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DETETIVE POR ENGANO / Clark Carrados
DETETIVE POR ENGANO / Clark Carrados

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

DETETIVE POR ENGANO

 

     Frank Rymer é um tranquilo funcionário administrativo de uma empresa seguradora.

     Ficou surpreso quando, ao chegar ao apartamento onde morava, havia uma linda loura alta, de olhos azuis, esperando-o no corredor.

     Mais espantado ainda ficou quando a desconhecida moça pediu-lhe que a beijasse. Depois, entrando no apartamento, ela contratou-o para localizar um objeto que estava escondido dentro de um volume da "Enciclopédia Britânica".

     Frank achou tudo muito estranho, pois não tinha nenhuma experiência como detetive. Mas, como o pagamento pelos serviços era bom e vinha em boa hora, decidiu aceitar a incumbência que lhe parecia fácil de ser resolvida.

     Mas, o desenrolar da missão mostrou-lhe que havia muitos interesses envolvidos, alguns bastante inescrupulosos.

     Apesar de ver-se envolvido com uma quadrilha de malfeitores, continuou o trabalho usando sua intuição, rapidez de raciocínio e um bom treinamento físico.

     Quando conseguiu elucidar o mistério, ainda ganhou o coração de Myra Wedder.

 

  

   Frank Rymer sempre gostara das mulheres altas. Talvez porque sentisse complexo de altura. Frank não era baixo, tampouco era um homem alto. Na realidade, não poderia ser considerado o protótipo do rapaz norte-americano.

   Era um homem comum, de um metro e setenta e dois centímetros de estatura, cabelos castanhos e olhos escuros. Mas não era feio e apesar de sua aparente falta de altura, mais de uma mulher se virava para olhá-lo pela segunda vez.

   Ademais, tinha outras qualidades, algumas físicas, outras intelectuais. Não era de modo algum uma pessoa delicada e era muitíssimo mais rápido do que aparentava.

   Para desgraça sua ou talvez por sorte, não tivera tempo, nem ocasião de colocar em relevo tais qualidades. Em resumo, até o momento era o clássico homem cinzento, apagado.

   Porque gostava tanto das mulheres altas, olhou muito interessado para a esplêndida loura que cruzou com ele no corredor quando ia entrar em seu apartamento.

   Contemplou-a detidamente de cima abaixo. Sim, uma pequena deliciosa. Alta, loura, de olhos intensamente azuis e com um corpo flexível de taitiana enfiado num magnífico vestido azul, dotado de um decote ousado.

   A loura deixou atrás de si uma penetrante esteira de perfume. De repente, quando Frank tentava colocar a chave do apartamento na fechadura, ouviu-a pronunciar seu nome.

   — Rymer?

   Frank se virou. A loura corria para o lado dele. Seu coração começou a pulsar fortemente. Ela sorria feiticeiramente.

   — Rymer? — repetiu. Frank engoliu em seco.

   — Sim, eu mesmo...

   Ela fechou os braços em seu pescoço. Como usava sapatos altos, muito altos, ficava cinco centímetros mais alta do que ele.

   — Beije-me, rápido, com fúria, como se estivesse filmando uma cena de amor.

   — Eh? Quê?... — exclamou Frank aturdido.

   — Vamos, não seja estúpido — falou a loura, encurralando-o centra a porta que ele ainda não abrira.

   Apesar de tudo, foi ela quem tomou a iniciativa. Seus lábios cálidos, polpudos, esmagaram os do jovem.

   Frank rodeou com seus braços a esbelta cintura da loura.

   Estará louca? — perguntou a si mesmo.

   Ouviu vagamente uns passos junto deles. Alguém soltou uma piada nada amável.

   Pareceu a Frank que se tratava de dois indivíduos. Estes desapareceram no corredor.

   Então, a loura despregou os lábios, para desgosto de Frank, que sorria.

   — Obrigada, senhor Rymer. E agora, abra logo a porta.

   — Mas, por favor, senhorita. . .

   Ela observou que a chave ainda estava colocada na fechadura. Com grande desenvoltura, a fez girar, abriu a porta e entrou sem mais nem menos no apartamento.

   — Feche rápido — ordenou ela.

   Frank obedeceu maquinalmente. A loura lhe entregou um lenço que acabara de tirar da bolsa.

   — Tome. Limpe os lábios. Eu vou me pintar outra vez. Por favor, onde fica o banheiro?

   — Naquela porta. Mas...

   — Obrigada, senhor Rymer. Voltarei dentro de uns minutos. Ah, prepare uns drinques, se tiver com quê.

   E saiu, deixando Frank completamente desconcertado com o lenço na mão.

   Ao fim de uns segundos Frank, que não compreendia nada do que estava acontecendo, limpou os lábios e logo caminhou para a cozinha.

   Tirou cubos de gelo do congelador e voltou à sala. Pegou uma garrafa encheu dois copos e esperou. Acendeu um cigarro, enquanto esperava. Era suficientemente discreto para não acreditar numa simples aventura amorosa. As mulheres formosas — pensou — não andam por aí distribuindo beijos e abraços.

   Pouco depois, ela apareceu. Seus olhos brilhavam maliciosamente.

   — Deve ter pensado coisas horríveis de mim, Senhor Rymer.

   Frank fez um esforço para sorrir.

   — A senhorita nem me deu tempo para pensar. Seus gestos foram muito atordoadores para que eu pudesse raciocinar.

   — Muito galante — respondeu a loura, com uma curta gargalhada. — Ah, perdão, eu me chamo Myra Wedder. Quer colocar dois cubos de gelo em meu copo? Assim, muito obrigado, senhor Rymer.

   Frank lhe entregou o copo. Logo bebeu um bom trago do seu.

   — Um cigarro, senhorita Wedder?

 — Sim.

   Myra se sentara desenvoltamente no braço de uma cadeira, com as pernas cruzadas, deixando ver um fascinante par de pernas enfiadas em meias de nylon. Aspirou duas tragadas de fumo e logo deixou copo e cigarro numa mesinha a seu lado.

   — Eu o procurava, senhor Rymer, embora deva confessar que, no primeiro instante estava distraída. Alegro-me de encontrá-lo tão oportunamente.

   — Estava a minha procura? — perguntou Frank, assombrado. — E para quê, se posso saber?

   — Pode — respondeu Myra sobriamente. — Espere um pouco.

   Abriu a bolsa de custosa pele de crocodilo e tirou uma chave.

   — Serve para abrir o número quatro mil seiscentos e vinte de Hill Road. Vá lá, com todo cuidado. Entre na casa, vá até a biblioteca e procure o quarto volume da Enciclopédia Britânica. Examine esse volume profundamente. Amanhã pela manhã, eu o chamarei e você me comunicará o resultado de suas pesquisas. Compreendeu?

   Frank a olhou fixamente.

   — Não!

   Myra pareceu se surpreender.

   — Julguei ter-lhe explicado com suficiente clareza.

   — Sim, no que se refere ao que devo fazer nessa casa de Hill Road. Não, quanto aos motivos pelos quais devo ir.

   A jovem sorriu.

   — Ah, compreendo. Honorários adiantados. Muito bem, é lógico.

   Abriu de novo a bolsa, tirou um impressionante maço de notas e contou dez, que separou e entregou ao jovem.

   — Mil. Conte. Não preciso de recibo. Conheço sua reputação e sei que sua palavra vale tanto quanto uma assinatura diante de um tabelião, senhor Rymer.

   Frank continuava atônito.

   — Mas...

   Ela terminou seu uísque, deu uma tragada no cigarro e ficou em pé.

   — Eu o chamarei as oito da manhã.

   — Escute um momento. . . Myra se dirigiu para a porta.

   — Sinto, mas não tenho tempo Senhor Rymer. Temos que agir com muito cuidado. Você não notou os dois tipos que me seguiam?

   — Dois tipos?

   — Sim, quando nos beijávamos. Eu fiz aquilo para que eles não me reconhecessem e concordará comigo que foi um truque perfeito.

   Olhou-o com um sorriso malicioso.

   — E agradável, não?

   — Sim, claro, mas... Espere, espere um momento, senhorita Wedder...

   Myra já tinha a mão na maçaneta da porta. Virou-se e olhou para ele muito séria.

   — Tome cuidado, senhor Rymer, Derell Zenko é um sujeito perigosíssimo. Até amanhã às oito.

   Abriu a porta, olhou à direita, depois à esquerda e logo, antes que o atônito Frank pudesse raciocinar, desapareceu de sua vista.

   O jovem permaneceu um momento imóvel, contemplando com estupefação a chave e as dez notas de cem que Myra lhe entregara.

   Parecia uma jovem calma, mas agia com a vertiginosidade de um torvelinho, de um furacão. Sempre julgara que as pequenas altas, louras e lindas eram de caráter lânguido e repousado.

   Myra desmentia radicalmente essa impressão.

   — Tinha que ser pequenina, morena e de olhos pretos.

   E, de súbito, se lembrou do nome que Myra pronunciara.

   — Zenko? Que diabo é esse tipo?

   Só havia um meio de saber. Foi ao telefone e discou um número.

   — Chefatura de Polícia? Com o Tenente Cardoso, por favor.

   Cardoso era um oficial da polícia, bom amigo seu. Reúnem-se todas as semanas, com mais quatro, na folga semanal do policial para arriscarem uns dólares no pôquer.

   — Fala Cardoso — soou uma voz no aparelho.

   — Tomás? Sou eu. Frankie, Frankie Rymer.

   — Ah! Olá, Frankie. Que deseja? Alguém lhe roubou? — perguntou o policial.

   — Afortunadamente, não, desde que ganhou trinta e oito dólares no último dia.

   Cardoso começou a rir.

   — Saber lidar com as cartas não é segredo. Está bem, em que posso servi-lo?

   — Quem é Derell Zenko?

   Houve uma pausa de silêncio. Frank se impacientou.

   — Tomás?

   — Ainda estou aqui, Frankie. Por que se interessa por Zenko?

   — Digamos por curiosidade... profissional, Tomás.

   Frank desempenhava um importante serviço numa companhia de seguros, onde vislumbrava um brilhante futuro.

   — Está bem, eu lhe direi — respondeu Cardoso. — Zenko é um gangster dos piores, embora disfarce suas atividades debaixo da capa de chefe do Sindicato de Carregadores Portuários. Se pudéssemos segurá-lo... — suspirou o policial, melancolicamente.

     — E' só o que eu queria saber, Tomás, muito obrigado.

   Frank desligou o telefone. Depois pegou a lista telefônica e começou a folheá-la. Assim descobriu que o número 4620 de Hill Road pertencia a um tal Sol Tubble, mas a lista não indicava a que se dedicava o citado sujeito.

   Fechou o livro pensativamente.

   Devia aceitar o encargo de Myra Wedder?

   O sensato era esperar até às oito horas do dia seguinte. Então lhe diria que sentia muito, não podia...

   Mas, por outro lado, certo bichinho aventureiro o impulsionava a seguir em frente.

   — E além de tudo há seu rosto lindo, também — murmurou.

   Tinha tempo para pensar. Pelo que supunha não iria para lá durante o dia. Então, quando ainda não adotara nenhuma decisão, soou a campainha.

  

   Abriu a porta. Instantaneamente, sem que os tivesse visto alguma vez, compreendeu que tinha diante de si dois esbirros de Derell Zenko.

   — Rymer? — perguntou um deles.

   Era um tipo alto e de ombros largos, com rosto de boxeador aposentado, mas ainda capaz de romper portas a socos. O outro, entretanto, era magro como uma espada e com um nariz que parecia, uma adaga curva.

   — Sim, eu mesmo.

   O boxeador o empurrou suavemente. — Entre, ordenou. — Feche a porta, Jory.

   Os dois sujeitos entraram no apartamento. O delgado Jory se virou, fechou a porta com a chave e guardou esta no bolsinho.

   — Pronto, Brant.

   Frank agora já conhecia os nomes dos dois sujeites. Olhou-os inexpressivamente.

   — Faz uns minutos saiu daqui uma pequena chamada Myra Wedder. De que falaram? — falou Brant.

   — De que vocês estão falando? — perguntou Rymer.

   — Não se faça de engraçadinho — resmungou Brant.

   — E' melhor começarmos logo o tratamento direto — recomendou Jory torvamente.

   — Espere um pouco — pediu Brant. — Talvez possamos arrumar tudo por meio da diplomacia. Fale, Rymer.

   — Não entendo nada — respondeu Frank, imperturbável.

   Brant suspirou.

   — E' uma moça esperta. Ela nos enganou muito bem quando o beijava. Mas esse engano já não tem mais razão de existir. Que foi que ela lhe disse, Rymer?

   O jovem sorriu.

   — Falou em chinês, pois eu não estou entendendo bulhufas — respondeu.

   Uma chispa de ódio brilhou nos olhos de Brant. O jovem compreendeu que Brant começaria a atacar.

   — Engraçadinho — murmurou Jory. — Surre-o, Brant.

   O boxeador disparou repentinamente seu punho, sem aviso prévio.

   Falhou, pois o punho grande como um presunto, não encontrou o alvo.

   Frank saltara para o lado, com singular agilidade. Ao errar o golpe. Brant ficou inclinado para frente, com o lado esquerdo a descoberto.

   Frank lhe assentou ali uma terrível cutelada com a mão direita. O boxeador soltou um grito de angústia.

   Frank o golpeou atrás da orelha. Brant caiu de joelhos, aturdido pelos golpes que recebera sem saber como. Imediatamente, o jovem levantou a perna direita e lhe bateu com a ponta do sapato no queixo.

   Brant caiu de bruços, sem sentidos. Frank deu dois passos para trás.

   Jory atacava com uma navalha de mola na mão. Possivelmente sua intenção não era matá-lo, mas sim, intimidá-lo.

   — Bem se querem barulho...

   Agarrou uma cadeira pelas costas e a jogou para frente. As pernas bateram violentamente no peito do adversário.

   Jory riu de ira. Frank continuou atacando. A cadeira bateu de novo em seu peito. Frank a usava implacavelmente, de qualquer modo, como uma espada ou um pistão: para frente, para trás, para frente, para trás... Cada empurrão seu na cadeira, eram quatro golpes simultâneos que o rufião recebia no rosto, no peito, no ventre.

   — Basta, basta — gemeu Jory, de repente, caindo de joelhos.

   A navalha caíra ao alcance de sua mão. O aspecto físico de Frank era enganador.

   Gostava de cuidar do físico, talvez como compensação pelas longas e tediosas horas de trabalho. Agora podia lutar a vontade, sem dissimulação como no ginásio, onde todos os dias lutava um pouco de boxe, além de outros esportes de força e agilidade.

   Agarrou Jory pela gola e o levantou no ar. O rufião o olhou com os olhos arregalados pelo assombro.

   Fechou-os um segundo depois, quando o punho de Frank explodiu em sua mandíbula. Com esse golpe o valentão caiu sobre o tapete como uma massa informe.

   Continuando, Frank se inclinou sobre os dois sujeitos e os revistou cuidadosamente, despojando-os de suas automáticas.

   — Teria estranhado muito se eles não as tivessem — comentou para si mesmo.

   Guardou uma das armas debaixo das almofadas do divã. Logo se serviu de um copo de uísque.

   — O prêmio do vencedor — disse, sorrindo.

   Os valentões despertaram momentos depois. Frank os contemplou serenamente, sentado no divã, com as pernas cruzadas. Tinha a mão direita apoiada numa das almofadas.

   Jory sentou no chão e o contemplou com uma expressão turva. Brant sacudiu a cabeça várias vezes e logo soltou uma espantosa imprecação.

   — Mal-educado — disse Frank, sem deixar de sorrir.

   Brant ficou em pé. Vacilou um momento, mas não tardou a firmar os pés no chão.

   De repente, deu um passo à frente. Frank levantou a mão direita e lhe apontou uma arma.

   — Nada disso, amigo. Para mim, o exercício físico já terminou por hoje. A única coisa que penso fazer, se vocês me obrigarem, é apertar este gatilho.

   — Zenko saberá o que aconteceu aqui — resmungou Brant.

   — Se eu estivesse em seu lugar, não contaria — respondeu o jovem.

   — Peor quê? — perguntou Brant.

   — São dois. Eu, um só. Ambos estavam armados e sua envergadura é superior à minha. Não conheço o tal Zenko, mas se eu fosse ele ficaria muito furioso com dois subordinados meus tão estúpidos, pois deixaram-se vencer por um insignificante escriturário.

   — Escriturário você? — falou Jory.

   — O que quer dizer? — perguntou o jovem.

   — Nada, você sabe tão bem quanto eu, Brant. Será melhor irmos embora.

   Frank apontou-lhes a arma.

   — Fiquem tranquilos, camaradas, façam de conta que estão pregados ao solo e que não podem caminhar.

   — Que é isto, agora? — perguntou Brant.

 — Simplesmente quero uma resposta para a pergunta que vou fazer. — Por que perseguiam aquela jovem loura?

   — Quer dizer que você admite — disse Jory.

   — Respondam — contestou Frank. — Vamos, respondam.

   — Este assunto não lhe interessa — disse Brant.

   — Vocês são dois valentões e entraram em minha casa para me atacar. Nenhum júri me condenará se eu atirar... e eu os matarei se não me responderem!

   Brant engoliu em seco. Jory empalideceu.

   — Raios, você não. . .

   — Responda!

   — Está bem. Zenko nos mandou seguir a pequena.

   — Para quê?

   — Ela tinha uma... chave. É tudo o que sabemos.

   — E vocês tinham de reavê-la?

   Jory emitiu um grunhido de assentimento.

   — É tudo o que sabem? — perguntou Frank. Jory encolheu os ombros.

   — Parece que o chefe de vocês não gosta de fazer muitas confidencias — comentou o jovem.

   — Mais ou menos — grunhiu Jory.

   — Está bem, saiam, vão embora. E de outra vez tenham mais cuidado com quem se metem. Zenko é um idiota por ter empregados como vocês para fazerem os "serviços"!

   — Pode ser que demore muito a ratificar essa opinião — ironizou Brant bruscamente.

   — Fora, bichos — enxotou-os o jovem.

   Ao ficar sozinho, fechou a porta com duas voltas de chave.

   — Uf! — respirou, aliviado. — Para minha primeira luta, até que não me saí muito mal.

   E se serviu de um terceiro cepo, que o fez ver as coisas num agradável tom rosado: ele e Myra. Uma igreja, flores brancas, música de órgão.

