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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DEPOIS DA MÚSICA / Christine Feehan
DEPOIS DA MÚSICA / Christine Feehan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Assustada por ameaças, de espíritos misteriosos, Jessica Fitzpatrick traz os gêmeos, Tara e Trevor, à mansão remota de seu pai, músico mundialmente famoso Dillon Wentworth. Depois do incêndio que matou sua esposa, e que o deixou horrivelmente cheio de cicatrizes, Dillon se fechou para fora o mundo.

Com o Natal se aproximando, será que a faísca entre ele e Jessica poderá iluminar o futuro, mas há aqueles que compartilham como sua falecida esposa, o amor pelo ocultismo… e sua maquiavélica maquinação pode mergulhar a família na escuridão a menos que um milagre do Natal aconteça...

 

 

 

 

Jessica Fitzpatrick despertou gritando, com o coração pulsando descontrolado pelo terror. O medo era uma entidade viva que respirava na escuridão de seu quarto. Seu peso a esmagou deixou-a necessitada; era incapaz de mover-se. Notava seu sabor na boca, e o sentia correndo através de sua corrente sangüínea. Ao redor dela, o ar parecia tão espesso que seus pulmões ardiam pela falta de oxigênio. Sabia que algo monstruoso estava mexendo-se profundamente nas vísceras da Terra. Por um momento ficou imóvel, com os ouvidos cansados de tentar decifrar o murmúrio de vozes subindo e baixando, recitando palavras em uma língua antiga que nunca devia falar-se.

Uns olhos vermelhos, resplandecentes, investigavam através da escuridão, convocando-a, fazendo gestos para que se aproximasse ainda mais. Sentia o poder desses olhos à medida que se aproximavam, olhando-a fixamente e aproximando-se ainda mais. Seus próprios olhos se ocultavam deles, a necessidade de fugir embebia sua mente.

O quarto inteiro estremeceu, fazendo-a cair do estreito beliche ao chão. Imediatamente, o ar frio a tirou de seu pesadelo e a fez perceber que não estava na segurança de sua cama, em seu lar, mas no camarote de um navio que balançava grosseiramente em meio de uma tormenta feroz. A nau, sacudida de uma onda a outra mais poderosa, batia com força.

Jessica ficou em pé rapidamente, agarrando-se a beira do beliche enquanto caminhava para as duas crianças, Tara e Trevor Wentworth, que estavam agarrados um ao outro com os rostos pálidos e assustados. Tara gritou, enquanto seu olhar aterrado seguia Jessica que conseguia percorrer a metade do caminho para os gêmeos antes que a seguinte sacudida selvagem a enviasse ao chão de novo.

-Trevor, coloca novamente o colete salva-vidas agora mesmo! -Alcançou engatinhando, então passou um braço ao redor de cada um deles. -Não tenham medo, não nos acontecerá nada.

O navio foi elevado por uma onda, balançando e deslizando rapidamente, lançando os três em todas as direções. A água salgada caiu como uma corrente sobre a coberta e descendeu com rapidez pelos degraus até chegar ao camarote, cobrindo o chão com uma polegada de água gelada. Tara gritou e agarrou ao braço de seu irmão, tentando desesperadamente ajudá-lo a fechar seu colete salva-vidas.

-É ele. Está fazendo isto, ele está tentando nos matar.

Jessica abriu a boca, horrorizada.

-Tara! Ninguém controla o clima. É uma tormenta. Simples e rápida, só uma tormenta. O Capitão Long nos levará sãos e salvos à ilha.

-Ele é horrível. Um monstro. E não quero ir. -Tara cobriu o rosto com suas mãos e soluçou. -Eu quero ir para casa. Por favor, me leve para casa, Jessie.

Jessica comprovou o colete salva-vidas de Trevor para assegurar-se de que ele estava a salvo.

-Não fale assim, Tara. Trev fique aqui com Tara enquanto vou ver o que posso fazer para ajudar.

Jessie tinha que gritar para fazer-se ouvir sobre os uivos do vento e os rugidos do mar.

Tara se jogou nos braços de Jessica.

-Não me deixe sozinha… Morreremos, sei… Todos nós vamos morrer igual à Mama Rita.

Trevor rodeou sua irmã gêmea com seus braços.

-Não, não o faremos, irmãzinha, não chore. O Capitão Long navegou em terríveis tormentas antes, muitas delas. -Procurou Jessica com seus penetrantes olhos azul. -Não é isso, Jessie?

-Certamente que sim, Trevor - concordou ela.

Jessica agarrou firmemente ao corrimão e começou a subir a escada para o convés. A chuva caía como uma cortina de água; as nuvens negras revolviam e ondulavam no céu. O uivo do vento aumentou até parecendo um sinistro alarido. Jessica continha a respiração enquanto olhava como Long se esforçava para manter o rumo através das ondas mais fortes, aproximando cada vez mais à ilha. Parecia a eterna luta entre o homem e a natureza. Devagar, através da cortina de chuva, a massa sólida da ilha começou a tomar forma. A água salgada orvalhava formava espuma sobre as pedras, mas o mar se tranqüilizava na medida em que se aproximavam da beira. Ela sabia que era só o conhecimento da região e a experiência do Capitão o que permitia guiar o navio a atracar em meio à terrível tormenta.

A chuva continuava caindo do céu. As nuvens eram tão negras e pesadas lá em cima que a noite parecia implacavelmente escura. Apesar da escuridão, Jessica espiava a lua de vez em quando, uma visão espectral depois dos farrapos negros que ocultavam sua luz cada vez que o vento fazia girar as nuvens.

-Vamos, Jessie -gritou o Capitão Long. -Traga as crianças e sua bagagem. Quero-os fora deste navio agora mesmo. -As palavras quase se perderam na ferocidade da tormenta, mas sua frenética ordem estava bem clara.

Ela se apressou, dando a Trevor a maioria dos pacotes enquanto ajudava Tara a subir as escadas e a atravessar o escorregadio convés. O Capitão Long elevou Tara até o cais antes de ajudar Trevor a chegar à beira. Agarrou o braço de Jessica e com um firme puxão a puxou para baixo para que pudesse lhe ouvir.

-Eu não gosto disto, Jess, com certeza que ele está aguardando-a. Quando a deixe, estará sozinha. Sabe que ele não é o homem mais agradável...

-Não se preocupe. -Disse enquanto dava tapinhas em seu braço, com o estômago encolhido. -Te chamarei se necessitarmos. Tem certeza que não quer ficar sequer por uma noite?

-Irei me sentir mais seguro aqui fora. -Disse ele apontando para a água.

Jessica despediu dele e voltou a olhar à ilha enquanto voltava a pôr os pés em terra firme. Tinham passado sete anos desde a última vez que tinha estado ali. Suas lembranças dessa ilha eram a matéria de seus pesadelos. Olhando para o alto, quase esperava ver um inferno ardente, com chamas vermelhas e alaranjadas que dirigiam aos céus, mas só estava a noite negra e a chuva. A casa, que uma vez, há muito tempo se assentou no topo do escarpado sobre o oceano, estava reduzida a um montão de cinzas.

Através da escuridão, a vegetação formava uma visão desalentadora, como um mau presságio. Os pálidos raios da lua, parcialmente cobertos, chegavam ao chão e formavam pequenas clareiras, transformando em uma paisagem estranha e sobrenatural. A ilha era um lugar selvagem com bosques espessos e impenetráveis. O vento fazia que as árvores e arbustos se agitassem em uma dança macabra. Os ramos nus se inclinavam, chocando-se com violência umas contra as outras. As imensas árvores de abundantes folhas agitavam com ferocidade, o que fazia que suas folhas se desprendessem e voassem ao vento como agulhas afiadas.

Com decisão, Jessica respirou profundamente e recolheu sua bagagem, dando uma lanterna a Trevor para que iluminasse o caminho.

-Venham, crianças, vamos ver seu pai.

A chuva lhes esfaqueava, empapando, com gotas como pedaços de gelo afiados que penetravam através de sua roupa chegando até a pele. Com as cabeças abaixadas, começaram a subir os íngremes degraus de pedra que conduziam do mar para o interior da ilha, onde Dillon Wentworth se escondia do mundo.

A volta à ilha trouxe de novo a sua memória várias lembranças dos bons tempos: sua mãe Rita Fitzpatrick, aceitando o trabalho como governanta e babá do famoso Dillon Wentworth. Jessica estava tão animada... Tinha então quase treze anos, o suficientemente grande para apreciar a emergente estrela, um músico que se colocaria entre as maiores lendas. Dillon passava muito tempo na estrada, viajando, ou no estúdio, gravando, mas quando estava em casa, estava normalmente com seus filhos ou na cozinha com Rita e Jessica. Ela conheceu Dillon nos bons tempos, cinco anos de uma magia incrível.

-Jessie? -A voz jovem de Trevor interrompeu sua reflexão. -Ele sabe que nós viemos?

Jessica se encontrou com o olhar firme do menino. Com treze anos, Trevor devia ser bem consciente de que era esperado, não estariam caminhando sozinhos em plena noite em meio de uma tormenta. Alguém os teria encontrado com o carro no caminho para o abrigo do cais.

-Ele é seu pai Trevor, e se aproxima o Natal. Esteve sozinho muito tempo. -Jessica jogou para trás o cabelo molhado pela chuva e enquadrou os ombros. -Não é bom para ele.

Dillon Wentworth tinha uma obrigação com seus filhos. Ele tinha que cuidá-los, protegê-los.

Os gêmeos não se lembravam de seu pai da mesma maneira que ela. Ele era tão cheio de vida. Tão bonito. Tão tudo. Sua vida tinha sido mágica. Sua beleza, seu talento, sua risada fácil e os famosos olhos azuis. Todos gostavam dele. Dillon tinha vivido no centro da atenção pública, como uma luz clara e brilhante que deslumbrava nas revistas e na televisão. Em estádios e clubes. A energia, a força de Dillon Wentworth quando atuava era assombrosa, indescritível. Parecia quente e brilhante em cena, um homem com o coração de um poeta e um diabólico talento quando tocava o violão e cantava com sua voz penetrante e brumosa.

Mas em casa… Jessica também recordou Vivian Wentworth com sua risada quebradiça e os dedos vermelhos, curvados como garras. O brilho em seu olhar quando estava turvado pelas drogas, quando se cambaleava sob os efeitos do álcool, quando ficava furiosa e fazia pedacinhos dos copos e arrancava os quadros. A queda lenta e terrível na loucura das drogas e o ocultismo. Jessica nunca esqueceria os amigos de Vivian que a visitavam quando Dillon não estava ali. As velas, as orgias, os cânticos, sempre os cânticos... E os homens… Muitos homens na cama de Wentworth.

Sem avisar, Tara gritou, lançando-se contra Jessica e empurrando-a quase fora dos degraus. Jessica a agarrou firmemente, envolvendo com seus braços à menina e abraçou-a com força. Tinham tanto frio que tremiam incontrolavelmente.

-O que acontece, carinho? –sussurrou Jessica ao ouvido da menina, aliviando-a e balançando-a, ali nos íngremes degraus com o vento penetrando até os seus ossos.

-Vi algo… uns olhos brilhantes nos olhando fixamente. Eram olhos vermelhos, Jess. Vermelhos, como os de um monstro… ou um diabo. -A menina estremeceu e agarrou Jessica com mais força.

-Onde, Tara? -Jessica falou calmamente, embora seu estômago tivesse um nó pela tensão. Os olhos vermelhos. Ela tinha visto esses olhos.

-Ali. –Assinalou Tara sem olhar, escondendo seu rosto contra Jessica. -Entre as árvores, algo estava nos olhando fixamente.

-Há animais na ilha, carinho. -Tranqüilizou Jessica, mas ainda seguia esforçando-se para esquadrinhar a escuridão.

Trevor tentou corajosamente guiar o pequeno círculo de luz da lanterna para o lugar que sua gêmea tinha indicado, mas a luz não penetrava na cortina de chuva.

-Não era um cão, não era, Jessie, era algum tipo de demônio. Por favor, me leve para casa, não quero estar aqui. Tenho tanto medo dele… É tão horrível…

Jessica inspirou profundamente e exalou lentamente, tentando acalmar quando, de repente, quão único queria era dar a volta e pôr-se a correr. Havia muitas lembranças ali, apinhando-se em sua memória, aproximando dela com suas ávidas garras.

-O fogo lhe deixou terrivelmente marcado, Tara, você sabe. -Fez um esforço para manter serena sua voz.

-Eu sei que ele nos odeia. Odeia-nos tanto e não quer nos ver nunca mais. E não quero vê-lo. Ele assassinou a essas pessoas. -Tara lançou a amarga acusação a Jessica. O vento uivando capturou as palavras e as levou sobre a ilha, as estendendo como se fossem uma enfermidade.

Jessica apertou ainda mais Tara, dando uma curta e impaciente sacudida.

-Não quero voltar a ouvir você dizer uma coisa tão horrível jamais na vida, entendeste-me? Sabe por que seu pai entrou na casa aquela noite? Tara é muito inteligente para escutar as fofocas e os telefonemas anônimos.

-Vi os jornais. Estava em todos os jornais! -gemeu Tara.

Jessica estava furiosa. Furiosa. Por que de repente, depois de sete anos, alguém teria enviado os velhos jornais e revistas aos gêmeos? Tara, inocentemente, tinha aberto o pacote envolto em um papel marrom claro. As revistas eram brutais, cheias de acusações sobre drogas e ciúmes, e sobre ocultismo. A especulação sobre se Dillon tinha pegado a sua esposa na cama com outro homem, se tinha havido uma orgia de sexo, drogas, adoração ao diabo e assassinato, tinha sido muito tentador para os jornais sensacionalistas não publicassem qualquer merda, antes que os verdadeiros fatos saíssem à luz. Jessica tinha encontrado Tara soluçando compulsivamente em seu quarto. Quem quer que tenha considerado adequado esclarecer aos gêmeos sobre o passado de seu pai, tinha telefonado a casa repetidamente sussurrando coisas horríveis a Trevor e Tara, insistindo em que seu pai tinha assassinado várias pessoas, entre elas a sua mãe.

-Seu pai entrou na casa em chamas para lhes salvar, crianças. Pensou que ambos estavam dentro. Todos os que tinham conseguido sair tentaram detê-lo, mas ele lutou com eles, escapou, e entrou em um inferno ardente por vocês. Isso não é ódio, Tara. Isso é amor. Eu me lembro desse dia, de cada detalhe. -Apertou seus dedos contra os batimentos do coração de suas têmporas. –Não posso me esquecer nunca dele, não importa quanto tente.

E tinha tentado. Tinha tentado desesperadamente afogar o som dos cânticos. A visão das luzes negras e das velas. O aroma do incenso. Ela recordava a gritaria, as vozes elevadas, o som da arma. E as chamas. As terríveis e ávidas chamas. A cortina de fumaça, tão espessa que não permitia ver nada. E os aromas nunca desapareceram. Às vezes, ainda despertava com o aroma de carne queimada.

Trevor pôs seu braço ao redor dela.

-Não chore Tara. Ainda estamos aqui, e estamos congelando, vamos. Vamos passar o Natal com papai, começaremos de novo e tentaremos nos dar bem com ele desta vez. -Jessica sorriu através da chuva e das lágrimas. Trevor. Tão parecido ao pai e nem sequer se dava conta. -Vamos passar um Natal maravilhoso, Tara, você verá.

Continuaram subindo os degraus até que o chão se nivelou e Jessica encontrou o familiar atalho que ziguezagueava entre o compacto arvoredo até a propriedade.

Como ilha, estava localizada entre o mar de Washington e Canadá, era pequena e remota, sem navios que viajassem até ali. Essa era a razão pela que Dillon a tinha escolhido, procurando a intimidade para sua família em sua própria ilha pessoal. Antigamente, havia guardas e cães. Agora, somente sombras e as persistentes lembranças que arranhavam sua alma.

Nos velhos tempos, a ilha era cheia de vida com pessoas, fervendo de atividade; agora estava silencioso, só um zelador vivia na ilha em alguma parte, em uma das casas menores. A mãe de Jessica havia dito que Dillon só admitia que um homem mais velho vivesse em sua ilha regularmente. Mesmo apesar do vento e a chuva, Jessica não pôde evitar notar que o abrigo do cais estava quebrado e o caminho que rodeava a casa estava descuidado, demonstrando seu escasso uso. Onde houve sempre vários iates amarrados ao cais, não havia nenhum à vista, embora Dillon ainda devesse ter um no abrigo.

O atalho abria caminho através das espessas árvores. O vento açoitava os ramos de tal maneira que a copa das árvores se balançava precariamente. Era mais difícil a chuva alcançá-los através das copas das árvores, mas as gotas golpeavam o atalho fazendo “plop” ruidosamente. Os pequenos animais faziam ranger os arbustos à medida que corriam.

-Não acredito que ainda estejamos em Kansas. -Brincou Trevor, com um sorriso inseguro.

Jessica abraçou imediatamente a ele.

-Leões, tigres e ursos, minha mãe. -Falou só para ver a careta zombadora estender-se no rosto dele.

-Não posso acreditar que ele viva aqui. -Choramingou Tara.

-É bonito durante o dia. -Insistiu Jessica. -Você verá na primeira oportunidade. É um lugar tão maravilhoso... A ilha é pequena, mas tem de tudo.

Eles fizeram um giro no caminho, dando um ligeiro tropeção com a irregularidade do chão. A lanterna elétrica de Trevor lançava um pequeno círculo de luz na terra diante deles, que só servia para que o bosque parecesse ainda mais escuro e aterrador à medida que penetravam nele.

-Tem certeza que sabe o caminho, Jess? Faz anos que esteve aqui. –Perguntou ele.

-Sei este caminho com os olhos fechados. -Assegurou-lhe Jessica. O que não era exatamente a verdade. Em outros tempos, o caminho era mais bem cuidado e virava para fora, para o escarpado. Este estava descuidado e entrava na parte espessa do bosque, para o interior da ilha, seguindo constantemente para cima.

-Se prestar atenção, poderá ouvir o riacho a nossa esquerda. O fluxo da água está mais forte agora, mas no verão não é tão forte nem tão profundo. Há samambaias ao longo de toda a beira. -Ela queria seguir falando, desejando que isso mantivesse o medo deles longe.

Os três respiravam com dificuldade por causa da subida, assim fizeram uma pausa para tomar ar sob uma árvore particularmente grande que ajudou a proteger da chuva torrencial. Trevor dirigiu a luz da lanterna ao maciço tronco da árvore e à cúpula de ramos, fazendo desenhos com a luz para divertir Tara. Quando girou de novo a luz para baixo do tronco, o pequeno círculo iluminou a terra uns metros à frente onde eles estavam.

Jessica ficou dura, levou o punho em sua boca para evitar gritar, e deu um puxão a lanterna de Trevor para enfocar de novo à zona que ele tinha iluminado acidentalmente. Por um terrível momento logo que pôde respirar. Tinha certeza de que tinha visto alguém os olhando fixamente. Alguém com uma capa negra encapuzada muito longa que formava redemoinhos ao redor de sua escura figura, como se fosse o vampiro de um desses filmes que os gêmeos sempre estavam assistindo. Quem quer que fosse, tinha olhado malevolamente. Sustentava algo em suas mãos que cintilou com o foco de luz.

Sua mão tremia muito, mas conseguiu encontrar o lugar onde ele tinha estado com o pequeno círculo de luz da lanterna. Estava vazio. Não havia nada, nenhum humano, nenhum vampiro de capa encapuzada. Continuou investigando através das árvores, mas não havia nada.

Trevor estendeu a mão e agarrou seu pulso, aproximando brandamente sua mão a ele e tomando a lanterna.

-O que viu Jess? -Parecia muito tranqüilo.

Ela os olhou então, envergonhada por tal exibição de puro medo, envergonhada de que a ilha pudesse reduzi-la a aterrorizada adolescente que tinha sido uma vez. Ela esperou tanto: reuni-los, encontrar uma maneira de devolver Dillon ao mundo... Mas em vez disso estava tendo alucinações. Essa figura escura aparecia em seus pesadelos, não em meio de uma terrível tormenta de chuva.

Os gêmeos a olhavam fixamente. Jessica sacudiu a cabeça.

-Não sei uma sombra possivelmente. Vamos para casa de uma vez.

Empurrou-os diante dela, tentando proteger suas costas, tentando ver diante deles, e ambos os lados.

Com cada passo que deu, convenceu-se ainda mais de que não tinha visto uma sombra. Ela não alucinou. Tinha certeza de algo: alguém estava lhes observando.

-Depressa, Trevor, eu estou com frio. -Insistiu ela.

Quando chegaram ao topo, a vista da casa a deixou sem fôlego. Era enorme, sinuosa, coberta por várias plantas adornando as redondas torres e grandes as chaminés. A casa original tinha sido completamente destruída pelo fogo e aqui, no topo do escarpado, rodeada de árvores, Dillon tinha construído a casa de seus sonhos de menino. Adorava a arquitetura gótica, as linhas e esculturas, os tetos abobadados, e as passagens intrincadas. Ela o recordou falando com entusiasmo, estendendo os desenhos em cima da mesa da cozinha para que ela e sua mãe pudessem admirá-los. Jessica tirou sarro cruelmente por ser um arquiteto frustrado e ele sempre ria e respondia que seu lugar natural era num castelo ou um palácio, ou que ele era um homem do Renascimento. Perseguia-a de um lado a outro com uma espada imaginária e lhe falava das terríveis armadilhas das passagens secretas.

Rita Fitzpatrick tinha falado muito sobre essa casa, contando a Jessica como Dillon se obstinou aos seus sonhos musicais e como tinha declarado que construir a casa era o símbolo de seu renascimento das cinzas. Mas em algum momento, durante os meses de Dillon no hospital, depois de suportar a dor e a agonia terríveis de tais queimaduras. Quando compreendesse que sua vida nunca voltaria a ser a mesma, a casa se transformou para ele, e para todos os que conheceram, em um símbolo da escuridão que tinha enraizado em sua alma. Olhando-a, Jessica sentia brotar o medo dentro dela, o pressentimento de que Dillon era um homem muito diferente.

Olharam fixamente o grande edifício, quase esperando ver um fantasma empurrando uma das venezianas e advertindo que permanecessem longe. A casa estava às escuras exceto duas janelas do terceiro andar na frente que dava para eles, de maneira que parecia um par de olhos lhes olhando fixamente. Criaturas aladas pulavam ao redor. A luz da lua dava certa animação às esculturas de pedra.

-Não quero entrar aí. -Disse Tara, retrocedendo. -Parece… - Sua voz foi apagando, deslizando sua mão na de seu irmão.

-Maligna. -Terminou Trevor. -Parece isso, Jess, como uma dessas casas encantadas dos filmes antigos. Parece que está nos olhando fixamente.

Jessica mordeu o lábio inferior, dando uma olhada atrás deles, seu olhar investigando, com cautela.

-Vocês dois viram muitos filmes de terror. Vocês não assistirão mais nenhum.

A casa parecia pior que qualquer uma que tivesse visto nos filme. Parecia uma massa espreitando, esperando silenciosamente uma atrevida presa. As gárgulas escondidas nos beirais olhavam fixamente com seus olhos vazios. Ela agitou a cabeça para clarear a imagem.

-Não mais filmes, estão me fazendo veres da mesma maneira. -Forçou um pequeno sorriso, intranqüila. -"Alucinação em massa".

-Nós formamos uma massa pequena, mas funciona para mim. -Havia um rastro de humor na voz de Trevor. –Estou congelando; assim é melhor entrar.

Ninguém se moveu. Continuaram olhando fixamente a casa em silêncio, contemplando o estranho efeito de animação que dava o vento e a lua às esculturas. Só o som da implacável chuva enchia a noite. Jessica sentiu como seu coração encolhia de repente em seu peito. Não podiam voltar atrás. Havia algo nos bosques. Não havia nenhum navio ao que voltar só o vento e a penetrante chuva. Mas a casa parecia olhá-los fixamente, com a mesma maldade que a figura do bosque.  

Dillon não tinha nem idéia de que eles estivessem ali. Jessy pensou que seria um alívio encontrá-lo, que se sentiria segura, mas, entretanto, tinha medo de seu aborrecimento. Tinha medo do que pudesse dizer diante dos gêmeos. Não agradaria que não tivesse avisado a ele de sua vinda, mas se tivesse telefonado, teria dito que não viessem. Sempre dizia que não viessem. Embora tentasse consolar-se com o fato que suas últimas cartas tinham sido mais alegres e com mais interesse pelos gêmeos, não podia enganar-se acreditando que lhes daria a bem-vinda.

Trevor foi o primeiro a mover-se, dando tapinhas de consolo nas costas de Jessica enquanto a rodeava e caminhava para a casa. Tara o seguiu, e Jessica fechou a marcha. Até um determinado ponto, a área ao redor da casa se ajardinou, havia arbustos podados, e maços de flores plantados, mas parecia como se há muito tempo não recebessem cuidados. Uma grande escultura de golfinhos saltando surgia de um lago no lado mais afastado do pátio da frente. Havia estátuas de ferozes felinos nos limites do jardim, olhando atentamente através dos mais densos matagais.

Tara aproximou mais de Jessica, deixando escapar um pequeno som de alarme quando alcançaram o atalho de ardósia. Todos estremeceram violentamente, seus dentes rangiam, e Jessica disse a si mesma que era pela chuva e o frio. Estavam seguindo o caminho, que levava ao alpendre rodeado por suas grandes e grossas colunas, quando o ouviram. Um grunhido baixo e feroz brotou do silêncio. Atravessou o vento e a chuva, era impossível apontar com precisão de onde vinha, mas ia aumentando de volume.

Os dedos de Tara cravaram nos braços de Jessica.

-O que fazemos? -Choramingou. Jessica podia sentir a menina estremecendo-se compulsivamente.

-Seguiremos em frente. Trevor segure bem sua lanterna, pode que a necessite para golpear a essa coisa na cabeça se nos atacar.

Continuou caminhando para a casa, levando os gêmeos com ela, movendo-se devagar, mas firmemente, tentando não despertar a conduta agressiva de um cão de guarda pondo-se a correr.

O grunhido se converteu em um rugido de advertência. As luzes iluminaram a grama e o alpendre inesperadamente, revelando um grande pastor alemão, com a cabeça encurvada, descobrindo os dentes e rosnando. Permanecia de pé junto ao espesso mato que havia fora do alpendre, com o olhar enfocado neles à medida que se aproximavam. O cão deu um passo para eles quando a porta da frente se abriu.

Tara explodiu em lágrimas. Jessica não podia dizer se eram lágrimas de alívio ou de medo. Abraçou à menina protetoramente.

-Que demônio está acontecendo aqui? -Um homem magro com cabelo loiro e desgrenhado os saudou da porta. -Cale a boca, Toby. -Ordenou ao cão.

-Os jogue fora de minha propriedade. -Rugiu outra voz de dentro da casa.

Jessica olhou fixamente ao homem da porta

-Paul? -havia um claro alívio em sua voz. Seus ombros relaxaram e de repente as lágrimas arderam nos olhos. -Graças a Deus que está aqui! Preciso colocar as crianças em uma ducha quente e aquecê-los imediatamente. Estamos congelando.

Paul Ritter, um antigo membro da banda, velho amigo de Dillon Wentworth, olhava boquiaberto para ela e aos gêmeos.

-Meu deus, Jess, é você, é adulta. E estes são os filhos de Dillon? –Deu um passo atrás apressadamente para lhes permitir entrar. -Dillon, nós temos companhia. Necessitamos calor, duchas quentes e chocolate quente! –Tão molhado como ela, Paul acolheu Jessica em seus braços. -Não posso acreditar que os três estejam aqui. Alegro-me tanto em vê-los. Poderia lhes haver recolhido no cais. -Fechou a porta ao vento e a chuva. A súbita quietude lhe sossegou.

Jessy olhou fixamente à figura escura da escada. Por um momento deixou de respirar. Dillon sempre produzia esse efeito nela. Ele se acomodou contra a parede, elegante e preguiçoso, o típico Dillon. A luz derramava sobre seu rosto, o rosto de um anjo. O espesso cabelo negro-azulado caía em ondas sobre seus ombros, tão brilhante como a asa de um corvo. Seu rosto de rasgos esculpidos, masculina e forte, tinha uma sombra de barba ao longo da mandíbula. Sua boca era tão sensual... Seus dentes incrivelmente brancos. Mas eram seus olhos, de um azul vívido, magnificamente azul, os que ardiam com tal intensidade que sempre cativavam a todos, inclusive Jessica.

Jessica sentiu Tara revolver-se ao seu lado olhando, sobressaltada ao seu pai. Trevor emitiu um som suave, quase de angústia. Os olhos azuis olharam fixamente abaixo, para os três. Ela viu alegria, uma expressão de bem-vinda estendendo-se no rosto de Dillon. Ele deu um passo adiante e segurou-se ao corrimão com ambas as mãos, com uma careta de dor em seu rosto.

Levava uma camisa de manga curta e suas mãos e braços nus se revelavam imponentemente, como se um foco de luz tivesse captado magnificamente cada detalhe. Uma rede de cicatrizes cobria seus braços, os pulsos, e as mãos. Também seus dedos pareciam deformados pelas cicatrizes. O contraste entre seu rosto e seu corpo era tão grande que assustava. Esse rosto de anjo junto aos avantajados e retorcidos braços e mãos.

Tara estremeceu visivelmente e voltou aos braços de Jessica. Imediatamente, Dillon se retirou para as sombras, com o sorriso de bem-vinda desaparecendo, como se nunca tivesse existido. Os ardentes olhos azuis mudaram imediatamente da alegria ao gelo. Seu olhar registrou o transtornado rosto de Jessica, deslizou-se para os gêmeos e retornou a ela. Sua sensual boca apertou ameaçadoramente.

-Estão gelados, Paul e as explicações podem esperar. Por favor, lhes mostre os banheiros para que possam tirar a roupa molhada. Precisará preparar dois dormitórios a mais. -Começou a subir pelas escuras escadas, tendo muito cuidado de permanecer nas sombras. -E me envie Jess acima depois que tenha se aquecido.

Sua voz era uma mescla perfeita de carícia e ansiedade, uma combinação letal que roçava sua pele como fariam uns dedos.

Com o batimento do coração na garganta, Jessica cravou a vista nele. Depois se voltou a olhar Paul.

-Por que não me disse isso? Não pode tocar, verdade? Meu deus, não pode tocar sua música. -Ela sabia o que a música significava para Dillon. Era sua vida. Sua alma. -Eu não sabia. Minha mãe nunca mencionou. Ela veio uma vez com os gêmeos, mas eu estava doente. Quando tentei vê-lo mais tarde sozinha, ele se negou.

-Sinto muito. -Tara estava chorando de novo. -Não quis fazer isso. Não podia deixar de olhar suas mãos. Não pareciam humanas. Era repulsivo. De verdade não queria fazê-lo, não queria... Sinto muito, Jessie.

Jessica sabia que a menina necessitava consolo desesperadamente. Tara se sentia culpada e estava cansada, assustada, e com muito frio. Estremecida pelo que tinha descoberto, Jessica tinha que lutar por conter suas próprias lágrimas.

-Está bem, carinho, encontraremos uma maneira de solucionar isso. Precisa tomar uma ducha quente e ir para cama. Tudo parecerá melhor pela manhã. -Olhou Trevor. Tinha o olhar fixo na escada por onde tinha subido seu pai, como se estivesse hipnotizado. -Trev? Está bem?

Ele assentiu com a cabeça, esclarecendo sua garganta.

-Eu estou bem, mas não acredito que ele esteja.

-Por isso estamos aqui. -Ela disse.

Jessica olhou Paul por cima da cabeça inclinada de Tara. Não acreditou nem por um momento que encontrassem uma maneira de arrumar o dano que Tara fez, e olhando o rosto de Paul, supôs que ele tampouco. Forçou um sorriso.

-Tara, você não se lembra, porque não era mais que uma menina, mas este é Paul Ritter. Era um dos membros originais da banda Fere After. Ele é um grande amigo de seu pai.

Paul sorriu abertamente à menina.

-A última vez que te vi, tinha cinco anos e cabelos encaracolados e negros. -ofereceu sua mão a Trevor. – E você tinha os mesmos cachos.

-Ainda os tenho - disse Trevor sorrindo abertamente.

 

O espesso vapor subia em espirais pelo banheiro, enchendo cada canto como uma névoa sobrenatural. O banheiro, com paredes de azulejo, era grande e formoso, com sua profunda banheira e plantas penduradas. Depois de uma ducha longa e quente, Jessica se sentia muito melhor, mas era impossível ver qualquer coisa com aquele vapor tão espesso. Secou o espelho com a toalha, olhando fixamente o reflexo de seu pálido rosto. Estava exausta, só queria dormir.

A última coisa que queria fazer era enfrentar Dillon Wentworth com essa pinta de menina assustada. Seus olhos verdes eram muito grandes para seu rosto, sua boca muito generosa, seu cabelo muito vermelho. Sempre tinha desejado ter uma aparência sofisticada, elegante, entretanto só parecia uma garota. Aproximou-se mais à imagem do espelho, desejando parecer madura. Sem a maquiagem, não aparentava ter seus vinte e cinco anos, mas um pouco menos. Jessica suspirou e agitou a cabeça com exasperação. Já não era uma moça de dezoito anos, a não ser uma mulher adulta que tinha ajudado Tara e Trevor a crescerem. Queria que Dillon a levasse a sério, que escutasse o que tinha para dizer e não a despedisse como faria com uma adolescente.

-Não fique melodramática, Jess -disse em voz alta -Não use palavras como “vida e morte”. Segure-se à realidade.

Estava tremendo quando vestiu as calças jeans secas, tremiam-lhe as mãos apesar da ducha quente.

-Não deixe que te chame histérica ou fantasiosa. -Odiava essas palavras. A polícia as tinha usado continuamente desde que os tinha chamado quando os gêmeos tinham recebido os velhos jornais e tinham começado os telefonemas. Tinha certeza de que a polícia pensava que a única coisa que queria era publicidade.

Antes de fazer qualquer coisa, precisava assegurar-se de que os gêmeos estavam bem. Paul tinha mostrado seu quarto no segundo andar, uma grande suíte com um banheiro e uma sala de estar, muito parecida com a de um hotel. Jessica sabia por que Dillon tinha construído assim sua própria casa. No início, tinha se obstinado à idéia de que voltaria a tocar de novo. Comporia e gravaria, e sua casa encheria de convidados. Sentiu pesar por ele, sentiu a aflição por seu talento, pelo gênio musical que tinha dentro e que devia rasgar sua alma noite e dia. Não podia imaginar Dillon sem sua música.

Atravessou o amplo salão até a curva da escada. Os degraus subiam ao terceiro andar ou desciam à principal. Jessica tinha certeza de que encontraria os gêmeos na cozinha e Dillon acima, assim desceu, atrasando ao máximo o inevitável. A casa era uma beleza, toda de madeira, com tetos altos e janelas com vidraças. Tinha intermináveis quartos que convidavam a ser explorados atentamente, mas chegou o som da risada de Tara e se apressou a ir à cozinha.

Paul sorriu abertamente, saudando-a.

-Seguiu o aroma de chocolate? -Ainda era como recordava: muito magro com o cabelo muito descolorido, com um sorriso rápido e atrativo que sempre a fazia ter vontades de sorrir de volta.

-Não, o som da risada. -Jessica beijou Tara e alvoroçou o cabelo. -Eu adoro a ouvir rir. Está melhor, querida?

Parecia estar bem, não tão pálida e nem com tanto frio.

Tara assentiu com a cabeça.

-Muito melhor. O chocolate sempre ajuda, não é?  

-Ambas são fanáticas por chocolate -informou Trevor a Paul. –Você não imagina o quanto ficam perigosas se não puderem conseguir chocolate em casa.

-Não leve isso em conta, Sr. Ritter. -Zombou Tara. -Ele também adora chocolate.

Paul explodiu em gargalhadas.

-Faz anos que alguém me chamou de Sr. Ritter, Tara. Chame-me Paul. - Comodamente apoiou sobre o balcão ao lado de Jessica. -Tive a firme impressão de que Dillon não tinha nem idéia de que vinham. O que lhes trouxe aqui?

-O Natal, é obvio - disse Jessica inteligentemente. -Queremos passar um Natal em família.

Paul sorriu, mas o sorriso não apagou as dúvidas de seus olhos escuros. Deu uma olhada aos gêmeos, pensando no que deveria dizer.

-Temos mais companhia agora da que tivemos em anos. A casa está cheia, igual à outra casa. Todo mundo deve ter tido a mesma idéia. O Natal? -Esfregou sua mandíbula e deu uma piscada a Tara. -Quer uma árvore, enfeites e tudo isso?

Tara assentiu solenemente.

-Quero uma árvore grande e que todos nós a decoremos como fazíamos quando Mamãe Rita vivia.

Jessica jogou um olhar ao redor da grande cozinha, mais perto às lágrimas do que gostava.

-Tudo parece igual aqui, Paul. É a mesma cozinha que estava na antiga casa. -Sorriu aos gêmeos. -Lembram-se?

Saber que Dillon tinha reproduzido exatamente os domínios de sua mãe enfraqueceu seu coração. Tinham passado cinco felizes anos na cozinha. Vivian jamais tinha entrado ali. Várias vezes tinham brincado sobre que ela provavelmente não sabia nem como chegar até ali. Mas Tara, Trevor e Jessica tinham passado a maior parte de seu tempo dentro ou perto desse santuário. Era um lugar seguro, um lugar de paz. Um refúgio quando Dillon estava de viagem e a casa deixava de ser um lar.

Trevor assentiu.

-Tara e eu estávamos falando precisamente disso com Paul. Faz-nos sentir como se estivéssemos em casa. Quase espero encontrar a despensa em que gravei meu nome.

Paul pegou Jessica pelo cotovelo, indicando com uma sacudida de cabeça que lhe seguisse fora da sala.

-Não deve lhe fazer esperar muito, Jessie.

Com uma saudação de mão falsamente alegre dirigido aos gêmeos, foi relutantemente com ele, enquanto em seu estômago começavam os saltos mortais. Dillon. Ia enfrentá-lo depois de todo este tempo.

-O que quis dizer com isso de que a casa está cheia como a antiga? Quem está aqui, Paul?  

-A banda. Embora Dillon não possa tocar como estava acostumado a fazê-lo, ainda compõe. Sabe como é com sua música. Alguém teve a idéia de gravar algumas canções em seu estúdio. Tem um estúdio imponente, claro. A acústica é perfeita, todo o equipamento é de última tecnologia, E... Quem poderia resistir a uma canção de Dillon Wentworth?

-Está compondo de novo? -A alegria a invadiu. -Isso é maravilhoso, justo o que ele necessita. Esteve sozinho muito tempo.

Paul emparelhou seus longos passos aos passos mais curtos dela na escada.

-Ele passa mal tendo gente ao seu redor. Não gosta que lhe vejam. E com seu temperamento… Se comporta de um modo distinto, Jessica. Não é o Dillon que você recorda.

Ela detectou algo em sua voz, algo que fez soar sinos de alarme em sua cabeça. Olhou de lado.

-Não espero que ele seja. Sei que tenta me advertir que me mantenha a margem, que está tentando protegê-lo, mas Trevor e Tara necessitam de um pai. Ele pode ter sofrido muito, mas eles também. Perderam sua casa e seus pais. Vivian não contava apenas a conheciam e o que recordam dela não é agradável, mas ele os abandonou. Pode adorná-lo tudo o que queira, mas a realidade é que ele desapareceu e os deixou atrás.

Paul se deteve no patamar do segundo andar, olhando para as escadas novamente.

-Dillon passou por um inferno. Quase um ano no hospital, para que pudessem fazer o que fosse por suas queimaduras: todas essas cirurgias, os enxertos superficiais... E além de tudo isso, a perseguição dos repórteres. E, é obvio os julgamentos. Foi aos tribunais coberto de curativos como uma condenada múmia. Aquilo era um circo para os meios de comunicação. As câmaras de televisão em seu rosto, as pessoas que o olhavam fixamente como se fosse algum tipo de inseto estranho... Queriam acreditar que ele assassinou Vivian e seu amante. Queriam que ele fosse culpado. Vivian não foi à única que morreu naquela noite. Mais sete pessoas morreram naquele incêndio. Fizeram dele um monstro.

-Eu estava aqui -lhe recordou Jessica brandamente, seu estômago se revolvia pelas lembranças -Eu me arrastei através da casa com dois meninos de cinco anos, Paul. Tirei-os por uma janela e me atirei atrás deles. Tara rodou costa abaixo de um lado do precipício e quase se afoga no oceano. Quando consegui tirá-la do mar e corri ao outro lado da casa para dizer a Dillon que estávamos a salvo já era tarde.

Estava tão exausta depois de lutar para salvar Tara que mal podia manter-se boiando. Tinha perdido um tempo precioso descansando na borda com as crianças, com o coração pulsando como louco e seus pulmões ardendo. Enquanto ela ficou ali, Dillon tinha lutado com outros e tinha entrado na casa ardente para salvar as crianças. Ela apertou uma mão contra sua cabeça.

-Acha que não penso nisso cada dia de minha vida? No que deveria ter feito? Não posso mudar nada, não posso retornar e fazer tudo de novo.

Levava a culpa com ela, nela, e esse sentimento fazia que se sentisse doente.

-Jessica. -A voz de Dillon flutuou escada abaixo. Ninguém tinha uma voz como à de Dillon Wentworth. A maneira em que ele pronunciou seu nome conjurava eróticas fantasias noturnas, vívida impressões do toque de veludo negro sobre a pele nua. Podia enfeitiçar com essa voz, fascinar, manter milhares de pessoas totalmente cativadas. Era uma arma poderosa e ela sempre tinha sido muito suscetível a essa voz.

Jessica agarrou ao corrimão e subiu perto de Dillon. Estava esperando-a na parte superior da escada. Entristeceu-a ver que mudou de roupa e agora vestia uma camisa branca de manga longa que ocultava seus braços cheios de cicatrizes. Duas finas luvas negras de couro cobriam suas mãos. Estava mais magro que nos velhos tempos, mas ainda dava essa impressão de imenso poder que recordava tão vivamente. Ele se moveu com graça, como um felino. Seu corpo não caminhava simplesmente pelo chão, deslizava. Só tinha nove anos mais que ela, mas tinha finas rugas de sofrimento gravadas no rosto, e seus olhos refletiam uma profunda dor interior.

-Dillon. -disse só seu nome. Havia tão mais, tantas palavras, tantas emoções que ressuscitavam das cinzas de seu passado... Quis lhe abraçar, acolher entre seus braços. Queria que estendesse a mão para ela, mas soube que não a tocaria. Jessica sorriu apesar de tudo, desejando que ele visse como se sentia. -Me alegro de ver-te de novo.

Em seu rosto não havia nenhum sorriso.

-Que demônio está fazendo aqui, Jessica? No que estava pensando ao trazer as crianças a este lugar?

Seu rosto era uma máscara impenetrável. Paul tinha razão. Dillon já não era o mesmo homem. Este homem era um estranho para ela. Parecia-se com Dillon, inclusive se movia como ele, mas havia um toque cruel na boca onde antes havia um sorriso fácil e certa sensualidade. Seus olhos azuis sempre tinham refletido sua intensidade, seu ímpeto, suas selvagens paixões, sua alegria de viver. Agora neles ardia um penetrante gelo azul.

-Há algo mais que queira ver? -Tinha uma maneira especial de pronunciar as palavras, um acento diferente de todos que o fazia único. Suas palavras eram amargas, mas sua voz era tranqüila, serena. -Olhe até se fartar, Jess, desafogue.

-Farei isso, Dillon. Por que não? Faz sete anos que não vejo você. Desde o terrível acidente. -Manteve sua voz estritamente neutra, quando havia uma parte dela que queria chorar por ele. Não pelas cicatrizes em seu corpo, mas sim por coisas ainda piores, pelas de sua alma. E ele estava olhando-a, seus olhos se moviam rapidamente sobre seu corpo, captando cada detalhe. Jessica não permitiria que a deixasse nervosa. Isto era muito importante para todos eles. Tara e Trevor não tinham a ninguém mais que lutasse por eles, por seus direitos. Por seu amparo. E parecia que Dillon tampouco o faria.

-É isso o que acredita Jessica? Que foi um acidente? -Um pequeno sorriso desprovido de humor suavizou o toque de sua boca, mas fez que seus olhos brilhassem como cristais de gelo. Voltou-se e caminhou para seu estúdio, mas antes deu um passo para trás e lhe indicou mediante gestos que o acompanhasse. -É muito mais ingênua do que pudesse imaginar.

O corpo de Jessica roçou contra o seu quando passou junto a ele para entrar em seu domínio particular. Nesse momento foi consciente dele como homem, todas suas terminações nervosas adquiriram vida. A eletricidade parecia passar de um ao outro. Dillon respirava com dificuldade e seus olhos tinham se nublado antes de dar a volta.  

Ela jogou um olhar a seu estúdio, para ver algo que não fosse ele e sua virilidade, e o encontrou acolhedor. Parecia mais ao Dillon que recordava. Tudo couro, e quentes cores douradas e castanhas. Os livros estavam nas prateleiras que iam do chão ao teto, com portas de vidros que guardavam tesouros.

-O incêndio foi um acidente. -Aventurou ela, medindo cuidadosamente o caminho.

Tudo se mesclava em sua mente. Esta casa era diferente, e, mesmo ainda igual à que recordava. Havia lugares cômodos e acolhedores que em questões de minutos podiam resultar rudes. Dillon era um estranho, e havia algo ameaçador em seu brilhante olhar. Observava-a com o mesmo perigo que um imperturbável predador. Inquieta, Jessica sentou frente a ele, com a grande mesa de mogno entre eles, sentindo que estava enfrentando um inimigo e não um amigo.

-Esse foi o veredicto oficial, não? Divertida palavra, oficial. Pode fazer algo em oficial se escrever em um papel e repeti-lo freqüentemente.

Jessica não sabia o que responder. Não entendia o que pretendia insinuar. Retorceu seus dedos, com seus olhos verdes fixos nele.

-O que está dizendo, Dillon? Acha que Vivian provocou o fogo de propósito?

-A pobre e desamparada Vivian... -Suspirou. -Trazem muitas lembranças, Jess, lembranças que prefiro esquecer.

Em seu colo, seus dedos retorciam com mais força ainda.

-Sinto ouvir isso, Dillon. A maioria de minhas lembranças sobre você é maravilhosa e tenho muito carinho nelas.

Ele recostou em sua cadeira, cuidadosamente colocada para manter seu corpo nas sombras mais profundas.

-Conte algo sobre você. O que tem feito ultimamente?

Seu olhar verde encontrou totalmente com a azul do dele.

-Graduei-me na escola de música e trabalho na Eternity Studios como engenheira de som. Mas acredito que já sabe.

Ele assentiu.

-Dizem que é muito boa nisso, Jess.

Ele olhou a curva de sua boca e seu corpo esticou como resposta. Realmente endurecido, com uma dor insistente, palpitante. Sentia-se fascinado por sua boca e essa fascinação lhe desgostou. Recordava-lhe muitos antigos pecados sobre os que não queria pensar. Jessica Fitzpatrick nunca deveria ter voltado para sua vida.

-Mudou a casa longe dos escarpados.

-Nunca gostei que estivesse ali. Não era seguro. -Seus olhos azuis deslizaram sobre seu corpo, avaliando-o deliberadamente, quase de maneira insultante. -Me fale sobre os homens de sua vida. Imagino que exista algum, ou dois? Veio aqui para me dizer que encontrou alguém e quer deixar as crianças?

A idéia a enfureceu. Um calor vulcânico fez erupção em sua corrente sanguínea e se estendeu por seu corpo, espesso, quente e perigoso.

Havia algo estranho nele, algo que não conseguia compreender. Como se falasse de algo espinhoso, então mudava de assunto e a deixava totalmente desorientada. Sua conversa parecia mais a uma das partidas de xadrez que tinham jogado freqüentemente na cozinha de sua mãe, tantos anos atrás. Não era uma digna rival para ele e sabia. Dillon poderia arrancar o coração de alguém sem que o sorriso desaparecesse de seu rosto. Tinha visto fazê-lo, encantador, inteligente, dizendo a única coisa que faria em pedaços seu antagonismo como se fosse um cristal.

-Estamos em guerra, Dillon? -Perguntou Jessica. -Porque se estamos, terá que me explicar às regras. Nós viemos aqui para passar o Natal com você.

-O Natal? -Quase grunhiu a palavra. -Eu não celebro o Natal.

-Bem, nós celebramos o Natal, seus filhos, sua família, Dillon. Recorda a sua família, não recorda? Não vimos você durante anos; pensei que poderia te agradar.

Sua sobrancelha disparou para cima.

-Agradar, Jess? Pensou que me agradaria? Não pensou absolutamente. Sejamos um pouco honestos entre nós.

Seu gênio estava começando a arder a fogo lento.

-Duvido que saiba o significado da palavra honestidade, Dillon. Mentiu a si mesmo durante tanto tempo que se converteu em um hábito. -Envergonhou-se ante sua própria falta de controle. A acusação tinha escapado antes que pudesse contê-la.

Ele recostou sobre a cadeira de couro, com o corpo jogado para trás, preguiçoso e divertido, ainda nas sombras.

-Perguntava-me quando sairia a reluzir seu temperamento. Lembra os velhos tempos, quando estalava em chamas se alguém cutucava o suficiente. Ainda está aí, escondido profundamente, mas lhe corrói por dentro, não é, Jess?

Dillon recordava tudo muito vivamente. Era um homem adulto, pelo amor de Deus, de quase vinte e sete anos com dois meninos e uma demente drogada por esposa. E tinha ficado obcecado por uma moça de dezoito anos. Estava doente, enojado. Além de toda compreensão. Jessica sempre tinha sido tão vivaz, tão apaixonada por tudo. Era inteligente; tinha uma mente que absorvia tudo rapidamente. Compartilhava seu amor pela música, os edifícios antigos, e pela natureza. E amava seus filhos. Nunca a tocou, nunca se permitiu pensar sexualmente nela, mas tinha percebido cada detalhe de seu corpo e se detestava por essa debilidade.

-Está me provocando intencionalmente para ver como reajo? -Tentou não soar magoada, mas temia que seu rosto demonstrasse o que sentia. Ele sempre percebia até o mínimo detalhe de qualquer pessoa.

-Condenadamente certo. Faço isso. -Ele admitiu de repente, com seus brilhantes olhos azuis postos nela, suas maneiras preguiçosas e indolentes tinham desaparecido em um segundo. -Que merda aconteceu para que trouxesse meus filhos aqui, os fazendo passar por um inferno, arriscando suas vidas…? -Queria estrangulá-la. Envolver as mãos ao redor de seu esbelto pescoço e retorcer o cangote por fazer estragos de novo em sua vida. Não podia permitir o luxo de ter Jessica por perto. Agora não. Nem nunca.

-Eu não arrisquei suas vidas. -Seus olhos verdes expeliam chamas quando negou a acusação.

-Arriscou vindo em meio dessa tormenta. Nem sequer me ligou primeiro.

Jessica inspirou profundamente e soltou o ar devagar.

-Não, não liguei. Você diria que não viéssemos. Eles pertencem a este lugar, Dillon.

-Jessica, toda uma mulher... É difícil deixar de pensar em você como uma adolescente selvagem e aceitar que é uma mulher adulta. -Seu tom era um insulto.

Ela elevou o queixo.

-Realmente, Dillon, teria pensado que preferiria pensar em mim como uma mulher mais velha. Estava certamente desejoso de deixar Trevor e Tara comigo depois da morte da mamãe, sem se importar qual fosse minha idade.

Ele se levantou da cadeira, movendo-se rapidamente pela sala, aumentando a distância entre eles.

-Aonde vai dar isto? Quer mais dinheiro?  

Jessica permaneceu calada, simplesmente olhando. Teve que exercer todo seu autodomínio para não levantar-se e sair. Permitiu que o silêncio se estendesse entre eles, tirante, um momento cheio de tensão. Dillon se voltou finalmente para olhá-la.

-Isso foi um golpe baixo, inclusive para você, Dillon. -Disse brandamente. -Há muito tempo alguém deveria ter te esbofeteado. Espera que sinta compaixão por você? É o que quer de mim? Piedade? Simpatia? Terá que esperar sentado.

Ele se apoiou contra a prateleira de livros, seus olhos azuis fixos no rosto dela.

-Acho que mereci isso. -Seus dedos enluvados escorregaram com o passar do dorso de um livro. De um lado a outro. Deslizando sobre o couro. -O dinheiro nunca significou muito para você ou para sua mãe. Senti muito quando soube de sua morte.

-Sentiu muito? Que amável de sua parte, Dillon, sentir muito... Era minha mãe e a mãe de seus filhos, tanto queira reconhecer como não. Minha mãe cuidou de Tara e Trevor desde o dia que nasceram. Eles não conheceram outra. Ficaram destroçados quando ela morreu. Eu fiquei destroçada. Seu amável gesto de enviar flores e se encarregar de todos os acertos… Faltou algo.

Ele se endireitou, erguendo-se em toda sua estatura, seus olhos azuis pareciam gelo.

-Meu deus, está brigando, está questionando o que fiz.

-O que fez Dillon? Alguns telefonemas. Duvido que isso leve mais de uns minutos de seu precioso tempo. Provavelmente pediu a Paul que fizesse as ligações telefônicas por você.

Sua escura sobrancelha disparou para cima.

-O que esperava que fizesse Jessica? Apresentasse no enterro? Causar outro circo de imprensa e televisão? Acha de verdade que teriam deixado passar? Os assassinatos sem resolver e os incêndios são casos de grande interesse público.

-Não se tratava de você, Dillon, não é? Nem tudo gira a seu redor. Tudo o que te preocupava era que sua vida sofresse alguma mudança. Faz onze meses que minha mãe morreu e não mudou nada, ou sim? Não. Asseguro que isso não ocorreu. Eu passei a ocupar o posto de minha mãe, não é? Sabia que nunca lhes abandonaria ou daria em adoção. No momento em que sugeriu contratar a um estranho, que possivelmente os separaria, soube que eu os manteria juntos.

Ele se encolheu de ombros, não arrependido.

