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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DESAFIA-ME
DESAFIA-ME

 

 

                                                                                                                                                 

 

 

 

 

Aaron murmura algo em voz baixa que soa suspeitosamente como Idiota que não se lava.

— O que você acabou de dizer para mim? — Os olhos de Kenji se arregalam. — Eu vou deixar você sabe que eu me lavo o tempo todo...

Nazeera coloca uma mão calmante no braço de Kenji e ele começa a sentir o toque dela. Ele olha para ela, piscando.

— Temos mais cinco horas à frente de nós neste vôo — diz ela, e sua voz é firme, mas gentil. — Então, eu recomendo que ponhamos essa conversa para dormir. Eu acho que está claro para todos que você e Warner secretamente curtem a amizade um do outro, e não é bom para ninguém fingir o contrário.

Kenji empalidece.

— Isso soa como um plano razoável? — Ela olha em volta para todos nós. — Podemos todos concordar que estamos no mesmo time?

— Sim — eu digo com entusiasmo. — Eu faço. Concordo.

Aaron diz:

— Tudo bem.

— Ótimo — diz Nazeera. — Kenji, você está bem?

Ele balança a cabeça e murmura algo em voz baixa.

— Perfeito. Agora aqui está o plano — diz ela rapidamente. — Vamos comer e depois nos revezar tentando dormir um pouco. Nós teremos uma tonelada de coisas para lidar quando pousarmos, e é melhor se acertarmos o chão correndo quando o fizermos. — Ela joga algumas sacolas a vácuo em cada um de nós. — Esse é o seu almoço. Há garrafas de água na geladeira na frente. Kenji e eu vamos no primeiro turno...

— De jeito nenhum — Kenji diz, cruzando os braços. — Você está acordada há vinte e quatro horas. Eu fico com o primeiro turno.

— Mas...

— Warner e eu vamos fazer o primeiro turno juntos, na verdade. — Kenji lança Warner um olhar. — Não é isso mesmo?

— Sim, claro — diz Aaron. Ele já está de pé. — Eu ficaria feliz.

— Ótimo — diz Kenji.

Nazeera já está sufocando um bocejo, puxando um monte de cobertores e travesseiros finos de um armário de armazenamento.

— Tudo bem então. Apenas nos acorde em algumas horas, ok?

Kenji levanta uma sobrancelha para ela.

— Certo.

— Estou falando sério.

— Sim. Entendi. — Kenji oferece a ela uma saudação simulada, Aaron me oferece um sorriso rápido, e os dois desaparecem na cabine de piloto.

Kenji fecha a porta atrás deles.

Estou olhando para a porta fechada, imaginando o que diabos está acontecendo entre os dois, quando Nazeera diz:

— Eu não tinha ideia de que vocês dois eram tão intensos.

Eu olho para cima, surpresa.

— Quem? Eu e Aaron?

— Não — ela diz, sorrindo. — Você e Kenji.

— Ah. — Eu franzo a testa. — Eu não acho que somos intensos.

Ela me lança um olhar engraçado.

— Estou falando sério — eu digo. — Acho que temos uma amizade muito normal.

Em vez de me responder, ela diz:

— Vocês dois já... — ela acena com a mão ao nada — namoraram?

— O quê? — Meus olhos se arregalam. Um calor traidor inundou meu corpo. — Não.

— Nunca? — Ela diz, seu sorriso lento.

— Nunca. Eu juro. Nem mesmo perto.

— Ok.

— Não que haja algo de errado com ele — eu me apressei em acrescentar. — Kenji é maravilhoso. A pessoa certa teria sorte de estar com ele.

Nazeera ri baixinho.

Ela carrega a pilha de travesseiros e cobertores até a fileira de assentos do avião e começa a reclinar as costas. Eu a vejo enquanto ela trabalha. Há algo tão suave e refinado em seus movimentos – algo inteligente em seus olhos em todos os momentos. Isso me faz pensar no que ela está pensando, no que ela está planejando. Por que ela está aqui?

De repente, ela suspira. Ela não está olhando para mim quando diz:

— Você já se lembra de mim?

Eu levanto minhas sobrancelhas, surpresa.

— Claro — eu digo baixinho.

Ela acena com a cabeça. Ela diz:

— Eu esperei um pouco para você lembrar — se sentando, e me convidando a acompanhá-la dando um tapinha no assento ao lado dela.

Eu faço.

Sem palavras, ela me entrega alguns cobertores e travesseiros. E então, quando nós duas estamos instaladas e eu estou olhando, desconfiada, para o pacote de “comida” que ela jogou em mim, eu digo:

— Então você lembra de mim também?

Nazeera rasga o pacote lacrado a vácuo. Olha dentro para estudar o conteúdo.

— Emmaline me guiou para você — ela diz baixinho. — As memórias. As mensagens. Era ela.

— Eu sei — eu digo. — Ela está tentando nos unificar. Ela quer que nós nos unamos.

Nazeera sacode o conteúdo da sacola em sua mão, apanha os pedaços de frutas liofilizadas. Ela olha para mim.

— Você tinha cinco anos quando desapareceu — diz ela. Emmaline tinha seis anos. Eu sou seis meses mais velha que você e seis meses mais nova que Emmaline.

Eu concordo.

— Nós três costumávamos ser melhores amigas.

Nazeera olha para longe, parece triste.

— Eu realmente amei Emmaline — diz ela. — Nós éramos inseparáveis. Fazíamos tudo juntas. — Ela encolhe os ombros, quando um lampejo de dor atravessa seu rosto. — Isso foi tudo que conseguimos. O que quer que tenhamos sido foi roubado de nós.

Ela pega dois pedaços de fruta e os coloca em sua boca. Observo enquanto ela mastiga, pensativa, e espero por mais.

Mas os segundos passam e ela não diz nada, e imagino que devo preencher o silêncio.

— Então — eu digo. — Nós realmente não estamos indo dormir, não é?

Isso faz com que ela sorria. Ainda assim, ela não olha para mim.

Finalmente, ela diz:

— Eu sei que você e Warner tiveram o pior de tudo, Eu sei. Mas se isso faz você se sentir melhor, eles limparam todas as nossas memórias, no começo.

— Eu sei. Emmaline me contou.

— Eles não queriam que nos lembrássemos de você — diz ela. — Eles não queriam que nós lembrássemos de muitas coisas. Emmaline disse a você que ela se aproximou de todos nós? Você, eu, Warner, meu irmão... todas as crianças.

— Ela me disse um pouco, sim. Você falou com algum dos outros sobre isso?

Nazeera acena com a cabeça. Comendo outro pedaço de fruta na boca dela.

— E?

Ela inclina a cabeça.

— Veremos.

Meus olhos se arregalam.

— O que isso significa?

— Eu saberei mais quando pousarmos, isso é tudo.

— Então... Como você sabe? — Eu digo, franzindo um pouco a testa. — Se você só tivesse lembranças de mim e Emmaline quando criança... como você amarrou tudo de volta ao presente? Como você sabia que eu era a Ella da nossa infância?

— Você sabe... eu não estava cem por cento positiva que eu estava certa sobre tudo até que eu te vi no jantar naquela primeira noite na base.

— Você me reconheceu? — Eu digo. — Desde quando eu tinha cinco anos?

— Não — diz ela, e acena para a minha mão direita. — Da cicatriz na parte de trás do seu pulso.

— Isso? — Eu digo, levantando minha mão. E então eu franzo a testa, lembrando que Evie reparou minha pele. Eu costumava ter cicatrizes desbotadas em todo o meu corpo; as que estavam em minhas mãos eram as piores. Minha mãe adotiva colocou minhas mãos no fogo uma vez. E eu me machuquei muito enquanto estava trancada; muitas queimaduras, muitas feridas mal curadas. Balanço a cabeça para Nazeera quando digo: — Eu costumava ter cicatrizes na minha mão do meu tempo no asilo. Evie se livrou delas.

Nazeera pega minha mão, vira a minha mão para cima, aberta. Cuidadosamente, ela traça uma linha do meu pulso ao meu antebraço.

— Você se lembra da que estava aqui?

— Sim. — Eu levanto minhas sobrancelhas.

— Meu pai tem uma coleção de espadas realmente extensa — diz ela, soltando minha mão. — Lâminas realmente lindas... coisas douradas, feitas à mão, antigas e ornamentadas. Enfim — ela diz, batendo na cicatriz invisível no meu pulso. — Eu fiz isso com você. Eu invadi a sala da espada do meu pai e achei que seria divertido praticarmos um pequeno combate corpo-a-corpo. Mas eu te cortei muito feio, e minha mãe quase me deu uma surra. — Ela ri. — Eu nunca esquecerei aquilo.

Eu franzo a testa para ela, onde minha cicatriz costumava ficar.

— Você não disse que éramos amigas quando tínhamos cinco anos?

Ela acena com a cabeça.

— Nós tínhamos cinco e achávamos que seria divertido brincar com espadas reais?

Ela ri. Parece confuso.

— Eu nunca disse que nós tivemos uma infância normal. Nossas vidas estavam tão confusas — ela diz, e ri novamente. — Eu nunca confiei em meus pais. Eu sempre soube que eles estavam até os joelhos em alguma merda escura; Eu sempre tentei aprender mais. Eu estive tentando, por anos, invadir os arquivos eletrônicos de Baba — ela diz. — E por muito tempo, eu só acessei informações básicas.

Eu aprendi sobre os asilos. Os não-naturais.

— É por isso que você escondeu suas habilidades deles — eu digo, finalmente entendendo.

Ela acena com a cabeça.

— Mas eu queria saber mais. Eu sabia que estava apenas arranhando a superfície de algo grande. Mas os níveis de segurança incorporados na conta do meu pai são diferentes de tudo que eu já vi antes. Consegui passar pelos primeiros níveis de segurança, que é como eu descobri sobre a sua e a existência de Emmaline, alguns anos atrás. Baba tinha toneladas de registros, relatórios sobre seus hábitos e atividades diárias, um diário com a hora e a data de cada lembrança que eles roubaram de você.... e eram todos dos últimos anos e meses.

Eu suspiro.

Nazeera me lança um olhar simpático.

— Havia breves menções de uma irmã em seus arquivos — diz ela. — Mas nada substancial; na maioria das vezes, apenas uma nota de que vocês eram poderosas e haviam sido doadas para a causa por seus pais. Mas eu não consegui encontrar nada sobre a irmã desconhecida, o que me fez pensar que seus arquivos estavam mais protegidos. Passei os últimos dois anos tentando entrar nos níveis mais profundos da conta de Baba e nunca tive sucesso algum. Então eu deixei passar por um tempo.