   De repente se lembro que para fitá-la, teria de levantar os olhos. Cheio de raiva agarrou o copo e o jogou contra a parede.

   Sentou no divã, perdendo repentinamente o humor. Assim ficou mais de uma hora.

   Quando se moveu, olhou para a janela. Já era de noite.

   Preparou uma ligeira refeição e comeu lentamente. Os pratos ficaram quase cheios.

   — Bem, apesar de tudo, cumprirei minha palavra. Irei a essa casa, olharei o quarto volume da Enciclopédia Britânica, falarei amanhã com Myra... e aqui terminará a história.

   Já se dispunha a sair, quando subitamente teve uma ideia.

   Atenuou a luz, apagando algumas lâmpadas. Depois se aproximou da janela e olhou para a rua.

   Um sujeito lia um jornal, na calçada em frente.

   — Tem uma vista esplêndida, apesar da escassa iluminação de que dispõe — observou ironicamente.

   Mas não poderia sair de casa, sem que o esbirro de Zenko o visse imediatamente. Frank botou o cérebro para funcionar, tratando de achar uma solução para aquele problema.

   — Não tardou em encontrar uma solução. Defronte de sua casa existia uma confeitaria da qual era cliente assíduo.

   Afastou-se da janela e aproximou-se da mesinha do telefone. Levantou o fone e discou um número .

   — Billy? — disse quando lhe responderam do outro, lado da linha. — Aqui fala Rymer. Posso lhe pedir um favor?

   — Decerto. Senhor Rymer — respondeu o garção. — De que se trata?

   — Olhe para a frente de minha casa, do lado esquerdo de seu negócio e veja se não há um sujeito me vigiando.

   — Sim — respondeu o garção.

   — Preciso de sua ajuda para me desfazer desse sujeito, Billy.

   — Não será alguém da polícia. Senhor Rymer? — perguntou Billy receosamente.

   Frank começou a rir.

   — Não. É um detetive de uma agência de informação. Há uma senhora no meio e o marido parece que... que.. . — Frank tossiu como querendo insinuar alguma coisa. — Compreendeu, Billy?

   O garção riu também.

   — Em que embrulhada se meteu, senhor Rymer! Bem, o que tenho de fazer?

   — Ele está lendo um jornal. Não sei como pode arrumar-se com tão pouca luz, mas se tem vocação para cego, é coisa sua. Bem, bastará que dentre de cinco minutos saia e lhe diga que o seu chefe o chama por telefone. Talvez lhe faça alguma pergunta mas diga que não sabe de nada. E se protestar, jogue a culpa em seu chefe, também. Compreendeu, Billy ?

   — De acordo, senhor Rymer. Fique tranquilo. Cinco minutos, não?

   — Exatamente.

   Frank desligou o telefone.

   Olhou o revólver sobre a mesa, fez uma careta e jogou-o junto ao outro, debaixo das almofadas do divã.

   Deixou a luz acesa e abandonou o apartamento, descendo para a porta da rua. Uma vez ali, aguardou, prudentemente resguardado num ângulo sombrio. Três minutos depois, Billy saiu. Frank o viu falar com o sujeito do jornal, que fez um rosto de assombro claramente visível, apesar da distância. Protestou verbalmente, mas Billy encolheu os ombros e voltou para sua confeitaria.

   O valentão dobrou o jornal, lançou uma olhadela para cima, e com passo dolente, seguiu Billy.

   Então, quando o espião desapareceu no interior do estabelecimento, Frank abandonou o esconderijo e correu para o carro que estava parado a quatro ou cinco metros do portão. Momentos depois arrancava em direção de Hill Road.

   Ao tempo em que arrancava, lançou uma olhadela pelo espelho. Riu alegremente. O esbirro de Zenko continuava ainda no interior da confeitaria.

   — Evidentemente, sou um sujeito engenhoso — comentou em voz alta com muito pouca modéstia.

  

   As luzes do porto brilhavam a um quilômetro de distância.

   A estrada, ampla e bem asfaltada, subia serpenteando pela colina coberta de vegetação, entre as quais se divisavam numerosas vivendas, todas elas vilas e chalés bastante separados entre si. Hill Road era um bairro de luxo.

   Os faróis tinham uma tonalidade azulada, que emprestava à paisagem noturna um ambiente melancólico. O movimento diminuíra notavelmente.

   A maioria dos habitantes do lugar já estavam em suas casas. Não obstante, ainda era cedo e era rara a vila em que se viam luzes.

   Continuou em frente. De modo algum convinha que vissem um carro parado em frente ao edifício. Duzentos metros mais adiante, encostou o carro na calçada, parou, freou e desligou a chave de contato.

   Saltou do carro e meteu a mão no bolso, segurando a chave da casa com os dedos. Uma vez mais perguntou a si mesmo, o que esperava achar Myra naquele lugar.

   Chegou à casa. Havia um jardim em volta, rodeado por uma pequena vala baixa. Frank levantou o trinco do portão e passou para o outro lado.

   A casa estava às escuras. Era de estilo um pouco antiquado, mas difícil de passar de moda. Via-se claramente que fora construída vinte e cinco ou trinta anos antes, de uma forma honesta e sólida. Duraria cem anos sem necessidade de reconstruí-la.

   A porta se encontrava a um metro do solo, separada por uma escada de cinco degraus. Uma marquise, com aspecto de templo grego estilizado, sustentada por duas colunas douradas, protegia a porta.

   Frank enfiou a chave na fechadura e a fez girar. A porta abriu facilmente.

   Depois de entrar, fechou a porta. Um tênue resplendor procedente da luz de um farol próximo, penetrava no vestíbulo através das janelas. Com a ajuda daquela débil iluminação, caminhou até a primeira porta que viu.

   Era a de uma sala de visita. Fechou cuidadosamente e virou-se completamente.

   Uma escada conduzia até o andar superior. Debaixo da mesma, se via outra porta.

   Frank deduziu que devia ser a de serviço, cozinha, etc. No início da escada encontrou outra porta.

   Cruzou o saguão e abriu-a. Sorriu, satisfeito. Era a biblioteca.

   Havia duas janelas, situadas de ambos os lados de um dos angulos da casa. Eram muito altas, iam de mais ou menos meio metro do solo até quase o teto. As cortinas estavam fechadas.

   Frank cruzou o umbral, fechou a porta às suas costas e logo puxou as cortinas. Já fizera um estudo do local e assim não lhe foi difícil chegar às cegas até a escrivaninha, na biblioteca e acender a lâmpada do abajur, em cima da mesma.

   Havia duas grandes e cômodas cadeiras de couro, de braços enormes,. Não emprestou a menor atenção a elas. Na realidade, foram apenas imagens que chegaram a seu cérebro de um modo subconsciente.

   Sua atenção estava concentrada nas estantes de livros. Não demorou a reconhecer a típica encadernação da Enciclopédia Britânica.

   Aproximou-se da estante e procurou o quarto volume. Com ele na mão, dirigiu-se para a mesa, sentando-se na cadeira atrás da mesma.

   Abriu o grosso livro e começou a folheá-lo, perguntando a si mesmo o que poderia encontrar nele. Pacientemente, passou página por página, até que, de repente, encontrou uma página sublinhada com lápis vermelho.

   Anotou a palavra, compreendendo que se tratava de um código e continuou passando as folhas. Trinta páginas mais adiante, encontrou outro traço vermelho.

   Examinar todas as palavras do livro não foi uma tarefa fácil, mas, por fim, Frank deu por terminada sua tarefa.

   Então contemplou a frase que reunira ao anotar as palavras sublinhadas com tinta vermelha; todas se achavam como parte integrante de uma oração.

   A frase tinha um significado enigmático.

   "Os três ratinhos se divertem quando sobe o nevoeiro, dirigidos por seu domador."

   Frank contemplou a frase com expressão preocupada e atônito ao mesmo tempo.

   — Que diabo significa isto? — resmungou.

   Tirou um maço de cigarros do bolso e colocou um na boca. Acendendo-o, aspirou o fumo com gesto pensativo.

   De repente, percebeu que não estava sozinho na biblioteca.

   No outro lado da mesa, sentado numa das cadeiras, havia um homem, que olhava fixamente.

   A cadeira estava colocada em sentido oposto ao da estante onde Frank tirara o livro e o seu encosto era muito alto para que o jovem tivesse visto o indivíduo. Logo, ao sentar-se atrás da mesa, tinha a atenção voltada para o livro e por isso não percebera a presença daquele sujeito.

   Frank sorriu, ao mesmo tempo que esticava a mão, oferecendo:

   — Um cigarro, amigo?

   O homem permaneceu silencioso.

   — Você não é muito educado, amigo .— se queixou o jovem. — E eu não sou ladrão. Entrei aqui com uma chave que me entregaram...

   Calou-se de repente. O silêncio obstinado daquele indivíduo lhe pareceu sumamente estranho.

   Um sombrio pressentimento invadiu seu ânimo. Ficando de pé, deu a volta na mesa e se aproximou do sujeito.

   — Está se sentindo mal? — perguntou solicitamente.

   Colocou uma das mãos no ombro do homem. Então, o homem deslizou silenciosamente de costas até o solo, onde ficou imóvel, com os olhos fixos no teto.

   O paletó abriu. Frank se assustou ao ver a pequena mancha que tinha no centro da camisa.

   Engoliu em seco duas vezes. Era a primeira vez que topava com o cadáver de um assassinado e isso lhe causara uma fortíssima impressão.

   Ao fim de uns minutos, sem embargo, se refez o suficiente para se ajoelhar e revistar cuidadosamente as roupas do sujeito. Além de alguns objetos pessoais sem importância, não trazia nada que o pudesse identificar.

   Não obstante. Frank pôde notar que aparentava uns trinta e cinco anos de idade e que em vida fora um sujeito muito atraente. A morte devia ter se produzido com bastante rapidez já que suas feições não tiveram tempo de se deformar.

   A causa da morte era uma punhalada. Certeira. No coração. A hemorragia fora interna, pois externamente pouco se notava o sangue.

   Ficou em pé limpando maquinalmente os joelhos. Não lhe agrada estar em companhia de um assassinado.

   Pensou em seu amigo Cardoso, mas disse a si mesmo, que se formulasse a denúncia diretamente, teria que lhe facilitar muitos detalhes. Certo sentido de egoísmo sobre seu posto na companhia de seguros se juntou à primeira consideração. Os chefes da empresa não gostariam que um funcionário de certa categoria estivesse envolvido com um crime.

   Voltou à mesa e guardou o papel onde realizara suas anotações. Logo, tirando um lenço, procurou apagar suas impressões digitais de todos os lugares onde estivera.

   O volume da enciclopédia, igualmente limpo, voltou para o seu lugar. Frank apagou a luz e se dirigiu para a saída.

   Quando já estava do lado de fora, respirou profundamente. Caminhou, com passo tranquilo até o carro.

   Uns minutos depois, empreendia o caminho de volta. O ar fresco da noite tranquilizou-o notavelmente .

   Perguntou a si mesmo se Myra Wedder sabia que haveria um assassinado na casa de Sol Tubble.

   Em tal caso, tentara fazê-lo aparecer como culpado?

   Não parecia uma possibilidade digna de levar-se em conta. O lógico, para Myra ter tido tal intenção, era de saber a hora exata em que ele ia visitar a casa e avisar à polícia, para fazê-la aparecer quando ele estivesse lá.

   Mas nada disso acontecera. O encontro do cadáver era uma mera casualidade, embora Frank desconfiasse que o tal sujeito devia estar procurando o mesmo que ele.

   — Os olhos de Myra Wedder me enfeitiçaram — resmungou, descontente consigo mesmo, quando já chegava nas imediações de seu domicílio.

   Sua ausência durara pouco mais de duas horas. O espião continuava lendo o jornal.

   Frank era um rapaz que só perdia o humor de vez em quando. Parou o carro, saltou e caminhou ao longo da calçada, até chegar junto ao pistoleiro.

   — Olá — disse, sorridente.

   O homem lhe dirigiu um olhar suspeito.

   — Eu me chamo Frank Rymer — disse o jovem — e moro na casa em frente, quinto andar, porta N. Eu o advirto de que já não vou sair de casa. Assim, se preferir, pode ir para a sua, descansar. Boa noite!

   O pistoleiro ficou boquiaberto. Tranquilamente Frank atravessou a rua e entrou no edifício.

   Quando entrou no apartamento, se dirigiu para a janela e olhou para baixo. O valentão desaparecera.

   Frank soltou uma gargalhada. Logo seu rosto se tornou sério. Acabava de se lembrar do assassinado.

   — Quem poderia ser? — perguntou a si mesmo. — Eu saberei amanhã, quando ler os jornais.

   Já avisara à polícia num telefone público que encontrara pelo caminho. Tranquilo a esse respeito, preparou um drinque e o sorveu lentamente, enquanto andava pela sala.

   Ao fim de uns minutos, pegou a lista telefônica. Sentiu-se defraudado. O nome de Myra Wedder não figurava no livro.

   — Bem, ela ligará para mim amanhã pela manhã.

   Dormiu melhor do que esperava, embora tivesse sonhado diversas vezes com o assassinado. Sem embargo se levantou fresco e descansado na hora de costume.

   Quando soou o telefone, já estava completamente vestido. Levantou o aparelho. — Rymer.

   — Bom dia — soou uma voz fresca e cristalina do outro lado da linha. — Dormiu bem?

   — Sonhei com indivíduos apunhalados, mas não mais, sem novidades — respondeu Frank.

   — Figura entre seus hábitos o de ter pesadelos? — perguntou Myra — rindo.

   — As vezes.

   — Está bem, cada um é dono de seu próprio cérebro — disse ela alegremente. — Que encontrou na casa?

   — Eu lhe contarei às cinco e meia da tarde.

   — Senhor Rymer! — protestou ela.

   — Às cinco e meia, nem um minuto antes.

   — Mas o trato foi...

   — Eu agora é que dirijo o negócio — manifestou Frank com voz enérgica. — As cinco e meia, no Caravana.

   E desligou, antes que Myra pudesse objetar sua decisão.

   Saiu para a rua. Não distante dele, um vendedor de jornais, gritava suas manchetes.

   Comprou um exemplar do Post e leu os títulos da primeira página. O assassinado não era Sol Tubble, proprietário da casa, que se achava ausente da cidade, e sim um respeitável cidadão chamado Cy Benning, advogado de profissão com um futuro promissor, apesar de sua juventude.

   Atravessou a rua e entrou na confeitaria de seu amigo. Billy apareceu no mesmo instante.

   — Tudo bem? — perguntou o garção maliciosamente.

   — Perfeito, Billy. Muito obrigado.

   — E a dama?

   — Liquidei o caso. Não quero mais compromissos .

   — Fez bem — aprovou Billy. — Certas damas nos dão verdadeiras dores de cabeça. Em que lhe sirvo, senhor Rymer?

   — Tenho pouco apetite. Um café com um bolinho.

   — Muito bem, é para já.

   — Billy — perguntou Frank — que lhe disse o tipo depois da chamada?

   — Enfureceu-se comigo — riu o garção. Era um sujeito forte, rijo, de potente musculatura. — Só lhe lancei uma olhadela e foi o bastante para que ele batesse em retirada, sem mais nem menos.

   — Obrigado, outra vez, Billy — sorriu o jovem. — Traga-me o café, rápido.

   — Pois não.

   Depois de ter consumido o parco desjejum, Frank se dirigiu ao trabalho. O dia se tornou infernalmente longo, mas sua jornada teve um fim.

   Saiu do escritório com um suspiro de alívio. Não obstante, soube dominar sua impaciência e não teve pressa de chegar ao lugar do encontro. Queria chegar com certo atraso.

   Myra ficaria nervosa. Isso lhe convinha.

   Myra, com efeito, estalava de impaciência quando Frank se sentou em frente a ela.

   — Quinze minutos de atraso — disse a jovem quase com cólera.

   — E alguns segundos — sorriu ele. Uma garçonete se aproximou, e ele pediu um Martini.

   Myra esperou que lhe servissem. Então, perguntou:

   — Bem, que encontrou na casa?

   — Que esperava encontrar ali? Ela titubeou.

   — Um pacote.

   — Que devia conter esse pacote?

   — Isso não importa, senhor Rymer. Eu lhe paguei para que fosse a dita casa e me trouxesse o que encontrasse no.. .

   _— Eu já sei; no quarto volume da Enciclopédia Britânica. — De repente, me ocorreu uma ideia. — Ouça, é que esse volume era falso ou oco?

   Myra corou ligeiramente. Frank soube assim que acertara.

   — Bem... — murmurou a jovem, impaciente, acrescentando: — Vai me entregar ou agora quer fazer chantagem?

   — Deus me livre — respondeu ele. — Mas, antes de dar-lhe o que encontrei ali, gostaria de lhe fazer algumas perguntas.

   — Pode ser que não convenha responder.

   — Então, eu irei embora agora mesmo...

   Myra esticou o braço impulsivamente.

   — Não. Espere — pediu com avidez.

   — E você?

   — Responderei. Pergunte.

   — Conhecia Cy Benning?

   — Um pouco — admitiu Myra entre os dentes.

   — Como? Quanto?

   — Não entendo.

   — Foi um conhecimento casual, o de dois vizinhos que se encontram diariamente na escada... ou havia uma relação mais íntima entre ambos?

   Myra sufocou.

   — Que está insinuando? — exclamou, indignada.

   — Responda.

   — Ele me pediu em casamento — disse ela, desviando os olhos.

   — E você, que respondeu?

   — É um homem atraente, jovem, de boa posição... mas eu não o amo.

   -— O que significa que você ainda dá preferência à voz do coração.

   — Claro, que pensava? O matrimônio é uma coisa muito séria, Frank.

   — Sobretudo para o homem que se casar com você — disse o jovem, sorrindo.

   Myra se ruborizou.

   — Deixe de me elogiar e fale de uma vez.

   — Já leu os jornais? — perguntou Frank.

   — Não, não consigo. Preocupações demais: guerra aqui, revolução ali. . . Na verdade, ler hoje em dia um jornal, equivale a adquirir uma preocupação para o resto do dia.

   — Uma filosofia muito interessante — aprovou ele. Puxou o exemplar do Post que ainda conservava. — Se você tivesse se casado com Benning, a esta hora seria a viúva de um advogado de promissora carreira.

   Abriu o jornal diante dos olhos de Myra. Ela empalideceu intensamente.

   — Meu Deus — murmurou em voz baixa. Frank deixou o jornal de lado.

