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DESPEDAÇADAS / Blake Pierce
DESPEDAÇADAS / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Quando começou a retomar a consciência, Reese Fischer percebeu que estava cheia de dores. A nuca doía-lhe e a cabeça parecia prestes a explodir.

Abriu os olhos e de imediato foi encadeada pela intensa luz do sol. Fechou os olhos com força novamente.

Onde estou? Perguntou-se. Como é que cheguei aqui?

Juntamente com a dor sentia um entorpecimento, sobretudo nas extremidades.

Tentou abanar os braços e pernas para se libertar do formigueiro que sentia, mas não conseguiu. Os seus braços, mãos e pernas estavam como que imobilizados.

Pensou...

Estive envolvida em algum acidente?

Talvez tivesse sido atropelada.

Ou talvez tivesse sido atirada do seu próprio carro e estivesse agora deitada no chão duro.

A sua mente não conseguia apreender nada.

Porque é que não se conseguia lembrar?

E porque é que não se conseguia mexer? Teria o pescoço partido?

Não, conseguia sentir o resto do corpo, simplesmente não era capaz de se mexer.

Também sentia o sol quente no seu rosto e não queria voltar a abrir os olhos.

Tentou pensar – onde estivera e o que é que estivera a fazer antes desta situação?

Lembrou-se – ou pensou lembrar-se – de entrar no comboio em Chicago e sentar-se num lugar rumo a casa em Millikan.

Mas chegara a Millikan?

Saíra do comboio?

Sim, pensava que sim. Estava uma manhã luminosa na estação do comboio e ela estava ansiosa para ir para casa.

Mas então...

O quê?

O resto estava fragmentado, como num sonho.

Era como um daqueles pesadelos em que nos encontramos em perigo, mas não conseguimos correr, não nos conseguios mexer sequer. Ela quisera resistir, liberttar-se de alguma ameaça, mas não conseguia.

Também se recordava de uma presença maligna – um homem de cujo rosto não se lembrava.

O que é que ele me fez? Interrogou-se.

E onde estou?

Apercebeu-se que conseguia virar a cabeça. Afastou-se da luz do sol e finalmente conseguiu abrir os olhos e mantê-los abertos. A princípio, apercebeu-se de linhas curvas que se afastavam dela. Mas naquele momento pareciam abstratas e incompreensíveis.

Depois viu porque é que a nuca lhe doía tanto.

Estava encostada a um pedaço curvilíneo e avermelhado de aço, quente sob a intensa luz solar.

Contorceu-se ligeiramente e sentiu uma aspereza aguda nas costas. Pareciam pedras esmagadas.

Aos poucos, as linhas abstratas tornaram-se claras e ela conseguiu viu de que se tratava.

Apesar do sol quente, o seu corpo enregelou ao perceber.

Estava numa linha ferroviária.

Mas como tinha ido ali parar?

E porque é que não se conseguia mexer?

Ao tentar, percebeu que se conseguia mexer, pelo menos um pouco.

Conseguia retorcer-se, torcendo o tronco e também as pernas, apesar de não as conseguir separar por alguma razão.

A dormência de que não se conseguira libertar estava agora a converter-se em medo.

Estava amarrada – amarrada ao trilho ferroviário com o pescoço encostado à linha.

Não, Disse a si própria. Isto é impossível.

Tinha que ser um daqueles sonhos – um sonho em que estava imobilizada e indefesa e num perigo terrível.

Fechou os olhos novamente, na esperança de que o pesadelo desaparecesse.

Mas então sentiu uma vibração aguda no pescoço e ouviu um ruído.

O ruído aumentou de volume. A vibração tornou-se mais intensa e abriu os olhos num relance.

Não conseguia ver muito para além da curva da linha, mas sabia de onde vinha aquela vibração, aquele ruído em crescendo.

Era um comboio em andamento.

O coração começou a bater desnorteadamente e o terror apoderou-se de todo o seu corpo. Contorceu-se de forma frenética, inutilmente.

Não conseguia libertar os braços e as pernas, e não conseguia retirar o pescoço do trilho.

O ruído transformou-se num rugido ensurdecedor e de repente viu-o...

... a frente vermelho-alaranjada de uma enorme locomotiva a diesel.

Soltou um grito – um grito que até a ela pareceu sobrenaturalmente agudo.

Mas então percebeu – não era o seu grito o que ouvira.

Era o ruído intenso de um apito de comboio.

Agora sentia uma estranha onda de raiva.

O maquinista apitara...

Porque raio não se limita a parar?

Mas é claro que não podia – não àquela velocidade.

Ela ouviu o som estridente do maquinista a tentar parar a montanha de metal.

A locomotiva preenchia agora todo o seu campo de visão – e lá dentro um par de olhos...

... olhos que pareciam tão aterrorizados como ela.

Era como olhar para um espelho – e ela não queria ver o que estava a ver.

Reese Fischer fechou os olhos, sabendo que o fazia pela última vez.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

Quando Riley ouviu o carro a parar em frente à sua casa, perguntou-se...

Será que vou mesmo conseguir ir para a frente com isto?

Estudou o seu rosto no espelo da casa de banho, esperando não ser óbvio que estivera a chorar. Depois desceu as escadas para junto da família que estava reunida na sala de estar – a empregada, Gabriela; a filha de quinze anos, April; e Jilly, a menina de treze anos que Riley estava prestes a adotar.

E de pé entre elas, com duas grandes malas a seu lado, estava Liam, um rapaz de quinze anos, que sorria tristemente para Riley.

Está mesmo a acontecer, Pensou. Agora mesmo.

Tentou convencer-se de que era tudo pelo melhor.

Ainda assim, não conseguia deixar de se sentir triste.

Então soou o ruído da campainha e Jilly correu para a porta de entrada.

Um homem e uma mulher aparentando quase sessenta anos entraram, sorridentes. A mulher dirigiu-se a Liam, mas o homem aproximou-se de Riley.

“Deve ser a senhora Paige,” Disse ele.

“Riley, por favor,” Disse Riley com um tom de voz embargado.

“Sou Scott Schweppe, o tio do Liam,” Disse ele. Virou-se para a mulher que estava a dar um grande abraço a Liam. “E esta é a minha mulher Melinda.”

Com um riso estranho, acrescentou, “Mas calculo que já tenha percebido isso. De qualquer das formas, tenho muito prazer e conhecê-la.”

Riley cumprimentou-o e reparou que o seu aperto de mão era caloroso e forte.

Ao contrário de Riley, Melinda não se deu ao trabalho de conter as lágrimas. Olhando para o sobrinho, disse-lhe, “Oh, Liam! Já lá vai tanto tempo! Eras tão pequeno quando te vimos pela última vez. E agora estás um belo rapaz!”

Riley respirou calmamente.

Isto é mesmo pelo melhor, Disse a si própria novamente.

Mas há apenas alguns dias, aquele desfecho era a última coisa que esperaria.

Parecia tão recente a vinda de Liam para viver com Riley e a sua família. Na verdade, estivera ali menos de dois meses, mas Liam adaptara-se perfeitamente e todas estavam muito ligadas a ele.

Entretanto, surgiram parentes que queriam que ele fosse viver com eles.

Riley disse ao casal, “Sentem-se, por favor. Estejam à vontade.”

Melinda limpou os olhos com um lenço, e ela e Scott sentaram-se no sofá. Todos os outros também se sentaram, exceto Gabriela que se dirigiu à cozinha para ir buscar bebidas.

Riley ficou aliviada quando April e Jilly começaram a conversar com Scott e Melinda – sobre a sua viagem de dois dias de Omaha, onde tinham passado a noite e como estivera o tempo nesse período de tempo. Jilly parecia estar bem-disposta, mas Riley detetou tristeza na atitude alegre de April. No final de contas, de todos, ela era a pessoa mais próxima de Liam.

Enquanto ouvia, Riley observava o casal atentamente.

Scott e o sobrinho eram muito parecidos – a mesma constituição magra, cabelo ruivo e sardas. Melinda era mais robusta e parecia uma dona de casa convencional e amigável.

Gabriela rapidamente voltou com um tabuleiro com café, açúcar e natas, e uns biscoitos Guatemaltecos caseiros chamados champurradas. Serviu todos enquanto conversavam.

Riley reparou que a tia de Liam olhava para ela.

Com um sorriso caloroso, Melinda disse, “Riley, eu e o Scott não sabemos como lhe agradecer.”

“Oh – o prazer foi todo meu,” Disse Riley. “É uma maravilha tê-lo por perto.”

Scott abanou a cabeça e disse, “Não fazia ideia de como as coisas estavam mal com o meu irmão Clarence. Não nos falávamos há tanto tempo. A última vez que soube dele foi há anos quando a mãe do Liam o deixou. Devíamos ter mantido o contacto, nem que fosse para o bem do Liam.”

Riley não sabia muito bem o que dizer. O que é que Liam contara ao tio e à tia sobre o que acontecera?

Ela lembrava-se muito bem.

April acabara de começar a namorar com Liam e Riley simpatizara com ele de imediato. Mas depois de um telefonema frenético de April, Riley fora a casa de Liam e encontrou-o a ser espancado selvaticamente pelo pai bêbedo. Riley levara Liam para casa e ali o instalara.

É claro que aquela situação era precária.

O pai de Liam ligava-lhe e enviava-lhe mensagens, prometendo mudar e não beber mais – pura e simples chantagem emocional. E fora terrivelmente difícil para Liam.

Scott prosseguiu, “Fiquei surpreendido quando o Clarence e ligou do nada a semana passada. Parecia louco. Queria a minha ajuda para recuperar o Liam. Ele disse... bem, disse algumas coisas, deixe-me que lhe diga.”

Riley podia imaginar perfeitamente algumas das “coisas” que o pai de Liam dissera – provavelmente descrevendo Riley como uma pessoa vil e horrível por lhe ter tirado o Liam.

“O Clarence disse que parou de beber,” Disse Scott. “Mas tenho a certeza de que estava bêbedo mesmo quando ligou. Enviar o Liam de volta para ele estava fora de questão. Só havia uma coisa a fazer.”

Riley sentiu um abanão emocional ao ouvir aquelas palavras...

“Só havia uma coisa a fazer.”

Claro, Essa coisa não era deixar Liam a viver com a família de Riley.

Era senso comum básico.

Ele devia ir viver com os parentes mais próximos.

Melinda apertou a mão de Scott e disse a Riley, “Eu e o Scott não temos filhos a viver connosco. Criámos três filhos, dois rapazes e uma rapariga. A nossa filha está no último ano da faculdade e os rapazes estão casados e preparados para terem as suas próprias famílias. Por isso estamos sozinhos na nossa casa enorme e sentimos a falta de ouvir vozes jovens. Este é o momento perfeito para nós.”

Mais uma vez, Riley sentiu um abanão agudo.

“... o momento perfeito...”

É claro que era o momento perfeito. E mais ainda, era óbvio que estas pessoas era perfeitas – ou tão perfeitas quanto os pais podem ser.

Provavelmente muito melhores que eu, Pensou Riley.

Ela estava muito longe de equilibrar tudo na sua vida complicada – os deveres de mãe e os muitas vezes contraditórios e às vezes perigosos deveres de ser agente do FBI.

Na verdade, por vezes era praticamente impossível e ter o Liam ali não tornara a sua vida mais fácil.

Sentia muitas vezes que não dava a atenção que devia às filhas – e também a Liam.

Para além disso, como poderia ele continuar a viver naquelas instalações até ir para a faculdade?

E como iria Riley enviá-lo para a faculdade?

Não, isto era mesmo pelo melhor.

Jilly e April continuaram a conversar, fazendo perguntas sobre os filhos do casal.

Entretanto, a cabeça de Riley enchia-se de preocupações.

Ela sentia que se familiarizara com Liam num curto espaço de tempo. Após anos de afastamento, o que é que aquelas pessoas sabiam sobre ele? Ela sabia que Scott era proprietário de uma loja de bicicletas. Também parecia estar numa forma fantástica para a idade que tinha.

Será que compreenderia que Liam era por natureza desastrado e não atlético?

Liam adorava ler e estudar, e era o capitão da sua equipa de xadrez na escola.

Saberiam Scott e Melinda relacionar-se com ele? Apreciariam conversar com ele tanto quanto Riley? Partilhariam algum dos seus interesses?

Ou será que Liam acabaria por se sentir sozinho e deslocado?

Mas Riley lembrou-se que não tinha que se preocupar com aquelas coisas.

Isto é mesmo pelo melhor, Repetiu a si própria.

Rapidamente – demasiado rapidamente para Riley – Scott e Melinda terminaram os seus biscoitos e café, agradecendo a Gabriela. Chegara o momento de partirem. Afinal, ainda os esperava ua longa viagem de regresso a Omaha.

Scott pegou nas malas de Liam e dirigiu-se para o carro.

Melinda pegou calorosamente na mão de Riley.

Disse, “Mais uma vez, não sabemos como lhe agradecer por estar com o Liam quando ele mais precisou.”

Riley limitou-se a anuir e Melinda seguiu o marido até ao exterior.

Depois Riley viu-se frente a frente com Liam.

Tinha os olhos muito abertos e olhou para Riley como se só agora se apercebesse que se ia embora.

“Riley,” Disse ele com a voz trémula, “nunca tivémos a oportunidade de jogar um jogo de xadrez.”

Riley sentiu uma pontada de arrependimento. Liam estava a ensinar o jogo a April, mas de alguma forma Riley nunca jogara com ele.

Agora sentia que nunca fizera muitas outras coisas.

“Não te preocupes,” Disse ela. “Podemos jogar online. Quero dizer, vais manter o contacto, não vais? Queremos ouvir notícias tuas. Muito. Se não disseres nada, vou a Omaha. Acho que não vais querer que o FBI te apareça à porta.”

Liam riu.

“Não se preocupe,” Disse ele. “Eu dou notícias. E vamos jogar xadrez de certeza.”

Depois acrescentou com um sorriso endiabrado, “Vou dar-lhe uma coça, sabe.”

Riley riu-se e abraçou-se a ele.

“Nos teus sonhos,” Disse ela.

Mas é claro que ela sabia que ele tinha razão. Ela era uma boa jogadora de xadrez, mas não tão boa para ganhar a um miúdo brilhante como Liam.

À beira das lágrimas, Liam saiu porta fora. Entrou no carro com Scott e Melinda, e começaram a viagem para casa.

Enquanto Riley ficou a observá-los a afastarem-se, ouviu Jilly e Gabriela a limpar a cozinha.

Depois sentiu alguém a apertar-lhe a mão. Virou-se e viu que era April, olhando para ela com um ar preocupado.

“Estás bem mãe?”

Riley mal conseguia acreditar que era April a fazer aquele papel. Afinal de contas, Liam fora seu namorado quando se mudara para ali. Mas desde essa altura que o namoro ficara pendente. Tinham que ser “hermanos solamente” como dissera Gabriela – apenas irmão e irmã.

April lidara com a mudança com graça e maturidade.

“Estou bem,” Disse Riley. “E tu?”

April piscou os olhos, mas parecia estar a controlar as emoções de forma notável.

“Estou bem,” Disse ela.

Riley lembrou-se de algo que April planeara fazer com Liam quando a escola terminasse.

Disse, “Ainda planeias ir para o campo de xadrez este verão?”

April abanou a cabeça.

“Não seria o mesmo sem o Liam.”

“Eu compreendo,” Disse Riley.

April apertou a mão de Riley com mais força e disse, “Fizemos uma coisa muito boa, não foi? Quero dizer, ter ajudado o Liam.”

“Sem dúvida que fizemos,” Disse Riley, apertando a mão de April.

Então ficou a olhar para a filha por um momento. Parecia tão incrivelmente adulta naquele instante e Riley sentiu um orgulho profundo dela.

É claro que como qualquer mãe se preocupava com o futuro de April.

Ficara especialmente preocupada recentemente quando April lhe anunciara que queria ser agente do FBI.

Era aquele tipo de vida que queria para a sua filha?

Lembrou-se mais uma vez...

Não importa o que eu quero.

A sua função enquanto mãe era fazer os possíveis para realizar os sonhos da filha.

April começava a sentir-se inquieta sob o olhar intenso e repleto de amor de Riley.

“Um, passa-se alguma coisa mãe?” Perguntou April.

Riley limitou-se a sorrir. Esperara pelo momento certo para dar algo especial a April. E se aquele não era o momento certo, não sabia quando seria.

“Vamos até lá acima,” Disse Riley a April. “Tenho uma surpresa para ti.”


CAPÍTULO DOIS


Enquanto Riley acompanhava April pelas escadas, deu por si a pensar se tinha realmente tomado a decisão certa. Mas ela conseguia sentir que April estava entusiasmada com o conteúdo da “surpresa”.

Pareceu-lhe que April também estava um pouco nervosa.

Não mais nervosa do que eu, Apercebeu-se Riley. Mas sabia que não podia mudar de ideias agora.

Entraram no quarto de Riley.

Um relance da expressão no rosto da filha convenceu Riley a não avançar com explicações. Foi ao seu armário onde se encontrava um pequeno cofre preto na prateleira. Digitou o código, retirou algo do seu interior e colocou o objeto em cima da cama.

Os olhos de April arregalaram-se com o que viu.

“Uma arma!” Disse ela. “É...?”

“Tua?” Disse Riley. “Bem, legalmente ainda é minha. A lei da Virginia diz que só podes possuir uma arma aos dezoito anos. Mas podes aprender com esta até lá. Vamos andar devagar, mas se te habituares a ela, será tua.”

April estava estupefacta.

“Queres?” Perguntou Riley.

April parecia não saber o que dizer.

Será que cometi um erro? Perguntou-se Riley. Talvez April não se sentisse prepararada para aquilo.

Riley disse, “Disseste que querias ser uma agente do FBI.”

April anuiu avidamente.

Riley disse, “Então – eu pensei que seria boa ideia iniciar-te no treino de armas. Não te parece bem?”

“Sim – oh, sim,” Disse April. “Isto é fantástico. Mesmo, mesmo fantástico. Obrigada mãe. Estou só um bocado espantada. Não esperava isto.”

“Eu também não,” Disse Riley. “Quero dizer, não esperava fazer isto nesta altura. Possuir uma arma é uma grande responsabilidade com que muitos adultos não conseguem arcar.”

Riley tirou a arma da caixa e mostrou-a a April.

Disse, “É uma Ruger SR22 – uma arma semiautomática de calibre .22.”

“.22?” Perguntou April.

“Acredita em mim, isto não é um brinquedo. Ainda não te quero treinar com um calibre mais elevado. Uma .22 pode ser tão perigosa como qualquer outra arma – ou até mais. Há mais pessoas a morrerem com este calibre do que com outro qualquer. Trata-a com cuidado e respeito. Só a vais manipular para treinar. O resto do tempo fica no meu armário. Vai ficar num cofre que só pode ser aberto com um código. Por agora, só eu terei acesso a ele.”

“Claro,” Disse April. “Não a ia querer por aí à toa.”

Riley acrescentou, “E preferia que não falasses disto à Jilly.”

“E a Gabriella?”

Riley sabia que a pergunta era pertinente. No que dizia respeito a Jilly, tratava-se de uma simples questão de maturidade. Ela poderia ter ciúmes e querer uma arma para ela, algo que estava fora de questão. Quanto a Gabriela, Riley suspeitava que ela ficaria assustada com a ideia de April estar a aprender a usar uma arma.

“Hei-de dizer-lhe,” Disse Riley. “Mas ainda não.”

Riley mostrou o carregador vazio e disse, “Certifica-te sempre se a tua arma está carregada ou não.”

Entregou a arma descarregada a April, cujas mãos tremiam um pouco.

Riley quase brincou...

“Peço desculpa por não ter arranjado uma em cor de rosa.”

Mas pensou melhor. Não era coisa com que se brincasse.

April disse, “Mas o que faço com ela? Onde? Quando?”

“Agora mesmo,” Disse Riley. “Vem, vamos.”

Riley voltou a colocar a arma na caixa e levou-a consigo quando descera as escadas. Felizmente, Gabriela estava atarefada na cozinha e Jilly estava noutro compartimento, por isso não tiveram que discutir o que estava dentro da caixa.

April foi à cozinha e disse a Gabriela que ela e Riley ia sair por um bocado, depois foi à sala e disse o mesmo a Jilly. A rapariga parecia estar fascinada com algo que passava na TV e limitou-se a abanar a cabeça.

Riley e April saíram de casa e entraram no carro. Riley levou-a até um armeiro chamado Smith Firearms onde comprara a arma há alguns dias. Quando ela e April entraram, viram-se rodeadas de armas de todos os tipos e tamanhos, penduradas nas paredes ou em caixas de vidro.

Foram cumprimentadas por Brick Smith, o dono da loja. Brick era um homem grande, com barba, sorridente e que usava uma camisa de xadrez.

“Olá, senhora Paige,” Disse ele. “É bom vê-la novamente. O que a traz por cá hoje?”

Riley disse, “Esta é a minha filha April. Viemos até cá para experimentar a Ruger que lhe comprei no outro dia.”

Brick Smith pareceu divertido. Riley lembrava-se quando ali levara o namorado Blaine para lhe comprar uma arma de autodefesa. Nessa altura, Brick parecera perplexo por ver uma mulher a comprar uma arma para um homem. Mas a sua surpresa rapidamente se desvaneceu quando soube que Riley era agente do FBI.

Agora não estava minimamente surpreendido.

Está a habituar-se a mim, Pensou Riley. Ótimo. Nem toda a gente consegue.

“Bem, bem, bem,” Disse ele, olhando para April. “Não me disse que estava a comprar a arma para a sua filhinha.”

Aquelas palavras aborreceram Riley ligeiramente...

“... a sua filhinha.”

Pensou – terá April ficado ofendida?

Riley olhou para April e reparou que ela ainda aparentava estar espantada com tudo aquilo.

Talvez se sinta uma menina pequena no momento, Pensou Riley.

Brick Smith conduziu Riley e April até uma porta que dava para uma surpreendentemente grande carreira de tiro atrás da loja e depois deixou-as sozinhas.

“Comecemos pelo início,” Disse Riley, apontando para uma lista longa na parede. “Lê estas regras. Se tiveres dúvidas, pergunta-me.”

Riley ficou a ver April a ler as regras, que como é óbvio cobriam todas as questões de segurança, incluindo nunca apontar a arma em nenhuma direção que não seja a carreira de tiro. Enquanto April lia com uma expressão séria, Riley sentiu uma estranha sensação de déjà vu. Recordou-se de quando ali levara Blaine para comprar e experimentar uma nova arma.

Era uma memória algo amarga.

Depois da sua primeira noite juntos, Blaine dissera-lhe de forma hesitante ao pequeno-almoço...

“Acho que preciso de comprar uma arma. Para proteção em casa.”

É claro que Riley entendera porquê. A sua própria vida estivera em perigo desde que a conhecera. E a verdade é que dias mais tarde, precisara daquela arma não só para se defender a si próprio, como também toda a família de Riley de um perigoso criminoso em fuga, Shane Hatcher. Blaine quase matara o homem.

Riley agora sentia novamente a culpa por aquele terrível incidente.

Ninguém está seguro comigo na sua vida? Interrogou-se. Toda a gente que conheço precisará de armas por causa de mim?

April acabou de ler as regras, e ela e Riley dirigiram-se a uma das cabinas vazias onde April colocou o equipamento de proteção de ouvidos e olhos. Riley tirou a arma da caixa e colocou-a em frente a April.

April olhou para ela com uma expressão assustada.

Ainda bem, Pensou Riley. Ela deve sentir-se intimidada.

April disse, “Esta é diferente da arma que compraste ao Blaine.”

“Sim,” Disse Riley. “Comprei-lhe uma Smith and Wesson 686, um revólver de calibre .38 – uma arma muito mais poderosa. Mas as necessidades dele eram diferentes. Ele só queria defender-se. Ele não estava a pensar em ser agente do FBI como tu.”

Riley pegou na arma e mostrou-a a April.

“Existem algumas grandes diferenças entre um revólver e uma semiautomática. Uma semiautomática tem imensas vantagens, mas também algumas desvantagens – falhas de ignição ocasionais, falhas na ejeção, encravamentos. Não queria que o Blaine tivesse que lidar com essas coisas, não numa emergência. Mas quanto a ti – bem, podes muito bem começar a aprender sobre elas agora mesmo, num cenário seguro onde a vida não está em perigo.”

Riley começou a mostrar a April o que ela precisava de saber de seguida – como introduzir as munições no carregador, como introduzir o carregador na arma e como o descarregar.

Ao fazer a demonstração, Riley disse, “Agora esta arma pode ser usada tanto em modo de ação única como em modo de ação dupla. Podes disparar tiros rápidos até o carregador esvaziar. Essa é a grande vantagem de uma semiautomática.”

Colocando o dedo no gatilho, Riley prosseguiu, “A ação dupla é quando fazes todo o trabalho com o gatilho. Se quiseres disparar outra vez, tens que começar do início. Isso dá mais trabalho – o teu dedo está a pressionar três a cinco Kg de pressão – e o disparo é mais lento. E é o que quero que faças para começar.”

Ela carregou num botão para colocar o alvo de papel a uma distância de seis metros de distância da cabina, depois mostrou a April a postura correta e posições das mãos para disparar, e também como apontar.

Riley disse, “OK, a tua arma não está carregada. Vamos tentar tiros sem munições.”

Tal como fizera com Blaine, Riley explicou a April como respirar – inspirar lentamente enquanto aponta, depois expirar lentamente quando carrega no gatilho para que o corpo esteja o mais quieto possível quando a arma é disparada.

April apontou cuidadosamente para o alvo, depois carregou no gatilho diversas vezes. Então, por indicação de Riley, colocou o carregador com munições na arma, retomou a sua posição e disparou um único tiro.

April soltou um guincho alarmado.

“Atingi alguma coisa?” Perguntou.

Riley apontou para o alvo.

“Bem, atingiste o alvo. E para primeira tentativa, não está mal. Como te sentiste?”

April soltou uma risada nervosa.

“Foi surpreendente. Espera mais....”

“Recuo?”

“Sim. E não foi tão alto como esperava.”

Riley assentiu e disse, “Isso é uma das coisas boas de uma .22. Não vais desenvolver maus hábitos. À medida que fores avançando para armas maiores, estarás preparada para lidar com a sua potência. Vai, esvazia o carregador.”

Enquanto April disparou lentamente os nove restantes tiros, Riley reparou numa mudança no seu rosto. Era uma expressão determinada, feroz que Riley julgou já lhe ter visto no passado. Riley tentou lembrar-se...

Quando é que foi? Apenas uma vez, Pensou.

Então a memória atingiu-a como um raio...


Riley perseguira o monstro chamado Peterson até à margem do rio. Mantinha April como refém, atada de pés e mãos e com uma arma encostada à cabeça. Quando a arma de Peterson falhou, Riley atirou-se a ele e lutaram no rio até ele empurrar a sua cabeça para debaixo de água na tentativa de a afogar.

O seu rosto veio à superfície por um momento e ela viu algo de que nunca se esqueceria...

De pulsos e pés ainda atados, April estava de pé a segurar na shotgun que Peterson deixara cair.

April bateu com a coronha na cabeça de Peterson...


A luta terminara pouco depois quando Riley esmagou o rosto de Peterson com uma pedra.

Mas nunca se perdoara por permitir que April enfrentasse tal perigo.

E agora, ali estava April, disparando contra o alvo com a mesma expressão feroz no rosto.

É tão parecida comigo, Pensou Riley.

E se April realmente se empenhasse, Riley tinha a certeza de que se tornaria numa agente do FBI melhor do que ela.

Mas seria isso bom ou mau?

Riley não sabia se se devia sentir culpada ou orgulhosa.

Mas durante a sessão de treino de meia hora, April disparou com crescente confiança e precisão contra o alvo. Quando deixaram o armeiro e foram para casa, Riley sentia orgulho na filha.

April estava entusiasmada e conversadora, perguntando todo o o tipo de perguntas sobre o treino que a esperava. Riley deu-lhe as respostas possíveis, tentando não demonstrar a sua ambivalência face ao futuro que April parecia desejar tanto.

Ao aproximarem-se de casa, April disse, “Olha quem cá está.”

Riley ficou desiludida quando viu o caro BMW estacionado à sua porta. Ela sabia que pertencia à última pessoa no mundo que queria ver naquele momento.


CAPÍTULO TRÊS


Quando Riley estacionou o seu modesto carro atrás do BMW, percebeu que as coisas poderiam descambar naquela casa. Quando desligou o carro, April pegou na caixa com a arma no seu interior e começou a sair do carro.

“É melhor deixares isso aqui por agora,” Disse Riley.

Com certeza que não ia querer explicar aquilo ao indesejado visitante.

“Tens razão,” Respondeu April, empurrando a caixa para debaixo do assento do carro.

“E não te esqueças – não contes à Jilly sobre isto,” Disse Riley.

“Não conto,” Disse April. “Mas ela já deve ter percebido que tens alguma coisa para mim e vai ficar a pensar no que será. Enfim, no domingo dás-lhe um presente e ela esquece isto num instante.”

Presente? Interrogou-se Riley.

Depois lembrou-se – no domingo era o aniversário de Jilly.

Riley sentiu-se corar.

Quase se esquecera que a Gabriela tinha planeado uma festa de família para domingo à noite.

E ainda não tinha comprado um presente para Jilly.

Não te esqueças! Disse a si própria.

Riley e April fecharam o carro e caminharam na direção da casa. E é claro que o dono do carro de luxo – o ex-marido de Riley – estava sentado na sala de estar.

Jilly estava numa cadeira à sua frente e a sua expressão dura mostrava que não estava nada satisfeita por tê-lo ali.

“Ryan, o que é que estás a fazer aqui?” Perguntou Riley.

Ryan virou-se para ela com aquele sorriso encantador que tantas vezes tinha enfraquecido a sua determinação em afastá-lo completamente.

Raios, ainda é atraente, Pensou.

Ela sabia que ele se fartava de trabalhar para ter aquele aspeto e que passava muitas horas no ginásio.

Ryan disse, “Ei, isso é forma de se cumprimentar alguém da família? Ainda sou da família, não sou?”

Ninguém falou durante um momento.

A tensão era palpável e a expressão de Ryan transformou-se numa de desilusão.

Riley pensou – que tipo de receção é que estava à espera?

Não as via há três meses. Antes disso, tinham feito uma tentativa de reconciliação. Ele vivera com elas cerca de dois meses, mas nunca se mudara em definitivo. Mantivera a casa confortável que havia partilhado com Riley e April antes da separação e do divórcio.

As miúdas tinham ficado contentes por tê-lo por perto – até ele perder o interesse e partir novamente.

As miúdas ficaram muito desiludidas com isso.

E agora, ali estava ele outra vez, do nada e sem avisar.

O silêncio adensou-se. Então Jilly cruzou os braços e olhou para ele com desconfiança.

Virando-se para Riley e April, ela perguntou, “Para onde é que vocês as duas fora, afinal?”

Riley engoliu e seco.

Odiava mentir a Jilly, mas aquele não era o melhor momento para lhe falar na arma de April.

Felizmente, April disse, “Só tivemos que ir a um sítio.”

Ryan olhou para April.

“Ei, queridinha,” Disse ele. “Não me dás um abraço?”

April não olhou para ele, limitando-se a ficar de pé.

Por fim disse numa voz amuada, “Olá paizinho.”

Parecendo que ia chorar a qualquer momento, April virou-se e subiu as escadas rumo ao seu quarto.

Ryan ficou surpreendido.

“O que é que foi aquilo?” Perguntou ele.

Riley sentou-se no sofá, tentando encontrar a elhor forma de lidar com a situação.

Ela perguntou novamente, “O que é que estás a fazer aqui Ryan?”

Ryan encolheu os ombros.

“Eu e a Jilly estávamos a falar sobre a escola – ou pelo menos eu estava a tentar que ela falasse sobre a escola. As notas dela baixaram? É isso que não me quer dizer?”

“As minhas notas estão ótimas,” Disse Jilly.

“Então fala-me na escola, porque é que não o fazes?” Perguntou Ryan.

“Está tudo bem na escola... senhor Paige,” Disse Jilly.

Riley encolheu-se e Ryan pareceu magoado.

Jilly chamava Ryan de “Pai” antes de ele se ter ido embora.

Antes disso, chamava-o “Ryan”. Riley tinha a certeza de que Jilly nunca o tratara por senhor Paige anteriormente. Jilly expressava a sua posição de forma muito clara.

Levantou-se da cadeira e disse, “Se não se importarem, tenho trabalhos de casa para fazer.”

“Queres ajuda?” Perguntou Ryan.

Jilly ignorou a pergunta e continuou a subir as escadas.

Ryan olhou para Riley com uma expressão afetada.

“O que é que se passa aqui?” Perguntou ele. “Porque é que as miúdas estão tão zangadas comigo?”

Riley suspirou. Por vezes, o seu ex-marido era tão imaturo quanto ambos haviam sido quando se casaram tão novos.

“Ryan, de que raio estavas à espera?” Perguntou Riley, tão pacientemente quanto pode. “Quando te mudaste para cá, as miúdas estavam felizes por te terem cá. Sobretudo a Jilly. Ryan, o pai daquela menina era um bêbedo violento. Ela quase se transformou numa prostituta para se afastar dele – e só tinha treze anos! Foi tão importante para ela ter uma figura parental na sua vida. Não percebes como ela ficou desiludida quando te foste embora?”

Ryan ficou a olhar para ela com uma expressão perplexa, como se não tivesse ideia do que é que ela estava a falar.

Mas Riley lembrava-se demasiado bem do que Ryan lhe dissera ao telefone.

“Preciso de espaço. Esta coisa da família – eu pensava estar pronto, mas não estou.”

E não mostrara grande preocupação por Jilly na altura.

“Riley, a Jilly foi uma decisão tua. Admiro-te por isso. Mas não teve nada a ver comigo. A adolescente perturbada de outra pessoa é demasiado para mim. Não é justo.”

E agora ali estava ele, a mostrar-se magoado porque Jilly já não o tratava por “Pai”.

Era realmente exasperante.

Riley não ficou surpreendida por ver as duas raparigas a afastarem-se dele. Também ela queria fazer o mesmo. Infelizmente, alguém tinha que ser adulto nesta situação. E já que Ryan parecia incapaz de o ser, Riley não tinha saída.

Antes que pudesse pensar no que dizer de seguida, Ryan levantou-se da sua cadeira e sentou-se ao lado de Riley. Avançou na sua direção.

Riley afastou-o.

“Ryan, o que é que estás a fazer?”


“O que é que achas que estou a fazer?”

Agora a voz de Ryan soava carinhosa.

Riley estava a ficar cada vez mais furiosa.

“Nem penses,” Disse ela. “Quantas namoradas te passaram pelas mãos desde que te foste embora?”

“Namoradas?” Perguntou Ryan, obviamente tentando parecer perplexo com a pergunta.

“Sim, ouviste bem. Ou já te esqueceste? Uma delas ligou por engano para aqui quando ainda cá estavas. Parecia estar bêbeda. Disseste que se chamava Lina. Mas não me parece que a Lina tenha sido a última. Quantas mais tiveste? Será que sabes? Será que te lembras dos nomes?”

Ryan não respondeu. Agora parecia culpado.

Tudo começava a fazer sentido para Riley. Tudo já tinha acontecido anteriormente e ela sentiu-se estúpida por não o prever.

Ryan estava entre namoradas e julgou que Riley serviria dadas as circunstâncias.

Ele não queria saber das miúdas para nada – nem da sua própria filha. Eram apenas um pretexto para se aproximar de Riley.

Riley cerrou os dentes e disse, “Penso que é melhor ires embora.”

“Porquê? O que é que se passa? Não andas com ninguém, pois não?”

“Por acaso até ando.”

Agora Ryan parecia genuinamente perplexo, como se não conseguisse imaginar que Riley se pudesse interessar por outro homem.

Então disse, “Oh meu Deus. É aquele cozinheiro outra vez, não é?”

Riley soltou um rugido de fúria.

Ela disse, “Sabes muito bem que o Blaine é chef. Também sabes que ele é proprietário de um agradável restaurante, e que April e a sua filha são melhores amigas. Ele é fantástico com as miúdas – tudo o que tu não és. E sim, ando com ele e está a tornar-se bastante sério. Por isso, quero mesmo que saias daqui.”

Ryan olhou para ela durante um instante.

Por fim, disse num tom de voz amargo, “Nós fazíamos um belo casal.”

Ela não respondeu.

Ryan levantou-se do sofá e dirigiu-se à porta.

“Avisa-me se mudares de ideias,” Disse ele ao sair de casa.

Riley ficou tentada em dizer...

“Espera sentado.”

... mas conseguiu controlar-se. Ficou sentada enquanto ouvia o som do carro de Ryan a afastar-se. Então, conseguiu relaxar.

Riley ficou ali sentada mais um pouco em silêncio a pensar no que acabara de acontecer.

A Jilly tratou-o por “senhor Paige”.

Fora cruel, mas ela não podia negar que Ryan merecia.

Ainda assim, estava preocupada – o que deveria dizer a Jilly sobre aquele tipo de crueldade?

Esta coisa da maternidade é dura, Pensou.

Estava prestes a chamar Jilly para falar sobre isso quando o telefone tocou. A chamada era de Jenn Roston, uma jovem agente com quem trabalhara em casos recentes.

Quando Riley atendeu a chamada, ouviu o stress na voz de Jenn.

“Ei Riley. Lembrei-me de ligar e...”

Seguiu-se um silêncio. Riley questionou-se do que estaria a passar pela mente de Jenn.

Então Jenn disse, “Ouve, só te queria agradecer a ti e ao Bill por... sabes... quando eu...”

Riley estava prestes a dizer-lhe...

“Não o digas. Não ao telefone.”

Felizmente, a voz de Jenn desvaneceu-se sem terminar o seu pensamento.

Ainda assim, Riley sabia por que é que Jenn lhe agradecia.

Durante o caso mais recente, Jenn tinha-se ausentado durante mais de um dia. Riley tinha convencido Bill que a deviam encobrir. No final de contas, Jenn também encobrira Riley numa situação algo parecida.

Mas Jenn ausentara-se do seu trabalho devido às exigências de uma mulher que fora sua mãe adotiva, mas que também era uma criminosa. Jenn percorrera terrenos ilegais para resolver um problema da “Tia Cora”.

Riley não sabia ao certo o que fora. Não perguntara.

Ouviu Jenn a emitir um ruído abafado.

“Riley, tenho andado a pensar. Talvez devesse entregar o meu distintivo. O que aconteceu pode voltar a acontecer. E pode ser pior da próxima vez. De qualquer das formas, não me parece que tenha terminado.”

Riley pressentiu que Jenn não lhe estava a contar toda a verdade.

A Tia Cora está a pressioná-la novamente, Pensou Riley.

Não era de espantar. Se o poder da Tia cora era suficientemente forte, Jenn podia servir como fonte real dentro do FBI.

Riley interrogou-se...

Deveria Jenn demitir-se?

Mas rapidamente encontrou a resposta...

Não.

Afinal de contas, Riley tivera uma relação semelhante com um criminoso – o fugitivo brilhante Shane Hatcher. Tudo terminara com a ação de Blaine que atingiu Hatcher, quase fatalmente, e Riley capturara-o. Hatcher regressara a Sing Sing e não dissera uma palavra a ninguém desde então.

Jenn sabia mais sobre a relação de Riley com Hatcher do que qualquer outra pessoa, exceto Hatcher. Jenn podia ter destruído a carreira de Riley com o conhecimento que tinha. Mas mantivera-se calada por lealdade a Riley. Agora chegara o momento de Riley lhe retribuir.

Riley disse, “Jenn, lembras-te do que te disse quando me falaste pela primeira vez sobre isto?”

Jenn ficou calada.

Riley disse, “Eu disse-te que lidávamos com isto. Tu e eu, juntas. Não podes desistir. Tens demasiado talento. Estás a ouvir-me?”

Jenn continuou calada.

Riley apenas ouviu o beep do serviço de chamada em espera indicando-lhe que tinha mais alguém a ligar-lhe.

Ignora, Disse a si própria.

Mas o beep continuou. O instinto de Riley dizia-lhe que a outra chamada era importante. Suspirou.

Disse a Jenn, Ouve, tenho que atender outra chamada. Fica em linha, ok? Vou tentar ser rápida.”

“Ok,” Disse Jenn.

Riley mudou para a chamada em espera e ouviu a voz áspera do chefe de equipa da UAC, Brent Meredith.

“Agente Paige, temos um caso. É um assassino em série no Midwest. Preciso que venha ter comigo ao meu gabinete.”

“Quando?” Perguntou Riley.

“Imediatamente,” Resmungou Meredith. “Quanto mais depressa melhor.”

Riley percebeu pelo seu tom que o assunto era urgente.

“Vou já ter consigo,” Disse Riley. “Quem vai colocar na equipa?”

“Isso é consigo,” Disse Meredith. “Você e os Agentes Jeffreys e Roston trabalharam bem juntos no caso Sandman. Fique com ambos se lhe parecer bem. E venham para cá imediatamente.”

Sem dizer mais uma palavra, Meredith desligou a chamada.

Riley retomou a chamada de Jenn.

Disse, “Jenn, entregar o distintivo não é uma opção. Não agora. Preciso de ti num caso. Encontramo-nos no gabinete do Brent Meredith. E despacha-te.”

Sem esperar por uma resposta, Riley terminou a chamada. Ao ligar para Bill Jeffreys pensou...

Talvez outro caso seja aquilo de que a Jenn precisa agora.

Riley esperava que sim.

Entretanto, teve uma sensação familiar de aumento de vigilância ao apressar-se para finalmente descobrir de que tratava o novo caso.


CAPÍTULO QUATRO


Cerca de meia hora mais tarde, Riley estacionou o carro no parque de estacionamento de Quantico. Quando perguntara a Meredith quando a queria no seu gabinete, ouviu uma urgência séria na sua voz...

“Imediatamente. Quanto mais depressa melhor.”

É claro que quando Meredith lhe ligava para casa, o tempo era sempre de vital importância – por vezes literalmente, como sucedera no seu último caso. O Sandman usara ampulhetas para marcar as horas até ao seu próximo homicídio brutal.

Mas hoje, algo no tom de voz de Meredith lhe dizia que esta situação tinha uma urgência singular.

Ao estacionar, viu que Bill e Jenn também chegavam nos seus próprios carros. Saiu do seu carro e ficou à espera deles.

Sem trocarem muitas palavras, os três caminharam na direção do edifício. Riley viu que, tal como ela, Bill e Jenn tinham trazido as suas malas. Não fora preciso ninguém lhes dizer que teriam que sair de Quantico a qualquer momento.

Entraram no edifício e dirigiram-se ao gabinete do Chefe Meredith. Mal chegaram à sua porta, o imponente homem Afro-Americano irrompeu no corredor. Tinha obviamente sido avisado da sua chegada.

“Não há tempo para uma conferência,” Disse aos três agentes. “Falamos enquanto caminhamos.”

Ao caminharem com Meredith, Riley percebeu que iam a caminho da pista de Quantico.

Estamos mesmo com pressa, Pensou Riley. Era invulgar não ter pelo menos uma breve reunião para os pôr a par de um novo caso.

A caminhar ao lado de Meredith, Bill perguntou, “De que é que se trata, Chefe?”

Meredith disse, “Neste momento temos um corpo decapitado numa linha ferroviária perto de Barnwell, Illionois. É uma linha fora de Chicago. Uma mulher foi presa à linha e atropelada por um comboio de carga há algumas horas atrás. É o segundo homicídio do género num espaço de quatro dias e parecem haver semelhanças óbvias. Parece que temos pela frente um assassino em série.”

Meredith começou a caminhar mais rapidamente e os três agentes apressaram-se para o conseguir acompanhar.

Riley perguntou, “Quem chamou o FBI?”

Meredith disse, “Recebi a chamada de Jude Cullen, o Chefe da Polícia dos Caminhos-de-Ferro da região de Chicago. Ele diz que quer profilers lá imediatamente. Eu disse-lhe para não mexer no corpo até os meus agentes o observarem.”

“É uma situação difícil. Está programada para hoje a passagem de mais três comboios de carga naquela linha e ainda um comboio de passageiros. Neste momento, estão todos em espera e já está a tornar-se complicado. Têm que ir para lá o mais rapidamente possível e analisar a cena do crime para que o corpo possa ser retirado e os comboios possam voltar a circular. E depois...”

Meredith prosseguiu.

“Bem, têm um assassino para apanhar. E tenho a certeza de que todos concordam comigo numa coisa – ele vai matar novamente. Neste momento, sabem tanto do caso quanto eu. O Cullen terá que vos informar do resto.”

O grupo entrou na pista onde um pequeno avião já os esperava com os motores a funcionar.

Meredith disse, “Serão recebidos em O’Hare por alguns polícias. Eles vão conduzir-vos diretamente à cena do crime.”

Meredith voltou-se de costas e regressou ao edifício, enquanto Riley e os colegas subiam os degraus do avião. A precipitação da sua partida quase deixou Riley tonta. Não se lembrava de Meredith alguma vez os ter informado de um caso daquela forma.

Mas não era surpreendente tendo em consideração que o tráfego ferroviário estava suspenso. Riley nem conseguia imaginar as enormes dificuldades que isso estaria a causar naquele momento.

Assim que o voo estabilizou em velocidade de cruzeiro, os três agentes abriram os seus computadores e estiveram online para procurar a mais ínfima informação que conseguissem sobre o assunto.

Riley viu de imediato que a notícia das mortes recentes já se espalhava, apesar do nome desta última vítima ainda não ser conhecido. Mas viu que o nome da vítima anterior era Fern Bruder, uma mulher de vinte e cinco anos cujo corpo decapitado fora encontrado numa linha perto de Allardt, Indiana.

Riley não conseguiu encontrar muitas mais informações online sobre os homicídios. Se a polícia tinha suspeitos ou tinha conhecimento de alguma motivação, essa informação ainda não era do conhecimento público – o que era uma coisa positiva.

Ainda assim, era frustrante não poder saber mais naquele momento.

Com tão pouco em que trabalhar em relação ao caso, Riley deu por si a pensar nos acontecimentos daquele dia. Ainda sentia a emoção da perda de Liam – apesar de perceber...

“Perda” não era a palavra mais correta.

Não, ela e a família tinham feito o melhor por aquele rapaz. E agora as coisas tinham-se resolvido da melhor forma e Liam estava ao cuidado de pessoas que o amariam e tomariam bem conta dele.

Ainda assim, Riley interrogou-se...

Porque é que sinto isto como uma perda?

Riley também tinha sentimentos contraditórios acerca da compra da arma para April e de levá-la à carreira de tiro. A demonstração de maturidade de April deixara Riley orgulhosa, assim como a sua boa pontaria. Riley também ficou profundamente sensibilizada pelo facto da filha querer seguir as suas pisadas.

E no entanto... Riley não consegui evitar lembrar-se...

Estou a caminho de ver um corpo decapitado.

Toda a sua carreira era uma longa fiada de horrores. Era esta a vida que queria para April?

Não depende de mim, Lembrou Riley a si própria. Depende dela.

Riley também sentiu a estranheza daquela conversa telefónica com Jenn ainda há pouco. Tanto ficara por dizer e Riley não fazia ideia do que se passaria naquele preciso momento entre Jenn e a Tia Cora. E claro, agora não era o momento para falar sobre isso – não com Bill ali sentado com elas.

Riley não conseguia evitar pensar...

Teria Jenn razão? Deveria entregar o distintivo?

Estaria Riley a fazer um favor à jovem agente ao encorajá-la para permanecer no FBI?

E estaria Jenn no melhor momento para se envolver num novo caso?

Riley olhou para Jenn, sentada em frente ao computador.

Jenn parecia completamente focada naquele momento – mais do que Riley, pelo menos.

Os pensamentos de Riley foram interrompidos pela voz de Bill.

“Atadas a linhas ferroviárias. Quase parece...”

Riley viu que Bill estava a olhar para o seu computador.

Fez uma pausa, mas Jenn concluiu o seu pensamento.

“Parece um daqueles filmes mudos, não é? Sim, eu estava a pensar no mesmo.”

Bill abanou a cabeça.

“Não sei... não paro de pensar num vilão de bigode e chapéu alto a prender a jovem dama à linha do comboio até que um herói corajoso aparece e a salva. Não é sempre isso o que acontece nos filmes mudos?”

Jenn apontou para o ecrã do computador.

Disse, “Na verdade, não é bem assim. Estive a fazer alguma pesquisa sobre isso. Não haja dúvidas de que é um cliché. E toda a gente parece pensar que o viu, como se fosse uma espécie de lenda urbana. Mas parece que nunca apareceu realmente nos filmes mudos.”

Jenn virou o seu computador para que Bill e Riley pudessem ver.

Disse, “O primeiro exemplo de ficção de um vilão a amarrar alguém a uma linha de comboio parece ter aparecido muito antes dos filmes sequer existirem, numa peça de 1867 chamada Under the Gaslight. Só que – vejam isto! – o vilão amarrou um homem à linha e a protagonista teve que o salvar. O mesmo tipo de coisa aconteceu num conto e em algumas outras peças daquele tempo.”

Riley percebeu que Jenn estava realmente entusiasmada com que acabara de descobrir.

