Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
DESEJOS PERIGOSOS
O amor poderia condená-lo...
Quando o agente do FBI Luca Paretti concorda em se infiltrar na máfia, a vingança é seu único objetivo. Mas ele não sabia que isso o deixaria tão próximo de seu primeiro amor, Gia Trainello. Luca tinha vivido uma grande paixão com a sexy Gia quando eram jovens. Mas antes que pudessem planejar um futuro, um acontecimento terrível fez com que Luca tivesse de fugir, deixando-a para trás. A decisão mais difícil de sua vida. Até agora... Luca ainda ama Gia, com loucura inconseqüente! E o fogo que havia entre eles apenas aumentou com o tempo. Seria tão bom fazer amor com ela novamente! Se Gia não fosse a nova chefe da máfia que Luca jurou derrubar...
Cláudio Lancione não era o tipo de pessoa que normalmente atrairia Gia Trainello. Ela o conhecia havia muito tempo, e ele sempre fizera parte de sua família. Bonito, sim. Mas eles nunca haviam trocado nem mesmo um sorriso insinuante, quanto mais um beijo e uma promessa de algo mais. Porém, o sofrimento, diziam, fazia as pessoas realizarem coisas estranhas.
E Gia estava definitivamente sofrendo.
Os lençóis do quarto do hotel quatro estrelas roçaram as pernas nuas de Gia quando ela se deitou encolhida. Fazia realmente apenas quatro dias desde que seu pai e seu irmão mais novo, Mario, haviam sido baleados em plena luz do dia? Um dia desde que ela dera seu último adeus num enterro onde estavam presentes centenas de pessoas que não queria encarar? Vinte e quatro horas desde que assistira seu irmão mais velho, Lorenzo, ser empurrado em uma cadeira de rodas, praticamente inconsciente do que tinha acontecido porque sua enfermeira particular lhe dera sedativos em quantidade suficiente para derrubá-lo enquanto voltava do hospital?
Algumas horas desde que enviara um bilhete para Cláudio, pedindo-lhe que a encontrasse, querendo-o desesperadamente, precisando sentir alguma coisa além da dor que comprimia seu peito e tornava sua respiração quase impossível, e então rasgando as roupas dele no instante em que Cláudio entrara na suíte do hotel?
Ah, ela se permitira vivenciar a atividade sexual física. Até mesmo alcançara uma ou duas vezes um prazer superficial. Mas sempre, o tempo todo, havia as imagens dos caixões fechados de seu pai e de seu irmão. A memória da fila infindável de pessoas chegando à casa de seu pai para oferecer as condolências. O sentimento de que ela não pertencia mais àquela casa onde crescera e a qual tinha deixado havia muito tempo, embora se sentisse obrigada a receber os visitantes... Especialmente com Lorenzo, a terceira vítima da tragédia, ainda hospitalizado.
Havia em sua vida um vazio, que temia jamais poder preencher novamente.
A imagem de Luca Paretti surgiu em sua mente. O espetacular Luca Paretti, parado ao lado do caixão, presente durante a recepção, lembrando-a de uma época que era melhor ser esquecida. Luca Paretti, que uma vez fizera o papel de Romeu para uma adolescente Julieta... e então desaparecera quando ela mais precisara dele, reaparecendo novamente havia alguns meses.
Luca Paretti, com quem Gia verdadeiramente desejava estar na cama naquele momento, embora os dois não tivessem trocado mais do que algumas palavras cordiais em quatro dias.
Mesmo sabendo que permitir a entrada dele em sua vida e em seu coração seria o maior erro de todos.
Cláudio se moveu ao seu lado e Gia ficou imóvel, desejando que ele não tivesse acordado. Precisava de alguns momentos para si mesma. Um pouco mais de tempo para sentir o calor contra sua pele, apesar de passageiro e ilusório, antes que se forçasse a sair da cama e enfrentar a vida sem seu pai, irmão... ou Luca Paretti.
O celular tocou sobre o criado-mudo. Gia olhou para o relógio. Quatro e meia da manhã. Quem estaria ligando àquela hora?
Cláudio curvou-se contra suas costas.
— Você não vai atender?
Gia movimentou-se e entrelaçou as pernas nas dele.
— Eu estava pensando sobre isso.
O telefone parou, de tocar e tirou a decisão de suas mãos.
Como a maioria das decisões dos últimos dias. Não apenas em relação aos arranjos do funeral. Seu interesse na Bona Dea Fashion Designs tinha desaparecido, e seu sócio, Bryan Dragomir, vinha trabalhando por dois nos últimos dias.
Ela fechou os olhos. Havia vivido por tanto tempo sem a influência da família... Embora apenas o East River a separasse da organização mafiosa Venuto, também chamada de família Venuto, parecera que havia um oceano entre eles quando fora para a cidade freqüentar o Instituto de Tecnologia de Moda. Mais longe ainda quando começara a Bona Dea com seu querido amigo, Bryan, passando os últimos cinco anos construindo a companhia e transformando-a numa força capaz de competir no mundo da moda de Nova York. Eles possuíam três butiques luxuosas em Manhattan e tinham planos de expandir ainda mais, com lojas em Chicago, Dallas e Los Angeles.
Todavia, as mortes do pai e do irmão de Gia a tinham levado de volta para a família com a força de um maremoto. Relembraram-na do medo que sentira ao crescer. A preocupação que seu pai pudesse ser morto havia assombrado cada um de seus dias. E quando seus dois irmãos se integraram à organização, temera que fossem acrescentados à lista de mortos,
Uma lista da qual escapara. Primeiro, porque era mulher. Segundo, porque Luca Paretti a impossibilitara de permanecer em um lugar que a faria lembrar dele para sempre.
Porém, ao mesmo tempo em que estivera ciente do perigo que cercava muitos membros de sua família, nunca tinha esperado que todos fossem levados de uma vez.
Ou pela arma de um assassino.
E apesar de Lorenzo ainda estar com ela neste mundo, diferentemente de seu pai e de seu irmão mais velho, não podia andar. E talvez nunca mais andasse.
O telefone começou a tocar novamente, enquanto ela sentia a mão de Cláudio deslizar para um de seus seios.
Gia pegou o telefone. O número não pertencia a nenhum de seus contatos.
— Alô?
— Gia?
— Sou eu.
— Aqui é Vito.
Vito. O segundo no comando. O homem que tinha ficado tão atormentado quanto qualquer parente de sangue pelos eventos recentes. E que tomara muitas decisões nos últimos dias quando Gia fora incapaz de fazê-lo.
— Perdoe-me por acordá-la tão tarde. Mas tenho algumas informações sobre as pessoas responsáveis pelos assassinatos. E você disse que queria saber assim que eu descobrisse algo.
Parecia fazer tanto tempo desde que ela parará diante do caixão de seu pai e dissera ao homem que chamava de tio Vito que queria vingança...
— Tenho um nome por enquanto. Cláudio Lancione.
Gia pareceu congelar por um instante, tentando assimilar a informação. Não questionou Vito. Se ele dizia que o homem que lhe acariciava o seio neste momento estava envolvido nos assassinatos, então ele estava envolvido. Era simples assim.
Gia se sentiu enjoada, enquanto vergonha e fúria se misturavam em seu interior.
— Onde você está? — perguntou Vito. — Quero mandar alguns homens para protegerem você até descobrir-mos a profundidade dessa conspiração familiar.
Vito aparentemente sabia que Gia não estava em sua cobertura no Upper West Side, mas com certeza não sabia que estava com Cláudio naquele exato momento. Ela lhe disse onde estava, então desligou o telefone.
— O que está acontecendo? — perguntou Cláudio.
Gia engoliu em seco, temendo não conter a onda de náusea.
— Eles têm o nome de um dos responsáveis pelos assassinatos.
Ele rolou para cima dela, fazendo-a sentir sua masculinidade rígida entre as pernas.
— Ah, verdade? Quem?
Gia arqueou as costas e estendeu os braços acima da cabeça, fingindo se preparar para o prazer.
Em vez disso, alcançou o coldre de Cláudio, que ele pendurara na extremidade da cabeceira da cama, os dedos tremendo. Ela o beijou profundamente, as lágrimas nublando sua visão, enquanto tateava e destravava a arma, levando a ponta do metal frio até a têmpora de Cláudio.
— Você. Gia apertou o gatilho.
Um mês depois...
Luca Paretti estava parado no topo da escada diante da propriedade Trainello de Long Island, observando as pessoas que entravam e saíam, sem que nenhuma delas deixasse uma impressão particularmente duradoura. Em momentos como aquele era muito fácil esquecer que os últimos sete anos tinham existido. Era muito fácil pensar em si mesmo como pouco mais do que um garoto fascinado pela família e orgulhoso de pertencer à mesma. Mais especificamente, à organização criminosa Venuto, uma das cinco famílias mafiosas mais poderosas de Nova York, que fora comandada por Giovanni Trainello.
Muito fácil imaginar que ele e Gia Trainello fossem o mesmo casal apaixonado, aproveitando alguns minutos preciosos sempre que podiam.
Então, lembrou-se de seu irmão mais novo, Ângelo, e sentiu o calor abandonar seu corpo.
Ele pegou um cigarro do maço que tinha guardado havia um mês e o acendeu, olhando para a rua através da fumaça.
Ângelo. Houve uma época na qual Luca não era capaz de esquecer a perda nem por um momento. Uma época em que fora para o pequeno apartamento de seus pais, em um prédio sem elevador no Brooklyn, e sentira o vazio em todos os lugares que olhava, inclusive no rosto de seus pais, que pareciam ter envelhecido 20 anos.
Ângelo tinha 17 anos quando jurara seguir os passos de Luca.
17 anos quando fora procurar os Trainello no Brooklyn, suplicando por diversos trabalhos.
17 anos quando fora baleado, perdendo para sempre seu direito de completar 18.
Luca olhou para o longo caminho de entrada, delimitado por árvores exuberantes, subitamente surpreso por estar em Long Island, em vez do Brooklyn, onde seu irmão tinha sido assassinado. Por um momento, pôde sentir o cheiro da calçada de concreto molhada, que fora recentemente lavada, e do escapamento dos carros numa rua movimentada próxima. Lembrou-se da fita amarela da cena do crime e da mancha do sangue de Ângelo no chão.
E a mancha em sua própria camisa, feita quando aninhara a cabeça do irmão nos braços, suplicando-lhe que voltasse à vida.
Tais lembranças não aconteciam com tanta freqüência quanto antes, o que era bom. Porque, se pensasse em seu irmão durante todos os momentos do dia, jamais conseguiria prosseguir. Nunca seria capaz de focar no motivo pelo qual tinha ido a Nova York, e voltara para a organização.
Uma outra parte de si supunha que vinha afastando os pensamentos do irmão propositalmente durante o último mês. Porque seu verdadeiro motivo de estar lá havia mudado, fazendo-o acreditar que deveria ter desistido de sua posição secreta como advogado da família Venuto e entrado no primeiro avião de volta para St. Paul.
Um Lexus preto parou na garagem, trazendo o motivo pelo qual Lucas não estava naquele avião e continuava trabalhando infiltrado. Gia Trainello. Ele deu uma tragada no cigarro, observando os saltos altos tocarem o solo quando ela desceu do carro, as meias pretas modelando as pernas bem torneadas. Usava óculos escuros, e, quando o viu, pareceu surpresa. Assim como parecera quase todos os dias durante o último mês, desde que o pai e o irmão haviam sido assassinados.
Então Gia o cumprimentava e tudo voltava ao normal.
— Bom dia, Luca — disse ela suavemente. . — Bom dia.
E era isso. O motorista entregou-lhe as sacolas do porta-malas e a conexão foi quebrada. Ela subiu a escada para a luxuosa propriedade italiana e desapareceu dentro da casa.
Gia Trainello. A razão pela qual ele ainda estava lá.
E a razão pela qual deveria pegar o primeiro vôo para St. Paul.
Os momentos tranqüilos na vida de Gia eram poucos e espaçados agora. O que não era uma coisa inteiramente ruim. Quanto mais ocupada ficava, menos provável era que se lembrasse daquela noite no Seasons, quando tinha atirado em Cláudio com a arma dele, e permanecera com o corpo imóvel sobre o seu até que os homens de Vito chegassem. Voltara à realidade somente quando eles entraram no quarto. E, assim que o corpo de Cláudio fora removido, Gia encolhera-se, ignorando as tentativas dos homens de fazê-la deixar o quarto antes que alguém aparecesse para bisbilhotar. Ou pior, chamar a polícia.
Ela não podia se lembrar de quem a vestira ou a levara de volta para sua casa. Tudo que sabia era que; quando acordara 12 horas mais tarde e se arrastara até o chuveiro, sua pele ainda estava coberta com o sangue de Cláudio.
E 12 longas horas depois disso, quando o mundo que conhecia se recusava a voltar a girar e ela sentia as pressões da organização Venuto sobre si, soubera o que precisava fazer se quisesse retornar a algum tipo de senso de normalidade. Tinha de assumir o lugar de seu pai até que os assassinos dele e de seu irmão fossem levados à justiça.
A justiça familiar.
No último mês, seus dias haviam passado a ser muito diferentes da vida que conhecera antes. Tinha abandonado a cobertura e se mudara para a casa da família em Long Island. Pelo menos cinco homens armados estavam constantemente ao seu redor, e outros guardavam a propriedade. Era quase como se os últimos sete anos em Manhattan nunca tivessem existido... exceto quando seu sócio na Bona Dea, Bryan, ia visitá-la para discutir negócios da companhia.
Como ele fizera naquela manhã.
Gia parou à janela, olhando para onde Luca falava com Vito na varanda dos fundos. Luca estava fumando, o que explicava porque a conversa deles estava acontecendo do lado de fora. O desejo, puro e forte, correu em suas veias. Tanto pelo homem de agora quanto pelo homem que conhecera no passado.
— Gia? Você está comigo? — perguntou Bryan, e ela se virou para encará-lo.
Aquela era a pergunta, não era? Ainda estava com ele? Fisicamente, estava no escritório de seu pai, os novos desenhos para a coleção de primavera espalhados sobre uma mesa de conferência entre os dois. Porém, emocionalmente, estava longe, muito longe.
— Desculpe-me, perdi a última parte do que você disse.
Bryan suspirou.
— Não acho que você tenha ouvido uma palavra desde que cheguei, uma hora atrás.
— Não seja tolo. — Ela notou-lhe o olhar duvidoso. — Ouvi metade, pelo menos.
Ele riu e fechou o bloco.
— Tudo bem. Podemos fazer isso uma outra hora. Quero dizer, alguns dias não vão fazer uma grande diferença.
Mas ela sabia que fariam. A Nova York Fashion Week aconteceria em um mês e meio, quando exporiam sua coleção de primavera. O que significava que importantes decisões precisavam ser tomadas. Peças escolhidas e mandadas para a produção. Propagandas lançadas. Reuniões agendadas. Jantares com editores de revistas programados.
Bryan fechou sua maleta. Mas, em vez de dar-lhe um beijo de despedida e partir, colocou a maleta sobre a mesa e gesticulou para que ela se sentasse a seu lado na poltrona diante da lareira, apagada no calor de agosto. Gia alisou o braço da poltrona de couro. A favorita de seu pai.
— Estou preocupado com você, Gia — disse Bryan, observando-a de perto.
Aquilo era uma mudança. Desde que haviam se tornado amigos na faculdade, Gia vinha cuidando dele. Apesar do comportamento machista, Bryan era uma pessoa muito sensível, e ela freqüentemente o ajudava nos momentos de tristeza ou num ataque de ansiedade. A força individual de cada um apoiava a fraqueza do outro, tornando-os grandes parceiros de negócios. E amigos até melhores.
Ela conseguiu sorrir.
— Não fique. Estou bem.
— Está?
Ela desviou o olhar. Não, não estava bem. Mas ficaria.
— Os rumores são verdadeiros?
— Que rumores?
— Que você é a nova chefe da família Venuto, a nova Lady Boss, como estão dizendo.
Gia o olhou, as palavras dele contrastando com o sorriso amigável.
É claro, não era a primeira vez que ela ouvia a referência. O jornal New York a vinha citando havia semanas depois do funeral, a maioria das vezes usando o mesmo título.
— Não seja ridículo — disse ela. — Só estou regularizando alguns negócios não terminados.
— Problemas da propriedade?
Gia não respondeu imediatamente. Então falou:
— Algo do tipo.
— Como está seu irmão?
Lorenzo. Ela sentiu um aperto no coração.
— Melhorando.
Gia perguntou-se quando mentir tinha se tornado tão fácil para ela. A verdade era que Lorenzo não estava nada bem. Ele se viciara nos analgésicos prescritos para ajudá-lo a lidar com o dano da coluna vertebral. Então, em vez de fazer as sessões de fisioterapia necessárias para recuperar a mobilidade, passava os dias deitado numa cama de hospital que ela mandara colocar no quarto do irmão no andar de cima, com enfermeiras 24 horas por dia, e visitas médicas apenas nos dias em que ele estava mais bem-humorado.
— Ouça, Bry — disse ela, inclinando-se para mais perto —, aprecio a sua preocupação. Mas estou bem. Verdade. Tudo isso é... apenas temporário. Se você puder continuar lidando com os negócios mais um tempinho sem mim... voltarei ao trabalho muito em breve. Espere e verá.
Ele pareceu duvidoso. E ela não poderia culpá-lo. Entretanto, Bryan assentiu e consultou o relógio.
— Preciso voltar para a cidade. Tenho uma reunião às onze horas para assinar o contrato das modelos que queremos para o desfile.
Gia se levantou para lhe dar um abraço e um beijo no rosto.
— Obrigada por ter vindo. Ele pegou a maleta da mesa.
— Da próxima vez você vai ao escritório.
Gia o acompanhou até a porta, notando como os homens armados se esconderam nas sombras para deixá-lo passar. Bryan entrou no carro e partiu.
Ela virou-se para encontrar atrás de si a última pessoa no mundo que precisava ver. E seu coração comprimiu-se a ponto de lhe causar dor.
Luca Paretti.
Luca estava esperando havia mais de uma hora que Gia terminasse sua reunião. Supunha que era parte do preço que pagava para ver Gia... agora chamada de srta. Gia pelos membros da família... sem marcar uma hora. Mas todas as vezes que ligara no último mês para agendar um encontro, ela o evitara.
Então, tivera de arriscar a sorte, confrontando-a quando ela não esperava por isso.
— Luca — disse ela num sussurro, usando a pronúncia italiana do nome dele, em vez de Lucas.
— Gia. Você parece bem.
Ela segurou suas mãos e beijou-o em ambas as faces, mas não havia carinho. Pelo menos não o tipo de carinho que ele teria desejado. Apesar da maneira como ela pareceu se demorar depois do segundo beijo, como se estivesse relutante em se afastar.
Mas Gia deu um passo atrás, de modo que ele pôde fitar-lhe os olhos grandes e escuros.
— Desculpe por ter precisado usar um subterfúgio para vê-la — disse Lucas, seguindo-a até o escritório de Giovanni sem ser convidado. — Mas tenho diversos assuntos para discutir com o chefe da família. E uma vez que entendo que esse título lhe foi concedido, é com você que preciso conversar.
A primeira vez que ele a vira depois de tantos anos, sentira como se tivesse sido golpeado no peito. Embora Gia fosse bonita no passado, possuía um tipo de inocência infantil. Agora... bem, agora tinha uma beleza mediterrânea, e os olhos tinham um mistério e uma sabedoria que ultrapassavam sua idade.
Ele tinha visto incontáveis fotos de Gia no jornal ultimamente. E, tanto nas fotos usando um véu preto e chorando sobre os túmulos do pai e do irmão, quanto nas quais saía da limusine da família, ela parecia estar olhando para algum outro lugar, um ar determinado. Uma beleza evasiva, sempre vestida de preto.
E aquele dia não era exceção. Vestia calça e blusa pretas, justas e elegantes. Os sapatos sem salto a deixavam 15 centímetros mais baixa do que ele, mas ainda assim era alta para os padrões femininos, com lm80.
Por anos, Luca vinha acompanhando a carreira dela de longe, e sabia que muitos questionavam por que Gia escolheria um papel por trás dos bastidores e não na passarela. Ela igualava, se não superava, muitas das modelos de seus desfiles e anúncios.
Mas a mídia não tinha ciência do que ele sabia sobre Gia, que recebera esse nome após a morte de sua mãe quando ela tinha sete anos, e escapara para um mundo criado por ela. Um mundo imaginário em que lidava com livros, artes e moda. E, aparte os poucos meses passados na companhia de Luca, era onde ela permanecia.
Ele lembrava de ter dito que, quando crescesse, queria ser advogado da máfia, e que Gia seria a próxima Donatella Versace.
Supunha que ambos haviam conseguido o que queriam.
Luca queria elogiar-lhe a beleza agora, mas sabia que isso teria pouco impacto sobre ela. Na verdade, poderia prejudicar sua causa, porque Gia provavelmente o calaria. Ele ouvira histórias sobre ela ter cuidado de Cláudio Lancione com suas próprias mãos. Alguns até diziam que eles estavam fazendo sexo na ocasião. Mas Luca não podia pensar nisso se quisesse fazer o que tinha de ser feito.
— O que posso fazer por você, Luca? — perguntou ela, como se não tivesse passado o último mês fugindo.
Mas ele sabia que Gia o vinha evitando. Não porque estava sofrendo, embora ele soubesse que estava. Podia ver isso nos círculos sob os olhos escuros, na palidez da pele já clara.
Ele a deixara sem explicação sete anos atrás.
— Há alguns assuntos legais com os quais você precisa lidar imediatamente, a menos que queira que tudo desabe ao seu redor.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Tenho certeza de que Vito pode ajudá-lo com qualquer coisa que você precise.
Lucas meneou a cabeça.
— Não. Somente a pessoa no comando pode cuidar desses assuntos.
Ela olhou para ele por um longo momento, como se tentasse ler através das ações dele. Luca perguntou-se quando Gia se tornara tão ponderada. Mas, na verdade, sabia. E sabia que ele próprio tinha tido um papel importante ao mostrar-lhe que a vida não era só flores e boas intenções. Ah, ela certamente tinha consciência do perigo... afinal, havia nascido e sido criada sob o teto de Trainello. Mas Luca fora um dos primeiros a machucá-la.
E agora ela havia sido machucada novamente.
— Estou no comando só até que meu irmão Lorenzo possa assumir. — Gia finalmente desviou o olhar e andou em direção à velha mesa do pai. Luca percebeu o modo como ela deslizou os dedos sobre o tampo antes de se sentar e olhá-lo novamente. Ele se sentou do lado oposto.
— Entendo que ele está melhorando — disse Luca, embora soubesse que esse não era o caso. O irmão mais velho de Gia estava levando uma vida quase vegetal porque não queria reagir.
Entretanto, ela assentiu, sem revelar nada com sua expressão quando cruzou os braços sobre o topo da mesa.
— Do que você precisa, Luca? Não tenho muito tempo.
Ele abriu a pasta e tirou diversos documentos.
— Estes são os papéis da propriedade Trainello. Acredito que você queira ser nomeada representante legal. Até que Lorenzo possa assumir.
Ela assentiu.
— Bem, isso tem de ser feito legalmente. Existem alguns débitos e assuntos pendentes da propriedade, com os quais você terá de lidar. E, é claro, há o testamento que precisa estudar.
Ele colocou os papéis diante dela.
— Uma outra pessoa não pode fazer tudo isso? — perguntou Gia.
— Sim — disse Luca. — Eu. Mas você teria de assinar, passando o poder para mim.
Finalmente, uma emoção brilhou nos olhos dela.
— Eu não vou lhe dar mais nenhum poder. Lucas recostou-se, levemente divertido.
— Foi o que pensei. O que significa que precisa assinar nos lugares indicados. Você não terá de fazer muita coisa. Descobrirei o que precisa ser feito... com a sua supervisão, é claro.
Ela finalmente pareceu dar a atenção merecida aos papéis à sua frente.
Lucas lutou contra a vontade de puxar o colarinho. Em todas as suas fantasias, nunca teria pensado que estar na companhia de Gia depois de tanto tempo lhe traria lembranças. Ou lhe inspiraria o desejo de reviver muitas delas.
Ela tocara um lugar em seu coração que ninguém mais tinha sido capaz de alcançar. E mesmo agora esse lugar doía, sem que pudesse fazer nada para evitar.
Ele pigarreou e começou a se levantar.
— Por que não deixo os documentos com você e volto para apanhá-los depois?
Gia piscou, aparentemente surpresa pela abrupta mudança do comportamento. Não fora ele quem insistira naquela reunião? Então, por que estava com pressa de sair de lá?
— Tudo bem.
Ela pôs os papéis sobre a mesa e levantou-se, a fim de conduzi-lo até a porta. Luca a seguiu.
— Que tal jantar?
Gia o olhou tão rapidamente que uma mecha dos cabelos pretos e longos grudou em seus lábios vermelhos.
— O quê?
— Você pode entregar na hora da jantar — explicou, observando-a afastar os cabelos da boca.
Um simples movimento. Uma distração inegável que desviou a mente dele do assunto em questão para a mulher que estava perto o bastante para ser tocada.
Ele inalou seu perfume. Uma mistura sutil de limão e baunilha. Luca precisou se conter para não se aproximar e sentir como o perfume se misturava com o aroma natural de Gia.
Pigarreou novamente, mas sua voz não voltou ao normal.
— Por que eu não volto na hora do jantar? Certamente você tira um tempo para comer, não tira? Posso coletar os papéis, e então conversaremos sobre os assuntos mais importantes.
A pulsação de Gia acelerou. Luca podia ver o sangue pulsar na base do pescoço, onde ele imaginava que ela passara o perfume naquela manhã. Ela engoliu em seco enquanto suas pupilas aumentavam.
Luca não pôde evitar que sua boca se movesse em direção à dela.
— Srta.-Gia? — Um dos seguranças dos Trainello, que estivera escondido nas sombras, emergiu e disse: — A pessoa que você estava esperando chegou.
A conexão foi quebrada.
Luca endireitou os ombros, e Gia deu um passo atrás.
— Obrigada, Tony — disse ela, mais alto do que o necessário. — Leve o sr. Tamburo para a biblioteca e diga a ele para me aguardar lá.
Ela virou-se para Luca, parecendo atordoada por ele, confusa com suas próprias emoções.
E desejou Luca, talvez em um nível que ela detestasse admitir, ainda antecipando seu beijo.
— Que tal às seis horas? — sugeriu ele, imaginando que ela recusaria o encontro no jantar.
Em vez disso, Gia olhou para ele com firmeza e murmurou:
— Sete horas.
Luca observou-a seguir o corredor, aparentemente mais auto-consciente de seus movimentos do que estivera antes.
Então ele se virou, abriu a porta da frente no mesmo momento em que Vincenzo Tamburo, chefe da organização mafiosa Peluso, subiu o último degrau, seguido por dois de seus homens.
Quaisquer emoções que tivessem permanecido depois de quase beijar Gia desapareceram instantaneamente, levando-o à realidade do aqui e agora.
Luca assentiu para o outro homem, e o mafioso retornou o cumprimento.
Vincenzo Tamburo era o chefe da segunda família mais poderosa de mafiosos na cidade e não era um homem para ser tratado com leveza, mesmo quando estava sorrindo, como agora. Era cruel e mortal, conhecido como alguém que podia chegar a qualquer extremo para manter seu poder intacto. Diziam que no ano anterior ele tinha eliminado o próprio genro, e o corpo do homem fora encontrado num depósito de lixo no Queens, enquanto a cabeça nunca tinha sido recuperada. Havia rumores de que Tamburo a preservava numa jarra em sua casa para lembrá-lo de que não podia confiar em ninguém.
Lucas olhou para as costas largas do homem mais velho. Jesus, esperava que Gia soubesse no que estava se metendo.
E esperava que, quando tudo terminasse, ele fosse capaz de protegê-la do pior.
Uma hora depois, Gia estava parada diante das portas francesas do escritório de seu pai, esfregando os braços nus para tentar acalmar os nervos. O problema não era a reunião com Tamburo, que saíra como ela esperara. O que não tinha previsto era o homem dominador que a abalara até a alma com seus olhares atravessados e sorrisos gelados.
Suspeitava que suas conexões com os "amigos" de seu pai mudariam de alguma maneira durante o tempo em que ela estivesse no comando. Afinal, conhecia aqueles homens durante a vida inteira, e eles haviam agido como tios, dando presentes de aniversário, abraços apertados e beliscões brincalhões nas bochechas. Estavam provavelmente tão surpresos quanto ela por seu novo título, apesar de temporário. Na pior das hipóteses, Gia pensou que talvez eles a tratassem como a criança que tinham visto crescer.
Nunca esperara que Vincenzo a olhasse como se preferisse vê-la pendurada num espeto de carne.
A questão era: Vincenzo Tamburo tinha dado a ordem para puxar o gatilho da arma que tirara a vida de seu pai?
— Romulus! Pare!
Gia olhou para o jardim. Ou, mais precisamente, viu quando um cachorro Bucciuriscu de 45 quilos correu para o lado de fora das portas diante das quais ela estava parada, coberto de espuma de sabão.
— Volte aqui imediatamente — disse um adolescente magro enquanto seguia o cão teimoso.
Romulus ofegou enquanto olhava para o adolescente, então se sacudiu para tirar o sabão do corpo, fazendo Gia dar um passo atrás.
— Ah, Romulus, você não é um bom cão de caça — disse o garoto em exasperação. — Se fosse meu cachorro, eu iria comê-lo no jantar.
Gia sorriu pelo que parecia a primeira vez em meses. Romulus era um dos cães de raça de seu pai. O outro, Remus, é claro, em homenagem aos famosos gêmeos romanos, Rômulo e Remo.
Ela viu quando Romulus ficou parado no lugar, impossibilitando que o garoto o retirasse do pátio,
Gia abriu as portas respingadas de sabão. O adolescente a olhou, usando uma das mãos para sombrear os olhos contra o sol.