-Eles lhe pertencem. Eles estiveram com você por toda a vida. Quem melhor que você, Jessica? Eu sabia que os amava que daria sua vida por eles. Diga-me, no que me equivoquei se o que quero é o melhor para meus filhos?

-São seus Dillon. Devem estar aqui, com você. Necessitam um pai.

Sua risada foi amarga, sem rastro de humor.

-Um pai? É o que pensa que eu sou Jessica? Parece que terei que te recordar minhas grandes habilidades como pai... Deixei-os com sua mãe, em uma casa em uma ilha sem equipe contra incêndios. Lembra disso tão bem como eu? Porque, me acredite, gravou-se em meu cérebro. Deixei-os com uma mulher que sabia que estava louca. Sabia que estava envolvida com drogas, que era instável e violenta. Sabia que trazia seus amiguinhos aqui. E ainda pior, sabia que estava fazendo papel de bobo com esses ocultistas. Deixei-os entrar em minha casa com meus filhos, com você. -Passou os dedos enluvados através de seu negro cabelo, despenteando os cachos indomáveis e fazendo que o cabelo caísse em ondas ao redor de seu rosto de oval perfeito.

Deu um empurrão à prateleira dos livros, um movimento de impaciência, e se aproximou furtivamente com toda a graça de um bailarino de balé e todo o sigilo de um leopardo. Quando tinha começado sua obsessão? Só recordava o desejo de chegar a casa, sentar-se na cozinha e observar as expressões que apareciam no rosto de Jessica. Escreveu canções sobre ela. Encontrava a paz em sua presença. Jessica tinha um dom para os silêncios e para a risada. Estava dependente dela, vigiava-a em cada momento, e ao final, tinha falhado com ela também.

-Dillon, é muito duro com você mesmo. -Disse Jessica brandamente. -Era muito jovem, e tudo veio de uma vez: a fama e a fortuna. Tudo mudou. Dizia que não conhecia a realidade, o que acontecia ou o que deixava de acontecer. E trabalhava duro, conseguindo que tudo fosse um êxito. Havia muita gente que dependia do dinheiro que gerava... Todos dependiam de você. Acreditava que poderia controlar tudo até ao mínimo detalhe? Não é responsável pela decisão de Vivian de usar drogas, nem responsável por qualquer outra coisa das que fez.

-De verdade? Estava claramente doente, Jess. Quem era o responsável por ela a não ser eu?

-Foi com ela a incontáveis reabilitações. Todos nós ouvimos como te ameaçava com suicidar-se se a deixava.

Ameaçou levar as crianças. Ameaçou com muitas coisas. Mais de uma vez Vivian foi ao quarto das crianças, gritando que lançaria os gêmeos ao espumoso mar. Jessica apertou uma mão contra sua boca à medida que as lembranças a invadiam. Tinha tentado interná-la, mandá-la a um hospital psiquiátrico, mas Vivian era perita em enganar os médicos, e acreditavam em todas suas histórias sobre um dom Juan por marido que queria mantê-la à margem de sua vida enquanto se dedicava a usar drogas e deitar-se com suas fãs. As revistas certamente apoiaram suas acusações.

-Tomei o caminho fácil. Fui. Dediquei-me a viajar e deixei meus filhos, você, e a Rita com sua loucura.

-A excursão tinha sido contratada fazia muito tempo. -Assinalou Jessica. -Dillon, isso tudo é água passada. Não podemos mudar as coisas que aconteceram, só podemos seguir adiante. Tara e Trevor necessitam de você agora. Não estou dizendo que tenham que viver aqui, mas devem ter uma relação com você. Você está perdendo muitas coisas não os conhecendo, e eles estão perdendo outras mais sem saber como é.

-Nem sequer sabe quem sou agora, Jess - disse Dillon tranqüilamente.

-Exatamente isso a que me refiro. Ficaremos para o Natal. São quase três semanas e deve nos dar tempo suficiente para conseguir nos conhecer novamente.

-Tara me acha repulsivo. Acha que obrigaria a minha própria filha a viver um pesadelo?

Passeava nervoso sobre o chão de madeira, um movimento inquieto e rápido, elegante e fluido, que tanto recordava ao velho Dillon. Havia tanta paixão nele, tanta emoção, que nunca poderia contê-la. Emanava dele, esquentando a todos aqueles que queriam enfraquecer-se com sua presença.

Jessica era consciente de cada uma de suas emoções, sempre tinha sido. Praticamente podia ver sua alma sangrando, a punhalada de Tara era tão profunda que seria quase impossível curá-la. Mas concordar com sua retorcida lógica não ajudaria. Dillon tinha perdido o interesse pela vida. Tinha fechado seu coração ao mundo e estava decidido a manter-se assim.

-Tara só tem treze anos, Dillon. Está sendo muito duro com ela. Foi um choque para ela, mas seria injusto apartar ela de sua vida por uma reação infantil ante suas cicatrizes.

-O melhor para ela seria que a levasse daqui.

Jessica agitou sua cabeça.

-Quer dizer que seria o melhor para você. Não pensou nela. Está se tornando egoísta, Dillon, vivendo aqui sozinho, tendo piedade de si mesmo.

Ele se aproximou rapidamente, deixando-a sem fôlego com sua velocidade. Ficou sobre ela antes que tivesse oportunidade de escapar, agarrando seu braço e rodeando-o com seus dedos tão fortemente que podia sentir as grosas linhas de suas cicatrizes contra a pele, apesar do couro de sua luva. Arrastou-a para ele, contra seu peito, puxou de modo que cada suave curva de seu corpo se apertou implacavelmente contra ele.

-Como se atreve a me dizer isso? -Seus olhos azuis destilavam frio gelo, ardiam com esse gelo.

Jessica se negou a retroceder. Cravou seu olhar no dele.

-Alguém deveria ter lhe dito isso antes, Dillon, há muito tempo. Não sei o que faz sozinho nesta casa enorme, em sua ilha selvagem, mas certamente não é viver. Separou-se de tudo e não tem direito a fazer isso. Você escolheu ter filhos. Trouxe-os para este mundo e é responsável por eles.

Seus olhos lançaram labaredas para os dela, sua boca se endureceu de uma forma cruel. Pôde sentir como mudava. Sua agressividade masculina. Sua hostilidade selvagem. Sua mão se enredou no abundante cabelo da nuca de Jess e inclinou sua cabeça para trás. Uniu sua boca a dela com fome. Com fúria. Com avareza. Queria assustá-la, castigá-la. Para afugentá-la. Usou uma força que a deixaria dolorida, exigindo submissão, em uma primitiva vingança destinada a afastá-la todo o possível.

Jessica saboreou a ardente fúria, a necessidade feroz de conquistar e dominar, mas também a escura paixão, tão elementar como o tempo. Sentia como alagava o corpo dele, endurecendo cada um de seus músculos até convertê-los em aço, abrandando os lábios que antes tinham sido brutais. Jessica permaneceu passiva sob o violento ataque, com o coração pulsando a toda pressa, seu corpo cobrando vida. Não lutou com ele, não resistiu, mas tampouco participou.

Dillon elevou sua cabeça bruscamente e, soltando uns quantos juramentos, deixou cair suas mãos como se tivesse queimado.

-Saia daqui, Jessica. Saia antes que tome o que quero. Sou tão condenadamente egoísta que o faria. Saia daqui e leve as crianças com você. Não os quero aqui comigo. Dorme aqui esta noite, mas, por favor, permaneça longe de minha vista. Irão quando passar a tormenta. Farei que Paul lhes leve a casa.

Ela permaneceu ali de pé, com uma mão apertando seus lábios inchados, assustada pela maneira como pulsava seu corpo e incapaz de mover-se, aturdida pela reação de seu corpo.

-Não tem escolha, Dillon. Tem todo o direito do mundo de me expulsar, mas não a Tara e nem a Trevor. Alguém está tentando matá-los.

 

-Do que você está falando? -De repente Dillon parecia tão ameaçador que Jessica deu um passo atrás.

Levantou a mão tentando deter, jamais teve medo, nem sequer pensou que fosse possível. Havia algo implacável em seus olhos. Algo aterrador. E, pela primeira vez, viu-lhe como um homem perigoso. Dillon nunca tinha sido assim antes, mas os acontecimentos o mudaram, transformando-o, quão mesmo a ela. Tinha que deixar de vê-lo como o homem que tanto tinha amado. Era diferente. Podia sentir a violência explosiva que continha com muita dificuldade.

Teria cometido um terrível engano vindo à casa de Dillon? Trazendo as crianças até ele? Sua única preocupação era Trevor e Tara. Amava-os como uma mãe, ou, ao menos, como uma irmã mais velha.

-Que demônio está fazendo? -Grunhiu ele.

-Que o que estou… - sua voz se apagou pelo assombro. A quebra de onda de medo deu passo a uma quebra de onda súbita de fúria. Parou em seco e até deu um passo para frente, com as mãos transformadas em punhos. -Pensa que inventei esta história, Dillon? Que tirei as crianças da casa onde viviam que os separei de seus amigos, em segredo e no meio da noite, para ver um homem que não têm nenhuma razão para amar, quem obviamente não os quer aqui, por um capricho? Porque me sentia caprichosa? Por quê? Por seu lamentável e estúpido dinheiro? -Sorriu-lhe com desprezo, deixando bem claro quão furiosa estava. -Sempre volta para o mesmo assunto, não?

-Se, obviamente não os quero aqui, por que os trouxe? -Os olhos azuis refletiam a ira que sentia em seu interior, as palavras certamente lhe ardiam.

-Tem razão, não deveríamos ter vindo aqui, foi uma estupidez pensar que teria a amabilidade de se responsabilizar sobre seus próprios filhos.

Não se perdiam de vista um ao outro, dois combatentes, duas personalidades fortes, apaixonadas. Estavam em silêncio enquanto o coração de Jessica martelava furioso e seus olhos lançavam labaredas. Dillon a olhou durante muito tempo. Moveu-se primeiro, suspirando auditivamente, rompendo a tensão e caminhando de volta a mesa com passo decidido e elegante.

-Vejo que tem uma boa opinião de mim, Jessica.

-Você é quem me acusou de ser uma ambiciosa bruxa ávida de dinheiro. -Assinalou.         -Diria que é você o que tem uma opinião bastante pobre sobre mim. -Elevou o queixo, o semblante tenso pelo orgulho. -Devo dizer que embora seja você quem está me lançando acusações, não teve nem sequer a cortesia para responder a carta em que sugeri que as crianças deveriam viver com você depois da morte de minha mãe.

-Não chegou nenhuma carta.

-Enviei uma carta, Dillon. Ignorou-a como nos ignorou. Se você pensa que tenho tanto interesse pelo dinheiro, por que deixou seus filhos comigo durante todos estes meses? Mamãe tinha morrido, e você sabia, e ainda assim não fez nenhum esforço por trazer as crianças aqui com você e não respondeu a minha carta.

-Deveria recordar, antes de opinar sobre coisas das que não tem nem idéia, que está em minha casa. Não te joguei, apesar do fato de que não teve a cortesia de telefonar antes.

Jessica arqueou uma sobrancelha.

-É uma ameaça? O que vai fazer? Vai jogar-me a patadas à tormenta ou, ainda melhor, vai enviar-me ao abrigo ou à cabana do zelador? Deixe-me em paz, Dillon. Sei que não é tão mau como quer me fazer acreditar.

-Não sou o homem que conheceu Jess, nem voltarei a sê-lo jamais. -Ficou calado um momento, observando as expressões que atravessavam o rosto dela. Quando Jess se moveu, para voltar a falar, levantou a mão para detê-la. -Sabia que sua mãe veio ver-me só dois dias antes que morresse? -Sua voz era muito tranqüila.

Sentiu que algo frio percorria a coluna vertebral quando compreendeu o que ele estava dizendo. Sua mãe tinha ido ver Dillon e dois dias depois ela estava morta o que certamente não tinha sido um acidente. Jessica permaneceu imóvel. Não podia fazer nenhum movimento enquanto assimilava a informação. Sabia que os dois fatos estavam relacionados de algum jeito. Podia sentir os olhos de Dillon fixos nela, mas havia um ruído estranho em seus ouvidos. De repente, foi como se suas pernas não a sustentassem e a sala começou a inclinar-se rapidamente. Havia trazido a Trevor e Tara até ele.

-Jessica! -parecia assustado. -Não desmaie. O que você está sentindo? -Arrastou-a a uma cadeira e a obrigou a sentar-se, empurrando a cabeça para baixo; o couro que cobria sua palma produzia estranhas sensações na nuca de Jess. -Respira. Só respira.

Ela inalou profundamente, tomando grandes baforadas de ar, lutando contra o enjôo.

-Só estou cansada, Dillon, já estou melhor, de verdade. Parecia pouco convincente, inclusive para si mesma.

-Jess você ficou diferente quando disse que sua mãe esteve aqui. Por que isso te incomodou? Escrevia-me freqüentemente ou me telefonava para me deixar em dia sobre o progresso das crianças.

-Por que ela veio aqui? -Jessica reteve o ar em seus pulmões e esperou que o enjôo desaparecesse completamente. A mão de Dillon seguia sujeitando fortemente sua nuca; não iria permitir sentar-se a menos que estivesse totalmente recuperada. -Estou bem, eu juro, de verdade. -Empurrou seu braço, não queria que a tocasse. Ele estava muito perto. Era muito atrativo. E tinha muitos segredos escuros.

Dillon a soltou bruscamente, quase como se lesse seus pensamentos. Afastou-se e sentou de novo frente à mesa, de volta às sombras. Ocultava as mãos enluvadas debaixo da mesa, fora da vista, e Jessica tinha certeza que estava tremendo.

-Por que se preocupa que sua mãe viesse ver-me? E por que pensa que alguém quer fazer mal aos gêmeos? -A irritação entre eles tinha desaparecido como se nunca tivesse existido, deixando sua voz de novo suave, persuasiva, tão amável que Jess deu um tombo ao coração.     -Você se aborrece de falar sobre ela? É muito cedo?

Jessica apertou seus dentes tentando anular o efeito que tinha sobre ela. Foram tão unidos uma vez. Dillon tinha enchido sua vida com sua presença, sua risada e seu afeto. Fazia com que a casa parecesse um lugar seguro quando chegava. Agora era difícil sentar-se em frente dele e deixar que sua voz acariciasse a levasse de volta a aqueles dias de companheirismo, quando tinha certeza que agora era uma pessoa muito diferente.

-O carro de minha mãe foi manipulado. -Jessica soltou bruscamente. Levantou a mão para deter seu inevitável protesto. -Só me escute antes de dizer que estou louca. Sei o que dizia o boletim policial. Que falharam os freios e caiu em um precipício. -Escolheu as palavras cuidadosamente. -Aceitei que aquilo fosse um acidente, mas então começaram a ocorrer outras coisas. Pequenas coisas em princípio, coisas como o ventilador do motor rasgasse e soltasse fazendo migalhas ao capô e o pára-brisa do meu carro.

-O que? -Incorporou-se de repente. -Alguém saiu ferido?  

Ela negou com a cabeça.

-Tara acabava de entrar no assento traseiro. Trevor nem sequer estava no carro. Eu sofri alguns arranhões, nada sério. O mecânico disse que essas coisas ocorriam às vezes... Mas me preocupou. E logo aconteceu a coisa do cavalo. Trevor e Tara montam todas as quintas-feiras em um estábulo local. À mesma hora, todas as semanas. O cavalo de Trev se tornou louco, saltava, dava voltas, relinchava como se o estivessem matando... Foi espantoso. Quase consegue atirar Trev. Mais tarde descobriram uma droga em seu organismo. Olhou diretamente a ele.       -Eu encontrei também isto no estábulo do cavalo, sobressaindo-se entre a palha. -Olhando-o ao rosto, aproximou-lhe a pua de violão com o selo especial de Dillon Wentworth, fabricado especialmente para ele já há alguns anos. -Trevor admitiu que devesse ter caído de seu bolso. Esta é uma das coisas que foram enviadas de forma anônima as crianças.

-Já vejo. -Sua voz soava sombria.

-Os donos do estábulo acreditam que foi uma travessura que fizeram ao cavalo, que aquilo havia acontecido outras vezes. A polícia pensou que foi Trevor quem o fez, e fizeram as perguntas até que chamei um advogado. Trevor nunca faria uma coisa assim... Mas havia algo que não encaixava dois acidentes tão seguido e só uns meses depois que o carro de minha mãe perdesse o controle... -Jessica golpeava com as unhas na beira da mesa, um hábito que só aparecia quando estava preocupada. -Poderia ter aceitado que os acidentes tinha sido só isso, acidente, se não tivesse havido mais, mas não foi assim. -Olhou-o de perto, muito atentamente, tentando ver o que escondia a expressão impassível de seu rosto. –É obvio os incidentes não aconteceram um atrás do outro, ao menos passaram duas semanas entre eles. -Estava desesperada por distinguir alguma emoção em seus olhos azuis, mas só viu gelo.

Jessica se estremeceu de novo, experimentando uma quebra de onda de medo ao pensar que estava sozinha naquela sombria habitação com um homem que levava uma máscara impenetrável e que guardava a escuridão em sua alma como se fosse um tesouro.

-Jess o que você está pensando? -Perguntou tranqüilamente.

O que podia dizer? Era um estranho e que já não confiava nele plenamente.

-Quando minha mãe veio aqui e por quê?  

-Dois dias antes de sua morte. Eu lhe pedi que viesse.

Fez-lhe um nó na garganta.

-Em sete anos jamais nos pediu que viéssemos. Por que de repente disse a minha mãe que viajasse até aqui para ver-te?

Ele arqueou sua escura sobrancelha.

-Obviamente porque não podia ir vê-la.

Sinos de alarme soaram de novo em sua mente. Estava esquivando a pergunta sem responder. Era muita coincidência que sua mãe tivesse visitado Dillon em sua casa da ilha e dois dias depois os freios falhassem misteriosamente. Os dois fatos tinham que estar conectados.

Permaneceu em silêncio, enquanto a suspeita encontrava o caminho de seu coração.

-Que mais aconteceu? Tem que haver algo mais.

-Faz três dias também falharam os freios do meu carro. Foi um milagre que sobrevivêssemos a isso. O carro ficou feito pó. Também estiveram ligando para a casa e enviando as crianças jornais velhos com acusações detestáveis. Foi então quando enviaram a pua do violão. Os telefonemas eram aterradores. Tudo isso, unido aos outros incidentes ocorridos durante os últimos meses, me fez decidir trazer as crianças aqui com você. Sabia que estariam seguras aqui. -Injetou uma nota de confiança em sua voz, a qual já não sentia. Seus instintos estavam alerta. -O Natal era uma desculpa perfeita e natural, que responderia a qualquer pergunta sobre a razão que decidimos te visitar.

Tinha certeza de que seria mais pormenorizado em Natal, mais vulnerável e que seria muito mais provável que permitisse entrar de novo em sua vida. Tinha ido até ali em busca de amparo e ajuda, mas temia que tivesse cometido um tremendo engano.

Dillon inclinou para ela, com os olhos azuis atentos e perspicazes.

-Fale sobre esses telefonemas.

-A voz era como a de um robô. Quem quer que esteja ligando devia ter uma gravação prévia e a conectava quando um dos gêmeos atendia. Diziam coisas espantosas sobre você: que o tinham acusado de assassinar Vivian e seu amante, que tinha fechado com chave a todos dentro do quarto e tinha provocado o incêndio... Uma vez disseram que poderia matá-los também. -Podia ouvir o batimento de seu coração quando confessou: - Foi nesse momento que proibi que os gêmeos atendessem ao telefone e fiz todos os planos para vir aqui.

-Falou a alguém mais sobre isto?

-Só à polícia. -Admitiu. Deixou de lhe olhar, preocupada com ver algo que não poderia enfrentar. -No momento em que souberam que Trevor e Tara eram seus filhos, começaram a pensar que eu queria ficar famosa. Perguntaram-me se estava planejando vender minha história às revistas... Os acidentes, menos o do carro, eram coisas pequenas facilmente justificáveis. Ao final disseram que investigariam e fariam um relatório, mas acredito que pensaram que eu queria sair nos jornais ou era algum tipo de histérica.

-Sinto muito, Jess. Deve ter sido muito difícil para você. -Havia uma tranqüila sinceridade na sensualidade de sua voz. -Conheço-te de toda a vida. Jamais foi das que se deixam levar pelo pânico.

No momento que Dillon pronunciou essas palavras, o coração de Jess deu um salto no peito. Os dois ficaram parados, completamente imóveis, enquanto lembranças desagradáveis invadiam a estadia como enganosos demônios, arrastando-se pelo chão e as paredes, enchendo o quarto de desespero. Foi um ataque surpresa, gratuito, inesperado, mas que mudou tudo. O ar se tornou mais denso com o enorme peso das lembranças. O mal tinha vindo com a mera menção de uma só palavra e ambos notavam sua presença.

Efetivamente, Jessica tinha conhecido o que era o pânico de primeira mão. Sabia o que era histeria completa e absoluta. Sabia o que era sentir-se tão necessitada, tão vulnerável, tão desprovida de força que queria gritar até que sua garganta estivesse em carne viva. A humilhação apagou toda a cor de seu rosto e seu verde olhar deixou de cravar-se no de Dillon. Ninguém mais sabia. Ninguém. Nem sequer sua mãe. Nunca tinha contado toda a verdade a sua mãe. Seus pesadelos eram muito reais, horríveis, e não queria nem sequer pensar neles.

-Sinto muito, Jess, não quis recordar isso. -Sua voz era exageradamente suave, sedativa.

Ela conseguiu ficar em pé, para impedir que visse com tremiam suas pernas, mas por dentro parecia um pudim quando se afastou da mesa.

-Não estou acostumada a pensar nisso.

Mas sonhava com isso. Noite após noite, sonhava o mesmo. Revolviam-lhe as tripas. Necessitava ar, precisava afastar-se dele, afastar-se da intensidade de seu penetrante olhar, que tudo via. Por um momento lhe odiou, odiou que a tivesse visto tão desprotegida e vulnerável.

-Jessica. -Pronunciou seu nome. Respirou seu nome.

Deu-lhe as costas, ferida e sensível.

-Nunca penso nisso.

Jessica escolheu o caminho covarde e se retirou, fugindo da habitação. Ardiam-lhe as lágrimas nos olhos, tinha a visão imprecisa, mas de algum modo conseguiu descer as escadas.

Podia sentir os olhos de Dillon fixos nas costas, sabia que a estava seguindo, mas não deu a volta, não olhou. Continuou descendo os degraus, com a cabeça erguida, contando-os mentalmente para evitar o eco e as vozes de antigamente, para evitar que aquele antigo e horrível cântico encontrasse a maneira de introduzir-se em sua cabeça.

Quando chegou ao seu quarto, Jessica fechou a porta com força e se atirou de barriga para baixo na cama, respirando profundamente, lutando para controlar-se. Já não era nenhuma menina, era uma mulher adulta. Tinha responsabilidades. Tinha que confiar em si mesma. Não deixaria, não permitiria que nada e nem ninguém colocasse nervosa. Sabia que tinha de levantar, procurar Tara e Trevor, e assegurar-se de que estivessem cômodos nos quartos que Paul tinha preparado, ambos os lados de seu próprio quarto, mas estava muito cansada, muito exausta para mover-se. Jazia ali, não totalmente adormecida, tampouco acordada, flutuando em alguma parte entre ambos.

E as lembranças voltaram, fazendo-a viver tudo aquilo novamente...

Sempre havia cânticos quando Vivian e seus amigos estavam juntos. Jessica se obrigou a descer ao vestíbulo, odiava aproximar-se deles, mas precisava encontrar a manta favorita de Tara. Tara nunca poderia dormir com outra. Sentia o coração pulsando como louco contra seu peito e a boca seca. Os amigos de Vivian a assustavam, com seus sorrisos ardilosos e perversos, suas velas negras, e suas selvagens orgias. Jessica sabia que pretendiam render culto a Satanás, falavam continuamente de prazeres e práticas religiosas, mas nenhum deles sabia realmente do que estavam falando. Inventavam sobre a marcha, fazendo algo que lhes proporcionasse prazer, cada um tentando superar a outros com o mais extravagante e pervertido rito sexual que pudessem imaginar.

Enquanto Jessica atravessava o salão sentiu que todos os olhares se cravavam nela. Pesadas cortinas negras obscureciam as janelas, havia velas acesas em todos os lugares imagináveis. Vivian se levantou do divã em que estava sentada, nua da cintura para acima, bebendo a sorvos seu vinho enquanto um homem acariciava avidamente seus peitos. Outra mulher estava nua com vários homens rodeando-a, tocando-a e grunhindo muito. A vista adoeceu e envergonhou Jessica e fugiu rapidamente.

-Jessica! -A voz de Vivian era imperiosa, como a de uma rainha que fala com um camponês. -Venha aqui.

Jessica podia ver a loucura no rosto rosado de Vivian, nos olhos duros e muito brilhantes, e podia ouvi-la em sua risada forte e quebradiça. Obrigou-se a sorrir vagamente.

-Sinto muito, Senhora Wentworth, eu preciso voltar imediatamente para Tara. -E começou a sair do quarto.

Uma mão dura a agarrou pelo ombro, e outra tampou a boca o bastante forte para machucá-la. Arrastaram Jessica dentro do salão. Não podia ver o que a sujeitava, mas era grande e muito forte. Debateu-se grosseiramente, mas ele a sustentou, rindo, chamando Vivian para que fechasse a porta.

Sentiu um quente fôlego em seu ouvido.

-É você a pequena e doce virgem com que Vivian sempre está nos provocando? É este seu pequeno prêmio, Viv?

O risinho de Vivian foi escandaloso, demente.

-A pequena princesa de Dillon... –Pronunciava as palavras com dificuldade enquanto girava várias vezes ao redor de Jessica e seu captor. -Acha que ele já se deitou com ela? -Sua longa e curvada unha deslizou para baixo pela bochecha de Jessica. -Vai se divertir muito conosco, pequena Jessica. -Fez toda uma cerimônia ao acender mais velas e incensos, tomando seu tempo, enquanto murmurava brandamente. -Amordaça-a, gritará se não fizerem isso. -Deu a ordem e continuou murmurando, detendo-se para beijar um dos homens que estavam olhando fixamente Jessica com os olhos ardentes e ávidos.

Jessica lutava, mordendo a mão que lhe cobria a boca, sentindo que um terrível grito crescia em seu interior. Podia ouvir-se gritando dentro de sua cabeça, uma e outra vez, mas não conseguia emitir nenhum som.

Lutou e se deu a volta, o som daquela espantosa risada ia se transformando em um choro aterrador. Quando despertou completamente, estava chorando. Apertou fortemente o travesseiro contra o rosto para amortecer o som, aliviada de que tivesse sido um pesadelo, aliviada por ter conseguido despertar.

Muito lentamente sentou e olhou ao redor daquele quarto grande e agradável. Fazia muito frio, coisa estranha, já que Paul tinha posto a calefação para evitar que tivessem um resfriado.

Jogando os cabelos para trás, sentou-se na beira da cama, com as lágrimas deslizando por seu rosto e o sabor do terror na boca. Não tinha retornado à ilha com o único propósito de pôr as crianças a salvo. Havia retornado com a esperança de recuperar-se daquele trauma, e de obter que Dillon e as crianças obtivessem o mesmo, de achar a paz para todos eles. Jessica esfregou o rosto com a mão, eliminando resolutamente as lágrimas. Entretanto, os pesadelos eram cada vez piores. Dillon não era o mesmo homem que tinha conhecido há sete anos. Tampouco ela era a mesma moça que sentia adoração pelo herói.

Tinha que pensar claramente, pensar bem em tudo aquilo. Tara e Trevor era sua única preocupação, Jessica acendeu o abajur que havia ao lado da cama. Não podia ficar sentada na escuridão quando suas lembranças estavam ainda tão ‘a flor da pele‘. As cortinas tremeram, dançando suave e garbosamente com a brisa. Olhou fixamente a janela. Estava totalmente aberta e a névoa, a chuva e o vento penetravam no quarto. A janela estava fechada quando tinha deixado o quarto. Tinha certeza disso. Um calafrio desceu pelas costas, enviando desagradáveis espetadas a sua pele.

Jessica rapidamente olhou ao redor do quarto, procurando nos cantos, espionando sob a cama. Não pôde evitar olhar também no armário, o banheiro e a ducha. Era improvável que alguém tivesse entrado em seu quarto através da janela aberta, sobre tudo com semelhante tormenta, já que estava no segundo andar... Tentou convencer-se de que um dos gêmeos devia ter entrado em seu quarto para lhe dar boa noite e devia ter aberto a janela para deixar entrar um pouco de ar. Não podia imaginar por que, não tinha nenhum sentido, mas preferiu essa explicação à alternativa.

Foi até a janela, observando com cuidado o bosque, e viu como o vento açoitava sem piedade as árvores. Havia algo poderoso e elementar nas tormentas que a fascinava. Ficou quieta, vendo como chovia, durante um bom momento, permitindo uma serena paz a alagasse. Então, abruptamente, fechou a janela e foi procurar Tara.

O abajur da mesinha estava aceso no quarto de Tara, irradiando um suave círculo de luz. Para surpresa de Jessica, Trevor jazia no chão envolto em um montão de mantas, enquanto que Tara estava na cama sob uma grossa colcha. Falavam em voz baixa e não pareciam absolutamente surpreendidos de vê-la.

-Pensávamos que não viria. -Saudou Tara, indo a um lado, obviamente esperando que Jessica compartilhasse sua cama.

-Pensei que teríamos que ir resgatar-te. -Adicionou Trevor. –Estávamos discutindo como fazê-lo, só que não sabíamos qual quarto você estava.

O afeto dissipou o frio de sua alma, afastando seus inomináveis medos e os desagradáveis remanescentes horrores passados. Sorriu-lhes e correu à cama, saltando sob as mantas e aconchegando-se no travesseiro.

-Estavam preocupados de verdade?

-Claro que estávamos. -Confirmou Tara. Agarrou a mão de Jessica. -Ele gritou com você?

Trevor soprou.

-Não vimos foguetes, verdade? Se ele tivesse gritado com ela, teríamos visto um Quatro de Julho.

-Ehhh, que nada -objetou Jessica -Eu não sou tão má.

Trevor emitiu um grosseiro ruído.

-Saltam faíscas quando alguém consegue te zangar o suficiente, Jess. Não posso imaginar sendo toda doçura e amabilidade se nosso pai não quisesse nos receber no Natal. Certeza que teria lhe jogado uma boa bronca e teria atiçado uma pancada e nos tiraria de sua casa. Teria nos levado a cidade mais próxima.

Tara riu bobamente, assentindo com a cabeça.

-Te chamamos Mamãe Tigresa a suas costas.

-O que? -Jessica se encontrou rindo. -Isso é um exagero total e absoluto. Por Deus!

-E isso não é tudo. Crescem-lhe garras e presas se alguém for mau conosco. -Assinalou Trevor agradado. -A justiceira das crianças. -Sorriu abertamente. -A menos que seja você quem esteja brigando conosco...

Jessica atirou o travesseiro.

-É um pequeno vândalo, nunca brigo com vocês. O que fazem ainda acordados? São quatro e meia da manhã.

Os gêmeos romperam em risos, apontando-a com o dedo e imitando sua pergunta.

-Isso é brigar, Jess. -Disse Tara. -É pior ainda que Mamãe Rita.

-Ela consentia muito coisa a vocês. -Disse-lhes Jessica orgulhosamente, com a risada transbordando em seus olhos verdes. -De acordo, tenho feito, mas ninguém está em seu são julgamento às quatro e meia da manhã. É absurdo. E era uma pergunta absolutamente razoável.

-Já... Como se não estivéssemos em uma horripilante casa velha rodeados de completos estranhos e um homem que poderia querer nos jogar a patadas... –disse Trevor.

-E não lhe tivessem levado acima para fazer alguma coisa estranha da que nunca ouvimos falar. -Disse Tara fazendo sua contribuição.

-Desde quando são tão astutos. -Quis saber Jessica.

-Estivemos um bom momento lá embaixo, falando com Paul. - Disse Trevor quando a risada o permitiu. -É muito bom. Disse que nos conheceu quando éramos pequenos.

Jessica era consciente de que os pares de olhos estavam fixos nela. Agarrou o travesseiro que tinha jogado em Trevor e o colocou atrás das costas enquanto se sentava encolhendo as pernas.

-Seu pai e ele eram muito bons amigos antes que a banda se reunisse. Na verdade, Paul era o cantor original da banda. Dillon escrevia a maioria das canções e era o guitarrista principal. Sabia tocar quase qualquer instrumento. Paul tocava o baixo, mas também era o cantor quando começaram. Brian Phillips era o baterista e acredito que foi sua idéia formar a banda. Começaram em uma garagem, tocaram em todos os clubes e fizeram muitas excursões. Mais tarde ficaram muito famosos.

-Havia mais dois membros na banda, Robert não sabe o que -interrompeu Trevor -Se encarregava do teclado e por alguma razão pensei que era Dom Ford quem tocava o baixo. Aparece em todas as capas dos CDs e nos artigos escritos sobre Fere After das revistas antigas. -Havia uma nota de orgulho em sua voz quando pronunciou o nome da banda.

Jessica assentiu.

-Robert Berg. Robert era magnífico ao teclado. E sim, Dom veio para tocar o baixo. Tudo partia sobre rodas, mas, em algum momento, Paul começou usar drogas.

Tara enrugou o nariz.

-Parecia tão agradável...

Jessica jogou o cabelo para trás.

-É uma boa pessoa, Tara. Às vezes a gente comete enganos, começamos as coisas sem pensar e logo é muito tarde para deixar. Paul me contou que começou a usar habitualmente e que chegou um momento em que não era capaz de lembrar direito as letras das canções durante as apresentações. Seu pai substituía nessas ocasiões. E o público enlouquecia... O caso é que Paul tinha uma má reputação e os membros da banda queriam expulsá-lo. Fazia verdadeiras loucuras: destroçava os cenários, não se apresentava aos concertos... Esse tipo de coisas e disseram que não agüentavam mais.

-Justo o que você leu nas revistas. -Assinalou Trevor.

Houve um pequeno silêncio enquanto as crianças a olhavam.

-Sim, é verdade. Mas isso não quer dizer que as coisas que escreveram sobre seu pai sejam verdade. Recordem que tudo isto aconteceu faz muito tempo. Às vezes, às pessoas que conseguem fama e dinheiro muito rápido é muito difícil manter o controle de sua vida. Acredito que Paul foi uma dessas pessoas. Toda aquela fama transbordou. As moças o perseguiam a todo o momento, tudo o que ocorria era excessivo. Entretanto, Dillon não lhe deixou sozinho. Fez Paul entrar em uma clínica de reabilitação e o ajudou a recuperar-se.

-Foi então quando contrataram outro baixista? -disse Trevor.

Jessica assentiu.

-A banda se tornou realmente muito famosa enquanto Paul estava na clínica e necessitavam outro baixista, por isso veio Dom. A voz de Dillon os converteu em astros. Mas ele não deixou Paul para trás. Seu pai deu um trabalho no estúdio e ao final lhe conseguiu um lugar na banda. E quando Dillon mais necessitava, Paul esteve ali.

-Paul conheceu Vivian? -A pergunta de Tara era vacilante.

Jessica se deu conta de que Vivian ainda conseguia encher de tensão uma habitação tantos anos depois de sua morte.

-Sim, carinho, conheceu-a. - Confirmou brandamente. -Todos os membros da banda conheceram Vivian. Paul não fez todas as excursões com eles, assim freqüentemente ficava aqui, ocupando-se das tarefas domésticas. Conheceu-a melhor que a maioria. -E a desprezou. Jessica recordava as terríveis discussões e as birras intermináveis de Vivian. Paul tinha tentado vigiá-la, tentou ajudar Rita e Jessica a manter os gêmeos a salvo quando trazia seus amiguinhos.

-Paul acha que meu pai assassinou Vivian e o homem que estava com ela como dizia o jornal?

Jessica se girou, notava como o sangue começava a ferver em suas veias até que viu que Tara baixava a cabeça. Soltou o ar devagar. Como Tara saberia a verdade sobre seu pai se não podia fazer perguntas?

-Carinho, sabe que a maioria das revistas não diz a verdade, não sabe? Exageram as coisas, escrevem slogan e artigos enganosos para chamar a atenção das pessoas. E acontecia exatamente o mesmo quando seu pai estava no topo de sua carreira. As revistas distorceram todos os fatos, disseram que Dillon encontrou sua mãe na cama com outro homem. Disseram que tinha disparado e que depois colocou fogo em sua própria casa para encobrir os assassinatos. Isso não foi absolutamente o que ocorreu. -Jessica passou o braço ao redor dos ombros de Tara e a abraçou forte. -Seu pai foi absolvido nos tribunais. Não teve nada que ver com o tiroteio ou o incêndio. Nem sequer estava em casa quando tudo aquilo aconteceu.

-O que aconteceu, Jess? -Perguntou Trevor com o olhar cravado nela. -Por que nunca nos contou isso?

-Já não somos bebê. -Assinalou Tara, mas abraçou mais forte Jessica, procurando claramente seu amparo.

Jessica sacudiu a cabeça.

-Prefiro que seja seu pai quem conte o que aconteceu naquela noite, não eu.

-Nós acreditaremos em você, Jess. -Disse Trevor. -Fica vermelha como um tomate quando tenta mentir. Não conhecemos nosso pai. Não conhecemos Paul. Mamãe Rita não nos falou nunca sobre ele. Sabe que já é hora de que nos diga a verdade, sobre tudo se alguém nos está mandando jornais cheios de mentiras e nos telefonando dizendo mais mentiras ainda.

-Somos uma família, Jessie. -Adicionou Tara. -Sempre seremos. Nós três. Queremos que nos conte.

Jessica estava orgulhosa deles, orgulhosa da maneira em que tentavam enfrentar-se a uma situação tão estranha e aterradora. Pôde notar o amor em suas vozes, e sentir como enchia seu interior. Já não eram meninos, e tinham razão, mereciam saber a verdade. Não sabia se Dillon a diria alguma vez.

Jessica respirou profundamente e começou.

-Havia uma festa naquela noite na casa. Seu pai esteve em uma excursão mundial durante uns meses e Vivian convidava freqüentemente seus amigos enquanto ele estava fora. Eu não a conhecia muito bem... -De fato, Jessica nunca tinha entendido a relação de Dillon com sua esposa. Vivian tinha deixado os gêmeos com Rita quase do momento em que eles nasceram para poder viajar com a banda. Os primeiros três anos, poucas vezes ela voltou para casa. Só durante o último ano de sua vida ficou, quando o empresário da banda não permitiu que ela viajasse com eles devido a seu violento humor e a sua conduta psicopata.

-Você se calou de novo, Jessica. -Incitou Trevor.

-O fato é que Vivian bebia muito e saía para festa muito freqüentemente. Seu pai sabia que bebia e tentou deixá-la, mas ela ameaçava usando vocês. Disse que se a abandonasse, os levaria com ela e conseguiria uma ordem judicial para que não pudesse vê-los. Conhecia pessoas que aceitariam o dinheiro em troca de testemunhar contra Dillon. Ele estava freqüentemente viajando, e as bandas, especialmente as bem-sucedidas, sempre têm má reputação.

-Está dizendo que teve medo de arriscar-se a uma demanda judicial? -disse Trevor, resumindo.

Jessica lhe sorriu.

-Exatamente. Teve medo de que os jurados desse a custódia a Vivian e não pudesse protegê-los dela. Ficando com ela, esperava poder mantê-la sob controle. Funcionou durante algum tempo. -Vivian não queria estar em casa, preferia a vida noturna e os clubes das cidades. Só durante o último ano, quando os gêmeos tinham cinco anos, Vivian tinha voltado para casa, incapaz de manter as aparências.

-Essa noite, Jess. -Respirou Trevor.

Jessica suspirou. Não ganhava nada andando em rodeios para dizer o que queriam saber. Os gêmeos eram muito persistentes.

-Havia uma festa. -Escolheu as palavras com muito cuidado. -Seu pai voltou cedo para casa. Houve uma discussão terrível entre ele e sua mãe, Dillon saiu de casa para tomar ar. Tinha tomado à decisão de que Vivian devia ir embora e ela sabia. Havia velas por toda parte. O inspetor do corpo de bombeiros disse que as cortinas se incendiaram e que o fogo se estendeu rapidamente, já que havia álcool por todos os móveis e nas paredes. Era uma festa selvagem. Ninguém sabe com toda certeza de onde saiu à arma ou quem disparou primeiro. Mas as testemunhas, me incluindo, atestaram que Dillon tinha saído da casa. Voltou para ver as chamas e se apressou a entrar quando não pôde encontrá-los.

Jessica olhava as mãos.

-Eu os tirei por uma janela do lado do escarpado, mas ele não sabia. Pensou que ainda estavam dentro e por isso entrou na casa em chamas.

Tara estava espantada, com uma mão tampando sua boca para deter o grito enterrado em sua garganta, mas seus olhos brilhavam pelas lágrimas.

-Como conseguiu sair? -perguntou Trevor, com um nó na garganta. Não podia tirar de sua mente a lembrança das terríveis cicatrizes de seu pai. -E como pôde entrar em uma casa em chamas?  

Jessica se apoiou perto deles.

-Porque seu pai é muito valente e responsável, e porque os ama mais que tudo no mundo.

-A casa caiu em cima dele? -Perguntou Tara.

-Disseram que saiu da casa ardendo, que Paul e Brian o apanharam e apagaram as chamas com suas próprias mãos. Havia muita gente na ilha naquele tempo, guardas e vigilantes deram uma mão. Acredito que inclusive vieram helicópteros. Parece que estou vendo agora mesmo... Cheio de dor, tão furioso… - Sua voz se apagou.

Trevor se aproximou e agarrou sua mão.

-Jess eu odeio esse olhar triste que às vezes põe. Sempre esteve ao nosso lado quando necessitamos. Sempre.

Tara beijou sua bochecha.

-Eu também odeio esse olhar.

-Assim que ninguém sabe realmente quem disparou a nossa mãe e em seus amigos. -Concluiu Trevor. -Ainda é um grande mistério. Mas você salvou nossas vidas, Jess. E nosso pai arriscou sua vida para nos salvar. Viu ele depois que saiu da casa?  

Jessica fechou os olhos e voltou à cabeça para que não a vissem.

-Sim, o vi. -Sua voz quase não se ouvia.

Os gêmeos intercambiaram um longo olhar. Tara tomou a iniciativa, tentando eliminar a dor que percebia em Jessica.

-Agora, nos conte a história do milagre de Natal. A que Mamãe Rita sempre nos contava. Eu adoro essa história.

-Eu também. Disse que vínhamos aqui para fazer nosso próprio milagre, Jess. -Disse Trevor. -Conta a história para que possamos acreditar.

-Amanhã não haverá quem nos levante da cama. -Assinalou Jessica. Deslizou-se sob as mantas e apagou o interruptor da luz. -Vocês já acreditam em milagres, eu me encarreguei de que acreditassem. É seu pai quem não sabe o que pode acontecer no Natal, mas vamos lhe dar uma lição. Contarei a história outro dia, quando não estiver tão cansada. Boa noite aos dois.

Trevor riu brandamente.

-Pio pio... Jessica odeia quando somos sentimentais.

O travesseiro acertou a ele totalmente inclusive na escuridão.

 

Brian Phillips estava na cozinha, lançando ao ar as panquecas quando Jessica entrou com Tara e Trevor lhes pisando nos calcanhares. Sorriu-lhe abertamente.

-Brian! Que alegria de ver novamente!

Brian se deu a volta, e perdeu de vista uma panqueca, que caiu no fogão.

-Jessica! -Equilibrou-se sobre ela dando um forte abraço. Era um homem grande, o baterista de Fere After. Tinha esquecido quão forte era até que quase rompeu as costelas com seu duro e amável apertão. Com seu cabelo avermelhado e seu corpo rechonchudo, sempre fazia Jessica se lembrar de um viçoso boxeador irlandês. Às vezes até notava esse acento em sua voz.

-Meu deus, moça, que bonita está. Quanto tempo passou? -Houve um momento de silêncio enquanto ambos recordaram a última vez que se viram.

Resolutamente, Jessica forçou um sorriso.

-Brian, certamente que se lembra de Tara e de Trevor, os filhos de Dillon. Estávamos tão exaustos que dormimos até tarde. Já vejo que está preparando o café da manhã para jantar.         -Ainda estava entre os braços de Brian quando se voltou para incluir os gêmeos na saudação. Seu sorriso vacilou quando encontrou com um par de olhos gelados por cima das cabeças das crianças.

Dillon vadiava na porta, a postura de seu corpo dava uma falsa sensação de preguiça e descuido. Seus olhos estavam atentos, vigilantes, olhando-a fixamente e havia uma sombra de perigo na forma de sua boca. O verde olhar de Jessica encontrou o seu. Foi como se a tivessem dado um golpe no estômago e ficou sem ar. Dillon sempre causava esse efeito. Levava calças jeans desgastadas, um pulôver de manga longa e pescoço alto e as finas luvas de couro. Estava dolorosamente bonito. Tinha o cabelo úmido, o que indicava que acabava de tomar banho, e estava descalço. Esqueceu-se disso, adorava andar sem sapatos pela casa. Fez-lhe um nó no estômago.

-Dillon.

Jessica lhe partia o coração, pelo menos o coração que ficava depois de estar nessa casa. Dillon não podia deixar de olhá-la, de deleitar-se em sua beleza, de receber a mulher em que se converteu. O cabelo era um matagal de seda e ouro que caía ao redor do rosto. Qualquer homem poderia perder-se em seus olhos. E sua boca… Se Brian não tirasse as mãos de cima, muito em breve Dillon temia que fosse dar rédea solta à terrível violência que ultimamente sempre estava perto da superfície. Os olhos verdes de Jess encontraram com os seus e ela murmurou seu nome de novo. Brandamente. Quase não se ouviu, mas ainda assim, a maneira em que o sussurrou endureceu cada músculo de seu corpo.

Os gêmeos giravam a seu redor, Tara tentando agarrar-se ao braço de Trevor, como procurando ajuda para enfrentar seu pai.

A contra gosto, Dillon deixou de olhar Jessica, para fixar seu olhar preocupado nos gêmeos. Não sorriu, não mudou a expressão de seu rosto.

-Trevor e Tara, certamente vocês cresceram muito. -Um músculo pulsava ritmicamente em sua mandíbula, mas, além disso, não havia nenhuma indicação mais das emoções que sentia. Não tinha certeza de poder olhá-los à cara, ver esse olhar em seus olhos, encarar seus passados fracassos, enfrentar-se a total e absoluta repulsão que tinha visto nos olhos de Tara a noite anterior.

Trevor olhou Jessica, inseguro, um momento antes de dar um passo adiante estendendo a mão para saudar seu pai.

-Me alegro de lhe ver, senhor.

Jessica olhou Dillon fixamente, insistindo-o a abraçar seu filho. Ou, pelo menos, a lhe abraçar. Em troca, deu-lhe um breve aperto de mãos.

-Eu também me alegro em te ver. Entendi que vieram para celebrar o Natal comigo.         -Dillon olhou Tara. -Imagino que isso significa que queiram uma árvore.

Tara sorriu timidamente.

-É o típico em Natal.

Ele assentiu.

-Não posso recordar a última vez que celebrei o Natal. Estou um pouco perdido no que em como celebrar as festas. -Seu olhar desviou de novo para Jessica e amaldiçoou silenciosamente por sua falta de controle.

-Tara assegurará de que recorde cada pequeno detalhe do Natal. -Disse Trevor com um sorriso, dando uma cotovelada a sua irmã. -É sua festa favorita.

-Então conto com você, Tara. -Disse Dillon com seu acostumado encanto, ainda olhando intensamente Jessica. Um sorriso se formou em sua boca. Ameaçador. Perigoso. -Brian, pode tirar as mãos de cima de Jess, possivelmente possamos compartilhar todas essas panquecas.       -Havia um fio estranho em sua voz. -Advirto-lhes que temos uns horários muito estranhos aqui, especialmente agora que estamos gravando. Prefiro trabalhar de noite e dormir durante o dia.

Tara olhou seu irmão e pronunciou com os lábios: "Vampiro”.

Trevor sorriu abertamente, divertido abraçou a sua irmã.

-Temo-me que teremos panquecas para o jantar.

-Ao final você adorará. -Assegurou Brian. Riu sinceramente e deu um rápido apertão em Jessica antes de soltá-la. -Converteu-se em uma beleza, Dillon. -Olhou de soslaio Jessica. -Não sei se mencionei que me divorciei recentemente...

-O homem das mil esposas. -Jessica deu uns toques na bochecha, resolvida a não permitir que Dillon coloque a ela nervosa. -Qual era sua terceira ou sua quarta esposa?

-OH, que profunda é a dor das flechas que arrojas pequena Jessica. -Brian levou a mão ao coração e piscou um olho a Trevor. -Nunca se esquece de nada, asseguro isso.

Trevor sorriu com todo o rosto, com esse sorriso grande e atrativo, o famoso sorriso Wentworth que Jessica conhecia tão bem.

-Nenhuma só coisa, assim você tome muito cuidado quando a tiver por perto. -Avisou.   -Eu cozinho muito bem. Posso ajudar com as panquecas. Mas não permita que Jessie o faça, embora se ofereça. A mera idéia de Jessie cozinhando é aterradora. -Disse estremecendo-se dramaticamente.

Jessica pôs os olhos em branco.

-Deveria ser ator. -Era consciente de que Tara se aproximava pouco a pouco a ela em busca de amparo, consciente da tensão que havia na estadia apesar das brincadeiras. Tentando ignorar Dillon, atraiu à menina e a abraçou alentadoramente, como seu pai deveria ter feito.

-Trevor se transforma em um traidor quando está em companhia de outros homens, notou isso?  

-Limito-me a declarar um fato. -Negou Trevor. -Tira as pipocas ardendo do micro-ondas cada vez que se encarrega de fazê-las.

-Não tenho a culpa de que as pipocas se comportem de uma maneira tão imprevisível toda vez que me toca as fazer. -Assinalou Jessica.

Jogou um olhar a Dillon. Estava olhando atentamente, como imaginava que estaria fazendo. Quando tomou ar, seu aroma limpo e masculino penetrou até seus pulmões. Dominava o ambiente simplesmente estando ali de pé, envolto em seu silêncio. Dar-se conta disso estendeu um calor pouco familiar através de seu corpo, que espessou seu sangue e a deixou estranhamente inquieta.

-Posso me unir à diversão?  

O sangue fugiu do rosto de Jessica. Sentia-o, sentia como ia ficando pálida enquanto se girava lentamente para escutar aquela voz estridente. A voz de Vivian. A mulher era alta e magra como uma modelo. Levava o cabelo loiro platino recolhido sobre a cabeça e batom vermelho. Jessica notou que suas longas unhas estavam pintadas exatamente da mesma cor. Sentiu um súbito nó na garganta e olhou Dillon pedindo ajuda.

-Brenda. -Dillon disse deliberadamente o nome da mulher, precisava eliminar o medo dos olhos de Jessica. -Jess, eu acho que nunca teve a oportunidade de conhecer a irmã de Vivian. Brenda, esta é Jessica Fitzpatrick e estes são meus filhos, Trevor e Tara.

Os gêmeos se olharam entre si e depois Jessica. Trevor abraçou Tara.

-Temos uma tia, Jessie?

-Isso parece. -Disse Jessica com o olhar cravado em Dillon. Nunca tinha visto Brenda em sua vida. Acreditava recordar que alguém tinha mencionado seu nome alguma vez, mas, certamente, Brenda não tinha ido nunca ver as crianças.

-É obvio que sou sua tia. -Anunciou Brenda, saudando com a mão elegantemente. -Mas viajo um pouco e não tive tempo de visitá-los. Não quero panquecas, Brian, só café. -Caminhou pela cozinha e se atirou em uma cadeira como se estivesse exausta. -Não tinha nem idéia que os queridos pequenos fossem vir Dillon. -Lançou-lhe um beijo. -Deveria ter me dito. Se parecem com você, não é?

-Deve ter viajado muito. -Murmurou Trevor, apoiando-se em Jessica. Arqueou uma sobrancelha, meio divertido, meio irritado, e de algum jeito isso lhe fez parecer-se muito a seu pai.

Jessica se deu conta de que Tara estava tremendo e imediatamente inclinou e deu um sonoro beijo na cabeça.

-Ainda não escureceu completamente, querida, você gostaria de dar um pequeno passeio? A tormenta já passou e seria divertido mostrar quão bonita é a ilha.

-Não conte comigo -disse Brenda -Não encaro bem as crianças. E não tenho medo em admitir. Necessito café, pelo amor de Deus, é que nenhum de vocês pode me trazer uma xícara? -disse levantando a voz, num timbre familiar que ficou gravado a fogo na memória de Jessica.   -Robert, esse animal preguiçoso, ainda está na cama. -Bocejou e fixou seu olhar em Dillon. -Você formou uma confusão tal que já não sabemos quando é dia ou noite. Meu pobre marido é incapaz de levantar-se da cama.

-Você estará aqui para o Natal? -Aventurou Trevor, sem saber muito bem o que dizer, mas querendo instintivamente encontrar uma maneira de suavizar a situação.

-Natal? -Foi Brian quem respondeu burlonamente. -Brenda não sabe o que é o Natal, além de um dia em que espera que a alguém lhe dê presentes. Está aqui para conseguir mais dinheiro, não é assim, querida? Gastou todo o dinheiro de Robert e o dinheiro do seguro, assim tem as mãos vazias.

-É verdade. -Brenda se encolheu de ombros, indiferente à áspera valoração que Brian fazia dela. -O dinheiro é a perdição de minha vida.

-Tem uma apólice de seguros para todos, não, Brenda? -Acusou Brian. -Para mim, para o Dillon... -Assinalou aos gêmeos com a mandíbula enquanto mantinha seu brilhante olhar fixo nela. -Para as crianças... O pobre Robert provavelmente vale muito mais morto que vivo. Quanto ele vale? Um milhão?  

Brenda levantou uma sobrancelha e lançou outro beijo.

-Claro, querido, é questão de sentido comum. Acreditei que você cairia primeiro, com suas horrendas tendências, mas, ai, não houve sorte até agora.