   — Benning já estava morto na biblioteca, quando eu cheguei.

   O busto da jovem subia e descia convulsivamente.

   Frank acendeu um cigarro e passou para Myra.

   Ela tragou o fumo com força, duas vezes.

   — Mas me parece impossível...

   — Eu mesmo o vi e escapei, como é lógico.

   — Já estava morto quando você chegou?

   — Sim.

   Myra baixou a cabeça.

   — Então, sua ida à casa foi inútil?

   — Não.

   — Explique-se, por favor — pediu Myra, muito nervosa.

   — Encontrei o cadáver depois de ter examinado o volume da Enciclopédia Britânica. Naturalmente, fugi com a maior rapidez possível.

   — E não achou nada no volume?

   — Tanto lhe interessa o que devia haver ali?

   — Você nem pode imaginar. Frank.

   — Com efeito, eu me sinto incapaz. Mas é meu dever dizer-lhe que o volume não estava oco, e sim completo.

   Os olhos da jovem se dilataram pelo assombro.

   — Impossível!

   — Não me chame de embusteiro — resmungou Frank. — Eu disse exatamente o que vi.

   — Então, mudaram o volume — murmurou ela.

   — Quem?

   — Quem havia de ser? Derell Zenko.

   Frank acendeu um cigarro.

   Não se pode dizer que suas amizades sejam bem escolhidas. senhorita Wedder — comentou mordazmente.

   — Zenko não é meu amigo — respondeu ela, quase com violência.

   — Mas tem relações com ele...

   — Isso foi no passado.

   — E agora?

   Os olhos de Myra relampejaram.

   — Agora — manifestou com voz cortante — quero derrotá-lo.

   — Por meio desse suposto pacote que eu devia encontrar na casa que revistei.

   — Exatamente.

   — Mas o pacote não estava lá.

   — Você me ajudará a encontrá-lo.

   — Não sei como, senhorita Wedder. Sabe de outro lugar onde pode estar?

   Ela moveu a cabeça com gesto desanimado.

   — Não. Tinha que estar ali.

   — Quem o indicou?

   — Um... amigo — respondeu Myra evasivamente.

   Frank sentiu como uma espécie de punhalada de ciúmes. Quem seria este amigo, perguntou a si mesmo?

   — Não pode me dar mais detalhes?

   Myra endireitou o corpo. Seu busto, de esplêndidas curvas, se destacou com força por baixo da seda do vestido.

   — Perdoe-me, mas creio que é você que está a meu serviço e não eu ao seu.

   — E' verdade — respondeu ele. — Meu pagamento foi de mil dólares. E não foram desperdiçados de todo.

   — O que quer dizer? — perguntou Myra ansiosamente.

   Frank colocou diante dela o papel escrito na véspera, na biblioteca da casa de Hill Road.

   — Encontrei isto no lugar do pacote. Leia.

   Myra perscrutou com ar de assombro as linhas escritas no papel. Ao terminar, levantou os olhos e os cravou no rosto do jovem.

   — Estava dentro do livro?

   — Não. Passei folha por folha. Havia algumas palavras sublinhadas com tinta vermelha e me ocorreu anotá-las. Este foi o resultado.

   Myra releu a frase. Seu aspecto era de intensa concentração.

   — Parece uma mensagem em código — observou Frank.

   — E é — afirmou ela. — Há no porto uma taberna chamada The Tree Mouses.

   — Os Três Ratos! — assobiou Frank.

   — Exatamente — as pupilas de Myra resplandeceram de um modo singular. — O porto está situado no estuário do rio. Muitos dias, ao anoitecer, o nevoeiro sobe rio acima.

   Frank estalou os dedos.

   — Isso significa que três indivíduos se reúnem ali para... Para quê, Myra?

   — Compete a você averiguar, Frank — respondeu a jovem. — Mas saiba que a taberna, embora não seja oficialmente, é propriedade de Derell Zenko e serve de quartel-general para suas trapaçarias.

   — Quer dizer que é chefe de sindicato — grunhiu o jovem.

   — É um assassino, Frank.

   — Mas está livre.

   — Se você me ajudar, nós o encerraremos numa cela para sempre.

   Frank enrugou o cenho.

   — Que interesse particular tem você para querer ver Zenko encarcerado?

   — Por favor, não me pergunte — rogou ela.

   O jovem deu uma olhadela na estranha mensagem.

   — Quer que eu vá no "Os Três Ratos" quando o nevoeiro subir?

   Myra passou uma das mãos por cima da mesa e apoiou-a sobre a de Frank.

   — Sim — murmurou com voz cálida, insinuante.

   — E que tenho de fazer ali?

   — Você é suficientemente inteligente e discreto para agir sem necessidade de meus conselhos. Por outro lado, não sei o que poderia informar-lhe, salvo... salvo que deve encontrar esse pacote a todo custo.

   — São as provas que permitirão encerrar Zenko?

   — Creio que sim, Frank.

   O jovem refletiu uns segundos.

   — Está bem, mas com uma condição, senhorita Wedder.

   — Chame-me de Myra, Frank — pediu ela.

   — De acordo, Myra. — Frank pegou uma caneta e a estendeu à jovem. — Escreva seu endereço e o número de seu telefone.

   — É necessário?

   — Sim, se quiser que eu vá ao "Os Três Ratos".

   Myra suspirou e acabou fazendo o que o jovem lhe pedia.

   — Muito bem. Irei quando tiver nevoeiro — prometeu Frank, depois de guardar no bolso a nota que Myra lhe entregara.

   — Pergunte ao Serviço Meteorológico — indicou ela.

   — Boa ideia, Myra.

   A jovem pegou a bolsa e as luvas e ficou em pé.

   — Não deixe de me manter informada de suas pesquisas, Frank.

   — Eu lhe prometo, Myra.

   A jovem saiu. Frank voltou a se sentar. Acendeu um cigarro. Uma pergunta correu em sua mente.

   — Pergunte ao Serviço Meteorológico — Não era pelos mil dobres. Ganhava um bom ordenado e tinha algum dinheiro guardado. Certamente não era uma soma que pudesse ser desprezada, mas, em seu caso, não era o motivo principal.

   — Seus olhos... e o resto — sorriu, ao contemplar do as ondulantes linhas da fumaça que se desprendiam do cigarro.

   E logo recordou que ela falara de um amigo, coisa que o deixou de mau humor.

   Mas já era tarde para investigar. Iria ao "Os Três Ratos" quando o nevoeiro subisse o rio.

  

   O nevoeiro subiu naquela noite.

   Os vapores se aderiam pegajosamente aos barcos ancorados no estuário, aos molhes, nos telhados, nos faróis, nas casas. O chão estava brilhante por causa da umidade.  

   Frank caminhou lentamente, com as mãos nos bolsos. Era preciso reconhecer que o bairro portuário não gozava de boa fama e não só pelas ilícitas atividades do sindicato de Zenko.

   O aspecto de Frank mudara notavelmente. Seu cabelo adquirira uma tonalidade mais clara, devido à água oxigenada. E em cima do lábio superior um bigode.

 Era discreto no vestir, mas elegante. Agora, vestia uma calça azul, um suéter preto de gola alta e uma japona azul. Um cigarro consumido pela metade pendia da comissura dos lábios.

   O nevoeiro estava muito espesso. Mal se distinguia os objetos a vinte metros de distancia.

   Uma sirena de barco roncou na distância. No meio do estuário se ouvia o monótono toque da campainha de uma boia flutuante.

   Um difuso resplendor apareceu diante de seus olhos. Três ratos sentados, em néon vermelho, apareceram diante de seus olhos.

   Alguém se adiantou a seu encontro. Era uma mulher de rosto maltratado e muito pintado, de corpo opulento e andar insinuante.

   Trazia um cigarro na mão.

   — Fogo, bonitão?

   Frank acendeu seu cigarro. Ela inalou o fumo.

   — Obrigado, bonitão. Convide-me para beber.

   Frank meteu a mão no bolso e puxou uma nota de cinco dólares.

   — Convidada — disse secamente.

   E seguiu seu caminho. A mulher ficara paralisada pelo assombro.

   De repente, Frank voltou sobre seus passos.

   — Escute, você — chamou-a.

   Ela atendeu prontamente. — Diga, bonitão.

   — Eu me chamo Frankie — grunhiu ele. — Qual é o seu nome?

   — Claro. Quer saber, também o sobrenome?

   — Não. O nome é o suficiente — Frank agarrou seu braço carnudo. — Venha, tomaremos juntos uma bebida no "Os Três Ratos".

   — Magnífico — riu ela profissionalmente.

   Entraram na taberna. Era limpa, mas não deixava de ser um antro.

   Havia marinheiros de todas as raças e nacionalidades. Havia, também, muitas mulheres pintadas.

   Frank estudou rapidamente o local. Viu um enorme balcão à sua direita e uma série de portas que, supôs, dariam para os reservados. No lado oposto havia uma escada que conduzia ao andar superior e que terminava num hall com três portas.

   Os clientes eram atendidos por várias garçonetes de reputação duvidosa. Um garção, de aspecto patibular servia atrás do balcão.

   Frank divisou uma mesa perto da escada

   — Vamos para lá, Clara.

   Sentaram-se. Uma garçonete se aproximou e apoiou uma das mãos na cadeira e outra nos quadris, com ar displicente.

   — Olá, Clara — saudou, com voz irritada. — Amigo seu?

   — Sim, chama-se Frank — respondeu a mulher — Que vamos beber, Frank?

   — O que você quiser, contanto que seja bom — disse o jovem, sorrindo.

   — Traga uma garrafa de genebra, Berta, da que eu gosto.

   — Pois não.

   A garçonete se afastou e voltou pouco depois com uma garrafa e dois copos. Ficou de pé, parada, esperando.

   Frank sorriu. Meteu a mão no bolso e tirou duas notas de cinco dólares.

   — Está bem assim, Berta?

   — Bom — respondeu a garçonete com indiferença.

   Afastou-se. Um homem entrou naquele momento. Era forte, embora mais baixo do que Frank. Parecia da marinha mercante, a julgar por sua indumentária.

   Permaneceu um momento parado no umbral, como se procurasse alguém. De repente avançou até uma mesa e se inclinou sobre um indivíduo.

   Frank notou que o homem que estava sentado era o mesmo que o vigiara na noite anterior. O recém-chegado falou brevemente com o valentão e logo se dirigiu para a escada.

   Frank o viu desaparecer pela porta da direita. Clara falava sem cessar, mas o jovem não a escutava. Dez minutos depois, chegou outro indivíduo. Seu aspecto não era mais agradável do que o do anterior.

   Falou, também, com o homem de Zenko e desapareceu no andar superior. Frank pensou: Este é o rato número dois.

   Conversei com Clara distraidamente, para não tornar-se suspeito. A mulher virava copo atrás de copo de genebra. Uma alcoólica ternura se desprendia dela e a fazia apoiar-se com frequência no ombro do jovem.

   Dez minutos depois, outro sujeito subiu pela escada. Então, Frank adquiriu a segurança de que os três ratos já estavam reunidos.

   — Clara!

   — Sim, querido — respondeu a mulher com voz pastosa.

   — Aqui há muita gente. Pergunte a Berta se pode nos arranjar um quarto no andar superior.

   — Pois não.

   Berta atendeu. Frank deslizou mais duas rotas em sua mão.

   O rosto adunco da garçonete se suavizou um pouco.

   — Mandarei subir outra garrafa.

   Frank passou o braço em volta do corpo da mulher e começou a subir. Berta chegou ao reservado pouco depois.

   — Divirtam-se, pombinhos — desejou, sorrindo.

   Mal a garçonete saiu, Frank correu para a porta e fechou-a a chave. De repente, sentiu que Clara agarrava seu pescoço, dependurando-se nele, enquanto murmurava frases insinuantes, envoltas num terrível odor de álcool.

   — Espere um momento, não seja impaciente. Tomemos mais um copo, quer?

   — Você me agrada— disse Clara, sorrindo turvamente. — Nunca vi um rapaz tão bonitão como você...

   Frank se soltou ao pegajoso abraço e destampou a garrafa, enchendo um copo que entregou à mulher.

   — Beba.

   Quase a fez ingerir o copo inteiro à força. Clara cambaleou perceptivelmente.

   Frank lhe deu outro copo, apenas uns segundos depois de terminar o primeiro. Clara deu uns passos de dança, ameaçando cair ao chão.

   O jovem a segurou nos braços e a depositou sobre um gorduroso divã num canto do quarto. Clara começou logo a roncar.

   — Uf! — suspirou Frank. — Pensei que não conseguiria me desfazer dela.

   Aproximou-se de um dos tabiques e colocou o ouvido. Pareceu-lhe ouvir vozes, mas a parede, embora fina, não permitia captar os sons em toda sua extensão.

   Olhou em volta. Interessava-lhe ver o que acontecia no quarto contíguo.

   Havia uma janela. Aproximou-se dela e abriu-a.

   O chão ficara a cinco metros. Desistiu do gesto.

   De repente, notou que a janela do quarto ao lado ficava relativamente perto. Regressou sobre seus passos e apagou a luz.

   Tirou a japona, que deixou sobre o divã. Logo abriu a janela e passou as pernas pelo peitoril. Contorcendo o corpo, ficou pendurado no parapeito. Enfiou o braço esquerdo e seus dedos tocaram o parapeito da outra janela. Balançou-se duas vezes, mas não se manteve suspenso no vazio.

   Flexionou os braços, levantando-se centímetro a centímetro, até que seus olhos ficaram no mesmo nível do peitoril. Então, pôde ver o que se passava no outro quarto.

   Os três indivíduos se encontravam reunidos em torno de uma mesa, juntos com outro de expressão voraz e autoritária, vestido com certa elegância. Frank não o conhecia, mas teve a certeza de que era Derell Zenko.

   A reunião não parecia caracterizar-se por sua cordialidade. Um dos três ratos dava a impressão de estar pouco a vontade com Zenko.

   O sujeito lhe falava com violência. Frank não pôde ouvir o que dizia, mas seus gestos eram muito significativos.

   Subitamente, Zenko sacou um revólver com silenciador. Frank ficou horrorizado.

   O indivíduo que discutia com Zenko tentou levantar-se, cheio de pavor, ao ver a arma. Friamente, Zenko apertou o gatilho duas vezes.

   Os outros dois indivíduos se afastaram precipitadamente para trás, derrubando as cadeiras, enquanto seu companheiro caía de costas no chão. Zenko lhes dirigiu um terrível olhar.

   Frank suava copiosamente. Estava espantado.

   Na noite anterior vira ocadáver de um homem assassinado. Agora acabava de presenciar um crime.

   Zenko guardou o revólver e agitou o punho em direção dos outros dois sujeitos, que pareciam uns ratinhos. Frank compreendeu que o criminoso estava ordenando que eles guardassem silêncio.

   Os dois homens concordaram. Frank disse a si mesmo que já não tinha mais nada a fazer ali. Sua obrigação era a de informar à polícia. Primeiro tinha que sair da taberna sem levantar suspeitas .

   Momentos depois, já se encontrava de novo no reservado. Clara roncava estrepitosamente.

   O jovem sentiu as pernas tremerem. Mal teve ânimo para fechar a janela e correr as úmidas cortinas que impediam a passagem da luz exterior.

   Procurou às cegas o interruptor. A escuridão desapareceu.

   Frank não gostava de genebra, mas sentia que precisava de um bom trago. O álcool o fez raciocinar um pouco.

   Logo vestiu a japona e se dirigiu para a porta. Puxou o ferrolho mas, quando ia sair, notou que a porta do quarto ao lado se abria.

   Retrocedeu, vivamente, deixando só uma frestinha. Zenko, seguido dos dois sujeitos, saía do quarto naquele momento.

   Quando chegaram ao andar inferior, Zenko falou brevemente com o garção. Este pareceu se surpreender um pouco, mas logo fez um sinal de assentimento com a cabeça.

   Frank disse a si mesmo que devia sair o quanto antes, sem dar tempo aos sequazes de Zenko fazerem o cadáver desaparecer. De repente, notou os braços de Clara em volta do seu pescoço.

   — Benzinho — murmurou a mulher, gaguejando.

   Frank lutou para se livrar daquele tempestuoso abraço. Ela, no entanto, apertava com mais força a cada segundo que passava.

   — Solte-me — rugiu colèricamente.

   Deu um empurrão e a mulher cambaleou.

   — Que diabo é isso? Acaso não sou suficientemente boa para você?

   — Escute, Clara, bonequinha, eu agora estou com muita pressa.

   O álcool nublava o entendimento da mulher. De repente, agarrou a garrafa e jogou-a na cabeça do jovem.

   O gesto foi tão inesperado que Frank não pôde se esquivar por completo do projétil. Sentiu um forte choque ao lado do crânio, um estalido de vidros quebrados e perdeu o conhecimento.

   Quando despertou, se encontrava reclinado no amplo e macio seio de Clara, a qual derramava abundantes lágrimas sobre seu rosto. A mulher apertava um lenço sobre sua testa e parecia terrivelmente desconsolada.

   — Tem que me perdoar. Eu fiz isso num momento: de raiva, sem refletir...

   Frank emitiu um grunhido.

   — Está bem. Tudo já passou.

   — Não está com raiva de mim? — perguntou ela, ansiosamente.

   — Claro que não — Frank fez uma careta.

   — A culpa foi minha.

   — Você é um rapaz estupendo — disse Clara, sorrindo e parecia muito mais descansada. — Por que usa bigode postiço?

   — Por que você o tirou?

   — Eu os removi quando procurava despertá-lo — explicou ela. — Você é da polícia?

   — Por quem me toma? — respondeu ele, fingindo ofender-se. — Não, só procurava...

   Sentou-se no chão, tocando na testa.

   — Sangrou um pouco, mas a hemorragia já parou — disse Clara.

   Frank suspirou.

   — Quanto te3

   mpo fiquei desmaiado?

   — Quase uma hora, cheguei a me assustar — confessou ela.

   — Uma hora — lamentou-se Frank. — Muito tempo, muito tempo.

  

   Frank se olhou no dia seguinte no espelho, com ar melancólico.

   Um esparadrapo cobria a ferida, causada por uma garrafada. Vinte e cinco dólares lhe dera o direito de pedir a Clara que não fizesse mais perguntas e que silenciasse sobre ele e seu bigode postiço.

   A mulher sabia que, em determinadas ocasiões, a melhor tática era a de silenciar e assim lhe prometeu.