— Ah, desculpe-me, srta. Gia. Eu não a vi aí. — Ele sorriu. — Não ouviu o que eu falei, ouviu?
— Qual é o seu nome?
— Fusco, senhora. Frankie Fusco.
— Por favor, me chame apenas de Gia.
Ela abaixou-se e acariciou o focinho do cão de guarda.
— Sim, srta. Gia. — Frankie puxou o pêlo do pescoço de Romulus e quase perdeu os dedos no processo.
— Não, ele não o obedecerá se você agir assim — murmurou ela. — Bucciuriscus são cães altamente agressivos. Você tem de mostrar a eles quem é o chefe. — Ela assobiou para chamar a atenção de Romulus, então estalou os dedos, apontando para o seu lado. — Aqui, Romy.
O cachorro obedeceu imediatamente, indo parar do lado dela.
— Sente. Ele sentou.
Gia agradou a cabeça molhada do cão.
— Onde você o está lavando?
— Perto da garagem, srta. Gia.
Aquilo significava que Frankie tinha perseguido o cachorro por uma boa distância. Nada surpreendente.
— Apenas Gia — repetiu ela.
— Eu não poderia chamá-la pelo primeiro nome, srta. Gia. Não estaria lhe mostrando o devido respeito.
Respeito obviamente tinha suas desvantagens.
— Tente comandá-lo — sugeriu ela.
Frankie tentou agir como Gia.
Romulus latiu uma vez para o garoto é não se moveu. Então, ergueu-se novamente e se sacudiu, espirrando água e sabão do pêlo grosso em Gia. Ela e Frankie se entreolharam e riram.
— Vamos — disse ela. — Agora que estou vestida para o trabalho, posso ajudá-lo.
— Ah, não, srta. Gia. — Frankie pareceu chocado. — Eu não poderia lhe pedir isso.
— Está desobedecendo a uma ordem, Fusco?
— Eu? Ah, não. Eu não sonharia com isso.
— Vamos, então.
Gia ordenou que Romy os seguisse, enquanto atravessava com Frankie o gramado atrás da casa em direção à garagem.
— Há quanto tempo você trabalha aqui? — perguntou ela.
— Amanhã serão dois meses, srta. Gia.
— E quais são as suas tarefas?
Ele abaixou-se para acariciar Romy, que rosnou de modo ameaçador. Frankie puxou a mão de volta.
— Bem, dar banho nos cachorros. Fazer compras para os rapazes. Coisas assim.
— Você gosta?
— Se gosto? Eu adoro. Venho tentando trabalhar para a família há anos.
Gia sorriu com o modo exagerado do garoto. Ele não devia ter mais de 18 anos.
— Eu limpava mesas no restaurante dos Guarino quando conheci seu pai, que Deus o tenha. — Ele pareceu sem graça ao mencionar o pai dela. — Minhas condolências, srta. Gia.
— Obrigada.
— De qualquer forma, conheci seu pai e ele me trouxe aqui para conhecer a fazenda. Fiquei no estábulo com os outros rapazes.
Gia olhou em direção ao estábulo, pouco visível entre árvores e arbustos floridos, então, voltou-se para Frankie. Podia entender por que seu pai protegera o adolescente. Ele parecia ser uma pessoa boa e totalmente sincera. Era aberto e entusiasmado, e aparentemente apreciava sua conexão com a família.
E claro, Gia já tinha visto muito do mesmo interesse enquanto crescia. Especialmente das crianças que eram da área do Brooklyn, que a organização Venuto vinha controlando desde a proibição de vendas de bebidas alcoólicas. Enquanto adolescentes de outros bairros podiam se juntar a gangues, na área de Venuto a família era a gangue. E aparentemente todas as crianças queriam ser membros.
Eles rodearam a garagem e encontraram um dos homens de Vito parado no sol quente do verão, o coldre e a arma de fogo claramente visíveis. O irmão de Romulus, Remus, estava sentado calmamente, esperando a sua vez para o banho.
— Romy, sente-se — ordenou Gia.
O cachorro choramingou, mas obedeceu.
— Obrigado, srta. Gia — disse Frankie, parecendo não saber o que fazer. Estendeu a mão para apertar a dela, então percebeu que estava coberta de sabão e recolheu-a rapidamente. — Desculpe-me por tê-la perturbado.
— Não me perturbou — replicou Gia, olhando ao redor. Teria de pedir que Vito mandasse seus homens cobrirem as armas.
Assim que pensou nisso, avistou Vito na outra extremidade da garagem, falando com um homem que ela não reconheceu. É claro, ainda não memorizara todos os nomes do pessoal que trabalhava na casa, mas estava quase certa de que nunca tinha visto aquele sujeito antes.
Observou quando os dois homens apertaram as mãos, e então o estranho moreno deu a volta na BMW e entrou no carro. Momentos depois, desapareceu ao longo do caminho que levava à estrada.
Frankie parecia estar no controle das coisas. Assim, Gia começou a pegar o caminho de volta para o escritório.
Mas se virou.
— Frankie. — Ele a fitou imediatamente, usando o dorso da mão para remover a espuma do rosto. — O que acha de uma promoção para assistente pessoal?
Luca entrou no pequeno apartamento que alugara no Queens, evitando cuidadosamente ser visto. É claro, tinha deixado seu carro no Queens Boulevard, entrado num banheiro do metrô, vestido roupas esportivas, um boné de beisebol e tênis, depois pegado o próximo trem para o apartamento que o ajudava em seu subterfúgio.
Trancou as cinco fechaduras da porta, e acendeu a luz no espaço limitado. Havia apenas um sofá-cama, uma mesa, uma pequena cozinha e um banheiro. Os papéis de parede estavam desbotados, o piso de madeira era gasto e arranhado.
Ele jogou as chaves sobre a mesa e tirou a jaqueta, tirando do bolso as fitas do tamanho da palma da mão e olhando-as. Representavam mais de 12 horas de conversas que ele tivera durante a última semana. Uma delas com Gia.
Sentando-se numa cadeira velha, considerou as fitas, colocando aquelas que continham conversas com Vito e outros membros da família numa caixa de sapato, e a última fita, incluindo a conversa daquele dia com Gia, em outra caixa.
Como um relógio, o celular que deixara no apartamento tocou.
Ele atendeu no segundo toque.
— O que você conseguiu? — perguntou seu chefe do FBI.
— Não muita coisa. Está tudo calmo demais. Silêncio. Então:
— Como está indo em seu esforço de se aproximar de Gia Trainello?
Luca esfregou a testa. A pergunta já o fazia se sentir um traidor.
Sim, a agência sabia dos rumores sobre Gia ter assumido no lugar de seu irmão. Luca deveria se aproximar dela. Seu chefe não conhecia seu passado com quem fora, um dia, a princesa da máfia. E Luca não pretendia contar a ele, também. O que tinha acontecido entre Gia e ele sete anos antes devia ficar entre os dois. Aquilo não entrava em sua missão atual, que consistia em, simplesmente, derrubar os mafiosos Venuto e todas as outras organizações criminosas que pudesse.
Entretanto, respondeu:
— Estabeleci contatos a fim de discutir os papéis da propriedade.
— E?
— E é isso.
Luca recostou-se na cadeira, fazendo-a ranger, uma parte sua desafiando o chefe a questioná-lo mais.
Que coisa! Deveria ter desistido daquela missão no momento em que Giovanni e Mario Trainello haviam sido mortos. Devia ter esquecido os anos valiosos de fitas gravadas e grampeamento de telefone, e sua participação ativa na investigação da organização criminosa.
Mas não desistira. Porque todas as vezes em que pensava em fazer isso, lembrara-se de Ângelo. Recordava-se do rosto pálido de seu irmão mais novo e do cetim que forrava o caixão. E somente isso era o bastante para relembrá-lo de que o que fazia agora era o ápice de sete anos de trabalho árduo. A qualquer dia agora, teria a vingança que desejara por grande parte de sua vida.
Ele se certificaria de que a família responsável pela morte de seu irmão pagasse por seus crimes.
Gia...
Uma pequena voz sussurrou o nome no fundo de sua mente.
É claro, ele tentaria proteger Gia da melhor maneira possível. Estava determinado a mantê-la fora daquilo, tanto por causa do passado comum quanto porque ela não merecia ser magoada por ele novamente.
Mas se isso não fosse possível...
Bem, Luca teria de esperar para ver.
Mais tarde naquela noite, pouco depois de Luca ter partido após o jantar, Gia se inclinou sobre os papéis adicionais que ele lhe deixara, tentando se concentrar nas palavras em vez de tentar interpretar o significado das ações dele.
Fazia tanto tempo desde que se apaixonara por Luca... Mas não o bastante para que esquecesse de como era olhá-lo e sentir algo maior do que si mesma se expandindo em seu interior. Experimentar um desejo que a fazia sentir como se pudesse pegar fogo se ele não a beijasse, a textura dos cabelos sedosos sob seus dedos.
Luca representava uma época na sua vida em que tudo era bom. Quando família era família, e quando um olhar para o rosto dele era o suficiente para fazê-la sorrir por uma semana.
Mas aquela época havia muito tempo passara. Independentemente de quanto uma parte sua quisesse acreditar no contrário.
E se precisava de algum lembrete desse fato, tudo que tinha de fazer era pensar no que acontecera depois que ele partira. No que havia passado sozinha, no sofrimento que deixara em sua alma uma cicatriz que jamais poderia ser apagada.
Gia levantou-se do sofá da biblioteca e andou para as portas francesas, a fim de admirar a noite de verão. Uma sombra se moveu e ela olhou naquela direção, ainda desacostumada a ter homens armados ao redor. Não tinha precisado da proteção deles em sete anos.
Agora era necessário.
Mas,.em vez da presença dos homens lhe dar a sensação de segurança, ela se sentia aprisionada. O lembrete de que o perigo estava em todos os lugares era atordoante.
O que Luca queria? Ah, ela soubera no instante que ele voltara para Nova York, um ano antes, e se integrara à organização como um dos advogados principais. Era tudo que seu pai falava na época. Luca tinha sido o garoto de ouro de Giovanni anos antes, perdendo apenas para Lorenzo. Era um homem que inspirava confiança nas pessoas, e era mais do que capaz de cumprir qualquer missão até o fim.
A descrição tinha sido do pai de Gia. Ela não perguntara o que ele quisera dizer com "qualquer missão". Não quisera saber.
O que realmente queria saber era o que Luca havia feito enquanto ficara longe.
E por que tinha deixado a cidade depois que o irmão mais novo morrera durante um assalto.
A tragédia de ter perdido o irmão era o motivo pelo qual ele partira?
Mas os pais de Luca haviam permanecido no Brooklyn. Gia até mesmo os visitara. Uma vez.
Nunca mais voltara lá.
Depois de tudo que tinha acontecido desde então, o bom senso lhe dizia que não devia se importar com os motivos pelos quais Luca partira... O que havia feito enquanto estava fora... Ou por que estava de volta.
Porém, oh, Deus, se importava.
Distraída, esfregou os braços. Embora o calor de agosto estivesse forte do lado de fora, o ar-condicionado mantinha a temperatura baixa no interior do cômodo. E Gia ainda não tivera ânimo para ajustar o termostato.
O detalhe trivial trouxe uma lembrança de volta, como se tivesse acontecido no dia anterior, em vez de quase vinte anos antes.
Era um dia frio e chuvoso de março. A maioria dos parentes havia saído de perto do túmulo, e sua avó estava na limusine com seus irmãos. Gia e seu pai eram os únicos que permaneciam.
Segurando a mão do pai, os sapatos de couro que ganhara da avó afundando na lama, Gia observou quando o caixão de madeira brilhante foi baixado para dentro do solo. O topo fora coberto com rosas amarelas, as favoritas de sua mãe. Gia se sentia adormecida pelas emoções e pelo clima.
— Ela está linda — comentou Gia.
Seu pai piscou, como se estivesse estado em transe, e olhou para Gia, enquanto apertava sua mão.
— Ela está com a família agora. — Ele olhou para o céu chuvoso. — No céu.
— Mas nós somos a família.
Seu pai ficou em silêncio por um longo momento, fitando-a. Então, abaixou-se para que os olhos ficassem no mesmo nível dos da filha.
— Sim, piccina, nós somos família. Mas a família no céu precisou de sua mãe mais do que nós precisamos.
Gia viu o sofrimento nos olhos do pai, e perguntou-se se ele a estava confortando ou confortando a si mesmo.
— Sinto saudade dela.
E então Vito pigarreou de algum lugar atrás odeies, e um guarda-chuva apareceu sobre sua cabeça, lançando uma sombra melancólica sobre eles.
Seu pai olhou para o melhor amigo, e então para Gia novamente.
— Você tem família, Giovanna. Uma família muito grande. E sempre os terá. Lembre-se disso. Você sempre os terá.
Gia tentara encontrar conforto naquelas palavras, mas tinha apenas sete anos na época, e não entendera realmente o que significavam diante da perda do membro mais próximo de sua família. Agora, entendia o que seu pai quisera dizer. Agora, muitos anos depois, a família, que era na verdade a organização mafiosa, a recebera de braços abertos quando ela decidira retornar ao lar. Estavam todos unidos e trabalhando para ajudar a descobrir a pessoa responsável pela morte de seu pai.
Inclusive Luca.
Gia esfregou os braços novamente, a memória dele sentado à sua frente ao balcão da cozinha substituindo a imagem do rosto sofrido de seu pai na chuva.
— Por que você está tão surpresa com a minha volta? — perguntara ele durante o jantar simples de massa que ela havia preparado para si mesma, acompanhado de um molho de tomate que a cozinheira guardara no refrigerador.
Gia levou um momento para responder a pergunta, embora soubesse que responderia.
— Você parecia não querer ter nada a ver com a família quando partiu. O fato de ter voltado parece estranho.
Ela viu alguma coisa em seus olhos azuis. Algo que sinalizava que emoções estavam fervilhando por trás das belas feições de Luca.
Lembrou-se dos muitos apelidos dele. O mais popular sendo Bonitão Paretti, por causa de seus cabelos loiros e olhos azuis de alguns italianos do norte, em vez da pele morena e olhos escuros dos sicilianos.
Tinha sido essa mesma beleza que a tornara sua presa quando ele passara muito tempo na casa, fazendo trabalhos estranhos para seu pai enquanto freqüentava a faculdade de direito. Gia tinha se apaixonado por Luca, perdidamente.
E o sentimento, acreditara, havia sido recíproco.
Então, o irmão dele morrera, e o homem pelo qual ela se apaixonara se tornara frio e distante. Em seguida, desaparecera completamente.
Um outro movimento do lado de fora das janelas chamou-lhe a atenção. Mas ele não vinha do lado de fora. Em vez disso, Gia viu o reflexo de alguém se mexendo atrás dela no vidro.
O coração disparou violentamente quando, impotente, viu um homem mascarado e de luvas aproximando-se e passando um arame fino ao redor de seu pescoço.
Gia moveu a mão direita a tempo de encaixá-la entre o pescoço e o arame, antes que seu agressor puxasse. Ainda assim, tossiu pela pressão súbita e intensa enquanto chutava-lhe os pés e as pernas. Mas não podia competir com a altura e força do homem. O cheiro forte de cebolas preencheu-lhe as narinas quando ele se inclinou para perto de seu ouvido.
— Uma mulher chefe de máfia. Você devia estar feliz por ter durado tanto tempo, Giovanna. Seu pai teria ficado orgulhoso.
A voz era familiar. Mas então, muitas das vozes que agora enchiam a casa de seu pai caíam na mesma categoria. Sempre pudera prever a chegada de alguém pelos passos, e agora o som da casa a mantinha acordada durante a noite.
Com razão, percebia.
Ela viu seu próprio reflexo no vidro. O sangue escorria por seu rosto, e o arame quase cortou seus dedos quando tentou afastá-lo, o movimento servindo apenas para apertar-lhe mais a parte desprotegida do pescoço.
Gia chutou, procurando pelas portas, tentando desesperadamente atrair a atenção do guarda do lado de fora. Seu pé descalço atingiu a parte inferior do vidro e a porta chacoalhou. Ela tentou novamente, mas seu agressor tirou-a do alcance da porta.
Morte. Tinha sido comum em sua vida enquanto crescia. Sempre houvera mortes de pessoas próximas, e naquela mesma casa. Primeiro, a perda de sua mãe quando Gia ainda era uma garotinha. Depois, sua avó paterna, que falava apenas italiano e que cuidara dela e de seus dois irmãos até antes de falecer, quando Gia tinha 17 anos.
Contudo, de alguma maneira, ela nunca imaginara que sua própria morte aconteceria naquela casa. E o fato de que teria de testemunhar isso parecia especialmente desalentados Tentou olhar através da máscara do homem que a prendia, ver seus olhos, o formato do maxilar, embora a tentativa fosse inútil. Sabia que, dentro de segundos, começaria perder a consciência, e, logo depois, seu coração pararia de bater devido à falta de oxigênio.
Entretanto, procurou uma maneira de se defender de seu agressor.
Foi quando se tornou ciente de que, no processo de afastá-la das portas, o homem a movera para mais perto do criado-mudo, onde havia um abajur de latão. Gia libertou a mão que estava no pescoço e alcançou o abajur, tossindo quando ele puxou mais o arame. Seus dedos tocaram o metal frio, mas pareciam não poder agarrar a base larga.
O quarto começou a escurecer. Ela piscou lentamente, o braço caindo na lateral do corpo.
Foi quando viu um outro reflexo na porta. De um homem atrás do agressor.
Luca...
Longos minutos depois, Gia estava sentada no sofá da biblioteca, os dedos sobre o pescoço, olhando para o homem que tinha aparecido do nada e atacado o agressor com a eficiência de um soldado. Pelo menos até o último minuto, quando o homem mascarado jogara Luca no chão com um soco e fugira, apesar dos guardas armados que deveriam estar protegendo a casa e seus habitantes.
Finalmente, Luca acabou de falar com o guarda no comando, que se desculpou repetidamente, então fechou as portas da biblioteca, virando-se para Gia.
— O que você está fazendo aqui?
Gia não conseguira entender por que estava sendo abertamente hostil ao homem que tinha acabado de salvar sua vida. Na verdade, vinha sendo rude com ele desde que retornara a Long Island. Isso provavelmente tinha alguma coisa a ver com o fato de que, quando se tratava de Luca, era melhor evitar o passado do que confrontá-lo.
Ele foi até um bar embutido, abriu a porta e serviu dois copos de uísque. Andou até o sofá e entregou-lhe um, estudando-a por sobre a borda do copo enquanto bebia.
— Pensei que sua primeira palavra para mim seria "obrigada".
Gia baixou o olhar, e deu um gole em seu próprio drinque.
— Pelo que sei, você poderia estar envolvido nisso com ele.
Os olhos de Luca se estreitaram perigosamente.
— É isso que você acha?
Ela deu de ombros e colocou o copo sobre a mesa mais próxima.
— Não importa o que eu acho. Fatos falam mais alto do que palavras. E o fato é que me despedi de você há mais de uma hora.
Luca a olhou por um longo momento, então pegou alguma coisa que estava no chão, perto da porta. Gia percebeu que eram os papéis que ela assinara mais cedo.
— Estava indo para casa antes de perceber que tinha esquecido isso.
Ela olhou das mãos dele para o rosto.
— Então, devo me considerar uma pessoa de sorte. Ele pareceu não saber o que responder, então não disse nada. Em vez disso, sentou-se ao seu lado no sofá.
— Você deu uma boa olhada no homem?
— Ele estava usando uma máscara.
— Isso não significa que você não possa reconhecê-lo.
— Eu não o reconheci — disse ela. — E quanto a você?
— Também não. Ele falou alguma coisa?
— O que havia para dizer? Além de "vejo você no inferno"?
Mas ele não tinha dito nada, tinha?, Gia pôs a mão na testa e descansou o cotovelo contra o encosto do sofá.
— Espere. Ele falou alguma coisa. — Ela engoliu em seco. — Ele me chamou de Giovanna e disse que eu tinha sorte por ter vivido tanto tempo.
Ela não mencionou a parte de que seu pai ficaria orgulhoso. Não sabia bem por quê. Talvez porque não tivesse certeza de que seu pai sentiria orgulho. Ela nem mesmo tinha vingado sua morte ainda.
Além disso, Giovanni nunca aprovara a idéia de sua filha seguir seus passos, sempre tentando evitar envolvê-la nos negócios da organização. Gia suspeitava que parte do motivo estava no padrão machista da maioria dos homens da velha escola. Pertencer à máfia era uma coisa de homem, não de mulher.
Mais que tudo, ele provavelmente queria proteger sua única filha.
Gia se lembrou de um outro homem da velha escola com o qual tivera um encontro naquela manhã. Poderia Vincenzo Tamburo estar por trás do atentado contra sua vida?
— Não acho uma boa idéia você ficar aqui — disse Luca.
Ela o olhou.
— Para onde quer que eu vá? Minha casa em Manhattan?
Gia deu a sugestão como uma tentativa de piada. Mas Luca não estava rindo. Nem ela, a propósito.
O fato era que ele provavelmente tinha razão. Ela soubera que se tornara um alvo quando jurara vingança contra os responsáveis pelo assassinato de seu pai e de seu irmão. Apenas havia pensado que, se ficasse dentro de casa e longe das janelas, não estaria correndo grandes riscos.
Erro número um.
Ela olhou para a boca séria e inflexível de Luca. Se não fosse cuidadosa, poderia cometer o erro número dois.
Houve uma batida à porta, que se abriu em seguida.
— Srta. Gia?
Ela se sentou mais ereta.
— Entre, Vito.
O italiano mais velho entrou e observou o casal no sofá.
— Acabei de saber o que aconteceu. Luca se levantou para encará-lo.
— Você não é o responsável pela segurança, Vito? Gia recuou.
— Luca...
— Não, ele tem razão, srta. Gia. Sou responsável pela segurança, e não há desculpa para o ocorrido desta noite.
— Ele olhou para a marca vermelha no pescoço dela.
— Só posso agradecer a Deus por não terem sido causados mais danos.
— O que aconteceu esta noite? — continuou Luca. Gia suspirou, subitamente se sentindo como se não dormisse há dias.
— Basta, Luca. Obrigada... por ter passado aqui. — Ele arqueou uma sobrancelha para a declaração proposital de Gia sobre suas atividades. — Mas ficarei bem, agora que Vito está aqui.
Luca olhou para ela e o velho italiano. Então finalmente falou:
— Se você acha...
— Não acontecerá novamente — disse Vito. — Aposto minha vida nisso.
Gia virou as mãos para cima, como se dissesse: "Viu?"
Contudo, a verdade era que não confiava em si mesma no que dizia respeito a Luca. Considerando tudo que tinha acontecido, não somente naquela noite, mas durante as últimas cinco semanas, poderia ficar tentada a ceder ao desejo interior de se aconchegar nos braços dele e aceitar o que Luca tinha a oferecer como consolo... inclusive sexo.
Mas, considerando o que ocorrera da última vez que se entregara aos desejos do corpo... Olhou para todos os lugares, exceto para a expressão de Luca.
— Vito o acompanhará até lá fora — disse Gia.
No dia seguinte, as palavras de Luca ainda ressoavam na cabeça de Gia. Ela decidiu passar a manhã no quarto de seu irmão Lorenzo, e, uma vez que ele estava dormindo, não tinha muito o que fazer senão pensar.
O velho quarto estava estranhamente quieto. A primeira atitude de Gia foi abrir as cortinas pesadas, de modo que seu irmão pudesse ver que era dia e recuperasse algum senso da passagem do tempo, que perdera havia mais de um mês.
Gia olhou para o rosto de Lorenzo e para a forma imóvel sob o cobertor. O médico estava preocupado com a desidratação, e ordenara que fosse usado um tubo de alimentação intravenosa fazia uma semana. O tubo e o saco estavam do outro lado da cama, lembrando-a da importância de tentar trazer Lorenzo para o mundo dela, em vez de deixá-lo se aproximar de onde estavam seu pai e Mario.
Imediatamente após a cirurgia de emergência para remover as balas da coluna dele, Lorenzo tinha sido induzido ao coma através de drogas, a fim de que seu corpo pudesse se curar.
O problema era que parecia perfeitamente contente em estar assim, apesar dos apelos de Gia para que ele voltasse ao normal.
Precisava de seu irmão.
Uma das três enfermeiras de tempo integral entrou no quarto com roupas de cama limpas.
— Desculpe-me. Eu não sabia que estava aqui, srta. Gia. — Ela começou a se retirar.
Gia gesticulou para que ela entrasse.
— Tudo bem. Eu já ia sair de qualquer forma.
A enfermeira sorriu, colocou as roupas de cama sobre a cômoda e deixou o quarto novamente.
Gia olhou para o rosto impassível do irmão. O pai deles costumava brincar que Lorenzo não se parecia com as pessoas do lado Trainello da família, e que, felizmente, se parecia muito com a mãe. Caso contrário, duvidaria que Lorenzo fosse de seu sangue. Uma testa larga, um maxilar forte e cabelos quase pretos que brilhavam contra a fronha branca do travesseiro. Enquanto crescia, Gia tivera amigas que procuravam sua companhia na esperança de se aproximar de seu irmão mais velho.
Esse era um dos motivos pelo qual seu irmão de 30 anos ainda não estava casado. Por que se casaria agora, dizia ele, quando estava apreciando a vida em toda sua plenitude?
Agora, estava sozinho em um quarto escuro, que espelhava a escuridão de sua própria mente.
Uma batida soou à porta.
— Srta. Gia?
Frankie. Começando como seu assistente, e ainda mais hesitante com ela do que tinha sido antes.
— Entre. — Convidou Gia suavemente, levantando-se da cadeira e inclinando-se para beijar Lorenzo no rosto. — Volte, Lorenzo, eu preciso de você.
Frankie abriu a porta.
— Desculpe-me interromper, mas seu próximo compromisso está esperando no escritório.
— Obrigada. Já estou indo.
Muito tempo depois que Frankie partiu, ela saiu do quarto. Demorou um momento do outro lado da porta fechada, estudando suas opções. Atravessou o corredor para onde as enfermeiras ficavam.
— Estou pensando em mudar meu irmão para um outro quarto — disse ela para a enfermeira que tinha entrado mais cedo com os lençóis. — Talvez a mudança para um lugar mais claro e alegre o faça querer acordar.
— Sim, senhora.
Gia franziu o cenho enquanto se dirigia para a escada. Nunca tinha sido chamada de "senhora" na vida. Mesmo na Bona Dea, insistia que os funcionários a chamassem pelo primeiro nome, preferindo informalidade a rigidez.
Porém, desde que havia chegado em casa, todos pareciam querer lhe mostrar "respeito", como Frankie colocara. Engolira aquilo no começo, pensando que seu sofrimento pudesse ser parte da razão. Mas, após um mês, a formalidade começava a irritá-la.
Luca iria ficar o mais perto de Gia que pudesse, durante a maior parte do tempo. Mesmo que isso significasse agüentar seus olhares desconfiados sempre que passava por ele no corredor. Como agora, quando ela desceu a escada, o avistou e parou como se tivesse visto um fantasma.
E ela estava vendo um fantasma, não estava? Alguém que tinha sido parte de sua vida uma vez, mas não estivera presente por um longo tempo. E, aparentemente, Gia estava tendo dificuldade em lidar com aquilo.
Ele deixou o olhar percorrer seu corpo esbelto, notando a gargantilha que ela usava, provavelmente para esconder o ferimento que sofrerá na noite anterior nas mãos do agressor que queria matá-la.
A voz de Vito levou Luca de volta ao presente.
— Falei com Bracco esta manhã, e ele diz que não precisamos nos preocupar com a questão de Lancione.
Aparentemente percebendo que Luca não a estava esperando, Gia continuou indo para o foyer, e então desapareceu dentro do corredor que levava ao escritório do pai. Luca enfiou a mão no bolso e fingiu andar para um pouco mais longe de Vito, que não pareceu notar suas intenções. A nova posição lhe deu uma visão clara do escritório, onde três pessoas que reconheceu se levantaram de suas cadeiras e cumprimentaram Gia.
Luca voltou o olhar para Vito. A "questão de Lancione" era uma forma de falar sobre a descoberta do corpo de Cláudio Lancione flutuando no East River na semana anterior. O homem que diziam que Gia havia matado.
Luca endireitou a gravata. Ela seria capaz de assassinar alguém? Não apenas alguém, mas um homem que podia estar envolvido na morte de seu pai e seu irmão?
Não gostava do fato de não ter a resposta para aquela pergunta.
— Então, os detetives da divisão de homicídios não entraram em contato? — ele perguntou a Vito.
— Não. E não vão entrar. Segundo meus contatos, as autoridades estão satisfeitas em ter alguém como Lancione fora das ruas. Acham que o assassino lhes fez um favor.
Nada estranho no que se referia ao departamento de polícia de Nova York e à máfia. A guerra entre essas duas facções acontecia havia tanto tempo que ambos os lados tinham de escolher suas batalhas cuidadosamente. A morte de um tenente inferior na família mafiosa Venuto seria vista mais como uma bênção do que como uma maldição.
Apesar de Luca ter suspeitado que as coisas se desenrolariam dessa forma, mentalmente suspirou de alívio. Se Gia tivesse sido a assassina, não precisaria se preocupar. O que significava que ele também não.
A porta da frente da casa se abriu, e ele e Vito olharam em direção ao visitante não anunciado. Vito segurou sua arma, provavelmente mais em reação aos eventos da última noite do que pela preocupação real de uma ameaça.
— Desculpe, chefe — disse o guarda quando uma mulher vagamente familiar, que parecia ter vindo direto de um vilarejo da Itália, entrou no foyer. Três crianças com menos de cinco anos a seguiram. O traje preto da mulher era provavelmente o responsável por sua aparência rural, e as crianças revelavam expressões sombrias, vestidas com o que Luca supunha ser suas melhores roupas de domingo. Eram meninos, notou ele.
