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DEUSA DA LENDA - P. 2
DEUSA DA LENDA - P. 2

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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DEUSA DA LENDA - Parte  II

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Capítulo Dezesseis


Artur sabia que esperar do lado de fora do quarto da condessa era mais do que ridículo. E que seu medo de Gwen fazer mal a Isabel também não tinha cabimento.

No entanto, sua necessidade de protegê-la foi mais forte. E o mais desconcertante naquilo tudo era que não era a esposa que ele sentia necessidade de proteger.

Mary finalmente deixou o aposento, parecendo quase sem fôlego. Correu até ele e fez uma reverência.

— Meu rei...

— Diga-me, Mary.

— A condessa me pediu que eu lhe entregasse este bilhete. A rainha não está bem.

— Meus agradecimentos — murmurou ele, tentando não arrancar a nota das mãos da moça. Abriu-a tão devagar quanto sua preocupação permitia.

Artur, Gwen precisa de atenção médica! Por favor, leve-a para seus aposentos e mande chamar Tom.

Artur amassou o bilhete e o jogou de lado.

— Obrigado, Mary. Por favor, vá procurar Tom, um dos homens de Isabel — pediu, antes de entrar no quarto sem nem mesmo bater.

E o que viu foi realmente incrível. A condessa bombeava o peito de Gwen; em seguida, parava para soprá-la na boca.

E ele se preocupando com Isabel!

— O que está fazendo?!

— Acho que Gwen entrou em choque, ou algo assim! — explicou ela, para depois aspirar mais ar e recomeçar todo o processo, segurando as narinas de Gwen enquanto soprava em sua boca. Aquilo era chocante!

— Pare!

Isabel parou de soprar, porém recomeçou a forçar o peito de Gwen.

— Quer Gwen viva ou não? — indagou, ofegante.

— Claro, mas...

— Então, afaste-se! Eu devia ter notado os sinais. Os delírios, as oscilações de humor de Gwen... Pelo amor de Deus, eu pensei que fosse TPM!

— Quero ajudar!

— Pegue um pouco de água.

Artur continuou a assistir à cena, horrorizado, enquanto apanhava a água. De repente, Gwen tossiu e sacudiu a cabeça.

Isabel sentou-se sobre os calcanhares e enxugou a testa. Em seguida levantou a rainha para a posição sentada e aceitou o cálice de água fresca de Artur.

— Bem-vinda de volta, Gwen. Você me deu um susto e tanto... Agora, por favor, beba.

A moça segurou a base da taça e tentou virá-la de uma vez, porém Isabel a impediu.

— Não! Só um gole ou dois. Precisamos hidratá-la, mas não de uma vez.

Artur nunca se sentira tão indefeso antes. Não sabia o que havia acontecido com sua esposa, não compreendia o que Isabel acabara de fazer. Sabia apenas que fora inútil, exceto por ter trazido aquele copo de água.

Deixou-se sentar pesadamente numa cadeira. Tudo indicava que sua rainha passara muito mal, e que a mulher que agora desejava tinha acabado de salvar a vida de Gwen bem diante de seus olhos, sem que ele nada pudesse fazer para ajudar.

— Artur?

Ele escutou o chamado, porém o latejar em seus ouvidos o impediu de ouvir.

— Artur!

Ele abriu os olhos. Isabel estava sentada agora, olhando para ele.

— Artur, eu sei que estou sendo repetitiva, mas, por favor, leve a sua esposa para os aposentos dela. Gwen parece bem agora, mas é bom que Tom a avalie melhor.

— Mas Tom é apenas um médico de dentes.

— Para ser qualquer tipo de médico na minha terra, é necessário que a pessoa entenda de todos os tipos de medicamento. Tom está mais bem preparado do que eu para fazer um diagnóstico.

— Diag...?

— Para descobrir o que aconteceu. Precisamos levar Gwen para a cama dela. Coragem, garotão. Carregue sua esposa até o outro quarto.

Até então, muitas pessoas haviam entrado no quarto, e Isabel assumiu o controle de todas elas.

— Mary, por favor, traga tanta água fresca quanto for possível para os aposentos do rei e da rainha.

— Sim, senhora.

— Jenny, por favor, traga para Tom todos os tipos de flores ou ervas que a rainha usou em seu chá ou em qualquer outra refeição hoje.

A moça chamada Jenny fez uma reverência e desapareceu.

— Mordred... Que bom vê-lo por aqui. — Isabel olhou a perna do rapaz. — Ao que parece, porém, Dick atou sua perna como a de um ganso, ou algo parecido.

— Mesmo assim, eu gostaria de ajudar. De que forma for, condessa.

Ela assentiu.

— Que tal abrir caminho para que ninguém atrapalhe a volta de Gwen para sua própria cama?

— Será um prazer — murmurou o rapaz.

Artur quase sorriu ao ver o filho se iluminar com orgulho por ter uma missão a cumprir. Ele devia ter dado uma lição naquele garoto havia muito tempo! Bastara um chute bem dado, e Isabel tinha feito tudo o que ele deixara de fazer a vida toda.

— Artur?

Ele piscou, tentando se livrar de todos os pesares.

— Sim, condessa. Diga-me o que devo fazer. — Isabel o fitou, e Artur sentiu o vínculo entre eles mais uma vez. Não teve tempo de avaliá-lo, contudo. — Ela já pode ser removida? — indagou, ansioso.

— Sim. Mordred abrirá caminho para vocês.

Artur se inclinou sobre Gwen, que ainda parecia mal.

— Consegue passar os braços pelo meu pescoço, Gwen?

— Lancelot? — balbuciou ela, confusa.

Ele quase a jogou de volta ao lugar, mas Isabel o segurou pelo braço.

— Ninguém ouviu isso, a não ser você e eu, Artur. Pegue-a e leve-a para a sua cama.

— Para a cama dela . Não é mais minha — corrigiu ele, erguendo a esposa nos braços, mesmo assim. — Mordred, meu filho, parece que vai nos escoltar.

— Sim, senhor. Embora mais devagar do que eu gostaria.

Artur voltou-se antes de deixarem o quarto.

— Minha gratidão por ter salvado a rainha.

Isabel sorriu para ele.

— Tenho vivido grandes emoções em Camelot.

Ele fez uma careta quando Gwen o apertou no pescoço.

— Se as posições estivessem invertidas, você sabe... Gwen talvez não houvesse se esforçado tanto para salvar sua vida, como fez com ela.

— Prefiro pensar que sim.

Artur balançou a cabeça, porém sorriu.

— Quando isto tudo acabar, precisamos conversar em um lugar que gosto de chamar de “terra do la-la-la”.

Conforme ele carregava Gwen para fora do quarto, a risada melodiosa de Isabel lhe encheu os ouvidos.

— Ah, se tivesse sido a senhora! — exclamou Mary, irrompendo quarto adentro e se atirando nos braços de Isabel, a ponto de quase derrubá-la.

— Mas não fui eu, Mary. O que eu gostaria de saber é quem ou o que causou isso.

Mary endireitou o corpo, esfregando os olhos no avental.

— Eu não sei. Mas tal coisa não pode acontecer com você! — Ela rumou para a banheira e começou a recolher todas as ervas e flores.

— Mary...

— Não vou permitir que ninguém a envenene, Isabel. Não vou!

Isabel sorriu. Ela apostaria um bom dinheiro que Mary havia se esquecido de que proibira a si mesma de chamá-la de qualquer coisa a não ser “condessa”, “senhora”, ou o que fosse.

— Mary...

— E se tivesse sido com você? E se eu tivesse servido algo que lhe houvesse feito mal? Como eu poderia fazer o que fez para salvar a rainha? — Ela se voltou para a condessa, o avental carregado com todas as ervas e flores que tinha polvilhado, pouco tempo antes, no banho de Isabel, na intenção de torná-lo maravilhoso.

Isabel, por sua vez, continuava sob o choque de tudo o que acontecera com Gwen.

— Despeje tudo de volta na banheira, Mary.

— Não, não vou fazer isso! — exclamou a moça, as sardas quase saltando do rosto bonito. — Elas podem ser perigosas!

— Por favor, Mary. Não estou exigindo, apenas pedindo.

— E se eu me recusar? — indagou a menina com o queixo erguido.

— Vou lhe pedir que busque mais, assim aproveito o meu banho sossegada!

Mary deixou cair os ombros, depois se virou e despejou o conteúdo do avental na banheira.

— Mas como vou protegê-la dos venenos?

Isabel sorriu.

— Quer entrar na banheira antes de mim?

Mary riu.

— Se desejar, condessa...

— Que tal beber a água do banho?

Mary riu ainda mais, e não conseguiu parar até que desabou no chão.

— Só se ela me transformasse em uma mulher tão bonita como você... Isabel.

Isabel parou, sem saber o que a havia deixado mais atordoada: o fato de Mary ter finalmente se atrevido a chamá-la pelo primeiro nome, ou por ter dito algo tão doce. Mas a troca verbal durou apenas um momento, e ela riu e caiu no chão com Mary, abraçando-a com força.

Continuaram a rir por algum tempo, até que ela fez a menina endireitar os ombros e lhe ajeitou os cabelos para trás.

— Mary, é uma mulher tão bonita... Eu gostaria de ter sido tão linda como você quando tinha a sua idade. Caramba, sabe do que os meninos me chamavam quando eu tinha treze anos?

— Não. — Mary balançou a cabeça. — Do quê?

Santo Deus, agora nem ela conseguia se lembrar! Sabia ser algo que sempre acabava com um nariz sangrando ou dois, mas se esquecera do apelido.

“Pau de virar tripa.”

“Ah, obrigada por intervir, Viviane!”

“De nada. Foi apenas um lembrete.”

— Eles me chamavam de “pau de virar tripa”. Era terrível.

— Não sei o que quer dizer — respondeu Mary.

— Eu era alta demais para a minha idade e muito magra. Então, os meninos me provocavam sem dó. No fundo, as pessoas desagradáveis dizem coisas desagradáveis apenas para se sentirem melhor. Eu, por exemplo, já superei essa história de “pau de virar tripa” faz tempo. Se alguém já lhe disse coisas ruins, garanto que foi gente idiota. Quaisquer que tenham sido os comentários, estes não significam nada e são infundados. É uma mulher linda e está se casando com um dos melhores partidos do reino de Camelot. Garanto que James não pediu a sua mão porque ele a acha feia. Não fica feliz por isso?

Mary assentiu.

— Às vezes eu queria que James não fosse tão importante no reino.

— Por quê?

— Porque talvez as minhas amigas não houvessem se afastado de mim tão depressa.

— Elas se afastaram de você?

Mary concordou, e uma lágrima caiu em seu joelho.

— Mais tarde eu fui designada para ser sua criada, e elas se afastaram ainda mais.

Isabel viu a mágoa nos olhos de Mary e se perguntou em que tipo de mundo vivia aquela garota para ter de escolher entre as amigos e seu homem. Ou entre o sucesso de qualquer forma e permanecer estagnada. Suspirou. Teoricamente, em seu próprio tempo aquele tipo de coisa também devia acontecer. Como pais imbecis, estúpidos e preconceituosos que preferiam ver a filha morta a casada com pessoas de outra raça ou religião. Mas aquilo com Mary... Aquilo estava muito errado.

— Mary, você ama James?

— Ah, sim! Eu o amo muito.

— Muito bem. Pois trate de se importar apenas com as amigas que estão felizes por você se casar. E, uma vez que estiver casada e numa posição social superior, traga-as para o seu lado. Esqueça as que deixaram a inveja e o ciúme corromper o próprio julgamento. Ou melhor, faça como quiser. Pode perdoá-las ou ignorá-las. Mas nunca, jamais, esqueça as amigas que ficaram felizes por você, está bem?

— Eu nunca vou me esquecer, condessa Isabel!

— Melhor não esquecer mesmo!

Era uma coisa boba, Isabel sabia, mas já se sentia tão próxima de Mary que era quase como se elas tivessem se conhecido a vida inteira. Apenas dois dias tinham se passado?

Levantou o dedo mindinho.

— Vamos ser amigas a vida toda, mas, para isso, precisa concordar.

Mary a observou, confusa. Então pareceu compreender, finalmente.

Ergueu o dedo mindinho também, e ambas os entrelaçaram.

— Amigas para sempre, Mary. O vínculo mais importante.

— Amigas para sempre — confirmou a menina.

Isabel conteve as lágrimas. Levantou-se, por fim, puxando Mary com ela.

— E agora, senhorita, por favor, vá pedir que me tragam baldes e baldes de água bem quente.

Mary olhou para a banheira.

— Mas, Isabel, e se...

— A rainha bebeu água com ervas, Mary, ela não se banhou nela.

— Tem certeza?

— De acordo com Jenny, que veio me dar notícias, Tom confirmou tudo. Ele fez Gwen vomitar o chá que tinha ingerido.

— Que coisa desagradável!

— Nem me fale.

— Vou pedir que lhe tragam a água quente agora mesmo.

— Obrigada.

Ambas sorriram, coroando sua amizade, depois Mary fez meia-volta para sair. A menina surpreendeu Isabel, contudo, ao se voltar para encará-la.

— Fiquei muito orgulhosa de você hoje.

Isabel sorriu ainda mais, sentindo-se tão leve que poderia dormir por uma semana.

— Obrigada, Mary. Foi apenas algo que aprendi quando era mais moça.

E que ela queria desesperadamente ter aplicado em Curtis, no Afeganistão. Mas havia sangue demais.

— Isabel... — chamou Mary mais uma vez.

— Sim, Mary?

— O rei estava muito preocupado com você.

— Comigo?

— Não que ele não estivesse preocupado com a rainha... Mas notei como ele ficou do lado de fora do quarto, todo nervoso. E ele estava preocupado com você .

— Obrigada por me avisar. Vou tranquilizá-lo na hora do jantar.

Após um banho longo e luxuriante, Isabel saiu, sentindo-se melhor, ainda que meio cansada. Um dia que prometia tanto acabara sendo mais do que conturbado.

Mary, que tinha a incrível capacidade de saber exatamente quando ela iria precisar de alguma coisa, veio ajudá-la a se vestir e a arrumar o cabelo. Fez uma trança simples, mas que lhe contornava a lateral do pescoço, descansando em seu peito.

— Colhi algumas flores esta manhã, com a intenção de colocá-las em seu cabelo esta tarde ou à noite, mas, depois do que aconteceu hoje... — explicou, estremecendo.

— Mary, não sabemos se foi alguma flor que fez a rainha passar mal. E, como já conversamos, ela deve ter ingerido a planta em comida ou bebida para ficar doente.

— Não custa sermos cautelosas.

“Supersticiosas” seria a palavra mais adequada, porém Isabel nada disse.

— Tenho um recado de Tom, seu médico, condessa — lembrou-se Mary, enquanto se erguia e admirava o próprio trabalho. — Ele pede que vá encontrá-lo no quarto de dormir da rainha.

— Verdade? — Isabel se levantou. — Então me mostre o caminho agora mesmo!


Capítulo Dezessete


No fim, o quarto real não era tão distante do dela, constatou Isabel. E Mary informou que tal proximidade era considerada uma honra. Quanto mais importante era o convidado, mais próximo ficavam seus aposentos dos do rei e da rainha.

O dormitório real era exatamente isso: real. Tapeçarias cobriam a maior parte das paredes, e o brasão de armas de Camelot — suspeitava ela — era o que estava dependurado acima da cabeceira da cama.

A cama era em estilo dossel, com sedas verde-escuras drapeadas nas laterais. No momento o cortinado de seda estava afastado e atado com cordames dourados, de modo que Gwen estava visível em meio à enorme cama, parecendo muito pálida e frágil.

Tom cochilava, sentado em uma cadeira próxima à lareira acesa que, por sua vez, emprestava um brilho rosado e quente ao cômodo. Não vendo ninguém no quarto que lhe desse licença para entrar, Isabel cruzou o espaço em silêncio e sacudiu o amigo de leve.

Ele despertou com um ronco, depois se sentou e piscou.

— Ah!... Isabel. Que bom que veio. — Tom se levantou e ajeitou as leggings com uma careta. — Meu reino por um belo par de calças cáqui e uma camisa polo — resmungou.

Isabel o abraçou, rindo baixinho.

— Está meio ridículo, mesmo — confessou, antes de recuar e fitar o rosto do amigo, atenta. — Eles estão lhe tratando bem? Raramente o tenho visto, exceto às refeições.

— Se este fosse um Hilton medieval, eu lhe daria cinco estrelas. Sim, eles têm sido muito atenciosos com nós três. Mas, graças a Deus, a deusa foi gentil o suficiente para permitir que trouxéssemos alguns luxos de casa.

— Verdade? Quais?

— Harry encontrou um baralho no baú dele. Depois que dispensamos os criados à noite, costumamos nos reunir para algumas rodadas de pôquer.

— Ei, vejam se me convidam da próxima vez!

Ele sorriu.

— Temos justamente evitado fazer isso, já que tem o hábito de nos limpar na faculdade.

— Bela merda!

Eles riram em conjunto. Ela e Tom tinham namorado algumas vezes na faculdade, até decidirem que davam mais certo como melhores amigos. Depois disso, tomaram como missão encontrar as almas gêmeas um do outro, obrigando-se a se arrumar o máximo de pretendentes possível. Isabel vencera a aposta ao arranjar para Tom um encontro com Brenda Newesome, uma menina adorável que ela conhecera quando ambas trabalhavam como garçonete para ajudar a pagar os estudos. Fora amor à primeira vista. Tom e Brenda continuavam juntos desde então e tinham três filhos: dois meninos gêmeos e uma linda menininha.

— Ah, Tom, eu sinto muito por Brenda e as crianças. Espero que eles não estejam loucos de preocupação.

— Ei, sou apenas um sósia, lembra-se? A deusa nos garantiu que a vida continua acontecendo normalmente por lá. Você é a única de verdade aqui.

Isabel se perguntou se alguém estava sentindo falta dela em Oklahoma. As pessoas estariam procurando por ela? Teriam encontrado seu corpo?

“Tua propensão a sumir é bem conhecida. Mas, não, Isabel, ainda não foste encontrada. Se as coisas em Camelot terminarem a contento, tua história em casa há de ser contada.”

“Obrigada, Viviane.”

“Sou eu quem agradeço, e me orgulho por ter te escolhido. Melhor mulher para Artur ninguém podia ter sido!”

No fundo, Isabel queria mais era não receber tantos elogios. Estava feliz por ter ajudado outro ser humano em perigo, mas era como se fosse precisar fazer isso o resto da vida.

Conhecia o próprio temperamento, as próprias falhas. E perfeição nunca fizera parte de seu dicionário. Por outro lado, numa categoria do Guinness “Quantas vezes você pode ferrar com a sua própria vida?”, seu nome poderia aparecer em letras garrafais!

Isabel afastou o pensamento.

— Como está a sua paciente? — quis saber, preocupada.

— Ah, sim...

Ambos se aproximaram da cabeceira. Alguém colocara roupas de dormir em Gwen, e Isabel se viu torcendo para que Tom tivesse despido e ajeitado a rainha com a ajuda de alguma ama ou outra criada do gênero, e não de Artur.

Era um pensamento ridículo, já que o rei obviamente vira sua mulher nua inúmeras vezes.

— Eu tive o privilégio de tentar descobrir qual o conteúdo do estômago da rainha, uma vez que ela o expeliu. O que ficou óbvio é que ela havia ingerido algum tipo de cogumelo selvagem. Eu soube, por meio do cozinheiro que preparou seu desjejum, que Gwen os descobriu recentemente e solicitou que estes lhe fossem servidos com ovos no café da manhã.

— Eram cogumelos venenosos?

— Meu palpite é de que sim.

— Então seriam eles os responsáveis pelas alucinações de Gwen? Por seu comportamento irracional e por seu aparente ataque cardíaco?

— Até onde posso afirmar, considerando a terrível falta de equipamentos por aqui, não foi bem um ataque cardíaco, e sim puro envenenamento. Você salvou a vida dela ao aplicar a reanimação cardiopulmonar e ao mantê-la viva por tempo suficiente até que eu pudesse ajudar, Izzy.

Isabel sorriu.

— A RCP que me ensinou há muito tempo.

— Quem poderia imaginar que era uma aluna tão boa? Imaginei que estivesse apenas se divertindo quando concordou em ser minha boneca.

— Como fez Gwen vomitar?

Tom fez uma careta.

— À moda antiga.

— Enfiando dois dedos na garganta dela?

— Isso mesmo. Gwen não ficou muito feliz. Quase mordeu meus dedos. Mas, se não fosse por você, Izzy, ela não estaria aqui.

Artur mal acreditou no ciúme que revirou seu estômago quando, da porta, testemunhou a familiaridade de Isabel com o médico de dentes. Ele deveria estar preocupado com sua esposa! Devia estar considerando a ideia de um possível assassino querer o mal de Gwen ou de alguém em Camelot. Mas sua mente só conseguia processar Isabel tocando outro homem. Entrou no aposento, tentando controlar a vontade de livrar o médico de todos os seus próprios dentes.

— E eu testemunhei tudo isso — completou ele o diálogo que travavam.

Ambos se voltaram.

— Artur! — falou Isabel.

— Majestade... — disse Tom cheio de dentes, dirigindo-lhe uma mesura desajeitada. Não devia haver muitas formalidades em Dumont, considerando a falta de prática de seus habitantes.

— Na verdade, testemunhei muitas coisas hoje — acrescentou Artur. — E não conheço nenhuma recompensa boa o bastante para expressar minha gratidão.

Tom e Isabel se entreolharam, em seguida riram e disseram ao mesmo tempo:

— Não tem de quê!

Os dois caíram na risada enquanto Artur franzia a testa, confuso.

Isabel sorriu. Em seguida, tomou o braço de Tom no dela e o empurrou de brincadeira.

— Nós somos amigos há muitos anos, Artur. Desde que estávamos na escola lá em Okl...

— ... em Dumont — interrompeu-a Tom.

— Sim, em Dumont.

Artur observou seus braços dados, e Isabel se desvencilhou do amigo rapidamente, dando um passo para o lado.

O rei olhou para Gwen.

— Será que ela vai se recuperar?

— Totalmente. Precisa apenas de repouso e muita água em pequenas quantidades. Se a rainha sentir uma necessidade insaciável de continuar a beber, precisa ser controlada. Na verdade, necessita de pequenas quantidades em tudo. Sua alimentação precisa ser reintroduzida aos poucos. Galinha ou caldo de carne a princípio, depois um pudim de arroz ou pão. Nada muito gorduroso ou pesado por algum tempo e, em alguns dias, estará nova em folha.

— Tenho que passar todas essas informações à criada dela, Jenny.

— Isso já foi feito — afirmou Tom. — Eu mesmo orientei a moça, depois a mandei descansar, pois ela estava muito abalada. Mesmo assim, Jenny virá para cá em breve para que eu mesmo possa descansar um pouco.

— Então, os cogumelos eram mesmo a substância venenosa, como suspeitava? — indagou Artur.

— Tenho quase certeza de que sim. Nada mais mudou na rotina da rainha, de acordo com Jenny.

— E foi a própria Gwen quem levou esses cogumelos ao cozinheiro?

— Foi. Não houve nada nefasto aqui, rei Artur. Apenas um terrível acidente.

— Eu gostaria de saber onde ela arrumou esses cogumelos. Eu nunca vi nada do gênero na propriedade ou nos jardins. Pelo visto, não tenho monitorado esses detalhes como devia.

— A rainha os encontrou na cabana mais distante, ao extremo sudeste da propriedade — revelou Tom. — Ao menos foi o que ela me disse enquanto expelia alguns deles.

Primeiro Artur arregalou os olhos, depois os estreitou.

— Eu conheço a cabana de que está falando.

— Então sugiro que mande seus jardineiros para lá e faça-os dar fim a esses cogumelos o mais rápido possível. Antes que alguém mais os tome como iguarias em potencial, e não como os venenos mortais que podem ser.

Artur balançou a cabeça. Em seguida, olhou novamente para a esposa. Devia ter vontade de acariciar seu rosto pálido, de puxar uma cadeira e sentar-se, vigilante, a seu lado.

— Se quiser ficar com ela, Artur, podemos sair para lhes dar privacidade — ofereceu Isabel.

— Não há necessidade — contrapôs ele enquanto observava a rainha. — Gwen parece estar mais bem cuidada do que eu seria capaz de fazer. — Ele tomou a mão de Tom e a sacudiu. — Minha eterna gratidão.

Isabel ficou um pouco chocada. Não testemunhava um aperto de mão de verdade desde que havia chegado ali. Tinha imaginado até que tal prática não havia sido inventada ainda; apenas aquela história de beijar anéis, rebaixar-se, e aqueles resmungos de aprovação entre os homens.

— Nem sei como começar a retribuir a vocês dois. O fato de a terem salvado, quero dizer.

Tom sorriu.

— Não há...

— ... de quê, eu sei — concluiu Artur com um leve sorriso curvando os lábios. — Mas sou muito grato por estarem aqui.

— É um prazer.

— Posso acompanhá-la, condessa? — quis saber Artur.

— Claro! — respondeu Tom por ela antes que Isabel pudesse fazê-lo e a olhou de soslaio. — Não se esqueça de que ainda temos aquela aposta, Izzy.

— Eu sei que não é um pedido muito adequado — começou Artur conforme Isabel e ele desciam pelos intermináveis degraus até o salão principal. — Mas concordaria em caminhar comigo até a casa onde, acredito, Gwen encontrou os cogumelos?

— Até a cena do crime? — indagou Isabel, brincando. Em seguida, vendo a confusão de Artur, ela suspirou. — Claro que sim. Ficarei feliz em ajudá-lo a encontrar esse veneno.

Caminharam por trilhas sinuosas, cobertas com matéria vegetal em decomposição, e a vegetação foi se tornando cada vez mais densa conforme andavam. A rápida tempestade havia passado, e o sol brilhava mais uma vez.

Ambos ficaram em silêncio por algum tempo antes que Artur finalmente se manifestasse.

— Imagino que deva estar me considerando um insensível por não ter ficado ao lado de Gwen.

— Não é meu direito julgar, Artur.

— Tem opiniões sobre todas as coisas, Isabel. Também deve ter uma a esse respeito.

Ela parou e o encarou.

— Quer mesmo a minha opinião? Não importa qual seja?

Ele sorriu.

— Sim, condessa, quero.

— Ótimo. Se é assim, pode se preparar, machão... Aqui vai o que eu sinto. Direto da minha cabeça.

— Estou preparado.

— Acredito que estamos indo para a casa de campo onde Lance e Gwen se encontram. Creio que, depois de seu último encontro, ela tenha se deparado com os cogumelos. Acho também que, se não está sentado ao lado dela agora, é porque se recusa a ser hipócrita. Então se certificou de que Gwen não corria mais risco de morte e pôs um monte de gente ao redor dela para garantir que ela será bem cuidada.

— Até agora, está absolutamente certa.

— Não me interrompa, estou inspirada!

Artur continuou a sorrir e, caramba, ela amava aquele sorriso!

Ele se manteve em silêncio, contudo.

— Você me pediu que eu viesse aqui não apenas para ajudá-lo, mas porque queria ficar sozinho em um lugar bonito e isolado. Queria me dizer coisas que não pode dizer no castelo. Em resumo, Artur, queria ficar sozinho comigo .

— Posso falar agora? — perguntou ele, os olhos ainda brilhando com humor.

— Pode.

— Está certa, mas se esqueceu de um detalhe importante.

— Qual?

— Também acredito que este seja o ponto de encontro de Gwen e Lance, e também não queria vir até aqui sozinho. Temia fazer algo precipitado e necessitava da voz da razão a meu lado para me impedir de agir por impulso.

— Entendo. — Isabel parou. — Artur, você é pelo menos uns quinze centímetros mais alto do que eu e, provavelmente, tem o dobro do meu peso. O que o faz acreditar que eu poderia impedi-lo de fazer qualquer coisa?

— Primeiro porque fui testemunha de como lidou com Mordred.

— Mas você o estava segurando! Não seria a mesma coisa se ele estivesse solto.

— Em segundo, porque as suas palavras são mais poderosas do que qualquer arma, Isabel. Eu posso enfrentar uma espada, mas tenho muito pouca defesa contra as suas palavras e seus pensamentos.

A confissão deixou Isabel atordoada. Não era possível que ela tivesse tanto poder sobre um ser humano.

— Está me superestimando, Artur.

— Vamos comprovar isso se o meu desejo de pôr fogo a essa cabana for mais forte que eu.

— Bem, eu tenho um bom argumento contra essa medida drástica. Se não puder se controlar, estará correndo o risco de destruir muito mais do que apenas a estrutura da casa.

— Viu? É esse tipo de raciocínio que precisa sobrepujar essa minha visão simplista e míope.

— Descarregar sua raiva em uma inocente cabana não vai mudar o que aconteceu lá dentro, Artur. A casa não provocou o andamento das coisas.

Ele a segurou pelo cotovelo, e eles continuaram caminhando.

— Acredita no destino, Isabel?

— Sim, acredito. Embora eu admita que, às vezes, o destino dê algumas guinadas engraçadas.

— Como assim?

— Por exemplo, eu acreditava que o meu propósito de vir a Camelot era um; mas creio que o destino conspirou para fazer algo muito diferente.

— Ainda vejo essa troca entre nossos reinos como um benefício, tanto para Camelot como para Dumont.

Ela ainda não havia pensado naquilo, mas não ousou corrigi-lo.

— Concordo. E creio que isso seja viável.

— Quer dizer que agora acredita que o destino tinha algo mais em mente?

— Acredito.

— E o que seria?

— Vai soar muito pretensioso.

— Estou escutando.

— Acredito que eu esteja aqui a fim de, não sei, fazer o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo a salvar Camelot daqueles que desejam derrubá-lo.

— Isso não é nada pretensioso. Na verdade, fico muito tocado. Minha teoria, contudo, é um pouco diferente.

— Muito bem... Vamos ouvi-la.

— Acredito que tenha sido mandada aqui para me salvar.

Caramba, ele tinha acertado na mosca! Bem, não exatamente. A finalidade principal, no que dizia respeito à deusa, era salvar Merlin. Mas aquilo significava salvar Artur, em primeiro lugar.

— Você? — perguntou ela com cuidado, embora sentisse o coração disparar.

— Sim, não percebe? Mesmo quando pus em prática esse sonho de reunir cavaleiros em minha távola, meu casamento já estava com problemas. Mas eu estava muito entusiasmado com o futuro de Camelot, e de todos os bretões, para enxergar isso. E, então, quando o mau cheiro dessa terrível traição começou a ficar insuportável, você apareceu. O destino interveio e me deu você.

Ou Viviane , pensou Isabel, rindo.

— Não sou nenhum presente, Artur.

— Para mim, você é.

Ela não teve resposta para aquela afirmação.

— Quanto falta para chegarmos à cabana? — perguntou, nervosa.

— Ora, ora, condessa Isabel... Parece que consegui o que até o momento eu acreditava ser impossível: eu a deixei sem palavras.

Isabel procurou desesperadamente algo para dizer. Algo espirituoso, sábio, idiota. N ão importava. Mas Artur estava certo. Ela ficara sem palavras.

Um presente? Ninguém nunca a havia considerado um presente antes. Uma maldição, talvez.

Artur riu.

— Venha, Isabel. A cabana fica logo depois daquela curva.

Estavam se aproximando da curva, quando ele levantou o braço como uma barreira. Em seguida, levou um dedo aos lábios. Por um momento, Isabel ficou confusa e atordoada com a doce admissão de Artur.

Mas depois ouviu também: um ruído pouco à frente. Em um movimento rápido, Artur puxou uma flecha da aljava às suas costas. Em seguida, ergueu o arco e o armou.

— Fique aqui — pediu baixinho.

Como uma perigosa pantera, ele começou a avançar silenciosamente em direção a qualquer presa que pudesse encontrar.

O coração de Isabel parecia querer saltar para fora do peito. O medo de que acontecesse algo com Artur quase a fez desfalecer.

Tensa, ela apertou o colar de lágrimas na mão, perguntando-se se aquele seria o momento de invocar seus poderes.

“Não, Isabel, a hora não é essa. Poupe teu poder para quando o perigo for mais que uma promessa.”

Nossa , Vivi estava caprichando cada vez mais nas rimas!

“Artur é um guerreiro que não pode ser igualado. Permite que ele te proteja e fique sempre ao teu lado.”

O rei se escondeu atrás de um carvalho-dos-pântanos, então espiou por cima deste devagar, o arco ainda erguido na direção do barulho. Tinha o corpo retesado, tenso, e Isabel teve uma pequena amostra do que seria vê-lo em ação em uma batalha, pronto para atacar qualquer inimigo que houvesse pela frente.

De repente, porém, seus ombros relaxaram, e ele baixou o arco, removendo a seta e empurrando-a de volta para a aljava.

— Lance! — chamou. — Sou eu, Artur.

— Senhor! — respondeu Lancelot. — Não percebi sua aproximação.

Artur olhou para trás e acenou para que Isabel se juntasse a ele.

— Na verdade, somos a condessa Isabel e eu. Viemos procurar... — A voz dele sumiu.

Isabel se juntou a Artur e entendeu por quê. Numa clareira, diante de uma encantadora cabana de madeira, Lancelot estava de joelhos, colhendo cogumelos do chão freneticamente e colocando-os em uma pilha enorme a seu lado.

A própria casa dava sinais do toque de Gwen. Havia vasos de flores pendurados em locais estratégicos ao longo das paredes externas, repletos de cravos coloridos e amores-perfeitos, bocas-de-leão em miniatura e petúnias. Flores do campo brotavam em ambos os lados da construção. Um perfume floral inundou-lhe as narinas, mas foi logo suprimido pelo cheiro úmido da vegetação da floresta, além do de terra remexida. No momento, entretanto, a clareira parecia mais um campo minado.

Ao avistar Isabel, Lance se pôs de pé e se curvou, mas não antes que ela tivesse um vislumbre de seu rosto banhado pelas lágrimas.

— Condessa — murmurou ele, em seguida tentou enxugar as faces.

Artur tornou a segurar Isabel pelo cotovelo, e eles adentraram a clareira.

— Imagino, Lance, que já esteja ciente do perigo que esses cogumelos representam.

— Eles quase a mataram — admitiu Lance com voz embargada.

— Mas não o fizeram, graças ao raciocínio rápido de...

— ... de meu médico, Tom — interrompeu Isabel depressa.

Lance olhou para o cogumelo que ainda tinha na mão e o esmagou com raiva antes de jogá-lo na pilha.

— Seu médico, condessa, me contou uma história um pouco diferente. Mal posso expressar minha... Quero dizer... Em nome do rei , devo-lhe minha gratidão.

— De modo algum.

— Viemos justamente atrás da causa desse desastre, Lance. Eu havia planejado mandar um dos meus jardineiros até aqui para destruí-los, mas parece que você nos poupou desse trabalho.

— É um prazer fazê-lo, senhor. Temi que outra pessoa os encontrasse e cometesse o mesmo erro de Gw... da rainha. Que os Céus nos livrem. Poderia ser uma ou mais das nossas crianças.

— Que os Céus nos livrem, de fato. Que planos tem para essa pilha, depois que terminar de colher tudo o que puder?

— Pretendo queimá-la, senhor.

— Boa ideia. Só não se esqueça de manter o fogo sob controle. Ninguém quer que ele se espalhe e queime esta linda cabana.

Isabel ocultou um sorriso. Era quase o mesmo aviso que ela dera a Artur no caminho até ali.

— Eu gostaria, com a sua permissão, Lance, de levar um desses cogumelos para o castelo comigo. Seria útil mostrá-lo aos cozinheiros como alerta. De preferência um que ainda esteja relativamente intacto, uma vez que aqueles que você já colheu viraram uma massa vegetal cinzenta...