Jenn prosseguiu, “No que diz respeito a filmes antigos, há duas comédias mudas nas quais isto acontece – uma dama indefesa é amarrada à linha por um terrível vilão e é salva pelo atraente herói. Mas era para as pessoas se rirem, tal como os desenhos animados de sábado de manhã.”

Os olhos de Bill demonstravam interesse.

“Paródias de algo que não era real,” Disse ele.

“Exatamente,” Disse Jenn.

Bill abanou a cabeça.

Disse, “Mas as locomotivas a vapor faziam parte da vida quotidiana nessa altura – refiro-me às primeiras décadas do século XX. Não houve filmes mudos que retratassem alguém em perigo de ser atropelado por um comboio?”

“Claro,” Disse Jenn. “Às vezes uma personagem era empurrada ou caía nas linhas e talvez caísse inconsciente quando um comboio estava a vir. Mas não é o mesmo cenário, pois não? Para além disso, tal como naquela antiga peça, a personagem do filme em perigo era geralmente um homem que tinha que ser salvo por uma heroína!”

Agora o interesse de Riley estava no auge. Ela sabia que Jenn não estava a perder o seu tempo ao procurar aquele tipo de coisa. Eles precisavam de descobrir o que movia o assassino. Parte disso passava por compreender todos os precedentes culturais de quaisquer cenários com que poderiam lidar – mesmo aqueles que fossem ficcionais.

Ou neste caso, inexistentes, Pensou Riley.

Tudo o que pudesse ter influenciado o assassino tinha interesse.

Pensou por um momento, depois perguntou a Jenn, “Isto quer dizer que nunca ocorreram casos reais de pessoas assassinadas dessa forma?”

“Na verdade, já aconteceu na vida real,” Disse Jenn, apontando para a informação correspondente no seu computador. “Entre 1874 e 1910, pelo menos seis pessoas foram mortas dessa forma. Não consigo encontrar muitos exemplos desde essa época, exceto um muito recente. Em França, um homem amarrou a sua mulher a um carril no dia do seu aniversário. Depois colocou-se à frente do comboio que se aproximava a alta velocidade e morreu juntamente com ela – um homicídio-suicídio. De resto, parece ser uma forma rara de se matar alguém. E nenhuma desses homicídios foi em série.”

Jenn virou o computador novamente para ela e calou-se.

Riley ficou a pensar no que Jenn acabara de dizer...

“... uma forma rara de se matar alguém.”

Riley pensou...

Rara, mas não inédita.

Deu por si a pensar – será que os homicídios que ocorreram entre 1874 e 1910 tinham sido inspirados naquelas antigas peças nas quais as personagens eram atadas a carris? Riley tinha conhecimento de situações em a vida imitava a arte de forma horrível – nas quais os assassinos eram inspirados por telenovelas ou filmes ou jogos de vídeo.

Talvez as coisas não tivessem mudado muito.

Talvez as pessoas não tenham mudado muito.

E o assassino que tentavam apanhar?

Parecia ridículo imaginar que estivessem a perseguir um psicopata que estivesse a imitar um vilão melodramático de bigode que nunca existira, nem sequer nos filmes.

Mas o que estaria a mover este assassino?

A situação era demasiado clara e familiar. Riley e os colegas teriam que responder a essa questão ou mais pessoas seriam mortas.

Riley ficou a observar Jenn a trabalhar no seu computador. Era uma postura encorajadora. De momento, Jenn parecia ter sacudido as suas ansiedades em relação à misteriosa “Tia Cora”.

Mas quanto tempo duraria? Questionou-se Riley.

De qualquer das formas, ver Jenn tão concentrada na pesquisa lembrou a Riley que deveria estar a fazer o mesmo. Nunca trabalhara num caso que envolvesse comboios anteriormente e tinha muito a aprender. Retomou o trabalho no computador.


*


Tal como Meredith tinha dito, Riley e os colegas foram recebidos na pista em O’Hare por dois polícias ferroviários. Todos se apresentaram e Riley e os colegas entraram no seu veículo.

“É melhor despacharmo-nos,” Disse o polícia que se sentara no lugar ao lado do condutor. "Os manda-chuvas ferroviários estão a pressionar o chefe para se remover o corpo dos carris.”

Bill perguntou, “Quanto tempo demoramos até lá?”

O polícia que estava a conduzir disse, “Geralmente uma hora, mas não vamos demorar tanto tempo.”

Ligou as luzes e sirenes, e o carro começou a avançar no meio do trânsito do fim de tarde. Foi uma viagem tensa, caótica e veloz que os levou até à cidade de Barnwell, Illinois. Depois, atravessaram uma passagem de nível.

O polícia que seguia ao lado do condutor apontou.

“Parece que o assassino saiu da estrada junto aos carris num veículo todo-o-terreno. Conduziu ao longo dos carris até chegar ao local onde perpetrou o crime.”

Dali a pouco estacionaram junto a uma zona florestal. Outro veículo da polícia já lá estava estacionado, assim como a carrinha do médico-legista.

A vegetação não era muito densa. Os polícias conduziram Riley e os colegas até aos carris que se encontravam a curta distância.

Só nessa altura surgiu a cena do crime.

Riley engoliu em seco ao contemplar a cena.

De repente, tinham desaparecido as imagens de vilões de bigode e damas em perigo.

Ali estava a realidade – e era demasiado horrível.


CAPÍTULO CINCO


Riley ficou a olhar para o corpo nos carris por um longo momento. Já vira corpos esmagados de várias formas horríficas. Ainda assim, esta vítima apresentava um espetáculo singularmente chocante. A mulher fora decapitada pelas rodas do comboio, uma decapitação que se assemelhava à lâmina de uma guilhotina.

Riley ficou surpreendida pelo facto de o corpo sem cabeça da mulher parecer ileso. A vítima estava firmemente amarrada com fita adesiva, braços e mãos atados de lado e tornozelos juntos. Vestido no que fora um fato atraente, o corpo estava torcido numa posição desesperada. No local onde o pescoço estava cortado, havia sangue espalhado nas pedras esmagadas, na madeira e nos carris. A cabeça tinha sido atirada uns dois metros pelo aterro ao longo da linha. Os olhos e boca da mulher estavam abertos numa expressão de frio horror.

Riley viu várias pessoas a observarem o corpo, algums envergando uniformes, outras não. Riley calculou que eram um misto de polícias locais e polícias dos caminhos-de-ferro. Um homem de uniforme dirigiu-se a Riley e aos seus colegas.

Disse, “Presumo que sejam do FBI. Eu sou Jude Cullen, Chefe da Polícia dos Caminhos-de-Ferro da região de Chicago – chamam-me ‘Bull’ Cullen.”.

Parecia ter orgulho naquela alcunha. Pela pesquisa que fizera, Riley sabia que “Bull” era o calão para um polícia de caminho-de-ferro. Na verdade, na organização da polícia dos caminhos-de-ferro possuíam os títulos de Agente e Agente Especial como no FBI. Este, no entanto, parecia preferir o termo mais genérico.

“A ideia de vocês virem até cá foi minha,” Continuou Cullen. “Espero que a viagem valha a pena. Quanto mais depressa tirarmos o corpo daqui, melhor.”

Enquanto Riley e os colegas se apresentavam, ela observou Cullen com atenção. Ele parecia muito jovem e tinha uma compleição física extremamente musculada com os braços a sobressaírem debaixo da manga curta do uniforme e a camisa bem esticada no peito.

A alcunha “Bull” adequava-se, pensou Riley. Mas Riley nunca se sentia atraída por homens que passavam horas a fio no ginásio para ficarem com aquele aspeto.

Ela questionou-se como é que um homem tão musculado como Bull Cullen tinha tempo para fazer outras coisas. Então reparou que não usava aliança. Partiu do princípio de que a sua vida devia resumir-se ao trabalho e ao ginásio.

Parecia ser boa pessoa e não estar particularmente chocado pela natureza invulgarmente terrível da cena do crime. É claro que já lá se encontrava há algumas horas – o tempo suficiente para se acostumar àquilo. Ainda assim, o homem pareceu a Riley bastante vão e superficial.

Riley perguntou-lhe, “Já identificaram a vítima?”

Bull Cullen anuiu.

“Sim, chama-se Reese Fischer, trinta e cinco anos. Vivia aqui perto em Barnwell onde trabalhava como bibliotecária. Era casada com um quiroprático.”

Riley olhou para os carris. Aquele pedaço era uma curva, por isso não conseguia ver a grande distância em qualquer das direções.

“Onde está o comboio que a atropelou?” Perguntou a Cullen.

Cullen apontou e disse, “Encontra-se a cerca de meio quilómetro daqui, no lugar exato onde parou.”

Riley reparou num homem obeso de uniforme negro ajoelhado ao lado do corpo.

“É o médico-legista?” Perguntou a Cullen.

“Sim, deixe-me apresentar-lhe. Este é o médico-legista de Barnwell, Corey Hammond.”

Riley ajoelhou-se ao lado do homem. Pressentiu que, em contraste com Cullen, Hammond ainda lutava para conter o choque. A respiração era dificultosa – em parte devido ao peso, mas também, suspeitava Riley, devido à repugnância e ao horror. Era mais que certo que nunca tinha visto nada semelhante na sua jurisdição.

“O que nos pode dizer até ao momento?” Perguntou Riley ao médico-legista.

“Não há sinal de abuso sexual,” Disse Hammond. “É consistente com a autópsia do outro médico-legista da vítima de há quatro dias encontrada perto de Allardt.”

Hammond apontou para pedaços esmagados de fita adesiva prateada em redor do pescoço e ombros da mulher.

“O assassino amarrou-lhe as mãos e os pés, depois amarrou-lhe o pescoço ao carril e imobilizou-lhe os ombros. Ela deve ter lutado muito para se tentar libertar. Mas não tinha a mínima hipótese.”

Riley virou-se para Cullen e perguntou, “A boca não estava amordaçada. Alguém a terá ouvido a gritar?”

“Não nos parece,” Disse Cullen, apontando na direção de umas árvores. “Há algumas casas por ali, mas estão fora de alcance auditivo. Dois dos meus homens andaram de porta em porta a perguntar se alguém tinha ouvido alguma coisa. Ninguém ouviu nada. Souberam do ocorrido na televisão ou na internet. Foi-lhes dito para ficarem longe daqui. Até agora, ainda não tivemos qualquer problema com mirones.”

Bill perguntou, “Parecia que alguma coisa lhe tinha sido roubada?”

Cullen encolheu os ombros.

“Não nos parece. Encontrámos a carteira aqui ao lado dela e ainda tinha lá dentro cartão de identificação, dinheiro e cartões de crédito. Ah, e um telemóvel.”

Riley estudou o corpo, tentando imaginar como é que o assassino tinha conseguido colocar a vítima naquela posição. Às vezes conseguia sentir o assassino de forma poderosa simplesmente observando o que a rodeava numa cena de crime. Por vezes quase parecia que conseguia penetrar os seus pensamentos, saber o que lhe ia na mente ao cometer o crime.

Mas não agora.

Estava tudo um pouco confuso por ali com todas aquelas pessoas presentes.

Ela disse, “Ele deve tê-la subjugado de alguma forma antes de a amarrar desta forma. E o outro corpo, a vítima morta anteriormente? O médico-legista local encontrou drogas no sistema?”

“A corrente sanguínea acusou flunitrazepan,” Informou Hammond.

Riley olhou para os colegas. Ela sabia o que era flunitrazepan e sabia que também Bill e Jenn tinham conhecimento do que se tratava. O nome mais conhecido era Rohypnol e era conhecida como sendo uma droga de violação. Era ilegal, mas muito fácil de comprar nas ruas.

E sem dúvida que teria subjugado a vítima, tornando-a indefesa, embora talvez não totalmente inconsciente. Riley sabia que o flunitrazepan tinha um efeito amnésico assim que passasse o efeito. Estremeceu ao perceber...

O efeito pode ter passado aqui – mesmo antes de morrer.

Se fosse esse o caso, a pobre mulher não faria ideia como ou porquê uma coisa tão terrível lhe estava a acontecer.

Bill coçou o queixo ao olhar para o corpo.

Disse, “Então talvez isto tenha começado com um encontro com o assassino a deitar a droga na bebida num bar ou numa festa ou qualquer coisa do género.”

O médico-legista abanou a cabeça.

“Aparentemente não,” Disse ele. “Não havia rasto da droga no estômago da outra vítima. Deve ter-lhe sido ministrada por injeção.”

Jenn disse, “Isso é estranho.”

O Chefe Bull Cullen olhou para Jenn com interesse.

“Porquê?” Perguntou.

Jenn encolheu ligeiramente os ombros.

Disse, “É difícil de imaginar, só por isso. O flunitrazepam não faz efeito imediato, independentemente da forma como é ministrado. Numa situação de encontro com intenção de violar isso não é importante. A vítima talvez tome umas bebidas com o seu atacante durante algum tempo, começa a sentir-se tonta sem saber bem porquê e dali a pouco está indefesa. Mas se o nosso assassino a injetou co uma agulha, ela imediatamente perceberia que algo não estava bem e teria alguns minutos para resistir antes que a droga fizesse efeito. Não parece... muito eficiente.”

Cullen sorriu a Jenn – de forma um pouco insinuante, pensou Riley.

“Faz sentido,” Disse ele. “Deixe-me mostrar-lhe.”

Colocou-se atrás de Jenn que era muito mais baixa do que ele. Começou a tentar alcançar o seu pescoço de trás. Jenn afastou-se.

“Ei, o que é que está a fazer?” Perguntou Jenn.

“Apenas a demonstrar. Não se preocupe, não a vou magoar.”

Jenn brincou e manteve-se longe dele.

“Pode crer que não,” Disse ela. “E tenho a certeza do que tem em mente. Pensa que o assassino usou alguma espécie de método de asfixia.”

“É isso mesmo,” Disse Cullen, ainda a sorrir. “Um tipo de asfixia muito concreta.”

Torceu o braço para mostrar a sua perspetiva.

“O assassino aproximou-se inesperadamente por trás, depois colocou o braço assim à volta do pescoço, impedindo a circulação sanguínea no cérebro. A vítima perdeu os sentidos em poucos segundos. Depois foi fácil para o assassino administrar uma injeção que a deixaria indefesa por um período mais longo.”

Riley pressentiu a fricção entre Cullen e Jenn. Cullen tinha para com Jenn uma atitude simultaneamente condescendente e insinuante.

Era óbvio que Jenn não gostava dele nem um bocadinho e Riley partilhava o sentimento. O homem era sem dúvida superficial com um parco sentido de comportamento apropriado quando se tratava de lidar com uma colega – e um sentido ainda pior de como se comportar numa cena de crime.

Ainda assim, Riley tinha que admitir que a teoria de Cullen era lógica.

Ele até podia ser detestável, mas não era estúpido.

Na verdade, podia ser muito útil trabalhar com ele.

Isto é se aguentarmos estar ao pé dele, Pensou Riley.

Cullen saiu dos carris e apontou para um local onde o solo tinha sido assinalado com fita.

Disse, “Temos vestígios de pneus. São marcas grandes – obviamente provenientes de algum tipo de veículo todo-o-terreno. E aqui também temos pegadas.”

Riley disse, “Tirem fotografias disto. Enviamo-las para Quantico e os nossos técnicos passam-nas pelo crivo da base de dados.”

Cullen ficou com os braços nas ancas por um momento, abarcando a cena com o que pareceu a Riley quase uma sensação de satisfação.

Ele disse, “Devo dizer que esta é uma experiência nova para mim e para os meus homens. Estamos habituados a investigar roubos de carga, vandalismo, colisões e coisas do género. Os homicídios estão longe da nossa zona de conforto. E algo assim – bem, nunca tínhamos visto nada do género. É claro que imagino que não seja nada de especial para vocês. Estão habituados a isto.”

Cullen não obteve resposta e não disse nada durante alguns instantes. Depois olhou para Riley e para os colegas e disse, “Bem, não quero ocupar demasiado do vosso tempo. Dêem-nos apenas um perfil e a minha equipa ocupa-se do resto. Podem regressar a casa ainda hoje, a não ser que queiram passar aqui a noite.”

Riley, Bill e Jenn olharam uns para os outros com surpresa.

Será que ele estava mesmo à espera de que tudo fosse tão rápido?

“Não sei a que é que se está a referir,” Disse Riley.

Cullen encolheu os ombros e disse, “Estou certo que já têm um perfil por esta altura. Afinal, é para isso que estão aqui. O que é que me podem dizer?”

Riley hesitou durante um momento.

Depois disse, “Podemos dar-lhe algumas generalizações. Estatisticamente a maioria dos assassinos que deixa um corpo na cena do crime tem registo criminal. Mais de metade têm idades compreendidas entre os quinze e os trinta e sete anos – e mais de metade são Afro-Americanos, empregados pelo menos em part-time e têm formação escolar pelo menos ao nível do secundário. Alguns desses assassinos já tiveram problemas psiquiátricos e alguns passaram pelo serviço militar. Mas... “

Riley hesitou.

“Mas o quê?” Perguntou Cullen.

“Tente compreender – nada disto é informação realmente útil, pelo menos nesta altura. Há sempre exceções. E o nosso assassino já me parece uma. Por exemplo, o tipo de assassino de que estamos a falar geralmente tem alguma espécie de motivação sexual. Mas aqui não parece ser o caso. O meu palpite é que ele não é típico em muitas questões. Talvez não seja típico em nada. Ainda temos muito trabalho a fazer.”

Pela primeira vez desde que tinham chegado, a expressão de Cullen ficou mais sombria.

Riley acrescentou, “E quero que o telemóvel dela vá já para Quantico. E o telemóvel da outra vítima também. Os nossos técnicos precisam de ver se conseguem retirar alguma informação deles.”

Antes que Cullen tivesse oportunidade de responder, o seu telemóvel tocou.

Disse, “Já sei quem é. É o administrador do caminho-de-ferro a querer saber se pode fazer circular os comboios. A linha tem três comboios de carga apinhados e um comboio de passageiros atrasados. Há um maquinista pronto para retirar da linha o comboio que está parado. Já podemos remover o corpo?”

Riley anuiu e disse ao médico-legista, ”Pode levá-la.”

Cullen virou-se e atendeu a chamada enquanto o médico-legista reuniu o seu pessoal para removerem o corpo.

Quando Cullen desligou a chamada, parecia estar com uma disposição amarga.

Disse a Riley e aos colegas, “Então parece que vão ficar por cá durante algum tempo.”

Riley pensou compreender o que o estava a incomodar. Cullen estava ansioso por resolver um caso sensacional e não esperava que o FBI lhe retirasse esse mérito.

Riley disse, “Olhe, estamos aqui a seu pedido. Mas penso que vai precisar de nós – por mais algum tempo.”

Cullen abanou a cabeça.

Então disse, “Bem, o melhor é irmos para a esquadra de Barnwell. Temos uma coisa bem desagradável para tratar lá.”

Sem dizer mais uma palavra, virou-se e afastou-se.

Riley interrogou-se...

Mais desagradável do que isto?

Estava confusa enquanto ela e os colegas seguiam Cullen.


CAPÍTULO SEIS


Jenn Roston estava e pulgas quando se virou para seguir os colegas. Caminhou atrás de Riley e Bill enquanto o Chefe Cullen os conduzia até aos veículos estacionados.

“Bull” Cullen, chama-se a si próprio, Lembrou-se com desdém.

Estava contente por ter duas pessoas entre ela e aquele homem.

Não parava de pensar...

Tentou demonstrar como se asfixiava alguém em mim!

Duvidava que estivesse à procura de uma desculpa para a apalpar. Mas não havia dúvida que estava à procura de uma oportunidade para mostrar controlo físico sobre ela. Já era suficientemente mau que tentasse mostrar de forma condescendente a asfixia e os seus efeitos nela – como se ela não o soubesse.

Pensou que ambos tinham tido sorte que Cullen não tivesse chegado a colocar-lhe o braço à volta do pescoço. Poderia não ter conseguido controlar-se. Apesar do homem ser ridiculamente musculado, o mais certo era não lhe ter dado hipótese. É claro que isso teria sido inconveniente numa cena de crime e não teria contribuído para promover as boas relações entre investigadores. Por isso Jenn estava satisfeita por as coisas não se terem descontrolado.

Para além de tudo, agora Cullen parecia estar aborrecido por Jenn e os colegas ainda não se irem embora para ele ficar com a glória da resolução do caso.

Azar, imbecil, Pensou Jenn.

O grupo entrou na carrinha da polícia com Cullen. O homem não disse nada enquanto conduzia até à esquadra e os companheiros do FBI também permaneceram calados. Calculou que eles, tal como ela, estavam a pensar na cena de crime aterradora e no comentário de Cullen sobre ter algo “desagradável para tratar” na esquadra.

Jenn odiava enigmas, talvez porque a Tia Cora era críptica e ameaçadora tão frequentemente nas suas tentativas de manipulação. E também odiava viver com a sensação de que algo no seu passado podia destruir a realização do seu sonho de se tornar numa agente do FBI.

Quando Cullen estacionou a carrinha em frente à esquadra, Jenn e os colegas saíram e seguiram-no até ao interior da mesma. Lá dentro, Cullen apresentou-os ao Chefe da Polícia de Barnwell, Lucas Powell, um homem de meia-idade com um queixo flácido.

“Venham comigo,” Disse Powell. “Tenho os homens aqui. O meu pessoal e eu não sabemos como lidar com este tipo de coisa.”

Homens? Perguntou-se Jenn.

E a que tipo de “coisa” se referia?

O Chefe Lucas Powell conduziu Jenn e os colegas, e Cullen até à sala de interrogatório da esquadra. Lá dentro estavam dois homens sentados na mesa, ambos usando coletes amarelos florescentes. Um era elegante e alto, um homem mais velho mas com um aspeto vigoroso. O outro tinha a altura de Jenn e não devia ser muito mais velho do que ela.

Estavam a beber café e a olhar para a mesa.

Powell apresentou primeiro o homem mais velho e depois o mais jovem.

“Este é Arlo Stine, o maquinista. E este é Everett Boynton, o ajudante. Quando o comboio parou, foram eles que encontraram o corpo.”

Os dois homens mal olhavam para o grupo.

Jenn engoliu em seco. Com certeza que estariam terrivelmente traumatizados.

Não havia dúvidas de que havia algo muito desagradável com que lidar ali.

Falar com aqueles homens não ia ser fácil. E para tornar tudo pior, não era provável que soubessem algo que os conduzisse ao assassino.

Riley sentou-se à mesa com os homens e falou num tom de voz suave.

“Lamento que tenham passado por isto. Como se estão a aguentar?”

O homem mais velho, o maquinista, encolheu os ombros ligeiramente.

“Vou ficar bem,” Disse ele. “Acredite ou não, já vi isto antes. Pessoas mortas nos carris, quero dizer. Vi corpos bem mais maltratados. Não que uma pessoa se habitue, mas...”

Stine acenou na direção do ajudante e acrescentou, “Mas aqui o Everett nunca tinha passado por isto antes.”

O homem mais jovem levantou a cabeça.

“Eu fico bem,” Disse ele com um aceno inseguro, obviamente tentando aparentar algo que não correspondia à realidade.

Riley disse, “Peço desculpa por perguntar isto – mas viram a vítima antes de...?”

Boynton estremeceu e não disse nada.

Stine disse, “Apenas um relance, mais nada. Estávamos ambos na cabine. Mas eu estava no rádio a fazer uma chamada de rotina para a próxima estação e Everett fazia cálculos para a curva que íamos fazer. Quando o engenheiro começou a travar e a apitar, olhámos e vimos... algo, não sabíamos ao certo o quê.”

Stine parou, depois acrescentou, “Mas sabíamos o que tinha acontecido quando caminhámos até ao local para ver.”

Jenn revia mentalmente alguma da pesquisa que tinha feito no voo. Ela sabia que a tripulação de um comboio de carga era pequena. Ainda assim, parecia faltar uma pessoa.

“Onde está o engenheiro?” Perguntou ela.

“Está numa cela.”

Jenn ficou estupefacta.

Mas que raio se estava a passar ali?

“Colocaram-no numa cela?” Perguntou ela.

Powell disse, “Não tivemos grande escolha.”

O maquinista acrescentou, “Pobre homem – não fala com ninguém. As únicas palavras que disse desde o sucedido foram ‘Prendam-me’. Não parava de o dizer.”

O chefe da polícia local disse, “Então foi o que acabámos por fazer. Parecia o melhor a fazer por agora.”

Jenn sentiu a fúria a apoderar-se dela.

Perguntou, “Não trouxeram um terapeuta para falar com ele?”

O chefe dos caminhos-de-fero disse, “Solicitámos que um psicólogo da empresa viesse de Chicago. São as regras do Sindicato. Não sabemos se vai aparecer.”

Riley estava alarmada.

“Com certeza que o engenheiro não se responsabiliza pelo que aconteceu,” Disse ela.

O maquinista pareceu surpreendido.

“É claro que que sim,” Disse ele. “Não foi culpa dele, mas não o consegue evitar. Era o homem que ia nos comandos. Foi quem se sentiu mais indefeso. Está a devorá-lo. Detesto que ele se tenha fechado desta fora. Tentei falar com ele, mas ele nem e olhava nos olhos. Não devíamos estar à espera que aparecesse um psiquiatra dos caminhos-de-ferro. Alguém devia estar a fazer alguma coisa agora. Um bom engenheiro como ele merece mais.”

Jenn estava no seu limite.

Disse a Cullen, “Bem, não podem deixá-lo naquela cela sozinho. Não quero saber se ele insiste que quer estar sozinho. Não é bom para ele. Alguém precisa de estar lá com ele.”

Todos na sala olharam para ela.

Jenn hesitou, depois disse, “Levem-me à cela. Quero vê-lo.”

Riley olhou para ela e disse, “Jenn, não sei se é boa ideia.”

Mas Jenn ignorou-a.

“Como é que ele se chama?” Perguntou Jenn aos maquinistas.

Boynton disse, “Brock Putna.”

“Levem-me a ele,” Insistiu Jenn. “Agora mesmo.”

O chefe Powell conduziu Jenn pelo corredor. Ao caminharem, Jenn questionou-se se Riley teria razão.

Talvez não seja uma boa ideia.

Afinal de contas, ela sabia que a empatia não era o seu forte enquanto agente. Ela tendia a ser brusca e franca, mesmo quando era necessário um toque mais suave. Era certo que não possuía a habilidade de Riley para demonstrar compaixão nos momentos apropriados. E se a própria Riley não se sentisse à altura da tarefa? Porque é que Jenn decidira agir?

Mas não conseguia parar de pensar...

Alguém tem que falar com ele.

Powell conduziu-a à fila de celas, todas co portas sólidas e janelas minúsculas.

Ele perguntou, “Quer que entre consigo?”

“Não,” Disse Jenn. “É melhor fazê-lo sozinha.”

Powell abriu a porta de uma das celas e Jenn entrou. Powell deixou a porta aberta mas afastou-se.

Um homem com trinta e poucos anos estava sentado à beira da cama, a olhar diretamente para a parede. Usava uma t-shirt normal e um boné de beisebol virado ao contrário.

À porta da cela, Jenn disse num tom de voz suave...

“Senhor Putnam? Brock? Chamo-me Jenn Roston e sou do FBI. Lamento muito o sucedido. Quer... conversar?”

Putnam não mostrou sequer ouvi-la.

Parecia especialmente determinado em não olhar para ela – nem para mais ninguém, Jenn tinha a certeza.

E pela pesquisa que fizera no voo, Jenn sabia exatamente porque é que ele se sentia daquela forma.

Ela engoliu com dificuldade ao sentir um nó de ansiedade formar-se na garganta.

Aquilo ia ser muito mais complicado do que ela imaginara.


CAPÍTULO SETE


Riley manteve desconfortavelmente o olho na porta depois de Jenn sair. Enquanto Bill fazia perguntas ao maquinista e ao ajudante, ela pensava e como Jenn se estaria a sair co o engenheiro.

Ela tinha a certeza que o homem estava a passar um mau bocado. Não lhe agradava a ideia de esperar muito mais tempo pelo psicólogo dos caminhos-de-ferro – possivelmente alguém subserviente mais preocupado com o bem-estar da empresa do que com o do engenheiro. Mas que mais podiam fazer?

E será que a jovem agente só iria dificultar as coisas ao homem? Riley nunca vira nenhum sinal de que Jenn fosse especialmente habilidosa em lidar com pessoas.

Se Jenn transtornasse ainda mais o homem, como é que isso afetaria a sua própria moral? Ela já colocara a hipótese de deixar o FBI devido às pressões de uma antiga mãe adotiva criminosa.

Apesar das suas preocupações, Riley conseguiu ouvir o que era dito na sala.

Bill disse a Stine, “Disse que já viu coisas semelhantes anteriormente. Refere-se a homicídios em linhas de comboio?”

“Oh, não,” Disse Stine. “Homicídios como este são muito raros. Mas há pessoas que morrem nas linhas – isso é muito mais comum do que possa pensar. Há várias centenas de vítimas por ano, algumas são apenas acidentes, mas muitos são suicídios. No nosso ramo chamamos-lhes ‘intrusos’”.

O homem mais jovem contorcia-se na cadeira desconfortavelmente e disse, “Não quero voltar a ver nada semelhante outra vez. Mas pelo que o Arlo me diz... bem, parece que é parte do trabalho.”

Bill disse ao maquinista, “Tem a certeza de que não havia nada que o engenheiro pudesse ter feito para evitar a tragédia?”

Arlo Stine abanou a cabeça.

“Certeza absoluta. Ele já tinha abrandado o comboio para trinta e cinco quilómetros por hora devido à curva. Mesmo assim, não havia forma de parar uma locomotiva a diesel com dez carruagens de carga de forma suficientemente rápida para salvar aquela mulher. Não é possível quebrar as leis da física e parar vários milhares de toneladas de aço em movimento num ápice. Deixe-me explicar-lhe...”

O maquinista começou a falar sobre a mecânica da travagem. Era conversa muito técnica e sem grande interesse para Riley ou Bill. Mas Riley sabia que o melhor era deixar Stine continuar a falar – para seu próprio bem.

Entretanto, Riley deu por si a olhar para a porta, questionando-se como é que Jenn se estaria a dar com o engenheiro.


*


Jenn ficou ao lado da cama olhando ansiosamente para as costas de Brock Putnam enquanto ele olhava silenciosamente para a parede.

Agora que estava na presença do homem, descobriu que não fazia ideia do que fazer ou dizer a seguir.

Mas pela pesquisa que fizera no avião, percebeu porque é que ele era incapaz de olhar para quem quer que fosse naquele momento. Estava traumatizado por um detalhe que frequentemente assombrava os engenheiros que tinham passado pelo que ele estava a passar.

Há alguns momentos, o maquinista dissera que ele e o seu ajudante apenas tinham avistado a vítima de relance antes de morrer.

Ele vira algo verdadeiramente horrífico da janela da cabina – algo que nenhum ser humano inocente merecia ver.

Ajudá-lo-ia dizê-lo em voz alta?

Não sou psiquiatra, Fez questão de lembrar a si própria.

Ainda assim, sentia-se cada vez mais ansiosa.

Devagar e cautelosamente, Jenn disse...

“Penso que sei o que viu,” Disse ela. “Pode falar comigo se quiser.”

Depois de uma pausa, ela acrescentou...

“Mas só se quiser.”

Seguiu-se um silêncio.

Parece que não quer, Pensou Jenn.

Quando se preparava para se ir embora, o homem disse num sussurro quase inaudível...

“Eu morri ali.”

Aquelas palavras arrepiaram Jenn.

Mais uma vez, interrogou-se se devia estar ali a fazer aquilo.

Não disse nada. Calculou que era melhor esperar e ver se o homem queria dizer mais alguma coisa. Ela esperou alguns minutos, quase esperando que o homem permanecesse calado para ela poder sair silenciosamente.

Então ele disse...

“Eu vi a acontecer. Eu estava a olhar... um espelho.”

Fez uma pausa e depois acrescentou...

“Vi-me a mim mesmo morrer. Por isso porquê... porque é que estou aqui?”

Jenn engoliu em seco.

Sim, o que lhe acontecera era o tipo de situação de que lera no avião. Centenas de pessoas morrem em linhas de caminho-de-ferro todos os anos. E com demasiada frequência, os engenheiros passam por um momento inimaginavelmente horrífico.

Eles olham nos olhos da pessoa que está prestes a morrer.

O que acontecera também a Brock Putnam. A razão pela qual não conseguia olhar para ninguém era porque o fazia reviver a situação outra vez. E a sua identificação com a pobre mulher corroía-o por dentro. Ele estava a tentar lidar com aquilo, negando que outra pessoa tivesse morrido. Estava a tentar convencer-se a si próprio de que ele – e apenas ele – estava morto.

Jenn falou ainda mais cautelosamente do que antes.

“Você não morreu. Não estava a olhar para um espelho. Outra pessoa morreu. E a culpa não foi sua. Não havia forma de evitar que aquilo acontecesse. Você sabe isso – mesmo que tenha dificuldade em aceitá-lo. A culpa não foi sua.”

O homem continuou a não encará-la. Mas libertou um soluço.

Jenn ficou momentaneamente alarmada. Será que o tinha levado ao limite?

Não, Pensou.

Tinha a sensação de que aquilo era bom, que era necessário.

Os ombros do homem começaram a estremecer ligeiramente enquanto continuava a chorar.

Jenn tocou-lhe no ombro.

Disse, “Brock, pode fazer-me um favor? Só quero que olhe para mim.”

Os seus ombros pararam de estremecer e o choro desvaneceu.

Então, muito lentamente, ele virou-se e olhou para Jenn.

Os seus olhos azuis e grandes transbordavam de lágrimas – e olhavam diretamente para os olhos de Jenn.

Jenn teve que conter as lágrimas.

De repente percebeu que nunca experimentara aquele tipo de interação com outra pessoa, pelo menos profissionalmente.

Engoliu em seco e disse, “Não está a olhar para um espelho agora. Está a olhar para mim. Está a olhar para os meus olhos. E está vivo. Tem todo o direito em estar vivo.”

Brock Putnam abriu a boca para falar, mas não conseguiu.

Em vez disso, abanou a cabeça.

Jenn ficou aliviada.

Consegui, Pensou. Trouxe-o de volta.

Depois ela disse, “Mas merece algo mais. Merece saber quem fez esta coisa terrível – não apenas àquela pobre mulher, mas a si. E merece justiça. Merece saber que ele nunca mais fará algo igual. Prometo – terá justiça. Vou certificar-me disso.”

Ele assentiu novamente com um ligeiro sorriso.

Ela sorriu e disse, “Agora vamos sair daqui. Tem ali dois colegas preocupados consigo. Vamos ter com eles.”

Ambos se levantaram da cama. Saíram da cela onde o Chefe Powell estava à espera. Powell ficou estupefacto com a mudança de comportamento de Putnam. Dirigiram-se à sala de interrogatório e entraram. Riley, Bill e Cullen ainda lá etavam, assim como os dois maquinistas.

Stine e Boynton ficaram espantados por um momento, depois levantaram-se e trocaram abraços emocionados com Brock Putnam. Todos se sentaram à mesa e começaram a conversar.

Jenn olhou para o chefe dos caminhos-de-ferro severamente e disse, “Faça o que tiver que fazer, mas traga aquele psicólogo dos caminhos-de-ferro para cá imediatamente.”

Então, virando-se para o chefe da polícia local disse, “Vá buscar um café para este homem.”

Powell anuiu e saiu da sala.

Riley perguntou a Jenn à parte, “Achas que vai conseguir voltar a trabalhar?”

Jenn pensou por um momento e disse, “Duvido.”

Riley assentiu e disse, “Provavelmente lutará com isto para o resto da vida. É horrível ter que viver com uma coisa destas.”

Riley sorriu e acrescentou, “Fizeste um excelente trabalho.”

Jenn sentiu-se agradecida pelo comentário de Riley.

Lembrou-se de como é que o seu dia tinha começado – como a sua comunicação com a Tia Cora a tinha deixado a sentir-se inadequada e indigna.

Talvez afinal tenha alguma utilidade, Pensou.

No final de contas, ela sempre soubera que a empatia era uma qualidade que lhe faltava e precisava de ser cultivada. E agora por fim, parecia ter dado alguns passos no sentido de se tornar numa agente mais empática.

Também se sentiu bem com a promessa que fizera a Brock Putnam:

“Prometo – vai ter justiça. Vou-me certificar disso.”

Estava satisfeita por tê-lo dito. Agora era estava empenhada nisso.

Não o vou desiludir, Pensou.

Entretanto, os dois maquinistas e o engenheiro continuavam a conversar tranquilamente, relembrando a horrível experiência por que tinham passado, mas que tinha sido especialmente terrível para Putnam.

De repente, a porta da sala abriu-se e o Chefe Powell olhou lá para dentro.

Disse a Cullen e aos agentes do FBI, “É melhor virem comigo. Acabou de aparecer uma testemunha.”

Jenn sentiu entusiasmo ao seguir Cullen pelo corredor.

Estariam prestes a obter as revelações que precisavam?


CAPÍTULO OITO


Enquanto Riley seguia Powell pelo corredor juntamente com os outros agentes do FBI e Bull Cullen, interrogou-se...

Uma testemunha? Será que vamos ter uma pista tão rapidamente?

Anos de experiência diziam-lhe que não era provável.

Ainda assim, não conseguia evitar esperar que desta vez fosse diferente. Seria fantástico resolver o caso antes que mais alguém fosse morto.

Quando o grupo chegou a uma pequena sala de reuniões, uma mulher robusta na casa dos cinquenta anos andava de um lado para o outro lá dentro. Usava maquilhagem pesada e o cabelo era de um louro pouco natural.

Apressou-se na sua direção. “Oh, isto é horrível,” Disse ela. “Eu vi a foto dela nas notícias há pouco e reconhecia-a de imediato. Que morte horrível. Mas tive um pressentimento a seu respeito – um mau pressentimento. Podem chamar de premonição.”

Riley ficou algo desiludida.

Geralmente não era um bom sinal quando uma testemunha começava a falar de “premonições”.

Bill conduziu a mulher a uma cadeira.

“Sente-se, minha senhora,” Disse ele. “Tenha calma e vamos começar do início. Como se chama?”

A mulher sentou-se, mas estava inquieta.

Bill sentou-se numa cadeira próxima, virando-se um pouco para falar com ela. Riley, Jenn e os outros também se sentaram na mesa da sala de reuniões.

“O seu nome?” Perguntou Bill novamente.

“Sarah Dillon,” Disse ela com um sorriso amplo. “Vivo aqui em Barnwell.”

Bill perguntou, “E coo é que conhecia a vítima?”

A mulher olhou para ele como se tivesse ficado surpreendida com a pergunta.

“Bem, eu não a conhecia. Trocámos algumas palavras numa ocasião.”

Bill perguntou, “Viu-a esta manhã – antes de ela ser morta?”

Sarah Dillon pareceu ainda mais surpreendida do que anteriormente.

“Não. Há várias semanas que não a via. Qual a relevância disso?”

Riley trocou olhares com Bill e Jenn. Ela sabia que todos estavam a pensar no mesmo.

Há várias semanas?

É claro que tinha importância.

Quando Powell dissera que surgira uma testemunha, Riley imaginara alguém que ou conhecia a vítima pessoalmente ou tinha visto algo relevante para o caso – o rapto, talvez. Ainda assim, ela sabia que tinham que seguir qualquer pista. Até agora, não tinham mais nada com que trabalhar.

Riley disse, “Fale-nos das suas interações com a vítima.”

Sarah Dillon coçou o queixo.

“Bem, via-a pela cidade. Quero dizer ocasionalmente. Em lojas, nas ruas. Também nas estações de comboios, tanto aqui como em Chicago. Eu apanho o comboio para Chicago todas as semanas para ver a minha irmã e a família. Via-a a entrar e a sair do comboio, tanto aqui como em Chicago. Por vezes, ficávamos na mesma carruagem.”

Os olhos de Sarah Dillon perderam-se por um momento.

Então ela perguntou quase sussurrando, “Pensam que posso estar em perigo?”

A cada minuto que passava a mulher parecia menos coerente a Riley. Ela não sabia como responder à sua pergunta. Porque é que a mulher pensava poder estar em perigo? Tinha alguma razão válida para se preocupar?

Riley duvidava. Por um lado, ela observara o cadáver na cena do crime e vira uma foto online da outra vítima. Ambas as mulheres eram de constituição leve e morenas. Os seus rostos eram parecidos. Se o assassino estivesse obcecado com um tipo de vítima em particular, esta mulher muito mais robusta não se enquadrava no perfil.

Riley perguntou, “Que informação é que tem?”

Sarah Dillon foi mais uma vez apanhada de surpresa.

“Informação? Bem, talvez não exatamente informação. Mas uma sensação forte – muito, muito forte. Havia algo de muito errado com aquela mulher. Já o sabia há algum tempo.”

“Como assim?” Perguntou Jenn.

“Uma vez, no comboio para Chicago, tentei entabular uma conversa com ela. Sabem, falar do tempo, do dia que tivera, da minha irmã em Chicago e a família. A princípio pareceu amigável, mas começou a distanciar-se quando lhe fiz perguntas sobre ela. Perguntei-lhe, ‘O que faz em Chicago?’ Ela disse que ia visitar a mãe que estava num lar.”

Sarah Dillon mexeu na sua mala nervosamente.

“Depois comecei a fazer-lhe perguntas sobre a mãe – como estava a saúde, há quanto tempo estava num lar, esse tipo de coisa. Começou a ficar defensiva e dali a minutos já não me falava. Pegou num livro e fingiu lê-lo, como se eu nem estivesse ali. Desde essa altura, sempre que a via no comboio, ela fazia a mesma coisa – agia como se não me conhecesse. Pensei que fosse malcriada, reservada. Mas agora... bem, tenho a certeza que era outra coisa.”

“O quê?” Perguntou Jenn.

A mulher soltou um grunhido de desaprovação.

“Bem, vocês é que são os polícias. Vocês é que devem saber. Mas ela escondia alguma coisa. Aposto que estava envolvida em alguma coisa ilegal. Qualquer coisa que provocou a sua morte. E agora...”

Estremeceu.

“Acham que estou em perigo?” Perguntou outra vez, olhando nervosamente à sua volta.

“Porque pensa que está?” Perguntou Bill.

“Bem, é óbvio, não é? Havia outras pessoas naquele comboio. Imensas pessoas. Ninguém é muito amigável nos dias que correm. E desde que falei com ela, notei que algumas delas olham para mim de forma estranha. Qualquer uma delas pode ser o assassino. Ela não me disse no que estava envolvida, não sei nada. Mas o assassino não sabe isso. Ele pode pensar que ela me contou alguma coisa – alguma coisa que não é suposto eu saber.”

Riley conteve um suspiro de impaciência.

Disse, “Duvido que esteja em algum perigo, senhora Dillon.”

A verdade era que Riley tinha a certeza. A mulher era paranoica, pura e simplesmente.

“Mas não sabe,” Disse a mulher com um tom de voz mais estridente. “Não pode ter a certeza. E eu tenho um pressentimento tão terrível. Têm que fazer alguma coisa. Têm que me proteger.”

O Chefe Powell levantou-se e deu-lhe uma palmadinha no ombro.

“Espere aqui um momento, minha senhora,” Disse ele. “Eu já volto.”

A mulher assentiu, depois sentou-se silenciosa. Parecia estar à beira de chorar.

O chefe da polícia regressou rapidamente com um polícia à paisana.

Disse à mulher, “Este é o agente Ring. Ele vai vigiá-la durante algum tempo. Agora, devia ir para casa. O agente Ring vai assegurar-se de que lá chega em segurança.”

A mulher soltou um suspiro de alívio. Levantou-se da cadeira e saiu da sala com o polícia, olhando alegremente para ele enquanto lhe segurava a porta.

Bill abanou a cabeça e disse ao chefe Powell, “O que é que vai fazer? Dar-lhe proteção permanente? Porque isso seria um desperdício de tempo e de recursos.”

Powell riu-se.

“Não se preocupem,” Disse ele. “Landry Ring tem um efeito calmante sobre as pessoas. Foi por isso que o escolhi para a levar a casa. Quando lá chegarem, aposto que o Landry já a convenceu de que não está em perigo nenhum.”

“Isto foi mesmo uma perda de tempo,” Disse Jenn.

Talvez, Pensou Riley.

Mas ficou uma sensação estranha sobre o que a “testemunha” tinha acabado de dizer...

“Havia algo de muito estranho com aquela mulher.”

... e...

“Ela escondia alguma coisa.”

Riley pressentiu que Sarah Dillon poderia não estar completamente enganada.

Perguntou a Powell e Cullen, “Reese Fisher tinha parentes a viver aqui em Barnwellll?”

Powell disse, “Apenas o marido, Chase. Um quiroprático local.”

“E ele já foi entrevistado?”

“Claro,” Disse Bull Cullen. “O chefe Powell e eu falámos com ele. Tem um álibi sólido – estava no seu escritório na manhã em que aconteceu.”

“Quero falar novamente com ele,” Disse Riley.

Cullen e Powell olharam um para o outro surpreendidos.

Powell disse, “Não sei de que adiantará. Ele está bastante abalado com isto.”

Riley não tinha a certeza do que esperava descobrir. Mas se Reese Fisher escondia algum segredo, o marido podia ser a pessoa certa para o revelar.

“Quero vê-lo,” Insistiu Riley. “Imediatamente.”


CAPÍTULO NOVE


O chefe da polícia dos caminhos-de-ferro pareceu profundamente incomodado com o pedido de Riley para voltar a entrevistar o marido de Reese Fisher. Mas Riley não ia ceder.

Bull Cullen disse, “Quando pedi que vocês viessem, não esperava que me fizessem perder tempo.”

Já a sentir-se a fervilhar, Riley juntou bem os lábios para evitar responder à letra ao homem. Ouviu Bill soltar um suspiro baixo.

Antes de Riley pensar numa resposta politicamente correta, Jenn falou. A jovem agente respondeu de forma tão condescendente e paternalista como Cullen o havia feito na cena do crime.

“Oh, não iremos interferir com o seu excelente trabalho, senhor. Dê-nos apenas um carro e nós iremos ver o senhor Fisher sozinhos. Sairemos do seu caminho durante algum tempo. O senhor e a sua equipa podem continuar a fazer as coisas realmente importantes. Podem começar por reservar um lugar confortável para aqueles três homens que se encontram na sala de entrevistas passarem a noite.”

Cullen fez uma careta ao óbvio desdém por ele.

“Farei isso,” Disse ele, inchando o seu considerável físico numa tentativa de exercer a autoridade masculina. “E vou reservar um lugar para vocês os três também. Entretanto, o chefe Powell leva-os até ao veículo.”

Powell ficou perplexo ao ver Cullen afastar-se. Riley sabia o que Powell estava a pensar. Com certeza estava preocupado com o facto de a equipa do FBI e a polícia dos caminhos-de-ferro não se estarem a entender porque ele seria apanhado no meio de uma situação desagradável.

Por fim, Powell abanou a cabeça e levou Riley e a sua equipa para o exterior até um veículo estacionado. Deu-lhes as chaves e indicações para chegarem à casa de Fisher.

Enquanto Riley conduzia, disse, “Jenn, não te censuro por não gostares do chefe Cullen, mas...”

Jenn interrompeu, “Huh-uh, não é isso. Eu não gosto de ressacas ou bronquite. Não gosto quando o meu carro não pega. Não gosto de anúncios de televisão. Não gosto de anchovas na pizza. Mas aquele tipo...”

Soltou um ligeiro grunhido, depois acrescentou, “Se me perguntares, é um tipo novo de antipatia. Praticamente transpira testosterona.”

Bill soltou um riso, mas não fez qualquer comentário.

Riley não conseguiu deixar de ficar impressionada pela forma como Jenn expressou a sua antipatia.

Mas ainda assim...

Riley disse, “Bem, vamos ter que trabalhar com ele. Todos. Por isso habitua-te a ele – pelo menos, durante o tempo que demorarmos a resolver este caso.”

No espelho retrovisor, Riley viu Jenn a cruzar os braços num gesto de aborrecimento silencioso.

Riley esperava que Jenn tivesse ouvido o que ela dissera e o levasse a sério. Por outro lado, calculou que houvesse um efeito positivo na hostilidade de Jenn em relação a Cullen. Talvez lhe desse algo em que pensar para além do que se passava entre ela e a misteriosa Tia Cora.

De qualquer das formas, Riley não se podia queixar do trabalho de Jenn até ao momento. No passado, sempre sentira que a Jenn podia ser uma espécie de elefante numa loja de porcelana. Mas ela lidara surpreendentemente bem com a situação do engenheiro.

E no que dizia respeito a Riley, era um grande feito. A capacidade de demonstrar empatia em relação a vítimas era uma ferramenta muito importante para um agente da UAC. Tal não era inato em Jenn, mas ela estava a aprender.

A viagem até à morada que procuravam era curta. Quando Riley estacionou em frente a uma casa, notou que o design da mesma era familiar – um conjunto de edifícios com apartamentos novos com telhados de duas águas, janelas arqueadas e varandas. Com base em lugares parecidos em que estivera antes, tinha a certeza de que os edifícios rodeavam uma área aberta que incluía uma piscina.

Riley, Bill e Jenn entraram no elevador, saíram no terceiro andar e bateram à porta do apartamento.