— Preciso falar com a srta. Gia — anunciou a mulher para Vito.
Ele não pareceu impressionado.
— Eu já expliquei que a srta. Gia é uma mulher muito ocupada e não tem tempo para visitas sociais.
Então Luca lembrou-se de onde a vira antes. No funeral, um mês antes. O marido dela era o motorista de Mario e morrera juntamente com seu empregador.
— Isso não é uma visita social — disse ela, e continuou em italiano.
Tendo aprendido a língua nativa dos pais tão fluentemente quanto o inglês, Luca acompanhou o apelo da mulher com facilidade. Ela estava explicando que não podia sustentar os filhos e precisava apelar para a ajuda da srta. Gia.
A expressão de Vito tornou-se exasperada enquanto ouvia. Então pegou a carteira, tirou alguma coisa de dentro, e pôs o que pareciam ser algumas notas de cem dólares na mão da mulher.
— Não haverá mais, Donna Maria. Não mais. Todos sentimos muito pelo seu marido, mas o que acontece agora não é mais problema da família.
Luca se sentiu decididamente desconfortável quando observou os grandes olhos da mulher marejarem. Ele olhou para baixo e viu duas das crianças fitando seus sapatos lustrosos. O mais novo, todavia, estava olhando diretamente para Luca.
— Isso não vai pagar o aluguel — Donna Maria estava dizendo. — Don Vito, por favor...
Vito gesticulou para o guarda ainda parado do lado de dentro, aguardando instruções.
— Leve-a para fora.
Luca abriu a boca para objetar. Não parecia certo jogar a mulher e os três filhos na rua. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Gia apareceu no hall.
— O que está acontecendo? — perguntou ela, tentando entender a cena diante de si.
Luca comparou a aparência das duas mulheres. Embora Gia também estivesse vestida toda de preto, não havia nada remotamente rural em sua aparência. Em vez disso, parecia ter saído direto da capa de uma revista de moda.
Mas as roupas dela não foram o que mais o impressionou. E sim a sensibilidade em relação ao que estava acontecendo ali, e a disposição para se envolver.
A viúva olhou para Vito, mas, como estava desesperada, aproximou-se de Gia, segurando suas mãos, sacudindo-as diversas vezes.
— Por favor, por favor, srta. Gia — murmurou ela em italiano.
Vito gesticulou para o guarda novamente.
— Eu expliquei a sra. Amato que você está ocupada — disse ele. — Talvez ela possa marcar hora para um outro dia.
Gia ergueu uma das mãos quando o guarda avançou.
— Está tudo bem. Posso atendê-la agora.
Luca observou quando Gia gesticulou com a cabeça em direção ao escritório. A viúva apressou-se naquela direção, os meninos atrás. Gia sorriu para as crianças quando passaram à sua frente, tocando o topo da cabeça do menor antes de segui-los.
Luca ouviu quando a porta do escritório se fechou.
Vito praguejou diversas vezes em italiano.
— Que coisa! Ela tem negócios a dirigir. Não deveria estar perdendo tempo com detalhes tão triviais.
Como uma viúva iria alimentar três filhos não era algo trivial na opinião de Luca, mas manteve-se calado. Afinal, tinha compromissos muito maiores para cumprir.
— Obrigada, srta. Gia — repetiu a sra. Amato, apertando-lhe a mão quando Gia rodeou a mesa para levá-la até a porta do escritório.
A mulher ergueu a mão de Gia como se fosse beijá-la, e Gia puxou a mão, pega de surpresa. Não via tanta demonstração de respeito desde que assistira a O poderoso chefão. Nem mesmo tinha visto alguém fazer aquilo com seu pai. E não ia permitir que isso lhe acontecesse.
— Fico feliz por poder ajudar você numa hora de necessidade — disse ela.
Os três garotinhos haviam se espalhado durante a conversa das duas mulheres, e Donna Maria se apressou ao redor da sala para reuni-los e chamá-los. Gia os visualizou andando de mãos dadas enquanto voltavam para a estação do metrô.
A porta se fechou firmemente e ela ficou parada, olhando para a madeira como se aquilo fosse tudo que a separasse do mundo.
Havia sido criada para acreditar que família cuidava de família. Se um deles estava sofrendo, todos sofriam.
Então, por que Vito queria mandar a viúva embora?
Distraída, levou a mão o pescoço. Gostaria de poder ajudar Donna Maria. Fez uma anotação mental para ligar para Bryan na Bona Dea e pedir-lhe para avisar o departamento pessoal que ela estava mandando uma costureira na manhã seguinte. E o cheque generoso que dera à viúva seria o bastante para que ela se sustentasse por alguns meses antes de conseguir se estruturar.
Quando bateram à porta, Gia imediatamente ficou tensa, imaginando que era Luca, que vira conversando no foyer com Vito quando tinha descido.
Algum dia deixaria de perder o fôlego toda vez que o olhasse?
— Srta. Gia? — Seu assistente abriu a porta.
Ela relaxou, apoiando-se na extremidade da mesa.
— Entre, Frankie.
O jovem entrou com uma bandeja contendo café e biscoitos. Ele fechou a porta com o pé, e Gia rapidamente tirou-lhe a bandeja das mãos, antes que o líquido fosse derrubado no tapete persa. Ou pior, nela.
— Desculpe-me — murmurou ele, enrubescendo. — Não estou acostumado como esse tipo de coisa.
— Sem problemas. Também sou um pouco desajeitada com coisas de natureza doméstica. — Ela sorriu e pôs a bandeja sobre a mesinha de centro.
Na verdade, Frankie não parecia bom em muita coisa. Se ia buscar um arquivo, havia grandes chances de pegar o errado. Atendia ao telefone e esquecia o nome da pessoa que ligara. Saía para cumprir alguma tarefa na rua e ligava cinco minutos depois, completamente perdido.
Apesar de tudo isso, Gia gostava dele. O rapaz era genuinamente entusiasmado e lhe dava a impressão de que ofereceria sua mão direita se ela lhe pedisse para cortá-la.
É claro, jamais pediria. Mas saber que alguém tão leal quanto Frankie estava por perto a fazia se sentir melhor.
Frankie pigarreou.
— Eu só queria lhe dizer que seu compromisso das 10 horas está aqui. E os das 8h45, das 9 horas e das 9h30 ainda estão esperando lá fora.
Gia suspirou quando rodeou a mesa.
— Tantas pessoas querendo falar comigo... — Sentando-se, olhou para a agenda que Frankie lhe preparara a letra pouco legível, mas melhorando. — Sei que você não trabalhava diretamente com o meu pai, mas ele recebia tanta gente assim?
— Ah, sim, srta. Gia. Todas as segundas e quartas, a entrada da casa ficava repleta de pessoas querendo falar com seu pai.
Ela assentiu, tendo suspeitado o mesmo.
Entretanto, isso não aliviava o terror do dia à sua frente... um dia cheio de pessoas pedindo ajuda, oferecendo favores em troca, e geralmente esperando manter boas relações com quem era aparentemente a nova chefe da família Venuto.
Uma outra batida à porta. Sem esperar resposta, Luca entrou.
O contraste entre Frankie e seu ex-amante alto e bonito a abalou, lembrando-a de uma outra razão pela qual conseguira criar um elo com o adolescente magrinho. Ele não era uma ameaça.
— Posso lhe falar um minuto? — Luca perguntou numa voz profunda que ressoou através da sala.
— Sinto muito. Não tenho tempo agora. Certamente isso pode esperar, não? — Ela olhou para Frankie. — Mande a próxima pessoa entrar.
— Sim, srta. Gia.
Luca segurou a manga da camisa do jovem quando ele passou.
— Faça isso daqui a cinco minutos.
Frankie olhou de Luca para Gia. Finalmente, Gia suspirou e assentiu.
O garoto saiu apressado e fechou a porta, deixando Gia numa posição em que não queria estar tão cedo pela manhã. Ou melhor, na qual preferia não estar em hora nenhuma.
Sozinha com Luca...
Segredos podiam ser tão mortais quanto perigosos.
E no caso de Luca, eram tão necessários quanto o ar que respirava.
— Vito acredita que pode saber quem atentou contra a sua vida ontem à noite.
Gia podia ser muito dura quando queria. Mas aquela informação era importante demais. Luca viu a mão delicada ir para o pescoço como se por vontade própria, o e medo nos olhos dela era inegável.
E sua própria resposta era igualmente poderosa. Um desejo de proteger que não sentia havia muito tempo apoderou-se dele, fazendo-o querer pegá-la nos braços e tirá-la dali. Tirá-la daquela casa, daquela família, daquele ambiente perigoso... e levá-la para algum lugar seguro. Um lugar onde pudesse cuidar de Gia 24 horas por dia, sete dias por semana. Um lugar onde pudesse explorar suas emoções conflitantes em relação a ela.
Um lugar onde ninguém pudesse feri-la novamente.
O problema era que ocupava naquele momento a posição de maior traidor de Gia.
— Suponho que seja a mesma pessoa que matou meu pai — disse ela, obviamente tentando manter o tom de voz frio, e fracassando na tentativa.
— Talvez. Talvez não.
Gia recostou-se na cadeira e, por um momento, Lucas lembrou do pai dela. Giovanni Trainello costumava responder do mesmo jeito quando queria respostas para perguntas freqüentemente impossíveis de responder.
— Acho que não preciso lhe dizer que houve algumas reações duvidosas no momento em que você assumiu os negócios da família.
— Não, você não precisa me dizer.
Luca supunha que não. Pelo que sabia, Gia já encontrara cada um dos quatro chefes das organizações mafiosas rivais durante a última semana. E não achava que os encontros haviam transcorrido com tranqüilidade. Houvera até mesmo ameaças veladas para tomar o comando da família Venuto, enquanto as organizações competiam entre si. Todos os quatro queriam a honra.
A organização Venuto era a mais bem-sucedida das cinco maiores organizações mafiosas de Nova York. Alguns atribuíam isso ao fato de que Giovanni Trainello fora um líder inteligente. Outros, ao de que ele mantinha um exército forte.
Mas no último ano, Luca tinha passado a entender que o motivo era muito mais complicado. Giovanni Trainello fora um homem justo. E como resultado, inspirava lealdade em outros, obtendo um respeito que vencia aborrecimentos e medo.
Ele estudou Gia, vendo a mesma qualidade nela.
— Então, você vai compartilhar a informação comigo? — perguntou ela. — Ou quer que eu adivinhe?
Luca sorriu, só então percebendo que ainda não terminara.
— O nome Giglio lhe é familiar?
Gia considerou por um momento.
— Está falando sobre Carlo Giglio? Ele não era um dos capangas de papai?
— Seu maior assassino de aluguel.
Ela assentiu.
— Ele não foi condenado por dois de seus muitos assassinatos? Recebeu duas sentenças de prisão perpétua?
— Sim. — Luca admirou-lhe a memória. — Mas o advogado dele conseguiu-lhe liberdade condicional.
Gia arqueou as sobrancelhas.
— Quando ele foi solto?
— Ontem de manhã.
A mão dela foi novamente para o pescoço coberto por uma gola alta.
Luca não gostava de compartilhar esse tipo de informação com Gia. Não se isso significava ver as expressões de sofrimento naquele rosto tão lindo.
Ao mesmo tempo, esperava que aquilo lhe desse a alavanca de que precisava para que Gia abandonasse o espírito de vingança entre famílias e lhe permitisse protegê-la.
— Ele já tentou contatar a organização? Garota inteligente.
— Não. Pelo menos não diretamente.
— Isso significa que ele não ligou para Vito.
— Isso mesmo.
— Com quem ele esteve em contato?
Lucas considerou a cadeira à sua frente, mas decidiu permanecer em pé.
— Com os irmãos Guarino.
A cor esvaiu-se do rosto de Gia.
Joey e Gino não eram membros de famílias rivais. Eram membros antigos da família Venuto, suas posições sendo questionadas pela primeira vez uma semana atrás, quando se recusaram a honrar um débito devido ao pai de Gia. Ou melhor, recusaram-se a reconhecê-la como a nova, apesar de temporária, chefe da família.
— Tem certeza?
— Tão certo quanto posso estar em relação a qualquer coisa dessa natureza. Vito acabou de me contar isso.
Ela cocou a testa distraidamente, considerando a informação.
Era coincidência Gia sofrer um atentado algumas horas depois que um dos assassinos de aluguel da organização Venuto tinha saído da cadeia? Luca achava que não.
— Mas ele ainda estava na prisão quando meu pai foi baleado.
Lucas assentiu.
— É verdade.
Ele não disse mais nada, porque os dois sabiam que havia muitos exemplos de chefes de organizações que continuavam dirigindo suas operações por trás das grades. Não era fácil. E fazer isso requeria a instituição de uma língua totalmente nova, como, por exemplo, "comprar um lado do bife", que significava matar uma pessoa imediatamente. "Pôr alguns bifes na grelha" significava queimar o negócio de alguém.
"Convidá-la para sair" poderia significar assassinar Gia Trainello.
Gia o encarou.
— Você conhece Giglio pessoalmente? Luca ficou surpreso pela pergunta.
— Na verdade, conheço. Eu originalmente o representei em dois tribunais até que o caso teve um declínio e seu pai me tirou para que outro advogado continuasse.
O advogado em questão era famoso por fazer grandes finalizações, as quais com freqüência convenciam o júri a mudar de opinião. Um orador, um pleiteante, um mentiroso consumado.
Giovanni não sabia que Luca era mais do que capaz em todos esses departamentos.
Todavia, Luca não tinha contestado a decisão. Não teria sido fácil inocentar um sujeito que ele sabia ser responsável por inúmeras mortes.
— Que tipo de impressão ele lhe causou? Luca a estudou.
— Você quer saber se ele parecia um assassino em massa?
Ela franziu o cenho.
— Alguma coisa assim.
— Surpreendentemente, não. Ele parecia o tipo de sujeito despretensioso que você não olharia duas vezes se o encontrasse na rua. — Luca deu de ombros. — Uma pessoa que definitivamente justifica o ditado de que as aparências enganam.
— Você acha que ele está por trás do atentado contra minha vida?
Luca não podia ter certeza. Mas dizer isso a Gia não o faria avançar em seu objetivo.
— Depende do quanto você acredita em coincidências.
Ela assentiu.
— Então diga a Vito para capturá-lo.
Luca ficou tenso com a maneira casual que ela deu a ordem.
Capturar Giglio não significava levá-lo lá para conversar. Significava amarrá-lo a uma cadeira em algum lugar isolado. Possivelmente torturá-lo para descobrir se ele tinha algo a ver com a tentativa de assassinato.
Era muito provável que também significasse matá-lo, ou quase matá-lo, a fim de extrair a informação.
Gia o estava observando com curiosidade, então Luca perguntou:
— Você quer estar presente na... reunião?
E sentiu-se aliviado quando ela recuou visivelmente, e virou-se na cadeira, ficando de frente para a lareira.
— Não. Isso não será necessário.
— E se a reunião determinar que ele teve alguma coisa a ver com o incidente de ontem à noite?
Ela virou-se para encará-lo, a aparência dura de volta aos olhos.
— Nesse caso, mate-o.
Gia estava sentada ao balcão da cozinha, inclinada sobre uma pilha de papéis referente às ações da família Venuto, o único som no cômodo sendo o do vinho caindo na taça enquanto ela se serviu. Deu um gole no Chianti, então pôs a taça sobre o balcão e suspirou.
Passava das duas da tarde. Era seu período favorito do dia. Sem reuniões e telefonemas infindáveis. Sem teorias envolvendo quem poderia ser responsável pela morte de seu pai. Sem homens constantemente a rodeando, a fim de tentar protegê-la, agora cuidando de suas próprias vidas. Sem Luca Paretti.
Ela ergueu a taça novamente, seus dedos apertando a haste, e bebeu tudo, pegando a garrafa para se servir de mais uma dose.
Não tinha muita certeza de quando aquilo tinha acontecido, mas logo após se recuperar do choque de ter Luca de volta em sua vida, mesmo que de maneira profissional, começara a se tornar consciente do desejo que sentia Por ele. Uma batida à porta do escritório, e esperava que fosse Luca. Caminhava pela casa para exercitar as pernas, e ficava desejando esbarrar com ele.
O que era o bastante para levar uma mulher à distração.
Ou a beber.
Gia se levantou para descartar a garrafa vazia e abrir outra.
Gostaria de poder culpar sua precária situação atual pela mudança de seus sentimentos por Luca. Ou mesmo a insônia, do que vinha definitivamente sofrendo nos últimos dias. Era como se durante o dia inteiro ficasse esperando por aqueles momentos de quietude, para ficar sozinha consigo mesma. Então, quando chegavam, não queria tais momentos, ou o medo, a solidão e a dor que traziam.
Qualquer barulho abafado vindo de dentro da casa a deixava paralisada de medo. Então, tudo em que não tivera tempo de pensar durante o dia penetrava-lhe a mente, exigindo soluções. Se tinha uma idéia ou uma pergunta sobre uma das contas de seu pai, não havia ninguém por perto para discutir tais assuntos.
— Posso lhe fazer companhia?
Gia quase derrubou a garrafa que segurava, totalmente despreparada para ouvir a voz de Luca atrás de si.
— Meu Deus, você me assustou. — Ela levou a mão livre ao coração. Embora sua reação fosse mais de surpresa, não podia negar que a presença dele... quando desejava companhia, especialmente a de Luca... era responsável pelas batidas aceleradas de seu coração.
— O que... você ainda está fazendo aqui? — perguntou ela. Estivera tão certa de que estava sozinha na casa!
Bem, talvez sozinha não fosse a palavra. Não com Lorenzo no andar de cima, juntamente com as enfermeiras, e os seguranças fora de visão, mas não fora de sua mente.
— Vito e eu tivemos alguns assuntos para discutir. Gia segurou a garrafa de vinho contra o peito enquanto o olhava.
— Defina "assuntos".
— O fato de não conseguirmos encontrar Giglio.
Ele passou por ela e pegou uma taça de uma prateleira acima do balcão. Então, estendeu a mão para a garrafa que Gia ainda agarrava contra o peito.
— Ah, desculpe-me. — Ela lhe entregou a garrafa.
Os olhos azuis de Luca a estudaram enquanto ele se servia do vinho e completava a taça dela.
— Estou pensando em passar um tempo aqui — disse ele.
Gia piscou. Ele falara aquilo com a mesma casualidade que falaria sobre o tempo.
Normalmente, as pessoas esperavam um convite para se hospedar na casa de alguém. Mas mesmo enquanto Gia percebia isso, não havia nada de normal sobre sua situação... ou sobre o homem que a tornava ainda mais consciente de sua solidão.
— Não sei se isso é uma boa idéia — disse ela.
— Por quê?
Deveria contar que dormir já estava difícil o bastante sem saber que ele estava debaixo do mesmo teto? Apenas algumas portas os separando? Dormindo entre lençóis que vinham do mesmo armário? Tomando banho com uma água que saía da mesma fonte?
Esperar encontrá-lo em qualquer parte da casa, a qualquer hora do dia? Ou da noite?
— Simplesmente não acho uma boa idéia — replicou Gia, passando por ele, colocando a taça sobre o balcão e pegando os papéis que estivera estudando.
— Esse não é um motivo bom o bastante.
— Bem, não é você quem decide as coisas por aqui, é? — Ela virou-se para encará-lo. Primeiro erro.
— Não, suponho que não.
Imperceptivelmente, Luca se aproximou. O coração de Gia disparou e, de súbito, ela sentiu o corpo todo esquentar.
— Diga-me, Gia — murmurou ele suavemente, o olhar descendo para sua boca, e subindo de novo. — Qual é o verdadeiro motivo de você mostrar tanta frieza e indiferença cada vez que nossos caminhos se cruzam? — Gia pegou-se umedecendo os lábios. — É por que você não suporta ficar perto de mim? — Ele estendeu o braço e tocou-lhe os cabelos. — Ou por que não confia em si mesma quando estamos sozinhos?
— Há uma outra opção no meio disso.
— E qual seria?
Gia engoliu em seco, desejando, de repente, que a pequena distância que permanecia entre os dois desaparecesse. Não apenas física, mas emocionalmente.
A verdade era que sentia falta da proximidade que um dia compartilhara com Luca, tantos anos antes. Em algum ponto do caminho, tinha conseguido se convencer de que o que eles haviam compartilhado era um caso de verão, uma paixão passageira, um relacionamento irreal visto através de óculos cor-de-rosa que apenas adolescentes podiam usar.
Mas também passara a entender que se trocassem óculos cor-de-rosa por óculos escuros mais práticos, o mundo pareceria acinzentado.
— Que talvez você não tenha mais um lugar na minha vida — respondeu ela.
Ele colocou a taça sobre o balcão e se aproximou.
— Ah, eu não sei. Pelo que vejo, acho que pode haver um pequeno lugar para mim na sua vida. — Luca deu mais um passo à frente, a respiração roçando o rosto quente de Gia. — Um lugar muito pequeno que estou determinado a reivindicar.
Um nó se formou na garganta de Gia quando ele inclinou-se e pressionou os lábios nos seus...
Gia tinha gosto de vinho tinto e desejo.
A última coisa na mente de Luca quando entrou na cozinha para beber alguma coisa era seduzir a dona atual da casa. Mas quando a viu parada ali, segurando a garrafa de vinho contra os seios generosos e olhando-o como se ele fosse exatamente a pessoa que ela queria ver, percebeu que estava totalmente pronto para reagir àquilo.
Era, afinal de contas, um simples mortal.
E duvidava que algum homem tivesse resistido a Gia, independentemente dos sinais que ela lhe dava toda vez que a via.
Naquele exato minuto, ela o queria. E caso ele precisasse de mais provas disso, Gia lhe deu. Em alto grau.
No instante que seus lábios tocaram os dela, Luca sentiu uma resposta poderosa de Gia. Ela parecia suspirar contra seus lábios, o corpo se aconchegando, a boca se abrindo, não apenas para lhe dar acesso, mas também para que pudesse explorar o interior da dele.
Jamais tendo esperado tal resposta, Luca envolveu sua cintura. Esperava que ela protestasse, ou talvez que o beijasse suavemente, depois se afastasse. Portanto, estava despreparado para sua própria reação à resposta aberta e ardente de Gia. Para a onda avassaladora de desejo. A necessidade de fazer com ela tudo que tinha desejado desde o primeiro momento em que a revira depois de tanto tempo.
Não importava que tivesse sido no funeral do pai e do irmão dela.
Luca levou as mãos que estavam na cintura de Gia para seus seios magníficos. Então pressionou o corpo contra os dela, informando-a de sua excitação. E ela pressionou o seu, informando-o de que não apenas entendia, mas que sentia a mesma coisa.
Ele segurou-lhe os quadris e ergueu-a para cima do balcão. Instantaneamente, Gia o puxou para entre suas pernas, prendendo-o com os tornozelos, enquanto o beijo se tornava mais profundo e urgente.
Nossa, como ele tinha sentido falta daquela mulher. Tivera relacionamentos temporários durante aqueles anos, mas nada se comparara ao que uma vez sentira com Gia. O que estava sentindo novamente agora. Era como se, de alguma maneira, ela fizesse parte de seu corpo, deixando-o enlouquecido de desejo.
Os dedos delicados estavam tirando sua gravata e abrindo-lhe os botões. Suas mãos deslizaram para dentro da camisa, com um toque ousado enquanto pressionava a palma de suas mãos contra os mamilos dele.
Luca gemeu e começou a tirar-lhe a blusa, as bocas de ambos mal se separando antes de se encontrarem novamente num beijo apaixonado. No instante em que a blusa caiu no chão, ele se concentrou na calça de Gia, enquanto as mãos dela lutavam contra seu cinto.
Em alguns minutos, estavam completamente nus, os mamilos rijos de Gia roçando contra o peito dele, as mãos de Luca acariciando-lhe as costas. Ele segurou-lhe as nádegas e a puxou para onde sua excitação pulsava. Queria prová-la inteira. Queria sentir seu gosto com a língua. Sentir a volúpia dos seios em suas mãos. Explorar todas as áreas que vinha desejando explorar.
Mas o desejo avassalador o impediu de trilhar um caminho vagaroso. Ele ergueu-lhe os quadris e tocou-lhe o centro de sua feminilidade, a fim de sentir se ela estava pronta.
Gia gemeu e tirou os braços do pescoço dele, de modo que pudesse se apoiar contra o balcão e arquear os quadris para forçar um encontro mais profundo.
Luca cerrou os dentes e a preencheu, tendo a estranha sensação de que estava acontecendo o contrário, de que era ela quem o preenchia. Com luxúria. Com desespero. Com uma urgência que somente ele poderia satisfazer.
Gia arqueou as costas para trás, permitindo-lhe uma visão livre de seu corpo magnífico, enquanto ele saía vagarosamente de dentro dela, apenas para possuí-la com maior profundidade. Os seios de Gia balançavam, o estômago tremia, excitando-o ainda mais. Luca não estava pensando no que precisava fazer, ou sobre a vida dupla que vinha levando. Simplesmente perdeu-se no momento. Nas sensações, no aroma maravilhoso de Gia.
Levou uma das mãos a um dos seios dela, provocando-a com o polegar. Então, abaixou-se para tomar o mamilo na boca, mesmo enquanto continuava investindo contra o corpo sensual. Gia entrelaçou uma das mãos nos cabelos dele, e puxou-o levemente, num movimento para encorajá-lo.
Ele voltou a atenção para o outro seio, lambendo-o mordiscando-o até que a sentiu tremer.
Então se afastou, retirando-se completamente.
Gia abriu os olhos escuros e gemeu em protesto. Ele sorria, persuadindo-a a se deitar, enquanto se inclinava sobre o estômago dela, fazendo um caminho com a língua desde a curva dos seios até seu ponto mais íntimo voltando aos seios, deixando-a se perguntar para onde ele estava se dirigindo, embora Luca não precisasse consultar um mapa para saber exatamente onde queria ir.
Ele deslizou a língua para seu centro íntimo. Observou quando ela fechou os olhos e arqueou o pescoço para trás, como se fosse incapaz de agüentar mais um minuto de provocações. As pernas delgadas se abriram, oferecendo-lhe uma beleza doce.
Luca continuou provocando-a, usando a língua para encontrar seu ponto mais erótico, explorando-o gentilmente, de maneira insistente.
Gia gritou, atingindo o clímax imediatamente. Com uma das mãos sobre o estômago dela, Luca a segurou deitada contra o balcão, saboreando o tremor do corpo em êxtase.
Independentemente do quanto queria atingir seu próprio prazer, ele se conteve, voltando a atenção para o prazer dela, mordiscando sua pele sensível, obtendo um gemido surpreso de Gia antes de rodear o local com a língua e provocá-la ainda mais.
A respiração acelerada dela anunciou um clímax iminente. Mas em vez de terminar o que estava fazendo, Luca ergueu-se e a puxou para a beirada do balcão, envolvendo-lhe as pernas nos seus quadris e possui-a imediatamente.
— Sim, Luca... por favor, não pare. Não pare nunca mais.
Ele aumentou o ritmo dos movimentos, penetrando-a ainda mais profundamente. O suor cobria suas sobrancelhas enquanto observava-lhe as mãos tateando o balcão a procura de alguma coisa na qual pudesse se apoiar para recuperar um pouco do controle. Mas não havia nada. E era assim que Luca queria. Porque, toda vez que estava perto de Gia, perdia o controle, esquecendo-se de seus objetivos, ou do que estivera pensando um momento antes de vê-la.
E, Deus, queria... precisava que ela sentisse a mesma coisa. Mesmo que somente durante aquele momento.
Gia gritou, anunciando o êxtase.
Luca investiu contra ela mais duas vezes, então saiu de seu interior, liberando, então, seu próprio prazer fora de Gia.
Gia deitou-se sobre o balcão frio, sentindo-se estranhamente exposta além de sua própria nudez, o útero se contraindo, á respiração descontrolada. Entretanto, apesar de todos os sinais de satisfação física, sentia-se desolada. Decepcionada.
Era uma sensação que não experimentava havia muito, muito tempo. Na verdade, desde a última vez que tivera relações com Luca.
A percepção foi chocante.
E não menos humilhante.
— Bem — disse ela, quando Luca afastou-se e começou a vestir a calça. — Parece que algumas coisas nunca mudam.
Havia esquecido que ele gostava de sair de seu interior segundos antes de atingir o clímax. Gia tomava pílulas anticoncepcionais na época, e lhe avisara disso, mas Luca ainda preferia derramar sua semente fora dela.
E isso a tinha feito se sentir traída e magoada.
E não se sentia diferente agora. Especialmente porque este método não era totalmente seguro.
Luca a olhou, como se não compreendesse o sarcasmo por trás de suas palavras.
Gia não se importava se ele entendia ou não. Saindo do balcão, pegou as roupas, vestindo primeiro a blusa de gola olímpica, porque cobriria logo uma boa parte de seu corpo.
Seu lado racional dizia que o fato de ele não ter atingido o clímax em seu interior era uma coisa boa. Pois agora ela não estava tomando pílulas, e nem mesmo considerara o risco de gravidez quando as coisas haviam começado a esquentar entre eles.
Mas seu coração não sentia dessa forma.
Pois sabia que a última coisa que Luca queria era que ela engravidasse de um filho dele.
Luca acabou de se vestir e foi para a geladeira.
— Que tal se eu fizer alguns ovos para nós? Gia vestiu a calça e colocou os sapatos.
— Que tal você fazer a gentileza de ir embora?
Ele virou-se para encará-la, como se não tivesse consciência de que a porta da geladeira ainda estava aberta. Ela esforçou-se para fechar o botão da calça.
— Não me olhe assim.
— Assim como?
— Como se não tivesse idéia do que acabou de acontecer.
Ele olhou para a porta do refrigerador e fechou-a antes de se aproximar de Gia. Ela ergueu uma das mãos para detê-lo.