Lance se curvou e puxou outro cogumelo da terra quase com raiva. Depois avançou um passo e, com uma rápida mesura, indagou:

— Será que este atende aos seus propósitos, meu rei?

— Sim — concordou Artur, apanhando o cogumelo e colocando-o na pequena bolsa que trazia junto ao quadril. — Muito bem... pode continuar. Agradeço por sua preocupação com a segurança do povo de Camelot.

— Sempre a seu serviço, senhor.

Isso quando ele não estivesse a serviço de Gwen , completou Isabel mentalmente, condenando a si própria pela natureza desagradável do pensamento. Uma vez que ela mesma estava cobi çando um homem casado, não estava com muita moral para julgar outra pessoa.

Além do mais, a declaração apaixonada de Lancelot, de que ele estaria sempre a serviço de Artur, tinha um quê de verdade. Lance não era apenas um bom soldado. Era óbvio para ela que, por trás de sua sinceridade quase infantil, havia um poço de culpa.

Isabel ficou morrendo de vontade de explorar o interior da casa, mas sabia que seria cruel demais com Artur, então suprimiu tal desejo.

— Vamos voltar para o castelo? — sugeriu. — Preciso dar uma olhada em Samara antes da ceia.

— Claro. — Eles se viraram para ir embora, porém Artur fez meia-volta. — Lance?

— Sim, senhor?

— Por favor, não permita que a raiva e a tristeza lhe toldem o bom-senso. Se eu consegui me aproximar sem que se apercebesse disso, outro pode fazer o mesmo.

— Sim, meu senhor.

— Tem o sentido mais aguçado que já testemunhei. Faça bom uso dele. Eu não gostaria de perder um dos meus melhores soldados.

— Sim, senhor.

— E tome cuidado com esse fogo.

— Sim, meu senhor.

Artur se voltou para Isabel e estendeu o braço.

— Vamos?

— Vamos — concordou ela, colocando a mão no bíceps firme com prazer.

Eles já haviam caminhado por vários minutos quando Isabel sussurrou:

— Você é um homem incrível, Artur.

Ele a fitou com surpresa.

— Fico muito feliz por pensar assim. Mas o que provocou essa observação?

— Qualquer outro iria querer estrangular aquele moleque sem-noção.

— Além de uma mínima satisfação e de dor nas juntas, o que mais isso me traria?

— Ah, não sei. Talvez pudesse fazê-lo enxergar o tamanho do erro que cometeu.

— Essa fronteira já foi cruzada, Isabel. Não há volta. E isso não iria mudar os sentimentos que ele nutre por Gwen. Não posso arrancar de dentro de Lancelot o amor que ele sente por minha esposa.

— É verdade.

— Cheguei a acreditar, em determinado momento, logo que comecei a ter suspeitas, que essa coisa entre os dois fosse se desfazer eventualmente, como fogo sob água. Mas não acredito mais, tampouco alimento esperanças de qualquer gênero. Verdade seja dita: se eu fosse capaz de revelar meus sentimentos para Lance, creio que eu apenas lhe desejaria boa sorte e pediria que ele sempre tratasse Gwen como ela merece.

— Tem uma incrível capacidade de perdoar, Artur.

Ele ponderou a respeito.

— Talvez não tanto como essa recém-descoberta compreensão de como eles estão se sentindo. Deve ser um fardo amar profundamente e não poder revelar tal coisa a todo o mundo.

— Por que não pode contar a Lance, em particular, sobre como se sente? Talvez isso aliviasse parte desse fardo.

— No momento em que eu revelar tudo a ele, Isabel, por mais gentil e cordata que seja a nossa conversa... No instante em que eu fizer tal coisa, estarei acusando Lancelot de traição.

— Mas já revelou tudo a Gwen. Não a acusou do mesmo modo?

— Apenas a deixei ciente de que sei de sua infidelidade. Gwen conhece as implicações para seu ato. Também compreende que, a qualquer momento, eu poderia denunciá-la para todos que quisessem ouvir, e ela teria de pagar o mais elevado dos preços: deveria pagar com a própria vida.

— Nossa, não deve ser fácil ter um fardo desses para carregar.

— Por outro lado, Gwen também sabe que eu nunca faria uma coisa dessas com ela.

— Ela acredita que você a ama muito.

— Sim, creio que sim. E não está superestimando minha preocupação com seu bem-estar. O que talvez ela não saiba é que amor e carinho não são necessariamente a mesma coisa. Não mais.

— Posso fazer outra pergunta?

Artur riu.

— Desde quando pede permissão para isso?

— Desde agora. Porque sua sinceridade é importante para mim.

O castelo se fez avistar conforme eles terminaram uma curva, e o cheiro dos animais e do suor de trabalhadores quase a sufocou. Isabel quase desejou correr de volta para o meio da floresta, mesmo que esta também exalasse odores que ela preferia evitar.

— Não acredito já ter sido desonesto com você, Isabel — afirmou Artur, parecendo um pouco ofendido por ela ter qualificado a pergunta. — Mas tem a minha palavra de que a minha resposta será sincera.

— Por que confia tanto em mim? Quem lhe garante que eu não poderia virar o jogo e revelar tudo para alguém que iria usar a informação contra você, Gwen ou Lancelot?

— Creio que já superamos essa fase.

— Superamos?

— Sim, mas talvez eu tenha sido muito conciso. Permita-me dizer, com toda a sinceridade de que disponho... — Artur parou e a virou pelo rosto, de modo que ela pudesse ver a verdade em seus olhos. — Desde o instante em que pousei o olhar em você, fiquei encantado. Naquela nossa jornada até o castelo, foi a companhia mais agradável que já tive a oportunidade de desfrutar. Eu sabia antes mesmo de termos alcançado a muralha que você... que você havia mexido com alguma coisa dentro de mim. Eu nunca tinha sentido isso, nem mesmo enquanto cortejava Gwen.

— Está bem, nós já falamos sobre esse assunto — murmurou Isabel, corando um pouco, e seus olhos azuis se desviaram dos dele. Tentou se libertar dos dedos firmes. — Não se preocupe.

Artur a soltou e ergueu as mãos.

— Não vou tocá-la contra a sua vontade, mas, por favor, permita-me terminar.

Isabel o encarou.

— Não tem que se preocupar. Nesse ponto eu confio em você plenamente.

— Devo me preocupar, sim. — Ele deu de ombros. — Eu desejei você. Mas imaginei que, se acreditasse que eu era algum infame sem moral, que não tinha escrúpulos em trair os meus votos, acabaria perdendo todo o respeito por mim e iria me rejeitar. Eu não podia permitir que acreditasse em tal coisa. Pode chamar isso de egoísmo, mas eu não apenas a desejei, como quis que confiasse em mim. Talvez para que, em qualquer relacionamento que tivéssemos, fô ssemos verdadeiros um com o outro. Para tanto, eu precisava ser honesto sobre o que estava acontecendo ao meu redor. Do contrário iria me considerar um sujeito vil e adúltero. Eu não queria que acreditasse que apenas a luxúria guiava a minha atração.

— Assumiu um risco enorme, Artur.

— Talvez. Mas você... Não consigo explicar. Você foi importante para mim a esse ponto. E eu vi em seus belos olhos azuis que sentia pelo menos um pouco daquilo que eu estava sentindo. Pode ter sido um risco, realmente, mas eu precisava me dar essa chance. Eu podia jamais tê-la outra vez. Além do mais, acredito em olhar para trás no final dos meus dias sem qualquer arrependimento. Não permitir que meus sentimentos por você se manifestassem seria um compunção que eu levaria pelo resto da vida.

Isabel sentiu os olhos úmidos, contudo engoliu as lágrimas.

— Obrigada — falou num sussurro. — Fico feliz por sua honestidade. E posso dizer que tais esperanças e desejos não são apenas seus, Artur. Está certo. Se eu não houvesse tomado conhecimento dos seus problemas, talvez nunca tivesse permitido que meus sentimentos por você crescessem, ou que você me beijasse. Muito menos que quase fizéssemos amor.

— Verdade. Nós ainda não fizemos amor.

— Não por falta de vontade minha.

Artur sorriu, mas então se obrigou a parar.

— Não posso, em sã consciência, tomar algo que deve estar guardando para o homem que vai conquistar seu coração algum dia.

— Artur, seu imbecil... Não percebe que já conquistou meu coração?

Ele não pôde evitar. Segurou-a pelo rosto e a beijou. Foi quase selvagem a princípio, contudo procurou aplacar o próprio desejo.

Suavizando o beijo, persuadiu-a a entreabrir a boca, e ficou maravilhado em perceber como seus lábios se ajustavam. Eles haviam sido feitos para se unir.

A língua de Isabel tinha gosto de menta, e Artur sentiu os joelhos fraquejar quando esta lhe traçou o desenho da boca antes de tornar a se enrolar na dele. Era um tormento pensar que aquilo era o mais próximo do ato de fazer amor a que eles poderiam chegar. E, depois da incrível visão dela nua, era quase insuportável.

Isabel interrompeu o beijo antes que Artur estivesse preparado, porém ele aceitou o gesto como o mais correto. Os lábios inchados e úmidos, e os olhos enevoados de Isabel, só fizeram seu corpo traí-lo ainda mais com o tamanho de seu desejo. Ele deu um passo atrás e apoiou as mãos nas coxas, tentando manter o controle. O ar entrava e saía de seus pulmões com dificuldade. Por fim, fechou os olhos por um momento, então se endireitou.

— Preciso me acalmar antes de deixarmos a floresta.

— Artur...

— Sim?

— Creio que eu tenha algo a dizer que pode arrefecer o seu ardor.

— Nem mesmo um mergulho nu no lago Camelot, no meio do inverno, conseguiria arrefecer o meu ardor, condessa.

— Pois essa confissão poderá fazê-lo.

— Como é possível?

— Eu não fui completamente honesta com você.

Deu certo. Ele já fora submetido a mentiras e traições nos últimos meses suficientes para afetá-lo pelo resto da vida.

Cruzou os braços, sentindo o peito se apertar, arder, doer.

— Estou ouvindo.

Isabel viu algo em seu rosto que a preocupou, e começou a morder o lábio inferior.

— Não foi uma mentira qualquer; não foi desonestidade. Foi mais porque me pegou de surpresa com a sua reação a algo, e fiquei surpresa, sem graça e...

— Por favor, vá direto ao ponto, Isabel. Estou pronto para o que quer que seja.

Era mentira. Ele não estava pronto coisa nenhuma.

Mas ter conhecimento do que estava enfrentando era uma estratégia melhor do que não saber nada sobre o que ou quem o estava traindo.

— Por favor, não fique com raiva...

— Não posso prever as minhas emoções ou reações até saber o que estou enfrentando.

— Quando nós... Quando você e eu...

— Por favor, Isabel, não me torture por mais tempo!

Ela respirou fundo.

— Quando eu não consegui descobrir como tirar suas roupas... Você se lembra?

— Essa lembrança vai ficar gravada para sempre em minha memória. Não penso em outra coisa desde esta manhã. O que tem ela?

— Era verdade que eu não sabia nem mesmo por onde começar a despi-lo.

— Eu me lembro.

— Mas não foi porque eu não conhecia nada em termos de roupas de homem.

— Isso ficou bastante claro para mim.

— Sim, sim — assentiu Isabel, nervosa. — Eu fiquei confusa pela forma como as suas roupas se sobrepunham ou, melhor dizendo, como deviam ser tiradas... Mas não porque eu nunca tivesse estado com um homem.

— Como?

— Eu não sou virgem, Artur. Você fez essa suposição, então fiquei confusa, envergonhada e...

Artur deixou cair o queixo.

— Está dizendo que podíamos ter feito amor lá — ele apontou o polegar por cima do ombro, em direção ao castelo — e aqui, nesta floresta, mas não fizemos apenas porque não sabia como me despir?

— Algo assim.

A surpresa e o alívio dele foram tão grandes que a decepção pelas oportunidades perdidas logo caiu no esquecimento. Artur começou a rir.

— Era esse o seu terrível segredo?

— Está rindo de mim? — perguntou ela, erguendo o queixo com arrogância.

— Não, Isabel, estou rindo de mim mesmo. Quantas vezes não fantasiei, hoje, tentando encontrar uma desculpa para seduzi-la sem me preocupar com o seu futuro! Quantas vezes pensei em como apresentá-la ao amor sem machucá-la, e esquecer a culpa que poderia me acompanhar depois do prazer!

— N ão está zangado?

Artur não conseguia parar de rir.

— Estou furioso!

Isabel o olhou com ceticismo.

— Tem um jeito engraçado de demonstrar suas emoções.

— Não tem ideia de quantos tipos de traição passaram pela minha cabeça! Eu estava, como já ouvi você dizendo, apavorado com o que poderia me dizer. Mas isso , Isabel, não fazia parte da minha lista.

— E quanto a essa história de estar furioso? É por minha causa?

— Não, é por minha causa. Por eu não ter lhe dado uma chance para explicar. Há uma regra que ensino a todos os meus soldados: ouvir. E eu não estava ouvindo.

— E eu não estava falando. Eu praticamente menti por omissão.

Artur coçou o queixo, sentindo o corpo até fraco, tal era o seu alívio.

— É essa a extensão da sua perfídia, condessa?

— Sim... — Isabel levou algum tempo olhando os próprios dedos. — Acho que sim.

— E está arrependida? — perguntou ele, incapaz de ocultar um sorriso.

— Nem posso dizer o quanto. Não foi o único que não pensou em outra coisa.

— Então este rei decidiu absolvê-la. Não vai acontecer de novo, vai?

Ela fez uma mesura.

— Meu mais profundo desejo, senhor, é que comece a acontecer.

— Vai permitir que eu a ensine a me despir?

— Eu sempre fui uma grande defensora do ensino superior.

Artur sorriu, pegou-a pela cintura e a girou no ar.

— Estou tão apaixonado por você! — Ele a colocou no chão, chocado por ter deixado escapar tais palavras.

A perplexidade no rosto de Isabel já lhe dizia que estas tinham sido prematuras.

— Perdão... Não sei de onde tirei tal coisa . Talvez de um excesso de entusiasmo.

— Ou do coração? — sussurrou ela.

— Pelo visto, não eram palavras que estava preparada para ouvir.

— Isso não as torna menos especiais. Na verdade é o contrário, já que elas não foram planejadas. Expressou o que estava sentindo.

Artur balançou a cabeça.

— Eu não tinha o direito. Sei que esse é um sentimento que talvez não esteja pronta a retribuir.

— Talvez seja — murmurou Isabel, correndo um dedo pelo rosto moreno até o queixo firme.

— Se for, será que posso ouvir as palavras desses seus lábios adoráveis?

— Também estou apaixonada por você, Artur. Parece uma situação impossível, mas o coração é que manda, não é?

— Isso mesmo.

Ela abriu um sorriso travesso.

— O último não virgem que chegar ao castelo vai ter de se servir de toda a enguia em conserva!

Artur ainda a observou por um momento enquanto Isabel erguia a saia e, em seguida, saía correndo.

Quase explodindo de felicidade e gratidão aos deuses — ou ao destino —, ele riu e disparou atrás dela. Não muito rápido, no entanto. Estava bem consciente da aversão de Isabel a enguias.


Capítulo Dezoito


O jantar começou numa atmosfera sombria. Pelo visto, todos estavam preocupados com a saúde da rainha. Artur, no entanto, se manteve firme e anunciou que Gwen estava a caminho da recuperação, o que ajudou a elevar os espíritos. Lancelot também estava presente, o que deixou Isabel aturdida. Na certa o pobre rapaz estava tentando se esgueirar até os aposentos fortemente vigiados de Gwen, ou então armava um plano de vingança contra todos os cogumelos do mundo.

Quando um prato foi colocado à sua frente, ela percebeu que fora servida com uma porção de legumes e carne de pato, sem nenhum grama de enguia. Olhou para Artur e constatou que, ao contrário, o dele estava repleto daquela gororoba horrorosa.

Ele sorriu e piscou para ela. Em seguida, cochichou algo ao criado. No mesmo momento, as enguias foram substituídas por uma tigela do que parecia uma espécie de ensopado.

Isabel abaixou a cabeça e sorriu, concentrando-se nos próprios legumes. Quisesse ou não, tinha se apaixonado perdidamente. Estava tão encantada por Artur que chegava a doer.

Artur falou ao ouvido de James, que falou ao ouvido de Tom, que falou ao ouvido dela.

— O rei disse que a aposta não incluía ter de comer a enguia... Faz sentido para você?

Ela quase expeliu vinho pelo nariz e pela boca, mas se recuperou e tentou engoli-lo de uma vez. Em seguida, sussurrou ao ouvido de Tom:

— Diga ao rei Artur que chamamos isso de “brecha”. E que é sorte dele eu lhe dar uma.

Tom retransmitiu a mensagem para James, que falou em voz alta:

— Flecha?

— Brecha — repetiu Tom. — Você sabe, quando uma pessoa tenta fugir de algo usando subterfúgios. Deus... E a condessa decidiu dar uma para o rei.

Os olhares de Isabel e Artur se encontraram de novo, mas, desta vez, nenhum dos dois foi capaz de se conter. Ambos caíram na gargalhada. Isabel cobriu o rosto com o guardanapo, torcendo para que, quando ela o abaixasse, todos houvessem desaparecido como mágica. Não teve sorte.

Em vez disso, Artur se levantou.

— Senhores, a condessa Isabel e eu precisamos discutir possíveis brechas em nossos tratados. Por favor, fiquem e apreciem as sobremesas. — Ele contornou a cadeira dela. — Minhas desculpas, condessa. Não perguntei se gostaria de permanecer aqui para degustar os doces...

— Imagine, rei Artur — respondeu ela, pondo-se de pé. — Estou bastante ansiosa por explorar as possíveis repercussões dessas brechas.

Todo o decoro que eles tentaram manter foi por terra no momento em que adentraram o solário, a duas salas de distância. Artur segurou a mão dela, então, e a conduziu de volta aos jardins, onde finalmente se permitiram soltar o riso.

Isabel teve de segurar a barriga.

— Artur, somos terríveis!

Ele sorriu, e a luz das lanternas fez seus olhos brilhar.

— Sim, mas foi muito bom.

— Precisamos voltar para a mesa depois de entrarmos em um acordo sobre essas brechas no nosso tratado.

Ele riu outra vez.

— Podemos anunciar o nosso acordo amanhã, no desjejum.

— Somos a favor ou contra a coisa? — quis saber ela.

— Suponho que antes precisemos definir qual é a coisa.

Isabel quase perdeu o fio da meada.

— Também acho!

Artur parou de sorrir e a puxou para si.

— Fico tão feliz quando estou com você, Isabel. É como se eu pudesse sair voando... Desde o momento em que nos separamos, esta tarde, senti sua falta.

Ela respirou fundo, pois não poderia ter dito melhor. Tinha sido uma tarde movimentada, porém vazia. Sem Artur a seu lado, as coisas nunca eram as mesmas.

— Sim, Artur — aquiesceu ela. — Eu também sinto a sua falta quando não está comigo.

— É como se me completasse, não consigo explicar... Ainda não sei o que podemos fazer para que todos nós acabemos felizes, mas de uma coisa eu sei: não creio que a felicidade esteja a meu dispor sem você na minha vida.

— Vamos arrumar uma saída, Artur. De alguma forma, de alguma maneira, acredito que Gwen e Lance, e você e eu, vamos ter um final feliz. Confiemos no destino mais uma vez.

Uma batida na porta do solário os fez se separar rapidamente e revelou James de cabeça baixa, movendo os gigantescos pé s, constrangido.

Artur apanhou um pedregulho do jardim e o atirou contra a porta. O rapaz ergueu a cabeça, assustado, e Artur o incitou a falar com um gesto.

— O que foi, James?

— Tenho uma mensagem para a condessa — respondeu ele com uma pequena mesura.

— Qual? — inquiriu Isabel.

— Mary, quero dizer, a srta. Mary... Aquela que...

— Eu sei quem ela é, James. — sorriu Isabel. — Ela é minha ama.

— Muito bem. Ela me pediu que eu lhe dissesse que está com um pouco de dor de cabeça e que não estará disponível pelo restante da noite. Mary envia suas sinceras desculpas e espera que a senhora... — tossiu James, constrangido — ... que a senhora possa arrumar a sua própria cama esta noite. Ela realmente sente muito, condessa.

Isabel podia apostar: Mary nunca se permitira ficar um só dia ou noite doente na vida. Ficou tão comovida com a preocupação da menina que quase chorou.

— Por favor, James, diga a Mary que estimo suas melhoras. Espero que ela já esteja bem amanhã.

Ele ergueu o olhar e concordou com um gesto de cabeça.

— Ah, sim, ela estará... Quero dizer, ela espera estar melhor pela manhã.

— Há algo que eu possa fazer? Devo ir vê-la?

— Não, não. Acredito que Mary já tenha até se recolhido.

— De qualquer modo, James, se ela ainda estiver acordada, sugiro que tome um pouco de chá com um bocado de mel e, talvez, uma gota ou duas de hidromel.

— Vou prepará-lo para ela. — James ficou quase tão vermelho quanto o cabelo de sua noiva. — Quero dizer, vou pedir que uma colega o leve para Mary, caso ela queira.

— Obrigada. Por favor, diga que estou mandando um abraço.

— Pode deixar.

— E, James...

— Sim, senhora?

— Diga “obrigada” a ela.

— Direi. Creio até que ela já sabia que a senhora faria tal coisa, condessa.

— É claro que sabia. Ela e eu seremos amigas para sempre. De dar o dedinho e tudo.

A risada de James o seguiu castelo adentro.

— Amigas de dar o dedinho... — repetiu ele. — Essa é muito boa.

Artur a fitou, o rosto marcado pela confusão.

— Quer uma interpretação consecutiva? — quis saber Isabel.

— Se isso significa que vai explicar o que acabou de ocorrer, definitivamente, preciso de uma interpretação consecutiva.

— Versão rápida ou detalhada?

— Uma que eu compreenda.

— Muito bem, então aqui vai a minha opinião. James deixou a mesa do jantar e foi ver Mary. Mary avaliou a situação e criou uma desculpa para que eu soubesse que ela não entraria no meu quarto esta noite para me ajudar a arrumar a cama.

— Por quê?

— Para me dar total privacidade.

— Para quê? Ela espera que um homem vá visitá-la, Isabel? Está esperando alguém? Quem é ele?

“Viviane, estou sem palavras! Os homens daqui são todos tão parvos?”

“Ora essa, minha cara Isabel... Artur está é vulnerável, perdidamente apaixonado. Não é surpresa que sua história recente o tenha deixado tão abalado.”

“Mas tanta ingenuidade me irrita!”

“Isabel... Não faça fita quando Artur está sendo tão delicado!”

Viviane tinha razão, concluiu Isabel. As feridas emocionais de Artur não podiam ter cicatrizado da noite para o dia. Talvez ajudar a curá-las fosse parte da missão dela.

Olhou para ele e ergueu as mãos numa tentativa de aplacar sua angústia. Artur tinha a mandíbula apertada, os olhos implorando por uma resposta.

— Artur...

— Diga-me a verdade, Isabel.

— Escute: Mary se tornou minha amiga de confiança e já me conhece como ninguém aqui.

— E?

— Para quem acha que ela estava abrindo caminho? Com quem imagina que ela sabe que eu gostaria de passar mais tempo?

— Qualquer homem aqui gostaria de ficar com você. Impossível até mesmo começar a contar e...

— Artur. Com quem acha que Mary está convencida de que eu gostaria de ficar sozinha?

Isabel percebeu quando uma luz brilhou na mente daquela criatura maravilhosa e ingênua. Foi uma visão hilariante, contudo ela sabia que cair na risada àquela altura não seria uma boa ideia.

— Comigo? — balbuciou ele, inseguro.

— Descobriu a Amér... esqueça.

— Mary está tentando nos deixar sozinhos?

Ela concordou com a cabeça.

— Assim como James, seu bobo. Eles conspiraram para que pudéssemos passar algum tempo juntos, sem sermos interrompidos.

— Não há nenhum outro? — indagou Artur.

Isabel sentiu o coração se apertar e colocou a mão sobre a dele.

— Eu sei que foi muito ferido, Artur. Mas não vamos chegar a lugar nenhum se mantiver a suspeita de que eu serei a próxima a te magoar.

Ele segurou a mão dela e beijou seus dedos; então a pôs sobre o coração.

— Desculpe-me, Isabel. Na verdade, nem sei a maneira correta de lhe pedir perdão.

Pois ela conseguia imaginar várias! Mas, primeiro, as coisas mais importantes.

— Disse que se abriu comigo porque sentia que podia confiar em mim — prosseguiu com cuidado.

— Verdade.

— E, no entanto, agora há pouco, essa confiança parece ter desaparecido.

Artur franziu a testa com intensidade.

— Não é verdade. É diferente, Isabel. Desabafei com você a respeito de assuntos particulares.

— E eu quebrei a sua confiança?

— Não, claro que não. Ainda assim, não se trata da mesma coisa.

— Diga-me, o que é tão diferente?

— Tem muitos amigos homens. E os meus homens vivem querendo agradá-la. Fez até o meu filho compreender o que significa lealdade, algo que eu nunca fui capaz de fazer.

— E?

Artur abaixou a cabeça, depois tornou a erguê-la.

— São tantos homens admirando você, Isabel. Isso está acabando comigo.

“Viviane, sabe do que estou com vontade? De chutá-lo no traseiro!”

“Concordo, Isabel, de fato. Mas outro plano seria mais sensato...”

Ela se sentou.

— O que aconteceu hoje, na floresta, Artur?

— Eu admiti meus sentimentos por você.

— E?

— E também revelou o que sentia por mim.

— Eu estava mentindo?

— Iria doer demais se fosse mentira.

— Mesmo assim, ainda alimenta dúvidas. — Ela se levantou. — Mary estava tentando nos dar algum tempo para que ficássemos sozinhos, e teria sido perfeito. Você podia ter me ensinado a despi-lo, pod íamos ter feito amor. Mas tem tanta certeza de que eu sou traiçoeira, como muitas mulheres, que essa confiança que diz sentir não é de todo verdadeira, é?

— Por favor, não vamos terminar a noite assim, Isabel. Eu cometi muitos erros, e sinto muito por eles. Mas você disse que me amava, hoje, e estou permitindo que se arrependa disso porque sou um idiota. Sou um idiota, realmente! Mas isso não significa que eu não a ame. Eu assumo os meus erros, Isabel, mas meus sentimentos por você... esses eu me recuso a dizer que estão errados. Diga-me: se retribui meus sentimentos, como afirmou hoje, como pode me dar as costas agora?

Isabel concluiu que jamais encontraria outro homem para amar como Artur. Por mais imbecil que pudesse ser, virou-se para encará-lo.

— Não há nenhum outro homem, Artur. Tom, Dick e Harry são meus amigos. Quanto aos outros, aqui do castelo, creio que esteja se preocupando à toa. Nenhum de seus homens me fez ou disse qualquer coisa inadequada. Bem, talvez Mordred... Mas já cuidamos disso. Quanto aos outros em seu reino? Não foram nada além de cavalheiros.

— Mas eu percebo a maneira como eles a olham. Ouço o que eles dizem durante os treinamentos. Eu quase abati Edward com a espada ontem! Muitos deles sonham em se aproximar de você, e eu mal posso controlar minha raiva só em pensar que algum deles possa tentar fazer tal coisa.

— E eu vejo as criadas do castelo quase desmaiando a cada vez que entra em algum lugar. Também as ouço dar risadinhas e comentar que servem ao rei mais bonito do mundo. Por acaso eu o estou acusando de ter se comportado mal com alguma delas?

— Eu jamais faria isso!

— Pois, então, eu também jamais faria isso! — emendou Isabel.

Os dois se viram num impasse, praticamente fulminando um ao outro com o olhar. Para Isabel, foi como estar em um O.K. Corral ** medieval.

Ela respirou fundo, tentando se acalmar.

— Não existe outro, Artur. Nem aqui, nem em Okl... em Dumont. Se quiser, pode perguntar a Tom, Dick ou Harry, e eles lhe dirão a mesma coisa. Na verdade, creio que eles vão rir da ideia.

Ele inclinou a cabeça.

— Por quê? Você é tão bonita, inteligente e engraçada. Deve ter filas de pretendentes aguardando uma chance de cortejá-la e pedir sua mão.

Isabel riu.

— Está muito enganado. Vivo tão cheia de compromissos que não tenho tempo para esse tipo de coisa.

— Compromissos?

Ela fez um gesto vago.

— Você sabe... “condessando”.

Os lábios de Artur se curvaram em um sorriso.

— “Condessando”?

— Sim. “Ei, você! Trate de fazer isto. E, você... Faça aquilo.”

— Ah, sim. Condessando .

— Isso mesmo. Assim como vive ocupado, fazendo coisas de rei.

— Certo. Quando eu digo: “Ei, você. Faça isto”. E: “Ei, você... Faça aquilo”.

— Exatamente.

O sorriso contido de Artur se transformou naquele que fazia o coração dela derreter.

— Compreendo.

Claro que ele compreendia. Mesmo que ela própria não entendesse aquela história que tinha acabado de inventar.

Artur baixou o olhar.

— Então por que eu? Por que agora?

Homens. Pelo visto, o hábito de se lustrar o ego não havia começado na geração dela. Era uma antiga tradição.

Ela tocou o braço dele.

— O “por que você” é fácil. Porque senti o mesmo que sentiu no momento em que trocamos nosso primeiro olhar. Muito antes de eu desconfiar de quem era.

— Eu estava lá, Isabel. Vi seu rosto... Ficou com medo de mim.

— Porque me assustou, oras. Tem um modo de se esgueirar impressionante. Mas, no momento em que sorriu para mim, Artur, fiquei vidrada.

— Vidrada?

— Impressionada. Encantada com você. Atraída por você.

— Gostei da palavra... Também fiquei vidrado .

Ela assentiu, escondendo um sorriso.

— Quanto ao “por que agora”, quem pode saber, Artur? Como você mesmo disse, talvez seja o destino. Eu teria escolhido me apaixonar por um rei casado? Creio que não. Muito menos um que ainda andava meio deprimido por conta de uma série de coisas. Não escolhi o tempo, nem o lugar, nem o homem. Na verdade, a última coisa que eu tinha em mente era me apaixonar pelo rei Artur. — Deus, aquilo sem dúvida era verdade. — O problema é que não posso evitar nem decidir o que acontece, ou por quê.

— Exceto quando está às voltas com o “Ei, você faz isto...”, ou seja, “condessando”.

Isabel o golpeou no braço.

— Agora está zombando de mim.

Artur esfregou o braço como se tivesse levado um golpe muito violento.

— Só a estou provocando, moça bonita. É uma das poucas pessoas que conheci que aceitam esse tipo de coisa e devolvem na mesma moeda. É uma qualidade sua que admiro muito e que me dá muito prazer.

A última palavra pairou no ar entre eles.

Por fim, Isabel fingiu uma tosse e falou:

— Já dissipei seus temores, rei Artur? Respondi às suas perguntas satisfatoriamente?

— Respondeu. Na verdade, estou até aborrecido por ter expressado minhas dúvidas.

— Reis poderosos e malvados não têm dúvidas. Só ficam por aí, fazendo coisas de rei.

— Ah, sim, como posso ter me esquecido? Ei, você, condessa... Faça isto...

Artur a beijou, puxando-a contra o corpo rijo. Realmente rijo. Seus lábios se moveram sobre o rosto dela, beijando-lhe a testa, depois lhe sugaram o lóbulo da orelha.

— Seu cheiro é tão bom! — sussurrou ele. — Está sempre perfumada.

Se não fosse pelos braços fortes que a amparavam com firmeza, ela teria desabado no chão feito uma boneca de pano.

Não demorou muito, e as preliminares perderam seu apelo, sobrepujadas por um poderoso desejo.

Ela endireitou o corpo, então, e se afastou.

— Há um tipo de brincadeira da qual eu gosto muito.

— Qual?

— Chama-se: “O último que chegar ao meu quarto tem que ficar nu primeiro”.

Sem dizer mais nada, Isabel ergueu as saias, correu para o castelo e subiu a escadaria dos fundos.

***

Artur alcançou Isabel pouco antes de ela bater a porta do quarto. Como ele a tinha seguido, rindo por todo o caminho, ficou na dúvida sobre o que queria mais. Pareceu-lhe, contudo, que aquilo era um empate, assim decidiu que o melhor era chegarem a um acordo.

Ele a agarrou, abafando seus gritos de protesto com a boca. Carregou-a para o quarto, depois estacou. Havia velas acesas por todos os cantos, e uma bandeja contendo um barril de vinho e dois cálices.

— Mary — concluiu Isabel.

— Lembre-me de recompensá-la — murmurou Artur, depois a colocou na cama. Percorreu-a com o olhar. A beleza de Isabel sob a luz das velas era de tirar o fôlego. — Quero você. Sente o mesmo que eu?

— Quem chegou aqui primeiro?

Dizer a ela que ele poderia tê-la ultrapassado a qualquer momento decerto não era uma ideia muito boa, resolveu Artur, respirando fundo.

— Estou à sua mercê. Mas, por favor, ajude-me a me acalmar.

Isabel riu.

— Não, senhor. Preciso de uma lição de como despir um rei.

— Não está ajudando muito, condessa.

Ela o fitou nos olhos, e Artur se viu perdido. Tanto que temia perder toda a capacidade de satisfazê-la antes mesmo que qualquer um deles se despisse.

Isabel saiu da cama e se pôs de pé à sua frente.

— Essa túnica não parece complicada de tirar, senhor, já que posso simplesmente puxá-la por cima da sua cabeça — falou, tranquila. — No entanto, precisa permitir que eu a remova...

Artur estendeu os braços acima da cabeça, e ela puxou a veste, jogando-a de lado.

— Agora, isto me parece uma cacharrel... Mas acho que têm outro nome para esse tipo de blusa.

— Decerto. Neste exato momento, porém, eu não poderia lembrá-lo nem que você colocasse um punhal no meu pescoço.

— Não existe a menor chance disso.

Isabel o livrou da peça, deixando-o nu da cintura para cima.

— Ah, Artur... — suspirou, traçando as cicatrizes em todo o corpo moreno com a ponta dos dedos.

— Sinto muito.

— Não! Não precisa pedir desculpas. A beleza disso tudo é que lutou e venceu.

— Ou apenas sobrevivi — contrapôs ele com um suspiro.

Os lábios de Isabel se moveram pelo seu corpo, e Artur não soube como detê-la. Não queria detê-la.

No entanto, estava louco para retribuir as carícias.

— Está me matando, mulher!

— Estou matando um rei? Deve haver um castigo terrível para esse tipo de coisa.

— Não direi o quanto isso é grave se não permitir que eu a toque — conseguiu dizer.

— Nossa... Estou tremendo de medo — respondeu Isabel, rindo. — Agora, por favor, me diga como deixá-lo nu da cintura para baixo!

— Se eu revelar esse segredo, poderei tocá-la?

— Sim.

— Existe uma coisa chamada “cinto”. Uma espécie de espartilho masculino.

Isabel riu.

— Encontrado o cinto, rei Artur.

— Foi rápida, condessa.

Artur sentiu o cinto ceder e, em seguida, as leggings descerem em torno dos quadris. Isabel se abaixou junto, liberando o tecido de suas pernas, fazendo-o erguer uma delas a fim de livrá-lo da peça. Em seguida, quase o levou à loucura conforme o beijou desde o tornozelo, passando pela perna, até a coxa. Sua mão macia seguiu todo o percurso, contudo ela parou antes de chegar às suas partes mais íntimas. Infelizmente.

— Tire a outra metade, Artur, por favor.

— Estou tirando tudo, mas ainda não me deixou ajudá-la a fazer o mesmo.

— Já aprendi os truques da sua roupa, mas aposto que vai demorar a descobrir como funciona a minha.