   Por outro lado, a garrafada não fora tão prejudicial como parecia. Uma disputa entre dois eventuais namorados, com agressão mútua, era o melhor meio de evitar suspeitas.

   Claro que contava com uma desvantagem: Zenko devia ter feito desaparecer a vítima.

   Assim comprovou, pouco depois, quando leu os jornais. Nenhum fazia a menor menção ao crime cometido na véspera no "Os Três Ratos".

   Frank avisara anonimamente a polícia. Mas quando os agentes chegaram à taberna, não encontraram o menor rastro de que ali fora cometido um crime.

   Tomou o café pensativamente. Zenko era um criminoso. Agora já não se tratava dos pressentimentos de Myra, mais ou menos justificados. Ele já o vira disparar duas vezes e matar um homem, embora ignorasse os motivos.

   Se ao menos pudesse encontrar algum dos ratos sobreviventes.

   Terminou o café. De repente, lhe ocorreu uma ideia.

   Levantou-se e, dirigindo-se para a cabina telefônica folheou a lista. Momentos depois entrava em comunicação com o domicílio de Zenko.

   — Está dormindo — respondeu à sua chamada uma voz rouca.

   — Acorde-o — falou Frank com voz autoritária. — Diga-lhe que convém levantar-se.

   — Que diabos pensa que é você para amolar o senhor Zenko tão cedo? Vá para o inferno, estúpido!

   — Um rato morreu ontem à noite — disse Frank. — Repita isto, de minha parte.

   Houve um momento de silêncio. Logo, a voz respondeu.

   — Espere. ,

   — Claro — riu o jovem.

   Passou um minuto. De repente, Frank ouviu uma voz autoritária.

   — Quem é você? O que quer de mim? Fale logo. Tenho os minutos; contados.

   — E' possível que diga a verdade, Zenko — manifestou Frank serenamente. — Os assassinos sempre têm os minutos contados.

   Houve um silêncio de morte. Logo, Zenko disse:

   — Será melhor falar claro, de uma vez. Quem é você?

   — Um amigo de Myra Wedder. Que lhe diz isso, Zenko?

   Frank ouviu uma suja maldição.

   — Fala em nome dela? — perguntou o assassino.

   — Talvez.

   — Está bem. Formule sua proposta.

   — Você esteve na biblioteca da casa de Sol Tubble? — perguntou o jovem. — Eu me refiro ao dia em que Benning foi assassinado.

   — Não, com todos os diabos. E não tenho nada a ver com esse assassinato.

   Frank concluiu que Zenko parecia ser sincero, pelo menos neste ponto.

   — Eu acreditarei, mas só condicionalmente.

   — O que quer dizer, maldito? Está me fazendo perder tempo...

   — Para um homem sentenciado à morte, o tempo não deve importar muito — disse Frank, com voz lúgubre.

   — Está me ameaçando? — rugiu o bandido.

   — Havia três ratos. Um morreu ontem. Dois tiros.

   O jovem estava se divertindo muito com o desconcerto de Zenko.

   — Não sei do que está falando — resmungou Zenko.

   — Simplesmente eu o vi disparar contra um dos ratos. Por que discutiam, Zenko?

   — E' mentira! Eu não...

   — Usou silenciador para maior discreção. Já lhe convenceu esse detalhe, Zenko?

   De novo se fez uma pausa de silêncio.

   — Escute, amigo, não sei quem é você, mas podemos fazer um acordo — disse o bandido. — Faça-me uma proposta e, se for sensata, tentarei aceitá-la.

   — Até quanto?

   Zenko titubeou novamente.

   — Dez mil — disse, por fim.

   — Tipo imundo — insultou o jovem.

   — Quinze mil — rugiu Zenko. — E' minha última palavra...

   — Esqueça-se disso, assassino.

   — Vinte mil! — gritou o assassino.

   — Eu ligarei em outra hora. Pense... e lembre-se de que uma microcâmara é bem fácil de levar em qualquer bolsinho e tão simples de usar em qualquer momento.

   Frank desligou antes que o bandido tivesse tempo de responder.

   Certamente, não pensava em fazer chantagem como Zenko pensava naquele momento. Mas ao saber que alguém o vira disparar e matar um homem o deixaria perplexo e chegaria a atemorizá-lo. Ademais, julgaria que a cena fora fotografada.

   A polícia não podia contar com nenhuma ajuda e nenhuma prova daquele crime. Portanto, seria imprescindível atacá-lo por outro flanco.

   Encontraria alguma maneira. No momento, o mais conveniente era continuar levando sua vida normal.

   Saiu da confeitaria e foi para o escritório.

  

   Quando Myra Wedder chegou a sua casa, encontrou uma visita.

   Chovia ligeiramente. A jovem tirou o impermeável amarelo que cobria seu corpo, tirou o capuz e sacudiu os cabelos que caíram soltos pelos seus ombros.

   — Como entrou em minha casa?

   — Pela porta — disse, sorrindo.

   — Não estou perguntando por onde, sim como. Não gosto de gente que entra em meu apartamento sem permissão — declarou ela, com certa hostilidade.

   — O dinheiro sabiamente empregado é a melhor das chaves — filosofou o jovem.

   — Vou-me queixar à administração do edifício.

   — Não provará nada. O porteiro manifestará sua mais absoluta ignorância quando o interrogarem a respeitei e eu direi que entrei aqui em sua companhia.

   — Você é um idiota. Parece que me enganei ao contratá-lo.

   — E eu ao aceitar o encargo — respondeu Frank sem pestanejar — pelo que, em vista de sua atitude hostil, lhe direi adeus e...

   — Espere! — disse Myra, cortando-lhe o passo. — Não vá embora, por favor. — Passou a mão pela testa. — Passei um mau dia e estou nervosa. Desculpe-me, por favor.

   Frank a contemplou inquisitivamente.

   — Onde esteve?

   — Não posso dizer. Não tem nenhuma relação com este assunto — declarou Myra.

   O jovem ficou em silêncio um momento.

   — Zenko declarou não ter assassinado Benning — disse por fim. — Você tem alguma ideia de quem pode ter sido?

   — Não... Como sabe você que Zenko não matou o advogado? — estranhou a jovem.

   Frank terminou de beber o conteúdo do copo e o deixou de lado.

   — Porque ele mesmo me disse.

   — Você falou com ele?

   — Sim. Esta manhã.

   — Mas que homem valente — disse Myra, admirada.

   — Por telefone, qualquer pessoa é — riu Frank. — Mas as dúvidas me assaltam, francamente.

   — Explique-se, por favor.

   — Benning estava morto, quando eu cheguei.

   — Sim, você já me contou.

   — Você confiava que eu encontrasse um pacote no volume da Enciclopédia Britânica. Este pacote não apareceu nem o volume era o que você esperava,

   — Sinto muito. Assim me disseram e eu...

   — Quem lhe disse?

   Myra endireitou o busto arrogante.

   — Meu informante — respondeu secamente.

   — Quem é?

   — Pode se despedir se quiser, mas eu nada direi.

   Frank se dirigiu ã porta.

   — Tive que gastar uns cento e poucos dólares dos mil, que me entregou. Eu lhe enviarei o resto pelo correio — disse sem olhar para trás.

   Ela não se moveu do lugar.

   — E' uma lástima Confiava tanto em você!

   Frank esteve a ponto de se abrandar, mas disse a si mesmo que seria conveniente se mostrar um pouco duro. Voltará a me procurar, se lhe interessar — pensou.

   Abriu a porta e saiu sem que Myra acrescentasse uma palavra às já pronunciadas.

   Aquela era a noite em que se reunia com os amigos. Um deles era da polícia, outro, um excelente desenhista, um advogado, um próspero comerciante e um bancário.

   As apostas eram modestas. Reuniam-se mais para beberem alguma coisa e conversarem amigavelmente do que para jogarem.

   Frank teve sorte durante quase toda a noite. Realizava as jogadas mais inverosímeis e até quando se elogiava, sem cartas de valor, seus rivais ficavam nervosos.

   O desenhista, umas duas horas depois, disse, aborrecido':

   — Que é isso. Frank? Alegre esse rosto. Está ganhando e parece assistir a um enterro.

   — Sinto muito, mas estou com a cabeça longe daqui — desculpou-se o rapaz, procurando sorrir.

   — Demônio! — resmungou o comerciante. — Está distante... que poderia acontecer se estivesse atento ao jogo?

   Frank separou as cartas. De repente, perguntou:

   — Tomás, você que é da polícia e conhece muita gente, conhece por acaso alguém com o nome de Wedder?

   Cardoso o olhou, com certo receio.

   — Por que me pergunta?

   — Simples curiosidade — sorriu o jovem. — Outro dia me apresentaram uma pequena lindíssima...

   — Myra Wedder — citou Cardoso.

   — Ela mesma. Você a conhece?

   O policial moveu à cabeça afirmativamente.

   — Trabalhava como empregada nos escritórios do Sindicato de Carregadores Portuários. Seu irmão era secretário e cometeu um desfalque no valor de mais de cinquenta mil dólares. Naturalmente, foi parar na cadeia e ali continua.

   — Que beliscão — comentou o vendedor de automóveis.

   Frank procurou dissimular a impressão que lhe causara a notícia.

   — Deu-me a sensação de ser uma jovem honesta, embora, claro, só por falar com uma pessoa alguns minutos não quer dizer que se pode fazer um juízo definitivo.

   — Ela parecia estar implicada no desfalque, mas demonstrou sua inocência. Como a conheceu, Frank?

   O jovem procurou rapidamente uma desculpa convincente.

   — Bem, veio procurar um endereço na companhia onde trabalho, e o chefe da seção correspondente me apresentou a ela.

   — Ah — disse o policial.

   Continuaram jogando. Frank ganhou várias vezes quase seguidas.

   Por fim, terminou a reunião.

   — Puxa, ganhei oitenta e tantos dólares — disse o jovem sorrindo. — A propósito, Tomás, que condenação recebeu Wedder?

   — Onze anos, Frankie. Está a dezesseis meses no cárcere, assim calcule o que ainda lhe resta.

   — E' simples — disse Frank, sorrindo. — Obrigado, Tomás. _

  

   O homem caminhava irregularmente. Vestia-se pobremente e, por um dos bolsos de seu paletó aparecia a ponta de uma garrafa.

   Era um sujeito de meia-idade, com um bigode grisalho que lhe caía de ambos os lados do lábio superior. Cantarolava a meia-voz, enquanto fazia visíveis esforços para caminhar em linha reta. Colocou um cigarro amassado entre os lábios e se aproximou da mulher, postada embaixo de um farol.

   — Tem um fósforo, simpática? — perguntou, com voz enrolada.

   — Vá para o inferno, velho bêbado! — gritou Clara.

   O homem a mirou, sorrindo estupidamente.

   — Também no inferno se atira garrafas na cabeça dos clientes?

   Clara o olhou, atônita.

   — Raio! Se não é...!

   — Ele mesmo — sorriu Frank, embora sem abandonar seu papel de bêbado. — Que acha se conversarmos em algum lugar discreto?

   — Tenho um quarto perto daqui — insinuou ela.

   — Magnífico. Guie-me, por favor.

   Clara começou a andar. Frank se dependurou em seu braço e caminhava com dificuldade, apesar do apoio, enquanto cantarolava entre os dentes uma canção antiga. Pouco depois, estavam no quarto de Clara.

   — Quer beber alguma coisa.

   — Não, obrigado — respondeu Frank, abandonando sua fingida embriaguez. — Mas pode ficar com esta — entregou-lhe a garrafa que levava no bolso.

   — Obrigada, bonitão — os olhos de Clara brilhavam singularmente. — A quem anda perseguindo?

   — Ao assassino de um rato. Mas não posso pegá-lo embora saiba quem é, enquanto não falar com um ou com outros dois ratos restantes. Eram três sabe?

   — Não entendo muito, mas tentarei ajudá-lo — prometeu Clara. — Você caiu no meu agrado. É detetive particular?

   Frank fez uma careta.

   — Mais ou menos — respondeu ambiguamente.

   Ela o olhou, admirada.

   — Você sabe se disfarçar estupendamente.

   Eu não poderia reconhecê-lo, se... está bem, Frankie. O que devo fazer?

   — Recordar, Clara — Frank tirou dois cigarros do maço. — Procure voltar à noite em que estávamos sentados numa das mesas. Antes de subirmos para o reservado onde você me atirou uma garrafa.

   Clara corou, mas concordou.

   — De acordo. Que mais?

   — Logo depois de nos sentarmos, entrou um sujeito, passou junto de nós e subiu para o andar superior. Você se lembra dele?

   A mulher colocou as mãos na cabeça, como se fosse se concentrar.

   — Espere um pouco, por favor.

   Frank aguardou pacientemente. De repente, Clara deixou escapar uma exclamação.

   — Sim, agora me lembro. Era Juan Janera.

   — Quem é esse Janera? — perguntou Frank.

   — Um marinheiro. . . Mas não sei onde vive, Frank.

   — Poderia averiguar?

   — Tentarei.

   Frank meteu a mão no bolso e tirou um punhado de notas, que colocou na mão da mulher.

   — Tente, o quanto antes. Eu vou-lhe dar dois números de telefone: o de meu escritório e o de minha casa. Quando descobrir, telefone-me. Não é necessário ser muito prolixa. Bastará que pronuncie seu nome e o da rua onde mora Janera. Eu compreenderei imediatamente.

   — De acordo. Começarei a trabalhar imediatamente, Frank — prometeu ela.

   — Mas tome cuidado. Um dos três ratos morreu assassinado. Eu vi.

   Os olhos de Clara se dilataram pelo espanto.

   — Céus! — murmurou.

   — Você estava dormindo, mas... bem, não é necessário que continue com mais explicações.

   Frank tirou um lápis e um papel do bolso, escreveu dois números e entregou o papel à mulher.

   — Recorde: seu nome e o domicílio de Janera — repetiu.

   Clara guardou o papel no amplo decote. Logo estendeu a mão e olhou para Frank com expressão implorante.

   — Fique para tomar um traguinho comigo.

   — Impossível. Sinto muito, boneca, mas o trabalho antes de tudo — respondeu ele.

   Clara suspirou, colocando em relevo suas abundantes curvas do busto e se resignou com a saída do jovem.

   — Está bem. Vá tranquilo, Frankie. Eu lhe telefonarei quando puder.

   — Obrigado, boneca. Espere uns minutos para sair.

   — Sim.

   Frank deu duas pancadinhas na face da mulher e logo saiu da casa.

   Era sexta-feira. Tinha dois dias de folga pela frente.

   Voltou para casa, fechou a porta com duas voltas de chave, como medida de precaução e depois de escolher um livro, foi para a cama.

   No dia seguinte ficou um pouco mais na cama, segundo seu costume. Depois de despertar, vestiu o roupão e calçou os chinelos, indo para a cozinha onde colocou a cafeteira no fogo.

   Abriu a porta do apartamento. Sábados e domingos, o porteiro colocava os jornais na sua porta. Dava uma vista d'olhos nos títulos e depois do banho lia-os enquanto tomava café. Abriu e se inclinou para recolher os diários colocados no patamar.

   Entrou de novo. Abriu o Post.

   Imediatamente sentiu como se lhe tivessem encostado uma arma em pleno peito.

   "Frank Rymer, golpeado barbaramente!"

   «Ontem, uns desconhecidos assaltaram, aproveitando as sombras da noite, Frank Rymer, conhecido diretor de uma das mais reputadas agências de investigações da cidade..."

   Frank ficou espantado. Logo tateou o peito.

   — Pois eu não senti o menor golpe.

   Suspeitou que devia se tratar de um golpe de astúcia de Zenko. Mas que pretendia com a publicação de uma notícia tão absurda?

   Ele não tivera jamais uma agência de investigações nem era conhecido na cidade, salvo em dois reduzidos círculos: no de sua profissão e no de suas amizades. Por que publicariam coisa semelhante?

   Preocupado, foi para o banho. Ao terminar, vestiu-se e se preparava para o desjejum. Não terminara ainda, quando soou a campainha da porta. Frank ficou em pé e correu para o divã, onde guardava as duas armas.

   Escondeu uma delas no cós da calca, deixando o paletó aberto, a fim de poder sacá-la com rapidez, se fosse necessário. Logo se dirigiu para a porta e abriu-a.

   — Myra! — exclamou atônito, ao ver a jovem.

   — Frank! — disse ela ansiosamente.

   — Entre, por favor.

   Frank ficou de lado. Myra atravessou o umbral, contemplando-o com os olhos muito abertos.

   — Parece que está vendo um fantasma — observou ele, um tanto aborrecido.

   — Quase — respondeu ela. — O jornal diz que recebeu uma tremenda surra. Julguei que o encontraria de cama...

   — Ninguém me tocou, Myra — respondeu ele.

   De repente, a jovem caiu sentada sobre o divã e escondeu o rosto entre as mãos.

   .— Meu Deus! Que catástrofe! Que estúpida eu fui! — murmurou, profundamente aflita.

   — Posso perguntar o que lhe está acontecendo? — disse Frank.

   Myra suspirou profundamente.

   — Eu me confundi. _

   — Não entendo — disse ele.

   — Eu procurava Frank Rymer, o detetive particular.

   O jovem perguntou:

   — Mas, esse sujeito existe?

   — Claro. O que aconteceu é que ao procurar seu endereço na lista eu me enganei de Frank Rymer e anotei seu domicílio no lugar do de seu homônimo. Não queria vê-lo em seu escritório, sim em sua casa e...

   — Então, por isso tomou-me por detetive particular.

   — Justamente — confirmou Myra com ar desanimado.

   Frank começou a rir.

   — Isso tudo não deixa de ter sua graça.

   — Para mim não tem nenhuma — respondeu Myra, irritada. — Resulta que perdi meu tempo confiando uma missão a um senhor qualquer, que não tem a menor ideia de como deve ser feita uma investigação.

   — Essa pode ser sua opinião, Myra, mas a minha é muito diferente — disse o jovem, não menos irritado. — Não duvido, de que o outro Rymer seja um bom detetive, inclusive possua meios e agentes para realizar uma boa investigação e poder satisfazer o cliente, mas não creio que tivesse obtido melhores resultados que eu,

   Myra lhe dirigiu uma esperançosa olhadela.

   — O que arranjou. Frank?

   — Mais do que você pensa, inclusive cheguei a falar com o próprio Zenko.

   — Que lhe disse?

   — Quem? Eu, a ele ou ele, a mim?

   — Dá no mesmo — disse Myra, com impaciência. — Fale de uma vez, Frank, eu lhe rogo.

