ele. Sem se mover, ele rolou seus olhos, registrando o quarto. Eles pararam quando encontraram meu rosto. - Eu não sonhei, - ele disse. Sua voz estava rouca. – Você e Sam vieram e me salvaram. Eles me deixaram ir. O leopardo me deixou ir. - Sim. - Então o que aconteceu enquanto eu estava fora? – Ele perguntou em seguida. – Espere, posso ir ao banheiro e pegar uma xícara de café antes de você me contar? Eu gostei dele ter perguntado ao invés de ter afirmado (uma marca do Jason, afirmar), e eu fiquei feliz em dizer sim a ele e até mesmo me voluntariar para pegar o café. Jason pareceu feliz o suficiente para subir novamente na cama com uma caneca de café e açúcar, e se apoiar nos travesseiros enquanto conversávamos. Disse a ele sobre o telefonema de Bagre, o ir e vim com a polícia, a busca no quintal e minha conscrição de sua escopeta Benelli, que ele imediatamente exigiu ver. - Você a usou! – ele disse indignado, após checá-la. Simplesmenteo encarei. Ele estremeceu primeiro. - Acho que funcionou com uma escopeta deveria funcionar, - ele disse lentamente. – Já que você está aqui parecendo muito bem. - Obrigada, e não me pergunte de novo, - eu disse. Ele assentiu. - Agora nós temos que pensar numa história para a polícia. - Acho que não podemos simplesmente lhes dizer a verdade. - Claro Jason, vamos dizer a eles que o vilarejo de Hotshot é cheio de Lobis-leopardos e que já que você dormiu com uma, o namorado dela queria fazê-lo um lobis-leopardo também, então ela não preferiria você a ele. Por isso ele virava um leopardo e te mordia todo dia. Houve uma longa pausa. - Já posso ver a cara do Andy Bellefleur, - Jason disse numa espécie de voz subjugada. – Ele ainda não superou o fato de eu não ser culpado pelo assassinato daquelas garotas ano passado. Ele adoraria me fazer parecer louco. Bagre me demitiria, e não acho que eu iria gostar de um hospital psiquiátrico. - Bom, suas oportunidades de namoro com certeza ficariam limitadas. - Crystal – Deus, aquela garota! Você me avisou. Mas eu estava tão caído por ela. E ela resultou ser uma – você sabe. - Oh, pelo amor de Deus, Jason, ela é uma metamorfa. Não aja como se ela fosse uma criatura do Lago Negro, ou Freddy Krueger, ou algo assim. - Sook, você conhece um monte de coisas que nós não conhecemos, não é? Estou entendendo isso. - Sim, eu acho que sim. - Além de vampiros. - Certo. - Há muito mais. - Tentei te dizer. - Acreditei no que você disse, mas só não entendi. Algumas pessoas que eu conheço – quero dizer, além da Crystal – eles não são sempre pessoas, huh? - Isso mesmo. - Tipo quantos? Contei os de dupla-natureza que tinha visto no bar: Sam, Alcide, aquela pequena Lobis-Raposa que bebera uns drinks com o Jason e Hoyt duas semanas atrás... - Pelo menos três, - eu disse. - Como você sabe tudo isso? Eu apenas o encarei. - Certo, - ele disse, após um longo momento. – Não quero saber. - E agora você, - eu disse gentilmente. - Tem certeza? - Não, não teremos certeza por duas semanas, - eu disse. – Mas Calvin irá ajudá-lo se você precisar. - Não aceitarei ajuda deles! – Os olhos do Jason brilhavam e ele pareceu positivamente febril.