Riley ficou alarmada quando a porta se abriu. Graças à luminosidade, quase confundiu o homem no interior do apartamento com Ryan. Tinham a mesma altura, constituição e compleição. Os cabelos brancos mal se viam por entre o louro.

Mas a semelhança rapidamente se desvaneceu e Riley sentiu-se relaxar um pouco.

“Posso ajudá-los?” Perguntou o homem.

“É Chase Fisher?” Perguntou Riley.

“Sim.”

Riley e os colegas mostraram os distintivos e apresentaram-se.

O homem pareceu algo aflito.

“A polícia esteve cá hoje de manhã,” Disse ele. “Respondi a muitas perguntas. Este é um momento realmente difícil para mim.”

“Eu sei e lamento muito,” Disse Riley. “Mas acabámos de nos juntar ao caso e estamos à procura de uma perspetiva nova. Estamos ansiosos para apanhar o assassino da sua mulher. Pensamos que nos pode ajudar.”

Ela percebeu que aquele homem tinha uma personalidade diferente da de Ryan. O seu ex-marido ficaria aborrecido, mas Chase Fisher apenas parecia cansado.

Assentiu e conduziu-os ao interior do apartamento de tamanho médio com tapetes exuberantes e uma varanda. Riley calculou que tivesse três quartos e que pelo menos um deles fosse utilizado como escritório. Ela lembrava-se de ouvir que Chase Fisher era quiroprático e que a mulher era bibliotecária. Riley partiu do princípio que exercesse noutro local. E deviam ter uma vida profissional próspera para viver num local daqueles.

Não havia retratos de família e Riley pressentiu de imediato que o casal não tinha filhos. Havia alguns quadros de bom gosto pendurados nas paredes e um armário de vidro exibia troféus de golfe e bowling.

No geral, a casa parecia respeitável e agradável. Mesmo assim, Riley captou um aroma melancólico no ar. Os seus instintos diziam-lhe que aquela casa não fora inteiramente feliz mesmo antes da morte de Reese Fisher.

O grupo sentou-se.

Riley disse, “Sr. Fisher, eu sei que já lhe fizeram esta pergunta. Mas onde é que estava quando a sua mulher foi assassinada?”

“Estava no meu gabinete na cidade,” Disse Fisher.

“E alguém pode atestar o seu paradeiro?”

“Com certeza. A minha rececionista e pelo menos alguns dos meus pacientes da manhã. Calculo que já saibam que sou quiroprático.”

Riley continuava a estar atenta ao seu comportamento. Ela tinha a certeza que o seu álibi era sólido. Bull Cullen podia ser detestável, mas não era estúpido. Não teria descurado um pormenor como aquele. Mas naquele ponto, Riley estava mais interessada em como Fisher respondia às suas perguntas do que propriamente nas respostas.

“Esteve com a sua mulher hoje de manhã?” Perguntou Riley.

“Não,” Disse ele. “Ela tinha passado a noite em Chicago de visita à mãe que está num lar. Veio no comboio da manhã. Que eu saiba, nunca chegou a casa.”

Riley teve uma sensação estranha, a sensação de que Fisher estava a omitir algo importante.

Sonda com cuidado, Disse a si própria.

Perguntou, “A mãe já sabe o que aconteceu?”

Fisher mexeu-se ligeiramente na cadeira.

“Sim, falei com Nadine logo que me foi possível. Pobre mulher – já não se encontra muito coerente e foi complicado perceber. Ficou muito perturbada e a chamada não correu bem. Espero que as pessoas que tomam conta dela a ajudem a compreender e a lidar com a situação. Não está em condições de vir ao funeral. Tenho que a visitar em breve.”

Seguiu-se um momento de silêncio.

Então Riley apontou para os troféus e disse, “Vejo que é golfista. E jogador de bowling também.”

Ele pareceu surpreendido com o comentário. É claro que Riley sabia que era algo estranho para uma detetive mencionar num momento daqueles. Mas Riley tinha os seus motivos.

“Sim,” Disse ele. “Sou apenas um amador em ambos. Acho que me safo bem. Um bom golfista. Não sou o melhor jogador de bowling da nossa equipa local, mas não sou mau de todo.”

Riley reparou numa estranha mudança de tom. Estava a ser modesto, é claro, a julgar pelos troféus. Mas também pressentiu algo mais.

Vergonha? Interrogou-se.

Porque é que alguém teria vergonha por jogar desportos recreativos? Sobretudo alguém que era bom a jogá-los? Ryan gabava-se do seu desempenho no golfe à mínima oportunidade.

Ela disse lentamente, “A sua mulher gostava de golfe e bowling, Sr. Fisher?”

Fisher olhou para ela com uma expressão curiosa.

“Bem, ela não jogava, mas...”

Riley acrescentou, “Quero dizer, interessava-se por estes jogos? Como espetadora ou fã? Ou no seu desempenho?”

Fisher abanou a cabeça.

“Não,” Disse ele. “Ela não se interessava por desporto. Porque é que pergunta?”

Riley não respondeu. Mas ela sabia que este pequeno facto era mais importante do que parecia. No final de contas, os troféus de desporto eram os objetos mais proeminentes da sala de estar. E no entanto Reese Fisher não tinha qualquer interesse por desporto.

Riley perguntou, “Sr. Fisher, o senhor e a sua mulher eram felizes?”

Fisher olhou Riley nos olhos e pestanejou algumas vezes.

“É claro que éramos,” Disse ele.

Mais uma vez, Riley deixou o silêncio instalar-se na sala.

Ela tinha a certeza de que Bull Cullen e o chefe Powell tinham colocado a mesma pergunta e Fisher tinha dado a mesma resposta. Mas Cullen e Powell tinham-na descartado demasiado facilmente.

Riley fixou o olhar em Fisher.

Não o disse em voz alta, mas com o olhar disse-lhe...

Está a mentir.

Ele anuiu ligeiramente em resposta à sua observação muda.

Riley ficou à espera que ele lhe contasse a verdade.


CAPÍTULO DEZ


Chase Fisher baixou o olhar e enterrou-se na cadeira. Riley permaneceu calada, assim como Bill e Jenn. Ela pressentiu a antecipação dos colegas em relação ao que estava prestes a ser dito.

Por fim, Fisher disse numa voz quase inaudível...

“A Reese estava a ter um caso.”

Riley deixou as palavras pairarem no ar durante um momento.

Depois disse, “Mencionou isso aos detetives que falaram consigo esta manhã?”

“Não,” Disse Fisher.

Jenn quebrou o silêncio. “Porque não? Não lhe ocorreu que podia ser importante?”

Riley conteve um suspiro. Jenn estava a voltar ao seu velho estilo de elefante em loja de porcelanas. Riley lançou-lhe um olhar que lhe dizia para se calar.

Então Riley perguntou a Fisher, “Com quem?”

Fisher abanou a cabeça com tristeza.

“Alguém em Chicago,” Disse ele.

“Não sabe quem?” Perguntou Riley.

“Não.”

“Ela não lhe dizia?”

Fisher suspirou longamente.

“Nunca falámos sobre isso. Nem sei ao certo se ela tinha conhecimento que eu sabia. Mas eu sabia. Primeiro foi apenas uma sensação. Mas depois andei a... bem, a bisbilhotar. Liguei para o hotel em Chicago onde ela devia estar hospedada e não estava lá registada. Liguei para o lar da mãe também e o pessoal dizia-me que ela não tinha lá estado – pelo menos nas alturas em que dizia que estaria.”

Quando o silêncio se instalou novamente, a mente de Riley tentou processar tudo o que estava a ouvir.

Por fim, Fisher disse, “Eu sei – devia ter dito aos detetives esta manhã. Não sei porque é que não o fiz. É que... “

As suas palavras desvaneceram-se. Riley pressentiu que ele lutava com uma imensidão de pensamentos e sentimentos.

Então ele disse, “Isto pode parecer estranho, mas sinto que a culpa foi minha. O facto de ela ter um caso. Não era porque... bem, eu amava-a e tratava-a bem. Estivemos casados durante doze anos e fiz tudo... tido bem, pensava eu. Tudo o que um bom marido é suposto fazer. Tinha uma profissão sólida, ganhava bastante dinheiro, tentei dar-lhe tudo o que ela queria.”

“E filhos?” Perguntou Riley.

Fisher abanou novamente a cabeça.

“Adiámos sempre. Nunca parecia o momento certo. Nenhum de nós sabia dizer porquê. Talvez tivéssemos dúvidas sobre nós próprios, se daríamos bons pais. E à medida que os anos passaram, parecia cada vez mais improvável encontrarmos o momento certo.”

Fisher soltou um riso triste e amargo.

Disse, “Sabiam que Barnwell, Illinois foi classificada como a terceira cidade mais aborrecida para se viver nos Estados Unidos? Exceto o golfe. Não é uma má cidade para o golfe. Até o bowling é considerado péssimo. Tanto eu como a Reese crescemos aqui. Penso que nunca ocorreu a nenhum dos dois ir para outro lugar até já estarmos instalados – até ser tarde demais.”

Encolheu ligeiramente os ombros.

“Não admira que estivesse farta – não apenas da cidade, mas de mim. Ela adorava literatura e artes. Eu também queria gostar, mas não gosto e nunca o consegui fingir. E Barnwell não existe no que diz respeito a essas coisas. Ela fazia tudo o que estava ao seu alcance para animar esta cidade, como fundar um grupo coral, organizar peças e clubes de leitura. Mas nada pegava. Ela tentava disfarçar, mas era infeliz.”

Fisher ficou pensativo por um momento.

“Acho que esperava que a pessoa com quem estava... conseguisse ajudar a preencher o que faltava na sua vida. Às vezes tentava imaginar como é que ele seria. Rico, talvez – ou pelo menos com uma vida confortável, com todo o gosto e cultura que eu não tenho. Alguém que a pudesse levar a galerias de arte, peças, concertos, à ópera. Eu esperava que ele conseguisse fazer tudo o que eu não conseguia.”

Riley perguntou, “Alguma vez foi infiel?”

“Não,” Disse ele. “Nunca me interessei por ninguém. Sou demasiado...”

Não terminou a frase, mas Riley sabia o que ele omitira.

“Sou demasiado chato para fazer algo do género.”

Riley agora sentia-se estranhamente desconfortável. Não sabia bem porquê. Mas por alguma razão, aquele homem lembrava-lhe novamente o Ryan.

Porquê? Questionou-se.

Para além de uma certa semelhança física, em que é que eram parecidos? O Ryan era vão, egoísta, amoral e impermeável à autocrítica. Este homem parecia introspetivo e empático, talvez até demais - isto é, se Riley acreditasse no que ele estava a dizer.

Tem cautela, Disse a si própria. Ela sabia que a credulidade podia ser perigosa num momento como aquele.

Ela disse, “Sr. Fisher, o que nos está dizer pode ser muito importante. Faz ideia de como podemos descobrir quem era o amante da sua mulher?”

“Não. Eu bisbilhotei no escritório e no computador dela, vasculhei cartas e e-mails. Nunca encontrei nada suspeito.”

Riley estava à beira de perguntar...

“Então tem mesmo a certeza de que ela tinha um caso?”

Era bem possível que a insegurança do ano o tivesse tornado paranoico.

Lembrou-se que o telemóvel de Reese Fisher estava a caminho de Quantico para ser examinado pelos técnicos. Talvez Sam Flores e a sua equipa conseguissem encontrar mensagens ou chamadas significativas.

Riley inclinou-se ligeiramente na direção de Fisher.

“Sr. Fisher, pensa que o envolvimento da sua mulher com outro homem pode estar relacionado com a sua morte?”

Os olhos de Fisher abriram-se muito como se a possibilidade não lhe tivesse ocorrido.

“Eu... eu não sei,” Gaguejou. “Não consigo imaginar...”

Parecia estar à procura das palavras certas.

Disse, “Com certeza que a Reese nunca se envolveria com alguém que lhe quisesse fazer mal. Não posso acreditar nisso.”

Parecia estar a ser perfeitamente sincero.

Mas estaria?

Porque é que ela não o conseguia dizer?

Riley virou-se para Bill e fez-lhe um aceno de cabeça, um sinal familiar para ele fazer as suas perguntas. Bill anuiu, fazendo perguntas sobre pormenores de rotina. Reese tinha alguma ligação com Fern Bruder, a anterior vítima? Fisher conhecia alguém que tivesse algum tipo de ressentimento contra Reese? O seu comportamento ultimamente era estranho?

À medida que Fisher respondia negativamente a todas as perguntas de Bill, Riley estudou-o cuidadosamente, tentando estar atenta a qualquer traço de desonestidade ou evasão. Não teve qualquer pressentimento claro em relação a ele.

Isso preocupava-a – e bastante.

Ela sabia que o seu álibi não vali nada. Ele podia muito bem encomendar a morte da mulher se quisesse.

E agora parecia que tinha um motivo bastante plausível para o fazer.

A sua autoanulação e sentimento de culpa podiam ser apenas teatro.

Eu devia saber discernir, Pensou Riley.

Na verdade, ela tinha orgulho em ser capaz de percecionar impressões, detetar o mal quando estava próximo dela.

Mas por qualquer razão, os seus instintos não estavam a funcionar naquele momento.

Porquê? Será que a semelhança com Ryan turvava o seu pensamento? A possibilidade perturbava-a profundamente.

Por fim, parecia não haver mais nada a perguntar.

Riley disse, “Sr. Fisher, lamentamos muito a sua perda e agradecemos-lhe o tempo que nos dispensou. Planeia sair de Barnwell nos próximos dias?”

“Não,” Disse Fisher.

Riley entregou-lhe o seu cartão e disse, “Não o faça. Na verdade, queremos manter-nos em contacto consigo. Poderá ser necessário falarmos novamente em breve.”

Fisher aceitou o cartão e assentiu.

Quando Riley e os colegas saíram do edifício, ela ficou surpreendida em como escurecera. Olhou para o relógio e viu que já passava das nove horas.

Ao caminharem em direção ao carro que o chefe da polícia local lhes emprestara, Jenn perguntou, “Então, o que acham? É o nosso assassino?”

Riley hesitou.

Depois disse, “Não sei. Mas o melhor é mantê-lo debaixo de olho.”


CAPÍTULO ONZE


Ao caminharem na direção do carro, Riley estava preocupada, mas não com o homem que tinham acabado de entrevistar. Ela não fazia ideia se ele seria ou não o assassino e isso é que a incomodava.

Porque é que o seu instinto estava a retrair-se agora?

O que é que ia fazer quanto a isso?

Ficou grata pela distração quando o telemóvel de Bill tocou.

Bill olhou para o telemóvel e disse, “É uma mensagem de Bull Cullen. Diz que alojou os três homens num motel local e que também fez uma reserva para nós. Quer que nos encontremos com ele lá.”

Riley estava prestes a protestar, mas percebeu que não tinha uma alternativa em mente. O dia passara demasiado depressa e parecia não haver mais nada para fazer naquele momento. A incerteza era a única coisa que restara daquele dia.

Riley sentiu-se ainda mais desanimada quando entrou no carro e começou a conduzir rumo ao motel. Não ajudou ver Bull Cullen à espera deles quando parou o carro junto ao motel. Com um sorriso amplo, indicou-lhes o local onde deveriam estacionar.

A Riley pareceu que Cullen estava positivamente contente ao saírem do carro e o seguirem rumo ao quarto que alugara para eles. Então ela entendeu porque é que ele estava tão satisfeito consigo próprio.

O quarto era pequeno com duas camas de solteiro e um sofá que fora aberto para servir como terceira cama. Havia uma pequena secretária com uma cadeira, uma televisão antiga e pouquíssimo espaço para se movimentarem. Devia ser o quarto mais barato disponível.

Não que Riley se importasse muito e ela sabia que Bill também não. Ao longo dos anos tinham partilhado alojamentos bem mais modestos e até tinham passado a noite em carros e carrinhas quando necessário. É claro que ela tinha a certeza que aquele alojamento exíguo não era uma questão de necessidade.

Aquilo era nada mais do que um menosprezo deliberado.

Riley percebeu que Bill tentava controlar o riso, mas Jenn parecia verdadeiramente enojada.

Tentando parecer indiferente, Cullen perguntou, “Como é que correu a entrevista com o Chase Fisher? Presumo que não tenham descoberto nada de novo.”

Riley lançou-lhe um olhar duro.

“Na verdade até descobrimos,” Disse ela. “Ele pensa que a mulher estava a ter um caso com um homem em Chicago. Ainda não sabemos quem é o amante ou se tem algo a ver com a sua morte. Ou se Chase Fisher é um suspeito viável. Mas... “

Ela parou de falar e depois perguntou, “Ou será que descobriu tudo isto sozinho? Não me recordo de o ver mencionado em qualquer relatório.”

Surpreendido, Cullen limitou-se a abanar a cabeça.

Riley comentou, “Calculo que as suas capacidades ao nível da entrevista necessitem de alguma melhoria.”

Cullen pareceu picado.

Riley acrescentou, “O melhor é colocar alguns polícias à paisana a vigiar Fisher. A começar já esta noite. Imediatamente.”

“Vou fazer isso,” Disse Cullen. O seu rosto contorceu-se de fúria, mas conseguiu controlar-se e perguntou, “O que planeiam fazer amanhã?”

“Depende,” Disse Riley. “Fern Bruder, a outra vítima, tinha parentes em Allardt, Indiana?”

“Sim,” Disse Cullen. “Vivia com a família.”

“Entrevistou-os?”

“Sim. No dia seguinte à morte de Fern Bruder.”

Riley não gostava de ser mesquinha, mas não conseguia evitar ir mais a fundo.

“Bem,” Disse ela. “Calculo que os Agentes Jeffreys, Roston e eu teremos que lá ir entrevistá-los novamente. Envie-me as notas que tirou e também os contactos do chefe da polícia de lá. Quero avisá-lo que iremos lá. Vamos até Allardt amanhã de manhã.”

O rosto de Cullen enrubesceu, mas ainda assim conseguiu controlar-se.

“Ótimo,” Disse ele por entre dentes cerrados. “Então vemo-nos amanhã.”

Quando se virava para abandonar o quarto, Jenn disse, “Espere. Os homens com quem falámos hoje também estão neste motel?”

“Estão,” Respondeu Cullen.

“Em que tipo de quarto ficaram?”

Cullen pareceu surpreendido com a pergunta.

“Num muito parecido com este,” Disse ele.

Jenn cruzou os braços.

“Huh-uh,” Disse ela. “Nem pense que vai deixar aqueles pobres homens num pardieiro como este. Vá à receção e peça os melhores quartos que tiverem.”

“Eles estão traumatizados,” Disse Cullen. “Talvez não queiram estar isolados. Talvez queiram estar juntos.”

“Sim, talvez,” Disse Jenn. “Perguntou-lhes?”

Cullen não respondeu, mas o rosto estava a corar novamente.

“Pergunte-lhes,” Exigiu Jenn. “Mesmo que queiram estar juntos, arranje-lhes uma suite com quartos adjacentes ou algo do género. Algo que seja muito melhor do que isto, pelo menos. Se este motel não tiver algo melhor, leve-os para outro local. Trate disso já, senão tratarei eu.”

Cullen abriu a boca para falar, depois pareceu pensar melhor. Saiu do quarto sem dizer mais uma palavra.

Riley via que Jenn estava novamente a fervilhar.

“Aquele homem!” Exclamou Jenn, andando de um lado para o outro. “Tem cá uma lata. Não quero saber se nos quer enfiar neste buraco. Mas desrespeitar aqueles pobres homens depois daquilo por que passaram? Que desgraçado!”

Riley abanou a cabeça e disse, “Jenn... “

“O quê?” Perguntou Jenn. “Estou errada? Diz-me.”

Riley suspirou.

“Não, mas não me canso de te dizer – tens que trabalhar com ele. Tenta não te deixares afetar. Tenho um pressentimento de que este caso já vai ser suficientemente difícil.”

Testou uma das camas e sentou-se nela.

Disse, “Não comemos nada desde manhã. Vamos encomendar alguma comida e conversar sobre o que já temos.”

Bill ligou a encomendar pizza e cerveja. Depois os três instalaram-se e começaram a rever o caso. O assunto da conversa era obviamente o marido que tinham entrevistado e a pouca informação que tinham conseguido obter dele.

“Uma coisa me incomoda,” Disse Jenn. “Ele não chorou. Foi porque ainda estava em choque ou chorar não faz parte da sua natureza? Ou porque é culpado?”

Riley lançou um olhar de advertência a Jenn.

“Não tires conclusões precipitadas,” Disse. “As pessoas fazem o luto de forma diferente. Não posso dizer com certeza que ele fosse sincero, mas pareceu-me muito abalado.”

“Sim, mas o ciúme é um motivo clássico,” Disse Jenn. “Com álibi ou sem álibi, ele podia ter contratado alguém para fazê-lo.”

Jenn pensou durante um momento, depois acrescentou, “É claro que ainda temos que considerar a primeira vítima em Indiana. Não sei como é que ela se encaixa nesta teoria.”

Riley conteve um suspiro de desânimo.

“Oh, ela encaixa na teoria,” Disse ela. “A morte de Reese Fisher pode ser apenas um homicídio de imitação. O marido parece ser um homem suficientemente inteligente. Podia ter lido sobre o anterior homicídio e tê-lo visto como uma oportunidade para fazer parecer a morte da mulher o segundo numa série de homicídios em série. Não seria a primeira vez que algo do género acontecia.”

Bill manifestou desalento.

“Ou,” Disse ele, “Chase Fisher pode ser inocente e o amante de Reese pode ser o assassino, usando o cenário de imitação que acabaste de mencionar.”

“Mas não sabemos quem é o amante,” Acrescentou Jenn.

“Ou se existe,” Disse Riley, abanando a cabeça. “Não gosto de nenhuma destas possibilidades. Se Chase Fisher ou o amante da mulher são responsáveis pela sua morte, provavelmente temos que lidar com dois assassinos – um dos quais pode estar a planear outro homicídio neste preciso momento. Se nem Fisher, nem o amante são culpados, estamos a perder tempo valioso com eles. Há um assassino em série à solta e não estamos nem perto de o parar.”

Parecia não haver mais nada a dizer. O grupo acabou de comer a pizza e beber a cerveja em silêncio.

Por fim, Riley disse, “Bem, talvez saibamos mais coisas amanhã quando falarmos com a família de Fern Bruder. Se descobrirmos uma ligação entre as duas vítimas, será um progresso. Entretanto, o melhor é descansarmos.”

Riley ligou para a receção marcar o serviço de despertar. Os três agentes tomaram banho à vez, depois chegaram a acordo quanto à distribuição das camas. Bill e Jenn ficaram com as duas camas, e Riley ficou no sofá-cama. Não era muito confortável, mas Riley já dormira em sítios bem piores.

Em poucos minutos, Riley já ouvia o ressonar ruidoso de Bill, seguido do ressonar mais tranquilo de Jenn.

Riley invejava-os. Ela estava a ter dificuldade em manter os olhos fechados, já para não falar em adormecer. Não parava de pensar e Chase Fisher e nas impressões que obtivera durante a visita.

Porque é que ele lhe lembrava o Ryan?

Deu por si a pensar e algo que Fisher tinha dito sobre o caso da mulher.

“Sinto que a culpa era minha.”

Porque é que aquelas palavras continuavam a ecoar na cabeça de Riley?

Deitada na escuridão, começou a ocorrer-lhe...

Talvez Fisher não lhe lembrasse tanto de Ryan como lhe lembrava...

Dela própria.

Estremeceu ao pensar naquilo.

Fisher sentia-se culpado – ou alegava sentir-se culpado – pela vida aborrecida que afastara Reese Fisher do seu casamento.

Será que Riley sentia o mesmo em relação a Ryan?

Será que ela se considerava de alguma forma responsável pelas suas falhas e infidelidades?

Não, Pensou. Não faz sentido.

Ao mesmo tempo, ela sabia perfeitamente bem que fazer sentido não era o essencial. A culpa irracional, infundada, inconsciente podia corroê-la tão profundamente como a culpa baseada em equívocos reais que tivesse cometido.

Todo o pensamento lógico do mundo não iria ajudar.

Sentiu um nó de desespero a formar-se na garganta.

Não posso permitir sentir-me assim, Disse ela.

Mas os pensamentos desesperantes começaram a surgir de todas as direções e ela deu por si novamente obcecada pelo que sucedera nos últimos dias – a partida de Liam, as esperanças de April seguir os seus passos e o difícil equilíbrio entre ser mãe e agente do FBI ao mesmo tempo.

Era uma sensação de terrível futilidade. Riley teve que conter um soluço de desespero.

Não chores, Disse a si própria.

A última coisa que queria fazer naquele momento era acordar Bill e Jenn.

Aos poucos, sentiu o sono insinuar-se, mas não retirou qualquer conforto desse facto.

Percebeu que dali a nada os pesadelos começariam.


CAPÍTULO DOZE


O homem estremeceu quando surgiram no seu computador as fotos horríveis da cena do crime.

O corpo, amarrado com fita adesiva aos carris, parecia um manequim decapitado – pelo menos até ver as fotos mais pormenorizadas do pescoço da vítima. Depois começou a ver imagens da traqueia cortada quase cirurgicamente, do esófago e da coluna como se fossem algo retirado de um livro de anatomia.

E ali estava a cabeça, no local para onde tinha sido projetada. A expressão de horror da mulher parecia demasiado selvagem, demasiado exagerada para ser real, como se tivesse sido pintada na cabeça de um manequim.

Mas o homem sabia que era tudo real.

Era tudo sua obra.

Ele amarrara esta mulher para que não pudesse escapar ao seu destino. E tinha feito o mesmo com outra cujas imagens também estavam naquele site.

Mas até ao momento, não tinha visto os resultados que estavam ali expostos. Tivera que se afastar de ambas as cenas de crime antes das vítimas começarem a recuperar a consciência. Tinha que se afastar o máximo possível para não ser apanhado.

Na verdade, nunca quisera ver aquelas imagens abomináveis – e não tinha tido a intenção de estarem expostas para todo o mundo ver.

Mas não seria de esperar outra coisa.

O que ele fizera era mau, até ele tinha essa noção, e no entanto...

Que espécie de mundo é este? Interrogou-se.

Que tipo de pessoas tiraria fotos destas imagens e as exibiria onde até uma criança, sem querer, as poderia encontrar?

Ele era um homem doente e sabia-o.

As estava a viver num mundo doentio no qual os desejos mais obscuros das pessoas eram provocados e saciados. As pessoas que tinham tirado aquelas fotos e que as tinham exibido, tinham-no feito por sua própria vontade.

Ele não tinha escolha.

Ele obedecia ao poder que o tinha prisioneiro – as visões e a voz que não o largava.

Agora sentia uma terrível náusea a apoderar-se dele. Mas era porque estava a ver aquelas fotos?

Não, algum espírito maligno estava a atormentá-lo outra vez, tal como ontem, e quatro dias antes. Depois da morte em Allardt, onde estas fotos tinham sido tiradas, ele jurara nunca mais o fazer.

Lutara contra o espírito até se tornar violenta e fisicamente doente.

E agora?

Combate-o, Disse a si próprio.

Com certeza que olhar aquelas imagens do que fizera deveria ser suficiente para o impedir de fazer uma coisa semelhante outra vez.

Mas mesmo agora, ele sentia a sua capacidade de luta diminuir e uma dor física a apoderar-se do seu corpo e uma dor emocional a trespassar-lhe o cérebro – dor que apenas podia ser aliviada de uma forma.

Conseguia ouvir uma voz sussurrar-lhe ao ouvido...

“Em breve. Muito em breve.”


CAPÍTULO TREZE


Era noite.

Riley caminhava ao longo de uma linha de cainho-de-ferro, desfrutando do ar fresco e do céu iluminado pela lua.

Então ouviu uma voz sussurrada logo atrás de si.

Virou-se e viu uma mulher amarrada com fita adesiva à linha com o pescoço encostado a um carril.

Riley sentiu-se sobressaltada.

Como era possível?

Passara por ali há um segundo. E não estava ali ninguém na altura.

Dirigiu-se à mulher e ajoelhou-se a seu lado. A mulher parecia estar a recuperar a consciência.

“Onde estou?” Murmurou a mulher. “O que é que se está a passar?”

Riley disse, “Não se preocupe, eu liberto-a.”

Mas ao tentar soltá-la da fita adesiva, a tarefa rapidamente começou a parecer impossível. A fita rasgava-se em pedaços pegajosos, mas a mulher continuava amarrada.

Então ouviu outra voz lamuriante.

Olhou para cima e viu outra mulher amarrada da mesma forma a pouca distância.

Riley correu na sua direção, tentando outra vez soltar a fita que a amarrava. Mais uma vez a fita se retorcia, mas também aquela mulher continuava amarrada à linha. Então ouviu outra voz, olhou para cia e viu outra mulher amarrada, e atrás dela outra, e atrás dessa outra...

Riley já perdera a conta ao número de mulheres amarradas aos carris que tinha perante si.

Depois ouviu um ruído pesado e viu uma luz mais à frente.

Era um comboio em movimento.

Riley começou a esbracejar freneticamente.

“Pare!” Gritou com todas as suas forças. “Pare, por favor!”

E então ouviu um riso sombrio atrás dela.

Virou-se. De pé em cima dos carris, não muito longe dela, estava um homem alto e desengonçado envergando um uniforme de Coronel da arinha. O seu rosto estava muito marcado pela amargura e pelo álcool.

“Em que é que estás a pensar, miúda?” Disse o homem a rir-se. “Achas que consegues parar o raio de uma locomotiva?”

Riley reconheceu-o de imediato.

Era o seu pai.

Mas como é que podia ser ele? Ele morrera em outubro passado.

“Paizinho, tens que me ajudar,” Disse ela. “Temos que soltar estas mulheres.”

“Receio que estejas por tua conta, miúda. Agora se te tivesses dado ao trabalho de ir ao meu funeral... “

Ele abanou a cabeça e soltou uma risada.

“Na, não me importei nem um pouco com isso. Eu próprio o teria evitado, mas não tinha grande escolha, sendo o cadáver e tal.”

Riley conseguia ouvir o intensificar do ruído atrás de si. A luz da locomotiva que se aproximava derramava a sua sombra nas linhas e iluminava o pai.

“Paizinho, o que posso fazer?” Perguntou Riley.

Ouviu um tom de súplica da sua própria voz.

“O teu trabalho,” Disse o pai. “Faz o raio do teu trabalho. Mas não penses que te vais safar. Lembra-te das leis da física. Um objeto em movimento permanece em movimento – a não ser que impedido por algo maior.”

E soltou um riso feio e mau.

“E não existe objeto maior no mundo do que o mal. É como uma locomotiva que vem do espaço até atingir um planeta ou ser engolida por uma estrela ou até talvez algo maior.”

“Como posso pará-la?” Perguntou Riley.

“Não sejas estúpida. Não podes. Ainda assim, o teu trabalho é pará-la. É uma grande chatice, não é? Senti-me assim no Vietname, lutar uma guerra que não podia ser ganha. Bem, agora chegou a tua vez de lutar e perder. Tudo o que fazes é em vão. E está-te no sangue. É a tua herança. Boa sorte. Eu já estou despachado.”

O pai de Riley virou-se e saiu da linha, desaparecendo na escuridão.

Riley virou-se para enfrentar a longa fila de mulheres amarradas e a luz brilhante e o ruído crescente do motor do comboio. Sentia uma intensa vibração no solo.

Agora ela sabia – a locomotiva, o comboio que aí vinha, era nada mais, nada menos do que o próprio mal, uma interminável sucessão de monstros sádicos e vítimas indefesas, e continuariam a suceder-se independentemente da sua resiliência em travá-los.

Mas o conselho do pai era tudo o que tinha na vida:

“Faz o raio do teu trabalho.”

Ela correu para a frente, pisando as vítimas uma a uma, gritando acima do ruído ensurdecedor e cega pela luz incandescente da locomotiva, agitando os braços freneticamente.

“Pare! Pare! Pare!”

De repente, o ar foi preenchido pelo grito ensurdecedor do apito do comboio.


Então Riley percebeu que não era um apito.

Era o telefone do motel a tocar ao lado do sofá-cama.

Era a chamada de despertar.

Riley atendeu o telefone e agradeceu à rececionista.

Virou-se para os colegas que se virava nas camas e resmungavam.

“Acordem malta,” Disse ela. “Temos um trabalho para fazer.”


*


Dali a pouco Riley e os colegas já se encontravam na estrada a fazer a viagem de duas horas entre Barnwell, Illinois, para Allardt, Indiana. Bill ia a conduzir e Jenn estava sentada a seu lado.

Riley estava atrás tentando manter-se ocupada, dando o seu melhor para esquecer o pesadelo da noite anterior.

Trocou mensagens com o chefe da polícia de Allardt, alertando-o de que iriam estar na cidade. Depois estudou o relatório de Bull Cullen a propósito da entrevista com a família de Fern Bruder em Allardt. Enviara-o na noite anterior a seu pedido. De acordo com Cullen, a família não fazia ideia do motivo pelo qual a sua filha fora assassinada ou por quem.

Riley ficou impressionada com a competência do relatório de Cullen, e era perfeitamente possível que ela e os colegas não conseguissem obter mais informações da família da vítima. Mas Riley sabia que não podia deixar de tentar.

As palavras ainda ecoavam na sua cabeça...

“Faz o raio do teu trabalho.”

Também estudou relatórios oficiais do primeiro homicídio, procurando quaisquer variações entre os dois crimes. Era algo importante a considerar. Pormenores contraditórios podiam apoiar a sua teoria de “imitação”, de que Chase Fisher ou o amante da mulher tinham imitado deliberadamente o primeiro homicídio.

Mas Riley rapidamente percebeu que não conseguia chegar a uma conclusão. Fotos horríveis do primeiro homicídio circulavam na internet. Jornalistas e curiosos tinham conseguido ultrapassar as barreiras da polícia. Um possível imitador encontraria toda a informação de que precisava online. Não seria muito difícil duplicar o primeiro homicídio de forma bastante precisa.

Enquanto Riley revia toda esta informação, ouvia Bill e Jenn a conversarem enquanto Bill conduzia. Ele estava a contar a Jenn histórias sobre Riley. Riley tinha que admitir que algumas delas eram hilariantes. Bill deleitou Jenn com alguns dos métodos mais escandalosos utilizados por Riley e referira as muitas vezes que tinha sido afastada de um caso ou suspensa ou despedida. Jenn ria-se e ria-se, divertidíssima com tudo aquilo.

Riley sentiu-se envergonhada e só queria que Bill se calasse. Ainda assim, não conseguia evitar sentir-se satisfeita por Bill e Jenn estarem finalmente a dar-se bem. No decorrer do último caso em que os três tinham trabalhado juntos, Bill não tinha manifestado muita confiança em Jenn.

Talvez acabemos por dar uma boa equipa, Pensou.

Ao mesmo tempo, não conseguia evitar preocupar-se com as interferências do passado de Jenn.

Se ocorressem, Riley viria a ter problemas juntamente com ela?

No final de contas, Riley já estava a encobri-la.

E Bill, que não sabia nada sobre o envolvimento de Jenn com a sinistra Tia Cora? Também teria problemas?

Riley desejava falar a sós com Jenn e perguntar-lhe o que a perturbara no dia anterior. Mas até ao momento ainda não tivera oportunidade.

E era isso o que deixava Riley desconfortável – não ser completamente sincera com Bill. Em todos os anos em que tinham trabalhado juntos, sempre tinham confiado um no outro completamente. Será que isso já não era verdade?

E seria por culpa de Riley?

Os pensamentos de Riley foram interrompidos pelo som da voz de Bill.

“Estamos a entrar em Allardt.”

Riley começou a observar as zonas por que passavam. Allardt tinha bairros sofisticados que deviam ser habitados por passageiros da linha para Chicago. Mas rapidamente entraram numa zona mais antiga que devia existir muito antes da criação dos novos bairros.

Aquela zona parecia pertencer a uma cidade normal do Midwestern com bungalows e casas em estilo rancho e velhos edifícios. Nada parecia especialmente próspero e passaram por uma área pobre antes de chegarem à baixa. A pobreza parecia estar a insinuar-se e alguns negócios tinham falido.

Riley também viu graffitis aqui e ali. Os gangs já tinha chegado a Allardt, tal como a muitas outras pequenas cidades nos últimos anos.

E Riley sabia que gangs eram sinónimo de drogas e que drogas significavam desespero.

Riley lembrou-se do que Chase Fisher dissera acerca de Barnwell – que fora classificada como a terceira cidade Americana mais aborrecida para se viver.

Interrogou-se em que lista poderia constar Allardt.

Quando chegaram à esquadra, Bill estacionou o carro à frente e entraram no edifício. Identificaram-se e foram prontamente levados ao gabinete do chefe Bryce Dolby.

É claro que o chefe estava à sua espera e cumprimentou-os de forma agradável, pedindo-lhes para se sentarem.

“Uma coisa horrível o que aconteceu a Fern Bruder,” Disse ele. “Não gostei de saber que se repetira em Barnwell. Um assassino em série! Não temos coisas dessas aqui em Allardt.”

O chefe Dolby pareceu de imediato a Riley um homem bondoso. Mas tinha um rosto cansado e calculou que fosse mais novo do que aparentava. Ela estava habituada àquele tipo de expressão cansada nos rostos de polícias de cidades grandes que estavam em contacto com demasiada violência e com a pior parte da natureza humana. Mas pela sua experiência, os polícias de cidades pequenas, geralmente pareciam mais alegres e leves.

Ele prosseguiu, “Quem me dera poder ajudar-vos mais. Eu e o meu pessoal estamos um pouco perdidos neste caso. A verdade é que não tenho uma única informação que vos possa ajudar.”

“Isso é compreensível,” Disse Riley. “O facto de o homicídio ter ocorrido aqui não o torna um caso local. O assassino pode encontrar-se em qualquer lugar. Por isso nos chamaram.”

O chefe Dolby tamborilou os dedos na secretária.

Disse, “Compreendo que queiram voltar a entrevistar a família de Fern Bruder. Liguei-lhes para os informar de que iriam ter com eles esta manhã. Estão à vossa espera.”

Fez uma pausa e depois acrescentou, “Se não se importarem, não vou com vocês.”

Riley ficou surpreendida.

“Porque não?” Perguntou.

“Fui lá com o chefe Cullen no outro dia. Uma visita a Weston Bruder – o pai de Fern – chega por uns tempos. Não o tenho visto ultimamente e preferia não o ver a não ser que seja necessário.”

Sorriu ligeiramente e acrescentou, “Deve parecer bastante mesquinho da minha parte. A verdade é que não gostamos muito um do outro.”

Riley olhou para ele com atenção e perguntou, “Algo que devamos saber?”

“É pessoal, nada com que tenham de se preocupar.”

Riley não conseguiu evitar sentir-se desconfortável com o que Dolby omitia.

Perguntou, “O que é que as pessoas aqui em Allardt pensam dele?”

O chefe Dolby franziu o sobrolho. Riley pressentiu que ele tentava escolher as palavras cuidadosamente.

“Bem, depende com quem falar,” Disse ele. “Algumas pessoas vão dizer-lhe que Weston Bruder é um dos melhores cidadãos da cidade, um bom Cristão e um pilar da comunidade. Mas outras pessoas...”

Encolheu os ombros.

“Não quero falar mal dele,” Disse ele. “E de qualquer das formas, não interessa – não para os vossos objetivos.”

Riley não sabia ao certo porquê, mas queria que Dolby lhes tivesse contado mais coisas. Mas de que servia perguntar? Ela e os colegas não estavam ali para se intrometerem em bisbilhotices de cidade pequena. Estavam ali para resolver um caso de homicídio.

Ao saírem da esquadra e regressarem ao carro, Riley sentiu-se apreensiva.

Já lhe parecera óbvio que Allardt não era propriamente uma encantadora cidade do Midwestern. E ela pressentia que ela e os colegas estavam prestes a descobrir porquê.


CAPÍTULO CATORZE


Sentada novamente no banco de trás enquanto Bill conduzia pela cidade de Allardt, Riley não parava de se interrogar...

Quem é este Weston Bruder?

O chefe Dolby expressara uma aversão definitiva em relação ao pai da primeira vítima.

Convenceu-se de que seria essa a razão pela qual tinha um mau pressentimento em relação a ele.

Pegou nas notas que Cullen escrevera quando entrevistara a família Bruder. A informação fornecida era básica. Os Bruder eram uma família antiquada.

O pai, Weston Bruder III, era proprietário de uma loja de ferragens que fora fundada pelo seu bisavô. A sua mulher, Bridget, era mãe a tempo inteiro. A vítima de vinte e cinco anos, Fern Bruder, vivia com os pais e dois irmãos mais novos quando fora morta. Aquilo parecia algo estranho para uma mulher da idade de Fern, mas nada que pudesse levantar suspeitas. Nos tempos que corriam, muitos filhos saíam de casa tarde.

Na verdade, Riley não vira nada de anormal nas notas de Cullen. Aparentemente, não reparara em nada de anormal em relação ao pai ou à família.

Mas ainda assim, o seu mau pressentimento crescia à medida que se aproximavam da casa dos Bruder. Estacionaram o carro à porta.

A casa não tinha nada de sinistro. Era uma casa antiga em estilo rancho que fora aumentada com os anos e o quintal de tamanho médio estava bem tratado. Ainda assim, Riley ficou impressionada com...

O quê?

Não estava certa.

Talvez fosse a aparência despersonalizada da casa, mesmo vista do exterior. Não havia nada fora do lugar, dando-lhe um aspeto de cenário de filme, não de casa real. Custava-lhe a acreditar que alguém vivesse ali, quanto mais uma família com cinco elementos.

Quando bateram à porta, foram saudados por uma mulher elegante na casa dos quarenta anos. Usava um vestido simples, conservador, de mangas compridas que lhe cobria as pernas bem abaixo dos joelhos, quase até aos tornozelos.

Olhou para os visitantes um pouco nervosamente.

“São do FBI?” Perguntou.

Riley e os colegas mostraram os distintivos e apresentaram-se.

Riley perguntou, “É Bridget Bruder?”

A mulher anuiu e disse, “Entrem. O Weston está à vossa espera.”

Riley e os colegas entraram na pequena sala de estar. Ficou alarmada por ver três pessoas de pé, quase como se estivessem a posar para um retrato de família.

Juntando-se ao grupo, Bridget disse, “Este é o meu marido, Weston. E a nossa filha Mia. E o nosso filho Bobby.”

Todos estavam bem vestidos com Mia a parecer uma miniatura da mãe. Da leitura dos ficheiros, Riley lembrava-se que a rapariga estava no fim da adolescência. Weston envergava fato e gravata, bem como o filho de nove anos. Tinham rostos magros, inexpressivos. Apenas as feições do menino não mostravam tristeza.

Quanto à sala, Riley ficou com a mesma sensação que experimentara no exterior. A mobília era normal, o tapete prático e limpo e tudo parecia estar no seu devido lugar. Havia poucos elementos decorativos, mas viam-se alguns quadros religiosos nas paredes.

Aquele espaço arrepiava um pouco Riley. Lembrava-lhe uma sala dentro de uma casa de bonecas. Parecia impossível imaginar que algo alguma vez fosse derramado ou partido ou desarranjado ali. Seria possível uma família viver assim?

Ainda empedernido, flanqueado pela família, Weston Bruder disse, “Espero que seja importante. Não fomos à missa de manhã. Se demorarem muito, chegaremos atrasados à próxima.”

O arrepio que Riley sentira, de repente aprofundou-se.

A família parecia demasiado fria para estar perturbada com a morte de Fern.

Riley disse, “Temos algumas perguntas. Mas antes de mais nada quero dizer que lamentamos muito a vossa perda.”

A mulher disse num tom solene, “’O Senhor está próximo de quem está magoado e salva aqueles que são esmagados em espírito’”.

Demorou a Riley um momento para perceber que a mulher estava a citar a Bíblia. Antes de pensar numa resposta, Jenn anuiu e disse...

“’Abençoados os que choram porque serão confortados’”.

Em uníssono, todos os membros da família disseram, “Ámen”.

Riley olhou para Jenn surpreendida.

Jenn era religiosa? Nunca o dera a entender a Riley.

De qualquer das formas, Riley apercebeu-se que Jenn conseguira dizer o que era necessário dadas as circunstâncias. De repente, a família pareceu ficar mais à vontade e Weston até convidou os três agentes a sentarem-se.

Depois disse, “É claro que estamos tristes com a perda da Fern. Mas ultimamente ela andava a afastar-se de nós.”

“Como assim?” Perguntou Jenn.

Riley decidiu deixar Jenn fazer as perguntas. Ela parecia saber exatamente o que estava a fazer. E estava a mostrar um nível apropriado de empatia.

Bridget disse, “Esperávamos que assentasse, casasse e criasse uma família aqui em Allardt. Esta é uma boa cidade com boas pessoas. Mas ela era inquieta. Ansiava pela vida da grande cidade. Queria mudar-se para Chicago. Andava a ir lá muitas vezes de comboio – dizia que andava à procura de trabalho.”

“Que tipo de trabalho?” Perguntou Jenn.

“Algum tipo de trabalho como secretária, penso eu,” Disse Bridget. “Ela tinha algumas competências nessa área, mas nunca falou connosco sobre isso porque nós não aprovávamos.”

Bridget acrescentou, “Não que os nossos sentimentos importassem. Ela era uma mulher e fazia as suas escolhas.”

Ao ouvir, Riley pensou que começava a compreender certas coisas omitidas. Tanto Bridget como Weston tinham profundas raízes familiares ali em Allardt. Para eles, a cidade de Chicago devia parecer um lugar perigoso e repleto de pecadores. Apesar de o homicídio de Fern ter acontecido perto, de alguma forma culpavam a atração que ela sentia pela cidade. Quase parecia não terem ficado surpreendidos com a morte violenta da filha.

Riley sentiu-se incomodada com outra perceção – que o luto da família estava embotado pelo ressentimento que sentiam por Fern os querer deixar.

Será que pensam que ela merecia o que lhe aconteceu? Interrogou-se Riley.

Era uma possibilidade chocante.

Jenn perguntou, “Têm conhecimento de um homicídio semelhante que ocorreu perto de Barnwell, Illinois, ontem?”

Um olhar de vaga surpresa atravessou os rostos da família.

“Não, não tínhamos ouvido falar disso,” Disse Weston.

Jenn disse, “Não vou entrar em pormenores, a não ser para dizer que a vítima foi morta quase da mesma forma que a vossa filha. Chamava-se Reese Fisher e vivia em Barnwell. O nome diz-vos alguma coisa?”

Bridget, Weston e a filha negaram. O menino, Bobby, sentou-se triste no chão.

Jenn perguntou, “Têm a certeza de que nunca mencionou ninguém com esse nome?”

Bridget Bruder encolheu os ombros e disse, “Nenhum de nós conhecia alguém de Barnwell. Não sei como é que ela a podia conhecer. A não ser que a tivesse conhecido numa das suas viagens a Chicago.”

Weston encarou a mulher com dureza. Riley pressentiu que ela estava a dizer mais do que queria.

Estarão a esconder alguma coisa? Interrogou-se Riley.

Com uma voz lenta e cuidadosa, Jenn disse, “Sr. e Sra. Bruder, tem que voz fazer uma pergunta de rotina que tenho a certeza já lhes foi colocada. Mas podem dar-nos conhecimento do vosso paradeiro na altura da morte da vossa filha?”

Weston Bruder endireitou-se na cadeira.

Disse, “Suponho que essa pergunta me seja dirigida a mim em particular.”

“Não necessariamente,” Disse Jenn.

Mas é claro que Riley sabia que Bruder estava certo. A mulher e a filha pareciam demasiado frágeis fisicamente para ter levado a cabo os homicídios e o menino estava fora de questão.

Bridget bruder disse, “A Mia, o Bobby e eu estávamos em casa.”

“Não era dia de escola?” Perguntou Jenn.

“Sim,” Disse Bridget. “Nós ensinamos em casa.”

Jenn dirigiu o olhar diretamente para Weston Bruder.

Numa voz dura, ele disse, “Estava em casa.”

Riley teve uma sensação estranha e sabia que os colegas tinham sentido o mesmo.

Jenn disse à mãe, “Pode confirmar que o seu marido estava em casa?”

A mulher pareceu hesitar durante um momento.

“Sim,” Disse.

Seguiu-se um curto silêncio.

Mantendo o tom de voz suave, Jenn disse, “Penso que todos sabemos que isso é mentira.”


CAPÍTULO QUINZE


Riley susteve a respiração por um momento. Como é que os Bruder responderiam à afirmação de Jenn?

Ela tinha a certeza de que Jenn estava certa, que Bruder e a mulher estavam a mentir. Tinha a certeza absoluta e sabia que Bill pensava da mesma forma.

Weston Bruder torceu os lábios e disse, “Não é uma mentira.”

“Explique, por favor,” Pediu Jenn.

Bruder disse, “A minha casa é onde houver trabalho do Senhor para fazer.”

Riley teve que se conter para não perguntar o que é que ele queria dizer com aquilo. Lembrou-se...

Deixa a Jenn tratar disto.

A jovem agente parecia calma e serena.

Disse, “Sr. Bruder, a que igreja o senhor e a sua família pertencem?”