Brian lhe lançou um olhar furioso.

-É uma mulher fria, Brenda.

-Antes não pensava o mesmo, querido.

Jessica a olhou fixamente. Uma apólice de seguros pelas crianças. Por Dillon. Não se atreveu a olhar Dillon, saberia exatamente a suspeita que cruzava por sua mente.

Brenda soltou uma sonora gargalhada.

-Não te assuste tanto, Jessica querida. Brian e eu somos “velhos amigos”. Não terminamos bem e ele não pode me perdoar. -Inspecionou suas longas unhas. -Em realidade me adora e ainda me quer. Eu o adoro, mas escolher Robert foi uma boa decisão. Mantém-me com os pés na terra. -Elevou a cabeça, gemendo profundamente e suplicando com os olhos. -Mataria por uma xícara de café.

Jessica ficou pensando na informação que tinha conseguido. O dinheiro do seguro. Nunca tinha ocorrido que alguém, que não fossem Dillon ou as crianças, pudesse ter ganhado dinheiro com a morte de Vivian. Recordava a sua mãe falando disso mesmo com o advogado de Dillon depois do incêndio. O advogado havia dito que era bom que Dillon não tivesse uma apólice contratada sobre sua esposa porque uma apólice de seguros freqüentemente era considerada uma boa razão para o assassinato.

Razão para o assassinato. Seria o dinheiro do seguro de Tara e Trevor a causa dos acidentes? Jessica olhava Brenda, tentando descobrir à mulher que se escondia sob toda aquela maquiagem.

-Como é possível que tivesse uma apólice de seguros de Vivian, Brenda? -perguntou Jessica curiosamente. -Ou sobre Brian, ou Dillon, ou os gêmeos? Isso não é legal.

-OH, por favor. -Brenda sacudiu a mão. -Morro por um café e você quer falar sobre legalidades. Bem, uma pequena lição, crianças, sobre o mundo real dos adultos. Viv e eu fomos fazer um seguro uma sobre a outra há alguns anos. Se existir consentimento, se pode fazer. Dillon deu seu consentimento -lhe lançou outro beijo -porque somos família. Brian deu o consentimento quando estávamos juntos e Robert é meu marido, e é obvio tenho uma apólice sobre ele.

-E você é realmente hábil persuadindo às pessoas para que permitam fazer essas apólices, não é verdade Brenda? -Explodiu Brian.

-Claro que sou. -Sorriu Brenda, de maneira nenhuma preocupada com suas acusações. -Está ficando tão pesado com seus ciúmes... Realmente, querido, necessita ajuda.

-Você está arruinando para pagar os seguros. -Soltou Brian.

Brenda se encolheu de ombros e sacudiu a cabeça com graça.

-Não tenho mais que chamar Dillon e ele paga por mim. Agora, deixa de ser tão mau, Brian, e me traga um café; não te viria mal ser bom de vez em quando. -Enrolou Brenda, desabando-se dramaticamente sobre a mesa.

-Sim que me viria mal. - Disse ele obstinadamente. -Fazer algo por você me dá uma sensação ruim.

-Mas como conseguiu fazer uma apólice para os gêmeos? -A só idéia enojava Jessica.

Brenda não levantou a cabeça da mesa.

-Minha irmã e Dillon me deram permissão, claro. E não penso falar mais sem o café! Estou murchando aqui, meninos.

Jessica lançou um olhar acusador a Dillon através da cozinha. Ele esboçou um sorriso envergonhado desses que paralisavam o coração de Jessica e encolheu os largos ombros. Brenda gemeu ruidosamente de novo. Jessica cedeu. Estava claro que Brian não ia levar a Brenda uma xícara de café e a Dillon parecia lhe dar igual. Encontrou as xícaras em um armário e fez as honras.

-Leite ou açúcar?  

-Não tem por que fazê-lo, Jess. -Grunhiu Dillon de repente, com a boca apertada ameaçadoramente. -Brenda, levante-se por seu maldito café.

-Não é nada. -Jessica estendeu a xícara a Brenda.

-Obrigado, querida, realmente me salvou a vida. -Seus olhos vagaram sobre a figura de Jessica com uma apreciação indiferente, aborrecida, e depois dedicou sua atenção a Tara. -Não se parece em nada a sua mãe, mas felizmente herdaste a beleza de Dillon. Isso te levará longe na vida.

-Tara está entre as melhores de sua classe. -Informou Jessica à mulher. -É sua inteligência o que a fará chegar longe na vida.

Trevor devorou uma panqueca com caramelo.

-Te olhe agora, Jessica, tem esse olhar de satisfação no rosto.

Sua voz mudou, imitando perfeitamente a de Jessica.

-“A escola é o mais importante; e se engana pensando que poderá sobreviver com a beleza ou o encanto, ou pensa que ficará famoso sobre os cenários, pensa-o melhor, companheiro, não vai a nenhuma parte sem uma educação decente”. -sorriu-lhes abertamente.   -Palavra por palavra, juro, você acaba de liberar uma fera.

-A beleza me deu tudo o que quis na vida. -Murmurou Brenda sobre sua xícara de café.

-Possivelmente não tenha sido bastante ambiciosa. -Disse Jessica, olhando Brenda aos olhos.

Brenda se estremeceu, rindo.

-Não tenho a energia suficiente para esta conversa. Já disse que não me dou bem com as crianças ou os animais.

-Tara. -Disse Jessica enquanto dava um prato de panquecas à menina. -Você é a menina e esse teu irmão é o animal.

Trevor sorriu de orelha a orelha.

-Isso é a pura verdade, e todas as garotas sabem.

Dillon olhava como brincavam entre eles, tão facilmente. Seus filhos. Sua Jessica. Eram uma família em que cada um sabia o quanto um amava ao outro. Ele era o estranho. Estavam muito unidos, havia fortes laços entre os três. Observou as expressões que atravessavam o rosto de Jessica enquanto lançava um guardanapo em Trevor, rindo dele, lhe chateando. Como devia ser. Como se supunha que tinha que ser.

Jessica notava a presença de Dillon com cada fibra de seu ser quando ambos se encontravam nem uma mesma habitação. Seu desobediente olhar se desviava para ele freqüentemente. Seu pulso se acelerava e lhe cortava a respiração. Tudo ocorria com muita freqüência agora e fazia comportar-se como uma adolescente apaixonada.

-Queremos dar esse passeio antes que anoiteça, não é Tara? -Agora queria escapar. Precisava escapar. Não podia ficar no mesmo ambiente com ele nem um minuto mais.

-A ilha não vai a lugar nenhum, Jess. -Informou Dillon. -Possivelmente seria melhor quê se entretivessem aqui dentro enquanto nós trabalhamos.

Ela arqueou uma sobrancelha.

-Que nos entretenhamos dentro? Ignorou a pequena cotovelada de advertência que lhe deu Trevor. -Como quer que o faça? Jogando amarelinha na sala?

Dillon olhou o rosto de seu filho, o sorriso rápido e apreciativo que o moço não pôde ocultar depressa. Algo quente lhe invadiu, algo no que não queria pensar ou examinar muito atentamente.

-Amarelinha está bem, Jess, com tanto de que desenhe os quadros com algo que possamos apagar facilmente. -Disse brandamente, observando a reação do moço.

Trevor jogou a cabeça para trás e riu. Brian se uniu. Inclusive Brenda esboçou um débil sorriso, mais Jessica suspeitou que fosse devido à risada de Trevor ser contagiosa do que Brenda encontrasse algo cômico na resposta de Dillon.

Jessica não queria olhar e ver Dillon sorrindo, mas não pôde evitá-lo. Não queria notar a maneira em que seu rosto se iluminava, ou os azuis de seus olhos. Ou sua boca perfeitamente formada. Tão adorável. Quase gemeu, ruborizando-se fracamente por causa de semelhantes pensamentos. A lembrança de seus lábios, como um suave veludo embora firmes, apertados contra os seus estava muito fresco em sua mente.

Tinha que dizer algo, os gêmeos tinham certeza de que manteria aquele duelo verbal, mas não podia pensar, não quando aqueles olhos azuis riam dela. Realmente riam dela. Durante esse breve momento, Dillon parecia feliz, livre do terrível peso que carregavam seus ombros. Jessica olhou os gêmeos. Olhavam-na com esperança. Respirou profundamente e se apoiou deliberadamente perto de Dillon, tão perto que podia sentir como se formava uma corrente elétrica entre ambos. Pôs a boca contra a orelha de Dillon para que pudesse sentir a suavidade de seus lábios quando lhe disse:

-Faz armadilha, Dillon. -sussurrou as três palavras, permitindo que o quente fôlego jogasse sobre seu pescoço, esquentando sua pele. Queria que fosse tão consciente dela como ela era dele.

Era um jogo tolo e perigoso, e no momento em que o fez, soube que tinha cometido um engano. O ar deixou de mover-se, o resto do mundo retrocedeu até que só ficaram os dois. O desejo brilhava nas profundidades de seus olhos, ardente, imediato. Dillon mudou de postura, um movimento que passou quase despercebido, mas que pôs seu corpo em contato com o dela. A fome pulsava entre eles, profunda, elementar, tão forte que quase se podia tocar. Inclinou sua escura cabeça sobre a de Jessica.

Ninguém respirava. Ninguém se movia. Jessica olhava fixamente o azul profundo de seus olhos, hipnotizada, cativada, com essa boca perfeita a tão somente uns milímetros da sua.

-Eu jogo para ganhar. -Murmurou ele brandamente, só para seus ouvidos.

O rangido de uma cadeira, como se alguém se removesse incômodo, rompeu o encantamento. Jessica pestanejou, despertou de seu transe, e se separou apressadamente do tentador calor do corpo de Dillon, da atração magnética e sexual que exercia sobre ela. Não se atreveu olhar as crianças. Seu coração estava dando estranhos saltos mortais e várias mariposas em seu estômago.

Dillon passou a mão enluvada pelo cabelo, acariciando-a com suavidade.

-As crianças e você dormiram bem ontem à noite?

Tara e Trevor se olharam, e mais tarde Jessica.

-Muito bem. -Disseram ao uníssono.

Jessica estava muito apanhada no som de sua voz para responder. Tinha essa qualidade suave, como esse veludo negro tão sexy, mas era muito mais que isso. Às vezes essa gentileza e ternura que mostrava tão de repente a pegavam completamente despreparada. Dillon era uma mescla entre um extremo e outro, Jessica tratava desesperadamente de esclarecer o que sentia por ele.

-Está bem. Se necessitarem algo, basta pedir. -Dillon verteu o resto de seu café na pia e enxaguou a xícara. -Todos nos encarregamos das tarefas domésticas enquanto o pessoal do serviço está este mês de férias. Assim espero meninos, que vocês façam o mesmo. Simplesmente limpem o que usarem. Podem percorrer toda a casa, com exceção dos quartos dos outros, meu próprio quarto e o estúdio. Aí só entrarão quando lhes convidarem. -Apoiou suas costas contra a pia e fixou nos gêmeos seu brilhante olhar. -Temos horários estranhos, assim se levantarem antes do entardecer, por favor, façam silêncio porque a maioria de nós estará dormindo. A banda está aqui para gravar um pouco de música, para ver até onde podemos chegar. Se funcionar, faremos um bom disco que fará um arrombo em uma das casas discográficas. Requer muito tempo e esforço de nossa parte. Estamos trabalhando, não brincando.

Trevor assentiu.

-Entendemos, não incomodaremos.

-Se estão interessados, podem olhar mais tarde, depois de que tenhamos ensaiado algumas peças. Dirijo-me ao estúdio neste momento, assim se necessitarem algo, digam agora.

-Estaremos bem -disse Trevor -Levantarem-se as quatro ou às cinco da tarde e permanecer acordado toda a noite é uma experiência. -Seus dentes brancos relampejaram em um atrativo sorriso, toda uma promessa de que chegaria a ter o encanto de seu pai. -Não se preocupe conosco, Jess manterá o controle.

O olhar azul de Dillon se fixou em Jessica. Saboreou-a. Fazia que sua cozinha parecesse um lar. Tinha esquecido esse sentimento... Tinha esquecido o que era despertar e esperar com ilusão sair da cama. Ouviu um murmúrio de vozes a seu redor, ouvia Robert Berg e Dom Ford rindo no vestíbulo enquanto caminhavam juntos para a cozinha. Era tudo tão familiar... Apesar de ser completamente diferente.

-Bem, temos um acordo. -Robert Berg, que tocava o teclado na banda, entrou e cruzou a cozinha para plantar um beijo na nuca de Brenda. Robert era baixo e compacto, com um cabelo fino e escuro e um pequeno cavanhaque bem arrumado que adornava seu queixo. -Estes não podem ser os gêmeos, cresceram muito.

Trevor assentiu solenemente.

-Isso costuma ocorrer às pessoas. Um fenômeno estranho... O tempo passa e ficamos maiores. Eu sou Trevor. -disse oferecendo a mão.

-O sabichão. -Acrescentou Jessica, franzindo a sobrancelha ao menino enquanto estreitava a mão de Robert. -Que alegria de ver novamente, passou muito tempo. -Colocou suas mãos sobre os ombros de Tara. -E esta é Tara.

Robert sorriu à moça, saudando-a enquanto alcançava um prato e o enchia com uma pilha de panquecas.

-Brian se encarregou de cozinhar até agora, Jessica, mas possivelmente agora que está aqui possamos comer algo que não sejam panquecas.

Trevor se afogou em meio de um ataque de tosse e Tara explodiu em risadas. O coração de Dillon se encolhia ao ver como Jessica atirava brandamente do cabelo Tara, e fingia estrangular ao Trevor. Tratava-se com tanta familiaridade, brincando alegremente, compartilhando o estreito companheirismo que ele sempre tinha querido e nunca tinha encontrado. Tinha querido desesperadamente uma família, um lar, e agora que o tinha ao alcance da mão, agora que se dava conta de quão importante era, pelo que significava, era muito tarde para ele.

-Os homens são os melhores cozinheiros do mundo -respondeu Jessica orgulhosamente   -por que iria tirar-lhe o mérito?

-Aí, aí. -Aplaudiu Brenda. -Bem dito.

-Vêem comigo, Brian. -Disse Dillon. Foi uma ordem, não uma petição. -Espero o resto em dez minutos e que alguém se encarregue de ir despertar Paul.

Houve um pequeno silêncio depois que Dillon deixou a habitação. Sempre acontecia o mesmo, dominava um ambiente com sua mera presença, com a paixão e energia que emanavam dele. Agora que se foi, a cozinha parecia vazia.

Dom Ford se apressou a entrar, com seu curto cabelo de ponta, de cor castanha, mas tingido de loiro e sua roupa à última moda.

-Tinha que fumar o cigarro das manhãs. Dillon não nos permite fumar na casa... Menino faz frio aí fora esta noite. -Estremeceu-se, esfregando as mãos para esquentá-las enquanto dava uma olhada ao redor e posava a vista nos gêmeos e em Jessica. Arrumou bem os óculos sobre o nariz para olhá-los atentamente.

-Vá, vá! Vocês não estavam aqui quando me deitei... E se sim, vou ter que deixar o álcool definitivamente.

-Entramos às escondidas quando não olhava. -Admitiu Jessica com um sorriso. Aceitou seu beijo e fez as apresentações.

-Sou o último que se levantou?

-O último será Paul. - Disse Robert, deslizando para Dom o leite e o açúcar.

Paul entrou na cozinha e se inclinou para beijar a bochecha de Jessica.

-É toda uma visão para uns olhos doloridos. -Ele saudou. -Aqui estou e acordado, podem cancelar o pelotão de fuzilamento. -Piscou um olho para Tara. -Já tem feito todos os planos para ir à caça da árvore perfeita de Natal? Não teremos tempo para ir buscá-la ao continente, assim teremos que fazê-lo à moda antiga e destruir uma.

Brenda bocejou.

-Eu odeio o ruído que faz isso. Vá confusão! Além disso, poderia ter insetos, Paul. Não trará realmente uma árvore dessas?

Tara parecia alarmada.

-Vamos ter uma árvore de Natal, não é Jessica?

-Jessica não tem nada que dizer a respeito -assinalou Robert -É Dillon quem manda. É sua casa e estamos aqui para trabalhar, não para brincar. Brenda tem razão, uma árvore daí fora. -Disse enquanto assinalava para a janela. -Teria insetos e seria absolutamente anti-higiênico. Sem mencionar o risco de incêndio.

Tara retrocedeu visivelmente. Trevor ficou de pé, enquadrou seus ombros e caminhou diretamente para Robert.

-Não acredito que seja necessário que fale assim com minha irmã. E eu não gostei da maneira em que pronunciou o nome de Jessica.

Jessica descansou sua mão brandamente no ombro de Trevor.

-Robert, tudo isso foi desnecessário. Nenhum de nós necessita que recorde o incêndio, todos estávamos aqui quando ocorreu. -Arrastou o resistente corpo de Trevor fora do alcance de Robert. -Tara, é obvio que terá uma árvore. Seu pai já deu seu consentimento. Não poderíamos celebrar adequadamente o Natal sem uma.

Brenda suspirou enquanto ficava de pé.

-Com tal de que não me encontre com todas essas agulhas que se desprenderão… É preciso muita energia para lidar com as crianças. Alegro-me de que tenha que fazê-lo você e não eu, querida. Vou ao estúdio. Robert vem?  

Robert a seguiu obediente, sem olhar a ninguém mais. Dom terminou sua xícara de café, enxaguou-a cuidadosamente e se despediu.

-O dever nos chama.

-Sinto o que aconteceu, Jessie -disse Paul. -Robert vive em seu próprio mundo. Brenda gasta o dinheiro como se fosse água. Tudo o que tinham se esfumou. Dillon foi o único de nós que atuou inteligentemente. Investiu sua parte e triplicou o dinheiro que tinha. Os direitos autorais de suas canções continuam dando frutos. Tinha filhos aos que teria que levar a médico e um seguro contra incêndios… E todas essas responsabilidades dos adultos sobre as quais o resto de nós não pensou sequer. O pior de tudo é que tentou que nós fizéssemos o mesmo, mas não lhe escutamos. Robert necessita este álbum para ir adiante. Se Dillon o compuser, cantar e o produzir sabem que irá direto ao topo. Robert está entre a cruz e a espada. Sem o dinheiro, Brenda não permanecerá a seu lado, e ele a ama. -Paul se encolheu de ombros e alvoroçou o cabelo de Tara. -Tara, não permita que estraguem o Natal.

-De quem foi à idéia de voltar a reunir o grupo? -perguntou Jessica. -Tinha a impressão de que foi Dillon quem quis fazê-lo, de que foi idéia dele.

Paul agitou sua cabeça.

-Não teve oportunidade. Sempre está compondo, a música vive em seu interior, ouve-a em sua cabeça constantemente, mas até a semana passada, não tinha trabalhado com ninguém do incêndio, exceto comigo. Já não pode tocar os instrumentos. Bom, toca algo, mas não como antes. Não obtém essa destreza, embora tenta quando está sozinho. É muito doloroso para ele. Acredito que a idéia foi de Robert e ele falou com os outros primeiro; mais tarde me falaram sobre o tema, para ver o que eu achava. Acredito que pensaram que eu poderia lhe persuadir.   -Seus olhos escuros mostraram um pingo de preocupação. -Espero ter feito o correto. Dillon o está fazendo por outros, já sabe, para que possam conseguir algum dinheiro. Isso foi o que lhe disse e funcionou. Não teria feito por si mesmo, mas sempre se sentiu responsável pelos outros. Pensei que viria bem... Mas agora não tenho certeza. Se não conseguir…  

-Você conseguirá -disse Jessica resolvendo a questão -Nós limparemos tudo isto. Será melhor que vá.

-Obrigado, Jess. -Inclinou-se e deixou cair um beijo em cima de sua cabeça. -Me alegro de ter os três aqui.

Trevor lhe sorriu abertamente quando ficaram sozinhos.

-Beija muito, Jess. Quase acreditei durante uns minutos, quando estava… humm… falando com papai, que ia receber minha primeira lição sobre educação sexual.

Pôs-se a correr como um louco enquanto Jessica sacudia com um pano de cozinha. Sua risada zombadora flutuou atrás dele, acompanhando-a até as escadas.

 

Jessica se deteve na metade da escada, e, de repente, o sorriso desapareceu de seu rosto. Esse aroma. Nunca esqueceria o aroma desse incenso em particular. Madeira de cedro acessa. Inalou e soube que não se equivocava. O aroma filtrava por debaixo da porta de seu quarto e se arrastava para a sala. Jessica parou por um momento, sentindo como a ansiedade se introduzia em sua mente. Aquela inquietação parecia atacá-la sempre que se encontrava sozinha, como um aviso luminoso que piscava fracamente em seu cérebro, provocando um nó em seu estômago.

-Jess? -Trevor estava de pé sobre as escadas, perplexo. -O que é isso?

Ela sacudia a cabeça ao passar por diante do menino e ficou justo frente à porta de seu quarto. Muito cuidadosamente empurrou para abri-la. Um ar gelado chegou até eles, e com ele, o aroma do incenso. Jessica seguia ali de pé, imóvel, mas olhou imediatamente para a janela. As cortinas tremiam, flutuando na brisa como se fossem brancos e magros fantasmas de papel. Durante uns breves instantes acreditou ver uma espécie de vapor, uma neblina branca e espessa penetrando no quarto. Piscou, tentando clarear a visão, e então aquela neblina pareceu dissolver-se ou mesclar-se com a densa névoa que havia fora da casa.

-Está frio, por que abriu a janela? -Trevor atravessou o quarto para fechar a janela. -O que é esse aroma repugnante?  

Jessica não tinha conseguido se mover da soleira da porta, mas quando viu como os ombros do menino se encolhiam enquanto olhava algo no chão, entrou em ação imediatamente e em um momento esteve ao seu lado.

-Trev?

-O que é isso? -Trevor assinalou um símbolo no chão, junto à catapora estendida perto da janela.

Jessica respirou profundamente.

-Algumas pessoas acreditam que podem invocar os espíritos mediante determinadas cerimônias, Trevor. O que está vendo é um rudimentar círculo mágico. -Olhou fixamente, como hipnotizada, os dois círculos, um dentro do outro, feitos com a cinza de várias varinhas de incenso.

-O que significa?

-Nada em realidade, já que não há nada desenhado dentro. -Os dentes de Jessica cravaram no lábio inferior. Dois círculos não significavam nada. Simplesmente era um ponto de partida. -Certas pessoas pensam que não podem contatar com os espíritos sem um círculo mágico e consagrado. Os símbolos invocam o espírito, mas também lhe protegem se te situar dentro. -Suspirou brandamente. -Vamos ver como está o quarto de Tara e depois o teu, só para nos assegurar.

-Está tremendo. -Assinalou Trevor.

-De verdade? -Jessica esfregou os braços com as mãos de cima abaixo, resolvida a não gritar. -Deve ser o frio. -Queria ir procurar Dillon, fazer com que a abraçasse e a consolasse, mas sabia que no momento em que visse esse símbolo jogaria a todos e cada um dos membros da banda. E nunca voltaria a tocar sua música de novo.

-Eu quero ir com papai. -Disse Trevor quando entraram no quarto de Tara. -Eu não gosto absolutamente nada disso.

Jessica sacudiu sua cabeça.

-Eu tampouco, mas não podemos contar a seu pai ainda. Você não o conhece tão bem como eu. Tem um incrível sentido da responsabilidade. -Agarrou-lhe pelo braço quando entraram no quarto de Tara. -Não negue com a cabeça. -Ele o fez. -Não lhes deixou sozinhos por que não os amasse. Fez isso porque acreditou que era o melhor para vocês.

-Bobagens! -Trevor se moveu ao redor do quarto, assegurando-se de que a janela estava firmemente fechada e de que ninguém tinha alterado as coisas de sua irmã. -Como podia acreditar que nos abandonar era o melhor, Jessie?

-Depois do incêndio ele passou um ano no hospital, e depois teve que estar outro ano em reabilitação. Não tem nem idéia de quão doloroso é recuperar-se do tipo de queimaduras que sofreu seu pai. O tipo de coisas que teve que suportar. E mais tarde, o julgamento se prolongou durante quase dois anos. Não o julgamento mesmo, a não ser o processo legal inteiro. Ninguém encontrou o assassino, assim Dillon não se livrou da suspeita. Precisava ter visto. Encarregou-se de tudo. Assumiu a culpa de tudo o que aconteceu. Ele mesmo é seu pior inimigo. Segundo ele, tinha falhado com Vivian, à banda, seus filhos, inclusive a minha mãe e a mim. Não quero me arriscar que deixe sua música de novo. Alguém quer nos mandar embora e sabe o que me assusta. Mas toda esta farsa é dirigida a mim, não a vocês.

-Sei que pensa que alguém está tentando nos fazer mal. - Trevor sacudiu a cabeça quando entraram em seu quarto. -Deveria ter me dito. Por isso nos trouxe com ele.

Jess assentiu.

-Ele nunca permitiria que algo acontecesse a vocês. Jamais.

Terminaram de verificar o quarto de Trevor. Estava limpo; parecia como se nunca tivesse sido utilizado.

-O que é aquilo sobre o dinheiro do seguro? De verdade Brenda tem uma apólice sobre nós? Pode fazer isso? Isso me deixa louco.

-Desgraçadamente, parece que a tem. Penso falar com seu pai sobre isso na primeira oportunidade que eu tenha. -Jessica suspirou de novo. -Não entendo nada disto. Por que alguém teria tanto interesse em nos mandar daqui para tentar nos assustar com um círculo mágico? Todos conhecem Dillon, deveriam compreender que jogaria fora da ilha a quem quer que esteja tentando me assustar. Se a música for tão importante para eles, por que se arriscam?

-Acredito que foi Brenda. -Disse Trevor. -Robert ficou sem dinheiro e ela pôs os olhos em papai. E agora que você está aqui, papai só tem olhos para você. Os ciúmes transtornaram sua perversa cabeça. Caso resolvido. É a típica mulher calculista, sempre em busca de dinheiro.

-Muito obrigado, Sherlock, joga a culpa em uma mulher, como não... Anda, vamos descer e encontrarmos Tara. Com certeza que ainda está limpando a cozinha.

-Por que acha que estou me entretendo aqui?

Jessica se alegrou de ter ainda à mão o pano de cozinha. Começou a atiçar com ele à medida que desciam pelas escadas.

Para deleite de Trevor, Tara já tinha limpado a cozinha assim que os três podiam passar as próximas duas horas explorando a casa. Foi divertido ir descobrindo as distintas habitações. Dillon tinha instrumentos musicais de todo tipo, antigos e modernos. Havia um quarto onde tinha instalado a última tecnologia em vídeo e DVD. Mais tarde, Jessica teve que tirar Trevor arrastado da sala de bilhar. Quis investigar a fundo o ginásio, mas então foram os gêmeos os que a tiraram fora dali a empurrões. Ao final, ficaram na biblioteca, aconchegados juntos no enorme divã, rodeados dos livros e antiguidades. Jessica encontrou o clássico “Conto de Natal” de Dickens e começou a ler em voz alta aos gêmeos.

-Jess! Maldita seja Jess, onde está? -A voz chegou rugindo do porão. Entrecortada. Zangada. Frustrada.

Jessica deixou de lado o livro devagar quando Dillon a chamou a segunda vez.

Tara parecia assustada e agarrou a mão de Jess. Trevor explodiu em risadas.

-Está gritando, Jessie. Nunca tinha ouvido ninguém gritar com você antes.

Jessica pôs os olhos em branco.

-Acho melhor responder à semelhante mandato real.

-Iremos com você. -Decidiu Trevor, esforçando-se por parecer despreocupado quando Dillon rugiu de novo.

Jessica ocultou seu sorriso. Trevor estava decidido a protegê-la. Amou-o mais por isso.

-Vamos então, antes de lhe dê um ataque.

-O que fez para que se zangasse tanto? -Perguntou Tara.

-Não fiz nada. -Respondeu Jessica indignada. -Por que eu ia fazer zangar-se seu pai?

Trevor revolveu seu cabelo acobreado.

-Poderia fazer perder a paciência a um santo, Jessie. E faz de raiva.

-Nada disso! -Jessica o apanhou na sala que levava às escadas. -Vândalo… Um alienígena te seqüestrou enquanto dormia de noite. Foi doce e bom até então.

Trevor corria para trás, tentando manter-se fora de seu alcance, rindo enquanto se aproximava da beira da escada.

-Ainda sou doce e bom, Jessie, o que acontece é que você não sabe distinguir a verdade.

-Eu te ensinarei a verdade. -Advertiu Jessica, fazendo um intento para pegá-lo.

Trevor deu um passo atrás para o primeiro degrau e inesperadamente escorregou e perdeu pé. Por um momento se balançou precariamente, suas mãos se moviam ferozmente tentando agarrar-se aos corrimões. Jessica pôde ver o medo no jovem rosto do menino e saiu correndo para agarrá-lo, completamente afogada, com a mente nublada pelo pânico. Quase conseguiu lhe sujeitar pela camisa, mas lhe escapou. Tara, estendendo ambas as mãos para seu gêmeo, gritava ruidosamente enquanto Trevor caía fora de seu alcance.

Dillon corria pelas escadas, subindo os degraus de dois em dois, furioso porque Jessica não tinha respondido quando estava condenadamente seguro de que tinha ouvido. Estrangulá-la não seria uma má idéia depois de que ela conseguisse explicar a esse idiota do Dom o que ele pretendia... Tão difícil era seguir o ritmo certo? Fazer a pausa certa? Quando escutou o grito de Tara, elevou a vista a tempo de ver como Trevor caía para trás. Durante um momento o tempo se deteve e subiu o coração à garganta. O menino deu um bom golpe, justo no peito, lhe deixando sem ar nos pulmões. Envolveu seus braços protetoramente ao redor de seu filho enquanto caíam dando tombos escada abaixo, aterrissando pesadamente sobre o chão do porão.

Jessica desceu correndo as escadas, com Tara pisando os calcanhares. No momento em que seu pé tocou o primeiro degrau, sentiu que escorregava. Agarrando-se ao corrimão, sujeitou Tara.

-Tome cuidado, meu amor, há algo escorregadio no degrau. -Ambas se aferraram ao corrimão enquanto desciam apressadamente.

-Estão mortos? -Perguntou Tara cheia de medo.

Jessica pôde ouvir o juramento surdo e o grunhido de dor de Trevor quando Dillon, sem muitos olhares, percorreu com as mãos seu filho para verificar os danos.

-Parece que não. -Observou. Ajoelhou-se junto a Trevor, retirando meigamente com os dedos o cabelo de sua testa. -Está bem, querido?

-Não sei. -Disse Trevor fazendo uma careta, ainda em cima de seu pai.

Dillon tomou a mão de Jessica, acariciando com o polegar a parte interna do pulso, sentindo o frenético batimento do coração dela.

-Trev está bem, caiu em cima de mim. Sou eu quem acabará cheio de hematomas. -O medo, misturado com a fúria, pulsava através de seu corpo. Não tinha experimentado um pânico e um medo semelhante há anos. A visão de Trevor caindo pelas escadas tinha o deixado absolutamente apavorado. -Não posso respirar... Este menino pesa uma tonelada. -Dillon não sabia se abraçava Trevor ou sacudia até que seus dentes tremessem.

Jessica retirou as indomáveis ondas de cabelo que caíam sobre a testa de Dillon.

-Está respirando... Obrigado por apanhá-lo.

Seu toque lhe excitou. O olhar azul de Dillon refletia fogo e fome ao olhá-la. Era lamentável ter ciúmes de seu filho, dos olhares ternos que lhe dirigia, da maneira como o amava. O prazer quando se encontrava com ele. Nesse momento, Dillon quis pegar seu corpo, diante de todos, e beijá-la. Devorá-la. Consumi-la. Ela estava fazendo estragos em seu corpo, rompendo seu coração e voltando a abrir cada ferida de sua alma. Estava o fazendo sentir coisas de novo, obrigando a viver quando era muito melhor permanecer insensível.

-E foi uma parada estupenda. -Assentiu Trevor, completamente de acordo.

Dillon empurrou ao menino de lado, lançando um olhar zangado, furioso pelo susto de morte que tinha dado, furioso porque sua vida estava ficando de pernas pro ar.

-Deixa de dizer tolices, menino, realmente poderia ter se machucado. É velho para estar brincando tão descuidadamente na escada. Roughhousing não te pertence, de maneira que não quebre coisas que não são suas nem faça mal a pessoas inocentes com sua estupidez.

O sorriso de Trevor se apagou e a cor desapareceu de seu rosto. Tara ficou boquiaberta, indignada.

-Trevor não quebrou sua estúpida escada.

-E você precisa aprender como se dirigir aos adultos, menina. -Concluiu Dillon, dirigindo seu intenso olhar para seu pequeno e furioso rosto.

Jessica ficou de pé, levantando Tara com ela. Agachou-se para ajudar Trevor a incorporar-se.

-Trevor escorregou com algo que havia nos degraus, igual a mim, Dillon. -Informou friamente. -Talvez, em vez de tirar conclusões precipitadas sobre a conduta de Trevor, deveria pedir a seus outros convidados que tenham mais cuidado e não derramem coisas sobre a escada que pudessem fazer que as pessoas saíssem voando.

Dillon ficou em pé lentamente, com uma máscara inexpressiva em seu rosto.

-O que há nas escadas?

-Não parei para verificar. -Respondeu Jessica.

-Bem, vamos ver - começou a subir os degraus, com Jessica seguindo-o de perto.

O degrau de acima estava brilhante, coberto de uma substância clara e oleosa. Dillon se agachou e o estudou atentamente.

-Parece azeite para cozinhar, exatamente igual ao da cozinha. -Olhou atentamente aos gêmeos, que estavam esperando abaixo, como se suspeitasse deles.

-Eles não jogaram azeite aqui. Estavam comigo. -Grunhiu Jessica. Apartou-lhe um momento, tocando o azeite com as pontas dos dedos e levou-o sua boca. –É azeite vegetal. Alguém deve ter derramado este azeite no degrau.

O azeite que se usava nas cerimônias mágicas para invocar os espíritos. Recordava muito bem toda essa informação.

-Ou derramou acidentalmente e não se deram conta. -O olhar azul de Dillon deslizou sobre ela. -E eu não estava acusando as crianças, nem me ocorreu que eles pudessem ter feito isso. Não tire conclusões precipitadas, Jess.

-Perguntemos aos outros. -Desafiou-a.

Ele suspirou.

-Está zangada comigo. -Estendeu sua mão coberta de couro para ela em um gesto instintivo. No momento em que compreendeu o que o que estava fazendo, deixou cair sua mão de lado.

-Claro que estou zangada com você, Dillon, O que esperava? -Jessica inclinou sua cabeça para lhe olhar. -Não me trate como se fosse uma menina, e não utilize essa voz condescendente quando falar comigo. Disse que os acidentes estavam acontecendo em casa e podiam ser facilmente justificados. Garanto isso, ninguém nesta casa vai admitir que fosse ele derramou azeite na escada.

Ele se encolheu de ombros.

-É assim que eles são? Isto não era para Trevor nem Tara, como seria possível? Todos estavam gravando ali abaixo. Por que alguém pesaria que as crianças descessem? Ninguém podia predizer que eu ia te buscar.

-Não estou de acordo. Adoro a música e sou engenheira de som, e todos sabem e você mencionou antes na cozinha que os gêmeos poderiam descer mais tarde e olhar.

Dillon elevou uma sobrancelha.

-Todos, incluído Brenda, estávamos no estúdio. Como explica isso?

-Os gêmeos estiveram comigo todo o momento, Dillon. –Contra atacou Jessica, com seus olhos verdes começando a consumir-se em chamas. -Como explica isso? E falando de Brenda, por que demônio deu seu consentimento para permitir a essa mulher contratar uma apólice de seguros para você e para seus filhos?  

-É da família, Jessie, e é bastante inofensiva, embora difícil. -Encolheu de ombros descuidadamente. -E lhe faz sentir que forma parte de algo.

-Pois faz me sentir como se um abutre voasse em círculos sobre minha cabeça.                     -Murmurou Jessica. Seguiu-lhe de volta pelas escadas, para onde os gêmeos aguardavam em expectativa.

-Hei vocês dois! Estamos perdendo tempo -chamou Brian -virão trabalhar ou irão discutir os prós e os contra da influência do universo sobre a humanidade? O que está acontecendo aí?  

-Caímos pela escada. -Disse Dillon severamente. -Estaremos aí em um momento.                 -Inclinou perto de Jessica. -Respira fundo, Mamãe Tigre, e não me arranque à cabeça. -Brincou Dillon, procurando uma maneira de aliviar a tensão entre eles. -Esconde suas garras. -A imediata e feroz defesa de seus filhos por parte de Jess lhe divertiu e agradou.

Jessica lançou um olhar acusador aos gêmeos. Os dois retrocederam inocentemente, agitando suas cabeças ao uníssono, sobressaltados ao ver que seu pai sabia o nome secreto de Jessica.

-Eu não disse. De verdade. -Disse Trevor, e quando ela seguiu olhando adicionou: - E ele não mencionou as presas.

-Tem presas? -perguntou Dillon a seu filho, arqueando uma sobrancelha. Sentia um grande alívio de que o menino não se machucasse na queda.

-OH, sim -respondeu Trevor -Certamente. Tira-os num momento. Tema por sua vida se meter-se conosco.

Dillon sorriu de repente e seu rosto se iluminou, com alguma diabrura relampejando por um breve momento no azul profundo de seus olhos.

-Me acredite, filho, eu farei isso.

Trevor permaneceu completamente imóvel, tremendo ante a emoção que entrou em torrentes em seu corpo por causa das palavras de seu pai. A mão de Jessica posou brandamente em seu ombro, em silenciosa compreensão.

-Vamos, Jessica, necessitamos um pouco de ajuda. -Dillon a pegou pelo braço e a levou sala abaixo como se fosse sua prisioneira. Inclinou-se sobre sua cabeça enquanto eles caminhavam, seu quente fôlego contra a orelha. -E eu não sou volúvel. -Lançou um olhar aos gêmeos, lhes chamando. -Se sabem ficar calados, podem vir e olhar. Brenda! Tenho um trabalho para você.

Jessica fez uma careta a Trevor às costas de Dillon que fez que as crianças rissem enquanto seu pai a arrastava a sala de som.

-Um trabalho? -Brenda se estirou languidamente enquanto ficava em pé. -Certamente não, Dillon. Não trabalhei nem sequer um pouco há anos. A só idéia me deixa horrorizada.

-Acredito que será bastante fácil. Há azeite na escada, uma grande quantidade. E isso a converte em um perigo, assim é necessário limpá-lo. O pessoal da casa não está, e todos nós temos coisas para fazer, de maneira que será sua tarefa do dia.

Brenda pôs os olhos como pratos, completamente assombrada.

-Não pode estar falando a sério, Dillon. Foi uma decisão terrível permitir que seu pessoal saísse de férias. No que estava pensando quando cometeu semelhante loucura?

-Em que o Natal está perto e queriam passar com suas famílias. -Mentiu Dillon. A verdade era que não queria que ninguém fosse testemunha quando caísse de cara no chão enquanto trabalhava com a banda. Aterrava-lhe pensar no grandioso que estava fazendo. -Sabia que não havia nenhum pessoal, e que nós estaríamos trabalhando. Concordou em ajudar com as tarefas diárias se eu permitisse que viesse.

-Bem, tarefa diária é obvio. Amaciando as toalhas no banheiro, não limpando uma confusão nos degraus. Você -apontou Tara -certamente poderia fazer esse pequeno trabalho.

Antes que Tara pudesse responder, Dillon sacudiu a cabeça.

-Brenda, você fará isso. Tara e Trevor sentem-se ali. Jessica dê uma olhada em minhas notas, escuta as pistas e me diga o que lhe parecem. Eu estarei preparado para me desenquadrar aqui mesmo. -Atirou Jessica sobre uma cadeira, empurrando-a pelos ombros para obter que sentasse. -É um pesadelo.

Jessica assegurou de que ele estivesse no estúdio antes de murmurar sua resposta.

-Vamos lá. Trabalhar com Dillon Wentworth vai ser um inferno. -Piscou um olho aos gêmeos. -Já verão. Ele é tudo energia e paixão. Uma bomba. E grita muito quando não consegue o que quer exatamente.

-Que emocionante. -Disse Trevor comicamente.

Brenda atirou um lápis ao chão, em forma de pequena rebelião.

-Esse homem é um tirano, um louco dominante no trabalho. Não sei de onde tirou a equivocada idéia de que pode me manipular.

-É certo, mas é um gênio musical e trará montões e montões de dinheiro para todos. -Lhe recordou Jessica, franzindo a sobrancelha ao olhar as partituras. Eram evidentes que as habilidades manuais de Dillon estavam afetadas, suas notas musicais eram garranchos ilegíveis.

Brenda suspirou.

-Está bem, é verdade, necessitamos a nossa maravilhosa máquina de fazer dinheiro, assim farei minha parte para lhe manter contente. Um de vocês, meninos, deveria tirar uma foto de mim esfregando os degraus como Cinderela. Poderia valer uma fortuna. -Disse com uma risada. -Sei que Robert adoraria ver uma coisa assim, mas então estragaria minha imagem e não posso permitir pensar que sou capaz de trabalhar. -Piscou um olho a Trevor. -Confio que não dirão nenhuma palavra disto. Se vierem comigo, inclusive não fumarei, já que o amo decretou que não posso fumar dentro de sua casa.

-De todas as formas, não deveria fumar. Não é bom para você. -Assinalou Tara sabiamente

Brenda lhe fez uma careta.

-Ok, fique aqui e escutem como seu pai dá ordens a todo mundo, mas não será tão entretido como me olhar. -Seus saltos altos fizeram um ruído chato enquanto saía.

Jessica passou uma hora decifrando as notas musicais de Dillon e escutando as pistas que já tinha gravado, tentando encontrar a mescla que Dillon estava procurando. O problema era que os membros da banda não ouviam em suas cabeças o mesmo que Dillon ouvia. Dom não era o guitarrista principal; onde verdadeiramente se realizava era com o baixo. Jessica tinha claro que a banda necessitava um guitarrista principal, mas não tinha certeza de quem poderia tocar a música de Dillon como ele queria que tocasse. A maioria dos músicos tinha seu ego. Ninguém ia deixar que Dillon dissesse como tinha que tocar.

Observou que a banda tinha feito de novo um descanso. Brian fazia gestos através do vidro. Paul sacudia a cabeça, com a preocupação desenhada no rosto. Jess se inclinou para apertar o interruptor que permitiria ouvi-los. Dillon caminhava de um lado a outro. A energia emanava dele, enchendo o estúdio de uma brilhante inteligência, de puro gênio misturado com frustração e impaciência.

-Por que não o escutam? -Dillon levou as mãos à cabeça, destrambelhando contra o guitarrista apoiado contra a parede. -Tão difícil é antecipar-se ao ritmo? Segue a melodia mais devagar, está acelerando. Não consiste em demonstrar o excelente guitarrista que é... É uma harmonia, uma mescla que deve soar como tal. -Embalou o violão, sustentou-a quase meigamente, amorosamente. A necessidade de tocar o que ouvia em sua cabeça era tão forte em seu corpo tremia.

Olhando-o através do vidro, Jessica sentiu que lhe rompia o coração. Podia ler seu interior tão facilmente... Via sua necessidade de dar vida à música. Dillon sempre tinha sido exigente, um perfeccionista no que se referia a sua música. Sua paixão plasmava em suas composições, em suas letras, na maneira em que tocava. Era o que tinha levado a banda ao topo e todos eles sabiam. Queriam todo esse êxito de novo, e tinham se reunido outra vez para que Dillon conseguisse para eles.

Dillon olhou Dom.

-Tenta de novo, e esta vez faça direito.

Suando visivelmente, Dom olhou aos outros, inquieto.

-Não vou tocar de um modo diferente do que fiz a última vez, Dillon. Eu não sou você. E nunca serei. Não vou poder ouvir o que quer que ouça tão somente porque me fale sobre mesclas, harmonias e cordas. Eu não sou você.

Dillon soltou um juramento, seus olhos azuis ardiam com tal intensidade que Dom deu um passo para trás e levantou sua mão.

-Tentou fazê-lo, de verdade. Só digo que precisamos encontrar outro para que toque o violão, porque está claro que não sou capaz de fazê-lo como você quer. Mas não importa a quem consigamos Dillon, nunca será como você. Nunca se sentirá satisfeito.

Dillon fez uma careta de dor, como se Dom tivesse atirado um bom golpe. Os dois homens se olharam fixamente durante um bom momento e então Dillon se girou de repente e saiu indignado da sala. Permaneceu de pé no quarto de som, com a cabeça encurvada, respirando profundamente, tentando despojar-se do desespero. Nunca deveria ter tentado, jamais devia ter pensado que seria capaz de fazê-lo. Em voz alta, amaldiçoou suas mãos, amaldiçoou seu imprestável corpo cheio de cicatrizes e amaldiçoou sua paixão pela música.

As lágrimas empaparam os olhos de Tara e enterrou o rosto no ombro de seu irmão. Trevor abraçou sua gêmea e olhou Jessica.

Aquele movimento trouxe Dillon de novo à realidade. Jessica estava brincando com uma fila de teclas, intensamente concentrada, sem lhe olhar.

-Jess! -Sua presença lhe inspirava, era um dom! Aproximou-se rapidamente pela sala como uma pantera à espreita, pegou-a pelo braço e a arrastou para ele. -Você a ouve, Jess, eu sei que você escuta o mesmo que eu. Está aí, dentro de você, sempre esteve. Sempre compartilhamos essa conexão. Entra aí e toca essa canção como se deve. -Disse arrastando-a para a porta. -Sabe tocar o violão desde que tinha cinco anos.

-O que está dizendo? Não posso tocar com sua banda! -Jessica estava espantada. -Dom o faria bem se deixasse de gritar com ele e lhe desse tempo.

-Nunca fará bem, não ama a melodia. Você sim a ama, Jessica. Você se lembra de todas essas noites que nos sentávamos a tocar na cozinha? A música está em você, você a vive e a respira. Está viva para você da mesma maneira que está em mim.

-Mas isso era diferente, era só para nós dois.

-Sei que toca muito bem o violão, ouvi você tocando. Sei que nunca deixará de tocar, você escuta o mesmo que eu. -Estava empurrando-a, realmente empurrando-a quando ela tentou cravar teimosamente os calcanhares no chão para lhe deter.

Jessica olhou aos gêmeos em busca de ajuda, mas ambos mostravam um sorriso idêntico no rosto.

-Jess toca todos os dias, às vezes durante horas. -Disse Tara aduladora.

-Pequena traidora... -vaiou Jessica. -Fica muito tempo com seu irmão. Ambos deverão esfregar os pratos durante toda a próxima semana.

-Os dois? -gemeu Trevor. -Eu não fiz nada. Venha, Tara, vamos deixá-la sozinha. Podemos explorar a sala de jogos um pouco melhor.

-Desertores. -Adicionou Jessica. -São dois ratos abandonando o navio antes que se afunde... Recordarei isto. -Mantinha fechada a porta do estúdio com o pé.

-Realmente, acredito que será divertido ver tia Brenda tirando a mancha da escada. -Disse Tara travessamente. Fez um exagerado gesto de despedida e saiu, com Trevor justo atrás, com um sorriso de orelha a orelha.

-É evidente que você os criou. -Disse Dillon com os lábios contra sua orelha e o forte braço ao redor de sua cintura. -Ambos têm umas bocas muito inteligentes.

-Está montando um circo! Tem à banda inteira rindo como loucos de nós. -Jessica lhe empurrou, e tratou de arrumar a roupa e alisar o cabelo. Elevou seu queixo.

-Está bem, farei Dillon. Acho que tenho uma idéia do que quer, mas me levará algum tempo tirá-la da cabeça. Não grite enquanto estou trabalhando. Nem sequer uma vez, entendeu? Não levante a voz ou sairei dessa sala tão rápido que nem sequer se inteirará.

-Eu gostaria de poder escapar são e salvo depois de dizer uma coisa assim. -Observou Brian.

-Todos vocês podem descansar um pouco. Jessica vai salvar o dia.

-Não vou salvar o dia de ninguém. -olhou Dillon fixamente. -Só vou tentar ver se posso compreender o que quer e verificar se sou capaz de realizá-lo, tocarei para você. Importa-se, Dom?

-Agradeço-lhe Jess. -Dom sorriu pela primeira vez desde que entrou no estúdio. -Grita forte se necessitar ajuda e todos nós viremos correndo.

-Genial... O lugar não tem som... -Jessica recolheu o violão e começou a tocar ociosamente um blues, permitindo que seus dedos vagassem sobre as cordas, com seu ouvido familiarizando-se com os sons do instrumento, acostumando-se a senti-lo perto. -Vocês me abandonando a minha própria sorte com Dillon e tenham isso em mente.

 

Jessica fechou os olhos enquanto tocava, permitindo que a música se deslizasse através de seu corpo, de seu coração e de sua alma. Algo não encaixava algo não estava batendo... Havia alguma coisa realmente não estava acertado. Estava perto, muito perto, mas não conseguia tudo. Sacudiu a cabeça, escutando com o coração.

-Não soa como deveria. Está muito perto, mas não é perfeito.

Havia frustração em sua voz, o bastante para que Dillon voltasse a pensar o que ia dizer e esperasse um momento para que sua própria frustração não o traísse. Jess não necessitava que ficasse furioso com ela. O que precisava era uma total harmonia entre os dois. A diferença de Dom, Jessica era consciente do que ele queria, tinha um som similar em sua própria cabeça, mas não transmitia aos seus dedos.

-Tentemos algo mais, Jess. Volta um pouco atrás. Mantém as notas um pouco mais de tempo, permite que a música respire.

Ela assentiu sem olhá-lo, com uma intensa concentração refletida no rosto enquanto movia amorosamente os dedos sobre as cordas. Enquanto escutava a melodia e o tom, uma música triste e introspectiva foi abrindo-se caminho lentamente, levantando-se, até que a dor e a angústia cresceram e se transbordaram, enchendo a sala de sentimentos, até que sentiu que lhe partia o coração e encheram os olhos de lágrimas. Seus dedos deixaram de mover-se abruptamente.

-Não é o violão, Dillon. O som está aí, persistente e vívido, as emoções se desprendem da música. Escuta, é aqui, justo aqui. -Tocou as notas uma ou duas vezes mais; seus dedos alongavam, estiravam os sons. -Esta não é uma peça que possamos gravar simplesmente em uma faixa e em seguida adicionar o baixo e a percussão. Nunca seria suficiente.

Ele explodiu em seus dedos, indicando-a que tocasse de novo, com a cabeça inclinada a um lado e os olhos fechados.

-Um saxofone? Algo suave e melancólico? Justo aí, durante essa passagem... Solitário, algo solitário.

Jessica assentiu e sorriu, com o rosto radiante.

-Exatamente, é justo isso. O sax tem que aparecer justo aqui e assumir o papel apenas por alguns instantes enquanto o violão vai apagando e fica em segundo plano. Esta melodia é muito sofisticada para usar só o baixo e a percussão. Terá que levar em conta todo o conjunto. Quando o mesclarmos, podemos provar várias coisas, mas eu gostaria de ouvir como ficaria se Robert usasse um sintetizador no teclado. Esta canção deve ter mais textura. O vocal adicionará a profundidade que necessitamos.

Dillon passeou de um lado a outro da sala, uma e outra vez, detendo-se no final justo diante dela.

-Posso ouvir o saxofone perfeitamente. Tem que entrar justo a metade da ascensão de ritmo.

Ela assentiu.

-Estou um pouco nervosa... Acredito que funcionará. Tenho algumas idéias para as mesclas. Dom pode vir e tocá-lo…  

-Não! -gritou a ponto de lhe arrancar a cabeça com uma dentada... Seus olhos azuis a abrasavam.

Parecia furioso e sombrio. Fascinante. Jessica quase gemeu. Olhou-lhe de cima abaixo, desejando não achar tão atrativo. O desejo que havia entre eles era pura química, nada mais que isso.

-Dom nunca fará com tanta paixão como você, Jess. E ele sabe, inclusive reconheceu. Disse-me que procurasse outro guitarrista.

Jessica apoiou o violão contra a parede com muito cuidado.

-Bem, pois não serei eu. Não sei tocar como você quer, não tenho a experiência suficiente. E embora a tivesse, este é um clube para homens. Muito poucos músicos querem reconhecer que uma mulher pode tocar o violão tão bem como qualquer deles.

-Terá toda a experiência necessária quando terminarmos. Ajudarei. –prometeu. -E a banda quer trabalhar. Aprovarão algo que nos ajude a seguir adiante.

Ela sacudiu a cabeça, apartando-se como se a tivesse ameaçado.

O sorriso de Dillon transformou seu rosto. Parecia muito jovem, encantador, totalmente irresistível.

-Quer dar um passeio comigo?

Era tarde, já tinha escurecido. Fazia bastante tempo que não via os gêmeos, mas a idéia de passar um momento a sós com ele era muito tentadora. Assentiu com a cabeça.

-Por essa porta daí. -Disse ele. Pegou um pulôver que tinha deixado ali uns dias antes e o pôs em Jess. Colocando a jaqueta sobre os ombros, Dillon abriu a porta e deu de lado para que ela passasse em primeiro. Assobiou brandamente e o pastor alemão que tinha saudade Jessica e os gêmeos tão grosseiramente quando chegaram, veio correndo para eles, como um borrão de cabelo escuro.

A noite era fresca, quase fria pela brisa que chegava do oceano, e não estava totalmente clara devido ao sal e os farrapos de névoa. Encontraram um estreito caminho que serpenteava através das árvores e o seguiu, um ao lado do outro, com suas mãos roçando-se de vez em quando. Jessica não soube como ocorreu, mas de algum modo sua mão terminou comodamente encerrada na dele.

Jogou-lhe uma rápida olhada, quase sem fôlego e com o coração tremendo, pulsando como louco. Feliz. Mas era agora ou nunca. Ou esclarecia coisas entre eles ou lhe perderia.

-Como terminou casando-se com Vivian? Não parecia ser seu tipo.