- Você não tem escolha, - eu disse, tentando não retrucar. – E Calvin não sabia que você estava lá. Ele é um cara legal. Mas não é nem mesmo hora de falar sobre isso. Temos que pensar no que vamos falar à polícia agora. Por no mínimo uma hora, nós passamos repetidamente nossas histórias, tentando encontrar fios de verdade para nos ajudar a costurar uma boa invenção. Finalmente, eu liguei para a delegacia de polícia. A encarregada do turno diário estava cansada de ouvir minha voz, mas ela ainda estava tentando ser simpática. - Sookie, como lhe disse ontem, querida, nós ligaremos quando encontrarmos algo sobre o Jason, - ela disse tentando reprimir o tom exasperado em sua voz calma. - Eu o tenho, - eu disse. - Você – O QUÊ? – O grito veio alto e claro. Até mesmo o Jason estremeceu. - Eu o tenho. - Mandarei alguém agora mesmo. - Bom, - eu disse, embora não falasse sério. Eu tive a perspicácia de tirar os pregos da porta da frente antes que a polícia chegasse. Não queria que eles perguntassem o que tinha acontecido. Jason me olhara estranho quando tirei o martelo, mas não disse uma palavra. - Onde está seu carro? – Andy Bellefleur perguntou primeiramente. - Está no Merlotte‘s. - Por quê? - Posso dizer a você e ao Alcee, juntos, uma vez só? – Alcee Beck vinha pelos degraus da frente. Ele e Andy vieram a casa juntos, e vendo Jason deitado e enrolado em meu sofá, ambos se paralisaram. Eu sabia então que nenhum deles esperava ver o Jason vivo outra vez. - Feliz em ver você são e salvo, homem, - Andy disse e apertou a mão do Jason. Alcee Beck seguiu seus passos. Eles sentaram, Andy na cadeira reclinável da vovó e Alcee na poltrona que eu geralmente usava, e me recostei no sofá, ao lado dos pés do Jason. – Estamos felizes por você estar na terra dos vivos, Jason, mas precisamos saber onde você estava e o que aconteceu com você. - Eu não faço ideia, - Jason disse. E ele se prendeu a isso por horas. Não havia nenhuma história acreditável que o Jason pudesse contar e que explicaria tudo: sua ausência, suas pobres condições físicas, as marcas de mordidas, sua aparição repentina. A única linha possível que poderia ser tomada era dizer que a última coisa que ele lembrava era ter ouvido um barulho engraçado do lado de fora enquanto entretinha a Crystal, e quando ele foi investigar, ele foi acertado na cabeça. Ele não se lembrava de nada até que de algum modo sentiu ser empurrado de um veículo para pousar em meu quintal na noite anterior. Eu o encontrei quando o Sam me trouxe do trabalho. Eu tinha vindo com o Sam porque estava com medo de dirigir na neve. Logicamente eu tinha explicado para o Sam antes, e ele concordou, relutantemente, que isso era o melhor que podíamos inventar. Eu sabia que o Sam não gostava de mentir, e nem eu, mas tínhamos que manter esta caixa de pandora* fechada.