   — Zenko acusou seu irmão de ter cometido um desfalque de cento e cinquenta mil dólares, não é verdade?

   Myra empalideceu.

   — Como sabe?

   — Interrogando, fazendo investigações — sorriu ele. — O caso do desfalque é verdade ou se trata de alguma armadilha de Zenko?

   — Foi uma armadilha de Zenko — disse ela, sombriamente.

   — Por que o fez?

   — Olhe-me, Frank. Houve um silêncio.

   — Compreendo — disse ele. — Zenko se enrabichou por você.

   — Sim.

   — E como você se negou a ser joguete de seus caprichos, ele se vingou.

   — Exatamente — Myra tinha as faces completamente vermelhas.

   — E, ao que parece, Zenko ainda continua louco por você, mas manterá seu irmão preso, enquanto você não ceder.

   — Myra moveu a cabeça afirmativamente.

   — Sim — disse com voz quase inaudível.

   — E você, pelo visto, quer encontrar as provas da inocência de seu irmão, que, ao que parece, se converterão nas da culpabilidade de Zenko.

   — Sim.

   Frank sorriu.

 — Não é para me elogiar, mas creio que você deve dar graças a Deus por ter confundido os Rymers. Vá tranquila e confie em mim. Embora lhe pareça falta de modéstia, estou tecendo uma rede em torno de Zenko para encurralá-lo de tal modo, que não terá outro remédio a não ser entregar-me o pacote que você deseja. Esse pacote contém as provas da inocência de seu irmão, não é verdade?

   — Eu penso...

   — Vá tranquila, menina — disse Frank, sem deixar de sorrir. — Eu a aconselho a ter paciência, mas pode esperar que, no fim., Zenko acabará caindo, e seu irmão sairá livre.

   O busto da jovem palpitou tempestuosamente.

   — O que pensa fazer?

   — Deixe por minha conta, se ainda quiser que eu continue adiante com o caso.

   Um sorriso dulcificou a expressão de Myra.

   — Frank Rymer deve ter-se assustado muito, quando esses desconhecidos o atacaram, mas, por que o fizeram?

   — Estive conversando com Zenko e meti medo nele — respondeu Frank. — Seguramente, deu ordem a seus esbirros de amedrontarem Rymer, mas deve ter ordenado a outros que não me conhecem e se confundiram de personagem.

   — O que é esquisito é que você não soubesse da existência do outro Frank Rymer na cidade — observou ela.

   — A lista telefônica não é minha leitura favorita — sorriu Frank.

   — Está bem — Myra ficou de pé e lhe estendeu a mão. — Quanto terei boas notícias. Frank?

   — Não tenho a menor ideia, mas vá, tranquila. Eu a chamarei por telefone, apenas tenha averiguado algo de interesse.

   Ela lhe dirigiu uma subjugante olhadela.

   — Sim, agora creio que tive muita sorte ao confundir-me naquele dia.

   O coração de Frank começou a dar saltos loucos de alegria dentro do peito.

  

   Aquele fim de semana Frank passou em casa, esperando inutilmente o telefonema de Clara. Chegou a manhã de segunda-feira, e a mulher não deu sinal de vida.

   Depois de muito pensar, Frank decidiu dar um telefonema antes de ir para o escritório.

   O guarda-costas de Zenko lhe disse que não poderia incomodar o amo, que estava dormindo e...

   — Sou Rymer. Que se levante — disse o jovem, implacavelmente.

   Momentos depois ouvia a áspera voz do bandido.

   — Que deseja, Rymer? Já não lhe bastou a advertência que recebeu?

   — Ah, aquela advertência era destinada a mim? — perguntou Frank, fingindo inocência,

   — Não se faça de engraçadinho. Na próxima vez...

   — Zenko, não lhe ocorreu consultar a lista telefônica? Um milheiro de números e nomes é às vezes uma leitura apaixonante. Pegue a lista, ande, eu espero sem desligar. Procure na letra R, R de Rymer, Zenko.

   Houve um momento de silêncio. Frank gostaria de ver o rosto do bandido.

   — Rymer — gritou Zenko.

   — Ainda estou aqui — respondeu o jovem.

   — Quem é você, se posso saber?

   — Frank Rymer, claro.

   — Você não...

   — Eu, sim, Zenko. Eu me chamo Frank Rymer, embora você não acredite. O que aconteceu é que os idiotas que trabalham para você se confundiram miseravelmente e atacaram um inocente.

   Zenko deixou escapar uma horrível maldição.

   — Escute, Rymer, fuja de mim. Esconda-se muito bem, por que...

   — Você não fará nada. Zenko. E digo que não fará nada, porque acho que já lhe falei de uma microcâmara, de um revólver com silenciador e de um rato frito a balaços. No momento em que seus homens me ferirem somente a unha de um dedo, a polícia receberá uma fotografia de um conhecido chefe de sindicatos, disparando contra um sujeito cujo cadáver não foi encontrado, compreende?

   Houve um momento de silêncio.

   — Está bem. Quanto quer para...? — perguntou Zenko.

   — No momento, nada. Só salvaguardar minha integridade pessoal. Quando eu julgar conveniente, lhe direi o que deve fazer. Mas repito que seus homens não me toquem ou você irá para a forca. Adeus.

   Desligou o telefone.

   Zenko devia estar aflito. Claro que não existia microcâmara, muito menos a fotografia do assassinado, mas Zenko não sabia.

   Era preciso abrandar o assassino, alterar sua tranquilidade, quebrar suas sólidas defesas, mediante uma guerra de nervos. E, então, quando estivesse maduro, o ataque final.

   Foi para o escritório, onde trabalhou com toda normalidade. As cinco saiu do escritório e regressou à casa.

   Quando abria a porta, o telefone soou. Correu para o aparelho e o atendeu, avidamente.

   — Rymer.

   — Clara. Rua Tiburón, 44, segundo andar, primeira porta.

   Soou um clique, porém, Frank já tinha mais que o suficiente.

   Esfregou as mãos, satisfeito.

   Ao anoitecer, saiu de casa. Vestia normalmente, embora usasse um bigode postiço.

   O nome da rua indicava, claramente, em que bairro se encontrava. Meia hora depois, Frank parava diante de uma casa de não muito bom aspecto. Até ele chegavam as características emanações do porto próximo.

   Entrou na casa e subiu ao segundo andar. A primeira porta correspondia ao apartamento de Janera.

   Bateu com os nós dos dedos, sem que ninguém lhe respondesse,

   Deve estar-se embriagando em alguma taberna — pensou.

   E já ia embora, quando lhe ocorreu mexer na maçaneta. Não estava fechada a chave. Empurrou a porta e fechou-a às suas costas.

   Acendeu a luz. Teve, imediatamente, a explicação do silêncio do dono da casa.

   Juan Janera estava morto.

   Jazia de boca para baixo, com o crânio destroçado por dois ou três balaços.

   Era impossível saber quantos recebera, dado ao horrível aspecto que oferecia sua cabeça, literalmente desfeita pelos projéteis.

   Frank foi acometido por uma terrível náusea. Teve que deixar passar alguns momentos, antes de se sentir melhor.

   A culpa é minha — pensou.

   Zenko estava eliminando as testemunhas de seu crime. Logo, quando terminasse de liquidar os ratos, arremeteria contra ele e o obrigaria a entregar as fotografias comprometedoras.

   Uma fotografia que nem sequer existe, pensou. De repente, reparou num livro aberto, jogado num divã.

   Não o tocou sequer, mas notou que estava diante do volume da Enciclopédia Britânica que procurara em casa de Tubble.

   Com uma afiada faca, cortaram as folhas, fazendo um compartimento oco, suficiente para conter um pacotinho e dissimulá-la, fechando o livro. O vão tinha as dimensões precisas para conter em seu interior um objeto oblongo, do tamanho duplo de um pacote de cigarros.

   As pretendidas provas da inocência do irmão de Myra tinham desaparecido.

   Perguntou a si mesmo que relação podia ter Janera com aquele livro e seu conteúdo. Logo achou a resposta.

   Seguramente, pensou, Janera fora à casa de Trubble em busca das provas, a fim de pressionar Zenko. Encontrara-se com Benning e o matara... porém havia muitos detalhes que lhe escapavam.

   Como era possível que um marinheiro tivesse em seu poder um volume da Enciclopédia Britânica? De onde viera? Seria Janera o autor do código sublinhado?

   Só de uma coisa estava certo: o outro rato se já não estivesse morto, estava a caminho.

   Mas, como encontrá-lo?

   Apagou a luz e abandonou a casa. Dirigiu-se ao farol onde Clara costumava ficar à espera de sua clientela. Clara estava ali.

   Frank colocou um cigarro entre os lábios e estendeu um para a mulher.

   — Quer fumar, Clara?

   Ela lhe dirigiu um sorriso profissional.

   — Não me convida para um trago?

   — Claro. Mas não no "Os Três Ratos" .

   — Sim. Vamos para outro lugar. A "Roda de Prata" é muito bom.

   Clara se pendurou em seu braço. Percorreram diversos becos, úmidos e infectos, até chegarem ao local indicado, cujo aspecto não era melhor do que o do "Os Três Ratos".

   Frank pediu uma garrafa de genebra.

   — Beba com moderação, Clara. Eu preciso de você.

   — O que você quiser, Frank.

   Esperaram que lhes servissem. Frank encheu dois copos e entregou um à mulher.

   — Aguente firme, Clara. Janera foi assassinado.

   Clara bebeu de um só trago.

   — Céus — murmurou. — Como... ?

   — Esmagaram-lhe a cabeça com dois tiros e quando digo esmagaram- lhe, não estou dramatizando ..

   — Esse Zenko é terrível — murmurou a mulher.

   — Eu estou vendo. Por isto preciso de sua ajuda, Clara.

   — Para quê?

   — O companheiro de Janera vai morrer, se já não estiver morto. Você não tem a menor ideia de quem seja?

   Clara moveu negativamente a cabeça.

   — Conheço de vista alguns de seus amigos, mas qualquer deles pode ser o que esteve com Zenko naquela noite, no reservado.

   Frank acariciou o queixo com um gesto preocupado.

   — Não compreendo como os estivadores continuam a aceitar Zenko como chefe de seu sindicato.

   — Eles aceitam graças ao terror imposto por seus esbirros. Mais de um carregador tentou protestar, mas foi parar no fundo do mar com uma pedra no pescoço.

   — E ninguém adquiriu provas desses assassinatos?

   — Continua livre por aí, não?

   Frank assentiu. O terror era a melhor arma de Zenko, disse a si mesmo.

   — Teremos que esperar de braços cruzados que matem o último dos ratos?

   — Possivelmente — disse Clara — não é um tipo que faca alguém chorar por ele, Frank.

   — Estou de acordo com você, mas seria sumamente útil para mim encontrá-lo.

   — Farei todo o possível para saber quem é — prometeu ela.

   — Não. Zenko deve ter numerosos espias por todas as partes. Se a vissem ou suspeitassem que mete o nariz onde não deve, Zenko daria ordem para matá-la imediatamente.

   — Quando aparecerá alguém que dê a esse bandido o que ele merece! — exclamou Clara. Seus olhos brilhavam com fúria. — Eu o odeio, Frankie, acredite-me.

   — Ele lhe fez algum mal? — perguntou o jovem, interessado.

   Clara mudou de expressão.

   — Já não tem importância. Faz muitos anos, quando ele ainda parecia ser uma pessoa decente, e eu era pouco mais que uma menina. Mas já passou e... está bem, Frankie, não se preocupe, eu o avisarei quando tiver uma pista.

   Frank empreendeu o regresso para sua casa, sumamente preocupado.

   — Era terrível saber que um homem ia morrer e não poder fazer nada para evitar. Nem avisando a polícia, poderia salvar o terceiro rato.

   Ademais, seu testemunho poderia ser vital para condenar o chefe do sindicato.

   Quando chegou em casa, encontrou uma visita inesperada. Myra estava ali esperando-o. A jovem ficou em pé ao vê-lo entrar.

   — Creio que se enganou de apartamento, cavalheiro — disse Myra, cortesmente.

   Frank começou a rir e tirou o bigode postiço.

   — Ainda tenho boa memória. Por que veio, Myra?

   Ela o contemplou com olhos atônitos. Céus! Você estava diferente, Frank! Até tingiu o cabelo e... como o fez?

   — Tomava parte no quadro artístico da universidade e fiz um curso de caracterização. Decerto, na companhia onde trabalho tive que inventar uma desculpa para justificar a tintura de meu cabelo, mas agora é o de menos. Que a trouxe a minha casa?

   Ela fez um gesto de desalento.

   — Não sei exatamente. Eu me sentia inquieta, nervosa... e vim vê-lo.

   — A porta estava fechada a chave — disse ele.

   — Eu me lembrei de como você procedeu para entrar na minha casa — manifestou Myra intencionalmente .

   — Claro — sorriu Frank. — Vou-lhe servir uma bebida.

   — Ótimo.

   — Beberam, em silêncio. Logo, Myra disse:

   — Já esteve investigando, suponho.

   — Suposição correta.

   — E... que encontrou?

   — Um rato morto.

   — Não brinque, Frank — pediu a jovem.

   — Não é brincadeira, Myra. O rato era de duas pernas, mas nem por isto estava menos morto. Três ou quatro tiros na cabeça.

   Ela ficou olhando-o com a boca aberta.

   — Fala sério, Frank?

   — Absolutamente. Era...

   Soou a campainha da porta. Os dois jovens voltaram a cabeça para a entrada.

  

   Refazendo-se, Frank se aproximou da porta e observou uns instantes através do olho mágico.

   De repente voltou correndo ao centro da sala e, segurando a bolsa de Myra e o seu copo, lhe entregou ambas, as coisas, apontando-lhe uma porta próxima.

   — Esconda-se depressa — murmurou.

   Ela compreendeu e obedeceu imediatamente. Então, Frank se aproximou da porta e abriu-a.

   Não conhecia o homem que estava na soleira, sorrindo-lhe amàvelmente. Era jovem, bem parecido e vestia-se com correção.

   — Senhor Rymer?

   — Sim — respondeu Frank. — Quem é você?

   — Eu me chamo Eldon Cross e venho fazer-lhe uma proposta em nome do Senhor Zenko, do qual sou secretário particular. Posso entrar?

   Rymer vacilou um momento, mas acabou por aceder.

   — Está bem — respondeu. Subitamente, perguntou: — Está armado?

   Cross sorriu.

   — Por favor, venho em missão de paz. Como lhe ocorreu... ?

   — Um sexto sentido aconselha-me a não confiar em ninguém que venha em nome de Zenko. — Fechou a porta. — Posso servir-lhe uma bebida?

   — Não, muito obrigado — Cross passeou o olhar pela sala. — Não está mal.

   Rymer bebeu um sorvo do copo que preparara antes.

   — Veio somente para criticar a decoração de meu apartamento. Senhor Cross?

   — Talvez para melhorá-la. Senhor Rymer. Cross tirou do bolso um embrulho de papel claro, colado com fitas adesivas e o depositou sobre uma mesinha baixa.

   — Que é isso? — perguntou o jovem.

   — Vinte mil dólares, Senhor Rymer — respondeu Cross, impassível.

   Houve um momento de silêncio.

   — Parece que Zenko está muito apressado. — Comentou Frank, por fim.

   O sorriso se apagara dos lábios de Cross.

   — Este é o preço de umas fotografias que você obteve.

   Inclinando-se, Frank pegou o pacote e o devolveu a Cross.

   — Tome, com meus melhores votos para esse assassino.

   O indivíduo o contemplou com ar assombrado.

   — Como! Quer dizer que você recusa...?

   — Não aceitaria um só centavo de Zenko, embora estivesse morrendo de fome — respondeu o jovem muito sério. — Esse dinheiro está manchado de sangue... do sangue de dois ratos e de um terceiro que vai morrer muito breve porque viu Zenko cometer um assassinato e não quer que ele fale. E se eu ainda estou vivo, é porque tenho umas fotografias que o comprometem extraordinariamente. Se não fosse por isso, já teria seguido o mesmo caminho do desgraçado, a quem balearam esta noite.

   Cross permaneceu calado uns instantes. De repente, exclamou:

   — Sabe do que mais? Pois eu não creio que você tenha tirado essas fotografias. Senhor Rymer!

   — Por que está tão seguro?

   — Você já as teria enviado para a polícia, não?

   — Pareceria uma atitude muito lógica, mas embora pense fazer isso algum dia, neste momento não me convém!.

   — Poderia aclarar-me os motivos de sua atitude?

   — Não posso não, por isto não lhe digo. Cross o olhou fixamente. Seu sorriso desaparecera.

   — Está brincando com fogo. Eu lhe aconselho ter mais cuidado, não vá se queimar.

   — Zenko está metido no fogo até o pescoço. Por um nada, poderá arder completamente.

   — Essas fotografias não existem — declarou Cross secamente.

   Frank sorriu.

   — Diga a Zenko que tenha um pouco de paciência e eu lhe enviarei umas duas cópias.

   Cross pareceu vacilar.

   — Escute, trinta mil dólares.. .

   Frank se dirigiu à porta e abriu-a.

   — Esta é minha resposta, Senhor Cross.

   O homem permaneceu quieto durante um instante. Logo se dirigiu para a saída.

   — Informarei o Senhor Zenko de sua decisão.

   — É sua obrigação — respondeu o jovem com toda cortesia.

   Quando Cross saiu, fechou a porta com duas voltas de chave e regressou ao centro da sala. Myra saía naquele instante.

   — Meu Deus! Frank! E' verdade que você tem umas fotografias...?

   — Não, em absoluto — sorriu o jovem. — Mas Zenko não sabe.

   — E você pretende fazê-lo acreditar.

   — Justamente.

   — Mas quando vir que não lhe envia essas fotografias se aborrecerá e...

   — No momento, está muito acovardado. Você ouviu, mandou-me oferecer vinte mil dólares. E já subia para trinta mil.

   Ela lhe dirigiu uma penetrante olhadela.

   — Você não é rico. Por que recusou a soma?

   — Não sou rico, mas sou decente — respondeu Frank.

   — Eu estou vendo. Posso-lhe fazer uma pergunta?

   — Todas as que você quiser, Myra.

   — Suponhamos que possuísse essas fotografias. Que faria com elas?     ,— Primeiro, aprisionaria Zenko.

   — Aprisionaria?

   — Sim, para fazer seu irmão sair do cárcere.

   O rosto da jovem enrubesceu.