Ela coloca outro pedaço de fruta seca em sua boca.

— Não foi até que meu pai começou a perder a cabeça depois que você quase matou Anderson que eu comecei a suspeitar. Foi quando comecei a me perguntar se Juliette Ferrars sobre o qual ele ficava gritando não era alguém importante.

Ela me estuda com o canto do olho.

— Eu sabia que você não poderia ter sido algum tipo de antinatural. Eu apenas sabia disso. Baba ficou balístico. Então comecei a invadir novamente.

— Uau — eu digo.

— Sim — diz ela, assentindo. — Certo? De qualquer forma, tudo o que estou tentando dizer é que tenho tentado farejar essa besteira nessa situação por alguns anos, e agora, com Emmaline na minha cabeça, estou finalmente chegando perto de descobrir tudo.

Eu olho para ela.

— A única coisa que eu ainda não sei é porque Emmaline está trancada. Eu não sei o que eles estão fazendo com ela. E eu não entendo por que isso é um segredo.

— Eu sei — eu digo.

Sua cabeça vira. Ela olha para mim com os olhos arregalados.

— Maneira de enterrar o lede, Ella.

Eu rio, mas o som é triste


Warner

Assim que nos sentamos, Kenji se vira para mim.

— Você quer me dizer o que diabos está acontecendo? — Ele diz.

— Não.

Kenji revira os olhos. Ele abre sua pequena sacola de lanches e nem inspeciona o conteúdo antes de colocar a bolsa diretamente em sua boca. Ele fecha os olhos enquanto mastiga. Faz ruídos pouco satisfeitos.

Consigo lutar contra o impulso de me encolher, mas não consigo me impedir de dizer:

— Você come como um homem das cavernas.

— Não, eu não como — diz ele com raiva. E então, um momento depois: — Eu como?

Hesito, sentindo sua súbita onda de constrangimento. De todas as emoções que detesto experimentar, o embaraço de segunda mão pode ser o pior. Isso me atinge bem no intestino. Me faz querer virar minha pele do avesso.

E é de longe a maneira mais fácil de me fazer capitular.

— Não — eu digo pesadamente. — Você não come como um homem das cavernas. Isso foi injusto.

Kenji olha para mim. Há muita esperança em seus olhos.

— Eu nunca vi ninguém comer comida com tanto entusiasmo quanto você.

Kenji levanta uma sobrancelha.

— Eu não estou entusiasmado. Eu estou com fome.

Com cuidado, eu abro meu próprio pacote. Agito alguns pedaços da fruta na minha mão aberta.

Eles parecem vermes dissecados.

Eu devolvo a fruta ao saco, sacudo a poeira das minhas mãos e ofereço minha porção para Kenji.

— Você tem certeza? — Ele diz, mesmo quando ele tira isso de mim.

Eu concordo.

Ele me agradece.

Nós dois não dizemos nada por um tempo.

— Então — Kenji diz finalmente, ainda mastigando. — Você ia propor a ela. Uau.

Eu exalo uma respiração longa e pesada.

— Como você saberia?

— Porque eu não sou surdo.

Eu levanto minhas sobrancelhas.

— Aqui tem eco.

— Certamente não faz eco aqui.

— Pare de mudar de assunto — diz ele, sacudindo mais frutas em sua boca. — O ponto é que você ia propor. Você nega isso?

Eu olho para longe, corro uma mão ao longo do lado do meu pescoço, massageando os músculos doloridos.

— Eu não nego — eu digo.

— Então parabéns. E sim, ficaria feliz em ser seu padrinho no casamento.

Eu olho para cima, surpreso.

— Eu não tenho interesse em abordar a última parte do que você acabou de dizer, mas... Por que oferecer parabéns? Eu pensei que você fosse veementemente contra a ideia.

Kenji franze a testa.

— O que? Eu não sou contra a ideia.

— Então por que você estava tão zangado?

— Eu pensei que você fosse idiota por fazer isso aqui — diz ele. — Agora mesmo. Eu não queria que você fizesse algo do qual se arrependeria. Que vocês dois se arrependam.

— Por que eu me arrependeria de propor agora? Este parece um momento tão bom quanto qualquer outro.

Kenji ri, mas de alguma forma consegue manter a boca fechada. Ele engole outra mordida de comida e diz:

— Você não quer, eu não sei... comprar algumas rosas para ela? Acender uma vela? Talvez entregá-la uma caixa de chocolates ou alguma merda? Ou, inferno, uh, eu não sei... talvez você queira fazer um anel para ela primeiro?

— Eu não entendo.

— Vamos lá, mano... Você nunca viu, tipo, um filme?

— Não.

Kenji me encara, perplexo.

— Você está me zoando — diz ele. — Por favor, me diga que você está me zoando.

Eu me arrepio.

— Eu nunca tinha permissão para assistir filmes enquanto crescia, então nunca peguei o hábito, e depois que O Restabelecimento assumiu, esse tipo de coisa era ilegal de qualquer maneira. Além disso, não gosto de ficar parado no escuro por tanto tempo. E eu não gosto das manipulações emocionais do cinema.

Kenji leva as mãos ao rosto, os olhos arregalados com algo parecido com horror.

— Você tem que estar brincando comigo.

— Por que... eu não entendo porque isso é estranho. Eu fui educado em casa. Meu pai era muito...

— Há tantas coisas sobre você que nunca fizeram sentido para mim — Kenji diz, olhando pasmo, para a parede atrás de mim. — Tipo, tudo sobre você é estranho, sabe?

— Não — eu digo bruscamente. — Eu não acho que sou estranho.

— Mas agora tudo faz sentido. — Ele balança a cabeça. — Tudo faz muito sentido. Uau. Quem diria.

— O que faz sentido?

Kenji parece não me ouvir. Em vez disso, ele diz:

— Ei, há mais alguma coisa que você nunca fez? Tipo, eu não sei, você já nadou? Ou, tipo, apagou velas em um bolo de aniversário?

— Claro que eu já nadei — eu digo, irritado. — A natação foi uma parte importante do meu treinamento tático. Mas eu nunca... — Eu limpo minha garganta. — Não, eu nunca tive meu próprio bolo de aniversário.

— Jesus.

— O que há de errado com você?

— Ei — diz Kenji de repente. — Você sabe quem é Bruce Lee?

Eu hesito.

Há um desafio em sua voz, mas Kenji não está gerando muito mais em termos de pistas emocionais, então eu não entendo a importância da pergunta. Finalmente, eu digo:

— Bruce Lee era um ator. Embora ele também seja considerado um dos maiores artistas marciais do nosso tempo. Ele fundou um sistema de artes marciais chamado jeet kune do, um tipo de kung fu chinês que evita padrões e formas. Seu nome chinês é Lee Jun-fan.

— Bem, merda — diz Kenji. Ele se senta em sua cadeira, olhando para mim como se eu fosse um alienígena. — Ok. Eu não estava esperando isso.

— O que Bruce Lee tem a ver com alguma coisa?

— Primeiro de tudo — diz ele, levantando um dedo. — Bruce Lee tem tudo a ver com tudo. E segundo, você pode, tipo, fazer isso? — Ele estala os dedos na direção da minha cabeça. — Você pode, tipo, lembrar de merda assim? Fatos aleatórios?

— Eles não são fatos aleatórios. É informação. Informações sobre o nosso mundo, seus medos, histórias, fascinações e prazeres. É meu trabalho conhecer esse tipo de coisa.

— Mas você nunca viu um único filme?

— Eu não precisei. Eu sei o suficiente sobre cultura pop para saber quais filmes importavam ou faziam diferença.

Kenji balança a cabeça, olha para mim com algo parecido com espanto.

— Mas você não sabe nada sobre os melhores filmes. Você nunca viu as coisas realmente boas. Inferno, você provavelmente nunca ouviu falar das coisas boas.

— Me teste.

— Você já ouviu falar do Blue Streak?

Eu pisco para ele.

— Esse é o nome de um filme?

— Romeu tem que morrer? Bad Boys? Hora do rush? Hora do rush 2? Hora do hush 3? Na verdade, a Hora do Rush 3 não foi bom. Enrolados?

— Esse último, eu acredito, é um desenho animado sobre uma garota com cabelos muito longos, inspirada no conto de fadas alemão chamado Rapunzel.

Kenji parece que ele pode estar se engasgando.

— Um desenho animado? — Ele diz indignado. — Enrolados não é um desenho animado. Enrolados é um dos maiores filmes de todos os tempos. É sobre lutar pela liberdade e pelo amor verdadeiro.


— Por favor — eu digo, passando a mão cansada no meu rosto. — Eu realmente não me importo com o tipo de desenhos que você gosta de assistir no seu tempo livre. Eu só quero saber por que você está tão certo de que eu estava cometendo um erro hoje.

Kenji suspira tão profundamente que seus ombros caem. Ele desaba na cadeira.

— Eu não posso acreditar que você nunca viu Homens de Preto. Ou Independence Day. — Ele olha para mim, seus olhos brilhantes. — Merda, você amaria Independence Day. Will Smith soca um alienígena no rosto, pelo amor de Deus. É tão bom.

Eu olho fixamente para ele.

— Meu pai e eu costumava assistir filmes o tempo todo — diz ele em voz baixa. — Meu pai adorava cinema. — Kenji só se permite sentir sua dor por um momento, mas quando o faz, ele me acerta em uma onda selvagem e desesperada.

— Eu sinto muito pela sua perda — eu digo baixinho.

— Sim, bem. — Kenji passa a mão sobre o rosto. Esfrega os olhos e suspira. — De qualquer forma, faça o que quiser. Eu só acho que você deveria comprar um anel ou algo assim antes de se ajoelhar.

— Eu não estava pensando em ficar de joelhos.

— O quê? — Ele franze a testa. — Por que não?

— Isso parece ilógico.

Kenji ri. Rola os olhos dele.

— Escute, confie em mim e pelo menos escolha um anel primeiro. Deixe-a saber que você realmente pensou sobre isso. Pensou nisso por um tempo, sabe?

— Eu pensei sobre isso.