— Nem mesmo pense nisso. Já fui tola o bastante por uma noite.
Por uma vida inteira, parecia, no que dizia respeito a Luca Paretti.
Diversas emoções a percorriam. Sentimentos com os quais não sabia o que fazer. Tristeza, medo... a sensação de ressuscitar um amor perdido há muito tempo.
O conhecimento de que, naquela noite, havia tentado agarrar aquele mesmo amor e redescobrir a sensação de amar Luca e ser amada por ele fez o estômago de Gia se revirar.
— Gia...
— Não, por favor. Não faça isso — sussurrou ela, subitamente percebendo que suas faces estavam úmidas.
Então pegou os papéis de cima do balcão e deixou a cozinha... e Luca... para trás.
— Eu recomendaria uma ação imediata, Gia. Quanto antes, melhor.
Gia estava sentada do lado oposto de seu tio Vito, no sofá do escritório de seu pai, o sol da manhã entrando pelas janelas francesas, a alegria do mesmo contrastando com o que ele acabara de lhe falar.
Ela o olhou com mais intensidade. Desde que tudo acontecera com Luca, duas noites atrás, estava com problemas para se concentrar em qualquer coisa além de em que lugar da casa ele poderia estar, e o que estaria fazendo. Uma parte de si queria procurá-lo e mandá-lo embora.
Uma outra parte mais traiçoeira queria estar com ele novamente e forçá-lo a liberar o prazer dentro de seu corpo, esquecendo as conseqüências.
E agora, Vito estava lhe dizendo que havia algumas decisões arriscadas a tomar, e que ela precisava tomá-las.
— Como está Lorenzo? — perguntou ele quando Gia não respondeu.
Ela ficou tensa. Ele sabia como Lorenzo estava. As enfermeiras haviam lhe contado que Vito subia para visitá-lo duas vezes por dia. Embora tivesse sido reportado que ele estava respondendo mais ao novo ambiente — ela o colocara no quarto ensolarado da mãe deles, que ainda estava decorado de cor-de-rosa e branco — não era uma resposta feliz. Ele queria voltar para seu próprio quarto.
Todavia, uma vez que ainda não tinha começado a fisioterapia, o dano na coluna garantia que Lorenzo não poderia fazer a mudança sozinho.
E Gia se recusava a mudá-lo de novo.
Ora, se tivesse de forçá-lo a acordar, assim seria. Nenhum dos dois gostava daquilo, mas ela acreditava piamente que era para o bem de seu irmão. Recusava-se a continuar vendo-o se destruir. Além do fato de que ele se recusara a fazer fisioterapia, arriscando a ter que se submeter a mais cirurgias se os músculos atrofiassem, tinha perdido muito peso, quase não consumia nada, exceto as drogas que o médico prescrevia juntamente com a água necessária para engoli-las.
Gia havia marcado uma hora com o médico naquela tarde, para discutir os medicamentos de seu irmão. Seu próximo passo seria eliminar todos os remédios. Naquela altura, sabia que Lorenzo estava viciado, e temia que ele continuasse dependendo das drogas para fugir da realidade que precisava enfrentar.
— Tenho algumas idéias que espero que sejam capazes de fazê-lo reagir — disse ela cuidadosamente.
Gia descobriu que não gostava de discutir a condição do irmão com ninguém, exceto com o médico e as enfermeiras. Queria protegê-lo enquanto pensava no que faria. Ele era a única família que lhe restava.
— Ouça, Vito, faça o que achar melhor em relação a Joey e Gino Guarino. Confio em suas táticas.
— Ótimo. Marquei uma hora para você encontrá-los esta manhã.
Luca passou a mão pelos cabelos e voltou a atenção para a porta fechada do escritório de Gia. Vito tinha entrado lá havia pouco tempo, e estava conversando com ela.
Ele não tinha idéia de por que Gia havia esfriado tanto depois do encontro deles na cozinha. Passara a noite acordado pensando sobre aquilo. Gia tivera prazer, disso estava certo.
Então, por que a frieza total logo depois do ato? Arrependimento da manhã seguinte?
Não. Aparentemente, algo que ele dissera ou fizera havia sido responsável pela mudança de atitude dela. Porém, que Deus o ajudasse, não conseguia entender o que era.
Ou por que aquilo o perturbava tanto.
Mentalmente considerando a lista de itens que queria discutir com Gia e Vito naquela manhã, foi para a cozinha, cumprimentou a cozinheira e se serviu de uma xícara de café no balcão. O mesmo balcão no qual Gia estivera maravilhosamente deitada duas noites atrás.
Luca suspirou. Suas intenções naquela noite não tinham sido apenas satisfazer uma necessidade física. Claro, conseguira isso, mas também esperara que Gia baixasse a guarda e se abrisse para ele emocionalmente.
Ele fez uma careta, reconhecendo a tendência egocêntrica de seus pensamentos. Por acaso era algum tipo de deus do sexo que transformava mulheres mortais em escravas eternas depois de uma noite juntos?
O que o fizera pensar que sexo... conquanto maravilhoso e avassalador... mudaria alguma coisa?
Na verdade, o breve momento de paixão ainda havia piorado tudo.
— Ah, bom dia, sr. Paretti. Eu não o vi aí.
Luca tirou os olhos de uma notificação que fora entregue uma hora atrás e os ergueu para Frankie. Sorriu para o garoto, que, de muitas maneiras, o lembrava de seu irmão, Ângelo. Quase dolorosamente. Além do físico magro similar, o garoto possuía o mesmo desejo obsessivo de fazer parte da organização.
Uma obsessão que fora mortal no caso de Ângelo.
— Como vai, Frankie?
— Tudo ótimo. Luca assentiu.
— Parece que a srta. Gia gostou de você.
— Sim. — O menino de 18 anos sorriu. — Não dá para entender.
Luca riu suavemente, lembrando a si mesmo de que, só porque as coisas tinham acabado mal para Ângelo, não significava que Frankie estava condenado ao mesmo destino. Sobretudo porque ele tinha pulado alguns passos, e estava trabalhando diretamente para Gia agora. Alguém pensaria que quanto mais perto dela estivesse, mais perigosa a situação. Mas não com Luca envolvido. No momento, o único lugar seguro na propriedade era perto de Gia.
— O que está programado para hoje?
— Não sei ainda. Estou esperando para entrar no escritório. Mas acho que a srta. Gia vai me mandar à cidade para pegar algum tipo de livro de design da Bona Pea. O sócio dela está ligando a cada cinco minutos.
Luca tinha quase esquecido sobre o negócio de moda de Gia. Natural, uma vez que ela vinha se concentrando mais nos negócios da família do que no seu próprio. Mas ele vira um ou dois esboços misturados com a papelada oficial, ou rabiscados nas margens de cópias de documentos. Portanto, aparentemente Gia ainda pensava em sua companhia de design.
A idéia de que uma hora ela partiria de Long Island para sempre e retornaria à sua vida normal em Manhattan o fazia se sentir vazio.
Mas diziam que uma vez na máfia, sempre na máfia. Seria possível que Gia abandonasse Long Island e a família Venuto para sempre?
E quanto a ele? O que aconteceria quando alcançasse seus próprios objetivos clandestinos? Considerando que seria impossível ocultar sua identidade quando aqueles a quem vigiara em nome do FBI fossem levados ao tribunal, Luca nunca mais seria livre para vagar pelas ruas de Nova York. Incluindo Manhattan, para onde Gia talvez retornasse.
Ele consultou seu relógio. Vito já estava no escritório de Gia havia um bom tempo. Frankie estava ansioso para saber sobre suas tarefas do dia. E se o garoto ainda não tinha falado com Gia, significava que ninguém além de Vito o fizera.
— Bem, vou cumprir algumas tarefas antes de falar com a sita. Gia. Tenha um bom dia, sr. Paretti — disse Frankie acenando.
Luca observou o garoto deixando a cozinha, o corpo magro e o andar relaxado. Uma onda de dor o assolou. A semelhança com Ângelo era tão grande que, por um momento, foi difícil respirar.
Ele ouviu vozes no corredor. Levantando-se, foi para aquela direção, chegando ao salão bem a tempo de ver Gia beijar o rosto de Vito antes que o homem mais velho se virasse na direção oposta e partisse.
Gia percebeu o olhar de Luca e parou, parecendo incerta sobre como reagir. Então, desviou os olhos e voltou ao escritório, fechando a porta.
Luca olhou ao redor para se certificar de que não havia ninguém por ali querendo a atenção imediata dela, e então se aproximou da porta fechada. Bateu uma vez e entrou.
Gia soubera que Luca a seguiria. E, admitiu com relutância, esperara que ele o fizesse. Virou-se para olhá-lo.
— Bom dia — disse Luca após fechar a porta.
— O que há de bom hoje?
Gia circulou a mesa do pai e se sentou.
— Vito tinha más notícias? Ela suspirou.
— Vou encontrar os irmãos Guarino esta manhã. As sobrancelhas de Luca se arquearam.
— Pensei que Vito estivesse lidando com tudo isso.
— Eu também.
Gia estava surpresa de poder discutir assuntos de natureza profissional com ele quando, pessoalmente, não sabia se deveria se permitir amá-lo ou agarrar-se à indiferença que havia cultivado ao longo dos anos.
— Parece que Joey e Gino insistem em falar comigo — disse ela. — E Vito não achou que era uma boa idéia recusar o encontro.
Luca assentiu enquanto se sentava na cadeira à sua frente.
— Você sabe o que vai dizer a eles?
— Oh, não sei... Eu estava pensando em algo na linha: "Ou vocês pagam ou vou mandar alguém quebrar seus joelhos."
Lucas riu, e Gia pegou-se sorrindo, apesar do aperto que sentia no coração toda vez que pensava no que tinha acontecido na cozinha.
— Estou brincando. É melhor eu agir de acordo com a situação, sem fazer ameaças físicas. — Ela manuseou o abridor de cartas que usara mais cedo antes de guardá-lo na gaveta. — Eu esperava evitar tais confrontos durante meu breve mandato como chefe da família.
— Mas você encontrou Tamburo e os outros chefes de família rivais. Não os evitou.
— Mas isso foi diferente. Para eles, ainda sou a garotinha do papai. Praticamente só ofereceram as condolências e falaram sobre quem iria cuidar dos interesses de papai. Eu lhes agradeci pela preocupação e disse que ia pensar.
Gia mordiscou o lábio, relutante em compartilhar a emoção verdadeira que tinha visto nos rostos dos outros. Especialmente no de Tamburo. Quando ela finalmente adormecera na noite anterior, sonhara que estava sendo coberta com cimento molhado. Cimento usado para fazer a calçada de um dos projetos de construção da família Venuto, em Long Island. Um prédio de apartamentos moderno de frente para o East River, com uma vista notável de Manhattan ao oeste.
É claro, se seu sonho se transformasse em realidade, ela não seria capaz de apreciar a vista. Estaria morta.
Também sabia que as respostas femininas recatadas que havia dado a Tamburo e aos outros chefes apenas lhe comprariam uma quantidade limitada de tempo. Logo eles começariam a fazer movimentos mais ousados para garantir o controle da organização Venuto. Distraída, Gia tocou o ferimento no pescoço. Se é que já não tinham feito.
Contudo, enquanto tivesse poder, pretendia usá-lo para descobrir os assassinos de seu pai.
E rezaria para que Lorenzo se recuperasse e assumisse, antes que ela se encrencasse ainda mais do que já estava encrencada.
— Você gostaria que eu estivesse presente no seu encontro com os irmãos Guarino? — ofereceu Luca.
Gia piscou. Alguns dias atrás, ele teria formulado a questão de maneira diferente. Como talvez: "Eu quero estar presente durante o encontro." Ao que ela teria recusado de imediato.
Porém, o pedido tranqüilo a fez considerar melhor.
— Sim, eu gostaria. Obrigada.
Ela encontrou seus olhos, vendo alguma coisa ali que a fez lembrar das melhores partes da noite na cozinha. O coração se comprimiu no peito.
Houve uma batida à porta, e Frankie entrou, sem fôlego e sorrindo.
— Bom dia, srta. Gia — cumprimentou de maneira exuberante.
Gia sorriu-lhe, o entusiasmo do garoto alegrando-a.
— Bom dia, Frankie. Como vai? Ele desviou os olhos para Luca.
— Devo voltar depois?
Gia se levantou e rodeou a mesa, encostando-se contra a extremidade com os braços cruzados sobre o peito.
— Não, tudo bem. Luca já estava de saída.
Ele também se levantou, e a proximidade fez Gia sentir o aroma cítrico da loção pós-barba. Isso a fez enlouquecer de vontade de beijá-lo.
— Vejo você às 10 horas para a reunião — murmurou ela.
Luca assentiu, foi para a porta e pressionou brevemente o ombro de Frankie.
— Não trabalhe muito duro, rapaz. E tente ficar longe de problemas.
— Farei isso, sr. Paretti.
A afeição quase paterna que Luca demonstrou fez o coração de Gia doer ainda mais enquanto o observava fechar a porta.
Gia não podia se lembrar de ter se sentido tão desconfortável. Joey e Gino não eram apenas rudes, mas completamente antagônicos. Ela não tinha se preparado pára aquilo.
Mesmo sabendo que eles se recusavam a pagar o débito que tinham com o pai dela, Gia esperara que eles se desculpassem, justificando por que não estavam Pagando.
Em vez disso, Joey a encarou do outro lado da mesa e anunciou:
— Nós não vamos pagar.
Era um desafio. Gia sabia disso. Um desafio para ela como chefe temporária da família.
Um desafio à integridade da organização.
— Não queremos desrespeitar, Gia — disse Gino, dando de ombros. — Mas não entendemos como devemos a seu pai, se ele já está morto.
Aquela era a primeira vez em que encontrava alguém que conseguia desrespeitar a ela e a seu pai na mesma frase.
Gia olhou para os homens à sua frente. Gino e Joey tinham estado presentes em jantares familiares, batismos, festas de aniversário e churrascos desde que ela podia se lembrar. E costumavam ter a mesma aparência de agora, um pouco acima do peso, as feições flácidas e gordas, os ternos de lojas de segunda-mão, e provavelmente usados nos últimos trinta anos.
Quando ela os recebera em sua casa um pouco antes, os beijara no rosto e os chamara de tios.
Não mais.
— Não querem desrespeitar? — perguntou Vito, incrédulo. Ele tinha surpreendido Gia quando aparecera na última hora para participar da reunião. — E como chamamos o que você acabou de dizer?
Luca afrouxou a gravata.
— Vito tem razão, Gino. Recusando-se a pagar o débito considerável, vocês estão desrespeitando tanto a srta. Gia quanto toda a família Venuto.
Gia acrescentou:
— Este é o dinheiro que vocês pediram emprestado à família. É dinheiro que devem. É simples assim. Paguem.
— Não existe mais família Venuto. Ela morreu com seu pai e seu irmão.
— Não enquanto eu estiver vivo — declarou Vito quase saindo da cadeira.
Gia e Luca seguraram o homem mais velho antes que ele pudesse pôr as mãos no pescoço de Gino.
Gino e Joey se levantaram, pegaram seus chapéus e começaram a ir para a porta.
— Sim — disse Gia. — Talvez seja melhor vocês irem embora agora. Pensem no que disseram. Reconsiderem sua posição.
Ela liberou Vito quando teve certeza de que Luca o tinha sob controle. Então rodeou a mesa e parou diante dos dois homens.
Joey pôs seu chapéu, e a encarou com fúria. Gino pareceu um pouco mais encabulado, segurando o chapéu contra o peito.
— Saiba que eu tinha muito respeito por seu pai, Gia...
— É srta. Gia para você — exclamou Vito. Joey olhou para ele e voltou-se para Gia.
— Lamento, mas dizem que a família Venuto não existe mais. E Gino e eu... bem, temos de cuidar de nossos interesses, se entende o que quero dizer.
Gia o encarou por um longo momento e sorriu.
— Eu entendo, Joe. Eu entendo.
Ela o segurou pelo braço e o levou para a porta. Gino os seguiu. Beijou o rosto dos dois.
— Obrigada por ter deixado sua posição clara.
Os dois homens se entreolharam, então saíram para o corredor, com expressões de triunfo visíveis em seus rostos.
Gia fechou a porta, esperou um momento, e olhou para Vito.
— Incendeie o restaurante deles.
Muito mais tarde naquela noite, Luca fechou a porta do apartamento seguro do Queens, os acontecimentos complicados do dia perturbando sua mente cansada. Tivera de esperar para deixar a propriedade até que Gia estivesse acomodada para a noite, mas precisara sair de lá antes que algum dano permanente fosse feito no restaurante dos irmãos Guarino.
Mas então, não havia muito que pudesse fazer. Sabia que o FBI não se interessava por peixes pequenos. Ele queria os grandes. Queria derrubar as organizações mafiosas de Nova York como um todo, independentemente do quão difícil fosse alcançar tal objetivo.
E durante o último ano, quando Luca descobrira alguns crimes pequenos que estavam prestes a acontecer e os revelara ao FBI, tinha sido instruído a deixar tais crimes acontecerem, para que eles pudessem ir até o fim e ver até onde os criminosos chegariam. Isso fazia Lucas questionar se estava causando algum impacto contra as organizações criminosas. Se o FBI podia aceitar a violência para conseguir o que queria, qual era a vantagem?
E claro que Luca finalmente compreendera que sua satisfação aconteceria no final. Que, embora suas ações não tivessem impedido muitos incidentes no último ano, terminariam com quaisquer episódios futuros.
Todavia, às vezes ainda ponderava se esse seria realmente o caso. Porque parecia que para cada criminoso que conseguiam pegar, mais cinco apareciam para tomar seu lugar.
O pensamento lhe trouxe a lembrança do rosto lindamente determinado de Gia.
Incendeie o restaurante deles.
O restaurante, é claro, se referia à cantina italiana de Joey e Gino no Brooklyn. E, num piscar de olhos, Gia tinha passado de uma talentosa estilista a uma chefe cruel da máfia.
Não importava realmente que ela tivesse amenizado a ordem, pedindo que apenas um pequeno fogo fosse colocado na cozinha... um que causasse danos apenas o bastante para passar sua mensagem. O fato de que Gia já estava usando a violência para resolver os problemas da organização indicava que ele teria que trabalhar duro para protegê-la. Não apenas das organizações criminosas rivais, mas do FBI e de si mesmo.
O papel que ela poderia ou não ter desempenhado na morte de Cláudio Lancione talvez fosse considerado um crime passional.
Mas agora estava se envolvendo numa conduta criminosa deliberada.
Um dos psicólogos criminais de Quantico tinha talado com sua classe de recrutas sobre a linha tênue entre o certo e o errado, e o quanto era fácil justificar mentalmente quando essa linha era cruzada.
— Se sua família está passando fome e você vê uma caçarola esfriando mo peitoril da janela de uma casa pode se sentir justificado em pegar o prato. Mas e soubesse que a família de quem roubou não fazia um refeição decente por mais de uma semana também, e haviam acabado de conseguir o dinheiro para os ingredientes necessários da caçarola? — O psicólogo erguera um dedo. — Um detalhe mínimo muda tudo. E são esses detalhes que vocês terão de considerar em seus papéis como agentes, porque são eles que fazem toda a diferença.
O celular tocou.
Luca atendeu no segundo toque.
— O que o atrasou? — perguntou seu chefe.
— Muita atividade na casa.
— Você tem isso gravado?
— Sim.
— Leve a gravação para o lugar usual.
Após combinar um horário para a próxima troca deles, a ligação foi desconectada. Luca nem mesmo teve chance de considerar se devia ter mencionado a ordem para incendiar a cantina dos Guarino.
Levantando-se, vestiu sua jaqueta de náilon e pegou a caixa com as fitas... fitas que não incluíam Gia ou suas ordens... sentindo-se um pouco como o homem que roubara a caçarola do peitoril da janela.
Gia estava sentada ao lado da cama de Lorenzo no quarto antigo de sua mãe, uma única lâmpada lançando uma luz suave na área do tapete branco, tricotado em formato de botões de rosa. Quando sua mãe ainda era viva, Gia costumava gostar de ir lá e assistir-lhe se aprontar para uma noite fora com seu pai. Deitava-se bruços na cama, apoiava o queixo nas mãos e admirava sua mãe, que era tão linda por fora quanto por dentro.
Mas era a memória das palavras de seu pai que a perseguia.
— Não confie em ninguém, Lorenzo. Em ninguém. Mesmo a família irá traí-lo sob certas circunstâncias.
Gia olhou do tapete para o rosto adormecido de seu irmão. Recordava-se da cena tão claramente quanto se tivesse acontecido ontem, em vez de quase vinte anos atrás. Sua mãe tinha acabado de fazer o jantar e pedido a Gia que chamasse o pai e os irmãos para a mesa. É claro, chamar significava ir buscá-los, não apenas gritar para que viessem.
Mas quando ela tinha encontrado a porta do escritório de seu pai aberta, e ouvido a voz dele, em vez de entrar, ficara parada ali, espiando pela fresta.
Giovanni Trainello estava em pé, falando com Lorenzo, que na época tinha 12 anos, uma das mãos sobre o ombro magro do filho enquanto balançava o indicador entre os dois.
— Está me ouvindo? Não confie em ninguém.
— Certo, pai. Não vou confiar.
— Você só pode confiar em si mesmo neste mundo. O resto... bem, o resto poderá surpreendê-lo a cada mudança nas circunstâncias.
Lorenzo sempre fora ansioso para agradar o pai. Indo quando era chamado. Aceitando responsabilidades adultas, como fazia naquela noite.
As palavras contrastavam muito com o que Gia estava acostumada a ouvir, e, apesar de não ter realmente compreendido a importância delas, permaneceram em sua mente para sempre. Mesmo que apenas por causa do tom sério que seu pai usara, quando normalmente era um homem jovial e feliz. Pelo menos no que dizia respeito à esposa e aos três filhos.
Agora Gia se perguntava se ele já tivera uma reunião parecida com a que ela vivenciara hoje. E ponderou se aquele era o motivo pelo qual estava lembrando da troca de palavras entre pai e filho tanto tempo atrás.
Ela olhou para seu relógio, sentindo uma ponta de arrependimento por ter sido obrigada a dar a ordem do incêndio. Os irmãos Guarino haviam trabalhado arduamente para construir seu restaurante num lugar em que todos da família eram bem-vindos. Tinham aberto a cantina no Brooklyn quarenta anos atrás. Era triste ordenar que parte do restaurante fosse destruída, mesmo que só uma pequena parte.
Mas a única alternativa era ameaçar Joey e Gino fisicamente. E considerando que ambos estavam com mais de 60 anos, ela não considerava isso uma boa idéia. Seu código moral não lhe permitiria fazer algo dessa natureza.
Porém, a ameaça velada de que eles perderiam o restaurante provavelmente machucaria mais os irmãos do que uma perna fraturada.
Ela fechou o bloco de desenho que abrira sobre o colo e se levantou, alongando os músculos do pescoço antes de beijar Lorenzo no rosto e apagar a luz.
Então foi para o corredor, virou em direção ao seu quarto e terminou por colidir com Luca.
Ora! Luca tinha feito tudo que estava em seu poder Para não encontrar ninguém no momento em que estava entrando em casa de novo. Principalmente para não encontrar Gia.
— Oh! — exclamou ela, visivelmente surpresa em, vê-lo ali.
Ele segurou seus braços antes que ela tropeçasse ou derrubasse o livro que segurava.
— Eu já ia me recolher — disse Luca.
Gia piscou, as belas feições sombreadas.
— Eu estava sentada com Lorenzo antes de ir para meu quarto.
Ele olhou em direção à porta fechada.
— Alguma mudança?
Gia meneou a cabeça.
Luca ainda não conseguira ter uma conversa significativa com o irmão Trainello mais velho. Ninguém tivera desde o incidente. Nem mesmo os detetives do departamento de polícia de Nova York queriam falar com ele, de modo que pudessem entender melhor o que tinha acontecido naquela noite. Sendo o único sobrevivente, Lorenzo era o único que podia lhes dar alguma pista.
Ele estudou Gia mais atentamente. É claro, ela possuía outras razões para querer que o irmão se recuperasse.
— Você saiu? — perguntou ela. — Está cheirando a ar fresco.
Lucas fez uma careta.
— Sim. Fui lá fora para fumar* um cigarro.
Não gostava de mentir para ela. Particularmente porque Gia era uma das poucas pessoas para quem ele nunca fora muito bom em mentir.
Sem contar as circunstâncias atuais.
Apesar de suspeitar que teria lhe contado a verdade, se ela lhe perguntasse diretamente se ele estava trabalhando como agente do FBI.
— Não sinto cheiro de cigarro.
Ele sorriu, apesar de se criticar interiormente pelo erro estúpido. Não podia levantar nenhuma suspeita agora. Não quando temia que as coisas estivessem prestes a se tornar muito perigosas, em breve.
— Decidi não fumar quando cheguei lá fora — disse ele. Então tirou um maço de cigarros do bolso. — Quer um?
Ela riu baixinho.
— Você não sabe o quanto essa idéia parece boa no momento.
Ele guardou o maço.
— Noite difícil?
— Mês difícil. — Gia suspirou e abraçou o livro que segurava contra o peito.
Luca assentiu.
— Não deve ter sido fácil dar aquela ordem esta manhã.
— Não, não foi. O restaurante é a vida dos irmãos Guarino.
— Eu sei. Mas a ordem tinha de ser dada.
— Suponho que sim. É só que...
Luca esperou, aproveitando a oportunidade para apreciar o belo rosto. Desejando desesperadamente que ainda não a tivesse perdido.
— Eu gostaria que as coisas tivessem sido resolvidas de modo diferente.
— Sim. Eu também.
Ele descobriu que a estava tocando, sua mão sobre o braço dela. Acariciou-a sobre o tecido de seda da blusa. Então, retirou a mão.
— Ouça, Gia, sobre a outra noite... Se eu falei ou fiz alguma coisa para aborrecê-la, me desculpe.
Gia não olhava para ele. Luca desejou que ela lhe dissesse o que ele tinha feito. Ou falado.
Mas ela permaneceu silenciosa. Talvez estivesse pensando no que acontecera.
— Sabe — murmurou Gia finalmente —, houve uma época em que eu pensava que o sol aparecia e ia embora com você. Que eu seria incapaz de respirar sem sentir o seu aroma. Não podia me imaginar vivendo sem você ao meu lado. — Sua cabeça estava baixa enquanto dizia essas palavras. Mas depois ela olhou para cima, a umidade nos olhos tornando-os luminosos. — Não posso fazer isso de novo, Luca. Não posso.
Ela meneou a cabeça como se estivesse tentando controlar as emoções.
— Vejo você e fico dividida entre querer correr para a direção oposta e abraçá-lo com força, de modo que você não possa fugir de novo. — Gia riu suavemente. — Quando se trata de você, só existem extremos. Dentro ou fora. Não há uma zona neutra. Nenhum meio termo. E, francamente, isso me apavora.
Luca colocou seus cabelos atrás da orelha e puxou-a para mais perto, aninhando-a em seu peito.
— Eu sei. Acredite em mim, eu sei.
Uma sensação de impotência ameaçou dominá-lo, mas o clamor interno por controle foi tão poderoso que quase o derrubou.
Ou a própria Gia era responsável por aquilo?
— Você não poderia saber — sussurrou ela, colocando uma das mãos sobre o peito dele, mas sem fazer força para se afastar.
Luca inclinou-se e segurou-lhe o queixo com a mão livre.
— Sim, posso — murmurou, o olhar rosto bonito de Gia. — Eu sei, porque sinto a mesma coisa percorrendo meu corpo.
O tempo e a distância deveriam ter apagado a memória dos toques gentis de Luca e das palavras faladas suavemente na noite anterior, mas Gia olhou pela janela da sala de conferência dos escritórios da Bona Dea em Manhattan, sem realmente ver a cidade, e imaginou que podia sentir o calor do toque dele mesmo agora. Como se, de alguma maneira, o contato oferecido a tivesse marcado mais profundamente do que qualquer toque feito no auge da paixão.
Virou-se de volta para a mesa de conferência, onde Bryan e o resto da equipe discutiam os detalhes finais do desfile da coleção de primavera da companhia. Havia um debate animado sobre qual dos trajes seria o grande destaque no desfile.
Mas, de alguma forma, o que uma vez tinha sido a realidade de sua vida agora parecia muito distante. Sentia mais como se estivesse sonhando com a cena diante de si do que a vivenciando.
— Gia? — chamou Bryan.
Ela percebeu que todos estavam em silêncio agora, e que provavelmente uma pergunta lhe fora dirigida. E ela não escutara. Meneando a cabeça de leve, sorriu.
— Desculpem-me, eu estava pensando que não gosto muito dessa cor. Lembra muito o começo dos anos 90.
Gia atravessou a sala e se aproximou das três modelos ali em pé, ajustando o cinto da capa de chuva que uma delas usava sobre o vestido.
As pessoas ao redor da mesa começaram a protestar, exatamente como Gia previra.
Com toda honestidade, não se importava com a cor ou sua relação com um ano anterior da moda. Esperara apenas sair daquele estado de distração no qual se encontrava, e foi bem-sucedida.
Sua nova posição na sala permitiu-lhe uma visão do outro lado da parede de vidro que separava a sala de conferência do resto dos escritórios da Bona Dea. A visão do homem armado que a escoltara para dentro a fez tremer.
— Acho que está tudo resolvido por ora — disse Bryan, levantando-se.
Todos concordaram e, após alguns minutos, a sala estava vazia, exceto por Bryan e Gia. Ela virou-se para olhá-lo.
— Acho que fui tão útil aqui quanto sou em Long Island.
Bryan não disse nada. Apenas reuniu seus papéis sobre a mesa. Gia aproximou-se, tocando-lhe o braço.
— Sinto muito, Bry. De verdade. Eu... Quando decidi cuidar da propriedade de meu pai, nunca planejei ficar tanto tempo lá.