   — Oh! Frank! — exclamou, comovida. Houve um momento de silêncio. De repente ele, depois de um ligeiro pigarro, perguntou: — Quer beber, Myra? Ela sacudiu a cabeça.

   — Não. Tenho que ir embora, Frank — tinha os olhos úmidos. — Creio que quando o encontrei, cometi o melhor engano de minha vida.

   — Foi um encontro que nunca esquecerei, Myra — sorriu ele.

   — Ainda se lembra daquele dia?

   — Quem poderia esquecê-lo?

   Myra o contemplava fixamente. De repente, se aproximou e passou os braços pelo seu pescoço. Frank os afastou bruscamente.

   — Frank! — exclamou Myra, surpreendida.

   _ — Por favor — rogou ele, — Não repita mais a cena Myra, eu lhe peço. Ela compreendeu e sorriu.

   — Sim, entendo. Ao menos... Inclinou-se um pouco para frente e roçou a face do jovem com os lábios.

   — Que Deus o abençoe, Frank — disse, muito comovida.

   Logo se dirigiu à porta. Com a mão na maçaneta, se virou para ele.

   — Frank?

   — Sim. Myra?

   — Antes me deu a entender que faria algo mais que aprisionar Zenko para conseguir provar a inocência de meu irmão. Mas não me disse...

   — Não tenho as fotografias, com efeito — respondeu ele. — Se eu as tivesse, as enviaria para a polícia depois de ter libertado seu irmão.

   — Sim, é uma atitude muito lógica — concordou ela.

   Fez uma curta pausa e sorriu:

   — Boa noite, Frank — despediu-se.

   — Boa noite, Myra.

   Quando a jovem saiu, Frank terminou sua bebida e acendeu um cigarro. Deitado no divã, refletiu longamente.

   Por que não teria umas fotografias? Realmente, seria uma arma valiosíssima para derrotar Zenko, já que, segundo parecia, o meio idealizado primitivamente por Myra fracassara.

   As provas estiveram no volume da Enciclopédia Britânica. O pacote, entretanto, desapareceu... embora fosse fácil adivinhar onde se encontrava naquele momento.

   Estava em poder de Zenko. Portanto, já era uma arma sem valor para eles.

   A única arma que poderiam empregar era a do medo do foragido pelas fotografias.

   Mas estas não existiam. O golpe não poderia ser mantido por muito tempo. Quando Zenko sentisse que a ameaça já não pesava sobre si, passaria ao contra-ataque e, certamente, sua vingança não teria nada de doce.

   Era preciso continuar com aquela ameaça. Não encontrava outra solução.

   — O melhor é eu ir dormir. Talvez o travesseiro me dê um bom conselho.

   E deu. Pela manhã, quando despertou, deu um salto de alegria.

   — Como não me ocorreu antes?! — exclamou, quase gritando.

   Vestiu-se rapidamente e depois de tomar banho e café, usou o telefone.

   A primeira ligação era para o seu escritório. Disse que se encontrava indisposto e que naquele dia não poderia trabalhar.

   A ligação seguinte foi para um amigo seu, membro da reunião semanal. Conversou uns minutos com ele e depois de obter sua aquiescência, saiu para a rua.

   A ideia que lhe ocorrera deu resultado. Seu amigo lhe disse que precisaria de pelo menos dois dias para realizar o que ele lhe solicitara.

   — Não importa — respondeu Frank. — Esperarei todo o tempo que for necessário.

   Passou toda a manhã em casa do amigo. Ao terminar, regressou a seu apartamento.

   Permaneceu dois dias encerrado, aguardando que o encargo estivesse pronto. Ao finalizar o segundo dia, o telefone tocou.

   Frank levantou ansiosamente o aparelho, julgando ser o amigo. Enganara-se.

   Era Clara.

   — Rymer?

   — Eu mesmo — respondeu o jovem.

   — Escute. Averiguei o nome do terceiro rato.

   — Magnífico! — exclamou Frank. — Como se chama, Clara?

   — Mike Dryre. E está disposto a falar com você.

   — Onde está, agora?

   — Não sei; ficou de se encontrar comigo esta noite.

   — Clara — disse Frank — tome nota do meu domicílio. Quando encontrar Dryre, traga-o para minha casa. Compreendeu?

   — De acordo. Dê-me seu endereço, Frank.

   Momentos depois desligava o telefone e esfregava as mãos com satisfação. Dentro de muito pouco tempo, ocorreria a derrota de Zenko.

  

   Clara chegou às oito da noite, acompanhada de um sujeito de meia-idade e de aspecto receoso, que disse ser Mike Dryre. Embora vagamente, Frank o reconheceu como um dos três sujeitos que discutira noites atrás com Zenko no "Os Três Ratos", discussão que terminara com dois disparos e um morto.

   — Este é Mike, Frank — disse a mulher. — Mike é um, bom amigo meu.

   — Olá — saudou Dryre.

   — Sente-se, por favor — indicou o jovem. — Que querem beber?

   — Qualquer coisa, Frank — respondeu Clara.

   — O mesmo para mim — disse o sujeito.

   Frank preparou dois copos. Tirou também cigarros e esperou.

   Dryre bebeu dois goles. Logo pronunciou uma só palavra, mas com tom imperativo:

   — Quanto?

   — Não estou entendendo — disse o jovem. — O que quer dizer?

   — Mike lhe facilitará informações, mas diz que você tem que pagá-lo — aclarou a mulher.

   Frank endureceu as feições.

   — Eu lhe darei quinhentos dólares, nem, mais um centavo. — Aceite-os ou vá embora, mas se pensa que vai ficar rico às minhas custas, está muito enganado.

   — E' uma ninharia — protestou o sabichão.

   — Ajudando-me, salvará sua vida. Janera e outro amigo seu morreram. É que você ainda não percebeu que Zenko está disposto a tudo.

   -— Sim, eu sei, mas...

   — Vamos, Mike — interveio Clara — não seja estúpido. Rock Robertson era seu amigo e Zenko o baleou diante de seu nariz. Janera também está morto. Que espera para ajudar a meter esse assassino na cadeia?

   Dryre não parecia muito convencido, apesar das palavras da mulher.

   — Quinhentos dólares é pouco — disse obstinadamente.

   Frank fez um cálculo mental da soma de suas economias.

   — Eu lhe darei mais mil. Mil e quinhentos no total. Agora, mesmo que quisesse, não poderia acrescentar um centavo mais, Mike. Quinhentos agora, decerto.

   Dryre vacilou ainda uns segundos. Por fim, pareceu render-se.

   — De acordo. Mil e quinhentos... e Zenko é seu. Pergunte, Rymer.

   — Não tenho muito a perguntar, Mike. E' você que tem que me contar muitas coisas. Por exemplo, que continha num pacote que desapareceu e que se encontrava no interior de um volume da Enciclopédia Britânica?

   Dryre disse, e Frank ficou atônito.

   — Céus! Nunca poderia suspeitar! Clara o olhou com ar satisfeito.

   — Que acha, Frank? .

   — E esse pacote, está agora em poder de Zenko?

   Dryre bebeu mais uns goles de sua bebida.

   — Sim, daquele bandido— disse raivosamente. — Fomos uns tolos ao...

   Calou-se, de repente, como se não quisesse continuar falando.

   Frank compreendeu.

   — De modo que foram vocês.

   — Eu só... ajudei. Foi Rock Robertson quem fez .

   — O primeiro rato morto.

   Dryre assentiu. Logo largou o copo vazio.

   — Ponha mais. Tenho sede. Frank o serviu.

   — Que fazia Benning ali?

   — Procurava o pacote, claro.

   — Por conta de quem?

   — Ah, eu não sei — respondeu Dryre, encolhendo os ombros.

   — E vocês sabiam o que iam encontrar na biblioteca?

   Dryre bebeu ansiosamente.

   — Sim.

   — Quem lhes disse?

   — Zenko.

   — E a ele?

   — Não sei. Você faz perguntas demais, raios!

   — Pergunto o que tenho necessidade de perguntar —- respondeu o jovem, friamente.

   Sentia nojo daquele homem. Dryre, com Janera e Robertson mataram Benning. Dryre acusava Robertson, mas era fácil acusar um morto, além disso, não tinha provas do contrário.

   Talvez ele mesmo, Dryre, fosse o autor da punhalada que cortou o fio de vida de Benning. Mas não possuía meios de prová-lo.

   — Está bem. Você não disse grande coisa, porém, ao menos, me proporcionou uns excelentes informes. Espere um momento.

   Ainda guardava o dinheiro que Myra lhe dera. Contou quinhentos dólares e os entregou.

   — Enviarei o resto por intermédio de Clara.

   — Bem rápido — grunhiu Dryre. — Melhor amanhã.

   — Cumprirei minha palavra — prometeu o jovem, entregando a Clara trezentos. — Compre um bonito vestido.

   A mulher sorriu levemente.

   — Você é um rapaz estupendo. Frankie — e o beijou na face. — Uma lástima que eu...

   Meneou a cabeça e soltou um suspiro que dilatou seu opulento busto.

   — E' inútil iludir-me — lamentou-se. — Vamos, Mike.

   Mike ficou de pé. Sua expressão carrancuda não mudara.

   — Não se esqueça. Os mil dólares, amanhã.

   — Você os receberá — assegurou Frank. Naquele momento, tocaram a campainha da porta.

   Clara e Frank olharam para a entrada com gesto de alarma.

   — Esperem — disse Frank.

   Aproximou-se do olho mágico e observou durante uns segundos. Logo, fez a chave girar na fechadura e abriu.

   — Myra! Que faz aqui a esta hora?

   A jovem deu dois passos para o interior da sala.

   — Você ficou muito tempo sem dar notícias e eu pensei...

   De repente, viu o casal e parou.

   — Sinto — desculpou-se. — Não sabia que tinha visitas. Frank.

   — Não importa. Já iam embora. Pode ficar, Myra.

   A jovem contemplou com curiosidade os visitantes do dono da casa. Dryre a olhou com impertinência.

   — Quer dizer que essa jovem tão bonita é a irmã do pássaro que deu o desfalque de cento e cinquenta da caixa do sindicato?

   — Meu irmão não foi! — protestou Myra, com veemência. — Zenko o...!

   Frank segurou o braço da jovem.

   — Controle-se. Myra — aconselhou. — Por muito que fale, Dryre continuará acreditando no que Zenko quer que acredite. Não deve importar-lhe. Vamos, Dryre — dirigiu-se ao rufião — dê o fora.

   Dryre sorriu cinicamente.

   — Sim, já percebi que desejam ficar sozinhos. Bem, que façam bom proveito.

   Frank lhe deu um soco no queixo. Dryre caiu no chão, soltando um rugido de raiva.

   — Cretino! Por que me socou?

   — Para que aprenda a respeitar as senhoritas — respondeu o jovem, friamente.

   — Você bem que mereceu, Mike — disse Clara. — Ela é uma moça decente; salta aos olhos... para os que tem olhos, claro.

   Dryre ficou de pé, resmungando entre os dentes. Logo, com passadas bruscas se dirigiu para a porta e saiu, seguido de Clara.

   Frank fechou a porta e se virou para Myra.

   — Sinto muito.

   — Não tem importância — respondeu ela. — Quem são?

   — Clara é uma boa amiga... e o outro, um bandido da pior espécie. Interveio no assassinato de Benning.

   _ Oh! — surpreendeu-se Myra. — E por que você não o denuncia... ?

   Frank sacudiu os ombros.

   — De que adiantaria? Ele negaria e, ademais, os dois que o ajudaram estão mortos, Ele é o terceiro rato.

   — Compreendo — assentiu Myra, mordendo o lábio inferior. — Por que vieram?

   — Clara localizou o sujeito — respondeu Frank. — Assim me inteirei do que fez Zenko e do conteúdo do pacote que você me mandou procurar.

   — O que continha? — perguntou Myra.

   — Como! — surpreendeu-se o jovem. — Você não sabia?

   Ela moveu a cabeça negativamente.

   — Meu irmão só me disse que devia encontrar esse pacote e entregá-lo às autoridades. Não demonstraria sua inocência, mas Zenko iria parar na cadeia por uma boa temporada.

   — Temo que seu irmão seja um pouco mais ingênuo do que parece — disse Frank.

   Myra pareceu aborrecer-se.

   — Não fica bem falar assim de...

   — Por favor — a interrompeu Frank. — Expressar a verdade, pode causar um pouco de dano, mas sempre termina por receber mais benefícios que prejuízos, embora o conteúdo do pacote fosse muito valioso. Supondo que eu me apoderasse dele, Zenko só sofreria uma grave perda. Não se poderia provar que era seu, compreende?

   — Sim. Embora meu irmão me assegurasse que sim, e eu...

   — É lógico que você queira ajudá-lo. E eu também trabalho para isso. Mas teremos que atacar Zenko de frente.

   — Como?

   Frank sorriu maliciosamente.

   — Amanhã você saberá. Enquanto...

   O rugido de uma metralhadora cortou bruscamente suas palavras.

   — Frank! — gritou Myra.

   A metralhadora repipocava na rua. Soltou uma terrível rajada e logo calou.

   Frank correu para a janela, notando que Myra o seguia.

   — Cuidado! — gritou, estendendo o braço. Myra se colocou atrás dele, olhando para a rua por cima do ombro. Imediatamente, soltou um agudo gemido.

   Frank crispou os punhos, de raiva.

   Dois corpos jaziam na calçada, no meio de dois charcos de sangue. Na distância se viam as luzes vermelhas de um carro que fugia a toda velocidade.

   — Isso foi obra de Zenko — murmurou o jovem sombriamente.

   Clara e Dryre jaziam imóveis. A descarga lhes alcançara em cheio, sem que tivessem ao menos oportunidade de escapar.

   Uma sirena policial soou ao longe.

  

   O rosto de Myra estava branco como a neve. Frank lhe entregou um copo cheio de bebida.

   — Beba, você está precisando.

   A rua estava cheia de gente, embora o rumor de seus comentários, graças a janela fechada, não chegasse até o apartamento.

   — Foi horrível — murmurou a jovem.

   — Isso demonstra que Zenko é um sujeito implacável — disse Frank. — Mas também demonstra que começa a ter medo.

   — Está certo? — perguntou ela.

   — Matou o terceiro rato. Com ele, desaparece a última testemunha de seu crime.

   — Então... não podemos fazer nada contra ele?

   Frank sorriu.

   — Deixe-o em minhas mãos, Myra. Zenko cairá, eu lhe garanto — respondeu.

   — O que pensa fazer?

   — Prefiro guardar segredo por ora. Você, o que deve fazer é não se preocupar. Ah, e se a polícia perguntar alguma coisa, responda que esteve comigo a tarde toda. De modo nenhum deve saber que Clara e Dryre saíram de meu apartamento .

   — Mas você deveria contar a verdade...

   — Não servirá de nada, salvo para complicar ainda mais as coisas. E, repito, a queda, desse bandido é iminente.

   Myra terminou de beber.

   — Então, que tenho de fazer?

   — Esperar um pouco e deixar passar o tumulto da rua. Logo irá para sua casa, onde esperará notícias minhas.

   O telefone soou de repente.

   — Perdoe-me — disse Frank.

   Dirigiu-se para a mesinha do aparelho e levantou o fone.

   — Rymer.

   A voz, que soou imediatamente, era bem conhecida.

   — Olá, intrometido — disse Zenko. — Já soube do que acaba de acontecer?

   — Já recebi o recado de seus esbirros, não é o que quer saber?

   — Justamente — respondeu Zenko. — E' uma advertência, Rymer, portanto se você enxergar dois palmos diante do nariz...

   — Enxergo mais — atalhou o jovem. — Muito mais que você, o suficiente para acabar enviando-o a cadeira elétrica.

   — É possível que você poderá acabar não enxergando mais — respondeu o assassino.

   — É coisa que ainda não discutimos. Que lhe disse Eldon Cross?

   Frank sorriu. A maldição que acabava de escutar, constituía uma resposta sobejamente eloquente.

   — Não quis aceitar o meu dinheiro — grunhiu o bandido. — Agora terá que aceitar algo mais doloroso e, portanto, menos produtivo.

   — Eu se fosse você ficaria de braços cruzados, Zenko. Será que já não se lembra de minha microcâmara e da cena que fotografei?

   — Tolices! Havia pouca luz...!

   — Nota-se que você não entende muito e que ignora tudo acerca de filmes com emulsões ultrassensíveis, Zenko. Se quer um bom conselho, adquira um manual de fotografias. Encontrará muitas coisas interessantes. Ah, e saiba que o pacote já não me interessa; é o que menos importa neste caso, compreende?

   — O que quer dizer? — gritou Zenko.

   Mas Frank desligou bruscamente o telefone, sem vontade de continuar falando.

   Logo se virou para Myra e sorriu.

   — Estamos ganhando a guerra de nervos.

   O rosto de Myra aparecia coberto de sombras.

   — As vezes uma guerra de nervos termina em uma guerra sangrenta, Frank.

   — E' possível — admitiu ele, — porém Zenko não terá tempo de iniciá-la.

   — E o que acaba de suceder a uns minutos atrás ?

   — Não era diretamente conosco — Frank deixou de sorrir. — Clara era uma boa pequena, apesar da espécie de vida que levava, mas o outro colaborara no assassinato de Benning e, tampouco soube denunciar o do amigo.

   — Você o viu e não...

   — Eu o denunciei, mas quando a polícia chegou o cadáver já tinha desaparecido. Sem dúvida, Dryre sabia onde fora parar o corpo de seu companheiro e preferiu calar. De que lhe serviu? Como lhe agradeceu Zenko?

   Ela inclinou a cabeça.

   — E' verdade — murmurou.

   Houve uma pausa de silêncio. Ao fim de uns minutos. Frank perguntou à jovem se queria comer.

   — Não tenho apetite, obrigado — Myra ficou de pé e se aproximou da janela. — Creio que já é hora de eu ir embora.

   A rua já se esvaziara notadamente. Os cadáveres de Clara e do bandido foram retirados numa ambulância.

   — Quando você vai ligar para mim? — perguntou a jovem.

   — Se você quiser, amanhã na hora que melhor lhe convier, mas o resultado de minhas investigações só saberei daqui a três dias.

   — Por que três dias?

   — Todas as coisas que preciso fazer vão demorar esse tempo; é um prazo que não posso encurtar — respondeu Frank categoricamente. — Tenha paciência, eu lhe peço.

   — Está bem — resignou-se Myra. — Se você acha necessário...