— Pelo quê, cinco segundos? Ou você quis dizer que estava planejando essa proposta enquanto estava sendo envenenado na prisão? — Kenji ri. — Mano, você literalmente a viu... pela primeira vez... hoje, tipo, duas horas atrás, depois de duas semanas de separação, e você acha que propor a ela é um movimento racional e lúcido? — Kenji balança a cabeça. — Apenas leve algum tempo. Pense nisso. Faça alguns planos.

E então, de repente, sua reação faz sentido para mim.

— Você não acha que ela vai dizer sim — eu me sento, atordoado. Olho para a parede. — Você acha que ela vai dizer não.

— O que? Eu nunca disse isso.

— Mas é o que você pensa, não é?

— Ouça — diz ele, e suspira. — Eu não tenho ideia do que ela vai dizer. Eu realmente não sei. Quero dizer, acho mais do que óbvio que ela te ama, e acho que se ela está pronta para se chamar de comandante suprema da América do Norte, ela provavelmente está pronta para lidar com algo tão grande quanto isso, mas... — ele esfrega o queixo, olha para longe. — Quero dizer, sim, acho que talvez você devesse pensar nisso por um minuto.

Eu olho para ele. Considero suas palavras.

Finalmente, eu digo:

— Você acha que eu deveria conseguir um anel para ela.

Kenji sorri para o chão. Ele parece estar lutando de volta uma risada.

— Uh. Sim.

— Eu não sei nada sobre jóias.

Ele olha para cima, com os olhos brilhantes de humor.

— Não se preocupe. Tenho certeza de que os arquivos dessa sua cabeça têm toneladas de informações sobre esse tipo de coisa.

— Mas...

O avião dá uma sacudida repentina e inesperada, e eu sou jogado para trás no meu lugar. Kenji e eu nos encaramos por um segundo prolongado, a cautela dando lugar ao medo, o medo lentamente se transformando em pânico.

O avião se sacode novamente. Desta vez mais duro.

E então, mais uma vez.

— Isso não é turbulência — eu digo.

Kenji xinga alto e pula de pé. Ele examina o painel por um segundo antes de voltar, com a cabeça em um aperto visivelmente entre as mãos.

— Eu não consigo ler esses mostradores — ele diz. — não tenho ideia de como ler esses malditos mostradores.

Eu empurro a porta da cabine aberta assim que Nazeera corre para frente. Ela passa por mim para examinar o painel e quando ela se afasta, ela parece repentinamente aterrorizada.

— Perdemos um dos nossos motores — diz ela, suas palavras quase um sussurro. — Alguém está atirando para cima e nos atingindo.

— O que? Como isso é...

Mas não há tempo para discutir isso. E Nazeera e eu dificilmente temos uma chance de tentar descobrir uma maneira de consertá-lo antes que o avião se sacuda, mais uma vez, e desta vez as máscaras de oxigênio de emergência caem de seus compartimentos superiores. Sirenes estão soando. As luzes do teto piscam rapidamente, sinais insistentes e aguçados nos avisam que o sistema está falhando.

— Temos que tentar pousar o avião — Nazeera está dizendo. — Temos que descobrir... Merda — diz ela. Ela cobre a boca com uma mão. — Acabamos de perder outro motor.

— Então, vamos apenas cair do maldito céu? — Isso veio de Kenji.

— Nós não podemos pousar o avião — eu digo, meu coração batendo furiosamente, mesmo quando eu tento manter uma cabeça nivelada. — Não assim, não quando estamos com dois motores ausentes. Não enquanto eles ainda estão atirando em nós.

— Então, o que fazemos? — Ela diz.

É Ella, na porta, que diz baixinho:

— Temos que pular.


Juliette Ella

— O quê?

Os três se viram para mim.

— Do que você está falando? — Kenji diz.

— Amor, isso realmente não é uma boa ideia... Nós não temos nenhum pára-quedas neste avião, e sem eles...

— Não, ela está certa — diz Nazeera com cuidado. Ela está me olhando nos olhos. Ela parece entender o que estou pensando.

— Vai funcionar — eu digo. — Você não acha?

— Honestamente, eu não tenho ideia — diz ela. — Mas definitivamente vale a pena tentar. Pode ser a nossa única chance.

Kenji está começando a andar.

— Ok, alguém precisa me dizer o que diabos está acontecendo.

Aaron ficou pálido.

— Amor — ele diz novamente, — o que...

— Nazeera pode voar — eu explico. — Se todos nós encontrarmos uma maneira de nos protegermos um com o outro, ela pode usar seus poderes para nos fortalecer, você pode usar seu poder para reforçar o poder dela, e porque há pouca chance de você poder usar tanto de sua força enquanto ainda carregando nosso peso combinado, nós eventualmente, lentamente, seremos arrastados para o chão.

Nazeera olha para o painel novamente.

— Estamos a oito mil pés no ar e perdemos altitude rapidamente. Se vamos fazer isso, devemos pular agora, enquanto o avião ainda está relativamente estável.

— Espere, onde estamos? — Kenji diz. — Onde vamos pousar?

— Não tenho certeza — diz ela. — Mas parece que estamos em algum lugar sobre a vizinhança geral dos setores de 200 a 300. — Ela olha para Aaron. — Você tem algum amigo nesta região?

Aaron lhe lança um olhar sombrio.

— Eu não tenho amigos em nenhum lugar.

— Zero habilidades pessoal — Kenji murmura.

— Estamos sem tempo — eu digo. — Vamos fazer isso?

— Eu acho. É o único plano que temos — diz Kenji.

— Eu acho que é um plano sólido — diz Aaron, e me lança um olhar hesitante, mas encorajador. — Mas acho que devemos encontrar uma maneira de nos unirmos. Algum tipo de arreio ou algo assim... então não nos perdemos no ar.

— Não temos tempo para isso. — A calma de Nazeera está rapidamente dando lugar ao pânico. — Nós apenas temos que nos segurar.

Kenji acena com a cabeça e, de repente, empurra a porta do avião. O ar entra rápido e forte, quase nos derrubando.

Rapidamente, todos nós cruzamos os braços, Nazeera e Aaron sustentando as bordas externas, e com alguns gritos reconfortantes através do vento uivante...

Nós pulamos.

É uma sensação aterrorizante.

O vento empurra rápido e forte e, de repente, tudo se acalma. Parecemos estar congelados no tempo, zumbindo no mesmo lugar enquanto assistimos o jato cair, constantemente, na distância. Nazeera e Aaron parecem estar fazendo seus trabalhos quase bem demais. Nós não estamos caindo rápido o suficiente, e não só está congelando aqui, o oxigênio é escasso.

— Eu vou soltar o meu poder — Aaron diz a Nazeera, e ela volta a concordar.

Lentamente, começamos a descer.

Eu vejo como o mundo se forma ao nosso redor. Nós caímos para baixo, sem pressa, o vento empurrando com força contra os nossos pés. E então, de repente, o fundo parece cair debaixo de nós, e nós vamos despencar para baixo, com força, no terreno abaixo.

Eu dou um grito único e aterrorizado...

Ou foi o Kenji?

...antes de pararmos subitamente, um pé acima do solo. Aaron aperta meu braço e eu olho para ele, grata pela captura.

E então nós caímos no chão.

Eu caio mal no tornozelo e estremeço, mas posso colocar peso no pé, então sei que está tudo bem. Eu olho em volta para avaliar o estado dos meus amigos, mas percebo, tarde demais, que não estamos sozinhos.

Estamos em um campo vasto e aberto. Esta era, uma vez, quase certamente uma fazenda, mas agora está reduzida a pouco mais que cinzas. À distância aparece uma fina faixa de pessoas, aproximando-se rapidamente de nós.

Eu ligo meus poderes, pronta para lutar. Pronta para enfrentar o que vier no nosso caminho. Energia está pulsando dentro de mim, provocando meu sangue.

Eu não estou com medo.

Aaron coloca o braço em volta de mim e me puxa para perto.

— Juntos — ele sussurra. — Não importa o que.

Finalmente, depois do que parecem minutos imensuráveis, dois corpos se separam do grupo. Lentamente, eles caminham até nós.

Meu corpo todo está tenso em preparação para um ataque, mas à medida que se aproximam, posso discernir seus rostos.

Eles são dois adultos:

Uma mulher esbelta e deslumbrante, com cabelo curto e pele tão escura que brilha. Ela é luminosa enquanto anda, seu sorriso se ampliando a cada passo. Ao lado dela está outro rosto sorridente, mas a visão familiar de sua pele negra e longos dreadlocks envia choque e pânico e esperança correndo por mim. Eu me sinto ofuscada.

Castle.

Sua presença aqui pode ser boa ou ruim. Mil perguntas passam pela minha cabeça, entre elas: o que ele está fazendo aqui? Como ele chegou aqui? A última vez que o vi, eu não achei que ele estivesse do meu lado... ele se voltou contra nós completamente?

A mulher é a primeira a falar.

— Fico feliz em ver que você está bem — diz ela. — Receio que não tivemos escolha senão atirar no seu avião do céu.

— O que? O que são...

— Castle? — A voz quieta e hesitante de Kenji estende-se atrás de mim.

Castle dá um passo à frente assim que Kenji se move em direção a ele, e os dois se abraçam, Castle o puxando com tanta força que eu praticamente posso sentir a tensão de onde estou. Eles estão visivelmente emocionados, e o momento é tão emocionante que deixa meus medos à vontade.

— Você está bem — diz Kenji. — Eu pensei...

Haider e Stephan, o filho do comandante supremo da África, saem da multidão. Choque agarra meu corpo ao vê-los. Eles acenam para Nazeera e os três se separam para formar um novo grupo, ao lado. Eles falam em sussurros baixos e apressados.

Castle respira fundo.

— Temos muito o que conversar. — E então, para mim, ele diz: — Ella, gostaria que você conhecesse minha filha, Nouria.

Minhas sobrancelhas voam pela minha testa. Eu olho para Aaron, que parece tão aturdido quanto eu, mas Kenji solta um grito repentino, e aborda Castle de novo. Os dois riem. Kenji está dizendo: De jeito nenhum, de jeito nenhum.

Nouria intencionalmente os ignora e sorri para mim.

— Nós chamamos a nossa casa de Santuário — diz ela. — Minha esposa e eu somos as líderes da resistência aqui. Bem vinda.

Outra mulher se separa da multidão e avança. Ela é pequena, com longos cabelos loiros. Ela aperta minha mão.

— É uma honra conhecê-la — diz ela. — Meu nome é Samantha.