Ele a olhou diretamente.
— Não?
Gia não sabia o que dizer, então ficou calada. Bryan suspirou longamente.
— Desculpe-me. Mas imaginei que isso aconteceria quando você entrou nessa história. — Ele a olhou com uma expressão suplicante. — Preciso de você aqui, Gia. Esse é um período de sucesso ou fracasso para nós. E não posso fazer isso sozinho.
Ela ergueu a mão para tocar-lhe o rosto bonito.
— Preciso discordar. Pelo que posso ver, você está fazendo um trabalho maravilhoso sozinho.
— Isso é porque você não vê o que acontece nos bastidores. Rebeliões de estilistas, roupas perdidas, modelos doentes...
— Soa como um dia normal de trabalho. Ele riu.
— Sim, talvez você tenha razão. Mas quando nos tornamos sócios, concordamos que estávamos fazendo isso porque nenhum de nós poderia dirigir o negócio sozinho.
— Concordo. Mas isso foi cinco anos atrás.
— Que diferença faz?
— Uma diferença de cinco anos.
Bryan começou a guardar os esboços em sua pasta.
— Há algo que você esteja querendo me dizer, Gia? Havia?
Gia certamente não tinha ido lá naquela manhã com algum tipo de plano. Bryan pedira sua presença e ela. fora.
Mas agora percebia que a melhor coisa que podia fazer por Bryan e por si mesma era admitir que não tinha condições de lidar ao mesmo tempo com o trabalho da Bona Dea e o da organização Venuto sem colocar um dos dois em risco. E, embora sair da companhia que fundara com Bryan pudesse causar muita pressão sobre ele, não fazer isso também seria injusto.
Ele acabou o que estava fazendo e olhou-a novamente, esperando por uma resposta.
Gia meramente sorriu-lhe com tristeza.
Bryan a abraçou.
— Ah, querida, vou sentir muito a sua falta por aqui.
— Eu também — murmurou ela.
Ele assentiu e afastou-se do abraço.
— Acho que acredito em você.
— Por que não acreditaria? Bryan deu de ombros.
— Não sei. Parece que o título de Lady Boss lhe cai muito bem. — Ele olhou para a roupa dela, toda preta. — Eu não queria dizer isso, Gia, mas você mudou.
Ela engoliu em seco.
— Mas você ainda me ama, certo?
O sorriso dele foi automático e envolvente. . — Eu sempre a amarei, querida. Você é a minha melhor amiga.
Gia sorriu e o abraçou novamente, pensando em todas as lutas que eles haviam travado durante os últimos cinco anos, em todos os triunfos que tinham conquistado. Desde trabalhar num velho depósito cheio de mofo no centro da cidade até abrir a primeira loja na Quinta Avenida, haviam passado por muita coisa juntos.
Mas Gia tinha a triste sensação de que era ali que a estrada para os dois terminava, e agora deveriam continuar sozinhos.
Uma imagem de Luca passou-lhe pela mente e Gia apertou Bryan ainda mais. Se pelo menos pudesse pedir um conselho ao amigo sobre o homem misterioso que lhe invadira o coração mais uma vez...
Todavia, falar sobre isso apenas faria a coisa parecer ainda mais real.
Bryan pareceu ver alguma coisa por sobre o ombro dela.
— Deus, você não pode fazer com que esses sujeitos se vistam melhor? Eles parecem coveiros.
Gia olhou para a porta, onde um dos seguranças armados tinha se reunido com um outro. O primeiro abriu a porta sem bater.
— Srta. Gia, sua presença é requerida na propriedade. Ela olhou para Bryan, que sorriu e repetiu:
— Sua presença é requerida na propriedade.
— Assim parece. — Ela beijou-lhe o rosto e começou a sair. Então hesitou.
— Vá. Eu ficarei bem — Bryan a encorajou. — Vá logo antes que uma batalha aconteça e haja sangue para todo lado.
Gia certamente já estivera em táxis antes. Até mesmo alugava uma limusine de vez em quando para eventos de moda, mas não estava acostumada a ser levada por motoristas para qualquer lugar que quisesse ir. Não se sentia confortável sabendo que o chofer escutava cada palavra que ela falava ao celular e sabia exatamente aonde ia e por quê.
Entendia que aquilo era para sua própria segurança, mas a situação ainda a incomodava.
Entretanto, quando eles finalmente passaram pelo portão de entrada da casa de seu pai e encontraram três viaturas da polícia paradas em estranhos ângulos diante da casa, Gia quis perguntar ao motorista se ele era bom em fugas de carro, porque ela queria ir para qualquer lugar, exceto para casa.
— O que está acontecendo? — perguntou fio motorista.
— Desculpe-me, srta. Gia, mas eu não sei dizer.
Não sabe ou não dirá? Gia descobriu que não importava. Descobriria em breve.
O veículo parou e ela desceu pela porta de trás.
— Srta. Trainello, eu poderia lhe falar um minuto? -— um homem de terno perguntou ao se aproximar.
— E quem é o senhor?
— Detetive Sudowski.
— De que departamento?
— Homicídios.
O chão pareceu ceder sob os pés de Gia.
— A conselho de seu advogado, a srta. Trainello não tem nada a declarar.
Gia ouviu a voz de Luca antes de vê-lo. E nunca se sentira tão aliviada em sua vida simplesmente por ver alguém.
Ele circulou o detetive, dirigindo a ela um olhar que a alertava da gravidade da situação e oferecendo-lhe o braço. Então, começou a conduzi-la para as portas da frente da casa.
— Srta. Trainello — chamou um repórter que ela reconheceu do funeral. — O que tem a dizer sobre a morte de Joseph Guarino e sobre o incêndio suspeito que o matou?
— Ah, meu Deus — sussurrou ela.
Luca circulou-lhe a cintura para apoiá-la enquanto a conduzia em direção à casa.
Luca observou o caos ao seu redor. O escritório de Gia estava repleto de pessoas oferecendo opiniões diferentes sobre o que tinha acontecido. Os únicos em silêncio eram Gia e ele.
Gia estava sentada atrás da mesa, completamente pálida, esfregando a barriga como se temesse vomitar a qualquer momento.
— Muito bem, acho que é hora de todos partirem e deixarem a srta. Gia refletir sobre tudo que foi dito.
Ela o fitou, primeiro surpresa, depois com gratidão. Em seguida, se levantou.
— Saiam todos, exceto Vito.
O homem mais velho assentiu e voltou a se sentar.
Em instantes a sala esvaziou, restando apenas os três. Luca fechou a porta.
Gia rodeou a mesa e encostou-se contra ela, agarrando as extremidades como se a madeira fosse a única coisa que a mantivesse em pé.
— O que houve, Vito?
O homem mais velho deu de ombros.
— Não sei, Gia. Meus homens disseram que o lugar estava vazio antes de colocarem fogo. Joey deve ter entrado sem ser visto antes que eles terminassem o trabalho.
Luca se aproximou.
— O fogo deveria ser contido na cozinha.
— Jesus! — Gia suspirou com tristeza. — Como isso pode ter acontecido? Eu só queria dar um aviso a eles. Não queria matar ninguém.
Um silêncio se instalou. Vito pigarreou.
— Embora a morte de Joey certamente não tenha sido planejada, isso pode trazer bons resultados a longo prazo.
Gia e Luca o olharam.
Ele deu de ombros novamente.
— As outras pessoas que se recusaram a pagar o débito que tinham com seu pai pensarão duas vezes antes de se recusarem de novo.
— Estamos falando sobre a morte de um homem, Vito.
— Por pior que tenha sido, já tive notícias de Gino Guarino. Nossos homens foram buscar o valor total do débito com ele esta manhã.
Gia fechou os olhos, como se estivesse se concentrando em manter o equilíbrio. Luca deu um passo à frente.
— Como e por quê não é importante agora, Gia. O que importa é que metade da polícia de Nova York está parada à sua porta. Assim como muita gente da mídia.
Ela o olhou como se desejasse que ele fizesse tudo aquilo desaparecer. E por sua vida, Luca gostaria de ser capaz.
— O que acha que devo fazer? — perguntou ela.
— Sugiro que dê uma declaração à mídia. Dizendo que você e sua família estão de luto pela perda de um amigo íntimo e enviando suas condolências para a família dele.
Vito resmungou.
— Seu pai não teria feito uma coisa dessas.
— O que ele teria feito? — questionou Gia.
— Teria mandado seus homens expulsarem a mídia e se negado a falar com os policiais até que eles fossem embora.
Ela olhou para Luca. Ele fez uma careta.
— Pode funcionar.
Gia voltou para trás da mesa e tirou um bloco da gaveta do meio.
— Vou dar uma declaração e me oferecer para falar com a polícia.
Luca assentiu.
— O que você vai dizer? — Vito quis saber.
— Que pelo que sabemos, a morte de Joey foi um acidente terrível, e mais nada.
Naquela tarde, depois que Gia tinha falado com a mídia e com a polícia, Luca parou diante das janelas da frente, observando a entrada vazia, quando seu celular tocou. Ele o tirou do bolso, olhou por sobre o ombro e certificou-se de que ninguém podia ouvi-lo.
— Alô.
— Preciso falar com você. Assim que possível — disse seu chefe do FBI.
Luca desligou e guardou o celular de novo.
Ora! Não queria deixar Gia sozinha. Não agora que ela finalmente parecia estar dependendo dele, por qualquer motivo que fosse.
Mas ignorar o pedido de seu chefe seria o mesmo que quebrar sua própria cobertura. O próximo passo no processo de comunicação seria enviar alguém disfarçado de entregador de pizza ou com alguma encomenda para avisá-lo de que sua presença era requerida imediatamente. Ele não queria arriscar isso.
Luca segurou o braço de um guarda quando passou.
— Preciso sair por alguns minutos. Se a srta. Gia procurar por mim, diga-lhe que voltarei logo.
— Foi Tamburo e os malditos Peluso. Eu sei que foi — Vito estava dizendo para Gia na biblioteca. — Eles vêm tentando pôr suas mãos gananciosas nos bens da organização há anos.
Gia andava de um lado para o outro, sentindo como se estivesse prestes a explodir.
O que a fizera pensar que tinha nascido para aquilo? Que era física e emocionalmente capaz de executar uma vingança contra os responsáveis pela morte de seu pai?
— Sugiro que revidemos.
Gia parou no meio da sala e lentamente se virou para Vito.
— Certamente você não acha que eles estavam vendo o que nossos homens faziam e propositalmente incendiaram o restaurante inteiro com Joey lá dentro, depois que eles saíram?
Ele deu de ombros, querendo dizer que aquilo era possível.
Gia pensou que isso seria conveniente demais, e sentiu-se relutante em aceitar a hipótese.
Vito Cimino era um membro muito antigo da organização Venuto. O que significava que conhecia apenas métodos antiquados.
Tinha de haver meios mais efetivos de lidar com assuntos dessa natureza.
— Sugiro que convoquemos uma reunião entre as famílias.
Vito a olhou como se ela tivesse perdido a razão.
— Não acontece uma reunião entre as famílias há mais de uma década. É muito perigoso. Os federais estão de olho em tudo. Reunir os chefes das organizações lhes daria a munição de que precisam para provar que trabalhamos juntos de alguma forma. Se um cair, todos nós caímos.
— Bem, então acho que está mais do que na hora de fazer uma reunião.
Ela tentou refletir sobre os detalhes em sua mente. Com que rapidez seus planos haviam mudado... Primeiro, estivera apenas interessada em fazer justiça aos assassinos de seu pai. Então, acabara se envolvendo nas atividades diárias da organização. Agora, estava propondo agir como verdadeira líder e reunir as outras organizações mafiosas.
Ah, tinha visto cada um dos chefes das organizações individualmente. Mas agora precisava vê-los juntos, quando tudo estava acontecendo, para tentar decidir quem podia estar por trás do assassinato.
— Onde está Luca? — perguntou ela. Vito deu de ombros.
— Não sei. Um dos homens disse que ele saiu aproximadamente uma hora atrás.
Onde Luca precisara ir tão de repente? Sem problemas. Gia tinha trabalho a fazer. Com ou sem ele.
Luca voltou para a propriedade quando o sol estava se pondo. Seu chefe não quisera apenas lhe falar, mas sim vê-lo pessoalmente, e isso era mais difícil de arranjar do que escapar para seu apartamento a fim de ter uma conversa ao telefone.
Então, eles se encontraram na margem leste de Nova Jersey, onde observaram barcos e fingiram pescar, como se fossem trabalhadores de alguma fábrica tirando uma folga em vez de agentes trocando informações.
— Por que você não enviou todas as fitas? — seu chefe perguntou.
Ele tinha se apresentado como John Smith, embora Luca suspeitasse de que era um nome falso.
Smith era negro, e tinha pelo menos o dobro da idade de Luca, o rosto marcado evidenciando muitos anos no trabalho. Seus olhos o informavam de que sabia que algo estava acontecendo.
Luca fingiu que a pergunta não o surpreendera. E não surpreendera realmente. Soubera que haveria questionamento sobre sua mudança de atitude. Apenas não soubera que viria tão breve e diretamente.
— Tive problemas com o microfone da escuta — mentiu.
— Problemas esporádicos? As fitas que estão faltando não são em seqüência, mas de uma maneira aleatória.
— Confie em mim, você tem tudo que é importante.
— Bem, não é você quem decide isso, é? Sua tarefa é enviar tudo que grava.
— Eu enviei.
— Isso significa que você desligou o microfone em algumas ocasiões. Por quê?
Ele não tinha desligado o microfone. Em vez disso, descartara as fitas que incluíam qualquer coisa importante que discutira com Gia. Qualquer coisa que pudesse incriminá-la.
Pelo que Smith sabia, não havia um chefe agindo na organização criminosa, Venuto. Com Lorenzo impossibilitado e Giovanni morto, o FBI acreditava que a família estava numa situação caótica de incerteza, esperando que para ver se algo acontecia. Eles podiam suspeitar que Gia estivesse no comando. Mas Luca não lhes daria a prova.
E esperava nunca ser obrigado a fazê-lo.
Mas, para isso, precisaria convencer Gia a abrir mão do comando.
E julgando pelo homem à sua frente, e pelo interesse em suas próprias atividades, não teria muito tempo para tal tarefa.
— Isso não tem nada a ver com o passado entre você e Giovanna Trainello, tem?
Os movimentos de Luca diminuíram com a pergunta. Raramente ouvia o nome de Gia ser usado. Aquilo parecia revelá-la a uma luz desfavorável, mesmo que apenas pelo fato de o nome dela ser tão parecido com o do pai.
— Você não sabia que tínhamos conhecimento disso, sabia? — Smith meneou a cabeça. — Sabemos de muito mais coisas do que você imagina, Paretti. Por que acha que concordamos em lhe dar essa missão secreta quando a solicitou? Você costumava ser um deles.
Luca ergueu sua vara de pescar e colocou-a de volta na água. Sim, costumava ser um deles. Jamais se esqueceria disso; pois lhe custara a vida de seu irmão.
— Mas não é agora. Não se engane pensando o contrário. Tudo que eles têm de fazer é desconfiar de sua associação com o FBI, e você terá o mesmo destino de outros agentes. Dos agentes mortos.
Luca o encarou.
— Você está ameaçando me expor?
— Não, Paretti — disse ele. — Estou prometendo que farei isso se você não fizer o trabalho para o qual foi designado.
Agora, enquanto Luca estava sentado em seu carro diante da casa Trainello, perguntou-se que diferença havia entre as organizações criminosas e a agência designada para investigá-las. A ameaça que Smith lhe fizera não soava diferente de um anúncio de morte feito por uma das famílias mafiosas.
Na verdade, estava começando a acreditar que gangsteres eram gangues, independentemente de que lado se encontravam. A máfia era uma gangue que abrangia famílias italianas conectadas à terra natal, à religião e à lealdade entre os envolvidos. O FBI e o departamento de polícia de Nova York eram gangues formadas através de um treinamento, mas não eram menos temíveis e cruéis quando era preciso.
Aparentemente, ele deixara uma família criminosa para se tornar membro de outra.
Mas agora a vida de Gia estava em jogo.
Gia estava aconchegada na cama, um bloco de desenho aberto no colo. Não estava fazendo muito mais do que rabiscos, mas, de alguma maneira, era reconfortante ficar deitada ali, a luz do abajur ao lado da cama lançando um brilho dourado no quarto escuro. O ato de segurar o bloco dava um ar de normalidade a sua vida, do qual ela sentia falta.
Todavia, mesmo que só por alguns momentos preciosos, queria esquecer os homens armados rodeando a propriedade, seu irmão do outro lado do corredor, num estado de estupor voluntário, os detalhes da reunião iminente com os outros chefes das organizações.
E Luca.
Todas as vezes que precisara de ajuda nas últimas semanas, ele estivera lá, oferecendo sem ser requisitado, estendendo-lhe a mão quando ela mal sabia que precisava. Gia via a si mesma refletida nos grandes olhos azuis de Luca, e, sempre que começava a se sentir suja, contaminada pelo que acontecia ao seu redor, pelas decisões que tomava, um olhar para ele a fazia pensar que talvez não fosse uma pessoa tão ruim. Não se Luca ainda podia vê-la como alguém especial, alguém que valia a pena ajudar.
Talvez até alguém que valesse a pena amar... novamente.
Ela desistiu de seus esboços e fechou o bloco, colocando-o sobre o criado-mudo ao lado do abajur. Então, saiu da cama e foi para a janela. Olhou para o jardim exuberante, lembrando-se de suas noites de adolescente, quando fazia a mesma coisa. Mal registrou os homens armados andando ao redor, porque eles estiveram ali quando ela era mais jovem, também.
Ela e Luca ainda poderiam ter uma chance? Os anos de separação podiam não ter sido o bastante para esfriar as brasas que haviam queimado com tanta força e profundidade?
Um novo amor seria suficiente para curar as cicatrizes que o velho amor deixara?
É claro, ela não era mais uma adolescente com a cegueira da paixão, mas uma mulher adulta, não apenas capaz de tomar suas próprias decisões como de avaliar aquelas que prejudicariam outras vidas.
E Luca? Certamente também não era mais o rapaz magro de 24 anos, cuja franja estava sempre caída sobre os olhos. Agora, experiência, conhecimento e sabedoria eram revelados em seu semblante. Assim como um desejo ardente por ela. Ah, Gia podia ver aquilo. Mais do que isso, podia sentir. Sempre houvera uma química entre eles que transcendia qualquer coisa dita, feita ou desejada. Quando os dois estavam no mesmo cômodo com outras pessoas, a temperatura já subia alguns graus.
Quando estavam sozinhos no mesmo cômodo, o ar parecia queimar com o calor que eles geravam.
Gia tremeu com o pensamento, lutando contra um desejo que passara a ter vida própria.
Mas não estava realmente lutando contra tal desejo. Na verdade, estava deleitando-se nele. Saboreando a ardência que pulsava em seu ventre. Deliciando-se com a sensação da pele que se arrepiava cada vez que pensava em Luca.
Lembrou-se dos dois na cozinha. Recordou-se da maneira que tinha reagido quando Luca se retirara, sem despejar seu prazer no interior de seu corpo. Parecia ter acontecido há tanto tempo... Todavia, poderia ter acontecido alguns momentos antes.
Houve uma batida leve à porta. Gia olhou para sua camisola de seda, certificando-se de que estava coberta, e pediu que a pessoa entrasse.
Pensou que talvez pudesse ser uma das enfermeiras de Lorenzo, querendo ir dormir e perguntando-lhe se queria mais alguma coisa.
Em vez disso, estava olhando para o homem que estivera ocupando seus pensamentos.
Luca.
Gia parecia um anjo, parada em frente à janela. A luz do abajur delineava as formas delgadas sob a camisola de seda branca, o tecido quase transparente, de modo que ele podia visualizar cada uma das curvas.
Luca não sabia bem o que tinha esperado. Talvez que ela estivesse totalmente vestida, sentada à mesa, escrevendo alguma coisa, bolando uma estratégia fará manter a organização segura.
Em vez disso, encontrou uma mulher pronta para dormir, um bloco de desenho sobre o criado-mudo, como se estivesse esperando o marido chegar em casa.
Ele inclinou a cabeça para o lado, refletindo. Gia o estivera esperando?
Estudou suas feições suaves e pensou que ela poderia estar esperando por ele. A satisfação por ele estar ali, alívio e desejo estavam presentes no semblante de Gia.
Luca fechou a porta e permaneceu onde estava, talvez porque não confiasse em si mesmo para se aproximar. Precisava manter o bom senso. Lembrar-se do que estava acontecendo em volta dos dois.
Tentar ignorar o que estava crescendo entre eles.
— Eu só vim aqui para saber se está tudo bem. Ela sorriu, aproximando-se.
— Eu perguntaria aonde você foi, mas não tenho certeza se gostaria da resposta.
Luca evitou seu olhar. Gia pensava que ele poderia ter estado com outra mulher.
Bem, afinal, ele estivera, não? Seu contato no FBI era uma pessoa que Gia não gostaria que ele encontrasse. E, encontrando-o, Luca a traíra. Da pior maneira possível.
— Alguma coisa aconteceu enquanto estive fora? — perguntou ele.
— Nada que não possa esperar até amanhã — respondeu ela, aproximando-se mais.
Cada passo que Gia dava fazia o coração dele bater mais forte. Deus, ela era linda demais!
— Tenho outras coisas em mente agora...
Olhar para Luca depois de passar tanto tempo pensando nele era como receber um presente melhor do que ela imaginara.
Gia percebeu que ele estava parado perto da porta, como se não confiasse em si mesmo para se aproximar... Assim, ela deu mais um passo à frente.
Talvez, além de não confiar em si mesmo, não confiasse nela, também.
A seda da camisola moveu-se contra a pele de Gia, aderindo ao corpo, roçando contra os mamilos enrijecidos. Observou quando as pupilas de Luca se dilataram com sua aproximação sedutora, a única parte dele, aparentemente, capaz de se mover.
Ela o viu engolir em seco.
— Ah? E o que você tem em mente?
Gia riu baixinho, parando bem à sua frente, feliz por sentir o aroma de Luca e o perfume sutil da loção pós-barba. Nenhum perfume feminino, nem cheiro de cigarro. Apenas Luca Paretti.
— O que tenho em mente não pode ser expresso em palavras — murmurou ela, segurando suas mãos. — E melhor que eu demonstre.
Ela pressionou a palma de Luca sobre seu seio esquerdo, mantendo-a ali, querendo que ele ouvisse as batidas fortes de seu coração.
A expressão de Luca tornou-se mais séria.
— Gia, eu não tenho certeza...
— Psiu — disse ela, colocando o dedo de sua mão livre contra os lábios dele para impedi-lo de falar mais. — Pare de falar.
Recolhendo a mão, Gia usou-a para abaixar uma das alças da camisola, de modo que o tecido deslizasse entre a mão de Luca e seu seio. Um pequeno som arquejante escapou da garganta dele.
Gia tremeu em resposta.
Então fez o mesmo com a outra alça, deixando a camisola cair suavemente no chão. Observou Luca apreciar o fato, enquanto a olhava com desejo, de cima a baixo.
Então, ele fez exatamente o que Gia esperava: gemeu e a pegou em seus braços, carregando-a para a cama, a apenas alguns passos de distância. Gia o abraçou, sentindo-se leve como uma pena. Assim que estava sobre o colchão macio, soltou-o e se afastou, mantendo as pernas unidas de maneira sedutora.
— Gia, você vai me matar.
Luca tirou a jaqueta, impaciente, os movimentos rápidos falando de uma urgência que refletia o próprio desejo desesperado de Gia. Estava demorando mais do que ela teria desejado. Ela se ajoelhou para ajudá-lo, e recebeu um beijo inesperado.
Um beijo tão ardente... tão exigente...
A boca de Luca tirou seu fôlego quando ele a puxou para si, ainda meio vestido, o tecido do paletó provocando os bicos dos seios de Gia, até que ele o removeu, sem Parar de beijá-la.
Gia entrelaçou os dedos nos cabelos dele, enlouquecida de desejo enquanto Luca a beijava com tanta sede quanto se tivesse acabado de atravessar o Saara e encontrado uma fonte preciosa. Após alguns momentos, afastou-se e deitou-a sobre o colchão, permitindo que ela sentisse o tamanho de seu prazer, provocando-a sem penetrá-la.
Ela gemeu e tentou forçá-lo a penetrar. Ele recuou, fitando-a nos olhos profundamente, como se algo tivesse acabado de lhe ocorrer.
— Foi porque eu saí de dentro de você, não foi? — perguntou Luca, surpreendendo-a com a compreensão repentina. —Por isso você esfriou comigo depois da última vez.
Gia o olhou, tão excitada que pensou que pudesse pegar fogo.
— Shh...
Ele meneou a cabeça.
— Não. Eu não quero que isso aconteça de novo, Gia. Não vou compartilhar alguma coisa especial com você para senti-la afastar-se de mim novamente.
Ela deslizou a mão pelo abdome de Luca, então envolveu os dedos em seu membro, comprimindo-o. Ele gemeu e segurou-lhe o pulso.
Em seguida, beijou-a profundamente, não falando nada até que ela ofegasse de desejo.
— Eu não tinha preservativo naquele dia. E não tenho agora. Você está disposta a correr o risco de engravidar?
Gia fitou-lhe os olhos, a pele de Luca queimando-lhe os dedos, a mão forte apertando-lhe o pulso.
— Você está?
Ele não respondeu por um longo momento. Apenas a encarou com intensidade.
— Eu ficaria honrado se você tivesse um filho meu.
Gia curvou os braços ao redor do pescoço dele, abraçando-o apertado.
O passado-voltou como ondas de uma tempestade violenta. Ela lutou para reprimir aquilo, mas foi impotente contra o turbilhão de emoções.
— O que houve? — sussurrou Luca quando ela ficou imóvel, forçando-a a desenterrar o rosto do ombro dele. — Gia, o que aconteceu? Qual é o problema?
Ela meneou a cabeça, incapaz de deter as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto, o tremor do corpo causado pelas emoções.
— Nada. Não importa agora. O que eu precisava ouvir, você acabou de dizer.
— Importa, se isso tem o poder de fazê-la chorar. Diga-me, cara. Você quer engravidar? É disso que se trata?
Gia mordeu o lábio e fechou os olhos, despreparada para o termo carinhoso em italiano, ou para a sensibilidade de Luca. Como poderia lhe contar por que ficara aborrecida quando ele se retirara de seu corpo na outra noite? Compartilhar o que era um segredo por tanto tempo?
Recordava-se como se fosse ontem, da manhã que descobrira, em pé no banheiro, olhando para a pequena vareta que indicava: grávida.
E Luca tinha desaparecido.
Como poderia expressar agora a profundidade da emoção que sentira? O quanto ficara radiante ao pensar que o ato de amor deles havia resultado na criação de um bebê? O bebê deles?
Como poderia lhe contar quanto medo tinha sentido quando fora incapaz de contatá-lo, descobrir seu destino?
O quanto se sentira terrivelmente sozinha, sem uma mãe para aconselhá-la?
Ah, Deus.
Gia não tinha contado a seu pai e aos irmãos com medo do que poderiam fazer com Luca.
E Luca nunca soubera, porque ela não tivera a chance de lhe contar.
Ele saiu de cima dela, sentando-se na lateral da cama, de costas para Gia.
— Ah, meu Deus... não me diga...
Era a reação exagerada de Gia à declaração dele de que ficaria honrado se ela carregasse seu filho? Ou eles ainda possuíam aquela sintonia perfeita que Gia achava que nunca entenderia completamente? Não sabia como Luca tinha adivinhado, mas suspeitava que ele sabia.
Ela não tivera escolha senão interromper a gravidez.
— Não importa agora — sussurrou Gia com veemência, querendo muito que suas palavras fossem verdadeiras. — Aconteceu muito tempo atrás.
Mas importava. Sempre importaria. Ela jamais se perdoaria. Não havia um único dia em sua vida que não lembrasse das sensações que experimentara ao saber que estava esperando um bebê de Luca. A alegria, a felicidade, a esperança de um futuro.
Mas tudo mudara durante um procedimento, tão rotineiro para o médico e as enfermeiras que o fizeram que a experiência parecera surreal.
Luca a olhou por sobre o ombro.
— Mas estou sabendo disso apenas agora. Para mim, é como se estivesse acontecendo agora.
De súbito, Gia se sentiu inexplicavelmente exposta. Puxou o lençol sobre os seios, cobrindo-se.
— Era menino ou menina?
Ela fechou os olhos, mas isso não impediu o fluxo de lágrimas.
— Não sei. Eles se recusaram a me contar.
Houve um silêncio. O único som era da respiração profunda de Luca e dos soluços abafados de Gia.
— Quantos anos a criança teria agora?
— Faria seis... no mês passado.
— Santo Deus... — Luca apoiou a cabeça nas mãos, como se a informação fosse insuportável demais.
Foi então que Gia descobriu um medo que não tinha considerado antes. O medo de que ele pudesse odiá-la por abortar um filho seu.
Ela procurou dizer-lhe desesperadamente algo. Algo que o fizesse olhá-la de novo, como tinha feito antes de saber a verdade.
— Eu não sabia onde você estava. Não sabia como encontrá-lo. Fui à casa de seus pais e supliquei que fizessem você me telefonar. Esperei por notícias suas. Quase por tempo demais. — Ela engoliu um soluço. — Eu não sabia o que fazer. Não podia contar ao meu pai... não podia contar a ninguém... E você tinha... desaparecido.
Os ossos de Gia pareceram se desintegrar, e ela não conseguia mais permanecer sentada.
Mas antes que suas costas tocassem os lençóis, Luca a segurou nos braços, colocou-a em seu colo e abraçou-a tão apertado que ela mal podia respirar.
— Ah, Gia, o que fiz com você? Ah, doce Gia...
Aquelas palavras a derreteram, fazendo-a querer se perder no abraço dele. Havia temido o ódio de Luca. Recebera o amor dele.