“À Congregação dos Anciãos de Éfeso.”

Jenn disse, “Não estou ao corrente dessa denominação.”

Bruder disse, “Porque apenas temos uma igreja, aqui mesmo em Allardt. E agora, se me permite explicar...”

Calou-se por um momento.

“Para além do nosso ministro, cada membro masculino da nossa igreja é um pregador leigo. Temos que viajar, espalhar o evangelho em outras comunidades porta a porta.”

Jenn anuiu e disse, “Creio que Paulo diz algo a esse respeito nos Atos...”

Bruder disse, “’Não escondi nada que fosse útil, mas proclamei-o a ti, e ensinei-te publicamente e casa a casa.’ Sim, Paulo disse isso aos Anciãos de Éfeso. Nós seguimos o seu exemplo. Eu estava noutra cidade quando a Fern morreu, a bater de porta em porta e a falar com alguém que me quisesse ouvir.”

“E que cidade era essa?” Perguntou Jenn.

O rosto de Bruder contraiu-se.

“Não lhe vou dizer,” Disse ele.

Pela primeira vez, Riley reparou numa faísca de surpresa no rosto de Jenn.

“Porque não?” Perguntou ela.

“Conduzimos o nosso ministério leigo em segredo para que...”

Jenn interrompeu-o.

“Para que ‘o teu Pai, que vê o que é feito em segredo, te recompense’. Sim, eu sei, Sr. Bruder. E respeito isso. Mas estamos a falar do homicídio da sua filha. Não compreendo porque é que dar-nos conta do seu paradeiro na altura da sua morte é um problema.”

O rosto de Bruder enrubesceu.

“É um problema,” Disse ele. “E não tenho qualquer intenção de lhe dizer. E creio que não me pode obrigar.”

Bill disse, “Creio que podemos. E não me parece que queira enfrentar uma acusação de obstrução à justiça. Mas e na altura em que a outra mulher morreu – a meio da manhã de ontem? Onde estava?”

“Estava e viagem e a pregar,” Disse Bruder. “Não digo mais do que isto.”

Riley estava apenas parcialmente atenta à troca de palavras com Weston Bruder. Ela observava Bobby Bruder, em silêncio até ao momento. Mantivera a cabeça baixa e parecia mais triste do que o resto da família.

Agora reparara que ele tirara algo do bolso e mexia-lhe com cuidado. Ela não conseguia ver o que era, mas era vermelho e brilhante.

Riley disse, “Bobby, parece que tens uma coisa bonita aí. Posso ver?”

A discussão subitamente parou e todos olharam para Riley e para o rapaz.

“Sim, minha senhora,” Disse o rapaz.

Levantou-se da cadeira e entregou o objeto a Riley.

Era um porta-chaves com um amuleto em forma de coração. O coração era feito de plástico vermelho transparente e tinha brilhantes.

Um coração vermelho e brilhante de plástico parecia algo deslocado naquela casa.

“Onde é que arranjaste isto?” Perguntou Riley ao rapaz.

“A Fern deu-me,” Disse ele. “Na semana passada. Um homem deu-lhe no comboio.”

Riley ficou confusa. Todos na sala ficara calados.

Riley disse, “Ela disse quem lho deu?”

O rapaz assentiu.

“Foi o Red,” Disse ele.

O pai suspirou audivelmente.

“Red! Red Messer!” Disse ele.

Riley perguntou a Weston Bruder, “Conhece-o?”

“É claro que o conheço. Já pertenceu à nossa congregação. É um homem mau. E ele... “

Agarrou nos ombros do filho e abanou-o.

“Porque é que não me mostraste isto?” Disse ele. “Porque é que não me disseste?”

“Tive medo que ficasses zangado,” Disse o rapaz.

Weston Bruder parecia prestes a desmaiar.

“Oh, meu Deus, ele matou a nossa filha!”

Sentou-se lentamente e disse a Riley e aos colegas, “Eu digo-vos onde estava – tanto ontem como quando a Fern morreu. Dou-vos os nomes das pessoas com quem falei e podem confirmar. O que precisarem para me eliminarem como suspeito. Mas têm que prender este homem. Eu sei que ele a matou.”

Pela primeira vez desde que ali se encontrava, Riley ficou impressionada com a sinceridade urgente do homem.

“Porque é que tem tanta certeza?” Perguntou-lhe.

“Tem que ser ele! É um pecador, um homem sem Deus. Odeia-me, odeia-nos a todos e odeia a igreja. Deixou a nossa congregação há anos. Mas Ainda vive aqui em Allardt. Eu posso dizer-vos onde é que ele vive.”

Bill e Jenn começaram a sacar informações de Weston Bruder – onde estava na altura dos homicídios e a morada de Red Messer.

A segurar no porta-chaves, Riley falou suavemente ao rapaz.

“Ainda bem que me mostraste isto,” Disse ela. “Acho que pode ser uma grande ajuda. Posso ficar com isto por um bocadinho?”

O rapaz anuiu. Depois sussurrou, “Fique com isso, por favor. Nunca mais o traga de volta.”

É claro que Riley compreendeu que aquele coração de plástico nunca mais poderia entrar naquela casa. O pobre rapaz sentia-se culpado por o ter trazido.

“Obrigada Bobby,” Disse Riley. “Esta pode bem ser a pista mais útil que encontrámos até agora.”

Bobby sorriu ligeiramente. Riley retribuiu-lhe o sorriso e colocou o porta-chaves na sua mala.

Ela e os colegas saíram da casa e voltaram para o carro. Com Bill novamente ao volante, Jenn sentada a seu lado e Riley no banco de trás, seguiram as indicações do GPS para a morada que lhes fora dada.

Riley estava cheia de curiosidade pela forma como Jenn lidara com Weston Bruder ainda há pouco.

Bateu no ombro de Jenn e disse, “Como é que tu... ?”

“Sabia aquelas citações da Bíblia?” Disse Jenn. “Bem, não é que seja especialmente religiosa. É porque... “

Olhou para Bill e depois para Riley.

Riley percebeu de imediato – estava relacionado com o passado de Jenn e não podia falar abertamente sobre isso naquele momento.

Disse, “Fui encorajada a ler muito quando era criança. Cheguei à conclusão que o conhecimento da Bíblia podia ser... útil.”

Riley sentiu-se revoltada. Ela sabia que Jenn recebera ensinamentos criminosos – e é claro, um vigarista podia facilmente usar a Bíblia para manipular certos tipos de vítimas inconscientes.

Era óbvio que Jenn tinha muitos conhecimentos, muitos mais do que Riley podia imaginar. Poderia ela canalizar aquele conhecimento para fazer cumprir a lei e não tanto para quebrá-la?

Riley esperava que sim.

Naquele momento, o telemóvel de Riley vibrou. Ficou desanimada por ver que era uma mensagem de Bull Cullen.


Estou em Chicago. Precisam de estar numa reunião sobre o caso. Apanhem o próximo comboio para Union Station.


Riley conteve um suspiro.

Chicago parecia um desvio desnecessário e Bull Cullen era a última pessoa com quem queria falar naquele momento.

Procurou um horário de comboio no telemóvel e viu que o próximo comboio para Chicago partia de Allardt dali a cerca de uma hora.

Penso que conseguimos, Pensou.

Mas o que ela realmente esperava era que ela e a sua equipa detivessem alguém o mais rapidamente possível. Então, aquela reunião em Chicago poderia ser completamente desnecessária.

Ao pararem em frente a um edifício de apartamentos com bom aspeto, ela respondeu-lhe.


OK. E o nosso carro?


A resposta surgiu rapidamente.


Mando alguém ir buscá-lo à estação de Allardt.


Escreveu outro “OK,” e depois pousou o telemóvel.

Bill disse, “Apartamento A. Provavelmente logo no primeiro andar.”

Jenn perguntou, “Pensam que é ele? É ele o nosso assassino?”

“Não sei,” Disse Riley. “Mas verifica a tua arma. Podes precisar dela.”

Retirou a sua própria Glock e certificou-se de que estava pronta a funcionar se necessário.


CAPÍTULO DEZASSEIS


Riley e os colegas entraram tranquilamente no edifício de apartamentos. Felizmente, nenhum dos residentes estava por perto por isso não tiveram que se preocupar. Pararam à porta do Apartamento A e trocaram olhares desconfortáveis.

Tal como Riley, Bill e Jenn tinham as mãos nas armas.

Riley bateu à porta. Esperaram um pouco, mas ningué respondeu.

Riley hesitou. É claro que era possível que Red Messer não estivesse em casa.

Se ele não viesse à porta, talvez devessem falar com o chefe Dokby para o tentar localizar.

Riley não gostava muito daquela ideia. Se Messer era realmente o assassino, ela queria prendê-lo aqui e agora, antes que ele soubesse que andava atrás dele.

Antes de poder eventualmente fugir.

Bateu outra vez à porta. Após outro momento de silêncio, ouviu passos dentro do apartamento.

Depois ouviu uma voz rabugenta. “Quem é? O que querem?”

Havia um olho mágico na porta. Riley segurou o distintivo e apresentou-se e aos colegas.

“É Red Messer?” Perguntou ela.

“É esse o meu nome,” Respondeu o homem.

“Gostaríamos de falar consigo sobre o homicídio de Fern Bruder. E de u homicídio semelhante ocorrido ontem no Illinois.”

Seguiu-se u breve silêncio. A mão de Riley aproximou-se da arma.

Depois ouviu o som da corrente da porta e da maçaneta a girar.

A porta abriu-se revelando um homem robusto em robe de banho, pijama e chinelos. Tinha cabelo e barba longos e grisalhos. A julgar pelo seu rosto, Riley calculou que o grisalho era prematuro e que andaria na casa dos trinta anos.

Também reparou que tinha um odor distinto.

Trabalha numa cozinha, Percebeu.

Não havia sinal de que pudesse estar armado e podia ver que os colegas descontraíram um pouco. Riley tentou fazer o mesmo.

O homem pestanejava como se estivesse meio a dormir.

“Calculo que queiram entrar,” Disse ele com uma voz cansada, dando-lhes espaço para entrarem. “Estejam à vontade.”

Riley viu que Bill observava o homem com atenção ao segui-lo para dentro do apartamento. Mas Bill não fez qualquer comentário e todos se sentaram. O apartamento era modesto e a mobília aparentava já pertencer ao apartamento ou ter sido comprada em segunda mão.

Red Messer olhou em seu redor algo atordoado.

“Talvez queiram um café,” Disse ele.

“Estamos bem,” Disse Riley e os colegas concordaram.

“Bem, eu preciso de um,” Disse Messer. “Dêem-me licença por um momento.”

Quando Messer se dirigiu à cozinha, Riley reparou que ele coxeava ligeiramente. Esteve ausente por uns instantes e depois regressou com uma caneca de café fumegante e sentou-se.

Bebeu um pouco e abanou a cabeça.

“Uma coisa horrível, o que aconteceu à pobre Fern. Gostaria muito de vos poder ajudar de alguma forma. Mas não sei como. Não sei nada sobre o que aconteceu.”

Riley ficou alarmada com a forma como iniciou a conversa.

Perguntou, “Então conhecia a vítima?”

“Um pouco. Quem me dera tê-la conhecido melhor. Era uma senhora simpática.”

Riley tirou o porta-chaves em forma de coração do bolso e mostrou-o a Messer.

“Creio que lhe deu isto,” Disse ela.

O homem olhou para o porta-chaves durante um instante.

“Meu Deus,” Disse ele numa voz sussurrada.

Então olhou para os agentes e gaguejou, “Onde é que... ? Como é que... ? Quero dizer, como é que sabem que eu...?”

Riley disse, “Ela deu-o ao irmão Bobby. Disse-lhe que você lho tinha oferecido.”

“Sim, dei-lhe,” Disse Red Messer. “Disse-lhe que era um pequeno pedaço de amor em forma de coração, vermelho vivo como eu já fora.”

Passou a mão pelo cabelo.

“Isto era de um vermelho luminoso como um morango maduro. Agora não o diriam, mas foi por isso que me começaram a chamar Red quando eu era miúdo. O meu nome é Jesse.”

Riley passou-lhe o porta-chaves.

Ele revirou-o na mão.

“Disse-lhe para não o guardar durante demasiado tempo,” Disse ele. “Disse para o passar a outra pessoa que poderia precisar dele. Por isso deve ter acabado nas mãos do pequeno Bobby.”

Ficou a olhar para o porta-chaves na mão.

Riley estudou o seu rosto. Era ele o assassino? Não mostrava sinais de possuir uma natureza assassina. Mas Riley sabia por experiência própria que não devia julgar pelas aparências ou até através de primeiras impressões. E recordou-se do que Weston Bruder dissera a seu respeito...

“Ele é um homem mau.”

Certamente que Bruder parecia acreditar que Red Messer era o assassino da filha.

Riley precisava de descobrir a verdade rapidamente.

“Conhecia bem a família de Fern?” Perguntou Riley.

“Bem, numa cidade pequena como esta, toda a gente conhece os Bruder. Mas o velho Weston Bruder e eu nunca fomos amigos. Longe disso.”

Riley pressentiu que Jenn estava ansiosa para colocar a próxima pergunta. Acenou-lhe para avançar.

“Sr. Messer, pode dizer-nos onde se encontrava quando Fern foi assassinada?”

“Sim, mas se procuram um álibi, o meu não é grande coisa. Disseram que mais alguém foi morto ontem?”

Jenn assentiu e disse, “Uma mulher chamada Reese Fisher. Morreu na linha de comboio perto de Barnwell, Illinois. Aconteceu de manhã, mais ou menos na mesma altura do dia que o homicídio ocorrido perto daqui.”

Messer encolheu os ombros e disse, “Estava aqui sozinho a dormir em ambas as situações. Calculo que não fosse isso que quisessem ouvir, mas é a verdade. Tenho horários estranhos porque sou o cozinheiro que faz o turno da noite no restaurante local. Da meia-noite às oito. Durmo durante o dia e estava a dormir quando bateram à porta. Contudo... “

Puxou a perna esquerda do seu pijama. Riley ficou surpreendida por ver uma prótese que estivera escondida pelo pijama e pelo chinelo. Obviamente que aquilo explicava o coxeio.

Ele disse, “Talvez isto sirva como álibi.”

Bill perguntou, “Iraque?”

Red Messer respondeu, “Sim.”

Riley apercebeu-se que Bill tinha descortinado a deficiência de imediato. Mas parecia-lhe que o homem era bastante móvel apesar da prótese. Depois lembrou-se das pegadas que vira na cena do crime perto de Barnwell. Pareciam perfeitamente iguais. Duvidava que pudessem ter sido deixadas por um homem com uma prótese.

Messer explicou, “Perdi a minha perna durante a Segunda Batalha de Fallujah. Era sargento do Exército na altura.”

Sorriu de forma amarga e irónica.

“Nem sabem como estava ansioso para ir servir o meu país. Tinha medo que o Exército não me aceitasse. Não tinha otivos para me preocupar. Nesses dias, se não perguntassem, não se dizia.

“É homossexual?” Perguntou Jenn.

Messer anuiu.

“Não era muito aberto a esse respeito aqui em Allardt. Algumas pessoas sabiam e não havia problemas, mas outras não aceitavam da melhor forma. No que diz respeito ao Exército – bem, eles não perguntaram e eu nada disse, por isso podem dizer que tive sorte.”

Batendo na sua perna artificial acrescentou, “Ou não. Depende da perspetiva. Mas estava feliz por cumprir o meu dever. Gosto de pensar que acabou por valer a pena.”

Messer não disse nada durante alguns segundos.

Depois disse, “Estava muito mal quando regressei a casa. Zangado com o Exército, zangado comigo, zangado com o mundo. Precisava de algo que me fizesse sentir inteiro novamente. Decidi ir à igreja dos Anciãos de Éfeso, ver se a religião me poderia ajudar.”

Messer prosseguiu.

“Não sabia no que me estava a meter. No domingo em que fui, o Pastor Brayman deu um sermão dos diabos sobre todas as pessoas que a igreja não tolerava – Judeus, Católicos, Muçulmanos e claro, homossexuais. Não havia dúvidas – aquela não era a igreja para mim. Levantei-me silenciosamente do meu banco e tentei sair sem dar muito nas vistas.”

Piscava os olhos à medida que se recordava.

“Mas antes que conseguisse sair, Weston Bruder levantou-se, apontou para mim e disse a toda a congregação que eu era um deles. Antes que me pudesse aperceber, uma multidão de gente bloqueou a minha saída e o Pastor Brayan dizia para me arrepender. Disse que eu já havia sido julgado, por isso perdera a minha perna, as não era tarde para salvar a alma. Foi muito difícil conseguir sair de lá sem bater em alguém. E desde essa altura que não tenho nada de bom a dizer sobre Weston Bruder, nem ele sobre mim.”

Parou de falar durante um momento.

“Não me interprete mal. Ainda sou um homem religioso. Encontrei outra igreja que e ajudou a ultrapassar os maus momentos. Mas nunca mais voltei aos Anciãos de Éfeso.”

Riley pensou rapidamente, tentando processar o que ouvia.

Perguntou, “Como é que acabou dando o porta-chaves a Fern?”

Ele sorriu ante a memória.

“Eu estava num comboio há umas semanas atrás, a regressar a casa de uma viagem a Chicago, quando a vi na mesma carruagem. Ela dirigiu-se a mim, disse-me o quanto lamentava o que me tinha acontecido e como desistira de ir à igreja. Nunca mais voltaria, disse ela, não importava o que o pai dizia.”

Os seus olhos humedeceram.

“Imaginem só!” Disse ele com a voz embargada. “Ela desafiou toda a família, sobretudo o pai. E tudo devido ao que me acontecera. Naquele momento ela pareceu-me a melhor pessoa do mundo. Não tinha nada para lhe oferecer exceto esta coisa barata, mas pensei que era melhor do que nada.”

Pendeu a cabeça e acrescentou tristemente, “E agora está morta. Não sei o que pensar disso. E que mundo vivemos?”

Riley lembrou-se de algo que Weston Bruder dissera sobre a filha.

“Ela tem-se afastado de nós ultimamente.”

Riley sentiu pena pela terrível ironia. Fern Bruder tinha motivos para se querer afastar de Allardt e viver a sua vida em Chicago. Mas perdera a vida enquanto se esforçava para o conseguir.

Também se lembrou da tristeza no rosto do pequeno Bobby. Tão jovem como era, também ele queria fugir. Fern dera-lhe o porta-chaves como um gesto de esperança. Mas a quem recorreria agora que a irmã mais velha morrera?

Ela sabia que Red Messer tinha todos os motivos para pensar...

“Em que mundo vivemos?”

Era uma pergunta que assombrava Riley diariamente.

Red Messer devolveu o porta-chaves a Riley.

“Deve querer isto de volta,” Disse ele.

Riley pensou rapidamente. Era útil como prova?

Não, tinha a certeza que não – tanta certeza como a de que Red Messer não era o assassino.

“Fique com ele,” Disse ela.

Messer sorriu e guardou-o no bolso do roupão.

Antes que alguém dissesse alguma coisa, o telefone de Riley tocou. Viu que a chamada era de Sam Flores, o responsável dos técnicos em Quantico.

“Tenho que atender,” Disse ela, levantando-se.

Então ela disse algo que não esperava dizer quando ali chegara.

“Lamentamos muito a sua perda, Sr. Messer.”

Riley foi para o corredor, deixando Jenn e Bill com Red Messer.

Quando atendeu o telemóvel, perguntou, “O que é que tens Flores?”

O técnico parecia entusiasmado.

“Penso que talvez tenha encontrado uma pessoa de interesse.”

Riley já mal continha a excitação.

“Queres dizer um suspeito?”

“Não, mas talvez a melhor coisa a seguir a isso.”

Sam fez uma pausa e acrescentou, “Posso ter encontrado a próxima vítima do assassino.”


CAPÍTULO DEZASSETE


Riley apertou o telemóvel com força, excitada pelo que Flores acabara de dizer.

“A próxima vítima?” Perguntou. “O que é que queres dizer com isso?”

“Eu e a minha equipa estivemos a monitorizar a internet, à procura de atividade que pudesse estar relacionada com o caso. Neste momento há muito movimento online sobre os homicídios. É claro que encontrámos os habituais excêntricos com teorias malucas, incluindo alguns que alegavam ser o assassino. Não te preocupes, investigámo-los, são apenas uns idiotas. Mas... “

Flores não disse nada durante um momento.

“Há uma mulher no Facebook chamada Joanna Rohm. Ela tem publicado posts dizendo que tem medo de ser a próxima vítima. Podia bem ser outra excêntrica, mas... “

Flores fez nova pausa.

“Não sei, Agente Paige. Tenho um pressentimento em relação ao que vejo na página dela. Talvez a ameaça seja imaginária, mas o medo parece genuíno.”

Riley sabia por experiência própria que os instintos de Flores eram para ter em consideração.

“Onde é que ela vive?” Perguntou.

“Em Chicago. Já tenho a morada e telefone.”

Talvez esta viagem não fosse um desperdício. Decidiu ver por si própria a página de Facebook de Joanna Rohm assim que tivesse a oportunidade.

“Envia-me essas informações, Flores,” Disse ela. “E os telemóveis das duas vítimas? Encontraste alguma coisa útil?”

“Nada,” Disse Sam. “A Fern Bruder só comunicava com amigos e família, ninguém suspeito.”

“E a Reese Fisher?” Perguntou Riley a Flores. “O marido acredita que ela tinha um amante em Chicago.”

“Eu sei,” Disse Flores. “Mas se tinha, não encontrámos qualquer vestígio dessa relação no telemóvel. Ela não o usava muito para fazer chamadas ou enviar mensagens. Penso que o usava mais para se ligar à internet ou para usar o GPS.”

Riley agradeceu a Flores e terminou a chamada quando Jenn e Bill saíam do apartamento.

“Vamos,” Disse aos colegas. “Temos um comboio para apanhar.”


*


Um pouco mais tarde, Riley e os seus colegas estavam numa carruagem num comboio a caminho de Chicago. Riley contou-lhes a chamada com Flores e juntaram-se quando Riley abriu o portátil.

Riley ligou-se ao Facebook, depois procurou por Joanna Rohm. Encontrou a sua página imediatamente.

A sua foto de capa horizontal era uma vista de Chicago vista do Lago Michigan. A sua imagem de perfil era uma fotografia antiga de um rosto de homem familiar com uma citação que dizia:


“Um sonhador é alguém que consegue encontrar o seu caminho ao luar e o seu castigo é ver o amanhecer antes de todos os outros.”


Riley não reconheceu a citação e não conseguia situar o rosto da fotografia.

Perguntou, “Alguém sabe quem é?”

Jenn foi a primeira a falar. “É Oscar Willde,” Disse ela. “A citação é de O Crítico como Artista.”

Riley olhou para a sua colega mais nova. Lembrou-se do que Jenn dissera há pouco tempo....

“Fui encorajada a ler muito quando era criança.”

Riley estava impressionada. Fossem quais fossem as habilidades criminosas que Jenn aprendera com a Tia Cora, tinha obviamente obtido uma boa educação no processo.

Riley não estava especialmente surpreendida que a foto não fosse da própria Joanna Rohm. Riley tinha vários amigos que publicavam citações ou imagens como imagens de perfil em vez de fotos deles próprios.

Bill apontou para a primeira publicação da página. Dizia apenas...


Receio pela minha vida.


Bill disse, “Calculo que o Flores se referia a isto.”

Riley olhou para os comentários.

Um amigo perguntava..


Porquê?


Mais mensagens eram trocadas entre Joanna Rohm e os amigos.


Ouviste falar dos homicídios em Indiana e no Illinois?

Sim.

Penso que sou a próxima vítima.

Porque é que pensas isso?


Riley percebeu pela troca de mensagens que Joanna não dizia exatamente porque é que tinha medo. E quando os amigos lhe sugeriam para avisar a polícia, disse que não queria e que tinha os seus motivos. As mensagens começavam a escassear devido à relutância de Rohm em partilhar qualquer informação relevante. Nada mais fora partilhado ali.

Bill disse a Riley, “Vê as informações pessoais dela.”

Riley clicou na tag “Sobre”. Não mostrava praticamente nada de útil, apenas uns quantos “Gostos” inócuos – música, livros e filmes. Nem dizia onde vivia, apesar de Riley já ter descoberto por Flores que vivia em Chicago. Rohm apenas tinha vinte e seis amigos.

“Só uma excêntrica?” Perguntou Bill.

“O Flores parece não pensar assim,” Disse Riley. “Pelo menos, chamou-lhe a atenção a ponto de a considerar e me informar.”

“O que é que pensas?” Perguntou Jenn a Riley.

Riley pensou durante um momento. Estava de alguma forma fascinada pelo que viu ali – ou antes, pelo que não viu. Com tão poucos contactos online, Rohm parecia estar na fronteira da reclusão, mas estava suficientemente assustada para o manifestar publicamente.

Riley disse, “Vamos ver se conseguimos que fale connosco.”

Começou a escrever uma mensagem a Joanna Rohm.


Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI. Estou com os meus colegas Agentes Jeffreys e Roston. Estamos a investigar os homicídios nas linhas de comboio. Queremos saber porque é que tem medo de poder ser a próxima vítima.


Riley não sabia quanto tempo teriam que esperar por uma resposta. Mas em poucos segundos, a sua mensagem ficou marcada como “lida”.

Então veio a resposta...


Como é que sei que são quem dizem ser?


Jenn disse, “Parece um bocado paranoica.”

“Talvez,” Dissse Riley. “Mas como se costuma dizer, até os paranoicos têm inimigos.”

Escreveu novamente.


Veja a minha página do Facebook.


Ela sabia o que é que Joanna lá encontraria. Apesar de Riley passar pouco tempo no Facebook, a sua informação era muito específica quanto ao seu trabalho e carreira, e a sua foto de capa mostrava o selo e lema do FBI. A mulher teria que ser muito desconfiada para não acreditar nela.

Alguns momentos depois, Joanna Rohm respondeu...


Estou a ver.


Riley escreveu...


Julga estar em perigo agora?


Rohm rapidamente respondeu...


Não. Penso estar segura neste momento.


Riley escreveu...


Temos de falar.


Enquanto Riley esperava por uma resposta, Jenn disse, “O Flores deu-te a morada dela. Talvez fosse boa ideia sugerir encontrarmo-nos lá.”

“Não,” Disse Riley. “Pode assustá-la saber que encontrámos essa informação. Vamos ser pacientes durante alguns segundos.”

Finalmente, a mulher escreveu...


Encontrem-se comigo no restaurante do Hotel Stott às 16:30.


Antes que Riley pudesse responder, viu que Joanna tinha subitamente ficado offline.

Bill disse, “Hotel Stott – sim, estive lá uma vez. Não é muito longe de Union Station.”

Riley olhou para as horas. Esperava que a reunião com Cullen terminasse a tempo de se encontrarem com Joanna Rohm às 16:30.

Bill acrescentou, “É um lugar requintado com um restaurante de classe. Esta mulher pode ser apenas uma excêntrica rica à procura de atenção.”

“Talvez,” Disse Riley.

Mas tinha a sensação de que a verdade era diferente.

Também tinha a certeza de que Flores tinha razão. Joanna Rohm estava genuinamente assustada.

A questão era – de quê?


CAPÍTULO DEZOITO


Quando o comboio parou na plataforma da Union Station em Chicago, Riley ouviu Jenn soltar um suspiro aborrecido.

Riley olhou para o exterior e detetou a causa da reação de Jenn.

Bull Cullen encontrava-se na plataforma à espera que chegassem.

Riley disse a Jenn, “Com certeza que não estás surpreendida em vê-lo. Afinal de contas, estamos aqui para ter uma reunião com ele.”

Jenn disse, “Sim, mas esperava que não viesse ao nosso encontro. Que treta.”

Riley resistiu à vontade de dizer novamente...

“Vais ter que trabalhar com ele.”

Mas é claro que Jenn já sabia isso.

Ou pelo menos devia, Pensou Riley.

Riley, Bill e Jenn saíram do comboio, e Cullen atravessou a plataforma para ir ao seu encontro. Riley não deixou de reparar na forma maliciosa como olhava para Jenn que evitou o contacto visual com ele.

Riley conteve um suspiro.

Estes dois não combinam mesmo, Pensou.

Riley pressentiu que não iam concluir o caso sem que ocorresse alguma espécie de altercação entre Jenn e Cullen. Só esperava que o que quer que acontecesse não prejudicasse o trabalho que tinham à sua frente.

Cullen sorriu-lhes da sua habitual forma convencida.

“Tenho boas notícias e notícias menos boas,” Disse ele.

“OK,” Disse Jenn com dureza. “Dê-nos as notícias menos boas primeiro.”

“Bem, suponho que não sejam bem notícias. Não encontrámos o assassino. Mas as boas notícias é que não vai matar mais ninguém.”

Riley trocou olhares surpresos com Bill e Jenn.

“Como é que sabe?” Perguntou.

“Vão saber,” Disse Cullen. “Venham, a reunião já começou.”

Riley e os colegas seguiram Cullen pela estação. Subiram um lanço de escadas e chegaram aos escritórios da polícia de caminho-de-ferro onde entraram numa grande sala de reuniões.

Riley ficou alarmada por ver tanta gente na sala. Assim que ela e os colegas se sentaram, Cullen ocupou o seu lugar à cabeceira da mesa e fez algumas apresentações gerais. Vários investigadores da polícia de caminhos-de-ferro das unidades de passageiros e mercadorias estavam ali. Ela reconheceu alguns rostos da cena de crime em Barnwell. Também reconheceu alguns agentes do FBI de Chicago., incluindo o Agente Especial Responsável Proctor Dillard com quem ela e Bill haviam trabalhado no passado.

Riley estava ansiosa para ir direta ao assunto.

Perguntou a Cullen, “Como é que sabe que o assassino não volta a atacar?”

Cullen sorriu e clicou num controlo remoto que mostrou uma imagem num grande ecrã. Era a fotografia de um veículo queimado no meio de um campo.

Ele disse, “Os meus homens tiveram conhecimento de um relatório sobre este SUV – um Nissan todo-o-terreno. Alguém o incendiou deliberadamente num campo a cerca de quarenta quilómetros de Barnwell. Não tinha matrícula e estava demasiado queimado para obter amostras de ADN ou outras informações úteis. Mas... “

Clicou novamente no controlo remoto e mostrou mais duas imagens. Uma mostrava as marcas de pneus que Riley já vira ao logo da linha de caminho-de-ferro perto de Barnwell. A outra mostrava um conjunto de marcas semelhantes, obviamente da cene do crime ocorrido perto de Allardt.

Cullen disse, “O FBI comparou as marcas de pneus deixadas nas duas cenas de crime e pertencem ao mesmo veículo. As marcas são consistentes com o tipo de veículo que foi queimado.”

Riley olhou para Cullen. Ela não percebia aonde é que ele queria chegar.

Cullen encolheu os ombros e acrescentou, “Quais são as probabilidades de o veículo incinerado não ser aquele que foi usada em ambas as cenas de crime?”

“Poucas a ínfimas,” Disse Riley.

Cullen assentiu e sorriu.

“O que significa que o nosso assassino destruiu deliberadamente o veículo para se livrar da prova. E significa sem sombra de dúvida que ficou nervoso e não planeia cometer mais crimes. Ainda não sabemos quem ele é, mas temos que o localizar. E não temos que nos preocupar com o tempo. Já não se encontra em perigo a vida de ninguém.”

Riley olhou para o outro lado da mesa e encarou o chefe Dillard. Ele abanou-lhe a cabeça, obviamente tão perplexo com o que Cullen dizia como a própria Riley.

Com cautela, Riley principiou, “Odeio ter que dizer isto mas... “

“Mas o quê?” Perguntou Cullen.

Antes de Riley prosseguir, Jenn falou com dureza.

“Está a tirar conclusões precipitadas. A única coisa que o veículo queimado nos diz é que o assassino é inteligente. Ele sabe que o SUV seria fácil de localizar e não queria arriscar usá-lo uma terceira vez. O mais certo é neste momento já ter um veículo novo.”

Cullen parecia desconcertado.

Antes que Jenn continuasse, Riley silenciou-a com um olhar sério.

Ela mudou de assunto perguntando ao chefe Dillard, “Alguém verificou o álibi que Weston Bruder nos deu?”.

Dillard respondeu, “Entrámos em contacto com todas as pessoas com quem disse que falou. Não lhe dissemos onde é que Bruder alegara estar, mas as suas respostas apoiaram a sua história.”

“Alguém falou com a mãe de Reese Fisher?” Perguntou Riley.

Dillard anuiu, “Enviei o meu pessoal a Tandy Place, o lar em que ela vive. A pobre mulher sofre de demência e não consegue abarcar em pleno o que aconteceu à filha. Não nos conseguiu dar informação útil.”

Riley anuiu e olhou para a sua lista de pontas soltas. Só havia mais um assunto com um ponto de interrogação.

“Presumo que as pegadas das duas cenas de crime também coincida,” Disse Riley.

“Coincidem. Foram sem dúvida deixadas pelo mesmo homem,” Disse Dillard.

E aquele homem não coxeava, lembrou-se. Não era Red Messer. Não pensava que pudesse ser, mas estava contente por excluí-lo completamente.

“Ainda bem que esclarecemos esses pequenos pormenores,” Disse Riley. “Então agora parece provável estarmos a lidar com um assassino em série, não com um imitador. Isso é informação importante. Até agora não tínhamos a certeza.”

Bill acrescentou, “Chamaram-nos de Quantico para vos darmos um perfil. E parece improvável estarmos a lidar com o tipo de assassino que vá parar depois destes dois homicídios. Ainda estamos pressionados. Não podemos deixar outra vítima morrer.”

“Têm a certeza de que ele... “Começou Cullen.

“Pode ter a certeza,” Dise Jenn.

Cullen enrubesceu.

Isto não é útil, Pensou Riley.

No final de contas, Cullen era o chefe da polícia dos caminhos-de-ferro ali em Chicago e Riley e os colegas tinham-no envergonhado no seu reduto – não apenas à frente dos seus agentes e detetives, mas do pessoal do FBI de Chicago também. Mexer com um ego masculino como o de Cullen, não era útil para uma situação tão grave como a que viviam.

Para além disso, Riley sabia que a suposição de Cullen de que os crimes tinham terminado não era estúpida – não vinda de alguém habituado a ludar com colisões, suicídios e até homicídios ocasionais e ameaças terroristas. Simplesmente, ele não tinha conhecimentos de como funcionava a mente de um psicopata.

Riley disse, “Reparem, lembro-me de um cenário em que o assassino pode ter terminado com as mortes. Não é provável, mas é possível. Chefe Cullen, pedi-lhe para que os seus agentes mantivessem Chase Fisher debaixo de vigilância, o marido da segunda vítima. Como é que está a correr até agora?”

Cullen pareceu recuperar a sua pose.

“Os meus homens estão a vigiar cada movimento,” Disse ele. “Não está a fazer nada de suspeito.”

Riley não ficou surpreendida.

“Bem, continuem a vigiá-lo. Ainda há a possibilidade – penso que fraca – de que tenha morto Reese Fisher devido à sua infidelidade. Se for esse o caso, pode ter encenado o anterior homicídio como um estratagema, para nos fazer crer que estávamos a lidar com um assassino em série. Se assim for, pode não matar novamente. Como disse, não é um cenário provável e o melhor é não estarmos à espera disso, mas também não o podemos ignorar.”

Bill disse, “As vítimas não pareciam ter qualquer ligação entre si, exceto pelo facto de que ambas frequentavam ocasionalmente o comboio para Chicago. Temos que proceder de acordo com a suposição mais provável, ou seja, de que se trata de um assassino em série com um motivo pessoal mais generalizado.”

Riley não disse nada durante alguns instantes.

Depois disse, “Pode mostrar-nos imagens das duas vítimas? Quero dizer, de quando estavam vivas?”

Cullen clicou no controlo remoto e surgiram no ecrã, lado a lado, as fotos dos documentos de identificação de Fern Bruder e Reese Fisher.

Apontando, Riley disse, “As mulheres tinham uma diferença de idades de dez anos – Fern tinha vinte e cinco e Reese trinta e cinco anos. Uma era casada, a outra solteira. Ainda assim, é possível discernir uma certa parecença física entre elas. Ambas tinham cabelo castanho e encaracolado, rostos esguios, narizes aquilinos. Essas semelhanças podem ser apenas uma coincidência e não nos dizer nada acerca dos gostos ou preferências do assassino. Mas também podem ser significativas. Por exemplo, as mulheres com esses traços podem recordar alguém do passado do assassino.”

O Agente Especial Responsável Dillard falou.

“Agente Paige, diz que Chase Fisher é um suspeito improvável. Porquê?”

Riley pensou durante um momento.

“Como o Agente Jeffreys acabou de dizer, é provável que exista um motivo mais generalizado por detrás destes crimes. Em casos de homicídios em série deparamo-nos muito frequentemente com assassinos motivados pelos seus próprios demónios, as suas próprias compulsões. Este homem pode não querer matar, mas não o consegue impedir, apesar do intenso sentimento de culpa. Os seus motivos são provavelmente obscuros até para ele próprio. Mas o caminho-de-ferro faz parte da sua obsessão de alguma forma. Está relacionado com o seu passado e com comboios.”

Riley tamborilou a borracha na mesa. Ela não estava satisfeita com que acabara de dizer. Não era grande perfil e era pouco para continuar. O assassino era claramente alguém com problemas psiquiátricos, mas Riley suspeitava que ele nunca tinha sido internado. E tendo em consideração que nenhuma das vítimas tinha sido abusada sexualmente, a motivação do assassino não era de cariz sexual.

Riley reparou num homem alto e grisalho que parecia estar perdido em pensamentos enquanto apontava notas num bloco. Não parecia pertencer a nenhum grupo – nem à polícia dos caminhos-de-ferro, nem ao FBI de Chicago.

Aparentemente, Cullen reparou que o homem atraíra a atenção de Riley. Olhou para o homem mais velho e sorrindo, disse, “Tem ideias para partilhar connosco, avô?”

O homem encolheu-se ligeiramente, assim como Riley. Percebeu pelo tom paternalista de Cullen que “avô” era uma alcunha tudo menos respeitosa.

O homem levantou o olhar das suas notas.

“Só estou a testar uma teoria,” Disse ele.

“Sim? E que teoria é essa?”

O homem abanou a cabeça.

“Ainda não posso dizer. Preciso de mais dados.”

Riley ficou interessada. Bem que gostaria de dar uma espreitadela ao que estava escrito naquele bloco de notas.

Cullen riu e disse, “Bem, boa sorte com isso, avô. Avise-nos quando resolver o caso.”

Agora o homem parecia magoado – Riley pensou que compreensilvemente. Sem dizer mais uma palavra, levantou-se da cadeira, abriu a porta e saiu da sala. Fechou a porta cuidadosamente atrás de si.

Quando se foi embora, Riley perguntou a Cullen, “Quem era aquele homem?”

Cullen riu.

“Chama-se Mason Eggers – é apenas um velhote na reforma que não consegue aceitar o facto de que está na reforma. Foi polícia dos caminhos-de-ferro durante muitos anos e nada mau para o seu tempo. Não sabe como se entreter e sempre que há casos novos vem até cá. Tem sempre ideias e teorias, e às vezes não são más, desde que não passem a barreira do vandalismo ou do roubo. Deixo o pobre tipo andar por aqui.”

Riley teve um pressentimento que lhe dizia...

O Cullen subestima aquele homem.

Sentiu o impulso de sair da sala e ir ter com Mason Eggers, mas pensou melhor.

A discussão à mesa direcionou-se para outros pormenores. Porque ambas as vítimas tinham apanhado comboios para Union Station, a equipa de Chicago tinha verificado e descoberto que não havia pessoal dos caminhos-de-ferro de serviço em ambos os comboios.

Também vasculharam as gravações de vigilância das plataformas, tanto de Chicago como nos destinos. Até ao momento, tinham detetado as vítimas entrar e sair dos comboios, mas ninguém suspeito a segui-las. Não conseguiam identificar passageiros em comum nos dois comboios.

É claro que não podiam descartar a possibilidade de que o assassino conhecesse o sistema de vigilância e tivesse fugido deliberadamente à deteção. E infelizmente, os comboios em questão não tinham câmaras de segurança no interior das carruagens. Tais câmaras seriam instaladas no futuro.

Depois de alguma discussão, Cullen distribuiu tarefas e a reunião terminou.

Quando Riley e os colegas se levantaram, Bill olhou para o relógio.

Disse, “Se apanharmos um táxi já, ainda conseguimos chegar a tempo.”

Cullen ouviu Bill e disse, “Onde é que vocês os três vão?”

Jenn e Bill não disseram nada. Riley não queria dizer a Cullen que iam encontrar-se com uma mulher que pensavam poder ser a próxima vítima do assassino. Cullen quereria ir com eles, e ele e Jenn acabariam novamente às cabeçadas. A entrevista já seria suficientemente sensível para ainda terem que lidar com esses conflitos.

Disse a Cullen, “Informa-lo se obtivermos resultados práticos.”

Riley e os colegas passaram por ele e desceram as escadas. Colocaram as suas malas num cacifo e saíram do edifício.

Em poucos minutos, já tinham apanhado um táxi e iam a caminho do Hotel Stott. Durante a curta viagem, Riley lembrou-se do que Mason Eggers dissera sobre a sua teoria.

“Preciso de mais dados.”

Riley sabia como é que ele se sentia e isso assustava-a.

E se “mais dados” surgisse na forma de outro crime?


CAPÍTULO DEZANOVE


Quando o táxi se aproximou do Hotel Stott, Riley não parava de pensar numa frase.


Receio pela minha vida.


Lera-a na publicação do Facebook que Joanna Rohm partilhara com os amigos. E se Rohm tivesse motivos sólidos para ter medo, talvez Riley e a sua equipa conseguissem obter informações preciosas para o caso. Talvez conseguissem parar aquele sinistro assassino antes que atacasse novamente.

O táxi parou em frente ao Hotel Stott e Riley e os colegas saíram. Riley ficou impressionada com o edifício de vidro e aço luminoso debruçado sobre o rio.

“Requintado,” Chamara-lhe Bill.

Ele não estava a brincar, Pensou Riley.

Pensou – o que é que isso dizia da pessoa que estavam prestes a encontrar?

Entraram no elevador e saíram no restaurante que ocupava grande parte do andra superior do edifício.

Uma requintada anfitriã cumprimentou-os mal chegaram. Riley disse, “Estamos aqui para nos encontrarmos com Joanna Rohm. Ela já chegou?”

A anfitriã anuiu.

“Encontram-na no lounge,” Disse ela, indicando o caminho.

Os três agentes atravessaram o restaurante. Devido à hora tardia, apenas lá se encontravam alguns clientes. Quando entraram no lounge, Riley ficou surpreendida por não ver clientes.

Onde está ela? Questinou-se Riley.

Riley e os colegas foram até ao bar onde uma empregada alta com cabelo louro limpava alguns copos. Usava uma camisa branca e uma gravata.

“Desculpe,” Disse Riley, “mas estamos à procura de Joanna Rohm.”

“Sou eu,” Disse a empregada.

Riley conseguiu ocultar a surpresa enquanto ela e os colegas mosravam os distintivos e se apresentavam. Sentaram-se nas confortáveis cadeiras de couro do bar.

Riley disse, “Agora percebo porque é que combinou aqui connosco a esta hora.”

“Sim, o movimento de clientes cessa por esta altura,” Disse Joanna. “Podemos falar em privado.”

Joanna calou-se e olhou e seu redor nervosamente.

Então disse, “Ainda bem que aqui estão. Como eu disse, tenho medo.”

Riley disse, “Afirmou que tinha receio de poder ser a próxima vítima do assassino do caminho-de-ferro. Porque é que pensa isso?”

“Eu conhecia a Reese Fisher.”

Joanna olhou de forma intensa para Riley que tentou compreender o que é que a mulher queria comunicar.

Rapidamente começou a perceber.

Lembrou-se do que Chase Fisher dissera quando tinham falado com ele.

“A Reese estava a ter um caso.”

É claro! Pensou Riley.

Disse, “Estava a ter um caso com Reese.”

Joanna anuiu.

Bill perguntou, “Mas porque é que isso a leva a crer que será a próxima vítima?”

Joanna hesitou, depois disse, “A última vez que a Reese cá esteve – antes de lhe ter acontecido aquilo – ela disse-me que desconfiava que o marido sabia de nós. Ela disse que ele estava a ser discreto, mas tinha receio que ele estivesse a planear alguma coisa, mas não sabia o quê.”

Joanna engoliu em seco.

“Bem, ela descobriu o que ele estava a planear, não é? E agora... estou a morrer de medo. Porque não viria arás de mim? Não faz sentido?”

Riley pensou no que deveria dizer – ou não dizer.

Chase Fisher tinha-lhes dito que desconhecia a identidade do amante da mulher e Riley sentiu-se inclinada a acreditar nele. Deveria dizê-lo a Joanna para a ajudar a acalmar-se?

Mas não lhe pareceu apropriado.

Mas o que era apropriado naquelas estranhas circunstâncias?

Riley pensou por um momento, depois disse, “Presumo que saiba que ocorreu um homicídio anterior perpetrado da mesma forma. Temos a certeza que ambos os crimes foram cometidos pela mesma pessoa. Isso leva-nos a duvidar que Chase Fisher tenha morto Reese. É difícil de acreditar que ele tenha cometido o primeiro crime apenas como uma espécie de preparação para o seguinte.”

A expressão de Joanna mudou. Pareceu tentar deixar-se convencer.

Disse, “’Difícil de acreditar’ dizem. Mas não impossível, certo?”

Riley hesitou. Não, é claro que não era impossível, mas...

“Parece muito improvável,” Disse ela.

Então ocorreu uma alteração dramática na expressão de Joanna. A tensão do medo começou a dar lugar a uma emoção igualmente terrível.

Ela disse, “Odeio ter medo. Interfere com...”

Sufocou um soluço.

“A sua mágoa,” Disse Jenn.

Joanna assentiu e limpou uma lágrima. Riley compreendia perfeitamente. A úlima coisa que aquela mulher queria naquele momento era temer pela sua vida quando o que realmente precisava era chorar por alguém que amava.

Riley queria dizer...

“Chore à vontade.”

... mas é claro que haveria tempo para isso mais tarde, provavelmente noutro ambiente.

Joanna aclarou a garganta e disse, “Eu e a Reese conhecemo-nos há vários meses num lar. A mãe dela vive lá e o meu pai também. Tem sido muito difícil ver o meu pai a desvanecer-se à minha frente. Não se lembra de mim ou do meu nome a maioria das vezes. A Reese estava a passar pelo mesmo com a mãe. Começámos a falar sobre isso. Sentia-me muito só até a conhecer.”

Uma lágrima correu no rosto e ela não se deu ao trabalho de a limpar.

“Se a conhecessem... oh, não fazem ideia de como era boa e carinhosa. Ela era tão descontraída e empática. Fazia amigos em todo o lado. Apaixonei-me por ela de imediato. Sabem, sou escritora – sobretudo ficção e poesia. Receio que não seja muito bem-sucedida – pelo menos não por enquanto. Por isso trabalho aqui.”

Sorriu ligeiramente.

“Sim, conheço o cliché – ‘Não te despeças do teu emprego’. Sei que não devo fazer isso. Mas Reese lia o meu rabalho e dizia que a tocava. Ela compreendia cada palavra que eu escrevia e adorava. Ela era a única pessoa no mundo que me fez acreditar que eu conseguiria – quero dizer, ser escritora. E agora... “

Uma expressão de medo apoderou-se novamente do seu rosto. Mas Riley pressentiu que era um medo diferente do medo pela sua vida.

Era o medo de estar sozinha.

“Não sei como é que vou continuar sem ela,” Disse Joanna.

Riley gostava de se lembrar da citação de Oscar Wilde que Joanna colocara na sua página do Facebook...

Algo relacionado com sonhadores...

Joanna era uma sonhadora. E descobrira e perdera em Reese Fisher a única pessoa no mundo que compreendera os seus sonhos.

Riley calou-se enquanto Bill e Jenn continuaram a fazer perguntas de rotina a Joanna. Estava impressionada com a ironia de tudo. Ela lembrava-se da tristeza na voz de Chase Fisher quando falou sobre o amante de Reese – como esperava que ela tivesse encontrado um homem rico e culto...

“Alguém que a leve a galerias de arte, peças, concertos, à ópera.”

A verdade era bem diferente. A amante de Reese era uma escritora lutadora, não um homem rico. Ainda assim, parte do desejo de Chase Fisher concretizara-se. Ela encontra alguém que...

“... conseguia ajudar a preencher o que faltava na sua vida.”

O que pensaria ele se soubesse? Interrogou-se Riley.

Rapidamente afastou a pergunta da sua mente. Afinal, não lhe dizia respeito.

Quando Bill e Jenn acabaram de fazer perguntas, Joanna perguntou, “Então pensam mesmo que estou segura?”

Riley e os colegas trocaram olhares. Ela pressentiu que Bill e Jenn partilhavam da sua opinião.

O que é que “segura” quer dizer?

É claro que a missão de um agente do FBI era garantir a segurança de pessoas como Joanna.

Mas quem podia garantir o que aconteceria a esta mulher quando saísse hoje do trabalho ou noutro momento da sua vida?