Eu estudo as duas, Nouria e Samantha em pé lado a lado. A felicidade de Castle. O sorriso no rosto de Kenji. O aglomerado de Nazeera, Haider e Stephan ao lado. O grupo maior se aglomerava à distância.

— A honra é nossa — eu digo, e sorrio. Então: — Mas estamos seguros aqui? Fora ao ar livre assim?

Nouria acena com a cabeça.

— Meus poderes me permitem manipular a luz de maneiras incomuns — diz ela. — Eu coloquei um escudo protetor ao nosso redor agora, para que se alguém olhasse em nossa direção, eles veriam apenas um brilho doloroso que os forçaria a desviar o olhar.

— Whoa. — Os olhos de Kenji se arregalam. — Isso é legal.

— Obrigada — diz Nouria. Ela está praticamente emanando luz, sua pele marrom escura brilhando mesmo quando está parada. Há algo de tirar o fôlego em apenas estar perto dela.

— São as pessoas do seu povo? — Eu ouço Aaron dizer, falando pela primeira vez. Ele está espiando por cima da cabeça dela, para a pequena multidão ao longe.

Ela acena com a cabeça.

— E eles estão aqui para se certificar de que não te machucamos?

Nouria sorri.

— Eles estão aqui para garantir que ninguém te machuque — diz ela. — Seu grupo é bem vindo aqui. Você já se mostrou mais do que digno. — E então: — Ouvimos todas as histórias sobre o Setor 45.

— Você ouviu? — Eu digo, surpresa. — Eu pensei que O Restabelecimento tinha enterrado tudo.

Nouria balança a cabeça.

— Sussurros viajam mais rápido do que qualquer um pode controlar. O continente está vibrando com as notícias de tudo que você tem feito nesses últimos meses. É realmente um prazer conhecê-la — ela diz para mim e estende a mão. — Eu me senti tão inspirada pelo seu trabalho.

Eu pego a mão dela, me sentindo orgulhosa e envergonhada.

— Obrigada — eu digo baixinho. — É muita gentileza da sua parte...

Mas então os olhos de Nouria ficam sombrios.

— Eu sinto muito que tivemos que atirar em você para fora do céu — diz ela. — Isso deve ter sido aterrorizante. Mas Castle garantiu-me que havia dois entre vocês que poderiam voar.

— Espere, o que? — Kenji arrisca um olhar para Castle. — Você planejou isso?

— Era o único caminho — diz ele. — Quando conseguimos nos livrar do asilo... — ele acena agradecido para Nazeera. — Eu sabia que o único lugar que nos restava estava aqui, com Nouria. Mas nós não poderíamos usar o rádio para dizer a você para pousar aqui; nossa comunicação teria sido interceptada. E nós não poderíamos ter você na base aérea, por razões óbvias. Então, estamos acompanhando seu avião, esperando pelo momento certo. Tirar você do céu leva o problema de volta ao exército. Eles pensarão que foi ação de outra unidade e, quando eles começarem a descobrir, teremos destruído todas as evidências de estarmos aqui.

— Então... Espere... — Eu digo. — Como você e Nouria coordenaram isso? Como vocês se encontram? — E depois: — Castle, se você abandonou os cidadãos... Anderson não vai matar todos eles? Você não deveria ter ficado para protegê-los? Tentar revidar?

Ele sacode a cabeça.

— Nós não tivemos escolha a não ser evacuar os membros do Ponto Ômega do Setor 45. Depois que vocês dois... — ele acena para mim e para Aaron. — Foram levados, as coisas caíram em completo caos. Fomos todos feitos reféns e jogados na prisão. Foi apenas por causa de Nazeera – que nos conectou com Haider e Stephan – que fomos capazes de chegar até aqui. O setor 45 já foi devolvido ao seu estado original como uma prisão. — Castle respira fundo. — Há muito o que precisamos compartilhar uns com os outros. Tanta coisa aconteceu nas últimas duas semanas que será impossível discutir tudo rapidamente. Mas é importante que você saiba, agora mesmo, um pouco sobre o papel de Nouria em tudo isso.

Ele se vira para Nouria e lhe dá um pequeno aceno de cabeça.

Nouria me olha nos olhos e diz:

— Naquele dia você foi baleada na praia — ela diz baixinho. — Você se lembra?

Eu hesito.

— Claro.

— Fui eu quem emitiu a ordem contra você.

Estou tão atordoada que visivelmente recuei.

Aaron dá um passo à frente, indignado.

— Castle, você está louco? Você nos pede para nos refugiar na casa de uma pessoa que quase assassinou Ella? — Ele se vira para trás, me encarando com um olhar selvagem em seus olhos. — Como você poderia...

— Castle? — Há um aviso na voz de Kenji. — O que está acontecendo?

Mas Nouria e Castle estão olhando um para o outro, e um olhar pesado passa entre eles.

Finalmente, Castle suspira.

— Vamos nos instalar antes de continuarmos conversando — diz ele. — Esta é uma longa conversa e é importante.

— Vamos ter agora — diz Aaron.

— Sim — diz Kenji com raiva. — Agora.

— Ela tentou me matar — eu digo, finalmente encontrando minha voz. — Por que você me trouxe aqui? O que você está tentando fazer?

— Você teve uma longa e difícil jornada — diz Castle. — Eu quero que você tenha uma chance de se instalar. Tome um banho e coma alguma comida. E então, eu prometo, nós lhe daremos todas as respostas que você deseja.

— Mas como podemos confiar que estaremos seguros? — Digo. — Como podemos saber que Nouria não está tentando nos machucar?

— Porque — ela diz com firmeza. — Eu fiz o que fiz para ajudá-la.

— E como isso é plausível? — Aaron diz bruscamente.

— Era a única maneira que eu sabia como conseguir uma mensagem para você — diz Nouria, ainda olhando para mim. — Eu nunca tentei matar você... e eu sabia que suas próprias defesas ajudariam a protegê-la da morte certa.

— Essa foi uma aposta perigosa para fazer.

— Acredite em mim — ela diz baixinho. — Foi uma decisão difícil de tomar. Isso veio com um grande custo para nós... perdemos um dos nossos no processo.

Eu me sinto tensa, mas de outra forma não traio nenhuma emoção. Eu me lembro do dia em que Nazeera me salvou – do dia em que ela matou meu agressor.

— Mas eu tinha que chegar até você — diz Nouria, seus olhos castanhos escuros profundos de sentimento. — Foi a única maneira de fazer isso sem despertar suspeitas.

Minha curiosidade supera meu ceticismo. Pelo o momento.

— Então por que? Por que você fez isso? — Pergunto. — Por que me envenenar?

Inesperadamente, Nouria sorri.

— Eu precisava que você visse o que eu vi. E de acordo com Castle, funcionou.

— O que funcionou?

— Ella... — Ela hesita. — Posso chamar para você pelo seu nome real?

Eu pisco. Olho para Castle.

— Você disse a ela sobre mim?

— Ele não precisava. As coisas não ficam em segredo por muito tempo por aqui — diz Nouria. — Não importa o que O Restabelecimento acredita, estamos todos encontrando maneiras de passar mensagens uns para os outros. Todos os grupos de resistência em todo o mundo já sabem a verdade sobre você. E eles te amam mais por isso.

Eu não sei o que dizer.

— Ella — ela diz baixinho. — Eu fui capaz de descobrir por que seus pais mantiveram sua irmã em segredo por tanto tempo. E eu só queria t...

— Eu já sei — eu digo, as palavras saindo em voz baixa.

Ainda não falei com ninguém sobre isso; não disse a uma alma. Não houve tempo para discutir algo assim tão grande. Não há tempo para ter uma longa conversa. Mas acho que vamos ter agora.

Nouria está me encarando, atordoada.

— Você sabe?

— Emmaline me contou tudo.

Um silêncio cai sobre a multidão. Todo mundo se vira para olhar para mim. Até mesmo Haider, Stephan e Nazeera finalmente pararam de falar entre si por tempo suficiente para olhar.

— Ela é mantida em cativeiro — eu digo. — Ela mora em um tanque onde ela existe quase permanentemente debaixo d'água. Suas ondas cerebrais estão conectadas a turbinas de maré que convertem a energia cinética de sua mente em eletricidade. Evie, minha mãe, encontrou uma maneira de aproveitar essa eletricidade... e projetá-la para fora. Em todo o mundo. — Eu respiro fundo. — Emmaline é mais forte do que eu já fui ou alguma vez serei. Ela tem o poder de curvar as mentes das pessoas... ela pode deformar e distorcer realidades... aqui. Em toda parte.

O rosto de Kenji é um perfeito encapsulamento de horror, e sua expressão é refletida em dezenas de outros rostos ao meu redor.

Nazeera, por outro lado, parece ferida.

— O que você vê aqui? — Eu digo. — Em volta de nós? A decadência da sociedade, a atmosfera quebrada, os pássaros se foram do céu... é tudo uma ilusão. É verdade que nosso clima mudou, sim... causamos sérios danos à atmosfera, aos animais e ao planeta como um todo... mas esse dano não é irreparável. Os cientistas esperavam que, com um esforço cuidadoso e concentrado, pudéssemos consertar nossa Terra. Salvar o futuro. Mas O Restabelecimento não gostou desse ângulo — digo. — Eles não queriam que as pessoas esperassem. Eles queriam que as pessoas pensassem que nossa Terra estava além da salvação. E com Emmaline eles conseguiram fazer exatamente isso.

— Por quê? — Kenji diz, atordoado. — Por que eles fariam isso? O que eles ganham?

— Pessoas desesperadas e apavoradas — diz Nouria solenemente. — São muito mais fáceis de controlar. Eles usaram a irmã de Ella para criar a ilusão de devastação irreversível, e então atacaram os fracos e os desesperados, e os convenceram a recorrer ao Restabelecimento para obter apoio.

— Emmaline e eu fomos projetadas para algo chamado Operação Síntese. Ela deveria ser a Arquiteta do mundo e eu seria a Executora. Mas Emmaline está morrendo. Eles precisam de outra arma poderosa para controlar as pessoas. Uma contingência. Um plano de backup.

Aaron pega minha mão.

— O Restabelecimento queria que eu substituísse minha irmã — eu digo.

Pela primeira vez, Nouria foi embora. Ninguém sabia dessa parte. Ninguém além de mim.

— Como? — Ela diz. — Vocês têm habilidades tão diferentes.