Artur chutou de lado as calças e não teve o menor problema para deixar Isabel nua em segundos. Ela, contudo, não pareceu nem um pouco irritada por perder a aposta, enquanto ele, mais uma vez, a erguia nos braços e a colocava na cama.

— Eu precisei disto, precisei de você, desde o primeiro instante em que a vi, Isabel. Se eu pudesse, teria tentado seduzi-la lá mesmo, no bosque.

— Por favor, deixe-me tocá-lo!

Artur riu, e a puxou para cima do corpo.

— Quanto tempo mais de exploração deseja?

— Anos.

— Isso me parece maravilhoso; no entanto, é a minha vez — decidiu ele, correndo os dedos para cima e para baixo devagar, indo da lateral dos seios para os quadris, depois para cima outra vez. — Você é tão macia! Eu queria que as minhas mãos não fossem tão ásperas.

— Eu adoro as suas mãos.

De repente, ele se inclinou e tomou um seio na boca, sugando e lambendo o mamilo sensível. Isabel deixou escapar uma exclamação e arqueou o peito, sentindo uma espécie de choque irradiar por todo o corpo até quase explodir entre suas pernas.

A língua de Artur percorreu seu seio lentamente mais uma vez, depois ele voltou a lhe capturar a boca com a dele, ao mesmo tempo que corria a mão por seu ventre abaixo. Dedos ásperos a exploraram, então, entreabrindo seus lábios inferiores para acariciá-la.

— Santo Deus! — exclamou Isabel conforme um forte orgasmo a sacudia, fazendo-a tremer dos pés à cabeça.

Artur a abraçou com mais força e continuou a afagá-la até conseguir arrancar dela o último resquício de êxtase. Levantou a cabeça e sorriu para ela, os olhos verdes cintilantes e enevoados pelo prazer.

— Ah, minha condessa! Os deuses a criaram para ser amada! Você é tão macia, úmida e linda quando...

— ... vou ao Céu? — completou Isabel por ele, antes de agarrá-lo pelo braço e fazê-lo se deitar de costas. — Eu também quero muito fazê-lo chegar lá.

— Eu já estou no Cé... Pelos deuses, Isabel! — exclamou Artur quando ela escorregou por seu peito e o levou à boca. — Por favor, não quero estar em outro lugar a não ser dentro de você quando eu chegar... Quando eu chegar lá! Por favor!

Isabel levantou a cabeça, mas continuou acariciando o pênis rijo.

— Vou lhe dar prazer do jeito que quiser.

Ele deixou escapar uma risada.

— Então me faça um favor — pediu, antes de deitá-la novamente.

— O quê, meu amo e senhor?

— Abra-se para mim... Deixe-me entrar em você!

— Meu rei é quem manda.

Artur se ajoelhou entre as pernas dela, acariciando-a até quase levá-la à loucura outra vez.

— Não vou machucá-la? — indagou, inseguro.

— Apenas se parar.

Ele se deitou por cima dela e a beijou. Depois, bem devagar, penetrou-a.

Isabel tomou seu rosto nas mãos.

— Artur, isso é tão bom! Por favor, não está me machucando. Não precisa ter medo!

Ele fechou os olhos com força, depois começou a se mover dentro dela devagar, ainda que de modo constante. Em meio a uma bruma de prazer, Isabel percebeu que Artur tentava prolongar aquela doce agonia.

Ela iria gozar de novo, e logo...

Agarrou-o pelos quadris, investindo contra o corpo sólido, precisando sentir tudo de novo, embora de uma forma totalmente diferente.

— Por favor, Artur! Eu preciso... preciso...

As comportas se abriram, e ele a penetrou mais rápido e com mais força. Isabel sentiu o corpo tenso sob os dedos antes que Artur a fitasse com olhos estreitados.

— Estou tão apaixonado por você, Isabel! — E seu orgasmo a atingiu por dentro tal qual uma bomba.

Bastou sentir o sêmen de Artur invadi-la, e ela também se viu no paraíso.


Capítulo Dezenove


Já estava quase amanhecendo quando, relutante, Artur deixou Isabel. E ele o fez apenas após ela lembrá-lo de que ele precisava fazer coisas de rei, como: “Você, faça isto... Você, faça aquilo...”.

Artur ainda sorria quando adentrou os aposentos reais onde vinha dormindo havia dias. Estacou, entretanto, ao ver Gwen deitada em suas peles.

— Acordado até esta hora, Artur?

— Parece-me que está se sentindo muito melhor, Gwen. Fico feliz.

— Onde esteve?

— Por que isso importaria?

— É meu marido. Tenho o direito de saber por onde anda.

Artur avançou mais um passo para dentro do quarto, irritado por Gwen estar estragando a alegria que ele tivera durante a noite. Sua intenção fora deitar na cama e reviver ao máximo os momentos que passara com Isabel até ser vencido pelo sono.

— Creio que tenha perdido o direito de até mesmo fazer esse tipo de pergunta, Gwen. Mas, já que perguntou, dormi, mesmo, em outro lugar.

Era verdade. Em meio ao amor que haviam feito, ele e Isabel também cochilaram; apenas para acordar um ao outro com beijos e carícias, até fazerem amor novamente.

— Estava com outra — concluiu Gwen.

— Gwen, sua hipocrisia me deixa pasmo.

— Ainda sou sua esposa, Artur! E ainda a rainha.

— Apenas porque continuo permitindo isso!

Ela se levantou, e Artur a fitou, tentando se lembrar da última vez em que a havia desejado. Era triste pensar que não conseguia. Gwen era uma bela mulher, sem dúvida: de pequena estatura e compleição delicada. Tinha um sorriso travesso, que ele já considerara encantador. Agora, no entanto, ela lhe parecia pálida demais, e seus olhos, tão acusadores que chegavam a parecer maldosos.

— Foi com a sua preciosa condessa, não foi?

— Em primeiro lugar, ela não é minha, infelizmente. Mas preciosa... sem dúvida. Em segundo lugar, você perdeu todo o direito de me interrogar há muito tempo, portanto, trate de voltar para a sua cama, Gwen. Esta é minha, e estou precisando de algumas horas de sono para começar bem o dia.

Ela se aproximou.

— Perdão, Artur. Sei que cometi um erro gravíssimo, mas estou disposta a tentar recuperar o que tínhamos.

— Vai dispensar Lance assim, sem mais nem menos?

— Você, meu marido, é a minha prioridade.

Artur mal podia acreditar na náusea que o invadiu.

— Será que não percebe o quanto Lancelot a ama? Nós o encontramos diante daquela sua cabana secreta, chorando enquanto destruía os cogumelos que quase a mataram. Lance estava arrasado. Por acaso ele foi apenas um brinquedo para você? Não se importa em nada com o que o pobre sente?

Gwen pareceu deprimida.

— Claro que me importo, Artur.

— Então, por que essa conversa agora? Eu já prometi que não vou revelar seu amor por ele. Ainda gosto de vocês o bastante para querer protegê-los.

Ela balançou a cabeça.

— Pensei que fosse continuar comigo, apesar de tudo. Eu estava certa da sua fidelidade.

Artur quase deixou cair o queixo.

— Está escutando o que diz? Consegue ouvir a si mesma? Estou ocultando a sua infidelidade, até mesmo permitindo que você e Lance sejam felizes, e, ainda assim, me acusa de estar agindo errado por considerar ser feliz com outra pessoa?

— Você é meu marido!

Artur deixou escapar uma exclamação. Mal podia acreditar naquela conversa. Gostaria de poder conversar a respeito com Isabel. Ela teria um parecer sábio para aquilo, sem dúvida. Ou talvez, como ele já aprendera, uma resposta à altura. Mas não importava. Ele só queria os conselhos de Isabel, sua risada e, que os Céus o ajudassem, fazer mais amor com ela. Isabel podia tê-lo esgotado, porém ele já se sentia pronto novamente.

— Gwen, não está falando coisa com coisa. É melhor ir para a sua cama.

— Venha comigo.

A simples ideia causou repulsa em Artur.

— Ficaria comigo logo depois de ter ficado com Lancelot?

— Só quero que me abrace, Artur.

— Parece que estamos tendo um ruído em nossa comunicação, minha querida esposa. — Artur parou, perguntando-se onde tinha ouvido falar aquilo. Balançou a cabeça. — Se está carente, posso pedir que um dos homens vá buscar Lance para que ele fique com você em sua cama, uma vez que não tenho a menor vontade de fazer isso. Mesmo assim, fico feliz por estar se sentindo e parecendo muito melhor.

— Sua condessa me machucou! — gritou Gwen enquanto ele se dirigia para a porta.

A afirmação o deteve.

— Eu já disse que ela não é minha condessa. Mas, como, pelos deuses, ela pode ter lhe machucado?

— Meu peito e minha barriga estão doendo. Contaram que Isabel me bateu. Ela deveria ser punida por ter me agredido.

Artur a fitou, perplexo, perguntando-se que diabo de mulher era aquela.

— Graças aos deuses Isabel “bateu” em você, Gwen. Ela salvou a sua vida. Se ela não a tivesse agredido, como diz, estaríamos no meio do seu funeral a uma hora dessas.

— Eu sou sua esposa! — repetiu Gwen enquanto deixava o quarto.

— Isso é o que diz sem parar — respondeu ele, frio. — Mas que não significa mais nada.

***

Isabel estava tendo o mais glorioso dos sonhos. Um sonho em que Artur deslizava para a cama a seu lado e se aninhava junto a ela.

De repente, sentiu que alguém a tocava num seio e sentou-se de um salto.

— Tire essa mão de mim antes que eu o cape, seu...

— Sou eu, Isabel — falou uma voz grave e profunda. — E pode acreditar que eu iria resistir a essa coisa de capar.

Ela afastou os cabelos dos olhos.

— Artur?

— Sim, condessa.

A luz fraca das brasas ardentes da lareira o iluminava muito pouco. Parecia Artur, mas, para ter certeza, ela perguntou:

— Que tipo de coisa de rei pretende fazer agora?

— Algo como: “Ei, você, deite-se comigo...”. Mas nada de castração!

Isabel tentou se livrar dos últimos resquícios de sono.

— Por que está reinando a esta hora, Artur?

— Eu precisava vê-la antes que começasse a condessar .

Ela riu, então deslizou de volta para os travesseiros.

— Estou falando sério agora. O que está fazendo aqui?

Ele a envolveu pela cintura.

— Estava louco para ficarmos juntos outra vez.

— Artur, não consigo nem imaginar fazer amor de novo! Terei sorte se conseguir andar amanhã.

— Não estou falando em fazer amor. Juro. Eu também terei sorte se conseguir empunhar uma espada. Queria apenas ficar com você. Eu precisava senti-la novamente.

Isabel captou a emoção em sua voz e se ajeitou de modo a encará-lo.

— O que aconteceu?

Ele afastou os cabelos de seu rosto, depois a beijou na testa.

— Quem disse que aconteceu alguma coisa? Um homem não pode apenas querer a companhia da mulher que ele ama?

Ela franziu a testa, mas duvidava de que Artur a estivesse enxergando.

— Lembra-se daquela conversa que tivemos sobre honestidade e verdade?

Sentiu o peito largo subir e descer mais fundo.

— Sim, eu me lembro. Talvez seja, mesmo, uma boa hora para nos lembrarmos dela.

— Eu exijo a verdade em todos os momentos, rei Artur.

— Será que posso pedir não falar sobre isso no momento?

— Isso não seria muito régio da sua parte.

O peito de Artur ressoou com uma risada.

— Como assim, condessa?

— Reis enfrentam os problemas. Eles não costumam evitá-los, deitando-se na cama com condessas que estão ocupadas, mas não condessando .

— Com o que estava ocupada?

— Estava sonhando com certas coisas que os reis fazem...

— E eram bons sonhos?

— Está evitando a minha pergunta, o que não é nada régio.

— E você não está nua o suficiente, o que não me parece nada adequado, condessa.

— Artur... — Isabel se desvencilhou do abraço e sentou-se. — O que aconteceu?

Ele também se sentou e passou as mãos pelos cabelos. Ou ao menos assim ela imaginou, uma vez que a iluminação era escassa.

— Quando voltei para o meu quarto, Gwen estava esperando por mim.

— Ah, que bom! Então ela está se sentindo melhor.

— Depende da sua perspectiva.

— O-ou. Isso não me soou muito bem — resmungou Isabel antes de estender o braço e apanhar um punhado de hortelã ao lado da cama.

— Ela acredita que estou tendo um caso.

— Artur — suspirou Isabel. — Você está na minha cama.

— Gwen quer retomar o nosso relacionamento.

Isabel nunca soube o que era ter um coração partido até aquele exato momento.

— Compreendo. — Ela tentou recompor as emoções que pareciam ter-se espalhado aos quatro ventos. — Bem, se é assim... Felicidades para os dois. Agora dê o fora da minha cama.

Artur se inclinou, arranhou algo sobre alguma coisa e, de repente, a vela ao lado da cama ganhou vida. Estava longe de ser a iluminação do estádio da Universidade de Oklahoma, mas ao menos agora eles podiam enxergar um ao outro.

— Por favor, volte para a sua esposa.

— Acha mesmo que eu estaria aqui se tivesse feito essa escolha?

— Imagino que tenha vindo apenas me dar as boas-novas.

— E vim para a sua cama apenas para dizer adeus?

— Bem, isso me parece meio estranho, mas creio que sim. Tem um coração bom demais, Artur.

— É isso mesmo o que pensa de mim, Isabel?

— Artur, eu já nem sei o que pensar de qualquer coisa. É apaixonado por Gwen há tanto tempo!

Ele se levantou, zangado.

— Eu vim aqui para lhe dizer, ou melhor, para lhe mostrar como me sinto, e nem sequer me dá a chance de terminar! Escreveu o final desta história antes mesmo de eu me explicar.

— Artur...

Ele balançou a cabeça conforme se movia em direção à porta.

— Não, Isabel. Vim até aqui para pedir sua ajuda, orientação e conforto, mas já proferiu a sua sentença. Estou tão cansado desse tipo de coisa! — Ele se virou para encará-la. — Eu vim até aqui porque você era a minha escolha, e eu não tinha nenhuma dúvida quanto a isso. Minutos atrás, eu teria dado a minha vida por você, mas sou mesmo um tolo. E nada régio, não é mesmo?

— Artur...

— Durma bem, condessa.


Capítulo Vinte


— Temos que fazer alguma coisa! — sussurrou Mary para James. — Há alguma coisa muito errada com a minha senhora. Ela está nos ensinando essa coisa de RCP e exigindo que tenhamos o que chama de recesso diário, mas não parece mais ela mesma.

— E o mestre anda trabalhando mais do que nunca, sempre com os nervos à flor da pele — emendou James. — Estamos até com medo de abrir a boca. E antes ele vivia nos pedindo para que falássemos tudo o que nos vinha à cabeça! Nunca o vi se irritar com qualquer coisa, como está acontecendo agora.

— Precisamos armar um plano — resolveu Mary.

— Sim, mas não consigo imaginar qual.

— Deixe comigo, James. De qualquer modo, vou precisar da sua ajuda para colocá-lo em prática.

James sorriu para sua noiva.

— Eu te amo tanto, Mary! Mal posso esperar para fazê-la minha mulher.

Ela sorriu de volta.

— E eu mal posso esperar para chamá-lo de marido. Mas, se queremos que o nosso casamento saia perfeito, precisamos consertar essa rusga entre o rei e a condessa, afinal, eles serão nossos padrinhos.

— Sim.

Mary se levantou de repente, e James a observou.

— O que foi?

— O nosso casamento, claro! O rei é um homem honrado, e a condessa, uma mulher tão especial. O nosso casamento!

— Sinto muito, mas não estou conseguindo acompanhar seu raciocínio.

— Nem precisa. Vai saber o que precisa ser feito assim que eu tiver tudo ajeitado.

— Confio em você. — James a abraçou, mas não com muita força. Uma vez ele a apertara tanto que Mary havia gritado. Nunca mais aquilo voltaria a acontecer. — Vamos ser muito felizes juntos. Prometo.

Ela deitou a cabeça no peito largo.

— Temos a vida toda pela frente para que prove isso.

— Estou ansioso por fazê-lo...

Com o passar dos dias, houve progresso, embora, aparentemente, não com Gwen. Ela continuava de cama e se queixando.

Suas costureiras, entretanto, tinham terminado de confeccionar muitas calças, e Isabel persuadira as mulheres a tomar posse delas e usá-las. Ao menos na hora em que se viam autorizadas a relaxar.

Naquela manhã, ela decidira ensiná-los a jogar uma forma primitiva de minigolfe. As mulheres batiam suas bolinhas, felizes, quando Mary veio correndo até ela com lágrimas escorrendo pelo rosto.

— O que aconteceu, Mary?!

— Acho que meu casamento com James não vai mais acontecer!

— O quê!? Por quê?

Mary olhou em volta.

— Podemos ir para outro lugar e ter alguma privacidade?

Jenny, a camareira de Gwen, se aproximou.

— Posso ajudar?

— Sim, por favor — respondeu Isabel, tão diplomaticamente quanto podia. — Poderia supervisionar o restante do recreio para mim?

Mary fungou, inconsolável.

— Eu preciso conversar com a condessa Isabel!

— Claro — assentiu Jenny. — Será um prazer ajudar as meninas, condessa.

— Ensine-as a acertar as bolinhas nos buracos. Esse é o objetivo do jogo: bolinhas nos buracos!

— Sim, condessa.

Isabel tornou a se concentrar em Mary.

— Agora me conte, por favor, o que aconteceu.

Mary enxugou as lágrimas.

— Podemos conversar no seu quarto?

— Claro.

Isabel tentou questionar Mary enquanto elas subiam a escada, porém esta apenas balançava a cabeça. Era óbvio que a moça queria completa privacidade, o que ela compreendia , uma vez que Mary vinha sendo evitada por muitas de suas colegas.

A menina a puxou para o quarto, praticamente empurrando-a para dentro, então trancou a porta.

— O que aconteceu, Mary? Deixe-me ajudá-la. Talvez você e James ainda possam conversar a respeito. Você o ama. Você mesma afirmou isso. E ele a trata como uma joia preciosa. O que deu errado?

As lágrimas de Mary secaram como se ela estivesse de frente para o sol do deserto de Mojave.

— Se James e eu vamos nos casar em breve, Isabel, precisamos de padrinhos felizes ao nosso lado.

— Desculpe, mas não estou entendendo.

Mary colocou dois dedos na boca e soltou um estridente assobio. Depois sorriu para Isabel.

— Tom me ensinou a assobiar enquanto fazia a limpeza nos meus dentes.

Isabel ainda estava tentando adivinhar o que acontecia com sua amiga quando a porta se abriu de repente e James entrou, arrastando Artur de olhos vendados.

— James... Isto não tem graça. Costumo ser afeito a brincadeiras, mas isto está indo um pouco longe demais!

Isabel olhou para Mary.

— Traidora! — cochichou.

Mary encolheu os ombros enquanto James puxava a venda dos olhos de Artur. Este piscou e olhou em volta. Assim que avistou Isabel e Mary, fulminou James com o olhar.

— Traidor.

James também deu de ombros, em seguida se juntou a Mary. Ambos pareciam imensamente satisfeitos.

— Vocês dois serão nossos padrinhos em nosso casamento daqui a apenas alguns dias — começou o rapaz. — E queremos — não, exigimos — que estejam felizes na cerimônia.

— James... — começou Artur.

O rapaz levantou a manzorra.

— Sabe que sou leal ao senhor, rei Artur. Lutarei qualquer batalha a seu lado e o protegerei até o meu último suspiro.

— E a senhora, condessa Isabel, se tornou uma amiga como eu jamais poderei ter de novo — afirmou Mary. — Eu ficaria a seu lado em qualquer situação em que lhe pudessem fazer mal.

— Mas estamos cansados dessa sua amargura — completou James, retomando a aparente narrativa. — Como têm se evitado nos últimos dias, só podemos supor que estão...

— ... com problemas — concluiu Mary pelo noivo. — E estes precisam ser expostos e discutidos. Portanto — ela apontou para ambos — tentem resolvê-los antes do nosso casamento.

— Seja o que for que tenha acontecido entre vocês — emendou James.

— Tratem de se entender! — falaram eles em uníssono. Em seguida, ambos rumaram para a saída, batendo a porta atrás deles com um estrondo.

Isabel e Artur se entreolharam por vários momentos, então caíram na risada.

— Parece até que levamos uma bronca dos nossos pais — comentou Isabel rindo.

— Não estou me sentindo nem um pouco régio no momento — confessou Artur. — Quando foi que perdi o controle das coisas por aqui?

— Não é nada disso — contrapôs ela, ainda rindo. — Isso apenas prova que grande rei você é.

— Só pode estar brincando. Meu primeiro homem acabou de me repreender!

Isabel até pensou em replicar: “Para cima de moi ?”. Mas estava certa de que ele não iria entender a expressão.

— Não percebe como isso é bom? — perguntou, em vez disso.

— Talvez eu não compreenda, mesmo, qual o sentido de dois servos aplicando uma descompostura em seu rei.

— O sentido, Vossa Alteza, é que eles o amam além da conta e confiam em você o suficiente para tomarem medidas extremas. Eles sabem que não irá puni-los porque têm certeza de que se importa com eles.

— Talvez seja essa a diferença entre o meu povo e você... James e Mary ao menos acreditam que eu me importo com eles.

Isabel o fitou enquanto tentava tirar mentalmente o punhal que Artur cravara em seu peito.

— Eu nunca percebi que tinha um lado cruel, Artur. Mas é bom saber. Vai me ajudar a esquecê-lo mais depressa.

Ele caminhou até ela.

— Isabel, eu não quis dizer...

— Se encostar em mim, eu lhe quebro os dois joelhos!

— Então quebre — decidiu ele, agarrando-a pelos ombros. — Vamos! Faça isso. Mas saiba que vou continuar a segurá-la até que me escute. Nem que seja preciso derrubá-la comigo quando as minhas pernas se tornarem inúteis.

Era angustiante perceber que seu próprio corpo reagia ao toque das mãos dele como se estas o estivessem percorrendo por inteiro, e não apenas segurando-a.

— Creio já ter ouvido o suficiente.

— Não, ouviu apenas o suficiente para tirar conclusões precipitadas e incorretas. Para uma mulher inteligente e compreensiva, Isabel, não consigo entender como pode ouvir apenas parte da minha história e já acreditar no pior. Pelos deuses, mulher, passamos uma noite juntos, da forma mais íntima. E, no entanto, menos de uma hora depois, você me rejeitou, fechando os ouvidos e a mente. Por acaso se arrependeu do que compartilhamos?

— Não, mas disse que Gwen queria...

— Eu sei o que eu disse, Isabel. E também sei que se recusou a me deixar terminar. Está disposta a me dar essa oportunidade agora?

— Estou ouvindo. Ainda não descartei o golpe nos joelhos, mas estou ouvindo.

— Já é um começo — decidiu ele, soltando-a, por fim. Virou-se e avançou dois passos, depois fez meia-volta e tornou a se aproximar dela. — O que não me deixou dizer naquela noite foi que eu rejeitei Gwen. Eu não a desejo mais. Não a quero já há algum tempo. Quando ela me perguntou se poderíamos retomar o nosso relacionamento, eu disse “não”, Isabel. Disse que, dessa forma, ela não estava traindo apenas a mim, mas agora também Lancelot. Eu me recuperei da paixão que sentia por Gwen, e me apaixonei por outra pessoa... você. O problema é que isso não aconteceu com Lance. Você o viu no chalé. Ele estava desesperado, consumido pela tristeza, pela raiva e pela preocupação. Se fui procurá-la, Isabel, foi porque era com você que eu queria estar. Queria conversar com você a respeito do que tinha acontecido. Acha mesmo que eu iria voltar para as peles da sua cama para lhe dizer que nós havíamos nos divertido, mas que, infelizmente, eu decidira recomeçar com Gwen? Acha mesmo que eu seria tão cruel?

Isabel levantou-se, atordoada.

— Ah, meu Deus... Você tentou, eu sei. E eu não permiti. Estava com tanto medo de que fosse um gesto de despedida que...

— Shh — pediu ele, colocando um dedo em seus lábios. — Compreendo que tenha ficado aborrecida e confusa. Por favor, lembre-se de como fiquei louco apenas de imaginá-la na companhia de outros homens. Some-se a isso o fato de eu ainda ser casado com Gwen, e torna-se compreensível que tenha chegado à conclusão que chegou. Se a situação estivesse invertida, receio que eu tivesse reagido da mesma forma.

— Está me fornecendo uma desculpa, quando não existe nenhuma. Não, Artur, você não teria reagido da mesma forma. Teria me escutado. Mas eu tive tanto medo de que nós...

— Eu sei, amor, eu sei — murmurou ele, conforme a puxava para os braços.

— Por que é tão indulgente quando eu simplesmente não mereço?

Ele riu contra os cabelos dela.

— Talvez porque seja a coisa mais régia a fazer?

— Não, a coisa mais régia a fazer é dizer às pessoas para que façam isto ou aquilo.

— Então talvez seja algo que um homem faz quando ama uma mulher.

— Escolho essa valendo mil, Alex *** .

Artur sorriu, afastando os cabelos de seu rosto enquanto a beijava na têmpora, na testa, no nariz.

— Não entendi muito bem, mas não importa. O que importa para mim agora é acabar com esse mal-entendido entre nós.

— Ah, Artur!... — suspirou Isabel, passando os braços ao redor do pescoço forte e se pondo na ponta dos pés para enchê-lo de beijos no pescoço. — Eu sinto muito!

— Eu também. Estou certo de que eu podia ter contado as coisas de uma maneira bem melhor. — Ele sorriu para ela. — Mas menti um pouquinho... Estou curioso para saber o que você vai negociar por mil. E quem é esse Alex.

— É só um jogo que fazemos lá em casa. Trata-se de uma brincadeira de inversão. Dá-se uma resposta para o jogador — no caso você — e então se é obrigado a dizer qual seria a pergunta.

— Perdão?

— Exatamente. Embora, no jogo, devesse falar “O que é perdão?”.

Artur balançou a cabeça.

— Estou meio confuso, amor.

— Por exemplo, alguém poderia dizer: “O lugar pelo qual o rei Artur tem verdadeira paixão”. E você responderia: “O que é Camelot?”.

— Jogam isso em Dumont?

— Sim.

— Está bem. Acho que entendi as regras.

Ela riu.

— Muito bem... A resposta é: “A mulher que é louca pelo rei Artur”. Qual é a pergunta?

— Imagino que seja: “Quem é a condessa Isabel?”.

— Certinho!

— Tenho uma para você.

— Pode mandar, garotão.

— A coisa de rei que Artur está prestes a falar à sua mulher — como é de seu direito, aliás —, já que coisas régias envolvem dizer : “Faça isto... E você, faça aquilo”.

— O que é: “Tire a roupa régia do rei?”.

— Não é bem o que eu pretendia, mas serve. De qualquer modo, vou lhe dar a pergunta correta para essa resposta...

— Às vezes há mais de uma resposta certa, mesmo. — Isabel se dispôs a obedecer ao comando real.

— Ótimo, pois a pergunta que imaginei foi: “O que é permitir ao rei ajudar a condessa a tirar a roupa?”.

— Viu? Mais do que uma resposta certa...

Mary e James desceram para o salão de mãos dadas e sorrindo.

— Talvez estejamos com problemas — comentou Mary.

— Ouviu alguma coisa sendo quebrada?

— Eu não!

— Então acredito que estejamos em segurança — concluiu James.

— Isabel jamais iria me machucar. Tenho certeza. Não importa se o resultado for bom ou ruim, ela vai me perdoar. Mas e quanto ao rei Artur?

— Não iria machucá-la nunca, Mary. Nem a mim.

Ela fitou seu gigante futuro marido.

— Como pode saber?

— Artur é o homem mais gentil que já conheci. É duro nos treinamentos para batalha, sem dúvida. Mas sempre, sempre muito justo com todos. Não importa o que aconteça, ele vai, com toda a certeza, nos perdoar, pois irá perceber que tínhamos boas intenções.

— Se é assim, fizemos bem.

— Fizemos melhor do que bem. Da última vez que escutei alguma coisa, eles estavam rindo.

Mary deteve James.

— Há um ritual nas terras de Isabel em que se comemora o sucesso, sabia?

— E qual é?

— Eles o chamam de high five . — Ela levantou a palma da mão e esperou que o noivo fizesse o mesmo.

James a fitou, confuso.

— Levante a mão! — ordenou Mary.

James obedeceu, e ela deu-lhe um tapa, sorrindo.

— High five!

— O que isso significa?

— É um sinal de sucesso, oras. Imagino que os dois estejam fazendo as pazes enquanto conversamos.

James sorriu para o seu amor e levantou de novo a mão. Mary o observou, curiosa, mas bateu a palma na dele.

— High five — repetiu. — Pelo que foi esse?

— Porque tenho muita sorte. A mulher que eu amo retribui os meus sentimentos e, em breve, serei o mais feliz dos maridos.


Capítulo Vinte e Um


Ao som de uma batida na porta, Gwen — que continuava na cama — ergueu o olhar e se deparou com a condessa parada na entrada do quarto, muito bonita em um vestido cor de vinho. Em comparação, ela própria sabia que estava pálida e desgrenhada, e que a camisola que vestia não era nem um pouco atraente.

— Entre, por favor — pediu, correndo os dedos pelos cabelos.

Isabel obedeceu. Foi quando Gwen se deu conta de que a condessa segurava uma roupa preta nas mão s.

— Como está se sentindo esta manhã, Gwen?

— Um pouco melhor, creio eu — respondeu, ainda que não fosse de todo verdade . Exceto pelo peito ainda um pouco dolorido, sentia-se muito bem. No entanto, enquanto estivesse na cama, Artur continu aria a visitá-la e, talvez, ela ainda conseguisse fazê-lo mudar de ideia. Não que já não amasse mais Lancelot. Ainda o amava desesperadamente. Mas temia perder o marido.

Estava sendo egoísta, sabia disso. Bem no fundo, sentia muita vergonha. O problema é que era jovem demais quando Artur a cortejara e depois se casara com ela. Ela não conhecia outra vida, e o medo do desconhecido era avassalador.

— O que é isso? — perguntou, apontando para as mãos de Isabel.

— Já vou falar a respeito. Conversei com Tom esta manhã, no café, Gwen. E ele me disse que não vê razão para que não esteja de pé.

— E o que você tem a ver com isso?

— Provavelmente nada. Mas a rotina de Camelot é sua responsabilidade, e seus criados estão se sentindo perdidos sem a sua presença. Estão preocupados e confusos. Eles precisam de você, Gwen.

— Como sabe disso?

— Tenho escutado os comentários durante os recessos diários.

Gwen se sentou, ajeitando-se melhor na cama.

— Continuou com os recessos sem o meu consentimento?

— Não estava em condições de dar consentimento algum.

— E Artur sabe disso?

— Sabe. E não fez objeções. O problema é que o seu povo está sentindo a sua falta, Gwen. Seria muito bom se as pessoas a vissem de pé.

— Por que Artur não me disse nada?

— Porque ele também está preocupado com a sua saúde. Não é médico. Não faz ideia que, por algum motivo, você continua na cama sem necessidade.

— Mas você sabe.

— Foi Tom quem me contou.

— Meu peito ainda está muito dolorido, porém ouvi dizer que tenho de lhe agradecer por eu estar viva...

— Não tem por quê.

— Eu não quis ser agradável.

— Eu sei. Reconheço bem o sarcasmo.

Gwen sabia que estava sendo vil. Tinha consciência de que, se não fosse pela ajuda de Isabel, ela podia não ter sobrevivido.

Baixou os olhos.

— Eu sinto muito. Foi muito rude da minha parte.

— Não precisa se desculpar. Compreendo que certos males tendem a tirar as pessoas do prumo. É uma mulher muito bonita, Gwen, e tem um grande coração. Eu... nós ... quero dizer, Tom e eu, não entende mos por que n ão está ansiosa por sair dessa cama e voltar às suas atribuições de rainha.

— Por que se importa tanto?

— Porque odeio ver seus criados tão preocupados. Eles se sentem à deriva sem a mão firme de sua rainha para guiá-los.

— Vou pensar no que está dizendo. No entanto, eu gostaria de ouvir o mesmo dos lábios de Artur.

— Artur não vai exigir que se levante. E também está ocupado, preparando a reunião dos cavaleiros, ainda que, sem dúvida, a sua ajuda também pudesse ser útil nesse assunto.

— Compreendo — assentiu Gwen.

— Também há a questão do casamento de James e Mary. Muitos preparativos a serem feitos, um cardápio a elaborar... Diga-me se existe algo mais divertido do que ajudar uma noiva a se preparar para o dia mais importante de sua vida.

— É mesmo muito divertido — concordou Gwen.

— Claro que é. Vai querer perder os preparativos?

— Conte-me, condessa... — Gwen inclinou a cabeça. — Por que nunca se casou?

— Porque sou muito exigente.

— Quer dizer que não pretende se casar?

Isabel hesitou.

— N ão descarto n enhuma possibilidade. Talvez. Algum dia.

— Está esperando o homem certo?

— Digamos que sim.

— Está certo. Já deu a sua opinião, condessa, e tenho muito que pensar. Agora, por favor, me diga o que tem nas mãos.

Isabel levantou a roupa preta.

— As suas calças.

Gwen soltou uma exclamação.

— Calças?!

— Sim. Não se lembra de que, antes de ficar doente, pediu às costureiras que elas confeccionassem calças para as mulheres?

A jovem rainha franziu a testa.

— Sim, sim... Tenho uma vaga lembrança.

— Pois, então, estas foram feitas para você, caso decidisse se juntar a nós na hora do nosso recreio.

— Por favor, ajude-me a me lembrar por que decidimos que fazer calças para as mulheres era uma boa ideia — pediu Gwen, esfregando as têmporas.

— Para que elas tivessem mais liberdade durante o recesso da manhã. Dessa forma, não têm que se preocupar em exibir demais as pernas ou outra parte do corpo enquanto jogam.

— Também usa essas calças?

Isabel sorriu e levantou a saia, exibindo uma das esquisitas peças. Em seguida, colocou a que trazia nas mãos ao pé da cama.

— Vamos nos reunir no pátio daqui a pouco, caso decida se juntar a nós — falou, fazendo uma leve reverência com a cabeça e se preparando para sair.

— Isabel...

Ela olhou por cima do ombro.

— Sim?

— Posso lhe pedir outro favor?

— Claro.

— Poderia chamar Jenny e dizer a ela que vou precisar de ajuda?

Isabel sorriu.

— Com muito prazer. Bem-vinda de volta, Gwen.

— Obrigada.

— E então? — perguntou Mary enquanto as mulheres se reuniam.

Isabel deu de ombros.

— Vamos ver.

— De qualquer modo — começou Madeline, uma das cozinheiras —, agradecemos pela tentativa.

— Agradeçam-me se der certo.

— O que vamos fazer hoje, condessa?

— Vamos jogar um jogo chamado beisebol. Isto é, uma versão para Camelot — emendou Isabel, distribuindo quatro pequenos juncos ao redor do pátio enquanto explicava: — Vamos nos dividir em duas equipes. Os times se revezam, tentando marcar pontos ou tentando impedir que a outra equipe marque pontos. O time que está tentando marcar pontos vai mandar uma jogadora de cada vez para cá... — apontou ela, deixando cair um dos juncos no chão. — Isto é chamado de base. A jogadora irá arremessar uma pedra o mais distante que puder, e de modo que esta siga para bem longe das jogadoras da outra equipe, que estarão espalhadas pelas outras bases, tentando defender...

— Condessa! — gritou Mary, depois acenou com a cabeça em direção ao outro extremo do pátio. — A rainha!... Ela vem vindo!