Não, Riley não pensava que ela estivesse em perigo no que dizia respeito ao assassino do caminho-de-ferro. Mas não podia ter a certeza absoluta.

Para além disso, o mundo estava repleto de perigos incontáveis.

Durante um momento, Riley regressou ao pesadelo da noite anterior – de tentar salvar inúmeras mulheres amarradas da força inexorável de ua locomotiva em andamento.

Todo o trabalho da sua vida era assim.

Nem ela, nem Bil, nem Jenn estavam em posição de fazer promessas.

Em vez disso, entregou o seu cartão a Joanna.

Disse, “Contacte-me, por favor, se sentir que está em perigo.”

Riley e os colegas saíram do restaurante e entraram no elevador. Enquanto desciam, ela perguntou, “Então o que é que fazemos agora?”

Bill olhou para o relógio e disse, “Está a fazer-se tarde e não há muito mais que possamos fazer hoje. Vamos passar pela estação, pegar as nossas malas e instalarmo-nos num hotel. Depois falamos sobre o que devemos fazer amanhã.”

Riley e Jenn concordaram.

Ao saírem do elevador e do edifício, Riley deu por si a pensar no que Red Messer lhe dissera sobre Fern Bruder.

“Parecia a melhor pessoa do mundo.”

Pelo que Joanna Rohm dissera, as mesmas palavras se podiam aplicar para descrever Reese Fisher. Apesar de Riley ainda estar a ter dificuldades em traçar o perfil do assassino, começava a poder delinear um perfil vívido das suas vítimas. E ela sabia que algures, uma mulher generosa, bondosa e vivaz não fazia ideia do perigo que corria.

Aquela locomotiva imparável do seu pesadelo dirigia-se a ela sem misericórdia.

E Riley não tinha forma de a avisar.


CAPÍTULO VINTE


O homem esperou um pouco depois do comboio sair da estação. Então, levantou-se e caminhou de carruagem em carruagem até chegar à carruagem do bar. E lá estava ela, sentada sozinha numa mesa com os olhos postos no smartphone.

Ela não reparara nele e ele decidiu não atrair a sua atenção – ainda não.

Em vez disso, colocou-se no fundo da carruagem e observou-a.

Ela chamava-se Sally Diehl e era muito parecida com as outras duas mulheres – o mesmo rosto magro, cabelo castanho encaracolado, constituição frágil. É claro que fora aquela parecença que o atraíra até ela. A sua inconsciência também era de alguma forma sedutora. Ela ainda não sabia que estas características a marcavam para morrer.

Ele estremeceu ao pensar nisso.

Sentiu uma vontade urgente de se ir embora, de percorrer as carruagens e sentar-se num lugar.

Não o farei, Tentou dizer a si próprio. Não desta vez.

Mas uma força palpável, muito mais forte do que a sua vontade, restringia-o fisicamente.

E a voz audível dizia “em breve”, desde o dia anterior sussurrava...

“Chegou o momento.”

Aquela força palpável empurrava-o e ele entrou na carruagem do bar, diretamente para o campo de visão de Sally.

Ela olhou para ele com um sorriso bonito.

“Bem – imeginem só encontrar-te aqui!” Disse ela.

Ela riu-se e ele também. É claro que era uma piada. Já se tinham visto três vezes naquela mesma carruagem. Tanto quanto ela sabia, tratava-se apenas de uma coincidência ambos estarem de vez em quando no mesmo comboio.

Ele foi até à sua mesa.

“Vejo que ainda não pediste nada,” Disse ele.

“Ainda não me apeteceu.”

“Eu vou buscar qualquer coisa para nós,” Disse ele.

Os olhos dela brilharam.

“Era simpático da tua parte, Nash,” Disse ela. “Penso que já sabes o que quero.”

Ele foi até ao balcão e pediu duas sanduíches e dois cappuccinos. Enquanto esperava, perguntava-se porque é que tinha dito àquelas três mulheres que se chamava Nash. Na verdade, o que importava?

Mas é claro que importava.

Se alguma daquelas mulheres fugisse, certamente que não queria que soubessem o seu nome verdadeiro.

Quando as sanduíches e os cappuccinos ficaram prontos, ele levou-os para a mesa e sentou-se.

“Foste visitar outra vez o teu irmão?” Perguntou ele.

A sua expressão entristeceu e ela anuiu. Ele sabia que ela fazia aquelas viagens entre Caruthers e Chicago para visitar o irmão mais novo que se encontrava num centro de desintoxicação de drogas.

“Como é que ele está?” Perguntou ele.

Sally abanou a cabeça.

“Desta vez zangado,” Disse ela. “O Trevor quer sair de lá, diz que está bem, que trinta dias é tempo suficiente e que está pronto para retomar a sua vida. Mas eu sei que não é verdade. Ele não está pronto. Já passámos por isto. Ele precisa dos sessenta dias. Se ele sair agora, vai estar a consumir daqui a nada.”

Ela olhou-o nos olhos.

“A verdade é que – bem, eu não devia dizer isto a qualquer pessoa.”

O homem ficou tocado pela sua confiança.

As outras duas mulheres também tinham confiado nele e tinham-se sentido seguras. E ele tinha-se sentido bem com isso, poder ouvi-las. A pobre Fern andava tão ansiosa em falar-lhe no seu terrível pai e Reese ansiava por falar com alguém sobre a mulher que amava em Chicago – alguém que simplesmente ouvisse e não a julgasse.

“Não direi a ninguém,” Disse ele.

O que era verdade.

Sally estava emocionada.

“Eu também estou zangada,” Disse ela. “Zangada por ter que lhe dizer coisas que ele não quer ouvir, porque não tem a capacidade de tomar essas decisões por si. Zangada por ele se ressentir e – e odiar-me por isso. Pelo menos às vezes. Em dias como o de hoje.”

“Porque não haverias de estar zangada?” Perguntou o homem.

Sally pareceu um pouco surpreendida com a pergunta.

“Porque ele está doente, é claro,” Disse ela. “Ele não o consegue evitar. É uma doença. E também sinto... “

A sua voz apagou-se.

“O quê?” Perguntou o homem.

“Culpada de alguma forma. Culpada por não ter acabado da mesma forma. Culpada por estar... bem, acho.”

Ele ficou contente por ela agarrar no cappuccino com ambas as mãos. Caso contrário, ele sentir-se-ia tentado a oferecer a sua mão para a confortar. Isso seria demais. Criaria um laço entre eles que o magoaria terrivelmente quando tivesse que o despedaçar de forma cruel e violenta.

“Culpa de sobrevivência,” Disse o homem. “É natural. E quanto à fúria – bem, tens acarretado toda esta responsabilidade. Mais ninguém na tua família está disposto a levantar um dedo para o ajudar. Tudo caiu em cima de ti. És uma vítima da tua própria compaixão.”

Ela sorriu e revirou um pouco os olhos.

“Oh, não sei,” Disse ela.

“Acredita em mim,” Disse ele. “Não conheço ninguém tão carinhosa e generosa.”

Ele era sincero – apesar de não ser a verdade completa. Ele conhecera duas outras mulheres com qualidades muito semelhantes.

Mas ambas estavam mortas.

Sally suspirou profundamente.

Disse, “Gosto muito que estejas aqui para conversarmos. Mas... não é justo. Estás sempre a ouvir os meus problemas e nunca me falas dos teus.”

O homem riu-se um pouco.

“Talvez seja porque não tenho problemas,” Disse ele.

Sally abanou a cabeça.

“Não, não é verdade. Eu sinto-o. Tu carregas alguma espécie de fardo terrível. Tu és... tão triste no fundo. Guardas demasiado para ti. E eu gostava de poder ajudar.”

Ela estremeceu com as suas próprias palavras.

“Oh, peço desculpa,” Disse ela. “Quando é que aprendo a não me meter na vida dos outros? Isto foi tão despropositado!”

“Não, não foi,” Disse o homem.

Afinal, era tinha toda a razão. Ele sentia-se corroído pela culpa e obsessões e impulsos que não conseguia controlar. E desejava poder falar com alguém sobre isso – com alguém como ela.

Ele disse, “Talvez um dia te conte.”

Arrependeu-se do que dissera de imediato. É claro que era uma mentira. Não a devia ter dito. Era errado.

Era altura de mudar de assunto.

“Conta-me mais coisas da tua vida,” Disse ele.

Ela começou a falar de asssuntos familiares – do seu trabalho como professora em Caruthers, Illinois, e de como era tão difícil ser uma mulher divorciada numa pequena cidade do Midwestern.

Entretanto, A voz na sua cabeça sussurrava-lhe, lembrando-lhe dos planos.

Ela não fazia ideia de que também ele saíria do comboio em Caruthers. Ela pensava que ele ficava no comboio até Wendover onde lhe dissera que vivia.

A verdade era que a seguira até ao comboio das outras vezes que se tinha encontrado, evitando astuciosamente as câmaras de vigilância da estação.

Ele sabia o que fazer e sabia exatamente como o fazer.

A voz dizia sem parar...

“Chegou o momento. Chegou o momento. Chegou o momento.”

Ele desejava que a voz se aquietasse.

Ele só queria beber as palavras daquela mulher.

Após este dia, ele nunca mais conseguiria fazê-lo novamente.


CAPÍTULO VINTE E UM


Enquanto Riley e Jenn faziam sinal para que um táxi parasse à porta do hotel, Bill olhou para o céu do fim de tarde emoldurado pelas torres de Chicago. Ele não conseguia evitar sentir que já devia ter escurecido. O dia fora longo – na verdade, dois dias longos – e ele e as colegas ainda não tinha nada de concreto para mostrar.

E ele estava cansado – mais cansado do que deveria.

Porquê? Pensou.

É claro que o caso estava a desgastá-lo. Mas ele sabia que algo mais o incomodava. Só não sabia exatamente o quê.

Um táxi parou e eles entraram. O motorista levou-os a Union Station, o edifício de aspeto sólido entre outros mais altos. O condutor esperou enquanto pegava nas malas que tinham deixado nos cacifos da estação.

“Para onde agora?” Perguntou o motorista quando regressaram ao táxi.

Bill disse o nome de um hotel próximo onde ele e Riley tinham ficado durante casos anteriores na cidade ventosa. Estava contente por Bull Cullen não se ter dado ao trabalho de reservar um quarto mesquinho para eles outra vez. Desta vez podiam ficar em três quartos simples mas confortáveis pagos pelo FBI.

Depois de fazerem o check-in no hotel e deixarem as malas nos quartos, reuniram-se no quarto de Jenn para discutir a situação. Quando se encontraram, Bill sentiu outra onda de cansaço. Percebeu que também estava com fome.

“Vamos encomendar comida,” Disse ele. “Não comemos nada há imenso tempo.”

“Boa ideia,” Disse Jenn. “O meu cérebro precisa de energia extra.”

Ligou para o serviço de quartos e pediu hambúrgueres e bebidas. Enquanto esperava pela comida, Riley telefonou a Proctor Dillard, o chefe do FBI com quem se tinha encontrado anteriormente, para saber novidades.

Bill percebeu pela sua expressão que Dillard não tinha nada de novo para comunicar.

Riley confirmou essa falta de progressos quando terminou a chamada. “Ainda não descobriram qualquer relação entre as duas vítimas e nenhuma indicação de que alguém tivesse algo de pessoal contra elas.”

Bill abanou a cabeça desanimado. Estava bem familiarizado com a estagnação que se podia instalar durante uma investigação. A maioria dos casos tinha períodos de tédio onde se descartavam teorias ou se seguia outras que lhes indicasse um caminho viável. Ou até o sexto sentido de Riley captar algo que fosse invisível para toda a gente. Até ao momento, ela não percecionara nada em relação a este caso.

Bill disse, “O melhor é falarmos com médico-legista Hammond em Barnwell para sabermos quais os resultados da autópsia de Reese Fisher.”

Jenn fez a chamada. Quando terminou, a sua expressão era tão apagada quanto a de Riley. Disse, “Nada de novo ou surpreendente. É claro que a morte foi instantênea. Tal como Fern Bruder antes dela, tinha flunitrazepam na corrente sanguínea. Também tinha nódoas negras à volta do pescoço.”

Jenn acrescentou, “Então calculo que Cullen tivesse razão sobre como o assassino sufocou ambas as vítimas antes de lhes injetar a droga. Sei que é mesquinho da minha parte, mas odeio quando o filho da mãe tem razão.”

Os hambúrgueres e bebidas entretanto chegaram, e os três sentaram-se para comer. Também deram o seu melhor para pensar em teorias e ideias.

Não havia dúvida de que tinham muitas perguntas.

Jenn perguntou, “Será que as vítimas conheciam o assassino?”

Bill não conseguia responder a essa pergunta. Mas olhando para Riley, Bill percebeu que ela pensava de forma diferente.

Riley disse, “Ambas as vítimas eram encantadoras e extrovertidas. Eu sei que pode ser uma coincidência, tal como a sua aparência física. Mas tenho o palpite que é importante. Penso que o assassino ganhou a confiança das mulheres. Duvido que qualquer uma delas tivesse uma relação prolongada com ele. Mas ele não era um estranho absoluto. Penso que encetaram pelo menos uma conversa com ele.”

“É claro que isso tornaria mais fácil controlar uma possível vítima, “ Concordou Bill.

“No comboio, não acham?” Perguntou Jenn.

“Possivelmente,” Disse Riley. “Ou talvez não. Talvez o tenham conhecido em Chicago e ele tenha sabido tudo o que tinha a saber lá e viajado até Allardt e Barnwell para as matar. Ou pode tê-las conhecida nas suas cidades... “

Bill abanou a cabeça.

“Isso parece um bocado forçado. Custa-me a acreditar que ande de cidade em cidade à procura de mulheres que fazem a viagem de e para Chicago.”

Jenn concordou, “Se ele começasse nas suas cidades, teria que ter uma razão mais pessoal para escolher estas mulheres em particular.”

Riley acrescentou, “E de qualquer das formas ainda não sabemos porque é que ele escolheu estas duas.”

A conversa prosseguiu sem se chegar a nenhuma conclusão. Enquanto falavam, Bill sentiu a exaustão a instalar-se e começou a ter dificuldade em ficar-se no que se dizia. Começou a ocorrer-lhe qual seria pelo menos parte do problema.

Química.

Ele sabia que ainda não estava a trabalhar bem com Riley e Jenn enquanto unidade, pelo menos para já. Tinha saudades dos velhos tempos em que apenas ele e Riley trabalhavam como equipa e tinham uma capacidade incomum de ligação, às vezes comunicando sem sequer precisarem de falar. Carregavam sempre as energias um do outro. Trabalhar com Riley nunca o esgotara ou o fizera sentir-se cansado.

Na verdade, sempre tinham sido grandes amigos, capazes de confiar completamente um no outro. Mas ainda nem sequer tinham tido tempo para falar em privado desde que tinham começado a trabalhar naquele caso.

Bill sentia falta disso. Queria poder conversar com Riley sobre a sua vida – a sua tristeza e sentimento de perda agora que a ex-mulher Maggie se tinha casado novamente e mudado para Saint Louis, levando os dois filhos com ela para longe dele. Estava a perder o contacto com os rapazes e doía-lhe terrivelmente. E apesar do seu SPT se ter apaziguado nos últimos seis meses, às vezes sentia que ainda não estava em pleno.

Nos velhos tempos, podia ter encontrado um porto de abrigo em Riley.

Agora sentia-se deslocado.

Riley e Jenn pareciam entender-se muito melhor do que ele as entendia a elas.

Bill sentiu-se envergonhado por pensar estas coisas. Será que tinha ciúmes da empatia entre as duas mulheres?

A conversa entretanto mudou para a tentativa de traçar um perfil do assassino. Voltavam sempre às mesmas velhas ideias – que o assassino era fascinado por comboios, que as mulheres lhe lembravam alguém do passado e que agia de acordo com uma espécie de compulsão de culpa. Mas acima de tudo, parecia ser diferente de qualquer perfil com que já se tivessem deparado.

Ao falarem, Bill percebeu aos poucos...

Não sou só eu.

Riley parecia cansada e também Jenn.

Ele percebeu que ambas também pareciam estar preocupadas.

A respeito de quê? Interrogou-se Bill.

Bill estivera muito preocupado com Riley nos últimos tempos. Ele sabia que ela tinha grandes responsabilidades em casa – demasiadas, na opinião dele, para uma agente do FBI que era mãe solteira. Estava prestes a adotar Jilly e tinha um rapaz chamado Liam a viver em casa dela.

A não ser que tudo tenha mudado, Pensou.

A verdade era que ele não sabia o que estava a acontecer na vida de Riley, inclusivamente se ainda andava com aquele tipo chamado Blaine que parecia um homem decente. Pensou se devia perguntar-lhe. Mas não se sentiu confortável com a ideia, não com os três juntos.

E era aquilo – a sua preocupação acerca daquela terceira pessoa. Jenn ainda era um enigma para ele. Não se podia queixar do seu comportamento em relação a ele. Aliás, Jenn encobrira Riley num caso recente quando ele tivera um impulso suicida e Riley teve que o ir ajudar.

Bill devolvera o favor quando Jenn ficou incomunicável no mês passado.

Mas ele ainda nem sabia porque é que aquilo tinha acontecido. Era óbvio que Jenn escondia algum segredo sombrio. Aparentemente, Riley sabia do que se tratava, mas não estava disposta a confiá-lo a Bill.

E Bill não gostava de ser deixado de lado.

Se havia alguma coisa no passado de Jenn que pudesse perturbar tudo a qualquer momento, ele sentia que devia ter conhecimento. No seu trabalho, as omissões de informação podiam ser perigosas, até questões de vida ou de morte.

Por fim, Riley disse, “Está a fazer-se tarde e estamos a chover no molhado. Vou para o meu quarto. Vamos descansar para estarmos frescos para amanhã.”

Jenn anuiu e Bill também concordou. Mas quando ele e Riley se levantaram para irem embora, o telemóvel de Riley tocou.

Fez uma pausa a caminho da porta, à espera para ver se a chamada estava relacionada com o caso.

Quando Riley atendeu, o seu olhar espelhou choque.

Ficou pálida ao sentar-se novamente na cama.

Bill sentiu um arrepio de apreensão.

O que terá acontecido? Questionou-se.


CAPÍTULO VINTE E DOIS


Sentada na cama de hotel, Riley virou-se para enfrentar os colegas. Estava a tentar processar o que April acabara de dizer.

A festa de aniversário da Jilly tinha sido naquela noite – e Riley tinha-se esquecido completamente!

Ao telefone, a voz de April ainda explicava, “Compreendemos que estavas num caso e que não podias estar aqui. Mas estávamos à espera do teu telefonema. Quando não ligaste, pensei que devias estar no meio de qualquer coisa muito séria – um tiroteio ou algo do género, e não te queria incomodar. Mas a Jilly não está a aceitar bem.”

Seguiu-se um silêncio doloroso.

Numa voz lenta e tranquila April disse, “Oh, mãe. Não me digas que te esqueceste!”

Riley queria tanto mentir, dizer qualquer coisa como...

“Sim, peço desculpa mas tivemos um impedimento e não me pude desenvencilhar a tempo. Mas estiver sempre a pensar na Jilly.”

Mas as palavras não saíam e Riley sabia que nem valia a pena. April conhecia a mãe demasiado bem. Ela nunca acreditaria numa desculpa fraca como aquela.

Para além disso, seria uma mentira e Riley não podia mentir a April.

“Posso falar com ela?” Perguntou Riley.

A simples ideia aterrorizava Riley. O que é que é que ela diria?

“Vou ver,” Disse April.

Riley conseguia ouvir os passos de April enquanto subia as escadas. Ouviu April a bater à porta do quarto de Jilly.

April disse, “Jilly, tenho a mãe ao telefone.”

Riley conseguiu ouvir a resposta abafada de Jilly do outro lado da porta.

“Ela ligou?”

Riley engoliu em seco. Ela não queria que April mentisse. Mas temia a ideia de Jilly ouvir a verdade.

“Eu liguei-lhe,” Disse April a Jilly.

Riley ouviu o som de um choro do outro lado da porta.

“Deixa-me em paz,” Disse Jilly.

Depois surgiu o som dos passos de April a descer as escadas.

“Desculpa Mãe,” Disse April enquanto caminhava. “Ela está mesmo chateada.”

Riley suspirou com tristeza.

“Eu é que peço desculpa,” Disse ela. “Como é pude deixar istio acontecer?”

“Não te esqueças que não é a primeira vez mãe.”

Riley teve que pensar durante uns instantes sobre o que April dizia.

Depois lembrou-se – também se esquecera do aniversário de April em agosto último.

April ficara zangada e magoada na altura, mas agora não parecia zangada. Parecia calma e madura.

Para além disso, Pensou Riley, está a habituar-se às minhas falhas.

Riley disse, “Fala com ela April. Talvez te ouça. Diz-lhe apenas – bem, diz-lhe que não tem nada a ver com ela. O problema sou eu. Fala-lhe do que aconteceu em agosto. Talvez a consigas fazer entender... “

A sua voz apagou-se.

Entender o quê? Interrogou-se. Que está a ser adotada por uma mãe terrível?

“Vou dar o meu melhor mãe,” Disse April.

Riley não sabia que mais dizer. Pensou, é claro, em como a festa teria corrido, na comida deliciosa que Gabriela teria preparado, nos presentes que Gabriela e April tinham oferecido a Jilly.

Mas de que é que valia pensar nisso agora?

Estava tudo estragado e era culpa de Riley.

April perguntou, “Regressas em breve?”

Riley engoliu em seco. Gostava de poder estar em casa naquele preciso momento, tentando endireitar as coisas.

“Não sei April,” Disse ela. “O caso não está a começar muito bem.”

“Ok, mãe. Eu compreendo.”

“Diz à Jilly que a amo,” Disse Riley. “E também te amo a tir.”

“Amo-te mãe,” Disse April.

A chamada terminou e Riley sentiu-se desamparada. Tentava a todo o custo encontrar desculpas para os seus atos. Era terrível com datas, disse a si própria. Era demasiado orientada para o panorama geral para se lembrar de pormenores de calendário. Na verdade, nunca se lembrava do seu próprio aniversário. Eram sempre April e Gabriela que tinham que a lembrar.

Mas não valia a pena tentar racionalizar.

Cometera pura e simplesmente um erro terrível.

Ouviu a voz de Bill atrás dela, “O que é que aconteceu?”

Riley virou-se e viu que Bill e Jenn tinham estado por perto durante todo o telefonema. Deviam ter pensado, pelo menos nos primeiros instantes, que a chamada estaria relacionada com o caso.

“Esqueci-me do aniversário da Jilly,” Disse Riley. “A família deu uma festa esta noite. A Jilly ficou devastada.”

“Estavas num caso,” Disse Jenn. “Não podias estar presente.”

Riley sabia que Jenn não podia compreender a gravidade da situação. Não tinha filhos – e talvez nunca viesse a ter. E a Jilly era mais frágil do que a maioria dos adolescentes.

Mas Bill reagiu de forma diferente. Sentou-se na cama e deu uma palmadinha na mão de Riley.

“Sei como é que te sentes,” Disse ele. “Também me aconteceu muitas vezes com os meus filhos.”

Riley abanou a cabeça.

“Não assim, aposto. Fiz o mesmo com a April em agosto último. Mas isto é muito pior. Este é o primeiro aniversário da Jilly com a família. E agora está estragado – tudo por minha culpa.”

Segiu-se um silêncio.

“Quem me dera lá estar neste momento,” Disse Riley.

“Devias estar,” Disse Bill. “Na verdade, devias ir para lá agora mesmo.”

Riley olhou o parceiro nos olhos.

“O que é que queres dizer?” Perguntou. “Estou num caso. Não posso ir a lado nenhum.”

Jenn falou.

“O avião do FBI ainda está no aeroporto aqui em Chicago. Podemos levar-te até lá e podes ir para casa.”

Riley ficou alarmada.

Disse, “Não posso simplesmente dizer que tenho que regressar a casa porque me esqueci do aniversário da minha filha.”

Jenn sorriu.

“Nós pensamos em qualquer coisa para dizer,” Disse ela.

Riley gaguejou,”Mas... mas... “

Bill deu-lhe outra palmadinha na mão.

“A Jenn tem razão,” Disse ele. “Tu e a Jenn ajudaram-me quando eu não estava bem. E tu ajudaste-a quando esteve ausente. Penso que agora é a tua vez. Eu e a Jenn aguentamos as coisas por aqui. E encobrimos-te. Vamos embora.”

Riley sentiu-se inundada por uma estranha mistura de culpa e gratidão.

Levantou-se da cama e disse, “Vou buscar a mala ao quarto.”

Naquele momento, o telefone tocou outra vez. Riley viu que a chamada era de Bull Cullen.

Quando ela atendeu, Cullen disse...

“Temos outro corpo.”


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


Riley ficou estupefacta com o que Cullen acabara de dizer e começou a andar de um lado para o outro do quarto com o telemóvel na mão. Colocou a chamada em alta voz para que os colegas pudessem ouvir.

“Onde é que aconteceu desta vez?” Perguntou a Bull Cullen.

“À saída de Caruthers, uma pequena cidade na parte oeste do estado.”

Riley olhou para os colegas e pressentiu que pensavam o mesmo que ela estava a pensar.

O assassino move-se para ocidente.

Começou em Indiana e os dois últimos tinham ocorrido a alguma distância um do outro no Illinois.

Ela perguntou, “Uma cidade numa linha fora de Chicago?”

“Sim, mais uma linha com muitos passageiros,” Disse Cullen. “Ela chamava-se Sally Diehl e foi morta como as outras, amarrada com fita adesiva aoa carris a pouca distância da cidade, morta por um comboio de carga.”

“Então o MO foi o mesmo?” Perguntou Riley.

“Sim, mas com uma diferença importante. O seu próprio carro foi encontrado estacionado na estrada ao lado da linha. Ou chegou até ali sozinha ou o assassino a levou no seu próprio carro.”

Riley pensava que a última opção era mais provável. Riley já estava a tentar reconstruir o cenário possível do sucedido.

Perguntou, “Quem se encontra na cena do crime neste momento?”

“A polícia local foi para lá assim que soube pela tripulação do comboio. Falei com o chefe da polícia, Tanya Buchanan. Ela pensa que o assassino ainda pode estar na área, por isso está a trabalhar com rapidez. Ela diz que já tem estradas bloqueadas. Não deve conseguir fugir desta vez.”

Cullen riu-se e acrescentou, “Tanya parece ser um docinho bem esperto.”

Jenn soltou um grunhido audível e Riley partilhou a sua repugnância.

Tanya?

Um docinho bem esperto?

Riley tinha a certeza de que Cullen não trataria um chefe de polícia do sexo masculino pelo primeiro nome daquela forma e muito menos o apelidaria de “docinho esperto”.

Cullen prosseguiu, “Dei ordens ao meu pessoal para se deslocar a Caruthers e o Agente Especial Responsável Dillard enviou pessoal do FBI. Estão todos a caminho. Mas nós podemos chegar lá mais rapidamente. A cidade tem um aeroporto, suficientemente grande para aterrar um avião. Preciso que façam uma chamada e que se certifiquem que está pronto a levantar voo. Eu apanho-vos e vamos para lá de avião.”

“Quanto tempo demora até chegar?” Perguntou Riley.

Cullen riu-se novamente.

“Mais cedo do que possam pensar,” Disse ele, terminando a chamada.

Nem um segundo mais tarde, alguém bateu à porta.

Jenn revirou os olhos e disse, “Oh meu Deus – alguém abra aquela porta.”

Riley abriu a porta.

E lá estava Bull Cullen ainda a segurar no telemóvel. Estava a sorrir – apesar de o seu rosto ter ficado de imediato sério quando se apercebeu que era Riley que o cumprimentava.

Cullen soubera do homicídio, foi logo para o hotel e descobriu o número do quarto de Jennna receção. Fizera a chamada a caminho do quarto.

Sem dúvida que Cullen esperara surpreender Jenn sozinha – mais uma proeza imatura da sua parte. Felizmente que lá se encontravam os três agentes reunidos.

Jenn parecia evidentemente furiosa.

Riley disse a Cullen, “Eu e o Agente Jeffreys temos que ir buscar as nossas malas.”

Jenn já tinha a sua mala à mão e saiu disparada pela porta com Cullen atrás de si.

Ao sair do quarto, Riley entrou em contacto com o piloto dizendo-lhe para ter o avião pronto para eles.


*


Um pouco mais tarde, Riley, os dois colegas e Bull Cullen já estavam a bordo do avião do FBI a caminho de Caruthers. Jenn conseguira sentar-se ao lado de Riley para não estar perto de Culllen.

Cullen sentara-se ao lado de Bill de frente para as duas mulheres. Não se preocupou em esconder o seu interesse por Jenn.

Aquilo exasperava Riley. A última coisa de que precisvam era de um tipo com uma mente adolescente neste caso. Ela esperava que Jenn conseguisse conter a sua irritação, pelo menos até terminarem o caso.

O voo foi curto. O avião mal atingiu altitude de cruzeiro antes de começar a descer na direção do aeroporto de Caruthers. Quando aterraram, foram saudados na pista por dois polícias locais que os transportaram com sirenes e luzes a cintilar.

Ao aproximarem-se da cena do crime, Riley pode ver que a polícia local tinha feito um bom trabalho na delimitação da área. Os jornalistas já lá estavam, mas não conseguiam passar os bloqueios de estrada. Ainda assim, Riley interrogou-se – será que as barreiras foram colocadas com suficiente rapidez para impedir que o assassino fugisse?

Talvez, Pensou. Mas suspeitava que ele era demasiado astucioso para cair no engodo. O mais certo era ter-se ido embora mal amarrou a mulher.

O veículo da polícia passou as barreiras e parou atrás de um carro estacionado à beira da estrada – o veículo da vítima, percebeu Riley. Estava escuro e ela conseguia ver luzes em movimento por perto. Pareciam pirilampos gigantes.

Lanternas, Percebeu Riley.

Alguns dos polícias locais já lá estavam reunidos, mas as lanternas eram a única iluminação disponível. Riley pegou na sua própria lanterna e viu que Bill e Jenn faziam o mesmo.

Enquanto caminhavam na direção da cena do crime, as luzes em movimento revelaram vários investigadores na área. O espetáculo do corpo decapitado sob as luzes que brilhavam na escuridão era verdadeiramente surreal.

Uma mulher robusta de uniforme veio ao seu encontro.

Disse, “Sou Tanya Buchanan, chefe da polícia aqui em Caruthers. Presumo que tenham chegado de Chicago.”

Riley e os outros apresentaram-se. A chefe Buchanan incidiu a sua lantena sobre o corpo e abanou a cabeça.

“Nunca pensei ver uma coisa assim,” Disse ela. “É claro que tinha ouvido falar nos outros crimes, mas ainda assim nunca imaginei...”

A voz da mulher apagou-se.

Então apontou para os carris da linha de caminho-de-ferro.

“O comboio parou a cerca de dois quilómetros de distância. O maquinista ligou-nos assim que ele e o engenheiro conseguiram parar. Pobres homens, estão mesmo mal. Já estão num motel. Um psiquiatra dos caminhos-de-ferro é suposto chegar o quanto antes para os ajudar nesta situação.”

Riley esperava que a chefe Buchanan tivesse razão. Apesar de Jenn ter ajudado o engenheiro do crime de Barnwell de forma delicada e sensível, eles não estavam ali para oferecer terapia. Estavam ali para resolver um crime. E o espaço de tempo entre estas mortes terríveis parecia estar a encurtar.

Tinham passado quatro dias entre o primeiro homicídio e o segundo. Mas desta vez o monstro apenas tinha esperado um dia para cometer outro crime. O que quer que o motivasse, estava a tornar-se mais forte.

Isso queria dizer que não tinham tempo para distrações de qualquer espécie.

A primeira coisa em que Riley reparou foi na curva igual à cena do crime em Barnwell. O assassino escolhera o local cuidadosamente, sabendo que o engenheiro não veria a mulher até ser tarde demais para parar.

Riley ajoelhou-se ao lado do corpo e estudou-o com a lanterna. O cadáver sem cabeça estava contorcido, semelhante ao corpo de Reese Fisher. Tal como Reese, esta mulher estivera consciente nos últimos momentos da sua vida, tentando deseperando libertar-se.

Riley virou a lanterna na direção da cabeça que rolara para o aterro. Riley sentiu um arrepio quando se apercebeu que os olhos aterrorizados da mulher pareciam olhar diretamente para os seus.

De imediato notou a semelhança com as outras duas mulheres – o mesmo rosto magro, nariz longo e cabelo castanho encaracolado.

O assassino está obcecado com um tipo físico, não há dúvida, Pensou.

Ouviu Jenn a perguntar-lhe, “O que pensas do carro?”

Riley iluminou o carro estacionado.

Desde que Bull Cullen mencionara que o carro da mulher fora encontrado na cena que se estava a formar um cenário na sua mente.

Riley foi até ao carro seguida de Bill, Jenn, Cullen e a chefe Buchanan. Riley viu que a porta do passageiro e a porta do condutor ainda se encontravam abertas.

Sentiu uma alteração no seu foco mental quando começou a obter uma sensação dos pensamentos a ações do assassino.

Movimentou-se lentamente à volta do carro, dizendo aos outros aquilo em que pensava.

“O seu carro estava estacionado noutro lugar há pouco tempo – um lugar onde estacionava com frequência. O assassino sabia exatamente onde encontrá-lo e quando é que ela o iria buscar. Sabia que não era provável haver muitas pessoas por perto. Ficou à espera dela perto do carro.”

Colocou-se ao lado da porta do condutor e disse...

“Ela tirou as chaves e abriu a porta. Naquele momento, tudo corria bem para o assassino. Ninguém estava a ver. Subjugou-a, depois injetou-lhe flunitrazepam. Quando ela perdeu a consciência, ele não teve qualquer dificuldade em colocá-la no banco do passageiro.”

Riley debruçou-se sobre o lugar do condutor. Tocou ligeiramente no volante. “Então trouxe-a diretamente para aqui. Saiu, dirigiu-se ao lado do passageiro, tirou a mulher do carro e levou-a até aos carris. Amarrou-a aos carris, tal como fez com as outras. Depois ele... “

Riley fez uma pausa.

Depois ele o quê? Questionou-se.

Não usara o carro da mulher como veículo de fuga. Será que isso queria dizer que ele tinha o seu próprio carro estacionado por perto? Ou fugiu a pé?

A ligação de Riley com o assassino desapareceu de repente.

Suspirou. A sensação tinha sido demasiado fugaz.

Será que os seus instintos ficariam tão limitados neste caso?

Disse aos outros, “Uma equipa forense tem que vasculhar o carro à procura de ADN.”

Não que adiante de muito, Pensou.

Ela não fazia ideia de quantas pessoas tinham utilizado o carro de Sally Diehl. E ela tinha a certeza de que o assassino não era um idiota – teria usado luvas, por isso não haveria ADN dele no volante.

Afastou-se do carro e perguntou à chefe Buchanan, “O que me pode dizer sobre Sally Diehl?”

A mulher de uniforme coçou a cabeça.

“Bem, Sally vivia aqui em Caruthers há dois ou três anos. Era professora. Era solteira – divorciada, penso. Sim, creio que ela me disse que se divorciara antes de mudar para cá. Não sei onde é que o ex-marido morará. Não tem família aqui na cidade.”

“E amigos?” Perguntou Riley.

Buchanan sorriu tristemente.

“Oh, ela tinha amigos. Eu incluída. Ela era uma pessoa querida e encantadora. Toda a gente gostava dela. Por isso é tão difícil imaginar.... “

A voz da chefe de polícia desvaneceu-se outra vez.

Riley perguntou, “Faz ideia onde estaria ou o que estaria a fazer hoje antes disto acontecer?”

Buchanan penou durante um momento.

“Bem, é domingo, por isso não estava na escola. Não sei onde estaria. Mas outra pessoa pode saber. Vou pedir à minha equipa para falar com pessoas pela cidade que a conheciam e que poderão saber onde é que ela esteve.”

A cabeça de Riley começou a preencher-se com perguntas por responder. Ela sabia a pergunta que queria colocar em primeiro lugar.

“Ela viajava para Chicago às vezes?”

A chefe Buchanan inclinou a cabeça.

“Por acaso, viajava. Penso que tinha lá um irmão e visitava-o de tempos a tempos. Tenho a impressão que era uma pessoa com problemas.”

“Passou hoje por Caruthers um comboio vindo de Chicago?” Perguntou Riley.

“Sim,”Disse a chefe Buchanan. “Cerca de uma hora antes disto suceder.”

Riley olhou para Bill e Jenn.

Jenn anuiu e disse aquilo em que Riley estava a pensar. “As outras duas vítimas encontravam-se em comboios vindos de Chicago pouco antes de serem mortas.”

Bill disse, “Talvez Sally Diehl estivesse nesse comboio.”

“Temos que descobrir,” Disse Riley. “Se estava, temos que descobrir pessoas que a possam ter visto ou falado com ela. Ainda não sabemos se o assassino também estaria no comboio, mas não podemos descartar a possibilidade.”

Nessa altura Riley ouviu sirenes e viu luzes de vários carros oficiais que se aproximavam do local. Lembrou-se de Bull Cullen dizer que pedira ao seu pessoal e aos agentes do FBI de Chicago para se dirigirem ao local.

Chegaram num instante, Pensou Riley.

Numa questão de segundos, um enxame de polícias saiu dos veículos. Liderados pelo chefe do gabinete de Chicago Proctor Dillard, o pessoal do FBI ligou um gerador elétrico para iluminar o corpo.

Quando as luzes se ligaram, a já surreal cena do crime tornou-se ainda mais estranha. O brilho das luzes era tão intenso como a luz solar, fazendo com que o lugar se parecesse com um cenário de filme.

Mas esta cena era demasiado real.

Riley, Jenn e Bill ajudaram o chefe Dillard a organizar o pessoal acabado de chegar, atribuindo-lhes tarefas diferentes.

Dali a nada, Riley reparou num homem mais velho e alto. Olhava para a cena do crime com um misto de horror e intenso interesse, tirando notas num bloco.

Onde é que já vi este homem? Perguntou-se.

Então lembrou-se.

Era Mason Eggers, o polícia dos caminhos-de-ferro reformado que chamara a atenção de Riley na reunião em Chicago.

Também se lembrava do que ele dissera antes da sua saída abrupta.

“Estou só a testar uma teoria.”

Riley dirigiu-se a ele.

Chegara a altura de descobrir o que é que ele pensava.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Quando Riley caminhou na direção de Mason Eggers, lembrou-se de algo que Cullen dissera a seu respeito na reunião...

“Aparece sempre por aqui quando há um caso novo.”

Ela calculou que Eggers tivesse ido para lá assim que soubera das notícias ou que tivesse apanhado boleia com a polícia dos caminhos-de-ferro.

Cullen também dissera...

“Tem sempre ideias e teorias.”

Era isso que deixava Riley intrigada a seu respeito e ela queria saber o que ele pensava. Mason Eggers parecia estar perdido nos seus pensamentos quando Riley se aproximou.

“Olá Sr. Eggers,” Disse ela.

Ele levantou os olhos das suas notas, alarmado.

“Agente Paige,” Disse ele.

Olhou para o corpo e estremeceu.

“É tão horrível,” Disse ele. “Vi fotos das outras duas vítimas. Mas estar aqui, ver tudo isto... “

A sua voz apagou-se durante um momento.

Depois acrescentou, “Nos meus tempos, os polícia dos caminhos-de-ferro não tinham que lidar com este tipo de coisa intencional. Em que mundo vivemos nós?”

Encolheu os ombros e disse, “Mas você é do FBI. Calculo que esteja habituada a este tipo de coisa.”

Nunca nos habituamos, Quase respondeu Riley.

Mas em vez disso afirmou, “Em Chicago disse que estava a trabalhar numa teoria.”

Olhando para o seu bloco de notas, ele disse, “Não é grande coisa. Tenho a certeza de que também já terá pensado nisso. E pode não significar nada. Mas agora que temos três vítimas, já deve ter reparado num ou dois padrões.”

Riley anuiu e disse, “Para começar, o assassino está a mover-se para oeste. Isso pode ser ou não uma tendência efetiva.”

Eggers disse, “Sim, e estou certo que também reparou nos nomes das cidades.”

Riley apercebeu-se que não tivera tempo para pensar nisso. Vieram-lhe os nomes à cabeça...

Allardt... Barnwell... Caruthers...

É claro! Pensou ela.

Com certeza que ela e os colegas teriam reparado naquilo em breve. Mas este polícia dos caminhos-de-ferro reformado tinha sido o primeiro.

Ela disse, “Começam com as primeiras três letras do alfabeto.”

“Exatamente,” Disse Eggers. “A ideia começou a surgir-me quando ouvi os primeiros dois nomes. Não sei porquê, dois nomes não era grande coisa. É que... bem, já teve um palpite daqueles bem fortes?”

Riley quase sorriu.

Palpites inexplicáveis eram praticamente a sua especialidade na UAC.

Eggers disse, “Quais as probabilidades do nome da cidade começar por um D da próxima vez?”

“Da próxima vez,” Pensou Riley com um arrepio.

Espero bem que não haja uma próxima vez.

Disse, “Ainda não podemos ter a certeza que esse padrão alfabético não seja uma coincidência. Mesmo que tivéssemos a certeza, como podíamos saber que cidade começada por D devíamos procurar?”

“Percebo o que quer dizer,” Disse Eggers. “Estamos a falar de cidades a oeste daqui. Conheço os caminhos-de-ferro desta região como a palma das minhas mãos. Lembro-me de algumas cidades de cabeça. E se for só uma concidência, seria uma perda de tempo tentar verificar todas.”

Olhou para o seu bloco de notas durante um momento.

Riu amargamente e acrescentou, “Já deve ter ouvido dizer que sou um velho chato cujos melhores dias ficaram para trás. Bem, não ouviu nehuma mentira. E mesmo nos meus melhores dias, nunca lidei com nada como isto. Esqueça que o mencionei, ok? É apenas uma ideia.”

Riley permaneceu interessada quando ele se começou a afastar.

“Espere um pouco,” Chamou-o Riley.

Ele parou e virou-se para ela.

Ela disse, “Tem outra ideia, não tem? Para além do padr~ºao alfabético.”

Ele abanou a cabeça.

“Ainda não a percebi muito bem,” Disse ele. “Estaria apenas a fazê-la perder o seu tempo.”

“Conte-me,” Disse Riley.

Eggers parecia relutante, mas dirigiu-se a Riley, apontando para o seu bloco de notas.

Quando abria a boca para começar a falar, ouviu-se um grito estridente.

“Ei! Sua cabra maluca! O que é que se passa consigo?”

Reconheceu a voz de imediato.

Era Bull Cullen.

Riley virou-se e viu que as luzes mostravam uma cena verdadeiramente bizarra.

Junto ao corpo, Jenn e Bull Cullen estavam a lutar um com o outro enquanto os outros olhavam com surpresa para a cena. Cullen era mais alto e mais pesado do que Jenn, mas ela não se deixava dominar.

Bill estava próximo, a ver tudo, mas indeciso se deveria interferir.

“Ei!” Gritou Riley, dirigindo-se aos dois.

Cullen conseguiu libertar-se e atirou Jenn para os carris. Mas levantou-se de imediato, afastando-se dele.

“Nem penses nisso, cretino!” Disse ela.

Mas Cullen ignorou o seu aviso. Levantou o punho e investiu contra ela. Jenn afastou-se do golpe facilmente e bateu-lhe no rosto. Cullen ficou maltratado.

“Ow! Partiste-me o nariz, sua cabra maluca!”

Riley colocou-se entre Jenn e Cullen.

Gritou, “Acabou!”

Cullen mexia no nariz ensanguentado. Não parecia muito ansioso em retomar a luta. Dirigindo-se às testemunhas disse, “Todos viram, certo? Ela atacou-me! Sem qualquer razão!”

Riley agarrou Jenn pelos ombros.

Perguntou, “Que raio foi aquilo?”

Jenn apontou para Cullen furiosamente.

“Ele tocou-me! O sacana tocou-me!”

Riley disse, “O que queres dizer com tocou-te?”

A jovem agente Afro-Americana estava a tremer, aparentemente demasiado furiosa para falar.

Entretanto, a chefe Tanya Buchanan quase parecia estar a desfrutar a situação. Foi ter com Bull Cullen e segurou-lhe no rosto com as suas mãos grandes e fortes.

“Deixe-me ver isso,” Disse ela.

“Ela partiu-me o nariz!” Disse Cullen.

“Na, não está partido,” Disse a chefe, examinando o nariz ensanguentado e falando como se para uma criança. “Agora deve doer, coitadinho. Temos que por gelo nisso. Venha, vamos até à minha carrinha. Tenho lá um kit de primeiros-socorros, vou tratar de si. E posso mandar alguém ir buscar gelo à cidade.”

Completamente humilhado, Cullen foi com a chefe Buchanan.

A chefe Buchanan disse a Riley, “Eu vi tudo. A sua agente ajoelhou-se junto ao corpo observando-o bem de perto quando aquele palhaço se debruçou ao lado dela e lhe colocou a mão nas costas.”

Bill acrescentou, “Não de uma forma inocente, disso tenho a certeza.”

Riley percebeu que Bill estava divertido com a forma como o confronto terminara.

Riley estava estarrecida com a estupidez de Cullen. Em que é que estava a pensar ao atirar-se a uma agente quando esta está a examinar um corpo?

E será que ainda não sabia nada sobre a personalidade de Jenn?

Viu Cullen a segurar num lenço contra o nariz ferido.

Riley foi ter com Jenn que estava rígida de braços cruzados.

Jenn disse, “Sei o que é que vais dizer – temos que trabalhar com ele. Lamento.”

“Não, não lamentas,” Disse Riley.

A verdade era que Riley não via razão para Jenn lamentar o que quer que fosse.

“Ok, tens razão,” Disse Jenn. “Não lamento. Mas não volta a acontecer.”

Riley olhou para Cullen que estava agora sentado no chão claramente envergonhado.

Tentanto não rir, Riley disse a Jenn, “Não, tenho a certeza que não. Ele incomodou-te pela última vez. Penso que podemos todos contar com isso.”

Dando uma palmadinha no ombro de Jenn, acrescentou, “Agora concentra-te outra vez no caso.”

Jenn anuiu.

“É o que farei,” Disse ela.

Riley rapidamente lembrou-se da sua conversa interrompida com Mason Eggers. Olhou para o local onde tinham estado a conversar, mas ele já não estava lá. Olhou à sua volta e não o detetou em lado nenhum. Parecia ter desaparecido.

Riley suspirou, lembrando-se do que Eggers dissera de si próprio...

“... um velho chato cujos dias melhores ficaram para trás.”

Parecia não ser muito autoconfiante. E não admirava, tendo em consideração a forma como Cullen o tratara na reunião.

Riley revoltou-se ao lembrar-se das palavras de Cullen...

“Quer partilhar alguma ideia connosco, avô?”

Riley não estava surpreendida por ele se ter ido embora.

Mas queria que ele tivesse ficado. Não sabia ao certo porque é que estava tão curiosa em relação às suas teorias. Mas ela não tinha nenhuma naquele momento. E tinha um palpite de que Eggers tinha mais perspetivas importantes do que qualquer outra pessoa.

Nessa altura, um dos polícias locais dirigiu-se à chefe Buchanan.

“Ei, chefe! Venha até aqui! Podemos ter uma pista!”


CAPÍTULO VINTE E CINCO


Riley virou-se rapidamente ao som da voz.

Um progresso no caso? Questionou-se.

O polícia que gritara estava ao lado da barreira entre os jornalistas. A seu lado estava uma mulher de meia-idade que esfregava as mãos ansiosamente.

A chefe Buchanan disse a Riley, “Aquela é Ila Lawrence. O filho Axel é um dos meus polícias. Ela é um pouco aborrecida, mas não vinha até cá se não pensasse saber alguma coisa. Vamos ver.”

Enquanto Riley caminhava ao laldo da chefe Buchanan em direção à barreira, o polícia acompanhou Ila Lawrence para o interior da área bloqueada.

“É verdade?” Perguntou a mulher quando se aproximaram dela.

“O que é que é verdade?” Perguntou a chefe Buchanan.

“Que a Sally Diehl foi morta aqui? Foi o que o Axel me disse ao telefone. Por isso cá vim.”

A chefe Buchanan olhou de forma estranha para Riley. Riley compreendeu. A chefe estava envergonhada que um dos seus polícias tivesse mencionado informação da cena do crime à mãe.

A chefe Buchanan disse, “Ila, preferia não falar nisso agora.”

Os olhos de Ila abriram-se muito.

“Era a Sally! Tenho a certeza que era! Avisei-a para se afastar daquelas pessoas!”

Riley ficou mais atenta.

Perguntou, “De que pessoas está a falar?”

“Vagabundos. Sem-abrigo. Eles andam pela estação a pedir esmola. São escorraçados, mas acabam por aparecer novamente. Não incomodam e a maioria das pessoas mantêm-se longe deles. Mas a Sally estava sempre a dar-lhes dinheiro – e pior, falava com eles.”

Ila abanou a cabeça.