É Castle quem diz:

— É fácil imaginar, na verdade — mas ele parece aterrorizado. — Se eles ampliassem os poderes de Ella da maneira que faziam com a irmã dela, ela se tornaria o equivalente a uma bomba atômica humana. Ela poderia causar destruição em massa. Dor excruciante. Morte quando eles quisessem. Através de tremendas distâncias.

— Não temos escolha — a voz de Nazeera soa nítida e clara. — Nós temos que matar Evie.

E estou olhando para longe, quando digo, baixinho:

— Eu já fiz isso.

Um suspiro coletivo atravessa a multidão. Aaron continua ao meu lado.

— E agora — eu digo. — Tenho que matar minha irmã. É o que ela quer. É a única maneira.


Warner

A sede de Nouria é ao mesmo tempo estranha e bonita. Eles não precisam se esconder, porque ela encontrou uma maneira de imbuir objetos com seu poder – uma evolução de nossas habilidades que nem Castle previu. O parque de campismo do Santuário é protegido por uma série de postes de seis metros de altura que fazem fronteira com as bordas da clareira. Fundidos com o poder de Nouria, as luzes funcionam juntas como uma barreira que torna impossível olhar na direção do acampamento. Ela diz que suas habilidades não só têm o poder de cegar, mas que ela também pode usar a luz para distorcer os sons. Então eles vivem aqui, ao ar livre, suas palavras e ações protegidas à vista. Somente quem conhece o local pode encontrar o caminho até aqui.

Nouria diz que a ilusão os mantém seguros por anos.

O sol começa a descer enquanto seguimos em direção ao acampamento – o vasto e incomum campo verde pontilhado de barracas cor de creme – e a cena é tão deslumbrante que não consigo deixar de apreciar a paisagem. Raios de fogo no céu, luz dourada inundando o ar e a terra. Parece bonito e sombrio, e eu tremo quando uma rajada de vento envolve meu corpo.

Ella pega minha mão.

Eu olho para ela, surpreso, e ela sorri para mim, o sol desaparecendo brilhando em seus olhos. Eu sinto seu medo, sua esperança, seu amor por mim. Mas há algo mais também – algo como orgulho. É fraco, mas está lá e me deixa muito feliz em vê-la assim. Ela deveria estar orgulhosa. Eu posso falar por mim mesmo, pelo menos, quando digo que nunca fiquei tão orgulhoso dela. Mas eu sempre soube que ela iria para a grandeza. Não me surpreende, mesmo depois de tudo o que ela passou – depois de todos os horrores que ela teve que enfrentar – ela ainda consegue inspirar o mundo. Ela é uma das pessoas mais fortes que eu já conheci. Meu pai pode estar de volta dos mortos e o Setor 45 pode estar fora de nossas mãos, mas o impacto de Ella não pode ser ignorado. Nouria diz que ninguém realmente acreditava que ela estava realmente morta, mas agora que é oficial – agora que se espalhou a notícia de que Ella ainda está viva – ela se tornou mais notória do que nunca. Nouria diz que os ruídos subterrâneos já estão ficando mais fortes. As pessoas estão mais desesperadas para agir, envolver-se e enfrentar O Restabelecimento. Grupos de resistência estão crescendo. Os civis estão encontrando maneiras de ficar mais inteligentes – ficarem mais fortes juntos. E Ella deu a eles uma figura para se reunir. Todo mundo está falando sobre ela.

Ela se tornou um símbolo de esperança para muitos.

Eu aperto a mão de Ella, retornando seu sorriso, e quando suas bochechas coram de cor eu tenho que lutar contra o desejo de puxá-la em meus braços.

Ela me surpreende mais a cada dia.

Minha conversa com Kenji ainda está, apesar de tudo, na linha de frente da minha mente. As coisas sempre parecem tão desesperadas nos dias de hoje que sinto uma insistência nova e incômoda de que essa janela de calma pode ser minha única chance de felicidade. Estamos quase constantemente em guerra, lutando por nossas vidas ou fugindo – e não há garantia de futuro. Nenhuma garantia de que vou viver para ver outro ano. Nenhuma promessa de envelhecer. Isso me faz sentir li...

Eu paro, de repente, e Ella quase tropeça.

— Você está bem? — Ela diz, apertando minha mão.

Eu concordo. Eu ofereço a ela um sorriso distraído e um pedido de desculpas quando começamos a andar de novo, mas...

Eu corro os números mais uma vez.

Finalmente, eu digo, sem olhar para cima:

— Alguém sabe que dia é?

E alguém responde, uma voz do grupo que eu não posso me incomodar em identificar, confirmando o que eu já achei que poderia ser verdade. Meu pai não estava mentindo.

Amanhã é meu aniversário.

Eu terei vinte anos.

Amanhã.

A revelação troveja através de mim. Este aniversário parece mais um marco do que o habitual, porque minha vida, exatamente um ano atrás, estava quase irreconhecível. Quase tudo na minha vida é diferente agora. Um ano atrás eu era uma pessoa diferente. Eu estava em um relacionamento terrível e autodestrutivo com uma pessoa diferente. Um ano atrás, minha ansiedade era tão incapacitante que cinco minutos a sós com minha própria mente me deixariam em espiral por dias. Eu confiava inteiramente em minhas rotinas e horários para me manter preso aos horrores intermináveis do meu trabalho e suas exigências. Eu era inflexível além da razão. Eu estava pendurado na humanidade por um fio. Eu me sentia selvagem e quase fora da minha mente, o tempo todo. Meus pensamentos e medos particulares eram tão escuros que passei quase todas as minhas horas livres me exercitando, no meu campo de tiro, ou nas entranhas do Setor 45, executando simulações de treinamento que, não tenho orgulho em admitir, projetei especificamente para experimentar me matando, de novo e de novo.

Isso foi um ano atrás. Menos de um ano atrás. De alguma forma, parece que foi há uma vida inteira. E quando eu penso em quem eu era e no que essa versão de mim mesmo achava que minha vida seria hoje...

Eu me sinto intenso e profundamente humilde.

Hoje não é para sempre. Felicidade não acontece. A felicidade deve ser descoberta, separada da pele da dor. Deve ser reivindicada. Mantinha por perto.

Protegida.

— Você preferiria uma chance de tomar banho e se trocar antes de se reunir com os outros? — Nouria está dizendo.

Sua voz é nítida e clara e isso me sacode do meu devaneio.

— Sim — eu digo rapidamente. — Eu realmente aprecio o tempo para descansar.

— Sem problemas. Nos encontramos para jantar na tenda principal em duas horas. Eu vou te mostrar suas novas residências. — Ela hesita. — Eu espero que você me perdoe por ser presunçosa, mas eu assumi que vocês dois... — ela olha para mim e Ella. — Gostariam de compartilhar um espaço. Mas claro, se isso não for...

— Sim, obrigada — diz Ella rapidamente. Suas bochechas já estão rosadas. — Somos gratos por sua consideração.

Nouria acena com a cabeça. Ela parece satisfeita. E então ela se vira para Kenji e Nazeera e diz:

— Se vocês quiserem, posso me organizar para entrar em seus quartos separados para que...

Kenji e Nazeera respondem ao mesmo tempo.

— O que? Não.

— Absolutamente não.

— Ah, eu sinto muito — diz Nouria rapidamente. — Me desculpe. Eu não deveria ter assumido.

Pela primeira vez, Nazeera parece confusa. Ela mal consegue pronunciar as palavras quando diz:

— Por que você acha que queremos dividir um quarto?

Nouria balança a cabeça. Ela compartilha um olhar rápido e confuso com Castle, mas parece subitamente mortificada.

— Eu não sei. Eu sinto muito... vocês pareciam...

— Quartos separados são perfeitos — diz Kenji, rispidamente.

— Ótimo — Nouria diz um pouco brilhante demais. — Eu vou liderar o caminho.

E eu assisto, divertido, enquanto Castle tenta e não consegue esconder um sorriso.

Nossa residência, como Nouria chamou, é mais do que eu poderia esperar. Eu pensei que nós estaríamos acampando; em vez disso, dentro de cada tenda há uma casa em miniatura e independente. Há uma cama, uma pequena área de estar, uma pequena cozinha e uma sala de banho completa. O mobiliário é de reposição, mas brilhante, bem feito e limpo.

E quando Ella entra, tira os sapatos e se joga de costas na cama, quase posso nos imaginar juntos – talvez, algum dia – em nossa própria casa. O pensamento envia uma onda de euforia desorientadora através do meu corpo.

E então, medo.

Parece um destino tentador até mesmo esperar por uma felicidade como essa. Mas há outra parte de mim, uma parte pequena, mas insistente de mim, que se apega a essa esperança, no entanto. Ella e eu superamos o que eu pensava ser impossível. Eu nunca sonhei que ela ainda me amaria uma vez que ela soubesse tudo sobre mim. Nunca sonhei que o desgosto e os horrores dos acontecimentos recentes apenas nos aproximassem, ou que meu amor por ela pudesse, de alguma forma, aumentar dez vezes em duas semanas. Eu cresci pensando que as alegrias deste mundo eram para outras pessoas desfrutarem. Eu tinha certeza de que estava fadado a uma vida desolada e solitária, para sempre banido do contentamento oferecido pela conexão humana.

Mas agora...

Ella boceja silenciosamente, abraçando um travesseiro contra o peito enquanto se curva de lado. Seus olhos se fecham.

Um sorriso puxa minha boca enquanto a vejo.

Ainda estou espantado com a forma como a visão dela pode me trazer tanta paz. Ela se desloca, novamente, enterrando-se mais profundamente nos travesseiros, e percebo que ela deve estar exausta. E por mais que eu gostasse de puxá-la para os meus braços, eu decidi dar-lhe espaço. Afasto-me em silêncio e, em vez disso, aproveito o tempo para explorar o resto de nossa nova casa temporária.

Ainda estou surpreso com o quanto eu gosto disso.

Temos mais privacidade aqui, nessas novas sedes, do que jamais tivemos antes. Mais liberdade. Aqui, eu sou um visitante, bem-vindo para tomar meu tempo tomando banho e descansando antes do jantar. Ninguém espera que eu lidere o mundo deles. Eu não tenho correspondência para responder. Não há tarefas terríveis para atender. Nenhum civil para supervisionar. Nenhum inocente para torturar. Sinto-me muito mais livre agora que alguém tomou as rédeas.

É estranho e maravilhoso.