   — Acho — afirmou o jovem.

   Myra pegou sua bolsa e se encaminhou para a porta.

   — Não deixe de me telefonar quando tiver alguma novidade.

   — Eu lhe prometo.

   Frank ficou sozinho e acendeu um cigarro.

   Myra o agradava enormemente. Ela gostaria dele? Não se trataria somente de um sentimento de gratidão?

   O cigarro tornou-se intragável de repente e ao atira-lo ao solo, pisou-o com fúria. Por que Myra iria se casar com um homem mais baixo do que ela?

  

   Frank faltou ao trabalho também no dia seguinte. Esperava o correio. Finalmente, às doze horas recebeu uma carta.

   — Menos mal — suspirou aliviado, segurando o envelope.

   Abriu-o com uma espátula e leu a missiva. Durante longo tempo, permaneceu em silêncio, sorrindo, satisfeito.

   — Zenko vai levar um susto de morte — comentou à meia-voz.

   Imediatamente procurou papel e envelope e se sentou para escrever.

   Poucos minutos depois, terminava a carta. Releu seu conteúdo, com ar de grande satisfação.

   A missiva não era muito longa, mas, sim, substanciosa:

   Querido inimigo.

   Como pode comprovar, não se tratava de uma simples fanfarronada. Espero que o recebimento da presente lhe incline a fazer algo a favor de Lewis Wedder. O jovem não deu desfalque algum. Assim sendo, você, por meio de seus advogados, dará os passos necessários para uma revisão do processo e obter sua liberdade o mais cedo possível. Enquanto isto, a espada de Dâmocles continuará pendendo sobre sua cabeça, se não cumprir o que lhe ordeno.

   Seu afetuosíssimo.

  1. R.
  2. S. — Na Enciclopédia Britânica encontrará a lenda de Dâmocles.

   Eu tenho as tesouras.

   Fechou o envelope e saiu para a rua, depositando-o na primeira caixa de correio que encontrou no caminho.

   Zenko receberia a carta no dia seguinte. A resposta não se faria esperar.

   Procurou um telefone e chamou Myra.

   — Como está?

   — Um pouco melhor — respondeu ela. — Já obteve as provas?

   — Sim, mas estou esperando os resultados.

   — Quando os receberá?

   — Amanhã, talvez depois de amanhã. Não pode demorar mais de dois dias.

   — Tem certeza?

   Frank começou a rir.

   — Acabo de enviar a Zenko uma bomba, pelo correio. Amanhã explodirá no nariz dele.

   — Frank! — exclamou ela. — Você virou terrorista?

   O jovem começou a rir.

   — Eu falei em sentido figurado, Myra.

   — Ufa! Não sabe que peso me tirou de cima, Frank. Eu teria me decepcionado muito se você...

   — Decepcionado, Myra?

   — Esta é a palavra exata — confirmou a moca.

   Houve um momento de silêncio. Myra estranhou .

   — Frank? Está aí ainda?

   — Sim, claro.

   — Então, por que não me responde?

   — Meditava, Myra.

   — Meditava? Sobre o quê?

   — Você pronunciou uma frase faz uns instantes. Ela me fez pensar muito.

   — Sim.

   Frank julgou ouvir um risinho do outro lado da linha.

   — De que você está rindo, Myra?

   — De você, tolo.

   — Como? Não me insulte agora, Myra, por favor!

   Ela continuava rindo.

   — Você é um tolo delicioso. Deus o bendiga, Frank. Até outro momento.

   Mas ela já desligara. Frank ficou muito preocupado.

   Durante uns segundos, sentiu a tentação de correr à casa da jovem, mas se conteve, temendo ser precipitado.

   Um pouco de paciência — disse a si mesmo. —Não foi o que eu lhe recomendei?

   Regressou para casa. Era preciso esperar.

   Aguardou vinte e quatro horas. Por fim, quando já começava a desesperar, o telefone soou.

   Levantou o fone com ansiedade.

   — Rymer — disse, quase gritando.

   — Zenko — respondeu o outro, laconicamente.

   Frank esperou um segundo e logo disse:

   — Bem, Zenko, adiante. Fale. Recebeu minha carta?

   — Sim. Seu conteúdo é muito interessante.

   — Alegro-me.

 — Ademais, consultei a enciclopédia. Sei quem é Dâmocles.

   — Assim aumentará sua cultura. Que me diz a respeito de Wedder?

   — Podemos fazer um trato — sugeriu o bandido.

   — Não fiquemos nestes diálogos — riu Frank. — Fale claramente, exponha suas condições.

   — Minhas condições são as seguintes: todo o material fotográfico... absolutamente todo...

   — Em troca de quê?

   Zenko riu. Para Frank aquele riso pareceu de mau agouro.

   — Não percebeu ainda — disse o assassino — que por sua cabeça pode pender também uma espada de Dâmocles?

   Frank ficou paralisado.

   — Não entendo. Explique de uma vez, por favor.

   — Tenho uma hóspede encantadora — respondeu Zenko. — Estou seguro de que você gostaria de voltar a vê-la.

   — Maldito! Se você lhe fez...!

   Zenko soltou uma risada irônica.

   — Parece que você também está perdendo a compostura — disse o foragido.

   Frank procurou moderar-se.

   — Está bem. Quais são suas condições?

   — Todo o material fotográfico: originais e cópias. Em troca deles, consentirei que a moca tão bonita volte para a rua, sem perder um centímetro de sua beleza.

   — Você o terá — prometeu o jovem.

   — Mas você é que terá de trazê-lo — disse Zenko — em pessoa.

   — Onde?

   — Mandarei dois homens buscá-lo...

   — Não será esta noite — interrompeu Frank.

   — Por quê?

   — Os bancos estão fechados — disse o jovem intencionalmente.

   Zenko soltou uma espantosa maldição.

   — Está bem. Amanhã a noite, mas nem um minuto mais. Esteja em sua casa ou não voltará a ver a moça... viva. Adeus!

  

   Frank não tinha nada guardado em nenhum banco, a não ser suas economias. Se dissera tal coisa ao bandido, fora com o único objetivo de ganhar tempo.

   Era absurdo acreditar em Zenko. Mal ele estivesse em seu poder, daria ordem para matá-lo. Seus esbirros cumpririam sua ordem imediatamente e ele iria parar nas águas sujas do rio, com um peso amarrado nos pés.

   Não, era preciso ser mais esperto que Zenko... e começar supondo que Zenko era suficientemente astuto para não esconder Myra em seu domicílio habitual e oficialmente reconhecido.

   Acendeu um cigarro e deu uns passeios pela sala.

   — Myra está sequestrada — falou em voz alta . — Logo não se encontra num lugar central, pelo menos, tal era o costume dos sequestradores. Eu poderia ir ali, claro, mas não sairia vivo, o que não me seduz particularmente.

   Serviu-se de uma bebida e foi bebendo-a a pequenos sorvos.

   — Tenho que idealizar como caçar esse miserável. Disponho de vinte e quatro horas de tempo, mas hei de agir antes que finalize o prazo e seus esbirros me levem para lá. Que poderia fazer?

   Sentou-se num divã e contemplou as rodelas de fumaça do cigarro. De repente, exclamou satisfeito:

   — Já sei! Atacar antes de ser atacado é a solução.

   Consultou o relógio. Ainda não eram sete horas. Poderia fazer muitas coisas antes das lojas fecharem.

   Saiu precipitadamente e voltou uma hora depois. Logo entrou no banheiro.

   Quando terminou, tinha o aspecto do velho bêbado, que enganara tão facilmente Clara. Apagou as luzes da casa e chegou à janela.

   Um sujeito estava parado na calçada, em frente.

   — Não o tinha visto antes — falou para si mesmo. — Ele, sim, deve ter-me visto quando saí e regressei, mas agora não posso chamar meu amigo Billy para que o tire do meio.

   Confiava em seu disfarce. Saiu do apartamento e desceu as escadas, a fim de evitar encontros inoportunos no elevador.

   Antes de deixar a casa, olhou pela porta. O esbirro de Zenko continuava mo mesmo lugar.

   Saiu à rua. O homem lhe dirigiu uma olhadela casual. Procurando conter as batidas do coração, Frank caminhou ao longo da calçada.

   — Vai-se divertir — murmurou preguiçosamente.

   O sujeito não era nenhum dos que encontrara em sua casa no dia em que conheceu Myra. Para ele não interessava dar com um dos dois. Supôs que os dois homens deviam ser os de maior confiança de Zenko.

   Dez minutos depois, entrou num bar e procurou a cabina telefônica. Embora tivesse adotado o disfarce de um velho bêbado, suas roupas estavam limpas e, mantendo uma atitude ponderada, podia ir por todas as partes, sem despertar suspeitas.

   Chamou Billy, o garção.

   — E' Rymer — disse por telefone. — Preciso que me faça um favor agora mesmo, é imprescindível. Eu lhe pagarei todos os gastos.

   — De que se trata, senhor Rymer? — perguntou Billy.

   — Meu carro está na garagem de minha casa — e deu o número do carro. — Preciso que você ou algum dos seus empregados o deixe na esquina das ruas Quarta e Flessingen.

   — Está lhe acontecendo algum mal?

   — Não, é que tenho um tipo parado diante de minha porta e não quero que me veja sair no carro. Bastará que faça somente isso. Billy: deixar o carro no cruzamento assinalado. Você ou o que o levar, podem ir embora imediatamente, mesmo que não me vejam nas imediações. Pode deixar a chave no contato. Compreendeu?

   — Sim. senhor Rymer, mas... ouça, não se terá metido numa grande embrulhada?

   O jovem começou a rir.

     — Nada disso. Questão de saias, simplesmente, Billy.

   — Está bem, senhor Rymer. Terá o carro ali, dentro de um quarto de hora.

   — De acordo Billy. Quando eu lhe agradecer, o farei com mais do que simples palavras.

   Frank desligou o telefone e abandonou a cabina. O bar em que estava se encontrava muito perto do lugar assinalado.

   Procurou uma mesa situada junto a uma das janelas. Pediu uma xícara de café e se sentou para esperar.

   Um quarto de hora depois viu chegar o próprio Billy com o carro. O garção parou o veículo junto a calçada, saiu do mesmo e regressou a pé por onde viera.

   Frank deixou passar ainda cinco minutos. Logo, com naturalidade, ficou de pé, depositou uma moeda sobre a mesa e saiu para a rua.

   Momentos depois, arrancava com o carro em direção ao bairro portuário. A sua ação era realizada um tanto aereamente, confiando em sua boa sorte. Se falhasse, naquela noite...

   Quinze minutos depois, parava o carro a uns cem metros do "Os Três Ratos", num beco lateral, pouco transitado. Esperou que não estivesse ninguém nas imediações e saiu do carro.

   Depois dos três primeiros passos, começou a caminhar fazendo alguns esses. Tropeçou uma vez num casal e o homem o empurrou para um lado, ao tempo que o xingava violentamente.

   Frank não se queixou: o gesto do indivíduo lhe convencera que desempenhava bem seu papel.

   Pouco depois entrava no "Os Três Ratos". Procurou uma mesa solitária, e sentou-se à espera de que uma das garçonetes viesse lhe servir.

   — Tenho dinheiro — disse com voz estropiada, depositando sobre a mesa uma nota de dez dólares. — Traga-me uma garrafa do bom, beleza.

   A garçonete se dignou a sorrir diante da nota, que desapareceu entre os dedos de uma mão ambiciosa. Momentos depois, Frank tinha diante dele a garrafa.

   Simulou beber. A maior parte do tempo tinha a cabeça entre as mãos., fingindo estar quase bêbado. Os clientes da taberna não se preocupavam nem um pouco com ele.

   Passou uma hora. Frank começou a perguntar a si mesmo se não se enganara de lugar.

   Outra hora mais transcorreu. O jovem começava a desesperar e pensar em ir embora, quando, de repente, um sujeito entrou na taberna.

   Frank sentiu que seu coração batia alvoroçadamente. O recém-chegado era Jory.

   Jory se dirigiu para o balcão e se sentou num tamborete. O garção colocou um copo em frente dele.

   Transcorreram alguns minutos; Jory e o garção conversavam animadamente. Ao fim de um momento, Jory ficou de pé, dispondo-se a sair para a rua.

   Frank adivinhou sua intenção e ficou de pé, caminhando obliquamente para adiantar-se à ação do bandido. Chegou à porta dois minutos antes que ele e saiu, parando no umbral, com o objetivo aparente de acender um cigarro.

   Jory saiu e tropeçou nele. Frank soltou um grunhido de descontentamento.

   Fora, velho bêbado — resmungou o bandido — empurrando-o com violência.

   A porta se fechara. Naquele instante, a rua estava solitária.

   Frank se revirou velozmente e disparou seu punho direito contra o queixo do valentão. Colhido pela surpresa, Jory caiu ao solo como uma massa inerte.

   O jovem se agachou rapidamente e o levantou pelos punhos, embora sem carregá-lo sobre os ombros. Acabava de ouvir passos próximos e ele mesmo deu alguns, afastando-se da taberna.

   Jory tinha a cabeça apoiada sobre seu ombro. Os dois marinheiros que passaram por eles, sorriram compreensivamente. Atrás dele, um dos marinheiros, comentou :

   — Que bebedeira, eh?

   E o outro disse:

   — Se não sabem beber, por que entram numa taberna?

   Frank alcançou seu carro. Jory começava a despertar. O jovem lhe acertou outro golpe, privando-o de sentido pela segunda vez.

   Abriu a portinhola e depositou o corpo do bandido no assento dianteiro. Logo deu a volta no carro e se sentou atrás do volante.

   Jory estava apoiado contra o encosto e a porta. Antes de arrancar. Frank lhe revistou minuciosamente e o despojou de um revólver e de uma navalha de mola.

   Imediatamente, partiu a toda velocidade, para fora do bairro. Dez minutos depois, notou que Jory começava a despertar.

   Estavam em Hill Road, não muito distante da casa onde Benning fora assassinado, A separação entre as casas residenciais era muito grande. Frank aproveitou as circunstâncias para encostar o carro num canto e esperar tranquilamente que Jory recobrasse o conhecimento por completo.

   Quando o pistoleiro abriu os olhos, deu de encontro com um revólver apontado diretamente para seu rosto, numa distância de mais ou menos dez centímetros. Atrás da arma estava um homem de meia-idade, que lhe era completamente desconhecido .

   — Quem é você? — resmungou. — Que quer de mim?

   A arma era um colt 45, de gatilho exterior. Frank puxou para trás o martelo do percussor, com grande ostentação e disse:

   — Só quero uma coisa, Jory. Onde está a jovem?

   Sua voz era natural. Jory abriu os olhos, pasmado.

   — Raios! Se não é...

   — Ele mesmo — confirmou Frank. — Mas agora deixe de comentários e responda-me.

   — Acha que vou lhe dizer? — resmungou o valentão.

   — Muito bem. Então, prepare-se para morrer, Jory.

  

   O pistoleiro se sobressaltou.

   — Você não pode fazer isso...

   — Eu farei se você não me responder, e não pense que se trata de uma fanfarronada.

   — O chefe me fará em pedaços — gemeu o valentão.

   — Nunca troque um perigo remoto por outro imediato. Fale.

   Jory estudou o resto de Frank e viu que este parecia decidido a disparar.

   — Muito bem — respondeu com um suspiro de resignação. — Está no número quatro mil seiscentos e vinte de Hill Road.

   — Como? Na casa de Sol Tubble? — perguntou o jovem.

   — Sim.

   — Ele e Tubble são amigos? Jory fez um gesto de indiferença.

   — Assim parece — respondeu. Frank refletiu uns segundos.

   — Quase tornou meu trabalho em vão.

   — Que diz? — perguntou Jory.

   — Não, nada que lhe interesse — respondeu o jovem. — A moça está ali?

   Jory apertou os lábios.

   — Sim — respondeu com voz turva.

   — Sofreu algum dano?

   — Não, pelo menos até esta tarde.

   — Está bem; venha comigo, mas não tente escapar; lembre-se que as balas correm mais que as pernas.

   Saltou do carro, fazendo com que Jory saísse também pelo mesmo lugar. Logo moveu o revólver.

   — Caminhe — ordenou.

   — Para onde?

   — Para lá, onde vejo um jardim muito frondoso. Ande.

   O foragido iniciou a marcha, não muito seguro do que ia fazer. De quando em quando, virava a cabeça, cheio de apreensões.

   O lugar era escuro e solitário. De repente, Frank levantou a mão e descarregou um forte golpe contra o crânio do bandido.

   Jory caiu como uma massa inerte ao chão. Frank se inclinou sobre ele e, com sua própria gravata, o amarrou fortemente com as mãos nas costas.

   Não dispunha de ligaduras para os tornozelos, mas os juntou com o cordão do sapato. Em semelhante posição lhe seria muito difícil soltar-se.

   Finalmente, com seu próprio lenço, o amordaçou, a fim de evitar que pudesse gritar. Logo regressou à estrada e entrou no carro.

   Rodou mais duzentos metros. Ao chegar a uma casa, cujo número estava próximo ao final dos três milhares parou, e depois de apagar as luzes, saiu do carro.

   Meditou uns instantes. Finalmente, acabou por tirar a peruca e as sobrancelhas postiças, que lhe davam o aspecto de um velho de sessenta anos. Era melhor chegar com sua aparência habitual, decidiu.

   Puxou o chapéu fortemente e caminhou com resolução até a casa de Tubble. Minutos depois, contemplava o edifício.

   Havia uma luz acesa no andar de baixo. O resto da casa permanecia às escuras.

   Frank se aventurou a entrar pelo jardim. Caminhou cautelosamente, com os olhos fixos na janela, à qual chegou momentos depois, sem ter sofrido o menor dano. Com todo o cuidado, se assomou e olhou para o interior.

   Havia ali três homens, um dos quais lhe pareceu desconhecido. Os outros dois eram Zenko e Brant, o outro guarda-costas.

   Myra não se encontrava na sala, que era um salão elegantemente decorado. Devia estar encerrada num dos quartos e possivelmente com algum sentinela na porta.

   Brant estava num canto sozinho. Zenko e o desconhecido conversavam e, ao que parecia, não em muitos bons termos. Frank parafusou o cérebro, procurando uma maneira de entrar na casa sem ser notado.

   Depois de alguns segundos de reflexão, decidiu dar a volta na casa. Todas as casas deviam ter portas de serviço.

   Encontrou a dita porta e tateou-a. A maçaneta estava fechada a chave.