Disse, “Aquela mulher era demasiado amigável para o seu próprio bem. Mas eu pensava – de que falava com eles? Quero dizer. O que é que ela tinha em comum com eles? Ela era professora, por amor de Deus! Preocupava-me que pudesse estar envolvida em qualquer coisa perigosa – drogas ou algo pior. Bem, devia ter razão. Fosse o que fosse, matou-a. Eu sabia que esses vagabundos eram perigosos!”

A chefe Buchanan batia o pé com alguma irritação.

“Ila, obrigada por passares por cá,” Disse ela, obviamente a tentar ser educada. “Teremos em mente aquilo que disseste. Temos que voltar ao trabalho. Entretanto, preferia que não falasses com ninguém sobre isto.”

A chefe Buchanan virou as costas e a mulher pareceu alarmada por ser dispensada de forma tão abrupta. Quando Riley e a chefe regressaram à cena do crime, a chefe disse a um dos seus homens.

“Lawrence! Vem cá imediatamente!”
O jovem polícia dirigiu-se a ela, parecendo apreensivo.

A chefe Buchanan disse-lhe num tom irritado, “Ligaste à tua mãe e contaste-lhe o que tinha acontecido?”

O polícia gaguejou, “B-bem, não, na verdade ela é que me ligou, só para falar, como geralmente faz à noite. Quando lhe disse onde é que estava e o que estava a fazer, acho que... “

“Oh, eu sei o que é que fizeste,” Interrompeu-o a chefe Buchanan. “Disseste-lhe o nome da vítima. O que é que se passa contigo, Lawrence? Sabes que não é suposto fazermos isso.”

O jovem polícia baixou a cabeça.

“Peço desculpa minha senhora. É só porque, sabe, nunca acontece nada do género por aqui e não parei para pensar no que estava a dizer e... “

Fez uma pausa e acrescentou, “Não volta a acontecer minha senhora.”

“Podes crer que não volta a acontecer,” Disse a chefe. “E quando é que vais parar de me chamar ‘minha senhora’?”

“Peço desculpa... chefe,” Disse o polícia.

Quando se começava a afastar, a chefe chamou-o outra vez.

“Fica aqui um minuto. Talvez arranjemos forma de fazeres alguma coisa útil.”

O jovem polícia ficou calado e sossegado.

Riley perguntou à chefe, “De que vagabundos é que Ila estava a falar?”

“Oh, mudaram-se há pouco tempo para aqui, parecem ver em Caruthers uma espécie de estação de comboios de vagabundos. São uma chatice. É mais difícil enxotá-los do que um enxame de moscas da carcaça de uma vaca. Tal como Ila disse, andam a pedir esmola na estação sempre que podem. Também vi a Sally a falar com eles e a dar-lhes dinheiro. Disse-lhe para parar mas ela não me ouviu. A Sally era assim – sempre interessada nas outras pessoas, não importava quem. Não era uma pessoa que discrimasse os outros.”

“Onde é que estão agora?” Perguntou Riley.

A chefe Buchanan olhou para Riley com uma expressão de curiosidade.

Disse, “Com certeza que não pensa que esses vagabundos tiveram alguma coisa a ver com a morte da Sally.”

Riley pensou por um momento. Não parecia uma teoria provável.

Mas ainda assim...

“A Sally falava com eles,” Disse ela. “Neste momento, estou interessada em qualquer pessoa com quem ela possa ter falado. Talvez saibam algo que precisamos de saber. Gostava de os ver.”

A chefe Buchanan coçou o queixo.

“Bem, eles andam sempre de um lado para o outro, à procura de lugares diferentes para passar a noite. Os meus homens tentam afastá-los, mas acabam sempre por encontrar um sítio.”

A chefe Buchanan apontou para a linha do comboio.

“Da última vez que ouvi, estavam acampados naquela direção, num lugar onde as linhas passam por uma ravina. Estava a planear enviar alguns dos meus homens ao local até que... bem, até que isto aconteceu.”

Riley decidiu que tinha mesmo que falar com aqueles homens. Procurou Bill e Jenn, e encontrou-os a falar com o médico-legista que tinha chegado à cena do crime. Pretendiam ajudá-lo a examinar o corpo. Riley ficou contente por ver os dois a trabalharem bem juntos.

Não vale a pena incomodá-los com isto, Pensou.

Virou-se para o agente Lawrence e disse, “Conhece este lugar de que a chefe falou?”

Lawrence anuiu, parecendo enojado.

Riley disse à chefe Buchanan, “Vou pedir-lhe este homem emprestado por um bocado.”

“Faça favor,” Disse a chefe.

Riley e o polícia começaram a caminhar pela linha com as suas lanternas.

“Vagabundos,” Disse o polícia, demonstrando aborrecimento à medida que caminhavam. “Odeio vagabundos. E os que andam nos comboios de mercadorias são os piores. Os filhos da mãe. Espero que valha a pena – quero dizer, aproximarmo-nos deles. Depois vou ter que tomar um banho mais prolongado.”

Riley conteve um suspiro de impaciência.

O tipo não era definitivamente grande coisa como polícia - primeiro a comentar o homicídio com a mãe e agora com aquele discurso sobre um grupo de sem-abrigo.

Não vale a pena contar com ele para grande coisa, Pensou.

Tinham caminhado uma distância curta quando Riley reparou num brilho estranho mais à frente.

Lawrence disse, “É ali.”

Riley saiu dos carris e olhou para baixo. Podia ver um pequeno acampamento com uma fogueira. Cerca de oito homens sujos em sacos-cama improvisados estavam aninhados à volta da fogueira a conversar em surdina. Riley calculou que o fogo não estivesse ali para se aquecerem, não numa noite de verão como aquela. Tinha que ser para cozinhar e para iluminar.

Riley sabia que se ela e o polícia manifestassem a sua presença demasiado rapidamente, o mais provável era assustar os vagabundos.

Sussurrou para o polícia, “Vamos desligar as lanternas. Mantenha-se calado.”

Fazendo sinal para o jovem polícia a seguir, começou a descer a ravina. Já tinham quase chegado ao chão sem atrair a atenção dos sem-abrigo quando o polícia tropeçou e caiu.

“Merda!” Gritou.

Um dos sem-abrigo disse, “Quem está aí?”

“Relaxem,” Respondeu Riley. “Não estamos aqui para criar problemas.”

Ligou outra vez a lanterna e mostrou o distintivo.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI. Só quero falar um pouco om vocês.”

Vários dos sem-abrigo riram.

“O FBI!” Disse um.

“Caraças!” Disse outro. “Que raio quer de um bando de vagabundos como nós?”

Outro disse, “Isto tem alguma coisa a ver com o que se passa além? Temos ouvido sirenes há um bom bocado.”

O polícia disse, “Uma mulher foi assassinada. Atropelada por um comboio.”

Riley olhou de forma desaprovadora para o agente Lawrence. Queria ser ela a falar. Com a sua falta de habilidades de polícia básicas, com certeza que ia complicar tudo.

Ela disse, “O nome da vítima é Sally Diehl. Este nome é-vos familiar?”

Um murmúrio desconfortável fez-se ouvir.

Um disse, “Não a Sally simpática, espero. Não a Sally que vemos na estação de vez em quando.”

“Acredito que seja ela,” Disse Riley.

Vários dos homens lamentaram-se com tristeza.

“Isso é muito mau,” Disse um. “Quem quereria matar uma rapariga simpática como ela?”

Lawrence disse, “É o que queremos descobrir.”

Riley deu-lhe uma cotovelada, esperando que ele percebesse a mensagem e se calasse.

Ela começava a pensar que devia mesmo ter trazido a Jenn ou o Bill.

Entretanto, reparou que um dos homens estava sentado a uma curta distância dos outros, afastado de todos.

Porquê? Questionou-se.

O seu esforço para passar despercebido só o tornava mais visível.

Riley disse aos homens, “Sei que a Sally às vezes parava e falava com vocês.”

Seguiu-se um sussurro de concordância.

Riley disse, “Alguma vez vos falou de alguém que conhecera e que a preocupava? Num comboio, talvez, ou noutro lugar qualquer? Alguém que a pudesse ter assustado?”

“Não a Sally,” Disse um dos homens. “Ela não era do tipo de falar dos seus problemas.”

“É isso mesmo,” Disse outro. “Ela interessava-se por nós, ouvia as nossas histórias, ajudava com algum dinheiro de vez em quando.”

Lawrence avançou e disse, “Não escondam nada.Comecem a falar imediatamente. Posso muito bem levá-los a todos para a esquadra.”

Riley agarrou-o pelo ombro.

“Lawrence, páre com isso,” Disse ela.

Mas o estrago já estava feito. Ela pode sentir uma onda de ansiedade a tomar conta dos homens. Já não havia volta a dar.

“Não estamos aqui para criar problemas,” Dissera ela.

“Só queremos falar,” Dissera.

Já não acreditavam naquilo. Agora nunca obteria informação significativa deles.

Ao tentar pensar numa forma de os deixar confortáveis outra vez, viu um movimento na extremidade do grupo.

O homem que se isolara tinha-se levantado.

Estava a fugir!

“Pare imediatamente!” Gritou Lawrence.

O homem subia a encosta.

O agente Lawrence correu atrás dele.

Riley seguiu atrás. Mas de repente caiu no chão e a sua lanterna escapou-lhe das mãos.

Percebeu que alguém a tinha rasteirado.

Ao tentar levantar-se, uma bota pesada empurrou-a para o chão. Ela rolou e olhou para cima.

Riley percebeu que o grupo de homens tinha formado um círculo ameaçador à sua volta.


CAPÍTULO VINTE E SEIS


Riley movimentou-se lentamente para se levantar, atenta a qualquer possível ataque dos homens que a rodeavam. Não ficaria surpreendida se tentassem pontapeteá-la antes de se voltar a levantar.

Em vez disso, o círculo de homens recuou alguns passos.

O seu recuo não era por medo – não sentiu nada disso.

Apenas me querem dar a hipótese de lutar, Apercebeu-se.

Não era um pensamento encorajador. À luz fraca, aqueles homens pareciam agora maiores do que quando estavam à volta da pequena fogueira. Ela lembrou-se que uma grande percentagem dos sem-abrigo da atualidade eram ex reclusos. Seriam fortes e teriam aprendido a ser violentos nas prisões.

Ela rapidamente avaliou se devia sacar a sua arma.

Não, Pensou.

Isso não seria uma boa ideia – não num círculo de potenciais agressores. Um podia agarrá-la por trás, provocando a perda de controlo sobre a arma. Podia facilmente acabar morta.

Preocupou-se fugazmente com o agente Lawrence. O agressivo jovem polícia tinha desaparecido em perseguição do sem-abrigo que fugira.

Será que Lawrence tinha sacado a arma? Teria tido a consciência de não disprar sobre o homem que fugia?

Mas agora não tinha tempo para se preocupar com isso.

“Não quero sarilhos,” Disse Riley.

“Nós também não,” Disse o maior dos sem-abrigo. “É por isso que queremos saber – porque é que vocês estão atrás do nosso amigo Spider?”

“Não viémos aqui à procura de ninguém,” Disse Riley.

“Têm um mandado de detenção?” Perguntou outro sem-abrigo.

“Não. Só queremos falar.”

O homem maior soltou uma gargalhada sinistra.

“Falar!” Disse ele com um riso áspero. “Podemos fazer isso,” Disse ele. “Ou não. Ou talvez você e eu precisemos de comunicar antes.”

Riley ouviu um murmúrio dos outros no círculo, mas não percebeu se era de apoio ou protesto perante a atitude do homem grande.

Então ele disse aos outros, “Tater, apaga o fogo. Weasel, apanha a lanterna dela.”

“É para já, Dutch,” Disse um dos homens.

Os dois sem-abrigo a quem ele se dirigira seguiram as suas ordens rapidamente. Um despejou um copo de água na fogueira e depois atirou um cobertor para cima do fumo.

O outro homem pegou na lanterna de Riley e desligou-a.

De repente, a escuridão era total e apenas se ouvia o som de pés em movimento. Nenhuma luz ambiente penetrava naquela ravina profunda.

Riley sabia que Dutch ainda ali estava, algures à sua frente. O resto dos homens parecia ter recuado.

Dando-nos espaço, Percebeu.

Riley desacelerou a respiração deliberadamente e considerou a tática a adotar. Apesar de o sem-abrigo chamado Dutch ser muito maior e mais forte do que ela, sofria de excesso de confiança. O seu erro era estar determinado a lutar com ela um para um. Ela sabia que a escuridão não lhe dava nenhuma vantagem em particular. Ela já lutara na escuridão total anteriormente. Sabia o que fazer.

Riley começou a mover-se de forma aleatória – avançando ligeiramente para a frente, para trás, para os lados, baixando-se apesar de ainda não terem surgido quaisquer golpes.

Ela não conseguia ver onde estava o adversário, mas ele também não a conseguia ver. Ele conseguiria ouvi-la a mover-se, mas se continuasse a mexer-se, ele não poderia prever onde é que ela estaria no momento seguinte. E era provável que ele fizesse mais barulho do que ela.

Dali a pouco ela ouviu um passo pesado e uma corrente de ar vinda de um golpe que não acertou no alvo. Outro movimento rápido também falhou e ela ouviu-o a tropeçar a seu lado.

Riley sabia que dependia da sorte e de ser furtiva, e a sorte não duraria muito tempo. Mas talvez não tivesse que durar. O tamanho do homem significava que usava mais esforço e energia do que ela. Se ela conseguisse evitar os seus golpes o tempo suficiente para o cansar, ele tornar-se-ia menos perigoso.

Ela continuou a mover-se até que um passo atrás a fez tocar num corpo. Quase se esquecera – o círculo de homens ainda estava à sua volta. A pessoa em quem tropeçara empurrou-a para a frente na direção de Dutch.

Veio outro golpe e desta vez ela sentiu as suas articulações a roçar a sua bochecha.

Ouviu impropérios de frustração do homem. Então, durante um momento interminável, ela não soube exatamente onde é que ele estava.

Riley começou a ficar preocupada...

Está a cansar-se o suficiente?

Ela ficou quieta e ouviu um som que a satisfez.

Dutch respirava pesadamente agora.

Aquele som era tudo o que ela precisava para situar a posição da sua cabeça. Avançou o braço direito e deixou-o voar com o punho.

Sentiu uma dor aguda nas articulações que atingiu o pulso assim que o seu punho atingiu o crânio do homem.

Dutch soltou um grito de dor. Mas Riley sabia pela sua voz que ainda estava de pé.

Tentou não desanimar.

Havia uma clara desvantagem em lutar às cegas com que ela não contara.

Se ela conseguisse ver, conseguiria bater num ponto mais macio e mais vulnerável, como a garganta do agressor.

Agora iria ter que desferir mais do que um golpe para o deitar abaixo.

Dutch estava claramente em dificuldades. Ela ouviu com atenção, depois lançou outro murro – desta vez com o braço esquerdo.

Desta vez não ficou tão magoada como da primeira vez e podia ouvir e sentir algo a quebrar debaixo das suas articulações.

Dentes, Apercebeu-se.

Devia tê-lo atingido na parte lateral da boca. Ele lançava impropérios e uivava de dor.

A luta terminara.

Agora Riley sacara a sua arma. A mão doía-lhe e esperava não ter que disparar. Duvidava ter que fazê-lo, mas sabia que podia disprar com a mão esquerda fosse absolutamente necessário.

Dutch gritou, “Luz, raios! Preciso de luz.”

O sem-abrigo chamdo Weasel ligou a lanterna de Riley. Outro sem-abrigo tirou o cobertor da fogueira e deitou querosene nas brasas.

As chamas ergueram-se novamente.

A luz revelou Riley a apontar a sua arma a Dutch. Sangue escorria da boca do homem.

“Ninguém se mexa,” Disse. “Dutch, põe as mãos em cima da cabeça.”

Dutch parecia assustado.

“Ok, Ok,” Disse ele, obedecendo à ordem. Ao levantar as mãos, inclinou-se para a frente para cuspir alguns dentes partidos.

Apesar da dor na mão e pulso direitos, Riley conseguiu sorrir.

Ela disse, “Muito bem, vamos começar onde ficámos. Como eu disse, só vos quero fazer algumas perguntas. Sentem-se e fiquem confortáveis. Vamo-nos conhecer uns aos outros.”

Quando o grupo de homens recuou e começou a sentar-se novamente, Riley ouviu a voz do agente Lawrence. Falava ao telemóvel e regressava à ravina.

“Ok,” Dizia Lawrence. “Não o deixem escapar.”

Terminou a chamada e Riley perguntou, “E o tipo que fugiu?”

“Não o consegui apanhar,” Disse Lawrence.

Riley viu que tinha a arma embainhada.

Bem, ao menos não o matou, Pensou.

Lawrence prosseguiu, “Mas ele continuou a correr pela estrada ao lado da linha. Foi na direção da estação por isso liguei a um dos nossos e disse-lhe para levar uma equipa para o apanhar. Não deve ir muito longe.”

Lawrence parecia intrigado pela cena com que se deparou. Riley estava de arma em punho e um sem-abrigo estava muito maltratado.

Lawrence disse, “Huh – o que é que aconteceu aqui?”

Riley riu.

“Oh, nada de especial,” Disse ela. “Apenas nos estávamos a instalar para ter uma simpática conversa.”

Naquele momento, o telemóvel de Lawrence tocou. Quando atendeu a chamada ficou surpreendido.

“O quê? Estás a brincar?”

Ouviu durante alguns instantes, depois acrescentou, “Ok, vamos já para aí.”

Lawrence colocou o telemóvel no bolso e olhou para Riley.

“Apanharam-no,” Disse ele. “E veja só – tentava fugir num raio de um Mercedes!”


CAPÍTULO VINTE E SETE


Riley olhou para Lawrence ao embainhar a arma e arrancou a lanterna ao sem-abrigo que a tinha apanhado.

“Um Mercedes?” Perguntou. “De que é que está a falar?”

“Alguns dos nossos homens apanharam-no no parque de estacionamento da estação de comboios. É próximo daqui e ele deve ter ido logo para lá quando comecei a ir atrás dele. Estava a tentar fugir no Mercedes quando o apanharam.”

Riley abanou a mão para tentar amenizar a dor do soco que dera no rosto de Dutch. Ela sabia que devia colocar gelo, mas não havia disponível e tudo parecia mais importante do que aquilo naquele momento.

Os sem-abrigo que apenas há alguns momentos pareciam tão ameaçadores, agora estavam dóceis. Dutch, o que a tinha atacado, estava sentado no chão a lamentar-se. Um dos seus companheiros deu-lhe um pano razoavelmente limpo para limpar o sangue que tinha no rosto.

Riley decidiu que não valia a pena prender nenhum deles – nem sequer Dutch.

“Vocês têm um kit de primeiros-socorros?” Perguntou.

“Sim,” Disse Weasel. “Nós podemos tratar dele.”

“Venha daí,” Disse Riley ao agente Lawrence. “Vamos ver o que se está a passar.”

Riley e Lawrence deixaram os sem-abrigo e puseram-se a caminho. Quando saíram da ravina, um veículo já se aproximava. Quando parou ao lado deles, Riley viu que Bill e Jenn estavam lá dentro. Assim como Bull Cullen que se sentara em segurança longe de Jenn. O seu nariz estava inchado e vermelho, mas já não sangrava.

Riley e Lawrence entraram no carro. Seguiu-se um silêncio constrangido no grupo, mas demorou apenas alguns minutos até chegarem à estação de comboios. Isso explicava como é que o sem-abrigo lá chegara tão rapidamente.

O condutor levou-os até um parque de estacionamento próximo da estação, onde alguns polícias locais davam o seu melhor para manter os jornalistas longe do Mercedes. Riley e os outros saíram do carro e tiveram que passar por um grupo de jornalistas inquiridores até chegarem ao veículo.

Um carro patrulha estava parado em frente ao Mercedes, bloqueando a saída. Ao lado do carro, dois polícias segurava num homem algemado. Riley reconheceu-o como sendo o sem-abrigo que fugira – aquele que os outros chamavam de “Spider”.

Ao caminharem na sua direção, Jenn disse, “Pensas que será o nosso assassino?”

Riley pensou rapidamente e disse, “Penso que é possível. É um sem-abrigo que anda sempre de um lado para o outro. Talvez ele se movimente de um local de crime para outro em carruagens de mercadorias, depois detete as vítimas e as rapte. Talvez roube carros para facilitar no transporte das vítimas.”

Ela lembrava-se que o assassino usara o mesmo SUV com as duas primeiras vítimas, depois tinha-o queimado num campo. Parecia provável que o tivesse roubado. Afinal de contas, não havia dúvida que roubara o carro de Sally Diehl.

E agora, ali estava um sem-abrigo a tentar fugir num Mercedes.

Outro veículo roubado, Pensou. Pelo menos desta vez não tinha fugido com o carro. Mas será que isto queria dizer que já tinha raptado a próxima vítima?

Poderia uma mulher estar amarrada aos carris naquele preciso momento, indefesa antes que o próximo comboio passasse?

Não, não parecia encaixar – não se o objetivo de roubar os carros fosse transportar as vítimas para as cenas de crime. E tendo em consideração que aquele carro tinha sido deixado na secção de permanência prolongada do parque des estacionamento da estação, o mais provável era já lá estar há algum tempo – dias ou até semanas.

Dois polícias estavam a revirar o carro, por isso Riley foi ter com eles e perguntou, “Descobriram quem é o proprietário do carro?”

Um dos polícias entregou um cartão de registo a Riley.

Disse, “Pertence a alguém chamado Timothy Pollitt. Vive em Chicago.”

Riley suspirou de alívio.

Não é de uma mulher, Pensou.

O outro polícia segurava num bilhete. “Isto também estava lá dentro. O Sr. Pollitt tem o carro aqui há duas semanas.” Também ostrou um recibo. “Parece que pagou um mês adiantado. Deve ter ido de viagem.”

“E as chaves estavam debaixo do assento,” Disse o primeiro polícia. “Tudo o que alguém tinha que fazer era arrombar a porta. Se este tipo conseguisse conduzir o carro, o dono podia nem se aperceber que tinha desaparecido.”

“Sorte macaca,” Comentou o segundo polícia.

Riley apercebeu-se que quem quer que fosse Timothy Pollitt, não era com certeza a próxima vítima.

Mas o que é que este sem-abrigo estava a fazer, tentando fugir no carro caro de alguém? Não teria sido mais inteligente da sua parte escolher algo que desse menos nas vistas? Ou será que sabia que as chaves estavam lá dentro?

Ela perguntou ao polícia, “Revistaram o sem-abrigo para encontrar alguma identificação?

“Sim, não tem nada com ele – nem uma carteira. Só algumas contas e trocos.”

Outro veículo se aproximava vindo da cena do crime. Quando parou, a chefe Buchanan saiu. Também o chefe do FBI de Chicago Proctor Dillard saiu do carro, dirigindo-se a Riley e aos outros.

“Acabei de ouvir as notícias,” Disse ele. “Temos o nosso homem?”

“Ainda não sabemos,” Disse Riley, entregando o registo do carro a Dillard. “Mas temos que entrar em contacto com o dono deste carro. É provável que o tenha estacionado aqui, mas precisamos de saber se denunciou o seu roubo.”

“Vamos já tratar disso,” Disse Dillard.

Entretanto, Riley reparou que a polícia local estava a colocar o sem-abrigo num carro patrulha.

“Vamos lá,” Disse aos colegas. “Vamos segui-los até à esquadra.”


*


Um pouco mais tarde, Riley, Bill, Jenn e Cullen estavam de frente para o sem-abrigo algemado, sentado na sala de interrogatórios da esquadra. A pedido de Riley, um polícia dera-lhe um pequeno saco com gelo para a mão. Ela notou que Cullen não pediu um para o seu nariz.

Demasiado orgulhoso, Calculou. Ou demasiado envergonhado.

Riley estudou o sem-abrigo cuidadosamente agora que o podia ver melhor do que pudera na ravina.

Estava coberto de porcaria, usava roupas rasgadas e sapatos rotos. Cheirava mal, tinha barba e cabelo comprido.

Mas Riley ficou impressionada com o facto de lhe parecer diferente dos outros sem-abrigo que se encontravam na ravina. Era alto, mas tão forte e musculado como os outros. E algo nas suas maneiras parecia diferente. Riley ainda não conseguia perceber o quê.

O homem já solicitara um advogado. De acordo com a chefe Buchanan, já vinha a caminho.

“Como se chama?” Perguntou Cullen.

“Chamam-me Spider,” Respondeu o homem.

“O seu nome real,” Disse Cullen.

“Chamam-me Spider,” Repetiu o homem.

Olhou para Riley e para os colegas.

“Então de que é que se trata?” Perguntou ele.

“Isso é o que esperávamos que nos dissesse,” Disse Riley. “Em primeiro lugar, onde é que arranjou aquele carro janota?”

O homem sorriu. Apesar de os dentes não estarem limpos, Riley percebeu que eram direitos e saudáveis.

“Comprei-o,” Disse ele.

Bull Cullen soltou um riso sarcástico.

“Sim, claro,” Disse ele.

Riley olhou para Cullen com um olhar reprovador. Ela queria que ele mantivesse a boca fechada. Estava ansiosa por ouvir o que o homem tinha para dizer – quer estivesse a dizer a verdade ou a mentir.

Na verdade, ela calculou que valeria a pena encorajá-lo a mentir.

“Onde é que comprou o Mercedes?” Perguntou.

“Em Chicago,” Disse Spider.

“Então não o roubou?” Perguntou Riley.

“Porque é que faria uma coisa dessas?”

Riley disse, “Bem, não me parece o tipo de pessoa que seja proprietário de um Mercedes.”

“Posso surpreendê-la.”

Riley perguntou-lhe, “Porque é que fugiu de nós?”

“Tinha coisas para fazer, lugares para ir.”

Riu-se e acrescentou, “Sou um homem muito ocupado.”

O seu sorriso apagou-se e um olhar de ansiedade atravessou-lhe o rosto.

“Ainda não me disseram de que é que se trata. Não faço ideia. Disseram há pouco que uma mulher foi morta na linha. Não sei nada sobre isso. De certeza que tenho um álibi. Passei o dia a pedir esmola à volta da estação. Então juntei-me aos sem-abrigo debaixo da ponte. Esses senhores podem atestar o meu paradeiro.”

A forma como falava chamou a atenção de Riley...

“... passei o dia... sem-abrigo... atestar o meu paradeiro... senhores.”

Parecia um homem com educação.

Interrogou-se – deveria estar surpreendida? Não era possível que um vagabundo já tivesse tido uma vida normal?

De qualquer das formas, ela não estava interessada em verificar o álibi daquele homem com os outros. Eles pareciam considerá-lo como um deles e diriam qualquer coisa para o proteger.

Spider prosseguiu, “Ninguém disse que estou preso por um motivo. A não ser que pretendam acusar-me de alguma coisa, tal como roubar o meu próprio carro, quero sair daqui. Conheço os meus direitos. E ainda estou à espera do advogado.”

O homem estava a mostrar alguma inquietação e Riley pressentiu que ele estava genuinamente ansioso para ser solto.

Seria porque era culpado de homicídio? Ela não estava a conseguir decifrá-lo.

Bill perguntou, “Conhecia a vítima – Sally Diehl?”

“Conheciamo-nos. Todos nós a conhecíamos da estação.”

“Diga-nos o que sabia sobre ela,” Disse Bill.

“Era amigável,” Começou Spider, “Gostava de falar connosco...”

Enquanto Bill o mantinha a falar, Riley observou-o com mais atenção. Tinha as mãos sujas, mas as unhas estavam aparadas. Apesar do cabelo ser longo e desgrenhado, não era desigual.

Questinou-se...

Quem é este tipo?

Então lembrou-se do que ele dissera sobre o Mercedes.

“Comprei-o.”

E de repente, Riley percebeu quem é que aquele homem seria.


CAPÍTULO VINTE E OITO


Antes de Riley contar a alguém o que acabara de perceber, a porta abriu-se e entrou a chefe Buchanan e o chefe do FBI de Chicago Proctor Dillard.

Dillard disse a Riley e aos outros, “Não vão acreditar nisto.”

Riley pensou...

Tenho a certeza que vou.

Dillard continuou, “Tentámos entrar em contacto com o dono do carro, Timothy Pollitt. Descobrimos que é Professoer de Inglês no Fargate College em Chicago. E aqui está a sua foto.”

Dillard segurou o telemóvel para que Riley pudesse ver a foto.

O homem na foto estava a sorrir, limpo e tinha um aspeto respeitável.

Mas ainda assim, a semelhança era inegável, tal como ela esperava.

Riley olhou para o vagabundo e disse...

“Você é Timothy Pollitt.”

O homem olhou para ela e não disse nada.

“E há mais,” Disse Dillard. “Esteve casado e divorciou-se duas vezes, e ambas as ex-mulheres fizeram queixa de violência doméstica contra ele. Ambas disseram que receavam pelas suas vidas.”

A porta abriu-se novamente, outro homem entrou na sala e colocou a sua mala em cima da mesa.

Disse, “Sou Doug Lehman e sou o advogado deste homem. Não sei o que se está a passar nesta sala, mas o meu cliente não vai falar mais até termos conferenciado em privado.”

Pollitt abriu a boca para falar e Lehman apontou-lhe o dedo.

“Já disse, nem mais uma palavra! Quero que todos saiam daqui imediatamente.”

Riley e os outros saíram de forma relutante da sala de interrogatório.

Bill e Jenn pareceram verdadeiramente surpreendidos.

“Mas que raio?” Disse Jenn. “Então este tipo não é um vagabundo a sério?”

“Sim, eu sei,” Disse Bill. “Isto muda tudo.”

Mas Riley pensou...

Muda?

Nessa altura reparou num homem sentado num banco no corredor.

Era Mason Eggers, a estudar um quadro com um mapa.

Ela lembrava-se do que ele tinha dito sobre a sua teoria.

“Ainda não trabalhei nela.”

Riley interrogou-se se estaria a trabalhar nela naquele momento. Começava a ter a certeza de que iriam precisar de uma nova teoria.

Riley disse a Bill e Jenn, “Falem com Dillard. Descubram que mais é que ele sabe a respeiro de Timothy Pollitt. Depois vão à internet e vejam o que conseguem descobrir. Eu já vou ter com vocês.”

Enquanto Jenn e Bill se dirigiram para junto de Dillard, Riley foi até ao banco e sentou-se ao lado do homem que ergueu os olhos das suas notas para a encarar.

“O sem-abrigo é um suspeito?” Perguntou ele.

“Talvez,” Disse Riley. “Sei que isto vai parecer uma loucura...”

O homem slotou uma risada.

“Não me diga. Ele tem outra vida – para além de ser sem-abrigo.”

Riley olhou para Eggers.

“É Professor numa universidade de Chicago,” Disse ela. “Não estava a tentar roubar o Mercedes, é mesmo dele. Como é que sabia?”

Eggers disse, “Oh, percebi logo que lhe pus os olhos em cima. Lembre-se que fui polícia dos caminhos-de-ferro durante muitos anos. Conheço o tipo. ‘vagabundos de cenário’ é como lhes chama. São geralmente pessoas de sucesso com boas carreiras que entram nesse mundo como uma espécie de passatempo – um passatempo bastante perigoso, deixe-me acrescentar. Ouço dizer que há cada vez mais gente nessas condições.”

Eggers pensou durante um momento, então disse, “Um professor universitário, disse?”

“No Fargate College em Chicago,” Disse Riley.

“Bem, provavelmente tem férias no verºao. Calculo que faça isto todos os verões. As pessoas próximas dele poderão ter conhecimento. Ou talvez não. Pode não dizer nada aos amigos e à família.”

Riley disse, “Não tinha identificação com ele.”

Eggers inclinou a cabeça com interesse.

“Isso é bastante extremo. Deve mesmo gostar de se alhear completamente. Os vagabundos de cenário geralmente têm identificação e cartões de crédito, para o caso de se meterem numa alhada. Este tipo deve estar mesmo à procura de aventura, deve ser alguém que gosta de viver o perigo. Não ficaria surpreendido se ninguém tivesse conhecimento desta sua outra vida.”

Eggers acrescentou, “Não me parece que seja o nosso assassino. Este tipo de pessoa não é tipicamente violenta – ao contrário dos sem-abrigo verdadeiros que geralmente tiveram uma passagem pela prisão.”

Riley disse, “Ele tem um histórico de violência doméstica.”

Eggers encolheu os ombros e disse, “Bem, posso estar enganado. Não seria a primeira vez.”

Pareceu a Riley que duvidava das suas próprias palavras.

Por algum motivo, Riley também duvidava.

Eggers apontou para a mão de Riley. Ainda segurava gelo.

“Por falar em violência, parece que se meteu com alguém.”

Riley levantou o gelo e viu que o inchaço desaparecera. Mas ainda doía imenso.

Riley disse, “Sim, tive um pequeno desentimento com um dos seus amigos sem-abrigo.”

“Espero que o outro tipo tenha ficado mais maltratado.”

Riley lembrou-se do som dos dentes de Dutch a partirem-se.

“Parece-me que sim,” Disse ela com um meio sorrido.

Depois apontou para o mapa de Eggers e disse, “Mostre-me aquilo em que tem trabalhado.”

Ele apontou para locais que marcara com o lápis.

“Na cena do crime falámos sobre a ordem alfabética das cidades – Allardt, Barnwell, Caruthers. O problema era que não sabíamos se isso teria algum significado. E se tivesse, como conseguiríamos descobrir que cidade começada por D o assassino escolheria de seguida? Como chegar a alguma conclusão? Tudo o que sabíamos era que parecia que ele se movimentava para oeste. Mas veja aqui... “

Tirou um compasso do bolso. Riley ficou impressionada pela sua falta de habilidade tecnológica – com um mapa de papel, lápis e papel, e agora com um instrumento antiquado para desenhar círculos. Até ao momento não o vira a utilizar qualquer equipamento eletrónico.

Definitivamente velha escola, Pensou Riley.

Não era de estranhar que parecesse tão deslocado entre os polícias-de-caminho de ferro mais jovens. Ele era como uma relíquia de um outro tempo.

Colocou a ponta de aço do compasso no centro de Chicago. Abriu o instrumento para que o lápis chegasse à cidade de Allardt. Então dirigiu o compasso para oeste desenhando um arco à medida que avançava.

O arco intercetava na perfeição com as outras duas cidades – Barnwell e Caruthers.

Riley disse, “Um semicírculo.”

“É isso mesmo. As distâncias entre as cidades não são idênticas e parecem não ter nada em comum exceto os comboios de Chicago que passam por elas. Mas as três encontram-se praticamente à mesma distância de Chicago.”

Riley começou a ficar entusiasmada. Aquilo parecia ser mais do que uma simples coincidência.

“Mostre-me para onde vai o arco daqui,” Disse ela.

Eggers continuou a traçar – e o lápis acabou por pousar numa cidade cujo nome começava por D.

Eggers apontou para o local e disse, “Aqui fica Dermott, Wisconsin. Conheço a cidade do tempo em que estava no ativo. Tal como as outras cidades, tem uma linha a atravessá-la – com comboios de Chicago.”

Riley já não conseguia conter a sua excitação.

Era sem dúvida uma teoria interessante – ou pelo menos o princípio de uma.

Eggers encolheu os ombros com tristeza.

“Talvez não seja nada,” Disse ele. “Este meu velho cérebro já não é o que era. É terrível como o corpo nos prega partidas. Mas o pior é já não conseguir pensar nas coisas com a rapidez com que o fazia antigamente. E agora... “

A sua voz desvaneceu-se, mas Riley sabia o que ele não dissera.

Outra mulher morreu.

Eggers disse, “Talvez todos tenham razão a meu respeito. Talvez me devesse dedicar à pesca ou algo assim.”

Nem pense nisso, Queria Riley dizer.

Em vez disso disse, “Vamos lá, vamos partilhar esta teoria com a equipa.”

Quando Riley e Eggers se levantaram do banco, o chefe do FBI de Chicago Proctor Dillard surgiu no corredor acompanhado por Jenn e Bill, e alguns dos seus agentes.

“Para onde vão todos?” Perguntou Riley.

“Para casa,” Disse Dillard. “Ou pelo menos para um motel. Cullen diz que resolvemos o caso e que apanhámos o nosso homem, e já não precisa da ajuda do FBI. Por isso estamos despachados daqui – todos nós. Você também.”

Riley começou a protestar, mas depois calou-se. O FBI local não estava na disposição de considerar outras possibilidades e ela considerava que não tinha informações suficientes para impedir que partissem.

Limitou-se a ver Dillard e os seus agentes a passarem por ela e a saírem do edifício.

Riley virou-se para Jenn e Bill.

“Ainda não acabámos,” Anunciou ela.

Ambos olharam para ela com surpresa.

“Este homem tem uma teoria,” Disse-lhes indicando Eggers. “E eu acho que é boa.”

Jenn e Bill pareciam espantados.

Jenn disse, “De que é que estás a falar? O Pollitt parece-me mais do que suspeito.”

Riley não respondeu. Em silêncio, encaminhou os colegas e Eggers para a sala de interrogatório. Cullen estava no exterior a observar por um vidro o que se passava lá dentro. O advogado ainda estava sentado a falar com Pollitt.

Riley disse asperamente a Cullen, “Quero falar consigo.”

Cullen olhou para ela, surpreendido.

Riley disse, “Aqui o Sr. Eggers tem uma teoria.”

Cullen sorriu e olhou para Eggers.

“Tem mesmo, avô? Bem, parabéns. Mas está um pouco atrasado. Já apanhámos o nosso homem.”

Cullen olhou para Riley outra vez e disse, “Estava a falar com os seus colegas e com Dillard e pelo que me disseram, isto é um caso óbvio. Não só Timothy Pollitt tem um registo de violência doméstica, como desaparece todos os verões. Ninguém faz ideia para onde vai. O advogado ainda não nos deixa falar com ele, mas deixará não tarda nada e pode ter a certeza de que este sacana não tem álibis credíveis para nenhum dos homicídios.”

Riu-se um pouco e disse, “Acrescente-se a isso o facto de que fugiu aqui da Agente Paige e recusou identificar-se – bem, será que podia agir de forma mais culpada? É porque é culpado. É apenas uma questão de juntar as pontas soltas.”

Olhou novamente para a janela.

“Já lhe dei tempo mais do que suficiente para falar com o advogado. Vou entrar lá agora e dizer-lhe que está detido. E espero que vocês os três regressem a Quantico o mais rapidamente possível. Gostaria de dizer que foi um prazer mas a verdade é que... “

Olhou de forma desagradável para Jenn.

“Os três foram uma verdadeira chatice.”

Sem dizer mais uma palavra, Cullen abriu a porta e entrou na sala de interrogatórios.

Riley ficou a olhar para a sala enquanto Cullen confrontava Pollitt e o advogado.

Estava chocada com a forma descarada como Cullen demonstrava o seu ressentimento pelo sucedido com Jenn. Mas o que é que Riley podia fazer naquele momento?

Ordens são ordens, Disse a si própria.

Afinal de contas, ela e os colegas tinham vindo de Quantico a pedido de Cullen. E o chefe da polícia dos caminhos-de-ferro já não estava agradado com Riley ou a sua equipa. É claro que ela também não estava agradada com ele. E agora aquele caso também era um caso oficial do FBI.

Mas o cérebro de Riley estava apinhado com pensamentos e ideias. Pela primeira vez desde que começara a trabalhar naquele caso, começava a ter uma sensação muito forte.

Não podemos desistir agora, Pensou. Este monstro ainda está algures à solta e ainda não terminou a sua tarefa.

A mão já não lhe doía tanto – e já nem queria saber da dor. Atirou o saco de gelo para uma lata de lixo próxima.

Então disse a Bill, Jenn e Eggers, “Venham. Vamos para um lugar onde nos possamos sentar e conversar.”


CAPÍTULO VINTE E NOVE


Num carro emprestado pelos polícias locais, Riley conduziu Bill, Jenn e Mason Eggers da esquadra de Caruthers até um pequeno restaurante bem iluminado. Estava ansiosa que Eggers expusesse a sua teoria aos dois colegas em quem mais confiava.

Ela sabia que não ia ser fácil de aceitar porque ela própria não estava totoalmente convencida. No final de contas, tinham bons motivos para suspeitar que Timothy Pollitt era o assassino.

Para além disso, Riley tinha a certeza de que Jenn estava especialmente ansiosa por ir para casa e esquecer que tinha conhecido Bull Cullen. E Riley sentia o mesmo em relação ao polícia dos caminhos-de-ferro.

Mas os seus intintos não paravam de lhe dizer...

Isto ainda não acabou.

Enquanto esperavam pelas suas sanduíches, Eggers colocou o seu mapa de papel na mesa. Então voltou a fazer a sua demonstração com o compasso. Tal como fizera com Riley, mostrou como é que as três cidades ordenadas alfabeticamente se inseriam num semicírculo com o centro em Chicago.

Também lhes mostrou que uma quarta cidade cuja primeira letra era um D se encontrava nesse caminho – Dermott, Wisconsin.

Riley percebeu que Jenn e Bill tinham ficado impressionados com os cálculos de Eggers.

Também pressentiu que estavam longe de compreender a importância das suas ideias.

As suas refeições chegaram e Eggers dobrou o seu mapa. Guardou o mapa e compasso na sua mala, mas não desistiu da sua teoria enquanto comiam.

Ele disse, “Eu conheço os caminhos-de-ferro desta região como a palma da minha mão. Lembro-me de um lugar à saída de Dermott onde penso que ele pode atacar de seguida. Gostava de vos poder mostrar... “

Riley não sabia ao certo se Jenn estava ou não a ficar interessada, mas por fim a jovem agente tirou o portátil e começou a fazer uma pesquisa. Dali a momentos, mostrou uma imagem de satélite da cidade de Dermott com uma vista fotográfica clara das linhas de caminho-de-ferro que por lá passavam.

Mostrou-a a Eggers e ele ficou abismado.

Calculo que não soubesse que era possível fazer aquilo com um computador, Pensou Riley.

Eggers era mesmo uma relíquia de tempos idos.

Ele apontou para um lugar na imagem logo à saída da cidade.

“Aqui,” Disse ele. “Pode aumentar?”

Jenn aumentou a área.

“É aqui mesmo!” Disse Eggers, parecendo excitado. “Vejam, aqui! Uma curva – tal como as curvas onde as outras vítimas foram mortas. O assassino escolhe curvas para que o engenheiro não possa ver as vítimas a tempo de parara. Este é o local que ele escolheria. Tenho a certeza.”

Independentemente do que Jenn e Bill pensavam, Riley ficou mais intrigada. Talvez seguir as teorias de Eggers os pudesse conduzir na direção certa.

Ela perguntou, “Como é que pensa que ele gere os homicídios – em termos de tempo, quero dizer?”

Eggers fez uma pausa e fraziu o sobrolho enquanto pensava.

Disse, “Corrija-me se estou enganado – mas as três vítimas não se encontravam em comboios de passageiros pouco antes de serem raptadas e mortas?”

“Sim,” Disse Bill. “Comboios de Chicago, na verdade. Pensamos que ele drogou-as e raptou-as pouco depois de saírem dos comboios. Então transportou-as para os locais dos crimes e amarrou-as às linhas onde foram mortas por comboios de carga.”

“Isso é interessante,” Disse Eggers. “Se ele tivesse uma vítima em particular em mente e soubesse que seguia num comboio, e soubesse onde saíria... “

Riley interviu, “Então ele saberia onde é que a vítima estaria a uma determinada hora.”

Eggers anuiu com entusiasmo. “E também quer dizer,” Disse ele, “que o nosso assassino saberia quando é que o próximo comboio de carga passaria. Mas a questão é que os comboios de mercadorias não são como os comboios de passageiros. Não seguem um horário estrito. Ele deve ter um conhecimento muito sólido do tráfego de comboios de mercadorias nessas áreas. Ainda assim, o seu timing tinha que ser muito preciso... “

Eggers tamborilou com os dedos na mesa.

Então disse, “Calculo que ele tenha um sensor – um rádio que monitorize as frequências dos comboios. Ele ouve as conversas entre reguladores e tripulações dos comboios. Ao ouvir essas conversas durante um dia, ele saberia quando esperar um comboio de carga num determinado local. Ele conseguiria determinar a hora com bastante exatidão.”

Riley estava fascinada. E apesar das suas dúvidas, ela pressentiu que a teoria começava também a fascinar Bill e Jenn.

“Devíamos contar isto ao Cullen,” Disse Bill. “Ele pode usar esta informação para investigar Timothy Pollitt.”

A paciência de Riley começava a dimninuir.

“Se Pollitt é o assassino, Bill,” Disse ela. “E não é um ‘se’ com o qual esteja confortável, e tu?”

Jenn disse, “O Pollitt parece-me culpado,” Hesitou, depois acrescentou, “Pelo menos culpado de algo.”

“Certo,” Disse Riley. “Ele pode ser culpado de muitas coisas. Mas não temos a certeza de que seja o assassino que procuramos. E se não é, estamos a desperdiçar o nosso valioso tempo. Se o nosso assassino em série ainda está à solta, parece estar a apressar o ritmo. Podemos perder outra vida enquanto estamos à espera de ter a certeza que é Pollitt.”

Seguiu-se um silêncio.

Por fim, Bill disse, “Que queres que façamos, Riley? Estamos oficialmente fora do caso. E o Cullen não está pelos ajustes para nos reintegrar. Nada depende de nós.”

“Temos que fazer alguma coisa,” Murmurou Riley amargamente.

Bill abanou a cabeça e disse, “Bem, é tarde e não há nada que possamos fazer agora. Vamos descansar e falamos novamente de manhã.”

Riley odiava admiti-lo, mas Bill tinha razão. Fora um dia demasiado longo e frenético. Primeiro tinham ido a Allardt. Depois tinham entrevistado a família de Fern Bruder e um veterano de guerra. De seguida Cullen tinha-os convocado para uma reunião em Chicago onde conheceram a amante de Reese Fisher antes de fazerem o check-in num hotel de Chicago onde...

Riley estremeceu de culpa ao lembrar-se das palavras de April ao telefone.

“Oh, mãe. Diz-me por favor que não te esqueceste!”

Jilly, Pensou Riley. Esqueci-me do seu aniversário.

Jilly tinha toda a razão para estar zangada e Riley ainda não fizera as pazes com ela.

E naquele momento, não fazia ideia quando ou como o poderia fazer. Era demasiado tarde para telefonar para tentar falar com Jilly. O dia seguinte era dia de escola e as miúdas já estavam na cama.

Sentiu invadir-se por uma onda de exaustão e desespero.

Percebeu que não estava capaz de pensar de forma racional sobre o caso – ou sobre qualquer outra coisa.

“Ok,” Disse a Bill e a Jenn. “Vamos à procura de um lugar onde passar a noite.”

Riley pagou a conta e Bill perguntou ao empregado onde encontrariam o motel mais próximo. Quando lá chegaram, Riley viu veículos oficiais familiares estacionados à porta de alguns quartos. Parecia que Cullen e a sua equipa tinham escolhido o mesmo motel, assim como Dillard e os seus agentes do FBI de Chicago.

Já devem estar todos a dormir, Pensou Riley.

Não havia dúvidas – também ela precisava de uma boa noite de sono.


*


Riley lutava com o ponteiro dos minutos de um relógio gigante.

Sentiu-o a empurrá-la, a mover-se de forma inexorável.

Tenho que o parar, Pensou.

Empurrou o enorme ponteiro dos minutos com todo o seu peso e força. Mas o ponteiro era muito mais pesado do que ela e a maquinaria era muito mais poderosa. Para tornar tudo ainda pior, o seu esforço fazia com que mão lhe doesse outra vez.

Ouviu uma voz familiar próxima de si.

“O que é que pensas que estás a fazer, miúda?”

Era a voz do pai.

“Estás a tentar parar o tempo?” Perguntou ele com um riso soturno.

Sim, é exatamente isso o que estou a tentar fazer, Pensou Riley.

Mas não o disse em voz alta.

Não podia dispensar a energia – não com uma tarefa tão difícil em mãos.

Naquele momento ouviu outro som. Era o ruído de uma locomotiva a aproximar-se. Ela sabia que algures por perto, uma mulher estava amarrada aos carris e o comboio aproximava-se cada vez mais a cada segundo que passava.

Ela sabia que não podia parar a locomotiva.

E era por isso que tinha que parar o tempo.

Mas a cada clique, o ponteiro dos minutos continuava a avançar.

Pior, ela conseguia ouvir a maquinaria a apressar a sua marcha.

O ponteiro movia.se rapidamente.

Mas como é que era possível?

Finalmente, soltou um grito de desespero.

“Está a fazer batota! O tempo está a fazer batota!”

Ouviu o pai a rir-se novamente.

“E isso é surpresa, miúda? O tempo engana e mente constantemente, e lixa-te sempre no fim. Só há no mundo uma coisa maior e mais forte do que o tempo. Penso que sabes o que é.”

O mal, Pensou Riley.

Era o que a locomotiva era.

Um mal puro e imparável.

“O que posso fazer?” Perguntou Riley ao pai.

Ele repetiu as palavras que ela já lhe ouvira anteriormente.

“O teu trabalho. Faz o raio do teu trabalho. Mas não penses que te vais safar.”


Os olhos de Riley abriram-se.

Tudo estava silencioso. Demorou um momento a perceber que nenhuma locomotiva se dirigia a nenhuma vítima indefesa.