É tão bom ter espaço com Ella – espaço literal e figurado – para sermos nós mesmos, para ficar juntos, para simplesmente ser e respirar. Ella e eu dividimos meu quarto quando estávamos na base, mas nunca me senti em casa lá. Tudo estava frio, estéril. Eu odiava esse prédio. Odiava aquele quarto. Odiava cada minuto da minha vida. Essas paredes – meu quarto pessoal – eram sufocantes, impregnadas de lembranças terríveis. Mas aqui, embora o quarto seja pequeno, os quartos apertados conseguem ser aconchegantes. Este lugar parece fresco e novo e sereno. O futuro não parece improvável aqui. A esperança não parece ridícula.

Parece uma chance de começar de novo.

E não parece perigoso sonhar que um dia Ella possa ser minha em todos os sentidos. Minha esposa. Minha família. Meu futuro.

Eu nunca ousei pensar nisso.

Mas minha esperança é apagada tão rapidamente quanto apareceu. Os avisos de Kenji passam pela minha mente e me sinto repentinamente agitado. Aparentemente, propor a Ella é mais complicado do que eu pensava que poderia ser. Aparentemente eu preciso de algum tipo de plano. Um anel. Um momento em um joelho. Tudo parece ridículo para mim. Eu nem sei porque soa ridículo, exatamente, só que não parece como eu. Eu não sei como fazer uma performance. Eu não quero fazer uma cena. Eu acho doloroso ser tão vulnerável na frente de outras pessoas ou em um ambiente desconhecido. Eu não saberia o que fazer comigo mesmo.

Ainda assim, esses problemas parecem superáveis na busca de uma eternidade com ela. Eu ficaria de joelhos se Ella quisesse. Eu proponho em uma sala cheia de seus amigos mais próximos, se é disso que ela precisa.

Não, meu medo é algo muito maior que isso.

A coisa que Kenji me disse hoje, que me sacudiu em meu núcleo, foi a possibilidade de que Ella pudesse dizer não. É inconcebível que nunca me ocorreu que ela poderia dizer não.

Claro que ela poderia dizer não.

Ela poderia estar desinteressada por qualquer número de razões. Ela pode não estar pronta, por exemplo. Ou ela pode não estar interessada na instituição do casamento como um todo. Ou, penso eu, ela simplesmente pode não querer se amarrar a mim de maneira tão permanente.

O pensamento envia um arrepio pelo meu corpo.

Suponho que supus que ela e eu estivéssemos na mesma página, emocionalmente. Mas minhas suposições neste departamento me colocaram em dificuldades mais vezes do que eu gostaria de admitir, e as apostas são altas demais agora para não levar as preocupações de Kenji a sério. Não estou preparado para reconhecer o dano que causaria em meu coração se ela rejeitasse minha proposta.

Eu respiro fundo e profundamente.

Kenji disse que preciso de um anel para ela. Até agora ele tem razão sobre a maioria das coisas que eu fiz de errado em nosso relacionamento, então estou inclinado a acreditar que ele pode ter um ponto. Mas eu não tenho ideia de onde eu poderia conjurar um anel em um lugar como este. Talvez se estivéssemos em casa, onde eu estivesse familiarizado com a área e seus artesãos...

Mas aqui?

É quase demais pensar agora.

Há muito o que pensar, de fato, que eu não consigo acreditar que estou considerando algo assim – em um momento como esse. Eu não tive nem um momento para reconciliar a aparente regeneração de meu pai, ou literalmente qualquer uma das outras revelações novas e ultrajantes que nossas famílias nos lançaram. Estamos no meio de uma luta pelas nossas vidas; nós estamos lutando pelo futuro do mundo.

Eu aperto meus olhos fechados. Talvez eu seja mesmo um idiota.

Cinco minutos atrás, o fim do mundo parecia o motivo certo para propor: levar tudo o que posso neste mundo transitório – e não sofrer nada. Mas, de repente, parece que isso pode ser uma decisão impulsiva. Talvez este não seja o momento certo, afinal.

Talvez Kenji estivesse certo. Talvez eu não esteja pensando claramente. Talvez perdendo Ella e recuperando todas essas memórias...

Talvez isso tenha me deixado irracional.

Eu empurro a parede, tentando limpar a minha cabeça. Ando pelo resto do pequeno espaço, faço um balanço de tudo em nossa tenda e olho para o banheiro. Fico aliviado ao descobrir que há encanamento real. Na verdade, quanto mais eu olho em volta, mais percebo que isso não é uma tenda. Há pisos e paredes reais e um único teto abobadado nesta sala, como se cada unidade fosse na verdade um prédio pequeno e independente. As barracas parecem estar sobre toda a estrutura – e eu me pergunto se elas servem a um propósito mais prático que não é imediatamente óbvio.

Vários anos, disse Nouria.

Vários anos eles viveram aqui e fizeram disso sua casa. Eles realmente encontraram uma maneira de fazer algo do nada.

O banheiro é um bom tamanho, espaçoso o suficiente para duas pessoas para compartilhar, mas não grande o suficiente para uma banheira. Mesmo assim, quando nos aproximamos da clareira, eu nem tinha certeza se eles teriam instalações adequadas ou água corrente, então isso é mais do que eu poderia esperar. E quanto mais eu olho para o chuveiro, mais fico subitamente desesperado para enxaguar essas semanas da minha pele. Eu sempre me esforcei para permanecer limpo, mesmo na prisão, mas já faz muito tempo desde que eu tomei um banho quente com água corrente e firme, e mal posso resistir à tentação agora. E eu já tirei a maioria das minhas roupas quando ouvi Ella chamar meu nome, sua voz ainda sonolenta sendo transmitida do que serve como nosso quarto. Ou espaço na cama. Não é realmente um quarto, tanto quanto é uma área designada para uma cama.

— Sim? — Eu digo de volta.

— Onde você está? — Ela diz.

— Eu pensei que eu poderia tomar um banho — eu tentei dizer sem gritar. Acabei de sair da minha cueca e entrar no chuveiro, mas viro os indicadores na direção errada e a água fria sai do chuveiro. Eu pulo para trás enquanto me apresso em desfazer o meu erro, e quase colido com Ella no processo.

Ella, que de repente está de pé atrás de mim.

Não sei se é um hábito, instinto ou autopreservação, mas pego uma toalha de uma prateleira próxima e a pressiono rapidamente contra o corpo exposto. Eu nem entendo porque eu estou subitamente autoconsciente. Eu nunca me sinto desconfortável na minha própria pele. Eu gosto do jeito que eu pareço nu.

Mas esse momento não era o que eu esperava e me sinto indefeso.

— Oi, amor — eu digo, respirando rapidamente. Eu lembro de sorrir. — Eu não vi você de pé aí.

Ella cruza os braços, fingindo estar com raiva, mas eu posso ver o esforço que ela está fazendo para lutar contra um sorriso.

— Aaron — diz ela severamente. — Você ia tomar um banho sem mim?

Minhas sobrancelhas voam para cima, surpreso.

Por um momento, não sei o que dizer. E então, com cuidado:

— Você gostaria de se juntar a mim?

Ela se aproxima, envolve seus braços em volta da minha cintura e olha para mim com um sorriso doce e secreto. O olhar em seus olhos é o suficiente para me fazer pensar em deixar cair a toalha.

Eu sussurro o nome dela, meu coração pesado de emoção.

Ela me puxa para mais perto, tocando suavemente seus lábios no meu peito, e eu fico desconfortavelmente parado. Seus beijos crescem mais intensos, seus lábios deixando um rastro de fogo em meu peito, descendo pelo meu torso, e me sentimentos correm pelas minhas veias, me deixa em chamas. De repente eu esqueço porque eu estava segurando uma toalha.

Eu nem sei quando cai no chão.

Eu deslizo meus braços ao redor dela, a envolvo. Ela parece incrível, seu corpo se encaixa perfeitamente em mim, e eu inclino seu rosto para cima, minha mão pega em algum lugar atrás de seu pescoço e na base de sua mandíbula e eu a beijo, suave e lentamente, calor enchendo meu sangue com velocidade perigosa. Eu a puxo com mais força e ela engasga, tropeça e dá um passo acidental para trás e eu a pego, pressionando-a contra a parede atrás dela. Eu alcanço a bainha de seu vestido e, em um movimento suave, puxo para cima, minha mão deslizando sob o tecido para roçar a pele lisa de sua cintura, para agarrar seu quadril com força. Eu separo suas pernas com minha coxa e ela faz um som suave e desesperado em sua garganta e faz algo para mim, senti-la assim, ouvi-la assim... ser agredido por ondas infinitas de seu prazer e desejo...

Isso me deixa louco.

Eu enterro meu rosto em seu pescoço, minhas mãos subindo, sob seu vestido para sentir sua pele, quente e macia e sensível ao meu toque. Eu senti muito a falta dela. Senti falta do corpo dela sob minhas mãos, senti falta do cheiro de sua pele e do sussurro suave de seu cabelo contra o meu corpo. Beijo seu pescoço, tentando ignorar a tensão em meus músculos ou a pressão dura e desesperada que me leva em direção a ela, em direção à loucura.

Há uma dor se expandindo dentro de mim e exigindo mais, exigindo que eu a vire e me perca nela aqui, agora, e ela sussurra:

— Como... Como você sempre parece tão bem? — Ela está se agarrando a mim, com os olhos semicerrados, mas brilhantes de desejo. Seu rosto está corado. Suas palavras são pesadas quando ela diz: — Como você sempre faz isso comigo?

Eu me separo dela.

Eu dou dois passos para trás e estou respirando com dificuldade, tentando recuperar o controle de mim mesmo enquanto seus olhos se arregalam, seus braços ficando subitamente imóveis.

— Aaron — diz ela. — O que foi...

— Tire o seu vestido — eu digo baixinho.

A compreensão desperta em seus olhos.

Ela não diz nada, só olha para mim, com cuidado, enquanto assisto, aprisionado por uma forma aguda de agonia. Suas mãos estão tremendo, mas seus olhos estão dispostos, carentes e nervosos. Ela empurra o material para baixo, passando por seus ombros e deixa cair no chão. Eu a bebo quando ela sai do vestido, minha mente correndo.

Linda, eu penso. Tão linda.

Meu pulso é selvagem.