Por um longo momento pensou que não responderia. Caminharam em silêncio alguns metros e então ele deixou sair o ar de seus pulmões com uma longa e lenta expiração.

-Vivian. -Dillon passou a mão livre através do cabelo negro e a olhou. -Por que me casei com Vivian? Essa é uma boa pergunta, Jess, uma que eu mesmo me tenho feito centenas de vezes.

Caminhavam juntos sob o dossel de árvores, rodeados pelo espesso bosque e os densos matagais. O vento sussurrava brandamente através das folhas, agradável, uma ligeira brisa que parecia segui-los quando tomaram um atalho adornado pelos cervos através das árvores.

-Dillon, nunca entendi por que a escolheu, sendo ambos tão diferentes.

-Conhecia Vivian de toda a vida, crescemos no mesmo parque de caravanas. Não tínhamos nada. Nenhum de nós, nem Brian, nem Robert, nem Paul. E Viv ainda menos. Estávamos acostumados a estarem todos juntos, tocando e sonhando chegando muito longe. Ela teve uma vida muito dura, igual à Brenda. Sua mãe era uma bêbada que se atava com um tipo diferente todas as semanas. Pode imaginar a classe de vida que levavam duas garotinhas indefesas naquele ambiente.

-Sentiu compaixão por ela. -Declarou Jessica.

Dillon fez uma careta de dor.

-Não, isso me faria parecer nobre. Não fui nada nobre, Jess, não importa o muito que queira que fosse. Passei muitíssimo tempo com ela, e pensei que a amava. Demônio tinha dezoito anos quando começamos a sair. Queria protegê-la, cuidar dela, certamente. Sabia que não queria ter filhos. A ela e Brenda aterrava perder sua figura e que as abandonassem por isso. Sua mãe sempre fez acreditar que os homens a abandonavam por culpa delas, porque tinha perdido seu bonito corpo ao dar a luz. Inclusive lhes disse, quando começaram a sair com meninos, que tinham a culpa de que os homens as preferissem em vez dela. -Passou de novo a mão através do cabelo, com um gesto rápido e impaciente. -Eu sabia tudo aquilo desde que éramos crianças. Escutei muitas vezes Vivian dizer que jamais teria um bebê, mas acho que não dava nenhuma importância.

Continuaram caminhando em silêncio pelo atalho durante alguns minutos. Jessica se deu conta de que estavam encaminhando para os escarpados quase de mútuo acordo.

-Tantos velhos fantasmas -observou -e nenhum de nós obtivemos que descansassem em paz.

Dillon levou a mão de Jess ao peito, justo em cima de seu coração.

-Você não teve a vida que nós tivemos Jess, não pode entender. Ela jamais teve uma infância. Eu era tudo o que ficava a Vivian, além da banda e de Brenda, quando já não era capaz de lutar contra seus próprios demônios. Quando averiguou que estava grávida, voltou-se louca. Totalmente fora de si. Não podia suportá-lo. Rogou que eu permitisse abortar, mas eu queria uma família. Pensei que voltaria a encontrar a razão depois do parto. Casei-me com ela e prometi que contrataríamos a uma babá para cuidar das crianças enquanto trabalhávamos com a banda.

Dillon deixou atrás as árvores para dirigir-se aos nus escarpados que se erigiam sobre o mar. Em seguida, o vento revolveu os cabelos, lançando-os contra o rosto. Instintivamente, voltou-se para que seu corpo maior desse a proteção ao de Jess.

-Contratei Rita para cuidar das crianças e os esquecemos. Simplesmente os esquecemos. –ele olhou fixamente, seus olhos azuis pareciam preocupados quando levou a mão de Jessica à boca. Seus dentes a mordiscaram brandamente, a língua deslizou sobre sua pele.

Jessica estremeceu, esticando seu corpo, sentindo de repente que um fogo líquido se condensasse na parte baixa de seu abdômen. Podia ouvir a culpa em sua voz, o pesar, e se obrigou a concentrar-se.

-A banda teve muito êxito.

-A princípio não, mas o obtivemos. -Estendeu a mão para ela, não pôde evitar, e encerrou os fios do brilhante cabelo acobreado em seu punho. -Estava tão desesperado por conseguir, Jess... O dinheiro, a boa vida. Não queria ter que me preocupar jamais por ter um teto sobre nossa cabeça ou por saber de onde tiraríamos a próxima comida. Trabalhamos muito duro os três anos seguintes. Quando íamos a casa, Vivian trazia para os gêmeos, malas carregadas de presentes, mas nunca os tocava ou falava com eles. -Permitiu que os fios de seda se deslizassem através de seus dedos. -Quando os gêmeos tinham quatro anos, a banda alcançou um êxito descomunal, mas já estávamos nos distanciando. -De repente, separou-se dela.

-Lembro quando vinha com os presentes. -Reconheceu Jessica, estremecendo-se um pouco com o vento que soprava do mar. De repente se sentia sozinha. Necessitada. -Vivian se mantinha afastada de nós, dos gêmeos. Não vinha à casa muito freqüentemente. -Dillon tinha vindo sozinho muitas vezes, porque Vivian preferia quase sempre ficar na cidade com outros membros da banda.

O vento arrastou uma estranha névoa do mar. Densa, quase opressiva. O cão se dirigiu com cuidado para as ondas, grunhindo. Aquele som provocou um calafrio nas costas de Jessica, mas Dillon estalou os dedos e o animal se calou.

-Não, não vinha. -Dillon tirou a jaqueta e a envolveu com ela. -Sempre foi tão frágil, tão dada ao fanatismo... Sabia que tinha começado a beber. Por todos os diabos, nós todos bebíamos. Ir a festas era quase um estilo de vida então. Brian se dedicava a estranhas práticas, não ao culto do diabo, mas invocava os espíritos e aos deuses e à mãe terra... Já sabe como é, adora provocar aos outros. O problema foi que fez Vivian acreditar em tudo isso. Eu não prestei atenção, limitava-me a rir deles. Não compreendi então que estava enormemente doente. Mais tarde, os médicos disseram que tinha um transtorno bipolar, mas naquele momento, pensei que tudo aquilo formava parte do mundo em que andávamos colocados. Bebidas, inclusive as drogas... Acreditei que voltaria para a normalidade assim que conseguisse expulsá-las de seu organismo. Não me dei conta de que estava se automedicando. Mas deveria tê-lo feito, Jess, deveria tê-lo visto. Ela tinha todos os sintomas: as intensas mudanças de humor, as desigualdades e as constantes contradições em sua maneira de pensar e de atuar... Deveria ter sabido.

De repente, suas mãos rodearam o rosto de Jess, sujeitando-a.

-Eu ria Jess, e enquanto zombava de suas estúpidas cerimônias, ela caía diretamente em sua loucura. As drogas a empurraram mais à frente do limite e teve um ataque de loucura. Quando me dei conta realmente de quão malvado era, era muito tarde e já tinha tentado fazer-se mau.

-Mandou-a a reabilitação, como podia saber o que era transtorno bipolar? -Recordava aquilo perfeitamente. -Ninguém te avisou da perversa que se tornou durante esse último ano que passou na excursão mundial. Estava na Europa. Ouvi como todos discutiam; a decisão foi não te dizer nada, porque teria deixado tudo. A banda sabia. Paul, Robert, sobre tudo Brian, chamou muitas vezes para falar com ela. Seu empresário, Eddie Malone, disse que era imprescindível que permanecêssemos calados. Ocupou-se de tudo para que ela ficasse aqui, na ilha. Estava convencido de que aqui estaria a salvo.

Dillon deixou de observá-la, permitindo que seu olhar azul se deslizasse sobre o mar.

-Eu sabia Jess. Sabia que tinha deixado a assistência médica, mas estava tão apanhado na excursão, na música, em mim, que não cuidei dela. Encarreguei Eddie. Quando falava por telefone com Viv sempre ficava tão histérica, tão exigente... Chorava e me ameaçava. Estava a milhares de quilômetros daqui e ainda assim me sentia muito pressionado, e, além disso, estava cansado de suas birras. Nesse momento todos me diziam que ela sairia daquilo... Falhei. Meu Deus, ela confiava em que eu cuidaria dela e falhei.

-Tinha só vinte e sete anos, Dillon, não se castigue tanto.

Ele riu suave e amargamente.

-Insiste em pensar o melhor de mim. Acha que ao princípio ela atuava igual durante os últimos anos? Era muito frágil para a vida que a submeti. Eu queria tudo. A família. O êxito. Minha música. Só importava o que eu queria não o que ela necessitava. -Sacudiu a cabeça.         -Tentei entendê-la no início, mas ela necessitava muitíssima atenção e eu tinha muito pouco tempo. E as crianças. Culpei-a de não querê-los, de não querer estar com eles.

-Isso é normal, Dillon. -Disse Jessica brandamente. Rodeou-lhe o braço com a mão, querendo conectar-se a ele, querendo fazer desaparecer a terrível dor, a absoluta solidão que tinha gravada tão profundamente no rosto.

A névoa se fez mais densa, como um pesado manto que conduzia em seu interior o sussurro de algo que se movendo aos sons surdos e veladas lembranças. Preocupou-a que o cão olhasse fixamente a névoa, como se ocultasse dentro um inimigo, mas tentou ignorar os eventuais grunhidos do animal. Dillon, muito concentrado na conversa, não parecia dar-se conta.

-É normal, Jess? -Sua sobrancelha se arqueou enquanto olhava intensamente os grandes olhos verdes dela. -Parece decidida a perdoar meus enganos. Abandonei as crianças. Coloquei minha carreira na frente deles, minhas próprias necessidades, tudo o que queria. Por que isso está bem para mim, mas é imperdoável para Vivian? Estava doente. Sabia que tinha algo mau; aterrava-lhe ferir as crianças. Não necessitava reabilitação, a não ser um tratamento para sua enfermidade mental. -Esfregou o rosto com a mão, respirando dificultosamente. -Não voltei nem uma vez a casa durante esse último ano por sua causa, Jessica. Porque sentia coisas por você que não deveria sentir. Rita sabia, Deus me ajude. Falei com ela sobre o tema e estivemos de acordo que o melhor era me afastar de você. Mas não era sexo, Jess, juro-lhe isso, nunca foi questão de sexo.

Havia tanta dor em sua voz que partia o coração de Jess. Olhou-lhe e viu lágrimas brilhando em seus olhos. Imediatamente, rodeou-lhe a cintura com os braços e apoiou a cabeça contra seu peito, se unindo a ela sem palavras, querendo consolar. Nunca havia tocado, nunca havia dito uma palavra que pudesse considerar inapropriada, nem ela a ele. Mas era certo que ambos tinham procurado a companhia um do outro, tinham mantido intermináveis conversa, tinham necessitado estar juntos. Podia perceber como tremia seu duro corpo, como aumentava a tensão nele, como um vulcão inativo durante muito tempo que de repente volta a entrar em erupção.

Dillon se sentia responsável por tudo aquilo; sempre tinha sido assim. E Jessica sempre soube. Seu fracasso corroia as vísceras e Jess se sentia incapaz de ajudar. Apartou-se um pouco com cuidado, para poder olhá-lo.

-Sabia que fazia sessões de espiritismo e convocava aos demônios? -Tinha que perguntar-lhe e o coração parecia sair do peito enquanto esperava sua resposta.

-Brian e ela acendiam várias velas para os espíritos, mas não havia nada nem remotamente parecido ao culto do diabo, sacrifícios ou ocultismo. Não sabia que se enredou com um louco que propunha orgias, drogas e deuses demoníacos. Não tive nem a mínima idéia disso até que entrei naquela sala e te vi. -Fechou os olhos, apertando seu punho.

-Tirou-me dali, Dillon. -Lhe recordou brandamente.

Fúria. Saboreou-a de novo, da mesma maneira que se concentrou nele aquela noite, uma violência da que não se acreditou capaz. Quis matar a todos. A cada pessoa daquela sala. Golpear o amante de Vivian até converter em uma massa sangrenta, para liberar de algum jeito parte dessa raiva que lhe consumia. Desforrou-se com Vivian, totalmente fora de controle pela ira, insultando-a com tudo que lhe ocorria, permitindo ver a aversão que causava, ordenando que saísse de sua casa. Tinha jurado que jamais voltaria a ver as crianças, que nunca permitiria entrar de novo em suas vidas. Vivian tinha ficado ali em pé, nua, soluçando, aferrando-se a ele desesperadamente, com o rançoso aroma de outros homens pego a sua pele enquanto rogava que não a abandonasse.

Dillon inclinou a cabeça para encontrar o sereno olhar de Jessica. Ambos recordavam a cena claramente. Como poderiam não recordar cada detalhe? A pesada névoa levava dentro um estranho resplendor, um débil brilho de cor que flutuou terra, adentro.

Dillon percebia a inocência no rosto de Jessica. Olhando fixamente as enormes ondas brancas confessou:

-Quis matá-la. Não sentia piedade, Jessica. Quis lhe quebrar o pescoço. Desejava matar seus amigos. Até o último deles.

Soava completamente sincero. Estava dizendo a verdade. Jess ouviu o eco da raiva em sua voz, e as lembranças se arrastaram sobre ela, estremecendo-a. Ele tinha descoberto que havia um demônio escondido profundamente em seu interior e Jessica, certamente, tinha sido testemunha disso.

-Você não os matou, Dillon. -Disse com completa convicção.

-Como sabe Jess? Como pode estar tão certa de que não retornei a esse quarto depois de te levar acima? Como pode estar tão certa de que não fiz depois de te deixar na cama com o coração destroçado, depois de me inteirar de que ela tinha animado a esses asquerosos pervertidos a te pôr as mãos, a escrever símbolos malignos por seu corpo? Quando te vi assim, tão assustada... -seu punho se fechou com força. -Representava toda a bondade e a inocência da que eles careciam. E quiseram te destruir. Por que está tão certa de que não desci as escadas, disparei em ambos, encerrei-os nesse quarto, acendi o fogo, e saí da casa?  

-Porque te conheço. Porque os gêmeos, os membros da banda, minha mãe e eu também estávamos nessa casa.

-Todos são capazes de matar, Jess, e me acredite, eu desejei vê-los mortos. -Suspirou pesadamente. -Precisa saber a verdade. Retornei a casa aquela noite.

Fez-se o silêncio entre eles, alongando-se eternamente enquanto o vento assobiava e uivava aterradoramente do mar. Jessica permaneceu sem mover-se sobre os escarpados e olhou fixamente abaixo, às encrespadas e escuras ondas. Tão belas e tão letais. Recordou vivamente o que sentiu sob toda aquela massa de água quando resgatou Tara, que tinha cansado de dar voltas pelo íngreme aterro. Sentia exatamente o mesmo agora, como se a estivessem inundando na água gelada e arrastando-a ao mesmo fundo do mar. Jessica olhou à lua. As nuvens, carregadas de umidade, deslizavam-se através do céu riscando sombras cinza sobre o universo prateado. A névoa formava farrapos, compridos e magros braços que se esticavam tão avidamente como o bater das ondas que se chocavam contra a rochosa borda.

-Nós todos sabemos que retornou. A casa estava em chamas e correu para dentro. -Sua voz era muito baixa. De repente foi consciente de algo, uma espécie de certeza que crescia em seu interior.

Dillon tomou seu queixo e a levantou, olhando-a aos olhos, obrigando que enfrentasse seu olhar, que descobrisse a verdade.

-Depois de deixar seu quarto, saí fora. Todos me viram. Todos se deram conta de que estava furioso com Vivian. Estava chorando, Jess, depois de te ver daquela forma, sabendo o que tinha sofrido. Não podia me tranqüilizar, não podia ocultar as lágrimas. A banda pensou que tinha surpreendido Viv com seu amante. Saí dali o mais depressa que pude, me ocultando no bosque, dando duas voltas ao redor da casa. Mas depois fui procurar sua mãe. Pensei que deveria saber o que Vivian, seus amigos e aquele louco lhe tinham feito.

-Ela jamais me disse uma palavra sobre isso.

-Contei-lhe o que aconteceu. Tudo. Como te encontrei. O que estavam fazendo. Voltei-me louco essa noite -admitiu -Rita era a única pessoa a quem podia dizer e sabia que você não falaria do ocorrido, rogou-me que não o fizesse, não podia suportar que ela soubesse. -Nervoso pelas lembranças que angustiavam, introduziu uma mão de novo através de seu cabelo. -Rita assumiu a culpa. Sabia que Vivian estava fazendo, sabia há muito tempo. Gritei com ela quando admitiu, estava tão zangado... Tão fora de controle... O único que queria era me vingar pelo que lhe tinham feito. Olhando para trás, dou-me conta de que tudo foi por minha culpa. Culpei a todos os outros pelo que te aconteceu, odiei-os e quis matá-los, mas fui eu quem permitiu que acontecesse.

Dillon estudou o rosto de Jess quando olhou fixamente com os olhos muito abertos. Estendeu a mão e roçou seu rosto com a mão enluvada. Jessica ainda sentia seu contato muito tempo depois de que ele deixasse cair sua mão.

-Retornei a casa, zangado e decidido a te vingar. Rita me viu. Sua mãe acreditava que assassinei Vivian e seu amante. Pensou que o fogo foi um acidente, causado pela queda das velas enquanto lutávamos. Sabia que eu tinha entrado na casa de novo e pensava que fui eu quem lhes disparou, mas jamais contou a ninguém.

O olhar verde de Jessica pousou em seu rosto.

-Tenho certeza que ela não acreditava nisso. -Negou obstinadamente com a cabeça.           -Mamãe nunca pensaria uma coisa assim de você.

-Rita falou comigo e pôde comprovar meu estado mental naquela noite. Estava tão furioso... Nem sequer me reconhecia. Não tinha nem idéia de que seria capaz de tanta violência. Consumia-me. Simplesmente, era incapaz de pensar.

Jessica sacudiu a cabeça.

-Não quero escutar isto. Não vou acreditar. -Afastou-se dele, do ruidoso mar e da dor que seu coração sentia, afastou-se da espessa e inquietante névoa, e pôs-se a andar para a segurança da casa.

Dillon a puxou pelo braço, sujeitando-a forte, devorando com seus olhos azuis cada centímetro do rosto dela.

-Tem que saber a verdade. Tem que saber por que me mantive afastado todos estes anos. Por que sua mãe veio ver-me.

-Não importa o que me diga Dillon, não vou acreditar. Sete pessoas morreram nesse incêndio. Sete. Minha mãe pôde permanecer calada para te proteger devido ao que Vivian me fez, mas nunca teria guardado silêncio se tivesse acreditado que matou a todas essas pessoas.

-Mas, se o fogo tivesse sido um acidente, não teria havido nenhum assassinato, além disso, sete pessoas que morreram estavam fazendo uma orgia em minha casa, usando à filha de Rita como sacrifício virginal para que seus sacerdotes desfrutassem. -Disse muito seriamente, seu rosto convertido em uma máscara de raiva. -Acredite querida, compreendeu meu ódio e minha raiva porque ela os sentiu também.

Jessica olhou fixamente durante um bom momento.

-Dillon. -Aproximou-se dele para deslizar a mão ao longo de sua sombreada mandíbula, obscurecida pela barba. -Jamais me convencerá de que disparou em Vivian. Nunca. Conheço sua alma. Sempre. Não pode me ocultar o que é. Está em cada canção que escreve. -Entrelaçou os braços ao redor de seu pescoço enquanto seus dedos enredavam com o cabelo sedoso de sua nuca. -A princípio percebi que tinha mudado, e tive medo de saber no que tinha se convertido... Mas não pode se esconder de mim quando compõe música.

Dillon a rodeou com seus braços. Estava assombrado, parecia-lhe um milagre que acreditasse nele dessa maneira. Abraçou-a fortemente, enterrando o rosto em seu suave cabelo, roubando aqueles momentos de prazer e consolo que não lhe pertenciam.

-Minha mãe nunca me disse uma palavra sobre o que me passou essa noite, Dillon. Por que não falou comigo durante todos esses anos? Tive pesadelos. Necessitava alguém para falar sobre eles. -Necessitava dele.

-Disse-me que esperava que você o contasse, mas que nunca o fez.

Jessica suspirou brandamente enquanto se separava dele.

-Eu nunca teria sido capaz de dizer o que ocorreu. Sentia-me culpada. Ainda reviso cada movimento que fiz me perguntando o que outra coisa deveria ter feito para conseguir que a situação tivesse sido diferente. -Esfregou-lhe os braços de cima abaixo. Sentia os vultos de suas cicatrizes sob sua palma, a evidência de seu heroísmo. Uma medalha ao amor e à honra que ocultava ao mundo. -Como pôde mamãe pensar que foi culpado?

-Enquanto lhe narrava o que tinha ocorrido, detinha-me constantemente para ameaçá-los, jurando como um louco. Ela chorava; sentou-se no chão da cozinha ocultando o rosto com suas mãos, soluçando. Retornei acima. Não sabia o que ia fazer. Acredito que pensava jogar Vivian e seus amigos pessoalmente, um por um, ao oceano. Sua mãe me viu subir as escadas. Mas me detive no patamar, escutando como Vivian chorava e como gritava aos outros que se fossem, e soube que não queria voltar a vê-la nunca mais. Não pude fazê-lo. Retornei abaixo e saí através do pátio. Não queria me enfrentar com sua mãe, nem à banda. Precisava estar sozinho. Entrei no bosque, sentei-me e chorei.

Ela pôde respirar de novo. Realmente respirou de novo. Ele não ia fazer algo estúpido, como tentar convencê-la de que tinha disparado em Vivian.

-Sempre soube que era inocente Dillon. E ainda não acredito que minha mãe pensasse que você matou-os.

-OH, acreditou, Jessica. Não disse nada durante o julgamento, mas me deixou muito claro que não devia me aproximar nem de você nem das crianças. Eu lhe devia tanto... Por isso aconteceu, teria lhe dado minha vida se a tivesse pedido.

Jessica se sentia como se tivessem lhe dado uma paulada.

-Tudo o que dizia sobre você eram coisas boas, Dillon.

-Ela sabia que te desejava Jess. Não teria sido capaz de estar perto de você e não te fazer minha. -Admitiu sem olhá-la.

Seu tom era tão despreocupado, como se houvesse dito a coisa mais normal do mundo, que não tinha certeza de haver entendido bem. Ele olhava por volta do mar, para o espesso manto de névoa, não para ela.

-E eu teria permitido. -Confessou no mesmo tom despreocupado, enquanto, seguia seu exemplo, olhava como chocavam as ondas contra a borda.

Dillon engoliu com força; um músculo palpitava em sua mandíbula devido à sincera resposta dela. Esperou um momento. Dois. Esforçava-se por manter o controle de suas emoções.

-Alguém estava tentando me chantagear. Enviou-me uma carta ameaçadora, me dizendo que sabiam que tinha retornado a casa essa noite e que se não dessem dez mil dólares ao mês, iriam à polícia. Supunha-se que transferiria o dinheiro a uma conta na Suíça um determinado dia cada mês. Usaram palavras recortadas de um jornal e coladas sobre um papel. Por isso eu sei, Rita foi à única pessoa que me viu voltar a entrar na casa antes dos disparos. Por isso lhe pedi que viesse, para poder discuti-lo com ela.

-Acha que minha mãe estava te chantageando? -Perguntou Jessica assustada.

-Não, claro não, mas pensei que poderia ter visto alguém mais essa noite, alguém que tivesse me visto entrar novamente.

-Refere-se aos guardas? A alguém do pessoal? Um dos vigilantes? Havia tantas pessoas aqui naquela época... Acha que foi algum deles?

-Tinha que ser alguém familiarizado com o interior da casa, Jessie. -passou uma mão pelo cabelo, introduzindo profundamente os dedos enluvados, deixando as mechas alvoroçadas.

Jessica olhou para a casa.

-Então teve que ser um deles. Um membro da banda. Viviam aqui e conheciam de sobra tanto o interior como o exterior da casa. Todos sobreviveram ao incêndio. Robert? Brenda e ele necessitam o dinheiro e seria um plano que ela seria capaz de levar até o fim. Não me cabe dúvida de que chantagear a alguém não a preocuparia nem o mínimo.

Dillon teve que rir.

-Isso é certo, Brenda pensaria que estava totalmente em seu direito. -Seu sorriso se apagou, deixando que a desolação se mostrasse nos olhos azuis. -Mas todos eles necessitam dinheiro, até o último.

-Então é possível que um dos membros da banda assassinasse minha mãe. Devia ter visto alguém, talvez ela tenha perguntado sobre isso.

Dillon sacudiu sua cabeça.

-Isso é simplesmente impossível. Pensei uma e outra vez sobre isso, até que pensei que ficaria louco. Conheço a todos, menos Dom, de toda vida. Estivemos juntos quando éramos crianças, na escola, durante os dias difíceis. Fomos uma família, mais que uma família.

Jess levou a mão à garganta, um gesto curiosamente vulnerável.

-Não posso acreditar que alguém a quem conhecemos assassinasse a mamãe.

-Talvez realmente fosse um acidente, Jessie. -Disse brandamente.

Ela permanecia em pé, com aquela expressão de absoluta fragilidade desenhada no rosto, rasgando todas as fibras do coração de Dillon. Incapaz de deter-se estendeu a mão para aproximá-la e inclinou sua escura cabeça sobre a dela. Deteve-se junto a sua boca num breve momento antes de beijá-la. Saboreando. Persuadindo. Tentando. Beijar Jessica parecia tão natural como respirar. Do momento em que a tocou, soube que estava perdido.

Dillon a estreitou entre seus braços e encaixava perfeitamente, o corpo de Jess se moldava perfeitamente ao dele. Suave. Flexível. Estava feita a sua medida. Deslizou a língua brandamente entre seus lábios, como pedindo permissão para entrar. Seus dentes puxaram o lábio inferior de Jess em uma provocadora dentada, incitando-a a abrir a boca. Quando ela acessou, apoderou-se de sua boca, exigente, percorrendo seu interior, explorando sua cálida magia. Era puro fogo, a converteu em um doce e faminto vulcão, quando deveria estar lhe rechaçando.

A boca de Jessica era como uma droga e bebeu dela enquanto o vento lhes enredava o cabelo e parecia querer lhes arrancar a roupa. A brisa marinha refrescava a quente pele de seus corpos à medida que subia a temperatura interior. Sentia-se a ponto de explodir, tenso e dolorido. A fome por ela percorria seu corpo, um escuro desejo que ele não se atreveu a satisfazer. Abruptamente, elevou sua cabeça, deixando escapar uma suave maldição.

-Não tem nenhum pingo de instinto de sobrevivência. -Grunhiu. Ardia em seus olhos azuis uma emoção que ela não se atrevia a nomear.

Jessica olhava fixamente seu amado rosto.

-E você tem muito. -Disse, curvando sua boca em um suave sorriso.

Dillon amaldiçoou de novo. Parecia excitada, com os olhos nublados pela paixão e essa boca tão sensual e provocadora... Tão adorável. Sacudiu a cabeça, decidido a liberar-se de seu feitiço. Parecia tão formosa... Tão inocente. Não tinha nem idéia da quantidade de coisas deliciosamente perversas que duas pessoas podiam fazer juntas.

-Nada disso, Jess. Não continuarei fazendo isto com você. Se você tem em sua cabeça a louca idéia de salvar este pobre músico, já pode ir esquecendo. -Parecia zangado, furioso até.

Jessica elevou o queixo.

-Pareço o tipo de mulher que sentiria compaixão por um homem que tem tudo? Não necessita compaixão, Dillon, nunca necessitará. Não fui eu quem se separou de sua vida, a não ser você. Escolheu essa opção. Não importa o que disse minha mãe sobre que se mantivesse afastado de nós, ainda assim, podia ter retornado. -Não pôde evitar que sua voz soasse ferida.

A expressão dele se endureceu visivelmente.

-Foram minhas escolhas as que nos trouxeram até aqui, Jess. Meus desejos. Minhas necessidades. Não permitirei que ocorra de novo. Esqueceu o que lhe fizeram? Porque se esqueceu, eu posso te recordar cada maldito detalhe. Lembro tudo. Ficou gravado em minha memória, destroçando minha alma. Quando fecho os olhos de noite, vejo-te ali tombada, assustada e necessitada. Maldita seja. Não podemos fazer isto!

De repente, deu-lhe as costas, separou-se do turbulento mar e se encaminhou para a casa.

Jessica não podia deixar de olhar, com o coração pulsando ao ritmo das ondas, com as lembranças tão perto da superfície, tão reais, que por um momento a loucura ameaçou consumi-la. A névoa se deslizou entre eles, espessa e perigosa, impedindo que visse Dillon claramente. Ela cambaleou, escutando o cântico que trazia a brisa do oceano. A seu lado, o pastor alemão soltou um grunhido baixo e ameaçador enquanto olhava fixamente o movimento da neblina.

-Jess! -O tom impaciente de Dillon interrompeu aquela estranha ilusão, dispersando-a imediatamente. -Se apresse, não vou te deixar sozinha aqui fora.

Jessica esboçou um sorriso. Podia parecer rude, mas ela detectava em sua voz a ternura que não conseguia ocultar. Correu a seu lado sem dizer uma palavra, com o cão junto a ela. Havia tempo. Ainda não tinha chegado o Natal... E os milagres sempre ocorriam no Natal.

 

-Venha, Jessie... -enrolou-a Trevor, enquanto metia a terceira panqueca na boca. -Estamos aqui uma semana sem que aconteça nada. Não ocorreu nada estranho e ainda não tivemos nenhuma oportunidade para explorar a ilha.

Jessica sacudiu a cabeça com força.

-Se querem ver a ilha, irei com vocês. É perigoso.

-O que é o perigoso? -disse Trevor enquanto agarrava um copo grande de suco de laranja. -Se eu e Tara realmente corremos algum perigo, é o de ser absorvidos por um desses jogos de vídeo, porque não fazemos outra coisa. Ora vamos você passa o tempo todo dentro do estúdio com os outros e nós sempre estamos sozinhos. Não podemos passar a vida vendo filmes e jogando vídeo. Estamos nos convertendo em zumbis, além de dormir durante o dia e permanecer acordados durante a noite.

-Não. -Jessica não se atreveu a olhar aos membros da banda. Sabia que pensariam que era muito protetora com os gêmeos.

Brenda riu dissimuladamente.

-Não é meu assunto, mas se quer saber minha opinião, eles são suficientemente grandes para poder saírem sozinhos.

-Tenho que concordar com ela... -sugeriu Brian -... E isso me resulta aterrador. Trevor é um menino responsável, não vai fazer nenhuma tolice.

Tara lançou um olhar zangado a Brian.

-Eu também sou muito responsável. Temos que procurar uma árvore de Natal. Trevor quer encontrar uma e cortá-la.

Jessica empalideceu visivelmente.

-Trevor! Para cortar uma árvore é necessário um machado. Esqueça isso de cortar árvores. -A assustava de verdade só pensar naquilo.

-Já não são bebes. -Brenda parecia totalmente aborrecida com a conversa. -Por que não podem sair prá fora e brincar? Acho que o ar fresco é bom para as crianças, não é?

Jessica jogou um duro olhar à tia dos gêmeos enquanto ela dava pequenos sorvos a seu café.

-Pare de chamá-los de “crianças”, Brenda. -Disse irritada. -Eles têm nomes e quer você goste ou não, está aparentada com eles.

Brenda baixou sua xícara de café e olhou atentamente Jessica.

-Nos faça um favor, céu, se deite com ele de uma vez. Faça e o tire da cabeça, e então será possível que todos outros possam viver em paz. Dillon se comporta como um urso com dor de dente, você está tão agressiva que me esgota.

Trevor cuspiu o suco de laranja por cima do copo, meio afogado, e Tara tinha a boca completamente aberta, e tinha girado para olhar acusadoramente Jessica.

-Vai querida... -suspirou Brenda dramaticamente. -Outra vez estraguei tudo. Acho que não deveria falar de sexo diante deles. A gente tem que aprender a não dizer certas coisas quando há cri... -fez uma pausa, pôs os olhos em branco e continuou. -Meninos e meninas por perto.

-Não se preocupe Brenda -disse Trevor amavelmente -As crianças como nós aprendemos tudo sobre sexo muito antes da idade hoje em dia. O que em realidade nos preocupou foi o que você mencionou sobre que Jessica e papai irem para cam... -jogou uma olhada a sua irmã.

-É uma covarde, Jess. -Prosseguiu Tara sem sequer alterar-se.

Brian limpou o suco com um pano de chão enquanto piscava um olho para Jessica.

-O covarde seria que se metesse na cama com Dillon... Toda essa maravilhosa criatividade e sua inspiradora angústia se evaporariam em questão de uma só noite.

-Todos calem a boca! -grunhiu Jessica, colocando as mãos nos quadris. -Esta conversa não é apropriada e nunca será. E nós não estamos fazendo nada, nem de covarde e nem de nenhum outro tipo, além disso, passando por cima do fato de que não é seu assunto.

Tara se agarrou ao bolso das calças jeans de Jessica.

-Está se ruborizando, Jessie... Essa é a razão de passar a manhã zangada?

-Eu não passo a manhã zangada. -Disse Jessica, indignada com a sugestão. -Estive desperdiçando meu conhecimento com um louco perfeccionista e seu grupo de aspirantes a engraçadinhos. Se estive tensa e um pouco irritável, a razão foi essa.

-Um pouco tensa? -disse Brenda desdenhosamente. -Isso nem sequer se aproxima de descrever sua atitude, querida. Robert esfregue um pouco as minhas costas. Ter que vigiar cada palavra que digo faz caroços em meus músculos.

Robert massageou os ombros de sua esposa obediente enquanto Brian se colocava na frente de Jessica, olhando-a com olhos atentos.

-Você sabe tudo, está definitivamente intacta e parece deliciosa, Jess, não precisa preocupar-se por isso.

-Muitíssimo obrigado, pervertido - respondeu Jessica, fazendo verdadeiros esforços para não rir.

Dillon se deteve na porta observando-a com olhos famintos. Tentando acalmar sua necessidade dela apenas olhando-a. O som de sua risada e sua natural calidez atraía como um ímã.

Passou a última semana tentando evitar tocar sua pele suave, tentando não posar os olhos nela, mas não podia evitar perceber seu aroma ou escutar sua voz. Não podia evitar que seu sangue corresse mais depressa e mais quente por suas veias, nem as pequenas palpitações que atormentavam sua cabeça quando ambos se encontravam na mesma habitação. Não poderia controlar muito mais tempo as urgentes demanda de seu corpo. Esse desejo implacável. Ela aparecia em todos seus sonhos e quando estava acordado. Jess tinha se convertido em uma obsessão que não encontrava forma de combater.

Pensativamente, Dillon apoiou o quadril contra a porta. A intensidade de seu desejo lhe surpreendia. Sempre havia sentido que Jessica era uma parte dele, inclusive nos velhos tempos, quando só procurava sua amizade. Parecia que se liam o pensamento. Sua voz harmonizava perfeitamente com a dele. Seu rápido talento e habilidade sempre conseguiam lhe tirar de seus sombrios pensamentos e desafiava a apaixonadas batalhas verbais sobre cada aspecto da música. Jessica tinha muitos conhecimentos sobre a história da música e mantinha firmes convicções sobre compositores e músicos. As conversas inspiravam, animavam-lhe.

Mas era muito mais que isso. Sentia-se vivo de novo depois de uma interminável estadia na prisão de sua agonia. Não era de tudo agradável, mas ao trazê-lo de novo à vida, Jessica tinha conseguido que voltasse a pôr a alma em sua música. Jurou a si mesmo, do momento em que pôs seus olhos nela, que não cederia à tentação, mas tinha a sensação que havia saltado de uma vida fria e sem sentido diretamente aos fogos do inferno.

Não podia evitar querer a seus filhos nem estar orgulhoso deles. Não podia evitar dar-se conta de como Jessica os queria nem de como, a sua vez, queriam-na eles. E não podia evitar desejar desesperadamente formar parte de todo esse amor. Dillon não tinha nem idéia sobre quanto mais poderia controlar-se, quanto mais tempo poderia resistir à atração que tinha em ser parte de uma família. Nem sequer tinha certeza de querer resistir. Tinha direito em pedir que lhe deixassem entrar em suas vidas de novo? Já tinha falhado uma vez, mudado o curso das vidas de muitas pessoas. A morte e a destruição pareciam seguir a todas as partes. Atreveria a aproximar-se outra vez, sabendo que poderia fazer mal a quem tanto amava? Passou os dedos através do espesso cabelo e Jessica virou imediatamente, cruzando seu sedutor olhar com o dele.

Jessica sentia que o coração ia sair de seu peito. Um leve rubor tingiu seu rosto quando perguntou se ele teria escutado por acaso a conversa anterior. Podia imaginar o que estaria pensando. Só de olhar a deixava sem fôlego. Dillon sempre tinha sido todo um modelo de beleza masculina. Agora, embora parecesse mais descuidado, era uma sensual tentação a que não conseguia resistir. Uma simples olhada ao fogo azul de seus olhos fez com que seu corpo começasse a derreter-se. Ele a olhava fixamente, seus olhos azuis a abrasavam, intensos, famintos, derrubando todas suas defesas.

Jessica elevou seu queixo, desafiante. Não tinha nenhuma razão para resistir à forte atração que existia entre eles. Queria que ele fosse dela, em corpo e alma. Não encontrava nenhuma razão para negá-lo. Como se soubesse o que estava pensando, Dillon se dedicou a percorrer o corpo com o olhar, e foi quase como se o fizesse com suas próprias mãos, deixando-a dolorida e excitada, muito consciente de sua presença.

-Papai? -A voz de Tara deteve imediatamente toda conversa. Era a primeira vez que se dirigia a Dillon chamando de pai. -Trevor e eu queremos sair para procurar uma árvore de Natal. -Jogou uma olhada à Jessica. -Não vamos destruir só procurar uma.

Dillon sorriu inesperadamente, e aquele sorriso fez parecer um menino travesso e encantador, igual à Trevor.

-Mamãe Tigre esteve mostrando suas presas?

-Melhor, suas garras. -Murmurou Brenda sobre sua xícara de café.

-Faz um tempo muito bom, assim estaremos perfeitamente a salvo. -Assegurou Trevor com um indício de esperança em seus olhos. -Alguém tem que começar a preparar as coisas de Natal. Faltam menos de duas semanas. Você está ocupado e não temos tempo a perder, assim Tara e nós podemos encarregar de preparar tudo para as festas enquanto trabalham.

Dillon não olhou Jessica. Não podia olhá-la. No rosto do menino, ansioso e confiado, lia-se a esperança. Quando Tara o chamou “papai” havia machucado as fibras sensíveis de seu coração como nenhuma outra coisa. Dirigiu o olhar à cara de sua filha. Tinha uma expressão idêntica a de seu irmão. A confiança era uma coisa delicada. Era a primeira vez que se encontrava quase acreditando nos milagres, acreditando que existiam as segundas oportunidades, inclusive quando alguém não as merecia.

-Acha que poderá encontrar a árvore perfeita? Sabe como escolher?

Jessica fechou os olhos por um momento, cravando com força os dentes no lábio para não começar a protestar. O tom de Dillon era despreocupado, mas nada descuidado havia no profundo azul de seus olhos ou no movimento de sua boca. Sua mão enluvada esfregou sua coxa, embainhada em uma calça de brim marrom, dando um sinal de seu nervosismo, coisa estranha nele. Aquele gesto a desarmou partiu-lhe o coração. Quis abraçá-lo forte, mantê-lo perto dela e protegê-lo.

Tara assentiu repetidamente. Sorria de orelha a orelha a Trevor.

-Tenho uma longa lista dos requisitos que se deve cumprir. Sei exatamente o que queremos.

Dom tinha permanecido terrivelmente calado em uma cadeira, olhando pela janela, mas diante daquela resposta se voltou rapidamente, com o cenho franzido.

-Não deveria destruir uma árvore só por um capricho tão tolo. Se por acaso não saiba, quando corta uma árvore a está matando. -O cenho se fez ainda mais feroz quando Dillon se voltou para olhá-lo. -Apenas é minha opinião, mas não conta muito por aqui, não é mesmo?

-Estou muito a par de suas preocupações ecológicas, Dom. - Disse Dillon brandamente.       -Compartilho seu ponto de vista, mas não se faz mal transplantando uma árvore ou tomando uma que cresceu muito perto da outra e não tem nenhuma oportunidade de sobrevivência.

-Supõe-se que estamos aqui para trabalhar, Dillon, não para celebrar uma estúpida festa comercial para que uns pequenos privilegiados recebam um montão de presentes de seu papai rico. -Havia um inesperado veneno na voz de Dom.

Tara se aproximou de Jessica procurando apoio. Imediatamente, Jessica abraçou à menina, acariciando seu escuro cabelo encaracolado com dedos tranqüilizadores. A seu lado, Trevor fez gesto de ir para Dom, mas Jessica lhe agarrou o pulso, rogando em silêncio que permanecesse calado. Colocou um braço sobre cada um deles, mantendo-os perto dela. Produziu-se um silêncio inquietante.

Dillon se moveu então, separando-se do marco da porta onde tinha estado apoiado. Atravessou a habitação até deter-se justo diante de seus filhos. Com muita suavidade, tomou o queixo de Tara na palma de sua mão e elevou o rosto para encontrar-se com seus olhos azuis.

-Estou desejando que chegue o Natal este ano, Tara. Passei muito tempo sem risadas e diversão. Obrigado por me ensinar de novo como se celebra. -Inclinou a cabeça e a beijou na testa. -Peço-te desculpas pela rudeza de meu amigo. Obviamente, devido a sua avançada idade, esqueceu quão divertida podem ser as festas. -Pôs a mão no ombro de seu filho. -Eu adoraria que você e sua irmã saíssem esta tarde, antes que anoiteça, e encontrassem a melhor árvore possível. Se não estivéssemos no meio de uma canção, os acompanharia eu mesmo. Encontrem e iremos juntos até ela amanhã pela tarde. -Apertou os dedos um momento, enquanto seu coração dava saltos de alegria. Seu filho. Sua filha. A terrível escuridão que o tinha consumido durante tanto tempo estava retrocedendo lentamente. Seu corpo se estremeceu pela intensidade de suas emoções. Nunca se atreveu a sonhar que esses dois rostos tão amados olhariam algum dia com tanta fé e confiança. -Confio em que cuidará de sua irmã, Trevor.

Trevor se endireitou com orgulho. Olhou Jessica enquanto sentia como um estremecimento atravessava todo seu corpo, e apertou as mãos com força, até que seus dedos se cravaram no braço de Jess. Sorriu-lhe, dando ânimos. Entendia-os perfeitamente. Não podia permitir que seu temor os privasse de toda aquela diversão. Sobre tudo quando nem sequer tinha certeza de que seus medos tivessem uma base real. Quando se voltou para olhar Dillon, tinha esses sentimentos claramente refletidos no rosto.

Dillon ficou sem respiração. Havia amor em estado puro no rosto de Jessica, em seus olhos. Olhava-o como ninguém o tinha feito. Com completa confiança, com amor incondicional. Jessica nunca ocultava suas emoções. Amava seus filhos com toda sua alma, e os protegeria sempre que pudesse. E estava começando a amá-lo da mesma maneira.

-Tara e você deveriam ir agora, antes que anoiteça. Eu devo me encarregar de alguns assuntos de trabalho.

Trevor assentiu compreensivamente, sorrindo triunfalmente a Dom. Tirou Tara da habitação, insistindo que se apressasse em vestir sua jaqueta para que não desperdiçassem o tempo de luz que ficava.

Dillon agachou e tomou a mão de Jessica, levando-lhe à boca. Seu olhar azul abrasou o verde dela, atraindo-a. Mantendo-a cativa com seu sensual feitiço, diante de todos os membros da banda, depositou lentamente um beijo na metade da palma, marcando-a descaradamente. Reclamando-a como sua.

Jessica podia sentir as cálidas lágrimas que se acumulavam em seus olhos, e o nó em sua garganta. Dillon. Seu Dillon. Estava retornando à vida. O milagre de Natal. O conto que sempre contava sua mãe antes de dormir. Havia um poder especial no Natal, uma invisível força positiva e brilhante que fluía livremente convidando a utilizá-la. As pessoas só tinham que acreditar que existia essa força e seria capaz de consegui-la. Jessica se aferrou a ela com ambas as mãos, com o coração e com a alma. Dillon a necessitava, seus filhos o necessitava. Só tinha que abrir seu coração de novo e acreditar como ela.

Dillon puxou de sua mão, aproximando-a dele de maneira que suas suaves curvas encaixassem contra a dura fortaleza de seu corpo. Então girou a cabeça para dirigir-se a Dom, fixando no homem um olhar gelado de fúria.

-Nunca volte a se dirigir aos meus filhos dessa maneira. Jamais, Dom. Se tiver alguma queixa sobre mim, é livre para me dizer o que queira, mas nunca a cobre dos meus filhos.           -Havia em sua voz uma promessa de represália rápida e brutal, caso não cumprisse suas ordens.

Jessica olhou seu rosto e se estremeceu. Dillon era uma pessoa muito diferente agora, não importa como parecido se mantivesse com o que tinha conhecido uma vez.

-Quer que eu saia, não é isso, Wentworth? Nunca me quis no grupo. Sempre quis a “seu precioso Paul” com você. Sempre foi fiel, sem importar o que fizesse -grunhiu Dom. -Trabalhei muito duro, mas nunca consegui seu reconhecimento. Sempre se punha contra mim quando tínhamos o grupo. Paul... -Fez um gesto apontando ao homem que estava sentado em uma cadeira. -... Faça o que faça você sempre lhe perdoa.

-Não se faça de mártir, Dom. - Brenda bocejou e sacudiu a mão preguiçosamente, despedindo-se. -Vocês músicos são todos tão dramáticos... Sempre tentando ter compaixão... Pelo menos Paul não usou seu amante para que o introduzi-se na banda.

Dillon moveu sua cabeça bruscamente, com um resplendor nos olhos.

-De que demônio está falando, Brenda?

Jessica olhou atentamente a seu redor. Todos permaneciam imóveis e pareciam nervosos e culpados, inclusive Paul. Dom ruborizou intensamente. Não pôde manter o olhar de Dillon.

Brenda fez uma careta de dor.

-Ai... Como ia saber que o tinham mantido em segredo? -O implacável olhar azul de Dillon continuava cravado nela. -Está bem, foi minha culpa... Sempre estou me colocando nestas confusões... Achei que sabia; certamente, todos os outros estão inteirados.

Os dedos de Dillon se apertaram ao redor da mão de Jessica. Ela podia sentir a tensão que atravessava seu corpo. Tremia ligeiramente. Jess aproximou mais a ele, oferecendo um silencioso apoio.

-Fale de uma vez, Brenda.

Pela primeira vez, Jessica viu Brenda hesitar. Por um momento pareceu insegura e vulnerável. Então sua expressão mudou e se encolheu de ombros descuidadamente, soltando uma risada que soou forçada.

-OH, pelo amor de Deus! Qual é o problema? Foi há um milhão de anos. E não acredito que pensasse que Vivian foi fiel...

Jessica pôde sentir o batimento do coração de Dillon. Aquilo tinha sido como um murro no estômago, e durante um momento teve que lutar para voltar a respirar, para evitar ficar doente. Percebia sua luta interior como se ela mesma experimentasse. Dillon não modificou a expressão de seu rosto, nem sequer piscou. Poderia muito bem ter sido uma estátua, mas Jessica sentia o tumulto de cólera de seu interior.

-Viv tinha um caso com Dom, isso é tudo. -Brenda se encolheu de ombros de novo. -Ela o introduziu na banda. Você necessitava um baixista, assim que tudo saiu bem.

-Viv e eu não tínhamos problemas quando Dom se uniu à banda. -Disse Dillon. Sua voz não manifestava emoção alguma e não olhava Dom.

Brenda inspecionou suas longas unhas.

-Conhecia Viv, tinha problemas, sempre tinha que estar com alguém. Você estava trabalhando com as canções para a banda e tentando ajudar Paul. Se não passava com ela cada minuto do dia, sentia-se abandonada.

Dillon esperou um momento. Dois. Três. Era consciente de Jessica, de sua mão, de seu corpo, mas havia um rugido estranho em sua cabeça. Seu olhar se moveu para cravar-se em Dom.

-Deitava-se com minha esposa e tocava em minha banda, me permitindo acreditar que foi meu amigo não é assim? -Recordou que havia custado conseguir que Dom se sentisse parte da equipe.

A boca de Dom se apertou visivelmente.

-Você sabia, todos sabiam. Não era nenhum segredo que Viv gostava de deitar-se com homens ocasionalmente. Você conseguiu o que queria. Alguém que tocasse o baixo, alguém que agüentasse as birras de sua esposa quando não tinha nem tempo nem vontade das agüentar você mesmo. Nem sequer mencionarei o dinheiro que te economizou devido a que sempre me pedia que lhe comprasse as coisas. Diria que já falamos muito.

Dillon permanecia calado, só o músculo que palpitava em sua mandíbula, traía sua agitação interior.

-Era uma sanguessuga. -Continuou Dom, olhando ao seu redor para procurar ajuda.

-Estava doente. -Corrigiu Dillon brandamente.

-Não sabia o significado da palavra fidelidade, era tão gelada como o gelo. -Insistiu Dom.     - Maldita seja, Dillon, acreditei que sabia de nós. -Dillon continuou olhando, e Dom baixou o olhar de novo. -Pensei que por isso não me queria na banda.

-Sua própria sensação de culpa fazia pensar dessa maneira. -A voz de Dillon era muito suave, embora no mais profundo de seu ser pedisse a gritos a ajuda de Jessica. Para que impedisse de dizer ou fazer alguma loucura. Para que o salvasse. Havia se sentido tão esperançoso... Uma paz que se estendia por seu corpo, fazendo acreditar que poderia recuperar sua vida. E em menos de um segundo tinha desaparecido. Sentia-se gelado por dentro. Vazio de emoções. Tinha o coração e a alma destroçados. Tudo o que tinha construído ou do que tinha cuidado alguma vez tinha sido destruído. Acreditava que já tinha passado por tudo isso, mas havia mais, agora abriam as velhas feridas para torná-las mais profundas. Tinha sido esmagado e esmiuçado pedaço a pedaço até que não tinha ficado nada do homem que foi algum dia.

-Maldita seja, Dillon, tinha que sabê-lo. -Dom estava quase suplicando.

Dillon sacudiu a cabeça lentamente.

-Não quero falar mais sobre isso agora. Não, não sabia... Não tinha nem idéia. Sempre acreditei que fosse meu amigo. Fiz o que pude para te ajudar. Confiei em você. Acreditei que éramos amigos de verdade

Jessica elevou a mão e lhe acariciou o rosto. Brandamente. Uma carícia cheia de amor.

-Tire-me daqui, Dillon. Agora mesmo. Não quero estar aqui nem mais um segundo.         -Mais que outra coisa, queria tirá-lo dali, afastá-lo daquele ambiente de enganos e traições. Ele acabava de começar a ver o sol depois de um longo inverno, solitário e frio. E agora podia sentir como umas mãos invisíveis o afastavam dela, o levando de retorno às mais profundas sombras. Jess deu a sua voz um tom suave, persuasivo. Acariciou-lhe a mandíbula, passando a ponta do polegar por seus lábios, e foi aquele toque, o que fez que Dillon centrasse sua atenção nela. Seu intenso olhar azul se encontrou ao verde dela, e Jess pôde observar as perigosas emoções que formavam redemoinhos nas profundidades de seus olhos.

Jessica o puxou, obrigou-o que se afastasse dos outros e saísse da cozinha. Guiou-lhe através da casa até a área que reservava para ele. Não pôs nenhum impedimento, mas ela ainda podia perceber a violência que havia em seu interior, bulindo a escassos centímetros da superfície.

-Aprendi muitas coisas sobre mim mesmo, quando me encontrava em meio às chamas.     -Disse Dillon enquanto empurrava a porta de seu estúdio e girava a um lado para permitir que ela entrasse em primeiro. -Havia tanta dor, Jess, uma dor incrível. Acreditei que não podia aumentar, mas sempre há mais. Cada minuto, cada segundo se convertendo em uma prova de resistência. Não tem mais remédio para suportá-lo, porque nunca desaparece. Não existe maneira de passar por cima, apenas tentar suportá-lo.

O quarto estava escurecido pelas sombras do ocaso, mas ele não acendeu a luz. No exterior, o vento movia os ramos das árvores de maneira que estas golpeavam brandamente contra os flancos da casa, dando lugar a uma inquietante melodia. Dentro do quarto, ambos permaneciam em silêncio enquanto se olhavam um ao outro. Jessica podia sentir o tumulto de emoções, selvagem e caótico, que ainda espreitavam na superfície. Comprovou sua força de vontade e soube por que tinha sobrevivido a uma lesão tão terrível. Dillon era um homem de profundas paixões. Parecia que havia descrito apenas uma dor física, mas sabia que estava falando sobre outros tipos de dor que também tinha suportado. As cicatrizes emocionais eram tão dolorosas e profundas quanto às físicas.

-Não me olhe dessa maneira, Jess, é muito perigoso. Advertiu-lhe brandamente, avançando para cortar a distância entre eles. -Não quero te fazer mal. Não pode me olhar com esses olhos formosos se mostrando tão condenadamente confiada. Não sou o homem que acredita que sou e nunca o serei. -Enquanto pronunciava essas palavras, suas mãos, por vontade própria, rodearam o rosto de Jessica.

Foi como se uma descarga elétrica atravessasse a ambos, um golpe de excitação que lhes fez ferver o sangue. O calor que emanava do corpo de Dillon penetrava no de Jess, esquentando-a, atraindo-a como um ímã. Ele inclinou a cabeça para ela e seu escuro e sedoso cabelo caiu para frente, envolvendo aquele rosto de rasgos perfeitos como se fosse uma nuvem. Jessica prendeu a respiração. Desejava intensamente que a beijasse na boca. Ele não a defraudou, colocou seus lábios em cima dos de Jess, como um suave e firme veludo. Aquele contato a desarmou. Abriu a boca quando Dillon mordiscou seus lábios, puxando-os para que permitisse entrar em sua doce cavidade e explorar os escuros segredos e as promessas de paixão que guardava em seu interior. Dillon fechou os olhos para degustar seu sabor, como mel quente. Os beijos de Jessica eram pura magia. Sabia que era uma loucura saciar seu desejo dela, mas não podia deter-se. Seguiu explorando-a lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo, transformando seu mundo de pesadelo cinza e descolorido em magníficos foguetes que estalavam ao seu redor, e também dentro dele. A necessidade de fazê-la sua nesse mesmo momento atravessou como um relâmpago, uma necessidade primitiva, uma fome voraz. De repente, sentia seu corpo grosseiramente vivo duro e grosso, palpitando com uma ávida luxúria que o estremecia até as profundidades de sua alma. Nunca se sentiu assim antes, mas agora esse sentimento atravessava um instinto básico e abrasador que incitava a tomá-la sem demoras.