Pelo menos não aqui e agora. Ela estava no seu escuro quarto de hotel.

Mas havia um relógio.

Virou-se para olhar para o relógio digital eu se encontrava na mesinha de cabeceira. Eram 2:13 da manhã.

Ficou ali a pensar.

O tempo está a fazer batota! Não há forma de o parar.

Lembrou-se do que Bill dissera no restaurante.

“Vamos descansar...”

O Bill estava errado. Não era altura de dormir.

Tal como o relógio do seu sonho, o assassino movia-se cada vez mais depressa.

O que o impediria de matar novamente no dia seguinte?

Nada, Percebeu Riley. Nada a não ser nós.

Ela tinha a certeza de que a altura de agir era naquele momento.

Imediatmente!

Temos um trabalho a fazer.


CAPÍTULO TRINTA


Riley ligou a luz e sentou-se na cama. Agora estava bem acordada.

Não ouvia quaisquer sons no hotel. Será que era a única pessoa acordada? A urgência do pesadelo ainda estava presente e ela sabia que provavelmente teria que acordar os outros membros da sua equipa.

Em primeiro lugar, tinha que verificar algumas informações.

Pegou no telemóvel, entrou na internet e procurou os horários do comboio de passageiros entre Chicago e Dermott, Wisconsin, para aquele dia. Encontrou apenas um comboio vindo de Chicago. Devia chegar a Dermott às 12:30. E devia partir novamente às 13:00.

A menos de dez horas de agora, Apercebeu-se Riley. Aquele comboio chegaria a uma cidade diferente situada num outro estado. A próxima vítima estaria nele?

Ouviu um eco do sonho na sua mente. “Está a fazer batota! O tempo está a fazer batota!”.

Ela não podia parar o tempo. Tinha que se adiantar a ele.

Riley sabia que precisava de mais pormenores. Precisava de ajuda.

Ligou para a receção do motel e pediu para lhe ligarem ao quarto de Mason Eggers. Um momento mais tarde, Eggers atendeu.

“Peço desculpa por ligar a uma hora tão tardia,” Disse Riley.

“Não se preocupe,” Disse Eggers, não parecendo nada ensonado. “Não conseguia dormir. Estava a pensar quando é que o assassino poderá atacar em Dermott.”

“Eu também,” Disse Riley.

Ela contou-lhe o que tinha acabado de saber sobre o comboio de passageiros.

“É isso mesmo,” Disse ele. “É esse que me preocupa.”

Ela perguntou, “Pensa que alguém naquele comboio vai estar em perigo?”

“Isso depende de quando o próximo comboio de mercadorias vai passar lá. Como disse antes, os comboios de mercadorias não seguem um horário estrito, mas... “

Riley esperou que ele terminasse o pensamento.

“Tenho um amigo que é regulador, Hank Deever, que está no turno da noite neste momento. Ele tem muita informação disponível. Vou ligar-lhe.”

“Faça isso por favor,” Disse Riley. “Qual é o número do seu quarto? Vou já para aí.”

“Quinze,” Disse Eggers.

“Só umas portas mais abaixo da minha,” Disse Riley ao desligar o telefone.

Vestiu-se rapidamente sem se incomodar em pentear-se. Depois dirigiu-se ao quarto de Eggers e bateu à porta.

Ainda de pijama e envergando um robe antigo, Eggers segurava o seu telemóvel fora de moda quando abriu a porta.

“Acabei de ligar ao Hank,” Disse-lhe Eggers. “Ele diz que um comboio de mercadorias passa por Dermott todos os dias por volta das 14:00 – cerca de uma hora depois do comboio de Chicago partir.”

Riley sentiu um arrepio de apreensão.

Aqueles dois comboios seguiam o mesmo padrão dos comboios de passageiros e mercadorias dos outros três crimes.

Eggers abanou a cabeça e acrescentou, “Repare, eu sei que sou um polícia dos caminhos-de-ferro ultrapassado e talvez fizesse mais bem ao mundo se desistisse deste tipo de trabalho e me dedicasse à pesca. Mas tenho um mau pressentimento sobre isto.”

Riley ficou impressionada com a expressão no rosto de Eggers.

Ela tinha uma sensação muito forte...

Este homem sabe muito bem do que está a falar.

Tinha que confiar nos seus instintos.

“Vista-se – rápido,” Disse Riley. “Depois venha ao meu quarto – é o número sete.”

Ela já sabia em que quartos se encontravam Bill e Jenn. Bateu às portas, pedindo que se levantassem, vestissem e fossem ao seu quarto. Alguns minutos mais tarde, Bill, Jenn e Eggers estavam todos no quarto de Riley.

Eggers era o único, para além de Riley, que parecia estar completamente acordado. Olhou para os outros e começou a preparar café que, dali a momentos, já preenchia o quarto com o seu aroma.

Riley andava de um lado para o outro, esperando conseguir convencer os colegas a concordar com ela. Enquanto lhes falava no comboio de passageiros e no comboio de carga que passaria pouco depois, Eggers começou a distribuir chávenas de café.

Então Riley disse, “ O assassino está a trabalhar mais rapidamente. E vai matar novamente amanhã em, Dermott. Temos que fazer alguma coisa para o parar.”

Jenn disse, “Não se já o tivermos apanhado. Não se ele for Timothy Pollitt.”

Riley recordou-se dos momentos na sala de interrogatório.

Lembrou-de do que Pollitt dissera quando Bill lhe perguntou por Sally Diehl.

“Era amigável. Gostava de falar connosco.”

Riley percebeu uma coisa.

Aquelas eram as únicas palavras que Pollitt proferira que pareciam verdadeiramente sinceras.

Riley apercebeu-se que algumas partes do puzzle começavam a fazer sentido na sua cabeça.

Disse, “Timothy Pollitt não matou Sally Diehl. Ele não matou ninguém. Não me perguntem como é que sei isso, simplesmente sei. Tenho a certeza absoluta.”

Seguiu-se um silêncio.

Vou ter que implorar? Interrogou-se Riley.

Jenn parecia confusa e indecisa.

Mas Riley reparou numa mudança familiar na expressão de Bill. Depois de trabalharem juntos durante tantos anos, tinham aprendido a dar o benefício da dúvida um ao outro. E Riley percebeu que Bill estava pronto para fazer isso.

Finalmente ele disse, “Ok, o que é que fazemos a seguir?”

Riley pensou durante um momento.

Então, sem dizer nada aos outros, pegou no telefone do motel, ligou para a receção e pediu para lhe ligarem ao quarto de Bull Cullen. Segundos mais tarde, ouviu o som da voz ensonada de Cullen.

“Agente Paige? Que raio é que quer?”

Riley disse, “Cullen, não pode tirar o FBI do caso.”

“Faz ideia de horas são?”

Riley ignorou a pergunta.

“Eu e os meus colegas pensamos que há uma grande probabilidade de que o assassino ataque amanhã àm saída de Dermott, Wisconsin, por volta das 14:00.”

Riley ouviu um grunhido de aborrecimento.

“Não sabe mesmo quando deve desistir, pois não Agente Paige?”

Cullen desligou o telefone.

Riley ligou de imediato para a receção a solicitar o número do quarto de Cullen.

Depois desligou o telefone e dirigiu-se à porta.

“Venham,” Disse aos outros.

“Onde é que vamos?” Perguntou Jenn.

“Acordar o Cullen.”

Seguida por Bill, Jenn e Eggers, Riley dirigiu-se ao quarto de Cullen.

Bateu à porta.

Uma voz lá dentro perguntou, “Quem é?”

“Sabe muito bem quem é,” Gritou Riley.

“Vá-se embora,” Respondeu Cullen.

Riley bateu novamente à porta. Desta vez várias pessoas de aspeto cansado espreitaram pelas portas dos quartos, resmungando que iam chamar a polícia.

Riley ignorou-os mas viu Bill a mostrar o seu distintivo do FBI. Quem se queixava voltou para dentro dos quartos.

“Raios Cullen,” Gritou Riley. “É hora de acordar. Temos trabalho a fazer. E temos que começar agora mesmo. Levante-se e abra a porta.”

Um momento mais tarde, um Cullen de pijama e olhos mortiços abriu a porta, e Riley e os colegas entraram.

“Vocês estão a ser ridículos,” Disse ele. “Já apanhámos o nosso homem.”

“O Pollitt já confessou?” Perguntou Riley.

“Não, o advogado não o deixa falar. E porque é que pensam que assim é? Porque é que pensam que tentou fugir?”

Riley conseguia pensar em várias razões. O tipo tinha registo de violência doméstica. E tinha uma vida secreta que tentara esconder de toda a gente. A última coisa que queria era falar com polícias. E de qualquer das formas, o advogado não o ia deixar.

Mas isso não quer dizer que seja um assassino, Pensou.

Na verdade, ela agora tinha a certeza absoluta de que Pollitt não era um assassino. De certeza não aquele que procuravam.

Cullen esfregou os olhos.

Disse, “Eu sei o que estou a fazer, acreditem em mim. Há muitas pessoas que podemos entrevistar que conheciam as vítimas. Mais cedo ou mais tarde, encontraremos uma ligação entre Pollitt e todas as vítimas. Vamos encontrar provas.”

Riley mal conseguia acreditar no que estava a ouvir.

Porque é que Cullen tinha a certeza de que existia uma ligação entre Pollitt e as vítimas, mesmo sendo culpado dos homicídios?

Ele não tem mesmo ideia do que está a fazer, Pensou Riley.

Cullen agora parecia mais desperto. Sorria presunçosamente.

“Vocês não conseguem mesmo lidar com isto, pois não? De que vou resolver o caso, quero dizer. Sem a ajuda do FBI. Vão ser superados por um polícia dos caminhos-de-ferro. Terei toda a glória e vocês vão parecer uns idiotas. Bem, azar. Estão fora do caso. Ordens são ordens. E eu estou a dar as ordens aqui.”

Cullen finalmente pareceu aperceber-se da presença de Mason Eggers.

“O que é que o avô está aqui a fazer? Perguntou.

“Ele tem uma teoria,” Disse Riley. “Uma fantástica teoria.”

Os olhos de Cullen iluminaram-se.

“Então o avô tem uma teoria! Isto tenho que ouvir!”

As mãos e a voz de Mason Eggers tremiam nervosamente quando expôs o mapa numa mesa e explicou tudo a Cullen. Cullen não parou de sorrir durante toda a explicação de Eggers. Riley percebeu pela expressão de Cullen que pensava que a teoria era um perfeito disparate.

Quando Eggers terminou, Cullen cruzou os braços e abanou a cabeça.

“Vocês estão mesmo nas últimas, não estão? Dar ouvidos a este velhote ultrapassado. Nem conseguem ter uma ideia própria!”

Riley suprimiu um lamento de desânimo.

O que é que será necessário para o convencer? Interrogou-se.

Ela disse, “Temos que montar uma armadilha em Derrmott. E temos que começar a trabalhar já. Se não se quer envolver, o meu pessoal vai fazê-lo ne mesma.”

De repente, a expressão de Cullen mudou. Riu-se e disse, “Ok.”

Riley ficou espantada.

Ok? Pensou.

Aquilo tinha sido mais fácil do que ela esperara.

Cullen acrescentou, “Vamos andando. Vamos acordar toda a gente, Só uma coisa. Quero que o avô venha connosco.”

Agora Riley compreendia.

Cullen esperava que a armadilha fosse um fracasso e queria que todos fizessem figuras de parvos – Riley, Bill e especialmente Jenn por lhe ter batido.

E claro, queria que Eggers também fizesse má figura.

Mas isso não importava a Riley.

O que importava era parar o assassino – e salvar uma vida.


CAPÍTULO TRINTA E UM


Quando avião do FBI decolou do pequeno aeroporto de Caruthers, Riley olhava pela janela do avião. Já amanhecia e ela sentia-se inquieta quanto ao que aquele dia traira.

Podiam finalmente ter a oportunidade de parar aquele assassino em série de uma vez por todas.

Ela esperava que o conseguissem.

Caso contrário...

Ela não queria pensar no que aconteceria caso falhassem.

Abriu e fechou a mão direita algumas vezes. Sentia algumas guinadas, mas não dor. O ferimento por dar um soco no sem-abrigo chamdo Dutch estava a sarar bem.

Isso era uma coisa boa. Poderia precisar de ter a sua capacidade física em pleno muito em breve.

A pequena cabina do avião estava mais cheia do que o habitual. Riley ficara junto à janela e Mason Eggers sentara-se a seu lado. Bill e Jenn também estavam a bordo, assim como o chefe do FBI de Chicago Proctor Dillard.

Bull Cullen também estava no avião. Conseguira um lugar distante de Jenn. O interesse que anteriormente demonstrara por ela, tinha desaprecido. Agora parecia assustado que Jenn o pudesse esmurrar no nariz novamente a qualquer momento.

Riley interrogou-se...

Isso é bom ou mau?

Bem, era certamente bom que Cullen já não incomodasse mais Jenn. E Riley tinha a certeza que Jenn conseguira apaziguar a sua hostilidade para com Cullen. Riley apenas esperava que Cullen não fosse tão inquieto em relação a Jenn a ponto de não ter a mente concentrada no caso. Naquele momento, a equipa precisava de todas as cabeças em ação, até a dele. Ele não podia ter-se tornado no chefe da polícia dos caminhos-de-ferro daquela área se fosse um completo idiota.

Mas então Riley pensou em Carl Walder em Quantico. De alguma forma, aquele inqualificável burocrata tinha conseguido tornar-se Agente Especial Responsável. E Walder era uma chatice constante no trabalho de Riley.

Assim que o avião atingiu a altitude de cruzeiro, Riley conseguiu falar ao telefone com o chefe da polícia de Dermott, Royce Ulrich. O pobre homem parecia ensonado e confuso, mas prometeu que alguém iria ao encontro de Riley e da sua equipa ao aeroporto. E assegurou-lhe que teria o total apoio do seu departamento.

Riley estava prestes a inclinar o assento para trás para tentar dormir um pouco quando reparou que o rosto de Eggers estava pálido e agarrava os braços do assento com força.

Ela perguntou-lhe, “Tem medo de voar?”

Ele assentiu e disse, “Já é suficientemente mais num avião comercial dos grandes.”

Riley sorriu.

“Calculo que nunca tenha estado num avião tão pequeno como este antes,” Disse ela.

“Voei uma vez num pequeno Piper Cub há muitos anos atrás. Era bem mais pequeno, mas este consegue ser pior.”

Riley disse, “Bem, este avião não tem nada de especial quanto ao serviço. Mas posso ir buscar-lhe um copo de água se pensa que pode ajudar.”

Ela quase acrescentou...

E tenho a certeza que encontramos algures um saco de papel.

Mas percebeu que a mera sugestão de vomitar poderia ser suficiente para provocar o ato.

“Eu fico bem,” Disse Eggers.

Riley pensou se deveria tentar encetar uma conversa com ele. Poderia distraí-lo do seu aparente medo de voar.

No final de contas, ela não sabia praticamente nada a seu respeito.

Já notara que ele usava uma aliança de casamento. Aquilo parecera-lhe stranho porque ele insistia em seguir casos da polícia dos caminhos-de-ferro por todo o lado. Na sua idade, não preferiria passar mais tempo com a mulher e a família?

Ela disse, “Vejo que é casado.”

De forma reflexa, Eggers cobriu a aliança com a mão direita e uma expressão de dor atravessou-lhe o rosto.

Riley de imediato compreendeu o seu erro.

Um viúvo, Pensou. Com certeza que a perda da mulher seria a última coisa no mundo de que quereria falar.

“Lamento,” Disse ela.

Eggers limitou-se a assentir.

Riley rapidamente tentou pensar em alguma coisa para mudar de assunto.

Mas então ocorreu-lhe...

Ele não gosta de falar de si próprio.

Era um homem solitário que conseguia escapar ao tédio e à dor envolvendo-se nos casos dos caminhos-de-ferro. Isso era tudo o que Riley sabia a seu respeito, a não ser que tinha uma mente melhor do que a de Cullen. Ela respeitava as suas perspetivas e a sua experiência, e tinha a certeza que compreendia a natureza daquele caso tão bem como qualquer outro – talvez até melhor.

E a verdade era que provavelmente era a única informação que Riley tinha o direito de saber a seu respeito. Ele valorizava a sua privacidade e ele tinha que respeitar isso.

Riley olhou pela janela e viu uma paisagem de colinas verdes com lagos que brilhavam à primeira luz da manhã.

Zona turística, Apercebeu-se Riley.

Era uma bela vista e era perturbador pensar no monstro implacável que estaria a planear corromper toda aquela beleza.

Mas Riley disse a si própria...

Chegaremos a tempo.

Desta vez vamos conseguir impedi-lo.

Inclinou o assento para trás e fechou os olhos, esperando conseguir dormir um pouco antes de aterrarem – o que seria muito em breve.


*


Quando Riley e os colegas saíram do avião no pequeno aeroporto de Dermott, um SUV da polícia já estava à sua espera na pista. Riley ficou surpreendida por ver quem estava ao lado do carro. Percebeu pelo seu uniforme que era o chefe Royce Ulrich. Viera pessoalmente em vez de enviar algum dos seus homens.

Quando Ulrich abriu as portas do SUV, Riley reparou que o homem não tinha o rosto de um agente da lei. Tinha um aspeto plástico para o qual Riley encontrou rapidamente uma palavra:

Comercial.

Ulrich parecia um modelo ou um vendedor ou um guia turístico. E Riley percebia porquê. Nesta belíssima parte do Wisconsin, os agentes da lei tinham pouco mais para fazer que não fosse atender às necessidades e problemas dos turistas. Um chefe da polícia ali tinha tanto que garantir o cumprimento da lei como ter dotes ao nível das relações públicas.

Enquanto o chefe os conduzia até à baixa de Dermott, disse, “Pensava que já tinham apanhado esse assassino em série em Caruthers.”

Riley ficou algo espantada. Mas percebeu que não deveria ficar surpreendida. As notícias sobre a prisão de um sem-abrigo já deviam estar nas notícias.

O que deveria dizer a Ulrich?

Riley olhou desconfortavelmente para Bull Cullen que é claro ainda acreditava que Timothy Pollitt era o verdadeiro assassino e que a vinda a Dermott era uma perda de tempo e de recursos.

Cullen sorriu a Riley mas não disse nada.

Riley disse a Ulrich, “Temos uma nova pista. Temos que a seguir.”

Não era uma resposta satisfatória e Riley sabia-o.

O chefe Ulrich disse, “Quantas pessoas sabem sobre isto? Quero dizer, que estão a tentar apanhar o assassino aqui hoje?”

Riley pensou durante um momento e disse, “Só as pessoas que se encontram neste carro.”

Ulrich anuiu e disse, “Gostava que mantivéssemos essa informação reduzida a um número mínimo de pessoas. Ainda nem falei sobre o assunto a nenhum dos meus homens. Esta cidade fica mesmo ao lado de uma floresta estadual. O turismo é a base da nossa economia local. Se as pessoas tiverem medo em vir para cá, esta cidade pode ter problemas graves.”

Riley compreendia a sua preocupação, mas sabia que não lhe podia prometer nada.

Ela também queria manter tudo o mais secreto possível para não espantar o alvo. Mas depois, especialmente se apanhassem o assassino, apareceriam nas notícias.


*


No gabinete de Ulrich na esquadra, Riley e os colegas olhavam para um ecrã de computador onde era visível uma imagem de satélite das linhas de comboio locais. Eggers apontou para a curva na linha e explicou a sua teoria – que o assassino tentaria cometer o seu próximo homicídio ali, porque o engenheiro não veria a vítima a tempo de parar a locomotiva.

Quando Eggers terminou a sua exposição Riley disse, “Precisamos de monitorizar aquele pedaço da linha. Mas temos que o fazer sem ninguém dar por isso.”

Ulrich parecia estar completamente envolvido.

“Penso que sei como o fazer,” Disse ele.

Levantou-se da sua cadeira e apontou para um ponto no ecrã. Era um objeto em forma de quadrado situado na floresta.

Ulrich disse, “É uma velha torre de madeira, construída para deteção de fogos. A sua base encontra-se a uma altitude de setenta e seis metros, e tem uma altura de dezoito metros. Consegue-se ver a uma distância de quarenta quilómetros em todas as direções – incluindo toda aquela área da linha de caminho-de-ferro.”

Riley ficou agradada.

Disse, “Colocamos duas pessoas lá em cima e colocaremos várias pessoas no solo, escondidas na floresta perto da linha. Quem estiver na torre pode alertar quem estiver no solo por rádio se virem algo suspeito, e assim podem agir rapidamente e apanhar o perpretador. Ele não pode fugir a uma armadilha destas.”

Riley reparou que Bill olhava para o ecrã, parecendo ligeiramente insatisfeito.

Disse, “Tudo isto parte do princípio que apanhamos o assassino depois de ele já ter raptado a sua vítima. Isso não é mau como último recurso. Mas devíamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar que rapte alguém. Temos que ter uma abordagem dupla.”

Riley concordou.

Disse a Ulrich, “Têm boas câmaras de vigilância na plataforma onde o comboio chega?”

“Temos,” Respondeu Ulrich.

“Então ok,” Disse Riley. “Vamos ter alguém a ver as imagens de vigilância quando o comboi das 12:30 chegar de Chicago. Também teremos três pessoas à paisana na plataforma. Todos estarão ligados por telemóvel e observarão todos os passageiros que saem do comboio, procurando por uma mulher que se pareça com as anteriores vítimas. Temos a certeza que o assassino está obcecado com uma aparência em particular.”

Cullen parecia cético.

Disse, “E o que fazemos quando virmos uma mulher parecida com as outras? Usamo-la como isco e vemos se o assassino vai atrás dela?”

Jenn disse, “Qual é a alternativa? Dizemos-lhe que um assassino pode estar atrás dela quando nem temos a certeza disso? Ela ficará traumatizada e é provável que causemos o pânico à sua volta.”

“A Jenn tem razão,” Disse Bill. “Não a podemos deixar em perigo. No momento em que um homem ameaçador se aproximar dela, nós entramos em cena e apanhamo-lo. Se o fizermos de forma suficientemente discreta, quem passa pode nem dar conta do ocorrido.”

Aquelas palavras ressoaram na mente de Riley...

De forma suficientemente discreta.

Essa qualidade ia ser especialmente necessária naquela plataforma de comboio.

Ela disse, “Quero que eu e o Bill estejamos na plataforma, em coordenação com dois agentes à paisana. Jenn, quero que fiques por perto a observar as imagens de vigilância para nos alertares assim que vires algo. Dillard e Royce, quero que vocês os dois coordenem as coisas na torre, comunicando com os homens no solo junto à linha,”

Então reparou em Mason Eggers.

Não o vou deixar de fora, Pensou. Ela já sabia que ele tinha um olhar astuto para os pormenores.

Disse-lhe, “Quero que esteja naquela torre com Royce e Dillard.”

Bull Cullen falou com um tom de voz petulante, “E eu?”

Riley olhou para Jenn e Bill. Ela sabia que estavam a pensar no mesmo...

E o Cullen?

Ninguém confiava muito nele – e com razão.

Ele só tinha a ganhar com o fracasso daquela operação.

De certeza que não o queria na plataforma com ela. E não o queria com Jenn a observar as imagens das câmaras de vigilância. Nem seria boa ideia colocá-lo na torre com Mason Eggers tendo em consideração o seu desprezo pelo homem mais idoso.

Se Riley pudesse optar, deixava-o de lado.

Mas isso não era opção.

Disse, “Cullen, quero que fique com a equipa no solo junto à linha.”

Então disse ao chefe Royce, “Quero quatro dos seus melhores homens lá em baixo também.”

Reparou que Cullen se encolheu perante as suas palavras – nelas estava implícito que ele não era o “melhor” para o trabalho que tinham em mãos.

Royce chamou uma seleção dos seus melhores polícias e deu-lhes instruções. Pareciam a Riley mais estrelas de cinema do que polícias, mas todos pareciam compreender bem o que o chefe lhes dizia.

Vai correr tudo bem, Disse a si própria.

Dali a uma hora, todos estavam a postos. E mesmo a tempo. Eram quase 12:30 quando Riley, Bill e dois polícias à paisana entraram na plataforma da estação, misturando-se com as pessoas que por ali circulavam.

Riley falou para o seu microfone escondido, “Todos se conseguem ouvir?”

Bill e os dois polícias responderam afirmativamente. Também Jenn que estava sentada numa sala próxima a observar as imagens de vigilância.

Agora esperamos, Pensou.

Os minutos que se seguiram pareciam intermináveis. Mas em breve ouviu um comboio apitar, seguido do ruído monótono da locomotiva.

O coração de Riley batia descompassadamente quando o comboio se aproximou da plataforma.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


Riley estava ansiosa quando o comboio parou.

Porque é que estou tão nervosa? Perguntou a si própria.

Afinal de contas, não era a primeira vez eu fazia aquilo na sua carreira.

Mas então percebeu – era extremamente raro apanhar um perpretador no ato, no momento imediatamente anterior ao cometimento do crime. Oportunidades como aquela não surgiam com muita frequência.

É bom que não deitemos tudo a perder, Pensou.

Olhou à sua volta para se certificar de que Bill e os dois polícias estavam bem posicionados para ver quem saía das carruagens. Em pouco tempo, os passageiros estavam a descer as escadas das carruagens.

Aguns minutos depois, a vaga de passageiros abrandou.

Exatamente quando pensava que já não se encontrava mais ninguém a bordo, os olhar de Riley pousou numa mulher em particular.

Naquele momento, ouviou a voz de Jenn no fone.

“Vejo alguém. Ela está a sair da quinta carruagem a contar de trás.”

Era, de facto, a mesma mulher que Riley acabara de ver.

Era muito parecida com as três vítimas – corpo delgado, rosto magro, nariz comprido, cabelo castanho encaracolado.

Riley murmurou ao microfone, “Estão todos a vê-la?”

Bill e os outros dois polícias disseram que sim.

“Ok,” Disse Riley. “Vamos segui-la. Fiquem num raio de sete metros. Tentem não dar nas vistas.”

Riley via Bill e os outros polícias a saírem das suas posições. Havia muitas pessoas – a maioria passageiros e pessoas que os saudavam – para ajudar a camuflar as suas ações.

Transportando uma pequena mala, a mulher continuou a caminhar no interior da pequena estação de comboios.

Riley disse aos outros, “Vamos passar a porta em fila única comigo à frente e com o Agente Jeffreys atrás de mim. Fiquem a cerca de três metros de distância uns dos outros.”

Quando ia à frente, Riley viu que a mulher continuava e dirigia-se à porta da frente. Certa de que os companheiros seguiam atrás de si, Riley seguiu a mulher na direção do parque de estacionamento.

Um SUV que circulava no parque de estacionamento abrandou ao aproximar-se da mulher. Riley viu que um homem ia a conduzir.

A mão de Riley aproximou-se da arma.

“Vejo um homem no veículo,” Disse ela aos outros. “Preparem-se para agir.”

O SUV parou. O homem olhou pela janela e acenou à mulher.

Ela conhece-o, Pensou Riley.

É claro, ela chegara à conclusão que as mulheres assassinadas deviam conhecer o seu carrasco.

Mas então as portas laterais do SUV deslizaram e duas crianças pequenas apareceram – duas meninas a gritarem, “Mamã, Mamã!”

A mulher pousou a mala e deu um abraço às crianças.

O homem olhou pela janela e disse-lhe, “As meninas sentiram a tua falta.”

A mulher riu-se e disse, “Estou a ver. Eu também estava com saudades de todos vocês.”

A mulher pegou na mala e pegou na menina mais pequena com o braço livre. A outra menina abraçou-se à mulher e entraram no SUV a rir e a conversar.

O SUV foi embora.

Riley ficou em estado de choque.

Seria possível? Estariam enganados?

Perguntou a Jenn, “Viste mais algum passageiro que se parecesse com as vítimas?”

“Nada que se parecesse,” Disse Jenn. “E observei com atenção cada um deles.”

“Tens a certeza que estão todos fora do comboio?”

“Sim. Os outros passageiros já estão a embarcar.”

Bill e os outros dois polícias juntaram-se a Riley no parque de estacionamento.

“Isto não acabou,” Disse Bill a Riley. “Talvez ele tenha feito algum ajuste no seu MO. A próxima vítima do assassino podia não vir no comboio. Ele pode estar a raptá-la noutro local. Ou... “

Riley terminou o seu pensamento.

“Ou o assassino pode não estar a seguir o seu tipo habitual e podemos ter perdido a verdadeira vítima quando saiu do comboio. Talvez já a tenha raptado.”

Riley disse aos dois polícias, “Eu e o Agente Jeffreys precisamos de uma boleia para a torre de vigia.”

Um dos polícias correu logo para um carro estacionado.

Riley falou outra vez para Jenn pelo microfone, “Eu e o Bill vamos para a torre. Continua a ver as imagens de vigilância, pode ser que surja algo entretanto.”

“Como por exemplo?” Perguntou Jenn.

Riley conteve um suspiro de desânimo.

“Não sei,” Disse Riley. “Continua por aí.”

O polícia que se afastara já vinha a conduzir um veículo. Riley disse ao outro polícia para ficar na estação e manter-se em contacto com Jenn. Ela e Bill entraram no carro e o condutor levou-os para fora de Dermott – tão rapidamente quanto possível para não atrair atenções. Mesmo sem o uso de sirenes e luzes, apenas alguns minutos depois já penetravam nas florestas luxuriantes do parque estadual vizinho.

À medida que o carro avançava por aquela zona belíssima, Riley olhou para o relógio. Era quase hora do comboio de passageiros partir da estação novamente. De acordo com o amigo regulador de Mason Eggers, o comboio de mercadorias passaria ali dentro de uma hora.

Mas também se lembrou do que Eggers dissera sobre os comboios de mercadorias...

“Não seguem um horário estrito.”

Quanto tempo demoraria o comboio de mercadorias a passar depois da partida do comboio de passageiros?

Riley não fazia ideia.

A estrada que seguiam parecia interminável, mesmo depois da enorme torre de madeira se tornar visível. Riley ficou mais desanimada quando percebeu que tinham que estacionar o carro na base de uma falésia a cerca de vinte e dois metros abaixo da torre.

Riley abriu a porta do carro e correu pelos lances de escada de madeira acima com Bill atrás de si. Depois subiram outro lanço de escadas para atingir o topo da torre.

O peiro e pernas de Riley doíam-lhe quando ela e Bill chegaram ao topo. Durante alguns momentos, ficaram a tentar recuperar o fôlego.

Três homens armados com binóculos já se encontravam na mais elevada plataforma da torre de madeira – o chefe da polícia de Dermott, o chefe do FBI de Chicago Proctor Dillard e Mason Eggers.

Os três ficaram espantados a olhar para Riley e Bill.

“O que é que se passa?” Perguntou Dillard.

Tentando controlar a respiração, Riley disse, “Não vimos a vítima a sair do comboio. Ou não a detetámos ou... “

Estava demasiado cansada para conseguir terminar a frase.

Encostou-se durante um momento ao corrimão, tonta e exausta. Não conseguiu evitar reparar que a vista da torre era impressionante. Os lagos eram visíveis à distância, assim como a cidade de Dermott. Mesmo sem binóculos, Riley conseguia ver que o comboio de passageiros já não se encontrava na plataforma da estação.

Bill perguntou aos três homens, “O que viram até agora?”

Mason Eggers disse, “O comboio de passageiros passou há pouco dentro do horário. Agora estamos à espera... “

Antes que terminasse, Dillard disse, apontando.

“Ali vem – o comboio de mercadorias.”

Riley pediu os binóculos emprestados a Eggers e olhou para a linha.

Podia ver a locomotiva a vir na direção de Dermott com cerca de trinta carruagens. Virou os binóculos para a curva onde esperavam que o assassino atacasse.

Não estava lá ninguém – nem homem, nem vítima.

Percorreu com os binóculos toda a linha até Dermott. Não viu nada de suspeito.

Olhou para o comboio de mercadorias a passar pela estação de Dermott, continuando depois na direção da floresta, da curva e desaparecendo na distância.

Não aconteceu nada.

Absolutamente nada.

Riley ficou confusa.

Mas sentia-se aliviada pelo facto de o assassino não ter apanhado outra vítima.

Mas o que é que aquilo significaria?

Ela e Eggers tinham tanta certeza de que o assassino atacaria naquele momento e naquele lugar. Tudo se enquadrava no seu padrão de atuação.

Como se podiam ter enganado de tal forma?

Será que tinham denunciado a sua presença?

Então ouviu a voz de Bill.

“Riley, parece-me que temos problemas.”

Riley olhou para baixo para ver para onde apontava Bill.

Vários veículos estavam a estacionar junto ao carro da polícia, na falésia abaixo da torre. Quando as pessoas saíram dos carros, Riley percebeu com temor...

Jornalistas!


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS


Bill e Riley observaram a multidão de jornalistas lá em baixo. Bill não se recordava se ver uma expressão de derrota como aquela no rosto de Riley.

Tocou-a no ombro e disse, “Vamos. É melhor lidarmos com eles.”

Riley simplesmente assentiu, depois começou a descer as escadas. Bill seguiu-a com Dillard, Ulrich e Eggers logo atrás.

Enquanto desciam, Bill não parava de pensar...

O que é que correu mal?

Riley estava tão certa de que aquele seria o momento e o local do próximo homicídio. E os seus instintos estavam quase sempre certos. Na verdade, ela era famosa pela fiabilidade dos seus instintos.

Talvez isto seja culpa minha, Pensou Bill.

Afinal de contas, ele deixara Riley convencer toda a gente para este ardil, apesar de ele próprio não estar completamente convencido.

Talvez devesse ter rejeitado aquela teoria.

Mas então pensou...

Rejeitar um instinto de Riley?

Quase sorriu perante aquela ideia. Não se lembrava de conseguir convencer Riley de nada, não quando ela tinha a certeza de algo.

Quando chegaram à base da falésia, os jornalistas amontoaram-se à sua volta, disparando perguntas atrás de perguntas.

“Porque é que decidiram estar neste lugar?”

“Resultou em algo?”

“Fomos informados que outro suspeito está detido.”

“O assassino tem um cúmplice?”

“Temos um assassino de imitação?”

Bill estava surpreendido com a força na voz de Riley quando lhes gritou.

“Não há perguntas! Eu tenho uma pergunta a fazer-vos!”

Alarmados, os jornalistas calaram-se.

Riley disse, “Quem vos informou acerca do que se estava a passar aqui? Como é que souberam disto?”

Um sussurro passou pelos jornalistas enquanto protestavam que não tinham qualquer intenção de revelar as suas fontes.

E foi nessa altura que uma voz falou.

“Falso alarme. Não há mais nada para ver.”

Bill virou-se e viu Bull Cullen a amergir do caminho que conduzia à floresta.

Uma fúria imensa começou a apoderar-se de Riley e Bill soube o que ela estava a pensar.

Isto foi obra do Cullen.

Afinal de contas, Cullen estivera sempre certo de que o palpite de Riley estava errado. Não só estivera ansioso para assistir ao fracasso de Riley, como era óbvio que alertara os meios de comunicação social para tornar o seu fracasso público e o mais humilhante possível.

Ele dissera-lhes exatamente onde e quando aparecer.

Pior ainda, Cullen não estivera no seu posto durante a operação. Estivera na floresta junto à torre para poder cumprimentar os jornalistas quando eles chegassem.

Aquele filho da mãe, Pensou Bill.

Bill começou a dirigir-se a Cullen, preparado para lhe dar um soco.

Riley conseguiu impedi-lo.

“Não Bill,” Disse ela. “As coisas já estão suficientemente mal.”

Entretanto, Cullen aproveitava a situação junto dos jornalistas, oferecendo a sua explicação do que se estava a passar.

“Sim, temos outro suspeito detido. Um suspeito sólido. Chama-se Timothy Pollitt e esperamos acusá-lo em breve. Mas a Agente Especial do FBI Riley Paige tinha outra teoria e viemos comprová-la. Como podem ver, não deu em nada. Mas não queríamos deixar pontas soltas.”

Ele olhou para Riley e Bill com um sorriso de gozo e acrescentou, “Em nome da polícia dos caminhos-de-ferro, quero agradecer à Agente Paige e aos seus colegas do FBI pela sua ajuda. Agora, é claro, o trabalho do FBI neste caso chegou ao fim e regressarão a Quantico.”

Enquanto Cullen continuava a falar aos jornalistas, Riley disse a Bill, “Ainda não podemos desistir. Não podemos.”

“Não nos resta mais nada a fazer,” Disse Bill.

“Há sim! Tenho a certeza que não estamos enganados. Apenas nos enganámos nas horas. Temos que saber quando é que passam aqui os próximos comboios de mercadorias. Temos que continuar a operação. Vamos falar com o Dillard. Talvez o consigamos convencer... “

Bill interrompeu-a.

“Riley, ouve-me. Mesmo que tenhas razão quanto aos planos do assassino, não há hipótese dele atacar aqui agora – não agora que os jornalistas chegaram e mostraram o que estávamos a fazer. Para além disso... “

Bill hesitou.

“Para além do quê?” Perguntou Riley.

Bill suspirou e disse, “Penso que precisamos de encarar os factos. O mais provável é que Timothy Pollitt seja o assassino. Não temos mais nada a fazer aqui.”

A expressão de desânimo no rosto de Riley partiu-lhe o coração.

Antes que pudesse dizer alguma coisa, o seu telemóvel tocou. Riley viu quem era e revirou os olhos.

“Jesus,” Disse ela. “É o Carl Walder.”

Bill mal podia acreditar.

Como se as coisas já não estivessem mal, Pensou ele.

Ele lembrava-se bem dos incontáveis conflitos que Riley tivera com Walder. O burcocrata incompetente suspendera e até despedira Riley mais do que uma vez.

Isto é demais, Pensou Bill.

“Deixa-me atender isso,” Disse a Riley, tirando-lhe o telefone.

Walder pareceu surpreendido ao ouvir uma voz masculina em vez da voz de Riley a atender o telemóvel.

“Estou a tentar falar com a Riley Paige. Quem fala?”

“Aqui fala Bill Jeffreys. A Riley não está disponível neste momento.”

“O que quer dizer com não disponível?”

“O que acabei de dizer,” Disse Bill.

Bill ouviu um grunhido de desaprovação.

Então Walder disse, “Ouça, recebi uma chamada do chefe Cullen da polícia dos caminhos-de-ferro há pouco e ele disse que Paige está decidida a fazer uma emboscada apesar do assassino já estar detido e... “

Bill interrompeu,”Acabou chefe Walder. A emboscada. Não deu em nada.”

Walder grunhiu novamente.

“Então ok. Sei que a Agente Roston também faz parte da equipa de Paige. Quero o avião do FBI de regresso a Quantico esta noite com vocês os três lá dentro.”

“Devemos reportar a si quando chegarmos?” Perguntou Bill.

“Não, raios. Eu nem sequer quero falar com nenhum de vocês – pelo menos não para já. Tenho que tomar alguma ação disciplinar contra a Agente Paige – e pelo que Cullen me contou, também contra a Agente Roston. Parece que a Agente Roston está a seguir as pisadas da Agente Paige. Ainda não decidi o que fazer. Tirem uns dias de licença os três. É uma ordem.”

Walder terminou a chamada abruptamente.

Bill abanou a cabeça e pensou...

Ele já está aborrecido. Espera até ele ver o que a comunicação social vai fazer com isto.

Entregou o telemóvel a Riley e disse, “Acabou mesmo Riley. O Walder deu as suas ordens e não as podemos ignorar. Temos que regressar a Quantico. Agora mesmo. Vamos apanhar uma boleia para Dermott. Ligo ao piloto a caminho.”

Riley anuiu em silêncio. Enquanto ambos se dirigiam ao carro, Bill lembrou-se do que dissera a Riley ainda há pouco...

“O mais provável é que Timothy Pollitt seja o assassino.”

Por alguma razão, desejava não ter dito aquilo.

No fundo, o seu próprio instinto começava a dizer-lhe...

Isto ainda não acabou.


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


Durante a viagem de regresso a Quantico, Jenn gostava de ter falado com Riley ou com Bill. O voo parecia interminável e o ruído monótono do motor não ajudava. Duvidava que também fosse benéfico para eles.

Era desconfortável para Jenn que Riley estivesse sentada atrás dela, sozinha no fundo do avião, obviamente a remoer o falhanço da emboscada.

Bill do outro lado do corredor a olhar para a janela. Pouco dissera desde que tinham entrado no avião.

Estão zangados comigo? Pensou Jenn.

Ela pensava ser uma preocupação mais do foro interno, mas ainda assim não conseguia evitar questionar-se.

Afinal de contas, a sua incompatibilidade com Bull Cullen não ajudara a que o caso decorresse de forma normal.

Ela desejava ter lidado com ele de forma mais digna – algo que não implicasse esmurrá-lo no nariz.

Talvez o pudesse apenas ter afastado e apresentado uma queixa numa altura mais apropriada.

Então pensou...

Para de fazer isto a ti própria.

Cullen é que tinha sido o verdadeiro problema. E ela tinha a certeza que ele era um problema muito antes de ela o ter conhecido.

Apesar de Jenn não ser agente há muito tempo, já tinha conhevimento de algumas das desvantagens em ser uma agente do sexo feminino. Uma delas era aceitar responsabilidade inapropriada pelas ações dos outros – sobretudo homens.

A culpa foi mesmo do Cullen, Disse a si mesma. Não foi minha.

Com certeza que Jenn não fora a única mulher a sentir as suas mãos no seui corpo. Ela sabia perfeitamente bem que seria pior se ela tivesse deixado passar a situação – tal como teria sido pior para outras mulheres no passado e seria para outras no futuro.

Jenn decidiu fazer uma queixa à primeira oportunidade. Chegara a altura de alguém repreender o seu comportamento.

Não que a sua decisão a fizesse sentir-se melhor.

Outras preocupações a incomodavam. Lembrava-se do que dissera a Riley ao telefone antes deste caso começar...

“Talvez deva entregar o meu distintivo.”

Fora apenas dois dias, no sábado, mas parecia mais tempo. Na altura Jenn recebera uma chamada vagamente ameaçadora da Tia Cora. Jenn tinha-se convencido que podia ignorar essa figura insinuante do seu passado.

E no entanto...

Era como se a Tia Cora ainda exercesse algum poder sobre ela.

Jenn percebeu que essa sensação estava relacionada com aquele caso e como parecia incompleto, e como devia ser difícil para Riley.

Porque a verdade era que...

A Tia Cora podia ajudar.

Era um pensamento arrepiante – mas era verdade.

As garras criminosas da mulher estavam em toda a parte e ela tinha acesso a informação a que o FBI não podia chegar.

Se ainda havia um assassino à solta, a Tia Cora podia ajudar a encontrá-lo.

Jenn tirou o telemóvel do bolso e olhou para ele.

Está apenas a um SMS de distância, Pensou.

Talvez conseguisse a ajuda da Tia Cora sem que Riley ou Bill soubessem.

Talvez não houvesse consequências – desta vez.

Mas Jenn sentiu um estremecimento de compreensão...

É exatamente isto o que a Tia Cora quer. Eu precisar da ajuda dela – e aceitar essa ajuda.

Se Jenn deixasse isso acontecer, ficaria novamente em dívida com a Tia Cora.

Jenn guardou o telemóvel no bolso.

Talvez conseguisse dormir um pouco durante o resto do voo.

Mas duvidava.


*


Riley olhava pela janela a pensar do quanto odiava certos aspetos de andar de avião. A paisagem lá em baixo movia-se a passo de caracol como se avião não avançasse.

Não que estivesse muito ansiosa por aterrar. Não se sentia preparada para enfrentar aquilo para que voltava.

Não na UAC e nem sequer em casa.

Sorriu ao pensar...

Quando estiver preparada para enfrentar o mundo, o avião já ficou sem combustível.

O voo parecia especialmente tortuoso naquele dia, dado o que acabara de acontecer...

... ou antes o que não avcontecera.

A mesma pergunta não parava de atravessar o cérebro de Riley desde que tinham decolado em Dermott.

O que é que correu mal?

Riley já sofrera contratempos e até fracassos, mas no passado conseguira entendê-los.

Desta vez, ela não conseguia perceber de forma racional o que sucedera.

Mesmo depois do comboio de mercadorias ter passado sem ocorrer nenhum incidente, ela continuava a pensar...

Eu tinha razão.

E ela não era a única que tinha razão.

Também Mason Eggers tinha razão. No mínimo, ela tinha a sensação avassaladora de que Eggers compreendia o caso.

E não conseguia deixar de dizer a si própria.

Tinhamos razão.

Estávanos no lugar errado à hora errada, mas ainda assim...

... nós tínhamos razão.

Era um paradoxo estranho e ela não o conseguia entender.

Também não parava de pensar...

Pobre Eggers.

Ela lembrava-se da expressão de derrota que lhe vira no rosto da última vez que o encarara quando ele entrava no SUV de Dillard para voltar a Chicago.

A confiança do homem já não era grande coisa e Riley continuava a pensar em algo que ele dissera.

“Talvez fizesse um maior bem ao mundo se deixasse este trabalho e me dedicasse à pesca.”

Agora certamente pensava que não tinha escolha.

Mas seria possível um tal destino para um solitário antigo polícia dos caminhos-de-ferro como Mason Eggers?

Riley duvidava.

Mas tinha a certeza de uma coisa – o fracasso da emboscada seria ainda mais difícil de ultrapassar para Eggers do que para ela. Ela duvidava que ele alguma vez recuperasse.

Quanto a ela, esperava-a sem dúvida pelo menos uma reprimenda. Talvez uma suspensão. Já agradecera a Bill por atender a chamada de Carl Walder.

De acordo com Bill, Walder não queria ver Riley ou a sua equipa nos próximos dias, o que ao menos lhe dava um indulto temporário.

Riley reparou numa alteração na pressão da cabine. O piloto anunciou a descida à pista de Quantico.

Em breve Riley estaria em casa, a lidar com problemas bem diferentes.

O mais desafiador seria sem dúvida Jilly, que ainda devia estar zangada com ela.

Zangada e magoada, Pensou Riley.

E não havia dúvida de que Jilly tinha motivos para isso.

Riley pensou que poderia comprar o presente atrasado de Jilly a caminho de casa.

Mas não, um presente comprado à pressa não serviria. Pareceria superficial e faria com que Jilly se sentisse ainda pior.

Riley precisava de falar com Jilly olhos nos olhos, fazer ou dizer o que fosse necessário para ela lhe perdoar.

E não ia ser fácil.

Através da janela, Riley viu os edifícios de Quantico a aproximarem-se cada vez mais.

O caso que ela e os colegas tinham deixado para trás parecia agora muito distante – longínquo, mas não resolvido.

No fundo, ela tinha a certeza de uma coisa:

Timothy Pollitt não era o assassino.

Fosse quem fosse o verdadeiro assassino, não havia dúvida de que planeava o seu próximo crime.

E Riley não podia fazer nada para o evitar.


CAPÍTULO TRINTA E CINCO


Assim que saiu do avião, Riley enviu um SMS a April a dizer que estava em Quantico a caminho de casa. Por isso, quando Riley estacionou o carro em frente a casa, ela sabia que a sua chegada não seria inesperada.

O problema era – o que esperar?

Será que Jilly ainda estava zangada com ela?

Será que Riley tinha o que era necessário para ser uma boa mãe e resolver tudo?

Quando entrou em casa, April estava já à sua espera.

Riley pousou a mala e deu um grande abraço à filha.

Então April foi direta ao assunto.

“A Jilly está na sala da família. Devias ir falar com ela.”

Tal como ao telefone, também agora April parecia estar notavelmente calma.

Calculo que é assim que eu também tenho que estar agora, Pensou Riley, consciente da ironia da situação.

Ao atravessar a casa, Riley reparou no odor delicioso que vinha da cozinha. Riley estava curiosa, mas agora não era o momento para perguntar a Gabriela o que estava a fazer.

Riley sentiu uma enorme tristeza quando chegou à sala da família. Afinal de contas, era ali que Liam dormia enquanto estivera lá em casa. E agora tinha-se ido embora.

Jilly estava sentada a uma mesa, a trabalhar em problemas de álgebra.

Riley sentou-se à sua frente.

“Jilly, temos que falar. Eu... “

Jilly interrompeu-a, encarando Riley, “Não, para mãe. Para. Tenho uma coisa para dizer antes.”

Riley engoliu em seco. Parecia que aquilo seria ainda pior do que ela estava à espera.

Jilly olhou-a diretamente nos olhos por um momento.

Depois disse, “Desculpa.”

Riley ficou confusa.

“O quê?” Perguntou.

“Desculpa,” Repetiu Jilly.

Riley abanou a cabeça.

“Não Jilly, não. Não tens que pedir desculpa. Fui eu. Eu errei. Eu esqueci-me do teu aniversário. Eu... “

Jilly interrompeu-a novamente.

“Diz-me só o que andaste a fazer. Quero dizer, desde que te foste embora. Tudo sobre o caso.”

Riley suspirou e encolheu os ombros.

“Oh, isso não importa... “

“Conta-me.”

Porque é que ela quer saber? Interrogou-se Riley.

Jilly parecia determinada.