   Desistiu. Ele não era homem capaz de improvisar uma chave com um arame dobrado. Era preciso ser muito capaz.

   As janelas daquele lado também estavam fechadas. Frank soltou um gemido de descontentamento.

   Não lhe restava mais que um recurso. Aproximou-se de uma das janelas e golpeou o vidro com um cotovelo.

   Pareceu-lhe que o estrondo fora ouvido a mais de cem quilômetros da redondeza. Agachou-se, escapou dali e correu para a porta anterior.

   Zenko e seus companheiros continuavam numa atitude normal. Frank respirou, aliviado; havia suficiente distância para não terem ouvido o ruído do vidro quebrado, no máximo tendo em conta que a porta e a janela estavam fechadas; e que estavam conversando. O som de suas palavras apagaria outros de não muita intensidade.

   Voltou sobre seus passos e meteu a mão pelo vão. Afrouxou a lingueta e levantou a alavanca.

   Momento depois se encontrava no interior da casa. Tateou silenciosamente à direita e à esquerda, encontrando umas cortinas que correu imediatamente.

   Logo acendeu um fósforo. Era preciso se orientar.

   — Muito bem, amiguinho — disse uma voz. — Fique como está e não se mova, se não quiser encontrar-se com uma onça de chumbo no estômago.

   Ao mesmo tempo, a luz acendeu. Frank se encontrou em frente a um sujeito, que lhe pareceu desconhecido, o qual tinha na mão um revólver de pavoroso aspecto. O homem sorriu.

   — Outra vez, quando tentar entrar numa casa para roubar, procure um diamante para cortar o vidro. Fará menos ruído eu lhe asseguro.

   — Cometi um erro — reconheceu o jovem.

   — Creio que cometeu — riu o outro, — Bem, vire-se.

   — Para quê?

   — Quero arrancar-lhe os dentes.

   — Eu estou muito bem aqui.

   Mas Frank obedeceu. Atrás dele soaram as passadas do sujeito.

   — Dê dois passos para a esquerda, situe-se a um metro da parede e apoie as mãos nela — ordenou o pistoleiro.

   Frank fez o que lhe diziam. Era a maneira mais cômoda de revistar uma pessoa.

   Mas apenas tocou a parede com as pontas dos dedos e levantou o pé direito para trás. Alcançou a mão do bandido com o salto do sapato e a arma voou pelos ares.

   O sujeito soltou uma imprecação. Frank se virou, vendo que seu inimigo se dispunha a soltar um grito de alarme.

   Disparou o punho com todas as suas forcas, amassando os lábios do bandido. O homem retrocedeu, porém não caiu.

   Frank o golpeou de novo, agora no estômago. Dois golpes demolidores obrigaram o pistoleiro a sentar-se no solo, com os olhos cheios de lágrimas e o queixo manchado de sangue.

   Frank se apoderou de sua arma e apontou-a para sua cabeça.

   — Houve uma reviravolta, irmão — disse, satisfeito. — Onde está a moça?

   — Não sei.

   — Não me faça perder tempo. Além disto, você sabe a quem me refiro. Onde está Myra Wedder? Ou prefere que eu entre no salão e diga a Zenko que um de seus homens está pronto para ser enterrado?

   O pistoleiro se acovardou. Viu que estava diante de um homem disposto a tudo e viu que sua negativa não produziria nenhum benefício concreto para ele.

   — Segundo andar, segunda porta à direita. Momentos depois, Frank aparecia na porta.

   O pistoleiro jazia sem sentidos, em consequência de um formidável golpe que lhe assestara o jovem com o cano de sua própria arma.

   O vestíbulo estava deserto. Frank subiu rapidamente ao segundo andar e bateu com os nós dos dedos na porta indicada.

   — Quem é? — perguntou Myra do outro lado.

   — Frank — respondeu o jovem em voz baixa.

   — Frank! — Exclamou ela. — Como...?

   — Não faca barulho, por favor. Abra rápido.

   — Não tenho chave. Frank.

   O jovem conteve uma imprecação. Devia esperar por uma coisa semelhante.

   A luz do corredor era deficiente. Frank viu que no outro lado havia uma poltrona, junto a qual estava uma mesinha com um cinzeiro cheio de pontas de cigarro.

   Aquele devia ser, deduziu, o posto do vigia. Sem dúvida, o pistoleiro julgando que a moça estava em segurança, descera ao primeiro andar quando ouviu o ruído de vidros quebrados.

   — Preferiu investigar primeiro, pois poderia ser um engano. Zenko não gostava que seus homens se equivocassem.. .

   Mas isso não solucionava o problema.

   — Espere um pouco, Myra — cochichou.

   Desceu de novo e revistou o pistoleiro, achando uma chave que tirou do bandido, julgando ser a do quarto em que Myra estava aprisionada. Subiu de novo e abriu a porta.

   Myra se jogou em seus braços, rindo e chorando de alegria.

   — Oh! Frank, nunca poderia imaginar...

   O jovem a estreitou contra o peito, sentindo o cálido contato do seio de Myra.

   — Não lhe fizeram mal?

   — Não, em absoluto. Só me mandaram entrar aqui e...

   — Está bem; logo me contará tudo. Agora, Myra, você vai fazer o que eu disser, compreendeu?

   — O que você quiser Frank — prometeu ela, com os olhos brilhantes.

   — Myra, saia imediatamente desta casa e chame a polícia do primeiro telefone que encontrar em seu caminho. Pergunte pelo Tenente Cardoso. Diga-lhe que venha aqui e, sobretudo, que se apresse, compreendeu?

   Myra assentiu.

   — Você vai ficar?

   — Não há outro remédio. É preciso entreter esse miserável.

   Myra se dirigiu para a porta, mas ele a segurou pelo braço.

   — Esse não é o caminho. Venha.

   Apagou a luz e se aproximou da janela, abrindo-a com cuidado. Assomou, calculando mentalmente a distância.

   — Cairá de mais de dois metros. Procure flexionar as pernas para atenuar o choque — aconselhou.

   De repente, Myra fechou os braços em seu pescoço e o beijou impetuosamente.

   — Frank, se você sair desta...

   Não disse mais nada, mas sua atitude era sobejamente eloquente. O jovem se sentiu inflamado pelo ardor combativo. Sim, valia a pena lutar por uma mulher como Myra.

  

   Frank abriu com cuidado a porta do salão.

   — Olá — disse, sorrindo com desembaraço.

   Os três ocupantes da sala se viraram imediatamente, ao ouvir sua voz. Zenko ficou mudo de assombro.

   Brant ficou de pé de repente, balbuciando mil imprecações, ao mesmo tempo que sacava a arma. Enquanto o outro permaneceu sentado, embora preso de um evidente desconcerto, segundo o jovem pôde apreciar.

   — Não me esperavam esta noite, verdade? — disse Frank avançando dois passos. Moveu o índice em direção ao pistoleiro. — Cuidado com esta coisinha, pois às vezes ela tem maus pensamentos.

   Brant soltou um rugido e avançou para o jovem, brandindo a arma ameaçadoramente.

   — Quieto! — ordenou Zenko. — Não o toque.

   — Eu gosto assim — sorriu Frank. — O diálogo, antes de tudo.

   — Mas reviste-o — acrescentou Zenko imediatamente.

   Frank se submeteu mansamente. Brant lhe tirou uma arma que deixou sobre uma mesa próxima.

   — Não tem mais armas, chefe.

   — Está bem. Feche a porta agora — ordenou o chefe do sindicato. — E você e eu, Rymer, vamos conversar muito seriamente.

   — Vim para isso, precisamente — respondeu o jovem — embora se você não se importar, prefiro sorrir. As caras feias me deprimem, francamente.

   — Deixe de brincadeiras — grunhiu Zenko.

   — Onde estão as fotografias?

   Frank bateu num dos lados do paletó.

   — Aqui. E também os negativos.

   Zenko moveu a cabeça. Brant revistou novamente o jovem.

   Houve um momento de silêncio, enquanto Zenko examinava as fotografias e os negativos. Logo levantou a cabeça e olhou para Frank.

   — Não há mais nada?

   — Não. Está tudo aí — respondeu Frank. Os olhos do assassino faiscavam.

   — Bem, isto já se acabou. Brant. Frank levantou uma das mãos.

   — Por favor.

   — Que deseja agora? — resmungou Zenko.

   — Seja breve; estou desejando liquidar este assunto o quanto antes.

   — Eu também sou partidário da brevidade — concordou Frank cortesmente. — Por isso vou permitir-me fazer uma indicação.

   — Está bem, fale.

   — Não será muito longa — sorriu o jovem. — Simplesmente lhe direi que a Senhorita Wedder escapou e que, neste momento, corre a toda velocidade a procura de um telefone para chamar a polícia. Ela sabe que eu estou aqui; se você me fizer desaparecer, passará muito mal, Zenko.

   O assassino empalideceu horrivelmente.

   — Brant! Comprove isto.

   O pistoleiro saiu da sala. Com toda a tranquilidade, Frank acendeu um cigarro.

   — Eu o vi assassinar Rock Robertson, Zenko.

   — Mas não poderá provar. Tenho as fotografias.

   — Você o matou, não é verdade? Responda sim ou não, por favor.

   — Sim, e daí? Você não poderá repetir isso a ninguém.

   Brant entrou naquele momento.

   — Chefe, a moça desapareceu! Terrell não está!

   — Se Terrell é o homem que tomava conta dela — disse Frank — neste momento está entregue a um delicioso sono. Não se preocupe com ele, despertará, embora com muita dor de cabeça.

   Zenko o olhou raivosamente.

   — Você se julga muito esperto — disse, agitando as fotografias. — Mas embora você jure que me viu matar Robertson, não poderá provar nada. Queime tudo isto, Brant!

   O pistoleiro obedeceu. Levou as fotografias para a lareira e jogou-as no fogo. Frank nem piscou.

   — Diga-me, Zenko — falou tranquilamente — posso suspeitar razoavelmente que você matou Robertson por... diferenças de divisão na repartição de conteúdo do pacote que os ratos encontraram na biblioteca desta casa?

   — É possível — admitiu o assassino com indiferença .

   — E logo temeu que os outros dois ratos começassem a falar e os eliminou também.

   — Janera tinha o pacote e se negava a entregá-lo — respondeu Zenko.

   — Ah, parece que vocês tinham formado uma sociedade, que você desfez à bala.

   — Bem — sorriu Zenko.

   — O mal é que, no meio de tudo isso, morreu uma mulher inocente — disse Frank, ao mesmo tempo em que se virava para Brant. — Foi você que manejou a metralhadora que matou Clara Fallon e Mike Dryre?

   — Sim, e dispararei esta arma contra você quando o chefe ordenar — respondeu bruscamente o foragido.

   — Muito obrigado — respondeu Frank cortesmente. — E de novo enfrentou o chefe do sindicato. — Diga-me, Zenko, que fazia Benning na biblioteca da casa?

   — Foi buscar o pacote — resmungou Zenko.

   — De modo que ele também sabia. Também sabia que o pacote continha um contrabando de diamantes no valor de cem milhões de dólares, não é verdade?

   — Sim., mas você já está me cansando. Acabe de uma vez.

   — Um momento, por favor — pediu Frank, levantando uma das mães. Olhou para o desconhecido. — Começo a suspeitar que você é Tubble, o proprietário desta casa. Viajou oportunamente sabendo que Benning ia morrer?

   Tubble empalideceu.

   — Eu não... — disse, acariciando a garganta.

   — Você passa por ser um homem respeitável, mas não é — falou o jovem cruamente. — Muito mal isso de complicar-se com uns assassinos por um punhado de diamantes. Vocês vão parar na cadeira elétrica.

   A porta se abriu, de repente.

   — Chefe! — gritou Jory entrando na sala, segurando Myra pelo braço. — Olhe quem eu encontrei aí fora!

   Frank estremeceu. Myra o contemplou desesperada.

   — Sinto muito — soluçou a jovem. — Quando o vi, já era muito tarde.

   Um amplo sorriso distendeu os lábios de Zenko.

   — De modo que não avisou a polícia? — disse rudemente.

   Avançou para Brant e tirou a arma de sua mão.

   — Dê-me. Há coisas que eu mesmo gosto de fazer.

   Frank sentiu um nó no estômago.

   — De qualquer forma... Tubble saltou para frente.

   — Quieto, Zenko! — gritou. — Não quero mais crimes! Eles não têm nada a ver com...!

   De repente, Zenko se virou e disparou duas vezes à queima-roupa contra o dono da mansão.

   Tubble abriu a boca, tentando gritar. Mas não saiu nenhum som de seus lábios. Ficou um momento imóvel e logo caiu ao solo, como um novelo.

   Myra se virou de costas e abraçou o jovem, escondendo a cabeça em seu peito, para não presenciar aquele horrível espetáculo. Frank se sentia enfermo, embora procurasse não demonstrar.

   Zenko se virou para ele.

   — Tire a moça do meio.

   Brant e Jory puxaram a jovem e a separaram de Frank. Ela gritava desoladamente.

   Zenko levantou a arma.

   — Bem, já vai-se acabar — e no mesmo instante soltou um grito de dor, ao tempo que se ouvia um estampido.

   Frank contemplou atônito a mão ensanguentada do assassino, em cujo rosto se desenhava uma careta de sofrimento. Logo soou uma voz de comando:

   — Quietos todos!

   — Tomas! — gritou Frank.

   De repente, Jory enlouqueceu e se jogou contra uma janela, com vontade de escapar.

   Do lado de fora, no jardim, partiu uma ordem:

   — Alto!

   Mas o pistoleiro já perdera o domínio de si mesmo. Procurou sacar a arma.

   Uma metralhadora repicou ensurdecedoramente. A chuva de projéteis jogou Jory para trás o qual depois, de cair contra uma cadeira, acabou caindo ao solo.

   Brant levantou as mãos para cima, Cardoso, seguido de alguns agentes de uniforme, penetrou na sala.

   — Atendam esse homem — e indicou Zenko com a mão.

   Frank respirou, aliviado, ao mesmo tempo em que passava um braço sobre os ombros de Myra.

   — Não compreendo como chegaram tão a tempo, Tomas. Ela ia avisá-los e...

   Cardoso sorriu maliciosamente. Meteu a mão no bolso e tirou uma fotografia.

   — Johnny Beare me contou o que você lhe pediu — explicou. — Foi um bom ardil, é preciso reconhecer.

   Por um momento, Zenko se esqueceu da dor que sentia na mão atravessada por um projétil.

   — De modo que não eram mais que uns desenhos fotografados.

   — Sim — admitiu Frank, sorrindo. — Tenho

  

   um amigo que é um excelente artista e realizou os desenhos de acordo com minhas indicações, inclusive os fez um pouco borrados, para que você acreditasse que as supostas fotografias não tinham saído bem, por causa da iluminação deficiente. Mesmo que fosse de outro modo, apresentaríamos essas fotografias diante de jurados.

   Zenko se endureceu.

   — Tenho bons advogados — disse altaneiramente.

   Então, Frank, com toda tranquilidade, levantou ambas as mãos e depois de forcejar ligeiramente, tirou o chapéu.

   Este ocultava uma caixinha de forma oblonga, do tamanho duplo de um pacote de cigarros. Com a caixinha na mão, Frank, sorrindo amplamente, disse:

   — Os japoneses fazem verdadeiras maravilhas, diminuindo os aparelhos de gravação. Aqui está gravado tudo o que você confessou, Zenko; veremos se seu advogado consegue salvá-lo da cadeira elétrica.

   O chefe do sindicato caiu. Cardoso se apoderou do diminuto gravador.

   Brant começou a gemer. Ele também confessara duas mortes.

   — Leve-os — ordenou Cardoso duramente. Logo olhou para o casal.

   — Tenho que conversar muito com vocês.

   — Amanhã — respondeu Frank.

   — De acordo.

   Frank tirou Myra do salão. Do lado de fora, se ouviam os protestos de Brant.

   — Ele me obrigou! — soluçava o pistoleiro. — Eu não queria, mas...

   Terrell foi arrastado por dois agentes. Frank e Myra abandonaram a casa.

   — Irei vê-la amanhã — prometeu ele.

   — Estarei esperando-o — respondeu a jovem, com os olhos cheios de um estranho resplendor.

   Frank, no dia seguinte, apareceu um pouco tarde na casa de Myra.

   — Começava a ficar impaciente — queixou-se ela.

   — Estive conversando com Cross.

   — O secretário de Zenko?

   — Sim. Não tem as mãos muito limpas e a fim de salvar sua responsabilidade concordou em ajudar a polícia. Seu irmão será inocentado e logo sairá do cárcere.

   — Isso me parece um sonho — disse Myra, com os olhos cheios de lágrimas.

   — É tudo verdade — respondeu ele. — Inclusive que Benning e Tubble, que eram dois cidadãos honrados na aparência, colaboravam com Zenko no contrabando de diamantes. Ter alguns marinheiros como aliados lhe facilitava muito as coisas, compreendeu?

   — Sim, mas quem escreveu o código que lhe permitiu encontrar a taberna de "Os Três Ratos"?

   — Deve ter sido o próprio Benning, não há outra explicação.

   — Benning?

   — Sim. Sabia que Tubble não estava, mas ignorava que essa ausência se devia a que Zenko já decretara a sua morte. Quando viu que o pacote não se encontrava no devido lugar e que o volume tinha sido substituído, formou o código, apressadamente, suspeitando de algo. Mas não teve tempo de escapar, os três já estavam o cercando e...

   Myra assentiu.

   — Meu irmão sabia do contrabando, mas não tinha provas.

   Houve um momento de silêncio. Logo, Myra sorriu para o jovem.

   — Na verdade devo felicitar-me pelo meu erro.

   — Não entendo.

   A jovem fechou os braços em volta de seu pescoço.

   — Eu encontrei o homem de minha vida — murmurou no seu ouvido. E logo, maliciosamente, acrescentou: — Não notou ainda que estou usando sapatos baixos?

   Frank se afastou ligeiramente de Myra, contemplou-a em um instante e sorriu.

   — Se você me quer, é uma questão secundária — disse. Beijou-a apaixonadamente e acrescentou: — Há outra questão mais importante para resolver.

   — Qual? — quis saber a jovem.

   — A festa de nosso casamento — respondeu Frank, dispondo-se a beijá-la de novo. — Fui detetive por um erro, mas não creio que seja um erro casar-me com você — concluiu.

 

                                                                                Clark Carrados  

 

                      

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