Jessica notou a mudança de Dillon, de repente sua boca se voltou muito mais exigente, e o aroma da excitação que flutuava entre eles, quente e incitante, fez que uma espécie de súbita urgência se apoderasse de seus sentidos. Fundiu seu corpo com o dele, suave e flexível, lhe convidando. A resposta dele não se fez esperar, sua faminta boca devorava a de Jess, dominante e persuasiva, exigente. Ela se deixou levar por aquele mundo de sensações, abandonando qualquer tipo de realidade que não fosse Dillon e o que lhe estava fazendo.

A terra desapareceu sob seus pés enquanto as mãos de Dillon desciam por suas costas e aferravam suas nádegas, empurrando para apertar seu corpo ainda mais estreitamente contra o dele. Suas carícias eram lentas e lânguidas, ao contrário de sua boca, que parecia querer devorá-la. Sua língua assaltava, suas mãos persuadiam. A boca atacava, as mãos tranqüilizavam.

Dillon sentia seu corpo tão duro que lhe doía, as calças jeans oprimiam. Senti-la assim, tão suave e flexível, ia levá-lo a loucura. Havia um rugido estranho em sua cabeça; seu sangue corria espesso e quente, como a lava. Seu sabor era doce e quente... E parecia que nunca estava o suficientemente perto, queria que as roupas desaparecessem para poder apertar seu corpo contra o dela, pele sobre pele.

Deixou a boca de Jess para transladar-se ao longo de sua garganta, percorrendo-a com beijos e pequenas mordidas, riscando com sua língua o percurso de cada relevo e cada oco, procurando os lugares que lhe proporcionavam mais prazer. Quando os encontrou, premiou com um ofego de prazer. Aquele som foi como música em seus ouvidos, uma suave nota que lhe privou de qualquer pensamento sensato. Não queria ser sensato, não queria saber que o que estava fazendo era uma loucura. Queria enterrar seu corpo profundamente no dela, perder-se para sempre nessa convidativa calidez, embora fosse uma estupidez.

Sua boca encontrou o ponto da garganta onde o pulso era frenético. Separou com os dedos o decote de sua blusa para um lado, para poder alcançar seus seios. Sua pele era extremamente suave, como cetim. Fechou a mão em cima de seu seio, e pôde sentir o mamilo endurecido empurrando contra sua palma, através da blusa e da luva. Reclamando sua atenção. Insistindo-lhe a seguir adiante. Dillon inclinou a cabeça, cedendo à tentação.

Nesse momento, a porta do estúdio abriu de par em par, deixando ver Tara de pé na soleira, com o rosto pálido e o cabelo completamente enredado. Estava claramente aterrorizada.

-Tem que vir agora mesmo. Agora mesmo! Jessica! Se apresse, Meu Deus! Acredito que está esmagado sob todos aqueles troncos e escombros... Se apresse, tem que se apressar!

 

O pânico produziu uma sobrecarga de adrenalina que atravessou o corpo de Jessica. Voltou-se para Dillon com o terror refletido no olhar. O medo também se desenhava nos olhos dele. Rodeou a cintura de Jessica com seu forte braço, abraçando-a firmemente para que, por um breve instante se apoiassem um contra o outro, consolando-se mutuamente.

-Respira fundo, Tara. Precisamos saber exatamente o que aconteceu. -A voz de Dillon era tranqüila e autoritária. Colocou à menina entre seus braços, ao lado de Jessica, onde se sentia segura.

Tara engoliu as lágrimas, enterrando o rosto no ombro de Jessica.

-Não sei o que aconteceu. Estávamos andando pelo caminho e então Trevor disse algo estranho, sem sentido... Algo sobre um círculo mágico e saiu correndo diante de mim. Ouvi como gritava e então soou um estrondo. Um lado da colina caiu, e um montão de pedras, troncos e escombros caíram. Trevor tinha deixado de gritar e quando consegui chegar onde pensei que ele estava o ar estava carregado de pó e sujeira. Não pude encontrá-lo e embora o chamasse várias vezes, não me respondeu. Acredito que está enterrado debaixo de tudo aquilo. O cão começou a escavar, ladrando e grunhindo, e eu vim correndo até aqui para pedir ajuda.

-Mostre onde ele está Tara. -Ordenou Dillon. -Jessica, vá procurar os outros, diga a Paul que traga pás no caso de precisar. -Já estava empurrando a sua filha diante dele.

Desceram correndo as escadas, enquanto Dillon chamava aos gritos os membros da banda. Abriu de um puxão a porta da frente e saiu pelo alpendre dianteiro quando se chocou de frente com Brian. Agarraram-se mutuamente.

-É Trevor. Ocorreu-lhe algo mau, Brian. Vêem comigo - disse Dillon.

Brian assentiu.

-Onde estão os outros?  

-Jess os está procurando. -Respondeu Dillon.

Tara saiu correndo na frente dele, mas a alcançou facilmente, lançando um juramento pelo baixo enquanto tentava acalmar sua respiração. A noite caía rapidamente e tudo estaria muito escuro em questão de minutos. Rezou para que sua filha não se perdesse e pudesse levar diretamente até Trevor.

Tara corria depressa, seguindo o caminho principal, com o coração pulsando ruidosamente nos ouvidos, mas tinha muito menos medo agora que seu pai se encarregava de tudo. Parecia muito tranqüilo, como se tivesse tudo sob controle, e ela sentiu que seu pânico ia diminuindo. Tinha tanto medo de não poder encontrar o lugar exato na escuridão e correu tudo o que pôde, fazendo um esforço por ganhar a corrida com o anoitecer. Foi um alívio que o enorme pastor alemão aparecesse junto a ela, saindo dentre as árvores. O cão saberia chegar até Trevor.

Jessica respirou fundo vária vezes enquanto percorria a casa procurando os outros. Encontrou Brenda no terraço da cozinha, fumando.

-O que acontece agora? Juro que fumar aqui não causará nenhum problema.

-Onde estão os outros? -perguntou Jessica. As elegantes botas de montanha de Brenda estavam cobertas de barro. Tinham agulhas de pinheiro presas à sola e Brenda tentava tirá-las sem sujar as mãos. -Ocorreu um acidente e necessito que venham todos para ajudar.

-Pelas chagas de Cristo!... Foram as crianças outra vez não? -Brenda parecia chateada. Levantou uma mão para aplacar Jessica, que tinha dado um passo para ela. -Realmente, querida, tira-me do sério sua preocupação por essas crianças. Vê? Estou aprendendo. Diga-me o que aconteceu e te ajudarei no que possa, embora espere que lhes tranque em sua habitação e os castigue com merecem por entregar meu dia.

-Onde estão outros? -Jessica cuspiu cada palavra. -É uma emergência, Brenda. Acredito que Trevor está preso debaixo de um desmoronamento, sob pedras e escombros. Precisamos tirá-lo rapidamente de lá.

-Não pode estar falando a sério! -Brenda levou a mão ao pescoço e empalideceu visivelmente. Sua garganta engolia com força, como se estivesse fazendo verdadeiros esforços para falar e não saísse nenhuma palavra. Quando conseguiu dizer algo, não foi mais que um sussurro afogado. -Este lugar está realmente maldito, ou possivelmente seja apenas Dillon o que está.

Jessica se surpreendeu ao ver que a mulher estava perto das lágrimas.

-Brenda. -Disse desesperadamente. -Tem que me ajudar!

-É obvio, sinto muito. -Brenda endireitou os ombros. -Encontrarei Robert, ele saberá o que fazer. Paul estava por aí, jogando à ferradura, pelo menos isso fazia quando passei enquanto passeava. Acredito que Dom foi à praia, mas não tenho certeza. Vá procurar Paul e eu encontrarei os outros e direi que vão com você. Que caminho eles seguiram?  

-Obrigado. -Jessica apoiou uma mão no braço da Brenda, oferecendo seu apoio. Havia algo muito vulnerável no rosto da Brenda agora que se desprendeu de sua máscara. -Acredito que seguiram o caminho principal que atravessa o bosque.

-Acabo de voltar por esse caminho... -Brenda franziu o sobrecenho -... E não vi as crianças.

Jessica não esperou para ouvir mais; correu ao redor da casa para dirigir-se para a parte detrás. Paul atirava as ferraduras ociosamente. Deteve-se metade de um lançamento quando a viu.

-O que aconteceu? -Atirou a ferradura a um lado e correu para ela.

Sentindo-se desesperada, Jessica contou rapidamente o que sabia. Tinha desperdiçado um montão de tempo e ainda não tinha conseguido nada. Queria ir correndo onde estava Trevor e tirá-lo com suas próprias mãos, sem confiar em ninguém.

-Irei procurar as lanternas. -Disse Paul, abrindo bruscamente a porta de um pequeno abrigo. -Aqui há pás. Encontro-me com você diante da casa. -E desapareceu rapidamente.

Jessica apertou a mão contra o estômago, tentando fazer desaparecer o nó que sentia, enquanto procurava freneticamente as pás através do abrigo. Todas as ferramentas maiores estavam na parte detrás. Sentia-se doente, doente de medo por Trevor. Quantos minutos tinham passado? Não muitos, sua conversa com Brenda tinha levado apenas alguns segundos, mas parecia uma eternidade. No abrigo estava uma escuridão, a escassa luz de fora era insuficiente para iluminar o interior. Foi até a parte detrás, pondo primeiro a mão sobre um rastelo, uma alavanca e duas coisas afiadas antes de encontrar as pás. Triunfalmente, pegou as três que havia e saiu a toda pressa do pequeno edifício.

Dom a estava esperando, impaciente.

-Paul já foi para lá. -Agarrou as pás que Jess levava e franziu o sobrecenho. -Que diabo aconteceu com sua mão?

Jessica piscou pela surpresa. Tinha a palma cheia de barro e um talho profundo e comprido no centro, onde mesclava o sangue com a sujeira. Algumas agulhas de pinheiro estavam pressas a aquela mescla, formando uma estranha obra de arte.

-Não importa. -Murmurou e se apressou a chegar até o caminho.

A escuridão já havia se instalado no bosque, o pesado dossel de ramos impedia que passasse qualquer tipo de luz, por pequena que fosse. Jessica correu depressa, sem prestar atenção à dor de seus pulmões, que ardiam pela falta de ar. Tinha que chegar até onde estavam Trevor e Tara. Até Dillon. Não podia ter acontecido algo tão ruim. Consolava-se com a idéia de que se houvessem péssimas notícias alguém teria ido procurá-la. Podia ouvir Dom correndo ao seu lado, e era vagamente consciente da dor palpitante de sua mão. Limpou a palma na coxa quando enxergaram luzes a sua esquerda.

Tara se lançou contra Jessica, quase a atirando ao chão.

-Está debaixo de todas essas pedras enormes... E toda essa porcaria. Esse tronco grande caiu em cima também! Papai está tentando tirar escavando somente com as mãos e Robert esteve ajudando.

-Conseguirão tirá-lo dentro de instantes. -Jessica a tranqüilizou, abraçando fortemente à menina. -A terra está bastante solta e o tirarão daí rapidamente.

-A leve daqui, não quero que fique a ver isto. -Ordenou Dillon. Seu olhar encontrou o de Jessica por cima da cabeça de Tara enquanto agarrava a pá que Dom lhe lançava. -Tudo vai sair bem, querida, prometo-lhe isso. Está falando, assim está vivo e consciente. Tem ar para respirar, temos que tirar ele daí e ver se sofreu algum dano.

Jessica assentiu. Abraçando mais forte Tara, inclinou-se para sussurrar ao ouvido da menina:

-Saiamos daqui, meu amor. Iremos acima. -Apontou a um pequeno aterro perto de onde os homens estavam escavando freneticamente.

O cão empurrava brandamente suas pernas enquanto caminhava e Jessica lhe deu tapinhas na cabeça quase sem pensar.

-Encontra-se bem, Tara? -A menina estava trêmula.

Tara sacudiu a cabeça.

-Não deveria ter insistido em que continuássemos procurando... Tínhamos encontrado duas árvores que pensamos que vocês gostariam, mas eu quis continuar procurando. Trevor disse que estava anoitecendo e que queria retornar a casa. -Escondeu o rosto na jaqueta de Jessica. -Sabia que se eu não tivesse estado com ele, teria continuado procurando. Odeio que sempre me trate como se fosse um bebê.

-Trevor se preocupa com você. -A corrigiu Jessica brandamente. -Isso é bom, Tara. Quer-te muito. E isto não ocorreu por sua culpa. Acariciou meigamente o cabelo da menina.                     -Simplesmente ocorreu. Às vezes estas coisas acontecem.

Tara se estremeceu de novo. Olhava Jessica, com seus olhos muito grandes para seu rosto.

-Vi algo. -Sussurrou brandamente e olhou ao redor. -Vi uma sombra atrás das árvores, por ali. -Apontou para a esquerda, para o profundo do bosque. -Levava uma capa longa com capuz, muito escura. Não pude ver o rosto, mas estava nos olhando; viu tudo o que aconteceu. Sei que estava ali, não foi minha imaginação.

Embora tivesse jurado que não era possível, o coração de Jessica começou a pulsar com mais força ainda.

-Alguém estava olhando quando aconteceu o desmoronamento, quando todos esses escombros caíram sobre Trevor? -Jessica se esforçou por determinar o momento justo. Acreditava em Tara, ela também tinha visto uma figura coberta nos bosques à noite que chegaram, mas não podia acreditar que um dos membros da banda não corresse a ajudar os gêmeos. Quem quer que fosse o personagem da capa devia querer fazer mal a um deles. Quem, além dos membros da banda, estava na ilha? O guardião era um homem mais velho, amável. A ilha era bastante grande para que alguém pudesse esconder-se, mas certamente que o cão teria alertado as crianças da presença de um estranho. Os gêmeos passavam muito tempo com o animal e Jess sabia que o pastor alemão lhes protegeria.

Tara assentiu.

-Eu gritei uma e outra vez pedindo ajuda. Não podia ver Trev, tinha ficado enterrado sob tudo isso, e quando olhei para trás, essa pessoa tinha desaparecido. -Limpou o rosto, deixando rastros de sujeira no queixo e as bochechas. -Não estou mentindo, Jessie.

Jessica plantou um beijo sobre a cabeça da menina.

-Eu sei querida. Não posso imaginar que quem quer que fosse não veio ajudar. -Embora estivesse decidida a averiguá-lo. Vinha enganando-se, acreditando que estavam seguros, mas se a figura encapotada era um membro da banda, e tinha que sê-lo, então um deles estava atrás dos acidentes e da morte de sua mãe. Mas quem? -Fique aqui, querida, não se aproxime da beirada.

Não podia ficar quieta, assim que passeava de um lado a outro, metendo o punho na boca para evitar gritar que tivessem pressa. Dom e Robert conseguiram desprender uma pedra bastante grande, o que fez que todos os homens se apartassem com cuidado.

Brenda uniu a Tara com um pouco de vacilação.

-Com certeza Trevor está bem, amor. -Disse, pondo a mão sobre o ombro de sua sobrinha em um esforço por oferecer seu apoio.

-Não se moveu. -Lhe disse Tara meio chorando. -Não se moveu nem um pouquinho.

-Mas respira -a animou Brenda -Robert me disse que Trevor contou que tinha caído em um pequeno oco da ladeira.

-Disse isso de verdade? Dillon me contou que tinha falado, mas eu não ouvi nada. -E Jessica queria assegurar-se de escutar o som de sua voz. Continuou passeando, esfregando os braços para livrar-se dos estremecimentos que produzia o ar noturno. -Tem certeza que disse algo?

-Muita certeza. -Respondeu Brenda.

Jessica olhou fixamente ao céu. Podia ouvir o som do mar ao longe. O vento sussurrando através das árvores. O som das pás contra as pedras. Inclusive o arquejo dos homens enquanto trabalhavam. Mas não podia ouvir a voz de Trevor. Escutou atentamente. Rezou. Não ouviu nem sequer um murmúrio.

-Com certeza está bem. -Disse Brenda, tentando parecer tranqüila. Dava golpes com o pé, fazendo que Jessica se fixasse no chão cheio de barro, cheio de agulhas de pinheiro e vegetação. Algumas árvores caídas se entrecruzavam sobre o chão, seqüelas de alguma violenta tormenta. A maioria parecia estar ali bastante tempo, mas os dois menores estavam bastante frescos.

Não pôde evitar a terrível suspeita introduzindo em sua mente. Outro acidente. O teriam preparado? Quase sem dar-se conta, começou a examinar a terra, a posição dos troncos, procurando as pistas, procurando algo que pudesse dar uma resposta ao que tinha acontecido. Não descobriu nada, nada que fizesse que Dillon acreditasse quando lhe dizia que algo não andava bem. Possivelmente fosse uma paranóica, não tinha certeza, mas o único que a importava era manter as crianças salvas.

-Não poderia suportar que algo ruim ocorresse. -Sussurrou Jessica sem dirigir-se a ninguém em particular. -Tinha que dizê-lo. Estava destroçada. Tinha o rosto pálido e doía tanto o estômago que estava fazendo verdadeiros esforços para não vomitar diante de todos. -Não devia ter permitido que saíssem. Deveria ter ido com ele.

-Jessica, não podia saber que ia acontecer uma coisa assim. -Disse Brenda com firmeza.     -Eles conseguirão tirá-lo de lá. -Abraçou Tara quando a menina deixou escapar um gemido surdo. -Ninguém o teria impedido. Às vezes, depois de uma tormenta, a terra se torna branda e os terrenos desmoronam. Ambos teriam saído feridos se tivesse com ele.

Jessica inclinou, aparecendo para ver os homens enquanto tiravam freneticamente à sujeira e pedras para deixar Trevor livre. Podia ver suas pernas e parte de um sapato.

-Dillon? -Sua voz soou insegura. Trevor não se movia. -Por que está tão quieto? –Ela quase não podia respirar, seus pulmões ardiam pela falta de ar.

-Não chore... -A voz imaterial de Trevor flutuou até ela. Soava muito baixa e algo aguda, mas denotava seu arrogante humor de sempre. -Depois se zangará comigo porque todos a verão chorando como uma madalena.

Jessica tentou devagar manter-se em pé, com o corpo estremecido pelo alívio. Sentia as pernas como de borracha, e por um momento teve medo de desmaiar. Brenda lhe inclinou a cabeça para baixo e a sustentou ali até que a terra deixou de mover-se como louca. Robert subiu e se situou ao outro lado, sustentando-a pelo braço quando vacilou. Jessica tampou a boca para evitar os soluços quando se endireitou. As lágrimas brilhavam em seus olhos, em seus cílios. Seu olhar encontrou o de Dillon, e pôde ver uma completa compreensão. Por um momento não houve ninguém mais, só os dois e o alívio que só um pai podia sentir depois de uma experiência tão aterradora como essa.

Tara a abraçou, com o alívio desenhado nos olhos. Jessica quase não se deu conta. Não recordava ter se sentido tão vulnerável, mas conseguiu esboçar um sorriso a Brenda e Robert.

-Obrigado por evitar que eu caísse de cara no chão.

Brenda se encolheu de ombros com sua habitual indiferença.

-Não posso permitir que te aconteça nada. Teria que me encarregar das crianças. -Piscou um olho a Tara enquanto se abraçava ao seu marido. Parecia encaixar ali perfeitamente, como se fosse o lugar onde deveria estar.

Tara lhe dirigiu um sorriso radiante.

-Ao final chegaremos a gostar de...

-Não acredito -respondeu firmemente Jessica -levam anos de vantagem. Acredito que tinha razão, Brenda... Nem crianças nem animais. -Tinha os olhos cravados em Trevor quando tiraram muito lentamente. Ele estirava as pernas com cuidado. Podia o ouvir falar com Dillon. Sua voz ainda soava nervosa, mas se mantinha erguido, rindo brandamente de algo que seu pai disse.

-Brenda, se importa de levar Tara de volta a casa? Já está muito escuro. Necessita um banho quente, e quando chegar, eu irei preparar chocolate quente para todos. Está cheia de barro, empapada e muito nervosa, tanto mal se reconhece.

-Igual a você. -Assinalou Brenda com inesperada delicadeza.

-Estarei bem. -Prometeu Jessica. Apertou a mão de Tara. -Obrigado por trazer todos tão rapidamente. Querida você foi uma maravilha.

-Nós a levaremos a casa sã e salva. -Assegurou Robert a Jessica, e com um braço ao redor de Brenda e outro ao redor de Tara, começou a andar para a casa.

Jessica tinha que tocar Trevor para assegurar-se de que não tinha sofrido nenhum dano. Desceu até onde se encontravam e ajoelhou junto a Dillon e Trevor. Dillon examinava cada centímetro do menino, comprovando se tinha algum osso quebrado, alguma ferida ou inclusive algum hematoma. Suas mãos se moviam com incrível suavidade, tentando não causar nenhuma dor a seu filho.

Trevor estava cheio de machucados, mas sorria de orelha a orelha.

-É uma sorte que eu seja magro. -Brincou, dando tapinhas no ombro Jessica, sabendo que se a abraçava ela começaria a chorar diante de todos e então ele estaria em um verdadeiro apuro.

-Está bem... Alguns golpes e hematomas, nada mais... Amanhã terá um aspecto lamentável - disse Dillon. E dirigindo-se aos outros acrescentou. -Obrigado pela ajuda. -Sentou-se e passou a mão pela testa, deixando um rastro de sujeira. Tremia-lhe a mão. -Acaba de me tirar vários anos de vida, filho. E não posso me permitir esse luxo.

Paul recolheu as pás.

-Nenhum de nós pode permitir-se esse luxo.

-Não foram apenas vocês que se assustaram... -disse Trevor. -Senti como se toda a ladeira caísse em cima de mim. Durante uns minutos, pensei que ia ficar enterrado vivo... E não é um pensamento muito agradável, asseguro-lhes isso.

Jessica deu um passo atrás para deixar um lugar a Paul. Dillon e Paul puseram Trevor em pé. O menino balançou ligeiramente, mas se manteve erguido, com aquele sorriso habitual no rosto.

-Jess, de verdade que estou bem, certo?

Dillon observou a expressão destroçada de Jess, sua calma quando rodeou o pescoço de Trevor com seus braços finos e abraçou protetoramente, como se não fosse separar-se dele jamais. Não havia acanhamento algum na maneira como o menino se abraçou a ela e enterrou o rosto em seu ombro. Comportavam-se com naturalidade, queriam-se. Dillon sentia uma queimação no peito e atrás dos olhos enquanto os olhava. Sentiu que um enorme alívio percorria, deixando quase desarmado. Estavam lhe tirando todas as defesas que mantinha isolada, deixando o coração exposto, totalmente vulnerável.

Uma parte dele queria atacar, como um animal ferido, por haver posto em semelhante situação. Outra parte queria abraçá-los, se unir firmemente a ele, manter a salvo. A salvo. Essas palavras resplandeciam amargamente em sua cabeça. E pôde sentir essa amargura na boca. Durante um instante, olhou-os fixamente, com o coração pulsando depressa, bombeando adrenalina. Seus olhos azuis resplandeciam com essa violência que sempre parecia estar a ponto de escapar de seu controle.

Antes que Dillon pudesse deixar de olhar, Jessica elevou a cabeça e seu olhar encontrou o dele. Nesse momento, perdeu-se na alegria de seu rosto. Seu sorriso era radiante, como um estalo de sol. Estendeu a mão. Um convite a um lugar ao que ele não podia ir. Olhou fixamente sua mão. Delicada. Pequena. Uma ponte para a vida de novo.

Não se moveu. Dillon jurou mais tarde que não se moveu, mas ali estava ele, tomando aquela mão na sua. Tinha as luvas sujas, mas ela não pareceu dar-se conta quando apertou os dedos ao redor dos seus. Ao tocá-la, sentiu-se apanhado em um feitiço, em uma rede de encantamentos, perdeu todo contato com a realidade... E com a sensatez. Sentiu-se miserável pelo suave convite de seu corpo. Apoiou a cabeça de Jess contra seu peito. Seu cabelo sedoso fazia cócegas na mandíbula.

Sem pensar, sem duvidar, suas mãos rodearam a vulnerável garganta de Jess, inclinando sua cabeça para trás. Seus olhos verdes estavam muito abertos, espectadores, turvados pelas sensações. Dillon amaldiçoou em voz baixa, dando-se por vencido enquanto inclinava sua escura cabeça sobre a dela. Tinha uma boca perfeita, suave como o veludo, dócil, cálida, úmida e cheia de ternura. Cheia de amor. As brasas que guardava em seu interior adquiriram vida, incendiando seu corpo, insistindo a saciar sua fome dela, a devorá-la, a deixar-se arrastar por seu aditivo sabor, por aquela promessa de paixão, de risada, de vida em si mesmo.

Ela tinha encontrado a maneira de derrubar cada uma de suas defesas. Penetrou em seu coração, em sua alma, e agora se sentia incapaz de respirar sequer sem ela. A solidão que o tinha consumido durante tanto tempo, mesmo a devastadora frieza de sua existência, desvaneciam-se quando ela estava perto. A necessidade sacudia seu corpo, dura e urgente, uma exigência que ameaçava fazendo perder o controle. A força do sentimento que os unia o alarmou. Seu corpo estremeceu, a boca se fez mais exigente enquanto sua língua provava e empurrava em uma espécie de réplica do ritual de emparelhamento, tão desesperadamente precisava levar a cabo.

Trevor esclareceu a garganta ruidosamente, devolvendo Dillon à realidade. Assustado, inclinou a cabeça e piscou com força, recuperando lentamente o controle de seu próprio corpo.

Trevor sorria abertamente.

-Não me olhe assim, papai... Já é bastante, embaraçoso para ver esta faceta tua tão... Lisonjeadora com as mulheres.

-Lisonjeadora não é a palavra certa. -Acrescentou Dom ironicamente de forma quase inaudível.

Mas Dillon escutou e se voltou para dirigir um penetrante olhar. Outros saíram disparados em distintas direções, afastando-se dele.

-Minha mãe... -disse Brian assobiando pelo baixo. -Que demônio foi isso?

-Eu gostaria de ver a repetição da jogada. -Disse Paul dando uma ligeira cotovelada em Dillon. -Acredito que vi saltar faíscas por aqui.

Jessica escondeu o rosto totalmente ruborizado no ombro de Dillon.

-Vão todos daqui.

-Nem nos passa pela cabeça, pequena... Não podemos te deixar a sós com nosso querido líder. -Brincou Brian. -Queremos que o homem continue sofrendo sua famosa melancolia... Não sabe que é isso o que o faz compor as melhores canções?

-A frustração é boa para isso também. -Acrescentou Paul.

Jessica se endireitou para emoldurar o rosto de Dillon com suas mãos.

-Não acredito que importa muito como se encontre -objetou -Sempre consegue criar uma música maravilhosa.

Dillon tomou sua mão e voltou à palma para cima, olhando-a com os olhos entrecerrados.

-Que diabo fez na mão? Está sangrando.

Sua voz tinha um tom tão acusador que Jessica não pôde evitar sorrir.

-Estava procurando as pás e me cortei com algo afiado. -Agora que ele o tinha mencionado, a ferida começou a doer.

-Terá que lavar isso. Não quero que fique com uma infecção. -Dillon assinalou o caminho, retendo a mão de Jessica. -Acha que está preparado para voltar para casa, Trevor?

Trevor assentiu, ocultando seu sorriso ao voltar-se para o caminho, seguindo Paul de perto. Dom e Brian recolheram as luzes. Dillon levantou a mão de Jessica para inspecioná-la mais atentamente.

-Eu não gosto do aspecto que tem sua mão, querida, tem que limpar assim que cheguemos a casa. -Lutava por controlar a respiração, por permanecer sereno. Que diabo estava fazendo? Passou uma mão pelo cabelo, respirando fundo, sentindo-se como se tivesse corrido vários quilômetros. Os sentimentos se amontoavam em seu interior, tão entristecedores que não podia deixá-los sair.

Jessica não pôde evitar que um pequeno estremecimento de alegria a atravessasse. Dillon parecia tão preocupado por um corte sem importância... Caminharam um junto ao outro, agarrados pela mão. Sobre suas cabeças, as estrelas tentavam corajosamente iluminar seu caminho, apesar das nuvens cinza que se moviam como finos véus, cobrindo as delicadas luzes.

Dillon diminuiu deliberadamente seu passo para permitir que outros se adiantassem.

-Sinto muito, Jess. Não deveria ter te beijado diante dos outros.

-Por que se preocupar? Já sabiam antes disso. -Assinalou. Levantou o queixo, desafiando claramente a negar o que havia entre eles.

Ele suspirou.

-Porque queria te arrancar a roupa e tomar ali mesmo, por isso. E acredito que a banda percebeu perfeitamente. Não é nenhuma dessas fãs atordoadas, e não quero que eles vejam dessa maneira. Sempre pensa o melhor dos outros, mas ocorreu pensar que, ao ver-me te beijar assim, eles poderiam considerar você como qualquer uma?

Jessica se encolheu de ombros, enquanto fingindo uma indiferença que não sentia. Uma onda de calor se estendeu por seu corpo quando pronunciou essas palavras. Saber que tinha feito Dillon perder o controle a deixava sem fôlego. Tentou que sua voz soasse serena ao dizer:

-Duvido muito que me deprimisse se algum deles tentasse me seduzir. Imagino que resultará estranho, Dillon, mas muitos homens me acham atraente, e alguns, inclusive, convidaram-me para sair. Acredite ou não, não é o único homem que me beijou. -Pôde sentir como o corpo dele se endurecia com uma súbita tensão.

Havia um perigo latente na profundidade de seus olhos azuis quando falou.

-Sinceramente, não acredito que este seja o melhor momento para falar comigo sobre outros homens, Jess. -Disse-lhe asperamente, com aquela voz rouca que declarava mais coisas que as palavras em si. Ele se deteve de repente, arrastando-a até o profundo do bosque. -Tem uma vaga idéia do que está me fazendo? A mínima idéia? Alguma idéia absolutamente?             -Colocou-lhe a mão sã entre suas pernas e esfregou sua palma ao longo da parte dianteira de suas calças jeans, onde o tecido se esticou. Podia senti-lo grande, duro e quente através do tecido. -Faz muitíssimo tempo que estou sem nenhuma mulher, querida... E se insistir em seguir brincando, vais conseguir muito mais do que está procurando. Não sou nenhum adolescente para concordar com um rápido amasso. Continue me olhando como está agora e considerarei como um convite.

Por um momento, Jessica pensou em esbofetear aquele formoso rosto, indignada porque a tivesse comparado com uma adolescente. Porque tivesse tentado assustá-la ou por haver pensando que a assustaria, que alguma vez seria capaz de assustá-la. Se havia um homem na Terra a quem confiaria sua vida esse era Dillon Wentworth. Custou-lhe um momento dar-se conta de que ele tinha usado sua mão ilesa para sua pequena demonstração, e que ainda embalava a mão ferida contra seu peito. Cuidadosamente. Meigamente. Esfregava com a gema do polegar e beira de sua mão e nem sequer era consciente disso. Mas ela sim.

Deliberadamente provocadora, esfregou o tecido tenso da frente de seu jeans.

-Não fica muito bem o papel de lobo mau, Dillon, mas se for algum tipo de fantasia que tem, não tem nenhum problema em que a levemos a cabo. -Seu tom era sedutor, um convite. Sua mão se movia sobre ele, acariciando uma e outra vez, fazendo crescer entre seus dedos, endurecendo ainda mais.

Seus olhos relampejaram ao olhá-la, como duas jóias ardentes.

-Não pode nem imaginar quais são minhas fantasias, Jessie.

-Está no século equivocado, Dillon. -Deslizou a língua provocadoramente ao longo de seu exuberante lábio inferior e... Maldita seja, estava rindo dele. -Não me importaria baixar o zíper de suas calças e envolver minha mão ao seu redor, te sentir, observar como te põe ainda mais duro. E pensarei em não pôr sutiã, assim à próxima vez que me beije e desça por minha garganta, sentirá que meu corpo está preparado para você. Pensar em sua boca sobre meus...

-Pelo amor de Deus... -desesperado, inclinou a cabeça para sossegar da única maneira que ocorria a ele. Apoderou-se de sua boca e imediatamente estava perdido no beijo, reagindo como se estivesse faminto. Ela era muito atrativa, muito quente, muito tudo. Magia. Jessica era pura magia. Pegou pelos ombros e a separou dele, antes de perder o controle por completo.

Sorriu-lhe.

-Vai beijar-me alguma vez sem amaldiçoar primeiro?

-Terá um pouco se sensatez alguma vez? -Respondeu ele.

-Não a preciso. -Assinalou Jessica. -Você me trata com muito cuidado.

  

Jessica ficou um longo tempo na ducha, permitindo que a água quente empapasse sua pele. Dillon. Ele ocupava todos seus pensamentos, impedindo que sua mente pensasse sobre o que poderia haver ocorrido a Trevor. Nunca havia sentido uma atração tão poderosa. Sempre tinha havido algo entre eles. Sempre. Tinham sido os melhores amigos quando nem sequer tinha sentido que fossem. Sempre o tinha achado atraente, mas nunca tinha pensado que a atração sexual entre eles algum dia seria tão explosiva. Estremeceu-se ao sentir a necessidade de seu corpo.

Fechou os olhos enquanto se secava com uma grossa toalha. O suave tecido acariciava sua pele sensível, intensificando seu desejo sexual. Não se reconhecia quando estava com ele. Seu olhar azul a abrasava e a fazia sentir-se como uma experiente sedutora. Jessica sacudiu a cabeça enquanto vestia com cuidado as calças. Queria luzir seu melhor aspecto quando se encontrasse com ele.

Quando voltou a descer, todos já se encontravam na cozinha. Dillon estava muito bonito com uns jeans negros limpos e um suéter de manga longa. Incomodou-lhe que ainda acreditasse necessário usar as luvas diante de sua família e amigos, diante dela. Ainda tinha o cabelo úmido, caindo em rebeldes ondas sobre os ombros. Como sempre, estava descalço, e por alguma estranha razão, aquilo fez que se ruborizasse. Encontrava-o incrivelmente sexy e íntimo. Ele se voltou no preciso momento em que Jess chegava à porta, como se tivesse um radar interno que indicasse onde se encontrava ela em cada momento.

Dillon quase soltou um gemido ao vê-la. Sabia que ela estaria aí como podia percebê-la cada vez que se encontrava perto? Estava tão formosa que o deixava sem fôlego. Seu jeans se ajustava aos quadris, mostrando muita pele por cima para seu gosto. Sua camiseta era dois centímetros muito curta, e o tecido moldava seus peitos cheios amorosamente, da mesma maneira que ele desejava fazer com suas mãos. O cabelo acobreado tinha a cor do vinho, ainda molhado e recolhido atrás, deixando ver seu rosto e seu esbelto pescoço. Dillon piscou, tentando assegurar-se de que via bem. Queria que estivesse de sutiã debaixo daquela quase inexistente camiseta. Quando se moveu, ele acreditou ver o escuro contorno de seus mamilos... Mas não tinha certeza.

O mero feito de olhá-la tinha o posto tão duro que não quis arriscar-se a dar nem um passo.

-Fez algo com esse corte? -Sua voz soou tão áspera que inclusive fez uma careta de dor diante do seu tom.

Brian agarrou seu pulso quando passou ao seu lado e colocou a palma para cima para inspecioná-la, detendo-a antes que chegasse até Dillon.

-Ainda sangra um pouco, moça. –Observou. -Seria bom colocar um curativo, Dillon.           -Adicionou, puxando até que Jessica o seguiu ao redor da mesa.

Dillon apertava os dentes enquanto os olhava. Brian era tão grande como um urso, Jessica parecia pequena e delicada ao lado dele. Franziu o cenho quando pôs a mão na cintura dela e a sentou na mesa, situando-se entre suas pernas enquanto inclinava para examinar a palma da mão. A testa quase roçava os peitos. Brian disse algo que fez Jessica rir.

-Que demônio está fazendo? -Explodiu Dillon enquanto se aproximava rapidamente para onde se encontravam. Arrancou de um puxão a atadura da mão do Brian. -Não precisa ser um maldito cientista para enfaixar uma mão. -Logo que conseguiu controlar-se para evitar mandar Brian à outra ponta da habitação de um empurrão. As coxas de Jess estavam abertas e estava condenadamente atrativa sentada ali. Com seus enormes olhos verdes o repreendendo silenciosamente. -Saia daí. -Disse ele com rudeza.

Com um amplo sorriso, Brian levantou as mãos em sinal de rendição e se afastou.

-Comporta-se como um urso com dor de dente... -disse confidencialmente a Trevor em um audível sussurro.

-Já notei. -Respondeu Trevor com o mesmo cochicho exagerado.

Dillon não fez conta. Deslizou-se no oco que tinha deixado Brian, separando com os cotovelos as coxas de Jessica o suficiente para captar essa essência fresca e pessoal que avivava os sentidos. A calidez de seu corpo o tentava. Maldita seja não tinha posto sutiã... Agora tinha certeza. Inclinou-se para sua palma, examinando a ferida.

O sorriso se esfumou da boca de Jessica. Quase encolheu o braço. Seu fôlego a queimava em metade da palma, enviando golpes de excitação que subiam pelo braço. Dillon estava instalado firmemente entre suas pernas. O mais mínimo movimento causava uma fricção entre suas coxas e a fazia sentir como se um manto de fogo estendesse pelo centro de seu ser. Seu corpo esticou repentinamente quando se aproximou mais, roçando seus peitos com a cabeça. Mordeu o lábio para impedir que o gemido escapasse de sua boca. Sentia seus peitos inchados e doloridos, tão sensíveis que quase não poderiam resistir o mais ligeiro toque. Ele se moveu de novo, deslizando sua testa sobre a camiseta enquanto examinava a mão. Justo sobre seu endurecido mamilo. Ardentes labaredas atravessaram seu peito, e seu corpo se esticou novamente, quente, vibrante e suplicando alívio. Tudo o que ele tinha que fazer era girar um pouco a cabeça e introduzir seu dolorido botão de carne naquela boca quente e úmida... Jess logo quase não respirava.

Seus olhos azuis cravaram nos olhos dela e ambos contiveram a respiração.

-Bom, vai sobreviver ou o que? -Perguntou Paul rompendo de repente a tensão sexual entre eles. -Porque se não terminar logo com isso, outros estarão aqui esperando toda a noite.

-Até o dia do jui... -começou Trevor.

-Não diga mais nenhuma palavra, jovenzinho. -Cortou Jessica.

Manteve os olhos separados de Dillon; era o melhor que podia fazer. Notou que ele colocava a atadura em seu lugar. O toque de seus dedos era como uma carícia para sua pele, tocando-a com as luvas enquanto trabalhava. Seu corpo endurecia mais e mais com cada toque. Jess estava tremendo. Dillon apertou sua mão, levando a mão ferida ao peito, justo em cima de seu coração.

-Acredito que com isto bastará, querida. -Disse ele brandamente. Pôs as mãos em sua cintura, e só as luvas impediam o contato direto com a pele quando a depositou no chão. -Não dói, verdade?

Ela sacudiu a cabeça.

-Obrigado, Dillon, foi muito amável.

-Quanto tempo vai demorar essa maldita coisa em curar-se? -Quis saber Dom.                   - Necessitamos que ela tocasse. Nem sequer estamos perto de acabar.

-Deixei preparadas várias pautas de violão antes que se levantassem -disse Jessica             -Queria provar algumas coisas, assim pelo menos têm algo com o que trabalhar. Moveu-se cautelosamente ao redor do corpo de Dillon, pondo muito cuidado em nem sequer o tocar. Alvoroçou o cabelo de Trevor, sentindo a necessidade de o tocar, mas sem querer ferir seu orgulho juvenil montando muito animação agora que estava a salvo.

-Que coisas? -Perguntou Robert com curiosidade e uma sutil indireta em seu tom. -Pensei que acrescentar o saxo era o toque perfeito. O som de fundo da orquestra ficava sensacional. Tem grandes idéias, Jess.

Jessica esboçou um sorriso como agradecimento.

-Queria gravar uns sons de violão diferentes. Segui a progressão que começamos ontem, mas há realcei um pouco com alguns embelezamentos melódicos. Queria conseguir um som mais agudo que harmonizasse com a letra, assim usei os de Paul para o ritmo. Ainda gostaria de acrescentar algumas mesclas a mais. Tem que escutá-lo e me dizer o que te parece, Robert. Pensei que poderíamos usar o Strut como ritmo principal. A mescla de diferentes sons poderia enriquecer bastante a peça.

-Ou carregá-la muito -objetou Dom -Dillon tem muita voz, não poderemos alcançá-la quando chegar ao tom mais alto.

-Mas aí está seu encanto, Dom. - Disse Jessica. -Ainda estamos colocando os sons básicos. Muito fácil. As mesclas nos permitem fazer isso.

Brenda caiu dramaticamente sobre a mesa.

-Por uma noite ao menos eu gostaria de falar sobre algo que não fosse música.

-Parecia que estavam falando em um idioma estrangeiro. -Disse Tara e colocou a cadeira ao lado de sua tia. -Muito aborrecido.

Jessica riu dela.

-O que precisa é do chocolate quente que prometi. Vou preparar. Você quer Trevor? Alguém mais?

-Não deveria ser tão descuidada, Jessie -a repreendeu Dom. -Não há muito tempo para conseguir tirar a melodia. Não pode te permitir o luxo de ferir as mãos.

Ela deixou de tirar as xícaras do armário.

-Sinceramente, Dom, não recordava que fosse tão imbecil. Sempre foi assim ou adquiriu essa qualidade recentemente?

Caso voltasse a lançar uma indireta a Dillon, muito temia que atirasse as xícaras à cabeça. Não olhou Dillon quando agarrou o leite e o chocolate da geladeira. Tinha profundas feridas, e Dom parecia querer jogar sal sobre elas. Jessica colocou tudo muito cuidadosamente sobre a mesa e sorriu docemente a Dom, esperando sua resposta.

Trevor e Tara intercambiaram um olhar longo e divertido. Tinham escutado esse tom de Jessica muitas vezes antes, e não pressagiava nada bom para Dom. Tara deu uma leve cotovelada em Brenda para incluí-la, e se viu premiada por um pequeno sorriso afetuoso e uma sobrancelha levantada.

-Não disse por ele, Jess. Todo mundo está muito sensível com esse tema. -Respondeu Dom à defensiva.

-Geralmente todos fazem vista grossa, mas desta vez não... Deveria vigiar suas maneiras, Dom. Há algumas coisas que são aceitáveis e outras que não são. -Sem girar a cabeça, ela aumentou o tom de voz. -Conviria deixar de me imitar, Trev...

Os gêmeos intercambiaram outra careta rápida. Trevor estava dizendo com os lábios as palavras de Jess, sabia de cor, depois de tê-las ouvido tantas vezes.

-Nem sonhe. -Disse descaradamente.

-Dillon, quer que prepare uma xícara de chocolate? -Ofereceu Jessica.

Dillon sacudiu com força a cabeça, estremecendo-se só de pensar.

-Nem sequer suporto olhar. Já tomei bastante na Unidade de Queimados.

-E por que o guarda então? -Perguntou Jessica com curiosidade.

-Para Paul, claro. -Dillon dedicou um juvenil sorriso a seu amigo. -Sobrevive praticamente a base disso. Acredito que é um vício.

Jessica estendeu uma xícara.

-Paul você quer?

-Não, por esta noite já tive muita excitação. Poderei agüentar. -Alvoroçou o cabelo de Tara. -Acredito que poderemos compartilhá-lo até o Natal, nessa época espero poder substituí-lo pelos certificados de presente e os bônus de Hershey.

-Eu escrevo genial do I.O.U. 's. - Anunciou Tara. -Pergunte a Trev.

-E será velho antes de cobrá-los -advertiu Trevor a Paul. -Mas sua letra é bonita.

-Então tudo certo, porque tenho uma letra muito feia. Preciso ser famoso para praticar assinando autógrafos.

Tara tomou um gole do chocolate.

-Por que eles deram tanto chocolate na Unidade de Queimados, papai?

Fez-se um pequeno silêncio.

Brenda passou despreocupadamente seu braço ao redor de Tara.

-Boa pergunta. Por que o fizeram? Queriam que sobrevivesse a base de chocolate?

-Em realidade, sim. -Dillon olhou Paul através do quarto, com uma expressão vulnerável e quase desamparada em seu belo rosto. Era tão estranho o ver assim, acostumada a sua habitual presença imponente, que partia o coração de Jessica.

Foi Paul quem respondeu em realidade.

-Os pacientes com queimaduras necessitam calorias, Tara, montões e montões de calorias. Quando seu pai esteve doente, eles deram bebidas à base de chocolate. Você pensará que estariam muito bons, mas aquelas bebidas tinham gosto fatal, e obrigaram às beber em todo o momento.

-Fizeram que odiasse o chocolate? -Tara estava indignada. -Isso é terrível.

Dillon sentiu que o coração dava um tombo, e esboçou um pequeno sorriso.

-Suponho que foi um preço pequeno por sobreviver.

-O chocolate é minha “bebida de consolo”. -Admitiu Tara. -Qual é a tua então?

-Realmente, nunca pensei sobre isso... -disse ele. Seus olhos azuis posaram em Jessica. Não tinha havido consolo em sua vida desde que perdeu sua família, sua música, tudo o que significava algo para ele. Até Jessica. Ele sentia-se em paz quando estava com ela. Apesar das várias emoções, a química explosiva, apesar de tudo, quando ela estava perto dele, sentia-se bem. Mas não podia dizer a sua filha de treze anos. Se ele mesmo não entendia, como poderiam torná-los demais?

-Gosto disso, Tara -disse Paul. -O chocolate também é minha “bebida de consolo”.

-Para mim é o café puro, tão carregado como é possível. -Interveio Brenda. -E para o Robert o Martini. -Dirigiu um sorriso. -Diz que eu o conduzo à bebida.

-Você leva a bebida a todos os que a rodeiam. -Assinalou Brian.

-Você já bebia as cervejas de seis em seis antes que eu aparecesse em cena. -Disse Brenda, mostrando-se aborrecida. -Se encarregue de seus próprios pecados.

-Fomos juntos à creche... -recordou Brian a todos.

-Não tinha remédio ainda então.

-Basta já. -Rogou Dom.  

Jessica pensou que era o momento perfeito para mudar de tema.

-A propósito, quem tem uma capa longa e escura com capuz? -Perguntou fingindo indiferença. -É bastante tétrica.

-Eu tenho uma. -Disse Dillon. –Usava-a a alguns anos, quando subíamos ao cenário. Já nem me lembrava. Por que pergunta?

-Acho que a vi duas de vezes. -Disse Jessica, olhando fixamente Tara enquanto tomava pequenos goles de sua xícara de chocolate. -Era tão estranha que gostaria de examiná-la mais de perto.

-Tem que estar em alguma parte. -Disse Dillon. -A buscarei.

Algo frio pareceu invadir a habitação quando fez a pergunta. Jessica estremeceu. Uma vez mais, uma terrível suspeita invadiu sua mente. Alguém tinha atraído deliberadamente Trevor exatamente a esse lugar? Não era possível. Ninguém poderia predizer um desmoronamento com suficiente precisão para pôr uma armadilha. Realmente estava se tornando uma paranóica. Dillon não podia ser o que levava a capa quando os escombros tinham soterrado Trevor porque estava com ela. Jogou uma olhada clandestina à habitação, compreendendo que realmente sabia muito pouco dos outros membros da banda.

-Lembro dessa capa! -Brenda sentou muito reta na cadeira, esboçando um amplo sorriso.   -Lembra-se, Robert? Viv a adorava. Sempre estava vestida com ela e simulava ser um vampiro. Dillon, nós pedimos a capa emprestada para aquela festa de Halloween em Hollywood. Robert a pôs lembra-se, céu? -Ela olhou a seu marido, dando tapinhas nas mãos enquanto ele massageava seus ombros brandamente.

-Lembro -disse Paul. -Estava guardada em seu armário, Dillon, pelo menos estava há um mês. Vi-a ao pendurar suas camisas quando as trouxeram da lavanderia. Viv pensava que era uma capa de vampiro, e você que era de mago.

-Eu pensava nas mulheres. -Disse Brian. -Têm idéias de quantas mulheres queriam ver-me com essa capa e nada mais? -Soprou.

-Uf. -Tara enrugou o nariz. -Isso é uma asquerosidade...

-Isso é mais que uma asquerosidade, Brian. -Protestou Brenda. -Nunca poderei tirar essa imagem da mente... -tampou o rosto com as mãos.

-Pois antes você adorava. -Soltou Brian imediatamente. -Você também me pediu isso.

-Estão dando muita informação... -avisou Jessica.

-É obvio que não o fiz idiota! -Brenda parecia ultrajada. -Posso ser muitas coisas, Brian, mas tenho algo de gosto. Ver-te fazer de imbecil nu sob uma capa de vampiro não é a idéia que tenho de um homem atraente.

-Eu gosto muito de você Brian. -Acrescentou Robert. -Já sabe. Mas farei engolir todos os dentes a não ser que tenha mais cuidado na hora de se dirigir a minha esposa.

-Uau! Isso foi genial -disse Tara, olhando com seus brilhantes olhos azuis -Parece que é um bom tipo depois de tudo, Brenda.

Brenda dirigiu à menina um sorriso radiante, totalmente de acordo com ela.

-E não é?

Dillon se inclinou para Jessica, apanhando-a entre seu grande corpo e o balcão.

-Essa capa poderia ter possibilidades. -Sussurrou perversamente contra seu pescoço nu. Seus dentes roçaram o lugar onde pulsava o pulso, como se fosse morder a pele exposta.

-Não sabemos o que Brian fazia com ela. -Respondeu em voz baixa. Empurrou para trás, esfregando o traseiro contra ele. Com o balcão ocultando seus corpos do resto dos pressente, ninguém poderia vê-la o tentando descaradamente. Ela ardia por ele, sentia seu corpo pesado e necessitado. Queria dar a volta e aconchegar-se entre seus braços, que a abraçasse lançar-se ao chão com ele... Embaixo dele. Queria ver seus penetrantes olhos azuis ardendo somente por ela.

Dillon saboreou a sensação daquele pequeno e redondo traseiro apertado firmemente contra ele. Estava se acostumando a andar por aí em um estado de constante excitação. Pelo menos, dessa maneira se sentia vivo. Ela tinha uma pele tão suave... E cheirava tão bem... Que não podia pensar em nada mais quando estava perto. Esclareceu a garganta, tentando evitar pensar no doce corpo que tinha colado ao seu.

-Vão nos contar algo sobre as árvores de Natal que encontraram? -Dillon queria encontrar uma maneira de começar a ser íntimo com as crianças. Sempre pareciam fora de seu alcance. Rodeou Jessica para lhe tirar a xícara de chocolate da mão. O aroma o estava pondo ligeiramente doente e além de não permitir distinguir a delicada essência dela. Pensar na possibilidade de ter um futuro... Sem recordar a agonia que tinha vivido... Jessica lhe dava essa esperança. Seus braços a encerraram, esmagando as costas dela contra seu peito. Jessica era a ponte entre Dillon e as crianças. Era a ponte que levaria de uma mera sobrevivência a uma vida plena.

-Encontramos duas que poderiam servir. -Disse Trevor. -Mas nenhuma era perfeita.

-Uma árvore de Natal tem que ser perfeita? -perguntou Dom.

-Perfeita para nós. -Respondeu Trevor antes que Jessica pudesse tomar fôlego para cuspir fogo. -Sabemos muito bem o que procuramos, não é certo, Tara?

-Bem, na próxima vez deveriam ser um pouco mais cuidadosos e não se separarem dos caminhos. -Disse Dillon, usando sua voz mais autoritária.

-Não vai haver nenhuma próxima vez. -Murmurou Jessica, levando ao contrário. - Meu coração poderia não resistir.

A Trevor não fez nenhuma graça.

-Sabia que ficaria assim, Jess. Poderia ter acontecido a qualquer um. Sempre fica como louca, inclusive quando caímos da bicicleta.

-Tenha mais cuidado com o que diz. -A boca de Dillon adotou um jeito ameaçador.             -Acredito que tanto Jessica como o resto de nós temos direito a nos sentir protetores. Estava completamente soterrado, Trevor... Nem sequer sabíamos se estava vivo ou morto, se podia respirar ou tinha desintegrado em um milhão de pedaços. -Apertou os braços ao redor de Jessica, abraçando-a forte, sentindo o tremor que estremecia seu corpo. Apoiou o queixo sobre sua cabeça para demonstrar seu apoio. -Tem todos os motivos para estar nervosa. Mas não se preocupem, conseguiremos uma árvore de Natal.

Jessica quis protestar. Não queria que Trevor saísse a nenhuma parte, mas Dillon era seu pai. Não teria nenhum sentido o contradizer, mas não permitiria que os gêmeos fossem a nenhuns lugares sozinhos, fora seu pai ou não.

Dillon percebeu sua reação imediata, a tensão em seu corpo, mas ela permaneceu calada. Deu-lhe um rápido beijo na tentadora nuca exposta.

-Boa garota. -Sua pele era tão suave que ele quis esfregar o rosto contra ela. Ardiam-lhe as palmas de vontade de sustentar o peso de seus suaves peitos. Estava-lhe nublando a mente com essas fantasias eróticas, justo ali na cozinha, com todos outros ao redor.

-Sinto muito, Jessie. -Resmungou Trevor. -Vi um círculo. Um com dois anéis, um dentro do outro, como o que disse que servia para invocar aos espíritos ou algo assim. Estava sobre uma pedra plaina. Brilhava muito. Saí do atalho para dar uma olhada.