Gwen vinha correndo, realmente, e segurava as saias de um modo que Isabel teve um vislumbre da peça preta por baixo delas.

Todas no pátio pareceram congelar conforme viram sua rainha se juntar ao time de mulheres. Depois se curvaram e permaneceram nessa posição, de cabeça baixa.

— Levantem-se, por favor! — pediu Gwen. — Temos um jogo pela frente... E, então, o que foi que eu perdi?

James entrou correndo, e sem bater, na sala de trabalho do rei. Artur fez menção de repreendê-lo pela interrupção, contudo a expressão do rapaz o deteve.

— O que foi?

— Senhor, tem que vir ver uma coisa.

— O quê?

— Não posso explicar. Eu poderia tentar, mas, acredite, vai preferir ver por si mesmo.

Artur levantou-se rapidamente e seguiu James porta afora, cruzando o salão principal e saindo para o pátio.

Parou ao avistar uma menina correndo em volta de um círculo, enquanto outras a seu redor arremessavam uma pedra de uma para a outra e tentavam perseguir a moça. Todas soltavam gritinhos de prazer, aplaudiam e torciam. Devia ser algum tipo de jogo, pensou ele, porém nunca o tinha visto antes.

Buscou Isabel com o olhar porque, tão certo como ele estava respirando , aquilo era coisa dela. Avistou-a batendo palmas, depois levando as mãos em torno da boca.

— Tente a terceira, Sarah! Você consegue!

A menina que corria, e que também ria de alegria, tocou com o pé uma espécie de esteira, depois continuou correndo enquanto a pedra continuava a ser arremessada de um lado para o outro.

— Que diabo elas estão fazendo, James?

— É um jogo que a condessa chamou de “Beisebol de Camelot”.

— Beisebol de Camelot? — repetiu Artur.

Nos últimos dias, Isabel vinha ensinando jogos cada vez mais estranhos às servas. Aquele, sem dúvida, era o mais esquisito.

Mesmo assim, as mulheres pareciam estar se divertindo muito.

— Tem razão, James, não ia conseguir me descrever isso. E seria uma pena eu não ter vindo ver do que se tratava. — Sem tirar os olhos da cena bizarra diante dele, Artur perguntou: — É verdade que os nossos homens também estão felizes com esse recesso das mulheres?

— Ah, sim, senhor. Dizem que suas esposas e namoradas parecem mais satisfeitas e bem-humoradas, e que o recreio lhes deu um ânimo extra.

— Notou tal comportamento em Mary?

— Minha Mary sempre teve ânimo de sobra , mas, sim, percebo sua alegria e emoção quando ela me conta a respeito de seu dia. Ela também me falou que a produtividade na cozinha, nas lavanderias e nas salas de costura aumentou, pois as mulheres voltam a trabalhar com mais vigor. Eu diria que esse recreio é um enorme sucesso, senhor.

— Graças a Isabel — afirmou Artur, sorrindo brevemente. — Ela parece espalhar entusiasmo por onde passa.

Depois quase riu alto do eufemismo. Por mais que ele despertasse animado para começar um novo dia e trabalhar todas as manhãs, mal podia esperar para que a noite caísse e ele pudesse se juntar a sua amada em seus aposentos.

E não era apenas o amor que faziam que ele adorava, mas também os momentos em que ficavam nos braços um do outro, conversando baixinho sobre o dia de cada um. Cada vez mais, ele buscava os conselhos de Isabel em assuntos importantes. Ela era uma ouvinte atenta que possuía raciocínio rápido e que captava conceitos com os quais, ele tinha certeza, ela nunca tivera de lidar ou considerar no pacífico reino de Dumont. Suas ideias eram tão inspiradas quanto... Como era mesmo a palavra que Isabel usava?... Ah, sim. Atípicas . Era comum ela iniciar uma frase com: “Isto pode parecer atípico, mas escute...”.

Com muita frequência, as ideias de Isabel o faziam rir. Mas bastava ele ponderar um pouco sobre elas para enxergar seu mérito. Nem que fosse com algumas pequenas variações.

Mas sempre — sempre — elas faziam pensar.

Amava aquilo em Isabel. Também amava sua paixão na cama. Um toque dele no lugar certo, e ela se transformava na melhor das amantes. Ele ansiava pelos momentos em que podia despi-la, exceto por aquele colar azul, do qual, até onde ele sabia, Isabel jamais se separava.

E sua pele era tão suave e macia!

Artur percebeu, de repente, que James havia dito alguma coisa, e ele nem sequer escutara.

— Perdão, o que disse?

— Perguntei se está vendo alguém familiar entre as mulheres, senhor.

Artur examinou as moças mais de perto. A maioria lhe era familiar, claro. Possuía criadas aos montes, porém se esforçava para saber o nome de cada uma delas, tanto quanto lhe era possível. Tinha para si que elas mereciam no mínimo tal coisa de seu rei, a quem serviam com tanta dedicação e sem nunca se queixar.

— Vejo muitos rostos familiares, James. Há alguém em especial que gostaria que eu notasse?

— Olhe a do vestido amarelo-claro. A que está correndo atrás de Mary no momento.

Artur estreitou os olhos.

E congelou. Aquele cabelo ruivo e comprido, a compleição delicada...

— Gwen?!

— Isso mesmo, meu rei. A rainha resolveu deixar seu leito.

— Ah, graças aos deuses! — exclamou Artur em voz baixa.

No entanto, a evidente e milagrosa boa saúde de Gwen era um pouco suspeita. Como fazia todas as manhãs, antes de seguir para os treinamentos, naquela ele também havia passado no quarto da esposa para perguntar como ela estava. E, como nas manhãs anteriores, Gwen lhe parecera pálida, frágil, e agira como se estivesse fraca demais para se levantar, se vestir e ir cuidar de seus deveres de rainha. Ainda que, como em quase todos os dias, ela houvesse tentado atraí-lo para a cama.

Artur apertou os lábios. Estava ficando cada vez mais difícil para ele disfarçar a própria repulsa. Quando toda a atração que sentia pela esposa fora reduzida a pó? Não fazia ideia. E não podia atribuir tal coisa a Isabel, pois ele já começara a perder o interesse por Gwen antes mesmo da chegada da condessa.

A dor permanecia, entretanto o desejo que sentia por Gwen diminuíra muito antes. Tão certo como ele sabia o próprio nome, estava ciente de que, se ainda fosse apaixonado por Gwen, não teria nem sequer olhado na direção de Isabel. Era homem de uma mulher só. Sempre tinha sido. Uma vez que seu coração era conquistado, não voltava o olhar para nenhuma mulher, exceto para aquela que detinha nas mãos seu amor e desejo.

Artur balançou a cabeça. Por um lado, sentia-se aliviado por Gwen ter recuperado a saúde. Por outro, saber que ela estava acamada havia lhe dado a liberdade de ele fazer o que bem entendesse. Agora que a esposa estava de pé outra vez, ele sabia que seus movimentos seriam tolhidos, e que isso se tornaria um problema. Precisava conversar com Isabel mais tarde.

— É bom ver que Gwen está melhor — comentou com um suspiro. Em seguida, estreitou o olhar. — Pelos deuses! Ela também está usando aquelas coisas pretas que as outras vestem para praticar os esportes.

— Mary me contou, esta manhã, que a condessa estava determinada a fazer a rainha sair da cama. Isabel achou que as tais leggings iriam animar Gwen a se levantar e se juntar à equipe para a hora do recreio.

— Sei. Mesmo assim, fico me perguntando por quê — murmurou ele.

Não percebeu que expressara o pensamento em voz alta, até que James respondeu:

— Parece que as criadas se reuniram e discutiram os problemas que tinham com a rainha. Uma vez que Isabel era sua única alternativa para que tentassem resolver as questões que surgiam no castelo, decidiram que a condessa seria a escolha lógica para aproximá-las de Gwen.

— Isabel andou assumindo as atribuições da rainha? — perguntou Artur.

— Não percebeu?

— Eu devo estar cego — resmungou ele, querendo chutar o próprio traseiro. — Não, não percebi... E Isabel não se queixou uma única vez por ter tido que assumir tarefas que não são sua obrigação. Por Thor, ela é hóspede neste castelo!

— Também não vi a condessa se queixar nenhuma vez — concordou James. — Exceto, talvez, depois do que aconteceu entre vocês, duas noites atrás.

Artur revirou os olhos.

— Sabe qual é o meu maior defeito, James?

— Não, rei Artur. Não faço ideia.

— Permitir que meus homens de maior confiança digam o que pensam.

James caiu na gargalhada.

— Mil perdões por eu ter falado o que não devia.

Artur o encarou.

— Não me parece nem um pouco arrependido.

— Vou praticar mais a minha expressão de arrependimento, então.

Artur deu um tapa nas costas do amigo.

— É bom começar logo, pois decerto vai levar anos fazendo isso.

Com um último olhar na direção das mulheres, em particular na de longos cabelos loiros que agora era perseguida por várias das criadas, Artur deu meia-volta e retornou à sua sala com a risada de James ainda ressoando nos ouvidos.

De fato, ele e Isabel tinham muito a discutir naquela noite. Isso se conseguissem ficar a sós.

E apenas a perspectiva de que ele poderia falhar nessa tarefa provou-se deprimente.

Houve um tempo em que Gwen jamais teria pensado em anunciar a si própria antes de adentrar a sala de Artur, porém estava consciente de que muita coisa havia mudado entre eles. Assim, embora a porta estivesse aberta, preferiu bater.

Artur ergueu os olhos do pergaminho que estudava com atenção, e que parecia um detalhado mapa. Enrolou-o, colocou-o de lado e se levantou.

— Gwen — saudou, gesticulando para que ela entrasse. — É bom vê-la de pé. Espero que esteja se sentindo melhor.

— Bem melhor, Artur. Obrigada.

Ele fez um sinal para que Gwen se sentasse, esperando que ela se acomodasse antes de voltar para o próprio assento.

— O que acha que ajudou a... curá-la de sua doença?

— Estou certa de que a condessa já o informou a respeito da nossa conversa.

— Na verdade, não. Não falei com Isabel depois do desjejum.

— Ah...

— Por quê? O que ela tem a ver com a sua recuperação?

A verdade era a única opção de Gwen, pois Artur sempre podia afirmar quando ela escondia algo dele. Tanto que ele não demorara a descobrir tudo acerca de Lancelot. Não que ela e Lance houvessem se envolvido intimamente de imediato. Mas Artur soubera que havia algo errado mesmo assim.

— Isabel veio me ver no nosso... no meu quarto, esta manhã, e tivemos uma conversa.

— E essa conversa a curou? Precisamos engarrafá-la, então, e vendê-la para o nosso médico.

— Por favor, Artur, não torne as coisas mais difíceis do que elas já são!

Ele concordou com um gesto de cabeça.

— Minhas desculpas. Isso não era necessário. Quer me contar o que aconteceu?

— Isabel me deixou muito consciente de que eu estava aborrecendo você. Eu estava abandonando Camelot e o povo ao me esquivar das minhas obrigações.

— Acha que ela ultrapassou os limites?

— Sim. Quero dizer, não . — Gwen balançou a cabeça. — Isabel foi apenas corajosa o bastante para me dizer algumas verdades que eu precisava ouvir.

Artur a observou.

— Eu poderia jurar que, nessa afirmação, há uma crítica velada à minha pessoa , mas, como acabou de se recuperar de uma desagradável intoxicação, vou relevá-la.

— Não, não... Eu não tive a intenção de criticá-lo em nada. É muito crédulo, Artur. Se eu dissesse que ainda não estava me sentindo bem, iria aceitar sem contestações.

— Por que a farsa, Gwen? O que imaginou que fosse ganhar?

Ela olhou para as próprias mãos.

— Talvez eu quisesse ganhar a sua atenção.

— Então não precisava se fingir enferma, Gwen. Bastava pedir a minha atenção.

— Estou pedindo agora.

— E, neste momento — respondeu ele, levantando-se e indo até a porta para fechá-la —, você a tem por completo. — Artur voltou à escrivaninha e sentou-se. — O que tem em mente?

— Tem sido um marido maravilhoso, Artur. Foi amoroso, atencioso e paciente enquanto eu aprendia minhas atribuições de rainha, e continua sendo bom demais para mim.

— Fico feliz por pensar dessa forma.

— E eu retribuí com uma traição pela qual lamento profundamente. Se eu pudesse voltar no tempo...

— Não mudaria nada. Foi o destino que fez você e Lancelot se apaixonarem. Eu não podia evitar que isso acontecesse mais do que poderia evitar que chovesse ou nevasse.

— Nós podíamos ...

— Não, não podíamos — interrompeu-a. — Ainda é apaixonada por Lance, assim como ele é por você. Na verdade, são apaixonados um pelo outro. Se negar o que digo, perderei o pouco do respeito que ainda me resta por sua pessoa. Sem dizer que eu jamais a perdoaria caso partisse o coração de Lance. Eu não o culpo. Tampouco culpo a você. Aconteceu, Gwen. — Ele ergueu as mãos e encolheu os ombros. — Mas aquele rapaz significa muito para mim, e eu não verei com bons olhos alguém que o prejudique de alguma forma.

— Então se importa mais com Lancelot do que com sua própria esposa?

— Gwen, se eu não me importasse com você, estaria respondendo a uma acusação de traição. Como eu já lhe disse centenas de vezes, não me importa o que você e Lance fazem. Eu me preocupo apenas que sejam apanhados por alguém que não pense duas vezes antes de acusá-los de um crime contra o rei. No momento, não existe solução legal em Camelot para a situação em que nos encontramos, embora eu esteja estudando seriamente um sistema que eles têm em Dumont, no qual se pode pedir a dissolução do casamento e o homem ou a mulher não precisam admitir culpa. A condessa Isabel o chama de “divórcio sem culpa”.

— Discutiu nossa vida íntima com a condessa?

— Admito que sim.

— Como teve coragem?!

— Tive, Guinevere, porque confio nela. Confio em seus pensamentos e opiniões.

Gwen cobriu as faces que pegavam fogo.

— Estou tão mortificada que tenha compartilhado algo tão pessoal com uma estranha!

— Isabel não é mais nenhuma estranha. Enquanto você estava na cama, se fazendo de doente, ela se tornou uma grande amiga e companheira.

Gwen o fitou, e a verdade a cingiu.

— Está apaixonado por ela.

Artur hesitou apenas um momento antes de aquiescer.

— Sim, é verdade.

— E a condessa sabe disso?

— Tenho a firme impressão de que Isabel tem ciência de tudo.

— E ela retribui os seus sentimentos?

— Espero, do fundo do meu coração, que sim.

— Como se atreve a me envergonhar dessa maneira?! Como ela ousa vir até aqui como convidada apenas para...

Artur deu um murro na mesa, e a raiva em seus olhos fez Gwen se encolher no assento.

— Termine a frase, Gwen. Eu a desafio a terminar com lógica esse seu pensamento!

Ela permaneceu em silêncio enquanto ele se inclinava para a frente, fulminando-a com o olhar.

— Eu não planejava, tampouco esperava o que se passou entre mim e Isabel. Mas isso estava destinado a acontecer, assim como aconteceu com você e Lance. Acha que eu mudaria as coisas, como parece desejar? Nem que eu tivesse de ir para o inferno de Hades! Exceto pelo incômodo fato de eu não ser livre para poder pedir Isabel em casamento, eu não mudaria uma única coisa.

No passado, lágrimas sempre haviam derretido o coração de Artur, porém Gwen sabia que estas já não teriam o poder de abalá-lo. Ao menos não as dela.

N ão vou chorar. .. Não vou chorar!

— Se não fosse pelo que aconteceu com Lance...

— Mas foi!

— E se não tivesse sido?

— Isabel seria apenas mais uma convidada do rei. Era isso o que queria ouvir? Que eu jamais teria traído os meus votos? Se assim fosse, estaria certa. Eu provavelmente teria olhado para ela como para qualquer outra pessoa inteligente a ser adicionada ao grupo a se reunir aqui a fim de ser conhecido e trocar ideias. Mas eu já sabia, Gwen... Você já tinha partido o meu coração. Quando vi Isabel, contudo, percebi que havia começado a superar o meu desgosto. E me senti livre para desejar outra mulher.

— Estou vendo.

— Não tenho nenhuma intenção de feri-la, Gwen. Isto não é nenhum tipo de vingança. Se não tivesse perguntado, eu não teria dito uma só palavra, pois esse assunto não é da conta de ninguém, a não ser da minha e de Isabel. Mas você me perguntou, e, como sabe, eu prezo muito a verdade. Sem dizer que minha esposa merece tê-la.

Ela respirou fundo e endireitou os ombros.

— Minha próxima pergunta vai soar egoísta e interesseira, Artur, porém vou fazê-la mesmo assim. Se conseguirmos instituir esse “divórcio sem culpa”, o que vai acontecer comigo? O que vai acontecer com Lance?

— Vocês dois estarão livres para se casar.

— Mas onde? Como?

— Já pensei nisso. Se Lancelot preferir permanecer na Grã-
-Bretanha em vez de voltar à sua terra natal, posso lhes arrendar terras, as quais administrarão como líderes, seja lá com que nome for. Poderão começar uma nova vida juntos.

Gwen engoliu em seco.

— Mas...

— Imagino qual seja a sua próxima pergunta, e não vou permitir que se humilhe, obrigando-a a fazê-la. Cuidarei do seu bem-estar pelo restante dos seus dias, Gwen. Não vou deixá -la desamparada. Será sempre mantida com todo o conforto. Essa parte dos meus votos eu manterei. Não pretendo vê-la passando por dificuldades.

— Lance não vai querer esmolas suas, Artur.

— Se ele continuar como soldado em Camelot, será recompensado à altura. Afinal, Lancelot é um dos meus homens mais competentes e leais... — O sorriso de Artur continha um misto de tristeza e cinismo. — ... no campo de batalha.

— Ele o ama como a um pai, Artur. Isso tudo está acabando com Lance por dentro.

— Pode não tomar minha afirmação como verdade, Gwen, mas acredito em suas palavras do fundo do meu coração. Se eu não acreditasse, Lancelot não estaria nem mesmo respirando agora.

Gwen se levantou e sentiu as pernas trêmulas.

— Acredite, Artur, eu também amo você.

— Eu acredito.

— Se não acreditasse, eu também não estaria respirando a essa altura?

— Eu jamais iria machucá-la, Gwen. Mas não poderia dizer o mesmo quanto àqueles que buscassem se vingar por seu rei.

Ela estremeceu.

— Está certo, Artur. Então, o que vai ser agora? Como agimos a partir deste momento?

— Ainda é a rainha. E, como tal, deve continuar a cumprir com seus deveres. Para todos os efeitos, nada mudou.

— Sim.

— Sempre foi uma rainha excelente, Gwen. Não vai precisar fingir nada.

— Compreendo.

— Discrição, Gwen. Discrição.

— Certo.

— E, por favor, nada mais de experiências com novos alimentos. Não quero outra ocorrência envolvendo cogumelos. O mais importante: nem pense em fazê-las com os alimentos que são servidos a todos.

— Claro que não.

Artur se levantou.

— Mais uma coisa, Gwen, da qual não quero que se esqueça nunca...

— Sim?

— Isabel salvou a sua vida. Se não fosse pelo tratamento rápido que ela ministrou, não estar íamos tendo esta conversa.

— Estou ciente disso.

— Acredite ou não, a condessa gosta muito de você. E compreende todas as emoções desencontradas que estão nos afetando. Se algo desagradável acontecer a ela, se eu notar um só arranhão em sua pessoa, conhecerá a minha ira como nunca aconteceu antes.

As lágrimas que Gwen vinha tentando tão desesperadamente conter vieram à tona.

— Ela salvou a minha vida uma vez, dias atrás, Artur. E veio me ver esta manhã para tentar salvá-la de novo. Jamais vou me esquecer disso.

— Espero que não. Por mais estranho que pare ça , Isabel poderia ser para você uma excelente amiga e aliada.

— E, por mais estranho que pare ça , Artur, eu gostaria muito de tê-la de ambos os modos.

Ele acenou com a cabeça e caminhou até a porta.

— Não vai se arrepender.

— E eu não vou contar que sei sobre o amor de vocês.

— Não é necessário. Farei isso esta noite. Assim como você deve contar a Lance.

Gwen aquiesceu, então segurou a mão dele com firmeza.

— Desta vez não irei decepcioná-lo. — Começou a sair, mas, em seguida, fez meia-volta. — Algum servo tem conhecimento disso?

— Por que está perguntando?

— Para que eu saiba na frente de quem poderei falar abertamente sobre o assunto.

— James e Mary. Ambos sabem de tudo. Ao menos, presumo que sim. — Os lábios de Artur se inclinaram em um sorriso leve. — Eles intervieram de um modo bastante divertido quando Isabel e eu tivemos um pequeno desentendimento.

Gwen assentiu, embora mal pudesse acreditar que tudo aquilo havia acontecido enquanto ela estava acamada.

— Imagino que, no futuro, isso tudo daria uma bela história.

— De fato.

Gwen fez um gesto em direção à escrivaninha.

— Vou deixá-lo fazer o seu trabalho. E lhe agradeço, Artur, por sua integridade e por sua compaixão.

— Também agradeço pela retidão que demonstrou hoje. Só quero a sua felicidade, Gwen. De coração.

— Eu sei. Também desejo o mesmo para você.

Artur fechou a porta atrás de Gwen, pois ansiava por privacidade enquanto ponderava sobre tudo o que fora dito.

— “O homem mais feliz em Camelot” — sussurrou para si mesmo. — “Quem é o rei Artur?” — respondeu ele próprio. — “Certo!” — Balançou a cabeça, sorrindo, conforme desenrolava o pergaminho. — Isabel, meu amor, você está me deixando maluco.


Capítulo Vinte e Dois


Mais uma vez, Gwen se viu do lado de fora de uma porta, pronta a bater. Mal acreditava no senso de humildade que tinha adquirido desde aquela manhã. O dia já fora desafiador, divertido, esclarecedor, de partir o coração... e não chegara nem sequer na metade.

Ouviu uma risada atrás da porta e hesitou.

— Ele não fez isso! — escutou uma voz jovem dizendo. — Está brincando!

— Não estou brincando, não! E ainda tentou me dar um beijo.

Esta última ela facilmente reconheceu como sendo a de Isabel.

— Depois de jogar um sapo dentro do seu corpete?

Gwen duvidou de que as duas mulheres estivessem falando sobre Artur. Embora este adorasse uma boa brincadeira, jogar um sapo no colo de uma mulher não fazia seu gênero.

— Foi a maneira que ele encontrou de demostrar afeição, creio eu — explicou Isabel. — Afinal, tínhamos no máximo oito anos.

— Parece-me, senhora, que a tentativa do pobre menino de cortejá-la foi um desastre.

— Não me diga... E eu achando até bonitinho!

As duas tornaram a cair na gargalhada.

Gwen detestou acabar com a atmosfera bem-humorada, porém teve esperanças de que pudesse ser incluída nela e bateu à porta.

Como temia, as risadas cessaram no mesmo momento.

— Entre! — falou Isabel.

Gwen abriu a porta e entrou, vendo as duas moças sentadas no chão. Isabel pintava as unhas dos pés de Mary. Metade delas já estava colorida com uma espécie de tinta cor-de-rosa.

— Lamento interromper — murmurou, intrigada.

— Vossa Alteza! — Mary se pôs de pé e fez uma reverência.

— Por favor, sente-se, Mary — pediu Gwen. — Não deixe m que eu interrompa, seja lá o que estejam fazendo.

Isabel sorriu para ela.

— Estamos testando várias maneiras de deixar Mary ainda mais bonita para a noite da cerimônia de casamento.

— Posso me juntar a vocês? Por favor, Mary, retome o que estava fazendo. Estou bastante curiosa quanto a essa brincadeira.

— Claro que pode. — Isabel tornou a sorrir. — Quanto mais gente, melhor, não é, Mary?

Mary olhou, nervosa, de uma para a outra, e Gwen tentou tranquilizá-la.

— Sente-se, Mary. Na verdade, eu já esperava que fosse estar aqui. Temos um casamento para planejar, e fiquei muito interessada em assistir e aprender essa prática.

— Eu sentarei quando fizer o mesmo, Alteza — decidiu a menina.

— Quer apostar qual de nós consegue sentar o traseiro primeiro? — indagou a rainha, surpreendendo a todas.

Mary riu, assim como Isabel, o que fez o coração de Gwen se alegrar. Ela havia tido muito tempo para refletir sobre tudo o que acontecera naquele dia, tudo o que precisaria enfrentar sobre si mesma, tudo o que era necessário para que fizesse as coisas direito.

Acomodou-se no chão, por fim, e acenou para a jovem criada.

— Vamos, sente-se!

— Quer que eu lhe traga alguma coisa, Vossa Alteza?

Gwen olhou para Isabel.

— É impressão minha ou essa coisa de “Vossa Alteza”, “Condessa” ou “Vossa Sei Lá o Quê” está ficando ultrapassada?

Isabel a fitou, e o sorriso que iluminou seu rosto fez Gwen se encher de orgulho.

— Isso tudo é de fato muito aborrecido — concordou de pronto.

— Pode me chamar apenas de Gwen, está bem, Mary? Pelo menos quando estivermos sozinhas. Compreendo sua relutância quando há outras pessoas ao redor, mas, aqui, agora, será apenas Gwen.

Mary pareceu horrorizada.

— Eu jamais poderia fazer isso!

Isabel revirou os olhos para Gwen.

— Levei dias e precisei fazer um monte de ameaças para fazê-la mudar de ideia, mas Mary vai ceder eventualmente.

Gwen sorriu. Não estava zangada com Isabel. Como poderia estar?

Artur tinha razão. A raiva que ela sentira por sua infidelidade era pura hipocrisia, e em sua forma mais grave. Sem dizer que ela amava o marido o suficiente para que — após superar a mágoa e a raiva — percebesse o quanto ele era bom e o quanto merecia uma mulher digna dele.

Sua principal pergunta para si mesma era se conseguiria esquecer tudo o que acontecera, voltar atrás em tudo o que havia feito, a fim de preservar a vida que levava.

E a resposta fora “não”. Não podia se arrepender de seu amor e da atração que sentia por Lance, assim como não podia estender a mão e trazer a Lua para perto.

— Eu adoraria tomar um pouco de vinho, Mary — decidiu por fim.

— Temos um bem aqui e...

— Pode deixar! — Gwen interrompeu a menina, erguendo-se outra vez. — Eu mesma vou servi-lo a vocês duas. E, para mim, claro.

Enquanto se levantava, Gwen testemunhou os olhares espantados trocados pelas duas outras mulheres, e sorriu para si mesma. Estava gostando daquilo. Imensamente.

— Agora, por favor, contem como se faz esta coisa de pintar as unhas dos pés.

— É muito simples e divertido — falou Isabel. — E deixa os pé s das mulheres muito mais bonitos.

— E de onde veio essa tinta? Você a trouxe de Dumont?

— Na verdade, não. Tivemos que fazer experiências até conseguirmos uma fórmula que desse certo. Misturamos flores com um pouco de água, depois adicionamos amido de milho para torná-la pegajosa o suficiente, assim ela pode aderir à unha.

— Aderir?

— Colar — explicou Mary. — Desse modo, a água seca e a coloração permanece sobre as unhas.

Gwen entregou um cálice à condessa, depois estendeu outro a Mary, que lançou um olhar inseguro na direção de Isabel. Esta, por sua vez, assentiu.

— Só uma vez e apenas um pouquinho. E isso porque parece que estamos tendo uma reunião entre amigas esta tarde.

Mary sorriu e aceitou a taça.

— Muito grata, Vossa...

— Gwen. Lembre-se: como sou sua rainha, precisa escutar o que eu digo. Quero que me chame pelo meu primeiro nome, assim como faz com a condessa Isabel.

Isabel olhou para Gwen, e esta lhe sorriu de volta.

Santo Deus. Ela não sabia como Gwen ficara sabendo, mas, bem lá no fundo, tinha certeza de ela sabia de tudo agora!

— Você sabe — sussurrou.

Gwen sentou-se, segurando a própria taça.

— Sei.

— Mas como?!

Os olhos de Mary saltaram de uma para a outra, cheios de preocupação.

— Eu não sei do que estão falando, mas eu juro, Isabel: nunca repeti uma só palavra das nossas conversas para ninguém, exceto para... Oh, não! James?

— Sossegue, Mary. Foi o próprio Artur quem me contou tudo — revelou a rainha. — Como sempre, ele foi mais do que honesto.

Isabel quase desfaleceu. Artur admitira... ela não sabia o quê! Que eles eram amantes? Que ele...

— Ele é apaixonado por você, Isabel.

Por algum tempo, Mary se limitou a observar, emudecida. De repente, se levantou.

— Acho melhor eu ir fazer alguma coisa.

— Sente-se! — falaram Isabel e Gwen em uníssono.

Gwen riu.

— Às vezes, honestidade em excesso parece não trazer nenhum benefício, não é mesmo ? Mas não foi assim, hoje. Era o que eu precisava ouvir. Artur compreendeu, assim como sempre foi capaz de fazer.

— Eu sinto muito, Gwen. Muito mesmo — conseguiu balbuciar Isabel. — Eu nunca quis... nunca pretendi...

— Sente muito? Por seguir o seu coração? Por fazer um homem maravilhoso feliz novamente depois de muito tempo? Acha que eu a culpo por isso, Isabel? Acha que eu estaria aqui, compartilhando esse momento com vocês, caso tivesse más intenções ou pensamentos?

De repente, ocorreu a Isabel que Gwen insistira em lhes servir o vinho. Olhou para o cálice, alarmada.

Gwen a observou com um sorriso no rosto, depois estendeu a mão e trocou as taças, tomando um bom gole da bebida antes de trocar os cálices de novo.

— Não, Isabel, não tenho a intenção de envenená-la. Artur deixou claro que, se você sofresse um só arranhão, ele faria a pessoa pagar caro. E, por “pessoa”, decerto se referia a mim. Quanto ao pagamento, na certa seria com a minha vida. Como não tenho a menor pretensão de incorrer na ira do rei, por favor, confie que eu jamais irei lhe fazer nenhum mal.

— Claro que não — concordou Mary, com veemência. — Até porque eu não permitiria tal coisa.

Era uma atitude ousada para uma criada de Camelot. Preocupante, na verdade, refletiu Isabel.

— Acalme-se, Mary. Gwen está aqui para conversarmos a respeito do seu casamento, não é mesmo, Gwen?

— Verdade. No entanto, eu adoraria aprender essa coisa de pintar as unhas dos pés antes de decidirmos o cardápio. Tenho um encontro esta noite e gostaria muito de surpreender a pessoa...

Mary e Isabel trocaram olhares.

— Então, sugiro que tire os chinelos, Vossa Alteza. — falou Mary por fim.

— Se vai pintar as minhas unhas, Mary, insisto que me chame de Gwen!

— Como eu também disse a Isabel, senhora, somente quando estivermos sozinhas. Nunca, jamais, diante dos outros. Por favor, não insista nisso quando não estivermos apenas as três!

Gwen lançou um olhar interrogativo na direção de Isabel.

— As amigas dela — se é que se pode chamá-las assim — andaram evitando Mary por ciúmes.

— Ciúmes?

— Acham que ela vai se casar com alguém muito acima de sua posição social, já que James é um dos soldados mais importantes do exército de Artur. Embora Mary nunca tenha se gabado disso, as outras estão morrendo de inveja.

Mary tomou um gole de vinho.

— Algumas também se ressentem do fato de eu ter sido designada para cuidar da condessa.

— Que trabalho ingrato, não, Mary? — indagou Isabel, brincando.

— Isso é terrível! — exclamou Gwen. — Ah, Mary, há algo que eu possa fazer?

— Acredito que possamos empurrar essa inveja goela abaixo, proporcionando a Mary e James a mais bela e inesquecível das cerimônias de casamento — opinou Isabel.

— É o que vamos fazer! Elas que engasguem com sua inveja.

Isabel levantou as sobrancelhas para Gwen.

— Ei... — falou a rainha, erguendo o cálice com um sorriso. — Ainda não envenenei você?

— Excelente observação — concordou Isabel, brindando e tomando outro gole do vinho.

Até o momento em que as três conseguissem terminar de fazer as unhas dos pés, elas foram interrompidas por Jenny, James, Tom e até Hester, o bobo da corte. E, por qual motivo Hester havia ido procurá-las, Isabel não fazia ideia.

Estavam todas rindo, deitadas de costas e abanando as pernas no ar, na tentativa de secar a mistura caseira, quando ouviram outra batida na porta.

Isabel perdeu a paciência.

— O que foi desta vez? — gritou, exasperada. — Pelos deuses, isto aqui está parecendo a Grand Central Station!

— Isabel, preciso vê-la. Tenho que falar com você! Por favor, permita que eu entre.

As três se entreolharam, obviamente reconhecendo a voz. Então se sentaram, ajeitando as saias.

— Entre, Artur. A porta está destrancada.

Ele abriu a porta e estacou, perplexo, ao vê -las todas no chão.

— Perdão, eu não queria interromper... seja lá o que for . Na verdade, prefiro nem saber.

— Coisas de mulher — explicou Isabel. — Estamos planejando o casamento de Mary.

Ele pareceu tão pouco à vontade como um frango gordo e saudável no interior de uma loja KFC.

Gwen se levantou, meio sem equilíbrio.

— Mary e eu estávamos pensando, mesmo, em dar uma volta para terminarmos de secar as unhas dos pés, não é mesmo, Mary? — Ela estendeu o braço, e a menina o aceitou de bom grado.

— Verdade, Vossa Alteza. Meu rei... — Mary fez uma rápida reverência ao passar por Artur.

— Ah, por favor, pare com isso, Mary! — ordenou ele. — Somos amigos. Pare de se rastejar.

Ela assentiu com um gesto de cabeça.

— Perdão, rei Artur.

Artur quase rosnou, contudo, manteve a porta aberta quando Mary e Gwen passaram por baixo de seu braço e, pelo ruído que fizeram, saíram em disparada pelo corredor.

Só então ele praticamente a bateu.

— O que está acontecendo, Isabel?

— Mary e eu estávamos vivendo um momento entre amigas, e Gwen quis participar. Por que está tão nervoso? Não aconteceu n ada de errado aqui. Estávamos apenas nos divertindo.

— Gwen sabe a respeito de nós.

— Eu sei. Ela me contou.

— Contou mesmo?

— Sim. Na verdade, foi muito receptiva à situação. Por que está tão tenso?

— Eu temi que... Bem, fiquei preocupado.

— Ei, eu ainda estou aqui, Artur. Gwen não é do tipo assassino. Deve saber disso. Não teria se casado com uma mulher tão cruel. Jamais faria isso.

— Espero que não. De qualquer modo, não posso me arriscar em se tratando de você.

— Eu te amo, Artur!

— E eu amo você, Isabel.

— Dá uma mãozinha aqui? — pediu ela, estendendo o braço.

— O quê?

— É apenas um modo de dizer “ajude-me a me levantar”.

Ele a puxou e, conforme a trouxe para junto dele, passou um braço por sua cintura e a ergueu do solo. Ainda a centímetros do chão, Isabel o enlaçou pelo pescoço e o beijou.

— Até o meu último suspiro, nunca vou parar de desejar o seu toque e os seus beijos, Isabel! — murmurou Artur momentos depois. Abaixou-a devagar, propositadamente, de modo que ela deslizasse pela frente de seu corpo da forma mais sensual.

— Por qu ê , Artur?

— Por que o quê?

— Por que contou a Gwen?

Ele afastou os cabelos de seu rosto.

— Ela merecia saber a verdade.

— Podia ter ficado calado.

— Era uma opção. Mas o que tal atitude diria a meu respeito, Isabel? Gostaria que eu escondesse o amor que sinto por você?