Quando eu peço a ela, ela solta o sutiã. Momentos depois, a calcinha dela se une o sutiã no chão e eu não consigo desviar o olhar dela, minha mente incapaz de processar a perfeição dessa felicidade. Ela é tão impressionante que mal consigo respirar. Eu mal posso imaginar que ela é minha, que ela me quer, que ela me ama. Eu não posso nem me ouvir pensar sobre a onda de sangue em meus ouvidos, meu coração batendo tão rápido e forte que parece bater no meu crânio. A visão dela em pé na minha frente, vulnerável e corada de desejo, está fazendo coisas loucas e desesperadas em minha mente. Deus, as fantasias que eu tenho sobre ela. Os lugares que minha mente foi.

Eu dou um passo à frente e a pego e ela engasga, surpresa, agarrando-se desesperadamente ao meu pescoço enquanto coloco suas pernas ao redor da minha cintura, meus braços se acomodando sob suas coxas. Adoro sentir o peso de suas curvas suaves. Eu amo tê-la tão perto de mim. Eu amo seus braços em volta do meu pescoço e o aperto de suas pernas em volta dos meus quadris. Eu amo como ela está pronta, suas coxas já separadas, cada centímetro dela pressionada contra mim. Mas então ela passa as mãos pelas minhas costas nuas e eu tenho que resistir ao impulso de recuar. Eu não quero ser autoconsciente sobre as cicatrizes no meu corpo. Eu não quero que nenhuma parte de mim esteja fora dos limites para ela. Quero que ela me conheça exatamente como sou e, por mais difícil que seja, me permito aliviar seu contato, fechando os olhos enquanto ela arrasta as mãos para cima, sobre meus ombros, meus braços.

— Você é tão lindo — ela diz suavemente. — Estou sempre surpresa. Não importa quantas vezes eu te veja sem suas roupas, eu estou sempre surpresa. Não parece justo que alguém seja tão lindo.

Ela olha para mim, olha para mim como se esperasse uma resposta, mas eu não posso falar. Temo que possa estilhaçar se o fizer. Eu a quero com uma necessidade desesperada que eu nunca soube antes – uma necessidade desesperada e dolorosa tão avassaladora que ameaça me consumir. Eu preciso dela. Preciso disso. Agora. Eu respiro fundo, instável, e a levo para o chuveiro.

Ela grita.

A água quente nos atinge rápido e forte e eu a pressiono contra a parede do chuveiro, me perdendo nela de uma maneira que nunca fiz antes. Os beijos são mais profundos, mais desesperados. O calor, mais explosivo. Tudo entre nós parece selvagem, cru e vulnerável.

Eu perco a noção do tempo.

Não sei há quanto tempo estamos aqui. Eu não sei quanto tempo eu me perdi nela quando ela gritou, apertando meus braços com tanta força que suas unhas cravaram na minha pele, seus gritos abafados contra o meu peito. Eu me sinto fraco, instável quando ela cai em meus braços; Estou intoxicado pelo poder puro e impressionante de suas emoções: infinitas ondas de amor e desejo, amor e bondade, amor e alegria, amor e ternura. Tanta ternura.

É quase demais.

Eu dou um passo para trás, me apoiando contra a parede enquanto ela pressiona sua bochecha contra meu peito e me segura, nossos corpos molhados e pesados com sentimento, nossos corações batendo com algo mais poderoso do que eu jamais imaginei ser possível. Eu beijo a curva do ombro dela, a nuca dela. Eu esqueço onde estamos e tudo o que resta para fazer e eu apenas me seguro, a água quente correndo pelos meus braços, meus membros ainda tremendo, aterrorizados demais para deixá-la ir.


Juliette Ella

Eu acordo com um empurrão.

Depois que saímos do banho, Aaron e eu nos secamos, subimos na cama sem dizer uma palavra e adormecemos prontamente.

Eu não tenho ideia de que horas são.

O corpo de Aaron está enrolado em volta do meu, um dos braços dele embaixo da minha cabeça, o outro em volta da minha cintura. Seus braços são pesados, e o peso dele é tão bom – me faz sentir tão segura – que, por um lado, eu nunca mais quero me mexer. Por outro lado...

Eu sei que provavelmente devemos sair da cama.

Eu suspiro, odiando acordá-lo – ele parece tão cansado – e eu me viro lentamente em seus braços.

Ele só me puxa mais apertado.

Ele se desloca de modo que seu queixo descansa na minha cabeça; meu rosto agora está pressionado suavemente contra sua garganta, e eu respiro ele, correndo minhas mãos ao longo das linhas fortes e profundas de músculos em seus braços. Tudo sobre ele parece cru. Poderoso. Há algo selvagem e aterrorizado em seu coração e, de alguma forma, saber disso só me faz amá-lo mais. Eu traço as linhas de suas omoplatas, a curva de sua espinha. Ele se mexe, mas só um pouco, e enterra o rosto no meu cabelo, me inspirando.

— Não vá — ele diz baixinho.

Eu inclino minha cabeça, gentilmente beijo a coluna de sua garganta.

— Aaron — eu sussurro. — Eu não vou a lugar nenhum.

Ele suspira. Diz:

— Bom.

Eu sorrio.

— Mas nós provavelmente deveríamos sair da cama. Temos que ir jantar. Todos estarão esperando por nós.

Ele sacode a cabeça, mal. Faz um som de desaprovação em sua garganta.

— Mas...

— Não — e então, habilmente, ele me ajuda a me virar. Ele me abraça perto de novo, minhas costas pressionadas contra o peito dele. Sua voz é suave, rouca de desejo quando ele diz: — Deixe-me aproveitar você, amor. Você parece tão bem.

E eu cedi. Derramei-me de volta em seus braços.

A verdade é que eu amo mais esses momentos. O

contentamento silencioso. A paz. Eu amo o peso dele, a sensação dele, seu corpo nu em volta do meu. Eu nunca me sinto mais perto dele do que assim, quando não há nada entre nós.

Suavemente, ele beija minha têmpora. Me puxa, de alguma forma, ainda mais apertado. E seus lábios estão no meu ouvido quando ele diz:

— Kenji disse que eu deveria te dar um anel.

Eu endureço, confusa. Tento me virar quando eu digo:

— O que você quer dizer?

Mas Aaron alivia meu corpo de volta. Ele descansa o queixo no meu ombro. Suas mãos descem pelos meus braços, traçam a curva dos meus quadris. Ele beija meu pescoço uma vez, duas vezes, tão suavemente.

— Eu sei que estou fazendo isso errado — diz ele. — Eu sei que não sou bom nesse tipo de coisa, amor, e espero que você me perdoe por isso, mas eu não sei como fazer isso — uma pausa. — E eu estou começando a pensar que isso pode me matar se eu não fizer isso.

Meu corpo está congelado, mesmo quando meu coração bate furiosamente no meu peito.

— Aaron — eu digo, mal ousando respirar. — Do que você está falando?

Ele não diz nada.

Eu me viro de novo e, desta vez, ele não me impede. Seus olhos brilham com emoção, e eu assisto o movimento suave em sua garganta enquanto ele engole. Um músculo salta em sua mandíbula.

— Case-se comigo — ele sussurra.

Eu olho para ele, descrença e alegria colidindo. E é o olhar dele – o olhar esperançoso e aterrorizado em seus olhos – que quase me mata.

Eu estou de repente chorando.

Eu bato minhas mãos no meu rosto. Um soluço escapa da minha boca.

Suavemente, ele tira minhas mãos do meu rosto.

— Ella? — ele diz, suas palavras dificilmente um sussurro.

Eu ainda estou chorando quando eu coloco meus braços em volta do seu pescoço, ainda chorando quando ele diz, um pouco nervosamente:

— Querida, eu realmente preciso saber se isso significa sim ou não.

— Sim — eu choro, um pouco histérica. — Sim. Sim para tudo com você. Sim para sempre com você. Sim.


Warner

Isso é alegria?

Eu acho que isso pode me matar.

— Aaron?

— Sim amor?

Ela pega meu rosto em suas mãos e me beija, me beija com um amor tão profundo que libera meu cérebro de sua prisão. Meu coração começa a bater violentamente.

— Ella — eu digo. — Você vai ser minha esposa.

Ela me beija de novo, chorando de novo, e de repente eu não me reconheço. Eu não reconheço minhas mãos, meus ossos, meu coração. Eu me sinto novo. Diferente.

— Eu te amo — ela sussurra. — Eu te amo tanto.

— Você pode me amar em tudo parece algum tipo de milagre.

Ela sorri, mesmo quando ela balança a cabeça.

— Isso é ridículo — diz ela. — É muito fácil amar você.

E eu não sei o que dizer. Eu não sei como responder.

Ela não parece se importar.

Levo-a para perto, beijo-a novamente e perco-me no gosto e na sensação dela, na fantasia do que poderíamos ter. O que nós podemos ser. E então eu puxo-a suavemente para o meu colo e ela atravessa meu corpo, acomodando-se sobre mim até que estamos pressionados juntos, sua bochecha contra o meu peito. Eu envolvo meus braços ao redor dela, espalho minhas mãos ao longo de suas costas. Eu sinto sua respiração suave na minha pele, seus cílios fazendo cócegas no meu peito enquanto ela pisca, e eu decido que nunca, nunca vou sair desta cama.

Um silêncio feliz e maravilhoso se instala entre nós.

— Você me pediu em casamento — ela diz suavemente.

— Sim.

— Uau.

Eu sorrio, meu coração se encheu de repente com alegria inexprimível. Eu mal me reconheço. Não me lembro da última vez que sorri tanto assim. Eu não me lembro de ter sentido esse tipo de felicidade pura e aliviada.

Como se meu corpo pudesse flutuar sem mim.

Eu toco o cabelo dela gentilmente. Passo meus dedos pelos fios macios e sedosos. Quando eu finalmente me sento, ela se senta também, e ela cora quando olho para ela, hipnotizado pela visão dela. Seus olhos estão arregalados e brilhantes. Seus lábios cheios e rosas. Ela é perfeita, perfeita aqui, nua e linda em meus braços.

Eu pressiono minha testa na curva de seu ombro, meus lábios roçando sua pele.

— Eu amo você, Ella — eu sussurro. — Eu vou te amar pelo resto da minha vida. Meu coração é seu. Por favor, não me devolva.

Ela não diz nada pelo que parece uma eternidade.

Finalmente, sinto ela se mexer. Sua mão toca meu rosto.

— Aaron — ela sussurra. — Olhe para mim.

Eu sacudo minha cabeça.

— Aaron.