(* no original, ‗can of worms‘, que é uma expressão usada para designar uma situação complexa que cria uma série de problemas)
A beleza dessa história era a simplicidade. Desde que o Jason pudesse resistir a tentação de fazer floreios, ele estaria salvo. Eu sabia que seria difícil pra o Jason; ele amava falar, e ele amava falar muito. Mas enquanto eu estivesse sentada lá, lembrando-lhe das consequências, meu irmão conseguiu reprimir-se. Eu tive que levantar para pegar outra xícara de café para ele – os homens da lei não queriam mais – e enquanto eu voltava para a sala de estar, Jason dizia que achava que se lembrava de uma sala escura e fria. Lancei a ele um olhar muito comum e ele disse, - Mas, você sabe, minha cabeça está tão confusa e pode ser apenas algo que sonhei. Andy olhou do Jason para mim, claramente ficando mais furioso. - Simplesmente não consigo entender vocês dois, - ele disse. Sua voz era quase um grunhido. – Sookie, eu sei que você se preocupou com ele. Eu não estou inventando isso, estou? - Não, estou tão feliz por tê-lo de volta, - eu dei tapinhas no pé do meu irmão debaixo da coberta. - E você, você não queria estar onde quer que estava, certo? Você faltou trabalho, você custou à comunidade milhares de dólares do nosso orçamento em sua busca, e você transtornou a vida de centenas de pessoas. E vocês estão sentados aí mentindo pra nós! – A voz do Andy era quase um grito quando ele terminou. – Agora, na mesma noite em que você apareceu, esse vampiro desaparecido de todos aqueles pôsteres ligou para a polícia em Shreveport para dizer que ele recuperou sua memória também! E há um fogo estranho em Shreveport com todos os tipos de corpos recuperados! E você está tentando me dizer que não há conexão? Jason e eu nos encaramos. Na verdade, não havia conexão entre Jason e Eric. Apenas não me ocorrera quão estranho pareceria. - Que vampiro? - Jason perguntou. Foi tão bom que eu mesma quase acreditei nele. - Vamos embora, Alcee, - Andy disse. Ele fechou seu caderno com um golpe. Ele colocou sua caneta de volta em seu bolso da camisa com tanta força que me surpreendi dele ainda ter um bolso sobrando. – Este cretino nem mesmo não nos diz a verdade. - Você não acha que eu diria se pudesse? – Jason disse. – Você não acha que eu quero por as mãos em seja lá quem fez isso comigo? – Ele soava absolutamente cem por cento sincero, porque estava sendo. Os dois detetives ficaram balançados em sua incredulidade, especialmente Alcee Beck. Mas eles ainda partiram irritados com nós dois. Lamentei por isso, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Mais tarde naquele dia, Arlene me buscou para que eu pudesse recolher meu carro do Merlotte‘s. Ela estava feliz por ver o Jason e deu um abraço nele. - Você preocupou a sua irmão, seu patife, - ela disse, com ferocidade fingida. – Nunca mais preocupe a Sookie dessa maneira. - Farei o possível, - Jason disse, com uma boa aproximação de seu velho sorriso malandro. – Ela tem sido uma boa irmã para mim. - Agora, essa é a verdade divina, - eu disse, um pouco azedamente. – Quando trouxer meu carro de volta, acredito que poderei levá-lo para casa, irmãozão. Jason pareceu assustado por um minuto. Ficar sozinho nunca fora sua coisa preferida, e após horas sozinho num galpão frio, acredito que tenha ficado mais difícil. - Aposto que as garotas de toda a Bon Temps estão fazendo comida para levar à sua casa agora que souberam que você está de volta, - Arlene disse, e Jason brilhou perceptivelmente. – Especialmente desde que eu disse a todo mundo o quão inválido você está. - Obrigado, Arlene, - Jason disse, parecendo muito mais como ele mesmo. Ecoei isto no caminho para a cidade. - Agradeço muito por você tê-lo animado. Eu não sei pelo que ele passou, mas ele terá dificuldade para superar, eu acho. - Querida, não precisa se preocupar com o Jason. Ele vive realmente no limite . Eu não sei por que ele não tentou entrar para o show. Nós rimos pelo caminho até a da ideia de recepcionar um episódio de Survivor* em Bon Temps.
(*Survivor é um reality show competitivo popular nos Estados Unidos e produzido em vários outros países. No programa, participantes são isolados em um local remoto onde competem por um prêmio em dinheiro e outros prêmios. Basicamente, copiado pela Globo em ―No Limit.)