Naquele momento, Gia soube que ele sempre a amara. Tinha partido não por causa dela, mas por outras razões. A morte do irmão de Luca o fizera procurar por respostas que poderia encontrar somente se estivesse longe.
Infelizmente, a mesma busca a deixara sozinha e grávida. E ela tomara a única decisão possível na época.
Não havia um momento em que não se lembrasse daquele dia. Que não o lamentasse. Que não pensasse na idade que a criança teria agora, e se teria sido menino ou menina.
Mas agora que finalmente lhe contara, era como se Luca tivesse tirado pelo menos metade do peso insuportável sobre os seus ombros e colocasse sobre os dele.
Ele acariciou seus cabelos e a puxou para mais perto, estudando-lhe os olhos profundamente, revelando tristeza nos seus.
— Sinto muito por ter tido de passar por tudo isso sozinha, Gia. Lamento tanto não ter estado lá para você... Para nosso filho.
E então ele a beijou.
O coração de Luca batia descompassado. Estava cheio de amor por aquela mulher que fora forçada a ignorar o próprio coração a fim de tomar uma decisão que ninguém deveria tomar sozinha. Estava repleto de ódio por ter sido consumido por um desejo de vingar a morte de seu irmão, e ter perdido seu próprio filho.
Parecia ser incapaz de beijar Gia o bastante para suavizar o desejo e a culpa que o dominavam. O gosto dela era como o paraíso, apesar de ter passado por um inferno que ele talvez ele nunca compreendesse completamente. Naquela noite na cozinha, Luca soubera que havia alguma coisa de errado com Gia. Supôs que ela havia mudado com o passar dos anos.
Mas não tinha idéia de quanto sofrimento ela havia enfrentado.
E agora ele compartilhava tal sofrimento.
Acariciou-lhe os ombros nus, precisando senti-la mais perto, apesar de mantê-la a uma distância em que ainda podia tocá-la. Os seios estavam quentes, os mamilos, rijos. Ele baixou a cabeça para tomar um deles em sua boca, saboreando-o, desejando que a experiência pudesse salvar a alma de ambos. Ele a traíra. Traíra a si mesmo. E Gia não tinha idéia do nível em que ele a traíra.... e ainda a estava traindo.
A culpa o assolou.
Gia descansou contra os lençóis, mais linda do que uma escultura de Vênus ganhando vida. Luca inclinou-se, e gentilmente tocou seu ponto mais íntimo. Começou a provocá-la, satisfeito quando ela gemeu. Então, usou os joelhos para afastar suas pernas. Assim que a posição permitiu, ele aproveitou imediatamente para pressionar os dedos nas extremidades antes de inserir um deles na pele escorregadia.
Totalmente pronta para ele, Gia movimentou-se impaciente contra a cama, tão perto do clímax que Luca sabia que se continuasse tocando-a por mais alguns segundos, ela o atingiria. Mas não queria ir por esse caminho. Queria acompanhá-la na explosão do prazer. Precisava alcançar o êxtase junto com ela. Eles já haviam experimentado muita coisa separados.
Luca moveu o outro joelho entre as pernas dela e roçou seu corpo contra o dela, enlouquecendo-a de prazer.
Com um gemido, Gia agarrou seus ombros, enquanto ele a penetrava bem de leve, antes de se retirar. Ela arqueou os quadris em protesto, forçando-o a penetrá-la mais fundo.
Lentamente, Luca mergulhou, não parando até que seu corpo estivesse totalmente colado ao dela.
Gia tremeu, a contração dos músculos que se ajustavam a ele quase o levava à loucura. Ele cerrou os dentes, sentindo o coração disparado. Luca se movimentou dentro dela e lentamente se retirou, voltando a penetrá-la, acariciando-a com tanta intimidade quanto um homem podia acariciar uma mulher.
Desesperado para mostrar-lhe, através de ações, não com palavras, o quanto a amava.
E ele a amava, não amava? Nunca tinha deixado de amá-la. Ela ainda era a linda mulher que o fitava com estrelas nos olhos, apesar do desespero que sofrerá por sua causa.
E Gia, milagres dos milagres, ainda o amava.
Luca não sabia o que fizera para merecer o amor dela. Não queria pensar muito sobre o assunto, para não se sentir tão indigno. Tudo que sabia era que precisava desesperadamente estar conectado com Gia em um nível que nunca se conectara com ninguém na vida.
Ele investiu contra ela novamente... e novamente. Ouviu a respiração de Gia acelerar cada vez mais, percebeu a sua própria falta de fôlego.
Luca deslizou uma das mãos para os seios dela, então desceu pela lateral do corpo, não parando até que a curvasse abaixo do traseiro arredondado de Gia, afastando mais suas pernas com o movimento. Suas investidas cresceram em intensidade, unindo-os mais, e pedindo-lhe, silenciosamente, pela alma.
E Gia entregou sua alma a ele numa explosão de puro júbilo.
Na manhã seguinte, Luca estava na cozinha, diante das portas francesas, olhando para o jardim dos fundos. O sol estava nascendo agora, mas ele estava de pé há horas. Havia deixado Gia dormindo por volta das quatro da manhã e descido para tentar entender o que tinha acontecido nas últimas semanas e o que acontecera sete anos atrás.
Parecia que, de súbito, sua existência inteira fora transformada com algumas palavras que Gia sussurrara.
Ela estivera grávida de um filho seu.
Ele secou o rosto molhado com as mãos, arrependendo-se por não ter tentado descansar um pouco. Mas sabia que não teria sido capaz de fechar os olhos. Havia muito sobre o que refletir. Muito a considerar.
E se os problemas emocionais não bastassem, precisava pensar na tempestade que pairava sobre a casa Trainello. Era só uma questão de tempo até que as autoridades voltassem com uma ordem de prisão para Vito... ou pior, para Gia... pela morte de Joey Guarino. Como ela iria suportar aquilo, então?
Em seu treinamento em Quantico, Luca não apenas aprendera certas técnicas para fazer um suspeito falar. Tinha falado, também, quando estivera convencido de que ninguém seria capaz de obrigá-lo a isso através da tortura. Podia ter levado mais tempo do que outros recrutas do FBI, mas aprendera uma lição importante naquele dia: que todos falavam, mais cedo ou mais tarde.
Tudo que o investigador precisava fazer era encontrar os estímulos certos.
No caso de Luca, seu interrogador tinha usado seu irmão para dobrá-lo, depois de dois dias de vários métodos de tortura, apelando para sua fraqueza emocional a fim de conseguir acesso ao que estava procurando.
É claro, durante o treinamento, eles eram legalmente avisados de que não podiam usar a maioria dos métodos do FBI, mas isso não impedia Luca de querer proteger Gia de qualquer tipo de interrogatório.
E precisava planejar uma maneira de impedir aquilo.
Não tivera de se preocupar com o assassinato de Cláudio Lancione. Ninguém se importava com um homem desconhecido encontrado no East River. Mas o dono famoso de um restaurante era uma questão inteiramente distinta, apesar da relação dele com a máfia.
Luca ouviu vozes no outro cômodo. Pôs o café sobre o balcão e foi ver quem era. Vito, provavelmente acordado e pronto para mais um dia.
Então parou à porta que dava para o vestíbulo. Era realmente Vito, falando com um homem que Luca não reconheceu. E, como parte de seu trabalho secreto, ele tinha informações detalhadas de todos os associados à família Trainello, e, por extensão, à organização criminosa Venuto.
O homem era aproximadamente da sua idade, mas parecia pelo menos dez anos mais velho por causa da pele marcada pela varíola! Era também muito mais musculoso. Provavelmente levantava peso.
Vito avistou Luca e sussurrou alguma coisa para o homem, que prontamente partiu.
— Você acordou cedo — disse Vito como cumprimento. — Já fez o café?
Ele foi para a cozinha e Luca o seguiu,
— Eu lhe sirvo uma xícara — disse Luca. — Com quem você estava falando?
Vito não respondeu.
— Nada relacionado ao ocorrido de ontem?
— Não. Nada relacionado.
Luca já suspeitava disso, então por que Vito não dissera mais?
Durante o último ano que vinha trabalhando com os Trainello, Luca sabia que sua posição era precária. Vito jamais gostara muito dele, por razões que aparentemente preferia manter para si mesmo. E aquela cautela pessoal tinha sido transferida para assuntos profissionais.
Vito Cimino não confiava em ninguém. Nem mesmo na própria mãe, diziam. E tal cautela lhe garantira uma boa posição com Giovanni Trainello.
Isso também impedia que se descobrisse os delitos que ele cometia.
— Preciso ir buscar algumas coisas no meu escritório — disse Luca. — Se Gia perguntar por mim, diga-lhe que volto ainda na parte da manhã.
Vito assentiu.
— Farei isso.
Mas enquanto Luca se afastava, os pêlos de sua nuca se arrepiaram em alerta, e soube que alguma coisa havia mudado. Um vento perigoso pareceu soprar através da porta e entrar na casa Trainello.
E ele não pôde deixar de se sentir responsável pela entrada do mesmo.
Gia tomou seu café-da-manhã no quarto de Lorenzo. Continuava com a esperança de que as atividades normais o fizessem despertar do estado de inércia.
O ritual era mais agradável no quarto de sua mãe do que tinha sido no de Lorenzo. Sua mãe gostava de coisas bonitas, e o cômodo ostentava uma cadeira próxima à janela, em cujo peitoril Gia podia colocar a bandeja que levara. Uma enfermeira a seguiu com uma bandeja similar para Lorenzo, preenchida com os alimentos preferidos dele. Até agora, seu irmão não tinha nem piscado com as ofertas. Mas esta manhã, Gia pedira que a enfermeira só injetasse metade do analgésico usual no tubo intra-venoso. Então, quando o café-da-manhã de Lorenzo foi colocado numa bandeja sobre a cama, ele movimentou-se e fez uma careta.
— Bom dia, Lorenzo — disse Gia de seu lugar perto da janela, pegando seu café e dando um gole. — Maria fez ovos beneditinos esta manhã. — Ela inalou, produzindo um som exagerado. — O cheiro está delicioso.
Lorenzo abriu os olhos, espiando a bandeja à sua frente, e, então, lentamente virou a cabeça na direção dela. Ergueu uma das mãos para sombrear os olhos. Gia ajustou as persianas para que a luz do sol não o incomodasse.
— Bem-vindo de volta à terra dos vivos.
A enfermeira o alimentou com cubos de melão. Ele comeu alguns e gesticulou para que ela se afastasse.
— Eu preferia estar morto.
Gia fingiu que as palavras dele não lhe importavam, apesar de lhe cortarem o coração.
— Mas você não está. Portanto, terá de lidar com isso até que esteja bem o bastante para se matar, se quiser.
— O que você fez com minhas drogas?
— Depois de usá-las por tanto tempo, sua tolerância é provavelmente maior, então suponho que sua dose regular não é mais tão efetiva quanto antes.
— Então, aumente a dose.
Gia deu uma garfada nos ovos e forçou-se a comer como se fosse a melhor coisa que já provara. Tinha gosto de giz.
— Lamento, mas você terá de falar com o médico sobre isso.
— Chame-o aqui.
— Você tem uma consulta no fim da tarde.
— Dane-se o fim da tarde. — Ele ergueu uma das mãos, que caiu sobre o topo da bandeja, derramando um copo de suco. A falta de uso do membro diminuíra o domínio sobre o mesmo. Frustrado, Lorenzo jogou a bandeja inteira no chão. — Chame-o agora.
Gia bebeu seu café e meneou a cabeça.
— Não será possível. Ele tem consultas durante toda a manhã.
— Desmarque as consultas dele. . — Eu realmente gostaria, mas...
— Você fez isso, não fez? Diminuiu a minha dose, e por isso estou acordado agora.
Gia acabou de mastigar e engoliu devagar antes de limpar a boca com o guardanapo. Levantando-se, parou ao lado da cama do irmão.
— Que dia é hoje, Lorenzo?
Ele piscou.
— O quê?
— Você me ouviu. Se puder me dizer a data certa, peço para a enfermeira aumentar sua medicação.
Ele piscou novamente, apenas meio lúcido. Ela ficou grata por isso, porque temia o que Lorenzo poderia fazer se estivesse completamente acordado.
— Dane-se você.
— Não, dane-se você, Lorenzo. Hoje é quinta-feira, 22 de agosto. Você dormiu por quase seis semanas. Salvo pelos momentos em que tinha de ver o médico e pedir que ele aumentasse a dose dos medicamentos.
— Eu sinto dor, droga! Você não entende isso?
— Sente mesmo? — Gia pegou-lhe a mão e virou-a sobre a sua. Beliscou a pele ali. Ele retirou a mão.
— O que você está fazendo? Brincando de médica agora, irmãzinha?
— Não. Estou tentando trazer meu irmão de volta.
— Bem, seu irmão não está disponível no momento. — Ele virou a cabeça e olhou para a janela.
— Pode, por favor, me informar quando ele estará disponível? — murmurou Gia, tentando esconder o desespero na voz. — Porque realmente preciso dele agora. O mundo está desmoronando em cima de mim porque estou fazendo o trabalho que meu irmão deveria fazer. O trabalho que ele foi criado para fazer. E tenho medo de que a próxima coisa que eu faça acabe matando todos nós.
— Nada menos do que eu mereço.
— E quanto a mim? — sussurrou ela.
Ele a olhou então, e, pela primeira vez em um mês e meio, Gia viu alguma coisa além de autopiedade.
— Você quer que eu morra, Lorenzo?
— Você não vai morrer.
— Não vou? Sou invencível? Se esse é o caso, então talvez você queira dizer a Gino Guarino que uma ordem minha resultou na morte de Joey. E quanto a Tamburo, que está ansioso para me ver pendurada em algum lugar? Porque no momento, não tenho idéia de como mudar nada disso. Você tem?
Lorenzo desviou o olhar.
Gia segurou sua mão novamente.
— Você é tudo que me resta nesta vida, Lorenzo. Por favor, volte para mim. Volte para a família.
Ele retirou a mão uma segunda vez, como se a dor das palavras fosse maior que a dor do beliscão.
— Enfermeira! Contate o médico pelo telefone. Agora!
A enfermeira olhou para Gia.
— O que você está esperando? — disse Lorenzo. A mulher pigarreou.
— Que a srta. Gia confirme a ordem.
— Srta. Gia? — Lorenzo olhou para a irmã. — Então, você é srta. Gia agora?
— Na ausência do meu irmão, sou chefe da família.
— Então, dê a ordem a ela.
— Não farei uma coisa dessas. O médico estará aqui esta tarde. — Gia andou em direção à porta. — Ah, a propósito, depois da sua consulta, o médico vai falar comigo. E vou dizer-lhe para começar a reduzir seus medicamentos.
— Sua idiota! Você não ousaria.
Gia sabia que era a dependência da medicação que o estava deixando tão rude e grosseiro. Mas isso não diminuía a dor que as palavras lhe causaram.
— Você ainda está vivo, Lorenzo, goste disso ou não. E está na hora de começar a agir como tal.
Ela foi para o corredor, e fechou a porta assim que a enfermeira saiu também. O vaso de flores frescas que estava sobre o criado-mudo de Lorenzo partiu em pedaços contra a porta fechada. Gia se encolheu, tentando reprimir a torrente de lágrimas que ameaçava jorrar.
— Onde está Luca? — perguntou ela para Vito um pouco depois, quando tinha se recomposto.
Encontrara o homem mais velho no escritório de seu pai, em uma reunião com um dos tenentes superiores.
Vito dispensou o tenente e não respondeu até que o homem deixasse a sala.
— Ele saiu. Volta mais tarde, ainda pela manhã.
Gia percebeu que estava com uma das mãos sobre o peito e a removeu.
Desde que acordara naquela manhã, queria vê-lo de novo. Verificar se o que pensava ter acontecido na noite anterior tinha sido mesmo real. Sentia-se mais leve do que em muito, muito tempo. E reconhecia que parte do motivo era por ter finalmente contado a Luca uma verdade que vinha mantendo em segredo há tempo demais.
Uma verdade que sempre seria uma mancha sobre o amor que eles compartilhavam. Mas que os fizera perceber que aquele amor ainda existia.
— A que horas é a reunião de hoje? — perguntou ela.
Não precisava especificar a que reunião se referia. Havia apenas uma reunião em sua agenda, com os quatro chefes das demais famílias mafiosas de Nova York.
— A uma hora.
Ela assentiu, esperando que Luca estivesse de volta a tempo de participar. No meio de tudo que tinha acontecido na noite anterior, não tivera oportunidade de lhe falar sobre a reunião.
— Você ainda pode cancelar — disse Vito.
Ela o fitou.
— Por que cancelaria? É a única forma de descobrir quem está por trás da morte do meu pai e do meu irmão. — Gia cruzou os braços. — E, talvez, impedir que tudo isso se transforme numa grande guerra.
— Quero que você deixe a srta. Trainello fora das investigações — disse Luca de dentro de seu apartamento de segurança em Queens.
Então esperou que seu chefe respondesse. O que, aparentemente, ele não estava interessado em fazer.
— Smith, está me ouvindo?
— Sei que ordenei que você se aproximasse da família, Paretti, mas parece que está se aproximando um pouco demais.
— Você não sabe o que está dizendo.
— Conte-me sobre a reunião de hoje. Sons de alarme soaram na cabeça de Luca.
— Que reunião?
Um silêncio prolongado, e então:
— Um outro exemplo de que você está ocultando informações de nós. Ou sinceramente não sabe?
— Que reunião, droga?
— Nosso agente secreto com Tamburo diz que uma reunião entre os chefes das organizações foi convocada para hoje à uma hora. E a sua garota Giovanna foi quem a convocou.
— Meu Deus...
Lucas desligou, pegou seu paletó e saiu apressado da sala, ignorando o chiado do telefone quando bateu a porta.
O Que uma pessoa deveria vestir para uma reunião com os quatro homens mais perigosos de Nova York?
Gia reconheceu a questão como frívola e culpou seu nervosismo enquanto olhava para seu terninho preto e se certificava de que a blusa branca não estava marcando os seios. Não podia se lembrar de quando se sentira tão ansiosa. Nem mesmo quando ela e Bryan haviam ido para um grande desfile de moda e três das modelos avisaram que estavam com gripe uma hora antes do momento em que deveriam estar na passarela.
É claro, a diferença entre os dois eventos era que, enquanto todos os participantes queriam matar um ao outro, no caso dos chefes mafiosos, eles não hesitariam em agir de acordo com seus desejos.
Houve uma batida à porta, e Frankie abriu-a em seguida.
— O carro está esperando, srta. Gia.
Ela agradeceu a seu assistente, pegou a pasta e foi para fora, onde Frankie abriu a porta do carro.
Por razões de segurança, Vito os seguiria num veículo separado.
Gia olhou ao redor, procurando por Luca. Não o vira durante toda a manhã. E a idéia de enfrentar aquela reunião a apavorava.
Frankie hesitou.
— Precisa de mais alguma coisa, srta. Gia?
Ela sorriu e acomodou-se no banco de couro, pondo seus óculos escuros.
— Não, obrigada, Frankie. Isso é tudo. O Mercedes preto partiu.
Quando Gia convocara a reunião no dia anterior, não esperava que os outros concordassem, ou que aconteceria tão rapidamente. Supunha que eles haviam concordado porque esperavam que ela nomeasse a pessoa que herdaria os negócios da família Venuto. Porque ninguém, nem mesmo Gia, acreditava que ela agüentaria aquilo por muito tempo.
Procurou o celular em sua pasta. Não encontrou. Provavelmente o esquecera em casa. Com um suspiro, pegou o telefone do carro.
— Qual é o número do telefone do carro de Vito? — perguntou para o motorista.
Ele a informou.
Ela discou e se recostou, observando o Mercedes se afastar de Long Island, dirigindo-se ao local isolado da reunião, na propriedade do chefe, John Mangano.
— Vito, é Gia. Teve alguma notícia de Luca?
— Não. E você?
— Não.
— Vou repetir uma última vez que ainda não é tarde demais para cancelar.
— Obrigada, Vito. Vejo você lá.
Ela desligou e telefonou para Frankie, a fim de pedir o número do celular de Luca.
— Quer que eu a conecte com ele, srta. Gia? — ofereceu Frankie, tendo recentemente aprendido sobre o sistema de telefone.
Gia hesitou. Sua mente deveria estar na reunião, não em Luca. Mas não conseguia ignorar a sensação de medo que estava crescendo em seu interior.
Onde ele estava?
Luca observou os luxuosos carros parados na garagem da propriedade Mangano. Não tivera tempo de passar na casa Trainello antes de Gia sair, então tinha ido direto para o local do encontro. Sabia que estava correndo um risco enorme, uma vez que as únicas pessoas que sabiam onde seria a reunião eram Gia e Vito.
Apenas esperava que eles não percebessem que nenhum dos dois lhe contara sobre isso.
Gia desceu do próximo Mercedes que estacionou, olhando-o diretamente e sorrindo... antes de notar diversos homens armados com fuzis ao redor da garagem.
— Graças a Deus você está aqui — disse ela, indo para o lado dele.
Vito saiu de seu veículo e se aproximou, olhando Lucas com aberto interesse.
Vincenzo Tamburo foi o próximo a se juntar a eles.
— Cavalheiros? — um homem de smoking branco falou da porta. — E senhora — acrescentou, gesticulando a cabeça na direção de Gia. — Todos já estão acomodados. Sigam-me, por favor.
— Do que se trata? — Vincenzo perguntou para Vito enquanto eles andavam.
Gia trocou um olhar com Luca.
— A srta. Gia convocou a reunião sem explicar o motivo — replicou Vito.
Eles chegaram à porta e Gia entrou primeiro, seguida por Luca, que passou rudemente na frente de Vito. Não ia dar a chance ao homem mais velho de perguntar a Gia o que ele estava fazendo lá.
Pelo que parecia, a ameaça de ser descoberto estava muito próxima, de qualquer forma.
Olhou ao redor da sala repleta de homens que estavam na lista dos mais desejados do FBI, e desejou que isso acontecesse somente depois da reunião.
Como era de costume em reuniões daquele tipo, uma refeição italiana tradicional estava sendo servida para os participantes.
A visão dos homens comendo massa enquanto observavam ás últimas pessoas chegando tirou qualquer apetite que Luca pudesse ter.
Como esperado, ele havia sido revistado em sua chegada, para provar que não possuía nenhum tipo de arma. Aquilo era feito com todos, a fim de garantir que, se a reunião não fosse bem-sucedida, não haveria um tiroteio.
Pelo menos dentro daquela sala não havia o perigo de morte.
Luca puxou uma cadeira para Gia, enquanto Vito se sentava do outro lado dela. Notou, com interesse, que, em vez de sentar-se ao lado de Vito, Tamburo optou pelo outro lado de uma das mesas, que haviam sido dispostas no formato de U, de modo que todos podiam se ver.
Ele e Gia não recusaram o almoço oferecido, mas nenhum dos dois fez mais do que fingir comer um pouco. Havia conversas entre os outros presentes, mas os tons sussurrados falavam mais de inimizade do que de camaradagem.
Depois de cinco minutos de refeição, Vincenzo Tamburo falou:
— É melhor que o motivo para esta reunião seja importante, Gia. As famílias não se encontram em uma sala há mais de uma década. Por boas razões — disse ele, limpando a boca e pondo o guardanapo sobre o prato praticamente intocado.
Luca observou Gia endireitar os ombros.
— O motivo é válido. E tenho certeza de que cada um de vocês teria feito o mesmo se estivesse enfrentando as mesmas questões que eu.
— Com todo respeito — disse John Mangano, indicando que faltaria respeito no que estava prestes a dizer —, seu irmão Lorenzo não deveria estar participando desta reunião?
Gia olhou para ele, então para cada um dos chefes.
— Uma vez que sou a líder atual da família Venuto, é meu dever cuidar de tais assuntos.
— Por que você mandou matar Guarino? — um dos membros quis saber.
A pergunta deu origem a várias outras questões e comentários ao redor da mesa.
— Este é um assunto da organização Venuto — disse Gia. — E será lidado como tal.
Tamburo bufou, pondo o copo de vinho sobre a mesa. .
— Esse é o motivo pelo qual eu e meus irmãos — ele gesticulou em direção aos outros —, concordamos com esta farsa de reunião. Porque, pelo que sabemos, não existe mais organização*Venuto. Além disso, os Guarino não são mais membros da família Venuto. Eles passaram para a organização Peluso na semana passada.
Luca notou o choque de Gia. A dissolução desejada da organização Venuto não era novidade... mas que os Guarino haviam passado para o lado de Tamburo era.
Felizmente, alguns outros chefes discordaram da última declaração de Tamburo.
— Os Guarino estão conosco — disse Mangano, batendo o talher no prato.
— A morte de Joey Guarino foi um acidente — Gia teve de levantar a voz para ser ouvida — causado pela recusa de honrar um débito para com a organização. Um débito que Gino pagou agora.
Todos silenciaram e a fitaram. Ela pigarreou e prosseguiu:
— Asseguraram para mim nesta manhã que o Guarino remanescente ainda é parte da família Venuto. Uma organização que ainda existe e que, sob minha direção, continua forte como sempre foi. — Ela cruzou as mãos sobre a mesa no lugar do prato que tinha sido recolhido. — E quaisquer sugestões contrárias serão recebidas como uma ameaça à autonomia da família e tratadas como tal.
As pernas da cadeira de John Mangano rasparam no piso de concreto.
— Tem certeza do que está dizendo, garotinha? Está fazendo uma declaração de guerra?
Gia olhou-o diretamente.
— Estou dizendo que a organização e eu não vamos tolerar ou aceitar qualquer desrespeito daqui em diante. — Ela pausou. — E não sou uma garotinha há mais de um mês, desde que meu pai foi morto. Por alguém desta sala.
Houve troca de olhares, mas o silêncio reinou.
— Então, para quê você convocou essa maldita reunião? — perguntou Tamburo, o rosto redondo e vermelho.
— Convoquei esta reunião por um motivo muito bom. Não me importo como, não me importo por que, mas quero que um de vocês me diga quem foi o responsável Pela morte de meu pai e de meu irmão Mario. E quero que a pessoa pague por isso.
Exteriormente, Gia podia parecer fria. Por dentro, seu coração batia desesperadamente no peito.
Mas o que tinha de ser feito, tinha de ser feito. E estava cansada de ser enganada, e de ser tratada por "garotinha" como Mangano a chamara.
Seu pai e seu irmão tinham sido assassinados. E pretendia fazer o responsável por isso pagar.
Mangano olhou para Vito.
— Você apóia Gia nisso, Vito?
Gia olhou para o homem mais velho.
— A presença de Vito nesta mesa ao lado da chefe da família Venuto deveria falar por si só — opinou Luca.
Gia o fitou e seu coração se acalmou um pouco. A idéia de enfrentar os chefes sem ele quase a deixara em estado de pânico. Supunha que tinha de agradecer a Vito, independentemente de quão oposto ele fora àquela reunião, por ter convidado Luca.
Apenas o fato de saber que Luca estava ao seu lado, dava-lhe a coragem que Gia não sabia que possuía até o momento.
Houve um barulho do lado de fora da sala que soou ameaçadoramente como um tiro. Gia olhou na direção da porta, somente então percebendo que o som viera do lado oposto, mais especificamente das janelas atrás de si.
Mais um tiro e o vidro se quebrou.
— Abaixe-se — gritou Luca, puxando-a para o chão, enquanto todos tentavam se proteger, a sala se tornando o caos.
— Você foi atingida?
Gia não podia fazer mais do que olhar para o rosto de Luca, muito perto do seu. Parecia não conseguir respirar.
— Droga, Gia, você foi baleada?
Ela piscou lentamente, enquanto mais tiros soavam. Luca abriu seu casaco e a virou. Ela finalmente endireitou o corpo.
— Estou bem. Não fui atingida.
Os outros chefes fugiram para a garagem e para seus carros, atropelando uns aos outros no caminho.
Luca a arrastou para mais longe da janela, e Gia viu quando Vito saiu pela porta dava para a garagem.
—Você acha que foi o alvo? — perguntou Luca, ainda tocando-a para se certificar de que ela não fora ferida.
— Eu não sei — replicou ela, olhando para alguma coisa do outro lado da sala, e engolindo em seco. — Mas se fui, eles atingiram a pessoa errada.
Luca virou-se para ver ao que ela se referia. E sentou-se no chão ao lado dela quando viu.
Vincenzo Tamburo ainda estava sentado em sua cadeira, levemente inclinado para trás, os olhos arregalados e cegos. Tinha sido baleado no meio da testa, um filete de sangue escorria sobre a sobrancelha. Na parede atrás dele, havia uma enorme mancha vermelha.
— Vamos — disse Luca, se levantando. — Vamos sair daqui.
Era a melhor sugestão que ela ouvira naquele dia.
Luca estava sentado ao lado de Gia, desejando tocá-la, mas não ousando, enquanto o carro fazia o trajeto de volta à propriedade Trainello. Por alguns preciosos momentos, ela permitira que Luca a abraçasse, mas depois que haviam se afastado do local da reunião, se sentou perto da porta do carro e olhou pela janela.
Ele se sentiu incapaz de tocá-la, de amenizar seus medos. Nem mesmo podia contatar seu chefe e perguntar se ele sabia o que tinha acontecido no lugar da reunião.
Tudo que podia fazer era agradecer por Gia estar bem.
E censurar a si mesmo por não ter estado presente para impedi-la de ir à reunião.
Em que ela estivera pensando? Embora ele admitisse que Gia vinha lidando com a situação de modo admirável, ninguém entrava em uma reunião para fazer exigências a pessoas como Tamburo e outros chefes de máfia. Principalmente quando ainda não era aceito como um chefe legítimo da maior organização criminosa conhecida.