Eu olho para cima, lentamente, para encontrar seus olhos, e sua expressão é ao mesmo tempo triste, doce e cheia de amor. Eu sinto algo descongelar dentro de mim enquanto eu olho para ela, e quando ela está prestes a dizer algo, quando um sinal sonoro complicado ecoa pela sala.

Eu congelo.

Ella franze a testa. Olha ao redor.

— Isso soa como uma campainha — diz ela.

Eu gostaria de poder negar a possibilidade.

Eu me sento, mesmo que ela ainda esteja sentada no meu colo. Eu quero que esta interrupção termine. Eu quero voltar para a nossa conversa. Eu quero manter o meu plano original de passar o resto da noite aqui, na cama, com minha noiva perfeita e nua.

A campainha soa de novo e, desta vez, digo algo decididamente pouco cavalheiresco sob minha respiração.

Ella ri surpresa.

— Você acabou de praguejar?

— Não.

Um terceiro sinal sonoro. Desta vez, eu olho para o teto e tento limpar a minha cabeça. Tento me convencer a me mexer, a me vestir. Isso deve ser algum tipo de emergência, ou então...

De repente, uma voz:

— Ouça, eu não queria vir, ok? Eu realmente não queria. Eu odeio ser esse cara. Mas o Castle me mandou vir buscar vocês porque vocês perderam o jantar. Está ficando super tarde e todo mundo está um pouco preocupado, e agora vocês nem estão atendendo a porta, e... Jesus Cristo, abra a porra da porta...

Eu não posso acreditar. Eu não posso acreditar que ele está aqui. Ele está sempre aqui, arruinando minha vida.

Eu vou matá-lo.

Eu quase tropeço tentando puxar minhas calças e chegar à porta ao mesmo tempo, mas quando o faço, eu puxo a porta aberta, praticamente arrancando-a de suas dobradiças.

— A menos que alguém esteja morto, morrendo ou nós estejamos sob ataque, eu quero que você tenha ido embora antes mesmo de eu terminar esta frase.

Kenji estreita os olhos para mim e depois passa por mim para o quarto. E eu estou tão atordoado por sua coragem que me leva um momento para perceber que vou ter que matá-lo.

— J? — Ele diz, olhando em volta enquanto entra. — Você está aqui?

Ella está segurando o lençol até o pescoço.

— Uh, oi — diz ela. Ela sorri nervosamente. — O que você está fazendo aqui?

— Ei, tudo bem se eu ainda te chamar de J? — ele diz. — Eu sei que seu nome é Ella e tudo mais, mas eu me acostumei a chamá-la de J, que parece certo, sabe?

— Você ainda pode me chamar de J — diz ela. E então ela franze a testa. — Kenji, o que há de errado?

Eu gemo.

— Saia — eu digo para ele. — Eu não sei porque você está aqui, e eu não me importo. Nós não queremos ser incomodados. Para sempre.

Ella me lança um olhar penetrante. Ela me ignora quando diz a Kenji:

— Tudo bem. Eu me importo. Me diga o que está errado.

— Nada está errado — diz Kenji. — Mas eu sei que seu namorado não vai me ouvir, então eu queria que você soubesse que é quase meia-noite e nós realmente precisamos que vocês vão para a tenda de jantar o mais rápido possível, ok? — Ele lança um olhar carregado para Ella, e seus olhos se arregalam. Ela acena com a cabeça. Eu sinto uma onda súbita de excitação passar por ela, e isso me deixa confuso.

— O que está acontecendo? — Eu digo.

Mas Kenji já está se afastando.

— Irmão, você realmente precisa, tipo, comer uma pizza ou algo assim — diz ele, batendo no meu ombro enquanto sai. — Você tem muitos músculos.

— O quê? — Minhas sobrancelhas se juntam. — Isso não é...

— Estou brincando — Kenji diz, parando na porta pouco antes de sair. — Brincando — ele diz novamente. — Foi uma piada. Jesus.

E então ele bate a porta atrás dele. Eu me viro.

— O que está acontecendo? — Eu digo novamente.

Mas ela apenas sorri.

— Devemos nos vestir.

— Ella...

— Eu prometo que vou explicar assim que chegarmos lá.

Eu sacudo minha cabeça.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não, eu só estou muito animada para ver todos do Ponto Ômega novamente, e todos eles estão esperando por nós na tenda de jantar. — Ela sai da cama ainda segurando o lençol em seu corpo, e eu tenho que apertar meus punhos para não puxá-lo para longe dela. De prendê-la contra a parede.

E antes que eu tenha a chance de responder, ela desaparece no banheiro, o lençol arrastando no chão enquanto ela vai.

Eu a sigo.

Ela está procurando por suas roupas, alheia à minha presença, mas seu vestido está no chão em um canto que ela ainda não vislumbrou, e eu duvido que ela queira colocar o vestido ensanguentado de qualquer maneira. Devo dizer a ela que encontrei uma gaveta cheia de roupas simples e normais que provavelmente podemos pedir emprestado.

Talvez mais tarde.

Por enquanto, eu passo atrás dela, deslizo minhas mãos ao redor de sua cintura. Ela se assusta e o lençol cai no chão.

— Ella — eu digo baixinho, puxando seu corpo contra o meu. — Querida, você tem que me dizer o que está acontecendo.

Eu a viro devagar. Ela olha para baixo, surpresa – sempre surpresa – pela visão de seu corpo nu.

— Eu não tenho roupas — ela sussurra.

— Eu sei — eu digo, sorrindo enquanto corro minhas mãos pelas suas costas, apreciando sua suavidade, suas curvas perfeitas. Eu gostaria de poder guardar esses momentos. Eu gostaria de poder revisitá-los. Revivê-los. Ela estremece em meus braços e eu a puxo para mais perto.

— Não é justo — diz ela, envolvendo os braços em volta de mim. — Não é justo que você possa sentir as emoções. É impossível manter segredos de você.

— O que não é justo — eu digo. — É que você está prestes a colocar suas roupas e me forçar a deixar este quarto e eu não sei por quê.

Ela olha para mim, com os olhos arregalados e nervosos enquanto sorri. Eu posso sentir que ela está dilacerada, seu coração em dois lugares ao mesmo tempo.

— Aaron — ela diz baixinho. — Você não gosta de surpresas?

— Eu odeio surpresas.

Ela ri. Sacode a cabeça.

— Eu acho que deveria saber disso.

Eu olho para ela, minhas sobrancelhas levantadas, ainda esperando por uma explicação.

— Eles vão me matar por dizer a você — diz ela. E então, ao olhar nos meus olhos... — Não... quero dizer, não literalmente. Mas apenas... — Finalmente, ela suspira. E ela não olha para mim quando ela diz...

— Estamos te dando uma festa de aniversário.

Estou certo de que a ouvi errado.


Juliette Ella

Deu mais trabalho do que eu imaginava para fazê-lo acreditar em mim. Ele queria saber como alguém sabia que amanhã era seu aniversário e como poderíamos ter planejado uma festa quando não tínhamos ideia de que íamos bater o avião aqui e por que alguém iria dar uma festa para ele e ele nem tinha certeza se gostava de festas e assim por diante.

E não foi até que literalmente atravessamos as portas da tenda de jantar e todos gritaram feliz aniversário para ele que ele finalmente acreditou em mim. Não foi muito, claro. Nós realmente não tínhamos tempo para nos preparar. Eu sabia que o aniversário dele estava chegando porque eu estava acompanhando isso desde o dia em que ele me contou o que seu pai costumava fazer com ele, todos os anos, em seu aniversário. Eu jurei a mim mesma que faria o que pudesse para substituir aquelas memórias por outras melhores. Que para sempre e sempre eu tentaria abafar a escuridão que havia inalado toda a sua jovem vida.

Eu disse a Kenji, quando ele me encontrou, que amanhã era o aniversário de Aaron, e eu o fiz prometer que, não importa o que acontecesse, quando o encontrássemos, encontraríamos um jeito de comemorar, de alguma forma.

Mas isso...

Isso era mais do que eu poderia esperar. Eu pensei que talvez, dadas as nossas limitações de tempo, nós só teríamos um grupo para cantar Parabéns Pra Você para ele, ou talvez comer sobremesa em sua homenagem, mas isso...

Há um bolo de verdade.

Um bolo com velas nele, esperando para serem acendidas.

Todos do Ponto Ômega estão aqui – todo o grupo de rostos familiares: Brendan e Winston, Sonya e Sara, Alia e Lily, e Ian e Castle. Só Adam e James estão desaparecidos, mas também temos novos amigos...

Haider está aqui. E Stephan. Nazeera.

E então há a nova resistência. Os membros do Santuário que ainda não conhecemos se apresentam, reunidos em torno de um único e modesto bolo. Lê-se:

FELIZ ANIVERSÁRIO WARNER

em glacê vermelho.

A glaçagem é um pouco desleixada. A cobertura é imperfeita. Mas quando alguém escurece as lâmpadas e acende as velas, Aaron fica de repente parado ao meu lado. Eu aperto a mão dele enquanto ele olha para mim, seus olhos em volta de uma nova emoção.

Há tragédia e beleza em seus olhos: algo estóico que se recusa a ser movido e algo infantil que não pode deixar de sentir alegria. Ele parece, em suma, como se ele estivesse com dor.

— Aaron — eu sussurro. — Está tudo bem?

Ele leva alguns segundos para responder, mas quando ele finalmente faz, ele balança a cabeça. Apenas uma vez, mas é o suficiente.

— Sim — ele diz suavemente. — Está tudo bem.

E eu me sinto relaxar.

Amanhã, haverá dor e devastação para enfrentar. Amanhã vamos mergulhar em um novo capítulo de dificuldades. Há uma guerra mundial. Uma batalha pelas nossas vidas – pelo mundo inteiro. Neste momento, pouco é certo. Mas esta noite, estou escolhendo celebrar. Vamos celebrar as pequenas e grandes alegrias. Aniversários e noivados. Nós vamos encontrar tempo para a felicidade. Porque como podemos nos opor à tirania se nós mesmos estamos cheios de ódio? Ou pior...

Nada?

Eu quero lembrar de comemorar mais. Eu quero lembrar de experimentar mais alegria. Eu quero me permitir ser feliz com mais frequência. Eu quero lembrar, para sempre, desse olhar no rosto de Aaron, enquanto ele está intimidado a soprar suas velas de aniversário pela primeira vez.

Isso é, afinal de contas, pelo que estamos lutando, não é?

Uma segunda chance de alegria.

 

                                                                                                    Tahereh Mafi

 

 

 

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