- Com os javalis nas matas, e aquela pegada de leopardo, eles provavelmente teriam uma bela dversão se fizessem Survivor: Bon Temps, - Arlene disse. – Tack e eu simplesmente sentaríamos e riríamos deles. Isso me deu uma ótima abertura para provocá-la sobre o Tack, o que ela gostou, e juntamente ela me animou tanto quanto o Jason. Arlene era boa nisso. Tive uma breve conversa com o Sam na despensa do Merlotte‘s e ele me disse que o Andy e Alcee já tinham aparecido para confirmar se sua história batia com a minha. Ele me calou antes que eu pudesse agradecê-lo de novo. Levei o Jason para casa, embora ele insinuasse abertamente que gostaria de ficar comigo por mais uma noite. Eu levei a Benelli conosco, e disse a ele para limpá-la aquela noite. Ele prometeu que limparia e quando ele olhou para mim, pude notar que ele queria me perguntar novamente porque eu a usara. Mas não perguntou. Jason aprendera algumas coisas no passado. Eu trabalharia no turno da noite outra vez, então teria um pouco de tempo quando chegasse em casa, antes que tivesse que sair pra trabalhar novamente. A prospectiva pareceu boa. Eu não vi nenhum homem correndo em meu caminho de volta para casa, e ninguém ligou ou surgiu com crises por duas horas inteiras. Eu pude trocar os lençóis das duas camas, lavá-los, e varrer a cozinha e arrumar o armário escondendo o buraco-esconderijo antes de a batida vir da porta da frente. Eu sabia quem seria. Estava completamente escuro lá fora, e com certeza, Eric estava parado em minha porta da frente. Ele olhava para mim com uma expressão nada feliz. - Encontro-me em problemas, - ele disse sem cumprimentar. - Então devo largar tudo para poder ajudá-lo, - eu disse, indo instantaneamente para o ofensivo. Ele ergueu uma sobrancelha. – Serei educado e perguntarei se posso entrar. – Eu não retirara seu convite, mas ele não queria simplesmente invadir minha casa. Educado. - Sim, pode, - me afastei. - Hallow está morta, sendo forçada a retirar a maldição de mim, obviamente. - Pam fez um bom trabalho. Ele assentiu. – Era a Hallow ou eu, - ele disse. – Gosto mais de mim. - Por que ele escolheu Shreveport? - Seus pais estavam presos em Shreveport. Eles eram bruxos também, mas eles também praticavam fraudes* de algum tipo, usando sua magia para deixar suas vitimas convencidas de sua honestidade. Em Shreveport, a sorte deles se acabou. A comunidade sobrenatural se recusou a fazer esforços para tirar os velhos Stonebrooks da cadeia. A mulher se envolveu numa briga com uma sacerdotisa de vodu enquanto estava presa, e o homem foi apunhalado em uma briga num banheiro. (*No original: ―they also ran confidence games of some kind”. Confidence games ou confidence trick é uma tentativa de fraudar de uma pessoa ou de um grupo ganhando a confiança dele ou deles.) - Boa razão para ter algo contra a comunidade sobrenatural de Shreveport. - Eles dizem que estive aqui por muitas noites, - Eric decidira mudar de assunto. - Sim, - eu disse. Tentei parecer agradavelmente interessada no que ele tinha a dizer. - E em todo esse tempo, nós nunca…? Eu não fingi não entendê-lo. - Eric, parece provável? – Perguntei.