Houve um súbito silêncio na habitação. Só podia ouvir o vento fora, um uivo fúnebre que atravessava as árvores. Jessica notou um calafrio descendo pelas costas. Pôde perceber a resposta em Dillon. Seu corpo cobria quase completamente o dela enquanto se apoiavam no balcão, assim era impossível não dar-se conta da súbita tensão que se apoderou dele. Realmente estremeceu para ouvir aquilo.

-Tem certeza de que viu um duplo círculo, Trevor? -O rosto de Dillon era uma máscara inexpressiva, mas seus olhos estavam ardendo.

-Sim, senhor. -respondeu Trevor. -Se distinguia perfeitamente. Não consegui chegar bastante perto para ver do que estava feito antes de tudo se derrubasse sobre minha cabeça. Não estava esculpido ou desenhado sobre a pedra. Era feito de algum material colocado sobre ela. Isso é tudo o que pude ver antes de tropeçar com um tronco e de que tudo aquilo caísse sobre mim. Pude me colocar em um pequeno oco da parede para não acabar esmagado. Tampei a boca e o nariz até que tudo estivesse calmo e pude respirar um pouco, esperando que viessem me resgatar. Sabia que Tara iria buscar vocês a toda pressa.

Dillon continuou olhando seu filho.

-Brian, tornou a fazer toda essa porcaria em minha casa? Como se atreve depois de tudo o que aconteceu?

Ninguém moveu. Ninguém falou. Ninguém olhava o baterista. Brian suspirou brandamente.

-Dillon, eu tenho minha própria fé... E sim, pratico-a em qualquer lugar que estou.

Dillon voltou à cabeça devagar para fixar em Brian seu intenso olhar.

-Está praticando esse lixo aqui? Em minha casa? -Endireitou-se lentamente e houve algo muito perigoso, totalmente letal, na postura de seu corpo quando alcançou toda sua estatura.

Dillon era vagamente consciente de que Jessica tentava lhe frear colocando brandamente uma mão em seu braço, mas nem sequer se dignou a olhá-la. A ira que parecia bulir sempre dentro dele percorreu como uma tremenda onda. As lembranças, terríveis e escuras, ressurgiram para devorar. Os gritos. Os cânticos. O aroma do incenso misturado com o aroma rançoso do sexo. O rosto aterrorizado de Jessica. Seu corpo nu pintado com aqueles símbolos repugnantes. A mão de um homem violando suas inocentes curvas enquanto outros se apinhavam ao seu redor, ofegando obscenamente. Observando. Acariciando-se e masturbando-se para levar seus próprios corpos a uma excitação febril enquanto respiravam a sua líder para que seguisse adiante.

A bílis subiu a garganta, ameaçando lhe afogar. Dillon reprimiu o impulso de enroscar as mãos ao redor da garganta de Brian e apertar. Em vez disso, permaneceu totalmente imóvel, apertando as mãos até formar punhos.

-Se atreveu trazer de novo essa abominação a minha casa, depois de todo o dano que fez? -Seu tom era suave, mas ameaçador... Uma ameaça implícita que provocava calafrios.

-Trevor e Tara subam acima agora mesmo. -Jessica ficou de pé também, muito preocupada com o que poderia acontecer. -Vamos, imediatamente. Não quero escutar contestações.

Jessica raramente usava esse tom de voz. Os gêmeos jogaram um olhar a seu pai e a Brian e obedientes deixaram a habitação. Trevor olhou para trás, preocupado por Jessica, mas ela não estava o olhando e não tinha mais remédio que ir com Tara.

-Quero-te fora da ilha, Brian, e não volte jamais. -Dillon pronunciou cuidadosamente cada palavra.

-Irei Dillon. -Os olhos escuros de Brian traíam sua crescente fúria. –Mas vai escutar-me primeiro. Não tenho, nem tive nunca, nada que ver com o Ocultismo. Não rendo culto ao diabo. Eu nunca introduzi Viv nessas coisas, foi outra pessoa. A única coisa que fiz foi falar com ela, para que se afastasse de tudo isso.

Jessica acariciou meigamente o braço rígido de Dillon, de cima abaixo, sentindo os relevos de sua pele, avultada nas cicatrizes, lembranças que aquela espantosa noite deixou para sempre em sua carne.

-Continua. -Disse Dillon com tom áspero.

-Minha religião é antiga, sim, mas se apóia na Natureza, nos espíritos que vivem na harmonia com a terra. Uso os círculos mágicos, mas não invoco o mal. Isso estaria contra todas minhas crenças. Fiz tudo que pude para fazer Viv compreender a diferença. Interessavam-lhe tanto as coisas destrutivas... -As lágrimas brilharam em seus olhos, e a boca tremia visivelmente. -Eu não era o único que a amava, todos nós a queríamos. E todos a perdemos. Dava-me conta de como caía em pecado, igual a você. Fiz tudo o que pude para detê-la, de verdade, do instante em que averigüei que estava envolta em toda essa confusão Satânica.

Dillon enterrou os dedos em seu cabelo.

-Nem sequer eram Satânicos realmente. -Disse brandamente, com um doloroso suspiro.

-Ela se voltou louca quando começou a relacionar-se com o Phillip Trent. -Disse Brian.       -Fazia caso de tudo o que ele dizia como se fosse o evangelho. Juro-lhe isso, Dillon, eu tentei detê-la, mas não pude neutralizar a influência que tinha sobre ela. -Parecia como se estivesse vindo abaixo, com o rosto esmigalhado pelas lembranças.

Dillon sentia que sua ira ia desaparecendo. Conhecia Brian de toda a vida. Sabia que estava dizendo a verdade.

-Trent a arrastou a um mundo de drogas e mentiras perversas tão rápido que não acredito que nenhum de nós tivesse podido freá-lo. Pedi que o investigassem. Tinha sua própria seita religiosa, queria conseguir dinheiro, drogas e sexo, emoções fortes talvez, mas não havia nada pelo que pudessem lhe prender.

Jessica se separou dele, ardiam-lhe os pulmões. Precisava estar sozinha. Longe de todos eles. Inclusive de Dillon. As lembranças se amontoavam muito perto da superfície. Nenhum deles sabia o que lhe tinha acontecido e a discussão estava roçando limites que não queria escutar.

-Sinto muito, Brian, suponho que é mais fácil jogar a culpa a alguém. Pensei que o tinha superado... Devia tentar com mais firmeza interná-la em um hospital.

-Não faço rituais em sua casa. -Disse Brian. -Sei como se sente a respeito. Sei que tem um gerador de emergência em caso de que o principal quebre porque não pode permanecer perto de uma vela com a chama acesa. Sei que não quer ver incenso nem nenhum outro aviso dos ritos ocultistas que se realizavam aqui, e não te culpo, assim faço sempre minhas práticas religiosas fora da casa. Sinto muito, não quis te desgostar, Dillon.

-Não devia ter te acusado. A próxima vez, se livre do círculo para que as crianças não possam sentir curiosidade. Eu não gostaria de ter que explicar nada disso.

Brian parecia desconcertado.

-Não fiz nenhum ritual perto do atalho, nem sequer nessa zona. –Seu protesto foi apenas um murmúrio.

O olhar e a atenção de Dillon passaram a Jessica. Ela estava muito pálida. Tremiam-lhe as mãos e as sujeitou atrás de suas costas enquanto retrocedia para a porta.

-Jess. -Foi quase um gemido.

Ela sacudiu a cabeça, olhando aos olhos e rogando que a entendesse.

-Vou acima, quero passar um momento com os gêmeos.

Dillon permitiu ir, notando como seu coração ia com ela enquanto abandonava o ambiente.

  

Tara ergueu as cobertas para permitir Jessica meter-se sob a colcha. Embainhada em sua calça de algodão e uma camiseta e com a juba flutuando pesadamente sobre suas costas, estava totalmente preparada para deitar-se. Saltou sobre a cama que Trevor preparou no chão e se deslizou junto à Tara.

-Por que faz tanto frio no quarto?

-Seu misterioso “abre-janelas” entrou também no quarto de Tara. -Disse Trevor. -Estava completamente aberta, com as cortinas empapadas pela chuva. E o quarto estava cheio de névoa, Jess. -Deliberadamente, não mencionou nada sobre o círculo mágico que havia no chão ao lado da cama, desenhado com cinza de incenso, que ele e Tara fizeram desaparecer. Jess nunca lhes perderia de vista se soubesse disso.

Jessica suspirou.

-Que estupidez. Alguém tem a mania de ir abrindo janelas... Olharam em seu quarto, Trev? Havia algo fora do lugar?

-Não, mas instalei uma câmara em meu quarto -disse com um sorriso descarado -pensei que se alguém entrasse em meu quarto e mexesse em minhas coisas, vou querer saber quem é.   -Fez um movimento muito significativo com as sobrancelhas.

-E se pode saber de quem suspeita e o que é que acha que está procurando? -Perguntou Jessica.

-Imaginei que pegaria Brenda procurando dinheiro vivo. -Admitiu-o.

-Brenda é boa agora. -Objetou Tara. -Ela não olharia em suas pestilentas velhas meias três - quartos para procurar os tostões que todos sabemos que esconde nelas.

-Só você sabe isso. -Trevor a olhou zangado.

-Agora eu também. -Assinalou Jessica com um sorriso pretensioso.

Tara enrugou seu nariz.

-Ele guarda o dinheiro no par de meias três - quartos mais sujo e mais pestilento que tem.

-Isso é repugnante, Trevor. Ponha suas meias três - quartos no cesto da roupa suja.             -Advertiu Jessica. -Não é nenhum tipo de banco.

-Vai nos contar se papai matou ou não Brian? -Trevor tentou parecer despreocupado, mas havia uma sutil inquietação em sua voz - A curiosidade está me matando.

-Claro que não o fez. A religião de Brian é uma muito antiga, e rende um culto a Terra e aos espíritos que estão em harmonia com ela. Não é um adorador do demônio nem um ocultista.     -Ela duvidou, olhando aqueles dois rostos idênticos. -Sua mãe seguiu seu exemplo durante algum tempo, mas durante o último ano de sua vida, quando ficou tão doente, encontrou-se com um homem chamado Phillip Trent. Ele era realmente mau. -O simples feito de pronunciar seu nome a pôs doente. Pôde perceber então essa frieza arrastando-se pela habitação. Sobrenatural. Inominável. Apertou seu estômago sob as cobertas, aterrada com a possibilidade de ficar realmente doente.

-O que acontece, Jess? -Trevor se incorporou de um salto.

Ela negou com a cabeça. Tinha ocorrido há muito tempo. Em uma casa diferente. Esse homem maligno estava morto e nada do que tinha feito em vida estava vigente. Era impossível. Tudo tinha se queimado até os alicerces, tinha ficado reduzido a um montão de cinzas. Foi só sua imaginação que a fez perceber um ligeiro bater de asas da cortina devido a uma corrente fria... Já que a janela estava fechada. Era só sua imaginação que fazia com que ela se sentisse observada, vigiada por uns olhos posados nela. Escutando. Foi isso o que a fez pensar que se falava disso nesse momento, o mal triunfaria facilmente.

-Seu pai se deu conta disso. Brian explicou que ele rende culto fora da casa, por respeito a seus sentimentos. Não perguntei nada sobre o círculo que apareceu em meu quarto porque quero perguntar em particular. Dillon é muito protetor com todos nós. Eles são bons amigos e já solucionaram suas diferenças. -Jessica estremeceu de novo, olhando atentamente os cantos ocultos nas sombras. Sentia-se intranqüila. As lembranças estavam à flor da pele. Apertou a colcha com força.

Tara inclinou sobre ela, estudando seu rosto. Lançou um olhar preocupado a seu irmão, e então pôs sua mão sobre a de Jessica, esfregando carinhosamente.

-Nos conte o “Conto de Natal”, Jessie. Sempre nos faz sentir bem.

Jessica deslizou mais profundamente na cama, aconchegando-se contra o travesseiro, querendo esconder-se sob as cobertas como uma criança assustada.

-Não acredito que o recorde bem.

Trevor soprou com ceticismo, mas começou a narrar o conto familiar.

-Havia uma vez duas crianças muito bonitas. Dois gêmeos, um menino e uma menina. O menino era inteligente e bonito e todos o queriam, sobre tudo todas as meninas do bairro, e a garota era uma pequena selvagem, mas todos a toleravam generosamente...

-A verdadeira história ao contrário. -Declarou Tara indignada.

-A verdadeira história é que ambos eram maravilhosos. -Corrigiu Jessica, caindo totalmente em sua tática muito óbvia. -As crianças eram boas e amáveis, e todos os queriam muito. Mereciam ser muito felizes, mas ambos tinham o coração quebrado porque um malvado Feiticeiro levou seu pai. O Feiticeiro o tinha preso em uma torre, longe das crianças, em uma terra amarga e fria onde não existia o sol e que nunca via a luz do dia. Onde não havia risadas, nem amor, nem música. Seu mundo era deserto e seu sofrimento enorme. Ele sentia falta de seus filhos e de seu verdadeiro amor.

-Sabe Jess? -disse Trevor divertido. -Tudo isso do “amor verdadeiro” me parecia uma estupidez quando era pequeno, mas acredito que agora eu gosto.

-Essa é a melhor parte. -Objetou Tara, espantada pela falta de romantismo de seu irmão.     -Se não puder perceber isso, Trev, não há nenhuma esperança de que alguma garota te queira na vida.

Ele riu brandamente.

-Isso está nos gens, irmãzinha.

Tara pôs os olhos em branco.

-É tão sinistro, Jessie... Acha mesmo que tem alguma esperança? Não responda apenas nos conte por que o Feiticeiro mau o levou e o pôs na torre.

-Ele era um homem muito bonito, com o rosto de um anjo e o coração de um poeta. Cantava com uma voz que era um presente dos deuses e em qualquer lugar que fosse às pessoas lhe amavam. Era amável e bom, e fazia todo o possível por ajudar aos outros. Alegrava a vida das pessoas com sua música e sua maravilhosa voz. O Feiticeiro ficou ciumento porque as pessoas o queriam tanto. O Feiticeiro não queria que ele fosse feliz. Queria que o pai dos pequenos fosse horrível, por dentro e por fora, que fosse tão cruel como ele era. Assim que o Feiticeiro levou tudo o que o pai amava. Seus filhos. Sua música. Seu verdadeiro amor. O Feiticeiro queria que ele se tornasse retorcido e amargurado. Torturava ao pai com uma terrível e espantosa crueldade nos calabouços da torre. Os seguidores do malvado Feiticeiro o feriram, desfiguraram-no e depois o prendiam na torre, sentenciando à escuridão eterna. Ele ficou sozinho, sem ninguém com quem falar sem ninguém que o reconfortasse e seu coração chorava de dor.

Jessica fez uma pausa. Eles nunca saberiam o que a vida lhe tinha feito... O que tinha arrebatado. Os gêmeos tinham escapado pelos cabelos do fogo e tinham só vagas lembranças de Dillon tal e como era antes: o poeta carismático e alegre que trouxesse tanta felicidade a todos com sua mera presença.

-As crianças, Jess -a incitou Trevor -nos fale sobre eles.

-Eles amavam seu pai com todo seu coração, tanto que suas lágrimas fizeram crescer os rios até transbordar-se. O verdadeiro amor de seu pai os consolava e recordava que ele queria que seus filhos fossem fortes, dignos exemplos do que ele tinha feito em sua vida. Muitas pessoas lhes ajudaram. Pessoas carinhosas que as tomaram sob seu amparo quando não havia ninguém mais que o fizesse. E as crianças seguiram com seu exemplo de ajudar às pessoas, como amostra da lealdade e o amor que lhe tinham, embora seus corações chorassem ao sentir o sofrimento de seu pai.

"Uma noite, quando fazia muito frio e caía a chuva, quando estava escuro e as estrelas não iluminavam o céu, uma pomba branca posou no batente de sua janela. Estava cansada e faminta. As crianças a alimentaram imediatamente com seu pão e deram sua água. O amor verdadeiro do pai esquentou ao estremecido pássaro acolhendo-o em suas mãos. Para seu assombro, a pomba falou com eles, dizendo que o Natal estava próximo. Eles deviam encontrar a árvore perfeita, trazê-la para casa e decorá-la com pequenos símbolos de amor. Devido a sua bondade, um milagre lhes concederia. A pomba disse que poderiam pedir o que quisessem: incalculáveis riquezas, uma vida imortal... Mas as crianças e o amor verdadeiro do pai disseram que só queriam uma coisa. Queriam que devolvesse seu pai.

-A pomba avisou de que ele não seria o mesmo, que seria diferente. -Disse Tara, destacando avidamente esse detalhe.

-Sim, é certo, mas as crianças e ao verdadeiro amor do pai não lhes importaram, queriam que voltasse sem importar como estivesse. Tinham certeza de que o que havia em seu coração nunca mudaria.

Fora do quarto de Tara, Dillon se apoiou contra a porta, escutando o som da bonita voz de Jessica contando seu conto de Natal. Tinha vindo procurá-la, apavorado pela dor que tinha visto em seu rosto, com a necessidade de eliminar o pesadelo que nublava seus olhos. Deveria saber que estaria com os gêmeos. Seus filhos. Sua família. Estava no outro lado da porta. Esperando-lhe. Esperando um milagre. As lágrimas ardiam em seus olhos e escorriam pelas bochechas, fazendo um nó na garganta que ameaçava estrangulá-lo enquanto escutava a história de sua vida.

-Eles encontraram a árvore perfeita? -perguntou Tara. Havia tal nota de esperança em sua voz que Dillon fechou os olhos para deter outro dilúvio de lágrimas. Brotavam do mais profundo de sua alma. E havia suficiente para transbordar um rio.

-Ao princípio eles acreditaram que para a pomba “perfeita” significava que a árvore fosse muito bela fisicamente -a voz de Jessica era tão baixo, realmente custava muito trabalho ouvi-la -Mas ao final, quando procuravam através do bosque, deram-se conta que significava algo muito diferente. Eles encontraram uma pequena árvore, escondida entre as sombras das maiores. Tinha poucos ramos e estavam bastante torcidos, mas eles souberam em seguida que tinham encontrado a árvore perfeita. Todos outros tinham passado por cima. Perguntaram-lhe à árvore se gostaria de celebrar o Natal com eles e a árvore concordou. Fizeram-lhe uns enfeites maravilhosos e decoraram a árvore com muito cuidado, e em Véspera de natal, sentaram-se os três a seu lado, esperando o milagre. Souberam que tinham escolhido a árvore perfeita quando a pomba posou alegremente nos ramos.

Produziu-se um longo silencio. A cama rangeu como se alguém se movesse em cima dela.

-Jessie... Não vai nos contar o final da história? -Perguntou Trevor.  

-Ainda não sei o final da história. -Respondeu Jessica.

Estava chorando? Dillon não poderia agüentar mais se estivesse chorando.

-Claro que sabe. -Queixou Tara.

-Deixa-a em paz, Tara. -Aconselhou Trevor. -Melhor, vamos dormir.

-Contarei na manhã de Natal. -Prometeu Jessica.

Dillon escutou o som do silêncio no quarto. A tensão em seu peito era uma agonia. Tentou se livrar da dor separando-se da porta, descendo os degraus... Escondendo-se na escuridão de sua torre.

Jessica permanecia deitada, escutando os ruídos que os gêmeos faziam ao dormir.

Era reconfortante escutar sua firme respiração. Fora da casa, o vento golpeava as janelas como uma mão gigante, agitando as venezianas até que os vidros se sacudiam alarmantemente. A chuva açoitava com força o vidro, com um monótono ritmo que a consolava. Adorava a chuva, o aroma limpo fresco que trazia, a maneira como limpava o ar de qualquer rastro de fumaça. Inspirou forte, flutuando pela metade entre o sono e a vigília. A névoa alagou de repente o quarto, trazendo consigo um aroma que ela reconheceu. Cheirou o incenso e franziu o cenho. Tentou mover-se. Seus braços e pernas pesavam muito e não conseguia levantá-los. Alarmada, lutou para despertar, compreendendo que se deslizou em sonhos até seu familiar e espantoso pesadelo.

Não os olharia. A nenhum deles. Tinha ido mais à frente do terror, para um lugar onde não poderiam alcançá-la, onde não podia sentir nada. Tentou não respirar. Não queria cheirar, nem ao incenso, nem ouvir os cânticos nem sentir o que estavam fazendo a seu corpo. Notava uma mão sobre ela, deliberadamente rude, tocando-a cruelmente enquanto ela jazia ali, totalmente indefesa diante do seu ataque. Tinha lutado até que não ficaram forças. Nada deteria esta conduta demente e ela o suportaria, porque não ficava nenhuma outra opção.

A mão a apertou forte, sondado nas suaves e íntimas curvas de seu corpo. Ela não queria senti-lo, não gritaria de novo. Não podia deter as lágrimas; percorriam suas bochechas e caíam ao chão. De repente, a porta se abriu com uma furiosa patada que a fez pedaços e a deixou pendurando das dobradiças em um estranho ângulo. Ele parecia um anjo vingador, com o rosto transformado pela fúria, e os olhos azuis ardendo de raiva.

Ela se encolheu quando a olhou, quando viu a obscenidade do que lhe estavam fazendo. Não queria que ele a visse sem roupa e com aqueles símbolos malignos estendidos sobre seu corpo. Ele se moveu tão rápido que não tinha certeza de que era real e a arrancou dos braços do Phillip Trent. Escutou o som de um punho golpeando carne e viu o sangue que orvalhava o ar. Ela estava indefesa, incapaz de mover-se, incapaz de olhar o que estava acontecendo. Escutava os gritos, os grunhidos, o rangido dos ossos. As obscenidades que se gritavam. O aroma do álcool. Tinha certeza de que nunca poderia suportar esse aroma de novo.

E então ele a envolveu com sua camisa, a soltando das cordas que amarravam suas mãos e pés. Levantou-a nos braços, com as lágrimas deslizando por seu rosto.

-Sinto muito, minha vida, sinto muito... -sussurrou contra seu pescoço enquanto a tirava do quarto. Ela pôde vislumbrar alguns móveis destroçados, cristais quebrados e pulverizados pelo chão. Alguns corpos retorcendo-se e gemendo no chão enquanto ele a tirava dali. Suas mãos estavam cheias de sangue, mas foram doces enquanto a deixavam na cama e a balançavam brandamente enquanto chorava e chorava... Até que os corações de ambos acabaram destroçados. Pediu-lhe que não contasse a ninguém como a tinha encontrado.

Ela não tinha nem idéia de quanto tempo tinha passado. Ele estava furioso e sua ira era mortal. Dizia-lhe que ela necessitava sua mãe, e escapou fora do quarto para sair a tomar o ar fresco, onde não pudesse ferir ninguém. Ela se esfregou com força na ducha, até que sua pele esteve em carne viva, até que não ficou nenhuma lágrima para verter. Estava se vestindo, tentando abotoar a camisa a pesar do tremor de suas mãos, quando ouviu os disparos. O som da arma foi inconfundível. O aroma de fumaça a curvava. Levou-lhe uns instantes dar-se conta de que não era o vapor do banho o que enchia o quarto de espessa fumaça. Teve que arrastar-se através da sala para chegar ao quarto dos gêmeos. Estavam chorando, escondidos sob a cama. As avaras chamas se estenderam rapidamente pela sala, consumindo às cortinas. Não havia forma de chegar até os outros.

Arrastou as crianças até a enorme janela e os empurrou através dela, seguindo-os deixando cair a terra, escorregando no chão poeirento. Tara se arrastou cegamente para frente, as lágrimas que se derramavam de seus inchados olhos não permitiam ver nada. Gritou quando caiu por cima da beira, Jessica se lançou atrás dela. Rodaram e ricochetearam, deslizando-se diretamente por volta do mar. Tara desapareceu sob as ondas, Jessica mergulhou atrás dela. Para baixo. Na escuridão. A água salgada ardia. O frio congelava seus membros. Seus dedos roçaram a camisa da menina, mas não conseguiu agarrá-la. Estendeu a mão de novo, conseguiu aferrar uma parte de malha e a sujeitou com força. Moveu as pernas com fúria. Dirigindo-se à superfície. Esforçando-se por superar os golpes das ondas e pôr a salvo sua preciosa carga. Conseguiu chegar até as pedras da beirada, ofegando angustiosamente pelo esforço, com a menina nos braços. Seu mundo se derrubou.

Fumaça negra. Ruído. Alaranjadas chamas que se elevavam até as nuvens. Gritos. Extenuada, abraçou Trevor quando se uniu a elas na beira. Juntos, percorreram lentamente o caminho que levava a parte dianteira da casa. Ela viu Dillon ali de pé. Estava imóvel. Uma negra silhueta com os braços estendidos. Permanecia em um silêncio absoluto, mas seus olhos gritavam enquanto olhava as cinzas assustado. Olhou para ela. E além dela, para as crianças. Então compreendeu. Compreendeu por que ele tinha entrado em um inferno em chamas. Seu olhar se encontrou com a dela enquanto ele permanecia ali indefeso, olhando-a da mesma maneira em que o fez quando a resgatou. Enquanto vivesse, ela jamais esqueceria aquele olhar em seu rosto, o horror refletido nos olhos. Jessica viu seus dedos convertidos em cinza e como essa cinza caía ao chão. E se ouviu gritar tentando rechaçar essa imagem. Uma e outra vez. E o som em si era pura angústia.

-Jessie. -Trevor pronunciou seu nome enquanto abraçava gentilmente Tara. Olhavam assustados como Jessica se apertava contra a parede perto da janela, gritando uma e outra vez, com seu rosto convertido em uma máscara de terror. Tinha os olhos abertos, mas sabiam que ela não os via. Via outra coisa, algo vívido e real para ela que eles não podiam distinguir. Os terrores noturnos eram algo horripilante. Jessica estava apanhada na rede de um pesadelo e algo que fizessem poderia ser pior.

A porta do quarto se abriu de repente e seu pai entrou rapidamente, ainda fechando as calças jeans. Não vestia camisa e estava descalço. Seu cabelo estava grosseiramente revolto, caindo ao redor de seu masculino rosto como se fora seda negra. Seu peito e seus braços eram uma massa de rígidas cicatrizes e avolumada pele avermelhada. As cicatrizes desciam por seus braços e estendiam pelo peito e o abdômen, onde deixavam passo à pele normal.

-Que demônio acontece aqui? -Exigiu saber Dillon, mas seu frenético olhar já tinha descoberto Jessica apoiada contra a parede. Olhou seus filhos. -Estão bem?

Tara olhava fixamente o amontoado de cicatrizes. Com esforço, deslizou seus olhos até seu rosto.

-Sim, ela sempre tem pesadelos. Mas este é um dos piores.

-Sinto muito, esqueci me pôr à camisa. -Disse Dillon brandamente antes de dirigir toda sua atenção Jessica. -Acorda querida já terminou. -Sussurrou brandamente. Sua voz era rouca e lhe acariciavam, quase hipnótica. -Sou eu, meu amor, está a salvo. Não permitirei que ninguém faça mal a você.

Tara voltou à cabeça ao advertir que havia mais pessoas abarrotadas na porta de seu quarto. Teve que piscar para eliminar as lágrimas de seus olhos e conseguir enfocar a vista para eles. Trevor passou o braço por seus ombros, consolando-a.

-Por todos os céus... -disse Brenda. -O que aconteceu agora?

-Os tire daqui, Trevor -ordenou Dillon -os tire daqui e feche bem a porta.

Trevor o fez imediatamente. Não queria que ninguém visse Jessica em um estado tão vulnerável. E não gostava da maneira como eles olhavam fixamente o corpo de seu pai. Agarrou Tara pelo braço e abriu caminho através do grupo, fechando com força a porta atrás dele e deixando Dillon a sós com Jessica.

-Acabou o espetáculo. -Disse zangado. -Todos deveriam retornar a seus quartos.

Brenda olhou fixamente.

-Eu apenas queria ajudar. Se Jessica me necessitar, não me importa acompanhá-la.

Para assombro de todos, Tara envolveu seus braços ao redor da cintura de Brenda e se abraçou com força a ela.

-Eu te necessito. –Disse. -Eu lhe fiz mal de novo...

Trevor esclareceu garganta.

-Não fez nada disso, Tara. -Alegrava-se de ver como se dispersavam os membros da banda, deixando apenas Brenda e Robert.

-Sim, fiz, fiquei olhando fixamente suas cicatrizes e ele se deu conta. -Confessou Tara, abraçando-se a Brenda. -Inclusive enquanto tentava ajudar Jessie quando estava gritando, ele notou. E disse que sentia muito. -As lágrimas deslizavam por suas bochechas. -Eu não quis olhá-lo fixamente, devia ter olhado para outro lado. Deve haver doído tanto...

Foi Robert que apoiou a mão sobre sua cabeça, em um torpe esforço por consolá-la.

-Nós não pudemos detê-lo. A casa estava totalmente consumida pelas chamas. Gritava chamando você e seu irmão, e Jessica. Correu para a casa. Eu o agarrei, até mesmo Paul. Mas ele nos derrubou. -Havia dor em sua voz e um claro tom de culpa. Robert fez uma pausa e esfregou a ponta do nariz, franzindo o sobrecenho ligeiramente.

Brenda apoiou a mão em seu braço. Despreocupadamente. Como se não tivesse importância, mas Trevor viu o que fez. Reconfortou Robert. Robert olhou sorridente a mão de Brenda e inclinou para beijar as pontas de seus dedos.

-Ele correu dentro da casa, atravessando a cortina de chamas. Paul tentou seguir, mas Brian e eu lhe agarramos e sujeitamos. Deveríamos ter feito o mesmo com Dillon. Deveríamos tê-lo feito... –Sacudiu a cabeça, tentando se livrar das lembranças.

Trevor se encontrou estendendo a mão para seu tio, tocando pela primeira vez.

-Ninguém poderia detê-lo. Se algo sei de meu pai é que ninguém teria evitado que tentasse nos salvar. -Jogou um olhar para a porta fechada. Os gritos de Jessica se detiveram. Podia ouvir o suave murmúrio da voz de Dillon. -Ninguém poderia evitar que tentasse salvar Jess.

Robert piscou e cravou a vista em Trevor.

-Se parece muito a ele, a como ele era antes. Tara, o que tento dizer é que não tema olhar as cicatrize do seu pai. Jamais se envergonhe de sua aparência. Essas cicatrizes são a prova de seu amor por vocês, do muito que significam para ele. É um grande homem, alguém de quem deveriam estar orgulhosos, e podem tem certeza de que ele sempre os colocou antes a qualquer coisa. Poucas pessoas têm algo assim e acredito que é importante que saibam que vocês o têm. Eu nunca poderia ter entrado nessa casa, nenhum de nós teria feito, embora tivéssemos escutado os gritos.

-Não continue Robert. -Disse Brenda com firmeza. -Ninguém teria podido salvar essas pessoas. Você nem sequer sabia que estavam lá.

-Sei, sei... -passou uma mão pelo rosto, tentando se livrar dos velhos horrores e obrigando-se a esboçar um sorriso para mudar de assunto. -Alguém quer jogar uma partida desses estúpidos jogos de mesa de Brenda? Ela parece obcecada com eles.

-Sempre ganho. -Assinalou Brenda sem alterar-se.

Trevor olhou nervosamente a porta fechada e depois transladou a atenção para sua tia

-Eu sim que ganho sempre. -Advertiu.

Tara agarrou a mão de Robert.

-Isso é verdade. -Confiou ela.

-Então se declarou a guerra. -Decidiu Brenda, dirigindo-se para seu quarto. -Detesto perder qualquer coisa.

-De verdade que tem uma apólice de seguros para nós? -perguntou Trevor com curiosidade enquanto a seguia pela sala.

-Claro e tolo, não são mais que crianças, e as possibilidades de que cometam alguma estupidez são muito altas. -Comentou Brenda complacentemente. -Todas essas piruetas...             -Adicionou sorrindo por cima do ombro.

Trevor sacudiu a cabeça.

-Já não acredito em nada, Tia. Não é a garota má que todo mundo acredita.

Brenda retrocedeu visivelmente.

-Nem pense em mencioná-lo, é um sacrilégio. E a propósito, suas pequenas e inteligentes travessuras não me assustam nem um pouco, assim você também pode deixar de simular o que não é.

-Eu não faço pequenas travessuras. -Trevor objetou vigorosamente a escolha de suas palavras. -Se gastasse uma brincadeira, não seria amável e nem pequena. Assustaria a você. Sou um profissional das travessuras.

Brenda abriu a porta de seu quarto, levantando uma sobrancelha presunçosamente quando ele a precedeu ao entrar.

-De verdade? Então de quem era essa cabeça encapuzada que aparece em minha janela e quem deixou as misteriosas mensagens escritas no espelho de minha penteadeira? Saia daqui enquanto ainda há tempo. -Ela pôs os olhos em branco. -Certamente é algo absolutamente infantil. E como explica o som da água na banheira tampada e o quarto sempre cheio de névoa? Se eu não soubesse que fosse você, estaria com os nervos a flor da pele, a janela aberta e o círculo mágico de Brian é um bom detalhe, uma maneira de desviar as suspeitas. Conversamos sobre isso, e sabemos que foram vocês. Inclusive esse sujo cão que lhes segue a todas as partes está de conluio, grunhindo a névoa e olhando fixamente a um nada só para nos assustar.

Houve um pequeno silêncio. Tara e Trevor intercambiaram um longo olhar.

-Sua janela estava aberta quando entrou em seu quarto? -perguntou Tara com voz firme. -E há uma espécie de névoa ou vapor que enche todo o quarto?

Robert a olhava intensamente.

-Está dizendo que vocês não são responsáveis por essas travessuras? -serviu-lhes um refresco com gelo da pequena geladeira que tinham no quarto.

Trevor sacudiu a cabeça, e deu um bom gole da bebida, agradecendo que estivesse frio. Não se tinha dado conta da sede que tinha.

-Não, senhor, nós não fomos. A janela de Jessica também está aberta todo o tempo. -Um medo frio se estendeu pelo quarto diante da sua negativa. -A janela de Tara estava aberta esta tarde. Cheirava a incenso queimado e tinham desenhado um desses círculos no chão, igual ao que havia na habitação de Jessie. Jess não disse nada a Dillon porque teve medo de que ele deixasse a gravação, e ela acredita que é importante para ele e todos os outros comporem sua música.

Robert e Brenda intercambiaram um longo olhar.

-Se vocês, crianças, estão gastando uma de suas brincadeiras, é hora de que confessem.     -Insistiu Robert. -Sabemos que as crianças fazem esse tipo de coisas. -Tirou o Cluedo[1] do armário e o colocou sobre a mesa.

-Que oportuno, um jogo de assassinatos na escuridão em uma noite de tormenta justo quando estávamos falando de feitos misteriosos... -observou Brenda enquanto estendia o tabuleiro de jogo sobre a pequena mesa.

-Nós não fizemos nenhuma dessas coisas. -Insistiu Trevor. -Não sei quem tem feito ou por que, mas algo está claro: Quer-nos fora daqui.

-Por que diz isso? -perguntou Robert interessado enquanto separava os cartões.

Trevor notou que sua folha para anotar as pistas estava cheia e a amassou procurando um cesto de papéis ao seu redor. Não poderia lançar a bola de papel para melhorar sua técnica porque o cesto de papéis estava cheio de jornais. Com um suspiro, levantou-se e caminhou para ela. Por alguma razão seu estômago estava começando a dar espetadas e notava sua pele úmida. A conversa incomodava muito mais do que deveria.

-Não sei, mas sempre parece que algo nos está observando. Quando deixamos o cão entrar e estamos sozinhos em um ambiente, às vezes ele começa a grunhir, olhando para a porta. Arrepia-lhe todo o pelo do lombo. É horripilante. Mas quando abro a porta para comprovar quem está atrás, nunca há ninguém.

-Não digo que esteja mentindo -disse Robert -porque aqui também aconteceram algumas coisas estranhas. Pensamos que fossem vocês os responsáveis, assim não dissemos nada... Mas agora me parece que nada disto tem boa pinta. Contaram a Jessie?

Trevor se inclinou para jogar a bola ao cesto de papéis. O jornal chamou a atenção. Tinha pequenos buracos que coincidiam com letras recortadas. Jogou uma olhada a sua tia e a seu tio. Estavam colocando os cartões no tabuleiro. Tara parecia pálida, com o cenho franzido. Sujeitava o estômago como se também tivesse cãibras. Trevor levantou um pouco o jornal. Recordou-lhe os filmes nos que formam mensagens colando as letras a um papel. O copo que havia diante de Tara estava vazio. Um calafrio de medo desceu por suas costas. Endireitou-se lentamente, afastando dissimuladamente do cesto de papéis.

-Não, não dissemos nada a Jessie. Ela está ocupada com a gravação e fica muito protetora com essas coisas. -Olhou a sua tia diretamente. -Começo a me sentir muito mal. Isso não era um refresco, verdade?

-Eu tampouco me encontro bem. -Admitiu Tara.

Brenda inclinou solicitamente sobre Tara.

-Pode ser que tenha gripe?

-Diga-me isso você. -Desafiou Trevor. Uma quebra de onda de náuseas se apoderou dele. -Temos que ir com Jessie.

Brenda inspirou indignada.

-Acredito que sou bastante capaz de cuidar de duas crianças com gripe.

-Isso espera... -disse Tara -... Porque vou vomitar. -correu para o banheiro, com a mão posta sobre o estômago.

Brenda pareceu atormentada por um momento, mas passou um instante e se apressou a segui-la.

 

-Jess, pequena, pode me ouvir? Sabe quem sou? -Dillon usou sua voz, uma mescla aveludada de calor e carícias, sem nenhum pudor. Não cometeu o engano de tentar aproximar-se dela, sabendo que poderia transformar-se em parte de seu aterrador pesadelo. Em vez disso, acendeu a luz, banhando o quarto com uma suave penumbra. Permanecia agachado frente a ela, movendo-se lenta e sutilmente. -Querida, volta comigo. Não deveria estar nesse lugar, não tem nada que fazer ali.

Olhava fixamente, enfocando a vista para algo além de seu ombro. Havia tanto terror e pânico em seus olhos que ele voltou realmente à cabeça, esperando ver algo. O quarto estava completamente gelado. A janela que havia atrás dela estava totalmente aberta e as cortinas se moviam como duas bandeiras brancas. Aquilo o pôs nervoso. Ela se apertava contra a parede, movendo-se nervosamente sobre a superfície, como procurando um refúgio. A respiração saía em ofegos de sua garganta quando seus dedos roçaram o batente e ela se dirigiu pouco a pouco para ele.

-Jess, sou Dillon. Olhe-me, querida, estou aqui com você. -Endireitou-se devagar, apoiando-se nos calcanhares. Seu coração pulsava com força devido a seu próprio medo. Ela tinha deixado de gritar, mas agora olhava fixamente algo que ele não podia ver contra o que não podia lutar.

Com um pequeno gemido de terror, Jessica se lançou para a janela aberta, tentando arrojar-se fora tão rápido como pôde. Dillon esteve em cima dela em um instante, envolvendo firmemente as mãos ao redor de sua cintura e arrastando-a de novo dentro da habitação. Ela lutou como uma selvagem, agarrando-se ao batente, às cortinas, cravando as unhas na madeira enquanto tentava desesperadamente escapar.

-Está no segundo andar, Jess. -Disse Dillon, enquanto tentava se esquivar das pernas que lançavam patadas. Conseguiu colocá-la no chão sem fazê-la mal e montou em cima para prendê-la e evitar que ela mesma se machucasse. -Acorda. Olhe-me.

Seu olhar seguia fixo em algum ponto atrás dele, enredada em uma rede em que ele não podia penetrar. Quando deixou de lutar, colocou-a em seu colo sobre o chão, sujeitando-a firmemente com os braços e começou a cantar brandamente. Era sua canção favorita, ou ao menos isso acreditava recordar. Sua voz encheu o quarto de calidez, de consolo, de promessas de amor e compromisso. Tinha escrito aquela canção nos dias que ainda tinha fé e esperanças, quando estava apaixonado e acreditava nos milagres. Quando ainda confiava em si mesmo.

Jessica piscou, olhou ao redor, e ficou absorta olhando as formosas feições de Dillon. Levou uns instantes a compreender que estava em seu colo, encerrada estreitamente em seu abraço. Girou a cabeça procurando os gêmeos. O quarto estava vazio.

Estremeceu, e relaxou completamente contra Dillon, permitindo que sua voz afugentasse qualquer resto de terror.

-Já retornou pequena? -Sua voz estava carregada de ternura. –Olhe-me. –Levou ambas as mãos para sua boca e beijou os dedos. -Diga-me que sabe quem sou. Juro que não permitirei que te aconteça nada. -Tinha Jessica em seu colo, só um fino tecido os separava, e saber isso estava fazendo que seu corpo despertasse. Seus peitos transbordavam na parte superior da fina camiseta, oferecendo uma generosa vista de toda aquela pele suave. A tentação de inclinar-se para saboreá-los era forte.

De algum jeito, Jess conseguiu esboçar um pequeno sorriso com seus lábios trementes.

-Sei Dillon. Sempre soube. Assustei muito Tara e Trevor?  

-Tara e Trevor? -repetiu ele surpreso. Assustou-me. -Tomou uma das mãos dela e a colocou sobre seu peito nu, justo em cima de seu coração, que pulsava com força. -Não acredito que possa suportá-lo outra vez. Realmente, não acredito que pudesse. -Percorreu o contorno dos lábios trementes dela com a ponta do dedo, um dedo cheio de cicatrizes. Os vultos da pele roçavam sensualmente sua suave boca. -Que pensa que vou fazer com você? Se ainda tivesse coração, teria destroçado. -Tinha tido tanto medo por ela que tinha saído de seu quarto sem sequer cobrir-se. Tinha acendido a luz para dispersar aquele mundo de pesadelos, sem dar-se conta de que também iluminaria a ele. Mantê-la em seu colo e expor seu corpo cheio de cicatrizes a seu olhar era a última coisa que alguma vez pensou que faria.

-Sinto muito, Dillon. -As lágrimas brilhavam fracamente em seus magníficos olhos verdes, armazenando-se sobre seus longos cílios. Ainda tremiam os lábios e só isso quase lhe partiu o coração. -Não queria que isto acontecesse. Não tinha nem idéia de que me poria assim...

Ele gemeu, e foi um gemido de rendição. A última coisa que queria é que ela o sentisse. Tirou-a de seu colo, há levantou um pouco e a colocou ao seu lado, colocando o braço ao redor de sua cintura, mantendo-a perto dele.

-Não chore Jess... Juro por Deus que se chora acabará comigo.

Ela enterrou o rosto contra seu peito, contra as cicatrizes de sua vida passada. Não fez nenhuma careta de dor, nem sequer olhou com aversão. Sua Jessica. Sua única luz na escuridão. Podia sentir suas lágrimas empapando a pele. Lançando um juramento a levantou nos braços, aconchegando contra seu peito. Só havia um lugar aonde poderia levá-la, o único lugar em que ela deveria estar. Levou para as escadas que subiam por volta do terceiro andar. Para seu refúgio, ao seu santuário... À guarida da besta. Deu uma patada à porta para fechá-la depois de entrar.

-Tem-me medo, Jess? -perguntou brandamente. -Diga-me se te der medo meu aspecto.   -Caminhou para a cama e a colocou sobre os lençóis. –Diga-me se acha que retornei a essa casa e fiz o que todos acreditam que fiz.

Ela descansou a cabeça sobre o travesseiro, encontrou o azul hipnótico de seus olhos, e imediatamente estava perdida, afogando-se naquele mar turbulento e profundo.

-Jamais tive medo de você, Dillon. -Respondeu honestamente. -Sabe que não acredito que fizesse nenhum disparo aquela noite. Nunca acreditei. Saber que retornou a casa antes que se disparasse a arma não muda o que penso de você. -Estendeu uma mão para tocar o rosto, enquanto a outra roçava ligeiramente seu peito. Como poderia pensar ele que suas cicatrizes lhe dariam asco? Tinha entrado em um inferno em chamas para salvar seus filhos. As cicatrizes formavam agora parte dele, tanto como aquele arrumado rosto. As gemas de seus dedos delinearam uma cicatriz avultada. Sua medalha ao valor, ao amor. Ela nunca poderia pensar em suas cicatrizes de nenhuma outra maneira. -E sempre me pareceu formoso. Sempre. Foi você que me manteve afastada. Tentei milhares de vezes de eu visitar na Unidade de Queimados, mas não deu seu consentimento. -Sua voz soava magoada, e havia dor em seus olhos. –Separou-me de você e deixou que sofresse sozinha. Durante muito tempo, nem sequer podia respirar se não estava ao seu lado. Então não podia falar com ninguém. Não sabia o que fazer.

-Merece algo melhor, Jess. -Disse severamente.

-E o que é melhor, Dillon? Estar sem você? A dor não desaparece. E tampouco a solidão... Não para mim... Nem para seus filhos.

-Sempre soube exatamente o que estava fazendo, o que valia minha pessoa. -A confusão refletiu em seu rosto. -Minha música me dava à medida do que eu era pelo que podia oferecer. Agora não sei o que poderia te oferecer. Deve estar completamente segura de que o que quer é ficar comigo, Jess, porque não poderia suportar te ter para perder depois. Tenho que saber que isto significa o mesmo para você que para mim.

Jessica sorriu enquanto ficava em pé. Deliberadamente se colocou diante da enorme porta corrediça de vidro que levava a sacada. Queria que a luz a iluminasse, para que não houvesse nenhum tipo de mal-entendido. Por toda resposta, pegou a parte inferior de sua camiseta e a tirou.

Ali de pé, justo diante dele, parecia uma beleza exótica, etérea, totalmente inalcançável. Sua pele brilhava como se fosse cetim, convidando a tocá-la. Seus peitos cheios, firmes, apontavam para ele, tão perfeitos que sentiu como o coração pulsava fortemente em seu peito e lhe secava a boca. Seu corpo esticou dolorosamente, a urgente necessidade de seu corpo pressionava firmemente contra o zíper de suas calças jeans.

Estendeu uma mão para aquele presente, roçando com a palma de sua mão aquela pele suave. Era exatamente como parecia e aquela suavidade lhe atraía como um ímã. A respiração de Jessica saía com dificuldade de sua garganta, seu corpo estremeceu quando ele cobriu seus peitos com as mãos. Seus polegares encontraram os brotos tensos e os acariciaram enquanto se inclinava sobre ela para apoderar-se de sua boca.

Jessica percebia tantas sensações... Seus peitos estavam dolorosamente sensíveis, desejando suas carícias, seus polegares produziam descargas elétricas que percorriam seu sangue até chegar ao centro de seu ser, a essa parte dela que notava torcida e necessitada. Todas suas terminações nervosas tinham cobrado vida, de maneira que o mero toque daquele cabelo sedoso enviou diminutos dardos de prazer que atravessaram seu corpo. Sua boca era dura e dominante, movendo-se sobre a dela, dentro da dela, falando de uma vasta experiência e de quente e doce paixão.

Fora, o vento começou a gemer atraído do mar, sacudindo as portas de vidro como se procurasse uma entrada. A boca de Dillon deixou a sua para seguir a linha de seu ombro, o oco de sua garganta, para fechar-se, quente e faminta, ao redor de seu peito. O corpo de Jessica sacudiu reagindo a aquela maravilhosa sensação, e levantou os braços para embalar sua cabeça. Sua boca estava incrivelmente quente, e sugava com força, como se fosse um homem esfomeado se dando um festim. Suas mãos deslizaram para as costelas e mais abaixo, arrancando com impaciência o cordão da calça de algodão de Jess.

Seu corpo começou a arder mais e mais, uma espiral de calor que ela não podia controlar. A calça do pijama caiu ao chão e Jessica a afastou a um lado com um pontapé, deleitando-se na maneira em que as mãos de Dillon deslizavam possessivamente sobre ela.

-Desejei-te durante tanto tempo... -sussurrou essas palavras entre ofegos, enquanto movia a cabeça de um seio ao outro e seus dedos acariciavam a curva de seu traseiro, detendo-se em cada oco, em cada sombra. -Ainda não posso acreditar que esteja realmente aqui comigo.

-Tampouco posso acreditar. -Admitiu-a enquanto fechava os olhos e jogava a cabeça para trás, arqueando seu corpo para facilitar o acesso a sua ávida boca. Podia sentir como o desenfreio se apoderava dele, escapando quase a seu controle. Isso dava uma sensação de poder que ela não poderia sentir de nenhuma outra maneira. Desejava-a tanto como a necessitava, assim que ela se permitiu um atrevimento que jamais pensou que chegaria a fazer. Encontrou com as mãos o cós de suas calças jeans e esfregou a palma deliberadamente contra aquele vulto duro, da mesma maneira que tinha feito no bosque. Notou como continha a respiração e como sua mão se colocava sob seu queixo para elevar a cabeça. Seu olhar azul a abrasava, como um ferro quente.

Jessica sorriu enquanto desabotoava as calças.

-Sempre quis fazer isto... -a admitiu quando aquela parte grande e rígida dele escapou de seu confinamento. Grosso e comprido preparado para ela, pulsando de calor e de vida. Envolveu os dedos ao seu redor, com um gesto indubitavelmente possessivo. Acariciou com o polegar o aveludado extremo até que ele soltou um gemido.

Muito brandamente, Dillon a empurrou para a cama.

-Não quero esperar mais... Não acredito que possa.

Jessica se ajoelhou sobre os lençóis, ainda acariciando, inclinando-se para beijar aquela magnífica boca, adorando a fome que se refletia em seu olhar. Permitia-lhe tocá-lo muito mais tempo do que ela teria imaginado para que se acostumasse a sua forma, a seu tamanho. Apoderou-se da boca dele para dirigir-se depois para baixo, a seu peito cheio de cicatrizes, e mais abaixo ainda, até rodear delicadamente com sua língua o extremo de seu rígido membro. Ele se estremeceu... Estava ficando louco fazendo aquilo... Quase não podia respirar.

-Ainda não, pequena... Explodirei se me faz isso. Deite-se para mim. -Suas mãos já estavam ajudando-a, empurrando-a contra o colchão para que se mantivesse ali, nua, à espera que a toque. Sua mão iniciou uma lenta carícia descendente, fechando-se sobre seu seio até que sentiu que ela se estremecia, sobre seu ventre, seguindo para baixo até chegar ao arbusto de cachos que aninhava entre suas coxas.

Sentou-se ao lado dela, percorrendo com seus olhos azuis cada centímetro de seu corpo. Estava tão formosa quando se movia inquieta sob suas carícias... Desejava-lhe. Necessitava-lhe. Estava faminta de seu corpo. Dillon adorava a maneira como a suave luz do quarto se deslizava cuidadosamente sobre seu corpo, tocando-a ali e lá, ao longo das curvas e as sombras com as que estavam familiarizando-se.

-Dillon... -sua voz era um suave protesto. Ardia por ele, seu corpo suave e flexível pulsava pela necessidade.

-Eu adoro te olhar, Jess. -Suas mãos separaram suas coxas um pouco mais, iniciando com os dedos uma longa carícia sobre as úmidas dobras que havia entre suas pernas. Ela se arqueou diante do seu contato, empurrando os quadris contra sua palma, e deixou escapar um pequeno gemido de prazer. Dillon sorriu enquanto se inclinava para deslizar a língua ao redor de seu incitante umbigo. As pequenas camisetas que vestia não cobriam o suficiente aquele ventre plano... E quase o tornavam louco. Seu cabelo roçou brandamente aquela pele sensível enquanto ele afundou seu dedo profundamente nela, lentamente, tocando por dentro aquela vagina firme e cálida. Rapidamente, os músculos de seu interior se apertaram contra ele, como suave veludo tenso, úmido e quente. E ele pôde sentir como seu próprio corpo pulsava e aumentava de tamanho como resposta.

Seus quadris empurravam perversamente para frente. Jessica não sentia nenhum tipo de inibição com Dillon. Desejava seu corpo, desejava praticar aquela erótica dança só com ele. E não tinha nem a mínima intenção de conter-se; estava decidida a experimentar o máximo prazer possível. A experiência tinha demonstrado quão dura pode ser a vida e não ia permitir que lhe escapasse esta oportunidade por causa da modéstia, o orgulho ou o acanhamento. Elevou ainda mais os quadris para que seu dedo se introduzisse mais profundamente nela, e a fricção acrescentada desencadeou uma profunda quebra de onda de prazer que chegou até seu centro.

Dillon derramou ao redor de seu umbigo pequenos beijos, distraindo-a de uma vez que há abria um pouco mais para introduzir um segundo dedo naquele corpo suave e quente. O prazer de Jess importava mais que nada no mundo. Sentia seu membro grande e duro, e se dava conta de quão estreita era ela. Suas aveludadas dobras pulsavam contra sua mão e ele aumentou essa necessidade empurrando profundamente, para retirar-se brandamente depois voltar a introduzir os dedos de novo, enquanto os quadris dela seguiam o ritmo instintivamente.

-Assim eu gosto querida... Isso é exatamente o que quero que faça. Quero que esteja pronta para me receber.

-Estou preparada... De verdade. -Suplicou brandamente, enredando os dedos em seu cabelo, tentando o atrair para ela.

-Não, ainda não está. -Respondeu ele. Sentia seu quente fôlego contra a curva de seu quadril, sua língua deslizando-se com o passar da coxa até encontrar o ardente triângulo de cachos entre suas pernas. Sua respiração não foi mais que um chiado quando a língua de Dillon saboreou seu úmido calor. Sussurrou seu nome, suplicando. Ele levantou um pouco a cabeça para olhá-la aos olhos. Muito lentamente, retirou os dedos de seu interior e os meteu na boca. Ela estremeceu, hipnotizada por seu olhar enquanto ele lambia a essência dela de sua própria mão.

-Separa as coxas um pouco mais, pequenas. -Era a tentação pura em forma de sussurro.   -Se entregue a mim.

Ela estava perdida em uma maré de desejo, de fome; um fogo líquido percorria seu corpo de um extremo a outro. Abriu mais as pernas, em um claro convite. Estava úmida e escorregadia, e muito quente. Dillon apertou sua palma uma vez contra sua acalorada entrada, para que ela tremesse de antecipação. Então baixou lentamente a cabeça uma vez mais.