Ela pousou a cabeça no peito largo.

— Se essa história se espalhar, toda a verdade virá à tona, e ela e Lance ficarão em apuros. N ão acha que James iria despejar a verdade por conta da lealdade que tem a você, acha? Porque de maneira alguma ele permitiria que levasse a culpa.

— Ele o faria se eu lhe ordenasse.

— E vai fazer isso? Por acaso, por falta de uma expressão melhor, “sairia na espada”?

— Não. Nesse caso, não.

— Como pode afirmar?

— Essa é fácil...

— Não entendi.

— “Aquela que Artur, o rei de Camelot, passou a amar tanto que ele faria qualquer coisa para protegê-la.”

Isabel sentiu-se derreter. Por que o amor era tão difícil de encontrar?

— Muito simples — provocou, quando reaprendeu a arte de respirar. — “Quem é Pix, a beagle amada e meio pateta de Artur, que o segue a todos os lugares?”

— Errado, condessa, embora eu admita que Pix seja uma resposta bem próxima da correta. Vou lhe dar outra chance.

— Pix seria a resposta mais próxima, é?

— Isabel, você mesma pularia na frente de uma flecha para salvar Burny!

— Ah, mas Burny é um cachorro como nenhum outro. Falando sério... Aquele cãozinho é inexplicável! Que cachorro é aquele, meu Deus?

Artur riu e a abraçou ainda mais.

— Ninguém sabe. Nós não questionamos; apenas acolhemos qualquer filhote que apareça por aqui.

— Ele é tão fofo!

— E ele a segue por toda parte, como se você fosse a mãe dele.

— Eu não sabia que tinha notado.

— Eu imaginava saber cada detalhe do que acontece à sua volta, Isabel, mas não me dei conta do que aconteceu hoje. Simplesmente falhei.

— O quê? Como assim?

— Ignorei o óbvio, ao passo que você percebeu o que se passava e entrou em ação.

— Quer dizer com Gwen?

— Sim.

— Fez o que qualquer bom marido faria. Eu apenas conversei com Tom, e depois com Gwen.

— O que devia ter sido minha responsabilidade.

— Não falhou em nada, Artur. Quantos fardos acha que pode carregar? Não que Gwen seja um fardo. Por sinal, gostamos muito da tarde que passamos junto dela. Gwen foi maravilhosa. N ão sei o que vocês conversaram, mas, pelo que observei, ela não guardou nenhum rancor. Na verdade, desde que a conheci, Gwen nunca me pareceu tão em paz.

— Ela é realmente uma boa pessoa — confirmou Artur. — Apenas jovem demais. N ão sei o nde eu estava com a cabeça quando... — Ele a beijou outra vez. — N ão importa. Eu queria apenas vê-la e ter certeza de que estava tudo bem.

— Está aliviado ou triste após sua conversa com Gwen?

— Mais como a primeira opção e menos como a última.

— É compreensível.

— Logo depois, tive esse desejo incontrolável de vir ver se estava bem. Não que eu acredite... Ou melhor, essa é uma desculpa muito fraca. Eu só queria ver você.

— Ah, Artur! — suspirou Isabel, afastando um fio escuro do rosto moreno. — Nossa, o cabelo dele havia crescido tanto nos últimos dias! — Tem muitos problemas com que lidar no momento. Eu deveria ser a menor das suas preocupações.

— A preocupação era só fingimento. Ver você era questão de pura necessidade.

— Nós nos veremos mais tarde. Precisa voltar ao que mais preza.

Ele a fitou, perplexo.

— Isabel, se eu não deixei bem claro, você é o que eu mais prezo nesta vida agora.

— E quanto a Camelot?

— Não passa de um lugar, ora. Sim, eu amo Camelot. Mas, por acaso, eu posso abraçar Camelot à noite? Posso me deitar com Camelot e partilhar o que aconteceu durante o dia? Sem nem mesmo um momento de reflexão eu abriria mão deste reino pelo restante dos meus dias se, a cada momento desses dias, eu ficasse a seu lado.

— Ah, Artur, eu jamais iria lhe pedir isso!

— Claro que não. Esse é outro motivo pelo qual eu te amo, Isabel. Portanto, nunca duvide das minhas prioridades. — Artur a beijou, em seguida a soltou. — Aliás, n ão questionou a minha resposta corretamente.

Isabel estava tão atordoada e confusa, e com o coração tão cheio de emoções, que não sabia com o que lidar primeiro.

— Eu me esqueci da resposta — confessou, por fim.

— Vou repeti-la: “Aquela que Artur, o rei de Camelot, passou a amar tanto que ele faria qualquer coisa para protegê-la”. — Ele sorriu. — A sua primeira resposta foi um pouco insultante, já que se tratava de uma cadela babona. Mas vou perdoá-la, desta vez, e permitir que faça outra escolha.

— “Quem é a condessa Isabel?” — sussurrou ela.

— Agora, sim...

— Tenho uma para você.

Artur abriu novo sorriso.

— Como você mesma disse tantas vezes... Pode mandar!

— “A mulher que se recusa a permitir que desista do seu reino, dos seus sonhos e do seu amor por ela. A mulher que está pronta a enfrentar qualquer batalha, a fim de manter o sonho de Camelot vivo.”

Artur a segurou pelo rosto.

— A questão deveria ser: “Aquela que o rei Artur preferiria manter cativa a deixar correr perigo em seu nome”. Isso nunca vai acontecer, Isabel. Não consigo conceber uma coisa dessas.

— Alguma vez lhe ocorreu que as mulheres podem ser úteis por detrás das linhas de batalha? Permita-nos tomar parte nesse tipo de coisa também.

— Não. Não quero nenhuma mulher ferida. Quanto a você... Eu não sobreviveria se fosse atingida. Eu simplesmente não conseguiria mais viver.

— E, no entanto, espera que eu — ou qualquer uma de nós — permaneça por perto, vendo-o ser ferido ou coisa pior?

— Sim. É o que devo fazer. Por favor, Isabel, não faça com que eu me preocupe com você, caso uma batalha venha a acontecer. Eu nem conseguiria fazer o meu trabalho.

— E existe esse risco?

Artur hesitou, depois concordou, enfim.

— Há uma possibilidade. Os que não foram convidados para se reunir em torno da távola se uniram, de acordo com os relatórios que recebi. Temos de nos preparar.

— Então, nós o faremos.

— Isabel, não.

— Não permitir ei que ninguém lhe faça mal sem lutar. Não faria o mesmo por mim?

— Não é a mesma coisa.

— É exatamente a mesma coisa! Se acha que as mulheres são incapazes de fazer o que devem a fim de proteger seu rei, seu castelo, sua vida, está subestimando a todas nós.

— Eu não as subestimo. Sinto necessidade de protegê-las. Você, mais do que todas as outras.

— De quanto tempo dispomos? — quis saber Isabel.

— Isabel...

— Quanto tempo, Artur?

— Minha melhor estimativa, segundo as informações de meus homens, é de três semanas. Acreditamos que eles planejam atacar quando todos os cavaleiros convidados para a távola estiverem reunidos aqui.

— Pois esse plano me parece uma grande estupidez.

— Não deve haver traidores sentados entre nós.

— Sabe quem eles podem ser?

— Tenho uma vaga ideia.

Isabel soltou uma espécie de rosnado.

— As mulheres não apenas irão ajudar como chutarão os traseiros desses canalhas!

— Isabel...

— Sim, Artur?

— Você me excita e ao mesmo tempo me põe medo, sabia?

— Espero que só faça uso da excitação esta noite. Quanto ao medo, permita-me cuidar dele.

— Mas sou eu quem deve protegê-la.

Ela o socou de leve no braço.

— Ao menos uma vez, Artur, acostume-se com a ideia de que as mulheres podem ser muito úteis ao cuidar de seus homens. Ao menos uma vez.

— Não permitirei que entre na batalha caso ela venha a ocorrer. Isabel, por favor... N ão consigo nem mesmo conceber essa possibilidade! Eu amo você. Será que não percebe?

— Claro que percebo. E se eu prometer que nenhuma de nós, mulheres, vai ingressar em qualquer tipo de luta?

Ele a fitou com olhos estreitos.

— Tem algum plano escondido na manga?

Ela fez a mais inocente das expressões.

— Eu juro, por tudo quanto é sagrado, que não iremos pisar no campo de batalha.

— Você tem um plano.

— Eu juro, por tudo quanto é sagrado, que não vamos entrar no campo de batalha!

— N ão sei se ri o ou fico morto de preocupação.

— Prefiro a primeira opção.

— Isabel, eu não suportaria se alguma coisa lhe acontecesse. O amor que sinto por você é tão... N ão posso nem mesmo descrever meus sentimentos! Só sei que , se eu a perdesse agora que a encontrei, eu... Não consigo imaginar uma coisa dessas acontecendo!

Ela riu enquanto observava a expressão tensa, calorosa e preocupada no rosto moreno.

— Não sou a única se preparando para a batalha, Artur. Como acha que me sinto, sabendo que está fazendo isso?

— É o meu trabalho.

— Ah, sim, o seu trabalho. E eu devo sorrir, preparar um almoço para você, acompanhá-lo até a porta e dizer: “Espero vê-lo vivo na hora do jantar, querido. Seria uma pena desperdiçar o seu prato preferido, apesar de Pix poder apreciá-lo!”.

Ele a fulminou com o olhar por um momento, então riu e a puxou para mais perto.

— Essa foi a conversa mais estranha que eu já tive na vida, mas eu te amo mesmo assim.

— Não faz mais do que a sua obrigação — rebateu Isabel, sentindo-se repentinamente tensa e mal-humorada. Ela n ão fazia ideia do perigo que podia estar à espreita . Artur havia conseguido manter essa informação bem guardada no bolso do colete. Ou da túnica. Ou da malha... que fosse. — N ós, mulheres, não vamos ficar de braços cruzados, Artur. Temos nossos métodos.

— Está decidido. Caso aconteça alguma coisa, não vou permitir que vocês, mulheres, interfiram. Muito menos a mulher que eu amo!

— As mulheres não costumam tomar parte nessas guerras idiotas que vocês, homens, lutam.

— O que quer dizer?

— Temos muito mais recursos do que imaginam.

— Às vezes a senhora me preocupa deveras, condessa.

— Pois eu deveria me preocupar com você o tempo todo.

— É justamente isso o que me aflige.

— Bem feito.

— Posso vê-la esta noite? — perguntou Artur com um suspiro.

— “A mulher que deseja ficar com Artur esta noite mais do que qualquer outro na Terra.”

Ele sorriu para ela.

— Tenho que pensar um pouco...

— Vamos, preciso ouvir dos seus lábios!

— “Quem é a mulher que Artur ama e deseja mais do que qualquer outra?”

— Perfeito. Bônus duplo para você.

— Esta noite, então?

— Sim. Por favor.

Conforme Artur deixava o quarto, Isabel o ouviu dizer:

— Espero que as unhas dos seus pés já tenham secado, Mary. E as dos seus também, Gwen.

— Temos que adiantar a data do seu casamento, Mary — decidiu Isabel, ainda se recuperando de um enorme constrangimento. Pelos deuses, Mary e Gwen ficaram escutando tudo do lado de fora da porta!

Ambas, no entanto, entraram como se não houvessem escutado coisa alguma. As três se entreolharam e, mais uma vez, não puderam se conter. Caíram na gargalhada.

Logo ficaram sérias, contudo, quando Isabel anunciou:

— Todas as mulheres de Camelot, inclusive as convidadas como eu... — confirmou ela com um gesto de cabeça para Gwen — ... precisam se preparar para proteger os homens. Eu tenho um plano. Ou parte dele. De qualquer modo, temos que nos organizar e precisamos envolver todas as criadas. — Estendeu a mão. — Posso contar com vocês?

— Pode! — declarou Mary, segurando a mão dela.

— Comigo também — jurou Gwen, apertando as mãos de ambas.

— Ótimo , Gwen, porque, para conseguirmos nosso objetivo, preciso que use a sua coroa com vontade.

— Considere feito.

— Muito bem. Mary, que tal se casar com James depois de amanhã?

Os olhos da menina se arregalaram.

— Está brincando?

— Não. Seu vestido está pronto, não está?

— Sim.

— Eu posso cuidar da festa — resolveu Isabel. — Gwen, você tem um talento especial para lidar com flores... Poderia se encarregar da decoração do salão.

— Claro!

— Excelente. Amanhã, temo que o nosso recreio precise ser usado para nos livrarmos daqueles juncos e esfregarmos o salão principal. Quando Mary e James trocarem seus votos, aquele lugar precisa estar cheirando a primavera, e não como um chiqueiro!

Ambas as mulheres concordaram.

— Mary, receio que vá ter de trabalhar amanhã. James precisa de um corte de cabelo, assim como Artur.

— E Lance — completou Gwen.

— E Lance... Embora eu ache que ele fica lindo com aquele cabelo meio desgrenhado — provocou Isabel.

Gwen sorriu enquanto admirava as unhas dos pés.

— Fica, sim. Mas um bom corte de cabelo não tira pedaço de ninguém.


Capítulo Vinte e Três


— Milady?! — chamou um homem enquanto ele passava por Isabel, no salão principal, onde ela estava de joelhos, esfregando o chão.

Ela olhou para cima, para baixo, depois para cima novamente.

— James?!

Ele parou, o rosto — agora livre de pelos — um pouco vermelho.

— Sim, condessa.

Isabel se levantou, puxando o corpanzil pelos braços, de modo que o rapaz a encarasse.

— James! Pelos deuses, olhe só para você!

— Não posso fazer isso, condessa, porque estou olhando para a senhora.

Ela riu e enxugou a testa.

— Por que diabos andou escondendo esse rosto bonito por detrás de tanto pelo?

— Eu... Condessa, por acaso está brincando? Sinto-me quase nu!

— Caramba, James! — exclamou Isabel, chocada. Sem todos aqueles pelos e cabelos ele parecia um George Clooney mais moço, ainda que bem mais forte e cerca de trinta centímetros mais alto. Tanto melhor! — Por que andou escondendo todo esse visual? Diga a verdade. — Isabel o estudou. Estava sem palavras.

— Eu não sabia que estava fazendo isso. Mas, obrigado, condessa, apesar de eu estar me sentindo como um bebê recém-nascido — resmungou James, esfregando o queixo.

— Mary foi implacável...

— Ah, foi. De fato. E, no momento, seu prisioneiro é o rei.

Ela sorriu.

— Agora consigo enxergar o que Mary sempre viu. Sorte dela ter um noivo tão bonito!

— Eu é que sou o sortudo, condessa. — Ele olhou ao redor. — Aliás, os pés dela ficaram muito bonitos — sussurrou ele.

— Assim como ela própria!

James assumiu uma expressão sonhadora.

— Verdade. Não sei como lhe agradecer pela bondade com que a tem tratado. Mary está muito entusiasmada com o vestido que ganhou de presente.

— Ela é a melhor das amigas, James. E aposto que Mary também será muito amiga sua, assim como uma ótima companheira de vida.

Ele esfregou os olhos, comovido.

— Não sei, mesmo, como lhe agradecer pela sua generosidade.

— Tudo o que eu quero é que vocês dois sejam felizes. Eu gostaria de lhe plantar um beijo na bochecha, se eu tivesse uma escada que me levasse até aí...

James inspecionou o salão mais uma vez.

— Um beijo de uma condessa seria uma honra — falou, abaixando-se, de modo que ela pudesse lhe beijar a face.

— Tudo de bom para vocês, James!

— Tudo de bom para a senhora e o meu rei também, condessa. Tenho o pressentimento, e sei que ele está certo, de que nasceram um para o outro. Assim como Mary e eu.

James se afastou antes que Isabel pudesse dizer mais alguma coisa.

Ela balançou a cabeça e voltou a esfregar o chão. Gwen estava lá fora com várias criadas, todas ocupadas em dar cabo dos juncos. Pobre delas... De qualquer modo, Gwen havia jurado ter uma fórmula que as livraria de ficar fedendo.

— Isabel!

Ela quase caiu com o susto. Ergueu a cabeça e se deparou com Artur com o cabelo e a barba feitos. Estava maravilhoso.

— Nossa ! — exclamou, levantando-se. — É o rei mais bonito que já conheci na vida!

— Quantos reis já conheceu, exatamente? — indagou ele.

Na verdade nenhum. A não ser ele, claro .

— Se quer dizer nu... Apenas um.

Artur tentou não sorrir e falhou.

— Isabel, por que está de quatro no chão?

— Estou limpando, oras. Acredite, este salão estava precisando de uma faxina.

— Mas há criadas para fazer tal coisa.

— Certo. E iguaizinhas a mim. Eu posso fazer essas coisas, Artur. A propósito, está muito gostoso hoje...

— Não tente me distrair com palavras que eu não compreendo — ralhou ele. — Não quero você esfregando o chão.

— Isso é péssimo, pois posso ajudar a limpar como qualquer pessoa.

— Mas temos empregados que...

— Artur! Se eu não me dispuser a ajudar, o que vão pensar de mim? Não tente, e estou falando sério, me impedir de ajudar a limpar o salão!

— Há pessoas que...

— Nem pense em chamá-las! Por acaso fica de braços cruzados enquanto seus homens trabalham?

— Não, mas...

— Fica parado enquanto seus homens lutam nas batalhas por você?

— Não, só que...

— Então, por favor, não fique aborrecido quando eu faço o que precisa ser feito. Não sou melhor do que ninguém porque tive a sorte de nascer na realeza. — Isabel não fazia ideia se aquilo era verdade naquela existência, porém continuaria a afirmá-lo. — Por acaso é mel hor do que os outros porque conseguiu arrancar uma espada de uma pedra?

— Não.

— Temos todos o mesmo sangue vermelho, Artur. Somos iguais.

— Sim, mas...

Isabel esperou, contudo Artur continuava inconformado.

— “Sim, mas” o quê?

— Esqueceu de limpar esta parte — apontou ele com um suspiro e se afastou em direção à sua sala.

Pelos deuses, ela amava aquele homem. Sem dúvida iria repreendê-lo se fosse necessário... mas da forma mais carinhosa.

Com um suspiro, ela mudou de posição e começou a esfregar o local que Artur havia mostrado.

***

A cerimônia de casamento entre James e Mary quase fez Isabel chorar. Eles pareciam tão verdadeiro s e sinceros! E Mary dera uma linda noiva.

Gwen havia se superado. O salão ficara espetacular com velas e flores por todos os lados. Nos tempos modernos, pensou ela, Gwen seria a cerimonialista de maior sucesso em todo o estado de Oklahoma. O resultado fora de tirar o fôlego.

Obviamente, ela, Isabel, nunca presenciara um ritual daquele. Não tinha sido uma cerimônia religiosa e, no entanto, fora muito... espiritual.

— Eu prometo — começou James.

Como padrinho, Artur se colocou diante deles.

— Irá honrar sua esposa.

— Sim.

— Irá protegê-la e mantê-la, custe o que custar.

— Sim.

— Isabel? — chamou Artur.

Ela se posicionou diante dos noivos e os fez entrelaçar as mãos, como ditava o costume.

— Vai honrar seu marido?

— Sim.

— Irá protegê-lo e mantê-lo custe o que custar?

Aquilo estava fora do script . Uma esposa deveria apenas honrar os desejos e obedecer às exigências do marido. Porém ela não teria conseguido enunciar tais palavras.

— Sim — interveio James na proclamação antes que os protestos tivessem início.

— Sim, eu vou — reafirmou Mary.

— Excelente — concluiu Isabel. — Dessa forma, serão muito felizes juntos. — Ela se inclinou e beijou a bochecha de Mary. — James é um homem de sorte, milady — completou baixinho.

Mary olhou para ela e sorriu.

— É, sim.

Artur encerrou a cerimônia, em seguida chamou todos para a celebração.

***

— Pelo inferno de Hades, o que foi aquilo? — perguntou Artur a Isabel, quando finalmente conseguiu encurralá-la.

— O quê?

— Cerimônias de casamento não são assim. Você...

— Saí do script , sim, eu sei. Mas foi um ritual muito mais verdadeiro.

— Verdadeiro?

— Artur, se você e eu estivéssemos nos casando...

— Está querendo dizer: “Quando nós nos casarmos...”.

— Está certo, vamos continuar a sonhar. Quando nos casarmos , não pense, nem de brincadeira, que vou lhe obedecer em tudo. Eu não tinha como pedir a Mary que fizesse uma coisa dessas e, por esse motivo, improvisei.

Ele a fitou por um momento, depois caiu na risada.

— Ah, Isabel, você é mesmo uma charada! E um prazer constante, devo acrescentar.

— Vou tomar isso como um elogio. Acho.

— Pode tomar como um elogio. Acho.

— Estamos conversados. Agora vamos comemorar.

A festa durou até a noite, com a comida, o vinho e o hidromel desaparecendo com a mesma velocidade com que eram providenciados. Para o mérito dos que tinham ajudado a preparar a recepção, todos pareciam realmente felizes por Mary e James. Ou então estavam disfarçando muito bem.

Isabel sabia a quem deveria agradecer por tudo aquilo. Caminhou até Gwen, que parecia concentrada numa conversa com Jenny. A moça torcia as mãos e balançava a cabeça.

— Sua voz é linda, Jenny! Vai dar tudo certo — ouviu a rainha dizendo. — Basta cantar como fez esta manhã.

Jenny assentiu por fim e, em seguida, saiu correndo.

— Devo dizer, lady Guinevere, que fez uma festa de arrasar — elogiou Isabel, sincera.

Gwen sorriu para ela.

— Nós fizemos uma festa “de arrasar”. Eu não teria conseguido sem você.

— Ou sem um zilhão de pessoas ajudando!

— Verdade. — riu Gwen.

Ambas se voltaram quando Jenny começou a cantar. E foi tão bonito! Isabel não conhecia a canção, contudo sabia reconhecer uma boa voz.

Todos bateram palmas ao final, como já era de se esperar.

Céus! A palavra “impressionante” nem sequer começava a descrever o que acontecera ali.

— Jenny é muito boa!

— E eu não sei? Ela canta para mim durante o meu banho.

— Caramba! Que sorte a sua!

— Verdade.

— Por falar nisso, o que disse à equipe de criadas? — quis saber Isabel.

— N ão sei o que está querendo dizer — respondeu Gwen, girando o vinho no cálice, tensa.

— Tenho certeza de que sabe.

Gwen sorriu. Em seguida, tomou um gole da bebida.

— Eu apenas mencionei como estava entusiasmada com Mary e James. Disse que não seria nenhuma vergonha compartilhar com eles sua alegria esta noite.

Isabel assentiu.

— Muito apropriado. E eficiente. Foi muita generosidade sua, Gwen.

— Era o mínimo que eu podia fazer.

— Escute, esta não é uma conversa de bêbada — garantiu Isabel. — Sou eu mesma dizendo: eu realmente a aprecio e admiro! Quando se dedica a alguma coisa, você se supera, Gwen.

Os olhos da moça se encheram de lágrimas, e ela olhou ao redor.

— Esta também não é uma conversa de bêbada — replicou Gwen baixinho. — Posso compreender por que Artur é tão apaixonado por você.

Foi a vez de Isabel combater as lágrimas.

— Não importa o que o futuro nos reserve. Espero que sejamos sempre amigas.

— É o que eu espero também. Quem sabe, algum dia, não nos tornemos até “amigas de dedinho”?

Isabel riu e quase engasgou com o vinho. Quando conseguiu engolir, perguntou:

— E então? O que achou do cabelo de Lance?

Os olhos da moça seguiram direto para seu amante.

— Ele ficou lindo, não ficou?

Quando se preferia os rapazes com cara de bebê, pensou Isabel, perguntando-se como os gostos podiam diferir tão drasticamente. Em sua opinião, Artur, com aquela aparência robusta — Ah, como ele era lindo! — era muito mais sexy.

No momento, porém, estava feliz pelo fato de sua ideia de “atraente” ser bem diferente da de Gwen.

— Ficou, sim — respondeu, chegando à conclusão de que a diplomacia seria a melhor forma de ela não se dar mal. — E o que me diz de James?

— Quem diria! — exclamou Gwen.

— Mary diria, oras! Ela enxergou muito além das aparências. Ela o enxergou com o coração. No fim, James é um lindo gigante.

Gwen riu outra vez.

— Até mesmo Mordred ficou mais bonito.

— Ele precisa de mais alguns anos para ganhar pontos na aparência, mas realmente teve sorte em se tratando de genética. Quando olho para ele, vejo Artur com a mesma idade.

— O que fez, Isabel?

— Em relação a quê?

— Alguma coisa aconteceu. Até pouco tempo atrás, Mordred parecia viver para torturar o pai e, de repente, eles estão rindo e se abraçando! Eu os vi até mesmo treinando com a espada juntos, esta manhã. Tenho a firme impressão de que você tem algo a ver com essa transformação. — Gwen fez uma pausa e bebeu outro gole de vinho. — E talvez algo a ver com essa lesão no joelho dele.

— Talvez — respondeu Isabel.

Elas se entreolharam e ambas caíram na risada.

Isabel levantou o dedinho e Gwen o olhou por um momento. Então fez o mesmo, e elas os entrelaçaram, sorrindo.

— Isto significa muito para mim, Isabel.

— Para mim também. — Ela riu. — Esta não é a amizade mais estranha do mundo?

— Com certeza! — concordou Gwen. — Mas é divertida, não acha?

— Ninguém iria acreditar.

— Por isso mesmo é divertida.

Um barulho forte quase fez as duas caírem dos chinelos. Elas se voltaram, e avistaram Artur em pé sobre uma das enormes mesas, chamando a atenção de todos enquanto batia com um talher em um cálice .

— Por favor, pode o casal feliz dar um passo à frente? — pediu ele com sua voz grave.

Isabel o observou, sentindo o coração quase explodir. Artur tinha uma presença tão marcante! Era tão grande, forte e, pelos deuses , tão lindo!

E ele a amava. Ele a desejava! Queria tê-la e protegê-la.

Talvez, com o tempo, ela conseguisse fazer com que ele fosse menos machista, mas, no momento, estava impressionada com tudo o que ele era, tudo o que representava. Artur era um rei, mas não era nenhum ditador. Tratava a todos igualmente e valorizava todas as pessoas em Camelot, considerando-as como se fossem da família. E todos ali, ao menos até onde ela pudera notar, o adoravam e admiravam.

E o mais maravilhoso de tudo: Artur a amava. Ela não fazia ideia por que, porém, mais uma vez, não pretendia questioná-lo.

Céus, mal podia respirar apenas de olhar para ele!

— Por favor, que todos os criados se juntem a nós — proclamou Artur. — Eles trabalharam muito para fazer desta noite um sucesso.

Houve um momento de silêncio enquanto Mary e James se aproximavam da mesa. Servos fizeram o mesmo, vindo de todas as partes do castelo.

Artur olhou ao redor, atento.

— Bem, eu sei que todos estão aqui, mas, no momento, não posso identificá-los. De qualquer modo, James e Mary, talvez tenham estado muito entusiasmados e ocupados para tomar nota, contudo a rainha e a condessa trabalharam duro como os demais para tornar esta noite tão memorável para vocês quanto fosse possível.

Os gritos e assovios quase romperam o tímpano de Isabel. Ela segurou a mão de Gwen e a apertou. Que estranha aliança aquela!

James também se pôs em cima da mesa, e Isabel pensou ouvir uma exclamação coletiva. Era como se todos estivessem se perguntando se haveria uma mesa na Terra forte o bastante para sustentá-lo.

Graças ao carpinteiro, aquela pareceu dar conta do serviço.

— Eu também gostaria de agradecer a todos — declarou o noivo. — Em especial à rainha e à condessa por todo o trabalho que tiveram para que a minha nova vida com minha linda esposa, Mary, começasse com tanta alegria. Nosso rei pode achar que não me dei conta de tudo o que fizeram, mas, na verdade, fui testemunha de todo o seu esforço. Mary e eu não sabemos como demostrar o nosso reconhecimento... — O enorme e gigantesco James teve que enxugar os olhos. — Nossa eterna gratidão! — Virou-se para o povo: — Camelot não é o maior reino de todos!?

Mais uma vez, os gritos e aplausos fizeram tremer os esteios.

Mas castelos tinham esteios? O que eram esteios, afinal?

— Existe melhor rei do que sir Artur!?

De novo, gritos e aplausos ensurdecedores.

Artur parecia prestes a bater com o cálice na cabeça de James.

— James, você é meu melhor amigo — falou ele, tenso. — Mas temo que, se não descer desta mesa agora, ambos desabaremos em um mar de madeira lascada!

— Ao rei Artur! — bradou James, antes de começar a descer sem muita elegância.

— Ao nosso rei! — respondeu o salão inteiro , aplaudindo.

— Diabos, James, esta é uma festa para recém-casados ! — ralhou Artur. — Precisamos manter o foco!

— O quê? — indagou Gwen.

Isabel mordeu o lábio. Artur estava repetindo frases que, vez ou outra, ela deixava escapar!

— Mary e James — continuou ele. — Aqui estão as chaves do seu chalé. Tenham uma noite muito, muito feliz!

— Ah, senhor, que presente maravilhoso!

— Onde está a rainha? — perguntou Artur. — Rainha Guinevere, por favor... Apresente-se para dizer o restante a eles.

Gwen apertou a mão de Isabel.

— Você é quem deve fazer isso.

— Não! — Isabel balançou a cabeça. — Você é a rainha, Gwen. Vá!

Gwen avançou, hesitante, e Artur desceu da mesa para recebê-la.

Eles formavam um casal tão bonito, Isabel estava pronta para atirar nos dois.

Gwen sorriu conforme se tornava o centro das atenções, a coroa brilhando sobre a cabeça.

— Não, eu não posso levar o crédito pelo presente que vem a seguir, pois este foi uma insistência de Isabel, a condessa de Dumont. Por favor, condessa... Venha até aqui para fazer o comunicado a Mary e James.

Isabel quis desaparecer.

— Não ! — protestou, balançando a cabeça.

Gwen apontou em sua direção.

— Vá buscá-la, James.

Ver-se literalmente carregada para o centro das atenções, e a quase meio metro do solo, não era a entrada triunfal que Isabel tinha em mente. Mas foi isso o que James fez, com Mary batendo palmas e rindo o tempo todo.

— Perdão, condessa, mas foi convocada pela rainha — desculpou-se ele enquanto a colocava no chão.

— Vou me vingar por isso. Não sei quando nem como, mas vou me vingar — prometeu ela ao marido de Mary. — Portanto, trate de tomar cuidado daqui para a frente!

— Tomarei, condessa. Estou até tremendo.

Ela quis fulminá-lo com o olhar, mas como poderia?

— Curve-se — ordenou.

James o fez, e ela plantou um beijo em sua bochecha.

— Seja feliz, James. E trate de fazer Mary feliz também, ou terá de se ver comigo.

— Agora estou mais assustado ainda!

— É bom mesmo. I sto é ridículo — falou Isabel à multidão. — O rei e a rainha é que são os responsáveis, não eu.

— Não é verdade — contrapôs Artur. — Enquanto a rainha Gwen e eu ponderávamos sobre que presente oferecer a Mary e James, foi a condessa quem o sugeriu. Portanto, condessa, por favor, conte a todos.

Isabel se voltou para o casal, e não conseguiu se conter: ofereceu o dedo mindinho a Mary. Mary riu e as duas os entrelaçaram mais uma vez.

Em seguida, ela olhou para Gwen.

— Vossa Alteza?

— Sabe que não gosto quando me chama assim — protestou Gwen; no entanto, sorriu e também esticou o mindinho para juntá-lo aos delas.

— Amigas! — exclamaram as três, mantendo os dedos entrelaçados no ar. Depois se separaram, rindo.

Quando finalmente Isabel ergueu o olhar, deparou-se com quase todos no salão a fitá-las com estranheza. Inclusive Artur.

Ela o ignorou e limpou a garganta.

— O rei e a rainha são modestos demais para admitir que seu presente para Mary e James não foi apenas uma cabana para que eles passassem a noite. O presente é a própria cabana, de modo que os dois possam viver nela pelo tempo que desejarem.

Mary deixou escapar uma exclamação, e James cambaleou. Suas expressões atordoadas eram impagáveis.

Pelos deuses, como queria estar com uma câmera ali!

Mary estendeu os braços para ela e Isabel a amparou, esperando que os soluços da menina fossem aplacados.

— Mary, o presente não é meu ... É do rei e da rainha. Devia estar agradecendo a eles! — Ela puxou o lenço que trazia no punho e enxugou os olhos da amiga. — Mary... O rei e a rainha... O presente é deles !

Mary se recompôs, então se voltou para Artur e Gwen. Tentou fazer uma reverência, contudo suas pernas se encontravam, obviamente, um tanto instáveis.

Artur a segurou pelo braço.

— Já basta disso.

— Nós não temos... — soluçou Mary — ... como lhe agradecer o suficiente!

— Vocês podem tentar — respondeu Artur, sorrindo. — Não vou ficar ofendido.

Isabel lançou-lhe um olhar de desgosto, porém Artur deu sua tacada final: piscou para ela.

Mais uma vez, ela se deu conta de que estava perdida.

A palavra “morta” nem sequer começava a descrever como Isabel estava se sentindo. E, sem Mary ali para ajudá-la a se livrar daquele vestido horroroso, ela estava realmente em apuros.

Já estava pensando em se jogar na cama de vestido e tudo quando escutou uma batida na porta.

— Obrigada, Jenny, estou precisando, mesmo, de alguém para me ajudar a me livrar destas roupas! Entre!

Foi Artur quem entrou.

— Não sou a Jenny, porém terei imenso prazer em ajudá-la a se despir.

Isabel abriu um sorriso fraco.

— Estou exausta, Artur, mas também terei imenso prazer em aceitar a sua ajuda para que eu me livre desta coisa .

— O prazer é todo meu, senhora.

Ela deu as costas, de maneira que ele pudesse trabalhar nas amarrações do vestido.

— Podemos ficar em apuros. É possível que Jenny apareça aqui a qualquer momento.

— Eu dei o restante da noite de folga para Jenny.

— Mas Jenny é a ama de Gwen!

— Eu sei. Acontece que Gwen também deu folga a ela uma hora atrás. Pouco antes de desaparecer com Lance.

— Ah, eu sinto muito.

— Por que razão?

— Por Gwen e Lance. Por você... Ah, droga, eu sinto muito, e pronto.

Artur a fez se virar para ele.

— Por que está tão incomodada, Isabel? Diga.

— Porque acho que essa história ainda deve fazê-lo sofrer de alguma forma.

— Pois, sabe o que mais me magoou esta noite? O fato de eu não poder apresentá-la como o meu amor e minha esposa. O fato de essa vontade estar acabando comigo... E o de você ainda não ser a minha rainha.

— Eu não dou a mínima para ser rainha, Artur.

— Mas “dá a mínima” para ser minha esposa?

Ela entreabriu os lábios, inconformada.

— Quer uma notícia? Já é casado!

— Vamos fingir apenas por um momento. Se eu já não fosse casado e pedisse a sua mão, diria “sim” ou “não”?

— Está me pedindo para fingir uma resposta?

— Mais ou menos — confirmou Artur, embora sua expressão contivesse uma pontada de hesitação. — Se eu a pedisse em casamento, iria aceitar, Isabel?

— Depende.

— Do quê?

— Se iria querer se casar com uma mulher que não é mais virgem.

Artur pareceu ponderar.

— Depende.

— Do quê?...

— Do quanto eu desejasse essa mulher.

— Desejo e amor são duas coisas muito diferentes.

— Não necessariamente — contrapôs ele, erguendo um dedo. — Se o desejo nasce do amor, então eles estão interligados.

Isabel suspirou. Odiava quando um homem fazia sentido. Eles deveriam ser todos uns tolos.

— Está certo — admitiu a contragosto. — Há lógica no que está dizendo.