Ele não sentara e moveu-se para mais perto de mim, como se me olhando bem, a verdade se revelaria. Seria fácil dar um passo, ficar ainda mais próxima. - Eu não sei, - ele disse. – E isto está me deixando um pouco irritado. Eu sorri. – Está gostando estar de volta ao trabalho? - Sim. Mas Pam lidou bem com tudo durante minha ausência. Estou mandando muitas flores para o hospital. Belinda e uma loba chamada Maria-Comet, ou algo assim. - Maria-Star Cooper. Você não mandou nenhuma para mim, - eu apontei rudemente. - Não, mas deixei algo mais significativo debaixo do saleiro, - ele disse, no mesmo nível. – Você terá que pagar impostos nisso. E se te conheço, dará um pouco para seu irmão. Ouvi dizer que você o recuperou. - Sim, - eu disse brevemente. Sabia que estava chegando perto de falar alguma coisa sem querer e sabia que ele tinha que partir rápido. Eu dera ao Jason um conselho tão bom sobre ficar calado, mas era difícil segui-lo eu mesma. – E seu objetivo é? - Não durará muito. Eu não acho que o Eric tivesse ideia de quanto dinheiro cinquenta mil dólares era, para os meus padrões. - Qual é seu objetivo? Posso afirmar que tem um, mas não tenho ideia do que seja. - Há algum motivo para eu ter achado tecido cerebral na manga do meu casaco? Senti todo o sangue se esvair de meu rosto, do mesmo modo que acontece quando estamos à beira de um desmaio. Quando me dei conta, eu estava no sofá e Eric a meu lado. - Acho que há algumas coisas que você não está me contando, Sookie, minha querida, - ele disse. Sua voz era gentil, entretanto. A tentação era quase devastadora. Mas pensei no poder que o Eric teria sobre mim, mais poder ainda do que ele tinha agora; ele saberia que eu dormira com ele e ele saberia que eu matara uma mulher e ele fora o único que testemunhara isso. Ele saberia que não somente ele devia sua vida a mim (muito provavelmente), mas eu devia a minha a ele. - Eu gostava muito mais de você quando não você lembrava quem era, - eu disse, e com esta verdade diante de minha mente, eu sabia que tinha que ficar quieta. - Palavras duras, - ele disse, e quase acreditei que ele estava realmente ofendido. Para minha sorte, alguém veio à minha porta. A batida fora forte e peremptória, e eu senti uma balançada de alarme. O visitante era Amanda, a insultante ruiva Lobis de Shreveport. - Estou a negócios oficiais hoje, - ela disse, - então serei educada. Isso seria uma ótima mudança. Ela assentiu para o Eric e disse, - Feliz por estar de volta a seu juízo normal, vampiro, - num tom completamente despreocupado. Pude ver que os Lobis e vampiros de Shreveport haviam retornado para seu antigo relacionamento. - E, bom vê-la também, Amanda, - eu disse. - Claro, - ela disse, mas dificilmente como se ligasse. – Senhorita Stackhouse, estamos fazendo inquéritos para os metamorfos de Jackson. Oh, não. - Sério? Você gostaria de se sentar? Eric já estava indo embora. - Não, eu adoraria ficar e ouvir as perguntas da Amanda, - Eric disse, radiante. Amanda olhou para mim, com as sobrancelhas erguidas. Não havia nenhuma maldita coisa que eu pudesse fazer. - Oh, certamente, fique, - eu disse. – Por favor, sentem-se, vocês dois. Lamento, mas não tenho muito tempo antes do meu horário de serviço.
- Então vou direto ao ponto, - Amanda disse. – Duas noites atrás, a mulher que Alcide renegou – a metaforma de Jackson, aquela do corte de cabelo estranho? Assenti, para mostrar que entendera. Eric parecia prazerosamente inexpressivo. Ele não estaria em um minuto. - Debbie, - a Lobis retomou. – Debbie Pelt. Os olhos do Eric se alargaram. Agora, aquele nome ele conhecia. Ele começou a sorrir. - Alcide renegou-a? – ele disse. - Você estava lá, - retrucou Amanda. – Oh, espere, eu esqueci. Isso foi enquanto você estava sob o feitiço. Ela adorou muito dizer isso. - De qualquer maneira, Debbie não retornou para Jackson. Sua família está preocupada com ela, especialmente desde que ouviram que o Alcide renegou-a, e temem que algo possa ter acontecido com ela. - Por que você acha que ela teria me dito algo? Amanda fez uma cara. - Bem, na verdade, acho que ela preferiria comer vidro a falar com você novamente. Mas somos obrigados a checar com todos que estavam lá. Então isso era apenas rotina. Eu não estava sendo selecionada. Pude me sentir relaxar. Infelizmente, o Eric também pôde. Eu tinha tomado seu sangue; ele sabia coisas sobre mim. Ele levantou e passeou pela cozinha. Imaginei o que ele fazia. - Eu não a vi desde aquela noite, - eu disse, o que era verdade, já que não especifiquei a que horas. – Não faço ideia de onde ela está agora. – Isso era ainda mais verdade. Amanda me disse, - Ninguém admite ter visto a Debbie após ela ter deixado a área da batalha. Ela dirigiu seu próprio carro. Eric retornou lentamente para a sala de estar. Olhei para ele, preocupada com o que ele estava fazendo. - O carro dela foi visto? – Eric perguntou. Ele não sabia que fora ele que o escondera. - Não, nem sinal dele*, - Amanda disse, o que era uma imagem estranha para usar para um carro. – Tenho certeza que ela apenas dirigiu para algum lugar para superar sua fúria e humilhação. Ser renegada; isto é horrível. Já faz anos desde que ouvi estas palavras serem ditas.