Então Riley começou a contar à filha tudo o que tinha acontecido, começando pelo telefonema de Meredith no sábado. Quando começou a descrever a primeira cena de crime, Jilly interrompeu-a de novo.

“Conta-me todos os pormenores. Quero saber qual era o aspeto da pobre mulher.”

“Oh, Jilly, eu não ei.”

“Por favor. Eu quero mesmo muito saber.”

Riley fez uma pausa. Seria aquilo alguma espécie de curiosidade mórbida de adolescente? Não. Riley percebia pelo seu rosto e pela sua voz que Jilly queria mesmo compreender tudo – e como é que Riley se sentira por ter de lidar com aquilo.

Então Riley prosseguiu e contou-lhe tudo, não poupando detalhes – nem mesmo a ela própria.

Foi uma experiência estranha, nada parecida com o preenchimento de um relatório formal – coisa que Riley ainda tinha que fazer. Isto era pessoal e profundo. Ela estava a partilhar uma parte sombria e perturbadora da sua vida, uma parte que se habituara a manter privada, escondida de todos exceto de Bill e um terapeuta ocasional. E uma compreensão curiosa ocorreu-lhe.

Eu preciso disto.

Passara demasiados anos a guardar aquelas experiências terríveis para ela.

Fora mais difícil do que percebera.

Mas seria aquilo a coisa certa a fazer – partilhar tais horrores com uma rapariga que tinha acabado de fazer catorze anos?

Mas à medida que Jilly a comtinuava a ouvir com intenso interesse, Riley apercebeu-se de outra coisa. Jilly tinha experimentado os seus próprios horrores – uma infância tão terrível que quase vendera o corpo para fugir dela. Com certeza que Jilly estava melhor preparada emocionalmente para lidar com os factos do trabalho de Riley do que a maioria dos adultos.

Quando Riley chegou à parte da emboscada falhada, ela sentiu as suas próprias frustrações a virem novamente ao de cima por deixar um caso por resolver. Mas estranhamente, soube bem dar voz a essas frustrações – algo que nunca fizera com Bill ou Jenn.

Riley terminou a sua história e Jilly ficou a olhar para ela durante um momento em silêncio.

Então Jilly sorriu e disse, “Obrigada mãe. Esse foi o melhor presente de aniversário que me podias ter dado. E lamento ter complicado as coisas. Não te devia ter preocupado com uma coisa tão estúpida quando estavas a lidar com algo tão importante. E de qualquer das formas, tive uma festa bem agradável.”

Riley estava pasmada. Não sabia o que dizer.

Jilly inclinou ligeiramente a cabeça.

Disse, “Não percebes, pois não mãe? Em toda a minha vida nunca tive um exemplo, um modelo em que me quisesse tornar. Isto é uma grande mudança para mim. Significa mais para mim do que possas imaginar.

Riley sentiu um nó na garganta e as lágrimas vieram-lhe aos olhos.

Jilly disse, “Não chores mãe. Chorar é para os mariquinhas”

Riley limpou as lágrimas e riu um pouco. Sabia bem ouvir Jilly a ser novamente uma adolescente normal.

Riley disse, “Bem, digas o que disseres, falar sobre homicídios e caos não é um presente de aniversário apropriado. Vou-te compensar. Fazemos alguma coisa juntas, só nós as duas. Prometo.”

Jilly pareceu agradada.

“Ok, mãe,” Disse ela. “E talvez um dia eu tenha uma coisa tão importante para fazer na minha vida que me esqueça do teu aniversário.”

Riley riu.

“Então nessa altura estaremos quites,” Disse ela. “Mas espero que seja algo bom.”

“Oh, e outra coisa,” Disse Jilly. “Ainda vais resolver esse caso. Sei que sim.”

Riley sentiu-se emocionada outra vez. Jilly parecia ter tanta certeza.

Quem lhe dera sentir o mesmo.

Naquele momento, April espreitou cautelosamente. Olhou para Riley e Jilly, depois disse, “A Gabriela tem coisas saborosas para nós, ok?”

“Entra,” Disse Riley.

April entrou, seguida por Gabriela que trazia um tabuleiro cheio de empanadas de leche – um bolo Guatemalteco recheado com creme.

“Ouvi dizer que vinha para casa,” Disse Gabriela. “Posso aquecer os restos do jantar se tiver fome.”

“Isto chega,” Respondeu Riley. “Muchas gracias.”

Quando todos estavam sentados a desfrutar das deliciosas empanadas, April disse a Riley...

“O Blaine ligou ontem. Acho que queria saber como é que estava a correr o caso e quando é que regressavas.”

Riley enviara-lhe um breve SMS durante a viagem para Illinois e ele respondera-lhe a desejar sorte. A verdade era que não pensava nele desde essa altura.

Estranho, Pensou.

Não só se esquecera do aniversário de Jilly – como se esquecera do seu namorado.

Definitivamente era altura de voltar à sua vida normal.


*


Depois de comerem, Gabriela foi para o seu apartamento e as miúdas foram para os seus quartos.

Riley estava feliz por ir para o seu quarto. Estava cansada do longo dia que tivera, mas queria falar com Blaine.

Escreveu uma mensagem no telemóvel...


Olá Blaine...

Resolvi o caso e já estou em casa.

Seria bom ver-te.

Quando é que nos podemos encontrar?


Já era bastante tarde, por isso Riley só estava à espera de uma resposta na manhã seguinte.

Mas dali a alguns segundos o texto estava lido e Blaine respondeu...


Que tal amanhã?

Ligo-te de manhã.


Riley sorriu.


Parece-me ótimo!


Sentindo-se uma colegial, colocou um “<3” ao lado da mensagem – um pequeno coração.

Mal tinha pousado o telemóvel, quando o mesmo tocou.

Quando Riley atendeu, ouviu a voz de uma mulher.

“É Riley Paige? A Agente Especial Riley Paige?”

Apesar de a mulher falar num tom amigável, Riley não respondeu. Sabia bem que não se devia identificar a alguém que ainda não se tinha identificado.

“Bem,” Disse a mulher alegremente. “Espero que não haja problema em tratá-la por Riley.”

“Quem fala?” Perguntou finalmente Riley.

Seguiu-se um silêncio. Riley quase desligou o telefone.

Então a voz disse, “Pensei que já era tempo de nos conhecermos.”

Riley ficou chocada quando se apercebeu com quem estava a falar.

“Tia Cora,” Disse ela quase num sussurro.

A mulher riu e continuou, ainda parecendo perfeitamente amigável. “Afinal de contas, ambas fomos mentoras de uma jovem brilhante. Devo contudo admitir algum ciúme por ela ter deixado o meu ninho e estar sob as suas ordens. Mas é a vida, não é? As coisas mudam. E é saudável que as coisas mudem. Saudável e natural.”

Riley quase perguntou...

Como é que conseguiu este número?

Mas é claro que era uma pergunta ridícula.

Por tudo o que Jenn dissera a respeito da Tia Cora, aquela mulher não tinha qualquer dificuldade em localizar um simples número de telefone.

A Tia Cora prosseguiu, “Tenho seguido o caso em que estão a trabalhar. Deve ser frustrante – ser obstruído daquela forma, saber que o assassino ainda está à solta. Como é que se está a aguentar?”

Riley começou sentir uma nova preocupação, mas Cora parecia antecipa-la.

“Antes de se aborrecer... não, a Jenn não tem estado em contacto, não me contou nada. Está a ser uma boa menina, muito discreta, leal a si e ao FBI, mantendo-me a uma distância de segurança. Eu é que sou muito abelhuda. Gosto de saber o que se passa. E... “

Pela primeira vez, Riley ouviu um ligeiro som sinistro na voz da mulher.

“... e eu tenho os meus meios de descobrir o que quero saber.”

Riley sentiu um arrepio.

Estaria Cora em contacto com algum dos polícias locais com que Riley lidara? Ou com alguém da polícia de caminhos-de-ferro? Ou com o FBI de Chicago?

Ou com todos eles?

Riley não conseguia imaginar a extensão da rede criminosa da Tia Cora.

Cora prosseguiu, soando tão calorosa como anteriormente.

“Que crimes horríveis, tão chocante. Suponho que não tão chocante para si. Mas alguma vez se havitua? Faz ideia do que motiva alguém a fazer coisas tão horríveis?”

Riley não disse nada. Pensava no que fazer.

Desligar?

Não, algo lhe dizia que quereria ouvir o que aquela mulher tinha para dizer.

A voz continuou, “Deve conhecer pessoas interessantes quando está a trabalhar num caso, não? Ouvi dizer que conheceu um simpático viúvo. Tão doce, tão só. Alguma faísca entre vocês? Alguma possibilidade de romance? Bem, suponho que deva ser um pouco velho demais para o seu gosto... “

Riley sentiu-se desconfortável perante a óbvia referência a Mason Eggers.

A mulher sabia muito – demasiado para o gosto de Riley.

Cora prosseguiu, “Tenho a certeza que espera não voltar a ver aquele jovem polícia dos caminhos-de-ferro. Que personagem tão detestável, não é? Não consegue manter as mãos sossegadas. Não trata as mulheres com o devido respeito. Pergunto-me. Um homem que assedia colegas daquela forma – faz pensar de que outras coisas seria capaz?”

Também sabe do Cullen, Percebeu Riley.

Mas menteve-se em silêncio.

Por fim, numa voz doce a Tia Cora disse, “Bem, estou contente por termos tido esta agradável conversa. Vamos manter o contacto. Gosto sempre de saber como a Jenn está a passar. Uma rapariga notável!”

A Tia Cora terminou a chamada abruptamente.

Riley ficou com o telemóvel na mão a sentir-se completamente perplexa.

Cora dissera...

“Vamos manter o contacto.”

... mas não dissera a Riley como a contactar.

Não que Riley quisesse saber.

Era melhor não saber.

Mas porque é que a Tia Cora tinha entrado em contacto com Riley?

Uma “agradável conversa” dissera ela.

Com certeza que não fora agradável para Riley.

Mas a Tia Cora ligara-lhe com algum objetivo em mente.

Riley começou a recordar a conversa.

Aos poucos, uma ideia tomou forma na sua cabeça. Devia haver algo que ela devia ver, algo que nunca verificara porque nunca lhe parecera nem remotamente relevante.

O seu coração bateu com mais força ao ligar o computador e fazer uma busca.

Passados poucos minutos, encontrou um velho recorte de jornal com uma foto.

Riley ficou pasmada.

Eu sei quem ele é.


CAPÍTULO TRINTA E SEIS


Juliet Bench acabara de se sentar na carruagem lounge do comboio quando viu um homem a entrar vindo da outra carruagem.

Lá está ele outra vez, Pensou ela.

Pouco depois de ela embarcar, o mesmo homem passara pelo seu lugar e parou no corredor para olhar para ela – o tempo suficiente para ela reparar – e depois prosseguira o seu caminho.

E agora estava na outra extremidade da carruagem olhando novamente para ela.

Conheço-o? Perguntou-se. O rosto não lhe parecia familiar.

Agora olhava para baixo com as mãos nos bolsos.

Agindo como se não reparasse em mim, Pensou Juliet.

Mas olhou outra vez para ela e caminhou em direção à sua mesa.

Juliet não tinha a certeza o que pensar disso. Ela não viajava muito, sobretudo de comboio e não gostava de viajar. Será que falar com um estranho tornaria as coisas melhor? Ela duvidava.

Quando o homem chegou à mesa, disse, “Desculpe, mas... vejo que está sozinha e... “

Surpreendentemente, a timidez na sua voz deixou-a algo à vontade.

“Sente-se, por favor,” Disse ela.

O homem sorriu timidamente e sentou-se.

“Já nos conhecemos?” Perguntou Juliet.

O homem franziu o sobrolho.

“Não me parece,” Disse ele. “Mas é muito parecida com alguém... “

A sua voz apagou-se.

Então ele disse, “Tem família em Dunmore?”

“Não,” Disse ela. “Sou originalmente de Chicago e os meus parentes vivem todos lá. Agora vivo em Keadle com o meu marido e as minhas duas filhas.”

As sobrancelhas do homem ergueram-se.

“Keadle. Bem, não conheço ninguém lá. Deve ser só uma coincidência – a parecença, quero dizer. Então estava a visitar a sua família em Chicago?”

Juliet ficou triste e durante alguns momentos não conseguiu dizer nada.

“Oh, peço desculpa,” Disse o homem. “É algo triste, não é? Esqueça que perguntei.”

Juliet conseguiu sorrir um pouco.

“Não, não faz mal. O meu pai morreu. Passei algum tempo com ele antes de morrer e fiquei para o funeral. Estava doente há muito tempo – cancro na próstata – por isso não foi um choque, mas ainda assim... “

Calou-se.

O homem disse, “É sempre triste perder alguém que amamos. Sei como é.”

Juliet reparou no seu olhar melancólico.

Sim, ele sabe como é, Pensou ela.

E ela tinha que admitir que era bom falar com alguém que soubesse como era e que compreendesse.

“A sua morte foi pacífica,” Disse Juliet. “O lar foi uma bênção e ele pode passar os últimos dias em casa com a família à sua volta. A minha mãe estava a segurar-lhe na mão nos seus últimos momentos.”

“O seu marido foi para Chicago consigo?” Perguntou o homem.

“Não, ele queria. O Kent e o meu pai eram muito próximos. Mas alguém tinha que ficar em casa com as crianças. A Jenna tem cinco anos e a Amy tem sete. Sobretudo a Jenna está a ter alguma dificuldade em compreender que o avô partiu. Pensei em trazê-las ao funeral para se despedirem mas... “

Parou de falar por um momento, pensando em algo que a preocupava.

“Eu e o Kent decidimos não o fazer. Acha que agimos mal?”

O homem encolheu os ombros.

“Nunca tive filhos por isso não sou a pessoa mais indicada para lhe responder. Mas... bem, cinco e sete anos parecem-me ser muito novas. Penso que terá feito a coisa certa.”

Juliet sorriu. Era bom ouvir alguém dizer aquilo.

Ela disse, “Estava a preparar-me para pedir um copo de vinho. Quer... ?”

O homem sorriu.

“Adoraria. Deixe-me ir buscá-lo. O que é que quer?”

“Apenas um vinho tinto normal.”

O homem levantou-se, foi até ao bar e pediu o vinho.

Agora parecia a Juliet que este encontro era agradável. Uma companhia amigável, era mesmo aquilo que precisava depois daqueles dias tristes em Chicago. Lembrou-se que ainda tinha que fazer a viagem da estação para casa, mas era curta. Um copo de vinho não faria mal nenhum.

O homem voltou com dois copos de vinho tinto e sentou-se.

“A propósito, como se chama?”

Ela levantou o seu copo de vinho e sorriu.

“Juliet Bench,” Disse ela. “E o seu?”


CAPÍTULO TRINTA E SETE


Riley ficou a olhar para a foto no ecrã do computador – uma fotografia de jornal de uma jovem mulher sorridente com um rosto delgado, um nariz aquilino e cabelo castanho encaracolado.

Ela continuou a ler o nome na legenda vezes sem conta...


Arlene Eggers


... o nome da mulher de Mason Eggers que morrera há cinquenta anos.


Riley não parava de murmurar para si própria...

“Não acredito. Não acredito. Não acredito.”

Mas não era verdade.

Ela acreditava. Ela acreditava piamente.

Simplesmente não queria acreditar.

A Tia Cora acionara a pesquisa de Riley com as palavras que proferira sobre Eggers.

“Ouvi dizer que conheceu um simpático viúvo.”

É claro que fora uma pista.

Então Riley tinha ido verificar como é que o polícia dos caminhos-de-ferro ficara viúvo. E descobrira que as vítimas do assassino em série eram muito parecidas com a mulher de Eggers.

A Tia Cora também dissera...

“Tenho acompanhado esse caso em que estão a trabalhar.”

Agora Riley compreendia que a mulher misteriosa também fizera a sua própria pesquisa e tinha as suas próprias teorias.

Riley estremeceu.

Todas estas dicas e provocações.

Muito à semelhança de Shane Hatcher.

Na verdade, era demasiado parecida com Shane Hatcher. Estaria outra mente criminosa a tentar controlar uma agente do FBI? Será que a Tia Cora já controlava Jenn? Estaria ela agora a trabalhar com Riley?

Não havia tempo para pensar nisso naquele momento. Mas não podia evitar a grande questão que se colocava.

Porque é que não me apercebi?

Com certeza que lhe devia ter ocorrido na terceira cena de crime quando ela tentara perceber como é que o assassino tinha fugido da cena do crime de Sally Diehl sem levar o carro que tinha roubado.

Ele não tinha fugido.

Ele estivera ali, a falar com Riley.

Como é que os seus instintos a tinham abandonado daquela forma?

Então ocorreu-lhe...

Os meus instintos não me abandonaram.

Desde a primeira vez que vi o Eggers na reunião em Chicago, ele destacou-se a seus olhos. Ao contrário de todas as outras pessoas que se encontravam naquela sala – sobretudo Cullen – ela pressentira que ele tinha uma perspetiva especial sobre o caso.

Ela procurara-o por esse motivo.

Também se lembrava da sua reação quando ela dissera...

“Vejo que é casado.”

... como ele cobrira a sua aliança com um olhar de dor.

Naquele momento ela sentira a profundidade do desgosto de um viúvo idoso.

Também se recordava de algo que decidira a seu respeito.

Ele não gosta falar de si.

Ela acertara em tudo.

Mason Eggers era tudo o que parecia ser – inteligente, amável, inquieto, solitário, incompreendido...

Mas também era algo mais.

Também era um assassino.

Riley não vira mais além.

E a razão por que não o fizera era simples. Ela sentia uma afinidade com ele, via-o como um colega e um excêntrico como ela própria, alguém cujo trabalho e ideias eram muitas vezes vistos pelos outros como pura loucura – pelo menos até os factos sustentarem essas ideias.

Ela não queria ver que também ele tinha os seus demónios...

Tal como eu.

... porque Riley conseguia lembrar-se de se render à sua própria escuridão interna com atos de brutalidade contra os seus adversários. Lembrava-se como matara um homem particularmente mau que capturara e torturara April – como lhe batera selvaticamente com uma pedra até à morte.

Até àquele dia, não se arrependera do que fizera.

Se tivesse que o repetir, nem hesitaria.

Riley estremeceu, depois lembrou-se...

Eu sou diferente.

Eu não sou como Mason.

Eu mato monstros.

Eu não mato mulheres inocentes.

Mas porque é que Mason Eggers matava mulheres inocentes?

Riley voltou a ler o artigo de jornal, procurando algum tipo de explicação.

Há cinquenta anos atrás, a mulher de Mason Eggers, Arlene, cometera suicídio deitando-se na linha do caminho-de-ferro à saída da pequena cidade de Dunmore no Michigan.

Acabara de sair de casa de uns amigos que a tinham visto muito triste da última vez que a viram. Não sabiam porquê.

Parecia que toda a gente em Dunmore gostava de Arlene Eggers e ela também gostava de toda a gente.

Mas todos os amigos e entes queridos usavam a mesma palavra para a descrever.

“Triste. Muitas vezes triste.”

Ela era uma pessoa cronicamente melancólica e ninguém compreendia porquê – e muito menos o seu marido, um respeitado polícia local chamado Mason Eggers.

Riley sentiu uma tremenda compaixão por aquela pobre mulher – e também pelo seu marido.

Ela sabia que há cinquenta anos a depressão não era compreendida e tudo o que ela implicava era subestimado. Os medicamentos antidepressivos da atualidade ainda não existiam. As pessoas morriam com alguma frequência de depressão, muitas vezes pelas próprias mãos, sem ninguém saber porquê.

Mason Eggers carregara aquela terrível perda com ele durante todos aqueles anos. Não há dúvida de que se sentira culpado pela morte da mulher. Como poderia compreender porque é que ela se matara, a não ser que a culpa fosse de alguma forma sua?

E agora conseguia ver a mente do assassino pela primeira vez.

Conseguia mesmo sentir a sua angústia. A sensação era tão forte que por um momento quase acreditou que ele estivesse no quarto com ela. Depois de se aposentar, a culpa começara novamente a instalar-se.

E com um profundo arrepio, percebeu algo mais a seu respeito. Algo estava errado na sua mente. Algo físico ou emocional tinha distorcido as suas perceções. E à medida que se aproximava o aniversário do suicídio da mulher, os seus demónios tinham assumido o controlo e começara a matar.

Esta noite, Percebeu Riley. Ele vai terminar o seu trabalho esta noite.

Ele vai matar uma última vez – na mesma data, no mesmo lugar onde a sua amada mulher se suicidou.

Era o pressentimento mais forte que Riley já tivera desde o início do caso.

Mas estaria certo?

Não podia arriscar errar novamente.

Olhou para um mapa e viu que Dunmore ficava a uma curta distância de Detroit. Então procurou um horário de comboio e viu que o comboio de passageiros já tinha saído de Chicago numa viagem de quatro horas até Detroit.

Ele está naquele comboio, Apercebeu-se Riley.

Ele tinha que ser parado assim que chegasse a Detroit – antes de ele ter a oportunidade de raptar e matar alguém.

Ela precisava de ajuda – mas quem a podia ajudar?

Quem sequer ouviria a sua teoria?

Proctor Dillard, Pensou.

Ela e Bill tinham trabalhado com o Agente Especial Responsável do FBI de Chicago. Se alguém a ouviria, seria ele. E podia alertar os agentes do FBI de Detroit para o prenderem logo no comboio. Eggers nem chegaria a Dunmore.

Riley encontrou o número de telefone de emergência de Dillard.

Quando o apanhou em linha disse, “”Agente Dillard, fala Riley Paige. Ouça-me por favor. Sei quem é o assassino. Sei onde é que vai atacar de seguida. Ele vai matar esta noite. Preciso que... “

Dillard interrompeu-a.

“Agente Paige, pare. Seja o for, eu não posso ajudar. Tenho as mãos atadas.”

Riley mal conseguia acreditar no que ouvia.

Dillard prosseguiu, “Recebi uma chamada de Carl Walder hoje. Ele foi muito específico. Não posso ajudá-la em mais nada, pelo menos no que diz respeito a este caso. Ele estava a falar a sério.”

Riley conteve um rugido de fúria.

Aquele filho da mãe do Walder!

Ela disse, “Ouça! O assassino é Mason Eggers!”

Seguiu-se uma longa pausa.

Então Dillard disse, “Agente Paige, sabe que tenho todo o respeito do mundo por si. Mas toda a gente sabe que teve as suas falhas neste caso. E eu conheço o Eggers há muitos anos para pensar que ele poderá ser o assassino.”

“Mas Agente Dillard... “

“E de qualquer das formas, não está nas minhas mãos. Ordens são ordens. Não quero perder o meu emprego.”

“Ouça, por favor... “

“Lamento, mas vou desligar agora.”

E terminou a chamada.

Riley estava a hiperventilar com a frustração. Lutou para se acalmar. Tinha que haver uma forma de resolver aquela situação.

A quem mais podia ligar?

Poderia tentar entrar em contacto com o próprio Walder, tentar fazê-lo compreender a sua teoria?

Impossível, Pensou. Nunca me vai ouvir.

E mesmo que conseguisse que a ouvisse, perderia tempo precioso a tentar.

Mas quem mais poderia ajudar?

Bull Cullen?

Não, a simples ideia de tentar convencê-lo era risível. Nem atenderia a sua chamada, quanto mais ouvi-la seriamente.

Quem então?

Claro! A polícia de Detroit.

Podiam apanhar Eggers mal o comboio lá chegasse.

Rapidamente encontrou o número de telefone e ligou.

Quando uma voz atendeu, ela disse, “Preciso de falar com o responsável agora mesmo.”

“Em que posso ajudá-la?”

“Aqui fala Riley Paige do FBI. Estou a ligar para vos dar conhecimento... “

A voz interrompeu-a, “Espere um minuto! Riley Paige? A mulher do FBI que vi ontem nas notícias, a que estragou tudo no Wisconsin?”

Ouviu-o a dizer alguém próximo, “Ei! Tenho em linha aquela maluca do FBI!”

Riley sentiu-se corar de raiva e humilhação.

Questionou-se – quanto tempo demoraria até refazer a sua reputação?

Terminou a chamada. Que mais podia fazer?

Sentou-se atrás da secretária, tentando acalmar os nervos.

Depende de mim, Pensou. Tenho que ser eu a impedi-lo.

Mais ninguém o vai fazer.

Foi para o computador procurar horários de avião e encontrou o que precisava. Se partisse naquele momento, conseguia apanhar um avião no Reagan International Airport. Chegaria ao Wayne Country Airport de Detroit cerca de uma hora e meia mais tarde – antes do comboio de Eggers chegar à cidade.

Podia apanhá-lo ali mesmo na estação de Detroit.

Interrogou-se...

Devo entrar em contacto com Bill e Jenn?

Claro, Percebeu. Eles mereciam ao menos saber o que ela estava a tentar fazer. Escreveu uma mensagem a ambos incluindo um link do artigo que encontrara. Explicava em poucas palavras a sua teoria e dava-lhes o horário do seu voo.

Escreveu uma nota à sua família explicando que tivera que partir em trabalho novamente. Pegou na sua arma e chaves do carro, deixou a nota na mesa da sala de estar e correu para a porta de entrada.


CAPÍTULO TRINTA E OITO


Quando Riley chegou ao balcão de acolhimento, estava sem fôlego e a cabeça girava, repleta de cenários e possibilidades perigosos. Ficou arrepiada com a ideia que a tinha conduzido até ali – e pensava no que teria que fazer para impedir Mason Eggers de matar outra vez.

Não parava de dizer a si própria...

Não saberei o que tenho de fazer até ter que o fazer.

Quando comprou o bilhete, ouviu uma voz familiar atrás de si.

“Ei, Riley!”

Era a voz de Bill.

Virou-se e ficou abismada ao ver Bill e Jenn a irem ao seu encontro.

“O que é que estão a fazer aqui?” Perguntou ela.

Bill sorriu e Jenn começou a comprar o seu bilhete.

“O que é que achas que estamos a fazer? Não pensavas que te íamos deixar ir sozinha, pois não?”

“Mas como é que... “

Riley estava prestes a perguntar a Bill como é que ele e Jenn ali tinham chegado tão depressa. Mas é claro que a resposta era óbvia. A viagem de Quantico era mais curta do que Fredericksburg. Assim que leram a sua mensagem, juntaram-se e foram logo ter com ela.

Riley estava impressionada. A vinda deles era muito mais do que esperava. Não conseguia encontrar palavras para exprimir a sua gratidão.

Afinal não teria que fazer aquilo sozinha.

Mais tarde, Pensou. Depois de apanharmos o assassino.

Quando os três agentes já tinham os seus bilhetes, dirigiram-se à porta de embarque. Mostraram os seus distintivos à assistente de bordo e disseram-lhe que precisavam de desembarcar o mais rapidamente possível assim que aterrassem em Detroit. A assistente de bordo encaminhou-os para três lugares junto à porta. Jenn ficou sentada entre Bill e Riley.

Os três agentes ainada estavam sem fôlego quando o avião decolou alguns minutos mais tarde.

“Então,” Disse Riley ofegante, “acreditam na minha teoria.”

Bill e Jenn olharam um para o outro, como se tivessem sido apanhados de surpresa pela pergunta.

Bill disse, “Ei, aquele artigo que nos enviaste era bastante convincente.”

Jenn acrescentou, “E as vítimas são tão parecidas com a mulher de Eggers. De certeza que não é uma coincidência. E agora é o dia em que ela se suicidou.”

Riley abanou a cabeça e disse, “Quem me dera que mais alguém acreditasse em mim. E ainda tenho tantas perguntas... “

Quando o avião atingiu a velocidade de cruzeiro, Jenn entrou na internet para fazer alguma pesquisa.

Disse, “Estou a descobrir mais coisas sobre Mason Eggers. Ele deixou Dunmore pouco depois da morte da mulher, depois mudou-se para Chicago onde se tornou polícia dos caminhos-de-ferro. Nunca se voltou a casar.”

Bill perguntou, “Alguma vez teve algum problema com a lei?”

“Bem pelo contrário,” Disse Jenn. “Teve uma carreira imaculada na polícia dos caminhos-de-ferro e obteve vários louvores. Pelo que aqui vejo, nunca fez mal a uma mosca.”

Novas dúvidas começaram a insinuar-se na mente de Riley.

“Não consigo perceber,” Disse ela. Mas então lembrou-se da sensação que tivera de que algo não estava bem com a mente do homem. Acrescentou, “Ele parece ter sofrido algum tipo de mudança a nível psiquiátrico. Talvez esquizofrenia?”

“Talvez,” Disse Bill. “Mas pelo que sei, a esquizofrenia geralmente começa no fim da adolescência ou início da fase da adulta – não na velhice.”

Jenn escrevia no tablet, procurando mais informações.

Disse, “A esquizofrenia é rara naquela idade, mas não impossível. A esquizofrenia tardia pode ocorrer depois dos sessenta anos. Mas as pessoas mais velhas podem sofrer de delírio, alucinações e confusão mental por outros motivos. Existe uma doença chamada Síndrome Charles Bonnet que envolve alucinações visuais. E é claro que ele pode sofrer de alguma desordem mental – cancro no cérebro talvez ou Alzheimer numa fase inicial ou até Parkinson. Há realmente muitos motivos para que a sua saúde mental possa estar a degradar-se.”

Os três agentes pensaram em silêncio durante alguns instantes.

Por fim, Bill disse, “Ainda é difícil compreender o seu comportamento – no que diz respeito a nós, quero dizer. Eu sei que ele nos encaminhou para aquela emboscada. Mas algumas das suas sugestões pareciam ser genuínas e até úteis – como falar com o regulador para calcular os horários dos comboios de mercadorias. E a última cidade, Dermott – Começa mesmo com um D, seguindo o padrão alfabético que ele descrevera.”

Mais uma vez, Riley sentiu uma estranha empatia face a Eggers.

Disse, “Parte dele quer que alguém o pare e a outra parte quer lavar avante os crimes. Parte dele tenta ajudar-nos e parte dele tenta enganar-nos. Ele está em guerra consigo próprio. Por muito lúcido que pareça, está a cair numa espécie de demência e não sabe o que mais quer – se safar-se ou se enfrentar a justiça.”

Bill coçou o queixo e olhou para Riley.

“Estou a pensar numa coisa,” Disse-lhe. “O que é te fez ir à procura daquela notícia? Encontrar aquela história antiga é um grande salto intuitivo – mesmo para ti.”

Riley engoliu em seco. Não lhe podia contar do telefonema da Tia Cora.

Gaguejou, “Foi... foi apenas um palpite.”

Jenn olhou para Riley. A jovem agente parecia preocupada.

Riley tinha a certeza...

Jenn adivinhou o que é que se passou.

Iam ter que falar acerca daquilo – mas não naquele momento. Riley percebeu que não estava ansiosa em fazer-lhe perguntas sobre a Tia Cora nos próximos tempos.

O café foi servido e os três agentes continuaram a pensar no caso. Jenn conseguiu alugar um carro no aeroporto para irem diretamente para a estação de comboios. Mas à medida que se aproximava o momento da aterragem, ouviram a voz do piloto.

“Senhores passageiros, lamento informar-vos que a nossa aterragem sofrerá um atraso. As condições meteorológicas não são as melhores em Detroit, por isso temos que esperar um pouco – Provavelmente cerca de vinte minutos.”

O piloto continuou a falar de voos de ligação e Riley e os colegas trocaram olhares de desespero.

“Vinte minutos,” Disse Riley. “Chegaremos tarde à chegada do comboio. Vai conseguir raptar a vítima.”

Bill disse, “Não podemos conseguir que alguém o apanhe na plataforma?”

Riley conteve um lamento ao lembrar-se dos seus telefonemas deseperados.

“Acredita que não teremos qualquer ajuda dos polícias de Detroit. Nem sequer temos um mandado e não conseguiremos um a tempo – mesmo que isto ainda fosse um caso aberto, que não é.”

Jenn continuou a mexer no tablet.

“Precisamos de uma alternativa,” Disse ela, mostrando um mapa.

Apontou para o mapa e explicou, “Estamos a chegar a oeste de Detroit e Dunmore também fica a oeste da cidade. Mas ele vai chegar do outro lado de Detroit. Terá que conduzir pela cidade para voltar a Dunmore, mas nós podemos ir diretamente para lá. Podemos lá chegar tão rapidamente como ele. Com sorte, antes dele.”

Riley olhou para o mapa, esperando que Jenn tivesse razão.

Mas ainda estava preocupada.

Ela sabia que naquela noite, Eggers ia transportar a vítima para o preciso local onde ocorrera a tragédia da sua vida há cinquenta anos.

Temos que estar lá, Pensou Riley.

Temos que chegar à linha a tempo de o parar.

Mas seria possível?


CAPÍTULO TRINTA E NOVE


Assim que o avião aterrou no Wayne County Airport em Detroit, Riley e os colegas já estavam em pé. A assistente de bordo assegurou-se de que eram os primeiros passageiros a sair do comboio. Correram pela ponte até ao terminal, mostrando os distintivos a seguranças à medida que avançavam.

O terminal não estava cheio àquela hora, por isso conseguiram chegar rapidamente à entrada do edifício. Ainda assim, Riley tinha a terrível sensação de que o tempo estava a abrandar e que se moviam em câmara lenta.

Parecia impossível que chegassem ao seu destino a tempo de apanhar Mason Eggers.

Pior, tal como piloto dissera – estava a chover no local onde o carro alugado se encontrava. Com certeza que aquilo não contribuía para ajudá-los a apanhar o assassino.

Riley pôs-se ao volante com Jenn a seu lado e Bill atrás. Mal trocaram uma palavra durante a curta viagem até Dunmore, mas Riley tinha consciência de que os colegas deviam estar tão preocupados e preocupados como ela.

A chuva diminuiu para um chuvisco, mas o céu continuava muito escuro e nublado, apesar de a manhã se aproximar.

Quando chegaram aos arredores de Dunmore, Riley ligou o GPS do veículo para circular nas ruas tranquilas da pequena cidade. Dali a pouco estava a passar pelo bairro onde Mason e Arlene Eggers tinham vivido.

A área pareceu a Riley triste, repleta de casas degradadas que já tinham conhecido tempos mais felizes e prósperos. Viam-se luzes em algumas janelas. Ainda ninguém se encontrava na rua.

Riley encontrou rapidamente a estrada que escolhera – uma paralela à linha de comboio. Candeeiros de iluminação iluminavam áreas desertas e os edifícios esparsos e maltratados que separavam a linha da estrada. Nenhum dos edifícios estava bem iluminado.

Riley parou o carro na berma da estrada e ela e os colegas saíram do veículo. A chuva tinha parado, mas o ar e o solo estavam húmidos, e o céu ainda estava escuro.

Os três agentes movimentaram-se silenciosamente e falaram em voz baixa, sabendo que o assassino se podia encontrar em qualquer lugar. Não se podiam denunciar.

Riley apontou para a linha e sussurrou, “A mulher de Eggers suicidou-se algures nesta longa curva. O jornal não especificava. E não temos tempo de procurar velhos registos de polícia para localizar o local exato.”

Todos olharam em seu redor, esperando detetar a presença do assassino. Mas Riley sabia que não valia a pena. Ele podia ter estacionado o carro num lugar escondido e podia estar em qualquer local. Já podia estar a arrastar a mulher para a linha.

Jenn sussurrou, “Isto é uma longa secção de linha e a visibilidade é fraca. Nós os três não vamos conseguir observar a curva na sua totalidade – não daqui. Na verdade, não conseguiremos de nenhum lugar. Talvez devamos chamar alguns polícias locais e ocupar a área com luzes e armas.”

Bill abanou a cabeça.

“Não,” Disse ele. “Se ele vê alguém a vir, o mais certo é matar a mulher e desaparecer de vez. Ele conhece a zona. De qualquer das formas, não temos tempo para isso.”

Calaram-se todos durante um momento, depois Jenn disse, “Tenho uma ideia, mas nenhum de vocês vai gostar dela.”

Riley adivinhou de imediato aquilo em que Jenn estava a pensar.

Ela disse, “Achas que nos devemos separar, vigiar secções separadas da linha.”

Jenn anuiu e acrescentou, “Podemos enviar mensagem se avistarmos alguma coisa.”

“Tens razão,” Disse Riley. “Não gosto da ideia.”

Mas apercebeu-se...

Qual é a alternativa?

E tinham que se mexer.

Disse relutantemente, “Ok, Jenn. Tu cobres esta área. Eu e o Bill vamos mais para a frente e permanecemos nas nossas secções.”

Riley e Bill voltaram para o carro enquanto Jenn se dirigia à linha. Riley deixou Bill na secção seguinte. Depois continuou para encontrar a sua.

Depois de estacionar e passar entre dois armazéns, viu como era difícil a tarefa que tinham pela frente. Ela chegara à linha, mas ali não havia qualquer iluminação. Apenas conseguia ver a curta distância em qualquer das direções. Não se atrevia a ligar a lanterna do telemóvel com receio de denunciar a sua presença a Eggers.

Agora ela sabia que não tinham alternativa senão andar pela linha até...

Até o quê?

O sol surgiria em breve, mas a manhã estava calma e silenciosa – demasiado calma, mortalmente silenciosa.

Parecia impossível imaginar haver alguém para além de Bill, Jenn e ela nas redondezas.

Assim que Riley tentava decidir que direção explorar, um som arrepiante quebrou o silêncio soturno.

Era o apito de um comboio à distância.

Tem que ser agora, Percebeu, estremecendo. Ele deve estar por perto.

O telemóvel vibrou. Olhou para ele e viu uma única palavra na mensagem que Jenn enviara para ela e Bill...


Aqui!


Encontrou-o! Percebeu Riley.

Riley desatou a correr na direção de Jenn.


*


Quando Bill viu a mensagem, também ele começou a correr. Ele sabia estar mais perto de Jenn do que Riley.

Ainda hesitou em ligar a lanterna do telemóvel que denunciaria o exato local em que se encontrava. Pelo menos o céu estava a clarear e uma luminosidade desmaiada anunciava o nascimento do dia.

Com cuidado para não tropeçar, correu o mais rapidamente que conseguia.

Por fim, viu algo a mexer-se na linha mais à frente. Viu duas figuras a lutar.

Jenn e Eggers! Pensou Bill.

Ligou a lanterna e correu na sua direção. Quando chegou ao local, viu que uma mulher já estava amarrada aos carris – completamente imóvel, ainda inconsciente.

Jenn parecia estar a levar melhor sobre o adversário, mas Eggers de repente conseguiu fugir. Começou a afastar-se ao longo da linha com Jenn bem atrás dele.

Bill olhou para a mulher a seus pés. O som da locomotiva era cada vez mais próximo.

Demasiado próximo, Apercebeu-se.

E a mulher estava amarrada aos carris tal como as outras.

Bill gritou a Jenn.

“Deixa-o! Preciso de ajuda aqui!”

Jenn voltou para trás. Hesitou mas então correu para junto de Bill.

“Ele está a fugir,” Queixou-se Jenn.

“Não o vamos deixar ir longe,” Disse Bill. “Ajuda-me aqui.”

Bill e Jenn abriram os canivetes e cortaram desperadamente a densa fita adesiva que prendia a mulher.

A mulher murmurou, “Onde é que estou?”

Quando a soltaram, já estava a recuperar a consciência.

De repente, começou a contorcer-se e dar pontapés, e Jenn gritou...

“Raios!”

A vítima já estava solta, mas estava assustada. Bill tentou acalmá-la para a retirar da linha. Ela rebolou, a chorar, mas ficou onde estava.

Bill ouviu a voz de Riley a chamar...

“Bill! Jenn!”

“Estamos aqui!” Gritou Bill.

Agora a luz da locomotiva já era visível à distância. O comboio fazia a curva.

Riley gritou, “Saiam da linha!”

Bill saiu mas Jenn gritou.

Ainda estava deitada onde tinham tentado acalmar a vítima e Bill viu o que se passava.

A sola pesada do seu sapato estava presa debaixo do carril de aço.

Não se conseguia soltar.

“Não vale a pena,” Disse Jenn. “Saiam.”

Bill lembrou-se de imediato de outra jovem agente, Lucy Torres, que morrera à sua frente.

Não outra vez, Pensou. Nunca mais.

Com o seu canivete, começou a cortar o sapato para libertar o pé de Jenn.

Então Riley estava a seu lado a puxar a perna de Jenn.

Mas a luz agora cegava.

Bill olhou para cima e viu a forma aterradora da locomotiva a vir na sua direção.

“Vão!” Gritou Jenn.

Durante um longo momento, parecia que todos iam morrer ali.

Mas então, Bill viu todo o corpo de Jenn a levantar-se e a virar-se. O movimento libertou o pé do carril.

Bill olhou para cima e viu Mason Eggers à sua frente, levantando Jenn, virando o seu corpo para que o pé se libertasse.

Depois atirou Jenn para fora da linha.

Bill e Riley também saíram da linha.

Um apito arrepiante fez-se ouvir.

Depois ouviu-se o grito do metal contra metal quando o engenheiro travou.

Bill olhou para trás e viu Mason Eggers ainda no meio da linha com os braços esticados e a luz da locomotiva a iluminar-lhe o corpo.

Olhando de frente para o o monstro de aço, Eggers gritou – tão alto que Bill ouviu a sua voz acima do ruído do motor...

“Arlene!”

Depois a locomotiva passou e Eggers desapareceu.


CAPÍTULO QUARENTA


Sentada e à espera no palco do auditório da escola, Riley sentiu um arrepio.

Medo, Percebeu com alguma surpresa.

Não um medo profundo ou pânico. Ainda assim, parecia ridículo ter medo dadas as circunstâncias – sobretudo depois de ela e os colegas terem sobrevivido há apenas uma semana.

Para além disso, Não era a primeira vez que falava perante um grupo de pessoas. Dera muitas aulas na UAC. Ainda assim, falar em público perante uma audiência sobretudo composta por estranhos criava sempre alguma ansiedade nela.

Lembrou-se...

Isto é importante. Isto é uma coisa importante.

Afinal de contas, era a celebração de algo muito importante para ela. Era o dia em que Jilly concluía o preparatório. Apesar de a escola não ter uma cerimónia formal para assinalar o acontecimento, o Conselho Diretivo organizara aquilo a que chamavam uma pequena reunião inspiracional.

Pediram a Riley para ser a oradora.

E é claro que ela se sentira honrada com o gesto.

O diretor da escola estava agora no pódio. As suas observações de parabéns pareciam nunca mais terminar e Riley tinha dificuldade em estar atenta às suas palavras.

Não conseguia parar de pensar em Mason Eggers – nos crimes terríveis que cometera e na morte horrível que tivera.

Não restara muito do seu corpo para ser analisado pelos médicos-legistas. Ainda assim, encontraram um tumor maligno no seu cérebro. Tal como Jenn sugerira, deve ter sido a causa das terríveis alucinações.

A julgar pelos seus registos médicos, a doença ainda não fora diagnosticada. Ele podia ter consciência de alguns sintomas como dores de cabeça, sensações físicas perturbadoras e lapsos cognitivos, sem nunca perceber qual era a causa.

Com toda a certeza que não sabia porque é que tão terríveis impulsos estavam a controlar a sua vida – porque é que misteriosas e irresístives vozes o comandavam a revisitar o suicídio da mulher vezes sem conta, sacrificando brutalmente vítimas no seu lugar.

Deve ter sido horrível para ele, Pensou Riley.

No final de contas, ele não era mau. Ele fora um homem bom que vivera uma boa vida. Mas um mal inclassificável tinha invadido a sua mente, destruindo-o e acabando com as vidas de três mulheres.

Riley tentou imaginar como é que ele se devia ter sentido nos últimos segundos de vida.

Talvez não tenha sido tão terrível, pelo menos para ele.

Foi-lhe fácil pensar que na profunda confusão da sua mente, a luz da locomotiva lhe surgisse como a luz ao fundo do túnel para uma outra vida. Talvez tivesse a certeza que se fosse reencontrar por fim com a sua amada Arlene.

Afinal de contas, o seu nome foi a última palavra que dissera antes de morrer.

Ou talvez estivesse a pensar...

Quem sabe? Pensou Riley.

Tentou esquecer esses pensamentos tristes pensando apenas em algo que a deixara feliz – na carta de desculpas que Bull Cullen fora forçado pelos seus superiores a escrever para Jenn acerca do seu comportamento atroz.

Não era certo que alterasse o comportamento futuro de Cullen, mas Jenn tinha feito a coisa mais certa e tinha obtido bons resultados.

Riley também se lembrava com prazer da expressão acobardada e desmoralizada no rosto de Carl Walder quando foi capaz de a congratular pela resolução do caso. E agora ela via essa mesma expressão sempre que o encontrava na UAC por aqueles dias.

Pobre tipo, Pensou – sem o sentir.

Agora toda a gente no FBI sabia que ele tinha afastado Riley do caso quando esta estava à beira de apanhar um assassino em série.

Na verdade, as notícias do seu sucesso tinham-se espalhado pela comunidade policial. A reputação de Riley estava salva, tão sólida como sempre.

Mas agora chegara o momento de afastar tais pensamentos – não importava quão aborrecido estivesse a ser o diretor. Afinal de contas, algumas das pessoas que Riley mais amava no mundo estavam ali à espera que ela falasse.

Jilly estava sentada numa secção especial juntamente com outros que iam para o secundário no próximo ano. April estava na plateia geral na companhia de Gabriela. Assim como Bill e Jenn – tinham sido tão amáveis em vir! Jenn ainda andava de muletas da entorse que sofrera na linha, mas estava a recuperar bem.

Riley estava grata por também Blaine ali estar. Apesar da filha não estar no preparatório, ele dissera que era importante passar o máximo de tempo possível com Riley quando ela estava em casa.

Resumindo, o mundo de Riley era bom naquele momento. As miúdas tinham-se saído bem nas provas finais e ansiavam pelas férias de verão. Tinham recebido notícias de Liam e ele estava feliz na sua nova casa.

Por fim, o diretor concluía o seu discurso.

Disse, “Agora quero apresentar-vos um dos nossos pais. A Agente Riley Paige tem uma carreira notável no FBI com muitos louvores e medalhas. Mas vou deixar que a Sra. Paige fale na primeira pessoa.”

O público aplaudiu e o medo de Riley evaporou-se como por magia.

O momento era demasiado precioso para ter medo.

Levantou-se da sua cadeira, caminhou em direção ao pódio, ajustou o microfone e começou.

“Deixem-me falar-vos sobre oportunidades e as maravilhas que vos esperam na vida – mais maravilhas do que possam imaginar... “


*


Riley sentia-se fantástica quando Blaine os levou para casa depois da cerimónia. O seu discuros correra muito bem. Era sexta-feira e ela estava ansiosa por usufruir de uns dias de férias com a família e com o namorado.

Até uma carta na caixa do correio não perturbou a sua felicidade. Levou-a para junto do resto do correio – a maioria publicidade.

Pousou o correio na mesa da sala de estar e Jilly começou a vasculhá-lo.

“Esta é de Phoenix,” Disse Jilly.

A palavra perturbou ligeiramente Riley.

Phoenix.

Fora onde Riley encontrara Jilly. A menina magra fora expulsa de casa e andava com prostitutas numa paragem de camiões. Riley descobrira-a na cabine de um camião, à espera de um camionista.

Felizmente, outra rapariga dera a dica sobre Jilly a Riley que a levara para uma instituição. Contudo, a certa altura tinha-se-lhe tornado óbvio que tinha que ser ela a tomar conta daquela menina.

E hoje, sentiu-se abençoada e grata por ter feito isso.

Mas uma carta de Phoenix...

... seriam boas ou más notícias?

Riley abriu o envelope nervosamente. Viu que os papéis no seu interior davam a informação de uma data para comparecer em tribunal no futuro próximo. Tinha uma nota de Brenda Fitch, a assistente social que colocara Jilly ao cuidado de Riley.


Temos tratado de toda a papelada para finalizar a adoção de Jilly Scarlatty. Mas como pode ver, deparámo-nos com um obstáculo. Albert Scarlatti, o pai da menina, recusa-se a dá-la para adoção. Não só contesta a adoção como ameaça acusá-la de rapto por a ter levado. Diz que nos acusa de cumplicidade.

Sabemos que estar consigo é o melhor para a Jilly. Conseguimos uma audiência com um juiz. Sei que é muito em cima da hora, mas se tivermos que alterar a data da audiência, não sei quem teremos. Precisamos mesmo que você e Jilly compareçam. Na verdade, venha mais cedo para podermos rever o caso juntas.


O coração de Riley batia descompassadamente.

Deu por si a pensar sobre o que Jilly lhe dissera há uma semana quando Riley se sentira desmoralizada.

“Ainda vais resolver o caso. Eu tenho a certeza.”

Jilly estivera absolutamente certa.

E aquelas eram as palavras exatas que Riley precisava de ouvir.

Riley sentiu um nó de emoção na garganta. Como as coisas tinham mudado desde que Jilly entrara na sua vida!

No passado, Jilly precisara de Riley.

Agora Riley precisava de Jilly tanto quanto Jilly precisava dela.

Não a posso perder, Pensou Riley. Nem pensar.

Com um suspiro profundo, Riley pousou a nota e olhou para Jilly que esperava para saber o que continha a carta.

“Eu e tu temos que ir a Phoenix,” Disse ela.

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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