Artur pareceu muito satisfeito consigo. Beijou-a com paixão, o que também não era nenhum ponto a seu favor, refletiu Isabel. Ser beijada daquele modo não era uma coisa muito boa quando seu cérebro parecia se recusar a trabalhar.

— Esse ponto é discutível, Vossa Alteza — insistiu ela, recuperando o fôlego.

— Não é , não . Na verdade, a questão é bastante simples: quer se casar comigo ou não?

Isabel arregalou os olhos.

— Está falando sério? Ou ainda estamos fingindo?

— Estou falando sério.

— Como você já é cas...

— Não! Neste momento, agora , estamos livres para nos casarmos. — Ele parou. — Está bem... Talvez haja um pouco de fingimento, uma vez que as coisas não são exatamente assim, mas elas poderão ser em breve. Será que concordaria em se tornar minha esposa? Quer se casar comigo, Isabel?

— Sim — sussurrou ela. — Eu o faria num piscar de olhos.

Artur sorriu, segurou-a pela cintura e a girou até ela quase desmaiar.

— Viu como não foi difícil?

Isabel ainda estava vendo estrelas.

— Em parte... não.

Ele a colocou de volta ao chão, e ela precisou se segurar nos braços fortes para manter o equilíbrio. Artur a beijou novamente; em seguida, a segurou pelo rosto.

— Está sendo sincera, Isabel? Mesmo?

— Artur... — Ela afastou as mãos dele. — Por favor, diga-me o que significa isso tudo. N ão está livre para se casar comigo. Nem mesmo para me pedir em casamento.

— Mas poderei estar. — Ele sorriu. — Muito em breve.

— Como assim?

— Andei estudando alguns documentos referentes a esse assunto. Não posso me divorciar de Gwen sem justa causa. E, sendo essa causa a infidelidade, como você sabe, haveria graves consequências.

— Sim, creio que a morte possa ser considerada bastante grave.

— Mas — ressaltou Artur — Gwen pode se divorciar de mim.

— Por que razão?

— Por negligência, abuso físico, infidelidade e outros crimes terríveis, dos quais não me recordo no momento.

— Mas não é culpado de nada disso! — protestou Isabel. — Está bem, talvez só de infidelidade, mas foi Gwen quem começou!

— O que importa? Podemos concordar com qualquer coisa que ela alegar. — Artur parou. — Exceto com infidelidade, porque não vou permitir que seja envolvida nessa história.

— Artur, ouviu o que acabou de dizer? Vai permitir que Gwen o acuse de faltas que não cometeu?

Ele assentiu com um gesto de cabeça.

— N ão dou a mínima para a acusação que ela escolher. Aqueles que me conhecem vão saber que não é verdade. O mais importante é que Gwen tem toda a liberdade de dissolver o casamento sem que ela ou Lance saiam prejudicados, e eu serei livre para fazer de você a minha esposa, Isabel, que é o que eu mais desejo no momento. — Artur sorriu. — Quero proclamar ao mundo que é minha, que nós somos um. N ão quero mais passar pelo fingimento que tivemos de suportar esta noite.

— Prefere ser rotulado como um espancador de mulheres, por exemplo?

— Eu não me importo! As pessoas podem me chamar do que quiserem. O que importa é que estarei livre para me casar com você.

Isabel não sabia se ria ou chorava, então apenas o enlaçou pelo pescoço.

— Artur, eu te amo tanto!

Ele a fitou, e seu sorriso desapareceu.

— Espero não ouvir um “mas” após essa frase.

Caramba, era exatamente a palavra que estava prestes a sair dos lábios dela!

Isabel reelaborou a sentença:

— N ão quero que leve a culpa por algo que não fez.

— Se isso me der liberdade para que eu me case com você, não importa.

— É importante para mim.

Artur passou a mão pelo cabelo.

— Maldição, Isabel, o que vamos fazer? N ão quero mais esconder meus sentimentos! N ão quero mais fingir que sou feliz em um casamento que é uma farsa!

— Altere a lei — respondeu ela, calma. — Você é o rei. Não deve ser tão difícil.

Ele esfregou o pescoço.

— É m ais difícil do que imagina. Não posso sacar a espada e brandi-la ao redor, dizendo: “Mudei as leis do reino porque quero que elas se adaptem aos meus propósitos e desejos!”.

— Que droga! — suspirou Isabel. — Decididamente, ser rei não é tudo o que dizem por aí.

Ele deu de ombros.

— Eu até poderia fazer isso, mas não seria justo com o restante do povo de Camelot. Que espécie de soberano eu seria, Isabel, se mudasse as leis conforme as minhas necessidades?

— Seria um ditador.

— Um o quê?

— Um dirigente vil, que muda as regras a seu bel-prazer.

— Eu jamais me tornaria um desses.

— Artur, se fosse um ditador, eu jamais teria me apaixonado por você. Se eu o amo, é justamente pelo homem maravilhoso que é. Mas nós vamos dar um jeito nisso. Vamos, sim.

“Se desejas ficar com teu bem-querer mais que sua amante, então, tens de ser.”

“Mas como, minha deusa, posso tal coisa realizar? Fazendo esse pedido, devo romper o colar?”

“Não, Isabel, o pingente não é para isso . As lágrimas dentro dele não vão te trazer compromisso.”

“Viv, isso não faz sentido! Perdão se te chamo assim, porém, decidi que já tenho o direito... Agora, apenas me diga como lidar com esse feito.”

“Segue o teu coração, mulher, assim como o meu eu segui, e tudo o mais ao teu redor irá se resolver por aqui.”

Aquilo, sim, fazia sentido!

Isabel sacudiu a cabeça de leve, a fim de voltar à realidade.

Àquela realidade, pelo menos.

— Diga-me, Artur, o que fez surgir esta conversa?

Ele sentou-se na cama.

— Sinceramente, acho que fiquei com inveja quando testemunhei os votos que James e Mary trocaram. Eu queria que estivéssemos na mesma situação. Não me entenda mal, pois estou muito, muito feliz pelos dois, mas não pude evitar: queria que fô ssemos nós dois ali.

Isabel se acomodou ao lado de Artur e entrelaçou os dedos com os dele.

— Eu me senti assim também.

— Na verdade, foi ainda pior — confessou ele com o polegar acariciando a palma da mão dela, como sempre fazia. Um gesto que ela amava, aliás. — Quando quis chamar minha rainha e esposa, quase falei o seu nome em vez do de Gwen.

— Artur!

— Pareceu-me tudo tão errado, Isabel! Como se estivesse de cabeça para baixo. Era você quem devia estar a meu lado. Foi você quem limpou o chão, orientou o pessoal da cozinha e...

— Calma, lá. Gwen também trabalhou à beça para que déssemos conta de tudo a tempo. Por favor, não subestime a participação dela.

— De maneira alguma. Eu sei que Gwen trabalhou muito. Mas é que obteve tão pouco reconhecimento por tudo o que fez! Eu fui obrigado a chamar Gwen, mas, por mais que eu também admire a contribuição dela, era você quem eu queria que estivesse ali. Ou melhor, era você a mulher com quem eu gostaria de trocar aqueles votos, Isabel. Eu sei que é terrível eu dizer isso e fico até envergonhado. Mas foi assim que me senti, e é assim que me sinto agora. O mais engraçado é que você é a única pessoa com quem me sinto seguro para confessar uma coisa dessas, mesmo sabendo que é o seu amor que eu tenho em vista. Que maneira estúpida de tentar conquistar o coração de alguém, não é mesmo?

— É a maneira mais perfeita.

Artur inclinou a cabeça.

— Quem é o maluco aqui? Eu ou você?

Isabel deslizou a mão pelo braço forte.

— Provavelmente nós dois. — Ela se acomodou mais para trás, na cama. — Acredito que o que nos atraiu foi a nossa honest... — Alto lá!, disse Isabel a si mesma. Toda a sua vida ali era uma mentira. — ... Era que podíamos ser honesto s quanto aos nossos sentimentos.

Artur continuou olhando para baixo, porém sorriu.

— Não doeu nada pensar que era a mulher mais linda em que eu já coloquei os olhos.

— Está precisando fazer um exame de vista, rei Artur.

Ele riu.

— Minha visão é perfeita, condessa. Na verdade, creio que ficou até melhor depois que você chegou.

— Bajulador.

Ele balançou a cabeça, ainda rindo baixinho.

— Ah, Isabel, não faz ideia da quantidade de homens que James e eu tivemos de afastar de você!...

— James?

— James me conhece como ninguém. Conhece os meus sentimentos e adivinha o que eu sinto. Assim como ele não permitiria que ninguém olhasse para sua Mary, não permitiria que nenhum outro em Camelot tentasse cortejá-la, Isabel.

— Mas...

— Ele acha que devemos ficar juntos. Está errado?

— Não.

Eles ficaram sentados em silêncio por vários minutos.

Por fim, Artur se levantou.

— Sei como está exausta, e não vou mais incomodá-la, linda dama.

— Espere!

— Sim, amor?

— Ainda preciso de ajuda com este maldito vestido. E... Bem, é verdade que estou cansada demais para até mesmo pensar em fazer amor, mas isso não significa que eu não queira um abraço. Por favor, fique.

O sorriso de Artur também foi de cansaço, contudo ele a puxou da cama e a fez se virar.

— “As três palavras que eu queria ouvir dos lábios de Isabel.”

— O que é “Por favor, fique?”.

— Certíssimo.

Em pouco tempo, ela se viu nua e na cama. Artur demorou um pouco mais para se livrar das roupas, uma vez que trajava uma espécie de “smoking medieval”, todo enfeitado para a cerimônia daquela noite.

E, Deus, ele havia ficado tão bonito naquilo!

Artur subiu na cama e a abraçou, envolvendo-a com o calor de seu corpo e um delicioso cheiro de homem.

— Seria muito fácil eu me acostumar com isto — murmurou ela. — Na verdade, eu poderia ficar viciada nisto.

— Isabel...

— Sim?

— Eu digo agora e direi até o meu último suspiro... Serei teu para sempre.

Os olhos sonolentos de Isabel se abriram.

“Viviane! Por favor, me ajude! Diga que não vai tomar Artur de mim!”

Nenhuma resposta. Nada.

Muito obrigada... , pensou ela, magoada.

— Eu também sou tua para sempre — falou baixinho.

A respiração profunda de Artur, entretanto, mostrou que ele já tinha adormecido.

Quando Isabel acordou na manhã seguinte, Artur já havia ido embora. Era uma sensação muito ruim e incômoda virar-se e ver o outro lado da cama vazio, contudo ela não devia estar surpresa. O homem costumava se levantar antes do amanhecer, trabalhava até a hora do desjejum, depois seguia direto para o treino com os soldados. Aquilo a aborrecia um bocado, no entanto, a batida que ouviu na porta a fez se lembrar de que também ela possuía uma longa lista de tarefas a cumprir.

— Por favor, entre.

Jenny pôs a cabeça no vão da porta.

— Sou eu, senhora.

— Graças a Deus... Trouxe chá, Jenny?

A moça sorriu e entrou, trazendo uma bandeja cheia de cheirosas guloseimas além do chá.

— O que é isso? Café na cama?

— O mestre disse que teve uma noite tão cansativa que decerto iria preferir descansar mais um pouco.

— Ah, o mestre é mesmo maravilhoso...

— Verdade, senhora — concordou a criada.

— Sinto muito por ter de trabalhar em dobro, Jenny.

— Ah, eu não me importo. Mary assumiu meus deveres em muitos momentos em que estive... doente.

— Doente. Sei.

Isabel bebeu o chá celestial e quase gemeu ao degustar os deliciosos ovos mexidos e os doces. — Isto está divino! — elogiou após um longo gole da bebida quente.

— Fico feliz por ter gostado, condessa.

— Meu nome é Isabel.

— Ah, eu não poderia!

Déjà-vu.

— Gostaria de um banho matutino, condessa?

— Na verdade, vou preferir tomar meu banho à tarde, srta. Jenny. Mas obrigada por perguntar.

Jenny deu uma risadinha. Era alta e magra, e tinha longos cabelos castanho-escuros. Poderia até ser modelo de passarela em Paris com um pouco de maquiagem e um guarda-roupa mais moderno.

— Se me permite dizer, senhora, Mary tem feito elogios rasgados à sua pessoa.

— Obrigada, Jenny. É muito gentil da parte dela . Eu adoro aquela garota.

— Mary me contou que conhece uma maneira de deixar as unhas dos pés muito bonitas...

— É um segredinho de mulher , mas, se quiser que eu pinte as unhas dos seus pés, eu o farei de bom grado.

— Verdade?!

— Verdade. Principalmente se me chamar de Isabel.

— Ah, eu não consigo!

Meu Deus, aquilo já estava perdendo a graça!

Isabel se perguntou se Artur poderia aprovar uma lei em que todos os criados fossem obrigados a chamar as pessoas por seu malditos nomes de batismo.

Sorriu para a top model à sua frente .

— Por favor, vá lavar os pés, Jenny. Esfregue-os e seque-os bem. Depois volte para que eu possa pintar as suas unhas.

Os olhos cinzentos da moça brilharam.

— Muito obrigada! Vou agora mesmo! Ah, eu me esqueci... A rainha Guinevere gostaria de trocar uma palavrinha com a senhora.

— Ela é bem-vinda a qualquer hora.

No mesmo momento, ouviu-se uma batida na porta.

— Entre, Gwen! — falou Isabel.

Mas era Mary, que flutuou para dentro do quarto com os olhos brilhando.

Isabel quase pulou da cama, porém percebeu que estava nua. Agarrou a pele de cima da cama e se enrolou nela.

— Mary, está maravilhosa! Imagino que...

— Isabel? — chamou Gwen. — Posso entrar?

— Timing perfeito! — exclamou ela.

— Ah! Vou perder a melhor parte! — lamentou Jenny.

— Depressa, então — decidiu Isabel. — Podemos jogar conversa fora até que retorne. Na verdade, preciso colocar uma roupa antes de você voltar!

Jenny saiu correndo do quarto.

— Acomodem-se no chão, senhoras, enquanto visto uma camisola. Prometi a Jenny que faria as unhas dos pés dela, e ela quer muito participar da nossa conversa. Espero que não vejam nenhum problema nisso.

Mary e Gwen negaram com um gesto de cabeça.

— Jenny é uma das poucas que nunca, nunca se voltaram contra mim — afirmou Mary. — Eu confio nela quase tanto quanto confio em você.

— Pois eu confio nela sem pestanejar — afirmou Gwen.

Isabel não p ôde evitar. Fitou os cintilantes olhos cor de safira de Mary e caiu de lado, rindo.

— Foi tão bom assim, Mary?!

— Ah, Isabel, eu não fazia ideia! Foi... Vocês sabiam que eles têm uma coisa grande, parecida com um pepino?

Gwen e Isabel olharam uma para a outra e caíram — literalmente — na risada.

Jenny voltou correndo para o quarto.

— Ah, não! O que foi que eu perdi?

— Estávamos conversando sobre pepinos! — falou Gwen, quase sufocando.

— E o que há de tão engraçado nisso?

— Eu não disse que era um pepino! — exclamou Mary. — Disse que é parecido com um pepino. É uma coisa que se projeta, assim, meio enrugada e...

— Pare! — pediu Isabel. — Eu vou partir o meu baço ao meio desse jeito!

Levou algum tempo, porém Gwen e Isabel pararam de rir, embora tivessem de evitar olhar uma para a outra a fim de conseguir tal proeza.

Quando Isabel conseguiu se recompor, olhou para Mary.

— E então?

— Então que eu descobri que gosto de pepinos... Principalmente dos grandes.

Todas caíram na gargalhada outra vez, inclusive Mary e Jenny. Ficaram rindo no chão até que Isabel conseguiu abraçar Mary.

— Estou tão feliz por você! Mesmo que eu nunca mais consiga tirar essa imagem da cabeça!

Mary a fitou.

— Imagino. Até porque vou ter que me deparar com ela todas as noites!

Isabel teve que segurar a barriga de tanto rir.

— Condessa?

Ela não ouviu. Continuava muito ocupada, rindo.

— Condessa!

Jenny sacudiu seu ombro.

— Acho que o rei a está chamando, senhora!

Isabel se sentou.

— Vossa Alteza? — indagou, e todas as risadas tiveram fim diante da expressão no rosto do rei. — O que acont...

— Posso lhe falar um instante?

— Fique à vontade.

— Em particular.

Isabel não estava nem mesmo totalmente vestida ainda, porém se pôs de pé e o seguiu até o corredor.

Artur a puxou, sem a menor delicadeza, para longe da porta.

— O que foi, Artur? O que significa isto?

— Quero que faça as malas e vá embora.

— O quê? O que foi que eu fiz!?

— Camelot está prestes a ser sitiada, e eu a quero em segurança, Isabel. Quero você a salvo em Dumont.

Ela o encarou.

— Não. Vou ficar e lutar com você.

— Não vai fazer nada disso. Vai se esgueirar pelo Oeste e depois para o Norte. Eu já mapeei a rota mais segura com Dick.

— É mesmo?

— Sim.

— Que pena. Porque eu não vou sair daqui.

— Isabel, escute... — recomeçou ele, segurando-a pelos ombros. — Uma batalha está prestes a estourar. Se a perdermos, as mulheres estarão completamente indefesas.

— Seu tonto! Acha mesmo que as mulheres não podem se defender por conta própria? Também somos uma força a ser enfrentada, isto é, se não forem estúpidos o bastante a ponto de nos ignorar.

— Pelos deuses, Isabel! — exclamou Artur, olhando para o céu. — Não tenho tempo para esta discussão. Será que não entende? Quero você em segurança! Por favor!

— Quanto tempo nos resta antes que Camelot seja invadida?

— Cinco horas, talvez seis.

— Perfeito. — Ela tentou se desvencilhar dele. — Não queira bancar o machista comigo, Artur!

— Não vou permitir que seja ferida. Será que não enxerga?

— Eu me recuso a me deitar sobre o seu corpo moribundo enquanto me diz: “Serei teu para sempre.” Quando me disser essas palavras, estaremos felizes e vivos!

— Eu quero você viva!

— Assim como eu o quero vivo. E, adivinhe, Merlin também o quer vivo!

— Merlin? O que sabe sobre Merlin?

— Importa-se se eu lhe explicar mais tarde? No momento, estou deveras ocupada... — afirmou Isabel e, desvencilhando-se de Artur, se pôs a correr.

Parou, contudo, e se voltou por um instante.

— A propósito, eu amo você, portanto, trate de não morrer, ou eu não vou lhe perdoar nunca!


Capítulo Vinte e Quatro


Isabel deu meia-volta e correu para o quarto. Todas as risadas tinham cessado, e as mulheres continuavam sentadas, em silêncio.

— Precisamos nos mover, senhoras — declarou ela. — Camelot está sob cerco, e temos que ajudar a impedir que aqueles filhos da mãe nos dominem.

— O que podemos fazer? — indagaram elas, pondo-se em pé.

— Gwen, Lance chegou a pôr fogo nos cogumelos venenosos?

— Não, porque Artur o alertou sobre o perigo de atear fogo tão perto da cabana. Eles continuam lá.

— Maravilha! Por favor, leve Jenny com você, já que sabe o caminho, e traga a maior quantidade possível, principalmente dos que já foram esmagados. Mas, cuidado, tente não tocá-los. Se colocar um na boca, então, acho que a mato antes mesmo do cogumelo! — Isabel se virou. — Mary, preciso que faça perucas.

— Perucas?

— Apliques falsos... Tranças! Vai dar certo. Precisa começar com quem tem cabelo comprido. Diabos, comece por mim!

— Ah, Isabel! Para quê?

— Vamos ludibriar aqueles idiotas... Corte o meu cabelo.

Ela se encolheu ao sentir a tesoura cingindo suas longas madeixas na altura dos ombros.

— Muito bem. Agora faça o mesmo com todas que estiverem dispostas a doar os cabelos para a causa.

Isabel não se preocupou em se vestir, de modo que os olhares chocados na cozinha, quando ela a adentrou ainda de camisola, não foram nenhuma surpresa. Determinada, explicou a situação o mais rápido que pôde: cada cozinheiro deveria se empenhar em fazer pães e doces, depois esperar a chegada do ingrediente final antes de colocá-los para assar.

— E hidromel! Muito hidromel batizado com o mesmo cogumelo dos pães. Mas, lembrem-se: ninguém daqui pode beber ou comer nada disso! Não depois de adicionarem a mistura de cogumelos!

Terminadas as instruções, Isabel correu para a sala de Artur, contudo, ele não estava lá. Deu meia-volta, então, percorreu o salão principal e saiu porta afora em direção ao pátio. Havia dezenas de homens ali, já armados e prontos para a batalha. Ela perscrutou o grupo e não teria reconhecido Artur se não fosse pelo gigante a seu lado. Ambos estavam debruçados sobre vários mapas.

Correu até eles.

— Artur, James... nós temos um plano! Aliás, James, parabéns por ter feito Mary tão feliz. Muito bem, preciso de cerca de dez rapazes, apenas para deixar cair algumas migalhas pelo caminho até Camelot.

Artur arrancou o elmo da cabeça, em seguida ergueu Isabel nos braços e a carregou — fazendo retinir a armadura — de volta para o castelo. Não parecia nem um pouco feliz.

— Ei, nem mesmo escutou o plano! — protestou ela.

— Também não me escutou. Eu já disse que quero que vá embora, Isabel!

— Mas eu posso ajudar!

— Creio que fui gentil demais. Eu devia ter sido mais contundente... Cansei de você, condessa, e a quero longe de Camelot. Já não me interessa mais, portanto, vá!

— N ão acredito nisso nem por um instante. N ão está sendo sincero.

— Acredite no que quiser. Só não a quero mais aqui. Reúna Tom, Dick e Harry, e vão embora! Quero vocês distantes das minhas terras.

— Quer saber, seu machão? Vá à merda!

— Por favor, Isabel!

— Não vou a lugar nenhum, seu imbecil. Vou ficar e lutar por Camelot e por você até o fim! Ganhando ou perdendo!

— Se eu morrer, Izzy, não poderei mais protegê-la. Se for embora, estará fora de perigo!

— E se não nos deixar tentar, não pode remos nem mesmo ajudar a protegê-lo! Temos planos, Artur. Há outras estratégias além do derramamento de sangue. Na guerra, qualquer logro é aceitável.

— Qual é o seu plano, condessa? — falou alguém atrás deles.

Artur deu meia-volta, ainda com Isabel nos braços.

— Mordred, se estiver por trás disto, não haverá amor que me impeça de puni-lo!

— Eu juro que não sei de nada a respeito, meu pai!

Ele assentiu.

— Então, a ordem para você é escoltar a condessa e seus homens de volta a Dumont.

— Eu não vou sair daqui! — contrapôs Isabel.

— Qual é o seu plano, condessa? — perguntou Mordred, curioso. — Ao contrário do meu pai, aprendi a escutá-la.

— Vamos deixar alimentos e bebidas envenenados com cogumelos pelas trilhas que vêm para Camelot. Podemos derrubar aqueles idiotas aos poucos! Talvez não consigamos dar cabo de todos eles, mas com certeza pegaremos alguns. E isso irá atrasá-los, sem dúvida.

Artur finalmente a colocou no chão.

— É um plano brilhante.

— Sem dúvida — concordou Mordred. — Se vai precisar de homens para deixar a comida e a bebida pelas trilhas, quero me voluntariar para liderar o grupo.

— Podemos confiar nele, Artur? — indagou Isabel.

— É melhor juíza de caráter do que eu. Além do mais, sou suspeito, afinal, Mordred é meu filho. O que acha?

Ela fitou os olhos verdes de Mordred, tão iguais aos de seu pai.

— Acredito que seu filho o ama. E que ficaria orgulhoso em tomar parte na ofensiva contra aqueles que querem prejudicá-lo. Estou errada, Mordred?

— Não, condessa. Eu gostaria de proteger meu pai e suas terras contra qualquer invasor. Sei que eu já disse o contrário antes, mas foi apenas porque...

— ... porque pretendia feri-lo, uma vez que passou a vida acreditando que ele queria fazer o mesmo.

— Sim.

— E agora percebe que isso nunca foi verdade.

— Sim. Eu sinto muito, meu pai.

— Por favor, acredite em mim, filho!

— Eu acredito.

— Também acredito nele — afirmou Isabel. — Muito bem, Mordred... Selecione cerca de dez homens, de preferência os que conhecem bem as trilhas. Depois vá até a cozinha buscar a comida e a bebida envenenadas, e me encontre no salão principal. Há uma parte do plano que os homens provavelmente não vão gostar muito. Mas que, com certeza, lhes trará mais proteção caso se deparem com algum desses saqueadores.

— Agora mesmo. — O rapaz rumou na direção dos portões.

— E, Mordred...

Ele se virou.

— Sim?

— Você é filho do seu pai. Não é à toa que ele o ama tanto quanto demonstra.

Mordred piscou.

— Esse foi o maior elogio que já ouvi. Depois de tudo o que eu disse e fiz...

— Vai compensá-lo por seus erros ao realizar este ato de grande importância.

— Obrigado, condessa. Pai.

— E, Mordred... De maneira alguma permita que qualquer um dos homens ceda à tentação de comer ou beber das nossas armas . Elas são veneno puro e simples.

— Sim. — Ele se virou e começou a correr.

Artur olhou para Isabel por um momento.

— Eu queria poder fazer amor com você neste exato momento.

— Teremos muito tempo para isso depois.

— Espero, do fundo do coração, que seja verdade... Não existe nenhuma chance de eu fazê-la mudar de ideia sobre deixar o castelo, existe?

— Nem no inferno.

— O que aconteceu com o seu cabelo, Isabel?

— Eu o sacrifiquei de bom grado pela causa.

Artur encostou a testa na dela.

— Nunca imaginei que fosse possível amar alguém desta forma!

— Se não voltar para lá e continuar seu plano, não vai imaginar mais nada.

— Tem razão — concordou ele com um suspiro. Então a beijou com volúpia, bem ali, no salão principal, para qualquer um ver.

E ela continuava descalça e de camisola.

— Isabel?

— Sim, Artur?

— Com tudo o que sou e tudo o que tenho, serei teu para sempre.

— Prematuro, mas maravilhoso de se ouvir. Agora vá. Tenho muito trabalho a fazer.

Ele riu, balançando a cabeça.

— Você me ama.

— Claro que sim.

— É disso que preciso para me fortificar e lutar a batalha da minha vida.

— Chega de cicatrizes, Artur! N ão o quero com mais nenh um arranhão.

— Farei o meu melhor para honrar esse desejo.

— Não é um desejo. É uma ordem.

— Sim, condessa — acatou ele, sorrindo. — Mal posso esperar para ficar para sempre sob o seu jugo.

Ela riu.

— Vá logo, espertinho.

— Outra ordem que irei obedecer.

Artur a beijou uma vez mais; em seguida, virou-se e marchou porta afora.

Ah, como ela queria que ele já não estivesse vestindo a armadura para poder cobiçar aquele traseiro incrível mais uma vez!

— Eu te amo! — falou ele ainda por cima do ombro.

Um dos homens que acabaram de entrar parou, chocado.

— Não você, Ashton... Ela — explicou Artur, apontando na direção de Isabel.

O rapaz a fitou, confuso.

— Vamos, Ashton!

Isabel riu, depois segurou a camisola e galgou a escadaria da frente de dois em dois degraus.

***

Para sua surpresa, no momento em que Isabel voltou para o quarto, Mary, Gwen e Jenny já esperavam por ela.

— E agora, Isabel? — perguntou Gwen.

Incrível que Gwen houvesse entregado a liderança tão rapidamente a ela. Por outro lado, a rainha era jovem demais e, decerto, nunca tinha passado por uma guerra na vida. Ao contrário dela própria, refletiu Isabel.

— Gwen, preciso que você e Jenny reúnam as mulheres e as oriente a vestir suas calças. Saias não serão de nenhuma ajuda. Depois, diga a elas que se armem. Não importa com o quê. Pode ser qualquer coisa dura que possa ser arremessada ou...

— Como no beisebol de Camelot?

— Exatamente. Mas vão precisar de pedras maiores do que aquelas que utilizamos. Galhos de árvore, espadas, caso elas tenham acesso a alguma... Qualquer coisa que possa ser usada como uma arma. As que forem mais fortes ficarão em lugares estratégicos, onde possam derrubar um homem de seu cavalo. As que estiverem armadas com espadas ou galhos de árvore deverão escolher locais de onde possam abater qualquer um que ameaçá-las.

— Mas mulheres não se engajam nas lutas, Isabel! — exclamou Gwen.

Ela levou as mãos aos quadris.

— Fazem o quê, então? Esperam que seus homens morram na batalha, depois permitem que o inimigo faça com elas o que bem entenderem? Na minha terra, as mulheres lutam. Pode ser que façamos isso de um modo diferente dos homens, mas não ficamos paradas, de braços cruzados. Quer ajudar a combater o inimigo, Gwen, ou quer se esconder no seu quarto e apenas torcer para que tudo dê certo?

— Nós vamos lutar! — decidiu Jenny, com uma ferocidade cativante.

— Muito bem. Reúnam as mulheres e digam a elas que se vistam e se armem apropriadamente. Vamos nos encontrar na sala da távola redonda e armar nossa estratégia, digamos, em meia hora. — Ela olhou para Gwen. — Coragem, rainha Guinevere. Camelot também é seu reino. Vai lutar por ele ou não?

Gwen assentiu.

— Vamos fazer o que pede a condessa, Jenny.

Jenny saiu correndo. Gwen, nem tanto.

— A rainha é meio... Qual é mesmo a palavra, Isabel? — perguntou Mary, enquanto suas mãos trançavam cabelos, febris.

— Acho que a palavra que está procurando é “covarde”.

— É isso. Ela é meio covarde.

— Temos que lhe dar algum tempo. Essa situação não é normal, e é muito assustadora.

Mary desviou o olhar de sua tarefa.

— Também não deve ser normal para você, imagino, mas, mesmo assim, tomou uma iniciativa.

Isabel deu de ombros, enquanto tirava a camisola e começava a se vestir.

— Não consigo ficar parada, sem fazer nada.

— O rei queria que fosse embora. Por que não foi?

— Como sabe disso?

— Ah, tenho um ouvido excelente. As pessoas podem sussurrar até a dois ou mais quartos de distância, e eu escuto cada palavra. — É um dom , mas também uma maldição em alguns casos.

— Você é mesmo um espanto , Mary. O que não me espanta é por que James a ama tanto. E você a ele.

— O rei também a ama muito — volveu a menina.

— Escutou alguma coisa?

— Ah, por favor, Isabel. James e eu percebemos isso desde o momento em que chegou. Eu nem precisei ouvir nada para ter certeza. Era evidente pela forma como os seus corpos interagiam.

Isabel riu enquanto puxava as calças.

— Na minha terra, Mary, chamamos isso de linguagem corporal. Mas eu não sabia que era tão aparente.

— Ficou muito claro para nós. Mas não dissemos uma só palavra a ninguém. Eu juro.

— Se há alguma coisa em que acredito, Mary, é nisso. Sou uma boa juíza de caráter e sabia, desde o instante em que nos conhecemos, que você era uma boa pessoa.

— Então eu também sou uma boa juíza de caráter — concluiu Mary. — Use o vestido verde-escuro, Isabel. É o menos pesado que tem e lhe dará mais liberdade de movimento. Com ele, será mais fácil se misturar à folhagem. E essa cor não irá chamar a atenção como as outras, que são mais vivas. N ão queremos que seja alvo de ninguém.

Isabel riu.

— Você é mesmo um tesouro, Mary!

— Fico feliz por pensar assim. — Mary tornou a erguer a cabeça. — Adoro você, condessa Isabel.

— Eu também te adoro, Mary — falou Isabel, sentindo a voz embargar com a emoção. — Aliás, isso não é modo de uma mulher passar seu dia de núpcias com seu verdadeiro amor.

— Se James precisa lutar, essa é a única maneira de eu pass á -lo. Mas eu bem que gostaria de ter mais algumas noites com aquele bob ão.

Isabel riu de novo, ao mesmo tempo que conseguia amarrar o vestido por conta própria. E, claro, Mary tinha razão. Era o traje menos complicado que ela possuía, e o menos apertado.

— N ão posso criticar a sua lógica nem um pouco. Espero que a sua noite tenha sido tudo o que você sempre sonhou.

— Ah, foi mais. Muito mais! E era um pepino e tanto, Isabel.

Isabel quase entrou em colapso de tanto rir.

— Mary, precisa parar de me fazer rir tanto! — Ela congelou. — Ele não a machucou, não é?

— Ah, não! James foi muito delicado. O rei até deu a ele algumas dicas para ter certeza de que tal coisa não aconteceria.

— James contou isso!?

Mary apenas balançou a cabeça e, em seguida, lhe cobriu o ouvido com a mão para continuar:

— Parece que James estava mais nervoso do que eu, ontem à noite, e o rei tentou acalmá-lo.

Ah, Artur! Era possível amar ainda mais aquele homem?

— Sua cerimônia de casamento estava linda. Assim como você. Não era à toa que James estava tão nervoso.

— De qualquer forma, parece que o conselho do rei Artur funcionou. Muito bem, por sinal! Não sei o que o mestre falou, mas agradeço... seja lá o que for. — Mary se levantou. — Pronto. Tenho trinta e duas tranças. Será que é o suficiente?

— É m ais do que o suficiente. Onde conseguiu todos esses cabelos?

— Posso ser muito convincente quando necessário. E agora, o que vamos fazer com elas?

— Vou precisar fazer mais uso dessa sua habilidade com cabelos, Mary. E faço votos que seja, mesmo, uma pessoa convincente porque, acredito, vamos nos deparar com protestos como você nunca viu antes!

Mary recolheu os cabelos trançados.

— Vamos nessa , condessa!


Capítulo Vinte e Cinco


Artur mal podia acreditar nos próprios olhos ao avistar as mulheres sentadas em torno da távola redonda. Em pé, Isabel rabiscava linhas em um pedaço de pergaminho, depois apontava para uma e para outra companheira, distribuindo o que pareciam ser coordenadas de um plano de batalha.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou ele, por fim.

Isabel apenas ergueu o olhar enquanto a maioria das mulheres, com exceção de Gwen, se pôs de pé.

— Ora, sentem-se — ordenou Artur, aborrecido. — Isabel, o que é isso?

Ela endireitou o corpo.

— A távola redonda — respondeu, calma. — E uma reunião de planejamento estratégico. Não foi para esse tipo de coisa que esta mesa foi feita?

— Planej... — Pelos deuses, era uma perda de tempo discutir com aquela criatura! — Planejamento estratégico para quê? Primeiro fez Mary prender tranças nas cabeças dos homens, e agora quer envolver as mulheres na batalha? O que está pretendendo, Isabel?

— Impedir que qualquer inimigo consiga invadir Camelot. Posso estar enganada, mas acredito que essa é a meta do dia.

— E acha certo envolver as mulheres?

Isabel olhou a távola lotada.

— Se alguma de vocês não estiver disposta a se juntar a nós, por favor, levante a mão. Se estiver nesta távola contra a sua vontade, fale agora. Ninguém aqui vai ser punida, portanto, são livres para sair no momento em que quiserem.

Ninguém ergueu a mão. Nem mesmo Gwen.

— Eu não vou permitir que...

— Não tem escolha , Artur. Guinevere que, até onde sei, é a rainha de Camelot, decretou que podemos ajudar nesta empreitada.

A indignação de Artur quase sobrepujou sua admiração.

— Isto é uma guerra. É um a batalha para homens!

— É uma batalha para preservar Camelot — corrigiu Isabel. — Cabe a cada um de nós aderir a ela ou não.

— Mas você é de Dumont, não de Camelot. Não tem autoridade para...