Jessica quase gritou, afogando-se na sensação de puro prazer. Sua língua acariciava, sondava profundamente, como uma pequena espada entre as quentes dobras, riscando círculos, pressionando e sugando-a até que ela deixou escapar um leve soluço de prazerosa angústia. Sussurrando seu nome enquanto se retorcia sob sua boca e seus quadris empurravam para frente avidamente, procurando o alívio que só ele poderia dar. Ele a levou até a beira do abismo, várias vezes, elevando-a cada vez mais para cotas mais altas de prazer, até que seu corpo se estremecia e retorcia de prazer uma e outra vez... Até estar completamente seguro de que ela estava suficientemente úmida e quente e de que seu corpo o necessitava o bastante para aceitá-lo profundamente em seu interior.

Então, Dillon ajoelhou entre suas pernas, sentindo como seu corpo se estremecia violentamente pela necessidade de afundar-se nela. Observou a suave união entre suas pernas... Queria ver como seus corpos se uniam naquele milagre de pura paixão. A avolumada cabeça de seu membro empurrou contra ela. Imediatamente, sentiu como sua vagina, tensa e cálida, apertava-lhe, fechando-se a seu redor. A sensação o excitou tanto que teve que apelar a todo o autocontrole que ficava para não acabar naquele mesmo momento.

-Jess... -Seu nome escapou dentre seus dentes. Ele afundou-se dois centímetros mais nela, empurrando brandamente entre as úmidas dobras. Se fosse possível, ela ficou ainda mais quente. Tomou seus quadris entre as mãos. -Diga-me que está tudo bem, pequena.

-Estou bem... Mais... Por favor... -ofegou ela. Ele estava invadindo seu corpo, grande e duro, e sentia que ia explodir, mas ao mesmo tempo, sua necessidade aumentou mais e mais.

Sujeitou-a com as mãos e empurrou para frente, transpassando a frágil barreira e enterrando-se profundamente em seu interior. Gotas de suor enchiam sua testa. Ele nunca havia sentido nada tão parecido ao puro êxtase. Era praticamente impossível evitar a necessidade de mergulhar-se em seu corpo uma e outra vez, como um louco.

-Diga-me o que sente. -Quase grunhiu as palavras, enquanto inclinava a cabeça para golpear um tenso mamilo com a língua. Aquela ação fez que o corpo de Jess se apertasse ainda mais ao redor dele.

-É incrível, Dillon... É tão grande que sinto que vou estourar, mas ao mesmo tempo quero mais... Quero te ter inteiro dentro de mim, até o mais profundo... -respondeu com sinceridade.   -... É o que mais desejo... E o quero agora.

-Eu também. -Admitiu-o e empurrou para frente. A sensação o estremeceu. Seu interior era quente e suave, e tão estreito que quase não podia conter-se. Enterrou-se profundamente nela, retirando-se lentamente para voltar a penetrá-la de novo. Observava o rosto dela cuidadosamente, atento a qualquer sinal de desconforto, mas seu corpo estava ruborizado pela paixão, seus olhos frágeis e sua respiração reduzida a pequenos ofegos de necessidade.

Satisfeito de que ela estivesse sentindo o mesmo prazer que ele, Dillon começou a mover-se com um ritmo constante. Profundo e lentamente, deslizando-se dentro e fora dela, abrindo-a, empurrando mais profundamente com cada investida. Elevou os quadris dela, para poder entrar ainda mais profundamente, desejando que ela engolisse até o último centímetro dele, como se ao aceitar toda sua longitude em seu interior ela pudesse ver quem era ele realmente e o amasse apesar de tudo. Penetrou-a até o fundo, deslizando-se tão profundamente em seu interior que quase podia sentir as contrações de seu útero, cada vez mais fortes.

-Jess... Nunca havia sentido nada igual. Jamais... -queria que ela soubesse tudo o que significava para ele, quão importante era para ele.

Seu ritmo se fez mais rápido, mais duro, seus quadris a empurravam sem descanso, já totalmente fora de controle. Jessica gritou brandamente, sentindo como seu corpo explodia em um milhar de fragmentos, e tudo o que não era essa incrível sensação desapareceu de sua mente. Dillon sentiu como se contraíam os músculos de seu interior, sugando-o, apertando com a força de seu orgasmo, o levando diretamente ao topo do prazer. Moveu-se freneticamente nela, indefeso, incapaz de controlar a paixão selvagem, e a explosão estremeceu em seu corpo como uma descarga que o atravessou por inteiro, dos pés à cabeça.

Dillon não tinha forças suficientes para mover-se e rodar sobre a cama para que ela ficasse em cima dele, assim permaneceu em cima dela, com os corpos unidos firmemente ainda. Seu coração pulsava com força. Ele enterrou o rosto em seu peito, sentindo as lágrimas arder em seus olhos e na garganta. Nunca tinha se emocionado tanto antes. Nunca havia se sentido como agora, satisfeito e em paz. Jamais pensou que fosse possível.

Jessica envolveu seus braços ao redor de Dillon, abraçando forte, percebendo as profundas emoções que o embargavam. Sabia o que estava custando muito aceitá-lo. Uma parte dele queria que permanecesse como estava, sozinho, escondido do passado e do futuro, e outra parte queria aferrar-se desesperadamente ao que oferecia. Tudo estava relacionado com sua música. A sua maneira de ver, tinha falhado a todos aos que amou. Desejava que ela amasse ao homem que via nele mesmo, um homem que não tinha nada para oferecer. Jessica não o via assim, e nunca o veria. Ofereceria só o que tinha: Sua sinceridade, sua fé nele, sua confiança.

Notou a língua dele lambendo seu mamilo, prazerosamente, de um lado a outro, fazendo que uma quebra de onda de prazer percorresse seu corpo. Os músculos de sua vagina se esticaram diante da sensação, o apertando, e ele exalou um quente suspiro contra sua pele.

-Diga que não te fiz mal, Jess. -Pediu ele. Apoiou-se sobre os cotovelos para rodear o rosto de Jessica com as mãos.

-Dillon! Gritei seu nome com tanta força que certamente não haverá um lugar da casa onde não o tenham escutado... -sorriu quando ele inclinou para beijá-la. O toque de sua boca produziu várias ondas de prazer que estenderam por todo seu corpo. -Acredito que sou extremamente sensível a todas suas carícias. -Admitiu.

Ele arqueou uma sobrancelha.

-Isso faz que despertem todos os instintos primitivos que tenho... -disse enquanto enterrava o rosto entre seus peitos. -Eu adoro como cheira, sobre tudo agora, depois de fazer amor. -Sua boca acariciou a pele, deslizando a língua sobre as costelas. Ele permitiu que seu corpo satisfeito escorregasse fora de Jess, mas sua mão percorreu seu ventre para baixo, até descansar sobre o triângulo de cachos escuros. -Quero explorar cada centímetro de seu corpo, durante toda a noite. Quero saber o que te produz mais prazer, o que faz arder imediatamente e o que faz te consumir a fogo lento, muito mais devagar. Sobre tudo, quero estar com você, ao seu lado. -Seu cabelo sedoso brincava sobre seus peitos sensíveis quando ele levantou a cabeça o suficiente para olhá-la aos olhos. -Importa-se?

Havia nele uma curiosa vulnerabilidade. Jessica estirou languidamente embaixo dele, lhe oferecendo seu corpo.

-Eu também quero estar com você.

Escutava a chuva golpear sobre o telhado enquanto as mãos de Dillon acariciavam seu corpo, percorrendo com ternura cada curva, cada centímetro de sua pele. Fazia sentir-se como se estivesse flutuando em muito puro prazer. Fez-lhe o amor uma segunda vez, muito lentamente, uma união que roubou o coração junto com o fôlego.

Jessica se deu conta de que devia ter adormecido alguns momentos quando despertou sentindo as mãos de Dillon deslizando-se uma vez mais sobre seu corpo. Estavam às escuras, e ela sorriu enquanto despertava novamente essas sensações tão deliciosas. Ele se moveu para aproximá-la mais, conhecendo melhor seu corpo à medida que avançava a noite.

A língua estava entretida sobre seu mamilo, com a boca quente pela paixão, Jessica fechou os olhos, deixando-se levar por aquela sensação incrível. Com as mãos enredadas em seu escuro cabelo, tentou relaxar, ignorando o calafrio que de repente desceu por suas costas. Sentia que alguém os estava observando. Olhando-os. Olhando como Dillon sugava seu peito enquanto seus dedos introduziam profundamente em seu úmido interior. Permaneceu com os olhos abertos, olhando ferozmente ao redor do quarto, tentando esquadrinhar cada sombra.

Dillon percebeu sua súbita resistência.

-O que acontece pequena? -perguntou ele, embora sua boca continuasse trabalhando incansável sobre seu mamilo. -Te fiz mal?

-Há alguém no outro lado da porta, Dillon -sussurrou Jessica contra seu ouvido -nos escutando. -Era difícil pensar com claridade enquanto seus lábios sugavam com força, enviando descargas elétricas através de sua corrente sangüínea... Enquanto afundava profundamente os dedos nela e a acariciava daquela maneira...

O corpo de Dillon já estava duro e quente, desejando tomá-la. Sua língua deu um golpe sobre do broto firme de seu mamilo, descrevendo um círculo ao seu redor, como se tivesse todo o tempo do mundo. Levantou a cabeça longe de seu objetivo quando a agarrou pelo cabelo. Seu olhar azul ardia, refletindo a fome que sentia.

-Eu não ouvi nada, Jess.

-Não estou brincando, Dillon. -Insistiu Jessica. -Há alguém nos escutando, ou nos olhando. Posso sentir. -Ficou tensa enquanto o empurrava, olhando para as portas de vidro da sacada quase esperando ver uma figura encapuzada ali de pé.

Suspirando com pesar, Dillon abandonou os prazeres de seu corpo e olhou ao redor em busca de suas calças jeans. Ela já tinha vestido seu roupão, apertando o cinturão ao redor de sua cintura fina. Tinha o rosto pálido e o cabelo acobreado formava redemoinhos ao seu redor como uma cascata de seda. Não conseguia entendê-la. Milagrosamente, a maioria das vezes se comportava com um extraordinário bom julgamento, mas diante de certas coisas, perdia-o por completo e se convertia em uma fera que lutava sem piedade contra as forças que tentavam machucar as pessoas que amava. Realmente, não podia culpá-la por estar preocupada. Dillon se aproximou furtivamente à porta e a abriu de um puxão para demonstrá-la que não havia ninguém ali.

Quase lhe dá um enfarte quando descobriu um dos integrantes de seu grupo na porta. Ambos estavam tão perto que seus narizes quase se tocavam.

Dom olhou fixamente durante um momento o peito nu de Dillon, e um momento depois dirigiu seus olhos mais à frente, para ver Jessica envolta no roupão de Dillon. Dillon deu um passo para o lado para evitar que Dom a observasse.

-Que diabo faz aí, Dom? -grunhiu Dillon enojadamente.

Dom esvaziou, jogando uma olhada à cara pálida de Jessica, e deu meia volta para ir-se.

-Esqueça não me dei conta de que estava ocupado. Vi a luz e pensei que estava acordado.

Dillon engoliu a resposta que pensava lhe dar. Dom nunca antes tinha ido o ver. Era uma oportunidade para esclarecer coisas entre eles, embora não estava de bom humor...

-Não, não vá... Deve ser algo muito importante para que tenha vindo me buscar. -Passou os dedos pelo espesso cabelo negro, olhando Jessica com um sorriso de desculpa. Respondeu exatamente como ele sabia como faria, cabeceando ligeiramente e fechando o roupão o melhor que pôde. -Pelo amor de Deus... Devem ser perto das cinco da manhã... -deu um passo atrás e fez um gesto convidando Dom que entrasse. -Seja o que seja, falemos disso quanto antes.  

Dom parecia despenteado e Dillon pôde distinguir o aroma de álcool em seu fôlego.

Dom inspirou profundamente e caminhou para dentro.

-Sinto muito Jessie. -Observou-a durante um momento e depois apartou o olhar. -Não sabia que estava aqui.

Ela se encolheu de ombros. Era muito tarde para ocultar o que tinha acontecido. A cama estava enrugada, e os travesseiros no chão. Tinha o cabelo totalmente desgrenhado e não levava nada posto sob o roupão de Dillon.

-Prefere que vá? -perguntou educadamente. Dom parecia terrivelmente nervoso, e sua inquietação se somava a que ela mesma sentia. Por um momento, o estômago se sacudiu em seu ventre com um rápido acesso de náuseas.

-Não sei se terei o valor de explicar a Dillon o que tenho que dizer diante de outra pessoa, mas por outro lado, você sempre foi capaz de tranqüilizá-lo. -Passeava de um lado ao outro do quarto enquanto eles esperavam que continuasse falando.

-Bebeu? -perguntou Dillon curioso. -Nunca tinha te visto beber mais que uma cerveja, Dom.

-Acreditei que me daria coragem. -Esboçou um sorriso que não chegou aos olhos. -Tem que chamar à polícia para que venha me prender. Pronunciou as palavras atropeladamente, de um puxão. E no momento em que as disse, procurou um lugar onde sentar-se.

Dillon levou a uma das duas cadeiras situadas a ambos os lados de uma pequena mesa.

-Quer um copo de água?

Jessica já estava procurando um copo no banheiro principal.

-Aqui tem Dom, beba isso

Ele tomou o copo, tomou a água e limpou a boca com o dorso da mão, olhando Dillon.

-Juro por Deus que acreditei que sabia o que havia entre Vivian e eu. Todo este tempo pensei que estava esperando por uma oportunidade para se livrar de mim e me substituir por Paul. Vivia só esperando que o fizesse. Tentei não dar jamais uma razão para que o fizesse.

-Antes de tudo Dom, sou um músico. Quero muito bem Paul. É meu melhor amigo. Atravessamos juntos os bons e os maus tempos, mas ele não tem seu talento. Eu te queria na banda. Desde a primeira vez que te ouvi tocar, soube que tinha razão. Paul não tem sua versatilidade. Ajudou no começo da banda, e eu não tinha nenhuma intenção de deixá-lo fora, mas já disse uma vez, você formava parte do grupo tanto como ele. -Dillon sacudiu a cabeça com pesar. -Sinto que acreditasse outra coisa, e não ter te dito minha opinião sobre você.

-Não importa. Não precisava ouvir dizer isso. -Dom suspirou dificultosamente. -Isto não é fácil, Dillon. Não mereço que se comporte tão civilizadamente comigo.

-Admito que me sinta angustiado e traído quando me inteirei de seu relacionamento com Vivian. -Disse Dillon. Estendeu a mão para Jessica, desconsolado, precisando tocá-la, precisando senti-la sólida e real ao seu lado. Em seguida ela esteve ao seu lado, com seu pequeno corpo encaixado sob seu ombro e com o braço ao redor de sua cintura. -Estou de acordo em que não foi nada agradável, mas não acredito que a polícia te prenda por isso.

-Tentei te chantagear. -Dom não os olhou quando fez a confissão. Olhava fixamente suas mãos, com uma expressão perdida no rosto. -Te vi dirigir ao bosque aquela noite. Todos escutaram os gritos que vinham da casa, e os golpes. Imaginamos que tinha surpreendido Viv com um de seus amantes. Ninguém quis te envergonhar, assim que todos foram ao estúdio para sair do meio, mas eu fui à cozinha procurar algo para beber e vi você sair. Tinha lágrimas no rosto e parecia muito nervoso, assim te segui, pensando que poderia ajudar em algo. Mas estava mais alucinado além do que tinha visto alguma vez e imaginei que como tinha tido uma aventura com Vivian não quisesse falar comigo. Dava vários rodeios, indeciso, e então, quando estava a ponto de retornar, vi entrar novamente pela cozinha. Rita estava ali e ouvi falar com ela, contando o que tinha acontecido. Estava tão furioso que estava destroçando o lugar. Nem sequer me atrevi a aproximar de nenhum dos dois. Então vi você subir pelas escadas e me dirigi ao estúdio. Momentos mais tarde, eu escutei os disparos. -Como prova de seu crime tirou uma folha de papel que guardava no bolso. Havia palavras recortadas do título de um jornal. -Este era um dos que pensava te enviar.

-Por que não depôs no julgamento?

A voz de Dillon era muito baixa, quase inaudível. Agarrou o papel da mão de Dom e o amassou sem nem sequer olhar.

-Porque eu já estava na escada do porão, olhando através das portas de vidro, e te vi quando os disparos aconteceram. Sabia que você não tinha feito. Voltou a sair novamente e se dirigiu para o bosque.

-E ainda sabendo que eu não tinha feito decidiu que a chantagem era uma boa alternativa, não?

-Não sei por que o fiz... Não sei por que fiz nenhuma das coisas que vim realizando após. -admitiu Dom. - Tudo o que me preocupava era a banda. Queria que se unissem novamente. Você permanecia aqui sem fazer nada, com Paul, e praticamente ninguém mais podia ver-te. Todo esse talento que tem, desperdiçando seu dom para a música... E encerrou aqui com Paul como um cão guardião. Ele nunca quis que me aproximasse deste lugar. E tive a estúpida idéia de que se fizesse gastar muito dinheiro teria que voltar a trabalhar e voltaria a nos chamar.

-Por que não tentou simplesmente falar comigo? -perguntou Dillon com o mesmo tom de voz que a vez anterior.

-Quem podia falar com você? -protestou amargamente Dom. - Seu cão guardião não permitia que ninguém se aproximasse. O treinou tão bem que praticamente colocou a Grande Muralha da China ao redor da ilha. -Levantou a mão para impedir que Dillon dissesse algo. -Não precisa que o defenda, já sei que ele se mostra muito protetor com você, inclusive entendo por que. Mas necessitava que a banda voltasse a unir-se e estava tão desesperado que enviei essa estúpida carta e duas delas a mais. Obviamente, não se preocupou muito, porque jamais respondeu.

-Não lhes dava nenhuma importância. -Admitiu Dillon.

-Não há nenhuma desculpa para o que tenho feito -continuou Dom. -Assim estou preparado para que me prendam. Confessarei tudo diante da polícia.

Dillon parecia tão indefeso que Jessica o rodeou com os braços.

-Falou com minha mãe sobre isto? -não podia imaginar Dom saindo furtivamente do carro de sua mãe, depois de ter manipulado os freios. Nada parecia ter algum sentido. E se ela se sentia tão perdida ao inteirar-se de todos aqueles acontecimentos não queria nem pensar como devia sentir-se Dillon.

-Certamente que não, ela me teria dado umas boas palmadas. -Disse Dom indignado.       -Por que ia fazer uma coisa assim?

-Está mais bêbado do que pensa, Dom. - Disse Dillon. -Será melhor que vá dormir. Continuaremos falando disto mais tarde. -Não tinha a mais mínima idéia do que iria dizer quando conversassem. Por algum motivo, pensar nisso quase fez soltar uma risada histérica.

Jessica apertou a mão contra seu estômago assim que Dillon fechou a porta.

-Encontro-me muito mal. - Anunciou e antes que ele pudesse dizer alguma coisa correu para o banheiro.

 

-Venha, Brenda, tem que vir conosco. -A enrolou Tara. - Será divertido.

-Está segura de que já se encontra bem? Estava muito mal esta manhã. Quase fiz Robert ir procurar Paul para que se encarregasse de trazer um helicóptero e poder te levar ao hospital. E agora está saltando por aí como se não tivesse acontecido nada...

Jessica levantou a cabeça de repente. Estavam todos reunidos na cozinha, tinham dormido até tarde, como de costume, e já começava a anoitecer.

-Tara estava doente esta manhã? Por que ninguém veio me avisar?

-As duas crianças estavam doentes esta manhã, e me encarreguei perfeitamente deles, muito obrigado. -Anunciou Brenda. -Deve ser algum tipo de infecção estomacal. De todas as maneiras, Jessie, você não é a única que tem instinto maternal. Estiveram perfeitamente atendidos... Sou uma enfermeira maravilhosa. Por não mencionar que fui tremendamente cooperativa e discreta ao dar a ti e a Dillon tempo para... Hum... Arrumar seus assuntos.

Trevor fez um ruído grosseiro, metade riso metade tosse afogada

-Uma enfermeira maravilhosa? Brenda estava pendurada fora da janela tampando a boca e pedindo a gritos sais aromáticas... Robert não sabia se atendia Tara e a mim ou corria ao seu lado. O pobre homem passou meio-dia esfregando o chão.

-Robert, realmente é um tesouro. -Jessica dedicou um sorriso agradecido. -Obrigado por cuidar deles.

-Ei, lembre-se que eu o vi primeiro. -Advertiu Brenda.

Dom fez uma careta.

-Acreditei que íamos trabalhar hoje. Quero terminar a gravação e ver como fica. Não deveríamos nos pôr em marcha já?

-Passamos a noite inteira trabalhando -assinalou Paul. -E quando nos levantamos já passou quase todo o dia e pouco que fica luz para ir procurar a árvore de Natal. Acredito que deveríamos aproveitar agora.

Dom murmurou algo pelo baixo, evitando olhar Dillon.

Jessica franziu o sobrecenho, estudando os gêmeos.

-Doía o estômago dos dois? Eu também tive um ataque de náuseas esta manhã. Alguém mais se sentiu mal? Possivelmente comemos algo estragado...

-As panquecas de Brian... -disse Brenda rapidamente -... Essas horríveis coisas desenhadas para matar a todos de aborrecimento. Desprovidas de qualquer poder nutritivo e, basicamente, a pior comida da Terra. Se me perguntar isso, acredito que está tentando me envenenar. -Lançou-lhe um beijo pelo ar, com uma expressão de enorme diversão no rosto.       -Mas esse seu atroz estratagema não funcionará, embora pareça uma idéia engenhosa, porque tenho um estômago à prova de bombas.

Brian se levantou de repente e por pouco não manda a cadeira ao outro lado do ambiente.

-Minhas panquecas são obras de arte, Brenda. -A olhou fixamente, indicando que o tinha tirado do sério. -E, além disso, não vejo que você trabalhe como uma escrava na cozinha para nos alimentar...

-E nunca o verá querido... Só em pensar me arrepia -disse ela complacentemente -As coisas corriqueiras devem as pessoas sem importância fazer.

-Parecem dois pirralhos, de verdade... -assinalou Jessica com um suave suspiro, apoiando-se sobre o corpo de Dillon. - Nem sequer os gêmeos brigam tanto.

-Tara, tem certeza de que está bastante bem para percorrer o bosque a pé? Faz frio e o vento sopra bastante forte hoje. Há outra tormenta. Se preferir ficar aqui aquecida, nós sairemos procurar a árvore e a traremos. -Ofereceu Dillon. Envolveu seus braços ao redor de Jessica, sem se importar que os outros vissem.

Pela primeira vez em muitos anos, sentia-se em paz consigo mesmo. Havia esperança em sua vida, uma razão para existir.

-Jess e Trevor podem ficar com você, se quiser.

-Disso nada -objetou Trevor -Eu me encontro perfeitamente bem. E além do mais ninguém mais pode escolher nossa árvore. Somos os únicos que sabemos o que estamos procurando, não é certo, Tara?

Tara assentiu solenemente, envolvendo seu braço ao redor da cintura de seu irmão, com os olhos postos em Jessica. Os três se entenderam perfeitamente.

-Iremos todos. -Anunciou ela. -Sabemos qual é a árvore perfeita.

Dillon se encolheu de ombros.

-Por mim está bem, vamos então. Quem quiser vir buscar uma árvore é bem-vindo. Jess e eu nos aproximaremos do abrigo a procurar as ferramentas. Encontraremo-nos no atalho dentro de um momento. -Arrastou consigo Jessica, decidido a levá-la com ele. Uns minutos a sós no abrigo pareciam algo estupendo. Não tinha tido tempo nem sequer para roubar um beijo.

-Ei, ei... Um momento -Trevor agarrou pela mão -Eu não estou seguro de que deva permitir Jessica ir com você a um abrigo, papai. Tem uma ampla reputação de Casanova...

Dillon arqueou uma sobrancelha.

-E de onde tirou essa idéia?  

-Bem, em primeiro lugar, olhe esta casa. Levo um tempo querendo falar com você sobre este lugar. Tem umas esculturas muito estranhas e coisas que penduram dos beirais. Para que serve isso? Este lugar parece o cenário de uma novela de Edgar Alan Poe. E os homens nesses livros nunca se comportavam bem com as mulheres. -Arqueou as sobrancelhas sugestivamente.

-Esculturas muito estranhas? -Dillon estava horrorizado. -Esta casa é um perfeito exemplo do Gótico e da arquitetura do Renascimento combinados. Você, filho, é um inculto. É uma casa perfeita. Olhe as esculturas dos cantos: gárgulas aladas no lado sul, leões rampantes ao oeste. Os detalhes são fantásticos. E como qualquer verdadeira casa pertencente ao Gótico e ao Renascimento tem suas passagens secretas e suas paredes falsas. Onde está o bom de uma mansão convencional? Todo mundo tem uma.

-Papai... -declarou Tara com firmeza -... É que produzem calafrios. Alguma vez as olhou de fora a noite? Parece como se estivessem enfeitiçadas e olhassem fixamente. Não estou de acordo com você, embora seja meu pai.

-Traidores... -disse Dillon. -Acredito que passaram muito tempo com sua tia. Ela pensa o mesmo de minha casa.

Brenda pôs os olhos em branco, desesperada.

-Dillon essas coisas que rodeiam a casa observam cada movimento que alguém faz. Estremeço cada vez que estou no jardim ou passeando pelos arredores. Onde quer que olhe há algo me observando fixamente.

-Tecnicamente -interrompeu Brian -cuidam da casa e das pessoas que a habitam. Se tiver medo, provavelmente seja porque não esteja fazendo nada bom. -Aproximou-se um pouco mais. -Como possivelmente albergar más intenções contra os que vivem dentro.

Jessica desdobrou um guardanapo e o usou como um látego contra Brian.

-Atrás, menino-tambor, desde que Brenda se comportou como “uma enfermeira maravilhosa” com minhas crianças, não pode permitir que diga essas tolices. Sempre me encantou a arquitetura gótica. Cada vez que podíamos nos juntávamos para ver os livros e as fotografias que Dillon trazia das casas da Europa. -Piscou um olho a Trevor. -Acreditei que você adoraria as passagens secretas...

Dillon a agarrou pela mão e a empurrou para as portas duplas que levavam para o pátio.

-Vistam algo bem quente, encontraremos no atalho.

Jessica o seguiu ao pátio, ignorando as brincadeiras de Trevor.

-Eu não gosto de nada disso de que as duas crianças estivessem doentes esta manhã, Dillon. -Disse. -Ontem, Tara viu alguém observando quando aconteceu o desmoronamento. Não poderia dizer quem era, mas ele ou ela levava uma capa longa com capuz. Eu vi a mesma pessoa à noite que chegamos.

Dillon diminuiu seu passo, aproximando-a mais a ele para protegê-la sob seu ombro.

-Do que está falando, Jess? -teve muito cuidado de moderar seu tom e sua expressão.       -Acha que o desmoronamento foi preparado de algum jeito? Que as crianças não tinham uma indigestão, se não que alguém tentou lhes envenenar?

Quando ele pronunciou as palavras, pareceram-lhe absurdas. Óleo em uma escada em que qualquer um poderia escorregar. Como poderia preparar um desmoronamento e predizer que as crianças estariam nesse lugar exatamente? Além disso, ela também tinha ficado doente. As pessoas têm dor de estômago freqüentemente. Suspirou. Como poderia explicar a inquietação que sentia? Essa preocupação incessante que nunca desaparecia?

-Por que essa pessoa da capa não os ajudaria? Estava claro que estavam em apuros. Tara gritava com toda sua alma pedindo ajuda.

-Não posso responder a isso, querida... Mas o averiguaremos. -Assegurou. -Todos deram uma mão e ajudaram a liberar Trevor. Não adverti que alguém ficasse à margem, nem sequer Dom.

-Dom. - Jessica sacudiu a cabeça. -É difícil que te caia bem esse homem... Inclusive depois de ontem à noite, que senta compaixão por ele, esforcei-me em procurar algo bom nele e não fui capaz.

-Me cai bem. -Respondeu Dillon franzindo ligeiramente o sobrecenho. Sempre se mostrava reservado comigo, mas não duvidava em trabalhar duro. Jamais se queixava de ter que trabalhar durante toda a noite; fazia seu trabalho e às vezes inclusive algo dos outros. Era muito competente e contava com ele muitas vezes. Não tinha nem idéia de que me odiasse tão intensamente. Asseguro que não sabia que Vivian se deitava com ele. Ela sugeriu que o escutasse tocar, mas o coloquei na banda porque tinha talento, não porque ela pedisse -soltou um suspiro, passando as mãos pelo cabelo -Já não tenho certeza de nada, Jess... Nos velhos tempos, tudo parecia tão fácil... Nunca me inteirava de nada. Vivia a vida em uma feliz ignorância... Até que tudo veio abaixo. -Olhou-a, entrelaçando os dedos com os dela. -Era tão arrogante... Acreditei que poderia me encarregar de tudo. Assim, como posso condenar Dom se eu mesmo cometi tantos enganos?

-Acha que foi um membro da banda que matou Vivian e Phillip? -perguntou ela cuidadosamente.

-Não, claro não. Havia cinco endoidecidos com eles ali acima essa noite. Todos tinham misturado o álcool e as drogas. Algum deles devia levar uma arma. Alguém disparou em Viv e em Trent e possivelmente os outros lutaram tentando pegar a arma, jogando no chão as bebidas e as velas. Espero que tenha acontecido assim. Desejaria que o fogo não tivesse começado enquanto pegava Trent... Foi uma briga bastante selvagem. Quebramos várias mesas e abajures. Possivelmente algum dos golpes atirou uma vela ao chão e ninguém notou. Nunca saberei. Mas a banda não sabia o que estava ocorrendo ali. Acabávamos de chegar.

-Por que subiu acima? –perguntou ela com curiosidade.

-Queria ver como estavam às crianças. Tara tinha adormecido, mas não tinha sua manta. Fazia muito tempo que não te via, e sabia que teria ido procurar ela. Estava procurando você.     -admitiu. -Não podia esperar o dia seguinte para ver você.

O prazer a percorreu por inteiro ao escutar suas palavras.

-Agradeço muito que viesse me buscar, Dillon. -Disse Jess brandamente.

Dillon abriu a porta do abrigo, e apertou o interruptor para acender a luz.

-O mesmo digo, eu querida. -Não podia olhá-la, sabendo que a fúria se refletia em seu rosto. Não podia recordar aquilo sem ficar furioso.

Jessica riu, e o som de sua alegria dispersou as más lembranças.

-Eu gostaria de ter sabido onde se acendia a luz quando estive aqui ontem.

-Na realidade... -levantou uma sobrancelha e sua voz era pura sedução -... Acabo de dar conta de que possivelmente tivesse sido mais inteligente por minha parte manter o quarto às escuras.

Jessica arqueou uma sobrancelha e deu um passo para trás.

-Tem esse olhar malvado no rosto... Como se fosses cometer alguma diabrura. -Só a expressão de seu rosto tinha conseguido que uma onda de calor percorresse seu corpo.

-Malvado? Isso eu gosto. -Enroscou a mão ao redor de sua nuca e a atraiu para ele. Inclinou a cabeça para apoderar-se de sua boca. Seus lábios eram firmes, suaves, tentadores. Sua língua percorreu o lábio inferior, seguindo seu contorno, provando, lambendo, até que ela se abriu para ele.

Deslizou a mão sob a jaqueta e a blusa para encontrar a pele nua. Um peito pressionou contra sua palma. Saboreou seu próprio desejo na boca dela.

-Tire a jaqueta, Jess. -Sussurrou enquanto estirava para alcançar uma vez mais o interruptor e deixar o quarto às escuras. -Se apresse amor, não temos muito tempo.

-Não pensará que vamos fazer algo neste pequeno abrigo, onde qualquer um poderia nos ver... -disse ela, mas já estava tirando a jaqueta e deixando-a a um lado, desejando o calor abrasador de sua boca sobre seu seio. Desejando acariciar com as mãos... Parecia que tinha passado um século desde a última vez.

Dillon desabotoou os botões da blusa rapidamente. Observou a beleza de seus peitos nus e conteve a respiração até que sentiu que seus pulmões ardiam pela falta de ar. Deixava-lhe sem fôlego com sua pele deliciosa e a intensidade de seu olhar.

-Pensei em você enquanto tomava banho esta tarde... -confessou ele. -Deveria estar ali comigo. Estive recordando seu sabor, a suavidade de sua pele e os sons que faz quando estou dentro de você. -Inclinou a cabeça e apanhou um mamilo em sua boca.

Seu corpo estremeceu com a necessidade do momento, faminto. Ela riu brandamente.

-Estava com você. E se não me engano, passou vários momentos me saboreando.

-Tem certeza? Pois não foi o bastante, necessito mais. -Suas mãos deslizaram sobre as calças jeans, manobrando o zíper. -Livre desta coisa, tem que tirá-los. -Mordiscou a parte inferior do peito e procurou novamenteo calor de sua boca para beijá-la sem menor cerimônia. -Eu preciso de você.

-Acha que temos tempo? -enquanto perguntava se estava desfazendo das calças, desejando tanto que aqueles momentos roubados pareciam tão preciosos como toda uma longa noite fazendo amor.

-Não para todas as coisas que quero te fazer. -Sussurrou ele contra sua orelha, procurando com a língua o lugar onde o pulso de Jess pulsava frenético. -Mas bastante para o que tenho em mente. Abaixe-me as calças. -No momento em que seu corpo ficou livre do confinamento do tecido soltou um suspiro de alívio. -Muito melhor. Vou te levantar. Coloca os braços ao redor de meu pescoço e envolve as pernas ao redor de minha cintura. Está pronta para mim? -seus dedos já procuravam a resposta, sondando profundamente, deslizando com facilidade em seu úmido corpo.

Enterrou o rosto no pescoço dela.

-Está tão quente, Jess... Eu adoro que me deseje tanto como eu a você. -O simples feito de notar quão úmida estava endureceu seu corpo ainda mais. Levantou-a e quando lhe pôs os braços ao pescoço e elevou as pernas para enroscá-las ao redor de sua cintura. A torcida cabeça de seu membro se apertou firmemente contra ela. Muito lentamente, fez Jess descer sobre seu corpo. Notou a familiar resistência enquanto se adaptava a ele. Tinha a impressão de deslizar uma espada dentro de sua vagina e a sensação produziu um infinito prazer. Sentia formar-se em seu interior uma tormenta de fogo, mais selvagem, quente e explosiva. Rugia através de seu corpo como um trem de carga, através de sua mente, em uma crescente nota e promessa, de pensamentos meios formados e de necessidades.

Adorava os pequenos ofegos que escapam sua garganta, a maneira em que ela movia os quadris para ir a seu encontro, acoplando-se perfeitamente ao ritmo. Jessica, a mulher que sempre tinha sonhado.

Jessica se abandonou às fortes investidas que introduziam o corpo de Dillon ao seu, ao calor ardente e a crepitante paixão, que cresceram e a envolveram por completo. Jogou a cabeça para trás, cavalgando veloz, apertando seus músculos ao redor dele, deslizando-se acima e abaixo para aumentar a fricção desenhada para conduzir ambos rapidamente ao topo.

Ela não se reconhecia e esse lascivo rodeio ali no abrigo com a roupa meio tirada... Mas não importava, nada importava salvo o estalo de luz e cor que recebia ao sentir que seu corpo estalava em pedaços e se dissolvia, ondeando com vida própria. Sujeitou-se firmemente a Dillon enquanto empurrava com força, uma e outra vez, escutando os roucos ofegos que emitia sobre seu ombro.

Aferraram-se um ao outro, sentindo que a alegria os invadia, um suave e maravilhoso cansaço percorria enquanto seus corações recuperavam o ritmo normal e Dillon a depositava no chão. Aqueles momentos roubados foram tão valiosos como o ouro para eles. Depressa e às escuras, conseguiram voltar a vestir as roupas. Jessica não era capaz de encontrar seus sapatos e Dillon a distraía todo o momento beijando seu pescoço, seus dedos, deslizando a língua pela orelha... Ao final, encontrou um sapato entre os cubos e outro em cima de um saco de terra para vasos de barro. Recolheu-os e tirou distraidamente a alga marinha que tinha aderido à sola.

-Não usei estes sapatos nunca perto do oceano... De onde terá saído esta alga? -Calçou os sapatos e se aconchegou novamente em seus braços, elevando a cabeça para receber um beijo. Houve um longo silencio enquanto ambos se perdiam um no outro. Dillon dirigiu os beijos para seu queixo e sua garganta.

Jessica inclinou sua cabeça para dar melhor acesso e de repente detectou um movimento atrás da pequena janela.

-O que acontece? -perguntou Dillon, levantando relutantemente a cabeça quando notou que ficava tensa. -Tem um pescoço perfeito para mordiscá-lo... Tão suave e tentador. Acredito que poderia passar a vida fazendo isso. Está segura de que temos que sair a procurar essa árvore de Natal hoje?

-Algo se moveu aí fora. Acredito que há alguém nos observando. -Sussurrou Jessica. Um calafrio desceu por suas costas. Esquadrinhou através da janela, mas por mais que procurasse, não pôde descobrir ninguém. Tampouco era tão importante. Alguém os tinha visto nada mais.

Dillon gemeu.

-Outra vez não... Não acredito que Dom venha novamente fazer outra confissão, porque esta vez o lanço pelo escarpado. -Caminhou para a pequena janela quadrada e olhou atentamente ao redor. –Não vejo ninguém, amor, possivelmente fossem as gárgulas do telhado.

Jessica pôde detectar a diversão de sua voz. Suave, gentil, provocadora. Tentou responder, aconchegando-se em seus braços, mas não podia tirar a sensação de que algo sinistro os olhava fixamente.

-Vamos, Jessie. -Gritou Trevor, fazendo que se separassem imediatamente. -Será melhor que não estejam fazendo nada que eu não deveria me inteirar, porque vou entrar. -Produziu-se uma breve vacilação na porta e um momento depois se abriu por completo. Trevor os olhou.     -Todos os outros eram muito covardes para comprovar o que estavam fazendo.

-Estávamos procurando um machado. -Improvisou Jessica sem muita convicção.

-De verdade? -Trevor elevou uma sobrancelha, exatamente igual a seu pai. Estava interpretando à perfeição o papel do pai que tinha descoberto à filha em uma situação delicada. -Acha que isto os ajudaria em algo? -pulsou o interruptor para que a luz iluminasse cada canto do pequeno edifício. Olhou seu pai com desaprovação. -Em um abrigo para as ferramentas?

-Trevor! -Ruborizando-se, Jessica se dirigiu rapidamente à parte detrás do abrigo, onde sabia que guardavam as ferramentas maiores. Quando agarrou o machado, golpeou sem querer uma barra de metal. Murmurando, recolheu do chão e se dispunha a colocá-la em seu lugar quando observou o barro seco e as agulhas de pinheiro que tinha aderido ao extremo. Franziu o sobrecenho enquanto olhava a ferramenta.

Trevor agarrou o machado.

-Venha, Jessie, estão nos esperando. Deixa de perambular por aí, é vergonhoso... Pelo menos tiveste o bom senso de se apaixonar por meu pai.

-Não te importa? -perguntou Dillon muito sério enquanto estudava o rosto de seu filho.

-Que outro melhor poderia querer para Jessie? -perguntou Trevor sinceramente. -Ela é nossa família. Não queremos que ninguém a leve de nosso lado.

-Como se isso pudesse acontecer. -Jessica agachou para beijar sua bochecha. -Venha, vamos nos apressar ou os outros virão nos buscar. -Disse enquanto saía do abrigo.

-E, a propósito, encarregamo-nos de limpar a cozinha esta tarde. -Adicionou Trevor com um sorriso.

Ela se voltou para olhá-lo ceticamente

-Você a limpou ou fez sua irmã? Não posso acreditar que tenha concordado.

-Bom, foi Brenda que lembrou e eu teria limpado... Mas, Tara esteve me mimando pelo trauma que sofri ontem. -Disse adotando cara de “menino bom”.

-O trauma? -interrompeu Dillon. -Quem sofreu o trauma foi Jess, sua irmã e eu, não você. Você não se assustou nem um pouco sequer. Não acha que não nos demos conta de que sua irmã te serve como se fosse sua escrava. -E acrescentou olhando Jess. -É normal? Algo cotidiano?

-Certamente que sim. -Trevor sorria de orelha a orelha, absolutamente radiante. -E eu adoro!

-Não tem vergonha. -Assinalou Jessica.

-Não no que se refere aos afazeres domésticos. -Admitiu Trevor. -Ei! Estou começando a me parecer com Brenda e isso é aterrador! -saudou Tara ao resto quando se reuniram com eles onde esperavam sob as árvores. -Eu disse que os traria de volta. -Confirmou.

Não havia tempo para nada que não fosse encontrar a árvore de Natal. Tara e Trevor sabiam onde procurar e se encaminharam diretamente para lá. Paul ia ao lado deles, rindo, golpeando em brincadeira o braço de Trevor e alvoroçando o cabelo de Tara de vez em quando. Brenda e Robert caminhavam juntos a passo muito mais tranqüilo, com suas cabeças juntas para sussurrar coisas ao ouvido. Brian e Dom discutiam ruidosamente sobre a melhor maneira de conservar o bosque e a camada de ozônio e sobre destruir uma pequena árvore de Natal se ia ter ou não efeitos globais.

Dillon passeava com o passar do atalho, com sua mão sujeitando com força a de Jessica. Sua vida tinha mudado drasticamente. Todos os que eram importantes em sua vida estavam junto a ele, compartilhando sua casa. Olhou à mulher que caminhava ao seu lado. Jessica tinha mudado todo seu mundo em um abrir e fechar de olhos. Seus filhos estavam com ele, e a confiança crescia entre eles. Deu-se conta do que isso significava e sua mente despertava para sonhar todas as novas possibilidades que a vida oferecia. Era feliz, embora ainda estivesse um pouco assustado.

Dillon sabia que sua auto-estima sempre foi apoiada em sua música, em sua capacidade de se encarregar de enormes responsabilidades. Tinha tido uma infância difícil e tinha lutado muito duro para chegar a considerar-se algo assim, para provar que tinha valor como pessoa. O que tinha para oferecer a outros se já não podia tocar a música que soava dentro de sua cabeça?

A fina garoa começou a aumentar de intensidade à medida que caminhavam com o passar do atalho. Os membros da banda assinalaram uma árvore depois outra, grandes abetos com firmes e abundantes ramos. Os gêmeos sacudiam suas cabeças com firmeza enquanto olhavam Jessica procurando seu apoio. Ela esteve de acordo, aqueles não eram perfeitos, e os seguiu até a pequena árvore, com o tronco magro e escassos ramos que eles tinham escolhido a noite anterior. A árvore crescia em um ângulo estranho embaixo de duas árvores maiores, a beira de uma ravina que dava a uma pequena colina. A chuva tinha deixado o chão bastante escorregadio.

-Saia de perto da beirada, Tara. -Ordenou Dillon, franzindo o cenho enquanto girava ao redor da árvore pequena e triste. -Esta é sua perfeita árvore de Natal?

Trevor e Tara intercambiaram um sorriso.

-Sim. Quer vir a casa conosco. Perguntamos. -Disse Tara solenemente.

-Caminhei através do bosque com a chuva caindo sobre a cabeça para procurar essa árvore diminuta e retorcida? -quis saber Brenda. -Pelo amor de Deus, olhem ao seu redor, há árvores fantásticas por toda parte.

-Eu gosto dela. -Disse Dom aplaudindo os ombros dos gêmeos. -Não tem nenhuma esperança de sobreviver aqui. Eu digo que a agarremos, daremos um bom alojamento e permitamos que passe bem.

Jessica assentiu.

-Parece-me perfeito -rodeou a pequena árvore sem esperanças, que estendia seu ramo mais longo por volta do mar. -Esta é a árvore perfeita.

Dillon arqueou uma sobrancelha olhando Robert, que se encolheu de ombros.

-Conforma-se com pouco, digo eu.

Brian tirou o machado das mãos de Dillon.

-Eu gosto desta maldita coisa, só faz falta um lar e divertir-se um pouco. -Balançou o machado para o tronco fino. Era forte, e a primeira fatia fez um entalhe profundo.

Tara abraçou seu irmão, com os olhos brilhantes.

-É exatamente como tinha imaginado papai. -Disse envolvendo o outro braço ao redor de seu pai.

Dillon se manteve imóvel enquanto a quebra de onda de prazer que produziu o carinhoso gesto de sua filha percorria de cima abaixo.

Paul começou a rir e tirou a jaqueta.

-Também tinha imaginado a chuva Tara? Poderíamos ter arrumado isso sem ela, a verdade.

A garoa fria e cinza começava a cair um pouco mais rápida. Brian deu outra machadada ao tronco da árvore, fincando a afiada folha da ferramenta cada vez mais profundamente na madeira. Repetiu a mesma ação uma e outra vez, a um ritmo constante que criava uma curiosa melodia com o som da chuva. Robert passou um braço sobre os ombros de sua esposa, tentando protegê-la do vento cada vez mais forte. A árvore se estremeceu e começou a inclinar-se.

-Ei! -disse Paul agitando sua jaqueta ao lado de Jessica para oferecer a Tara. -Ponha isto.

Tara lhe dirigiu um resplandecente sorriso através da garoa.

-Obrigado, Paul. - Fechou os dedos sobre a jaqueta de uma vez que soava um forte rangido.

Os ramos vacilaram, e de repente se dirigiram para eles a toda pressa. Paul gritou uma advertência, correndo para trás em um esforço por manter-se fora de seu alcance. Cravou o cotovelo no ombro de Jessica, enviando-a longe, quando seus pés escorregaram sobre o lodo empapado.

Dillon deu um forte empurrão em Tara, mandando-a diretamente aos braços de Trevor, enquanto se dirigia correndo para Jessica. Apavorado, descobriu que deslizava para baixo e se dirigia para a beira da ravina. Viu como tentava agarrar-se aos ramos de uma árvore, mas o enorme corpo de Paul se chocou com o seu, formando uma confusão de braços e pernas. Ambos foram escorregando para a beira do precipício. Os dedos de Paul deixavam profundos sulcos no barro enquanto tentava aferrar-se a algo.

Dillon se deslizou sobre o barro, lançando-se de barriga sobre o chão para agarrar o tornozelo de Jessica justo quando ela caía pela beirada. Deu-se conta de que estava gritando... O terror entorpecia a mente. A árvore de Natal estava ao seu lado, uns centímetros à esquerda. Dom se lançou sobre as pernas de Dillon, sujeitando-o para evitar que escorregasse para a beirada atrás de Jessica e Robert saltou para sustentar os pulsos de Paul quando este se aferrou às pedras. Houve um momento de silêncio, interrompido tão somente pelo uivo do vento, o rugido do mar, o repico da chuva e o som forte das respirações, que ofegavam pelo esforço.

-Papai? -a voz de Tara soava chorosa e angustiada.

Trevor se deixou cair no barro ao lado de seu pai, observando Jessica sobre a beira do precipício. Ela estava de cabeça prá baixo, esforçando-se por girar a cabeça para lhes olhar. Além dos movimentos de cabeça, permanecia muito quieta, consciente de que a única coisa que a impedia de precipitar-se para baixo eram os dedos de Dillon que rodeavam seu tornozelo. Trevor estirou as mãos para ela e a agarrou pela panturrilha. Juntos, começaram a puxá-la para cima.

-Tudo vai bem, querida. -Tranqüilizou Dillon a sua filha. -Jess está bem, não é assim, pequena? -Queria ocultar o tremor de suas mãos e limpar sua mente do terror que a atendia.     -Robert, pode segurar Paul?

-Já o tenho. -Robert puxava com força para trás. Brenda e Tara agarraram seu cinturão e atiraram tão forte como puderam. Brian adicionou sua força a do Robert, subindo Paul até acima. Imediatamente se dirigiu a ajudar Trevor e Dillon com Jessica.

Todos se sentaram no barro; Dillon, Tara, e Trevor abraçando com força Jessica. A chuva começou a cair com mais intensidade. Jessica podia ouvir seu coração rugindo no peito. Dillon enterrou o rosto contra seu ombro. Tara e Trevor se aferraram a ela, abraçando-a com tanta força que pensou que a partiriam pela metade. Ela observou aos outros. Paul parecia absolutamente aturdido, com o rosto convertida em uma máscara de assombro. Brenda estava muito pálida. Robert, Dom, e Brian pareciam assustados.

Outro acidente. E desta vez Jessica estava envolvida. Não podia acreditar que tivesse sido outra coisa que um acidente. Teriam sido todos os outros acidentes que tinham ocorrido recentemente simplesmente desafortunadas coincidências? Tornou-se uma paranóica depois da morte de sua mãe? Certamente, no acidente de Trevor tinha examinado a terra cuidadosamente e não tinha descoberto nenhum sinal de que o desmoronamento tivesse sido algo mais que um deslizamento natural de terra depois de uma tormenta. Mas o que era a figura encapotada que Trevor e Tara tinham visto no dia anterior, quão mesma ela tinha visto a noite que chegaram à ilha?          

Quem poderia ser? Possivelmente era o guarda-florestal e sua vista era tão ruim que não divisou ninguém ao seu redor. Era uma pobre explicação, mas, além de que alguém estivesse ocultando-se na ilha, não lhe ocorria nenhuma outra.

-Salvei sua jaqueta, Paul. - Disse Tara disse com voz suave, sustentando o precioso artigo para que todos pudessem vê-lo.

Todos estalaram em risadas de alívio. Salvo Paul. Ele sacudiu a cabeça, com o ceticismo pintado ainda em seu rosto. Jessica tinha certeza de que seu rosto tinha a mesma expressão.

-Retornemos a casa. -Sugeriu Dillon. -Se por acaso alguém não notou, está caindo um dilúvio. Tudo bem, Paul?

Paul não respondeu, seu corpo tremia pela reação, mas permitiu que Brian, Dillon o ajudasse a ficar em pé.

Jessica refletiu sobre a idéia de que poderia estar equivocada sobre os acidentes. Inclusive sobre quem tivessem manipulado os freios do automóvel de sua mãe. E seu próprio automóvel. O resto das coisas ela poderia olhar de um ponto de vista totalmente diferente... Passou uma mão pelo cabelo. Ainda não tinha certeza.

 

Levou um tempo surpreendentemente curto para que todos voltassem a reunir-se na cozinha, recém tomados banho e aquecidos novamente, depois da aventura do bosque. Alterada pelo recente acontecido, Jessica não perdia os gêmeos de vista. A cadeia de acidentes que tinham sofrido era o suficiente alarmante para descartá-los como meras coincidências.

Olhou o ambiente, observando o resto dos habitantes da casa. Gostava deles. Esse era o problema. Realmente gostava e muito. Uns mais que outros, mas não podia acreditar que algum deles tivesse tentado fazer mal aos gêmeos deliberadamente.

-Jessie, não está prestando atenção. -A voz de Tara penetrou em seus pensamentos. -Eu disse que não sei que tipo de enfeites nós podemos fazer. -Adicionou Tara tristemente. -Mamãe Rita tinha enfeites muito bonitos para a árvore. -Permanecia em pé perto de seu irmão, procurando com o olhar o conselho de Jessica. Obviamente estava tão nervosa pelo acidente como Jessica.

-Acho que nós mesmos devemos fazê-los, Tara. -Assinalou Trevor. -Assim é como funciona, não, Jessie?

Jessica assentiu.

-Tenho uma fórmula para uma espécie de massa. Poderíamos fazê-la e moldar as formas que mais gostarmos e as colocar ao forno e depois pintá-las. Será divertido. -Pôs duas xícaras de chocolate diante dos gêmeos e estendeu uma terceira xícara para Paul. Ele sacudiu a cabeça e Jess deixou a xícara frente a ela, agarrando um pano para limpar a mesa.

Brenda bocejou.

-Jessie a dona-de-casa ataca de novo. Sabe fazer de tudo, querida? Tem a mínima idéia do absolutamente exaustivo que resulta isso?

Jessica atirou o pano que tinha nas mãos, que cobriu de cor verde seu elegante coque.

-Ninguém mais acredita na sua atuação de mulher fria e sem coração Brenda. Você foi desmascarada, melhor inventar outras coisas. Não disse que iria fazer a massa e cozinhá-la... Sou só a supervisora. Os gêmeos e você serão as abelhas operárias encarregadas do trabalho.

-Robert, vai permitir que ela continue me lançando coisas? -queixou-se Brenda. -Fez uma bola com o pano e me lançou como se eu fosse um alvo... Pelo menos poderia te vingar em meu nome. Faria eu mesma, mas já arrisquei bastante minha vida atravessando as águas infestadas de mosquitos e os pântanos cheios de jacarés procurando a árvore de Natal perfeita para estes dois pequenos ingratos. E a árvore perfeita resultou ser um arbusto com apenas alguns ramos e totalmente retorcida!

-Aqui não há jacarés. -Assinalou Trevor. -E em realidade, sua vida não correu nenhum perigo. Além disso, é seu dever como tia fazer essas coisas conosco e as desfrutar, não é assim, papai? Assim ânimo, garota. Deixaremos que cante a primeira canção de Natal.

O pano de cozinha se estrelou justo em meio do rosto de Trevor.

-Pequena víbora detestável!

-Ai, ai... -Trevor levou uma mão ao peito, fingindo um ataque cardíaco. -Ela me fere como um arpão com suas duras palavras. -Terminou a xícara de chocolate. -Mais? -perguntou esperançado enquanto levantava a xícara.

-Não, tem que deitar cedo. -Objetou Jessica. -Parece que seu estômago não tem fundo...

-Pode tomar o meu. -Disse Tara empurrando a xícara para seu irmão. -Eu não quero mais.

Jessica a interceptou, alcançando-a antes que Trevor pudesse pô-la fora de seu alcance.

-E se ela tiver ainda a infecção intestinal, Trev? Não deveria beber da mesma xícara. -Lhe repreendeu ela. -Tara, está bem? Está um pouco pálida.

-Acho que ainda estou um pouco doente. -Admitiu Tara. -Ou talvez seja que o susto ainda não passou. Na verdade, eu não gostei de ver como Paul e você caíam pela ravina.