O bom senso lhe dizia que ele deveria ter partido em seu próprio carro, em vez de querer acompanhá-la até a propriedade. Nesse momento, poderia estar falando com seu chefe na linha de emergência para tentar confirmar suas suspeitas sobre quem tinha atirado e para quem a pessoa estava trabalhando. Avisar que Tamburo fora morto. Por uma bala possivelmente dirigida a Gia.
Em vez disso, optara por estar ao lado dela. Embora tivesse escolhido Gia em vez de seu trabalho algumas vezes durante as últimas semanas, nunca o fizera numa situação de tamanha magnitude. E agora se perguntava que resultado isso teria em seu trabalho. Porque, após tudo que ocorrera, sabia de uma única coisa: escolheria Gia em qualquer ocasião.
Gia estava sentada no carro, sentindo-se entorpecida. Por alguma razão que não podia compreender, a última conversa que tivera com seu pai lhe veio à mente, mal conseguindo obscurecer os eventos da tarde.
A última vez que tinha visto Giovanni Trainello fora num domingo antes de ele ser assassinado, quando o recebera para jantar em seu apartamento de Manhattan. Seu pai raramente deixava a segurança de sua propriedade, e Gia se certificara de cozinhar o prato favorito dele, gostando do fato de ter o pai em sua casa.
— Você dará uma esposa maravilhosa algum dia, Giovanna — comentou ele com orgulho, depois de tomar a última colherada de sorvete. — Falando nisso, há alguns candidatos que queira me apresentar?
Gia riu enquanto servia café para ambos.
— Não, não há.
— Uma pena. Você está com 26 anos agora, certo? Com 26 anos, sua mãe e eu já estávamos casados há sete anos, e já tínhamos nossos três filhos.
Gia sabia disso, é claro, mas nunca aplicara o conhecimento a sua própria vida. Apenas algumas décadas atrás, as mulheres se casavam mais cedo, construindo suas famílias. Hoje em dia, era diferente.
Entretanto, tinha somente 19 anos quando Luca partira.
Se ele tivesse ficado...
Ela olhou para Luca, enquanto mais das palavras de seu pai preenchiam-lhe a mente.
— Sabe que não acredito nessa bobagem de amor à primeira vista, Giovanna — disse seu pai, e a fez rir, Porque sua mãe sempre dissera que Giovanni era o homem mais romântico do mundo. — Mas acredito que quando você conhecer a pessoa que lhe está destinada, caberá. Isso é verdade. Aconteceu comigo. No momento que conheci sua mãe, eu soube que ela seria a minha esposa. E mesmo se eu tivesse o poder de prever o futuro, e soubesse que ela teria câncer e eu a perderia, eu não teria mudado nada.
Gia deu um gole no café, estudando o pai.
— Está querendo chegar a algum lugar com essa conversa, papai?
Ele se recostou na cadeira.
— Não. Nenhum lugar em particular. Eu só estava pensando que talvez você ainda não tenha encontrado um marido porque é muito exigente.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Exigente?
— Sim. Talvez você espere muito de um homem. — Ele inclinou-se para frente, cruzando as mãos sobre a mesa. — Lembre-se de que qualquer homem é humano. Imperfeito. É assim que somos feitos. Haverá coisas nele que talvez você não goste. Que talvez não queira saber.
Os olhos de Giovanni se sombrearam, e ela percebeu que ele estava novamente falando do relacionamento com a esposa.
— Mas isso não significa que ele não vai amá-la. E que você não pode amá-lo. Lembre-se disso.
Gia não tinha certeza de por que lembrava dessa conversa tão claramente agora. Talvez porque fora a última vez que seu pai lhe falara antes de ser baleado.
Possivelmente porque ela quase se juntara a ele poucos minutos atrás.
— Gia? — murmurou Luca, gentilmente tocando-lhe o rosto. — Você está bem?
Ela assentiu e aconchegou-se contra ele.
— Estou bem.
Sua resposta se referia a mais do que apenas o estado físico. Refletia o que estava acontecendo em seu coração.
Porque sabia com certeza que, independentemente do que acontecera no passado, Luca era o único homem do mundo destinado exclusivamente para ela.
Independentemente de tudo.
— Você não vai entrar?
Gia estava no último degrau da casa de seu pai, olhando para Luca, que tinha parado no primeiro.
Seus nervos estavam à flor da pele, e ainda temia que fosse enjoar. Precisava muito analisar tudo que tinha acontecido. E preferia fazer isso com Luca ao seu lado.
— Há alguém que preciso encontrar antes — disse ele, olhando-a de modo intenso. Então subiu os degraus para que pudesse beijá-la demoradamente. — Voltarei antes que você sinta minha falta.
Gia o observou ir para o carro e entrar, silenciosamente dizendo-lhe que já sentia a sua falta.
Ela virou-se e entrou na casa, esperando que o ambiente familiar lhe trouxesse um pouco de paz.
Em vez disso, sentiu-se pior. Insegura.
Homens andavam apressados por todo lado. Gia falou com um deles que passou.
— O que está acontecendo?
— O sr. Cimino ordenou que nós trancássemos o lugar — respondeu ele, e continuou sua missão.
Gia foi à procura de Vito. Quando não o encontrou na biblioteca, onde ele geralmente estava, dirigiu-se para seu escritório. Ficou surpresa ao achar a porta trancada.
Aquilo era estranho, uma vez que Gia era a única que tinha a chave.
Ela bateu duas vezes, mas não houve resposta.
Frankie apareceu ao seu lado.
— O sr. Cimino está aí dentro com um homem de terno.
Gia franziu o cenho. Todos os homens ao redor da propriedade usavam ternos.
— O que você quer dizer?
— Alguém com uma aparência oficial.
— Como a polícia?
-— Não sei. O sujeito não parece ninguém que estou acostumado a ver.
— Obrigada, Frankie.
Ela ergueu a mão para bater novamente.
— Quer um café ou alguma coisa?
Gia sorriu. O garoto parecia completamente desligado da atividade frenética ao seu redor.
— Claro, Frankie. Isso seria ótimo. Ele apressou-se ao longo do corredor.
Ela bateu de novo, mas antes que pudesse chamar por Vito, a porta se abriu. Gia deu um passo ao lado quando o homem de terno ao qual Frankie se referira saiu, mal a olhando antes de se dirigir para a porta da frente.
Ela entrou no escritório.
— O que está havendo, Vito? Por que a porta estava trancada?
— É melhor você trancá-la de novo, Gia — disse ele calmamente. — Tenho algo a lhe dizer que acho que não gostaria que alguém ouvisse.
— Droga, eu quero confirmação do nome do atirador — disse Luca para seu chefe. Desta vez, eles tinham se encontrado no parque Astoria, com vista para o East River. Smith estava usando um macacão e empurrando um carrinho que continha um saco de lixo e uma vassoura. — A que organização ele está associado?
— Acalme-se, Paretti. Tire seu celular do bolso e finja que está falando com alguém. E, pelo amor de Deus, vire-se em direção ao rio, afastando-se de mim. Você não está sendo nada sutil.
— Não me importo. Gia... Eu poderia ter sido morto esta tarde.
— O assassino não estava interessado em você.
— Como pode saber disso? Smith olhou para ele.
— Você me dá relatórios. Não o contrário. Lembre-se disso.
— Acredite, não vou esquecer tão cedo.
Tentando controlar a raiva, Luca pegou seu celular e virou-se em direção ao rio, olhando para a água onde incontáveis corpos haviam flutuado para a superfície, nem todos relacionados com a máfia.
— Então, quem atirou?
Smith varreu um pedaço de papel amassado, mantendo-se fiel a seu disfarce temporário.
— Giglio.
— Eu sabia. — Luca tivera um breve vislumbre do homem, mas muito de longe para que tivesse certeza de que era o assassino de aluguel que costumava trabalhar para a família Venuto. —A qual das organizações ele passou a pertencer?
— Bem, esse é o problema — replicou Smith calmamente. — Não há evidência que ele tenha mudado de organização. Na verdade, tudo indica que ainda trabalha com os Venuto...
Gia estava sentada na cadeira do escritório, olhando para a porta trancada. Estava sozinha agora, Vito tinha saído vinte minutos atrás.
Mas as palavras dele ainda ecoavam em sua mente.
Na verdade, eram as únicas palavras nas quais parecia poder se concentrar.
— Detesto lhe dizer isso, Gia, mas Luca Paretti é do FBI.
Ela se encolheu como se estivesse ouvindo Vito falar aquilo novamente.
Sua primeira reação foi negar a verdade. Começou a defender Luca, dizendo a Vito que ele jamais a trairia. Não novamente.
Mas então parou de falar. Naquele momento, tinha nas mãos a última peça do quebra-cabeça que vinha tentando montar. Para onde Luca tinha ido quando abandonara a família muito tempo atrás. Por que nem mesmo os pais dele foram capazes de contatá-lo.
E então havia reaparecido subitamente um ano atrás se oferecendo para trabalhar para Giovanni.
O coração de Gia bateu com pesar enquanto olhava para o nada, incapaz de se mover.
Luca era do FBI.
Vagarosamente, reviveu tudo o que ele dissera, tudo que eles tinham feito juntos nas últimas duas semanas. Considerou o que ele havia descoberto sobre a organização no último ano.
E desejou que o chão se abrisse e a engolisse, de modo que não precisasse mais lidar com as questões complicadas que lhe causavam tanto sofrimento.
Houve uma batida à porta. Ela a ignorou.
— Srta. Gia? É Frankie. Eu trouxe o seu café. Desculpe a demora, mas um dos homens do sr. Cimino me pediu para fazer um serviço na rua e acabei de voltar.
Gia forçou-se a se levantar para abrir a porta. Frankie segurava uma bandeja com café, leite e bis coitos.
— Devo colocar sobre a mesa?
— Sim. Obrigada, Frankie.
Ela lutou para se recompor. Muita coisa estava acontecendo e não podia ceder ao estresse agora. A propriedade estava sendo trancada, e Gia não tinha certeza do que aquilo significava. Imagens de persianas de metal sendo fechadas sobre as janelas e arame farpado sendo colocado no topo dos portões lhe vieram à mente.
Ainda havia o fato de que estivera tão certa de que Tamburo e a organização Peluso estavam por trás do assassinato de seu pai...
Mas agora que Tamburo fora morto...
— O sr. Lorenzo disse que gostaria de lhe falar, se você tiver um minuto.
— Bem, diga-lhe que não tenho um minuto. E provavelmente não terei até amanhã — respondeu ela, distraída.
Mas quando estava indo para a mesa, parou.
— Na verdade, Frankie, esqueça. Vou subir e falar com Lorenzo imediatamente.
Gia parou do lado de fora do antigo quarto de sua mãe. Uma das enfermeiras tinha deixado a porta entreaberta. Ouviu Lorenzo repreender alguém, ordenando que providenciassem o medicamento necessário, pois estava com dor.
— Parece que você não se sente muito melhor do que pela manhã — disse ela, entrando no quarto.
— O problema é que estou com muita dor, e minha irmã convenceu o médico de que não preciso mais de medicamentos.
Gia gesticulou para que a enfermeira saísse do quarto. Então fechou a porta e anunciou:
— Tamburo foi morto.
— Não dou a mínima se o presidente foi assassinado. Quero minhas pílulas!
Ela meneou a cabeça e cruzou os braços sobre o peito.
— Então você não se importa da bala ter penetrado uma sala na qual todos os chefes da máfia estavam presentes? Ou que meu nome pudesse estar nessa bala?
Lorenzo a olhou como se ele mesmo quisesse matá-la.
— Se seu nome estivesse lá, você não estaria aqui agora me torturando. E eu teria minhas pílulas.
Gia considerou as palavras. Durante a conversa com o médico mais cedo, soubera sobre os sintomas do vício que Lorenzo claramente demonstrava. E ele tinha recomendado que agissem de uma certa maneira. Primeiro, prescreveu a dose mínima dos medicamentos que Lorenzo queria. A próxima coisa a fazer seria interná-lo, para acompanhá-lo através de equipamentos apropriados.
Gia não queria tirar Lorenzo de casa. Fazer isso seria admitir o fracasso. E envolveria outras pessoas no que era um problema estritamente familiar. Lorenzo era a única família que lhe restava. Por outro lado, estava pouco preparada para cuidar das necessidades do irmão, por mais que quisesse fazer isso. E ele precisava se livrar dos remédios e voltar a viver.
— O que aconteceu naquele dia, Lorenzo? — perguntou Gia.
Ele ficou quieto e baixou o olhar para as cobertas sobre o colo. O pijama de seda preta lhe dava uma aparência surpreendentemente normal, como se fosse um homem comum acordando pela manhã.
O problema era que já passava das sete da noite.
Gia se aproximou da cama, percebendo de repente que ainda não o pressionara para saber detalhes do evento que resultará na morte de seu pai e seu irmão, Mario. No começo, ficara apenas feliz por Lorenzo ainda estar vivo, pensando que o resto se esclareceria com o tempo. Quando ele estivesse bem o bastante, contaria alguma coisa que pudesse ajudá-los a descobrir quem era o assassino.
— Eu já disse que não lembro de nada.
— E eu não acredito em você.
Lorenzo a fitou, surpreso, então a irritação familiar cobriu-lhe o semblante.
— Qual é a novidade? Você não acredita que sinto dor e preciso das drogas. Não acredita que não posso suportar a fisioterapia porque dói demais. Não acredita que sou capaz de tomar decisões sobre minha própria vida.
— Isso porque se dependesse de você, provavelmente estaria morto. — O comentário foi descuidado. Gia não pretendera dizer isso.
Mas a expressão resignada de Lorenzo disse-lhe que ela não estava muito longe da verdade.
Gia moveu-se para uma cadeira, subitamente incapaz de suportar o próprio peso.
— É isso que você realmente queria? Acabar com a própria vida?
— Por que usou o verbo no passado?
— Diga que não é verdade.
Lorenzo ficou calado por um longo momento.
— Você sempre foi a "sabichona", não é? Papai sempre a considerou uma princesinha treinando para receber a coroa. Antes que pudesse falar, você sabia comandar o bastante para pôr tropas em ação. — Ele meneou a cabeça. — Eu não nasci com essa habilidade, sabe? Papai dizia que me faltava foco. Que mulheres e bares era tudo que eu tinha na cabeça. Falava que continuava esperando que eu amadurecesse e me apaixonasse. Que eu me casasse com a mulher certa, acomodando-me para que pudesse me interessar mais pelos negócios da família. Finalmente ser o chefe da organização um dia.
Ele não precisava dizer aquela última parte. Todos sabiam que Giovanni havia criado Lorenzo para tomar o seu lugar. Gia não sabia, contudo, que seu pai tinha uma visão negativa-quanto ao estilo de vida de Lorenzo ou questionasse suas habilidades de liderança.
— Como você respondeu a isso? — perguntou ela. — Quando ele disse que você não tinha foco.
Lorenzo a olhou.
— Como acha que respondi?
— Se eu soubesse, não teria perguntado. Ele ficou em silêncio novamente.
Gia determinou-se a esperar. Mas após alguns minutos, notou como Lorenzo estava transpirando e contorcendo-se de dor, e se perguntou se ele ainda se lembrava da questão original.
— O que aconteceu naquele dia, Lorenzo?
A agitação dele retornou.
— Saia daqui, Gia. Não preciso que você me julgue. Pelo que ouvi dizer, você não tem sido exatamente uma cidadã correta nos últimos tempos.
Gia sentiu um nó na garganta. Com quem ele tinha falado sobre os acontecimentos da família?
Então lembrou que Vito visitava seu irmão duas vezes por dia, às vezes mais.
Nunca considerara que talvez eles pudessem falar sobre negócios. Principalmente porque Lorenzo não parecera capaz de ter uma conversa normal.
Pelo menos não com ela.
— Por que acha que estou julgando você? — perguntou Gia.
— Por que mais você estaria aqui, perguntando sobre algo que aconteceu há um mês e meio, se não achasse que eu tenho alguma culpa nisso?
Gia arqueou as sobrancelhas em surpresa.
— Eu nunca disse nada para lhe dar essa impressão. Estou apenas interessada em encontrar os assassinos de nosso pai e irmão e fazer justiça. — Ele empalideceu. — Lorenzo? Há algo que não sei? Porque estou tendo dificuldade em entender o que está havendo aqui.
As mãos dele começaram a tremer enquanto mexia no cobertor. Mas se era devido à falta dos medicamentos ou à conversa deles, Gia não tinha certeza.
— Lorenzo? — Ela se levantou e se aproximou da cama, um tremor interno começando a percorrê-la.
— Você acha que sabe de tudo, não é? Sobre mim. Sobre papai. Sobre a organização. — Os olhos dele eram acusadores, revelando uma dor que ela suspeitava ser maior que a dor física. — Você não sabe de nada, Gia. De nada.
— Então, fale. Eu quero saber, Lorenzo. Preciso saber. — Gia se esforçou para manter a respiração regular. — Ultimamente minha vida tem sido consumida com a busca de fazer justiça pelas perdas de nossa família. Desisti da Bona Dea, fechei meu apartamento e me mudei para cá, tentando cuidar de um negócio sobre o qual não tinha conhecimento até ser forçada a lidar com isso em seu lugar.
— Você realmente não tem idéia, tem?
Ela se inclinou para mais perto.
— Idéia do quê?
Ele agarrou seu braço e Gia arfou, pega de surpresa pelo movimento rápido e forte.
— De que Tamburo não foi o responsável pelo assassinato de nosso pai.
— Então quem foi?
Ela procurou desesperadamente pela resposta no rosto dele, querendo sacudi-lo na esperança de fazê-lo falar.
E a verdade lhe ocorreu. Uma das possíveis verdades.
Tentou remover a mão, mas Lorenzo a apertou com mais força, machucando sua pele.
— Ah, agora você está começando a entender.
Gia observou quando os grandes olhos de seu irmão se encheram de lágrimas, como se toda a dor do mundo residisse ali.
— Dois meses atrás, papai me deu um prazo. Disse-me que eu precisava evoluir e provar ser capaz de ter um papel significante na organização. E que se no fim do prazo eu não atendesse às expectativas dele, iria se concentrar em Mario.
Gia sentiu uma vontade súbita e inexplicável de fugir, correr do quarto para não ouvir o que temia que ele estivesse prestes a dizer.
— Sabe qual foi a minha resposta?
Ela não respondeu. Suas próprias lágrimas nublaram-lhe a visão.
— Perguntei se você sabe qual foi a minha resposta? — repetiu ele, mais alto, apertando seu pulso novamente.
Gia meneou a cabeça.
— Eu disse: "Sim, papai." Assim como todas as outras vezes que ele tentava encher minha cabeça com conselhos e me pressionar para uma direção que eu não queria ir.
— Para onde você queria ir? — sussurrou ela.
— Eu queria ser pintor. Você sabia disso, Gia? Alguém da família sabe que eu tenho um estúdio em Manhattan? Que uma galeria de arte tinha acabado de me fazer uma oferta para expor meu trabalho? Que eu tinha até mesmo a data marcada para minha primeira exposição?
Gia piscou, lembrando-se de que ele gostava de desenhar quando era mais jovem, e que costumava sumir com os blocos de desenho dela de vez em quando. Gia achava que era porque ele queria atormentá-la. Uma rivalidade normal entre irmãos.
Nunca imaginara que Lorenzo realmente havia usado os blocos.
— Contei a papai, e sabe o que ele fez? Deu-me um ultimato. Falou que arte era para gays, e que era melhor eu tomar jeito ou ele me cortaria da família.
Um tremor fez os joelhos de Gia enfraquecerem.
— Então, fiz a única coisa que sabia fazer. A única coisa que ele me ensinou.
Gia começou a menear a cabeça, tentando impedir as palavras que viriam.
— Armei uma conspiração para me livrar dele.
— Não! — Ela pensou que gritara a palavra, mas saiu como um sussurro rouco.
— Sim, Gia. Ajudei a matar o nosso próprio pai. Mapeei a rota que ele faria naquele dia para encontrar os irmãos Guarino. Programei exatamente onde nós estaríamos, e quando. Então, no momento que os assassinos de aluguel pararam de cada lado do nosso carro, o único que não ficou surpreso fui eu.
Gia tentou liberar o pulso novamente.
— Me solte! Me solte!
— Por quê? Para que você possa fazer o que quero fazer desde aquele dia? Desde o momento em que assisti nosso pai levar a primeira bala no braço? — Lorenzo fechou os olhos e apertou-a com mais força. — Acho que nunca vou esquecer o rosto dele. O jeito como me olhou. Não sei como papai sabia, mas... sabia. Olhou para mim em choque, como se a última coisa que esperasse era que eu o quisesse morto.
— Pare! Não quero mais ouvir. Ele a puxou para mais perto.
— Então me dê as malditas drogas, Gia — disse Lorenzo cruelmente. — Deixe-me terminar com esse terrível... sofrimento. Deixe que eu me mate e acabe com a dor.
O sol estava baixando no horizonte quando Luca conduziu o carro para dentro da propriedade Trainello. Todas as suas terminações nervosas estavam em alerta. Seus instintos lhe diziam que havia alguma coisa terrivelmente errada.
Ele desceu do carro, diminuindo o ritmo dos passos quando percebeu que não havia mais outros veículos ali. Nem homens armados.
Indo para a porta, abriu-a, surpreso ao encontrá-la destrancada e sem ninguém no vestíbulo.
— Gia? — ele chamou. Sua própria voz ecoou no ar. Jesus. O que estava acontecendo?
Luca vasculhou o primeiro andar em dez segundos, não encontrando ninguém lá. Nada na biblioteca, no escritório ou na cozinha. O lugar estava completamente vazio.
Subiu os degraus de dois em dois, o coração acelerado no peito. Onde estavam todos? Onde estavam Vito e seus homens? Por que a casa não estava sendo guardada?
Onde estava Gia?
Ele abriu a porta do quarto dela e um grande alívio o percorreu. Gia estava deitada sobre a cama, encolhida, ignorante do mundo.
A próxima emoção que Luca sentiu foi medo...
Gia ouviu vagamente a voz de Luca chamando-a, mas era incapaz de responder, incapaz de fazer o mais simples movimento. Estava deitada na cama, desejando fechar os olhos, mas até esse pequeno alívio lhe era negado, porque cada vez que piscava, uma série de imagens não desejadas se imprimiam em suas pálpebras.
O rosto de Vito quando lhe contara que Luca era um agente do FBI...
Lorenzo segurando-lhe a mão com brutalidade enquanto confessava ter matado o pai e o irmão deles...
A expressão que seu pai teria feito quando ele descobrira que seu próprio filho o matara...
Ela ouviu a porta de seu quarto abrir e fechar.
— Gia.
A palavra foi dita com alívio, e quase imediatamente ela sentiu o peso de Luca na cama ao seu lado.
Ela finalmente encontrou forças para se mover. Para longe dele.
— Não — sussurrou, indo para o lado oposto da cama e sentando-se de costas para Luca.
Sentiu a mão grande em seu ombro, o calor espalhando-se através da blusa e sobre sua pele. Ela não o afastou.
— O que houve, Gia?
Por onde começar? Pelo fato de que sua vida durante as últimas seis semanas tinha sido uma mentira? Começando com seu desejo de fazer um estranho pagar pela perda de dois membros de sua família apenas para descobrir que o último membro restante, de seu próprio sangue, havia puxado o gatilho?
E terminar com a última traição de Luca?
— Conte-me o que está acontecendo. — Luca apertou seus ombros e a virou, forçando-a a encará-lo. Ela o olhou como se o quisesse ver morto.
Ele piscou em face ao confronto não verbal de Gia. Então lentamente abaixou as mãos para o colchão.
— Você sabe — disse ele simplesmente. Gia assentiu. Sabia.
Na verdade, temia saber demais. Seu cérebro parecia doer pela infusão de tantas informações indesejadas. O coração parecia prestes a explodir.
— Gia, eu...
Ela finalmente o olhou, querendo, precisando desesperadamente ouvir alguma coisa que pudesse lhe dar um fio de esperança.
— Sei que não existe a menor possibilidade de me desculpar. Apenas saiba que... minha missão... não tinha nada a ver com você.
— Mas tinha a ver com meu pai.
Ele não falou nada por um longo momento, mas assentiu.
— Sim, tinha.
— Por quê? O que meu pai lhe fez para merecer o seu ódio?
Os olhos azuis de Luca soltaram faíscas.
— Ele matou meu irmão.
As palavras roubaram o ar dos pulmões de Gia.
— Não diretamente. Seu pai não puxou o gatilho. Mas envolveu Ângelo num ambiente que o tornou vítima de um crime violento, que não teria acontecido sem a existência da máfia.
— Seu irmão foi assaltado — sussurrou ela.
— Por membros de famílias rivais que queriam mesma posição de Ângelo dentro da organização. Pelos mafiosos egocêntricos.
Puro ódio a dominou.
— E o que o faz pensar que você é melhor do que qualquer um deles?
Luca a olhou, a questão pegando-o de surpresa.
E se alguém tivesse feito a ele a mesma pergunta sete anos atrás, talvez ele nunca tivesse escolhido o mesmo caminho.
Mas qual teria sido a alternativa? Teria se tornado um advogado da máfia? Passado os últimos sete anos defendendo os criminosos que eram bem-sucedidos em derramamento de sangue? Teria ultrapassado os limites e cedido à violência, também?
Porém, mais importante, ele e Gia teriam se casado, tido o bebê que ela estivera esperando. O primeiro de muitos?
O sofrimento refletido no rosto dela fez o peito de Luca se comprimir.
Um som do lado de fora lhe chamou a atenção. Ele foi para a janela. O sol já tinha quase se posto completamente.
Por que tinha a sensação de que algum tipo de contagem regressiva estava acontecendo?
— Gia, onde estão todos?
Ela se movimentou na cama e passou as mãos pelos cabelos.
— O quê?
Luca a olhou por sobre o ombro.
— Vito? Os seguranças? Onde estão todos?
Gia saiu da cama e parou ao lado dele, a fim de olhar pela janela, também.
— Mandei Frankie de volta ao estábulo mais cedo.
— Não tem ninguém aqui, Gia. Não há carros na garagem, e ninguém ao redor. Até mesmo a cozinheira parece ter sumido.
Ela o fitou, assustada.
— Ah, meu Deus.
— Venha. — Ele segurou seu braço e a conduziu para o corredor e para a escada. Gia olhou ao redor enquanto andavam, tão surpresa com o silêncio quando Luca tinha ficado.
Os holofotes automáticos do lado de fora da casa acenderam, a única fonte de iluminação no interior. Luca parou no vestíbulo, apertando a mão de Gia com tanta força que a fez emitir um pequeno gemido abafado.
— Desculpe — murmurou ele, afrouxando o aperto. — Precisamos sair daqui.
— Lorenzo... — sussurrou Gia.
— Nós mandaremos uma ambulância para ele.
— Não, não foi isso que eu quis dizer. É que...
As palavras dela falharam, e os olhos se encheram de lágrimas.
Luca a puxou para mais perto, rezando para que ela não recusasse seu toque.
— O que é, Gia?
— O próprio filho de meu pai conspirou para matá-lo — ela falou tão rapidamente que ele quase não entendeu.
— Quem lhe disse isso?
— O próprio Lorenzo. Luca a puxou para seus braços.
— Oh, Gia. Sinto muito. Aquilo fazia certo sentido, pensou Luca. Durante último ano, observara mais discórdias entre pai e filho do que podia contar. Giovanni queria que o filho se preparasse para seguir seus passos, enquanto Lorenzo deixava claro que aquilo era a última coisa que queria faze na vida.
— Ele não fez isso sozinho, Gia — murmurou Luca sentindo o aroma doce dos cabelos dela.
— O que você quer dizer? — Ela se afastou para olha-lo.
— Que, embora Lorenzo possa ter ajudado, não era poder por trás do gatilho.
— Mas Tamburo... Ele meneou a cabeça.
— A organização Peluso não teve nada a ver com isso. Ou ninguém das outras organizações. Ela pareceu confusa.
— Giglio atirou em Tamburo na reunião, hoje. E ele não estava trabalhando para nenhuma outra organização — disse Luca.
Gia tentou decifrar o que os olhos de Luca diziam.
— Mas se Giglio não estava trabalhando para ninguém mais, então... — ela parou e empalideceu completamente. — Vito — acrescentou com um sussurro.
Luca a abraçou apertado, e Gia deitou a cabeça em seu peito, parecendo incapaz de se conter, procurando consolo de qualquer fonte que não lhe causasse dor.
— Não se preocupe, Gia. Nós o pegaremos. — Ele beijou o topo de sua cabeça. — Mas...
— Mas o quê?
— Mas terei de pedir a sua cooperação. A expressão de Gia tornou-se dura.
— Você quer dizer, entregar Vito para os federais?
Luca deixou o olhar se demorar nos lábios sensuais.
— Você me odeia, Gia? Ela se calou por um tempo.
— Não, Luca. Eu jamais poderia odiá-lo — murmurou finalmente.
— Ouça, não sei que outra escolha temos. Todos em que você confiava a traíram. Se não pegarmos Vito primeiro...
Ele não precisou terminar a frase. Ambos sabiam o que aconteceria se Vito não fosse detido. Ele não pararia até matá-los.
— Vamos — disse Luca, segurando sua mão. — Vamos sair daqui.
Começou a andar em direção à porta quando Gia parou.
— Acho que já é tarde demais.
Gia viu um feixe de luz que não provinha dos holofotes do lado de fora. Saía do gramado da frente, penetrando as cortinas claras da janela. Luca viu ao mesmo tempo, e a puxou para trás no momento que a luz da lanterna teria tocado as pernas dela.
De algum lugar dos fundos, os cachorros latiram alto.
— Droga! — Luca soltou sua mão e tirou o celular do bolso, enquanto Gia tentava calcular quantas pessoas podiam estar do lado de fora.
O telefone não deu linha. Luca praguejou e continuou tentando, sem sucesso. Então o fechou.