Artur parou quando, uma a uma, as mulheres foram se erguendo em torno da távola, inclusive Gwen. E por suas expressões beligerantes, certamente não era por respeito à sua posição de rei. Na verdade, foi como se toda a sua autoridade tivesse sido transferida para a condessa de Dumont.

— Eu concedo a Isabel a autoridade, Artur — declarou Gwen, ainda que um pouco hesitante. — Estamos aderindo a esta batalha com nossos próprios métodos. Cada uma de nós, nesta mesa, tem um homem que agora segue em direção ao perigo. Estamos fazendo a nossa parte, quer você concorde ou não. Isabel tem planos, porém não faremos nada que possa interferir na estratégia dos homens; iremos intervir apenas onde formos capazes. Agora volte para os seus próprios, e nos deixe continuar com os nossos.

Em seguida, para a total surpresa de Artur, todas as mulheres ergueram as mãos e começaram a batê-las umas nas outras, dizendo o que ele acreditava ser “high five”.

Era coisa demais para assimilar! E a mais impressionante era o fato de Gwen ter, pela primeira vez, se insurgido contra uma ordem dele, revogando-a sem pensar duas vezes. Pelo visto, enquanto ele não estivera prestando atenção, Gwen havia adquirido maturidade. Ainda que, ao declarar que todas as mulheres ali teriam alguém correndo perigo na luta, ela estivesse pensando em Lance, e não nele.

Não dava a mínima para isso, entretanto. O que importava era que ele fosse o homem pelo qual Isabel estivesse disposta a lutar. E, em segundo lugar, que as criadas o estivessem desafiando abertamente. Pior: Isabel não apenas aderira àquela luta para ajudar a salvar seu reino, como também conseguira formar um verdadeiro exército de mulheres dispostas a se engajar na batalha.

E ele sabia quando tinha perdido uma delas.

— Muito bem — falou com um suspiro. — Façam o que acharem que devem. Mas, Isabel, se seus planos envolvem levar qualquer mulher para o campo de batalha...

— Não — afirmou ela. — Prometo que faremos isso de uma maneira que as mulheres conhecem bem. Somos mais argutas e sorrateiras do que os homens. Nem uma única mulher irá se ferir nesta luta, eu juro. E, se formos bem-sucedidas, nenhum homem será ferido também. Não é esse o objetivo?

— Sim, mas, Isabel... condessa Isabel... Podemos trocar uma palavra? — pediu, chamando-a com um dedo.

— Imagino que eu vá ouvir mais do que apenas uma palavra. E que a maioria delas não será muito lisonjeira.

As mulheres ao redor da távola caíram na risada.

— Está certo. Mas você as ouvirá mesmo assim. Agora, por favor.

— Devo acompanhá-la, condessa? — indagou Mary.

Ah, que maravilha! Agora Isabel contava com gente pronta para atacá-lo, caso ele fizesse algum movimento ou dissesse uma só palavra ameaçadora contra ela! E gente do seu próprio povo!

Definitivamente, ele havia perdido o controle do castelo inteiro.

— Não há necessidade, Mary — descartou Isabel. — Nem mesmo a Excalibur ao lado dele me preocupa... No entanto, se a minha cabeça rolar para longe do corpo, aqui, podem apostar que eu superestimei a minha confiança no seu rei.

— Muito engraçado — emendou Artur, enquanto a arrastava para a própria sala.

— Mordred e seus homens ainda não retornaram?

— Sim.

— E sua missão foi bem-sucedida?

— Assim Mordred diz, embora eles mal pudessem esperar para arrancar aquelas tranças da cabeça. Também não estavam nem um pouco felizes com os vestidos.

— Os vestidos foram apenas uma proteção adicional. Caso algum inimigo se deparasse com eles.

— Desse modo, à primeira vista, eles acreditariam estar lidando com mulheres indefesas... Sim, eu entendi. Mas percebe, claro, a ironia desse ardil.

— O que quer dizer?

— Vocês estão usando a crença dos homens em mulheres indefesas contra eles próprios.

— Podemos usar o que quisermos se eles forem idiotas o suficiente.

— Mordred e seus homens prenderam dez dos inimigos, Isabel, graças ao seu estratagema.

— Que ótimo! Agora vamos torcer para que muitos outros parem para experimentar as guloseimas e o hidromel.

— Mas são homens galopando para uma batalha.

— Homens rumando para uma luta também ficam com fome e com sede, oras!

— Mordred está muito orgulhoso, Isabel. Ele tem certeza, imagino eu, que realizou uma incrível façanha.

— E realizou mesmo. Bom para ele. Agora, estou pensando em outra coisa...

Artur a fitou.

— Por que isso me preocupa?

— Porque vocês, homens, estão tão acostumados a ver sangue e tripas nas guerras que não se importam em lançar mão de outros artifícios.

— Que truque tem em mente, agora?

— Bem, não é bem um truque. É mais uma forma de defesa.

— E qual seria?

— Acender uma fogueira. Uma bem grande.

— Não vou incendiar Camelot, Isabel!

— Não, eu não quis dizer aqui. Bem longe, na floresta, de modo a desfazer todas as trilhas que conduzem a Camelot. Os imbecis que não pararem para tirar proveito das nossas guloseimas e bebidas serão impedidos por uma parede de fogo! Você mesmo me deu a ideia quando disse a Lance para não acender uma fogueira que ele não pudesse conter... Se provocarmos um incêndio — um incêndio controlado — bloqueando os caminhos para o castelo, podemos neutralizar os inimigos antes mesmo que eles consigam invadir o reino.

Artur olhou para a mulher incrível à sua frente.

— E quanto aos seus planos?

— Não vão dar certo se eles vazarem.

— O quê?

— Não importa. É apenas modo de dizer . Confie em mim, Artur, nenhuma mulher será ferida durante essa batalha.

— Às vezes você é tão estranha, Isabel!

— Mas você me ama mesmo assim.

— Estou completamente apaixonado por esse seu lado.

— Pelo menos eu não sou aborrecida!

— Essa, condessa Isabel, é a maior das verdades.

Ele a beijou uma vez mais, e com tanta volúpia como tinha feito apenas algumas horas antes. Depois segurou a mão dela, puxando-a para fora da sala.

— Aonde está indo? — perguntou Isabel.

— Provocar um incêndio. E você vai voltar para a sua reunião de planejamento estratégico. Aquela sala, aquela távola, foram criadas para algo completamente diferente. Mas agora percebo que elas têm muito mais valor. A propósito, caso precise ser lembrada, você me ama.

— Amo, e não... não preciso ser lembrada.

Isabel começou a caminhar de volta para a sala da távola redonda.

— Eu te amo! — ainda ouviu Artur dizer em voz alta. E, em seguida: — Ah, pelos deuses, Frederick! Eu quis dizer ela , não você!


Capítulo Vinte e Seis


A batalha, graças aos deuses, nunca aconteceu. Nem uma única espada teve de ser usada; nem uma única flecha se tingiu de vermelho.

No dia seguinte ao ataque que falhara, os homens de Artur perscrutaram as trilhas e descobriram os corpos de muitos inimigos. Um deles era Richard de Freemont, um suíno gordo e nojento que jamais teria ignorado uma guloseima ou um gole de hidromel.

Isabel, Mary, Jenny e Gwen se reuniram uma vez mais no quarto de Isabel, enquanto Mary tentava consertar os cabelos que ela fora obrigada a tosar às pressas. Jenny e Gwen também haviam apoiado a causa, assim como a própria Mary, que cortara as suas próprias madeixas para a confecção das tranças.

— Não ouviu isso de mim, condessa — começou Jenny —, mas estão dizendo pelo castelo que as mulheres ficaram desapontadas por não terem tido a oportunidade de derrubar um inimigo.

— Mas só podemos ficar felizes com isso! De qualquer modo, eu é que vou derrubá-la se continuar se recusando a me chamar de Isabel.

— Ceda de uma vez, Jenny! — incitou Mary enquanto trabalhava no cabelo de Gwen. — Não vai ganhar essa aposta. Isabel vai dobrá-la logo, logo.

— E eu quero que todas vocês, por favor, me chamem de Gwen.

Jenny congelou.

— O que foi? — inquiriu a rainha, olhando de uma para a outra. — Eu já pedi a vocês duas, agora estou pedindo a Jenny, oras. Qual é o problema?

— Mas você é a rainha! — sussurrou Jenny.

— Que também está sentada no chão, divertindo-se com mulheres que ela considera amigas... Eu gostaria que me visse do mesmo modo.

— Mary! — ralhou Isabel — Tire essa navalha do caminho.

A moça obedeceu, sentando-se com a navalha escondida às costas.

Isabel se inclinou para a frente e puxou Gwen para um abraço.

— É uma amiga e tanto, Gwen. — Tornou a recuar e apontou. — Agora, você e você... Admitam que consideram Gwen uma grande amiga. Afinal de contas, temos até compartilhado histórias picantes. Apenas amigas fazem tal coisa.

— Céus , James iria ter um ataque se soubesse disso! — comentou Mary e, em seguida, abraçou Gwen. — Eu também a considero uma amiga, minha rainha!

— Mary... — rosnou Isabel.

— Gwen — corrigiu-se Mary, embora aquilo fosse obviamente uma provação. — Vai levar algum tempo para eu me acostumar com isso.

— Relaxe. Será apenas entre as “irmãs-pepino” — elaborou Isabel.

Todas caíram na gargalhada. E levou algum tempo até que conseguissem se endireitar, uma vez que todas seguravam a barriga de tanto rir.

— Sua vez, Jenny — anunciou Isabel, apontando para o próprio peito. — Diga: Isabel . — Apontou para Gwen. — Gwen . Agora vá em frente, desembuche! Ou nós três seremos obrigadas a descrever as duas nozes que se pode encontrar debaixo desses pepinos...

Jenny arregalou os olhos, depois se juntou às risadas.

— Eu gostaria de uma explicação antes de ceder.

— Ah, não , Jenny! — protestou Gwen. — Esse tipo de tesouro você tem que descobrir por conta própria.

— É uma espécie de caça ao tesouro, então? Eu amo caça ao tesouro! Sou muito boa nisso.

— Precisamos casar logo essa menina! — concluiu Isabel. — Assim ela poderá “caçar” à vontade.

— Ashton queria se casar com Jenny, mas ela se recusou. — contou Mary. — Ele pediu sua mão pelo menos umas três vezes, não foi, Jenny?

A moça corou.

— Sim, é verdade.

— E por que rejeitou Ashton? — quis saber Isabel. — Não gosta dele? Eu o conheci ontem, pela manhã, e devo dizer que ele é um jovem guerreiro muito bonito.

— Fiquei com medo de...

— Do quê?

Jenny olhou para Gwen.

— De perder a minha posição de ama da rainha.

— O quê? — indagaram Gwen e Isabel ao mesmo tempo. — Por que acredita nisso, Jenny? — completou Gwen.

— Porque você falou, Alteza!

— Quando eu lhe disse uma coisa dessas?

— Disse que temia o dia em que eu fosse me casar porque teria de encontrar outra ama.

Isabel soltou uma exclamação.

— Disse isso a ela?

— Não! Bem... é possível. Mas se eu disse tal coisa, o que estava pensando era que, uma vez que Jenny se casasse, ela se tornaria uma esposa, e não iria querer ou precisar ficar ao meu dispor. J enny, eu nunca imaginei que você fosse acreditar que o seu casamento fosse significar o fim dos seus serviços. Na verdade, eu só estava com medo de perder você como criada e... como amiga.

— Ah, Alteza! Eu adoro ser sua criada e amiga. Sempre adorei.

— Vai demorar para ela aderir a essa coisa de usar o primeiro nome, Mary — sussurrou Isabel, enquanto Jenny e Gwen se abraçavam.

— Como eu disse, ela é um osso duro de roer — cochichou Mary de volta.

— Com um pouco de carne? – volveu Isabel, brincando, e ambas tornaram a desabar de tanto rir.

— Condessa — falou Mary, ainda rindo. — Se isto continuar, meu estômago vai doer para sempre!

— Considere como um bom exercício. Assim como serão os momentos com James...

— Quer, mesmo, interromper? — perguntou James a Artur, apontando um dedo para a porta de Isabel.

— Se eu ouvi bem, James, está sendo bastante elogiado por suas habilidades debaixo das peles.

O rapaz olhou para o outro lado, tentando ocultar um sorriso satisfeito.

De repente, Artur começou a bater as botas no chão.

— Estou dizendo, James... — falou em voz alta. — As mulheres estão aí dentro, decerto às voltas com aquela coisa de pintar as unhas dos pés novamente...

James assentiu.

— Mas devemos incomodá-las, senhor? — respondeu tão alto que a Bretanha inteira poderia ouvi-lo.

Artur balançou a cabeça, recostando-se na parede. Quando James entrava em uma brincadeira, ele o fazia com gosto!

— Precisamos da ajuda delas — continuou em voz alta. — De que outra forma seremos capazes de preparar a celebração desta noite?

Artur marchou um pouco mais antes de fazer um sinal para que James batesse na porta de Isabel, e este obedeceu de pronto.

— Entre, Artur! James...

— Como sabia que éramos nós? — perguntou Artur, fingindo inocência.

— Palpite.

Ele observou as quatro mulheres sentadas sobre os juncos como se tivessem acabado de ter uma conversa solene sobre as vantagens da enguia em conserva.

— Minhas desculpas pela interrupção, senhoras. Espero que James e eu não tenhamos atrapalhado nenhum plano de batalha.

— Claro que não. Estávamos apenas discutindo a respeito de...

— Enguias em conserva?

— Não exatamente, mas chegou perto. Tem mais a ver com pepinos e nozes.

Artur franziu a testa enquanto as outras três mulheres se dobravam de tanto rir.

Isabel fez um gesto vago.

— Elas estão radiantes com o fato de termos ganhado a batalha. Certo, senhoras?

— Certo, condessa — conseguiram responder.

— Céus, estou perdida! — deixou escapar Mary.

— Claro que não, Mary. Ela está, James?

— Deveria estar? — inquiriu o rapaz.

— Dependendo de há quanto tempo vocês dois estavam ouvindo atrás da porta, eu diria que quem pode estar em apuros é você . Mas, como conheço Mary, sei que ela é boa demais para querer se vingar. — Isabel virou-se para Artur, que era o que ele temia. — E quanto a você, Artur? Achou mesmo que ia enganar alguém, fingindo que estava andando?

— ... Eu tive esperanças de que sim — admitiu ele.

— Artur, eu já o vi em ação. Poderia se aproximar do mais arisco dos felinos sem fazer nem um som sequer. E, mesmo assim, fingiu estar se aproximando?

— Está bem. Provavelmente foi uma bobagem da minha parte.

— “Provavelmente”? Por favor, diga o que veio dizer de uma vez.

— Queremos fazer uma festa, esta noite, para comemorar o sucesso da operação de ontem.

— Precisamos da sua ajuda para fazer uma enorme celebração, pois estamos meio perdidos — explicou James. — Já demos as ordens na cozinha, mas e quanto aos outros detalhes?

— Uma festa? Caramba, por que não falaram logo? — Isabel olhou em volta. — Senhoras, acho que temos mais trabalho a fazer. — Tornou a encarar os homens. — Por favor, digam que não teremos mais que suportar as piadinhas de Hester, o bobo da corte!

— Ele vai ficar magoado, Isabel.

— Está bem, Hester está dentro... Mas enguias em conserva nem pensar!

— Ah, o rei já cuidou disso, senhora. Ele as baniu do cardápio da ceia. Eu não sabia por que motivo até esta... Uff! — James esfregou o estômago depois da cotovelada. — Ele prefere não oferecer mais a iguaria, é isso.

Isabel olhou para Artur, e o coração dele disparou. Pelos deuses, ele a queria tanto! Talvez naquela noite. E, porque a batalha tinha sido evitada, talvez por todas as noites de sua vida.

Ela sorriu para ele, e Artur soube que ela havia lido seus pensamentos.

— Eu tenho um pedido muito especial, rei Artur.

Ah... Ela poderia pedir qualquer estrela do céu, e ele encontraria um modo de ir buscá-la!

— Diga, condessa.

Isabel voltou-se para as mulheres.

— Gwen, acho que vai ter que decorar o salão mais uma vez.

A rainha se levantou e puxou Jenny com ela.

— Jenny e eu vamos colher flores agora mesmo.

Antes que elas saíssem, Artur segurou Gwen pelo braço.

— Estou orgulhoso de você, Guinevere. E de Lance também. Ele é um homem de sorte. Antes de começar a decorar o salão, talvez devesse ir visitá-lo... Ele está na cabana, fazendo uma limpeza depois de ter ajudado a apagar o incêndio que provocamos.

Gwen o fitou e sorriu.

— Eu estou crescendo, Artur. E, com sorte, ficando mais sábia. Agradeça à mulher que você ama por minha transformação.

— Eu sou grato a ela por muitas coisas. Mas a sabedoria vem de dentro. Você mesma a conquistou, Gwen, portanto, aceite o crédito. Agora vá ver Lance... Tenho certeza de que Jenny pode começar a colher as flores sem a sua presença.

Ela seria a única pessoa sã naquele quarto?

Como não tinha certeza, decidiu perguntar:

— Será que sou a única pessoa normal aqui?

— Acredite, amor, é provavelmente a pessoa menos normal das redondezas! — contrapôs Artur antes de olhar para James e Mary. — Quem considera Isabel a pessoa mais insana deste castelo, por favor, levante a mão.

Ambos o fizeram.

— Mary!

— Adoro você, condessa, mas é verdade que não regula muito bem.

— Por acaso fiz alguma besteira?

— Nem no inferno de Hades! — apressou-se Mary em dizer. — Foi de coração que se empenhou para salvar o rei e Camelot. E foi incrível. Quisera eu ter essa determinação!

— Mas foi coisa de louco?

— Só porque o rei disse que foi.

Isabel encarou Artur.

— Está marcando as cartas, sir .

Ele sorriu.

— N ão faço ideia do que essas palavras significam, mas imagino que só você diria uma coisa dessas.

Isabel cruzou os braços.

— James?

— Mil perdões, condessa, mas, entre a senhora e o mestre, devo permanecer ao lado do meu rei. E da minha esposa. De qualquer forma, você e o mestre estão tão apaixonados que apoiar um deve ser o mesmo que apoiar o outro. Estou certo, mulher?

— Certo, marido.

— Pelos deuses, isso só pode ser o “efeito pepino”! — murmurou Isabel.

— Eu ouvi, Isabel! — ralhou Mary. — E, não, não é nada disso. É que nos importamos muito com as pessoas de quem gostamos. James e eu acreditamos piamente que vocês dois foram feitos um para o outro, então parem de ser teimosos e confiem nos seus sentimentos. Venha, James. Creio que ainda tenha nos sobrado algum tempo antes de termos de voltar ao trabalho. Eu estarei de volta em... uma hora? — indagou ela, olhando para James. — Está bem, umas duas, talvez.

Isabel e Artur se entreolharam antes de caírem na risada. Camelot era, no mínimo, um lugar divertido, concluiu ela.

— Que favor é esse do qual estava falando com as outras, Izzy? Eu estava com esperanças de que quisesse aprimorar a técnica de me despir. ..

— Ah, mas essa prática eu já domin ei. O favor é ajudar Ashton a pedir a mão de Jenny, esta noite.

— Diante de todos?

— Sim. Não seria romântico?

— Seria se fosse eu a pedir a sua mão. Até porque prometeu que iria aceitar, não é mesmo?

— Claro que sim.

— Mais um motivo para que fosse eu a fazer o pedido esta noite.

— Um dia desses, Artur. Um dia desses.

Artur balançou a cabeça, rindo.

— Decididamente, perdi todo o controle sobre este reino, Isabel. O pior é que não estou dando a mínima.

— Claro que não perdeu! Como pode pensar numa coisa dessas?

— Ora, criados me repreendem, as mulheres tomam iniciativas... Pelos deuses, mulher, foi uma ideia sua que neutralizou nossos inimigos.

— Por favor, tudo o que eu quis foi elaborar uma estratégia que evitasse derramamento de sangue. Principalmente o seu! Só isso... Afinal, seria um horror ter de limpar a sujeira depois.

— Ah, entendi. O que pretendia era ter menos trabalho.

— Claro. Sou meio preguiçosa.

Ele empurrou a porta com o pé.

— Mary e James disseram duas horas?

— Parece que esse é o tempo deles — falou Isabel, recuando com um sorriso.

— Não é tempo suficiente, mas estou disposto a aceitar o que estiver disponível.

— E quem disse que vai obter alguma coisa? — indagou ela, travessa.

— Seus lindos olhos azuis, Isabel. Eles estão dizendo que me deseja tanto quanto eu a desejo.

— Malditos olhos que não conseguem mentir!

— Não diga tal coisa. Tem mais é que bendizer esses olhos lindos, esse olhar sincero... Agora confesse com esses lábios.

— Eu o desejo muito, Artur! — cedeu Isabel.

— Viu como concordamos em muitas coisas? — provocou ele, abrindo os braços. — Quer dizer que já se tornou especialista em me despir? Pois, então, quero uma prova.

Ah, eles estavam tão suados e exaustos! Isabel não fazia ideia de quanto tempo eles haviam passado fazendo amor, mas estava certa de que as duas horas estavam para terminar.

— É melhor nos vestirmos — alertou, preocupada.

— Concordo. Mas isso não se iguala em nada à minha vontade de deixar a sua cama.

— É bom com Matemática, não?

— Matemática?

— Em trabalhar com números, fazer equivalências...

— Ah, sim. Chamam esse tipo de coisa de Matemática?

— Como vocês chamam?

— Apenas de números.

Isabel rolou de costas, rindo.

— Eu te amo tanto!

Artur virou-se de lado.

— Eu tenho um exemplo relacionado a isso.

— Mal posso esperar para ouvir. — Ela também se pôs na mesma posição.

— O que diria de mais de cem homens tentando lidar com uma mulher muito mais inteligente do que eles?

Isabel ficou imóvel.

— Não sei. O quê?

— Que eles estão em desvantagem.

Ela riu.

— Artur, seus homens iriam tirar uma situação dessas de letra.

— Lá vamos nós com essa história de “tirar de letra” outra vez... Sim, eu até concordo que podíamos ter vencido os invasores. No entanto, verdade seja dita, Isabel, se não fosse pelo seu raciocínio rápido, haveria sangue manchando o solo de Camelot agora. Graças à sua estratégia maluca, o nosso povo continua vivo e seguro.

— Estratégia maluca?

— Eu disse “maluca”? Eu quis dizer “espirituosa”.

— Você quis dizer “maluca”.

Artur fez uma careta.

— Sim, mas eu quis dizer “maluca” no sentido de “engenhosa”.

Isabel sorriu e traçou os contornos do rosto moreno até que este voltasse a relaxar.

— Foi apenas uma maneira excêntrica de enfrentar o inimigo.

— A batalha não era sua.

— Mas envolvia você, e eu te amo. Assim como todas as pessoas de Camelot. Pode não fazer sentido para você, Artur, porém aprendi a amar as pessoas daqui neste curto espaço de tempo. Elas são boas, generosas, e o mais importante: elas amam o seu rei. Se não se deu conta disso ontem, quando as mulheres se mostraram dispostas a se insurgir contra o inimigo e lutar por seu rei, está, lamentavelmente, subestimando o amor e a lealdade de seu povo. Eles o amam, Artur. Estão dispostos a fazer qualquer coisa para proteger e honrar seu reino.

— Sou eu quem deve protegê-los, Isabel. Pois então não é esse o meu principal dever de rei?

— Pode até pensar dessa forma, mas cuidar deles é um dever secundário. O principal é se certificar de que eles queiram protegê-lo como seu soberano. E, pelo que vi até agora, está tudo dando muito certo.

— Às vezes eu duvido disso. E reconheço o quanto pareço fraco até mesmo ao admitir uma coisa dessas.

— Um líder fraco é aquele que se recusa a admitir as próprias dúvidas sobre como conduzir as coisas. Um líder forte é o que se questiona constantemente sobre como cumprir sua missão para o benefício de todos. Você é o senhor de terras mais forte, mais honesto e amoroso que já conheci. Não ludibria o povo de Camelot e não abusa dele. Se eu fosse uma pessoa afeita a números, adicionaria esse item à coluna das vantagens.

Artur a fez deitar-se de costas e a fitou no fundo dos olhos.

— É a melhor coisa que já me aconteceu, Isabel. Não imagina quanto.

Ela sorriu.

— Espero que sempre pense assim.

— Não creio que isso vá mudar.

Houve uma batida na porta.

— O tempo se esgotou, condessa! — falou Mary lá de fora . — Quer um banho ou não?

Isabel deixou os braços de Artur.

— Ah, sim, Mary. Mas, por favor, espere só mais alguns minutos antes de pedir aos homens que tragam a água.

— Céus, vocês dois. — exclamou a moça. — James e eu estamos casados há dois dias e não demoramos tanto!

— Vou ficar feliz em dar mais algumas dicas a James, se ele precisar — provocou Artur enquanto vestia as leggings .

Mary riu.

— Vou manter isso em mente caso eu venha a necessitar, rei Artur!

— Por essas e outras é um grande rei — comentou Isabel, puxando a coberta.

— Por causa das dicas de como fazer amor?

— Não. Pelo fato de que Mary não terá nenhum problema em lhe pedir conselhos se precisar.

Artur vestiu a túnica pela cabeça, em seguida olhou em volta para ter certeza de que não havia deixado nada para trás. Caminhou até Isabel, então.

— Eu amo você. Queria não te r que sair da sua cama.

— Eu também te amo. E queria a mesma coisa.

— Salvou muitas vidas de Camelot ontem, Isabel. Esta noite vamos comemorar a sua vitória.

— Não! A festa desta noite é para todos. O sucesso foi nosso.

— Pode-se até pensar que sim. Ainda mais alguém que se pergunta como tornar a vida melhor para todos, em vez de alguém que presume já saber de tudo.

— Artur!

— Diga a Isabel para parar com isso, Mary — ordenou ele enquanto deixava o quarto.

— Xii... Que os deuses me ajudem — resmungou a menina ao entrar.

— Mary!

— Pare já com isso! É uma ordem do rei!


Capítulo Vinte e Sete


O salão principal, mais uma vez, estava maravilhoso. O fogo na imensa lareira ardia, ofuscante, as flores se espalhavam, lindas e abundantes, e o ar estava deliciosamente perfumado, sem um único vestígio de porco ou frango.

— Ashton está pronto? — indagou Isabel a Gwen num sussurro.

— Pronto como qualquer outro homem, ou seja, apavorado! — respondeu a jovem rainha.

— E quanto a Jenny?

— Ela não sabe de nada, porém tivemos uma longa conversa hoje, e agora Jenny se convenceu de que nenhuma circunstância irá fazê-la perder sua posição.

— Será que ela ama Ashton?

— E você? Ama Artur?

Isabel a fulminou com o olhar.

— Está bem, isso não foi justo... — aquiesceu Gwen. — Vou fazer uma pergunta mais fácil: acha que eu amo Lance?

— Espero, do fundo do coração, que sim. Porque, Gwen, ele é tão apaixonado por você!

— Claro que eu o amo. Não passo nem um único momento do dia sem pensar nele. Acho que penso em Lance até dormindo!

— Que bom. Ele é um homem maravilhoso. Vocês dois foram feitos um para o outro.

— Muito bem... E quanto a você e Artur?

— Está parecendo Hester, o bobo da corte!

Gwen riu, depois tomou um gole de vinho.

— Essa história de “pode ficar com a minha esposa, por favor”, já e stá ficando cansativa, não acha?

— Não faz ideia! Não faz ideia, mesmo...

— E quanto a você e Artur?

— Que tal se esquecer de mim e de Artur? — sugeriu ela, irritada.

— Isabel, você me pediu honestidade. Estou apenas lhe pedindo a mesma coisa. Eu gosto muito dele... Sei que magoei Artur e, por isso mesmo, espero que nenhuma outra mulher o fira da mesma forma.

Isabel fechou os olhos por um momento, depois tornou a abri-los.

— A resposta mais honesta que posso lhe dar é que não posso prever o futuro, Gwen.

— Mas Artur a ama! Profundamente! Ele já me confessou.

— Ótimo! — exclamou ela em voz alta, virando-se para encarar Gwen. — Porque eu também o amo muito. Amo mais do que jamais pensei que fosse possível! Eu atravessaria uma cortina de fogo por ele, sabia? Estou sendo honesta o bastante, agora?

Parecia uma cena de filme de quinta categoria. A música parou, a conversa ao redor parou. Tudo no maldito salão parecia ter congelado, exceto, claro, seu exaltado discurso.

Isabel olhou em volta, e o rosto que mais se destacou foi o de Artur. E ele estava sorrindo.

— É apenas uma fala da última peça que foi encenada em Du mont... — elaborou ela, de modo que todo o salão escutasse.

Ninguém se moveu.

— Está bem, a peça tinha um final patético, mas não fui eu quem a escreveu, então, me deem um tempo! Músicos , por favor... Pelos deuses, aonde foi parar Hester?!

— Obrigada por ter interferido lá no salão — murmurou Isabel quando Artur lhe trouxe uma taça de vinho fresco.

— Foi uma surpresa. Eu não sabia que encenavam peças em Dumont...

— Pois encenamos.

— E não me pareceu um final patético, como disse. Soou mais como uma história de amor.

— Pode ser.

— Em que uma mulher professava seu amor por um homem.

— Talvez.

— Uma mulher que atravessaria uma cortina de fogo por seu homem.

— Entendeu o ponto principal. Concorda com ele?

— Ei, eu também atravessaria uma cortina de fogo pela minha amada.

— E quem seria ela?

— Dê um palpite, oras. Eu lhe dou duas chances: mas é melhor que a primeira não seja Pix.

A irritação de Isabel desapareceu num piscar de olhos.

— Eu sinto muito, Artur — falou ela, encarando-o, por fim. — Eu não queria que ninguém ouvisse, além de Gwen.

— Eu sei. Mas faz ideia do quanto fiquei orgulhoso e feliz por o salão inteiro ter escutado?

— Como é possível? Eu podia ter colocado você e Gwen em perigo.

Ele balançou a cabeça.

— Não. Estamos prestes a ser livres.

— Está variando ?

— Não sei o que é isso. De qualquer modo, queria te beijar muito agora, mas lhe fiz uma promessa e pretendo cumpri-la.

E Artur a cumpriu. Subiu na mesa enorme de um salto, sem usar um único banco ou cadeira.

— Senhoras e senhores de Camelot, por favor, ouçam.

O salão inteiro mergulhou no silêncio.

— Temos muitas razões para comemorar esta noite, e começaremos com um passo importante. Ashton? Onde está você?

— Estou aqui, meu rei! — veio uma voz do meio da multidão.

— Então, traga o seu maldito traseiro até aqui, oras. — Artur olhou ao redor. — Jenny, onde está?

Aconteceu de Jenny estar muito próxima de Isabel, e esta se aproximou mais da moça.

— Vá logo, Jenny!

— Posso tomar um gole do seu vinho, condessa?

— Você quis dizer “Isabel”. Meu nome é Isabel!

— Posso, Isabel, tomar um go...

Isabel empurrou o cálice para a mão dela.

— Engula quanto quiser. Basta se lembrar de que a palavra certa é “sim”!

Jenny engoliu a bebida com gosto. Na verdade, drenou o cálice inteiro. Depois endireitou o corpo e lançou um olhar por cima do ombro.

— A palavra certa é...

— “Sim”! — repetiu Isabel, rindo.

— E qual vai ser a pergunta?

— É surpresa — afirmou ela, enquanto empurrava a moça em direção à mesa. — Basta responder “sim”!

Jenny levantou o polegar.

— Entendi, Isabel.

— Quer se casar comigo, Jenny? — indagou Ashton, pondo-se sobre um joelho. — Será que concorda em ser minha esposa?

Jenny olhou de volta para o canto do salão, onde tanto a condessa quanto a rainha balançavam a cabeça fervorosamente.

— Sim! — respondeu. — Quero muito ser sua esposa.

Ashton se levantou e a puxou para ele.

— Pelos deuses, mulher! Por que demorou tanto tempo para aceitar?

— Eu queria ter certeza de que estava sendo sincero — murmurou ela.

Artur abaixou a cabeça e riu. Em seguida, olhou para Isabel e Gwen. Elas sorriram de volta.

Pelos deuses, elas eram as mulheres de sua vida! Ele não sabia se se considerava abençoado ou temeroso. Na certa deveria sentir um pouco de cada coisa.

Após acertarem a data da festa para Ashton e Jenny, Artur se pôs sobre a mesa mais uma vez.

— Temos mais a agradecer nesta noite. Afinal, continuamos em paz, sem que nenhum sangue tenha sido derramado em Camelot. — O rugido da multidão quase fez Artur tapar os ouvidos, e ele tentou acalmar os ânimos, movendo os braços para cima e para baixo. — Por favor, eu me preocupo com a audição de vocês e com a minha! Podíamos comemorar sem tanto estardalhaço. Vamos praticar?

A reação foi exatamente a que ele pediu.

— Excelente. Agora temos muito a agradecer à condessa Isabel. Afinal, seu raciocínio rápido nos ajudou.

— Também aos nossos amigos da cozinha! — gritou ela de onde estava. — E à rainha, a Jenny e Mary. E a todos vocês, que se dispuseram a lutar por Camelot, por tudo o que este reino significa!

— Eu já ia chegar nesse ponto Isabel — protestou Artur. — Podia me deixar assumir as coisas ao menos de vez em quando.

— Perdão.

Ele balançou a cabeça.

— O sucesso de ontem se deve a todos vocês, que se esforçaram para manter Camelot a salvo. Estou tão orgulhoso de todos, e me sentindo tão abençoado , que considero a cada um meu amigo. Estou orgulhoso do meu filho, Mordred, que enfrentou um grande desafio e foi bem-sucedido. Muito além do que eu imaginava.

Isabel olhou ao redor e finalmente avistou Mordred parado, olhando para o pai feito uma estátua. Sorriu. O relacionamento deles iria dar certo. Mais do que certo.

— Quando chegar o dia em que eu tiver de me aposentar do meu cargo de rei, tenho certeza de que Mordred irá envergar esta coroa com dignidade e prosseguir com o legado que é Camelot. A Mordred! E aos homens que, por vontade própria, o seguiram a fim de realizar uma missão nada agradável! — brindou Artur.

— A Mordred e seus homens! — respondeu o povo.

— Mais brindes como esse, e daqui a pouco o salão inteiro vai estar no chão de tão embriagado! — sussurrou Isabel para Gwen.

Gwen riu, embora seus olhos percorressem o espaço, ansiosos.

Isabel não precisou parar para pensar de quem a moça estava à procura .

— Ele está ali, Gwen, na entrada do refeitório.

A jovem rainha olhou e assentiu.

— Eu gostaria de poder me juntar a ele, Isabel. Assim como estou certa de que gostaria de estar ao lado de Artur.

— Eu sei. É verdade . Que par nós formamos, não?

— Ou que sorte nós temos! Depende do ponto de vista. Afinal, nós duas temos homens que nos amam. Há muitas que não podem afirmar o mesmo.

Isabel parou, pensativa.

— Nossa, Gwen... Havia muito tempo eu não ouvia palavras tão sábias! Elas realmente colocam as coisas sob uma nova perspectiva.

Gwen a fitou.

— Eu não nasci sábia, Isabel. Apenas prestei atenção à sua sabedoria ao longo destes últimos dias e tentei aprender.

— Caramba, eu não tenho certeza se sou tão sábia, Vossa Alteza, mas posso afirmar que é um a aluna e tanto.

— Se lhe interessa saber, condessa, é o melhor exemplo de sabedoria que já encontrei na vida.

Isabel riu, então a abraçou.

— Vamos dar um jeito nesta situação, cê vai ver.