-A nós tampouco. -Jessica intercambiou um pequeno sorriso com Paul.

-Ei, correntes de papel. -Disse Dom de repente. -Quando era pequeno fazíamos correntes de papel e as pendurávamos na árvore. Acho que lembro como fazer.

-Lembro-me disso. -Afirmou Robert. -Poderíamos usar as partituras que já não servem. Todos nós adoramos a música. Parece bom, Jessie? Brenda, você e eu fizemos uma vez uma corrente. Não tínhamos árvore de Natal, assim fizemos uma corrente de amor.

Jessica dirigiu um radiante sorriso a Brenda, que tinha uma careta de horror no rosto e parecia visivelmente envergonhada de que a tivessem descoberto.

-Uma corrente de amor, Brenda? Em realidade é muito tenra depois de tudo, não?

-Jessie, ela é tola como você. -Trevor estava luzindo um sorriso idêntico. -Brenda, a romântica. A da corrente de amor.

-É possível, Brenda. -Dillon sorria complacentemente. -Fiquei pasmo. Não tinha nem idéia de que havia tanta doçura sob toda essa sofisticação.

-Não comece. Robert foi quem inventou tudo, e todos sabem. -Brenda parecia indignada.

Brian moveu o dedo com um gesto de negação.

-Robert não tem a imaginação suficiente para inventar algo assim, Brenda. Fez essa corrente de amor com ele.

Tara abraçou Brenda protetoramente, olhando fixamente aos outros.

-A deixem em paz, todos vocês! -beijou com força a bochecha da Brenda. -Podemos fazer tantas correntes como queira. Não deixe que eles a incomodem.

Jessica cruzou um olhar com Brenda. As lágrimas brilhavam em seus olhos. Ainda permanecia sentava, sem mover nem um músculo. As duas mulheres se olharam fixamente entre si, ensimesmadas. Brenda beijou brandamente o cocuruto de Tara, com os olhos cravados em Jessica.

-Obrigado. -Disse sem emitir som algum, formando a palavra com os lábios enquanto piscava rapidamente para livrar-se da emoção que a embargava.

-De nada. -Respondeu Jessica da mesma maneira, esboçando um sorriso emocionado.

Dillon sentiu que se fazia um nó na garganta, com o coração arrebentando de orgulho ao observar aquele intercâmbio. Jessica havia trazido a alegria a todos. Poderia ter posto os gêmeos facilmente contra Brenda, contra ele. As crianças a amavam mais que qualquer um. Sua lealdade para Jessica era evidente. Uma só palavra de Jessica teria impedido os gêmeos de relacionar-se com qualquer uma das pessoas que os rodeavam. Jessica tinha sido muito generosa compartilhando-os e tinha inculcado sentimentos em ambas. Ele sabia, melhor que todos, a fria e pouco carinhosa que parecia Brenda. Estava orgulhoso de que seus filhos vissem mais à frente, vissem a mulher que se escondia sob a máscara que oferecia ao mundo.

-Também podemos fazer tiras de pipocas -assinalou Paul. -São bastante fáceis de fazer. Como essas que fazíamos em seu porão, Brian.

-Sempre comíamos quase todas. -Assinalou Dillon, sorrindo ao lembrar-se.

Estiveram agradavelmente atarefados durante as seguintes duas horas, assando e pintando os enfeites, formando correntes do papel e de pipocas de milho. Dillon conseguiu que cantassem canções de natal que Paul e Brian converteram ao final em baladas bastante grosseiras. Brenda e Brian iniciaram uma guerra de pipocas até que Trevor e Tara se uniram a sua tia e Brian pediu uma trégua.

Quando Jessica observou que as crianças estavam muito cansadas e ruborizadas pelo esforço, disse-lhes que parassem e os levou acima. Surpreendeu-se de que concordassem sem um murmúrio de protesto.

Tara levou a mão ao estômago.

-A verdade é que não me encontro muito bem, mas não queria estragar a diversão.             -Admitiu.

Pequenos sinos de alarme soaram na cabeça de Jessica, apesar de sua determinação de não preocupar-se. Esfregou as têmporas, zangada consigo mesma por ser tão protetora. Todos tinham tido dor de estômago, inclusive ela se sentia ainda um pouco doente.

-Queria que todos acabassem com essas brincadeiras. -Disse Trevor subitamente dirigindo-se Tara. -Não te deu raiva que jogassem a culpa em nós de todas essas travessuras enquanto esperávamos Jessica e papai? É tão típico dos adultos culparem sempre as crianças...   -De repente saiu disparado para o banheiro.

-O que quer dizer com isso de que culparam vocês das travessuras? -Jessica envolveu as mantas ao redor de Tara e retirou seu cabelo para trás. -Sente-se melhor, querida? Posso chamar seu pai e levar ao médico.

-Estou vomitando até as tripas. -Gritou Trevor do banheiro.

-Céu, eu adoraria te levar ao médico também, mas sei que preferiria que te metessem em azeite fervendo antes que ver um doutor. -Disse Jessica divertida.

Elas podiam ouvir como Trevor se esclarecia ruidosamente a boca pela terceira vez.

-E me sinto terrível que pensassem que tínhamos entrado em seus quartos. Pergunto-me se caso alguém entrasse no quarto de papai ele também nos jogaria a culpa. Apenas por sermos adolescentes não significa que não respeitemos as coisas dos outros. -Disse ele indignado. Saiu com raiva do banheiro, cruzando o quarto com o cenho franzido. -Perguntei diretamente a Brian se ele foi ao seu quarto, Jessie, e se tinha queimado o incenso e desenhado um de seus círculos mágicos ali, mas disse que não. E ainda teve a cara dura de me dizer que nem pensasse em entrar em seu quarto.

-Que nem pense entrar em seu maldito quarto. -Corrigiu Tara. -Estava muito zangado conosco. E nunca entramos em seu estúpido quarto.

-Esperem um momento. -Disse Jessica levantando a mão. -Do que estão falando? Outros os acusaram de terem entrado em seus dormitórios?

Tara assentiu.

-Inclusive Brenda e Robert pensaram que estávamos fazendo travessuras. Acho que tudo isto começou quando chegamos aqui e não acreditam em nós quando dissemos que também tinha ocorrido o mesmo conosco.

-Que travessuras? -quis saber Jessica. -E onde eu estava?

Trevor e Tara intercambiaram um lento sorriso.

-Com papai. -Disseram ao uníssono.

Jessica ruborizou enquanto se sentava na beirada da cama de Tara.

-Acho que mereci isso. Sinto muito, estive no estúdio trabalhando e depois saí com Dillon. Falarei com Brian. Não deveriam ter acusados vocês. Mas o que é que acreditam que estão fazendo?

Trevor se encolheu de ombros.

-As típicas brincadeiras de “adolescentes que vivem em uma velha mansão”. Deixar as janelas abertas e a água caindo na banheira, mover coisas, escrever mensagens estranhas nos espelhos como vão-embora-daqui-antes-que-seja-muito-tarde... Esse tipo de coisas.

-Brian disse que nenhum outro seria tão infantil. -Continuou Tara claramente ofendida.     -Oxalá tivesse encontrado uma dessas estúpidas passagens secretas para entrar furtivamente em seu quarto! -seu olhar fixou no rosto de seu irmão. -Bom Trevor e eu estivemos procurando essas passagens, mas só porque era divertido. Se tivéssemos tentado convencer a todos de que havia um fantasma, o teríamos feito muitíssimo melhor. -Declarou. -Pelo menos Brenda e Robert disseram que acreditavam na gente. Será que papai acha que entramos às escondidas nos quartos dos outros? -parecia um pouco desiludida.

-Claro que não, Tara. Se seu pai acreditasse que estão fazendo uma coisa semelhante, teria dito imediatamente. Sinto que os acusassem dessas tolices. Têm razão, adultos não lidam freqüentemente com adolescentes tem uma idéia errônea das coisas que fazem. -Jessica acariciou o cabelo de Tara. -Acabo de me dar conta de que nosso querido fantasma esqueceu-se de abrir a janela esta noite.

-De verdade pode haver um fantasma na casa? -Perguntou Tara esperançada.

-Esta casa não é muito antiga. -respondeu Trevor como se fosse um perito na matéria. Tinha lido muitos livros sobre esse tema. -Papai a construiu depois do incêndio. O construtor a terminou enquanto ele estava no Centro de Queimados. -quando sua irmã e Jessica o olharam se encolheu de ombros com um sorriso tímido. -Paul me contou. Eu pergunto coisas sobre papai. Às vezes não se importa e outras vezes simplesmente me ignora. Não se pode aprender nada se não fizermos perguntas... E, voltando para o assunto, uma casa tem que ser muito antiga para ter um fantasma.

-Ou, tem que haver um assassinato nela. -Disse Tara.

Uma corrente gelada desceu pela coluna de Jessica ao escutar as palavras de Tara. Recordou o som dos disparos, a luz da chama, o calor e a fumaça... Ficando em pé, caminhou até a janela, tentando evitar que os gêmeos vissem a expressão em seu rosto. Assassinato. A palavra relampejou fracamente em sua mente. Ambos as crianças a olhavam atentamente. Para que não descobrissem no que estava pensando, mudou de assunto.

-É verdade que Brenda cuidou quando vocês ficaram doentes esta manhã? Fiquei espantada.

Trevor riu imediatamente.

-Tentou. Estava tão branca como a parede. O gracioso foi que Robert quis encarregar-se de nós, mas ela se negou, disse que poderia fazer sozinha. Acredito que realmente queria fazê-lo, não só dar tempo a papai e a ti para arrumar as coisas, a não ser encarregar-se de nós sozinha. Também foi gracioso que, enquanto ela estava comportando-se tão bem, eu pensava que Robert e Brenda poderiam ter tentado nos envenenar.

Jessica abriu muito os olhos.

-E por que pensou uma coisa assim?

-Bom, bebemos um refresco em seu quarto e logo ficamos doentes. Além disso, encontrei um jornal em seu cesto de papéis com palavras recortadas, como as da carta de chantagem. Tive a louca idéia de que nos manteriam como reféns ou algo assim até que vocês pagassem o dinheiro. Ou que ia nos matar para cobrar o dinheiro do seguro. -Desenhou um sorriso de orelha a orelha em seu rosto, embora Jess pudesse ver que se sentia um pouco envergonhado.

-Eu já me encontrava mal antes de tomar o refresco, por isso bebi tão rápido. -Tara franziu o cenho, indignada com seu irmão. -Brenda e Robert não estavam tentando nos envenenar!

-Agora sei. -Disse enquanto se deitava na cama que preparou no chão.

-O que é o que viu no quarto da Brenda? -Jessica tropeçou com os sapatos de Trevor e quase caiu em cima a cama. Dom tinha confessado que tinha tentado chantagear Dillon. Por que Brenda e Robert teriam os restos de um jornal recortado em seu quarto? Para que Dom ia confessar uma coisa assim e depois tentar carregá-los a outros? Jessica sentiu novamente uma arrepiante sensação percorrendo seu corpo. A menos que alguém mais estivesse envolvido em tudo aquilo. Alguém mais sinistro que Dom. Jessica não gostou absolutamente das implicações que isso suportava.

-Era só um jornal velho. -Disse Trevor, encolhendo-se de ombros. -Algumas das palavras tinham sido recortadas, mas realmente não tive tempo de olhar muito bem.

Jessica se sentou na beirada da cama. Fora, a chuva tinha começado a cair novamente, golpeando a janela e sacudindo os ramos contra a casa.

-Como vocês dois estavam acostumado a me chamar? -perguntou brandamente. As gotas de chuva se atrelaram ao ritmo em seu coração.

-A garota mágica. -A voz de Tara soava sonolenta. -É nossa garota mágica.

Jessica se inclinou para beijá-la novamente.

-Obrigado, querida, acredito que preciso ser novamente a garota mágica. Vou descer ao estúdio. Se me necessitarem para algo, desçam para me buscar. -Precisava ir a algum lugar para pensar e um violão nas mãos sempre ajudava.

Doía-lhe o ombro, um aviso dos incidentes do dia, quando descia silenciosamente ao vestíbulo pela ampla escada. As luzes estavam apagadas e a casa permanecia em silêncio.

Dillon a estava esperando. Se demorasse muito, com certeza iria procurá-la. Precisava estar sozinha enquanto ela colocava em ordem as idéias em sua cabeça. Ele a distraía, a fazia perder a confiança em si mesma. A garota mágica. Inclusive sua mãe a tinha chamado assim, porque Jess sabia coisas. Sabia coisas instintivamente. Coisas como que parecia ser um acidente era realmente algo muito mais sinistro. Desde que chegou à ilha, tinha acredita em Dillon, tinha esperado que fosse ele quem resolvesse o mistério, que fizesse o melhor para todos.

A zigue zague da luz de um relâmpago iluminou o pátio quando parou na entrada para olhar para fora, através das portas de vidro. Podia ver os pinheiros agitando-se com o vento em uma macabra dança, como marionetes de madeira. Dillon não acreditava que alguém estivesse tentando fazer mal as crianças. Jessica sim acreditava e tinha que descobrir a verdade, precisava confiar em si e em seu próprio julgamento.

O estúdio estava vazio, estranhamente aterrador com o vidro e os instrumentos escondidos na escuridão. Escolheu distraidamente um dos violões acústicos de Dillon, uma Martin que particularmente, ela gostava. Passou os dedos sobre as cordas, escutando uma pequena nota discordante que indicava que não estava perfeitamente afinada. Isso era como se pareciam os acidentes, uma nota discordante. Tinha que ordená-lo tudo em sua cabeça, da mesma maneira que afinava o violão. Tocou ali na escuridão, sentada a beira do painel de instrumentos, enquanto sua mente recolhia a informação que necessitava. Fechou os olhos e permitiu que a música, a música de Dillon, a tranqüilizasse enquanto tocava.

Escolheu ao acaso umas das notas da melodia. Notas desafinadas, como esses acidentes que podiam passar a qualquer um. Qualquer. A palavra se repetia como um estribilho em sua cabeça. Acidentes aleatórios. Passagens secretas. Chantagem. Peças de um quebra-cabeça, igual às notas musicais escritas no papel. As girando, unindo-as de distintas maneiras, conseguiria uma obra prima. Ou uma chave.

O trovão soou muito perto, como o choque de pratos, o toque final depois da melodia. Jessica abriu os olhos no momento em que outra descarga de fogo iluminava o céu. Uma figura apareceu justo diante dela, uma escura sombra de terror. Jessica se levantou de um salto, agarrando o violão como se fosse uma arma.

Brenda se recostou com um chiado assustado.

-Jess! Sou eu! Brenda!

Com o coração pulsando a toda velocidade, Jessica baixou lentamente o violão.

-Que demônio está fazendo aqui?

-Buscando-te. Trevor me disse onde encontrar. É a única que pode acreditar em mim. Não sei a quem mais poderia contar. -Brenda levantou a mão, impedindo que Jessica acendesse a luz. -Não faça, não posso te olhar e dizer o que tenho que dizer. -Inspirou profundamente para se tranqüilizar. -Quis pensar que as crianças eram as culpadas das coisas estranhas que aconteciam, mas agora não acredito. Acredito que é Vivian.

Uma corrente gelada desceu pela coluna vertebral de Jessica. Seus olhos se esforçaram por distinguir na escuridão o rosto da Brenda, para ler sua expressão.

-Não estou louca, Jessie. Às vezes sinto sua presença. -Brenda apertou uma mão tremente contra a boca. -Acredito que as crianças ou Dillon ou possivelmente também eu, estamos em perigo e ela está tentando nos advertir. Vivian não era uma má pessoa, e acreditava nos espíritos. Se pudesse retornar para ajudar a corrigir seus enganos, faria isso. Temia que algo ruim ocorresse, e no momento em que cheguei à ilha, não ficou nenhuma dúvida.

-Acha que Vivian se dedica a abrir as janelas e a desenhar círculos mágicos no chão? Por quê? Por que ela faria algo assim, sabendo o que Dillon pensa a respeito? -Jessica manteve a voz muito serena. Não sabia se Brenda estava tentando assustá-la, ou se realmente acreditava o que estava dizendo.

-Para te proteger. Para me proteger. E Dillon, e as crianças. A todos nós. Era a única religião que conhecia. -Brenda se aproximou mais. -Você também sente? Diga-me que não perdi completamente a razão... Não quero terminar como Viv.

Jessica apoiou o violão cuidadosamente contra a parede. Não sabia se a presença de Vivian a tinha ajudado ou se o relâmpago anterior simplesmente tinha iluminado seu cérebro. Como as notas se mesclam para formar uma harmonia, as peças do quebra-cabeça encaixaram em seu lugar.

-Desde que chegamos aqui, os acidentes foram sempre aleatórios. Eu tentava amoldá-los, encaixá-los em minha teoria de que alguém queria fazer mal a Trevor e Tara. Mas todos esses acidentes poderiam ter ferido a qualquer um de nós. A qualquer um dos que vivem na casa... Vê o padrão, Brenda?

Brenda negou com a cabeça.

-Não, mas está me assustando muito.

-E a capa. A figura encapotada. O cão não ladrou.

-Perdi-me... O cão não ladrou... Quando?

-Quando Trevor ficou enterrado sob os escombros, Tara viu uma figura encapotada, mas o cão não ladrou. Assim não era alguém que se esconde na ilha, era alguém que o cão conhecia. -Jessica notava que estava a ponto de descobrir algo importante. Estava tudo ali, diante de seus narizes. O padrão das notas discordantes. -Por que só nós três nos pusemos doentes? Por que Tara, Trevor e eu? Nenhum de vocês se sentiu mal. - Apertou uma mão contra sua boca, abrindo muito os olhos. -É o chocolate. Meu deus, ele envenenou o chocolate... Ele fez tudo. Disparou em Vivian, teve que fazê-lo, e cobriu seus rastros com o fogo.

-O que quer dizer com isso dele envenenou o chocolate? Dillon? Acha que Dillon tentou envenenar os gêmeos? -Brenda parecia assustada.

-Não, Dillon não. É obvio que não foi Dillon. Não acredita que ele disparou em Vivian! Nunca foi Dillon... -Jessica estava impaciente. -Tem que chamar um helicóptero para que recolha as crianças e as leve ao hospital, e diga que tragam para a polícia. -Tinha que ir procurar os gêmeos, mantê-los perto dela, assegurar-se de que estavam sãos e salvos.

A seguinte descarga de relâmpagos iluminou a escuridão, revelando à figura encapotada que permanecia silenciosamente de pé no canto. Jessica o viu, e viu que segurava uma arma na mão. A luz se extinguiu ao longe, mas ela sabia que ele estava ali. Real. Sólido. Um sinistro ser demente e retorcido capaz de assassinar. Brenda deu um grito de terror e Jessica empurrou à mulher atrás dela. Deslizou-se ao longo do painel de instrumentos com a intenção de pressionar o botão que ligaria o gravador.

Houve um momento de silêncio enquanto a chuva caía e o vento uivava e açoitava a casa. Enquanto as gárgulas observavam silenciosamente dos beirais.

Jessica esboçou um pequeno sorriso, tentando aparentar uma calma que não sentia.

-Sabia que foi você. Isto o romperá novamente o coração. -Havia um profundo pesar em sua voz. O conhecimento de uma traição assim feriria Dillon imensamente. De algum jeito, Jessica sabia desde o começo, mas não quis ver. Pelo bem de Dillon.

-Não sabia. -Negou Paul, com o rosto oculto na profundidade do capuz não podiam o ver. Apresentava uma imagem aterradora... A própria Morte. Só faltava a foice para completar o quadro.

-É obvio, tinha que ser você. Ninguém mais sabia que alguém estava tentando chantagear Dillon.

-Sua mãe. -Cuspiu ele. -Era tão ambiciosa... Não bastava o dinheiro que Dillon mandava para as crianças. Eu preenchia seus cheques, tinha mais que o suficiente.

-Não foi minha mãe. -Respondeu Jessica. -Foi Dom que tentou chantagear Dillon. Ela veio aqui porque Dillon pediu que viesse, para falar sobre o assunto.

-Não entendo nada... -disse Brenda. -Paul, o que está fazendo? Por que está aí de pé com essa estúpida capa e nos apontando com uma arma? Será melhor que não esteja nu debaixo dessa coisa! Estamos todos um pouco melodramáticos, não? De que demônios estão falando? Por que alguém iria querer chantagear Dillon?

Jessica a ignorou. Não se atrevia a apartar os olhos de Paul. Ele era instável e não tinha nem idéia do que pensava fazer. Mas sabia que ele era absolutamente capaz de assassinar. Tinha feito muitas vezes.

-Você era o único que podia ser Paul. Tem acesso a todas as habitações através das passagens. É o único que esteve aqui de maneira regular. Quando percebi que os acidentes eram aleatórios, destinados a qualquer um dos que vivessem aqui, percebi que tinham sido desenhados para manter a todos longe deste lugar. O desmoronamento, a árvore de Natal, o azeite nos degraus... Inclusive o chocolate. Ele pensou que se acontecesse coisas suficientes, todos nos partiríamos. Isso era o que desejava, não? O que queria é que todos desaparecessem daqui.   -Sua voz era relaxante, a voz que tinha usado durante anos com as crianças, uma mescla de doçura e compreensão.

-Mas você não teria partido. -Disse ele. -Os trouxe novamente aqui. Os filhos dela. Vivian era malvada, uma malvada e repugnante sedutora que não nos deixava em paz.

O coração de Jessica fez um ruído surdo. Detectou algo em sua voz... A culpa, o ódio. Tudo voltava para Vivian... E então soube. Seu coração chorou por Dillon. Como alguém sobreviveria a tanta traição? Quis chorar por todos eles. Não ia haver nenhum milagre para os gêmeos ou para Dillon neste Natal, só mais dor no coração, outra tragédia.

-Você a amava. -Disse ela sem duvidar, dirigindo as palavras ao homem que permanecia na escuridão, ao homem que tranqüilamente tinha subido as escadas e tinha disparado em Vivian e em seu amante a sangue frio. O homem que encerrou com chave o resto dos que estavam na habitação depois de assegurar-se que o incêndio se iniciou.

-Eu a odiava! Desprezava-a! -Paul vaiava as palavras. -Ela me seduziu. Roguei que me deixasse em paz, mas se arrastou até minha cama e eu pude resistir. Ela riu de mim, e ameaçou contar a Dillon. Ele era meu único amigo, a única família que tive na vida. Não ia permitir que me destruísse. Nem a ele. Phillip merecia morrer, ele a usava para chegar a Dillon. Acreditava que Dillon pagaria para que deixasse Vivian em paz.

-E de onde tirou uma idéia assim? -Brenda tinha permanecido muito calada e isso angustiava Jessica. Olhou para onde estava, mas não podia distingui-la claramente na escuridão.

-E o que importa isso? Já nada tem importância. Ele escolheu você. Quando te empurrei para a ravina e eu também escorreguei, salvou a você, não a mim. Não podia acreditar. Ele nunca valeu à pena. Todos estes anos desperdiçados. Seu gênio. Eu adorava sua grandeza, cuidei dele, o protegi, matei por ele... E ele se apaixonou por outra rameira. -Paul sacudiu a cabeça, fazendo que o capuz se agitasse como se estivesse vivo. -Eu lhe dava tudo, e ele escolheu você. -Quase gritou as últimas palavras, como um cão raivoso disposto a atacar.

Jessica forçou uma risada zombadora. Estava movendo pouco a pouco seus dedos ao longo da parede, procurando o violão, sua única arma.

-Mente a si mesmo nas noites para poder dormir, Paul? O traiu se deitando com sua esposa. Provavelmente, foi você quem introduziu Phillip Trent na vida de Vivian. Permitiu que Dillon fosse submetido a um julgamento, sabendo que todos acreditariam que ele tinha cometido o assassinato e você poderia ter detido dizendo a verdade. É responsável pelo incêndio que o queimou. Assassinou a minha mãe acreditando que era ela quem o chantageava. Deixou-lhe exposto à chantagem e depois preparou os acidentes que poderiam matar seus filhos só para afastá-los dele. Que diabos quer dizer com que lhe deste tudo? O manteve prisioneiro nesta casa e quando parecia que poderia ficar livre, tentou voltar a isolá-lo do resto do mundo.

-Cale a boca! -a voz de Paul destilava puro veneno. -Fecha a maldita boca!

-Seu maior engano foi ir atrás das crianças. O tiro saiu pela culatra. Interceptou a carta em que dizia que deveria ter seus filhos junto a ele. Você não queria que estivessem aqui, não é? Era uma ameaça para você. Assim tratou de me fazer acreditar que Dillon estava tentando lhes fazer mal, não é certo? -Jessica o olhava fixamente. -Mas verá... Conheço Dillon. Sabia que ele jamais teria matado Vivian nem a minha mãe, e que nunca faria mal aos seus filhos. Assim trouxe as crianças aqui, sabendo que ele tentaria protegê-los.

-E entregou-me eles em uma bandeja - grunhiu Paul.

-Solta a arma, Paul. - A voz de Dillon soava cansada e triste, uma mescla de angústia e tristeza. -Tudo terminou. Devemos decidir a melhor maneira de solucionar isto. -Disse enquanto atravessava a porta.

Enquanto Dillon parecia tão tranqüilo, Jessica tinha vontade imensa de gritar. Estariam às crianças acima se retorcendo de agonia enquanto eles falavam com um louco que segurava uma arma? Seus dedos encontraram o pescoço do violão, rodearam-no e o sujeitaram com força.

-Só há uma maneira de solucioná-lo, Dillon. -Disse Paul serenamente. -Não vou passar o resto da vida entre as grades. Não poderia suportar ser entrevistado através de barras enquanto a banda sobe novamente ao mais alto.

Jessica soube. Sempre sabia as coisas antes que acontecessem, embora ultimamente tivesse duvidado. Ali, na escuridão, enquanto a chuva caía, soube o momento preciso que Paul balançou a arma. Sabia que tinha terminado de falar e que seu dedo se deslizava sobre o gatilho. Sem vacilar, Jessica se colocou diante de Dillon e balançou o violão para Paul com todas suas forças.

Escutou o som da arma, o rangido simultâneo do violão quando estrelou contra Paul, e o rouco alarido de negação de Dillon enquanto algo o golpeava nas pernas. Jessica caiu de cabeça ao chão. Manteve-se imóvel, olhando fixamente à figura da capa encapuzada. Inclinava-se... Retorcia-se. Piscou para clarear sua visão. Tudo parecia estar nublado e uma estranha luz fosforescente penetrava no quarto, como uma mescla de cores frias. O ambiente estava gelado, assim podia ver o ar como se fosse uma nuvem de vapor que parecia colocar-se entre Paul e o resto dos ocupantes do estúdio.

Paul gritava, um escuro e rouco lamento de raiva e medo. Por um momento as cores mudaram e se moveram, formando com seu brilho a imagem translúcida de uma mulher com um vestido vaporoso que estendia um magro braço para Paul. Dillon se moveu então, cobrindo o corpo de Jessica com o seu próprio, impedindo que visse aquela estranha aparição, de maneira que ela só pôde ouvir quando a arma disparou pela segunda vez.

-Vivian, não me deixe novamente! -O lamento de Brenda era angustiante, avançou cambaleando para frente, estendendo os braços. Dillon a agarrou e a empurrou para baixo, a segurando no chão.

Jessica escutou o som de um corpo ao cair no chão, e de repente se encontrou olhando fixamente os olhos abertos de Paul. Soube que ele estava morto, a vida tinha escapado de seu corpo antes que chegasse ao chão. Ao final, tinha decidido levar Dillon com ele, da mesma maneira que ela tinha decidido que não permitiria.

Brenda chorava brandamente, com o coração destroçado.

-Viu-a, Jessica? Disse que não estava louca. Viu-a?

Dillon deu um chute à arma para afastar a da mão de Paul.

-Chame um médico, Brenda, agora mesmo! -Sua voz estava carregada de autoridade e fez que Brenda empalidecesse. -Vai procurar Tara e Trevor e se assegure que estejam bem. Depois, chama à polícia. -Suas mãos apalpavam as pernas de Jessica, procurando o buraco da bala que a tinha atirado ao chão.

Não havia sangue, nem nenhuma ferida aberta, só um hematoma grande e escuro em sua coxa esquerda. A zona estava sensível e dolorosa, mas nem Dillon nem Jessica sabiam o que era o que a tinha golpeado com a força suficiente para fazê-la cair. Brenda permanecia ali em pé, incapaz de mover-se. Ambos olharam fixamente a estranha marca, dois círculos, um dentro do outro, o círculo do centro muito mais escuro. Um círculo de amparo.

-Tenho que ver Paul. - Disse ele, e Jess percebeu a angústia em seu tom.

-Já não há nada que possa fazer por ele, Dillon. Melhor não toque em nada. -Advertiu-lhe Jessica brandamente. Agora que tudo tinha terminado, começou a tremer descontroladamente. Precisava assegurar-se de que as crianças estavam bem. Precisava consolar Dillon. Tinha muito medo do que pudesse ocorrer. Esta vez, a verdade sairia à luz. -Espera à polícia.

 

Um pássaro branco voava atravessando o ar carregado de umidade. Longe, mais abaixo, as ondas se chocavam contra as pedras, enchendo de espuma, tentando chegar ao céu para alcançar à branca pomba que levava um objeto brilhante no pico.

-Jessie, se levante já. -Insistiu Tara, tirando Jessica de seu agradável sonho. -Hoje é Véspera de natal... Não pode ficar na cama!

Jessica virou com um pequeno gemido e tampou a cabeça com as mantas.

-Saia daqui, nunca mais eu quero levantar.

Não queria enfrentar a Véspera de Natal. Não queria ver a desilusão nos rostos dos gêmeos. Não queria enfrentar Dillon. Tinha visto quando a polícia levou o corpo de Paul, quando contou o que tinha ocorrido. Parecia um homem desolado, com o coração e a alma feita em pedaços. Os repórteres tinham sido desumanos, fervendo pelo hospital, armando escândalo na delegacia de polícia. Fizeram milhares de fotografias e apontaram à cara montões de microfones. Tinha que ter sido um pesadelo para ele. Tinha sido para ela. A polícia tinha a gravação que Jessica fez assim como as declarações que Brenda e ela mesma tinham feito para afrontar com a de Dillon. Os do C.S.I. Tinham ido de um lado a outro. Paul tinha se suicidado. Isso é o que disseram que tinha acontecido. De mútuo acordo, nenhum dos três disse nada sobre a misteriosa aparição. Não havia nenhuma necessidade de complicar a história à polícia ou à imprensa. Além disso, quem iria acreditar?

-Jessie, de verdade, tem que se levantar. -Tara puxou as mantas.

-Eu me encarregarei de fazê-la sair da cama. -Disse-lhe Dillon brandamente a sua filha.   -Vão recepcionar os outros, Tara. Conte a história de Natal a todos. Necessita algo que os faça sentir-se bem esta noite. Além disso, Brian fez uma comida especial para Véspera de natal. Acredito que tornou a fazer panquecas...

Tara riu divertida enquanto seu pai a acompanhava até a porta.

-Outra vez suas famosas panquecas! Que horror! -Dillon se agachou para beijar sua testa antes que saísse.

Jessica escutou como fechava a porta e passava a chave à fechadura. Houve um sussurro misterioso e então o quarto se alagou de música. Uma música suave e doce. A doce paixão da canção em que ela e Dillon tinham trabalhado tão duramente. Piscou para evitar que saltassem as lágrimas e se sentou enquanto ele cruzava o quarto, para apoiar-se na beirada de sua cama. A luz estava apagada e a habitação estava às escuras, exceto pela luz chapeada que os brindava a lua.

Jessica encolheu os joelhos e apoiou o queixo sobre eles.

-E agora o que, Dillon? -perguntou em voz baixa, esperando o pior, preparando-se para enfrentar seu rechaço. Ele não tinha falado com ela, não a tinha visto fazia três dias. Tinha passado a maior parte do tempo no continente.

Dillon estendeu uma mão para ela, tomando o queixo, pele contra pele. Deu-se conta então de que não pôs as luvas.

-Hoje é Véspera de natal, e estamos esperando que ocorra nosso milagre. -Disse com suavidade. -Não me diga que depois de todo este tempo agora tem uma crise de fé... -seu polegar deslizou ao longo do queixo de Jess, um movimento lento e sensual que fez que ela estremecesse.

Jessica passou uma mão tremente através de seu cabelo, que fazia cócegas no rosto.

-Já não sei o que acreditar Dillon. Além disso, agora mesmo estou meio dormindo. -Não era verdade. Quando olhava, cada parte dela cobrava vida. Uma corrente quente de fogo atravessava seu corpo, seu coração dava saltos como louco e se fazia um nó no estômago.           -Acreditei, que com tudo o que passou... -Não pôde continuar. Não importava o que dissesse algo faria mal. Como podia admitir que tivesse pensado que ele se afastaria dela, de Trevor e de Tara?

O sorriso de Dillon era incrivelmente afetuoso.

-Acha que seria o suficientemente estúpido para afastá-los, não é? Não te mereceria, Jess, se tivesse pensado fazer algo assim. Sei que tampouco te mereço agora, mas você se ofereceu e penso me aferrar a você com todas minhas forças. -Apertou a ponta do nariz, de repente parecia indefeso. -Pensei sobre tudo o que aconteceu, sobre a traição e a loucura, e sobre se devo permitir que essas coisas me amargurem a vida. Pensei sobre coragem e o que significa. Coragem foi o que Dom teve quando veio me buscar quando não tinha por que me contar quão idiota tinha sido. Teve a coragem de fazê-lo ainda sabendo que o jogariam a pontapés da banda ou que inclusive o prenderiam. Coragem é o que têm Brenda e Robert aprendendo a ser uma tia e tio de duas crianças, quando em realidade isso os aterroriza. Coragem é o que teve Brian quando permaneceu em pé nessa cozinha e disse que continuava mantendo suas crenças.

Rodeou o rosto de Jess com as mãos.

-Coragem é o que faz que uma mulher se interponha entre um homem e a morte certa. Lutou por mim, Jess, inclusive quando eu não teria feito por mim mesmo. Não vou te afastar de mim. Nunca poderei voltar a tocar um violão como estava acostumado a fazê-lo, mas ainda fica a voz e ainda posso escrever e compor as canções. Tenho dois filhos, que você me devolveu, e, se Deus quiser, espero que tenhamos mais. Diga-me que ainda estou a tempo.

Jess se fundiu com ele em um beijo longo e lento que lhe roubou o fôlego e disse sem palavras tudo o que ele queria saber.

-Todos estão nos esperando lá embaixo. -Sussurrou Dillon contra sua boca.

Jessica lhe deu um forte abraço, saltou da cama e se encaminhou depressa para o banheiro.

-Dê-me dez minutos. -Disse por cima do ombro. -Tenho que tomar banho. -Tirou a camiseta do pijama e a lançou sobre uma cadeira.

Dillon conteve a respiração quando viu que o cordão que sujeitava as calças do pijama se deslizava sobre a tentadora curva de seu traseiro enquanto ela entrava no banheiro. Ficou em pé, esboçando um lento sorriso, e tirou a camisa. Foi descalço até a porta do banheiro para observá-la enquanto se introduzia sob a cascata de água quente. Jessica girou a cabeça para ele e viu como tirava lentamente as calças jeans, deixando livre seu endurecido membro. Olhou fixamente sua enorme ereção. Ver como o observava fez crescer mais ainda, e sua necessidade foi foto instantânea e urgente.

-Sentiu minha falta. -Brincou ela. Seu sorriso era um convite. No momento em que entrou no amplo compartimento da ducha, ela envolveu a mão ao redor de seu membro grande, duro e quente. -Eu também senti saudades.

Suas mãos percorreram cada centímetro do corpo de Jess, maravilhando-se de que o desejasse tanto. Dillon a sujeitou pela nuca e girou a cabeça para unir sua boca a dela. Não foi amável. Não se sentia amável. Queria devorá-la, alimentar-se dela. Cobriu os peitos com suas mãos, acariciando com os polegares seus mamilos tensos.

Estava-lhe voltando louco com suas intrépidas carícias enquanto beijava com a boca firmemente acoplada à sua. Beijos como seda quente... O resto do mundo deixou de ter importância. A água escorregava sobre seus corpos e o vapor os envolvia como uma nuvem. Sentia-a suave e flexível enquanto esfregava seu corpo contra o dele. Deslizou uma perna ao redor de seu quadril, e se apertou com força, tão ansiosa quanto ele.

Dillon inclinou a cabeça sobre o enorme hematoma de seu ombro, onde o cotovelo de Paul a tinha golpeado para enviá-la para a beira do precipício. Sua língua aliviou a palpitante dor, e desceu para passear pelo contorno de seu peito. Notou como ela se estremecia diante da sensação. Fechou a boca ao redor de seu mamilo duro, mordiscando-o com os dentes antes de sugá-lo com força. Ela gritou, arqueando-se mais contra ele. A mão de Dillon percorria cada curva, até que deslizou para baixo para introduzir-se em seu corpo. Jess estava quente e úmida, e ele desejou ter todo o tempo do mundo para amá-la como queria. Continuar ao seu lado e proporcionar tanto prazer que não sobrasse nenhuma dúvida do que ela significava para ele.

Jessica inclinou um pouco para frente para lamber uma gota que descia de seu ombro para os músculos do peito. Não foi o bastante rápida. Perseguiu com a língua a pequena gota de água à medida que descia sobre as avolumadas cicatrizes que havia sobre seu coração. Não conseguiu apanhá-la, assim envolveu os braços ao redor de sua cintura quando se agachou para perseguir a gota que agora se deslizava sobre seu ventre plano. Envolveu a mão possessivamente ao redor de sua forte ereção. Notou como se inchava mais, grande e duro, quando deixou que seu quente fôlego sobre ele, quando sua língua alcançou a escorregadia gota em seu ponto mais sensível.

Dillon ficou rígido, com seu corpo estremecendo-se de prazer quando o introduziu na calidez de sua boca. A água caía como uma cascata, sensibilizando a pele. Um rugido começou a tomar forma em seu cérebro e o fogo percorria seu corpo enquanto aquele doce êxtase o fazia tremer. Os compassos de sua música chegaram até a ducha e prenderam fogo a seu sangue com aquele ritmo apaixonado. Ela empurrou os quadris contra sua mão, tinha os músculos firmes e apertados ao redor de seus dedos.

-Jess. -Seu nome soou como uma carícia. Uma reclamação. Uma súplica. Uma promessa. -Necessito você agora mesmo, neste momento. -Porque não havia nenhum outro lugar em que se sentisse tão bem como dentro dela, com ela, formando parte de seu corpo.

Seus olhos verdes fixaram nele quando ficou de pé. Observando cada parte, a perfeição de seu rosto, as cicatrizes de seu corpo, a evidência grande e dura de sua necessidade dela. E Jessica sorriu radiante de felicidade. Deliberadamente, voltou-se e apoiou as mãos cuidadosamente em metade do pequeno banco que havia no canto, mostrando seu redondo traseiro e a esbelta linha de suas costas.

Dillon sujeitou seus quadris e se empurrou contra ela. Estava mais que preparada para recebê-lo, molhada, quente e tão faminta quanto ele. Ao mesmo tempo em que ele empurrava para introduzir-se em sua estreita vagina, ela recostou, para que ele a enchesse de uma só investida. Uma corrente de lava fundida percorreu seus corpos. Ele gemeu e começou a mover-se forte e rápido contra seu corpo, empurrando profundamente em um frenesi selvagem que abrasava a ambos. Jessica saía ao encontro de cada investida, exigindo mais, com seu corpo apertando ao dele, sujeitando e forçando uma ardente fricção que o estremeceu até a alma. Então ela começou a contrair-se ao seu redor, espremendo de tal maneira que o próprio orgasmo atravessou com tal intensidade que pronunciou seu nome em um grito que nasceu no mais profundo de seu ser.

Sempre conseguia o surpreender. Sua Jessica, tão cheia de vida, de paixão, mostrando sem temor tudo o que sentia. Ela gritou também ao chegar ao final, ondeando seu corpo fora de controle, abandonando-se ao prazer e abraçando com força. Parecia ter durado uma eternidade, e, entretanto, acabou-se muito rápido. Desabaram juntos, aferrando-se um ao outro, beijando-se, percorrendo com mãos famintas seus corpos.

Dillon a agarrou pelo cabelo.

-Acredito que nunca me cansarei de te beijar. -Sua boca a devorou com ânsia. -Mais, necessito mais.

-Achei que havia dito algo sobre que outros estavam nos esperando... E já passou muito mais de dez minutos. -Assinalou Jessica. -Enviarão os gêmeos para nos buscar.

-Prometa-me que quando se casar comigo, que será muito, muito em breve, poderei passar duas semanas na cama com você. Só te tocando. Eu adoro te acariciar. -Estirou-se para cortar a água da ducha.

Jessica não se moveu, olhando fixamente através da água que empapava suas pestanas.

-Nunca mencionou casamento.

Dillon olhou, conseguindo parecer um tímido jovenzinho.

-Sou um pouco antiquado... Acreditei que tinha entendido o que queria dizer quando falei de que ia aferrar-me em você. -Jogou uma olhada ao redor e viu suas calças, descuidadamente jogadas no chão. -Tenho um anel. -Ele disse como se fosse um suborno.

-Dillon! -Nervosa Jessica envolveu seu cabelo em uma toalha, olhando fixamente com os olhos exagerados. -Tem um anel?

Estava tão formosa com aquela expressão confundida no rosto, com as gotas de água adornando sua pele e seus enormes olhos brilhando de felicidade que Dillon quis voltar a começar tudo novamente. Encontrou o anel em um dos bolsos e tomou sua mão.

-Quero que o nosso seja para sempre, Jess, para sempre.

O diamante resplandecia enquanto ela o olhava sorridente. De repente Dillon a empurrou e ambos caíram enredados sobre a cama, e ele dedicou a recolher com a língua cada gota de água que havia sobre sua pele.

Levou muito mais tempo de que esperavam vestir-se e preparar-se para reunir com os outros. O rosto de Jessica estava ligeiramente avermelhado devido ao roce da barba de Dillon, e a parte interior de suas coxas tinha um aspecto similar. Desceu contente ao seu lado, com confiança. Juntos celebrariam o Natal.

Jess se deteve na porta do salão onde tinham colocado a árvore. Centenas de luzes apareciam entre seus ramos, ressaltando os enfeites que tinham fabricado.

-Foi isto o que esteve fazendo todo este tempo. -Sussurrou Jessica, sentindo como atravessava uma corrente de felicidade ao olhar as luzes da árvore de Natal e o montão de presentes brilhantemente envoltos sob os ramos. -Esteve brincando de Papai Noel.

Dillon sorriu de orelha a orelha, da maneira como o fazia parecer um moço jovem e travesso.

-Bom, me coloquei totalmente no negócio dos grandes milagres durante estes dias. Não podia decepcionar Tara e Trevor. Queriam que seu pai retornasse, não?

Jessica jogou os braços ao redor de seu pescoço e procurou aquela maravilhosa boca. Estava transbordante de felicidade. Tinha pensado que a traição de Paul teria sido a última gota que enchia o copo, que teria destroçado completamente o espírito de Dillon. Em vez disso, tinha acontecido justamente o contrário e ele estava inteiro uma vez mais.

Foi um beijo suave, depravado, com sabor a paixão e desejo. Atrás deles Trevor gemeu.

-Vão passar toda a noite fazendo isso? Porque há outros quartos em que poderiam ter um pouco mais de intimidade, se por acaso não notaram...

-Nem mencione. -Disse Brian a Trevor, dando tapinhas nas costas. -Jamais celebraremos o Natal se continuar dando idéias.

Dillon tomou seu tempo para beijar Jessica. Beijá-la era o único que importava, e se dedicou totalmente a isso enquanto os gêmeos tamborilavam os pés no chão com os membros da banda se davam cotoveladas uns aos outros. Levantou a cabeça lentamente, e sorriu olhando seu rosto encantador.

-Amo-te, Jessica, mais do que posso expressar com palavras. Amo-te.

Ela delineou o contorno de seus lábios com dedos trementes.

-Eu também te amo. -Já tinha seu milagre de Natal. Dillon. Sua outra metade.

-Papai! -exclamou Tara com impaciência. -Todos nós sabemos o que está acontecendo aqui, assim não nos deixem com a dúvida... Fará ou não?

Dillon e Jessica giraram para observar os rostos espectadores que os olhavam com curiosidade.

-Do que está falando? -passou o braço sobre os ombros de Jessica, aproximando-a mais a ele.

Trevor agitou as mãos impaciente.

-Isso passa por ser amável. Vamos, papai, nos dê uma pista. Já sabe um pouco de colaboração por sua parte...

Dom sacudiu a cabeça.

-Decepciona-me, Wentworth.

-Vai. -Brian se apoiou contra a parede, com uma mão sobre a cabeça. -Destruiu minha fé no amor verdadeiro.

Brenda caminhou para frente, agarrou o pulso de Jessica e levantou sua mão esquerda de modo que todos pudessem vê-la.

-OH, pelo amor de Deus... É o grupo de pessoas mais avoado do mundo! -O anel resplandeceu sob a luz.

-Há papai... -disse Trevor sorrindo radiante. -É incrível. Peço desculpas

Jessica sofreu um ataque de beijos e abraços até que Dillon a resgatou, arrastando-a a seu lado e afastando os outros franzindo o cenho com diversão. Apagou as luzes de acima para que só a cintilação das luzes da árvore de Natal iluminasse a sala. Uma multidão de cores se refletiu nas paredes.

-É meia-noite. Deveríamos celebrar o Natal. -Anunciou enquanto se inclinava para Jessica para roubar outro beijo.

Brenda se colocou junto a Robert, descansando a cabeça em seu peito. Brian se sentou no chão em frente do casal, estirando suas pernas para a árvore. Dom seguiu seu exemplo e se deixou cair ao chão, apoiando as costas contra o sofá e olhando as luzes.

Dillon enlaçou seus dedos com os de Jessica enquanto se sentava na poltrona e a colocava em seu lado. Tara e Trevor se colocaram imediatamente no chão, ao lado de seu pai e de Jessica. Robert passou o braço por trás de seu assento e encontrou casualmente um violão acústico. Era o violão mais velho de Dillon. Não era dos melhores, mas ele tinha usado durante anos. Robert passou a Trevor, que a sua vez o ofereceu ao seu pai.

-Toca algo para nós esta noite, papai. -Disse o menino.

Jessica sentiu como Dillon ficava tenso junto a ela. Ele sacudiu a cabeça, tomou o violão das mãos de seu filho e tentou dar a Jessica.

-Toca você. Eu já não posso.

-Sim, pode. -Disse Jessica ignorando o instrumento. -Pode que já não toque como antes em grandes multidões. Mas nós somos uma família. Todos os que estamos aqui reunidos esta noite. Somos sua família, e como tal não nos importa que não seja perfeito. Só toca algo... Não precisa ser genial. Simplesmente toca.

Dillon a olhou aos olhos. Olhos verdes. Ingênuos. Sinceros. Observou como os outros o olhavam e tomou uma decisão. As luzes piscavam uma e outra vez, como lhe fazendo uma piscada para dar coragem. Não tinha que encarregar-se de tudo por si só, não tinha que ser perfeito. Às vezes as pessoas tinham segundas oportunidades. Com um pequeno suspiro, rindo, agarrando o violão e embalando-a entre seus braços como se fosse uma amante perdida. Sua companheira durante muito tempo. Sua amiga de infância quando se encontrava sozinho. Um pequeno sorriso desenhou em sua boca quando reconheceu aquela familiar textura, a suavidade da madeira, o pescoço longo.

Seus dedos encontraram as cordas; seu ouvido escutou o som. Fez os ajustes sem pensar, automaticamente. Sentiu e respirou a música: as notas assumindo vida própria em sua cabeça. Ainda tinha isso, um dom sem comparação. Tinha sua voz. Emanava dele, como sua assinatura, uma voz rouca que acariciava. Cantou à esperança e à alegria, ao amor e à família. Enquanto cantava, seus dedos se moviam com facilidade sobre as cordas, como se recordassem um antigo amor. Não teria a destreza suficiente para tocar os ritmos rápidos e as complicadas melodias que freqüentemente invadiam sua mente, mas poderia fazer isto, poderia tocar para sua família, e encontrar prazer no dom do amor.

Cantaram com ele, todos aqueles que amavam. A voz de Jessica se mesclou com a sua, em uma harmonia perfeita. Brenda desafinava um pouco, mas a amou ainda mais por isso. A voz de Tara encerrava promessas e a de Trevor entusiasmo. O prazer de sentar-se em sua casa, rodeado de sua família em Véspera de Natal, era incomparável. Seu milagre.

Um ligeiro ruído à janela distraiu Jessica da música e franziu o sobrecenho. Olhou através do vidro para a escuridão, para a forte tormenta. Havia um pequeno pássaro branco tremendo no batente da janela. Estava empapado. Possivelmente tinha se perdido na escuridão da noite ou estava ferido com alguma rajada de vento.

-Há um pássaro na janela. -Disse Jessica com suavidade, tinha medo de que se falava mais alto a branca pomba desaparecesse antes que alguém mais a visse. Percorreu lentamente o quarto enquanto outros permaneciam imóveis.

-Os pássaros não saem a estas horas da noite. Pousou na janela?

O pássaro parecia pó: uma empapada, infeliz e tremente pomba. Jessica abriu a janela cuidadosamente, cantarolando ao bichinho, tentando não a assustar. Para seu assombro, esperou tranqüilamente no batente enquanto ela lutava contra o forte vento para abrir a janela. Quase imediatamente, o pássaro saltou para seu braço. Podia notar como tremia e rapidamente rodeou seu pequeno corpo com as mãos para lhe dar calor. Levava algo no pico. Pôde divisar o brilho do ouro entre suas mãos. E havia algo mais: tinha um pacote à pata. Jessica o sentiu quando o pássaro se endireitou, batendo as asas e lançando-se ao ar. Voou ao redor da sala. Quando o pássaro passou sobre os gêmeos, abriu seu pico e deixou cair algo. Deu uma volta rápida ao ambiente enquanto as luzes formavam um prisma de cores sobre suas plumas brancas. A pomba voou para a janela, e voltou para a escuridão da noite, dirigindo-se para algum outro refúgio.

-O que é Tara? -Trevor se colocou ao lado de sua irmã quando ela elevou uma corrente de ouro para que todos pudessem vê-la.

-É um medalhão. -Era pequeno, em forma de coração, com um intrincado gravado por fora.

-Acredito que é de ouro. -Disse Trevor inclinando-se para observá-lo mais de perto.

-É para mim? Alguém comprou isto para mim? De onde saiu? -Tara olhou a cada um dos membros da banda, que tinham ficado calados quando ela mostrou o colar. -Quem me deu de presente isso?

Dillon se inclinou para frente para olhá-lo mais atentamente. Brenda levou a mão à garganta em um gesto curiosamente vulnerável. Dillon e ela se olharam durante um momento e ela negou com a cabeça.

-Eu não fui Dillon, juro.

-Abra o medalhão? -Trevor passou um braço ao redor do ombro de sua irmã e olhou fixamente o delicado medalhão. -O que há dentro?

Tara apertou o diminuto mecanismo e o medalhão se abriu de repente. Havia dois rostos sorridentes, uma menina de dois anos e um menino idêntico. Ambos estavam sorrindo. Com o cabelo negro e ondulado caindo sobre seus rostos.

-Papai? -Tara olhou a seu pai. -Somos nós, não é?

Dillon assentiu solenemente.

-Sua mãe nunca tirava esse colar. Nem sequer sabia que tinha suas fotos dentro.

Tara se voltou para Jessica com uma expressão angustiada e insegura em seu jovem rosto. Não sabia muito bem o que pensar ou o que sentir diante de um presente assim. Todos estavam aturdidos, e podia ler o medo em seus rostos. Tara não sabia se apertar o medalhão contra seu peito ou lançá-lo longe e chorar desconsoladamente.

Jessica a abraçou imediatamente.

-É um bonito presente. É um dia de milagres. Todas as crianças devem saber que sua mãe os quer. Lembra quanto gostava a sua mãe desse medalhão. Sempre o usava, apesar de ter jóias muito mais caras. Acredito que o colar é a prova do que ela sentia por vocês, inclusive quando esteve muito doente para demonstrá-lo.

Brenda agarrou a mão de Jessica e a apertou com força.

-Vivian sempre o usava, Tara. Eu burlava dela freqüentemente porque preferia levar o medalhão ao invés de diamantes. Ela me disse que tinha suas razões. -As lágrimas brilhavam em seus olhos. -Agora sei quais eram. Eu tampouco teria tirado.

Tara beijou sua tia.

-Me alegro muito de que esteja aqui, tia Brenda. -Lhe disse. -Te quero muito. -Deu-lhe o colar. -Pode por em mim?

Brenda assentiu, com o coração transbordado pelas emoções.

-Certamente que sim.

-É para os dois, Trev. -Disse Tara. -Ela nos queria, depois de tudo. Compartilharemos. -Se inclinou para beijar seu irmão na bochecha.

Jessica se sentou no colo de Dillon, esperou que todos estivessem reunidos ao redor dos gêmeos, e então abriu sua mão para mostrar o que havia em sua palma. Era um anel. Um anel dos que entregam a uma mulher quando traz um filho ao mundo. O anel de uma mãe. Tinha duas pequenas jóias idênticas incrustadas. Observaram o anel e depois olharam o um ao outro, sem pronunciar nenhuma palavra.

Jessica fechou os dedos ao redor do precioso presente que a pomba tinha deixado prá trás. Era melhor que os diamantes. O presente mais importante de sua vida. Os dedos cheios de cicatrizes de Dillon cobriram os seus, guardando aquele tesouro, sustentando-o perto de seus corações. Trevor e Tara eram seus filhos. Era seu milagre de Natal e era exatamente o que tinham desejado.

 

                                                                  Christine Feehan

 

 

[1] É um jogo de tabuleiro publicado originalmente por Waddingtons em Leeds, Reino Unido, em 1949. O objetivo do jogo é que os jogadores movam estrategicamente o tabuleiro, sob o disfarce de um dos personagens do jogo, coletando pistas para deduzir quem é o suspeito que matou a vítima no jogo.

 

 

 

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