(*No original; "No, neither hide nor hair," significa ―nenhuma pista de algo ou alguém desaparecido‖).
- Sua família não pensa que este é o caso? Que ela partiu para algum lugar para, ah, refletir sobre as coisas? - Eles temem que ela tenha feito algo para si mesma. – Amanda bufou. Nós trocamos olhares, mostrando que concordávamos perfeitamente sobre a probabilidade da Debbie cometer suicídio. – Ela não faria algo tão conveniente, - Amanda disse, já que ela tinha coragem para dizer isso alto, e eu não. - Como o Alcide está levando isso? – Perguntei ansiosamente. - Ele dificilmente pode se unir à busca, - ela apontou, - já que foi ele quem a renegou. Ele age como se não ligasse, mas notei que o coronel liga para ele para dizer o que está acontecendo. O que, até agora, é nada. – Amanda ergueu-se para ficar de pé, e eu me levantei para levá-la até a porta. – Esta com certeza foi uma estação ruim para as pessoas desaparecerem, - ela disse. – Mas minhas fontes dizem* que recuperou seu irmão, e Eric está de volta ao seu normal, aparentemente. – Ela lançou-lhe uma olhada para comprovar quão pouco ela gostava daquele ser normal. – Agora a Debbie desapareceu, mas talvez ela retorne também. Lamento tê-la incomodado. (* no original, ‗hear through the grapevine‘, uma expressão que quer dizer que se conseguiu a informação de formas suspeitas ou por meio de fofoca.) - Tudo certo. Boa sorte, - eu disse, o que não tinha sentido diante das circunstâncias. A porta se fechou atrás dela, e desejei desesperadamente que eu pudesse simplesmente sair, entrar no meu carro e dirigir para o trabalho. Forcei-me a virar. Eric estava parado. - Você está indo? – Eu disse, incapaz de evitar soar sobressaltada e aliviada. - Sim, você disse que tem que ir trabalhar, - ele disse brandamente. - Eu tenho. - Sugiro que use aquela jaqueta, aquela que é leve demais para o clima, - ele disse. – Já que seu casaco ainda está em má forma. Eu o atirara na lavadora em água fria, mas acho que não o checara bem para ter certeza que tudo saíra. Fora lá que ele estivera, procurando meu casaco. Ele o encontrara pendurado na varanda traseira e o examinara. - Na verdade, - Eric disse, enquanto ia para a porta da frente, - eu o jogaria fora. Talvez queimaria. Ele saiu, fechando a porta atrás dele muito silenciosamente. Eu sabia, tão bem quanto sabia meu nome, que amanhã ele me mandaria outro casaco, numa grande e chique caixa, com um grande laço nela. Seria do tamanho certo, seria de uma marca boa e seria quente. Era vermelho oxicoco*, com um forro removível, um capuz destacável e botões de tartaruga.
(*Oxicoco é um arbusto perene do gênero Vaccinium.)
Charleine Harris
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