— Posso fazer apenas mais um comentário? — indagou Gwen.

— Claro!

— Você fala engraçado.

Isabel quase dobrou de tanto rir.

— Eu sei! E agradeço por tentar entender o que estou dizendo.

— Estou me referindo a esse seu modo de pronunciar as palavras. Você as encurta de uma maneira tão estranha!

— Ah, Gwen, você seria uma ótima representante de classe.

— Vou tomar isso como um elogio, embora eu não faça ideia do que significa.

— Confie em mim: é um elogio.

— E é a minha vez, Isabel, de retribuir essa bondade em seu coração. É o momento certo, como eu já ouvi dizer, para uma “cadeia de favores”. — Gwen colocou o cálice de vinho nas mãos dela. — Aqui. Beba isto... Pode precisar.

Isabel permaneceu no lugar, atônita, vendo a rainha Guinevere se desencostar da parede e correr na direção de Artur. Ela sussurrou algo em seu ouvido, e ele negou veementemente com um gesto de cabeça.

Mas, pelo visto, Gwen tinha uma missão e não pretendia se eximir dela. Arrastou Artur até a mesa e subiu com sua ajuda. Depois fez um gesto para que ele se juntasse a ela.

Artur olhou para Isabel com uma expressão de “Que diabos?”, para a qual ela não t eve resposta. Deu de ombros, admitindo sua própria confusão, em seguida fez o que Gwen havia sugerido: tomou um enorme gole de vinho.

— Atenção, por favor! — chamou Gwen, esperando que todos no salão parassem de conversar para ouvi-la. — Eu tenho uma confissão a fazer... Vocês merecem a verdade.

— Não faça isso, Gwen! — gritou Isabel, temendo o que a moça poderia revelar.

— Devia ter dito: “Sem essa, Gwen!” — provocou alguém.

Artur começou a rir.

— Então, também notaram?

— Todos já percebemos que a condessa fala diferente — concordou outra pessoa, em meio à multidão. — Mas ela fala com sabedoria.

— Tem razão, Christopher — concordou Gwen. — Providenciem mais um cálice de hidromel para Christopher, por favor.

— Por Hades, Gwen, o que está fazendo? — exigiu Artur.

— Corrigindo um erro.

— Mas este não é o momento, nem o lugar.

— É a hora e o lugar perfeitos, pois todos aqui merecem a verdade.

— Gwen, não faça uma bobagem dessas. Pense nas consequências!

— Eu posso sobreviver a elas... ou morrer. Mas não posso mais conviver com a mentira.

— Bons deuses... — murmurou Artur.

— Eis a verdade, minha gente. — anunciou Gwen. — Tenho sido infiel ao homem mais gentil que já conheci: o nosso rei.

Pelo amor de Deus! Gwen decidira abrir o coração justamente ali e agora?!

Esvaziou o cálice da rainha; em seguida, pediu outro cheio. Se havia um momento para se embriagar, era aquele!

— Aceito as consequências dos meus atos — continuou a jovem rainha. — Caso decidam me punir, fiquem à vontade. Porém eu jamais irei lamentar ou desistir do amor que sinto por... por...

Artur cobriu a boca de Gwen antes que ela ajudasse seus executores a escolher as cordas em que iriam enforcá-la.

— Quem é ele? — indagaram vários aos gritos. — Vamos caçá-lo e dar o que ele merece!

— Isso não foi traição! — interveio Artur. — Não quando eu fui conivente com o amor dos dois. Eu soube de tudo e lhes dei permissão para que seguissem seus corações. Não é traição quando o rei diz “sim”. Eu quis, do fundo do coração, que ambos dessem vazão a seus sentimentos, e qualquer pessoa que fizer mal a algum deles vai se ver comigo! A forma como resolveremos essa questão não diz respeito a vocês, portanto, nenhum dos dois deve ser ameaçado, tampouco punido. É uma ordem! Ficou claro?

— Sim, meu rei — responderam muitos.

— E já que decidimos confessar nossas faltas... — recomeçou ele.

Não, Artur, por favor! , pensou Isabel, embora soubesse que ele e Gwen estavam em pleno processo de expiação dos pecados e não iriam parar tão cedo.

Artur olhou em sua direção.

— Melhor calar a boca!

— “O que o rei não faria nem no meio do inferno, condessa”? — gritou ele de volta.

— Ah, Céus! — sussurrou ela.

Mary correu até ela e a agarrou pela mão.

— Vai ser melhor assim.

— Melhor para quem? — quis saber Isabel.

— Para todos aqui. A rainha precisava desabafar. E, para dizer a verdade, você fala engraçado mesmo.

— Ótimo. A gora está se voltando contra mim também?

— Não está escutando , Isabel? Ninguém está se voltando contra você, pelo contrário. Todos a apoiam!

— Sinto muito, Mary — falou ela com um suspiro. — Eu não queria que o rei e a rainha de Camelot fossem desprezados por seu povo.

— O problema, senhoras e senhores... — recomeçou Artur, decidido a não permitir que Gwen fosse crucificada sozinha. Ele não sabia o que provocara aquela confissão tresloucada; porém, se ela havia sentido a necessidade de desabafar, ele faria o mesmo. — ... é que e u também me apaixonei profundamente por outra pessoa. N ão era para acontecer, eu não esperava por isso... Contudo o destino decretou que fosse assim. Acreditam que fiquei louco por esta mulher que fala engraçado? — contou, apontando para Isabel. — Pois é verdade. Estou apaixonado pela condessa Isabel. A rainha Guinevere se apaixonou por outro homem, e estamos todos felizes. Dessa forma, se alguém ousar prejudicar a rainha ou a condessa enquanto estivermos nos esforçando para ficar com as pessoas certas, usarei os meus poderes de monarca. Todos temos o direito de cometer erros, assim como o dever de corrigi-los para a felicidade geral. Portanto, antes de julgarem nossas mulheres, olhem para seus próprios corações.

— Felicidade para todos! — gritou James, erguendo o cálice. — Esse é o objetivo dos que vivem em Camelot!

— Felicidade para todos! — repetiu a grande maioria dos convidados, também levantando suas canecas num brinde.

No entanto, Artur percebeu a forma como muitas pessoas olhavam agora para Isabel: como se ela tivesse vindo do meio do inferno de Hades.

— De maneira alguma atribuam culpa a Gwen ou Isabel! — alertou, sério. — Se o fizerem, será por sua própria conta e risco. Mas sei que aqueles que nos conhecem bem permanecerão ao nosso lado. Agora, por favor desfrutem do restante da noite — aconselhou, por fim. — E lembrem-se de dizer àqueles que lhe são caros o quanto v ocês os amam. Sempre.

Artur desceu da mesa e foi direto até sua amada. Provavelmente devia ter se preparado para o soco que levou no peito logo ao chegar, mas, não.

— Ai!

— O que estava pensando, Artur?

— Que eu estava sendo honesto acerca dos meus sentimentos por você, talvez?

— Não lhe ocorreu o que poderia acontecer com Gwen?!

— Não notou que foi Gwen quem primeiro tomou a decisão de revelar seus sentimentos?

— Verdade. Que diabo foi aquilo?

— Não era eu quem estava aqui, conversando com ela. Era você. Que tal me contar?

— Ela queria ser honesta com o povo de Camelot, imagino — intrometeu-se Mary. — Não culpe Isabel, pois eu mesma vi sua tentativa de impedir a rainha... Ou terá que se ver comigo, Vossa Alteza! — acrescentou a menina com uma ligeira reverência. — Devo ficar, Isabel?

— Acho que posso lidar com o rei — respondeu ela, sorrindo. — Mas obrigada, Mary.

A moça olhou de um para o outro.

— Está bem, condessa. Então, estarei bem ali, na companhia daquele homem muito grande, muito forte e muito leal, caso precise... — comunicou, marchando para longe.

— Por que, de repente, estou me sentindo como se eu o fosse o vilão por aqui? — indagou Artur.

Isabel balançou a cabeça, rindo.

— Não é nenhum vilão , mas, pelos deuses, por que fez aquilo? Podia ter dito apenas: “Estou do lado de Gwen, e fim da história”.

— Porque, uma vez que ela decidiu revelar o que estava fazendo, minha única opção foi anunciar que eu também estava apaixonado por outra pessoa. Desse modo, o povo não vai concluir que ela foi a única a quebrar seus votos.

— Quer dizer que fez aquilo para proteger Gwen?

— Não apenas por isso, mas também por isso. É como se... Não sei ... “A verdade vos libertará.”

— Ah, Deus, odeio dizer, mas tenho a sensação de que, em longo prazo, não vai levar nenhuma vantagem nessa história, o que é uma pena.

— Como assim?

— Não importa. De qualquer forma, sente-se liberto agora? Porque estou sentindo uma centena de pares de olhos me fulminando!

— Quem pensar em prejudicá-la vai ter que me enfrentar primeiro. Eu amo você, Isabel. E, sim, sinto-me livre agora. Esconder meus sentimentos não estava sendo nada bom. Eu queria mais era que o mundo soubesse dos meus verdadeiros sentimentos pelo meu verdadeiro amor.

— Bem, tenho certeza de que o mundo de Camelot agora está bem consciente deles.

Artur deu de ombros.

— Acabou o problema. Não precisamos mais nos esconder por trás de portas fechadas e viver uma mentira em público. Não se sente melhor agora?

— Eu podia ter convivido com essa situação por mais algum tempo.

— Por quê?

— Porque tenho medo por você, seu bobalhão. Esse tipo de coisa pode denegrir sua imagem de rei.

— Eu ficaria feliz em passar a coroa a Mordred se eu fosse me tornar livre para viver o restante dos meus dias a seu lado.

— Ah, Artur, será que não percebe? É exatamente o tipo de coisa pela qual eu não quero ser responsável. Camelot precisa de você. E você, acredite ou não, precisa de Camelot.

— Não como preciso de você , Isabel. Camelot é apenas um reino. Você... você é o meu amor. Você é meu tudo.

Isabel riu, e a musicalidade de seu riso, a beleza dela — do interior ao exterior — fez o coração de Artur disparar.

— Quer saber, gracinha? — recomeçou ela. — Se essa coisa de rei não for adiante, tem um grande futuro como compositor.

Ele sorriu.

— Não faço a menor ideia do que isso significa, mas vou presumir que seja uma coisa boa, e que possamos seguir adiante.

— Fechado.

— Não gostaria de ir lá para cima?

— Com uma multidão observando cada movimento que fazemos? Creio que não.

— Mais tarde?

— Claro. Sem dúvida. — Ela se aproximou e sussurrou ao ouvido dele: — Na verdade, Vossa Alteza, se não aparecer haverá consequências terríveis.

— Ah, agora estou assustado. Eu...

— Artur! Artur! Por favor, ajude!

Ele se virou e avistou Gwen, desesperada como ele nunca a vira antes.

— O que houve, Gwen? — perguntou Isabel.

— Eles pegaram Lance e o estão ameaçando!

— Onde?!

— No pátio!

Artur correu.

— James! Mordred! — gritou no caminho. — Preciso de vocês! — Olhou para trás. — Não saia daqui, Isabel! — exigiu ao ver que ela e Gwen corriam atrás dele.

— Tente nos impedir, Vossa Alteza!

Pelos deuses , e ele mal podia esperar para passar o resto da vida ao lado daquela mulher!

James e Mordred o alcançaram conforme ele deixava o castelo e se dirigia ao pátio.

Dois homens seguravam Lance, enquanto este lutava para se libertar.

— Soltem-no, Michael e David! Agora!

— Mas, senhor, Lancelot o traiu! — protestou Michael. — Ele tem que ser punido! Assim diz a lei!

— Por acaso é surdo?! — gritou Isabel. — O rei ordenou para que o solte agora!

Artur quase gemeu.

— Isabel...

— Mas você ordenou! Eu ouvi! Não ouviu, Mordred?

— Ouvi, condessa.

— James?

— Eu também ouvi. Michael, David, se desafiarem uma ordem do rei, estarão em apuros. Muito mais do que podem imaginar.

— Quem trai o nosso rei trai o povo de Camelot! — contestou Michael.

— Assim como é traição desafiar uma ordem de Sua Majestade! — lembrou James. — Se não soltarem já esse homem, também serão acusados de perfídia.

As palavras detiveram os homens. Por fim, ambos largaram os braços de Lance.

— Obrigado — agradeceu Artur. — Agora me ouçam, meus amigos. Aprecio sua lealdade, porém, neste caso, ela está equivocada. Sir Lancelot é um soldado valoroso e leal, comprometido com Camelot. Ontem mesmo ele esteve disposto a lutar para salvar nosso reino. Se qualquer um de vocês tivesse precisado de ajuda, ele os teria...

— ... defendido, sem sombra de dúvida! — completou Isabel.

Desta vez, Artur soltou uma espécie de rosnado.

— Obrigado, condessa. Será que posso continuar agora?

— Eles são todos seus.

Artur ouviu o soluço baixo da rainha.

— Está tudo bem agora, Gwen, fique fria ... — consolou-a Isabel. — Artur vai dar conta do recado.

Ele quase riu. Até porque não sabia muito bem o que Isabel queria dizer com aquilo.

E, pelos olhares perplexos que tanto James quanto Mordred lhe lançaram, ele não era o único. Ainda bem.

— Lancelot não me traiu, nem traiu Camelot — continuou, sério. — Ele simplesmente seguiu seu coração, e com a minha total anuência. Não podem castigá-lo por algo que eu mesmo não considero uma ofensa à minha pessoa ou a Camelot. Entenderam agora?

— Sim, senhor — murmurou Michael.

— Sim, rei Artur — aquiesceu David. — Só queríamos demonstrar lealdade ao nosso rei.

— Agradeço, mas não é necessário. Por favor, compreendam que eu me importo muito com a integridade e o bem-estar de sir Lancelot, e que tomarei medidas drásticas caso alguém tente prejudicá-lo de alguma forma. Ficou claro para todos aqui?

No momento, “todos” já eram muitos.

— Sim!

— As leis de Camelot estão prestes a sofrer uma alteração. Não vou anunciar neste momento quais serão as consequências; contudo, garanto que nem Lancelot, nem Gwen, nem Isabel e nem mesmo eu seremos culpados de qualquer crime contra a Coroa. Nós apenas... — Artur balançou a cabeça, sem saber ao certo que palavras utilizar. Ironicamente, Isabel escolheu aquele exato momento para permanecer em silêncio. — ... apenas vamos tomar caminhos diferentes em busca da felicidade. Afinal, creio que todo ser humano mereça escolher seu próprio caminho, não acham?

— Caramba, claro que sim! — exclamou Isabel.

— Agora ela decidiu se manifestar... — queixou-se Artur ao filho.

Mordred sorriu.

— Tem que admitir, meu pai, Isabel escolhe muito bem a hora de falar.

Ele puxou o filho para si e lhe deu um forte abraço. Não por ele ter elogiado Isabel, mas porque qualquer rixa entre eles ainda poderia ser um preocupante obstáculo.

— Temo nunca poder domar essa mulher — confessou em voz baixa.

— Pois eu espero que não faça isso — volveu Mordred. — A vida seria maçante demais por aqui.

Artur soltou Mordred, sentindo o coração cheio de alegria. Não apenas pelo recém-descoberto bom relacionamento com o filho, mas também pela promessa de muitos amanhãs ao lado de Isabel.

Ergueu as mãos.

— Chegamos a um acordo, então? Lembrem-se: nenhum mal recairá sobre Lancelot.

— Sim, meu rei! — responderam muitos.

— Muito bem. Acabou-se o drama. Agora, por favor, vamos voltar para a festa. Ouvi dizer que ainda há muita enguia em conserva a ser servida... — Virou-se, sorrindo, e sabendo que iria pagar caro pela brincadeira. No fundo, mal podia esperar.

Mas Isabel continuava amparando Gwen, que ainda soluçava em seu braços.

— Gwen, fique com Lance — aconselhou. — Tenho a impressão de que ele apreciaria muito os seus cuidados neste momento.

Ao sentir alguém lhe tocar o ombro, virou-se. Lancelot o fitava com olhos ainda perturbados.

— Sinto muito, rei Artur.

— Não foi sua culpa, Lance. Nada disso foi sua culpa. Lamento apenas que tenha sofrido essa humilhação. Agora, por favor, você e Gwen... Saiam daqui. Vão para a cabana ou para onde acharem melhor. Apenas vão e comemorem o fato de Gwen amá-lo a ponto de arriscar a própria vida, declarando seus verdadeiros sentimentos.

— Eu nunca quis...

— Eu sei. Acredite em mim, eu sei. E acredite também que não estou infeliz. Não guardo nem um pouco de rancor. J uro pela minha Coroa.

Lance baixou a cabeça.

— Parece realmente satisfeito, senhor.

— E estou, Lance.

— Sabe que eu prometo...

— Sim, sim, eu sei. E lhe sou grato. Agora leve Gwen antes que ela ensope Isabel dos pés à cabeça com essas lágrimas.

Isabel não poderia amar um homem mais do que amava Artur. Nem um pingo a mais. Não sabia o que o futuro lhe reservava; sabia apenas que nunca tinha sido tão feliz n a vida.

— Estou tão zangada com você! — decidiu dizer a Artur, tão logo a multidão se dispersou.

— Por que não estou chocado com essas palavras, condessa?

— Não gostaria de saber por quê?

— Tenho alguma escolha? Se assim for, prefiro não saber.

— Que pena! — volveu ela, porém não pôde deixar de sorrir.

— Eu já esperava por isso. O que eu fiz agora?

— Tornou impossível eu não te amar.

— Será que nunca, nem por um momento, lhe ocorreu que não faz nenhum sentido às vezes?

— Ah, eu convivi com essa crítica a vida toda.

— Então, esse amor que sentimos um pelo outro é uma coisa ruim?

— Não, pelo contrário. É a melhor coisa que já me aconteceu.

— Definitivamente, precisa ser condenada.

— Não sabe o que está falando. Condenada pelo quê? Por crimes contra a humanidade?

— Por crimes contra a sanidade. Por que está com tanta raiva de mim, afinal?

— Porque é tão maravilhoso, senhor, que deixa meu coração em festa. Tenho mais taquicardias observando você do que costumo ter no meu aparelho de musculação.

— Mais uma vez, não está fazendo sentido nenhum para mim.

— Eu te amo tanto!

— Ah, isso eu entendi. E retribuo o sentimento multiplicado por dez. Mas posso perguntar o que nos levou a esta conversa estranha?

— Admiro tudo em você. Amo tudo em você. A maneira como lidera e protege seu povo, a sua preocupação em tornar o mundo um lugar melhor, a maneira como acredita na honestidade, tudo!

Ele a impediu de continuar.

— Está chorando, Isabel?

— Posso mentir? — indagou ela, tentando desesperadamente controlar as lágrimas .

— Poderia. Mas já estaria mentindo.

— Ah, criatura, essa sua lógica me tira do prumo!

— O que quer dizer, amor? Por favor, ajude-me! Confesso que estou perdido.

— Ora, pai, ela está apaixonada por você! Qualquer idiota seria capaz de entender — interveio Mordred.

— É o que ele diz — concordou Isabel.

— Muito obrigado pela explicação, meu filho. Agora compreendi...

Artur a puxou para perto, e Isabel pensou que o calor e o perfume dele ficariam impregnados em sua memória para sempre.

— Seu calor e seu cheiro já são parte de mim — afirmou ele, como se houvesse lido seus pensamentos.

Ela sabia. Desconhecia como, mas sabia: de alguma forma, aquilo tudo estava chegando ao fim.

“Viviane, não me enganes... Diz que Artur não perderei !”

“Merlin está exultante, confia! Sente-se tão forte e grato a ti que mal pode se conter de tanta alegria.”

“Mas o que está por vir, agora? Minha missão foi terminada e querem que eu vá embora?”

“Acredita, cara Isabel. Espera no teu desejo e lembra-te do meu colar. Quando fizeres um pedido, confia... assim será.”

Que maravilha! Incrível, refletiu Isabel, tensa. Ela havia acabado de encontrar o amor e, de alguma forma, estava prestes a ser obrigada a tomar uma decisão que não sabia qual era. Sabia apenas que teria de fazê-lo em breve.

E tinha cumprido a sua parte do trato. Bem, talvez não completamente, já que fora convidada a fazer uma coisa e conseguira fazer outra...

Mas, inferno , o que fizera de t ão grave que o Universo zombava dela, permitindo que se apaixonasse, para depois talvez privá-la desse amor?

Ao menos ela sabia o que iria acontecer. E imaginava que esse fosse um prêmio mais valioso do que qualquer outro.

Precisava agradecer a Viviane por aquilo.

“Está bem, minha deusa, obrigada.”

“Como te agradecer, Isabel, Merlin ignora... Tampouco o sei eu, querida, ao menos por ora.”

Ela olhou para Artur e o acariciou no rosto, comovida.

— Saiba que eu te amo... Muito.

— Não estou entendendo — falou ele com estranheza. — Acredito nisso com todo o meu coração. Por que está falando como se estivéssemos à beira de um desastre?

— Rei Artur! — chamou uma voz de homem, vinda de algum lugar do salão semivazio.

Ele olhou ao redor e a empurrou para trás das costas.

— Quem está falando?... Mostre-se, por favor!

— Vossa Majestade matou o meu rei, Richard, e agora vai pagar por esse crime!

— Não! — gritou Isabel, atordoada. — Fui eu quem o matou! Se quer vingança, é a mim que deve atingir!

— Cale-se, Isabel! — ralhou Artur. — Fique quieta, ao menos desta vez!

Ela ouviu o zunido da seta voando em direção a Artur no momento em que esta deixou o arco do inimigo invisível.

— Nã ã o! — escutou Mordred gritar enquanto voava para a frente do pai e levava a flechada no ombro.

— James! — gritou Isabel. — Vá atrás desse maldito agora! E, por favor, faça picadinho dele!

Ela e Artur se ajoelharam sobre Mordred, que tinha a seta atravessada no ombro.

— Não, Artur, não puxe ainda! Isso pode matá-lo!

— O que faço, então?! Não posso deixar que meu filho morra!

— Eu... te amo, pai — balbuciou Mordred.

— Eu também te amo, meu filho! Por favor, não faça nenhuma bobagem como morrer antes de mim!

Isabel soube, nesse momento, o que deveria fazer.

— Ele não vai morrer — afirmou. Em seguida, entoou as palavras que acionavam o poder do colar: — Para o bem de todos, ó, Deusa do Lago... Em nome do amor e da vida... isto tem que acontecer! — Arrancou o colar do pescoço e bateu nele até que o pingente se quebrou. Ela o segurou sobre o ombro de Mordred, então, permitindo que as lágrimas de Viviane caíssem sobre a ferida. — Não vai morrer, Mordred... — sussurrou à medida que sentia a vida se esvair de seu próprio corpo. — Seu pai precisa de você... — Ergueu o olhar para Artur, sabendo que era a última vez que o fazia. — Ele vai se curar... Eu amo você!

— Isabel!

Foi a última coisa que ela ouviu antes de deixar Camelot para sempre.


Epílogo


Afogamento era uma forma maldita de morrer. Isabel, entretanto, estava começando a se resignar a ela conforme deslizava para a euforia provocada pela falta de oxigênio.

Pelos deuses , ela havia tido o sonho mais incrível durante o seu processo de morte! Queria ter vivido por tempo suficiente para explicá-lo!

“Por favor, minha deusa, permita que eu me lembre!”

E as lembranças voltaram como em filmes. Artur rindo, Artur sorrindo, Artur franzindo a testa e, a melhor de todas, Artur piscando para ela...

Não, espere... Artur amando-a como ela jamais fora amada antes! A maneira como ele a tocava... Como se a estivesse adorando. O modo como ficava ofegante e febril com a intensidade de seu desejo... E aqueles olhos verdes, fitando-a enquanto ele se movia dentro dela ao fazerem amor.

“Obrigada, senhora!”

“Gostarias de te lembrar de mais alguma coisa?”

“Ah, deusa, quero me lembrar de tudo agora!”

Os pensamentos mais incríveis desfilaram por seu cérebro prestes a sucumbir. O modo como Artur declarara seu amor por ela tantas e tantas vezes... algumas, da forma mais excêntrica.

Ela devia ter conhecido mais pessoas em Camelot, decidiu. Apostava que todos lá eram tão bons e gentis como James e Mary.

Ninguém devia ser como Artur, no entanto. Ah, o modo como ele ria de suas piadas! Era tão bonitinho, mesmo que ele provavelmente não tenha entendido metade delas. O modo como ele aceitava sua teimosia quando qualquer outro homem teria desistido dela...

Ah, Deus, ela o havia amado até o fim! Como queria que ele soubesse disso!

“Artur soube, minha cara Isabel. Sempre soube que teu amor era real. Deste tua vida para salvar a de Mordred e, assim, livraste Camelot de todo o mal.”

Ah, que bom, pensou ela, resignada.

Não sabia o que i ria acontecer a seguir. Esperava apenas, do fundo do coração, que pudesse manter aquelas lembranças, não importando aonde pudesse ir.

Foi então que algo estranho aconteceu. Foi quase como se ela própria tivesse se chocado contra a caminhonete que dirigia. Em seguida, teve a impressão de que mãos a agarravam, e que depois um braço a enlaçava pela cintura... Uma sensação incrivelmente familiar.

O braço a foi puxando cada vez mais para cima, até que ela percebeu estar fora d’água.

A coisa seguinte de que se deu conta foi que estava tossindo, sufocando e cuspindo água.

— Moça! Moça?

Ela abriu os olhos.

— Estamos aqui para ajudar. Bem-vinda de volta... Vai ficar bem.

De repente, Isabel se viu frente a frente com profundos olhos verdes. Olhos com que ela já se deparara em uma floresta havia muito tempo, bem longe dali. Ele tinha os cabelos pingando, as roupas molhadas.

Ela ergueu a mão para tocar o rosto moreno.

— Artur? — balbuciou.

O homem sentou-se a seu lado, ofegante.

— Sim. Como sabe o meu nome?

— O resgate foi perfeito, pai! Ela me parece ótima!

Isabel virou a cabeça.

— E ele é Mordred, certo?

Mordred riu.

— Sinto dizer que sim. Como ela sabe disso, pai?!

— Não faço ideia, meu filho.

— Nunca faz ideia de nada, seu bobalhão...

Artur apenas a fitou. Então afastou os cabelos molhados de suas faces.

— Caramba, pai. Ela é a mulher com quem você vive sonhando! A descrição que fez dela bate certinho!

— Por acaso seu nome é Isabel? — indagou ele com relutância.

— Por acaso, é.

— Pelos deuses! Bem-vinda de volta ao reino dos vivos.

— Fico feliz por estar aqui — afirmou ela. — Por falar nisso, que lugar é este?

— Grand Lake, Oklahoma, oras.

— Isabel... Meu nome é Isabel!

Artur checou a pulsação dela no pescoço, depois a ergueu nos braços.

— É um prazer conhecê-la, Isabel. Agora vamos para o hospital.

— O que aconteceu com o braço de Mordred? — perguntou ela ao notar que ele usava uma tipoia.

— Ele foi tolo o suficiente para se meter entre mim e a flecha de um caçador quando estávamos fazendo trilha no último fim de semana.

— Claro... E conseguiram pegar o idiota que estava com o arco e flecha?

— O nosso amigo James conseguiu — contou Mordred. — Só faltou fazer picadinho do homem, afinal, não é nem mesmo temporada de caça!

— Compreendo.

— Isto tudo é realmente estranho. Meu pai até sonhou uma vez que estava fazendo RCP em você!

— Mordred! — ralhou Artur. — Já chega.

— Eu agradeço, mas não quero ir para o hospital — pediu Isabel. — Graças a vocês, sinto-me bem melhor agora.

— Tenho certeza de que Mary não vai permitir que vá embora agora. Nem James. Eles são os paramédicos que estão esperando uma ambulância para levá-la até o County General.

— Claro. E onde estão Gwen e Lance?

Artur parou.

— Como é possível que saiba todos esses nomes, Isabel?

Boa pergunta!

— Eu tive um sonho... Um sonho bastante comprido, aliás.

— Conheço a sensação. Bem, Gwen provavelmente está na loja dela.

— Deixe-me adivinhar: uma loja de flores.

— Meu Deus, isto já está ficando assustador!

— E quanto a Lance?

— Deve estar operando algum paciente... Ele é cirurgião ortopédico.

Isabel riu.

— Claro que é. Ele sempre foi ótimo com objetos pontiagudos.

— Ande logo, rei Artur! — chamou Mary a distância. — A moça precisa de pronto atendimento!

— “Rei Artur”?

Artur revirou os olhos.

— Um apelido estúpido que eles me deram há um ano, quando fui nomeado chefe do Corpo de Bombeiros. Eles acham o máximo, mas eu não vejo graça nenhuma. Agora, quem consegue impedi-los? Não sei quando foi que perdi o controle sobre esse povo!

Isabel sorriu.

— Eu sempre achei que um líder só é mesmo bom quando as pessoas que trabalham para ele se sentem confortáveis para provocá-lo.

Artur balançou a cabeça.

— Que coisa estranha! Você me dizia algo parecido no meu sonho.

— Estranha, mas muito legal , não acha, pai? É como se fosse obra do destino.

— Isso vai soar surreal, Isabel, porém vou falar mesmo assim...

— Diga.

— Por acaso já nos conhecemos? — indagou ele com os olhos brilhando.

Ela sorriu.

— Parece que sim.

— Então eu gostaria de vê-la novamente para que possamos descobrir como foi que isso aconteceu. Quem sabe um jantar, assim que estiver melhor? — Artur sacudiu a cabeça. — N ão creio que eu esteja fazendo esse tipo de pergunta numa hora dessas, mas, acredite, não tenho o hábito de convidar as mulheres que resgato para saírem comigo.

— Sorte minha. Mas, antes, também preciso saber uma coisa.

— Claro.

— O que acha de enguia em conserva?

Ele franziu a testa.

— Nunca ouvi falar, mas me parece nojento.

— Excelente resposta. Jantar liberado.

— Ela é a mulher dos seus sonhos, pai? — insistiu Mordred.

Artur a fitou.

— Poderia muito bem ser, meu filho. Embora eu não me lembre de tê-la visto tão encharcada nos meus sonhos. Um pouco, uma vez, mas não assim. Agora me diga, Isabel... Também acredita em destino?

— Sem sombra de dúvida — respondeu ela num sussurro. E, percebendo que o mergulho no lago lhe roubara mais forças do que ela havia imaginado, deitou a cabeça no peito largo.

Sim, ela acreditava em destino. Não sem uma ajudinha, claro...

“Não sei como lhe agradecer, Viviane!”

“Eu te disse para ter fé. Confia e tudo será.”

“E Merlin, como está?”

“Está bem, assim como eu. Agora, segue em frente, pois dar ás uma esposa excelente. Por tudo o que fizeste, eu te agradeço. Creio que este dia assinala, de toda a tua felicidade, o começo. Caminhos diferentes seguiremos, amiga... Mas te deixo sabendo que serás feliz pelo restante da tua vida.”

“Vou sentir sua falta, Viviane! Obrigada pela aventura!”

Infelizmente, ela não obteve mais resposta.

Artur a deitou na maca da ambulância. Em p é , de cada lado dele, estavam Mary e James.

Isabel quase chorou de felicidade.

— Caramba , estou feliz em ver vocês!

— Está aí algo que não se ouve todos os dias, não é mesmo, James? — comentou Mary enquanto cobria sua paciente com um cobertor.

— Verdade.

— Qual é o seu nome, moça? — indagou ela, fitando-a com atenção.

— O nome dela é Isabel — interveio Artur.

Mary e James ficaram imóveis.

— Isabel? Igual ao da mulher com quem vive sonhando? — perguntou Mary enquanto a estudava ainda mais atentamente.

Tornou-se claro que Artur vinha sendo incomodado por aqueles sonhos o suficiente para que o tivesse descrito em detalhes a seus amigos mais próximos.

— Estamos tentando esclarecer as coisas. Por isso mesmo vou acompanhá-la.

— Ei, eu não preciso ir para o hospital! Verdade!

— Tá bom — ironizou James.

Eles ergueram a maca a fim de colocá-la na ambulância, em seguida Mary subiu e a prendeu no lugar.

— Gosta de mexer com cabelos, Mary? — indagou Isabel.

Mary a fitou, depois se pôs a rir.

— Como sabe disso?

— Foi apenas um palpite.

— Bem, eu costumo cortar o cabelo de todos esses manés . Por quê? Gostaria que eu cortasse o seu um dia desses?

— Eu adoraria.

Mary concordou.

— Eu também... Por que não? — Ela checou todos os sinais vitais de sua paciente, então lhe auscultou os pulmões. — Como se sente?

— Cansada, mas, estranhamente, muito, muito feliz.

— Ver a morte de perto costuma fazer as pessoas terem essa reação. Teve muita sorte por Artur estar passando bem na hora em que mergulhou no lago.

— Tive, sim.

— Ou, talvez... apenas talvez... tenha sido outra coisa — especulou Mary, intrigada. — Artur tem tido premonições há meses. Ele diz que são sonhos, mas, vai saber !

— Como está a nossa paciente? — perguntou Artur, entrando e sentando-se no banco.

— Pulmões limpos, frequência cardíaca um pouco elevada... Mas, até aí, você costuma provocar esses sintomas nas donzelas em perigo. — Mary abriu um armário acima da cabeça e puxou um cobertor, arremessando-o para ele. — Ela precisa, mesmo, ser examinada no hospital, porém aposto que vai ser liberada em uma hora. — Desceu da parte de trás da ambulância. — Não é esse o protocolo, mas não vejo nenhuma razão para eu não ir na parte da frente com James. Acredito que a moça esteja em boas mãos...

— Obrigado, Mary — agradeceu Artur.

Mary piscou para ele, depois bateu as portas traseiras do veículo.

Artur esperou um segundo, depois sorriu para Isabel. O mesmo sorriso enlouquecedor pelo qual ela se apaixonara havia tanto tempo. Segurou a mão dela.

— Agora é sério. Como se sente?

— Surpreendentemente bem.

— Parece, mesmo, bem demais.

— Ainda que, na certa, eu esteja linda como um rato afogado. — Ela desviou o olhar, tímida, depois voltou a fitá-lo. — Obrigada, Artur, por ter salvado a minha vida.

— Obrigado a você por ter sobrevivido. — Ele balançou a cabeça, pensativo, contudo seu olhar jamais abandonou o dela. — Alguma vez já olhou para alguém e soube... De alguma forma, apenas soube?

Ela nem precisou perguntar “O quê?”. Apenas assentiu.

— Sim. Uma vez, há muito tempo. E também hoje, quando abri os olhos às margens do Grand Lake.

— Eu sei que parece loucura, Isabel, mas meu filho não estava exagerando. Tive tantos sonhos com você que vivia lhe procurando no meio da multidão, nos restaurantes, em todos os lugares a que ia. Mal pude acreditar quando a tirei do lago e pus os olhos em seu rosto... Logo depois fui dominado por um medo que nunca senti em toda a minha carreira: fiquei com medo de perder você quando tinha acabado de encontrá-la.

— Pois adivinhe, Artur... Estou aqui, e não vou a lugar nenhum. Não desta vez.

Ele fechou os olhos por um momento, depois os abriu novamente.

— Estou determinado a lhe cobrar isso, Isabel. Na verdade, estou sentindo uma necessidade absurda de fazer com que me prometa isso.

— Eu prometo.

— Imagino que seja cedo demais para lhe pedir que se case comigo?

— Não. Contanto que me prometa que eu nunca terei de comer enguia em conserva.

— Eu prometo!

— Então serei tua para sempre.

Em poucas semanas, Isabel e Artur se casaram. Mary e James foram os padrinhos.

 

 

                                                   P. C. Cast          

 

 

 

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