— Eles devem ter instalado um dispositivo para que não consigamos fazer ligações. Talvez eu consiga um sinal do andar de cima.
— E quanto à linha regular? — perguntou Gia.
— Se eles interferiram na transmissão do celular, certamente cortaram o telefone normal.
O clarão da lanterna entrou pelo vestíbulo novamente e, dessa vez, Gia o puxou para trás.
Houve alguns gritos agudos dos cães, e subitamente os latidos pararam.
O coração de Gia disparou no peito, a adrenalina correndo pelas veias.
A máfia havia levado sua família inteira. Agora estava tentando matá-la.
— Gia, nós...
Ela agarrou a parte da frente da camisa de Luca com ambas as mãos.
— Posso confiar em você?
Ele a fitou como se a última coisa que esperasse fosse aquela pergunta.
— Com sua vida.
— Não, Luca, quero dizer, posso confiar em você. Realmente confiar em você?
— Diga-me o que você quer que eu faça.
Luca seguiu Gia para o escritório, encontrando a porta trancada, e a chave de Gia não conseguia abri-la. O corredor fechado os protegia das pessoas do lado de fora.
Isso se não houvesse ninguém do lado de dentro.
— Vito deve ter trocado a fechadura e o código de segurança.
Luca não conhecia toda a propriedade, mas supôs que o escritório de Giovanni fosse algum tipo de refúgio, provavelmente mais seguro do que qualquer outro cômodo da casa. Era centralmente localizado e, com certeza, a porta e as janelas seriam à prova de balas.
— E quanto ao porão? — perguntou ele. Gia meneou a cabeça.
— Não. Venha.
Ela o conduziu para o vestíbulo, tomando cuidado com possíveis observadores, e entrou na biblioteca. Com movimentos frenéticos, correu as mãos ao longo de uma fileira de livros, então retirou um, à sua esquerda, da prateleira superior. Nada aconteceu. Continuou fazendo o mesmo com uma sucessão de livros.
— Vamos, vamos, onde está?
Luca ia perguntar pelo quê ela estava procurando quando ouviu um clique, e a parte do meio da estante se abriu, derrubando alguns livros no chão.
Ele tinha trabalhado lá por um ano e nunca soubera da existência de uma porta secreta.
Mas, neste momento, começava a entender que não sabia de muita coisa.
Seguiu Gia através da porta. Ela apertou um botão, fazendo a estante se fechar atrás deles corri um forte barulho metálico. Mais um botão e a sala secreta foi iluminada por uma luz fluorescente fixada no teto.
— Cristo, o que é isso?
— Papai mandou construir a sala quando comprou a propriedade. Ele nos mostrou quando éramos crianças, dizendo que se alguma coisa acontecesse, nós deveríamos vir para cá, onde estaríamos seguros.
Ela digitou em um teclado que estava sobre uma prateleira diante de uma dúzia de monitores de televisão.
— Então Vito saberia sobre este local — disse Luca. Ela o olhou.
— Não, ele não saberia. Papai confiava em diversas pessoas, mas não completamente. Nem mesmo em. Vito.
— Lorenzo não teria contado nada? Gia empalideceu.
— Não vejo motivo pelo qual ele o faria. Parece preocupado com seus próprios pecados no momento. Vamos esperar que Lorenzo não seja um deles. E se ele contasse a Vito agora, seria tarde demais. — Ela bateu na parede. — A sala é envolvida em trinta centímetros de aço. Há três fontes de ar separadas, caso alguma delas seja bloqueada. E caso o ar de fora não possa ser usado...
Gia apontou para uma série de portas num gabinete de metal à sua esquerda.
Luca abriu a primeira e encontrou muitos frascos de oxigênio, assim como máscaras de gás e roupas especiais.
Quando se virou, viu que os monitores acesos na frente de Gia estavam ligados.
— Aqui está.
Luca se moveu e parou atrás dela, observando as imagens de todas as câmeras de segurança da casa. Câmeras das quais ele nem tinha conhecimento. Uma após outra, Gia exibiu as imagens. O vestíbulo, a cozinha, a biblioteca. Apenas o escritório não aparecia. Lucas supôs que Giovanni não quisera que o interior de seu escritório fosse exibido no sistema de circuito fechado de televisão. Homem esperto.
— Eles ainda não entraram — Gia falou quase que para si mesma. — Vamos ver o que está acontecendo lá fora.
Mais alguns toques no teclado e as imagens mudaram. E o que revelaram a fez dar um passo atrás, colidindo com Luca. Ele pôs os braços ao seu redor.
— Meu Deus, deve ter pelo menos uma dúzia de homens lá fora.
Luca tinha de concordar. E aqueles eram apenas os que podiam ver.
A seis metros de distância, homens camuflados se abaixavam atrás de arbustos, cada um deles usando lanternas para ver o exterior da casa e tentar enxergar o interior. Parecia mais um grupo de militares do que assassinos da máfia. E estavam todos armados até os dentes.
Mas Luca sabia que não era um grupo de militares, porque Smith estava esperando seu sinal. O qual ele não podia dar.
Além disso, sabia que muitos dos jovens que agora serviam à máfia também tinham servido o exército americano. E operações no campo haviam sido armadas ao norte de Nova York, primeiramente para treinar os novos soldados da máfia.
— O que nós vamos fazer? — sussurrou Gia.
A sala deveria ter feito Gia se sentir segura. Mas, enquanto tentava acompanhar os homens do lado de fora avançando metodicamente para a casa, sentia-se como um ratinho preso numa armadilha.
— Existe algum jeito de conseguir uma linha para fora? — perguntou Luca.
Ela se virou para encará-lo. Estranhamente, o sentimento de traição que sentira mais cedo havia desaparecido pela urgência da situação.
— Não sei. Acho que existe uma linha de telefone separada aqui na sala...
Enquanto falava, Gia vasculhava a pequena sala. Achou um aparelho de telefone num gancho na parede ao lado dos monitores. Pegou-o. Nada. Apertou algumas teclas na base. Nada ainda.
— Parece que seu pai estava esperando a Terceira Guerra Mundial.
Gia se virou para onde Luca tinha aberto as outras portas do gabinete. Armas de todos os modelos e tamanhos estavam dispostas ao longo de caixas de munição. Ele pegou um rifle semi-automático, checou a câmara e rapidamente a carregou. Colocando-o de lado, pegou uma pistola e trocou o cartucho vazio por um novo, pondo-a na parte de trás do cós da calça.
A visão de Luca parecendo tão à vontade comas armas a fez questionar se o conhecia bem. Sim, enquanto ele estivera associado com a organização sete anos atrás, Giovanni o mantivera por perto. A ida de Luca para a faculdade de direito o isentara da maioria dos trabalhos criminosos.
Não, Luca não havia adquirido habilidade com as armas junto à família. Aprendera-as com o FBI.
— Você não está pensando em atirar neles — sussurrou ela.
Ele carregou uma outra pistola, e estendeu para ela. Gia não se moveu. Luca pegou sua mão e colocou o metal frio e pesado contra sua palma.
— O que você sugere? Que fiquemos escondidos aqui até eles irem embora?
— Por que não? Eles irão vasculhar a casa, não encontrarão ninguém...
Gia parou, lembrando-se que havia uma pessoa na casa: Lorenzo.
— Temos de trazer seu irmão para cá — disse Luca, lendo seu pensamento. — Antes que eles invadam a casa.
— Como vamos fazer isso?
Ele se virou para os gabinetes, pegando fones de ouvido e um rádio portátil.
— Eu vou sair. Você me manterá informado através do rádio.
— Mas não vai funcionar através das paredes de aço. Ele a fitou de modo significativo.
— Teremos de deixar a porta aberta.
O estômago de Gia se revolveu de medo. Mas aquilo tinha de ser feito. A câmera no quarto de seu irmão o mostrava sozinho e dormindo. E não havia nenhuma enfermeira à vista. Ou elas haviam percebido o que estava acontecendo, ou haviam precisado sair por ordem de um dos homens de Vito.
Gia estivera tão obcecada por suas emoções que não percebera que enquanto seu mundo interior estava desmoronando, o mundo exterior também estava.
Encontrou o olhar de Luca.
— Se você vai fazer isso, é melhor que faça agora.
Ele apagou as luzes, os monitores enviavam um brilho azulado ao redor da sala, e moveu-se para abrir a porta.
Gia segurou-lhe o braço e virou-o para si, fitando-lhe os olhos. Não podia pensar em nada para dizer. E uma vez que ele também estava em silêncio, ela fez a única coisa que mostraria como se sentia: beijou-o.
Tinha passado por tanta tensão durante aquela tarde... Tamburo fora assassinado. Ela temera pela própria vida enquanto tentava apurar quem era o responsável por matar seu pai. Quando voltara para casa ouvira a revelação de Vito de que o homem que amava queria destruir sua família. Buscando informações de seu único parente de sangue, descobrira apenas que Lorenzo havia ajudado a matar o pai deles. Finalmente, descobrira que tio Vito, o amigo mais leal de seu pai, não apenas o tinha traído, mas traído a ela também, trabalhando junto com Lorenzo para ganhar o controle sobre a organização Venuto.
E agora, percebia que família não era uma união de pessoas que compartilhavam a mesma linhagem, iam para a mesma igreja ou nasciam dos mesmos pais.
Família era amor.
E amava Luca Paretti com cada fibra de seu ser.
E confiava nele da mesma maneira.
Ela finalmente se afastou e acariciou seu rosto.
— Tome cuidado.
— Você também. Se vir alguém entrando através dos monitores, feche esta porta, está me ouvindo?
Gia assentiu, detestando a idéia de deixá-lo sair sozinho. E detestando por ficar sozinha e exposta.
Mas não havia outra escolha. Apesar de Lorenzo ter traído o pai, ela não poderia deixá-lo deitado lá, vulnerável aos assassinos que se aproximavam da casa e não perderiam tempo.
Seu pai podia estar morto, mas seu irmão ainda estava vivo. E não era tarefa de Gia julgá-lo. Que Deus o julgasse quando Lorenzo passasse para a outra vida. Preferia que a vida dele seguisse o curso natural, e que passasse um longo tempo considerando seus pecados e tentando o perdão por eles.
— O caminho está limpo — murmurou ela através do rádio, vendo que os homens do lado de fora ainda estavam a uma boa distância da frente da casa. — Mas você não tem muito tempo. Suba a escada. Agora!
Ele fez conforme o ordenado. Gia movimentou os monitores para assisti-lo alcançar o segundo andar, o revólver estendido à frente.
Em poucos segundos, Luca estava no quarto de seu irmão.
Gia suspirou aliviada.
O antigo quarto de sua mãe parecia estranho na tela do monitor. A cama que dominava o espaço parecia grande demais, e, no escuro, o ambiente aparecia dividido em espaços pretos, brancos e cinzas.
Ela viu quando Luca tirou a pistola de trás da calça se aproximou da cama. Mas Lorenzo não estava açor dando.
E então, uma terceira pessoa surgiu no canto da tela.
— Luca! — ela gritou no rádio. — Atrás de você!
Luca virou-se imediatamente com a pistola na mão, e viu que estava apontando sua arma para ninguém menos que Vito Cimino.
O homem mais velho tinha sua própria arma apontada para Luca.
— Pontos fracos — disse Vito, o sorriso brilhando na semi-escuridão. Apenas os holofotes do lado de fora amenizavam as sombras. — Nesse negócio, é importante que você conheça o ponto fraco de cada um.
Luca olhou rapidamente para Lorenzo, não gostando de vê-lo tão imóvel.
— Eu sabia que Gia viria atrás do irmão. Tudo que tive de fazer foi vir para cá e esperar. Só não pensei que ela o mandaria para fazer o trabalho em seu lugar. Talvez a garota seja mais inteligente do que pensei.
Luca estreitou os olhos.
— Há quanto tempo você sabe que estou no FBI? Vito deu de ombros, aproximando-se.
— Desde que você se alistou. Isso era parte de meu trabalho, checar os funcionários novos. — Ele parecia satisfeito consigo mesmo. E deveria mesmo estar, porque Luca e Smith tinham feito tudo que podiam para não deixar pistas. — Os federais pensam que são tão espertos. Plantam sujeitos aqui e ali. O que não sabem é que temos alguns de nossos homens plantados entre eles. — Ele riu. — Você devia ter limpado sua própria casa antes de entrar nesta.
— Por que não me delatou?
— Porque meu plano para assumir meu lugar de direito como chefe da família Venuto já tinha iniciado. E assim como é importante conhecer os pontos fracos de meu oponente, no caso de Giovanni eram seus filhos, é igualmente importante saber o momento de usar esses mesmos pontos fracos contra eles. — Vito deu de ombros novamente. — Além disso, eu sabia que a organização não precisava se preocupar com você. Já estava decidido que Giovanni sairia do caminho. Portanto, não foi difícil convencer Cláudio a acabar com ele... de uma vez por todas. E você sempre teve um fraco por Gia.
Luca ouviu a voz de Gia em seu ouvido;
— Dois homens acabam de chegar à frente da casa.
— Feche a porta — replicou ele. — Feche a porta imediatamente!
Ele desligou o fone de ouvido, caso ela escolhesse ficar em contato, em vez de se proteger. Jogou-o sobre a cama, vendo, então, a mancha de sangue sobre a coberta branca. Uma mancha que estava aumentando.
Foi então que percebeu que Lorenzo não estava dormindo. Estava morto.
Gia praguejou por Luca ter desligado o fone de ouvido, e apertou o botão para fechar a sala secreta, mesmo enquanto mantinha os olhos grudados na cena que passava no monitor.
Vito estava a apenas alguns centímetros de Luca agora.
— Então, diga-me, Vito — disse Luca para o outro homem. — Por que você acha que merece ser o chefe da organização Venuto?
Gia detestava o fato de que podia ouvir o que estava sendo dito, mas não podia responder.
— Mate-o! — ela ordenou a Luca. —Atire nele, pelo amor de Deus, e volte aqui.
Olhou para os outros monitores. Um outro homem tinha chegado à cozinha.
Mas...
Gia olhou mais de perto. Ele não parecia com os outros homens. Não estava armado e nem usando uma máscara.
O estômago dela embrulhou. Frankie.
O que ele ainda estava fazendo lá? Poderia estar envolvido naquela atividade? Ou estivera no estábulo, vira o movimento na casa e tinha ido para lá? Seria bem típico de Frankie não ver os homens que agora se aproximavam da cozinha pelos fundos. A casa estava sempre rodeada por homens armados, então por que ele desconfiaria?
Ah, Deus.
O garoto tinha sorte de ter chegado vivo à casa. Mas quanto tempo essa sorte duraria, uma vez que os homens entrassem e começassem a atirar em qualquer coisa que se movesse?
Gia apertou um botão que controlava a porta, a qual se abriu com um barulho eletrônico baixo. Começou a ir para a biblioteca, então voltou e pegou dois revólveres, pondo um no bolso da calça, e segurando outro.
— Frankie! — chamou num sussurro. — Sou eu, Gia. Estou na biblioteca.
— Olá, srta. Gia, o que está acontecendo? Por que as luzes não estão funcionando? Todas elas estão...
As palavras dele foram abafadas pelo som de uma bala estilhaçando a porta de vidro da cozinha.
— Frankie, corra!
Ele foi para a direção oposta.
— Não, para cá. Para a biblioteca.
Ele parou, parecendo incerto sobre que direção tomar, então finalmente começou a ir para a biblioteca... no exato momento em que a porta da mesma foi baleada.
As mãos de Luca estavam secas, apesar da carga de adrenalina que recebeu quando ouviu o som de vidros se quebrando no andar de baixo.
Droga!
Gia teria fechado a porta da sala? Estava lá dentro agora, olhando para os monitores?
Ou tinha deixado a porta aberta e agora era presa dos homens que estavam entrando na casa?
Ele não tinha idéia de como ia voltar à sala.
— Por que matou Lorenzo? — perguntou para Vito. — Ele não era ameaça para você.
— Ele era uma ameaça maior do que você imagina.
— Por que ele conspirou com você para matar Giovanni? — Vito o encarou. — Sim, Gia e eu sabemos. Lorenzo contou a ela esta tarde.
— Tanto faz. Ele não me servia mais, de qualquer forma. E assim que eu tirar você e Gia do caminho, a organização é minha, sem ninguém para contestar.
— Ah, mas haverá oponentes de todos os lados, não é, Vito? Porque essa é a natureza dos negócios da máfia. O último homem que ficar em pé será o vencedor.
Luca puxou o gatilho ao mesmo tempo em que se afastava da cama. A bala atingiu a parte superior do peito de Vito, que tropeçou, mas continuou em pé. Luca se abaixou no chão, a arma ainda apontando para Vito, cujo ferimento não o matara imediatamente. Mas, a julgar pela quantidade de sangue escorrendo do peito dele, o homem morreria em breve.
— Seu desgraçado! — gritou Vito, pressionando uma das mãos contra o ferimento enquanto apontava a arma com a outra.
Luca puxou o gatilho novamente. Desta vez, mirando na cabeça de Vito. A bala o atingiu na testa com precisão mortal.
Por que arriscar?
Gia estava o mais perto do chão que podia, e continuava imóvel. Segurava o revólver com as duas mãos.
— Aqui! Aqui sobre a estante — disse para Frankie.
O adolescente correu em sua direção e, naquele momento, ela teve a esperança de chegar à sala sem problemas.
Infelizmente, parecia que outros a tinham ouvido chamar o garoto, e diversos tiros foram dados à direita de Gia, lascas do revestimento de madeira preenchiam o ar. Frankie foi baleado no calcanhar e caiu imediatamente de joelhos, a poucos metros de distância.
Gia pôs a arma no chão e se apressou em direção ao garoto.
— Vamos, droga! — sussurrou ela. — São só alguns metros. Você consegue.
— Não sei, srta. Gia — murmurou Frankie com voz fraca. — Acho que não consigo.
Ela se posicionou atrás dele e segurou-o por baixo dos braços, determinada a arrastá-lo, se necessário.
Mais tiros. Gia moveu-se o mais rápido possível. Ajoelhou-se, protegida pela abertura da porta de segurança.
— Ai, srta. Gia. Eu não sabia que isso podia doer tanto...
As palavras falharam, mas foram o bastante para informá-la de que ele ainda estava, de alguma maneira, milagrosamente vivo. Gia endireitou o corpo novamente e o puxou. Faltava apenas meio metro.
— Parada aí, garota. Parada aí.
O som de passos sobre vidros quebrados. Gia viu um dos homens mascarados parado a alguns metros de distância, a arma diretamente apontada para ela.
Um único tiro. Mas Gia não foi atingida. Em vez disso, a bala atingiu o peito de Frankie.
As lágrimas nublaram seus olhos e o coração se comprimiu quando ela virou em direção à sala, rezando para que a porta automática se fechasse a tempo de salvá-la.
Uma outra sombra apareceu atrás do homem mascarado.
Luca!
Mas não era Luca. Ela o reconheceu como Carlo Giglio, o assassino de aluguel que uma vez trabalhara para Giovanni, e que havia atirado em Tamburo sob as ordens de Vito mais cedo naquela tarde.
O pé de Gia escorregou em alguma coisa molhada. Com a esperança diminuindo, percebeu que era o sangue de Frankie que cobria o piso de madeira polida.
Então era isso. Era assim que tudo ia acabar. Ela morreria a centímetros de uma sala que poderia protegê-la de centenas de balas. Na casa de seu pai. No lugar em que crescera. A última dos Trainello assassinada a sangue frio.
Tudo parecia acontecer em câmera lenta. Seu pé direito conseguiu apoio e Gia se moveu para a frente ao mesmo tempo em que ouvia o eco de uma outra bala saindo do cartucho.
Mas não tinha sido o atirador mascarado que puxara o gatilho. Era Giglio. E o alvo não fora Gia, mas a cabeça do atirador.
— Estou entrando — Luca disse para Smith de seu celular. Ele tinha conseguido sair pela janela do quarto e subir ao telhado, onde voltou a receber o sinal do celular, pressionando a tecla de emergência e pronunciando uma única palavra para seu chefe: — Vaga-lume.
Cinco minutos depois, Smith estava lá, e helicópteros pairavam acima da propriedade, iluminando a área inteira. Agentes do FBI estavam descendo por cordas. Flashes brilhantes iluminavam a noite, enquanto tiros soavam no ar.
— Não faça nada, Paretti!— ordenou Smith.
Luca derrubou o telefone e voltou para o quarto, entrando pela mesma janela pela qual saíra. Passando pelos corpos de Lorenzo e Vito, pegou uma arma e foi para o corredor, não parando até que desceu a escada, se dirigiu ao vestíbulo e foi para a biblioteca. Precisava se certificar de que Gia tinha fechado a porta. Que ainda estava segura na sala, isolada do que acontecia ao seu redor.
A visão de um corpo no chão o fez parar. Ah, Deus, não...
Com o coração disparado, aproximou-se da forma imóvel no chão, voltando a respirar quando descobriu que não era o corpo de Gia, mas sim de Frankie.
Abaixou-se e verificou a pulsação no pescoço magro do garoto.
A porta secreta começou a se abrir. Assim que estava aberta o bastante, ele deslizou de lado e pegou Gia em seus braços, beijando seu rosto enquanto apertava o botão para fechar a porta.
— Meu Deus, pensei que fosse você lá fora — murmurou ele, abraçando-a com tanta força que teve medo de machucá-la.
— É Frankie. Tentei ajudá-lo, tentei fazê-lo entrar aqui, mas... não consegui. Simplesmente não consegui.
Luca entrelaçou ambas as mãos nos cabelos de Gia e segurou seu rosto, sentindo as lágrimas que escorriam por ele.
— Graças a Deus você está bem — sussurrou ele emocionado. — Frankie ainda está vivo. Temos de ajudá-lo agora.
Foi então que Luca se tornou ciente de que eles não estavam sozinhos na sala.
Instantaneamente, puxou Gia para o lado e sacou a arma que colocara atrás do cós da calça, ao mesmo tempo em que o outro homem fez a mesma coisa.
Giglio.
— Parem! — gritou Gia. — Parem imediatamente, vocês dois.
Lucas olhou para Gia e para o assassino, tentando entender.
— Ele salvou minha vida — disse ela, parecendo que tinha ido ao inferno e voltado. Havia lascas de madeira nos cabelos de Gia, manchas no rosto e sangue nas mãos. Luca suspeitava que era o sangue de Frankie.
— Eu vou perder a minha se você perder a sua — disse Giglio.
— Não entendo — Luca falou para Gia.
Giglio desalojou a mão esquerda da arma e ergueu-a. Um momento depois, jogou a arma no chão e levantou a outra mão.
— Não fiz nada demais — disse Giglio.
— Mas você matou Tamburo. — Luca manteve a arma apontada para ele.
— Sim, matei. Mas pensei que estivesse fazendo isso a mando de Gia. Foi isso que Vito me fez acreditar. — Ele olhou para as próprias mãos. Luca se perguntou se ele via todo o sangue que cobria sua pele clara. — Há apenas alguns minutos, descobri que Vito tinha mentido para mim. Mentido para todos os homens. Ele não estava tentando proteger Gia, e sim matá-la. — Ele ergueu a cabeça, focando os olhos incrivelmente verdes em Luca. — Giovanni Trainello era como um pai para mim. Eu jamais o teria traído. — Giglio gesticulou em direção a Gia. — Embora ela não me conheça, é como uma irmã para mim. Eu não poderia ficar parado e permitir que alguém a matasse. Jurei proteger a família Venuto até a morte. E para mim, a família Trainello sempre foi a família Venuto. Isso nunca vai mudar.
Luca finalmente baixou sua, arma.
O mundo às vezes é um lugar estranho, pensou. O irmão verdadeiro de Gia, Lorenzo, havia planejado matar o pai deles.
E um assassino de aluguel que Gia nem conhecia arriscara sua vida por ela.
Gia aproximou-se de Luca, e ele a abraçou, agradecendo a Deus por ela estar bem.
E estava bem, não é? Mesmo com o ataque do FBI acontecendo do lado de fora e com ambos seguramente fechados na sala, Gia não o estava evitando, rejeitando-o por sua posição lá. Em vez disso, abraçava-o como se ele fosse a pessoa mais importante de sua vida.
Luca a afastou um pouco para poder ver seus olhos, enxergando neles o amor que sempre estivera ali. Um pouco abalado, um pouco sombreado pela traição, mas amor de qualquer maneira. Amor por ele.
Então, beijou-a, deixando o amor que sentia por Gia envolvê-lo completamente.
Tudo ia ficar bem. Sabia disso com tanta certeza quanto sabia seu próprio nome. Enquanto Gia o amasse, tudo iria dar certo.
Três anos depois...
A velha propriedade Trainello não poderia parecer mais diferente. Mas as mudanças não eram estéticas. Em vez disso, a família que vivia lá agora tinha pouco em comum com a família de mafiosos que uma vez a habitara.
Na maior parte.
Gia Trainello Paretti estava parada diante do balcão da cozinha coberto de farinha, rolando massa fresca. Metodicamente, cortava quadrados de ravioli, preenchendo metade com carne e tomate e a outra com ricota, queijo romano e parmesão.
Às vezes, parecia inacreditável que três anos tivessem se passado desde a noite em que sua vida mudara para sempre... e, outras vezes, parecia décadas atrás. De vez em quando, ela ainda acordava assustada no meio da noite, suando frio, convencida de que um exército de homens armados estava invadindo a casa. Mas então Luca, seu marido e pai de seu filho de dois anos, Ângelo, a aninhava nos braços, e Gia sabia que não havia ninguém do lado de fora tentando ameaçar sua paz.
O motivo para isso era duplo. Primeiro, ela e Luca haviam convocado uma última reunião com os três chefes restantes das organizações criminosas uma semana depois que Vito fracassara em sua tentativa de tomada do poder. Através de negociações tempestuosas, e devido ao poder de persuasão de Luca, eles haviam feito um acordo que dissolvia, de uma vez por todas, a organização criminosa Venuto.
As atividades ilegais tinham sido divididas entre as três famílias. E os negócios legais com atividades laterais questionáveis tinham sido vendidos pela maior oferta.
Gia recusou qualquer direito ao nome Venuto ou a quaisquer atividades que estivessem acontecendo no momento, ou que ocorressem no futuro em nome do mesmo.
O segundo motivo pelo qual se sentia segura e fora de risco era seu marido.
Ela sorriu enquanto colocava os ravioli, um por um, em uma grande panela de água fervendo. Luca não era apenas o único homem que sempre amara, e sempre amaria. Ela sabia que ele daria a própria vida para salvar a sua. E Gia faria o mesmo por ele.
E ambos fariam o mesmo pelo filho, o pequeno Ângelo, nascido exatamente nove meses depois do encontro erótico no balcão da cozinha.
Luca não estava mais no FBI. Embora não entrasse em detalhes sobre o motivo por trás de sua demissão, Gia suspeitava que tinha alguma coisa a ver com ela, e com o desejo do FBI de acusá-la. Acusações que não aconteceriam porque Luca se recusava a testemunhar.
Agora, ele usava o metrô três vezes por semana para trabalhar como advogado, enquanto Gia trabalhava como estilista free-lance para a Bona Dea.
Ela sentia uma vaga tristeza comprimindo seu peito. Toda vez que pensava que, depois de todos os sacrifícios de seu pai para manter a organização Venuto viva e forte, o negócio estava acabado, tudo o que tinha de fazer era fitar os olhos azuis de Ângelo para saber que tomara a decisão certa.
Tanto derramamento de sangue. Tanta inocência perdida.
A família mafiosa podia ter muitas conexões. Mas o amor por sua família de sangue vencia tudo. Gia faria absolutamente qualquer coisa para mantê-los seguros. E isso significava mantê-los fora de um caminho perigoso.
Às vezes, a viúva de um ex-membro de uma organização aparecia à sua porta pedindo ajuda, e Gia a ajudava, mas ninguém mais sabia disso.
Ela se viu distraída, passando a mão sobre o estômago levemente arredondado e sorriu ao pensar no bebê que carregava ali dentro.
O som de uma risada chamou sua atenção, fazendo-a olhar pela janela, onde seu filho de dois anos gargalhava em deleite, enquanto pulava sob o jato de água da mangueira.
Mãos grandes seguraram seus quadris por trás, e Luca pressionou o corpo contra o seu. Gia inclinou a cabeça para lhe dar acesso ao seu pescoço, e ele o beijou.
— Mmm, que cheirinho gostoso.
— Estou fazendo ravioli.
— Não era disso que eu estava falando.
A risada de Ângelo soou novamente, e eles olharam pela janela para ver o filho ser erguido por grandes mãos masculinas.
Carlo Giglio.
Luca meneou a cabeça.
— Quem diria que um homem com o passado dele pudesse ser tão gentil com uma criança?
Ângelo gritou em deleite e o rosto de Carlo, marcado pela varíola se abriu num sorriso enquanto ele girava o garotinho no ar como um avião, instruindo-o a estender os braços. Frankie se aproximou, observando a cena afetuosamente. O rapaz ainda precisava de fisioterapia, mas tudo indicava que teria uma recuperação completa. Ele e o antigo assassino de aluguel haviam formado um elo forte. Carlo colocara o homem mais jovem debaixo de sua asa e o conduzia para a direção oposta à que escolhera quando tinha a mesma idade.
Gia não podia imaginar sua família completa sem os dois.
Certo, pensava, então talvez o fato de que Giglio insistira em permanecer na casa como chefe de segurança deles a ajudasse a se sentir mais segura nas noites em que acordava suando frio. Afinal, havia uma diferença entre a ignorância e estar preparado para os riscos.
Ela se afastou do fogão para passar os braços ao redor do pescoço do marido e beijá-lo profundamente, fitando olhos que refletiam o amor que se expandia em seu próprio peito. Além disso, alguém podia, em qualquer lugar, dizer que estava completamente seguro? A chave era fazer o máximo possível de tudo, e viver cada momento como se fosse o último.
Porque certamente poderia ser.
Tori Carrington
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